Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Poucas coisas foram tão viscerais em minha vida quanto a raiva que eu
sentia borbulhar em minhas veias cada vez que ele me jogava suas piadinhas
e me direcionava seus sorrisinhos cínicos. Nós mal nos conhecíamos, mas eu
tinha todas as fotos anuais da nossa turma com o seu rosto riscado com
caneta preta.
Todos os dias, enquanto ele esbanjava toda a sua glória, eu desejava
internamente que ele tropeçasse na frente de todos enquanto saía da sala de
aula, o que, claro, nunca aconteceu. Ele sempre esteve lá com sua postura
irritante e correta, e aquele ar de quem sabe seu próprio valor, e de que tem
certeza que o mundo é seu.
Acho que, no fundo, eu almejava sua autoconfiança com o mesmo
afinco que admiro hoje em dia.
Eu possuía uma lista enumerada com cada coisinha que odiava
completamente nele e, sem sombra de dúvidas, o ápice da minha semana era
vê-lo irritado, se descabelando e com o rostinho vermelho de raiva.
Como eu disse, nós mal nos conhecíamos.
E a vida não foi exatamente nossa amiga quando nos colocou presentes
na vida um do outro em período integral, mas foi aí que tudo mudou.
Realmente não sei dizer em que ponto, exatamente, as coisas viraram do
avesso, e desafio a todos que nos conhecem a descobrirem em que ponto
todos os sentimentos gratuitos de raiva e repulsa se esvaíram e foram
reduzidos a pó dentro de nós.
Existiam mil motivos para que eu não me apaixonasse por Ethan
Harris, fui capaz de citar e listar cada um deles para, logo em seguida,
ignorá-los.
Estaria mentindo se dissesse que essa é uma história melodramática de
como eu me apaixonei por um cara que jurava odiar, porque não é. Durante
todo o tempo em que passamos tendo de dar uma segunda chance para nós, o
que cresceu foi muito mais do que uma mera paixão de faculdade recheada
de melodrama. Nós nos fizemos bem primeiro, para, só depois, fazermos
bem um ao outro.
Ele me segurou quando caí, e fui seu abrigo quando tudo ao redor dele
pareceu se resumir a nada. Nós caímos, levantamos e crescemos juntos.
Eu conheci um lado dele que não tinha tanta certeza assim de que o
mundo lhe pertencia, conheci sua face que fazia um cara de quase dois
metros parecer um menino indefeso, conheci seus medos, suas angústias,
suas perdas e suas vitórias. E foi quando me vi sem saída, encurralada em
um beco iluminado em que cada lado gritava “amor”.
Então, caso você decida passar para a próxima página e mergulhar de
cabeça no nosso mundo, saiba que está diante da parte mais bonita da minha
vida, ainda que ela esteja recheada de momentos feios e quebrados. Porque
precisei ruir para entender qual futuro eu realmente queria construir.
Dedico cada uma dessas páginas para Ethan Harris, agora, com todo o
meu amor.
Porque todas as histórias de amor me lembram você.
“Às vezes você precisa queimar algumas pontes
para criar alguma distância
Eu sei que eu controlo meus pensamentos
e que eu deveria parar de lembrar
Mas eu aprendi com o meu pai
que é bom ter sentimentos”
I HATE U, I LOVE U | Gnash
2 de julho de 2021
3 de julho de 2021
4 de julho de 2021
4 de julho de 2021
14 de julho de 2021
15 de julho de 2021
17 de julho de 2021
18 de julho de 2021
19 de julho de 2021
19 de julho de 2021
ANTES
23 de julho de 2021
25 de julho de 2021
Faltando pouco mais do que cinco minutos para o início da aula,
estou quase voando pelos corredores do prédio onde se localiza o
departamento de Ciências Sociais. É uma construção grandiosa e antiga, bem
como a maioria dos prédios do Coleman Campus. Entretanto, nada que se
compare ao departamento do meu curso, afinal, somos o carro chefe da
faculdade.
Se existisse um templo do jornalismo mundial, ele seria a Irving
University.
Respiro ofegante, sentindo minhas costelas doerem um pouco devido
ao treino extra que eu e Simon fizemos ontem. Quando estou a poucos passos
de distância do auditório onde acontece a minha aula de Comunicação e
Política, apoio minha mão na parede e tomo fôlego para tentar parecer um
pouco menos desesperada.
Espero alguns segundos, e só então puxo o ar com força uma última
vez. Amasso um pouco meus cachos e passo as palmas das mãos sobre o
tecido do meu vestido para desamassá-lo.
Zero a distância entre mim e a porta, abro-a e caminho pelo corredor
em passos ágeis, escaneio a arquibancada lotada por alguns instantes até me
dar conta do único lugar disponível e solto uma lufada de ar, já me
preparando para o que está por vir. A sorte, definitivamente, não está ao meu
favor.
Ethan está com um falso semblante indiferente e encara o celular,
fingindo rolar uma timeline. Sei que é mentira, porque os movimentos de seu
polegar estão rápidos demais e, a menos que ele seja um Spencer Reid[3] da
vida, estou certa de que ninguém consegue ler alguma coisa tão rápido assim.
— Oi — falo, assim que me sento ao seu lado. Ele me olha de
esguelha e então volta a encarar a tela de seu telefone. Limpo a garganta para
chamar sua atenção. — Bom dia, Harris.
— Bom dia, Castillo. — Seu tom emburrado e sem humor me faz
revirar os olhos. Por alguns segundos cogito esquecer a boa convivência,
mas desisto assim que me recordo do real motivo pelo qual decidi voltar
atrás na minha decisão.
É tudo por Megan e Tyler, e pela felicidade deles.
Me aproximo da lateral de seu rosto e, antes que ele possa se virar
em minha direção, seguro seu queixo com a ponta dos dedos mantendo-o
reto.
— Você me disse para não ferrar com tudo, eu estou tentando, então
colabora — sussurro para que apenas ele escute.
Me afasto um pouco e vejo seu pomo de adão subir e descer
vagarosamente. Ethan leva a mão até a minha, que está alojada em seu
queixo, e a retira com cautela. Em seguida, mexe o rosto em minha direção
fazendo com que, em segundos, suas íris escuras estejam apontadas
diretamente para os meus olhos, escaneando cada parte do meu rosto.
Observo atentamente cada um dos seus movimentos e meu estômago
se contrai em nervosismo por estar sob sua análise. Vejo quando ele desliza
a língua devagar pelo lábio inferior e mordo a parte interna da minha
bochecha, porque o movimento me deixa um tanto transtornada.
Uma quantidade limitada de pele se repuxa em sua face, e não demora
muito para que eu veja aquilo que tanto detesto, aquele combo maldito e tão
praguejado por mim, com direito a lábios fechados, covinhas em evidência e
sobrancelha arqueada.
Como num passe de mágica, seu semblante carrancudo se desfaz e lá
está, seu típico sorrisinho de canto.
— Bom dia, Coelhinha. — O tom de voz exageradamente açucarado
me faz querer chutar o meio de suas pernas.
Ridículo.
Não tenho tempo de dizer mais nada, porque somos puxados para fora
da bolha de tensão que nos engloba quando em um rompante, pra lá de
indiscreto, nossa professora de Comunicação e Política, Srta. Devlin,
adentra a sala de aula chamando toda a atenção da classe para si.
Diferentemente da Nicole Kidman em Esposa de Mentirinha, a Srta.
Devlin é uma mulher gorda, negra retinta, de quase um metro e setenta, e
facilmente uma das professoras mais bonitas que já tive. Ela tem um tipo de
presença que torna impossível não notar, ou até mesmo desviar o olhar. Suas
aulas são sempre muito dinâmicas e recheadas de provocações que nos
levam a reflexões profundas a respeito do compromisso social que iremos
assumir ao nos formarmos.
Aulas como as dela me fazem nunca esquecer do real motivo para eu
amar tanto a imprensa.
Nossa professora faz uma pequena introdução de como funcionará a
nossa aula de hoje, onde vamos assistir os dois últimos episódios da
minissérie documental que iniciamos na semana passada,“When They See
Us”, que retrata o caso dos “Cinco do Central Park”, um crime que ficou
famoso e chocou o país.
Tudo que envolve esse caso é como um soco no estômago e eu
confesso que, por diversas vezes, tive que esconder o rosto com as mãos
enquanto assistia os dois primeiros capítulos, para que os alunos ao meu
redor não me vissem chorar. Basicamente, o caso gira em torno de cinco
adolescentes negros que foram condenados por um estupro que não
cometeram.
Em uma noite, uma banqueira de investimento chamada Trisha Meilli,
que na época tinha 28 anos, estava correndo no Central Park, em Manhattan,
quando foi atacada e violentada sexualmente. Além do estupro, ela também
foi espancada e, por muito pouco, não foi a óbito, ficando em coma durante
12 dias. Acontece que, nessa mesma noite, havia um grupo de cerca de trinta
garotos de descendência afro-americana e hispânica promovendo uma
“baderna” no parque e cometendo pequenos delitos.
Quando a polícia chegou ao local e encontrou a corredora, as
investigações se iniciaram e cinco deles foram levados para a delegacia. O
que se vê daí em diante é um show de horrores de racismo, elitismo,
manipulação e desrespeito aos direitos humanos.
Mesmo sem haver provas que indicassem a culpa dos garotos, eles
tiveram sua identidade e informações pessoais reveladas, como se fossem
verdadeiros criminosos. Além disso, eles também foram condenados à
prisão, e somente em 2002, Matias Reyes, um criminoso que já havia sido
condenado à prisão perpétua, confessou ter estuprado a mulher e revelou
fatos nunca expostos na mídia. O DNA confirmou a revelação e os meninos,
já adultos, foram soltos e seus nomes foram limpos.
Mas ninguém devolve doze anos de vida perdidos. Ninguém consegue
limpar doze anos pagando e sofrendo por um crime não cometido. E isso dói.
Dói como se fosse comigo, dói porque poderia ter sido comigo, dói
porque, embora mais de uma década nos separe do ocorrido, o sistema
judiciário desse país ainda é tão podre quanto e casos como esse continuam
acontecendo. A violência sistemática contra pessoas pretas nunca termina, e
é exaustivo lutar contra isso.
Quando o último episódio chega ao fim, há algo que dificulta a
passagem de ar por minha garganta, um choro entalado que mal pode esperar
para se libertar. As luzes do auditório se acendem de novo e eu me apresso,
passando as mãos pelo rosto e tentando parecer minimamente bem.
— Alguém se habilita a pontuar quais os erros cometidos pela
imprensa da época ao tratar desse caso? — nossa professora pergunta,
caminhando devagar diante da arquibancada e passeando o olhar pelos
alunos. — Ethan Harris?
— Sim, professora — o garoto responde ao meu lado, e parece ter
sido pego de surpresa com a convocação.
— Divida conosco seus pensamentos.
Viro-me de forma sutil em sua direção para escutá-lo. Vejo-o engolir
seco e alternar o olhar entre seu bloco de anotações e a nossa professora.
— Creio que inúmeras falhas tenham sido cometidas nesse caso. É
impossível não pensar em como as coisas poderiam ter sido diferentes caso
a quantidade absurda de informações não tivesse sido liberada para a mídia.
Não me entenda mal, eu acredito fielmente na liberdade de imprensa e no
jornalismo como parceiro na busca pela verdade, mas não da forma com que
foi feito. Poderia ter sido diferente se…
— Se a mídia não fosse racista — digo, completando sua frase e
chamando a atenção do auditório inteiro.
— É. Isso — Ethan concorda e nós dois voltamos nossos olhares para
a Srta.Devlin.
— Interessante colocação, senhorita Castillo. Continuem, por favor —
pede.
Ethan e eu trocamos olhares rápidos e ele faz um gesto com a cabeça
como se pedisse para que eu começasse.
— Sobre os erros da imprensa, eu ouso dizer que toda a participação
deles foi um erro, exceto pelo fato de que foi dando informações além das
noticiadas pelos jornais que o real culpado pelo crime teve sua confissão
validada. A imprensa atual está, sim, passando por um processo de
desaproximação de ideais conservadores, mas estamos falando de um caso
de 1989 e de um país segregado. Não é preciso ir muito a fundo no caso para
notar como os jornais sensacionalistas promoveram uma caça e pintaram
como predadores garotos de quatorze anos — falo, tentando controlar a
revolta que ainda agita meu peito.
— Fora que, se não fosse esse sensacionalismo inflamando a
população e a inspetora do caso que queria a todo custo culpabilizar garotos
negros mesmo sem as mínimas provas, essa investigação tinha chance de não
ir até o fim na condenação dos meninos — é Ethan quem fala. — Pela série,
a gente consegue perceber que havia uma pressão sendo feita para que os
policiais resolvessem o caso, e boa parte dessa pressão vinha da imprensa,
o que é louvável, já que isso faz parte do nosso trabalho, mas…
— Eles não queriam a resolução do caso por si só, queriam poder
encarcerar cinco meninos negros ainda que sem provas para isso. Porque é
como o nosso país funciona, a população é racista, a polícia é racista, a
imprensa é racista, é um sistema muito bem estruturado para que lutar contra
ele seja impossível — completo.
— Mas é nosso dever continuar tentando — Ethan diz num tom mais
baixo.
Um silêncio assustador paira sobre o auditório enquanto a nossa
professora nos encara com um sorriso orgulhoso nos lábios. Por um bom
tempo, não se escuta nenhum som e todos parecem estar assimilando o que
dissemos.
— Excelente — Srta. Devlin diz, por fim. — Vocês dois nunca
decepcionam, formariam uma dupla e tanto.
Ethan e eu nos encaramos e soltamos risadas constrangidas, porque
santo Deus, essa mulher não faz ideia do que está falando. E se ela
soubesse…
— Bom trabalho, Coelhinha — Ethan fala baixo, perto do meu ouvido.
— Parece que somos uma dupla e tanto. Mal posso esperar para que ela
descubra que seu sonho é dançar macarena no meu caixão.
Fixo meu olhar nas minhas mãos descansando em meu colo e sacudo a
cabeça de um lado para o outro, mordendo um sorriso. Odeio esse cara.
— Bom trabalho, Harris — digo, sem olhar nos seus olhos.
“Este poderia ser o início de algo novo
Parece tão certo
Estar aqui, com você”
START OF SOMETHING NEW | High School Musical - Trilha Sonora
25 de julho de 2021
27 de julho de 2021
O cheiro de café expresso sempre foi algo que me trouxe uma certa
paz.
É como se aquele forte aroma dos grãos torrados e triturados sendo
processados junto à água fervente dentro da máquina fosse capaz, de alguma
forma, de penetrar profundamente cada micro espaço em meu peito trazendo-
me alívio e conforto em dias angustiantes.
Fazem exatos dois dias desde que eu e Ethan selamos um “acordo de
paz”, e desde então minha mente tem estado em constante alerta, aguardando
o momento em que iremos nos encontrar novamente e teremos de colocar
nosso acordo em prática.
Isso porque, desde que concordamos em tentar existir no mesmo
ambiente sem que alguma briga aconteça nós, que dividimos tantas aulas e
compromissos, mal nos esbarramos por aí. Na quarta feira, todas as
agremiações atléticas tiveram de marcar presença durante o dia inteiro em
um evento beneficente da universidade em prol do desenvolvimento
esportivo infantil em Central Valley.
Fiquei sabendo por intermédio de Megan, que não parava de discorrer
sobre como estava furiosa por Tyler ter ido para outra cidade e deixado o
estetoscópio dela trancado dentro do carro dele.
“Por que raios ele não deixou a chave do carro em casa? Ele foi no
ônibus com o time!”
Foi o que eu ouvi durante a manhã inteirinha.
Ontem um temporal tenebroso encobriu a cidade causando um apagão
geral no campus da faculdade, e graças a isso, todas as aulas do dia foram
suspensas, e a recomendação dada aos alunos por meio do App Irving foi de
que todos permanecessem em seus alojamentos.
Megan e o restante dos alunos dos anos finais de medicina foram
enviados ao hospital da Irving para auxiliarem na emergência, em virtude do
aumento de acidentes em dias de tempestades. Com isso, Lily e eu
aproveitamos para fazermos uma reuniãozinha e colocarmos o assunto em
dia.
Hoje pela manhã, o céu nubiloso ainda estampava a paisagem da
grande e movimentada Nova Iorque. Entretanto, a chuva torrencial do dia
anterior já não era mais um problema. Não que isso seja algo realmente
importante se considerar o fato de que todas as cadeiras do dia são apenas
entregas de relatórios, fiz questão de chegar cedo e saí antes mesmo do
restante da turma se aglomerar no auditório, tendo assim tempo livre para
descansar antes de vir trabalhar.
Normalmente eu não trabalho nas sextas, mas a funcionária da dupla
que cobriria o turno de hoje na cafeteria representando o Sr. Green está com
intoxicação alimentar. Toda hora extra remunerada é bem vinda às minhas
economias, então cá estou eu.
É sempre estranho não trabalhar aqui com Lily, eu e ela realmente
formamos uma boa dupla. Dwane, o cara que está dividindo o turno comigo,
por outro lado, parece levar a sério o fato de “trabalharmos em empresas
diferentes”, porque não me dirigiu uma única palavra desde que cheguei.
Estou agachada atrás do balcão, organizando os copos de isopor
destinados as bebidas quentes, quando ouço o sino da porta anunciar a
entrada de mais um cliente. A cafeteria está praticamente vazia, se não
contar o cliente que Dwane está computando o pedido no caixa ao lado.
Ergo o corpo depressa, tendo um sobressalto ao me deparar com um
pequeno grupo de três caras enormes. Sei que são todos jogadores de
basquete porque, não surpreendentemente, um deles é Ethan Harris.
Ele “lidera” ficando na frente. Acredito que, para eles, isso já deva
ser um costume por conta da formação do time. Os outros dois me encaram
com olhos curiosos e examinam-me do limite do balcão para cima como se
eu fosse uma celebridade que eles enfim estão conhecendo.
Consigo formar perfeitamente em minha cabeça a imagem de um Ethan
estourado me xingando pelos quatro cantos daquele ginásio. Esses caras
devem me achar uma bruxa.
Reconheço o garoto loiro que está do seu lado esquerdo, Elói Pierre,
um intercambista francês do curso de Literatura, fizemos uma aula de Língua
Inglesa Avançada juntos no semestre passado. O cara faz a linha badboy,
com direito à jaqueta de couro e o terrível hábito de se encher de nicotina, o
que por si só, já deixaria as garotas aos seus pés. O irresistível charme
francês é apenas um plus muito conveniente.
Do lado direito de Ethan, um garoto de pele negra, cachos curtos
extremamente brilhosos e centímetros mais baixo do que os outros dois, tem
um sorriso bobo nos lábios. Devo destacar, um sorriso bonito demais para o
seu próprio bem. Ele me encara com divertimento enquanto cruza os braços
na frente do corpo, fazendo seus músculos saltarem.
Abro um sorriso simpático, pegando meu bloco de anotações logo em
seguida.
— Boa tarde, sejam bem vindos à Letras & Grãos. Eu me chamo
Amelie, já sabem o que vão pedir? — questiono rodeando a caneta entre os
dedos.
— Vou querer um expresso grande. — O pedido vem de Elói. Pego um
copo grande de isopor e anoto seu nome com uma carinha feliz ao lado.
— Capuccino com caramelo pra mim, por favor, o médio. — É a vez
do garoto que não conheço. Pego o copo e o encaro com um sorriso antes de
anotar esperando que ele me diga seu nome. — Charles.
Assinto, escrevendo sobre o isopor e desenho uma estrelinha ao lado
do seu nome. Olho para Ethan, que permanece quieto desde que chegou.
Antes que eu tenha tempo de soltar alguma provocação, o nosso acordo de
trégua pisca em minha mente e decido ser o mais amigável possível.
— E você?
— Cold Brew de Baunilha, com adoçante e sem cuspe — fala, rindo e
me oferecendo uma piscadinha ridícula.
— Não prometo nada sobre a última parte.
Ethan abre um sorriso largo e os outros dois caras dão risada e tiram
sarro de sua cara. Fecho o pedido e eles pagam, seguindo para uma mesa
perto das estantes de livros. Cada um me deixa uma gorjeta de dois dólares,
por iniciativa de Charles, que me fez ter vontade de dar pulinhos de alegria.
Adoro gorjetas.
Preparo as bebidas e as organizo sobre uma bandeja, equilibro-a no
braço e caminho pela cafeteria até seu interior, onde os três atletas
conversam animadamente. O burburinho cessa assim que fico diante deles e
disponho os copos na frente de seus respectivos donos. Elói é o primeiro a
reparar no desenho ao lado de seu nome, ele sorri me dá uma piscadinha
inocente. Charles faz o mesmo, mas ao invés da piscada me estende a mão
para um high five.
— Ei! Por que o meu desenho é uma cara de raiva? Achei que
estávamos em trégua, Coelhinha. — O tom indignado me dá vontade de
gargalhar. A careta de desdém que ele faz ao encarar o copo é impagável.
— Estamos em trégua, mas ainda detesto você, Sr. Sou Capitão de Um
Time Tricampeão e bla bla bla.
Elói e Charles dão risada da minha imitação pavorosa e Ethan, ainda
que pilhado, não parece estar com vergonha.
— Continue se enganando, Coelhinha. Nos livros, quanto mais ódio o
personagem diz sentir, mais a gente descobre que ele é caidinho pela outra
pessoa.
— Primeiro, não acredito que acabou de comparar isso aqui com um
romance literário. Segundo, nesses livros, quando o protagonista diz isso já
está na cara que ele cruzaria o oceano pelo outro. E eu sinto em lhe informar,
mas eu não daria um passo na calçada por você.
— Credo, você sabe destruir a autoestima de um cara — Charles
comenta e Elói dá risada.
— Alguns caras precisam que alguém dê uma aparada no ego gigante
deles — rebato, piscando.
— Não sei se você se lembra, mas nós estamos em trégua — Ethan
ergue a mão.
— Bem lembrado, e eu preciso trabalhar — falo, dando batidinhas no
topo da sua cabeça como se ele fosse um filhote.
Me despeço dos três indicando que podem me chamar pelo botão na
mesa e os deixo devorando seus cafés. Vez ou outra olho em sua direção e
vejo os olhos de Ethan em mim. Sempre que o pego no flagra, ele desvia de
volta para seus amigos. Imagino que esteja tão surpreso quanto eu. Acho que
esse foi o primeiro diálogo que conseguimos conduzir sem transformarmos
em um enterro completo.
Assim que passo pelo batente da porta do meu alojamento, após o meu
turno, sou recebida pelo abraço caloroso das minhas duas melhores amigas.
Lily, Megan e eu combinamos de irmos juntas para uma festa na casa de uma
colega de curso da Meg, a Tory, que é conhecida na faculdade por ceder a
casa para as tão faladas festas da medicina.
A garota é filha de uns ricaços e mora em uma enorme mansão de luxo
na área nobre de Manhattan. Suas festas sempre repercutem semanas pelos
corredores da Irving.
Megan está vestida em uma de suas clássicas combinações: jeans
escuro justo, camiseta de banda, coturnos e jaqueta de couro. E está
deslumbrante como sempre.
Lily, por sua vez, também está de tirar o fôlego com um vestido justo
preto básico e all star. As pernas torneadas ganham destaque e me fazem
morrer internamente de inveja.
Maldito corpo de cheerleader.
Após os cumprimentos, passo por elas correndo em direção ao meu
quarto para me arrumar enquanto as duas voltam ao que estavam
conversando antes da minha chegada.
Fecho a porta e jogo minha bolsa num canto. Tiro o vestido do
uniforme do trabalho, puxando-o pela cabeça, e entro no banheiro para uma
ducha rápida. Assim que termino, me enrolo na toalha e vou para a porta do
armário buscar algo para vestir que me agrade.
Ponho minhas peças íntimas enquanto fito as prateleiras e cabides por
longos minutos, correndo o olhar sobre as peças em busca de algo. Passo os
dedos por entre as peças penduradas e paro quando encontro o vestido que
ganhei da tia Antonella, mãe da Megan, no meu último aniversário.
É um modelo canelado, com mangas longas e gola média. Seu corte
justo e tecido elástico destacam todas as curvas do meu corpo e sua cor
vermelha vibrante contrasta impecavelmente com o tom negro claro da minha
pele. É perfeito.
Visto a peça com cuidado para não enrolar o tecido e ajeito a bainha
para baixo. Observo-me no espelho com um sorriso satisfeito, o vestido
delineia meu corpo com destreza findando-se na metade das minhas coxas. A
temperatura álgida do lado de fora me faz completar a combinação com uma
jaqueta branca com alguns bottons no peito.
Penteio meus cabelos molhados para trás e me sento na cama para
calçar um all star plataforma branco e, enquanto o faço, meu olhar esbarra no
par de sapatos posicionado em cima da minha caixa de tintas que repousa
sobre a escrivaninha.
São os tênis do Ethan.
Eu realmente não esperava que ele confiasse a mim a importante
missão de estilizar o calçado que ele usa para competir. Na verdade, jamais
me imaginei fazendo qualquer coisa por ele senão o matando, então posso
dizer que não tenho a ínfima ideia do que farei à respeito dessa bomba que
ele largou em meu colo.
Fazem dois dias que as vozes em minha mente gritam como loucas
“POR QUE RAIOS VOCÊ NÃO DEVOLVEU OS SAPATOS?”
Eu realmente não sei.
— Estou pronta! — grito para as meninas enquanto despejo todo o
conteúdo da minha bolsa sobre a cama pegando apenas meus documentos e
meu celular.
Saio do quarto e sou ovacionada por seus assobios e elogios pra lá de
indiscretos. Vejo Megan caminhar em direção ao nosso pote de chaves e
capturar a de seu carro. Lanço um olhar enviesado em sua direção,
recriminando-a, antes de vasculhar o aparador em busca do comprimido
anti-ressaca.
— Acho bom que não esteja pretendendo encostar a boca em um copo
de cerveja… — chamo sua atenção antes de seguir para a cozinha para pegar
uma garrafa d’água.
— Foi mal, me esqueci. Vou chamar um táxi — minha amiga responde
com uma entonação baixa.
Engulo o comprimido com o auxílio da água, e em segundos, Lily se
projeta na cozinha com seu olhar questionador preso em meu rosto.
— Qual o problema? — pergunta, parando diante de mim.
— Não ando em carros de pessoas que já beberam, vocês sabem
disso.
— Sim, eu sei, mas também sei que Megan não bebe demais. Estou te
perguntando o porquê de você ser tão irredutível. — Seus olhos me
escaneiam com rigor e me sinto incomodada. Noto, por cima do seu ombro,
Megan adentrando o cômodo com o celular em mãos.
— Sabem que não podem me julgar por seguir a lei, não sabem? —
pergunto, rindo, tentando desviar o assunto, e devolvendo a garrafa para a
geladeira. Minha amiga ainda me fita com atenção.
Meg coça a garganta, puxando o foco para si.
— Nosso táxi está chegando — anuncia me olhando com as orbes
arregaladas, como quem dá um sinal. Passo por elas, seguindo em direção a
porta.
Existem coisas que o tempo simplesmente não deleta de nossas mentes,
e pior ainda, existem eventos impossíveis de se esquecer.
Eu me lembro.
Eu estava no último ano da escola, o caos já havia se instaurado em
minha casa e chegado para ficar. Meu pai já não morava mais conosco, e eu,
aos poucos, já ia me acostumando com a solidão constante, porque quando
ele se foi, senti como se todo o resto houvesse me deixado também, restando
apenas um enorme vazio.
Ainda que prestes a fazer dois anos da separação definitiva, era tudo
um tanto recente se considerar o tempo que eles estiveram juntos.
Foi uma fase pesada, não há como negar. E também foi nesse período
que comecei a desconfiar sobre a relação da minha mãe com a bebida. Notar
que sua distância em relação a mim se dava por ela estar se embebedando
com uma certa frequência foi como receber um balde de água fria.
Lembro como se fosse ontem do dia em que ela foi me buscar na
escola e tudo aconteceu. De início, estranhei que fosse ela e não o nosso
motorista, como sempre, mas nossa relação andava tão fria que, em
segundos, o estranhamento se tornou felicidade.
Depois de tanto tempo, de tantos anos de rejeição, quase dois anos me
considerando culpada pela separação dos meus pais e culpada pela dor que
ela sentia, minha mãe estava lá, indo me buscar na escola como fazia quando
eu era menor. Parecia o início de um fim de tarde feliz. Mas só parecia.
Minha mãe estava sob efeito de álcool naquele dia, assim como em
todos os outros depois dele. Ela estava alterada e ainda assim foi me buscar
no colégio dirigindo. Na volta para casa não foi necessário mais do que dois
segundos de desatenção e um carro em alta velocidade dirigindo de maneira
imprudente vindo na direção contrária para que a combinação perfeita para
um acidente se fizesse.
Na tentativa de proteger meu rosto do airbag eu fraturei o braço e, com
o impacto da batida, uma parte do meu cabelo, que se prendeu no suporte do
cinto, que fica acoplado à parede do carro, foi arrancada com brutalidade.
E se quer saber, nem mesmo a dor pungente que perturbava minha
cabeça foi capaz de minimizar a decepção estrondosa que se alojou em meu
coração. Não me lembro de ter me sentido tão invalidada em toda a minha
vida.
Senti como se eu fosse irrelevante.
Ela pôs minha vida em risco. A mesma pessoa que me trouxe ao
mundo quase me tirou dele. Carrego essa mágoa comigo até hoje, é
inevitável. Ainda encaro aquela tarde como o início da ruína dos sentimentos
bons entre nós.
Com o acidente, minha mãe sofreu hematomas leves, o carro ficou
destruído, e eu, ainda que não me encontrasse em estado grave naquela sala
de hospital, jurei que jamais entraria no carro com alguém que tivesse
exagerado na bebida novamente.
No início, o intuito era apenas me manter longe do caos de minha
genitora. Foi uma forma de negar suas caronas sob um pretexto coerente,
porque eu nunca sabia o que esperar dela.
Acontece que mantive minha promessa firme mesmo depois de cinco
anos. Eu detesto ser a pessoa que regula a diversão das outras, por isso, Meg
e eu sempre usamos o táxi do campus quando pretendemos beber.
Megan é a única pessoa que sabe desse acidente, porque no ano
seguinte a ele eu entrei para a faculdade e nós começamos a dividir o
alojamento. Ela passou o primeiro semestre inteiro tomando coragem para
me perguntar se eu fazia quimioterapia ou tinha alguma doença que afetasse a
saúde dos fios por conta do crescimento irregular do meu cabelo do lado
direito.
Estudantes de medicina e seus diagnósticos mirabolantes.
Quando descobriu a verdade, minha amiga entrou em choque. Não vi a
pena sombrear seus olhos sequer uma vez, na verdade, ela parecia quase que
ofendida. Fazia pouco tempo que nos conhecíamos, mas vi a dor e a
compaixão estampadas em suas íris azuis-esverdeadas. Eu a fiz prometer que
jamais revelaria para quem quer que seja o motivo real da minha
“caretisse”.
Megan guarda nossos segredos como a própria vida, não só esse como
os muitos outros que lhe confidenciei ao longo de nossa amizade. Mesmo
sabendo um pouco sobre o lado feio de quem eu sou, ela me protege da
mesma forma incisiva, e é por isso que se me perguntarem, hoje, quem é a
minha família, eu não hesitaria em responder “Megan Eleanor Lewis”.
Mais do que morarmos juntas, nos tornamos morada uma para a outra
quando “casa” exige um novo sentido. Existem conexões que o sangue não
une e cabe à vida juntar.
Nossa amizade é 100% sobre isso.
27 de julho de 2021
01 de Agosto de 2021
A primeira vez que customizei uma roupa foi aos quinze anos.
A vítima foi uma camiseta com o Mickey na estampa, que recortei
para transformar em uma regata com mangas cavadas.
Ficou horrível.
Ainda assim, a ideia de transformar minhas roupas antigas em peças
novas e exclusivas era completamente sedutora para minha mente artística,
que passava por constantes explosões criativas. Ao constatar que eu era uma
verdadeira catástrofe quando o assunto era combinar tesouras e tecidos,
decidi me jogar de cabeça nas customizações envolvendo tintas e linhas de
costura. Deu certo.
Na escola preparatória de ensino médio onde estudei, o uso do
uniforme era obrigatório e a peça mais próxima de mostrar um pouco da
nossa própria personalidade eram os adereços de cabelo e os tênis.
A segunda opção foi o que me garantiu a fama de artista da turma,
quando comecei a transformar meus all star brancos em tênis personalizados
e cheios de vida. Não demorou muito para que todos os meus colegas
começassem a me enviar mensagens implorando para que eu fizesse o
mesmo nos calçados deles. Lembro de ter feito de graça no início para as
minhas amigas mais próximas, mas com o restante da classe também a fim de
ter sua peça exclusiva, eu “profissionalizei” a coisa, e ganhei um bom
dinheiro, se quer saber.
Pelos sete anos que se seguiram, daquela época até o presente, eu
nunca mais deixei de transformar minhas roupas, e o que era uma simples
diversão na adolescência se tornou um verdadeiro vício. Os tecidos, então,
se tornaram as extensões das minhas telas.
Acontece que, agora, a minha nova tela é o tênis enorme de uma das
pessoas que mais detesto no planeta.
Rolo a tela do computador com o mouse encarando a minha pasta de
referências aberta no Pinterest, refletindo sobre qual desenho me parece ser
mais constrangedor para adornar os pés do capitão do time de basquete com
complexo de gostosão.
Não vou mentir, realmente cogitei desenhar um pênis e escrever
“babaca do caralho” em letras garrafais só para ter a chance de ver Ethan
Harris em um colapso nervoso.
Entretanto, a forma genuína como elogiou a pintura em minha calça e o
medo dele arruinar minha reputação artística, atribuindo meu nome à uma
obra estilo oitava série, me fizeram repensar sobre a ideia.
Resolvi, por fim, irritar Ethan com uma provocação inocente, fazendo
desenhos bem feitos com uma pegada mais delicada. Algo que, com certeza,
vai ferir seu ego masculino gigantesco.
Paro de rolar a tela quando a foto de pequenas margaridas brilha
diante de mim. Alterno o olhar entre o computador e o sapato sorrindo feito
uma besta ao constatar que encontrei o desenho perfeito.
Faço algumas marcações com o lápis para determinar o espaço certo
onde cada flor vai ficar, deixando uma parte livre para o toque final na
região dos calcanhares. Com as demarcações feitas, uso um marcador à base
d’água amarelo para desenhar os miolos nas laterais de fora do tênis, e com
o auxílio do pincel, pinto pétala por pétala com tinta branca, que contrasta
perfeitamente com o preto do calçado.
O processo todo me exige pouco mais de quarenta minutos. Espero a
tinta secar um pouco antes de fazer alguns detalhes finais com caneta preta, e
quando, por fim, finalizo tudo, uso a tinta branca e um pincel mais grosso
para escrever um “A” enorme no calcanhar direito.
Sorrio satisfeita com o resultado e solto um riso baixo imaginando a
quantidade de palavrões que o garoto vai soltar.
Pego o celular para checar o horário e noto que já passa das nove.
Num ato completamente impensado, abro o aplicativo do Instagram e coloco
seu nome na barra de pesquisa. Há uma foto recente no feed publicada na
noite anterior. É uma selfie que creio que tenha sido tirada no vestiário,
porque ele está com os cabelos molhados e algumas gotas se acumulam por
seu rosto. Na legenda, ele comemora a vitória do time, e nos comentários,
centenas de garotas estão o parabenizando e rasgando elogios à sua face
ridiculamente bem desenhada.
O diabo tem seus favoritos.
Encaro a foto por mais alguns segundos e minha mente me
teletransporta para a semana passada, quando ficamos trancados em um
quarto de festa e eu fiz um curativo em seu machucado. Ele pensa que não
reparei, mas vi e senti seu olhar queimando sobre mim. Meu subconsciente
me trai relembrando a sensação da sua mão apertando a minha perna
enquanto me agradecia.
Aquele toque, que no momento passou despercebido por meus
sentidos, têm rodado em looping ao redor de minha mente desde o momento
em que abri os olhos no dia seguinte. Foi um toque bobo e inocente, mas a
firmeza da sua pele contra a minha me deixou um tanto desnorteada.
Mordo a parte interna da minha bochecha e aperto o aparelho em
minhas mãos, tentando me livrar da recordação indesejada. Solto um suspiro
forte e sou sugada de volta para a realidade quando o barulho da notificação
do telefone rouba minha atenção. É uma mensagem direta.
Falando no Inominável…
@ethanharris: estou vendo vc me stalkeando, gata.
Arregalo os olhos, aterrorizada, e sinto minha pressão despencando ao
notar que curti sua foto sem querer. Meus dedos tremem levemente enquanto
abro a conversa com ele e o vejo digitando, o que não me dá tempo para
ameaçá-lo pelo “gata”.
@ethanharris: não vai nem comentar que sou gostoso? :(
Reviro os olhos com força, sentindo vontade de lhe acertar um chute.
@ameliecastillo: não vou comentar mentiras :) e não fazem 24h da
foto, não é considerado stalk, poderia ter passado na minha timeline só
agora.
@ethanharris: foi o que aconteceu?
Eu odeio muito esse cara.
@ameliecastillo: vai pro inferno, vim apenas avisar que seu tênis
ficou pronto.
@ethanharris: sério? manda foto!
@ameliecastillo: sem chance, vai estragar a surpresa, te entrego
essa semana.
Nessa hora, meus olhos alternam entre o calçado e o telefone e
novamente sinto vontade de rir.
@ethanharris: você anda cheia de surpresas, Coelhinha, estou
ficando preocupado, acho que a próxima será a encomenda da minha
morte.
@ameliecastillo: não prometo absolutamente nada ;)
Acordo assustada com o barulho de um choro estrangulado ecoando
pelo apartamento. É madrugada e leva menos de um minuto para que minha
mente comece a trabalhar com clareza. Percebo que o som persiste, não
limitando-se somente à parte da minha imaginação sonolenta. Ergo o corpo
depressa, saltando do colchão completamente em alerta, e saio do meu
quarto sentindo as batidas frenéticas do meu coração se chocando contra meu
peito.
Toda a área comum está dominada pela penumbra, com exceção do
feixe de luz que escapa sob a porta do quarto de Megan. Nervosa, giro a
maçaneta sem a menor delicadeza e a cena com que me deparo faz todo o
meu peito se estilhaçar.
Já presenciei aquilo mais vezes do que gostaria.
Seu rosto alvo está avermelhado e seus olhos verdes, sempre tão
vívidos e brilhantes, estão banhados por lágrimas que não parecem dispostas
a cessar. Megan alterna olhar desesperado entre mim e a infinidade de
papéis dispostos sobre a sua cama, onde ela se encontra sentada abraçada ao
próprio corpo. Uma de suas mãos está sobre a boca numa tentativa falha de
sufocar os soluços que escapam desenfreados.
Desde que nós começamos a morar juntas, episódios como esse se
apresentam esporadicamente, em sua grande maioria durante o período de
provas. Megan foi diagnosticada com ansiedade em estágio leve aos quinze
anos. Faz terapia desde então, segundo ela, para descarregar um pouco do
que se acumula em seu peito.
Além da sua mãe, sei que sou a única pessoa que já presenciou as
crises que ela tanto tenta esconder, e desde que começamos a dividir
alojamento, sou eu quem sempre lhe ampara em momentos como esse. No
geral, Meg se sai bem no que diz respeito ao controle de suas emoções e dos
sintomas que o próprio distúrbio traz consigo, entretanto, a pressão da vida
acadêmica é, certamente, seu principal obstáculo.
Estudar em um dos cursos mais concorridos da universidade já é, por
si só, algo angustiante e exaustivo. Viver isso se cobrando tanto quanto
minha amiga se cobra é uma combinação perfeita para um pesadelo.
É como se todos, menos ela, fossemos capazes de enxergar a aluna
excepcional que ela é. Por isso, faço questão de lembrá-la diariamente da
importância de colocar menos pressão sobre si e valorizar a própria saúde
tanto quanto valoriza a dos outros.
Caminho agitada em sua direção e lhe estendo minha mão, que ela
agarra com força. Puxo-a para que se levante e a envolvo em um abraço
apertado, sussurrando em seu ouvido que eu estou com ela e que tudo vai
passar. Deixo que ela me aperte enquanto chora copiosamente sobre meu
ombro, e espalmo a mão em suas costas com sutileza acariciando-a até que
se acalme minimamente.
— Consegue prestar atenção no que digo? — pergunto baixo e sinto
sua cabeça assentindo, agitada. — Vamos para o banheiro então.
Ainda abraçada a mim, Megan caminha até o banheiro. Ajudo-a a
entrar no banho depois de fazer alguns exercícios de respiração para
acalmá-la. Enquanto a chuveirada quente se prolonga, volto para seu quarto,
onde busco seu travesseiro, e sigo para o meu, ajeitando a cama para nós
duas.
Quando retorno ao banheiro, minha amiga já está enrolada na toalha e
sentada na tampa da privada com os cotovelos sobre as pernas e as mãos
cobrindo o rosto. Pelos pequenos movimentos de seu corpo sei que ainda
está chorando.
Pego sua escova de cabelo no armário da pia e me posiciono de frente
para ela. Deslizo a escova sobre seus fios loiros, penteando-os para trás
com cuidado, e sinto quando seus braços envolvem minhas pernas e seu
rosto se apoia em minha barriga.
— Vai ficar tudo bem, meu amor — digo suavemente fazendo carinho
em sua cabeça.
— Me desculpa por te acordar, Amy. — Sua voz embargada e fanha
me faz querer guardá-la longe de todo o mal.
— Não se desculpe, nunca. Eu estou aqui com você, e amigas servem
exatamente para isso, Meg.
— Obrigada mesmo. Você é um anjo.
Quando termino de escovar seu cabelo, Megan vai até seu quarto se
vestir e eu aproveito para buscar um copo d’água na cozinha. Na volta, ela já
me espera apoiada ao batente da minha porta, abraçando o próprio corpo e
vestida num pijama de bolinhas.
Um meio sorriso se estica em meu semblante na intenção de
tranquilizá-la. Acomodo-a sob as cobertas e me deito abraçando seu corpo
deixando um carinho em seu rosto até que ela, enfim, caia no sono.
Me pergunto se Tyler faz ideia desses momentos, se ele conhece o
lado que Megan tanto encobre, e se, de alguma forma, ele está disposto a ser
um suporte para quando ela precisar.
Como uma resposta imediata, minha mente repassa os últimos meses e
me dou conta de que faz bastante tempo que não vejo minha amiga desse
jeito. Concluo que talvez, nas minhas constantes ausências por estar sugada
pelo caos da minha família, talvez tenha sido ele quem esteve ao lado da
minha amiga.
E por isso, mentalmente, agradeço mais uma vez a existência de Tyler
Mansen na vida de Megan.
Minutos depois, quando sua respiração se normaliza, escorrego com
cuidado para fora da cama e vou até seu quarto arrumar todo o caos de
cadernos, livros e anotações que se encontram espalhados por toda parte.
Organizo os esquemas e resumos em suas pastas etiquetadas e estico o lençol
para que ela não tenha esse trabalho na manhã seguinte, voltando para minha
cama apenas quando tudo já está em seu devido lugar.
— Cuidamos uma da outra. Amo você — sussurro quando já estou
debaixo do cobertor desligando o abajur, e mesmo não esperando por uma
resposta, ela vem, em forma de um “eu também te amo” completamente
grogue de sono e um abraço desajeitado.
Não trocaria a amizade que temos por absolutamente nada nesse
planeta.
“Eu gosto tanto dela, a ponto de querer tá perto, pronto
Não tem outro jeito de me ver sorrir
É louco o efeito dela aqui”
EU GOSTO DELA | Emicida
02 de Agosto de 2021
— Se você não sossegar nesse banco, eu juro que nunca mais na sua
vida vai ganhar um skittles! — ameaço, sério, lançando um olhar mortal para
minha irmãzinha pelo retrovisor do carro.
— Nem você acredita nisso, Thitan! — retruca rindo.
Olho incrédulo para minha tia, que tenta esconder o riso, sentada no
banco do carona de sua BMW, enquanto dirijo o carro pelas ruas do Queens
em direção à escola de ensino fundamental onde Angeline estuda.
Ontem foi um dos dias típicos em que eu e Tia Suzy passamos a tarde
na casa do meu pai maratonando filmes infantis, graças ao gosto
extremamente duvidoso da criança de oito anos detentora da posse do
controle remoto, e nos enchendo de comida.
É extremamente raro minha tia passar a noite conosco, mas
embalamos em uma maratona sem fim dos incontáveis filmes da Barbie.
Quando nos demos conta, já estava tarde demais para que tanto eu, quanto
ela, fôssemos para nossas respectivas casas. Acabamos ficando e ela me
prometeu uma carona para a faculdade e uma carona para a escola para
Angeline antes de ir para o trabalho.
Acontece que a noção de carona da minha tia é um tanto deturpada,
porque sou eu quem está atrás do volante enfrentando o trânsito matinal
caótico do bairro em que meu pai mora.
Quando, enfim, estou diante da entrada da escola, estaciono o carro e
salto para fora dando a volta no veículo. Abro a porta do passageiro e ajudo
minha irmã a descer, levando sua mochila sobre o ombro. Caminho de mãos
dadas com ela até o portão e quando estou próximo da entrada, me abaixo
para ficar da sua altura.
— Tenha um bom dia de aula, Anjinha. Você é uma garota fantástica,
não se esqueça disso — falo antes de deixar um beijo em sua bochecha e lhe
entregar a mochilinha amarela com estampa de abelhas.
— Não vou me esquecer, Thitan. Boa aula pra você na sua escola de
adulto. — Dou risada e quando estou prestes a me levantar, Angeline se atira
em minha direção me abraçando com força. — Te amo, irmão.
Sorrio sentindo meu peito transbordando amor em sua forma mais
pura e genuína. Acaricio seus fios de cabelo lhe envolvendo em meus braços
como se aquela criaturinha tão pequena e inocente fosse o que há de mais
precioso no mundo. Talvez porque, no meu mundo, ela seja.
— Eu também te amo, Anjinha.
Nos despedimos com o nosso toque de mãos secreto, e espero até que
ela esteja dentro da escola para voltar para o carro, onde minha tia me
encara com um sorriso abobalhado no rosto.
— Dez dólares pelos seus pensamentos, Suzan Harris — falo, rindo,
enquanto passo o cinto pelo corpo.
— Não é nada, só acho bonito demais a forma com que cuida dela,
nunca vou me acostumar. — Ela solta uma risada enquanto dou a partida. —
Acho que ninguém no mundo ama mais Angeline do que você.
— Não discordo. Com todo respeito do mundo pelo papai, mas ele
divide seu amor entre nós dois, e aquela garotinha é a minha vida inteirinha.
— Sou sincero e alterno o olhar entre a avenida e os olhos orgulhosos da
minha tia.
— Aquela época foi difícil demais pra vocês dois. Só eu sei o quanto
você se esforçou para ser bom para todos, e cada dia que passa, vendo sua
irmã crescendo uma criança saudável, criativa, segura de si, eu me sinto
ainda mais certa de que Angeline sempre teve o melhor irmão do mundo.
Suas palavras me acertam em cheio, talvez pelo coração mole que
costumo ter pelas manhãs, ou talvez porque tudo relacionado à morte da
minha mãe me deixa extremamente emocionado.
E ao ouvir o que minha tia diz sinto vontade de parar o carro para lhe
dar um abraço apertado, daqueles que terminam em lágrimas tímidas rolando
pelo rosto, porque só eu sei o quanto Suzy foi crucial na minha vida para que
eu esteja aqui hoje. E só eu sei o quanto tive que amadurecer para criar uma
criança praticamente sozinho mesmo sendo quase uma.
Ouvir elogios à Angeline me dá a sensação de que não falhei, e isso é
algo muito importante pra mim.
— E eu, a cada dia que passa, tenho a certeza de que tenho a melhor
tia-mãe do mundo — falo, levando uma mão até a sua e deixando um aperto
carinhoso.
O caminho entre o Queens e o Coleman Campus se estende com nós
dois rindo e cantando sucessos do Aerosmith e dos Beatles em alto e bom
som. Não existe maneira melhor de começar o dia, digo isso com
tranquilidade.
04 de Agosto de 2021
04 de Agosto de 2021
04 de Agosto de 2021
07 de Agosto de 2021
07 de Agosto de 2021
09 de Agosto de 2021
Levo o dorso da mão até o canto dos olhos para secar as lágrimas
intrusas que se acumulam enquanto quase engasgo em meu próprio choro
que, nesse momento, se funde à uma risada contida.
Esse cara é um idiota incorrigível.
— Tem alguém esperando por você ali fora, querida. — O sorriso
radiante de Celine enquanto me olha faz meu estômago se dobrar ao meio em
ansiedade.
Agarro as flores ao corpo e seguro firme os cartões, seguindo em
direção à porta, que ela abre para que eu passe. No instante em que
atravesso o batente, meus olhos encontram seu corpo esguio encostado na
parede a alguns poucos metros de mim.
A postura ereta que exala confiança com a qual estou tão acostumada
ainda está lá, mas os olhos tristes são uma novidade, bem como as leves
olheiras que circundam suas orbes.
Acho que nós dois estamos um caco.
Ethan está vestido em um jeans preto que abraça as pernas
musculosas, um tênis branco guarda os pés e o moletom azul marinho sem
capuz com a logo da faculdade completa o visual costumeiro do garoto. Seus
fios de cabelo estão emoldurando seu rosto de forma despojada e, assim que
me vê, um meio sorriso se estica em seu semblante.
Caminho em sua direção eximindo a distância que nos separa. Fico
de pé diante dele e o encaro com cuidado, medindo o que falar. Ethan me
estende um cartão que se prende entre seus dedos e, com um maneio de
cabeça, faz sinal para que eu leia.
“Desculpa pelo palavrão nos outros dois bilhetes, e esse não tem
flor porque suas flores prediletas são meio caras e eu sou um
universitário falido e pai de pet. Mas tem eu, olha só que maravilha.
Ethan :)”
11 de Agosto de 2021
13 de Agosto de 2021
As palavras de Ethan ainda ecoam em minha cabeça na madrugada de
sábado para domingo.
Talvez seja um processo mais trabalhoso, mas isso não significa que
você não possa tomar pequenas iniciativas para se libertar dessa dor.
É louco como ter uma visão de alguém de fora sobre uma situação,
ainda que superficial, pode nos mostrar pequenos detalhes em que ainda não
havíamos reparado. Eu, por exemplo, jamais havia notado, de forma clara e
literal, o quanto o sentimento de mágoa que possuo em relação aos meus pais
me aprisiona.
O medo da rejeição, a desconfiança, a incerteza, a dificuldade para
demonstrar e receber afeto. Tudo isso deriva de uma mesma matriz, meus
complexos familiares.
Pensar na forma como Ethan fala sobre a própria mãe me fez passar
horas intermináveis refletindo sobre como eu me sentiria caso minha mãe
morresse hoje, e doeu feito o inferno imaginar isso acontecendo. Eu nem ao
menos me lembro da última vez em que a chamei de “mãe” ou recebi um
abraço dela.
Por anos, a condição de Virginia foi motivo de raiva e indignação para
mim. Sinônimo de noites mal dormidas, idas inesperadas a hospitais e até
mesmo o fatídico acidente. Ser encarregada de limpar toda a merda que
nossa família se tornou sempre foi algo que exigiu demais de mim, e eu
nunca tive tanto assim para dar, ou pelo menos nunca quis ter que me doar
tanto.
Vê-la apagada em algum cômodo da casa com uma garrafa vazia era
triste no começo, mas com o passar dos anos e a frequência dos
acontecimentos, eu só conseguia sentir raiva. Raiva e repulsa. Porque,
cacete, eu estava sofrendo também, eu precisava dela.
Para mim, todos estão sempre enfrentando alguma merda, algo
complicado que nos tira o sono, mas eu nunca consegui entender como
alguém pode escolher envenenar o próprio corpo, dia após dia, de propósito.
Sempre tive a convicção de que minha mãe escolheu fazer a coisa errada.
Mas acho que já não tenho tanta certeza disso.
É o que concluo enquanto pego as caixas no carrinho de compras e as
acomodo no porta malas do meu carro.
São quatro e vinte e cinco da manhã de um domingo e eu estou de pé
no estacionamento de uma loja de jardinagem 24h, vestida em uma legging
preta, moletom cinza da faculdade e tênis, um rabo de cavalo mal feito
mantém meus fios despenteados em ordem. Assim que me sento no banco
atrás do volante, sinto minhas mãos tremerem em nervosismo pelo que estou
prestes a fazer.
Dou a partida no veículo, que desliza com destreza pelas ruas ainda
vazias da cidade mundialmente conhecida. No rádio, alguma música ecoa
baixinho, mas não sei dizer exatamente qual. Se pudesse chutar, diria que é
algum sucesso do Maroon 5. Ainda está escuro e as luzes dos postes
iluminam as calçadas que, dentro de algumas horas, estarão abrigando uma
infinidade de pessoas vindas de todos os cantos.
Permito que meus olhos atentos à rodovia contemplem a majestosa
megalópole que se apresenta diante de mim. Sinto meu coração esquentar em
puro carinho e afeto. Nova Iorque e toda a sua loucura são o meu refúgio. Me
lembro até hoje do meu primeiro dia morando aqui, de como me senti
aliviada por estar me distanciando do caos da minha família, por finalmente
ter o meu espaço e poder respirar sem sentir o drama corroendo cada parte
de mim.
Essa cidade que, por vezes, parece tão fria e impessoal, pouco a
pouco vai se tornando uma pequena extensão de nós conforme vamos
escolhendo os lugares que iremos chamar de nossos. O que certamente mais
encanta por aqui é a forma com que ela atende a todos os gostos; todos aqui
conseguem encontrar um lugar para se sentirem bem.
Ainda que, como no meu caso, isso um dia tenha parecido impossível.
Solto um suspiro leve tentando afastar as memórias da minha cabeça, e
é só quando, enfim, estaciono na frente de um prédio residencial de tijolos
em tons de marrom amendoado em Manhattanville, que percebo o quanto
absolutamente tudo nessa situação é ridiculamente estranho e embaraçoso.
Contrariando meu bom senso e planejando uma série de fugas para o
que estou prestes a fazer, saio do carro, marchando convicta em direção à
entrada do edifício. Abraço meu corpo ao sentir a noite fria me rodeando.
Um porteiro sonolento, que reconheço das outras vezes que esperei por
Megan nesse mesmo hall, vem sorrindo em minha direção e destranca a porta
de vidro para que eu possa entrar. O cumprimento e digo para onde vou,
dispenso quando ele se oferece a anunciar minha chegada pelo interfone, está
cedo demais para isso.
Ele não me impede de subir, não sei se pelo sono ou por estar
acostumado com a rotatividade de garotas nesse lugar.
Ensaio algumas falas enquanto vou em direção ao elevador, e assim
que as portas prateadas se fecham, checo meu relógio. São quatro e quarenta
e três da manhã, devo estar parecendo uma louca.
Numa tentativa frustrada de conter meu nervosismo, enfio minhas mãos
no bolso do casaco e aperto o tecido. As portas se abrem no quarto andar, o
corredor escuro e silencioso se acende conforme caminho em direção ao tão
cobiçado apartamento 413. Paro diante da porta, um tanto quanto
desconcertada e incerta de que devo realmente tocar a campainha.
Puxo meu celular do bolso e verifico, pela vigésima vez, o Instagram
de Annelise. Sua última atualização recente, que mostrava um dj tocando em
uma festa, ainda está lá, o que me dá quase certeza de que ela está na rua.
E quanto a Tyler, posso jurar que antes de sair de casa vi o corpo
gigantesco de um jogador de basquete ressonando abraçado com minha
melhor amiga.
E é só por isso que meus dedos vão de encontro ao botão da
campainha.
Menos de dois segundos depois, ouço latidos ecoando pelo
apartamento e sendo abafados pelas paredes. Não demora muito para que o
barulho de patinhas batendo contra o piso se torne mais audível para, em
seguida, uma respiração irregular e seus pequenos roncos soarem contra a
porta.
Espero mais alguns segundos, e quando estou prestes a apertar a
campainha mais uma vez, ouço o andar pesado se aproximando, o que só me
deixa ainda mais nervosa. Coloco minhas mãos de volta em meu bolso,
apertando com força o tecido entre os dedos. Encaro meus pés, sentindo meu
coração disparando em ansiedade, e cogito dar meia volta para retornar ao
elevador antes que a porta se abra.
Tarde demais.
— Annelise, eu juro que da próxima vez que você for para uma festa,
esquecer sua chave e ousar me acordar às quatro da manhã, eu vou deixar
você dormindo no corredor. — Sua voz rouca de quem acabou de despertar
faz cócegas nos meus ouvidos, me deixando um tanto atônita.
O barulho da fechadura sendo destrancada me faz recuar um passo.
Ainda encarando o chão, vejo a porta se abrir e então subo meu olhar
vagarosamente até que ele vá de encontro ao semblante sonolento e os fios
amassados de Ethan.
Ele me analisa por alguns segundos com os olhos arregalados. Está
vestido apenas com uma bermuda. Seu braço esquerdo está apoiado no
batente da porta enquanto o direito se estende até a maçaneta. Seu abdômen
definido, que está com algumas marcas de lençol, se arrepia pelo que creio
ser um choque de temperatura, já que o barulho vindo da parte de dentro do
apartamento indica que o aquecedor está ligado.
Não sei ao certo quantos segundos passamos analisando um ao outro,
mas noto quando, como em um estalo, seu semblante surpreso se transforma
em uma expressão preocupada.
— Que porr… Espera… Tá tudo bem? — pergunta, examinando meu
rosto em busca de respostas. Assinto. — Aconteceu alguma coisa com a sua
mãe? — Ele parece mais desperto agora. Balanço a cabeça em negação,
ainda pensando no que dizer para justificar minha visita repentina.
— Eu… Posso entrar? — questiono.
O braço de Ethan que estava apoiado no batente pende ao lado de seu
corpo, abrindo passagem para que eu passe.
— Cara, você tem três segundos para começar a me explicar o que
aconteceu para você ter vindo por vontade própria ao meu apartamento às
quatro da manhã, é sério. E nem tente me enrolar, nós dois sabemos que,
embora tenhamos nos resolvido, não é porque sou sua pessoa favorita no
mundo e… — Solto um grunhido agudo levando minha mão até a maçaneta
da porta e a fechando. Eu ainda estou atordoada com tudo que estou prestes a
dizer.
— É o seguinte, eu ainda não dormi, tá legal? Eu tô uma pilha, aquilo
que me disse ontem grudou na minha cabeça.
Vomito as palavras e olho para o teto contendo a súbita vontade de
chorar, porque eu já bati minha cota essa semana de fazer isso na frente dele.
— Você está certo sobre o lance da minha mãe. Eu odeio falar isso e
nem acredito que estou dizendo isso de verdade. É um pouco mais
aterrorizante agora que estou realmente falando, isso faz sentido? Enfim, não
importa, você estava certo e eu sinto que preciso fazer alguma coisa. Eu
podia esperar amanhecer mas não conseguia pregar o olho, e… — Sou
interrompida por seu indicador pousando no centro dos meus lábios. O
encaro, confusa, e vejo um meio sorriso em seu rosto.
— Seja objetiva, pelo amor de Deus, eu acabei de acordar — fala
rindo e afastando o dedo da minha boca. — O que quer de mim?
— Se veste e vem comigo, por favor? — Falo, fazendo beicinho numa
tentativa de convencê-lo. Ethan me olha com uma careta e logo em seguida
explode em uma gargalhada.
— Isso geralmente funciona para você?
— Às vezes. Deu certo?
— Não, mas estou curioso sobre esse seu sequestro disfarçado de
pedido de ajuda. Já adianto que quero refrigerante no cativeiro para o qual
você pretende me levar — fala, rindo e se encostando na parede. — E se
planeja me fazer seu brinquedinho sexual, não me importo de usar cordas.
— Você não acha que anda pensando demais em transar comigo, não?
— provoco, ignorando o convite implícito para um sexo selvagem.
— Gata, eu até adoraria transar com você. Esse lance de descontar o
ódio na cama parece uma boa, mas eu amo meu pau, e amar meu pau inclui
manter ele seguro, bem longe das suas garrinhas que o arrancariam fora na
primeira oportunidade.
— Que bom que você sabe.
— Não sou muito fã de sexo violento. Sabe como é, uns tapas até vai,
mas nada além disso. A menos que você curta, sendo assim, posso realmente
pensar sobre o assunto. — O sorriso sacana em seus lábios me faz cogitar
socá-lo.
— Vai se foder — chio. — Vamos logo?
Ele me encara por alguns segundos. Paro ao seu lado e me abaixo para
pegar Bruce no colo. É a primeira vez que eu o vejo pessoalmente, mas já
ouvi tantas vezes Megan contar as histórias de suas travessuras e minha
timeline fica sempre tão recheada com as inúmeras fotos que seus três donos
babões compartilham, que sinto que já o conheço há tempos.
O bulldog inicia uma série de lambidas eufóricas em meu rosto. Faço
carinho em seu corpo cheio de dobrinhas enquanto caminho pelo corredor
em direção ao que me parece ser a sala de TV.
É estranho pensar que já estive tantas vezes nesse prédio e jamais
passei da porta. Já busquei Megan aqui algumas vezes e já trouxe também,
mas eu jamais entrei. Estar aqui sozinha com Ethan e seu cachorro em plena
madrugada não é exatamente como eu imaginava conhecer o apartamento
dele.
“Você nem ao menos imaginava conhecer o apartamento dele”, uma
voz me repreende em minha cabeça.
O lugar é grande, não exatamente gigante, mas é maior do que meu
alojamento. Ao passar pela porta de entrada, um corredor recheado de outras
portas se estende até um último cômodo aberto ainda escuro.
Não tenho certeza, mas julgo possuir três quartos e que uma das portas
seja o banheiro. As paredes são cor de gelo e os rodapés estão perfeitamente
pintados de preto. Parece ter sido reformado recentemente, ou é muito bem
conservado.
Enquanto caminho, ouço Ethan vindo atrás de mim, mas não contava
que estivesse tão perto, e por isso, tenho um leve sobressalto quando sua
mão repousa em meu ombro dando um aperto singelo como em uma
massagem.
O cansaço que me atinge por estar tantas horas acordada é um lembrete
do motivo de eu estar aqui. Preciso reunir uma força descomunal para não
deitar ali mesmo no chão e me encolher até pegar no sono. Quando chegamos
na sala, ele passa por mim e ajeita a manta que cobre o sofá, indicando com
a cabeça para que eu me sente. Obedeço, acomodando Bruce em meu colo, e
lanço um olhar impaciente para que Ethan se apresse.
— Você não quer tipo… Dormir, e depois a gente vai fazer a
maluquice que está planejando?
— Não, e não tente me enrolar, Harris, anda logo.
— Pode ao menos me dizer por que me escolheu? Fica difícil não
acreditar que está me levando para um cativeiro.
— Você é o único sem noção que toparia fazer qualquer coisa às
quatro da manhã. Lily está passando o fim de semana fora e Megan está
dormindo com Tyler. Só sobrou você. E aí, vai ser um bom amigo e andar
logo ou não?
— Já somos amigos, então? — pergunta, animado.
— Ainda não. — Me obrigo a cortar o barato do cara.
— Ah não, nem fodendo que você vai me tirar de casa de madrugada e
não pode nem me inserir na sua lista de contatos do telefone!
Lhe lanço um olhar fuzilante, e ele cruza os braços, devolvendo o
mesmo olhar como quem diz “é pegar ou largar”.
— Tá beleza, eu te passo o meu número, mas só se você não demorar.
— Me rendo.
— Beleza, espera aqui, já volto. Tente não morrer de saudades de
mim, Coelhinha! — grita, caminhando de volta para o corredor. Reviro os
olhos e encosto a cabeça no sofá.
— Eu juro que estou tentando ser o menos invasivo possível para
respeitar o fato de que você está sem dormir e uma pilha de nervos, mas
sério, por que estamos em Hoboken?
Bufo irritada pela centésima pergunta que Ethan faz no curto trajeto de
vinte minutos do seu apartamento até a cidade vizinha. Seguro o volante com
força, ainda tentando compreender que estou dirigindo com o grandalhão
sentado ao meu lado tagarelando sem parar em pleno amanhecer.
Permaneço com os olhos focados na pista. Aciono a seta dobrando a
esquina e quando, enfim, estou diante dos muros marmorizados majestosos e
cobertos de heras, estaciono o carro e me afundo no banco fechando os olhos
e tentando respirar com calma.
— Eu estava em uma loja de jardinagem antes de ir até o seu
apartamento — confesso, ainda com os olhos fechados.
— Certo… — Percebo a cautela com que ele tenta arrancar mais
informações de mim.
— Tulipas sempre foram minhas flores prediletas. Mamãe as
cultivava, junto com diversas outras flores, no jardim da nossa casa… —
Engulo em seco, me recordando do estado atual desse jardim. — E todos os
anos, quando a primavera chegava, ela as colhia e montava lindos buquês
para me dar de presente. A casa ganhava um colorido magnífico pela
variedade de flores que adornavam os vasos e o jardim. Se eu me concentrar
bem e fechar os olhos, ainda consigo me lembrar de como era. Ela amava
aquele jardim, e eu o amava por amá-la. Essa foi só uma das coisas que o
alcoolismo arrancou de nós, mas é uma das que mais me dói. — Concluo,
abrindo os olhos vagarosamente e me virando de lado para encarar Ethan,
que me lança um olhar triste.
— Eu sinto muito — fala, expirando com força como se estivesse
angustiado.
— Eu também. Sabe, eu realmente não esqueci tudo o que me disse
essa semana, e eu não me sinto pronta para conversar com a minha mãe. Não
me sinto pronta para dizer que a perdôo por toda a merda que rolou entre
nós, porque não sou capaz de dizer isso com sinceridade agora. Ainda
preciso de tempo para assimilar tudo, mas queria que ela soubesse que estou
tentando. — Ethan está com a cabeça encostada no banco do carro e o corpo
virado para mim. — Essa é a casa onde cresci, a fortaleza conturbada onde
meus pais me criaram — digo, apontando para o muro de mármore na nossa
frente.
Ethan parece surpreso ao observar a entrada da mansão. O muro alto e
o portão de aço resistente escondem uma casa enorme e luxuosa que não tem
mais o brilho da minha infância.
— Disse que estava numa loja de jardinagem? — Pergunta, me
olhando com um sorriso de quem está aprontando. Assinto em concordância.
— Vamos recriar o jardim das suas memórias açucaradas de criancinha
então, Coelhinha? Ainda não acredito que me acordou naquele horário para
ser seu paisagista particular. Precisamos rever os termos da nossa aposta
depois. É sério, vou te fazer de mordoma.
Solto uma gargalhada debochada enquanto descemos do carro. Esse
cara é insuportável.
— Só nos seus sonhos. O estágio é meu — digo enquanto dou a volta
em direção ao porta malas.
— É o que veremos.
“Eu não vou esperar até que você termine
De fingir que não precisa de ninguém
Estou aqui, vulnerável”
NAKED | James Arthur
13 de Agosto de 2021
17 de Agosto de 2021
17 de Agosto de 2021
17 de Agosto de 2021
21 de Agosto de 2021
21 de Agosto de 2021
21 de Agosto de 2021
23 de Agosto de 2021
23 de Agosto de 2021
24 de Agosto de 2021
Eu estou perplexo.
Quando Amelie me enviou uma mensagem noite passada marcando
nosso “encontro” para hoje, eu pensei em pelo menos três mil lugares
diferentes que ela escolheria para essa noite, e torci para que eles fossem
incríveis o suficiente para que eu me esquecesse do fato de que dei um bolo
nos meus amigos na sagrada noite da NBA no Grove’s.
Mas nunca, em nenhuma das hipóteses, eu pensei que ela me traria ao
Madison Square Garden para ver os Knicks ao vivo.
— Diz pra mim que isso não é uma pegadinha — suplico, segurando a
camiseta em minha mão e com os olhos vidrados nos ingressos. — Sério,
Coelhinha, se for uma pegadinha eu vou chorar por uns três dias!
— Ah, pode apostar que não é, minha conta bancária que o diga! —
Sua risada alta preenche o carro, e ela me entrega um dos ingressos. —
Vamos, troque a blusa, vou esperar você lá fora.
Sem dizer mais nada, Amelie salta para fora do carro e fecha a porta,
encostando-se nela logo em seguida.
Não consigo controlar o sorriso enorme que se estende em meu rosto
enquanto desabotoo minha camisa. Em primeiro lugar, porque fazia um bom
tempo que eu não assistia um jogo da liga profissional na arena e em segundo
lugar, porque porra, Amelie definitivamente não é uma fã dos esportes, mas
está fazendo isso por mim.
Conhecendo-a hoje, como conheço, é quase que absurdo pensar na
imagem que eu tinha dela há um tempo atrás. Honestamente, ela é uma das
pessoas que eu conheço que mais se dedica às outras pessoas, e isso é
admirável demais.
Assim que passo a blusa do New York Knicks pela cabeça, pego o
ingresso de cima do banco e saio do carro usando o vidro como espelho
para ajeitar o caos do meu cabelo.
Dou a volta no veículo parando de frente para Amelie. O moletom
amarelo que ela está usando é enorme, vai até um pouco acima dos joelhos.
As mangas cobrem suas mãos e a peça quase faz com que seu corpo suma
dentro dela.
Quando vê que estou pronto, a garota puxa para baixo o zíper que
estava fechado até a gola, arrancando o moletom de si e o joga dentro do
carro, revelando um visual que, ao mesmo tempo que me tira o fôlego, me
faz soltar uma risada forte.
Alguém realmente se dedicou.
— Eu não acredito! — digo, balançando a cabeça em negação com um
sorriso frouxo nos lábios.
— Gostou? — ela pergunta, esticando os braços e dando uma voltinha
para que eu possa conferir.
Amelie está vestida com um cropped preto da coleção feminina dos
Knicks, uma mini saia justa de cetim em um tom de vermelho escuro que
deixa à mostra suas pernas torneadas pelo boxe, um tênis branco nos pés e
um mix de colares prateados adorna seu pescoço. A cabeça está coberta com
um boné também preto. Os cabelos longos cacheados estão soltos e caem em
cascata sobre seus ombros.
No carro estava escuro e passei boa parte do tempo vendado, mas
agora, a luz do poste permite que eu veja os brilhinhos dourados que ela
passou nas pálpebras, a pele negra clara está maquiada de forma natural,
deixando que toda a atenção vá para os seus lábios, cobertos por um batom
vermelho intenso.
E, puta que pariu, que me perdoem os Deuses da amizade, mas ela está
desgraçadamente linda e muito, muito gostosa. Ser amigo de Amelie está me
colocando numa das situações mais fodidas do planeta: estar muito próximo
de uma mulher com quem eu não posso ter envolvimento algum além da
amizade.
E isso ainda vai desgraçar a minha cabeça.
— Você tá muito bonita. Uma Maria Cestinha de respeito, eu diria. —
Sorrio antes de puxá-la para perto e passar meu braço sobre seus ombros.
Simplesmente virou um hábito andarmos assim.
— Eu me empenhei bastante, fico feliz que meu esforço tenha sido
reconhecido — ela diz, rindo, e caminhamos até a arena em um silêncio
confortável.
10 de Setembro de 2021
10 de Setembro de 2021
11 de Setembro de 2021
12 de Setembro de 2021
12 de Setembro de 2021
13 de Setembro de 2021
Esteban não brincou quando disse que seria um grande evento. O salão
de bailes da sua mansão está decorado em tons de preto e dourado, tudo
extremamente luxuoso e esbanjando o quão rico e poderoso ele é. Magnatas,
políticos e pessoas do alto escalão da sociedade desfilam pelo majestoso
espaço com suas roupas de grife e suas taças repletas de champanhe.
Todas fingindo, muito porcamente, estarem aqui por interesse em
angariar fundos para o novo centro de refugiados latino-americano do
Harlem, como se não fosse justamente a mão de obra dessas mesmas pessoas
que muitos deles exploram sem parar em suas empresas. É tudo tão patético
que me faz querer vomitar.
Caminho pelo espaço enquanto meus olhos atentos buscam algum rosto
familiar de confiança. Esperava ver Simon aqui, já que nossos pais se
conhecem, mas não vejo sinal dos Lang em lugar algum. Sinto quando uma
mão envolve meu pulso de maneira brusca e engulo o chiado que quase
escapa da minha boca ao ver que se trata do meu pai.
Seus dedos estão segurando minha pele com uma pressão acima do
normal, e isso me incomoda em níveis absurdos.
Esteban está vestido em um terno Hugo Boss verde escuro. Seu
cabelo está milimetricamente penteado e o sorriso falso que estampa seu
rosto provoca uma fúria crescente em meu peito.
— Onde está o colar? — É o que ele me pergunta no mesmo instante.
— Com a curadoria do leilão, não sou um mostruário — digo, como se
fosse óbvio, e ele ergue a sobrancelha como quem se sente desafiado.
— Certo. Que bom que decidiu vir, foi uma decisão inteligente.
Inacreditável. É realmente inacreditável como ele consegue ser um
completo ordinário. Encaro-o completamente irada por sua cara de pau, e
nesse meio tempo, alguns fotógrafos se aproximam de nós para fazer alguns
retratos.
Esteban me abraça de lado sem muito contato e, em segundos, diversos
flashes quase me cegam.
— Eu não decidi, eu fui forçada — corrijo entredentes enquanto
ofereço um sorriso gigante para as câmeras.
— Não me lembro de ter mandado um de meus homens buscá-la à
força, hija.
— Claro que não, você jamais faria isso. Vai contra o seu manual de
joguinho psicológico dos infernos, não é, papai? — rosno, sustentando o
sorriso.
— Já foi falar com Lambrock? Ele está interessado em conhecê-la
previamente, antes da entrevista para o estágio — disse, também entredentes
enquanto posava ao meu lado.
— Pois eu espero que ele não tenha vindo até aqui só para isso, não
tenho a menor intenção de conhecê-lo antes dos meus colegas. Eu não jogo
sujo. — Levo uma das mãos até o rosto, massageando minhas bochechas
quando os fotógrafos se vão.
— Não é o que a movimentação da sua conta bancária me disse nos
últimos dias. — Ele me direciona um sorriso ardiloso.
— Você me obrigou a vir neste baile, e amanhã minha cara vai estar
em trezentas revistas contra a minha vontade, nada mais justo do que gastar
alguns dólares nisso, é o mínimo. Você não acha?
— Acho que deveria me avisar quando decidir fazer a festa no
shopping às minhas custas — responde, sério.
— Achei que era inteligente o suficiente para saber que eu não gastaria
um centavo do meu trabalho na sua baboseira. De qualquer forma, saiba que
é a última vez que me arrasta para esse tipo de coisa — declaro, firme,
tirando coragem de onde eu nem mesmo sabia que conseguia.
Ele me encara buscando a veracidade em minha fala e eu devolvo seu
olhar com a coluna ereta e o rosto erguido, demonstrando confiança em
minhas próprias palavras.
Essa foi a última vez.
— Bom, se está dizendo. Eu já lhe provei que posso beneficiá-la caso
me obedeça. Lambrock está bem ali, se quiser sair daqui mais tarde de mãos
abanando, é um problema seu, mi hija — ele diz, o semblante é tão sério
quanto o meu. — Cuidado para não se arrepender no futuro.
É mais uma ameaça. E ele também está insinuando que eu vou perder
o estágio.
Meu pai não acha que tenho capacidade para fazer isso sozinha, que
não consigo vencer sem que ele pague por isso. Se ele visse quantas coisas
já conquistei sem que ele ao menos soubesse.
— Não vou me arrepender de ser justa com os meus colegas de curso,
obrigada — encerro a discussão no instante em que Tiffany, sua esposa, se
aproxima de nós e o leva para longe. Sem me cumprimentar, claro.
A verdade é que eu estou totalmente ciente de que Russel Lambrock
está sentado a alguns metros de onde estou, e como uma verdadeira fã do seu
trabalho, estou me corroendo de vontade de ir até lá e passar horas ouvindo
ele falar sobre jornalismo e imprensa. Mas toda vez que penso em tentar uma
aproximação, sei que ele vai me perguntar o meu nome, sei que vai ligar os
pontos, e sei que vai ter um olhar diferente para mim por conta do meu pai.
E toda vez em que eu penso na ínfima possibilidade de ganhar aquele
estágio porque Esteban o entregou de bandeja para mim, eu me sinto
péssima. Além disso, eu penso nos que estão competindo comigo e,
inevitavelmente, penso em Ethan. Penso no quanto odiaria ver a decepção
em seus olhos e no quanto odiaria que ele parasse de me ver como sua
amiga, que ele tanto faz questão de enfatizar que sou.
Por isso, passo a noite indo sempre na direção contrária do homem
que, em breve, terá meu destino nas mãos.
13 de Setembro de 2021
Esther e Tia Suzy são o casal mais bonito do planeta, e eu digo isso
com a maior tranquilidade do mundo.
Estamos há algumas horas sentados no restaurante japonês favorito da
minha tia. Ela já bebeu sakês o suficiente para estar soltando gafes terríveis
do meu pai na adolescência, ao passo que eu e Esther estamos quase
passando mal de tanto rir. As duas estão sentadas lado a lado na minha frente
e a namorada da minha tia passou a noite inteira deixando carinhos e beijos
em suas bochechas, algo que, por algum motivo, derrete meu coração.
Esther Gauthier tem trinta e oito anos. É dois anos mais velha que Tia
Suzy, mas as duas partilham do mesmíssimo espírito jovem — as calças
jeans, camisetas e coturnos não me deixam mentir. Ela é formada em moda e
jornalismo, trabalha na revista com a minha tia e, ao que tudo indica, está
prestes a se tornar representante de mídias de uma grife australiana, o que
deixará o caminho livre para que elas consigam, enfim, oficializar sua
relação sem temer uma represália.
A mulher é uma mistura perfeita de Amirah Vann com Kerry
Washington, tendo uma similaridade maior com a primeira. A pele negra
clara tem algumas sardas, os olhos são bem redondos e ela usa tranças
bonitas pra cacete, que formam desenhos geométricos no topo da sua cabeça.
Além disso, a personalidade irônica e bem humorada faz com que seja
impossível estar ao lado dela sem soltar boas risadas.
— Paris é linda, Ethan, mas não se engane. Ratatouille não é apenas
um filme, os ratos estão por todo canto naquela cidade — Esther está rindo
depois de contar sobre sua experiência em terras francesas.
— Eu imagino, meu professor de francês destruiu meu encanto logo no
primeiro ano de curso — digo antes de tomar um gole de soda italiana.
— Estamos nos organizando para levar sua irmã para a Disneylândia.
E para não dizer que sou uma tia ruim que só dá viagens para um dos
sobrinhos, no próximo ano podemos levar você conosco para a Semana de
Moda. O que acha, querido? — Tia Suzy pergunta, e eu quase me engasgo
com a minha bebida.
— Semana de Moda, tipo de Paris? A Semana de Moda? Porra, é
claro que eu topo! — Dou risada, ainda um tanto embasbacado pelo convite.
— Olha o palavrão, querido! — Minha tia me dá bronca. — Enfim,
você já vai estar no seu último ano. Posso te levar como meu estagiário, vai
receber crachá de imprensa e tudo!
— Tia, isso seria fod — me interrompo quando ela me fuzila com o
olhar. — Seria supimpa! — provoco, rindo.
— Você tem o mesmo senso de humor horrível do seu pai — murmura,
revirando os olhos.
— Na verdade, essa parte ele puxou de você, Su — Esther comenta
baixinho, e eu não consigo conter a risada.
Batemos nossas mãos em um high five e minha tia bufa, virando mais
um gole do seu sakê. A conversa segue animada e eu acabo me perdendo nas
horas, até sentir meu celular vibrando em meu bolso e seu toque ecoar pelo
ambiente.
Puxo o aparelho e mal consigo esconder minha surpresa ao ver o
contato de Amelie brilhando na tela. A garota não costuma me ligar, prefere
as mensagens. Por isso, atendo de imediato.
Ela só me ligaria se fosse importante.
Quando colo o aparelho em meu ouvido, ouço um soluço estrangulado
atravessar os auto-falantes e, de uma hora para outra, meu corpo inteiro entra
em sinal de alerta.
— Coelhinha? — chamo-a, e ouço-a chorar baixo do outro lado.
— Ethan… — ela fala embolado. Sua voz está trêmula e eu não
consigo entender direito.
— Linda, preciso que respire e que me diga o que está acontecendo
para eu poder te ajudar, sim? — digo com calma, na intenção de passar a
mesma sensação.
— Eu… Eu estou na casa do meu pai, a gente brigou — ela faz uma
pequena pausa e sei que está tentando puxar ar para respirar. — D-Desculpa
atrapalhar sua noite, mas eu não tenho ninguém. Por favor, me ajuda — ela
pede, entre soluços, e eu sinto minha garganta fechar só de ouvir sua voz
daquele jeito.
— Me envia sua localização, chego aí o mais rápido que eu conseguir,
eu prometo. — Ela murmura um “okay” em resposta. — Amelie… Ele
machucou você?
— Não. Eu estou segura, só… Vem rápido? — a voz triste acerta meu
peito e eu me levanto num pulo.
— Eu chego aí já já, fica calma — asseguro, antes de desligar a
chamada e fechar os olhos, respirando fundo para organizar minha cabeça.
Esther e Tia Suzy me encaram confusas, e é só aí que eu me recordo
em que situação estou.
— Preciso ajudar uma amiga, rápido. Alguma de vocês duas pode me
emprestar um carro? — pergunto tenso.
— Nós vamos com você, querido. Quem é ela? O que aconteceu? —
Minha tia se levanta desesperada.
— Não precisa, eu vou sozinho. Não dá tempo de explicar muita coisa,
ela só tem que ir pra casa e eu preciso de um carro — digo, um tanto quanto
agoniado.
Tia Suzy abre sua bolsa e puxa de lá a chave da sua BMW e um
cartão de débito. Ela coloca os dois na minha mão e me dá um beijo na
bochecha. Esther se despede de mim e eu saio do restaurante quase
correndo. Enquanto checo as coordenadas que Amelie me enviou no celular,
duas mensagens da minha tia chegam.
Tia Suzy: A senha do cartão é a sua data de nascimento, use para
abastecer, se precisar, e se sua amiga quiser qualquer coisa, compre com
ele também.
Tia Suzy: Eu tenho muito orgulho do rapaz que você é, te amo! Me
dê notícias.
13 de Setembro de 2021
13 de Setembro de 2021
13 de Setembro de 2021
17 de Setembro de 2021
17 de Setembro de 2021
ANTES
Sorrio feito um bobo enquanto observo Amelie subindo as escadas da
Chisholm House.
Seu gosto ainda está na minha boca e quanto mais ela se afasta, mais
eu me arrependo de ter tentado ser um cavalheiro. Meu corpo está
incendiado pra caralho, e Deus sabe que, se eu não tivesse protestado,
terminaríamos essa noite na sua cama, sem dúvidas.
Diabolicamente linda, terrivelmente sensual e extremamente doce.
Amelie Castillo e seus beijos, tão intensos quanto o castanho dos seus
olhos, ainda vão me deixar doido. Já me sinto viciado naqueles lábios, e não
só neles, porque seu corpo por completo é tentador demais.
O lance casual pode não ser a zona de conforto da garota, mas é a
minha, e eu estou mais do que disposto a mostrá-la que ela pode receber
toda a atenção que tanto gosta sem precisar, necessariamente, de um
relacionamento. É uma questão de adaptação, pelo menos pra mim. Se sei
das necessidades dela para que isso flua e posso atendê-las, não vejo porque
não fazer esse “esforço”.
Assim como na nossa amizade, esse lance vai ser sobre ceder. Ela
está se rendendo à casualidade, e eu, me rendendo a fazer isso do jeito dela.
Podemos fazer dar certo.
Dou a partida no carro quando percebo que a garota já entrou na
moradia universitária. Assim que saio do domínio do campus, pego meu
celular no console do painel para digitar uma mensagem para minha tia e
descobrir o que devo fazer com o seu carro.
No instante em que desbloqueio a tela, o aparelho em minha mão
vibra e consigo ler o nome do meu pai brilhando no visor.
São duas da manhã, exatamente nada de bom pode ter acontecido.
— Alô? Pai? — atendo, confuso. Minha mente já dispara pensando
que algo ruim pode ter acontecido com Angeline.
— Filho, onde você está? — a voz dele está embargada. Sinto minha
garganta fechar. — Preciso que me encontre na Delegacia de Crimes
Federais, agora.
— Pai? O que aconteceu? O senhor está bem? — pergunto, nervoso.
Pisco algumas vezes para focar minha vista no trânsito.
— Estou, venha logo, é urgente. É sobre a sua mãe.
Puta que pariu.
AGORA
Preciso de muitos segundos, talvez mais do que isso, para ter certeza
de que não estou alucinando.
No instante em que ouvi sua voz do outro lado da porta, meu corpo
inteiro tremeu e eu pensei ter ficado louco. Pensei que a dor havia nublado
meus sentidos de forma tamanha, que cheguei ao ponto de confundir a voz de
Annelise com a de Amelie.
Mas não.
É mesmo ela, em carne, osso, leves traços de inquietação e uma
tristeza sem precedentes estampada nos olhos. Meu peito se aperta um
pouquinho mais.
— Senti saudade, Coelhinha — digo, baixinho. Meus ombros caem e
eu sinto vontade de chorar de novo.
Amelie não hesita nem por um segundo. Seus braços finos envolvem
meu pescoço e ela me abraça forte. Rodeio sua cintura, trazendo-a ainda
mais para perto, e encaixo meu rosto na curva do seu pescoço, me
acomodando ali como um passarinho em seu ninho. Inspiro o cheiro de
baunilha que exala da sua pele. O aroma impregna cada milímetro das
minhas vias respiratórias, e eu percebo que é o primeiro abraço que me
permito receber depois de tudo.
O primeiro abraço, o primeiro carinho nos cabelos, o primeiro
aconchego. Sem julgamentos, sem ressentimentos, só cuidado e a certeza de
que posso me sentir seguro.
Ela me diz tudo isso sem proferir sequer uma palavra, e agora entendo
um pouquinho por que seus olhos brilhavam tanto dias atrás. Sentir que
alguém está com você quando tudo parece perdido traz esperança.
— Achei que você estava me evitando — ela cochicha no meu ouvido.
Pelo tom, sei que está chorando.
Puta merda. Que dia é hoje?
— Me desculpa, não quis te deixar assim — digo, fechando os olhos
com força e a abraçando com ainda mais determinação.
— Shhhh! Isso não importa agora — ela garante. Sinto o beijo terno
que deixa no meu ombro. Cacete, senti muita falta dela. — O que aconteceu
com você, Ethan? Por que sumiu todos esses dias?
— É uma história meio longa.
Engulo seco e me afasto dela consideravelmente. Seguro sua mão,
puxando-a para dentro do meu quarto, tão bagunçado quanto a minha vida, e
fecho a porta. Conduzo-a até a minha cama, e aponto para que ela se
acomode. Me sento na minha cadeira de estudos de frente para ela e faço
sinal com a cabeça para a caixa ao seu lado.
Amelie pesca uma das milhares de fotos lá de dentro e encosta na
cabeceira. A minha caixa de memórias com a minha mãe está ao seu lado. A
garota analisa a fotografia com um meio sorriso, e só pela data atrás do
papel, sei que se trata da minha foto com Anastasia assoprando minha vela
de onze anos. Amo essa foto com cada mínima célula que existe em mim.
— Descobriram por que mataram a minha mãe — falo, completamente
apático, encarando o chão. — E também quem matou.
É como se eu estivesse anestesiado, não sei explicar.
— Quê? Como assim, “mataram”? — Amelie quase engasga,
escandalizada.
Sigo encarando o carpete, porque sei que se eu ousar erguer meu
olhar para a garota, simplesmente vou começar a chorar. De novo. Foi o
mesmo com Annelise e Tyler, e eu já não aguento mais me acabar em
lágrimas. Estou cansado, exausto para ser sincero.
Não durmo, não como direito, mal tenho noção do tempo desde que
me tranquei nesse quarto, me isolando do mundo e encarando a solidão como
companhia. Tudo que consigo sentir com clareza é o quanto dói, o quanto
meu peito está dilacerado e o quanto eu sinto que essa dor está me matando
aos poucos.
Como um veneno que se alastra vagarosamente por minhas veias e
vai acabando com tudo de bom e vital que existe no meu corpo. É essa a
intensidade da dor que eu sinto, e é o quão perdido eu estou.
Sentir que não existe luz no fim do túnel e que você está preso em um
labirinto de caos é angustiante pra caralho.
— Ninguém do meu círculo de amizade, além de Tyler e Annelise,
sabe ao certo o que aconteceu com a minha mãe. E diferentemente do que
todo mundo pensa, Anastasia não teve um fim comum, sabe? Doença,
acidente, essas coisas, ela… — Engulo a saliva, sentindo minha garganta
queimar e a dor lancinante volta a se alojar no meu peito. — Não sei como
dizer isso de uma forma menos impactante para as outras pessoas, mas minha
mãe foi assassinada.
Ergo a cabeça devagar para avaliar sua reação. Amelie franze o
cenho como se algo estivesse a machucando, e uma lágrima solitária escorre
do canto do seu olho. Ela não se contém e puxa a cadeira de rodinhas em que
estou para perto de si, batendo com a palma da mão sobre a cama, me
chamando para me sentar com ela.
Subo no colchão em silêncio e a garota abre os braços para me
receber em seu colo. Estou tão quebrado que o simples gesto me faz querer
tirá-la daqui, afastá-la da minha tristeza sem fim. Mas não faço, não faço
porque, nesse momento, sou o desgraçado mais medroso do planeta. Seu
colo me parece um lugar seguro, e agora estou sendo corroído pelo medo da
cabeça aos pés.
Medo de entrar em um abismo de dor do qual não vou conseguir me
livrar, medo do meu pai voltar a se afundar em luto, medo de Angeline
perder suas maiores fortalezas, medo do que vou encontrar quando decidir
ligar meu telefone e procurar a minha família.
Desde que a minha mãe se foi, eu tenho sido uma base forte e
exemplar para que nada desmorone. Tenho me mantido firme pelo meu pai,
pela minha irmã, e até mesmo pela minha mãe. Mas, porra, estou exausto.
Exausto de fingir força quando tudo que eu queria era sentar e chorar por
horas, exausto de mascarar meus sentimentos, exausto de servir de apoio
quando minha mente e meu emocional estão em ruínas.
Para ser forte para os outros, eu internalizei um sentimento que não
deveria ter ficado escondido por tantos anos, e agora parece que estou
sofrendo o triplo. É como se meu eu de quinze anos finalmente estivesse
conseguindo sentir a própria dor.
Me aconchego no corpo de Amelie, tomando cuidado para não
machucá-la com meu peso. Ela é pequena e eu sou um gigante, mas ainda
assim, seu colo me acolhe como se eu fosse minúsculo.
Me sinto minúsculo de qualquer forma. É estranho como o medo nos
faz sentir pequenos, faz sentir que seremos engolidos por uma onda
gigantesca que vai destruir tudo de forma brutal. Me sinto assim mais uma
vez.
Deito a lateral do meu rosto em seu peito, e ela descansa o queixo em
minha cabeça. Minha pele se arrepia quando a mão delicada de Amelie vai
direto para minha bochecha. Ela faz o mesmo carinho gostoso que fez na
última vez em que nos vimos, e isso me distrai da dor que enervante que
contamina cada uma das minhas células.
— Minha mãe foi uma investigadora, dentre os três, e mais quatro
policiais do FBI, mortos em uma operação anos atrás. Eu tinha quinze anos
na época. Todos os outros policiais morreram em confronto, menos ela.
Mamãe foi pega em uma emboscada, um tiro certeiro no peito, dois na
cabeça… — falo a última parte quase sem voz. Agradeço a posição que
Amelie escolheu, porque não preciso olhar em seus olhos para dizer isso. —
Ela morreu na hora. O exame de balística identificou que as balas
pertenciam a uma arma não registrada. Não tinha digital, gravações de
câmeras de segurança, nenhum rastro, nada. Absolutamente nada.
Arquivaram o caso por falta de provas.
— Sinto muito… — Ela suspira pesadamente. — Droga, isso é tão
injusto, você era só um menino. Não imagino o inferno que foi lidar com
isso, ainda mais com a bebêzinha, sinto muito mesmo — ela me abraça mais
e faz um carinho no meu cabelo.
— Acontece que sexta à noite, depois de oito anos, meu pai recebeu
uma ligação dizendo que o caso foi reaberto por conta da chegada de novas
informações — explico, sentindo a raiva reacender e me controlando para
suprimi-la.
— Que tipo de informações?
— A morte da minha mãe foi premeditada e encomendada. Um dos
chefões do narcotráfico seria preso naquela noite, ela estava na cola do filho
da puta. Ele pagou para contar com ajuda de dentro do FBI.
— Meu Deus…
— Fica pior — falo e apoio meus cotovelos na cama para me erguer
um pouco, tomando coragem para encará-la. — O investigador que foi
responsável pelo tráfico de informações se entregou ontem, a morte da
enteada dele mexeu com a cabeça do cara e ele decidiu contar a verdade. E
adivinha… O cara que entregou minha mãe para morrer foi o mesmo cara
que me ensinou a andar de bicicleta. O parceiro dela.
A expressão de Amelie se torna um misto de choque e indignação.
Tenho certeza de que ela quer soltar meia dúzia de palavrões.
Já expliquei isso para tantas pessoas desde sexta-feira que estou me
acostumando com a pontada desgraçada em meu peito. Meu pai não quis
entrar no escritório do chefe de departamento. Ele estava desesperado, então
fui eu quem ouviu cada mísero detalhe. Fui eu quem contei a ele, e para Tia
Suzy, para Tyler, Annelise, para os pais deles.
Me senti de novo com quinze anos tendo que explicar aos outros que
a minha mãe tinha morrido. Foi doentio reviver o passado de forma tão
intensa, e estou confuso feito o inferno, porque não sei se me sinto aliviado
por saber que o homem responsável pela morte da minha mãe vai apodrecer
na cadeia, ou se me sinto enfurecido por ter demorado tanto.
Honestamente, minha mente está transtornada.
Eu sempre lutei e tive como objetivo que a justiça fosse feita, mas
não me parece justo. O atirador morreu pouco tempo depois dela, o
mandante está preso e Jeffrey vai apodrecer na cadeia. Isso não muda o fato
que minha mãe foi morta por esses desgraçados, não muda o fato de que
Angeline não se lembra da voz dela, nem do cheiro, muito menos do toque.
Não muda nada. E é frustrante.
— Às vezes eu me pergunto como consegui continuar. Me pergunto
como consigo acordar todo santo dia, e às vezes, bem às vezes, eu cogito
simplesmente desistir — digo, minha voz embarga. — Minha mãe morreu a
troco de absolutamente porra nenhuma, e ninguém fez nada para evitar isso.
Aí agora, depois de oito anos, aquele maldito se entrega e eu deveria me
sentir aliviado? Porque porra, não me sinto, eu estou fervendo de ódio.
Minha mãe não merecia isso, ninguém merece. Eu, definitivamente, não
merecia ter crescido sem seu abraço por conta de, sei lá, alguns dólares?
Cacete! Isso não chega aos pés de uma vida. Porra, era a vida da minha mãe!
Só percebo que estou tremendo e chorando quando Amelie me puxa
de volta para o seu colo e me abraça com força. Enfio a cabeça na curva do
seu pescoço e choro copiosamente.
Sinto os múltiplos carinhos que ela me faz, tentando me acalmar, mas
os soluços que me escapam são fortes demais. Respirar parece uma tarefa
tão fodida nesse momento que eu apenas me concentro em puxar o máximo
do seu cheiro para dentro de mim.
— Minha mãe não merecia isso, Amelie, não mesmo. A pessoa que
deveria trabalhar junto com ela, proteger ela, foi justamente quem a colocou
numa emboscada! Minha mãe já entrou na frente de armas por esse cara. Ele
frequentava a nossa casa, ele sabia que Angeline era um bebê! — Minha voz
é tão baixa que temo que ela não consiga me ouvir. Estou de olhos fechados,
me concentrando em não morrer sem ar.
— Não sei o que te dizer. Não consigo mesmo chegar perto de
imaginar como se sente e, acredite, se eu pudesse, eu te colocaria em uma
bolha de arco-íris, basquete, sushi, cerveja e roupas para bulldog em
promoção — ela fala, fazendo referência ao que eu lhe disse dias atrás. —
As únicas coisas que posso afirmar é que eu sinto muito, que a sua dor é
válida demais e que esse momento pode parecer horrível, mas você foi forte
o suficiente para sobreviver à perda da pessoa mais importante da sua vida.
Não é um merdinha sem caráter que vai te fazer ruir de novo, não mesmo, eu
me nego a deixar que isso aconteça. Você tem a mim, todos os seus amigos, o
seu time, o seu pai, a sua tia, tem sua irmã, que é a pessoa mais preciosa do
mundo para você, que eu sei. E nenhum de nós vai te deixar sozinho.
“Você ainda precisa ver o Tyler entrar pra um time foda, Annelise
fazendo um grande show, ver sua irmã entrando na faculdade. Nós dois
precisamos pegar nossos diplomas, você precisa ser um jornalista incrível,
ganhar prêmios ao redor do mundo, orgulhar pra caramba a mulher que está
te olhando de onde quer que esteja.
“Você ainda precisa amar e receber muito amor da sua família,
encontrar alguém por quem vai se apaixonar e não vai conseguir imaginar
uma vida sem. E, se você quiser, construir uma família com ela, ver sua irmã
se tornar tia e ver seu bebê crescendo saudável e protegido.
“Cacete, Ethan Harris, você tem tantas coisas incríveis ainda para
viver, e a sua vida vai ser tão, tão feliz apesar disso tudo. E toda vez que eu
ligar a minha televisão e der de cara com você sendo o jornalista
excepcional que eu sei que você será, eu vou sentir tanto, mas tanto orgulho
do meu melhor amigo, porque sim, essa amizade vai durar o suficiente para
isso. Caramba! Nós ainda temos que fazer discursos terríveis nos
casamentos um do outro!
“Então não, a sua vida não vai desmoronar agora. Você não tá sozinho,
e eu não vou mesmo deixar que esse cara roube ainda mais de você do que já
roubou. Você vai viver seu momento de dor agora, mas vai dar a volta por
cima, e você vai ser feliz. Isso é uma promessa.”
É o que ela diz antes de me abraçar tão forte que poderia jurar que ela
estava tentando juntar todos os caquinhos do meu coração. Tão, mas tão
forte, que eu sei que, mesmo que da porta desse quarto para fora eu sinta
muito medo, aqui, nos braços dela, eu tenho uma fortaleza me protegendo.
Isso me acalma.
Eu tenho Amelie, minha melhor amiga, a pessoa mais forte e
extraordinária que eu conheço, minha Coelhinha. Minha fortaleza.
— Obrigado, por tudo. Por não me deixar sozinho — digo com o rosto
ainda enterrado em sua pele.
— Você não está sozinho, eu estou aqui com você, querido. Somos
melhores amigos.
— Somos melhores amigos.
— Agora, fique tranquilo, sim? Vai ficar tudo bem, eu prometo — sua
voz suave e baixa sopra perto do meu ouvido, e seus dedos percorrem meus
cabelos. — Estou aqui e vou cuidar de você, Ethan.
Depois de quase três dias sem pregar o olho, eu relaxo. Adormeço
em seus braços e meus sonhos não me amedrontam. Sonho com Angeline
sorrindo, brincando na areia da praia e pegando conchinhas para decorar seu
quarto.
Diferente dos últimos dias, dessa vez, meus sonhos não me deixam
assustado. Me dão esperança.
“Eu prometo que estarei do seu lado
Te protegerei, te manterei vivo
No momento, está tudo muito louco”
NEVER BE ALONE | Shawn Mendes
(TRADUÇÃO ADAPTADA)
17 de Setembro de 2021
20 de Setembro de 2021
Por algum motivo, Nova Iorque inteira está com um tempo de merda,
exceto o Townhill. Retiro meu capacete e puxo do bagageiro o buquê enorme
de margaridas que comprei no caminho.
Encaro o portão de ferro do lugar, repetindo mentalmente o meu mantra
dos últimos dias “você consegue, você consegue, você consegue”.
Enquanto caminho pela passagem de terra do cemitério, sinto os raios
de sol do fim da manhã alcançando meu corpo e esquentando minha pele.
Nunca fui uma pessoa de muita fé, mas nem que eu quisesse conseguiria
explicar o fato do único lugar da cidade com o tempo aberto ser exatamente
este.
Tia Suzy sempre me dizia, depois de escutar meus inúmeros
desabafos inconformados pela negligência com que tratavam o caso da
minha mãe, que o dia que tudo viesse à tona nós deveríamos nos preencher
de paz. Isso porque, segundo ela, mamãe com certeza se sentiria mal nos
vendo chorar a sua perda uma segunda vez.
É um trabalho difícil, mas desde que saí de casa estou tentando
afastar aos máximo os sentimentos de raiva e mágoa. Quero conseguir
encarar isso como um ponto final para a nossa angústia, mesmo, e estou me
esforçando de verdade, ao menos hoje.
Meu peito se contrai quando vejo meu pai e minha tia de pé, um ao
lado do outro, encarando a lápide de mármore que já ouviu tantos dos meus
sentimentos.
Os dois estão vestidos com roupas claras, exigência da minha tia,
para que nós não mergulhássemos novamente no clima fúnebre. Me limitei a
uma camiseta branca e uma calça cáqui, não sou ligado nessas superstições,
mas também não sinto a mínima vontade de recriar o enterro da minha mãe
depois de anos.
Abraço Tia Suzy de primeira, que me oferece palavras de consolo e
me faz pensar que talvez eu realmente consiga fazer isso sem desabar. No
entanto, quando estou diante do meu pai, que me envolve com seus braços
por um longo tempo, repetindo incessantemente o quanto me ama, meu peito
dá sinais de que, bom… Talvez eu desabe sim.
Me afasto dele já sentindo o choro subindo para o meu rosto, mas faço
o possível para reprimi-lo. Minha tia faz uma breve oração pedindo para
que, onde estiver, mamãe esteja bem e cuidando de todos nós como sempre
fez. Patrick faz um discurso singelo, tentando não se entregar às lágrimas
enquanto relembra da grande mulher que ele tanto amou e com quem sonhou
construir sua família. Quando os dois olham para mim, eu concluo que vou
precisar dizer alguma coisa.
Puta merda.
Você consegue, repito em minha cabeça.
— Certo, eu… Bom, eu confesso que não tinha me preparado para
esse momento, e nem sei se um dia estarei preparado para falar sobre a
mulher fora de série que foi a minha mãe. Anastasia foi, a vida inteira, o meu
maior exemplo de força, coragem, resiliência, bondade e dedicação. Mamãe
se importava tanto com o bem-estar dos outros, ao ponto de arriscar sua
própria vida todos os dias para proteger aqueles que estivessem em perigo.
Fazer o bem lhe custou muito, mas eu tenho certeza de que, se fosse preciso,
ela faria tudo de novo — minha voz sai embargada, e eu abraço minha tia
como um porto seguro.
“Nunca, em mil anos, eu conseguiria traduzir em palavras tudo que a
minha mãe significou para mim, tudo que ela me ensinou, e todo o amor que
eu recebi dela. Anastasia era a minha melhor amiga, era quem me levava
café da manhã especial em todos os meus aniversários, quem deitava comigo
em minha cama quando eu tinha pesadelos.
“Minha mãe era a minha super-heroína da vida real, e até hoje
nenhum remédio no mundo foi tão eficaz contra a dor quanto os seus beijos
em meus machucados e seus abraços acolhedores. Deus sabe quantas vezes
eu acordei no meio da noite desesperado para sentir seu cheiro, ouvir sua
voz, sua risada… Você faz muita falta, mãe. Muita falta.
“E eu preciso dizer isso diretamente pra você, porque meu coração
parece que está sangrando pura dor dentro de mim, e se eu não disser em voz
alta o quanto eu te amo e o quanto eu sinto saudades, ele vai explodir.
“Então, Anastasia Harris, onde quer que você esteja no plano
espiritual, eu quero muito que você saiba que eu te amo com cada parte do
meu coração, e que não tem um dia na minha vida que eu não me lembre da
mãe incrível que eu tenho. Sinto muito que nosso tempo tenha sido tão curto,
sinto muito não ter dito mais vezes que te amava, sinto muito não ter tido
mais pesadelos só para poder dormir com você mais um pouquinho. Eu sinto
muito mesmo.
“Saiba que se um dia eu tiver uma filha, ela vai ter o seu nome.
Porque Angeline já tem os seus olhos, e ela é linda, mãe. Nossa princesa é a
menininha mais linda e doce que eu já conheci, e eu queria muito que vocês
tivessem mais tempo.”
Termino de falar com os olhos fechados e encharcados de lágrimas,
sentindo quando os braços das pessoas mais importantes da minha vida
envolvem meu corpo. Há quem diga que uma pessoa se torna inesquecível
quando faz da própria vida uma obra de arte. Mamãe foi, certamente, o filme
mais bonito que já rodou nas telas da vida.
E eu fico feliz de ter vivido ao menos quinze anos experienciando
100% do seu amor de mãe que, pra mim, é o maior do mundo.
Assim que estaciono na frente da Arena John Jay, cada um dos meus
músculos parece doer. Uma dor que excede o emocional e se arrasta para o
físico, contaminando tudo por onde passa.
Depois de passar um tempo considerável com a minha família, me
despedindo da minha mãe pela segunda vez, confesso que minha vontade era
simplesmente dirigir de volta para casa e me enfiar debaixo das cobertas.
Mas, infelizmente, ainda havia uma coisa que eu precisava fazer.
O nosso primeiro treino para a temporada regular já está no final
quando eu entro no ginásio, e assim que a porta se fecha em um baque surdo,
todos os olhos dos meus companheiros de time e da nossa equipe técnica
pousam sobre mim. Me sinto nervoso, pela primeira vez, em lidar com essas
pessoas.
Esse time, esses caras, essa faculdade, tudo isso tem sido a minha
vida nos últimos três anos. Toda a minha dedicação tem sido em prol de ser
um bom aluno, um bom jogador, um bom capitão, porque porra, eu amo fazer
isso. Amo mesmo.
E é exatamente por amar, que estou prestes a tomar uma das decisões
mais difíceis da minha vida. E sendo bem sincero, não sei como vou
conseguir, a ideia de abrir mão de algo pelo qual lutei tão arduamente me
deixa angustiado.
Me aproximo do portãozinho que separa a arquibancada da quadra, e
quando passo por ele, Bradley Butler caminha em minha direção, me
encarando com suas íris azuladas e parecendo prever que há um motivo
grave por trás da minha ausência.
— Harris — Butler me cumprimenta, escaneando-me da cabeça aos
pés.
— Treinador — falo, antes do homem me acolher em seu abraço
paternal.
— Como você está? A coordenação me disse que teve uma questão de
família para resolver, está tudo bem? — ele questiona ao se afastar.
— Eu… Hm… Podemos nos juntar aos outros? Preciso conversar com
vocês — peço, apontando para a roda onde o time está reunido sentado ao
redor de Emilly e Dave.
Bradley apenas assente e faz sinal para que eu o acompanhe.
Caminhamos juntos até o banco, onde todos os jogadores ofegam e falam
sobre o treino. Quando paro diante deles, um silêncio absoluto se estabelece,
e todos me olham em expectativa.
— Oi, gente — digo, passando com cuidado entre os jogadores
sentados no chão e me acomodando sobre o banco de madeira. — Eu
confesso que não pretendia pisar nessa quadra hoje, mas eu sei que alguns de
vocês ficaram preocupados comigo nos últimos dias e eu sinto que devo isso
ao time — começo, incerto.
Meu olhar passeia por cada rosto dos caras que se tornaram a minha
família. Chega a ser louco, mas eu sinto que os conheço com a palma da
minha mão, cada um. Sei das dificuldades que enfrentam enquanto atletas,
seus pontos fortes e fracos, sei dos medos que cada um tem ao pisar na
quadra, e sei o quanto se doam por esse grupo.
Cada um deles, sem exceção, já recebeu minha ajuda em algum
momento, seja para acertar seus arremessos, para melhorar a troca de
passes, ou só para uma conversa motivacional antes de um jogo. Eu já cuidei
de todos, ao menos um pouco.
— Eu sei que evito dividir muito da minha vida pessoal com a maioria
de vocês, e pode ser que quase ninguém saiba do que eu vou contar, mas eu
prometo não me estender muito…
Emilly, nossa fisioterapeuta, está sentada ao meu lado e passa seu
braço pelo meu ombro. O gesto me arranca um meio sorriso.
— Minha mãe faleceu quando eu tinha quinze anos. Ela era policial
federal e foi morta no exercício da profissão. — Estou me sentindo
vulnerável como nunca. — Foi um assassinato brutal que, por anos, ficou
sem solução. Mas no último fim de semana o caso foi reaberto com a
chegada de novas provas... E bom, como vocês devem imaginar, foi um
choque muito grande pra mim e pra minha família, e reviver tudo isso me
deixou muito mal. Além da morte dela ser um trauma ainda em processo de
superação pra mim, gerir todas as emoções, prestar depoimentos, toda essa
loucura burocrática acabou me destruindo bastante. — Puxo o ar com força,
contendo a vontade de chorar.
— Nós sentimos muito — Butler fala baixo, ele está de pé a alguns
passos de mim.
— Sei que sim, e agradeço por isso. Mas o ponto chave disso tudo, é
que eu passei os últimos dias trancado no meu quarto e eu repensei muitas
coisas da minha vida, inclusive o basquete. Eu amo cada segundo que
passamos nessa quadra, estar com todos vocês me traz a mesma sensação de
estar em casa, meu coração é completamente dos Lions, sempre será… —
falo, já com a voz trêmula, olhando cada companheiro de time nos olhos. —
Mas, eu não estou bem emocionalmente, e preciso cuidar de mim. Eu
definitivamente amo ser capitão, amo ter essa responsabilidade, amo cuidar
e auxiliar cada um de vocês, amo muito, mas eu sinto que não posso fazer
isso, não mais.
— Quê? — Cory Covey sopra, desacreditado.
— Vocês merecem alguém que esteja cem por cento focado nesse time,
e por ora, sinto que não sou mais esse cara. Por isso, eu vim aqui com o
coração em pedaços para entregar a braçadeira que eu tive a honra de usar
por mais de um ano e pedir para que vocês escolham o que é melhor para o
time.
Tiro o pequeno tecido do bolso e estendo na direção do nosso
treinador, já não conseguindo mais conter as lágrimas tímidas escorrendo
por meu rosto quando o objeto é retirado da minha mão. O silêncio volta a
imperar no ambiente e Butler, que sempre tem respostas afiadas na ponta da
língua, apenas encara a braçadeira em sua mão, parecendo devastado.
— Eu… — meu treinador começa, mas solta uma risada amarga. —
Que merda, Harris. Eu vou ter de ser honesto: não sei o que fazer com isso.
Não tinha em mente escolher um outro capitão, não tão cedo. — O treinador
assume, desmontando sua postura impassível pela primeira vez diante de
nós.
— Tem que ter alguém… — digo, mas sou interrompido quando Elói
se levanta num rompante.
— Porra, mas é óbvio que não tem! Ninguém, nessa maldita quadra,
merece tanto esse posto quanto Ethan, o time inteiro sabe disso! — Meu
amigo fala, e todos os olhares se focam nele. — Cara, botar uma xuxinha
com um “C” no braço de qualquer um de nós não nos faz um bom capitão.
Esse cargo não é sobre um mero título, não é sobre a glória, não é só sobre
estar à frente do time dentro das linhas de uma quadra, e você sabe disso.
— Eu sei. Mas é algo que está acima da minha capacidade, cara —
tento rebater. — Acha que eu queria estar fazendo isso? Porra, eu não queria,
mas eu estou sem opções aqui! Não posso me afundar e levar vocês comigo,
temos grandes chances de vencermos a liga, não podemos desperdiçar.
— Então não nos afunde! Não é difícil, você sabe o quanto tem se
doado por nós nos últimos anos, sabe o quanto se preocupa e o quanto cuida
de cada um, sabe o que fazer para nos deixar mais confiantes, sabe
reconhecer os pontos fortes e trabalhar os fracos em cada um de nós,
singularmente.
Meu amigo faz uma pausa para tomar fôlego e ele parece prestes a
chorar, o que me deixa tenso pra cacete. Elói Pierre não chora, é um fato
inegável, e isso prova o quanto a situação toda o afetou.
— Você conhece cada um dos seus jogadores, Ethan Harris, conhece
pra caralho, e confia em nós, acredita no nosso potencial. E é disso que nós
precisamos. Você não está bem agora? Eu sinto muito, muito mesmo, porque
você é um dos meus melhores amigos e eu posso não dizer com frequência,
mas eu te amo pra cacete. A questão é: você cuidou e escolheu o que era
melhor para esse time por esse tempo todo. Nós podemos segurar essa barra
junto com você, podemos dar conta de tudo por um tempo até que fique bem,
mas por favor, não faça a besteira de entregar a braçadeira.
Elói me encara firme. As íris azuis, quase prateadas, praticamente
imploram por uma reação minha.
— O que querem que eu faça? Não vou poder me entregar da mesma
forma que venho fazendo — explico.
— E não precisa. — É Brooks quem se levanta agora. — Qual é, cara,
o parisiense tá certo…
— Pela milésima vez, eu sou de Cannes, que inferno — Elói resmunga
e o time solta algumas risadas, quebrando o clima tenso.
— Que seja, isso não vem ao caso agora. Mas, como eu ia dizendo,
Elói está certo. Não estamos exigindo que siga fazendo o que já faz mesmo
não estando bem para isso. A única coisa que estamos pedindo é que, quando
entrarmos em quadra em algumas semanas, seja você vestindo a braçadeira,
que é sua por direito, e nos guiando para a vitória — fala, calmamente. — E
tem mais, eu não jogo se o capitão não for você.
Encaro meu amigo, completamente boquiaberto. Só pode ser um
blefe.
— Não pode estar falando sério… — sussurro.
— É claro que ele não está! Pare de pressionar o moleque, Charles. E
não se atreva a me trazer dores de cabeça, porque eu prometo que vou chutar
esse seu traseiro com tanta força, que aí sim, você vai ter um motivo para
não jogar — Butler se pronuncia, já impaciente, como sempre.
— Me desculpe, treinador, mas eu tô com o Brooks, eu também não
jogo — Elói diz, firme.
— Eu também não — Tyler ergue o braço e diz.
— Nem eu — Cory fala, me olhando com um sorriso fraterno. — Foi
mal, cara, mas até eu que acabei de chegar sei que não há ninguém como
você. Lide com isso.
O restante do time inteiro concorda, e eu sinto que meu treinador
pode morrer do coração a qualquer segundo. Definitivamente, uma revolta
dos jogadores era a última coisa que Butler pensou que teria que se
preocupar nesse início de temporada.
Fito os olhos de cada um dos caras do time e eles parecem convictos
em seu posicionamento. Assisto, quase em câmera lenta, quando Elói rouba a
braçadeira da mão do nosso técnico, — meu amigo parece ter perdido o
medo de morrer — e estende de volta para mim.
— Ninguém aqui vai entrar em quadra se isso não estiver no seu
braço. Você é o nosso capitão, Ethan, e parece que chegou a vez de
retribuirmos o tanto que já fez por nós.
Elói pisca para mim e eu me levanto, ficando diante dele. Olho para o
tecido da sua mão por alguns segundos, percebendo que não tenho para onde
fugir.
Meu coração pertence a esse time, e enquanto eu ainda puder honrá-la,
essa braçadeira pertence a mim.
Pego-a de volta e envolvo meu amigo em um abraço apertado, sentindo
os outros jogadores se juntando a nós. Meu peito aquece de forma tão intensa
que é quase impossível descrever como me sinto. Bradley Butler me ensinou
muito sobre basquete, mas a principal coisa foi que “para reconhecer um
bom capitão, basta analisar como ele é tratado pelo seu time. Se seus
homens o consideram indispensável, esse cara é excelente no que faz”.
Nesse instante, ao lembrar dessa frase, meus amigos me fazem ter a
sensação de dever cumprido. Fazem com que cada vez que me doei de corpo
e alma para defender as cores desta universidade, em quadra, tenha valido a
pena.
Se os Lions são um corpo, o abraço dos meus amigos faz com que eu
me sinta o coração. E isso reconstrói uma parte quebrada dentro do meu
peito que eles jamais poderiam imaginar.
Esse time é algo sagrado para mim. E eu nunca os deixaria, nunca.
— Somos uma família. Jogue por nós e nós jogaremos por você,
sempre foi assim — Brooks fala, com a cara enterrada em minha omoplata.
— A gente te ama pra caralho, e você sempre será o nosso capitão.
Nesse milésimo de segundo, enquanto estou esmagado pelo abraço
coletivo dos dez caras a quem eu confiaria minha vida se fosse preciso, eu
me sinto verdadeiramente feliz. O basquete me deu muito mais do que noites
de adrenalina, válvulas de escape e glória social, esse esporte me deu uma
família. Uma que, tanto quanto a sanguínea, faria de tudo por mim.
— Okay, vocês venceram. Agora, como seu capitão, ordeno que me
soltem porque vocês estão suados e fedendo pra caralho — falo, rindo, e os
caras comemoram.
Aparentemente, se existe um lugar para Ethan Harris no mundo, esse
lugar é nas quadras, à frente desta equipe.
E eu acho que posso fazer isso. Não posso?
“Para intervir entre mim e esse monstro
E me salvar de mim mesmo e de todo este conflito
Porque as coisas que eu mais amo estão me matando
E eu não posso conquistá-las”
THE MONSTER | Rihanna ft. Eminem
25 de Setembro de 2021
25 de Setembro de 2021
23 de Outubro de 2021
O último mês acabou sendo uma mistura insana de caótico com
sereno.
Depois da minha briga com o meu pai, de colocá-lo em seu devido
lugar, por incrível que pareça, Esteban Castillo resolveu que chegou a hora
de me dar um sossego. Não vou mentir, seu silêncio ainda é um pouco
perturbador, mas a satisfação de estar quase um mês inteiro sem notícias
suas é muito superior.
Sem suas constantes ameaças e tendo a certeza de que estou
respaldada pela lei, focar minhas atenções na faculdade se tornou uma tarefa
muito mais tranquila e empolgante. O que significa que minhas notas estão lá
no alto e eu mal posso esperar para que a disputa pelo estágio comece a se
acirrar.
Além disso, tenho mantido uma rotina de ligações constantes com
Virgínia. Ao menos uma vez por semana, nós passamos cerca de trinta
minutos apenas jogando papo fora. Eu a conto sobre a faculdade, ela me
conta sobre suas viagens e eventos da alta sociedade, e assim, aos poucos, o
carinho vai se sobressaindo à mágoa, conquistando seu espaço.
Ainda temos muitas coisas para acertar e uma conversa séria para
colocar em pratos limpos, mas estamos usando esse primeiro momento para
nos reaproximarmos e, de fato, nos conhecermos. Sei que ela teve outras
duas recaídas fortes no último mês, mas não me chamou para ajudá-la,
apenas me contou por ligação, sendo franca comigo como pedi que fosse.
Ainda assim, estou confiante que, em pouco tempo, vou conseguir
convencê-la a buscar ajuda. Esse é o meu foco a partir de agora.
Assim como eu, Ethan também está muito focado nos estudos, fazendo
um malabarismo impecável entre as aulas e os jogos dos Lions, tendo um
bom aproveitamento nos dois. Acabou que, depois de passado o choque
inicial das descobertas sobre o caso de sua mãe, aos poucos, o garoto tem se
reconstruído, e seu alto astral costumeiro tem lhe acompanhado com uma
quase regularidade.
É inegável o quanto receber o suporte do time o ajudou,
principalmente depois de todos os jogadores terem lhe provado sua lealdade
e admiração, se negando a entrar em quadra sem que ele fosse o capitão. Mal
consegui controlar minha felicidade quando ele me contou sobre isso. Nós
também seguimos frequentando juntos o grupo de apoio com a Melbroke, e
eu sinto que a cada sessão as coisas parecem muito melhor organizadas em
seu peito e em sua mente.
Num modo geral, posso considerar que, enfim, uma calmaria está
perto de chegar para ficar. Embora estudar feito louca e trabalhar na
cafeteria me deixe um pouco cansada, nada de muito terrível tem acontecido,
e eu me limito a agradecer. Cantar vitória antes da hora não faz o meu feitio.
Devo pontuar também que Ethan e eu temos passado um bom tempo
juntos, e que, a cada dia que passa, sinto que temos nos tornado
indispensáveis na vida um do outro. Seja nas horas estudando na biblioteca,
nas comemorações pós jogos no nosso bar favorito, nas sessões de terapia e
até mesmo nas muitas noites em que acabei passando deitada em seu sofá,
aquecida pelo seu corpo e com Bruce ressonando no meu pé.
Nenhum de nós dois nunca chegou a relembrar a “amizade colorida”
que havíamos acordado na noite em que nos beijamos. O assunto se tornou
quase que velado entre nós, e embora estejamos seguindo como se nada
tivesse acontecido, sempre que estamos juntos, nossos toques um no outro e
nossas piadinhas acabam cruzando a linha da amizade.
Sempre que isso acontece, um clima denso paira no ar e um dos dois
recua. Eu sempre acabo desviando o assunto e me afastando. Ethan, por
outro lado, faz alguma piada ainda mais sugestiva para nos causar
gargalhadas até que consigamos esquecer a agitação em nossas veias.
É agoniante não saber como proceder, parecemos estar testando
terreno antes de nos aventurarmos. Como se, depois de tudo que aconteceu,
ambos precisássemos colocar a cabeça no lugar e rever nossas decisões. Eu,
pessoalmente, me sinto em uma corda bamba entre aceitar o fato de que
gostei de ficar com ele, e que repetiria isso, com o fato de que, se dermos
continuidade, seria um lance casual, e eu não sou muito boa com esse tipo de
coisa.
Acontece que eu não consigo parar de pensar em como nosso beijo
foi bom. É inevitável e acontece com frequência. Quando menos espero, as
lembranças dos seus lábios atacando os meus, e suas mãos passeando pelo
meu corpo com avidez, metralham minha cabeça e meu corpo se torna febril.
Uma merda. Uma grande merda.
Dormir em sua casa mais de uma vez por semana não tem ajudado
muito a amenizar esse estrago, confesso. O apartamento que ele divide com
Annelise e Tyler acabou se tornando um ponto de encontro dos nossos
amigos, e estamos lá o tempo inteiro. Às vezes me pergunto como o garoto
tem conseguido manter sua vida sexual ativa, já que passamos a maior parte
do tempo juntos, mas, honestamente, não me permito pensar sobre isso por
muito mais do que alguns segundos.
A mínima menção a ele se deitando nos braços de outra garota como
se deita nos meus me deixa incomodada, mesmo que eu não deva. Não é
como se eu estivesse com ciúmes, porque seria patético, já que não temos
nada, mas é um pouco frustrante pensar tanto em alguém e saber que essa
pessoa provavelmente está com a língua na garganta de outra pessoa.
Por isso que eu detesto a casualidade, penso.
Meus devaneios são interrompidos quando o dispenser de café apita,
informando que terminou de despejar o capuccino de Charles Brooks no
copo de papel. Tampo o recipiente e o coloco sobre a bandeja, com o
restante dos pedidos feitos pela mesa dos meus amigos.
Convoquei uma reunião de emergência e estamos há mais de uma
hora combinando a festa surpresa de aniversário de Ethan. Estamos no final
de outubro, e o dia 27 ser num sábado praticamente me obrigou a organizar
algo legal para o meu melhor amigo. Embora ele tenha dito que não queria
nada demais, fiz questão de pensar em algo que ele se lembrará por um
tempo.
Depois de tudo que rolou, quero que seu aniversário seja um dia para
celebrar a sua vida, e que ele veja o quanto ela pode ser bonita, apesar da
dor. Ouvi-lo dizer que sentia vontade de desistir me doeu mais do que o
normal e eu não quero que esse pensamento volte para sua mente nunca mais.
Distribuo os copos com os cafés e chás para Megan, Tyler, Charles,
Elói, Annelise e Lily, que não está em turno hoje. Minha amiga e a Mansen
mais nova estão finalmente namorando e as alianças de compromisso
prateadas brilham nas mãos das duas quando pegam suas bebidas.
— Certo, todo mundo entendeu tudo, então? — pergunto, e eles
assentem. — Ótimo, só repassem rapidamente suas funções para eu ter
certeza. Ele deve estar chegando já já.
A única forma de nos reunirmos sem levantar suspeitas do garoto foi,
justamente, marcar um encontro de todos, incluindo ele. E passá-lo o horário
errado. Por isso, Ethan acha que todo o pessoal está chegando agora, quando
na verdade estão aqui há um bom tempo.
— Eu e Megan vamos cuidar da decoração — Lily diz.
— Eu vou atrás de um dj — Annelise ergue a mão.
— Eu vou fechar o aluguel do Grove’s —Tyler avisa.
— O bolo é por minha conta — Charles fala, rindo, e eu já não tenho
certeza de que é uma boa ideia.
— E eu, vou transportar o aniversariante — Elói conclui.
— Perfeito! Vou supervisionar tudo e arrumar o bar no dia da festa —
digo, empolgada. — Ele vai adorar!
— Claro que vai, a ideia foi sua — Charles provoca, e eu lhe faço
uma careta. — Falando no cachorrinho...
A frase morre no ar quando o sino da cafeteria soa e Ethan passa pela
porta num look que descobri ser o meu paraíso particular. Calça de moletom
cinza clara, camiseta branca lisa e tênis. É um visual casual comum, mas
algo na forma com que o garoto desfila pela cafeteria em sua postura
arrogantemente ereta, me faz querer agarrá-lo e…
Droga, está acontecendo de novo. Quero beijá-lo.
Engulo seco quando ele se aproxima da mesa, eu sou a única de pé.
Ao invés de se sentar com os outros, Ethan cumprimenta todos de uma vez
só, se desculpando pelo “atraso”, antes de passar o braço por meu ombro e
me deixar um beijo estalado na bochecha.
— Oi, linda — fala, perto do meu ouvido, fazendo uma carícia
discreta no meu pescoço.
Argh! Desgraçado.
— Oi, já sabe o que vai querer? — respondo, baixo, tentando soar o
menos afetada possível.
— Você quem manda, qualquer coisa bem doce, por favor. Acordei
puto com a dieta hoje. — Ter voltado para a rotina de jogos e dieta rigorosa
está destruindo o bom humor dele e dos garotos.
— Vocês podem, pelo amor de Deus, esperar para se comer com os
olhos dentro de um quarto? — Charles fala, e a mesa toda ri, com exceção
de nós dois.
— Nem começa, cara — Ethan o recrimina, se afastando de mim e se
sentando ao lado do garoto.
Vou até o balcão e preparo um frappuccino de caramelo caprichado e
com bastante chantilly para Ethan, além de um matcha latte com cobertura de
chantilly pra mim. Aviso para minha dupla de turno que vou tirar meu
intervalo e me junto ao restante da galera na mesa nos fundos da cafeteria.
“Conheço você há meses, ainda me deixa nervoso
O que está me segurando? Não tenho nada a perder
Bem, espero que você não me olhe como um amigo
Mas eu adoro quando você me olha assim
Já posso te beijar?”
CAN I KISS YOU | Dahl
23 de Outubro de 2021
27 de Outubro de 2021
Desde que entrei na faculdade minha vida social foi de zero a cem
numa velocidade um tanto assustadora. Se no ensino médio eu era só mais
um cara no time de basquete e, às vezes, dava alguma sorte com as garotas, a
vida universitária me fez alcançar o mais alto nível da escala social.
Como consequência, meus dois últimos aniversários foram
comemorados em festas pra lá de extravagantes na casa da fraternidade da
qual Elói é membro. E não é como se eu tivesse detestado, pelo contrário,
foram festas fodas, que rodaram por semanas nos assuntos do campus.
Esse ano, no entanto, sinto que uma parte de mim não quer mais saber
de toda essa atenção. Se tem uma coisa que a terapia vem deixando bastante
límpida em minha mente é o fato de que, pra mim, nada se compara a estar
com os meus amigos e a minha família. E ter eles comigo é a única coisa que
realmente pode tornar esse dia especial.
Já passa das quatro da tarde, o sol está se pondo no horizonte enquanto
eu, meu pai, Tia Suzy, Esther e Angeline comemos, cada um, uma fatia
generosa de torta holandesa.
Acordei na manhã do meu aniversário sendo esmagado por Tyler,
Annelise e Bruce. Cantamos parabéns em um donut de caramelo que meus
amigos compraram na padaria da esquina, e depois disso, Tyler e Lise foram
se encontrar com suas namoradas enquanto eu vim passar o dia com a minha
família, fazendo um piquenique no parque às margens do rio Hudson.
Minha irmã está sentada no meu colo e estamos dividindo uma fatia da
torta. Pego um pedacinho pequeno com a colher e levo até a boca de
Angeline, que está soltando um “hmmmm” a cada mastigada. Sem
brincadeira, acho que eu e a torta holandesa competimos em igualdade pelo
amor da garotinha.
— Thitan, você deveria fazer aniversário todos os dias! — fala,
empolgada.
— Só para você se empanturrar de torta, né? — implico, fazendo
cosquinha nela. — Mas pense só, se todos os dias fossem meu aniversário,
você não ia ter o seu dia e nem a sua torta gigante — eu a lembro. Tia Suzy
faz o doce três vezes maior para o aniversário dela.
— É verdade. E você já ia estar bem velho, não ia conseguir correr
comigo pelo parque — pontua, cogitando que talvez meus aniversários
infinitos não sejam uma boa ideia.
— Eu sempre vou correr com você no parque, Anjinha, mesmo quando
eu estiver bem velhinho e minha corrida estiver mais para uma caminhada.
— Eu já vou ser adulta quando você estiver velhinho, Thitan, não vou
querer correr no parque. — Angeline empina o nariz e joga os fios das suas
duas maria-chiquinhas para trás.
— Você vai ser uma adulta chatiiiiiinha, hein — meu pai implica,
fazendo minha irmã fechar a cara.
Nós todos caímos na gargalhada. Angeline, no entanto, se mantém
impassível. É engraçado como ela tem um gênio forte igualzinho ao da
mamãe e pensar nisso faz meu peito se apertar em saudade. Hoje, porém, não
permito que essa saudade seja recheada de melancolia. Hoje é um dia feliz e
sei que Anastasia gostaria que eu o aproveitasse.
— Você vai ser uma adulta muito incrível, Anjinha. Não ligue para ele
— sussurro em seu ouvido e ela sorri para mim com os olhinhos brilhando,
pegando o prato com a torta da minha mão e comendo mais um pedaço.
— Estou vendo vocês confabulando aí, crianças — Patrick ri e eu
abraço Angeline antes dela se deitar sobre a toalha de piquenique.
— E aí, querido, já tem planos para mais tarde? — é minha tia quem
pergunta.
— Mais ou menos, estou decidindo ainda com a galera o que vamos
fazer.
— E “a galera” seria…?
— Tyler, Annelise, as namoradas deles, uma amiga e os caras do time
— respondo, sob o olhar investigador de Suzy. — Estava sem saco para
organizar uma festa.
— Entendi… — minha tia fala, sem deixar de me encarar.
— O que tá acontecendo, hein? — questiono, confuso. Só então Esther
se intromete.
— Suzan, pare de ser fofoqueira, deixe o garoto em paz — ela adverte,
dando risada. Franzo o cenho, ainda mais intrigado. — Sua tia ainda está
curiosa para saber quem é a garota que te fez sair correndo do nosso jantar
— Esther explica, e eu levo alguns segundos até juntar os pontos.
Ah, que ótimo, esse assunto. Desde a fatídica noite em que abandonei
nossa comilança de sushis para ajudar Amelie, minha tia acha que estou
escondendo um namoro e está pegando no meu pé sempre que consegue.
Segundo ela, eu sou um excelente amigo, mas eu parecia nervoso até demais
para quem precisava apenas ajudar uma amiga em apuros.
Essa merda nem faz sentido.
— Já falei que ela é só uma amiga, tia, pare de pensar besteiras —
resmungo.
— Amiga nova? Por que eu não a conheço? — Agora é o meu pai se
intrometendo.
— É exatamente o que eu venho me perguntando — Tia Suzy retruca, e
eu agradeço aos céus pelo fato de que Angeline está entretida demais
mexendo no celular da Esther.
— Porque, como eu disse, ela é uma amiga. Não teria sentido eu
marcar um evento para apresentá-la. Vocês vão conhecê-la naturalmente —
falo, como se fosse óbvio.
— Você por acaso já beijou ela? — Às vezes, eu odeio pra caralho ter
tanta intimidade com a minha tia.
— Não vou discutir isso com você, Suzan Harris, não mesmo — Digo,
sério, antes de tomar um gole do suco em meu copo.
— Você é um péssimo sobrinho — ela resmunga.
— E vocês duas são um casal lindo. — Aponto para ela e para Esther,
mudando de assunto com maestria. — Como foi a repercussão da mudança
no status de relacionamento?
Depois de quase um ano se escondendo, Esther finalmente foi
efetivada em seu novo emprego e as duas puderam, enfim, gritar aos quatro
cantos do mundo o quanto se amam. Engatamos em uma conversa animada
sobre o quão bem acolhidas elas foram por todos ao seu redor, e em como o
Instagram de Tia Suzy está parecendo um fã clube para a namorada.
O restante da nossa tarde é agradável. Brinco com Angeline na
grama, abro os presentes do meu pai, da minha tia e de Esther. Fofocamos
sobre alguns acontecimentos recentes da família Harris e assistimos o sol se
pôr no rio, ao som dos clássicos do John Mayer. Fazia tempo que eu não
passava um momento tão feliz e tão gostoso com essas pessoas que tanto
amo, e fazer isso ao comemorar mais um ano de vida me deixa realmente
feliz.
27 de Outubro de 2021
27 de Outubro de 2021
Minha mente é uma mistura caótica de tudo que envolve seu corpo no
instante em que passamos pelo batente da porta do meu apartamento, nos
atracando em beijos e mordidas nem um pouco comportadas. O cheiro
adocicado dela instiga completamente meus sentidos e sinto como se eu
pudesse explodir, definitivamente.
Estou ciente de que Tyler e Annelise podem resolver vir pra casa a
qualquer momento, no entanto, isso se torna completamente irrelevante ao
passo que os dedos finos, recheados de anéis, de Amelie deslizam por entre
meus fios de cabelo e os apertam com força.
Prendo seu corpo contra a parede, levando uma das mãos até o seu
pescoço, e uso meu polegar para acariciar sua pele e apertá-la na medida
exata para tirá-la do sério enquanto devoro seus lábios de maneira faminta.
Nossas línguas parecem travar uma batalha em nossas bocas e eu sinto meu
fôlego sumindo aos poucos. Puxo o lábio inferior de Amelie entre os dentes
e o chupo, ouvindo-a gemer manhosa, bem baixinho, fazendo meu pau
acordar.
Grunho nervoso antes de me abaixar e escorregar as mãos por suas
coxas, até a parte interna de seus joelhos e puxá-la para o meu colo. Amelie
ri baixo, envolve meu quadril com as pernas e meus ombros com os braços,
enterrando o rosto na curva do meu pescoço. Minha pele se arrepia quando
sinto ela espalhando uma sequência de beijos que são como o próprio
inferno tocando minha derme.
Enquanto sigo até o meu quarto, a situação dentro das minhas calças se
torna completamente calamitosa. Pode ser que eu esteja me deixando levar
pelo calor do momento, mas acho que nunca ansiei tanto por uma transa na
minha vida.
Passo pela porta e fecho-a com o pé, tomando cuidado para não fazer
muito barulho e atiçar Bruce. Assim que ouço o som do trinco, me afasto em
direção à cama.
Curvo-me sobre o colchão, deixando Amelie deitada sobre o lençol, e
quando nossos olhares enfim se reencontram, sei que essa mulher ainda vai
foder com a minha cabeça de uma tal forma, que nem muitos anos de terapia
vão conseguir curar, porque eu poderia gozar só com o vislumbre dela
exatamente como está.
Com os cabelos desgrenhados, os lábios inchados, o vestido amarelo
justo suspenso até o limite do quadril e um olhar intenso que promete a
melhor noite que já tive.
— Jesus Cristo, você é linda pra caralho — sopro, analisando cada
detalhe do paraíso que é tê-la deitada na minha cama para o melhor dos fins
possíveis.
Essa mulher…
Eu não preciso estar dentro dela para saber que, possivelmente, vou
ficar viciado em tê-la só pra mim dessa forma. Puta. Merda. Ainda não
acredito que isso está mesmo acontecendo.
Sou desperto da minha constatação do quão fodido estou quando
Amelie leva as mãos até a barra do vestido, dando a entender que vai tirá-lo.
— Nem pense nisso! — exclamo antes de arrancar a camiseta que
estou vestindo e lançá-la para trás, avançando em sua direção logo em
seguida. — Não vai me privar da melhor parte, Coelhinha.
Estou por cima, cobrindo seu corpo com o meu. Seu rosto está tão
próximo que sua respiração aquece a pele das minhas bochechas. Amelie
ergue o queixo, me olha nos olhos com determinação e noto o sorriso
devasso que se alarga em sua boca.
— Passei a noite inteira querendo agarrar você e te encher de beijos
— confessa, rindo. — Você não tem ideia da vontade que me fez passar,
Ethan Harris.
— Acredite, linda, eu vi nos seus olhos — me gabo, antes de deixar
um beijo rápido em sua boca.
As unhas da garota começaram a arranhar o meu peitoral, seguindo o
caminho pecaminoso até a barra da minha calça, e eu sinto meu pau quase
rasgar o tecido da minha roupa no mesmo segundo em que ela o apalpa.
— Só para ter certeza, não vai foder comigo e depois me deixar um
mês inteiro com dor no saco te implorando para voltar para a minha cama
não, né? Sério, Coelhinha, aquilo foi tortura — pergunto, encarando-a.
— Isso depende de você. Vai me fazer querer mais?
A sua sobrancelha se ergue em desafio e sinto cada uma das minhas
células fervendo em resposta. É fodido demais lidar com o que ela causa em
mim quando me olha desse jeito e eu, definitivamente, não acredito que ela
ainda continua me provocando, mesmo estando a alguns segundos de me ter
no meio das suas pernas.
— Vou te fazer descobrir a resposta sozinha — falo em seu ouvido,
antes de puxá-la para o meu colo.
Amelie sorri e me fita com expectativa. Afundo as mãos sob o tecido
da sua roupa, começando pela barra e subindo ansioso por suas costas até
encontrar o fecho do sutiã, que desfaço com destreza antes de puxar a peça
para fora do vestido. Amelie está com a testa colada na minha, e embora
tente disfarçar, sinto a leve tensão que a percorre quando meu movimento
experiente se faz.
A reação exala uma dose de insegurança que eu trato de afastar o
mais rápido possível. Embora seja alguém tão experiente quanto eu, e
completamente bem resolvida, sei que Amelie está com um pé atrás em
relação ao quanto estou disposto a me envolver nisso tudo. Sei que é uma
experiência diferente para ela e, mesmo sendo algo casual, sei que ela
valoriza que haja uma conexão verdadeira entre nós. E existe.
E como existe. Poucas coisas no mundo são verdades irrefutáveis, a
nossa química é uma delas.
— Eu estou pensando somente em você, linda. — Deixo um beijo
carinhoso em seu ombro quente. — Só você, agora e antes também. E se me
permitir, enquanto estivermos aqui dentro, eu sou só seu.
Subo a trilha de beijos pelo seu pescoço e deixo um demorado na sua
bochecha. Amelie é a minha melhor amiga, e eu odiaria se esse momento não
fosse bom para ela como está sendo para mim.
Levam poucos segundos para que ela segure meu rosto com a duas
mãos e leve-o de encontro ao seu, unindo nossas bocas em um beijo ardente
que, além de me dizer muitas coisas, é o estopim para me levar à loucura,
reacendendo todo o tesão impregnado em meu corpo.
Afasto as mãos dela apenas para puxar seu vestido por sua cabeça.
Amelie senta sobre o colchão e leva os dedos nervosos para o botão da
minha calça, abrindo-a desesperada. Ergo o corpo para me livrar do jeans e
da cueca, mas não antes de puxar o pacote laminado do bolso traseiro e
largá-lo sobre o lençol.
Amelie se deita de costas para o colchão. Os fios cacheados se
espalham por meus travesseiros e noto suas bochechas ruborizando enquanto
ela leva as mãos até o quadril para arrancar a calcinha branca rendada.
— Cacete — sussurro, completamente arrebatado pela visão do seu
corpo nu.
Tudo nela é deliciosamente perfeito, e eu com certeza colocaria uma
foto dela pelada na parede do meu quarto, só para passar dias tendo a visão
que tenho agora. Os seios pequenos arrebitados, a pele negra clara
bronzeada pelo sol, as coxas grossas unidas tentando conter seu desejo, o
quadril largo que me faz acreditar que Deus existe, porque algo tão lindo não
poderia ser obra de mais ninguém.
Amelie Castillo é a porra da mulher mais sexy do mundo inteiro.
E está deitada na minha cama. No meu aniversário.
O conceito de sorte acaba de ser redefinido na minha cabeça.
— Por favor, faz alguma coisa. Eu estou ficando nervosa — ela fala
baixinho.
Dou risada antes de engatinhar até ela e cobrir seu corpo. Amelie
solta o início de uma risada que cessa no momento em que uno seus pulsos e
os seguro acima da sua cabeça.
Inclino o rosto na direção do seu e, com a mão que não está
aprisionando seus pulsos, capturo seu seio, enchendo minha palma com ele.
Sinto o mamilo endurecido e o circulo com o polegar, deixando uma carícia
que faz com que ela arqueie o corpo, jogando a cabeça para trás no instante
em que o aperto.
O gemido contido e falhado que escapa de sua garganta me atinge em
cheio, quase que em sincronia ao instante em que libero uma das suas mãos.
Logo em seguida sinto os dedos da garota envolvendo meu membro latejante
que está desesperado por atenção.
Mordo a carne que cobre o osso de sua mandíbula, soltando um
grunhido angustiado quando ela começa um vai e vem lento com a mão,
masturbando meu pau de um jeito gostoso.
— Mais força — balbucio, brincando com o lóbulo da sua orelha entre
os dentes.
— O quê?
— Segura ele com mais força, linda — ordeno, agora com a voz firme.
Amelie pressiona ainda mais seu aperto ao meu redor e eu gemo
enlouquecido em seu ouvido.
— Assim? — ouço-a perguntar.
— Sim — assinto também com a cabeça. Ela aperta um pouco mais
forte e a pressão me faz ver estrelas. — Puta merda, assim mesmo.
Fecho os olhos para aproveitar a sensação e tentando me concentrar
em não gozar, mas temo não durar muito, porque porra, passei o último mês
inteiro fantasiando com esse momento.
Estou tão inebriado que quase resmungo quando sua mão se afasta.
Engulo a reclamação no instante em que ela me empurra para o lado, me
fazendo deitar de costas para o colchão, e se senta no meu colo, arrastando o
quadril em minha direção, esfregando sua intimidade molhada e quente
contra o meu membro duro.
— Caralho, você tá pingando — falo, ofegante, levando uma das mãos
até o seu pescoço e segurando firme.
Amelie abaixa o olhar rapidamente para ver onde estou segurando e
sorri, gostosa feito o inferno, apoiando-se no meu peito e me torturando
enquanto rebola com a boceta encharcada sobre mim.
— Vou te dar o melhor presente de aniversário que já recebeu na vida,
Harris — ela fala, rouca, antes de aproximar o rosto do meu.
Nosso beijo é quente, molhado e faz com que eu me sinta à beira de um
precipício. A fricção das nossas intimidades faz minha mente girar num
looping eterno de “caralho, eu preciso entrar nessa garota”. Nossas
respirações se tornam ofegantes e se fundem no ar aos gemidos curtos que
deixamos escapar.
Escorrego minhas mãos até sua bunda e a aperto com força,
aumentando o contato entre nós e sentindo meu pau ficando encharcado
enquanto desliza entre as dobras meladas pela excitação da garota.
Quando sinto que estou prestes a perder de vez a cabeça e me enterrar
dentro dela, um alerta se acende em minha mente como um outdoor luminoso.
— Camisinha — digo baixo.
— Pode pegar pra mim, por favor? — responde, ofegante.
Pesco o preservativo debaixo do travesseiro, sem ter ideia de como
foi parar lá.
Amelie rasga a embalagem da camisinha e a desliza por toda a minha
extensão endurecida, me fazendo arfar. Inverto nossas posições, a deixando
por baixo, deitada de costas para o colchão, e me encaixo entre as suas
pernas com um sorriso presunçoso. A garota semicerra os olhos em minha
direção, parecendo entender porque estou me vangloriando.
Nós dois somos obcecados por controle, não me espanta que
estejamos brigando por isso na cama também.
Entrelaço nossos dedos, erguendo suas mãos novamente, deixando-as
ao lado da sua cabeça dessa vez. Encaro suas íris escuras brilhando em
minha direção, ansiosas, encantadas e felizes. Prolongo o momento porque
quero ter o prazer de vê-la implorar, e foda-se se isso soa narcisista, eu
estou completamente louco pelo fato dessa mulher me querer.
Não demora muito para que ela perca a paciência e diga com todas as
letras:
— Se você não me comer agora, eu juro por tudo que vou ficar muito
estressada, Ethan Harris.
Sorrio por sua bronca, mandona como sempre. Do jeitinho que eu
gosto.
— A última coisa que você vai ficar, depois que eu te foder bem
gostoso, vai ser estressada, linda.
— Prove.
E essa é a deixa para que eu me afunde nela. Suas mãos apertam as
minhas com força e ela solta um arfar alto assim que nossos quadris se
encontram. Fico um tempo parado, esperando até que ela se acostume, e
quando sinto-a erguendo a cintura, me buscando, começo a me movimentar
com cadência.
Seus gemidos soam como música para os meus ouvidos, e a cada
investida profunda que lhe ofereço, suas pernas agarram minha cintura e sua
intimidade aperta meu pau com força, me provocando um prazer
inexplicável.
O conjunto todo parece me embriagar, seu cheiro penetra minhas
narinas deixando tudo ainda mais sensorial. O estalar dos nossos corpos se
unindo, os sons de seus gritos desesperados chamando o meu nome, o suor
cobrindo nossas peles. Eu não sei dizer o que raios Amelie tem de diferente
que está me deixando tão entorpecido, mas eu sinto que poderia foder com
ela, dessa exata forma, por muito tempo.
Solto suas mãos e apoio meus antebraços ao lado da sua cabeça para
me firmar sobre ela sem machucá-la. Meu pau entra e sai da sua boceta com
velocidade e eu grunho quando a dor prazerosa das suas unhas cravando em
minhas costas me atinge.
Colo meus lábios nos seus, engolindo o princípio de um xingamento
que estava prestes a escapar da sua boca. Chupo sua língua arrancando um
gemido gostoso da sua garganta. Amelie escorrega as mãos até a minha
cintura, arranhando minha lombar e descendo até a pele da minha bunda onde
ela arranha e segura firme, me puxando para entrar ainda mais fundo nela.
Sei que estou prestes a perder o controle quando o barulho das nossas
peles se encontrando se torna alto demais.
— Se quer me dar meu segundo presente de aniversário, a hora é
agora, Coelhinha. Não vou durar muito — aviso, diminuindo as estocadas.
Ela sorri, e sem sair de dentro dela, giramos na cama. Amelie começa
a cavalgar em mim com as mãos apoiadas nos meus ombros. Agarro suas
coxas e ergo a coluna o suficiente para abocanhar seu mamilo entumescido,
chupando-o e brincando com ele com a língua.
A garota usa uma das mãos para pressionar meu rosto contra o seu
peito, apertando meus cabelos e parecendo gostar do que estou fazendo.
Tanto, que mal escuto quando sua voz falhada implora pela última coisa que
achei que uma garota tão certinha gostaria na cama.
Estou sorrindo feito um bobo contra sua pele no instante em que
estalo um tapa forte em sua bunda, atendendo ao seu pedido, e ela geme com
vontade, tombando a cabeça para trás e me instigando a repetir. A cada tapa,
um gemido manhoso ecoa pelo quarto em resposta.
Eu acho que morri e esse é o paraíso.
Puta que pariu, foder com essa garota acaba de se tornar o top 1 das
minhas coisas favoritas da vida.
Conforme sua respiração se torna ainda mais irregular, preciso manter
um controle excepcional para não me deixar levar. Levanto o rosto em sua
direção, deixando beijos e mordidas em seu pescoço.
Amelie gruda o corpo no meu, me abraçando, parando de cavalgar e
começando a esfregar a boceta contra mim desesperadamente, comigo
enterrado nela. Sei que está prestes a gozar, e por isso, levo uma das minhas
mãos ao ponto que nos une e esfrego o seu clitóris inchado.
Puxo o ar com toda a força que tenho, sinto minhas narinas dilatadas,
os seus sons se tornam cada vez mais altos. Ela se esfrega em mim com mais
força, usando uma das mãos para tocar seu seio, e eu preciso apoiar minha
cabeça em seu ombro para me manter são. Amelie está chegando lá. E eu
também.
— Quero ver você, Ethan, olhe para mim. — A voz falhada me
alcança fazendo com que eu a encare, hipnotizado pra caralho. Os fios do
meu cabelo grudam na minha testa molhada, mas não são o suficiente para
me desviar do meu foco.
Ela.
Amelie goza primeiro olhando dentro dos meus olhos e chamando meu
nome, e eu a sigo, instantes depois. O suor pingando, a falta de fôlego, o
tremor de suas pernas sobre o meu corpo, o olhar caído e nublado pelo
tesão, a boca inchada… É tudo tão erótico e tão perfeito que nem com a
melhor das criatividades eu seria capaz de pensar em algo tão bom.
Passamos um longo tempo abraçados, nos derretendo no corpo um do
outro, até que nossas respirações voltem à regularidade. Quando Amelie sai
do meu colo, logo depois de deixar um beijo demorado em meu rosto, já
estou contando os segundos para estar dentro dela de novo.
Me levanto ainda meio desnorteado, descarto o preservativo na lixeira
perto da minha escrivaninha e volto para a cama, me deitando ao lado dela e
puxando-a para o meu peito. Amelie se deita sobre mim e apoia a cabeça em
um dos braços, me encarando com atenção antes de levar uma das mãos para
o meu rosto, contornando cada traço até chegar em minha bochecha, onde ela
deixa um carinho gostoso.
— Feliz aniversário, Capitão. Espero que tenha gostado do presente
— fala, baixo, antes de se esticar para me dar um selinho.
— Melhor aniversário da minha vida. — Dou risada antes de morder
sua bochecha e abraçá-la.
Se eu já havia achado insano o tanto que fiquei obcecado pelos seus
beijos, estou seriamente preocupado em como vou conseguir viver a minha
vida, acordar todos os dias, cumprir todas as minhas atividades e me deitar
no fim do dia sem estar dentro dela.
Juro por tudo que é mais sagrado. Amelie tem uma foda insuperável.
“Tem uma parte de mim que não posso recuperar
Uma garotinha cresceu rápido demais
Bastou uma vez, nunca mais serei a mesma
Agora estou recuperando minha vida”
WARRIOR | Demi Lovato
29 de Outubro de 2021
Ethan tem uma chama tatuada na bunda.
Bem pequena, na lateral da nádega direita. Exatamente ao lado de
onde, agora, há uma marca avermelhada de um arranhão nada delicado que
deixei com as minhas unhas.
A noite do seu aniversário foi, sem sombra de dúvidas, a mais insana
de toda a minha vida. E embora eu quisesse dizer que foi por conta da festa
incrível, que organizei com muita dedicação, todo o crédito vai para o
jogador de basquete arrogante e seu sexo suado, selvagem e pra lá de
gostoso.
Já tive transas boas antes, muito boas por sinal, mas absolutamente
nada se compara ao que fizemos naquele quarto. Ou ao que viemos fazendo
nos últimos dois dias. A nossa conexão na cama simplesmente conseguiu
transcender o conceito de “sexo bom”, e desde então nós dois parecemos
dois coelhos, completamente viciados um no outro.
Sem exageros, tivemos que entrar em um acordo de que hoje seria
nosso dia de descanso da maratona sexual em que emendamos desde que o
fizemos pela primeira vez. O problema é que isso parece quase impossível.
Fazem menos de vinte e quatro horas que o garoto esteve dentro de mim pela
última vez, e eu estou apertando meus dedos com força no volante do carro
para afastar a tentação de lhe enviar uma mensagem.
Infelizmente, Ethan Harris e suas habilidades para me presentear com
orgasmos arrebatadores vão ter que ficar para outra hora. Agora, minha
tensão e ansiedade estão nas alturas por outro motivo: o almoço que estou
prestes a ter com a minha mãe.
Embora tenha sido eu quem realizou o convite, como forma de dar
mais um passo em nossa relação, não consigo evitar de sentir um nervosismo
incômodo subindo dos pés à cabeça no instante em que estaciono em frente
ao Marea.
Saio do carro checando minha aparência no vidro. Meus cabelos
estão presos em um rabo de cavalo alto e estou vestindo um suéter colete
azul claro, com uma saia rodada branca e mocassins no mesmo tom nos pés.
Seguro firme na alça da minha ecobag enquanto caminho até a entrada do
restaurante. Meu coração pulsa em um ritmo frenético em meu peito e eu
tenho quase certeza de que minha pressão está nas alturas.
— Reserva no nome de Amelie Castillo — aviso para o recepcionista
assim que me aproximo do balcão, e o homem esquadrinha a tela do
computador com atenção.
— Certo… Oh, aqui está! Sua acompanhante já chegou. Aguarde só um
instante, um dos nossos atendentes vai levá-la até lá.
Assinto, aguardando perto da porta e aproveitando para checar meu
celular.
Problema de Estimação: Espero que dê tudo certo no seu almoço.
Estou torcendo por você.
Problema de Estimação: Qualquer coisa me liga, vou estar no
treino, mas chego em segundos para te resgatar :)
Sorrio encarando as mensagens, mesmo sabendo que eu jamais faria
Ethan abandonar um treino só para me acalmar caso eu discuta com a minha
mãe. Mas só de saber que ele o faria, se eu pedisse, faz com que meu
coração aqueça involuntariamente.
Eu: Estou esperando para entrar no restaurante.
Eu: Nervosa pra caramba, mas feliz. Bom treino, se fizer muitas
cestas podemos comemorar mais tarde ;)
Envio a última parte já rindo, e em segundos a resposta empolgada
chega.
Problema de Estimação: #MelhorIncentivoDoMundo
#NuncaFuiTriste
Problema de Estimação: Obrigada deuses do sexo, há três dias
minha vida é dez vezes mais feliz.
Eu: KKKKKKKK bobo! Preciso ir, falo com você mais tarde, bjs!
Problema de Estimação: Bjs! Vou pro seu alojamento depois do
treino, pode ser?
Eu: Combinado! Meg vai estar lá para abrir para você. Vou para a
academia depois daqui, e então vou para casa.
E lá se foi o nosso dia de “descanso”. Mas quem se importa, não é
mesmo?
Observo atentamente cada detalhe do restaurante enquanto sou
conduzida por uma funcionária baixinha até a minha mesa. Sinto uma pontada
de receio quando noto as garrafas de diferentes bebidas alcoólicas expostas
em um dos muitos aparadores de madeira, rezando internamente para que
Virgínia não repare.
Ao nos aproximarmos da mesa reservada, meus olhos caem sobre a
mulher e eu sinto uma pequena vontade de chorar. É a primeira vez que nos
vemos em um bom tempo, e consequentemente, a primeira vez em que não
estamos em um hospital.
Considero isso um momento simplesmente gigantesco em nossa
trajetória.
Estendo a mão em sua direção para cumprimentá-la, um abraço seria
forçar uma barra que ainda não consigo. Ela faz o mesmo, me oferecendo um
sorriso que entrega o fato de que ela está tão nervosa quanto eu.
Virgínia está usando uma blusa de seda branca com uma saia plissada
verde esmeralda. O cabelo crespo está escovado e preso em um coque
simples, e pele negra retinta do rosto está limpa, livre de maquiagem.
— Oi, mãe — minha voz sai doce, e sua postura tensa parece relaxar
um pouco.
— Olá, querida. Como você está? Pegou muito trânsito? — pergunta,
enquanto o garçom coloca um cardápio na frente de cada uma de nós.
— Quase nada, Nova Iorque e seu tráfego caótico resolveram me
ajudar hoje. Enfim, estou bem, e a senhora?
— Bem também — ela responde, tranquila, e eu a encaro por alguns
longos segundos. — Não tive nenhuma outra recaída, se é o que esperava
ouvir — seu tom envergonhado machuca meu peito.
— Eu… Eu não… Não era nada disso — bufo, frustrada por deixá-la
desconfortável. Não sei muito bem como esperava lidar com a situação. —
É só que… Você está diferente. Está muito bonita, radiante, na verdade. Faz
um bom tempo que não a vejo assim.
Ela sorri pelo elogio, mas eu sei que é um sorriso doloroso, porque
nós duas sabemos que há mais de um ano eu só a vejo em hospitais.
— Muito obrigada, Niña. Você também está linda, parece feliz. Como
estão as coisas na faculdade?
— Ótimas.Vou ter uma reunião depois da Ação de Graças para
anunciarem quem continuará na disputa pelo estágio. Aquele que te falei, se
lembra?
— Claro, no jornal do Lambrock, não é? Estive com a esposa dele,
Vivienne, na semana passada. Ela me disse que ele está muito confiante com
a vaga que ofereceu para a sua universidade.
— Mamãe, por favor, me diga que não citou o meu nome ao conversar
com ela. Já não basta Esteban tentando comprar a vaga, eu… — tento
continuar, mas sou interrompida.
— Ei, querida! Eu não falei nada, está bem? Eu tenho visto o quanto
você é batalhadora e estudiosa. Se tiver que ganhar essa vaga, sei que vai
ganhar sozinha — ela diz, sorrindo. — Esteban é mesmo um tolo se pensou
que você aceitaria qualquer coisa diferente disso.
Encaro Virgínia completamente boquiaberta. “Quem é você, e o que
você fez com a mulher que não se importa comigo?” penso em dizer, mas me
mantenho calada enquanto processo sua fala.
— Você tem visto ele? As coisas entre vocês chegaram a melhorar? —
ela pergunta, me puxando de um transe para outro. É a primeira vez que
falamos diretamente sobre ele desde que nos aproximamos.
— Nós não… Não nos falamos mais. Definitivamente. — Engulo seco,
tentando disfarçar o nó em minha garganta.
— Amelie… — Ela me olha com tristeza. — Ele é o seu pai.
— Não é. Ele pode ter uma participação na minha formação genética e
no sobrenome nos meus documentos, mas nem de longe aquele homem é o
meu pai — falo, friamente, antes de chamar o garçom e fazermos nossos
pedidos.
Quando o atendente deixa a mesa, volto a encarar minha mãe e seu
rosto está tomado por algo parecido com culpa e medo.
— Mãe, eu sinto muito se isso ainda magoa a senhora, mas eu nunca
vou conseguir esquecer o que ele fez com nós duas, nunca. Eu juro que tentei,
mas cada vez que eu recebo uma ligação de Madelyn para ir buscá-la em
uma emergência, cada vez que eu percebo o quanto nós nos perdemos uma da
outra, cada vez que ele me coagia e me manipulava…
— Espera! Ele o quê? — a voz de Virgínia sobe uma oitava, e eu vejo
a raiva queimar em suas íris negras. — Niña, como assim? O que ele fez
com você?
Solto uma risada nervosa. Ela está falando sério? Não é possível que
ela nunca tenha percebido. Mas também, como perceberia? Nós mal
trocávamos duas palavras.
Mamãe errou comigo, errou feio ao depositar sobre uma adolescente a
responsabilidade de guardar o segredo de que ela estava se afundando no
alcoolismo, mas ela está doente. E agora, vendo seu rosto refletindo revolta,
sei que, embora ela aceitasse as piores coisas vindas do meu pai quando
direcionadas a ela, Virgínia jamais admitiria a forma com que ele me tratou
nos últimos anos.
E se não fosse o seu maldito vício, percebo que eu teria sido protegida
com unhas e dentes pela mulher diante de mim. Por sua versão sóbria, aquela
que ainda se lembra um pouco de como ser a minha mãe.
Eu definitivamente odeio Esteban Castillo. Odeio ele por ter feito
Virgínia se perder de si mesma ao ponto de mergulhar em uma doença que a
tirou de mim e me tirou a oportunidade de ter crescido sem a minha
infinidade de traumas.
— Você não sabe mesmo? — pergunto, ainda incrédula.
— Eu não faço a menor ideia do que aconteceu — admite, frustrada.
— Pelo contrário, passei noites em claro vendo as fotos de vocês em
grandes eventos da empresa e me culpando por não ser forte o suficiente
para ainda estar na sua vida como ele estava. Amelie, pelo amor de Deus,
você precisa me explicar isso, agora.
Sua revelação me deixa um pouco perplexa. Levo alguns segundos até
conseguir alinhar meus pensamentos e então começo a contar tudo. Desde as
ameaças sobre deixar de pagar meus estudos, os presentes e joguinhos
mentais, as chantagens, até todo o desenrolar da fatídica noite do baile onde
tivemos nossa pior briga. Essa, eu a narrei com detalhes, e me desculpei por
ter deixado escapar sua condição.
Minha mãe ouviu tudo com atenção, segurando minha mão nos
momentos em que eu me sentia prestes a desabar em lágrimas, e eu acho que
esse foi um dos momentos mais especiais que vivi com ela em anos.
— Querida… Eu não tinha a mínima noção de nada disso. Eu juro! Ele
sempre fez parecer que você era a coisa mais importante da vida dele, eu…
Céus, eu nem ao menos imaginava! — Ela parece atordoada.
— Acredite, a coisa mais importante da vida dele é a conta bancária.
Nós fomos meros acessórios, sempre. E a Tiffany também é. Nunca mais se
permita sentir inferior a ela, você não é, mãe. Ele é um desgraçado — digo
firme. Odeio o estrago que aquele homem fez na autoestima dela. — Esteban
só se importa com ele mesmo, com a empresa dele e o dinheiro dele. Todo o
resto é acessório e descartável.
— Eu sinto muito por isso, sinto muito mesmo — diz, com a voz
trêmula.
Quando nossa comida chega, os olhos de Virgínia estão marejados e
nenhuma de nós está exatamente com o maior dos apetites.
Comemos em silêncio no que parece ser uma eternidade. Na hora de
pagar a conta, minha mãe me olha feio quando puxo a carteira da bolsa e se
antecipa em entregar seu cartão de crédito para o pagamento. Quero
reclamar, afinal fui eu quem a convidei, mas entendo que ela precisa sentir
que estava fazendo algo.
Quando caminhamos até o meu carro, meu coração está apertado e eu
sinto que precisaria de muito mais tempo no tatame para conseguir gerir
minhas emoções com clareza. Essa ainda não foi a conversa que eu
precisava ter com a minha mãe, mas é um caminho para chegar até lá.
— Tenho treino de boxe agora, mas posso atrasar. Precisa que eu te
leve para casa? — questiono, abraçando meu próprio corpo.
— Não, querida, pode ir resolver suas coisas. Alfred vem me buscar
— explica.
— Certo. Então… Foi bom estar com você hoje, de verdade. Apesar
de tudo, gosto de vê-la sendo quem realmente é — falo, e ela assente,
captando a mensagem. — Nos vemos…?
— Em breve, eu espero — ela diz, sorrindo. — Na Ação de Graças,
caso você se sinta confortável. Adoraria que passasse o feriado comigo, em
casa — completa, tímida.
Meu coração vai na boca, e eu não sei se choro ou explodo num misto
de felicidade e nervosismo. Temo estar me precipitando, colocando
expectativas demais em algo para, em seguida, cair com a cara no chão.
Mas, honestamente, pouco importa.
A única coisa em que o meu bobo coração consegue focar é que,
depois de mais de quatro anos, eu tenho a chance de finalmente passar uma
Ação de Graças com a minha mãe.
Mesmo que eu deteste aquela casa, mesmo que, no fundo, eu esteja
morrendo de medo dela decidir beber e perder o controle, mesmo com tudo
isso, sentir que minha mãe realmente quer a minha presença numa data
destinada a família e a gratidão, me faz querer soltar gritinhos de felicidade.
Isso finalmente está acontecendo.
— Nos vemos na Ação de Graças — Sorrio, e ela parece feliz com a
minha resposta. — Preciso levar alguma coisa?
— Nada. Apenas a sua presença — fala, empolgada, e eu assinto.
Nos despedimos com um cumprimento desajeitado e eu entro no carro
já acendendo a tela do meu celular para contar para Megan que esse ano ela
vai perder sua companhia para temperar o peru com a sua avó. Minha cabeça
vai a milhão enquanto dirijo até a academia, e minha amiga solta uma
comemoração feliz ao receber a notícia, além de me parabenizar pelo meu
avanço.
Esse almoço foi, certamente, um grande passo. Eu mal posso esperar
para o momento em que verei Virgínia completamente livre do vício e
recomeçando uma nova vida. Mal posso esperar para vencermos isso juntas.
Assim que passo pela porta do meu dormitório, vejo que a única luz
acesa é a do meu quarto, e que Megan não está em casa. Tiro meus sapatos e
vou até a máquina de lavar, jogar a minha roupa suada do treino. Penduro
minha bolsa no gancho do corredor e ando na pontinha dos pés até o meu
quarto, onde Ethan me espera, agradecendo por já ter tomado banho na
academia.
Enlouqueceria se não pudesse me atirar em seus braços logo de cara.
Abro a porta com cuidado, e encontro ele distraído, observando as
colagens no mural da minha escrivaninha. Ele está com uma camiseta cinza e
uma bermuda de moletom preta que deixa sua bunda fantástica.
— Não sabia que era tão fã assim do The Politician — ele comenta,
sem se virar, me assustando por perceber que minha presença já foi notada.
Ele está encarando a infinidade de recortes de matérias e as múltiplas
logos do veículo ao qual estamos concorrendo ao estágio.
— É o meu jornal favorito. Desde sempre. Assim que entrei na
faculdade eu já sabia que queria trabalhar nele — falo, baixinho, antes de
abraçá-lo por trás e plantar um beijo na sua omoplata.
Ethan se vira, ficando de frente para mim e envolvendo minha cintura.
Fecho os olhos quando ele se aproxima para deixar um selinho demorado na
minha boca e solto um grunhido de satisfação. Adoro beijá-lo. Poderia fazer
isso o dia inteiro.
— Por que Jornalismo? — ele pergunta ao se afastar, me encarando
com seus olhos castanhos tão, tão lindos. — Você é fissurada por arte, nunca
pensou em cursar?
Sorrio pelas perguntas. Já as ouvi muitas vezes e amo respondê-las.
— Jornalismo é arte — falo, levando a mão até o seu rosto e
acariciando sua bochecha. — E eu não sei dizer exatamente o que me faz ser
tão completamente apaixonada, mas existe alguma coisa tão poderosa na arte
de comunicar que faz com que eu sinta que não há outro lugar para mim
senão fazendo isso. Temos nas nossas mãos um poder que muitos ainda
desconhecem, outros fingem não reconhecer. Podemos criar revoluções,
confrontar presidentes, mover opiniões. Informação é poder, e eu quero ser
alguém que distribui esse poder até o meu último suspiro.
Seus olhos me esquadrinham com admiração, e eu sei que
compartilhamos desse mesmo amor louco e desenfreado pela comunicação.
Ethan e eu podemos ser opostos em muitas coisas, mas amamos nossa futura
profissão com o mesmíssimo afinco.
— E você? Por que Jornalismo? — pergunto.
Ele ri e sacode a cabeça.
— A pergunta certa seria “desde quando Jornalismo?''. Porque eu não
me lembro de um momento na minha vida em que eu não soubesse que nasci
para fazer isso. Sempre fui fascinado por tudo que envolve levar informação
até as pessoas — responde. — Só não me decidi até hoje se quero a área
investigativa ou esportiva. Sempre pensei que trabalhar com jornalismo
investigativo seria como uma reparação para o fato de que a imprensa foi
negligente pra caralho com o caso da minha mãe. Mas depois de tudo, já não
sei se realmente quero trabalhar nesse meio.
— É compreensível, já pensou na ESPN? — pergunto, pensativa. Ele
assente. — Eu sou cem por cento da área política, é a que mais me encanta.
— Eu percebi — ele fala, rindo. — Mas vai ter que esperar um
pouquinho por ela, porque o estágio do fim do terceiro ano é meu.
— Pode tirar o cavalinho da chuva. Nós dois sabemos que eu vou te
massacrar — Gargalho, e começo a empurrá-lo para a minha cama.
Ethan cai de costas para o colchão e eu o escalo, montando em seu
colo. Suas mãos sobem por minhas coxas, infiltrando-se por baixo da minha
saia, onde ele encontra seu playground particular.
Colo nossas bocas num beijo quente, esquecendo-me do restante do
mundo lá fora e me concentrando unicamente na língua dele deslizando pela
minha da forma mais gostosa possível. Mordo seu lábio inferior no momento
em que ele deixa apertos fortes na minha bunda que, instintivamente, me
fazem rebolar em seu colo de forma lenta, já sentindo sua ereção por baixo
do short.
Pelo amor de Deus, Ethan Harris.
— Já disse que adoro quando você usa saia? — pergunta, me
segurando com força contra a sua virilha e me fazendo gemer baixo. —
Porque eu adoro.
— Nunca — respondo, entre um beijo e outro. — Na verdade, você
detestava minhas roupas, mas vou me lembrar de usar mais vezes.
Volto a me concentrar no beijo, mas Ethan se afasta e me encara
confuso.
— Quem te disse que eu odiava suas roupas? — pergunta, ofendido.
— Você, nas milhares de vezes em que as chamou de “roupas de
princesa”, como se eu fosse uma garotinha mimada — explico, fazendo
aspas com os dedos.
Ethan me encara por alguns segundos antes de cair na gargalhada.
Sim, gargalhada. O desgraçado está quase tremendo de tanto rir enquanto se
senta e me envolve em seus braços.
— Linda, eu sempre achei o seu estilo o máximo — ele fala, deixando
uma mordida na minha bochecha e eu o olho feio. — Nunca disse isso na
intenção de debochar de você. Elas só, de fato, parecem roupas que
princesas usariam no mundo moderno, isso não é ruim.
Isso é sério?
— M-Mas… Ugh! Então por que você sempre disse isso de um jeito
que fez com que eu me sentisse mal por me vestir dessa forma? Qual o seu
problema? — Dou um tapinha em seu ombro, e ele pega minha mão,
beijando as pontas dos meus dedos.
— A culpa não é minha se você interpretou errado — diz, cínico, antes
de levar minha mão até seu rosto e acomodá-la em sua bochecha. — Era
minha forma, desajustada, de dizer que você ficava gostosa.
— Não era mais fácil só falar?
— Você chutaria meu saco, Coelhinha — provoca.
— Ainda posso fazer isso, não me provoque.
— Ah, não pode não — fala, dando risada, antes de me derrubar na
cama e me cobrir com seu corpo. — Aposto que você não se atreveria a
machucar o Ethan Júnior depois de descobrir o que ele pode fazer.
Solto uma gargalhada alta porque, por Deus, estou transando com um
cara que chama o pau pelo nome.
— Odeio você — sopro, antes dele se inclinar e unir minha boca à
sua.
— Continue falando, quem sabe assim você passe a acreditar —
retruca, antes de me dar outro beijo.
— Odeio muito você — repito enquanto ele tira meu suéter e desfaz o
fecho do meu sutiã. — Muito mesmo.
— Uhum, e o que mais? — pergunta, enquanto desce uma trilha de
beijos até o vale dos meus seios.
— Odeio tanto que… — minha fala se interrompe quando ele
abocanha meu mamilo e eu engasgo em um gemido. — Ah inferno, isso eu
adoro!
Ethan sorri contra a minha pele, como o belo safado que é. E
independentemente de quantas vezes eu diga que não o suporto, nós dois
sabemos que essa é a maior mentira que já contei.
E é em meio a sorrisos, gargalhadas, mentiras e verdades que eu
passo mais uma noite me desfazendo em seus braços e experimentando cada
vez mais a sensação inebriante de tê-lo sob os meus lençóis. Eu não tenho
ideia de quando ou como nossas vidas viraram do avesso para que isso
acontecesse, mas às vezes é preciso que a gente seja bagunçado para
conseguir pôr as coisas no lugar.
E, no momento, por mais insano que isso possa soar, eu sinto que
tudo, enfim, parece certo. Ou algo bem próximo disso.
“Me deixa te tocar onde você gosta
Me deixa fazer isso por você
Te dar toda a minha atenção”
SWEAT | Zayn
06 de Novembro de 2021
08 de Novembro de 2021
26 de Novembro de 2021
1 de Dezembro de 2021
Harris <3: Como vc tá se sentindo?
Harris <3: Eu acho que vou ter um derrame nervoso.
Meu celular vibra, repetidamente, em meu colo e eu não preciso
desbloquear a tela para saber de quem as mensagens vem. Ethan está do
outro lado da sala, escondendo o aparelho debaixo da mesa e com os olhos
concentrados. Desbloqueio a tela rapidamente, e sem que eu possa esconder,
suas mensagens me arrancam um sorriso.
Nós dois estamos pirando.
Eu: Sinto que meu coração vai sair pela boca.
Eu: Tô nervosa demais, acho que meu cérebro vai pifar.
Ergo o olhar novamente em sua direção e ele esboça um meio
sorrisinho antes de começar a digitar.
Harris <3: Só dez de nós continuam na disputa.
Harris <3: Vc não precisa se preocupar, sabe disso, né?
Harris <3: É, literalmente, a pessoa mais inteligente dentro dessa
sala, sua vaga tá garantida.
Eu: Não sei, estou tensa.
Eu: E por favor, não fale como se estivesse em alguma desvantagem,
nós dois sabemos que vc é o melhor.
Eu: Se um de nós estiver dentro, os dois vão passar. E no final, eu
vou acabar com você sozinha :)
Harris <3: Era pra eu ter ficado com tesão? Pq funcionou!
Controlo uma risada, e antes que eu consiga digitar mais uma
mensagem, a Sra. Prescot entra na sala feito um furacão, cheia de papéis nas
mãos e pedindo desculpas pelo atraso.
Em segundos, todos os trinta e cinco pares de olhos presentes na sala
se fixam na mulher. Ela larga parte dos seus pertences sobre uma mesa e se
dirige até o meio do círculo formado com nossas cadeiras. Estamos
ocupando a sala de reuniões dos comitês, um espaço de andar único, amplo e
com janelas enormes que dão vista para o campus.
Estamos reunidos aqui para recebermos o resultado da primeira fase
da disputa pelo estágio no The Politician. Ontem os resultados das
avaliações do último mês foram computadas no sistema, e hoje só dez de nós
sairemos daqui com algum resquício de esperança.
A partir de agora, nossas notas param de valer como critério para
avaliação, e todas as nossas energias vão precisar se focar em impressionar
a equipe de redação do jornal que irá nos entrevistar nas próximas semanas.
Honestamente, me sinto mais confortável estudando feito uma louca para as
provas do que ensaiando bons diálogos. Conversas forçadas me deixam
tensa e eu me atrapalho com facilidade por me sentir pressionada.
O silêncio sepulcral que se instala na sala possibilita que eu consiga
escutar a respiração nervosa de cada um dos meus colegas, o que me deixa
ainda mais angustiada. Subitamente, meu corpo dói pelo simples fato de
Ethan estar do outro lado do ambiente e eu não poder apenas agarrar o tecido
do seu moletom e descontar meu nervosismo lá.
Mesmo que à distância, o garoto me encara fixamente, e me oferece um
sorriso apaziguador que faz com que eu quase o escute sussurrar em meu
ouvido que tudo vai ficar bem. Sibilo um “obrigada” para ele, recebendo
uma piscadinha em resposta e respiro fundo, tentando restabelecer a calma
em minha mente.
— Bom dia, queridos! Como vocês sabem, estamos aqui hoje para
definirmos quem de vocês segue para a fase de entrevistas com o jornal The
Politician em busca da tão sonhada vaga de estágio para o último ano —
nossa professora fala com empolgação. — Desde já, quero deixar claro aos
que não passarem que, de forma alguma, isso é uma derrota e que outras
oportunidades virão. Aos que entrarem, continuem perseguindo esse sonho
com o mesmo gás. A recompensa no final vale muito a pena.
Dito isso, ao invés de começar a ler uma imensa lista, a Sra. Prescot
apenas distribui para cada um de nós os envelopes em sua mão,
silenciosamente. Um arrepio nervoso desce por minha coluna quando ela
pousa o envelope amarelo em minha mesa, e eu preciso fazer um esforço
sobre humano para não abri-lo no instante em que ela me dá as costas.
— Todos vocês parecem estar uma pilha de nervos, exatamente como
pensei que estariam, por isso, tomei a liberdade de escolher não dar a lista
de aprovados em voz alta. Acreditem, eu sei que o meu papel é preparar
vocês para o mercado de trabalho, mas eu imagino o desespero que deve
estar na cabeça de cada um. Então, dentro dos envelopes há uma carta
indicando se você foi aprovado ou não. Sintam-se livres para abrirem aqui,
ou em casa, ou até mesmo ali fora no corredor. Os que passarem receberão
maiores instruções por e-mail — ela fala de maneira calma, parecendo
querer nos tranquilizar. — Boa sorte a todos, estão dispensados e eu estarei
aqui pelos próximos minutos para sanar qualquer dúvida.
Puxo o ar com força, e sem pensar duas vezes, me levanto depressa.
Grudo o envelope ao peito e pego minha bolsa, encarando Ethan e apontando
com a cabeça em direção à porta. Ele entende o recado, passando a alça da
mochila pelo braço, e nós dois caminhamos juntos para fora da sala.
— Onde quer ir? — questiona, assim que chegamos ao corredor.
Olho ao redor, pensando num lugar onde posso ter qualquer que seja
a reação para o que estiver dentro do envelope sem ser incomodada. Penso
na biblioteca, mas Diana nos mataria caso eu fizesse barulho em seu templo
do silêncio, por isso sugiro o meu carro.
O estacionamento está parcialmente vazio quando chegamos. Ethan e
eu afastamos os bancos da frente, colando-os ao painel, e nos sentamos na
parte traseira, fechando as portas e criando nossa própria bolha.
— Pronta? — questiona, virando-se de frente para mim.
— Pronta.
Em sintonia, abrimos nossos envelopes e puxamos de dentro os
papéis que podem determinar uma etapa importante da nossa vida
acadêmica. Um meio segundo de silêncio se estabelece antes que um
“cacete” alto e esganiçado escape da boca do garoto juntamente com um
gritinho fino meu.
Meu coração bate acelerado e eu sinto como se o mundo ao meu
redor ganhasse vida no instante em que leio as palavras “VOCÊ FOI
APROVADA” em negrito, na parte inferior do documento. Poucas vezes na
minha vida eu experimentei uma felicidade tão genuína.
— Eu… Eu passei — Ethan fala, lentamente, parecendo anestesiado.
— Eu também! — grito, antes de me atirar em sua direção.
Sinto seus braços me envolverem pela cintura, me puxando para
perto, e ele enterra o rosto em meu pescoço. Passo uma das minhas pernas
sobre as suas, deixo ela descansando em seu colo e o abraço com força
enquanto repito, sem parar, que “nós conseguimos”.
É engraçado pensar que meses atrás eu jamais me imaginaria
comemorando esse momento justamente com ele, mas agora eu simplesmente
não consigo imaginar nenhuma outra pessoa com quem eu gostaria de dividir
essa conquista. Nós dois queremos tanto isso que eu sinto que Ethan é a
única pessoa capaz de entender a felicidade que estou sentindo.
Cada dia que passa, se torna mais difícil enxergá-lo como um
adversário.
— Meu Deus, nós realmente conseguimos… — sopro, me afastando
para olhar em seus olhos.
— Bom trabalho, Coelhinha — diz, baixo, antes de aproximar o rosto
do meu e, ugh, sua boca já parece me chamar.
— Bom trabalho, Capitão.
Sorrio antes de eximir a distância que nos separa e deixo um beijo
demorado em seus lábios, saboreando devagarzinho o gosto da felicidade em
sua língua. Solto o papel que estou segurando e levo minhas duas mãos até
seus fios de cabelo, entrelaçando meus dedos uns nos outros em sua nuca.
Estou usando um vestido rodado que vai até o meio das coxas, o que
facilita o acesso para as mãos calejadas do garoto se infiltrarem por baixo
da minha roupa. Exalo com força sobre seus lábios quando ele acaricia a
minha pele e deixa apertos carinhosos.
— Gosto disso — falo, ofegante, em meio ao beijo.
— Eu sei, linda.
Solto uma gargalhada em razão da sua presunção e ele desce uma
trilha de beijos gostosos até o meu ombro, onde deita sua testa e inspira
lentamente. Abraço-o forte e Ethan faz o mesmo, me deixando sentir que
podemos nos fundir a qualquer momento.
— Tô feliz pra caralho — fala, rindo e sacudindo a cabeça de um
lado para o outro.
— Eu também, e adoraria ficar aqui recebendo beijos de recompensa,
mas preciso trabalhar.
Ele bufa baixinho, frustrado por eu ter que ir embora, e em seguida
beija cada canto do meu rosto até chegar em minha boca. Por algum motivo,
meu corpo adora quando ele faz isso. E não demora muito para que meu
estômago esteja dando cambalhotas alegres.
— Tenho treino agora, mas quero te ver de novo ainda hoje, tenho um
assunto urgente para resolvermos. Acha que consegue ir pro meu apê depois
do trabalho? — Ethan pergunta, distraído enquanto passa os lábios pela
minha pele.
— Que assunto urgente? — questiono, unindo as sobrancelhas e
segurando seu rosto para que ele me encare.
— Vai descobrir mais tarde. Annelise vai estar em casa para abrir a
porta, eu devo chegar logo depois de você, tudo bem?
Confirmo com a cabeça, ainda o fuzilando com os olhos e com a
mente à mil.
— Pode ao menos me dizer se é algo bom ou ruim? Vou ficar a tarde
toda nervosa por conta disso — confesso.
— É bom, e não precisa ficar nervosa, sério — Sua voz é doce e ele
passa um cacho meu para trás da minha orelha. — Te vejo mais tarde,
Coelhinha.
Levamos um tempo nos despedindo, o suficiente para estarmos
atrasados, mas enquanto eu dirijo até o trabalho não consigo me arrepender
nem um pouquinho.
Faz mais de meia hora que estou ouvindo Megan falar
ininterruptamente. E eu estou começando a ficar agoniada.
Minha amiga entrou pela porta da cafeteria tão assustadoramente
feliz, e ao mesmo tempo desesperada, que eu quase pensei que a Rihanna
havia assumido a presidência ou algo inesperado do tipo.
No entanto, felizmente sua euforia não tinha como razão o fato de uma
das maiores divas do pop estar morando na Casa Branca, e sim, o fato de
que seu talentoso namorado resolveu, enfim, ir em busca do próprio sonho.
Tyler se inscreveu no draft.
E, segundo Megan, ele está determinado a largar de vez o curso de
direito na Irving, caso seja escolhido por um time. Nós duas comemoramos
com uma dancinha da vitória e eu cometo o terrível erro de oferecer um café
grande de cortesia para a minha amiga. Meg tem um problema sério com
cafeína, qualquer extradose faz com que ela atinja um pico de energia pra lá
de esquisito, e agora, eu estou sendo obrigada a ouvir seu imenso monólogo
sobre seu amor por Tyler Mansen.
— Sabe uma coisa que eu estava pensando? O que vão fazer caso ele
seja escolhido por um time, sei lá, da costa leste? Vão encarar o
relacionamento à distância? — questiono, enquanto aspiro as estantes de
livros da parte de livraria da Letras e Grãos.
— Estamos pensando sobre isso ainda. Tyler não quer fazer muitos
planos porque está com medo de se frustrar — Meg responde, enquanto
segura alguns livros para que eu possa limpar a prateleira.
— Hm… E por que eu sinto que você já planejou tudo, hein?
— Porque eu planejei, duh! Você sabe, eu não vivo sem planos e não
começo o ano sem pelo menos dois meses preenchidos na minha agenda.
Tyler que me desculpe, mas eu não ia me aguentar! — ela exclama. Meg fala
rápido e embolado, o que me faz soltar uma gargalhada.
— E qual é o plano, afinal, Megan Eleonor Lewis?
— É bem simples na verdade, vou prestar prova de residência para a
cidade que ele for. Nosso plano já era pegar um apê só pra nós dois no ano
que vem, caso ele ficasse em Nova Iorque, então não acho que faça muita
diferença — explica, dando de ombros, e embora eu já esperasse, me sinto
surpresa.
— Está mesmo disposta a deixar tudo para ir atrás dele? Tipo, sua
vida em Nova Iorque, sua mãe e sua avó em Providence, vai mesmo deixar
tudo?
— Não sou uma apaixonada tola, se é o que está pensando, Amy…
— Ei! Eu não disse isso! — corto-a.
— Tudo bem, eu sei que pode parecer loucura, mas nós dois
construímos uma relação sólida, sabe? Eu tenho vinte e cinco anos, já sou
adulta, vou me formar em alguns meses, e amo aquele cara com cada batida
do meu coração. É com ele que eu quero me casar, conhecer o mundo, formar
uma família… Tyler é uma certeza na minha vida, uma das únicas, e eu nunca
deixaria de acompanhá-lo nesse sonho, entende? Nós… Eu… — ela gagueja,
e eu noto seus olhos enchendo d’água. Ela sempre acaba se emocionando
quando fala dele, o que eu acho fofo.
Tomo os livros das suas mãos e os apoio na prateleira junto com o
mini aspirador. Escolho um ângulo onde não podemos ser vistas e puxo-a
para se sentar no chão, junto comigo.
— Tyler é um jogador fantástico, e pelas estatísticas dele, é quase
certo de que será draftado. Eu posso ser médica em absolutamente qualquer
lugar do mundo, minha mãe me criou para isso, mas é com ele que eu me
sinto transbordando a melhor versão de mim. Eu acompanhei cada passo
dele em busca desse sonho, o esforço para se destacar nos jogos, o medo de
decepcionar os pais, a angústia de estar estudando algo que ele detesta… Eu
estive lá, vendo cada parte da construção dessa possível conquista, e eu
quero estar lá quando for real. Então, mesmo que isso signifique ir para o
outro lado do país, eu vou sem pensar duas vezes. Acho que o amor também
é sobre isso às vezes.
Okay, talvez eu esteja um pouco emocionada.
— Já disse o quanto eu admiro você? — pergunto, antes de segurar
suas mãos. — Essa foi uma das coisas mais bonitas que eu já ouvi, e o amor
de vocês dois é simplesmente… Não sei, é como todo amor deveria ser. Não
tenho dúvidas de que você é a maior fã daquele cara, e nossa, ele também é
o seu maior fã. Então se isso vai te fazer feliz e completa, saiba que além do
meu apoio, e de um super presente para a casa nova, vocês dois vão ter
sempre todo o meu amor.
— Amiga… — ela choraminga, sorrindo feito uma boba.
— O mundo é todo seu, Megan. E onde quer que esteja, contanto que
se sinta feliz e continue salvando vidas, eu sei que você vai estar bem. Mal
posso esperar para ver você toda chique sentada na primeira fila dos jogos
da NBA num dia, e com olheiras enormes pós plantão no outro — falo,
rindo, e ela me acompanha.
— Estou contando os minutos. Mas até lá, quero aproveitar cada
segundo que tenho morando com você e aturando seu mau humor terrível. —
Ela ri, e eu faço careta. — Amo você, Amelie. Como uma irmã.
— Eu também amo você, Megan. Como uma irmã.
Puxo minha amiga para os meus braços e faço carinho em seus fios
loiros enquanto sinto ela subir e descer a palma por minha coluna. Megan foi
a primeira pessoa a me fazer acreditar que eu mereço cuidado, foi quem me
ensinou sobre ser família, sobre lealdade e fraternidade. E mesmo que ela
mude para a outra ponta do mapa, eu jamais serei capaz de esquecer todo o
amor e ensinamento que essa garota me deu.
Há quem diga que as amizades duram pelo tempo que precisam durar,
eu tenho certeza de que o nosso tempo é o sempre.
“Só o que eu quero é ficar com você, ficar com você
Não há nada que possamos fazer,
só quero ficar com você, só você.
Não importa onde a vida nos leve,
nada pode nos separar.”
I JUST WANNA BE WITH YOU | Trilha Sonora High School Musical 3
1 de Dezembro de 2021
10 de Dezembro de 2021
13 de Dezembro de 2021
13 de Dezembro de 2021
ANTES
Minhas mãos estão suando conforme caminho até a sala de entrevistas.
Giro a maçaneta com cuidado, e engulo em seco quando pouso meus olhos
sobre Russel e sua equipe, que me encaram com atenção e sorrisos abertos.
Vou até sua mesa em passos determinados, sentindo meu coração acelerado
em meu peito.
— Senhorita… — Russel me estende sua mão e checa a lista diante
dele. — Amelie Castillo! Boa tarde, é um prazer, sente-se.
— Boa tarde — cumprimento-o com um sorriso. — O prazer é todo
meu. É uma honra estar aqui, sou uma grande fã do seu trabalho.
— Ah, que isso, muito obrigada. A honra é toda minha de entrevistar
a próxima geração dos grandes jornalistas da Irving. Sabia que eu me formei
lá?
— Sabia, graduação em jornalismo na Irving, pós-graduação em
cobertura e edição jornalística também na Irving e doutorado em jornalismo
político em Harvard — recito devagar seu currículo acadêmico que também
é o dos meus sonhos.
— Essa é realmente fã — Camille Strauss, a revisora chefe do The
Politician, comenta ao seu lado.
Russel ri e me analisa por longos segundos antes de voltar seu olhar
para uma pasta que parece conter a minha ficha.
— Engraçado — Russel fala, subindo seu olhar para o meu rosto. —
Eu conheço esse sobrenome… É parente de Esteban Castillo?
Como se ele tivesse tocado em um assunto proibido, sinto meu corpo
gelar.
— Eu… Eu… Sou, sou sim. Esteban é o meu pai — afirmo,
engolindo o bolo de saliva em minha garganta.
— Ah, então é você a famosa herdeira do império Dunamis.
Deveríamos ter nos conhecido há um tempo, se não me engano.
Merda, merda, merda. Mantenho meu olhar firme no seu, sem deixar
que ele capte meu desconforto e nervosismo perante o assunto. Bons
jornalistas precisam conseguir ser impassíveis, e é exatamente o que estou
tentando fazer neste momento.
— Sim, meu pai queria nos apresentar, mas eu não julguei como
correto usar desse tipo de artifício para obter alguma vantagem sobre os
meus colegas. Vai contra a minha ética e eu prezo muito por ela — explico,
séria, gastando as melhores palavras do meu vocabulário. — Se me escolher
para este cargo, quero merecê-lo.
Um meio sorriso toma o rosto do homem que, se tudo der certo, será
o meu futuro chefe.
— Eu jamais a escolheria se não merecesse, mas admiro sua atitude.
Mostrou ser uma pessoa de honra, e isso é raro no nosso meio.
— Obrigada. — Solto um longo suspiro e empertigo a coluna.
— Senhorita Amelie Castillo, vamos lá… Aqui diz que você vem de
uma escola preparatória em Hoboken, que se formou com méritos no ensino
médio, campeã do concurso de redação da escola por três anos seguidos,
representou a Angola na simulação da ONU em Harvard e ganhou um prêmio
de destaque do evento. Ingressou no curso de jornalismo na Irving com bolsa
de oitenta por cento, é fluente em espanhol e italiano, tem francês
intermediário… E notas excelentes. Nossa, já tirou menos do que oito
alguma vez na vida?
— Nunca — asseguro, sentindo-me confiante. Meu histórico
acadêmico é impecável, e disso eu não tenho dúvidas.
— Isso é impressionante. Em qual área pretende seguir carreira
depois de terminar esse estágio?
Sorrio, porque estava ansiosa por essa pergunta.
— Honestamente, Sr.Lambrock, meu plano é fazer um excelente
trabalho durante esse estágio, porque pretendo ser efetivada — digo, e ele
ergue a sobrancelha, surpreso. — Trabalhar no The Politician sempre foi o
meu sonho, e foi a meta que estipulei para alcançar no dia em que pus os pés
na Irving. Não estou sendo uma bajuladora quando digo que sou uma grande
fã, eu realmente acredito que o que vocês fazem aqui muda o mundo de
alguma forma, e seria uma honra para mim aprender diretamente com quem
me fez entender o porquê de eu amar essa profissão.
— Que seria?
— Uma vez, o senhor deu uma palestra na NYU, e disse que “o
jornalismo é um ofício para pessoas que conseguem gritar até mesmo no
silêncio. Pessoas que estão dispostas a viver pelo bem comum, dedicar até
seu último suspiro pela liberdade, e que essa liberdade só se conquista pela
informação”. Esse é, basicamente, o meu propósito. Amo a imprensa, mais
do que já amei qualquer outra coisa, justamente pelo seu papel social, e
acredito que não há lugar melhor para exercê-lo do que aqui.
Não preciso me ver no espelho para saber que meus olhos estão
brilhando. Amo tanto falar sobre jornalismo que às vezes sinto que me torno
prolixa, porque acabo me empolgando e falando demais.
Russel não diz nada, apenas anota algumas coisas e segue fazendo
diversas perguntas.
— Para finalizar, qual a sua maior crítica ao nosso jornal?
Eu já estava preparada para essa pergunta. Uma das candidatas
entrevistada antes de mim saiu da entrevista aos prantos porque essa parte a
desestabilizou e ela ficou sem respostas. Por sorte, estudei cada mínimo
detalhe sobre esse jornal, e sei exatamente o que dizer.
— No meu ver, a parte digital do The Politician merecia mais
atenção — digo, segura do que estudei, e ele me encara com atenção. —
Vocês são excelentes com a TV e o jornal impresso, foram um dos primeiros
veículos de mídia da cidade a aderirem a lousas eletrônicas de ponta… Mas
o aplicativo de vocês carece de um desenvolvedor melhor.
— E o que mais?
— Formar uma equipe só para cuidar desse nicho e, certamente,
investir em programadores, designers, publicitários. O aplicativo é mal
formatado para telas grandes como as de iPads as notificações são mal
resumidas, uma configuração e um redator específico para elas resolveria
isso. E, se me permite sugerir algo…
— Vá em frente.
— Acho que seria bom integrar notificações climáticas ao aplicativo.
Alertas de nevascas, temporais e essas coisas. Pouparia tempo dos redatores
de escrever uma matéria inteira para informar sobre o clima. As pessoas se
importam cada vez menos com textos longos, e essas informações curtas não
exigem um espaço tão grande, no meu ponto de vista, claro.
O homem diante de mim fecha a pasta em sua mesa e apoia um
cotovelo sobre ela, sustentando o rosto em sua mão e me escaneando com os
olhos semicerrados.
— Sem mais perguntas. Foi um prazer conhecê-la, Senhorita Castillo
— diz, estendendo a mão livre para me cumprimentar.
Minha boca se abre num perfeito “o”, porque pensei que levaria mais
tempo.
— J-Já acabou? Eu posso falar sobre alguns artigos que já publiquei
se quiser, eu…
— Já tenho o suficiente, muito obrigado.
Ainda um pouco entorpecida, aperto sua mão e me levanto,
caminhando um tanto incerta para fora da sala. Algo me diz que essa
entrevista foi um fiasco.
AGORA
Já fazem longos segundos que estou parada na frente da porta do
apartamento antigo em que o pai e a irmã de Ethan moram, tomando coragem
para tocar a campainha. Detesto quando ajo por impulsividade, porque isso
sempre acaba me colocando em situações embaraçosas, mas agora não tenho
como voltar atrás.
Embora Ethan seja a pessoa que mais confio no mundo, depois da
Megan, sinto que o tópico “família” é algo pessoal demais para ambos. Por
isso, estar aqui significa muito pra mim e, apesar do nervosismo, eu fico
feliz que esteja acontecendo.
Pressiono a campainha, que soa como um sino do outro lado da porta,
e logo em seguida ouço Ethan gritar que a porta está aberta e que posso
entrar.
Giro a maçaneta sentindo meu coração acelerar em ansiedade, e
enquanto caminho timidamente corredor adentro, ouço um “segunda porta à
esquerda depois da sala”. Faço o caminho um pouco mais rápido, deixando
para observar os detalhes do lugar onde ele cresceu depois.
Assim que o encontro, meu coração parece derreter feito manteiga
com a cena com que me deparo. Acho que vou ter um colapso de fofura
quando meus olhos capturam Ethan Harris sentado em uma cama, cheia de
almofadas de princesas, fazendo trancinhas no cabelo da irmã enquanto ela
abraça um urso de pelúcia.
— Quem é ela, Thitan? — a garotinha pergunta, me observando com
curiosidade.
Ethan não responde, apenas sorri para mim e faz sinal para que eu me
aproxime. Caminho até os dois e me ajoelho para conversar com a pequena
que parece um tanto desconfiada.
— Oi, princesa! Eu sou a Amelie, sou amiga do seu irmão. Você pode
me chamar de Amy, se quiser — falo sorrindo, e estendo a mão para
cumprimentá-la.
A garotinha alterna o olhar entre o meu rosto e a minha mão. Não
deixo de reparar no quanto ela é bonita, uma das crianças mais lindas que já
vi, e em como ela se parece com o irmão. Os olhos castanhos são bem
redondos, os cabelos num tom de mel são longos e lisos, a pele branca tem
sardinhas rosadas no nariz e ela exala um perfume docinho de amora.
— Oi, Tia Amy — ela fala sorrindo e apertando minha palma com
sua mãozinha pequena e macia. — Meu nome é Angeline, o meu irmão me
chama de Anjinha. Você pode me chamar assim também, se quiser. Você
parece uma princesa, sabia?
Solto uma risada, abismada com a simpatia da menina e feliz pelo
elogio.
— Você acha?
— Acho! O Thitan também acha, não é? — ela pergunta para o irmão,
olhando-o de soslaio, e eu sinto vontade de rir pela forma com que ela
praticamente exige que ele concorde.
Ethan finge me examinar e eu reviro os olhos.
— Você está certa, ela parece mesmo uma princesa, precisa ver
quando ela usa os vestidos dela. Na verdade, vocês duas parecem princesas,
Anjinha — ele diz, com um sorriso patético nos lábios, e meu coração
aquece. — E suas tranças reais estão prontas.
Observo enquanto ele ajeita com cuidado os fios de cabelo dela,
passando gel no topo para deixar tudo no lugar antes de passar as duas maria
chiquinhas trançadas por cima dos ombros dela, deixando-as para frente. Eu
já imaginava que o garoto levasse jeito cuidando de crianças por ter criado
uma, mas o carinho e zelo que ele tem com Angeline é visível em cada
mínimo toque.
Ethan é enorme e bruto, mas cuida dela com a delicadeza de uma flor,
e eu sinto que estou parecendo uma bobona olhando os dois juntos.
— Certo, o que quer fazer agora, bebê? — ele pergunta, colocando
ela de pé na cama e se levantando.
— Nós podemos brincar de pintar? O papai comprou tintas novas pra
mim.
— Você acabou de tomar banho, vai se sujar toda, que tal outra
coisa? — Ethan sugere.
— Por favor, Thitan! Eu uso avental, eu prometo que não vou me
sujar — ela faz beicinho e eu vejo Ethan desmontar.
— O quê? — questiono, quando ele me olha pedindo ajuda. — São
tintas novas, ninguém pode dizer “não” para tintas novas. Nem mesmo você,
Thitan — provoco, ele revira os olhos em resposta.
Angeline comemora com gritinhos animados, me surpreendendo ao
pular da cama direto para o meu lado e me puxar pela mão até sua cômoda,
onde estão guardados seus materiais de pintura. Ajudo a pequena a tirar os
pincéis, as tintas e as telinhas 20x20 em branco da gaveta. Enquanto isso,
Ethan forra o chão do quarto e pega o avental de plástico que ela vai usar.
Tiro meu salto, Ethan seu tênis e nós três nos sentamos sobre um
tecido preto que tem diversos respingos de tinta secos. Angeline distribui
uma telinha para cada um de nós e sugere que os três pintem uma parte de
cada uma das telas. Segundo ela, assim todos teremos como guardá-las e
lembrar desse dia.
Mal sabe ela que eu jamais vou me esquecer disso.
Enquanto pintamos, Ethan coloca música no celular, “If We Have
Each Other” de Alec Benjamin está tocando baixo, e o simples ato de
deslizar um pincel sobre uma tela parece me relaxar da tensão que ainda me
resta após a entrevista desastrosa.
Sinto que posso ter jogado fora a oportunidade da minha vida, tudo
isso por não saber controlar minha boca quando estou nervosa e empolgada.
Senti que Russel enxergava minha alma enquanto eu falava, e isso me deixou
um pouco aterrorizada. Perder esse estágio, além de ser triste o suficiente
por ser a vaga dos meus sonhos, vai ser a prova de que meu pai não estava
tão errado assim de desconfiar da minha capacidade. E eu odiaria dar razão
a ele.
Me distraio do meu dilema quando vejo que Ethan e Angeline
abandonaram seus desenhos por ora e estão pintando juntos uma mesma tela.
Eles estão desenhando cada um um lado de um coração, e eu me limito a
assistir fascinada a cena linda do garoto concentrado enquanto desenha com
a irmã.
Eu facilmente pintaria um quadro com essa imagem.
A música chega em um determinado verso enquanto os observo que
me faz pensar que foi escrito para eles:
“I'm 23 and my folks are getting old / I know they don't have forever
and I'm scared to be alone / So I'm thankful for my sister, even though
sometimes we fight / When high school wasn't easy, she's the reason I
survived”[15]. Como se sentisse o mesmo, Ethan desvia o olhar por alguns
segundos para o rosto da garotinha e dá um sorriso bobo enquanto olha para
ela.
Seria um eufemismo dizer que meu coração, mais uma vez, se aqueceu.
A verdade é que ele está queimando em meu peito, e eu sinto que vir até
aqui, conhecer mais esse lado de Ethan e essa garotinha adorável, é como
acender o letreiro luminoso enorme de “PERIGO” em minha mente.
E eu não sei por quanto tempo vou conseguir ignorar.
Terminamos de pintar os quadros um bom tempo depois, e enquanto
eu ajudo Angeline com um outro banho, Ethan vai fazer pipoca para
assistirmos um filme. Barbie e o Castelo de Diamante está nos primeiros
vinte minutos quando uma Angeline sonolenta se aninha em meu colo e dá um
longo suspiro antes de se entregar aos braços de Morfeu.
Esperamos por um tempo até que ela pegue em um sono profundo.
Então a acomodo em sua cama com todo o cuidado do mundo, enquanto
Ethan liga o abajur e o ventilador. Saímos do quarto na ponta dos pés,
tomando cuidado para não fazermos barulho, e nos deitamos no sofá,
completamente exaustos.
— Ela tem a energia de cinco crianças em uma só — comento, rindo,
e me aconchegando no corpo de Ethan.
— Nem fala… Obrigado pela ajuda, de verdade. Angeline amou
você.
— Eu também amei conhecê-la. Acho que vou ter que levar sua irmã
pro meu alojamento, a risada dela me deu cinco anos de vida — brinco, e
ele ri.
— Eu sei, esse é tipo o meu segredinho. Toda vez que tudo parece
terrível, eu venho até aqui, faço cócegas nela e a risada daquela criança
renova a minha alma.
— A cumplicidade de vocês é uma das coisas mais bonitas que já vi,
de verdade — falo, erguendo o rosto para encarar seus olhos.
— Ela é a coisa mais importante da minha vida. Sério, eu faria de
tudo por essa menininha — ele fala suspirando.
— Sua tatuagem de anjo na costela é para ela, não é? — pergunto,
ligando o símbolo ao apelido.
— Sim… À propósito, você é a primeira pessoa da faculdade, que
não é Annelise ou Tyler, a conhecer a minha irmã. Acho que até hoje ela
jurava que eu não tinha outros amigos.
— Como assim? Ninguém mais conhece ela pessoalmente? —
questiono, franzindo o cenho.
— Não. Os caras do time são doidos por esse momento, só nunca
conseguimos realmente marcar, e de resto, você deve presumir que não trago
garotas pra casa do meu pai — ele explica, rindo.
— Nem a Claire? — pergunto, mencionando sua ex namorada.
— Nossa, muito menos a Claire. Sempre tive pra mim que Angeline
só conheceria uma namorada que eu tivesse certeza de que era amor, alguém
que eu soubesse que ficaria na minha vida e que seria parte da vida da minha
irmã também, sabe? Não quero que Angeline se apegue em alguém e sofra.
Pode parecer superproteção, e talvez seja isso mesmo.
— Não, eu entendo, de verdade. Ela era um neném quando perdeu
alguém crucial, é compreensível que você tente protegê-la disso. Eu só não
entendi direito uma coisa — falo, me apoiando em seu peito e ficando
deitada por cima dele.
— Qual?
— Com a Claire… Não foi amor? Tipo, vocês namoraram e tal…
Ethan suspira e fixa o olhar em mim. Sua mão faz uma carícia leve no
meu rosto que me faz inclinar o pescoço na direção do seu toque.
— Acho que foi tudo menos amor — ele fala com pesar. — Meu
relacionamento com Claire foi o tipo de momento que serviu de aprendizado,
mas que eu preferia ter ficado burro. Foi uma relação que me fez mal e que
me fez ter aversão a relacionamentos.
— Se importa se eu perguntar o que aconteceu? Não precisa dizer, se
não quiser.
— É simples, na verdade. Claire queria uma pessoa de estimação
enquanto eu queria uma namorada. Ela não respeitava o fato de que eu tenho
amigos que não são os dela, que eu tenho uma família com quem gosto de
passar o tempo, que eu já tinha toda uma vida antes dela, entende? Ela queria
me controlar para ser a versão de mim que ela queria. Isso foi me
desgastando e me rendeu uns traumas também, mas acho que já os superei.
— Sinto muito — é a única coisa que consigo falar.
— Teve uma vez que Annelise tomou um fora de uma namorada e
passou a noite no meu quarto chorando, enquanto eu a consolava nós
acabamos dormindo na minha cama. Nossa, para quê? Na manhã seguinte,
Claire chegou enquanto ainda dormíamos, ela fez um escândalo tão grande
que Lise chegou a passar mal de nervoso, foi horrível.
— Meu deus, que horror! Você e Annelise são praticamente irmãos! E
ela é lésbica! — chio, indignada.
— Tudo sobre esse dia é detestável. Claire conseguiu manipular tanto
a situação, fazendo parecer que uma outra garota dormir na minha cama era
considerado traição, mesmo que essa garota seja uma irmã pra mim e goste
de meninas, que no final eu acabei pedindo desculpas. E essa merda nem faz
sentido. Terminei com ela no instante em que me dei conta do quão absurda
era a situação a qual eu estava me submetendo.
— Eu não acredito nisso, não consigo imaginar o quanto isso
machucou você — sopro, ainda incrédula. — Foi uma relação bastante
abusiva.
— Obrigado — ele diz, fechando os olhos, e pelo modo com franze
as sobrancelhas, acho que quer chorar.
— Pelo quê?
— Por me dizer isso com todas as letras. Eu nunca tive coragem de
dizer que foi uma relação abusiva porque sempre achei o termo pesado, mas
no fim das contas, é o que é. Obrigado por dizer isso — ele fala, e quem
sente vontade de chorar sou eu.
Apoio meu corpo em meus braços, me erguendo e deixando um beijo
em sua testa.
— Sinto muito — digo, antes de dar outro beijo, agora em sua
bochecha. — Sinto muito mesmo que tenha passado por isso. — Beijo a
outra bochecha. — E sinto muito que tenham estragado o amor romântico pra
você.
Dessa vez, beijo a pontinha do seu nariz, e ele me abraça com força.
— Obrigado, mesmo, Coelhinha. Você não tem ideia de como me
sinto confortável em dividir isso com você, de saber que não vai me julgar.
— Ouço ele dizer contra a pele do meu pescoço.
— Não precisa agradecer. Eu passei por algo parecido com Daniel
quando ele me… Você sabe, quando ele me traiu — falo baixo e Ethan se
afasta, me encarando surpreso.
— Espera, o quê? Então o motivo do término de vocês foi esse? Ele
traiu você? — ele questiona e seu semblante muda drasticamente. Agora ele
parece irritado.
— Sim, com uma menina do corredor do lado na Chisholm House —
falo, sentindo uma pontinha de vergonha.
— Meu deus, eu vou matar aquele desgraçado do Clifford — ele
rosna, e eu o abraço com força. — Coelhinha, isso é sério, aquele filho da
puta conta pra todo mundo que vocês terminaram porque você era uma
maníaca ciumenta! Eu não acredito que nunca desmentiram aquele merda.
— Fruta podre cai sozinha. Ele vai ter o que merece, tenho certeza —
tranquilizo, não sei se a mim ou a ele. — A diferença é que Daniel fingia me
amar e me manipulava para eu pensar que a culpa era minha por ele ter me
traído. Mas ao invés de criar aversão aos relacionamentos, eu os quis,
concretos e seguros. Pareceu o caminho mais fácil.
— É um bom jeito de lidar, inteligente eu diria. Mas também acho
que deveríamos falar mais sobre isso na terapia, pode ajudar — ele sugere,
e eu concordo com a cabeça.
Passamos um tempo em silêncio e eu volto a erguer o corpo,
contornando seu rosto com a ponta dos meus dedos e encarando cada
detalhezinho. Adoro tudo sobre ele, as sardinhas fracas sobre o nariz, as
covinhas quando sorri, os lábios rosados, as sobrancelhas cheias… Ethan
Harris é lindo pra caramba, e eu não me canso de admirá-lo.
— Ethan?
— Sim?
— Eu realmente gostei de conhecer sua irmã — digo, sentindo meu
coração acelerar. — O que te fez sentir seguro para me deixar vir?
— Não sei… — diz baixo, encarando o teto por alguns segundos. —
Você é minha amiga, e eu sei que mesmo que não tenhamos nada, você é
alguém que eu fico feliz que conheça Angeline.
É uma frase simples e curta, mas algo dentro de mim se parte. Acho
que o meu coração.
“...mesmo que não tenhamos nada”.
Antes mesmo que eu consiga dizer qualquer coisa, a porta do
apartamento se abre e eu me afasto de Ethan o máximo que consigo. Não só
por não querer ser pega em seus braços, mas porque há uma dor lancinante
atravessando meu peito, de tal forma que a mínima proximidade faz parecer
que minha pele queima quando em contato com a sua.
Dói, e dói muito.
Me levanto num pulo, calçando meus saltos e pegando minhas chaves
e celular no móvel da sala. Engulo seco quando um homem quase grisalho,
na casa dos quarenta, bem vestido e sorridente, vem até o cômodo.
— Filho, cheguei, sua irmã se comportou ou… Opa, eu conheço
você? — o homem pergunta assim que me vê, e eu só consigo pensar em
como realmente preciso sair daqui.
— Sou Amelie Castillo, é um prazer, Sr. Harris. Sinto muito que não
possamos conversar melhor, eu… Já estava de saída, está tarde e eu preciso
ir — falo, tentando soar o menos agoniada possível.
— Espera, eu levo você até a portaria… — Ethan começa, mas eu o
interrompo.
— Não precisa! Eu sei o caminho, obrigada. — Disparo pelo
corredor, tentando segurar o choro entalado em minha garganta. Quando já
estou prestes a sair, Ethan se aproxima.
— Calma! O que tá acontecendo? É o meu pai? Fica tranquila, ele
não vai ficar bravo por estar aqui nem nada do tipo.
Ele não faz ideia.
— Está tarde, eu preciso ir para casa. Mande um beijo para sua irmã,
nos vemos depois — digo rápido, antes de correr até o elevador e deixá-lo
plantado na porta do apartamento com uma interrogação enorme estampada
na testa.
É tudo tão automático.
Dirigir até o campus. Correr pelo gramado. Subir as escadas. Entrar
no meu apartamento. Perceber que estou sozinha. Desabar.
“...mesmo que não tenhamos nada”.
Não era para estar doendo, não deveria estar doendo.
Mas dói. Dói perceber a facilidade com que ele disse, sem o menor
peso na consciência, de que tudo que vivemos juntos nos últimos meses pode
ser definido como “nada”. Dói perceber que ele só me deixou ir até a casa
da sua família porque não somos nada, não significamos nada. Dói porque,
nos últimos meses, sua companhia tem sido absolutamente tudo para mim.
Tudo. Ethan tem sido tudo.
Ele foi o meu amigo, meu confidente, o colo onde chorei, os braços
para onde corri quando tudo pareceu terrível. Eu me entreguei sem nem ao
menos perceber o quanto. E só agora consigo cair na real de que,
diferentemente do que ele me prometeu quando transamos pela primeira vez,
eu não fui dele somente dentro daquele quarto.
Tenho sido todos os dias depois daquilo também.
E é por isso que o nosso lance está fadado ao fracasso. Ethan estava
disposto a ser meu por uma noite, e eu cometi o terrível equívoco de
acreditar que não seria sua a cada maldito segundo. Como se uma bomba
tivesse acabado de explodir bem no meu colo, concretizo, de uma vez por
todas, que cometi o maior erro de toda a minha vida.
Eu me apaixonei por Ethan Harris.
“Alguém está escutando?
Será que tem alguém em volta para ver
Que eu estou fazendo tudo isso por você
Eu estou fazendo tudo por você”
ALL FOR YOU | Imagine Dragons
14 de Dezembro de 2021
Acordo me sentindo uma tola.
A frase de Ethan ainda repercute em minha mente quando me arrasto
para fora da cama em busca de uma boa caneca de café e uma aspirina para
curar a dor de cabeça dos infernos que estou sentindo por ter ido dormir
chorando.
“...mesmo que não tenhamos nada”.
Pelo amor de deus, como alguém consegue ser tão insensível?
Ou melhor, como eu fui tão idiota ao ponto de ter entendido tudo tão
errado? Ethan sempre deixou claro que éramos somente amigos e uma foda
fixa um do outro, sempre deixou claro que não havia sentimento. Até porque,
se houvesse, ele mesmo já teria dado um fim nisso tudo. Então por que eu fui
tão burra? Por que não percebi que estava sentindo coisas que jamais seriam
correspondidas?
— Você está com uma cara péssima. Dormiu no chão do quarto
ontem, te coloquei na cama quando cheguei.
A voz de Megan chega aos meus ouvidos, me fazendo esquecer por
alguns segundos minha missão de encontrar o analgésico na cômoda da sala.
Viro a cabeça lentamente em sua direção e minha amiga me escrutina com
uma careta. Basta uma única troca de olhares para que ela perceba que há
algo de errado.
Meg se aproxima abrindo seus braços acolhedores e eu sinto que vou
desmontar no instante em que apoio meu rosto em seu peito e enlaço sua
cintura. Sem conseguir dizer uma mísera palavra, eu choro copiosamente nos
seus braços até meu corpo estar tremendo e ela me pedir para que eu me
sente no sofá.
Megan me explica um exercício de respiração, e enquanto eu o faço,
ela vai até a cozinha, voltando minutos depois com uma caneca cheia de chá
fervente e um comprimido para dor de cabeça. Engulo o comprimido com um
gole do chá, e sigo bebericando a caneca até quase o meio.
— Quer me contar o que aconteceu? — ela pergunta, se sentando ao
meu lado e eu mal consigo olhar para o seu rosto. Eu sou incapaz de mentir
para ela sem fracassar.
Tomo uma respiração profunda, tentando organizar as coisas na minha
cabeça sem deixar que meu emocional fale alto o suficiente para me entregar.
— De forma hipotética, se Tyler e você não namorassem e ele apenas
quisesse você por perto, mas não estivesse disposto a gostar de você de uma
forma mais… Concreta. O que você faria?
Viro-me em sua direção, buscando algum tipo de consolo e implorando
para que ela me agracie com suas palavras que sempre parecem resolver
tudo.
— Bom, já que estamos falando de situações hipotéticas… Se o que
ele estivesse disposto a me oferecer fosse o suficiente para mim, eu
continuaria, nem tudo se resume a uma relação e todas as suas convenções.
Agora, caso não fosse o suficiente, eu jamais me diminuiria para caber em
espaços que não foram feitos para mim, muito menos corações — Megan
fala num tom doce, mas eu compreendo o peso das suas palavras. — É algo
com Ethan? Quer falar sobre o que está sentindo?
— Não! Eu só… Esquece, foi só um devaneio, desculpa por te deixar
preocupada. Ethan e eu estamos bem, eu só preciso muito dormir um pouco
mais. Minha entrevista ontem não foi muito boa e isso me deixou abalada —
falo, me levantando. Nem tudo é exatamente mentira. — Obrigada pelo chá,
amo você Megan.
— Eu também amo você. E não se esqueça que mais tarde temos a
festa de aniversário do Brooks. Tyler vai passar aqui para nos buscar às
oito! — ela grita, e eu grunho em concordância. Quase me esqueci desse
detalhe.
No instante em que passo pela porta do meu quarto, sei que o dia de
hoje vai ser extremamente longo. Ignoro as múltiplas mensagens de Ethan me
perguntando o que aconteceu, suas dezenas de ligações perdidas e digito o
número da minha mãe. Talvez visitá-la seja uma boa forma de não passar
uma manhã de sábado inteira afundada em autopiedade.
Três caixas postais depois desisto da ideia. Presumo que ela esteja
ocupada ou em mais uma de suas viagens. Não me preocupo porque caso
algo estivesse errado, Madelyn teria me ligado.
Mamãe estava menos resistente à internação na última vez em que nos
encontramos, na semana passada, para fazermos as unhas juntas. Seu método
inusitado de desintoxicação vem funcionando, mas felizmente consegui
colocar na cabeça dura de Virgínia Morgan que se livrar do alcoolismo não
é simplesmente contratar dezenas de pessoas para cercear sua liberdade.
Existe um tratamento sério, feito por profissionais, e esse tratamento
exige etapas. Graças a minha insistência implacável, eu consegui fazer com
que ela entendesse que, até finalizar essas etapas, nunca poderemos
assegurar uma boa qualidade de vida para ela.
Acabo pegando no sono enquanto troco mensagens com Lily sobre a
roupa que vamos usar mais tarde. A última coisa que desejo fazer hoje é ir
para uma festa, mas não é como se fosse negociável. Charles está fazendo
aniversário e foi pessoalmente ao prédio de jornalismo me fazer o convite.
Faltar está fora de questão.
Existe um fato sobre mim, que demorei um tempo para notar, mas que
está enraizado nos meus hábitos: eu desconto meu mau humor nas minhas
roupas.
É inevitável. Basta que uma mísera coisinha me tire do eixo para que
os vestidos floridos, as blusas com mangas bufantes e saias coloridas cedam
seu espaço para roupas sóbrias e minimalistas. É como se,
involuntariamente, eu me negasse a aceitar que a Amelie triste ou irritada
fosse associada à verdadeira Amelie.
Espero que a psicologia tenha uma explicação para isso, eu não
tenho.
Verifico meu reflexo no espelho assim que ouço Megan me chamar.
Meus cabelos estão presos em um rabo de cavalo firme no topo da cabeça, a
maquiagem leve serve apenas para camuflar minha aparência abatida, a
combinação de camiseta preta lisa e calça wide igualmente preta são, como
já disse, um puro reflexo do meu humor.
Jogo tudo que preciso dentro da minha bolsa e saio do quarto. Megan
está me esperando perto da porta, e solto um assobio ao reparar em como ela
está linda com seu vestido tubinho preto, botas e jaqueta de couro. E embora
eu deteste o olhar de compaixão que ela me lança, passo meu braço pelo seu
ombro enquanto caminhamos juntas até o hall do prédio.
O Kia Soul do Tyler está parado rente a calçada, com os faróis
acesos, e assim que abro a porta traseira, meu coração tropeça malditamente
me fazendo querer correr de volta para a minha cama.
Ethan não olha na minha direção quando me sento ao seu lado, muito
menos quando responde o meu “boa noite”, ou quando Tyler faz a curva para
sair do campus e nossos joelhos se esbarram. Nem uma maldita vez. Eu, no
entanto, não consigo tirar meus olhos dele.
Não sei se pela forma com que a luz do seu celular ilumina seu rosto
sério, marcando os traços e seus cabelos caem em camadas pelas laterais
dele, ou se é o fato de que ele está lindo com a jaqueta da faculdade e um
jeans rasgado, mas tudo nele está me chamando atenção.
E tudo me lembra do quão intensamente esse cara conseguiu
conquistar meu coração.
Desgraçado.
— Alguém aí sabe como chegar no local da festa? Porque eu não faço
ideia — Tyler pergunta, nos encarando pelo retrovisor.
— Eu acho que é uma casa próxima à rodovia — respondo baixo,
porque não tenho certeza.
— É um condomínio de casas, três quilômetros antes da entrada para a
rota 495, no caminho para Long Island — Ethan corrige. Seu tom de voz é
áspero e me faz engolir seco.
— Isso! Desculpa, Ty, eu não sabia — digo, sentindo o choro entalado
na garganta.
Ethan não fala mais nada, Tyler responde com um “relaxa” carinhoso e
me oferece um sorriso pelo retrovisor. Megan, por outro lado, começa a me
encher de mensagens, as quais eu não respondo, e consigo ver pelo seu
reflexo no vidro que ela está brava.
Meu Deus, eu só quero a minha cama.
Cinco minutos se passam. O único som que nos impede de
mergulharmos em um silêncio sepulcral é o dos alto-falantes do carro que
reverberam All For You do Imagine Dragons. Estou com a cabeça apoiada
no encosto do banco e mantendo as pálpebras cerradas. Dessa forma o
caminho parece passar mais rápido, porém, mesmo com os olhos fechados, a
presença de Ethan é captada por todos os meus outros sentidos.
Cada vez que puxo o ar, e seu perfume viaja por minhas vias
respiratórias. É como um golpe doloroso no meu coração, e até chegarmos a
festa eu não ouso dizer sequer uma palavra.
Assim que passamos pela porta da casa enorme que Brooks alugou, o
cheiro enjoativo de vodca, energético e cigarro mentolado rouba o espaço
nos meus pulmões sem que eu possa lutar contra. Mal dou o primeiro passo
dentro do ambiente e Elói Pierre aparece na minha frente com uma garrafa de
vodca de melancia e um olhar de desafio.
— Shot ou dez segundos, chérie? — questiona com a sobrancelha
loira erguida.
Penso em negar, porque realmente não estou no clima para beber, mas
desisto quando decido que não quero passar a noite remoendo meu coração
partido.
— Dez segundos — digo, jogando a cabeça para trás, abrindo a boca e
colocando a língua para fora.
Elói solta um “boa” antes de derramar o líquido em minha boca
enquanto conta até dez em voz alta. A vodca desce queimando por minha
garganta, provocando-me uma sensação de reação, resgatando um pouquinho
do meu ânimo e aquecendo meu estômago.
Quando a última gota toca a minha língua e eu volto a encarar o
francês, ele me dá um abraço de “boas-vindas” e me instrui onde pegar
bebidas e onde o pessoal do time está ficando. Sem nem ao menos olhar para
trás para me certificar de que estou sendo seguida, vou até o balcão e encho
um copo com gin, gelo e xarope de frutas vermelhas.
Se essa noite vai ser um inferno, preciso estar bêbada o suficiente para
suportá-la.
“Você entrou no meu mundo louco
Como um frescor limpo e gratificante
Antes de eu saber o que me atingiu, amor
Você estava fluindo entre minhas veias”
ADDICTED TO YOU | Avicii
14 de Dezembro de 2021
Amelie está no seu quarto copo de gin e eu acho que vou ter uma
síncope.
Por algum motivo, que eu ainda não descobri, a garota está me dando a
porra de um tratamento de silêncio desde que saiu do apartamento do meu
pai ontem a noite e eu só queria entender que merda está acontecendo.
Amelie nunca se fecha à toa, se ela não quer falar comigo é porque fiz
algo de errado. O problema é que eu não sei o que eu fiz, e isso está me
deixando transtornado, de verdade. Odeio brigar com ela, mas odeio mais
ainda seu silêncio. Prefiro que me xingue, que grite o quanto me acha um
completo babaca, mas nunca se feche. Porque isso significa que ela está
magoada, e a mínima possibilidade de tê-la magoado simplesmente me mata.
Bebo mais um gole do líquido já purgante em meu copo. Estou tão
aéreo que nem consigo pensar em terminar minha primeira cerveja, e encaro
a cena ridícula da garota dançando com os braços ao redor do pescoço de
Elói. Meu amigo percebeu o clima estranho entre a gente no instante em que
pisamos nessa festa e me assegurou que ficaria por perto dela para mantê-la
segura.
Mesmo sabendo de tudo isso, ainda sinto vontade de gritar vendo os
dois dançando juntos porque, porra, se tudo estivesse bem, eu é quem
deveria estar lá, ouvindo suas gargalhadas, sentindo seu cheiro e vendo seu
rosto tão de perto. Nós beberíamos juntos, mas não demais, porque quando
chegássemos em casa teríamos mais uma das nossas transas de tirar o fôlego
e no fim da noite, dormiríamos abraçados, como tem sido há quase dois
meses.
Detesto a forma com que Amelie me transformou em um cara que
quase tem um derrame vendo sua garota nos braços de outro, mas é
inevitável. Imaginar alguém tendo-a entregue em seus braços como ela fica
nos meus me deixa desesperado pra caralho.
Minha garota.
Nunca mais fiquei com ninguém depois dela, e nem quero. Amelie
deixou claro, quando começamos o nosso lance, que eu podia me relacionar
com outras pessoas contanto que a avisasse. Neguei na mesma hora, porque
sabia que embora estivesse se fazendo de desapegada, ela ficaria magoada
caso eu realmente levasse a ideia adiante.
Mas a verdade é que, quanto mais nós fomos nos envolvendo, mais
dela eu quis. Pouco me importo com as outras garotas, e ao longo desse
tempo venho rejeitando convites de uma porção delas, porque esse lance de
trepar com metade do campus já não faz o mínimo de sentido pra mim.
Sério, eu não faço ideia de em que momento assistir musicais
adolescentes abraçado debaixo do edredom numa sexta à noite, ouvir sobre
as leituras de uma outra pessoa e ter alguém para dedicar minhas cestas se
tornou o ápice da minha felicidade, mas eu gosto pra caralho da vida que
venho vivendo, e não quero perdê-la assim, sem mais nem menos.
Saio do meu devaneio quando sinto alguém esbarrar o ombro com o
meu e, surpreendentemente, me deparo com Ava Christie parada ao meu
lado.
— Acho que alguém aí não tá num bom dia… Isso é xarope ou
cerveja?
— Rainha do Vôlei, quanto tempo — falo, sendo simpático. Ela sorri,
mas não é um sorriso malicioso como o de sempre.
— Você sumiu, achei que estivesse ocupado — comenta, encarando
meus olhos com diversão.
— É, eu ando meio atarefado… Mas, e aí, como você tá?
— Bem! Viajo no próximo mês para uma campanha em Londres, os
trabalhos como modelo não param de chegar!
A empolgação em sua voz me arranca um sorriso. Ava já tinha me
contado que é modelo midsize e acho que já me disse uma vez sobre preferir
estar sob as lentes das câmeras do que projetar casas. O curso de arquitetura
é, na verdade, um plano b caso a modelagem não desse certo.
— Fico feliz por você, leva jeito para a coisa, seu instagram que o
diga. E porra, as marcas seriam loucas de disperdiçarem sua beleza. —
Estou genuinamente feliz por ela. Ava é uma garota incrível, e merece tudo
de melhor nesse mundo. — Sei que nos afastamos, mas mande notícias, torço
de verdade pela sua felicidade.
— Eu sei disso, eu só… Preferi ficar no meu canto nesses últimos
tempos, saber a hora de sair de cena é uma das minhas maiores qualidades
— ela pisca pra mim e aponta com a cabeça na direção da pista de dança e
eu noto que está falando de Amelie.
— C-Como sabia?
— Nossa, a faculdade inteira já canta essa pedra há séculos. Rolou um
boato de que vocês tem se pegado desde uma festa nas Vixens, algo do tipo.
— A galera nessa faculdade adora uma fofoca… — torço o nariz em
descontentamento.
— É… Eles acham que é só uma pegação com data de validade, eu
discordo — ela solta, e eu ergo a sobrancelha desconfiado. — Desculpa,
mas eu estou a festa inteira te vendo aqui sentado olhando pra ela. Se
ninguém te contou, eu fico feliz em trazer a notícia de que você, jogador, é
louco por aquela garota ali.
Não tenho tempo de retrucá-la, porque no instante seguinte uma menina
pra lá de bêbada enlaça seu pescoço e a arrasta para longe. E antes mesmo
que eu tenha tempo de pensar sobre suas palavras, a cena pavorosa de
Charles Brooks trêbado segurando um shot de tequila entre os dentes e se
preparando para virá-lo na boca de Amelie faz o meu cérebro entrar em
parafuso. Chega dessa merda.
Em segundos, estou diante dos dois, arrancando o copinho de shot da
boca do meu amigo e entornando-o em minha garganta. O líquido desce
rasgando e eu faço uma careta. Amelie chia e quando eu a encaro, seu rosto
transmite fúria.
— Já chega de álcool por hoje, né? Vai vomitar até suas tripas nesse
ritmo — falo, sem paciência.
— Me desculpa, mas que é você para controlar o quanto eu bebo,
Ethan Harris? — ela manda na lata, com a voz meio mole e espalmando a
mão em meu peito.
Seguro seu pulso e conduzo-a para fora da casa, ignorando seus
protestos, e quando encontro um local menos barulhento e cheio, paro de
frente para ela.
— Tá legal, dá pra me explicar que porra tá acontecendo? Por que
diabos você tá me ignorando e falando comigo desse jeito? — Ela gargalha,
me deixando puto, e eu cruzo os braços sobre o meu peito.
— Isso é algum tipo de piada? De que jeito acha que estou falando
com você?
— Está na defensiva, e nem adianta negar. Ignorou minhas mensagens,
minhas ligações…
— Já parou para pensar que talvez eu não queira falar com você?
Nunca mais? — Seu tom se eleva e eu fico ainda mais perdido.
— Por quê?
— Porque eu não quero! Pode respeitar isso?
— Mas é claro que não, porra! Amelie, o que eu fiz? Estávamos bem
até ontem, que merda tá acontecendo? Me fala para eu poder consertar!
— Não quero que conserte nada, só… Curte a droga da festa com as
suas garotas e me deixa em paz, pode ser?
Okay, agora eu realmente não tô entendendo porra nenhuma.
— Pelo amor de Deus, você ouviu o que acabou de dizer? Eu não
quero curtir festa com garota nenhuma, pirou? Eu só quero que você fale
comigo e pare de ser teimosa! Me diz o que eu fiz que te deixou assim, por
favor!
— Por que você se importa, hein? — questiona, subindo ainda mais o
tom da sua voz.
— O quê?
É a primeira vez que ela me olha nos olhos, eles estão queimando em
raiva e dor. E eu sinto meu coração apertar. Só pode ser um pesadelo.
— Por que se importa? Nós não temos nada, não precisa ficar
bancando o babá comigo e nem fingindo que está cuidando de mim, chega —
diz, fria, e eu franzo a testa, porque algo dentro de mim dói feito o inferno.
Nós não temos nada.
— Do que você está falando? — pergunto baixo.
— Me poupe, Ethan. Não aja como se não tivesse dito exatamente a
mesma coisa menos de 24 horas atrás. Já é ruim o suficiente sem você se
fazendo de sonso. Não torne pior.
Encaro-a por alguns segundos até que um estalo atravessa minha
mente. Amelie se levantou correndo na noite passada logo depois que a
respondi o porquê de eu ter confiado nela para conhecer a minha irmã.
“Você é minha amiga, e eu sei que mesmo que não tenhamos nada,
você é alguém que eu fico feliz que conheça Angeline.”
Mesmo que não tenhamos nada.
Meu Deus, eu sou burro pra caralho.
— Linda… Eu não… Eu não quis dizer aquilo — falo, nervoso,
esticando o braço para tocá-la, mas ela se esquiva e o meu coração se parte.
— Foi da boca pra fora, eu nem pensei direito antes de falar, me desculpa.
— Mas você disse, Ethan, com todas as letras. — Amelie solta uma
risada amarga e só pelo modular da sua voz eu sei que está prendendo o
choro. Puta que pariu. — E não me chame mais de “linda”, por favor. Se
você me considera alguma coisa na sua vida, não quebre o que sobrou do
meu coração, eu estou pedindo com sinceridade. Combinamos que quando
começasse a rolar sentimento, nós íamos parar. Eu fui tonta por não perceber
o que estava bem na minha cara mais cedo, mas é isso. Estou sentindo algo,
então eu acho que acabou.
Suas palavras me acertam em cheio e eu tenho a resposta na ponta da
minha língua, mas não consigo falar. Quando ela está prestes a me dar as
costas, no entanto, eu seguro sua mão de forma firme e puxo-a para mim,
porque nem fodendo vou deixá-la escapar fácil desse jeito. Porra, não
mesmo.
— O combinado perde a validade se eu também estiver sentindo algo?
— questiono, e ela ri, desacreditada.
— Não precisa fazer isso, não precisa fingir um sentimento. Eu já lidei
com um coração partido antes e você, mais do que ninguém, sabe que eu
posso me virar sozinha. Não preciso da sua pena, Ethan Harris.
Agora sou eu quem está rindo.
— Tá brincando? Acha que o que eu sinto por você é pena? Acha
mesmo? — Ela não me responde, apenas me encara com os olhos marejados.
— Coelhinha, a última coisa que eu sinto por você é pena, a última, tá me
ouvindo? E, definitivamente, é impossível dizer que não sinto nada, cacete,
você… Você é uma das pessoas mais importantes da minha vida, eu lutaria
contra a porra do mundo inteiro pra te ver feliz! Não é possível que não
tenha percebido, não é possível que ache que eu me entregaria dessa forma
para outra pessoa, que eu me empenharia em decifrar cada detalhezinho de
outra pessoa, que eu contaria as coisas que já te contei para outra pessoa.
Porra, acha mesmo que eu já beijei alguém do jeito que eu beijo você? Que
já toquei alguém do jeito que eu te toco? É tudo diferente, Amelie, tudo!
Porque o que eu sinto por você é diferente. E eu não tô mentindo, muito
menos falando por pena.
Encaro-a sentindo meu corpo tremer de medo, porque, por Deus, não
posso perdê-la. Capturo o instante em que seu olhar se torna vago e a cor
parece sumir do seu rosto.
— Ethan, eu… Acho que vou vomitar. — Num movimento rápido, ela
apoia a mão nos meus ombros e vira a cabeça para o lado, inclinando-a.
Merda.
Fecho os olhos e seguro firme sua cintura para mantê-la de pé, ouvindo
o som do vômito bater contra o chão e sentindo o cheiro azedo da bile
misturada com álcool. Quando ouço sua primeira tossida, abro os olhos
novamente e ajudo-a a se apoiar em seus joelhos, lhe dando sustentação com
as mãos em seus quadris. Seus cabelos estão presos em um rabo de cavalo,
então só me certifico de mantê-lo para trás.
Quando ela finalmente termina, limpo sua boca com o tecido da minha
camisa e seguro seu rosto com uma das mãos, forçando-a a me encarar.
— Pode me odiar amanhã, mas hoje, eu vou te levar pra casa e cuidar
de você, tá bom? — Meu tom é sério, e ela apenas assente antes de envolver
meu pescoço com os braços e subir no meu colo.
Saio com Amelie pelos fundos para não chamar atenção e peço um táxi
para nos levar para o campus. A garota passa o trajeto inteiro aninhada em
meu peito cochilando como um bebê, e quando enfim entramos em seu
dormitório, ela desperta completamente pirracenta.
Levo-a para o banheiro e, com calma e muita paciência, convenço-a de
tomar banho.
— Vira pra lá — resmunga, segurando a barra da camiseta. — Não
vou tirar a roupa na sua frente.
— Isso é sério? — pergunto, rindo, ela se mantém com uma carranca
fechada. — Dois dias atrás você estava pelada na minha cama, não sei se se
recorda disso.
— Vira. Agora.
Ela manda, sem paciência, e eu ergo os braços em rendição me
virando de frente para a porta. Quando ouço o vidro do box se fechar,
recolho suas roupas do chão e coloco-as no cesto de roupa suja. Espero até
que ela saia do banho enrolada na toalha e a deixo sentada no sofá,
monitorando-a enquanto monto um prato com uma fatia de pão e uma maçã.
Encho uma garrafinha d’água e pego dois comprimidos, um para enjoo
e um para ressaca, uno tudo em uma bandeja e volto para a sala, oferecendo
meu braço para ela se apoiar enquanto caminhamos até o seu quarto.
— Eu não vou comer isso — anuncia, antes de se jogar em sua cama.
— Ah, vai sim. Senta, por favor.
Apoio a bandeja em sua escrivaninha e vou até o seu armário. Pego
uma das minhas camisetas e uma calcinha larga com estampa de pandas,
Amelie tem uma infinidade dessas com ilustrações diferenciadas para usar
na TPM, quando ela fica com pavor de coisas apertadas.
Tá vendo? Até os tipos de calcinha dela eu conheço! Estou muito
fodido.
Entrego a muda de roupas para ela, que veste a parte de baixo de um
jeito desengonçado, e acompanho quando ela torce o nariz para a minha
blusa.
— Quero outra camiseta.
— Coloca essa logo — bufo, impaciente com a sua teimosia, voltando
minha atenção para pegar as coisas para ela comer.
Quando me viro, no entanto, vejo Amelie limpar discretamente uma
lágrima com a mão e dar uma fungada. Vou até ela no mesmo segundo,
apoiando a garrafa e o prato no chão, e me ajoelhando diante dela.
— O que foi, linda? Ficou enjoada de novo? — Ela nega com a
cabeça, soltando um choramingo baixo ao pousar as mãos em meus ombros.
— Essa blusa tem o seu cheiro. Eu vou acordar chorando amanhã
lembrando de você, eu não quero usar ela. — A sua voz de choro devia me
comover, mas por algum motivo, eu sinto uma vontade ridícula de rir.
— Vamos fazer um combinado? Amanhã, quando você acordar, ao
invés de chorar você vai me ligar, tá bom? Nós vamos nos encontrar em
algum lugar e vamos conversar, mais calmos e sem álcool no sangue, pode
ser? — Amelie assente e veste a blusa, levando o tecido até o nariz e
puxando o ar como se eu não estivesse bem diante dela.
O simples ato faz meu coração doer, porque porra, queria não tê-la
magoado, assim, ao invés de cheirar minha camisa, Amelie estaria com o
rosto enterrado em meu pescoço e aninhada em meus braços. Exatamente do
jeito que faz com que meu mundo pareça em paz.
No fim, convenço-a a comer e tomar os remédios. Ela já está sonolenta
quando a acomodo em sua cama e deixo um beijo delicado na ponta do seu
nariz.
“Queria conseguir te explicar melhor o que eu sinto, mas eu ainda
não descobri.”
É o que eu sussurro em seu ouvido quando percebo que ela caiu no
sono.
Espero até que Tyler e Megan cheguem da festa e então vou para casa,
depois de hoje eu realmente preciso pensar.
E é o que eu faço pelo restante da madrugada ao invés de dormir.
Penso.
“Porque eu estou sentindo coisas
Que eu nunca senti antes
Doces sensações
E antecipações
Chamando comoção
Para minhas emoções”
AM I READY FOR LOVE? | Taylor Swift
15 de Dezembro de 2021
16 de Dezembro de 2021
16 de Dezembro de 2021
2 de Janeiro de 2022
ANTES
O fim do verão fazia Nova Iorque ferver naquela manhã. Me lembro de
descer do carro do Tyler e sentir o bafo quente abraçar meu corpo, me
deixando terrivelmente angustiado enquanto eu subia as escadarias
majestosas da universidade dos meus sonhos pela primeira vez. Eu já estava
nervoso o suficiente, não queria começar a suar de calor também, seria um
desastre.
Me lembro que, enquanto galgava degrau por degrau, passei as
palmas das mãos sobre o tecido da calça jeans tentando dissipar o
nervosismo. Eu já tinha lido e relido as instruções para o primeiro dia pelo
menos uma centena de vezes. Eu deveria seguir para o auditório 102 para a
recepção dos calouros e logo depois seguiria para o meu cronograma normal
de aulas.
Podia sentir meu coração prestes a sair pela boca tamanha expectativa
que corria por meu corpo quando passei pela porta principal do prédio.
Assim como os demais alunos que entravam, fui recebido pelo mascote da
universidade, o Leão Eros, que vestia uma camiseta com o brasão da Irving e
entregava alguns panfletos informativos e até mesmo o mapa daquele
edifício.
Seguindo o pequeno mapa, caminhei rapidamente pelos corredores e
senti um certo alívio quando avistei a porta com o número “102” colado e
logo abaixo um “Calouros de Jornalismo 2019”. Me lembro vagamente de
ouvir alguns passos se aproximando enquanto eu girava a maçaneta, por isso,
abri a porta e me posicionei encostado ao batente, dando passagem para que
a pessoa entrasse.
No instante em que passou por mim, seu cheiro doce e inconfundível
me chamou atenção, e por algum motivo, até hoje sinto que ela percebeu
isso.
— Obrigada! — A voz, tão doce quanto o perfume, veio acompanhada
de um meio sorriso tímido que, por alguns segundos, deixou o meu eu de
dezenove anos paralisado. — Você é calouro também?
— Eu… — Meus olhos pulavam entre o corredor vazio, que levava
até as escadas para a arquibancada do auditório, e os seus olhos castanhos
grandes que me encaravam num misto de empolgação e timidez. — Sou! Sou
sim, Ethan Harris, prazer!
Sequei mais uma vez a palma da mão sobre o jeans antes de esticá-la
em sua direção. O contato da sua pele quente com a minha, misturado ao
metal gelado dos seus anéis, me fez sorrir por algum motivo que até hoje
desconheço.
— Amelie Castillo — a garota se apresentou, sorrindo, e consegui
notar um resquício de sotaque mexicano na pronúncia do seu sobrenome. —
Acho que seremos colegas de turma.
Me lembro de caminharmos juntos, falando sobre o quanto estávamos
nervosos pelo primeiro dia, até as escadas onde nos separamos porque eu
preferia sentar na frente, e ela, nas fileiras do meio.
AGORA
7 de Janeiro de 2022
28 de Janeiro de 2022
A vida, enfim, parece boa.
Há exatos um mês e meio eu tenho vivido os dias mais incríveis e
felizes ao lado das pessoas que eu amo. Com a possibilidade de Megan não
estar mais na cidade no próximo semestre, temos aproveitado cada mísero
tempo juntas quando ela não está em aula ou estudando para a prova de
residência.
Tyler tem se preparado para o draft e estamos todos muito confiantes
de que será escolhido por algum time. Além disso, passada a entrevista do
estágio eu pude relaxar um pouco mais e tenho aproveitado para ajudá-lo
com suas provas de direito.
Annelise e Lily seguem apaixonadas como nunca e estão programando
sua primeira viagem como casal. O destino escolhido foi Playa Del Carmen,
no México, o que me gerou duas horas por semana ensinando truques básicos
de espanhol para as duas.
Ethan e eu estamos bem, cada vez mais seguros sobre os nossos
sentimentos e descobrindo uma porção de outros novos. É engraçado como
às vezes nos pegamos agindo feito dois adolescentes um com o outro, e se eu
já amava cada detalhe sobre o garoto, sua versão apaixonada conseguiu
derreter de vez o meu coração.
É um pouco doido pensar em tudo que precisou acontecer em nossas
vidas para que pudéssemos nos encontrar e construir algo tão bonito e
sincero. Por diversas vezes me encontro admirando seu rosto sereno
enquanto ele dorme nos meus braços e percebo que não há nada que eu tenha
sentido antes que se compare com o que sinto por ele. É real, intenso,
perfeito, mesmo que recheado de imperfeições, e é nosso.
Um amor com cara de Amelie Castillo e Ethan Harris.
Além disso, hoje é o dia em que minha mãe receberá alta da
internação. Depois de um mês de tratamento intensivo e recheado de altos e
baixos, Virgínia finalmente vai poder retornar à cidade e restabelecer aos
poucos sua nova rotina.
Eu estaria mentindo se dissesse que foi um início de tratamento fácil.
Houve vezes em que eu chegava para visitá-la e ela se sentia arrasada, com
medo de não ser forte o suficiente e de não dar conta do recado. Foram
nesses dias em que senti que nosso amor era posto à prova. Era ao ouvir
dela sua vontade de desistir que eu mais a amava, porque de certo modo era
a única coisa ao meu alcance.
Dar amor, oferecer suporte e incentivá-la.
Mesmo com os contratempos, mamãe se manteve firme e eu assisti
orgulhosa ela passar pelo processo de desintoxicação e evoluir em suas
terapias. Por sorte, os danos físicos gerados pelos anos de dependência não
foram tão graves e são facilmente tratáveis.
Enquanto Virginia estava fora, consegui finalizar a venda da mansão
em Hoboken e usei o dinheiro para comprar uma lojinha linda, onde irá
funcionar seu mais novo empreendimento, e também um apartamento
charmoso e espaçoso para ela em Chelsea, um bairro residencial tranquilo
em Manhattan.
É nele que estou agora, terminando de desembalar e posicionar os
últimos objetos de decoração que comprei para o lugar enquanto Alfred foi
buscá-la.
Quando ouço a campainha tocar, sinto meu coração pular em um misto
de ansiedade e alegria. Dou uma última checada no ambiente enquanto vou
até a porta, verificando se tudo está em seu devido lugar, e assim que giro a
maçaneta, um sorriso gigante estampa meu rosto.
— Seja bem vinda à sua nova casa — falo, empolgada.
Mamãe sorri ao me puxar para um abraço carinhoso e eu preciso fazer
um esforço enorme para não chorar de felicidade por estar vivendo algo que
sempre achei que morreria na minha imaginação. Estamos finalmente bem.
— Querida, eu estava com tanta saudade!
Nós nos afastamos e eu deixo um beijo estalado em sua bochecha,
abrindo espaço para que ela entre logo em seguida. Mamãe examina tudo
com bastante atenção e eu vejo um brilho molhado cobrir seus olhos ao
perceber que está diante de um recomeço.
A sala ampla do apartamento é clara e arejada. Um janelão de vidro
toma conta de uma parede inteira e a luz do sol traz vida ao ambiente. A
decoração no estilo boho chic mistura tons de bege e detalhes em madeira
que dão um charme único. O sofá é grande e espaçoso, a mesinha de centro
de madeira abriga alguns cristais e um arranjo de pequenos galhos secos.
Há um enorme vaso no canto da sala com ramos de trigo, e um tapete
bege escuro decora o chão onde está seu belo piano branco.
Uma bancada de mármore carrara divide a sala da cozinha super
equipada e que montei para que ela possa cozinhar suas delícias sem perder
a interação com as suas visitas. Faço um mini tour mostrando para ela os
dois quartos de hóspedes, a sua suíte, o banheiro geral e a área de serviço.
Mamãe reage maravilhada a cada espacinho, e é bonito ver como ela
realmente gosta de tudo que escolhi para deixá-la o mais aconchegada
possível. Algumas fotos nossas de quando eu era criança e outras suas em
seus concertos estão espalhadas pelos móveis em porta-retratos dourados,
alguns estão sem fotos, no entanto, para que ela os preencha com seus futuros
registros de sua nova fase.
— Está tudo tão lindo, Niña! — ela diz, suspirando, quando
retornamos à sala.
— Você gostou? Escolhi tudo com muito carinho.
— Eu amei, você tem um excelente gosto — elogia, enquanto nos
sentamos no sofá.
— É, eu até que dou para o gasto. — Dou risada, me encostando no
estofado. — O doutor Isaac me disse que você terá uma enfermeira aqui
vinte e quatro horas para acompanhar seus três primeiros meses. Ela chega
mais tarde.
— Sim. Isabel é uma menina de ouro, foi quem me acompanhou na
reabilitação também. Você vai gostar dela — explica, e eu assinto.
— Como se sente, mãe? — pergunto, encarando-a com um sorriso
bobo.
— Feliz. Céus, estou realmente feliz, como não era há anos! Tenho
minha filha, minha casa nova, uma nova vida… Eu não poderia estar melhor.
Sei que ainda tenho um longo caminho para percorrer e que essa foi só a
primeira etapa, mas se tem algo que eu aprendi com tudo isso, querida, é que
não existe sentido em encarar a felicidade como uma meta para ser atingida,
um ponto final. Momentos felizes vem e vão, o que nos cabe é celebrá-los, e
hoje eu estou muito feliz.
O sorriso iluminado em seu rosto enquanto ela fala é cheio de vida,
sonhos e expectativas pelo que está por vir. Eu sempre ansiei em ver minha
mãe voltar a ser a mulher radiante da minha infância, mas vendo-a hoje,
realizada por vencer mais uma batalha, percebo que essa é a versão dela que
mais brilha. Uma que finalmente tem tudo, exatamente por entender que
“tudo” é sobre bem estar, e não coisas ou pessoas.
— Ouvir isso é a melhor coisa do mundo — falo, antes de me esticar
para pegar uma caixinha na mesinha de centro. — Tenho um presente para
você.
Mamãe parece surpresa e emocionada. Assisto contente enquanto ela
puxa o laço dourado da caixinha e retira a tampa. Ela ergue o colar de prata
de dentro da embalagem e segura o pingente de coração para ler o que está
gravado nele.
De um lado, há um “V” e do outro está escrito “onde você estiver…”.
Ela me olha com os olhos marejados e eu puxo o meu cordão de dentro da
minha blusa, mostrando-o para ela. No meu pingente, há um “A” e na parte
de trás “... estarei contigo.” Foi a frase que lhe disse quando nos despedimos
no dia da sua internação.
— É tão lindo, filha! Muito obrigada! — a voz já embargada aquece
meu peito.
Ajudo-a a colocar o colar e lhe dou um abraço apertado.
— Tem mais uma coisa aí dentro — falo ao apontar para a caixa. — É
um fundo falso, é só puxar.
Mamãe segue minha instrução com um olhar desconfiado e eu quase
solto uma gargalhada ao visualizar seu semblante confuso quando puxa uma
chave solitária de dentro do embrulho.
— O que é isso?
— Isso, Virgínia Morgan, é a chave de uma loja linda que está em obra
na rua de trás onde, em breve, será a sua mais nova floricultura — anuncio
com orgulho.
— Oh, meu Deus! Isso é sério? — ela quase grita, exalando
empolgação.
— Sim! Há um tempo você vem dizendo que gostaria de voltar a
trabalhar e que gostaria de se aventurar com as flores. A venda da casa
rendeu uma boa grana então eu pensei: porquê não? E decidi arriscar! É um
espaço bem versátil, então caso decida mudar de ramo, pode montar o que
quiser lá e…
— Vai ser uma floricultura. É perfeito!
— Fico feliz que tenha gostado.
— Qual vai ser o nome?
— Não sei, me diz você, Senhora Empresária — provoco e ela dá
risada.
Mamãe passa alguns segundos pensativa e então sorri como quem teve
uma brilhante ideia.
— Fleur d'avril — fala, e eu reconheço o sotaque francês.
— O que significa?
— Flor de Abril — explica. — É o mês em que as tulipas florescem
nos Estados Unidos e, não coincidentemente, é também…
— O mês do meu aniversário — completo, emocionada.
— Exatamente. Assim como as tulipas, você também é uma flor de
abril, Amelie, e o dia mais feliz da minha vida, com certeza, foi o dia em que
você floresceu para o mundo — ela fala, e eu sinto uma lágrima escapar do
meu olho. — O três de abril da primavera que mudou minha vida para
sempre.
— Eu amo você, mamãe — digo, antes de me deitar em seu colo e
deixá-la mexer nos meus fios de cabelo.
Passamos o restante do dia inteiro juntas. Ajudo-a a desarrumar suas
malas e colocar suas roupas nos armários. Cozinhamos juntas uma
macarronada que está simplesmente absurda de boa. À tarde assistimos
Aladdin, nosso filme favorito de quando eu era pequena, com direito a um
dueto desafinado de “Um Mundo Ideal” que cantamos em plenos pulmões de
pé no sofá.
É um dia perfeito, um dos muitos que estão por vir.
Até o momento em que meu celular vibra e múltiplas mensagens
chegam ao mesmo tempo:
Capitão <3: Amor, você está bem?
Meg: Amiga, onde você tá? Está tudo bem com você?
Tyler M: Miss Jornal, tá tudo bem? Precisa de alguma coisa?
Lily: Por favor, me diz que você está bem! Annelise acabou de me
mostrar, estamos preocupadas!
Mas que diabos está acontecendo?, penso, e só então a mensagem que
me deixa ainda mais preocupada aparece na tela.
Joscelyn Mansen: Eu já dei uma olhada no caso.
Joscelyn Mansen: Você e sua mãe não foram citadas em momento
algum, estão seguras, e eu vou entrar com o pedido para que sua
faculdade seja quitada com o dinheiro que não for confiscado, pode ficar
tranquila.
Ao ler as mensagens, uma interrogação do tamanho do mundo se forma
bem no centro da minha testa.
Eu: Do que está falando?
Joscelyn Mansen: Já assistiu aos jornais hoje?
Eu: Não?!
Joscelyn Mansen: Liga no canal 7, agora.
Sem pedir mais nenhuma explicação, pego o controle da televisão e
ligo no canal indicado no exato instante em que o repórter, parado na frente
de um portão que eu conheço muito bem, parece repassar as informações da
reportagem.
— Para você, que está chegando agora, foi preso na manhã deste
domingo, em sua casa, num condomínio de luxo em Greenwich Village, o
empresário do ramo de investimentos Esteban Castillo. Esteban é um dos
nomes apontados na operação Night Fury, que investiga uma organização
criminosa e fraudulenta formada por empresários e políticos, que tinha
como objetivo privilegiar empresas no fechamento de contratos e
licitações em diversos estados do país…
— Meu Deus — balbucio, em choque, e desvio o olhar da tela apenas
para olhar para Virgínia. Minha mãe encara a TV completamente apática.
— … o Ministério Público emitiu mandados de busca e apreensão
na mansão do empresário, na sede da sua empresa, a Dunamis
Investimentos e na casa de mais quatro acionistas. Mandados de prisão
também foram emitidos para mais outros quinze empresários da cidade,
três ex-senadores e para o senador republicano Benjamin Thompson,
acusado de ser o chefe do esquema…
Não tenho a oportunidade de ouvir o restante, porque minha mãe toma
o controle da minha mão e desliga a TV. Encaro-a ainda em absoluto choque,
porque caramba! Eu sempre soube que Esteban é uma pessoa ruim, mas
crimes do colarinho branco? Por essa eu não esperava. E o mais estranho, no
meio disso tudo, é que embora eu esteja chocada, não me sinto comovida.
Não sei o que isso faz de mim, mas não consigo sentir empatia por ele.
Acredito que colhemos o que plantamos. Se chegou a hora de sua colheita e
estes foram os frutos, não há nada que eu possa fazer a não ser rezar para que
a justiça seja feita. Esteban passou tantos anos brincando de ser deus que se
esqueceu da única verdade irrefutável de sua vida: ele é apenas um homem.
E assim como em Édipo Rei, sua hybris se deu justamente por
acreditar que sua inteligência o fazia superior aos demais. Que ela o fazia
um ser divino, e esse foi um dos maiores, dos muitos erros que meu pai já
cometeu, ele acreditou que era inatingível. E não é.
Nenhum homem é.
Nem mesmo os mais poderosos.
— Ele não faz mais parte das nossas vidas — mamãe finalmente diz.
— Nunca fez — tranquilizo-a com um sorriso e me aninho em seus
braços.
Minha mãe é a minha família, e é por ela que eu vou lutar até o fim dos
meus dias. Por ela, pela sua saúde, pela nossa felicidade e pela nossa
independência.
O resto, é apenas resto.
Enquanto estivermos seguras, enquanto tivermos uma a outra, eu sei
que estarei bem.
“Porque quando você me desdobra e diz que me ama
E olha nos meus olhos
Você é a perfeição, minha única direção
É fogo em chamas”
FIRE ON FIRE | Sam Smith
21 de Janeiro de 2022
22 de Janeiro de 2022
Caralho?
Há um misto de confusão e felicidade vibrando por cada uma das
minhas células quando termino de ler a mensagem que me sinto anestesiado.
Eu não fui aceito. Mas Russel Lambrock, pessoalmente, me indicou para um
estágio em uma das maiores emissoras de esportes do país. Eu só posso
estar sonhando.
É só quando a ficha cai que me recordo de onde e com quem estou.
Quando meus olhos enfim se desgrudam da tela, Amelie está estática,
encarando a tela do seu celular completamente boquiaberta e sem mover um
músculo.
— Amor? — chamo-a. — O que aconte…
— Eu entrei! — ela grita, terrivelmente chocada. — Ethan, eu entrei!
O estágio é meu! Eu consegui! Vou trabalhar no jornal dos meus sonhos!
Não sei dizer ao certo quem começou a chorar primeiro, mas quando
me dei conta, eu já a abraçava e nós dois berrávamos juntos feito duas
gralhas e com os olhos molhados pelas lágrimas.
— Você conseguiu! — comemoro, abraçando-a tão forte quanto
consigo.
— Eu consegui! — repete, ainda sem acreditar.
— Você conseguiu — digo, me afastando para lhe dar um longo beijo.
— Estou tão orgulhoso de você, Coelhinha! Você merece.
— Eu… Eu… Espera. Porque você não está triste? — ela questiona,
desconfiada.
— Minha garota é a mais nova estagiária no emprego dos seus
sonhos. Por que diabos eu estaria triste, mulher? — chio, secando as
lágrimas que escorrem dos seus olhos.
— Você… Não está mesmo triste pela vaga? — questiona, e eu nego
com a cabeça. — Ugh! Ethan Harris, por que você tem que ser assim? Eu
amo você, sabia?
— Eu também amo você, e estou morrendo de orgulho da sua
conquista. Lambrock é uma lenda do jornalismo político. Sabe muito bem
que, se existe alguém capaz de confrontar deputados, senadores e até mesmo
o presidente, esse alguém certamente é você, Coelhinha — digo, deixando
um beijo em sua bochecha que está contraída pelo sorriso que ela dá.
— E agora? O que vai fazer?
— Bom, agora, eu vou deitar você nessa cama, beijar cada partezinha
desse seu corpo gostoso até você estar pingando para mim, e foder com você
bem devagar, do jeitinho que você gosta, para comemorar — falo, mordendo
o lóbulo da sua orelha e passando a mão pela parte interna da sua coxa. — E
talvez, em breve, eu me torne o novo estagiário de esportes da TNT, graças à
indicação do Lambrock.
— Mentira! — Amelie ofega, surpresa, e eu me limito a assentir antes
de dar início aos meus planos de fazê-la gemer até acordar todo mundo nesse
prédio.
O sexo se torna o melhor de toda a minha vida. Sua pele desliza
contra a minha em uma sintonia arrebatadora e nossas vozes se misturam no
ar em uma sinfonia gostosa e completamente erótica. A conexão inquebrável
entre os nossos olhos permite que ela entenda todas as milhares de coisas
que quero dizer enquanto me afundo entre as suas pernas. Tem paixão,
alegria, verdade, tesão e muito, muito amor.
No instante em que me desfaço dentro dela e Amelie me abraça forte,
eu sei que, ainda que não tenhamos sido feitos um para o outro, meu coração
não seria de mais ninguém senão dela.
— Não acredito que vai mesmo fazer isso — ela fala, me examinando
dos pés à cabeça.
— Passou o semestre inteiro me infernizando com essa merda e agora
quer desistir? — chio.
— Não, é só que… Não precisa fazer isso se não quiser — ela fala, e
eu reviro os olhos.
— Vai ser divertido — tento tranquilizá-la, mas falo mais para mim
do que para ela.
Hoje é um dia atípico na Irving, nosso time chegou à final da liga e
nós vamos receber nossos adversários em casa em poucas horas, o que fez
com que o reitor Barnard cancelasse as aulas do dia e transformasse o
campus central da faculdade em uma verdadeira concentração pré-jogo.
Amelie e eu estamos no estacionamento, e daqui já é possível escutar
os alunos ensaiando os gritos da torcida. O campus está mais lotado do que o
normal visto que, aparentemente, toda a comunidade acadêmica está
concentrada em um só lugar. Pensar nisso faz com que meu estômago se
revire um pouco em nervosismo, mas ele não é tão importante agora.
Mais cedo, Amelie descobriu que havia ganhado sua vaga de estágio,
e eu, como bom perdedor que sou, depois de umas boas rodadas de sexo
matinal e café da manhã reforçado, estou prestes a desfilar pela faculdade
numa fantasia quase erótica de coelhão.
Amelie não se lembrou de, de fato, mandar fazer o macacão como me
ameaçou diversas vezes nos últimos meses, então eu precisei ser criativo.
Estou com seu arco rendado de coelho, sem camisa e com uma sainha de tule
ridícula que mal cobre a minha bunda. Tem glitter no meu abdômen inteiro e
a garota desenhou um nariz vermelho e bigodes na minha cara.
É engraçado, mas estou parecendo um modelo de anúncio de sex
shop.
— Vamos acabar logo com isso — anuncio, antes de pegá-la pelas
pernas e levantá-la feito um troféu.
— Mas que porra você está fazendo?
— Amor, nem fodendo que você achou que eu passaria por essa
sozinho — solto uma risada e caminho até a escadaria principal do prédio.
— Filho da mãe! Você vai ver só, vou destruir você.
— Se for na cama eu não me oponho.
Assim que passamos pela porta de entrada, todos os olhares do
corredor grudam em mim e risadas ecoam alto ao meu redor. Alguns caras
assobiam, outros soltam uns “que merda é essa?” e algumas garotas dão
gritos histéricos. Amelie envolve os braços no meu pescoço para se firmar, e
eu paro quando estou exatamente no meio da multidão de alunos.
— ETHAN HARRIS! — o berro do reitor Barnard chega aos meus
ouvidos e, como uma assombração, ele surge na minha frente. — O que
diabos você pensa que está fazendo?
— Ai, galera! Bom dia! Peço um minutinho da atenção de vocês aqui,
por favor — falo alto, e todos param o que estão fazendo para me escutar. —
Essa garota aqui, reitor, foi contratada hoje para estagiar no jornal dos
sonhos dela, e eu, assim como todos os meus colegas, estou muito feliz por
ela. Não é mesmo, Lions?
Um coro de “sim” e “uhul” reverbera pelo corredor, e alguns caras da
bateria da torcida até se empolgam. Nosso reitor parece prestes a ter um
colapso, Amelie está roxa de vergonha e eu preciso me esforçar muito para
não cair na gargalhada.
— Parabéns, Srta. Castillo. Ficamos todos muito felizes por você,
mas por favor, desça já daí e, Sr. Harris, coloque uma roupa imediatamente,
antes que eu chame o professor Butler — ordena.
— Como quiser, senhor — anuo, colocando Amelie no chão.
No momento em que ele se afasta, Tyler, Megan, Charles e Elói vem
até nós batendo palmas e rindo desesperadamente da minha cara.
— Não acredito que você realmente o convenceu — Tyler diz para
Amelie. O filho da puta está lacrimejando de tanto rir.
— Nem foi tão difícil.
— Eu acredito — Charles rebate, antes de apontar o celular para mim
e tirar uma foto.
— Essa imagem com certeza será proibida em uns quinze países —
Megan fala, rindo, e Elói imita o barulho de latidos.
— A coleira pode ter glitter? — pergunta, feliz pra caralho.
— Eu odeio muito todos vocês.
— É uma pena, porque a gente te ama — Charles lamenta antes de
erguer o braço e captar uma selfie comigo no fundo com uma cara de merda.
Eu e meus amigos passamos ainda um bom tempo conversando sobre
as expectativas para o jogo. Perco a conta da quantidade de pessoas que
passam assobiando para mim ou rindo da minha cara, e tenho certeza de que
minha alma sai do corpo quando meu treinador me liga perguntando por que
raios o capitão dele está seminu no corredor da faculdade no dia da grande
final.
Eu queria fazer a garota que vou pedir em namoro feliz, penso em
responder, mas ele me xingaria aos berros, então me limito a tomar uma
ducha no vestiário e colocar minha roupa de treino.
Bradley Butler já não é um cara calmo, em dias de finais eu sinto que
ele realmente considera perder seu réu primário conosco.
Meus ouvidos estão zunindo e eu sinto que já transpirei toda água do
meu corpo quando altero o olhar entre o marcador e o meu treinador. Jogar
uma final contra Princeton e seu trio do inferno já é algo que eu considero
eletrizante, fazer isso na nossa arena, com a torcida dos Lions em peso
cantando sem parar e fazendo o chão sob os meus pés tremer foi como elevar
a sensação a milhão.
No placar, tudo igual, 104 x 104.
No cronômetro, 16 segundos.
Dezesseis dolorosos segundos, é tudo o que nos separa da taça geral
da liga, da medalha de primeiro lugar e do fim do meu mandato como
capitão do time que se tornou a minha família.
Troy Bolton, eu te entendo pra caralho. Dezesseis segundos nunca
me pareceram tão desesperadores.
E para piorar tudo, além das duas maiores e mais apaixonadas
torcidas do basquete universitário, as arquibancadas também estão cheias de
olheiros dos times profissionais. Uma infinidade absurda deles, por todo
canto. Cada segundo aqui dentro é também uma oportunidade que pode
mudar a vida de vários desses caras dentro de quadra. Uma pressão do
caralho, que eu estou sentindo esmagar meus ombros sem a menor piedade.
— É o seguinte, prestem atenção aqui, porra! — Butler grita, atraindo
a atenção de todos os jogadores para a sua prancheta. — Quando aquele
maldito apito soar, vocês vão ter um único foco: ganhar tempo e abrir o
caminho para a cesta. Harris, eu quero que você enterre a bola tão forte
naquele aro que aquele Tigre desgraçado vai sair daqui sem conseguir andar,
você me entendeu?
— Sim — sopro, engolindo seco.
— Me desculpe, eu não ouvi direito. Você me entendeu?
— Sim, senhor! — digo, firme, controlando minha respiração e
tentando não ter um AVC antes mesmo de voltar para a quadra.
— Ótimo, porque eu não admito que aqueles filhos da puta
comemorem uma vitória sequer dentro da nossa casa. Nenhum deles merece
tanto esse título como vocês, nenhum! Então não permitam que tirem de nós a
coisa pela qual trabalhamos tão duro. Vocês foram o melhor elenco da
história da Irving, lembrem-se disso quando estiverem naquela quadra:
ninguém nunca chegou aos pés desse time, e não são uns gatinhos de rinha
que vão tirar o título que é de vocês por direito. Fui claro?
— Sim, senhor — gritamos, em uníssono.
— Certo, agora vão lá, se divirtam, mas mostrem para eles porque o
Eros usa a porra de uma coroa.
Nós nos abraçamos, e eu e os caras vamos para perto da mureta da
arquibancada, onde a bateria da torcida está posicionada. Formamos uma
meia lua para que a torcida possa fazer o grito de guerra junto conosco.
Todos estão atentos ao meu sinal, e ao longe consigo ver Amelie vestida com
uma das minhas camisetas de jogo. Ela, Megan, Annelise e Lily estão
abraçadas e gritam feito loucas.
— No três, como ensaiamos! — grito. — Um… Dois… Três!
— A IRVING É FODA! A IRVING É FODA! DIS-PO-SI-ÇÃO, VEM
COM A TORCIDA DO LEÃO! — berramos tão alto que o chão treme.
A bateria retumba e a torcida vai à loucura. É completamente insano
e, coincidentemente, enquanto caminho até a minha posição, compreendo o
que Lambrock disse em seu e-mail mais cedo. Eu amo o jornalismo, e é a
profissão que eu quero seguir, mas ela só vai fazer sentido por completo se o
basquete estiver junto.
Não tem escapatória, eu amo pra caralho esse esporte.
Quando o apito soa, minha cabeça está completamente vazia e meu
coração pulsa freneticamente. Charles e Elói trocam passes menos
arriscados, Cory bloqueia os marcadores e quando a bola chega nas minhas
mãos, somos eu, Tyler Mansen e a cesta.
Corremos juntos e a bola alterna entre nós, quico-a por meio segundo,
conferindo o marcador que já está quase no limite. Estou cara a cara com a
cesta, prestes a marcar o ponto que pode consagrar nossa vitória e a minha
trajetória como capitão quando vejo, de soslaio, que Tyler está ao meu lado
e sem marcação. Tudo acontece num piscar de olhos.
— É sua — aviso, antes de arremessar a bola para o alto.
Por sorte, Tyler pensa rápido e pula, fazendo uma enterrada linda um
segundo antes do marcador zerar.
Vencemos.
Seus pés mal tocam o chão e eu já estou envolvendo meu melhor
amigo em um abraço apertado enquanto ouço a torcida ir à loucura.
— Você ficou maluco? — meu amigo grita no meu ouvido. A voz
embargada denuncia que está prestes a chorar.
— Eu não, mas os olheiros da NBA com certeza sim. Prepare seu
terno mais bonito para o draft, irmão — falo, rindo, e ele se afasta para me
encarar.
Ele sabe o que eu fiz. Nós dois sabemos. Eu teria feito a cesta se
quisesse, mas Tyler me conhece bem o suficiente para saber que não almejo
a glória pela glória. A minha maior vitória, como capitão e como melhor
amigo, é vê-lo conquistar seus sonhos. E eu espero ter conseguido ajudar,
nem que seja um pouco.
— Você não existe, cara. É sério, eu te amo pra cacete.
Não tenho tempo de responder porque somos esmagados pelos outros
jogadores e pelo nosso treinador, que nos abraçam e nos enchem de tapas
enquanto o grito de “É CAMPEÃO” toma a arena.
— Gente, é agora ou nunca — aviso aos meus companheiros de time
quando a euforia inicial começa a passar.
Nós nos afastamos e, enquanto eu seco o suor que pinga do meu rosto
com uma toalha, Charles e Elói convencem o mestre de cerimônias da liga a
me ceder o microfone para uma questão de vida ou morte. O restante do time
organiza a torcida para abrir um corredor na arquibancada que leve até
Amelie, e quando estou sozinho no centro da quadra, com o microfone em
mãos, a arena John Jay inteira para por um minuto para me ouvir.
— Boa tarde… Eu não tenho ideia de como introduzir essa conversa.
Esse é facilmente um dos dias mais felizes da minha vida, e eu queria
agradecer a toda a torcida, à nossa equipe técnica, companheiros e irmãos de
time. Bradley Butler, você é o cara mais foda dessa universidade, obrigado
por acreditar em mim e por me confiar essa braçadeira… Enfim, hoje é um
dia feliz pra caralho, a Irving está em festa, mas tem uma pessoa específica,
nessa arquibancada, que meses atrás se vocês me dissessem que ela estaria
aqui hoje, eu diria que é mentira…
Puxo uma longa respiração e caminho até a mureta que nos separa da
torcida. Sigo com os olhos o caminho que foi aberto e vejo que Amelie já
está chorando enquanto balança freneticamente a cabeça em negação.
— Mas, para a minha felicidade, não é mentira. Ela está mesmo aqui,
por mim. Ela detesta basquete, mas está aqui e está usando uma das minhas
camisas, gritou o meu nome o jogo inteiro e sei que está feliz com essa
vitória. A real, Amelie Castillo, é que a sensação de vitória que eu sinto
cada vez que você diz que me ama, faz essa taça parecer um copinho. Então,
para não perder o costume… — Sorrio antes de arrancar um pé do meu tênis
que ela pintou.
Levo o calçado até a orelha e, entregue às lágrimas, ela faz um sinal
de telefone com as mãos. Megan segura um microfone na sua frente, e em
alguns segundos, sua voz de choro ecoa por toda a arena:
— Alô?
— Foi pra você, essa e todas as outras vitórias que vierem na minha
vida. Eu prometo. E sabendo disso, Amelie Castillo, você me daria a honra
de aceitar ser a minha namorada? — falo, com a voz trêmula, e não há uma
pessoa na arquibancada que não esteja gritando.
Amelie desce correndo até a mureta e, com a ajuda dos jogadores do
time, ela pula para dentro da quadra e corre na minha direção, se atirando
nos meus braços.
— Aceito.
Uma palavra. Seis letras.
Não há mais nada que me impeça de beijá-la, e é isso que eu faço.
Tomo seus lábios com paixão e sede enquanto ouço a torcida ao nosso redor
gritar e aplaudir. Minha língua saboreia a sua com delicadeza e eu sinto que
atingi o ápice da minha felicidade.
Nada no mundo vai conseguir superar isso.
Eu me apaixonei por Amelie Castillo, seus vestidos floridos, seu mau
humor inerente e seu gosto quase questionável por High School Musical. Me
apaixonei pela garota que é forte para segurar as mais pesadas barras que a
vida traz, mas que também é sensível e busca abrigo nos meus braços quando
se sente vulnerável demais para lidar com o mundo.
Me apaixonei pela garota que pintou margaridas no meu tênis, colore
quadros lindos que enfeitam o meu quarto e que já é, certamente, uma das
maiores jornalistas que esse país vai ver. Me apaixonei por ela por
completo, e sei que ainda vou me apaixonar tantas outras vezes por cada
parte nova dela que aparecer.
E, sinceramente, não consigo imaginar como não me apaixonar por
Amelie Castillo. Ela é um acontecimento.
E que sorte a minha.
“Porque tudo em mim
Ama tudo em você
Ama suas curvas e todos os seus limites
Todas as suas perfeitas imperfeições
Dê tudo de você para mim
Eu te darei meu tudo
Você é o meu fim e meu começo”
ALL OF ME | John Legend
02 de Abril de 2022
28 de Julho de 2022
— Essa foi a última — aviso, soltando um suspiro cansado.
Desço a escada de metal, apoiando minhas mãos na lateral, e quando
meus pés tocam o chão, dou alguns passos para trás para apreciar meu feito.
— Bom trabalho, amor — Ethan fala no meu ouvido, beijando a pele
da minha nuca que está exposta pelo meu cabelo preso.
Viro-me de frente para ele e sorrio, pegando uma das taças da sua
mão e deixando um beijo rápido em seus lábios.
— Ao nosso novo lar — diz, erguendo a sua taça.
— E a todas as memórias que vamos construir aqui — completo,
brindando.
Tomamos um gole em silêncio, nos encarando por cima da borda de
vidro, mas quando ele afasta a taça da boca e eu vejo seus lábios
avermelhados pela bebida, não resisto à tentação de me aninhar em seus
braços.
Ethan e eu estamos namorando há exatos seis meses e seis dias, e
hoje, depois de tudo que nos trouxe até aqui, estamos prestes a passar nossa
primeira noite no nosso primeiro apartamento.
Tyler e Megan se mudaram para Chicago na semana passada, e estão
morando com Bruce, o bulldogue, em um loft lindo que Ted e Joscelyn
alugaram para eles. Nossos amigos até tentaram negar a oferta, mas no fim,
chegaram ao consenso dos pais de Tyler arcarem com os custos pelos
primeiros meses, até que eles se estabilizem com seus empregos e consigam
se manter sozinhos.
Mansen começa a treinar com a equipe no próximo mês e sua
contratação já é uma das notícias mais comentadas do mundinho do basquete.
Megan conseguiu passar na prova de residência para cirurgia geral em um
hospital grande de Chicago, e já vai começar a trabalhar em alguns dias.
Com a ida da minha amiga somada ao fato de eu estar recebendo bem
no estágio do The Politician, achei que não fazia mais sentido continuar no
alojamento da faculdade e ter que dividi-lo com uma desconhecida. Por isso,
comecei a procurar um lugar para morar.
E foi nesse meio tempo que a oportunidade perfeita surgiu.
Depois da ida ao México, Annelise e Lily resolveram tirar um
semestre sabático e juntaram todas as suas economias para passarem os
próximos meses viajando. As duas pousam amanhã na Austrália, onde irão
iniciar sua aventura, e com isso, Ethan ficaria sozinho no apartamento que
ele e os irmãos Mansen dividiam.
Acabamos juntando o útil ao agradável, tendo em vista que meu
namorado já planejava morar sozinho depois da ida de Tyler. Em duas
semanas conseguimos encontrar um apê charmoso perto da faculdade e dos
nossos respectivos estágios, e hoje finalmente concretizamos nossa mudança.
Ainda precisamos comprar algumas coisas, mas a cortina da sala, que
por acaso acabei de instalar, e a cama de casal do nosso quarto, já estão
prontinhas para serem usadas. Mamãe nos presenteou com um sofá e um rack
para a sala, que chegam na próxima semana. Patrick e Suzy nos deram um
armário para o nosso quarto e uma área de trabalho para o escritório que
pretendemos montar no outro quarto do apartamento.
Nossa cozinha ainda se resume a um cooler cheio de garrafas d'água,
vinho e cerveja, e o nosso fogão, no momento, é uma torradeira. Pelos
próximos dias, vamos nos alimentar de delivery, até recebermos nossos
salários e começarmos a ajeitar tudo. E assim, pouco a pouco, esse lugar vai
se tornando o nosso lar.
Confesso que ainda é louco pensar que estamos mesmo no nosso
apartamento, no lugar onde vou dormir e acordar todos os dias nos braços do
cara que eu amo, onde vamos construir nossas memórias, aprender novas
receitas, decorar do nosso jeitinho, receber as pessoas que amamos e fazer
mais uma infinidade de coisas que ainda vamos descobrir.
Eu queria muito saber o que a Amelie do passado diria se soubesse
que, anos depois, estaria morando sob o mesmo teto que Ethan Harris por
livre e espontânea vontade. É sempre engraçado pensar nisso.
Mas de uma coisa eu tenho certeza, a Amelie de agora está muito,
muito feliz.
— De qual planeta vou precisar resgatar seus pensamentos? — Ethan
pergunta, doce, colocando nossas taças sobre a escada de metal e me
puxando em direção ao balcão que separa a sala da cozinha.
— Estava pensando que ainda não acredito que é a nossa primeira
noite morando juntos — confesso, me sentando sobre o mármore gelado da
bancada e envolvendo sua cintura com as pernas.
— Pensando em desistir? — Ele ergue a sobrancelha, e eu reviro os
olhos.
Levo minhas mãos até sua nuca e puxo seu rosto de encontro ao meu,
ficando a poucos centímetros da sua boca.
— Nunca — sussurro contra os seus lábios.
— Que bom, porque eu já sei por onde vamos começar a batizar cada
cômodo desse lugar.
— Sabe, é? — Arranho a pele do seu peito, descendo sem destino.
Ethan está sem camisa, me dando acesso total ao seu abdômen.
E não sei que espécie de magia esse cara tem, mas eu juro que
qualquer partícula de cansaço pós-mudança existente no meu corpo evapora
no instante em que ele menciona suas pretensões de inaugurar nosso
apartamento em grande estilo.
— Acho essa bancada uma ideia excelente, e você? — Ele me oferece
um sorriso safado, e se inclina sobre mim, forçando-me a apoiar meu peso
em meus cotovelos.
Encaro, de soslaio, o mármore brilhando, e minha mente é metralhada
por uma enxurrada de coisas completamente pervertidas que Ethan pode
fazer comigo sobre ele. Quando miro novamente seu rosto, seu olhar já está
dominado por aquele brilho que conheço bem: o de que está me imaginando
sem roupa.
— Não sei não, eu estava ansiosa para estrear a banheira, acho que
você vai ter que me convencer de que vale à pena — provoco, esticando o
pescoço para capturar seu lábio com os dentes.
— Eu já estava contando com isso.
Ethan ri e me empurra de leve, para que eu me deite sobre o balcão,
mas assim que minhas costas tocam o mármore frio, o barulho estridente de
vidro se espatifando no chão soa bem atrás de mim. Ergo o corpo assustada,
e vejo que a vítima foi um copo, que provavelmente estava perto da beirada.
— Merda, o chão estava limpinho, dei a minha vida esfregando —
Ethan choraminga e me abraça, enterrando o rosto em meu peito. — Era o
nosso único copo de vidro, agora só temos nossas canecas da faculdade e
copos de festa.
Solto uma gargalhada alta porque, sinceramente, nada é tão Amelie e
Ethan quanto isso.
— Pare de rir, agora nossa cozinha está cheia de caquinhos de vidro
assassinos!
Eu juro que tento, mas não consigo. Meu corpo treme conforme as
risadas irrompem em minha garganta e eu abraço Ethan com carinho,
falhando miseravelmente na missão de consolá-lo por sua faxina impecável
não ter durado nem meia hora.
— Eu limpo pra você, amor. Vai tirar essa roupa e me espera na
banheira, sim? — falo, pulando para fora da bancada.
Pego uma das vassouras e, no mesmo instante em que começo a varrer,
Ethan faz o mesmo.
— Varremos juntos e depois vamos para a banheira, que tal? —
sugere, parando ao meu lado, ainda com o olhar concentrado nos pedacinhos
de vidro espalhados pelo chão.
— Acho sua ideia excelente. — Sorrio e deixo um beijo estalado em
sua bochecha. — Eu amo você.
— Eu também amo você, Coelhinha — diz, voltando a prestar
atenção em meu rosto e me oferecendo um sorriso iluminado.
Preciso admitir, aprendi a amar esse apelido. Amar mesmo.
— Feliz primeira noite na casa nova, Capitão — falo baixinho antes
de deixar um selinho em seus lábios.
— Feliz primeira noite na casa nova.
FIM.
“Você me deu asas e me fez voar
Você tocou minha mão, eu pude tocar o céu
Eu perdi minha fé, você devolveu-a pra mim
Você disse que estrela nenhuma estava fora de alcance”
BECAUSE YOU LOVED ME | Celine Dion
[1]
Washington Irving foi um escritor, biógrafo, ensaísta, historiador e diplomata dos Estados Unidos, do
início do século XIX. Viveu de 1783 à 1859.
[2]
Wallch Campus é o campus da Universidade Irving destinado aos prédios dos cursos das ciências
biológicas e ciências da natureza. Abriga também o hospital e os laboratórios da instituição.
[3]
Personagem da série Criminal Minds, interpretado por Matthew Gray Gubler. Reid é um gênio com
um QI de 187 e pode ler 20.000 palavras por minuto com uma memória eidética.
[4]
Toni Morrison (1931 - 2019), nascida Chloe Ardelia Wofford, foi uma escritora, editora e professora
estadunidense. Seu livro de estreia, O olho mais azul, é um estudo sobre raça, gênero e beleza — temas
recorrentes em seus últimos romances. Despertou a atenção da crítica internacional com Song of
Solomon.
[5]
Benjamin Harrison foi um advogado e político estadunidense que serviu como o vigésimo-terceiro
presidente dos Estados Unidos, de 1889 a 1893. Era neto do também ex-presidente William Henry
Harrison e bisneto do pai-fundador Benjamin Harrison V, um dos homens que assinou a Declaração da
Independência do país.
[6]
“meu querido” em francês.
[7]
“Eu estou certa”
[8]
“Eu sou fluente em espanhol, e você é insuportável, se quer saber”
[9]
5 Types of Alcoholics (pesquisa): National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA),
National Institute of Health (NIH) e National Epidemiological Survey on Alcohol and Related Conditions
(NESARC).
[10]
Banda fictícia pertencente ao universo do livro Wrong One, de autoria de “imwritingmari”.
[11]
Numa tradução literal, seria algo como “Ter a tigela cheia disso”. Porém, essa expressão francesa
significa que você já “está por aqui disso”, já está cheio disso, já não aguenta mais isso.
[12]
Time fictício de cheerleading pertencente ao universo do livro “Cheering Beside You” de autoria da
Marcella M.
[13]
Personagens principais de Don’t Challenge Me, obra de minha autoria, inicialmente postada no
Wattpad e arquivada para reescrita.
[14]
Esse prato é basicamente uma sopa ou guisado feito de milho que leva também carne de porco ou
de galinha.
[15]
Eu tenho 23 anos e meus pais estão envelhecendo
Eu sei que eles não são eternos e estou com medo de ficar sozinho
Então, eu sou grato pela minha irmã, embora às vezes nós briguemos
Quando o ensino médio não estava fácil, ela foi a razão pela qual eu sobrevivi.