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Luigi

Série irmãos Ferrari – Livro 3


Hevana Kosiak
Profissionais:
Consultoria Editorial
Mari Vieira
Preparação/Revisão
Elaine Lima
Diagramação
Grazi Fontes
Ilustração
Luciana Souza
Capa
Giovana Kosiak

Esta é uma obra de ficção.


Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida por qualquer forma
e/ou quaisquer meios existentes sem prévia autorização por escrito
da autora.
Os direitos morais foram assegurados.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei nº.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Versão Digital — 2024
Sinopse
Nota da autora
Dedicatória
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Epílogo
Agradecimentos
Leia também!
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Luigi é um herdeiro que abandonou o legado imobiliário da
família em busca do seu maior sonho: viver da música. Agora é o
vocalista da 4Legends, uma banda de rock que estava crescendo no
Brasil.
Kit é a melhor amiga de Luigi e baixista da 4Legends.
Transbordando talento até o último fio de cabelo rosa de sua
cabeça, é multi-instumentista, excelente desenhista e se aventura
fazendo tatuagens.
Após a 4Legend receber um convite inusitado, Luigi e sua
banda deixam o Brasil e embarcam para a meca da música: Los
Angeles. Porém, o que não esperavam era que essa jornada
colocaria à prova não apenas suas carreiras, mas também sua
amizade.
Enquanto lutam para realizar esse sonho, Luigi e Kit terão
que lidar com mais um desafio: sentimentos não resolvidos do
passado que ameaçam mudar tudo entre eles.
Prepare-se para uma jornada alucinante, repleta de paixão,
amizade, rock n’ roll e muitos segredos. Com o amor e a amizade
em jogo, será que Luigi e Kit conseguirão superar as mentiras que
podem separá-los para sempre?
Por favor, não pule essa parte!
Olá, minhas leitoras lindas! Sejam muito bem-vindas ao
último livro da série Irmãos Ferrari. Sei que muitas de vocês
estavam ansiosas por esse lançamento, no entanto, se esse for o
seu primeiro contato com os irmãos Ferrari, saiba que Luigi é
terceiro e último livro desta série.
O primeiro livro é Lorenzo, e conta a história do mais certinho
dos três irmãos Ferrari. Ou não. Tudo depende do ponto de vista. O
segundo livro é Lucca, e retrata a história do irmão gêmeo de
Lorenzo: um piloto bad boy que vai arrebatar o seu coração. O
terceiro e tão esperado livro é Luigi. Chegou a vez do caçulinha e
rockstar da família Ferrari mostrar a que veio e contar a sua história.
Não é necessário fazer a leitura dos dois livros anteriores a esse,
pois são histórias independentes. Porém, gostaria de alertar que
você poderá pegar alguns spoilers pelo caminho.
Luigi é um livro para maiores de 16 anos e contém gatilhos
em relação à agressão física e o uso de drogas lícitas e ilícitas.
Desde já, adianto que cenas de sexo explícito não são o foco da
obra, no entanto, aqui você encontrará um romance recheado de
drama com cenas muito sensuais, intensas e carregadas de
romantismo.
Vale lembrar que essa é uma obra de ficção, então alguns
detalhes foram dramatizados para fins de narrativa. Esse livro não
tem fins educativos e sim, única e exclusivamente de
entretenimento.
Os três livros estão disponíveis para leitura na Amazon e
Kindle Unlimited. Os livros físicos você encontra direto no site da
editora Cabana Vermelha.
Para ficar por dentro de todos os meus lançamentos, siga o
perfil @hevanakosiakescritora no Instagram e no TikTok. E se você
quiser conversar sobre os meus livros com outras leitoras, venha
fazer parte do meu grupo no WhatsApp. Trata-se de um seleto
grupo de mulheres incríveis e apaixonadas por boys literários que
irão te receber de braços abertos.
Agora que já disse tudo o que precisava, espero que vocês
aproveitem a leitura e que mergulhem de cabeça na vida de Luigi, o
vocalista e guitarrista gato, e de sua banda de rock: a 4Legends.
Bora ler?
Dedico esse livro para todos os meus leitores, mas principalmente
para aqueles que renegam os seus sentimentos por medo de se
machucar.
E eu desistiria da eternidade para te tocar
Porque sei que de alguma forma você me sente
Você é o mais próximo que estarei do paraíso
E eu não quero ir para casa agora
E tudo o que posso sentir é esse momento
E tudo que posso respirar é a sua vida
Quando cedo ou tarde isso acabar
Eu só não quero sentir sua falta esta noite

“Iris” – Goo Goo Dolls


Ouça a playlist de “Luigi” no Spotify. Basta abrir o aplicativo de
música, ir em buscar e apontar a câmera para o código abaixo:
Março, Los Angeles.
O que farei da minha vida sem aquela ratinha juvenil?
Corri os dedos pelos cabelos, andando de um lado para o
outro em meu escritório. Aquela filha da puta da Cindy Harper tinha
acabado de foder com tudo pelo que tanto me esforcei. Quem ela
achava que era para me roubar e depois me descartar assim desse
jeito?
Mas isso não vai ficar assim! Não mesmo!
Angustiado, servi uma dose de uísque e me sentei atrás da
minha mesa. Peguei o celular e comecei a procurar vídeos de
artistas promissores no You Tube. Havia muitos cantores ótimos,
mas não estava achando nenhum com potencial para ser a próxima
estrela mundial. Não bastava cantar bem, precisava ter presença de
palco, beleza, sexy appeal… enfim, uma boa voz não era garantia
de sucesso.
Eu estava ligado ao show bis há bastante tempo. Conhecia
cada bar de Los Angeles e já tinha ouvido todos os cantores da
região. Nada era bom o suficiente para me trazer o sucesso que eu
almejava. Sorvi um gole da bebida e comecei a assistir o vídeo de
uma cantora russa. A garota de longos cabelos negros e corpo
escultural tinha muitas visualizações e curtidas. Mas com certeza
não emplacaria. Eu precisava de algo mais rebelde, de algo mais
rock n’roll. Quem sabe uma boyband que arrancasse suspiros fosse
uma boa alternativa.
Enquanto pensava nisso, um vídeo me chamou a atenção e
parei para assistir. Pelo visto, tratava-se de uma banda cover, mas
que tocava muito bem. O vocalista descamisado tinha drive e
potência de voz. Era o estereótipo da beleza que levaria o público
jovem à loucura: olhos azuis, cabelos loiros quase na altura dos
ombros e músculos definidos. Ele usava calça jeans preta e
coturnos, mas não era desalinhado como os garotos da década de
1980. O guitarrista tinha porte físico avantajado e presença de
palco. Braços fortes e muito tatuado. A personificação da rebeldia. O
baterista com tranças rastafari também tinha muito charme e estilo.
Ora! Ora! Uma baixista.
Ergui as sobrancelhas surpreso, então peguei a carteira de
cigarro de cima da mesa e acendi um, depois soprei a fumaça,
analisando a garota de cabelos cor-de-rosa. Três caras e uma
garota numa banda de rock não era algo original, mas já fazia tempo
que não via uma formação assim, ainda mais com a garota sendo a
baixista.
Isso pode ser interessante. Esses moleques têm potencial.
Cliquei em mais informações, ampliando o sorriso,
empolgado, mas a minha alegria morreu no instante seguinte.
Merda! Banda estrangeira. Larguei o celular sobre a mesa, irritado.
Inspirei fundo e massageei o espaço entre os olhos, a fumaça do
cigarro preenchendo minhas narinas. Voltei a pegar o celular e
encarei a tela. Selecionei outro vídeo da mesma banda, torcendo
que nem fosse tudo aquilo. Seria mais fácil lidar com a frustração se
não fossem bons de verdade.
Mas, para a minha triste surpresa, o outro vídeo era ainda
melhor. E o próximo, ainda mais surpreendente. Devia ser um sinal.
Não poderia deixar passar. Precisava de mais informações. Bebi
outro gole de uísque, abri o Instagram e pesquisei por 4Legends. A
banda era a primeira no topo da listagem e tinha uma boa
quantidade de seguidores. Muito bom. A popularidade no país de
origem era um excelente indicador de aceitação.
Em meio às minhas análises, o telefone começou a tocar e
soltei um pesado suspiro ao ver a imagem do visor ser substituída
pelo nome de Jack “Dirty”.
— Fala, Jack! — atendi, forçando o meu tom a parecer firme,
mas no fundo, estava com o cu na mão.
— Então levou um pé na bunda… — A voz rouca de Jack
soou com sarcasmo do outro lado da linha. — Como pretende quitar
a sua dívida?
Estava muito fodido com o prejuízo que aquele mosquitinho
cor-de-rosa tinha me dado. Traguei e soprei a fumaça antes de
responder.
— Estou negociando um novo contrato — menti, tentando
ganhar tempo. A minha dívida crescia a cada dia.
— Não fode, cara. Você sabe que não sou paciente.
— Sei disso, Jack. Mas a verdade é que agora vou precisar
de um pouco mais de grana para emplacar meu novo artista. É uma
banda estrangeira com muito potencial.
— Mais grana? — Ele gargalhou com vontade. — Que
caralho, Will. Tá achando que faço caridade? — Voltou ao tom sério.
— Não tenho como colocar um novo artista no mercado sem
financiamento.
— O negócio é o seguinte: você me deve muito dinheiro, mas
tive um bom dia hoje e estou me sentindo generoso. Vou quebrar
seu galho, faremos assim: você me passa o documento do seu
carro de luxo como garantia e o dinheiro estará na sua conta em
seguida. Temos um acordo?
— M-mas. Você sabe que o carro é a minha ferramenta de
trabalho e que status é tudo no meu ramo.
— Vai se foder, Will. Você acha que estou preocupado com a
porra do seu status? Não tenho nada a ver com isso. É melhor rezar
para a sua aposta dar certo dessa vez. Porque o seu carro só paga
uma pequena parte da sua dívida, e sem um artista para você
extorquir, duvido que vá conseguir quitar os seus débitos comigo.
Suspirei outra vez, sabendo que não tinha muito para onde
correr. Era pegar ou largar.
— Fechado. Mas assim que eu pagar parte do que devo,
você me devolve o documento. Pode ser? — inquiri, mantendo o
tom firme.
— Você não tá em posição de negociar, cara. Só pague o que
deve e terá o seu carro de volta. — Jack desligou o telefone na
minha cara.
Voltei a encarar o celular e bebi mais um gole de uísque.
Estava imerso em pensamentos. Há dias eu buscava um artista que
pudesse substituir a traidora da Cindy Harper. Eu estava endividado
e sem ter um artista promissor agenciado, precisaria apostar no
escuro. Essa bandinha poderia ser a chave do meu sucesso. Tinha
que fazer de tudo para convencê-los a assinar um contrato comigo,
e como eram do Brasil, receber em dólar talvez fosse a melhor
cartada para atraí-los até Los Angeles.
Enviei uma mensagem para a banda, me apresentando como
empresário, produtor musical e agente da gravadora Rock Star. O
que não era bem uma mentira. Eu conhecia Trevor, o dono da
gravadora, há anos. Em geral, ele não negava os meus pedidos
para ouvir o material dos meus artistas, no entanto, nos últimos
tempos, vinha barrando a minha aproximação. Segundo a equipe
dele, Trevor não queria realizar novos contratos por enquanto. Mas
dessa vez, seria diferente.
Tenho certeza de que ele se arrependia de não ter me dado
ouvidos quando falei para ele sobre Cindy Harper. Na época, ele se
blindou e nem sequer quis saber dela. Agora, ela está com outro
agente musical e com contrato exclusivo com uma emissora de TV.
Trevor perdeu a oportunidade de assinar com Cindy, mas sei que
ele está de olho nela, pois sempre a chama para fazer parcerias
com a Rock Star.
Só que ele ter deixado essa passar fodeu com a minha vida.
Se Trevor tivesse feito um contrato com ela, eu teria um repasse de
generosos quinze por cento sobre tudo o que ela vendesse. Teria
quitado as minhas dívidas e estaria com a vida tranquila. Mas isso
não aconteceu. Para ele, Cindy seria só mais uma cantora pop,
mas, para mim, seria o meu ganha pão.
No entanto, nenhum desses pensamentos mudava o
passado. O jeito era aguardar a banda responder… Opa! Abri um
sorriso e me empertiguei na cadeira quando vi que alguém tinha
respondido a minha mensagem. Foram rápidos. Outro excelente
sinal. Havia interesse e isso era ótimo. Bebi meu uísque e comecei
a ler a resposta.
Era isso, consegui! Fisguei os roqueirinhos.
Larguei o celular sobre a mesa e traguei o cigarro, me
recostando na cadeira e fitando o teto, confiante. Bastaria um voo
para o Brasil e algumas promessas nas mãos, e eu teria finalmente
uma banda para agenciar. Se tudo desse certo, esses garotos
seriam o próximo fenômeno mundial… e eu enfim teria minha mina
de ouro para explorar como bem quisesse.
Dezembro – Los Angeles
O estádio estava cheio, era uma honra para a 4Legends fazer
a abertura do show da banda sensação do momento: a Black Blood.
Os caras tocavam pra caralho e vinham ganhando cada vez mais
espaço na mídia. Eles tinham muitos anos de carreira, mas só há
dois anos é que foram notados e começaram a fazer sucesso. A
trajetória deles era uma inspiração tanto para mim quanto para o
pessoal da minha banda. Almejávamos conquistar a nossa legião de
fãs e alcançar o topo das paradas assim como eles fizeram.
Estávamos trabalhando muito para isso.
Embora fosse inverno, eu estava suado e sem camisa. Tirar a
camiseta durante o show era algo que eu fazia com frequência
desde quando tocava nos bares em Curitiba. A última música
precisava ser animada, tínhamos que deixar a energia lá em cima
para a entrada da banda principal. A canção Smells Like Teen Spirit
do Nirvana tinha essa pegada e adorávamos tocá-la em nossas
apresentações.
Nos primeiros acordes, quando o público reconhecia a
música e se agitava, era como um presente para mim. A alegria
deles era contagiante. No palco, a gente também se divertia. Kit
agitava seus cabelos cor-de-rosa e o cabelo rastafari de Fly parecia
ter vida própria atrás da bateria. Até Nick, que era o mais contido de
nós, ficava desinibido e se movimentava com a sua guitarra surrada
pelo palco.
Eu usava o final da última música tanto para apresentar os
integrantes da banda quanto para aproximar a multidão da gente,
fazendo o povo interagir, cantando trechos comigo. Aquela
sensação era boa demais e eu curtia pra caralho estar no centro do
palco.
— Valeu, galeraaaaaaa! — Acenei com o braço erguido. Os
gritos e aplausos eram ensurdecedores.
Estava exausto, mas muito feliz. Com certeza a banda toda
estava se sentindo assim. Tirei a guitarra e entreguei para um dos
roadies que nos aguardava na saída do palco. Desci as escadas e
cumprimentei Fly e Nick que já estavam nos bastidores. Eu sempre
era o último a sair do palco. Por fim, olhei para Kit. Ela tinha um
sorriso lindo no rosto. Mas eu a conhecia, ela estava esgotada. Abri
os braços para recebê-la. Ela me abraçou forte e eu a ergui do
chão.
— Quem diria, Kit! Enfim, estamos no rumo do sucesso. —
Afaguei suas costas e depositei um beijo em sua bochecha antes de
me afastar e encará-la.
— Pois é. Quem diria… — Ela sustentou o sorriso cansado,
então andamos abraçados em meio a fios e a equipe técnica em
direção ao camarim.
No caminho, encontramos os caras da Black Blood e os
cumprimentamos antes que seguissem para o palco. O ritmo
frenético de apresentações era viciante. Quanto mais shows
fazíamos, mais queríamos fazer. O reconhecimento estava sendo o
melhor combustível para o nosso trabalho.
Abri a porta do camarim e dei passagem para que Kit
entrasse primeiro. O pessoal da banda já estava à vontade, sem
camisa e bebendo cerveja. Vaguei os olhos pela sala e no centro
das atenções estava Will, o nosso agente. Tínhamos praticamente a
mesma altura e porte físico. Ele era um quarentão bastante enxuto,
com cabelos castanhos ondulados um pouco mais longos e que
estavam penteados para trás com gel. Sua barba era muito bem-
desenhada, conferindo-lhe um ar elegante. Vestia um blazer azul
marinho, uma camisa branca de algodão com dois botões abertos
no peito e calça cáqui. Will olhou em nossa direção com um sorriso
enorme e segurando um copo de uísque.
— Kit, Luigi! — falou com entusiasmo. — Que showzaço,
meus amigos! Que showzaço! — Caminhou em nossa direção e deu
dois beijos em Kit. Ela o cumprimentou e foi se juntar com a banda
no sofá. Will me deu um breve abraço. — Logo vocês serão a banda
principal. Já prevejo.
— Não vejo a hora! — Afastei-me e passei a mão pelos
cabelos, exibindo um sorriso triunfante. — E por falar nisso, como foi
a sua reunião com o sr. Wood? — instiguei, já que ele tocou no
assunto.
Will quase nunca aparecia nos shows, na maioria das vezes,
nos falávamos por telefone. Ele apoiou a mão no meio das minhas
costas e me guiou até a mesa de bebidas próxima à parede. Deixou
o seu copo sobre a mesa e me encarou.
— Trevor anda muito ocupado, Luigi. — Pegou um copo
grande, colocou uma combinação de gelo, uísque, Coca-Cola e me
entregou. — Hoje ele esteve em reunião o dia todo, mas me
garantiu que muito em breve receberá toda a banda em seu
escritório.
— Muito em breve? — Arqueei uma sobrancelha,
desconfiado. Há dias eu perguntava sobre o contrato e Will sempre
me dava uma resposta evasiva. — Estamos na última semana de
dezembro, cara. Desde que chegamos aqui, não paramos de
trabalhar. Foi um show atrás do outro. — Tornei um generoso gole,
enchendo a boca antes de engolir.
— Eu sei. Eu sei, meu amigo. Mas ele é o chefe. O que
posso fazer? — Tirou a carteira de cigarro do bolso da calça e me
ofereceu. Peguei um cigarro e ele abriu o Zippo prateado, fazendo
uma chama diminuta de fogo surgir para acender o cigarro.
— Temos que ver como será o próximo ano, Will. Estamos
todos animados, não temos do que reclamar. Mas o nosso acordo
era ter uma reunião decisiva antes do final do ano. Combinamos
que se a Rock Star ficasse satisfeita com o nosso trabalho,
assinaríamos contrato. Do contrário, buscaríamos outro caminho. O
que não dá é para ficar nesse chove não molha. Temos que definir.
— Traguei, a mente ficando um caos com toda minha apreensão.
— Vamos dar mais um tempo para Trevor. — Ele acendeu o
cigarro. — Acredito que até fevereiro tenhamos um parecer.
— Fevereiro? — Arregalei os olhos, dessa vez, muito mais
surpreso.
— Calma! Estou chutando alto, rapaz. — Will balançou a
cabeça, fazendo pouco caso. — Melhor ter prazo do que ficar se
torturando.
— Vou precisar falar com o pessoal. — Sorvi outro gole do
meu drinque. — Não vemos as nossas famílias desde abril.
Rodamos os Estados Unidos inteiro de ônibus…
— Fica tranquilo, Luigi. Trevor Wood é assim mesmo. Ele dá
uma enrolada, mas sempre fecha bons negócios. Vocês só
precisam ter paciência. — Sorveu um gole de uísque e vi Kit se
aproximando por trás dele.
— Tudo bem por aqui? — Ela olhou de mim para Will.
— Claro que sim, minha Barbie Metaleira. — O agente abriu
um largo sorriso. — Aceita um trago? — Ofereceu o cigarro, mas Kit
fez que não com a cabeça.
— E quando assinaremos o contrato? — Kit quis saber.
— Logo, pode acreditar. — Will tragou o cigarro e minha
amiga me encarou com um sorriso amarelo, parecendo pouco
satisfeita com a resposta. — Mas, não quero vocês pensando sobre
isso. Esse é o meu trabalho. — Passou um dos braços por cima dos
meus ombros e o outro sobre os de Kit. — Hoje temos que
comemorar o sucesso da banda. Então, com ajuda de Bob, preparei
uma festinha na casa de vocês. Com direito a tudo o que a vida tem
de melhor a oferecer — disse com entusiasmo, sorrindo o tempo
todo.
— Banda… — Will se desvencilhou e caminhou em direção a
Fly e Nick. — Vocês têm uma festinha os aguardando em casa.
— Aí, sim! — Nick se levantou todo animado e pegou a
camiseta que tinha tirado e deixado sobre o sofá, depois a pendurou
no cós da calça.
— Caralho, Will! Você é o melhor agente do mundo! — Fly
também se levantou tão empolgado quanto Nick.
— O que vocês estão esperando, rapazes? — Will bebeu o
último gole de uísque e pousou o copo sobre a mesa. — Vamos!
Will saiu do camarim abraçado com Nick e Fly. Traguei o
cigarro, encarando a porta, desconfiado da real situação do contrato
com a gravadora.
Claro que eu me sentia honrado em fazer a abertura de uma
banda foda como a Black Blood, mas não pretendia ser um “abre-
alas” pelo resto da vida. Viemos para os Estados Unidos com a ideia
de mostrar o nosso trabalho e assinar um contrato com a Rock Star.
Tínhamos que investir em nossa carreira e ser os protagonistas da
porra toda. Não podíamos continuar sendo “a banda de abertura”.
— Você está bem? — Kit quebrou o silêncio e desviei o olhar
para ela.
— Tô de boa. Mas estou um pouco chateado com esse lance
do sr. Wood nunca poder nos receber em seu escritório.
— Também não curto essa enrolação. É ruim ficar sem uma
resposta.
— Pois é. Mas pelo menos estamos mostrando o nosso
trabalho para grandes públicos, o que é muito melhor do que
realizar pequenas apresentações nos bares de Curitiba.
— Isso, com certeza. — Ela assentiu. — Aqui pelo menos a
gente tem mais visibilidade.
— Exato, mas acho que agora devíamos ir. — Sorvi o último
gole de bebida. — Parece que tem uma festa nos esperando.
— Hoje não temos como resolver nada mesmo. Então,
vamos curtir a festa e comemorar que, depois de meses, vamos
dormir em casa e não em uma cama de ônibus.
— Tem razão, Kit. — Larguei o copo sobre a mesa traguei o
cigarro pela última vez antes de apagar no cinzeiro. — Vamos para
casa. — Apoiei minha mão no ombro dela e saímos do camarim.
Precisava concordar com Kit. Nunca imaginei que ficaria
aliviado de saber que dormiria em casa nessa noite e nas próximas.
Estava feliz que os nossos próximos shows seriam nos arredores de
Los Angeles e não precisaríamos dormir no ônibus. Mas, embora
tudo parecesse perfeito, o fato de não termos conhecido Trevor
pessoalmente ou até mesmo recebido todo o dinheiro dos shows
que fizemos, me incomodava. Will gerenciava tudo, nada faltava,
mas, ainda sim, alguma coisa dentro de mim dizia que algo estava
errado.

As festas regadas a drogas, bebidas e gente bonita eram


marca registrada de Will Parker. Ele queria nos agradar a todo
custo. Ainda mais quando acontecia algo que pudesse nos chatear.
Nessa ocasião, com certeza, ele estava compensando o fato de não
ter tido um retorno do sr. Wood.
Quando Will nos procurou no início do ano, quase não
acreditei que pudesse ser verdade. Um produtor americano
interessado em contratar uma banda brasileira de rock, era
totalmente improvável. Eu sempre fui desconfiado, então só
acreditei quando ele foi para o Brasil e marcamos uma reunião nos
bastidores do Rock Bar. Naquele instante, tive certeza de que não
estava sonhando. Will prometeu nos apresentar ao mundo e no final
do ano assinar contrato com uma das maiores gravadora dos
Estados Unidos: a Rock Star Records. Porém, o contrato ainda não
tinha se concretizado.
Assim que entramos em casa, fomos muito bem-recebidos.
Uma morena se enroscou em meu pescoço, um cara que parecia
modelo Hugo Boss se enveredou para Kit e outras duas garotas,
muito gostosas por sinal, se aninharam em Fly e Nick.
— Oi, me chamo Amber — a garota me cumprimentou, me
entregando uma long neck.
— Prazer, Amber. — Curvei os lábios num sorriso malicioso.
— Valeu pela breja. — Abri a garrafa e sorvi um generoso gole.
Estava com muita sede.
— Não tem de quê, meu rockstar preferido.
Limpei a boca com as costas da mão e sorri satisfeito. Tanto
com a bebida quanto com o comentário.
— Devíamos nos sentar um pouco. O que acha? — convidei,
já a conduzindo para o sofá.
Sentei-me e Amber se acomodou ao meu lado, cruzando as
pernas longas e torneadas com sua microssaia. O movimento foi
quase hipnótico. Passei a língua pelos lábios, admirando suas
coxas.
— Gosta do que vê? — ela perguntou com ar travesso e me
ajeitei no sofá para encará-la.
— O que você acha? — respondi com outra pergunta e bebi
um gole de cerveja, mantendo o contato visual.
Ela mordeu o cantinho do lábio e descruzou as pernas,
deixando-as um pouco abertas.
— Acho que você talvez vá gostar de saber que estou sem
calcinha. — Olhou com devassidão para a braguilha da minha calça
e senti o meu pau pulsar em resposta.
Precisando relaxar, entornei a cerveja, bebendo todo o
conteúdo de uma única vez. Larguei a garrafa sobre a mesinha de
centro e pousei a mão em uma de suas pernas.
— Que tal irmos para o meu quarto terminar esse assunto?
— convidei com malícia e ela assentiu com um sorriso.
Kit que estava conversando com o “modelo”, parou de falar
para me encarar e ergueu as sobrancelhas com ar de assombro
quando notou que eu estava levando Amber para o meu quarto.
— Mas já? — Mexeu a boca com exagero para que eu
fizesse leitura labial.
Respondi com uma piscadinha e ela revirou os olhos em
desaprovação. Em seguida, voltou a conversar com o cara ao seu
lado, me ignorando por completo.
Fazia uma semana que eu não trepava e estava louco para
saciar a minha vontade. Sexo sem compromisso era algo muito
normal para mim. Não queria nada sério com ninguém. Eu tinha os
meus motivos.
Não vou dizer que nunca tentei ter algo mais profundo com
as mulheres que encontrava. Mas no final, o sexo era apenas sexo
e as conversas eram sempre superficiais. Nunca tinha química,
nada ia além de prazer momentâneo. Era como se aquela parte do
meu coração estivesse fora dos limites, e eu duvidava que algum
dia aquilo mudasse.
— Kit! Kit! Acorda! — Luigi me chamou com agitação. Ele
estava quase em cima de mim. Podia sentir a sua respiração tocar o
meu rosto.
— O que você está fazendo no meu quarto? — resmunguei,
mal-humorada, tentando me mover debaixo dele. Mas Luigi estava
travando o edredom com o peso do corpo e não consegui me
mexer. — Cadê a sua acompanhante? Volte pro seu quarto! —
Tentei afastá-lo, o cheiro do álcool exalava dos seus poros.
— Ela foi embora já faz um tempinho. Mas quando fui tentar
dormir, surgiu uma letra na minha cabeça e preciso que me ajude
com o arranjo.
— Sério mesmo que você veio me acordar… — Olhei o
horário no celular que estava sobre a mesinha de cabeceira. — Às
quatro da manhã? — Voltei a deitar e fechei os olhos. — Não podia
esperar até o dia amanhecer?
— De jeito nenhum — retrucou, permanecendo em cima de
mim. — Você sabe que as minhas melhores inspirações acontecem
de madrugada.
Abri os olhos outra vez e ele estava me encarando com muita
animação.
— Se não sair de cima de mim, não poderei ajudar. —
Empurrei seu tronco e ele se deitou atravessado na cama,
colocando a cabeça sobre a minha barriga.
— Acho que essas frases poderiam ser um bom refrão. —
Abriu o bloco de notas do celular e começou a ler.
My heart still broken
(Meu coração continua partido)
And I feel empty inside
(E sinto-me vazio)
I’m so tired of this feeling
(Estou tão cansado desse sentimento)
Cause you’ll never be mine
(Porque você nunca será minha)
You’re always here beside me
(Você sempre está aqui do meu lado)
Trying to be my best part
(Tentando ser a minha melhor parte)
Building hope instead moments
(Construindo esperança em vez de momentos)
I really don’t understand why
(Realmente não entendo o porquê)
As palavras de Luigi me açoitaram com força. A letra era
muito intensa para mim. Luigi sempre foi e sempre será o meu
grande amor. Ele sabia disso. Mas não podíamos ficar juntos. Foi
uma decisão que tomei há alguns anos e que jamais voltaria atrás.
Éramos melhores amigos desde crianças. Quando tínhamos
12 anos, nos beijamos pela primeira vez. Aconteceu em uma tarde
de sábado, estávamos assistindo na TV o filme “O Primeiro Amor” e
vimos as crianças darem um beijo na boca. Então quisemos fazer
igual para saber como era.
Depois daquele beijo inocente, Luigi e eu decidimos que
seríamos namorados e que no futuro nos casaríamos. Combinamos
de dar a notícia para os nossos pais no almoço de domingo. Nossas
famílias eram muito unidas.
Mas à noite, tudo caiu por terra. Assim que minha mãe foi me
buscar na casa dos Ferrari, ela me contou que iria se separar do
meu pai. Fiquei sem entender o motivo. Eles nunca brigaram na
minha frente, mas eu via que estavam cada vez mais distantes,
inclusive de mim. Focavam apenas em seus trabalhos, sendo que
meu irmão e eu ficávamos em segundo plano.
Na época, achei que fosse algo temporário, que estavam
apenas sendo adultos, jamais imaginei que meu pai sairia mesmo
de casa. Mamãe alegou que continuariam amigos e que eu teria
duas casas. Mas eu não entendia como escolheram ficar longe um
do outro se ainda eram amigos. Eu mesma não conseguia ficar um
só dia sem ver Luigi que quase morria de saudades.
O divórcio me entristeceu demais, mas a minha mãe me
consolou dizendo que seria melhor para todo mundo. Que o amor
entre eles tinha acabado e que não podiam mais ficar juntos.
Meu irmão Dudu, que era oito anos mais velho do que eu,
estava na faculdade cursando Medicina. Ele encarou a separação
dos nossos pais numa boa, mas eu chorei por vários dias.
Foi então que decidi que jamais seria namorada de Luigi e
que nunca me casaria com ele. Se um dia esse “tal amor” acabasse,
eu não suportaria me separar do meu amigo. Conversamos sobre o
assunto e Luigi concordou comigo. Chegava a ser cômico duas
crianças falando sobre isso.
O tempo passou e, quando estávamos com 17 anos, nos
beijamos outra vez. Mas não foi um beijo inocente… foi um beijo de
tirar o fôlego. Estávamos na casa de Nick, muito chapados e
bêbados. Quando fomos dormir, levamos para o quarto uma garrafa
de vodca. Estávamos acostumados a dividir a mesma cama quando
não tinha uma para todo mundo dormir. A nossa amizade era tanta,
que coisas assim eram naturais.
No entanto, naquela noite, passamos de todos os limites.
Estávamos deitados na cama, rindo alto e falando besteira. Alguém
que estava no quarto ao lado gritou pedindo silêncio e Luigi se
aproximou. Colocou os dedos sobre os meus lábios e grudou a testa
dele na minha. Parei de rir no mesmo instante. O nosso olhar se
encontrou e o inevitável aconteceu.
Nossos lábios se tocaram, então nossas línguas. Meus dedos
se enredaram em seu cabelo e nosso beijo foi ficando cada vez
mais profundo. As mãos dele começaram a vagar pelo meu corpo
com avidez. Mas quando Luigi apertou minha bunda, me puxando
contra o seu corpo e senti sua ereção tocar o meu sexo, meus olhos
se abriram de sobressalto. Como se a voz da consciência me
arrancasse do transe e me fizesse voltar à razão. Então me afastei
de Luigi como se tivesse levado um choque. Tivemos uma conversa
séria. Declaramos o nosso amor mútuo, mas eu não estava
preparada para aquele tipo de relacionamento. Na verdade, jamais
estaria.
A amizade de Luigi era preciosa demais para eu arriscar em
um namoro que poderia fracassar. Juramos que não contaríamos
para ninguém sobre o que aconteceu naquele quarto.
Estabelecemos que seríamos apenas amigos, ou melhor, eu
determinei isso e ele acabou concordando. Levei dias tentando me
livrar das lembranças daquela noite, do sabor da sua boca, do seu
toque urgente passeando pelo meu corpo e das sensações
deliciosas que ele tinha me proporcionado.
Desde então, nunca mais cruzamos essa linha. No início, foi
muito difícil. E para tentar esquecer daquele turbilhão de
sentimentos, combinamos de sair com outras pessoas e encontrar
um amor. Bem, na verdade, acabei encontrando o meu amor pelas
artes, em qualquer forma: música, desenho, escrita… Foi quando
mergulhei de cabeça no mundo da tatuagem e essa foi minha
válvula de escape.
Com o tempo, aprendemos a lidar com a nossa proximidade,
principalmente através da música, pois, por anos, foi ela que nos
conectou. Tínhamos acabado de montar a banda e escolhemos
priorizar o sucesso profissional. O trabalho tomou conta do nosso
dia a dia e isso ajudou.
— Kit! — Luigi chamou, me tirando do transe. Eu tinha
mergulhado em recordações que não deveria ter revisitado.
Totalmente desarmada, abri o edredom e o joguei na cara de
dele, em seguida saltei da cama, muito agitada.
— Deitados na cama é que não vamos fazer o arranjo dessa
música — ralhei. Luigi se descobriu, exibindo um ar confuso, e
marchei para o banheiro da suíte. — Vou escovar os dentes e a
gente já conversa. — Fechei a porta e me recostei nela para
respirar.
Inspirei fundo, inflando meus pulmões até o limite, depois
expirei devagar, tentando acalmar o meu coração que tinha ficado
apertado. Cerrei os olhos com força antes de voltar a abrir e encarar
meu reflexo no espelho, tentando recuperar o controle de sempre.
Não fazia qualquer sentido remoer antigos sentimentos.
Devo ter ficado mais tempo do que deveria dentro do
banheiro porque Luigi bateu na porta para saber se eu estava bem.
Fiz minha higiene pessoal o mais rápido possível e voltei para o
quarto. Ele estava deitado na cama, no meu travesseiro, o abajur
iluminando seu rosto perfeito. Quando me viu sair, se levantou e
caminhou até mim.
— Você está bem? — Tombou a cabeça de lado, analisando
o meu rosto. Parecia um cachorrinho perdido.
— Claro! — Forcei um sorriso e desviei dele, seguindo em
direção ao teclado que ficava no lado oposto do meu quarto. —
Agora vamos ver se damos uma melodia para essa letra.
Sentei-me em frente ao teclado e o liguei. Assim que Luigi se
sentou ao meu lado, comecei a dedilhar alguns acordes. Ele ia
encaixando as notas que eu sugeria, cantarolando baixinho.
Apesar daquela letra ter esbarrado na muralha que construí
há seis anos e feito uma pequenina rachadura, não podia pensar
nela como algo pessoal, precisava encarar como mais uma faixa
para o nosso futuro álbum. Então, coloquei um remendo naquilo e
mergulhei na parte da minha alma que era reservada a criar, a
compor, a pegar uma ideia e transformá-la em algo único… uma
parte que ficava bem longe da que pertencia apenas àquela obra-
prima diante de mim.
Adicionamos algumas frases à música, mas ainda estava
longe de estar pronta. Seria necessário mais material, porém eu não
estava conseguindo me concentrar. Tinha que tirar Luigi do meu
quarto.
— Acho que preciso dormir! — Fingi um bocejo e me levantei.
— Estou um bagaço, não consigo mais pensar. Mais tarde a gente
termina, pode ser?
Engatinhei na cama e me aninhei, me cobrindo com o
edredom e abraçando o travesseiro. Eu precisava ficar sozinha,
então me encolhi e me fechei que nem um caramujo, como sempre
fazia quando tudo era demais.
— Tudo bem! Valeu, Kit — agradeceu, mas não abri os olhos
para ver se ele ainda estava sentado em frente ao teclado. — Você
entrou no seu modo caramujo, depois a gente termina. Descanse.
Ouvi a porta abrir e fechar. Então abri os olhos outra vez.
Sim, ele me conhecia bem até demais. Era aquela amizade que eu
amava: compor músicas juntos, ir a festas, dar risada, beber e se
divertir. Coisas que amigos faziam. Amava isso que tínhamos
construído ao longo dos anos e por essa razão odiava me sentir
vulnerável. Decidida a não pensar mais naquela música, tornei a
fechar os olhos.
Depois que saí do quarto de Kit, meus pensamentos, que
estavam imersos na melodia, se voltaram para Will e suas
promessas. Tomei uma ducha refletindo sobre o assunto.
Por fim, decidi que tentaria uma conversa com o sr. Trevor
Wood. Sabia que não era certo me adiantar, afinal, Will era quem
nos agenciava e ele deveria nos acompanhar em qualquer reunião.
Mas eu estava muito cismado com as desculpas que ele vinha nos
dando, então decidi verificar a situação por mim mesmo.
Saí de casa antes do pessoal acordar. Então peguei minha
moto e fui até o prédio da Rock Star Records na Hollywood Blvd.
Estacionei em frente, desci da moto, tirei o capacete e ajeitei os fios
desalinhados, olhando para o imponente edifício envidraçado da
gravadora.
Não fazia ideia se seria recebido, mas precisava tentar. Nem
Kit e nem ninguém sabia que eu tinha ido até ali. Pendurei o
capacete no guidão da moto e arrumei a jaqueta de couro antes de
seguir em direção ao hall de entrada.
Abri um sorriso enorme ao ver que as paredes da recepção
eram todas decoradas com vinil e fotos de grandes ícones da
música.
— Bom dia! — Uma voz feminina me fez olhar em direção ao
balcão. Atrás estava uma garota loiríssima sorrindo com ar
prestativo. Devia ter achado graça da minha admiração exagerada
ao adentrar o lugar.
— Bom dia! — Aproximei-me, ainda boquiaberto enquanto
observava ao redor. Parando diante dela, apoiei os braços no balcão
de madeira escura. — Gostaria de falar com o sr. Wood. — Sorri e
ela me olhou surpresa.
— Você tem reunião marcada com o sr. Wood? — Ergueu as
sobrancelhas como se já soubesse a resposta.
— Não, infelizmente, não. — Dei de ombros e mordi o
cantinho do lábio. — Mas queria tentar a sorte. Você acha que
consigo… — Estreitei os olhos para ler o nome no crachá que ela
tinha pendurado no pescoço. — Andy?
— Se dependesse de mim… — Umedeceu os lábios,
analisando o meu rosto. — Eu deixaria você se reunir com quem
quisesse.
Abaixei a cabeça, ampliando o sorriso e voltei a encará-la.
— Mas, pelo que vejo, você é a única que pode me deixar
entrar ou sair — falei com a voz arrastada, derramando duplo
sentido. Dei uma piscadinha marota e a garota se contorceu.
— Ui! — Ela se abanou. — Falando assim, você me deixa
com calor em pleno inverno. — Passou a mão pelo pescoço, como
se tentasse aplacar a quentura que subiu e enrubesceu suas
bochechas.
De propósito, não tirei os olhos de cima dela. Queria que ela
continuasse sentindo o que quer que fosse aquilo.
— Só preciso que me ajude a chegar mais perto — insisti,
retorcendo os lábios num biquinho.
— De quem? — perguntou com ar sugestivo.
— Tecnicamente, preciso falar com o sr. Wood. Mas isso não
me impede de conversar com você fora do seu horário de trabalho.
Se quiser, é claro. — Vaguei meus olhos pelo decote da sua blusa,
levando todo o tempo do mundo.
— Você tem cheiro de encrenca, mas… — Deslizou a língua
pelos dentes, me olhando com desejo. — Vou te ajudar. Não suporto
ver um cara lindo como você me encarando desse jeito. Me
empresta seu documento para eu liberar o seu acesso.
Ampliei o sorriso ao perceber que tinha conseguido.
— Prometo que sempre retribuo os favores que me fazem. —
Tirei a carteira do bolso de trás da calça jeans e entreguei minha ID
de músico.
— É bom mesmo. Porque costumo cobrar quem me deve. —
Deu um sorrisinho e desviou o olhar para a tela do computador.
— Então, Luigi Ferrari, você vai se dirigir ao sexto andar e vai
falar com a sra. Violet Morgan. Ela é a responsável pela agenda do
sr. Wood. — Devolveu o meu documento e fitou os meus olhos, se
inclinando para a frente. — Se ela te perguntar como chegou até lá,
você terá que inventar que trouxe uma encomenda para Fred do
segundo andar… enfim… — Anotou um número de telefone em um
pedaço de papel e me entregou. — Já esse aqui é o seu passe para
entrar e sair fora do expediente — falou com luxuria, enfatizando as
palavras que usei antes. — Agora é com você, gatinho.
— Valeu, Andy! — Peguei o papel e sorri com a mesma
malícia, enquanto o guardava no bolso, em seguida, fui para o
elevador.
A recepcionista que tinha me ajudado, com certeza, me
cobraria uma visita minuciosa por seus aposentos. E eu que não era
bobo nem nada, iria adorar uma saidinha descompromissada.
Entrei no elevador me sentindo confiante. Ao chegar no sexto
andar, analisei a ampla sala que tinha as paredes revestida com
madeira e era adornada com discos de ouro e platina. Havia um
grande sofá e algumas poltronas de couro preto.
No fundo da sala, um balcão. Se a senhora Violet fosse a
mulher que estava atrás dele, eu não flertaria. Ela já tinha passado
dos sessenta anos e, sem dúvida, não era uma opção de conquista.
Meu lance era sempre com garotas da minha faixa etária. Nada de
sugar mommy.
A senhora tinha os cabelos curtos em um tom de castanho,
mas misturado a muitos fios grisalhos num penteado alto e elegante,
enrijecidos por laquê. Uma franja descia até a altura das
sobrancelhas.
— Bom dia! — Aproximei-me e ela subiu o olhar da sua
agenda para me encarar. Tinha olhos claros e uma maquiagem
digna de quem estava pronta para receber o Oscar.
— Bom dia! Em que posso ajudar?
— Senhora Morgan, certo?
— Sim, sou eu. E você, quem é? — Ajeitou os óculos,
curiosa.
— Eu me chamo Luigi Ferrari. — Estendi a mão para
cumprimentá-la e ela apertou, me olhando com desconfiança. —
Sou cliente de Will Parker e vim para uma reunião com o sr. Wood
— contei, sorrindo.
Ela estreitou o cenho e baixou o olhar para a agenda.
— Você não tem hora marcada com o sr. Wood. — Passou a
unha pelos horários, conferindo os nomes listados.
— Sei que não — confessei e ela voltou a me encarar. — Por
isso, gostaria de um encaixe. Preciso ter uma conversa breve com
ele. Será muito rápido. Prometo.
— Quem você disse que é? — perguntou outra vez, tirando
os óculos e balançando a cabeça em negação.
— Luigi Ferrari. Will Parker é agente da minha banda, a
4Legends. Mas estamos com atraso na assinatura do nosso
contrato com a gravadora e queria conversar com o sr. Wood.
Ela revirou os olhos de um jeito que fez o meu ânimo
esmaecer.
— Olha, bonitinho, o sr. Wood não recebe ninguém que não
esteja em sua agenda. Mas, a propósito, adoraria saber como você
chegou até aqui. Só artistas credenciados, agentes com hora
marcada e algumas poucas pessoas têm acesso ao sexto andar.
— Bom dia, Violet! — Uma voz feminina interveio e me forcei
a olhar para o lado.
— Oi, Cindy. — A senhora desviou a atenção e sorriu para a
garota baixinha que surgiu do nada ao meu lado. Ela tinha o cabelo
preso em um rabo de cavalo alto e estava vestida de rosa dos pés à
cabeça. Parecia um algodão doce. — Terminou sua gravação?
— Por hoje sim. — A garota sorriu em resposta. — Só vim
aqui te avisar que semana que vem, terei que voltar.
— Você está em casa, bonita! — Violet disse, solícita.
Ainda olhando para a loirinha, notei que a conhecia. Cindy
era uma popstar famosa que apresentava o programa de TV Born to
be a Popstar que passava nas noites de quarta. Ela deve ter
percebido meu olhar e me encarou também. Nossos olhos se
encontraram e ela abriu um sorriso tímido.
— E então… — A senhora voltou a falar comigo. — Como
você chegou até aqui mesmo?
Mordi o lábio inferior e Cindy estreitou os olhos.
— Olha, como cheguei aqui, não é tão importante. — Sorri,
tentando desviar do seu questionamento. — Mas, juro que só
preciso de cinco minutos do tempo do sr. Wood para falar sobre o
contrato que Will está negociando.
— Já disse e vou repetir, bonitinho: apenas pessoas
credenciadas podem marcar reunião com o sr. Wood.
— Sim, eu sei. O meu empresário, Will Parker, é um agente
da Rock Star.
— Olha, menino, trabalho aqui há mais tempo do que você
tem de vida e sei quem é ou não credenciado. E posso garantir que
o sr. Will Parker não está na lista…
— Não está na lista? — interrompi, surpreso. — Mas ele não
trabalha com vocês?
— Já disse que ele não está na lista — respondeu com
firmeza. — Agora, você poderia me informar como chegou até o
sexto andar? — Violet franziu o cenho, parecendo desconfiada.
— Ele está comigo, Violet. — A algodão doce respondeu e eu
a encarei. — Ele é um amigo, você sabe, né… — desconversou e a
senhora abriu um enorme sorriso.
— Por que não me disse antes, Cindy? — Violet pareceu
relaxar, mas tornou a olhar para mim. — De qualquer forma, bonito,
mesmo que esteja acompanhado da srta. Harper, você não pode
requerer uma reunião com o sr. Wood quando tiver vontade. As
coisas não funcionam assim.
— Tudo bem. Desculpa, sra. Morgan. Obrigado pelas
informações.
— Vamos! — Cindy meneou a cabeça num convite para
irmos embora.
Dei um aceno de despedida para Violet e segui minha
salvadora até os elevadores. Ela apertou o botão e seus olhos
castanhos se prenderam aos meus.
— Sou Cindy Harper. — Estendeu a mão para me
cumprimentar.
— Prazer! Eu me chamo Luigi Ferrari. — Apertei sua mão.
— Sei quem você é.
— Sabe? — Ergui as sobrancelhas, surpreso, o cantinho do
lábio se curvando em um sorriso.
— Você é o vocalista da 4Legends. Minha prima ama a sua
banda. Na verdade… — Balançou a cabeça, sorrindo. — Ela é
apaixonada pelo baterista.
— Uau! Então já temos fãs… e Fly uma admiradora.
— Acho que sim.
As portas do elevador se abriram e meneei a mão para que
ela entrasse.
— Valeu por me ajudar com a Senhora-Assustadora-do-
Sexto-Andar — agradeci e ela riu.
— Imagina. — Apertou o botão para o térreo. — Sei bem
como é isso. Já passei alguns perrengues na minha carreira.
Artistas e os seus desafios… — Soltou um pesado suspiro,
visivelmente empática a situação.
— Mas hoje você é uma popstar famosa e apresenta um
programa de grande audiência, o que significa que superou todos os
obstáculos.
— Não é bem assim. — Ela exibiu um sorriso pequeno. —
Garanto que mesmo depois do sucesso, os percalços ainda vão
existir. Pode acreditar. Logo você vai aprender que algumas vezes
temos que aceitar os limões que a vida nos dá e aproveitar para
preparar uma boa e refrescante limonada.
— Como assim? — instiguei, curioso com a comparação.
— Quero dizer que no show bis nem tudo é o que parece. Se
quisermos estar dentro, às vezes, precisamos nos sujeitar a fazer
trabalhos menos glamorosos até alcançar o topo. Faz parte do
show.
As portas se abriram e ela desceu do elevador, caminhando
com seus saltos enormes. Eu a segui sem hesitar, aquela conversa
tinha me deixado intrigado.
— Conseguiu o que queria? — A voz de trás do balcão me
fez parar e Cindy também fez o mesmo.
— Oi, Andy. — Desviei o olhar para a recepcionista. — Ainda
não, mas vou conseguir — respondi confiante e ela assentiu. — Mas
agradeço muito por me ajudar. — Dei um meio sorriso.
— Me agradece depois… — Umedeceu os lábios e
gesticulou com a mão, num sinal para eu ligar.
— Pode deixar. — Dei uma piscadinha.
Ao me virar, notei que Cindy revirou os olhos e voltou a
caminhar.
— Ei, espera — chamei e ela deu meia-volta. — Podemos
tomar café? Gostaria de conversar com você — convidei,
encabulado. Tinha acabado de flertar com a recepcionista e no
instante seguinte, estava chamando Cindy para sair comigo.
— Claro! — Ela abriu a bolsa e tirou imensos óculos escuros
e um lenço de dentro. — O motorista já está aí na frente. É só me
acompanhar — ofereceu, enquanto cobria a cabeça com o lenço e
colocava os óculos.
Atravessamos o hall e, do lado de fora, um imponente GMC
preto a esperava com a porta aberta. Ela embarcou e eu entrei em
seguida. Precisava de respostas e talvez ela pudesse me dar
algumas. Quem sabe conhecesse Trevor e me ajudasse a conseguir
uma reunião com ele.
— Joseph, por favor, nos leve ao Hanna’s Café — pedi ao
motorista que me deu um breve olhar através do retrovisor central
do carro.
— Sim, senhorita — respondeu e voltou a atenção para a
estrada.
— Então, Luigi, qual é a sua história aqui em L.A.? — Ajeitei-
me no banco para poder encarar aquele rosto angelical.
— Bom, viemos a convite do agente Will Parker. Em março,
ele nos ofereceu a oportunidade de fazer a abertura de vários shows
pelos Estados Unidos durante o ano e se a Rock Star gostasse do
nosso trabalho, assinaríamos um contrato com a gravadora.
— É impressão minha ou tem algo mais nessa história? —
instiguei com uma sobrancelha arqueada. Podia ver que ele não
tinha revelado tudo.
— Na verdade, tem sim. — Ele exibiu um sorrisinho, tímido.
— O nosso agente garantiu que teríamos uma reunião decisiva no
final do ano. Estamos trabalhando todos esses meses sem folga,
tudo o que queríamos era saber se estamos dentro ou não. Porque
se a Rock Star não fechar com a gente, teremos que rever muitas
coisas. Inclusive, a maior parte do nosso cachê ficou de ser pago
mediante a assinatura do contrato.
Ouvir o desabafo de Luigi fez meu peito apertar. Tinha me
livrado do canalha do Will, exatamente um mês antes da banda dele
ser contratada. Fui vítima daquele lixo humano durante um ano
inteiro. Assim como Luigi, trabalhei muito para mostrar a minha voz,
mas não tive retorno financeiro, devido aos desvios de verba de Will.
Sem alternativa, me vi obrigada a mudar de planos o que me
afastou do meu sonho original, mas que também me livrou daquele
imundo.
Não tinha como provar que Will era desonesto, e apenas falar
mal do agente dele não o ajudaria em nada. Seria uma acusação
vazia de alguém que ele acabou de conhecer e que não tinha como
provar qualquer coisa. Então respirei fundo e esbocei um sorriso,
compassiva, enquanto mordia a parte interna da bochecha para não
deixar transparecer a dor que ardia por dentro. Will fez mais uma
vítima e, mais uma vez, eu me sentia impotente.
— Então era por isso você estava tentando falar com o sr.
Wood — concluí e ele anuiu com a cabeça. — Mas já vou te
adiantando, falar com ele não é algo simples. — Suspirei, fitando
aquele maxilar forte e olhos azuis impenetráveis.
— Percebi que a sra. Morgan não facilita muito.
— Não mesmo.
Joseph estacionou nos fundos da cafeteria da minha prima,
Hanna. Eu nunca entrava pela porta principal para não causar
tumulto. Era um local simples, frequentado apenas por pessoas do
bairro.
Tirei da bolsa uma blusa preta e uma peruca ruiva em corte
Chanel. Com facilidade, vesti a blusa, enrolei o cabelo e coloquei a
peruca. Luigi não conseguiu esconder o sorriso, enquanto me via
fazer as manobras no banco do carro.
— Tudo isso é para não ser reconhecida?
— Não mesmo. Tudo isso é para não atrapalhar o trabalho da
minha prima. Um alvoroço e as coisas podem sair do controle. É
melhor assim — expliquei, já colocando os óculos de sol. — Vamos?
Luigi assentiu e desceu do carro, os olhos vagando pelo
entorno. Desci em seguida e caminhei a passos largos até a porta
dos fundos. Luigi veio logo atrás de mim. Quando fiz menção de
abrir a porta, ele se apressou e pegou a maçaneta, então me deu
passagem. Entramos na cozinha e o aroma de baunilha e canela fez
meu estômago roncar.
— Cicy! — Hanna abriu um sorriso enorme ao me ver chegar.
Ela largou uma forma cheia de biscoitos recém-assados sobre o
balcão e veio ao meu encontro.
— Oi, Nana. — Abracei minha prima com saudades.
Fazia alguns dias que eu não passava na cafeteria. O final de
ano estava sendo cheio de eventos e quase não tive tempo para
visitá-la. Ela se desvencilhou de mim e olhou boquiaberta para Luigi.
— Não creio! Você é você mesmo?
— Acho que sou. — Luigi riu e ela cobriu a boca com as
mãos.
— Ai, meu Deus! Prima! Não acredito que você trouxe Luigi
Ferrari para o meu café! — Hanna estava visivelmente emocionada.
— Como você não me contou que o conhecia? Posso te dar um
abraço? — Atropelou as perguntas, dessa vez olhando com
admiração para aquele que eu já considerava o meu novo amigo.
— Claro. Vem aqui. — Luigi abriu os braços e ela o abraçou.
Quando Hanna se afastou, ela tinha lágrimas nos olhos e as
mãos estavam trêmulas.
— Calma, Nana. — Ri da cena. Sabia que ela era fã da
4Legends, mas não imaginava que se emocionaria daquele jeito ao
ver um dos integrantes da banda.
— Obrigado pelo carinho — Luigi falou e a abraçou outra vez.
Sorri ao ver a ternura dele. Quando Hanna conseguiu se
recompor, ela enxugou as lágrimas e nos encarou.
— Não me digam que vocês estão juntos?
— Não. Não, prima. — Balancei a cabeça com veemência. —
Não é nada disso. Quero dizer, estamos juntos aqui, mas não juntos
de outro jeito. — Tentei explicar, mas eu parecia mais atrapalhada
do que tudo.
— Aham, sei. — Gesticulou com a mão, exasperada. —
Venham, sentem-se aqui. — Abriu espaço em uma pequena mesa
que ficava nos fundos da cozinha. — Acabei de tirar uma fornada de
cookies. Vou preparar duas canecas de chocolate quente para
vocês.
Ela se afastou e encarei Luigi agradecida por ter sido tão
atencioso com minha prima.
— Você leva o maior jeito com as fãs. — Puxei a cadeira e
ele balançou a cabeça, dando um sorriso gentil.
— Não consigo acreditar que ela estava chorando. — Ele se
sentou à minha frente.
— Para você ver…
— Olha, aqui estão os cookies. — Hanna colocou um
pratinho com vários biscoitos no centro da mesa. — Volto em um
minuto com os chocolates. — Afastou-se outra vez.
— Minha prima faz os melhores cookies do mundo. — Peguei
um e mordi. — Hummm…. — A explosão de sabor da baunilha com
as gotas de chocolate me inundou de satisfação. — Você deveria
provar.
Luigi pegou um biscoito e mordeu.
— Isso é muito bom… — disse de boca cheia, então ficou
mastigando e encarando o cookie em sua mão.
Era uma cena tão fofa que fiquei me segurando para não rir.
Luigi era o tipo de cara que te conquistava em menos de um
segundo.
— Sério que você gostou? — Hanna voltou com duas xícaras
fumegantes nas mãos e as pousou sobre a mesa.
— Demais! Isso é bom pra caralho! — Mordeu outra vez, a
expressão de quem estava se deliciando não deixava dúvidas de
que ele tinha gostado.
— Sente-se aqui, Hanna. — Luigi convidou e ela se sentou,
ainda impactada pela presença daquele homem imponente que
devia ter perto de 1,90 m de altura e que exalava beleza e
sensualidade. — Você é muito talentosa. Seus cookies são
incrivelmente deliciosos. Antes de ir embora, quero comprar uma
caixa para levar para o pessoal da banda provar.
— Claro! Vou preparar uma caixa especial para vocês.
— Hanna! Poderia vir até aqui? — Uma das suas
funcionárias colocou a cabeça para dentro da cozinha e minha
prima se levantou.
— Fiquem à vontade. O trabalho me chama. — Hanna deu
um sorriso e nos deixou a sós.
— Agora me conte a sua história em L.A., Cindy. — Luigi
bebericou seu chocolate, me encarando com atenção.
— É uma longa história. — Fitei a caneca em minhas mãos.
— Vim de Iowa e cheguei aqui há três anos. Depois de muitas
tentativas de consolidar minha carreira como cantora e não
conseguir fechar um contrato sequer na área, achei que precisava
mudar algumas coisas. Foi então que surgiu a ideia do programa
Born to be a Popstar. — Subi o olhar para encará-lo. — Não que
apresentar o programa de talentos não seja legal, mas é que
enquanto estiver apresentando, não poderei focar na minha carreira
de cantora.
— E por que você não deixa o programa e volta a cantar?
— Porque tenho um contrato de exclusividade de mais dois
anos com a emissora de TV e não posso quebrar. A multa é
exorbitante.
— Mas você pode continuar gravando discos, não é?
— Tem uma cláusula estipulando que enquanto eu for
apresentadora do programa, não poderei me associar a nenhuma
gravadora. Eu sei, é idiota, mas infelizmente era inegociável. — Fui
logo justificando antes que ele quisesse falar sobre o assunto.
— Então, se você não tem contrato com a gravadora, o que
estava fazendo na Rock Star? — Estreitou os olhos, me estudando
com curiosidade.
— Estava gravando um single de Natal. Tenho um quadro no
programa em que posso cantar, então aproveito para mostrar as
músicas que componho.
— E por que o sr. Wood não fechou contrato com você anos
atrás? — Ele continuou investigando e eu ri.
— Você está parecendo um repórter investigativo.
— Foi mal, Cindy. — Empertigou-se na cadeira, parecendo
sem jeito. — Não quis invadir seu espaço, mas é que tem algumas
coisas acontecendo em minha vida e eu adoraria entender. Se não
quiser responder, não tem problema. Desculpa mesmo.
— Não precisa se desculpar, Luigi. Só achei engraçado. —
Bebi um gole do meu chocolate. — Na época, Trevor não quis
conversar comigo. Fiquei muito triste e estava a ponto de desistir.
Mas quando achei que minha carreira tinha terminado, conheci o
produtor James Carter e juntos demos vida ao Born to be a Popstar.
O que foi uma benção porque eu estava sem grana e graças a Deus
o programa está sendo um sucesso.
— Uma última pergunta: se você já era famosa antes de
apresentar o programa, como estava sem grana?
— É complicado e prefiro não falar sobre essa fase da minha
vida. — Soltei um pesado suspiro, minhas lembranças me invadindo
com força. — Foi um período muito triste para mim.
— Desculpa, Cindy. — Ele pegou um cookie do prato. — É
que ainda estou muito incomodado com o que Violet falou. —
Mordeu o biscoito e mastigou com um olhar distante.
Ele queria respostas, mas algumas coisas eu não podia
contar. Pelo menos, não naquele momento. Will tinha me
manipulado e me usado muito. Do meu jeito, eu tinha me vingado e
me livrado dele. Mas aquele homem repugnante ainda me
atormentava em forma de pesadelo.
Eu tinha certeza de que, mais cedo ou mais tarde, ele viria
atrás de mim e me cobraria pelo que fiz, mas não me arrependia
das minhas decisões. Encontrei uma rota de fuga para me livrar dele
e decidi tomá-la sem olhar para trás. Will não me procurava há
meses e agora entendi o motivo: estava enganando Luigi e sua
banda.
Will era um homem muito perigoso e eu tinha muito medo do
que ele era capaz de fazer. Ainda temia que algo acontecesse
comigo ou com as pessoas que eu amava. Não podia dar respostas
para Luigi, mas podia ajudá-lo a consegui-las sozinho e colocá-lo na
direção certa.
— Mudando de assunto, tive uma ideia que pode te ajudar. —
Quebrei o silêncio e Luigi me encarou. — Frequento muitos eventos
sociais que o sr. Wood também é convidado. Se quiser tentar
conversar com ele, de maneira informal, é só me acompanhar. Volta
e meia ele aparece.
— Você faria isso por mim? — perguntou, os olhos brilhando.
— Claro. Você pode ir como meu acompanhante e tentar a
sorte. Hoje à noite tem um evento no Master Hall, podemos ir juntos,
se quiser. — Bebi outro gole do meu chocolate e ele abriu um
sorriso enorme.
— Seria perfeito. Essa noite a banda está de folga, então
posso ir com você.
— Combinado. — Retribui o sorriso.
— Desculpa, pessoal. — Hanna voltou com uma caixa
enorme nas mãos. — Deu um pico de movimento na cafeteria e
precisei ajudar, mas trouxe aqui a caixa com os cookies. É um
presente para a 4Legends. — Colocou a embalagem na mesa.
— Insisto em pagar. — Luigi se empertigou e tirou a carteira
do bolso.
— De forma alguma. — Minha prima deu um passo para trás,
sacudindo as mãos com avidez. — É um presente.
— Valeu, Hanna. — Luigi se levantou e ficou de frente para
ela. — Mas acho que tive uma ideia melhor: amanhã à noite iremos
nos apresentar no Epic Stadium. Vou descolar dois ingressos VIP
para vocês com acesso aos bastidores e você pode levar os cookies
pessoalmente. O que acha?
— Que máximo! — minha prima comemorou, a expressão
emocionada.
— Então, estamos combinados. Até amanhã de manhã
enviarei o link dos ingressos para Cindy. — Ele deu um meio sorriso
muito charmoso. — Valeu pelos cookies e pelo chocolate quente.
Estavam deliciosos.
— Muito obrigada pela visita e pelos ingressos! Amei te
conhecer! — Hanna agradeceu e o abraçou antes de voltar ao
trabalho.
— Que horas nos encontramos? — Luigi desviou o olhar para
mim.
— Bom, o evento inicia às 19h, então peço para Joseph te
buscar uma hora antes e iremos juntos. Pode ser?
— Por mim, tudo bem.
Luigi e eu trocamos telefone, em seguida Joseph o levou de
volta para a gravadora, ele estava de moto e precisava buscá-la.
Depois que ele saiu, tornei a me sentar à mesa e peguei mais
um cookie, esperando a minha prima se desocupar e vir fofocar
comigo. Alguns minutos depois, ela voltou para a cozinha.
— Cicy do céu. — Hanna sentou-se em minha frente, me
tirando do devaneio. — Que homem mais lindo e perfeito. Nas fotos
e vídeos ele já parecia divino, mas pessoalmente é de tirar qualquer
uma do eixo.
— Achei que você fosse fã do baterista… — Arqueei uma
sobrancelha, desconfiada.
— E sou. Fly é incrível, mas não posso negar que Luigi é um
pedaço de mal caminho.
— Verdade — concordei, sorrindo do seu entusiasmo.
— Só acho que você devia investir. Vocês formam um belo
casal.
— Não quero pensar nisso, Nana. Não estou pronta para me
relacionar com ninguém.
— Você precisa superar Tommy, Cicy. Já faz dois anos…
Hanna tocou num assunto que ainda me machucava. Não
sabia se algum dia superaria ter visto o meu namorado morrer de
overdose na minha frente. Desde então, eu passava longe das
drogas e queria distância de relacionamento.
Tommy e eu viemos para Califórnia para realizar o sonho de
viver da música. Éramos uma dupla de pop/rock. Queríamos
construir uma carreira de sucesso, mas as drogas tiraram Tommy de
mim um ano após chegarmos em L.A. E isso doía muito.
— Quem sabe um dia, Nana, mas ainda não me sinto pronta.
Meu coração está fechado e nem esse homem lindo é capaz de
abalar as minhas estruturas.
— Espero que ele tenha a chave para abrir esse coração…
— Hanna suspirou, ainda me encarando.
Revirei os olhos e peguei mais um biscoito. Precisava mudar
de assunto, rápido.
— Só quero ajudar Luigi. Eles são agenciados de Will.
— Quê? Não! Isso não! Você falou para eles se afastarem
desse cretino, né?! — minha prima questionou, apavorada.
— Não.
— Não? Como não? — Arregalou os olhos com descrença.
— Você vai deixar a banda se ferrar, Cicy?
— N-não. — Balancei a cabeça em negação. — Mas não
posso simplesmente dizer que Will é um cara perigoso, viciado em
jogo e que usa todo o cachê dos artistas em apostas. Já me afastei
dele porque não tinha como provar. Luigi me viu uma vez na vida,
você acha que ele acreditaria em mim se eu chegasse do nada e
contasse tudo isso pra ele? No primeiro confronto com Will, o cretino
distorceria as minhas palavras.
— Mas ainda acho que você precisa fazer alguma coisa,
prima. Luigi parece ser alguém muito legal. Não acho certo assistir
ao cara se ferrar de braços cruzados.
— Você sabe que não é tão simples. Will é um bandido capaz
de coisas terríveis. Se eu disser qualquer coisa para Luigi e Will
descobrir que fui eu, a minha cabeça pode ir a prêmio. No final, eu
acabaria apenas colocando tanto Luigi quanto a mim no alvo da ira
daquele bandido. Estou torcendo que ele consiga falar com Trevor e
descubra que nunca houve nenhum contrato e que Will é um
picareta.
— Sei que é arriscado, prima, mas tem que haver um jeito de
ajudá-lo.
— Nana, já estou ajudando. Luigi será o meu acompanhante
no evento dessa noite. Se der certo, ele vai conseguir conversar
com Trevor e a verdade virá à tona.
— Tomara, Cicy. Tomara. Porque acabei de ficar muito
angustiada.
Eu também tinha ficado da mesma forma. A impotência era
uma merda. Claro que eu queria poder ajudar Luigi e os amigos,
contar tudo o que sabia, mas eles estavam envolvidos com Will e eu
tinha me afastado daquele louco. Não podia voltar a me envolver, ao
menos, não diretamente.
Depois que Joseph me deixou na gravadora, decidi que
precisava espairecer. Não consegui as respostas que eu gostaria na
minha conversa com Cindy, mas, no final, ela me deu a
oportunidade de me aproximar de Trevor, o que era mais do que eu
poderia pedir.
Minha cabeça estava a mil e voltar para casa não era uma
opção. Então, pilotei minha moto a esmo pela costa. O mar e o céu
azul contrastavam com a areia da praia. O vento frio não me
incomodava, para falar bem a verdade, era muito bem-vindo.
Parei a moto no acostamento para admirar a paisagem e
acendi um cigarro. Desde que cheguei nos Estados Unidos
abandonei o Vape e aderi ao cigarro de verdade. Em casa, meus
pais surtaram quando me viram fumar pela primeira vez. Fiquei de
castigo por meses. Então comprei um cigarro eletrônico que não
deixava cheiro nas roupas. Depois do castigo, eles nunca mais me
viram fumando, mas isso não significava que eu tinha parado.
Apenas que eu tinha aprendido a mascarar o meu vício. Quem sabe
um dia isso mude, mas não seria agora. Traguei pensativo e soltei a
fumaça.
Pensar em mudança levou minha mente direto para Kit. Notei
que ela se fechou “feito um caramujo”, como ela mesmo dizia,
depois que apresentei parte da música que eu tinha escrito de
madrugada. Ela até tentou disfarçar por um tempo, mas eu a
conhecia, consegui ver que algo da letra a incomodou.
Acordei com aquelas frases gritando em minha cabeça e
precisava compartilhar com ela como eu sempre fazia. Mas aquele
fragmento de música parecia ter vazado da minha alma. Talvez
porque estivéssemos vivendo um momento muito intenso em
nossas vidas e isso tenha trazido à tona antigos sentimentos.
Compusemos muitas músicas juntos, mas talvez essa fosse a
que mais corresse o risco de esbarrar em sentimentos que há muito
tinha trancafiado no fundo do meu peito. Gostei de Kit desde que a
conheci. Tudo começou quando vi Isabella pela primeira vez na
recepção da escola de música da minha mãe. Ela estava comendo
Kit Kat e esperando alguém buscá-la depois da aula de piano. Ela
parecia entediada, então a convidei para brincar. Ela ficou feliz e até
dividiu o chocolate comigo. Foi nesse dia que nos tornamos amigos.
No início, Isabella ia todas as terças e quintas para as aulas
de piano, mas com os atrasos constantes dos seus pais, ela passou
a fazer mais aulas de música à tarde. Algum tempo depois, estava
fazendo várias aulas durante a semana e nos tornamos
inseparáveis. Fazíamos todas as aulas juntos e comíamos Kit Kat
todas as tardes. Na minha opinião, o nome Isabella nem combinava
com ela, e o apelido Bella, por mais que fizesse jus a sua beleza,
era só uma abreviação. Então comecei a chamá-la carinhosamente
de Kit e o apelido pegou.
Posso dizer que desde o dia que a conheci, trilhamos um
caminho foda juntos. Choramos, rimos e construímos algo perfeito
entre nós. Demos o nosso primeiro beijo e até nos apaixonamos.
Mas esse era um tema bastante sensível para Kit desde que
cruzamos um limite do qual combinamos nunca mais ultrapassar. E
a última coisa que eu queria, era que ela interpretasse mal aquela
música. Quem sabe fosse melhor deixar essa letra de lado por
agora. Não queria foder com a nossa amizade.
Ela tinha os motivos dela. Kit sempre foi a única garota que
amei na vida, e amar significava respeitar os limites que ela tinha
imposto. Então, meio que fizemos um acordo de que estava tudo
bem termos lances com outras pessoas, mesmo que nos
amássemos em silêncio. Era o meu dever continuar fazendo a
minha parte. Portanto, essa saída à noite com Cindy não poderia ter
vindo em hora melhor.
Terminei de fumar, liguei a moto e fui até a loja para comprar
um smoking. Cindy avisou que o evento era de gala e eu não tinha
um traje à altura. Em poucos minutos, já entrava na luxuosa loja
Party & Co. e duas vendedoras muito bonitas vieram me
recepcionar.
— Meu Deus, você é o vocalista da banda 4Legends! —
disse uma delas toda animada.
— Luigi Ferrari! — a outra completou e eu sorri.
— Sim, sou eu. E vocês quem são? — perguntei,
interessado.
— Eu me chamo Carol e minha amiga se chama April. — A
vendedora mais emocionada se apresentou.
— Prazer, meninas!
— Ai, minha nossa, ainda não acredito que você está aqui. —
April ampliou o sorriso. — Como podemos ajudá-lo?
— Bom, preciso comprar um smoking.
— Um roqueiro de smoking? Uau! — Carol balançou a
cabeça como se não acreditasse que eu vestiria um traje social. —
Será um prazer fazer essa transformação.
Pouquíssimas vezes usei terno na vida. Eu sempre vestia
roupas casuais. Usava calça jeans, camiseta e jaqueta de couro.
Tudo preto. Era minha marca registrada.
— Que número você calça? — April perguntou, olhando para
os meus coturnos. — 12?
— Isso mesmo — respondi, espantado. — Sério que você
conseguiu saber só olhando para os meus pés?
— São anos de experiência. — Exibiu um sorriso altivo. —
Agora vamos até o provador que te ajudaremos com seu traje —
convidou, toda solícita.
Carol e eu a seguimos. A loja era muito requintada. Enquanto
as vendedoras foram buscar a roupa, um garçom trouxe
champanhe. Bebi um gole e vaguei os olhos pelo salão, admirando
a opulência do lugar. A Party & Co. era uma loja frequentada pelos
ricos e famosos de Los Angeles. E eu não podia vestir nada menos
do que um traje daquele lugar se quisesse acompanhar uma popstar
em um evento social e me encontrar com o dono da minha futura
gravadora.
— Aqui está! — April disse, vindo em minha direção com o
smoking pendurado em um cabide. Carol segurava outro traje igual
e uma caixa de sapato. — Trouxemos dois tamanhos. Acho que
esse vai vestir melhor, mas precisamos que prove. — Pendurou as
peças na arara dentro do enorme provador que tinha espelhos por
todos os lados e colocou a caixa de sapato sobre uma poltrona que
ficava no canto.
— Assim que se vestir, veremos se precisa ou não de ajuste.
— Carol sorriu, parecendo ansiosa pelo resultado.
— Valeu. — Sorvi todo o champanhe da taça e entreguei
para April. Dei um meio sorriso agradecido e entrei no provador.
April fechou a cortina de tecido preto, me deixando sozinho.
Então comecei a tirar a roupa e a pendurar na arara. Vesti a calça,
os sapatos e depois a camisa. Ver o meu reflexo no espelho me fez
revirar os olhos. Meu pai e irmãos sempre usavam calça social e
camisa, mas aquela roupa não combinava nem um pouco comigo.
Abotoei a camisa, mas deixei o último botão sem fechar. Era
apertado demais. Em seguida, vesti o paletó. Agora sim eu parecia
um Ferrari, todo engomado. Revirei os olhos outra vez. Abri um
pequeno espaço na cortina e saí.
— O que acham? Ficou bom? — Esbocei um sorriso sem
graça. Estava me sentindo um palhaço de circo.
— Meu. Deus. Ficou incrível! — Carol falou boquiaberta, não
escondendo sua admiração. — Não vai nem precisar fazer a barra.
Parece que o traje foi feito sob medida para você.
— Confesso que não imaginei que você conseguia ficar mais
lindo. — April balançou a cabeça. Parecendo tão surpresa quanto a
amiga. — Agora falta fechar esse botão. — Ela se aproximou e eu
ergui o pescoço para que ela o fizesse.
— E colocar a gravata borboleta — Carol falou, erguendo a
peça na mão e April se afastou para dar espaço. Ela deu o nó e
sorriu. — Ficou perfeito!
Coloquei o indicador por dentro do colarinho tentando afastar
a gola do pescoço, mal conseguia engolir de tão justo.
— Isso é desconfortável. Não seria melhor uma camisa
maior? — perguntei, me olhando no espelho.
— É assim mesmo. — April riu. — Logo você se acostuma.
— Que vida de merda de quem precisa viver enforcado desse
jeito — concluí, tentando me acostumar com a sensação incômoda.
— Tudo em nome da beleza — Carol justificou com um
suspiro.
Aquela afirmação não fazia o menor sentido para mim. Na
minha opinião, beleza não precisava de tanta produção. Mas eu não
tinha tempo para debater sobre o tema com a vendedora. Precisava
pagar o smoking e ir para casa tomar um banho e me arrumar. Logo
Joseph me buscaria.
— Vou levar — declarei e as duas ampliaram o sorriso.
— Excelente! Você vai arrasar — April falou, animada. — Vou
buscar esse mesmo traje em uma embalagem fechada.
Entrei no provador e Carol fechou a cortina, me dando
privacidade. Tirar aquela roupa seria um alívio temporário, sabia que
logo seria “sufocado” outra vez. Nunca pensei que poder voltar a
vestir minha roupa de sempre me daria tanta felicidade.
Olhei no visor do celular e Kit tinha me mandado mensagem
querendo saber por onde eu andava. Respondi apenas dizendo que
estava com uma amiga e guardei o telefone no bolso interno da
jaqueta. Estava com pouca bateria depois de ter passado o dia
inteiro fora. Mais tarde falaria com ela.
Saí do provador e Carol me acompanhou até o caixa. April
trouxe o pacote e colocou sobre o balcão. A senhora que estava no
caixa me cumprimentou com um sorriso afável, bipou a etiqueta do
traje e depois do sapato.
— São dez mil dólares.
— Caralho! — exclamei em português, assombrado, já
puxando a carteira.
Quando eu imaginaria que um smoking custaria tanto? Nunca
tinha comprado uma roupa tão cara em toda a minha vida.
Convertendo, passava frouxo dos cinquenta mil reais. Era bem mais
dinheiro do que eu poderia ter na minha conta bancária pessoal no
momento. Todo o dinheiro que poupei dos shows que fizemos antes
de vir para os Estados Unidos não chegava a essa cifra. Sem contar
que há meses não usava os meus cartões de crédito pessoais e
uma compra nesse valor com certeza seria negada por suspeita de
fraude.
Quanto à conta bancária onde recebia os aluguéis dos
imóveis que eu tinha ganhado do meu pai no Brasil, eu não tinha
mais acesso a ela desde que meu pai e eu discutimos. Jurei nunca
mais tocar em um só real de qualquer dinheiro que viesse da
construtora. Tínhamos brigado feio.
Olhei fixo para o cartão da banda que estava comigo desde
que o usei para pagar o hotel que nos hospedamos, dias atrás,
quando o nosso ônibus precisou de manutenção. Infelizmente, ele
era a minha única opção para realizar o pagamento, já que
abandonar o smoking, àquela altura, estava fora de cogitação.
Ainda não tínhamos recebido toda a grana dos shows
porque, segundo Will, o restante seria pago após assinatura do
contrato com a gravadora, mas, com certeza, devia ter essa quantia
lá. Depois eu daria um jeito de repor.
Tirei o cartão da carteira e a senhora colocou a maquininha
na minha frente. Aproximei-o do visor, me sentindo envergonhado
de usar o dinheiro da banda para comprar algo pessoal.
Se demorasse muito para assinar o contrato com a
gravadora, talvez fosse melhor eu pedir dinheiro emprestado para
Lucca para repor essa verba. Assim como eu, meu irmão tinha
saído do Brasil para lutar pelos seus sonhos e não dependia do
dinheiro da construtora para se sustentar. Era um piloto bem-
sucedido e com certeza não se negaria a me fazer um empréstimo.
Assim que assinássemos com a gravadora, eu devolveria o valor a
ele. Não queria gerar qualquer desconforto com os outros
integrantes da banda, nem com meu irmão.
— Não passou. — A senhora olhou para o visor da
maquininha. — Quer tentar outro cartão?
— Como assim não passou?
— Foi negado por saldo insuficiente. — A mulher me encarou
constrangida.
— Tenta de novo, por favor.
— Certo. — Ela colocou a maquininha sobre o balcão e tornei
a aproximar o cartão.
— Negado. — Ela fez uma cara de “sinto muito” que fez o
meu sangue ferver.
— Um minuto, por favor. Vou resolver isso com uma ligação.
— Tudo bem. — Ela assentiu e as vendedoras me olharam
esperançosas. Esbocei um sorriso fraco e liguei para Will.
— Luigi! — ele atendeu com entusiasmo, mas eu não estava
com humor para sua conversa mole.
— Will, acabei de fazer uma compra e tentei passar o cartão
da banda, mas deu saldo insuficiente. Que porra tá acontecendo? —
inquiri, caminhando em direção oposta ao caixa.
— Qual foi o valor da compra?
— Foi de dez mil dólares. Mas parece que a banda não tem
isso na conta.
— Posso saber o que você está tentando comprar que custa
tudo isso? — Deu uma risadinha que me irritou.
— O que importa, Will? Quero saber, onde está a porra do
nosso dinheiro?
— Calma, Luigi. Nós temos um acordo de que vocês
recebem trinta por cento agora e que receberão o restante no final.
— Essa parte eu já sei. Só que não gastamos com quase
nada. Vivemos por meses em um ônibus fazendo shows por todo os
Estados Unidos, não é possível que a gente não tenha dez mil
dólares na conta.
— Vocês usam o dinheiro sim, Luigi. Pagam a equipe que
trabalha com vocês, comida, bebida, drogas, aluguel, enfim, o valor
que recebem é para garantir a manutenção das despesas coletivas
até a assinatura do contrato. Mas fica tranquilo, eu empresto esse
dinheiro para você.
— Empresta? Enlouqueceu? Você nos deve, Will.
— Calma aí, parceiro. Ainda não devo nada. Veja bem, do
restante do dinheiro que administro, pagamos muitas outras
despesas para estarmos nos eventos que nos contratam e que não
são descontadas desse percentual que recebem. Além disso, vocês
me pagam quinze por cento de honorário. Ou seja, no final, sobra
uns quarenta por cento para vocês. Esse valor será dividido
igualmente entre os quatro integrantes da banda quando assinarem
o contrato. No entanto, o dinheiro encontra-se aplicado para que
vocês tenham uma reserva quando essa fase terminar. Entendeu?
— Entendo, mas não concordo. De qualquer forma, não
posso ficar mais no escuro. Quero um extrato da aplicação e um
relatório de todas as despesas que estão sendo pagas por fora, bem
como os recibos de tudo desde que chegamos aqui.
— Tudo bem. Sem problemas. Vou pedir para minha
secretária levantar todos os valores e enviar um relatório para você
em janeiro. Agora ela está de férias.
— Beleza. Mas por hora, preciso dos dez mil dólares. Na
assinatura do contrato, pode abater do percentual que terei a
receber.
— Vou transferir para você nesse instante. Agora me conta: o
que está comprando?
— Uma coisa urgente. Já transferiu? — cobrei, ignorando a
pergunta na cara dura. Eu estava muito puto para ficar de
conversinha com Will.
— Tá na conta.
— Valeu! — Desliguei o telefone sem me despedir. Então
voltei para o caixa, onde as vendedoras e a senhora me
aguardavam. — Desculpa pelo ocorrido. Falei com o meu
empresário, ele disse que o dinheiro estava aplicado por isso o
cartão não passou — expliquei, sentindo um misto de raiva e
vergonha.
— Acontece! — A senhora me entregou a maquininha pela
terceira vez e aproximei o cartão.
— Agora deu certo. — Ela abriu um sorriso satisfeito e as
vendedoras se agitaram.
— Podemos tirar uma foto com você? — April perguntou,
colocando as sacolas com as compras sobre o balcão.
— Com certeza. — Guardei o cartão na carteira e a coloquei
no bolso de trás da calça.
Antes de sair da loja, dei autógrafos e tirei fotos com os
funcionários. Foi difícil sorrir depois daquela situação. A raiva estava
me consumindo. Voltei para a moto com as duas sacolas nas mãos
e as prendi no banco de trás. Montei na Harley e, antes de colocar o
capacete, olhei o horário no celular.
Eu estava mais do que atrasado, não daria tempo de ir para
casa ou chegaria quase ao mesmo tempo que o motorista. Então
liguei para Cindy e falei que tinha perdido um pouco a hora. Pedi o
endereço dela e ela me passou a localização, logo depois, o celular
acabou a bateria. Coloquei o capacete e dei partida na moto. A casa
de Cindy ficava em Beverly Hills e eu estava a oito quilômetros dali.
Cheguei em menos de dez minutos. Cindy me recebeu em
sua mansão. Ela estava descalça, de roupão, maquiada e com os
cabelos cheios de bobs.
— Aconteceu alguma coisa? Você está abatido — perguntou
num tom apreensivo, logo que me cumprimentou.
— Está tudo bem — respondi, olhando para baixo. — Só tive
um contratempo, mas já resolvi. — Subi o olhar e forcei um sorriso.
— Será que posso tomar um banho antes de irmos?
— Claro! — Assentiu, já me conduzindo para a escada
majestosa. — Vivo sozinha nesse mausoléu. Tenho muitas suítes
sobrando. — Olhou para trás enquanto subia e sorriu para mim.
— Valeu, Cindy.
— Não por isso. — Caminhou pelo corredor e abriu uma das
muitas portas. — Fique à vontade, Luigi. — Gesticulou para o
cômodo. — No banheiro tem toalhas limpas. Pode se arrumar aqui.
Nos encontramos na sala em trinta minutos.
— Combinado! — Dei uma piscadinha, agradecido, e ela
sorriu.
— Até depois, meu amigo rockstar! — Fechou a porta do
quarto e saiu.
Eu não podia ficar bolado daquele jeito, tinha que focar no
meu objetivo que era falar com Trevor e agilizar o contrato com a
gravadora. As coisas não podiam ficar assim. Precisava me
aproximar daquele homem de qualquer jeito. Nem eu, nem o
pessoal da banda, poderia ficar sem uma resposta. Eu devia isso
aos meus amigos, afinal, fui eu que os convenci de que vir para Los
Angeles era o melhor para a banda.

Fui ao coquetel com Cindy, mas, para o meu azar, Trevor não
apareceu. Fiquei um pouco frustrado por não o ter encontrado.
Contudo, no intuito de me ajudar a conseguir falar com o dono da
Rock Star, Cindy me convidou para acompanhá-la nos próximos
eventos. Eu não poderia perder aquela oportunidade, ainda mais
depois de saber que a banda não tinha dinheiro na conta.
Embora o evento tivesse sido chato pra caralho, pelo menos,
conheci alguns artistas e produtores musicais influentes. Networking
nunca era demais. Além disso, Cindy foi uma excelente companhia.
Geralmente, eu costumava levar minhas acompanhantes para
cama, mas Cindy era diferente. Ela estava sendo uma boa amiga e
não pareceu interessada em nada além de me ajudar. Estávamos
muito confortáveis só na amizade e eu pretendia manter a nossa
relação exatamente assim.
Um pouco depois da meia-noite, saímos do evento e Joseph
nos deixou na casa de Cindy.
— Valeu por tudo, Cindy. — Abracei minha nova amiga.
— Pena que o sr. Wood não estava lá. — Ela se
desvencilhou para me encarar.
— Tudo bem. Pelo menos, tentamos. — Dei de ombros e ela
assentiu.
— Quer entrar? — convidou, se abraçando devido ao ar
gelado de dezembro. Ela estava de vestido longo, mas tinha os
braços desnudos.
— Valeu, Cindy. Mas vou embora.
— Vai deixar suas roupas aqui?
— Nem esquente! Pego outra hora. Tenho uma coleção de
roupas iguais a essas. — Ri ao me lembrar que o meu armário era
composto por cinquenta tons de preto.
— Sem problemas. Ficarão guardadas no quarto de
hóspedes.
— Combinado! Te vejo no show. Até amanhã! — Depositei
um beijo em seu rosto. — Agora, acho melhor você entrar que aqui
está frio.
Ela anuiu, batendo o queixo, e deu meia-volta. Eu me afastei,
subi na moto, tirei a gravata borboleta e guardei no bolso do paletó.
Desabotoei o botão asfixiante do pescoço e coloquei o capacete.
Era para sair da casa de Cindy e ir direto para a minha, mas eu
estava muito agitado para dormir. Então segui a Pacific Coast
Highway e rodei por muitos quilômetros até chegar a um ponto alto
da estrada.
Parei a moto no acostamento e deixei o capacete no guidão.
Caminhei pelo gramado e me recostei no desnível do terreno
acidentado. Inspirei fundo, sentindo a brisa tocar minha pele e o ar
fresco preencher meus pulmões, curtindo o som estrondoso das
ondas quebrando nos rochedos da encosta. Acendi um cigarro para
me fazer companhia, enquanto pensava em tudo o que tinha
acontecido naquele dia.
Uma coisa era certa: eu ainda não contaria para a banda
sobre o problema da nossa conta bancária. Queria esperar os
relatórios de Will antes de levantar qualquer suspeita. Talvez o
nosso dinheiro só estivesse aplicado mesmo.
Não sei quanto tempo depois adormeci, mas ao acordar, fui
presenteado com um nascer do sol incrivelmente lindo. Depois de
assistir àquele espetáculo, subi na moto e voltei para casa. À tarde,
teríamos que fazer a passagem de som e à noite, faríamos o último
show do ano.
Onde será que Luigi tinha se enfiado?
Eu me perguntava enquanto fechava a porta do quarto dele,
constatando que ele tinha passado a noite fora de casa. Claro que
Luigi era livre para fazer o que bem quisesse, mas éramos melhores
amigos e ele nunca mentiu ou omitiu nada de mim. Mesmo quando
ficava com uma garota, me contava sem rodeios. No entanto, dessa
vez, ele me deixou muito preocupada. Simplesmente ignorou as
minhas mensagens e a única que respondeu foi bem evasivo
dizendo que estava com uma amiga.
Ele nunca chamou uma “fiquete” de amiga. Nunca!
Entrei na cozinha e encontrei Nick passando café, e Fly
arrumando a mesa.
— Bom dia! — cumprimentei, enquanto pegava um copo no
armário e me servia de água. — Luigi avisou algum de vocês que
passaria a noite fora?
Os meninos me cumprimentaram e Nick respondeu:
— Pra mim, ele não falou nada.
— Nem pra mim — Fly disse, segurando uma caneca e se
recostando no móvel próximo à cafeteira.
Bufei, angustiada com o “sumiço” do meu amigo e bebi um
gole de água.
— Ontem à noite, tentei ligar pra ele, mas caiu direto na caixa
postal como se o celular estivesse desligado. — Larguei o copo
sobre a mesa e me recostei no armário nos fundos da cozinha.
— Não pira, Kit. Hoje é o nosso último show do ano. Daqui a
pouco Luigi vai…
— Eu vou o quê? — Luigi entrou na cozinha vestindo calça
social, camisa branca e paletó. Vê-lo assim quase fez o meu queixo
despencar.
— Caralho, véi! — Nick abriu um sorriso. — Que porra de
roupa é essa? — questionou com diversão.
Fly o olhava tão surpreso quanto eu. Mas Luigi apenas se
aproximou da mesa e apoiou as mãos no espaldar da cadeira.
— Fui a uma festinha com ninguém menos do que a popstar
Cindy Harper. Tá bom pra vocês? — falou com presunção.
Meu estômago embrulhou no mesmo instante, mas fiquei
sem entender o motivo daquilo ter me incomodado.
— Cindy Harper? Caralho! — Fly conseguiu verbalizar,
depois de ter ficado estático, provavelmente assimilando a notícia
que eu mesma custava a acreditar.
— Quer dizer que você está pegando aquela boneca? — Nick
apanhou uma caneca de cima da mesa, ainda sorrindo, e se
aproximou de Luigi. — Você é a porra de um filho da puta sortudo
mesmo! — Entregou a caneca ao amigo, exibindo um olhar
aprovador.
— Valeu! — Luigi abriu um largo sorriso e deu um tapinha
amistoso no braço de Nick. — Mas ainda estamos nos conhecendo.
— Caminhou em direção à cafeteira e se serviu de café, em
seguida, também encheu a caneca de Fly que não tinha se movido
do lugar.
— Você não pensou em nos avisar que passaria a noite fora?
Passou o dia todo na rua. Eu estava preocupada! — Foi a minha
vez de me manifestar.
— Fiquei sem bateria, docinho. — Ele veio em minha direção
com a caneca fumegante e a ofereceu para que eu pegasse. —
Desculpa! — Retorceu os lábios do jeito que sempre fazia quando
pisava na bola.
Balancei a cabeça em negação e soltei um pesado suspiro
antes de pegar o café da mão dele. A minha preocupação tinha se
misturado com o sentimento de alívio e uma pontinha de ciúmes
incômoda que não tinha razão nenhuma para eu sentir.
— Você passou o dia inteiro com a popstar? — inquiri, mas
me odiei no instante seguinte por ter feito aquela pergunta que
soava como a cobrança de uma namorada ciumenta.
— Basicamente, sim. Ela é gente boa pra caralho. Acho que
você vai adorar conhecê-la. — Luigi sorriu e se virou para encarar
nossos amigos. — Inclusive, Fly, conheci a prima dela, Hanna. A
garota é muito fã da banda e é louquinha por você.
— Ah, moleque! — Nick provocou Fly com um empurrãozinho
no ombro que quase o fez cuspir o café que estava tomando.
— Caraca! Tenho uma fã! — Fly falou com exagero e os
caras gargalharam.
— E tem mais — Luigi continuou. — Hoje, Cindy e Hanna
irão ao show como nossas convidadas especiais, dei passes para o
camarim também.
— Não creio! — Fly continuava empolgado com o assunto.
Os meninos se sentaram à mesa e continuaram a conversa.
Eu não estava acreditando que receberíamos a tal popstar Cindy e a
prima no camarim depois da nossa apresentação. Luigi devia ter se
encantado mesmo com a garota.
Ele falava superanimado sobre cookies, Hanna, cafeteria e
sair de novo com Cindy Harper. Em outra ocasião, eu me sentaria
com eles e me divertiria com o assunto. Mas depois que Luigi me
mostrou aquela música que tinha escrito na madrugada passada,
fiquei com os sentimentos à flor da pele. E agora, o encontro dele
com a popstar tinha me deixado enciumada.
Inspirei fundo e sorvi um gole de café. Sem vontade de
continuar ali, deixei a caneca no balcão atrás de mim e marchei para
o meu quarto. Talvez eu devesse ligar para Derek, o carinha que
fiquei na festa que Will deu naquela semana, e convidá-lo para me
encontrar nos bastidores do show, após a apresentação. Uma noite
de sexo certamente me ajudaria a enterrar de novo aquele
sentimento que estava oprimindo o meu peito. Afinal, Luigi e eu
éramos apenas amigos.
Deitei-me na cama e peguei o celular para procurar o contato
de Derek, mas uma batida na porta desviou a minha atenção.
— Oi, Kit. Você está bem? — Luigi entrou no quarto, seu
olhar exibia preocupação. Ele tinha tirado o paletó e a camisa
estava para fora da calça.
— Tá tudo bem. — Forcei um sorriso e coloquei o celular na
mesinha de cabeceira.
— Tem certeza? — Ele se aproximou e se deitou ao meu lado
na cama, apoiando o cotovelo no colchão e descansando a cabeça
na mão.
— Total certeza. — Virei o rosto para encará-lo.
— Você está brava — afirmou e eu revirei os olhos.
— Não, Luigi. Não estou brava. Eu fiquei preocupada, o que
é bem diferente.
— Já disse que acabou a bateria do meu celular…
— E eu já entendi — interrompi a desculpa que ele já tinha
dado na cozinha. Não queria mais falar sobre o assunto.
— Então… — começou a dizer. — Ontem de manhã fui até o
escritório do sr. Wood.
— Will conseguiu agendar uma reunião com ele? — Franzi o
cenho, incrédula.
— Na verdade, tentei a sorte. Não avisei a Will que iria.
Mas… — Luigi se virou, deitando-se de costas no colchão, então
colocou as mãos sobre a barriga e fitou o teto. — Trevor não me
recebeu.
— Mas Will já tinha avisado que o sr. Wood só atendia com
horário marcado.
— Sim, mas não custava tentar. — Virou o rosto para me
olhar outra vez. — E foi lá que conheci Cindy. Ela se propôs a me
ajudar.
— Ajudar como? — Ergui uma sobrancelha, desconfiada. —
A te dar prazer enquanto espera pela reunião?
— Quê? — Ele se virou de lado outra vez, um sorriso de
orelha a orelha. — Você acha que Cindy e eu transamos?
— Isso não é da minha conta. — Cruzei os braços e desviei o
olhar para o outro lado.
— Não é mesmo — respondeu e voltei a encará-lo. — Mas
nunca escondi de você as garotas que levei para minha cama, não
teria motivos para fazer isso agora.
— Tá, Luigi. Então se você não comeu a Cindy, qual é o
lance entre vocês? Em que ela vai te ajudar? — Agitei as mãos no
ar, esperando uma explicação lógica para ele ter passado a noite
fora.
— Na verdade, ela já está me ajudando. Ontem ela me
convidou para ir a um evento no qual eu poderia conhecer o sr.
Wood e ter uma conversa informal. Mas infelizmente, ele não
apareceu.
— Será que ela já não sabia que Trevor não estaria lá e não
inventou essa papagaiada só para sair com você?
— A Cindy Harper? — Ele sentou-se e ficou de frente para
mim. — Você só pode estar de brincadeira, né?! — semicerrou os
olhos, duvidando da minha pergunta.
— Ué? — Dei de ombros. — Você é um músico bonito e
talentoso. Tá cheio de garota louca pra “dar” pra vocalistas gostosos
como você.
A minha resposta o fez abrir um sorriso preguiçoso e eu
revirei os olhos outra vez.
— Nem se ache! — Já fui logo dizendo e o sorriso dele virou
uma gargalhada.
— Vou tentar. Mas é difícil não me achar, nem que seja um
pouquinho… — Gesticulou com os dedos. — Depois de escutar a
minha melhor amiga dizer: “você é um vocalista gostoso”.
— Beleza. — Estiquei-me para pegar o celular outra vez,
ignorando seu jeito convencido. — Agora você deveria tirar essa
roupa que te faz parecer seus irmãos e descansar um pouco. Mais
tarde temos que ir para o show. O último do ano, antes das férias.
A última frase saiu na forma de alívio. Eu estava esgotada,
precisava de uns diazinhos para descansar, voltar a fazer tatuagens,
nem que fosse em peles artificiais. Derreter o cérebro em frente à
televisão assistindo Friends, minha série de conforto favorita desde
que a professora do cursinho de inglês passou alguns episódios
para a turma treinar o idioma. Ou fazer qualquer coisa bem banal
que não envolvesse música ou viagem. Inclusive, precisava de um
caderno de rabisco novo, ou começaria a vandalizar as paredes só
para poder desenhar.
— Tô indo. — Ele desceu da cama e começou a desabotoar
a camisa da maneira mais despretensiosa possível. — Vou tomar
banho. Até depois, docinho. — Abriu a porta e saiu.
Peguei o travesseiro, enfiei a cabeça e dei um grito. Tudo
estava tão confuso e apenas… demais. Então me sentei de uma vez
na cama, respirei fundo e, decidida a me presentear com uma noite
de prazer após o show, peguei o celular na mesinha de cabeceira e
mandei uma mensagem para Derek. O cara era lindo pra cacete e,
para a ocasião, era o que bastava. Ainda não conhecia muito sobre
ele, já que nem conversamos direito, até porque, entre quatro
paredes, ação é tudo, e o cara mandava muito bem no quesito me
dar orgasmos múltiplos. Era disso que eu precisava: momentos sem
pensar em absolutamente nada.
Precisando de um banho, me levantei da cama e tranquei a
porta do quarto. Mas antes que eu entrasse no banheiro, meu
celular começou a tocar. Peguei-o de cima da cama e fiquei
surpresa ao ver o nome de Will no visor.
O que será que ele queria?
Atendi o telefone, apreensiva.
— Bom dia, minha Barbie Metaleira! — cumprimentou com
sua usual animação e eu revirei os olhos mentalmente. Aquele
apelido era ridículo.
— Bom dia, Will! Aconteceu alguma coisa? Você nunca me
liga.
— Não fale assim que me sinto um péssimo agente.
— Não se sinta — retruquei. — Luigi é o representante da
banda. Confiamos muito na escolha dele e ele confia em você.
— Confiança é tudo, minha cara. E acho que sem querer
você tocou no assunto que eu queria falar.
— Não entendi. — Franzi o cenho, mesmo que ele não
pudesse ver.
— Hoje cedo, olhando as notícias, vi que Luigi foi a uma festa
com Cindy Harper. Sabe se eles estão tendo um caso?
— Não que eu saiba.
— Menos mal! — falou com tom de alívio.
— Mas por que o interesse? E o que isso tem a ver com
confiança? — inquiri, curiosa.
— Gostaria que soubesse que já fui agente de Cindy Harper,
mas deixei de trabalhar com ela porque é uma pessoa egocêntrica e
mentirosa. Para você ter uma ideia, o ex-namorado dela estava
envolvido com coisas erradas. Todo mundo que se aproxima dela se
ferra, essa mulher não presta. Acho que não seria bom para
ninguém da banda se envolver com ela.
— Desculpa, Will, mas preciso perguntar: que coisas erradas
foram essas?
— Não posso abrir essas informações por uma questão de
sigilo profissional. Mas posso advertir que essa garota não é boa
companhia para o seu amigo e nem para a reputação da banda.
— Obrigada pelo conselho, mas sem saber o que ela ou o ex-
namorado fizeram de errado fica muito difícil de entender a sua
preocupação.
— Tudo bem, só liguei mesmo porque achei que você deveria
saber disso e ficar de olho no seu amigo caso ele comece a agir de
maneira estranha. Por favor, não fale para Luigi que te liguei.
Preciso conversar com ele antes.
— Tudo bem.
— Obrigado, Kit. Bom show para vocês. E se não nos
falarmos nos próximos dias, feliz Ano Novo!
— Pra você também! — agradeci e encerrei a ligação com
uma pulga atrás da orelha.
Will pareceu mais querer especular do que outra coisa. Luigi
gostava de Cindy, mas eu não podia dar a minha opinião sem antes
conhecê-la. Meu amigo não costumava se aproximar de gente
errada, mas eu investigaria e se houvesse algo, daria um jeito.
Afinal, faria qualquer coisa para protegê-lo.

Aquele era o último show do ano. Luigi estava dando tudo de


si, pulando e agitando com o público. Podia sentir a sua voz já
cansada, afinal, foram muitos meses sem descanso naquela turnê.
No entanto, eu tinha certeza de que o público nem sequer notou a
sua exaustão. Ele estava sem camisa e o cós da calça preta
descansava muito abaixo de sua cintura, dando um vislumbre
maravilhoso do seu abdômen definido e do elástico da sua cueca da
Hugo Boss. Ele era uma perdição para qualquer garota. Eu sabia
disso e ele também.
Luigi tocava a sua guitarra vermelha com paixão. Já no final,
tocamos a música Bad Company do Five Finger Death Punch,
seguida de The Real Life, uma das nossas músicas autorais e por
fim, a Smells Like Teen Spirit que vinha sendo a música de
encerramento do show. Quando dei por mim, estávamos no
despedindo do público.
Assim que terminou a nossa apresentação, desci do palco,
extasiada. Primeiro abracei Fly e depois Nick. Então, por último,
pulei em Luigi, que me girou. Animados, seguimos para o camarim.
Tínhamos encerrado a turnê e, enfim, teríamos alguns dias de
descanso. E eu, naquela noite, teria muitas horas de prazer. Estava
ansiosa para encontrar Derek, mas o que Will tinha falado sobre a
popstar ainda me cutucava no fundo da mente.
Pensei em conversar com Luigi sobre o tema, mas não achei
que devesse falar, ao menos, por enquanto. Ele sempre me contava
tudo o que acontecia, ou seja, se Will ligasse para ele para falar
sobre Cindy, em breve, eu saberia. Por isso, mesmo incomodada,
decidi não comentar.
Luigi abriu a porta do camarim e as suas duas convidadas já
estavam lá. Derek ainda não tinha chegado. Luigi cumprimentou as
meninas e em seguida nos apresentou. Hanna tinha cabelos e olhos
castanhos. Além de simpática, era bastante emotiva. Ela me
abraçou aos prantos, feliz em me conhecer pessoalmente. Cindy
tinha a minha altura em cima de um salto doze. Era bem miudinha.
Pela televisão, não aparentava ser tão pequena.
Tiramos fotos com Hanna que nos presenteou com os
melhores cookies que comi na vida. Ela conseguiu conquistar a
todos pelo estômago, principalmente Fly, que vivia com fome.
Luigi pegou uma garrafa de cerveja e sentou-se em uma
poltrona do camarim. Nick permaneceu no sofá e notei que ele ficou
mais introspectivo. Fly deu toda atenção do mundo para a sua fã e
Cindy ficou de papo com Luigi.
Para a minha alegria, Derek abriu a porta do camarim e
adentrou a sala me fazendo sorrir. Ele tinha o cabelo longo, quase
na altura dos ombros. Os fios castanhos tinham um tom
avermelhado, sem dúvidas queimados do sol. Ele era surfista nas
horas vagas. Tinha o corpo muito definido e a pele bronzeada.
Simplesmente, lindo.
Ele se aproximou e o beijei sem melindre. Afinal, ele seria o
meu acompanhante daquela noite.
— Que bom que chegou! — exclamei, olhando para seus
olhos castanhos.
— Senti muito a sua falta — ele declarou e tive que forçar um
sorriso.
Nossa, tínhamos nos encontrado apenas uma vez e ele já
estava sentindo muito a minha falta? Isso chegava a ser um
exagero.
— Deixa eu te apresentar para as convidadas de Luigi. —
Mudei de assunto para não deixar transparecer que não havia
reciprocidade naquele sentimento. — Essa é Hanna e essa é Cindy
Harper, mas acho que você já a conhece da TV.
— Claro que sim! — respondeu, entusiasmado.
Ele cumprimentou todo mundo e enlaçou minha cintura de
forma possessiva. Luigi me deu uma secada que me senti pelada
por um segundo. Desviei o olhar para Cindy, dava para ver que ela
tinha notado a troca de olhar, mas apenas sorriu, afinal, o que ela
poderia fazer?
— Gostaria de dar uma esticadinha essa noite, Hanna? — Fly
convidou e eu olhei para os dois que já estavam grudados.
Eita, Fly não perde tempo! Só ele para ir de zero a oitenta em
menos de uma hora.
— Muito obrigada pelo convite… — Hanna o encarou com
encantamento. — Mas amanhã tenho que abrir a cafeteria muito
cedo. Quem sabe outro dia. — Sorriu, mas dava para ver que ela
estava doida para passar a noite com o seu ídolo.
— Que pena! — Fly balançou a cabeça com pesar.
— Mas se quiser, pode me acompanhar até a minha casa…
— Não precisa convidar duas vezes, lindinha. — Ele abriu um
sorriso enorme. — Saiba que agora que estou de férias, com
certeza irei tomar muitos cafés com você.
— Será uma honra receber uma celebridade em minha
cafeteria — Hanna disse, em êxtase.
Meus olhos saltavam de um para o outro enquanto eu
segurava um gritinho… era bonitinho demais de ver.
— Bom, gente, vou sair com Derek — avisei, voltando a
encarar o meu acompanhante antes que minha glicose explodisse.
— E eu vou acompanhar Cindy até em casa. — Luigi se
levantou e colocou a long neck vazia sobre a mesinha lateral.
Depois pegou o celular que estava carregando ao lado e a jaqueta.
— Que ótimo! — Cindy se manifestou com entusiasmo. —
Preciso mesmo entregar suas roupas que ficaram lá em casa e que
me esqueci de trazer.
— Uhhhh… Luigi já está deixando até peças de roupa na
casa de Cindy… o bagulho tá ficando sério — Fly brincou e Luigi
deu uma piscadinha indecifrável para o amigo.
— Também vou nessa! — Nick se levantou.
Notei que Cindy o olhou de esguelha e um rubor tomou suas
bochechas, mas ela logo abaixou a cabeça e fiquei me perguntando
se estava imaginando coisas… talvez estivesse.
— Vamos, baby? — convidei Derek e ele assentiu, todo
sorridente.
Então, em nosso último show, em vez de comemorarmos
juntos o final da turnê, nos dispersamos. No fim, seria bom para
todos. Tínhamos ficado juntos desde que chegamos aos Estados
Unidos e viver uma noite de aventuras separados seria revigorante
para toda a banda.
— Tá, agora me conta qual é o seu lance com Kit? — Cindy
perguntou, assim que entramos no banco de trás do carro. Joseph
ia nos levar até a casa dela.
— Meu lance com Kit? — Estreitei os olhos e me ajeitei no
banco para encará-la. — Não tem lance. Somos só amigos, na
verdade melhores amigos — contei e ela riu.
— Pare, Luigi. — Balançou a cabeça em negação. — Quem
você quer enganar?
— Mas é verdade. Somos amigos desde criança. Não temos
nada além de amizade — falei com convicção.
— Conheço muito bem o olhar que você deu pra Kit. Cara,
você gosta dela.
— Do que você está falando? Não teve olhar algum! Você
que está vendo coisas. — Curvei os lábios em um sorriso matreiro.
— Estou vendo muitas coisas e entre elas, vejo um cara
apaixonado renegando seus sentimentos diante da mulher que ama.
— Caralho, mulher! De onde você tirou isso? Mas, sério,
espere aí. — Puxei o celular do bolso. — Vou até anotar porque
pode virar trecho de alguma música.
Ela riu outra vez.
— E sabe o que mais eu vejo? — perguntou e voltei a olhar
para ela. — Vejo que é recíproco.
— Agora você tá pegando pesado, Cindy. — Guardei o
celular no bolso de novo. — Kit e eu nunca seremos um casal. Não
sei por que você acha isso.
— Porque já me apaixonei e sei bem como é. Só não
entendo o motivo de vocês não se entregarem a essa paixão.
Aconteceu alguma coisa?
Abaixei o olhar, rememorando o passado, flashes da noite em
que Kit e eu nos beijamos invadiram minha mente.
— Há alguns anos, a gente se beijou, mas decidimos não
investir em um relacionamento para não estragar a amizade incrível
que tínhamos — desabafei, aquele era um segredo que jamais tinha
contado para ninguém, mas que me senti confortável para revelar a
ela.
— Olha, meu amigo… — Ela pousou a mão sobre a minha,
me fazendo subir o olhar. — Acho que vocês estão enganados. Em
um amor embebido de amizade, nunca faltará respeito, nem
compaixão, nem compreensão. Um amor que vai além do sexo é
capaz de suportar qualquer coisa. Não consigo imaginar como
vocês não dariam certo juntos.
As palavras de Cindy causaram um arrepio em minha
espinha. Perdi as contas de quantas vezes eu tinha me questionado
sobre isso. Mas, para mim, era um assunto morto e enterrado. Não
fazia o menor sentido reviver uma ferida que já tinha até criado
casca.
— Isso é passado. Estamos em outra. Mas, preciso te dizer,
Cindy Harper: você está me inspirando a compor uma música. Seu
potencial para compositora está se mostrando extraordinário. —
Mudei o curso da conversa e abri um sorriso. Aquele era o meu
melhor disfarce.
Cindy balançou a cabeça de novo, mas pareceu pegar a
deixa de que eu não queria continuar aquela conversa.
— Dizem que as melhores músicas são aquelas que
compomos com o coração. Então creio que essa fará sucesso.
Engoli em seco e assenti em silêncio. Preferi não falar mais
nada para não correr o risco de cair em outra armadilha. Ela
pareceu respeitar meu silêncio, mas continuei apreensivo. Por sorte,
Joseph estacionou em frente à mansão de Cindy e descemos do
carro.
— Vamos entrar, Luigi. Deixei as suas roupas em uma sacola
aqui no sofá. — Ela caminhou em direção à sala de estar e eu a
segui.
— Valeu, Cindy! — agradeci quando ela me entregou a
sacola.
— Não precisa agradecer. A propósito, depois do Ano Novo,
no dia cinco, fui convidada para uma festa. Muitos artistas,
produtores e donos de gravadoras estarão presentes. Pode ser que
você tenha a sorte de encontrar o sr. Wood. Se quiser me
acompanhar, só me avise que coloco o seu nome na lista de
acompanhante.
— Com certeza irei! — Aceitei o convite sem pestanejar.
Eu precisava falar com Trevor. Ainda estava muito
incomodado com a falta de grana na conta bancária da banda, com
o fato de Will não estar na lista de agentes credenciados da
gravadora Rock Star e com a demora em ele conseguir uma reunião
com o sr. Wood.
— Combinado! — Ela se moveu até um aparador com
bebidas. — Gostaria de um drinque?
— Valeu, Cindy! Mas quero ir para casa, pegar a minha moto
e pilotar a esmo. Depois de tantos shows e tantas pessoas à minha
volta, estou precisando ficar sozinho.
— Então, bom passeio, mas o convite e o ouvido amigo
estarão sempre aqui se precisar — afirmou, dando um sorriso gentil.
Aproximei-me dela e depositei um beijo em sua bochecha.
— Você é uma boa amiga!
— Você também é um amigo maravilhoso. Agora vai
descansar, rockstar! — Meneou a cabeça em direção à porta. —
Joseph vai te levar.
Agradeci outra vez e saí da casa de Cindy sentindo uma
necessidade imensa de escrever. Sempre que tinha uma inspiração
e não estava com o meu caderno de música, digitava no bloco de
notas do celular para não me esquecer. Mas eu não abria mão do
meu caderno. Embora fosse adepto à tecnologia, ainda preferia
papel e caneta quando o assunto era desnudar a minha alma em
versos.

Cheguei em casa e não havia ninguém. Pelo visto, a galera


planejava varar a noite em comemoração pelo fim da turnê. Horas
atrás, eu tinha decidido abandonar a letra que comecei a escrever
na madrugada anterior, mas, depois daquela conversa com Cindy,
mudei de ideia.
Entrei em meu quarto e acendi a luz. Larguei a sacola de
roupa em cima da cama e abri a gaveta da mesinha de cabeceira.
Peguei meu caderno de música, caneta, uma carteira de cigarro
fechada, um cantil com uísque e dois dos vários baseados que
Amber tinha me dado no dia da festa que Will promoveu em nossa
casa. Na verdade, a mulher tinha de tudo, era uma farmácia
ambulante. Me lembrei do outro pacote que ela tinha colocado na
minha gaveta antes de sair, um “presentinho”, que eu ainda
precisava procurar na bagunça e me livrar depois, mas no momento,
tinha outras coisas em mente.
Percorri de moto a Pacific Coast Highway até o local que eu
tinha passado a noite anterior. Antes de voltar a escrever, fumei os
baseados, totalmente absorto nas palavras de Cindy. Sem querer,
ela tinha conseguido fazer com que eu me reconectasse com alguns
sentimentos.
Escrevi algumas frases que depois precisaria juntar com a
outra parte da letra.
I didn’t show you all I had inside
(Não te mostrei tudo o que havia dentro de mim)
Now I’m being dragged away into a dark tide
(Agora estou sendo arrastado por uma maré sombria)
I feel that I’m falling in a deep hole thru
(Sinto que estou caindo em um buraco profundo)
Denying this love, I know I’m a fool
(Negando esse amor, sei que sou um tolo)
Outra vez, adormeci recostado no declive do terreno, no
entanto, não foi a luz do sol que me despertou naquela manhã e sim
o toque insistente do meu celular. Meus olhos eram sensíveis à
claridade e levei algum tempo para conseguir ver quem estava me
ligando.
Will? O que será que ele queria falar comigo tão cedo?
Atendi o celular um pouco mal-humorado, mas pelo tom com
que me cumprimentou, meu agente também não parecia estar em
seu melhor dia. Antes que eu pudesse acordar direito, ele foi logo
dizendo:
— Não acredito que você está saindo com a vadia da Cindy
Harper.
— Do que você está falando? — Ajeitei-me no gramado,
sentindo as costas reclamarem por ter dormido sentado.
— Caralho, Luigi! Com tanta mulher nesse mundo, você vai
trepar justo com a Cindy? O que deu em você?
— De que porra você está falando, Will?
— Acha que não vejo as notícias, caralho? Vi fotos de vocês
dois no coquetel da Wanda Collins e depois fiquei sabendo que
Cindy estava enfiada em seu camarim. Essa garota cheira a
problema.
Eu já tinha acordado com um humor da porra, mas ser
bombardeado por cobranças infundadas me deixou mais puto.
— Olha, Will. Vamos colocar os pingos nos “is”, tá legal?
Primeiro de tudo, você é agente da banda e não do meu pau. E
segundo, por que diabos você está falando mal de Cindy?
— Por ser agente da banda é que estou te advertindo. —
Abrandou o tom. — Cindy Harper é perigosa e está envolvida com
gente barra pesada. Se você continuar saindo com ela, poderá
afetar tanto a sua reputação quanto a da banda.
— E com o que tipo de gente essa garota tão perigosa está
envolvida? — perguntei, meu tom transbordando deboche.
— Com o tipo de gente que pode foder com a sua vida. Mas,
deixa pra lá. — Soltou uma lufada de ar, contrariado. — Já que você
não consegue confiar no seu agente, vou deixar que você veja por
si. Depois não diga que eu não avisei.
Nunca tinha visto Will alterado. Normalmente, ele falava
manso e comia pelas beiradas. Mas, dessa vez, ele estava muito
puto. Guardei o celular no bolso da jaqueta e me levantei. Precisava
me esticar com urgência.
Juntei minhas coisas que estavam atrás de uma pedra e
marchei para a moto. Guardei tudo na maleta de couro lateral,
coloquei o capacete e dei partida. Eu já estava sendo consumido
por um turbilhão de pensamentos, mas a ligação de Will tinha
conseguido me deixar ainda mais pilhado.
Entrei em casa e Kit estava descendo a escada com a cara
amassada de quem tinha acabado de acordar. Os cabelos rosa num
coque bagunçado, usando short jeans, meias coloridas com
desenho de hambúrgueres que alcançavam o meio da panturrilha e
um moletom preto enorme que caberia, no mínimo, duas dela.
— Como foi a sua noite com o surfista? — perguntei,
caminhando em sua direção.
— Foi muito boa! — Parou no pé da escada. — Mas presumo
que a sua noite deva ter sido muito melhor do que a minha, já que
está chegando a essa hora em casa — disse bocejando e coçando
um dos olhos.
Por um momento, apenas parei e me deliciei com a voz dela,
que já tinha um tom rouco e metálico, mas que logo quando ela
acordava, ficava ainda mais grave e sexy. Ah, como precisava
daquilo, da voz…
— Duvido muito. — Por fim, passei o meu braço por cima dos
ombros dela e a guiei até a cozinha. — Vamos tomar café, docinho.
— Mudei o curso da conversa de propósito. Não queria falar sobre
Cindy e nem sobre o cara com quem ela tinha saído.
Kit afundou o nariz na minha roupa e se afastou para me
encarar.
— Andou fumando baseado? — Tombou a cabeça, os olhos
apertados, me analisando. Ela conhecia muito bem aquele cheiro.
Mordi o cantinho do lábio e dei uma piscadinha marota em
resposta. Kit revirou os olhos e balançou a cabeça em negação.
— Não me olhe assim, docinho… — Puxei-a para um abraço.
— Só queria relaxar depois de todos esses shows.
— A gente não tinha combinado que fumaríamos só se
estivéssemos juntos? De onde você tirou esses? Achei que nosso
estoque tinha terminado. Você anda fazendo muita coisa escondido
de mim ultimamente. — Ela voltou a se afastar, me encarando com
ar chateado.
— Kit, relaxa nas cobranças, tá? Caramba, eu fumo e é você
que fica paranoica? Ganhei da Amber, não falei porque me esqueci
e ainda sobrou um pouco. Prometo que na próxima vez, faço
questão de pedir permissão. — Passei a mão nos cabelos,
bagunçando os fios, tentando desanuviar a tensão.
— Tá, Luigi, exagerei, desculpa. Mas o que faço com você,
hein? — Soltou um suspiro e se dirigiu até a cafeteira.
— Toma café comigo — sugeri, divertido, olhando para o seu
perfil.
Kit apertou os lábios para segurar o riso. Então me aproximei
de suas costas e fiz cócegas em sua cintura. Ela se virou num pulo
assustado e não conseguiu deixar de sorrir.
— Gosto de te ver sorrindo.
— Pare, Luigi! — repreendeu, sem conseguir ficar séria.
— Mas é verdade. Você tem um sorriso lindo. Detesto
quando fica revirando os olhos — falei, depois de ganhar outra
revirada de olhos.
— Tá! Então me deixa fazer o café e vai arrumar a mesa
enquanto isso.
Depois de termos tomado café juntos, subi para o meu quarto
para tomar banho. Meus cabelos estavam grudentos, uma mistura
de suor do último show e da maresia. Pretendia descansar um
pouco, depois de não ter dormido quase nada na noite anterior. Um
descanso mais do que merecido após meses de trabalho insano, e
pela falta de dinheiro na conta, ingrato também.
Pensar em tudo isso me deixava muito intrigado. Queria
respostas, já fazia tempo que sentia que algo estava errado. Mais
estranho ainda foi receber uma ligação tão cedo de Will me
acusando de estar com Cindy.
Porém, eu não pretendia ligar para ela e questionar. Pelo
menos, não por enquanto. O dia seguinte era véspera de Ano Novo
e eu queria terminar o ano sem mais tensão. Cindy estava sendo
muito legal comigo e eu não queria chateá-la. Quem sabe quando
fôssemos à próxima festa juntos, tentaria sondar alguma coisa.
Mas antes, eu precisava pagar uma dívida. Peguei a minha
jaqueta que estava na sacola de roupas que Cindy me entregou à
noite e retirei o papel com o telefone de Andy, a recepcionista que
me ajudou a chegar ao sexto andar da gravadora. O mais próximo
que cheguei de Trevor até hoje. Eu apostava que poderíamos nos
divertir naquela noite e de quebra, eu poderia conseguir algumas
informações privilegiadas sobre o sr. Wood ou até mesmo sobre
Will.
Sentei-me na cama só de cueca e mandei mensagem para
Andy, a convidando para sair. Ela respondeu na velocidade da luz.
Saber que a veria à noite me fez sorrir. Animado, abandonei o
celular na mesinha ao lado e peguei o violão do suporte. Recostei-
me na cabeceira e comecei a dedilhar parte da música que Kit e eu
tínhamos cifrado dois dias atrás. Queria continuar com os arranjos,
mas, dessa vez, sozinho. A música estava se tornando pessoal
demais para dividir com ela naquele momento.

No final do dia, Kit bateu na porta e entrou em meu quarto.


— Vai sair? — Ela me encarou com o cenho franzido.
— Tenho um encontro… — Sorri, ainda estava sem camisa e
fechando o cinto da calça. Depois peguei a camiseta que eu tinha
deixado em cima da cama.
— Com Cindy? — Arqueou uma sobrancelha com ar
desconfiado.
— Nop! — Ampliei o sorriso e vesti a camiseta. Ajeitei os
cabelos com a mão e me aproximei dela. — Por enquanto, não vou
dizer quem é… — Beijei seu rosto em despedida. — Até depois,
docinho.
— Vai dormir em casa? — perguntou alto e me virei para
responder. Ela estava saindo do quarto.
— Yep. — Dei uma piscadinha marota e ela assentiu. Então,
saí.
Combinei de buscar Andy em casa e ir a um bar country. Um
lugar onde possivelmente ninguém me reconhecesse. Eu duvidava
que a minha fama se estendesse até esse público, então podia
apostar que seria uma noite mais tranquila.
Quando estacionei a moto em frente à casa de Andy, ela já
estava me esperando. Vestia calça justa, cropped e um casaco
longo. Desci da moto e tirei o capacete para cumprimentá-la.
— E aí, bad boy! — Ela me cumprimentou e dei um beijo em
seu rosto. — Achei que nunca mais te veria.
— Eu disse que ligaria…
— Disse mesmo. — Assentiu com um sorriso.
— Coloca isso e vamos beber alguma coisa. — Entreguei o
capacete a ela.
Andy o colocou e eu subi na moto.
— Pronta? — perguntei assim que ela se ajeitou na garupa.
— Prontíssima!
Dei partida e conduzi até o Tex-Bar, um lugar frequentado por
moradores e longe do glamour californiano. Perfeito para tomar uma
cerveja e conversar.
— Não sabia que você gostava de country. — Andy sorriu ao
analisar a fachada do bar que tinha um crânio de boi com enormes
chifres na porta de entrada.
— Gosto de música boa, mas prefiro rock.
— Então por que me trouxe a um bar country? — Torceu o
lábio, fazendo um biquinho.
— Porque aqui tem música boa e poderemos beber e
conversar sem que eu seja reconhecido. Ou você prefere dividir a
minha atenção com outras garotas? — Dei um meio sorriso,
provocando.
— Hoje não quero dividir você com ninguém. — A
curiosidade dela se converteu em um sorriso. — Vamos entrar. —
Meneou a cabeça em direção às portas vai-e-vem típicas daquele
tipo de estabelecimento.
Enlacei a cintura de Andy e a conduzi para o interior do bar.
Havia um balcão alto com bancos dispostos logo à frente. Tinha
algumas mesas de bilhar, uma Jukebox no fundo do bar e algumas
mesas próximas às janelas. Decidimos nos sentar em uma mesinha
de dois lugares e pedimos cerveja.
Conversamos um pouco e Andy me contou várias coisas
sobre a gravadora e Trevor. Nada que fosse importante para minha
investigação particular, mas saber as curiosidades de algumas
celebridades me divertiram muito.
— E o que você sabe sobre Will Parker? — questionei,
esperançoso de que ela me desse alguma informação que me
ajudasse.
— Não sei muito sobre ele. Mas pelo que ouvi dizer, ele e o
sr. Wood se conhecem há muito tempo. Às vezes, Will vai até a
gravadora, mas raramente o meu chefe o atende. Sei lá qual é o
esquema deles.
Tudo estava ficando cada vez mais confuso. Will conhecia o
sr. Wood, mas não estava na lista de agentes credenciados. Tinha
alguma coisa estranha…
— Podíamos dançar antes de ir embora. — Andy tocou
minha mão sobre a mesa, me fazendo sair do devaneio.
— Com certeza. — Esbocei um sorriso e me levantei. Estendi
a mão para que ela se levantasse e me acompanhasse até a
Jukebox para escolhermos uma música. Parei diante da máquina e
coloquei uma moeda. — Quer escolher uma música?
— Não mesmo, bad boy. Me surpreenda! — Encarou-me de
cima a baixo e sorriu com malicia.
Escolhi uma música que há tempos não escutava e a puxei
para dançar. Andy envolveu os braços em meu pescoço e minhas
mãos se ajustaram a sua cintura. Enquanto dançávamos, eu
prestava atenção na letra da música que nunca teve significado
algum para mim, até aquele momento. Quase nunca pensava em Kit
quando saía com uma garota, mas minha mente traidora me levou
direto para ela. Então, a música que nunca tinha mexido comigo,
pareceu tão pessoal quanto a que eu estava compondo.
If I’m gonna be famous
(Se eu vou ser famoso)
Girl, I wanna be famous with you
(Garota, eu quero ser famoso com você)
We got our little groove
(Nós temos o nosso próprio ritmo)
I don’t wanna be a one man band
(Eu não quero ser uma banda de um homem só)
A letra da música One Man Band da banda Old Dominion, me
transportou. Meu olhar estava longe e meus pensamentos mais
distantes ainda.
— No que você está pensando? — Andy me fez sair do
transe e voltei a encará-la.
Sorri desconfortável por ter me perdido em pensamentos
enquanto devia estar apenas dançando com ela.
— Na letra da música. — Apressei-me em responder.
— Ah… — Ela riu e balançou a cabeça em negação. —
Como não pensei nisso? Estou dançando com um músico — falou
com diversão e eu assenti, engolindo o meu sentimento.
— O que acha de sairmos daqui? — convidei e ela mordeu o
lábio inferior, os olhos faiscando de desejo.
— Acho ótimo!
Peguei a mão de Andy para guiá-la para fora do bar, mas um
empurra-empurra entre alguns caras bêbados bem em nossa frente
bloqueou a passagem. A agitação só aumentava. Vi um deles dar
uma garrafada na cabeça do outro. Por instinto, me coloquei na
frente de Andy para que ela não fosse atingida.
Não conseguia nos tirar daquela situação, o bar todo estava
trocando socos, até que o inevitável aconteceu: levei um soco
gratuito e fiquei muito puto.
— CARALHO! VAI SE FODER, SEU BOSTA! — Empurrei o
bêbado para longe.
O homem cambaleou para trás e antes que ele viesse para
cima de mim, outro cara foi para cima dele. E os dois continuaram
trocando socos. Com uma brecha no caminho, puxei Andy até a
saída do bar.
A adrenalina fervia meu sangue. Quando chegamos ao lado
da moto, olhei para Andy com preocupação.
— Você está bem?
— Estou. — Ela se aproximou e tocou a maçã do meu rosto
com a ponta dos dedos. — Mas acho que vai ficar roxo.
— Que caralho! — Soltei uma lufada de ar, irritado. —
Desculpa ter trazido você aqui…
— Você não teve culpa, Luigi. — Andy exibiu um sorriso
pequeno.
— Vamos, vou te levar para casa. — Entreguei o capacete
para que ela o colocasse.
Parei na frente da casa de Andy e assim que ela desceu da
moto e me devolveu o capacete, também desci e a acompanhei até
a porta.
— Obrigado por hoje, mas ainda estou em débito com você…
— Você não me deve nada. — Ela diminuiu a distância e
encostou os lábios em minha orelha. — Mas se quiser, ainda posso
te dar prazer… — sussurrou, então afastou a cabeça e umedeceu
os lábios de um jeito exageradamente sexy.
— Quem sabe outro dia, Andy. Hoje não vai rolar. — Forcei
um sorriso e dei um passo para trás. O soco na cara e o caminho
que minha mente tomou com aquela música, extinguiram toda a
minha vontade de ir além naquele encontro.
Sem sexo e muito puto com o resultado da noite, voltei para
casa.
Estava sozinha, esparramada no sofá, assistindo Friends
pela enésima vez. Toda vez que precisava parar de pensar e
apenas me sentir bem, a série era meu refúgio. Ainda mais agora
que, se eu fosse nomear esse momento como um título de episódio,
seria: “Aquele em que tudo parece fora do lugar”.
Estava tão imersa no meu mundo e nas confusões de Joey
que levei um susto quando Luigi entrou na sala com o rosto
machucado. Pausei o episódio e o encarei, analisando o inchaço.
— Se meteu em briga? — questionei, ficando de pé com um
pulo e me aproximando dele, então o puxei até o sofá para observá-
lo melhor.
Luigi se sentou, mas logo me puxou para o lado dele e se
deitou com a cabeça pousada nas minhas pernas, olhando para
cima.
— Antes fosse uma briga — resmungou.
— E o que foi então? — Passei os dedos entre os fios
embaraçados dos seus cabelos loiros. Admirando o seu rosto, que
parecia uma pintura de tão bonito.
— Fui a um bar e rolou uma briga. Acabei levando um soco
de um pinguço do caralho — contou, fitando o teto.
— Levou um soco de graça? — Ergui as sobrancelhas,
descrente e ele desviou o olhar para mim. Estava sério.
— Não acredita?
— Se você está dizendo, eu acredito. — Cruzei os braços e
me afundei mais no sofá, se ele não queria se explicar de um jeito
decente, eu não ficaria implorando para saber.
Nos últimos tempos tanta coisa estava acontecendo que eu
nem sabia se acreditava de verdade naquela história. Ele se sentou,
os olhos fixos aos meus.
— Sério, Kit? Como você pode não acreditar em mim? Por
que eu teria motivos para mentir para você? — Balançou a cabeça
em negação e se levantou do sofá, a mágoa transbordando dele.
— Ei, Luigi — Fiquei de pé e segurei a mão dele, o impedindo
de ir. Ele se virou e, outra vez, os nossos olhos se encontraram. —
Espera, vamos recomeçar, pode ser? Quer me contar como foi que
você ganhou esse olho roxo? — perguntei, tentando amenizar a
situação.
Nos últimos tempos, nem as nossas conversas estavam
seguindo o rumo que eu queria, sempre ficavam com um clima
estranho, o que só aumentava a agonia em meu peito e o tormento
em minha mente.
— Foi um dia longo e eu não estou de bom humor, e pelo
visto, você também não, vamos deixar isso para amanhã. —
Depositou um beijo no topo da minha cabeça. — Vou pegar gelo e
subir. Boa noite!
Ele subiu as escadas e o acompanhei com olhar. Fiquei me
sentindo culpada por não ter acreditado nele logo de cara como
sempre fazia, mas ele andava estranho desde o dia em que
conheceu aquela popstar. Luigi não era temperamental do tipo que
saía no braço com alguém. Talvez ele estivesse dizendo a verdade.
Eu queria acreditar que sim.
Sem vontade de continuar assistindo, voltei para o sofá e
peguei o celular que deixei debaixo da almofada em que eu estava
deitada até Luigi chegar. Abri o site de busca e digitei “Cindy
Harper”. Se ela tivesse algum podre, com certeza apareceria na
primeira página.
Eu não fazia ideia de com quem Luigi tinha saído naquela
noite. Ele negou que fosse com Cindy, mas, outra vez, estava difícil
de acreditar. Porque muita coisa mudou desde que ele a conheceu.
Pensando bem, até Nick e Fly mudaram depois que ela e a prima
apareceram em nosso camarim.
Fly estava indo todos os dias na cafeteria de Hanna e Nick
tinha entrado no modo “tortura”: mais calado e mais dedicado aos
treinos. Lembro-me que ele ficou assim quando o avô dele faleceu.
Era como um autoflagelo. Eu não conseguia ver nenhum motivo
concreto para ele agir assim, mas sendo coincidência ou não, tudo
começou quando Cindy entrou em nossas vidas.
Passei mais de uma hora vasculhando a vida da popstar. Não
encontrei nada sobre ela ou o tal ex-namorado que Will mencionou,
absolutamente nada que manchasse a reputação dela. Havia várias
notícias, mas tudo o que descobri foi que ela era uma maníaca por
roupas cor-de-rosa e saltos altíssimos.
Cansada, desliguei tudo e fui para o meu quarto. Senti
vontade de ir até o quarto de Luigi e me deitar ao lado dele como
fazíamos quando precisávamos desabafar. Mas desisti quando o
meu coração acelerou só de pensar nisso. Desejar estar com ele
era um sentimento fora de questão no momento. A nossa amizade
vinha em primeiro lugar, e eu ainda não tinha reconstruído a barreira
do meu coraçãozinho direito. Mais uma vez, me deitei na cama,
sozinha, me cobri com o edredom, peguei o travesseiro e me
encolhi. Foi assim que adormeci, dentro da minha conchinha mental.
Na manhã seguinte, acordei feliz. Era véspera de Ano Novo!
Desci as escadas saltitando e encontrei Fly e Nick na cozinha
tomando café.
— Bom dia, meninos! — cumprimentei. Peguei uma caneca
de cima da mesa e me servi de café. — Luigi ainda não desceu?
— Já, ele até já saiu de casa — Nick respondeu e me sentei
em uma cadeira na ponta da mesa. Fly e ele estavam frente a
frente.
— Vocês viram que ele estava com o rosto machucado? Ele
contou o que aconteceu? — instiguei, louca de curiosidade para ver
se Luigi tinha dito algo além do que havia me contado.
— Disse que foi a um bar com uma garota e levou um soco
de um bêbado. Parece que tava rolando uma briga na hora que eles
estavam indo embora. — Nick contou o que eu já sabia.
— Ele falou com quem estava? — Sorvi um gole de café e os
dois me encararam com ar confuso. — Que foi? — Dei de ombros.
— Só perguntei por curiosidade.
— Luigi só conta essas coisas pra você, não pra gente — Fly
disse, como se fosse óbvio.
— Até porque, Kit, a gente não está nem aí com quem ele
trepa ou deixa de trepar — Nick concluiu, totalmente absorto e eu
assenti.
— Pois é, também não é da minha conta, só são coisas da
minha cabeça… — desconversei. — Mas mudando de assunto, o
que vamos fazer hoje à noite? — Peguei um muffin de baunilha com
gotas de chocolate da caixa que estava sobre a mesa e dei uma
mordida.
— Acho que devíamos levar um cooler cheio de biritas para a
beira da praia, fazer uma fogueira e beber até o amanhecer — Nick
sugeriu.
— Boa ideia! — Fly abriu um enorme sorriso. — Na praia é
bom porque poderemos ver os fogos na virada do ano.
— Sim. Seria perfeito. Podíamos, inclusive, levar alguns
petiscos — considerei.
Depois de tomar café, subi para o quarto para me arrumar.
Queria ir ao mercado e passar na papelaria para comprar caderno e
outros materiais, coisa que há tempos eu não fazia. Eu era a louca
das canetinhas diferentes e todos os tipos de lápis, era uma
obsessão. Mas toda vez que deslizava um lápis com a ponta
novinha em um papel, eu chegava a estremecer de prazer. Essa era
uma das coisas banais que queria fazer durante as férias.
Fui e voltei do mercado e da papelaria, mas nada de Luigi. A
moto dele não estava ali. Entrei em casa e vi que os meninos
também não estavam. Até fazia ideia de onde Fly e Nick tinham ido,
mas Luigi, que sempre me contava tudo, mais uma vez, eu não
sabia onde havia se enfiado.
Arrumei a cozinha, já que a dona Carmelita não viria arrumar
a casa nos próximos dias. Ela tinha ido para o México passar uns
dias com a família que não via há um ano. Pensar nisso me fez
lembrar da minha família fragmentada e no meu gato de estimação,
Kat, que ficou aos cuidados do meu irmão.
Meu pai, o dr. Antônio Gouvêia, devia ter viajado para a praia
com a nova namorada, a dra. Amanda. E a minha mãe, Cristina
Arns, a renomada juíza, devia estar adiantando algum caso, mesmo
durante o recesso forense. Não duvidava que ela passasse a virada
do ano sozinha, trabalhando. Se ela começava algo, não parava até
concluir. Muitas vezes, meu pai disse que puxei meu lado obstinado
dela.
Aproveitei que os meninos não tinham voltado para ligar para
minha família e desejar feliz Ano Novo. Depois de ter colocado o
papo em dia com os meus pais, liguei para o meu irmão Eduardo.
Ele também era médico, mas diferente do meu pai que era
ortopedista, a sua especialidade era oncologia. E apesar da
diferença de idade, a gente se dava muito bem.
— Oi, Bella! — atendeu com entusiasmo. Ele nunca me
chamava de Kit, sempre pela abreviação de Isabella, o meu nome
de verdade. — Como está, maninha?
— Estou bem, Dudu. E você? E o Kat?
— Nós estamos bem! Seu gatinho tem visitado com
frequência a casa da vizinha. A senhora que mora na casa ao lado
tem uma linda gata branca. Acho que estão de caso — brincou e eu
ri, sentindo uma saudade de apertar o coração.
— Ele é danado, mesmo. E por falar em caso, você continua
saindo com Lily? — perguntei, curiosa, querendo saber se ele ainda
estava de caso com a melhor amiga de Olívia, a namorada de
Lorenzo.
Eles começaram a ficar em meio à confusão amorosa dos
irmãos gêmeos de Luigi, Lucca e Lorenzo. Foi uma situação bizarra
e digna de novela das nove, eu nem gostava de me lembrar.
— Vamos passar a virada do ano aqui em casa. Convidei
Lorenzo e Olívia para jantar com a gente, eles já tinham combinado
de jantar com os pais deles, mas depois virão para cá. E vocês, o
que vão inventar?
— Ah, a gente decidiu que vai passar a virada de ano na
beira da praia. Estamos cansados de agito. Um pouco de sossego é
bem-vindo antes de retornar às turnês.
— Que delícia. Um luau à beira mar parece ótimo!
— Verdade! Bom, liguei para saber com estavam as coisas
por aí, para desejar feliz Ano Novo e dizer que estou com saudades.
— Também estou morrendo de saudades, Bella. Se der certo,
nas férias de julho, vou te fazer uma visita.
— Que máximo! — falei, feliz de saber que reencontraria meu
irmão. — Vou adorar te receber aqui em casa.
— Vou combinar com Lily e, se der certo, iremos juntos.
— Combinadíssimo! — concordei, empolgada.
Meu irmão que nunca quis ter um relacionamento sério com
ninguém, já estava fazendo planos a longo prazo com a melhor
amiga de Olívia. Sempre imaginei que, assim como eu, ele tivesse
sentido a separação dos nossos pais e não desejasse passar pelo
mesmo, mas, ao que parecia, mudou de ideia.
Assim que desliguei, me sentei à mesa para testar todas as
canetas e lápis que comprei. Lá pelas quatro da tarde, Luigi chegou
em casa e nos encontramos na cozinha. Ele estava com seu
caderno de música debaixo do braço.
— Oi — cumprimentou sem muita emoção.
Seu olhar vagou por todos os meus materiais espalhados, e
ele deu um pequeno sorriso, já sabendo do meu ritual pós-ataque à
papelaria. Então colocou o caderno sobre a mesa, em um dos
poucos espaços que eu não ocupava, depois caminhou em direção
à geladeira.
— O que houve? Não está bem? Ainda chateado comigo? —
Olhei para ele com curiosidade. O machucado em seu rosto parecia
mais vermelho do que antes.
— Estou bem, e relaxa, não tô chateado. — Abriu a geladeira
e pegou uma garrafa de cerveja. — Quanta bebida! — Deu uma boa
analisada antes de fechar a porta e me encarar. — Onde vai ser o
festerê? — Abriu a garrafa e sorveu um generoso gole.
— Combinamos de passar a virada do ano na beira da praia.
Você virá com a gente? — Meu coração acelerou ante a
possibilidade de ele dizer que não.
Ele colocou a long neck sobre a mesa e assentiu.
— Claro! Será ótimo! Seremos só nós ou você pretende levar
o surfista? — Seu olhar era quase perfurante.
— Não. — Neguei, sacudindo a cabeça com veemência. —
Por quê? Você pretendia convidar Cindy?
— Só a convidaria se você ou os caras fossem levar
acompanhantes.
— Acho que a ideia é virar o ano diferente do resto do
mundo. Enquanto muitos estarão no agito e nas festas, na minha
opinião, nós precisamos de paz e calmaria. Ficar só nós mesmo —
expliquei, me esticando e pegando a garrafa de cerveja que ele
tinha deixado sobre a mesa.
— Por mim, tá tudo certo.
Assenti e bebi um gole.
— Saiu cedo… Tava aprontando algo?
— Não, só fui terminar o que não consegui fazer ontem. —
Ele pegou a garrafa da minha mão.
— Você anda tão misterioso… — Fitei a janela por um
instante e voltei a encará-lo. — Não conta mais com quem sai nem
aonde vai. Estou te sentindo distante. Fiz alguma coisa?
— De forma alguma, docinho! De onde você tirou isso? —
Meneou a cabeça em negação. — Só estou preocupado com o
nosso futuro aqui nos States. Sem contrato com a gravadora e sem
um norte, será difícil continuar.
A preocupação nublava seus olhos azuis. Sabia que estava
sendo sincero, eu podia sentir. Mas também sabia que havia algo
que ele não estava me contando, eu o conhecia muito bem, mas
aquele não era o momento de pressioná-lo. Luigi já parecia exausto
o suficiente.
— Vai dar tudo certo, Luigi. E se o certo for voltar para o
Brasil, nós vamos voltar. Não tem problema.
Ele anuiu com um gesto contido e bebeu outro gole de
cerveja.
— Vou tomar uma ducha, ligar para os meus pais e
descansar para aguentar a noite em claro.
— Também vou guardar tudo e descansar.
— Pelo jeito, não sobrou caneta na loja, né? — Arqueou uma
sobrancelha, uma sombra de diversão brilhando em seus olhos,
mas que logo sumiu. O semblante voltando a ficar cansado.
— Deixei algumas, não sou tão egoísta assim. — Dei uma
piscadinha.
Ele apenas sorriu e me deu um beijo na testa. Depois se
afastou, jogou a garrafa vazia no lixo, pegou o caderno de cima da
mesa e saiu da cozinha.
Será que ele estava com Cindy? Será que Will tinha razão de
essa popstar ser má companhia para Luigi? Será que Will tinha
conversado com ele?
As dúvidas estavam me deixando cada dia mais preocupada
e formando um redemoinho cada vez maior em minha cabeça.

A virada do ano foi incrível. Ficamos os quatro em volta da


fogueira, bebendo, cantando e dando risada. Parecíamos
adolescentes outra vez. Depois de algumas doses de uísque com
energético, não havia mais nada além da areia da praia e o mar.
Assistimos aos fogos de artifício à distância. De onde
estávamos, deu para ver o píer de Santa Mônica todo iluminado e o
show de fogos da virada. Nada comparado com o que faziam no
Brasil, mas muito bonito.
Mesmo o mar estando gelado, pulamos as sete ondas.
Estávamos tão alegres e embriagados que o simples fato de sentir a
água do mar molhar nossa roupa nos fazia rir. Brincamos de pega-
pega, como crianças. Estávamos nos divertindo muito até o
momento em que Luigi me pegou e caímos na areia, ele por cima de
mim, nosso rosto próximo demais. A risada foi diminuindo, nossos
olhos conectados. Os segundos pareceram uma eternidade.
Sentir a respiração dele tocar a minha pele fez um arrepio
percorrer minha espinha. Sem conseguir suportar, eu o empurrei, o
afastando de mim. Ele se deitou de barriga para cima na areia e me
levantei. Voltei para frente da fogueira e peguei um pacotinho de
Fini. Uma dose de glicose depois daquela bebedeira era o melhor
remédio para a embriaguez.
Depois da alegria do Ano Novo, Luigi voltou a ficar distante.
Saía cedo e nunca falava com quem tinha estado. Como se tivesse
erguido uma muralha entre nós. Eu só não conseguia entender o
motivo. A nossa amizade não tinha nada a ver com o contrato com a
gravadora, então duvidava que isso o tivesse afastado. Para mim,
ainda se tratava de Cindy.
Talvez, estivessem no início de um relacionamento e ele não
quisesse me contar. Embora a possibilidade de ele estar com
alguém fixo me incomodasse um pouco, o que realmente me
preocupava era se essa popstar era a pessoa certa para ele. Se ela
realmente estivesse envolvida com coisas erradas e Luigi tivesse se
metido em alguma merda por causa dela, acho que eu seria capaz
de fazer um picadinho daquela garota.
Minha cabeça estava a mil desde a noite em que saí com
Andy e ela me contou sobre a relação entre Trevor e Will. Depois do
incidente no bar, eu a deixei em casa e deixei o “nosso assunto”
inacabado. Então, depois de colocar a cabeça no lugar, acabei
voltando à casa dela na manhã seguinte para pagar minha “dívida
sexual”.
No entanto, Andy deve ter percebido a minha angústia e, em
vez de aceitar as minhas investidas exageradamente forçadas, ela
se propôs a fazer um almoço para nós. Fazia tanto tempo que eu
não comia comida caseira, que o convite pareceu um abraço de tão
gostoso.
Ela preparou carne de forno, batatas rústicas e um arroz
aromático que foi de comer rezando. Contou que fez curso de
culinária e que o seu sonho era abrir um restaurante, mas como não
tinha grana, continuava trabalhando na gravadora. Porém, no dia
em que conseguisse juntar todo o dinheiro, com certeza abriria o
seu próprio negócio.
Assim como Cindy, Andy também se mostrou ser uma boa
amiga. Para ela, a minha “dívida sexual” estava quitada pelo simples
fato de eu ter sido homem o suficiente para voltar à casa dela no dia
seguinte e ter almoçado com ela. O que foi ótimo porque, desde que
acabou a turnê, eu não estava conseguindo pensar em sexo. Kit
vinha invadindo a minha cabeça com mais frequência, sinal de que
antigos sentimentos que eu tinha soterrado dentro de mim estavam
voltando com força.
Isso ficou ainda mais claro na noite do Ano Novo, quando o
meu coração descompassou com a nossa aproximação e fiquei a
um milímetro de quebrar nosso acordo. Não sabia se foi o álcool, a
situação ou a confusão em meus pensamentos, mas naquele
instante, decidi que precisava me afastar dela ou correria sérios
riscos de cruzar uma linha intransponível.
Traguei o cigarro, fitando o horizonte azul. Depois que me
despedi de Andy, não consegui voltar para casa. Como de costume,
pilotei até o ponto mais alto da Pacific Coast Highway para refletir.
Imerso em pensamentos, soltei a fumaça e escrevi mais uma estrofe
da minha música. Em geral, as minhas inspirações costumavam
acontecer de madrugada, mas, naquele momento, as palavras
estavam transbordando de mim.
Please break this silence
(Por favor, quebre esse silêncio)
And tell me the true
(E me diga a verdade)
Confess that you love me
(Confesse que me ama)
You know how long I love you
(Você sabe há quanto tempo eu te amo)
Fechei o caderno e me levantei para ir para casa. Logo mais,
eu precisava me encontrar com Cindy. Enfim, teríamos outra festa
para ir e uma nova oportunidade de me encontrar com Trevor. Eu
que não era adepto a festas glamorosas como aquelas, desde o
último coquetel, estava ansioso por essa.
Entrei em casa e Kit estava em frente à televisão vendo, ou
melhor, revendo pela milionésima vez, o seu seriado favorito. Em
outro momento, eu teria me deitado ao lado de Kit e assistido
Friends com ela. Não que eu gostasse da série, mas porque
gostava da sua companhia. No entanto, os meus sentimentos
confusos associados à minha preocupação com o futuro profissional
da banda estavam me matando.
— Meu Deus, Luigi, você está com olheiras. Tá parecendo
um guaxinim que levou uma porrada, depois foi mastigado e
vomitado! — Ela pausou o vídeo, me encarando com perplexidade.
Devia estar mesmo, mas aquele era o reflexo externo do que
estava me consumindo por dentro.
— Se duvidar, deve até ter emagrecido, daqui a pouco o
vento te carrega. O que tá rolando com você, cara? — continuou,
me observando de cima a baixo.
— Oi pra você também, Kit. — De vez em quando, ela ia
direto na jugular. Essa franqueza era uma das coisas que mais
amava nela, mas quando era voltada para mim, ainda mais nesse
momento, era bem inconveniente.
— O que está acontecendo, Luigi? Onde você estava? —
Fitou o caderno em minha mão.
— Estava na praia. Mas estou atrasado, vou sair com
Cindy…
— Tudo agora é Cindy. Não existe mais nada ou ninguém no
seu mundo? — interrompeu a minha explicação.
— Com certeza existe. Você, o pessoal da banda, minha
família, a porra toda. Todo mundo tem seu momento, mas como eu
disse, estou atrasado. E será que dá pra você parar de pegar no
meu pé só um pouquinho? Caralho! — Passei por ela rumo ao meu
quarto no piso superior, tentando controlar a raiva para não falar
mais merda.
Não queria ser ríspido, mas Kit estava fazendo marcação
cerrada em cima de mim. Desconfiava de tudo o que eu falava e me
fazia cobranças que nunca tinha feito. Ao contrário do que ela
achava, desde a noite do último show, não saí mais com Cindy.
Contudo, por enquanto, eu não podia abrir o jogo sobre a minha
investigação e minhas desconfianças. Quem sabe, se me
encontrasse à noite com Trevor e tivesse respostas, eu me
acalmasse um pouco e voltasse a ser quem eu era, e minha amiga
também.

Após o banho, fui até a casa de Cindy. Dessa vez, o evento


seria de uma curadora de arte. Não tinha nada a ver com o show
bis, mas, pelo que fiquei sabendo, um produtor famoso faria uma
adaptação audiovisual da história de algum dos artistas. Haveria
uma produção grande por trás e a indústria fonográfica também
estaria envolvida. Ou seja, havia grandes chances de eu me
encontrar com Trevor. Quem sabe, até encontraria Will, já que ele
também fazia parte do meio.
— Você está linda! — elogiei, assim que Cindy desceu as
escadas.
Ela vestia um vestido furta-cor e sandália rosa, cor que era a
sua marca registrada. E a novidade: ela tinha mechas rosa nos
cabelos.
O cabelo rosa era algo com que eu estava bem familiarizado.
Confesso que Cindy ficou bonita com as mechas, mas Kit
combinava muito mais com o cabelo naquela cor.
— Esse visual merece ser registrado — falei, enquanto tirava
o celular de dentro do paletó. — Sorria! Vou tirar uma foto sua e
salvar junto ao seu contato.
Cindy sorriu e a fotografei.
— Deixa eu ver como ficou — pediu, enquanto tirava o celular
dela de dentro da pequena bolsa.
Ela me ligou e o seu rosto apareceu no visor do meu celular.
— Viu? Ficou linda! — Sorri e ignorei a chamada, guardando
o celular no bolso outra vez.
— Minha vez. — Ela se ajeitou e tirou uma foto do meu rosto.
— Prontinho, agora me liga para ver como ficou.
Tornei a pegar o celular e liguei para ela. Cindy mostrou o
visor do seu Iphone toda orgulhosa.
— Agora que estamos devidamente fotografados,
deveríamos ir ou vamos nos atrasar para o evento — adverti e ela
assentiu, sorrindo. Ofereci o meu braço e ela entrelaçou o dela,
então nos dirigimos até o hall.
Joseph já estava nos esperando com a porta do carro aberta.
Nós o cumprimentamos e adentramos o GMC preto. Suspirei e
Cindy fitou o meu rosto com olhar de interrogação.
— O que foi esse suspiro? — Deu um sorriso de canto.
— Acho que esperei tantos dias por essa festa que só agora
consegui voltar a respirar.
— Mas você nem sabe se irá encontrar o sr. Wood. —
Ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Pois é. Mas estou torcendo para encontrá-lo. E mais, torço
também para encontrar o meu agente. Seria excelente vê-los juntos
— considerei.
Cindy engoliu em seco. Pude ver em seu rosto que a
possibilidade a tinha deixado desconfortável. Mas antes que eu
pudesse questioná-la, meu celular começou a tocar quebrando o
clima tenso que tinha se instaurado. Olhei para a foto de Kit no visor,
amando ver aqueles cabelos cor-de-rosa.
— Oi, Kit — atendi, abrindo um sorriso.
— Oi, Luigi. Você está bem? — perguntou, agitada.
— Estou sim. Já estou a caminho da festa com Cindy.
— Tá! — Ela falou e fez uma breve pausa. — Não é nada
não, só queria saber se você vai dormir em casa…
— Claro! Vou dormir em casa. Está tudo bem?
— Sim, tudo certo. Então, boa festa! E… se cuida.
— Valeu, Kit. Até mais tarde!
Dessa vez, a breve ligação não tinha tom de controle, parecia
preocupação de amiga, mas ela ligar em vez de mandar uma
mensagem, foi estranho. Tornei a guardar o celular no bolso, ainda
pensativo, o tom dela não estava normal.
— Conseguiu terminar a música? — Cindy perguntou,
curiosa, e voltei a atenção para ela.
— Ainda não. Mas já avancei mais um pouco. Quem sabe
você não me dá mais inspiração nas próximas horas… — brinquei e
ela riu.
— A sua inspiração está dentro de você e não tem nada a ver
comigo. — Deu de ombros. — Mas confesso que estou ansiosa
para ver o resultado.
— Eu também! — Suspirei outra vez. Esse era outro tema em
minha vida, mas que por hora eu deixaria de lado.
Chegamos à festa e Cindy me apresentou a várias pessoas
influentes. Fomos muito fotografados naquela noite. Vi várias obras
de arte, mas nada de Trevor ou Will. Outro evento, outra decepção.
Ficamos até tarde esperando o sr. Wood aparecer, mas quando vi
que ninguém mais chegaria, convidei Cindy para ir embora. Ela,
como sempre, foi muito prestativa.
No carro, enquanto Joseph nos levava para a casa dela,
decidi perguntar:
— Cindy, agora que nos conhecemos um pouco mais,
gostaria de saber se você conhece o meu agente Will Parker e se
ele frequenta esses ambientes…
— Eu conheço Will, mas não temos uma boa relação —
falou, abaixando a cabeça e encarando as mãos. Seus ombros
caíram um pouco e uma sombra passou em seu olhar, mas foi tão
rápido que fiquei me perguntando se tinha visto aquilo mesmo.
— E por que não? — questionei, surpreso.
— Outra história da qual não gosto de me lembrar.
— Cindy, você sabe o quanto preciso de respostas. Estou
quase enlouquecendo por conta desse contrato que nunca sai.
— Desculpa, Luigi. — Cindy apertou os lábios, era possível
ver a tristeza transbordar dos seus olhos. — Podemos conversar
sobre isso em outro momento?
Olhei para a janela e ficamos em silêncio por um momento,
não queria causar desconforto para alguém que estava me
ajudando tanto. Fiquei revirando várias coisas em minha mente e
quando percebi, já contemplava a minha moto estacionada em
frente à casa dela. Tínhamos chegado. Abri a porta para descer e a
segurei para ela sair em seguida.
— Você sabe de coisas e não está me contando. — Retomei
o assunto.
— Sei de algumas, mas não sei se te contar isso iria te ajudar
ou atrapalhar. Envolve coisas pessoais que são difíceis de explicar.
— Outra vez abaixou a cabeça, como se não conseguisse me
encarar.
— Me conte, por favor — implorei, fitando o seu rosto triste.
— Prometo que vou contar, mas hoje não, Luigi. Estou
cansada e preciso pensar um pouco.
— Tudo bem. — Assenti, contrariado. — Já tem tanto tempo
que estou nessa busca por respostas, que um pouco a mais nessa
agonia não deve mudar muito… — desabafei, muito chateado.
— Amanhã eu te ligo e a gente conversa.
— Combinado.
Ao contrário da última vez, preferi trocar de roupa antes de ir
embora. Saí da casa de Cindy desejando ir para o meu refúgio
particular na Pacific Coast Highway, mas como tinha falado para Kit
que iria para casa, desisti da ideia. Não queria deixá-la mais
desconfiada ou preocupada. Então pilotei a moto no modo
automático. Minha cabeça estava enevoada e distante.
O que será que Cindy sabia sobre Will que era tão sério? Por
que Will a achava perigosa? Qual era a relação deles? Mil dúvidas
me consumiam ao mesmo tempo.
Estacionei a moto em frente à minha casa e tirei o capacete,
os pensamentos estavam longe. Mas um furgão preto parou ao meu
lado e me forçou a voltar para a realidade. Quatro homens armados
e com os rostos cobertos por balaclavas desceram do veículo e me
surpreenderam. Ergui as mãos em rendição pois não teria qualquer
chance de autodefesa. Uma coisa era certa: depois que inventaram
a pólvora, ninguém mais precisava ter braços fortes.
— Entra no carro, porra! — Um deles ordenou, exasperado.
— Tudo bem. Tudo bem. — Dei um passo hesitante em
direção à van e os outros dois me empurraram.
Entrei no furgão, cambaleante e, antes que eu pudesse
questionar qualquer coisa, levei uma pancada na cabeça. Então,
tudo apagou.
— Bom dia, meninos! — cumprimentei Nick e Fly na cozinha
de casa.
Eles estavam tomando café e mexendo em seus respectivos
celulares. Os dois subiram os olhos e me cumprimentaram ao
mesmo tempo.
— Luigi não se levantou ainda? São quase onze da manhã —
perguntei, olhando para Fly.
— Não que eu tenha visto — Fly respondeu e voltou a
atenção para o celular.
Soltei um suspiro e fui direto até o quarto daquele babaca.
Ele vinha me tirando do sério desde que se enrabichou com Cindy,
no final do ano passado. Passava a noite fora, às vezes voltava
machucado e em outras muito chapado. Aquela garota estava
causando um estrago na vida do meu amigo.
Abri a porta do quarto e a cama estava desarrumada. O lugar
estava uma bagunça, parecia um pandemônio. Ergui as cobertas
em busca de alguma pista de onde ele pudesse estar. Levantei os
travesseiros e abri a gaveta da mesinha de cabeceira. Tinha um
saquinho com ecstasy e outro com um pó branco que me deixou
emputecida.
Porra, Luigi!
Peguei aquelas merdas da gaveta e marchei irritada para o
banheiro. Abri a tampa do vaso e dei descarga, observando o
bagulho desaparecer pelo cano. Nunca fui careta, Luigi e eu éramos
muito amigos e tínhamos experimentado de tudo. Mas ele vinha
abusando mais do que eu e o resto da banda juntos, tirando o Nick,
que não usava essas coisas. Ele sofreu muito durante a infância
com pais drogados e preferia passar longe disso.
O nosso ritmo de shows estava insano, nos apresentávamos
quase todas as noites em lugares diferentes. Chegamos a fazer três
apresentações no mesmo dia. Então, quando a exaustão falava
mais alto, recorríamos a estimulantes regados a muito álcool.
Vivíamos em uma mistura de cansaço e empolgação com a
fama e o sucesso que alcançamos ali. O único problema é que
quase não tínhamos visto a cor do dinheiro. Recebemos uma grana
no início e depois mais nada. Segundo Luigi, o nosso empresário
Will custeava o aluguel da casa onde morávamos e deixava um
pouco de dinheiro para que pudéssemos viver, dizia que os outros
setenta por cento da grana, receberíamos na assinatura do contrato
com a gravadora Rock Star. Era para termos assinado no final do
ano, mas deram uma desculpa e prorrogaram a data para o final de
fevereiro.
Nick e Fly estavam de boa, a julgar pela falta de tempo para
gastar o cachê e o tamanho do sucesso que fazíamos. Na opinião
deles, ganhar uma bolada de uma vez, seria muito melhor do que
receber dinheiro picado.
Saí do banheiro e voltei para o quarto de Luigi, preocupada.
Ele estava muito estranho nos últimos dias, não sei se era o seu
lance com Cindy ou o abuso de drogas. Talvez fosse uma
combinação dos dois.
Caralho, Luigi! Aonde você se meteu?
Bufei e fitei o teto, pensativa. O celular vibrou no bolso da
calça, me tirando do transe. Era uma mensagem de texto de um
número desconhecido:

Desconhecido: Paguem o que devem ou ficarão


sem o vocalista. Se quiser buscá-lo com vida,
venha sozinha ao Blossom Parking.

Puta que pariu! Que merda era aquela? O que será que Luigi
tinha aprontado? Será que era algum traficante querendo receber?
Senti o meu coração acelerar e o sangue correr alucinado em
minhas veias. Minhas pernas fraquejaram e meus olhos se
encheram de lágrimas. Apertei o celular com força, me sentindo
impotente.
Luigi era tudo para mim. Era meu melhor amigo, meu irmão
de alma. Daria a vida por ele. Jamais colocaria a sua vida em risco
e, naquele instante, deixei o bom senso de lado e respondi: “Estou
indo”.
Voltei para o meu quarto completamente aturdida, troquei de
roupa muito rápido e em menos de dois minutos estava pronta para
sair.
O engraçado era, sempre que assistia a algum filme e via a
protagonista receber uma mensagem ameaçadora, eu pensava: ela
é muito idiota se for sozinha. Mas aqui estou eu, fazendo a mesma
coisa.
— Volto daqui a pouco! — Passei por Fly e Nick,
esparramados no sofá, aproveitando o dia de folga.
— Beleza! — Nick respondeu sem tirar os olhos da televisão,
uma reprise de algum jogo da NBA passando na tela.
Devido aos poucos dias livres em nosso calendário, nem
pensamos em comprar carros. Luigi tinha comprado uma moto e o
resto de nós compartilhava um carro que raramente usávamos. Na
maior parte do tempo, viajávamos de um show ao outro dentro do
ônibus da banda.
Entrei na Dodge Ram e coloquei o endereço no GPS. Tempo
estimado de viagem: vinte e cinco minutos. O estacionamento ficava
no subúrbio de Los Angeles. Enquanto dirigia a caminhonete, eu me
perguntava se Luigi devia mesmo a algum traficante ou se a treta
era outra.
Por que ele não falou comigo?
Se fosse uma questão de grana, eu poderia ter descolado
alguma coisa, tinha dinheiro aplicado no Brasil. Além disso, meus
pais tinham boas condições financeiras. Jamais se negariam a me
enviar alguns dólares se eu precisasse. Luigi também tinha muito
dinheiro no Brasil, mas eu sabia que ele jamais recorreria àquele
recurso. Não ousava tocar em um real que fosse proveniente da
construtora da família. O bicho era turrão.
Será que ele estava esperando o dinheiro do contrato sair
para pagar o que devia?
Um monte de perguntas rodopiava em minha cabeça. Não
entendia o porquê de ele ter escondido de mim o que quer que
fosse. Sempre contávamos tudo um para o outro. Nossa amizade
era baseada em honestidade.
Entrei na rua do estacionamento, o lugar era deprimente.
Havia barracas ao longo da rua, pessoas alteradas por drogas e
escoradas por todos os cantos. Provável que chapados de crack ou
heroína. Quanto mais eu olhava para aqueles zumbis, mais medo
sentia.
Entrei no estacionamento subterrâneo e os faróis se
acenderam de imediato, iluminando a escuridão. O meu coração
acelerou um pouco mais, o medo era latente. Adentrei o ambiente
úmido e vazio, vagando os olhos pelo local em busca do meu
amigo.
Puta. Que. Pariu!
Brequei o carro me maneira brusca quando vi Luigi estirado
no chão. Saltei da caminhonete, não me importando de tê-la largado
de qualquer jeito. Sentindo o estômago revirar, corri na direção dele
e me ajoelhei ao seu lado.
— Luigi! Fala comigo! — implorei, a voz presa na garganta.
Levantei a cabeça de Luigi e a pousei em minhas coxas para
deixá-lo mais confortável. Seu rosto estava todo machucado. Tinha
um olho roxo, a boca cortada, o supercílio aberto e muito sangue.
— Luigi! Por favor, fala comigo! — Corri a mão por seus
cabelos, as lágrimas escorriam aos montes. Coloquei dois dedos em
seu pescoço, tentando sentir o pulso. — Luigi… — balbuciei,
aproximando a minha testa da dele.
Ele precisava acordar. Precisávamos sair dali.
— Luigi, eu te amo, por favor… não posso te perder… —
declarei, sentindo o meu coração apertar de tal maneira que estava
ficando difícil de respirar. Minhas lágrimas pareciam um dilúvio
despencado em cima do rosto dele.
Luigi moveu a cabeça e me afastei para observar se ele
estava mesmo recobrando a consciência. Ele retorceu o rosto,
visivelmente com dor.
— Ei, você está bem? Consegue me ouvir?
Ele abriu os olhos com dificuldade e tentou se mover.
Colocou a mão no abdômen, se virou de lado e cuspiu um pouco de
sangue. Vê-lo naquele estado me deixou muito angustiada. Ele
precisava de cuidados médicos com urgência.
— Você está bem? — perguntou ele, ajoelhando-se para se
levantar.
— Estou, mas você não. — Coloquei o braço dele sobre o
meu ombro e o ajudei como pude. Ele era grande, mas eu não era
pequena e muito menos fraca. Ele se apoiou em mim e ficamos de
pé. — Quem fez isso com você? E por quê? — disparei, enfurecida.
— Não sei. — Caminhou ao meu lado com dificuldade até a
caminhonete e o ajudei a deitar no banco de trás do carro. — Mas
como você me encontrou aqui?
— É uma história que pode esperar. Agora precisamos sair
daqui e ir para um hospital! — Fechei a porta e entrei no carro
sentindo muito medo.
Nunca dirigi de forma imprudente em todo o meu tempo como
motorista. Era a primeira vez que eu acelerava com tudo. Pela surra,
ele poderia ter tido desde uma concussão mais leve até mesmo um
traumatismo craniano. Uma hemorragia interna poderia ser fatal e
perder Luigi estava fora de questão. Eu o amava demais.

Duas horas depois, após Luigi ter passado por uma triagem
minuciosa, o médico o liberou. Sorte que ele não precisou levar
pontos, e tirando uma leve concussão, não teve nada mais grave,
mas precisaria de muita compressa de gelo para desinchar o rosto.
Antes de ir para casa, passei na farmácia e providenciei
curativos e remédios. Já era quase quatro da tarde quando entrei
em casa com Luigi apoiado em mim. Nick e Fly não estavam mais
na sala e a julgar pelo silêncio, deviam ter saído. Nick devia ter ido
treinar na academia que tinha ali perto, ele vinha treinando forte nos
últimos dias. E Fly, com certeza, deveria ter ido visitar Hanna na
cafeteria. Se eu bem o conhecia, ele já estava com os quatro pneus
arriados por ela.
Luigi subiu as escadas com dificuldade, entramos em seu
quarto e ele sentou-se na cama bagunçada. Puxei os lençóis e o
edredom que estavam embolados e ajeitei o travesseiro para que
ele se deitasse.
— Está sentindo muita dor? — indaguei, enquanto arrumava
a cama.
— Parece que um trator passou por cima de mim, mas vai
passar… — A voz falhou e ele gemeu quando fez menção de se
deitar.
— Espere! Me deixe tirar os seus sapatos. — Intervi antes
que ele se acomodasse. Agachei-me e soltei os cadarços de suas
botas. — Pronto! Agora pode se deitar. — Fiquei de pé e o ajudei,
me sentindo impotente ao ouvir outro gemido enquanto ele se
recostava.
— Valeu, Kit! — Esboçou um sorriso pequeno. O lábio
cortado não permitiu mais do que isso. — Agora me conta, como
você me encontrou naquele lugar?
Sentei-me ao lado dele e segurei a sua mão.
— Já vamos chegar a essa parte. Mas Luigi, preciso que seja
muito sincero comigo: você está com dívida de droga? — Comecei a
interrogar, mesmo não conseguindo aceitar aquela possibilidade.
Não fazia o perfil de Luigi, ele sempre foi sensato demais, mas nos
últimos dias, ele estava tão mudado que já não duvidava de nada.
— Quê? Dívida? Tá doida? De onde você tirou essa ideia? —
Seu tom era de indignação.
— Você anda muito distante, ultimamente. Entre passar as
noites fora e voltar pra casa chapado ou ter levado um soco no
bar… — Balancei a cabeça em negação, frustrada em verbalizar as
merdas que ele vinha fazendo. — Além disso, encontrei uns
bagulhos na sua mesinha de cabeceira.
— Nada a ver. — Ele se ajeitou na cama com dificuldade. —
Já te contei a história do bar. E quanto às drogas, já te disse que eu
as ganhei de Amber na última festa que teve aqui em casa. Ela me
deu aqueles baseados que fumei naquela vez que você até ralhou
comigo, mas a coca e os comprimidos, eu não pretendia usar. Só
deixei aí e me esqueci de jogar fora.
— Se você não está envolvido com drogas, por que diabos
recebi isso? — Tirei o celular do bolso e mostrei a mensagem que
tinha me apavorado naquela manhã e me levado ao estacionamento
onde o tinha encontrado desacordado.
Luigi pegou o celular da minha mão e vi seu pomo de adão
se mover como se tivesse engolido uma bola de pingue-pongue ao
ler a ameaça. Como se as peças de como fui parar naquele
estacionamento imundo estivessem se encaixando em sua mente.
— Filhos da puta! — rosnou.
— Concordo… Mas o que isso quer dizer?
— Não faço ideia, Kit.
— Será que Cindy não tem alguma coisa a ver com isso.
— Pelo amor de Deus. Não fode, Kit! Cindy não tem nada a
ver com essa merda. Que perseguição é essa com a menina? Você
nunca foi disso! — Balançou a cabeça, resoluto.
— Porque eu nunca precisei abrir seus olhos para merda
nenhuma. Mas depois que você conheceu essa garota, parece que
enfiou o juízo em outro lugar! Não sei como você pode ter tanta
confiança nela. — Ergui as sobrancelhas, duvidando da inocência
de Cindy. — Até Will me procurou há alguns dias e me contou que
foi o agente dela, disse que deixou de agenciá-la porque ela era
egocêntrica e mentirosa. E parece que o ex-namorado dela estava
envolvido com coisas erradas, e deixou a entender que ela também.
Se essa surra não foi por dívida de droga, a minha teoria é que esse
ex deve estar mandando um recado. E para o seu bem, acho bom
você escutar.
Luigi ficou em silêncio. O olhar fixo na janela era sinal de que
ele estava pensando.
— Quando Will te ligou? — Fitou o meu rosto outra vez.
— No dia seguinte daquela primeira festa que você foi com
Cindy.
Luigi anuiu com a cabeça.
— Ele também me ligou, mas não mencionou nada sobre
isso. Disse apenas que ela era perigosa e que estava envolvida com
gente barra pesada que poderia foder com a minha vida. Mas achei
que era só implicância de Will, ela nunca me mostrou sinais de nada
disso.
— As aparências enganam. Para mim, o que aconteceu com
você só aumenta a certeza de que o ex dela não deve ser flor que
se cheire.
— Pode até ser… — Inspirou fundo, olhando para a janela
outra vez. — Ontem, Cindy me disse que conhecia Will, mas não
quis falar sobre o assunto…
— Tá vendo! Will deve estar certo! Até que enfim, você tá
retomando o juízo! — exclamei, meus olhos arregalando.
— Não, Kit. — Meneou a cabeção em negação. — Tem
alguma coisa errada nessa história. Tenho certeza de que ela está
me escondendo alguma coisa e Will também. — Luigi disse, o olhar
ainda distante.
— Mas os caras que te sequestraram, não disseram nada?
— inquiri com cautela. — Só bateram e foram embora? Nenhuma
advertência? Nada?
— Foi tudo muito confuso. Pegaram o meu celular… Me
lembro que discutiram entre eles… Só sei que escutei o seu nome e
o de Cindy… Algo sobre cor-de-rosa… Mas cada vez que eu
recobrava a consciência, eles me davam uma porrada e eu
apagava. E se não me engano, um dos caras tinha uma tatuagem
de aranha no pescoço, se não for uma aranha, devia ser algo
parecido.
Então Luigi apalpou os bolsos procurando alguma coisa. Mas
logo em seguida ele bufou irritado.
— Caralho! Não só roubaram o celular como levaram a minha
carteira.
— Merda! Fizeram parecer um assalto. Mas claramente não
foi. — Esfreguei o rosto com as mãos, angustiada, e me levantei da
cama. — Cindy e o ex-namorado devem estar envolvidos com algo
bem cabuloso. Mesmo assim, não faz sentido me enviarem uma
mensagem pedindo para que eu pague alguma coisa se quisesse te
ver vivo.
— Muita coisa não faz sentido, preciso falar com Cindy —
Luigi falou, incisivo.
— Como assim precisa falar com ela? Olha pra você! Quer se
foder um pouco mais? — Não conseguia acreditar que ele não
estava tão puto com a situação quanto eu.
— Kit, não posso supor que Cindy seja culpada sem antes
ouvir o que ela tem a dizer. Além disso, ela prometeu que nos
falaríamos hoje.
Muitas vezes, aquela ponderação toda dele me dava nos
nervos. Caminhei até a janela sentindo o sangue se agitar nas
veias. Abri a cortina e não acreditei quando vi Nick conversando
com Cindy na frente da nossa casa. Ele tinha a camiseta pendurada
no ombro e Cindy…
— Não acredito… — Balancei a cabeça, incrédula. Ela tinha
feito mechas rosas no cabelo? Ela só podia estar de brincadeira. —
Acho que a sua amiguinha ouviu os seus pensamentos.
— Do que está falando, Kit?
Virei-me para encarar Luigi.
— A popstar está aí… — resmunguei sem ânimo.
— Então pede pra ela vir até aqui, Kit, por favor. Eu
realmente preciso conversar com ela.
Revirei os olhos, inconformada com a cara de pau daquela
garota.
— Conselho de amiga: se afaste dela antes que algo pior
aconteça — adverti e saí do quarto puta da vida. A minha vontade
era dar uma surra naquele cisco de gente.
Luigi precisava se afastar de Cindy e encontrar alguém que o
merecesse de verdade. Por que ele foi logo se meter com uma
popstar problemática? Ele nunca tinha apanhado por causa de um
lance. Agora estava todo fodido por causa dela…
Quando Kit saiu do quarto, recostei na cabeceira com os
olhos fechados, tentando juntar todos os fragmentos de informação
que eu tinha até aquele momento. Mas algumas coisas não faziam o
menor sentido.
O que os bandidos queriam com o meu celular? O que Cindy
e Kit tinham a ver com a surra que levei? E que merda de dívida era
essa?
Uma batida na porta me fez retesar e abrir os olhos. Kit
entrou e Cindy veio logo atrás. Assim que me viu, Cindy levou as
mãos à boca e veio até mim, hesitante.
— Meu Deus! — Ela se sentou na beirada da cama, os
movimentos como se estivessem em câmera lenta. — O que
fizeram com você…? — A voz dela falhou, os olhos vertendo
lágrimas.
— Um pequeno estrago. — Passei a língua pelo lábio e senti
o gosto metálico do sangue.
— Vou resumir o que aconteceu — Kit interveio, o rosto
vermelho de raiva. — Ontem à noite, Luigi foi sequestrado na frente
de casa e deram uma surra nele. Hoje de manhã, recebi uma
mensagem bem ameaçadora pedindo que eu pagasse o que
devíamos. Fui resgatá-lo em um estacionamento imundo. Ele estava
desacordado. — Engoliu em seco e continuou. — Mas algo me diz
que isso só aconteceu porque você entrou na vida do Luigi. —
Balançou a cabeça com indignação. — Em pensar que Will me
alertou que você nos traria problemas…
Cindy fechou os olhos e mais lágrimas escorreram. Depois
enxugou o rosto com as mãos e respirou fundo.
— Podemos conversar em particular? — perguntou em tom
suplicante, fitando o meu rosto.
Kit me encarou com os olhos arregalados, parecendo
chocada com o pedido de Cindy. Seu olhar implorava que eu
negasse. Mas, em vez disso, apenas meneei a cabeça em direção à
porta, em um pedido silencioso para que ela saísse do quarto. Kit
fez uma careta, mas assentiu. Pude ver em seus olhos que não
aprovava a minha decisão. Ela saiu do quarto, pisando duro, e
fechou a porta para nos dar privacidade, batendo com mais força
que o necessário.
Eu sabia que mais tarde precisaria ter uma conversa séria
com Kit, mas, naquele momento, só podia resolver um problema de
cada vez. E se Cindy não queria falar o que quer que fosse na frente
de Kit, não me custava nada respeitar.
— Acabei de magoar a minha melhor amiga, espero que você
tenha algo muito importante a dizer… — Quebrei o silêncio e Cindy
enxugou as lágrimas que teimavam em cair.
— Não sei se o que vou te contar tem alguma conexão com o
que aconteceu, mas devo isso a você — começou. — Quando saí
de Iowa, não saí sozinha. Meu namorado veio comigo para Los
Angeles. A gente se amava muito. Mas a cidade dos anjos também
é a cidade dos pecados. — Fitou o teto, na tentativa de conter as
lágrimas. — Éramos como você e Kit: melhores amigos. Uma boa
dupla. Ele tocava guitarra e eu cantava. A gente compunha juntos e
sonhávamos em fazer sucesso…
Um soluço interrompeu a fala e mais uma lágrima escorreu.
Mas ela logo endireitou a postura e continuou, determinada.
— Tommy e eu começamos a tocar pelos bares da cidade,
mas ganhávamos uma mixaria, isso quando nos pagavam. Hanna
nos acolheu na casa dela e moramos de favor por algum tempo.
Após tantos reveses, Tommy foi se decepcionando com tudo até
que as drogas o abraçaram. Eu queria que ele parasse, mas foi um
caminho sem volta. Então, numa trágica noite, dentro do camarim,
antes de uma apresentação, ele cheirou uma última carreira de
cocaína e teve overdose. Ele tinha exagerado muito naquele dia.
Tommy morreu nos meus braços. — Ela cobriu o rosto com as mãos
e voltou a chorar com a sua lembrança.
Queria me esticar para abraçá-la e confortar a sua dor, mas
eu estava tão fodido que nem sequer conseguia me mover.
— Cindy — chamei e ela abaixou as mãos do rosto. Estava
devastada, a sua tristeza era quase palpável. Estendi os braços
para que ela se aproximasse. Ela veio e eu a abracei. — Sinto
muito… — Afaguei suas costas, tentando acalmá-la. Perder alguém
de uma forma tão brutal devia ser muito doloroso.
Assim que ela conseguiu voltar a si, desvencilhou-se de mim
e, outra vez, enxugou o rosto com as mãos.
— Depois do enterro… — Cindy continuou a contar. —
Estava decidida a voltar para Iowa, virar garçonete na lanchonete
dos meus pais e seguir a vida. Mas antes que eu partisse, Hanna
me disse algo que significou muito para mim. Ela me encarou com
seu olhar doce e falou: “você e Tommy sonharam em fazer sucesso
juntos. Você não deveria desistir desse sonho, deveria lutar e fazer
sucesso por vocês dois. Tenho certeza de que ele vai te aplaudir de
onde estiver”. Foi então que decidi erguer a cabeça e continuar
cantando. Mas aí, como se a merda fosse pouca, conheci Will. Ele
me viu cantar em um bar e me abordou no final da apresentação…
— Então ele foi o seu agente… — interrompi, minha cabeça a
mil.
Cindy anuiu com um movimento contido.
— Will prometeu me tornar uma popstar. Estendeu a mão no
momento mais difícil da minha vida. Eu estava em luto, sem grana e
ele foi a minha tábua de salvação. Pelo menos, foi o que pensei na
época. Ele tinha muitos contatos e dinheiro. Will alterou o meu
repertório musical e criou a personagem Cindy Harper como se eu
fosse uma Barbie.
— Então, por que vocês se afastaram? — Aquilo ainda não
tinha feito sentido em minha cabeça.
— Porque Will é um estelionatário, ladrão, explorador e
viciado em jogo. Só por isso — disse em tom irônico e amargurado.
As palavras de Cindy me acertaram como um soco na boca
do estômago.
— Do que você está falando? — perguntei, o pânico se
alastrando pelo meu corpo.
— Will se aproximou de mim porque viu potencial. Quando
comecei a fazer sucesso, ele ficava com a maior parte do dinheiro
que eu recebia pelos shows e me dava apenas algumas migalhas.
Dizia que quando eu assinasse o contrato com a gravadora, teria o
resto do dinheiro. Mas isso nunca aconteceu.
O meu corpo estava tremendo. Will tinha prometido para
Cindy as mesmas coisas que prometeu para a 4Legends. Meu
estômago embrulhou.
— Como eu fazia sucesso com os adolescentes — ela
continuou, enquanto minha cabeça revirava. — Will e eu tivemos a
ideia de fazer um programa de talentos. Eu confiava nele a ponto de
estar disposta a me tornar apresentadora de um programa de
entretenimento e revelar novos talentos para ele agenciar. Mas
quando descobri que estava sendo usada e que outras pessoas
poderiam sofrer com isso, procurei o produtor James Carter e
apresentei o projeto. Por ironia, o conheci em uma das festas que
Will me levou e mantivemos contato. Essa foi a minha sorte. James
adorou a ideia e assinei contrato com a emissora de TV.
Soltou um suspiro como se o peso tivesse saído das suas
costas.
— Então, antes mesmo de assinar com a emissora, rescindi o
contrato com Will, catei todas as minhas economias e até cheguei a
pedir ajuda a Hanna para pagar a multa ridícula de quebra do
contrato dele para me ver livre de vez do desgraçado. Só que Will
ficou possesso quando soube que entreguei o programa para a
emissora sem que ele participasse da negociação. Quando o
programa foi para o ar, ele surtou. Queria que eu pagasse direitos
autorais e tudo mais. Mas eu tinha sido roubada por meses, não
podia continuar naquela vida. O programa foi o único jeito que
encontrei para me livrar daquele salafrário.
— Quer dizer que você nunca viu a cor do dinheiro que foi
resultado do seu trabalho? — Depois de ouvir tudo isso, eu estava
mesmo com vontade de vomitar.
— Nunca. — Cindy fez que não com a cabeça. — Ele
apostava o dinheiro que eu ganhava nos casinos de Vegas, em
corridas de cavalos e sabe Deus em que mais. Por acaso, vi os
recibos e papeis das apostas no dia que juntei coragem e fui ao
escritório dele para confrontá-lo, mas ele tinha dado uma saída e eu
aproveitei que estava sozinha na sala e vasculhei por lá.
A gente estava muito fodido! O que eu diria para Kit e para o
resto do pessoal? Estava a ponto de explodir de raiva.
— E você o denunciou para a polícia?
Ela sorriu pela primeira vez desde que entrou no quarto.
— Como você acha que eu poderia denunciá-lo se não
tínhamos nada além de um contrato de gaveta que eu nem sequer
tinha cópia? Ele negociava tudo em meu nome. A minha vida inteira
estava nas mãos dele.
Ele tinha feito exatamente a mesma coisa com a banda.
Tínhamos assinado um contrato de duas páginas dando a ele todo o
direito de gerir nossas carreiras. O ar começou a ficar cada vez mais
pesado, nunca tinha me sentido tão vulnerável em toda a minha
vida.
As pecinhas do quebra-cabeça enfim estavam se
encaixando. Possivelmente, Will não queria que eu me aproximasse
de Cindy porque temia que ela me contasse sobre os seus crimes e
eu o deixasse. Por isso ficou tão furioso quando me aproximei dela.
Só tinha uma coisa que ainda não encaixava…
— Acho que quase tudo fez sentido até agora, Cindy. No
entanto, não entendo por que Kit recebeu aquela mensagem
pedindo para pagarmos o que devíamos… Juro que isso não faz o
menor sentido para mim, já que é ele quem nos deve.
— Também não sei, Luigi. — Balançou a cabeça em
negação. — Ele me mandava mensagens desse tipo algum tempo
atrás. Mas não recebo desde a metade do ano passado.
— Será que se eu for na delegacia e denunciar essa
mensagem, poderiam abrir uma investigação? — perguntei, mais
para mim do que para ela. Estava pensativo.
— Sendo sincera, acho que não. Deve ser de um número
pré-pago e só vai expor a banda. Mas acho que posso ajudar. —
Pegou o celular da bolsa e fez uma ligação.
Enquanto ela conversava com alguém sobre segurança e
coisas do tipo, minha cabeça não parava de pensar em como eu
poderia resolver aquele problema. A minha sensatez dizia para eu
parar com tudo e voltar para o Brasil com o rabo entre as pernas, e
assumir para o meu pai que ele tinha razão. Que eu devia aceitar o
meu cargo como engenheiro na construtora Ferrari e viver do jeito
que nunca quis. Mas meu outro lado gritava para lutar aquela
batalha, não apenas por mim, mas também por meus amigos e por
todos aqueles que um dia poderiam ser ludibriados e enganados
pelo crápula do Will.
— Então… — Cindy falou assim que encerrou a ligação. —
Antes de vir te contar toda essa merda, me certifiquei de aumentar a
minha segurança particular. Achava que poderia haver retaliação de
Will se vocês rescindissem o contrato por minha causa depois que
eu te contasse a verdade. Liguei agora para a minha assistente para
saber se posso estender a segurança para vocês. Mas ela disse que
não. Apenas familiares ou cônjuge podem se beneficiar, podendo
ser namorado, noivo ou marido.
— Fico feliz que tenha como se proteger. Mas, infelizmente,
não sei o que fazer para proteger os meus amigos. Não conto com
os mesmos privilégios… — Fiz uma pausa, pensativo. — Ou a
gente volta para o Brasil, ou a gente tá fodido.
— Outra opção é nos unirmos para desmascarar Will e
colocá-lo atrás das grades. Sozinha, não tenho forças, mas se topar,
vou até o fim com você — sugeriu, os olhos brilhando.
— Não posso expor as pessoas que amo, Cindy.
— Você não vai… — contrariou, séria.
— E o que você sugere?
— Sei que estou pedindo muito contando minha história sem
mostrar provas concretas e apenas esperando que você acredite em
mim, mas acho que tenho um plano. É ousado, mas que só
envolverá nós dois, sem envolver a banda… — Fez uma pausa
como se esperasse alguma reação minha, como eu não disse nada,
continuou. — O primeiro passo seria a gente fingir que está
namorando e aí a segurança se estenderia para você. E como a
banda tem vínculo direto com você, também teriam acesso à
segurança.
Engoli em seco e fiquei em um silêncio mortificado. Eu
poderia forjar um namoro para poder proteger meus amigos
enquanto juntava provas que comprometessem Will. Além de
continuar vivendo nos Estados Unidos e tentar assinar contrato com
alguma gravadora, teria a chance de colocar aquele canalha na
cadeia. Dentre as alternativas disponíveis, esse plano poderia dar
certo…
— Só tem uma coisa… — interrompeu, me arrancando dos
meus pensamentos agitados. — Ninguém pode ficar sabendo desse
segredo. Porque se a empresa de segurança descobrir que
mentimos, perderemos a proteção e seremos processados. É muito
arriscado.
— Isso significa que nenhum dos meus companheiros de
banda poderão saber?
— Nem eles, infelizmente. É o único jeito que consigo pensar
de proteger a todos. Mas só se você quiser. — Apertou as mãos,
parecendo nervosa. — Gosto de vocês, não queria que desistissem
do sonho de se tornarem ícones mundiais do rock por causa de um
monstro como Will.
Abaixei a cabeça, assimilando tudo o que conversamos. Eu
nunca tinha mentido para os meus amigos e até dias atrás, nunca
tinha omitido nada. Nunca os tinha deixado no escuro. Sempre fui
direto e verdadeiro. Mesmo que aquela mentira fosse proteger as
pessoas que eu amava, me sentia um traidor. Mas eu não podia
pensar assim. Considerei a mensagem que Kit recebeu naquela
manhã. Por sorte, foi só uma mensagem. Só Deus sabe o que eu
faria se algum daqueles filhos da puta encostassem um só dedo na
minha garota. Eu a amava tanto que até doía. Já no meu caso, olha
o estado deplorável que me encontrava, estava todo fodido e
machucado. Será que isso não era motivo o suficiente para eu
encarar um namoro falso com Cindy? A resposta era simples: pelos
meus amigos e nossos sonhos, valia tudo.
— Eu aceito — falei, sentindo a boca seca.
Cindy segurou minha mão e me deu um sorriso triste. Dava
para ver que encarar aquela situação não seria fácil para alguém
que passou por uma barra tão pesada e ainda teria que encarar seu
algoz mais uma vez. No entanto, assim como eu, ela queria justiça.
— Então, eu também aceito namorar com você, Luigi Ferrari!
— declarou no mesmo instante em que Kit entrou no quarto.
Desviamos a atenção para ela. Kit, que segurava um pacote
de ervilhas congeladas nas mãos, deixou o pacote cair e pareceu
paralisada no lugar enquanto nos encarava boquiaberta. Como em
um estalo, ela sacudiu a cabeça e se abaixou para pegar as
ervilhas.
— O que caralhos está acontecendo aqui? — Kit olhou para
mim, desconfiada, enquanto ficava de pé.
— É que a partir de agora, Cindy e eu estamos namorando —
contei, me sentindo um merda.
Kit abriu o sorriso mais forçado que já vi na vida.
— Nesse caso, parabéns aos pombinhos — felicitou, o tom
carregado de ironia. — Ah, trouxe isso para você. Toma! — Jogou o
pacote de ervilhas que caiu bem no meu estômago, me fazendo
soltar um grunhido de dor. — Nossa, desculpa, foi sem querer,
estava mirando na cama. — Abriu um sorriso de falsa inocência.
— Imagina… nem doeu. Valeu, Kit! — Tentei parecer
convincente, mas a voz ainda saiu meio engasgada.
— Bom, vou avisar agora mesmo a minha assessora de
imprensa para anunciar o nosso namoro nas redes sociais — Cindy
comunicou e se levantou da cama.
— Faz isso, Cindy. — Assenti, desviando o olhar de Kit para
a minha mais nova “namorada”.
Cindy se aproximou e depositou um beijo na minha testa,
possivelmente o local menos machucado do meu rosto.
— Até amanhã, querido. Pela manhã estarei aqui para cuidar
de você. — Deu uma piscadinha cúmplice para mim. — Agora
preciso ir. Tchau, Kit!
Assim que Cindy saiu do quarto, Kit se aproximou. Ela me
encarou com ar glacial que cheguei a sentir frio.
— Olha, Luigi, vou falar a real: tô decepcionada pra caralho
com você — falou, cruzando os braços, os olhos uma mistura de
raiva e mágoa. — Não estou nem dizendo isso porque você
escolheu Cindy Harper como sua namorada. Dane-se, você é livre
para namorar com quem quiser. Mas o problema é que você não
confiou em mim o suficiente para me contar o que estava
acontecendo de verdade entre vocês dois.
Kit parou e mordeu o lábio inferior, os olhos ficando
marejados. Então, apenas me fitou por mais um momento sem dizer
nada. Sinceramente, parecia que estava decidindo se me matava ou
não. De repente, ela balançou a cabeça e soltou uma pesada lufada
de ar, como se quisesse recuperar o controle, então se aproximou e
pegou o pacote de ervilhas que eu ainda segurava na barriga e o
colocou no meu rosto, depois pegou minha mão e a levou até o
local, um sinal claro de que eu devia segurar lá.
— E sabe o que me deixa ainda mais decepcionada? É te ver
cada vez mais distante de mim… — ela finalizou, fitando os meus
olhos.
Nosso rosto estava tão perto, a dor em seus olhos beirava ao
desprezo e o nó que se formou em minha garganta me fez pigarrear.
Como se a tivesse tirado de um transe, ela se afastou.
— Desculpa, Kit. Não queria te decepcionar. — Desviei o
olhar, não aguentava vê-la daquele jeito nem por mais um segundo.
Como sempre previ, mentira nunca trazia coisas boas, a primeira
consequência dessa já estava ali, sendo jogada na minha cara.
Desse ponto em diante, só pioraria.
Sentia minha boca amarga. Estava tão devastado que não
sabia o que dizer ou fazer para Kit não ficar magoada comigo.
— Deixa pra lá, Luigi. — Ela deu dois passos para trás. —
Mais tarde a gente conversa. Por agora, só continue colocando o
gelo no rosto para não inchar mais e descanse um pouco.
Assenti, sentindo uma pressão no peito enquanto ela seguia
em direção à porta.
— Kit! — Eu a chamei assim que ela pegou na maçaneta,
então ela se virou para me olhar. — Você me emprestaria o seu
celular para eu ligar para Will?
No mesmo instante, ela tirou o celular do bolso da calça e
veio até a cama para me entregar. Ainda segurando o pacote de
ervilha na lateral do rosto, disquei para Will com a mão livre. Sem
ressalvas, deixei o celular no viva-voz. Mas depois de muitos
toques, caiu na caixa postal, então deixei uma mensagem de voz.
— Boa noite, Will! Preciso falar com você. Quando puder, me
ligue, mas liga no celular da Kit porque roubaram o meu.
O tempo todo, Kit me olhou com um misto de mágoa e
inquietação que eu ainda não sabia como lidar. Então, depois da
mensagem, apenas agradeci e devolvi o celular para ela. Kit saiu do
quarto e me deixou sozinho com a minha frustração. A dor física de
ter apanhado nem se comparava com a que eu estava sentindo no
meu coração. Soltei um pesado suspiro, me odiando por ter ferido o
amor da minha vida.
Ajeitei-me na cama e fechei os olhos para refletir. Estava
decidido a manter Will o mais próximo que pudesse. É como dizem:
mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais perto ainda.
Mas os meus pensamentos não se sustentaram por muito tempo e
foram vencidos pela força da medicação. E sem que eu pudesse
evitar, adormeci.
— Já disse que vou pagar, Jack — falei, tentando tranquilizar
o agiota que estava me pressionando há alguns dias.
— Mas que caralho, Will! Não sou uma instituição de
caridade! — bradou do outro lado da linha.
— Sei disso, cara. Mas preciso que me dê mais alguns dias.
Os shows da banda retornam no dia vinte, então até lá não consigo
pagar.
— Acha que estou de brincadeira, Will?
— Claro que não, irmão. Pode ficar tranquilo! Até o dia vinte
entrego essa grana pra você, beleza?
— Beleza, porra nenhuma, seu picareta de merda! Se eu não
vir a cor do dinheiro até o dia vinte, seu cu vai pra rifa. Entendeu?
— Entendi — afirmei, sentindo a boca secar. — Dia vinte
essa parcela estará quitada e com juros. Pode anotar.
Jack desligou na minha cara como sempre fazia. O que me
deixava muito puto. Senti vontade de arremessar o aparelho para
fora da janela do escritório. Mas antes que eu pudesse me dar mais
um prejuízo, guardei o celular no bolso do paletó e acendi um
cigarro.
Luigi tinha me fodido pra caralho quando exigiu aquele
depósito de dez mil dólares. O pior era que aquela grana fazia parte
do pagamento de Jack. No entanto, se eu não desse o dinheiro para
o moleque, ele ficaria desconfiado. Só que já se passaram dias e eu
não consegui repor.
A essa altura, nem sei se toda a manobra que fiz para
entregar o dinheiro para ele valeu a pena. Vi no extrato bancário que
o imbecil torrou a grana em uma loja de trajes caríssima de Los
Angeles. O pior: ele comprou o terno para poder acompanhar Cindy
Harper em um coquetel.
O que me deixava mais furioso é que foi exatamente por
causa dessa aproximação de Luigi com aquela ratinha ridícula da
Cindy que tive que dar um susto nele. Juro que tentei pedir para que
ele se afastasse dela de maneira amigável, mas o insolente não me
deu ouvidos. Odeio quem não segue as minhas ordens. Se o
roqueirinho não pretendia se afastar por bem, se afastaria por mal.
Então, coloquei meus capangas na cola dele para dar um susto.
O meu plano consistia em parecer um sequestro relâmpago,
algumas agressões e roubo. Um combo perfeito para mostrar o que
acontecia com quem se aproximava de Cindy Harper. E ainda, pedi
que os capangas enviassem uma mensagem para a ratinha
exigindo que ela e o produtor ladrão me pagassem o que deviam.
Para deixar a situação ainda mais dramática, Cindy precisaria
buscar o namoradinho no lugar mais barra pesada de Los Angeles.
O lugar onde o ex-namorado comprava as drogas que o mataram.
Eu tinha certeza de que se eu mexesse com o emocional de
Cindy, ela recuaria. Se Luigi ainda insistisse em querer alguma coisa
com ela, a garota daria para trás. Tanto por ver o que eu era capaz
de fazer com as pessoas que ela gostava, quanto o que eu poderia
fazer com ela. O medo a afugentaria e Luigi teria que procurar outra
piranha para comer.
Meu fluxo de pensamento foi interrompido pelo aviso sonoro
de mensagens de voz. Peguei o celular e vi que havia uma ligação
perdida de Kit. Traguei o cigarro e me empertiguei na cadeira.
Luigi mandou uma mensagem do celular de Kit como eu já
esperava. Apaguei o cigarro e liguei para o número dela. Depois do
que aconteceu, com certeza Luigi me daria razão e se afastaria de
Cindy.
Kit atendeu com a voz cansada, mas eu precisava fingir que
não sabia de nada.
— Oi, Barbie Metaleira! Com estão sendo as férias? — Fiz a
pergunta todo animado.
— Oi, Will. Por aqui as coisas não estão nada bem — ela
respondeu e tive que conter a minha alegria e fingir surpresa.
— Nossa! Por quê? Aconteceu alguma coisa? — disparei
com ar preocupado.
— Aconteceram muitas coisas, Will. Essa manhã recebi uma
mensagem ameaçadora pedindo que pagássemos o que devíamos
e que eu fosse sozinha buscar Luigi em um endereço estranho. Ele
foi sequestrado e estava desacordado quando cheguei…
— Quê? — interrompi, em choque com a informação.
Como assim ela tinha recebido a ameaça que era para ter
sido enviada para a ratinha cor-de-rosa? Eu tinha falado com os
capangas naquela manhã e eles confirmaram que tinha dado tudo
certo. Eu mataria aqueles inúteis.
— Isso mesmo que você ouviu. Sequestraram Luigi ontem à
noite e o largaram em um estacionamento imundo… Ele estava
muito machucado…
— Meu Deus, Kit! — exclamei, tentando soar consternado
com o incidente, mas sentindo o sangue ferver com o erro estúpido
do meu pessoal. — Mas ele está bem? Posso falar com Luigi?
— Ele está muito machucado, mas está bem. Só não vou
passar o celular para ele porque ele acabou de dormir.
— Tudo bem, não o incomode… — Suspirei, simulando
preocupação. — Isso deve ser coisa da turminha da Cindy Harper…
— Fiz um estalo com a língua, parecendo chateado. — Em pensar
que avisei para Luigi ficar longe dessa garota, mas, pelo visto, ele
não me levou a sério… — Joguei a isca.
— Não tem nada que possa ser feito agora, já que Luigi e
Cindy estão juntos — contou e meu coração acelerou em uma
velocidade quase letal.
— Juntos como? Ela está aí com ele? — inquiri, sentindo o
mundo ruir debaixo dos meus pés.
— Juntos tipo… namorando.
— Mas você me disse que eles não tinham nada. —
Levantei-me da cadeira e caminhei para o meio do escritório, a
tensão me consumindo.
— Pois é… — falou, pesarosa. — Mas Luigi deve ter mudado
de ideia ou omitido que estava com ela. Sei lá.
Pude sentir na sua voz que ela não aprovava a relação do
amigo. Eu não entendia como esses dois não eram um casal, dava
para sentir a tensão sexual entre eles a quilômetros de distância.
Mas que se foda… Isso era de menos… Agora que Luigi e Cindy
eram namorados, se Cindy abrisse o bico para ele e contasse o que
rolou entre a gente no passado, eu me foderia pra caralho.
Se Luigi soubesse das armações que precisei fazer, poderia
rescindir o contrato comigo e eu não conseguiria pagar Jack.
Poderia até começar a me despedir da minha vida, porque Jack
“Dirty” não tinha esse apelido à toa. O cara era sujo com quem devia
para ele.
— Vamos fazer assim, Kit, amanhã cedo eu passo aí pra ver
o Luigi, para levar um celular novo pra ele e pra gente conversar
sobre essa merda. Tá?
— Beleza, Will. Então, até amanhã.
Joguei o celular no sofá e gritei com força. Corri os dedos
pelos cabelos, precisando desesperadamente de uma ideia para
separar aquela ratinha de Luigi.
Los Angeles é enorme, cheio de mulher gostosa, por que
Luigi foi se interessar justo por aquela ordinária?
Urrei outra vez, o sangue circulando agitado em minhas
veias. Ainda por cima, aqueles filhos da puta dos meus capangas
idiotas me ferraram bonito. Balancei a cabeça, inconformado com a
burrice daqueles brutamontes. O que tinham de músculo não tinham
de cérebro. Tudo o que pedi foi para que mandassem uma
mensagem para Cindy. Era só pegar o número da ratinha no celular
de Luigi e mandar uma mensagem do pré-pago que coloquei nas
mãos deles.
Como puderam ser tão burros e enviar a mensagem para Kit?
Pensa Will. Você precisa pensar. Falei para mim mesmo, enquanto
caminhava de um lado para o outro, a minha mente turbulenta não
conseguia focar. Cindy não pode ficar no meu caminho. Ela não
pode ficar no meu caminho. Se aquele pacote cor-de-rosa não se
afastar da minha mina de dinheiro, terei que dar um jeito nela.
Peguei o celular de cima do sofá e voltei a me sentar em
frente à mesa. Abri a tela do laptop, precisando ser iluminado com
uma ideia que não envolvesse matar aquela ratinha.
O aviso de novo e-mail da gravadora Rock Star me chamou a
atenção. Abri de imediato. Vai que o sr. Wood tinha decidido me
receber em seu escritório. Talvez eu pudesse dar uma boa notícia
para Luigi e a banda… Realmente, a sorte favorecia os bons.
Concurso de banda? Hã? Sério mesmo que Trevor
promoveria um concurso entre bandas?
Continuei baixando a barra de rolagem e lendo mais
informações sobre o concurso. As bandas que seguissem para as
etapas finais teriam que apresentar músicas autorais. A
originalidade e popularidade da música seriam avaliadas. E a banda
vencedora receberia no final o prêmio de um milhão e meio de
dólares e um contrato com a Rock Star Records.
Uau! Quem diria que Trevor Woods se renderia a um
programa de caça-talentos?
Recostei-me na cadeira, fitando o teto, pensativo. A
4Legends era uma banda muito foda. Os meninos tinham talento pra
caralho. Eu apostava a minha casa que venceriam.
O concurso daria ainda mais motivação para tocarem e
divulgarem suas músicas autorais nas aberturas dos shows. Talvez
esse namoro entre Cindy Harper e Luigi Ferrari não fosse tão ruim
assim. A fama de Cindy poderia ajudar na visibilidade da banda e
isso aumentaria a chance de vencerem o concurso.
Não! Espera! Sem chances!
Cindy poderia abrir a boca a qualquer momento e colocar
tudo a perder. Os riscos são muito maiores do que os benefícios. De
jeito nenhum! Se a 4Legends fizesse o mesmo que Cindy e me
traísse, minha cabeça iria a prêmio. Eles não podiam ficar juntos. Eu
precisava afastar aqueles dois de qualquer jeito.
O meu trunfo poderia ser tornar a Barbie Metaleira uma
aliada. Era nítido que rolava um lance reprimido entre ela e Luigi.
Ela pareceu abalada com a questão do namoro. Quem sabe se eu
usasse os argumentos certos, a garota me ajudasse a monitorar
Luigi.
Hummm… Retesei-me na cadeira, uma ideia iluminando
minha mente enevoada. Havia um jeito de monitorar os passos de
Luigi. Bastava instalar um aplicativo oculto de rastreamento em seu
celular novo. Desse modo, saberia onde ele e a ratinha estavam em
tempo real. Além de poder acompanhar cada passo deles. Isso seria
muito útil.
Eu era um gênio mesmo!
Puxei o laptop para mais perto de mim e acessei o site da
gravadora. Eu tinha vários assuntos para resolver, mas com certeza
inscrever a banda no concurso da Rock Star era prioridade. Se a
banda vencesse, Trevor teria que me engolir. Além de se obrigar a
assinar contrato com os MEUS clientes.
Will, seus dias de glória estão chegando! Suspirei, animado.
Meia hora depois, saí do meu escritório direto para o de
Chuck. Ele e os três irmãos sempre faziam serviços sujos quando
eu os contratava. Mas, dessa vez, tinham pisado na bola.
Entrei no Lolita’s Bar, puto da vida.
— Boa noite, sr. Parker! — o barman cumprimentou,
enquanto enxugava um copo atrás do balcão de bebidas.
Meneei a cabeça num aceno e segui para o escritório de
Chuck. Para chegar lá era necessário atravessar todo o bar. Passei
pela lateral do palco onde algumas mulheres seminuas faziam Pole
Dance. Nos fundos, um segurança estava de guarda na porta.
— Boa noite, Michael, preciso falar com Chuck. Ele está?
— Está sim, sr. Parker. Só me deixa ver se ele pode te
receber. — Tirou o rádio do bolso e anunciou a minha presença. —
Pode entrar! — Abriu a porta e eu segui pela sala onde eram
armazenadas as bebidas do bar. O escritório ficava logo após uma
sala particular de poker.
Entrei no escritório e Chuck estava sentado em sua mesa
com as mangas da camisa dobradas até a altura dos cotovelos, se
esbaldando em um balde de frango frito. Como ele conseguia comer
aquela coisa banhada em gordura? Forcei para não torcer o nariz. O
seu hábito alimentar com certeza justificava o tamanho da barriga.
— Boa noite! — cumprimentei, com as mãos guardadas no
bolso da calça. De jeito nenhum eu apertaria a mão dele.
— Satisfeito com o serviço? — Chuck subiu o olhar e voltou a
roer uma asinha.
— Infelizmente, não! — Balancei a cabeça e ele parou de
comer.
Graças a Deus ele abaixou o pedaço de frango.
— E por que não? — Pegou um punhado de guardanapos de
cima da mesa e limpou a boca e as mãos.
— Mandei vocês enviarem uma mensagem ameaçando a
ratinha cor-de-rosa. Mas, em vez disso, vocês enviaram para Kit.
Enlouqueceram? Querem foder com a minha vida? — inquiri,
revoltado.
— John! — Chuck bradou, chamando o irmão mais novo.
Levantou-se com dificuldade da cadeira, a barriga enroscando na
mesa.
Jonh, que era tão grande quanto o irmão, saiu pela porta que
ficava nos fundos da sala. Ele me cumprimentou e parou em frente
a Chuck. Os meus olhos se prenderam na tatuagem em seu
pescoço. Era uma aranha em 3D. Que grande bosta.
— Will está dizendo que enviaram a mensagem para a
pessoa errada. Poderia explicar?
— Errada? — John franziu a testa, com ar de interrogação. —
Enviamos a mensagem para a garota rosa.
— Cindy ou Kit? — Analisei o brutamontes, respirando
devagar para não perder a cabeça.
— E eu sei lá, caralho! — Fez uma careta de quem estava
perdido. — Chuck disse que era para enviar uma mensagem para a
garota que usava rosa. Enquanto o cara estava desmaiado,
pegamos o celular dele. Mas, mano, na moral, esse moleque deve
ter fetiche por rosa. — Abriu os braços com indignação. — As
últimas duas ligações foram para garotas que tinham o cabelo rosa.
Kit? Cindy? As duas eram cor-de-rosa! A gente enviou pra uma
dessas aí, não me lembro o nome da maluca — explicou,
inconformado.
Fitei o teto, me controlando para não dizer poucas e boas ao
desmiolado. Se eu me alterasse com aqueles gigantes, poderia sair
dali sem vida. Voltei a encarar Chuck.
— Você não passou o nome da Cindy para ele? — perguntei,
esboçando uma calma que não havia dentro de mim.
— Claro que passei! — Chuck se alterou, encarando o irmão.
— Você não anotou? — perguntou, irritado.
— Andrew anotou, mas perdeu o papel. Eu só lembrava que
você disse que a garota vivia de rosa… Ninguém imaginou que o
cara fosse um maníaco por mulheres de cabelo rosa!
Balancei a cabeça, não sabia se ria ou chorava de ódio.
— Como assim perdeu a anotação? — Massageei a testa,
tentando me controlar para não avançar no ogro sem miolos.
— Ele anotou em um papel, mas perdeu. Acontece — disse
com naturalidade.
— Acontece? — A pergunta pulou da minha boca sem que eu
pudesse conter. — Em que século vocês vivem? Não podiam ter
anotado no bloco de notas do celular? Isso é inadmissível! Eu
paguei por um serviço e por incompetência as coisas quase saíram
do controle. Eu… — Bati a mão no peito. — Terei que resolver. No
entanto, a minha grana já está com vocês! — desabafei, sentindo
uma raiva insana.
— Se acalme, Will. — Chuck tentou abrandar a situação. —
Não queremos que nossos clientes tenham prejuízo por erro interno.
— Desviou o olhar para o irmão. — Pode ir, John. Eu termino de
negociar com o sr. Parker.
John assentiu e saiu do escritório pela mesma porta que
entrou.
— Olha, Will, infelizmente não posso mudar o que aconteceu
e nem devolver sua grana. Mas estou em débito com você. Quando
precisar de algum serviço, estaremos à disposição e você não terá
que pagar nada por isso.
Bufei, insatisfeito, sabendo que não tinha para onde correr.
— Tudo bem, Chuck. Aceito a sua oferta, vou dar um jeito de
consertar essa merda. Mas que fique claro que não aceito outro
erro. Se não, da próxima vez, contratarei alguém mais qualificado —
falei em tom de ameaça.
— Pode confiar, Will. Você não irá se arrepender.
Chuck voltou a sentar-se atrás da escrivaninha e pegou uma
coxa de frango do balde. Com certeza, eu precisaria do serviço
deles em breve. Ainda precisava dar um jeito na Cindy Harper.
— Até mais! — despedi-me e saí do escritório, ciente de que
deveria terminar o que aqueles idiotas não foram capazes de fazer.
Após ter resolvido aquele assunto, só precisava comprar um
celular pré-pago e enviar a ameaça para a pessoa certa. Em
seguida, teria que ir ao shopping para providenciar um celular novo
para o roqueirinho.
Depois que encerrei a ligação do Will, me deitei na cama
encolhida em meu casulo e chorei como há muito não fazia. Chorei
de soluçar. A força na qual eu tinha me agarrado para suportar a dor
de ver Luigi naquele estado deplorável e de trazê-lo carregado para
casa tinha se esgotado. Não pelo esforço físico, pois eu poderia
suportar o peso do corpo dele sobre mim por uma vida inteira. Mas
a dor que esmagava meu coração estava me devastando. Senti
tanto medo de perdê-lo, de nunca mais ouvir o som da sua voz, de
nunca mais conversar com ele e de não o ter ao meu lado…
Além disso, após todo o pânico que senti naquele dia,
receber a notícia de que Luigi estava namorando com Cindy foi
como levar o golpe final. Naquele instante, voltei a ter 12 anos.
Lembrei-me de quando os meus pais se divorciaram, dizendo que
continuariam amigos, porém, nunca mais se falaram. Foi então que
enterrei o amor que sentia por Luigi bem fundo em meu coração e
lutava todos os dias contra o desejo que sentia por ele, usando os
meus temores como escudo a cada vez que esses sentimentos
ameaçavam ressurgir. Não suportava a hipótese de construir um
amor lindo e ter um final triste como meus pais tiveram.
Fui tão covarde quando Luigi se declarou para mim quando
tínhamos 17 anos. Meus medos me fizeram construir uma muralha
entre nós. Combinamos que seríamos sempre melhores amigos e
que encontraríamos alguém que nos fizesse feliz, e que jamais
afetaríamos a nossa amizade com um sentimento tão complexo
como o amor. Por isso, eu deveria estar feliz por Luigi ter
encontrado alguém que despertasse nele o desejo de namorar com
ela, mas não conseguia.
Até Cindy aparecer, tudo estava calmo e seguro, a rotina de
shows pelos Estados Unidos era exaustiva, mas desde que ela
entrou em nossas vidas, foi como se uma tempestade sombria
tivesse caído sobre minha amizade com Luigi e ele se afastou de
mim. Aquilo estava me enlouquecendo. Não sabia como lidar com
sua distância ou a confusão catastrófica de sentimentos dentro de
mim. Saber que ele não estava mais compartilhando as coisas
comigo, vinha me afetando tanto a ponto de coisas banais como o
que ele fazia quando saía de casa me incomodar.
Luigi chegou a me acusar de pegar no pé dele, mas era mais
forte do que eu. Quando o via preocupado e tão fechado, apenas
tentava qualquer coisa para arrancar algo dele, para tentar entendê-
lo. Caramba, eu estava uma bagunça. Mas de uma coisa eu tinha
certeza: não podia culpar Cindy por tudo isso. Sabia que a culpa do
meu sofrimento era toda minha.
Sentei-me na cama de sobressalto e enxuguei as lágrimas
com avidez. Eu não podia fraquejar, não podia ser o elo fraco da
nossa relação. Luigi estava machucado e corria risco por estar com
aquela garota. Eu não podia ser tão egoísta e ficar ponderando o
romance que nunca tivemos, precisava pensar na vida dele. No
risco que ele estava correndo. Ele era importante demais para eu
ficar desperdiçando tempo focando em sentimentos egoístas.
Antes que tudo ficasse demais para suportar e eu voltasse
para minha concha e me isolasse do mundo, decidi ir ao banheiro e
jogar um pouco de água no rosto para me centrar, só então voltei
para o quarto. Tinha prometido preparar uma sopa para Luigi. Além
disso, precisava conversar com Nick e Fly sobre o ocorrido, eles não
faziam ideia do que tinha acontecido. No entanto, Luigi precisava
participar dessa conversa. Então mandei mensagem para os
meninos avisando que estavam intimados para jantar às 21h.
Estava prestes a sair do quarto quando meu celular começou
a tocar. Tirei o aparelho do bolso da calça e era Derek. Olhei para a
tela, considerando se deveria ou não atender. Ele era um cara muito
legal e gostava de mim. Sabia que se continuássemos nos
encontrando, eu poderia machucá-lo. Diferente de Luigi, não me
sentia pronta para estabelecer um relacionamento sério. Apertei os
olhos com força e pensei em Luigi e Cindy. Por mais que eu não
estivesse disponível emocionalmente, poderia aproveitar o tempo ao
lado de alguém interessante. Quem sabe com o tempo algo
mudasse dentro de mim… Voltei para dentro do quarto para atender
a ligação.
— Oi, Derek. — Fiz um esforço enorme para soar natural.
— Que voz é essa, linda? Aconteceu alguma coisa? —
perguntou com visível preocupação. Pelo visto, minha tentativa
falhou.
— Só estou com alguns problemas para resolver, mas está
tudo bem. Eu acho — respondi, hesitante.
— Quer falar sobre isso?
— Hoje, não.
— Então o que acha de nos vermos amanhã à tarde? Já
estou sentindo a sua falta…
Derek conseguia ser tão doce que me sentia uma cretina por
sair com ele. De querer passar o tempo com alguém tão bom e que
merecia alguém melhor do que eu.
— Tenho que resolver algumas coisas. Posso confirmar mais
tarde? — Suspirei, chateada.
— Claro, Kit! Resolve o que você tiver que resolver e depois
me chama. Sabe que pode contar comigo para o que precisar.
— Valeu, Derek.
Encerrei a ligação sentindo o coração mais apertado do que
antes, mas não podia ficar presa àquele sentimento. Respirei fundo
e exalei o ar com força, retomando o controle. Guardei o celular no
bolso e desci para a cozinha, a sopa não se prepararia sozinha.

Depois da sopa pronta, fechei a tampa da panela para não


esfriar e fui chamar Luigi. Na saída da cozinha, encontrei Nick e Fly
papeando, vindo em minha direção.
— Ué? Aonde está indo? — Fly me olhou com o cenho
franzido. — O jantar não era às 21h? — Ele olhou no relógio de
pulso. Fly tinha um apetite maior do que o de qualquer um de nós.
Era o mais guloso da banda.
— Já volto! Só vou chamar Luigi. Temos um assunto
importante para tratar. — Forcei um sorriso.
— Tem alguma coisa rolando que a gente não tá sabendo? —
Nick inclinou a cabeça de lado, me encarando com curiosidade.
— Acho melhor eu chamar Luigi e a gente conversa todos
juntos… Já volto. — Esgueirei-me e saí apressada, caminhando a
passos largos até o quarto dele.
Com certeza, tinha acabado de deixar os meus amigos
apreensivos, mas eu não podia contar tudo o que aconteceu
sozinha. Luigi precisava estar comigo para que vissem a gravidade
do problema.
Subi as escadas de dois em dois degraus, me sentindo
ansiosa. Parei em frente à porta do quarto do meu amigo, tomando
coragem para entrar. Caralho! O que estava acontecendo comigo?
Chega! Recriminei-me mentalmente e abri a porta.
Entrei no quarto e vi que Luigi ainda dormia. A luz do abajur
estava acesa. Fechei a porta e caminhei até ele, o coração
espancando o peito. Ver o seu rosto machucado me comoveu e um
nó se formou em minha garganta. Precisei engolir com força e me
esforçar para não chorar.
Sentei-me na cama, admirando o homem que era o meu
mundo inteiro. Seu peito subia e descia, a respiração cadenciada.
Ele estava sob efeito de analgésicos e por isso dormia tão
profundamente. No entanto, Luigi precisava comer alguma coisa, ele
estava com o estômago vazio. Arrumei alguns fios dos seus cabelos
claros com as pontas dos dedos e ele se mexeu, o rosto se
contorceu de dor com o menor dos movimentos. Ele abriu os olhos
devagar e piscou algumas vezes.
— Você se sente melhor? — sondei, hesitante, e ele se
ajeitou na cama com dificuldade.
— Acho que hoje entendi o real sentido daquela frase “só dói
quando respiro”. — Luigi deu um meio sorriso que me desconcertou.
— Bem, você parece um bagaço também, pela primeira vez
na vida, não tá lá tão gatinho — brinquei, tentando quebrar o clima
tenso, apesar da tristeza de vê-lo assim. Luigi deu um sorriso
pequeno e dolorido. Então voltei a encará-lo, séria. — Fiz sopa e
chamei Nick e Fly para jantar com a gente. Não contei a eles nada
do que aconteceu. Não fazem ideia de que recebi aquela ameaça
pela manhã ou que você apanhou desse jeito. Acho que devemos
falar com a polícia…
— Sem polícia, Kit. — Luigi gemeu ao se recostar na
cabeceira da cama. — Pense que se a notícia vazar, uma mídia
dessas só trará repercussão negativa para a banda. Temos que
estampar as capas da revista Rolling Stone e não as páginas de
jornais carniceiros.
— Mas…
— Sem “mas”, Kit — interrompeu. — Isso não vai mais
acontecer.
— Como você sabe? — indaguei, surpresa da sua convicção.
— Porque agora que estou namorando com Cindy, teremos
segurança particular. Eu e todos da banda.
— Sério, Luigi? — Arregalei os olhos, incrédula com a
situação. — Puta merda, nossa vida será um inferno! — Balancei a
cabeça, imaginando que não teríamos mais liberdade. — Você acha
que isso é bom para a banda? Fora que você nem discutiu isso com
a gente! Imagina, não vamos poder ir a lugar nenhum sem alguém
na nossa cola.
— Também não é para exagerar, Kit. Os seguranças só vão
seguir se vocês estiverem comigo, e vão vigiar a casa e a rua. Vai
ser algo que a gente se acostuma. Ou você acha que quando
formos famosos poderemos fazer essas coisas cotidianas como se
ninguém nos conhecesse? Se não estivermos dispostos a isso, não
deveríamos continuar insistindo nessa carreira — ele contrapôs e
meu estômago se contorceu.
— Fala sério! Uma coisa é você ser sufocado por seguranças
por ter alcançado a fama, a outra é ter que ser vigiado em tempo
integral porque Cindy Harper entrou em nossas vidas. — Minha
indignação veio misturada ao receio pelo que Will tinha falado dela.
— Kit… — Luigi segurou a minha mão e fitou os meus olhos.
— Você confia em mim?
O nosso contato inevitavelmente me afetou e precisei fechar
os olhos com força. A raiva, a dor, a tristeza, a mágoa, o alívio por
ele estar ali comigo… Tudo era demais. Senti os olhos arderem e o
choro se formando no fundo da garganta.
Se controle! Enterre tudo isso, não é hora de ficar assim.
Respirei fundo e abri os olhos, apertando um pouco a mão
dele para buscar forças.
— Claro que confio! — respondi com a voz embargada. Mas
a lágrima não caiu.
— Então, docinho… — Luigi se aproximou mais e colocou
uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Pode acreditar,
meu namoro com Cindy só vai trazer coisas boas pra a gente. Esse
esquema de segurança, depois do que aconteceu comigo, vai ser
bom.
— Espera um pouco, por acaso você está com ela por
interesse? — Obriguei-me a perguntar, afinal, Luigi que eu conhecia
jamais se aproximaria de uma mulher que não quisesse o mesmo
que ele.
— Não, Kit. — Balançou a cabeça em negação. — Gosto da
Cindy… Ela é legal, bonita e talentosa. É uma pessoa fácil de amar
— falou num tom consolador.
No mesmo instante, senti o gosto amargo daquelas palavras
que me atingiram como lâminas afiadas. Sabia que éramos apenas
amigos. Só que ouvi-lo dizer que Cindy era a mulher que ele amava
fez o meu mundo desmoronar. Não podia condená-lo, ele estava
seguindo exatamente o plano que traçamos juntos, aquilo que pedi
dele. Mas…
— Bom… — Puxei minha mão da dele. Bloqueando tudo
aquilo que estava sentindo de uma só vez enquanto me levantava
da cama. — Acho bom a gente descer. A sopa vai esfriar e Nick e
Fly estão nos esperando. Vem, vou te ajudar a ficar de pé. —
Estendi a mão para que ele me usasse de apoio. Luigi a segurou e
sentou-se com dificuldade.
— Quer que te ajude a calçar as botas? — Olhei para seus
pés descalços no chão.
— Valeu, Kit, mas não precisa. Vou tomar banho depois do
jantar. Quero me deitar logo. Ainda estou com sono.
— Tudo bem. — Aproximei-me dele, oferecendo o meu
ombro. — Se apoia em mim que te ajudo.
Luigi colocou o braço sobre meus ombros e se impulsionou e
outro gemido fugiu da sua boca. Com ele apoiado a mim, saímos do
quarto, descemos as escadas e adentramos a cozinha.
Nick e Fly que riam de alguma coisa, fecharam o sorriso de
imediato.
— Minha nossa, o que aconteceu, cara? — Nick se levantou,
alarmado, e veio ao nosso encontro. Tomou o meu lugar e apoiou o
amigo em seu ombro.
— Caralho! Que merda foi essa? — Fly se apressou em
afastar a cadeira da mesa para que Luigi se sentasse.
Enquanto Nick e Fly o ajudavam, peguei a sopa do fogão,
uma concha e coloquei no centro da mesa. Os meninos já tinham
deixado a mesa posta. Depois que servi os pratos de todos, Luigi
começou a contar o que aconteceu na noite anterior. Da sua saída
com Cindy ao sequestro. Em seguida, continuei a história falando
sobre a ameaça que recebi naquela manhã e onde encontrei Luigi
desacordado.
Os meninos ficaram perplexos com a história. Assim como
eu, sugeriram dar parte na polícia, mas Luigi se opôs. Dando a
mesma desculpa que me falou: que achava pouco provável que a
polícia pudesse de fato nos ajudar. Além de acreditar que isso
poderia gerar uma mídia negativa desnecessária.
— Mas irmão, você acha que esses caras não vão voltar? —
Nick perguntou. — Olha pra você… está todo fodido. Imagine se
tivessem sequestrado a Kit? Essa merda poderia ter sido muito pior.
— Poderia mesmo — Fly concordou.
Nick e Fly encararam Luigi.
— Fiquei muito apreensivo com tudo o que aconteceu —
Luigi começou, fitando as mãos sobre a mesa. — Estava decidido a
ir atrás de segurança particular. No entanto… — Subiu o olhar outra
vez. — Antes de falar sobre esse assunto preciso muito contar uma
coisa pra vocês…
Então Luigi falou sobre o seu relacionamento sério com Cindy
Harper. Explicou que começaram a sair despretensiosamente e que
após a festa da noite anterior decidiram oficializar o namoro. Fly o
parabenizou, mas Nick pareceu incomodado com a notícia. Percebi
que ele tentou disfarçar o desconforto.
O assunto evoluiu e Luigi comunicou que a partir de agora a
banda teria proteção por ele estar namorando com uma celebridade.
A conversa foi tensa, mas sem muito esforço, Luigi conseguiu o
apoio dos demais. Ele não era apenas o líder da banda, também era
alguém sensato e muito prudente em quem todos confiavam.
Assim que ele terminou, contei que Will tinha ligado e que
comunicou que viria na manhã seguinte conversar com a gente e
trazer um celular novo para ele. Dessa vez, o desconforto não foi de
Nick e sim de Luigi, e antes que eu pudesse fazer algum
comentário, ele fez menção de se levantar da cadeira.
— Pessoal, acho que vou subir.
— Deixa que te ajudo. — Levantei-me com agilidade para
apoiá-lo.
Nick e Fly não me deixaram levá-lo até o quarto, Nick o levou
sozinho para o andar de cima e eu os segui.
— Precisa de mais alguma coisa, irmão? — Nick perguntou
assim que Luigi sentou-se na cama.
— Valeu, cara, daqui eu resolvo. Muito obrigado!
— Então descansa. Se precisar de mim, pode chamar.
Luigi agradeceu outra vez e Nick deu um breve aceno com a
cabeça antes de nos deixar a sós. Luigi levou a mão ao colarinho da
camiseta para tirá-la, mas gemeu e se deteve. Um suspiro
contrariado escapou da sua boca.
— Deixa que eu tiro pra você. — Aproximei-me e ele
assentiu. Ergueu um pouco os braços e peguei a barra da sua
camiseta. Com cuidado, a puxei para cima, mas arfei ao ver o seu
abdômen todo roxo. — Meu Deus!
No hospital, quando Luigi fez os exames de imagem, não
fiquei com ele na sala e não tinha visto o estrago.
— Está tudo bem. É só uma luxação, não quebrou nada. —
Luigi tentou amenizar.
— Não está nada bem. — Voltei a atenção na camiseta e a tirei
com cuidado para não machucar ainda mais o rosto dele que já
estava bem fodido.
Ele se esforçou para levantar e eu o ajudei outra vez. Ele
começou a desabotoar a calça e minha boca secou. Eu já o tinha
visto sem roupa, aquilo não era nenhuma novidade. Crescemos
juntos, não tínhamos esse pudor. Mas depois do beijo que demos
anos atrás, preferimos evitar essa situação.
Luigi subiu o olhar e fitou o meu rosto, parando o movimento.
— Kit, está tudo bem? Sei que muita coisa aconteceu, mas
nada mudou entre a gente. Não é? — Estava sério e sua expressão
impassível.
— N-não. Claro que não — gaguejei e ele assentiu sem tirar os
olhos dos meus. — Da minha parte continua tudo igual, mas você
está diferente…
— Não. — Balançou a cabeça em negação. — Sou o mesmo.
— Abriu o zíper e terminou de tirar a calça.
Comecei a hiperventilar e me controlei para não descer o olhar.
Precisava me manter calma e segura como eu costumava ser.
— Poderia abrir o chuveiro para mim, por favor? — ele pediu.
Anuí com um gesto contido e fugi para o banheiro. Então abri a
torneira, sentindo o coração bater acelerado. Minha mente
enevoada, mal conseguia formar uma linha de raciocínio. Olhando
para a água escorrer, respirei devagar antes de voltar para o quarto,
mas quando me virei, quase bati o nariz no peito de Luigi.
— Caralho! — Fiquei imóvel por um segundo, mas que
pareceu uma eternidade. Assim que recobrei a consciência, me
esgueirei sem dedicar um único olhar.
Deixei o banheiro e me sentei em sua cama. Olhei a calça e a
cueca amontoadas no chão, sentindo falta de ar, mas me controlei e
me forcei a respirar.
— Vou para o meu quarto! — gritei e me levantei, agitada. —
Me chame se precisar de ajuda.
Precisava mais do que nunca sair do quarto dele. Queria ter
dito algumas coisas para ele que envolvessem a minha
preocupação. Ou pedir que ele nunca mais escondesse ou mentisse
sobre qualquer coisa para mim. Mas depois de vê-lo sem roupa, eu
precisava mesmo era encontrar a minha dignidade antes de fazer
exigências.
Ciente de que precisava me blindar das sensações que Luigi-
Comprometido-Com-A-Popstar me causava, peguei o celular e
mandei uma mensagem para Derek e confirmei nosso encontro de
amanhã. Marchei para o meu quarto, convicta de que era o certo a
ser feito. Enxotaria Luigi para fora da minha cabeça de um jeito ou
de outro.

No dia seguinte, enquanto tomávamos café, a campainha


soou. Os meninos se entreolharam, eram nove da manhã. Cedo
demais para recebermos visitas.
— Deve ser Will. — Sorvi um gole de café e me levantei. —
Deixa que eu abro. — Coloquei a caneca sobre a mesa.
— Ou Cindy — Luigi sugeriu e revirei os olhos mentalmente
para não demonstrar a minha frustração.
Que merda! Precisava superar isso ou enlouqueceria.
Abri a porta e, por sorte, era Will. Eu não ia muito com a lata
dele, mas entre ele e Cindy, eu preferia mil vezes que fosse ele. Ele
tinha uma sacola da Apple e um envelope nas mãos.
— Bom dia! — Abri um pouco mais a porta. — Entre, Will. —
Gesticulei com a mão em direção à sala.
— Bom dia, Barbie Metaleira — cumprimentou e outra vez
revirei os olhos em minha mente.
Ele entrou na casa e seus olhos se prenderam em Luigi que
caminhava com dificuldade.
— O que fizeram com você, Luigi… — A pergunta soou mais
como uma lamentação. Will se aproximou dele e o ajudou a se
sentar.
Nick e Fly o cumprimentaram com aperto de mão e se
sentaram ao lado de Luigi.
— Kit me contou o que aconteceu. — Will apertou os lábios
em uma linha fina, parecendo consternado com a situação. —
Também me falou do seu novo affair…
Luigi o encarou com os olhos frios e inexpressivos.
— Que bom que ela já te atualizou da minha condição… —
Conseguiu responder, sem entusiasmo.
— Pois é, mas nada me tira da cabeça que o que aconteceu
com você tem tudo a ver com Cindy Harper.
— Como assim? — Nick franziu o cenho, sem entender.
— Luigi e Kit não contaram que os adverti sobre o perigo de
ele se relacionar com essa garota? — Will falou com surpresa e
desviou o olhar para mim, depois para Luigi.
— Que perigo? — Nick fixou os olhos em Luigi, esperando
por uma explicação.
— Will quer enfiar na minha cabeça que Cindy é perigosa.
Você acha que vou dar bola para uma merda dessas, Nick? — Luigi
perguntou com escárnio.
— E de onde você tirou isso, Will? — Fly quis saber e Will
balançou a cabeça com ar incrédulo.
— É sério isso? — respondeu com outra pergunta. — Vocês
acabaram de chegar em Los Angeles e acham que conhecem tudo?
EU sou o agente da 4Legends, EU sei o que é bom ou não para a
banda…
— Tá, Will… — intervi, cortando seu discurso de “eu isso, eu
aquilo”. — Mas você tem que entender que é preciso mais do que
apenas a sua opinião pessoal para nos convencer de algo assim.
— Olha o que aconteceu com Luigi depois que ele se
envolveu com ela. Preciso dizer mais?
— Chega, Will! — Luigi falou firme. — Agora deixa eu te fazer
uma pergunta: você acha que se Cindy fosse tão perigosa, ela
estenderia a segurança pessoal dela para nós?
— Claro que acho! — Will esboçou um sorriso irônico. —
Agora responde você, garanhão: se Cindy não estivesse envolvida
com gente ruim, você acha que ela precisaria de tanta segurança
desse jeito?
Luigi riu, mas colocou a mão no abdômen, sentindo dor.
— Não fode, Will. Ela é uma popstar. — Luigi voltou a ficar
sério. — Já disse e vou repetir: você cuida da banda, mas do meu
pau cuido eu. Não quero ninguém se metendo na minha vida
particular. Não quero saber com quem ninguém da banda trepa. —
Desviou o olhar brevemente para mim e tornou a encarar Will. —
Nunca controlamos ninguém e não vai ser hoje que vamos fazer
isso. Não é mesmo, pessoal?
Luigi jogou a pergunta em nosso colo e Nick e Fly deram um
aceno contido em concordância, mas permaneceram calados. Ele
não estava errado. A gente sempre teve essa tratativa na banda,
mas nunca tínhamos vivido algo assim antes.
— Se é assim que você quer jogar, tudo bem. Mas peça para
a sua namorada não se envolver com a segurança da banda. Se
você quiser manter seu pau protegido com os seguranças dela,
fique à vontade. Mas EU sou a porra do agente da 4Legends e a
proteção de vocês é minha responsabilidade. Acho bom deixar isso
bem claro. — Will falou num tom que nunca tinha usado com a
gente.
— Cindy tem os protocolos dela nesse quesito. Não vou
intervir e tampouco me opor a receber esse benefício — Luigi
contrapôs, bravo, e Will recuou.
— Pois bem, se é assim que você quer, não está mais aqui
quem falou. — Ergueu as mãos em rendição, a sacola da Apple
balançando. — A propósito, isso é pra você. — Entregou a sacola
para Luigi. — Consegui manter o seu número de telefone.
Luigi assentiu sem agradecer, a sua irritação era quase
palpável.
— Bem, não vim aqui para brigar, apesar de ser necessário
colocar juízo na cabeça de alguns de vocês. — Will lançou um olhar
para Luigi, depois largou um envelope na mesinha de centro e
apontou para ele. — O que vim dizer é que nesse envelope, tem
todas as informações de um concurso de bandas que a 4Legends
irá participar. O convite que recebi foi direto em nome da banda,
mas também enviei um vídeo mostrando o show e as os detalhes
que pediram, e já estão selecionados a participar. Será um evento
promovido pela Rock Star Records e a banda vencedora receberá
um milhão e meio de dólares, além de assinar contrato com a
gravadora.
— Ué, mas a gente não tem um contrato garantido com a
Rock Star? — Luigi tombou a cabeça de lado, encarando Will com
desconfiança.
— Esse é um outro selo da gravadora, o concurso garante
ser lançado pelo selo principal. Não temos nada a perder e tudo a
ganhar. Qualquer coisa, se vocês vencerem antes da assinatura, o
sr. Wood terá que fechar contrato com a 4Legends imediatamente.
Então não se preocupem. Além disso, o programa será
televisionado e só aumentará a visibilidade da banda — Will
explicou, exalando tranquilidade.
— Quando começa e termina a competição? — perguntei,
curiosa.
— Inicia em março e termina em julho.
— Então isso significa que se fecharmos o contrato até
fevereiro com a gravadora poderíamos perder a chance de participar
do programa? — Fly, que estava calado há algum tempo, se
manifestou.
— Exatamente, garoto — Will concordou e Luigi fitou o chão.
Parecia imerso em pensamentos. — Por isso, esse atraso acabou
saindo ao nosso favor. Se quiserem dar uma olhada no material,
está aí. Lembrando que dia vinte de janeiro retomamos a rotina de
shows que não será afetada pelo concurso, apenas adaptada para
que vocês estejam livres para as gravações.
Sem mais o que dizer, Will se despediu dos meninos que
ficaram um pouco retraídos depois daquela conversa. Talvez
estivessem se cansando das inúmeras desculpas que Will dava
quando o assunto era o contrato com a gravadora. Era desculpa em
cima de outra e nada de contrato. Quando ele se aproximou de mim,
perguntou:
— Me acompanha até a porta, Barbie Metaleira?
— Sim. — Meneei a cabeça em direção à saída, tentando
ignorar aquele apelido ridículo.
Abri a porta e Will me encarou pela última vez.
— Olha, Kit, estou dando o meu melhor e fazendo tudo o que
posso para a 4Legends emplacar. Tenho trabalhado duro, mas não
queria que esse namoro de Luigi atrapalhasse tudo.
— Acho que Luigi já deixou claro que não quer que a gente
se envolva com assuntos pessoais dele.
— Ouvi muito bem o que ele falou, mas gostaria que ficasse
de olho no seu amigo. E pense muito no que te disse. Tenho certeza
de que se Luigi não estivesse envolvido com Cindy, você não teria
sido ameaçada e ele não teria apanhado. Pense nisso!
Ele deu uma piscadinha conivente e saiu. Fechei a porta,
ficando lá parada, corroída por dúvidas. Luigi não me enganava,
com certeza estava escondendo alguma coisa. Não sei se Nick e Fly
notaram, mas eu daria um jeito de descobrir.
Acordei chorando muito naquela manhã. Sendo assombrada
mais uma vez pelo pesadelo que há meses eu não tinha. A imagem
de Tommy convulsionando em meus braços me torturou por muito
tempo. Encolhi-me na cama, abraçando minhas pernas e desejando
que aquela lembrança triste me abandonasse de vez.
Amei Tommy como nunca amei ninguém. Depois que ele se
foi, nunca mais tive alguém ao meu lado. Já estava completando
dois anos de luto e a dor ainda era latente. Então, quando não havia
mais lágrimas para chorar, desci da cama e me arrastei para o
banheiro.
Com certeza, o pesadelo tinha voltado depois de eu ter
revivido antigas lembranças ontem enquanto conversava com Luigi
e selava um acordo de namoro falso para fazer justiça e colocar o
desgraçado do Will na prisão. Conheci aquele crápula no momento
mais triste da minha vida e ele se aproveitou de mim sem piedade.
Enquanto escovava os dentes, me lembrei da tristeza
agarrada aos olhos de Kit quando soube que Luigi e eu estávamos
namorando. Juro que jamais iria tão baixo para fingir um namoro
com um cara que era apaixonado por outra mulher se não fosse
necessário. Era óbvio demais que os dois se gostavam. Enfim, era
isso ou a 4Legends poderia se afundar ainda mais nas garras de
Will. Foi o único jeito que encontrei para resolver a situação.
O que mais me incomodava era a mentira. Mas, infelizmente,
ela seria o cerne do nosso plano. Mentiríamos para o mundo, para
as pessoas que amávamos e esconderíamos a verdade até que
pudéssemos nos livrar daquele embuste.
Quando estava pronta para ir até a casa da banda e visitar o
meu “namorado” machucado, o celular começou a tocar.
— Oi, James! Tudo bem? — Atendi o cara que além de
produtor do meu programa, era meu atual empresário.
— Bom dia, Cindy! Tudo ótimo e trago boas notícias.
— Que maravilha! Me conte logo, estou ficando ansiosa.
— A Rock Star Records está promovendo um concurso de
bandas e você foi cotada para ser apresentadora.
— Jura? — Meu coração quase parou. — Me explica isso
melhor — pedi, curiosa em como Trevor Wood me considerou como
uma opção.
— Então, parece que a audiência do Born to be a Popstar
chamou atenção do coroa. Disse que dependendo de como for a
primeira edição desse concurso de bandas, ele vai querer um
contrato de exclusividade, como cantora e apresentadora.
— Ahhhhhhhh! — Soltei um grito de felicidade. — Quer dizer
que fui notada pelo sr. Trevor Wood?
— Foi sim. — Ele riu da minha histeria.
— Mas o meu contrato tem aquela multa rescisória… — falei,
chateada.
— O sr. Wood disse que arcará com qualquer multa
contratual se o programa for um sucesso.
— Maravilha! Muito obrigada por essa notícia, posso dizer
que animou o meu dia.
— Sabia que iria gostar…
— Mas também tenho uma notícia pra você.
— Será que sua a notícia é tão boa quanto a minha? —
perguntou em tom de brincadeira.
— Pra mim, é… Estou namorando.
— Namorando? Não me diga que é com o vocalista daquela
banda que vi outro dia na internet… Como é nome dele mesmo?
— Luigi Ferrari — respondi, sentindo o meu estômago se
contrair ao verbalizar aquela mentira.
James era um cara muito gente fina e que sempre foi muito
honesto comigo. Mas o plano precisava ser perfeito, então nem
Carter poderia se inteirar do que Luigi e eu estávamos armando.
— Fico muito feliz que esteja conseguindo seguir em frente,
Cindy. Sei o quanto os últimos anos foram difíceis pra você.
— Muito obrigada, James. O seu carinho significa muito para
mim.
— Não por isso, Cindy. Desejo que sejam felizes.
Engoli em seco e agradeci os votos de felicidade. Afinal, ele
não disse que desejava que fôssemos felizes juntos, apenas que
fôssemos felizes. E felicidade era o que eu mais queria para todos
nós.
Antes de encerrar a ligação, pedi que James enviasse as
informações do concurso por e-mail, se eu fosse participar,
precisava entender do que se tratava.
Joseph estacionou em frente à casa da banda e o segurança
que agora me acompanharia para onde quer que eu fosse, abriu a
porta para mim. Karl era alto, forte, tinha a cabeça raspada e era
muito sério.
Antes que pudesse alcançar a porta, vi Nick caminhando em
minha direção. Meu coração disparou quando o vi de regata e
bermuda, pronto para o treino.
— Oi, Nick — cumprimentei, sentindo um friozinho incômodo
arrepiar a boca do meu estômago. Odiei o fato de Nick despertar em
mim aquela sensação. Apenas Tommy tinha sido capaz de causar
esse efeito.
Nick tinha alguma coisa que mexia comigo desde a primeira
vez que o vi. Não sei se era o seu olhar intenso e profundo ou a dor
que ele mascarava por trás da armadura de homem forte (muito
forte) e tatuado (exageradamente tatuado). Mas os olhos dele não
me enganavam, eu conhecia muito bem as sombras à espreita
neles, eram como as que me encaravam de volta toda vez que eu
me olhava no espelho.
— Oi, Cindy. — Ele olhou de mim para o segurança. — Bom
dia! — cumprimentou, Karl. — Entrem! — falou com a voz baixa e
gesticulou para que eu passasse.
— Obrigada. — Entrei e Karl ficou na porta do lado de fora.
— Ele não vai entrar? — Nick franziu o cenho e meneou a
cabeça em direção ao segurança.
— Não. Ele vai ficar aqui. A empresa tem seu próprio
protocolo de segurança — expliquei, um pouco sem jeito.
— Entendi. — Anuiu, parecendo surpreso. — Luigi está no
quarto. Acho que você sabe onde é…
— Sei sim. — Desviei o olhar para não demonstrar o
desconforto que sentia por estar perto dele.
Quando eu poderia imaginar que começaria um namoro de
mentira com um cara, quando meu coração pertencia a outro e
minha mente confusa se perdia em um terceiro? Afastei esse
pensamento da minha cabeça, agradeci a Nick e segui para o
quarto de Luigi.
Na escada, cumprimentei Fly e na porta do quarto de Luigi,
disse “oi” para Kit, que me encarou séria.
— Oi, Cindy.
— Luigi está melhor? — perguntei, preocupada.
— Como toda pessoa machucada, o tempo passa e fica
melhor, não é? — A sua resposta seca era reflexo do mal que eu
estava causando.
Assenti, forçando um sorriso.
— Posso entrar agora?
— Não precisa pedir. Você é a namorada… — Kit disse a
última palavra com exagero. — Então fique à vontade.
Fiz menção de levar a mão ao trinco, mas ela me barrou.
— Só tem uma coisa, popstar… — sussurrou, para que só eu
ouvisse. — Soube coisas de você e das pessoas com quem você
anda. E nenhuma delas é boa. Fique ciente de que Luigi é muito
importante para todos aqui, se alguma coisa acontecer com ele por
sua culpa, você vai se arrepender de ter entrado em nossas vidas.
Vou me certificar disso.
— Não sei quem te falou isso, mas tenho certeza de que não
deve ter dito nenhuma verdade. Fico triste em saber que tentaram te
envenenar contra mim, talvez isso diga mais da pessoa que te falou
essas coisas. Mas saiba: gosto de Luigi. Não vou fazer mal a ele,
quanto a isso, fique tranquila, Kit. — Tentei não me importar com o
seu tom hostil. No lugar dela, eu também teria feito uma ameaça ou
até pior.
Kit assentiu e saiu sem dizer mais nada. Inspirei fundo e bati
na porta do quarto de Luigi antes de entrar.
— Oi, Lulu! — cumprimentei e fechei a porta.
— Lulu? — O rosto dele se retorceu como se eu o tivesse
agredido. — Fala sério, Cindy! Luigi só tem cinco letras, não precisa
de um diminutivo.
— Desculpa! — Dei de ombros e mordi o cantinho do lábio,
sem jeito. — É que agora que somos “namorados”, achei que
precisava te dar um apelido carinhoso.
— Lulu não é um apelido — argumentou, com indignação. —
Isso é raça de cachorro, nome de cachorro, sei lá, prefiro que me
chame de Luigi.
— Tudo bem. Pelo menos, eu tentei. — Forjei um sorriso. —
Então, Luigi… — falei o nome dele com lentidão, marcando cada
letra. — Como você está hoje?
— Estou menos ruim do que ontem, mas ainda está doendo
pra caralho.
— Imagino…, mas Will vai pagar por tudo. Tenho fé!
— Por falar em Will, hoje ele passou aqui cedo.
— Sério? E qual história que ele inventou depois que viu o
seu estado? — Ajeitei-me, curiosa para ouvir a explicação furada
daquele pilantra.
— Que a culpa é sua, né, Cindy. Disse que você é um perigo
— falou em tom zombeteiro e eu revirei os olhos. — Aí ele enrolou
um pouco mais sobre a assinatura do contrato e disse que nos
inscreveu em um concurso de bandas promovido pela Rock Star…
— Balançou a cabeça, desanimado.
— Will inscreveu a banda no concurso?
— Inscreveu. Por que, é furada?
— Não, não é isso. É porque acabei de receber a notícia de
que tenho chances de ser a apresentadora desse programa.
— Nossa! Que coincidência.
— Pois é. Mas confesso que achei uma excelente notícia.
Esse concurso será top. Deixa te mostrar… — Tirei o celular da
bolsa e abri o e-mail que James tinha enviado naquela manhã. —
Olhe aqui. — Entreguei o celular a ele.
— Parece legal, mas é só um concurso, Cindy. — Devolveu o
celular. — Podemos ganhar ou perder, e não quero depositar muita
esperança nisso. Parece que é um passo para trás. A gente veio
para os Estados Unidos com uma promessa e um contrato, essa
não era a nossa meta.
— Eu sei, Luigi, mas, sendo bem sincera, acredito na banda.
Tenho certeza de que a 4Legends será uma das favoritas nessa
disputa.
— Valeu — agradeceu, mas não pareceu feliz com a
possibilidade.
— Ahh, antes que eu me esqueça… — Comecei a procurar o
número de telefone da empresa de segurança na agenda do celular.
— Vou passar o contato da Prime Security pra você. Se precisar de
qualquer coisa, pode ligar direto para eles. Só vamos precisar
cadastrar todos os integrantes da banda. Se me passar os dados, já
peço para a minha assistente fazer isso.
— Obrigado, Cindy. Você está sendo muito legal. — Esboçou
um sorriso e eu retribuí.
— Não me agradeça. Não se esqueça que estamos nessa
juntos. E por falar nisso…— Tirei meus scarpins altíssimos e subi na
cama. Recostei-me ao lado dele na cabeceira com o celular na mão.
— Precisamos criar material para a mídia, “namorado”. Mas como
você está machucado não vai rolar fazer fotos. Então, pensei de
fazermos umas montagens com as nossas fotos para postar nas
redes sociais. O que acha?
— Se é o que a gente precisa fazer, vamos fazer. — Luigi
virou o rosto e assentiu. — Mas antes… — Esticou-se com
dificuldade e pegou o celular de cima da mesinha de cabeceira. —
Preciso atualizar minha conta nesse aparelho novo que Will trouxe.
Luigi atualizou a conta no novo iPhone, salvou o cadastro da
empresa de segurança, me passou os dados de todos os
integrantes da banda e depois começamos a compartilhar fotos um
com o outro.
Abri o app de edição e entre manipular imagem para o nosso
propósito, nos divertimos com os milhares de filtros disponíveis.
Enquanto ríamos, Nick abriu a porta do quarto de Luigi. Cessei o
riso no mesmo instante, sentindo o coração bater mais forte.
— E aí, Nick! — Luigi o cumprimentou com a voz animada.
— Vim ver se estava bem…, mas acho que nem precisa
responder… — Nick deu uma boa olhada para nós, seus olhos
absorvendo a cena: Luigi e eu, lado a lado na cama, recostados na
cabeceira, próximos demais e o celular entre a gente.
Antes que eu pudesse me afastar para não criar mais
confusão, Kit entrou no quarto e nos analisou também. Havia frieza
nos olhos dela, talvez fosse de raiva, frustração, ou talvez fosse só
ciúmes.
— Está bem, Luigi? — Kit fixou o olhar nele. — Estou saindo
e vou dar uma carona para Nick. Precisa de alguma coisa?
— Não, valeu. Mas posso saber aonde você vai? — Luigi se
ajeitou na cama com dificuldade, pude até sentir o seu desconforto.
Kit e Nick se entreolharam e Kit deu um sorrisinho de canto.
— Poder, não pode, mas vou te contar mesmo assim —
retrucou. — Estou indo me encontrar com Derek.
Luigi assentiu e vi seu pomo de adão se mover com
dificuldade. Pelo jeito, a resposta dela foi difícil de engolir.
— Se cuide! — Ele abaixou a cabeça e pegou o celular que
estava na cama. —Vou passar por mensagem o contato da empresa
de segurança de Cindy pra você, Nick e Fly, caso precisem.
Também não deixem de informar qualquer coisa estranha — disse,
quase autoritário.
Kit deu uma gargalhada exagerada, que soou irônica e triste
ao mesmo tempo.
— Luigi, não seja vacilão. — Balançou a cabeça. — Não
levaria um segurança num encontro. Imagina, nem pegaria bem,
não concorda, Nick? — Deu uma cotoveladinha no amigo que tirou
os olhos de nós e a encarou.
— Você que sabe, Kit. — Revirou os olhos. — Agora, vamos!
— Tocou o braço dela num convite silencioso para sair. A voz quase
sem expressão.
— Vamos! — Ela anuiu e se despediu com um meneio de
cabeça.
Depois que os dois saíram do quarto, Luigi soltou um pesado
suspiro.
— Ei. — Toquei sua mão e ele se virou para me olhar. — Não
fica assim — pedi, mesmo sabendo que estava exigindo demais
dele.
— Eu me preocupo com Kit.
— Tenho certeza de que sim. Mas sinto informar que o que
você está sentindo vai além de preocupação. — Ergui as
sobrancelhas. — Isso é ciúmes. — Fiz questão de pontuar a
palavra.
— Nada a ver, Cindy! — contestou, agitado. — Já falei que é
passado. Só estou me sentindo mal por tudo o que está
acontecendo. Só isso.
— Tá bom. Se você diz. — Dei de ombros. — Não vamos
mais falar disso. No entanto, senhor Luigi Ferrari, mais cedo ou mais
tarde você vai ter que fazer alguma coisa. Ou vocês dois vão sofrer
muito.
Meu “namorado” ficou pensativo e aproveitei o seu silêncio
para remoer as coisas em minha própria mente. Estava dando
conselho amoroso como se fosse especialista no assunto. Mas, na
verdade, estava sendo uma hipócrita mesmo. Não queria nunca
mais voltar a amar. Não queria tirar Tommy do meu coração. Não
queria que outra pessoa ocupasse aquele espaço que já tinha dono.

No final do dia, Fly chegou em casa e deixei Luigi sob os


seus cuidados. Não que ele precisasse de atenção especial, mas se
alguém pudesse ajudá-lo enquanto estivesse mais dolorido, seria
bom. Saí da casa de Luigi direto para a de Hanna. Ela morava nos
fundos da cafeteria.
— Oi, Nana. — Abracei minha prima, assim que ela abriu a
porta.
— Cicy… Quanto tempo!
— Desculpa desaparecer, mas aconteceram tantas coisas…
— Fly acabou de sair daqui. Ele me atualizou de tudo…
— Então acho que preciso te atualizar mais um pouco. —
Forcei um sorriso e ela me encarou com ar curioso.
— Vamos nos sentar. Agora você conseguiu me deixar muito
ansiosa. — Hanna sentou-se no sofá e me acomodei ao seu lado.
Contei que estava “namorando” com Luigi, que acreditava
que Will estava por trás daquela ameaça a Kit e também do
sequestro de Luigi. Minha prima comemorou meu novo
relacionamento e concordou comigo quanto a Will. Ela também
achava que, tanto a ameaça quanto o sequestro, tinham a cara do
salafrário. Aproveitei para falar sobre o esquema de segurança que
contratei e ficamos conversando um pouco sobre isso, ao mesmo
tempo a fiz jurar não contar nada em relação a Will para Fly. Até
então, ela vinha guardando segredo, então sabia que podia confiar
nela de olhos fechados. Só que quando comecei a me sentir
angustiada, decidi que era melhor mudar de assunto e perguntar
sobre o romance entre ela e Fly. Hanna contou que estava
evoluindo e que estava muito feliz. Mas o foco no relacionamento
dela não durou nem sequer cinco minutos.
— Cicy, agora que já falei sobre o meu “futuro marido”. —
Curvou os lábios em um sorrisinho safado. — Me conte como é
Luigi Ferrari por trás dos bastidores — disse num tom sugestivo,
erguendo as sobrancelhas.
— É… é ótimo — gaguejei sem saber mais o que dizer. A
pergunta me pegou totalmente desprevenida.
— Ótimo? — Franziu o cenho com indignação. — Só ótimo?
Um cara como ele merecia pelo menos um adjetivo do tipo
“gostoso”.
— Sim, muito gostoso. — Forcei-me a dizer, me sentindo mal
por mentir para ela. Mas eu precisava manter o segredo sobre o
namoro falso para que mais ninguém se machucasse. Era uma
mentira necessária.
Sem que ela percebesse, mudei de assunto e contei sobre
ser uma das possíveis apresentadoras do concurso de bandas que
o sr. Wood estava promovendo e todos os benefícios que eu teria se
fosse escolhida.
— Isso é sensacional, Cicy! — Falou, animada.
— Mas vou sair da disputa. Não vou aceitar apresentar o
programa.
— Quê? Por que não? — Seu olhar era pura confusão.
— A 4Legends se inscreveu no concurso, mas se eu for
apresentadora do programa, eles não poderão participar por conflito
de interesse. E a banda tem muita chance de ganhar, então vou
avisar a James que vou declinar.
— M-mas era a sua melhor oportunidade… — Minha prima
me encarou com incompreensão.
— Eles estão nas mãos de Will, se vencerem o programa
poderão se livrar daquele traste. Do contrário, terão que voltar para
o Brasil e abandonar o sonho de viver de música. Já passei por isso,
Nana… Sei que surgirão outras oportunidades de trabalho para
mim. — Sorri confiante e ela me olhou compadecida.
— Você é a melhor pessoa do mundo, Cicy.
— Longe disso. — Balancei a cabeça, achando graça do
exagero de Hanna. — Mas, além de fofocar, gostaria de saber como
estão os preparativos para o nosso festival beneficente? Está quase
aí…
— Essa semana começarei a organizar os produtos para
assar os cookies que serão comercializados no evento.
— Tomara que o festival seja tão bom quanto o do ano
passado e a gente consiga arrecadar bastante dinheiro.
— Tomara mesmo. Sabe, Cicy, estive pensando… — Hanna
cruzou as pernas em cima do sofá. — Por que você não convida a
4Legends para tocar na festa? Acho que conseguiríamos atrair
muito mais gente.
A ideia dela era muito boa. No ano passado, eu mesma
queria ter feito uma aparição pública e ter cantado no evento. Mas
eu tinha acabado de me afastar de Will e estava com medo de que
ele fizesse alguma coisa contra mim ou contra a ONG. Além disso,
James me orientou a evitar aparecer em eventos pequenos porque
o esquema de segurança seria muito maior do que o evento em si,
não compensado o transtorno. No entanto, a banda de Luigi estava
em ascensão e poderia ser uma boa oportunidade para eles
divulgarem o trabalho e conquistarem novos fãs.
Aquele evento significava muito para mim. Depois que
Tommy morreu, decidi criar uma fundação, sem fins lucrativos,
dedicada à conscientização antidrogas. Não queria que outras
famílias perdessem pessoas amadas para as drogas como
aconteceu comigo. Não era justo com quem ficava. Apresentei o
projeto para a prefeitura e consegui o apoio da cidade e de vários
artistas.
Para manter o engajamento do projeto com a comunidade,
criei um evento solidário junto aos comerciantes locais.
Restaurantes e lojas se uniam em uma grande feira. Eles
comercializavam seus produtos a um preço especial durante o
evento para divulgar seus estabelecimentos e nos ajudavam a
recolher a taxa de doação. Quem visitava a feirinha podia contribuir
com quanto pudesse ou quisesse. Não havia obrigatoriedade de
valor, mas todos os visitantes sempre eram muito generosos.
Hanna era o meu braço direito e Tesoureira das doações.
Ficava responsável por juntar todo o dinheiro arrecadado e me
entregar. O capital era todo investido na ampliação do atendimento
a dependentes químicos. No ano anterior, empresários e artistas
contribuíram com depósitos relativamente altos na conta bancária
da fundação, esperava que esse ano não fosse diferente.
Depois de papear um pouco mais com a minha prima, voltei
para casa. No caminho, liguei para James dizendo que não aceitaria
o convite de apresentar o programa de concurso de bandas caso
fosse escolhida. Carter ficou chateado, mas entendeu os meus
motivos. Enfatizou que o meu romance com Luigi poderia me curar
e isso era muito mais valioso do que qualquer novo trabalho.
Acreditava que a minha saúde mental era mais importante do que
assinar um contrato. Antes de se despedir, pediu que eu
compusesse uma música para o Born to Be a Popstar e eu agradeci
por todo o carinho e cuidado. Com certeza, James era o melhor
empresário que alguém poderia ter.
Entrei em casa me sentindo exausta, embora não tivesse
feito nada relevante durante o dia além de me divertir com Luigi e
conversar com Hanna. Todas aquelas mentiras misturadas ao medo
e a incerteza, eram como fardos pesados em minhas costas. Mas
eu não podia fraquejar, teria que dar conta e administrar aquele
turbilhão de sentimentos que estavam me corroendo e vencer mais
essa batalha. Ainda mais agora, que tinha um aliado ao meu lado.
Depois que Cindy foi embora, a minha mente estava tão
perturbada que até o silêncio era ensurdecedor. Assim como eu, Kit
não costumava criar laços com quem ficava. Anos atrás, pareceu
algo fácil tentar encontrar alguém para amar, mas agora não estava
sendo tão simples de administrar. De uns dias para cá, não
conseguia tirá-la da minha cabeça. A coisa só piorou quando ela
começou a sair com aquele surfista.
Levantei-me da cama, sentindo dor até no fio do cabelo, e
peguei uma carteira de cigarro e o Zippo que estavam dentro da
gaveta da mesinha de cabeceira. Caminhei até a porta-janela e a
abri. Na sacada, inspirei fundo, ou melhor, tentei, os músculos do
peito protestando com o movimento. Ignorando o estado deplorável
do meu corpo, coloquei um cigarro na boca e o acendi para me
fazer companhia. Encostei-me na balaustrada e traguei com cuidado
até o brasido ficar incandescente, notando que o incômodo ainda
estava lá, mas suportável. Soltei a fumaça devagar, pensativo,
fitando a lua cheia no céu.
Era a primeira vez que me entrincheirava atrás de mentiras.
No mesmo instante, pensei em meus irmãos Lucca e Lorenzo.
Quando saí do Brasil, os dois estavam vivendo uma mentira gigante
que envolvia a ex-noiva de Lorenzo, Elisa, e a atual namorada dele,
Olívia, a arquiteta. Entre traição, amor proibido, gravidez e
paternidade duvidosa, tudo estava acontecendo às escondidas.
Meus irmãos brigaram feio e até saíram na porrada por causa das
merdas em que se afundaram.
Pessoalmente, nunca gostei de mentiras. Claro, as pessoas
ao meu redor mentiam e até me confidenciavam isso, mas sempre
escolhi viver a minha vida da forma mais sincera possível. Sempre
temi que uma mentira levaria a outra e o medo e desespero de ser
descoberto poderia levar a medidas extremas. Enfim, tudo o que eu
sabia era que estava sendo a porra de um hipócrita. Estava fazendo
exatamente o que tanto repudiei.
Ainda preso nessa ideia, percebi que pela segurança das
pessoas que eu amava, seria capaz de matar ou morrer. Soltei um
suspiro, apaguei o cigarro no cinzeiro que havia no canto da
varanda e fitei a lua por uma última vez antes de voltar para o
quarto, desejando que tudo se resolvesse o mais rápido possível e
pedindo que, no final das contas, todos me perdoassem.
No quarto, tirei minha roupa e avaliei o estrago em meu
abdômen. As tatuagens que Kit fez em minhas costelas, estavam
cobertas por roxos. Kit sempre desenhou muito bem. Antes de vir
para os Estados Unidos, além de tocar na banda, ela tinha um
estúdio de tatuagens. Todas os desenhos que cobriam meus braços,
costas e barriga foram feitos por ela. Eu era uma tela em branco na
qual ela desenhou sua primeira tatuagem, e assim me marcou para
sempre… mais uma vez. Cada desenho tinha uma história e todas
eram com ela.
Perturbado com minhas lembranças e pensamentos, tomei
banho e, antes de dormir, fui ao quarto de Kit. Bati na porta e a abri.
A cama dela estava arrumada e o seu perfume estava impregnado
no ambiente. No entanto, ela não estava ali. Ainda não tinha
chegado do encontro com Derek. Soltei uma lufada de ar,
contrariado. Por um lado, eu temia que Will pudesse machucar Kit
para forçar o meu afastamento de Cindy, por outro, achava que ele
não ousaria tocar em um único fio de cabelo rosa dela. Tínhamos
um concurso de bandas para disputar e voltaríamos aos palcos em
pouco mais de dez dias. Ele não seria maluco a ponto de machucá-
la antes de eventos importantes que gerariam dinheiro e que só o
beneficiaria.
Voltei para o quarto e me deitei na cama. Estava cansado,
perturbado e ainda fodido de dor. Antes de apagar o abajur, escrevi
uma mensagem para Kit, mas apaguei. Fiz isso umas cinco vezes.
Tudo o que escrevia soava estranho, afinal, nunca tinha feito aquele
tipo de cobrança a ela. Mas também nunca tinha precisado. Irritado
comigo, desisti de parecer possessivo, coloquei o celular para
carregar e enfim, apaguei o abajur para dormir. No entanto, demorei
para pregar os olhos. Meus ouvidos estavam atentos aos barulhos
da casa, a cada ruído, eu me levantava para ver se Kit tinha
chegado, nem ligando para dor que isso causava, mas nada de ela
retornar.
Amanheceu o dia e me levantei muito mal-humorado. Vesti a
roupa maldizendo aquele surfista do caralho. Odiando cada minuto
da minha noite. Fiquei me perguntando se Cindy tinha razão, se
estava mesmo com ciúmes. Se era ciúmes ou não, não tinha nada
que eu pudesse fazer, a não ser engolir aquilo e aceitar que estava
fodido. Ao menos, fisicamente, estava me sentindo um pouco
melhor. Depois de ter escovado os dentes e estar vestido, passei
pelo quarto de Kit mais uma vez e o encontrei vazio, então desci
para a cozinha.
Liguei a cafeteira e fiquei ao lado esperando que o café
passasse. Como se isso acelerasse o processo.
— Bom dia! — Nick cumprimentou e desviei o olhar para ele.
Nick estava pronto para treinar. — Está melhor? — perguntou,
enquanto abria o armário de louça.
— Sim. Mas ainda sinto como se tivesse sido atropelado,
depois o carro dado a ré e passado por cima de novo.
— Imagino. Porque a sua cara já é feia, mas hoje está
horrível — declarou com um risinho, enquanto pegava as xícaras e
as colocava sobre a mesa.
Seu tom era amistoso, éramos amigos há muitos anos. Nos
conhecemos na adolescência em um projeto social de inclusão
musical que minha mãe organizava. E desde então nos tornamos
inseparáveis. Nick era discreto e muito verdadeiro. Tinha um
passado triste que poucos conheciam. Ele era como um irmão para
mim.
— Achei que só eu tivesse acordado cedo! — Fly entrou na
cozinha e olhou para o meu rosto. — Credo, cara! Você está um
bagaço.
— Valeu, Fly! — Forcei um sorriso e peguei a jarra de café
que tinha ficado pronto e servi nossas xícaras.
Embora fôssemos muito amigos, não ficávamos perguntando
um sobre a vida do outro. Porém, se alguém quisesse dizer alguma
coisa, todos eram bons ouvintes. Sempre parceiros. A única pessoa
para quem eu confidenciava os detalhes mais íntimos da minha vida
era Kit. Só que, de uns dias para cá, eu a vinha evitando para que
ela não descobrisse o que estava de fato acontecendo. Kit era
perspicaz, se eu desse bandeira, ela desconfiaria e aí sim poderia
ser um risco. Não apenas para ela, mas sim um risco coletivo.
Nessas horas, eu concordava com Lorenzo: às vezes, a ignorância
é uma benção. E a mentira, naquela circunstância, era essencial.
Após o café, Nick saiu para treinar e Fly foi para a cafeteria
de Hanna. Ele vinha passando muitas horas do dia com ela.
Estavam cada vez mais próximos. Fui para a sala para esperar Kit
chegar. Peguei o violão que ficava ao lado da poltrona e me sentei
para dedilhar algumas notas. Há dias eu não tocava e estava
sentindo falta.
Enquanto tocava e cantarolava a música Pride da banda
Emphatic, vi a porta se abrir. Meus olhos se fixaram em Kit. Ela
estava rindo. Logo atrás vinha o surfista, os cabelos castanhos
presos num coque samurai, a pele bronzeada e tão animado que
até incomodava, parecia um bobo alegre. Então minha voz cessou.
Meu coração bateu forte e acelerado. Contraí o maxilar e engoli a
minha insatisfação com dificuldade.
— Bom dia, Luigi! — Kit cumprimentou, ainda sorrindo, e
fechou a porta.
— E aí, cara? — Derek se aproximou e estendeu a mão. —
Kit me contou o que aconteceu. Sinto muito. — Seu tom era sincero.
Eu não tinha o direito de ser rude com ele. Derek não tinha
feito nada para mim. Estava saindo com Kit e minha amiga parecia
feliz. Mesmo sem vontade, estendi a mão e o cumprimentei com
educação. Kit também se aproximou. Ela analisou o meu rosto e
depois me deu um beijo na bochecha.
— E aí, cara amassada, está tomando seus remédios? —
perguntou com genuína preocupação.
— Cara amassada é meu… joelho. — Brinquei de volta,
forçando um sorriso e tentando parecer relaxado. — Mas tô
tomando sim. Venham, sentem-se! — Gesticulei a mão em direção
ao sofá. — Vamos conversar um pouco. — Coloquei o violão no
suporte e me ajeitei na poltrona, enquanto Derek e Kit se sentavam
lado a lado.
— Ainda não tivemos a chance de conversar Derek. Notei
que você e Kit estão próximos. Já são namorados? — questionei,
me esforçando para não soar sarcástico.
Eu tinha um defeito: não conseguia esconder o que pensava.
Se minha língua não chicoteava com a minha opinião sincera, meu
rosto entregava a verdade sem que eu dissesse uma só palavra.
Por ser sempre tão transparente é que mentir quase me
enlouquecia.
— Ahhh…então… — Ele segurou a mão de Kit e um nó se
formou em minha garganta. — Estamos curtindo e vendo no que vai
dar, cara.
— Mas por que o interesse, Luigi? — Kit estreitou os olhos,
me encarando com estranheza.
Engoli a bola que tinha se formado em minha garganta.
— Nada mais justo do que eu saber um pouco mais sobre o
cara que está saindo com a minha amiga. Somos como irmãos, não
é Kit? — Olhei de Derek para ela, forçando um sorriso altivo,
esperando que Kit concordasse.
— Exatamente! Somos como irmãos. — Ela sorriu e eu
assenti. Derek pareceu perdido na conversa.
— E o que você faz, Derek? Também é músico? — perguntei,
interessado.
— Não mesmo. — Balançou a cabeça em negação, rindo. —
Sou sous chef em um restaurante.
— Interessante! E qual é a sua especialidade, chefe?
— Gastronomia contemporânea. Gosto de mesclar os
sabores do mundo e transformar os alimentos em pratos
sofisticados que proporcionem uma experiência única.
— Uau! — Anuí, surpreso com a revelação. — E qual é o seu
sonho? — Continuei o interrogatório, Kit me encarando com ar
confuso.
— Como todo chefe, sonho em ter o meu próprio restaurante
— Derek falou, orgulhoso.
— Justo — respondi, pensativo. Na minha opinião, sonhos
eram para ser sonhados e realizados. — E o surf?
— Ah… — Deu de ombros. — É só um hobby. Gosto da
praia, do mar e de surfar.
— Hummm — Assenti, exibindo um meio sorriso quase
irônico.
Kit e eu gostávamos do inverno, de dias frios e das
montanhas. Sol e mar, definitivamente, não era a nossa praia. Fiquei
impressionado do quanto eles não combinavam.
— Acho que devíamos subir, baby. — Kit se levantou do sofá,
agitada, e tocou o ombro do seu acompanhante para que fizesse o
mesmo.
— Claro, linda! — Ele também ficou de pé. — Depois
podemos tomar uma cerveja, Luigi — Derek convidou.
— Com certeza! — Kit respondeu por mim e ergui as
sobrancelhas, admirado com a resposta. — Mas só depois que Luigi
parar de tomar antibiótico. — Ela pegou a mão de Derek,
entrelaçando os dedos. — Vamos, querido!
Acompanhei com os olhos os dois subirem as escadas. Kit
tinha ficado visivelmente incomodada com a conversa. Meus
pensamentos se perderam por um momento, mas o barulho da
campainha me tirou do transe.
Levantei-me da poltrona e abri a porta. Era Cindy. Ela estava
pálida e tinha os olhos vermelhos.
— Oi, Cindy! O que houve? — perguntei, preocupado, dando
espaço para que ela entrasse.
— Tá sozinho? — perguntou baixinho com a voz engasgada,
vagando os olhos cheios de lágrimas pela sala.
— Kit está no quarto com o surfista e os caras saíram.
Ela se aproximou com o celular na mão e me entregou.
— Olha a mensagem que recebi.

Desconhecido: Pague o que deve e se afaste


dos meus assuntos. Você já viu do que sou
capaz.

Engoli em seco e subi o olhar para ela. A mensagem se


assemelhava à ameaça que Kit tinha recebido dias atrás.
— Você acha que foi Will? — Devolvi o celular para ela.
— Claro que foi aquele salafrário. — Enxugou as lágrimas, a
tristeza agarrada ao seu rosto. — Quem mais me ameaçaria desse
jeito?
— Não sei, Cindy. Mas você mostrou essa mensagem para a
empresa de segurança? — Cocei meu queixo, a barba rala
começando a incomodar.
— Não posso mostrar pra ninguém se a gente quiser seguir
com o plano.
— E por que não?
— Porque vão abrir uma investigação. Colocarão policiais na
jogada e perderemos a chance de desmascarar o bandido do Will.
— Olha, Cindy, a sua carreira está fluindo, você não precisa
se sujeitar a nada disso. A sua segurança é mais importante do que
esse plano. Se quiser desistir, não tem problema. Vou te apoiar e
pensarei em outro jeito de me livrar desse crápula sozinho.
— De jeito nenhum, Luigi. — Negou com veemência. —
Estamos nessa juntos. Esse infeliz será preso de um jeito ou de
outro — falou, com uma convicção absurda.
— Sei que são muitos os sacrifícios que você está fazendo
por esse plano, Cindy. Eu também darei o meu melhor. Vamos fazer
dar certo!
Ela me abraçou e afaguei suas costas. Will realmente feriu
Cindy, tanto que estava disposta até mesmo a se arriscar para
colocar o cretino atrás das grades.
— Vem… — Desvencilhei-me. — Vamos nos sentar. —
Apoiei a minha mão em seu ombro e a guiei até o sofá. Cindy
sentou-se e respirou fundo.
— Não quero mais pensar no Will. Isso me consome. —
Guardou o celular na bolsa e me encarou. — Como você está hoje?
— Mudou o curso da conversa.
— Estou bem, na medida do possível…
Cindy assentiu com ar compassivo. Sentei-me na poltrona e
ela desviou o olhar de mim para o violão.
— Acho que devíamos nos distrair. Não pensar em coisas
dolorosas ou em gente que cause dor. — Voltou a me encarar. —
Como está indo a música que você estava compondo?
— Digamos que não escrevi mais nada. — Estiquei-me para
pegar o violão e meus dedos começaram a dedilhar, como se o
instrumento fizesse parte do meu corpo. — E você, está compondo
algo?
— Não estou, mas falei com James ontem à noite e ele quer
uma música nova até o final do mês. Quer que eu grave em estúdio
para divulgar em breve. Então terei que fazer isso… — Abaixou a
cabeça e olhou para os pés. — Mas com tudo o que está
acontecendo, não sei de onde vou tirar inspiração — desabafou com
pesar.
— Posso te ajudar. — Continuei dedilhando a música One
Man Band que tinha ficado na minha cabeça desde quando saí com
Andy.
Ela ergueu a cabeça e mordeu o cantinho do lábio, como se
estivesse considerando a minha sugestão.
— Você faria isso?
— Claro! — Sorri com altivez. — Você tem ideia do que quer
apresentar?
— Ainda não. — Balançou a cabeça. — Mas se você estiver
disposto a escrever comigo, acho que podemos compor algo legal…
— Beleza. — Parei de tocar e me levantei da poltrona. Com
dificuldade, me sentei no chão em frente à mesa de centro. Apoiei o
violão no colo e peguei o bloco de papel e a caneta que estavam na
mesinha. Olhei por sobre o ombro e meneei a cabeça. — Sente-se
aqui comigo. Vamos fazer essa música a quatro mãos.
Ela tirou os sapatos de salto, empolgada, e se sentou no
chão com as pernas cruzadas. Deslizei o bloquinho em sua direção
e voltei a posicionar o violão em minha perna.
— Você escreve e eu te ajudo nos arranjos — propus.
— Tá! Combinado! Mas qual será o tema?
— Você quem manda.
— Humm… vamos com um tema eterno: perder um amor e
seguir em frente. — Ela pegou a caneta e escreveu a primeira frase
no papel.
Enquanto Cindy escrevia a letra, eu a ajudava nas rimas e no
ritmo. Eu adorava compor, principalmente quando a música tinha
alguma conexão com a minha alma. No caso, minha impressão era
de que aquela letra tinha muito a ver com o ex-namorado dela, o
medo de voltar a amar alguém e o perder. No entanto, o meu papel
ali não era presumir coisas, mas apenas deixar o coração de Cindy
falar.
Entre uma frase e outra, ríamos de alguma besteira que
falávamos e comemorávamos ao completar uma nova estrofe. Foi
preciso voltar algumas vezes, e entre tentativas e erros, ficamos
horas sentados, mudando de posição, escrevendo e cantando.
O cinzeiro sobre a mesinha já estava cheio. Adorava fumar
enquanto compunha uma música. O cigarro desanuviava a minha
mente e me deixava mais leve.
De repente, ouvi uma conversa vindo da escada e ergui a
cabeça para ver quem era. Nick já tinha chegado há algum tempo.
Mas não era ele. Era Kit e o surfista. Ao me ver com Cindy no chão,
com o violão, papel e caneta na mão, ela soube na hora o que
estávamos fazendo juntos. Kit parou no último degrau da escada e
me encarou, o sorriso sumindo do seu rosto. Pude sentir seu
ressentimento tocar o meu coração, e meu estômago se contraiu.
Nunca tinha composto uma música com ninguém além de Kit.
Era algo só nosso. Mas Cindy estava sendo muito legal e ajudando
a banda de todas as formas possíveis. Era uma amiga que
precisava de apoio, então não hesitei em oferecer. Embora Kit
achasse que éramos “namorados”, a relação entre Cindy e eu era
totalmente profissional.
Ver minha melhor amiga me fulminando com os olhos doeu
demais. Mas o que eu poderia dizer? As mentiras e omissões
faziam parte do combo de segurança.
— Vou preparar algo para comer. Estão com fome? — Derek
quebrou o clima pesado que durou apenas uma fração de segundo.
— Estou morrendo de fome! — Cindy se apoiou no sofá atrás
de si e se levantou para cumprimentar Kit e o surfista. Ela ainda não
os tinha visto desde que chegaram.
Enquanto ela os cumprimentava, a minha troca de olhar com
Kit foi intensa. Queria que ela pudesse ler a minha mente e
soubesse que Cindy jamais tomaria o lugar dela em meu coração.
Que compor músicas juntos ainda era algo só nosso, mas que
aquela exceção era importante. No meu lugar, com certeza, Kit teria
feito o mesmo.
Deixei o violão sobre o sofá e me levantei também. Kit
desviou o olhar de mim para Derek e o abraçou com carinho. Aquele
gesto foi como um soco na boca do estômago. Tive que olhar para o
chão para não demonstrar que me sentia desconfortável de vê-los
juntos.
— Precisa de ajuda? — perguntei a Derek apenas por
educação. Sabia que não suportaria ficar com eles na cozinha e
assistir a troca de afeto entre Kit e o chefe surfista.
— Pode ficar tranquilo, Luigi. Eu ajudo Derek e você fica com
a sua namorada — Kit falou, de um jeito que beirava a ironia.
— Beleza. — Assenti e enlacei a cintura da pequena Cindy.
— Nós vamos subir, mas daqui a pouco a gente desce. — Dei uma
piscadinha e Derek sorriu.
Kit e ele foram para cozinha, Cindy e eu subimos para o meu
quarto. Eu não tinha dúvidas de que o meu incômodo estava
estampado em meu rosto.
— O que foi, Luigi? — Cindy perguntou assim que entramos
no quarto. — Que climão foi esse?
— Não é nada, Cindy. — Balancei a cabeça e me sentei na
beirada da cama, cabisbaixo. Por quanto tempo eu suportaria
manter aquela mentira?
— Luigi, não sou burra. Até um cego poderia ver aquela
cena.
— Sabe, Kit significa muito para mim. Acho que não estou
sabendo lidar com tudo o que está acontecendo. Enfim… — Ergui a
cabeça e fitei o rosto preocupado de Cindy. — Não quero falar sobre
isso, pode ser?
— Tudo bem, Luigi. — Ela se sentou ao meu lado e passou a
mão em minhas costas. — Mas se precisar desabafar, pode contar
comigo.
Agradeci e soltei um pesado suspiro. Só Deus sabe o quanto
queria poder agarrar Kit, beijá-la e fazê-la minha. Sentir tudo isso
estava me torturando. Mas a palavra final era dela, apenas dela.
Ficamos por algum tempo em meu quarto compartilhando um
confortável silêncio, apenas sentados um do lado do outro com
nossos pensamentos ou olhando o celular. Eu precisava muito
daquele momento tranquilo para conseguir voltar para o andar de
baixo e encarar o novo casal.
Uma hora depois, descemos para almoçar. Fly chegou bem a
tempo e almoçamos juntos perto das três da tarde. Kit não fez
questão alguma de disfarçar a troca de carinho com Derek. Segurei
a mão de Cindy algumas vezes para parecer que tínhamos um
romance de verdade. Nada além disso. Foi difícil estar ali, mas
consegui suportar.
À noite, Cindy voltou a pensar na ameaça que recebeu
naquela manhã e foi tomada por um pânico terrível. Eu a abracei e
deixei que chorasse em meu peito. Não podia negar que também
sentia medo do futuro, mas estava pilhado demais para me deixar
desabar.
— Não quero voltar pra casa e ficar sozinha… — Cindy
soluçou e se afastou de mim. Enxuguei seu rosto com os polegares.
— Tudo bem. Pode dormir aqui.
— Mas…
— Tá tudo bem, Cindy. Se for preciso, durmo no sofá…
— Quê? Não! De jeito nenhum!
— Fica calma — tranquilizei. — Vou buscar um copo de água
pra você. Já volto. — Cindy agradeceu e saí do quarto, pensativo.
Desci as escadas e a cena no sofá fez com que eu me
contorcesse de ciúmes e raiva. Apenas a luz da TV iluminava a sala
e Kit estava deitada com a cabeça no colo de Derek. Desviei o olhar
para a tela e os sentimentos se amplificaram. Eles estavam
assistindo Friends. Caralho! Aquela era a série que Kit só assistia
sozinha ou comigo desde a adolescência. Eu não conseguia
acreditar no que estava acontecendo com a gente.
Apertei os olhos com força e abri de novo, mas eu não estava
sonhando. Resignado, ignorando por completo o que tinha visto, fui
para a cozinha em silêncio. Na volta, não resisti. Pigarreei e os dois
desviaram o olhar para mim.
— Vai dormir aqui, Derek? — perguntei como quem não quer
nada.
— Hoje não vai dar — ele respondeu e Kit pausou o episódio
para que conversássemos. — Amanhã volto das férias e preciso
estar cedo no restaurante.
— Que pena! — Fingi que me importava de ele não ficar, mas
por dentro, estava comemorando.
— E Cindy vai dormir aqui? — Kit perguntou, se mostrando
tão curiosa quanto eu um momento atrás.
— Sim. Nós vamos terminar de compor a música de
madrugada. — Dei de ombros ante o seu olhar indignado e subi dois
degraus da escada. — Boa noite para vocês! — falei por sobre o
ombro.
Subi as escadas satisfeito que o chefe surfista não dormiria
grudado com a minha garota. Depois da cena que vi, não sei se
aguentaria ficar a noite toda sem arrancá-lo do quarto dela apenas
para dar um alívio aos meus pensamentos cruéis. Mas fiquei muito
satisfeito em perceber que Kit tinha ficado mordida ao saber que
Cindy passaria a noite comigo. Estávamos entrando em um jogo
perigoso demais.
Após ter visto Luigi e Cindy tão confortáveis juntinhos na
cama no dia anterior, fui para meu encontro com Derek sem saber
se conseguiria me divertir. Para minha surpresa, ele foi um fofo e se
mostrou um ótimo ouvinte. Então, sem reservas, contei os últimos
episódios da minha vida, o medo que senti de perder Luigi e o
quanto me surpreendi com as decisões que ele tomou. Vendo-me
no fundo do poço, Derek tentou me distrair e me convidou para ir à
praia, dizendo que me ensinaria a surfar. Segundo ele, o mar levaria
todas as minhas angústias para longe.
Tomar banho de mar era a última coisa que eu queria,
mesmo assim, aceitei o convite, não queria ficar me martirizando
pelo que tinha acontecido. Achei que fazer algo que não estivesse
relacionado à música ou a Luigi, seria bom. No entanto, ao pisar na
água fria do mar, minha mente traiçoeira me levou direto para a
noite da virada do ano. Para a noite em que Luigi e eu nos
divertimos e que ele terminou em cima de mim. Então as
lembranças tomaram outro rumo: eu tirando a camisa dele e a forma
como ele me olhava enquanto tirava a roupa no quarto.
Merda! Até a porcaria do mar me trazia lembranças de Luigi.
Cara, não havia nada na vida que não tivéssemos feito juntos.
Todos os lugares e todas as coisas me levavam direto a ele. Sem
cabeça para entrar na água, me sentei na areia para assistir Derek
surfar. Mas em vez de prestar atenção no cara que estava sendo
legal comigo, meus olhos se perderam no horizonte e mergulhei
fundo em minha mente inquieta.
À noite, Derek continuou sendo fofo comigo, quis saber o
meu prato favorito para me agradar. Mas acho que eu o frustrei um
pouco quando revelei o meu apreço por hambúrguer, batata frita,
pizza e todas as coisas pouco saudáveis. Mesmo com o pouco
glamour do meu restrito cardápio, Derek se esmerou e preparou um
hambúrguer artesanal, maionese verde, batatas rústicas e tornou
um simples lanche em uma refeição bastante sofisticada.
Depois do jantar, bebemos algumas cervejas e o álcool que
devia ter me deixado animada e bem-disposta a ter uma noite de
sexo incrível, me deixou introspectiva e me fechei no meu casulo.
Derek poderia ter se chateado com minha atitude e me dispensado,
mas não, ele foi muito gentil. Acolheu-me em seus braços e me
deixou desfrutar da companhia dos meus pensamentos inquietos.
Não me cobrou explicações ou fez exigências. Foi muito
compreensivo com meu momento de reflexão.
Na manhã seguinte, o convidei para passar o dia comigo,
mas, desta vez, na minha casa. Era o último dia de férias de Derek
e eu queria de verdade me dedicar a ele e fazê-lo se divertir. Por
outro lado, mesmo sabendo o quão errado isso era, uma partezinha
de mim queria provar para Luigi que, assim como ele, eu também
estava aproveitando a vida. Mas ao entrar em casa, me deparei com
Luigi tocando violão na poltrona com o rosto machucado, e a visão
quase partiu meu coração.
Mas o sentimento durou pouco, pois do nada, Luigi tentou se
aproximar de Derek de um jeito muito esquisito. Disse a ele que nós
dois éramos como irmãos. Bem, ele não estava mentindo, era isso
mesmo. Mas, por alguma razão, ouvi-lo dizer aquilo fez meu
estômago embrulhar. Meu coração estava contrariando a minha
cabeça e isso estava acabando com a minha sanidade.
Precisando retomar o controle da situação, convidei Derek
para ir ao meu quarto. Passamos a manhã toda conversando sobre
nossas vidas. Mas acho que falei muito mais do que ele, mas, em
minha defesa, ele meio que me incentivava. Segundo Derek, a vida
na estrada tinha muito mais aventuras do que viver trancado em
uma cozinha de restaurante. Mas meu plano de um dia só para
Derek foi frustrado, pois no meio do meu falatório, perdi as contas
das vezes que mencionei o nome de Luigi na conversa. Só que o
que eu poderia fazer? Ele estava em todas as minhas memórias.
Ainda tentando me agradar, Derek decidiu fazer um almoço
para todos. Mas quando descemos as escadas e vi Luigi cheio de
risinhos, com o violão no colo, anotando alguma coisa em um
pedaço de papel, Cindy sorrindo e cantarolando, percebi que
estavam compondo uma música juntos.
Como assim Luigi estava compondo com outra garota que
não eu? Ele nunca tinha feito isso com ninguém. Nem com Nick que
era seu amigão desde a adolescência.
Aquela cena me machucou de um jeito que não conseguia
explicar, nem mesmo para mim. Não fazia sentido exigir que Luigi
não compusesse uma música com a própria namorada, que também
era cantora. Isso jamais deveria interferir em nossa amizade, mas
senti meus olhos arderem e a vontade de chorar veio com força.
Na cozinha, fiz um esforço sobrenatural para ficar perto de
Derek, porque o meu desejo mesmo era enxotar todo mundo de
casa e bater em Luigi até fazê-lo entender que aquilo me magoava,
apesar de nem sequer eu mesma compreender o motivo. Mas
consegui me controlar e parecer confiante.
Após o almoço, convidei Derek para assistir Friends comigo.
Eu adorava a série, mas nunca tinha assistido com outra pessoa
que não Luigi. Achei que estava na hora de compartilhar algo que
antes era só nosso com outra pessoa. Além disso, precisava muito
de consolo e desligar a mente. Nada me fazia tão bem no mundo
quanto Friends… quer dizer, exceto uma pessoa, mas ela estava
fora de cogitação.
Tudo bem, tinha que admitir que a decisão de chamar Derek
para assistir comigo também foi um pouco mesquinho da minha
parte, mas não consegui evitar. Ver Luigi compondo com Cindy, num
momento tão íntimo e feliz, despertou o pior de mim. Na verdade, eu
vinha fazendo coisas e pensando em coisas que jamais imaginaria
fazer. Como quando a gente assiste a um personagem de filme ou
série fazendo merda e diz: “que idiota, eu nunca faria isso…” e se vê
fazendo algo tão ruim quanto, ou pior, quando seus sentimentos
levam a melhor sobre você.
Após me ver sendo aquela bagunça de pessoa, Derek
poderia ter ido embora e me deixado ilhada com meus sentimentos.
Eu não o culparia, mas, outra vez, ele se mostrou um cara
sensacional e aceitou ficar mais tempo comigo. O clima estava
tranquilo, até que à noite, Luigi aparecer na sala e nos viu
assistindo. Seu olhar era insondável, mas eu o conhecia. Tenho
certeza de que ficou chateado em ter me visto assistindo a “nossa
série” com outra pessoa. Do contrário, não teria se importado se
Derek passaria a noite comigo ou não.
Logo que Luigi subiu e o episódio que estávamos assistindo
terminou, Derek foi embora. Arrastei-me para o quarto, sabendo que
teria que superar aquele sentimento de uma vez por todas, pois não
estava gostando nada da Kit que vinha me tornando. Tomei banho e
vesti uma camiseta da banda tamanho GG. Vesti meias coloridas
que quase alcançavam os joelhos e me deitei.
Escutei um burburinho vindo do quarto de Luigi e imaginar
que Cindy e ele estavam se divertindo, que ela estava cuidando do
meu Luigi, me deixou angustiada. Então peguei os fones de ouvido
de cima da mesinha de cabeceira e coloquei a música Give Me a
Sign do Breaking Benjamin para tocar. Apaguei o abajur, ajeitei o
travesseiro e me encolhi em posição fetal do jeito que sempre fazia.
Precisava da minha concha e me isolar do mundo até adormecer.
— Kit, Kit…
Abri os olhos devagar e vi Luigi, a mão pousada em meu
braço, me chamando. Dei um pulo ao notar que ele estava deitado
na cama ao meu lado. Usava calça jeans e camiseta, mas estava
descalço.
— O que você faz aqui? — Afastei-me, assustada. — Que
horas são?
Precisava me situar. O abajur que eu tinha apagado antes de
dormir estava aceso. Os fones tinham se perdido em algum canto
da cama.
— São três da manhã. Não consigo dormir. — Umedeceu os
lábios em câmera lenta, de um jeito muito sexy. Os olhos cintilavam
e senti minha garganta se fechar.
— Volte para o seu quarto. Sua namorada está lá. — Pisquei
os olhos, tomando consciência da situação.
— Cindy não é mais a minha namorada. Quero que seja
você. — Moveu-se em minha direção e meu coração acelerou um
pouco mais.
— Quê? Enlouqueceu? — Saltei da cama como seu tivesse
levado um choque.
— Nunca estive tão são em toda a minha vida. — Luigi
desceu da cama e continuou vindo em minha direção com o olhar
de um predador.
Caminhei de costas, olhando fixo para os seus olhos que
derramavam desejo até sentir minhas costas se chocarem contra a
parede. Minha respiração descompassou quando nosso corpo ficou
a um suspiro de distância.
Se Luigi continuasse se aproximando daquele jeito, era bem
provável que eu não resistiria a ele. Não estava conseguindo
coordenar meus pensamentos e tampouco controlar meus
sentimentos e, nesse exato momento, não estava conseguindo
administrar as sensações que ele me causava.
Luigi correu os dedos pelos meus braços desnudos que
estavam grudados na parede. Senti seu toque subir pelo punho até
onde ainda havia pele exposta. Continuou tocando o meu corpo por
cima da camiseta, subindo por meus ombros, contornando minha
clavícula… aquilo era pura tortura. Seus lábios entreabertos, seu
cheiro nublando meus sentidos, seus dedos subindo pelo meu
pescoço e encaixando minha cabeça entre suas mãos.
— Kit… — Ofegou o meu nome, tirando a última gota de
sensatez que habitava em mim. — Sou louco por você!
Puxou-me contra si e nossos lábios se encontraram em um
beijo quente, molhado e delicioso. Meus braços o envolveram com a
mesma urgência. Não havia mais espaço entre nós, estávamos
grudados. Sua língua passeando por cada pedaço da minha boca. A
minha apreciando aquele sabor do qual nunca tinha me esquecido.
As mãos de Luigi desceram pelas laterais do meu corpo e
alcançaram minha bunda. Ele me apertou e pressionou o corpo
contra o meu, a sensação de sua ereção contra minha pelve
fazendo meu ventre contrair. Minhas mãos desciam e subiam,
afoitas, acariciando suas costas. Ele moveu o quadril para frente e
para trás, me fazendo arfar. Luigi nem estava dentro de mim e eu já
estava morrendo de tesão.
— Gosta? — Apertou-me outra vez, a testa apoiada na
minha.
Meus olhos se abriram para encará-lo. A respiração dele tão
agitada quanto a minha, os olhos escurecidos de desejo.
— Sim — sibilei, excitada.
Ele curvou os lábios num sorriso satisfeito que me tirou do
centro. Então deslizou os dedos pela lateral das minhas coxas,
causando arrepios por todo meu corpo. Seus lábios tocaram os
meus e sua língua fez um rastro molhado até minha orelha.
Contorci-me em resposta. Seus dedos seguiram por baixo da
camiseta, passearam por minha barriga e contornaram a curva dos
meus seios.
— Como desejei te sentir assim — sussurrou contra minha
orelha, as palmas das mãos tocando de leve meus mamilos.
Minha mente estava desfocada… Não havia mais nada e
nem ninguém no mundo além de nós dois. Luigi continuou
percorrendo o meu corpo com a ponta dos dedos, com o toque tão
leve quanto uma pluma. Seus lábios deslizaram por meu maxilar
bem devagar. Ele pousou uma das mãos em minha cintura e a outra
seguiu para baixo até tocar o meu sexo por cima do tecido fino da
calcinha, me provocando de todas as formas possíveis. Seus dedos
driblaram a pequena peça de pano e me invadiram com habilidade.
Então, com a destreza de quem dedilha uma guitarra, ele me fez
gemer de prazer.
Eu estava no limite, precisava dele como precisava de ar
para sobreviver. Sem melindre, meus dedos se prenderam nas
laterais da sua cueca e a empurrei até que ela se amontoou no chão
com a calça. Luigi também não se conteve, tirou minha camiseta
com ansiedade e minhas costas tocaram a parede fria. Outro arrepio
se espalhou por meu corpo. Em seguida, ele retirou minha calcinha
que fez companhia às outras peças no chão. Então, nossos lábios
se encontraram outra vez. Senti nossa pele ardendo, minhas mãos
exasperadas passeavam por seu corpo. Meu corpo incendiando,
uma quentura tomando meu sexo…

— Luigi! — Sentei-me na cama de sobressalto,


completamente suada, a respiração entrecortada.
Passei a mão pelo rosto, a boca seca. Estiquei-me para
pegar o celular na mesinha de cabeceira para ver que horas eram.
Sete da manhã. Droga! Voltei a me deitar. Pousei a mão no peito,
não acreditando que tinha sonhado com Luigi e… Merda! Fiz uma
crítica mental por ter ficado excitada com aquele sonho.
Saí da cama com raiva de mim. Precisava de uma chuveirada
para aplacar o calor que tomava meu corpo. Um banho frio era o
melhor remédio para afugentar aqueles pensamentos indecentes.
Luigi e eu éramos como irmãos, como ele mesmo disse. Além do
mais, ele tinha uma namorada linda e eu precisava me controlar e
focar. Tinha acabado de sonhar com um homem que estava no
quarto ao lado com outra mulher. Luigi não podia fazer parte dos
meus sonhos. Não podia ser meu objeto de desejo. Eu sabia muito
bem que o preço a pagar seria alto demais caso cedesse a essa
loucura e não déssemos certo no final. Era nisso que precisava me
agarrar, a nossa amizade era o que mais importava no mundo para
mim.
Depois do banho tomado e ainda envergonhada do meu
sonho, decidi descer para tomar café da manhã. Assim que abri a
porta do quarto, Luigi abriu a porta dele e saiu. Nossos olhares se
encontraram e todas as cenas do sonho me invadiram de uma vez,
e se a queimação em minhas bochechas fossem um sinal, eu devia
ter ficado mais vermelha que ketchup. Mas o calor do momento foi
breve, pois a namorada dele saiu logo atrás.
— Bom dia! — Cindy me cumprimentou com um sorriso
afável.
— Bom dia! — Esforcei-me para retribuir o cumprimento.
Luigi cumprimentou com a voz baixa e curvou o lábio em um
meio sorriso, olhando para mim com curiosidade. Com certeza
notando as minhas bochechas que deviam estar vermelhas
escarlate.
— Vou tomar café — anunciei e marchei em direção à
escada, sentindo vergonha dos meus pensamentos. Sentindo
ciúmes por não ser eu a sair do quarto de Luigi.
Sim, aquilo era ciúmes, puro e simples. Não podia mais
negar, apesar de ser inexperiente no sentimento. Afinal, Luigi
sempre foi o único na minha vida capaz de despertar algo assim,
todos os outros, embora não fossem poucos, nunca chegaram nem
perto de fazer minha cabeça pirar dessa forma. Ou fazer meu corpo
aquecer com um mero sorriso, meu coração disparar com um único
toque, ou fazer uma carga elétrica passar pelo meu corpo só de ter
aqueles lindos olhos azuis fixos em mim. Mas eu já tinha
conseguido enterrar aqueles sentimentos uma vez, conseguiria
fazer isso de novo. Certo? Deveria ser como andar de bicicleta a
essa altura.
Na cozinha, Nick e Fly já estavam tomando café.
Cumprimentei os dois, agitada.
— Você tá bem? — Nick me encarou enquanto eu pegava a
xícara da mesa.
— Sim. Só dormi mal, tive um pesadelo — expliquei e fui até
a cafeteira me servir de um pouco de café.
— Foda isso… — Fly disse com pesar. — Fiquei muito puto
com o que aconteceu com Luigi e com a ameaça que você recebeu
e até tive um também, com uma gangue jogando a gente no fundo
de uma van. Aff, nem quero lembrar. — Estremeceu e tomou um
gole de café.
Fly achou que eu tivesse tido um pesadelo de verdade. Quer
dizer, não posso negar que o meu sonho erótico era um pesadelo,
ao menos para mim.
— Bom dia! — Luigi cumprimentou e Cindy fez o mesmo.
Virei-me para olhar para o casal e forcei um sorriso. Eles
pareciam felizes. Sentei-me na ponta da mesa e Nick continuou o
assunto:
— É normal ter pesadelo depois de qualquer trauma. Logo
passa, Kit.
— É… Acho que sim… — Bebi um gole de café, tentando
evitar o assunto.
— Você também teve pesadelo, Kit? — Cindy perguntou e se
sentou ao lado de Fly, olhando para mim. — Luigi também teve…
Desviei o olhar para Luigi que estava me encarando daquele
jeito enigmático que me matava. Era impossível saber o que se
passava em sua mente quando ele erguia aquela parede. Sorvi
outro gole de café, desconfortável com o assunto.
— Com o que você sonhou, Kit? — perguntou, interessado.
Quase me engasguei com a bebida. Comecei a tossir e todos
focaram a atenção em mim. Luigi se aproximou e deu dois tapinhas
nas minhas costas.
— Seu sonho dever ter sido… muito ruim… — disse, em um
tom que só eu pude escutar.
— Foi horrível! — verbalizei, quando consegui me recompor.
— Engraçado, jurava que veria Derek saindo do quarto logo
atrás de você… Sua cara não parecia de assustada, mas de outra
coisa — sussurrou, chegando bem perto.
Outro surto de tosse tomou conta de mim e Luigi me deu
mais tapinhas nas costas, depois se afastou, pegando duas xícaras
da mesa e se dirigindo até a cafeteira. Mas não sem antes me
lançar um sorrisinho de lado.
— Mas é normal, Kit. Logo passa — Nick repetiu compassivo,
desviando minha atenção.
Agradeci mentalmente por ele ter colocado um ponto final
naquela conversa sobre pesadelos. Assenti para Nick e voltei minha
atenção para o pessoal. Luigi entregou uma xícara de café para
Cindy e sentou-se na outra ponta da mesa, ficando de frente para
mim. Abaixei os olhos para não o encarar. As lembranças do sonho
ainda estavam me assombrando em flashes que eu tentava reprimir
com todas as forças. Porém, se eu olhasse para Luigi, eu me
entregaria.
— Deixando os pesadelos de lado e aproveitando que a
banda toda está reunida — Cindy começou e voltei a erguer o rosto,
dedicando atenção a ela. — Gostaria de fazer um convite.
— Opa! — Fly se animou e se ajeitou na cadeira para poder
olhar para Cindy que estava sentada ao seu lado. — Se for para
comer, melhor ainda! — brincou e ela riu.
— Tem a ver com comida, Fly, mas não é de comer — Cindy
respondeu e Fly fez uma careta de incompreensão. — Então, eu
coordeno uma ONG que oferece tratamento e reabilitação para
dependentes químicos. E para arrecadar fundos, gosto de promover
um evento com a comunidade local. No ano passado, comerciantes
e donos de restaurantes se uniram para divulgar seus produtos a
um preço acessível à comunidade. Eles nos ajudaram a recolher
doações das pessoas que os visitaram. Foi muito bom. Esse será o
segundo ano que faremos essa feirinha. Hanna é quem me ajuda
com esse evento e ela sugeriu da 4Legends tocar. Será um atrativo
para aumentar o fluxo de pessoas. Além da banda poder divulgar o
trabalho, teríamos mais visitantes e, consequentemente, mais
doações. O que vocês acham?
— Nossa, isso é muito legal! — Nick a encarou com
admiração. Melhor do que ninguém, ele sabia que o abuso das
drogas era capaz de destruir uma família. Tinha sentido isso na
pele. — Estou dentro.
— Super top! — Fly aceitou com empolgação.
— Também aceito, Cindy. Acho que é uma iniciativa incrível
— falei, baixando a guarda. Parecia que Cindy era uma boa pessoa.
Talvez Will estivesse enganado com relação a ela.
— Então fechou! Estamos dentro! — Luigi deu a última
palavra como líder da banda e Cindy comemorou, animada.
Na sequência, ela contou um pouco mais sobre como seria o
evento, data, horário e a conversa fluiu bem durante o café da
manhã. Não houve mais troca de olhares estranhos e nem clima
tenso. Luigi conferiu em nosso calendário de shows e não tínhamos
nada programado para aquela noite.
Cindy mostrou um lado bondoso e preocupado com a
sociedade que eu não imaginava que tinha. Afinal, até o momento,
estava preparada para pensar o pior dela. Mas cheguei a me sentir
mal por achar que ela pudesse ter sido a responsável pela surra que
Luigi tinha levado dias atrás. Depois de conhecê-la um pouco mais,
comecei a achar isso bem improvável.
No fim, talvez Cindy fosse uma garota legal que Will apenas
não gostasse. Ao menos, era isso que parecia. No entanto, Luigi era
muito importante para mim, então não me permiti confiar cem por
cento. Estava decidida a investigá-la mais de perto e ver se ela
realmente estava envolvida com alguma coisa “errada” como Will
tinha alegado. Talvez, fosse hora de eu tirar minhas próprias
conclusões sobre a garota.
Após o café da manhã, Cindy foi para casa e eu me sentei na
sala para ligar para Will. Precisava avisá-lo do evento beneficente
que participaríamos em alguns dias. Também queria aproveitar e
ligar para minha mãe. Não nos falávamos desde o Ano Novo. Todos
os dias, sem falta, ela mandava um “bom dia” e perguntava se
estava tudo bem. Eu respondia quando dava e ela entendia. Sabia
que a minha rotina era maluca e o fuso horário contribuía para isso.
Contudo, minha mãe não fazia ideia do que estava acontecendo de
verdade na minha vida. Pelo que ela sabia, a banda estava com o
contrato engatilhado com uma grande gravadora.
Bom, isso também era no que eu acreditava semanas atrás.
Mas eu tinha mergulhado num mar de mentiras e contar para ela
que eu tinha sido enganado, e que iria até o inferno para colocar o
filho da puta na cadeia, não estava nos meus planos. A omissão
seria apenas um plus em meu currículo de mentiroso.
— Bom dia, Luigi! — Will atendeu. — Está melhor? Como
está esse rostinho bonito? — Sua voz soou com um leve tom de
deboche e meu estômago embrulhou.
— Estou bem… — Esforcei-me para não demonstrar a
irritação. — Então, estou te ligando para avisar que a 4Legends foi
convidada para participar do evento beneficente da ONG de Cindy.
Queremos ajudar a aumentar a arrecadação com a nossa presença.
— Você realmente vai insistir nesse lance com Cindy? —
questionou, com incredulidade.
— Will, esquece o meu lance com Cindy, por favor. Estamos
falando de caridade. Podemos seguir com assuntos profissionais?
— Que seja — suspirou do outro lado da linha. — Quando
será o evento?
— Será no dia 17 de janeiro. Então só estou informado para
você deixar esse espaço da agenda livre. Pode deixar que o pessoal
do evento já vai providenciar tudo.
— Por mim, tudo certo. Se todos da banda concordaram, é
uma escolha de vocês. Se bem que vai ser bom para a publicidade
de vocês também, com o concurso vindo aí.
— Pode até ser, mas o objetivo mesmo é ajudar na
arrecadação.
— Um não exclui o outro. Enfim, se precisarem de alguma
coisa, é só me falar.
— Valeu, Will.
Encerrei a ligação, satisfeito por não ter discutido com ele.
Estava tentando manter o controle, mas Will mexia de forma visceral
comigo e manter minha cabeça no lugar era sempre desafiador.
Andava tão angustiado com tudo o que estava acontecendo
que na noite passada tive um pesadelo terrível. Sonhei que Kit tinha
desaparecido e eu estava desesperado procurando por ela por toda
L.A. O medo que senti de perdê-la me fez acordar de madrugada
com vontade de correr para o quarto dela, me deitar na cama com
ela e abraçá-la. Mas foi Cindy que me amparou no momento em que
despertei daquele pesadelo.
Naquela noite, ela tinha dormido na minha cama e eu tinha
ficado com o sofá que havia em meu quarto. Quando acordei do
pesadelo, ela estava de joelhos ao meu lado, tentando me acalmar.
Ela me abraçou e senti os meus olhos arderem. Meu peito subia e
descia rápido, o medo de perder Kit se alastrando pelo corpo.
Não quis contar o meu sonho para Cindy. Verbalizar o
sentimento que apertava o meu peito só me torturaria. Ela não
insistiu, mas me contou que também era assombrada por
pesadelos. Desabafou comigo que revivia em sua mente a cena da
morte do ex-namorado sem parar. Às vezes, ficava meses sem ter
aquele sonho, mas quando algo ruim acontecia e mexia com o
emocional dela, o pesadelo voltava a persegui-la.
Entendi que mesmo que eu não quisesse ser afetado
emocionalmente por tudo o que estava acontecendo, eu estava.
Mas não era medo de que fizessem algo contra mim, e sim contra a
pessoa que eu mais amava. Pensar nisso me fez lembrar de Derek.
Talvez fosse bom que Kit tivesse a companhia do chefe surfista.
Com ele, ela não estaria sozinha e teria alguém que pudesse
protegê-la quando eu não estivesse. Eu sabia que havia a
segurança de Cindy nos dando esse suporte, mas era bom imaginar
que ela não estaria sozinha e vulnerável em momento algum. No
entanto, eu não podia ficar pensando nisso ou piraria.
Saí do devaneio e voltei a me concentrar no que eu tinha que
fazer. Então inspirei fundo e liguei para minha mãe.
— Oi, meu amor! — Ela atendeu o telefone com o carinho de
sempre. Ouvir a sua voz fez um nó se formar em minha garganta.
Precisei engolir forte para não demonstrar o quanto estava abalado.
— Oi, mãe. Como você está?
— Estou bem, querido. E você? Como estão as coisas por
aí?
— Tudo caminhando… — respondi, sendo evasivo, e
emendei: — Acredita que na próxima semana vamos tocar em um
evento beneficente antes de voltar para a turnê?
— Que maravilha, meu filho! Fico muito feliz que esteja se
envolvendo com alguma causa. E a que se destina o evento?
— Arrecadação para uma ONG dedicada à prevenção e
reabilitação de dependentes químicos.
— Muito bom! É uma causa que precisa de apoio. Você se
lembra de quando conheceu Nick?
— Como me esqueceria? — falei, fitando o teto, recordando
do dia em que nos conhecemos. — Eu tinha 13 anos, e foi num
evento beneficente que você promoveu, se não me engano.
— Foi sim — ela concordou. — A nossa escola de música
estava apoiando uma ONG que dava suporte às famílias de
dependentes químicos. Sabe, querido, levar música às crianças que
estão expostas a um ambiente sombrio e hostil pode ajudá-las a
encontrar algo maior dentro de si. A música pode mostrar que
existem outros caminhos a serem trilhados, basta querer. Confesso
que fiquei muito orgulhosa da sua iniciativa — disse com alegria.
Pude sentir que ela estava sorrindo ao falar.
— Estou feliz que vamos ajudar — falei, pensativo.
Um misto de lembranças do passado, de um tempo em que
tudo era mais fácil, misturado com a vida que eu estava levando, me
invadiram.
— Mas a sua voz não parece feliz. Aconteceu alguma coisa,
filho? — ela questionou, como se soubesse que eu estava com
problemas.
Como as mães sentem as coisas desse jeito? Balancei a
cabeça em negação.
— Estou feliz, mãe — reforcei, agora com a voz mais
animada. — Só dormi mal. Acho que é isso.
É claro que havia muito mais do que uma noite mal dormida,
mas eu não estava mentindo, ainda, para minha mãe.
— As professoras da escola me contaram que viram fotos
suas na internet com uma popstar. Acharam que você estava de
caso com ela… É verdade, meu filho?
A pergunta me atingiu como um tapa. Agora eu começaria a
mentir como um filho da mãe sem coração.
— Pois é, vi que saíram algumas fofocas dizendo que Cindy
e eu estávamos juntos. No entanto, até dias atrás, não passavam de
boatos. Começamos a namorar de verdade nessa semana e eu
queria te contar antes que saísse na mídia… — Deixei a frase
morrer, sentindo repulsa do que tinha acabado de dizer.
— Sabe, é tão estranho ouvir você dizer que está namorando
com uma garota que não a Kit… Sempre achei que vocês ficariam
juntos, mas, pelo jeito, eu estava enganada. Vocês sempre disseram
que eram só amigos, mas eu acreditava que tinha algo mais — falou
um pouco sem jeito.
— Somos só amigos — repeti, sentido as palavras
amargarem a boca.
— Tem alguma coisa te incomodando, querido? Meu radar de
mãe me diz que tem alguma coisa que não está bem. Quer me
contar?
— Já te contei tudo, mãe… — Trinquei o maxilar e engoli a
mentira. — Só estou cansado por ter dormido pouco. É só isso —
expliquei, com a mentira me sufocando e a voz hesitante me traindo.
Precisei mudar de assunto para desviar a atenção da dona
Marta e fazê-la me contar um pouco sobre as coisas no Brasil. Ela
falou sobre meu pai e sobre meus irmãos. Contou que Lucca estava
feliz na Itália. Eu sabia que ele estava bem. Lucca tinha vencido o
campeonato da Porsche Carrera Cup no ano passado e estava
seguindo a carreira que sempre sonhou. Lorenzo estava feliz com a
nova namorada e seguia trabalhando com nosso pai na construtora.
Por anos, Lucca e Lorenzo trocaram farpas. Tinham rusgas
mal resolvidas da adolescência por causa de Elisa. Mas depois da
merda que aconteceu, no início do ano passado, eles romperam
definitivamente e cada um seguiu a sua vida. Lucca com sua
carreira dos sonhos na Itália e Lorenzo com um novo amor.
Quando dava tempo, eu ligava para meus irmãos. Mas era
raro conseguir conciliar. Os nossos horários eram muito diferentes.
Eles mantinham rotinas e eram disciplinados. Já a minha vida de
músico era oposta à deles: eu estava sempre na estrada e trocava a
noite pelo dia. Além disso, o fuso horário de cinco horas a mais em
Curitiba em relação à L.A. e de nove horas a mais em Milão, era
quase impossível de conciliar.
Sentia falta de conversar com eles, principalmente com
Lorenzo, que sempre foi o meu melhor amigo. No entanto, dada a
minha situação atual com todos esses problemas acontecendo, eu
deveria evitar falar com ele. Se a minha mãe tinha sacado que eu
não estava bem em alguns minutos de ligação, se eu ligasse para
Lorenzo, ele não desligaria até me forçar a contar tudo. Sendo
assim, talvez fosse melhor a gente não se comunicar. Pelo menos,
por enquanto.
Depois que desliguei o celular, meus pensamentos me
levaram direto para o pesadelo da noite anterior. Mas eu não podia
ficar daquele jeito, estava sendo sufocado por sentimentos. E para
não morrer asfixiado, subi para o meu quarto, peguei meu caderno
de música, uma carteira de cigarro e fui para a varanda. Escrever
sempre me ajudava a canalizar o que quer que eu estivesse
sentindo.
Another fucking day gone by
(Mais outro maldito dia se passou)
I’m trying to sleep, but you’re stuck on my mind
(Estou tentando dormir, mas não consigo parar de pensar em você)
Alone, behind this closed door, I scream in silence
(Sozinho, atrás dessa porta fechada, eu grito em silêncio)
Hating this pain in my heart
(Odiando sentir essa dor em meu coração)
— Caralho, Nick! Esse solo ficou muito tesão — falei,
admirado em como ele deixou umas das nossas músicas autorais
antigas com mais presença.
— Ficou sensacional mesmo. — Kit também o elogiou.
— Nick, meu irmão, essa música ficou do caralho.
Precisamos incluir essa gracinha em nosso álbum. — Fly saiu de
trás da bateria para apertar a mão dele.
— Valeu, pessoal! — Nick agradeceu. — Mas quem fez o
arranjo foi Kit.
— Posso ter feito o arranjo, mas foi você que deixou a música
mil vezes mais intensa. Parabéns!
— Podíamos tocar essa logo após o som de abertura. Tipo
entramos com um hit famosinho e essa na sequência. O que
acham? — Deixei a guitarra no suporte e peguei a garrafinha de
água que estava no chão, em frente a bateria.
— Pode ser — Kit concordou. — Deixa eu anotar a ordem
das músicas do show. — Pegou o tablet de cima do aparador e
anotou. — Então mantemos a música Animal I Have Become na
abertura e seguimos com a nossa música autoral I’m a Jerk. Acho
que depois devíamos incluir alguma música menos agressiva, mas
não menos agitada. O que acham de tocarmos The Good Life do
Three Days Grace?
— Por mim, pode ser. — Assenti e os caras também
concordaram. — Mas eu tenho um pedido especial e queria muito
que vocês topassem. — Sorvi um gole de água e todos me olharam.
— Que medo… — Fly fez uma cara engraçada e Nick riu.
— E qual é o seu “pedido especial”, Luigi? — Kit bateu a
ApplePen no queixo, me olhando com curiosidade. Enxuguei a boca
com as costas da mão e fechei a garrafinha.
— Queria tocar as músicas Iris do Goo Goo Dolls e Someday
do Nickelback no final. Mais precisamente, as duas últimas do show.
Vocês topam? — Vaguei meus olhos, fitando o rosto um por um.
— O filho da puta tá caidinho mesmo. — Fly gargalhou. Nick
e Kit me encararam como se esperassem uma confirmação.
— Já te mandei tomar no cu hoje? — Estreitei os olhos e
encarei Fly, dando um sorrisinho irônico.
— Vai dizer que não? — Ele se empertigou, me olhando com
ar desafiador.
— Mas que caralho… — Comecei a responder.
— Parem vocês dois! — Kit interveio em nossa discussão de
moleque de quinta série. — A pergunta é simples: querem ou não
tocar essas músicas no final? — Ela olhou para Nick e Fly que
estavam lado a lado. — Eu não me oponho. Gosto da ideia. Acho
que são bem famosas e todo mundo vai cantar.
— Pode ser. — Nick deu de ombros. — O importante é
prender o público.
— Exatamente! — concordei. — Temos que compartilhar
sentimentos.
— Tô falando que você tá amando, irmão. — Fly suspirou,
fazendo cara de apaixonado.
— Podemos continuar o ensaio? — Kit voltou a interferir.
— Belê! — Fly concordou e voltou para trás da bateria.
Na segunda-feira, ficamos até tarde definindo o repertório da
turnê e ajustando a ordem das músicas. Nos dias que se seguiram,
ficamos horas enfiados na sala de música.
Mesmo com os ensaios longos, pudemos desfrutar de uma
vida tranquila em casa, só nós quatro. Cindy estava com a semana
abarrotada de compromissos. As gravações dos seus programas
haviam retornado e ela tinha pouco tempo livre. Então, quase não
nos falamos, apenas trocamos mensagens. Derek, o chefe surfista,
voltou para a sua prisão no restaurante e Hanna pediu que Fly não a
visitasse naquela semana porque ela estaria muito atarefada com a
organização do evento beneficente. Nick, por sua vez, mantinha sua
rotina de treinos e quando chegava em casa, seguia com os
ensaios.
Quando a gente não estava ensaiando, eu me isolava no
quarto. Era difícil encarar meus amigos, mas pior ainda era encarar
Kit. Nos afastamos muito desde que assumi o “namoro” com Cindy.
A cada dia que passava, sentia mais falta de conversar com ela, de
dividir o meu mundo com ela.
A semana passou e os meus machucados estavam quase
cicatrizados. O corte na maçã do rosto, no supercílio e a leve
coloração amarelada debaixo do olho poderiam ser disfarçadas com
maquiagem. Então, no sábado, conforme combinado durante a
semana com a assessoria de imprensa de Cindy, iríamos a uma
festa juntos. A ideia era divulgar o nosso namoro para o mundo.
No dia da festa, à noite, depois de estar de smoking e pronto
para sair, fitei meu rosto pela última vez no espelho. Precisava
disfarçar os machucados e a única pessoa capaz de me ajudar era
Kit. Não poderia aparecer em público com vestígios de que tinha
levado uma surra ou o foco do namoro mudaria para o de “briga” e
eu precisaria explicar o ocorrido ou seria inundado por mais
mentiras. Isso, com certeza, era algo que eu preferia evitar, ainda
mais durante a nossa investigação.
Bati na porta do quarto de Kit e entrei, como eu costumava
fazer. Ela não me viu. Estava de costas, sentada em frente ao
teclado e tocando uma melodia linda. Caminhei até a sua cama e
me sentei para escutar.
Kit estava cantarolando a letra que eu tinha escrito e
mostrado para ela, antes de toda essa merda acontecer. Senti os
pelos do braço eriçarem ao ouvir a melodia dramática que ela tinha
criado, ainda mais acompanhada de sua voz contralto, grave e
calorosa.
Quando ela parou de tocar, me levantei e a aplaudi.
— Ficou incrível!
Kit se virou de sobressalto e ficou de pé, os olhos
arregalados.
— Que susto, Luigi! Não sabe bater na porta antes de entrar?
— recriminou, com o cenho franzido.
— Mas eu bati, docinho…
— Não me chama de docinho, tá legal?! — interrompeu,
parecendo incomodada. — Você tem uma namorada. Não pega
bem.
— Mas antes de ela aparecer na minha vida, eu já te
chamava de docinho. Por que eu deveria deixar de te chamar
assim?
— Porque não faz o menor sentindo… Enfim, só pare. —
Cruzou os braços em frente ao peito. — Então, o que faz aqui?
— Preciso da sua ajuda — confessei.
— E por quê? — Ergueu uma sobrancelha, desconfiada.
— Porque daqui a pouco vou a uma festa e preciso esconder
os machucados em meu rosto. Você poderia fazer isso para mim?
Kit tombou a cabeça de lado e estreitou os olhos.
— Por que não pede para sua namorada fazer?
— Até pediria mesmo se ela estivesse aqui… — Soltei um
pesado suspiro. — Mas tudo bem, se não quer me ajudar, pelo
menos me empresta o produto pra passar no rosto que eu mesmo
faço. Nossa, que estresse! — declarei, chateado. Nos últimos dias,
ela vivia me dando patadas.
Kit revirou os olhos e seus braços despencaram, baixando a
guarda.
— Tá, desculpa, fui grossa. É que estou estressada mesmo,
muita coisa na cabeça. Mas vem cá, sente-se aqui que já resolvo. —
Ela gesticulou para a poltrona que havia próximo à janela, caminhou
em direção à cômoda e retirou uma necessaire preta de dentro.
Obedeci e me sentei para esperá-la. Kit se aproximou e tocou
a maçã do meu rosto com a ponta dos dedos, provocando arrepios
em minha pele.
— Pelo jeito, não vai nem ficar cicatriz. — Estreitou os olhos
e avaliou o supercílio. Seu rosto se inclinando de um lado para o
outro. O perfume dela me inebriando.
— Que bom. Seria péssimo ficar com uma cicatriz no rosto.
Seria um eterno lembrete do que aconteceu.
Kit concordou e voltou a atenção para a bolsinha. Começou a
remexer e tirou um tubo de base.
— Olha pra cima — pediu, enquanto despejava um pouco do
creme em uma esponja cor-de-rosa.
Virei o rosto para cima e ela se aproximou outra vez. Com
delicadeza, espalhou o produto.
— Essa base cobre até tatuagem, esse machucado vai ficar
invisível — declarou.
Vê-la tão perto de mim, não colaborava muito para o fraco
controle que consegui manter sobre meu desejo por ela. Por
instinto, meus olhos vagaram por cada detalhe de seu rosto. Eu a
achava linda demais com aqueles lábios rosados e pele branca feito
porcelana. Seus olhos de um azul vivo, me hipnotizavam. Senti uma
vontade insana de beijá-la, mas tive que me conter. Por anos, me
contentei com seus sorrisos, com os toques roubados, em tê-la ao
meu lado, embora ela nunca pudesse ser minha. Mas, nos últimos
tempos, algo mudou, e aquilo não estava sendo mais o suficiente. O
meu anseio por ela estava ameaçando me dominar.
— Prontinho. — Ela se afastou e eu me levantei, agitado.
— Valeu, Kit. Sério, estaria perdido na vida sem você. —
Caminhei até o espelho do armário para ver como tinha ficado.
Realmente, não havia qualquer sinal de machucado. O corte que
ainda adornava o meu rosto, tinha desaparecido.
— Exagerado… — Revirou os olhos, um pequeno sorriso
repuxando seus lábios, mas logo sumiu. — Então, vai sair com
Cindy? — perguntou em tom casual.
— Vou. Hoje iremos anunciar o nosso namoro publicamente.
— Ahh… — Ela desviou o olhar e abriu a bolsinha para
guardar a base. — Vou torcer pela felicidade de vocês e que, para o
seu bem, nenhum outro incidente como esse aconteça. — Fechou o
zíper e voltou a me encarar. — Ainda não estou totalmente
convencida de que essa surra não tenha alguma coisa a ver com
ela. Por mais que Cindy pareça ser uma boa pessoa. Mas se você
acredita que ela é boa, vou tentar confiar no seu julgamento.
— Kit, Cindy é uma pessoa incrível. Você devia dar uma
chance para ela.
Kit deu um sorriso forçado e se virou para guardar a bolsinha
de novo na gaveta da cômoda.
— Tomara que você tenha razão…
— Bom, outra hora a gente conversa sobre Cindy — falei,
olhando para o celular que tinha vibrado. — Ela já está aí na frente.
— Guardei o aparelho no bolso do paletó. — Muito obrigado pela
ajuda.
Aproximei-me de Kit e depositei um beijo amistoso no topo da
sua cabeça. Não podia beijar os seus lábios, mas um beijo
“fraternal” não era proibido. Dei um meio sorriso, dedicando um
último olhar para ela e saí do seu quarto.
Desci as escadas, perdido em pensamentos. Precisava
discutir com Cindy sobre o nosso plano para desmascarar Will de
uma vez por todas. Porque até agora, o que consegui foi afastar Kit
de mim e mais nada.
— Boa noite! — Entrei no carro e dei um beijo no rosto de
Cindy.
— Boa noite, Luigi. — Ela sorriu e me analisou por um
instante. — Uau! Seu rosto cicatrizou super bem.
— Sim, estou bem melhor. Ainda tem um corte, mas Kit
mascarou com uma base.
— Ficou excelente! — Cindy anuiu com um meneio de
cabeça, o olhar surpreso e eu apenas sorri em resposta.
— Então, Cindy, temos que falar sobre Will — comecei. — No
final do ano passado, pedi que ele me entregasse os recibos e
extratos bancários para eu analisar a saúde financeira da banda. Ele
disse que a secretária dele estava de férias e me prometeu enviar
esses documentos no início do ano. No entanto, não recebi nada
ainda. Pensei em cobrá-lo amanhã pela manhã. E se ele não quiser
me entregar, vou ameaçá-lo dizendo que vou buscar pessoalmente.
— Acho que é um bom começo. Tenho certeza de que ele vai
dar um jeito de te entregar tudo o que você pedir. Basta você ser
incisivo.
— Só tem uma dúvida me incomodando: se ele estiver nos
roubando, e acredito que ele está fazendo com a gente o que fez
com você, por que ele me entregaria coisas que pudessem
comprometê-lo?
— Porque Will é esperto e arrogante, Luigi. Ele vai te dar
exatamente o que você quer, achando que cobriu muito bem o
rastro. Então, vamos aguardar ele te entregar esses papéis e, se
você quiser, podemos enviar ao meu contador para ver se ele
encontra alguma irregularidade. Aí saberemos se ele realmente está
te roubando.
— Excelente! Vamos torcer para que dê em algo essa ideia.
Amanhã mesmo vou ligar para Will — concordei, decidido a retomar
aquele assunto. — Olha, Cindy, não sei como te agradecer por tudo
o que tem feito pela banda.
— Não precisa agradecer, Luigi. Isso é por nós! Vamos fazer
justiça juntos. — Segurou minha mão e sorriu com altivez.
Alguns minutos depois, chegamos ao evento. Descemos do
carro e atravessamos o tapete vermelho da entrada de mãos dadas.
Tínhamos combinado tudo no caminho da festa.
Em frente ao backdrop, posamos para os fotógrafos. Tiramos
fotos abraçados, nos olhando com ar apaixonado e de mim beijando
a mão dela. Ficamos a maior parte da festa fingindo que éramos um
casal de verdade.
Infelizmente, Trevor não apareceu. Mais uma vez, fiquei
frustrado por não o conhecer. Ainda tinha a esperança de encontrar
o sr. Wood em um desses eventos superchatos. Não mais para
questioná-lo sobre o contrato com a banda, já sabia que isso fazia
parte da mentira de Will, mas para ter a chance de apresentar o
nosso trabalho a ele. Mas uma hora iríamos nos conhecer, nem que
fosse nos bastidores do concurso de bandas. Mais cedo ou mais
tarde, isso aconteceria. Eu tinha fé.
Aproveitei que os meninos da banda estavam ocupados com
os ensaios e não precisariam de mim para nada, e passei a sexta e
o sábado em Vegas. Participei de mesas quentes e estava quase
conseguindo triplicar o dinheiro que levei. O problema foi na última
rodada, eu tinha as cartas certas na mão: um Straight Flush. Era
praticamente imbatível. Então, fui ao tudo ou nada e apostei todas
as minhas fichas. As minhas cartas eram excelentes. Estava crente
de que sairia do cassino com mais dinheiro do que precisava. Mas
aí veio aquele cowboy maldito. Quando ele abaixou as cartas dele
na mesa e revelou um Royal Straight Flush… fodeu com tudo.
A chance de isso acontecer era mínima. Quase impossível!
Com certeza o filho da puta trapaceou. O miserável conseguiu me
vencer. Conseguiu enganar toda a banca e ainda levou todo o meu
dinheiro.
Massageei as têmporas com os olhos fechados, tentando
desanuviar a tensão. A coisa estava tão feia que precisei antecipar
minha volta para casa. Eu não tinha um único dólar no bolso. Ainda
bem que já tinha transferido o dinheiro da equipe técnica para o
primeiro show do ano da 4Legends, ou estaria mais ferrado ainda.
Não conseguia acreditar que tinha dado tudo errado. Agora,
nem o dinheiro que faltava receber do contratante do show seria o
suficiente para pagar a parcela que eu tinha em aberto com Jack.
Fechei os olhos com força e apertei a ponte do nariz.
Merda, o que farei? Pense, Will. Pense!
O celular começou a tocar e abri os olhos. Mas ao ver o
nome de Jack na tela, senti vontade de fechá-los outra vez. Com o
dia vinte chegando, o prazo para conseguir essa grana era com uma
corda em meu pescoço que apertava cada vez mais. Respirando
fundo, peguei o celular.
— Fala, Jack! — atendi, a voz firme para não demonstrar que
estava temeroso.
— E aí, Will… Só estou ligando para lembrar que preciso do
meu dinheiro na sexta, até meio-dia, do contrário, a sua banda não
terá mais agente — ameaçou, sem rodeios.
— Calminha aí, Jack! — Tentei abrandar a situação. — Se eu
disse que até sexta você terá o dinheiro na mão, é porque até sexta
você terá. — Reforcei o meu compromisso de pagamento, sentindo
um calafrio percorrer a minha espinha. O meu cu definitivamente
estava na reta.
— Tique-taque. — O som do relógio foi a última coisa que
Jack disse antes de desligar o telefone.
O meu coração acelerou como louco. Talvez se eu cobrasse
o contratante do show e ele topasse pagar o restante do dinheiro
antecipado, eu pudesse usar parte da grana numa mesa de pôquer
e dobrar o valor. Era uma alternativa.
Isso! Eu precisava falar com Bruce.
Procurei o contato dele na agenda do celular e liguei.
Conhecia Bruce, ele preferia se trancar no escritório de casa e
trabalhar do que lidar com a esposa chata dele. Voltei a olhar para a
tela e procurei o contato.
— Bom dia, Bruce! — respondi assim que o contratante da
banda atendeu a ligação.
— Bom dia, Will! Me ligando no domingo? Qual é a boa?
— Opa companheiro, liguei porque sei que você é igual a
mim, não para de trabalhar nem nos finais de semana. Então,
Bruce, estou precisando de uma mãozinha. Queria ver se você
poderia antecipar o pagamento da banda até amanhã. Início de ano
sempre temos mais gastos — justifiquei, tentando parecer
convincente.
— Desculpa, cara. Mas não depende de mim, a empresa não
trabalha assim. Somos obrigados a seguir o combinado em contrato.
Se não me engano, era um sinal de trinta por cento, valor que você
já recebeu no ato da contratação, e o restante dois dias após o
evento.
— Não conseguimos abrir uma exceção? — insisti, torcendo
para que ele cedesse.
— Infelizmente, não, Will. Operamos com fluxo de caixa
planejado. Tudo o que será pago ao longo da semana já foi
aprovado pelo financeiro e já está agendado. Não consigo antecipar
qualquer valor. Desculpa não poder ajudar.
— Sem problemas, Bruce. Darei um jeito por aqui. Mas
obrigado mesmo assim.
Idiota!
Encerrei aquela ligação sentindo o meu estômago arder. Uma
gastrite nervosa era última coisa que eu poderia ter naquele
momento. Larguei o celular sobre a mesa e me recostei na cadeira,
fitando o teto, imerso em pensamentos. Precisava de grana de
qualquer jeito.
Mais uma vez o celular começou a tocar e soltei uma pesada
lufada de ar. Ajeitei-me na cadeira e peguei o aparelho. Só o que me
faltava! Luigi! Revirei os olhos. O que aquele moleque poderia
querer? Pigarreei e atendi, tentando soar casual.
— Bom dia, Will — ele cumprimentou, seu tom era seco.
— Em que posso te ajudar, Luigi, em pleno domingo? Já vi
que anunciou o namoro com Cindy…
— Vamos deixar Cindy de lado — interrompeu, antes que eu
pudesse concluir. — Tenho um assunto sério para tratar com você: é
sobre o relatório financeiro da banda. Lembra que te pedi os
extratos bancários e recibos no final do ano passado? Então, creio
que a sua assistente já tenha retornado de férias. Preciso desses
documentos até o final desta semana.
Não consegui segurar a risada. O pirralho estava achando
que mandava em alguma coisa.
— Antes que você comece a falar que estou de má vontade,
já vou te explicando. — falei, firme. — Veja bem, minha secretária
só volta amanhã ao trabalho, sem falar que ela tem bastante coisa
para atualizar após vinte dias de férias. Vou pedir para Carol fazer
isso, mas creio que demore mais do que esse isso para ela
entregar. Essas coisas levam tempo.
— O negócio é o seguinte, Will: estamos há meses
trabalhando e nada de contrato com gravadora, nada de dinheiro.
Apenas trabalho. Ou você me entrega esses relatórios até o final
desta semana, ou terei que trocar de agente. Cindy me indicou o
dela…
— Você só pode estar de brincadeira, né, Luigi? É sério que
você está me ameaçando? — questionei, boquiaberto com a atitude
do menino.
— Não estou ameaçando, Will. Só estou te ajudando com a
ordem de prioridade do trabalho da sua assistente. Só isso!
O meu dia, ou melhor, a minha semana tinha começado uma
grande merda. Aquele filho da puta estava testando a minha
paciência. Mas eu daria um jeito de mostrar para ele quem mandava
naquela porra. Sendo minha galinha dos ovos de ouro ou não, para
mim, galinha que dá trabalho no galinheiro acaba cedo na panela.
— Tudo bem… — Passei a mão pelo rosto, sabendo que
teria que engolir o meu orgulho e parecer preocupado em resolver
as demandas dele.
Se Luigi caísse fora naquele momento, eu estaria muito mais
fodido. Aí que eu não teria como pagar o agiota. O jeito era mostrar
a importância do meu trabalho.
— Eu não vou me indispor com você, garoto. Não tenho nada
a esconder. Você sabe o quanto a banda cresceu desde que
chegaram aqui. A quantidade de shows que fizeram e o número de
fãs que conquistaram. Tudo isso foi graças ao meu trabalho como
agente. Se eu não tivesse trazido vocês para Los Angeles, ainda
estariam naquela vida medíocre em Curitiba, tocando em pequenos
bares da cidade.
— Sei o que fez por nós, mas tenho o direito de ver nossos
números.
— Claro que tem. — Engoli em seco. — Até o final desta
semana, Carol enviará para você por e-mail todos os relatórios.
Se era burocracia que Luigi queria, ele teria. Faria questão de
enviar relatórios tão complexos que ele nem sequer saberia analisar.
Eu foderia com a mente daquele moleque intrometido. Passaria a
semana criando coisas para ele e depois pediria para minha
secretária enviar.
— Valeu, Will. Ah, só lembrando… — Continuou a falar e
voltei a me recostar na cadeira para escutar. — Terça é a
apresentação da banda no evento beneficente, então a banda ficará
indisponível para qualquer coisa.
Suspirei aliviado por não ser mais uma cobrança ou pedido
desconfiado.
— Se tudo o que vocês precisam está resolvido, por mim,
tudo bem.
— Bem, nem tudo, né? Temos a questão do contrato e da
nossa grana. O que é uma pena, pois a banda adoraria fazer uma
doação para ONG também. Mas vamos ter que adiar até você
resolver isso.
Quando Luigi mencionou as palavras “doação” e “ONG”,
meus lábios se curvaram em um sorriso, nem liguei para a
alfinetada do pirralho.
É claro! Como eu poderia ter me esquecido que Cindy
arrecadava dinheiro vivo durante o evento?
Desde que aquela ratinha me roubou e levou a minha ideia
para outro agente, eu fazia questão de acompanhar os passos dela
bem de perto. Mas tinha me esquecido desse evento idiota que ela
criou em homenagem ao ex-namorado drogado.
— Tudo no seu tempo… — falei, mais para mim do que para
Luigi. — Fique tranquilo que as coisas vão se ajeitar. — Completei
com a primeira coisa que me passou na cabeça.
— Bom, estou na espera. Preciso ir, até mais!
Nunca imaginei que a ligação de Luigi pudesse me causar
tamanha felicidade. Quer dizer, não era bem felicidade, mas o
vislumbre de uma oportunidade de fazer grana. Um assalto no final
do evento seria fácil.
Levantei-me da cadeira e tirei a carteira de cigarro do bolso.
Peguei um cigarro e o acendi com vontade. Cara, eu era mesmo
genial. Soprei a fumaça e comecei a caminhar pela sala enquanto
pensava.
Hanna era quem ajudava Cindy com o evento. No ano
passado, as urnas de dinheiro foram levadas direto para a cafeteria
quando tudo terminou e recolhidas na manhã seguinte para serem
levadas ao banco. Lembro-me que elas alcançaram a marca de
cento e cinquenta mil dólares.
Sei que esse valor não resolveria todos os meus problemas,
mas esse dinheiro me daria um fôlego para pagar a parcela do mês
e o saldo que fiquei devendo para Jack do mês anterior. Traguei o
cigarro, totalmente envolvido com minha ideia. Perfeito! Caminhei
até a mesa e peguei o celular. Precisava falar com Chuck e cobrar o
favor que ele me devia depois de terem mandado aquela mensagem
errada para Kit.
— Grande, Will! — Chuck atendeu o telefone com animação.
— A que devo a honra do seu contato?
— Fala, Chuck! Beleza?
— Melhor agora! E aí, cara, o que manda?
— Preciso que armem um assalto para terça-feira…
— Terça-feira? Tipo, depois de amanhã? — perguntou,
surpreso.
— Sim. Em 48h. Lembre-se que vocês me devem um serviço
bem-feito depois do último fiasco. — Fiz questão de lembrá-lo de
que não deveria fazer cu doce.
— Devo um serviço simples e não um apertado que nem
esse. Não sei se você sabe, mas um assalto demanda estudo prévio
para dar certo… — Chuck se justificou. — Portanto, quero trinta por
cento da grana roubada. Preciso dar um incentivo pra galera que vai
se arriscar.
— Enlouqueceu? Eu vou arquitetar todo o plano, vocês só
executarão. Repasso quinze por cento e não se fala mais nisso.
Fechado?
Chuck bufou do outro lado da linha.
— Vinte e tá fechado. E seguiremos à risca o seu plano. Mas
se der qualquer merda, o alvo irá direto para as suas costas.
Combinado?
— Combinado! Mas fica tranquilo. Conheço bem o lugar que
será assaltado e a logística de tudo. Vou dar todas as coordenadas
para vocês, não terá erro. Só preciso que algum de vocês vá até o
Hanna’s Café ainda hoje e faça exatamente o que eu mandar.
Então, comecei a contar o meu plano enquanto fumava.
Expliquei cada detalhe com minúcia. Chuck anotou todas as
informações importantes e tirou as dúvidas que surgiram. Nossa
conversa durou uns quinze minutos, mas foi muito produtiva.
Confesso que encerrei a ligação me sentindo mais aliviado. Agora
era só esperar que aqueles brutamontes dessem conta do recado.
Eu era foda mesmo!
Caminhei até a ampla janela do escritório para ver a chuva
que despencava incansavelmente desde o dia anterior. Esperava
que São Pedro desse uma trégua. A chuva poderia afugentar alguns
visitantes e eu precisava que o evento fosse um sucesso. Quanto
mais arrecadação, melhor.
— Ai, Cicy, olha esse clima horrível! — Hanna choramingou
no telefone. — Desse jeito, nunca vamos conseguir arrecadar mais
dinheiro do que no ano passado.
— Não seja pessimista, Nana. Os comerciantes fizeram
descontos ótimos. O precinho camarada vai tirar as pessoas de
casa com certeza. Além disso, a sua ideia de trazer a 4Legends
para tocar no evento foi maravilhosa. Também tenho certeza de que
a banda irá atrair muito mais pessoas para a nossa festa
beneficente, mesmo debaixo de chuva.
— Você tem razão. — Suspirou. — O evento desse ano está
muito maior do que do ano passado. Acho que está ganhando
notoriedade. Anteontem, dois caras engravatados vieram tomar café
aqui e pareceram muito interessados no evento. Disseram que vão
doar uma quantia generosa.
— Jura? — Sorri, animada. — Mas quem eram esses caras?
Perguntou o nome deles?
— Não perguntei, Cicy. Como era domingo, a casa estava
cheia e eu estava naquela loucura de pré-evento. Mas os ouvi falar
sobre um primo que morreu pelo uso de crack. Ficaram um tempão
conversando no balcão.
— Imagino que domingo tenha sido punk mesmo. E que bom
que nosso evento está sendo notado. Quem sabe sejam
empresários interessados em ajudar.
— Tomara que sim. — Suspirou outra vez. — Bom, Cicy,
estou atrasada. Preciso ir para o evento organizar tudo, caso
contrário, não vou conseguir prestigiar o show da 4Legends.
— Muito obrigada, Nana. Não sei o que eu faria sem você.
— Pelo amor de Deus, prima. Não precisa agradecer. Mas
agora não posso ficar emotiva, então te vejo mais tarde. Te amo,
Cicy!
— Também te amo, Nana!
O evento sempre me deixava muito vulnerável. Foi assim no
ano anterior. Eu me sentia mais carente, chorava por qualquer coisa
e ficava muito mais sensível. Os meus sentidos amplificavam e a
minha dor também.
Eu não podia aparecer publicamente por lá, a exposição
traria muitos problemas e o foco deveria ser as doações. Então me
disfarcei com uma peruca ruiva, calça jeans, tênis, moletom e óculos
de grau. Fiquei parecendo uma nerd. Até apliquei sardas de mentira
para me disfarçar um pouco mais. Além das lentes de contato
verdes que também me disfarçavam. Naquele momento, ninguém
nem sequer me compararia à popstar Cindy Harper.
Decidi que ficaria o tempo todo no backstage para assistir à
apresentação da 4Legends e para não levantar suspeita de algum fã
mais atento. Nos bastidores, passaria tranquilamente pela
assistente da banda. O meu crachá era de Staff. O tablet nas mãos
e a bolsa a tiracolo também deixaria tudo bem convincente.
Meu motorista me levou até a quadra em que armaram a
festa em seu carro pessoal para não levantar suspeita. Quando
cheguei no local do evento, fiquei muito surpresa com a quantidade
de gente que havia. Mesmo com chuva, a rua estava entupida de
pessoas, todos passeando pelas tendas e barracas cheias de
comidinhas que deixavam um cheiro delicioso no ar.
Diante de mim, havia um verdadeiro festival de guarda-
chuvas coloridos que contrastavam perfeitamente com o cinza do
céu. Adorava festas de bairro, e essa foi a primeira coisa que surgiu
na minha cabeça quando tive vontade de organizar algo para
arrecadar doações para a ONG. Além disso, era um ótimo jeito de
ajudar a região.
Os meus seguranças estavam à paisana e ninguém ficou na
minha cola enquanto fazia meu caminho até o palco montado no
final da rua. Passei despercebida. Apresentei o meu crachá e segui
para os bastidores, em direção ao camarim da banda. Abri a porta e
quase perdi o ar. Nick estava sem camisa e precisei fazer um
esforço sobrenatural para não devorar o seu corpo com os olhos
como se estivesse faminta. Desde a primeira vez que o vi, sabia que
ele seria um problema para a minha sanidade.
— Boa noite, pessoal! — cumprimentei e os quatro
integrantes da banda me lançaram olhares curiosos. — Gente, sou
eu, Cindy. — Revirei os olhos e Luigi se aproximou. Ele já tinha me
visto de peruca, mas nunca tão disfarçada assim.
— Caralho, Cindy! Nem parece que você é você… — Curvou
os lábios em um sorriso, segurou meus ombros e deu um beijinho
no meu rosto.
— Essa era a intenção. — Exibi um sorriso enquanto ele se
afastava.
— Caralho! — Fly também se aproximou, tão surpreso
quanto Luigi. — Você é a rainha dos disfarces.
— Quem dera! — Balancei a cabeça em negação e fui até o
sofá para cumprimentar Kit e Nick. Eles me disseram oi, mas não se
moveram.
— Derek não vem? — Decidi puxar assunto com Kit para
quebrar o clima tenso.
— Ele veio, mas está trabalhando na divulgação do
restaurante do chefe, em uma tenda que montaram aqui.
— Que boa notícia, Kit. Não sabia que o restaurante em que
ele trabalha estava participando — falei, transbordando felicidade.
— Pois é. Comentei com ele sobre o evento beneficente e ele
falou com o chefe…
— Obrigada, Kit! — Olhei para ela com profunda gratidão e
ela esboçou um pequeno sorriso. — Isso significa muito para mim.
— A sua causa é nobre, Cindy. — Nick quebrou o silêncio
que mantinha.
Desviei o olhar para ele, mas tive que me esforçar para não
olhar o seu abdômen trincado e muito tatuado.
— Obrigada. — Abri um sorriso agradecido, ignorando o
friozinho na barriga que sentia todas as vezes que ele olhava pra
mim.
Uma batida na porta desviou a minha atenção.
— Luigi — a mulher na porta chamou —, preciso que você e
Kit me acompanhem para checar a afinação dos seus instrumentos.
— Claro! Estamos indo — Luigi respondeu e Kit se levantou.
— Já volto, Cindy. — Ele deu uma piscadinha e eu assenti.
Os dois saíram do camarim e Fly caminhou em direção à
porta.
— Vou aproveitar para tirar água do joelho antes do show e já
volto! — anunciou e saiu logo atrás de Kit e Luigi.
Assim que a porta se fechou, tornei a olhar para Nick.
— Sente-se, Cindy. — Ele meneou a cabeça, num convite
contido.
Eu me acomodei ao seu lado, mas mantive uma distância
respeitosa ante aquele homem enorme e sem camisa. Por alguma
razão, não consegui abrir a boca para dizer qualquer coisa e fitei
minhas mãos pousadas sobre as pernas.
— Meus pais eram usuários de droga. — A declaração de
Nick me fez subir o olhar. — Vivenciei cenas horríveis em casa
durante a infância até que o conselho tutelar tirou a minha guarda
deles e entregou ao meu falecido avô, por quem fui criado. Ele
morreu há alguns anos e até hoje sinto muito a falta dele.
— Puxa, que triste, Nick. Sinto muito — falei compadecida e
muito tocada com a sua confissão. Então decidi dar um pedaço de
mim também. — Sei como é… — Tentei continuar, mas meus olhos
se encheram de lágrimas. Então respirei fundo para contê-las. — Há
dois anos… — recomecei. — Perdi meu ex-namorado para as
drogas. Ele morreu de overdose. — Minha voz embargou e cobri a
boca com a mão para segurar o choro.
— Não sabia, Cindy. Sinto muito.
— Está tudo bem, Nick. — Apressei-me em enxugar as
lágrimas e inspirei fundo. — Estou superando. Tanto que que criei a
ONG e esse evento por causa dele. Não queria que mais famílias
perdessem seus entes amados. Por isso fico mais sensível nos dias
próximos e durante o evento. Preciso muito que tudo dê certo. —
Voltei a encará-lo, mas sua expressão era impassível. Não fazia
ideia no que ele estava pensando.
— Perder nunca é fácil — ele falou com a voz baixa. — E
acho que a gente nunca supera, apenas aprende a conviver com a
dor. No entanto, esse evento e o que você faz pelos outros sempre
serão lembrados pelos que se beneficiarem. Comigo foi assim. —
Esboçou um sorrisinho de lado. — Eu tinha uns 15 anos e foi num
evento como esse, promovido pela escola de música da mãe de
Luigi junto a uma ONG local, que conheci Luigi e ganhei um irmão.
Então, três anos depois, formamos a banda e ganhei uma família
inteira. — Ele me encarou com carinho. — Posso dizer com total
certeza de que a música me salvou de não seguir um caminho
errado. Foi a boa ação, o ato de generosidade, de algumas pessoas
que me permitiu chegar até aqui. Nunca se esqueça de que a sua
ação é muito nobre e que está salvando muitas vidas.
Meu queixo tremeu e tive que apertar os lábios para não
chorar mais. Ele ergueu a mão como se fosse me tocar, mas antes
que o fizesse, pareceu mudar de ideia e a pousou de volta na perna.
Então, apenas continuou a falar:
— Está tudo bem se permitir chorar. Como eu disse: perder
nunca é fácil. Mas, para mim, chegou uma hora que as lágrimas
apenas secaram. Acho que depois de um tempo, mesmo que gente
queira muito, simplesmente não consegue mais chorar. — Nick
desabafou e eu senti uma pontada em meu coração.
Ele estava quebrado por dentro. Apenas por seu olhar, eu
conseguia sentir o quanto seu coração estava frio e vazio. Eu o
entendia perfeitamente. Só que as minhas lágrimas ainda não
tinham secado. Talvez eu não tivesse chorado o suficiente por
Tommy. Eu me entristecia muito por não pensar mais nele como
antes. Cada dia que passava seu rosto ficava mais distante, ao
contrário do rosto de Nick, que aparecia cada vez mais em meus
pensamentos. E isso também me deixava triste.
— Não quero me esquecer de Tommy… Eu o amei demais.
Quer dizer, acho que ainda o amo. Mas ele não está mais aqui, né…
Nick assentiu e inspirei fundo para conter o choro. Precisava
continuar forte.
— Acho que nenhuma pessoa substitui a outra. — Ele
umedeceu os lábios, pensativo. — Estar com outro alguém significa
que você está disposto a construir novas memórias e não que irá
apagar aquelas que já possui. Então não precisa se esquecer de
ninguém. — Curvou o cantinho do lábio em um meio sorriso e se
aproximou, depois tocou de leve o meu ombro.
O toque dele foi como ser atingida por um raio. Todo o meu
corpo se arrepiou. Fechei os olhos e respirei fundo para recuperar o
controle, o calor da sua mão queimando a minha pele mesmo por
cima do moletom. Voltei a encará-lo e foi a minha vez de assentir,
meus olhos presos aos dele.
Queria poder decifrar o que ele sentia ou pensava, mas seus
olhos pareciam as portas de aço de uma caixa-forte, impenetráveis.
Escondia-se por trás da sua armadura. E mesmo tentando parecer
frio e distante, conseguiu dizer coisas lindas para mim. Fiquei
imaginando se o meu coração ainda era um terreno fértil capaz de
produzir amor puro e verdadeiro. Talvez só bastasse plantar a
sementinha certa.
— Olha só quem encontrei… — Fly disse ao abrir a porta e
me levantei de sobressalto. Ele adentrou o camarim abraçado a
Hanna. Enxuguei o resquício de lágrima em meu rosto e sorri.
— Nana! — Caminhei na direção dela para abraçá-la. Não
tínhamos nos visto durante a semana. Minha agenda mal permitiu
que eu respirasse.
— Aconteceu alguma coisa? Por que você estava chorando?
— ela sussurrou ao meu ouvido, enquanto estávamos abraçadas.
— Estou bem… Só aquelas memórias de sempre — expliquei
e ela se desvencilhou para me encarar. Seu olhar era compassivo e
o sorriso otimista. Só Hanna para conseguir se expressar daquele
jeito.
— Está na hora, pessoal! — Luigi exclamou, assim que
entrou no camarim acompanhado de Kit. — Oi, Hanna! — Abriu um
sorriso e se aproximou para cumprimentá-la.
Em seguida, minha prima cumprimentou Kit que estava ao
lado de Luigi e depois Nick, que se levantou do sofá no instante em
que Luigi entrou.
— Antes de vocês subirem no palco… — Hanna começou a
dizer. — Preciso agradecê-los pela presença nesse evento.
— Não precisa agradecer. — Fly balançou a cabeça em
negação.
— Preciso sim. — Ela o contrariou. — Saibam que mesmo
com essa chuva, batemos recorde de público, as doações já
ultrapassaram a marca do ano anterior e… — Hanna levantou o
dedo em riste. — Tem uma legião de fãs gritando por vocês.
— Sério, Nana? Isso é incrível! — Abracei-a outra vez e
depois pulei no pescoço de Luigi. — Muito obrigada! — Agradeci
meu amigo. Afastei-me e fitei o seu rosto, estava sem palavras para
descrever a alegria de saber que tínhamos batido o recorde de
arrecadação.
— Obrigado a você por ter nos permitido participar desse
evento tão nobre. É uma honra estar aqui! — Ele segurou o meu
rosto com as duas mãos e sapecou um beijo em minha testa. Senti
as bochechas superaquecerem.
Nick pigarreou e me afastei um pouco sem jeito pelo gesto.
Estávamos sendo o centro das atenções.
— Parabéns, Cindy. Parabéns, Hanna. — Nick disse, com
breve meneio de cabeça. — Estamos felizes por estarmos aqui —
declarou e eu sorri.
— Com certeza estamos — Fly concordou e desviei o olhar
para ele. Hanna estava ao seu lado, sorrindo.
Meus olhos vagaram até Kit e ela se aproximou para me
cumprimentar.
— É sempre bom ajudar. Obrigada pelo convite. — Ela
também sorriu e seu olhar, que sempre era desconfiado, dessa vez,
pareceu genuinamente agradecido.
— Bom, agora temos que ir! — Luigi anunciou. — Mas
antes… — Puxou a camiseta pelo colarinho. — Vou tirar isso porque
ficar com a camiseta molhada é muito ruim.
Os olhos de Kit vagaram diretamente para Luigi. Notei que
logo depois, ela tentou evitar o contato visual, parecendo lutar para
manter os olhos em qualquer outro canto do camarim, mas dava
para ver que estava sendo traída pelo que sentia por Luigi.
— Boa ideia! — Fly também tirou a camiseta. Dessa vez foi
Hanna que quase deixou a baba escorrer.
Kit deu uma boa olhada nos companheiros de banda.
— Será que eu também deveria tirar a minha? — Ergueu
uma sobrancelha de um jeito debochado.
Luigi fechou a cara. Quase deu para escutar a saliva descer
quadrada por sua garganta.
— Melhor não, docinho. Você pode se resfriar… — Luigi
falou, sem ter um argumento crível e fez todo mundo cair na risada.
Exceto Kit que o fulminou com os olhos.
— Agora chega de falação e vamos para o palco! — Fly
bateu palmas e quebrou o contato visual dos dois.
— Isso! Vão lá e arrasem! — Hanna apoiou, animada.
Meus olhos se desviaram para Nick por um breve segundo
quando ele se movimentou. Agora ele estava de boné. Então, os
três descamisados saíram do camarim logo atrás de Kit. Quem a via
desfilar com três homens lindos pensava que era uma garota de
sorte. E ela era mesmo. Tinha três bons amigos ao lado, que a
tratavam com muito respeito e carinho.
Hanna e eu seguimos a banda e nos posicionamos na coxia
para assistir ao show em uma posição privilegiada. Assim que a
4Legends surgiu no palco, a gritaria foi ensurdecedora. Havia uma
multidão ensopada e empolgada.
O primeiro a entrar foi Fly, seguido por Nick e Kit. Todos
foram ovacionados e muito bem-recebidos pelos fãs. Mas quando
Luigi apareceu, a gritaria foi insana. Ele ergueu o braço para
cumprimentar, depois pegou a guitarra do suporte e se aproximou
do microfone. De onde eu estava, podia ver o perfil de todos os
integrantes da banda.
— E aí, galera?! — Luigi gritou e a gritaria aumentou um
pouco mais. Ele esperou a agitação diminuir e continuou: — Antes
de começar o nosso show, gostaria de agradecer a todos vocês por
estarem aqui. Por terem saído de suas casas debaixo de chuva e
terem vindo colaborar com uma causa tão importante que é o
combate às drogas. — Mais gritos e aplausos tomaram conta do
lugar. — Caralho! Vocês são foda! — Luigi colocou a mão no peito,
agradecido. Seus cabelos longos estavam pingando.
Fly bateu três vezes as baquetas marcando o tempo, então a
música começou. As guitarras, o baixo e a bateria compunham um
som alucinante. Hanna e eu começamos a pular como se
estivéssemos no meio da multidão.
A banda tocou vários covers e músicas autorais também. Kit
cantou duas músicas sozinha e fez um dueto com Luigi. Os quatro
tinham uma sinergia incrível. Luigi era um showman, ninguém
conseguia ficar indiferente à sua presença de palco. Ele interagia
com o público que mesmo naquela chuva reagia e cantava junto.
Ele se movia de um modo sexy e, com certeza, deixava muita gente
imaginando coisas. Se eu não estivesse tão interessada no
guitarrista tatuado e introspectivo ao seu lado, poderia até fazer
parte desse grupo de mulheres.
No entanto, Luigi não chamava a minha atenção. Ele era
lindo, intenso, verdadeiro e um amigo sem igual, mas meu coração
não descompassava com a sua presença, a minha boca não
secava, eu não ficava sem palavras e tampouco ansiava por sua
chegada. Quem fazia isso comigo era Nick. Só tinha sentido algo
parecido uma vez na vida e foi com Tommy.
— Bom, pessoal, agora vamos tocar uma música que
significa muito para mim — Luigi falou e saí do transe em que me
encontrava. Ele não estava mais com a guitarra a tiracolo e sim com
um violão. — Acho que todos vocês conhecem essa e gostaria que
me ajudassem a cantar.
Ele se afastou do microfone e começou a caminhar pelo
palco enquanto tocava a introdução. A chuva seguia implacável.
Desviei o olhar de Luigi para Nick, e ele também tinha deixado a
guitarra de lado e dedilhava um violão. Luigi voltou para o seu posto
e a sua voz linda ressoou:
And I’d give up forever to touch you
(E eu desistiria da eternidade para te tocar)
‘Cause I know that you feel me somehow
(Porque sei que de alguma forma você me sente)
You’re the closest to heaven that I’ll ever be
(Você é o mais próximo que estarei do paraíso)
And I don’t wanna go home right now
(E eu não quero ir para casa agora)
And all I can taste is this moment
(E tudo o que posso sentir é esse momento)
And all I can breathe is your life
(E tudo o que posso respirar é a sua vida)
When sooner or later, it’s over
(Quando cedo ou tarde isso acabar)
I just don’t wanna miss tonight
(Eu só não quero sentir sua falta esta noite)
Senti um arrepio percorrer o meu corpo, mas não era de frio.
A música Iris do Goo Goo Dolls tocava fundo o meu coração e as
lágrimas despencaram desenfreadas. Aquela mensagem servia
para mim, mas pela maneira que Kit não tirava os olhos de Luigi,
devia dizer muito sobre os sentimentos entre eles, os quais não
admitiam.
Quando voltei minha atenção para Nick, o encontrei me
olhando com fervor. A música era uma velha conhecida, mas Luigi
derramou tanto sentimento em cada palavra que nem a plateia ficou
imune. Era intensa demais. Alguns fãs estavam aos prantos como
eu. Outros tantos, moviam seus braços para o alto e cantavam a
plenos pulmões como se a música fosse um hino dos corações
partidos e apaixonados.
Eu estava totalmente imersa naquele sentimento que ele
tinha conseguido despertar. Luigi tinha o poder de dar vida às
palavras só com o timbre da sua voz. Com certeza, a 4Legends era
uma banda que merecia o reconhecimento mundial. Eles eram
incríveis. E eu faria de tudo para ajudá-los a chegar lá.
Cantar não era apenas uma profissão, era também o jeito
que eu tinha de verbalizar os meus sentimentos. Cada música
possuía um significado e me tocava de forma diferente.
Com os lábios rentes ao microfone e os olhos cerrados, abri o
meu coração. Talvez Kit não soubesse, mas aquela música era uma
mensagem para ela. Eu não podia confessar meus sentimentos
diretamente, mas podia sentir a melodia me abraçar e me deixar
levar pela emoção, e assim, tentar alcançá-la.
Após cantar as primeiras estrofes da música, durante a parte
instrumental, me aproximei de Kit. Eu sempre escolhia um
integrante da banda para tocar frente a frente e interagir durante
algum momento do show. Fazia isso com frequência. Mas tocar
aquela música diante de Kit, me fez sentir um turbilhão de
sentimentos.
Meus olhos vagaram pelo seu corpo. Ela estava ensopada,
os cabelos pingavam tanto quanto os meus e a camiseta preta
gigante se agarrava a cada curva de seu corpo. Nem dava para ver
a bermuda jeans que ela usava. Suas pernas estavam expostas e
ela vestia coturnos e meia-calça arrastão. Nem sei por que ela
usava aquela meia diferente se não servia nem para cobrir, nem
para aquecer.
Continuei apreciando a vista até que os meus olhos se
prenderam aos dela. Encarando-a com intensidade, cantei a música
com o olhar, sem verbalizar uma única palavra. Queria que ela
pudesse sentir como aquela letra era importante e o quanto ela
significava para mim. Queria que soubesse que, mais cedo ou mais
tarde, tudo aquilo acabaria. Que soubesse que meu mundo era ela.
Kit não conseguiu manter os olhos fixos em mim, talvez não
quisesse ouvir o que a minha alma aflita queria dizer, ou talvez
preferisse fingir que não estava entendendo o meu recado. Mas
mesmo que ela não se permitisse escutar o meu coração, fiz
questão de dedicar aquele momento apenas para ela.
Voltei para o microfone no exato momento em que precisava
cantar outra vez. Na penúltima repetição do refrão, deixei o público
cantar sozinho, foi de arrepiar. Terminei de tocar o último acorde
emocionado. Confesso que cantar a música Iris naquela noite foi
surreal.
— Valeu, pessoal! Foi lindo! — agradeci e muitos aplausos e
assovios deixaram claro que a música tinha agradado. — Muito
obrigado por terem participado desse evento maravilhoso. Vocês
são foda pra caralho! — Então o barulho da galera aumentou ainda
mais e não consegui conter o meu sorriso. — Antes de encerrar o
nosso show, gostaria de apresentar a banda. Na batera, Fly!
Assim que o apresentei, Fly fez uma firula sonora com a
bateria e depois ficou de pé com as baquetas erguidas para receber
o carinho do público.
— Na guitarra, Nick! — continuei a apresentação e gesticulei
em direção a ele. Nick fez um solo de guitarra foda e foi ovacionado
como Fly. — E no baixo, a maravilhosa, a incrível, a inigualável, Kit.
— Fiz o elogio que eu sempre dedicava a ela.
Kit, por sua vez, também fez um solo e ergueu a mão em
agradecimento. Em seguida, agarrou o microfone e estendeu o
braço em minha direção.
— E claro, não podemos esquecer do nosso showman, a voz
mais foda de todas, a lenda, Luigi! — Ela me apresentou, como
sempre fazia, e o pessoal foi à loucura enquanto eu fazia uma
reverência para eles.
Em meio aos aplausos, a galera pedia para tocarmos mais
uma música. Olhei para a banda.
— E aí, o que acham? Tocamos mais uma? — perguntei e
meus amigos se entreolharam como se estivessem considerando a
possibilidade. Mas já tínhamos tudo previamente ensaiado.
Quando assentiram, os gritos eufóricos chegaram a muitos
decibéis. Então troquei o violão pela guitarra. Olhei para a coxia, de
onde Cindy e Hanna estavam nos assistindo, dei uma piscadinha e
voltei para frente do microfone.
— Quero ouvir vocês cantarem comigo! — pedi e Fly bateu
com as baquetas anunciando a música final.
Eu tinha escolhido essa última canção de propósito. A música
Someday do Nickelback era o jeito desesperado de dizer a Kit, ao
pessoal da banda e até Cindy, que tudo ficaria bem, ainda que não
fosse agora. A gente só precisava ter esperança.
Someday, somehow
(Algum dia, de alguma forma)
I’m gonna make it all right,
(Vou fazer com que tudo fique bem,)
but not right now
(mas não agora)
I know you’re wondering when
(Sei que você está se perguntando quando)
(You’re the only one who knows that)
(Você é a única que sabe disso)

Dessa vez, não saí do meio do palco. Voltei toda a minha


atenção para o público que cantava, empolgado. A emoção foi única
e a conexão com os fãs foi incrível. Encerramos o show com a
sensação de alma lavada, aliás, depois de tanta chuva, até de corpo
lavado.
Deixei a guitarra no suporte e tirei os intra-auriculares dos
ouvidos. Segui para os bastidores, feliz. Fly e Nick me abraçaram,
empolgados. Um roadie entregou toalhas para nos secarmos. Meus
olhos vagaram pelo entorno e Kit não estava ali. Não era a primeira
vez que ela se esgueirava do abraço final.
— Parabéns! Vocês foram maravilhosos! — Cindy veio ao
meu encontro e forcei um sorriso enquanto enxugava o rosto.
Embora gostasse dela, não era ela quem eu queria ver naquele
momento.
— Valeu, Cindy! — agradeci e pendurei a toalha no ombro.
Ela me deu um sorriso simpático e voltei a olhar ao redor. — Você
viu para onde foi Kit?
— Acho que foi para o camarim se trocar. A coitada estava
ensopada. E vocês deveriam fazer o mesmo ou ficarão doentes.
— Sim, senhora — respondi em tom de brincadeira, batendo
continência e a fazendo rir.
Cindy e Hanna nos acompanharam até o camarim. Chegando
lá, abri a porta com tudo, precisava ver se Kit estava ali. Depois do
pesadelo que tive com ela, andava apreensivo. O medo de perdê-la
me dominava e me sentia impotente. Mas, para o meu alívio, Kit
saiu de trás de um vestiário improvisado dentro do camarim. Tinha
uma toalha preta enrolada nos cabelos e já vestia roupas secas.
— Ei, meninas, vamos deixar os caras se trocarem! — Kit
falou alto assim que me viu, seu olhar se demorando no meu
peitoral molhado.
— Isso! Se troquem e depois vamos para a cafeteria
comemorar o sucesso de hoje. Farei chocolate quente para
acompanhar os cookies que guardei para nós. — Hanna
praticamente impôs o convite que fez todos se agitarem.
— Maravilha! — Fly esfregou as mãos, animado. — Faz uma
semana que não como os seus quitutes. Já estou com saudades!
— Então vamos deixá-los se trocarem, meninas. — Kit
reforçou e as três saíram do camarim.
— Cara, essa mulher é pra casar! — Fly suspirou enquanto
tirava as botas e Nick sorriu.
— Acho que as três garotas são incríveis. Qualquer homem
seria muito feliz com elas — comentei, pensativo.
— É… Acho que sim. — Nick também suspirou, exibindo o
mesmo ar reflexivo que eu.

— Olha o chocolate quente super cremoso e com muito


marshmellow chegando! — Hanna colocou uma bandeja com seis
canecas amarelas sobre a mesa da cozinha.
— Hmmmm… — Cindy se esticou e pegou uma caneca
fumegante. Com os olhos fechados, inspirou fundo, saboreando o
delicioso aroma de chocolate. — Que cheiro maravilhoso, Nana!
— Espero que tenha ficado bom — Hanna falou, enquanto
colocava um prato cheio de cookies no centro da mesa.
— Tudo o que você faz é delicioso, linda! — Fly elogiou e se
serviu animado.
Nick que tinha o olhar fixo em Cindy, se retesou e se serviu
também.
— Pra você. — Peguei uma caneca e entreguei para Kit,
esboçando um sorriso.
— Valeu, Luigi. — Ela retribuiu o sorriso, mas logo desviou o
olhar para Hanna. — O que achou do evento? — perguntou,
curiosa.
Hanna pegou uma caneca e sentou-se ao lado de Fly, um
sorriso enorme no rosto.
— Nossa! Foi incrível, Kit! Olhe essas urnas ali… — Apontou
para quatro caixas metálicas que tinham aproximadamente um
metro de altura por trinta centímetros de diâmetro encostadas na
parede dos fundos. — Estão cheias de dinheiro. Sem contar os
depósitos bancários que também foram generosos.
— Não é perigoso guardar tanto dinheiro em espécie? Uma
doação digital não seria mais fácil? — Kit sorveu um gole de
chocolate, analisando as urnas.
— Então, apesar do evento ter a opção de doação digital, o
público prefere doar mais em dinheiro por se tratar de uma feira de
rua. Acho que é o ato de colocar o dinheiro na caixa, sei lá. Já as
empresas preferem fazer transferência. Bem, só sei que no final,
ficamos com um valor significante em espécie. Esse é o segundo
ano que arrecadamos dessa forma e guardamos aqui até o dia
seguinte. Amanhã de manhã, a equipe da Cindy levará o dinheiro
direto para o banco. Como o evento termina tarde não temos muito
o que fazer até amanhecer o dia.
— Entendi… — Kit assentiu, pensativa.
— Mas terá segurança aí na frente. — Cindy complementou a
resposta de Hanna. — Vai dar tudo certo!
— Fico feliz que a ONG terá dinheiro para continuar o
trabalho junto à comunidade — falei, animado, e me servi de cookie
e chocolate quente.
— Com certeza! — Cindy concordou. — Também estou muito
feliz com o resultado.
— Tem que ficar mesmo. — Nick quebrou o seu silêncio. —
Esse apoio é fundamental para tirar jovens e adolescentes do
mundo das drogas. Eu te admiro muito por se dedicar a isso… as
duas. — Ele fitou o rosto de Cindy com admiração e ela enrubesceu.
— Então um brinde ao evento fodástico de hoje! — Fly
ergueu a caneca e todos tilintaram as xícaras, comemorando o
sucesso.
A conversa fluiu como nunca. A uma certa altura, o assunto
mudou para tatuagens e Kit se animou. Ela começou a apontar as
que fez em mim e nos meninos, tanto que começou até a erguer a
minha blusa, a ponto de eu precisar arrancar a peça. Foi engraçado
ver as duas analisando as tatuagens de Nick, Fly e as minhas. Com
certeza éramos a maior propaganda do talento de Kit.
No final, quando enfim me deixaram colocar a camiseta de
volta, Cindy se virou para Kit e perguntou se ela faria uma tatuagem
nela. Para minha surpresa, Kit nem hesitou em responder que sim.
Depois de duas canecas de chocolate quente, muitos cookies
e conversas animadas, Cindy se levantou, parecendo contrariada.
— Pessoal, infelizmente, tenho que ir para casa. Já passa da
meia-noite e amanhã às 7h tenho que estar no estúdio para gravar o
meu programa — anunciou.
— Sério, Cicy? Já vai mesmo? — Hanna fez um beicinho e
foi até ela.
— Tenho que ir, Nana. Ou amanhã, maquiagem alguma
esconderá as minhas olheiras. — Cindy abraçou a prima. — Muito
obrigada por tudo. Amo você!
— Também te amo, Cicy! — As duas se afastaram e se
olharam com carinho. A amizade delas era muito bonita.
— Eu te acompanho até o carro. — Levantei-me, oferecendo
o meu cavalheirismo de bom amigo. Mas também com a intenção
de parecer um namorado cuidadoso.
Nunca nos beijávamos em público, nem em particular, claro.
Ir com ela até o lado de fora da cafeteria desviaria a atenção e
ninguém ficaria esperando por um beijo cinematográfico que não
daríamos.
Cindy sorriu agradecida e se despediu de um por um.
Quando chegou a vez de Nick, ele ficou rígido. Percebi que havia
alguma coisa estranha nele. Nick sempre se retesava com a
aproximação de Cindy. Ele não era de demonstrar muito as suas
emoções, mas perto dela, não conseguia esconder a perturbação
que sentia.
Após a despedida, pousei a mão nas costas de Cindy e a
acompanhei até a porta do carro. Um segurança com um guarda-
chuva gigante nos seguiu e abriu a porta do veículo. Pedi o guarda-
chuva emprestado e o homem me entregou, depois se afastou até
uma cobertura logo atrás para nos dar privacidade.
Não tínhamos muito o que falar, apenas a agradeci por tudo e
trocamos sorrisos cansados, mas satisfeitos, antes de nos despedir.
Então meneei a cabeça em direção ao interior do GMC preto.
Depositei um beijo em seu rosto e ela entrou no veículo. Fechei a
porta e devolvi o guarda-chuva para o segurança que seguiu para o
carro.
Ainda do lado de fora, me recostei na parede da cafeteria, ao
lado da porta dos fundos, e tirei a carteira de cigarro do bolso.
Acendi um, fitando a chuva incessante. Raios clareavam o céu
seguidos por trovões estrondosos. Há tempos eu não via tanta
chuva. Traguei o cigarro completamente preso em pensamentos.
De repente, um raio gigante atravessou o céu e um barulho
ensurdecedor fez da rua um breu. Um blecaute geral. A escuridão
tomou conta de tudo. A única coisa brilhante era a brasa do meu
cigarro.
Que merda! Revirei os olhos mentalmente, voltando à
realidade. Traguei uma última vez antes de jogar a guimba no chão.
Pousei a mão no trinco da porta e senti uma coisa sólida em minhas
costas. Então o clique do que pareceu ser o gatilho de uma arma
me deixou apreensivo.
— Shhh… Quietinho! — uma voz grave e sombria pediu. —
Não olhe para trás. Só abra a porra da porta e entre. — Apertou a
arma contra as minhas costas, me incentivando a fazer o que
mandava.
Inspirei fundo, sabendo que o bandido entraria de qualquer
jeito. A porta não estava trancada. Se eu não obedecesse, ele
mesmo o faria. Abri a porta e a cozinha estava clara. A luz de
emergência iluminava o ambiente. Meus amigos não estavam em
melhor situação do que eu. Todos tinham sido rendidos. Nick, Fly,
Kit e Hanna estavam amarrados nas cadeiras em que se sentaram
mais cedo. Eles tinham as mãos presas atrás de si. Vê-los daquele
jeito fez um nó se formar em minha garganta. A raiva fez meu
sangue circular mais rápido em meu corpo.
Do outro lado da cozinha, havia dois caras armados se
servindo do dinheiro das urnas e o guardando em uma bolsa e um
outro vigiando os meus amigos. Todos vestiam balaclava e luvas de
couro. Inacreditável.
— Sente ali! — ordenou o que estava cutucando as minhas
costas com a arma, mas a minha inércia irritou o assaltante. —
Anda, filho da puta! Senta na porra da cadeira ou estouro seus
miolos. — Empurrou-me em direção à mesa, me fazendo caminhar
outra vez.
— Não! Não toca nele! — Kit gritou e se debateu, como se
quisesse se levantar.
Um dos bandidos, o com um pedaço de tatuagem no pescoço
aparecendo por baixo da barra da balaclava, se virou e apontou a
arma para ela. Kit o olhou feio, como se quisesse atacá-lo.
— Calma, caralho! — pedi, quase gritando, não sei se para o
bandido ou para ela.
Nesse momento, a arma dele se voltou para mim. Senti um
medo insano que ele a machucasse. A impotência me torturando.
Agora havia uma arma apontada para o meu peito e outra colada
atrás da minha cabeça. Inspirei fundo e expirei devagar para não
fazer nenhuma merda enquanto erguia as mãos em rendição.
— Cale a boca, palhaço, e sente na porra da cadeira.
Fui até a cadeira ao lado de Kit e me sentei. Eu precisava
ficar perto dela. Ela chorava copiosamente, o pavor estava
estampado em seu rosto.
O cara que antes tinha a arma empunhada para a minha
cabeça agora apontava para o meu rosto. Dava para ver que ele era
o mais alto e corpulento dos quatro, a barriga proeminente esticava
o tecido da blusa. O tatuado que tinha ameaçado Kit guardou a
arma na cinta, pegou uma corda que estava sobre o balcão e veio
em minha direção.
— Shhhh… Se acalme… — falei baixinho para Kit, enquanto
o cara me amarrava na cadeira.
— Já não mandei calar a boca? — O tatuado me deu um
soco no meu rosto e então grudou a arma na minha testa, a fúria
faiscando em seus olhos. — Não vou repetir.
— E eu já disse para não encostar nele! — Kit voltou a se
manifestar, a voz esganiçada, e a mira da arma foi direto para sua
cabeça.
Ela e o bandido se encararam. Nesse momento, o medo de
que uma merda acontecesse inundou minha mente e corpo.
— Se encostar um dedo nela, juro que caço você até no
inferno! — bradei por instinto e ele voltou a apontar a arma em
minha direção.
— Ora, ora! — o grandão de antes falou com ironia, fixando o
olhar em mim. — Temos um casalzinho apaixonado. Queria tanto
ser mais sentimental — disse com frieza, se aproximando e
grudando a arma na minha testa, fazendo Kit chorar ainda mais.
O tatuado que me bateu deu dois passos para trás, mas
ainda apontava a arma para mim, uma raiva que parecia pessoal
brilhava em seus olhos. Continuei o encarando, nem ligando para o
grandão ao meu lado, enquanto trincava o maxilar. O gosto de
sangue inundou minha boca por morder o lábio no momento do
soco, mas nem liguei, estava furioso por ele fazer a minha garota
sofrer.
— É o seguinte, Romeu… — continuou, ele parecia o chefão
ali. — Se não quiser que a Pantera Cor-de-rosa morra é bom vocês
dois ficarem de boca fechada — ameaçou e eu assenti com um
meneio, contrariado, engolindo a minha ira, tentando manter a
calma para não dar merda.
O grandão seguiu para verificar os outros dois esvaziando as
urnas e deixou o tatuado raivoso nos vigiando. Sem que eu
quisesse, meus olhos se prenderam na tatuagem no pescoço dele.
Ainda estava parcialmente coberta, mas a máscara tinha se
enrolado o suficiente para ver melhor o desenho peculiar, era uma
aranha. Isso me fez lembrar de quando fui sequestrado. O homem
que me mantinha desacordado também tinha uma tatuagem
parecida. Talvez fosse o mesmo bandido.
Em menos de cinco minutos, os caras levaram todo o
dinheiro e nos deixaram amarrados. Levamos alguns minutos
apenas absorvendo a situação e com ouvidos atentos para nos
certificar de que já tinham partido de verdade. Após ter certeza de
que os criminosos não voltariam, Nick conseguiu se soltar das
cordas que o prendiam ao espaldar da cadeira ao girar o corpo com
força e quebrar a madeira. Seu bom condicionamento físico e os
anos de treinos intensos, enfim, tinham valido a pena, foi uma cena
digna de cinema. Ele se ajoelhou e, com as mãos atadas nas
costas, conseguiu soltar a corda amarrada aos tornozelos.
— Onde ficam as facas ou tesoura? — ele perguntou a
Hanna.
— Tem faca na primeira gaveta do balcão atrás de você —
ela respondeu com a voz embargada.
Nick assentiu e foi até a bancada. De costas para a gaveta,
ele a abriu e, olhando de esguelha, identificou a faca e a retirou.
— Vem aqui, irmão — chamei, movendo a minha cadeira
para ficar de costas para ele, que usou a faca para me libertar.
— Valeu, cara — agradeci e cortei a abraçadeira de nylon
dos seus punhos.
— Solte Kit que vou pegar outra faca e desamarrar Hanna. —
Nick meneou a cabeça em direção a ela.
Enquanto ele buscava uma faca, me abaixei na frente de Kit.
— Você está bem? — perguntei, enquanto cortava as cordas
que prendiam seus pés.
— Estou e você?
— Melhor agora — sussurrou, a voz fraca enquanto eu
terminava de desprendê-la e a ajudar a ficar de pé.
Agoniado, a abracei por um breve instante. Em seguida fui
ajudar Fly, já que Nick estava desamarrando Hanna.
Foi um assalto cruel. Os criminosos levaram todo o dinheiro
da doação. Ao menos, ninguém tinha saído machucado. Os
seguranças que faziam guarda na frente da cafeteria também foram
rendidos e não puderam fazer nada.
Hanna chamou a polícia que chegou muito rápido. Eles
colheram o nosso depoimento de forma eficiente. Falei para o
policial sobre a tatuagem que vi no pescoço de um dos assaltantes
e Hanna contou que dois dias atrás foram dois caras na cafeteria e
que um deles tinha uma tatuagem no pescoço, exatamente igual a
que eu tinha descrito. A polícia também fez o retrato falado dos dois
homens que visitaram a cafeteria no domingo para ajudar na
identificação dos suspeitos.
Naquela altura, a energia elétrica já tinha sido restabelecida,
mas pela falta de rede, as câmeras de segurança não gravaram o
momento do assalto. No entanto, os policiais levaram todas as
filmagens no caso de ter algo que pudesse ajudar. Assim que os
oficiais deixaram o local, voltamos para a cozinha da cafeteria,
exaustos e muito aflitos. Com certeza, aquele episódio jamais seria
esquecido por nenhum de nós.
Voltar para dentro daquela cozinha fez meu coração acelerar,
precisava sair dali, precisava me encolher em minha cama. E como
se Nick pudesse ter lido os meus pensamentos, falou:
— Devíamos ir para casa. Quer vir com a gente, Hanna? —
Nick convidou, olhando para uma Hanna que parecia muito triste e
amedrontada.
— Não posso. — Negou com a cabeça. — Daqui a pouco
preciso abrir a cafeteria…
— Eu fico com você, linda. — Fly a abraçou e ela afundou a
cabeça em seu peito.
— Os seguranças farão vigília durante a noite… — Luigi
começou a falar.
Uma risada explodiu da minha boca. Ele só podia estar de
brincadeira.
— O que foi Kit? — Luigi me encarou com o cenho franzido.
— Nada não! Estou indo para o carro! — Preferi não dizer
nenhuma besteira. Não queria ofender ninguém com a minha ira.
Muito menos Hanna que teria que contar com aquela segurança de
merda.
— Kit! — Luigi chamou e fiz força para ignorá-lo. Aquela era a
segunda vez, em menos de um mês, que eu entrava em pânico por
causa dele.
Estava tão cansada de tudo que não queria conversar. Só
queria tomar um banho quente e me deitar na cama. Talvez chorar.
Talvez gritar. Ainda precisava me decidir.
— Kit! — chamou outra vez e o ignorei de novo.
Continuei caminhando em direção à caminhonete. Nem me
importei de estar debaixo de chuva.
— Porra, Kit! Pare de ser infantil! — ele bradou e me coração
acelerou.
Parei de andar e me virei para encará-lo.
— Infantil?! — gritei de volta, irritada. — Você tem ideia do
que acabou de acontecer?
Luigi parou a um passo de mim, os cabelos molhados
pendendo em frente ao seu rosto. Encarando aquele homem que
era meu mundo inteiro, senti meu corpo estremecer. Só Deus sabe
o medo que senti de que algo ruim acontecesse com ele.
— Sei bem o que acabou de acontecer — retrucou, o maxilar
trincado como se segurasse para não completar a frase.
— Sabe mesmo? — Ergui as sobrancelhas, descrente. —
Pois não parece. Por acaso notou que apenas um nome, uma
pessoa, está ligada ao que acabou de acontecer aqui e ao seu
sequestro?
— Do que você está falando? — Apertou os olhos, a
confusão agarrada ao seu rosto.
— Luigi, não se faça de idiota, não combina com você.
Depois que Cindy entrou em nossa vida tudo virou de cabeça para
baixo. Do seu sequestro a essa merda de assalto. Até a porra dos
seguranças dela que não servem pra bosta nenhuma. — Cuspi
minha ira. Tudo girava em torno de Cindy Harper.
A ONG era dela, a cafeteria era da prima dela, os seguranças
ineficientes também eram dela e a gente tinha se envolvido de
gaiato desde que Luigi se aproximou dessa garota.
— Larga de paranoia, Kit, olha o que você está dizendo. Você
acha que Cindy vai ficar feliz quando souber que roubaram todo o
dinheiro da doação? Sério que você pensa isso?
— Eu, paranoica? Você que é cego! A verdade está aí, mas
você está apaixonadinho demais para enxergar. É como dizem,
homem pensa com a cabeça de baixo mesmo. — Senti os olhos
arderem e voltei a caminhar em direção ao carro. Meu corpo estava
tremendo de frio e raiva. Eu estava toda molhada de novo.
— Apaixonado?! — ele grita, com tom incrédulo e irritado, me
fazendo vacilar. Passos pesados soaram na água atrás de mim,
então ele puxou o meu braço com força e me virou. — É, estou
apaixonado mesmo! Mas você só errou a pessoa — rosnou, a raiva
brilhando em seu olhar, o rosto próximo do meu e sua respiração
pesada e quente atingindo a minha pele.
— Me solta! — Sacudi meu braço, mas ele me agarrou ainda
mais firme.
— Não posso te soltar, Kit.
— Pare com isso, Luigi, me deixe ir — pedi, sacudindo de
novo o braço.
— Não consigo te deixar ir… não mais, nunca — sussurrou
com a voz rouca, abaixando a cabeça.
Olhei para Luigi, ele encarava o chão, a chuva escorrendo
por seu rosto lindo e triste. Meu coração apertou, eu precisava me
afastar dele. Comecei a me virar em direção ao carro, mas, de
repente, ele me puxou pelo braço e me virou de volta, meu corpo
colando ao dele. Sem avisar, ele segurou meu rosto com a outra
mão e me deu um beijo quente que fez tudo dentro de mim se
acender.
Muitas lembranças enevoaram a minha mente torpe. A minha
consciência se calou com aquele contato que eu tanto desejava
sentir outra vez e me entreguei, meus lábios se separando e
permitindo que sua língua se entrelaçasse com a minha. De
repente, como se um raio tivesse me atingido, os sentimentos que
eu mantinha trancafiados a sete chaves dentro mim emergiram com
tudo. O amor, o medo e a insegurança me açoitaram sem piedade.
Então, juntei toda força que restava em meu corpo e empurrei Luigi.
— O que você pensa que está fazendo? — Desferi um tapa
estridente que fez o seu rosto virar. — Você tem namorada, caralho!
— Ele voltou a me encarar com o olhar escurecido.
— Porra, Kit, você sabe muito bem que é você que eu quero,
sempre quis — Luigi falou e eu ri com escárnio.
— Não! Você não me quer! — Balancei a cabeça em
negação. A indignação, raiva, desejo e tudo mais me levando ao
limite. — E nem eu quero você. — Apontei o dedo indicador para
ele. — Você está com Cindy e eu estou com Derek. Então nunca
mais faça isso! Vou te fazer o favor de fingir que nada aconteceu,
você segue o seu caminho e eu o meu. Entendeu?! — gritei,
sentindo uma dor horrível no peito ao pronunciar aquelas palavras.
— Entendi… — Ele apertou os lábios em uma linha fina e
assentiu, o olhar magoado e os ombros caídos. Parecia tão
derrotado, tão devastado.
Eu não suportaria olhar para os olhos azuis de Luigi sem
desabar. Então me virei outra vez e marchei para o carro. De costas
para ele, me permiti chorar.
— Iris… — Luigi continuou a falar, mesmo com a chuva e a
distância entre nós, sua voz me alcançou como se ele estivesse ao
meu lado, dentro de mim. — Cantei Iris pra você…
Mesmo depois da sua declaração, não me virei e nem parei
de andar. Era doloroso demais tudo o que estava acontecendo. Luigi
tinha mudado. Estava cada vez mais distante e parecia que nossa
amizade não era mais o suficiente para ele. O meu mundo
desmoronava ao meu redor e eu não sabia o que fazer.
Entrei no carro ensopada e destruída. O assalto tinha sido
terrível, porém, aquele beijo e a mentira que contei sobre estar com
Derek tinham me devastado de vez, mas foi a primeira coisa que
surgiu na minha mente para fazê-lo se afastar de mim. A imagem de
seu rosto na chuva, da mágoa em seus olhos, me assombraria pelo
resto da vida. Enxuguei as lágrimas e respirei fundo. Aquelas
lágrimas precisavam cessar. Fiz o que devia ter feito. Luigi tinha
namorada, não podia sair me beijando quando quisesse. Além
disso, tínhamos a merda de um acordo.
Liguei o carro e o limpador de para-brisa removeu a água, me
dando uma visão clara da calçada. Luigi tinha sumido. Dirigi por
alguns metros até a porta dos fundos da cafeteria e mandei
mensagem para Nick, avisando que eu estava ali esperando por
eles. Queria chegar em casa o quanto antes.
Em menos de um minuto, Nick surgiu sozinho. Entrou no
carro e se sentou ao meu lado no banco do passageiro.
— Só você? — perguntei, enquanto ele colocava o cinto de
segurança.
— Sim. Fly vai dormir com Hanna e Luigi avisou que ia para
casa a pé. Não sei o que deu nele, mas achei melhor não discutir,
ele não aprecia nada bem. Aconteceu alguma coisa entre vocês
dois?
— Não, Nick. Só discutimos por causa de Cindy… — Deixei a
frase morrer, me contendo para não falar mais do que devia, então
comecei a dirigir.
— Mas por quê? O que ela fez?
— Não sei direito. Mas todas as merdas aconteceram depois
que ela entrou em nossa vida. — Bufei, inconformada.
— Mas como ela poderia estar envolvida nisso se ela foi a
mais prejudicada? — Nick me encarou, sério. — Levaram todo o
dinheiro da doação. O que esse assalto poderia ter a ver com ela?
— Não sei, Nick. Mas juro que vou descobrir — afirmei,
apertando o volante com tanta força que as juntas ficaram brancas.
— Esta noite foi difícil para todos nós. Acho que você ficou
muito nervosa, Kit. — Nick se virou no assento, seu olhar preso aos
meus dedos ainda esmagando o volante. — Tente se acalmar, eu
também estou tentando, e acho melhor repensar se faz sentido
Cindy ter culpa nisso tudo. — Soltou um suspiro pesado, o cansaço
dele ecoando em mim. — Não acho que faz.
— Você gosta dela, né? — Desviei o olhar da estrada e o
observei por um instante.
— Quê? Não! De onde você tirou isso? — disparou,
atropelando as palavras enquanto sacudia a cabeça com força.
— Só um palpite. — Voltei a olhar para a estrada. — Nunca
te vi tão introspectivo desde a morte do seu avô. E por coincidência,
foi depois que você a conheceu.
— Você definitivamente está vendo coisas — defendeu-se.
Balancei a cabeça e fixei os olhos na estrada. Mesmo ele não
confessando, tive certeza de que era verdade só pela forma como
me respondeu.
Nick não tinha o hábito de entrar em embates ou mentir, ele
simplesmente não se importava com a opinião dos outros, mas o
que eu disse o deixou desconfortável. A verdade que ele escondia
tinha sido descoberta. Imagina como ele devia estar sofrendo ao ter
se apaixonado pela namorada do melhor amigo? Isso explicava o
motivo de ele estar tão fechado nos últimos dias.
Eu o entendia. Como eu o entendia. Cindy também tinha
bagunçado o meu mundo. Não só ela, mas Luigi ferrou com tudo
depois desse beijo. Ele foi muito errado, afinal, tinha acabado de
tornar o romance entre ele e Cindy público. E aí, do nada, decide se
declarar, dizer que me quer e ainda por cima me beijar.
Por que ele foi fazer isso logo agora?
Ainda sentia os lábios dele nos meus, seu gosto estava
agarrado à minha língua. Já tinha beijado muitos homens… Muitos
mesmo. Mas nenhum jamais chegou perto de me fazer sentir o que
o beijo do Luigi provocava em mim. Só que isso não importava, não
éramos crianças, tínhamos superado isso há anos. E se
dependesse de mim, superaríamos outra vez.
Maldição, e agora? Como vou conseguir tirar esse beijo da
cabeça?

Acordei perto das 14h, os sentimentos à flor da pele. Depois


de escovar os dentes, desci para a cozinha e preparei uma omelete.
Tomei café sozinha. A julgar pelo horário que chegamos em casa,
Nick ainda devia estar dormindo. Não vi Luigi em lugar nenhum.
Quando saí do meu quarto e passei em frente ao dele, vi a porta
aberta e a cama bagunçada. Sinal de que ele tinha chegado em
casa. Apenas cinco quilômetros separavam um endereço do outro,
mas era de madrugada e estava chovendo, era impossível não ficar
preocupada.
Depois da refeição, me sentindo sozinha, liguei para Derek. O
assalto ainda estava vivo em minha memória tanto quanto o beijo
que eu precisava esquecer. E Derek era muito bom em me distrair.
Durante a nossa ligação, contei sobre o assalto e ele ficou
perplexo. Derek ficou preocupado comigo e esteve a ponto de
abandonar o trabalho para ir ao meu encontro. Mas eu não permiti
que ele fizesse isso. Não queria que corresse o risco de perder o
emprego por minha causa, então o tranquilizei dizendo que estava
cansada e que tiraria o dia para dormir. Ele entendeu e combinamos
de marcar alguma coisa durante a semana.
Voltei para o quarto, larguei o celular em cima da cama e
peguei o tablet. Recostei-me na cama para desenhar. Fazia dias
que eu não rabiscava alguma coisa. Desenhar me ajudava a
canalizar meus sentimentos e me relaxava. Era quase terapêutico.
A campainha do celular me tirou do transe. Era Will me
ligando. Atendi sem o menor ânimo.
— Oi, Barbie Metaleira. Como foi o show?
— O show em si foi ótimo, o problema é que no final viramos
vítimas de um assalto.
— Quê? Como assim? — inquiriu, surpreso. — Onde vocês
estavam?
— Na cafeteria da Hanna, Fomos comemorar o sucesso do
evento, mas no final, quatro caras mascarados apareceram e
levaram todo o dinheiro arrecadado. Inclusive, ficamos de refém,
amarrados na cozinha…
— Alguém se machucou? — interrompeu, seu tom era de
preocupação.
— Não. Graças a Deus, não. Mas estamos torcendo para que
a polícia encontre logo os criminosos.
— Tomara que prendam esses desgraçados desalmados. —
Suspirou do outro lado da linha. — Mas sabe, pensando aqui, se
você olhar bem, isso encaixa naquilo que te falei antes. Nada me
tira da cabeça que Cindy tem culpa no cartório.
A afirmação dele me causou gastura no estômago. Ele era a
única pessoa que repetia isso e eu era única entre os meus amigos
que acreditava naquela hipótese. Pelo visto, só eu conseguia ver a
lógica naquilo tudo.
— Tomara que consigam prendê-los mesmo… — concordei.
— Mas quanto ao que você falou, bem que você podia me contar o
que sabe da vida de Cindy, preciso de algo concreto para poder
jogar na cara de Luigi ou ele nunca vai conseguir ver onde se meteu
— provoquei, esperando que ele me desse mais alguma
informação.
— Muito do que sei e tenho está preso por contrato, Kit.
Queria muito te mostrar, mas estou de mãos atadas. No entanto,
acho que no fundo, você já percebeu que a vida de vocês mudou da
água para o vinho desde que Cindy se aproximou de Luigi.
Foi a minha vez de soltar uma pesada lufada de ar. Eu
realmente achava isso, mas ainda estava relutante. Por um lado,
Cindy se mostrava uma pessoa boa quando estava com a gente.
Por outro, situações complicadas sempre aconteciam ao redor dela.
No primeiro caso, eu poderia explicar que ela estava apenas
fingindo, afinal, qualquer um pode fazer isso. Mas no segundo, eu
não conseguia ver outra explicação do que dar ouvidos às
acusações de Will.
— Mas enfim… — Suspirei. — Você me ligou, precisa de
alguma coisa? — Mudei o rumo da conversa já que ele não revelaria
nada sobre a vida da popstar.
— Não. Liguei apenas para saber como foi o evento. E
quanto ao incidente, fico feliz que, pelo menos, vocês estejam bem.
Dinheiro é algo que se recupera.
— Sim. Dinheiro se recupera. Bom, Will, se é só isso, preciso
desligar. Tenho algumas coisas a fazer. Até mais! — Encerrei a
ligação sentindo o coração agitado.
Eu estava sendo uma idiota de ficar em casa. Tinha
prometido para mim que descobriria algo relevante sobre Cindy,
mas trancafiada em meu quarto é que não seria. Então, larguei os
meus desenhos, calcei os meus coturnos e me debandei para a
cafeteria. Quem sabe, Hanna poderia revelar alguma coisa sobre
Cindy. Eu estava disposta a acompanhar todos os passos daquela
popstar e descobrir se ela realmente era culpada de tudo o que
vinha acontecendo.
Dirigi até a cafeteria, imersa em pensamentos. Coincidência
ou não, sempre que acontecia alguma coisa envolvendo Cindy, Will
também dava as caras. Não. Não. Não. Enxotei os pensamentos
absurdos da minha mente. Antes de ela aparecer, tudo corria
normal. Ele se importava com a gente. Isso só poderia ser uma
infeliz coincidência.
Estacionei em frente à cafeteria e desci do carro. As
lembranças da noite anterior me abraçaram de um jeito que senti
um nó se formar em minha garganta. Irritada novamente com o fluxo
de pensamento, entrei na loja. Dessa vez, pela porta da frente.
O aroma de café me invadiu e vaguei o olhar pelo recinto em
busca de Hanna. O salão não estava muito cheio naquele horário e
me dirigi até o balcão. Hanna veio da cozinha com uma fornada de
cookies. Assim que me viu, abriu um pequeno sorriso. Olhando-a
bem, dava para ver que o brilho e a animação dela de sempre
tinham quase desaparecido. Sem dúvidas, ainda estava abalada.
— Oi, Hanna.
— Oi, Kit. — Soltou a forma sobre o balcão e se esticou para
me cumprimentar. — Se você tivesse chegado uns cinco minutos
antes teria se encontrado com Fly. Ele acabou de sair.
— Ahhh… sem problemas. Não vim por ele mesmo. Vim para
saber como você está…
— O que eu posso dizer? — Suspirou, chateada. — Estou
muito triste por terem levado o dinheiro, mas feliz por estarmos
todos bem — declarou, com um pouco mais de otimismo.
— E Cindy? Como ela reagiu ao saber do assalto?
— Cicy ainda não sabe. — Retorceu o rosto, sentida. — Luigi
foi agora para a casa dela para dar a notícia pessoalmente, ele
passou aqui antes de ir para lá. — Ela pegou uma xícara do armário
e serviu de café.
— Mas ninguém contou nada? Nem mesmo a equipe dela
que vinha buscar o dinheiro de manhã? — perguntei, curiosa. Afinal,
até onde eu sabia, Cindy estava a par de tudo.
— Luigi, Fly e eu conversamos com a equipe nessa manhã.
Pedimos que esperassem até a tarde para dar a notícia. Não seria
certo desestabilizar Cindy no meio da gravação do programa —
declarou com pesar e me entregou a xícara de café com gentileza.
Agradeci e ela sorriu.
— Hanna, queria te pedir desculpa por ontem… — falei um
pouco sem jeito. — Saí daqui muito nervosa e nem me despedi de
você ou verifiquei como você estava.
— Imagina, Kit. Não tem que se desculpar. — Balançou a
cabeça em negação. — Cada um reage de um jeito diferente às
situações de estresse. Estávamos todos muito nervosos. Não
podemos levar em consideração nada do que dissemos ou fizemos
ontem à noite.
Talvez Hanna tivesse razão e eu não devesse levar em conta
as coisas desastrosas que aconteceram na noite anterior. Talvez,
assim como eu, Luigi tivesse sentido medo e os sentimentos dele
ficaram confusos. Talvez, ele nem quisesse ter dito ou feito nada
daquilo.
— Então Luigi foi para a casa de Cindy, certo? — Continuei o
assunto, tentando acreditar que Luigi só me beijou porque estava
nervoso.
— Isso mesmo. Luigi preferiu contar ele mesmo o que
aconteceu, e acertou com o pessoal da segurança para que não
dissessem nada e não atrapalhassem a gravação de Cindy. Mas
ficou de me avisar assim que ela soubesse de tudo. Sei que Cindy
vai desabar quando souber do assalto e eu quero estar ao lado
dela… esse evento significa muito…
Os olhos de Hanna se encheram de lágrima e fiquei intrigada.
— Pelo visto, deve ter acontecido alguma coisa séria no
passado dela. Teve algum motivo específico para ela ter criado essa
ONG? — Tentei investigar sem ser muito invasiva, apenas seguindo
o curso da conversa.
— Cindy não gosta de falar sobre o assunto, mas ela criou a
ONG depois que o ex-namorado morreu de overdose nos braços
dela.
— Meu Deus! — Cobri a boca com as mãos. — Deve ter sido
muito difícil superar… — disse mais para mim do que para ela. Ter
Luigi todo ensanguentado em meus braços, dias atrás, foi
desesperador. E olha que Luigi sobreviveu… Bem, não queria nem
pensar na possibilidade.
— Foi muito difícil e acho que ainda é. Por isso fiquei muito
feliz quando ela anunciou que estava namorando com Luigi. Ele é a
primeira pessoa de quem ela se aproxima e tem um relacionamento
desde que Tommy morreu. Isso já faz dois anos.
Engoli em seco, sentindo um misto de emoções em meu
coração. Por um lado, meu coração doía pela história de Cindy, mas
por outro, não conseguia deixar a minha desconfiança de lado.
— Você acha que o assaltante poderia ser algum fornecedor
de drogas ou alguém ligado ao ex-namorado dela? — inquiri. Queria
obter mais informações.
— O quê? Não, que absurdo. É impossível isso. — Negou
com a cabeça. — Tommy não devia nada para ninguém. Ele era
uma boa pessoa, foi uma vítima do próprio vício. E outra, se fosse
assim, teriam tentado assaltar o evento no ano anterior, mas isso
não aconteceu.
— Então não foi algo pessoal. Nesse caso, a única coisa que
podemos pensar é que foi algo premeditado, pois dava para ver que
os ladrões sabiam que o dinheiro da arrecadação ficava aqui na
cafeteria — constatei e bebi outro gole de café. Hanna assentiu com
ar inconformado.
— No entanto, poucas pessoas tinham conhecimento disso.
Apenas os funcionários da cafeteria, o empresário de Cindy e a
equipe de segurança.
— Bem, não são tão poucas pessoas assim, Hanna —
discordei. — Pense que qualquer uma delas poderia ter
compartilhado essa informação.
— Não sei, Kit. Não acredito nisso. A nossa equipe é muito
unida e comprometida com a causa. Mas… o jeito é aguardar a
polícia encontrar os criminosos e fazer justiça.
— Tem razão. — Anuí, pensativa.
Terminei de tomar café e saí da cafeteria mais pensativa do
que quando cheguei. Precisava conhecer um pouco mais sobre a
vida particular de Cindy Harper. Na internet, não havia nada além de
fofocas fúteis. Cindy tinha se tornado uma estrela pop há exatos
dois anos, o que significa que o ex-namorado nunca fez parte da
fama. Existia um marco que dividia as duas fases da vida de Cindy.
Se Will acusou Cindy de estar envolvida com coisas erradas, devia
estar se referindo ao passado dela. Pensar nisso me deixou com
uma pulga atrás da orelha.
Pelo visto, Cindy era só uma garota de coração partido
tentando recomeçar. Mas eu tinha certeza de que Luigi e ela
escondiam alguma coisa. Talvez fosse apenas essa história sobre
Tommy ou talvez fosse algo a mais. No entanto, eu não podia ficar
criando teorias, precisava de fatos. Ainda estava encasquetada com
a possibilidade de o assalto de ontem ter alguma relação com o
sequestro de Luigi. Precisava investigar mais a fundo se quisesse
obter mais respostas.
Caralho! Eu era muito foda mesmo! Tinha dado tudo certo!
Servi uma dose generosa de uísque para comemorar. Chuck
me avisou de madrugada que o assalto tinha sido um sucesso. Nem
consegui dormir, tamanha a felicidade que senti. O dinheiro me daria
fôlego com o agiota e eu poderia dobrar o saldo remanescente
numa mesa de pôquer. E era exatamente isso o que eu faria no
próximo final de semana.
Com a ansiedade me consumindo, decidi canalizar minha
energia na frente do computador. No escritório de casa, comecei a
forjar os documentos que Luigi estava exigindo. Sexta-feira seria
tanto a data limite para pagar o agiota quanto para enviar os
extratos bancários, notas fiscais e recibos dos últimos meses para o
pirralho. Não queria me indispor com nenhum deles, por isso decidi
que entregaria no dia seguinte o balanço financeiro para Luigi e a
grana para Jack. Desse jeito, na sexta-feira, poderia ir cedo para
Vegas e aproveitar os ventos da boa sorte.
Sempre fui um bom falsificador, desde os tempos de escola.
Minha mãe nunca precisou assinar uma prova com nota baixa ou
advertência. Eu fazia por ela. Sem que ela soubesse, é claro.
Adulterava o meu próprio boletim. Minha mãe ficava muito feliz
quando eu “tirava” notas altas. Eu adorava vê-la sorrir. Ela era tão
boa, não queria que se decepcionasse comigo.
Já o meu pai, sempre foi um cuzão e a fez sofrer muito.
Andava sempre bêbado e era violento, minha mãe e eu vivíamos em
um estado constante de pânico. Eu conseguia fugir das surras
porque a minha mãe se enfiava entre mim e ele. Ela apanhava
dobrado para me proteger. Aguentou isso por anos, até que um dia
consegui convencê-la a fugir para L.A. e enfim tivemos paz. Desde
então, me esforcei para dar tudo de bom e do melhor para ela, até o
seu último dia.
Mamãe trabalhou por muitos anos na casa do sr. Trevor
Wood. Foi lá que me apaixonei pelo mundo glamoroso de
Hollywood. Mas o filho da puta nunca me deu moral e nem chance
de mostrar que eu poderia ser um bom agente musical. Tudo o que
eu precisava era que ele acreditasse em mim, mas o imbecil
arrogante preferiu me ignorar. Com certeza, era por eu ser o filho da
empregada. Foi então que entendi que a vida nunca dava
oportunidades e que se eu quisesse ser alguém no mundo,
precisaria criar as minhas próprias sozinho.
Varei a noite criando documentos para enrolar aquele
roqueirinho de merda. Queria que aquela cabecinha loira fervesse
olhando números e mais números e não visse nada de errado.
Queria vê-lo se desculpar por ter desconfiado do meu trabalho.
Quando os primeiros raios de sol clarearam o escritório, eu já
tinha terminado. Bebi tanto energético que estava sem sono e
pronto para encarar o dia. No entanto, só enviaria os documentos
para Luigi no final da tarde. Queria que ele sofresse mais um pouco
com a espera.
Após um banho revigorante, dirigi até o endereço informado
por Chuck: um galpão abandonado perto do porto. O lugar era ermo
e bastante longe da sua boate. Era o seu “cafofo do crime”. Foi para
esse galpão que eles levaram Luigi para “dar um susto” nele e só
depois abandoná-lo no estacionamento daquele antro de drogas.
Estacionei, peguei minha pasta do carro e desci. Estava
ansioso para pegar o dinheiro na mão. Chuck me confirmou que
contaram a grana e o valor roubado foi de cento e noventa e três mil
dólares, dos quais, vinte por cento seria dele e dos irmãos. O ideal
seria não perder um centavo desse dinheiro, mas tudo na vida tinha
um preço e, querendo ou não, aqueles brutamontes fizeram a parte
pesada do serviço. Ainda assim, eu estava pagando mais do que
mereciam.
Em frente à porta de aço, estava John, o irmão mais novo de
Chuck. Ele parecia um armário vestido de terno. A cara fechada e
aquela tatuagem horrorosa de inseto no pescoço o deixava ainda
mais feio.
— Bom dia! — cumprimentei, animado.
— Bom dia, sr. Parker. — Deu um passo para o lado e abriu a
porta. — Meu irmão está te esperando.
Agradeci com um meneio de cabeça e entrei no galpão.
Havia muitas caixas de madeira empilhadas em paletes pelo lugar.
Era a primeira vez que me encontrava com Chuck ali.
Cruzei o corredor de caixas até o final do barracão. Havia
uma mesa encostada na parede dos fundos e sobre ela vários
maços de dinheiro. Chuck estava sentado em uma cadeira ao lado
dela, anotando alguma coisa em uma pequena agenda.
Cumprimentei e ele subiu o olhar. Colocou a caneta em cima
da orelha e guardou sua anotação no bolso do paletó. Agradeci
mentalmente pelo homem não estar atracado a um pote de frango
frito àquela hora da manhã.
— Aí está a grana. — Deu um sorriso satisfeito. — Foi mais
fácil do que tirar doce de criança.
— Excelente! — Admirei o dinheiro, um alívio tomando conta
do meu peito. — Te falei que meu plano daria certo.
— Deu sim! Mas confesso que o loirinho apaixonado deu
trabalho.
— Luigi? — Gargalhei, achando graça do comentário. —
Como assim? Sempre o achei um bundão.
— Cara, o palhaço não conseguia manter a boca fechada.
Ainda mais depois que John apontou a arma para a Pantera Cor-de-
rosa. Achei que o moleque queria levar um tiro na testa.
— Ele é petulante mesmo, mas isso é o de menos. O
importante é que conseguimos o dinheiro.
— Isso é verdade. Mas agora preciso que você confira se
está tudo certo. Aquela pilha ali é a nossa e o resto é seu, pode
contar tudo para conferir. Mas seja rápido porque tenho
compromisso.
Sentei-me na cadeira e fiz a contagem de cada maço de
dinheiro. Levei alguns minutos vendo a maquininha contabilizar
cada nota. Ao final, peguei o meu montante e o guardei na pasta.
— Foi muito bom fazer negócio com você, Will. Agora não te
devo mais nada, mas já sabe: quando precisar de qualquer serviço,
estamos às ordens!
— Muito obrigado! — Apertei a mão de Chuck. — Se a
ratinha continuar me irritando, pode ser que eu precise de seus
serviços em breve. Mas veremos.
— Será um prazer, chefe! — Chuck sorriu.
Saí do galpão, pensativo. Tinha que enviar uma mensagem
anônima para a vadia da Cindy. Ela precisava entender que estava
atrapalhando os meus negócios. Além de continuar me devendo
uma grana alta por ter roubado a minha ideia do programa e ter me
deixado na rua da amargura.
Eu já tinha dado quase um ano de sossego para ela, pois
tinha outras coisas em mente. Mas já bastava, ela me fodeu e eu
não deixaria barato, a pressionaria de todas as maneiras, uma hora
aquela garota não aguentaria mais e teria que ceder. Mas… Não era
hora de pensar nela, eu estava feliz demais para estragar o meu dia
com aquele pingo de gente.

— Tá aqui sua grana, Jack! — Joguei o envelope com o


dinheiro em cima da mesa. — E ainda, antes do prazo! —
Vangloriei-me de peito estufado. Tinha saído do galpão de Chuck e
ido direto para o escritório do agiota.
Jack estava envolto por uma névoa de fumaça, um cigarro
entre os dedos e um cinzeiro cheio de guimbas sobre a mesa de
madeira. O seu escritório ficava nos fundos de uma lavanderia.
Literalmente, ele lavava dinheiro.
O homem deu um sorrisinho da minha atitude, tragou o
cigarro e o pousou no cinzeiro. Soprou a fumaça em minha cara e
precisei abanar o ar para não sufocar. Em seguida, pegou o
envelope amarelo da mesa e o jogou para um dos seus capangas.
— Bota aí na contadora de dinheiro para ver se não tá
faltando nada.
— Aí tem a parcela que fiquei devendo e a que vence na
semana que vem. Mês de dezembro e janeiro estão pagos. —
Meneei o queixo em direção ao grandalhão que abria o envelope e
me encarava com desconfiança.
— Veremos. — Jack pegou o cigarro e tragou outra vez, sem
parar de olhar para o capanga que estava ajeitando as cédulas na
parte superior da máquina.
— Aqui tem setenta e dois mil, chefe. — O capanga
respondeu alguns segundos depois, conferindo o valor na máquina.
— São vinte mil dólares referente ao que faltou de dezembro,
cinquenta mil da parcela desse mês e dois mil referentes aos juros.
— Apressei-me em justificar a quantia.
— Certo! Mas que fique claro uma coisa: não aceito mais
atrasos. E a partir de fevereiro, preciso que me pague pelo menos,
oitentinha todos os meses.
— Caralho, Jack! Isso é quase o dobro do que pago. Ainda
não emplaquei os moleques. Preciso de prazo.
— Caguei pra você e para os seus moleques, Will. Você já
me enrolou demais. Quero pelo menos oitenta mil na minha mão
todos os meses. Tem até seis meses para quitar a sua dívida e nem
um dia a mais. Se eu não tiver toda a minha grana até 20 de julho,
você morre. Entendeu?
— Porra, Jack! Vai dificultar desse jeito? Achei que éramos
parceiros.
— Só se for nos seus sonhos, Will. Há anos empresto
dinheiro grosso e você paga mixaria. Tô cansado dessa merda.
Esses são os meus termos e não se fala mais nisso. Se você não
tem mais nenhum outro maço pra jogar aqui na mesa, tá
dispensado.
Soltei uma lufada de ar, irritado. Já estava difícil pagar
cinquenta, quem dirá oitenta por mês. Eu tinha despesas bastante
altas, meu custo de vida não era baixo. Além disso, tinha que deixar
um trocado para a banda e separar uma grana para multiplicar o
valor no casino.
— Tudo bem, Jack! Mês que vem pagarei oitenta —
concordei, contrariado com a nova política de pagamento dele. No
entanto, era isso ou a minha vida que iria para a vala.
Saí do escritório me sentindo pressionado. Minha vida estava
sendo ameaçada e eu precisava fazer mais dinheiro. A 4Legends
tinha bastante shows nos próximos dias, mas Jack ter subido o valor
de cinquenta para oitenta mil daria uma boa desestabilizada nas
minhas contas.
Antes de ir para o escritório, passei em casa para guardar o
dinheiro no cofre. Não podia ficar desfilando com aquela grana pela
cidade. Depois de liquidar a dívida com o agiota e pagar os vinte por
cento do Chuck, sobrou pouco mais de oitenta mil, e eu estava
contando com todo o valor para o final de semana.
Enquanto dirigia, mil coisas se passaram em minha cabeça.
Mas o que mais me deixava aliviado era o concurso de banda que a
4Legends participaria a partir de março. A grande final seria em
julho e havia grandes chances de eles vencerem a competição. Se
isso acontecesse, receberiam um milhão e meio de dólares e claro
que uma parte dessa grana, viria para mim. Com esse dinheiro, eu
poderia quitar toda a minha dívida com Jack e me livraria dele.
Na sequência, tentaria convencer os moleques a me
confiarem o dinheiro para investir em algum fundo. Claro que eu não
seria burro de investir em um banco, faria questão de dobrar, ou
senão, triplicar o valor do melhor jeito: apostando.
Depois de guardar o dinheiro em casa, antes do meio-dia,
parei em um restaurante em Chinatown para comer algo. Enquanto
almoçava, aproveitei o tempo para enviar um e-mail com os
relatórios para Luigi. Resolvi adiantar para me livrar daquela merda.
Além de bons restaurantes orientais, aquele bairro tinha
muitas lojinhas. Foi numa dessas que comprei um celular pré-pago.
Precisava mandar um recado para aquela rata da Cindy Harper. No
entanto, quando fui tirar a carteira do bolso para pagar, meus olhos
se prenderam no expositor de revistas ao lado do caixa.
Puta merda! Tá de brincadeira…
Peguei a revista de fofocas na mão. Luigi e Cindy dividiam a
capa com outro casal. Pelo visto, o outro garotão boa pinta era
irmão de Luigi e piloto de carro na Itália. Revirei os olhos
mentalmente. Aquele projeto de popstar estava mesmo me
desafiando. Com certeza eu teria que ser mais incisivo na
mensagem que enviaria a ela.
— Pode incluir isso também. — Coloquei a revista em cima
do balcão, sentindo vontade de esganar Cindy Harper.
Assim que a senhora cobrou a minha compra, saí da loja
pisando duro. Entrei no carro, furioso pelo namoro ter virado notícia
em uma revista de fofoca internacional. Achei que levaria mais
tempo para alcançar essa proporção, ainda mais que Cindy tinha
deixado os palcos há alguns meses para se tornar apresentadora do
programa Born to Be a Popstar que só era televisionado nos
Estados Unidos.
Eu tinha certeza de que quanto mais holofotes houvesse em
cima do casal, mais difícil seria de afastar aquela rata da vida de
Luigi. E quanto mais visibilidade a 4Legends tivesse antes do final
do concurso, maior seria a probabilidade de algum agente mal-
intencionado roubá-los de mim. Inclusive aquele ladrão do James
Carter.
Irritado com a possibilidade, desisti de ir ao escritório para
seguir direto para casa. Estava decidido a ir para Vegas naquela
tarde e enviar a mensagem para Cindy do caminho. Precisava fazer
aquele dinheiro render no casino. Apesar do que acabou de
acontecer, ainda sentia que a sorte estava do meu lado.
Pelo jeito, o assalto mexeu muito comigo. Meu sentimento
por Kit estava muito mais intenso do que antes. Senti tanto medo de
que aqueles homens a machucassem que, depois do susto, cometi
a grande merda de beijá-la. Eu sabia que era errado, ainda mais
quando ela acreditava que Cindy e eu estávamos namorando. No
entanto, o impulso foi mais forte do que pude controlar.
Foi um beijo quente e cheio de paixão. Podia jurar que havia
reciprocidade. Mas Kit me empurrou e deu um tapa na minha cara.
O tapa não doeu nada se comparado a sua revelação. Nunca
imaginei que saber que ela estava namorando com alguém seria tão
doloroso para mim. Sabia que não tinha o direito de me chatear por
ela ter colocado limites, por isso, decidi que precisava me afastar ou
sofreria ainda mais.
Quando cheguei em casa, tomei uma ducha e me deitei,
sentindo um turbilhão de coisas. Não queria ficar sozinho e eu não
tinha um mísero cigarro para me fazer companhia. Rolei na cama
até as nove da manhã, mas a impotência diante do que estava
acontecendo me deu vontade de desabafar com alguém.
Pensei em ligar para meu irmão Lorenzo e contar tudo para
ele. Éramos amigos, mas como eu diria que, da noite para o dia, o
meu paraíso tinha se convertido no inferno? Seria vergonhoso
demais. Então pensei em Lucca. Embora Lucca e Lorenzo fossem
idênticos por fora, ambos pensavam e agiam de forma bem
diferente. Lucca desafiava o mundo e, assim como eu, tinha saído
de casa em busca de provação pessoal. Talvez ele me entendesse.
Cogitei tudo isso em uma fração de segundo. Foi então que tomei a
coragem de ligar para Lucca, já passavam das seis da tarde em
Milão. Tentei várias vezes, mas caiu direto na caixa postal.
Sem conseguir suportar mais um minuto naquela cama, vesti
uma roupa e saí de casa para espairecer. Por sorte, naquela manhã,
a chuva tinha dado uma trégua e o céu perfeitamente azul voltou a
aparecer. Um belo dia para pilotar minha moto a esmo e colocar
meus pensamentos em ordem.
Passei no posto de gasolina para comprar café e cigarro. Mas
na hora de pagar, uma revista me chamou a atenção. Caralho!
“Irmãos Ferrari – Sucesso nos palcos e nas pistas.”
Eu estava na capa ao lado de Cindy. Mas isso não era tudo.
Meu irmão Lucca também estava na capa com uma garota, e não
era Elisa. Ele enfim tinha desencanado daquela maluca.
Logo abaixo da chamada principal, em letras menores estava
escrito: “Enquanto nos Estados Unidos, Luigi e Cindy são os novos
queridinhos da América, na Itália, Lucca e Georgina estão cortando
o giro pelos autódromos”.
Comecei a folhear a revista, curioso com a notícia. Dentro
havia mais fotos dele e da namorada, além das minhas com Cindy.
As fotos me fizeram sentir saudades de casa. Quem diria que eu
sentiria falta das nossas discussões idiotas, dos nossos jantares
desastrosos, do meu pai gritando alguma ofensa a plenos pulmões
e minha mãe o contrariando com seu jeitinho meigo e delicado.
Li por alto o que falavam sobre nós, mas era só uma matéria
sensacionalista que dava a entender que Cindy e eu estávamos
muito apaixonados. Adorava Cindy, mas ela estava longe de ser a
garota dos meus sonhos. Era triste saber que a garota que eu
amava estava com outro cara.
Antes de pegar a estrada, bebi meu café do lado de fora da
loja de conveniência. Enquanto fumava, tentei ligar mais algumas
vezes para Lucca. Talvez aquela revista fosse um sinal de que eu
deveria falar com ele. Quem sabe pedir uma opinião ou apenas
desabafar mesmo. Mas o celular dele devia estar desligado, outra
vez, caiu na caiu na caixa postal. Antes de guardar o aparelho,
enviei uma mensagem pedindo que me ligasse quando pudesse.
Sem ter para onde ir ou com quem falar, guardei a revista
dentro da jaqueta e fui até a cafeteria de Hanna, para saber dela e
de como estavam sendo as coisas pela manhã com a equipe de
segurança. Foi uma visita rápida, na qual reforcei que era melhor
deixar para dar a notícia para Cindy após a gravação do programa.
Depois de lá, fui direto para a casa de Cindy. Sabia que ela
não estava, mas queria dar pessoalmente a notícia do assalto.
Enquanto ela estivesse no estúdio de gravação, era melhor mantê-la
no escuro e não atrapalhar sua concentração. Tinha certeza de que
ficaria muito triste, aquela ONG significava muito para ela.
O motorista, que estava limpando o carro, abriu o portão
assim que me viu embicar a moto em frente à mansão. Estacionei
em frente ao pórtico da majestosa casa e desci.
— Bom dia, Joseph!
— Bom dia! — cumprimentou, enquanto enxugava as mãos
em um pano. — A senhorita Harper não voltou ainda do estúdio, a
gravação termina às 14h. Sairei para buscá-la daqui a uma hora —
contou, caminhando em minha direção.
— Sem problemas, amigão. Será que eu poderia ir buscá-la
com você?
— Claro. Pode sim. — Assentiu com um sorriso. — Mas
enquanto isso, o senhor pode esperar na sala. — Ele deixou o pano
sobre o capô do carro e me acompanhou até a porta de entrada.
Em seguida, a governanta, uma senhora muito solícita, me
recebeu no hall e me acompanhou até o sofá. Abri a jaqueta de
couro, tirei a revista e a deixei sobre a mesinha de centro. Sentei-me
e peguei o celular do bolso para me distrair, mas uma notificação de
e-mail apareceu na tela. Cheguei a ficar de pé quando vi o nome do
remetente: Will. Assunto: Balancetes. Não é que o filha da puta
enviou mesmo? Achei que quando chegasse a sexta-feira, ele daria
uma desculpinha qualquer, mas não, o salafrário cumpriu com o
combinado e até enviou antes.
Abri o primeiro anexo do e-mail. Mas ver aqueles números
minúsculos no celular foi deprimente. A tabela ficou bem pequena e
a cada zoom, me perdia na planilha. Nessas horas, Lorenzo seria
melhor perito do que eu. Como diretor financeiro da construtora,
manjava desse tipo de relatórios como ninguém.
Enquanto eu brigava com o zoom do celular, o rosto de Lucca
preencheu a tela do iPhone. Era uma chamada por vídeo. Com
certeza estava retornando à ligação, ou melhor, as milhares de
ligações e a mensagem que deixei em sua caixa postal. Era a minha
oportunidade de confidenciar o drama que eu estava vivendo nos
últimos dias.
— Fala, mano! — ele cumprimentou todo sorridente quando
atendi.
— E aí, irmão? Como você está? — Sorri ao vê-lo. A
saudade bateu forte naquele momento.
— Estou bem e você? Como estão as coisas na Califórnia?
Confesso que nunca imaginei que algum dia dividiríamos uma capa
de revista — falou com diversão e eu ri.
— Quem diria, né? — Levantei-me do sofá e me dirigi até a
sala de visitas. Um cantinho mais reservado para que eu pudesse
contar as merdas da minha vida.
— Você se meteu em briga? — Apertou os olhos para me
analisar, assim que me sentei na poltrona e aproximei o celular do
rosto para me ajeitar. O corte na maçã do rosto pela surra ainda era
visível sem maquiagem e o soco que levei no assalto não ajudou.
— Ah, isso? — Passei a mão no machucado e balancei a
cabeça, fazendo pouco caso. — Briguei com a porta — Menti
descaradamente.
Eu queria contar tudo para ele, mas a minha história não
podia começar da surra que levei. Precisava contextualizar várias
coisas antes de falar sobre isso. Então tratei de mudar o foco da
conversa para ele.
— Então quer dizer que está namorando a filha do seu chefe.
Não sabe como fiquei feliz em saber que você não está mais com
Elisa.
— Elisa foi uma pessoa que amei até demais, mas a gente
não deu certo. E nunca dará.
O desabafo pareceu uma triste constatação. Lucca emendou
a frase dizendo que precisava desabafar. Pelo visto, ele também
necessitava de um ombro amigo. O jeito era a gente se apoiar um
no outro e se ajudar.
No entanto, Lucca soltou uma bomba atrás da outra. Primeiro
contou que Elisa, a ex-noiva de Lorenzo e ex-qualquer-coisa dele,
estava grávida e que ele era o pai. Que a louca o ameaçou dizendo
que se Lucca não ficasse com ela, ele não seria “pai” da criança.
Fiquei surpreso com o atrevimento daquela mulher. Ela já tinha
usado a gravidez para aterrorizar meus irmãos no ano passado,
mas usar duas vezes o mesmo artifício, passava de todos os limites
aceitáveis.
Mal tinha digerido o assunto e meu irmão soltou mais uma
bomba: contou que o namoro dele com Georgina era de mentira.
Por um instante, tive vontade de rir, mas não de alegria, de nervoso.
Como será que ele reagiria se soubesse que Cindy e eu também
não éramos um casal de verdade? Mas a história de Lucca só
piorava. Quando ele contou que Elisa estava internada e que
ninguém sabia o que ela tinha, e ainda me fez prometer que não
contaria nada para nossa família, é que desisti de compartilhar os
meus problemas. Lucca parecia aflito e estava soterrado de
mentiras e omissões.
Meu irmão estava vivendo uma fase bem complicada. Ele
estava lidando com uma ex-mulher que queria o privar da
paternidade, com um namoro de mentira e com o problema de
saúde de Elisa. Então, quando ele me perguntou o motivo de eu ter
ligado doze vezes, desconversei e voltei para o assunto da revista.
Eu não gostava de Elisa, mas saúde era um tema muito mais
importante do que meus problemas com dinheiro.
Nunca fui bom nesse negócio de mentiras, então não
consegui esconder o desconforto. A minha sorte foi que a
namorada, ou melhor, a noiva italiana dele apareceu na conversa e
a tensão se dissipou. Cumprimentei Georgina em italiano e me
esforcei para desenferrujar o idioma que há tempos não praticava.
Georgina pareceu uma garota muito legal. Em nossa curta
conversa, tive a sensação de que ela era a garota certa para Lucca.
Era divertida, brincalhona e amistosa. Era de alguém como ela que
Lucca precisava. Sem contar a conexão que os dois tinham. Com
certeza, eles eram um casal de verdade, mas ainda não sabiam.
Conversamos por mais alguns minutos e encerramos a
ligação. Fitei o teto, desolado. Assim como eu, Lucca também tinha
problemas que precisava resolver, não era justo que eu o
envolvesse nos meus e esperasse por ajuda. Eu teria que suportar
essa pressão por mais alguns dias. Sentindo-me ansioso, fui para o
lado de fora da casa. Tirei a carteira de cigarro do bolso e acendi
um. Sentei-me recostado na coluna do pórtico e me perdi em
pensamentos.
— Senhor Ferrari? — A voz de Joseph me tirou do transe.
— Oi. — Levantei-me, agitado, e forcei um sorriso.
— Estou indo buscar a srta. Harper. Quer ir junto?
Assenti e entrei no carro, me sentando no banco de trás do
GMC. Na frente, estavam o motorista e o segurança que há dias
acompanhava Joseph para cima e para baixo. Voltei a mexer no
celular para me distrair. Estava sendo foda administrar todas
aquelas merdas sozinho. Mas não tinha muito para onde correr.
Sem ter Kit para compartilhar o que me afligia, a carga ficava mais
pesada.
Entramos no estacionamento do estúdio da emissora de TV e
Joseph estacionou em frente à porta dos fundos. Desci do carro e
me recostei na lataria. Acendi um cigarro para esperar Cindy. Nunca
fumei tanto em minha vida. Nem eu estava me reconhecendo. O
segurança também desceu, mas ficou de prontidão na porta, à
espera de Cindy.
Cinco minutos depois, ela apareceu. Cindy parecia muito
cansada. Mas sua expressão mudou assim que me viu.
— Oi! Que surpresa! — Abraçou-me com carinho. — Juro
que não imaginava te encontrar aqui. — Afastou-se para me
encarar. Ela estava sorrindo, mas não consegui fazer o mesmo. —
Aconteceu alguma coisa, Luigi? Você está com uma cara estranha e
esse machucado? — Não havia mais vestígio de alegria em seu
rosto.
— Vamos entrar no carro e conversamos no caminho. —
Meneei a cabeça e abri a porta.
— O que foi? — perguntou, apreensiva, quando me sentei ao
seu lado.
Soltei um pesado suspiro e comecei a contar tudo o que tinha
acontecido na noite anterior, depois que ela foi embora da cafeteria.
Cindy não conseguiu conter as lágrimas.
— Como estão todos? — perguntou num fiapo de voz.
— Estão bem, Cindy. Como eu disse, ninguém se feriu. Os
assaltantes só levaram o dinheiro. — O alívio e a tristeza se
misturavam dentro de mim.
— E os seguranças? Eles não fizeram nada? — Tinha o rosto
retorcido de tristeza.
— Eles também foram rendidos.
— Karl, Joseph — ela chamou o segurança e o motorista. —
Vocês sabiam disso?
— Sim, senhorita — Karl respondeu. — Fiquei sabendo hoje
pela manhã na troca de turno. Mas meu chefe pediu que não
comentasse o assunto até que ele conversasse com você.
— E você, Joseph? — Cindy perguntou, a voz amargurada.
— Também escondeu isso de mim?
— Fiquei sabendo do assalto pelo Karl nessa manhã. Me
desculpa srta. Harper — respondeu, enquanto estacionava em
frente à mansão.
— Por que ninguém me contou nada antes? — Fungou,
injuriada por ser a última a saber.
— Porque nem você e nem ninguém teria como resolver o
problema, Cindy — respondi, resoluto. — Me diz, o que você teria
feito? Abandonaria a gravação do programa para procurar os
assaltantes? Ter contado antes só foderia com a sua rotina.
— Minha nossa, Hanna deve estar arrasada… — Mais
lágrimas voltaram a escorrer dos olhos dela.
— Acho que todo mundo ficou arrasado. Mas o que nos resta
é deixar a polícia procurar os filhos da puta que fizeram isso.
— Mas é tão injusto… — Enxugou as lágrimas com os dedos.
— Todos se esforçaram muito. Foram dias de trabalho árduo.
— Também acho injusto. Estou puto com tudo o que
aconteceu. — Descemos do carro e entramos na casa dela. — Juro
que ainda não consigo acreditar.
Parei de caminhar, mil coisas se passando em minha cabeça.
De repente, me veio uma ideia.
— Cindy! — chamei e ela se virou para me encarar. — Pode
até parecer loucura o que vou perguntar. Mas você acha que Will
poderia estar envolvido nesse roubo? — Verbalizar a minha
desconfiança fez meu estômago se contorcer.
— Por que você pensa que ele poderia estar envolvido? —
inquiriu, parecendo considerar a possibilidade.
— Não sei. Comecei a lembrar de alguns detalhes do meu
sequestro e me veio essa ideia. Falo isso pois um dos assaltantes
tinha uma tatuagem no pescoço igual a um dos caras que me
sequestrou. É só uma teoria, nada concreto.
— Claro, Luigi! É isso! Faz todo o sentido. — Cindy largou a
bolsa sobre o sofá e fitou o horizonte. — Acho que você pode ter
matado a charada. — Anuiu com a cabeça. — Sabemos que Will
não nos quer juntos. Ele está fazendo de tudo para nos separar —
falou, enquanto caminhava pela sala.
— Pode até ser. Mas ainda não quero me adiantar. Porque
assaltos não fazem o estilo de Will — contrapus.
— Você que pensa. Will é um verme. Ele é capaz de tudo
para conseguir o que quer. E por isso temos que entregar para o
contador os relatórios financeiros quando ele te enviar. Precisamos
colocar esse bandido na cadeia.
— Por falar nisso, ele já enviou. Recebi os arquivos agora a
pouco.
— Ótimo! Então vou mandar uma mensagem para o contador
e marcar uma reunião para amanhã de manhã sem falta.
— Se ele estiver por trás de tudo isso, quero que ele
apodreça atrás das grades — concluí, dizendo mais para mim do
que para ela.
— Desejo isso e… — Cindy começou a falar, mas se
interrompeu quando viu a revista sobre a mesinha de centro. —
Espera, é a gente na revista? — Ela pegou e analisou a capa. —
Esse é seu irmão? — Virou a capa para que eu a visse e me
encarou.
— Sim. — Assenti e mordi o cantinho do lábio. — É o Lucca.
— Não sabia que você tinha um irmão mais velho. — Voltou a
folhear a revista.
— Na verdade, tenho dois: Lucca e Lorenzo. Eles são
gêmeos.
— Deve ser bom ter irmãos. Sou filha única. — Abriu a
revista bem na página da nossa matéria. — A namorada do seu
irmão é muito linda.
— Se ela for uma pessoa legal e o fizer feliz, tá valendo.
Cindy deu um sorriso para mim, fechou a revista e a largou
sobre a mesinha outra vez.
— Mas mudando de assunto, tenho uma coisa para te contar.
— Sente-se aqui… — Bateu a mão no sofá, sentando-se. — Você
não vai acreditar em quem eu encontrei no estúdio.
— Quem você encontrou? — Sentei-me ao lado dela.
— O sr. Trevor Wood.
— Sério. E aí? — perguntei, esperançoso.
— Bom, ele veio me falar que ficou surpreso por eu ter
recusado o convite de apresentar o concurso de bandas, mas aí
expliquei que a 4Legends participaria e que seria conflito de
interesse se eu aceitasse.
— Pois é, ainda fico muito mal com o sacrifício que você está
fazendo.
— Fiz o que achei certo e não me arrependo. O sr. Wood
também ficou surpreso com a minha decisão. Então pedi para ele
receber vocês no escritório, mas ele disse que se vocês fossem
realmente tão incríveis como eu afirmava que eram, vocês
venceriam o programa… Enfim, ele não deu espaço para que eu
pudesse insistir. Estava apressado e deixou claro que só os
contrataria se a banda vencesse. Mas pelo menos agora ele sabe
de vocês e tenho certeza de que não terá ninguém melhor do que a
4Legends na competição.
— Daremos o nosso melhor. — Tentei parecer otimista.
A resposta de Cindy não era bem a que eu queria ouvir, mas
respeitava a posição do sr. Wood. Ele estava investindo em um
programa para achar um talento, não ficaria dedicando o tempo dele
para escutar bandas que estivessem fora do concurso.
— Acredito na 4Legends. Vocês vão ganhar. Você vai ver.
— Tomara. — Assenti, pensativo. — Mas chega de papo. —
Apoiei as mãos nos joelhos e me levantei. — Acho que você deve
estar exausta e com fome. Quer que eu peça para a cozinheira
preparar algo? — Estendi a mão para que ela também se
levantasse.
— Sim, estou morrendo de fome! — segurou minha mão e se
levantou. — Muito obrigada por ser tão querido comigo.
— Não precisa agradecer. — Balancei a cabeça em negação.
— A propósito, acho bom você ligar para Hanna e tranquilizá-la.
Prometi que você ligaria depois que soubesse do assalto.
— Sim. Preciso fazer isso. — Ela pegou o celular de dentro
da bolsa e fitou a tela. — Meu Deus. Tem milhares de mensagens
não respondidas. — Continuou olhando para a tela. Num piscar de
olhos, o seu rosto empalideceu e seus olhos se encheram de
lágrimas.
— Cindy? O que foi? — Toquei seu braço para que ela me
encarasse.
— Olha… — Entregou o celular com a mão tremendo. O
pânico agarrado ao seu rosto.
Peguei o aparelho, apreensivo. A mensagem era de um
telefone desconhecido e dizia assim: “Vou acabar com você. Estou
cada vez mais perto de conseguir.”
— Com certeza Will está envolvido no assalto — grunhi,
irritado, e devolvi o celular. — Aquele filho da puta imundo… —
Passei a mão pelos cabelos, tentando aplacar a raiva.
— E agora, o que você acha que devíamos fazer, Luigi?
— Agora… Agora temos que terminar a porra que
começamos. Se não entregarmos todas as provas de que Will é um
bandido para a polícia, essa mensagem anônima será apenas mais
uma prova sem fundamento junto ao inquérito policial do assalto de
ontem. O que não vai nos ajudar em nada.
— Ainda não entendo como ele conseguiu render os
seguranças… — Ela voltou a sentar-se, parecendo devastada com
a ameaça.
— Você mesma disse que ele é um verme capaz de tudo, a
galera que fez o assalto era profissional e veio preparada.
Infelizmente, por enquanto, não há nada que possamos fazer
quanto a isso. Mas se estiver disposta a seguir com o plano, é bom
marcar uma reunião com o responsável pela Security Prime e
reforçar a segurança — declarei e nossos olhos se encontraram, e
mais lágrimas brotaram dos dela.
— Ai, Luigi… Desculpa… — Cobriu o rosto com as mãos. —
Isso tudo é por minha culpa.
— Ei…— Voltei a me sentar ao lado dela. — Você não tem
motivo para se desculpar, Cindy. Olhe para mim — pedi e ela tirou
as mãos do rosto. — Você é uma vítima, assim como a banda. Nada
disso é culpa sua, tá legal?
— M-mas, se você nunca tivesse me conhecido, não estaria
passando por nada disso. — Apertou os lábios em uma linha fina.
— Se eu não tivesse te conhecido, tudo estaria muito pior. A
banda continuaria sendo enganada por esse crápula ou talvez até
tivesse voltado para o Brasil. Estaríamos sem grana e frustrados.
Então, por favor, Cindy, não se culpe.
— Estou com medo — declarou e me abraçou com força.
— Não fique! Vamos vencer essa batalha. — Afaguei suas
costas e me afastei para encará-la.
Ela anuiu, pesarosa.
— Luigi, você se importaria de passar a noite aqui em casa?
— Retorceu o rosto, visivelmente sem jeito. — O quarto de
hóspedes ainda é seu…
— Tudo bem. — Forcei um sorriso. — Só não chora. —
Enxuguei suas lágrimas com os polegares. — Vamos fazer assim,
enquanto você toma banho, irei até a cozinha e pedirei para
prepararem um lanche pra nós dois. Pode ser? — Cindy assentiu
com um meneio e nos levantamos outra vez.
Acompanhei-a até o pé da escada e assim que ela subiu,
passei pela cozinha, falei com a governanta e me debandei para
fora da casa. Eu me sentia sufocado e precisava fumar. Meu nível
de estresse e tensão estavam nas alturas. Aquela ameaça deixava
claro que Will era o responsável e isso me revoltava. Ele não era
apenas um criminoso que enganava artistas. Era um monstro capaz
de crimes muito piores.
Em dois dias, a banda voltaria para a estrada e não
estaríamos em Los Angeles nas próximas semanas. Estava
chateado por não poder me dedicar à investigação, mas estava
muito confiante no trabalho do contador de Cindy. Afinal, dificilmente
eu conseguiria analisar algo durante a turnê.
Meia hora depois, Cindy apareceu na varanda e fomos para a
cozinha. Lanchamos em um confortável silêncio. Eu estava
precisando me alimentar, não comia desde a noite anterior.
— Você gostaria de assistir o ensaio da banda amanhã à
tarde? — convidei, assim que engoli o último pedaço do sanduíche
e sorvi um generoso gole de Coca-Cola.
— Nossa! Vou amar! — disse com animação.
— Combinado! Então de manhã, vamos ao contador, depois
almoçamos em algum lugar e na volta vamos para minha casa. —
Confirmei o itinerário e ela assentiu com um sorriso.
Sabia que Cindy estava com medo. Ela tentava não
demonstrar o tempo todo, mas sempre que me pedia para ficar com
ela era porque estava apavorada. Acalmá-la e protegê-la era o meu
jeito de retribuir tudo o que ela vinha fazendo por mim e pela banda.
Depois do lanche, conversamos um pouco na sala e cada um
foi para o seu quarto. Assim que entrei no meu, peguei o celular do
bolso e mandei uma mensagem para Nick, perguntando se estavam
todos bem e avisando que passaria a noite com Cindy. Era o meu
jeito de saber de Kit, mas sem me aproximar.
Por sorte, Nick respondeu no mesmo instante dizendo que
estava tudo bem e agradeceu por eu ter avisado de que passaria a
noite fora. Nick aproveitou para me lembrar do nosso último ensaio
antes do show. Algo do qual jamais me esqueceria, mas o agradeci
mesmo assim.
Depois do banho, deitado na cama do quarto de hóspedes,
me flagrei pensando: não via a hora de “terminar” o namoro com
Cindy e voltar para a vida de solteiro. Mentira, o que eu mais queria
era Kit. Relações fúteis já não mais me distraíam. Eu era mesmo a
porra de um fodido.
— Alguém sabe se Luigi vai vir para o ensaio? — perguntei
para Nick e Fly, enquanto afinava o baixo.
— Ele deve estar chegando, Kit. — Nick respondeu,
dedilhando alguns acordes na guitarra. — Ontem ele avisou que
passaria a noite fora, mas que estaria aqui para o ensaio. Que horas
são?
— São 13h23min — Fly respondeu. Ele estava sentado no
sofá da sala de música, rodopiando a baqueta entre os dedos.
— Nossos ensaios sempre começam às 13h30. Espero que
ele não se atrase. — Suspirei, preocupada que Luigi tivesse
mudando tanto que até ignorasse os compromissos.
— Vamos aguardar. Luigi já vai chegar — Nick disse,
convicto.
Guardei o baixo no suporte, peguei o tablet e me recostei na
parede para repassar a ordem das músicas do show. Mas minha
mente se perdeu em pensamentos. Tínhamos passado por um
assalto terrível, o medo e a insegurança ainda estavam presentes.
Além do trauma, precisaria lidar com o incidente com Luigi. Ainda
podia sentir o sabor do seu beijo em minha boca. Era difícil de
aceitar, mas aquela noite com certeza ficará para sempre em minha
memória.
Luigi não tinha dormido em casa, mas, no fim, foi melhor
assim. Engraçado que até pouco tempo atrás, a gente acreditava
que se cada um estivesse namorando, continuaríamos melhores
amigos. Mas, pelo jeito, as separações eram inevitáveis. Era só uma
questão de tempo e oportunidade.
— E aí, galera! — A voz de Luigi me tirou do transe e me
empertiguei, voltando a prestar atenção no tablet, sem fazer contato
visual com ele.
— Oi! — A voz de Cindy me fez congelar e engolir em seco.
Sério que Luigi tinha trazido a namorada para o ensaio?
Como eu conseguiria encarar aquela garota depois de ter sido
beijada pelo namorado dela menos de 48h atrás?
— Boa tarde — respondi, os olhos fixos no tablet sem reter
nenhuma informação. Estava morrendo de vergonha.
Os meninos responderam com um pouco mais de entusiasmo
do que eu.
— Vamos começar? — Luigi anunciou e pegou a guitarra do
suporte.
Assisti tudo pelo canto do olho. Fly se levantou do sofá e
seguiu para o seu posto, atrás da bateria.
— Sente-se aí, querida! — Luigi falou para a namorada.
Querida?
Pronto! Ele tinha acabado de conseguir me fazer subir o olhar
e encará-lo com perplexidade. Nunca o vi chamar ninguém de
querida. Ele parecia um velho de noventa anos.
Luigi meneou o queixo em direção ao sofá e Cindy sorriu,
toda felizinha. Soltei um suspiro mental e desviei o olhar para o
tablet outra vez.
— Vamos seguir a ordem das músicas do último ensaio —
declarei e deixei o Ipad no balcão.
Assim que peguei o baixo, Luigi, que já estava na frente do
microfone, olhou brevemente para mim e depois para Fly. Com um
movimento de cabeça, autorizou o início do ensaio. Fly bateu com
as baquetas e o som do rock pesado invadiu a sala.
Depois da terceira música, já me sentia mais à vontade. Em
alguns momentos, notei que Cindy olhava para Nick e não para
Luigi. Já tinha sacado que Nick estava a fim dela, mas aquela troca
de olhar, mesmo que discreta, me deixou cismada. Será que havia
reciprocidade? Enxotei os pensamentos da minha cabeça para bem
longe. Nos últimos dias, eu andava tendo algumas ideias estranhas.
Voltei a prestar atenção na letra no exato momento em que
Nick e eu fizemos a segunda voz. Aquele trecho da Give Me a Sign
do Breaking Benjamin era como um pedido desesperado de ajuda
para alguém que estava perdido e precisava de um mísero sinal.
Será que Luigi se sentia assim?
Just give me a sign
(Só me dê um sinal)
There's something buried in the words
(Há algo enterrado nestas palavras)
Give me a sign
(Me dê um sinal)
Your tears are adding to the flood
(Suas lágrimas estão adicionadas à inundação)
Forever and ever
(Para sempre e sempre)
The scars will remains
(As cicatrizes permanecerão)
Tentei não pensar mais e me concentrei apenas em tocar. Se
cada palavra que Luigi cantasse, eu entendesse como uma
mensagem subliminar, enlouqueceria. Sua voz rasgada e carregada
de emoção, levava qualquer um à reflexão, então eu tinha que me
conter.
Precisava encarar a presença de Cindy como uma
oportunidade e não como uma ameaça. Já tinha conseguido
algumas informações sobre ela com Hanna. Estava na hora de ouvir
dela qualquer coisa que me ajudasse a montar o quebra-cabeça.
Quem sabe ela deixasse escapar alguma informação que revelasse
a verdade e eu pudesse colocá-la contra a parede, e enfim descobrir
o que ela e Luigi tanto escondiam.
Quando chegou o momento de tocar a música Iris, Luigi se
virou para trás.
— Gostaria de trocar a música Iris por uma das nossas —
pediu, olhando para Nick e Fly.
— Mas por que, cara? A música foi um sucesso no evento
beneficente — Nick questionou com a testa franzida.
— Porque precisamos tocar mais músicas autorais, não
podemos ser conhecidos como apenas uma banda de cover —
esclareci e Fly apoiou.
Embora eles não soubessem a verdadeira razão da
mudança, eu sabia. Ele não queria se lembrar do beijo e nem de
que tinha cagado com a nossa amizade horas atrás. Devia ter se
arrependido e o melhor jeito era tirar aquela porcaria de música do
repertório.
— Concordo! — Ergui o queixo de modo desafiador e Luigi
me encarou. — Acho que precisamos mostrar mais do nosso
material.
Seus olhos permaneceram presos aos meus e um pequeno
sorriso curvou os seus lábios.
— Isso! Que tal a Leap of Faith? — Anuiu, sem deixar de me
olhar.
— Por mim, tudo bem. Essa música é tão “mela-cueca”
quanto Iris. — Nick deu de ombros.
— Sim, mas pelo menos é nossa — justifiquei, sem dizer
muito.
— Que seja! — Fly bateu com as baquetas no prato. —
Podemos alternar essa penúltima música em todos os shows, assim
criaríamos uma expectativa no público.
— Que ideia top! — Cindy se intrometeu no assunto e Fly
inflou o peito com ar orgulhoso.
Mas, dessa vez, eu não podia discordar dela, a ideia era boa.
Tínhamos muitas músicas no repertório e deixar a penúltima como
coringa seria algo diferente.
— Fechou! — concordei. — Então vamos terminar o ensaio
de uma vez. Tenho que mostrar uma coisa para Cindy e estou
ficando angustiada com essa enrolação.
Todos me olharam surpresos, segurando um risinho.
— Uhhh, Kit tem que mostrar uma coisa pra Cindy, uhh não
tá aguentando esperar — Fly cantarolou, se remexendo.
— Puta merda, né? A turma do fundão não sai de você, hein!
Gente, só quero mostrar o desenho de uma tatuagem. — Fingi
pouco caso.
— Jura?!— Cindy abriu um amplo sorriso.
— Aham. — Assenti. — Mas só depois de terminar o ensaio,
e seu namorado nos liberar.
Luigi revirou os olhos e trocou a guitarra pelo violão. Nick
continuou com a guitarra. Luigi se postou em frente ao microfone e
começou a tocar. Tinha uma introdução dele antes dos outros
instrumentos entrarem. Tive que fazer um esforço sobrenatural para
ignorar a letra daquela música que, outra vez, parecia um recado,
ainda mais porque tínhamos composto a melodia e letra juntos. Era
como se ele me dissesse para ter fé, me entregar e confiar por
completo nele.
Quando enfim terminamos o ensaio, deixamos a sala de som
e voltamos para a sala de estar. Fly se despediu e saiu para visitar
Hanna na cafeteria, Nick anunciou que sairia para treinar e Luigi
pegou uma garrafa de uísque do bar, dedicando um olhar para mim
e Cindy.
— Querida, estarei no quarto. Se precisar de qualquer coisa,
estarei lá. — Deu uma piscadinha e ergueu a garrafa.
— Logo subo! — Cindy respondeu, sorrindo em resposta e
Luigi subiu as escadas.
Precisei me esforçar para não demonstrar o desconforto que
senti naquele momento.
— Não acredito que você se lembrou de que eu queria fazer
uma tatuagem! — Cindy falou, animada, me fazendo retesar.
— Jamais me esqueceria! — Forcei um sorriso. — Tenho
alguns desenhos aqui no tablet que você poderia gostar.
Convidei-a para se sentar ao meu lado e comecei a mostrar
as minhas artes.
— Olha essas flores aqui. — Ela apontou para o desenho. —
São lindas!
— Essas flores ficarão lindas em seu braço, mas precisarei
de pelo menos umas duas horas para tatuar e mais algum tempo
para desenhar o decalque.
— Bom… — Ela deu de ombros. — Não tenho nada
agendado para hoje, então, se você tiver tempo e vontade, estou
disponível. — Cindy sorriu radiante.
— Perfeito! Vou buscar as minhas coisas. Volto em um
minuto.
Deixei Cindy na sala e fui em busca dos meus apetrechos de
tatuagem no meu quarto. Segui pelo corredor e parei em frente ao
quarto de Luigi, a porta estava aberta. Pude vê-lo parado na
varanda, de costas para mim, fitando o horizonte. Em uma mão,
segurava a garrafa de uísque e na outra um cigarro.
Eu o conhecia, ele não estava bem. Merda! Mas eu não
deveria ficar pensando nele o tempo todo. Voltei a caminhar
apressada para o meu quarto. Em um minuto, peguei tudo o que
precisava e voltei para o andar de baixo. Dessa vez, ignorando o
quarto de Luigi.
— Prontinho! — falei, quando desci o último degrau. — É
melhor irmos para a cozinha. Além de eu precisar da mesa para
desenhar, terei que esterilizar um espaço para fazer a tatuagem.
— Claro! — Cindy me seguiu. — Kit, posso te fazer uma
pergunta? — Olhou para as coisas que eu colocava sobre a mesa
da cozinha.
— Pode. — Encarei-a, curiosa.
— Notei que você não tem nenhuma tatuagem. Pelo menos,
não aparente. Você nunca quis fazer nenhum desenho na pele?
Abri um sorriso e balancei a cabeça em negação, eu já
estava até acostumada a responder a essa pergunta. Afinal, era raro
encontrar uma tatuadora sem tatuagens.
— Sabe, Cindy, cada pessoa tem uma razão para fazer uma
tatuagem. Alguns desenham por desenhar, outros para homenagear
alguém, outros para eternizar alguma pessoa, animal ou momento
da vida específico. Enfim… — Voltei a mexer nas minhas coisas,
separando a tinta e a maquininha. — Eu só ainda não encontrei algo
que quisesse deixar marcado em meu corpo. O dia em que eu tatuar
alguma coisa na pele, será algo muito valioso e importante para
mim. Algo que o tempo será incapaz de tornar efêmero.
— Uau! Que profundo, Kit. — Cindy suspirou e subi o olhar.
— Humm, isso me fez pensar. Será que posso mudar o desenho?
— Não quer mais as flores? — Tombei a cabeça de lado,
surpresa pela mudança repentina.
— Tive uma ideia — declarou e começou a contar o que tinha
em mente.
Cindy decidiu que queria tatuar algo importante da sua vida.
Um símbolo para lembrar para sempre de uma pessoa que ela
amou muito, mas que não estava mais aqui. Ela não deu nomes aos
bois, mas me lembrei da história que Hanna tinha contado para mim
na cafeteria.
No tablet, fui rabiscando o que ela pedia. O desenho era
peculiar e minimalista, bem diferente das flores que ela tinha
escolhido. Enquanto desenhava, tentava pescar alguma informação,
mas Cindy não deu muito espaço para invadir o seu mundo. Quando
perguntei o motivo de Luigi ter chegado tão em cima do horário no
ensaio daquela tarde, ela justificou dizendo que foi por culpa dela.
Luigi tinha a acompanhado até o contador. Achei estranho, mas
estava concentrada e preferi não insistir.
A tatuagem que ela escolheu era pequena e a fiz em menos
de quarenta minutos. Cindy quis a arte na parte interna do braço,
queria que fosse só para ela. No processo, ela nem pareceu sentir
dor, apenas fazia algumas caretas nas partes mais sensíveis.
Precisava admitir, ela era forte.
— Nossa, Kit! Ficou linda… Muito obrigada! — Os olhos de
Cindy se encheram de lágrimas assim que finalizei o trabalho.
— Ficou mesmo — concordei, pensativa. Era uma frase
intensa e o desenho completamente relacionado à música. Fiquei
muito feliz com o resultado.
Ela se levantou da cadeira da cozinha e me abraçou,
agradecida, mas se desvencilhou quando o celular dela começou a
tocar. Cindy enxugou as lágrimas que teimaram cair e atendeu. A
ligação durou menos de um minuto.
— Kit, preciso ir embora. Meu empresário acabou de avisar
que marcou uma reunião de última hora. Tenho que ir para escritório
dele agora.
— Tudo bem. Sem problemas. Pelo menos, deu tempo de
terminar. — Tirei as luvas descartáveis e as coloquei sobre a mesa.
— Deixe-me colocar um adesivo plástico sobre a tatuagem para
proteger. — Cortei um pedaço pequeno apenas para cobrir o
desenho.
Enquanto a acompanhava até a porta, dei as instruções de
como cuidar da tatuagem nos próximos dias. Cindy agradeceu pela
milésima vez e até pediu que eu cobrasse pelo trabalho, mas
desenhar era o meu lazer. Quando morava no Brasil, eu tinha um
estúdio de tatuagem em sociedade com Nessa, e claro, cobrava por
meu trabalho, mas cobrar da namorada do meu amigo, não fazia o
menor sentido.
Antes de ir, Cindy pediu que eu avisasse a Luigi que ela
precisou sair às pressas. Disse que mais tarde ligaria para ele. Ela
foi embora perto das 18h e já estava escuro. Nick ainda não tinha
voltado da academia, do contrário, eu o teria visto. Sempre que
retornava do treino, ia até a cozinha para tomar whey protein. Fly
também não tinha voltado. Ele era o mais barulhento, então eu
saberia. Já Luigi, bom, Luigi não tinha dado as caras desde que foi
para o quarto.
Subi as escadas, ainda pensando na frase que tinha acabado
de tatuar. Mas antes de ir para o meu quarto, parei em frente ao de
Luigi para dar o recado da namorada.
— Kit! — Luigi chamou assim que me viu.
Ele estava recostado na cabeceira da cama e tinha a garrafa
de uísque na mão, visivelmente embriagado. Nem sequer tinha
trocado de roupa, continuava com calça jeans e camiseta preta,
nem tirou os coturnos para se deitar. Entrei no quarto e larguei
minhas coisas na cômoda que havia próxima à porta.
— Sério mesmo que você bebeu mais de meia garrafa de
uísque sozinho? — Aproximei-me e cruzei os braços em frente ao
peito, sem acreditar no que estava vendo.
— Se quiser beber comigo, divido o que sobrou. — Agitou a
garrafa. — Você é minha melhor amiga — disse com a fala
arrastada e frouxa. Em seguida, sorveu um gole de uísque no
gargalo. — Sente-se aqui comigo. — Bateu com a mão na cama.
Soltei um pesado suspiro e me sentei ao seu lado. Confesso
que era difícil ignorar o que tinha rolado dois dias atrás e fazer o que
ele pedia, mas juntei todas as forças que tinha e me forcei a ficar
controlada.
— Você é minha melhor amiga? — perguntou, fitando os
meus olhos.
— Luigi, me dá essa garrafa — pedi, me esticando para tirá-
la dele.
Ele ergueu o braço e me estiquei um pouco mais, nosso rosto
ficando perto. Perto demais. O cheiro do álcool invadiu minhas
narinas. Luigi não costumava se embebedar. Gostava da
sobriedade. Isso não significava que ele nunca bebesse ou usasse
outras coisas. Mas aquela era a primeira vez que o via bêbado
daquele jeito sozinho.
— Me responde, Kit. — Fitou meu rosto e seus olhos se
prenderam em meus lábios demoradamente. O ar pareceu sumir.
— Luigi… — Consegui dizer e tentei pegar a garrafa, mas ele
a afastou ainda mais.
— Você não é mais a minha amiga?
— Claro que sou. — Apressei-me em responder, tentando
outra vez pegar a garrafa. Mas ele passou o braço atrás das minhas
costas, me puxando para si. Nosso peito ficou grudado e nossos
lábios ficaram a um suspiro de distância.
— Mas eu não quero ser mais o seu amigo. — Mexeu a
cabeça de um lado para o outro. — Nunca mais.
A frase dele me fez congelar. Havia frio e calor disputando
em meu corpo. Umedeci os lábios, a sensação de vazio me
dominando.
— Entendo… — verbalizei, a tristeza tomando conta de mim.
— Nananão, não entende. — Balançou a cabeça em
negação mais uma vez. — Você nunca entendeu que eu te amo e
que preciso de você. — As palavras saíram enroladas. O olhar triste
e vidrado.
Encarei seu rosto, minha respiração saindo em frangalhos.
Tudo dentro de mim queria explodir, mas não podia vacilar agora,
não era o momento. Fechei os olhos por um instante. Não, ele
estava bêbado e falando todo tipo de besteira, aquela era apenas
mais uma. Abri os olhos e o encontrei ainda me observando, a testa
franzida.
Chateado, me soltou do seu abraço, então me afastei por
impulso. Ele bebeu outro gole de uísque e depois de ter enchido a
boca de bebida, consegui alcançar a garrafa, minha mão
encontrando a dele.
— Chega, Luigi. Você está bêbado feito um gambá. Não está
dizendo nada com nada. — Puxei a garrafa da mão dele e me
levantei.
— Ei, devolve aqui. — Ele se levantou cambaleante e tive
que ajudá-lo a se manter em pé.
— Não! — falei com firmeza. — Você vai pro banheiro agora
comigo.
Luigi deu um sorrisinho quase diabólico.
— No banheiro? — estreitou os olhos, me encarando de
modo sugestivo.
Inspirei fundo e o apoiei em meu ombro.
— Vamos, cara! — falei, conseguindo o conduzir para o
banheiro. No caminho, deixei a garrafa sobre a cômoda.
Ele se encostou na parede de azulejo enquanto eu abria a
torneira do chuveiro. Nada melhor do que um banho para pôr um fim
naquela embriaguez.
— Vem. — Abracei-o de novo e o coloquei debaixo da água.
Luigi entrou no box aos tropeços, de roupa e tudo. Olhou
para cima, a água morna acariciando o seu rosto. Ele era tão lindo,
tão perfeito. Cheguei a me questionar se tinha valido a pena
renunciar aos meus sentimentos em favor do medo que sentia de
perdê-lo. Porque no fim, eu o estava perdendo de qualquer jeito.
Cindy e ele eram namorados e nossa amizade vinha se
desfazendo aos poucos. O fato de ele ter me beijado piorou muito
as coisas. Mas ele ter dito que me amava, mesmo bêbado, fez o
meu coração apertar.
— Vem comigo! — Luigi se aproveitou do meu momento de
distração e me puxou para debaixo do chuveiro. Lá estava eu, outra
vez, grudada a ele.
— Luigi! — repreendi e ele começou a rir.
Ele passou a mão pelos cabelos molhados. A risada virou
uma gargalhada. Tentei ficar brava, mas acabei rindo com ele. Então
sua risada foi se acalmando e ele me abraçou. Nunca tinha negado
um abraço a ele. Aninhei-me e recostei meu rosto em seu peito,
podia ouvir as batidas cadenciadas do seu coração.
Ficamos naquela posição pelo que pareceu uma eternidade,
aproveitando um da companhia do outro. Apesar do barulho da
água correndo, era como se o mundo tivesse parado e ficado quieto.
Precisávamos daquilo, de um momento tranquilo. Luigi precisava
recobrar a sobriedade e eu necessitava assimilar tudo o que tinha
acontecido entre nós.
Nada mudava o fato de ele ter me beijado depois de uma
situação traumática e de ter dito que me amava enquanto estava
embriagado. Mas ter a consciência de que ele não estava pensando
direito quando fez essas burradas, me incomodava muito. Quando
não suportava mais o barulho dos meus pensamentos, me afastei.
Desliguei o chuveiro e entreguei a ele uma das toalhas de banho
dependurada.
— Acho que você já está melhor — declarei e saí de dentro
do box. Tirei minhas botas e me enrolei em outra toalha. — Ahh… E
antes que eu me esqueça: Cindy pediu para te avisar que precisou ir
embora, mas que te liga mais tarde.
Dei o recado, mas Luigi não disse nada. Na saída do
banheiro, peguei meus apetrechos de tatuagem, a garrafa de uísque
de cima da cômoda e fui para o meu quarto. Fechei a porta e me
encostei nela. Meus olhos se encheram de lágrimas. Na tentativa de
aplacar a dor que estava sentindo, bebi um generoso gole de
uísque. A bebida desceu ardendo pela minha garganta, mas eu
precisava daquilo desesperadamente.
A água que pingava do meu cabelo se misturava às lágrimas
que desciam desenfreadas pelo meu rosto. Sorvi outro gole e
respirei fundo. Eu não podia me abater. Determinada a esquecer de
tudo, larguei tudo o que segurava na mesinha do quarto, enxuguei o
rosto com a toalha que estava sobre mim e fui para o meu banheiro.
Precisava de banho, cama e da minha concha. No dia seguinte,
pegaríamos a estrada e eu precisava estar inteira.
Antes de dormir, respondi a mensagem de Derek. Ele queria
saber como eu estava. Em pensar que quando o conheci, eu só o
achava um cara gostoso que servia para passar o tempo. No fim,
ele tinha se mostrado um amigo muito gentil.
A única vez que ficamos pra valer foi em dezembro, após o
último show antes das férias. Depois daquela noite, me tornei uma
criatura horrível, mas ele nunca cobrou nada. Contentava-se com a
minha companhia chata. Nunca prometi que teríamos algum futuro
juntos. Pelo contrário, sempre deixei claro que era só um lance.
No entanto, menti para Luigi que Derek era o meu namorado.
Não sei por quanto tempo essa mentira duraria, mas isso não era
algo com o que eu deveria me preocupar no momento. Afinal, não
veria Derek por pelo menos duas semanas e, até lá, eu teria tempo
de pensar em alguma coisa.
Depois que Kit saiu do banheiro, fiquei me sentindo um
babaca. Ela tinha deixado claro que estava namorando Derek, eu
não podia ser tão idiota e continuar insistindo naquela merda. Eu
ficaria muito puto se alguém desse em cima da minha mulher.
Tirei a roupa de qualquer jeito e tomei um banho de verdade.
Vesti uma cueca e me deitei na cama. Mas meu celular vibrou em
cima da mesinha de cabeceira e tive que esticar o braço para
alcançar. Atendi sem nem ver quem era. Precisava ficar de olhos
fechados.
— Oi, Luigi — Cindy cumprimentou.
— E aí? Você está bem?
— Estou sim. Desculpa não ter me despedido. James me
chamou para uma reunião com o diretor da Security Prime. Mas e
você, como está? Sua voz está estranha. Aconteceu alguma coisa?
— Só bebi um pouco demais — contei e mudei de assunto.
— E você, fez a tatuagem?
— Fiz e ficou linda.
— Se não for um segredo, depois quero ver — falei devagar
e Cindy gargalhou.
— Não é, está em um lugar discreto, mas qualquer um pode
ver.
— E como se sente depois de ter feito a sua primeira
tatuagem?
— Aliviada.
— Aliviada? Como assim? — perguntei, sem entender.
— Outra hora te conto. Mas… Vamos deixar a tatuagem de
lado. Liguei para te desejar uma boa turnê e agradecer por ter
passado a noite aqui em casa comigo. Hoje me sinto mais segura.
— Não tem nada para agradecer. E se cuide enquanto eu
estiver fora. Sabe que Will é perigoso — adverti, mantendo os olhos
fechados.
— Pode deixar que já redobrei a segurança.
— Que bom. Ah… E me mantenha informado se o contador
descobrir alguma coisa antes de eu voltar de viagem.
— Aviso sim, fica tranquilo. Agora vá dormir e descansar a
voz.
— Valeu! Boa noite!
Encerrei a ligação e abri apenas um olho para programar o
despertador do celular. Tínhamos que acordar cedo e depois
daquela bebedeira, não podia confiar que acordaria sem ajuda.
De volta aos meus pensamentos, decidi que evitaria Kit ao
máximo durante a viagem. Precisava deixá-la respirar e seguir a
vida que tinha escolhido. Logo eu também poderia fazer o mesmo,
era só uma questão de tempo.

Acordei às cinco da manhã com uma dor de cabeça da porra.


Antes de pegarmos estrada, tomei uma xícara de café e um
analgésico. Cumprimentei os caras, mas não dediquei um único
olhar para Kit. Mesmo estando de óculos escuros desde que saí do
quarto, preferi evitar qualquer contato visual.
O ônibus já estava nos esperando em frente à nossa casa.
Entrei e me sentei sozinho. Estava um pouco mal-humorado, então
vesti um moletom com capuz, coloquei os fones de ouvido e me
deixei levar pelo som calmante de Johnny Cash.
De Los Angeles a Phoenix foram seiscentos quilômetros.
Esse foi o nosso primeiro destino, de lá rodamos por mais doze
cidades. Foi frenético. No momento em que minha mente ligou no
modo turnê, nada mais existia. Sabia que isso também valia para o
resto da banda, a música sempre ficava em primeiro lugar.
Como na última turnê, éramos onze pessoas dentro do
ônibus: o motorista, três roadies que eram pau para toda obra, uma
assistente de palco, mais do que eficiente e dois seguranças, mas
nunca coloquei muita fé neles, e claro, a banda. O que me deixava
mais tranquilo, era saber que a equipe de segurança que Cindy
contratou nos seguia em um carro a parte.
Nenhum dos shows que fizemos foi numa Madison Square
Garden da vida, mas todos foram em casas de shows e festivais
consagrados. Abrimos para destaques do cenário do rock norte-
americano, mas ainda não éramos a atração principal. Mesmo
assim, levamos o público à loucura e acumulamos fãs por toda
parte. O crescimento da banda era evidente, e se eu não soubesse
da questão do Will nos enganando, podia até jurar que estava
vivendo um sonho, mas era apenas a calmaria em meio a um
pesadelo que em breve nos engoliria.
Durante os dezoito dias em que estivemos em turnê, tratei Kit
como se não sentisse absolutamente nada por ela, até mesmo no
palco. Apesar de cantarmos juntos alguns trechos, era sempre uma
interação fria e profissional. No ônibus, eu conversava pouco com
os outros, mas nunca com ela. Também ajudou que Kit adotou a
mesma postura comigo. Ela passava mais tempo conversando com
Nick e Fly, e com Mandy, nossa assistente. Também vivia
rabiscando no caderno ou no tablet e, nas horas vagas, fazia
algumas tatuagens na equipe, era como se sempre tentasse se
manter ocupada. Nas poucas vezes que nosso olhar se cruzou,
pude ver que aquela separação estava doendo tanto nela quanto
em mim, mas fiz o que precisava ser feito. Tanto por mim quanto por
ela.
Na volta, saímos cedo do hotel e seguimos direto para o
ônibus, ansiosos e satisfeitos. Foi uma viagem cansativa, quase não
fizemos paradas, e chegamos em casa perto das 20h. Fui direto
para o meu quarto. Estava sem fome, mas muito cansado.
Tínhamos lanchado em um restaurante de beira de estrada a uns
cinquenta quilômetros de Los Angeles.
Os shows seguidos, muito tempo na estrada, as noitadas, o
excesso de energético e bebida alcoólica associados a poucas
horas de sono, deixava qualquer um exausto. Só tomei uma ducha e
me joguei na cama. Acho que adormeci em menos de cinco
minutos.
Acordei assustado com o celular tocando. Dei um pulo da
cama com a campainha estridente. Tinha me esquecido de colocar
no modo silencioso antes de dormir. Durante as viagens, eu deixava
com o toque super alto devido ao excesso de barulho.
Peguei o telefone da mesinha, apressado para não atrapalhar
quem estivesse dormindo e atendi, sonolento.
— Bom dia, rockstar! — Cindy cumprimentou com a voz
animada.
— Bom dia! — respondi num bocejo. — Que horas são? —
Esfreguei os olhos para acordar.
— São dez da manhã.
— Nossa! Dormi mais de doze horas seguidas. — Ajeitei-me
na cama, me esforçando para manter os olhos abertos.
— Normal. Seu corpo estava precisando descansar.
— Acho que sim. Mas e aí, como você está?
— Estou bem e trago novidade…
— Que seja boa — interrompi, enquanto enfim colocava os
pés no chão.
— Se é boa ou não, vamos descobrir juntos. O contador
acabou de ligar e pediu para irmos até lá. Amanhã é dia de
gravação do programa, então achei que poderíamos ir hoje. O que
acha?
— Demorou! Que horas? — Levantei-me, agitado com a
notícia que fez meu coração disparar. Enfim, saberia se estávamos
mesmo sendo roubados como eu acreditava.
— Posso te encontrar aí em uma hora. Pode ser?
— Claro! Até daqui a pouco.
A ansiedade chegou a um nível estratosférico. Eu me arrumei
na velocidade da luz. Quinze minutos depois de ter desligado o
telefone, estava na cozinha. Já tinha café pronto na cafeteira, mas
não havia mais ninguém por ali. Peguei a única xícara de cima da
mesa e me servi de café. Pelo visto, todos já tinham terminado.
Quando me sentia ansioso, não tinha fome. Então só tomei
“café com cigarro” enquanto aguardava Cindy chegar. Acho que
quase afundei o piso em volta da mesa de tanto andar de um lado
para o outro. Minha cabeça estava a mil.
Saí da cozinha assim que recebi a mensagem de Cindy. Ela
estava me esperando na frente de casa. Cruzei a cozinha e a sala a
passos largos, mas não encontrei ninguém no caminho. Bem
provável que todos estivessem descansando em seus quartos.
Entrei no carro, cumprimentei Joseph e dei um abraço
fraterno em Cindy. Ela usava a peruca ruiva, as sardinhas no rosto e
as lentes de contato verdes do seu disfarce de sempre. Além de
uma armação preta de óculos que a deixava com cara de nerd.
— Pronto para desmascarar aquele cretino? — Cindy me
encarou com ar confiante.
— Não sei se estou pronto… — Dei um meio sorriso,
pensativo. — Acho que só estou ansioso. Pronto é uma palavra forte
demais para mim nesse momento. — Estalei os dedos, a angústia
espremendo meu peito.
Cindy colocou a mão dela sobre a minha e me encarou.
— Nós vamos conseguir, Luigi. Isso será libertador para nós
dois. Pode acreditar — disse, resoluta, e abaixei o rosto, olhando
para nossas mãos unidas.
— Tomara que sim. — Meneei a cabeça, inseguro. — Estou
passando por cima de tantas coisas que não sei se conseguirei
arrumar quando chegarmos ao fim disso.
— Luigi, olha pra mim — pediu e voltei a fitar o seu rosto. —
Você está fazendo o que precisa ser feito. As pessoas que te amam
de verdade, entenderão as suas razões.
— Não é isso. — Curvei os lábios em um sorriso triste. — Só
estou falando que depois, para algumas coisas, pode ser tarde
demais.
— Olha, meu amigo, se tem uma coisa que aprendi com a
morte de Tommy, é que tudo acontece no tempo que precisa
acontecer. Então não se martirize, você é um cara sensacional. É
como penso: o amor verdadeiro sempre será eterno.
— Valeu, Cindy. — Suspirei, sentindo uma pontinha de
esperança. — Bom, agora me fale sobre a sua tatuagem. — Mudei
o curso da conversa.
— Deixa eu mostrar. — Ela tirou a jaqueta cinza, depois virou
o braço esquerdo com a palma da mão para cima e o desenho se
revelou na parte interna do bíceps.
Aproximei-me para ler o que estava escrito no contorno da
guitarra estilizada. “True love will always be forever”. Exatamente as
palavras que ela tinha acabado de proferir em seu conselho amigo.
Confesso que ler aquela frase e ver o contexto do desenho em que
a guitarra também era um vasinho e que nela havia uma pequena
flor brotando com pétalas de coração, era de arrepiar. Passava uma
mensagem de esperança.
— Incrível. — Foi tudo o que consegui dizer.
— Kit manda muito bem. — Ela sorriu, olhando para o
desenho. — Eu ia tatuar umas flores, um dos desenhos que ela
mostrou… — Voltou a vestir a jaqueta. — Mas Kit disse uma coisa
que me fez mudar de ideia. Então pedi para ela fazer esse desenho.
— O que ela disse? — perguntei, curioso, e Cindy sorriu.
— Perguntei o motivo de ela não ter tatuagens e ela
respondeu que só tatuaria algo que fosse muito valioso. Algo que
nem o tempo fosse capaz de desfazer.
Abaixei o rosto e mordi o cantinho do lábio, refletindo.
Realmente, ela sempre disse que só tatuaria algo do qual tivesse
certeza de que nunca se arrependeria. Pensar nisso fez meu
coração apertar. Talvez ela nunca tenha acreditado que a nossa
amizade sobreviveria ao tempo, do contrário, ela teria tatuado algo
relacionado.
— Luigi? — Cindy chamou e pisquei os olhos, voltando à
realidade.
— Quem sabe algum dia, Kit encontre algo valioso… —
Deixei a frase morrer, sentindo um gosto amargo na boca.
— Acho que ela já encontrou há muito tempo, só não tem
coragem de admitir.
— Tá… — Sacudi a cabeça, rindo da indireta. — Mas, enfim,
achei que você fez uma boa escolha de tatuagem. É um bom jeito
de se lembrar de que, embora o seu amor por Tommy ainda exista,
você se dará a chance de ser feliz e de amar outra pessoa. No
entanto, desconfio que o nosso “relacionamento”… — Fiz aspas no
ar. — Está te atrapalhando nesse quesito. — Dei uma piscadinha.
— Como assim? — Ela me encarou com as sobrancelhas
franzidas.
— Ah, você acha que não reparei em como você olha para
Nick e vice-versa?
— N-não… — Ela arregalou os olhos, o rosto pálido como se
o sangue tivesse sido drenado do seu corpo.
— Ei, fique tranquila. Tá tudo bem. E olha… — Encarei-a
com carinho. — Prometo que quando tudo isso terminar, serei o
cara que mais vai apoiar o lance de vocês — falei com sinceridade e
ela assentiu com um movimento contido.
Alguns minutos depois daquela conversa, chegamos ao
escritório do contador. Meu coração acelerou assim que o sr. Mike
Anderson nos recebeu. Estava a um passo de descobrir o que
acontecia por trás dos bastidores da minha carreira.
O homem fez questão de mostrar os documentos que enviei
impressos. Disse que as planilhas financeiras estavam impecáveis,
no entanto, os extratos bancários não o convenceram. Embora o
relatório gerencial, que listava todas as despesas e receitas,
estivesse batendo, os extratos pareciam ter sido manipulados. Havia
diferenças sutis, mas que os trinta anos de carreira o permitiram
identificar. O sr. Mike apontou uma divergência no padrão de um
número sequencial lógico utilizado no pagamento e na transferência
de valores daquele banco. Sendo assim, o contador me sugeriu
conseguir um extrato direto no banco.
Ao final da reunião, Mike nos desejou boa sorte e disse que
podíamos contar com ele para o que fosse necessário. Eu tinha
chegado ao escritório ansioso e saí de lá possesso. Por um lado,
era bom ter a confirmação de que aquele filho da puta estava nos
enganando e que, enfim, poderíamos pôr um ponto final naquele
roubo, mas, por outro, a sensação de ter sido usado e explorado era
devastadora.
Já do lado de fora do prédio, bati as mãos nos bolsos da
calça jeans em busca de um alívio. Precisava fumar
desesperadamente. Tirei a carteira de cigarro e acendi um para me
ajudar a colocar as ideias em ordem.
— Luigi… — Cindy tocou o meu braço. — Não fique assim.
Hoje podemos dizer que estamos dando o primeiro passo para
colocar Will atrás das grades.
Traguei o cigarro até que a fumaça preenchesse os meus
pulmões por completo e soprei em seguida.
— Se ele estiver mesmo nos roubando, o que devo fazer? —
perguntei, alterado, me sentindo pressionado pelas mentiras. —
Devo contar o que está acontecendo para o pessoal da banda ou
devo continuar guardando tudo para mim? Estou a ponto de
explodir, Cindy.
— Eu sei. Também estou sofrendo, Luigi. Nunca escondi
nada da minha prima e nem da minha equipe, ou menti para eles —
desabafou, os olhos marejados.
— Desculpa, Cindy. — Abaixei a cabeça e traguei outra vez.
— Não precisa se desculpar. Nós dois estamos nos
sacrificando em prol da justiça. Vamos dar um jeito de consertar
tudo.
Ergui a cabeça e fitei o horizonte, um sorriso amargurado no
rosto.
— Do jeito que a gente vem se enterrando em mentiras, não
sei se vai sobrar muito para a gente consertar.
Havia tanto conflito dentro de mim que eu não sabia se queria
salvar o meu sonho de ter uma banda de sucesso ou se chutava o
balde e tentava salvar a minha amizade com Kit. Estávamos cada
vez mais distantes e isso me matava um pouco por dia.
— Vamos, Luigi! — Ela pegou a minha mão e eu a encarei.
— Pode entrar no carro, Cindy. Estou me sentindo um pouco
ansioso. Preciso de cinco minutos, tudo bem?
— Tá bom. Te espero. — Ela assentiu e entrou no carro.
Estava tão chateado, precisava muito desabafar. E Lucca era
a pessoa. Tirei o celular do bolso e chequei o horário. Passava um
pouco do meio-dia, então em Milão não era nem dez da noite. Liguei
decidido a contar tudo para o meu irmão. Lucca atendeu, animado.
— E aí, Lucca! — cumprimentei e traguei o cigarro.
— Cara, você não morre tão cedo. Georgina e eu falamos
agora a pouco de você! — disse com empolgação.
— Então pode contar — respondi e soltei a fumaça, curioso.
Talvez, eu só precisasse conversar com alguém da minha família
para me acalmar.
Mas Lucca me surpreendeu ao dizer que se casaria em
alguns dias. Além disso, me convidou para o casamento e, de
quebra, ainda pediu para a 4Legends animar a festa. Fiquei feliz por
ele. Mesmo que o noivado fosse de mentira, quem sabe o
casamento mostrasse que ele poderia ser feliz com a “noiva”.
No entanto, não havia só felicidade. Após a boa notícia, ele
contou com pesar que Elisa tinha desenvolvido uma doença
autoimune. A garota estava grávida e doente. Lucca estava vivendo
um caos. Mais uma vez, pensei no quanto o meu problema
financeiro era pequeno perto da questão de saúde de Elisa. Cheguei
a sentir vergonha por achar que precisava desabafar. No fim, preferi
abortar a missão. Ele ficou curioso com a minha ligação, mas menti
que era só para manter o contato. A mentira tinha se tornado uma
companheira constante nos últimos dias.
Assim que encerrei a ligação, entrei no carro. Saímos do
contador direto para o banco. Mas, dessa vez, Cindy preferiu não
me acompanhar. Uma coisa era ela ir ao contador de sua confiança
disfarçada ou se passar por uma assistente de banda nos
bastidores de um show. Outra, era se expor em um banco, sabendo
que se eu fosse reconhecido e o disfarce dela fosse descoberto, em
vez de me ajudar, ela traria o caos para a agência bancária.
Fui muito bem-recebido pela senhora que recepcionava os
clientes e os auxiliava com suas dúvidas no saguão do banco. Ela
me levou direto para a sala da gerente Alícia Soarez.
Para a minha surpresa, a gerente era uma fã da banda e foi
exageradamente solícita aos meus pedidos. Em nenhum momento
falei mal de Will, pelo contrário, fiz questão elogiar o trabalho dele.
Quanto mais eu falava bem do meu agente, mais ela
entregava informações sobre a conduta dele. Alícia revelou que
ofereceu uma série de carteiras de investimentos, mas que o sr.
Parker nunca acatou suas sugestões e sempre preferiu sacar todo o
dinheiro que sobrava na conta. Inclusive, o último saque havia sido
realizado na última sexta-feira.
Saber de tudo aquilo me enfureceu, mas precisei fazer cara
de paisagem e engolir a minha fúria em seco. Eu era a própria
calma por fora, mas a vontade que tinha era de virar aquela mesa,
chutar as coisas e quebrar tudo o que estava em minha frente.
Naquela altura, eu tinha certeza de que o filho da puta desgraçado
tinha forjado o meu sequestro, tinha sido o mandante da porra do
assalto na cafeteria de Hanna e, ainda por cima, estava roubando o
dinheiro da banda. Queria encher aquele lazarento de porrada.
A gerente imprimiu os extratos, os guardou em um envelope
e me entregou. Antes que eu fosse embora, ela pediu para tirar uma
foto comigo e reiterou o quanto era fã da banda. Fiz um esforço
sobrenatural para parecer feliz na selfie.
Saí do banco muito puto. Ainda nem tinha comparado os
extratos que Will me enviou com os do banco, nem sequer tinha
visto o saldo, mas saber que aquele sujo esvaziou a conta antes do
final de semana, me deixou furioso.
— E aí, conseguiu? — Cindy perguntou, assim que entrei no
carro.
— Consegui — balbuciei a resposta, introspectivo.
Tirei o extrato do envelope e meus olhos vagaram pelos
números. Todos os saques foram em dinheiro. Não havia qualquer
transferência bancária para conta de Will que pudesse incriminá-lo.
No entanto, em dezembro, quando comprei o smoking, tinha uma
transferência de dez mil dólares para a conta da banda e era da
conta pessoal de Will Parker. Folheei até a última página. E lá
estava o valor do último saque e o saldo. Senti náusea ao ver que
não tínhamos grana para quase nada.
Larguei os papéis no banco do carro e levei as mãos à
cabeça, fitando o teto sem saber o que fazer. Como eu provaria que
Will estava nos roubando se não havia qualquer transferência para
ele? Os saques eram legais. Se eu o denunciasse, ele poderia dizer
que entregou o dinheiro vivo para nós e não haveria provas que o
contrariasse. Estávamos fodidos.
— Luigi, o que houve? — Cindy perguntou, preocupada, e eu
soltei uma lufada de ar.
— Estamos sendo roubados e não temos como provar. —
Balancei a cabeça em negação e voltei a mexer com os papéis.
Peguei o envelope do contador, tirei o extrato bancário de
dentro e analisei a data do lançamento que ele tinha grifado, já
comparando com o extrato recém tirado do banco. Realmente, o
lançamento não existia. O documento tinha sido adulterado.
— Mas será que os documentos que o Will enviou por e-mail
mais os extratos não seriam o suficiente para incriminá-lo? — Cindy
questionou e eu inspirei fundo, ainda analisando os papéis.
— Acho que precisamos de mais provas. — Cocei o queixo,
pensativo. — Já sei! Tive uma ideia. — Encarei, Cindy. — Vamos
para a Rock Star Records. Andy, a recepcionista, deve ter acesso
ao cadastro de todos que entram lá. Quem sabe ela se lembre de
algum artista que Will agenciou e consiga nos passar o contato.
Com outros depoimentos, poderíamos criar um caso mais sólido
contra Will.
— Boa ideia! — concordou e pediu que Joseph nos levasse
até a gravadora.
Durante o percurso, minha cabeça estava tão agitada que
não consegui conversar. Cindy respeitou o meu silêncio. Enquanto
eu remoía pensamentos, Cindy começou a se “descompor”, tirando
o disfarce.
Dez minutos depois, Joseph parou em frente ao imponente
prédio da Rock Star. Cindy pediu para entrarmos de mãos dados
para manter a fachada de namorados e eu aceitei. Assim que
chegamos ao Hall, fomos direto até Andy e ela nos cumprimentou,
surpresa.
— Então, Andy, precisamos muito de ajuda. E creio que só
você possa fazer isso — Cindy explicou.
— Nossa! — Andy exclamou, abrindo um sorriso
desconfiado.
— Imagino que você conheça o agente Will Parker… —
Comecei dizendo.
— Sim. Sei quem é. Mas o que vocês precisam saber?
— Precisamos dos contatos das pessoas que ele já
apesentou para o sr. Wood — respondi de modo direto.
— M-mas não posso fazer isso. — Ela franziu a testa, os
olhos pulando de mim para Cindy como bolinha de pingue-pongue.
— É confidencial. Posso ser despedida se deixar essas informações
vazarem.
Não podia contar que tínhamos sido roubados pelo agente
para não expor a investigação, mas explicamos para ela a nossa
desconfiança de que Will vinha enganando muitos artistas e que
estávamos atrás de justiça. Precisávamos dela no nosso time. Ela
tinha que entender que não queríamos os dados da gravadora para
usar contra ela. Seria um segredo entre nós três.
Andy ficou muito balançada, mas Cindy garantiu que se algo
desse errado não a deixaria sem emprego. Eu não podia dar
garantia de nada. Não fazia ideia se depois de tudo aquilo ainda
continuaria nos Estados Unidos. Se desse merda, talvez eu tivesse
que voltar para o Brasil com o rabinho entre as pernas. Talvez
perdesse meus amigos para sempre. E no final das contas, talvez
tivesse que me submeter a trabalhar na construtora do meu pai
como prometi a ele se a minha carreira não decolasse.
Para o meu alívio, Andy concordou em nos ajudar. Ficou de
imprimir os endereços e levar pessoalmente até a minha casa. Não
deu dia nem horário, pois dependia de acessar o registro de visitas
do sr. Wood, e isso era bem mais do que ela tinha acesso.
Precisaria dar um jeito de acessar o computador de Violet, a
secretaria pessoal dele.
O dia foi absurdamente desgastante. Não tinha condições de
voltar para casa depois de tudo o que aconteceu e Cindy me
convidou para dormir na casa dela. Aceitei sem pensar duas vezes.
Estava tão arrasado, que precisava de um momento sozinho. A
única coisa que pedi, antes de Joseph nos levar para a casa dela,
foi que ele fizesse uma parada para eu comprar cigarro.
Chegando na casa de Cindy, ela me convidou para uma
refeição e jantamos em silêncio. Meus pensamentos longe. Achei
que quando soubesse a verdade, me sentiria menos angustiado,
mas foi o contrário. Aquilo era apenas a ponta do iceberg, e
precisaria ir muito mais fundo se quisesse saber o real tamanho do
problema que eu estava enfrentando.
Depois que Cindy subiu para o quarto para descansar, pois
precisava acordar cedo e para gravar o programa dela, fui para o
jardim fumar alguns cigarros. Ainda não tinha caído a ficha de que a
banda tinha sido roubada todo esse tempo. Nem quis fazer a conta
de quanto dinheiro perdemos para não me deprimir. Claro que
estávamos deslumbrados com a fama e com o número de shows,
ninguém ali tinha medo de trabalho, mas saber que estávamos
sendo escravos de Will, foi o pior golpe que alguém poderia receber.
A festa de casamento de Lucca tinha vindo em boa hora.
Estava decidido a abrir uma conta em algum banco digital e pedir
que o pagamento do cachê da banda fosse realizado nela. De jeito
nenhum que Will ficaria com essa grana. Inventaria para ele que não
cobraríamos nada para animar a festa do meu irmão e ele teria que
se dar por satisfeito.
Antes de entrar no chuveiro, guardei dentro do guarda-roupas
os envelopes com os extratos bancários e os documentos que o
contador imprimiu. Eram as primeiras provas. Agora era só esperar
para ver se Andy localizava o cadastro de algum dos antigos
agenciados daquele ladrão filho da puta. Aquele maldito pagaria
caro por tudo o que fez e pelo que ainda estava fazendo.
Desde que começamos a nova turnê, Luigi se afastou de
mim. Simplesmente me ignorou, como se toda nossa história não
valesse de nada. Durante os dias em que estivemos fora, ele
abusou de álcool e cigarro. E sempre que estava no ônibus, preferia
ficar com fones de ouvido a conversar com o resto da banda. Falava
apenas o essencial sobre as músicas do show.
Voltamos para casa na segunda-feira à noite. No dia
seguinte, Luigi sumiu sem avisar e só voltou na quarta de manhã.
Nick, Fly e eu estávamos tomando café quando ele entrou na
cozinha.
— Bom dia! — cumprimentou, vagando os olhos pela mesa.
— Não deixaram uma xícara para mim?
— Bom dia! — respondemos em uníssono. Todos olhando
para ele.
—Você não estava em casa, irmão — Fly justificou. — Não
imaginei que viesse para o café… Foi mal.
Luigi assentiu e foi até o armário. Pegou uma caneca e
depois se serviu de café na cafeteira. Acompanhei seus movimentos
enquanto comia. Ele puxou a cadeira e se sentou ao meu lado.
— Teremos um show internacional para fazer — contou e
bebericou o café.
— Mas já estamos fazendo shows internacionais — Fly
rebateu em tom jocoso e Nick sorriu.
— Não, seu palhaço. Vamos tocar na Itália.
— Itália? — Fly arregalou os olhos. — Como assim?
A surpresa de Fly também era minha. E a julgar pela cara de
Nick, ele também tinha ficado admirado com a notícia.
— Lucca vai se casar no próximo mês e chamou a gente para
tocar na festa — Luigi falou com naturalidade e eu quase cuspi o
café. Tive que me segurar para não babar.
Eu e o resto do mundo tinha visto uma revista em que Lucca
e Luigi dividiam a capa. Ambos com suas respectivas namoradas.
Mas o relacionamento dele era muito recente para já ter um
casamento assim.
— Caralho, brother! — Nick externalizou exatamente o
palavrão que eu tinha pensado. — Legal a coisa do show, mas
foram rápidos, hein?!
— Pois é…, mas talvez seja melhor assim. Pior são aqueles
que passam uma vida inteira nutrindo sentimentos e depois
descobrem que foram em vão.
As palavras de Luigi pareceram uma indireta. Mas eu preferia
acreditar que não era e que ele estava se referindo a qualquer outra
pessoa. Talvez Lorenzo.
— E quando será o casamento? — perguntei, ignorando seu
comentário.
— Será no dia quatro de março.
— Caralho, véi… Falta menos de um mês. — Fly fez uma
cara engraçada, nitidamente surpreso.
— Acho que Lucca deve estar mesmo gamadão para querer
se casar tão depressa — Nick, que sempre era discreto, também
não escondeu sua surpresa.
— E que dia iremos? — continuei, mantendo o tom
profissional. Embora a família Ferrari fizesse parte da minha,
precisava manter o muro que Luigi tinha erguido entre nós.
— Acho que deveríamos ir uns dois dias antes do evento e
voltar uns dois dias depois.
— Por mim, está fechado! — Fly concordou logo de cara.
— Por mim também. — Nick também aceitou.
Então, todos me olharam, aguardando a minha opinião.
— Pode ser. — Dei de ombro, não valorizando tanto a
ocasião.
Não tinha nada contra Lucca, mas acompanhei o sofrimento
de Lorenzo quando ele descobriu que Lucca era amante da sua ex-
noiva. Sei que Lorenzo teve a sua parcela de culpa, mas tenho uma
posição muito rígida em relação à traição e por isso a situação doeu
em mim. Assim como me senti péssima quando Luigi me beijou
mesmo namorando com Cindy. Para mim, a traição era inaceitável.
— Fechou! Vou passar as informações para a organizadora
do casamento para agilizar nossas passagens. — Luigi sorveu mais
um gole de café e se levantou sem comer nada.
Ele vinha se alimentando cada vez pior e estava bem mais
magro. Eu até queria dizer alguma coisa, mas não queria parecer
uma mãe chata que pega no pé do filho quando a criatura não come
salada.
— Partiu Itália! — Fly suspirou. — Pizza, macarrone, gelato…
— citou alguns alimentos, fingindo um sotaque italiano e mexendo
as mãos.
Todos caíram na risada. Ele não falou o nome de um único
ponto turístico. O seu interesse era apenas gastronômico. Jamais o
recriminaria, porque eu adorava pizza. No entanto, o estilo de vida
dos americanos me saciava. Eu era do time hambúrguer e batata
frita.
Luigi colocou a xícara vazia dentro da máquina de lavar e
saiu da cozinha, tão introspectivo quanto entrou. Seu olhar era
insondável. Acompanhei sua movimentação até que ele
desapareceu no corredor.
Eu precisava retomar as minhas investigações a respeito de
Cindy. Felizmente, os próximos dias seriam mais tranquilos.
Teríamos uma semana de folga e depois, nas próximas duas
semanas, faríamos shows às quintas, sextas e sábados em Los
Angeles. Seria bem menos cansativo do que viajar durante o dia e
fazer show à noite. As turnês fora do estado sempre nos
desgastavam mais.
Antes de voltar a investigar Cindy, eu precisava de dois dias
para mim. Queria retocar meu cabelo, comprar algumas roupas e
fazer coisas triviais como ir ao mercado, caminhar pela rua e ir ao
cinema. Adoraria ter uma companhia, mas com Derek preparando
almoço e jantar no restaurante todos os dias, o único dia que ele
tinha livre era o domingo após às 15h. Então o jeito foi me contentar
em passar um tempo sozinha. Ah… como eu sentia falta da
amizade de Luigi. Era como se tivesse um buraco em meu peito.

No domingo, Derek me acompanhou no cinema. Apenas


como amigo, como já vinha acontecendo. Essa era a minha
condição para sairmos juntos. Ele devia gostar mesmo da minha
companhia, porque nunca exigiu mais do que eu estava disposta a
dar.
Chegamos na minha casa por volta das 18h30m, pegamos
um baldinho de long neck e nos sentamos na sala para assistir o
meu seriado favorito. Nick estava na sala de som, tocando guitarra,
Fly e Luigi, como sempre, não estavam em casa. Estávamos no
meio de um episódio quando a campainha soou. Não estava
esperando ninguém, mas fui atender. Abri a porta e uma garota loira
que nunca tinha visto, abriu um sorriso para mim.
— Pois não? — Encostei a cabeça no batente da porta.
— Oi, Kit! — A garota loira que parecia a Sharpay de High
School Musical me cumprimentou como se me conhecesse.
— Boa noite! — Tentei sorrir. — A gente se conhece? —
perguntei, hesitante. Vai que ela tivesse trabalhado em algum
evento e eu não me recordasse.
— Bom, eu te conheço, mas acho que você não me conhece.
— Ela riu e eu fiquei sem palavras. — Me chamo Andy, sou uma
grande fã da banda. — Estendeu a mão para me cumprimentar.
— Ah, oi… — Apertei a mão dela, me sentindo feliz pelo
reconhecimento.
— Luigi está? — perguntou e revirei os olhos mentalmente.
Claro que ela era fã da banda, mas o vocalista devia ser a
sua paixão.
— Não está. Desculpa. — Dei um sorriso amarelo.
— Puts… precisava entregar isso aqui para ele — declarou
com desânimo, olhando para o envelope em sua mão.
— Se quiser, posso entregar — ofereci e Derek se aproximou
da porta.
— Essa logomarca em sua camisa é do restaurante DeVille?
Adoro o lugar! — A garota sorriu, olhando para a camisa de Derek
que ainda não tinha trocado desde que saiu do trabalho.
— Sim, sou sous chef de lá. Prazer, Derek, e você quem é?
— Sorriu e estendeu a mão para cumprimentá-la.
— Sou Andy Jones. Estudei gastronomia e sou uma grande
fã dos pratos de lá.
Ergui as sobrancelhas, surpresa pela coincidência enquanto
eles apertavam as mãos.
— Gostaria de entrar? — convidei. Afinal não era educado
ficar batendo-papo na porta de casa.
— Adoraria, mas acho melhor não… — Fez um beicinho. Era
visível que ela estava louca para entrar e eu para saber o que tinha
no envelope.
— Entre! — insisti e ela aceitou. Derek fechou a porta e eu
acompanhei a garota até o sofá. — Sente-se. Quer uma cerveja? —
ofereci, solícita.
— Pode ser, obrigada!
Derek entregou uma long neck e se sentou na poltrona. Andy
poderia até ser fã da banda, mas parecia bem mais interessada no
meu amigo chefe.
— Então, Andy… — Sentei-me ao lado dela para sondar. —
Você é amiga de Luigi?
— Conheci Luigi no final do ano passado lá na Rock Star. A
gente já saiu juntos.
— Luigi não perde tempo mesmo. — Uma risada escapou
dos meus lábios.
— Ah, não, não é nada disso… — Balançou a cabeça com
veemência. — Trabalho na gravadora e a gente fez amizade. —
Tratou de se explicar e eu não sabia se ficava aliviada ou irritada.
— E o que você faz na gravadora se é formada em
gastronomia? — Derek se envolveu na conversa.
— Sou recepcionista. Mas o meu sonho é ter meu próprio
restaurante.
— Também sonho em ter um restaurante autoral.
— Mas você pelo menos trabalha no que gosta. — Ela deu
um gole na cerveja. — Eu não consegui vaga para trabalhar em
nenhum restaurante do meu interesse. Até deixei currículo no
DeVille, mas não me chamaram — contou, sem ânimo.
— Se quiser, posso levar o seu currículo. Vai que o chefe te
chama para fazer um teste?
— Seria ótimo! — Os olhos dela brilharam.
— Espero que dê certo. — Interrompi a conversa. Fiquei feliz
que aquele fosse um encontro fortuito, mas precisava que eles
parassem de falar de restaurante ou daqui a pouco estariam
trocando receitas. Então mudei de assunto para falar do que tanto
queria saber. — Então, Andy, o que você trouxe aí para Luigi? —
Meneei o queixo para o envelope em seu colo.
— Só uns papéis que ele pediu. Nada importante. — Abaixou
o rosto e passou as mãos no envelope.
— Se quiser deixar comigo, entrego para ele.
— Claro, mas promete que vai entregar nas mãos dele? —
Ela me passou o envelope, hesitante.
— Prometo, sim. Mas Andy, deixa eu te perguntar uma
coisa… — Empertiguei-me no sofá. — Saberia me dizer se a Cindy
Harper vai com alguma frequência a Rock Star Records?
— Ah, sim! Volta e meia ela grava músicas para o programa
dela, inclusive, daqui quinze dias irá gravar no estúdio.
— Jura? — Meus olhos brilharam ante a informação. — Será
que eu conseguiria assistir? — Fingi empolgação e Derek me olhou
com o cenho franzido.
— Na verdade, não é possível a entrada de ninguém…, mas
Cindy vai gravar depois das 19h. Talvez eu consiga abrir essa
exceção…
— Você faria isso por mim? — Fiz uma cara de cachorro
pidão.
— Desde que esse seja o nosso segredo… — Deu uma
piscadinha e bebeu outro gole de cerveja.
Sorri, triunfante. O meu plano era tentar falar com pessoas do
meio para tentar descobrir alguma coisa sobre Cindy que não fosse
o que eu já sabia.
— Bom, acho que está na minha hora. — Andy colocou a
garrafa de cerveja sobre a mesinha. — Muito obrigada pela
recepção.
Antes de ir, ela tirou foto comigo e com Derek, trocamos
telefone e ela foi embora.
— Desculpa perguntar, Kit, mas por que você está tão
interessada em Cindy Harper? Não entendi. — Derek voltou a se
sentar no sofá e me acomodei ao lado dele.
— Quero ver se descubro algum podre dessa garota. Luigi
mudou muito desde que eles começaram a namorar. Além das
coisas ruins que aconteceram desde que ela se aproximou.
— Já pensou que pode ser só coincidência? — Encarou-me,
como se eu não tivesse pensado nessa possibilidade.
— Pode ser que sim. E realmente torço para que seja só
coincidência, mas isso está me incomodando. Portanto, enquanto
eu não tiver certeza de que ela é uma boa pessoa, vou ficar com
isso martelando na cabeça e tudo de ruim que acontecer em nossas
vidas, vou imaginar que foi por culpa dela. — Suspirei e ele meneou
a cabeça em negação.
— Acho que Luigi não é criança. Sabe o que está fazendo. —
Colocou a mão dele sobre a minha.
De repente, o barulho da porta se abrindo chamou a nossa
atenção. Era Luigi. Então fiz questão de entrelaçar meus dedos aos
de Derek.
— Boa noite! — Luigi deu uma boa olhada para nossas mãos
unidas e seus olhos se prenderam aos meus por um instante. — E
aí, Derek? Tudo na paz? — Desviou o olhar para o meu amigo.
— Tudo bem e você? — Derek sorriu e eu coloquei a mão na
coxa dele de propósito. Ele me encarou, os olhos arregalados,
parecendo assustado com a minha atitude inusitada. Mas apenas
sorriu e olhou de mim para Luigi, parecendo perdido.
— Tudo indo…. — Luigi respondeu, analisando a cena, um
sorriso curvando seus lábios.
— A sua amiga Andy esteve aqui — declarei e ele voltou a
ficar sério.
— Ela deixou alguma coisa para mim?
— Deixou esse envelope. — Peguei-o de cima do sofá e
estendi para ele.
— Valeu! — Luigi se aproximou e o tomou da minha mão.
Abriu o envelope e tirou um papel. Analisou rapidamente, depois
voltou a guardar.
— O que é? — perguntei, interessada.
— Apenas uns contatos. — Forçou um sorriso, olhando para
minha mão que continuava pousada na coxa de Derek. — Bem,
esqueci de parabenizá-los pelo namoro. Espero que sejam felizes —
desejou e se dirigiu à escada.
— Valeu! — Minha voz soou um pouco esganiçada.
Derek tombou a cabeça de lado e me encarou como se
esperasse uma explicação. Pressionei os lábios em uma linha fina e
aguardei até que Luigi sumisse das nossas vistas. Tirei a mão da
coxa dele, então decidi contar a e ele uma meia-verdade. Disse que
Luigi e eu tínhamos discutido por causa das minhas desconfianças
com Cindy. Mas Luigi alegou que eu estava com ciúmes e para não
ficar por baixo, acabei mentindo e dizendo que Derek era o meu
namorado. Eu me senti envergonhada por mentir daquele jeito. Mas
já tinha cometido o erro e agora precisava ir até o fim.
— Vocês dois se merecem! Dá pra ver de longe que se
gostam. — Derek balançou a cabeça e se levantou do sofá.
— Quê? Tá doido? — Levantei-me, indignada com o
comentário.
— Doidos são vocês de ficarem se enganando e fingindo que
não sentem nada um pelo outro. E fazendo cagada ainda por cima.
— Não é verdade… — contestei, sem saber o que mais dizer.
Derek sorriu.
— Bem, vou mandar a real, você me colocou numa situação
chata, pois gosto de você de verdade, mas sei que você não me
corresponde e respeito sua posição. Sou seu amigo e para mim
basta. Mas não gosto de joguinho, ainda mais quando me envolvem
sem nem me perguntar. Agora, como amigo, preciso dizer que o
tempo está passando e vocês poderiam estar juntos. Acho que a
idade de mentirinhas e jogos já passou. Mas aí é com vocês. —
Soltou um suspiro. — Tenho que ir. — Deu um passo e me enfiei em
sua frente.
— Espera, calma. Desculpa, Derek. — Bloqueei a sua
passagem. — Sei que foi um erro, mas na hora me desesperei e foi
a primeira coisa que me veio à mente. Sabe, só peço que entenda o
meu lado.
— Eu entendo, Kit. Assim como entendo que somos só
amigos. E está tudo bem. Só acho que não posso ser a sua muleta
ou a sua desculpa para não tomar uma decisão. Enfim… — Desviou
de mim e seguiu até a porta.
Apertei o passo para alcançá-lo, eu não queria que a
conversa terminasse daquele jeito. Ele era um cara legal, que me
apoiou muito. A culpa e a vergonha me atingiram forte.
— Me desculpa? — pedi outra vez, retorcendo os lábios, me
sentindo uma droga por tê-lo envolvido na minha mentira.
— Relaxa, já disse que está tudo bem. Ainda somos amigos,
tá? Mas ainda acho que você precisa resolver suas merdas… —
Sorriu e me deu um beijo no rosto. — Boa noite, Kit!
Derek foi embora e senti meu coração apertar. Não só por ele
ter ficado chateado, mas por ele ter dito que Luigi e eu nos
gostávamos, e que precisávamos dar um jeito nisso. Eu sabia o que
EU sentia por Luigi, que por sua vez, tinha declarado que me
amava. Eu sabia que ainda não tinha superado os meus traumas de
infância e tudo mais que veio disso, mas não ter Luigi em minha
vida estava se provando ser bem mais doloroso e insuportável.
O nosso afastamento me fez perceber que tanto o amor
quanto a amizade precisavam ser regados diariamente como uma
plantinha. Não bastava plantar uma semente na terra e abandoná-
la. A flor morreria sem cuidado, assim como o amor e a amizade.
Luigi e eu estávamos matando o que tínhamos levado uma
vida inteira para construir. No entanto, ele tinha alguém ao lado dele.
Enquanto ele não rompesse o namoro com Cindy Harper, eu não
demonstraria o meu amor. Não faria isso em respeito a ele, a mim e
a popstar também.
Já tinha passado duas semanas desde que Luigi me
entregou a lista de contatos que conseguiu de Andy, e lá estava eu,
em frente à sua casa, o aguardando entrar no carro. Dos dez nomes
que havia na lista, apenas um aceitou conversar comigo.
Claro que não me identifiquei como Cindy Harper, usei o
codinome Ally Johnson, uma jornalista ruiva em busca da verdade.
A agenda de ensaios e shows de Luigi estava mais apertada do que
a minha naquela semana, então me prontifiquei a entrar em contato
com todos. No entanto, prometi a ele que iríamos juntos conversar
pessoalmente com quem aceitasse falar comigo.
Pela janela, vi Luigi deixar a casa e Kit saiu logo atrás. Ela
entrou na caminhonete e Luigi veio para o meu carro. Ele
cumprimentou Karl e Joseph, e depois me deu um beijo no rosto.
— E aí, Cindy?
— Estou bem, só um pouco ansiosa para conhecer o sr. Paul
Dawson e saber o que ele tem para nós.
— Também estou ansioso. Tomara que ele queira
testemunhar a nosso favor — falou, enquanto colocava o cinto de
segurança.
Joseph deu partida no carro e o puxou para a rua, ele já
sabia para onde deveria nos levar, só não sabia o que faríamos lá.
— Tomara mesmo. Mas… Enquanto a gente não chega lá…
— Abri minha bolsa, tirei uma folha de caderno e entreguei para
Luigi. — Olha como ficou a nossa música — disse, orgulhosa por ter
terminado a letra e melodia que tínhamos escrito semanas atrás.
Ele pegou a folha e analisou, cantarolando as cifras.
— Ficou top, hein?! — elogiou, um sorriso genuíno enfeitando
seu rosto.
— Também achei… — concordei, orgulhosa. — Mas essa
música é nossa. Já registrei seu nome como coautor.
— Não precisava, Cindy… — Ele revirou os olhos e me
devolveu o papel. — Eu mais te atrapalhei do que fiz alguma coisa.
— Você foi importantíssimo para que ela saísse do papel. E
por isso, hoje ela está pronta para eu gravar à noite. — Guardei a
música na bolsa outra vez.
— Nossa, já vai gravar hoje?
— Sim, já tinha agendado.
— Que massa! Depois quero ouvir a demo.
— Pode deixar. — Sorri em resposta e desviei o olhar para a
janela.
Ter conhecido Luigi e seus companheiros de banda foi muito
importante para mim. De alguma forma, cada um deles contribuiu
para me deixar mais forte. Luigi tinha se tornado meu parceiro de
crime, estávamos lutando juntos contra o mal. Nick tinha revirado a
minha cabeça e mexido com o meu coração. Mesmo que Nick não
soubesse, por ele, eu estava conseguindo superar a perda de
Tommy. Kit se tornou uma inspiração. Ela era forte e sua forma de
enxergar o mundo e o valor das coisas me ajudou a encarar os
meus sentimentos de um jeito diferente. Fly era divertido e fazia
minha prima Hanna feliz. Todos eles se tornaram importantes para
mim. Luigi não fazia ideia, mas ele tinha me dado uma nova
perspectiva. Uma razão para seguir em frente e ser feliz.
— Chegamos, srta. Harper — Joseph anunciou, me fazendo
voltar para a realidade. — Tem certeza de que esse é o endereço
correto? — perguntou, apreensivo, olhando para o bar simples de
beira de estrada.
— É sim, Joseph. Vou descer com Luigi e vocês me esperam
no carro.
— Mas srta. Harp…
— Sem “mas”, Karl. Vou descer apenas com Luigi.
— Eu cuido dela. — Luigi tentou minimizar a preocupação do
segurança e desceu do carro.
Desci logo atrás de Luigi. O bar era modesto e parecia ter
parado no tempo. Adentramos o lugar e nos aproximamos do
extenso balcão. O bar estava pouco movimentado por ser final de
tarde de uma segunda-feira. Atrás do balcão, havia apenas um
homem alto com cabelos castanhos ondulados e barba farta.
— Boa tarde! — Luigi cumprimentou o homem que estava
secando copos. — Você é Paul Dawson? — Apoiou-se no balcão e
eu me sentei ao lado dele.
— Sou eu e você, quem é? — O homem o encarou e deixou
o copo sobre a bancada. Sua expressão era dura e desconfiada.
— Eu me chamo Luigi Ferrari e essa é a jornalista
investigativa Ally Johnson que falou com você na semana passada.
— Luigi estendeu a mão para cumprimentá-lo.
— Ah, sim. — Ele pendurou a toalha no ombro e apertou a
mão de Luigi, depois a minha. — Querem beber alguma coisa?
— Uma água, por favor.
— E para mim, um whisky cowboy — Luigi pediu e Paul fez
que sim com a cabeça.
Assim que serviu os copos, comecei a contar que estávamos
fazendo uma investigação sobre Will Parker. Expliquei que havia
vários artistas que tinham sido lesados e que se pudéssemos unir
forças, levaríamos o ladrão cretino aos tribunais.
— Esse filho da puta roubou muito mais do que meu dinheiro,
roubou também o meu sonho de cantar. — Paul trincou o maxilar,
amargurado.
— E você tem alguma prova dessa sua perda financeira para
que pudéssemos juntar ao processo? — perguntei, esperançosa de
que ele tivesse algo além da frustração em seu rosto.
— Já faz cinco anos…. — Paul coçou a barba, o olhar
distante, imerso em suas memórias. — Will é um maldito impiedoso.
Ele primeiro te faz acreditar que você será o próximo ícone da
música, e enquanto você se empolga com as migalhas de fama e
sucesso que ele te proporciona, ele afana o seu dinheiro, a sua vida
e tudo mais.
Ele respirou fundo e balançou a cabeça como se ainda não
acreditasse em seu passado. Então, voltou a nos encarar.
— Eu não tinha acesso a nada… — Continuou o relato. —
Ele administrava a minha conta bancária, a minha vida e se
duvidasse até o meu caralho ele controlava. Eu já estava fazendo a
abertura de shows de grandes ícones da música country, mas tudo
caiu por terra quando meu pai foi internado no hospital com cirrose
hepática e precisei de dinheiro para pagar a conta. — Ele abaixou o
olhar, havia uma tristeza profunda em seu rosto.
— O filho da puta não te entregou o dinheiro? — Luigi
questionou, os olhos faiscando de raiva.
— Não. — Negou com a cabeça e voltou a olhar para Luigi.
— Nessa mesma semana descobri que não tinha um centavo e meu
pai morreu.
— Filho da puta! — Luigi rosnou e bebeu o uísque com
urgência como se necessitasse do amargor da bebida para assimilar
aquela história.
— Sinto muito… — Suspirei, chateada. Conhecia bem a dor
da perda.
— Fiquei com uma dívida com o hospital que estou pagando
até hoje. Trabalho em dois empregos para dar conta da hipoteca da
casa onde vivo com minha esposa e filho, e da dívida do hospital.
Durante o dia, trabalho aqui e à noite, quando me chamam, toco em
bares.
— Esse ladrão vai encontrar o dele… — Luigi falou,
revoltado.
— Sr. Dawson, você tem qualquer prova disso que
pudéssemos anexar no processo?
— Infelizmente não, não tenho prova nenhuma. Ele age por
meio de procuração, saca o dinheiro do banco e faz o que quer.
Sem rastreio. Simples assim: é a minha palavra contra a dele.
— Nesse caso, se fôssemos aos tribunais, você poderia
testemunhar contra ele? — questionei.
— Se garantirem que minha família ficará protegida, posso
ser testemunha. Mas se a acusação colocar um alvo nas costas das
pessoas que amo, prefiro não ajudar. Já perdi demais — declarou e
meu coração chegou a doer.
— Tudo bem. — Assenti e bebi um gole de água antes de me
levantar do banco. — Vamos garantir que sua família esteja em
segurança antes de citar o seu nome no processo.
— Valeu por nos contar a sua história — Luigi agradeceu e
sorveu o último gole de uísque. — Te dou a minha palavra de que
vamos fazer esse porco pagar por tudo.
Paul assentiu e deixamos o bar, digerindo tudo o que ele
tinha nos contado. Na saída, enquanto Luigi acendia um cigarro,
olhei para um carro prata que estava com o vidro fechado e tive a
impressão de que era Will. Estreitei os olhos para tentar focar, mas
o insulfilme não me permitiu ver além. Quando toquei o braço de
Luigi para perguntar se ele conseguia ver quem era, o carro saiu do
estacionamento e pegou a rodovia sentido Los Angeles.
— Tive a impressão de que era Will naquele carro. — Apontei
para o carro velho, mas Luigi não conseguiu ver.
— Duvido muito, Cindy. — Soprou a fumaça. — Will anda de
carrão, jamais dirigiria uma velharia dessa.
— Acho que você tem razão. Devo estar tão envolvida com
essa investigação que estou vendo a cara daquele desgraçado em
qualquer lugar.
— Bem provável. — Voltou a tragar. — Vou só fumar esse
aqui e já entro. — Meneou a cabeça em direção ao GMC preto.
Deixei Luigi fumando e entrei no carro. Meu celular tocou no
mesmo instante, era Hanna. Atendi e ela contou que o investigador
foi até a cafeteria para avisar que identificaram o assaltante com
tatuagem no pescoço. Disse que o bandido estava foragido e tinha
uma extensa ficha criminal, incluindo vários homicídios. Saber que
meus amigos ficaram na mira de um assassino fez um arrepio
percorrer minha espinha. O medo e o ódio ardiam em minhas veias.
— Nana, queria muito te visitar e te dar um abraço. Mas
preciso ir para a Rock Star, tenho que gravar a música que vou
apresentar no próximo programa.
— Sei que tem seus compromissos, Cicy. Mas queria que
soubesse disso, ainda mais que pode ter a ver com Will. Se cuide,
prima.
— Pode deixar, Nana. — Luigi entrou no carro e dediquei um
sorriso a ele. — Muito obrigada por me alertar. Se cuide também.
Amo você.
Desliguei o telefone e falei para Luigi tudo o que Hanna tinha
acabado de me contar. Assim como o pessoal da banda, ela não
fazia ideia da investigação que Luigi e eu estávamos fazendo. Mas,
depois de tudo o que acompanhou comigo, tinha ciência do quanto
Will era perverso. Dava medo saber que estávamos lidando com
gente tão perigosa.
Depois da nossa visita ao sr. Dawson, deixei Luigi na casa
dele. A caminhonete não estava, então Kit não devia ter voltado.
Não que isso fosse da minha conta, foi apenas uma constatação,
aquele tipo de pensamento que passa em sua mente sem que você
queira e que não tem significado relevante.
Luigi se ofereceu para me acompanhar durante a gravação,
mas eu preferia gravar sozinha. Até porque eu tinha um ritual:
sempre que eu terminava de gravar e o engenheiro de som ia
embora, eu ficava mais uma hora no estúdio, repassando a música
e vendo as possíveis variações. Aproveitando um pouco mais o meu
momento de cantora, a minha verdadeira vocação.
Joseph me deixou na Rock Star às 19h. Como a gravadora
era um lugar seguro, não tinha como entrar sem autorização, então
eu não precisava de segurança grudado em mim. Sendo assim,
combinei de ele me buscar por volta das 22h, com Dean, o
segurança da noite.
Durante o caminho tirei meu disfarce e voltei a ser Cindy
Harper. Quando entrei na gravadora, parei em frente ao balcão onde
Andy trabalhava.
— Oi, Cindy! — ela cumprimentou, animada.
— Oi, Andy! Muito obrigada por ter conseguido os contatos.
— Deu certo? — perguntou com entusiasmo.
— Conseguimos falar com um deles. — Sorri.
— Tomara que vocês consigam pegar o agente ladrão.
— Sim, tomara mesmo! — Assenti. — Bom, vou gravar. Se
eu não te vir mais, sinta-se beijada. — Dei uma piscadinha e ela
atirou um beijo no ar em resposta.
Agora eu precisava me concentrar e dar o meu melhor.
Aquela música tinha que ficar perfeita. Era uma declaração sincera
para Tommy. Estava na hora de me despedir dele e me permitir
viver.
Filhos de uma grande puta! Justamente o que Luigi e Cindy
eram. Aqueles dois merdinhas estavam cutucando a onça com vara
curta. Não tinham ideia do que eu era capaz de fazer com eles.
Como não desconfiei de que estavam mancomunados de propósito?
Claro que imaginei que Cindy pudesse dar com a língua nos dentes
a qualquer momento, mas achei que as minhas ameaças a fariam
repensar se deveria abrir sua boca grande e contar o motivo de ela
ter me trocado por aquele cretino do James Carter no início do ano
passado.
A verdade começou a vir à tona quando fui ao banco para ver
as linhas de empréstimos disponíveis e a gerente contou que Luigi
esteve na agência dias atrás. Aquele moleque tinha ido longe
demais. Agora ele possuía os extratos bancários e a confirmação de
que os relatórios que enviei não condiziam com a realidade.
O filho da puta estava agindo na surdina. Nos últimos dias, a
única mensagem que me enviou foi para informar que tocariam na
Itália, no casamento do irmão dele. Não contestou os relatórios nem
nada. Isso me fez ficar de orelhas em pé. Estava na hora de
acompanhar os passos daquele roqueiro de merda. Foi então que
abri o aplicativo rastreador que instalei no celular dele para seguir
seus passos.
Decidido a descobrir o que ele estava tramando, aluguei um
Honda sedan prata ano 2000 em uma pequena locadora e fui atrás
dele e da rata da Cindy Harper. Segui o carro dela pela rodovia até
que o motorista estacionou em frente a um bar que eu conhecia
muito bem. Um dos meus antigos agenciados trabalhava lá, isso
não devia ser coincidência.
Como sabiam sobre ele? Será que aquele caipira daria com a
língua nos dentes?
Embora a minha mente estivesse pilhada, fui paciente até
que eles saíssem do bar. Não podia perdê-los de vista nem por um
minuto. Mesmo que o rastreador instalado no celular de Luigi me
desse a sua localização, não havia garantia de que iriam embora do
bar juntos. Eu precisava ter certeza. No entanto, na saída, aquela
vadiazinha de merda ficou encarando o meu carro e tive que sair do
estacionamento para não levantar suspeitas. Estacionei a uns
quinhentos metros à frente, em um posto de gasolina.
Esperei que o carro dela passasse por mim para voltar para
estrada. Segui-os até a rua da casa de Luigi e passei batido para
que não me vissem. Dei uma volta na quadra e voltei a seguir o
carro de Cindy quando retornou para a via principal. Dessa vez,
Luigi não estava com ela. O rastreador tinha parado de se mover,
mas eu não tinha essa opção, Cindy poderia estar tramando algo e
eu precisava descobrir o que era.
Toda essa merda só estava acontecendo porque aquela
maldita se envolveu nos meus assuntos. A única coisa que se
passava em minha cabeça era que eu precisava me livrar daquela
rata e a mandar de volta para o esgoto de onde nunca deveria ter
saído. Já que ela tinha mais chances de foder com a minha vida do
que de me pagar, talvez fosse a hora de promover o encontro dela
com o namoradinho no inferno. Assim eu daria a dívida como paga
e voltaria a ficar em paz.
Cindy parou em frente à Rock Star e eu segui reto. Depois
virei na quadra seguinte. Estacionei o carro nos fundos do prédio da
gravadora. O que será que ela foi fazer lá àquela hora?
Possivelmente, foi gravar alguma música para o programa que EU
criei.
Você precisa fazer alguma coisa… Pense, Will. Pense, Will.
Esfreguei as mãos pelo rosto e tornei a olhar para a porta de
serviço escancarada. Os funcionários da limpeza e manutenção
saíam do prédio. Alguns fumavam e conversavam depois do
expediente. Então uma ideia começou a brotar em minha cabeça.
Ser filho de empregada, principalmente a de Trevor Woods,
proporcionou algumas vantagens. Aprendi muito cedo que no meio
de gente rica e esnobe, os empregados passam despercebidos.
Além disso, no fim, adquiri um bom conhecimento dos
bastidores daquele lugar. Quando criança, vinha frequentemente
com minha mãe. Na época, o sr. Wood confiava somente nela para
limpar o seu escritório. Então quando eu voltava da escola, vinha
direto para cá. Conhecia cada canto daquele lugar. Sem falar que
depois das sete da noite, a gravadora ficava quase vazia e alguns
andares não tinham uma alma viva.
Meus olhos correram para a vaga de carga e descarga. Havia
um caminhão com a porta de trás aberta e uns garotos
descarregando uma aparelhagem de som. Um deles tirou o boné
com o nome da transportadora e o deixou no assoalho do baú do
caminhão. Era a minha oportunidade de entrar na gravadora sem
ser notado.
Precisava agir rápido. Então quando o motorista do caminhão
se distraiu com o celular e os dois carregadores entraram com
carrinhos pela porta dos fundos, dobrei as mangas da camisa e
desci do carro. Sem ser notado, peguei o boné do carregador e
vesti. Ao lado, tinha uma prancheta que também peguei para
parecer mais realista.
Aproximei-me de um funcionário da gravadora que estava em
frente à porta, segurando uma bicicleta e procurava alguma coisa na
mochila. Ele parecia exausto.
— Boa tarde, camarada! — cumprimentei e ele ergueu o
rosto, assustado. — Pelo jeito, o dia foi difícil — falei, compadecido.
— Nem me diga… — Fechou o zíper da mochila. — Mas em
que posso ajudar?
— Cara, sou supervisor da entrega da aparelhagem e estou
muito apertado. Será que posso usar o banheiro de serviço?
— Então, cara, não é permitido entrada de gente não
autorizada, mas como não tem quase ninguém no prédio, acho que
você pode entrar. — Deu de ombros e apontou para dentro. —
Basta seguir o corredor até o final e virar a primeira à direita e
depois à direita de novo. Vai ver a plaquinha do sanitário.
— Muito obrigado, meu irmão! — agradeci e, voilá, sem
esforço, estava dentro da gravadora.
Havia câmeras espalhadas por todos os lados. Não podia
erguer a cabeça ou meu rosto se revelaria. A minha primeira parada
foi o vestiário. Alguns funcionários deixavam seus uniformes nos
armários e muitos nem se davam o trabalho de trancar com
cadeado.
No vestiário, por privacidade, não havia câmeras e para a
minha sorte, estava vazio. Tirei o boné e me dirigi ao armário de aço
cinza com portas vermelhas. Abri a primeira porta, mas o guarda-
volumes era de uma mulher. Merda! Então abri a segunda que
estava sem cadeado. Peguei a camiseta e era imensa para mim.
Caralho! Continuei procurando até que, na quinta tentativa,
encontrei um uniforme completo que me serviu.
Devidamente vestido com jaqueta, calça e boné, saí do
vestiário. Coloquei as luvas e peguei o carrinho da limpeza.
Assoviando, mas com a cabeça baixa, segui pelos corredores
vazios, passeando com a minha capa de invisibilidade de
funcionário da limpeza rumo a minha segunda parada: a sala de
imagens. Precisava saber onde a rata cor-de-rosa estava enfiada e
desativar as câmeras.
Entrei na sala de vídeo, onde também não havia ninguém.
Após os últimos funcionários saíram às sete da noite, ficavam no
prédio apenas alguns zeladores. Às vezes, era possível encontrar
algum produtor musical ou secretária trabalhando além do
expediente. Mas em geral, depois desse horário, a filmagem era
tudo o que a Rock Star tinha como registro de segurança.
Lá dentro, analisando os televisores, estalei os dedos,
prestando atenção em cada sala e corredor. A recepcionista ainda
estava no balcão da entrada, mas devia sair em breve. A sala do sr.
Wood estava vazia, assim como tantas outras. A ratazana estava no
estúdio de gravação e o engenheiro de som já estava de pé.
Acompanhei a movimentação até que ele acenou e saiu. Curvei os
lábios em um sorriso satisfeito e me agachei para soltar os cabos de
conexão das câmeras, fingindo que estava limpando. De hoje não
passava, aquela garota sumiria do mapa de qualquer jeito.
Em pouco tempo, os monitores ficaram com as telas escuras.
Fiquei de pé e voltei para o carrinho de limpeza. Agora já podia
seguir com a cabeça erguida. O sétimo andar era a minha última
parada antes de ir embora. Exatamente onde Cindy Harper estava.
Eu ainda não sabia como acabaria com ela, mas queria que fosse
uma morte lenta e dolorosa. Queria que ela tivesse tempo de se
arrepender de ter se metido nos meus negócios, de ter roubado a
minha ideia e me deixado de fora da negociação com a emissora de
TV.
Entrei no elevador de serviço, pensando nas possibilidades
que eu tinha para matá-la. Talvez eu a devesse estrangular, jogar
seu corpo minúsculo dentro do carrinho de limpeza e depois
desovar em um buraco qualquer. Não, seria muito arriscado,
precisava de algo um pouco mais rápido e sem muita exposição.
Outra opção seria provocar um pequeno incêndio no estúdio. Além
de parecer um acidente, também daria prejuízo para Trevor. Se bem
que, ele tinha seguro do prédio, então, no fim, só seria um
incômodo. Mas daria uma dor de cabeça mais do que merecida por
ele ser tão arrogante.
Empurrei o carrinho pelo corredor até chegar à porta do
estúdio de gravação. Deixei o carrinho encostado ao lado de uma
lata de lixo e caminhei até o vidro da sala. Dali, pude ver Cindy de
costas para mim, em frente ao piano. Parecia estar cantando, mas
como o ambiente era à prova de som, não dava para ouvir nada.
A sala em que ela estava tinha carpete no piso e nas
paredes. Mas, aparentemente, não havia sensores de incêndio.
Ótimo. Voltei ao carrinho de limpeza para checar se havia todos os
ingredientes necessários para fazer um coquetel molotov e, como
eu estava com sorte, tinha tudo: um dissipador, um combustível e
um condutor. Além de uma garrafa de uísque vazia dando sopa na
lixeira. Perfeito!
Com tranquilidade, preparei o coquetel explosivo e voltei à
sala de mixagem. Sem que ela me visse, subi na cadeira e tirei a
pilha do sensor de incêndio externo para que o alarme não tocasse.
Quando a fumaça invadisse as outras salas, com certeza, o alarme
soaria de modo automático e os bombeiros viriam de imediato. Mas
o estúdio de gravação era pequeno e coberto por material sintético e
dezenas de cabos de energia. Queimaria em poucos minutos. Com
certeza não daria tempo de salvarem a rata.
Tirei do bolso o isqueiro e antes de abrir a porta do aquário,
peguei um calço do chão para travá-la. Guardei no bolso e adentrei
a sala. Cindy, que estava compenetrada, pulou do piano feito um
gato com os olhos arregalados.
— Cindy Ladra Harper! — Abri o meu melhor sorriso e me
escorei no batente da porta, segurando a garrafa na mão.
— O que você faz aqui? — perguntou, dando alguns passos
trôpegos para trás. O peito subindo e descendo. O medo estampado
nos olhos.
— Sabe, Cindy, você fodeu com a gente. Poderíamos ter
muito mais coisas se você não tivesse sido a porra de uma traidora,
egoísta e gananciosa.
— Você me roubou e está roubando a 4Legend, assim como
roubou um monte de gente. Você não vale nada! — bradou com os
olhos úmidos.
Balancei a cabeça em negação e olhei para o isqueiro.
— Você é que não vale nada, Cindy Harper. Está na hora de
você se juntar ao seu namoradinho drogado no inferno. — Acendi o
pavio improvisado e olhei no fundo dos olhos dela. — Morra, sua
vadia filha da puta! — gritei e atirei a garrafa contra a parede da
sala.
O fogo explodiu e Cindy se virou para se proteger. Fechei a
porta e tirei o calço do bolso. Travei a porta de modo que ela jamais
conseguisse abrir. Ela correu até porta e começou a bater. A leitura
labial era nítida: me tira daqui, por favor!
Parei por um breve momento e observei seu desespero. Vê-
la implorando pela vida me deu prazer. Acenei com a mão e dei as
costas. Precisava vazar dali. Empurrei o carrinho em direção ao
elevador. Mas o visor marcava que o elevador estava subindo e
quase chegando no andar.
Fodeu!
Corri para o outro lado e me escondi atrás da mesa da
secretária. Não podia ser pego. Precisava sair dali o mais rápido
possível ou não teria mais como fugir. No entanto, com o incêndio, o
elevador não era mais uma opção. Teria que descer pelas escadas
de emergência que ficavam do outro lado do andar. Aquela não era
hora de pensar, era hora de correr.
Entrei no elevador da Rock Star Records um pouco
decepcionada. Não imaginei que encontraria a gravadora tão vazia.
Achava que uma grande empresa como aquela tinha uma demanda
enorme de trabalho. Estava crente de que encontraria alguns
artistas e conheceria vários funcionários, e que algum deles me
daria informações sobre Cindy Harper. Mas não foi o que aconteceu.
Andy me recepcionou com a notícia de que Cindy estava sozinha no
estúdio que ficava no sétimo andar.
Como já estava ali, então não teria razão para desistir de
assistir à popstar. Sem muita alternativa, abortei a “operação
detetive”. Mas ainda teria que pensar em uma boa desculpa por
estar invadindo a gravação sem convite.
Ao sair do elevador no sétimo andar, quase tropecei em um
carrinho de limpeza que estava bem na frente. Que gente
descuidada! Revirei os olhos e segui pelo corredor silencioso, mas
meu coração acelerou quando vi fumaça vindo de uma sala. Cobri a
boca e o nariz com o braço e corri naquela direção.
Meu Deus! Será que tinha alguém ali? Cindy?
Entrei na sala e vi Cindy pelo vidro do aquário. Ela estava
tossindo e esmurrando a porta. Mas quase não se ouvia nada. A
sala estava pegando fogo, a fumaça escapando pela fresta da porta
e fazendo uma nuvem que dificultava a minha aproximação. Ela
morreria se eu não a ajudasse sair. Forcei a abertura da porta, mas
a fumaça que subia não estava ajudando. Comecei a ter uma crise
de tosse, mas precisava me controlar e agir, não havia tempo.
O alarme de incêndio começou a tocar e o estrondo de algo
caindo no chão me fez olhar para trás. Um vulto passou em
disparada pelo corredor, derrubando uma lata de lixo no caminho.
Não consegui ver direito, mas parecia um homem.
Será que aquela pessoa tinha feito aquilo com Cindy?
Voltei a forçar a porta, não tinha tempo para ficar refletindo
sobre isso. Por mais que eu me esforçasse, a coisa não cedia.
Cindy estava ficando fraca e comecei a me desesperar. Pelo visto, a
porta não estava trancada, mas algo a prendia.
Eu puxava de um lado e Cindy empurrava de outro. O fogo
aumentando na sala, a fumaça sufocando a nós duas. Ajoelhei-me
em busca de alguma coisa que estivesse travando a porta e achei
um calço. Levantei-me outra vez, tossindo muito. Chutei a trava com
toda força que tinha, uma e outra vez, até que a porta se abriu.
Cindy saiu da sala cambaleante e a apoiei em meu corpo. Ela
era bem menor do que eu. Se eu já tinha arrastado Luigi que tinha
1,86 m de altura, Cindy que não tinha nem 1,60 m seria fichinha.
— Temos que sair daqui… — Abracei-a.
Cindy com o corpo lânguido, apenas assentiu.
Seguimos as placas indicativas da saída de emergência.
Precisava sair dali. Teríamos que enfrentar alguns lances de escada
até chegar à saída do prédio. Com muito esforço, e Cindy tossindo
muito e quase não conseguindo respirar direito, conseguimos
chegar até o salão de entrada, onde desabamos. Quando pisquei os
olhos vi Andy com o celular no ouvido e vindo em nossa direção.
— Meu Deus! Kit, Cindy, vocês estão bem? — Andy
atropelou as palavras, agachando-se em minha frente.
Cindy e eu estávamos sentadas e escoradas na parede,
tentando nos recuperar. Olhei para Cindy, que apenas assentiu para
que eu continuasse. Mas antes que eu abrisse a boca, Andy me
interrompeu.
— Antes de qualquer coisa, vamos cuidar de vocês e tirá-las
daqui. A qualquer momento, os bombeiros e os policiais vão chegar,
e a frente vai ser tomada pela imprensa. Venham, vou levar vocês
para uma sala e pedir para um paramédico examiná-las lá.
Conseguem andar?
Fizemos que sim com a cabeça e Andy nos ajudou a ficar de
pé, depois nos conduziu a uma sala próxima. Pelo canto de olho,
consegui ver que já havia muitas ambulâncias e carros de polícia
fechando o perímetro. Além de alguns curiosos se amontoando do
outro lado das paredes de vidro.
Na sala, nos sentamos em um sofá que havia no canto e
Andy saiu apressada, retornando em menos de um minuto com dois
paramédicos a reboque. Um deles era senhor que devia estar na
casa dos cinquenta anos e que o tempo todo reclamava dos tais
“artistas e seus tratamentos VIPs”, pelo jeito, aquele não era o
protocolo e o irritou muito. Mas o outro mais jovem apenas riu dos
resmungos enquanto checava meus sinais vitais.
Eles nos deixaram tomando oxigênio, após se certificarem de
que não houve nada mais grave com a gente. Quando me senti um
pouco melhor e enfim consegui fazer uma respiração completa sem
quase me sufocar, olhei para o lado, onde Cindy ainda estava sendo
atendida.
— Você está bem? — perguntei, analisando seu rosto sujo de
fuligem.
— Estou sim, graças a você, Kit. Muito obrigada! —
agradeceu, afastando a máscara de oxigênio. — Mas como você
apareceu no estúdio? — Fitou o meu rosto, curiosa.
— Bom… — Encarei meus pés, constrangida. — Para falar a
verdade, Andy, a secretária daqui, foi levar uns documentos lá em
casa para Luigi e comentou da sua gravação, e eu perguntei se
poderia te espiar em serviço. Mas não conta pra ninguém. Ela pode
perder o emprego… — Voltei a encarar Cindy.
— Sem problemas. — Balançou a cabeça em negação. — Se
você tivesse me dito que queria assistir, poderíamos ter vindo
juntas. Quer dizer… esquece… pensando bem… acho que foi Deus
que te enviou para me salvar. — Cindy suspirou e engoli em seco,
forçando um sorriso.
Os meus motivos para estar naquele estúdio eram bem
menos divinos. Mal ela sabia que eu tinha passado a tarde na cola
dela e de Luigi. Eu os segui desde que saíram de casa juntos.
Fiquei muito intrigada com a ida deles a um bar mequetrefe de beira
de estrada. O local estava longe de ser um ambiente que Cindy
costumasse a frequentar. De lá, os segui até em casa e depois
fiquei na cola dela até a gravadora. No entanto, como não queria
chegar na Rock Star ao mesmo tempo que ela, fui ao Mc Donald’s
fazer um lanche. Então uma coisa levou a outra e lá estávamos
tentando nos recuperar após uma experiência de quase morte.
De repente, a porta da sala voltou a abrir e Andy entrou com
um policial.
— Meninas, esse é o investigador Coleman, ele vai pegar o
depoimento de vocês sobre o que aconteceu — Andy apresentou.
— Vou deixá-los, mas se precisarem de qualquer coisa, é só me
chamar. Estou lidando com a confusão, mas venho correndo. Quer
que eu ligue para alguém?
— Não precisa, a gente cuida disso — Cindy respondeu.
— Tudo bem. — Andy assentiu e deixou a sala, fechando a
porta.
— Boa noite! — O investigador da polícia se aproximou e o
cumprimentamos. — Posso fazer algumas perguntas para vocês?
— Claro — Cindy concordou e o homem começou.
Estava indo tudo bem até o policial questionar se alguém
havia estado com ela no estúdio além do engenheiro de som e ela
contar que Will Parker foi quem ateou fogo na sala e a trancou de
propósito.
Por que diabos Will faria isso? Por que ele tentaria matá-la?
Então será que foi o vulto dele que vi?
As dúvidas me açoitavam com força. Que Will não gostava da
Cindy, eu já sabia. Mas não fazia o menor sentido ele tentar matar a
garota. Até o policial ficou surpreso com a revelação. Em seguida,
Cindy contou que eu apareci e a salvei. Então, o interrogatório se
voltou para mim. A Sherlock Kit Holmes, que só tinha ido fuçar a
vida alheia, acabou se transformando na salvadora da pátria. Ou
melhor, da Cindy Harper.
Contribuí dizendo sobre o vulto que passou correndo pelo
corredor, e das características que eu me lembrava e que batia com
as de Will. No fim, após o investigador ter recolhido os depoimentos
e saído da sala, fiquei de pé e parei em frente a Cindy, olhando
fixamente nos olhos dela.
— Acho que depois dessa merda toda, você me deve uma
explicação.
— Com certeza. — Ela assentiu, sem contestar. — Mas acho
melhor sairmos daqui antes que apareçam os repórteres e a gente
vire notícia.
— Beleza! Então, vou avisar a Andy e buscar o carro que
está no estacionamento do prédio, depois a gente vai lá pra casa.
Mas no caminho, você vai me contar tudo o que aconteceu — falei
em tom quase autoritário.
— Tudo bem. — Soltou um suspiro, resignado. — Você
poderia me emprestar seu celular para eu avisar meu motorista?
Minha bolsa ficou no armário da sala de mixagem.
— Claro. — Tirei o celular do bolso da calça jeans. — Fique à
vontade. — Entreguei o aparelho desbloqueado e ela agradeceu.
Saí da sala e logo avistei Andy. Pedi que ela conduzisse
Cindy de modo discreto até a saída dos fundos, onde eu a pegaria.
Enquanto caminhava em direção ao carro, mil teorias tentavam
surgir em minha mente. Eu não conseguia imaginar o que tinha
acontecido para Will odiar tanto Cindy a ponto de tentar matá-la.
Pegando o carro, parei no lugar combinado e Cindy embarcou. Ela
usava algumas peças de roupa de Andy para se disfarçar, inclusive
um lenço na cabeça.
— Obrigada pelo celular. — Colocou o aparelho sobre o
console central e puxou o cinto de segurança.
— Bom, agora, Cindy, desembucha. Sou toda ouvidos. — Dei
partida no carro, ansiosa para ouvir o que ela tinha a dizer.
Cindy suspirou e começou a contar tudo, desde antes de
conhecer Luigi. Contou que Will foi o seu agente por um ano até que
ela descobriu que estava sendo roubada. Ela explicou que
conseguiu se afastar de Will depois que James Carter aceitou ser o
seu empresário. Disse que não era nada fácil conseguir ser
agenciada por algum desses figurões de Hollywood, mas como ela
tinha fãs em todo o mundo, Carter aceitou trabalhar com ela.
Ela também contou que quando conheceu Luigi na Rock Star
e viu que ele estava desconfiado de Will, não conseguiu deixar de
se compadecer. Cindy não o conhecia a ponto de revelar passado
dela, porém, sabia que Will Parker não era flor que se cheirasse e
que, sem dúvida, estava aprontando algo. Incialmente, ela queria
ajudar, mas sem se envolver. Por isso, apenas propôs saírem juntos
para encontrar Trevor em eventos sociais.
Fiz um grande esforço para não interromper o relato dela.
Ouvi calada, absorvendo todos os detalhes. Por um lado, eu
entendia o fato de Cindy ter medo de alertar Luigi sobre Will e
acabar se ferrando. Mas por outro, eu não entendia o motivo de
Luigi ter escondido da banda a sua desconfiança. Ele nem sequer
confiou em mim que era a sua melhor amiga. A raiva que eu estava
sentindo do Luigi só cresceu depois disso.
— Sabe, Kit, fiquei devastada quando Luigi apareceu todo
machucado. Redobrei a segurança e ofereci ajuda. Mas para fazer
isso, ele precisou fingir ser meu namorado, assim garantimos
segurança para vocês também… — Cindy continuou.
— Quer dizer que vocês nunca tiveram nada? Tudo o que
fizeram, os toques, encontros, tudo foi mentira? — interrompi,
desviando o olhar da estrada para ela.
— Tudo… — Cindy concordou com a cabeça. — Até mesmo
as vezes que ele dormiu lá em casa, foi porque estava sendo um
bom amigo e me consolando quando tinha minhas crises de medo.
Os encontros também foram apenas saídas para nossa investigação
do Will. Sinto muito pelas mentiras terem ido longe demais.
Entendia que Luigi queria proteger a banda, mas ele não
podia ter feito isso sem nos consultar. Ele simplesmente tomou a
decisão pelo grupo e assumiu toda a bomba sozinho. Nos tratou
como crianças, inventando histórias para nos poupar.
Senti um misto de alívio por tudo aquilo ser mentira, e
decepção por ter sido enganada. Não apenas por Cindy e Luigi,
mas, principalmente, por ter me deixado levar pela lábia do Will. Caí
como patinho nas enganações dele. A raiva era tanta dentro de mim
que senti meu corpo tremer.
Will havia enlouquecido. O cara tinha bons contatos no meio
artístico, era descolado, então por que teve que se sujar? Se tivesse
ido pelo caminho certo, teria Cindy com ele. E talvez muitos outros
artistas promissores.
— Entendo que vocês tiveram boas intenções… — comecei,
apertando o volante para tentar assumir um pouco de controle do
caos que estava se formando dentro de mim. — Mas fizeram tudo
errado. Só que não faz sentido eu discutir com você agora, sendo
que tem mais gente que precisa participar dessa conversa.
Agradeço por ter me contado a verdade, mas agora preciso ouvir da
boca do Luigi.
Peguei o celular do console e enviei um áudio para nosso
grupo de WhatsApp, comunicando que faríamos uma reunião
emergencial naquele instante e que queria todos em casa. Avisei
que Cindy e eu já estávamos a caminho. Larguei o aparelho de volta
no lugar e me concentrei no trânsito. Estava com pressa para
chegar em casa.
— Luigi não fez por mal — Cindy disse, tentando amenizar a
minha chateação enquanto se afundava no banco.
— Disso, é ele vai ter que me convencer. Ouvi as suas
motivações, agora preciso ouvir as dele. Mas ele precisará de muito
mais do que um bom motivo para ter mentido para todos…
Coloquei um fim naquela conversa. Naquela altura, nada do
que Cindy dissesse sobre Luigi me faria mudar de opinião. Porque a
mentira dele ia muito além de uma justificativa. Talvez Cindy não
fizesse ideia da amizade que Luigi e eu tínhamos desde criança. Do
quanto tínhamos sido confidentes até dias atrás. A decepção estava
me matando.
A mensagem de Kit me deixou bastante apreensivo. A voz
dela estava muito estranha. Pelo visto, o assunto era sério. Nick e
eu estávamos na sala de som quando recebemos a notificação. Fly
respondeu na hora que estava a caminho. Ele tinha ido com a minha
moto até a cafeteria de Hanna. Se tivesse saído de lá na hora que
avisou, chegaria em casa em menos de cinco minutos.
Não fazia ideia do que tinha acontecido para Kit estar
daquele jeito. Fomos para a sala para esperar pelas meninas.
Acendi um cigarro e servi uma dose uísque para mim e para Nick.
Era melhor estar mais amortecido caso viesse uma pancada.
— Qual é o B.O.? — Fly entrou em casa, também com ar
preocupado.
— Não fazemos a menor ideia. — Balancei a cabeça,
pensativo.
— Mas é melhor pegar uma dose de uísque. Coisa boa não
é. — Nick sorveu um gole do dele e se sentou no sofá. Eu estava
ansioso demais para me sentar.
— Boa noite, todo mundo aqui? — Kit perguntou assim que
entrou em casa. Ela e Cindy estavam sujas de fuligem e senti meu
estômago se contrair.
Caminhei até elas, olhando de uma para a outra.
— O que aconteceu? Vocês estão bem? — As palavras
saíram trôpegas da minha boca.
— Aconteceu muita coisa… — Kit respondeu com aspereza,
fitando meus olhos e dando um passo para longe. — Mas o mais
importante é que Will tentou matar Cindy na gravadora. O cara
provocou um incêndio. Se eu não chegasse a tempo, ela poderia ter
morrido
— Quê? — Senti o sangue desaparecer do corpo. — Como
assim? — Fitei o rosto de Cindy, enquanto Fly e Nick se
aproximavam agitados.
— É isso o que vocês ouviram. — O rosto de Kit estava
exageradamente sério. — Estamos bem, mas temos muita coisa
para falar antes de chegar nesse ponto. Primeiro, Cindy e Luigi nos
devem algumas explicações para que tudo faça sentido. Não é,
Luigi? — Ela me encarou, a raiva brilhando em seus olhos.
Merda! Kit só podia estar se referindo a uma coisa: ela sabia
de tudo.
— Podemos nos sentar? — Cindy perguntou, com cara de
pesar.
Todos sentaram-se, menos eu e Nick, que foi até a cozinha
pegar água para as meninas. Obriguei-me a beber outro gole de
uísque enquanto ele não voltava. Depois que ele entregou a água e
perguntou se as duas queriam algo mais, se sentou no sofá, diante
de mim.
— O que aconteceu? — Nick me encarou desconfiado.
Sorveu um gole da bebida dele e Fly, que também tinha um copo de
uísque na mão, o acompanhou.
— Olha, gente, Cindy poderia contar a versão dela da
história, mas como acabei de escutar, confesso que estou bem mais
interessada na versão de Luigi. O palco é seu. — Kit meneou o
queixo em minha direção.
Olhei apavorado para Cindy, que ergueu os ombros, o olhar
dela confirmava que Kit já tinha descoberto a verdade. Engoli em
seco, agora eu tinha todos os olhares sobre mim. Não estava pronto
para aquilo, mas não tinha como escapar agora. Então, sorvi o
último gole e comecei a contar toda a verdade.
Conforme eu ia contando, Nick contraía o maxilar. Ele estava
furioso. Cindy, que estava sentada ao lado dele, tentou mantê-lo
calmo, sempre tocando em seu braço. Fly parecia surpreso e um
pouco chateado, mas não estava irritado. Já Kit, caralho, a minha Kit
me encarava com decepção e pura raiva, até mais do que Nick.
— Nunca quis magoar nenhum de vocês — concluí, me
sentindo esgotado. — Tudo o que fiz foi para protegê-los. Apenas
queria nos livrar de Will.
— Sabe, mano, você não tinha o direito de esconder isso da
gente. — Nick balançou a cabeça em negação. O olhar era um
misto de frustração e mágoa. — Ninguém aqui é criança, porra! Se
você sabia que Will estava nos roubando, por que escondeu isso da
gente? Poderíamos estar nessa juntos, porra. Juntos! Como sempre
foi! — gritou, o corpo ficando tenso.
— Caralho, brother. — Larguei o copo vazio sobre o balcão.
— Você acha que eu não queria ter contado antes? Que escolha eu
tinha?!— inquiri, exasperado, aumentando o tom de voz também.
Nick se levantou e se aproximou de mim. Suas narinas
dilatadas, ele estava possesso, a um passo de me encher de
porrada.
— A gente sempre tem escolha, cara! E se você quisesse,
teria feito a certa desde o começo. Teria escolhido a verdade. O que
você não teve foi coragem! — Nosso rosto estava muito próximo. —
Mas quer saber? Dane-se, o que tá feito, está feito. O que importa
agora é que você cagou pra nossa amizade. Fodeu com a confiança
que tínhamos em você. Faz dois meses que você está escondendo
essa merda, e se Kit e Cindy não tivessem quase morrido no
incêndio, não estaríamos aqui tendo essa conversa.
Puta merda!
Nesse instante, não tinha mais ninguém sentado. Enquanto o
clima esquentava, cada um foi ficando de pé, prevendo que algo
muito ruim aconteceria.
— Nick! — Cindy avançou e segurou o braço dele como se
quisesse evitar uma briga. — Luigi não fez isso sozinho, fui eu que
dei a ideia de fingirmos um namoro para que a equipe de segurança
pudesse proteger a todos.
Nick desviou o olhar para Cindy, havia uma nuvem de mágoa
pairando em seus olhos.
— Vocês não passam de mentirosos. — Deu um passo para
trás e voltou a me encarar. — Fingir um namoro é o de menos. O
problema é que nenhum de vocês tinha o direito de esconder que a
banda estava sendo lesada. Sabiam de tudo e esconderam essa
porra por DOIS malditos meses. — Levantou os dedos, fazendo
questão de frisar o tempo.
— Porra, Nick! Você acha que foi fácil pra mim e Cindy? —
Umedeci os lábios, a respiração acelerada. — Nós dois fomos
obrigados a esconder coisas das pessoas que a gente gosta. Até
mesmo nos afastar de quem a gente ama para proteger a todos e
juntar provas. Não podíamos acusar Will sem ter nada concreto, não
podíamos colocar vocês na mira dele. Eu faria qualquer coisa para
manter vocês a salvo… E fiz! — Desviei o olhar brevemente para
Kit, sentindo a tristeza de tê-la perdido para outro cara. — Tive até
que abrir mão de lutar pela mulher que amo de verdade pra tentar
resolver essa merda… Fiz tudo isso por nós…
— Olha, Luigi, você sempre foi meu melhor amigo. Meu
irmão. E as coisas que eu mais admirava em você eram a sua
sinceridade e lealdade. Você nunca mentiu ou traiu. O que
aconteceu com você, cara? — Balançou a cabeça, a decepção
transbordando dos seus olhos.
— Já falei que só fiz isso para proteger as pessoas que amo,
caralho!
— Chega vocês dois! — Kit interveio. Ela parou entre nós. A
raiva que antes eu via em seus olhos, foi substituída por algo que eu
não consegui identificar. — Concordo com você Nick. — Ela o
encarou. — Eu me senti uma idiota no meio disso tudo, mas agora a
merda já tá feita. E não podemos atacar uns aos outros quando
temos uma ameaça maior: Will. Agora é hora de nos unir.
— Kit tem razão. — Foi a vez de Fly se manifestar. Ele
também se posicionou entre mim e Nick. — A gente está com um
problema sério, cara. Cindy e Luigi já explicaram seus motivos. Se a
gente concorda ou não, é outro assunto. Mas a merda tá feita e
precisamos resolver. Ficar apontando dedo não vai ajudar em nada
agora. Precisamos decidir o que fazer. Demitir Will? Quem vai
assumir a gestão da banda? Temos coisas mais importantes para
pensar nesse momento do que ficar discutindo.
—A gente vai se virar como sempre fizemos — Kit disse,
resoluta.
— É isso aí, se conseguíamos antes, vai dar certo agora
também — Fly concordou.
— Preciso assimilar tudo isso. — Nick assentiu com um
meneio, baixando a guarda. — Não sei se quero continuar nessa
merda, vou pro meu quarto, mas amanhã a gente conversa. — Ele
dedicou um último olhar para mim e Cindy, se afastou e seguiu para
o andar de cima.
Os olhos de Cindy se encheram de dor. Nick valorizava a
verdade e ela ter mentido durante esse tempo todo não a ajudava
em nada. Seria difícil construir uma ponte entre eles depois disso.
Nick precisaria de tempo para digerir e aceitar. Se é que ele
aceitaria.
— Pessoal, desculpa… — Cindy sussurrou, chateada. —
Mas Luigi e eu só estávamos tentando ajudar.
— Essa mentira virou uma bola de neve e vai demorar um
pouco até que todo mundo assimile. Mas fique tranquila, Cindy, a
gente já entendeu o seu lado. O problema é que aqui ninguém
entendeu os motivos de Luigi. — Kit se manifestou, pousando a mão
no ombro de Cindy.
Meus olhos se encontraram com os de Kit outra vez. Não
sabia se ela me perdoaria por todas as omissões e mentiras que eu
tinha contado, mas não havia mais o que eu pudesse fazer ou dizer.
Daquele ponto em diante, só dependia dela.
— Como Nick falou… — Dei de ombros, entorpecido. —
Amanhã a gente conversa. Boa noite. — Despedi-me com um
meneio de cabeça e me dirigi para o quarto.
Tinha ferido as pessoas que eu mais amava. Não sei se
depois daquela discussão eu teria amigos ou banda. Talvez aquele
fosse o fim do nosso sonho. Sem empresário, sem dinheiro, sem
confiança, sem amizade… Estávamos todos muito alterados com a
situação. Precisávamos de um tempo para pensar no que faríamos
a seguir.
Entrei em meu quarto, sentindo uma dor dilacerante no peito.
Não queria voltar para o Brasil. Não queria dar o braço a torcer para
o meu pai. Não queria aceitar que ele estava certo e que viver de
música era um erro. Não conseguia acreditar que tinha perdido Kit.
Ela era a minha melhor parte e eu a tinha perdido. Naquela altura,
eu não tinha nem o amor nem a amizade, e se duvidar, nem mesmo
o respeito dela.
Inspirei fundo e fui para a sacada fumar um cigarro. Acendi
um e me debrucei no peitoril, fitando tudo a minha volta: os
seguranças fazendo a vigília, o motorista aguardando Cindy entrar
no carro, a lua crescente no céu estrelado, nada daquilo parecia
real. Era como se eu estivesse sonhando. Como se a qualquer
momento fosse acordar e tudo aquilo não tivesse passado de um
pesadelo.
— Mais uma vez, desculpa, Kit. — Cindy me abraçou em
despedida, do lado de fora de casa.
— Agora já foi, o que precisamos é nos concentrar no que
vem a seguir. — Desvencilhei-me e tentei sorrir, mas não deu. —
Mas amanhã a gente vai sentar e conversar — repeti as palavras
dos meus amigos. — Vamos resolver as coisas.
— Vão sim. — Ela apertou os lábios em uma linha fina,
assentindo com a cabeça. — Olha, eu não devia falar nada ou me
meter na vida dos outros. Mas estou tão envolvida com vocês que
me sinto à vontade para dizer. — Encarou-me de um jeito quase
perfurante. — Sabe Kit, Luigi é louco por você. E tá na cara que
você o ama. Eu perdi o meu namorado da maneira mais cruel que
alguém poderia perder. Tommy morreu nos meus braços e eu não
pude fazer nada para salvá-lo. Diante da impotência, a minha maior
dor foi não ter dito o quanto o amava por uma última vez. Se vale o
conselho, não tenha medo de amar aquele homem. Luigi é capaz de
tudo por você.
— Ele é realmente capaz de tudo. Até de mentir para a sua
melhor amiga — retruquei, magoada. Apesar de entender sua dor, a
minha situação com Luigi era bem diferente. — Mas deixando Luigi
de lado, já que estamos trocando verdades, talvez fosse bom que
soubesse que Nick gosta de você. E agora que sei que você e Luigi
nunca foram um casal, entendi a sua troca de olhares com Nick.
Então, se vale o conselho… — repeti as palavras dela. — Eu diria
para você não desistir do amor.
— Obrigada por se importar Kit. — Cindy sorriu, um misto de
esperança, alívio e medo agarrados ao seu rosto.
Apenas assenti. O meu coração estava apertado demais e eu
estava a ponto de chorar. Tínhamos acabado de sair de uma
situação de risco que nem sequer tive tempo de me recuperar. E
logo em seguida, levei uma surra de verdades que eram difíceis de
engolir. Mas a pior delas: o meu melhor amigo não confiou em mim.
Depois que Cindy entrou no carro, voltei para dentro de casa.
Fly estava ao lado do balcão de bebidas. Ele serviu outra dose de
uísque para ele e uma para mim.
— O que você acha que vai acontecer com a gente depois de
tudo isso? — Entregou-me um dos copos.
— Não sei, Fly. — Balancei a cabeça em negação. — Luigi e
Nick se estranharam como nunca fizeram antes. — Sorvi um gole de
uísque que desceu arranhando a minha garganta.
— A gente vai ter que segurar a onda, Kit.
— Só não sei como. — Suspirei, temerosa. — Perdemos
muito até aqui, não gostaria de perder mais nada.
— Nem eu… — Fly bebeu sua bebida em único gole.
— Ainda bem que, fora o casamento do Lucca, não temos
shows nos próximos dias. Isso vai dar tempo de eles se
entenderem.
— Tomara. — Bebi mais um gole, pensativa. — Vou tentar
falar com Luigi…
— Faz isso. — Fly deixou o copo sobre o aparador e se
dirigiu as escadas. — Boa noite, Kit.
Eu me despedi e fitei o líquido âmbar em meu copo. Mesmo
que Luigi tivesse mentido, ele alegou que foi por amor à banda.
Disse que só quis nos proteger. Claro que doía o fato de ele não ter
confiado em mim, mas pude ver em seus olhos que ele estava
dizendo a verdade. Ele estava sofrendo tanto quanto a gente ou até
mais.
Eu tinha duas opções: ir para o meu quarto, me fechar para o
mundo e chorar por tudo o que aconteceu ou ir até o quarto de Luigi,
colocar todas as cartas na mesa e ser para ele o apoio que sempre
fui quando ele mais precisava. Sorvi o último gole de uísque, com
minha decisão tomada.
Subi as escadas tentando buscar as palavras que diria, mas
nada do que eu pensava era bom ou coerente o suficiente. Parei em
frente à porta do quarto dele e respirei fundo antes de abrir.
Então bati na porta e esperei, mas ele não atendeu. Então
criei coragem e entrei, trancando a porta em seguida. A luz do
quarto estava apagada e apenas o luar invadia o ambiente.
Encontrei Luigi na varanda, apoiado na balaustrada, cabisbaixo. Vê-
lo assim fez meu coração apertar um pouco mais. Atravessei o
quarto e me apoiei no parapeito ao seu lado.
— Oi… — falei baixinho, olhando para ele. Luigi virou o rosto,
parecendo surpreso em me ver. Cumprimentou e voltou a fitar o
chão. — Acho que temos vários assuntos inacabados… — Comecei
a dizer. Ele se retesou, fixando o olhar em mim. — Sabe, quando
Cindy me contou tudo, fiquei muito puta com você. Me senti traída
como nunca. Queria te caçar e te encher de porrada. Mas sabia que
o certo era primeiro abrir o jogo com a banda, afinal, somos uma
família e o que você fez afetou a todos. E foi o que decidi fazer.
Parei por um momento e engoli em seco, depois fitei os olhos
dele e dei um passo em sua direção.
— Mas nós dois temos um outro assunto muito importante
para resolver — continuei. — Um que já passou da hora. A gente
veio muito antes da banda. Éramos crianças quando demos o nosso
primeiro beijo. — Sorri da lembrança e dei mais um passo em sua
direção, diminuindo quase que por completo o espaço entre nós.
Luigi tinha chamas nos olhos, mas não se moveu. — Aos
dezessete, nos beijamos outra vez e dias atrás você me beijou de
novo…
— Quer que eu peça desculpa por ter te beijado? — Luigi
esboçou um sorriso triste.
— Não. — Meneei a cabeça. — Na verdade, eu quero te
beijar agora. — Espalmei minhas mãos em seu peito e senti o calor
emanar, mesmo por cima da camiseta.
— Você tem namorado, Kit. Acho que Derek não vai gostar
de saber que você o traiu. Muito menos comigo — falou com a voz
arrastada, visivelmente perturbado com a minha aproximação.
— Não tenho e nem nunca tive namorado — confessei e os
olhos azuis profundos dele nublaram. Naquele instante, pude ver a
sua alma.
— Então quer dizer que você mentiu para mim? —
questionou, soltando uma risadinha irônica.
— Pois é, até nisso somos iguais. Um dos motivos para
mudar de ideia quanto a socar sua cara. Que convenhamos, já teve
sua cota de roxos do ano — brinquei.
Trocamos um sorriso cúmplice, mas o clima logo mudou
quando me aproximei e toquei o seu queixo com a ponta do meu
nariz, inspirando o seu perfume. Eu amava o cheiro da sua pele.
Podia sentir por trás do aroma de tabaco e menta.
— Sabe quando impus aquela regra de que éramos para ser
apenas amigos? — continuei, querendo desnudar de vez a minha
alma. Aquela era uma noite para verdades, então decidi me jogar de
cabeça. — Não disse isso porque não te desejava, mas por medo
de tudo que sentia. Mas agora percebi que essa coisa entre a gente
vai além da razão. E estou cansada de usar a sensatez como
barreira para algo que é maior do que eu e você.
— Mas… — Luigi começou.
— Sem “mas” — interrompi. Então envolvi meus braços em
seu pescoço e o beijei com o desejo pujante que reprimi por todos
esses anos.
Perdi o ar quando a língua de Luigi invadiu minha boca. Ele
me abraçou com força, suas mãos me apertaram contra seu corpo
firme feito rocha. Meus dedos se enredaram em seus cabelos loiros
e afundei a língua o máximo que pude. O beijo foi ficando cada vez
mais profundo.
Quando estávamos quase sem ar, Luigi abandonou os meus
lábios e sua língua traçou um caminho molhado pelo meu maxilar
até alcançar o lóbulo, me fazendo arfar.
— Caralho, docinho… Não acredito que a gente não fez isso
antes — sussurrou ao meu ouvido e o arrepio que invadiu o meu
corpo fez meu sexo pulsar.
Ele continuou me provocando, correndo sua língua pelo meu
pescoço até alcançar a clavícula. Suas mãos trilharam pelas minhas
costas e ele apertou minha bunda, me pressionado contra o seu
membro rígido enquanto remexia o quadril em um movimento
ritmado, a fricção me deixando mais excitada.
Desejando sentir o calor da sua pele, enganchei os dedos em
sua jaqueta de couro e a tirei sem melindre, deixando-a cair. Luigi
voltou a atenção aos meus lábios, o beijo ficando mais intenso. Com
facilidade, ele me tirou do chão e minhas pernas envolveram a sua
cintura. Ele caminhou comigo para dentro do quarto e sentou-se na
beirada da cama. Depois me posicionou em seu colo e pude sentir
sua ereção. Uma explosão de sentimentos e sensações percorriam
meu corpo. Meus dedos emaranharam ainda mais em seus cabelos
e minha boca aproveitou o sabor delicioso do seu beijo.
Luigi não parou de me tocar nem por um segundo. Enquanto
sua língua provocava descargas que seguiam direto para o meu
ventre, suas mãos vagavam pelas laterais do meu corpo com
urgência. Sem qualquer dificuldade, fez a minha camiseta voar
longe.
Deus do Céu como sonhei com isso.
Ele continuou provocando meus sentidos. Seu cheiro me
inebriando, seu gosto me deixando com mais tesão e a aspereza da
ponta dos dedos calejados da guitarra me causando arrepio. Seus
dedos subiram da base da coluna e encontraram o fecho do sutiã.
Luigi o abriu com facilidade e retirou as alças dos meus ombros.
Arqueei as costas para trás e com uma das mãos, ele segurou o
meu seio, a outra apoiando as minhas costas.
— Você é gostosa pra caralho… — sibilou contra minha pele
arrepiada e levou a boca até o outro seio. Um gemido escapou dos
meus lábios. Ele sugava com vontade, sua língua contornando meu
mamilo ao mesmo tempo.
Minha mente enevoada e completamente entregue era
incapaz de raciocinar. O que eu sentia era avassalador. Luigi tinha
fome do meu corpo, me tomava com avidez. Meus sentimentos
misturados às sensações que ele me proporcionava eram
indescritíveis.
Com um movimento brusco, Luigi me girou na cama,
deixando minhas costas sobre o colchão, mas mantendo a ponta
dos meus pés no chão. Fez um rastro de beijos molhados pela
minha barriga e se ajoelhou. Fechei os olhos e apenas aproveitei
cada sensação. Ele abriu o zíper das minhas botas e as tirou. Suas
mãos subiram exasperadas pelas minhas pernas até alcançarem o
botão do meu short, então tirou a peça de uma só vez. A força do
movimento me fez abrir os olhos e encará-lo, arfando. Luigi parou e
afastou a cabeça, lançando um pequeno sorriso antes de pegar a
minha meia-calça arrastão e rasgá-la. Arfei outra vez, e seu sorriso
alargou.
— Porra, você não sabe quantas vezes sonhei em fazer isso
— disse, a voz rouca.
Balancei a cabeça e abri um sorriso que logo morreu quando
Luigi se inclinou e arrastou o nariz pela parte interna da minha coxa.
Ele beijou minha intimidade por cima da calcinha, depois soltou uma
lufada de ar quente em meu sexo que me fez contorcer de tesão e
fechei os olhos outra vez.
— Caralho… — balbuciou outro palavrão e se levantou.
Meus olhos se abriram por instinto. Ele tirou a camiseta pelo
colarinho, se livrou dos coturnos e das meias, depois desabotoou a
calça.
Eu estava hipnotizada com seus movimentos. Vê-lo se despir
não era algo novo, mas vê-lo tirar a roupa para mim era alucinante.
Minha respiração estava acelerada e meu coração retumbava no
peito. Seu corpo definido e sua ereção projetada na cueca boxer me
fez umedecer os lábios com aponta da língua. Ele voltou a se
abaixar entre as minhas pernas. Passeou com língua em minha
barriga e enganchou os dedos nas laterais da minha calcinha.
Soltou mais um palavrão baixinho quando me viu completamente
nua.
Luigi não se conteve e mergulhou o rosto no meio das
minhas pernas, seu hálito quente tocou a minha intimidade e uma
corrente elétrica percorreu o meu corpo. Sua boca encontrou o meu
sexo e me retorci de prazer. Sua língua invadiu o meu centro, me
fazendo agarrar o edredom. Meus quadris se moveram em direção a
sua boca e ele gemeu.
— Não para… — Rebolei outra vez e ele afundou ainda mais
o rosto.
Sua língua percorreu cada dobra, cada orifício, sem reserva.
Ele cravou os dedos em minha bunda e me ergueu um pouco da
cama, me deixando ainda mais exposta.
Meu corpo era inteiro dele. Naquela altura, ele poderia fazer o
que quisesse comigo. A nossa amizade de uma vida inteira se
converteu em fogo. Um desejo incontrolável. Algo que jamais senti
por outro homem.
Luigi deu atenção a cada pedacinho de pele e me tocou com
devoção até o limiar do que a minha sanidade podia suportar.
Quando ele ficou de pé e tirou a cueca, me ajeitei na cama,
admirando a última parte que faltava ser revelada. Nossa troca de
olhar era intensa. Tínhamos esperado tempo demais, tínhamos
trancafiado aquele desejo insano que sentíamos um pelo outro por
tempo demais.
Luigi abriu a gaveta da mesinha ao lado da cama e retirou
uma camisinha. Ele rasgou a pequena embalagem com a ponta dos
dentes sem tirar os olhos de mim e colocou o preservativo no
membro, bem devagar. Eu continuava hipnotizada com seus
movimentos e, ao mesmo tempo, ansiava por seu corpo em cima do
meu. Quando ele voltou para a cama, engatinhou sobre mim e
segurou minhas mãos contra o colchão, nas laterais da minha
cabeça. A expectativa fez meu coração acelerar um pouco mais. Os
olhos de Luigi estavam presos aos meus, a excitação transbordava.
Então ele dedicou um olhar devasso e me penetrou com força.
— Porra… — grunhiu de tesão e o ar ficou suspenso.
A sensação de tê-lo dentro de mim foi além do que eu
imaginava. Nem em meus melhores sonhos aquela sensação foi tão
maravilhosa.
Luigi fechou os olhos e se moveu num vaivém firme e ritmado
que me tirou do eixo. Ele libertou minhas mãos e apoiou o peso do
seu corpo nos antebraços, roçando seu peito em meus mamilos
entumecidos e sensíveis de tesão. Sua boca beijando a minha sem
parar. Desejei tanto aquilo que eu sentia que precisava de mais.
Apoiei minhas mãos em seus ombros, decidida a mudar de posição.
— Vira! — pedi em um tom quase autoritário, empurrando
seus ombros para que ele se deitasse de costas na cama.
Ele obedeceu e saiu de dentro de mim por apenas alguns
segundos. Passei uma perna por cima dele e me sentei em seu
membro, guiando-o para dentro de mim. Espalmei minhas mãos em
seu peito liso e me movi.
— Kit… — Suas mãos agarraram minha cintura, me movendo
para cima e para baixo na extensão da sua ereção. — Tá
molhadinha… caralho! — Puxou o ar entredentes, me assistindo
cavalgar.
As estocadas açoitavam o meu clitóris inchado, me
torturando, provocando ondas de prazer que percorriam o meu
corpo febril. Seus olhos dançavam entre minha boca levemente
aberta e meus seios que pulavam com o movimento contínuo. Com
uma mão, ele agarrou minha bunda e a outra manteve firme em
minha cintura.
— Que tesão… — murmurou com o maxilar trincado, me
incentivando a rebolar mais rápido. Seu quadril recuando e
empurrando seu membro com força e mais fundo.
Estava sendo consumida pelo prazer, meus sentidos
nublados. Luigi estava completamente entregue, nossos olhos
mantendo o contato visual como se quiséssemos ter certeza de que
estávamos fazendo aquilo juntos. Não consegui conter o gemido
que escapou dos meus lábios quando chegamos ao orgasmo.
Luigi estremeceu e murmurou o meu nome ao gozar. Ou
melhor, murmurou o apelido que me deu quando éramos crianças.
Ele nunca me chamou de Isabella. E àquela altura, eu nem me
reconhecia por esse nome. Eu era a sua Kit.
Deitei-me em seu peito suado e afundei o meu nariz na
curvatura do seu pescoço, meu corpo convulsionando de prazer.
Mantive meus olhos fechados, curtindo a sensação deliciosa de
relaxamento pós sexo. Nunca tinha gozado daquele jeito ou sentido
aquele turbilhão em toda minha vida. Sexo era bom, mas sexo com
Luigi era a melhor coisa do mundo.
Quando nossa respiração enfim voltou ao normal, levantei o
meu corpo de cima dele e me sentei outra vez, seu membro ainda
dentro de mim. Luigi me olhou com paixão, a luz da lua tocando seu
rosto e me proporcionando a visão mais linda. Seu rosto parecia ter
sido esculpido de tão perfeito que era. Seu maxilar forte e bem-
marcado, seu nariz de uma perfeição absurda e seus olhos de um
azul incrível, o conjunto da obra era de uma beleza única.
— Você é linda — disse com a voz rouca, olhando dentro dos
meus olhos, a ponta dos dedos correndo pelo meu rosto. — E além
de linda, é a coisa mais importante da minha vida. Sabe… —
Colocou uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. — Sempre
soube que te amava, mas nunca imaginei ser possível te amar ainda
mais. Mas agora tenho certeza, impossível não se aplica ao que
sinto por você. — Seu olhar era intenso.
— Eu também sempre te amei — confessei e ele sorriu.
Nossos olhos presos um ao outro. A verdade mais crua sendo
compartilhada, sentida e verbalizada.
Deitei-me em seu peito e aproveitei aquela sensação. Sabia
que depois do que tínhamos feito, aquele era um caminho sem
volta. Porém, eu tinha incertezas ainda enraizadas muito fundo em
mim. Não apenas os meus traumas, apesar da separação dos meus
pais ter mexido muito comigo. Mas o que me corroía mesmo, era a
incerteza do nosso momento. Nossa banda estava dividida, nosso
sonho incerto e havia uma pessoa no meio disso querendo nos
destruir.
Eu não fazia ideia do que esperar ou do que seria de nós. A
impressão que eu tinha era que o momento estava errado, as coisas
ao nosso redor estavam erradas. Tudo era tão recente, mágico,
doce e amargo ao mesmo tempo. Então, por apenas alguns minutos
a mais, preferi deixar todos os receios de lado, negar a realidade
desabando ao nosso redor e apenas curtir aquela transa sem
pensar em futuro. Ao menos, por mais um tempo.
Eu estava me martirizando pela culpa de ter omitido toda
aquela merda sobre Will quando Kit chegou na varanda. Estava
destruído por ter magoado os meus amigos. Nick esteve a ponto de
me bater, pude ver em seus olhos. Mas juro que se ele tivesse feito,
eu nem sequer teria me defendido. Deixaria que ele me socasse até
que sua fúria se esvaísse e ele me perdoasse.
Kit me cumprimentou com cautela, sem estar na defensiva
como nos últimos dias. Confesso que me surpreendi de vê-la assim,
depois de tudo o que aconteceu. Imaginei que ela quisesse mais
explicações sobre as minhas mentiras, mas não. Ela veio tratar de
um assunto que nunca imaginei que quisesse falar: sobre nós. Após
expor toda sua alma, Kit me encarou com luxúria e se aproximou
como uma felina em busca da sua caça. Porém, eu não pretendia
tocar em um só fio do seu cabelo. Já tinha cruzado o limite dias
atrás e ela barrou com belo tapa em minha cara. E ainda deixou
claro de que estava namorando com Derek.
Contudo, quando ela invadiu o meu espaço pessoal e disse
que não tinha namorado, meu peito se encheu de esperança. Quis
entender melhor a situação, no entanto, ela não me deu esse tempo
e, literalmente, calou a minha boca com a porra de um beijo. E
caralho, que beijo. Ela me levou do inferno ao céu em segundos.
Não conseguia acreditar que ela estava em meus braços. Ter seu
corpo tão grudado ao meu foi a melhor sensação que eu poderia
sentir. Não queria que ela se arrependesse e se afastasse. O
desespero me fez abraçá-la com força, não podia nem imaginar o
vazio que sentiria se ela desistisse de continuar.
Entreguei-me a ela como desejava há anos, estava pouco me
fodendo com o resto. Tudo o que eu precisava era daquela garota, a
desejava mais do que tudo nessa vida. Abnegaria de qualquer coisa
só para tê-la comigo.
A intensidade daquele sexo transcendeu tudo o que já tinha
experimentado na vida. Ter Kit cavalgando em mim foi além. Sua
pele febril, suas bochechas avermelhadas, seus cabelos cor-de-rosa
contrastando com sua pele branca, seus olhos claros escurecidos
de tesão, seus lábios cheios e inchados de tanto beijá-los, aqueles
peitinhos chacoalhando com os bicos rígidos enquanto eu estocava
fundo, foi surreal. Um orgasmo quase cruel tomou conta de mim.
Tínhamos esperado tempo demais para vivermos aquele momento.
Aquele foi o melhor sexo de toda a minha vida. Não era sexo banal.
Era um encontro de almas.
Depois do tesão, a sensação de estar completo com ela em
meus braços me dominou. Eu estava em paz. O amor preencheu o
meu peito e a sensação de plenitude e satisfação só me fizeram ter
certeza de que Kit era a mulher da minha vida. A garota com quem
eu queria compor as minhas músicas, cantar as minhas poesias e
dividir minhas alegrias e tristezas pelo resto da minha existência.
Não pude deixar de dizer que a amava, estava transbordando
de dentro de mim. E uma felicidade sem tamanho me abraçou
quando ela confessou que sentia o mesmo. Esperei tantos anos
para tê-la em meus braços que, por mim, não sairia mais daquela
cama. Estar dentro dela era como estar no paraíso.
Kit saiu de cima de mim e retirei a camisinha, e a joguei na
lixeira ao lado da cama. Não queria nem ir ao banheiro para não me
afastar da garota que eu tanto amava. Ajeitei o travesseiro e a puxei
para perto de mim. Ela deitou a cabeça em meu peito e acariciei o
seu ombro, ainda desfrutando daquela paz momentânea.
— O que te fez mudar de ideia sobre nós? — Abaixei o rosto
para olhar para ela. Kit soltou um pesado suspiro como se refletisse
sobre o assunto.
— Ainda não sei se mudei de ideia. — Mordeu o cantinho do
lábio. — Na teoria, as coisas funcionam na minha cabeça, mas, na
prática, tudo é bem mais difícil. E eu tenho medo de te perder.
— Eu também tenho medo — confessei. — Quando te vi
entrando em casa daquele jeito e descobri que Will estava envolvido
no incêndio, senti vontade de matá-lo com as minhas próprias mãos.
Não sei o que faria se qualquer coisa tivesse acontecido com você.
— Foi assim que me senti quando te vi desmaiado naquele
estacionamento. Não hesitei nem um só minuto quando recebi
aquela mensagem para ir te buscar. Iria até no inferno se fosse
preciso. Só queria que você estivesse bem e comigo.
— Então, se a gente não quer perder um ao outro, talvez
devêssemos ficar assim… — Eu a apertei com mais força, dando
um beijo no topo de sua cabeça. — Juntos. Como um casal.
— Talvez… Mas para o mundo, você é o namorado de Cindy
Harper — falou olhando para cima.
— Foda-se! Isso é fácil de resolver — retruquei, fitando seus
olhos. — Eu só assumi esse namoro publicamente com Cindy para
que você e os caras tivessem segurança reforçada enquanto a
gente tentava colocar Will atrás das grades. Mas agora que a polícia
está envolvida, não faz o menor sentindo continuar com essa farsa.
— Tenho que discordar, Luigi. Nada em relação a isso fácil. A
questão não é o namoro… — Ela sentou-se e puxou o edredom
para cobrir o corpo. — O problema é que estamos enfrentando um
criminoso que tentou matar Cindy, que provavelmente foi o
mandante daquele assalto na cafeteria de Hanna, e roubou o
dinheiro de uma ONG. Estamos falando de um bandido que mandou
te dar uma surra no início do ano, que explorou o nosso trabalho e
roubou todo o nosso dinheiro. Além disso, ainda tem Nick que está
muito puto com toda essa mentira. É muita coisa acontecendo. Não
sei se esse é o nosso momento.
— Mas Kit, a gente ficando junto ou não, esse cenário não vai
mudar em nada. — Tentei justificar, mas ela negou com a cabeça.
— Acontece que temos mil coisas para resolver e, nesse
momento, um romance seria uma distração desnecessária. Há
muita coisa em jogo.
— Então você não quer ficar comigo? — Senti o desespero
apertar o meu peito.
— Não foi o que eu disse. Só falei que agora não é hora para
ficarmos juntos. Passamos uma vida inteira sem isso… —
Gesticulou para nós. — Não morreremos se tivermos que esperar
um pouco mais.
— Não poderemos nos encontrar nem escondido? — Ergui
as sobrancelhas, sugestivo.
Ela revirou os olhos e fez que não com a cabeça.
— Mas eu preciso de você — continuei. — Não vou
conseguir dormir sabendo que você está no quarto ao lado.
— Vai sim. — Ela sorriu. — Também terei que me esforçar
para não te assediar em público. — Deu uma piscadinha marota e a
puxei para baixo de mim. O movimento a fez rir alto.
— Shhhh… — Cobri sua boca com a mão. — Para quem
quer guardar segredo você não está colaborando — brinquei, nosso
peito grudado e nosso rosto a milímetros de distância.
Que se foda o mundo!
Tirei a minha mão da sua boca e seus lábios se revelaram.
Ignorando completamente a nossa conversa, a beijei de novo e ela
não barrou a minha investida. Estávamos sem roupa, na minha
cama, cheios de tesão após termos represado nossos sentimentos
por anos.
Minha língua entrou em sua boca sem pedir licença e
acariciou a dela. Não queria fazer amor com a mesma urgência da
última trepada, queria que fosse lento. Muito lento, e que durasse a
eternidade se fosse possível.

Abri os olhos devagar, os raios de sol da manhã clareavam o


quarto. Meu rosto estava afundado no pescoço de Kit. Inspirei seu
perfume e meu pau latejou em resposta. Sorri por tê-la grudada a
mim. Por ela ter passado a noite comigo. Tínhamos combinado de
que seria a nossa noite de amor antes de voltar a represar os
nossos sentimentos até que nossa vida estivesse resolvida.
— Bom dia, docinho. — Depositei um beijo em seu ombro e a
trouxe para mais perto de mim. Ela empurrou aquela bunda gostosa
contra a minha ereção matinal e não consegui conter o sorriso. —
Não me provoque, gatinha, se quiser sair dessa cama ainda hoje —
ameacei e ela se moveu, espreguiçando-se e abandonando a nossa
confortável posição de conchinha.
— Bom dia, seu tarado insaciável — cumprimentou com a
voz arrastada, esfregando os olhos com as mãos.
— Tarado? Eu? — inquiri, fingindo estar ofendido. Ela se
virou para mim e abriu apenas um olho, retorcendo o rosto pela
claridade.
— Sim, você é um tarado. — Espreguiçou-se outra vez e
bocejou. — E também não tem limites — reclamou e eu ri.
— Não tem como ter limites. — Balancei a cabeça em
negação. — Você é uma delícia e é viciante. Quanto mais provo
mais quero.
— Então vamos ter que te colocar na reabilitação. — Virou-se
de frente para mim e um sorrisinho desafiador brotou em seus
lábios.
— Não vai rolar. — Arrastei os dentes pelo lábio inferior,
analisando o seu rosto e sentindo o desejo me consumir outra vez.
— Não vou suportar a abstinência — declarei, me movendo
lentamente em sua direção, meu corpo inteiro pronto para ela.
Então, nos rendemos ao amor por uma última vez antes de
tomarmos banho juntos. Tivemos que nos controlar para não fazer
barulho e para não trepar pela quinta vez. Queria que o tempo
parasse e eu pudesse aproveitar aquele momento sem pressa. Eu
era intenso por natureza, mas o que eu sentia estava além da minha
compreensão. Era algo novo, bom e aterrorizante.
Antes que Kit se esgueirasse para fora do meu quarto, eu a
beijei com paixão. Ela enrolada na minha toalha de banho não era
nada fácil de resistir.
— Agora chega, garanhão — murmurou em meus lábios com
um sorrisinho. Eu a tinha colocado contra a porta e grudado meu
corpo no dela.
— Tem certeza? — Mordisquei seu lábio inferior, encarando-a
com desejo. — Tem certeza de que não quer continuar?
— Não dá, Luigi. — Pousou as mãos em meus ombros, me
empurrando com delicadeza para trás. — A partir daqui, vamos nos
concentrar no que precisamos. Quanto a nós dois, vamos retomar
quando a batalha chegar ao fim. Agora temos que falar com Nick.
Ela tinha razão e eu assenti, recuando dois passos. Nick era
meu amigo, foi quem abriu as portas de casa quando decidi sair da
minha e renunciar a grana da minha família. Nunca nos afastamos
ou discutimos, ontem foi a primeira vez que o deixei bravo daquele
jeito comigo.
— Só não se esqueça, você será minha quando essa
tempestade passar, e ela vai passar. E sabe como sei disso?
Porque você é a minha lagosta — falei, usando a referência da série
que ela tanto amava.
Kit franziu a testa, mas logo arregalou os olhos e abriu o
sorriso mais lindo. Enfim, a ficha tinha caído.
— Não imaginei que um dia você citaria Friends — zombou.
— Peguei algumas coisas depois de assistir um milhão de
vezes com você. O que quero dizer é que ficaremos juntos no final
— afirmei, sério.
— Mal posso esperar, minha lagosta. — Kit sorriu. Pegou
minhas mãos de seu rosto e deu um beijo na palma de cada uma.
— Mas antes, a gente precisa lutar para não ir parar na panela. —
Kit deu uma piscadinha. — Te vejo lá embaixo. — Ficou nas pontas
dos pés e me deu um selinho.
Em seguida, ela abriu a porta, tirou a cabeça para fora como
se quisesse ter certeza de que ninguém a veria e saiu, me deixando
com o vazio que eu não queria mais sentir. Passei a mão pelo rosto,
ainda sem acreditar que Kit não era minha. Pelo menos, não por
enquanto.
Vesti a roupa, os coturnos e ajeitei os cabelos úmidos em
frente ao espelho do armário para então sair. Não levou nem cinco
minutos para eu estar pronto. Da escada, ouvi vozes vindo do andar
de baixo. Desci apressado quando percebi que Nick estava alterado.
Parei na porta da cozinha e Nick e Fly me encararam. A
decepção nos olhos de Nick era quase palpável.
— Bom dia — cumprimentei com a voz baixa, resignado, me
sentindo culpado por toda aquela merda de situação.
Fly meneou a cabeça em um cumprimento silencioso e Nick
trincou o maxilar, me encarando com desprezo.
— Irmão… — Dei um passo em direção a Nick. — Sei que
não foi certo o que fiz, mas preciso que entenda os meus motivos…
— Quais motivos, Luigi? — interrompeu, furioso. —
Francamente, não consigo achar a porra de um motivo que valesse
a pena essa merda.
— Eu não tinha certeza de que Will estava desviando
dinheiro, não podia julgar sem saber. Não podia levantar essa
dúvida sem ter certeza.
— Caralho, Luigi. — Balançou a cabeça, exasperado. —
Pensei que você era mais esperto que isso, que era sensato. Achei
que éramos sócios nessa merda! — Nick pegou uma xícara da
mesa e a arremessou contra mim. O reflexo rápido fez com que eu
desviasse do objeto que se espatifou contra a parede. — Por mais
que eu tente, não consigo aceitar isso. Você nos tratou como se
fôssemos burros. Você não confiou nos seus amigos! Achou que eu
não saberia lidar com o bosta do Will? Achou que Fly não
entenderia a situação, ou Kit? — Gesticulou para nosso amigo. —
Achou que não acreditaríamos em você? Cadê a confiança, porra?
Kit entrou na cozinha bem na hora e os olhos dela vagaram
assustados pela xícara estilhaçada no chão, pelo rosto retorcido de
Nick, pelos olhos arregalados de Fly e depois pousou sua
preocupação sobre mim. Nick olhou para ela e depois fitou o meu
rosto, seus olhos brilharam.
— Mas, pelo visto, ela já te perdoou. Posso ver na cara dos
dois. — Um sorriso amargo curvou o canto da sua boca. Depois
levou a mão até a testa, como se não acreditasse no que estava
acontecendo.
Kit empalideceu e engoliu em seco. Meu coração apertou, o
medo de perder meu amigo fazendo meu estômago vazio revirar.
— Nick… — Kit se postou ao meu lado — O que Luigi fez
não tem desculpa. Ele errou e errou feio ao nos esconder tudo isso.
Mas eu entendi que ele só estava tentando ajudar. Ele não fez isso
para prejudicar ninguém — apaziguou, mas Nick gargalhou com
escárnio.
— Porra, Nick! — Fly interveio na discussão. — A gente é
família. Todo mundo aqui já fez merda e a gente superou. Luigi
errou, mas será que a gente não pode se acertar e seguir em
frente?
— Ah, vai se foder, Fly! — Nick balançou a cabeça, incrédulo.
— Então todo mundo aqui perdoou Luigi? — debochou e meu
sangue bateu na torre.
— Chega, porra! — Empurrei Nick com força e ele veio para
cima de mim com a mão cerrada em punho, mas não me movi.
Tinha levado tanta porrada nos últimos dias que até já tinha me
acostumado com a dor.
— Não faz isso! — Kit se enfiou na minha frente e Nick
apertou a mão com força em frente ao rosto dele e recuou.
— Caralho! — Virou-se de costas e deu um soco na parede,
então apoiou a testa no concreto. Naquela posição, deu mais um
soco. Afastou-se e inspirou fundo. — Pra mim não dá mais. —
Levou as duas mãos à cabeça. Os músculos do seu braço se
contraindo de raiva. — Como vou confiar em alguém que não confia
em mim?
— Nick, você não pode desistir… — Kit disse com a voz
trêmula. — Olha para tudo o que passamos… Temos que nos unir e
não nos afastar.
— Kit, gosto de você pra caralho. Você é a irmã que não tive.
Mas sério mesmo que você acredita que tudo vai voltar a ser como
antes? Quando a confiança mútua ainda imperava… Como vou
confiar em Luigi outra vez? — Abriu os braços e os deixou
despencar. — A vida não me deu opção para confiar nem em quem
me colocou no mundo. A banda foi onde encontrei amparo. Superei
meus temores por nós. Acreditava que entre a gente nunca haveria
segredos, mentiras ou traições. Aí o cara que eu acreditava ser o
meu melhor amigo mente na cara dura e esconde um monte de
merdas de mim. De você!
— Olha, Nick, já pedi desculpa por tudo. Se eu pudesse
voltar no tempo, escolheria fazer diferente. Mas não tem como. Tudo
o que posso, é dizer que hoje sei que errei — declarei, resoluto, e
ele me encarou. — Eu amo você, cara. Você é o meu brother. Eu
confio em você. Pode acreditar, nunca se tratou de confiança… —
Umedeci os lábios, pensando em tudo o que aconteceu. — Respeito
você pra caralho. É o melhor sócio que eu poderia ter. É leal e
honesto. Além de ser o melhor guitarrista que conheço. Não queria
que a banda se separasse depois de tudo o que passamos.
— Também não quero que a gente se separe, Nick. — Fly
voltou a falar. — Amanhã iremos para a Itália, para o casamento de
Lucca e depois temos um concurso pra vencer. Estamos no meio de
uma guerra, se desistirmos agora só admitiremos que não somos
fortes o suficiente para ganhar.
— Concordo… — Kit assentiu. — Não podemos fraquejar.
— Além do mais, é o dinheiro do casamento de Lucca que vai
nos bancar pelos próximos dias — contei e todos me encararam. —
Quando ele nos convidou para tocar, pedi que depositasse o
dinheiro em uma conta que abri em meu nome e que Will não
tivesse acesso. Não podemos dar pra trás. Não agora, se ainda
quisermos lutar pelo nosso sonho.
Nick balançou a cabeça, ainda inconformado.
— Vamos para a Itália cumprir com o compromisso que
temos. Mas quando voltarmos, não sei se vou ficar…
— Tudo bem, Nick. Você tem o direito de decidir se quer ficar
ou não com a gente — falei, me sentindo derrotado. Poderia ser o
fim da banda. — Hoje irei ao banco suspender a procuração de Will
e cancelar o acesso dele a nossa conta. Se quiser, pode ir comigo.
Nick assentiu, mas sem esboçar nada além de mágoa no
olhar. Nesse instante, campainha soou alto e Kit foi atender. Fly
continuou nos encarando, apreensivo.
— Será que podemos manter tudo o que está rolando aqui
em segredo da minha família? — perguntei, fitando o rosto de Nick.
— Meu irmão vai se casar, mas está passando por várias
dificuldades. E sei que minha família terá muitas coisas para
processar. Falar sobre os nossos problemas não vai ajudar em
nada. Posso contar com você? — Estendi minha mão num gesto
pacífico para selar um acordo.
— Não sei em que momento você deixou de acreditar que
não poderia contar comigo… — Apertou minha mão, mas ouvi-lo
dizer aquilo me fez sentir ainda pior do que já estava.
Kit e Cindy entraram na cozinha, então Nick se afastou de
mim, evitando o contato visual com Cindy.
— Oi — ela cumprimentou, hesitante, analisando a louça
quebrada no chão. — Um furacão passou por aqui?
— Quase isso — respondi sem ânimo e forcei um sorriso.
— Precisava contar que Will está foragido — Cindy falou e
todos voltaram a atenção para ela. Inclusive Nick. — Conversei com
o investigador nessa manhã e o inquérito seguirá em sigilo. Para
todos os fins, vão informar que o que aconteceu na gravadora foi um
acidente, apenas um curto-circuito.
— Mas por que farão isso? — Fly franziu o cenho, sem
entender.
— Porque quando o caso envolve gente famosa, os
repórteres ficam em cima feito abutres e isso seria péssimo para a
investigação. Will poderia fugir para o México e a polícia não o
pegaria. Às vezes, algumas omissões podem ser necessárias —
Cindy encarou Nick com intensidade.
— Pois é — respondi, refletindo suas palavras.
Fly se aproximou e me deu um abraço antes de sair da
cozinha, avisando que iria até a cafeteria de Hanna ficar com ela
antes da viagem. Cindy pediu para conversar em particular com
Nick e Kit foi para o quarto dela. Já eu, segui para a sala de som.
Embora Nick tivesse se tocado de que Kit e eu tínhamos passado a
noite juntos, o acordo era de não ficarmos até tudo se resolver.
Peguei a guitarra vermelha do suporte e me sentei no sofá
para dedilhar qualquer coisa. Na manhã seguinte, embarcaríamos
para a Itália. Estava rezando para que quando voltássemos para
L.A., Will já tivesse sido preso, Nick tivesse decidido continuar na
banda e eu enfim pudesse ficar em definitivo com o grande amor da
minha vida.
Minha vida estava uma verdadeira montanha-russa de
emoções. Depois do incêndio na gravadora, tudo ficou mais intenso.
Mas a noite que passei com Luigi foi o ápice. Não imaginei que a
nossa conexão seria tão poderosa. Sair dos seus braços e dizer que
não teríamos nada até que tudo se resolvesse foi uma das decisões
mais difíceis que tomei na vida. Lutei contra cada célula do meu
corpo, mas era o certo a ser feito.
Por mais que Nick tivesse deduzido que eu e Luigi passamos
a noite juntos, não nos abalamos. Se um dos nossos amigos
questionasse, poderíamos dizer que foi um deslize, uma transa
como outra qualquer. Afinal, tínhamos combinado de que seríamos
apenas amigos até que tudo se resolvesse. No entanto, acabou que
depois daquele rompante, ninguém nem sequer tocou no assunto.
No dia seguinte à briga na cozinha, pegamos o avião para a
Itália. O voo foi tranquilo, mas Nick ficou mais calado e quase não
olhou na direção de Luigi. Ainda assim, senti que a tensão entre
todos da banda estava menor. Assim que pousamos em Milão,
fomos direto para o castelo onde seria o casamento e a festa.
Nossa! E que castelo!
Chegando lá, fomos divididos: os meninos para um lado e as
meninas para o outro. Com uma governanta muita rígida se
assegurando de que não sairíamos da linha. Tive que rir, pois era
uma situação fora do comum.
Foi bom rever todo mundo, mas precisei me esforçar muito
para não deixar transparecer nada do que estava acontecendo em
nossas vidas em Los Angeles. Foi muito difícil esconder toda aquela
sujeira que nos cercava e não compartilhar nada. Principalmente, na
noite em que antecedeu o casamento. Georgina, a noiva de Lucca,
quis saber como era a rotina da banda, as coisas que fazíamos em
turnê e se mostrou curiosa com o mundo da música. Sem poder
revelar o caos daquele ano, contei apenas as coisas que
aconteceram no ano anterior. Fui evasiva ao extremo. Tentei rir e
parecer feliz o tempo inteiro. Se consegui, não sei. A única coisa
que podia afirmar com certeza é que Luigi não saía da minha
cabeça.
Nos breves instantes que nos encontrávamos sozinhos de
passagem, nossos olhos nos traíam e flertávamos discretamente.
Podia sentir seus olhos tocarem minha pele e meu ventre se contrair
a cada vez que me lembrava do que fizemos em nossa noite de
amor. Porém, em todos os outros momentos, a preocupação e as
incertezas pesavam no semblante de Luigi, e dos demais da banda.
Nem eu conseguia manter o sorriso por muito tempo.
A noite do casamento de Lucca foi incrível. Emocionei-me ao
ver Georgina vestida de noiva. Nunca tinha me imaginado vestida
assim, mas com Luigi tomando conta dos meus pensamentos, me
flagrei algumas vezes sonhando acordada. Ainda mais vendo Luigi
de terno e gravata ao meu lado. Minha mente idealizou mil e uma
possibilidades de como poderia burlar a minha própria regra de não
sermos um casal por enquanto. Mas resisti, pois tínhamos uma
missão a cumprir.
Lucca e Georgina estavam felizes, e Lorenzo e Olívia
grávidos e apaixonados. Elisa estava doente, grávida e
acompanhada de um médico bonitão. Eu não gostava daquela
garota, mas fiquei triste ao saber que ela tinha desenvolvido uma
doença tão agressiva como a que a acometia. Ver a família de Luigi
toda reunida foi bom demais. Eles faziam parte da minha vida, até
mais do que a minha própria família. Estar com eles, era como estar
em casa de novo.
Na hora do show, não parecia haver nenhum conflito entre a
banda. Éramos assim, ligávamos a mente no modo apresentação e
todo o resto não importava. Ver a nossa energia dessa forma era o
que me dava esperança de que superaríamos essa fase. No palco,
Luigi arrasou. Ele arrancou a gravata e o paletó antes de começar o
show. Além de ter arrancado suspiros das mulheres solteiras e até
das casadas.
Confesso que até eu, que estava acostumada a vê-lo
performar, quase perdi o fôlego quando vi que a camisa que estava
por baixo do paletó era sem mangas e deixavam seus braços
torneados à mostra. Tive que me concentrar para não perder o foco.
Aquele homem era lindo, sexy, delicioso e talentoso ao extremo.
Sempre foi. Mas com os meus sentimentos à flor da pele, tudo
parecia ter se intensificado ainda mais. Imaginei tanto Luigi me
tocando que, depois do show, precisei tomar um banho de água fria
para me acalmar.
Na manhã seguinte, Olívia e Paola, a amiga da noiva, me
convidaram para tomar café com elas em uma mesa separada dos
homens, o que para mim, foi a salvação. Não conseguiria encarar
Luigi com aqueles pensamentos pecaminosos me perseguindo.
Definitivamente, não estava sabendo lidar com tantos sentimentos
me invadindo ao mesmo tempo. Enquanto as meninas
conversavam, fui conferir minhas mensagens e a última de Cindy
fez meu sangue gelar.
Cindy: Oi, Kit
Desculpa incomodar, mas parece que Will deu
as caras.
Alguém invadiu a casa de vocês agora a pouco.
Os seguranças detectaram movimentação
estranha por volta da meia-noite. Disseram que
aparentemente não sumiu nada, mas a casa
está toda revirada. Acho que estavam
procurando alguma coisa.
Avise a todos, por favor.
Se precisar de alguma coisa, pode contar
comigo.
Beijos.

Aquela mensagem nublou os meus pensamentos e me fez


sair do ar. Levantei-me, agitada, e fui até a mesa dos homens, onde
Luigi estava tomando café. Fly e Nick já tinham saído, apenas os
três irmãos conversavam. Pedi licença e entreguei o celular para
que Luigi lesse a mensagem. Ele precisava saber o que estava
acontecendo em nossa casa.
— Caralho! — Luigi trincou o maxilar e fechou a cara. —
Temos que ir, Kit. — Ele se levantou da cadeira irritado.
— O que foi irmão? — Lorenzo perguntou confuso com a
agitação repentina.
— Teremos que antecipar o nosso voo. — Luigi bagunçou o
cabelo com a mão num gesto ansioso, o olhar enevoado.
Ele contornou a mesa e abraçou Lucca, parecendo se
esforçar para sorrir e manter a serenidade diante daquela loucura.
Também precisei ser boa atriz quando Lucca me questionou se tinha
acontecido alguma coisa. A mentira e a omissão não eram mais
exclusividade de Luigi, estavam fazendo parte da minha vida
também.
Despedimo-nos dos gêmeos e subimos as escadas do
palacete de dois em dois degraus.
— O que será que eles queriam? — perguntei baixinho,
enquanto cruzávamos o corredor.
— Provavelmente, estavam atrás das provas que temos
contra Will e talvez até de dinheiro. Afinal, na noite do incêndio,
aquele filho da puta sacou tudo o que dava e até o que não dava da
nossa conta bancária antes que eu pudesse falar com a gerente.
— Sim. Pode ser… — considerei, pensativa. — Será que ele
encontrou?
— Com certeza, não. Deixei os documentos na casa de
Cindy… — Inspirou fundo. — Mas agora ele pode ir atrás dela. Não
podemos deixá-la sozinha.
— Não mesmo. — Meu coração acelerou ao pensar no que
aquele monstro poderia fazer contra Cindy.
— Vou chamar os caras para ir embora, enquanto você
arruma suas coisas. Tudo bem? — Ele parou em frente ao corredor
que levava ao meu quarto e eu assenti.
Os olhos dele queriam que me transmitir segurança, mas era
difícil não sentir medo do que viria pela frente. Estávamos lutando
contra um criminoso que não se importava com a vida de ninguém.
O fuso horário era de nove horas a mais em Milão, ainda era
de madrugada em Los Angeles. Ou seja, a invasão em nossa casa
tinha acabado de acontecer. Cindy devia estar apavorada e tinha me
deixado muito apreensiva.
Saímos de Milão na correria, mas, dessa vez, todos nós
estávamos cientes do que estava acontecendo. Na sala VIP da
companhia aérea, em nossa escala no aeroporto de Nova Iorque,
enquanto Fly e Luigi foram ao banheiro, me sentei ao lado de Nick.
Ele estava introspectivo, tinha os cotovelos apoiados nas pernas e o
celular entre as mãos, digitando alguma coisa.
— Está tudo bem? — A minha pergunta o fez desviar o olhar
da tela e me encarar.
— Estou preocupado com Cindy. — Empertigou-se e guardou
o celular no bolso da calça jeans preta.
— Todos nós estamos, Nick. — Toquei seu braço e ele voltou
a me olhar. — Mas se estivermos unidos, vamos vencer. Não acha?
— Até quatro dias atrás, eu nem sabia que estava lutando
contra alguém. — Balançou a cabeça, visivelmente perturbado. —
Aí, do nada, descubro que nosso agente está nos roubando e que
estamos em perigo.
— O que Cindy te contou? — sondei para não falar mais do
que deveria.
— Ela falou que Will apareceu em sua vida logo que o
namorado dela morreu e que o imbecil também a roubou.
— Então você sabe que ela está enfrentando uma batalha tão
dura quanto a gente, né?
— Sei disso, Kit. Mas, ao mesmo tempo em que tento ser
compreensivo, não me conformo com a mentira. Não queria me
envolver, mas tá foda!
— É foda mesmo — concordei, compassiva. — Sei que gosta
dela. E acho que você não deveria ser tão duro com você mesmo e
nem com ninguém. Não somos perfeitos, cometemos erros o tempo
todo. Uns maiores do que os outros. E quando a gente erra tentando
fazer o que acha que é o certo, acho que vale a pena dar uma
segunda chance. Não concorda?
Nick assentiu com um suspiro.
— O problema que a confiança não é algo que você põe e
tira quando quer. É algo que se constrói um pouco por dia. Cada
atitude, cada gesto, cada pequena coisa que fazemos mostra quem
somos de verdade.
— Concordo com você, meu amigo. — Dei dois tapinhas em
sua perna e me levantei. Nick ergueu o rosto, o olhar confuso e eu
sorri. — Como você mesmo disse, as coisas são construídas, os
pequenos gestos se acumulam e formam um todo. E às vezes, à
primeira vista, não vemos as boas intenções por trás desses gestos.
Então, pega cada pedacinho da nossa história, se afasta um pouco
e vê como está a imagem de todos esses pedaços juntos.
Ampliei o sorriso quando vi Fly e Luigi vindo em nossa
direção. Luigi tinha aquele andar gingado confiante, vestia preto dos
pés à cabeça, aquele cabelo loiro bagunçado que meus dedos
imploravam para ajeitar ou bagunçar um pouco mais. Tive que
conter o suspiro. Eles conversavam animados e traziam dois copos
de café nas mãos.
Fly entregou um dos copos para Nick e Luigi entregou outro
para mim.
— Achei que iriam querer café para acordar. — Luigi me
encarou, um meio sorriso matador surgiu em seus lábios.
— Valeu! — agradeci e desviei o olhar para o copo. — Estava
mesmo precisando de uma dose de cafeína.
Voltei a me sentar e Luigi se acomodou ao meu lado.
— Achei que estivesse precisando de mim — cochichou perto
do meu ouvido e um arrepio correu o meu corpo, eriçando os
cabelinhos da nuca.
O ar chegou a ficar suspenso e tive que me esforçar para
voltar a respirar. Ajeitei-me na cadeira e sorvi um gole de café sem
dirigir o olhar diretamente para ele. De esguelha, pude ver um
sorriso dançando em seus lábios. Ele também bebeu um gole de
café.
Eu não tinha a menor sombra de dúvida de que precisava de
Luigi, mas não estávamos juntos. E para o mundo, ele ainda era o
namorado oficial de Cindy. Nick e eu que lutássemos contra os
nossos sentimentos.
Depois daquele pequeno flerte matinal, conversamos um
pouco sobre a nossa agenda de shows, o concurso e o que
faríamos nos próximos dias. Tínhamos partido da Itália de uma hora
para a outra, deixando todos muito preocupados, mas não havia
nada que pudéssemos fazer. Aquela era a típica mentira cheias de
boas intenções. Não queríamos que nossa família soubesse pelo
que estávamos passando, resolveríamos tudo sem que eles se
envolvessem.
Quando chegamos em casa, havia vários seguranças em
volta. Cindy não exagerou quando me disse que redobraria a
segurança. A casa ficou “desprotegida” durante a nossa viagem,
não vimos necessidade de manter os vigias durante a nossa
ausência. Não haveria a quem proteger. Aquela invasão nos pegou
de surpresa, mas tínhamos certeza de que tinha sido coisa de Will.
Ao entrar na sala, vimos que a casa estava parcialmente
arrumada. Duas mulheres organizavam tudo. Cindy tinha avisado
que enviaria pessoas da sua confiança para ajeitar a bagunça.
Depois que a polícia se inteirou do caso de Will, tivemos que demitir
a dona Carmelita. Não podíamos contar com alguém que tivesse
qualquer vínculo com aquele criminoso.
Enquanto os meninos checavam seus pertences no andar de
cima, eu conversava com Dora, uma das senhoras que Cindy
contratou para a limpeza. A campainha soou estridente e deixei o
copo de água que eu segurava sobre a bancada para ver quem era.
Atravessei a sala a passos largos e abri a porta.
— Oi, Cindy. Oi, Hanna — cumprimentei, surpresa. — Não
imaginei que viessem.
— Queríamos ver se estava tudo certo. — Cindy me abraçou
com carinho. Em seguida, fiz o mesmo com Hanna.
— Tudo indo… — Meneei a cabeça em direção à sala ainda
bagunçada. — Muito obrigada por ter enviado as moças para darem
uma mão com a limpeza.
— Imagina, Kit. — Balançou a cabeça em negação. — Era o
mínimo que eu poderia fazer.
— Como foi o casamento? — Cindy quis saber.
— Foi lindo! — exclamei e fechei a porta. — Os meninos
arrasaram.
— Só eles? — Hanna ergueu uma sobrancelha, com ar
inquisidor.
— Garanto que eles levaram o público ao delírio muito mais
do que eu. — Dei uma risadinha. Estava acostumada com o assédio
que eles recebiam. Isso não significava que eu não era assediada
nos bastidores, mas as mulheres eram bem mais… intensas.
— Tenho certeza de que se olhassem muito para você, um
certo alguém não conseguiria nem sequer cantar. — Cindy deu uma
cotoveladinha amistosa e eu ri.
— Sentem-se! — Gesticulei com a mão em direção ao sofá, a
parte da sala que já estava organizada. — Vou chamar os meninos
— avisei e segui para as escadas.
Nick veio ao meu encontro e eu sorri.
— Sua garota está aí — sussurrei e dei uma piscadinha.
Recebendo uma careta de Nick, que resolvi ignorar. — Aproveita e
avisa Fly que Hanna também veio.
— Beleza. — Apesar da careta, vi que os olhos de Nick se
iluminaram. Então ele deu a volta para chamar o amigo.
Nossa casa tinha seis suítes. As duas primeiras do corredor
não eram de ninguém. A terceira era de Fly, a quarta era de Nick, a
quinta era de Luigi e última era a minha. Continuei caminhando até
o quarto de Luigi. A porta estava fechada, mas entrei mesmo assim.
O quarto estava organizado, mas não o encontrei no cômodo.
Pelo barulho de água, estava no chuveiro. Sobre a cama, havia uma
muda de roupa limpa. Minha curiosidade de espiar foi maior do que
pude aguentar. Abri a porta do banheiro e o encarei através do vidro
do box.
Cacete de homem lindo! Ele estava de costas, enxaguando
os cabelos. O rosto levemente erguido, as mãos passando pelos
fios e a espuma acariciando sua pele do jeito que eu adoraria fazer.
Meus olhos desceram para aquela bunda máscula e bem-
desenhada. Suspirei e Luigi se virou com o gemido que deixei
escapar. Puta. Que. Pariu! Eu estava muito fodida mesmo. Meus
olhos eram muito traidores.
Subi o olhar para encarar seu rosto, minhas bochechas
superaqueceram quando ele abriu um sorriso preguiçoso… e muito
perigoso. Luigi mordeu o lábio inferior de um jeito sexy, abriu a porta
do box e me olhou de cima a baixo.
— Só vai ficar olhando? — perguntou e levou as mãos atrás
da cabeça, como se tivesse sido rendido, exibindo-se de um jeito
delicioso.
O ar sumiu de repente, meu coração acelerou e meus olhos
passearam bem devagar por seu peito e acompanharam o
movimento delicado da água que desenhou cada vinco do seu
abdômen definido e tocou o V profundo que descia da sua cintura
até sua virilha. Minha boca secou e precisei umedecer o lábio com a
língua quando meus olhos se fixaram no centro do seu corpo.
— Gosta? — Voltou a questionar com a voz rouca e
arrastada.
Subi o olhar de uma única vez e o encarei. Seus olhos
brilhavam, ele estava se divertindo com a minha falta de reação.
Assenti em silêncio, vertendo desejo e sentindo meu sexo latejar.
— Vem. — Ele estendeu uma das mãos em minha direção e
a outra levou propositalmente até seu membro semiereto,
provocando uma onda de tesão em todo o meu corpo.
Mordi o cantinho do lábio, considerando o convite que era
muito tentador. Mas eu não podia ceder. A nossa casa tinha sido
revirada, Will estava foragido e o mundo estava desabando. Hanna
e Cindy estavam na sala. Eu não podia pensar em sexo agora.
— Não dá. — Fechei os olhos, negando com a cabeça. —
Cindy e Hanna estão aí. Só vim te chamar… — Pousei a testa no
batente da porta, evitando o contato visual.
— Aconteceu mais alguma coisa? — A voz dele, que antes
era sedutora, pareceu preocupada. Então voltei a encarar o seu
rosto. Sua expressão não era mais de um galã conquistador.
— Não que eu saiba. Mas…
Luigi suspirou como se eu tivesse jogado um balde de água
fria nele. Fechou o chuveiro e enrolou a toalha na cintura. Saiu do
box, os cabelos pingando. Aproximou-se e me retesei. Ele segurou
o meu rosto com as duas mãos e fitou meus olhos com intensidade.
— Se você continuar me olhando desse jeito, não vai ter
acordo nosso que me segure.
— Idiota. — Afastei o rosto e dei um tapinha em seu braço.
— Por você, posso ser qualquer coisa. — Deu uma
piscadinha marota. — Mas sim, temos uma batalha pra lutar e
precisamos da cabeça limpa. No entanto, antes desse homem aqui
pular na trincheira, preciso de um último incentivo. — Ele segurou o
meu rosto com as mãos e tomou meus lábios com fervor.
Não consegui reagir, minha mente parou de pensar. Ele me
puxou para dentro do banheiro num movimento abrupto e minhas
costas se chocaram contra a porta. Minhas mãos tocaram seu peito
molhado e se agarraram aos seus cabelos. A urgência com que ele
me beijava e rebolava contra minha pelve me desconcertou.
Precisei de toda força de vontade que possuía para me afastar,
tínhamos visitas e problemas para resolver.
Apoiei minha testa em seu peito para controlar minha
respiração e recuperar minha voz. Mas Luigi falou antes.
— Eu sei minha lagostinha, mas tudo vai se resolver, vamos
ficar juntos, prometo.
Respirando fundo e olhando para aqueles olhos azuis
hipnotizantes, dei um passo para trás, peguei mais uma toalha e
joguei no rosto dele.
— Certo, mas agora vista uma roupa, seu demônio tentador.
Não fazia ideia de como ficaria perto daquele homem sem
escalá-lo como uma árvore toda vez que o via. Luigi estava se
tornando o meu vício. Eu precisava de muita força.
Depois daquele beijo delicioso e proibido, descemos as
escadas como se nada tivesse acontecido. Nossos amigos estavam
na sala conversando agitados. Cumprimentei Cindy e Hanna, e me
sentei na poltrona. Kit se sentou ao lado delas no sofá.
— Então, sobre o que estavam falando? — perguntei,
enquanto retirava a carteira de cigarro do bolso.
— Falávamos sobre Will. — Cindy se ajeitou no sofá para me
encarar. — Ele continua foragido.
— Isso significa que teremos que ficar de olhos bem abertos
nos próximos dias — completei e acendi o cigarro.
— Sim. Serão dias bem tensos até tudo se resolver —
assentiu, a preocupação nítida em seus olhos.
— Quanto a isso não temos muito o que fazer. — Kit deu de
ombros. — Acho que a polícia já está acompanhando o caso de
perto. O que nos resta é viver um dia de cada vez. Temos que nos
concentrar no concurso de bandas que começa na próxima semana.
— Concordo! — Fly se levantou da poltrona onde estava. —
A gente trabalhou muito para chegar até aqui. Tivemos problemas
no caminho, mas não podemos desperdiçar a chance real que
temos de assinar um contrato com a Rock Star. — Caminhou até
mim e pegou a carteira de cigarro que tinha deixado sobre o braço
da poltrona. — Agora mais do que nunca a gente precisa se unir e
dar o nosso melhor.
— É isso mesmo, irmão. — Traguei o cigarro e soprei a
fumaça. — Mas a gente só vai poder fazer planos de carreira depois
que Nick contar a decisão dele. — Olhei fixo para o meu amigo que
estava sentado na poltrona à minha frente. Os olhos dele presos
aos meus. — Irmão, você disse que quando voltássemos da Itália
decidiria se ficaria ou não na banda. Mas eu já adianto, Nick, que se
você sair, eu também saio.
Dizer aquilo foi doloroso, mas era a mais pura verdade. Eu
não queria seguir carreira sem ele, por outro lado, também não
queria abrir mão do meu sonho. O futuro da banda estava nas mãos
de Nick. A minha declaração fez Kit e Fly desviarem o olhar de mim
direto para o dono do nosso futuro. Era evidente que estavam tão
ansiosos quanto eu.
— Pra mim, também não faz o menor sentido continuar com
a banda sem Nick — Kit anunciou.
— Nem pra mim. — Fly balançou a cabeça em negação.
O silêncio que se fez na sala foi ensurdecedor e agoniante.
Nick abaixou a cabeça, aumentando ainda mais a minha tensão.
Cindy e Hanna o olhavam apreensivas.
— Bom… — Ele ergueu o rosto e passou a mão na testa. —
Nunca foi meu plano sair da banda. Eu nunca imaginei que algum
dia precisaria dizer isso, mas depois de tudo o que aconteceu, acho
necessário. — Vagou os olhos pela sala, olhou brevemente para
Cindy e depois para mim. — Temos que combinar que nunca mais
uma mentira vai ficar entre a gente. Já que se somos a porra de
uma família, ninguém esconderá nada de ninguém. A verdade e
somente a verdade prevalecerá, por pior que ela seja. Se todos
estiverem de acordo, estou dentro.
Kit deu um pulo de alegria e abraçou Nick, que riu com a
balburdia ao redor dele. também me levantei da poltrona e fui até
ele para abraçá-lo. Fly pulou nas costas de Nick que era uns quinze
centímetros mais alto e muito mais largo do que ele. Fly parecia
uma mosca em cima de Nick. Todos se abraçaram, selando o
acordo da verdade. Foi um abraço coletivo bastante caloroso.
Após a comemoração, conversamos sobre as etapas do
concurso. Haveria várias fases. A primeira, seria a fase de batalhas
onde conquistaríamos a audiência. Depois entraríamos na fase de
cruzamento de chaves entre as bandas mais aclamadas pelo
público a partir de voto popular. Por fim, na última etapa, onde cada
competição nos levaria para mais perto da final, o famoso mata-
mata.
A primeira fase exigiria muito da gente, principalmente porque
todas as bandas participantes teriam que ficar no estúdio em tempo
integral durante as batalhas. Não havia adversário pré-definido, o
sorteio acontecia na hora, durante o programa. Mas estávamos
acostumados com os shows e com a rotina exaustiva. Ter passado
tanto tempo na estrada nos deu muita experiência e bagagem. E
mesmo que estivéssemos ansiosos com o futuro, estávamos
bastante otimistas.
Cindy ofereceu a sua assistente pessoal, Diana, para nos
ajudar com a gestão da nossa agenda. O que foi ótimo. Porque
tínhamos um concurso pela frente, e sem ter um agente para gerir
nossos compromissos, teríamos que nos dividir entre ensaios,
shows já marcados e outros que precisaríamos conseguir para
pagar as contas e a equipe. Dessa vez, todo o pagamento já viria
para a mesma conta que abri para receber o cachê do casamento.
Conta que Will não teria acesso de forma alguma. Uma pena que
não tínhamos como recuperar o adiantamento dos shows
agendados, mas, pelo menos, o restante do pagamento já estava
garantido.
Quanto ao meu romance com Kit, bom, esse não rolaria por
enquanto. O beijo que demos no banheiro foi como colocar uma
vírgula em nosso amor por tempo indeterminado. Sem contar que
Cindy e eu manteríamos o namoro de mentira por mais algum
tempo. Já teríamos muitos holofotes nos próximos dias e tirar o foco
do concurso para uma fofoca de fim de relacionamento, era o que a
gente menos precisava.

O mês de março foi tenso e intenso em todos os sentidos.


Tivemos o início do concurso de bandas, a morte de Elisa e o
nascimento prematuro de Laís, a filhinha de Lucca. Todos esses
acontecimentos se entrelaçavam à investigação policial e a
preocupação com o futuro. Foi muito foda gerenciar esse turbilhão
de sentimentos e a carreira da banda.
Com tantas atividades, mal tive tempo para o luto ou para
comemorar o nascimento da minha sobrinha. A correria foi tanta que
quase não consegui falar com a minha família. A vida de todos nós
estava uma loucura que não dava para mensurar. Íamos dormir
todos os dias muito exaustos. A demanda de trabalho era tanta, que
parecia que tínhamos voltado no tempo, para a época em que
corríamos atrás de tudo sozinhos, mas em uma escala bem maior.
Não tínhamos os contatos que Will possuía, mas Diana nos ajudou
muito. Duvido que teríamos conseguido dar conta de tudo sem ela.
Além do estresse no estúdio com a incerteza a cada votação,
havia um ar de desastre iminente ao nosso redor. A polícia e os
investigadores continuavam atrás de Will, mas nada de sinal dele. O
filho da puta tinha sumido do mapa. No entanto, apesar de ele não
estar por perto, me sentia sendo seguido. Volta e meia eu via o
mesmo carro prata, um Honda, estacionado por perto. Era como se
alguém estivesse nos observando. Talvez fosse paranoia minha,
fruto do cansaço das últimas semanas.
A primeira fase do concurso foi desafiadora, um mês e meio
de muito trabalho. Íamos duas vezes por semana para o estúdio
duelar com bandas sorteadas na hora. Além disso, as músicas que
cada banda tocaria também era por sorteio. A lista incluía
composições consagradas de rock, pop e country das últimas cinco
décadas. Era uma loucura colocar a música no tom confortável para
cantar, adaptar a melodia para o nosso estilo e muitas vezes estudar
músicas que nem conhecíamos ou não dominávamos tanto. Não foi
fácil para ninguém. E olha que só tinha banda foda na disputa.
Passamos apertado para a segunda etapa do concurso, e foi
mais um mês e meio de muita ralação. A concorrência estava
diminuindo e a pressão aumentando. Muitas bandas boas já tinham
sido eliminadas, agora restavam só as excelentes. Era intimidante.
O concurso continuou com aquela putaria de música
sorteada, porém, agora as bandas duelavam tocando a mesma
música. Levava a melhor quem tinha criatividade para inovar e
apresentar algo diferente e foda para o público.
Cada cantor tinha a sua zona de conforto, suas preferências,
e o que o concurso queria naquele momento era que apenas as
bandas mais versáteis continuassem no programa. A nossa sorte foi
que sortearam a música Iris para nós e para a banda adversária, e
aquela música era a minha praia.
Tínhamos feito uma versão acústica para a apresentação no
evento beneficente de Cindy que tinha feito sucesso com o público e
dessa vez, não foi diferente. A versão que tocamos no concurso
levou o auditório à loucura e a nossa popularidade disparou. Foi
com essa música que fomos classificados para as quartas de final.

No dia dez de julho, acordei mais inspirado do que nunca.


Era aniversário de Kit e eu estava eufórico. Tinha passado a noite
em claro, compondo uma música para ela. Diferente da minha
última composição triste, aquela nova música era carregada de
esperanças de um futuro feliz. Bright Day, brilliant Way era uma
canção que contava a história de vários dias lindos que culminavam
em um incrivelmente feliz.
Posso dizer que desde o dia em que a conheci, nossa vida
passou a ser cheia de amor, amizade, cumplicidade e por fim, a
paixão que nos levou a consumar todos os anos em que reprimimos
e negamos os nossos sentimentos. A letra daquela música falava
exatamente sobre isso. Era feliz, intensa e dava vontade de dançar.
Saí do meu quarto direto para o de Kit, com um envelope na
mão, meu violão e uma caixa de Kit Kat. Há anos não comíamos
aquele chocolate juntos, mas aquele doce sempre faria parte da
nossa história. Eram seis da manhã e ninguém tinha acordado. Abri
a porta do quarto dela e me aproximei da sua cama. Ela estava
dormindo num sono profundo. Deitei-me ao seu lado e a admirei por
um longo e demorado minuto.
— Bom dia, dorminhoca! — sussurrei ao seu ouvido. A
felicidade estampada em meus lábios. Não conseguia fechar o
sorriso.
Kit abriu os olhos com dificuldade e piscou algumas vezes. O
sol da manhã clareando o quarto.
— Oi. — Ela bocejou e se esticou na cama.
— Feliz aniversário! — felicitei, enquanto ela acordava.
Kit sorriu e a abracei. Aninhei ela em meu corpo e afundei
meu nariz em seu pescoço para desfrutar do cheiro que eu tanto
amava.
— Como se sente com 24 anos? — questionei, me afastando
um pouco para encará-la.
— Bom, ainda continuo me sentindo três meses e meio mais
velha do que você — falou com a voz rouca e esboçou um sorriso
lindo.
— Isso significa que quando eu fizer aniversário em outubro,
nada vai mudar — constatei e ela riu.
— Vai mudar sim. Você não terá mais 23 anos.
— Fato! — Sentei-me na cama para entregar o meu presente
de aniversário e ela também se acomodou, recostando-se na
cabeceira. — Isso é pra você! — Entreguei a caixa de chocolate e o
envelope com a letra da música.
— Kit Kat? — Ela riu outra vez. — A gente comeu muito disso
quando éramos crianças.
— Teve um tempo que eu não conseguia nem ver esse
chocolate na minha frente. Mas já faz anos que a gente não come,
então achei que devíamos provar e ver se continua igual. — Mordi o
cantinho do lábio e ela assentiu.
— Agora? — Arregalou os olhos.
— Por que não? — Dei de ombros. — Só falta dizer que está
de dieta.
— Nunquinha! — Revirou os olhos e abriu a caixa.
Ela tirou um chocolate de dentro e rasgou o pacote. Deu uma
mordida e eu acompanhei cada movimento. Ela me ofereceu e
mordi o chocolate olhando fixo para seus olhos.
— E aí? Acha que mudou alguma coisa? — perguntou, os
olhos brilhando.
— Não… — ponderei. — Não importa quanto o tempo passe,
tem o mesmo sabor do dia que te conheci — completei e ela sorriu.
— E o que temos aqui? — Entregou-me o chocolate e abriu o
envelope. Tirou a folha de caderno onde eu tinha escrito a música
cifrada.
— Escrevi durante a madrugada para você — confessei.
Ela desviou brevemente o olhar do papel para mim e depois
voltou a ler. Pude ver que ela não esperava por aquele presente.
Conforme lia, lágrimas se empoçavam em seus olhos. Pude ver a
emoção dançar em pequenos sorrisos.
— É linda! — Ela baixou a folha e se esticou para me
abraçar. — Muito obrigada!
— É mais do que isso… é nossa… — Afaguei suas costas.
Ela se desvencilhou e enxugou as lágrimas que teimaram em
escorrer.
— Você escreveu e cifrou tudo sozinho nessa noite? —
Piscou os olhos, curiosa.
— Sim, senhora. — Devolvi o chocolate a ela me estiquei
para pegar o violão do chão. — Deixa eu mostrar como ficou. —
Ajeitei-me na cama, o violão no colo.
Kit mudou de posição e sentou-se com as pernas cruzadas
em minha frente. Meus dedos começaram a dedilhar a melodia.
Cantei a música inteira, sem entonar notas altas ou fazer qualquer
firula. Apenas a música nua e crua, usando falsetes nos agudos
para que ninguém além de Kit a escutasse. Naquele momento, a
música era só dela. Ou melhor, nossa.
— Luigi, essa música ficou incrível! — parabenizou com
entusiasmo.
— Valeu! — Deixei o violão ao lado da cama, me sentindo
feliz e satisfeito por ela ter gostado.
— O que acha de tocarmos essa amanhã nas quartas de
final? — Seus olhos brilhavam. — Achei perfeita!
— Será que os caras topariam?
— Com certeza! Ficou boa pra caralho! Sucesso total! —
Sorriu radiante e veio até mim. Nosso rosto pertinho e o aroma de
chocolate pairando entre nós.
Ela mordeu o lábio inferior, segurou o meu rosto com as duas
mãos e me deu um selinho demorado. Fechei os olhos e me
empertiguei para abraçá-la, mas Kit se afastou, abriu os olhos e
sorriu.
— Muito obrigada!
— Volta aqui! — Puxei ela para o meu colo, mas ela pulou da
cama, rindo. Tentei esticar o braço para pegá-la e ela correu para o
outro lado da cama e parou na porta do banheiro.
— Não se assanhe, Luigi. Era só um beijo de agradecimento.
E claro, um lembrete de que te amo. — Deu uma piscadinha marota
e balancei a cabeça, sorrindo de canto, desacreditando que ela
tinha me provocado daquele jeito e fugido. — Agora vai fazer café e
chamar os caras para a gente ensaiar essa música. Vamos arrasar
amanhã! — Jogou um beijo no ar e entrou no banheiro.
Nosso dia começou naquela sintonia gostosa de paquera.
Tomamos café juntos e depois apresentei a música para meus
amigos. Eles curtiram pra caralho. Durante o dia, Kit recebeu muitas
ligações a parabenizando. Kit convidou Cindy, Hanna, Andy e Derek
para visitá-la à noite. Hanna levou um bolo que ela mesmo fez, além
de alguns quitutes da cafeteria. Nos divertimos muito, por algumas
horas até esquecemos de que existia Will e o concurso.
No dia seguinte, estávamos preparados, chegamos no
estúdio animados e com a música nova ensaiada, além da certeza
de que arrasaríamos. No sorteio, tiramos a banda The Wilds como
adversária, esse era um tudo ou nada, depois disso, seria a
semifinal.
Tocamos a música e colocamos o estúdio inteiro para dançar.
No fim, ganhamos com uma diferença de oito por cento dos votos
populares. Depois, voltamos para casa com Hanna e Cindy para
comemorar. Foi como uma extensão do aniversário de Kit.
Uma semana após essa nossa vitória foda sobre a banda
The Wilds e a festa, estávamos em casa, na sala de som,
escolhendo uma música autoral para apresentar na semifinal do dia
seguinte. Uma etapa onde a vitória era a nossa única opção e a
escolha da música não estava sendo nada fácil.
— Porra, Luigi, você bem que poderia ter tido mais uma ideia
de música nessa madrugada. — Fly girou a baqueta entre os dedos.
— Pois é, mas pelo visto, o raio não cai duas vezes no
mesmo lugar. — Fiz uma pausa, pensativo. — Porém, compus uma
música mais dramática e intensa que não compartilhei com vocês.
Mostrei um trechinho para Kit no ano passado, mas não estava
pronta. Se quiserem, posso mostrar e vocês dizem o que acham —
sugeri, sem ter outra opção de música na cabeça.
— Demorou, irmão! Toca aí. — Nick incentivou e se ajeitou
no sofá.
Inspirei fundo antes de começar a tocar a música triste que
dei o nome de Broken. Era como eu me sentia no momento que
escrevi a letra. Quando não havia um fio de esperança e o ar estava
difícil de respirar. Era uma balada romântica de um cara fodido e
apaixonado que sofria em silêncio.

Broken | Quebrado
Luigi Ferrari

Another fucking day gone by


(Mais outro maldito dia se passou)
I’m trying to sleep, but you’re stuck on my mind
(Estou tentando dormir, mas não consigo parar de pensar em você)
Alone, behind this closed door, I scream in silence
(Sozinho, atrás dessa porta fechada, eu grito em silêncio)
Hating this pain in my heart
(Odiando sentir essa dor em meu coração)

I didn’t show you all I had inside


(Não te mostrei tudo o que havia dentro de mim)
Now I’m being dragged away into a dark tide
(Agora estou sendo arrastado por uma maré sombria)
I feel that I’m falling in a deep hole thru
(Sinto que estou caindo em um buraco profundo)
Denying this love, I know I’m a fool
(Negando esse amor, sei que sou um tolo)

My heart’s still broken


(Meu coração continua partido)
And I feel empty inside
(E sinto-me vazio)
I’m so tired of this feeling
(Estou tão cansado desse sentimento)
Cause you’ll never be mine (never be mine)
(Porque você nunca será minha (nunca será minha))

You’re always here beside me


(Você sempre está aqui do meu lado)
Trying to be my best part
(Tentando ser a minha melhor parte)
Building hope instead moments
(Construindo esperança em vez de momentos)
I really don’t understand why
(Realmente não entendo o porquê)

Please break this silence


(Por favor, quebre esse silêncio)
And tell me the true
(E me diga a verdade)
Confess that you love me
(Confesse que me ama)
You know how long I love you
(Você sabe há quanto tempo eu te amo)

My heart’s still broken


(Meu coração continua partido)
And I feel empty inside
(E sinto-me vazio)
I’m so tired of this feeling
(Estou tão cansado desse sentimento)
Cause you’ll never be mine (never be mine)
(Porque sei que você nunca será minha)
You’re always here beside me
(Você está sempre aqui ao meu lado)
Trying to be my best part
(Tentando ser a minha melhor parte)
Building hope instead moments
(Construindo esperança em vez de momentos)
I really don’t understand why
(Realmente não entendo o porquê)

No refrão, fechei os olhos, mergulhando na dor latente que


me consumiu por anos. Ela ainda estava ali. Eu não tinha superado,
afinal, ainda não estava com quem eu queria. Tudo o que Kit e eu
tínhamos era uma promessa de futuro, mas sem data marcada para
acontecer. Cantei aquela música com paixão. Após o acorde final,
enfim, abri os olhos e encarei meus amigos.
— Caralho, irmão! Arrepiei — Fly brincou, passando a mão
no braço. Ele estava sentado no sofá, assistindo a minha
performance ao lado de Kit e Nick. — Você tá fodido mesmo.
Sofrência pura! Mas a música é do caralho. Curti!
— Por mim, eu tocava essa. — Nick se levantou, animado, e
pegou a guitarra dele do suporte. Fly também se levantou e foi para
trás da bateria.
Kit me encarava, parecendo surpresa por eu ter terminado a
melodia sem ela. Mas, com certeza, ela entendeu o recado.
— Acho que ficou perfeita. — Kit sorriu e se levantou. — Se
você cantar amanhã no concurso com essa intensidade, vamos para
a final com certeza. — Passou por mim, sem desviar o olhar.
Dali para frente, fomos ajustando os arranjos e deixando a
música ainda mais intensa. Lá pelas cinco da tarde, a campainha
soou.
— Pausa de dez minutos. Pode deixar que atendo — falei,
tirando a guitarra.
— Deve ser Cindy — Kit considerou, dedilhando no baixo.
— Pode ser. — Assenti e deixei minha guitarra no suporte.
Atravessei a sala até a porta e a abri. Quase não acreditei em
quem estava na minha frente.
— Lorenzo! Lucca! — falei, perplexo. — Que surpresa! —
Passei a mão pelos cabelos sem conseguir esconder o quanto
estava admirado com a chegada inusitada deles. Abracei cada um
com força. Era muito bom vê-los. — Entrem! — Gesticulei para
dentro de casa e os dois entraram.
— E aí, irmão? — Lorenzo sorriu. — Por essa você não
esperava, não é?
— Não mesmo. — Retribuí o sorriso e fechei a porta.
— Já que você não liga pra gente, tivemos que vir
pessoalmente ver como estava. — Lucca justificou e deu dois
tapinhas em meu braço. Ele estava com uma barba rala. Além do
brinco que eu já o tinha visto usando quando estive na Itália, meses
atrás e com o qual ainda não tinha me acostumado.
— Sabe como é: correria, tentando alcançar o sucesso…
Desculpa pelo sumiço, gente. — Guiei-os até o sofá, me sentindo
mal por ter me desligado do mundo. Mas se eles soubessem a
metade do que estava acontecendo em minha vida, talvez
entendessem os meus motivos.
— Não acredito! — Kit entrou na sala, um sorriso enorme no
rosto. — Sabia que conhecia essas vozes. — Ela abraçou Lorenzo e
depois Lucca. — Cadê Olívia e Georgina? Cadê Laís? — perguntou,
parecendo tão surpresa quanto eu.
— As meninas ficaram no hotel. — Lucca contou. —
Acabamos de chegar e o jet leg deixou a Laís perdidinha no horário.
— Bom, Olívia tá grávida e ficou bem inchada, além de muito
cansada. Quis descansar um pouco antes de fazer qualquer coisa
na cidade — Lorenzo completou.
— Querem beber alguma coisa? Cerveja, uísque? — ofereci,
ainda estávamos de pé.
— Não queremos atrapalhar, maninho — Lorenzo passou o
braço por cima dos meus ombros. — O que vocês estavam fazendo
antes de chegarmos?
— Seja o que for, vamos fazer também. — Lucca considerou
e Lorenzo franziu o cenho em recriminação ao gêmeo.
— Fale por você, irmão. Vai que eles estão fazendo alguma
merda… Vou ser pai daqui a alguns dias, não posso me
comprometer desse jeito.
— E eu já sou pai, mas não virei bundão — Lucca brincou e
todos riram.
— Pode crer que não estamos fazendo nada de errado,
estamos só ensaiando, fiquem tranquilos — Kit interveio. —
Venham! Vamos para sala de som, os meninos estão lá. — Fez um
meneio com a cabeça em direção ao corredor e nós a seguimos.
Lucca e Lorenzo cumprimentaram Nick e Fly, e Kit entregou
cervejas geladas para eles. Conversamos por uns trinta minutos
sobre o concurso, mas sem revelar nada sobre Will. Àquela altura,
não havia motivo para alarde. O nosso ex-agente estava foragido a
meses e, se ganhássemos o programa, sem dúvidas arranjaríamos
um novo agente e teríamos um contrato milionário com a gravadora
Rock Star Records. Com isso na mão, Will não ousaria fazer
qualquer coisa contra a gente. Sem contar que depois de ter se
sujado no meio, dificilmente conseguiria agenciar outro artista. Mais
cedo ou mais tarde, ele seria preso.
Meus irmãos adoraram a música que apresentaríamos no dia
seguinte no concurso e ficaram super empolgados com a
competição. Com duas ligações, consegui que eles e suas
respectivas garotas assistissem à semifinal no estúdio. O programa
era de auditório assim como o The Voice e eles poderiam ficar com
a gente nos bastidores antes da apresentação e assistir ao show na
plateia. Seria muito emocionante ter a minha família naquele
momento tão crucial.
Estava me sentindo uma barata desde aquela porra de
incêndio na gravadora. Vivia nas sombras, escondido para não ser
pego. O incêndio era para ter parecido um acidente causado por um
curto-circuito que atingiu as câmeras de segurança e que matou a
popstar Cindy Harper. Mas aquela praga nasceu com a bunda
virada para lua e não morreu.
A imundícia metaleira da Kit apareceu para resgatá-la e meu
plano de matar a ratazana caiu por terra. Tive que sair às pressas
da gravadora, mal deu tempo de resgatar minhas roupas do
vestiário. Quando estava na esquina do prédio, parado no semáforo,
vi viaturas da polícia chegarem ao local. Mas tinha uma coisa que
não saía da minha cabeça: o que Kit estava fazendo na gravadora
àquela hora da noite? Eu sabia que ela não estava confortável com
a presença de Cindy na vida de Luigi. Fiz de tudo para que ela se
voltasse contra o vocalista e a popstar. Então, por que ela salvou a
garota algodão doce? Bufei irritado.
No entanto, eu não estava com tempo para pensar sobre
isso. Precisava mesmo era de grana para fugir por alguns dias. Teria
que pegar o pouco dinheiro que restava na conta bancária da banda
e dar o perdido.
Mas como eu faria isso naquela hora da noite?
Sacar estava fora de questão. Transferir para uma conta
pessoal não era inteligente. Pensei em Jack, mas o agiota não me
emprestaria um dólar sequer. Ainda mais que estava chegando o dia
do pagamento e eu nem possuía um centavo para quitar a
prestação. A única coisa que me ocorreu foi transferir o que quer
que tivesse na conta da banda para a de Chuck. Ele tinha uma
boate de fachada, então a transação poderia se caracterizar como
negócios.
Passei em Chinatown e comprei um celular pré-pago para
falar com Chuck. Expliquei que precisava de dinheiro vivo e ele
topou me passar os dados bancários e me entregar a grana
pessoalmente. Marquei um ponto de encontro e peguei o dinheiro
com ele. Além de arrematar todo o valor que havia na conta da
banda, ainda rapei o limite do cheque especial. Aquele merdinha do
Luigi ia se foder por ter se envolvido com aquela imprestável da
Cindy.
Com a grana no bolso, liguei para o dono da locadora e pedi
uma locação prolongada, deixando o meu esportivo como garantia
de que voltaria para devolver o Honda velho. Só depois fui a um
hotel de beira de estrada, a uns cinquenta quilômetros de Los
Angeles, para passar a noite e pensar em meus próximos passos.
Aquela situação tinha saído de controle. Depois daquela
tentativa de homicídio, era certo de que Cindy me entregaria à
polícia e tudo ficaria mais complicado. Maldita hora que decidi parar
e me vangloriar por tirar a vida daquela rata. Se eu tivesse colocado
uma máscara, poderia passar por um louco qualquer e agora não
teria um alvo nas minhas costas. Mas fui confiante demais de que
ela morreria.
Não podia gastar quase nada, o dinheiro que eu tinha
conseguido teria que me bancar até eu ter um plano para fugir. A
minha sorte é que eu tinha documentos falsos para me virar por
algum tempo. Infelizmente, não podia vender a minha casa pois
tinha hipoteca com o banco e não podia vender o meu carro porque
o documento estava com Jack. Além disso, como um homem
procurado, eu não teria como fazer empréstimos bancários e nem
procurar o meu agiota de sempre, uma vez que ele também estava
atrás de mim. Mas eu daria a volta por cima.
Luigi e Cindy fuçaram tanto, que eu não fazia ideia do que
tinham encontrado ao meu respeito. Até pensei em conversar com
meu ex-agenciado Paul Dawson e ameaçá-lo, mas isso poderia
piorar a minha situação. Eu já estava com problemas o suficiente.
No entanto, eu precisava saber o que eles tinham nas mãos. Quais
provas eles obtiveram, além dos relatórios que eu tinha forjado.
Pensando no assunto, tive a ideia de ir até a casa da banda
enquanto estavam na Itália para vasculhar cada gaveta e armário
daquele lugar. Se eu encontrasse qualquer coisa contra mim, faria
desaparecer.
Surpreendi-me ao ver que a casa não tinha seguranças e
pude entrar sem dificuldade. Revirei tudo e não encontrei nada.
Quando estava de saída, ouvi um barulho na sala. A conversa era
entre dois caras, e pelo jeito que falavam e pelo barulho de rádio,
eram os seguranças de Cindy. Tive que me esgueirar pela cozinha e
fugir pelos fundos da casa para não ser pego. Do meu carro, pude
ver uma viatura se aproximar da região.
Aquela situação vinha me deixando muito puto. Sem provas
para queimar. Sem a Cindy morta. Com a polícia atrás de mim e o
agiota me pressionando. Tudo estava uma grande merda.
Cindy reforçou a segurança e a morte dela deixou de ser a
minha prioridade. Deixei aquela vadiazinha de lado e me concentrei
em estudar os passos da banda durante o concurso.
Pude acompanhar cada movimento do roqueirinho e da sua
trupe a partir do rastreador que instalei em seu celular. Assistia aos
programas do concurso do hotel e a cada vitória da banda sentia
meu estômago embrulhar. Eu era um cara de visão e ninguém
reconhecia. Se aquele bosta do Trevor Wood tivesse me escutado,
ele estaria ganhando uma grana alta com Cindy Harper, mas não, o
babaca arrogante preferiu me banir do seu meio, me tratou como
escória. Ele teve a chance de se redimir e dar uma oportunidade
para a 4Legends, mas o burro me ignorou. Olha quantos meses de
lucro ele perdeu por não ter escutado a demo daqueles moleques.
Afugentei aqueles pensamentos da minha cabeça assim que
estacionei em frente ao hotel chinfrim em que estava hospedado.
Peguei a sacola de bebidas, cigarro e comida de micro-ondas que
comprei na loja de conveniência do posto de gasolina. Essa estava
sendo a minha vida há quase quatro meses e a cada dia o meu ódio
vinha crescendo.
Assim que saí do meu carro, um outro imponente parou atrás
do meu e dois caras gigantes e engravatados desceram. Um dele
me pegou pelo pescoço e me ergueu. A sacola caiu no chão e as
garrafas de cerveja se espatifaram. O outro cara apontou uma
pistola em minha direção.
— Quem são vocês? — perguntei num fiapo de voz, me
debatendo para respirar.
— Ele não sabe quem somos. — O cara da pistola riu.
— Deixa que eu conto. — Outro homem cuja voz era muito
familiar, desceu do carro. Era Jack “Dirty”. O filho da puta tinha
conseguido me encontrar.
Mas como? Eu tinha me livrado do meu celular antigo…
— Tenho sentido falta do meu dinheiro, Will. — Deu um soco
em meu estômago e gemi.
— Eu vou pagar, eu vou pagar — falei com o pouco ar que
tinha sobrado em mim.
— Solta ele, Roy! — Jack ordenou e pegou a pistola do
capanga e mirou na minha testa. — Olha aqui, Will… — Encarou-
me com fúria. — Você tem até o final do mês para me pagar o que
deve ou não importa o buraco em que você se esconder, eu vou te
achar e você vai me pagar. De uma forma ou de outra — ameaçou,
balançando a arma na minha testa.
— Você tem a minha palavra e o documento do meu carro.
Você está na vantagem, Jack. — Passei a mão no pescoço,
tentando minimizar a dor.
— Não quero a merda do seu carro. Então trate de arrumar o
meu dinheiro. — Abaixou a arma e deu mais um soco em meu
abdômen, me fazendo curvar.
— Tique-taque.
Os caras entraram no carro e foram embora. Caralho! Eu não
podia ficar quieto. Por quanto tempo mais eu ficaria escondido? Los
Angeles não me servia mais, eu estava queimado e não tinha mais
perspectiva, talvez devesse ir para o México, Terra Natal da minha
mãe. Ficar lá até a poeira baixar e depois escolher outro ramo, outro
canto dos Estados Unidos para morar e me refazer.
Eu não tinha nascido para ser um perdedor e nem para ser
pobre. O luxo e o dinheiro me caíam bem. Poderia estar na merda
por um momento, mas não viveria naquele fedor por muito tempo.
Seria uma fênix e me reergueria. Ressurgiria das cinzas e tomaria
tudo o que era meu por direito, ou até mais.
Juntei a comida e o cigarro do chão, e entrei em meu quarto.
Coloquei a lasanha congelada no micro-ondas e liguei a TV. O
programa do concurso de bandas estava começando. Jantei
assistindo à apresentação e fiquei de cara com a performance de
Luigi. A banda era sem dúvida a melhor de todas ali, não tinha como
não saírem vitoriosos daquele programa.
Desliguei a TV depois que a 4Legends ganhou as quartas de
final, peguei a cerveja do minibar e acendi um cigarro, pensativo. Eu
pensava melhor caminhando, então andei de um lado para o outro
em frente à cama. Já tinha passado mais de quatro meses que eu
tinha desaparecido. Com o Jack na minha cola e a minha grana no
fim, eu precisava tomar alguma atitude. Se a bandinha ganhasse o
concurso, se tornariam inacessíveis para mim. Precisava pensar em
algo para conseguir dinheiro rápido.
Luigi era um playboy rebelde, a família tinha grana pra
caralho. Cindy tinha me roubado na cara dura quando assinou o
programa que eu criei com a emissora de TV, ela também tinha
muito dinheiro e me devia. Extorquir poderia ser uma ideia, mas
precisava de algo de valor em troca. Mas o quê?
Pense, Will. Pense. Você é genial, não é possível que tenha
se entocado nesse buraco por tantos meses e perdido o seu brio.
Traguei meu cigarro fitando a cortina verde desbotada e uma
luz se acendeu dentro da minha cabeça, iluminando a escuridão.
Claro! Já sei! Um sorriso inevitável curvou os meus lábios.
Tive uma ideia brilhante, uma que me tiraria daquela situação
e me garantiria muitos milhões de dólares. Apaguei o cigarro no
cinzeiro ao lado da televisão, peguei a chave do carro e saí do hotel
muito animado com o plano que havia elaborado.
Agora precisava acionar Chuck. Não tinha dinheiro para
pagá-lo, então o jeito seria convencê-lo a ser o meu sócio naquela
barganha. Ele levaria uma bolada muito maior do que se eu
pagasse pelo serviço. Já eu sairia do país montado no dinheiro e me
garantiria uma condição financeira confortável por algum tempo, até
que eu voltasse como fênix.
— Não consigo acreditar que estamos na semifinal. — Estalei
os dedos das mãos, sentindo a ansiedade fervilhar em minhas
veias.
Eu estava no camarim feminino do estúdio, com Olívia e
Georgina. Não estava acostumada a ficar longe dos meninos antes
do show. Mas, pelo menos, as meninas eram uma boa companhia.
— Fique tranquila! Vocês vão arrasar. — Olívia e seu barrigão
se aproximaram de mim para um afago carinhoso.
— Vão com certeza… — Georgina abriu um sorriso. — A
Itália já está sentindo falta de vocês.
— Sinto um friozinho na boca do estômago. Parece que vou
vomitar a qualquer momento — declarei e Olívia riu.
— Pode parar! A grávida aqui sou eu. Os enjoos são a minha
especialidade. — Ela parou de falar e me encarou com o cenho
franzido. — Você não está grávida, né? — perguntou e eu caí na
gargalhada.
— Só se for do Espírito Santo, Oli! — Balancei a cabeça em
negação, lembrando que a minha última vez foi antes de irmos para
a Itália. — Do jeito que está sem uso… — Olhei para o zíper do meu
short. — Deve ter até teia de aranha — completei e Georgina
gargalhou também.
— Então fique só com o frio na boca do estômago e deixe o
enjoo para mim. — Olívia sapecou um beijo em meu rosto e desviei
o olhar para a barriga dela.
— Você ficou linda grávida. E cara, ainda não consigo
acreditar que você está grávida de gêmeos.
— Pois é. E ainda por cima, dois meninos. Não sei como vou
lidar com um Lucca e um Lorenzo correndo pela casa.
— E vocês já escolheram os nomes? Lembro-me que Luigi
me contou, há algum tempo, que vocês ainda não sabiam. — Passei
a mão em sua barriga.
— Sim. Eles irão se chamar Benício e Valentin. — Acariciou a
barriga, sorrindo.
— Que nomes lindos.
— Lindos mesmo — Georgina concordou.
Uma batida na porta desviou a nossa atenção.
— Oi, meninas! — A produtora do programa apareceu na
porta com o headphone na cabeça. — Kit, está na hora. Você já
pode ir com o resto da banda. — Olhou no relógio de pulso. —
Vocês entram em cinco minutos. — Voltou a me encarar e eu
assenti.
O meu coração estava tão acelerado que podia até sentir o
sangue correndo rápido, como se estivesse fazendo uma maratona
em minhas veias.
— Vai lá, amiga. — Olívia me abraçou. Depois Georgina se
aproximou e segurou as minhas mãos suadas.
— Olha, você é muito foda no que faz. Não precisa se
preocupar em ser mais do que é. Você só precisa subir naquele
palco e fazer o seu trabalho. Sei que não vai ter pra ninguém. —
Sorriu confiante.
— Estaremos na plateia torcendo por vocês — Olívia falou no
mesmo tom.
Demos um abraço coletivo e suspirei mais uma vez. A música
que tocaríamos era muito intensa e a interpretação de Luigi seria de
tirar o fôlego. Se ele se entregasse de corpo e alma para a canção
como fez no ensaio, teríamos chances reais de chegar à final. Eu
estava muito otimista, mas também, muito ansiosa.
Deixamos o camarim e as meninas foram para o auditório
assistir ao espetáculo de lá. Teríamos que apresentar três músicas.
Uma delas seria por sorteio. Tínhamos que torcer para saber tocar a
música que nos fosse destinada e conseguir improvisar. Na
sequência, faríamos o cover da música I Hate Everything About You
do Three Days Grace. E só depois tocaríamos a música autoral.
No corredor, encontrei Cindy e Hanna, que me
cumprimentaram com um beijo na bochecha.
— Como você está? — Cindy perguntou, havia ansiedade em
sua voz.
— Uma pilha de nervos. — Foi a minha melhor resposta.
— Os meninos também estão. — Hanna me encarou,
compassiva. — Acabamos de vir de lá.
— Bom, agora o jeito é ir para a batalha. — Estalei os dedos
pela enésima vez.
— Estou confiante. — Cindy sorriu. — Vamos assistir daqui
dos bastidores.
— Boa sorte! — Hanna desejou. Ela também parecia
ansiosa.
Encontrei os meninos perto do palco. Cumprimentei um a um
com um abraço.
— Você é o melhor — falei junto ao ouvido de Luigi durante o
abraço.
— Nós somos — ele corrigiu e me deu um beijo demorado no
rosto.
Demos um abraço grupal e entramos no palco. Os
integrantes da banda Lords of Hell se juntaram a nós.
O auditório estava cheio. Cada banda tinha grupinhos
organizados de fãs segurando faixas e vestindo camiseta com o
rosto dos seus ídolos. Fiquei surpresa quando vi algumas meninas
com os cabelos pintados de cor-de-rosa como os meus.
Antes das apresentações começarem, realizaram o sorteio e
fomos agraciados com a música Bad Romance da Lady Gaga. Que
deveria ser tocada pelas duas bandas. Tivemos meia hora para nos
reunir em uma sala de música improvisada. Enquanto ensaiávamos
em uma sala, a outra banda ensaiava na outra.
No ensaio, essa meia hora passou como se fossem apenas
três minutos. Tivemos que nos concentrar para não deixar a pressão
do tempo atrapalhar. Passamos a música para encaixar os acordes
e fizemos observações. Luigi explicou como pretendia cantar e
combinou com Nick para fazer o drive pesado em determinados
trechos e marcamos a minha entrada como segunda voz. Não deu
para testar a música toda, mas só o trecho que fizemos era de
arrepiar. A música ficou simplesmente foda pra caralho.
— Vamos performar, certo? — Luigi avisou e tirou a camisa.
— Temos que fazer todo mundo sair do chão com a gente. Vou
entrar sem guitarra.
— Sério, mano? — Fly ergueu as sobrancelhas parecendo
surpreso. Na verdade, todos ficamos.
— Muito sério. — Luigi assentiu, um ar diabólico que eu
nunca tinha visto tomou conta dos seus olhos. — E Kit, você vai na
minha onda, beleza? A gente será um casal na porra do palco e
você só me acompanha. Fechou?
— O que você vai fazer? — perguntei, me sentindo mais
ansiosa.
— Ainda não sei. — Balançou a cabeça em negação. — Vou
improvisar, então se joga quando tiver que se jogar. Agora é tudo ou
nada. — Os olhos dele brilhavam como nunca, enquanto ele dava
pulinhos no lugar para soltar o corpo.
— Cara você tá me assustando com esse lance de tudo ou
nada — Fly falou em tom divertido. — Mas se precisar me seduzir
no palco, irmão, estou à disposição. — Fez um gesto obsceno com
a língua que quebrou a seriedade do momento. A gargalhada foi
inevitável.
— Mano, a gente vai quebrar tudo. — Nick deu um soquinho
no ombro de Luigi.
— Sou sua! — Dei uma piscadinha marota, entrando na
brincadeira e Luigi passou a língua nos dentes de um jeito que fez
meu ventre se contrair.
— Bora! — Nick deu um tapa nas costas de Luigi e voltamos
para o palco.
Quando Luigi entrou sem camisa e sem a guitarra, a gritaria
no auditório foi ensurdecedora. Até as fãs da outra banda se
descabelaram. Fly começou a contagem e Luigi tomou o palco, ou
melhor, ele dominou aquele lugar. Ele era um showman incrível. A
batida da bateria, a guitarra pesada, o drive da voz de Luigi, e ele se
movendo pelo palco com desenvoltura, porra, era sexy pra caralho.
Na frase “I want your drama, the touch of your hand” (Quero o
seu drama, o toque de sua mão), Luigi deslizou a mão sobre peito,
desceu pelo abdômen e parou no cós da calça, olhando para o
público. Eu sabia muito bem a cara de cafajeste que ele estava
fazendo. Ele se moveu de maneira sensual durante toda a música.
Quando achei que ele tivesse desistido de me seduzir
durante a apresentação, Luigi parou em minha frente e cantou lento
“I want your love and I want your revenge” (Quero seu amor e eu
quero sua vingança), passeando a ponta dos dedos pelo meu ombro
desnudo e me encarando profundamente. “I want your love, I don’t
wanna be friends” (Quero seu amor, não quero ser seu amigo. Subiu
os dedos pelo meu pescoço, contornou o meu maxilar e alcançou o
meu queixo. “I don’t wanna be friends” (Não quero ser seu amigo).
Ele proferiu de um jeito que me fez engolir em seco. Deu uma
piscadinha, então se virou de volta para o público para cantar o
refrão. Pulando e se movendo com perfeição até o acorde final.
A performance foi incrível, impecável e eu não conseguia
imaginar nada melhor do que aquilo. Sem sair do palco,
emendamos as duas próximas canções. Tocamos a música cover
do Three Days Grace, depois a nossa autoral, a Broken, a canção
que ele fez para mim, ou melhor, para nós dois. De alguma forma,
ele conseguiu cantar com ainda mais alma do que fez no ensaio. A
sequência de músicas seguiu uma crescente de emoções insana.
Nunca me senti assim em um palco como naquela apresentação.
A votação popular quebrou todos os recordes do programa e
ganhamos com quase sessenta e cinco por cento dos votos. A
felicidade foi indescritível. A gente se abraçou como tivéssemos
ganhado a final. Assovios, gritos e muito barulho tomou conta do
auditório.
Voltamos para o camarim e o meu o coração estava batendo
à mil. A gente não conseguia parar de sorrir e se abraçar de tanta
felicidade. Hanna e Cindy entraram no camarim em seguida e
comemoram com a gente. Cinco minutos depois, chegaram Lucca,
Georgina, Lorenzo e Olívia. Até Derek e Andy vieram comemorar
com a gente. Desde que Andy começou a trabalhar no restaurante
com ele, pareciam felizes. Tinham até conseguido uma folguinha
naquela noite para nos assistir.
Entre apresentações e felicitações, Luigi não pôde revelar
que Cindy não era a sua namorada quando seus irmãos a
cumprimentaram. Era uma mentira coletiva que ainda precisava
continuar.
No camarim, o cooler sofisticado cheio de gelo e umas cinco
garrafas de champanhe adornavam o espaço. Luigi serviu algumas
taças e entregou para nós, depois deu uma garrafinha de água para
Olívia. Com a garrafa de champanhe em uma das mãos, subiu em
uma mesa e olhou para todos.
— Foi do caralho! Vocês são fodas pra caralho! — Apontou a
garrafa para mim, Nick e Fly. — Ao sucesso! — Ergueu o braço e
virou o conteúdo direto no gargalo.
Entornou o champanhe como se estivesse bebendo água,
depois desceu da mesa com agilidade. Lorenzo e Lucca o
abraçaram, algo que nunca tinha visto, foi uma cena tocante. Na
Itália, eles estiveram juntos. Mas ali, não tinha palavras para
descrever. Jamais esqueceria daquele dia.
A assistente do programa entrou no camarim e logo atrás
dela veio um homem intimidador. Cindy abriu um sorriso, parecendo
surpresa.
— Sr. Wood! — Ela caminhou até ele e todos se voltaram
para ver quem era.
— Cindy. — Ele apertou a mão dela e depois correu os olhos
pelo camarim.
— Pessoal, esse é o senhor Trevor Wood, o dono da
gravadora Rock Star — apresentou e parei de respirar.
— 4 Legends! — Trevor meneou a cabeça em um gesto
orgulhoso. — Vocês são realmente quatro lendas. Parabéns pelo
show! — felicitou e voltei a respirar. Trevor apertou a mão de todos.
— Pelo jeito, vocês serão o próximo fenômeno mundial. Bem que
Cindy falou que vocês eram bons. — Deu uma piscadinha para ela.
— Estou ansioso pela final.
— Nós também estamos, sr. Wood. — Luigi sorriu. — Aceita
champanhe? — ofereceu.
— Não, garoto, obrigado. Champanhe só se vocês forem
contratados — disse, com ar presunçoso.
— Beleza! — Luigi assentiu. — Então separe o melhor
champanhe que tiver, que no próximo programa a gente brinda. —
Sorveu outro gole no gargalo e Trevor sorriu.
— Autoconfiança é tudo. — Estendeu a mão para Luigi.
O dono da gravadora não ficou nem cinco minutos no
camarim. A visita dele nos deixou mais agitados. Lorenzo aproveitou
para ligar para os pais por chamada de vídeo. A dona Marta e sr.
Giuseppe ficaram bastante felizes com a vitória da banda e
anunciaram que viriam para Los Angeles no final de semana para
assistir à grande final na próxima terça.
Cindy se aproximou de mim e me abraçou.
— Adorei o jeito como Luigi cantou pra você — falou baixinho
ao meu ouvido e eu revirei os olhos.
— Ele é um showman — justifiquei e me desvencilhei. — Foi
tudo combinado.
— Se você diz… — Deu um sorriso desconfiado.
— Bom… — Larguei a taça em cima da mesa. — Preciso ir
ao banheiro.
— Vou com você. Também estou apertada. — Cindy largou a
taça ao lado da minha.
Luigi viu a nossa movimentação em direção à porta e falei
apenas “banheiro” para que ele fizesse leitura labial. Ele deu uma
piscadinha e sorriu. Depois voltou a conversar com a galera.
— Semana que vem vocês iniciarão uma nova fase. Estou
tão feliz. — Cindy enganchou em meu braço.
— Tomara. — Suspirei, pensativa. — A banda que iremos
enfrentar é muito foda.
— Ah, desculpa, Kit. Mas não tem pra bater a 4Legends. A
vitória já é de vocês.
— Deus te ouça, minha amiga. Deus te ouça.
Entramos no banheiro feminino e cada uma ocupou uma
cabine. Continuávamos batendo papo. Ouvimos gente entrar no
banheiro e sair enquanto isso. Terminamos e abrimos a porta da
cabine ao mesmo tempo, então nos deparamos com dois homens
enormes vestidos de faxineiros. Atrás deles, a entrada do banheiro
estava bloqueada com um carrinho grande de roupas sujas.
— O que fazem aqui? — perguntei, sentindo o pânico contrair
o meu estômago.
— Eu vou gritar se não saírem agora daqui — Cindy falou
com a voz esganiçada de medo.
— Shhh… — Um deles, o maior, apontou uma arma em
nossa direção, enquanto outro tirou um pano do bolso da calça.
— Se fizerem barulho, morrem. — O outro homem, mais
baixo, porém tão forte quanto, avançou até Cindy.
Cindy ameaçou gritar, mas o brutamontes do pano foi mais
rápido. Ele a agarrou e cobriu sua boca. Cindy se debateu, mas ela
parecia uma bonequinha nos braços daquele ogro. Fiz menção de
ajudar e o grandalhão caminhou em minha direção com a arma
apontada.
— Paradinha aí, vadia.
Olhei de volta para Cindy e seu corpo estava mole nos
braços do cara, que a carregou e a levou em direção ao carrinho.
— O que você está fazendo…? — Minha voz falhou ao ver
pequena Cindy desmaiada e sendo carregada por ele.
— Cala a boca, Pantera Cor-de-Rosa! — O grandalhão
armado grunhiu. A forma como ele se referiu a mim, me chamou a
atenção.
Eram os mesmos homens do assalto à cafeteria!
— Agora é a sua vez… — falou o mais baixo, vindo até mim
com o pano na mão após colocar Cindy no carrinho.
— Não encosta em mim, seu imundo! — As lágrimas
começaram a escorrer pelo meu rosto e comecei a caminhar para
trás até que minhas costas se chocaram contra a parede fria de
azulejo.
Ele sorriu do meu desespero e continuou avançando. Meus
olhos se prenderam brevemente em sua tatuagem de aranha no
pescoço e tive certeza de que era o mesmo cara.
— Vem aqui, vadia! — Ele tentou me pegar e me abaixei para
fugir. Ele me segurou pelos cabelos e me rendeu. Minhas costas
grudaram em seu peito.
Ele tapou a minha boca com o pano e na mesma hora prendi
a respiração. Com todas as forças, tentei me desprender, dando
cotoveladas e chutes no ar. Sentindo-me impotente, joguei a cabeça
para trás e acertei o seu rosto.
— Caralho! Sua puta, vagabunda! — bradou com fúria e me
soltou. — Essa vadia quebrou o meu nariz. — O homem se curvou,
levando as mãos para o rosto e eu saí cambaleante.
O cara armado engatilhou a pistola e a grudou na minha
testa. O rosto impassível. Imóvel, engoli a minha bravura em seco.
Pelo canto do olho, através do espelho, vi o outro homem ficar ereto
e limpar o sangue do nariz com as costas da mão.
— Sua vadia, olha aqui pra mim! — O homem com o nariz
quebrado me puxou com força e me virou para si, me fitando com
raiva. — Você tem que se foder! — Desferiu um soco em meu rosto
que me desequilibrou.
Senti o gosto metálico de sangue na boca e minha cabeça
ficando pesada. Sabia que precisava dar um jeito de escapar, de
salvar Cindy, mas naquele momento, não fazia ideia de como.
— Caralho! O chefe disse que não era pra machucar as
vagabundas. — O cara armado advertiu. — Me dá essa porra! —
Exigiu com a mão estendida.
Ergui a cabeça, atordoada e o “pacifista” me puxou para o
seu lado. Seu braço forte envolveu o meu pescoço como se fosse
dar um mata-leão e ele cobriu o meu rosto com o pano úmido que o
cara da tatuagem entregou. Comecei a espernear e a gritar, ou pelo
menos tentei. O homem era grande demais, forte demais, e não tive
chances. O pano tinha cheiro semelhante ao éter. O odor invadiu
minhas narinas e ardeu a minha garganta. Então, as forças que me
restavam, desapareceram. Como se Deus tivesse apagado a luz do
mundo, tudo escureceu.

Abri e fechei os olhos várias vezes, sentindo a minha cabeça


latejar. A última coisa da qual me lembrava era de lutar e me
debater para não ser pega no banheiro. Meu pescoço pendia para
baixo, e os músculos e nervos ardiam. Minhas mãos estavam
presas atrás de mim. Com muito esforço, consegui erguer a cabeça.
Eu estava sentada e amarrada em uma cadeira e minha boca
lacrada com Silver Tape. Que merda!
Olhei para um lado e depois para o outro. Meu Deus! Cindy!
Ela também estava amarrada como eu, mas ainda desmaiada. O
lugar era um galpão que cheirava a cigarro e mar. O espaço estava
cheio de caixas de madeira prontas para serem enviadas para
algum lugar. Ou talvez, tivessem acabado de chegar. Não dava para
saber. Fiz um ruído com a boca e tentei mover a cadeira. Queria
saber se Cindy estava bem.
— Ora, ora. — Uma voz conhecida surgiu atrás de mim.
Tentei olhar para trás para ter certeza de quem era. — A Barbie
Metaleira acordou.
Will passou do meu lado e apareceu em meu campo de
visão. Olhei para ele com tanto ódio que não conseguia explicar. O
coração espancando o peito. Queria perguntar o motivo de ele ter
feito aquilo, mas com a boca fechada, tudo o que me restava era
encará-lo com ódio.
— Olha, Kit… — Ele fez um estalo com a língua. — Juro que
não imaginava que terminaríamos assim. — Balançou a cabeça em
negação. — Imaginei que teríamos uma carreira longa e próspera.
Mas você e sua trupe não quiseram colaborar.
Queria tanto responder, xingar, perguntar ou dizer qualquer
coisa. Mas tudo o que eu podia fazer era escutar calada. Naquele
instante, Cindy, graças a Deus, se mexeu e Will voltou a atenção
para ela.
— A ratazana acordou também. — Caminhou até Cindy
dando um sorriso escroto. Ele pendeu a cabeça de lado e analisou o
rosto dela. Lágrimas vertiam dos seus olhos. — Não chore, ratinha!
Você sabe que se não tivesse me traído e vendido o programa que
eu criei para aquele bosta do seu novo empresário, nada disso teria
acontecido. Fique sabendo que não perdoei a sua dívida. Você
ainda me deve e cansei de esperar.
Will se afastou um pouco dela, tirou a carteira de cigarro do
bolso e pegou um. Colocou-o na boca e acendeu. Tragou e soltou a
fumaça para cima. Então voltou a atenção para mim.
— Sempre soube que você era apaixonada pelo Luigi. E
aquele merdinha também parecia gostar de você. — Caminhou em
minha direção e tragou de novo. — Por isso quando essa rata… —
Apontou para Cindy. — Entrou na vida do seu macho, eu tinha
certeza de que você iria exterminá-la. Mas não. — Encarou-me com
ar surpreso. — Você não só a aceitou na vida dele, como ainda a
salvou de morrer. Que decepção.
Ele suspirou e tragou o cigarro, parecendo pensativo.
Falando com a gente como se fossemos uma plateia cativa.
— Depois que Cindy roubou o meu programa, fiquei com uma
dívida enorme com o meu agiota. E você e a sua trupe… — Voltou a
me olhar. — Era a minha melhor chance de reverter a merda que
essa rata vadia tinha feito. O concurso foi a chance mais real de
alcançarmos o topo. E hoje você sabe disso. Sempre fui um bom
olheiro. Se não fosse o meu trabalho, vocês estariam tocando
naqueles bares ralé da cidade de onde vieram. Eu dei visibilidade
para vocês. Eu tirei vocês do anonimato e apresentei para todo os
Estados Unidos. Eu banquei a vida de vocês aqui.
Minha mente gritava: bancou merda nenhuma, seu ladrão!
Mas ele não podia ouvir. Ele nos roubou, fomos escravos por todo
esse tempo, a gente que tinha trabalhado duro para sustentar os
vícios dele. Claro que parte do nosso sucesso era atribuído a ele,
mas a que custo?
— Mas aí, essa daí… — Meneou o queixo para Cindy. —
Decidiu se envolver com o roqueirinho e contar a ele a versão
deturpada dela. O idiota deu ouvidos para a ratazana e resolveu
mexer com quem tava quieto. Tentei devolver essa rata para o
esgoto de onde veio, mas não funcionou. Então, agora, está na hora
de resolver o problema que ela e Luigi me causaram.
Tragou pela última vez o cigarro e soprou a fumaça. Jogou a
guimba no chão e pisou para apagar.
— Preciso de grana para sair do país — continuou. — E
vocês serão a minha moeda de troca. Confesso que ainda tenho as
minhas dúvidas. Não sei qual de vocês ele prefere, então achei
melhor negociar as duas. — Abriu um sorriso altivo que me deu
náusea. — Bom… — Tirou um celular do bolso da calça. — Vamos
ver onde ele está agora. — Digitou alguma coisa e ampliou o
sorriso. — Já está em casa. Olhe. — Virou a tela do celular para
mim que mostrava um ponto verde piscando em um mapa.
Como ele sabia onde Luigi estava? Será que aquele era
mesmo o endereço na nossa casa?
Will voltou a olhar para a tela, mexeu em mais alguma coisa e
segurou o aparelho, a câmera apontada para nós.
— Sorriam! — falou e riu em seguida. — Ops, me esqueci de
que ninguém verá o sorriso de vocês com essa fita cobrindo a boca.
Então só olhem para mim. Vamos ligar para Luigi juntos e pedir um
resgate. Se ele gostar um pouco de vocês, vai arrumar o meu
dinheiro rapidinho.
Não tinha mais dúvidas, a ganância tinha afetado o juízo
daquele homem. E agora, Luigi corria perigo.
— Cadê Kit e Cindy? — Georgina perguntou, olhando de um
lado para o outro. — Queria me despedir. Preciso voltar para o
hotel, está tarde. Anastácia está sozinha com Laís desde as 16h e já
são quase 23h.
— Elas foram ao banheiro — respondi, olhando para a porta
e depois para o relógio de pulso. — Mas já faz um tempinho. Será
que aconteceu alguma coisa? — Desencostei da mesa, uma
pontinha de preocupação apertando o meu peito.
— Vou atrás delas — Georgina anunciou e Hanna, que
estava no colo de Fly, se levantou.
— Vou com você — Hanna anunciou, dando um beijo em Fly.
— Se vocês vão ao banheiro. Vou aproveitar e ir também. —
Olívia se levantou do sofá. — Bebi quase um litro de água e a minha
bexiga está estourando.
As três garotas saíram do camarim e só ficaram os homens.
— Acho que a mamãe vai adorar conhecer a sua namorada
— Lorenzo falou, ajeitando-se no sofá.
— Ela é gente boa — Lucca opinou, coçando a barba. — Mas
preciso dizer que ainda acho que Kit é mais a sua cara.
Fly e Nick me encararam, e forcei um sorriso.
— Cindy é gente boa mesmo. Tomara que a dona Marta
também goste dela. — Fiz malabarismo com as palavras. Não
queria dizer nada que me comprometesse. Estava contando os dias
para aquela farsa acabar e assumir o meu romance com Kit.
— A gente pensou em levar Laís até a praia amanhã. O que
acha de virem com a gente? — Lucca convidou, retribuindo o
sorriso.
— Às quartas-feiras de manhã, Cindy grava o programa dela
aqui no estúdio. Diferente do concurso de bandas que é transmissão
ao vivo, ela grava uma semana antes de ser transmitido. — Olhei
para a porta de novo. — Melhor deixar para quinta.
— Está tudo bem, irmão? — Lorenzo questionou e o encarei.
— As meninas estão demorando — declarei, sentindo a
ansiedade me consumir. — Vou atrás delas.
Antes que eu pudesse sair do camarim, Olívia, Georgina e
Hanna voltaram.
— Cindy e Kit não estão no estúdio — Hanna falou,
parecendo angustiada. Ela sabia de toda a história e pude ler em
seus olhos que havia preocupação.
— Como assim não estão no estúdio? — Passei a mão pelos
cabelos, mil coisas gritando em minha cabeça.
— Procuramos por toda parte e perguntamos aos
seguranças, mas não tem quase ninguém mais aqui. — Olívia
balançou a cabeça. — Será que foram embora?
— Elas não iriam embora sem avisar. — Nick estreitou o
cenho e vi seu pomo de adão se mover enquanto ele engolia em
seco. Ele se levantou do sofá, agitado.
— Luigi, será que Will poderia ter alguma coisa a ver com
isso? — Hanna, que ainda me encarava, perguntou.
— Não pode ser. Ele está foragido, não se arriscaria de vir
até aqui. — Foi a vez de Fly se manifestar.
— Se aquele desgraçado ousar fazer qualquer coisa contra
elas, juro que mato esse filho da puta. — Levei as duas mãos à
cabeça, um zumbido atravessando o meu cérebro.
— Espera aí, por que a preocupação? Will não é o
empresário da banda? — Lorenzo veio até mim, o olhar confuso.
Lucca também se aproximou e eu fechei os olhos,
controlando a respiração.
— O que foi, irmão? — Lucca questionou e tornei a abrir os
olhos.
— Caralho! — Virei-me e caminhei em direção a porta do
camarim, consternado. Não queria dizer nada antes de ter certeza
de que elas tivessem mesmo desaparecido.
— Aonde você está indo? — Nick segurou o meu braço e eu
o encarei.
— Vou atrás de Joseph, Karl ou de qualquer pessoa da porra
da segurança. Já volto! — Puxei o braço e saí do camarim. Cruzei o
corredor vazio a passos largos.
Realmente não havia mais ninguém ali. Apenas algumas
funcionárias faziam a limpeza do local. Perguntei se tinham visto as
duas garotas, mas negaram. Caralho! Agradeci e continuei
procurando. Abrindo cada porta e chamando por elas.
Entrei no banheiro feminino e abri as portas de todas as
cabines, me sentindo cada vez mais apavorado. Cruzei o corredor,
torcendo para que Joseph as tivesse visto ou as levado para casa.
Mas quando abri a porta dos fundos do estúdio, que dava para o
estacionamento, encontrei o segurança da noite em frente à porta e
o motorista dentro do carro com os faróis acesos.
— Você viu Cindy ou Kit? — perguntei ao segurança, olhando
para o entorno.
— Não, senhor. Não as vi sair de dentro do estúdio —
respondeu e senti um arrepio percorrer as minhas costas. Mesmo
com o calor do verão imperando em L.A. naquela hora da noite, um
frio sombrio se agarrou à minha pele.
— Já procurei, mas elas não estão lá dentro! — retruquei,
aumentando o tom de voz. — Que merda de empresa de segurança
são vocês que não conseguem cuidar da segurança de ninguém?!
— inquiri, quase gritando.
O motorista desceu do carro e me olhou por cima do teto.
— O que aconteceu, sr. Ferrari?
— O pior, Joseph. Kit e Cindy sumiram.
— Mas estou aqui há horas e ninguém passou por aqui — ele
se justificou.
— Pois é. Se elas não estão aqui, então foram sequestradas.
— Minha garganta se fechou. Não passava nem saliva.
Eu já tinha passado por isso no início do ano. Pensar que
elas poderiam ser agredidas ou machucadas, ou até mesmo coisa
pior, fez minhas mãos se cerrarem em punho.
— Avise à polícia, Joseph. — Abri a porta e voltei para
dentro, onde me deparei com meus irmãos, as esposas e meus
companheiros de banda, além de Hanna.
— Irmão, elas realmente não estão aqui. — Lucca suspirou e
entregou meus pertences e o celular de Kit que trouxe do camarim.
— Cheguei a essa conclusão também — resmunguei,
guardando o meu celular e o de Kit no bolso. Vesti a camiseta, pois
até então estava sem ela. Naquele momento, eu me sentia perdido,
não sabia o que fazer.
— Mano, você precisa nos dizer o que está acontecendo. —
Lucca se postou em minha frente. — Você está estranho há meses
e agora ficou muito claro que tem merda acontecendo.
Desembucha.
Bufei, irritado.
— Prometo que vou contar tudo pra vocês, mas só me deem
um tempo para pensar. — Baguncei o cabelo, como se aquilo
pudesse ordenar meus pensamentos.
Karl apareceu e cochichou ao meu ouvido. Ele tinha entrado
em contato com chefe dele, o líder da equipe de segurança. O líder
o informou que a polícia só entraria em alerta oficial após 24h de
desaparecimento ou se alguém pedisse um resgate. Além disso, o
chefe também informaria a James Carter para lidar com os detalhes
mais sensíveis da situação. Enquanto isso, precisávamos ir atrás
delas em casa e em lugares que costumavam frequentar.
Joseph me entregou o celular de Cindy, que estava no banco
de trás do GMC. Então, seguindo o conselho de Karl, nos dividimos.
Nick, Hanna e Fly foram com Joseph até a casa de Cindy. Georgina
e Olívia voltaram para o hotel, para aguardar notícias lá. Enquanto
Lucca, Lorenzo e eu fomos para a casa da banda.
Na saída do estacionamento da emissora, vi o mesmo Honda
prata de sempre estacionado. A minha paranoia só aumentou, volta
e meia aquele veículo estava parado naquela rua.
Enxotei aquele pensamento persistente e me concentrei em
relatar aos meus irmãos toda a saga desde que a 4Legends chegou
aos Estados Unidos. Contei absolutamente tudo. Do namoro falso,
ao meu amor por Kit, até o crime de Will e como tudo veio à tona.
Não sei se cheguei a chocar os meus irmãos com a minha história.
Se duvidar, a deles não tinha sido muito menos dramática do que a
minha.
— E por que você não nos contou isso antes? — Lorenzo
perguntou, exasperado. — Isso é muito grave, irmão!
— Eu sei, mas…
— Foi por isso que você me ligou no início do ano? Era para
pedir ajuda? — Lucca interrompeu a minha desculpa.
— Cara, no início, quando descobri a fraude de Will e levei
aquela surra, eu pensei em contar. Estava decidido a pedir uma
opinião para Lorenzo sobre o que fazer. Mas ele tinha enfim
encontrado a paz e, além disso, estava perto dos nossos pais. Não
podia correr o risco que papai soubesse disso. Então, pensei em
conversar com você, irmão. Por isso te liguei, Lucca.
Olhei Lucca brevemente pelo espelho retrovisor. Ele me
encarava com uma expressão assombrada.
— Mas quando você me contou tudo o que estava
acontecendo na sua vida — continuei. — Do seu namoro falso com
Georgina e da doença e gravidez de Elisa, não tive coragem. Achei
que o meu problema financeiro fosse muito menor do que o seu —
justifiquei, apertando o volante com força e inspirei fundo. — Sério,
nunca imaginei que esse problema alcançaria uma proporção como
essa.
— Porra! Cadê a confiança, irmão?! — Lucca explodiu. —
Você deveria ter contado. Tava achando que resolveria um caso de
polícia desse sozinho?
— Já foi… Não adianta brigar agora— Lorenzo interveio. —
O que nos resta é resolver essa situação. — Ele apoiou a mão em
meu ombro. — Estamos juntos, mano!
— Valeu — agradeci num suspiro angustiado, imerso em
pensamentos.
Estacionei em frente à minha casa, descemos do carro e ao
entrar constatamos que as meninas não estavam ali. O último fio de
esperança que eu tinha havia sumido. O desespero que sentia era
tão avassalador que tive ânsia de vômito.
Na sala, Lorenzo serviu três copos de uísque e entregou um
para mim e outro para Lucca. Sorvi um gole e tentei ligar outra vez
para o celular de Will, mas nada. Desde que tinha saído do estúdio,
liguei inúmeras vezes para ele, mas sem resultado. Nem sequer
chamou. Talvez ele tivesse trocado de número. Eu não fazia ideia do
que pensar.
— Luigi, você disse no carro que antes de ir para a Itália, Will
transferiu dinheiro para uma conta e sacou outro tanto em um caixa
rápido — Lorenzo começou a falar. Ele estava com o olhar distante.
— Você chegou a verificar para onde foi o dinheiro?
— Claro que sim. O vagabundo transferiu para um puteiro. Eu
mesmo pesquisei no Google e conferi a empresa. Na época pensei
que pudesse ser algum negócio clandestino que ele tivesse, mas
não era nada.
— E você chegou a passar essa informação para a polícia?
— Lucca instigou.
— Não me lembro se falei ou não. Logo começou o concurso
e a nossa vida virou de ponta cabeça. No entanto, entreguei para a
polícia os extratos bancários que ele falsificou e os originais que
peguei no banco. — Tirei a carteira de cigarro do bolso e peguei um.
— Servidos? — ofereci.
Os dois se entreolharam, mas aceitaram. Acendi o meu e
joguei o isqueiro para Lorenzo.
No Brasil, quando Lorenzo ficava ansioso, ele bebia e fumava
Vape comigo. Não era viciado nem nada, mas me acompanhava de
vez em quando. Lucca sempre foi o mais atleta da família, era o que
menos bebia e fumava. Mas não era careta. Eu o vi fumar várias
vezes em baladas. Pelo visto, para eles, um cigarro à uma da
manhã, naquele estado de nervos, era bem-vindo.
— Às vezes, pode ser uma empresa dele, mas em nome de
um laranja. — Lorenzo acendeu o cigarro e entregou o isqueiro para
Lucca.
— Até pensei nisso… — Traguei o cigarro e soprei a fumaça.
— Mas você não conhece Will. Ele adora luxo e aquele pardieiro
não combina em nada com ele.
— Talvez fosse bom deixar a polícia investigar isso. Pode ser
uma pista — Lorenzo opinou.
— Vou ligar para o delegado. — Segurei o cigarro com os
dentes e tirei o celular do bolso.
Liguei e passei a informação para o oficial à frente do caso de
Will, já que não me lembrava se tinha dito isso a ele anteriormente.
Por sorte, ele estava de plantão. O oficial anotou todos os dados,
agradeceu e me informou que investigaria aquela pista naquele
instante mesmo.
Vinte minutos mais tarde, Nick chegou em casa muito aflito,
dizendo que Cindy também não estava na casa dela. Contou que
Hanna e Fly foram até a casa de Hanna ver se Cindy e Kit tinham
ido para lá.
Eu estava parecendo uma chaminé ambulante. Ansioso pra
caralho, caminhava de um lado para o outro e fumava um cigarro
atrás do outro. O toque do meu celular quebrou o silêncio da sala e
todos me encaram. Tirei o aparelho do bolso e olhei fixamente para
a tela.
— É uma chamada de vídeo de um número não identificado
— anunciei.
— Atende logo, cara — Nick incentivou. Ele estava tão
nervoso quanto eu.
Atendi e a cara de Will apareceu na tela.
— Estava esperando você chegar em casa para ligar. — Ele
sorriu com ironia.
— Como sabe que estou em casa? Cadê Kit, cadê Cindy? —
Emendei as perguntas, o coração batendo em uma velocidade
quase letal.
— Tá nervosinho, hein? — Revirou os olhos com exagero e
se virou.
Atrás dele estavam Kit e Cindy, sentadas e amarradas em
cadeiras. Elas tinham Silver Tape sobre a boca. Minhas pernas
falharam e me sentei no sofá, sentindo o ar sumir dos pulmões.
— Essas duas que você quer? — Will voltou a me provocar.
— Podemos negociar uma delas, o que acha?
— Como assim? — perguntei e meu estômago se contraiu.
— Você escolhe qual das rosinhas você prefere negociar.
Uma delas eu troco por dinheiro e a outra eu mato. E aí? Quem vai
ser? — Primeiro focou no rosto de Kit e depois filmou o rosto de
Cindy. As duas tinham lágrimas nos olhos e estavam visivelmente
muito assustadas.
— Enlouqueceu, Will? — perguntei, a voz trêmula. — Me fale
o que você quer? Quanto você quer?
— Agora você começou a falar minha língua. — Ele se virou
e o fundo agora era apenas um galpão metálico. — Bom, visto que
você e Cindy foderam com a minha vida e que terei que recomeçar
bem longe daqui, então preciso de cinco milhões de dólares em
dinheiro, até quinta-feira.
— Quê? — Quase perdi o chão quando ele falou a cifra.
— Isso mesmo que você ouviu, garotão. E quer saber, como
estou de bom humor, se me pagar o dobro, te libero as duas. E
lembre-se, o relógio tá passando, se eu souber que você envolveu a
polícia ou qualquer coisa, uma delas vai pro saco — ameaçou e eu
gelei sem saber como proceder.
Eu tinha dinheiro aplicado no Brasil dos aluguéis das dezenas
de imóveis que meu pai havia me dado ao longo da vida. Eu e meus
irmãos éramos sócios de uma holding, e cada um de nós tinha o
mesmo número de imóveis. No entanto, quem geria os fundos era o
CFO da empresa: Lorenzo. Eu nunca me interessei naquele dinheiro
porque era fruto da construtora do meu pai. Renda que até a um
minuto atrás eu não estava interessado. Mas era a vida de duas
pessoas que estava em jogo.
Se era dinheiro que Will queria, ele teria. Mas em espécie,
seria impossível. Eu não participava da gestão daquela grana,
porém eu tinha noção de que estavam aplicadas em fundos de
investimento. Também sabia que não se tirava dez milhões de
aplicações da noite para o dia, tampouco que era possível enviar
tanta grana para outro país sem burocracia. Will tinha surtado. Eu
não possuía a menor chance de pagar aquela cifra em dinheiro,
quem diria em menos de 48h.
— Você sabe que é impossível arrumar esse dinheiro em tão
pouco tempo — contestei e Lorenzo acenou com a mão, chamando
a minha atenção para ele. Ele fez um sinal de positivo, me
incentivando a aceitar a negociação.
— Então é melhor arrumar um jeito de conseguir a grana ou
nunca mais verá a Barbie Metaleira e nem a Ratazana.
— Tudo bem, vou dar um jeito, mas só entrego a grana
depois que elas estiverem comigo — falei, mas minha mente
inquieta não parava de pensar em como Lorenzo conseguiria dez
milhões de dólares em dinheiro em 48h.
— Acho que você não entendeu, Luigi. Você quer que eu
elimine uma delas agora para provar que estou falando sério? —
Abriu um sorriso cínico e virou a câmera do celular para as garotas.
Aproximou-se primeiro de Cindy, pegou uma mecha do
cabelo dela nas mãos e cheirou. Meu maxilar se contraiu de raiva.
Então ele se aproximou de Kit, passou por trás da cadeira onde ela
estava amarrada e cheirou o seu pescoço. Ela se debateu e meu
sangue ferveu.
— Vai se foder, Will! Não se atreva a encostar um só dedo na
minha garota ou eu te mato! — Meus olhos arderam de raiva, a
impotência me matando um pouco por minuto.
— Pronto! Agora sei quem é sua preferida. — Will sorriu com
sarcasmo, ainda se filmando ao lado de Kit e se divertindo com a
minha reação.
— Porra nenhuma — contrariei, a voz agarrada na garganta.
— Você vai deixar as duas livres. Está me ouvindo, seu bosta? —
grunhi, a fúria me dominando.
— Meu sequestro. Minhas regras. — Afastou-se de Kit. —
Cinco milhões em troca de uma das garotas ou o dobro da grana e
poderá levar as duas pra casa. Já sabe as regras e se chamar a
polícia… é bang bang. Em breve entrarei em contato para passar as
coordenadas do dia e hora que faremos a troca.
Will desligou sem que eu pudesse respondê-lo e meu o ódio
explodiu. Arremessei o aparelho contra a parede e urrei de raiva, de
medo, de impotência. Caí de joelhos, as mãos cobrindo o rosto, me
sentindo derrotado. As lágrimas, desta vez, foram inevitáveis.
Meus irmãos e Nick se juntaram a mim. Chorei feito criança
agarrado a eles. Se eu tivesse ouvido o meu pai e seguido carreira
de engenheiro na construtora, ficado em Curitiba e deixado a
música apenas como hobby, nada disso estaria acontecendo. Nunca
teria conhecido Will, Cindy nunca teria se envolvido comigo e Kit
estaria ao meu lado como esteve durante a minha vida inteira.
Sentia-me tão culpado por ser a porra de um egoísta,
ambicioso e orgulhoso do caralho. Por minha culpa, duas garotas
inocentes estavam nas mãos de um criminoso. Meu corpo
chacoalhava, convulsionando pela dor que se agarrava a cada
célula. O dia tinha sido tão feliz até então, que mal conseguia
acreditar que aquilo estava acontecendo de verdade.
Lorenzo foi o primeiro a se levantar. Ele deu um tapinha em
meu ombro e ergui o rosto. Ele também tinha lágrimas nos olhos.
— Levante, irmão. — Estendeu a mão para que eu me
apoiasse. — Vamos resolver essa merda juntos.
Ele, Lucca e Nick me ajudaram a ficar de pé. Estava difícil de
respirar.
— A grana a gente vai dar um jeito… — Lucca começou a
falar.
— Mas o filho da puta disse que só uma delas vai sair viva se
não pagarmos o dobro — Nick interrompeu, dando um soco na
parede ao lado. A raiva deixando o seu rosto vermelho.
— São duas da manhã aqui em Los Angeles, mas no Brasil já
são seis. — Lorenzo voltou a falar. — Estamos em vantagem. Daqui
a quatro horas conseguimos fazer transações de câmbio. Por sorte,
nós temos uma conta no Bank of America.
— Temos? — Pendi a cabeça, confuso. Passei todos esses
meses nos Estados Unidos e nem sabia.
— É uma conta de investimento, irmão. Mas para mexer
nessa, teremos que aguardar o dia amanhecer.
— E como você vai conseguir todo esse dinheiro para
transferir? — Nick questionou.
— Uma parte do dinheiro temos aqui e a outra temos em
caixa na construtora. Temos três empreendimentos em construção.
Posso mover esse recurso para a nossa conta americana, e a partir
dessa transação, sacaremos o dinheiro para Will.
— Mas e a empresa? E o nosso pai…
— Calma, Luigi. — Lucca interveio. — A gente vai devolver.
Temos mais do que isso nas aplicações da holding.
— Mas o dinheiro também é de vocês…
— Irmão, é nosso. O mínimo que a gente pode fazer é te
ajudar com isso. — Lorenzo me abraçou forte.
Também puxei Lucca para o abraço, sentindo um pouco de
alívio por eles estarem comigo. Não sei se conseguiria pensar em
dinheiro àquela altura. Sempre fiquei tão alheio à grana da família
que às vezes me esquecia de que tinha dinheiro.
— Cara, não tenho como contribuir com grana… — Nick se
aproximou de mim e colocou a mão no meu ombro, me encarando
com os olhos brilhando. — Mas estou disposto a fazer o que for
preciso para salvar as duas. A gente vai tirar as nossas garotas de
lá, custe o que custar.
Eu tinha a melhor família do mundo. Eu era capaz de dar a
minha vida para salvar a Kit, e se Nick, que era um cara forte e
destemido, estava determinado a fazer o que fosse preciso, talvez
tivéssemos uma chance.
— Só tenho uma dúvida… — Lucca pegou o meu celular do
chão e colocou sobre a mesa de centro. — Como Will sabia que
você estava em casa?
Lorenzo pegou o aparelho que agora estava com a tela
quebrada e virou para o meu rosto para desbloquear.
— O seu celular não consigo desbloquear, só do Lucca… —
brincou, tentando aliviar a tensão. Depois desviou o olhar para o
aparelho desbloqueado e Lucca revirou os olhos. — Será que não
instalaram algum tipo de localizador? — Começou a mexer.
— Pode ser… — resmunguei, pensativo. — Quando fui
sequestrado, eles roubaram a minha carteira e o meu celular, e
depois Will me deu esse aí…
— Rá! Tá aqui! — Lorenzo virou a tela e mostrou o aplicativo
para todos. — O filho da puta estava na sua cola. O aplicativo
estava oculto, só dá para ver se fuçar nas configurações.
— Quer dizer que ele está me monitorando desde janeiro?
— Possivelmente — Lorenzo respondeu, enquanto excluía o
aplicativo.
— Então será que o carro velho que vejo com frequência
poderia ser de algum capanga de Will? — perguntei e os três me
olharam.
— Que carro? — Nick inquiriu com o cenho franzido.
— Um Honda prata que eu sempre vejo. Desde que o
concurso começou, estou cismado com ele.
— E por que não falou nada, véi? — Nick perguntou, irritado.
— Porque os últimos meses da nossa vida foram tão corridos
que nem sequer vi passar. Achei que fosse paranoia minha. Que
estava vendo coisas. Até vi esse carro hoje.
— Sabe a placa? — Lucca perguntou.
— Não reparei. Como eu disse, achei que fosse paranoia.
— Bom, agora pouco importa. Amanhã avisaremos à polícia
sobre esse carro suspeito — Lorenzo falou, pensativo.
— Então agora temos muito trabalho pela frente. — Lucca
olhou no relógio de pulso. — Vamos precisar de energético, uísque
e uma mesa.
— O que pretende fazer? — Lorenzo olhou sério para Lucca.
— Temos duas garotas para resgatar e precisamos de um
plano — explicou.
— Então vou buscar algumas bebidas para gente. — Nick
deu um tapinha no braço de Lucca, compactuando com a ideia.
Lorenzo era estratégico do ponto de vista gerencial. Tinha
todas as habilidades que um cara foda que comanda uma empresa
deveria ter. Era conservador e muito meticuloso. Lucca era
igualmente estrategista, mas arrojado à enésima potência, ia para
cima no tudo ou nada e sempre levava a melhor. Campeão invicto
da Porsche Carrera da Itália. Nick era reservado, mas era pau para
toda obra. Por trás de sua aparência fria e distante, ele tinha um
coração de ouro e era a pessoa mais corajosa que eu conhecia. Já
eu me entregaria de corpo e alma para qualquer que fosse o plano
de resgate.
Terminei a ligação e olhei para as meninas. Fui até uma mesa
improvisada no canto, peguei a garrafa de uísque que tinha nela e
servi uma dose em um copo que não parecia muito limpo, mas
qualquer coisa, a bebida esterilizaria.
Sentei-me no banquinho e fiquei um bom tempo olhando para
ambas. Apreciando aquela situação. Tudo estava se encaminhando
do jeito que eu queria. Até fiz um joguinho com a vida das duas para
colocar pressão, mas sabia que Luigi não abandonaria uma delas. O
medo no olhar do filho da puta quando falei aquilo foi melhor do que
pegar dois ases numa mão de poker. Sorvi o resto da bebida e me
levantei, me aproximando das vadias que não desgrudaram os
olhos de mim.
— É baratinha, pelo jeito a Barbie Metaleira vai levar a melhor
— provoquei. — Mas não fique triste, pelo menos você vai
reencontrar seu namoradinho drogado no inferno. — Sorri ao ver o
quanto as minhas palavras causavam dor. — Você quer dizer
alguma coisa? — Aproximei-me dela e puxei a fita bem devagar.
— Vai se foder! — ela gritou e eu gargalhei.
Nunca a tinha visto falar palavrão. Pelo visto, convivência
com a banda de rock tinha mudado a ratazana.
— Só isso? — Balancei a cabeça, incrédulo por ela ter
perdido a oportunidade de pedir água e lacrei a boca da praguinha
com fita outra vez.
— E você, sortuda, tem algo a dizer? — Quando me
aproximei para tirar a fita, um dos capangas me chamou e recuei.
— O que foi, John? — Encarei o brutamontes, curioso.
— Chuck está aqui e quer falar com você — avisou e desviei
o olhar para Kit.
— Continuamos essa conversa mais tarde. — Forcei um
sorriso e dei uma piscadinha, a provocando.
Passei por entre as caixas de exportação e abri a porta do
galpão. Mal saí para fora e levei um soco que me derrubou.
— Seu filho da puta! — Chuck bradou e me ergueu com
facilidade. O homem era enorme, tinha dois por dois de altura e
largura.
— O que foi? — Tentei me defender, não fazia ideia do que o
tinha enfurecido.
— A polícia acabou de bater lá na boate e apreendeu tudo
que eu tinha no escritório: as minhas armas, as munições, as
drogas… Tudo!
— E o que eu tenho a ver com isso? — Limpei o sangue da
boca, sem entender a violência.
— Tem tudo a ver. — Empurrou-me e bati com as costas na
parede do galpão. — Eles tinham um mandato de busca e
apreensão porque houve uma denúncia a partir daquela
transferência bancária que foi feita da conta da bandinha de rock
para a boate.
— Mas eu te falei da transferência na época…
— Também garantiu que a polícia não viria atrás. — Desferiu
outro soco e inspirei fundo.
— Calma, caralho! — Levantei as mãos em rendição. — Na
quinta-feira, vocês terão um milhão de dólares na mão.
— Um milhão, uma ova! — Coçou o pescoço, rindo. — Um
resgate sem adiantamento de serviço e com o risco que estamos
correndo… Quero cinquenta por cento!
— Tá louco?
— Louco está você se não aceitar os meus termos. Lembre-
se que posso terminar essa merda de sequestro sem você na
jogada. Mato você agora mesmo, desovo o seu corpo no mar e você
vai virar comida de peixe antes de ver a cor do dinheiro. —
Aproximou o rosto do meu. — Então é melhor abaixar a bola e
cooperar.
Assenti, engolindo o meu orgulho. Era isso ou teria uma
morte precoce. Chuck deu uma cuspida no chão ao meu lado e se
afastou com ar satisfeito. Olhei ao redor e vi os outros irmãos
metralha me encarando. Então me aproximei do idiota com a
tatuagem no pescoço e falei:
— Vou no posto buscar comida e águas para as vadias. Já
volto.
Enquanto caminhava, passei a mão no maxilar dolorido.
Entrei no Honda e dirigi, sentindo raiva de ter que dividir o meu
dinheiro com aquele monte de músculos desprovido de cérebro.
Na loja de conveniências, comprei um pacote de bolacha
salgada e duas garrafinhas de água. O meu dinheiro estava tão
curto que não podia esbanjar até ter a grana do sequestro na mão.
Na volta ao galpão, no corredor escuro, entre vários
contêineres, dois faróis de caminhonete acenderam, me cegando.
Ouvi o som de um veículo acelerando em minha direção. Pensei em
dar a ré, mas pelo espelho retrovisor, vi outro par de faróis se
acender atrás de mim, me obrigando a parar o carro.
Quem eram aqueles malucos àquela hora da noite?
Desceram dois caras do carro de trás e mais dois vindos da
frente. Eles estavam de terno, luvas de couro e fortemente armados.
Fodeu! Eram os capangas do Jack “Dirty”. De novo!
Nem sequer tive tempo de abrir a porta, um dos homens fez
essa gentileza por mim e me tirou de dentro sem o menor esforço.
Ele pegou o meu pescoço e me pressionou contra o carro, como
fizeram na semana passada. Pelo canto do olho, vi Jack descer do
veículo de trás e vir até mim a passos lentos.
Que caralho ele queria agora?
— Boa noite! — o agiota cumprimentou.
— Noite… — respondi com dificuldade. — Como me
encontrou?
— Ah, Will… — Balançou a cabeça, dando um sorriso irônico.
— Meus capangas colocaram um rastreador em seu carro em nosso
último “encontro” que me levou direto ao Chuck, um velho
conhecido. Aí ele me contou sobre o seu plano genial: sequestro
duplo… Resgate duplo… Você se superou, hein?
Eu estava quase sem ar, nem sequer podia me vangloriar do
meu plano magistral. Ao mesmo tempo, fiquei com mais raiva de
Chuck. Além do filho da puta exigir metade do meu dinheiro, ainda
dedurou meu plano para Jack.
— Larga ele — Jack ordenou ao capanga, que me colocou no
chão outra vez.
— Falei que iria te pagar, Jack. — Toquei o meu pescoço
para aliviar o desconforto e voltei a respirar.
O agiota sorriu, mas não parecia feliz.
— Você é muito burro mesmo, Will. — Fechou o sorriso. —
Caralho! Tem merda nessa sua cabeça?
— Não entendi. — Estreitei o cenho, fitando a cara amarrada
do agiota.
— Caralho, Will! Você sequestrou a porra de uma popstar!
Você só pode ser muito idiota. — Balançou a cabeça em negação.
— Fiz o que devia ser feito — justifiquei, confiante.
— Fez uma grande merda, isso sim. Você cavou a própria
cova e colocou a porra de um alvo bem no meio da sua testa,
imbecil.
— Você vai ter o seu dinheiro, Jack. Isso que importa.
— Com certeza vou. — Assentiu, as narinas dilatando. —
Mas o seu prazo acabou.
— Quê? Como assim? — inquiri, ansioso. — Sabe que
dependo do dinheiro do resgate para te pagar.
— Estou pouco me fodendo, Will. Com essa porra de
sequestro malfeito em andamento estou vendo o meu dinheiro criar
asas. Então dê seus pulos. Tem até amanhã às onze da noite pra
me pagar ou já sabe…
— Mas…
— Shhhhh…. — Retorceu o rosto como se doesse me ouvir.
— Cale a boca, Will. Não quero “mas”, então trate de arrumar o meu
dinheiro, entendeu? Amanhã no fim do prazo, estarei aqui.
Jack se afastou e voltou para o carro, assim como os
trogloditas que estavam com ele. Entrei no Honda, o ar ficando
pesado para respirar. Eu teria que ligar para aquele merda do Luigi
e fazê-lo cagar o dinheiro antes do prazo.
Caralho!
Menos de uma hora depois dos meus irmãos terem enviado
mensagem para Olívia e Georgina, elas se juntaram a nós, mesmo
já sendo de madrugada. Anastácia ficou com Laís no hotel. Pouco
tempo depois, Fly e Hanna também chegaram. Os oito assentos da
mesa da cozinha ficaram tomados e atualizamos o pessoal do que
tinha acontecido.
Ainda estava tentando assimilar o valor exigido pelo resgate.
Não era uma cifra para qualquer um. No entanto, Will também não
tinha sequestrado qualquer pessoa, mas uma popstar e uma garota
que tinha ganhado grande visibilidade na televisão nos últimos
meses, claro que não iria se contentar com mixaria.
— James Carter me ligou agora a pouco — Hanna soluçou.
— Avisei que estava vindo para cá.
— Sim, ele me ligou também — falei, pensativo. — Ele disse
que tinha algumas coisas que precisava conversar comigo, mas
queria que fosse pessoalmente. Também precisava atualizá-lo da
ligação de Will.
De repente, meu celular começou a tocar. Outra vez, era de
um número desconhecido. Pedi silêncio e atendi no viva-voz.
— Mudança de planos, Luigi — Will falou do outro lado da
linha. — O negócio é o seguinte: quero os dez milhões de dólares
na minha mão até às nove da noite de hoje.
Todos se olharam, mais assustados do que antes.
— Você está me dizendo que tenho dezessete horas para
conseguir o dinheiro? — Olhei com desespero para Lorenzo, e
todos fizeram o mesmo. Meu irmão assentiu e gesticulou com a mão
para que eu prosseguisse.
— Exato. Mais tarde passo o endereço. — Will deu o recado
e desligou.
— Filho da puta! — Dei um murro na mesa e me levantei,
transtornado.
A raiva ardia em meu estômago. Passei as mãos pelos
cabelos como se o movimento pudesse me acalmar e caminhei até
a bancada da pia. Apoiei as mãos no mármore, fitando o chão.
— Irmão… — Lucca se levantou e apoiou a mão em meu
ombro. — Nós vamos conseguir. Só não caia na pressão de Will.
Ele quer te desestabilizar e você precisa ser mais forte.
— Tá foda lidar com isso. — Engoli minha raiva em seco e
assenti.
— Mas nós vamos conseguir. Agora vem! — Lucca me
incentivou a voltar para a mesa.
Doía demais saber que aquilo estava acontecendo. O medo
que eu sentia esmagava o meu peito. No entanto, eu sabia que era
hora de ser frio e racional, mesmo sendo muito difícil.
A campainha soou e todos entraram em estado de alerta. Saí
da cozinha apressado. Escutei que alguém vinha logo atrás de mim,
mas não olhei para ver quem era. Estava mais interessado em
quem estava do outro lado da porta.
— James — cumprimentei.
— Oi. Vim o mais rápido que pude.
— Entre. — Abri um pouco mais a porta e gesticulei para que
ele entrasse.
Todos que antes estavam na cozinha, agora estavam
apinhados na sala. Era gente pra caralho! Sorte que a sala era
grande. James cumprimentou a todos com um aceno contido, seu
rosto estava pálido, visivelmente preocupado.
— Teve alguma notícia das meninas? — James questionou.
Inspirei fundo e contei sobre o pedido de resgate. A cada
palavra, percebia o maxilar de James ficando mais tenso.
— Esse filho da puta chegou ao limite da insanidade! —
James pousou os polegares no cós da calça e fitou o teto. Balançou
a cabeça, inconformado, e voltou e me encarar. — Vou falar agora
da minha parte. Como sabem, estou em contato com a polícia e
lidando com a mídia. Tenho uma profissional da minha confiança
que é especializada em abafar escândalos de famosos. Se isso
vazar para a mídia, a essa altura, só colocará Kit e Cindy em mais
perigo.
Ele parou, olhou para a garrafa de uísque no aparador do
outro lado da sala. No mesmo instante, fui até lá e servi uma dose
para ele, que tomou tudo de uma vez e voltou a falar:
— Bem, meus contatos da delegacia sabem que precisam
tratar tudo isso com sigilo e toda minha equipe também. Essa parte,
pode deixar que vou cuidar. Antes de vir aqui, conversei com o
delegado e ele me contou que fizeram uma batida naquele endereço
que você passou. — Olhou para mim. — Os responsáveis do lugar
não estavam lá, apenas funcionários, mas apreenderam armas
ilegais, drogas e munição. Will não está sozinho e a galera com ele
é barra pesada.
— Mas e agora, o que a gente faz se não podemos envolver
a polícia? — Hanna questionou, tremendo nos braços de Fly.
— Bom — James começou. — Primeiro, vamos tentar
arrumar o valor do resgate. O ideal agora é não antagonizar Will e
cumprir com a exigência dele. Mesmo preocupado com a
integridade física delas, sei que pagar é o jeito mais rápido de
recuperar as duas. Posso tentar sacar cinco milhões da conta de
Cindy. Logo mais, vou ligar para emissora e desmarcar a gravação
dessa manhã. Vou passar no banco também e mais tarde volto aqui
com o dinheiro.
— Valeu, Carter. — Após ouvir o quão eficiente o agente de
Cindy era, me senti um pouco mais confiante.
— Não precisa agradecer, estamos juntos nessa. O
importante é trazê-las para casa em segurança. Então já vou
adiantar o que posso, qualquer coisa, me avise — James falou e
saiu em seguida.
Não voltamos mais para a cozinha. Sentados na sala,
conversamos um pouco sobre como poderíamos entregar o dinheiro
para Will e ter certeza de que ele não mataria as meninas após o
pagamento do resgate. Era a nossa maior preocupação.
— Não tem outro jeito, vamos ter que confiar — Fly
considerou.
— Tem que haver outro jeito, irmão — Nick discordou. — Não
podemos ficar refém de Will. Precisamos ter um plano em mente
para o caso de ele não honrar com a palavra e tentar machucar as
meninas.
— Sem saber o endereço do cativeiro, fica difícil de planejar
qualquer coisa. — Georgina se mostrou preocupada.
— E você acha que ele nos daria essa vantagem? — Lucca
encarou a esposa, as sobrancelhas erguidas.
— Claro que não. Só estou dizendo que não temos como
planejar nada — ela respondeu.
— O dinheiro, a gente consegue rastrear para onde for
levado se colocarmos um rastreador nas malas. Podemos acionar
polícia logo após o resgate. No entanto, teremos que pensar em
algumas hipóteses: será que Will vai querer se encontrar em algum
lugar público? Será um local aberto ou fechado? Será que ele irá
sozinho ou acompanhado dos seus capangas? Tudo isso interfere…
— Lorenzo ponderou.
Lorenzo levantou questões muito importantes e depois disso,
passamos o resto da madrugada discutindo, cogitando hipóteses e
não chegando a lugar algum. Por fim, após o nascer do sol,
enquanto Fly e Nick foram comprar as malas e os rastreadores,
Lorenzo entrou em contato com a gerente do Bank of America,
pedindo para baixar cinco milhões de alguns fundos e sacar no final
do dia. A gerente se assustou com o valor e não deu garantia de
que conseguiria reunir todo aquele montante.
A incerteza de não saber se conseguiríamos toda grana só
nos dizia uma coisa: teríamos que improvisar. Passamos boa parte
do dia debatendo sobre o assunto, ansiosos. Não sabíamos como
estava Kit ou Cindy. Will ainda não tinha dado sinal de vida.
Enquanto alguns foram para a rua fazer as tarefas que
receberam, os demais ficaram pela casa. Refletindo sobre o assunto
ou recuperando o sono perdido. Lucca e Georgina foram até o hotel
ver a pequena Laís. Eu nem sequer a conhecia pessoalmente e,
com tudo o que estava acontecendo, era melhor que ela ficasse no
hotel mesmo, longe daquele pandemônio. Quando tudo voltasse ao
normal, eu poderia enfim conhecê-la.
Lá pelas quatro da tarde, estávamos todos reunidos de volta
na casa. Lorenzo e James, que tinham ido ao banco, chegaram com
a notícia de que não conseguiram sacar todo o dinheiro para pagar
pelo resgate. O que tínhamos em mãos era pouco mais de seis
milhões, ainda faltava cerca de um terço do valor solicitado.
— E agora, o que vamos fazer, irmão? — perguntei, me
sentindo devastado.
— Vamos ter que dar um jeito — Lucca respondeu, imerso
em pensamento.
— Podíamos montar as malas com dinheiro de mentira por
baixo e dinheiro de verdade por cima. Ninguém vai se dar ao
trabalho de conferir dez milhões de dólares quando precisa fugir —
Olívia sugeriu.
— Gênia! — Lorenzo olhou para a esposa, admirado.
— A ideia é boa, mas e se o Will descobrir? — James
questionou com preocupação.
— Como a Olívia bem disse, ele não vai ter tempo de conferir
a grana — Lucca tirou as palavras da minha boca.
— Bom, não sei se ajuda, mas hoje, quando vocês me
pediram para comprar os rastreadores, acabei comprando
intercomunicadores e câmeras espiãs — Fly falou, como se não
fosse nada demais.
— Você comprou mesmo? — Lucca fitou o rosto do meu
amigo, parecendo admirado pela aquisição.
— Sim. Achei que pudesse ser útil.
— Nossa, será muito útil. — Os olhos de Lucca brilharam. —
Podemos usar esse aparato para quando Luigi for entregar o
dinheiro do resgate.
Confesso que assim como Lucca, fiquei muito surpreso com
a ideia genial de Fly comprar um kit espião. Depois disso,
começamos a falar sobre o que cada um sabia fazer de melhor e
com o que poderia contribuir. Pensamos também em todos os
contratempos que poderíamos encontrar no caminho, dependendo
de onde seria o local da troca.
Após entrarmos em consenso, cada pessoa foi atrás do que
podia fazer para ajudar. Georgina e Hanna saíram juntas para pegar
alguns tasers que ela tinha oferecido, e depois iria até a locadora de
carros. Georgina queria alugar um esportivo para o caso de precisar
resgatar as garotas rápido do local que estivessem. Pelo visto a
minha, cunhada devia assistir muitos filmes de ação. Mas como a
situação parecia mesmo coisa de cinema, não podia julgá-la.
Fly foi testar os equipamentos novos. Lorenzo e Olívia foram
atrás do dinheiro de mentira para completar a mala. Nick e James
ficaram conversando na cozinha. Já Lucca me acompanhou por
onde eu ia, parecia a minha sombra. Eu estava angustiado de ficar
trancado esperando o tempo se arrastar. Mas não podíamos sair
todos de casa, porque se Will ligasse, tínhamos que estar de
prontidão.
Às sete da noite, as malas de dinheiro estavam prontas.
Como Lorenzo não encontrou tanto dinheiro “falso”, improvisou com
papel A4 cortado no tamanho de notas que ele comprou em uma
loja de artigos para cinema. Estar em LA até que facilitou para algo,
lojas assim tinha aos montes. Dessa forma, por cima estava o
dinheiro de verdade e o restante intercalamos as notas falsas e os
papéis cortados para dificultar que desconfiassem. Em cada uma
das malas escondemos um rastreador para que a polícia pudesse
encontrar Will e a quadrilha, e prendê-los quando fossem acionados.
Para garantir a nossa segurança, havia duas viaturas de
polícia em frente à nossa casa, a pedido de James Carter. Ele não
especificou ao delegado o motivo, mas como tinha bastante
influência na cidade, conseguiu o benefício. Sem contar que os
seguranças de Cindy também cobriam o perímetro a paisano. Agora
era só aguardar a ligação de Will e torcer para que o resgate
corresse bem.
Quando o relógio marcou oito da noite em ponto, o meu
celular começou a tocar e senti meu coração espancar o meu peito
de forma brutal.
— É uma chamada de vídeo. — Segurei o aparelho, tentando
respirar. Parecia que os meus pulmões não estavam dando conta.
— Atende! — Lucca incentivou e inspirei fundo antes de
atender.
— Olha quem está aqui comigo, Luigi! — Will falou e trinquei
o maxilar ao ver que ele estava ao lado de Kit e tinha a mão
pousada na coxa dela.
— Sai de perto dela, seu filho da puta! — bradei com fúria, o
sangue disparando em minhas veias.
— Nossa! — Will falou debochado. — Você anda muito
nervosinho, isso não é nada bom para a saúde — provocou.
Eu seria capaz de encher aquele filho da puta de porrada até
a morte se ele estivesse em minha frente. Mas eu não podia me
desestabilizar mais do que já estava. Como disse meu irmão: ele
está fazendo de propósito. Inspirei outra vez, tentando me
concentrar no fato de que Kit e Cindy estavam vivas e que havia
chance de tudo terminar bem.
— Onde vamos nos encontrar? — Tentei driblar aquele
sentimento horrível que ardia em meu peito.
— Conseguiu o dinheiro? — Ele quis saber.
— Sim. — Tentei parecer firme.
— Os dez milhões? — Estreitou os olhos, me encarando com
desconfiança.
— Sim — respondi outra vez. Eu não podia titubear ou
colocaria tudo a perder.
— Beleza! — Abriu um sorriso satisfeito. — Então nos
encontramos em uma hora na antiga fábrica de biscoitos Queen, na
Dolphin Street. E não se esqueça: vá sozinho e sem a polícia — Will
advertiu e desligou.
— E agora? — Olhei para todos que estavam na sala. Eu
estava com a microcâmera presa a jaqueta e já tinha testado o
intercomunicador. Estava tudo pronto, mas o medo agora era
gigante.
— Estou abrindo o endereço no Google Maps. — Olívia
começou a digitar no celular.
— Esse lugar fica afastado da cidade — James contou. — A
fábrica fica ao lado de uma velha construção que foi embargada há
muitos anos.
— Eu me lembro dessa fábrica — Hanna falou. — A
construção atrás era para ser a ala de chocolates da Queen, mas a
fábrica faliu e tudo foi abandonado. Minha mãe trabalhou nessa
fábrica por anos, eu conhecia cada canto daquele lugar.
— Então deve ter acesso direto dessa construção aos fundos
da fábrica pela rua paralela. — Nick coçou o queixo.
— Tem sim. Venham ver, o nome de rua de trás é Whale
Street — Olívia ampliou o mapa e virou a tela do celular, mostrando
para quem estava à sua volta.
Todos encararam a tela concentrados, como se estivessem
memorizando as ruas próximas ao local.
— Enfim… — Corri os dedos pelos cabelos. — Vou de carro
sozinho com o dinheiro. E vocês, como pretendem se dividir? —
perguntei, a ansiedade me consumindo.
— A minha sugestão é que Georgina fique estacionada com
o Porsche Panamera que alugou na rua transversal, a Cod Street.
Nick, Lorenzo, Hanna e eu iremos com Fly no meu SUV e
estacionaremos atrás, na Whale Street. Quando chegarmos lá, nós
três… — Lucca apontou para Nick e Lorenzo. — Entraremos pelos
fundos da fábrica, e seremos guiados por Fly e Hanna, já que ela
conhece bem o local, e ficarão no carro vendo as imagens das
câmeras que teremos presas em nossas blusas. James avisará a
polícia quando as garotas estiverem seguras. Ou se tudo der errado.
Será um trabalho de equipe. Inclusive, cunhada… — Lucca se virou
para Olívia. — Você é uma peça muito importante nesse resgate.
Ficará cuidando de três preciosidades: dos gêmeos Benício e
Valentin e da Laís. — Sorriu otimista.
Olívia assentiu com um sorriso condescendente no rosto. Ela
sabia que estando grávida de quase sete meses não poderia
participar do resgate, mas que era uma peça fundamental para
deixar meus irmãos mais tranquilos. Ou melhor, menos tensos.
— Então, vamos! — Meneei a cabeça em direção à porta.
Tínhamos trinta quilômetro de estrada pela frente.
Lorenzo abraçou Olívia com carinho e beijou seu barrigão,
ela sairia direto dali para o hotel, e ficaria com Anastácia e Laís
aguardando notícias nossas. Parecia que estávamos indo para a
guerra. No entanto, na minha cabeça não deixava de ser.
Com o plano improvisado na cabeça, guardamos as malas de
dinheiro no banco de trás da Dodge Ram e entrei na caminhonete.
Coloquei o endereço no GPS e acendi um cigarro antes de pegar a
estrada. Meu coração nunca bateu tão depressa na vida, a
ansiedade era tanta que liguei o rádio para me distrair.
Conforme as luzes da cidade foram ficando para trás, minha
mente se agitava um pouco mais. A culpa que sentia por Cindy e Kit
estarem naquela situação me corroía. Além disso, sentia a angústia
de ter metido meus irmãos, ambos pais, no meio do meu caos
particular. Eles tinham vindo me visitar e tornei a viagem deles um
inferno. Estavam arriscando suas vidas para tentar me ajudar. Além
deles, Georgina, Nick e Fly também estavam se colocando em
perigo. Devo ter esmurrado o volante algumas vezes durante o
percurso, a cada vez que eu pensava sobre o que estava
acontecendo. Tudo parecia um pesadelo e o que eu mais queria era
acordar.
A Dolphin Street era uma rua com pouquíssimo movimento e
muitos comércios abandonados. Parecia uma região esquecida pela
prefeitura. Era um misto de periferia com cidade fantasma. Talvez
uma das partes mais feia da grande Los Angeles.
Parei o carro no estacionamento em frente à fábrica, os
nervos à flor da pele. Esperei ouvir a voz de Fly pelo
intercomunicador, antes de sair. Precisava que todos estivessem em
seus postos para poder descer do carro com as malas.
— Luigi, tudo pronto! — Enfim, ele autorizou o início do plano.
— Boa sorte, irmão!
— Vou precisar. — Soltei um pesado suspiro. — Ah, e banda,
se acontecer qualquer coisa comigo, só me prometam que não vão
deixar de tocar. Embora Kit não cante tantas vezes quanto eu
gostaria, ela poderia tranquilamente ser a vocalista oficial da
4Legends.
— Cara, vai se foder! — Nick rugiu em meu ouvido. — Desce
dessa porra de carro e vamos terminar com isso de uma vez.
— Concordo — Fly falou. — A final do concurso é na próxima
semana, então se você morrer, cara, juro que te mato. — Brincou
com a tensão do momento e suspirei outra vez.
— Maninho, não quero pressionar nem nada, mas faltam 5
minutos para as oito. Menos drama e mais ação. — Lucca também
deu o recado e desliguei o carro.
— Beleza! — Abri a porta e desci da caminhonete, sentindo a
adrenalina pulsar em minhas veias. Nada podia dar errado.
Tirei as duas malas do banco de trás e as pousei no chão.
Fechei o carro e comecei a arrastar as malas milionárias pelo
asfalto. Apenas o barulho das rodinhas plásticas riscando o chão me
fazia companhia. A parca iluminação do estacionamento criava um
clima assustador. A lâmpada piscando em um dos postes dava a
sensação de que eu estava entrando no set de um filme de
suspense.
A construção estava toda pichada e não havia mais uma
entrada formal. Duas tábuas quebradas que algum dia foram
pregadas na frente da porta para inibir a passagem dos vândalos,
agora, estavam soltas, não servindo mais de obstáculo.
Dentro do barracão, havia uma luz acesa, o que me deixou
intrigado. Como ainda havia eletricidade em um galpão
abandonado?
— Will? — chamei, analisando o corredor.
Os vãos do que um dia foram janelas, deixavam a luz dos
postes adentrar na construção e a luz fraca de uma lâmpada no
meio do corredor estreito deixavam o ambiente ainda mais sombrio.
Continuei caminhando, devagar, vagando os olhos das salas
escuras que estavam à minha esquerda para as janelas à minha
direita. Um barulho vindo de uma das salas me fez parar e um
arrepio percorreu a minha espinha. Estreitei os olhos, forçando para
ver o que havia atrás da pilha de caixas de papelão. Um vulto. Algo
se mexia ali.
— Will? — Voltei a chamar, apreensivo, olhando para dentro
da sala.
Um par de olhos brilhantes surgiu e a caixa que estava no
topo da pilha foi parar no chão. Um gato soltou um miado estridente
e passou correndo pelos meus pés. Senti as pernas amolecerem
naquela hora. Não esperava que um gato briguento saísse de trás
da pilha de caixas de papelão e cruzasse a minha frente. Dentro da
sala, um outro gato, o possível vencedor da disputa travada entre
eles, voltou a se esconder na escuridão. Meu coração que antes
estava acelerado, agora batia na garganta.
— Está tudo bem por aí, Luigi? Pigarreie para dizer que sim e
tussa para dizer que não — Fly disse em um tom autoritário.
Só ele mesmo para ter aquela ideia de comunicação
“secreta”, tive que revirar os olhos antes de pigarrear. Se eu não
fizesse qualquer barulho, eles entrariam em alerta. Segui pelo
corredor, puxando as duas malas. A última sala derramava luz no
corredor. Will devia estar lá.
— Luigi, não precisa dizer nada, apenas escute. — A voz de
Hanna invadiu o meu fone. — Nick deu um mata-leão em um
capanga que estava distraído, vigiando a porta dos fundos. Lorenzo
e Lucca já estão se aproximando da última sala. Eles estão armados
com os tasers. Pela sua câmera, posso ver que você também está
indo para lá. Saiba que nessa sala tem uma porta lateral que dá
para uma passagem que cruza o terreno de fora a fora. Ou seja, a
sua rota de fuga será por essa porta. Um deles vai resgatar Kit e o
outro Cindy. Nick é quem vai te ajudar a sair daí. Vou ser os seus
olhos e dos meninos, então se mova e me mostre a sala. Preciso
ver quantos capangas estão com Will, se estão armados e onde
estão posicionados para informar a Nick e aos gêmeos.
Engoli o medo e dei o último passo em direção à sala.
Quando alcancei a porta, o ar ficou suspenso. Kit e Cindy estavam
de pé, amarradas a uma coluna no meio da sala suja. Estavam de
costas uma para a outra e tinham Silver Tape cobrindo a boca. De
onde eu estava, não conseguia ver o rosto inteiro de Cindy, apenas
seu perfil. Mas o rosto de Kit eu via por inteiro. E os seus olhos
expressivos me diziam que havia perigo à espreita.
— Finalmente, Luigi! — Will abriu os braços. Ele estava
aparentemente sozinho. — Fiquei surpreso quando vi que o
aplicativo que instalei em seu celular não estava mais se
comunicando com o meu. — Sorriu com deboche. — Você demorou
para descobrir.
Meus olhos queriam se prender às duas garotas, mas eu
precisava passar uma imagem geral da sala para que Hanna e Fly
soubessem como estava o lugar.
— Procurando alguma coisa, rockstar? Ou esperando
alguém? — Will sacou uma arma e apontou para mim.
— Will, não quero confusão, tá legal? — Ergui as mãos em
rendição. — Solte as meninas e eu te entrego a grana. A gente vai
embora e você se manda do país. Quanto mais rápido, melhor para
todo mundo.
— Por que você olhou ao redor? — Caminhou em minha
direção, os olhos pulando de mim para o corredor dos fundos e
depois para mim.
— Só queria saber se estávamos sozinhos. — Lancei um
breve olhar para as meninas amarradas. — As malas de dinheiro
estão aqui, agora solte-as.
Nos fundos da sala havia o vão de uma janela, também
parcialmente fechadas com tábuas. Enquanto Will averiguava se eu
estava acompanhado, vi um vulto passar pela janela. Como o lado
de fora estava escuro, não consegui ver quem era. Podia tanto ser
um capanga, quanto os meus parceiros.
Will terminou de me contornar e voltou a se posicionar em
minha frente.
— Antes de soltar as garotas, quero ver a grana! — disse,
apontando a arma para mim.
— Beleza… Vou abrir as malas aqui e você confere. — Deitei
a mala no chão, sem tirar os olhos de Will.
Abri o cadeado que vinha embutido, puxei o zíper e
escancarei a mala, revelando o dinheiro. Vi os olhos de Will
brilharem.
— Muito bom! — Ele inspirou fundo e se aproximou da mala.
Abaixou-se, deslumbrado com os maços.
Quando estava a ponto de largar o revólver sobre a mala, um
tiro vindo do lado de fora chamou a nossa atenção. Como Will
estava vulnerável, então aproveitei a situação e arrisquei: chutei a
sua mão com força antes que voltasse a firmar a arma. A pistola
rolou para longe e pulei para cima de Will para derrubá-lo no chão.
— O que está fazendo? — Ele tentou me deter, mas a minha
fúria era muito maior.
— Morra, seu filho da puta! — Desferi um soco em seu rosto.
Will tentou revidar, mas consegui agarrá-lo e o derrubei no
chão, onde começamos a trocar socos. Enquanto isso, ele tentava a
todo custo alcançar a arma. Mas eu não o deixaria.
Outro tiro, e meu coração descompassou. O meu instante de
distração fez com que Will se soltasse do meu aperto e chegasse a
milímetros da arma.
— Nem pense nisso, maldito. — Estiquei-me e empurrei a
arma um pouco mais longe com ponta dos dedos. Então voltei a me
lançar contra Will.
Enquanto lutava com Will, vi Lorenzo e Nick entrarem pela
porta lateral. Lorenzo tinha sangue na roupa. Estava faltando Lucca.
Meu corpo congelou.
Será que ele tinha levado um tiro? Será que estava bem?
Pensar nisso me distraiu. Will se aproveitou e me deu um
soco, então conseguiu alcançar a arma. Eu me levantei por impulso.
Ergui o olhar e vi que Nick já tinha soltado Cindy e a
conduzido para fora da sala, provavelmente seguindo a rota de fuga
sugerida por Hanna. Lorenzo tinha acabado de libertar Kit e tentou
fazer o mesmo, mas ela saiu correndo em minha direção. Nesse
momento, Will deu um tiro para cima e todos ficaram paralisados.
— Falei para você vir sozinho, e agora vou ter que matar a
sua vadia — Will falou, espumando de raiva.
— Você já tem o seu dinheiro, Will. Vá embora! — Kit gritou a
plenos pulmões. Seus olhos estavam vermelhos de tanto chorar.
Lorenzo foi o primeiro a se mover e a alcançou, a puxando
para si, tentando detê-la e eu me enfiei na frente dos dois. Então
Will apontou a arma para mim. Seus olhos estavam estalados, podia
ver a fúria em seu rosto ferido.
— Quer dizer que trouxe o seu irmão piloto para ajudar? — A
mão trêmula de Will mostrava o quanto ele estava nervoso.
— Chega, Will! Pegue a porra do dinheiro e vaze daqui! —
Foi a minha vez de gritar.
Will gargalhou, sem tirar a arma da minha direção.
— Você é muito burro, Luigi. Acha que depois do que fez, vou
deixar você sair daqui vivo?
— Deixa Luigi em paz! — Kit gritou e Will gargalhou de novo.
Então ele desviou de mim e apontou a arma para ela. Olhei
por trás de Will e um misto de alívio e preocupação me assolou com
força. Lucca estava vindo de modo furtivo em direção a ele. Lucca
fez um sinal para que eu não o denunciasse, depois avançou os
últimos passos e saltou em cima de Will, o puxando para o chão.
No entanto, em seu último ato de desespero, Will disparou a
arma que estava apontada em direção a Kit. Eu não pensei, apenas
me lancei em direção a ela, o meu instinto de protegê-la me
dominando. O som ensurdecedor do tiro ecoou na sala. Por um
instante, o mundo pareceu parar.
Eu e Kit fomos ao chão, e pelo canto do olho, pude ver
Lorenzo correndo para ajudar Lucca a imobilizar Will. Com
desespero, verifiquei Kit, e fiquei feliz quando não vi nenhum
ferimento aparente nela. De repente, vi uma mancha vermelha no
ombro dela e o pavor me açoitou.
— Ele te atingiu? — perguntei, a respiração entrecortada.
Kit fez que não com a cabeça e levou as duas mãos à boca.
Ela tinha os olhos cheios de lágrimas enquanto me encarava e
tremia, atônita. Sem tirar os olhos dela, passei a mão esquerda
entre o peito e braço, no lugar exato onde sentia uma pontada
desconfortável. Meus dedos se encharcaram e olhei para minha
mão vermelha… era sangue. Eu tinha sido baleado, mas não senti
absolutamente nada.
— Luigi está ferido! — Kit gritou, avisando a meus irmãos, e
me abraçou.
Ela me recostou em uma coluna da sala e sentou-se comigo.
Minha cabeça apoiada em seu peito que tremia. Minha visão foi
ficando turva e a minha audição distante. Em um borrão, vi que
Lucca e Lorenzo desarmaram Will e que Nick voltou com a polícia.
— Por que você fez isso? — Escutei a voz de Kit vindo de
muito longe e senti um afago em meus cabelos.
— Porque eu te amo… — sussurrei com dificuldade.
Não sei se ela me ouviu, mas tudo que sei é que depois disso
o mundo desapareceu e a escuridão tomou conta.
Nunca imaginei que algum dia seria sequestrada e colocada
em cativeiro. Menos ainda que Luigi me salvaria e levaria um tiro por
mim. Vê-lo sangrar e desmaiar em meus braços enquanto eu
tentava reanimá-lo, seria uma cena difícil de esquecer. Luigi estava
sangrando muito e senti um medo sufocante de perdê-lo. Ele
sempre foi o meu melhor amigo, foi o meu primeiro e único amor e,
àquela altura da vida, tive certeza de que também éramos almas
gêmeas.
A ambulância chegou em poucos minutos e o levaram para o
hospital. Cindy e eu também fomos levadas para lá, mas de carro.
Nas últimas doze horas tínhamos comido apenas algumas bolachas
salgadas e bebido quase nada de líquido. Estávamos debilitadas.
Enquanto Luigi foi levado para o centro cirúrgico, Cindy e eu
fomos para o quarto receber soro na veia. Uma hora depois, eu
estava inquieta, ansiosa para saber notícias de Luigi. A enfermeira
ministrou um analgésico e um calmante no soro, mas o meu corpo
estava lutando bravamente contra a medicação. Eu não ficaria em
paz enquanto não soubesse que ele estava vivo e em segurança.
Uma batida na porta me fez retesar. Hanna entrou no quarto
com dois pacotes pardos na mão seguida por Fly e os dois me
cumprimentaram baixinho para não acordar Cindy que estava
adormecida na cama ao lado.
— Tiveram notícias de Luigi? — perguntei, angustiada. Os
dois estavam sérios.
— Sim — Fly respondeu e meu coração disparou. — O
médico acabou de avisar que deu tudo certo com a cirurgia de
extração da bala e logo Luigi irá para o quarto.
— Graças a Deus. — Esfreguei o peito, tentando acalmar o
coração e Hanna se aproximou.
— Pode ficar tranquila, tudo acabou bem. — Ela esboçou um
sorriso confiante. — Ah, antes de vir para cá, passamos na cafeteria
e trouxemos muffins para todos. — Ela me entregou um dos
pacotes. — Depois da fábrica de biscoitos, achei que cookies não
combinavam com a ocasião. — Sua expressão sem jeito me fez rir.
— Muito obrigada, Hanna! Mas com a fome que estou,
comeria cookies tranquilamente. — Abri o pacote e tirei o bolinho de
massa branca com gotas de chocolate. — Hummm… Que cheiro
delicioso de baunilha.
— Espero que goste. — Hanna ampliou o sorriso e mordi o
bolinho com gosto. — Como você se sente? — perguntou, enquanto
eu me deliciava com aquele quitute.
Precisei de alguns segundos para engolir e responder.
— Me sinto aliviada de saber que todos estão bem e que Will
e a quadrilha foram presos.
— Nossa… É um alívio mesmo. — Hanna desviou o olhar de
mim para a prima. — Enfim aquele crápula pagará por todas as
maldades que fez. Agora… — Ela voltou a me encarar. — Me diga
como se sente fisicamente. Não está cansada depois de passar
mais de trinta e seis horas em claro?
— Ah, isso… — Balancei a cabeça como se fosse apenas um
detalhe. — Quando chegar em casa vou dormir por muitas horas a
fio e acordarei como nova.
— O médico disse que você e Cindy podem dormir em casa
essa noite. Ele logo virá para dar alta — Fly contou.
— Isso vai ser muito bom para Cindy. — Mordi outro pedaço.
— Podem levá-la para casa, no entanto, eu só sairei daqui com
Luigi — declarei entre uma mastigada e outra.
— Ele está anestesiado, Kit. Talvez durma a noite toda. Pode
deixar que eu fico com ele. — Fly se ofereceu e eu sorri.
Terminei de comer o muffin, encarando Fly com ar desafiador.
Deixando bem claro o quanto eu estava determinada a ficar ao lado
de Luigi.
— Tudo bem, Kit, pode ficar você… — Ele revirou os olhos.
Fly me conhecia bem, sabia que eu não arredaria o pé daquele
hospital.
Outra batida na porta e entraram Nick, Lucca, Lorenzo e
Georgina. O pequeno quarto não suportou tanta gente e Nick
retrocedeu. Fly e Hanna também saíram.
— Oi, Kit — Lorenzo me cumprimentou. Ele estava tão sujo
de sangue quanto eu. — Está sentindo algum desconforto? —
perguntou, todo atencioso.
Georgina e Lucca me olharam com preocupação.
— Estou bem, mas Luigi quase morreu por minha causa. —
Meus olhos arderam e a voz embargou.
— Luigi está bem, Kit — Lorenzo respondeu.
— E você também — Lucca concluiu.
— Todos estão bem. Isso é o que importa. — Georgina deu
um sorriso afável.
— Com certeza. — Assenti e enxuguei as lágrimas que
teimaram em escorrer. — Muito obrigada por tudo. Sei o quanto se
arriscaram. E, a propósito, de quem é esse sangue na sua camisa,
Lorenzo? Se machucou?
— Bom… — Olhou para si sem muito ânimo e coçou a
cabeça. — Estou bem, isso aqui foi porque, quando Lucca rendeu
um dos capangas, o cara se assustou e apertou o gatilho, mas o
choque do taser aconteceu ao mesmo tempo. E o tiro acabou
acertando o outro capanga que eu tinha rendido. Por isso o sangue
em minha roupa.
— Não gosto de violência, mas, pelo menos, o tiro atingiu um
bandido e não uma pessoa inocente — comentei sem remorso.
— Com isso eu tenho que concordar. — Georgina meneou a
cabeça.
— Acredito que Fly já tenha contado que deu tudo certo com
a cirurgia de Luigi… — Lucca começou a falar. — Ele terá que
passar a noite no hospital. Georgina pode te levar para casa…
— Já disse para Fly que não saio daqui sem Luigi —
interrompi, resoluta.
— Então pode deixar que eu trago roupas limpas e seus
artigos de higiene. Você pode tomar banho aqui — Georgina falou,
compassiva, e eu sorri outra vez, feliz por ela não ter insistido.
— Sabia que essa era a mulher certa pra você, Lucca! — Dei
uma piscadinha para ele.
— Ela é perfeita mesmo. — Abraçou Georgina e depositou
um beijo em sua cabeça.
— E o dinheiro do resgate, que fim deu? — Quis saber.
Ninguém tinha me falado nada até aquele momento.
Lorenzo me contou o motivo de precisarem ter executado
todo aquele plano de resgate. A ideia era que tivesse sido mais
tranquilo. Eles apenas colocariam um rastreador nas malas, mas,
sem o dinheiro nas mãos, tiveram que improvisar e foi aquele caos.
Quanto aos bandidos, embora tivessem rendido três durante o
resgate, a polícia conseguiu prender o quarto enquanto ele tentava
fugir. Ele falou também que a polícia disponibilizou viaturas para
vigiar a casa durante a noite, enquanto o dinheiro não voltava para o
banco. Benefício que a influência de James Carter proporcionou.
Ele também me disse que contou o incidente para os meus
pais e que os tranquilizou, mas que eles estavam embarcando o
mais breve possível par Los Angeles. Inclusive meu irmão Dudu e a
namorada, que já tinham planos de vir em julho, anteciparam a
vinda em cinco dias. Parece que meu irmão também tinha a
intenção de me fazer uma surpresa.
Além disso, James Carter estava tendo trabalho para lidar
com a mídia. Ele não sabia como a informação sobre o sequestro
tinha vazado. Poderia ter sido algum policial, médico ou enfermeiro,
enfim, naquela altura, pouco importava. Segundo Lorenzo, a frente
do hospital estava tomada por fãs, repórteres e curiosos. Todos
querendo notícias.
— Não acredito que esse desastre vai ter repercussão
nacional — declarei, assustada.
— Nacional não — Cindy, que estava dormindo até então,
objetou com a voz arrastada. — Isso terá repercussão mundial. —
Suspirou pesarosa e se ajeitou na cama.
Nossa atenção agora estava toda nela.
— Você está bem, Cindy? — Mudei o rumo da conversa.
— Agora estou. E Luigi? — perguntou, angustiada, e Lorenzo
contou para ela tudo o que já tinha me contado.
Em seguida, Lucca e Georgina foram buscar roupas para
mim e Nick, Fly e Hanna entraram no quarto. Hanna abraçou a
prima e as duas comemoraram a prisão de Will. Nick me abraçou
com carinho e depois abraçou Cindy demoradamente. Qualquer um
conseguia ver a conexão forte que havia entre eles. Juro que até
podia ver o futuro dos dois: se casando e tendo filhos. Nick se
tornava uma outra pessoa perto de Cindy, ficava muito mais feliz e
se desconcertava com facilidade. Ela era alegria que faltava em sua
vida.
Meia hora depois, o médico veio nos dar alta. Embora todos
quisessem ficar no hospital com Luigi, o médico autorizou apenas
uma pessoa. Como a escolha de quem ficaria era inegociável, todos
foram embora. Georgina trouxe uma bolsa com itens de higiene,
calça jeans, tênis e camiseta para mim. Graças a ela, pude tirar
aquela roupa suja e me sentir um ser humano outra vez.
Assim que Luigi foi para o quarto, fiquei algum tempo
admirando seu rosto machucado. Ele e Will tinham rolado no chão
aos murros. Toquei de leve o seu maxilar com a ponta dos dedos,
pensando em como eu tinha errado. Todos os meus medos haviam
limitado a minha felicidade. Passei longos minutos remoendo os
anos que abdiquei de estar com ele, tentando me blindar de um
sentimento inevitável.
A lacuna da minha família em minha vida era como um
espaço enorme em meu coração e Luigi o preencheu inteirinho. Não
havia um suspiro de espaço para nada além dele. Estive a um triz
de perder a razão do meu coração bater. O motivo de eu acordar
todas as manhãs…
Por que foi tão difícil admitir que o amava? Por que esperei
tantos anos para ficar com ele?
Eu não costumava me arrepender de nada, mas, naquele
momento, eu me arrependi de não ter vivido os últimos anos com
intensidade. Quantas coisas poderíamos ter feito juntos? Toquei o
seu braço, analisando as tatuagens que desenhei. Sorri ao lembrar
da história de cada uma. Desviei o olhar para a minha pele que
continuava imaculada, sem um rabisco sequer, e comecei a pensar
sobre as minhas motivações.
A vida era tão curta… tão frágil. Se havia algo que valia a
pena levar comigo para a eternidade era a imagem daqueles olhos
intensos me encarando, daquele sorriso maroto que ele dava
quando eu o tirava do eixo, daquele rosto que jamais envelheceria
em minha mente. Poderia passar cem anos e, ainda assim, eu o
veria exatamente como hoje.
Luigi se moveu, o rosto retorcido de dor, mas não abriu olhos.
Senti uma felicidade sem tamanho de vê-lo se mexer depois de
tanto tempo desacordado. Ele piscou, tentando focar.
— Kit… — falou com a voz rouca de quem acabou de
acordar da anestesia.
— Oi, meu amor — cumprimentei, um sorriso curvando os
meus lábios.
— Você está bem? — Ergueu a mão e entrelacei nossos
dedos.
— Melhor agora que você acordou — respondi, me sentindo
mal por ele estar todo “estropiado” e ainda querer saber de mim.
— Nós conseguimos? Pegamos Will?
— Sim, pegamos o filho da puta… — respondi. Então contei
o que aconteceu depois que ele desmaiou e tudo o que Lorenzo
tinha me relatado.
— Mas me diga, como você está se sentindo? — questione,
acariciando o seu rosto.
— Eu estou bem. — Deu um sorriso e eu assenti, as lágrimas
não parando de escorrer.
— Te amo tanto… — Pousei minha testa na dele, os olhos
fechados, o amor extravasando.
— E eu te amo mais que tudo, docinho. Agora, deite aqui
comigo.
Abri os olhos, sentindo meu coração bombear felicidade por
ter o privilégio de viver mais um dia ao lado dele. Então, me aninhei
ao seu lado na cama hospitalar e adormecemos.
Na manhã seguinte, Luigi recebeu a visita dos irmãos,
cunhadas e amigos. Ele não tinha mais palavras para agradecer por
tudo o que fizeram. Foi um momento muito bonito, principalmente
assistir o carinho dos três irmãos.
Lá pelas 10h, o médico deu alta e no caminho de casa, Cindy
mostrou no celular algumas matérias que estavam circulando sobre
o sequestro e suas repercussões. Havia até reportagens mais
sensacionalistas que colocaram uma foto de Luigi entre mim e
Cindy, com a chamada: “Qual delas é a namorada oficial?”.
Esse era um tema que com certeza teria desdobramento ao
longo dos próximos dias. Lucca e Georgina até fizeram piada,
dizendo que já tinham se acostumado com reportagens assim.
Aquilo também não era nenhuma novidade para Cindy, que apenas
aconselhou que Luigi e eu teríamos que nos acostumar com os
holofotes e assumir de vez para o mundo o que havia entre nós.
Depois que chegamos em casa, Lorenzo, Olívia e James
Carter foram escoltados ao banco para depositar o dinheiro do
resgate. Luigi não quis ir para o quarto descansar, estava ansioso
para conhecer a sobrinha que Lucca e Georgina foram buscar no
hotel. Eu também queria muito conhecer Laís, ela nasceu logo que
voltamos da Itália e, desde então, só a vimos através das fotos e
vídeos que Lucca enviava.
Luigi se acomodou no sofá e eu me sentei grudada a ele.
Precisava daquele contato tanto quanto um peixe precisava da água
para viver. Nick e Cindy também se sentaram lado a lado, estavam
mais próximos do que nunca, até mesmo de mãos dadas. Fly se
sentou na poltrona e acomodou Hanna em seu colo. Eles já eram
um casal desde que se viram pela primeira vez. Observar os dois
me fez lembrar do delicioso bolinho de baunilha com gotas de
chocolate que Hanna levou ao hospital.
— Sobrou algum muffin daqueles, Hanna? — perguntei, meu
estômago se agitando.
— Infelizmente, não. Mas hoje passarei o dia todo aqui e vou
assar uma fornada fresquinha de muffins.
— Acho uma excelente ideia. — Sorri, animada. — Mas e a
cafeteria? — Hanna raramente se ausentava do trabalho.
— Ela vai estar lá quando eu voltar. — Deu de ombros. —
Sabe, Kit, tudo o que aconteceu nos últimos meses me fez refletir
sobre a vida, mas juro que o sequestro foi a gota d’água. A frase
“nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje” nunca fez
tanto sentido para mim como faz agora. De nada adianta a gente
trabalhar como se não houvesse amanhã e não se permitir construir
memórias felizes. Porque num piscar de olhos, tudo pode acabar. E
será que esse sacrifício diante de uma vida tão curta vale mesmo a
pena? — Suspirou, olhando para cada um de nós.
— Você está coberta de razão. — Assenti, refletindo suas
palavras. — Sendo sincera, acho que essa frase serve de lição para
todos nós. Muitas vezes protelamos tarefas, pessoas ou
sentimentos e damos espaço para outras coisas menos importantes.
Mas quando nos deparamos com a fragilidade da vida diante dos
olhos, é que entendemos que nada é mais importante do que estar
com quem amamos.
— Essa é a mais pura verdade — Luigi concordou e beijou o
topo da minha cabeça. — Se não estivermos ao lado de quem
amamos, nada faz sentido.
— Olha quem chegou? — Lucca entrou na sala todo bobo
com a filhinha nos braços. Georgina entrou logo atrás com
Anastácia.
— Ai meu Deus que coisa mais gostosa! — Levantei-me para
pegar a pequena e levar até Luigi que ainda não podia pegá-la no
colo.
Laís estava usando uma roupinha branca com poucos
detalhes, apenas um broche dourado chamava a atenção. Ela tinha
a pele clarinha como a minha. Para mim, ela lembrava mais a
beleza dos Ferrari do que a de Elisa, exceto os olhos que eram
absurdamente iguais aos da mãe.
Peguei a garotinha nos braços e Luigi veio até mim. Mesmo
como o rosto machucado, roxo e cortado, abriu um sorriso lindo ao
vê-la.
— Oi, lindinha! — Ele passou a mão delicadamente pelo
rosto da sobrinha e ela curvou os lábios em um sorriso banguelo
feliz, como se soubesse que ele era o seu tio. —Você sabe que sou
o tio Lui, né? — Ele pegou em sua mãozinha gorda e depositou um
beijo.
— Acho que ela gosta de você. — Admirei a cena fofa. Dava
para ver nos olhos de Luigi a satisfação de conhecer aquela
garotinha.
— É óbvio que ela gosta. — Desviou o olhar dela para mim.
— Quem não gosta? — Deu uma piscadinha safada que me fez
revirar os olhos.
Laís logo se distraiu e o meu cabelo colorido chamou a sua
atenção. Ela enroscou os dedinhos e puxou.
— Acho que você gostou do meu cabelo também, mocinha.
— Desprendi os fios e ela fez um bico e balbuciou alguma coisa.
Ficamos namorando a criança por alguns bons minutos. Ela
foi a sensação da casa. Meia hora mais tarde, Lorenzo, Olívia e
Carter chegaram aliviados por terem conseguido devolver o dinheiro
no banco.
Anastácia se ofereceu para preparar uma comidinha e todo
mundo se animou. Meu estômago faminto, mais ainda. Ela começou
a fazer uma macarronada e Hanna e eu a seguimos até a cozinha
para ajudá-la. Em menos de uma hora, estávamos todos na mesa já
comendo, como uma grande família.
— Temos que começar a ensaiar hoje à tarde para a final —
Luigi falou sério e comeu uma garfada, olhando para o prato.
Primeiro, houve alguns segundos de silêncio e depois uma
gargalhada coletiva. Luigi subiu o olhar, parecendo confuso com a
nossa reação.
— Tá falando sério mesmo, brother? — Fly perguntou,
sorrindo com o garfo parado a poucos centímetros da boca.
— Ué? Qual o problema? — Luigi perguntou e soltei um
pesado suspiro.
— Olha, querido… — Exagerei no adjetivo. — A gente vai
ensaiar sim, mas você precisa se recuperar um tiquinho. Você só
levou um tiro, sabe? Coisa pouca. — Forcei um sorriso e ele bufou
injuriado.
— Mas a gente precisa…
— E a gente vai — intervi. — Mas você vai repousar por pelo
menos 48h, combinado?
— Isso é uma sugestão ou uma ordem? — Estreitou os
olhos, me encarando desconfiado.
— Entenda como quiser, tio Lui. — Dei uma piscadinha
desafiadora assim como ele fazia quando me deixava sem saída e
dei uma garfada no macarrão, meus olhos presos aos dele.
— Isso vai dar casamento, Lalá. — Georgina falou em tom
jocoso e olhamos para ela. Ela estava brincando com Laís que
estava no carrinho ao seu lado. Mais risadas preencheram a
cozinha.
Depois disso, a conversa ficou mais leve. Almoçamos felizes,
afinal, tudo tinha acabado bem. Claro que ainda tínhamos o
concurso pela frente, mas depois de tantos acontecimentos, o
programa pareceu bem menos importante.
Após o almoço, James foi embora, os gêmeos voltaram para
o hotel com suas esposas, Nick e Cindy foram para o quarto, e Fly e
Hanna também. Antes de subir, me certifiquei de que Luigi tomou a
medicação e o convidei para descansar. Todos estávamos exaustos.
Subimos abraçados. No quarto, o ajudei a tirar a roupa e ele
foi tomar um banho. Quando terminou, ele estava sentindo um
pouco de dor, então o ajudei a se ajeitar na cama. Tirei a calça
jeans, ficando só de calcinha e camiseta. Deitei-me ao lado dele,
comportada. Coloquei a minha cabeça em seu peito, do lado que
não estava machucado, e inspirei fundo, apenas curtindo o seu
cheiro e o calor da sua pele. Fiquei ouvindo seu coração bater lento
e tranquilo, sentindo a felicidade correr em minhas veias por estar ali
com ele.
Meus pais chegaram em Los Angeles na sexta-feira, no final
do dia. Além deles, vieram também os pais de Kit, o irmão, Eduardo,
e a namorada dele, Lily, a melhor amiga de Olívia. A casa ficou
pequena com tanta gente. Até Andy e Derek foram me visitar no
meio da tarde. Deram uma escapadinha do restaurante para ver
como eu estava depois do susto. Os dois estavam firmes no
trabalho e no amor, e tinham planos de abrir um restaurante juntos
no próximo ano. Todos os dramas que tivemos, pelo menos, acabou
rendendo bons frutos.
Desde o casamento de Lucca e Georgina que a família inteira
não se reunia, mas, desta vez, foi muito melhor. Não havia mentiras
ou brigas rolando entre a gente. Minha mãe não conseguiu
esconder o sorriso quando Kit e eu assumimos o namoro. Não era
um sorriso surpreso e sim de quem dizia: “finalmente”. O mais
engraçado é que todos nos olharam do mesmo jeito, com zero
surpresa, como se tivessem certeza de que éramos um casal há
muito tempo.
Kit dormiu todas as noites comigo desde que voltamos do
hospital. Ela cuidava de mim, tanto com curativos quanto me
lembrando dos medicamentos. Era quase como se estivéssemos
casados, só faltava a aparte do sexo, mas isso, eu pretendia
resolver em breve.
Na madrugada de sábado para domingo, acordei assustado
após ter um pesadelo com Will apontando uma arma para Kit e eu
não podendo fazer nada. Estava todo suado e com o coração
acelerado. O sentimento foi tão angustiante, que chegou a amargar
a boca. Mas Kit me amparou de imediato e eu me agarrei a ela
como se fosse o oxigênio que me manteria vivo.
Passado o susto, depositei um beijo em seu rosto e pedi que
voltasse a dormir. Quando a sua respiração ficou pesada e
profunda, me levantei da cama e peguei de dentro da gaveta da
mesinha de cabeceira, o meu caderno de música, uma carteira de
cigarro, o Zippo e a caneta.
Dentro da minha cabeça eu ouvia frases soltas e uma
melodia linda. Vesti a bermuda que estava pendurada na cadeira e
saí do quarto sem fazer barulho. Precisava escrever o que
transbordava de mim. Na sala de música, peguei o violão e me
sentei no sofá. Acendi um cigarro e abri o caderno. Já tinha até o
título da minha nova canção: Rescue Me, em português: me
resgate.
Transcrevi meus sentimentos como jamais tinha feito. No
fundo, eu sabia que salvar Kit de ser baleada era como salvar a mim
mesmo. A letra da música era como um pedido de socorro
desesperado, uma declaração apaixonada junto à gratidão de estar
ao lado dela. Não sei se algo mais intenso e verdadeiro poderia sair
de dentro de mim outra vez.
Ainda bem que naquele final de semana tínhamos liberado a
nossa agenda, prevendo que poderíamos chegar ao final do
concurso. Diana, a assistente de Cindy, que estava acostumada a
organizar a vida dos artistas, considerou todas as possibilidades e
nos deu aqueles dias livres.
Às seis da manhã, a música estava pronta e era hora de
apresentá-la para a mulher da minha vida e depois para o resto da
banda. Se eles gostassem, poderíamos tocar essa música na final.
Antes de subir as escadas, passei pela cozinha e preparei
café. Em uma bandeja, coloquei duas canecas fumegantes e em um
pratinho, dois croissants amanteigados. Coloquei meu caderno de
música sobre as xícaras e vesti a alça do violão no ombro bom.
Peguei a bandeja de cima da mesa e marchei em direção ao quarto.
Não havia melhor jeito de acordar do que com cheirinho de café e
música.
Equilibrei a bandeja em uma só mão e abri a porta do quarto
com dificuldade. Precisei ser malabarista para fechar a porta com o
pé. Caminhei até a cama e sorri ao ver que Kit dormia relaxada. Seu
cabelo rosa espalhado pela fronha branca me fez sorrir.
Larguei o violão no chão, ao lado da cama, e coloquei a
bandeja sobre a mesa. Ainda dolorido da surra e do tiro, não pulei
por cima dela como faria em outro momento, me sentei ao seu lado,
comedido, e coloquei uma mecha de cabelo dela atrás da orelha.
— Bom dia, docinho! — cumprimentei quando ela abriu os
olhos em uma estreita fenda. A claridade da manhã já invadia o
quarto através da janela.
Quando nossos olhos se encontraram, ela sentou-se na
cama de sobressalto.
— Oi… Está tudo bem? — perguntou, olhando para os lados,
os olhos arregalados.

— Está sim. — Sorri da sua confusão matinal. — Trouxe café.


Ela piscou algumas vezes e se ajeitou na cama.
— Eu é que devia trazer café para você, não o contrário.
— Você já faz muito por mim, Kit. — Levantei-me e peguei as
duas canecas. — Só o fato de você existir em minha vida, já é o
suficiente. — Entreguei uma das xícaras a ela e tilintei. — Um brinde
à mulher mais incrível do mundo. — Dei uma piscadinha e sorvi um
gole. Ela revirou os olhos com minha declaração.
— Um brinde ao meu herói — disse, antes de beber e foi a
minha vez de revirar os olhos.
— Escrevi uma música e queria que ouvisse. — Pousei a
caneca na mesinha ao lado da cama.
— Me surpreenda! — falou em tom altivo e peguei o violão do
chão. Ajeitei-me na cama e comecei a dedilhar a música que já
estava gravada em minha mente.
Toquei e cantei, ora olhando dentro dos olhos dela, ora de
olhos bem fechados, sentindo a música nutrir a minha alma. Cada
palavra me alimentava de amor e me fazia ter certeza de que o meu
mundo se chamava Kit. Minha namorada se emocionou com a
composição, pude ver isso em seus olhos.
— Meu Deus, Luigi… Amo todas as suas músicas, mas acho
que você nunca compôs algo tão intenso e cheio de paixão.
— Fiz essa música pensando em você. Sentindo você em
mim — falei, sincero, e ela abandonou a xícara na mesinha e
engatinhou até mim.
— Você é muito especial. — Segurou o meu rosto entre as
mãos e me deu um beijo delicado.
Com nossas testas unidas, ela me encarou. Eu podia ver o
amor em seus olhos, uma luz intensa feito um farol iluminando a
escuridão. Juro que se meu coração já não fosse dela, naquele
momento, me apaixonaria por ela de novo.
Mais tarde naquela manhã, intimei a banda para começar o
ensaio para a grande final. Apresentei a música que compus e todos
ficaram animados. A regra do programa era tocar duas músicas
cover e duas autorais durante a apresentação. A banda que tivesse
o maior número de votos populares ganharia a primeira edição do
concurso.
— Que música vocês acham que devíamos tocar? — Kit
perguntou, enquanto afinava o baixo.
— Na minha opinião, devíamos surpreender o público com
algo que eles não esperam — respondi e Kit ergueu as
sobrancelhas, me encarando com ar confuso. — Sugiro que Kit
cante sozinha uma das músicas cover.
— M-mas por quê? — Arregalou os olhos, visivelmente
surpresa.
— Porque você é uma cantora foda pra caralho. E desde que
chegamos aos Estados Unidos, ainda não mostrou todo o seu
talento — retruquei.
— Concordo, irmão! — Nick assentiu.
— Isso aí, acho que Kit de boca fechada é um talento
desperdiçado. Apoiado! — Fly também opinou e Cindy e Hanna
aplaudiram, empolgadas.
— Além disso, eu acho que devíamos cantar a música
Rescue Me em dueto — concluí, olhando fixo para ela.
— Tem certeza, Luigi? — Kit questionou e retorceu os lábios
num biquinho. — A gente sabe que o nosso público é quase cem
por cento feminino e a maioria só está lá para te ver.
— Se o nosso público é feminino, então é o seu dever dar
voz a todas essas garotas — justifiquei e ela respirou fundo,
pensativa.
— Minha sugestão de música para a Kit é Back in Black do
AC/DC. Além da escolha ser uma puta estratégia de marketing, já
que AC/DC é uma banda icônica e atemporal, tem ainda o fato de
que a última vez que Kit cantou uma música deles, a galera foi à
loucura. — Fly rodopiou a baqueta entre os dedos. Ele estava
sentado atrás da bateria.
— Seria muito foda ver Kit rasgar a voz outra vez. — Nick
abriu um sorriso. — E você, irmão… — Olhou para mim. — Deveria
cantar Nothing Else Matter do Metallica. Acho que tem tudo a ver
com o momento.
— Excelente ideia! — Kit concordou.
Em dez minutos, decidimos as músicas e em seguida nos
dedicamos a muitas horas de ensaio. Naquele domingo, a nossa
família deu uma passada rápida para nos visitar e depois nos deu
espaço para trabalhar. Lucca e Georgina finalmente levaram a
pequena Laís à praia. Lorenzo e Olívia foram comprar o enxoval dos
gêmeos, acompanhados de Eduardo e Lily. Meus pais e os de Kit
foram almoçar na marina e pretendiam aproveitar a tarde para dar
uma volta por Los Angeles.
Hanna, que adorava cozinhar, fez questão de preparar vários
lanches deliciosos durante o dia. O que foi ótimo, há muito tempo
que não tínhamos tempo para nos alimentar direito. Cindy, que era
uma artista muito talentosa, deu vários palpites nos arranjos e
contribuiu bastante.
— Gente, estava pensando em uma coisa, após vocês
ganharem, queria muito tocar aquela música que eu e Luigi
compomos juntos. Ela foi e continua sendo um sucesso, e queria
tocá-la no meu programa com vocês — Cindy propôs.
— Acho que não devemos contar com o ovo no cu da galinha
— Nick falou com um sorriso de canto. — Antes, precisamos focar
em ganhar o concurso. Mas depois, se a gente ganhar, acho uma
ótima ideia, minha diva! — Nick se aproximou do sofá onde ela
estava sentada. Pegou sua mão e a puxou para um beijo. Entre
eles, a guitarra surrada que sempre usava.
E foi com aquele clima de romance que ensaiamos no
domingo e na segunda. O programa da grande final seria exibido na
terça-feira e transmitido ao vivo a partir das 21h. No entanto, as
bandas deviam estar desde às 18h no estúdio. Combinamos de
ensaiar uma última vez das 14h às 16h e depois nos preparar para o
show.

Na terça, Kit saiu de casa cedo com Cindy e não quis me


dizer para onde ia. Passou a manhã toda fora. Embora naquela
manhã eu estivesse na companhia da minha família, a ausência
dela me incomodou. Mas Kit saiu de casa tão feliz, empolgada e
misteriosa, que preferi não fazer perguntas. Apenas aceitei seu
“segredinho” e tentei me distrair com minha sobrinha Laís e com a
conversa de gestante de Olívia.
Kit e Cindy voltaram para casa perto do meio-dia, mas não
revelaram aonde foram. Assim como eu, Nick também estava
curioso com tanto suspense. Mas tivemos que parar de perguntar
quando vimos que elas não nos diriam nada.
Almoçamos todos juntos. Minha mãe, Hanna e Anastácia
capricharam no cardápio, aquele seria o nosso único momento em
família do dia. Se ganhássemos o concurso, não voltaríamos para
casa. De acordo com a produtora-chefe, iríamos para um luxuoso
hotel onde teríamos uma coletiva de imprensa e de lá seguiríamos
uma agenda pré-programada exclusiva para os vencedores. Se não
ganhássemos, ao menos, estaríamos satisfeitos por termos dado
nosso sangue e suor para esse concurso, no meu caso,
literalmente. Não assinaríamos um contrato com a gravadora, mas
estaríamos juntos como sempre estivemos.
À noite, já dentro do camarim, o clima era de euforia
enquanto esperávamos dar o horário da apresentação. Uma
maquiadora conseguiu camuflar boa parte dos machucados em meu
rosto. O roxo debaixo do olho não escondeu cem por cento, mas,
pelo menos, deu uma boa disfarçada.
Nossa família estava em peso no auditório e Kit ficou em
outro camarim se arrumando na companhia de Cindy. No entanto,
Kit fez o meu coração quase parar quando adentrou o nosso
camarim com Cindy logo atrás. Caralho!
Kit usava uma calça de couro justíssima que fez meus olhos
passearem por todas as curvas do seu corpo escultural. Com uma
bota de salto alto e um corpete tomara que caia de couro, daqueles
bem justos que deixava a cintura finíssima e os seios bem
empinados. Os antebraços estavam cobertos por uma peça de
couro. Meu queixo despencou e tive que fechar a boca para não
babar. Até Nick e Fly a olharam admirados. Não tinha como não
notar aquela mulher de cabelos cor-de-rosa vestida daquele jeito.
Aproximei-me dela, meus olhos vagando descaradamente
por todo o seu corpo. Diante dela, umedeci os lábios, olhando
fixamente para seus peitos e depois subi o olhar bem devagar.
— Você quer me matar? — perguntei, a voz arrastada.
Ela abriu um sorriso malandro e mordeu o cantinho do lábio.
Esticou-se até a minha orelha e cochichou:
— Só se for de tesão. — Voltou a me encarar, dando uma
piscadinha.
Meu pau pulsou dentro das calças. Umedeci os lábios outra
vez, sorrindo de sua ousadia ao me dizer aquilo dez minutos antes
da apresentação mais importante das nossas vidas.
— Kit, não brinca… — Balancei a cabeça em negação, me
segurando para não a agarrar e a beijar de um jeito indecente na
frente de todo mundo.
— Tenho uma surpresa pra você. — Ela mudou de assunto.
— Mas só vou mostrar depois da apresentação.
— Seja lá o que for, pode ter certeza de que, depois do show,
você vai me mostrar muito mais do que essa sua surpresa — falei
como se estivesse morrendo de fome. Mas apenas de Kit. Nada
mais me saciaria além daquela garota em minha cama.
Nossa conversa foi interrompida pela produtora-chefe do
programa, que avisou que a banda All Saints já tinha se
apresentado e estava na hora de subirmos ao palco. Naquele
momento, seria tudo ou nada. Ninguém estava disposto a perder.
— Depois a gente termina essa conversa — concluí e ela me
deu um selinho recatado.
Passou por mim e me virei instintivamente para ver a sua
bunda. Puta merda! Que bunda! Ela já me distraía quando usava
shortinho, mas agora ela estava jogando muito baixo.
Inspirei fundo e soltei o ar com força para controlar a emoção,
ou melhor, a excitação. Saí do camarim sentindo o coração batendo
forte e rápido como se eu nunca tivesse me apresentado em público
antes. Na coxia, tive que entornar uma garrafinha inteira de água
para hidratar a minha garganta. A ansiedade parecia estar roubando
toda a água do meu corpo.
Entramos no palco e em vez de eu começar a cantar, Kit
assumiu o microfone principal, quebrando totalmente a expectativa
do público. Assumi o lugar dela, um pouco atrás de onde eu ficava,
à esquerda do palco.
De onde eu estava, a bunda arrebitada de Kit desviava a
minha atenção por completo. Confesso que tive que me controlar
para não ficar o tempo todo com os olhos grudados lá. Então fitei o
público para encontrar a concentração que eu precisava e esperei
Fly fazer a contagem com as baquetas para dar início ao show.
Só a guitarra característica do início da música Back in Black
fez todos na plateia se levantarem. A voz potente e rasgada de Kit
era de arrepiar. Caralho! Eu nunca a tinha visto cantar daquele
jeito… com tanta paixão… surreal.
Depois de agitar a galera com a música do AC/DC, Kit e eu
invertemos de lugar e tocamos Let's Rock! uma música autoral
igualmente animada. Na sequência, a música do Metallica. Por fim,
na última música, trocamos os microfones sem fio por outros, tipo
headset, e fizemos o dueto mais foda da nossa carreira.
A música Rescue Me era totalmente minha e de Kit. Os
sentimentos entre a gente transbordavam em cada verso. Podia
sentir o amor pulsar em minhas veias. Quando a música acabou,
estávamos frente a frente, nossos olhos apaixonados não
conseguiram disfarçar. Os aplausos foram ensurdecedores e a
sensação de missão cumprida tomou conta do meu peito.
— E esses foram a 4Legends, galera! Uma salva de palmas
para eles! — A apresentadora incentivou. — Bem, agora, a votação
está encerrada — anunciou. — Antes de tudo, parabéns! Vocês
arrasaram — parabenizou, olhando para cada um de nós.
— Valeu, Katy! — agradeci à apresentadora em nome da
banda.
— Agora, preciso comentar Luigi, os últimos dias foram
difíceis para vocês, não é? Que susto esse sequestro, hein?! — Ela
voltou sua atenção para mim. — Soubemos que você ainda está
com pontos. Foi tudo bem para você tocar nessa noite?
— É, o susto foi grande, mas agora podemos dizer que está
tudo tranquilo. Pode acreditar que a emoção de estar aqui é muito
maior do que qualquer dor.
Mais gritos e aplausos tomaram conta da plateia. A
apresentadora sorriu e logo em seguida pediu silêncio à plateia para
continuar a entrevista. Quando o burburinho cessou, ela continuou:
— Agora preciso fazer uma pergunta que todo mundo quer
saber, Luigi… — Ela se aproximou, um sorriso curioso curvando
seus lábios. — Você e Cindy Harper, que inclusive está aqui nos
bastidores, anunciaram no início do ano que estavam juntos, no
entanto, depois do sequestro e claro, depois dessa apresentação
sensual com esse mulherão que é Kit, há rumores de que você
trocou Cindy por ela. Por favor, conte quem é a sua namorada de
verdade. Estamos muito curiosos.
Dei uma risada antes de responder, era hilário ver como as
pessoas se preocupavam com a vida amorosa dos outros.
— Na verdade, ninguém trocou ninguém. Muitas coisas
aconteceram e cheguei a um ponto que não consegui negar mais o
quanto amo essa mulher perfeita aqui no palco. Minha melhor amiga
de infância, meu primeiro e, aquela que espero ser, meu último
amor. Mas Cindy e eu continuamos amigos… e ela ainda meio que
continua bem próxima da banda, mas quem pode responder melhor
isso, é Nick.
Katy se virou e foi na direção de Nick, a plateia indo ao
delírio. Quando todos ficaram em silêncio, a entrevista seguiu:
— Conta pra gente Nick, então você e Cindy estão
namorando?
— Bem, estamos nos conhecendo, não colocamos nenhum
rótulo na relação… essas são cenas do próximo capítulo.
— Então o único solteiro disponível é o baterista. É isso
mesmo, Fly? — A apresentadora foi até ele. Mas nosso amigo fez
que não com a cabeça. — Então cadê a sua garota? — Ela
continuou perguntando.
Fly se levantou e apontou a baqueta para onde Hanna estava
na plateia. Uma luz foi direcionada em cima dela.
— Olha, gente, preciso dizer: só gente linda namorando
gente linda. — Katy fez uma cara admirada.
Ela voltou a sua atenção para o palco e Kit a chamou,
cochichou alguma coisa em seu ouvido e a apresentadora sorriu.
— Kit está me dizendo que o sr. Giuseppe Ferrari, o pai de
Luigi, gostaria de vir ao palco por um minuto.
Olhei para Kit sem entender, mas ela me deu uma piscadinha
matreira que me deixou ainda mais curioso.
— Cadê o sr. Ferrari? — Katy perguntou, vagando os olhos
pela plateia e meu coração deu um coice no peito quando papai se
levantou e a luz branca o iluminou. — Venha aqui! — Ela gesticulou
e meu pai saiu do assento da segunda fileira e subiu ao palco.
Desviei o olhar para a minha mãe e ela estava sorrindo. Meus
irmãos também pareciam saber o que rolaria ali, mas eu estava
totalmente perdido. A apresentadora cumprimentou o meu pai e
entregou o microfone a ele.
— Boa noite! — ele cumprimentou a plateia, parecendo sem
jeito. Papai não era o tipo de homem que gostava de aparecer em
público.
Ele se virou e olhou para a banda. Eu ainda não estava
entendendo nada.
— Meninos, vocês foram incríveis — parabenizou, dedicando
um sorriso para cada um. — Mas tenho uma coisa importante para
dizer a você, meu filho. — Ele veio até mim e senti meu coração
acelerar. — Olha, fui um pai que deu tudo o que pôde para seus
filhos. Tentei ser o melhor pai, mas isso exige muito mais do que um
filho pode imaginar. E ser pai de um sonhador é ainda mais difícil.
Ofereci um mundo de oportunidades e você refutou todas elas.
Abnegou de tudo porque acreditava em si. — Olhou para a banda.
— Porque acreditava neles.
Ele respirou fundo e voltou a me encarar, minha garganta
estava tão apertada que não passava nem saliva.
— Eu tive tanto medo de que você se frustrasse e não
alcançasse o sucesso, que tentei de todas as formas te fazer
desistir desse sonho. Mas pais também erram. E ainda bem que
você puxou a minha teimosia e não abaixou a cabeça. Não aceitou
o não como resposta e não desistiu da música. Se o tivesse feito, o
mundo não teria assistido a esse show maravilhoso que vocês nos
agraciaram.
Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu não podia chorar,
não naquele momento.
— Então, meu filho… — meu pai continuou, se aproximando
um pouco mais até ficar diante de mim. — Me perdoe por não ter
acreditado e incentivado o seu sonho. Você é um homem de muito
valor e tenho o maior orgulho de ser o seu pai.
A declaração do meu pai fez as comportas que represavam a
emoção em meus olhos despencarem. Tirei a guitarra e a entreguei
para Kit que estava de prontidão e abracei o meu pai. Não com a
força com que eu gostaria, porque eu ainda tinha pontos, mas foi o
mais forte que consegui.
— Por que justo agora? — perguntei com a voz engasgada.
— Porque não quebro as minhas promessas. Prometi para
nós dois que se você alcançasse o sucesso, eu reconheceria o meu
erro em rede nacional. Bem, só não falei de qual nação. — Soltou
um risinho.
— Não precisava fazer isso — falei, sem saber se ria ou
chorava.
— Precisava sim. — Desvencilhou e me encarou com os
olhos úmidos. — Gostaria que outros pais não errassem como eu
errei. Todo pai deveria apoiar o sonho dos seus filhos por mais
malucos que sejam.
— Eu ainda não alcancei o sucesso que disse que alcançaria
— contestei e ele sorriu.
— Não importa. — Balançou a cabeça em negação. — Fico
feliz que você queira sonhar mais alto, mas para mim, você já é um
sucesso e eu quero estar ao seu lado, por você e com você. Te
amo, meu filho!
Ele me abraçou de novo e os aplausos tomaram conta do
auditório outra vez. Nossos microfones estiveram abertos durante
toda a conversa. O gesto do meu pai tocou o meu coração. Ganhar
ou perder aquele programa não dependia de mim ou da banda. A
gente tinha dado o nosso melhor e só nos restava aguardar o
resultado do voto popular. Mas ganhar o reconhecimento do meu pai
foi um troféu pelo qual lutei uma vida inteira. Olhei por cima do
ombro dele e vi Kit chorando, emocionada. Ela sabia o quanto aquilo
significava para mim.
Depois que meu pai voltou para o seu lugar na plateia, a
apresentadora fez um discurso sobre buscar nossos sonhos
enquanto a banda All Saints era convidada a voltar ao palco para o
anúncio do resultado. Os cinco integrantes da banda oponente
pararam ao nosso lado. Estávamos todos de mãos dadas, tanto a
4Legends quanto a All Saints, ansiosos e tremendo.
— Com sessenta e dois por centos dos votos, a 4Legends é
a grande campeã da primeira edição do concurso de bandas da
Rock Star Records — anunciou e a gente explodiu num grito.
Então tudo o que havia era a chuva de papel prateado caindo
sobre nós, os abraços, as lágrimas, a emoção e meus lábios
grudados na boca de Kit.
— A gente conseguiu! A gente conseguiu! — falei sem
desgrudar os nossos lábios.
— Conseguimos! — Kit concordou, emocionada.
Depois da comemoração e de cumprimentar os caras da All
Saints, era a hora de receber o prêmio. O dono da gravadora entrou
no palco com um cheque enorme de um milhão e meio de dólares.
Trevor Wood nos cumprimentou animado com um aperto de mão e
nos parabenizou pela vitória. Agora era real, nós éramos
oficialmente contratados da Rock Star Records. A cerimônia de
premiação encerrou e liberaram o palco para a apresentação final.
Tocamos muita alegria e empolgação um bis de Let's Rock! para
comemorar a vitória.
A limosine que nos tirou do estúdio teve dificuldade para sair.
Muitas pessoas batendo nos vidros do carro, chorando, gritando
nossos nomes, algo que só em meus sonhos tinha acontecido. Eu
segurava a mão de Kit, ainda sem acreditar que aquilo era real.
Somos famosos, porra!
Do estúdio, fomos levados ao hotel onde passaríamos a noite
e daríamos algumas entrevistas. Na coletiva, aproveitamos para
colocar tudo em pratos limpos com nosso público, contei o que
passamos com nosso ex-agente, como Cindy e eu fingimos um
namoro para desmascarar Will, até o desenrolar do sequestro.
Claro que os repórteres caíram matando nas perguntas
pessoais sobre meu namoro com Kit. Então contei nossa história, de
como éramos amigos desde a infância e apaixonados à primeira
vista, e que essa loucura só nos fez perceber que fomos feitos um
para o outro. Eu sabia que ainda teríamos muito o que explicar, mas
saí daquela sala com sensação de alma lavada, deixando as
mentiras para trás, com sorte, para sempre.
Após a sessão de fotos, nos entregaram os cartões-
magnéticos das portas das nossas suítes e fomos levados para a
cobertura onde teríamos um coquetel com a equipe que assumiria a
nossa carreira. Lá, enquanto bebíamos champanhe, James Carter
veio nos cumprimentar.
— Parabéns, meninos! Agora é só encarar um ano de turnê
mundial! — Abriu um sorriso feliz e ergueu a taça.
— Um ano? — Fly arregalou os olhos com assombro.
— É o preço a pagar por serem desejados em todos os
países do mundo.
A notícia fez o meu coração acelerar. Algo que vinha
acontecendo com bastante frequência nas últimas horas.
Conversamos por alguns minutos com Carter. Ele se colocou
à disposição para agenciar a banda e claro que aceitamos. Não
podíamos ficar sem um empresário nessa nova fase da carreira. Ele
também contou que o sr. Wood pediu a quebra de contrato de Cindy
com a emissora de TV para contratá-la oficialmente pela Rock Star.
Enfim, Cindy deixaria de ser apresentadora do programa de
calouros e poderia se dedicar à música que era o seu maior sonho.
Em conversa, James contou que Will foi esfaqueado no
presídio logo que foi transferido e que estava hospitalizado. Pelo
que o delegado falou para Carter, ele estava jurado de morte por
conta de uma dívida alta com agiotas. Eu não sabia como reagir a
essa notícia, mas tratei logo de afastar isso da minha mente, estava
feliz demais para desperdiçar o meu tempo pensando em Will
Parker.
Fiquei surpreso e muito feliz quando Hanna e Cindy
chegarem ao coquetel. Hanna se aninhou nos braços de Fly e Cindy
nos braços de Nick. Kit e eu estávamos abraçados desde que
descemos do palco. Ciente da rotina exaustiva que enfrentaríamos
dali por diante, cada minuto com ela era sagrado.
— Vem comigo! — falei ao ouvido de Kit e ela subiu o olhar.
Eu queimava de desejo, então fiz um meneio de cabeça, num
convite silencioso para sairmos dali, tínhamos assuntos pendentes.
Ela esboçou um sorriso de quem entendeu o recado. Despedimo-
nos de todos e Kit me acompanhou.
— Aonde vamos? — ela perguntou, curiosa, quando apertei o
botão do elevador.
— Você tem que me mostrar a sua surpresa, lembra? — Dei
uma piscadinha maliciosa e ela riu.
Entramos no elevador e a tomei em um beijo apaixonado.
Estava há horas desejando beijá-la daquele jeito. Descemos três
andares até chegar ao nosso, nos beijando com desespero. Sorte
que não encontramos ninguém pelo caminho. Talvez porque fosse
mais de duas da manhã.
Não desgrudamos nossos lábios ávidos nem no corredor.
Tentávamos caminhar e nos beijar ao mesmo tempo. Quase caímos
umas duas vezes e rimos dos nossos tropeços. Foi difícil de chegar
ao quarto.
— Shhhh…. — Selei os lábios de Kit com os meus quando
ela gargalhou alto demais ao trombar as costas contra a porta do
nosso quarto.
Com dificuldade, destranquei o quarto e levei Kit para dentro.
Beijando sua boca e me deliciando com o seu gosto que me
entorpecia. Minhas mãos agarradas a sua bunda, lugar que eu não
abandonaria tão cedo. Só Deus sabe o quanto estava com vontade
de afundar os meus dedos naquela maravilha.
— Você é gostosa pra caralho! — sibilei com nossos lábios
ainda unidos. — Eu não via a hora de ter você só pra mim. Nós dois.
Sozinhos — falei entre um beijo e outro.
— Também não via a hora, mas antes quero te mostrar a
surpresa. — Afastou o rosto e me encarou com aquele jeito sensual
que me quebrava ao meio, então me deu um pequeno beijo e
apontou para a cama. — Sente-se ali que vou te mostrar tudo o que
você quer ver. — Passou os dentes pelo lábio inferior e fez um gesto
de cabeça, me incentivando a obedecê-la.
Sentei-me na cama sentindo outra vez o meu pau latejar
dentro das calças. A minha respiração estava entrecortada, meu
peito subia e descia de excitação. Meu corpo estava quente e pronto
para virar aquela garota do avesso e possuí-la sem delicadeza.
Após tanto tempo sem poder tocá-la como queria, tê-la como queria,
o mínimo que eu poderia fazer era levá-la a ver estrelas, ou melhor,
uma constelação inteira de tanto prazer que eu queria proporcionar.
Kit ligou uma música baixinho que derramava erotismo e
começou a se mover de modo lento e sensual, acompanhando o
ritmo. Seus quadris me hipnotizaram, mas tive que subir o olhar
quando ela começou a abrir o zíper do corpete e seus seios pularam
para a liberdade. A peça opressora foi parar no chão. Tive que me
segurar para não me levantar da cama e agarrá-la de uma vez.
Eu estava com dificuldade de encontrar o ar naquela enorme
suíte luxuosa. Kit passou a mão pelos seios e barriga, me
enlouquecendo. Então se abaixou de frente para mim e levou as
mãos até as panturrilhas, em seguida, olhando bem em meus olhos,
começou a abrir em um movimento bem lento cada zíper que
percorria as laterais da calça. A minha boca estava parecendo o
deserto do Saara, eu não conseguia pensar em nada. Quando Kit
voltou a ficar de pé, ela terminou de abrir o zíper dos dois lados ao
mesmo tempo, e meu corpo quase entrou em combustão.
A calça de couro se amontoou no chão e uma micro calcinha
de renda transparente se revelou, me fazendo arfar. Ela estava
usando apenas a peça mínima e salto alto. No entanto, seus
antebraços ainda estavam cobertos. Fiz menção de me levantar e
ela balançou a cabeça em negação. Tive que agarrar o colchão e
afundar meus dedos para me segurar.
Kit se virou de costas e me presenteou com a visão mais
linda do mundo. Precisei levar uma das mãos para o meu membro
que estava sendo torturado. Ela continuou a dança enquanto abria o
zíper da manga do braço direito e olhava para mim por sobre o
ombro. A peça foi para o chão e ela voltou a se tocar, me
provocando de todas as maneiras possíveis.
Em seguida, se virou de frente e me chamou com o indicador.
Feito uma criança obediente, me levantei, admirando-a com
devoção. Ela estendeu o braço esquerdo e meneou o queixo em
direção a outra peça de couro, me encorajando a tirá-la. Peguei seu
braço com delicadeza e depositei um beijo. Abri o zíper com cuidado
para não a machucar. Mas…
Uma tatuagem! Caralho! Meus olhos se prenderam no
desenho que ainda estava protegido por plástico adesivo. Desviei o
olhar da tatuagem para os olhos de Kit. Eu estava em choque.
Pasmo. Incrédulo.
—Você tatuou o meu rosto no seu braço? — perguntei, sem
acreditar no que ela tinha feito.
Ela assentiu, exibindo o sorriso que deixava o meu dia feliz.
— Sabe, me apaixonei pelo mundo da tatuagem por ela ser
uma forma de expressão. Por não existir um desenho certo ou
errado. Apenas o momento certo em que uma determinada arte faz
sentido para você.
Seus olhos brilhavam e meu coração quase explodia por
aquela mulher perfeita e talentosa diante de mim.
— Então… — ela continuou. — Eu sempre disse que só
tatuaria alguma coisa na pele que fosse muito valioso e importante
para mim. Algo que jamais quisesse esquecer. E enfim, encontrei a
minha arte para eternizar, ao menos na minha pele, pois no meu
coração, você já estava gravado há tempos.
— Mas e se algum dia você não me quiser mais, não vai se
arrepender de ter feito? — Passei o polegar sobre o desenho,
olhando para a tatuagem realista que ocupava cinquenta por cento
do seu antebraço.
— Luigi, mesmo se algum dia a gente não for mais um casal,
ainda assim, nada irá mudar. O seu rosto continuará em mim, assim
como essa cicatriz nunca sairá do seu peito.
Aquele era o “eu te amo” mais verdadeiro que alguém
poderia dizer. A declaração mais fodidamente linda que ela poderia
ter feito para mim.
— Eu te amo pra caralho, Kit! Como eu disse uma vez: você
é minha lagosta e nunca vamos nos separar. Ficaremos juntos pra
sempre — falei com todas as fibras do meu ser e a puxei contra o
meu corpo, a agarrando como se fosse a minha tábua de salvação.
Beijando-a com fervor, afundei o rosto em sua pele, sentindo
o cheiro que me inebriava e me excitava demais. Arranquei a minha
roupa com o auxílio dela e a levei para cama. Minhas mãos
passearam exasperadas por seu corpo, desbravando cada
pedacinho de pele macia, lambendo a sua clavícula, o seu pescoço,
chupando o lóbulo da sua orelha e prometendo o quanto seríamos
felizes juntos.
Fiz um rastro molhado do seu maxilar até o espaço entre os
seios, e contornei a auréola com a ponta da língua, brincando com
seu mamilo entumecido. Continuei a jornada pelo seu corpo até
alcançar a fina tira da calcinha. Com a ponta dos dentes, segurei a
fita e a abaixei. Literalmente, tirei a sua calcinha no dente.
Beijei os seus pés e rocei os lábios por suas pernas até
encontrar o seu sexo quente e molhado. O seu gosto adocicado
tinha ficado marcado em minha memória, e eu não via a hora de cair
de boca nela outra vez. Então, minha língua ávida invadiu o espaço
e ergui o seu quadril para poder me afundar ainda mais. Kit arfou de
prazer. Até que enfim ela era minha.
Em seguida, afastei o meu rosto, não aguentava mais a
espera de possui-la de novo, precisava de mais. Levei os lábios até
seus mamilos, sugando cada um, depois voltei a beijá-la. Por um
minuto, parei para admirar sua expressão de prazer, suas
bochechas rosadas. Ver minha Kit com tesão, me deixava com mais
tesão. Ela abriu os olhos enquanto minha glande roçava sua entrada
úmida. Estávamos entregues, só aproveitando o momento.
— Quero você dentro de mim — ela sibilou, a ponta dos seus
dedos se agarrando às minhas costas.
— Você me quer? — Curvei os lábios em um sorriso
diabólico.
— Quero muito — ela respondeu, apertando minha bunda e
me puxando contra si.
Eu estava no limite extremo. Precisava fodê-la de uma vez
por todas. Queria que o sexo pudesse ser demorado, mas aquele
não seria. Eu estava tão excitado que meu corpo não suportaria
segurar por muito tempo. Depois eu poderia fazer amor a noite
inteira com ela, mas não naquele momento.
Sem reservas, deslizei meu pau para dentro dela até o final.
Kit arquejou com a força com que a invadi, mas não reclamou. Pelo
contrário, ergueu as pernas e cruzou os pés sobre minha bunda,
abrindo-se ainda mais. Recuei e voltei a penetrá-la, mas acabei
fazendo uma pausa para não gozar.
— Não para, não para — Kit choramingou.
Seu pedido me fez reconsiderar. Então me lancei outra vez
para dentro dela. Enquanto a invadia em ritmo lento, olhei para a
cena mais linda do mundo: Kit com os lábios entreabertos, olhos
semicerrados, a respiração descompassada e os mamilos durinhos,
a verdadeira visão do paraíso. Ela murmurou o meu nome e não tive
escolha a não ser impor o ritmo, com estocadas cada vez mais
fortes, mais frenéticas. Tudo o que sentia era seu sexo molhado,
apertado e contraindo em volta do meu membro.
Senti o sangue correr quente em minhas veias. Gemidos e
palavrões saíam da minha boca até que um grunhido gutural
escapou da minha garganta. Kit estremeceu e me puxou para si, ela
também chegou ao clímax.
Meu corpo se retesou e afundei o meu rosto em seu pescoço,
o orgasmo me deixando completamente atordoado. Nós dois
estávamos arfando. Foi a porra do melhor orgasmo que tive na vida.
Quando nossa respiração voltou ao normal, me apoiei no
braço que não estava machucado e a encarei em um silêncio
contemplativo.
— E então… — Ela acariciou o meu maxilar com a ponta dos
dedos. — O que achou da tatuagem?
— Achei linda. — Toquei a ponta do meu nariz no dela. —
Tanto que quero uma igual em mim.
— Vai querer tatuar o seu próprio rosto? — Franziu o nariz e
eu revirei os olhos.
— Não, engraçadinha, claro que não. Vou tatuar o seu rosto
em meu peito. Quero te ver sempre que me olhar no espelho. A sua
imagem será o eterno lembrete de que você é a minha melhor parte.
Minha alma gêmea.
Ela sorriu e eu a beijei outra vez. Aquela não seria uma noite
para dormir e nem descansar. Tínhamos esperado tempo demais
para viver o nosso amor. Tudo o que eu queria era que o tempo
parasse e a noite passasse bem devagar para curtir aquele
sentimento de plenitude que tinha me abraçado. Queria que aquele
momento ficasse para sempre em nossas memórias como a noite
mais feliz de nossas vidas.

Fim!
Cinco meses depois…
O cheiro de peru assado invadiu a sala quando Marta colocou
a travessa decorada sobre a mesa de jantar. A casa da família
Ferrari estava cheia como nunca. A sala de jantar ganhou uma
mesa de dezesseis lugares e todos foram ocupados para a
celebração da ceia de Natal.
Lorenzo estava de pé com seu filho Benício no colo, tentando
fazê-lo se acalmar, enquanto Olívia ninava Valentim. Os bebês
nasceram no final de setembro e estavam manhosos da vacina que
tomaram dois dias atrás. Eram uns amores de criança, mas quando
um deles decidia chorar, o outro abria o berreiro logo atrás.
Luigi tentava ajudar o irmão com o pequeno chorão e Lily, a
melhor amiga de Olívia, tentava distrair o outro garotinho com um
ursinho de pelúcia. Lorenzo continuava trabalhando na construtora e
Olívia tinha se dado um ano longe do escritório para curtir a
maternidade. Moravam na chácara e estavam muito felizes. Até
compraram outro Border Collie para fazer companhia para Enrico, o
cachorro de Lorenzo.
Lucca estava se vendo louco com Laís que fazia pirraça, ela
tinha aprendido a andar e não queria ficar no colo ou no carrinho de
jeito nenhum. Georgina tentava conversar com a filha, mas ela era
bastante teimosa e obstinada, bem provável que tivesse herdado
isso da família Ferrari. Olavo também tentava distrair a neta com um
pedacinho de pão, mas sem sucesso.
Hanna que tinha vindo com Fly para o Brasil para passar a
festividade com a família Ferrari, veio da cozinha trazendo uma linda
travessa de arroz colorido com tâmaras, cebolas caramelizadas e
amêndoas. Ela e Marta se deram muito bem, as duas adoravam
cozinhar. Edith não era lá grandes coisas na cozinha, mas estava
ajudando Marta e Hanna como podia. Giuseppe parecia um pinto no
lixo, tentando agradar os netos, indo de um para o outro. Ninguém
nunca o viu tão feliz na vida.
Kit conversava, ou melhor, tentava conversar com seu irmão
Dudu, com Cindy, Nick e Fly, mas o barulho era ensurdecedor.
Muitas vozes falando ao mesmo tempo, parecia uma feira. Mas
tanto Kit, quanto o pessoal da banda, e Cindy, estavam
acostumados com esse tipo de bagunça. Não de crianças chorando,
mas de pessoas agitadas a sua volta. Afinal, um show não era
menos barulhento.
Dudu, ou dr. Eduardo, como muitos o conheciam, seguia
firme no namoro com Lily e tinha se afeiçoado a Kat, o gato de Kit.
O bichano vivia com ele desde que Kit se mudou para Los Angeles
e agora eram melhores amigos. Lily, que era avessa à
compromissos, tinha se rendido ao charme de Eduardo e até faziam
planos de morarem juntos.
Muitas coisas tinham mudado, exceto a agitação de quando
estavam todos reunidos. Dificilmente a família conseguiria jantar
com paz e tranquilidade, se bem que nos últimos anos, eles não
tiveram nada disso. Os gêmeos, Lorenzo e Lucca, passaram a
adolescência brigando entre si, enquanto Luigi se rebelava contra o
sistema imposto em sua própria casa. Em meio a isso, Giuseppe
tentou a todo custo colocar os filhos na linha e Marta sempre
procurou apaziguar os conflitos. Depois de adultos, eles
continuaram dando trabalho e agora que tudo parecia ter entrado
nos eixos, vieram os netos.
Luigi e Kit ainda não tinham planos para se casarem, mas
eram exageradamente apaixonados, talvez estivessem
compensando o tempo em que não ficaram juntos, ou apenas
estivessem curtindo a juventude com intensidade.
A tatuagem de Kit chamava a atenção por onde ela passava.
Algumas pessoas criticavam, outras elogiavam, mas o importante é
que ela estava bem com isso. Luigi, por sua vez, tatuou o rosto de
Kit em seu peito e logo abaixo escreveu o nome de uma das
músicas que compôs para ela: Rescue Me. Os dois possuíam uma
sintonia tão única que era impossível não cair de amores os vendo
juntos.
Georgina não pretendia engravidar tão cedo, a carreira que
ela tanto quis estava só começando, ainda mais depois de ter sido
campeã em sua categoria no Porsche Carrera Cup da Itália. Lucca
também levou o troféu na categoria principal, o que encheu o seu
chefe e sogro de orgulho. Por falar nele, Matteo Mancini ainda
estava firme com Patrizia. Os dois viviam o namoro dos sonhos,
com direito a muita festa e luxo. Enquanto isso, Georgina e Lucca se
ocupavam mesmo era em cuidar e encher de amor a pequena Laís.
O que não era uma tarefa das mais fáceis, a garotinha era uma
força da natureza.
Cindy e Nick ainda estavam aproveitando que as suas turnês
não tinham começado, porque quando a loucura de shows iniciasse,
seria muito difícil se encontrarem, precisariam viver em ponte aérea
para ficarem um pouco juntos. No último outubro, Cindy e a
4Legends se uniram para realizar o evento da ONG e repor o
dinheiro que Will tinha roubado no início do ano. O show foi um
sucesso e arrecadou muito mais dinheiro do que imaginaram.
Fly e Hanna seguiam firme no namoro, mas assim como
Cindy e Nick, teriam que se virar nos trinta para se verem nos
próximos meses. A turnê da banda, que duraria um ano, seria um
grande desafio para os casais de namorados.
A 4Legends passou os últimos meses gravando o álbum para
a turnê que começaria em dois meses. A turnê mundial se iniciaria
no Brasil e passaria pelos cinco continentes. Luigi e Kit eram o casal
sensação do momento, eles estampavam revistas adolescentes
mundo afora, assim como muitos souvenirs. Uma legião de garotas
passou a tingir os cabelos de cor-de-rosa, se intitulando como
“namoradas de Luigi”. Kit nem ligava, porque sabia que ele era só
dela.
No dia 31 de dezembro, Andy e Derek farão o último serviço
no DeVille, restaurante em que trabalhavam. E em janeiro, vão
inaugurar oficialmente o restaurante “You”, você em inglês. O nome
conceitual foi pensado na ideia de que “você”, o cliente, sempre será
o principal ingrediente de sucesso.
Desde que Will foi preso, tentaram matá-lo três vezes. Ele
estava tendo um período bastante conturbado na prisão. O
advogado dele pediu muitas vezes para transferi-lo para outro
presídio para salvaguardar a sua vida. Ninguém sabia ao certo por
quanto tempo ele sobreviveria se continuasse assim.
Edith seguia firme com a grife de roupas Elisa Bianchi. Em
setembro, ela esteve em Milão para o lançamento da coleção
outono/inverno que foi um sucesso avassalador. Olavo a
acompanhou e aproveitou para visitar o túmulo da filha, e dar um
cheiro na neta. A pequena Laís era o seu xodó. O mais engraçado é
que Teresa previu que a garotinha teria os olhos da mãe antes
mesmo de ela nascer. E não é que nasceu com o mesmo formato e
cor dos olhos de Elisa?
Quando os gêmeos de Marta enfim conseguiram acalmar os
ânimos das suas crianças, eles puderam jantar. A conversa seguiu
animada, ora falando de corrida de carro, ora de show, da
construtora e até da escola de música. Eles esbanjavam felicidade,
brincando e se divertindo ao redor da mesa, e acima de tudo:
aceitando e apoiando as escolhas e sonhos uns dos outros.
Exatamente como uma família de verdade deveria ser.
Quem me conhece sabe que esse é o momento mais difícil
da escrita. Sempre tenho muito a agradecer e morro de medo de
não expressar a minha gratidão da melhor maneira. Contudo, se
cheguei até aqui, preciso agradecer imensamente a minha família e
ao seu apoio incondicional. Preciso dizer que o meu marido é o
cara. Ele participa ativamente do meu mundo e acolhe todos os
meus personagens com muito carinho. Os irmãos Ferrari então, se
tornaram praticamente da família. Agradeço aos meus filhos e mãe
que sempre me apoiam e incentivam a continuar escrevendo.
Gratidão sem tamanho a Elaine, a minha
editora/revisora/amiga que cruzou o meu caminho através da
literatura e se tornou parte da minha vida. Muito obrigada por
caminhar ao meu lado, a sua presença (mesmo que distante) é
valiosa para mim. Também quero agradecer imensamente a minha
assessora Mari por estar sempre me aconselhando, orientando e
auxiliando no processo de escrita. Você é top. Um obrigada super
especial a Amanda que também me acompanhou durante a criação
dessa história.
Muito obrigada as minhas leitoras betas Adriana e Eliane.
Não me canso de dizer que vocês são as melhores. Amo trabalhar
com vocês! Agradeço também a Grazi por mais essa diagramação
linda e a Luciana pelas ilustrações que são verdadeiras obras de
arte. Um superobrigada a minha filha Giovana, a designer digital
mais talentosa que conheço. Obrigada por criar mais uma capa
maravilhosa e por fazer os posts mais lindos do mundo. Seu
trabalho é incrível.
Gostaria de agradecer a minha assessora literária Vanessa
por seu trabalho impecável e por ser tão querida, e me ajudar
sempre que preciso de socorro. Agradeço também a minha
marqueteira Jaque e a sua equipe, saibam que sem o trabalho de
vocês eu não chegaria tão longe.
Quero agradecer as minhas parceiras literárias por todo o
carinho que vocês têm comigo. Eu me divirto muito em nosso grupo
de leitoras. Com toda certeza, vocês deixam o meu dia muito mais
alegre. Agradeço aos meus leitores que acompanham o meu
trabalho e que sempre deixam uma mensagem de carinho em
minhas postagens. Vocês são demais!
Enfim, meu muito obrigada a todas que fizeram parte desse
projeto. Juntas somos um time perfeito.
CLIQUE AQUI PARA LER
Lorenzo sempre viveu a vida como sua profissão:
cada passo calculado.
Era o típico filho perfeito. CFO na construtora da
família, o braço direito do pai e noivo da sua
amiga de infância, Elisa, com quem namorava há
quase dez anos. O filho e homem ideal.
No entanto, seu noivado havia se tornado tóxico
e insustentável. Em mais uma das birras de Elisa,
Lorenzo chega ao limite e rompe o
relacionamento. Procurando esfriar a cabeça, vai
a um bar para assistir a banda do irmão caçula.
Alguns copos de uísque mais tarde, uma garota
surge em meio à multidão e o beija com fervor.
Um beijo que o faz se sentir mais vivo do que
nunca. Porém, assim como veio, ela desaparece.
Olívia estava feliz, era a mais nova arquiteta no
famoso Studio Arq., tinha a amiga e o namorado
perfeito, o que mais poderia querer? Só que o
namorado não era tão perfeito assim… após
flagrá-lo com outra em meio a um bar, ela toma
uma decisão impensada.
Na semana seguinte, o mais improvável
acontece: ela se torna a arquiteta responsável
pela renovação da casa de campo da família
Ferrari. Na sua frente, aparece o cara que ela
beijou no bar…, mas espera: ele tem um irmão
gêmeo. Qual dos dois ela beijou, afinal?
Sem que ela soubesse, aquele beijo de vingança
seria a origem de uma série de acontecimentos
improváveis e que mostrariam que tudo está
interligado.
Em meio ao caos absoluto, poderia surgir uma
paixão avassaladora capaz de transformar para
sempre a vida de Olívia e Lorenzo?
CLIQUE AQUI PARA LER!

Lucca Ferrari sempre sentiu que vivia à sombra


do irmão gêmeo. Aos 25 anos, decidiu que seria
o protagonista da própria vida e deixou o país
para realizar o sonho de se tornar piloto
profissional em uma das maiores equipes da
Porsche Carrera Cup na Itália. Apesar de ter um
início tumultuado nessa sua nova fase, ainda
envolvido com Elisa, a ex-noiva do irmão, Lucca
consegue sair desse relacionamento tóxico e se
concentrar apenas no seu amor à pista.
Georgina Mancini, tem 21 anos e é filha do chefe
de equipe da escuderia campeã da Porsche
Carrera Cup. Desde criança, é apaixonada pelo
automobilismo, mas seu pai nunca a deixou
competir, pois acreditava que o esporte não era
para mulheres. No entanto, Georgina está longe
de atender às expectativas do pai e ser uma
garota “convencional”. Seu único objetivo de vida
é se tornar piloto e fará qualquer coisa para
conseguir isso.
Lucca e Georgina estão em busca de seus
sonhos, cada um à sua maneira, até que seus
caminhos se cruzam de um jeito bem inusitado.
Da noite para o dia, acabam envolvidos numa
série de mentiras e o pior: juntos. Mas a
convivência os aproxima e os leva a descobrir
que um é capaz de despertar o que há de melhor
no outro. Entretanto, os obstáculos não param de
surgir e a luta será bem maior do que imaginam.
Elisa Bianchi é uma mulher determinada e
decidida a conseguir tudo o que deseja. Desde
que chegou à Itália, está trabalhando duro para o
lançamento da sua grife. Porém, não se conforma
com o fim do seu relacionamento com Lucca e
planeja reconquistá-lo a todo custo. Ela usará
todas as armas, inclusive revelar um segredo que
vai mudar o futuro do seu ex.
Prepare-se para um romance intenso, com muita
adrenalina, emoção e sentimentos à flor da pele.
Uma história de amor regada a mentiras,
verdades, acordos, apostas e muitas revelações.
Será que Lucca e Georgina vão conseguir driblar
todas as adversidades e escrever suas próprias
histórias?
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Julia é uma jornalista renomada que escreve para


uma coluna de fofocas de uma revista altamente
conceituada de Nova Iorque. Ela odeia escrever
sobre a vida alheia e se esconde por trás do
pseudônimo JP. Seu maior sonho é escrever
sobre viagem e turismo – tema pelo qual é
apaixonada desde a adolescência.
No entanto, Margaret, sua chefe não está
interessada em renunciar à sua melhor jornalista
de fofocas e dar-lhe uma coluna pouca
glamorosa. A garota sabe escrever um bom furo
de reportagem como ninguém. Isso porque Julia
repudia os famosos. Crê que eles não passam de
pessoas vazias, egocentradas e cheias de si.
Contudo, a vida lhe prega uma peça: a morte
inesperada da sua tia Dolores leva a jovem para
as terras geladas da Islândia.
Erik, é um charmoso jogador de futebol islandês
bastante famoso na Europa. Principalmente,
entre as mulheres. Faz parte do The Kings, um
time que está em alta no campeonato inglês.
Ele teve seu coração partido há alguns anos e
sua vida escancarada pelas principais revistas de
fofocas do mundo. Desde então, passou a odiar
os jornalistas e se fechou para o amor.
Quando a esposa do seu tio Harald falece, o
jogador regressa à Islândia para apoiar o tio
neste período de luto.

Ele é um jogador famoso que odeia


jornalistas;
Ela uma jornalista que odeia famosos;
Entre eles, uma pousada de herança e um
festival;
Erik e Julia ainda não sabem, mas a vida sempre
encontra uma maneira de aproximar os corações.
Mas e se os corações em questão não estiverem
preparados para isso?
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Thomas é um cara lindo, mulherengo e


multimilionário que não quer saber de trabalhar
nas empresas do pai — um empresário de
sucesso e fortuna incalculável. Tom é o único
herdeiro do conglomerado Medeiros e tudo o que
seu pai mais quer, é que o filho se interesse
pelos negócios.
Infortunadamente, por obra do destino, seu pai
vem a óbito muito antes do que Tom imaginava. E
o jovem playboy vê seu mundo perfeito ruir bem
debaixo dos seus pés. Não bastasse perder a
única pessoa que ele realmente amava, Tom tem
sua herança ameaçada pelo testamento deixado
por seu pai.
Carlos Eduardo de Albuquerque Medeiros estava
muito chateado com o descomprometimento do
filho e decidiu dificultar o seu acesso à herança,
caso ele morresse antes de Thomas se endireitar.
O que significa que Tom terá que amadurecer na
marra se quiser recuperar o império construído
por seu pai. Para tanto, ele terá que deixar para
trás a sua boa vida e seguir à risca algumas
condições, dentre elas: se casar com o grande
amor da sua vida em até doze meses.
Será que um cara mulherengo e irresponsável
seria capaz de mudar tanto, a ponto de reaver
sua fortuna e se apaixonar de verdade em tão
pouco tempo?
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