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Copyright © 2022 por Juliana Dantas

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exceto no caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns
outros usos não comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares,


negócios, eventos e incidentes são ou os produtos da imaginação do autor
ou usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas
ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

Título Original: Fogo e Gelo


Revisão: Sheila Mendonça
Capa: Jéssica Gomes
Sumário

SUMÁRIO
PLAYLIST (DISPONÍVEL NO SPOTIFY)

AVISO DE GATILHO
NOTA DA AUTORA

CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4

CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10

CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

EPÍLOGO
SOBRE A AUTORA
Playlist (disponível no Spotify)
Aviso de gatilho
Este livro pode conter conteúdo sensível e/ou provocar gatilho emocional.
( Bulimia, Violência física e verbal, menção a abuso sexual)
Nota da autora

Fogo e Gelo é Spin Off de Corações de Gelos.


Ele pode ser lido sem a leitura do livro anterior, já que se trata de
outros personagens, mas você pegará spoilers de Corações de Gelo.
Capítulo 1

Alana

— Por que você nunca parece feliz?


Viro-me lentamente para Tyler e sua boca bonitinha, porém irritante,
quando começa a despejar suas verdades inconvenientes.
Verdades que não estou nem um pouco a fim de ouvir.
Tyler Chon pode ser meu parceiro há dois anos. Pode ser o mais
próximo que eu tive de um amigo nesse tempo, e poderia realmente ser se
eu estivesse interessada em deixar que alguém me conhecesse de verdade.
Tyler Chon é uma daquelas pessoas que acredita que sempre tem
alguma coisa boa dentro das pessoas ruins.
Há dois anos, ele tenta enxergar além da minha carranca mal-
humorada ou entrever alguma verdade por trás das minhas palavras ferinas.
Mas não tem nada de bom aqui para atrair Tyler e sua personalidade
de Golden Retriever.
Nada aqui que atraia quem quer que seja.
Eu sou feita de gelo, fogo e ódio.
E neste momento, eu odeio Kiara Willians.
A vadia perfeitinha que conquistava todo mundo com seu triple axel
perfeito, e sorriso fofo.
Eu não tinha um triple axel perfeito e muito menos um sorriso
fofinho.
Mas lá estava ela, rebolando seu rabo de ouro na pista de dança,
atraindo todos os olhares, como atrai quando está no ringue de patinação
fazendo saltos perfeitos.
Até Chris, o parceiro dela, que nem de mulher gosta, embora ache
que engana alguém, está dançando com ela como se quisesse enfiar o rosto
entre suas pernas capaz de executar um giro impecável.
O idiota do Dimitri Ivanov também está encostado no balcão com os
olhos de gelo fixos em sua ex-parceira como se lamentasse muito não ser
ele a erguê-la para um arremesso, ou ser quem vai levá-la para a cama no
fim da noite.
Solto uma risada debochada, Dimitri deve estar putinho porque a
doce e intocável Kiara Willians chegou acompanhada de ninguém menos
que o empresário Nick de Santi.
Meu riso de escárnio aumenta.
Claro, eu tenho a fama de ruim, mas a queridinha das pistas que
todos amam está trepando com o patrocinador.
— Ela é linda, não? Por isso está com essa cara feia? — Tyler
insiste seguindo meu olhar.
— Tyler, por que não vai esfregar sua fuça intrometida nas calças de
algum cara e me deixa em paz? — Faço uma careta ao beber mais um gole
da minha bebida.
Não estou acostumada a beber. Na verdade, quase nunca bebo, a não
ser escondida, quando nada mais funciona para fugir de mim mesma.
A parte merda de ser uma atleta. Tem regra pra tudo.
A nossa rotina é cheia de não pode isso, não pode aquilo.
Encher a cara e acordar de ressaca amanhã quando tem oito horas de
treino pela frente não é algo que eu quero. Embora essa seja a festa do meu
aniversário.
Eu achei que iria comemorar com um jantar em família, como todos
os anos, mas Tyler me convenceu que com 23 anos eu já estava grandinha o
suficiente para curtir a noite em uma boate com meus amigos.
Certo, amigos é um exagero.
Convidei todo mundo do nosso círculo, ou seja, gente da patinação
artística. Alguns com certeza me odeiam e só devem ter vindo porque,
assim como eu, estavam enfiados no gelo por tempo demais, se preparando
para os Jogos Olímpicos, e ter a oportunidade de sair e se divertir como
pessoas normais pelo menos um pouquinho era por demais atraente. A
desculpa perfeita para dar aos pais exigentes, treinadores carrascos e a si
mesmo.
Não importa que ninguém fosse com a cara da aniversariante.
Veja bem, até Dimitri Ivanov se deu ao trabalho de vir e ele é um
dos que nem disfarça o quanto me detesta. Não que eu me importe, porque
a recíproca é verdadeira. Filho de um dos maiores patinadores russos de
todos os tempos, Dimitri é arrogante, agressivo e se acha um presente de
Deus para as mulheres.
E provavelmente neste momento está comendo Diana Colombo, a
sua parceira que agora se aproximou dele sorrindo.
Nojentos.
Nunca é uma boa ideia levar a parceria no gelo para a cama.
Mas Dimitri parece não ter lido o manual, pois sorri para Diana com
um carinho que me dá ânsia de vômito.
Dimitri não costuma ser carinhoso com ninguém, muito pelo
contrário. Ele é insuportavelmente grosso e mal-educado.
E não importa se é um dos melhores patinadores da atualidade, isso
só faz com que ele se ache melhor que todo mundo e faça o que bem
entende por aí, sem medir consequências.
Como engravidar a parceira.
Sim, Diana pode enganar todo mundo, mas eu vi os sinais. Ela anda
vomitando pelos vestiários, está pálida, feito um cadáver e eu a ouvi
sussurrando no celular esses dias algo do tipo “Não sei como contar ao
Dimitri que não poderei competir com ele nas Olimpíadas. Ele vai surtar.”.
Não foi difícil juntar dois mais dois e chegar à conclusão óbvia.
Eu sempre observo Dimitri e Diana nas pistas com uma curiosidade
mórbida. Eles são bons. Melhores do que eu e Tyler, e só perdem para Kiara
e Chris, a duplinha ridícula de ouro.
Dimitri executa saltos, arremessos e giros como se tivesse nascido já
fazendo piruetas.
Mas claro, ele é filho de Andrey Ivanov, o russo três vezes
medalhista olímpico. Provavelmente estava se equilibrando nos patins
enquanto tomava leite na mamadeira.
E Diana é esforçada. Embora, certamente, não dá pra negar que eles
não são a dupla perfeita.
Ninguém acharia isso depois de ter visto Dimitri com Kiara. Os dois
patinaram juntos por quase quatro anos quando adolescentes e eram a
promessa de ouro olímpico. O próprio Andrey os treinava rumo às
Olimpíadas. Porém, do nada, Kiara abandonou Dimitri e sumiu por meses.
As fofocas correram soltas. Alguns diziam que ela não aguentou o
treinamento duro de Andrey, outros que ela e Dimitri teriam se envolvido
em um romance que acabou mal. O que eu não duvido porque era óbvio na
época que Kiara era apaixonada por Dimitri.
Já naquela época eu sentia que estava há tempo demais comendo o
gelo que se desprende dos patins de Kiara, sempre a suas costas, sempre um
passo atrás, nunca boa o suficiente para estar ao seu lado ou à frente.
Desde que tínhamos 13 anos.
Não importava o quanto eu me esforçasse.
Kiara sempre estava um passo à frente.
Para conseguir o melhor técnico. E o melhor parceiro.
E eu fui obrigada a me contentar em viver a sua sombra. E isso me
tornava apta a enxergar seus pontos fracos, ou boa parte deles. Afinal, Kiara
tentava manter o lado não tão bonito de si mesma, bem escondido dos
holofotes.
Eu não tive tanto sucesso. Até hoje.
Todo mundo sabe que sou horrível. E sinceramente, um dia, eu me
importei muito com o que pensavam e falavam de mim. Hoje, não estou
nem aí.
“Você não está aqui para conquistá-los. Está aqui para vencê-los.”,
as palavras da minha irmã, Peyton, sempre reverberam na minha cabeça
quando fraquejo. Quando sinto raiva por não ser igual a ela. A menina de
ouro amada por todos.
E daí? Eu não quero ser amada, mas quero ser ao menos temida e,
infelizmente, nem isso eu consigo. Não dentro dos ringues, como sempre
sonhei. Como preciso. Como fui treinada desde os oito anos para ser.
— Estou surpreso da Kiara estar com esse cara — Tyler comenta.
E olha que Tyler nem é fofoqueiro. O que é uma pena. É difícil tirar
uma maldadezinha que seja dele. O que é bem frustrante quando eu quero
destilar veneno.
— Ele até que é bonito, para quem gosta de velhos — desdenho.
— Não é tão velho...
— Vai lá dar em cima dele então.
Tyler ri.
— Duvido que ele queira. E como ele está olhando para a Kiara,
aposto que está apaixonado por ela.
Faço um som de descaso.
— Nojento! Ele é o patrocinador dela!
— E daí?
— Acha legal ela conseguir patrocínio dormindo com ele?
— Não sabe se foi assim.
— Aposto que foi. Pelo menos agora talvez ela e o Chris parem com
essa palhaçada de fingir que são mais do que parceiros. Como se ninguém
percebesse que o Chris gosta de pau...
— Não comece a destilar seu veneno com o Chris.
Eu sorrio com malícia.
— Hum, então está mesmo interessado, hein.
Tyler fica vermelho.
Meu parceiro nunca escondeu que é gay, embora seja discreto.
Diferente do Chris que jura de pé junto que é hétero e que ainda come Kiara
Willians.
— Vai lá então, vai flertar...
— Sabe de uma coisa? Você que deveria flertar.
Eu me indigno.
— Eu?
— Sim, está aí me incentivando a transar. Você seria menos mal-
humorada se transasse.
— E você deveria cuidar da própria vida. Eu não preciso de um cara
para ficar mostrando os dentes por aí como uma égua ridícula!
— Eu acho que precisa. Sorrir mais faz bem.
— Se eu quisesse rir, ia para um circo.
— Pois eu insisto que sorrir faz bem e se apaixonar também.
— Quem disse que eu quero me apaixonar? E eu lá curto essas
baboseiras românticas? Consegue me imaginar sendo romântica, Tyler?
Consegue?
— Este seu temperamento não ajuda muito...
— Sério que vai ficar aqui me enchendo o saco? Deveria me poupar,
já que hoje é meu aniversário!
— Eu sei, por isso merecia ganhar de presente um...
— Não fale! — Desta vez sou eu que estou vermelha, não consigo
evitar, embora seja ridículo.
Tyler está claramente me provocando para me tirar do sério.
— Se fosse um pouquinho mais dócil...
— Não sou um cachorro para ser dócil!
— Você conseguiria alguém para extravasar a tensão. Não precisa se
apaixonar, e essas baboseiras românticas como disse, mas sexo faz bem.
Eu quero dizer que não estou a fim de transar, mas mil vezes
inferno.
Às vezes, eu quero sim.
Às vezes muito. Mas pelo menos a rotina exaustiva de treinamento
me deixa focada na patinação e me distrai do fato de que muito
provavelmente existem teias de aranha crescendo entre minhas pernas.
Mas não tenho paciência para jogos de amor. Fingir ser dócil como
uma cadelinha no cio para conseguir que um idiota me note. Sem contar
que a única vez que cheguei a tanto foi um desastre que nem tinha valido a
pena.
Não. Não preciso de sexo.
E Deus me livre, eu não preciso de amor.
Amor só serve para nos deixar idiota. Para nos fazer sofrer por
aquilo que não podemos ter. E quando não temos o que queremos, torna-se
frustrante. E da frustração vem a raiva. E quando percebemos estamos
sendo chamadas por aí de vadias frias.
Não. Prefiro que minhas partes íntimas congelem antes de me
apaixonar de novo.
— Sabem o que dizem por aí, não é?! — Eu sorrio para Tyler. —
Dizem que Kiara Willians tem um coração de gelo, mas Alana Percy nem
coração tem! Mas tem razão, essa festa está um enterro, e posso ao menos
tentar me divertir. Mas não do jeito que está insinuando...
— Ah não, o que pretende?
Termino minha bebida e bato o copo no balcão.
— Observe.
Caminho até a pista e por um momento apenas observo Kiara
dançando. Ela está diferente hoje. Parece mais... sedutora.
Será que ela percebe?
Nick de Santi continua com os olhos grudados nela. Irritante.
Arranjem um quarto!
Eu me aproximo atrás dela o suficiente para colar minha boca em
seu ouvido.
— Então, está transando com Nick de Santi.
Kiara se vira, surpreendida.
— O que disse?
— Você ouviu. Assim é fácil conseguir bons patrocínios! O Chris
sabe que tem que te dividir? Se bem que pelo que ando desconfiando, o
Chris deve querer pegar o De Santi junto com você...
— Que merda está falando? — Kiara se indigna. — Por que é uma
pessoa tão ruim?
— Eu sou ruim? Tem certeza? — Solto uma risadinha de escárnio.
— O que essa idiota está te falando, Kiara? — Dimitri surge ao
lado de Kiara.
Ah, pronto.
Lá vem o babaca que se acha o dono do mundo acabar com minha
diversão.
Eu gosto de provocar Kiara. Gosto de vê-la indignada, às vezes
irritada quando não consegue se livrar de mim.
Isso me diverte, porque a provocação é o único jogo no qual posso
ganhar dela.
Dentro das pistas, continuo comendo gelo.
Não vou deixar que esse Ken psicótico do gelo tire minha diversão.
— Lá vem o imbecil que depois de anos ainda continua louco pra
tirar seu collant! — debocho. — Parece que perdeu o posto, Dimitri, e faz
tempo. Agora a Kiara pega um milionário! Coração de gelo, mas boceta
interesseira...
— Por que não cala sua boca ridícula? — Dimitri avança para cima
de mim, com o claro intuito de me intimidar. Mas ele não sabe que a fúria
dele só alimenta o pequeno demônio dentro de mim.
Pode vir, Dimitri.
Levanto o queixo, sustentando seu olhar de cachorro louco.
— Gente, que isso? — Chris está ao lado de Kiara, encarando a
cena, confuso, assim como o resto das pessoas da pista, alertado pelo clima
de briga que paira no ar.
— O que foi? Vai mesmo defender essa garota que te largou antes
de um mundial? — prossigo no ataque.
Os olhos do Dimitri brilham de fúria e suas narinas se contraem.
Consigo vislumbrar a tensão em seus músculos por baixo da roupa
preta que ele sempre veste, como se preparando para o ataque.
Retiro o que eu disse. Enfurecer Dimitri é muito mais divertido.
Nós já tivemos alguns desentendimentos antes, mas não passaram
de rusgas. Uma provocação aqui, uma resposta atravessada ali.
Dimitri nunca parecia muito disposto a me enfrentar.
Nunca prende o olhar em mim mais do que alguns segundos, como
se eu fosse um inseto pequeno demais para merecer a atenção do grande
Dimitri Ivanov.
— O que você tem a ver com isso? Por que não cuida da própria
vida em vez de inventar merda sobre os outros? Não passa de um monte de
lixo, invejoso e mentiroso! — ele rebate com a voz pingando um veneno
que me desconcerta por um momento. — Sei muito bem que foi você quem
inventou essas merdas sobre a Diana.
— Dimitri, pare. — Diana de repente está ao lado dele.
— Estou de saco cheio de você! — Dimitri ignora o pedido da
parceira.
Ele está de saco cheio de mim?
Reparo que todos estão cochichando à nossa volta. Sinto os olhares
em mim. Desdém. Indignação.
Alguém murmura mais alto e eu consigo ouvir um “Não passa de
uma encrenqueira mentirosa.”.
Ah, aí já é demais!
Posso ser uma encrenqueira sim, mas mentirosa não!
— Não foi mentira! — grito. — Diana está grávida, e por que não
assume que está comendo sua parceira? Vai continuar se fazendo de
santinha, Diana? Depois eu que sou a mentirosa e ruim! Todos vocês me
dão nojo, um pior que o outro e posando de bonzinhos! Não tenho culpa
que Diana não conseguiu manter as pernas fechadas pra você, que, aliás,
paga de perfeitinho, mas todos sabemos que só te levam a sério por causa
do seu pai, o grande Andrey Ivanov! — Devolvo a Dimitri um pouco do
veneno que ele cuspiu em mim e seus olhos claros glaciais pegam fogo. —
E essa metida a besta da Kiara consegue patrocínio trepando com donos de
empresa! — Viro para Kiara, para aproveitar a atenção de todos e despejar
exatamente o que eu penso de sua falsidade.
Kiara empalidece e eu quase posso rir.
De fato, não consigo parar um risinho em meus lábios.
— Por que não enfia suas mentiras sujas em seu rabo virgem, sua
filha da puta escrota e sem talento algum que ninguém quer? É este seu
problema, não é? — Dimitri grita.
Suas palavras ferinas me atingem como uma avalanche, varrendo o
sorriso de deboche do meu rosto.
O ódio sobe pela minha pele, o veneno do Dimitri voltando pra mim
e, desta vez, invade meu sistema e toma tudo de assalto.
Onde havia gelo, agora tem incêndio.
E se eu queimar, eu levo ele junto.
— Você que é um babaca escroto... — Eu o empurro, sem pensar.
Dimitri me empurra também.
E em um segundo, estou esmurrando seu peito duro como o
mármore, meus punhos o atingindo com toda a força da raiva que está
extravasando meus sentidos.
Eu poderia matá-lo com minhas próprias mãos agora e ficaria feliz
por isso. Minha fúria deixa Dimitri chocado por alguns segundos, mas
como se estivesse em câmera lenta, eu o vejo levantar a mão.
Quase posso sentir o tapa em meu rosto e, em vez de sentir medo,
algo sinistro dentro de mim anseia por aquela violência.
Disso eu entendo.
Não vai ser o primeiro tapa na cara que tomei na vida.
Duvido que doa mais que os outros.
Mas o tapa do Dimitri nunca chegou ao meu rosto.
Tyler se põe na minha frente e empurra Dimitri, que revida, dando
um soco em seu estômago.
E como em um pesadelo, observo Tyler embaralhar as pernas nos
degraus da pista e cair para trás.
Chris e outros caras seguram Dimitri que está furioso.
Corro para Tyler, me ajoelhando ao seu lado e tocando seu rosto que
está desfigurado de dor.
— Tyler, fala comigo...
— Minha perna... — geme e empalideço. E o meu coração, sim,
aquele mesmo que dizem que eu não tenho, falha miseravelmente ao notar o
tornozelo do Tyler em um ângulo bizarro.
Não.
Não, por favor.
Não!
— Você machucou o Tyler! — grito para Dimitri.
— Minha nossa, ele se machucou de verdade? — Chris ajoelha ao
lado do Tyler também, preocupado.
— Pelo amor de Deus, pra que isso? — Diana está questionando
Dimitri com horror. — Você bateu no Tyler, está maluco?
— Eu não quis machucar ele — Dimitri balbucia passando a mão
pelos cabelos. — Queria calar a boca fofoqueira dessa filha da puta que
inventou mentiras sobre você — Dimitri diz a Diana.
— Não são mentiras! — Diana confessa por fim, começando a
chorar. — Sinto muito.
Reviro os olhos, momentaneamente esquecida da minha
preocupação com Tyler, indignada com essa sonsa que fez todo mundo
acreditar que eu era a mentirosa!
— Está doendo pra cacete. — Tyler urra de dor e volto a fitar seu
rosto contorcido.
— Calma, vai ficar tudo bem... Alguém chama uma ambulância, que
inferno! — grito com raiva.
Chris segura a mão do Tyler.
E nós dois nos fitamos por alguns segundos, ambos amedrontados,
porque tememos o mesmo.
Um patinador não é nada sem seu pé, seu tornozelo, suas pernas.
Tudo tem que estar perfeito.
Engulo a vontade de gritar de desespero quando finalmente alguns
seguranças da boate aparecem.
Alguém diz que chamou uma ambulância.
Seguro com força a mão do Tyler, estou chorando baixinho. Estou
rezando e olha que nem religiosa eu sou.
Por favor, por favor, Deus, se você existe, livre o Tyler dessa.
Eu preciso dele.
Eu preciso do meu parceiro inteiro para as Olimpíadas.
Levanto o olhar e Nick de Santi está levando Kiara, os braços
protetores ao redor do corpo frágil como se fosse o bem mais precioso que
tem.
— Nada disso teria acontecido se Dimitri não viesse defender a
Kiara! Tudo culpa dela... — resmungo furiosa.
Sei que estou sendo incoerente, mas não me importo.

— Ele quebrou o tornozelo.


As palavras do médico se repetem na minha cabeça enquanto me
encolho na sala de espera do Pronto-Socorro para onde trouxeram Tyler.
É um pesadelo.
Os pais dele estão conversando com o médico.
A mãe do Tyler, Lauren Chon, me lança olhares irados, como se a
culpa fosse minha.
Não interessa que eu tenha gritado para quem quisesse ouvir que
Dimitri que o agrediu, mas Tyler estava me defendendo e isso me deixa
com mais raiva ainda.
Pisco para não chorar. Cansei de chorar. Chorar não adianta nada.
— Ele está dormindo, tomou muitos comprimidos para dor — o
médico diz.
— Nós vamos vê-lo... — Escuto a Sra. Chon anunciar e se afastar
pelo corredor.
E o Senhor Chon se aproxima. Ele é mais legal comigo.
Sempre foi.
A Senhora Chon nunca gostou de mim. Com certeza ela preferia que
o filho fizesse dupla com alguém como Kiara, mais dócil e educada.
— Querida, acho que deveria ir embora.
— Mas eu queria falar com ele.
— Você mesmo ouviu o médico, Tyler está descansando e não há
mais nada que possamos fazer.
— Ele não vai patinar, não é? Por um longo tempo... — sussurro.
— Sinto muito.
Mordo os lábios, tentando evitar os soluços, quase até sair sangue e
sacudo a cabeça em afirmativa.
— Certo. Eu vou embora.
Saio para a noite escura e apanho o celular.
Há uma mensagem da Peyton, exigindo que eu volte para casa,
afinal o combinado era que eu ficaria na festa até a meia-noite.

“Não seja irresponsável. Sabe que tem treino de manhã. E espero


que não tenha bebido como uma vadia qualquer.”
Ignoro a mensagem da minha irmã dez anos mais velha, ex-
queridinha da patinação artística e campeã olímpica.
Viver na sombra de alguém não é novo pra mim.
Eu vivo à sombra da Peyton desde o dia em que nasci.
Chamo um táxi e enquanto aguardo, o gelo da madrugada me faz
encolher dentro do casaco, amaldiçoando o vestido preto que uso, ainda
tentando processar os acontecimentos daquela noite.
Dimitri agrediu Tyler.
Tyler não vai mais patinar nas Olimpíadas de Inverno.
Eu não vou patinar nas Olimpíadas.
A dor ameaça romper meu peito e sinto dificuldade de respirar.
Merda. Merda. Merda!
Quando o táxi chega, me surpreendo a mim mesma ao dar o
endereço. Talvez eu esteja indo caçar mais problemas, mas não me
importo.
Eu ainda estou com raiva. E estou triste pra cacete. E sinto que se eu
me concentrar na raiva, conseguirei manter a cabeça fora d'água e não me
afogar de vez.
Salto do carro, quando o dia amanhece.
Descanso meu olhar na linda casa além do gramado, com tijolinhos
aparentes, a porta branca com um maldito enfeite de Natal.
Com um grunhido de fúria, subo os quatro degraus da varanda e
arranco o enfeite da porta, estraçalhando-o em meus dedos.
Queria ter algum ovo para esfregar no branco imaculado da madeira.
Talvez se fosse um pouco mais filha da puta, eu defecaria ali mesmo
no jardim e esfregaria merda por toda porta, pela casa inteira.
É isso que Dimitri Ivanov merece, porque não é disso que ele passa.
De um monte de merda.
Enfio o dedo na campainha, vezes sem fim, mas depois de alguns
minutos sem ninguém aparecer, chego à conclusão que ele não está em
casa.
— Inferno! — resmungo comigo mesma.
Eu deveria chamar um táxi e ir pra casa. Quando meus pais
acordarem e se derem conta de que ainda não voltei, ficarão furiosos.
Peyton ficará furiosa.
Mas por que estou preocupada com isso?
Quando eles descobrirem o que aconteceu, que meu parceiro está
machucado, nos tirando a chance de patinar nas Olimpíadas de Inverno,
nem faço ideia do tamanho da fúria que será descarregada em mim.
Não interessa que a culpa não seja minha.
Talvez por isso que eu não queira ir embora. Talvez por isso eu sente
na porta do Dimitri, ignorando o frio da manhã escura que desperta e decida
que não arredarei pé dali até que aquele filho da puta asqueroso apareça.
Ainda não sei o que eu vou fazer com ele, mas pensarei em algo
para me vingar.
Dimitri Ivanov vai pagar pelo que fez.
Capítulo 2

Dimitri

Quando eu era criança tinha medo do monstro embaixo da cama.


Até perceber que o monstro não mora embaixo da cama, e sim dentro de
mim.
Estaciono o carro em frente à enseada atrás da minha casa quando o
dia amanhece. Gelo e cinza como meu humor.
Salto, ignorando o frio cortante e tiro a roupa, entrando no mar.
A temperatura fria machuca minha pele como mil agulhadas,
mesmo assim, vou em frente. Mergulho e deixo a bem-vinda dor física
amortecer a dor que está machucando por dentro.
As últimas horas passam pela minha cabeça como um pesadelo ruim
do qual não consigo acordar.
E tento rever meus passos e entender o que poderia ter feito para o
desfecho ser diferente. Eu deveria ter ignorado a festa daquela demoninha
ridícula, para começar. Mas Diana me convenceu de que seria uma boa
ideia sair e espairecer, mesmo sendo a festa de uma sacana detestável como
Alana Percy. E assim como todo mundo, estava cansado das horas de treino
e a tensão pré Jogos Olímpicos. Então que se danasse que não ia com a cara
da Alana, como a maioria. Era a desculpa perfeita pra sair da linha. Mas
certamente não tacar fogo na linha como eu fiz.
Eu nem estava bêbado, para usar como motivo.
Nem estou certo de que havia um motivo.
Mas deveria saber que ele estava ali, em algum lugar dentro de mim,
adormecido, só esperando ser cutucado para acordar e destruir o que visse
pela frente. E desta vez, na minha frente estava Tyler Chon. Quer dizer, eu
não tinha nada contra Tyler. Não posso dizer que somos amigos, mas
fazemos parte da mesma equipe, treinamos no mesmo local, somos a elite
da Patinação Artística Canadense. Óbvio que todo mundo se conhece,
embora nem todos se deem bem. No fim, todo mundo quer a mesma coisa,
o ouro. E geralmente só tem ouro para um. Então, podemos treinar juntos,
curtir juntos de vez em quando, nos ajudar às vezes, nos apoiar se for
preciso, mas ninguém nunca perde de vista que ainda somos concorrentes.
Rivais. Meu pai me ensinou este fato muito cedo, e nunca esqueci.
O primeiro lugar é o único lugar possível. Qualquer posição
diferente disso não é aceitável. E qualquer sacrifício é válido.
E é para isso que eu vivo e respiro desde que me conheço por gente.
Não me lembro quando usei patins pela primeira vez. As minhas memórias
mais antigas têm a ver com gelo. Mesmo quando achava que me equilibrar
sobre as lâminas e executar piruetas eram só uma questão de diversão, meu
pai já fazia planos para o quão grande eu seria. Assim como ele o foi.
Não havia escapatória para o filho do grande campeão olímpico
Andrey Ivanov. Era ao mesmo tempo um privilégio e uma maldição.
Sim, eu herdei dele toda a habilidade e graça que se espera de um
patinador e Andrey tratou de me ensinar a técnica que me faria invencível.
E eu acreditei que seria assim.
Da primeira vez que entrei em um ringue para competir até hoje,
foram poucas perdas. E as baixas não foram por falta de técnica perfeita que
me foi ensinada desde o berço, ou por falta do talento nato que me foi
passado pelo gene, e sim por algo mais sombrio e incontrolável que nem o
grande Andrey Ivanov podia prever.
Eu era perfeito a maior parte do tempo dentro dos ringues.
Dominava a técnica e controlava as emoções.
Porém, fora das pistas, eram as emoções que me controlavam.
Era o monstro embaixo da cama.
Era o motivo de Andrey ter virado as costas para mim, há alguns
anos, como se eu fosse uma grande vergonha. Eu não era suficientemente
bom para carregar o sobrenome Ivanov, não importa quantas medalhas
ganhasse.
E ganhei muitas.
Junto com Diana, minha dupla, eu fui três vezes campeão
canadense, uma vez campeão mundial e prata nas Olimpíadas, mas para
Andrey, se não fosse ouro, não tinha importância. Se eu ficasse em segundo
lugar significava que tinha alguém melhor que eu. E isso era inaceitável.
E segundo meu querido pai, eu nunca seria invencível se não
controlasse minhas emoções.
Mas como se controla algo que nem entendemos?
Quando ele decidiu parar de me treinar e aceitou a oferta de voltar à
Rússia para treinar atletas do país, Andrey disse que provavelmente eu não
iria longe com meu temperamento difícil, afinal, Kiara havia me deixado
por causa disso e provavelmente aconteceria o mesmo com Diana.
— Por que não me treinou para competir solo? — Eu nunca
perguntei ao meu pai até aquele momento, porque, desde que comecei a
treinar para as competições, ele decidiu que eu teria uma dupla. Eu apenas
aceitava o que ele decidisse, afinal, era só uma criança.
— Achei que tendo uma dupla, seu temperamento poderia ser
controlado. Patinar em dupla é uma grande responsabilidade. Exige não só a
técnica perfeita, mas combinar com a técnica da outra pessoa e também
com as emoções em sintonia. Você precisa não só controlar a sua
performance, mas também sua parceira em todos os giros e saltos. Manter a
atenção nela tanto quanto em si mesmo. Isso exige muita concentração e
doação. Acreditei que seria perfeito para você. Sozinho você é um desastre,
Dimitri, mas sempre se saiu melhor quando tinha que cuidar de alguém.
Ele não deu muita explicação sobre isso, mas imagino que estivesse
falando da minha mãe, que foi embora anos antes, nos deixando para trás.
Ainda me recordava de como era eu quem cuidava dela quando meu
pai estava fora, em suas palestras e performances. Eu não entendia por que
ela era diferente das outras mães. Porque chorava até dormir, porque
gritava e tacava coisas em meu pai quando ele estava em casa. Ou porque
parecia tão triste às vezes, a ponto de nem sair da cama.
Eu era tão pequeno, mas me recordo de cobri-la direito, de me deitar
ao seu lado e ler histórias que a faziam rir. De abraçá-la e pedir que não
ficasse triste.
A primeira vez que ela falou que iria embora, não acreditei. Mães
não iam embora, mesmo assim, eu me esmerei ainda mais em ser bom pra
ela.
Mas não adiantou. Ela foi embora mesmo assim, quando eu tinha
por volta de seis anos.
Eu fiquei tão furioso que quebrei todos os perfumes que ela deixou
sobre a penteadeira. O cheiro dela ficou em mim por dias, piorando minha
saudade.
Meu pai não pareceu afetado. O que me deixou mais furioso ainda e
eu pedi que ele fosse buscá-la. Bati no meu pai também.
Ele não revidou. Não era do seu feitio.
Ele me segurou e disse baixinho, de forma gelada e ameaçadora que
eu ficaria sozinho no meu quarto até que me controlasse.
— Um homem não é um homem se não controlar suas emoções.
Como quer ser um grande patinador como eu se não se controlar?
E eu tentei a partir de então ser o que meu pai queria que eu fosse.
No fundo, tinha medo de que ele fosse embora também.
Deixei de brincar com meus amigos para treinar horas a fio.
Até que me equilibrar nas lâminas, executando giros e saltos, fosse
algo natural pra mim.
Porém, às vezes eu ainda saía do controle.
E isso irritava meu pai mais que tudo.
Um dia, ele decidiu que eu patinaria em dupla. Eu tive algumas
parceiras ao longo dos primeiros anos da adolescência e com 16 anos,
comecei a treinar com Kiara Willians. Fomos perfeição e graça, tínhamos a
unidade e a química que se espera de uma dupla imbatível.
Até que Kiara me abandonou sem aviso prévio, me deixando na
mão há poucos dias de um mundial. Um período que não gosto de me
lembrar, porque por mais que eu a culpasse e não a perdoasse desde então,
não posso ignorar que havia um motivo para ela me deixar.
Não que ela tenha se dignado a dar alguma explicação.
Kiara simplesmente sumiu e foi a mãe dela quem avisou meu pai de
que Kiara estava abandonando a dupla.
Eu fui atrás dela, implorei para que Maude, a controladora mãe da
Kiara, me deixasse vê-la. Eu queria que ela dissesse na minha cara. Eu não
conseguia entender como poderia me deixar sem que eu tivesse a chance de
pedir perdão. Porra, éramos perfeitos juntos. Éramos a promessa certa de
ouro.
Tínhamos um futuro brilhante pela frente. Juntos.
A verdade é que os dias após a Kiara me deixar foram escuros como
breu.
Meu pai, para minha surpresa, se conformou muito rápido. E eu não
entendia. Ele nos treinava como dupla desde que eu tinha 15 anos e Kiara
13.
Sem contar que me treinava desde que eu comecei a andar. Afinal, o
grande Andrey Ivanov era um ex-patinador russo, medalhista olímpico e o
melhor da sua geração. Claro que quando teve um filho, ele tratou de
colocar patins nele assim que possível.
Andrey tinha certeza de que eu seria como ele.
E eu sou bom. Um dos melhores.
Eu e Diana conquistamos muito e eu achava que iríamos conquistar
muito mais, apesar do sucesso crescente de minha ex-parceira e do seu novo
companheiro de competição.
Kiara sumiu por um tempo, mas voltou depois de um ano e fez
dupla com Christian Jackson. Eles demoraram uns dois anos para entrarem
nos eixos, se entrosarem completamente, mas desde então, são imbatíveis.
Eu os odeio juntos.
Porque mesmo eles sendo bons não são tão bons quanto eu e Kiara
fomos.
E por mais que eu e Diana tenhamos nossos méritos, eu sempre me
pergunto o que eu e Kiara poderíamos ter sido juntos se não fosse aquela
noite.
E a merda é que agora Diana me deixou também. Desta vez, a culpa
não é minha. Do mesmo jeito que Kiara deu no pé pouco tempo antes de
um mundial, Diana está pulando fora e me deixando na mão antes de uma
Olimpíada.
Eu ainda não consigo acreditar que a fofoca da Alana era, no final
das contas, a mais pura verdade. Quando aquela cretina começou a espalhar
que Diana estava grávida, eu ignorei, porque Alana não passava de uma
encrenqueira.
Ela gostava de cutucar os outros com suas provocações e deboche e
ainda sair rindo quando deixava a confusão armada.
Não fazia ideia do que passava por sua cabeça perturbada, e
sinceramente nem me interessava. Alana e Tyler não eram páreos para mim
e Diana. Os únicos que nos superam atualmente na equipe eram Kiara e
Christian. Então eu não perdia meu tempo caindo nas provocações ridículas
de Alana Percy.
Porém, ontem, eu a vi provocando Kiara na pista de dança. E eu não
sei até agora o que me fez avançar e defender minha antiga parceira.
Todo mundo sabia que Alana não gostava de ninguém, mas ela
odiava Kiara. E era assim desde a época em que éramos adolescentes.
Alana foi testada como minha parceira por alguns dias, quando meu
pai ainda buscava uma dupla perfeita para mim. Porém, naquela época, ela
era só a irmãzinha desengonçada e que usava aparelho nos dentes da Peyton
Percy, que era a atual campeã mundial. E justamente por isso meu pai
aceitou treiná-la comigo.
A nossa dupla não durou muito. Alana não era boa o suficiente. Sua
técnica ainda era falha e além do mais ela parecia não se sentir à vontade
quando eu a tocava, dando pequenos pulos ou se esgueirando, o que me
fazia derrubá-la quase sempre.
Talvez não tenha ajudado que eu tirasse sarro de sua falta de graça,
ou de seus aparelhos ridículos. No começo, ela ficava vermelha, feito
pimentão, envergonhada nos seus 13 anos. No dia em que meu pai encerrou
nosso treino lhe dizendo que estava dispensada e eu rira com prazer,
rebatendo que estava aliviado de não ter que aturá-la mais, o rubor de
vergonha foi substituído por uma expressão gelada combinada com olhos
que soltavam fogo em minha direção.
Eu veria aquela expressão em Alana ir se tornando sua característica
mais marcante nos próximos anos enquanto ela ia passando por várias
duplas, até parar no Tyler Chon, com quem patinava há quase três anos.
Naquele dia, ela ficou me encarando por alguns segundos, nem um
pouco intimidada com a minha risada maldosa antes de virar um “Vai para o
inferno, seu cretino de pau pequeno.” e dar meia-volta deslizando com seus
patins para fora do ringue.
A minha risada parou na hora.
E faltou muito pouco para que eu não fosse atrás dela e mostrasse
que ela estava errada. Meu pai viu quando a raiva começou a me dominar e
segurou meu braço.
— Não entre na provação de Alana Percy. É só uma criança tola. E
sem talento algum. Só a aceitei porque Peyton pediu, mas já chega. Vamos
em frente.
Kiara veio em seguida e ficamos juntos por quatro anos.
Alana foi se transformando da irmãzinha tímida e desengonçada da
Peyton Percy na patinadora de temperamento difícil e encrenqueira que é
hoje.
Onde tiver uma confusão, pode saber que Alana está no meio.
Eu sei que ela me odeia. E também odeia Kiara.
Mas ela nunca pareceu se importar com Diana, até eu escutar dentre
seus insultos quando começamos a brigar na pista de dança que eu teria
engravidado minha parceira.
Era um total absurdo, já que eu não trepava com minha parceira. Eu
não ia deixar Alana continuar inventando aquele tipo de mentira sórdida.
Talvez já fosse a hora de colocá-la em seu lugar. A impressão que eu tinha
enquanto trocávamos insultos era que aquela briga estava esperando dez
anos para acontecer. E eu devia ter parado. Devia ter previsto que
estávamos indo ladeira abaixo quando ela começou a me bater.
A fúria me dominou. E eu vi tudo vermelho quando levantei a mão.
Segundos de descontrole que teriam consequências eternas.
Não foi Alana que eu atingi, foi Tyler, seu parceiro que a defendeu.
Eu não previ que Tyler cairia e saísse em uma maca para o hospital.
Muito menos que Diana me confirmasse que estava mesmo grávida.
— Como assim está grávida? — Eu a havia confrontado depois
quando estacionei o carro em frente a sua casa.
Quando saímos da boate, seguimos em silêncio por todo o caminho,
eu queria saber o que aconteceu com Tyler, se ele estava bem. Inferno, não
pretendia que se machucasse a sério. Ele nem deveria ter entrado na
confusão, na verdade, mas minha preocupação com a revelação de Diana
era maior.
— Eu sinto muito. Foi... um descuido.
— Porra, Diana! Nós vamos competir em dois meses.
— Sabe que não vamos mais. — Ela começou a chorar. — Eu nem
deveria estar treinando, mas não sabia como te contar.
— Que merda você fez? Está ferrando comigo. Com a gente!
— Eu sei. Nunca foi minha intenção. Mas aconteceu.
Eu tentei respirar. Tentei pensar racionalmente e não surtar.
Diana não era uma sacana. Na verdade, ela era uma das pessoas
mais legais que eu conhecia. Ela me manteve na linha durante todos aqueles
anos. Ela me acolheu, foi minha amiga.
Mas agora eu só sentia raiva.
— Isso não está acontecendo. É uma Olimpíada, Diana!
— E é um bebê!
— Por que não tira isso?
— Isso? Meu Deus, Dimitri!
Eu me arrependi no mesmo momento do que disse, mas o que Diana
pretendia? Que eu ficasse de boa com aquela bomba?
— Eu nem sabia que estava saindo com alguém.
— Eu não estou. E nem quero falar disso agora, não vem ao caso.
— O cara que te engravidou não vem ao caso? Sabe que aquela filha
da puta da Alana espalhou que fui eu? Inferno!
— Nós dois sabemos que não tem como ser você. Não deveria se
preocupar com o que Alana diz.
— Foi ela quem espalhou essa merda...
— Mas era verdade. E acho que estou aliviada que todo mundo
sabe, agora.
— Agora o quê? Vai me foder mesmo?
— Nunca foi minha intenção. Mas é meu filho. Eu pensei sim em...
me livrar dele, como disse, mas não posso. Não consigo. Sinto muito. Se
tiver que escolher entre a patinação e meu bebê. Eu escolho meu bebê.
Eu bati no volante, furioso.
Diana se encolheu.
— Estou vendo que não dá pra conversar com você. Está ficando
agressivo e não quero que me agrida como agrediu o Tyler.
— Eu nunca iria agredir você. É minha parceira, caralho!
— Por muito menos agrediu a Kiara, não foi?
Respirei fundo, sem ter como me defender.
— Você tem um problema, Dimitri. Sei que odeia que eu fale sobre
isso, mas você sabe, bem no fundo. Deveria buscar ajuda.
— Eu não sou a porra de um problemático.
— Agora não é mais problema meu mesmo!
Ela saiu do carro, me deixando sozinho com meus demônios.
Eu não sei por que em vez de ir pra casa, eu me vi indo até o
apartamento de Kiara. Toquei a campainha, mas ela não atendeu, talvez não
tivesse voltado. Provavelmente estava com Nick de Santi, o empresário
com quem aparentemente estava trepando?
Pelo menos foi o que a fofoqueira da Alana insinuou.
Kiara era fria e esquiva com todos os caras. E, embora houvesse
rumores de que mantinha um relacionamento com Christian, eu duvidava
que fosse assim.
Eu não sei o que se passava com ela, às vezes gostava de pensar que
ainda gostava de mim como confessou um dia. E eu fui idiota o suficiente
para rir da cara dela.
Naquela época eu era um idiota.
Talvez eu ainda seja. Eu me corrigi.
Eu fazia sucesso com as garotas desde sempre. Sucesso demais para
um cara arrogante como eu. Eu podia ter quem quisesse. Na hora que
quisesse. E era a única coisa que eu podia ter que meu pai não me proibia,
contanto que não me envolvesse a sério com ninguém. Nada podia ficar
acima da minha dedicação à patinação.
E não era minha intenção me apaixonar por nenhuma daquelas
garotas. Obviamente eu percebia o interesse de Kiara, a maneira que ela me
olhava foi mudando conforme fomos crescendo. E eu quis, eu quis muito
que fôssemos além do que era permitido como parceiros de patinação, mas
se havia uma garota proibida pra mim, era Kiara.
Andrey deixou muito claro que eu podia foder quem eu quisesse.
Menos Kiara.
— A mãe dela não iria gostar nada. E muito menos eu iria gostar.
Não se deve dormir com sua parceira e estragar tudo.
No fim, estragamos do mesmo jeito.
E foi quando Kiara se declarou e me beijou, que eu ri dos seus
sentimentos. E ela reagiu com fúria. E do nada estávamos discutindo e,
como geralmente acontecia, perdi o controle.
Ainda é estranho pra mim aquelas memórias desconexas, uma hora
estávamos gritando um com o outro no ringue de patinação, no minuto
seguinte Kiara estava caída no gelo, com o olhar assustado e mão no rosto.
Ainda sinto o gosto do arrependimento em minha língua quando me
lembro.
O olhar de horror da Kiara me perseguiu em pesadelos por meses.
Tudo mudou depois daquela noite. Ela foi embora e até hoje eu me
pergunto se foi realmente aquela briga que definiu tudo.
Poderia ter havido mais?
Quando ela voltou, me ignorava e falava comigo apenas quando
necessário. Eu gostava de provocá-la às vezes. Queria que ela voltasse ao
menos a ser minha amiga, mas aquela Kiara que retornou era bem diferente
da minha antiga parceira. Esta parecia feita de gelo.
Será que Nick de Santi havia quebrado aquele gelo?
Não podia negar que sentia um pouco de ciúme. Kiara era como
aquele brinquedo do qual nós não queremos brincar até que outra criança a
tome para si.
O quão fodido é isso?
Eu acusava Alana de ser obcecada com Kiara, mas talvez eu seja
igual.
Talvez por isso tenha ficado por horas sentado em frente a sua porta
até ela aparecer de manhã.
— Dimitri?
— Oi... — Eu me levantei, encarando seus olhos confusos.
— Você dormiu? Está com as mesmas roupas de ontem.
— Você também. — Eu a medi, com uma pergunta muda.
Ela corou, mas sustentou o meu olhar.
— Não te devo satisfação.
Sim, ela tinha razão.
Eu assenti passando os dedos pelos cabelos de repente sem saber o
que diabos eu estava fazendo ali.
— O que está fazendo aqui Dimitri, na minha porta a essa hora da
manhã?
— Eu queria conversar com alguém.
— Comigo?
— Está tudo desabando e eu só conseguia pensar que queria falar
com você. — Odiei a carência na minha voz.
Odiava ser fraco. Odiava me sentir perdido e sozinho.
Fracassado.
— Não temos nada pra falar. A gente mal trocou duas palavras
nesses últimos anos.
— Nós éramos melhores amigos. Você esqueceu?
— Nós éramos até você mostrar um lado assustador que eu nunca
vi. — Sua voz saiu engasgada de acusação.
Eu me encolhi.
— Você me cortou da sua vida depois daquela noite. Nunca me
contou de verdade o que aconteceu...
— Porque eu desejo esquecer.
— Queria tanto ter conversado com você naquela época, tentado
explicar...
— Acha que tem explicação?
— Meu pai pediu que eu ficasse longe de você.
— E você sempre faz tudo o que o grande Andrey Ivanov manda!
Sinceramente, Dimitri, não deveria ter vindo aqui.
— Eu não posso entrar? Conversarmos?
— Não vai entrar na minha casa.
Havia medo em seu olhar e isso fez meu estômago revirar.
— Você tem medo de mim.
— Você machuca as pessoas, Dimitri. Ontem mesmo achei que ia
agredir Alana, e mesmo ela sendo daquele jeito...
— Eu não consigo... evitar. É como se houvesse dois de mim.
Ontem quando Alana me provocou, era como se eu saísse do meu corpo e
ficasse só... um monstro.
— Acho que deve ir embora. — Ela deu um passo atrás.
— Tudo bem, eu não deveria estar aqui. Mas tive uma discussão
horrível com Diana. Ela está mesmo grávida.
— Você é o pai do bebê?
— Por que todo mundo acha isso? — Não consegui evitar uma
risada sem humor.
— Acho que é o óbvio.
— Eu me lembraria se tivesse engravidado minha parceira.
— Vá embora, Dimitri. — Ela pediu mais uma vez.
Finalmente desisti e apertei o botão do elevador.
E por um momento, seu olhar capturou o meu. Os meus, desolados,
os dela, cheios de uma mágoa antiga. De uma tristeza que eu também
sentia. Sabia o que se passava em sua mente. Um dia, fomos tão
próximos que um sabia o que o outro estava pensando.
Mas eu estraguei tudo.
— Você me odeia? — Não consegui evitar perguntar.
Ela não respondeu.
— Eu senti sua falta, Kiara — confessei antes de entrar no elevador.
Parei numa loja de conveniência e comprei uma bebida.
Dirigi sem rumo, bebendo e me sentindo péssimo por mais de uma
hora, até sentir que estava ficando entorpecido com o álcool.
Antes que fizesse alguma merda, voltei pra casa e entrei no mar
gelado.
Agora enquanto saio da água fria e caminho até minha casa, ainda
nu, sinto minha cabeça rodando. Merda! Acho que preciso vomitar e tirar
todo o álcool do meu organismo.
E talvez dormir algumas horas. Ou vários dias e esquecer a merda
que está minha vida.
Não vou mais competir nas Olimpíadas.
Diana está grávida, Kiara ainda me odeia e quando Andrey Ivanov
descobrir, ele terá motivos para acreditar que sou mesmo um fracasso.
Subo as escadas da varanda e de repente paro estupefato. Deitada
dormindo toda encolhida na minha porta está Alana Percy.
Que porra essa gnomo cretina está fazendo aqui?
Capítulo 3
Alana

Acordo com alguém me chutando e por um momento confuso não


consigo entender o que está acontecendo.
O chão sob meu rosto é duro e frio e alguém continua chutando
minha canela.
— Ei, que porra está fazendo na minha porta?
Abro os olhos, me movo e todo meu corpo reclama quando consigo
me erguer sobre os cotovelos, meus olhos pesados ainda com dificuldade de
focar no filho da puta que está me chutando.
— Sai agora daqui, sua mendiga escrota!
Aquela voz...
Pisco, confusa e finalmente consigo focar no meu agressor e me
choco ao ver que quem está me chutando e me xingando é Dimitri Ivanov.
Que merda ele está fazendo ali e... Meus olhos ainda aparvalhados
deixam seu rosto pálido e percorrem seu corpo.
— Você está pelado? — exclamo horrorizada.
Sim, Dimitri Ivanov está em pé na minha frente.
Sem roupa.
Nu.
Puta que Pariu?
Por um momento não consigo reagir, porque parece que talvez essa
cena bizarra faça parte de algum sonho esquisito.
— E você está fazendo o que aqui, dormindo na minha porta? Fora
daqui! — ele grita como se eu fosse um cachorro sarnento.
Ou um mendigo como me acusou de ser.
Espera...
Deixo meu olhar vagar em volta e me dou conta de que sim, estou
mesmo deitada na varanda do Dimitri.
De repente eu consigo voltar à realidade.
A festa do meu aniversário. A briga na boate.
Dimitri agredindo Tyler que agora está em um hospital com o
tornozelo engessado.
Não vamos mais patinar nas Olimpíadas.
Por um momento, a dor dessa constatação invade meu peito e me
faz perder o ar.
E a culpa é toda daquele maldito psicótico na minha frente, que
agora me encara ainda com raiva.
Ele acha que pode ter raiva de mim?
Pois muito bem!
— Vamos, levanta e dê o fora daí! — insiste.
Volto minha atenção para ele agora, ainda meio sentada, tentando
me levantar, embora meus membros estejam meio duros depois de dormir
sobre o chão e no frio.
Que merda eu estava pensando?
Eu não estava pensando, claro.
Movida pela fúria, eu tinha vindo parar na casa de Dimitri querendo
briga.
E ele não estava, e eu tive a ideia estapafúrdia de esperá-lo ali e
devo ter adormecido. E agora Dimitri está me encarando irritado.
E pelado.
Por que diabos ele está pelado, caramba?
Não posso conter meu olhar de dar uma checada de novo. Porque,
oras, posso não ter coração, mas sou uma garota que não vê um cara pelado
há muito tempo.
E puta merda, o cara que eu vi não fazia jus a espécime que é
Dimitri Ivanov.
Ele é tipo um Edward Cullen, um vampiro de mármore e corpo
geometricamente magro e perfeito, o peito largo, os braços de bíceps que
parecem desenhados, assim como a barriga plana e com alguns gominhos
sob um caminho de pelos que desce até o... não posso evitar de arregalar os
olhos.
Eu me lembro que com 13 anos, e sem nem ao menos saber o que
estava fazendo, eu o insultei quando o pai dele me dispensou da nossa
malfadada parceria com um “seu cretino de pau pequeno”.
Bem, eu não podia estar mais errada.
E desta vez eu coro como uma menina de 13 anos vendo um
membro masculino pela primeira vez, e o que eu posso dizer? É a primeira
vez que eu vejo um tão... bonito. E eu nem achava que um pênis podia ser
bonito. Mas convenhamos, Dimitri pode ser um babaca escroto filho da
puta, com ares psicóticos, mas tinha um físico que até uma garota como eu
podia apreciar.
— Já viu o bastante? — ele indaga com a voz irritada e eu
enrubesço mais ainda ao perceber que ele notou que eu estava checando seu
pau.
Que ódio!
— Parece que está mesmo com frio, não? — debocho. Embora seja
um comentário que não faz sentido. — E agora além de babaca agressor
você também é um tarado em potencial, andando pelado por aí?
— Eu não esperava achar uma gnomo dormindo na minha porta
feito uma mendiga e...
Do nada, ele para e empalidece mais ainda.
E, de repente, ele está se inclinando e vomitando.
Em cima de mim.
Eu não tenho tempo de me afastar, antes de levar outra golfada de
vômito sobre meu vestido e a meia-calça.
— Seu... nojento do caralho, vomitou em mim!
Dimitri finalmente respira fundo, olhando horrorizado para minha
figura toda suja e então começa a rir e limpa a boca com o torso da mão.
Rir com vontade, gargalhar.
O que me deixa mais furiosa ainda.
— Para de rir, não é engraçado!
— É sim.
— Olha o que fez? Agora estou toda suja, como posso ir embora
assim?
Eu me levanto, o vômito pingando.
— Ah inferno, vem, pode se limpar.
Ele abre a porta e faz um sinal para eu passar.
Por um momento, eu hesito, como se Dimitri fosse o próprio
demônio me convidando para entrar no inferno.
Ele percebe minha hesitação e faz uma expressão impaciente.
— Ou pode ir embora assim, não me importo.
Sem ter opção, entro e Dimitri fecha a porta atrás de nós.
Deixo meu olhar vagar pelo hall bem decorado e fino, e a sala logo
além com uma bela lareira branca e móveis claros e elegantes.
É uma casa de rico, certamente.
E não sei por que estou surpresa, já que o pai do Dimitri é cheio da
grana.
E eu sei que aquela é a casa da família do Dimitri e não um lugar só
dele. Assim como eu, Dimitri ainda mora com os pais, o que não deixa de
ser surpreendente. Dimitri tem ótimos patrocínios, certamente ele teria
condições de morar sozinho. Mas quem é que ia querer sair daquela casa
bacana?
E diferentemente dos meus pais, o de Dimitri não mora no país há
anos, o que deixa a casa só para ele.
Não sei muito bem o que rolou com a mãe, é conhecimento geral
que há anos ela deu no pé, quando se divorciou do Andrey.
— Suba e tire essa roupa.
— E coloque o quê? Ou acha que vou andar pelada pela casa como
você? Isso me soa um tanto pervertido!
— Só nos seus sonhos que eu tenho algum pensamento pervertido
com você. Para de ser ridícula. Coloque suas roupas na lavadora, daqui a
umas horas estará seca.
— E enquanto isso eu faço o quê?
— E é problema meu? Nada disso teria acontecido se não tivesse na
minha casa, que, aliás, ainda não entendi o porquê.
— Queria brigar com você. — Decido pela sinceridade.
Dimitri faz uma cara incrédula.
— Sério? E como sabia onde eu morava? Espera, por acaso é algum
tipo de stalker? Está me perseguindo?
— Todo mundo sabe onde mora! Acha que eu ia perder meu tempo
te perseguindo? Se enxerga!
— Vindo de você...
— Ah cala a boca!
Antes que continue escuto um latido e um cachorro preto vem
correndo e pula em Dimitri que se abaixa para brincar com ele.
— Ei, amigo...
De repente me dou conta do absurdo da situação.
Estou ali parada no hall elegante dos Ivanov, toda melecada de
vômito, enquanto Dimitri brinca com um cachorro.
Ainda pelado.
— Onde fica o banheiro? Quero me limpar e dar o fora daqui! —
resmungo.
— Segunda porta à esquerda, subindo as escadas... — Dimitri
responde, ainda brincando com o cachorro.
Bufando, praticamente corro escada acima e entro em um quarto e
não num banheiro.
Mas à minha direita há outra porta e percebo que o quarto é uma
suíte. Entro no banheiro branco e espaçoso e tiro o casaco, meu vestido e a
meia-calça preta suja. De calcinha e sutiã, olho em volta, me perguntando
se caso eu só me limpasse adiantaria, mas tenho certeza de que estou
fedendo a vômito. Decido que melhor será tomar um banho. Fecho a porta,
para que não receba a visita inconveniente do dono da casa e retiro a
calcinha e o sutiã, assim como o colar no meu pescoço, colocando-o sobre a
pia.
É um colar de pingente de patins, que ganhei quando tinha dez anos,
de uma prima, Daisy, que se mudou para os Estados Unidos quando se
casou com um ricaço. Daisy também era patinadora, antes de se casar. Ela
tem a idade da Peyton e as duas treinavam juntas. Mas enquanto Peyton
seguiu em frente, Daisy se apaixonou e abandonou a carreira. Hoje ela tem
dois filhos e vive em Nova York. Eu a adorava, e foi em Daisy que eu me
inspirei para querer patinar. Eu gostaria que ela não tivesse se casado e se
mudado. Mesmo porque o marido dela é um idiota e todo mundo sabe que o
casamento é um desastre.
Deus me livre de me apaixonar por um babaca escroto qualquer que
me fará largar minha carreira para ficar em casa criando seus filhos
enquanto ele me trai com qualquer boceta por aí, me enlouquecendo pouco
a pouco.
Entrando no chuveiro quente, deixo meu olhar vagar para o que eu
desconfio agora ser o banheiro do Dimitri.
Pego o sabonete dele, tem um cheiro surpreendentemente gostoso de
limão. É esquisito pensar que estou tomando banho no banheiro do Dimitri
e usando suas coisas.
É meio... íntimo demais.
Mas já que estou ali, enfio minha cabeça embaixo do chuveiro e uso
o shampoo e o creme do Dimitri que também cheira gostoso, algo como
baunilha e lavo meus cabelos escuros que chegam até a cintura.
Ao sair do banheiro, uso a toalha que está pendurada ali e nem paro
para pensar se Dimitri se enxugou com ela.
Dou de ombros. Que se dane.
Pego sua pasta e ainda cogito usar a escova de dente dele, mas
decido que já é demais. Escovo os dentes com os dedos e saio do banheiro
direto para o que agora sei que é o quarto do Dimitri.
Curiosa, eu espio tudo.
O quarto é bem masculino, as cortinas têm um tom azul-escuro,
assim como o edredom que cobre a cama.
Há uma estante marrom em um canto, cheia de livros.
Porra, Dimitri lê?
Achei que ele fosse aqueles caras bonitos, porém burros.
Ao chegar perto, lendo os títulos, noto que há quadrinhos, alguns
trillers e livros sobre esporte. Também há troféus e medalhas.
— Metido! — murmuro com desdém ao ver a quantidade de ouro.
Vários porta-retratos com fotos suas, em campeonatos. Em pódios
principalmente. Muitas com Diana. Uma com o pai e Kiara.
Eu a pego, sentindo a raiva me dominar.
Como assim ele ainda guarda uma foto com Kiara? Ele deveria
odiá-la por ela ter abandonado a dupla.
E também há a foto de uma mulher bonita, de cabelos loiro-escuros,
segurando o que acredito ser uma versão de três anos do Dimitri.
A mãe dele. Presumo.
Mordo os lábios, curiosa para saber se Dimitri ainda tem contato
com a mãe. Eu nunca a vi em todos esses anos.
De repente me sinto muito cansada. Olho para mim mesma. Ainda
usando só a toalha enrolada em volta do corpo.
Um tanto receosa de sair do quarto assim para levar minhas roupas a
tal lavadora que Dimitri prometeu, abro o closet e fuço nas roupas dele, a
maioria em tons escuros. Pego um suéter cinza e o visto. A blusa cai até
minha coxa.
Ainda assim não me sinto propensa a sair do quarto. Onde diabos
Dimitri está? Ainda estará pelado perambulando com o cachorro
cheirando seu rabo por aí?
Suspirando irritada, eu me sento na cama e me recosto, bocejando.

***
Dimitri

Quando eu chego ao quarto, a gnomo irritante está simplesmente


encolhida na minha cama, adormecida.
E usando uma das minhas blusas?
Por um momento, cogito acordá-la e pedir que dê o fora da minha
casa. Mas lembro que se está usando minhas roupas, é porque eu vomitei
nas roupas delas. Claro que nada disso teria acontecido se ela não tivesse a
brilhante ideia de vir caçar briga comigo na minha casa.
Com um suspiro cansado, vou para o banheiro e entro no chuveiro,
tomando um banho demorado.
Depois que vomitei, me senti melhor, menos bêbado e miserável.
Embora ainda estivesse irritado comigo mesmo pela situação que criei.
Não foi você, foi aquela gnomo encrenqueira quem começou.
Sim, posso culpar Alana por ter provocado a briga. Apesar de que a
briga era com Kiara, mas não resisti em ir me intrometer, embora não
fizesse sentido.
Eu e Kiara nem sequer somos amigos hoje.
Ainda assim, eu fui lá e me meti na discussão. E, infelizmente,
parece que Alana não se intimidou com meus insultos, como queria que se
intimidasse.
Eu deveria desconfiar que Alana Percy não abaixaria a cabeça pra
mim. Não era do seu feitio. Ela geralmente se metia em desavenças sem
pensar duas vezes. Acho até que se divertia assim.
E agora, enquanto saio do chuveiro, pego suas roupas no chão e a
levo até a lavadora, me perguntando que horas poderia acordá-la e enxotá-la
da minha vida de novo.
Alana é o tipo de pessoa que eu devo manter distância.
Ela não controla sua língua e eu não controlo minha reação a seus
insultos.
Essa é uma combinação desastrosa.
Volto para o quarto e penso em ir dormir em algum quarto vazio, já
que a gnomo dos infernos está na minha cama, mas que se dane.
Puxo o edredom debaixo do seu corpo com força, mas ela só rola e
não acorda. Eu me deito e me cubro, suspirando feliz por estar finalmente
indo dormir.
É tudo o que preciso para pelo menos tentar esquecer a merda que
fiz e as consequências que ainda estão por vir.
Não quero pensar que não vou competir nas Olimpíadas.
E Tyler também não, provavelmente, depois de ontem.
Não, não vou pensar nisso.
Alana resmunga em seu sono, encolhida e com um rolar de olhos, eu
a cubro também. Não quero que me acuse de congelar.
Ela se vira, aparentemente satisfeita e sinto um cheiro conhecido
vindo de seus cabelos escuros espalhados pelo travesseiro, eu me inclino e
aspiro.
A filha da puta folgada usou meu shampoo.
É uma bobagem e nem sei por que isso me irrita, pensar naquela
gnominho intrometida fuçando nas minhas coisas.
Até o desplante de mexer no meu armário e pegar uma roupa ela
teve.
Folgada pra cacete.
Sem pensar muito no que estou fazendo, pego uma caneta no meu
criado-mudo e faço um desenho em seu rosto, rindo da minha brincadeira
idiota de quinta série.
Que se dane.
Alana é uma das pessoas mais imaturas que conheço, pois que
aguente uma brincadeira besta.
Satisfeito, eu fecho os olhos e deslizo para o sono.
Capítulo 4
Alana

Mais uma vez naquele dia, acordo confusa sem saber onde estou.
Desta vez pelo menos estou em uma cama quentinha, mas
definitivamente não é meu quarto, quando me ergo, girando a cabeça pelo
lugar estranho, até minha mente clarear e lembrar que adormeci no quarto
do Dimitri.
Mas que merda!
E quando viro para o lado quase solto um grito de horror ao ver que
o próprio está deitado na mesma cama.
Ele está de bruços, as costas largas à mostra e parecendo num sono
profundo, pois está até roncando um pouco.
Que diabos Dimitri estava pensando em se deitar comigo?
Aqui é a cama dele, não? Uma voz debocha em meu íntimo.
Sim, mas aposto que essa casa enorme deve ter muitos quartos e que
não tinha a menor necessidade de se deitar ao meu lado!
Furiosa, saio da cama e, por um momento, tenho vontade de acordá-
lo e soltar os cachorros em cima dele, registrando toda a minha indignação.
Mas interrompo a onda de raiva, quando me dou conta que talvez
esteja sendo um tanto ridícula. Inferno, não sou uma mocinha do século
XIX que fica indignada por dormir na mesma cama que um homem. Eu
mesma já dormi na mesma cama que Tyler algumas vezes em nossas
viagens. Só que Tyler é gay e Dimitri não.
Como se Dimitri tivesse algum interesse neste sentido em você. De
novo a voz debochada sussurra.
Eu queria não ficar irritada com isso, mas fico.
Até quando?
Detesto Dimitri e o fato de ele não gostar nem um pouco de mim
também deve ser motivo de alívio, e não de decepção.
Ok. Preciso dar o fora daqui. Já está na cara que foi uma ideia mais
do que idiota ter vindo até esta casa. O que poderia fazer com ele? Agora o
estrago já está feito e nada do que eu faça com Dimitri vai consertar o fato
de Tyler estar machucado.
Certo. Próximo passo, dar o fora dali.
Então me recordo que não coloquei a roupa na maldita máquina.
— Ah não!
Corro para o banheiro, mas minhas roupas sujas não estão mais no
lugar que deixei.
Será que Dimitri as colocou para lavar?
Saio do quarto e desço as escadas, encontro a cozinha facilmente e,
além dela, a área de serviço. Abro a máquina e respiro aliviada ao abri-la e
pegar minhas roupas. Até meus sapatos Dimitri colocou ali, já que foram
atingidos.
Pego o vestido, minha meia e sutiã e não encontro minha calcinha.
Junto com minhas roupas estão outras roupas do Dimitri e começo a
me impacientar de não a encontrar, até que escuto um barulho da porta da
rua se abrindo e alguém chamando Dimitri, seguida de passos.
— Ah merda! — Desistindo de achar a calcinha, coloco o vestido
rápido, e estou calçando os sapatos quando uma moça ruiva aparece na
minha frente.
Ela arregala os olhos ao me ver.
— Alana?
— É... esse ainda é meu nome — resmungo para Diana,
conseguindo colocar os sapatos.
— O que está fazendo aqui?... — E sua voz vai tomando um tom
que mescla incredulidade e malícia que me irrita e ergo a cabeça, rápido.
— Não é o que está pensando, credo!
Ela solta um risinho.
— Sinceramente, é mesmo difícil de acreditar que você estaria aqui,
claramente se vestindo, na casa do Dimitri porque passaram a noite juntos.
Seria a coisa mais bizarra do ano.
— Não se preocupe, não passei a noite quicando no seu parceiro!
Nem precisa ficar com ciúme.
— Eu não ficaria, eu e Dimitri não somos amantes, como acredita.
— Então este bebê é do espírito santo?
— Não, óbvio. Mas não é do Dimitri, eu te garanto. Não que seja da
sua conta.
Certo, essa eu mereci.
— Sim, tem razão! Agora se me der licença, preciso dar o fora
daqui.
— E não vai sanar minha curiosidade e dizer o que estava fazendo
aqui na casa do Dimitri, já que não estavam transando?
— Eu poderia dizer que não é da sua conta, mas a verdade é que
vim tirar satisfação com ele, por ter machucado Tyler. E seu parceiro
nojento vomitou em mim, em resumo. Por isso me pegou me vestindo.
Dimitri deixou que eu tomasse um banho e infelizmente acabei
adormecendo.
— Isso explica isso aí... — Diana ri apontando para algo em mim,
mas não entendo do que está falando. — Dimitri às vezes parece ter cinco
anos de idade.
— Não acho. O problema do seu parceiro não é imaturidade, e sim
agressividade. Ele machucou o Tyler, que agora não vai mais poder
competir nas Olimpíadas.
— Ah não... — Ela leva a mão na boca. Parece genuinamente triste.
— Sinto muito. De verdade. Imagino que Tyler está arrasado e você
também.
— Claro que sim. Ainda nem consegui digerir direito. Estou furiosa
com Dimitri, ele não tinha o direito.
— Ele não fez de propósito! Dimitri tem muitos defeitos, mas...
— Ele machucou o Tyler!
— Não porque quis. Ele perdeu a cabeça.
— Não interessa! Ele é um monstro!
— Não é! Olha, sei que não tem como defender o Dimitri agora,
mas ele é uma boa pessoa. Só... tem problemas com agressividade.
— Então deveria estar preso ou com uma camisa de força se é
maluco...
— Não é assim.
— Tem razão, não venha defender o Dimitri. Eu nem deveria estar
aqui, quero que ele se exploda!
— Se serve de consolo, Dimitri e eu não vamos competir também.
— Não?
— Estou grávida, não estou?
— Mas...
— Não, não vou abortar.
Eu fico um tanto surpresa. Quando descobri que Diana estava
grávida, não tinha parado para pensar o que isso afetaria ela e Dimitri nas
Olimpíadas.
Por um instante, sinto um prazer maldoso em pensar que Dimitri
também se ferrou. Bem-feito. O universo tratou de tirar dele o que ele tirou
de mim.
Bem, parece que minha vingança veio rápida.
Mas ao ver a desolação nos olhos de Diana, não posso evitar sentir
certo pesar. Estamos no mesmo barco, ainda quando somos concorrentes.
Ninguém entende da glória e da maldição que é ser um atleta a não ser
outro atleta.
Estou morrendo por dentro por não poder mais competir nessas
Olimpíadas. Diana deve sentir o mesmo.
Até o babaca do Dimitri deve sentir.
Só que Diana está escolhendo este caminho e eu não.
Dimitri também não escolheu.
De repente escuto meu celular tocar na bolsa e ao pegar o aparelho
vejo que é uma ligação da Peyton.
— Oi...
— Onde diabos está?
— Na casa de uma amiga. — Coro quando Diana levanta a
sobrancelha.
— Ficou louca? Os pais do Tyler me contaram o que aconteceu com
ele, que merda você fez?
— Eu não fiz nada. Foi Dimitri Ivanov.
E como se fosse o Satanás sendo chamado, o próprio Dimitri surge
descendo as escadas.
Rolo os olhos, irritada só de me ver de novo em sua presença. Pelo
menos desta vez ele veste uma calça de moletom, embora esteja sem camisa
e com os fios de cabelos pretos se espreguiçando para todos os lados.
— Minha nossa, Alana! Não pode ser verdade que deixou uma
tragédia dessas acontecer! Venha agora para casa!
— Eu vou visitar Tyler antes.
— Não, você vem pra casa. Mamãe está furiosa, fiquei com medo
até de ela passar mal... Na pensa em como estamos nos sentindo?
— E você acha que estou me sentindo como? — grito e agora tanto
Diana quanto Dimitri estão prestando atenção em mim.
Eu me viro, dando alguns passos para longe deles, buscando alguma
privacidade enquanto abaixo a voz.
— Sou eu que me ferrei e não vou mais para as Olimpíadas. —
Tento não chorar quando o nó fecha minha garganta.
— Alana, venha pra casa. Agora, não pode ficar fugindo. Temos que
resolver isso...
— Resolver como? Está acabado. Eu vou ver o Tyler e depois eu
volto pra casa.
Eu desligo e encaro Diana e Dimitri.
— Satisfeitos? Agora minha vida virou um inferno!
— Eu entendo. A minha vida também está — Diana rebate.
— Mas você escolheu, eu não. — Encaro Dimitri com raiva.
Ele não parece muito preocupado.
Claro. Típico daquele babaca narcisista não estar nem aí.
— Não vai falar nada? — insisto numa reação, porque se Dimitri me
irrita falando, calado me irrita também.
— Ainda aqui? Achei que estivesse louca para ir embora. Ou devo
interpretar o fato de que a encontrei deitada usando só uma blusa minha, na
minha cama, como um convite? Já ouvi dizer que é uma malcomida, mas
não sabia que estava tão desesperada.
Meu rosto se tinge de vermelho com aquela insinuação ridícula, de
raiva e certa vergonha que nem deveria estar sentindo.
Óbvio que Dimitri está me provocando para me irritar.
— Jamais estarei tão desesperada a ponto de me rebaixar a sentar
num babaca como você!
— Gente, para com isso — Diana pede, apaziguando o clima.
— Provavelmente por isso que o mais perto que um pênis chegou da
sua boca seja com este desenho aí! — Dimitri ri e coloco a mão no rosto
sem entender.
— Dimitri, isso foi muito bobo — Diana o repreende.
Eu pego o celular e checo minha imagem através da câmera.
Puta merda. Dimitri desenhou um pênis com canetinha no meu
rosto.
Eu perco o ar de indignação, o que o faz rir mais ainda.
— Que merda é essa? Você tem 11 anos de idade agora? — Eu
esfrego meu rosto sem sucesso.
Diana abre a bolsa e pega o que acredito ser um lenço umedecido e
coloca na mão do Dimitri.
— Limpa o rosto dela.
— Eu não.
— Você sim. Sabe que isso é ridículo, ela não pode sair assim.
E antes que eu possa sequer dar um passo atrás, Dimitri está
segurando meu rosto com uma mão e com a outra esfregando minha
bochecha com um olhar irritado.
Estou surpresa por ele ter obedecido a Diana, talvez por isso eu não
tenha a reação que deveria ter, que é dar um tapa na sua mão e mandá-lo
limpar a própria bunda em vez do meu rosto. Mas fico ali, esperando que
limpe seu desenho bobo que mais convém a um pré-adolescente cheio de
hormônio.
Por alguns segundos, quando a raiva arrefece, me dou conta de que
ele está muito perto, invadindo meu espaço pessoal.
Tão perto que sinto seu hálito de menta em meu rosto, denunciando
que ele acabou de escovar os dentes. E os olhos concentrados em mim são
como uma piscina de águas claras, num tom que pode ser descrito como um
pouco bizarro, entre o verde e o azul dependendo da luz.
É mesmo uma merda que Dimitri seja bonito pra cacete, com aquele
rosto pálido de vampiro, os cabelos escuros e o maxilar que parece ter sido
desenhado por algum artista muito inspirado.
De repente ele abaixa o olhar e me flagra o encarando.
Fecho minha expressão numa tentativa de disfarçar meu súbito
interesse descabido.
— Acabou? — resmungo impaciente.
— Está quase saindo. Talvez se eu... — E inesperadamente, ele leva
dois dedos à língua, umedecendo-a e passado o seu cuspe no meu rosto com
força.
— Ei, para com isso! — Desta vez eu o empurro.
— Só estava tentando ajudar!
— Já chega! Não quero nenhum fluido do seu corpo no meu rosto!
— Talvez você precisasse de outro tipo de fluido para deixar de ser
uma vaca chata...
— Ei, Dimitri, já chega! — Num minuto Diana está entre nós. —
Essa briga de vocês é ridícula. Somos adultos aqui. E estamos todos
chateados por causa do que está nos sendo tirado. Acho que tanto você
quanto a Alana estão com os nervos à flor da pele.
— E a culpa é de quem mesmo? Claro que estou chateada. Meu
parceiro foi nocauteado por este babaca! E você nem sequer parece
arrependido.
De repente o olhar do Dimitri muda. Parece quase... humano.
— Então Tyler está mesmo fora?
— Sim, feliz agora?
— Pois aí que se engana. Não era minha intenção machucar o Tyler.
Isso é uma merda... — Ele passa os dedos pelos cabelos, parecendo
angustiado.
Eu não tenho a menor pena.
— Sim, Diana tem razão, estamos os quatro ferrados! E acho que já
chega pra mim. Vou embora.
— Dê um abraço em Tyler, diga que sinto muito — Diana diz.
Eu não digo nada e saio da casa.
Chamo um táxi e vou para o hospital. Sei que estou evitando minha
casa e que não poderei fazer isso para sempre.
Quando chego ao hospital me enfureço quando vejo Kiara no
corredor, desligando o celular.
— Que porra está fazendo aqui? Veio rir da nossa cara?
— Claro que não! — Ela se indigna. — Viemos ver como Tyler
está. Estou muito triste por ele não poder mais competir.
— Eu duvido. Você e a bruxa da sua mãe devem estar rindo! Mas
pelo menos o idiota do Dimitri também não vai mais, já que a Diana vai ter
o bebê, pelo que fiquei sabendo.
— Sim, fiquei sabendo também. É tudo muito triste.
— Triste para uns, felicidade para outros! — debocho e entro no
quarto do Tyler.
Christian está saindo e apenas me cumprimenta com um meneio de
cabeça, mas eu não ligo para Christian, e sim para meu amigo que está
deitado sobre os lençóis, muito abatido.
Eu desabo num choro quando me aproximo, me sentando ao seu
lado e deitando a cabeça em seu peito. Ele acaricia meu cabelo e por um
momento nem um dos dois fala nada.
— Ei, se continuar chorando assim, como vai manter sua pose de
durona? — Ele tenta fazer piada.
Eu me levanto, enxugando o rosto.
— Não sou durona. Eu sou uma idiota. Fui eu quem começou
aquela briga...
— Não foi culpa sua.
— Foi culpa do Dimitri, claro. Aquele cretino, psicótico! Ele não
deveria ter se intrometido para defender a vaca da Kiara!
— Ninguém teve culpa. Foi uma fatalidade.
— Você é muito bonzinho, Tyler. Eu só queria pegar um taco de
baseball e quebrar as duas pernas do Dimitri. Talvez o pau bonito dele
também.
— Pau bonito? — Tyler levanta a sobrancelha.
— Deixa pra lá...
— Não, agora vai contar.
E eu lhe conto o que aconteceu naquela manhã.
No fim, Tyler está rindo.
— Não tem nada de engraçado nessa história.
— É sim, eu devo dizer que concordo com você, o pau do Dimitri é
mesmo bonito pra caramba.
— Você manja o pau do Dimitri no vestiário? Seu safado...
Ele não nega.
— Chris ficaria com ciúme.
— Chris não precisa ter ciúme porque o dele é mais bonito ainda.
Eu rolo os olhos.
— Está apaixonado por ele, né?
— Acho que pelo menos estar fora das Olimpíadas vai me deixar
com tempo para arranjar um namorado.
— Boa sorte. Chris não parece querer sair do armário.
— Todo mundo tem seu tempo. E eu estarei aqui.
— Ah Tyler, o último romântico.
Eu amo Tyler. Acho que é a única pessoa que tem um coração bom e
que não me entedia.
Desde que nos conhecemos e começamos a treinar juntos, nos
entrosamos bem, embora tenha mais a ver com a paciência do Tyler do que
da minha boa vontade.
Eu não sou uma pessoa fácil, sei bem disso. Mas Tyler não saiu
correndo como os outros. Ele ficou e me aguentou. E acho que serei
eternamente grata a ele por isso.
Eu seria uma pessoa muito pior se não fosse Tyler Chon. E agora ele
foi tirado de mim, e não sei o que fazer.
Ele toca meu cabelo.
— Vá pra casa, vá descansar.
— Eu não quero. Minha irmã e meus pais devem estar furiosos.
— Ei, não foi culpa sua.
— Duvido que eles vejam assim. Mas tem razão, já fugi demais,
tenho que ir pra casa.
Eu o abraço me despedindo e finalmente chamo um táxi para casa.

Tenho todo o caminho no táxi de volta para casa para me preparar


para a guerra que enfrentarei na minha casa, mesmo assim, quando abro a
porta do sobrado amarelo no qual meus pais moraram a vida toda no
subúrbio de Vancouver, não estou preparada para os três pares de olhos que
me esperam na sala.
Papai, com seus distintos cabelos brancos está sentado no sofá e na
TV entrevejo um jogo de hóquei. Joseph Percy se aposentou há dois anos
de seu trabalho como engenheiro em uma grande empresa, e agora com
seus 65, gasta o tempo assistindo jogos de hóquei e cuidando do jardim.
Minha mãe, Cora, é cinco anos mais jovem que meu pai e nunca
trabalhou fora um dia em sua vida, é aquela típica mulher que sempre foi
feliz sendo mãe e dona de casa. A alegria maior da vida dela com certeza é
Peyton, a menina de ouro, com seus cabelos loiros e talento nato para
deslizar sobre o gelo.
Peyton foi a filha esperada e planejada. Eu nasci dez anos depois
quando eles não estavam com a menor disposição de aguentar mais um
bebê. Em resumo, eu sou um descuido, que até hoje sou lembrada
constantemente que nem deveria estar ali.
Eu tive que me esforçar em dobro para tudo desde que me conheço
por gente. Quando era pequena, Peyton já era a queridinha da patinação, e
vencia campeonatos juniores. Mamãe passava seus dias com minha irmã,
levando-a em treinos na pista de gelo, no ballet, nas melhores designers de
figurinos e quando Peyton começou a competir a sério, todo e qualquer
dinheiro da família era para alimentar o sonho de fazê-la campeã.
Roupas novas? Não, eu não precisava de roupas novas quando
Peyton precisava muito mais de seus figurinos luxuosos.
Viagens de férias? Só se fosse para Peyton competir e eu só ia junto
se não houvesse ninguém para cuidar de mim.
Uma boa escola? Não, os treinadores da Peyton ficavam com boa
parte do orçamento da família.
E logo cedo, percebi que se queria ter tanta atenção quanto Peyton
eu precisava ser como ela. Comecei a patinar e, a princípio, ninguém deu
atenção. Só Daisy, a nossa prima, que me ensinou os primeiros passos.
Foi ela quem insistiu que eu poderia também fazer aulas, quando
tinha oito anos. Mamãe não gostou muito, mas Peyton estava começando a
conseguir patrocinadores, o que deixava um pouco de folga para pagar
minhas aulas.
Todavia, ninguém levava meu esforço a sério. Naquela casa, eu era
só a criança que ficava cada vez mais chata em busca de atenção. Cedo
percebi que só era notada quando aprontava algo ruim. Obviamente a
atenção não vinha em forma de carinho, elogio ou afago. Vinha em forma
de tapas, castigos e privações. Mesmo assim, ainda era atenção. Era como
eu sentia que fazia parte daquela família. Sonhava com o dia que seria tão
boa na patinação quanto Peyton e finalmente eles me amariam como a
amavam.
Acho que ainda estou esperando.
— Finalmente, onde diabos se meteu? — Peyton indaga furiosa.
Peyton não mora mais com a gente, desde que se casou há seis anos,
com Jaxon Coen, um jornalista esportivo.
Quando ela anunciou que iria se casar e largar a patinação para ter
uma família, eu achei que meus pais pirariam, mas isso não aconteceu.
Afinal, ela já havia conquistado a glória e estava deixando a carreira no
auge. E claro, qualquer coisa que Peyton fizesse era motivo de orgulho.
Quer competir: toma aqui tudo o que precisa.
Quer se casar: vamos fazer o casamento mais caro que podemos.
Agora eles morrem de orgulho da Peyton ter um marido perfeito e
um filho lindo. Eu fiquei contente com o fato de que, a partir do momento
em que Peyton saiu dos holofotes, as atenções se voltariam para mim. Eu
tinha 17 anos quando Peyton se casou e já patinava e competia, mas sempre
ficando com as sobras da minha irmã, campeã olímpica. Nunca havia o
suficiente para me dar o melhor.
Só que toda a atenção continuou em Peyton que logo engravidou e
todo mundo esperou aquela gravidez do mesmo jeito que esperou a medalha
olímpica. Albie nasceu e se tornou o queridinho da família e até eu me
apaixonei por ele.
Naquela época, cheguei a cogitar largar a patinação, talvez entrar em
uma faculdade, já que as coisas não pareciam dar muito certo pra mim.
Porém, Peyton se cansou logo de brincar de casinha e decidiu que ia cuidar
pessoalmente da minha carreira a partir de então. E há quatro anos ela tinha
como missão que eu me tornasse tão boa quanto ela. O que consistia em
infernizar a minha vida quando eu não superava suas altas expectativas. Ou
seja, quase sempre.
— Eu falei que ia ver Tyler... — respondo a Peyton, tirando meu
casaco.
— Como pôde deixar que a situação saísse do controle deste jeito,
Alana? Tem noção do que fez?
— Foi o Dimitri quem machucou o Tyler!
— Queria fazer essa maldita festa com aquela gente e eu avisei que
ninguém é seu amigo! E olha no que deu! A culpa é sua sim!
— Eu não fiz nada! Eu só queria uma festa de aniversário como uma
pessoa normal. Eu não tenho mais 13 anos!
— Mas age como se tivesse! Não é uma pessoa normal, é uma
atleta!
— Para de jogar a culpa em mim! Eu faço tudo o que me pede, acha
que também não quero ser campeã? Não tenho culpa do que aconteceu, se o
Dimitri é um filho da puta que agrediu o Tyler!
— Pois é culpa é sua! É uma inconsequente, teimosa e imatura!
Tenho me desdobrado para te ajudar, para transformar você em uma campeã
e joga tudo no lixo com esse seu comportamento! Nunca vai ser nada!
Nunca vai ganhar um ouro! Estamos treinando há anos para essa
Olimpíada, era sua chance!
— Está sendo injusta, Peyton! Para de ser uma bruxa uma vez na
vida!
— Sua vaca mal-agradecida! — Peyton grita.
— Você que é uma vaca!
Antes que eu me dê conta, minha mãe se aproxima e me dá um tapa
no rosto com força.
Eu nem tenho tempo para me recuperar e minha mãe segura meu
braço me sacudindo.
— Peça desculpa para sua irmã. Agora.
Meus lábios tremem e a dor espalha do meu rosto para meu peito,
me impedindo de respirar.
— Desculpa — murmuro com a voz embargada.
— Nunca mais fale assim com sua irmã. Peyton faz de tudo pela sua
carreira, devia ser mais agradecida. Ela tem razão, a culpa é sua. Não
deveria ter se envolvido nessa confusão. Acha que não ficamos sabendo que
foi você quem foi caçar briga com a Kiara Willians?
— Eu não queria que acabasse assim, Dimitri se intrometeu...
— Chega! — Peyton dardeja. — Kiara é uma vadia e todos sabemos
disso, mas mais uma vez vai se dar bem e você mal!
Ela odeia Kiara também, assim como eu. Ainda mais quando Kiara
tirou a coroa dela de patinadora do momento.
— Bem, acho que já chega dessa briga — meu pai finalmente se
intromete.
Ele não é de tomar a linha de frente nas desavenças, mas sempre é
quem termina as brigas, como um juiz.
E sempre toma partido da Peyton, óbvio.
— Suba para seu quarto, Alana. Estamos todos muito decepcionados
com você.
Eu engulo a vontade de chorar e subo para meu quarto, batendo a
porta.
Deveria saber que não seria fácil na minha casa, mas acho que foi
pior do que imaginava. Acho que tive alguma esperança de que eles vissem
que a culpa foi do Dimitri e não minha. Talvez me consolasse, mas fui
ingênua demais.
— Tia Alana?
Albie entra no quarto e abro um sorriso, enxugando o rosto, abrindo
os braços para que ele se enrosque em mim.
— Oi, querido.
— Por que está chorando?
— Porque eu perdi algo muito importante pra mim.
— Algum brinquedo?
Rio, fungando.
— É, seria mais fácil se fosse um brinquedo.
— Mamãe está brava com você, não é?
— Sim, ela está.
— Eu não estou bravo com você.
Eu o aperto mais, Albie é o único naquela família que parece querer
me consolar, mas não demora para Peyton abrir a porta do quarto.
— Albie, vá comer. Deixei sua tia em paz.
Ele sai do meu colo e faz o que a mãe mandou. Peyton só me lança
um olhar raivoso, antes de ir.
Espero ela sair e enfio a mão embaixo da cama. Pego uma caixa que
guardo ali, escondida para aquelas situações.
Eu a abro, os doces e chocolates aguardando por mim.
Abro uma barra e enfio na boca, nem mastigando direito, no afã de
engolir. Pego um saco de marshmallow e faço o mesmo, mal sentindo o
gosto do açúcar se espalhar pela boca.
Como todos aqueles doces até que não caibam mais em mim.
E então, eu me levanto, vou até o banheiro, fecho a porta. Eu me
ajoelho em frente ao vaso e enfio o dedo na garganta.
Capítulo 5
Dimitri

— Ainda estou meio chocada por encontrar a Alana aqui na sua casa
— Diana diz quando Alana se vai.
— Então não imagina o meu choque quando cheguei e ela estava
deitada na minha varanda parecendo uma mendiga qualquer — resmungo
indo para a cozinha e ligando a cafeteira. Boris vem atrás de mim e deita
aos meus pés.
Ainda estou irritado por ter ouvido Alana me chamar de monstro.
Eu escutei boa parte da discussão das duas, antes de descer.
Alana é uma gnomo insuportável, mas nesta acusação talvez ela
esteja certa.
Eu me viro para encarar Diana.
— Também estou chocado de ver você aqui.
— Ainda está com raiva de mim.
— Não sei se um dia vai passar. — Não nego enquanto abro a
geladeira e pego alguns ovos.
Meu treinador ficaria horrorizado com este café da manhã.
Jamais podemos sair da linha. Mas quem se importa, não vou mais
aos Jogos de Inverno. Posso comer todas as gorduras saturadas até explodir.
De fato, pego meu celular em cima da bancada e mando um recado
para Landon, convidando-o para beber.
Não saio com Landon há um bom tempo, desde que começamos o
treino pesado para as Olimpíadas. Tudo o que eu fazia nos últimos meses
era acordar cedo, correr na praia, nadar. Comer alimentos que estivessem na
minha dieta restrita, treinar no ringue de patinação no mínimo seis horas por
dia. Sem contar musculação, ballet, pilates, passar o programa com a
coreógrafa e dormir cedo para estar bem disposto no dia seguinte para fazer
a mesma coisa.
Eu até mesmo não estava transando, quanto mais sair para beber e
curtir com meu melhor amigo. Eu achava que Diana também estivesse sob a
mesma pressão, mas parece que ela andou se divertindo por aí.
Só de pensar nisso já sinto a raiva me dominando de novo. Não, não
sei quando vou conseguir perdoar Diana.
Não dá.
— Acho que me precipitei vindo aqui hoje em busca de perdão, não
é?
Jogo os ovos na frigideira.
E não respondo.
A verdade é que não quero brigar com Diana.
Não quero gritar, perder o controle e Deus me livre partir para vias
de fato.
Respiro fundo e encho uma xícara de café. Pego meu celular e tem
um recado do meu pai pedindo que ligue pra ele, sinto um embrulho ruim
no estômago.
Não vai ser uma conversa fácil quando eu lhe contar o que
aconteceu.
Porém, por enquanto, ignoro a mensagem e escolho uma playlist
para ouvir. Ligo na caixa de som e os primeiros acordes de Nirvana com
Come as You Are enche a cozinha.
— Nunca vou entender como isso pode te acalmar — Diana
comenta e olha com censura para o prato de ovos que começo a devorar. —
Vai ter um ataque cardíaco comendo essas merdas gordurosas. Paul vai te
matar.
— Paul vai perder o emprego, afinal não precisamos mais dele.
Paul é nosso técnico.
Diana esboça um sorriso triste.
— Tem razão. Isso me lembra que precisamos falar com ele.
— Fale você, se vira.
— Não vai adiantar manter essa atitude.
— Foda-se.
— Já contou ao seu pai?
Eu engulo com dificuldade.
Certo, o café não está adiantando. Preciso de álcool.
Preciso de alguma coisa que me faça esquecer que minha vida virou
uma merda. Talvez o álcool seja pouco, preciso de uma boceta para
extravasar a fúria que começa a me dominar, embora eu tenha prometido
me controlar.
— Ainda não.
— Andrey vai ficar puto.
— Você acha? — Eu a encaro irritado. — Diana, sério, veio fazer o
que aqui? Por que não dá o fora e me deixa em paz?
— Eu não vim aqui só pra pedir desculpas, mais uma vez. Eu vim
ver como estava. Sabia que estaria mal.
— Sim, estou péssimo. E como se não tivesse que lidar com o fato
de que você me ferrou, ainda tem Tyler...
— Aquilo foi horrível, mas você não fez por mal.
— Acha que muda o fato de que ele está machucado?
— Não deveria ter se metido na desavença da Alana com a Kiara.
— Eu sei.
— Então por que se intrometeu?
— Alana estava falando um monte de merda para a Kiara...
— Kiara não precisa que a defenda.
— Eu estava defendendo você também. Estava com raiva das
mentiras que aquela gnomo filha da puta estava espalhando. E no fim, ela
tinha razão. Não eram mentiras. Agora estou ferrado e Alana também.
— Nem um dos dois tem culpa. Realmente não parece justo que não
compitam. Mas e se vocês formassem uma dupla?
Levanto o olhar do meu prato.
— Como é?
— Sim, por que não? Alana perdeu o parceiro e você também.
Podem formar uma nova dupla.
— Eu nem tenho por onde começar a explicar o quanto essa
sugestão é absurda.
— Não é tão absurda. Sei que tem pouquíssimo tempo para treinar e
se entrosar, mas...
— É só um dos motivos. Eu e Alana somos péssimos juntos.
— Isso foi quando tinham 13 anos. Alana é profissional agora e
você também.
— Alana me odeia.
— Ela odeia todo mundo, e daí? Só precisam treinar juntos e se
apresentarem. E mesmo que não haja tanta chance de medalha, pelo menos
estarão lá.
— Está falando um monte de bobagem! Acha que o comitê iria
permitir?
— Seu pai é Andrey Ivanov, claro que iriam dar um jeito de
permitir! Os dois foram classificados! Têm direito de estarem lá. Só que
agora juntos.
— Nunca daria certo. Alana é intragável.
— Dizem que você também.
— Mais um motivo, provavelmente nos mataríamos antes que
conseguíssemos fazer um programa completo.
— Eu acho que competir com Alana é melhor do que não competir.
Está há quatro anos se preparando pra isso. Não é justo que fique de fora. E
não é justo que Alana fique de fora também. Eu e Tyler já estamos, vocês
podem dar um jeito.
Engulo os ovos na minha boca, com a ajuda de um grande gole de
café enquanto Kurt Cobain grita com sua voz rouca nos alto-falantes. Por
um momento me recordo de estar levantando Alana, há dez anos, e a
derrubando no chão.
O olhar irritado do meu pai.
A frustação dela.
A minha própria impaciência.
E me lembro da Alana me encarando com raiva ontem na boate.
Seus punhos me agredindo e meu próprio punho se erguendo para revidar.
Não. Eu e Alana juntos é sinônimo de catástrofe.
— Está louca, isso não tem a menor chance de acontecer. —
Encerro a conversa e Diana se levanta, com uma expressão vencida.
— Certo. Eu dei minha sugestão. Agora preciso ir, vejo que não
quer minha companhia.
— Eu quero sua companhia mais que tudo. Desejei sua companhia e
foi minha pessoa preferida por todos esses anos. Não haja como se eu
tivesse ferrado com tudo quando é você que está fazendo isso.
Diana se encolhe com minhas palavras ferinas, mas ainda estou com
raiva.
— Vai embora — exijo, porque não quero mais brigar com ela.
Não vai adiantar nada.
Não muda o fato de que já tomou sua decisão e não foi a meu favor.
Ninguém nunca toma uma decisão a meu favor.
Estou sozinho de novo, como sempre.

***
Quando entro no quarto de hospital, ainda não sei o que vou dizer.
Mas desde que Diana me deixou sozinho com a bagunça que estava na
minha mente, eu me sentia cada vez mais angustiado e perdido.
Com o celular entre os dedos, hesitei durante algumas horas em
fazer o que já deveria ter feito. Comunicar Andrey de que tinha ferrado com
tudo.
Eu me sentia vazio.
Sem qualquer perspectiva.
Se me tirassem a patinação. O que sobrava?
E por um momento, me compadeci do Tyler e de muitas maneiras
senti-me pior por ele do que por mim.
Eu não escolhi aquele desfecho, mas Tyler tampouco.
Você não está machucado, ache uma parceira que substitua Diana e
entre naquele maldito ringue, nem que seja para perder. Uma voz que se
parecia muito com Diana ainda teimava em sussurrar dentro de mim.
Mas era um absurdo. Não havia tempo.
Não havia ninguém que se prestaria a isso.
A não ser Alana Percy.
A maldita gnomo encrenqueira.
Não. O inferno vai congelar antes que eu faça dupla com Alana.
No fim, Landon respondeu que também estava treinando. Landon é
jogador de hóquei e estará nas Olimpíadas com o time do Canadá, mas deve
ter percebido a urgência do meu convite em um momento como aquele,
pois prometeu vir até a minha casa no fim da noite.
Quase pedi para que ele trouxesse uma de suas amiguinhas. Landon
é um galinha que fazia jus a sua fama de galã do time, e fodia toda e
qualquer garota que aparecesse na sua frente. Mas hoje talvez apenas
desabafar com meu amigo sem ter que dar atenção a qualquer mulher
pegajosa seja a melhor pedida.
Eu terei muito tempo a partir de agora para recuperar o tempo
perdido. Pensei com amargor.
Então, decidi ir visitar Tyler. Eu devia isso a ele.
Embora, agora eu não saiba o que dizer quando me aproximo de sua
cama de hospital, sentindo a culpa apertar meu peito ao ver seu tornozelo
engessado sobre os lençóis.
— Ei, cara. Sou eu que estou quebrado, mas parece pior que eu —
Tyler comenta com um inesperado bom humor.
Eu abro um sorriso relutante.
— Em seu lugar eu teria pulado dessa cama, com tornozelo
engessado e tudo e matado o cara que me machucou.
— Fiquei sabendo que também está ferrado, não precisa que eu te
machuque. Sem contar que não faço o tipo do cara brutamonte que resolve
tudo na porrada.
— Eu também não.
Ele levanta a sobrancelha com ironia.
— Eu queria não ser. Acredita?
— Nunca achei que fosse uma má pessoa, Dimitri. Nunca brigamos,
nunca foi filho da puta comigo.
— Eu nunca quis te machucar. Eu jamais...
— Eu sei.
— Eu só queria...
— Defender a Kiara.
— E isso é ridículo, eu sei, mas a Alana... ela me tirou do sério.
— Alana não tem limites quando se trata de provocar os outros. É a
maneira que ela se defende.
— Se defender do quê? As pessoas que precisam se defender dos
ataques escrotos dela.
— Alana não é essa pessoa horrível que pinta.
— Desculpa se eu não acredito. Ela gosta de confusão. E ontem
estava caçando confusão com a Kiara.
— Disse bem, com a Kiara. Não com você.
— E eu estava puto por causa das fofocas com a Diana.
— Não eram fofocas.
— Eu não sabia... inferno, Diana ferrou com tudo. Acho que o
universo foi rápido em me punir, pelo que te causei.
— Sim, fiquei sabendo. Sinto muito. Você merecia estar nesses
jogos. Com certeza ia ser medalha.
— Você também merecia. Acho que até aquela gnomo maldita da
Alana merecia. É tudo uma merda. E eu nem sei como começar a te pedir
desculpas.
— Foi um acidente. Não estou te culpando.
— Alana está.
— Alana já não ia com a sua cara muito antes disso acontecer. Acho
que ela nunca superou que a trocou por Kiara.
— Não tive culpa. Nós éramos péssimos juntos. E agora Diana acha
que eu deveria convidar Alana a fazer uma dupla comigo, não sei de onde
ela tirou isso.
— Para agora?
— Sim, para competir nessas Olimpíadas. Não tem como dar certo.
— Mas pode ser uma boa, pensando bem... Deveriam competir
juntos.
— Mesmo que eu considerasse não temos tempo hábil. Jamais
ganharíamos qualquer coisa.
— Mas competiriam. Não ficariam de fora. Eu acho que deveria
pensar nisso.
— Alana jamais aceitaria.
Eu nem posso acreditar que estou começando a achar aquela ideia
não tão absurda.
A verdade é que eu quero estar naqueles jogos.
Quero mais que tudo.
E não quero decepcionar meu pai. Não quero que Andrey jogue na
minha cara que ferrei com tudo. Talvez pelo menos competindo com Alana,
possa não sair tão por baixo.
Mas como fazer com que duas pessoas que se odeiam confiem uma
na outra a este ponto?
— Eu sei que Alana é difícil. Mais do que ninguém, eu sei. Mas
também sei que ela é determinada. Que é dedicada e tem fogo correndo no
lugar de sangue quando se trata de competir. E ela está arrasada agora,
como você. Como eu e Diana. Mas você e Alana ainda podem ao menos
estarem nos Jogos Olímpicos. Podem superar a si mesmos, ainda que não
superem os outros competidores que tiveram mais tempo para treinar.

Eu saio do hospital e entro no carro, com as palavras do Tyler


reverberando em minha mente, meu celular toca.
É meu pai.
Desta vez, eu atendo.
— Ei, pai.
— Por que não atendeu antes?
— Não foi um dia fácil.
— Estou escutando uns rumores...
— Porra, a fofoca já chegou ao ouro lado do mundo?
— O que está acontecendo, Dimitri? Paul me ligou, disse que
Diana o comunicou que não vai mais competir porque está grávida?
— É verdade. E antes que pergunte, não, não engravidei minha
parceira. E também fiquei surpreso com essa notícia. Estou... decepcionado
e furioso.
Andrey solta um palavrão em russo. E fica em silêncio. Eu sei que
ele está nervoso. Meu pai não é um homem de perder o controle. De gritar.
Extravasar. Ele tem um jeito muito particular e comedido de demonstrar
suas insatisfações.
Pode durar dias, semanas, a maneira que ele te trata. A frieza. A
distância. Os olhares de gelo que te fazem sentir um inseto.
— Sua parceira não poderia ter ficado com as pernas fechadas?
— Pai, isso é horrível de se dizer, embora eu concorde que ela
ferrou com tudo. Mas sei que essa Olimpíada era tão importante para mim
quanto para Diana. E a decisão que tomou... Infelizmente só ela pode
decidir.
— E simples assim, você vai jogar fora anos de preparação. Me
disse que este ano traria o ouro e só está me trazendo vergonha!
— Eu ainda posso competir — decido rápido. — Posso ter uma
dupla.
— Agora? Isso é absurdo.
— Eu sou seu filho, porra! Tenho certeza que pode mexer os
pauzinhos para conseguir junto ao comitê que eu patine com Alana Percy.
— Alana Percy? A irmã da Peyton Percy?
— Sim, aconteceu um acidente com o parceiro dela. — Omito que o
acidente foi cometido por mim. — E ela também ficou sem parceiro,
podemos treinar juntos.
— Jamais conseguiriam uma medalha a essa altura.
— Talvez se surpreenda. Mas eu não quero ficar de fora, pai.
Preciso estar nesses jogos, não quero esperar mais quatro anos. Alana Percy
é minha única chance.
Mesmo sendo uma vadia louca.
— Certo. Competir é melhor do que ficar de fora. Mesmo
duvidando que consiga uma boa colocação.
— Vamos fazer o melhor.
— Estou indo para uma apresentação em Toronto na próxima
semana. Esteja lá, com Alana Percy. Eu ficarei no Canadá para eu mesmo
treinar vocês. Não vou deixar que envergonhe o nome Ivanov.
E ele desliga.
Seco assim.
Andrey não é um homem amoroso ou compreensivo.
Ele é o técnico acima do pai. E é o que está se tornando agora de
novo.
Eu deveria ficar satisfeito. Andrey Ivanov é um dos maiores
técnicos do mundo. E está vindo treinar a mim e Alana.
Porra, Alana.
Eu vou fazer dupla com Alana Percy.
Só tem um detalhe.
Eu preciso convencê-la primeiro.
Capítulo 6
Dimitri

Quando chego em casa, ainda não sei como farei para convencer
Alana, mas sei que preciso tentar. Não me agrada ter que pedir o que quer
que seja àquela gnomo insuportável, mas agora que garanti ao meu pai que
achei a solução, não tenho escolha a não ser convencê-la que é uma boa
ideia ser minha parceira.
Eu passo uma mensagem a Diana e peço o celular da Alana. Diana
me pergunta por que e respondo que pensei em sua sugestão e que pretendo
fazer a proposta a Alana.
Diana me informa o número e pede que eu seja “educado e
humilde”.
Solto uma risada irônica.
Nem fodendo.
Subo para o quarto, hesitando em ligar, pensando em como abordá-
la. Intimidador e agressivo? Maduro e profissional?
Só sei que não estou a fim de ser humilde e educado com alguém
como Alana. Se vamos fazer isso juntos, ela precisa saber que estou no
comando.
Quando entro no banheiro, avisto um colar em cima da pia. Eu o
apanho e franzo o olhar para o pingente em forma de patins.
Só pode ser da Alana.
Certo. Tenho um motivo para entrar em contato.
Disco seu número e demora alguns toques para escutar sua voz.
— Alô? — ela atende, desconfiada. Provavelmente por não saber
quem é.
— Oi, é o Dimitri.
Ela desliga.
Simples assim, sem nem se dar ao trabalho de me ouvir.
— Inferno.
Disco de novo.
Ela atende com um “Vai se foder, Dimitri.”.
E desliga.
Eu insisto de novo.
— Se desligar na minha cara eu vou aí na sua casa agora — falo
rápido.
— Como conseguiu meu número?
— Com Diana.
— E por que está me ligando?
— Preciso conversar com você.
Ela ri.
— Conversar o quê? O que quer? Não temos nada pra falar! Aliás,
quero distância de você! Toda vez que estou perto de você alguma merda
acontece! Quebrou o tornozelo do meu parceiro, me desclassificou das
Olimpíadas, depois vomitou em mim e sem contar que ficou balançando
esse pinto fino na minha frente!
— Parece que meu pênis é um assunto que te marcou mesmo —
provoco.
— Ah vai se foder...
— Não desliga!
— Então fala logo o que quer.
— Conversar com você. Pode se encontrar comigo hoje à noite?
Ela fica em silêncio e acho que está em choque.
— Alana?
— Está pedindo para sair comigo?
— Não neste sentido. Quero conversar com você um assunto sério.
— Não tenho nenhum assunto em comum com você.
— Temos sim.
— Não. Me deixe em paz.
— Se você se recusar a se encontrar comigo, vou jogar no lixo algo
que achei aqui, que esqueceu na minha casa.
— Achou minha calcinha?
— Calcinha?
— Ah merda.
— Deixou sua maldita calcinha aqui?
— Provavelmente está na máquina de lavar, eu não achei, esquece.
— Não é sua calcinha velha. É seu colar.
— Não! Não joga meu colar fora.
— Tarde demais, estou jogando na privada...
— Por favor, esse colar é importante.
— Então temos um encontro?
— Credo, não fale nesses termos.
— Que termos?
— Não vou a um encontro com você e nem sei por que insiste em
falar comigo.
— É um assunto de seu interesse. Vou te buscar em uma hora.
— Não, nem pense em vir à minha casa.
— Certo. Vamos à pista de patinação no centro.
— Pista de patinação, sério?
— Lugar público. Achei que iria gostar. E claro, ouvi dizer que sabe
fazer algumas piruetas.
— Eu faço mais do que algumas piruetas.
— Acho que chegou a hora de provar. Daqui a uma hora. Se não for,
jogo seu lindo colar no esgoto.
Eu desligo e intrigado vou até a máquina de lavar.
Retiro minhas roupas que estão lá e, enganchado no fundo da
máquina, puxo uma peça de renda preta.
Estico entre os dedos o fio dental, um tanto chocado.
Alana Percy usa aquele tipo de calcinha? Acho que eu nunca
poderia imaginar. Não que eu perdesse meu tempo imaginando Alana Percy
de lingerie.
Embora agora não possa evitar minha mente traidora imaginando
exatamente isso.
Alana Percy usando aquela peça minúscula.
Merda.
É uma visão inesperadamente interessante que faz meu pau dar um
salto dentro da calça. O que é totalmente nojento.
Calma aí, cara. Não gostamos da Alana Percy.
— Uau, gostei.
Eu dou um pulo ao ouvir a voz atrás de mim e Landon está ali, me
encarando com um riso malicioso.
— Porra cara, quase me matou de susto.
— Estou vendo! Está usando calcinha agora, Dimi boy? Ou é de
alguma garota que anda pegando? Achei que estivesse celibatário e tudo o
mais...
— Nem um e nem outro. Sim, uma garota esqueceu aqui.
Ele levanta a sobrancelha.
— Longa história, mas não trepei com ela.
— Uma pena, uma garota que usa isso, deve ser bem quente. Se não
está pegando me apresenta.
— Não, não vai comer Alana Percy. — Faço uma careta.
— Alana Percy? Não é a patinadora?
— Sim, uma patinadora insuportável. Duvido que valha a pena
perder seu tempo com uma bruxa daquelas.
— Não tenho medo de bruxas, às vezes elas são até mais
interessantes do que as boazinhas.
— Sério, cara, você só pensa nisso?
— Não posso evitar. Agora me diz, por que me chamou aqui?
Eu olho a hora.
— Eu tenho que sair.
— Mas me chamou aqui...
— Sim, está tudo uma bagunça, mas se vier comigo, te conto no
caminho.
Quando estaciono o carro e saltamos, caminhamos em meio às
pessoas que passeiam por Downtown Vancouver, apesar do frio cortante.
Acabo de contar a Landon toda a confusão que aconteceu comigo nas
últimas 24 horas.
— Cara, como assim Diana está grávida? — Parece que foi tudo o
que ouviu.
— Antes que pergunte, não, não é meu.
— Eu nem ia perguntar...
— Acho que ia sim. Já me perguntou mil vezes por que eu não trepo
com a minha parceira. Como se eu fosse você, que transa com todo mundo.
— Mas transa com todo mundo menos com a Diana, até onde sei.
— Diana é minha parceira, nunca é uma boa ideia levar a parceria
no gelo para a cama.
— Cara... que merda! Ela contou quem é?
— O pai? Não. E no fim acho que nem faz diferença pra mim agora.
Ela ferrou com tudo engravidando. Não vai se livrar do bebê e estou sem
uma parceira.
— Mas acabou de dizer que quebrou o tornozelo do parceiro da
Alana Percy e por isso vai chamá-la para patinar contigo.
— Ainda nem sei se é uma boa ideia, mas é minha única saída no
momento. Só preciso convencê-la de que é a única solução para ela
também.
— E lá está ela.
Olho na direção que Landon aponta e Alana está se aproximando.
Assim como nós, ela veste um casaco pesado por cima das roupas, os
cabelos estão presos em um rabo de cavalo e ela se aproxima como quem
está indo para a briga.
Lá vamos nós.
Alana

Ainda me pergunto que diabos estava pensando em aceitar o convite


do Dimitri quando chego à pista de gelo montada para o Natal.
Talvez eu estivesse curiosa para saber por que Dimitri queria tanto
falar comigo, sendo que nunca tivemos uma conversa decente em dez anos.
E não faz sentido que ele queira papo comigo justamente agora que eu o
odeio um pouco mais que ontem.
Mas estava entediada no meu quarto, assistindo a um filme bobo de
Natal, tentando esquecer que a partir daquele momento eu estaria entediada
por um longo tempo, já que não estaria mais treinando para os Jogos
Olímpicos de Inverno.
E toda vez que pensava neste fato, doía um pouco mais.
Minha família estava decepcionada comigo e eu sabia que não
falariam comigo tão cedo. Eu estava me contendo para não descer e pedir
desculpas de novo, talvez aguentar mais um pouco de palavras duras até
que eles se conformassem que mais uma vez eu tinha ferrado com tudo,
mas que não tínhamos alternativa a não ser seguir em frente.
Tyler ficaria bom. Ano que vem teremos mundial e começamos tudo
de novo. E ainda poderíamos competir em mais uma Olimpíada, quem sabe
mais duas?
Mas antes que eu decidisse se valia a pena me humilhar hoje ou se
ainda era cedo, me surpreendi com a ligação do Dimitri.
Eu não tinha a menor intenção de falar com ele, mas o imbecil
estava com meu colar, que até aquele momento não lembrava ter esquecido
na casa dele.
Sem contar a maldita calcinha que fiz a bobagem de abrir a boca e
confessar que também deixei lá.
Parece que a humilhação não tinha fim.
Acabei concordando em vir encontrá-lo a contragosto e não posso
negar que estou intrigada. Agora, avisto Dimitri mais à frente e ao lado dele
está Landon Frost e me pergunto o que ele pretende.
Por que o amigo galinha do hóquei dele está ali?
Nunca falei com Landon Frost na minha vida, mas sei que assim
como Dimitri ele é um babaca arrogante que vive a exibir o pau por aí.
Tudo bem que ele é mesmo lindo, com seus cabelos castanho-claros
bagunçados, olhos verdes e rosto bonito.
Molly, uma das patinadoras da equipe olímpica, já ficou com ele, e
no dia seguinte ela espalhou para quem quisesse ouvir que Landon Frost
tinha uma barriga de tanquinho que ela gostaria de lavar todas as suas
calcinhas.
— Trouxe seu amiguinho canalha com você? — indaguei quando
me aproximei.
— Wow, essa doeu. — Landon ri. — É assim que me apresenta a
suas amigas, Dimi boy?
— Não sou amiga deste paspalho, para começar.
— Mas está me chamando de canalha por quê?
— Sua fama o precede.
— E você sabe da minha fama? É uma fã?
— Prefiro Jackson Hart, mil vezes melhor que você nos ataques.
Todo mundo sabe que Landon odeia Jackson Hart, um dos seus
concorrentes no hóquei.
— Tem razão, ela é uma vaca — ele diz a Dimitri.
Eu não me ofendo. Não estou ali para fazer Landon Frost gostar de
mim.
— Ah, então é assim que Dimitri me apresenta aos amigos?
— Na verdade, ele me falou de você enquanto me mostrava sua
calcinha.
Eu arregalo os olhos e observo horrorizada Dimitri tirar minha
calcinha do bolso, balançando-a no ar.
— Aliás, bela peça, me surpreendeu...
Arranco a calcinha da mão dele, vermelha enquanto ele e Landon
riem.
— Seus idiotas! Acha legal isso?
— Você nos chamou de canalhas... — Landon se justifica.
— Sério, por que diabos estou aqui, Dimitri? Certeza que não me
chamou para devolver minha calcinha. Está de brincadeira comigo?
— Vamos entrar na pista.
— Não vou a lugar nenhum contigo antes que me diga o que estou
fazendo aqui.
Dimitri me ignora e segue em frente até a recepção onde dá o cartão,
pedindo os patins, assim como todos que estão ali. As pistas de gelo abrem
por todo o inverno, para diversão.
Apesar de ter dito que não iria a lugar nenhum, eu os alcanço, de
mau humor.
— Sério? Vamos patinar mesmo?
— Está com medo de cair? — provoca, sentando-se para pôr os
patins.
— Deveria cair e quebrar algum osso, é o que merece.
— Para de ser chata.
Bufando, eu me sento e começo a colocar os patins.
Landon termina antes e sai patinando.
Irritada, eu me enrolo com os cadarços e fico ainda mais nervosa
quando Dimitri termina de amarrar os seus e fica me esperando impaciente.
Até que sem aviso, se ajoelha na minha frente, afasta meus dedos, e ele
mesmo puxa os cadarços, primeiro um e depois do outro, até amarrá-los
firmes.
— Não sabe nem amarrar os patins?
— Eu estava fazendo isso, você que é apressado!
Eu me levanto e sigo na sua frente.
Posso escutar Dimitri atrás de mim e por um momento apenas
deslizamos pelo gelo.
— Ei, olha o que eu sei fazer — Landon acena e tenta fazer um giro,
enquanto segura um dos pés, caindo em seguida.
— Que babaca. — Gargalho, porque ver o grande Landon se
espatifando no chão é ótimo.
E quando me viro para Dimitri ele está me encarando com um olhar
esquisito.
— O quê?
— Acho que nunca vi você rir assim. Quer dizer, está sempre com
um risinho irônico nessa sua boca maldosa, mas nunca parece divertida.
— Eu posso ser divertida, Dimi boy — provoco com o apelido que
Landon o chamou —, mas reservo meu bom humor para quem merece.
— Quem? Seus amigos imaginários?
— Por que acha que eu não tenho amigos de verdade?
— Por que você não tem?
Rolo os olhos, não respondendo.
Não devo satisfação a Dimitri.
— Mostra para Landon como faz — ele me desafia.
— Não vou fazer isso.
— Por que não? Não sabe?
— Olha onde estamos. Não estamos aqui para patinar
profissionalmente.
— Eu te desafio. Vamos fazer um jogo.
— Não.
— Está com medo?
Ele patina de frente pra mim, os olhos claros brilhando em desafio.
Ah merda.
— Certo. O que quer?
— Quero ver um camel spin.
— Fácil.
Eu ganho impulso e giro. Spin é um elemento onde o patinador gira
rapidamente em eixo. Existem vários tipos spin e o camel spin é o giro
básico em um pé, onde o torso e a perna livre ficam perpendiculares,
formando uma letra T.
Executo o elemento com facilidade e encaro Dimitri.
— Pode melhorar — ele me provoca.
— Então faz melhor, combination spin — exigo.
Combinatin spin é uma combinação de spins. Camel, sit, upright e
layback.
Dimitri não se intimida e com uma expressão de descaso, desliza
pelo gelo, começando a girar, primeiro com o camel, depois muda rápido
para o sit, que consiste em se abaixar em um pé sobre a perna livre, paralela
ao solo, como se estivesse sentado, girando com velocidade.
Ele termina e algumas pessoas ao redor param para assistir,
aplaudindo.
Metido!
Ele faz uma mesura exagerada e Landon assovia com os dedos na
boca.
— Grande merda. Qualquer um faz isso — desdenho.
— Eu não faço — Landon diz.
— Ok, pede algo mais difícil.
— Um toe jump. Deixo escolher qual.
— Fácil.
Dimitri desliza pelo gelo e apoiando o toe pick do pé direito para dar
impulso ele salta, girando no ar e cai com perfeição no gelo, executando um
flip.
A galera aplaude ao redor.
— Agora você, gnominho. Um lutz.
Não demonstro que estou nervosa quando todos os olhares recaem
sobre mim. Deslizando para tomar impulso e tentando me concentrar,
ignoro que não deveria saltar sem ter me concentrado direito e muito
menos aquecido, com patins que não são meu.
Para muitos, os saltos flip e lutz são iguais, mas a diferença é o eixo,
que é o ângulo ou a inclinação da lâmina: eixo interno, seu pé está inclinado
para dentro. Eixo externo está inclinado para fora.
No lutz, o patinador se apoia no eixo interno para sair do chão.
Respirando fundo, impulsiono e giro no ar, porém, quando aterrisso,
me desequilibro e deslizo para o chão.
Droga!
Abro os olhos, e Dimiri está acima de mim, com um sorriso
irritante, enquanto me estende a mão.
— Flutz não vale.
Flutz é um termo para dizer que o patinador não fez o lutz
corretamente.
Tenho vontade de ignorar a mão do Dimitri, mas ele já está me
puxando para cima, enquanto uso a outra mão para limpar o gelo na minha
bunda.
— Faz melhor então! — Solto minha mão e ele sorri com
arrogância.
— Farei melhor.
E ele gira e não demora para fazer não só um lutz, mas um triple
lutz.
Que ódio que aquele psicótico nojento é bom no que faz.
— Foi pra isso que me chamou aqui? Pra se exibir? Por que não tira
a roupa e mostra seu pinto magro ou sua bunda branca pra todo mundo? Pra
mim já deu! — Dou meia-volta, girando para dar o fora dali, mas sem
aviso, Dimitri puxa meu braço e me posiciona para deslizar ao seu lado.
— Me solta...
— Throw jump. — Ele continua me impulsionando, uma mão no
meu braço e outra na minha cintura.
— Não, ficou louco? — Nem fodendo eu vou deixar Dimitri me
levantar e me jogar no ar para que eu caia esborrachada no chão.
— Está com medo?
— Não está satisfeito de ter quebrado o tornozelo do Tyler. Quer
quebrar o meu também? É esse seu plano? Não vou cair de novo!
— Ok, um twist lift — ele cita o levantamento onde a parceira é
lançada no ar, gira três vezes e o parceiro a pega novamente.
— Você vai me deixar cair.
— Não vou.
— Eu não acredito em você.
— Ok, vamos apostar, se eu não te deixar cair, você patina comigo.
Eu paro e me viro, chocada?
— O quê?
— Vai ser minha dupla para as Olimpíadas.
— Está louco?
— Não. Faz todo sentido. Você perdeu seu parceiro. Eu perdi minha
parceira. Vamos fazer uma dupla.
— Isso é ridículo em tantos níveis que não consigo nem começar a
classificar!
— Eu sei todos. Não treinamos juntos há tempo suficiente. Eu sou
melhor tecnicamente, você é uma megera encrenqueira e que não confia em
mim.
— Esqueceu de dizer que eu te odeio.
— E daí? Eu te odeio também.
— Não podemos patinar juntos! Não tem tempo suficiente para que
consigamos fazer qualquer coisa minimamente decente.
— Meu pai está vindo nos treinar.
Meu queixo cai.
— Andrey Ivanov?
— Sim. Ele estará em Toronto em vinte dias e pediu que fôssemos
encontrá-lo lá.
Eu encaro Dimitri ainda meio em choque, esperando que ele vá rir a
qualquer momento. Talvez tenha convencido o amigo idiota para me pregar
alguma peça, como um filme bobo dos anos 90?
Mas ele não está rindo. Na verdade, ele parece ansioso. Frustrado
com meu silêncio.
Ansioso com minha resposta.
— Está falando sério?
— Acho que nunca falei tão sério.
— Não pode querer ser meu parceiro.
— Quem disse que eu quero. Eu preciso.
— Precisa? Precisa de mim? Alana Percy.
De repente isso me parece delicioso de uma forma bem tóxica.
Mas não estou nem aí, eu me deliciei com o arrogante Dimitri
Ivanov implorando para que eu, Alana Percy, seja sua parceira.
Não interessa se ele disse que não queria. Óbvio que está sem saída
alguma. Que está sendo obrigado a me aturar.
Mas se Dimitri quer distância de mim, eu quero muito mais dele. Eu
quero dizer que esqueci a humilhação de dez anos atrás, mas a verdade é
que sou rancorosa pra cacete. E meu ranço por este cara em muito é
alimentado por este rancor tão antigo que é quase precioso.
Mas cá estamos nós.
Perdidos. Prestes a sermos deixados para trás, impedidos de estar na
maior competição do mundo.
A não ser que coloquemos nossa raiva mútua de lado e façamos uma
parceria.
— Como inferno isso pode dar certo?
— Estou disposto a sangrar para dar certo. A pergunta é o que está
disposta a fazer? — ele me desafia. E de novo volta a nos girar.
Eu ainda estou confusa e sem saber o que pensar.
Quanto mais o que responder.
Eu e Dimitri.
Juntos.
Treinando juntos.
Todo dia. Longas horas.
Ele não percebe o quão fodido vai ser?
Se eu não o matar, ele vai me matar. Só pode terminar com um de
nós machucado no chão e nem estou falando só de feridas físicas.
Eu sei como é ser a que ficou sangrando para trás.
Dimitri não faz ideia.
Mas que saída eu tenho?
— Um twist lift e vamos ver o que podemos fazer juntos.
— Se me derrubar eu te mato. — É a última coisa que tenho a
chance de falar até que Dimitri segura minha cintura e me joga para cima.
Eu faço minha parte, impulsionando o corpo para a vertical, quando me
sinto voando acima da cabeça do Dimitri e giro duas vezes, porém, termino
a rotação antes do tempo, e ele me pega no susto, se desequilibrando e nós
dois vamos ao chão. Dimitri me abraça, me levanto para cima dele,
amortecendo minha queda.
— Porra, Dimitri! — reclamo sem ar, levantando a cabeça e ele está
rindo. — Podia ter quebrado não só o meu pé como o seu!
— Mas não quebrei. Nem seu precioso pé e muito menos o meu.
— Mas caímos! Disse que não ia me derrubar.
— Não te derrubei, estou te segurando. — E ele me aperta mais para
provar. Desnecessário e eu me remexo para me livrar, mas Dimitri me
mantém cativa.
— Acho que era meio óbvio que não ia ser perfeito.
— O grande Dimitri Ivanov se contentando com menos que a
perfeição?
— Temos que nos adaptar às vezes. E aceitar menos que
merecemos.
— Você tem uma maneira tão fofa de implorar, Dimitri! — rebato
com ironia. — Me diga por que eu aceitaria ser sua parceira? Para quando
der merda, me culpar, porque eu não sou tão boa quanto você?
— Por que eu faria isso?
— Aposto que vai fazer. Vai me machucar e ainda me fazer acreditar
que a culpa é minha.
— Se aceitar, não posso te garantir que não vou te machucar.
E de repente, tenho a impressão de que não estamos mais falando só
de patinar.
— Se me machucar. Eu não vou chorar. Eu vou machucar você
também.
— Isso é um sim?
Hesito por um momento. Avaliando a proposta insólita do Dimitri.
Se aceitar estarei me colocando nas mãos desse cara. Literalmente.
Mas se não aceitar, estarei fora das Olimpíadas.
Acho que estou ferrada seja qual for minha resposta.
Sacudo a cabeça em afirmativa e Dimitri franze o olhar.
— Sim?
— Sim, idiota. Isso é um sim.
— Ei, arrumem um quarto.
Landon para acima de nós com risinho malicioso e eu imagino o
espetáculo que estamos dando, comigo estatelada em cima do Dimitri.
Estendo a mão para Landon me ajudar. Ele me puxa e Dimitri se
levanta em seguida, limpando o gelo da roupa.
— Sabe que não fodo minhas parceiras — Dimitri responde a
provocação de Landon.
— Parceira, hein?
— Alana implorou e estou na minha semana de fazer caridade.
— Já estou começando a me arrepender, então para de ser
engraçadinho. Eu vou embora.
— Achei que iríamos tomar uma cerveja? Não vem com a gente,
Alana — Landon questiona.
— Serio que é assim que se prepara para uma grande competição?
Enchendo a cara? Avisa logo que eu já acabo com essa parceria por aqui,
não vou deixar um pudim de álcool me jogar de lá pra cá.
— Uma cerveja não mata ninguém não, lindinha! — Landon diz e
eu o encaro com uma careta.
— É um elogio — ele insiste rindo.
— Não dê em cima de mim. Não sou uma de suas fãs.
— Ei, chega vocês dois — Dimitri nos interrompe. — Melhor irmos
todos embora dormir. Alana, amanhã, sete horas na minha casa.
— Sua casa?
— Não atrase. — Ele puxa Landon que vira e pisca pra mim.
Puta merda.
Eu acabei de aceitar ser parceira de Dimitri Ivanov?
Parece que sim.
Capítulo 7
Alana

— Você ficou louca?


Escolho a mesa de café da manhã para contar a Peyton e a meus pais
que Dimitri me convidou para competir fazendo dupla com ele.
Como esperado, ninguém estava preparado para essa notícia.
Quando eu treinei com Dimitri, há dez anos, tudo o que se esperava de mim
era que eu formasse uma dupla formidável com o filho de um dos maiores
patinadores no gelo de todos os tempos.
O plano foi por água abaixo quando Andrey me dispensou. Ainda
me recordo do olhar de decepção dos meus pais e a raiva da Peyton.
Ainda me lembro da minha própria decepção.
— Eu sei. Parece absurdo, mas que opção eu tenho?
— Com Dimitri Ivanov? Aquele babaca arrogante vive falando mal
de você por aí.
— Eu também vivo falando mal dele.
— Por isso mesmo! Vocês não se dão bem. Como pode confiar
nele?
— Não tenho escolha. É Dimitri ou não competir. Eu prefiro
competir.
— Alana, este garoto e o pai dele te humilharam, não te achavam
boa o suficiente para ser parceira do Dimitri Ivanov — papai pondera.
— E você acha que é boa o suficiente agora? — mamãe indaga. —
Quer ser humilhada de novo? Depois de tudo o que Peyton fez pra você...
Ah, inferno.
Quero dizer que não estamos falando da Peyton, mas sei que nada
vai adiantar. Ali, eu sou só uma extensão do que Peyton foi. Tenho
obrigação de continuar o legado maravilhoso da minha irmã campeã.
E a maior frustração deles é que não sou boa o suficiente.
— Mesmo se Dimitri não fosse um cretino, não há tempo hábil para
fazer um trabalho decente! Vai nos fazer passar vergonha.
— Não competir é uma vergonha!
— Não, não vou deixar você estragar tudo ainda mais.
— Podia ter um pouco mais de fé em mim, Petyon. Achei que iria
ficar contente por ao menos eu poder estar nos jogos! Eu quero estar lá.
Mesmo que com um idiota como o Dimitri.
— Não posso te dar apoio nisso! — Peyton joga as mãos para o ar.
— Não dê! Vou fazer mesmo assim.
— Alana, escute sua irmã... — mamãe se intromete.
— Nós já demitimos a Rory.
Rory Smith era nossa treinadora.
— Não tem problema. O próprio Andrey está vindo da Rússia para
nos treinar.
Desta vez eu tenho a atenção deles.
— Andrey Ivanov? — Peyton repete incrédula.
— Sim, afinal Dimitri é filho dele.
— Da outra vez, ele a botou pra correr. Por que acha que vai ser
diferente agora?
— Agora nem um de nós tem escolha a não ser fazer dar certo.
Eu me levanto e pego minha bolsa.
— Estou indo.
— Onde?
— Para a casa do Dimitri.
— Vou com você. — Peyton se levanta.
— Não, melhor não. — Aguentar Dimitri sozinha já seria um
inferno, imagina com Peyton metendo o bedelho. — E não disse que não ia
me apoiar?
— Agora que falou que Andrey virá, talvez haja uma chance de ao
menos não passarem vergonha.
Duvido que o problema dela seja que eu passe vergonha, e sim que a
irmã da Peyton Percy passe.
— Eu te dou uma carona, pelo menos.
— Não. Eu pego o metrô — dispenso.
Sei como Peyton é. Ela vai dizer que é só uma carona e quando
chegar lá vai querer entrar e quando menos se espera, ela já está se
intrometendo em tudo e aumentando a tensão em uma situação que já
prevejo que será difícil.

Quando desço do metrô, está nevando e caminho bem uns dez


minutos até a casa do Dimitri.
Hoje, mais do que nunca, me arrependo de não ter me dedicado
mais a aprender a dirigir. Mas depois de tomar bomba quatro vezes no teste
de direção, eu havia desistido. Afinal, Peyton sempre me dava carona, ou eu
podia pegar metrô, ônibus ou táxi.
Corro até a entrada da casa, irritada, molhada e apertada para ir ao
banheiro, toco a campainha, mas Dimitri não atende.
Bato com meus punhos na porta branca, reparando que o enfeite de
Natal que eu amassei está ali de novo, ainda que meio destruído.
— Dimitri! — grito olhando pela janela e vendo as luzes acesas, o
cachorro brincando e uma música alta tocando.
Nirvana?
Bato na porta de novo e como ele não atende, tento a maçaneta que
se abre.
Entro sem cerimônia porque não vou ficar congelando ali fora. Tiro
o casaco e minhas botas e penduro junto com a minha bolsa no armário do
hall.
— Dimitri? — chamo novamente.
Onde ele se meteu?
Ando pela sala, vou até a cozinha e nada.
Será que ele não está em casa?
Subo as escadas e bato na porta do seu quarto que está aberta e as
luzes acesas. Nada.
Já que ele não está ali, entro no quarto para ir ao banheiro, mas ao
abrir a porta eu paro chocada ao me deparar com Dimitri.
Ah minha nossa.
Ele está pelado. De novo. E isso não é o pior.
Ele está segurando o pau entre os dedos. Se masturbando de olhos
fechados, enquanto se apoia com a mão livre na pia.
Por um momento estou chocada demais para esboçar qualquer
reação e ok, depois de alguns segundos, me vejo meio hipnotizada pela
imagem, porque sim, é bem... estimulante.
E sem que eu consiga me conter, sinto meu rosto se tingir de
vermelho, de certo constrangimento mesclado com excitação. E o calor do
meu rosto se espalha por meu corpo e pulsa entre minhas coxas.
E acho que solto um som abafado de surpresa que faz Dimitri abrir
os olhos e girar a cabeça rápido em minha direção.
Por um momento, ele está tão chocado quanto eu e não esboça
reação, mas dura apenas alguns segundos, antes que arregale os olhos de
horror.
— Porra, que merda está fazendo aqui?
Ele pega uma toalha se cobrindo, como se adiantasse alguma coisa.
E não consigo deixar de rir, pelo absurdo da situação.
— Eu só queria usar o banheiro... não esperava que estivesse...
estivesse...
— Sai daqui!
Ele vem em minha direção e me empurra, fechando a porta na
minha cara.
Corro do quarto, esquecida da minha vontade de ir ao banheiro e
paro no meio da sala, me perguntando como devo agir agora.
Eu poderia agir como uma mocinha inocente e lhe dar uma boa lição
sobre o quão ultrajada estou com sua ceninha pervertida.
Seria um clichê e só faria Dimitri reagir como eu fosse uma idiota.
Então opto pela indiferença.
Afinal, se vamos estar juntos a maior parte do tempo a partir de
agora, posso fazer o sacrifício de tentar não brigar com ele a cada vez que
agir como um babaca que é.
Não que ele tenha culpa de eu ter invadido o banheiro em que estava
em um momento íntimo, claro.
De repente, a porta se abre e Paul Stevenson, o cara calvo de meia-
idade que é o treinador do Dimitri, aparece.
— Olá, Alana. — Ele franze a testa, surpreso de me ver ali,
enquanto tira o casaco.
— Oi.
O cachorro se aproxima dele, fazendo festinha e Paul brinca com
ele, o que demonstra que já o conhece.
— Onde está o Dimitri? — ele pergunta olhando para todos os lados
e menos pra mim e percebo que está achando que, se estou ali, é porque
dormi com Dimitri ou algo assim.
— O Dimitri está aqui.
Eu me viro para ver Dimitri descendo já vestido com uma malha
preta de treino.
Mordo os lábios, um pouco constrangida por um momento, ao me
lembrar do que aconteceu no banheiro, mas Dimitri apenas me lança um
olhar frio.
Certo. Cadê a indiferença, Alana?
Levanto o queixo e retribuo seu olhar com deboche.
— Já contou a novidade ao Paul?
— Novidade? — Paul indaga.
— Eu e Alana vamos treinar juntos.
A expressão de Paul é de pura incredulidade por um momento.
— Como assim?
— Para as Olimpíadas.
— Essa Olimpíada?
— Sim, Paul. Essa.
— Isso é loucura, Dimitri.
— Eu sei. Mas Alana perdeu o parceiro e eu também. Vamos fazer o
melhor que pudermos.
— Sabe que não é possível.
— Poderia ser menos pessimista? — reclamo. — E se você não
quiser ficar, não precisa, Andrey está vindo nos treinar.
— Seu pai?
— Sim, mas ele só chega daqui a duas semanas. Eu conto com você
para nos ajudar neste tempo. Vamos trabalhar, não temos tempo a perder.
— Aqui? — indago confusa.
— Sim, tenho uma sala de treino. — Ele avança pelo corredor e eu o
sigo. — E vamos começar primeiro ajustando a coreografia e treinando
levantamentos e, claro, corrigindo seus erros.
Dimitri desce as escadas do que deveria ser do porão, mas ao
acender a luz, me deparo com uma sala de dança completa com um grande
espelho. No outro lado há alguns aparelhos de musculação e um espaço
com tatame.
— Está mesmo falando sério? — Paul indaga ainda confuso.
— Sim, estou. E se meu pai acredita que vamos conseguir ao menos
fazer algo que preste, você deveria ter mais fé em mim.
Não deixo de reparar que ele fala “em mim” e não “em nós”.
— Babaca narcisista — resmungo jogando minha bolsa no chão e
prendendo meus cabelos.
— O que disse? — Dimitri se vira.
— Eu disse babaca narcisista. — Mexo meus lábios devagar para
que não haja dúvida do meu insulto. — Você está agindo como se todos os
esforços viessem de você.
— Devia ser mais agradecida.
Solto uma risada cheia de escárnio enquanto começo a me alongar.
— Vai se foder.
— Ei, se é esse o tom do treino de vocês, não vai dar certo...
— Essa gnomo idiota que não consegue manter essa língua de trapo
dentro da boca — Dimitri também começa a se alongar enquanto resmunga.
— E você não consegue manter o pau dentro das calças!
Ele se vira rápido e eu lhe mostro o dedo, antes de me agachar para
alongar o tronco.
— Você continua sem conseguir tirar o pau da sua boca.
— Seu filho da...
— Ei, chega — Paul nos interrompe. — Acho que este aquecimento
já foi o suficiente. Vamos ver como se saem nos levantamentos.
Eu e Dimitri seguimos, ambos de má vontade e paramos um de
frente para o outro.
— Ambos sabem que precisam ter confiança um no outro. Um
impecável pair lift é o mínimo que precisam para isso dar certo.
Rolos os olhos.
Dimitri está com a mão na cintura numa postura de desafio. A
minha é de deboche.
— Vamos começar um com lasso lift.
Pair lift é um elemento exclusivo dos pares, o patinador levanta a
parceira acima da cabeça enquanto executa spins e outros elementos e tem
alto valor de pontuação.
Existem cinco tipos de lift. Toe, step, axel, backward e reverse lift.
Eu encaro Dimitri e por um momento ambos hesitamos.
Como se nem um de nós quisesse aquele contato.
— Estou esperando... — Paul se afasta, nos observando.
— Está com medo? — Dimitri desafia.
— Você lavou a mão? — Levanto a sobrancelha e Dimitri solta um
palavrão que me faz rir.
— Vamos logo com isso.
Ele pega minha cintura e eu impulsiono. Em segundos, Dimitri está
me levantando acima da cabeça.
Por um momento, sinto-me meio em pânico, quando ele move a
mão até meu ventre e é o suficiente para me esquivar e Dimitri me derrubar.
— Não foi bom, precisam estar à vontade um com o outro e que
tenham entrosamento. — Paul faz uma cara preocupada. — Que Deus nos
ajude.
— Eu preciso é que ele não me derrube — exijo me levantando.
— Aposto que se não tivesse uma língua tão grande e cheia de
veneno deveria pesar menos.
— Está me chamando de gorda?
— Não, só a sua língua de trapo!
— Ei, parem. Vamos de novo.
Novamente Dimitri me impulsiona e desta vez eu me esforço para
não me incomodar com sua mão em mim.
Mas é esquisito.
Eu já tive outros parceiros. Tyler era gay, então normal não me
incomodar nem um pouco, mas outros três parceiros que tive dois eram
héteros e nem um deles me deixava tão pouco à vontade como Dimitri.
Desta vez, Dimitri consegue me manter no ar, mas eu sei que não
está bom.
— Mais uma vez. Vamos fazer até que fique minimamente bom.
E assim seguimos toda a manhã, treinando todos os tipos de
levantamentos.
Embora, não ajude que eu continue me sentindo pouco à vontade e
Dimitri está cada vez mais irritado.
— Precisa se concentrar, Alana — Paul reclama.
— Dimitri que precisa se concentrar. Ele que tem que me segurar
direito!
— Ajudaria se fosse menos esquiva! Está agindo como se eu fosse
um tarado e não seu parceiro.
— Hoje e só o primeiro dia, mas precisam melhorar o entrosamento
e a confiança. Alana, Dimitri tem razão, está se esquivando.
— É difícil confiar em quem odiamos — resmungo.
— A recíproca é verdadeira. — Dimitri usa o mesmo tom.
— Bem, deu minha hora. Amanhã vamos para o gelo — Paul
anuncia.
— Vamos ao Pacific Coliseum — Dimitri cita a arena pertencente
ao Vancouver Giants, time de hóquei, que está sendo adaptada para acolher
o torneio de patinação nos Jogos de Inverno.
— Por quê?
— É melhor que tenhamos privacidade antes de encarar nossos
concorrentes.
Eu não posso deixar de concordar.
— Estou com fome — reclamo quando subimos para a cozinha.
Dimitri abre a geladeira e tira duas marmitas congeladas.
— Eu tenho uma nutricionista que faz meu cardápio e fica tudo
preparado.
Ele esquenta e me joga uma.
Eu a abro. São só legumes e grelhados, mas estou acostumada.
Na minha casa sempre comemos comida supersaudável por causa da
Peyton e continuamos assim até hoje.
— Célia virá para passarmos a coreografia agora à tarde.
— Espera, quer que usemos a sua coreografia?
— Claro.
— Por que não usamos a que eu e Tayler estamos fazendo?
— Não sei se não entendeu, mas eu estou no comando aqui.
— Ah, é mesmo? Então por que não patina sozinho?
— Precisa parar de ser...
— O quê? Você que precisa parar de ser escroto! Somos uma dupla
e não é o meu chefe! Qual coreografia e música apresentar deve ser
decidida por nós dois!
— Interrompo algo?
Célia, a coreógrafa, entra na cozinha. Ela é uma negra alta, de uns
trinta anos e muito simpática, até onde eu sei.
— Minha nossa quando Diana me contou, eu não acreditei.
— Oi, Célia.
— Como vai Alana?
— Melhor se esse idiota não tivesse quebrado o tornozelo do meu
parceiro.
— Estou vendo que os ânimos estão exaltados...
— Estamos decidindo se vamos utilizar a mesma coreografia.
— Bem, está em cima da hora para arriscar.
— O que aqui não é um risco? Nem um de nós está patinando com o
parceiro habitual, estamos lutando contra o relógio para nos entrosarmos a
tempo então qual o problema de mudar a coreografia?
— Qual o problema com a coreografia da Célia? — Dimitri indaga.
— Me desculpa, mas não vou dançar aquela baboseira insossa que
você e Diana prepararam. Desculpa Célia, mas não faz o meu tipo.
— Eu entendo.
— E eu não quero usar aquele tom medieval que ia usar com Tyler
— Dimitri objeta.
— O ideal aqui é chegar a um consenso — Célia pondera.
Eu e Dimitri nos encaramos como dois inimigos no ringue.
— Eu queria fazer uma coreografia com o tema do Lago dos
Cisnes.
Eu havia tentado essa ideia com Tyler, mas fui voto vencido.
— Tchaikovsky? Eu gosto. — Célia sorri e encara Dimitri.
— Por que não fez com Tyler? — Dimitri questiona.
— Porque ele preferiu a baboseira medieval. E tem razão. É cafona.
— Certo, vamos ficar com o Lago dos Cisnes? — Célia questiona.
Dimitri hesita por um momento, mas acaba concordando.
— Ok, acho que chegamos a um consenso.
Descemos para a sala de dança e eu amo que Célia está
superanimada em nos coreografar. Usamos elementos do programa de
Diana e Dimitri, que eu devo dizer que são bons, além do que, os elementos
obrigatórios são os mesmos. A gente só precisa fazer tudo em sincronia
perfeita, interpretação e técnica.
Minha nossa, como vamos conseguir?
Célia vai embora no fim de tarde e eu estou morta, mas existe um
quê de satisfação por saber que estou de volta ao jogo. Mesmo que meu
parceiro seja um babaca como Dimitri Ivanov.
— Eu já vou. Nos vemos amanhã?
— Às sete, não atrase.
— Eu não atrasei hoje! Não tenho culpa se estava ocupado quando
cheguei...
— E da próxima vez não vá entrando no banheiro dos outros sem
avisar.
— Pode ter certeza, não quero ter aquela visão medonha de novo!
— Por que está tão ofendida? É algo perfeitamente normal, você
também não faz o mesmo?
Eu coro, sem conseguir evitar.
— Vou fingir que nem ouvi isso. Não é da sua conta!
— Talvez relaxasse mais se fizesse...
— Você se esforça para ser um escroto ou é natural mesmo?
— Perto de você, parece que sai naturalmente.
— Certo, pra mim chega.
Pego minha bolsa e me viro pra sair.
— Ei, espera aí. — Dimitri me alcança na porta, antes que eu
coloque meu casaco. — Seu colar.
Ele abre a mão.
— Ah meu colar!
Eu pego de sua mão e o coloco em volta do meu pescoço, mas tenho
dificuldade de fechar.
— Deixa que eu fecho. — Dimitri se oferece a antes que eu o
impeça, está atrás de mim, os dedos roçando na minha nuca para fechar a
corrente.
Dura apenas alguns segundos, mas sinto arrepios na espinha com
seu toque diretamente na minha pele e me esquivo, incomodada.
— Obrigada — praticamente rosno, afastando seus dedos. Quando
me viro, Dimitri está me fitando de forma estranha.
— O que foi?
— Fica incomodada que eu toque em você.
— Novidade...
— Não... Eu achei que não gostasse, mas é o contrário, é este o
problema?
— Do que está falando?
— Estava arrepiada agora há pouco, eu te incomodo. Por isso é
esquiva quando treinamos. Está atraída por mim?
— O quê? Claro que não!
— Eu acho que sim. Sempre foi este o problema? Tesão?
— Ah vai se foder, só um narcisista mesmo para se achar a este
ponto!
Eu pego meu casaco e praticamente corro da casa de Dimitri.
O inferno vai congelar antes que eu admita que ele tem razão.
Sempre foi este o problema.
Capítulo 8

Alana

Na manhã seguinte, quando Dimitri chega já estou dando volta no


gelo para me aquecer. Ele não fala nada enquanto retira os protetores dos
patins e segue para o aquecimento assim como eu.
Se eu pudesse, não falava com ele nunca mais, e tenho certeza que
Dimitri pensa da mesma maneira. E se eu já tinha raiva dele antes, agora
que acha que me afeta de alguma maneira e que é por isso que não me sinto
à vontade com ele, piorou.
Dimitri é um idiota, que se acha bom demais e não precisa achar
também que sou uma de suas fãs, que só porque me escolheu para ser sua
parceira – obviamente porque não tem mais nenhuma opção – estou
disposta a cair aos seus pés implorando atenção do seu pau.
Isso nunca, jamais, vai acontecer.
Assim, quando Paul chega e nos dá instrução para treinarmos
separadamente nossos saltos, começando com o flip, que é basicamente um
salchow com a ajuda do toe pick, eu empurro as emoções para o fundo da
mente e ergo os ombros, sem dar uma palavra a Dimitri e faço o que Paul
manda.
Por aquele dia, provavelmente para evitar as rusgas de ontem, Paul
não pede que façamos nenhum elemento de par, e nos concentramos nos
saltos.
Depois do Flip, que eu caio apenas uma vez e para minha
consternação Dimitri não cai nenhuma, vamos para o loop, lutz, salchow,
axel e por fim, uma combinação de saltos que Paul nos manda repetir vezes
sem fim para tentarmos sincronizar.
— Não está sincronizado — reclama depois da décima vez que eu já
me sinto exausta. — A execução está razoável, mas precisam se olhar,
precisam saber exatamente a hora em que o outro vai saltar e saltar junto.
Se saltarem lado a lado e terminarem um pouco antes do outro vão ganhar
só a nota base.
— E não ficaremos contente com a nota base — Dimitri resmunga,
irritado.
— Então se esforce mais! — rebato.
— Não sou eu que tenho que me esforçar. Você parece um robô sem
bateria rodando...
— Ah cala a boca! Por que você não se esforça para seguir o meu
ritmo?
Ele ri.
— Eu?
— Ei, chega de briga — Paul nos interrompe. — Por hoje chega.
Alana, aumente sua carga de pilates e ballet. Falta um pouco de graça nos
seus movimentos. E concentração também.
Eu engulo a vontade de mandá-lo à merda.
Mas sei que o treino fora do gelo tem que ser tão intenso quanto a
patinação no gelo propriamente dita.
— Amanhã vamos dar foco nos spin — Paul completa, enquanto
patino até a mureta que circunda a pista.
Ah ótimo, spin. Passar o dia enroscada em Dimitri.
Eu tiro os patins e enfio na bolsa, ignorando Dimitri que faz
exatamente o mesmo ao meu lado e saio andando até chegar à rua.
Estamos longe da estação do metrô e meus pés estão me matando de
tanto saltar.
— Onde está seu carro? — Dimitri aparece ao meu lado.
— Não tenho carro. Vou andar até o metrô.
— Eu te dou uma carona.
— Não, obrigada.
— Para de ser chata. É só uma carona, a estação do metrô fica
longe.
— Poderíamos estar treinando no centro habitual e não aqui! — Eu
o sigo, porque realmente não estou a fim de andar.
— Deveria me agradecer, por conseguir este espaço, até que
estejamos minimamente entrosados. Aposto que odiaria cair na frente da
Kiara.
— Como se eu me importasse com a Kiara — minto.
Entramos no carro e Dimitri dá partida e liga o som.
Nirvana enche o ambiente.
Dimitri canta junto, distraído.
— Onde é sua casa? — indaga.
— Não vou pra casa. Vou fazer pilates.
Eu lhe passo o endereço da academia e ele coloca no GPS.
Eu me encosto no banco, cansada.
As pessoas costumam achar que nossas vidas são muito glamorosas,
mas não enxergam os sacrifícios que fazemos.
Horas de treinos até o corpo estar exausto.
Dores que nunca passam.
Dietas restritivas.
Críticas.
A pressão interminável para ir além dos limites.
Tudo isso com um sorriso no rosto.
E se eu há muito tempo cansei de sorrir como uma idiota, sou
tratada como uma vaca nojenta.
E isso é só a superfície.
— Parece cansada.
— Porque estou. Mas você ouviu Paul, tenho trabalho a fazer.
— Não é mais do que fazia antes. — Há crítica na voz de Dimitri.
— Com Tyler estava tudo pronto, era só treinar para melhorar. Mas
você fez o favor de quebrar o tornozelo dele então, agora estou ferrada.
Tendo que treinar em dobro, num tempo impossível e ainda tendo que
aguentar um cretino como você.
Dimitri freia o carro com força, me fazendo ir pra frente.
— Ei!
— Sai do carro.
— Não chegou ainda.
— Pode andar, são só dois quarteirões. Aproveita pra correr e
diminuir essas suas coxas de Peppa Pig.
— Ah, vai se foder!
— Também te odeio. — Ele destrava a porta e eu saio, a batendo e
torcendo para que arrebente enquanto ando rápido, ainda o xingando
mentalmente.

Quando chego em casa à noite, para meu azar está rolando um jantar
de família com Peyton e o marido Jaxon.
Jaxon Johnson é um comentarista esportivo da TV local. Tem 38
anos e é tão arrogante quanto Peyton. Fazem o casal insuportável perfeito.
Meus pais os adoram.
— Finalmente em casa! Esqueceu que tínhamos jantar? — mamãe
reclama.
— Estava no pilates e depois tive ballet.
— Hoje? — Peyton questiona.
— Sim, agora aumentei a carga. Ordens do Paul.
— Paul? Achei que quem estava te treinando era Andrey...
— Ele chegará em duas semanas. Agora se me derem licença, vou
subir e tomar um banho, estou morta.
— Não, não. Vai tomar um banho e descer e jantar com a família —
mamãe exige.
Bufo, mas meneio a cabeça concordando.
Subo, tomo um banho e olho com pesar para minha cama.
Infelizmente, minha adorável família faz questão da minha presença
e eu nem sei por quê. Mesmo assim desço e escuto a conversa chata sobre
hóquei do meu pai com Jaxon e as perguntas intermináveis da Peyton sobre
meus treinos.
— Dimitri está sendo escroto?
Tenho vontade de dizer que sim, afinal é impossível Dimitri ser
agradável comigo, mas douro a pílula porque não quero Peyton achando
que tem que tomar minha defesa e se intrometer no meu treino como
Dimitri, só vai piorar tuto.
Tyler aguentava Peyton porque ele era um príncipe educado e gentil,
mas Dimitri não vai abaixar a cabeça para os desmandos da minha irmã, o
que só vai piorar ainda mais o que já está ruim.
— Você sabe, Dimitri sendo Dimitri. Está tudo sob controle. Só
precisamos entrar em sintonia, mas estamos trabalhando para isso.
— Ainda acho uma perda de tempo. Vai passar vergonha e...
— Ei, deixa sua irmã, querida — Jaxon a interrompe. — Ela não é
você, perfeita! De qualquer maneira, acha que ela conseguiria uma
medalha?
Engulo a vontade de cuspir em seu nariz idiota enquanto coloco
mais purê de babata em meu prato.
— Alana, está comendo demais — Peyton chama minha atenção.
Eu ignoro e engulo tudo e ponho mais.
— Para com isso!
— Alana, para de criancice! — Meu pai bate na mesa.
— Essa semana saiu a notícia que Kiara Willians é o rosto da nova
campanha da De Santi — Jaxon comenta.
A comida ganha gosto de papel na minha boca.
— Pois é. Aquela piranha — Peyton desdenha. — Aposto que está
dormindo com o Nick de Santi. Eu o conheci no centro. Tentei alertá-lo
para quem ela é, assim como a mãe dela...
— Não sabe se isso realmente aconteceu — Jaxon pondera.
— Ela envenenou a Alana sim!
Peyton está citando o último mundial quando não consegui
participar porque passei mal minutos antes de entrar no ringue.
Minha irmã cismou que foi Maude Willians, a mãe de Kiara que
envenenou minha comida.
— Agora Alana está a ponto de dar um vexame nas Olimpíadas e
Kiara vai se dar bem de novo! Isso é muito injusto! — Peyton continua.
Desde que me entendo por gente, Peyton odeia Kiara. No começo,
eu não entendia. Claro que Kiara era linda e a nova promessa da patinação,
mas não havia motivos para ter raiva dela. Eu já tinha certa inveja, mas
acho que era normal. Era mais como uma inspiração, uma vontade de ser
tão boa quanto ela. Porém, quando tomou meu lugar junto a Dimitri, o ódio
foi instalado com sucesso. E desde então, ele só aumentava, conforme Kiara
ascendia cada vez mais.
Peyton tem razão. Não é justo.
— Tudo pronto para o aniversário do Albie? — mamãe pergunta,
mudando de assunto.
— Está um horror organizar tudo! Mas vai ficar lindo.
— Por que não o trouxe hoje? — Se meu sobrinho estivesse ali, pelo
menos ele me distrairia da vontade de enfiar o garfo na minha mão.
— Ele ficou com a babá, tem natação amanhã cedo, não queria que
dormisse tarde.
— Ele é só uma criança, não está sobrecarregando ele? — indago.
— Deixar Albie ficar indisciplinado igual você até ser tarde demais?
Ele diz que quer patinar, então vai ter que se esforçar!
— Meu filho vai ser um grande jogador de hóquei — Jaxon diz.
— Achei que ele queria patinar no gelo.
— Não, ele vai ser jogador. Esporte de homem.
Rolo os olhos não respondendo.
Jaxon é um idiota machista. E Peyton é uma feminista fodona até o
marido falar merda e ela sorrir e abaixar a cabeça, como se tudo o que ele
falasse fosse incrível.
Meu Deus, se eu ficar assim por causa de um homem, por favor, me
mate.
Na manhã seguinte, chego ao ringue e Dimitri já está lá com Paul
porque eu não consegui acordar a tempo.
Coloco os patins e deslizo pelo gelo para aquecer, ignorando a
carranca do Dimitri.
— Que bom que se juntou a nós — provoca-me quando passo por
ele e levanto o dedo do meio, ainda escutando sua risada idiota.
— Muito bem. Hoje vamos para as sequências de spin — Paul
anuncia.
Respiro fundo, encobrindo meu estresse e concordo com a cabeça.
— Comecem com um camel.
No spin de duplo os dois patinadores giram ao redor de um eixo
enquanto seguram um no outro ou fazem o mesmo spin lado a lado. Os
spins de pares diferem entre si pela posição (sit, camel, upright ou suas
variações), pela direção das pernas livres dos parceiros, pela perna da
patinação e pelo jeito que um segura o outro, apenas um parceiro ou ambos
se abraçam com mãos diferentes.
Então eu e Dimitri deslizamos e levantamos as pernas enquanto nos
movimentamos e inclinamos o torço para segurar um na perna do outro,
aumentando a velocidade.
Da primeira vez, sai esquisito.
E Paul manda parar e começar de novo.
— Está no eixo errado, Alana.
Bufo e recomeço.
Repetimos o que parece milhões de vezes até passarmos para sit
spin, que são os giros sentados e revezamos várias posições. E consigo
manter minha concentração, assim como a aversão que sinto por ser Dimitri
que me segura.
E sim, eu vou chamar de aversão, porque me sinto muito mais à
vontade com isso do que a outra opção.
— Muito bem, a execução está razoável, mas claro que temos que
melhorar muito.
— Sabemos quem tem que melhorar — Dimitri debocha e eu não
respondo porque sei que é exatamente o que ele quer.
— Amanhã, levantamentos.
Saímos do ringue e desta vez sigo Dimitri para o carro dele como se
tivéssemos combinado e ele não fala nada.
Não vou reclamar das caronas, afinal, ele me deve isso.
— Animada para os levantamentos?
— Claro. Mal posso esperar para você quebrar meu pescoço quando
não conseguir me levantar direito.
— Ajudaria se não fosse tão ruim tecnicamente.
— Eu não sou ruim!
— Podia ser melhor...
— Por que não enfia sua opinião no rabo? Acha que me importo
com o que pensa de mim?
— Deveria, já que sou seu parceiro.
— Por enquanto! Se conseguirmos não nos matar até a Olimpíada,
depois quero distância de você!
— Digo o mesmo!
Desta vez ele para em frente à academia e eu salto, batendo a porta.
— Alana! — Dimitri grita e eu me viro.
— O quê?
— Vamos participar de um exhibition program em Toronto.
— Como assim... Nem pensar!
Exhibition program é uma apresentação de caráter não competitivo.
Ainda assim não acho que eu e Dimitri estamos prontos para tanto!
— Meu pai estará lá e ele já nos inscreveu. Então, a partir de
amanhã vamos começar a treinar nosso programa.
— Na creio que concordou com isso! Acha que estamos
preparados?
— Eu estou e acho bom você dar um jeito de estar também.
Ele sobe o vidro, saindo cantando pneu e me deixando ainda
chocada parada no mesmo lugar.
Capítulo 9
Dimitri

Inferno, mais um dia de merda.


Eu não achei que seria fácil, mas acreditei que se tornaria mais fácil
com o passar dos dias.
Ok, talvez fosse arrogância minha achar que apenas minha obsessão
de fazer dar certo, transformaria a mim e Alana numa dupla no mínimo
razoável.
Os dias passavam. Deslizamos pelo gelo, girando, saltando e
realizando vários elementos até ficarmos exaustos, mas não havia um dia
em que eu não me arrependesse de ter perdido o controle e machucado
Tyler. Porque foi por causa daquele maldito segundo de descontrole que
estou agora ouvindo uma gnomo irritante me xingar quando se levanta do
gelo, limpando as laterais do corpo enquanto me fuzila com o olhar irado.
Meu Deus, por que ela nunca fica quieta?
Ela chegava todos os dias segurando um copo de mocha da
Starbucks e no dia em que Paul sugeriu que ela não deveria beber cafeína,
ela lhe mostrou o dedo do meio. De fato, acho que Paul tem até um pouco
de medo dela.
E todo dia é um exercício sobre-humano para manter a fúria bem
guardada dentro de mim. Para manter o monstro debaixo da cama,
adormecido.
Acordava cedo e corria pela praia. Nadava no meu pesar, aumentava
minha força num treino pesado de musculação e depois me masturbava na
vã tentativa de descarregar a energia e ao menos desanuviar um pouco a
tensão.
Um orgasmo sempre é uma boa solução. Mesmo que seja sozinho.
Claro que desta vez, eu tranco a porta, porque sabe Deus quando a
gnomo intrometida irá aparecer para estragar meu dia.
Eu ainda me recordava do susto que levei quando vi Alana naquela
manhã na porta do banheiro me encarando. A filha da puta parecia mais
curiosa do que envergonhada, embora ela tenha corado.
E a merda toda é que, a partir daquele dia, não conseguia parar
minha mente de me pregar peças, como de repente me pegar imaginando
Alana aparecendo de novo, com seus olhos pintados de preto, que pareciam
ora cuspir fogo em minha direção, ora ter o poder de congelar o mar do
Pacifico de tão gelado, me encarando fixamente e fazendo eu gozar rápido
com essa pequena e ridícula fantasia.
Não se deve fantasiar com sua parceira.
Ok, eu sou um homem e minhas parceiras são mulheres e tem todo o
equipamento para me atrair, mesmo sendo uma cretina como Alana.
Porém, na pista de gelo, sou sempre impecável em meu controle.
Mesmo quando tive uma paixonite por Kiara, no auge da minha
adolescência, com os hormônios a mil, jamais deixei de vê-la apenas como
uma parceira de patinação, a qual precisava de mim para segurá-la e guiá-la
e ter acesso a todos os centímetros de sua pele, sem restrição, para executar
os mais diversos elementos da patinação. Eu era íntimo dos corpos das
minhas parceiras quase quanto era do meu, mas não havia nada sexual neste
ato.
Era quase como se fôssemos um só, a extensão um do outro.
Obviamente, fora do gelo, às vezes, eu escorregava nas minhas
fantasias. Com Kiara, começou quase no fim, quando ela mudou o jeito de
me olhar. Corava quando eu sorria pra ela, e quando não achava que estava
vendo, ficava me espiando no banho.
Com Diana foi no começo, Diana era linda, ruiva e doce. Era dois
anos mais velha do que eu quando começamos, me tratava feito um irmão
muito mais novo, o que me deixava puto. Como sempre, dentro do gelo, eu
era impecável, mantinha minhas emoções sob controle. Fora dele, cheguei
inclusive a dar em cima dela num dia particularmente vergonhoso.
Graças a Deus, Diana me deu o fora. E nos tornamos bons amigos.
Tivemos uma ótima parceria, embora nunca chegasse a ser a
química que havia com Kiara.
Agora eu tenho Alana.
Insuportável, irritante, com uma língua ferina e corpo esquivo.
Do mesmo jeito que agia há dez anos, ela continua incomodada com
meu toque. E foi quando coloquei o colar em sua nuca e senti a pulsação
acelerando em seu pescoço assim como o arrepio, que fiz a conexão que até
aquele momento parecia impossível.
Alana não era indiferente.
Não era aversão.
Era o contrário e isso era inesperado e bizarro.
Alana me odeia e deixou isso bem claro, mas há algo nela que se
atrai a algo em mim.
Claro que ela negou e não toquei mais no assunto porque qual
sentido faria? Não era como se eu fosse levar aquilo adiante. Porém, a
pergunta que eu evitava fazer a mim mesmo era: o que eu sentia?
Além das fantasias inesperadas e de certa forma até natural? Melhor
nem saber.
A ignorância é uma bênção e minha única preocupação no momento
deve ser fazer com que eu e Alana funcionemos dentro das pistas de gelo.
Patinação é, sobretudo, fazer seu corpo memorizar todos os
movimentos e isso se consegue com repetição, quantas vezes for preciso.
Todos os dias nos reunimos e nos dedicamos a saltos, giros e levantamentos
e arremessos. Treinamos com afinco, horas seguidas, todos os elementos,
para depois passarmos a coreografia e o programa que apresentaremos.
Porém, eu e Alana continuamos nos estranhando a todo instante.
Eu gosto de provocá-la, menosprezando-a porque ela pede por isso.
É quase irresistível pegar no seu pé e vê-la reagir mal quase sempre. Acho
que aquelas brigas que beiravam o ridículo às vezes começaram a me
distrair e se tornarem quase divertidas.
Alana é muito previsível. Ela se irrita tão facilmente e é
praticamente fácil demais antever seus próximos movimentos.
Faz parte do meu trabalho observar minha parceira. Estudar seus
movimentos, seus humores. Preciso saber tudo delas e comecei a fazer isso
com Alana quase que imperceptivelmente.
Ela rola muito os olhos com impaciência. Sua língua está sempre
pronta a saltar farpas para todos os lados, não importa quando ou por quê. E
ela gosta de me provocar quase tanto quanto eu gosto de provocá-la.
Percebo em seu olhar escuro que brilha de satisfação quando me tira
do sério, como se tivesse vencido uma partida. Às vezes um risinho de
escárnio distende seus lábios quando acha que venceu alguma batalha de
insulto.
E a cada vez que eu a critico, mais afiada ela chega no dia seguinte,
tanto na língua quanto no afinco com que treina seus movimentos, como se
para me mostrar que não tenho razão.
A técnica da Alana não é ruim. E claro, ela é irmã da Peyton Percy
que foi uma lenda anos atrás. Porém, Alana não é tão boa quanto a irmã,
embora seja obcecada em seus esforços para superar os limites.
E ela se esforça muito para não demonstrar que sua pele reage ao
meu toque como se houvesse algum componente químico em mim que
reagisse com algo que tem no dela. E isso a deixa tensa de um jeito que não
permite se concentrar completamente na técnica.
Patinação Artística exige técnica impecável sobre os elementos, mas
também exige confiança. E ter cumplicidade quando há tanta animosidade
talvez seja uma tarefa impossível.
Se eu pudesse escolher, mandaria Alana Percy para o inferno, com
suas carrancas de mau humor, sua língua ferina e sua incapacidade de
confiar em mim.
Mas preciso dela e fui criado para dar o sangue para que dentro do
gelo, eu não desista até que esteja impecável. Que eu e minha parceira
sejamos impecáveis.
Isso quer dizer que tenho que dar um jeito de fazer Alana Percy
querer confiar em mim, em vez de querer me matar.
O difícil é resistir ao fato de que ela é uma gnominho chata e que
minha própria paciência está por um fio a cada vez que estamos perto.
Eu e Alana juntos somos o caos.
— Por hoje chega! — Paul encerra os treinos do dia enquanto Alana
me fuzila com o olhar depois de um levantamento malfeito.
— Seu filho da puta, quer quebrar o meu quadril?
— Você se moveu na hora errada! Errou a transição!
— Ambos erraram o tempo — Paul se intromete quando deslizamos
para fora do ringue. — E precisam melhorar a interpretação, agora que a
técnica de ambos melhorou. Pares são julgados juntos, se um erra, o outro
paga o pato. Amanhã vão para Toronto?
— Sim. Vamos.
— Não acho que estamos prontos para nos apresentar... — Alana
resmunga.
— Vai ter que estar. Vamos encontrar meu pai e é bom que
estejamos coreograficamente convincentes.
Eu não quero que Andrey jogue na minha cara que estou louco por
escolher patinar com Alana.
Com ambos de mau humor, seguimos para meu carro.
Estabelecemos um acordo tácito de que eu daria carona a Alana
após o treino no gelo, onde ela invariavelmente ia para a academia de
pilates, musculação ou ballet.
Eu seguia para treinar na minha própria casa depois.
Porém, hoje quando sigo com Alana pelas ruas de Downtown
Vancouver recebo uma mensagem de Landon para confirmar a festa na
minha casa mais tarde.
— Merda!
Eu tinha me esquecido que prometi a Landon há semanas ceder
minha casa para sua festa de aniversário com alguns amigos.
— O que foi? Recadinho ruim de alguma de suas namoradinhas? —
Alana indaga ao meu lado.
— Não tenho namoradinhas.
— Nenhuma?
— Por que está curiosa?
— Não estou. Estou pouco me importando para saber se tem uma ou
várias idiotas para foder. Ou algum idiota.
Ela está me provocando, claro.
— Não estou fodendo ninguém no momento. Não que seja da sua
conta.
— Eu era capaz de jurar que você e a Diana...
— Esse é seu problema, se preocupa demais com a vida alheia. É
uma fofoqueira.
— Não sou.
— É sim. E nem é das boas porque espalhou a fofoca errada. Não
sou o pai do filho da Diana.
— E quem é?
— Não sei.
— Eu acho que sabe e não quer me contar.
Eu posso sentir o tanto que ela está curiosa.
— Juro que não faço ideia.
— Não eram amiguinhos ou algo assim?
— Nós somos. Por isso damos certo juntos.
— Está querendo dizer que não damos certo juntos porque não
somos amigos?
— Talvez sim. Você sabe que... falta algo.
Ela fica em silêncio e eu sei que entende o que estou dizendo.
Estamos cada vez melhores em nossa técnica juntos, mas tem algo
que não se encaixa. Quero revelar a ela minhas teorias, mas sei que Alana
não está pronta para ouvi-las.
— Não quero ser sua amiga. Eu nem sequer gosto de você.
— Eu também não gosto de você.
— Sabe que não me ofende, né?
— Não se importa que as pessoas não gostem de você?
— Já me importei. Hoje eu quero que se lasquem. Não importa o
que a gente faça, as pessoas sempre vão nos detonar. Por um motivo ou
outro. E não vou ficar lambendo ninguém pra gostar de mim. Ainda mais na
patinação. Não preciso que sejam meus amigos. São todos meus
concorrentes.
— Concorrentes ou inimigos?
— Que seja.
— Eu não sou. Não agora.
— Sinto como se ainda fosse.
Ela me encara e eu sustento seu olhar.
Acho que é a primeira vez que Alana é minimamente sincera.
Tento enxergar o que há no fundo da íris escura.
Há o fogo e há o gelo.
Misturado como num caldeirão caótico que borbulha e cheira à
catástrofe. E se transbordar vai devastar tudo ao redor como lava de um
vulcão há muito adormecido misturado ao gelo feroz de uma avalanche.
Porém, há também um medo que não entendo.
Medo do quê?
Do fracasso?
De mim?
Ou de algo mais obscuro?
Tenho vontade de perguntar do que ela tem medo, mas desconfio
que Alana seja como uma boneca russa. Várias versões da mesma pessoa
uma dentro da outra. Ela se esconde em camadas de sarcasmo e ódio.
Em fogo e gelo.
E duvido que alguém saiba o que tem embaixo de tudo.
Duvido até mesmo que ela saiba.
E de repente me sinto muito compelido a estender a mão e abrir a
caixa. Mesmo sabendo que vai ser só a primeira de muitas.
— Hoje vai ter uma festa na minha casa. — Mudo de assunto
repentinamente.
— Por que está me contando?
— Aniversário do Landon. Apareça.
— Não sei se irmos a uma festa nessa altura seja uma boa.
— Eu prometi a ele, há tempos. Ele é meu melhor amigo. Fazemos
alguns sacrifícios por amigos, não?
Ela dá de ombros.
— Se está dizendo...
— Claro que você não tem ideia. Por acaso tem algum amigo?
— Tyler é meu amigo.
— Mas ele é seu parceiro.
— Ouvi dizer que tem um monte de dupla por aí que se odeia...
Eu rio.
E acho que vejo um risinho em seus lábios.
— Ouvi dizer também...
Ela abre a porta pra sair.
— Vai aparecer?
— Talvez...

***
Em que momento eu achei que era uma boa ideia abrir minha casa
para os amigos de Landon?
Em outros tempos, quando não estivesse me preparando para uma
Olimpíada, eu poderia me permitir sair da linha.
Hoje, eu tento prestar atenção na conversa sobre hóquei entre Harry
e Mike, dois dos amigos de Landon do time de hóquei, sem querer me
levantar e ir dormir. Costumo me dar bem com os amigos de time de
Landon, muitos são meus amigos também. Eu prefiro a turma do hóquei à
da patinação. Até me pergunto por que não treinei hóquei em vez de
patinação artística. Obviamente, meu pai teve grande parcela de culpa na
minha escolha de esporte. Embora às vezes eu me questione se foi mesmo
uma escolha ou uma imposição.
Eu amo os ringues de patinação. Amo saber que sou bom. Não
consigo me imaginar fazendo outra coisa. Está no sangue Ivanov, já que
minha avó tinha patinado no gelo na Rússia no seu tempo.
Assim como meu pai, quando me aposentar dos ringues como
patinador, provavelmente serei técnico e professor.
Não que eu pare para pensar muito no futuro. Sempre achei que o
futuro é algo distante. Uma vez, Paul me indagou sobre futuro e eu não
soube muito bem o que responder, a não ser que provavelmente seguiria os
passos do meu pai, e ele riu, indagando se era só isso que eu pensava e
quando continuei sem responder, ele riu dizendo que era típico dos jovens,
achar que seríamos jovens para sempre e que teríamos todo o tempo do
mundo para escolher da maneira que queríamos viver.
E não sei qual o problema disso.
Hoje, minha vida é a patinação.
Eu quero me superar a cada prova. Superar outros competidores.
Ganhar o maior número de competições que conseguir. Forjar meu
nome no mundo da Patinação do Gelo como um dos grandes.
Talvez por eu ser atleta sobre pouco espaço na minha vida para
questões mais pessoais e íntimas.
Nada fica na frente da patinação.
Diversão, amigos, festas, sexo.
Eu gosto de tudo isso, mas todo o resto pode ficar em compasso de
espera, como agora.
Assim como eu jogo para o fundo da mente o fato de que, às vezes,
eu não reconheço a mim mesmo. Como na noite em que machuquei Kiara.
Como na noite em que machuquei Tyler.
Ignoro o fato de que, de vez em quando, olho no espelho e além dos
límpidos olhos claros dos Ivanov eu vejo o medo mais profundo de que um
dia, aquele outro lado, o lado mais sombrio, destrua tudo o que eu tenho.
E no momento, a única coisa que tenho é minha reputação na
Patinação Artística.
E não deixarei nada me tirar esta glória.
Eu preciso dela como referência de quem eu sou no mundo.
Para mostrar ao meu pai que, apesar de suas previsões, permaneço
em pé e ainda poderei ser tão bom quanto ele.
— Ei, Dimitri.
Molly se aproxima e senta ao meu lado, praticamente no meu colo,
o perfume doce que se desprende dela me enjoa.
— Ei, Molly.
Ela brinca com meus cabelos.
— Está sumido... Fiquei tão triste pelo que aconteceu com você e
Diana... Ela foi uma vaca.
Eu seguro sua mão.
— Nunca mais abra sua boca nojenta para falar da Diana.
— Nossa, calma! Mas sabe que tenho razão! Está todo mundo
comentando como foi injusto o que rolou! Assim como foi injusto o que
aconteceu com Tyler.
— Sério, por que não vai chupar o pau de algum cara do hóquei e
me deixa em paz?
Ela ri.
— Está de mau humor? Eu entendo. Também estaria se não pudesse
patinar nas Olimpíadas depois de me preparar tanto. Pelo menos a ridícula
da Alana também não vai. Mas por que não me ligou mais? Achei que a
gente se divertia...
Sim, eu já tinha saído com Molly algumas vezes, mas ela era tão
quente quanto cansativa. E quando o tesão acabou, não restou a menor
vontade de aguentar sua voz.
— Olha quem chegou! — Escuto a voz já bêbada de Landon que
está com alguns caras junto à porta e levanto a cabeça para ver Diana
entrando.
Ela faz uma careta quando Landon vai até ela e o empurra.
— Sai, está bêbado.
— Ei, antes era mais simpática.
Ela me vê e vem até mim.
— Sério que deixou esse babaca dar uma festa na sua casa?
— Era aniversário dele.
— Não parece estar se divertindo.
Ela olha para Molly e levanta a sobrancelha.
— De novo isso? Achei que tinha se cansado dela?
— Oi Diana, não está grávida demais para curtir essas festas? Não
deveria, sei lá, estar tirando leite dos seus peitos caídos?
— Pelo menos eu tenho peito.
— Vaca! — Molly se indigna.
— Tem alguma bebida que não seja alcoólica aqui? — Diana
questiona.
— Eu vou preparar algo pra você.
Eu me levanto, louco para me livrar de Molly, e vou pra cozinha.
Duas amiguinhas de Landon, Maria Patins, como eles chamavam as
meninas que seguiam os jogadores de hóquei, estão se beijando e eu as
empurro do meu caminho.
— Procurem um quarto.
— Quer vir com a gente?
— Não hoje.
Sim, acho que me sinto até um pouco tentado, mas me mantenho
concentrado em não fazer merda hoje.
Começo a preparar um drinque virgem para Diana e Landon entra
na cozinha.
— Ei, por que está com cara de bunda?
— Não estou bebendo, e você e seus amigos não são engraçados
quando eu não estou bêbado.
— Então beba.
— Tenho que viajar amanhã para Toronto. E farei uma apresentação
depois de amanhã.
— Vai ver seu velho, tinha esquecido. Outro motivo para beber.
Uma noite de liberdade! Você viu quem apareceu, sua parceira.
Eu levanto a cabeça olhando pra sala e lá está Alana.
Ela está vestida com uma calça preta de cintura baixa e um top
também escuro de mangas compridas. Os olhos maquiados se encontram
com os meus através das pessoas e ela dá de ombros como quem diz “não
fala nada”.
Um dos amigos de Landon se aproxima e coloca um cigarro
suspeito entre os dedos dela.
Praticamente voo em sua direção, mas quando chego lá Alana já
está tragando.
— Ficou louca? — Tiro o cigarro da sua mão.
— Seu idiota, me devolva.
— Não vai ficar chapada na minha casa.
— Nunca fiquei, e achei que as festas eram pra isso.
— Para você não.
— É meu pai agora?
Devolvo o cigarro para o amigo de Landon.
— Suma daqui com isso.
— Cara, a gata estava na minha. Ei gatinha, que tal um beijinho.
Ele se inclina para Alana e eu o empurro.
— Não entendeu?
— Dimitri. — A voz da Diana chega até a névoa de fúria e eu pisco.
Os dedos da Diana estão na minha blusa.
— Para, é só um cara bêbado.
— E se ele quiser dar em cima de mim, qual o problema? Cuida da
sua vida — Alana rebate.
— Deixa ela — Diana percebe meu olhar de raiva. — Não ficava
com raiva assim quando eu pegava seus amigos!
— Você sabia se cuidar.
— Sabia tanto que engravidou! — Alana refuta com um risinho de
deboche.
Diana enrubesce.
— Cadê minha bebida?
— Aqui. — Landon aparece segurando três copos.
Diana pega um.
— Trouxe um pra linda Alana. — Ele beija o rosto da Alana e lhe dá
a bebida.
— Para de ser escroto, Landon. — Diana faz cara de nojo, e uma
careta ao tomar sua bebida.
— Está batizada, seu idiota!
Ela me devolve.
— Landon, merda! — Eu tomo um gole e agora a bebida de pêssego
está cheia de vodka.
Landon ri.
Alana já tomou todo o seu copo. Porra!
— Diana está grávida, cara.
— E daí? Sou o pai agora pra tomar conta? — Ele dá de ombros e se
afasta puxando Alana junto para uma pequena pista de dança improvisada
onde umas Maria Patins estão dançando.
Mil vezes inferno.
— Esse cara é um sem noção — Diana reclama.
— Ele só está bêbado.
— E acho que ele quer pegar a Alana.
Eu olho na direção deles e quero dizer que não me importo.
Mas ver Alana rindo com Landon e parecendo se divertir,
provavelmente com a bebida que ela não está acostumada a beber já
fazendo efeito, me irrita pra cacete.
— Acho que vou embora — Diana diz.
— Não, fica. Por favor, não vou aguentar ficar aqui com este bando
de bêbados e Marias Patins sem você.
— Vou pegar uma Coca então.
Eu me sento e tento não ficar lançando olhares furiosos para Alana e
Landon que estão dançando hip hop.
Alana já está bebendo de novo e tenho vontade de ir até lá e
esmagar seu pescoço inconsequente. Amanhã vamos viajar, encontrar meu
pai e essa gnomo infeliz estará de ressaca.
Alguém passa uma cerveja e eu a pego.
Que se dane. Cansei de ser babá de gente sem noção.
Landon se joga ao meu lado rindo em determinado momento. Alana
continua dançando.
— Ela é muito gata, cara.
— Quem?
— Alana Percy. Como não tinha reparado? Olha como ele se mexe...
porra, imagina sentando em mim...
— Não vai comer a Alana.
— Por que não? — Ele ri. — Ou quer você comer ela?
— Não, não quero.
— Não reparou como ela é gata? Olha aquele cabelão e ela tem
peitos, reparou? As meninas da patinação geralmente não têm...
Sim, Alana tem mesmo um cabelo escuro e grosso que ela agora
joga para trás enquanto dança. E eu conhecia o corpo dela. Faz parte do
meu trabalho.
Mas até agora eu só tinha analisado o corpo da Alana como minha
parceira de patinação. Seu peso, a curvatura dos seus quadris, a barriga
plana, sim, seus seios que não são grandes, mas que o volume encheria
minha mão caso eu os pegasse.
Não que isso vá acontecer. Para patinar não é preciso apalpar os
seios da parceira, ou abocanhar...
Que porra estou pensando?
Já estou bêbado?
Merda, agora que Landon falou, eu não consigo desviar meu olhar.
Agora ela não é a Alana Percy, a gnomo chata.
Ou Alana Percy, minha parceira.
É Alana Percy, a garota sensual que dança toda vestida de preto no
meio da minha sala. Ela parece livre e quase feliz.
Se conseguisse capturar este momento e fazê-la usar isso na pista.
Seria incrível.
Seríamos incríveis.
— Vamos jogar! — Molly sugere pegando uma garrafa e agora
muita gente já foi embora e sobraram poucas pessoas que se juntam a ela
em uma roda no chão da sala.
Landon me puxa para o chão a contragosto.
— Que porra é essa, vocês têm 11 anos de idade? — Diana critica
sem se mover do sofá.
— Para de ser chata, mamãe — Molly brinca e Alana ri da piadinha
maldosa.
A cara dela fazer isso.
— Vem. — Eu puxo Diana para meu lado.
— Eu vou girar e em quem parar eu vou beijar! — Molly continua.
Será que ela esta tão desesperada para pegar alguém para inventar
essa brincadeira idiota?
Molly gira e a garrafa para em mim. Ela sorri com malícia e se
ajoelha, praticamente engatinhando até mim e me beija.
Olho para Alana quando Molly se afasta, e ela está rolando os olhos
com deboche.
— Minha vez — Landon levanta a mão e gira.
A garrafa para em frente à Diana.
— Nem pensar!
— Por que não, já nos beijamos antes, não?
— Não.
— Que chata!
— Gira de novo — Molly exige.
Alana está olhando para Diana e Landon de forma esquisita.
— Não vou participar de uma brincadeira de quinta série — Diana
defende sua posição se levantando.
Quero dizer que concordo com ela.
Por que não vão logo para o quarto fazer uma orgia decente como
adultos?
— Certo, vamos apimentar um pouco. O próximo vai para o armário
do Dimitri e vai ficar sete minutos lá — Molly diz animada.
— Pelo amor de Deus, sete minutos no céu? Agora em vez de 11
vocês têm 12 anos? — Diana ri.
— Sua vez, Alana. — Landon passa a garrafa para Alana.
Alana parece hesitante, mas roda e para em mim.
Vai se foder.
— Nem pensar. — Ela faz uma careta. — Vou rodar de novo.
— Não, não vale — alguém diz.
— Vale, sim, se ela não quiser beijar o Dimitri não beija, ou passa a
vez pra mim... — Molly sorri com malícia. — E não estou só falando de
beijar na boca.
— Ela não vai passar a vez — de repente eu me vejo dizendo
enquanto me levanto.
— Está de brincadeira? — Alana me encara chocada.
— Está com medo?
Por seu olhar passa várias emoções e para na fúria.
Mas ela aceita o desafio e se levanta.
Eu sigo até o armário e quando ela entra eu fecho a porta.
Está semiescuro ali e por um momento eu me pergunto que merda
estou fazendo.
— Não vai me beijar, não é? Isso é ridículo.
— Por que não? Não é o desafio?
— Porque eu não quero.
— Eu acho que quer sim.
— Só nos seus sonhos! Abre a porta.
— Não.
— Dimitri, não estou brincando.
— Nem eu.
Sua respiração vacila.
O que ela vai fazer?
Correr?
Fugir?
Eu apostaria tudo o que eu tenho – se eu tivesse algo que fosse meu.
Talvez minhas medalhas de ouro, que se ela se mover não vai ser pra
longe. Talvez eu esteja bêbado. Talvez esteja de saco cheio de fingir que
não reparei que sua boca é carnuda e perfeita para fincar meus dentes. Que
já não fantasiei aqueles mesmos lábios ao redor do meu pau que agora dá
um pulo dentro da minha calça somente com essa pequena fantasia sacana.
Que já pensei em calar seus insultos com a minha boca.
Muito lentamente, quase em câmera lenta, sem desviar o olhar, dou
um passo atrás.
Como previ, ela dá um passo na minha direção.
Porra.
Ainda assim, quero lhe dar a chance de ir. Se eu estiver entendido
errado os sinais, ou se ela simplesmente não quiser levar aquela loucura
adiante.
Estendo a mão para o lado e toco a maçaneta e a giro.
A mão dela cobre a minha.
Levanto uma sobrancelha com uma pergunta muda.
— Fecha essa maldita porta, Ivanov. — Sua voz sai rouca.
Exigente.
Malditamente sexy.
Que se foda.
Eu me inclino e beijo Alana Percy.
Capítulo 10
Alana

De repente, parece que estou num mundo totalmente diferente do


que estava no minuto atrás.
Neste novo mundo bizarro, Dimitri Ivanov está me beijando.
Por um momento, tudo o que eu faço é apenas ficar ali, parada, sem
reação, sinto as batidas do meu coração no ouvido, enquanto a boca cretina
se move sobre a minha, com uma precisão quase científica. Como se
estivesse provando, testando. Seus dedos quentes seguram meu rosto, e
escuto um gemido rouco que vem do fundo da garganta dele e reverbera
diretamente em algum lugar dentro de mim que eu nem sabia que existia.
Mas faz uma conexão direta com meu ventre que colapsa e explode
em um calor que se espalha e vibra em minha pele e, desta vez, sou eu que
solto um gemido abafado, quase assustado, quase maravilhado.
Puta que pariu.
E então, o que era um teste se torna oficial.
Oficialmente inferno.
Vou em sua direção, quase que desesperadamente, meus dedos
subindo para grudarem na manga de sua camisa, onde está seus bíceps.
Com um novo grunhido, Dimitri enfia a língua na minha boca e eu a
recebo com avidez. Ele abaixa os braços para agarrar a parte de trás da
minha coxa e me levanta, me colocando sobre uma prateleira e não hesito
em abrir minhas pernas para que ele se encaixasse ali no meio, nossas
línguas se atracando com vontade.
Um calor escaldante se acumula entre minhas coxas que eu prendo
ao redor dos quadris dele, trazendo-o para mais perto, e gemendo baixinho
quando sinto sua ereção através do jeans. Meus dedos se infiltrando em seus
cabelos e puxando para que a boca se encaixe ainda com mais perfeição a
minha. Neste momento, quero me encaixar inteira em Dimitri Ivanov.
Seu gosto me deixa tonta, as mãos que apertam minha coxa e sobem
por minha cintura encontrando o espaço vazio de tecido entre a calça e meu
top são quentes e conhecidas.
Eu já as senti em mim. Por todos aqueles malditos dias.
Por incontáveis horas que mais pareciam uma tortura, porque na
pista de patinação, eu tenho que fingir que não sinto nada, quando sinto
tudo.
Me esquivar do que sinto anda sendo a tarefa mais terrível do
mundo e me deixando louca de tensão e raiva.
Porque não é justo que as mãos do Dimitri pareçam ser exatamente
o que minha pele precisa.
Eu nem gosto dele a maior parte do tempo.
E ele nem gosta de mim.
Mas seu beijo é de longe o melhor que já provei.
Isso é uma merda.
Como vou viver sem beijar Dimitri daqui pra frente? Este
pensamento toma meu cérebro exacerbado e me faz me agarrar a seus
ombros ainda com mais força, como se nunca mais fosse deixá-lo se afastar
de mim.
E ele me envolve em seus braços, aqueles mesmo braços que me
jogavam e me pegavam no ar todos os dias e que nunca pareciam
suficientemente confiáveis.
Ele me segurava tão bem no mesmo grau que me deixava cair.
Dimitri não é seguro.
Nem na pista de gelo e nem fora dela.
E eu sei, bem no fundo do meu coração, que vou cair.
E é o que me faz desgrudar os lábios dos dele e fitá-lo na
semiescuridão, nossas respirações ofegantes se misturando naquele segundo
esquisito que procede algo que não deveria ter acontecido nunca.
Quero dizer que estou bêbada. Talvez Dimitri esteja muito para estar
ali, mas estou sóbria o suficiente para saber que vou me arrepender muito
daqueles sete minutos insanos por anos.
Pela vida inteira.
De fato, já estou começando a me arrepender, mesmo ainda sentindo
meu clitóris pulsando de vontade de algo que eu sei que nunca vou ter.
Mesmo com o gosto da boca do Dimitri ainda na minha língua.
Com suas mãos enfiadas em meu cabelo.
— Que merda é essa? — sussurro com raiva.
Profundos olhos claros brilham como fogo em minha direção.
E assisto o exato momento em que Dimitri volta para a realidade.
Ele tira as mãos de mim e dá um passo atrás, rompendo nosso
contato.
Sinto como se tivessem arrancado minha pele.
— Quer desculpas? — Sua voz sai fria e ríspida.
Quase na defensiva.
— Você daria?
— Eu te dei espaço para sair. De fato, pode sair agora, se quiser.
— É o que eu vou fazer.
Pulo da prateleira, minhas pernas ainda bambas.
— Podemos fingir que isso nunca aconteceu? — exijo.
— Já esqueci. — Dimitri dá de ombros com indiferença.
Fico satisfeita.
Fico decepcionada.
Eu me movo para abrir a porta, mas assim que ponho a mão na
maçaneta escuto a voz de Dimitri.
— Não se esquivou.
— O quê?
— Não se esquivou das minhas mãos. Acho que ainda temos uma
chance de dar certo.
Eu não acho uma resposta sarcástica o suficiente quando saio do
armário, mas suas palavras ainda reverberam por minha mente quando
passo pelos amigos idiotas e bêbados de Landon.
Ainda temos chances de dar certo.
Óbvio que Dimitri está falando de patinação no gelo.
— Ei, quer uma carona?
Levanto a cabeça quando estou passando pela varanda do Dimitri e
Diana está sentada ali.
— Eu ia pedir um táxi.
— Eu te dou uma carona. Já cansei dessa festa boba.
Eu a sigo até o carro estacionado no jardim do Dimitri. Diana me
pergunta o endereço e eu lhe informo. Depois disso ficamos em silêncio por
um tempo, meio constrangedor.
— Não acredito que ficou com o Dimitri.
— Podemos não falar sobre isso?
— Se preferir. Não é da minha conta, mas...
— Também não é da minha conta se está grávida do Landon.
Ela olha pra mim chocada e quase perde o controle do carro.
— Ei, olha pra frente.
— Desculpe — balbucia.
E eu quase posso rir por ter acertado.
Eles agiam como se ninguém percebesse o clima esquisito, mas eu
saquei que tinha algo ali.
— Ele sabe?
— Não, foi só uma vez, e acho que ele nem lembra direito. Você viu
o Landon, ele não é exatamente seletivo.
— E não vai contar?
— Ainda não sei.
Ela para o carro em frente a minha casa.
— Dimitri sabe?
— Não, eles são amigos, não acho que saber disso agora vai ajudar
o Dimitri.
— Não é da conta dele.
— Dimitri tem um hábito terrível de se achar protetor de quem ele
gosta. Vai descobrir isso.
— Dimitri não gosta de mim.
— Ele não tem escapatória. São parceiros agora.
— Não por muito tempo.
— Quem sabe do futuro. Olhe pra mim? Sou uma prova de que não
controlamos nada. Boa noite, Alana. E boa sorte amanhã em Toronto.

***
Acordo na manhã seguinte com dor de cabeça e o celular tocando.
Tiro o cabelo do rosto e o nome narcisista asqueroso brilha na tela.
— Ah droga!
Atendo bocejando e ainda perdida.
— Estou parado em frente a sua casa, por favor, diga que está
pronta. — A voz do Dimitri atravessa as várias camadas de confusão do
meu cérebro.
— Bom dia pra você também, babaca. — Eu me sento, com a
cabeça rodando.
— Alana, sério, você estava dormindo? — Sua voz está irritada
agora.
— Sim.
— Porra, mexa agora seu rabo preguiço até aqui. Tem dez minutos.
— Vinte.
E desligo.
Parece que um caminhão passou por cima de mim. E este caminhão
chama vodca, insensatez e Dimitri.
Tomo uma chuveirada rápida, escovo os dentes e me arrumo sem
pensar muito no que estou fazendo. Felizmente minha mala já estava
arrumada para a viagem. Então enfio as botas nos pés, pego minha mochila
e corro escada abaixo.
Não tem ninguém da minha casa no caminho e me recordo que hoje
é sábado e que meus pais costumam ir tomar café na casa da Peyton.
Ótimo, melhor que não tenha que me despedir e ouvir um monte de
merda. Desde que contei que iria para Toronto e que faríamos uma
apresentação não oficial, Peyton estava surtando.
— Não vai dar certo!
— Você não sabe se não vai!
— Estou te avisando, para o seu bem! Para não passar vergonha! Vai
jogar seu nome na lama, mas sinceramente lavo minhas mãos! Cansei!
Anos e anos te instruindo, dando tudo de mim, para você ser como eu, mas
parece que nunca vai rolar.
Eu queria dizer que eu não queria ser como ela. Mas era mentira.
Eu não comecei a patinar para ser como ela?
Agora eu abro a porta e está nevando.
Corro para o carro e me acomodo no banco do passageiro,
sacudindo a neve do meu cabelo, enquanto jogo minha mochila no banco de
trás.
— Está atrasada — resmunga e me entrega um copo da Starbucks.
— Que merda é essa?
— Não é isso que toma toda manhã?
Eu pego o copo, meio embasbacada. Não achei que ele prestasse
atenção.
Mas tomo um gole de café me sentindo mais humana quando o
líquido quente desliza por meu corpo como um abraço morno.
Embora minha cabeça ainda esteja latejando e eu fecho os olhos
gemendo e querendo morrer.
Dimitri está dirigindo rápido e com cara de poucos amigos.
— Está de ressaca?
— Se não tivesse dado uma festa na sua casa ontem e...
— Não tenho culpa se bebeu como uma piranha do hóquei.
— Ei! Não sou uma...
— Espero que se recomponha até chegarmos a Toronto. Está
horrível.
Eu olho minha imagem no espelho e realmente estou medonha.
Pálida e com olheiras.
Dimitri para em um engarrafamento e espia as horas.
— Se não sairmos daqui vamos nos atrasar...
Não respondo, encolhida, tomando meu café.
Porém, passa meia hora e ainda estamos seguindo para o aeroporto
em um trânsito lento.
E Dimitri está cada vez mais impaciente.
Entediada, abro minha bolsa e pego um blush e algumas maquiagens
tentando parecer minimamente apresentável e não um cadáver.
Posso sentir o olhar de desdém do Dimitri ao meu lado, mas não me
importo. Ele que enfie sua carranca mal-humorada no rabo cretino dele.
Mesmo porque não estou me arrumando porque ele me disse que
estava horrível. Pouco me importa o que pensa de mim.
— Que bom que está tão preocupada quanto eu com nosso voo —
resmunga.
Ocupada em passar lápis no olho, eu não respondo.
Dimitri arranca com o carro com velocidade, quando subitamente o
trânsito anda e eu me desequilibro, minha mão voando por meu rosto e
borrando meu traçado.
— Porra, olha o que fez, seu idiota!
Dimitri ri.
— Fez de propósito?
— Claro que não.
— Mas que droga!
Dimitri estaciona no aeroporto. Eu continuo tentando limpar meu
olho. Ele sai do carro e abre a porta pra mim, já com a minha mochila nas
costas assim como a dele.
— Vem logo.
— Não posso sair assim.
— Alana, vamos perder o voo!
Saio do carro a contragosto, agora parecendo um urso panda com
uma mancha preta embaixo do olho e sigo Dimitri pelo aeroporto. Porém,
nosso voo acabou de sair quando chegamos ao guichê da companhia.
— Satisfeita? — Dimitri reclama.
— A culpa não foi minha, foi do engarrafamento!
— Teríamos saído mais cedo se não tivesse se atrasado, inferno!
Bem, ele tem razão, mas não vou dar o braço a torcer.
Chegamos ao guichê e descobrimos que não há mais lugar para voos
para Toronto naquele dia.
— O que vamos fazer?
— Qual o próximo voo para o local mais próximo? — Dimitri
indaga à funcionária.
— Montreal.
— Certo, vamos para Montreal.
— O que vamos fazer em Montreal? — reclamo.
— Pegamos outro voo para Toronto quando chegar lá.
Ele compra passagem de Montreal para Toronto e eu não discuto,
porque Dimitri parece já ter tomado a decisão. Então apenas o sigo quando
entramos no avião e aproveito para fechar meus olhos e tentar dormir.
— Sério que vai dormir?
— Espera que eu faça o que em cinco horas de voo? E sim, estou de
ressaca. Espero que não faça nenhum desenho tosco no meu rosto — aviso
antes de fechar os olhos.
Durmo quase imediatamente e acordo com Dimitri me sacudindo.
— Vamos.
Abro os olhos, confusa e sonolenta.
Dimitri já está se levantando e tento tirar meu cinto, mas meus
movimentos estão lentos. Dimitri solta um palavrão e abre ele mesmo meu
cinto e me puxa para me levantar.
— Está bêbada ainda?
— Acho que dormi demais. — Bocejo e ele não solta minha mão
quando saímos da área de desembarque, pega nossas malas e seguimos para
fazer o check-in do próximo voo.
Eu o deixo para ir ao banheiro e quando retorno, ele não está com o
melhor dos humores.
— O que foi agora?
— Voos foram cancelados, por causa do tempo.
— Mentira? E estamos presos aqui? Eu sabia que não deveríamos
ter vindo pra cá!
— Não vamos ficar presos aqui, vamos alugar um carro e prosseguir
viagem. São cinco horas de estrada.
— Ah não, mais cinco horas.
— Ainda chegaremos a Toronto à noite.
— Certo, acho que não temos opção!
Capítulo 11
Alana

Quando entramos no carro, a sonolência passou totalmente e eu


mordo os lábios, ansiosa e finalmente me dando conta de que passarei cinco
horas com Dimitri em um carro.
Óbvio que eu ando passando a maior parte dos meus dias com
Dimitri, mas sempre treinando e não em um pequeno compartimento
silencioso com Dimitri com cara de poucos amigos.
Eu queria ainda estar com sono e dormir até chegarmos.
— Podemos pôr uma música — peço, entediada depois de meia
hora.
Dimitri liga o som em sua playlist com Nirvana que enche o carro.
— Não gosto disso.
— Problema seu.
— A próxima música, eu escolho.
— Vai me fazer ouvir Taylor Swift?
Eu não consigo evito uma risada.
— Acha que sou um clichê?
Quando a música termina eu coloco minha playlist e os sons
melancólicos de Creep do Radiohead invadem o ambiente.
Dimitri levanta a sobrancelha assombrado.
— Vai dizer que tenho mau gosto, Dimi boy?
— Não, gosto de Radiohead, mas acho meio... depressivo.
— Eu gosto.
Deixo meu olhar vagar para a janela, onde a neve ainda cai,
enquanto Radiohead canta sobre querer ser especial.
Sobre querer ter controle. Um corpo perfeito. Uma alma perfeita.
Cantarolo junto e escuto a voz do Dimitri fazendo o mesmo.
Até que chega no refrão onde Thom Yorke grita sobre ser um ser
rastejante. Grito junto e Dimitri faz o mesmo e ambos cantamos a todo
pulmão. E aquela mágica que só a boa música pode fazer nos une por
aqueles refrãos melancólicos, sobre uma pessoa que sente que não pertence
aquele lugar, que não é boa o suficiente.
Eu quero ser especial.
E você é especial para caralho.
Não sei se Dimitri se dá conta de como aquela letra se encaixa.
A música acaba e outra surge, e seguimos cantando.
Quando termina a playlist de Radiohead, Dimitri coloca Nirvana e
eu quero reclamar, mas a verdade é que eu gosto de grunge também. E dou
o braço a torcer e canto com ele as letras do Kurt Cobain.
Até que cansamos de cantar e Dimitri abaixa o som, seguindo em
silêncio, mas não é um silêncio ruim. É aquele tipo de silêncio confortável,
onde ficamos satisfeitos de estar apenas ali, respirando e existindo.
Assistindo o movimento do para-brisa de um lado para o outro retirando a
neve que cai na estrada sem fim à frente, enquanto a tarde cai.
E me surpreendo por essa ser a primeira vez, em todo aquele tempo,
que eu uso essa palavra para definir como me sinto perto de Dimitri.
E me surpreendo mais ainda por gostar dessa sensação.
Paramos para abastecer em um momento e pegamos algo pra comer
voltando para o carro.
Tomo meu mocha, colocando o pé pra cima, sentindo que estamos
viajando há dias.
— Falta muito? — indago quando percebo que a neve começou a
cair com mais intensidade a ponto de ficar quase impossível enxergar
qualquer coisa além de branco lá fora.
— Mais ou menos uma hora... — Dimitri diminui a velocidade.
— Com essa velocidade chegaremos amanhã.
— Quer dirigir? — Ele se irrita.
— Eu não sei dirigir, senão...
— Como assim não sabe dirigir?
— Eu levei bomba ok! Aí desisti. Por que acha que ando de metrô
ou aceito suas caronas?
— Achei que gostasse da minha companhia.
Eu rio, e merda. Estou rindo de verdade, não é um riso de escárnio,
embora o que ele disse seja uma mentira.
— O que é que te fez acreditar que eu nem sequer suporte sua
companhia?
— Por que não gosta da minha companhia?
Ele está me provocando, mas percebo que há um quê de curiosidade
em seu tom.
Como se ele realmente não entendesse ou quisesse muito saber
meus motivos.
Como se isso o incomodasse?
— Pelo mesmo motivo que não gosta da minha?
— Por que acha que eu não gosto de você?
— Não sei. Você gosta de alguém além do seu belo rabo? Ouvi dizer
que os narcisistas são assim, apaixonados por si mesmos.
— Não sou narcisista.
— Se diz…
— E você é o quê? O oposto de mim?
— O que quer dizer?
— Você não gosta de si mesma.
— Oi? Nada a ver. Só porque não ando me pavoneando por aí e
dizendo o quão boa eu sou, o quão linda eu sou, como você faz, não quer
dizer que eu não goste de mim mesma. São as outras pessoas que não
gostam de mim! Você não gosta de mim, então...
— Não faz a menor questão que gostem de você.
— Não faço mesmo, por que faria? Nunca adiantou nada!
— Então você não faz hoje por que acha que nunca adiantou?
— Eu já fui mais boba. Não nascemos sabendo e aprendemos
através do tempo, não sabia? Chega um momento que cansamos de... nos
esforçar.
— Se esforçar pra quê?
— Para que gostem de nós.
— Não deveríamos nos esforçar para que alguém goste da gente.
— Exato! Então por que eu tenho que me esforçar? Estou nem aí se
me acham chata, se me acham bocuda, porque falo a verdade, me acham
nojenta, porque não puxo saco de ninguém, ou não finjo ser o que não sou.
— E o que você é?
— Que tipo de pergunta é essa?
— Não sabe quem é?
— E você sabe?
— Me defina, então.
— É um babaca, narcisista, cretino, arrogante, se acha muito bom...
— Eu sou muito bom.
— Aí está, e depois diz que não é arrogante...
— Eu apenas sei quem eu sou.
— Então concorda com tudo o que eu disse?
— Sou bom no que eu faço. Não sei por que não devo me sentir
orgulhoso disso. Não vai doer se você admitir.
— Ok, eu admito, Dimitri Ivanov é um dos melhores patinadores
que eu já vi. Satisfeito?
Ele sorri. Claro que ele está satisfeito.
— Certo, agora que já massageei seu ego, posso dizer que continua
sendo um cretino, babaca, escroto, agressivo.
Ele fecha a cara.
— Não é como se eu gostasse de ser assim.
— Ah não? Qual parte? Achei que não estivesse nem aí, acho que
nessa parte nós somos parecidos. Você também é quem é sem se preocupar
com o que pensam.
— Não quero que me achem agressivo.
— Mas você é! Você queria me bater, pelo amor de Deus.
— Eu agredi a Kiara.
— O quê?
— Quando ela me deixou. Estávamos treinando uma noite, e ela...
se declarou.
— Wow! — Abro um sorriso animado.
Aquilo sim é fofoca boa.
Sempre quis saber o que diabos havia acontecido entre Kiara e
Dimitri.
— Espera… ela disse que gostava de você e deu um socão nela?
— Não foi assim. Eu era um babaca.
— Era?
— Eu sabia que ia dar merda se levasse aquilo adiante, acho que
entrei em pânico. Eu ri dela.
— Minha nossa...
— E começamos a discutir.
— Eu teria batido em você primeiro, provavelmente.
— Não lembro o que rolou direito, acho que perdi o controle e lhe
dei um tapa. Ela caiu e eu nunca vou esquecer o olhar de horror em seu
rosto.
— Por isso ela te deixou? Acho que não a culpo.
— Não está com medo agora?
— Não. Já te falei, se você ousar me machucar, eu vou te machucar
de volta. Não sou uma idiota como a Kiara.
— Kiara não é uma idiota.
— Claro, defende sua queridinha.
— Só é injusto você pintá-la como uma pessoa ruim porque tem
inveja.
— Eu não tenho...
— Claro que tem. Podia parar de mentir pra mim, pelo menos. Não
vou te achar mais horrível por admitir algo que está muito claro.
— Ah, que ótimo. Kiara é perfeitinha e eu sou horrível.
— Não disse isso.
— Disse sim.
— Por que tem que se comparar?
— É o que todo mundo faz! Desde sempre. E, sinceramente, não
quero falar da Kiara!
— Certo, vamos falar de você.
— Ah Deus, me mate, por favor!
— Você não acha que podemos ao menos tentar ter uma relação
decente?
— Por que diabos eu ia querer ter qualquer tipo de relação com
você?
— Para que possamos dar certo no gelo. Você sabe que está faltando
algo.
— Achei que faltava talento pra mim, para fazer jus ao talento do
grande Dimitri Ivanov!
— Isso é óbvio.
— Vai se foder!
Ele ri e percebo que cai em uma provocação.
— Acha mesmo isso? — indago baixinho.
Dimitri fica em silêncio por um momento.
— Acho que você precisa resolver muita coisa dentro da sua cabeça
para que seu corpo se torne perfeito no gelo. Tem potencial, Alana.
Abro a boca, muito surpresa por ele estar falando sério comigo, sem
um pingo de sarcasmo. Ainda assim espero o que vem a seguir. Uma risada
debochada. Um comentário cruel.
Mas não vem.
E eu não sei como reagir àquela onda quente que atravessa meu
peito.
Não estou acostumada a sentir isso e eu nem sei o que é.
Não é como se recebesse muitos elogios sinceros.
Era sempre um “Está bom, mas pode ficar melhor.”.
“Podia ser pior.”, "Está ok, mas não é uma Kiara Willians.”,
“Continue treinando que um dia chegará a ser como Peyton.”.
— O que foi?
— Estou esperando você concluir com um tem potencial para o
desastre.
Ele ri.
— Também.
— Aí está!
— Mas sabe que falei sério. Estamos treinando juntos esse tempo e
talvez não tenha percebido, mas eu vejo você. Eu realmente vejo você.
Ele diz isso devagar e de novo estou sem palavras.
— E o que você vê?
— Vejo garra e esforço. Vejo impaciência e um monte de sarcasmo.
Certa maldade. E um monte de outras coisas que talvez não esteja pronta
para ouvir... — eu quero exigir que ele fale agora, mas continua —,
sobretudo, vejo talento embaixo do amontoado de bagunça que é sua
cabeça. Você pensa demais, Alana. Analisa demais. Não relaxa nunca.
— Patinar exige concentração, como posso relaxar? — rebato
ignorando tudo o que ele disse sobre mim.
Ignorando o quão potente são aquelas palavras e o quanto elas estão
me tocando. E acessando algo dentro de mim que acho que nunca foi
acessado.
Eu nunca permiti.
E, sobretudo, não quero dizer que provavelmente Dimitri é a
primeira pessoa que parece prestar atenção em mim a este ponto.
Tyler e eu éramos uma boa dupla. Nós nos dávamos bem, eu o
considerava um amigo, chegamos a nos divertir juntos e até fiz algumas
confissões.
Mas mesmo com Tyler, ainda havia certo nível de superficialidade.
Eu nunca me senti propensa a deixar que me vissem de verdade.
Não acho que Tyler se importasse aquele ponto, embora ele seja
uma das minhas poucas pessoas preferidas no mundo.
Talvez a única até aquele momento.
— E não confia. Não confia em mim.
— Acha que tenho motivos para confiar?
— Por que não confiaria? Quando estamos no gelo, somos um só.
Você é uma extensão de mim mesmo.
Engulo em seco, com a intensidade daquelas palavras. Acho que
nunca pensei em uma dupla assim.
Mas faz um assustador sentido.
Dimitri tem razão em dizer que eu não confio nele.
— Certo, e como fazemos isso dar certo? — Opto pela praticidade
ignorando o fato de que estamos tendo uma conversa profunda e íntima
sobre nós mesmos.
Que provavelmente sairemos deste carro uma dupla diferente depois
disso.
— Temos alguns pontos a serem melhorados, mas podemos começar
com, como eu posso chamar... excesso de animosidade.
— Maneira bonitinha de dizer que te odeio e que é recíproco.
— Exato.
— E o que sugere que façamos? Dar o dedinho e fazer as pazes
como as crianças fazem quando ficam de mal?
— Seria legal começar parando de fazer chacota de tudo o que eu
falo.
— Ai, está bem, não sabia que era tão sensível. Está menstruando?
— Você está?
— Por que eu te responderia?
— Porque seria algo legal do seu parceiro saber.
— Tyler nunca me perguntou isso.
— Estou perguntando.
— Não! Que nojo ficar falando dessas coisas. Ainda mais com um
cara.
— Eu não tenho nojo.
— Bom pra você!
— Está vendo? É esse tipo de conversa que tem que ser natural. Por
aí que começa a confiança.
— Conversas nojentas?
— Conversar sobre tudo. Intimidade ajuda a confiança.
— Não sei se penso assim... Onde está querendo chegar com isso?
Que devemos ser amigos?
— Seria interessante que não me deixasse com vontade de enfiar sua
cabeça de gnomo na privada a cada merda que sai da sua boca.
— Seria interessante que fosse menos babaca comigo! Como é que
eu posso desejar ser sua amiga?
— O que eu faço pra te irritar tanto?
— Respira?
— Não está sendo razoável.
— Nunca fui. Próxima questão.
— Não, não terminamos essa.
— Ok, o que sugere? Que façamos uma festa do pijama onde eu
pinte sua unha e você trance meus cabelos enquanto falamos de garotos que
queremos beijar?
Ah merda.
Minha última frase saiu sem que eu perceba do que estou falando.
Do assunto que, aparentemente, Dimitri tinha decido assim como
eu, fingir que nunca tinha acontecido.
Sinto meu rosto esquentando ao me lembrar que aquele do meu lado
não é só Dimitri, o meu parceiro de patinação a quem detesto.
É também o cara que beijei ontem à noite.
— Eu deixaria você pintar minhas unhas se isso ajudasse. — Ele
ignora meu último comentário e eu noto que sim, Dimitri também está
jogando nosso pequeno interlúdio para debaixo do tapete.
— Duvido que saiba trançar meus cabelos.
— Pode me ensinar, seria legal me ensinar alguma coisa, sendo que
eu te ensino tanto.
— Me ensina o quê?
— Seu salchow melhorou muito.
— Não foi por sua causa! Paul é um bom técnico.
— Paul, quer que seja tão boa quanto eu.
— Ah lá vem...
— Certo, estamos fugindo aqui da questão.
— A questão...
— Acho que podemos começar sabendo mais sobre o outro.
— Não tenho nenhum interesse em saber nada de você.
— Claro que tem. É uma fofoqueirazinha curiosa, pensa que não
percebi? Vamos, pergunte.
— Não!
— Certo, eu começo então. Sua lembrança preferida da infância?
Hum, não estava preparada para aquela pergunta.
Tento me recordar da minha infância. Uma sucessão de ensaios da
Peyton, elogios a Peyton, apresentações da Peyton...
— Não tem?
— Claro que sim, me pegou de surpresa... — Eu puxo algo na
memória. — Uma vez, Peyton ganhou uma caixa de macarons. Eu nunca
tinha comido macarons. Ainda lembro como se fosse hoje, era daquela
marca francesa famosa.
— Ladurée.
— Sim, Ladurée. Eles cheiravam tão bem. Mas ela não queria abrir
nunca e eu tinha cinco anos, claro que eu roubei e comi um. Minha mãe me
pegou e me deu uma surra.
— Por causa de um doce?
— Acho que era a terceira surra naquela semana. Se não era por um
doce era por qualquer outra coisa. Daisy chegou e me viu chorando. Eu
contei pra ela que eu só queria comer aquele doce e ela me levou na loja do
centro, sabe? Ah, foi o melhor dia da minha vida. Eu comi até vomitar...
mas não me importei. Era felicidade.
— Quem é Daisy?
— Minha prima. Ela tem a idade da Peyton, também patinou, mas
largou tudo porque se casou e se mudou para os Estados Unidos. Ela quem
me deu este colar.
— Por isso é importante?
— Sim, Daisy era minha pessoa preferida. Sinto falta dela. E sua
memória preferida?
— Acho que foi quando patinei num lago congelado pela primeira
vez. Ou a primeira vez que me lembro. Ainda me recordo do olhar do meu
pai. Era orgulho e eu queria ver aquele olhar pra sempre, porque ele era
tão... ausente e austero. Não era um pai amoroso.
— E sua mãe? — Não resisto a perguntar.
Dimitri se incomoda.
— Ela foi embora.
— Só isso?
— O que mais? Um dia ela se cansou do meu pai e deu no pé.
— Mas você ainda fala com ela?
— Eu passava alguns feriados com ela e seu novo namorado quando
criança, mas eu odiava.
— Por quê?
— Porque eu não conseguia perdoar o fato de ela ter me deixado.
De repente ele entra em um estacionamento e para o carro.
— Por que paramos?
— Não dá pra continuar. Já vai anoitecer e está ficando pior. Melhor
parar aqui e passarmos a noite. Amanhã cedo saímos e se tivermos sorte
estará melhor.
— Aqui?
— Sim, é um hotel.
Eu saio do carro e corremos até a recepção.
A recepcionista, uma moça com cara de tédio, lixando a unha,
levanta o olhar quando Dimitri toca o sininho chamando atenção.
O olhar de tédio dela se prende em Dimitri e se ilumina.
— Dimitri Ivanov!
— Ah Deus — resmungo e Dimitri sorri.
— Uau, sou muito sua fã. Não vejo a hora de vê-lo nas Olimpíadas!
— Fico feliz por isso.
— E essa não é a Diana Colombo. — Ela me lança um olhar
curioso.
— Não, não sou. E precisamos de dois quartos.
— Ah sim, claro. — Ela mexe no computador a sua frente. — Hum,
com a nevasca, já reservamos todos os quartos. Só temos um.
Dimitri me encara.
— Não.
— Claro, ficamos com esse quarto. — Ele ignora minha recusa.
Eu bufo indo me sentar quando a mocinha fã do Dimitri continua se
desmanchando em sorrisos e puxando assunto.
Pego meu celular e vejo que tem uma mensagem do Tyler. Eu o
visitei há dois dias e lhe contei que iria viajar com Dimitri e ele queria saber
como estava indo.

“Ainda não o matei, mas temos mais um dia.”

Decido não contar que por um infeliz acaso do destino vou ter que
dividir um quarto com ele.
Embora não seja a primeira vez, eu me recordo de que já dormi na
mesma cama que Dimitri na manhã da festa fatídica.
— Aqui está a chave, é no primeiro andar — a recepcionista avisa.
Eu sigo Dimitri pelas escadas.
— Já marcou um encontro com sua fã para mais tarde? Não espere
que eu fique no corredor esperando você transar!
Dimitri ri.
— Não é o que amigos fazem?
— Não sei se concordei com esses termos. Aliás, não lembro nem
de concordar em ser sua amiga.
— Tarde demais, parece que vamos passar por nosso batismo de
amizade.
— Como é?
— Acho que teremos nossa festa do pijama.
— Ah, pelo amor de Deus... você perguntou se tem duas camas
nesse quarto?
Dimitri chega em frente à porta e enfia a chave na fechadura.
E entra, acendendo a luz.
E meu olhar recai sobre a única cama do lugar.
— Que ótimo. Só tem uma cama.
Capítulo 12

Alana

— Qual o problema? Você já invadiu minha cama antes, lembra?


Ele entra e eu o sigo.
— É diferente.
— Anime-se. Lembre-se de nossa festa do pijama.
— Estou muito animada! Vamos fazer guerra de travesseiro de
calcinha?
Dimitri levanta a sobrancelha.
— Podemos fazer. Parece interessante.
— Não seja pervertido!
— Você começou!
Dimitri espia pelas cortinas.
— Está anoitecendo, mas não dá pra ver nada lá fora. A nevasca
piorou. Mas quer tentar sair pra comer?
— Não estou com fome. Vou tomar um banho.
Abro minha mala, acho um pijama e meu nécessaire e vou para o
banheiro.
Depois de tomar banho e colocar meu pijama, que mais é um
moletom cinza, limpo o vapor do espelho, encarando a mim mesma e
relembro minha estranha conversa com Dimitri no carro.
Acho que nunca conversamos tanto antes. Eu poderia dizer que não
muda nada, que continuo achando Dimitri o cara mais babaca do mundo,
mas seria uma mentira.
O pior não é que não mudou o que penso em relação ao Dimitri.
Ele continua sendo um babaca arrogante.
E talvez eu seja horrível como ele falou, porque acho que gosto dele
apesar disso.
Talvez por isso.
E sinto pequenas explosões de uma felicidade tímida e quase furtiva
se espalhando por aquele coração que dizem que eu nem tenho.
Mas eu tenho sim. Um coraçãozinho cinzento e cheio de teias de
aranha, quase um deserto devastado por uma guerra pós-apocalíptica.
Um coração que foi massacrado, esmagado, quebrado não só por
quem um dia bateu mais forte, num anseio bobo de ser escolhido, mas
também por aqueles que tinham a obrigação de acolhê-lo desde sempre.
Mas ele continua ali. Anseia. Falha. Sofre.
Dói.
Porém, hoje, ele bate de uma expectativa boba quando pego o
esmalte preto do nécessaire, já antevendo quão irritado Dimitri vai ficar
quando eu exigir pintar sua unha, na nossa ridícula festa do pijama do
mundo invertido.
O que é isso? Eu me pergunto, hesitando por um momento antes de
sair do banheiro.
A amizade que ele tanto está pregando pra mim como um
missionário tentando me convencer?
Como seria se Dimitri não fosse meu inimigo. Se fosse meu amigo?
Meu aliado?
Meu parceiro no sentido amplo da palavra?
Poderíamos almejar a perfeição ou estaríamos fadados à catástrofe?
E quero a perfeição, mesmo não sendo merecedora dela, mesmo
tendo a perseguido por todo aquele tempo e nunca a alcançado, mesmo com
Tyler, a quem eu gostava de verdade.
Se eu cedesse, se não odiasse Dimitri, o que seríamos, o que
alcançaremos? Ele poderia me erguer sem que tivesse medo de cair?
Poderia sentir que é parte de mim mesma, como ele disse que eu era
parte dele?
Odeio dar razão a Dimitri, mas, no fundo, sei que tem um assustador
sentido no que tenta me convencer. Talvez eu deva permitir que a pequena
comichão de felicidade que está se alastrando bem fácil por meu peito,
minha pele, meus sentimentos, tome as rédeas da situação e deixe aquele
babaca arrogante entrar.
E quem sabe assim, compilando todo o caos que Dimitri representa
pra mim numa caixinha chamada “amizade” eu possa esquecer que ontem
ele estava com a língua na minha garganta e que por mais que eu detestasse
admitir, ele tinha razão quando me zoava sobre eu não esquecer seu pau.
Amigos não ficam fissurados pelo pau do outro.
Tampouco se arrepiam com toques inocentes.
Ok, não estou gostando do rumo dos meus pensamentos e muito
menos com o calor que se irradia por meu ventre só com o poder da
sugestão daqueles pensamentos.
Posso estar disposta a ceder à sugestão amigável do Dimitri, mas
não sou tão idiota a ponto de sugerir em contrapartida que amizades
também podem ser coloridas.
Péssima ideia.
A pior de todas, Alana.
Dimitri

Observo o dia se transformar em noite lá fora e suspiro, um tanto


irritado, por não ter conseguido chegar a Toronto.
Pego meu celular e tento ligar para meu pai, mas ele não atende,
envio uma mensagem avisando que nos atrasaremos.
Obviamente ele vai ficar puto, porque Andrey é conhecido pela
rigidez com que gosta de ter suas ordens atendidas.
Só que a culpa não foi minha de todos aqueles atrasos.
A culpa é do gnominho de ressaca que foi incapaz de cumprir a
minha ordem. Eu fui claro ontem de que gostaria que ela acordasse no
horário certo e justamente porque conheço como o álcool pode agir nas
pessoas, que tentei dissuadi-la da ideia de beber.
Mas Alana é teimosa e inconsequente e não está nem aí para o que
eu digo, embora seja claro que eu tenho muito mais noção.
Ok, eu
bebi também.
E a beijou também. Uma vozinha irritante me lembra o que estou
tentando esquecer.
Que diabos aconteceu ontem naquele armário?
Depois que Alana foi embora, dispensei todos os bêbados amigos de
Landon, ainda confuso e puto por ter escorregado a um ponto que nunca
tinha escorregado antes.
Quer dizer, eu beijei Kiara uma vez, naquela fatídica noite, mas foi
porque ela me beijou primeiro. E depois dei em cima de Diana, mas foi um
lapso e ela teve o bom senso de me pôr no lugar.
Não se deve colocar as mãos na parceira de patinação fora do gelo.
Não que tenha havido muita ação de mãos ontem. Infelizmente.
A merda era que em vez de ficar aliviado por isso, eu só ficava
frustrado por não ter aproveitado mais.
O que teria acontecido se eu não tivesse deixado Alana sair daquele
armário? As fantasias eram infinitas e estavam me deixando louco.
Seria tão ruim assim se... A todo instante eu me pegava fazendo
conjecturas não muito sensatas.
Dizia a mim mesmo que ontem não foi nada demais. Era só uma
brincadeira. Éramos adultos e podíamos lidar com um beijo.
O problema era lidar com o fato de que beijar Alana foi gostoso pra
caralho.
E agora vamos dividir um quarto.
Mil vezes inferno.
Quando acordei hoje, mais sóbrio, consegui colocar os pensamentos
no lugar e me concentrar no fato de que Alana era minha dupla e que
preciso manter minhas ideias sacanas trancafiadas na minha mente, porque
a probabilidade de dar merda é grande.
Eu tinha que me concentrar em fazer Alana confiar em mim. Em
meu toque. E isso não queria dizer que fora do gelo tínhamos que levar
aquele interlúdio sacana adiante. Mesmo uma parte do meu cérebro
teimando em sugerir que, talvez, fosse essa a saída.
Sexo era intimidade.
Que maior prova de confiança podia haver entre duas pessoas?
Cara, você precisa transar. Está fantasiando em trepar com Alana
Percy. A gnomo irritante.
E toda vez que lembrava o quanto Alana me irritava, eu quase
conseguia pensar racionalmente e tirar aquelas ideias idiotas da cabeça.
Ela se atrasou hoje cedo e eu fiquei puto.
Está vendo? Ela é uma cretina sem noção.
Por causa de sua ressaca nos fez perder o voo e não parecia nem um
pouco preocupada com isso. Óbvio que não ia admitir a culpa.
Porém, quando tivemos que passar aquelas horas no carro e
iniciamos uma conversa que talvez tenha sido a mais sincera que tivemos,
quase apreciei sua companhia.
E pude, de certa forma, lhe dizer o que esperava de nosso
relacionamento como dupla. E tive a impressão de que ela começava a
entender onde eu queria chegar.
Eu precisava da Alana no gelo e ela precisava de mim.
Precisávamos estar conectados em todos os níveis.
E cada parceria era diferente da outra. A virtuose de Kiara se
encaixou à perfeição a minha o que fez com que nos contássemos.
Diana era doce e quase passiva. Ela se encaixava ao meu comando
de boa vontade. Ela exalava amor em seus movimentos e trouxe para mim
uma dose de suavidade que não havia antes.
Alana é caos e fúria, e não sei como é que isso pode se encaixar sem
nos matarmos no processo. Achar o ponto onde a conexão com Alana
finalmente aconteça é o que precisamos.
A merda é que até agora nossa maior ponte de conexão são as
brigas.
Se não brigarmos mais – ou pelo menos diminuir as desavenças –
como sugeri, o que vai sobrar?
Podemos forjar uma amizade verdadeira?
De repente o som do celular da Alana no bolso de sua mochila
chama minha atenção. Ele não para de tocar e eu o pego irritado, para
desligá-lo. Porém, quando abro a mochila, uns pacotes coloridos chamam
minha atenção.
Doces.
Porra, pra que Alana tem aquele monte doce na mochila? Ela não
sabe que açúcar é uma merda?
Escuto o chuveiro sendo desligado e recoloco os pacotes no lugar.
Quero chamar sua atenção, mas sei que se começar uma briga por causa
disso, voltaremos a estaca zero. E tenho a impressão de que estamos em
outro nível de comunicação agora.
Sento-me na cama e levanto a cabeça quando a porta do banheiro se
abre trazendo uma onda de fumaça e Alana sai de lá.
Não consigo evitar sentir certo receio, misturado a uma expectativa
doce e quente quando o cheiro de sabonete e shampoo vem da fumaça e me
envolve.
Alana caminha até mim e para na minha frente.
Está usando um pijama cinza com a blusa mais curta, quase um
cropped, o que deixa um pedaço da sua barriga à mostra.
Meus olhos se estreitam em um interesse puramente masculino,
porque sim, pedaços de pele às vezes é mais estimulante do que a pele
inteira. O mistério do todo dá um gosto interessante à situação.
Porém, na frente da barriga seu punho fechado surge e eu levanto o
olhar para encará-la e ela está com um risinho sarcástico nos lábios cheios.
— O que é isso?
Ela abre a mão e eu vejo o esmalte preto na palma.
Eu a encaro novamente.
— Você prometeu que eu ia pintar sua unha.
— Nem fodendo.
— Não precisamos foder é só pintar uma unha. — Ela pisca e me
empurra. — Vai pra trás. Nossa festa do pijama vai começar, Ivanov.
Rolo os olhos, meio irritado, meio perdido, mas me ajeito na cama,
observando Alana vir junto. A blusa levanta um pouco, eu desvio o olhar e
finjo que me pau não está se espreguiçando, como se estivesse acordando
para uma festa que ele nem foi convidado, mas que gostaria muito de
participar.
— Por que está com essa cara? Não vai doer! — ela debocha
puxando minha mão. — Nunca pintou a unha?
— Óbvio que não.
— Por que óbvio? Muitos caras pintam a unha. Acho estiloso.
— Seu gosto pra caras é esquisito.
Ela levanta o olhar.
— Por que agora você sabe meus gostos para caras?
Dou de ombros.
— Então me diz, não é o que fazem nas festas do pijama?
Confidências?
Ela abaixa a atenção para a unha, onde o pincel desliza, tingindo de
preto.
— Não sei, nunca participei de uma.
— Sério?
— Deve ser um porre, um bando de mulheres juntas falando merda.
— Então não sabe o que rola numa festa do pijama e acha que devo
aceitar que pinte minha unha? Está inventando as regras.
— Para de ser chato, podemos fazer nossas próprias regras.
— Então depois de pintar minhas unhas, qual o próximo item? Vai
mesmo querer que eu penteie seus cabelos?
— Não vai pôr a mão no meu cabelo! Olha, ficou bom! — Ela
levanta minhas mãos para admirar o trabalho e sem aviso se inclina e
começa a soprar nos meus dedos.
— Que porra está fazendo?
— Para secar mais rápido! — Continua a soprar, e cacete, não
consigo evitar um arrepio na espinha e meus olhos se prendem em sua boca.
Ela levanta o olhar e encontra o meu e, por um momento, não nos
mexemos e tenho a impressão de que ela sabe o que está rolando.
Mas de repente um celular toca e o momento esquisito é quebrado.
— Acho que é seu celular, aliás, ele não parava de tocar quando
estava no banho.
— Deve ser da minha casa.
— Ei, Peyton? — ela atende.
Eu fico encarando e ela rola os olhos, como se incomodada e
abrindo a porta sai do quarto.
E eu aproveito para pegar minhas coisas e ir tomar um banho.
Deixo a água quente escorrer por meus ombros e sinto-me relaxado,
tanto que me esqueço do tempo até que Alana bate na porta.
— Dimitri, vai acabar com a água do hotel, está morto?
Eu desligo o chuveiro quando ela continua batendo com os punhos
na porta.
Gnomo irritante do cacete!
Eu pego uma toalha, passo pela cintura e abro uma fresta da porta.
— Que inferno, o que quer?
— Seu celular não para de tocar, acho que é seu pai. — Ela enfia o
celular na minha mão e então franze o olhar. — Estava se masturbando?
Eu rio.
— E se tivesse?
Fecho a porta na sua cara e atendo o telefone.
— Oi, pai.
— O que aconteceu? Era para estar aqui?
— Um problema com o voo e tivemos que vir para Montreal. —
Omito que atrasamos por culpa da Alana. — E quando chegamos em
Montreal teve uma nevasca, tivemos que pegar a estrada e está impossível
continuar, já estamos chegando em Toronto, menos de uma hora, mas
vamos passar a noite aqui. Amanhã bem cedo chegamos.
— Isso não é bom. Eu quero ver o programa de vocês ainda hoje.
— Passamos amanhã, a apresentação é só à tarde.
— Sabe que não gosto de ser pego de surpresa. Eu consegui pra
vocês essa apresentação e seria uma lástima se fossem horríveis.
— Não vamos ser — garanto o que no fundo sei que não posso
garantir.
— Espero vocês amanhã. — Ele desliga sem mais.
E eu visto meu pijama saindo do banheiro.
Alana está sentada na cama me encarando com os olhos franzidos.
— Andrey está bravo?
— O usual.
— Aposto que me detonou pra ele.
— Claro que não.
Ela me encara com incredulidade quando dou a volta na cama e
sento ao seu lado.
— Sua namoradinha passou aqui.
— Quem?
— A recepcionista. Acho o nome dela é Tracy... — Ela faz uma
vozinha doce que me faz rir. — Aposto que nem precisaria se virar sozinho
e gastar toda a água do hotel no chuveiro, sendo que tinha a linda Tracy
para te dar uma mão!
— Por que está encanada com isso? — Eu a provoco me ajeitando
de lado para encará-la.
— Não estou encanada com nada!
— Certo, vamos conversar sobre isso.
— O quê? Não!
— Vamos, é nossa festa do pijama. Temos que trocar confidências.
— Achei que fosse trançar meu cabelo.
— Prefiro saber seus segredos sórdidos.
— Não. — Ela pega o celular no afã de me ignorar, mas eu o
arranco de sua mão.
— Deixa de ser medrosa. Não vai fugir de conversar comigo.
— Por que tem que ser tão chato?
— E posso ser ainda mais. Temos a noite inteira. Vamos lá, Alana
Percy está com medo? Está preocupada com o que eu penso de você? Achei
que não se importasse...
— Está bem, que inferno. O que quer?
— Um segredinho sórdido.
— Me conta um seu primeiro.
— Minha primeira vez foi com 15 anos com a irmã do Landon e ele
não faz ideia.
— O quê? — Os olhos dela brilham de curiosidade.
Ah, Alana, tão fofoqueira.
— Ela era dez anos mais velha do que nós.
— Meu Deus, isso soa meio pervertido!
— Pior se eu contar que ela era noiva.
— Caramba! Que safada! Não se importou com isso.
— Eu tinha 15 anos e estava de saco cheio de ser virgem. Foi quase
um presente de Natal.
— Foi no Natal? — Ela ri.
— Melhor Natal de todos. Embora não possa dizer que foi a melhor
transa de todas, é óbvio.
— E qual foi?
— Foi logo após eu ganhar meu primeiro mundial, em Turim. Eu
estava muito empolgado e saímos para comemorar e acabei passando a
noite com a Lucia Argento.
— Nem pensar! Você transou com a Lucia Argento?
— Ela era selvagem. — Eu suspiro me lembrando da patinadora
italiana. — Mas sinceramente, teria sido bom com qualquer uma. Eu estava
alucinado de felicidade com o ouro.
— Ah, claro. Tem que ser sobre você. Típico dos homens serem uns
escrotos egoístas.
— Está falando por experiência própria? Conte-me sua grande
transa.
Ela hesita, mordendo os lábios.
— Vai ter que contar agora, Alana.
— Na verdade eu não... eu nunca...
— Meu Deus, não me diz que é virgem?
— Não! Claro que já transei...
— Não fala como se fosse algo bom.
— Porque não foi.
— Espera... Tem que ter alguma experiência que seja digna de
contar.
— Eu só transei uma vez, então...
— Está de brincadeira?
— Não. E tem razão, foi uma merda.
— Uma merda quer dizer que você não... — deixo a sugestão no ar.
— Nem perto — ela confessa com uma careta e eu começo a rir.
Caramba, não é à toa que Alana é chata.
— Não ri, não foi engraçado,
— Tem razão, não é. É deprimente.
— Está satisfeito agora? Minha experiência com sexo foi uma
merda.
— Nem todo homem está preocupado se as mulheres estão se
divertindo ou não, mas você tem cara de que não deixaria isso arruinar sua
vida.
— O que quer dizer?
— Você entendeu.
— Não, acho que não.
— Você não se masturba, Alana?
— Ah meu Deus, que pergunta é essa?
— Uma pergunta simples. Vamos lá. Nada do que dissermos aqui
vai sair daqui.
— Ok, não.
— Puta merda, está falando sério?
— Não é como se eu não tivesse tentado, mas acho que nunca rolou.
Eu desisti.
— Nunca teve um orgasmo? — indago horrorizado.
Ela fica vermelha demais.
— Não é sério... — Eu ainda estou sem acreditar.
— Queria que não fosse. Pronto, mais um motivo para me chamar
de fracassada.
— Isso sim é deprimente.
— Oras, obrigada!
— Agora entendo por que tanto mau humor...
— Ah vai se foder!
Ela tenta sair da cama, mas eu a puxo pela blusa, fazendo-a deitar de
volta.
— Por que nunca mais quis transar de novo?
— Não acho que valha o trabalho.
— Sempre vale.
— Fale por você!
— Esse cara com quem transou era um babaca.
— Acho que eu atraio os babacas.
E levanto uma sobrancelha porque claramente ela está me incluindo
naquele insulto.
— Eu não seria um babaca com você, não nesse sentido pelo menos.
— Até parece!
— Está duvidando?
— Estou!
Franzo o olhar e ela não desvia os seus.
Escuros e desafiantes.
— Está me desafiando, Alana?
Tarde demais acho que ela percebe que caiu numa armadilha, foda-
se e ela parece um tanto receosa.
— Não vou transar com você.
Seu rosto está vermelho agora e não é de constrangimento.
Seus olhos expressam uma dúzia de emoções diferentes.
— Quem falou em transar?
— E está falando do quê?
Eu encosto meus lábios em seu ouvido.
— Estou falando que eu vou tocar em você. Vou te foder com a
minha mão até gritar e juro por Deus, que o orgasmo que vou te dar, servirá
de comparação para todos os outros que vai ter a partir de então.
Eu a encaro e ela está ofegante. Ela está excitada.
Seus olhos estão escuros de tesão.
Sua expressão é um misto de “por favor” com “não devo”.
Estudo seu rosto com meu próprio pau pulsando dentro da calça de
pijama e querendo ir para a festa, mas eu o obrigo a ficar quietinho hoje.
Estou brincando com fogo com Alana Percy, mas ainda há um
limite.
Embora eu tenha empurrado a linha delimitadora para quase além
do seguro. Está quase chegando ao perigoso.
Que se dane.
Eu quero ouvir Alana gemer. Quero enfiar minha mão em sua calça
e tocar sua boceta quente, sentir a textura, a umidade que eu sei que vai
escorrer entre meus dedos sacanas.
— É disso que estava falando quando falou sobre intimidade e
confiança?
— Não necessariamente.
— Fazia isso com Kiara e Diana?
— Nunca.
— Nunca?
— Eu juro. Com uma parceira, será a primeira vez.
Ela engole em seco. Está hesitando. Está ansiando.
— Vamos lá, Alana, só um pouquinho e eu prometo que vai ser
gostoso.
— Não vamos falar sobre isso nunca mais?
— Nunca mais.
Ela sacode a cabeça em afirmativa.
Porra.
— Posso? — Meus dedos dedilham sua barriga, pedindo permissão.
Ela sacode a cabeça em afirmativa e não se move, respirando rápido
pelos lábios entreabertos e os olhos em chamas.
E sem desviar o olhar, enfio a mão dentro de sua calça.
Ela está quente, úmida e pulsando entre meus dedos e o pequeno
engasgar entre seus lábios me deixa louco.
— Porra, você já está molhada pra cacete...
Ela fecha os olhos, quando meu toque desliza do clitóris, entre as
dobras úmidas até sua entrada. Retorno para o clitóris trazendo a umidade
quente para que meu dedo escorregue sobre a carne dura e latejante e ela
arqueia os quadris da cama, e coloca as mãos sobre a boca, como se para
não gritar eu solto uma risada.
— Alana? — eu a chamo. — Abre os olhos.
Ela me obedece.
— Quero que olhe pra mim enquanto eu te fodo gostoso com meus
dedos, entendeu?
Ela sacode a cabeça em afirmativa.
— Agora diz meu nome.
— Não.
— Diz, senão eu não continuo.
Ela sacode a cabeça e eu tiro a mão.
Ela a segura e a leva de volta.
— Faz direito, Ivanov — exige.
E seu tom imperativo e irritado é tão Alana Percy que me faz sorrir.
Alana é um gnominho sedento neste momento.
— Então fala — provoco, deixando meus dedos deslizar por seu
ventre, quase lá, mas hesitando.
— Seu babaca narcisista... — sussurra num tom de provocação.
— Não está colaborando, sua gnomo irritante.
— Para de me provocar! Está sendo babaca.
— Você está sendo esquiva e está estragando o momento.
— Eu?
— Por isso não goza.
— Você promete me fazer gozar e está focado no seu ego enorme!
— Eu não disse que não posso me divertir. Afinal, o que eu ganho
com isso?
— Está querendo dizer que eu devo retribuir? Vai sonhando.
— É uma ideia que gosto muito.
Ela morde os lábios e eu abro um sorriso.
— Ah, você gosta também?
Ela não responde.
Teimosa pra cacete!
— Vamos lá, Alana. Alimenta meu ego, que te prometo que vai ser
bom pra você também. Ninguém te falou que sexo é sobre troca? Mostre o
seu que eu mostro o meu? Diga-me, pensar no meu pau te excita?
— Não.
— Não está colaborando...
— Ok, sim me excita.
— Está pouco, fale-me mais.
— Pensar em você... movendo sua mão sobre ele... me deixa
molhada.
— Assim? — Eu levo a outra mão à frente do pijama e seguro meu
pau.
Alana solta um gemidinho que me deixa mais duro ainda.
— Tira a calça — exige.
Porra.
Eu faço o que ela mandou, tirando o pau pra fora, nunca deixando
de olhar para seu rosto.
— Isso que gosta, sua gnomo voyeur safada.
— Achei que fosse me fazer gozar, Ivanov e não você...
Num movimento rápido, eu me movo para ela, segurando-a na cama
com uma mão e com a outra voltando a deslizar para dentro de sua calça.
Porra eu mergulho os dedos dentro dela e estou perdido.
— Sim, Alana Percy. Estou totalmente focado em você. Só você.
Capítulo 13
Alana

Tudo parece envolto numa névoa estranha e bizarra, como se não


estivesse acontecendo de verdade.
Como se Dimitri não estivesse com a mão entre minhas pernas,
enfiando os dedos dentro de mim, mergulhando fundo e recuando para
dedilhar meu clitóris que pulsa e vibra como se estivesse esperando
exatamente por isso a vida inteira.
Puta. Que. Pariu.
Arqueio as costas, meus dedos buscando algo e encontrando os
lençóis, minhas coxas tremendo, e o prazer mais incrível explodindo em
meu ventre e se espalhando como veneno por minha corrente sanguínea,
fazendo tudo tremer.
Estou inteira tomada por uma intensa sensação de flutuar e pegar
fogo ao mesmo tempo e tudo está concentrado ali, onde Dimitri Ivanov está
me tocando.
— Isso é bom? — ele indaga no meu ouvido.
Sua voz sacana, rouca, cheia de malicia e quase deboche, como se
tivesse muito contente em estar provando que sim, ele vai cumprir o que
prometeu.
Porque sinceramente, eu sinto as sensações se intensificando a um
nível insuportável, cada vez mais forte, cada vez mais intensas, cada vez
mais incríveis e em algum momento em meio a minha loucura eu sei que
vai acontecer.
— Responde — Dimitri exige e sinto seus lábios deslizando por
meu rosto.
Engulo em seco, meu coração disparado a tal ponto que acho que
vai saltar do peito e cair ali, na frente do Dimitri.
E o medo dele pegar e guardar no bolso?
É uma ideia boba e insana e eu rio.
— Está rindo de que, Percy? — Dimitri morde minha garganta e eu
gemo alto, adorando, e virando a cabeça, dando mais acesso.
— Faz de novo.
— O quê?
— Me morde...
Ele ri e é o som mais delicioso e irritante do mundo.
Que se dane.
Remexo os quadris em busca de mais daquilo que ele faz, querendo
desesperadamente mais... um medo terrível de me perder como sempre e
não chegar a lugar nenhum.
— Deixe acontecer — Dimitri percebe minha tensão.
— Não para.
— Não vou parar... não até gritar.
Ele continua a me foder com seus dedos e eu levo a mão para baixo
da minha blusa e aperto meus seios.
— Levanta a blusa — Dimitri pede quase brusco.
— Não!
— Levanta a porra da blusa agora.
Eu acabo obedecendo e os olhos do Dimitri brilham de tesão, antes
dele descer a cabeça e abocanhar meu mamilo, dando um chupão forte.
— Ai — reclamo de dor e prazer e ele ri, dando um beijinho e
depois uma suave mordida e os olhos presos nos meus, enquanto
literalmente mama em mim.
Ah minha nossa...
Enfio os dedos em seus cabelos e sem pensar o trago pra mim, mas
paro antes que seus lábios alcancem os meus.
Não quero beijá-lo de novo.
Beijar me parece algo muito íntimo agora, mais do que seus dedos
estando na minha boceta.
— Está perto? — Dimitri indaga estudando meu rosto, seu hálito
invade minha língua.
Delicioso e me dá água na boca.
Sacudo a cabeça em afirmativa, ofegando e gemendo, quando ele de
novo circunda meu clitóris.
— Fica aí — peço num soluço, porque o sinto tão perto, tão ao meu
alcance...
— Você gosta dos meus dedos, não é?
— Sim...
— Vai gozar gostoso pra mim?
— Não estou fazendo pra você, babaca...
Ele ri e morde meu queixo e eu fecho os olhos quando ele treme os
dedos em mim.
— Ah caramba. Eu engasgo e todo meu corpo tenciona, minha mão
cobre a de Dimitri e eu a mantenho ali enquanto rebolo os quadris
freneticamente, meu corpo estremecendo quando gozo forte, apertando os
dedos do Dimitri em mim, meus quadris içando da cama e gemidos
desconexos escapando da minha garganta enquanto enfio minha cabeça no
travesseiro, perdida naquela onda gigantesca de um prazer até então
desconhecido.
O ápice dura apenas alguns segundo efêmeros e eu caio de volta no
mudo real, tremendo e ofegando, suada e maravilhada.
— Puta merda. Você tem razão, vale a pena.
Dimitri ri, dando um beijinho em meu pescoço e a mão ainda
cobrindo minha boceta, escuto sua risada e abro os olhos.
— Eu disse.
Ele se levanta e eu abro os olhos para vê-lo saindo da cama.
Ele se fecha no banheiro e por um momento estou ainda perdida
demais na onda pós-orgasmo, para entender que Dimitri está demorando
muito.
Sem pensar, eu me levanto e abro a porta.
Ele está com a calça arriada, a mão no lindo pau, movendo rápido e
com força, enquanto segura na pia com a outra mão.
É como um déjà-vu do outro dia.
Dessa vez eu cruzo os braços e fico observando.
Dimitri levanta a cabeça e me vê.
Por um instante vejo a irritação e surpresa em seu olhar, mas é logo
substituído por um meio sorriso sacana.
— Voyeur do caralho. Está gostando do que vê?
Dou de ombros.
— Estou atrapalhando?
Eu entro no banheiro e com um pulo sento na pia.
— Se não vai ajudar, sai daqui — ele ofega.
— Não me lembro de termos combinado nada sobre troca...
— Nem uma ajudinha?
— Depende?
— Mostra seus peitos.
Rolo os olhos e levanto meu pijama.
— Se toque.
— Está pedindo muito.
— Me deve essa. Seja boazinha.
Subo os dedos e rodeio meus mamilos.
— Tire sua calça.
— Não.
— Tire agora.
— Pede com educação.
— Por favor, mostre sua boceta para mim, Alana — ele pede com
sarcasmo.
— Promete não me chamar mais de gnomo...
— Anda logo, sua gnomo maldita!
— Pedindo com tanta educação...
Eu tiro minha calça e a calcinha junto e deslizo mais para o fundo da
pia, apoiando os braços atrás e levo os pés para cima também, abrindo bem
minhas pernas para a apreciação do Dimitri.
Os olhos dele escurecem e os movimentos de sua mão aumentam.
— Hitler... combina com você.
Fecha as pernas e me inclinando para frente, segurando seu queixo
com força.
— Retira o que disse...
— Foi só um comentário, sabe, sobre sua depilação.
— Disse que combino com Hitler.
— Imagino que ele tinha um humor terrível. E vamos combinar,
você tem certa maldade. Mas ok, retirado, gnomo.
Eu solto seu rosto.
— Abre as pernas de novo pra mim, baby.
Eu derreto de um jeito inesperado quando ele me chama assim e sei
que não é sério, é só um jeito de falar, mas ainda assim meu coração idiota
dá um salto axel no meu peito e me arrepio inteira.
Faço o que ele mandou, amando o olhar de puro desejo que me
lança, como se eu fosse a garota mais gostosa do mundo e é assim que me
sinto neste momento.
É assim que eu gostaria de me sentir sempre.
— Deixa eu gozar em você?
— Nem pensar.
— Por favor.
— Onde?
Ele abaixa o olhar.
Eu não sei por que, mas a sugestão me parece tão perversa quanto
estimulante e sacudo a cabeça em afirmativa.
— Goze em mim, Dimitri — sussurro me inclinando para ele, me
oferecendo para ele.
E Dimitri solta um gemido que é mais um grunhido.
Ele fecha os olhos, gozando e, ai minha nossa, sinto-me excitada de
novo, porque Dimitri gozando é lindo de se ver.
Observo o líquido quente jorrando em meio a minhas pernas,
hipnotizada.
E Dimitri parece igualmente abstraído, enquanto ofega se segurando
na pia.
— O que está pensando? — eu também ofego como se tivesse
gozado com ele.
Ele levanta o olhar pra mim.
— Não acho que queira saber. — Ele ri se afastando e eu quero
insistir que diga, mas me calo.
— Precisa me limpar, seu palhaço! — reclamo.
Ele abre a torneira da banheira e retira todas suas roupas.
Ok, já vi Dimitri nu antes, mas sei lá, agora é diferente e eu fico um
pouco sem graça.
E sem aviso, ele se aproxima, ergue minha blusa, me deixando nua
também.
Agora estou mais sem graça ainda, mas Dimitri não perde tempo me
olhando e simplesmente me pega no colo e me põe na banheira quente e
senta na minha frente.
Por um momento nem um de nós fala nada e aquele nível de
intimidade, dividir um banho é muito esquisito e inédito.
— Já tomou banho com muita gente?
— Sim, eu e Landon tomamos banho juntos direto.
— Está falando sério?
— Não, sua sacana. Estou te zoando.
— E com mulheres?
— Algumas.
— Acho isso esquisito.
— Não tem nada de esquisito. É só um banho.
Dimitri não parece achar grande coisa, mas pra mim todas as coisas
que estão rolando hoje são enormes.
E de repente me sinto um pouco deslocada.
— Já chega.
Eu me levanto e sem olhar pra ele, saio da banheira, me enrolo
numa toalha e pego meu pijama. Porém antes de sair do banheiro, Dimitri
me chama.
— Ei, Alana.
Eu me volto, impaciente.
— Sabe o que eu estava pensando? Que dá próxima vez, você vai
fazer pra mim.
Arregalo os olhos chocada e... ansiosa por isso.
Vai haver próxima vez?
Eu volto para o quarto e me visto, deitando sob as cobertas,
pensando no assunto. Ainda estou meio alucinada pela experiência. Ainda
um pouco excitada de novo de ter visto Dimitri gozando. Em mim.
Talvez por isso não me pareça uma ideia tão ruim o “da próxima
vez”.
Dimitri volta para a cama e deita ao meu lado, desligando a luz.
— Tudo bem?
— Sim, e aí?
Ele ri.
— Tudo. Não vai encanar com isso, não é?
— Tenho motivos? Você disse que não íamos mais falar sobre isso
amanhã.
Não quero voltar ao assunto “da próxima vez”, provavelmente é
uma bobagem.
— Era o combinado.
— Ótimo!
— Alana?
— Sim?
— Não vai agradecer?
— Vai se foder, babaca!
Ele ri se vira e em minutos está ressonando, mas eu permaneço
acordada e começo a me sentir ansiosa. Vamos conseguir fingir que nada
aconteceu e seguir em frente?
Quais as consequências de isso dar merda em algum nível?
E devo acreditar nele quando não diz que não fez nada com Diana e
Kiara?
Eu não sei se acredito se não rolou nada com as minhas
antecessoras.
Ainda mais Kiara.
Dimitri até hoje arrasta um bonde por ela. Haja vista que não hesitou
em vir brigar comigo para defender a princesinha de gelo.
Será que ele me compara com ela?
Não tenho a menor chance de eu vencer.
E eu já perdi uma vez aquela briga.
Não posso deixar aquela pequena centelha em minha vontade se
alastrar e transformar tudo em um incêndio de proporções catastróficas.
Eu já preciso do Dimitri dentro do gelo
Não quero precisar fora também.
Irritada, saio da cama e pego os pacotinhos de doce na minha
mochila e vou para o banheiro.
Como tudo até o fim e depois me sinto horrível.
Amanhã vamos nos apresentar e não posso estar com todo aquele
açúcar em mim.
Preciso me livrar dele.

— Alana?
Levanto a cabeça, quando Dimitri bate na porta.
— Está tudo bem? Está vomitando?
Droga.
Fecho o vaso e dou descarga.
— Estou bem...
— Precisa de alguma coisa?
— Não! — Eu me levanto e lavo a boca e escovo os dentes.
— Alana, está me preocupando. Deixa eu entrar.
Eu abro a porta e passo por ele.
— Credo, me deixa, vai dormir, falei que estou bem.
Mas antes que eu me deite, Dimitri me alcança e me faz encará-lo.
— Está com intoxicação? Alguma virose?
— Não tenho nada, só fiquei enjoada, já passou.
Mas ele toca minha testa como se para comprovar que estou bem e
eu rolo os olhos.
— Estou falando sério, vamos dormir!
— Precisa me falar se não estiver bem...
— Eu estou! Fique tranquilo, nada vai estragar nossa apresentação
manhã!
— Não falei por isso.
— Claro que está preocupado...
Nós nos enfiamos debaixo da coberta, de novo.
— Me acorda se não se sentir bem, ok?
Eu não respondo.
Forço minha respiração a desacelerar, até que tudo desaparece da
minha mente.

***
Chegamos a Toronto um pouco depois das nove da manhã e Dimitri
nos leva direto ao hotel onde o pai está hospedado.
Eu me sinto meio tensa com o encontro com Andrey, não tenho boas
lembranças da época em que ele me treinou com Dimitri, apesar de ter sido
por pouco tempo.
Sem contar que em poucas horas eu e Dimitri estaremos nos
apresentando como dupla pela primeira vez e eu quero só ver no que isso
vai dar.
E se Andrey me achar horrível como achou antes?
Dimitri vai acatar o que o pai mandar, quando Andrey dizer que ele
só podia estar louco em querer patinar comigo?
O bom de estar surtando por causa de Andrey e da apresentação é
que eu posso me distrair dos acontecimentos bizarros envolvendo
brincadeiras de caráter sexual trocadas com meu parceiro.
Acordei hoje de manhã, com Dimitri já arrumado e um tanto mal-
humorado, dizendo que se eu não me arrumasse em meia hora ia me deixar
para trás.
Ele saiu do quarto e por um instante eu me perguntei se tinha
imaginado a noite anterior.
Atordoada, me arrumei e desci em vinte minutos. Dimitri estava de
conversinha com a piranha da recepção que obviamente estava passando o
telefone para ele.
— Ela te convidou para fazer sexo por telefone? — Não consegui
evitar meu deboche quando entramos no carro.
— Por que quer saber?
— Não quero saber de nada não! Só estou curiosa de ter te passado
o número dela quando moram em cidades diferentes.
— Quando se está a fim de trepar a gente dá um jeito.
Fiz um careta de nojo e não toquei mais no assunto do Dimitri e sua
fã.
Dimitri não devia satisfação só porque tínhamos nos divertido de
forma sacana ontem à noite.
Agora entramos no hotel e seguimos para a sala de café, Andrey já
está lá.
Andrey é um homem grande e magro, com os mesmos olhos do
Dimitri, de uns cinquenta anos.
Ele se levanta e abraça Dimitri, mas não parece que sejam muito
amorosos.
E então seu olhar recai em mim.
— Como vai, Alana?
— Olá, estou bem. Quer dizer, estaria melhor se seu filho não
tivesse quebrado o tornozelo do meu parceiro...
Andrey gira para Dimitri.
— Do que ela está falando?
Dimitri está vermelho e me encarando como se fosse me matar.
— O quê? Não contou ao seu pai?
— O que aconteceu, Dimitri? — O tom de Andrey, que até aquele
momento estava neutro, se torna frio como o gelo.
— Alana, por que não vai se servir? — Andrey sugere.
Percebo que estou sendo dispensada e me afasto.
Melhor mesmo deixar que Dimitri preste satisfação ao pai dele.

Eu vou para o bufê me servir, me perguntando se devo mesmo


comer, ou só tomar uma água, porque não quero que Andrey me acuse de
gorda.
Aproveito, para responder a mensagem da Peyton perguntando se
está tudo bem.
— Alana Percy?
Alguém me chama e eu levanto a cabeça, chocada o ver Aaron
Brown, meu último parceiro antes do Tyler.
Que diabos Aaron está fazendo ali?
— Este ainda é meu nome... Aaron.
Ele sorri e vem em minha direção, parecendo animado em me ver.
Não compartilho sua alegria.
— O que faz aqui?
— O que você faz aqui!
Até eu sabia, Aaron ficou noivo de uma patinadora americana e
estava morando lá há uns dois anos. Ele era cinco anos mais velho do que
eu e nossa parceria durou apenas alguns meses.
No começo, parecia promissora, até eu cair na bobagem de achar
que tudo bem se eu levasse a parceira do gelo para a cama.
E uma vez foi o bastante para azedar toda nossa relação.
Eu achava que Aaron era um cara legal, mas ele não passava de um
egoísta que ficou muito feliz em achar que porque tinha me levado pra
cama, eu seria uma coelhinha dócil a tudo o que ele queria. Quando me
neguei a ir pra cama com ele de novo – porque a experiência tinha sido uma
merda – Aaron começou a fazer da minha vida um pequeno inferno. Saindo
com todas as mulheres que aparecia na sua frente como se eu fosse me
arrepender e voltar rastejando.
Quando avisei a Percy que tínhamos que arranjar outro parceiro, ela
ficou puta comigo. Aaron era muito promissor, já tinha ganhado uma
medalha de prata no mundial e segundo ela “É o melhor que vai arranjar,
não é boa o suficiente e tem um gênio horrível, fique com o Aaron.”. Tive
que contar a ela o babaca que ele foi comigo e ela ficou furiosa... comigo!
— Nunca deve dormir com seu parceiro, sua tonta! Aprenda isso!
Estragou tudo com Aaron e agora temos que achar outro parceiro!
Graças a Deus não tive que aguentar Aaron por muito tempo, pois
ele logo se tornou sério com Amber Harris e se mandou para bem longe.
E agora ele aparece em carne e osso na minha frente.
Por que Deus está me punindo?
— Eu que pergunto, o que você faz aqui?
— Vou me apresentar hoje... espera, por isso está aqui? Vai se
apresentar com Tyler?
— Não com Tyler.
— O que aconteceu? Botou Tyler Chon pra correr também?
— E como vai Amber? — mudo de assunto, começando a passar
pelo bufê e mexendo meu prato com tudo o que via pela frente.
— Terminamos, mas estou aqui com Kate Bates.
— Quem diabos é Kate bates?
— Ela começou há pouco tempo, tem só 18 anos, mas é muito
promissora... Ei, aquele é Dimitri e Andrey Ivanov?
— Parece que sim...
— Uau, Achei que Andrey estava na Rússia...
— Então, Aaron, se me der licença...
Eu pego a bandeja e me afasto.
— Claro, nos vemos mais tarde.
Ah Deus, me mate, por favor.
Capítulo 14
Dimitri

— Por que não me contou tudo o que aprontou? — meu pai indaga
quando termino de lhe relatar a verdade sobre Tyler.
— Sabia que ia ficar puto comigo. — Dou de ombros na defensiva.
— E não tenho razão? Devia ter te levado para a Rússia comigo.
— Parecia feliz em se livrar de mim quando foi embora.
Até hoje eu não supero que meu pai tenha dado no pé na primeira
oportunidade. Mesmo eu já sendo um adulto. Ele aceitou o emprego no
comitê russo e não pensou duas vezes antes de ir para o outro lado do
mundo sem olhar para trás.
Desde então nos víamos apenas quando competimos nos mundiais e
ele estava lá com a equipe que dirigia. Saíamos para jantar eu lhe relatava
com orgulho minhas conquistas e Andrey balançava a cabeça sempre me
perguntando quando viria mais? Eu sempre poderia mais, nunca era o
suficiente.
— Essa carreira é curta, Dimitri, está no auge e precisa provar o
quanto é bom enquanto é tempo — ele dizia.
E eu vivia para isso.
Óbvio que ele estava furioso por eu ter perdido o controle e
machucado Tyler, colocando em risco minha reputação.
Reputação é algo muito importante para Andrey Ivanov.
— Tyler vai ficar bem.
— Mas você o tirou da competição por um tempo. Fez isso de
propósito?
— Claro que não! Que pergunta? O que acha que sou? Uma Tonya
Harding?
— Eu sabia que um dia esse seu jeito ia te pôr em problemas.
— Não estou com problemas por isso. Foi um acidente! — Eu me
defendo, embora esteja ciente da minha parcela de culpa.
E a mesma parcela de quando quebrei o nariz de um colega com
quem briguei em um jogo de futebol na escola com 14 anos.
Ou a parcela de quando saí na mão em um bar com um cara que deu
em cima de uma namorada com 16.
Ou quando Kiara me deixou.
E agora Tyler nocauteado.
— Sim, seu problema foi Diana Colombo.
— Já está superado. Sim, fiquei furioso e decepcionado com Diana,
mas ela tomou a decisão dela. O que eu podia fazer?
— E acha que Alana Percy é a solução? Essa menina não é boa o
suficiente para você.
— Estou vendo que estão falando de mim. — Alana escorrega na
cadeira ao meu lado.
E ouviu o que meu pai disse.
— Certamente estou questionando Dimitri se vocês são uma dupla
com algum potencial. A reputação do Dimitri está em jogo aqui.
— E a minha não? — rebate.
— Ei, ambos estamos no mesmo barco agora — eu me intrometo.
Não estou gostando do tom que meu pai está se dirigindo a Alana.
Sim, Alana tem suas limitações técnicas e eu sei disso agora mais do
que ninguém, mas se ela é minha parceira, os problemas dela são meus,
essa é a verdade.
Não vou jogá-la aos lobos.
Se ela cair. Eu caio junto.
Já está na hora de sermos uma unidade.
— É este o problema — meu pai continua.
Alana come ferozmente, parecendo furiosa.
— Nós estamos treinando e dando tudo o que podemos para fazer
dar certo.
— E acha que vai ser suficiente?
— O senhor está aqui para ajudar ou para nos colocar pra baixo? —
Eu me irrito.
Alana levanta a cabeça, prestando atenção, enquanto levanta ergue a
sobrancelha. Certamente ela nunca me viu contrariando Andrey.
— Quero ter certeza de que não estou perdendo meu tempo. E hoje
quero ver se vai valer mesmo a pena. — Ele olha pra Alana. — Deveria
estar comendo assim?
Alana para de mastigar no mesmo instante.
Eu me recordo dela vomitando na madrugada. Me deixou
preocupado que estivesse doente.
Na verdade, estou evitando pensar no que aconteceu antes de
dormirmos.
Como prometi a Alana, estou fingindo que nada aconteceu, porque
acho que é o melhor a fazer no momento. Hoje, ela é minha parceira.
Precisamos de unidade, concentração e conexão. Precisamos de um
programa minimamente decente para Andrey acreditar em nós.
Para nós mesmos acreditarmos.
E o que aconteceu ontem a noite foi inesperado, porém, inevitável.
Alana me irrita, mas também me excita e é recíproco.
Eu rompi com minha regra de não misturar parceria de gelo com
parceria sexual – embora não tivéssemos chegado ao ato propriamente dito.
Naquele momento em que iniciamos a conversa sobre sexo e Alana
me revelou que nunca teve uma transa decente e nem ao menos um
orgasmo, eu só queria lhe provar que valia a pena insistir em encontrar o
próprio prazer. Alana é puro fogo e fúria, eu não podia me conformar que
alguém como ela não gozasse da melhor sensação do mundo.
Não era pra menos que ela vivia de tão mau humor. Sexo é delicioso
e relaxante. Mesmo que seja sozinho.
E do mesmo jeito que estou me esforçando para a tornar melhor no
gelo, eu posso ajudá-la fora dele. Somos adultos. Ouso dizer que quase
somos amigos, ou estamos no caminho de o ser. Alana precisa relaxar.
Precisa gozar. Caramba, ela era minha parceira e eu poderia passar a vida
ouvindo-a gemer em êxtase se precisasse.
O único problema é que eu também queria me divertir com ela.
Também queria gozar nela.
Como fiz ontem.
E foi incrível e eu queria repetir a experiência.
Quem sabe agora, dentro dela?
Ainda não estou certo se é uma boa ideia.
Ainda não estou certo de que conseguirei impedir que aconteça,
mesmo não sendo uma boa ideia.
— Eu vou ao banheiro — Alana arrasta a cadeira e sai praticamente
correndo.
— Precisava falar assim com ela? — Eu me irrito.
— Se vou ser seu treinador, é minha obrigação. Vamos embora.

Quando chegamos ao centro onde será a apresentação, colocamos


nossas roupas de treino e Andrey pede para ver nosso programa.
Alana está tensa, mas tento lhe passar confiança. Ela está meio
pálida, desde que voltou do banheiro e eu me pergunto se passou mal de
novo.
— Você está bem? — indago quando damos a volta no gelo para
aquecer.
— Estou ótima — responde a contragosto.
— Não passou mal de novo não, não é?
— Não.
Eu não acredito.
— Alana, vomitou de novo?
— Não, que inferno!
— Meu pai não devia ter falado daquele jeito...
— Ele tem razão, eu não devia comer daquele jeito. Amanhã mesmo
estou iniciando uma dieta. Não quero que seu pai fique me chamando de
gorda.
— Ele não vai te chamar, porque não é gorda.
— Vamos, já aqueceram demais. — Meu pai pede que mostre a ele
o programa.
Quando terminamos, decido que não foi tão mal.
Mas Alana não parece concentrada o suficiente.
— Alana, concentre-se no tempo, está atrasando a transição. Devo
dizer que melhorou muito sua técnica, embora ainda possa melhorar ainda
mais. E você escorregou em um elemento. Espero que isso não aconteça na
apresentação.
Andrey olha o relógio.
— Melhor irem se arrumar.
Seguimos para o vestiário e Alana não parece feliz.
— Por que está com essa cara? — questiono quando ela larga com
força a mochila no banco. — Sabia que meu pai ia pegar no nosso pé.
— Ele pegou no meu pé, não no seu.
— Acredite, ele vai pegar no meu pé. É Andrey Ivanov. Tem que se
acostumar com o estilo dele.
— Que seja, vamos logo com isso...

Na hora seguinte, nos ocupamos em nos arrumar e outros casais e


patinadores solo aparecem para usar o mesmo vestiário. Obviamente todos
nós nos conhecemos, tirando poucos novatos.
É engraçado que muitos parecem querer puxar meu saco, afinal, no
Canadá eu e Diana éramos a segunda melhor dupla no momento. Estamos
entre os cinco do mundo. E outros se sentem ameaçados e nem disfarçam
quando conto que Diana não irá mais para os jogos e que agora eu e Alana
estamos juntos.
Não fico surpreso ao perceber que a maioria não vai com a cara da
Alana e ela não parece se importar, enquanto, já vestida, faz sua maquiagem
com cara de poucos amigos.
Até que reconheço um patinador moreno e alto aquecendo com uma
moça asiática muito jovem quando vamos para o ringue.
— Ei, Dimitri, como vai? — Ele se aproxima sorrindo.
É Aaron, que já patinou com Alana há alguns anos.
— Oi, tudo bem? Faz um tempo que não o vejo no circuito. Estava
nos Estados Unidos, não?
— Sim, estava. E eu sumi porque estava sem parceira, mas estou
com Kate agora.
Ele me apresenta a menina jovem, que não deve ter mais do que 18
anos e pelo jeito que ele a segura, já dá pra perceber que a dupla não é só no
gelo.
Eu olho para trás. Alana está aquecendo, abaixando e levantando e
finge que não o viu.
— Já falou com a Alana?
A tal Kate se afasta, para falar com o técnico.
Aaron coça o cabelo.
— Ela não parece muito feliz em me ver.
— Alana não parece muito feliz a maior parte do tempo, mas deve
saber disso, já que foi parceiro dela.
— Não acabamos muito bem.
Levanto a sobrancelha de repente, entendendo.
Espera... Aaron e Alana se pegavam?
E se ela disse que só teve uma experiência sexual foi com aquele
cara?
— Uma pena. Eu gostava da Alana. Gostava muito, mas já deve
saber como ela é difícil.
— Sei? — Eu me incomodo por ele estar detonando Alana.
Aaron ri de forma maliciosa.
— Não sei se ela te contou que... nos envolvemos.
— Não, não contou. Acho que nem é da minha conta.
— Parece que tudo ia bem, mas ela é louca, cara. Transformou tudo
num pesadelo e pediu para trocar de dupla. Como se a culpa fosse minha
dela ser uma vadia fria.
Sinto o sangue subir por meu rosto e fecho meus punhos, respirando
rápido pela narina enquanto a fúria me domina como veneno por sangue.
— Aaron, nossa vez! — Kate o chama e ele acena, indo para a pista.
Eu e Alana somos os próximos e eu me aproximo.
— Foi Aaron o cara que te comeu mau?
Ela vira rápido, com os olhos chocados.
— O quê?
— Ele acabou de me contar que tiveram um envolvimento.
— Fofoqueiro do cacete.
— Então foi ele.
— Sim, satisfeito? E tudo o que não queria era vê-lo aqui hoje.
Como se eu precisasse disso para me desestabilizar.
— Não deixe que ele te afete.
— Ele não me afeta.
— Acabou de dizer...
— Ah, cala a boca.
— Prontos?
Andrey se aproxima.
A apresentação de Aaron e Kate terminou e eles estão agradecendo.
Alana acena positivamente e tiramos os protetores de plástico dos
patins, entrando na pista, enquanto o apresentador nos chama.
Paramos um de frente para o outro.
Alana me encara com os olhos em chamas. Eu sustento seu olhar
com igual fúria.
— Use essa fúria a seu favor — sussurro.
— Se me deixar cair eu vou quebrar o seu braço enquanto dormir.
— Isso quer dizer que vamos dormir juntos de novo?
— Vai se foder!
Os acordes de Tchaikovsky enchem o ambiente e deslizamos juntos
em nossa coreografia.
Alana respira fundo, um tanto hesitante, quando eu a seguro
segundos antes de levantá-la para um twist lift.
O público ovaciona quando a pego de volta depois dela rodar três
vezes no ar.
Eu a coloco no chão com um sorriso satisfeito e seguimos com os
elementos.
Executamos spins e death spiral e partimos para o segundo
levantamento.
Throw jump consiste em levantar e jogar a parceira no ar, e ela gira
e deve cair no gelo perfeitamente.
Levanto Alana e ela rodopia no ar e pousa no gelo, porém, sem
firmeza e se desequilibra, ralando as mãos no chão.
Ela faz cara feia, mas prosseguimos com a sequência de passos, com
as variedades de elementos básicos da patinação, que servem para transição,
preenchendo os espaços e dando beleza ao programa.
Alana perdeu um pouco a concentração e está tensa enquanto
giramos, e deslizamos pelo gelo. E então seguimos para fazer um salto lado
a lado. Combinamos apenas um para aquele programa e faremos um triple
lutz.
O lutz geralmente é realizado saltando de costas no fio externo do
patins direito e pousando no mesmo fio. Impulsionamos e giramos três
vezes no ar, pousando no gelo enquanto o público ovaciona.
Ninguém caiu, embora, Alana tenha feito apenas uma meia rotação
e pousado meio desequilibrada, antes de mim.
Terminamos a apresentação e seguro sua mão.
Ela está ofegante e de cara fechada.
Aperto seus dedos enquanto a giro para agradecer ao público e
patinamos até a mureta de proteção.
— A transição está deixando muito a desejar. — Andrey nos recebe
enquanto colocamos os protetores dos patins. — Elementos técnicos bons,
porém com falhas. A interpretação péssima. O salto lado a lado, Alana
terminou antes, lembrem-se de que ganha apenas a nota base neste caso.
Entradas e saídas não estão boas, mas toda a execução foi razoável.
Alana apenas assente e marcha para o vestiário, eu a sigo. Quando
chegamos lá, Aaron está acabando de se trocar, enquanto fala ao telefone.
Alana parece a ponto de surtar e eu me lembro que aquele idiota a
chamou de louca.
Ok, Alana é mesmo uma vadia insuportável em alguns momentos,
mas não dá àquele filho da puta o direito de detoná-la.
Eu quero ir até ele e quebrar seu nariz.
Mas sei como a situação termina quando deixo minha raiva me
dominar. E tudo o que não precisamos agora é de mais confusão.
Seguro o braço da Alana e praticamente a arrasto para o outro lado
do vestiário, onde não podemos ser vistos.
— Ei, que isso?
— Está nervosa por causa desse cretino? — indago baixo.
— Não!
— Então por que estava desconcentrada e com raiva? Não pode
deixar que nada te afete dentro do ringue, entendeu?
— Eu odeio este cara! — ela confessa por fim.
— É por isso que não é legal trepar com parceiros. Ainda mais um
que pelo que disse nem valeu a pena.
— Acha que não me arrependo?
— Por que deixa ele te afetar? Não vale a pena.
— Eu sei. Mas ele fez da minha vida um inferno quando eu me
recusei a continuar sentando naquele pau ruim dele!
— Ele disse que você foi uma vadia fria e fez da vida dele um
inferno.
— O quê? Esse filho da... — Ela gira para o que eu acredito ser tirar
satisfação com o ex, mas eu a seguro.
— Ei, não, não vale a pena arranjar briga aqui.
— Olha quem fala!
— Sim, está custando muito não ir lá e quebrar as duas pernas dele
em vez de uma, mas se envolver neste tipo de confusão acho que não vai
adiantar nada.
— Que ódio!
— Certo, acho que podemos resolver isso de uma maneira melhor.
— O que quer dizer?
— Quer mostrar a ele quem é a vadia fria agora?
Eu a giro e enfio a mão em seu collant, puxando-o para baixo e
desnudando seus seios.
Os olhos dela escurecem de choque e excitação nervosa.
— Está louco?
Abro um sorriso sacana.
— Tira isso.
— Não...
— Não quer mostrar ao seu ex, babaca e ruim de cama, o que
perdeu?
Ela morde os lábios e vejo o desafio brilhando em seu olhar junto à
excitação.
— Inferno, sim...
Eu sorrio.
— Então senta nesse banco e abre as pernas pra mim.
Alana

Arregalo os olhos quando a voz imperiosa do Dimitri entra em


minha mente e eu ofego, excitada e desafiada.
Estou cheia de raiva sim.
Aaron é um babaca escroto e ainda ousou dizer a Dimitri que eu era
uma vadia fria.
Queria pedir que Dimitri fosse lá e quebrasse todos os seus
membros e de brinde seu pau também, mas quando Dimitri sorriu de forma
pervertida dizendo que havia outro jeito de provocá-lo, minha hesitação
durou apenas alguns segundos.
Além do mais, eu quero muito saber o que Dimitri vai fazer comigo
de novo.
Estou ansiosa por isso.
Olho pra trás, ainda escutamos os movimentos de Aaron do outro
lado do vestiário e Dimitri me ajuda a me livrar do collant e me senta no
banco.
Em seguida, ajoelha na minha frente e rasga minha meia-calça.
— Não vai… — Olho ao redor, subitamente meio preocupada de
sermos pegos ali.
Ele sorri em resposta e abre minhas coxas.
— Dimitri, se alguém entrar e se Aaron vier até aqui?
— Se Aaron vier até aqui ele pode assistir se quiser… Agora quero
ouvir você bem alto.
E no instante seguinte estou soltando um som abafado de surpresa e
deleite quando Dimitri enfia o rosto entre minhas pernas.
Ah minha nossa.
Seus dedos apertam minha coxa, enquanto ele leva uma perna acima
do seu ombro, meus patins batendo em suas costas enquanto sinto sua boca
dar um chupão no meu clitóris.
— Porra... — gemo arquejando, deliciada com a onda de puro
prazer que explode onde Dimitri agora lambe e se espalha como fogo por
meu ventre e coxas.
Estremeço e empurro meus quadris em sua direção, já esquecida que
Aaron esta há poucos metros de distância provavelmente nos ouvindo.
Enfio os dedos em seus cabelos e Dimitri ri contra mim, aumentando a
pressão da língua, provando, chupando, lambendo e me levando à loucura.
A pulsação entre minhas pernas lateja e arde, se elevando a um nível
quase insuportável, e jogo a cabeça para trás, perdida em gemidos altos e
desconexos, cada músculo do meu corpo tenso e à espera, até que
finalmente a sensação mais incrível me faz gritar e arfar, o orgasmo me
dominando, e gozo forte contra a boca do Dimitri.
Abro os olhos, depois de alguns segundos, sem ar e suada e Dimitri
está ainda entre minhas pernas, rindo.
Apuro os ouvidos, o vestiário está em silêncio.
— Acha que ele ouviu?
— Acho que te ouviram em Vancouver. — Dimitri ri e beija minha
barriga antes de se levantar.
— Ah merda, ele ainda está aí? — sussurro.
— Não, escutei a porta batendo há alguns segundos.
Eu solto uma risada satisfeita.
Muito satisfeita.
Dimitri ri também, piscando. E por um momento quero me
aproximar e beijá-lo e sei lá, agradecer por ter me ajudado a não me sentir
mais tão humilhada pelo fiasco do Aaron?
Mas me contenho.
Dimitri não é meu...
O quê?
Namorado? Amante?
Nem sequer sei se somos amigos e por um instante essa indefinição
me deixa um pouco tensa.
— Ei, tudo bem?
Acho que Dimitri percebe minha angústia, mas dou de ombros,
desviando o olhar.
— Sim, estou ótima.
— Precisamos nos apressar. Nosso avião sai daqui a duas horas, mas
não quero me atrasar.
— Sei pai vai com a gente?
— Não, ele tem algumas coisas para resolver, mas estará em
Vancouver amanhã à tarde e começamos os treinos.
— Certo.

Quando entramos no avião, sinto-me um pouco angustiada de novo.


E não sei o motivo. Eu e Dimitri passamos por nossa primeira apresentação
pública e não foi um desastre, embora não tenha sido perfeita. E agora nós
também estamos em outro nível da nossa... parceria.
É esquisito e meio incerto não saber como vamos agir quando
voltarmos a Vancouver e a rotina de treinos exaustivos até os Jogos
Olímpicos.
Sinto que nos aproximamos muito nesses dois dias. E tento analisar
o que eu sinto com isso.
Ai merda, eu gosto.
Gosto mais do que seria saudável e seguro. Porque Dimitri nem é
meu parceiro de verdade. Essa situação é provisória.
Passará os Jogos Olímpicos e cada um seguirá seu caminho.
Tyler vai ficar bom e vamos voltar a patinar juntos, treinando para
as próximas competições.
E me pergunto se Diana vai voltar depois de ter o bebê.
— Tudo bem? — Dimitri indaga e eu o encaro e começo a rir.
Ele está usando óculos e está retirando um livro da mochila.
— Meu Deus, Harry Potter?
— Vai se ferrar. São óculos de leitura.
A comissária passa servindo uma refeição e eu lembro que não
como nada desde a manhã. E tudo o que comi não estava mais no meu
estômago, que agora ronca de fome.
Eu não penso muito e me alimento do frango xadrez, mas sinto-me
culpada logo depois. Preciso começar uma dieta urgente, para estar em
forma antes das Olimpíadas.
— Vou ao banheiro — aviso e me levanto.

Quando saio do banheiro, levo um susto ao ver Dimitri parado na


minha frente.
— Você está vomitando de propósito?
Capítulo 15
Alana

— Não — nego rápido.


Dimitri continua sério. E percebo que ele não está acreditando.
Eu passo por ele e volto ao nosso assento.
Dimitri senta ao meu lado e fica me encarando.
— O que foi?
— Quanto tempo faz isso?
— Fazer o quê?
— Alana, não sou idiota. Você está forçando o vômito. E eu vi os
doces na sua mochila ontem.
— Mexeu nas minhas coisas?
— Não, eu fui desligar seu celular. Você comeu eles depois que eu
fui dormir.
Eu fico vermelha.
— E daí?
— E vomitou depois?
Eu não respondo.
— Sabe o que isso significa.
— Não sabe nada!
— Eu achei que tinha passado mal ontem. Mas hoje, depois que
meu pai comentou sobre sua comida, você foi vomitar. E foi vomitar agora.
— E qual o problema? Cuida da sua vida.
— Alana, porra!
Eu me encolho com sua raiva.
— Sabe que isso não é legal...
— Está bravo por quê? Primeiro que está exagerando, nem sabe o
que estou fazendo, e segundo que nem é da sua conta.
— É sim, tudo o que diz respeito a você é da minha conta, ainda não
entendeu?
A intensidade do seu olhar me tira o chão.
Me tira o ar.
Não quero que Dimitri me veja. Não desse jeito.
Não quero que ninguém me veja assim. Mas ele continua me
encarando, os olhos claros fixos nos meus à espera da minha resposta.
— Não lembro quando foi a primeira vez — confesso por fim —,
mas eu não... não é grande coisa. É só quando eu passo do limite e...
— Você contou para alguém?
— Por quê? Não é da conta de ninguém!
— Isso não é normal, Alana. É um distúrbio e sabe disso.
— Não é... Na verdade, eu não faço sempre, mas às vezes quando
chega a época das competições eu fico nervosa. Eu como mais do que
deveria e me sinto culpada, sabe que não podemos ter um grama a mais que
já é um problema!
— Tyler sabe?
— Claro que não.
— Não vai mais fazer isso. É perigoso.
— Não pode me impedir do que quer que seja.
— Estou fazendo exatamente isso.
— E quem te dá o direito? Eu sei o que é melhor pra mim.
— Não sabe e está enfiando a porra do dedo na garganta para
vomitar compulsoriamente.
— Eu não...
— Se não consegue parar, vai precisar de ajuda. Talvez precise de
ajuda de qualquer jeito.
— Eu não preciso. Está me diagnosticando com isso aí que não faz
a menor ideia...
— Fale com todas as letras.
— Não, porque não é verdade.
— Bulimia.
— Não sou bulímica! — refuto.
Eu não sou idiota, eu sei o que bulimia significa. Mas eu sei que
Dimitri está exagerando. Não é porque de vez em quando eu enfio o dedo
na garganta quando como o que não devia que possa ser diagnosticada
assim.
— Você nem é medido, para de falar merda.
— Então procure um médico.
— Não.
— Sua família tem ideia disso?
— Não, se minha família souber vão pirar. Claro que vão cair
matando em cima de mim. Já basta eu não ser tão boa quanto a Peyton ou
ter um temperamento difícil. Não quero que eles tenham mais um motivo
para me detonar.
— É sua família, não deveriam, sei lá, te ajudar?
Eu solto uma risada irônica.
— Até parece. Sabe que na maior parte das vezes, eu me
descontrolo. Como esses doces justamente porque estou de saco cheio das
cobranças deles. Nunca parece ser suficiente nada do que eu faço.
Eu me calo assim que a confissão sai da minha boca.
— Eu sei como é nunca ser suficiente.
— Você? Vai se ferrar, Dimitri. É um dos melhores do mundo e
adora jogar isso na minha cara.
— Eu posso ser um dos melhores e ainda assim não é suficiente para
meu pai.
— E por que tem que ser?
Não consigo entender por que Dimitri teria fixação em agradar
Andrey. O cara está a quilômetros de distância, curtindo a vida na Rússia e
Dimitri parece levar a vida fazendo tudo muito facilmente.
Não parece nenhum sacrifício pra ele ser um dos melhores.
Afinal, já está em seu DNA.
— Acho que eu te faço a mesma pergunta.
— Não tem nada a ver. No meu caso, Peyton é a estrela da família.
Eu sempre vou ser comparada a ela. E sempre vou perder. Você já provou
que é bom, já tem medalhas de ouro e tinha chances de medalha agora se
Diana não tivesse engravidado.
— Se descontrolar e comer mais do que devia e depois vomitar não
vai resolver nada.
— Eu me sinto no controle.
— Não precisa disso pra ter controle.
— Pelo menos o controle do meu corpo.
— Eu sei que neste mundo, é pesado o quão na linha temos que nos
manter. Você sabe que é preciso.
— Sim, como vamos saltar, girar e ser levantada se não estivermos
em forma? Claro que eu sei!
— Mas não precisa sacrificar sua vida pra isso. Não é este o
caminho.
— Não acha mesmo que estou fora de forma? Nem um pouquinho?
— Odeio a insegurança na minha voz.
— Alana, eu seria o primeiro a te dizer se precisasse mudar algo
neste sentido. Eu conheço seu corpo, e ele está perfeito para a patinação.
Você só precisa arrumar o que tem aqui. — Ele toca minha testa.
— Como se faz isso? — Eu sinto lágrimas quentes em meus olhos.
A mão do Dimitri toca a minha e ele entrelaça os dedos nos meus.
— Eu estou aqui.
Solto uma risada engasgada.
— Grande merda!
Quero jogar na cara dele que não é um exemplo de saúde emocional.
Muito pelo contrário, mas de repente não quero brigar com ele.
Não agora.
Não quando quero que continue segurando a minha mão.
Apesar da Peyton, minha família e Tyler, de alguma maneira eu
sempre me senti sozinha.
Ninguém nunca olhou pra mim como Dimitri. Ainda não sei se eu
gosto disso, mas me surpreendo por não ser horrível como achei que seria.
— Sabe o que é uma merda? — ele pergunta.
— Ser meu parceiro?
— Sim. Porque é uma merda me preocupar com você.
— Não tem que se preocupar comigo.
— Tarde demais. Acho que eu vou ter que insistir que precisa de
ajuda.
— Não, Dimitri, por favor. É sério. Eu vou ficar bem. Ok, posso
pelo menos tentar não fazer mais isso. — Eu sei que estou prometendo algo
que não conseguirei cumprir. — Vamos... esquecer este assunto.
Ele não fala mais nada.
Mas mantém minha mão na sua o resto do voo.
E mesmo quando desembarcamos só solta quando entramos em seu
carro no estacionamento.
Seguimos em silêncio até minha casa.
— Nos vemos amanhã cedo? — indago quando estaciona em frente
à minha casa.
— Sim. E Alana? — ele me chama quando estou saindo do carro.
— Sim?
— Pode me prometer algo, então?
— Depende.
— Sempre que sentir que não vai conseguir manter o controle, liga
pra mim.
— Porque você vai vir voando como o Superman? Ou o Harry
Potter na sua vassoura?
Ele ri.
— Eu vou dar um jeito de ir até você.
***
Na manhã seguinte, voltamos a treinar no centro habitual.
Percebo os olhares curiosos e os cochichos em nossa direção e rolo
os olhos, um tanto irritada.
— Não ligue — Dimitri diz, aparecendo ao meu lado, enquanto
deslizo pelo gelo para aquecer.
— Eu não ligo — minto.
Ao longe avisto Chris e Kiara, a duplinha perfeita.
E não deixo de reparar que Dimitri também está com os olhos fixos
neles.
Isso me irrita de um jeito que me assusta.
Minha raiva da Kiara é antiga e toda a atenção que dão a ela sempre
me deixou furiosa, mas agora, talvez por Dimitri ser meu parceiro, saber
que ele a admira e a acha perfeita, e possivelmente sempre vai lamentar que
não seja ela a parceira dele, me deixa com vontade de arrancar os olhos do
Dimitri, para assim nunca mais olhar pra ela.
A verdade é que todos os acontecimentos do fim de semana ainda
estão frescos demais na minha memória e no meu corpo e por mais que
Dimitri ainda me enfureça, também não posso deixar de sentir minha pele
gritando pelo toque dele.
Assim como não posso evitar me sentir exposta como nunca, como
se Dimitri tivesse aberto um buraco nas minhas defesas e acessado a todos
os meus segredos mais sombrios.
Em muitos aspectos, eu sou um livro aberto. Não finjo ser
simpática, não finjo ser legal ou boazinha. Uso minha língua como um
chicote destilando veneno para todos os lados, mas no fundo, toda essa
agressividade verbal não passa de um disfarce para que, afastando as
pessoas com minha maldade, elas não cheguem perto suficiente para ver
quem sou de verdade.
Dimitri ultrapassou essa barreira e agora está aqui, perto o suficiente
para ver todos os pedaços de bagunça e caos que sou feita.
E sinto-me compelida a retraí-lo e a atraí-lo ainda mais. Tudo ao
mesmo tempo.
— Vamos treinar levantamentos hoje — ele anuncia.
— Cadê Andrey?
— Ele não conseguiu chegar ainda, teve alguns assuntos no comitê
em Toronto.
Começamos a treinar, porém, a presença da Kiara me distrai e em
um determinado momento, Dimitri me lança e eu caio de bunda no chão.
— Ei, presta atenção!
Eu me levanto irritada limpando o gelo da roupa.
— Você que tem que prestar atenção, Alana. Está errando umas
coisas idiotas que não errava!
— Por que não a chama pra sair? — resmungo sem me conter.
— O quê?
— Kiara, a princesinha do gelo. Não para de olhar pra ela.
— Ei, o que deu em você? — Ele franze o olhar, confuso.
Dimitri não reage como eu espero e isso me irrita ainda mais.
Eu sei lidar com o Dimitri frustrado, irritado, rebatendo meus
insultos.
Mas desde a hora que nos encontramos ele está quase... legal.
É meio perturbador.
— Pra mim chega por hoje!
E saio da pista sem olhar para trás.

Na manhã seguinte, Dimitri avisa que Andrey chegou à cidade, mas


que só nos encontrará na parte da tarde na casa deles.
— Ótimo — respondo. — Vamos treinar os saltos?
Dimitri assente, ele está no mesmo humor que eu hoje.
Kiara e Chris também estão treinando e tento não reparar neles.
E eu Dimitri treinamos em um silêncio estranho. Não é como se
tivéssemos voltado à animosidade de antes, onde brigávamos e nos
insultávamos o tempo todo, como cão e gato.
Agora é como uma guerra fria.
Quero dizer que não me importo. Brigar o tempo todo é um saco
mesmo.
E eu não preciso que Dimitri seja legal comigo, como tentou ser
ontem antes de eu surtar com o fato de ele ficar olhando pra Kiara.
Não preciso.
Talvez se eu repetir isso pra mim muitas vezes eu me convença.
Quando terminamos, deslizo até a mureta e no caminho esbarro em
Kiara e Chris que também estão saindo e os empurro para passar.
— Dá licença?
— Ei, não precisa empurrar! — Kiara reclama.
Eu me volto, girando os patins.
— O que foi?
— O que foi é que você podia parar de ser uma vaca!
Chris solta um riso abafado e meu rosto esquenta de raiva.
Aquela sonsa me xingou de vaca?
Kiara raramente se dá ao trabalho de responder às minhas
provocações ou grosserias.
— Você é uma vaca, não eu! Já transou com o Nick de Santi?
Desta vez é Kiara quem enrubesce, constrangida.
Ah Deus, certeza que ela já está trepando com o patrocinador dela.
Assim fica fácil.
— Alana, cuida da sua vida — Chris se intromete.
— Para de defender essa metida a besta! Mas quer saber, não vou
mesmo perder meu tempo brigando com você! — Levanto o queixo. — Eu
e Dimitri vamos mostrar do que somos capazes no ringue, e pode esquecer
o ouro que todo mundo acha que é de vocês!
— Ah vai? Vocês estão treinando juntos há o quê? Cinco minutos e
acham que vão ser páreo? — Chris debocha. — Fora que parecem que vão
se matar a qualquer momento. Vocês se odeiam, não sei como conseguem
patinar juntos.
— Eu não sou obrigada a gostar do Dimitri pra fazer uma boa dupla
com ele. E quer saber, o pai do Dimitri está na cidade e está nos treinando
pessoalmente e Andrey Ivanov é o melhor técnico do mundo, então... — Eu
abro um sorriso de vitória e mostro o dedo do meio antes de girar e me
afastar.
Que se dane. Eu sei muito bem que mesmo com toda a técnica de
Andrey, eu e Dimitri temos grande chance de comer gelo na pista diante das
outras duplas, mas não ia perder a chance de provocar a princesinha do gelo
perfeitinha.
Porém, quando olho para trás, Dimitri está alcançando Kiara, que
está muito pálida.
— Ei, com pressa? — ele a provoca.
Aff que nojento.
Só que Kiara está encarando Dimitri como se ele fosse um fantasma.
— Kiara? — Dimitri franze o olhar, segurando seu braço, com uma
expressão preocupada.
— Não ponha a mão em mim. — Ela se desvencilha e segue em
frente.
No instante seguinte, Chris está perto dela, puxando-a para longe do
Dimitri e os dois desaparecem dentro do vestiário.
Dimitri me encara com raiva.
— O que disse a ela?
— Oi? Eu não fiz nada! Provavelmente ela se caga de medo de
você, que já lhe deu uns sopapos.
— Cala a boca — Dimitri sibila.
Levanto o queixo.
— O que foi? Sabe que falei a verdade! Kiara te detesta, não tenho
culpa se isso te machuca.
Eu deslizo para o vestiário.
Ignoro o lado onde está Kiara e Chris cochichando e só tiro meus
patins e pego minha bolsa, louca para dar o fora dali.
Porém, antes de sair, Chris me alcança.
— Alana
— O que é?
— Para de provocar a Kiara.
— Ah meu Deus, por que vocês não montam um clube: defensores
da pobre Kiara Willians?
— Qual o seu problema agora? Está com ciúme do Dimitri?
— O quê? — Engasgo de indignação.
— É isso, não é? Inveja da Kiara sempre teve, agora acho que
começo a entender que tem a ver com Dimitri, mas Kiara não quer nada
com ele. A não ser distância.
— Mas Dimitri não quer distância dela.
— Isso é problema dele. E talvez de vocês?
— O que está insinuando? Não tenho nada com o Dimitri — refuto,
porém sei que estou ruborizando.
Inferno.
Chris não é bobo.
— Certo, acho que por essa eu não esperava, embora o Tyler…
— Tyler o quê?
— Ele me contou que achava que você e o Dimitri iriam acabar se
pegando.
— Tyler fofoqueiro!
— Fique tranquila, ele não disse isso pra ninguém, só pra mim.
— O quê? São um casalzinho agora?
— Acho que sim.
Meu queixo cai.
— Sério?
— Sim, saímos ontem.
— Olha, sei que tem um lance malresolvido com se assumir e tal.
Espero que não magoe o Tyler, porque eu te mato, entendeu?
— Não tenho a intenção de magoar o Tyler. E pode ficar tranquila.
Ao contrário de você, não sou fofoqueiro e não vou espalhar sobre você e
Dimitri.
— É bom mesmo!
Eu dou meia-volta e ligo pra Tyler.
— Sua gay fofoqueira! — dardejo.
— O que foi?
— O que andou contando ao Chris sobre mim e o Dimitri? Você
nem sabe de nada.
— Oh, então tenho que saber de algo? Acho que estava certo nas
minhas desconfianças. E aí, já viu o pau dele de novo? Mais de perto agora?
Já pegou nele?
Eu rolo os olhos, entre irritada, constrangida e louca para contar.
A parte que não quero dividir com ninguém o que rolou ainda
vence.
— Não é da sua conta, seu linguarudo! E Chris contou que estão
saindo? — Mudo o foco para ele.
— Sim, ficamos ontem. E ele me levou pra casa dele. Para o quarto
dele.
— Wow, conte-me tudo!
— Não quer contar sobre Dimitri e quer que eu conte do Tyler.
— Não tenho nada com o Dimitri — minto.
— Sei... mas não sabe da maior. Estávamos lá, nos pegando, e a
Kiara e a mãe dele abriram a porta do quarto.
— Não!
— E foi uma confusão danada porque os pais dele ficaram
horrorizados, você sabe, ele nem tinha se assumido para a família.
— Minha nossa, que confusão! Mas e aí?
— E aí que fui embora e depois ele me ligou, foi passar a noite com
a Kiara e só espero que ele se resolva com os pais.
— Quer mesmo ficar com um cara que nem quer sair do armário?
— Quem é você pra botar defeito na maneira que os outros vivem,
Alana?
— Certo, mereci ouvir essa. Só tome cuidado, ok?
— E você tome cuidado com Dimitri... Sabe que ele tem seus
demônios para exorcizar.
— E quem não tem?
Eu desligo e suspiro quando levanto a cabeça e Dimitri está na
minha frente.
— Vamos pra minha casa?
— Agora?
— Sim, meu pai está nos esperando — ele diz meio seco, meio sem
me encarar e eu o sigo.
Melhor assim. Não somos amigos.
Somos parceiros.
Só isso.
Porém, quando entramos na sua casa, ele segura meu braço.
— Você está bem? — Seu olhar claro estuda meu rosto como se
quisesse ler meus pensamentos e eu sei do que ele está falando.
— Estou ótima, por que não estaria?
— Se não estiver, vai me dizer?
Eu abaixo o olhar para o chão, dividida entre a alegria por ele estar
preocupado com meu bem-estar emocional e o terror por sentir que posso
me apegar muito fácil àquele lado do Dimitri.
Que posso precisar daquele lado dele.
E, sinceramente, não acho que seja o caminho mais seguro a seguir.
Encobrindo minha confusão, opto por agir de modo indiferente e
dou de ombros, com um risinho distraído, me afastando.
— A única coisa que deve te preocupar é nosso programa. Não
quero seu pai me detonando.
— Ele é exigente, mas isso vai nos obrigar a ser excelentes.
— Que seja...
***
— A interpretação continua falha — Andrey diz uma semana
depois, quando terminamos de passar o programa. — Precisam resolver
isso para a apresentação de Natal.
— Ah certo, a apresentação de Natal — resmungo com ironia. —
Mal posso esperar!
— Espero que seja melhor que a apresentação em Toronto. —
Andrey me encara com frieza.
Não me importo com Andrey. Ele continua me detonando sempre
que possível, mas no fundo é como qualquer técnico exigente. E eu e
Dimitri precisamos mesmo nos esforçar mais do que qualquer um, afinal,
estamos correndo contra o tempo.
Eu me despeço quando o treino termina no fim de tarde e estou
saindo rumo ao metrô quando Dimitri me alcança.
— Ei, vou te levar.
Levanto a sobrancelha, surpresa, quando ele passa por mim e abre a
porta do carro.
— Por quê?
— Na verdade, quero te levar num lugar.
— Que lugar? — indago desconfiada.
— Entra logo aí, Percy.
Eu bufo, e entro no carro.
Dimitri dirige até chegar ao centro de Vancouver e admiro as luzes
de Natal.
Que diabos ele quer comigo?
Não é como se fôssemos amiguinhos agora, embora a animosidade
gratuita tenha se arrefecido e ambos estamos concentrados nos treinos.
E até conseguimos ser minimamente educados um com outro a
maior parte do tempo, porém, às vezes, eu o vejo rolar os olhos como se
estivesse se esforçando para não explodir comigo.
E eu mordia a língua para não provocá-lo para ele fazer exatamente
isso.
Sei o quanto fodido e tóxico é este impulso, porque as explosões do
Dimitri podem ser catastróficas.
Mas velhos hábitos são difíceis de serem deixados para trás.
Eu agi assim a vida inteira para chamar a atenção de quem quero
que me ame.
Espera… não!
Não quero que Dimitri me ame, quero?
Dimitri para em frente à pista de gelo de Natal.
— Está de brincadeira?
Ele ri, abrindo a porta.
— O que estamos fazendo aqui?
— Vamos nos divertir.
— A gente patinou o dia inteiro, vai se ferrar!
— Traga seus patins. — Ele pega os próprios patins.
Eu o sigo a contragosto.
— Só pode estar me zoando!
Dimitri ignora meu chilique e me puxa pela mão.
— Para de ser uma gnomo chata. Não vamos treinar técnica.
Sentamos para colocar os patins e depois Dimitri me leva para a
pista.
— E vamos fazer o que?
— Você lembra quando começou a patinar? — Dimitri indaga
enquanto deslizamos pelo gelo.
— Na verdade, eu só queria seguir a Peyton. Afinal, ela patinava e
todo mundo gostava dela por isso.
— Eu nem lembro direito, mas sempre me recordo do olhar de
orgulho do meu pai. Eu só queria que ele tivesse orgulho de mim.
— Ainda é isso que o move?
— Também. Pode parecer idiota, mas estou feliz pra cacete de ele
estar aqui.
— Então de certa forma foi boa toda essa merda que aconteceu de
troca de dupla pra você.
— E pra você não foi?
— Por que acha que eu ia achar bom patinar com um idiota como
você?
Dimitri ri, em vez de se enfurecer e isso me desconcerta.
— Ah, Alana, também te odeio. — Ele pisca e o salto triplo que
meu coração dá no peito é digno de medalha de ouro olímpica.
Ah merda.
— Sério que só estamos aqui pra ficar deslizando como os
casaizinhos bobos ao nosso redor?
Dimitri acompanha meu olhar e tem algumas famílias, crianças,
adolescentes brincando, mas também está cheio de casal patinando com
olhar apaixonado.
— Nunca deslizou no gelo apenas para curtir com um cara?
— Claro que não.
— Então é sua chance.
Rolo os olhos, incrédula.
— Não somos um casal, Ivanov.
— Mas somos uma dupla.
Ele desliza na minha frente e segurando minha mão me faz rodar ao
som da música natalina que toca nos alto-falantes.
— isso é ridículo. — Resisto em não sorrir. Mas está difícil, quando
Dimitri abraça minha cintura com um braço, a outra mão na minha como se
estivéssemos valsando na pista.
— Não é, é romântico. — Ele me joga para trás.
— Para de ser idiota. E pelo amor de Deus, não use essa palavra...
— Por que não? Não se considera romântica?
— Acho que sabe a resposta!
— Pior que é verdade, mas para tudo tem uma primeira vez. Quem
sabe pode achar divertido.
— E você? Vai me fazer acreditar que é romântico?
— Talvez eu seja.
— Até parece. Você já esteve em um relacionamento de verdade?
Eu nunca soube de Dimitri com alguma namorada, embora soubesse
de muitas histórias dele com o sexo oposto.
O mundo da patinação era bem fofoqueiro.
— Eu namorei umas duas vezes, mas nunca por muito tempo e acho
que foi só na adolescência.
— Eram patinadoras?
— Não, eram da escola e todas elas detestavam que eu não tinha
tempo suficiente para elas, afinal estava sempre treinando. E uma delas
morria de ciúmes da Kiara.
— Ah claro. Posso entender.
— Pode? Você também tem?
— Não!
— Eu acho que tem. Por quê?
— O que está querendo dizer? Que tenho ciúme da Kiara por causa
de você?
— É isso?
— Ah Meu Deus, seu ego é muito grande, Dimitri...
— Por que não fala a verdade pra mim pelo menos uma vez?
— Que verdade, para de inventar!
Eu viro o rosto, tentando me afastar, mas Dimitri não me solta, em
vez disso me leva para ainda mais perto, agora os dois braços ao meu redor,
enquanto deslizamos pelo gelo.
E de repente eu me dou conta do quanto ele está perto.
Minhas mãos em seu peito, sentindo seu coração batendo
compassado através da malha preta, porque ambos não estamos de casaco.
E nossas pernas se movem juntas pelo gelo.
Dimitri me segura próximo, ditando o ritmo, enquanto deslizo de
costas, confiando nele.
Em que momento eu tinha aprendido a confiar em Dimitri?
Quando ele disse que realmente me via como ninguém tinha visto?
Quando me tocou como ninguém nunca tinha me tocado?
Eu tinha lutado tanto contra aquele apego e não adiantou nada.
Quero chegar ainda mais perto, escorregar minhas mãos para sua
nuca e sentir sua boca na minha de novo.
Quero sentir suas mãos em mim como em Toronto, como venho
desejando secretamente desde então, me contentando em tê-las em mim
enquanto treinamos dia após dia, sintonizando nossos movimentos no gelo.
E minha pulsação acelera quando sinto os olhos do Dimitri
pousados em minha boca.
Ele vai me beijar.
Se Dimitri me beijar, o que vai acontecer a seguir?
Porém, antes que qualquer coisa aconteça outro casal tropeça em
nós.
Paramos, nos desequilibrando.
— Desculpe... — alguém diz atrás de mim e me viro chocada para
ver que o homem é Jaxon, o marido da minha irmã.
E agarrada a ele está uma moça jovem e bonita, que definitivamente
não é Peyton.
Capítulo 16
Alana

— Jaxon? — Franzo o olhar, atordoada.


O sorriso congela no rosto safado de Jaxon e se eu tinha alguma
dúvida do que aquela mocinha agarrada a ele significava, agora não tenho
mais.
— Oi... — Ele parece atordoado.
— Alana. Esqueceu meu nome? Alana, irmã da Peyton. Sua esposa.
Caso tenha se esquecido do nome dela também, ou sei lá, que tem uma
esposa.
Sinto os braços do Dimitri me apertando como um alerta e percebo
que estou tremendo de raiva.
Aquele filho da puta adúltero!
— E quem é essa aí?
Rastejo meu olhar irado para a acompanhante de Jaxon que pelo
menos tem a decência de corar.
— Ela ao menos tem idade suficiente?
Óbvio que ela sabe que ele é casado. Talvez nem se importe.
— Alana, é... Vamos manter a calma. — Jaxon finalmente parece
achar a compostura e sorri de forma apaziguadora. — Claro que não é o que
está pensando.
Ele solta a mocinha que parece amedrontada com o meu ataque.
— Estou pensando que você é um cretino traidor, é isso que estou
pensando.
— Laura é só uma amiga...
Eu solto uma risada cheia de ironia.
— Ah, claro que é! Uma amiguinha de foda, provavelmente. Seu...
filho da puta!
— Alana, chega. — Dimitri tenta me parar.
— Sim, chega, está dando um escândalo à toa. — Jaxon olha em
volta.
A tal Laura está vermelha feito pimentão.
— Querido, quer dizer... Jaxon, eu acho melhor eu ir embora.
Antes que Jaxon tente impedi-la, ela desliza para fora do gelo.
Jaxon agora me encara com raiva.
— Está cometendo um erro, Alana. E está sendo ridícula.
— Estou mesmo? Acha que sou idiota? Há quanto tempo trai a
Peyton? Seu canalha, seu...
— Não vou discutir com você aqui.
Jaxon se afasta e eu o observo sair do gelo com vontade de explodir
de tanta indignação.
— Alana, melhor se acalmar... — Dimitri toca meu braço.
— Me acalmar? Este cretino é o marido da minha irmã. Pai do meu
sobrinho e você o viu! Ele está trepando com essa piranha mal saída das
fraldas.
Eu me desvencilho do Dimitri e saio do gelo, me sentando para tirar
os patins.
— Você não sabe...
— Ah, acho que estava bem claro, ela até o chamou de querido. Que
nojo. Quero ir embora, chega pra mim!

Quando Dimitri estaciona o carro em frente a minha casa, sinto-me


mais calma, embora ainda indignada com a safadeza do Jaxon.
— Vai contar a sua irmã? — Dimitri pergunta.
Eu o encaro sem saber o que dizer.
— Eu deveria. Não posso ser cúmplice disso.
— Sabe a confusão que vai fazer na vida dela.
— E deixar ela ser enganada, acha certo?
— Bem, acho que tem que fazer o que achar que tem que fazer.
Eu abro a porta, mas antes de saltar, Dimitri me chama.
— Vai ficar bem?
— Não sei.
— Se precisar de mim, me chama.
Eu saio do carro, com as palavras dele reverberando na minha
mente.
Se precisar de mim, me chama.
Ele diz essas coisas a sério ou é só maneira de falar? Ainda é
bizarro que Dimitri esteja de verdade se importando comigo.
Quando entro em casa, está tudo em silêncio.
— Ei, alguém em casa?
Eu achei que Peyton estaria ali e que teria que despejar nela tudo o
que descobri sobre o quão Jaxon é escroto com ela, mas agora acho que me
sinto um pouco aliviada.
Dimitri tem razão em dizer que vou bagunçar a vida da Peyton, mas
a culpa não é minha. Eu me sinto na obrigação de alertá-la. É minha irmã.
Eu nunca pude fazer nada por Peyton, talvez essa seja a minha
chance de remediar isso. Se livrar de um mentiroso comedor de adolescente
como Jaxon é o melhor que poderia acontecer.
Estou nervosa, antevendo a conversa difícil que vamos ter e vou
para a cozinha, mas escuto a porta se abrindo.
Volto à sala, achando que é Petyon, ou meus pais, mas é Jaxon que
está ali.
Sinto de imediato a raiva voltando.
— O que faz aqui?
— Quero falar com você.
— Não tenho nada pra falar com você. Estou esperando a Peyton
aparecer e vou contar a ela o safado que você é.
— Não vai não.
— Fica vendo! — Eu dou meia-volta, mas ele me alcança e segura
meu braço com força, de forma agressiva.
— Escuta aqui sua vadiazinha invejosa, não vai contar nada a
Peyton.
— Me solta!
— Não, até que concorde que vai ficar de boca calada.
— Eu não preciso fazer isso...
— Mas vai fazer. Não vou deixar que uma piranha problemática
como você arruíne meu casamento.
— Você que está arruinando seu casamento traindo a Peyton, a mãe
do seu filho!
— Isso não é da sua conta. Meta-se com a sua vida medíocre!
— Peyton é minha irmã e ela precisa saber que o marido está
trepando com garotinhas por aí!
— Você não vai se intrometer! Sabe o problema que vai nos causar?
— Problema seu...
— Exato, problema meu e da Peyton, e você não tem nada a ver
com isso, então vai esquecer o que viu.
— Não. Eu vou contar que você está transando com a tal de Laura...
— Nem viu nada! Vai inventar o quê? Que me viu patinando com
uma amiga do trabalho?
— Amiga do trabalho?
— Laura é estagiária no jornal.
— Quantos anos a Laura tem? Quinze?
— Dezenove, mas não é da sua conta.
— Acho que é sim, se o marido da minha irmã está traindo ela com
meninas mais novas.
— Qual o seu problema? Por que não cala essa sua boca nojenta?
Mas acho que eu sei, não tem uma vida própria. Não tem amigos, ninguém
te suporta, nem sequer tem um namorado pra te comer. É esse seu
problema, não é? Morre de inveja da Peyton, porque ela sim era uma boa
patinadora, medalhista, e você não é nada, e nunca vai ser. E agora quer
arruinar a vida da sua irmã, porque além do fato de nunca conseguir ser tão
boa quanto ela, se deu conta de que nunca vai ter o que ela tem. Um marido,
filhos, um futuro brilhante. Vai morrer sozinha, amarga e fracassada.
As palavras do Jaxon me atingem como incontáveis socos no
estômago e quando ele me solta, eu cambaleio para trás como se ele
realmente tivesse me atingido.
— Então mantenha sua boca calada, porque se você ousar inventar
essas mentiras da sua cabeça perturbada para Peyton, vai se arrepender. Se é
que Peyton vai acreditar em você.
Antes que eu consiga me refazer para responder, a porta se abre e
meus pais aparecem, com Peyton.
— Jaxon, o que faz aqui, querido? — Peyton indaga surpresa.
— Veio jantar conosco? — minha mãe indaga toda feliz.
— Na verdade, eu vim levar vocês para jantar, que tal? Faz tempo
que não saímos juntos em família. — Jaxon se aproxima e abraça Peyton
por trás, depositando um beijo em seu ombro.
— Uau, alguma ocasião especial?
— Só queria comemorar de ter a melhor mulher do mundo com a
melhor família.
— Ah, Jaxon, querido, tão doce. — Mamãe sorri.
— Alana, algum problema? — Meu pai finalmente pareceu notar
minha presença.
Todos os olhares se voltam para mim.
— Alana me disse que está um pouco indisposta e que não quer ir
conosco — Jaxon responde por mim.
Quero abrir a boca e refutar. Quero gritar e agredi-lo.
Mas me encolho.
— Sim, tem razão.
— Está tudo bem com os treinos? — Peyton indaga. — Me disse
que estava tudo indo bem, porque se não está, tem que me dizer, me
mandou ficar de fora, mas não vou me intimidar com Andrey, ele pode ser
um figurão, mas eu também sou e...
— Chega Peyton. Está tudo bem no meu treino.
— Espero mesmo que sim! Estou ansiosa para a apresentação de
Natal, quero só ver como você está se saindo com Dimitri Ivanov. Espero
que não nos envergonhe.
— E aí, vamos? — Jaxon indaga animado.
Eu me viro e subo praticamente correndo as escadas e quando chego
ao meu quarto estou tremendo.
Jogo minha bolsa no chão e tiro minhas roupas, colocando uma
camiseta e quando termino estou tremendo inteira.
Sento na cama, com dificuldade de respirar.
Raiva, dor, frustração. Tudo misturado num bolo terrível dentro de
mim. E eu enfio o punho na boca para não gritar, lágrimas grossas pulando
do meu olho e eu grito em minhas mãos enquanto escorrego para o chão,
sem forças, sem conseguir sair daquela onda escura que domina meus
sentidos.
Quando abro os olhos novamente, vejo a caixa de doces e estendo a
mão, tremendo para puxá-la. Mas antes que alcance meu celular toca dentro
da bolsa, caída ao meu lado.
Quero ignorá-lo, mas o toque incessante faz com que a névoa de dor
se dissolva um pouco e puxo a bolsa, me sentando e pego o aparelho.
Babaca narcisista.
Eu atendo tremendo.
— Alana, oi?
Eu não respondo.
— Alana, o que foi? Você está bem?
— Não...
— Porra, que a aconteceu? Contou a sua irmã?
— Não, não fiz isso, não sei se posso...
— Não parece bem, o que está acontecendo?
Começo a tremer e a chorar. Dimitri, eu acho que não posso
respirar...
— Estou indo para aí.
Ele desliga e eu deixo o celular escorregar.
Enfio a cabeça entre as pernas e sinto-me melhorando um pouco,
porque sei que não vou ficar sozinha.
Dimitri está vindo e eu só preciso aguentar por um tempo.
Respiro. Inspiro. Respiro.
Eu me levanto, minha mente mais clara.
A dor está se transformando em raiva.
Jaxon e suas palavras ainda reverberam por minha mente, e se
espalham, feito veneno por minha corrente sanguínea.
Eu o odeio.
E odeio ainda mais saber que ele tem razão.
Ando de um lado para o outro, como um tigre enjaulado. Quando
Dimitri abre a porta do quarto eu o encaro ofegando de raiva.
— Que merda aconteceu?
— Eu devia ter contado a Peyton e deixar tudo explodir — grito
voltando a andar de um lado para o outro. — Aquele maldito escroto, filho
da puta.
— Alana para! — Dimitri me alcança e segura meus pulsos. —
Para! Olhe pra mim.
Ele me sacode de leve.
— Porra, o que fez?
Eu olho para meus pulsos e percebo que eu estava me arranhando de
raiva.
— Queria estar arranhando os olhos daquele imbecil! — grito.
— O que aconteceu?
— Eu cheguei aqui e Peyton não estava. Jaxon chegou e falou um
monte de merda pra mim! Ele não quer que eu conte, claro, mas eu devia ter
contado, foda-se se vou estragar a vida dele e da Peyton.
— Você não quer estragar a vida de ninguém.
— Não quero? Jaxon disse que é isso que eu quero. Que eu tenho
inveja da Peyton porque não sou boa como ela e nunca vou ter nada do que
ela tem. Que se dane, como se eu quisesse um cara como ele! Vai se foder,
Jaxon — grito.
— Tem que se acalmar, sei que isso é horrível, mas o marido da sua
irmã é um filho da puta e está só querendo defender o rabo traidor dele.
Mas talvez ele tenha razão e não deva se intrometer. Está preparada para o
que vem a seguir. Eles têm um filho, não?
— Eu não sei o que fazer! — Volto a andar de um lado para o outro.
— Esquece isso. Surtar não vai adiantar nada.
— Difícil! Estou com tanta raiva!
— O que eu posso fazer? Quer que eu quebre a cara do Jaxon?
Eu solto uma risada que é quase um soluço.
E meu olhar recai sobre a caixa de doce. Dimitri acompanha meu
olhar.
— Não acho que comer isso agora, vai te ajudar. Porque eu sei o que
vai fazer depois.
— Não pode me impedir.
— Posso sim. Por isso estou aqui. Não vai se livrar de mim.
— Por que está aqui, Dimitri? De verdade? Não vê que sou fodida?
— E daí, acho que um fodido reconhece o outro.
— Não sei se pode me ajudar.
— Eu também não sei. Mas não vou a lugar nenhum.
Seguro seu olhar, com tudo o que existe de ruim borbulhando e me
devorando por dentro.
E por um momento quero pedir que vá embora e me deixe sozinha
com meus demônios, mas estou cansada de lutar contra eles sozinha.
Estou cansada de ser sozinha.
De me sentir horrível o tempo todo.
Aterrorizada de que o futuro que Jaxon pintou seja apenas uma
questão de tempo para acontecer.
Talvez não haja nada pra mim.
Mas este cara está aqui, determinação estampada no rosto bonito, os
olhos claros e límpidos como uma geleira me avaliando. Deixando claro,
sem dizer uma palavra que ele não vai a lugar nenhum e que está aqui por
mim.
Por mim.
Meu estômago se aperta de algo horrível e bom ao mesmo tempo. E
de repente, a tensão que estava me devorando por dentro se dissipa como
fumaça e em seu lugar outra tensão se instala.
Pulsa. Queima.
Exalo o ar com força e um cheiro que já reconheço como dele chega
até minhas narinas e enche minha mente com memórias sacanas de nós dois
juntos.
Suas mãos em mim. Sua boca em mim.
Meu ventre se contrai de expectativa e meu pulso acelera, um pulsar
urgente e inesperado se inicia em meu íntimo.
Sem pensar, estendo a mão, e puxo a nuca do Dimitri para baixo,
para que sua boca colida com a minha.
Ele solta um som surpreso, mas no segundo seguinte está me
beijando com igual intensidade, as mãos em minha cintura, me levando para
perto.
Eu quero ele.
Agora.
Meu corpo inteiro esquenta e gemo em sua boca, derretendo nele,
quando sua língua toma a minha, numa dança louca. As mãos masculinas
descem para minha bunda, aperta com força e eu esfrego meus quadris nos
dele, sentindo sua ereção que faz meu clitóris pulsar de ansiedade.
Sim. Agora.
Ele levanta a cabeça, nossos lábios úmidos e trêmulos, quando nos
encaramos ofegantes de tesão.
— Você tem camisinha? — É tudo o que consigo dizer.
Dimitri parece atordoado e excitado quando se afasta e enfia a mão
no bolso tirando uma carteira e de lá um preservativo.
— Então me fode agora. — Eu o empurro e Dimitri cai na minha
cama.
Monto nele, bem tarada mesmo, e não estou nem aí.
Encho sua boca de beijos ávidos, mordo e lambo seu queixo, seu
pescoço, sua orelha e amo quando ele geme gostoso embaixo de mim, a
mão se enfiando no elástico da minha calcinha.
— Tira isso agora... — pede brusco e meu ventre treme de
expectativa.
Eu me afasto para fazer o que ele mandou, deslizando a calcinha por
minha perna num tempo recorde e ele tira a camisa pela cabeça, me
puxando de volta pela nuca, a boca voltando a devorar a minha.
Minha mente está rodando. Tudo está rodando.
Excitada pra cacete, arrasto os quadris até a calça de moletom dele,
até estar sentada sobre seu pau, duro como pedra, e me esfrego ali, fazendo
Dimitri gemer alto e morder meus lábios.
— Porra, está me deixando louco...
Ele segura meu quadril e me faz mover em cima dele, ditando o
ritmo enquanto me fode a seco.
Estou molhada e pronta e a ponto de explodir ali mesmo, mas quero
muito sentir como é trepar de verdade com aquele cara.
De repente Dimitri segura meu queixo com uma das mãos, seu olhar
vasculhando o meu.
— Tem certeza que é isso que quer?
Sacudo a cabeça em afirmativa. Então, eu me sento e enfio os dedos
no cós da calça dele, puxando-a para baixo e minha boca se enche de água
quando seu pau duro e lindo aparece para minha apreciação. Por um
momento quero me abaixar e prová-lo, mas minha boceta está doendo e
ansiando demais para ser fodida.
Dimitri afasta minhas mãos de forma brusca e coloca o preservativo
em si mesmo e não preciso de uma ordem para me mover para cima dele,
subindo o corpo e depois abaixando sobre sua ereção.
Nós dois gememos juntos, quando nos encaixamos.
— Caralho, isso é muito bom... — Ele segura meu quadril e me faz
rebolar em cima dele e é tão delicioso aquele atrito que me sinto arrepiada
do último fio de cabelo até a boceta. E gemendo alto, eu me movo com
vontade, cavalgando seu pau com movimentos curtos e rápidos, nossos
olhares se encontrando e se prendendo. Meus dedos dos pés se contraem e
sinto o orgasmo se aproximando rápido e urgente e mantemos o contato
enquanto aumento o ritmo, o prazer crescendo e me deixando à beira do
precipício.
Até que gozo forte em seu pau, gritando e estremecendo em cima
dele e Dimitri aperta os dedos em meus quadris com força, gozando em
seguida e eu assisto seus lábios entreabertos, seus olhos vidrados em mim e
seu rosto transfigurado de prazer e então eu caio ao lado dele.
Por um momento nenhum de nós se move, apenas ofegamos,
tentando levar ar a nossos pulmões.
— Caramba, se soubesse que seria tão gostoso trepar com você,
teria feito isso a mais tempo, Percy.
Eu solto uma risada, ainda meio confusa.
Eu transei mesmo com Dimitri.
Caramba, sim.
Ele se move e tira o preservativo, jogando-o no lixo perto da minha
cama e ajeita a calça no lugar.
Eu afundo as mãos no rosto, a realidade começando a me dominar
assim como certo medo do “e agora?”
— O que foi? — Dimitri indaga ao meu lado. — Está brava?
— Não sei — gemo ainda com o rosto escondido.
— Olha pra mim pra falar.
— Não.
Ele ri.
— Está com vergonha?
— Não! Sim... Ai merda, acho que a gente não devia ter feito isso,
né?
Eu finalmente o encaro.
— Não devíamos, tem razão.
— Não parece preocupado. O que aconteceu com o "não leve sua
parceira do gelo pra cama"? — Faço o sinal das aspas na frase que ele
sempre me fala.
— Acho que já era.
Nós rimos, porque é tão bobo e tão simples.
— O que é isso aqui? — indago baixinho.
Dimitri toca meu rosto, enfia os dedos entre meus cabelos e me leva
para perto, sinto sua respiração na minha língua antes de sentir seu beijo e
derreto nele.
Não é um beijo afoito como de antes, cheio de tesão. É mais um...
afago.
E eu não sinto entre minhas pernas, sinto no meu coração.
Isso não é bom. Não é nada bom, mas não consigo evitar.
Tudo parece ficar melhor quando estamos assim.
— Não respondeu.
— Não precisamos deixar que vire um problema.
— Como?
— Não deixando.
Rolos os olhos com ironia.
— Muito fácil! — Eu tento me afastar, mas Dimitri me puxa de
volta para perto, enganchando uma perna minha por cima da dele.
— Acho que deveria ir embora.
— Não vou deixar você sozinha.
De repente eu me lembro dos motivos de ele ter vindo e a dor que
senti antes ameaça me dominar de novo. E como um náufrago se afogando,
eu me agarro a Dimitri.
Ele me aperta e enfio a cabeça em seu peito.
— Quer falar sobre? — ele insiste baixinho depois de um tempo.
— Não.
— Quer que eu vá embora?
— Não.
Ele ri e eu sinto o peito dele tremendo embaixo de mim.
— Então eu não vou.
Por ora, é o que basta pra eu fechar os olhos e sentir o sono
começando a me dominar.
Não quero pensar que hoje eu não me apeguei a velhas muletas.
Mas me apeguei a Dimitri.
E ainda não sei se não é ainda pior.
Capítulo 17
Alana

Quando eu acordo, Dimitri está se movendo pelo quarto e o dia


amanhece lá fora.
— Caramba, dormiu aqui? — indago baixinho imaginando o que
aconteceria se meus pais nos pegassem.
— Sim, mas já estou indo, acredito que não quer contar aos seus
pais que seu parceiro de gelo dormiu aqui.
— Talvez se eles acreditassem que você só dormiu.
Dimitri ri e eu me sinto um pouco insegura. E agora?
— Nos vemos no gelo?
— Esqueci de te avisar. Tenho alguns compromissos com meu pai.
— Tudo bem. — Sinto-me decepcionada. — Embora não seja bom
não treinar um dia antes da apresentação de Natal.
— Certo, podemos ir à noite.
— Combinado.
Abro a porta do quarto e deslizamos pelo corredor na ponta dos pés,
ainda está muito cedo e meus pais não acordaram.
Quando abro a porta Dimitri me encara.
— Está tudo bem?
Sacudo a cabeça em afirmativa, por mais incrível que pareça, eu me
sinto quase bem.
— Acho que vou ficar.
Ele sorri e eu mordo os lábios para conter a vontade de beijá-lo.
— Faça.
— O quê?
— Você quer me beijar.
— Você é tão pretensioso, Ivanov, dê o fora daqui. — Eu coro, mas
estou rindo quando fecho a porta.

Para meu alívio, Peyton não aparece em casa naquele dia e


aproveito para ir cortar as pontas do meu cabelo e depois ir buscar meu
figurino na costureira.
E é incrível que eu passe todas as horas do dia ansiando pela hora
que vou encontrar Dimitri de novo.
E no começo da noite eu entro no centro, vazio àquela hora, com
meu pequeno coraçãozinho idiota batendo de um jeito tolo e suicida e ainda
assim amando o perigo.
Dimitri está no gelo e por um momento eu apenas fico o
observando.
Ele desliza com graça pelo gelo, e faz um triple axel perfeito.
Caramba. Ele é lindo. E muito bom.
E eu sou só uma bagunça que jamais conseguiria fazer um triple
axel com aquela facilidade.
— Ei, está me espiando?
Ele sorri e meu coração dá um salto triplo no meu peito.
Dimitri estende a mão e eu praticamente corro em sua direção.
E colidimos no meio da pista rindo.
Meu corpo inteiro estremece de uma expectativa doce.
Não estamos aqui para transar, e sim para treinar, alerto meus
sentidos.
— Cadê seu pai? — Eu me desvencilho.
— Não virá, estamos sozinhos.
— Vamos passar o programa?
— Sim.
Ele se afasta e coloca a música para tocar.
— Estamos sozinhos de verdade, não tem ninguém aqui?
— Nem uma alma viva, pelo menos.
Nós nos posicionamos e Lago dos Cisnes começa a tocar. Seguimos
em nosso programa, mas quando Dimitri me joga para um twist lift, ele me
faz deslizar pelo seu peito até o chão e não me solta.
— Você errou — reclamo e ele ri.
— E daí, queria fazer isso.
Ele se inclina e me beija.
Pega de surpresa, recebo seu beijo com inesperada alegria, os lábios
masculinos praticamente brincando com os meus até que ele levanta a
cabeça e sorri pra mim.
— O que foi isso? — Ofego.
— Um beijo?
— Devíamos estar nos beijando aqui?
— Por que não? Era o que queria.
— Não era.
— Era sim, desde hoje de manhã. Eu te conheço, Percy. Conheço o
brilho safado nesses olhos escuros, quando está louca para me pegar.
— Ah Dimitri, seu ego é grande demais!
— Sabe o que também é grande demais? — Ele segura minha mão e
me faz deslizar até a frente de sua malha e puta merda, ele está de pau duro.
Meu clitóris pulsa na mesma hora, mas eu tiro a mão e patino para
trás, me afastando.
— Sério que vai me deixar assim?
— Estamos aqui pra treinar, Ivanov! — provoco.
— E se eu te falar que fiquei o dia inteiro pensando em te foder de
novo? — Ele desliza em minha direção.
— Eu diria que não é problema meu.
— Eu diria que ficou do mesmo jeito.
— Fiquei nada. Precisamos melhorar nossa sequência de spin. —
Mudo de assunto.
Dimitri solta um grunhido e então se aproxima e começa a me girar.
Nós nos entrelaçamos no spin, primeiro em um pé, depois sentados,
e por fim, Dimitri aproxima a boca do meu ouvido ainda me girando.
— Eu acho que ficou imaginando meu pau em sua boceta, bem
fundo, até eu fazer você gozar gostoso. Eu não consigo esquecer seus
gemidos quando gozou forte no meu pau.
Desta vez eu gemo alto e viro a cabeça para beijá-lo.
Dimitri ri, parando de girar e nós dois caímos no gelo. Eu vou pra
cima dele, mantendo-o no lugar, atacando-o.
— Vai congelar minha bunda, sua gnomo maldita!
— Aguenta, ninguém mandou me provocar.
— Meu Deus, eu criei um monstro.
É minha vez de rir e beijá-lo com força.
Mas Dimitri me empurra e se levanta. Puxando-me em seguida para
me beijar de novo e eu pulo em seu colo, enganchando facilmente minhas
pernas ao redor dele e rimos quando Dimitri começa a se mover.
— Vamos para a arquibancada… — ele sugere.
— Vai me foder aqui?
— Claro que sim...
Patinamos rápido até a mureta e nem perdemos tempo em colocar os
protetores de patins, Dimitri me puxa para o banco e me senta em cima
dele.
Nós nos atracamos em beijos afoitos e ansiosos, nossas mãos se
agarrando e puxando as roupas, enquanto rebolo em cima dele, buscando
atrito.
— Tira a roupa, Percy.
Eu me levanto e tiro a calça e a calcinha que ficam presas nos
patins.
— Ai que inferno — grito, irritada.
— Senta aí.
Dimitri me faz sentar e se ajoelha na minha frente, tirando meus
patins e jogando longe e se senta de novo, abaixando a calça e um
preservativo surge na sua mão.
— Você trouxe um preservativo? Estava certo de que ia me pegar?
— Sempre estou certo.
— Nem posso discordar!
Deslizo o preservativo em sua ereção e Dimitri me ergue e me faz
descer sobre ele.
— Puta merda! — Ofego, adorando senti-lo inteiro dentro de mim.
Eu me movo em cima dele, agarrada a seu pescoço e Dimitri
distribui beijos por minha garganta, que me deixam ainda mais louca.
— Até que de repente ele para.
— O que foi?
Ele está alerta.
— Acho que ouvi um barulho.
— Porra, tem alguém aqui? E agora?
Eu me amedronto e escuto uma porta bater.
Ai merda!
Dimitri me tira do colo rápido, pega nossas roupas no chão e me
entrega e sem aviso me pega no colo e sai deslizando no chão mesmo, me
carregando, até que paramos no vestiário e ele fecha a porta atrás de nós.
— Que merda, Dimitri! E se fôssemos pegos?
Ele me põe no chão.
— Anda logo, tira a roupa. Toda desta vez. Não terminei com você.
— Acha que vale a pena o risco? Ficou louco?
Ele arranca a blusa e arria a calça no processo rindo.
— Vai valer a pena. Tira. A. Roupa. Agora.
Excitada de novo, faço o que ele pediu e fico nua na sua frente.
Desta vez, ele me vira e segurando meu rabo de cavalo, beija minha nuca,
os dedos nos meus seios quando me empurra em direção ao armário e me
prensa.
— Vou te comer por trás, sua gnomo gostosa... — ele sussurra em
meu ouvido e me penetra, enquanto desce dos dedos para meu clitóris.
Eu grito e adoro a sensação, enquanto ele me fode com força,
batendo os quadris nos meus, entrando e saindo de mim, a mão descendo
para dedilhar meu clitóris no processo, aumentando o prazer até o ponto de
eu sentir que vou desmoronar no chão se ele não me segurar.
— Gosta de ser comida, assim, Percy? — Ele puxa meu rabo de
cavalo, enquanto estoca em mim com força.
— Sim...
— Está valendo a pena?
— Ah Deus, sim, mais rápido!
Ele bate com mais força e me aperta forte, mordendo meus ombros e
eu explodo em volta dele, o orgasmo me fazendo tencionar por segundos
incríveis, onde reina só pura sensação de calor que começa onde ele está e
se espalha por toda minha pele, devorando meus sentidos.
E eu caio sobre ele, que me segura, os braços a minha volta e os
lábios em meu ombro, em pequenos e quentes beijos.
Depois do que parecem horas, mas sei que passaram minutos, ele
me solta e nos enfiamos no chuveiro. Dimitri ainda me mantém perto, me
beijando enquanto deixamos a água nos envolver.
Quando terminamos e voltamos para o vestiário para nos secar e nos
vestir, ainda sinto-me meio fora do ar.
Não parece real que eu e Dimitri estejamos com essas... intimidades.
Não é algo que seja... certo.
Mas ao mesmo tempo, parece o mais certo do mundo.
Quando saímos do vestiário e seguimos para seu carro estamos em
um silêncio confortável.
— Aqui não é minha casa — observo quando Dimitri entra com o
carro na sua rua.
— Achei que podíamos treinar por mais algumas horas.
Levanto a sobrancelha.
— Treinar?
— Eu disse treinar? Quis dizer trepar.
— Vai me levar literalmente para a sua cama?
— Qual o problema, já esteve lá.
— Não pra isso.
— O que temos que remediar.
Saímos do carro e quando chegamos à porta eu paro.
— Dimitri, não acha que é um erro?
— O quê?
— Sabe o que estou dizendo. Você mesmo disse muitas vezes, que
não era legal arriscar a parceria do gelo a levando pra cama.
— Você pensa demais, Alana.
— Só estou...
Eu me interrompi. Quero dizer que estou pensando demais no fato
de que sim, aquela pegação toda pode dar muito errado, porque talvez para
Dimitri, eu seja só mais uma que ele está fodendo.
Mas estou muito facilmente me apegando e o que vai acontecer
quando ele não só me jogar fora como parceira no gelo, como
inevitavelmente vai acontecer depois das Olimpíadas, mas também me
chutar de sua cama?
— Só está?...
— Por que está fazendo isso?
— Porque acho que...
Antes que ele possa responder a porta se abre e Andrey aparece com
cara de poucos amigos e eu enrubesço.
— Finalmente apareceu, estava te ligando. Por que não avisou que
convidou seus amigos vagabundos do hóquei para uma festa?
Então escutamos o barulho atrás de Andrey e quando entramos nos
deparamos com Landon e os amigos espalhados pela sala.
— Porra, esqueci completamente, e que dia é hoje?
— Hoje é dia 22, cara, esqueceu que marcamos uma festinha de
Natal? — Landon se aproxima com um chapéu de Papai Noel. — Ei trouxe
a Alana!
— Oi, Landon.
— Dimitri, no meu escritório, agora.
Andrey ordena.
Dimitri me lança um olhar de desculpa.
— Desculpa por isso, eu realmente me esqueci completamente.
— Tudo bem. — Eu dou de ombros.
Ele se afasta seguindo o pai.
— Deveria estar bebendo? — Eu olho para a cerveja na mão do
Landon.
— Quer uma?
— Nem pensar, tenho apresentação amanhã.
— Na outra festa estava mais soltinha, até que foi se pegar com o
Dimitri.
Eu enrubesço.
— Não me peguei com o Dimitri!
— Se diz! Molly ficou puta de ciúme.
— Molly?
— Não sabia que o Dimitri pegava a Molly?
— Não, não sabia — resmungo irritada.
Claro. A cara do Dimitri se enfiar nas calcinhas de Molly Gibson.
E agora eu corro o olhar pela sala e a vejo lá, conversando com um
jogador alto. Ela também me vê e faz uma careta, virando o rosto.
Vaca.
— Eu vou ao banheiro.
Passo por Landon e avanço pelo corredor, à procura do lavabo, o
cachorro do Dimitri, o Boris, me encontra e faz festinha ao me ver.
— Ei Boris. — Eu acaricio seu focinho e me levanto para seguir em
frente, mas escuto a voz de Andrey.
— Espero que não tenha dado esperança a Alana.
O quê? Estão falando de mim!
A porta está entreaberta e eu paro, curiosa, aguçando os ouvidos.
— Não fiz isso. Nem chegamos a falar sobre o futuro depois das
Olimpíadas, mas o combinado é que faremos dupla apenas para os jogos...
— Muito bem. Você precisa de alguém a sua altura. Alana está
muito aquém da sua técnica. Eu já estou verificando as opções...
— Não precisamos falar disso agora, meu foco é estar pronto para
esses jogos.
— Mas você sabe que, embora tenham treinado muito, não há
chances de medalha. Alana é só um tapa-buraco, jamais serviria para ser
dupla a longo prazo.
O quê? Fico vermelha de consternação.
Andrey nunca foi com a minha cara, mas achei que tivesse
melhorado o que pensava de mim.
Aparentemente estava enganada.
E eu espero, mesmo sem perceber a resposta do Dimitri que não
vem.
Ele concorda com o pai dele?
Isso dói de um jeito que não estou preparada para admitir.
— E precisa arranjar uma parceira muito boa, rápido, para poder se
preparar para o próximo mundial. O que acha da Molly?
Como é?
— Molly não patina em dupla — Dimitri comenta simplesmente.
— Mas ela começou assim. E estivemos conversando, ela está muito
interessada em voltar a patinar em dupla. Já ganhou o ouro duas vezes em
mundial e é prata nas Olimpíadas. A técnica dela é impecável. Seriam
incríveis juntos.
Eu espero ansiosa a resposta do Dimitri.
Ele não vai aceitar uma dupla com Molly vai?
— Molly é incrível. — É a resposta dele. Sem mais.
Sinto-me mergulhar num túnel escuro pouco a pouco.
— E eu sei que já se envolveu com ela...
— Mas foi uma bobagem, não foi sério.
— Não seria nada bom estar envolvido com sua parceira. Sei que
alguns casais se formam assim, mas se der errado no romance, a dupla
afunda no processo.
— Sei muito bem disso.
Sabe?
E o que estamos fazendo juntos?
Estamos juntos?
— Pense sobre isso. Não podemos demorar para definir.
— Sim, já estou pensando.
Já? Mordo os lábios com força, meu estômago se apertando.
Dimitri está comigo já pensando em sua próxima parceria? Será
que é por isso que ele não está nem aí em me foder?
De repente eu entendo. Claro que ele não está preocupado com o
fato de estarmos transando. Ele sabe que em poucas semanas a parceria
estará desfeita. Afinal, sou só um “tapa-buraco”.
E ele vai seguir em frente, com sua próxima parceira perfeitinha.
E provavelmente vai me chutar pra fora de sua cama com a mesma
rapidez. Não devo passar de um passatempo para Dimitri.
Um tapa-buraco.
Eu me afasto rápido e me tranco no banheiro.
Lavo o rosto, respirando fundo, enquanto olho minha imagem no
espelho.
— O que esperava, sua idiota? Claro que isso ia acontecer e você
sabia o tempo todo e se deixou enganar. Não passa de uma tonta!
Sinto a raiva me devorando por dentro. Não vou deixar Dimitri
achar que pode me fazer de idiota. No fundo, ele não passa mesmo de um
babaca narcisista que achou que poderia me dobrar, me deixar mais
boazinha com sexo.
Provavelmente ele tem certeza que estou apaixonada por ele e por
isso pode fazer o que bem entende.
Escuto alguém tentar entrar no banheiro.
— Está ocupado — grito, enxugando as lágrimas tolas que deixei
cair.
Como se Dimitri merecesse!
Abro a porta e um dos amigos idiotas do Landon está ali, passo por
ele, pensando em ir embora, mas quando chego à sala Dimitri está
conversando com Molly e Diana.
Eu vejo tudo vermelho.
— Ei, que cara é essa? — Landon se aproxima.
— Cara do quê?
— Ah... está com ciuminho do Dimi boy? — ele brinca.
— Claro que não!
— Não fique. Molly foi só uma trepada...
— Do mesmo jeito que eu fui pra ele, provavelmente — deixo
escapar e tarde demais me dou conta do que disse.
Landon ergue a sobrancelha.
— Wow...
— Esquece o que eu disse. Foi uma bobagem.
— Não parece que ache bobagem. Está tudo bem? — Landon fica
subitamente sério e me dou conta de que, infelizmente, ele não está tão
bêbado assim.
— Estou ótima.
— Não parece. Está mesmo encanada com a Molly? Eu falei, não
foi nada, Dimi só trepou com ela e...
Eu o encaro, louca para arrumar qualquer confusão que tire o foco
de mim.
— E jogou fora, do mesmo jeito que você fez com a Diana?
— Que merda está falando?
Eu me afasto indo direto para onde Dimitri está.
— Eu vou embora.
Ele se vira para mim, confuso.
— Agora?
— Sim, cansei dessa festa idiota.
— Alana, não precisa ir...
— Eu preciso sim. Aliás, estou vendo que tem companhia. — Lanço
um olhar para Molly.
— Nossa, já começou a ser escrota cedo hoje! — Molly provoca.
— Por que não cala sua boca nojenta? — rebato.
— Alana, para com isso. — Dimitri chama minha atenção, como se
eu fosse uma criança birrenta e isso me irrita mais ainda.
— O que foi?
— Está sendo grosseira sem motivo.
— Eu? — Rio sem humor.
— Deixa ela, Dimitri, já conhece a Alana. Todo mundo sabe o tanto
que ela é insuportável e encrenqueira.
— E você é uma vaca!
— Alana, qual seu problema, já chega — Diana pede. — Se está de
mau humor, melhor ir mesmo.
— E está fazendo o que aqui, Diana? Você e o Dimitri nem são mais
parceiros! Ou todo o papo de que não trepavam era papo furado?
— Alana — Dimitri alerta, mas já estou fora de controle.
Que se dane.
Querem me chamar de encrenqueira. Pois é o que vou ser.
— Landon é o papai do seu bebê mesmo? Ou vai nascer com os
olhos Ivanov?
— O quê? — Dimitri indaga chocado.
Subitamente percebo que fui longe demais.
— O que ela disse? — Landon estava próximo e ouviu e agora está
encarando Diana que está mortalmente pálida.
— Sua... filha da puta! — Diana sibila.
— É verdade? — Landon indaga.
— Me deixa, Landon! — Diana se afasta e Dimitri vai atrás.
— Diana, que merda Alana está dizendo?
— Me deixa você também!
— Diana, não vai embora assim não, porra! — Landon a alcança.
— Não vou falar com você...
— Por que não me contou? — Ele segura seu braço. — Ia me fazer
de idiota?
— Me solta, Landon! — Ela o empurra.
— Não! — Ele segura seu braço de novo e desta vez Dimitri avança
e empurra Landon.
— Deixa ela, caralho!
— Você não ouviu? Ela está grávida de um filho meu e nem ia me
contar!
— Você nem sequer lembra direito o que rolou entre nós, Landon,
estava bêbado! — Diana grita.
— Não interessa, tinha que me contar, porra!
— Que filho da puta, Landon! — Dimitri está enfurecido também.
— Diana era minha parceira e você a comeu bêbado e a deixou grávida?!
— Não tem nada a ver com você! Fica na sua...
— O diabo que não tem. — Dimitri o empurra e Landon o empurra
também.
Dimitri grunhe e avança para cima de Landon, socando o rosto dele.
Diana grita.
Em instantes seguram Dimitri e Landon.
Eu assisto a cena meio em choque ainda.
— Que confusão é essa aqui? Dimitri, pelo amor de Deus, brigando
de novo? — Andrey irrompe na sala.
— Esse babaca engravidou a Diana! — Dimitri grita.
— Não tinha que agredir ele por isso! — Diana rebate. — E nem era
para vocês ficarem sabendo. — Ela me lança um olhar raivoso.
E Dimitri me encara com frieza.
— Você sabia o tempo todo.
— Sim. — Levanto o queixo.
— Não tinha o direito, Alana — Diana reclama. — Está sendo uma
vaca escrota só pra causar confusão como sempre, por que não cresce?
Andrey agora me encara com censura também.
— Certo, já chega, todo mundo fora daqui!
Os amigos de Landon o carregam para fora. Ele ainda está meio
tonto do soco que levou. Molly e outras meninas também se vão.
Diana está chorando quando coloca o casaco.
— Diana, me desculpe. Não fica assim, eu... Porra por que não me
contou? Não vai embora, por favor.
— Você já causou confusão demais, melhor ir embora. — Andrey
me põe pra fora, também.
Eu enrubesço de humilhação. Mas passo por eles, nem ouso olhar na
cara do Dimitri, quando saio.
Ao chegar ao jardim, lembro que vim com ele e que minha bolsa
com tudo meu estava no carro dele. E me volto, mas Dimitri já está vindo
com cara de poucos amigos.
— Preciso da minha bolsa.
— Eu vou te levar em casa.
— Não precisa...
— Eu vou — insiste.
Entramos no carro em um silêncio tenso.
Quando chegamos em frente a minha casa, eu salto e Dimitri salta
também.
— Que merda aconteceu hoje? Por que foi tão escrota contando o
segredo da Diana?
— Ah, agora eu sou a culpada.
— Que inferno, Alana, você sabe bem o que fez! Por que age assim
de forma tão horrível?
— Porque eu sou horrível, não sabia? E olha quem fala, um babaca
agressivo que não se controla e sai socando os próprios amigos.
— Cala a boca.
— O quê? Vai me socar também? Já falei que não tenho medo de
você! Se me bater eu arranco sua pele!
— Eu não quero bater em você, sinceramente eu nem quero perder
meu tempo mais com alguém como você!
Eu me encolho como se tivesse levado um tapa.
— O que quer dizer?
— Que achei que tinha mudado, ou sei lá, que tinha um lado bom
dentro dessa sua personalidade de bosta que mostra ao mundo, mas acho
que me enganei.
— E você está me detonando, só porque eu contei uma verdade
sobre Diana!
— Você sabe o que fez! O que ganha com isso? O que ganha sendo
uma vadia sem escrúpulos?
— Claro, porque eu sou uma bruxa, a vilã da história, como sempre!
Eu nunca disse que era boazinha, nunca tentei ser quem eu não sou! Você
sempre soube! Não é por isso que está louco para se livrar de mim?
— Que merda está falando?
— Vai mentir? Nem somos parceiros de verdade. Não somos nada
de verdade. — Minha voz embarga e eu respiro fundo. — Pois não vejo a
hora de chegar logo essa merda de Jogos Olímpicos e eu finalmente me
livrar de você! — cuspo no firme intuito de ele saber que, se me odeia e
quer se livrar de mim, eu também não vejo a hora de me livrar dele. — Vai
se foder, Dimitri. Ou melhor, vai se tratar!
— Quem precisa de tratamento é você, e sabe bem, tentei te ajudar,
mas é uma perda de tempo. Achei que valia a pena, mas não passa de uma
gnominho traiçoeira!
Dimitri entra no carro e um soluço rompe em meu peito.
Que porra eu deixei Dimitri fazer comigo?
Eu me arrasto até a entrada da minha casa e entro na sala.
Meu pai está assistindo jogo e escuto minha mãe se movendo pela
cozinha. Eu passo por eles e subo para meu quarto.
Sento na cama tremendo.
Quando acordei naquela manhã, eu disse a Dimitri que ia ficar bem,
mas agora sinto que tudo está desabando.
Ao meu redor.
Dentro de mim.
Eu fui horrível com Diana. E pra quê? Para tirar o foco de mim,
como sempre.
Para fazer as pessoas terem certeza o quão horrível eu sou.
Porque eu escutei que Dimitri ia me deixar e surtei. Como se eu já
não soubesse. Mas a verdade é que os últimos dias com Dimitri me
mostraram um lado dele que eu não esperava. Sim, estou puta por Dimitri
não me querer de verdade como parceira, mas quando eu precisei ele veio
até a mim e me ajudou. Me apoiou.
Se preocupou comigo.
E isso bastou para que eu construísse um monte de ilusão no meu
coração idiota.
Quão tola eu podia ser e quantas vezes mais ainda?
De repente eu me surpreendo quando a porta se abre e Peyton
irrompe no quarto.
Atrás dela estão meus pais.
— Peyton? O que quer aqui?
Ela passa por mim e se agacha ao lado da minha cama.
— O que está fazendo?...
Ela arrasta a minha caixa cheia de doce e me encara com um olhar
furioso.
— Quando Dimitri contou, eu não acreditei!
— O quê?
— Dimitri acabou de me ligar. Disse que você é bulímica e que se
empanturra de doces escondido e depois vomita, é verdade?
Arrasto o olhar até meus pais, que me encaram num misto de
choque e censura.
— Não, não é verdade — balbucio.
— Você acha que isso é comportamento que se preze? — minha
mãe questiona adentrando no quarto e sacudindo meu braço. — Depois de
tudo o que fizemos por você?
— O Dimitri não tinha o direito.
Eu ainda estou chocada, não acredito que Dimitri teve coragem de
ligar para Peyton e me delatar.
Aquele filho da puta!
— Por incrível que pareça, acho que ele só queria nos alertar das
merdas que anda aprontando! — Peyton diz. — Mas agora chega! Você vai
ver um psiquiatra! Não vou deixar que seja fraca desse jeito e se mate!
Minha nossa, que decepção, Alana!
Ela sai do quarto, levando meus doces.
Minha mãe vai atrás dela.
— Por que não nos contou? — meu pai indaga.
— Por que vocês nunca nem sequer desconfiaram? — rebato. —
Não haja como se estivesse preocupado.
Eu bato a porta na sua cara e me jogo na cama.
Choro por horas a fio, sem saber como parar.
E durmo de pura exaustão.
Capítulo 18
Dimitri

— Ainda está aqui.


Diana levanta a cabeça, e percebo que chorou.
Estou surpreso de entrar na minha cozinha, depois de deixar Alana
na sua casa e encontrar Diana ainda ali.
Eu me aproximo e sento à sua frente, por um momento apenas nos
encaramos como dois combatentes detonados de uma guerra da qual
acabamos de perder.
E ainda nem sei o que estou sentindo.
Estou furioso com Alana.
Estou preocupado com Alana.
Estou triste pra cacete por intuir que aquela noite foi uma ruptura
que provavelmente não tenha conserto.
E a merda é que no fundo não entendo.
Nós estávamos bem, não estávamos? Ou eu fui idiota de achar que,
o tesão que sentíamos seria suficiente para valer a pena jogar todas as
minhas regras pela janela?
Mas Alana era um poço de contradição.
Eu sabia, claro.
Eu aprendi a conhecê-la. Alana tem uma relação tóxica com a
família, que parece usar a violência com ela, não só física como emocional.
A comparação com Peyton é o centro de tudo, provavelmente o que a move.
E não só a comparação com a irmã famosa, mas com todos que ela
considera uma ameaça. Kiara principalmente.
Alana é insegura em um nível que beira o insano.
E usa a agressão verbal para se posicionar e se sobressair em um
mundo extremamente competitivo e que ela julga incapaz de vencer apenas
com talento e técnica.
Imagino que essa crença tenha sido incutida nela a vida toda, por
aquela família horrível que a rodeia. E eles nem percebem que ela grita
socorro. Que está doente.
Eu deveria ter a forçado a buscar ajuda, mas Alana também é
teimosa e esquiva. E fui inocente, ou talvez arrogante demais de achar que
eu poderia ajudá-la.
Justo eu.
Não sou exemplo de controle emocional. Posso ser excelente nas
pistas de gelo, posso ter alcançado sucesso e glória, mas há um lado meu
que está sempre ali, à espreita, ameaçando estragar tudo.
Eu vivo com medo. Vivo acuado.
Não posso falhar. Não posso decepcionar meu pai, porque ele é tudo
o que restou, mesmo quando está do outro lado do mundo, me ignorando.
A patinação é nossa linguagem do amor, é nosso vínculo.
Mas Andrey sabe do monstro. Ele o odeia.
E toda vez que me domina eu me sinto horrível por decepcioná-lo.
Ando pelo mundo arrasando nas pistas de gelo com saltos incríveis e
ganhando medalhas, mas, no fundo, me equilibro entre a glória e o fracasso.
Posso cair para qualquer lado.
E aconteceu o que eu temia.
Coloquei meu pau para decidir o que era melhor e estraguei tudo.
Ou foi Alana Percy quem estragou?
Deveria saber que aquela parceria estava fadada ao fracasso desde o
dia que achei que Alana valia a pena.
Quão idiota eu fui?
Alana é sinônimo de problema.
Ou melhor, ela é um problema ambulante.
Mas eu fui idiota em achar que podia ajudá-la. Que podia deixar
aquela conexão inesperada que começava a nascer entre nós, dentro e fora
das pistas, crescer e se transformar em paixão.
Eu me joguei naquela paixão sem pensar muito nas consequências.
Apenas segui meu desejo.
Segui seu rastro de beleza e caos, que inesperadamente se
transformou em uma combinação irresistível.
E me deixei levar pela vontade de protegê-la até dela mesma.
Mas Alana não podia ser ajudada.
Ela se joga no caos, sem medir consequência. Machuca as pessoas a
sua volta no afã de proteger seu rabo cretino.
Não sei qual foi o gatilho hoje, mas algo aconteceu que fez a velha
Alana voltar à tona.
A Alana encrenqueira, ardilosa, maldosa.
É irônico pensar que de alguma forma, Alana também tem um
monstro dentro de si. Quão fodidos nós somos?
Hoje fiquei furioso. Não só com ela, mas comigo mesmo. E quando
a deixei em casa despejei toda aquela raiva em palavras cruéis, vendo o
quanto as machucava. Eu me senti vingado, mas ao mesmo tempo,
arrasado.
Eu queria sacudi-la. E também consolá-la.
A preocupação com o que ela podia fazer me dominou assim que
entrei no carro e não pensei duas vezes em ligar para Peyton e contar o que
Alana escondia. Alguém tinha que ajudá-la. E não sei ainda se aquela
família de merda que ela tem vai ser capaz.
— Alana é uma vaca — Diana funga. — Desculpa, mas...
— Alana só contou o que você deveria ter contado há tempos.
— Não era da sua conta. Não era da conta de ninguém.
— Mas era do Landon, não? Ele é o pai.
— Landon é um idiota. Um irresponsável, que vive de festa e comer
garotas, acha que ele pode ser um pai?
— Ele tem o direito de escolher.
— Não quero perder meu tempo com ele. Não preciso disso. Estar
grávida já é problema suficiente. Não quero ter que lidar com Landon
também.
— Talvez não tenha escolha. Agora tem uma conexão com ele pra
vida toda.
Ela dá de ombros.
— O que está rolando com Alana? — indaga, tirando o foco de si.
— Alana é complicada.
— Você também. Talvez façam o casal perfeito.
— Não somos um casal.
Ela levanta a sobrancelha.
— Você nunca quis ficar com nenhuma parceira.
— Mentira. Eu quis Kiara. Quis você.
— Mas não ficou com nenhuma de nós.
— Você me deu o fora, não sei se lembra.
— Você não me queria de verdade. Era só seu ego de menino
arrogante. No fim, acredita que fez o certo, não é?
— Sim, eu acredito.
— E o que vai acontecer com você e Alana?
— Eu não sei. Não sei se conseguimos manter essa parceria sem nos
machucar.
— Você quer manter a Alana como sua parceira? — Diana indaga
com surpresa.
É a pergunta que venho me fazendo desde que meu pai começou a
me pressionar para verificar minhas opções após as Olimpíadas.
Eu nunca pensaria isso quando propus que eu e Alana fizéssemos
dupla. Era algo temporário. Mas a verdade é que eu gosto da Alana. Gosto
mais do que deveria, porque ela é uma gnomo irritante e autossabotadora e
cheia de uma fúria que pode ser uma combinação catastrófica com a minha
própria fúria.
Mas não há só raiva e animosidade entre nós.
Havia tesão.
Havia um carinho quase inesperado e desajustado que me faz querer
estar perto dela por mais tempo. Por tempo suficiente para ver o que
poderíamos fazer juntos.
Se poderíamos tirar algo de bom juntos daquela parceria.
Dentro do gelo.
E sim, eu posso confessar a mim mesmo, fora do gelo também.
— Eu quero — confesso.
— Vocês são explosivos juntos. Não sei se é uma boa combinação.
— Não faz ideia...
E sem prever, despejo toda a confusão que criei com Alana. Quando
termino Diana está meio chocada.
— Ah Dimitri, nunca achei que fosse se envolver com alguém que
tem mais problemas a serem resolvidos do que você.
— Alana precisa de tratamento. Por isso eu contei à família dela
hoje.
— Talvez tenha feito certo. Mas também precisa, sabe disso, não é?
Eu me encolho, sentindo meu estômago se apertar.
— Não quero que meu pai pense que sou um maluco.
— Certamente ele já faz uma ideia, mas você não é maluco. Só
precisa... resolver a questão da agressividade. Não quero que machuque
alguém de verdade, ou que se machuque. E aposto que Andrey também não
quer. Afinal, acredito que no fim ele quer o seu bem.
— O que Andrey quer é minha glória. Reputação é tudo pra ele.
— Todos nós temos nossos esqueletos no armário. Aposto que seu
pai também tem um lado B.
— Eu duvido.
Desde que me conheço por gente, Andrey Ivanov é como um ídolo
pra mim.
Não acredito que ele tenha qualquer falha grave que o desmereça.
Eu só queria ser igual a ele e não uma pessoa instável que podia explodir a
qualquer momento.
— Acho melhor eu ir.
— Vamos ficar bem? — questiono, quando a levo até a porta.
— Eu preciso, por este bebê aqui. E quero muito que você fique
bem também.
— Vai falar com Landon?
— Acho que agora não tenho saída.
— Você pode contar comigo.
— Eu sei. Mas concentre-se em você. Sabe de uma coisa que
percebi? Você e Alana têm algo péssimo em comum. Agem como se fossem
crianças que precisam da aprovação dos pais, mas são adultos. Precisam
agir como tal.
Ela beija meu rosto e vai embora.
Me deixando sozinho com meus pensamentos.

Na manhã seguinte, meu pai está puto comigo ainda enquanto nos
dirigimos para o Pacific Coliseum, por causa da confusão de ontem.
— Me desculpe pela briga. — Eu acabo rompendo o silêncio
quando chegamos.
— Acha que desculpas resolvem agora? Só prova o quanto imaturo
está ainda.
— Não foi minha intenção começar uma confusão.
— Nem deveria ter marcado aquela festa. Devia afastar-se desse
Landon, é um irresponsável, nem sei como consegue ter lugar no time de
hóquei.
— Porque ele é fenomenal. E é meu amigo, não vou me afastar dele.
Somos amigos desde criança.
Landon se mudou para a casa vizinha na época que minha mãe foi
embora e nos aproximamos porque nos identificamos. O pai do Landon era
viúvo e ele também não tinha mãe. Dois garotos perdidos.
— Não interessa. Precisa parar com essa mania de ser sentimental.
Se apega demais às pessoas. E é esse seu lado emocional exacerbado que o
faz perder o controle e depois se enfiar nessas brigas que sempre são pra
proteger alguém. Acho que já chega, não é?
— Não está sendo justo, pai.
— Sabe que tenho razão! Tem uma carreira brilhante no gelo, não
jogue fora colocando suas emoções na frente da razão.
— No gelo, eu sempre sou racional.
— Tem certeza? Alana Percy está te desestabilizando.
— Não é assim.
— Eu já percebi que estão dormindo juntos.
— Isso não está atrapalhando em nada — afirmo, mas sei que é
mentira.
Assim como meu pai sabe.
— Alana não deve te tirar do seu caminho. Termine esse casinho
antes que seja tarde.
— Acho que já chegou ao fim — rebato frustrado.
— Ótimo. Espero que isso não atrapalhe o desempenho.
— Não vai.
— Com você talvez não. Mas Alana é emocional, e qualquer coisa
lhe tira concentração. É péssimo. Nem pense em mantê-la como sua
parceira, vai te arruinar.
Antes que eu responda, ele se afasta.
Vou para o camarim que me foi designado e Alana já está lá. Ela
está vestida e se maquiando e sem nem se dar ao trabalho de olhar pra
mim, se levanta, pega seus patins e sai do camarim.
— Gnomo teimosa do caralho — grito antes de ela sair e ela se volta
e mostra o dedo do meio, antes de bater a porta.
Eu me arrumo e quando chego ao corredor, Alana está se
aquecendo.
— Oi, Alana.
— Oi, babaca filho da puta.
Já vamos nós.
— Vai agir assim agora?
— Quer que eu aja como?
Ela se levanta me encarando furiosa.
— Contou a Peyton...
— Eu tive que contar. Precisa de ajuda.
— Quem é você pra me ferrar desse jeito?
— Sou seu parceiro.
— Não por muito tempo.
— É isso que quer?
— Claro que sim! Não veja a hora de me livrar de você! Não sabe a
raiva que estou neste momento! — Ela pisca, querendo chorar e isso me
quebra.
Ela se vira, para se afastar, mas seguro seu braço.
— Eu não fiz por mal, muito pelo contrário...
— Acha que acredito? — Puxa o braço.
— Para de ser uma bruxa irracional, pelo menos um momento! —
Começo a me irritar.
— Não estou sendo irracional. Estou sendo bem racional e
acordando para o fato de que me envolver com você foi um erro.
— Tem certeza?
— Chegou a vez de vocês — meu pai nos chama.
Alana passa por mim bufando e entra na pista de gelo. Eu a sigo
com o humor tão ácido quanto o dela.
Nós nos encaramos como adversários e a música começa.
Patinamos com raiva e determinação e antes mesmo que aconteça eu
sei que vai dar merda.
E não demora para eu derrubá-la quando a levanto no throw jump.
Alana se levanta furiosa para prosseguirmos e terminamos o
programa sem mais acidentes.
Quando chegamos à mureta de proteção, Andrey está nos
aguardando.
— Precisam melhorar muito.
— Seu filho é um imbecil e me deixou cair! — Alana reclama.
— Você errou o tempo! — rebato também irritado.
— Chega vocês dois. Vamos melhorar o que tem que ser melhorado,
não vão me envergonhar... — Andrey sibila com autoridade.
— Olá, Andrey — Nádia, a treinadora da Kiara e do Chris, se
aproxima.
Eu me viro e vejo Kiara e Chris atrás dela.
Kiara parece extremamente perturbada. Qual o problema dela?
Sinto-me um tanto preocupado com sua palidez e olheiras embaixo dos
olhos claros.
Não consigo me livrar do carinho que sinto por Kiara do mesmo
jeito que não consigo me livrar do carinho por Diana.
Estarão sempre ali, acho.
E Alana também vai estar, mesmo que ela tente matar tudo o que eu
sinto com sua hostilidade.
— Vamos, Kiara, concentre-se. — Maude, a mãe de Kiara, se
aproxima, segurando o braço da filha. — Não perca o foco!
Meu pai se afasta passando por Kiara que está sentada agora tirando
as proteções dos patins para entrar na pista.
Eu sorrio e pisco pra ela.
— Boa sorte!
Alana bufa, soltando um palavrão baixo, sentando ao lado de Kiara
para colocar as proteções dos patins.
— Nem precisa de boa sorte, depois deste imbecil me deixar cair e
quase quebrar meu nariz qualquer apresentação vai ser melhor — dardeja,
me irritando por insistir em pôr toda a culpa em mim.
— Você podia deixar de ser uma vaca e parar de reclamar! Estou
cansado de você gritando comigo o tempo todo.
— Dimitri, não fale assim com ela.
Kiara me surpreende quando se intromete.
Eu e Alana nos viramos para ela, surpresos por se dar ao trabalho de
defender Alana.
— Se detestavam um ao outro nem deveriam formar uma dupla! —
Kiara continua. — Provavelmente você a deixou cair porque não tem
conexão e nunca vai ter se não se permitirem! Você sabe disso, Dimitri. Não
é culpa só da Alana! E chamar ela de vaca, embora ela seja mesmo, não vai
adiantar nada! Ela é uma vaca, mas é sua parceira. Deveria matar e morrer
por ela. E nunca a deixar cair.
E ela se levanta, passando por nós e entrando na pista seguida por
Chris.
Alana

Estou muito chocada enquanto observo Kiara entrar na pista.


Kiara me defendendo?
— O que deu na princesinha do gelo?
— Inesperado ela te defender sendo que você a detesta — Dimitri
rebate.
— Não detesto Kiara...
— Detesta sim. Age como se fosse uma vilã de novela ruim a
atormentando por aí.
— Ah vai se ferrar! Você provavelmente é o vilão da vida da Kiara.
Não eu. Se muito sou só a personagem secundária chata que todo mundo
odeia, que será facilmente esquecida — rebato com amargura tentando me
afastar, mas Dimitri me segue e segura meu braço.
— Por que se deprecia tanto?
— E não é verdade?
Eu me afasto, deixando Dimitri para trás.
Estou tão cansada de manter aquela personagem que desabo sob o
banco, respirando fundo.
Eu odeio Dimitri Ivanov.
Mas preciso dele no gelo.
E odeio mais ainda por precisar dele fora do gelo. Por lamentar que
nosso pequeno interlúdio de brincadeiras sacanas provavelmente tenha
acabado.
Realmente, não sei de onde eu tirei que tínhamos algum futuro.
Nem no gelo e nem fora dele.
Eu sou um fracasso, como disse Jaxon.
Minha família está puta comigo e talvez eu tenha até ficado um
pouco feliz quando acordei de manhã e eles estavam discutindo sobre mim
no café da manhã.
O que vamos fazer com a Alana?
De repente eu me assusto quando a porta se abre e observo,
chocada, Kiara entrar, e cair sobre o chão.
— Kiara?
Ela levanta a cabeça e percebo que mal consegue respirar.
Que diabos?...
Sem pensar, abaixo ao seu lado, envolvo o corpo trêmulo e enfio a
cabeça dela entre os joelhos.
— Porra, respira, respira... Está tendo um ataque de ansiedade,
pânico, ou tudo junto, sei lá... Só respira. — Começo a tremer também,
percebendo o estado em que Kiara se encontra. — Deixa tudo sair... grite se
quiser. Não vou te soltar.
Kiara abre a boca e grita.

Não sei quanto tempo se passa até que ela consiga voltar a si.
Eu a solto, quando noto que ela está respirando normal e a cor
voltou ao seu rosto.
Que merda aconteceu com ela?
Kiara se encosta na parede e fecha os olhos
Eu me movo para trancar a porta e me recosto ao seu lado.
— Eu não sabia que você tinha... esses ataques — comento curiosa.
É uma surpresa que a perfeita Kiara Willians tenha seus demônios.
Ela os manteve muito bem escondidos.
— Eu não tenho. Quer dizer, não é algo habitual.
— Não tem diagnóstico, quer dizer?
— Parece saber muito disso.
— Todos nós temos nossos esqueletos, não é? Eu devia imaginar
que a princesinha tinha os seus.
— Vai começar a brigar comigo agora?
— Acho que não devo chutar cachorro morto, não é o que dizem?
— Por que me odeia?
— Eu odeio todo mundo e boa parte do tempo também odeio a mim
mesma. Então, não se sinta especial — rebato com minha ironia habitual.
— E odeia Dimitri.
— Atualmente, mais que todo mundo. Você o odiava também, por
isso o deixou?
— Não foi por isso.
— O que aconteceu hoje?
— Eu a deixei... Eu a deixei e não sei o que fazer agora que ela está
aqui...
— Deixou quem? — Eu me sinto confusa.
De quem Kiara está falando?
— Minha filha... Há cinco anos.
Eu arregalo os olhos, em choque.
— Porra, você tem uma filha?
Minha nossa!
Antes que Kiara possa me responder, escutamos alguém mexendo
na maçaneta da porta.
— Alana, abra essa porta.
É Dimitri.
— Vai embora! — grito.
— Por que está trancada aí? Se não abrir eu vou arrombar.
— Dimitri, eu mandei você ir embora!
Então de repente a porta se abre e Dimitri está na nossa frente.
— Qual o seu problema? — Eu me levanto irritada. — A porta
estava trancada!
— E eu tenho a chave! Eu sabia que podia começar com suas
gracinhas e...
Eu entendo o que ele quer dizer.
Ele achou que estivesse vomitando.
De repente ele vira e nota Kiara.
— Kiara? Estão todos atrás de você! Me disseram que teve um
problema ou algo assim na sua apresentação... O que você tem? — Ele
parece reparar no rosto inchado de chorar da Kiara e me encara com os
olhos cheios de acusação. — Que merda fez com ela, sua bruxinha filha da
puta...
— Ei, eu não fiz nada!
— Dimitri, Alana não fez nada — Kiara indossa. — Na verdade, ela
me ajudou.
— Alana? Te ajudou? Você odeia a Kiara. — Ele me encara
incrédulo.
— Eu não odeio!
— Claro, seu problema, na verdade, é inveja.
— Ah, cale a boca!
— Cale a boca você!
E ele se abaixa em frente à Kiara.
— Kiara, está me preocupando pra cacete, o que está acontecendo?
— Alana, pode nos deixar a sós? — Kiara pede.
— O quê... — De repente algo me ocorre e eu empalideço. — Ah
meu Deus, o bebê era do Dimitri!
— Que bebê? — Dimitri olha de Kiara pra mim, confuso.
— Não, mas eu preciso falar com Dimitri, por favor? — Kiara
insiste.
E eu não sei o que está acontecendo, mas percebo a seriedade da
situação e assinto.
— Avise para o Chris que estou aqui. A mais ninguém E peça para
ele me esperar aí fora.
— Tudo bem.
Eu saio e fecho a porta atrás de mim e me recosto nela.
Ah minha nossa, o que foi isso tudo?
Kiara tem uma filha?
E o que Dimitri tem a ver com o assunto? Ela disse que o bebê não
é dele. Então, era de quem?
Dimitri

Assim que Alana saiu, fechando a porta atrás de si. Eu volto a


encarar Kiara muito confuso.
— Do que Alana está falando?
Eu me sento no banco à sua frente.
— O bebê é minha filha.
— Filha? Você tem uma filha? — Eu a encaro em choque.
Não faz sentido algum.
— Faz cinco anos. Eu a dei em adoção. — Kiara continua.
— Cinco... — Faz cinco anos que Kiara me deixou. Sumiu sem dar
satisfação. E voltou à cena meses depois. — Quando me deixou... Foi por
isso, você estava grávida?
— Sim, eu estava.
— Meu Deus, Kiara, por que não me contou?
— Eu não contei para ninguém, só a minha mãe soube na época.
— E você deu essa criança?
— Sim...
Passo a mão pelos cabelos, aturdido. Eu ainda tento entender aquela
revelação bombástica e inesperada.
Kiara esteve grávida há cinco anos.
De quem?
— Mas... eu nem sabia que tinha um namorado.
— Eu não tinha, eu... eu fui estuprada, Dimitri.
Desta vez eu sinto como se tivesse levado um murro no estômago.
A dor nos olhos da Kiara me devasta em poucos segundos e eu
perco o ar.
— O quê?
— Pelo seu pai. Andrey Ivanov me violentou.
Capítulo 19
Dimitri

Por um momento acredito que não ouvi direito.


Kiara não pode estar afirmando tamanho absurdo. Mas ela continua
olhando pra mim com uma mistura de pesar, raiva e certeza.
— O que está dizendo...
— O que você ouviu.
Não.
Não pode ser.
Seu pai. Andrey Ivanov me violentou.
— Isso é... absurdo! Por que está inventando isso? — Eu a encaro
com raiva porque simplesmente não pode ser verdade.
Meu pai jamais...
Jamais.
— Acha que eu ia inventar uma história dessas? Por que não está
acreditando? Por que estou acusando o grande Andrey Ivanov de ter
abusado de mim quando eu tinha 17 anos? Você se lembra daquela noite em
que treinamos pela última vez? A noite em que me bateu?
Sim, eu lembro.
Minha mente se enche de imagens desconexas daquela noite.
Nós dois patinando. Kiara se declarando. Meu medo de estragar
tudo e no fim eu estraguei quando fui um babaca e ri da sua cara.
Kiara se enfureceu também e brigamos.
Até que perdi o controle e lhe dei um tapa.
— Claro que você lembra. Eu estava magoada com você. Porque eu
te beijei e você riu de mim. Seu pai te mandou embora. Foi naquela noite.
— Ela continua.
Sim, meu pai apareceu e exigiu que eu me afastasse.
Eu fui.
Passei meses sem ver Kiara depois disso e quando ela voltou, era
outra pessoa.
Suas palavras reverberam por meu cérebro exacerbado e sinto tudo
girando, a ânsia trazendo uma bile amarga para minha garganta. Começo a
ouvir um zunido no meu ouvido.
— Não consigo acreditar... — Ainda luto contra as águas profundas
que ameaçam me envolver e me puxar para baixo.
Para um mundo desconhecido e horrível onde meu próprio pai
abusou dessa garota na minha frente.
— Você nunca disse nada! Se fosse verdade teria denunciado! —
Tento achar alguma falha naquela história nojenta de terror.
— Ele me ameaçou. Minha mãe também achou melhor esquecer. Eu
estava com medo e envergonhada, só queria esquecer. Mas não pude,
porque eu estava grávida.
Meu Deus.
Grávida.
Não.
Eu me levanto, andando de um lado para o outro como um tigre
enjaulado, e esmurro a parede, quando sinto que a força da minha raiva está
ameaçando romper com meu controle.
— Por que está inventando este monte de merda do meu pai, porra?
— grito, socando a parede de novo e de novo. — O que ganha com isso?
— Eu não ganho nada, não tenho por que inventar uma história
horrível dessas. — Kiara se levanta e agora parece estranhamente calma.
Como se não tivesse destruído meu mundo.
Encaro seus olhos claros, olhos que um dia foram tão transparentes
para mim. Um dia fomos parceiros e aliados. Eu achei que tinha quebrado
sua confiança, e de certa forma, quebrei sim.
Mas o que ela está me contando... Se for verdade.
— Quer mesmo que eu acredite?
— Acredite no que quiser. Pergunte ao seu pai.
Mergulho em seus olhos, em busca daquela velha conexão. De
quando um sabia quase o que o outro estava pensando.
E o que vejo ali, estilhaça meu mundo em mil pedaços.
Ela não está mentindo.
Ela não iria mentir.
Meu peito ameaça romper. Estou a ponto de eu mesmo cair no chão,
quebrado, destroçado.
Meu pai. O homem poderoso. Mestre em sua arte. Um dos melhores
do mundo no seu tempo. O técnico exigente e de força inabalável.
De reputação inabalável.
Abusou da minha parceira. De uma menina de 17 anos.
E a deixou grávida e seguiu em frente, como se nada tivesse
acontecido.
Ainda assim, inabalável.
Kiara me dá as costas e sai do camarim.
Respiro como se tivesse levado vários socos no estômago, minha
mente infestada das mais horríveis imagens.
Eu soco a parede de novo. Quero sair dali, correr, gritar, agredir
quem aparecer na minha frente. Quero olhar nos olhos do meu pai. Do
grande Andrey Ivanov e ouvir a verdade de sua boca.
Por quê?
Por que ele fez isso?
Meu pai. Meu ídolo.
Um estuprador.
Um monstro.
Eu caio no chão, porque minhas pernas parecem não ter mais forças
para manter o peso do meu horror.
Um monstro.
Parece que a monstruosidade é genética afinal.
Alana

Eu ando de um lado para o outro no corredor, sem saber o que fazer.


Estou ainda abalada e horrorizada com o que acabei de ouvir através
da porta do camarim.
Kiara está afirmando a Dimitri que o pai dele a estuprou.
Puta. Que. Pariu.
Será verdade?
O grande Andrey Ivanov abusou da Kiara quando ela tinha apenas
17 anos.
E a engravidou.
Depois que ouvi o que ela disse eu me afastei, sabendo que não
deveria estar escutando aquela conversa. Todas aquelas merdas que Kiara
revelou... Minha nossa, eu jamais poderia imaginar.
Nunca gostei da Kiara. Eu a invejava. Sabia que nunca ia ser como
ela, e cada vitória sua, sentia como uma derrota minha, não conseguia me
controlar.
No fundo, eu sei o quanto isso é fodido e errado. Mas há muito
tempo, eu desisti de controlar meu lado ruim. No final das contas, ninguém
sofria mais do que eu. Kiara continuava ali, vivendo e ganhando tudo o que
o mundo podia ter de melhor.
Prêmios. Glória. Patrocinadores.
Eu achava que a vida dela era perfeita. Mas agora estou vendo que
me enganei. Kiara tinha seus demônios.
Uma filha. Ela teve uma filha.
Não consigo imaginar o que é estar em sua pele. Passar por um
abuso sexual. Ter que esconder aquele segredo por cinco anos e também o
segredo sobre a criança.
E o que aconteceu com a filha dela? Ela comentou algo sobre a ter
mandado embora, mas ela voltou?
De repente escuto a voz alta do Dimitri e estremeço.
Ele está furioso. Imagino o que está passando ao ouvir aquele
segredo horrível. E por um momento, quero entrar lá e segurar a mão dele.
Apesar de toda a raiva que senti dele, não consigo evitar o aperto no
meu coração ao imaginar o que ele deve estar sentindo.
Como alguém sai duma revelação daquelas?
— Alana?
Eu me viro e Diana está ali.
— Você viu o Dimitri?
Mordo os lábios sem saber o que dizer.
— Ele está… tendo uma conversa com a Kiara.
Diana se surpreende.
— Certo, eu já vou, mas queria ver se ele está bem. Ontem a gente
conversou depois de tudo. E espero que você esteja bem.
— O que quer dizer? — Fico na defensiva.
— Olha, não quero me intrometer entre você e Dimitri.
— Não fale como se houvesse algo entre nós para você se
intrometer.
— Alana, não precisa ser uma vaca o tempo todo. Deve ser
exaustivo. Eu só estou querendo ser legal com você.
— Por quê?
— Porque às vezes nós julgamos as pessoas superficialmente. Está
todo mundo lutando suas batalhas internas e a gente nunca faz ideia. Então,
não custa nada tentar ser legal uns com os outros.
Eu penso em Kiara e suas revelações. O quão dura eu fui com ela
todos esses anos, achando que tinha uma vida perfeita.
— Enfim, não sei se você e Dimitri vão se acertar, mas ele gosta de
você.
— Gosta nada!
— Ele se envolveu com você, e isso diz muito.
— Se envolveu porque nossa parceria é provisória. Ele não está nem
aí.
— Ele quer continuar com a parceira, não te disse?
— Eu ouvi o pai dele me detonando. Exigindo que Dimitri
escolhesse outra parceria, até a Molly foi cogitada.
— Sabe que eu estava com a Molly ontem quando ela comentou
sobre o assunto e Dimitri não deu nenhuma esperança. Isso não tem nada a
ver. É o que Andrey quer, não o que Dimitri deseja. Mas claro que ele sabe
que vocês dois juntos pode ser complicado. Acho que entende isso.
Estou digerindo as palavras da Diana.
Dimitri não queria se livrar de mim?
— Mas se cabe um conselho. Se você gosta do Dimitri, seja como
parceiro ou de outra forma... Lute por ele. E, por favor, tente não machucá-
lo.
— E se ele me machucar?
Antes que Diana responda, Chris aparece.
— Você viu a Kiara?
— Sim, é... ela está no meu camarim.
Eu deixo Diana e sigo com Chris para frente do camarim na mesma
hora que Kiara sai de lá.
— Meu Deus, quase me matou do coração. — Chris a envolve.
— Me leva embora.
— Precisa se trocar...
— Não quero ir ao camarim, minha mãe deve estar lá e Nádia.
— Tudo bem.
Chris tira o casaco que usa e põe nos ombros da Kiara.
Olho através deles e Dimitri está socando a parede como se quisesse
derrubar o prédio.
— Que merda é essa? — sussurro assustada, mas já me movo para
entrar lá.
Porém, Kiara segura meu braço.
— Deixe-o, ele está fora de si. Pode te machucar.
— Ele que tente. Eu quebro as pernas finas deste babaca antes que
ele consiga acabar comigo.
Eu me desvencilho e entro no camarim, fechando a porta.
Sem dizer nada, eu me agacho ao seu lado e toco seu ombro.
— Dimitri. Pare.
Seus músculos estão tremendo embaixo da palma da minha mão.
— Sai daqui — ele grunhe.
— Não vou a lugar nenhum.
— Alana, sai agora...
— Não.
— Eu não quero te machucar.
— Não pode me machucar, mas está se machucando. Por favor,
pare. Respire. Parece horrível agora, mas…
Ele solta uma risada horrível.
— Horrível? Você não sabe...
— Eu sei. Eu escutei atrás da porta. Desculpa.
— Meu Deus, não posso acreditar... Meu pai. Inferno!
Eu não sei o que dizer.
Existe algo que possa ser dito numa situação dessas? Só sei que
quando eu estava no fundo do poço, Dimitri ficou comigo e me resgatou.
Não vou deixá-lo sozinho agora.
— Ponha pra fora o que tem que pôr — sussurro, me encostando
nele, meu corpo contra suas costas e o envolvo com meus braços.
Dimitri ainda respira com dificuldade, ofega e treme, como se um
vulcão estivesse prestes a entrar em erupção dentro dele.
Ele solta muitos palavrões, soca a parede até seus dedos sangrarem.
Mas eu não o solto.
Mesmo quando os gritos se transformam em soluços de cortar o
coração.
Ainda estou ali, quando a tempestade parece passar e restar apenas
uma tristeza infinita.
Ele encosta na parede e eu faço o mesmo, ao seu lado.
— Quer falar sobre?
— Eu não sei... Merda. Meu pai. Como ele pôde fazer isso com a
Kiara? E todo este tempo... Ela disse que teve um bebê. Uma menina.
— Ela me disse também, o que será que aconteceu? Ela te falou?
— Não. Apenas que meu pai a violentou na noite em que eu a
agredi. Todo este tempo achei que era culpa minha, mas... Foi por causa
disso. E no fundo, a culpa foi minha, se eu não tivesse brigado com ela
naquela noite, se tivesse…
— A culpa não foi sua. Seu pai foi um filho da puta abusando dela.
Isso não tem desculpas e nem perdão, Dimitri.
— Eu sei. — Ele parece estar com dor, os olhos fechados, a cabeça
encostada na parede e os punhos fechados ao lado do corpo. — Como vou
superar isso? Como... Como vou encarar meu pai depois disso?
— Kiara deveria ter ido à polícia. Deveria ter denunciado o que ele
fez. Eu sei que é seu pai, mas... foi monstruoso.
— E se eu também for?
— O quê?
Ele abre os olhos e me encara e vejo medo e desolação na íris clara.
— E se eu for um monstro como ele?
Então eu entendo o que quer dizer.
— Você já fez alguma coisa contra a vontade de uma mulher?
Ele sacode a cabeça em negativa.
— Você tem muitos defeitos Dimitri, muitos mesmo, mas não
acredito que seja como seu pai. Nunca fez nada contra minha vontade.
— Mas sou um monstro também. Não sei por que eu sou assim, eu
perco o controle... Um monstro ainda é um monstro, ainda que um tipo
diferente. Eu não quero ser assim.
Seguro sua mão, sem saber o que dizer.
— Alana?
Levantamos a cabeça e Peyton está ali.
— Vamos embora!
Ela nos encara com censura.
— O que está acontecendo aqui? Estavam brigando?
— Não é da sua conta, Peyton. E eu não vou embora.
— Vamos sim. Papai e mamãe já foram e levaram Albie que estava
sonolento. Jaxon está nos esperando. Tem cinco minutos!
Ela sai do camarim.
Eu encaro Dimitri, sem querer deixá-lo.
— Vai.
— Não acho que deva ficar sozinho.
— Tudo o que eu quero agora é ficar sozinho — ele resmunga e isso
me deixa triste.
Dimitri está claramente me dispensando, mas não posso ser carente
e exigir nada dele neste momento.
Cada um tem uma maneira de lidar com seus problemas.
Eu me levanto. Troco de roupa rapidamente. Dimitri faz o mesmo e
quando terminamos e pegamos nossas mochilas, eu o encaro.
— Você me fez prometer que toda vez que eu não conseguisse
manter o controle era pra te ligar que você viria até mim. Eu te digo o
mesmo.

Quando entro no carro do Jaxon, ele e Peyton estão irritados


comigo.
— Por que demorou tanto? Sabia que iríamos te esperar, acha que
não temos o que fazer? Jaxon tem um compromisso...
Eu rolo os olhos.
— Que compromisso, Jaxon? Com a estagiária?
— Estagiária? Que estagiaria? — Peyton indaga confusa.
— Não sei do que ela está falando. Como sempre está desviando a
atenção dela. Alana não tem a menor consideração com vocês, que saíram
de casa para ver a apresentação medíocre dela.
Eu respiro fundo para não mandá-lo se foder.
— Sim, foi uma merda de apresentação. Devo dizer que vocês têm
química, pelo menos. Só que você caiu, foi péssimo. Mas pelo menos a
Kiara deu um vexame também, você viu? — Peyton riu com maldade. Em
outros tempos eu teria rido junto, mas hoje só sinto nojo.
— Ela não estava bem, não é motivo para você rir.
— Nossa, que isso? Defendendo aquela piranha? Deveria ficar feliz
com o fracasso da Kiara!
— Por quê? O fracasso dela não significa que eu vou ter sucesso! —
desabafo o que eu sempre soube, mas não queria admitir.
— Isso é verdade. Enfim, vamos chegar em casa e ter uma conversa
séria sobre isso de qualquer maneira.
Ah não.
Lá vem.
Será que se eu pular do carro em movimento me machuco muito?
Quando chegamos em casa, meus pais estão lá reunidos na sala e eu
me junto a eles, com Jaxon e Peyton.
Há uma vibe estranha no ar e sinto certo medo, sem saber por quê.
Talvez toda a situação com Dimitri tenha me deixado sensível,
porque já estou acostumada com minha família se reunindo para me
detonar. Não acho que vá ser diferente hoje, mas me lembro que agora eles
sabem.
Ah merda.
Eu me sinto apreensiva.
— Cadê o Albie? — pergunto do meu sobrinho.
— Está dormindo — mamãe responde.
— Ótimo, vamos ter uma conversa séria aqui. — Peyton começa.
— Se é sobre...
— Sim, sobre você ser uma merda de bulímica! — ela despeja com
censura. E eu me encolho.
— Eu não sou...
— É sim, e sabe bem! É uma menininha perturbada e fraca! Sabe o
perigo que é fazer isso? Acha que ia te ajudar em alguma coisa?
— Você não pode me julgar! Não sabe de nada...
— Eu sei sim. Esquece que sou sua irmã, e também já estive no seu
lugar e nunca fui fraca o suficiente para fazer este tipo de coisa! É difícil
manter o corpo perfeito? Claro que é! Mas eu consegui, por que não
consegue sem ter que enfiar o maldito dedo na garganta? Precisa comer
aquele monte de doce como uma perturbada louca...
— Chega! — grito, colocando a mão nos ouvidos.
— Você precisa ouvir sua irmã — minha mãe diz firme. — Não seja
infantil. Ela tem razão. Estamos todos arrasados por descobrir seu distúrbio.
Não te criamos pra isso!
— E estamos preocupados com você — meu pai continua.
Eu solto uma risada irônica.
— Preocupados comigo? Eu duvido...
— Ei, para de falar assim! — Peyton me repreende. — Tudo o que
nossos pais fazem é para o seu bem. O que eu faço é para seu bem e você é
ingrata! Mas já chega. Nós conversamos e chegamos a uma decisão.
— Que decisão?
— Não vai patinar mais. Sua carreira será encerrada.
— O quê?
— Sim, é o melhor a fazer — minha mãe diz com pesar. — Na
verdade, agora acho que nem deveríamos ter incentivado, mas por causa da
Peyton...
— Eu não sou a Petyon!
— Claro que não é. — Jaxon ri com deboche.
— Cala a sua boca! — sibilo.
— Alana, chega de ser agressiva. Sabe que temos razão. Nunca teve
o sucesso que eu tive, já tem 23 anos, e agora ainda perdeu seu parceiro
porque só se mete em encrenca para complicar mais a situação. A gente tem
feito de tudo por você, para ter um bom treino, bons figurinos...
— Eu sempre fico com as suas sobras, isso sim.
— Para de ser ridícula! Eu nem patino há cinco anos.
— Mas sempre foi assim antes!
— Porque a Peyton era talentosa... — meu pai pondera.
— E eu não sou?
Eles trocam um olhar.
Ah meu Deus.
Sinto o ar fugir dos meus pulmões. Raiva e dor se misturam dentro
de mim.
— Vocês não acham que eu tenho talento, não é?
— Não é bem assim... — Meu pai começa.
— Mas a Petyon era uma estrela, você sabe disso — mamãe afirma.
— E você queria ser como ela.
— Nunca acreditaram em mim...
— Claro que acreditamos! Acreditamos e incentivamos porque
achamos que seria como Peyton, que nos daria orgulho...
— E por que não tem orgulho de mim? — grito. — Por que são
incapazes de ver meu esforço?
— Porque não adianta nada! — Peyton grita. — Nunca vai ser boa
como eu. Tem que aceitar, Alana, nós já aceitamos e por isso decidimos que
já chega. Não vamos mais investir em você. Nunca teve patrocinadores
realmente bons e gastamos muito dinheiro com você, pra nada! Acabou.
— Não, não podem fazer isso...
— Por que quer insistir? Sabe que no fundo, não vai adiantar nada!
Nunca teve um ouro! Acha que pode ganhar uma Olimpíada?
— Mas eu estou com o Dimitri e ele quer continuar comigo.
Peyton ri.
— Dimitri? O Andrey jamais vai deixar você com o filho dele.
Dimitri é um idiota, mas é bom.
— E eu não sou?
— Quer que eu diga com todas as letras?
Eu me encolho.
— Alana, pare de ser teimosa — Jaxon se intromete. — Sabe que
não é tão boa quanto a Peyton. Sua família tem razão, o melhor a fazer é
desistir dessa carreira que nunca foi pra você...
Eu me viro, a fúria de repente me dominando.
— Por que não cala essa sua maldita boca estúpida? Seu traidor?
— Alana... — Ele me lança um olhar de aviso.
— O quê? Não contou pra Peyton que trai ela com a tal estagiária?
— Cala a boca!
— O que está falando? — Peyton se coloca entre nós.
— Que eu vi seu marido com a amante adolescente dele na pista de
patinação um dia desses e só não te contei que ele come uma estagiária
bonitinha porque me ameaçou!
— Alana, pelo amor de Deus, o que está dizendo? — Minha mãe se
aproxima horrorizada. — Por que está atacando Jaxon com essas mentiras?
— Não é mentira!
Jaxon ri.
— Claro que é! Está louca, e quer tirar o foco de você. Não adianta
nada, todos sabem a perturbada que é...
— Seu... filho do puta! — Começo a tremer. — Escroto miserável...
Você sabe que estou falando a verdade, está tendo um caso! Está traindo
Peyton fodendo uma estagiária de 19 anos, e quer me fazer passar por
mentirosa? Vai se foder!
O tapa que me atinge me faz cair pra trás em cima do sofá.
Eu abro os olhos, atordoada, e Peyton está pairando sobre mim.
— Sua... vadiazinha mentirosa! — Ela vem pra cima de mim com
tapas e ergo os braços, para me defender.
Meu pai a tira de cima de mim.
Jaxon está de lado com o rosto enfurecido.
— Diz pra ela que eu não menti! Você sabe que não menti — grito.
— Precisa de tratamento, Alana!
Ai meu Deus...
Começo a chorar, os soluços rompendo meu peito.
— Como pode inventar uma mentira dessas do Jaxon? — Mamãe
me encara com censura.
Peyton também está chorando.
— Ela me odeia!
— Sim, ela tem inveja de você — Jaxon endossa.
Eu encaro aquelas pessoas que estão me encarando com raiva.
Minha família.
E me dou conta que me sinto ameaçada por eles.
Desamparada à mercê deles.
Devia ser assim? Eles não deveriam me amar?
— Por que me odeiam tanto? — sussurro.
— Ah, me poupe vai dar uma de vítima? — Peyton esbraveja.
— Jaxon tem razão, eu tenho inveja de você, mas agora eu nem sei
por quê. Você é horrível Peyton. Uma pessoa horrível e eu sempre quis ser
como você. E acho que se não consegui ser como patinadora me tornei
como você como gente. Me tornei horrível e todo mundo me odeia e achei
que não me importava porque se dentro da minha casa, todo mundo me
odeia do mesmo jeito, qual o problema? Talvez eu seja o problema? Eu só
queria que me amassem. Que sentissem orgulho de mim. Mas nada do que
eu faça, presta. Eu patinei com afinco, segui os passos da Peyton porque
queria o mesmo amor. Só isso, mas vocês são incapazes de amar...
De repente alguém bate na porta.
— Alana, levanta daí e recomponha-se — minha mãe pede muito
séria.
Jaxon está abraçando Peyton que chora baixinho.
Meu pai parece cansado, enquanto vai abrir a porta.
Eu me mexo com dificuldade. Meu rosto está doendo e acho que
Peyton me machucou de verdade.
— Alana está aqui?
Eu me surpreendo ao ouvir a voz do Dimitri e me levanto, indo até a
porta.
— Dimitri? O que faz aqui?
Ele me encara e então seu rosto se transfigura.
— Porra, está machucada?
Ele se aproxima em poucas passadas e toca meu rosto. Seu olhar
escurece quando ele entende.
— Quem fez isso com você?
Eu quero negar. Quero dizer que ninguém fez nada.
Mas fizeram.
Fizeram a vida inteira e estou tão cansada.
— Peyton — sussurro.
Dimitri ergue o olhar além de mim, furioso.
— Você bateu na Alana?
— Não se intrometa! Não é da sua conta — Peyton grita.
— É da minha conta sim, sua filha da puta! Não é a primeira vez
que bate na Alana, não é?
— Ei rapaz, melhor ir embora… — Jaxon se aproxima, tentando
soar ameaçador.
— Eu vou sim — Dimitri confirma, mas segura minha mão.
— Você vem comigo. Não vai ficar aqui com esses escrotos.
— Alana não vai a lugar nenhum… — Jaxon me puxa.
— Ei, tira a mão dela, seu...
Dimitri o empurra.
Estou paralisada meio em choque.
— Alana, manda este cara embora — Peyton exige. — Estamos
resolvendo um assunto de família...
— Eu não quero que ele vá.
— Que merda é essa? Vai mesmo confiar nesse babaca? Minha
nossa, espera... está transando com ele? Você ficou louca? Está apaixonada
por Dimitri de novo?
— De novo? — Dimitri indaga confuso.
— Não sabia? Essa idiota era apaixonada por você quando tinha 13
anos, choramingava pelos cantos por você não a notar! Tinha até uma pasta
cheia de fotos suas, como uma fã ridícula! Chorou uma semana inteira
quando seu pai a dispensou! E tenho certeza que estragou tudo com você
por estar tão apaixonada que não conseguia nem ser profissional.
— Peyton, cala a boca! — eu grito. — Não tinha o direito...
— Alana? É verdade? — Dimitri indaga chocado.
Eu não consigo responder. Passo por ele e subo as escadas, indo me
refugiar no meu quarto.
Peyton não tinha nada que contar a Dimitri, minha maior vergonha.
O quão apaixonada eu era por ele há dez anos. A ponto de ter
colocado tudo a perder na nossa parceria porque nem conseguia encará-lo
direito.
E Dimitri não estava nem aí pra mim.
Ele ria de mim.
Continuou rindo por anos a fio. E eu transformei minha paixão boba
em ódio e rancor.
De repente a porta se abre e Dimitri entra, eu desvio o olhar, me
encolhendo na cama.
— Sai daqui, Dimitri, melhor ir embora mesmo.
— Eu falei que não ia a lugar nenhum sem você.
— O que está fazendo aqui? Não tem as próprias merdas pra
resolver?
— Eu não consegui encarar meu pai. Não posso... Entrei no carro e
fiquei rodando e decidi que não queria ficar sozinho. Mas que merda estava
rolando aqui?
— Minha família quer que eu pare de patinar.
— O quê? Por quê?
— Eles acham que sou um fracasso.
— Você não é.
— Eu acho que sou.
— Eu acho que não. E eles não têm o direito de decidir nada por
você.
— Eu não sei o que fazer.
Ele estende a mão.
— Vem comigo.
— Pra onde?
— Não sei. Mas se ficar aqui, não vai conseguir mais sair.
Eu hesito por um instante, mas seguro sua mão.
Dimitri me puxa e me abraça. Eu me deixo ir, afundando em seu
peito.
— Peyton falou sério?
— Não — minto.
Ele ri.
— Eu era um idiota, Alana. Nem sei se dá pra pedir desculpas.
— Não tem que pedir. Eu era uma idiota também. Não tem mais
importância.
— Tem sim, e você sabe, mas... Merda.
Escutamos um barulho lá embaixo e acho que é Jaxon e Peyton
discutindo.
— Temos que sair daqui.
— O que aconteceu?
— Eu soquei seu cunhado quando ele tentou me impedir de subir
aqui e confirmei que também o vi com a amante, acho que agora sua irmã
está começando a acreditar.
— Dimitri, para onde vamos?
— Não interessa. Mas vamos juntos.
Capítulo 20
Dimitri

— Não sei se consigo fazer isso... — Alana hesita e vejo medo em


seu olhar.
Inferno, como pode ela ainda querer ficar com aquela família
horrível?
— Não consegue ou não quer?
— Eles já me odeiam, se eu for...
— Não deveria ficar num lugar em que te odeiam.
— E onde eles não me odeiam?
— Comigo.
Não preciso de um segundo pedido para Alana pegar sua mochila, a
mesma que ela usa com o material de patinação e jogar algumas roupas
dentro. Ela começa a chorar em silêncio, mas enxuga o rosto com o torço da
mão e me encara com determinação.
— Vamos dar o fora daqui.
Seguro sua mão e a puxo escada abaixo.
A família está em outro cômodo, mas assim que abrimos a porta e
saímos escuto alguém chamar o nome da Alana, acho que é Peyton.
Continuo a puxando até que chegamos ao carro.
— Entra aí!
Alana olha para trás e Peyton está na porta.
— Alana, volte — Peyton pede.
Alana hesita por um momento, mas eu abro a porta e a faço entrar.
Ela chora como uma criança sendo obrigada a deixar o único lar
seguro que conhece para trás.
Mas Alana precisa perceber que não está segura num lugar em que
não a respeitam.
Entro no carro e dou partida. Dirijo pelas ruas do bairro da Alana até
estacionar em uma rua qualquer quando algo me ocorre.
— Alana, não quero te levar a lugar nenhum obrigada. Você quer
voltar? Está com medo de estar comigo.
— Não! Para de ser ridículo — ela acusa. — Por que eu teria medo
de você?
— Sabe por quê.
— Você não é seu pai, Dimitri. Pode ser um babaca, mas não me
sinto ameaçada por você. Só... é minha família e agora me dou conta de que
é difícil deixar o único lugar que chamei de lar na vida.
— Eles te maltratam, Alana. Eles te agrediram. Física e
psicologicamente. Não precisa ficar lá.
— E vou pra onde? Eu não tenho ninguém, Dimitri.
— Tem a mim.
— Não sei se isso diz muita coisa neste momento — debocha.
Eu começo a rir, porque isso é tão Alana Percy que chega a ser
ridículo.
— Eu sei. Não quero voltar pra casa, não quero encarar meu pai que
acabei de descobrir que fez algo horrível. Eu também não tenho ninguém e
muito menos para onde ir.
— E sua mãe?
Eu respiro fundo, sem saber o que dizer.
— Faz meses que não vejo minha mãe. Nós não somos próximos.
Depois que ela foi embora de casa, mais de um ano depois, quando pediu o
divórcio, ficou estabelecido que meu pai teria minha guarda, mas que eu a
veria de 15 em 15 dias. Eu me recusei a vê-la, batia o pé e me escondia
quando meu pai pedia que eu me arrumasse para ir ficar com a minha mãe.
Eu era um menino rancoroso que não aceitava que ela tinha me deixado.
Não me interessava tê-la apenas de vez em quando. No fundo, eu tinha
medo de amá-la como tinha amado antes, porque não confiava nela. E se ela
sumisse de vez de novo?
“Muitas vezes, meu pai não conseguia me convencer a ir e minhas
visitas foram rareando. Ela era carinhosa comigo quando nos víamos,
tentava se aproximar, mas eu era agressivo e esquivo com sua aproximação,
até que ela parou de tentar. Quando comecei a crescer, meu pai parou de me
obrigar, ou minha mãe não se importou de me ver apenas raramente. Na
última vez que nos vimos ela estava com um namorado novo e foi ver uma
apresentação minha. Veio falar comigo depois, disse que estava orgulhosa,
pediu para que jantássemos juntos. Eu me recusei. Ela sorriu conformada e
concordou que não podia me forçar a nada, mas disse que, se eu quisesse,
poderia visitá-la.”
— Talvez devesse fazer isso agora — Alana sugere.
— E no que ela poderia me ajudar?
— Ela ainda é sua mãe. Talvez tenha alguma resposta, não sei.
Na minha mente, eu pensei que jamais este dia chegaria. Agora eu
me pego pensando que gostaria de falar com minha mãe.
Eu ligo o carro e dirijo sem falar nada até que esteja em frente à casa
dela.
— Onde estamos? — Alana indaga.
Pelo menos ela parece mais calma agora.
— Minha mãe mora aqui.
— Quer falar com ela sozinho?
— Não. Vem comigo.
Saímos do carro e caminhamos até a entrada da casa enquanto a
tarde fria cai lentamente, começando a nevar.
— Ah não. — Alana faz uma careta.
— O que foi?
— Devo estar horrível, sua mãe vai pensar o quê?
Antes que eu responda que este tipo de preocupação é ridícula,
minha mãe abre a porta.
Seus olhos se arregalam de surpresa.
— Dimitri?
— Oi, mãe.
— Minha nossa, não esperava... — Ela olha de mim para Alana. —
Oh... Olá, é Alana Percy, não é?
— A senhora me conhece? — Alana se surpreende assim como eu.
— Sim, não é a parceira do Dimitri?
— É, provisória...
— Alana é minha parceira sim — eu a interrompo —, mas não sabia
que estava a par de quem era minha parceira.
— Eu estive na apresentação de vocês hoje. Foi muito bonito, apesar
do tombo, mas sei que isso acontece o tempo todo na patinação.
Desta vez meu queixo cai.
— Parece chocado. — Ela sorri.
— Não fazia ideia de que tinha ido hoje...
— Eu vou em várias apresentações, Dimitri. Só não falo com você,
porque não parece muito a fim de falar comigo. — Ela sorri para Alana. —
E imagino que saiba quem sou, mas me apresentando, eu sou Adeline, a
mãe do Dimitri. Estou feliz de poder conhecê-la, Alana. Mas, por favor,
entrem, está nevando, vão congelar.
Eu seguro a mão da Alana e seguimos pra dentro.
Tiramos os casacos e penduramos no hall.
— Venham até a sala — ela nos chama animada e segue na frente.
Eu e Alana seguimos e me sinto um pouco sem graça de estar ali,
depois de tanto tempo.
— Sentem. — Ela sorri. — A que devo a visita?
Alana morde os lábios, me encarando e de repente eu não sei o que
dizer.
Minha mãe percebe um clima estranho.
— Bem, que tal um chocolate quente? Dimitri adorava quando era
pequeno, lembra?
— Não — respondo seco.
O sorriso dela congela um pouco.
— É, não deve lembrar, mas vou fazer mesmo assim.
Ela se levanta e se afasta para a cozinha.
— Isso foi meio duro — Alana diz.
Não tem crítica na sua voz, mas certo pesar.
— Sua mãe parece ser legal. Ela sempre foi assim?
— Ela era... diferente das outras mães. Era carinhosa comigo em
alguns dias, feliz, sorridente, mas em outros, ficava triste a ponto de chorar
até dormir, ou nem sair da cama, muitas vezes ficava brava com meu pai e
gritava com ele...
— Então não tinham um casamento feliz.
— Eu era pequeno, não entendia nada. Por volta dos seis anos, ela
deu no pé. Eu fiquei... arrasado. Nunca a perdoei.
— Ela deve ter tido os motivos dela, você... acha que ela
sabia? Sobre seu pai?
Sinto como se tivessem me esmurrado no estômago.
Minha mãe sabia?
De repente eu me levanto e vou até a cozinha.
Ela está servindo as xícaras e levanta o olhar pra mim.
— Dimitri?
— Sabia que meu pai é um estuprador?
— O quê?
Ela coloca a chaleira na mesa com cuidado e percebo que sua mão
está tremendo.
— Eu descobri hoje que meu pai violentou Kiara, minha parceira, há
cinco anos. Ela só tinha 17.
Quando começo a falar eu não paro, despejo tudo o que descobri e
estou tremendo quando termino, como se estivesse descobrindo de novo.
— Minha nossa, Dimitri. Isso é horrível. Sinto muito. Oh Deus,
sinto muito.
— Por favor, você sabia? — eu insisto.
— Sobre Kiara? Claro que não. Mas... houve indícios.
— Porra, não!
— Ele tinha casos, claro que deve saber.
— Não, eu não sabia.
E agora me sinto um idiota.
Óbvio que um homem como meu pai deveria se sentir arrogante o
suficiente para trair a esposa sem ver problema algum.
Minha mãe não deveria brigar com ele à toa.
— Ele me traía muito. Mas era cuidadoso, quase meticuloso e
quando eu chegava a desconfiar, ele negava e fazia com que eu me sentisse
como louca. Isso foi me adoecendo... Eu fiquei com depressão, Dimitri, mas
demorei a perceber e buscar ajuda.
— Por isso foi embora?
— Sim. Eu sei que nunca me perdoou, mas chegou um ponto que
precisei optar por minha saúde mental.
— Me deixou para trás...
— Eu sinto muito, mas não tinha condições de cuidar de você,
sendo que nem de mim eu cuidava! Lembra que era você que cuidava de
mim? Não podia colocar aquele fardo nas costas de um menino de seis
anos. Mas lamentei muito quando consegui me estabilizar e pedir o divórcio
e você nem queria mais ficar comigo.
— Eu não te perdoei por me deixar.
— Eu sei. E percebi que não podia te forçar. Toda escolha traz
consequências. Me escolher me fez perder você. Se eu tivesse te escolhido,
eu tinha me perdido. E no fim, você tinha seu pai. Ele era um homem frio,
exigente e que colocava a carreira acima de tudo, mas era um pai decente.
Eu sabia que ele cuidaria de você porque queria que tivesse sucesso. Isso
era importante para Andrey e ele percebeu que tinha talento.
— Eu não sei mais se ele foi tão bom pai assim. Eu acreditei que ele
era perfeito...
— Ninguém é perfeito. Eu não sou. Você não é. E muito menos
Andrey.
— O que ele fez está longe de ser uma situação de apenas classificar
como um erro qualquer...
— Eu sei.
— Você disse que ele tinha casos, mas isso é diferente de abusar...
— Eu tinha uma amiga que um dia o acusou de tentar agarrá-la.
Ainda éramos namorados, mas ele negou. Disse que estava bêbado, não
lembrava. E outra vez, uma garota que ele treinava o acusou de forçá-la a
fazer sexo com ele.
— Meu Deus...
— Seu pai negou. O comitê acobertou tudo, claro. A menina foi
desacreditada. Isso faz muito tempo, ainda estávamos juntos. Eu acreditava
no seu pai... Agora, me contando essa monstruosidade que ele fez com a
moça... Minha nossa. Eu nem sei o que dizer, o que está passando...
— Eu me sinto horrível. Me sinto... enganado. Parece que do nada
estou vivendo em outro mundo. — Eu sinto o nó fechar em minha garganta
e de repente, ela esta na minha frente e toca meu rosto.
E não sei quem dá o primeiro passo, mas no instante seguinte, estou
nos braços da minha mãe, chorando como uma criança que em muitos
aspectos ainda sou.
— Mãe...
— Ah meu querido, esperei tanto por esse dia. O dia em que voltaria
pra mim.

Não sei quanto tempo ficamos abraçados. Até que ela me solta e diz
que devo ver onde está Alana.
Eu volto para a sala e Alana está adormecida no sofá.
— Ah pobrezinha. Ela parece cansada.
— Ela brigou com a família.
Eu conto à minha mãe um resumo da situação de Alana.
— Podem ficar aqui, o quanto quiserem.
— Obrigado.
— Leve-a para o quarto e deixe descansar.
Eu pego Alana no colo e faço o que minha mãe pediu.
Ela deve estar mesmo exausta porque não acordou. Eu a cubro me
perguntando o que será de nós agora.
Mas de uma coisa é certa. Não vou largar a mão da Alana.
Ela é cheia de problemas, mas se ela permitir, eu vou assumir
aqueles problemas como meus.

Quando eu desço, escuto vozes na porta como uma discussão.


Quem está ali com a minha mãe.
Avanço pelo hall e paro ao ver que quem está na porta é meu pai.
— Dimitri, o que diabos está fazendo aqui? Vamos para casa!
Eu não penso no que estou fazendo quando me precipito e é a dor
que projeta meus punhos e dou um soco no meu pai.
Andrey se desequilibra, mas não cai.
Ele nunca cai.
E se apruma em segundos me encarando aturdido.
— Dimitri, pare! — Escuto a voz assustada da minha mãe, quando
ela toca meu ombro.
— Seu filho da puta!
— O que está acontecendo, Dimitri?
— Você violentou Kiara.
Andrey empalidece e por alguns segundos sua máscara cai e vejo
medo em seu olhar.
— Do que está falando? — A frieza volta a sua voz assim como a
sua expressão.
— Kiara me contou hoje. Eu não sei nem por onde começar a dizer
o quão estou enojado agora de ser seu filho.
— Não sei o que Kiara inventou, mas isso nunca aconteceu...
— Não adianta mentir. Eu vi agora em seu olhar a verdade, mas
tudo bem, continue vivendo sua vida de mentira como o grande e inabalável
Andrey Ivanov. Mas esqueça que eu existo. Eu não sou mais seu filho.
Fecho a porta e me encosto nela tremendo.
Minha mãe me abraça.
— Sinto muito. Vai ficar tudo bem. Vai ficar tudo bem...
Eu não sei como isso pode ser possível.
Mas tenho que acreditar que sim.
Eu preciso seguir em frente, apesar dos erros do meu pai.
Alana

Acordo com a sensação esquisita de não reconhecer onde estou.


— Ei! — Dimitri se move ao meu lado e eu abro os olhos, aturdida.
— Dimitri? Eu dormi?
Ele ri, tirando meus sapatos e eu consigo olhar em volta. Estamos
em um quarto elegante.
— Acho que demorei demais no papo com a minha mãe, quando
cheguei à sala estava desmaiada no sofá.
— Ah droga, e o que estamos fazendo aqui?
Dimitri se deita ao meu lado.
— Ela sugeriu que dormíssemos aqui. Tudo bem?
— Bem, sim. Nós estamos meio sem teto agora.
Dimitri ri.
E eu o estudo. Ele parece um pouco mais leve.
— O que aconteceu?
— Acho que finalmente consegui ter uma conversa decente com a
minha mãe. Toda essa merda do meu pai pelo menos serviu para podermos
dizer algumas verdades um ao outro. E... meu pai esteve aqui.
— O que aconteceu? — Eu me assusto.
— Eu lhe dei um soco. Não tenho orgulho disso.
— Pela primeira vez não lamento seu lado agressivo. Ele mereceu.
— E ele negou tudo, mas vi nos olhos dele a verdade.
— E agora?
— Eu lhe disse que tenho nojo de ser seu filho e acho que acabou.
Não temos mais por que ter nenhum relacionamento. Não quero mais ter
nada a ver com ele.
— Isso vai ser difícil.
— Mas vou ter que sobreviver.
— E sua mãe?
— Acho que estamos nos entendendo finalmente.
— Isso é bom, não é?
— Sim, é. É quase como uma luz no fim do túnel. Sinto como se
nem tudo estivesse perdido. Eu ainda tenho minha mãe, embora eu tenha
sido um filho terrível.
— Ela foi uma mãe terrível te deixando!
— Ela teve os motivos dela, como disse. Meu pai era um péssimo
marido e... houve indícios de que ele já abusou de outras mulheres antes.
Dimitri está arrasado em dizer isso e mais do que nunca eu percebo
que odeio Andrey Ivanov.
— Deve ser horrível saber disso tudo.
— Sim... E só falar disso ainda machuca pra cacete. É meu pai, e
tudo o que eu sabia sobre ele... é uma mentira.
— Parece que somos dois azarados com família horrível. — Tento
fazer piada da merda em que estamos.
E no meu caso, diferente do Dimitri, no fundo, eu sempre soube que
meus pais eram péssimos.
Eles elegeram Peyton a filha querida e pra mim não sobrou
praticamente nada, a não ser cobrança e agressão.
Pensar na briga com meus pais, com Peyton e tudo que aconteceu
me deixa muito mal ainda. A dor querendo voltar a se alastrar por meu
peito.
— Como você está? — Acho que Dimitri percebe como me sinto.
Eu dou de ombros.
— Horrível. Perdida.
— Eu me sinto do mesmo jeito, mas pelo menos podemos chafurdar
na merda juntos.
Eu levanto a sobrancelha.
— Estamos juntos?
— Se você quiser.
— E o que você quer?
Eu não quero estar com meu coração bobo ansiando
desesperadamente pela resposta, mas Peyton tem razão.
Eu fui idiota e me apaixonei por Dimitri de novo.
E desta vez é pior porque não tenho mais 13 anos. Minha paixão por
Dimitri naquela época era quase boba, cheia de uma adoração inocente do
primeiro amor.
Agora eu o desejo como uma mulher.
— Eu quero que pense bem se você quer embarcar nessa comigo —
ele diz por fim. — Eu sou uma bomba-relógio, Alana. Eu não sei o que é,
mas minha mãe conseguiu me convencer a pedir ajuda. E eu vou tentar,
porque não quero nunca chegar a ser o que meu pai é.
— Você não vai ser.
— Como sabe?
— Porque seu coração é bom. Você se importa com as pessoas,
Dimitri. Inferno, você se importou até comigo, que nem mereço.
— Você merece sim. É uma gnominho irritante, mas merece tudo,
Alana. Só precisa aprender a buscar o melhor, a se sentir merecedora do
melhor e vai ter. Olha só, tem até a mim, um dos melhores do mundo.
— Ah fala sério, que babaca narcisista! Você nem tem onde cair
morto agora! Mas pelo menos a casa da sua mãe é linda. Ela vai deixar a
gente ficar aqui?
— Minha mãe mora nessa casa bonita e elegante por causa do
divórcio. Ela ficou com uma boa grana quando se divorciou do meu pai.
— Deve ter sido uma grana boa mesmo...
— O meu avô era um inglês cheio da grana, meu pai herdou boa
parte dela. Outra parte eu herdei quando fiz 25 anos.
— O quê? Você é um herdeiro?
— Eu não te disse?
Meu queixo cai.
— Sério? Eu achei que iríamos morar na rua, ou algo assim.
Dimitri joga a cabeça para trás rindo com vontade e é tão bom vê-lo
rir daquele jeito.
— Não vamos, Alana. Na verdade, podemos ficar aqui até que eu
arranje um apartamento para nós.
— Mas... não posso viver as suas custas! Ah merda, eu nem tenho
pra onde ir, meus pais me sustentam, não tenho patrocínios incríveis como
você...
— Ei, você é minha parceira e estamos juntos agora.
— Está falando sério sobre ficarmos juntos? Porque não vou
suportar que brinque comigo, Dimitri. Não quero passar mais dez anos te
odiando...
— Estou falando sério sim, embora eu vá entender se não quiser...
Eu me inclino e o beijo.
No instante seguinte, Dimitri está me inclinando sobre a cama, o
beijo tornando-se intenso e me fazendo derreter.
É um beijo diferente.
Tem tesão, mas também tem promessas que talvez não estejamos
prontos pra fazer ainda com todas as letras.
Mas eu quero fazer.
Quero que Dimitri faça também.
Quero tudo o que ele disse que eu mereço.
Mesmo ainda com dificuldade de entender que isso aqui, Dimitri em
volta de mim, seja de verdade.
Ele para de me beijar e me encara ofegante e lindo.
Eu me perco na intensidade dos seus olhos claros.
E sinto agora em tempo real o que ele disse pra mim um dia.
Ele está me vendo. Está realmente me vendo. E eu me sinto incrível.
— Você pode transar comigo agora?
— Tem certeza?
— Não vou implorar, Ivanov.
E eu o empurro e começo a tirar minhas roupas.
Dimitri faz o mesmo com as roupas dele.
— Diz que tem um preservativo, pelo amor de Deus.
Ele tira um do bolso e eu respiro aliviada, me deitando e o puxando
para cima de mim.
Para mim.
Dimitri mergulha o olhar no meu e eu o envolvo com meus braços,
com tudo o que eu tenho, que pode não ser quase nada agora, mas ainda
assim ofereço a ele.
Dimitri me penetra devagar, e beija minha têmpora com um carinho
que eu nem sabia que existia.
Estou quebrada. Dimitri também.
E eu nem sei o que será de nós dois a partir de agora.
Mas precisamos parar de lamentar pelo que foi quebrado e pensar no
que fazer com os pedaços.

Na noite seguinte, Dimitri me leva para patinar na pista montada


para o Natal.
Passamos o dia com a mãe dele que parecia contente em ter o filho
de volta, e arranjou para que fizéssemos atividades bobas de Natal, como
fazer biscoito e assistir filmes temáticos.
Acho que ela sentia que precisávamos nos distrair.
Amanhã é Natal e pra mim e Dimitri vai ser mesmo uma espécie de
renascimento.
— Por que estamos aqui mesmo? — questiono.
— Pra nos divertir, Percy — ele diz me fazendo deslizar para a
pista. — Para nos lembrarmos por que gostamos tanto de patinar.
Eu me sinto insegura de repente.
Eu gosto de patinar? Tudo o que eu sabia era que comecei a patinar
para ser como Peyton e agora isso parece ridículo.
E sinto que preciso descobrir quem eu sou e o que me motiva.
Ninguém pode decidir por mim.
Nem Dimitri.
Mas por enquanto eu sorrio e deslizo com ele ao som de músicas
natalinas rindo e fazendo desafio de saltos.
E por fim, Dimitri me leva para perto e me abraça.
— Quero que me prometa algo — ele diz de repente.
— O quê?
— Quero que me prometa que se eu a machucar você vai embora.
— Acho que nunca entendi, até agora, o conceito de quem se
apaixona tanto que se nega a desistir, mesmo com um monte de obstáculo
— sussurro e Dimitri parece demorar um pouco para entender a enormidade
do que estou dizendo.
— Acho que é cedo para você se comprometer com isso, Alana.
— Não importa. Eu só quero dizer. Quero que saiba que tem meu
coração e que ele é um coraçãozinho cinzento e peludo...
Dimitri ri.
— Mas é seu. Não vale muita coisa, você sabe, Alana Percy não é
uma mocinha dessas de livros românticos. Provavelmente você vai acordar
um dia e se dar conta que caiu numa armadilha porque tem que aguentar
uma gnomo insuportável.
— Tem razão. Mas vai ser tarde porque estaremos casados e com
três filhos e não vou querer me divorciar de você para não levar minha casa,
meu carro e meu dinheiro.
É a minha vez de rir.
— Eu quero esse futuro aí Dimitri, sem o divórcio, embora, com
duas pessoas como nós, seja difícil prever a catástrofe que pode acontecer.
— É a sua cara gostar de um cara tóxico como eu. Mas para sua
sorte, eu também gosto de você. Muito. Mas talvez seja você que vai
acordar um dia e ver que ferrou se apaixonando por mim.
— Eu já acho isso — debocho e ele me puxa para mais perto e me
beija, enquanto deslizando no gelo.
— Posso te fazer um pedido?
— Não vai me pedir em casamento, vai?
— Não, quero te pedir pra ser minha parceira. Pra sempre.
— Pra sempre é muito, Dimitri Ivanov — respondo suavemente,
com meu coração explodindo.
— Até que a gente ganhe um ouro olímpico.
— Está me prometendo um ouro? Eu vou cobrar!
— É uma promessa.
— Tão arrogante...
— E tem mais um pedido. Você vai procurar ajuda?
Eu mordo os lábios, incerta, mas sei que este não é mais o momento
de recuar e de fingir que nada está errado.
Está tudo errado, mas eu nunca desejei ser tão certo.
— Eu prometo. Só se prometer não soltar a minha mão porque estou
morrendo de medo.
— Não vou soltar, prometo. Se cair, Alana. Caímos juntos.
Epílogo
Dimitri

Andrey Ivanov cometeu suicídio dez meses depois que Kiara o


acusou publicamente.
A declaração ocorreu semanas antes das Olimpíadas e se
transformou em um grande escândalo. Foi um período escuro na minha
vida, já que as atenções negativas resvalaram em mim também.
E para piorar, com a coragem da Kiara, outras acusações surgiram e
meu pai foi processado judicialmente por seus crimes de abuso.
Eu nunca mais falei com ele, tirei minhas coisas de sua casa, fiz
minha própria declaração repudiando seu comportamento e segui em frente,
decidindo me manter nas Olimpíadas.
Eu e Alana patinamos juntos e conseguimos um honroso quinto
lugar e não a deixei cair, como prometi.
Nós fizemos um pacto de nos divertir, já que sabíamos que não
tínhamos chance de medalha.
E Alana se divertiu debochando de Lucia Argento, a patinadora
italiana com quem tive um rolo e confessei que foi minha melhor transa.
Isso porque Alana já tina ultrapassado Lucia há tempos.
E o que posso dizer? Alana é uma pessoa melhor em muitos
aspectos, mas ela nunca vai deixar de ter seu lado encrenqueira.
Os pais dela e Peyton a procuraram várias vezes e pediram para que
voltasse para casa, mas Alana se negou. Não sei se um dia Alana vai voltar
a falar com a família. Ela está em tratamento para seu distúrbio alimentar,
envolvendo psicoterapia, medicamentos e monitorização e teve grande
melhora. E ajudou também que, longe da família, a elevação da autoestima,
redução da ansiedade e dos episódios compulsivos, o controle da bulimia se
tornou efetivo.
Quanto a mim, fui diagnosticado com transtorno explosivo
intermitente (TEI). É uma condição psicológica que consiste em constantes
explosões de raiva e comportamentos agressivos e estou tratando na terapia
cognitivo comportamental.
A morte do meu pai foi um baque, mas serviu para que eu tomasse
coragem e procurasse Kiara e pedisse para conhecer Mackenzie, minha
irmã.
Kiara acabou de se casar com Nick de Santi, o homem que adotou
sua filha. A história de Kiara e Nick de Santi é cheia de nuances incríveis e
inesperadas, que começou quando ele adotou Mackenzie com sua esposa,
que faleceu há quase três anos e pediu que ele encontrasse a mãe biológica
da criança. Foi assim que ele conheceu Kiara, ainda sem revelar quem era e
eles se apaixonaram e assim Kiara resgatou sua filha perdida e a alegria de
viver.
Nossa conversa foi mais fácil do que eu acreditei, e acho que tomei
a decisão correta esperando todo este tempo.
Agora, Andrey não está mais aqui e não adianta continuarmos
mantendo velhos rancores.
Kiara está vivendo uma nova vida, esperando um novo bebê e só
deseja ser feliz.
Assim como eu e Alana. Continuamos treinando juntos e eu tenho
certeza de que conseguirei mais cedo do que imaginei o ouro que prometi a
ela.
Eu e Alana estamos morando juntos há quase um ano e ainda não
nos matamos.
E daqui a alguns dias, partiremos para passar alguns dias com Kiara
e Nick de Santi na casa dele em Whistler para o Natal, juntamente com
Chris e Tyler e onde finalmente poderei conhecer minha irmã.
E também tenho uma surpresa para minha gnomo insuportável e
espero que ela não diga não quando eu lhe der o anel que comprei e peça
para ser minha parceira da vida.

FIM
Agradecimentos

O primeiro agradecimento é sempre pra você, leitor. Obrigada por


ler este livro! Dimitri e Alana não são personagens fáceis, mas este tipo de
personagem costumam ser meus preferidos. Espero que tenha amado a
leitura como amei escrever e não esqueça de deixar uma avaliação! E se
gostou, indiquei Fogo e Gelo para que mais pessoas possam se emocionar!
Agradeço também minhas beta readears deste livro, Gllauce e Erika.
Os Igs parceiros pela inestimada ajuda com divulgação, minha capista
talentosa, Jessica, Sheila, minha revisora que sempre segura meus b.os.
E pretendo escrever mais um Spin Off, para contar a história de
Diana e Landon, mas ainda não tenho previsão! Fiquem de olho!

Grande abraço.
Ju

PS. A pré-venda do livro físico de Fogo e Gelo já está disponível no meu


site.
Sobre a autora
Juliana Dantas

Apaixonada por livros, séries e viagens, a paulista Juliana Dantas


envolveu-se com a escrita em 2006, escrevendo fanfics dos seus seriados e
livros preferidos. Estreou como autora independente na Amazon em 2016 e
hoje possui mais de 50 títulos na plataforma Kindle, além de livros
publicados pela Editora Harper Collins - selo Harlequin, DVS Editora e
Editora Pandorga. Em 2020, sua série Julie & Simon teve os direitos de
adaptação para produção audiovisual contratados pela produtora Lupi.
Com mais de 100 milhões de páginas lidas no Kindle, sua escrita
transita livremente entre dramas surpreendentes e romances leves e
divertidos. Seus títulos sempre passam pelo ranking de mais vendidos da
plataforma, além de já ter três deles na lista de mais vendidos da Veja.
E-books Publicados na Amazon:
O Leão de Wall Street
Vendetta
A Verdade Oculta
Segredos que Ferem
Linha da Vida
Longe do Paraíso
Espinhos no Paraíso
Juntos no Paraíso
Espera – Um Conto de O Leão de Wall Street
Cinzas do Passado
Trilogia Dark Paradise (Box)
A Outra Irmã
Segredos e Mentiras
Por um Sonho
O Highlander nas Sombras
Quando Você Chegou
O Segurança de Wall Street
Uma Noiva de Natal
Um Noivado nada Discreto
O Dia dos Namorados de Julie e Simon
As Infinitas Possibilidades do nunca
Box Romances Inesquecíveis
No Silêncio do Mar
O que Escolhemos Esquecer
Um Bebê Inesperado
Um Bebê de Natal (conto da série Julie & Simon)
Desafiando a Gravidade
O que Escolhemos Perdoar
A Irresistível Face da Mentira
Entre o Crime e a Nobreza Livro I
Entre o Crime e a Nobreza Livro II
A mãe do Ano ( conto da Série Julie & Simon)
Box Julie & Simon
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato II
Black – o Lado Escuro do Coração – Ato III
White – O que eu não te contei
Um Natal sem Julie (Um Conto de Julie e Simon)
Supernova – As Infinitas Possibilidades do nunca pelos Olhos de
Nathan
Inesquecível
Nosso Último Segredo
Liam
Box Wall Street
Corações de Gelo
Red – Mestre dos Desejos
Box Romances de Época Inesquecíveis
Se Arrependa de mim
Se Apaixone por mim
Volte para mim
Tudo por mim
Verão Cruel
Bastardo Grego
Casamento Grego
Herdeiros Gregos
Julie e Simon estão de volta (Leituras Rápidas)
Funeral Real ( Leituras Rápidas)
Desejo e Ilusão
Um namorado para o papai ( Leituras Rápidas)
Amor e Destino
Pedido de Natal ( Leituras Rápidas)
Fogo e Gelo

Livros físicos

A Verdade Oculta – Editora Pandorga


Segredos e Mentiras – Independente
Quando Você Chegou – Independente
Uma Noiva de Natal – Independente
Um Noivado nada Discreto – Independente
Um Bebê Inesperado – Independente
No Silêncio do Mar – Harper Collins – Harlequin
As Infinitas Possibilidades do nunca – Independente
A Irresistível Face da Mentira – DVS Editora
O Leão de Wall Street – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato I – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato II – Independente
Black – O Lado Escuro do Coração – Ato III – Independente
A Outra irmã – Independente
White – O que eu não te contei – Independente
O que Escolhemos Esquecer – Independente
Supernova – Independente
Inesquecível – Independente
Desafiando a Gravidade – Independente
Nosso Último Segredo – Independente
Vendetta – Independente
Longe do Paraíso – Independente
Espinhos no Paraíso – Independente
Juntos no Paraíso – Independente
Corações de Gelo – Independente
Segredos que Ferem – Independente
Se Arrependa de mim – Independente
Se Apaixone por mim – Independente
Volte para mim – Independente
Verão Cruel – Independente
Linha da Vida – Independente
Henry & Sophia – Independente
Cinzas do Passado
Fogo e Gelo

Audiobooks

Uma Noiva de Natal - Audible


Um Noivado nada Discreto - Audible
O que Escolhemos Esquecer - Audible
Box Vendetta - Audible
As Infinitas Possibilidades do nunca - Audible

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