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Copyright © 2022 Gabriela Bortolotto

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É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma
ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico,
sem a permissão da autora. (Lei 9.610/98)
Essa é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos na obra são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes e acontecimentos reais é
mera coincidência.
 
DIAGRAMAÇÃO E
EDITORAÇÃO DA CAPA
Larissa Chagas
 
REVISÃO
Bianca Bonoto
 
 
Bortolotto, Gabriela
TAKEN: porque resistir não era opção - Série Encontros
Inesperados, Livro Quatro [recurso digital] / Gabriela Bortolotto. – 1ª
Ed. 2022.
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3.
Romance JovemAdulto 4. Ficção I. Título
 
 

 
NOTAS DA AUTORA
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EPÍLOGO
BÔNUS:
AGRADECIMENTOS
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
OUÇA A PLAYLIST DE
TAKEN: PORQUE RESISTIR NÃO ERA OPÇÃO
NO SPOTIFY
 

 
 
 
 
 
 
 
 

 
Para aqueles que acreditam no amor,
mesmo quando pensamos que
deveríamos desistir dessa crença.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Oie, seja bem-vindo à nossa última parada antes do adeus. Parece
um pouco triste se pensamos dessa forma, mas prometo que me
esforcei ao máximo para que fosse um adeus gostoso de se dar,
mesmo que possa ser dolorido no fim. Antes de começarmos com
as despedidas, acho muito importante sinalizar aqui alguns temas
que irá encontrar ao longo das páginas e que podem ser gatilhos,
como gordofobia.
Bea é uma personagem gorda e por algumas vezes algumas
pessoas tentam utilizar essa característica física dela como uma
arma para atacá-la. Algumas vezes, a Bea se sente mal sobre isso;
em outra, releva o comentário. Ela passou pela fase onde não
conseguia aceitar o corpo e passava por processos dolorosos, no
sentido literal da palavra, para tentar mudar seu corpo, mas hoje em
dia tem uma relação saudável com o mesmo. Independente disso,
acredito que posso dizer em nome dela e em meu nome que temos
dias complicados. Ainda que nossos corpos sejam nossos, que a
gente os ame, temos dias que não acordamos tão firmes nesse
pensamento e que nos deixamos abalar por comentários,
preconceitos verbalizados a respeito de nossos corpos, por olhares
tortos. Em alguns dias, parece mais penoso se amar do que em
outros, aceitar todas as partezinhas do seu corpo, mas isso não
significa que a gente se ame menos.
Falando sobre aceitação, também é importante citar aqui que
o fato de Beatrice começar a se exercitar e se adequar em uma
rotina saudável não tem nada a ver com o fato que ela é gorda. Não
se preocupe, isso não é spoiler, é um dos primeiros acontecimentos
do livro. Acho importante frisar aqui também que uma pessoa gorda
não é automaticamente uma pessoa não saudável, assim como
magreza não é sinônimo de bem-estar físico. Cultivando esses
hábitos, comer bem, exercitar e cuidar dos nossos corpos nos
auxiliam a ter um corpo saudável, mas não necessariamente magro,
e nossa saúde é mais importante do que qualquer coisa. Hoje eu sei
disso, assim como a Beatrice.
Assim como em Bonded, aqui vemos de uma forma mais
aprofundada a relação da família Laurent-Davis, então vale o aviso
que temos pais bastante tóxicos por aqui. O pai e a mãe do Mike e
da Daphne nunca fizeram questão de serem pais dos filhos, de
tentarem qualquer relação, e visaram nos filhos pequenos projetos
aperfeiçoados de si mesmos. Então deixo um alerta para cenas
onde essa relação será descrita com maior detalhamento, assim
como irão ver os efeitos dessa relação na vida do Michael.
Esses foram os pequenos alertas que eu não podia deixar de
colocar. Espero que apreciem a leitura e amem esses dois como eu
amo, e isso é muito.
 

 
EU SÓ POSSO ESTAR COMPLETAMENTE LOUCA.
Sim, essa é a única razão que pode explicar o fato de eu
estar me matando para descer um simples lance de escadas. Estou
literalmente morrendo, e posso, sim, ser um pouco exagerada, mas
Santo seja o Senhor porque esses degraus são pura tortura.
Mas era exatamente isso que eu queria quando eu vesti
essas calças ridiculamente apertadas que fazer saltar todos os
defeitos que eu subitamente comecei a ver, coloquei um top de
ginástica super abandonado no fundo da minha gaveta e calcei
esses tênis que não lembro qual foi a última vez que usei. Me
torturar foi exatamente o que eu tinha em mente também quando
achei que descer da cobertura onde moro, no vigésimo quarto
andar, até a academia, no primeiro, pelas escadas fosse a melhor
ideia do mundo.
Devo estar completamente louca, nem mesmo é mais só uma
possibilidade, isso é uma constatação. Uma certeza.
Bendito foi o dia que eu fiz essa maldita aposta comigo
mesma.
Bendito foi o idiota criador de aplicativos de relacionamento
que não levam a relacionamento algum.
Eles sempre, e somente, me levam a grandes tragédias.
Bendito foi o dia que eu resolvi acreditar em amor e todas
essas drogas da televisão.
Sou rica, muito estável, sou dona de uma grande companhia,
sou CEO da maior revista de entretenimento da Costa Leste, sou
muito mais que um simples idiota Zé ninguém que acha que pode
me dar um fora por motivos de inseguranças próprias. Não, eu sou
confiante com o meu corpo em noventa por cento do tempo, sou
feliz com a minha vida e estavelmente solteira.
Que Ben Smith vá à merda com sua mensagem de merda.
Tenho certeza que a foto dele é repleta de Photoshop. Foda-se Ben
Smith com seus olhos bonitos e sorriso encantador do aplicativo.
Porque na vida real ele é um monstro. O cara desmarca comigo,
quatro horas antes da gente se encontrar, porque viu uma entrevista
minha na TV e subitamente ficou desinteressado porque eu não sou
o tipo dele.
O quê? Não gosta de mulheres infinitamente melhores que
você? Porque essa deve ser a única desculpa. Não vou citar de
novo, mas tenho inúmeras qualidades. Inúmeras.
O que me leva ao fato que eu só posso estar completamente
doida por estar me submetendo a uma tortura porque um cara
estúpido basicamente disse que não sairia comigo porque não
gostou de mim fisicamente.
Eu estou completamente com meus pensamentos perdidos
por achar que mereço me torturar horas na academia do prédio,
praticando exercícios que nem sei fazer direito, para acordar
amanhã muito mal para o trabalho, só para saciar algum desejo
maluco de me punir pelo erro de Ben Smith. E o único erro de Ben
Smith foi me dar um fora.
Ofego, porque não tem como não ofegar. Essas escadas são
instrumento de tortura real e espero que nunca precise usá-las em
caso de emergência. Apoio-me na maçaneta longa da porta de vidro
que dá para a academia e respiro fundo.
Meus pulmões queimam, minha garganta dói, meu nariz arde,
minhas pernas estão a dois segundos de ceder e não sinto boa
parte dos meus membros. Um dos motivos de eu simplesmente
odiar, repudiar, qualquer atividade física. Quem, em sã consciência,
gosta dessa dor?
Olho para cima e penso que o cara extremamente gostoso
que corre na esteira deve apreciar isso. Ele deve ser fã dessa dor
porque não há nada fora do lugar ali e isso deveria ser pecado. Do
cabelo ralo ao dedão do pé, calçado no tênis de última linha, tudo
está no lugar e seus músculos chegam a ficam bonitos quando ele
corre. Nada de balanços terríveis de pele de um lado para o outro.
Claro que eu iria me humilhar não somente para um homem,
mas para dois. Dias de glória demais, tive dias bons demais,
precisava ter um dia ruim em dobro. Estou, ou devo estar,
ensopada, porque a primavera se mostra muito bem chegando
pelas temperaturas de Nova York. Com pizzas enormes nas axilas,
embaixo dos seios, em todos os lugares porque tudo sua em mim.
Tudo.
Ofego mais uma vez, tentando buscar ar o suficiente para os
meus pulmões e seus olhos se viram para mim. Olhos esses
incrivelmente azuis e muito, muito bonitos mesmo, ainda que pela
distância que nos separa. Paro na porta e giro nos meus
calcanhares.
Eu ainda tenho algum tipo de orgulho e amor-próprio, vou
utilizar deles saindo daqui o mais rápido possível para ir me deliciar
com o elevador, um banho gelado, meu ar-condicionado e uma
garrafa de vinho branco. Eu mereço tudo isso.
“Já estou saindo.” Escuto sua voz ecoar meio rouca,
provavelmente pela falta de uso. Talvez eu deva fingir que não
escuto, mas ele prossegue. “Quer dizer, só estava terminando de
me desacelerar aqui e já acabei meu treino. A academia é toda
sua.”
Me viro de volta para ele e tento um sorriso amarelo. Ele
segue incrivelmente gostoso correndo e falando. O senhor músculos
perfeitos nem mesmo finge ofegar pelo esforço. Quase como se
esfregasse, sem querer, toda a sua glória da boa forma na minha
cara.
“Não… Não!”, repito mais firme. “Eu… bem, eu vim aqui pelos
motivos errados então definitivamente não vou ficar”, falo, girando
de volta para fazer meu caminho até o elevador.
“Se o motivo não é melhorar esse fôlego ai, definitivamente o
motivo errado”, ele sussurra, e sua petulância faz com que meu
sangue ferva, sinto até mesmo meu pescoço ficando vermelho de
raiva.
Que abusado. E eu rasgando elogios ao seu corpo. Idiota
mesmo. Meus olhos estão semicerrados em puro ódio quando faço,
de novo, o caminho para olhar para ele. E o cara ainda ostenta um
sorriso de canto. Quanta audácia!
“Quis insinuar algo?” Porque não existe chance nenhuma que
dois caras babacas falem algo sobre o meu corpo hoje e nenhum
deles ganhe, pelo menos, um gostinho dos dois anos de boxe que
fiz. Tenho um soco de direita incrível que vai combinar perfeitamente
com seus olhinhos azuis.
“Quer dizer, acabou de descer alguns lances de escada e
está muito ofegante. Seus pulmões gritam sedentarismo. Se esse
não for o seu motivo de estar aqui, então provavelmente está aqui
pelo motivo errado mesmo.” Ele dá de ombros antes de parar a
esteira e pular, em toda sua graciosidade, no piso da academia.
Meus pés acabam dando alguns passos, porque talvez ficar
próxima dele para o soco seja mais fácil. Ou talvez porque ele tem
alguma coisa que chama sua atenção e te prende, querendo fazer
com que eu deseje me aproximar.
Deve ser a personalidade arrogante.
Respiro fundo, porque para ajudar tudo, ele continua
ostentando um sorrisinho de canto, totalmente debochado e tenho
vontade de deixar para trás todos os vinte e seis anos de boa
educação para socar a cara desse homem.
Bem, hoje eu socaria a cara de qualquer homem que
cruzasse minha frente. Sorte dos meus editores e jornalistas que já
saí da empresa ou poderia decidir dar o dia de folga para todos eles
só para depois torturá-los com muito trabalho.
Coitados, são todos tão bons funcionários. Mas são homens.
Se eu não sofresse o castigo de gostar de homens, talvez eu
não estivesse tão estressada. Ou tivesse, porque qualquer tentativa
de romance para mim sempre seria fracassada, seja lá com quem
fosse.
“Tirou o dia para fazer pré-julgamento das vidas alheias ou só
fui a grande sortuda que mereceu sua grande análise?” Seguro uma
revirada de olhos e ao mesmo tempo agradeço o vento frio do ar-
condicionado que bate nas minhas costas nesse momento, porque
descer escadas parece me fazer também superaquecer.
“Provavelmente deu uma boa olhada e pensou: porque não usar
todos os meus santos conhecimentos para dar um plano gratuito, e
não requisitado, de personal trainer pra essa ai, tá precisando.”
Preciso também segurar para não engrossar a minha voz e imitar a
dele.
Se ainda tem algum Santo segurando a mão dos jornalistas
no mundo, ele acabou de soltar a minha. Porque pareço uma
criança de quatro anos emburrada e não a porra da dona de uma
megaempresa de jornalismo
“Conseguiu adivinhar tudo o que não se passou pela minha
cabeça. Tente novamente.” Sua calma me tira do sério, ou talvez
tenha sido a cruzada de braços na altura do peito, mostrando que
ele tem absolutamente tudo no lugar.
Estou perdendo o foco.
“Desculpa, não é da minha conta.” Ele baixa a guarda,
dizendo isso com uma voz mais mansa e deixando a provocação
anterior de lado. Seus braços são colocados de volta jogados nas
laterais do corpo e ele relaxa a postura.
Dou um aceno e cogito se agora posso finalmente voltar ao
meu confortável apartamento. Mas ele passa a língua pelo lábio
inferior e isso me faz fitar sua boca por alguns instantes. É uma bela
boca, preciso dizer. Ele poderia muito bem ser capa de uma revista
muito bem vendida. Seu corpo é padrão gostoso, com braços fortes,
peito firme, pernas bem malhadas, seu rosto é bonito também, tem
traços duros, mas não do tipo rosto quadrado e estranho, suas
bochechas não são secas e ossudas. Ele tem um belo queixo, bem
desenhado, que combina com as sobrancelhas grossas e escuras, o
que me faz pensar que o cabelo ralo quase no loiro escuro, seria
castanho médio se fosse crescido.
E tem os olhos. São dois mares azuis safira que me prendem
ali. Desejo chegar mais perto, ver se os pequenos pontinhos são
mesmo azul piscina ou se só estou muito fascinada com a cor que
comecei a ver coisas.
Mas estou olhando para eles quando percebo que seus olhos
também estão focados em mim.
“É, tudo bem”, respondo ao seu pedido de desculpas,
desviando para os aparelhos ali na sala.
Penso que nunca tinha descido para a academia do prédio.
Parece bem equipada, mas meus conhecimentos são baixos demais
para que eu fale com propriedade. É bom ver que alguém tem
aproveitado o condomínio bem caro que pago.
“Qual era?”, ele pergunta, e franzo a testa. “O motivo errado
pelo qual veio aqui.”
Acabo soltando uma risada abafada, balançando a cabeça
em negação.
“Você não vai querer saber, é um pouco vergonhoso demais.”
“Tudo bem. Acredito que vou saber se um dia achar os
motivos certos.” Ele levanta os ombros e me indica a porta. Acabo
caminhando ao seu lado até o lado de fora.
“Acho que não. Dificilmente vou achar um motivo
suficientemente bom para me fazer passar por aquilo ali.” Indico
com o queixo para a academia e ele passa a ostentar um sorriso
maior. Faço uma careta antes de prosseguir. “Tudo bem que talvez
esteja certo, mas acredito que me contentei com minha vida de
sedentarismo.” Dou de ombros e ganho um sorriso bonito quando
ele me olha ao apertar o botão, chamando o elevador.
“Ok então, já fiz comentários o suficiente sobre o tópico.”
Ficamos parados na frente das portas duplas e ele parece
relaxado, com as mãos na frente do corpo. Começo a me sentir
desconfortável dentro dessa roupa apertada, porque a calça parece
ser dois números menores do que o normal e o top espreme os
meus seios quase de forma dolorida.
“Se um dia achar o motivo, posso te ajudar a começar. Não é
nenhuma análise de personal trainer, mas tenho meus
conhecimentos.” Não controlo uma risada, porque não sei se o
convite é verdadeiro, mas que ele se aproveita disso para dar uma
provocada, isso sim é fato.
“Nem todo mundo nasceu para ter um corpo assim”,
respondo, quando finalmente entramos no elevador, apontando para
ele.
“Não é sobre o corpo, é sobre a saúde. Quer dizer, é sobre o
corpo também, mas sobre um corpo saudável”, ele explica, e vejo
que segura para não fazer uma careta pela confusão.
“Eu entendi.” O elevador começa a subir e suspiro. “Levei um
fora, esse é o motivo bobo.” Não entendo porque acabo contando
isso, mas ele me olha confuso.
Levo minha mão ao botão do último andar. Mas franzo a testa
quando noto que ele já está apertado. Claro que eu tinha que dar a
sorte de contar algo tão vexatório assim para um stalker perseguidor
ou para o meu único vizinho.
Em minha legítima defesa, tenho zero noção de quem é ele.
E estava feliz com isso. O que sei dele é que seu silêncio é o
suficiente para que eu acreditasse, até alguns meses, que Matteo
tinha simplesmente se mudado e a cobertura estava vazia. Até eu
descobrir que uma nova pessoa tinha entrado no apartamento.
Claro que eu precisava conhecer ele assim.
Claro que hoje é um dia onde as merdas não param de
acontecer para mim.
“O que exatamente um fora tem a ver com a academia?” Mas
meu olhar parece transmitir a ele tudo o que precisa saber. “Ah!”
Pode ser que ele não concorde, mas é um conceito geral do
porquê. Estou acostumada e não sei porque isso me abalou hoje,
porque nunca me abalo. Acho que fazia um tempo que não acabava
lidando com um…
“Babaca”, seu murmuro sai tão baixo, parecendo um
grunhido, que demoro um pouco para conseguir saber o que é. Ele
levanta os ombros. “Quer dizer, você é bonita e definitivamente tem
presença espírito.”
“Obrigada?”
“Sim, foi um elogio.” Sua afirmação vem junto com o apito
das portas se abrindo. “Você…?”
“Sim!” E ele parece tão surpreso quanto eu quando acabei
percebendo a minha infeliz coincidência enquanto andamos pelo
corredor. “Bem, é isso. Obrigada pela oferta, mas passo de
verdade.”
“Tudo bem. Espero que não tenha mais encontros com
babacas, ou encontros desmarcados com babacas...” Sua reticência
abre espaço para uma sobrancelha arqueada e uma pergunta clara.
“Beatrice, a dona de encontros ruins”, completo, estendendo
a mão e ele ri enquanto aperta.
“Michael”, ele diz de volta, e Michael combina com ele.
Pesco minha chave no bolso escondido da calça de ginástica
e ele faz o mesmo em seu bolso do short folgado. Não dizemos
mais muitas palavras enquanto ficamos no silêncio estranho de
chacoalhar de chaves e portas se abrindo. Mas ele sorri antes de
fechar a sua, e uma vez dentro da minha cobertura, e me vejo
sorrindo de volta.
 

 
TEM ALGO ESTRANHO SOBRE CONHECER uma pessoa nova.
Nunca tinha visto Beatrice e há exatos oito dias, quando a conheci,
vi minha vizinha quase todos os dias. Aparentemente nossos
horários nunca batiam até o presente dia em que nos encontramos
na academia por causa dos seus motivos errados. Pegamos o
elevador juntos essa semana em algumas muitas vezes, duas delas
porque acabei acordando atrasado para o trabalho e sai depois do
habitual. Outro dia quando ela chegou tarde e acabamos subindo
juntos, ela da garagem e eu do andar da academia.
Desde o fatídico dia, acabamos trocando mais cumprimentos
do que em todos os dois anos que moro na cobertura e cinco anos
ou mais que moro nesse prédio. Todos os dias ela está impecável,
com roupas bastante profissionais, nunca com o cabelo solto e
sempre com uma maquiagem bonita no rosto.
Beatrice é o tipo de mulher que raramente passa
despercebida, por isso meu choque ao pensar hoje que nunca tinha
a notado antes. Tem uma presença de ambiente gritante, assim
como grita importância. Tem um ar de chefe e não ficarei surpreso
se um dia descobrir que ela é dona de muita coisa. Além disso,
mesmo que um babaca tenha dado um fora nela por causa do seu
corpo, fisicamente ela é bonita pra caramba.
Seus cabelos são castanhos médio, provavelmente batem no
meio das costas, ela está constantemente com um rabo de cavalo
ondulado. Seus olhos são castanhos também, um pouco mais
claros, e mostram muita coisa ali. Vi bastante fúria refletida em seu
olhar no nosso primeiro encontro e ela fica bem com a raiva. Seu
rosto é bem delineado, com maçãs altas e marcadas, ela tem
bochechas fofas e um nariz empinado que a deixam com um ar bem
mandona. E gostosa.
Além disso, ela tem uma puta boca bonita. Seus lábios são
bem carnudos e, se não estão cobertos por batom, são bem
avermelhados. Tem uma forma de coração que deixa seu rosto
ainda mais harmônico. Ainda mais quando morde a parte interna do
lábio inferior enquanto tem tiques nervosos com as mãos ou pés.
É uma boca muito atraente do meu ponto de vista.
E eu tenho reparado muito nela.
Provavelmente é sobre a questão de estar subitamente
vendo minha vizinha mais do que qualquer outro momento da minha
vida.
Mas ela sempre me cumprimenta com simpatia, um sorriso
de canto e só.
 
Matteo: Podemos conversar depois?
Matteo: Queria sua ajuda com uma coisa pra Daphne.
 
Franzo a testa com as duas mensagens que vem após uma
foto das meninas experimentando os talentos do pai em colocar
lacinhos. Faith e Olivia parecem adoráveis mesmo que meio
despenteadas.
 
Michael: Beleza, só me falar.
 
Mas sei que, se é uma coisa pra Daphne, provavelmente será
dita em horário comercial, quando ela não estiver em casa. Hoje é
sexta-feira, já passam das oito da noite. Eles devem estar fazendo
coisas interessantes como assistir desenhos infantis com as
meninas.
Coloco o celular no bolso de trás da calça e busco pelas
chaves. Tenho a outra mão ocupada com uma sacola contendo
garrafas de vidro barulhentas. Mas o conteúdo vale a pena e tenho
alguns casos para analisar hoje na companhia das minhas cervejas.
Não costumo passar os finais de semana em casa, sempre há
lugares mais interessantes, pessoas mais interessantes, camas
mais interessantes.
O convite de Rapha não foi o suficiente hoje, entretanto. Por
isso me vi cercado por ingredientes aleatórios que dariam uma boa
pizza e a falta de álcool. Deixei a massa descansando enquanto
buscava o meu ingrediente especial e acho que posso ter uma noite
favorável para uma sexta. Talvez termine finalmente o livro que
estou lendo e descubra os segredos que o marquês Hultterford, o
empobrecido, usou para conquistar a lady Peyton, a viúva com
herdeiros do duque Keyton – uma boa combinação de sons.
Todos temos um fraco.
E romances de época são ótimos.
Escuto as portas do elevador se abrirem e viro para olhar
Beatrice suspirando antes de colocar uma expressão tranquila
quando me vê no corredor. Sua postura e impecável, ela sempre
consegue manter uma neutralidade em seu rosto, mas não preciso
nem mesmo conhecê-la para saber que não foi um dia bom, ou uma
noite boa.
Ela tem olhos muito expressivos.
“Dia ruim?”, acabo perguntando.
Não sou um dos maiores conversadores, mas às vezes
acabo fazendo coisas sem pensar muito, como puxar conversa com
a minha vizinha. Normalmente eu não puxo conversa com ninguém,
mas me pareceu certo perguntar.
“Encontro ruim”, Beatrice responde com um suspiro,
procurando sua chave na bolsa.
“Como consegue encontrar tantos homens terríveis em um
curto espaço de tempo?” Não somos assim todos tão ruins. Não é
possível que ela consiga sempre marcar encontros com os piores.
Além disso, são oito da noite em uma sexta e ela está voltando de
um encontro. O quão ruim isso pode ter sido?
“Eles parecem ter se acumulado no meu perfil.”
“Seu perfil?” Nos encaramos, ambos parados com as chaves
prontas para serem giradas na porta. “Você não usa um aplicativo,
usa?” E a forma como ela suspira diz muito. Não contenho um riso.
Beatrice revira os olhos para mim, voltando a parecer mais
consigo mesma no nosso primeiro encontro, mais estressada.
“Não quis ofender.”
“Não tenho muito tempo para ficar saindo por aí”, ela retruca.
“Não é exatamente ter tempo, é mais sobre ir aos lugares
certos. Garanto que encontraria pessoas bem mais divertidas.” Sou
um grande apreciador da noite novaiorquina, preciso admitir. Temos
muitos lugares incríveis por aqui, inclusive lugares lotados de
pessoas interessantes, bonitas, atraentes e bastante dispostas.
“Você comeu?”
Ela franze a testa tão forte que os vincos se formam
profundos ali.
“Ou não saiu para jantar?”
“Não.” Ela balança a cabeça. “Sai para jantar e não comi.
Isso transforma todo o meu propósito inicial do encontro ainda pior.
Obrigada por lembrar.” Mas seu riso me demonstra que
provavelmente debocha de si mesma.
“Ia… vou fazer pizza, quer se juntar?”
“Vai se oferecer para ser meu coach mais uma vez?”,
Beatrice questiona, arqueando uma sobrancelha.
“Depende, acho que tá precisando de um de
relacionamentos.” A piada poderia ser de muito mal gosto, mas ela ri
e acabo com um sorriso também. “Mas foi um convite”, replico,
finalmente girando a chave.
“Acho que posso aceitar. O convite, não um coach de
relacionamentos”, ela frisa, antes de puxar sua chave de volta para
a bolsa e caminhar na minha direção. “Vai me perguntar sobre meu
encontro furado?” Beatrice questiona, parando alguns passos de
distância.
Não consigo evitar o riso enquanto empurro a porta para
dentro.
“Depende, se quiser falar, não vou me importar em ouvir.”
Porque gosto de ouvir. É algo que você adquire depois de um tempo
na profissão.
“Tudo bem.” Seus saltos fazem barulho quando ela pisa no
meu apartamento e seus olhos percorrem o ambiente só uma vez.
Provavelmente pouco deve ter de diferente do dela. “Quer ajuda?”
Guardo as cervejas na geladeira e lavo minhas mãos
enquanto penso na resposta. É um hábito bastante ruim, essa
demora que as vezes tenho, mas nem sempre sinto como se
pudesse responder todas as perguntas de primeira sem errar a
resposta. Como agora, porque espero até dar uma olhada em tudo o
que tenho para pensar se preciso ou não de ajuda.
“Acho que consigo lidar com isso. Cerveja?” Ela me dá um
aceno e pego duas para abrir.
Beatrice bebe um longe gole com um suspiro profundo, bebo
um gole curto da minha garrafa e passo a organizar os ingredientes
na bancada para trabalhar na massa. Ela deixa sua bolsa de lado e
senta em uma das banquetas na minha frente.
“Filhas?” Preciso virar o pescoço para ver para qual foto ela
aponta, mas sei que são as meninas.
É a que tenho grudada na geladeira. As meninas tinham
pouco mais de duas semanas e estou com as duas no colo. Daphne
quem tirou essa foto, tinha feito Olivia dormir no peito, mamando, e
eu ninei Faith. Ela me ajudou a acomodar as duas nos meus braços.
Eu estava na poltrona no quarto das meninas e elas dormem
pacificamente no meu colo. Eu tenho um sorriso largo no rosto.
“Minhas sobrinhas.” Sei que o sorriso de canto que mantenho
tem um quê de saudade, porque faz umas três semanas que não
vejo as meninas. Tudo está corrido aqui, Daphne também não quer
pedir uma folga do serviço tão cedo.
“Parecem bebês Michael.” Ela ri com sua própria constatação
e acabo soltando um riso nasalado.
“Você come de tudo? Nenhuma alergia?”
“Amendoim, só.”
“Não uso amendoim para fazer pizza.”
“Você quem perguntou.” Beatrice levanta os ombros
presunçosa. Começo esticar a massa. “Elas são bonitas. Suas
sobrinhas.”
“Você acabou de dizer que elas parecem bebês Michael, e
agora chama elas de bonitas, o que elas obviamente são. Quer me
dizer algo?”, provoco, mas ela só revira os olhos.
“Eu quem estou em aplicativos de encontros, mas é você
quem parece carente. Carente de elogios ainda. É bonito,
provavelmente sabe disso, assim como noventa por cento da
população que um dia cruzar com você vai te achar bonito.” Outro
longo gole é dado por ela e me coloco a trabalhar na massa.
“Então… os aplicativos de encontro?” Sei que é uma péssima
forma de puxar assunto, mas mesmo que eu goste do silêncio, acho
estranho ficar em silêncio quando tenho alguém do meu lado.
“Então… a carência de elogios?” Ela me manda de volta com
uma risada e é a minha vez de rolar os olhos. “Sabe, normalmente
as pessoas fogem de ter que escutar sobre a vida amorosa de um
desconhecido…”
“Você não é uma desconhecida.”
“…mas aí está você, quase implorando para saber da minha.
Será solidão?” Preciso dar uma nova revirada de olho para ela,
antes de começar a colocar o molho pela massa esticada. “Preciso
de um par.”
Arqueio a sobrancelha para ela, parando no meio do meu
movimento. Seus ombros murcham um pouco.
“Precisar é um pouco, hum… não é a melhor palavra.” Ela faz
uma longa pausa. “Minha prima perfeita vai se casar no final do ano
e tô cansada.” Um suspiro escapa dos seus lábios e dou uma
olhada de canto para Beatrice enquanto corto o presunto parma.
“Sou dona de uma revista, comando boa parte da nossa editora
sozinha, sou a droga da CEO da maior revista de entretenimento da
Costa Leste, pago minhas contas sozinha há anos, tenho casa,
carro, estabilidade financeira, sou uma das maiores mulheres do
século por grandes revistas e preciso da porcaria de um cara do
meu lado porque ninguém consegue me ver como bem-sucedida
sem a porcaria de um homem do meu lado.”
Sua voz vai morrendo enquanto ela fala e sei que não é falta
de fôlego.
“Desculpa.”
“Não precisa se desculpar. Não sei como é, sinto muito por
não saber e por ser parte disso. Sou a porcaria de um homem”,
brinco. “Mas acho que consigo… compreender?” Ela me olha com
estranheza e aponto com o queixo para a geladeira nas minhas
costas. “Daphne, a minha irmã. Ela é a pessoa mais incrível que eu
conheço, era uma menina muito incrível e se tornou uma mulher
maravilhosa. Largou muita coisa e seguiu seu sonho, se formou na
Harvard, conseguiu um emprego em um escritório muito foda em
Boston. Um ano estagiando e já era quase queridinha de muitos
clientes. Uma das melhores advogadas que eu já vi em ação nos
últimos tempos. Quando Daphne engravidou, aí sim ela virou uma
mulher completa na visão do nosso grupo de pessoas próximas.
Ainda mais quando ela assumiu o namoro com meu cunhado.
Porque aí sim era algo muito incrível na vida dela. Sinto muito que
ache, ou que os outros façam você achar que precisa disso. Sei que
soa bem estúpido eu dizendo isso, mas…”
Dou de ombros, alcançando minha cerveja para beber um
gole.
“Além disso… caralho, você é tipo dona de muitas coisas e
uma pessoa muito importante. Estou me sentindo um pouco…
alienado, por não saber quem você é.” Porque me sinto estranho
com o fato de Beatrice ser tão reconhecida e eu não ter sabido nem
o nome dela até semana passada. Talvez eu devesse usar a
ferramenta incrível de stalkear chamada Google. “Eu sou só um
advogado mesmo”, esclareço, e ela ri tão alto que sua gargalhada
explode no apartamento, me fazendo rir também.
“Ok, posso viver com isso”, ela brinca, e finda sua cerveja.
“Mas é basicamente essa minha situação. Daqui dois meses é o
noivado oficial, em dezembro o casamento. Só tô cansada de
sempre precisar, não sei, arrumar desculpas para que os olhares de
pena não comecem. Acho que, por tudo, eles imaginam que eu não
tenho a capacidade de arrumar alguém que me queira.” Mas não há
remorso ou autopiedade em sua voz. Só um cansaço.
“Então pensou que aplicativos fossem a melhor opção”,
minha fala não é bem uma afirmação certeira, mas também não soa
como uma pergunta.
“É. Vou pegar mais uma cerveja.” Beatrice salta do banco e
caminha até a geladeira. “Só algo temporário, alguém para levar
nesses lugares. Não preciso de ninguém. Me sinto sozinha às
vezes, mas não sou solitária.”
“E como estão suas tentativas?”
“Existe uma concentração de homens podres por lá. Ou só
esses dão match comigo.”
“Acho que talvez esteja sendo mal valorizada, ou não esteja
sabendo construir um bom perfil para atrair matches melhores.
Posso prometer que não somos todos ruins e podres. Uma grande
maioria, sim, mas não todos.”
“Então o problema é comigo?”, ela pergunta com ironia.
“Está, de novo, tirando palavras da minha boca.” Como fez no
dia na academia.
“Falou que não seria meu coach de relacionamentos.”
“E não estou sendo. Se eu fosse, estaria falando para sair
imediatamente desses aplicativos e ir para bares que goste, achar
pessoas que tenham o mesmo gosto que você e… tentar ficar com
essas pessoas. Mas estou aqui, só falando que precisa aprimorar
seu perfil.”
“E o que você sabe sobre isso? Não vai me dizer que já
esteve em um aplicativo desses. Nunca achei um como você por lá.”
“Isso foi um…?” Mas ela só revira os olhos e eu tomo como
elogio. “Todos nós temos nossas fases, Beatrice. Nunca fui o melhor
nos trejeitos sociais, em alguns momentos pensei que também
precisasse de alguém, sem qualquer necessidade como você, só
pensei que todos tinham e eu precisava ter. Era jovem e meio
estúpido.”
“Então tá me chamando de estúpida?” Beatrice arqueia uma
sobrancelha, me provocando enquanto leva a cerveja aos lábios.
“Você tira muitas palavras da minha boca.”
Seu sorriso é largo quando falo isso e a boca da garrafa se
apoia em seus lábios brilhando por causa do líquido recém ingerido.
Percebo que talvez eu deva levar logo a pizza ao forno, porque já
estou mais quente que o mesmo pré-aquecido.
“Te incomoda tanto assim ser solteira?”
Recebo um gemido em resposta enquanto termino minha
cerveja e pego mais duas na geladeira, porque logo a sua segunda
também se findará. Aponto com o queixo para o sofá na sala, após
abrir as garrafas, e ela me segue. Beatrice senta com uma das
pernas cruzadas, virada de frente para mim, ao seu lado.
“Acho um pouco besteira da sua parte se submeter a isso.
Honestamente, tem tudo. Se não está a fim, não deveria se forçar.”
Levanto os ombros e ela me olha séria, por isso prossigo. “Você já
provou que é super bem relacionada, com uma vida financeira pra lá
de boa; é bonita, tem um temperamento engraçado até onde eu vi,
sua personalidade parece legal. Está tomando cerveja com seu
vizinho semidesconhecido, o que mostra que não deve ser uma
chata. Você poderia conseguir um cara fácil, Bea. Talvez se parasse
de se esforçar tanto para isso, algo simplesmente surja na sua vida.
Seria melhor se fosse espontâneo, não?”
Seus olhos castanhos são tão profundos contra os meus que
por um momento pensei que ela conseguiria até mesmo me fazer
sentir o que sente. Mas o momento acabou com um suspiro pesado
e seu olhar para a mesa, repousando a garrafa com pouco ânimo.
“Desculpe, acho que falei para mais.” Limpo a garganta e
coço a nuca.
“Não sei”, Beatrice começa. “Se me incomoda ou não ser
solteira. Alguns dias sim, em outros não. As vezes acredito que tudo
isso é uma grande besteira, em outras eu só queria sentir como se
fizesse parte de fato da minha família e isso, um relacionamento,
pode ser uma passagem. Só estou cansada, eu acho.” Ela dá de
ombros. “Ok, acho que já ocupei a noite o bastante com meus
dramas. Nem sou tão dramática.” Seus olhos me encontram de
novo e ela faz um biquinho antes de beber o resto da sua cerveja.
“Não é drama. E eu gosto de ouvir.” Mais do que falar.
“Então é um advogado…”
Sua frase é sugestiva e sorrio de canto percebendo que,
como uma boa jornalista – o que acredito que ela seja –, Beatrice
está me fazendo, ou está tentando me fazer falar mais sobre mim, e
com o mesmo sorriso, acabo virando de frente para ela e contando
uma coisa ou outra sobre a minha vida, e ouvindo sobre a sua.
 

 
Algumas cervejas depois, com uma pizza meio comida na
mesa de centro da sala, os pés de Beatrice no meu sofá, seus
cabelos meio bagunçados pelos seus movimentos escandalosos,
como suas risadas altas que preencheram o apartamento, tenho
uma ótima noite de sexta-feira. Como há um bom tempo não tinha.
Não há malícia em nossos olhares, mesmo que as duas bolhas
castanhas brilhem de uma forma bonita quando ela gargalha, ou
como ficou mais sensual ainda com as bochechas coradas pelo
álcool.
Os engradados de cerveja se multiplicaram, pedidos por
aplicativo de entregas e nem sei se estamos mais perto da meia-
noite ou das seis da manhã no relógio quando meus olhos pesam
assim como os dela. E os sorrisos acabam sendo substituídos por
alguns bocejos. Ainda assim, me inclino mais para frente, em um
instinto ou só porque decido que quero sentir mais de perto seu
perfume doce misturado com o cheiro de cerveja.
É bom, mas também sei que é perigoso.
Porque ela é bonita, muito bonita, e eu provavelmente daria
em cima dela uma noite inteira com o intuito de acabar com Beatrice
na minha cama, falando meu nome em um tom bem diferente do
que me chama agora. Mas ela não é uma simples pessoa que
conheci em um bar, algo que nunca será mais do que só uma noite.
Ela é perigosa porque essa noite foi divertida enquanto ela
me contava sobre sua infância, e eu ouvia mais do que falava.
Porque Beatrice é boa em fazer uma conversa de uma mão só, e
gostei que ela monopolizasse a conversa.
“Acredito que é melhor eu ir. Bebi demais e se meu
apartamento não fosse aqui na frente, eu provavelmente não sei
como chegaria em casa.” Ela ri baixo e acaba saindo um pequeno
soluço no fim.
Comprimo os lábios, concordando com a cabeça. Seus olhos
me fitam por um longo tempo e acabo não controlando minha mão
embriagada quando passo os fios fora do penteado para trás da sua
orelha. Ela sorri em agradecimento e suspira, se levantando.
“Foi uma boa noite, vizinho-semi-desconhecido.” Sua mão
paira estendida e eu rio antes de apertá-la.
“Acho que não somos mais tão desconhecidos.” Minha voz
acaba rouca, pelo longo tempo de conversas.
“Tudo bem, contanto que siga longe do cargo de coach de
relacionamentos.”
“Eu ainda posso tentar te ajudar com isso.” Ela estreita os
olhos para mim antes de juntar sua bolsa.
“Não sei se até mesmo você conseguiria. Mas vou pensar
sobre essa ajuda. Acho que, a esse ponto, posso começar a aceitar
ajuda sem achar muito embaraçoso.” Seu riso divertido é baixo
enquanto ela calça seus saltos. “Porém não tomarei essa decisão
tão bêbada. Te aviso.”
“Estarei à disposição.” E nem mesmo entendo o porquê
acabo me propondo a isso. Se é meramente pela cerveja ou se
encaro tudo como um desafio interessante, que pode resultar em
uma ajuda para uma nova conhecida.
Beatrice merece pelo menos um bom encontro.
“Tchau, Michael.” Meu nome ainda sai diferente pelos seus
lábios. “Obrigada por hoje.”
Dou um aceno, mantendo um sorriso maior que o habitual
nos lábios, enquanto seguro a porta para que ela saia.
“É sempre um prazer poder fazer a política de boa
vizinhança.” E ela parece não conseguir mais controlar seus risos
frouxos. “Tchau, Beatrice.”
Bea comprimi os lábios em um sorriso e se vira de costas.
Espero até que ela esteja dentro do seu apartamento para voltar ao
meu e lembrar que não trocamos números.
E eu penso que gostaria de ter o número dela.
 

 
A DOR DE CABEÇA ME ATINGE ANTES que qualquer outra coisa.
Antes que o sol, claro demais, antes que minha boca seca, antes
que a vontade de ir ao banheiro correndo por causa de uma bexiga
cheia demais, antes que o inferno do celular tocando muito alto.
Só penso que bebi além da conta noite passada, como há um
bom tempo não bebia.
Não me arrependo, mas passaria a dor de cabeça.
Desligo a ligação sem nem mesmo me importar de ver quem
é. O relógio, na tela de bloqueio, me mostra que dormi como há
anos não dormia. São quase duas da tarde e não penso em me
levantar tão cedo. Espreguiço-me na cama e estou pronto para
ignorar a luz do sol, a dor de cabeça e voltar a dormir.
Entretanto o toque volta e grunho frustrado, me virando para
pegar o celular. Cogito não atender, mas o nome de Raphael chama
minha atenção.
“Hum...”, solto, quando coloco o aparelho no ouvido e fecho
meus olhos.
“Boa tarde pra você também.” A voz do meu amigo é grossa,
normalmente, mas nessa ligação em especial, parece incrivelmente
estridente. Entrando no fundo da minha dor de cabeça. “Preciso de
você no escritório urgente. Surgiu algumas novas provas no caso
Jenkins e preciso que analise isso. O júri é na segunda.”
Solto um grunhido, porque daria tudo para passar o dia todo
na cama, esquecendo que preciso comparecer ao júri de um
processo chato pra caramba, e que preciso estudar para isso.
“Apareço aí em uma hora”, a resposta é desgostosa, mas sei
que não posso simplesmente ignorar.
“Tente estar aqui em menos que isso”, Rapha pede, antes de
desligar o telefone.
Deixo o aparelho cair na cama e me permito fechar os olhos
por mais dois segundos antes de jogar as pernas para fora da cama.
Sentado de cara para o sol, é mais fácil finalmente acordar.
Caminho até a cozinha e penso que pelo menos organizei
minimamente a bagunça de ontem. A água gelada queima, mas a
sensação é deliciosa. Engulo dois comprimidos para a dor de
cabeça antes de enfrentar a água fria do chuveiro.
Meia hora depois, estou parecendo um pouco mais vivo e
acordado. Pego as chaves e minha carteira, antes de colocar tudo
junto com o celular no bolso de trás da calça social. Abro a porta e
por pouco não acabo chutando para longe o pequeno embrulho
deixado ali. Involuntariamente, olho para o lado dela do corredor
antes de me abaixar e pegar a embalagem.
O bilhete em cima está grudado com um pequeno adesivo de
flores. Puxo o pedaço de papel dobrado e encontro cinco cookies
dentro da embalagem de plástico. Um sorriso não é contido e fecho
a porta atrás de mim antes de ler o bilhete.
“Fiz ontem à tarde, espero que ainda estejam bons.
Obrigada por ontem à noite, foi divertido. Desculpe por falar
demais, coach. Tenha um bom dia, semi-desconhecido.”
A assinatura se faz desnecessária, e Beatrice sabia disso
quando escreveu. Ela tem uma letra bonita, redonda, mas não tão
bem-feita. É uma caligrafia séria que combina muito bem com ela.
Pesco um dos cookies de dentro da caixa e o sinto derreter
em minha boca quando mordo um pedaço. É delicioso,
amanteigado, consigo sentir as notas do açúcar mascavo com
perfeição e as gotas de chocolate são um complemento perfeito.
Suspiro alto, porque estou com fome e receber isso como café da
manhã bastante atrasado é a melhor coisa do mundo.
Olho para a sua porta quando estou caminhando até o
elevador e cogito bater, agradecer pelos cookies. Mas o toque do
meu celular começa outra vez e a voz impaciente do meu melhor
advogado me faz apertar o botão do elevador com pressa.
 

 
“Não se atreva!” Um olhar de esguelha é o suficiente para
que eu capte os dedos de Raphael se aproximando de onde não
deveriam.
“Por favor.” Sua voz é arrastada e eu reviro os olhos para o
pedido. “Eles estão aqui há horas, você comeu outras coisas.
Claramente não quer comer.”
“Talvez porque eu estivesse com fome demais e essas
delícias aí não merecem ser devoradas, e sim apreciadas.”
“Odeio a forma como trata comida.” Ele suspira antes de
voltar a olhar para a tela do computador.
Já é noite e logo nosso jantar deve estar chegando. Algumas
embalagens de comida foram abandonadas de lado do meu
escritório, onde Rapha e eu estamos desde o meio da tarde,
totalmente absorvidos nas novas provas do processo. Tudo precisa
estar impecável para segunda e nós dois sabemos que não
podemos dar o azar de pegar uma dupla mais bem preparada do
outro lado.
“Você quem fez?” Ele não consegue conter a curiosidade, me
olhando por cima da tela.
“Não.” Viro a página do processo e grifo mais uma linha sobre
o nosso réu. “Foi um… presente. Um agradecimento.” Sei que uma
negativa não é o suficiente para ele. Nem isso. E percebo um pouco
tarde demais que acabei de dar munição para suas perguntas.
“Um agradecimento? Sempre imaginei que fosse do tipo
gostosão do sexo, mas até presentes ganha agora? Poderia me
ensinar alguns truques, gostaria que os caras cozinhassem para
mim.” Não evito a risada, porque ele consegue falar isso como se
fosse um assunto reflexivo e não um deboche.
Raphael é dois anos mais velho que eu, já trabalhava no
escritório com meus pais quando cheguei para assumir um cargo
alto. Foi designado para trabalhar comigo e sempre nos demos
bem. Mas desde o primeiro dia que lhe dei espaço, ele passou a
fazer provocações e piadas com a minha vida sexual. Queria
conseguir retrucar porque vida sexual dele é tão… turbulenta como
a minha, mas teria que admitir que a minha vida sexual é turbulenta
para começo de conversa, e não quero dar razão a ele.
Reviro os olhos, com um riso preso nos lábios enquanto tento
voltar a focar na linha que leio. Provavelmente seriamos o par
perfeito e já fizemos essa constatação. Em questão de
relacionamentos, somos parecidos demais e com toda certeza seria
um sucesso. Somos desapegados e não conseguimos pessoas
desapegadas como nós dois para nos relacionarmos. Não tenho
prazer em quebrar corações, nem Rapha. Somos muito parecidos
nisso e essa é a razão para eu adorar nossas saídas, seja para
bares a procura de companhia ou jantares só nós dois.
Mas caras não fazem meu tipo, e mesmo se fizessem, me
esforçaria para manter nossa relação no só amizade. Raphael é
importante demais na minha vida para que eu dispense nossa
amizade de quase longa data. Minha amizade com Matteo ficou
complicada depois que o desgraçado ficou com a minha irmã.
Gostando dele ou não, Daphne sabia que minha teimosia seria
grande.
E ele foi um grande escroto no começo, minhas palavras e
não dela. A dificuldade do Drake de se desprender do passado,
aceitar sua nova vida e parar de querer se impedir de gostar de
Daphne de volta, assim como aceitar que eles podiam ser um casal
bom, fez com que ficasse difícil querer continuar no mesmo nível de
amizade de antes.
Não só por esse motivo, mas acabei me aproximando muito
de Raphael no último ano, assim como acabei conversando mais
com Zachary, o noivo de Rebecca. Isso é motivo o suficiente para
que eu queira colocar nossa amizade acima de qualquer coisa. Com
os cabelos fartos com cachos, os olhos verdes e um tom de pele
que mostra que ele está sempre com o bronzeado em dia – três
horas de sol todo final de semana, é o que ele fala –, meu amigo
quebra mais corações de caras por aí, do que eu com as mulheres.
“Não tem nada a ver com isso.” E por um momento esqueço
o que leio e cogito se gostaria que tivesse a ver com isso.
“Terei uma síncope antes que me conte o por que esses
biscoitos são tão importantes?” Ele larga de vez o computador, me
olhando com atenção e pesco uma das últimas batatas fritas do
pacote comprado para o lanche da tarde.
“Temos trabalho demais para fazer.”
“E é, por algum acaso, uma história de três horas? Esse
mistério todo só me faz ficar mais curioso ainda e, além do mais,
nunca foi de esconder seus casinhos de mim.” A forma como ele
fala fica até parecendo que dou inúmeros detalhes.
“Não é um casinho, eu já disse!”
“Então o que é? Meu Deus, Mike, parece que cometeu algum
crime. Você não cometeu, ou cometeu?”
“É só minha vizinha. Acabamos jantando juntos ontem, foi
divertido, bebemos bastante, comemos bastante, ela falou da vida
dela. Foi legal, ela deixou isso na minha porta hoje cedo,
agradecendo pela noite.”
“Agradecendo pela noite?”
“Raphael, foco! Por favor, esse processo é importante, sabe
disso.”
“Tudo bem, tudo bem.” Ele levanta as mãos, em um sinal de
rendição. Mas mesmo que seus olhos finjam focar na tela, percebo
que ele ainda me olha vez ou outra.
“Não foi nada de mais.” Sinto a necessidade de findar o
assunto com isso, porque talvez faça ele se aquietar. “Não ficamos,
nem um mísero beijo. Nada!”
“Mas você queria.” Não é uma pergunta, porque ele me
conhece bem o suficiente. Suas mãos jogam os cabelos que foram
bagunçados ao longo da tarde para trás, desfazendo os cachos
desarrumados dele ainda mais. “Ela é bonita?”
“Claro que ela é!” Pelo menos ela precisa fazer minimamente
meu tipo para que eu queira, inconscientemente, um mísero beijo.
“Beatrice, isso é a única coisa que tenho. E que ela é dona de uma
companhia, uma grande editora, e comanda uma revista de
entretenimento.”
“Beatrice Oakles?” Suas sobrancelhas se arqueiam e ele está
cada vez mais interessado no assunto. Mas dou de ombros, porque
não sei se esse é o seu sobrenome ou não. “Não achei que ela
fizesse seu tipo.” E meu olhar duro para ele é o suficiente para que
Raphael formule sua frase. “Achei que preferisse loiras.”
“Ela é uma morena muito bonita. Mas somos vizinhos, quase
desconhecidos e meio amigos. Só!”
Graças é o bastante dessa vez, e não sei se é o tom da
minha voz ou a forma como coloquei a situação que faz com que
Raphael esqueça o assunto e nós voltemos a nos focar no
processo.
Mas fico pensando justamente sobre isso, como eu coloquei
a situação, e como sem querer deixei claro que gostaria de ter tido
um beijo com Beatrice, um beijo, muito mais do que isso. Gostaria
de despir ela daquela roupa do encontro, a que ela vestiu para o
babaca do encontro e ele foi babaca o bastante para dispensá-la.
Como fiquei tentado a descobrir todo pedaço de pele por debaixo do
tecido, como gostaria de soltar os fios castanhos escuros e
descobrir se são macios até segurá-los entre meus dedos.
Nunca tive dificuldade em conseguir uma companhia para a
noite e talvez essa seja a melhor ideia para hoje. Provavelmente é o
estresse pelo processo de segunda, pelo júri que eu sei que será
insuportável. Seria bom achar uma pessoa desconhecida para uma
noite, uma foda boa para esquecer tudo por alguns instantes, ter
uma pele macia e adocicada me entorpecendo.
Sei que será exatamente isso que irei fazer mais tarde. Por
isso, enquanto comemos nosso jantar na minha mesa do escritório,
rolo pela lista de contatos, só procurando quem será a escolhida.
E me lembrando outra vez que não consegui pegar o número
dela na noite passada.
 

 
“VOCÊ DEVERIA ACEITAR, BEA. Pode ser uma boa chance” Callie
diz, mas até ela tem um riso preso nos lábios. “Não, sério.” E então
ela dá o seu melhor para parecer séria.
“Eu odeio você.” Reviro os olhos antes de seguir mexendo no
molho de frango desfiado que faço. Belle está entretida demais com
montando peças no brinquedo novo para prestar atenção em nós
duas. “É uma péssima ideia. Pode até ser benéfica para mim, mas
você já viu ele e…”
“Michael Laurent-Davis é um pedaço de um mau caminho
bom demais.” Minha melhor amiga suspira. “Eu particularmente
preferiria o Matteo, tatuado, grandão, mas ele é meu futuro chefe
então me desfiz desse fetiche logo cedo.” Seus ombros levantam e
eu acabo rindo.
Matteo é mesmo muito bonito, mas meu antigo vizinho e com
quem eu tive bem mais contato do que com Michael até o momento,
era fechado demais sobre qualquer assunto como esse quando nos
conhecíamos. Não que eu fosse dar em cima dele. Acabamos
firmando uma amizade durante o período que fomos vizinhos e vivi
demais o luto dele para pensar em Matteo como algo além de um
bom amigo. E apesar da amizade de longa data dele com Michael,
nunca cheguei a ver os dois juntos antes.
Isabelle requer a atenção da mãe e Callista logo se levanta
do banco alto no qual está, deixando sua taça no balcão e caminha
até a pequena. Minha afilhada acabou de completar dois anos e é
um doce. Callie foi mãe solo depois que o escroto do seu ex noivo
meteu o pé assim que descobriu que ela estava grávida. Belle e ela
estão bem melhores sem alguém como ele na vida delas.
Bebo mais um longo gole de vinho da minha taça e desligo o
molho para testar o ponto do macarrão. Finalizo nosso jantar
enquanto Callista some dentro do apartamento com Belle,
provavelmente para um banho ou uma trocada de fraldas. Separo a
porção para a pequena antes de começar a montar a mesa de
jantar.
É terça-feira à noite e ainda estou com minhas roupas do
trabalho. Fiquei de buscar Isabelle na creche enquanto Callie
findava uma reunião, além de ficar encarregada do jantar de hoje,
no apartamento das duas. Não estou com fome, almocei tarde por
causa do fechamento da semana, mas são sete da noite e já é tarde
o suficiente para a janta de uma criança de dois anos e dois meses.
Mais uma taça se foi enquanto espero as duas voltarem.
“Falo sério, deveria aproveitar. Nunca se sabe no que vai dar.
As vezes ele te arruma alguns amigos bonitões como ele. Sua vida
precisa, e merece, de um pouco de agito. Não faria tão mal assim.”
Callie volta ao assunto enquanto traz Isabelle no colo, já com seu
pijama. “Se ele oferecer de novo, aceite. Eu aceitaria se estivesse
livre, descompromissada e com tempo.”
“Eu não estou com tempo.”
“Mas talvez precise de ainda menos tempo aceitando a ajuda
dele, do que navegando nesse aplicativo terrível. Só encontra mau-
caráter nisso, Bea.” Sei que a palavra que ela queria usar enquanto
esbraveja é outra, mas a criança no cadeirão não permite.
“Quem sabe.” Levanto os ombros enquanto começo a nos
servir.
“Nem mesmo sei o porquê está procurando. Sabe muito bem
que não precisa disso só porque sua família é escro… idiota.” Faço
uma careta para ela, mas Callista está séria sobre isso enquanto
usa uma das tranças longas do seu cabelo para prender as demais
em um rabo de cavalo não convencional e baixo.
Suspiro pesadamente, me sentando no meu lugar depois de
distribuir os pratos.
“Sabe que é verdade, Bea. Não falo por mal, mas só está
nessa situação porque colocou na cabeça que precisa disso para o
noivado e casamento da sua prima, e que se dane Katherine toda a
perfeição dela. Ela não é tudo isso, é má, cruel e nem um terço do
que você é. Só aparenta… só finge muito bem.”
“Bem… é nisso que todo mundo acredita então não importa
se eu sei o que é verdade e o que não é.” Enrolo a primeira garfada
e ela se coloca entre alimentar Belle e comer. “Sabe, às vezes me
pego pensando que poderia ser legal ter alguém pra dividir tudo
isso. Além de vocês duas. Não quero construir uma família, pelo
menos não tão cedo e nem mesmo posso querer pensar nisso, mas
gostaria de ter alguém, um companheiro, pra compartilhar isso.”
“Eu te entendo. As vezes penso sobre isso, mas… é mais
complicado quando não é só sobre mim que estamos falando.”
“Desculpe, meus problemas, que nem são problemas,
parecem tão superficiais. Você tem coisas maiores com o que se
preocupar.”
“Eu amo escutar sobre os seus problemas, é para isso que
servem as amigas.” Sua mão alcança a minha pela mesa e ela dá
um leve aperto, que retribuo. “Mas me conte mais como foi sexta. O
encontro ruim e o encontro bom.”
“Não foram dois encontros, teve só o ruim!”, começo com o
aviso, antes de enfiar uma boa garfada para tentar fugir da sua
pergunta. O que não funciona nem um pouco, porque os olhos
castanhos amendoados de Callie seguem duros em mim até que eu
prossiga.
E parece bom ter um momento tão leve com ela, falando
sobre encontros, homens babacas e homens bonitos demais,
falando sobre tudo menos trabalhos, famílias complicadas e
desastres cotidianos.
 

 
Na quinta, chego exausta do trabalho e cogito chutar meus
saltos para longe ainda no elevador. Mas não faço isso, porque eu
nunca perco a compostura podendo ser pega por alguém. Mesmo
assim, quando passo a mão para arrumar alguns fios rebeldes do
meu rabo de cavalo, ainda bem intacto no topo da cabeça, percebo
que meus ombros estão mais caídos do que o normal.
Escuto o apito das portas e respiro fundo antes de sair. Pego
meu celular que vibra no bolso de trás da calça e leio o novo e-mail.
É a confirmação de uma entrevista importante demais para a
próxima edição e suspiro aliviada. Sabia que conseguiríamos, mas
sempre gosto de comemorar as pequenas vitórias.
Mesmo depois de alguns bons anos trabalhando nesse meio,
ainda me surpreendo com o quão longe consegui levar a revista.
Não que a editora inteira não fosse algo muito grande quando
assumi. A Oakles tem seu grande nome em vários setores, mas a
Ex-Plain Magazine ganhou uma nova visão para o país desde que
tomei a presidência.
Estralo minhas costas em uma espreguiçada longa e penso
que talvez só um sanduíche seja o jantar da noite, porque por nada
nesse mundo irei esperar quarenta minutos para comer e só depois
ir para cama. Além de não ter disposição alguma para cozinhar algo
elaborado. Só quero um banho quente e minha cama gigante.
Procuro as chaves na bolsa e é então que acabo vendo pelo
canto do olho o pote nos meus pés. É cumprido e baixo, num tom
verde água e um pedaço de folha está dobrado em cima. Abaixo e
pego o meu pacote até pesado, segurando-o em um dos braços
enquanto abro a porta com um sorriso. Jogo a bolsa no sofá antes
de destacar o bilhete e finalmente descobrir seu conteúdo.
“Achei que poderia ser interessante retribuir a gentileza.
Espero que goste de focaccia. Fiz no fim da tarde, talvez ainda
esteja quente quando chegar ;)
Obrigado por sexta, também me diverti muito e não achei
que fala para mais, na verdade, fala na medida certa. Espero
que não tenha se metido em mais nenhuma furada, semi-
desconhecida.”
Acabo rindo sozinha, porque graças que não me meti em
nenhuma furada desde sexta, mas ainda é cedo demais para
comemorar. Levanto a tampa do pote e logo um cheiro maravilhoso
de pão, azeite e tomate seco preenche meu apartamento, me
mostrando com o que irei me deliciar durante o jantar.
E no dia seguinte, quando estou voltando para casa e entro
no elevador, noto que são seis e meia da tarde. Me sinto um pouco
indecisa antes de pressionar o primeiro andar, jogando alto na sorte
de talvez encontrar Michael na academia no mesmo horário que nos
encontramos pela primeira vez.
O velho hábito terrível me faz perceber que estou torturando
a parte interna na minha bochecha com os dentes e tento suavizar a
expressão enquanto caminho para fora do elevador. Respiro fundo,
me sentindo um pouco boba demais.
Escuto o som de pesos sendo batidos uns contra os outros, e
no chão. Três pessoas estão usando os aparelhos e uma delas é
Michael. Cogito ir embora, porque esperava encontrá-lo sozinho por
aqui, como da outra vez. Mas seria besteira demais simplesmente
fugir.
Tinha um propósito ao apertar o botão do elevador que me
traria aqui e não me levaria direto para o meu apartamento, queria
encontrar com ele, e irei. Não sou insegura, pelo menos não na
maior parte do tempo, tenho uma personalidade que muitos invejam,
sou uma mulher forte e independente, o que assusta as vezes, mas
eu gosto e não irei começar a esquecer disso só porque meu vizinho
é bonito e gostoso demais.
Seus olhos me encontram enquanto eu caminho e ele não é
o único que estranha uma pessoa como eu, vestida em um terninho
bem cortado, num lugar como esse. Mas Michael coloca um sorriso
de canto enquanto pega uma tolha branca e passa pelo rosto antes
de caminhar até mim, parada próxima à porta de vidro.
“Oi”, digo, quando ele está perto o suficiente para me ouvir.
“Pensei em agradecer por ontem. Salvou meu jantar”, confesso, e
ele franze as sobrancelhas. “Cheguei tarde do trabalho.”
“Ah!” Michael passa a toalha mais uma vez pelo rosto,
limpando algumas gotas de suor que se acumulam. Seus braços
expostos pela regata preta também brilham pelo esforço, o short
gruda em suas pernas musculosas e tento me focar nos seus olhos
azuis para não olhar demais. “Achei que seria legal retribuir os
cookies do outro dia. Estavam deliciosos.”
“Você também cozinha muito bem, tanto a pizza de sexta
como a focaccia de ontem.” Michael me dá um aceno e acabamos
ficando assim, em um pequeno silêncio até que o primeiro assunto
me vem à cabeça e deixo ele escapar. “Não tive mais nenhum
encontro furada desde então.”
“Isso é bom.” Ele ri baixo e balança a cabeça em negação,
olhando para o chão. “Espero que não tenha nenhum marcado
também.”
“Ainda é muito cedo para dizer. O final de semana está a
recém começando.” Dou de ombros e ele me dá outra risada. Gosto
de ouvir esse som. “Acho que vou seguir o seu conselho e tentar
melhorar meu perfil, talvez eu comece a atrair caras menos ruins.” E
até eu acabo suprimindo um riso com isso.
“Espero que tenha sorte.” Sorrio para ele e estou prestes a
me despedir quando ele volta a falar. “Ainda posso te ajudar, se
quiser. Não uso mais esses aplicativos, mas ainda sou um cara e sei
como caras pensam. Posso tentar te trazer caras menos ruins”, ele
repete minha fala com uma careta. “Se quiser, é claro.”
“E por que estaria interessado em gastar seu tempo com
isso?” Somos adultos, sei que assim como eu, Michael deve ter
infinitas coisas para fazer.
Ele franze a testa e leva os dedos ao queixo, pensando, e
percebo em seus olhos que ele não tinha pensado muito sobre isso
até o momento, ainda que ele seja até bom em esconder o que
sente. Mas a questão de ele querer me ajudar, sem mais, e não isso
me entra na cabeça sem uma explicação melhor.
“Gostei de você, simples assim. É uma mulher divertida e
uma boa companhia, e me falou algumas coisas final de semana.
Acho que isso faz com que eu deseje te ajudar.”
“Uma ajuda de mão única, sem pedir nada em troca? Você
não deveria ser um advogado?”, brinco com ele, e seus ombros se
levantam antes dele encostar a lateral do corpo na parede mais
próxima.
“Talvez eu seja um ótimo advogado só dentro do escritório e
não faça isso muito bem com a minha vida pessoal.”
“Parece suspeito.” Dou uma risada e comprimo os lábios em
seguida, pensando sobre isso.
“Tudo bem… Comece a treinar comigo. Pelos motivos
certos.”
“Isso é tortura. Se eu tivesse a menor ideia que seria isso que
me pediria em troca, nem teria cogitado aceitar a ajuda.” Dramatizo
e isso faz com que ele mantenha um sorriso de escárnio nos lábios.
“Sério, isso é tortura pura. Não, isso não.”
“Três vezes por semana, no horário que quiser.”
“Está tentando negociar seus termos? Deve estar maluco
mesmo para salvar a minha saúde.”
“Você acabou de me contar que não ia jantar direito, e não
jantou direito ontem”, ele rebate. “Tudo bem, então, outros termos…
amanhã vai tentar uma nova tática.”
“O quê? Tudo é melhor do que a tortura.”
“Vou sair com um amigo, é um bar que gostamos sem todo o
glamour e pessoas chatas e conhecidas. Você vai com a gente e
vai… tentar da forma tradicional.”
“Forma tradicional, parece um avô.”
“Te encontro às dez?” Ele se desencosta da parede e volta a
se aproximar da porta da academia.
“Ugh… ok!”, digo por fim, porque não pode ser tão ruim
assim.
“Coloque algo casual.”
“Vai começar a criticar minhas roupas?”
“Você constantemente tira palavras da minha boca.” Ele ri
baixo, tocando a ponta do meu nariz antes de dar as costas e entrar
novamente na academia.
Balanço a cabeça, rindo sozinha enquanto aperto o botão
para chamar o elevador e pensando que tipo de casual vestir
amanhã. Para tentar encontrar alguém da forma tradicional, em um
bar que talvez não conheça, com Michael e seu amigo.
Talvez não tenha sido a ideia mais inteligente do mundo
aceita.
 

 
A legging modela bem minhas pernas grossas e coloca
minha bunda para o alto, parecendo quase bastante dura e
musculosa. O poder de uma calça montaria. O cós da calça vem até
a curva da minha cintura, marcando ainda mais o local que delineia
bem meu corpo. Escolhi um suéter soltinho para a noite, sem nada
além de um sutiã de pano com aplicações em renda por baixo do
tecido quente de lã fina verde bebê.
É uma combinação bonita, junto com o tênis casual branco. O
suéter é grande o suficiente para ficar frouxo nos ombros, deixando
um pouco de pele a mostra assim como as alças do meu sutiã.
Encaixei a pontinha do tecido dentro do cós lateral da calça depois
de terminar de aplicar meu batom matte nude da noite. É um tom
claro, para combinar com a maquiagem simples e básica feita.
Seguro meu cabelo com ambas as mãos e antes de arrumar
ele em um rabo de cavalo, solto os fios escuros, que caem pesados
pelos meus ombros até a metade das minhas costas em ondas
bem-feitas. Balanço a cabeça, deixando o mar castanho escuro
mais leve e decido que irei sair com eles soltos hoje. Sem querer
pensar muito sobre isso, pego minha bolsa média, preta como a
legging, e checo se coloquei tudo o que posso precisar ali,
aproveitando para jogar também o tubo de batom.
Coloco mais uma espirrada de perfume antes de sair do
quarto e escuto as batidas na porta. Meu relógio de pulso me diz
que não estou atrasada, mas também não tão adiantada assim.
Uma última olhada no espelho do corredor é necessária antes que
eu caminhe com a bolsa no ombro até a porta.
“Hey...” Michael está escorado no batente da minha porta
quando a abro, e sua boca fica parada no meio da frase enquanto
ele me olha. Sorrio, dando uma volta.
“Que tal? Casual o suficiente para uma tentativa de conseguir
um cara da maneira convencional?”, pergunto, ainda com um riso
preso enquanto me volto novamente para ele.
Michael está com uma calça jeans clara, uma camiseta
branca de algodão cru e uma jaqueta no estilo bomber preta, da
mesma cor dos tênis que usa. Ele fica muito bem em roupas
casuais, destaca ainda mais o seu rosto, com os olhos azuis safira,
a barba sempre bem-feita, o cabelo cortado curto. Além disso, seu
perfume é ainda mais gostoso hoje, com notas de lavanda e
carvalho.
“Está bonita”, ele fala baixo e então limpa a garganta. “Está
bonita”, repete.
“Obrigada, também não está nada mal. Espero que não me
meta em outra furada hoje. Dois finais de semana seguidos vai ser
demais.” Não é como se isso já não tivesse acontecido antes.
“Vamos?”
“Claro.” Michael me dá um aceno e abre espaço para que eu
saia do apartamento, trancando a porta, antes de me juntar a ele no
corredor.
“Aonde vamos?”
“Achei que poderia ser adepta a surpresas”, ele diz, enquanto
espera que eu entre no elevador, para se acomodar ao meu lado e
apertar o botão da garagem. “Vou dirigir pela noite.”
“Muito responsável”, zombo dele, dando um tapinha em seu
ombro e Michael tenta reprimir um sorriso. “Não precisava cortar a
própria diversão só pra ser babá.”
“Não estou cortando a diversão, só o álcool. Além disso, te
chamei. Seria justo que, caso qualquer coisa dê errado, eu te traga
para casa em segurança.” Fico chocada com seu comentário e ele
se diverte com minha expressão.
“Planejando me mandar para qualquer cama alheia?”
“Só se for o seu desejo.”
“Quanta gentileza… e positividade.” Solto um suspiro baixo,
mas não passa batido por Michael.
“Beatrice, seja mais confiante. Achei que essa seria uma
parte tranquila de tudo. É bonita, tem tudo o que precisa, precisa
trabalhar essa parte de não achar que nunca vai conseguir nada.”
“Nossa, muito obrigada. Subitamente, me sinto a mulher mais
confiante do mundo”, ironizo, quando as portas apitam e se abrem
na garagem.
“Ótimo”, ele rebate no mesmo tom, puxando as chaves do
carro para fora do bolso.
“Não funciona assim!”
“Eu sei que não.” Seu silêncio parece gritante enquanto eu o
sigo até o carro. “Talvez hoje seja bom, talvez descubra que, se
exalar um pouco de confiança, vai descobrir que não deveria se
sentir de outra forma.” Michael aperta o botão e o carro, um i8 da
BMW, ganha vida na nossa frente. “Um pouquinho de melhora na
saúde poderia fazer você ganhar mais confiança, também”, ele
sussurra perto de mim, enquanto segura a porta aberta para que eu
entre.
Não evito revirar os olhos, recebendo um sorriso de canto
convencido, porque ele teve de mim a reação que queria.
“Não acredito que me submeti a uma noite com você, e com
essa ideia. Provavelmente vai utilizar todas as horas vagas, e
alguns copos de bebida, para me convencer a topar essa loucura…
essa tortura”, pontuo firme, apontando o indicador para ele enquanto
Michael se acomoda no assento do motorista.
“Fica tranquila, gracinha. Prometo não te encher o saco sobre
isso, ainda que talvez a gente devesse fazer uma aposta.”
“Por que eu tenho tanta certeza que isso não vai ser muito
benéfico para mim?”
“O intuito é que tudo seja benéfico pra você.”
“Por que eu achei que seria capaz de negociar com um
advogado? Você claramente faz parte daqueles que são chamados
de advogados do diabo, tenho certeza disso.” Michael não controla
a gargalhada rouca que solta enquanto direciona o carro para a
saída do estacionamento e o som é gostoso de ouvir, além de a
rouquidão trazer alguns outros sentimentos que se espalham pelo
meu corpo, mas eu reprimo-os o mais rápido possível. “Tudo bem,
que aposta?”
“Se você se permitir hoje, se conseguir… sei lá, nem que seja
o número de um cara, sai no lucro. Se ficar com medo de aproveitar
a noite, de tentar arrumar alguém sem ser por aquele aplicativo
horrível, vai ter que ir pra academia comigo por, pelo menos, duas
semanas.” Ele me olha de canto enquanto dirige pelas ruas de Nova
York e eu acabo rindo.
“Sério? Sabe que não é algo tão difícil conseguir o número de
um cara.”
“Tudo bem…” Ele acaba olhando fixo para a frente e sério
demais, percebo pelos flashes de luz que invadem o carro que sua
mandíbula está travada firme e uma veia salta um pouco mais
visível na lateral da sua testa. “Fique com um cara hoje.”
“O quê?” Eu escutei muito bem, mas fico um pouco em
choque, saltando do banco enquanto olho para ele.
“Se estava muito fácil pegar um número, não pode ser tão
difícil assim fazer isso.”
“Michael…”, replico, mas ele me olha, quando para em um
sinal fechado, como se me desafiasse. “Ok.” Odeio a forma como eu
acabei caindo tão fácil na provocação, provavelmente como ele
queria porque sorri convencido para mim. Aprendi a odiar seu
sorriso convencido nesse pouco tempo que passamos juntos.
“Parece que teremos uma noite divertida, gracinha.”
E eu reviro os olhos para o apelido aderido por ele nos
últimos minutos.
 
 
Uns cinco sex on the beach depois, e muitas risadas com o
amigo charmoso e engraçado de Michael, me sinto feliz e solta.
Apesar do proposito da noite ser outro, sai poucas vezes da mesa
para dançar com Raphael ou ir ao banheiro. Nenhum cara pareceu
se interessar em mim o suficiente e isso não me incomodou nem um
pouco.
Desejei que Callie estivesse aqui também, para aproveitar a
noite conosco e mando uma mensagem cheia de saudades para a
minha melhor amiga antes de pensar em como lidar com a minha
imagem meio bagunçada, com as bochechas coradas demais e os
olhos um pouco vermelhos, pelo álcool ou cansaço. Mal sei que
horas são e mesmo olhando no relógio de pulso três vezes, meu
cérebro ainda não conseguiu absorver a mensagem.
Limpo o rímel um pouco borrado e aplico meu batom pela
segunda vez na noite. Meus cabelos estão um pouco fora do
controle, mas gosto da imagem que passam. Dou um sorriso antes
de sair do banheiro e caminho até o bar, querendo pegar uma
rodada de shots e tentando achar um bom motivo para que Michael
beba pelo menos uma mísera gota de álcool essa noite.
Nunca fui imprudente, mas apesar dele estar se divertindo
aparentemente, gostaria que ele estivesse um pouco alto como
Raphael e eu, e me sinto envergonhada por estar deixando que ele
conheça esse lado meu.
“Três shots de tequila”, peço para o barman, indicando com
os dedos, antes de me apoiar no balcão.
“Ousada.” Escuto uma voz masculina falar na minha frente e
meus olhos demoram para focar na figura. O homem parece na
casa dos trinta e cinco, tem uma barba densa e vermelha, assim
como os cabelos bem cortados e penteados para o lado. Seus olhos
verdes estão escuros enquanto ele me fita com um meio sorriso.
“Três de uma vez.”
“Não tinha a pretensão de tomar sozinha, de uma vez. Mas
quem sabe.” Jogo de volta com um levantar de ombros, mantendo
um sorriso como o dele.
“Colton”, ele se apresenta, me esticando a mão.
“Beatrice.” Aperto a mão esticada e seu aperto é firme. Colton
pula um dos dois bancos que nos afasta, ficando mais próximo de
mim.
“Posso te pagar alguma coisa que não sejam três shots de
uma vez só, ou está muito acompanhada?” Ele dá uma olhada para
a mesa onde estou com Michael e Rapha, e levanto as
sobrancelhas, um pouco em alerta, um pouco lisonjeada. Ele me
acompanhou mais cedo para saber com quem estou.
“Um sex on the beach, é o que pode me pagar.” O barman
volta com meus shots e o homem pede minha bebida depois que
passo as notas para pagar os shots. “Aceita?”, pergunto,
empurrando um dos copos de dose na direção dele, com uma das
sobrancelhas arqueadas em um desafio claro e Colton toma o copo
pra si.
“No três”, ele indica, e pego uma dose, me preparando para a
contagem que ele logo faz. Ambos acabamos com uma careta
quando a tequila queima em nossas gargantas antes de rirmos da
situação. “Isso é horrível. Pretendia matar seus amigos?”
“São shots de tequila, não veneno. Todo mundo já tomou
bem mais do que um nos anos de faculdade.” Percebo um pouco
tarde demais que minha fala pode ser um pouco errada, porque
Colton pode não ter ido a uma e saber como são os anos de
faculdade.
Mas para minha felicidade ele ri baixo, balançando a cabeça.
“Mais de um, em lugares bem mais exóticos, com menos
vidro e mais pele.” E isso acaba fazendo com que eu sinta um
pouco do meu sangue subir, mas o álcool já fez o suficiente para
deixar minhas bochechas ruborizadas.
Tive minha cota de body shot.
E não tenho muitos arrependimentos sobre isso.
“Você é uma…”
“Jornalista”, respondo de prontidão, com um sorriso contente
e orgulhoso no rosto.
“Gosta de fofoca?”
“Quase me ofende, não fazemos fofocas, trazemos
informação”, repreendo-o, que mantém um sorriso de canto
enquanto ergue as mãos em um sinal de rendição. “Mas trabalho
com algumas boas fofocas.” Não posso mentir que na revista não
adoramos uma boa e fresca fofoca sobre a vida dos famosos. “E
você?”
“Professor de Literatura no Ensino Médio.”
“Deve fazer sucesso.” Não consigo segurar o comentário,
aproveitando quando minha bebida nova chega e a sugo pelo
canudo, fugindo dos olhos verdes de Colton que quase arrancam
um pedaço de mim. “Mas aposto que não deve ser fácil lidar com
tantos adolescentes com os hormônios a flor da pele.”
“Acho que posso estar acostumado a ter meus próprios
hormônios a flor da pele, então consigo lidar.” E apesar de ele jogar
de uma forma bastante sensual, com um sorriso largo e charmoso
nos lábios, preciso de um longo gole para me controlar minha risada
para sua cantada ruim. “Dança?” Colton indica para a pista, onde
muitas pessoas se aglomeram em uma junção estranha de
movimentos só para se esfregarem umas nas outras.
“Por que não!?” Viro o shot faltante e sinto pelo copo do drink
meio cheio ainda, que não será bebido, quando seguro a mão que
ele mantém esticada para mim.
Colton gosta do tipo de dança bastante próxima e suas mãos
ficam perigosamente próximas da curva da minha bunda, mas não
me importo. Ainda mais quando ele cochicha algo engraçado no
meu ouvido. A música muda para e aumenta para algo mais sensual
e não evito deixar o álcool tomar mais conta que o juízo quando me
viro de costas, deixando que suas mãos aproximem minha cintura
até que minha bunda cole nele.
Seus dedos afastam meus cabelos de lado e ele deixa um
beijo no meu pescoço enquanto dançamos. Me solto e me deixo
envolver pelas batidas da música, pelas mãos de Colton em mim e
pelos meus braços que o envolvem. Jogo meu quadril de um lado
para o outro e sei que também o provoco. Ele sussurra algo para
mim, mas não escuto por causa da música, e por estar entorpecida
na minha dança.
Quando os acordes ficam mais baixos, mostrando a troca de
música, Colton me gira em seus braços até que eu fique novamente
de frente para ele. Pouso minhas mãos em seu peito com uma
risada nos lábios pela surpresa, e as suas seguram meu rosto com
delicadeza. Seus olhos me mostram muito bem o que ele pretende
fazer e o incentivo, subindo até segurar sua nuca e entrelaçando os
dedos ali.
Seus lábios tocam os meus com gentileza e não sei porque
esperava algo diferente. A barba áspera roça meu queixo e pinica
no começo, até que sua língua peça passagem pelos meus lábios e
eu deixe que ele me beije em um ritmo calmo. O puxo para mim e
suas mãos pressionam meu corpo mais para si até que Colton
compreenda que, apesar de estar aproveitando, prefiro mais.
E é quando ele prova minha língua e mordisca meu lábio que
eu solto um som de aprovação, ele compreende o que quero e
segura minha nuca com uma das mãos, me trazendo ainda mais
colada, com uma urgência muito maior do que antes. Me permito
também me perder em seus beijos, parada ali no meio da não
demarcada pista de dança.
Mas apesar de gemer para seus beijos bons, só acabo com
um pensamento que me arranca um sorriso entre um beijo e outro, e
que Colton presume ser para ele.
Eu ganhei a aposta.
 

 
 
BOCEJO MAIS UMA VEZ ANTES DE virar a esquina para a rua do
prédio e Beatrice me olha do seu lado do carro. São quase três da
manhã e estou um pouco cansado da noite. Água e suco não são
exatamente os melhores energéticos do mundo.
“Podia ter vindo mais cedo”, ela diz, sonolenta, e a forma
como as palavras se arrastam mostra que também está ainda um
pouco bêbada.
“Eu cumpro minhas promessas. Apesar de ter desconfiado
que não te traria de volta.” Ainda que o objetivo tenha sido
conquistado, ainda não decidi se gostei muito de ver ela se
agarrando com o ruivo no meio do bar. Pelo menos ela pareceu
muito contente e isso bastou.
O objetivo foi cumprido.
“Eu consegui alguns beijos e um número. Deveria estar
orgulhoso de mim, coach.” Ela dá um tapinha no meu braço
enquanto ri.
“Quer estrelinhas douradas agora?”
“Pode ser legal.”
“Vai sonhando.” Reviro os olhos antes de entrar na rampa
que leva até a nossa garagem. “Mas se divertiu hoje?”
“Muito!” Ela consegue parecer empolgada ainda que o sono
tente tomar espaço em suas feições cansadas. “Obrigada, hoje foi
mais legal do que achei que seria. Deveríamos repetir.”
“Claro.”
Não sei se é a melhor ideia, porque cuidar de Beatrice me fez
sentir estranho. Eu cuidava de Daphne e Chelsea o tempo todo, às
vezes ajudando Becks a conter as duas festeiras. Mas com ela foi
diferente. Talvez da próxima vez eu possa tentar aproveitar um
pouco mais do que só assistir.
“Mas podia mesmo ter vindo mais cedo para dormir. Parece
cansado.” Mas é ela quem quase se deita no banco ao meu lado
enquanto desligo o carro, já na minha vaga.
“Vem, vamos. Logo vai poder estar deitada confortável na sua
cama.”
“Além de me trazer pra casa, vai me colocar na cama,
Michael? Que fofo”, ela zomba de mim com um sorriso largo e eu
solto um risinho baixo antes de deixar o carro e ir até à porta dela.
“Beatrice, não me provoque.” Mas apesar de tentar, não
consigo manter minha expressão limpa e sei que ostento um mísero
sorriso de canto enquanto seguro a porta do lado dela aberta.
“E o que vai fazer se eu provocar?” E quando não recebe
uma resposta, ela suspira e aceita a mão que eu ofereço para
ajudá-la a sair.
“Você está mesmo bêbada”, constato, enquanto apoio o
braço em sua cintura para firmá-la e ela parece um pato com dois
pés esquerdos enquanto caminha.
“Sabe, estou constantemente ficando bêbada junto com você.
É uma péssima influência, Michael Laurent-Davis.” Meu nome sai
pelos seus lábios de uma forma lenta e não atribuo o fato somente a
sua bebedeira. Ela toca a ponta do meu nariz enquanto fala isso e
esperamos pelo elevador, seus lábios se projetam em um biquinho
manhoso.
“Beatrice…” Desvio olhar dela, não suportando muito bem os
olhos castanhos me fitando com tanta doçura e ela ri da minha
reação.
Seu suspiro é o que finda a risada e ela descansa a cabeça
no meu ombro enquanto esperamos. Meu autocontrole é bastante
quando me seguro para não levar os dedos aos fios castanhos que
escorregam do seu pescoço e cobrem sua bochecha quando ela
deita em mim e cogito se minha água não tinha algum tipo de
substância estranha.
Talvez seja o fato de querer o que não posso ter. Beatrice não
é do tipo de donzela frágil que precisa de um socorro, mas ela é
delicada e tem partes que prefiro me manter longe. Além disso,
transar é fácil e gostoso para mim. A amizade dela veio da mesma
forma e penso que talvez do nada meter sexo nisso possa estragar
uma das duas coisas. Nunca fui do tipo que se controlou por uma
amizade, porém penso que a dela carrega muito mais.
Odeio machucar alguém e saber disso. É fácil meter o pé e
nunca mais olhar para cara da menina, com os olhos chorosos e o
corpo sempre muito atraente. É fácil fingir que nunca existiu nada e
ajudar que a outra parte me esqueça tão fácil como eu vou esquecê-
la. Mas a morena do meu lado, confortável em meu ombro, em um
quase abraço enquanto minha mão permanece em sua cintura para
firmá-la de pé, ela é muito mais do que uma foda barata e repentina.
Eu teria que vê-la.
Mas acho que a parte mais fundamental no momento é que
ela não parece nem um pouco tentada como eu, ela bebeu demais e
nem mesmo soltou qualquer flerte barato, assim como não deu a
entender isso na outra noite. Ela não parece estar nenhum pouco
interessada em mim. Então dou o meu melhor para afastar o
pensamento, porque melhor conviver com o tesão do que com um
fora. Algum bom filósofo deve ter dito isso e, se ninguém disse, eu
começo. É isso que passa em minha cabeça enquanto entramos na
caixa metálica, gelada e eu aperto o último botão redondo.
Ela ainda se mantém no meu abraço, ou sou eu quem não
faço muito para soltá-la e não compreendo o porquê sigo aqui.
Sou um bom amigo.
É isso.
Sempre me falaram que sou e estou provando para Beatrice
que isso é verdade.
“Sabe…”, ela começa, e me faz parar de divagar com os
olhos na tela onde os números sobem em uma velocidade lenta. “Eu
ganhei nossa aposta.”
“Sim”, confirmo para que ela prossiga.
“Mas acho que… posso concordar com os seus termos. Não
deve ser tão ruim assim e talvez possa ser… bom. Para minha
saúde e autoestima.” Seu corpo se desencosta do meu para que
seu queixo se apoie no meu ombro e ela me olhe nos olhos.
“Você deve estar falando isso sob o efeito do álcool e talvez
se arrependa.”
“Ou talvez não. Não estou mais tão bêbada, só cansada.”
Beatrice se afasta de vez de mim e dá de ombros. “E estou falando
sério. Acho que pode ser uma boa. Se ainda tiver os mesmos
termos, eu topo.”
“Vai se lembrar disso amanhã sem arrependimentos?” As
portas apitam e param. “Porque tenho medo de estar sendo iludido.”
“Se tem algo que eu duvido que aconteça com você, é
alguém te iludir.”
“Você nem imagina”, murmuro, e ela franze o cenho,
provavelmente meu tom foi baixo o suficiente para que ela não
ouvisse, e me dando pouca atenção, Beatrice prossegue enquanto
saímos do elevador.
“Então podemos fazer isso de manhã. É um horário melhor já
que raramente eu saio do trabalho em um horário comum todos os
dias.” Ela parece tão séria enquanto fala, como se estivéssemos
negociando que me permito somente um aceno de cabeça. “E
precisa me prometer que não vai fazer disso uma total tortura para
mim. Nunca fiz exercícios físicos na vida.”
“Que coisa horrível.” Não evito o comentário chocado e
recebo um olhar duro. “O que foi? Exercícios fazem muito bem pra
saúde de forma geral, do corpo, da mente. Ajudam a produzir
hormônios que, mesmo que momentaneamente, trazem um pouco
de prazer e felicidade.”
Ela segue me olhando desconfiada e eu acompanho até que
ela consiga achar sua chave na bolsa.
“Que horas?”
“Hum…” Bea gira as chaves nos dedos antes de colocar a
certa na porta “Às seis? Entro às oito, então podemos fazer isso
por… meia hora, quarenta minutos. Ainda dá tempo de tomar café e
me arrumar antes de ir pra revista.”
Eu entro antes, mas posso me organizar com isso.
“Ok.” E então Beatrice me estende a mão, parada na porta
aberta de seu apartamento e não consigo não rir para o ato,
apertando sua mão. “Se simplesmente esquecer e me deixar
sozinho na segunda…”
“Prometo que não vou.” Ela puxa seu celular da bolsa
rapidamente. “Mas se quiser, pode me pedir uma confirmação
amanhã, quando não desconfiar da minha capacidade de tomar
decisões ou me ligar segunda cedo para me acordar.” Pego o
celular desbloqueado estendido, ignorando sua língua afiada, e
anoto meu número.
“Só não quero me iludir”, rebato, com a ironia dela, e escuto
seu riso enquanto ela digita algo e logo sinto meu bolso vibrar.
Provavelmente com uma mensagem, e o número dela.
“Até segunda.”
“Prometo planejar algo que não vai reclamar. Sairá me
elogiando.” Dou um passo para trás quando ela adentra mais um
pouco o apartamento.
“Duvido. Boa noite, Michael. Obrigada por hoje, mais uma
vez.”
“Boa noite, gracinha.” E a última coisa que vejo são seus
olhos revirando quando ela fecha a porta e eu tomo o caminho até a
minha.
 

 
Demoro um bom tempo apoiado no balcão, no domingo à
noite, enquanto cuido do meu jantar e giro o celular entre os dedos,
cogitando se mando ou não uma mensagem. Ignoro todas as
demais conversas que chegam pela aba e, depois de me achar
muito otário, forço meus dedos na tela.
 
Michael: Espero que não use a desculpa de bêbada.
 
A resposta demora tempo o suficiente para que eu desligue o
forno e comece a preparar a mesa para comer.
 
Beatrice: Sou pontual, coach ;)
Michael: Vai que me bloqueava só para fugir.
Beatrice: Não iludo ninguém, fique tranquilo.
Beatrice: Te encontro amanhã às 6.
 
Digito uma resposta, mas deleto quando se passa tempo
demais para que eu pense em algo bom. Jogo o celular para longe,
irritado comigo mesmo, e me ocupo em comer e ler alguns
processos pelo resto da noite.
Talvez seja porque resolvi dar uma chance para que ela
tenha espaço na minha vida. Nunca fui comunicativo, nunca fui de
muitos amigos, foi um pequeno problema desenvolver amizades
durante o Ensino Médio fora do meu pequeno círculo. Não houve
futebol americano que ajudasse. Na faculdade entrei na onda de
Matteo e fui até bem longe no pequeno grupo.
Ainda assim, não era como se tudo fosse sempre um mar de
rosas. Apesar de Beatrice desencadear um lado mais falante, talvez
por ser tão livre para falar, sei que sou retraído fora do trabalho. Vou
bem ali, delegando funções, organizando tudo, sendo o chefe, mas
fora não é simples. Ficar com pessoas, a parte física, é tranquila.
Entretanto, conversas não.
E acredito que pela facilidade da minha relação com ela,
tenho medo de acabar misturando demais, falando demais.
Na manhã seguinte, enquanto espero do lado de fora do
apartamento, totalmente vestido e pronto apesar da noite mal
dormida, estou feliz de usar alguns bons minutos suando para
gastar toda essa ansiedade que toma conta de mim.
“Eu falei que era pontual. Estava tentando me pegar no pulo,
com meio minuto de atraso, não é?”, Beatrice me zomba, e é a
primeira coisa que ela faz quando sai pela porta, com uma roupa
parecida com a que vi ela pela primeira vez. “Bom dia, coach!”
“Quanta animação, gracinha. Bom dia!” Desencosto-me da
parede e caminho até ela, já esperando pelo elevador.
“Aproveite enquanto dura.” Seus olhos têm um brilho
animado e fico contente, tratando de tentar aproveitar do seu bom
humor contagiante. “Acordei pensando que isso pode mesmo ser
bom. Não me torture tanto ou posso acabar desistindo.”
“Mal chegamos e já pensa em desistir.” Olho de canto para
ela quando entramos no elevador. “Eu pensei em algo leve para
hoje. Vai aprender a gostar.”
“Você faz isso desde quando?”
“Jogava futebol na escola, então…”
“Óbvio que jogava.” Ela ri, rolando os olhos.
“Então desde os dez pratico algum esporte, desde os catorze
comecei a pegar mais pesado na academia, por causa do futebol”,
prossigo, a ignorando.
“Credo, é muito tempo gostando dessa pequena tortura.”
“Acho que, se um dia praticou algum exercício, praticou
errado. Pra ter todo esse ódio.”
“Só pelas obrigações escolares.”
“Não fez direito mesmo. Vai descobrir que isso pode ser
ótimo.” Mas a resposta dela para mim é uma careta quando saímos
do elevador para o andar da academia. “É uma boa fuga, pra
desestressar”, admito para ela, enquanto seguro a porta e Beatrice
me olha com curiosidade. “Às vezes alguns processos são mais
complicados que outros. Meus pais abriram o escritório e não
escolheram os melhores empresários do mundo para serem seus
clientes mais fiéis. Em alguns processos… eu preciso deixar de lado
certas questões que acredito pra trabalhar nisso.” Dou de ombros
enquanto caminho pela sala, abrindo algumas janelas para arejar.
“Acho que é porque ainda sou muito novo. Ainda tenho essa
vontade de não deixar totalmente de lado quem eu sou.”
Solto um suspiro, mas não permaneço no assunto. Convido
Beatrice a me acompanhar silenciosamente até as barras de
alongamento e ela me imita à medida que começo a me alongar.
Preciso ajustar seu posicionamento vez ou outra para que ela faça
direito e assim que acabamos, começo a ajustar as duas esteiras
presentes ali.
“Você vai começar nessa velocidade e vai ajustando para
aumentar à medida que se sentir confortável. Preferencialmente
aumente um pouco, faça isso funcionar.” Pisco para ela que ri antes
de subir no aparelho. Faço o mesmo ao seu lado. “Eu vou aumentar
até correr. Faço isso há anos, não exija qualquer imitação do seu
corpo ou acabará de cama amanhã”, alerto, e ela só acena para
mim. “A esteira todos os dias vai te ajudar a ganhar um pouco mais
de folego, é um cardio mais tranquilo para começar.”
Começamos em um ritmo básico e rapidamente vou
aumentando até que eu comece em uma corrida tranquila. Vejo
Beatrice aumentando sua velocidade duas vezes e ela parece
contente até, sem ofegar muito.
“Sabe… entendo o que quer dizer… nem sempre fico
confortável em ficar investigando a fundo… a vida das pessoas”, ela
fala, puxando respiradas pesadas.
“Se consegue falar, aumente mais um pouco.” E ela revira os
olhos, resmungando antes de obedecer. “Não deve ser fácil. Às
vezes, no começo, eu me colocava no lugar da outra pessoa. Eu
desenterro tudo, pego cada pequeno detalhe que posso usar contra
o outro lado e uso. Já senti o remorso, o ódio, a dor e o nojo vindo
do outro lado. Algumas partes do nosso passado a gente prefere
manter escondido.”
Seus olhos estão focados na esteira, acredito que ela tenha
medo de acabar caindo e não julgo. Demorei até conseguir ter bom
foco em outras coisas enquanto corria, o futebol me exigiu isso e
desde então tenho a habilidade.
“Tem muito que prefere manter escondido?”, ela pergunta.
“Por ter isso se de colocar no lugar de quem… tem a vida
desenterrada por você. A empatia.”
“Pode ir diminuindo agora.” E faço o mesmo na minha esteira.
“Não.”
Pela forma como ela me olha de canto, sei que Beatrice
desejava mais. Porém é o que posso dar no momento. Não tenho
um passado ruim, mas não significa que não tenha partes de mim
que preferiria que se mantivessem escondidas.
Faço o máximo para um dia não encarar alguém como eu do
outro lado, alguém como eu pegando todas as partes da minha vida
para enfiar em um processo onde o intuito é me destruir. Mas não
são coisas comprometedoras. Ou pelo menos nunca achei que
fossem.
“Vem, vamos começar com alguns aparelhos mais leves.”
Não tivemos mais muito tempo para conversas durante os
exercícios. Mantive Beatrice ocupada nos aparelhos e ela pareceu
gostar também quando preparei algumas coisas mais aeróbicas
para que ela fizesse, já que o intuito maior é fazer com que ela
recupere um pouco da saúde do seu corpo, não ganhando massa
muscular. Acabo fazendo perguntas mais genéricas para ela entre
um e outro exercício, me ocupando também com meu treino.
Não sou nenhum profissional, nem para prescrever
exercícios, nem para avaliar a dieta dela. Mas Beatrice come mal
pra caramba. Se alimenta em horários ruins, quando se alimenta
direito, e talvez seja por esse motivo que seu corpo fica fraco em
não muito tempo quando começamos os exercícios um pouco mais
puxados. Meço a mão e acabo tirando algumas coisas do que eu
tinha pensado.
Ela provavelmente não tem os fatores necessários para ter
uma boa energia, mas apesar disso não parece completamente
exausta quando terminamos antes do previsto. Seus cabelos estão
arrepiados no rabo de cavalo e o suor escorre pelas laterais do seu
rosto. Ela rapidamente passa a toalha que trouxe consigo ali e bebe
longos goles de água.
“Não foi nada mal”, comento baixo, quando entramos no
elevador.
“É… não foi tão horrível como pensei.”
“Falei que iria gostar.”
“Gostar é muito. Só não foi péssimo, mas não foi perfeito.”
“Vai ficar.” Minha confiança e prepotência faz ela revirar os
olhos para mim, é um hábito dela. “Deveria fazer alguns exames e
procurar um nutricionista”, o comentário é bem baixo, porque tenho
receio que Beatrice me ache intrometido demais.
Ela me olha por algum tempo, como se seu cérebro
demorasse para finalmente compreender o que eu digo.
“É, talvez.” Ela leva uma das mãos até os cabelos, tentando
acalmar os fios arrepiados. “Não sei,”
“É um conselho. Você não parece se alimentar muito bem,
pode ficar sem energia durante o dia por esse motivo. O que reduz
até mesmo seu tempo produtivo no trabalho, te tornando mais lenta
e cansada.”
“Então ganhei um coach total?” Sua voz é carregada da
zombaria e é minha vez de revirar os olhos, ainda que não consiga
evitar erguer um dos cantos da boca com o comentário. “Ok, tentarei
marcar na minha agenda entre essa e a próxima semana.”
“Bom.” Dou um aceno e ficamos aguardando os últimos três
andares restantes até nossas coberturas. “Te vejo na quarta?”
Seus passos param no meio do caminho até sua porta e ela
pensa por alguns instantes.
“Se eu não acordar destruída amanhã, acho que sim. No
mesmo horário.”
“Também não espere acordar maravilhosa, esses músculos
estavam parados há muitos anos”, brinco com ela, tentando manter
o semblante sério.
“Ha-ha! Eles estavam bem, só para sua informação, coach.”
Vejo que ela controla para não revirar os olhos mais uma vez
enquanto tenta parecer furiosa comigo, e preciso de muito esforço
para segurar o riso.
“Até quarta, gracinha. Marque os exames.”
“Tenha um bom dia, Michael”, é o que ela me responde antes
de abrir a porta de seu apartamento e sumir lá dentro sem nenhum
outro olhar na minha direção.
 

 
ESPREGUIÇO-ME NO SOFÁ, TENTANDO me acomodar melhor e
sinto meus músculos reclamarem. Mas eu não reclamo disso,
apesar do gemido involuntário escapar dos meus lábios. Busco pelo
controle perdido e pauso o filme esquecido na TV enquanto caminho
até a cozinha e começo a organizar a louça que sujei fazendo o
jantar de hoje.
Já passam da meia-noite faz bons minutos e tento fazer o
menor barulho possível enquanto encaixo tudo na lava-louças e
aciono a máquina. Sirvo o resto da garrafa de vinho e fico um pouco
triste quando deixo a mesma vazia pousada ao lado lixo. Apoio-me
no balcão e pego o celular que vibra várias vezes no meu bolso de
trás. Um sorriso é imediato, mas o tiro do rosto com rapidez. Não
posso me sentir assim só por uma mensagem boba.
Mal consigo digitar uma resposta quando escuto as chaves
se virando na porta e Callie entra com uma expressão bem diferente
do que a que eu esperava pela porta.
Prometi a ela que ficaria com a Belle durante a noite para que
ela saísse em um encontro marcado quase que sem querer com um
cara com quem flertou na cafeteria próxima ao seu emprego. O
flerte evoluiu em mensagens durante duas semanas até finalmente
combinarem de sair para um bar vintage em Manhattan.
Não era como se eu tivesse muitas coisas para fazer em uma
sexta à noite. E ficar com minha afilhada parecia um programa ótimo
para fugir da dieta saudável que eu me impus nessa semana,
tentando fazer todas as refeições importantes com todos os
componentes necessários. Não, hoje me permiti uma garrafa de
vinho branco sozinha, lombo recheado assado, batatas salteadas e
purê de abóbora, tudo com bastante queijo, bacon, calabresa e
molhos.
Claro que precisei fazer uma porção menos ostensiva para
Isabelle, mas ela pareceu amar o purê e agarrava as batatas com as
mãos com vontade. Além disso, três dias de treino parecem ser o
suficiente para que eu pedisse um descanso e não vou a lugar
nenhum enquanto minhas coxas não pararem de dar fisgadas de
dor nos músculos que eu descobri existem.
“Foi ruim assim?”, pergunto, com uma careta quando ela se
aproxima, jogando a bolsa no sofá e largando os saltos pelo meio da
sala.
“Acho que, depois de tanto tempo, não deveria mais me
surpreender ao encontrar caras que tem o coração gelado como o
inferno...”
“O inferno não…” Mas Callie me olha feio e levanto as mãos,
esquecendo qualquer colocação que eu fosse fazer. “O que
aconteceu?”
“O de sempre. Quando começo a falar de Belle, parece que
mil problemas surgem. É horrível. É insensível. Eu tinha comentado
antes nas mensagens que tenho uma filha pequena.” Callista parece
tão irritada quando rouba minha taça e esvazia ela em poucos
goles, como se o álcool nem mesmo fizesse cócegas em sua
garganta. “Não sei porque achei que fosse ser mais tranquilo, ele
pareceu ter… sei lá, achado tudo isso tranquilo, não fez grande
caso. Acho que me iludi ainda mais quando ele comentou sobre a
foto que postei com Belle no Instagram semana passada. Me sinto
tão cansada e tão… desiludida.”
O suspiro de Callie é pesado e abro os braços. Ela se enfia
ali de bom grado e ficamos assim por um tempo.
Nossa amizade é estranha. Nos conhecemos no fim da
faculdade, por acaso, Callista é formada em Administração em
Negócios, eu em Jornalismo. Acabamos nos encontrando em uma
matéria eletiva, nenhuma das duas era boa naquilo, mas
precisávamos nos formar o mais rápido possível. Viramos uma
dupla e não muito tempo depois viramos mais que isso. A amizade
perdura até hoje.
Sou madrinha da sua filha, ela é minha melhor amiga.
Sempre estamos ali uma pela outra independente de qualquer
coisa. Estive ali quando seu ex noivo quebrou seu coração e foi
embora deixando-a grávida, e ela esteve ali por mim quando eu tive
todas minhas desilusões amorosas.
Estive ali estourando o champanhe quando ela ganhou a
promoção dentro da Drake Co., e para segurar sua mão durante o
parto muito longo. Ela preparou festas surpresas para mim todas as
vezes que a revista recebeu prêmios e alcançou patamares incríveis
ao redor do país.
Demos um jeito até mesmo de jogar nossos capelos juntas
em algumas fotos na formatura, que não foi no mesmo dia, mas
resolvemos isso.
“Tá bem… não precisa secar minhas lágrimas e esconder
que estava com um baita sorriso quando eu entrei. O advogado tá
ganhando espaço. Só…”
“Não é necessário nenhum conselho”, corto ela, enquanto
Callie se desvincula dos meus braços e vai à procura de uma nova
garrafa de vinho na adega refrigerada que tem. “Michael e eu somos
só amigos, e você sabe muitíssimo bem disso. Estava falando com
Colton. O cara do final de semana passado.” Seguro duas taças nas
mãos e caminhamos até o sofá depois que ela tira a rolha. “Vem
sendo legal. Conversamos quase a semana inteira e ele parece
ainda ter interesse. É legal ter alguém pra conversar.” Dou de
ombros antes de me sentar.
“Ei!” Ela dá um tapa no meu braço. “Você tem a mim. Mas,
pelo visto, sua atenção anda bastante disputada.”
“Nem comece.” Reviro os olhos enquanto ela enche nossas
taças. “Sei lá, só parece que faz tanto tempo desde que estive com
alguém assim, tão espontâneo, que nem sei mais como é.”
“Pelo visto, ainda lembra sim.”
“Acho que depois de tantas tentativas frustradas, fico só
esperando o momento que essa também dará errado. Parece que é
mais questão de quando vai acontecer, e não se vai ou não
acontecer.” Bebo um gole e percebo que talvez já esteja um pouco
farta de vinho por hoje, coisa que nem mesmo pensei que seria
possível.
“Talvez precise parar de ser tão negativa, Bea.” Callie suspira
e deixa seus ombros caírem com o cansaço que reconheço em seu
olhar. “Veja só como tudo parece estar indo bem na sua vida nas
últimas duas semanas. Com a revista, sua amizade com Michael,
esse lance com Colton. Até mesmo começou a se cuidar melhor,
com as consultas”, ela pontua com um sorriso, tentando me deixar
mais animada.
“Muito disso foi pela entrada de Michael na minha vida.”
“É, mas talvez se não tivesse deixado ele entrar, pra começo
de conversa, nada disso estaria acontecendo.” Callista tem um bom
ponto. De certa forma, tenho boa parte em todas essas diferenças
que ele me trouxe. “Aproveite enquanto dura, se acha mesmo que é
questão de tempo para acabar. Eu não acredito nisso, mas… bem,
aproveite.”
“Vou tentar. E tentar pensar de forma menos negativa.”
“É bom mesmo.”
E com o sorriso que ela me dá, deito a cabeça em seu ombro
e deixo que Callie desabafe nos próximos minutos sobre seu
encontro ruim e tudo o que foi dito, e o que deveria ter sido dito mais
não foi. Faço meus comentários pontuais sobre como o cara foi
mesmo pouco simpático e ela se sente bem por todo meu
acolhimento.
Penso que as vezes sinto saudade de quando éramos menos
complicadas, mais jovens. Mas também amo as duas mulheres
incríveis que nos tornamos com os anos, apesar de tudo.
 

 
Olho-me no espelho mais uma vez e me sinto muito mais do
que bonita. Estou empolgada, acima de tudo. Uso uma blusa ombro
a ombro que expõem bastante pele. É uma blusa de seda pura,
branca com alguns detalhes floridos, solta na medida certa para
combinar bem com a calça jeans bem casual que uso, e tem
mangas longas para a noite fresca.
Pego meu celular e mando uma mensagem para Callie com
uma foto e ela elogia. É quarta-feira à noite, em qualquer situação
normal eu nunca estaria saindo hoje. É meio de semana e tenho
muito trabalho amanhã cedo. Mas não consegui negar muito o
convite de Colton. Por isso, me preparei e disse que não poderia
beber além de uma cerveja. Decido ir de carro só para não cair na
tentação.
Ele me chamou para um bar/restaurante não muito longe
daqui, onde gosta de ir e é um lugar tranquilo, com comida boa e
música ao vivo durante a semana. Me sinto estranhamente
confiante e tranquila sobre hoje. Faz mais de dez dias que estamos
conversando e gosto disso, gosto de conversar com Colton e ele
compreende meus horários complicados. Além disso, é bonito e tem
um beijo bom. E é divertido.
Fecho meu apartamento e rio sozinha pelo fato de eu estar
tão contente com hoje. Pareço uma adolescente idiota por causa de
uma coisa simples. Não uma mulher de vinte e sete anos, adulta
demais e que já passou por alguns relacionamentos falhos. Colton
parece meu primeiro namorado, comigo agindo dessa forma. Mas
não me importo. Quero fazer o que Callie me recomendou e me
apegar as pequenas coisas boas que estão acontecendo agora,
sem ter medo de que as coisas possam dar errado na próxima hora.
Preciso aproveitar enquanto ainda estão indo bem, porque
pode ser que elas deem errado em momento algum. Mas também
não quero deixar meu coração completamente desarmado. A queda
será bem maior se eu deixar isso acontecer.
“Você está muito bonita”, a voz de Michael soa rouca quando
ele fala isso e seus olhos parecem brilhar em minha direção, ainda
que ele não tenha nem mesmo o típico sorriso de canto nos lábios.
Ele parece cansado e mais cedo, quando fomos malhar,
comentou como o dia seria puxado.
“Obrigada.” Termino de virar a chave e jogo dentro da bolsa
antes de caminhar até ele. “Como foi seu dia?”
“Horrível.” E ele não parece estar fazendo nenhum exagero.
Passando a mão pelos cabelos curtos, Michael sacode a cabeça
levemente de um lado para o outro. “Mas não importa. Vai sair com
o ruivinho?”
“Colton, e sim. Vamos jantar juntos.”
“Pelo visto não terei mais que fazer meu caderno de dicas de
coach de relacionamentos.” Ele finge ficar triste com isso, mas noto
o pequeno sorriso que se atreve a crescer em seus lábios.
“Tão positivo sobre minha vida amorosa. Se soubesse meu
histórico, não seria tanto assim.”
“E você parece negativa demais. O que foi? Não gosta da
companhia dele?”
“Não é isso. Na verdade, eu até estou gostando bastante de
conversar com ele. É só que… mesmo querendo, não consigo ficar
cem por cento certa de que isso vai pra frente.”
“Beatrice, não pense sobre o que pode ou não acontecer
daqui um dia.”
“Você parece minha melhor amiga falando que devo
aproveitar o momento.” Reviro os olhos e Michael ri.
“Acho melhor você ir, não quero te atrasar ainda mais.” Ele
pressiona os lábios juntos e aponta o elevador com a cabeça sem
muito gosto.
Acabo mordendo a parte interna na bochecha, pensando em
talvez puxar mais um assunto antes de ir. Mas não sei se seria para
me acalmar um pouco mais da ansiedade do encontro ou
simplesmente porque não quero me despedir dele tão rápido.
Conversamos demais nos dois primeiros dias e… parece que
nossas conversas agora são curtas demais.
Dou um aceno, por fim. E dois passos para trás.
“É, acho melhor eu ir. Tchau, e bom descanso.”
“Obrigado. E você realmente está muito bonita hoje, Beatrice.
Aproveite sua noite”, Michael fala, antes de entrar em seu
apartamento, não esperando por mais e eu aperto o botão para
chamar o elevador, que se abre instantaneamente.
Sem pensar muito, entro e fito a porta fechada do seu
apartamento até que as portas do elevador se fechem e eu precise
me obrigar a apertar o botão da garagem. Entretanto, enquanto
dirijo, não consigo evitar pensar que essa interação pareceu
estranha e robótica.
 

 
Arrasto-me preguiçosamente para dentro da academia e
penso em fugir hoje. Estou cansada e foi uma semana boa, mas
lotada. É sexta-feira e penso só em uma banheira deliciosa, uma
taça bem cheia com um vinho bem caro, alguns petiscos igualmente
caros e um livro com um romance clichê que me fará pensar em
tudo o que eu não vivi, nem viverei.
Esses são os melhores.
Mas estou aqui, me alongando enquanto espero Michael
porque prometi a mim mesma que iria levar isso a sério e treinar três
vezes na semana tem me feito muito bem. Apesar de ter achado
muita loucura quando ele sugeriu isso, de fato me sinto mais
relaxada para começar o dia.
Claro que sexta pareceu um castigo na última semana e sinto
que pode parecer hoje também. Porque na sexta é o dia de entrega
e por isso vou bem mais cedo para a revista. Por esse motivo,
preferimos transferir os nossos treinos de sexta para a noite, assim
não teria que ser em um horário ainda mais cedo. Acho que Michael
ficou feliz com essa solução.
Mas quando termino de me alongar, ainda não tenho sinal
dele e vou para a esteira sozinha. Chego a me arriscar um pouco
mais veloz do que o normal e aproveito a academia vazia para não
parecer totalmente estranha com os cabelos muito arrepiados e
muito ofegante. Quando termino, bebendo um curto gole de água,
ainda estou sozinha e repito o treino de quarta, que ainda lembro.
Alguns pesos para melhorar meus braços flácidos, uns
aparelhos terríveis para melhorar e definir os músculos que eu
tenho, sim, nas pernas. Para finalizar um pouco de corda, o que é
uma coisa que eu gostava até Michael descobrir isso e incluir em
nosso treino como um cardio relaxante.
Só que não é mais tão relaxante assim.
Uma hora depois, estou sedenta pela água gelada que desce
quase dolorida pela minha garganta e passo a toalha pelos braços e
rosto. Ainda não está quente e a primavera até mostra seus sinais,
mas fazer todos esses exercícios sempre me deixa com a
impressão que estamos no auge do verão.
Entro no elevador e checo meu celular. Michael não mandou
nenhuma mensagem cancelando ou falando qualquer coisa. O que
me deixa um pouco preocupada porque ele falou que nos
encontraríamos hoje na quarta cedo e, bem, parece ser um viciado
nisso então não se esqueceria de treinar nem nada do tipo, ele não
parece desse tipo que esquece. Dou dois passos para fora do
elevador e fico no meio do corredor do nosso andar pensando.
Pensando até demais até que eu bufe por estar sendo tão
indecisa e marche na direção da porta do seu apartamento. Sei que
pode ser um simples esquecimento, que ele pode simplesmente ter
ficado ocupado demais. Mas me sinto melhor indo dar uma checada
nele, só algo rápido. Para ver se está tudo bem.
Bato na porta e escuto alguma movimentação lá dentro até
que ela seja aberta. Preciso conter minha expressão quando a
mulher, que parece ter conseguido muito bem captar toda a beleza
do mundo com seus olhos azuis feito o mar aberto, trajada em um
vestido que mostra bastante da sua pele clara e delineia
perfeitamente os seios fartos que têm.
Seu rosto é delicado e ela parece uma boneca com os
cabelos presos em um coque e a franja solta, desfiada acima dos
seus olhos. Ela é bonita demais e ainda está maquiada, bem-vestida
e com saltos. Parecendo uma modelo.
“Oie.” Volto a encarar seus olhos quando ela fala e não tardo
a ouvir uma exclamação de Michael ao fundo, o que me faz olhar
por cima do ombro da mulher e encontrá-lo na sala, com um bebê
no colo.
Ela não me é estranha e agora consigo ligar os pontos.
É a irmã gêmea de Michael.
“Oie!”, respondo, notando que minha demora não é muito
legal. “Desculpa, não sabia que Michael tinha visitas.” O que se
justifica um motivo bastante plausível para que ele não tenha
comparecido à academia hoje.
Estou um pouco perdida pensando sobre isso quando escuto
outra voz masculina muito conhecida me chamando.
“Beatrice! Quanto tempo.”
Matteo Drake parece o mesmo de sempre, apesar de
ostentar uma felicidade que há tempos eu não via em seu rosto
quando ele ainda era meu vizinho. Além disso, segura uma pequena
cópia de si no colo. A menina tem as bochechas coradas, os olhos
azuis profundos e os cabelos tão escuros quanto os de Matteo, mas
as semelhanças não param por aí.
Ganho espaço e um convite silencioso para que entre no
apartamento.
“Matteo! Nem mesmo sabia que tinha se mudado.” Foi uma
pequena surpresa no ano passado, quando descobri de uma forma
quase constrangedora que a mulher ao meu lado não era sua irmã
e, sim, a irmã de Michael, meu novo vizinho. Demorei um bom
tempo para conhecer o atual, o que chega ser engraçado já que
Matteo e eu sempre tivemos muito contato.
“Bea, eu esqueci completamente de te avisar.” A voz de
Michael se faz presente na conversa, e novamente sou trazida para
o presente. “Pelo visto já se conhecem…”
“Bem, eu morava aqui antes, mas pouco antes de me mudar
para Boston, Beatrice foi para…”
“Londres”, completo com um aceno.
Talvez tenha sido por esse motivo que acabamos nos
desencontrando. Passei uma temporada fazendo alguns estudos em
Londres antes de voltar, e pelo visto quando voltei tudo já estava
mudado.
A irmã de Michael faz um pequeno som compreensivo, mas
ainda parecendo confusa antes de estender a mão para mim.
“Sou Daphne.” O nome dela estava na ponta de minha
língua, só estava com medo de recordar errado.
“Nos conhecemos antes.” Acabo soltando com um sorriso,
apertando a mão que me é oferecida. “No elevador”, complemento
quando percebo que ela ainda não conseguiu se recordar.
“Certo, me desculpa. Gravidez e filhos nos deixam com a
memória um pouco ruim.” Não consigo evitar soltar um risinho,
porque Daphne tem uma ótima presença de espírito e percebo que
a situação está um pouco estranha para todos nós. “Desculpe, não
sabia que Mike tinha algo hoje, ele disse que tudo bem ficar com as
meninas.”
“Eu…” Michael começa junto comigo, mas sou mais rápida
em esclarecer as coisas, sem constrangimento para ele.
“Não tínhamos!” As palavras se atropelam um pouco,
entretanto consigo manter a compostura. Me repreendo pela forma
como minha voz sai e controlo uma careta por parecer tão insegura.
“Só… só acabei resolvendo passar aqui, para ver se tava tudo bem.”
Não é uma mentira total.
“Nós estamos malhando no mesmo horário”, Michael
acrescenta, e deixo um aceno suave com a cabeça, concordando.
Ele acomoda a menininha em seus braços com cuidado no
berço que está no meio da sala e depois de se olharem por um
tempo, fazendo com que eu me sinta ainda mais deslocada, Matteo
volta a se mover para levar a bebê em seus braços para a sala.
Daphne o acompanha com o olhar, como se ainda estivessem com
aquela conversa silenciosa e não faço nada além de continuar
abobadamente parada aqui.
“Acho que vamos indo”, Matteo diz, depois de beijar as
pequenas e pegar uma bolsa no sofá. Ele e Daphne ficam bem um
ao lado do outro enquanto se encaminham para a porta.
“É, temos uma reserva”, Daphne fala, e não sei bem se está
se lembrando do fato que iriam sair ou simplesmente comentando o
assunto comigo. “Espero que tenham uma boa noite.”
Cogito falar que, bem, nós dois não teremos uma noite e que
logo estarei de saída. Talvez eu devesse sair junto com eles e
causar menos constrangimento. Mas Michael acaba sendo mais
rápido que meus pensamentos e fala ostentando seu sorriso típico.
“Vocês também, aproveitem.”
“Qualquer coisa, nos ligue.” Matteo parece preocupado e eu
assisto a interação dos três de fora.
Os dois estão quase saindo quando Daphne se desvencilha
dele.
“Espere… vou dar um beijo nas meninas.” A acompanho com
o olhar enquanto ela deixa um beijo estalado nas filhas, limpando o
batom em seguida.
Daphne, estranhamente, me dá uma piscadela antes de se
despedir do irmão com um beijo no ar e finalmente acompanhar o
seu acompanhante até o lado de fora.
Pareço acordar de um transe quando a porta se fecha e
balanço a cabeça de um lado para o outro. Me sinto estranha e
muito, muito mesmo, confusa com tudo o que aconteceu nos últimos
minutos. Como uma espectadora com participação especial.
Michael me olha, esperando por alguma coisa e eu abro a
boca, puxando o ar e tentando organizar meus pensamentos. Aperto
meu celular nas mãos, pensando que talvez tivesse mesmo sido
melhor se eu tivesse saído pela porta junto com Daphne e Matteo.
“Eu… você não foi, não avisou, fiquei pensando que talvez
tivesse acontecido alguma coisa.” Meu tom é baixo e Michael se
aproxima um pouco, deixando um último olhar a bebê ainda
acordada, sentada e se divertindo com alguns brinquedos.
“Desculpa, eles chegaram um pouco antes do horário e fiquei
preso por aqui, além de ajudar o Matteo com algumas coisas para
hoje à noite e esqueci completamente do celular”, ele se explica,
mas dispenso o ato com um sorriso suave.
“Tudo bem, acho que nem eu seria capaz de prestar muita
atenção em outra coisa”, comento, apontando com o queixo para a
sala, onde as duas meninas estão.
“Olivia é a sentada, ela é muito mais agitada que Faith, que tá
dormindo. Elas comeram não faz muito tempo, acredito que Olivia
está lutando contra o sono antes de finalmente se render e
dormirem até às dez, ou onze se eu tiver mais sorte.” Seu sorriso
cresce à medida que ele fala sobre elas e admira duas. “Mas
deveria ter te avisado que eles estariam aqui hoje. Ainda não estou
muito acostumado com essa coisa de ir malhar com alguém e
esqueci completamente.”
“Está tudo bem mesmo. Para o orgulho do meu coach, eu
treinei mesmo assim. Repeti o treino de quarta e quase corri durante
dois minutos na esteira.”
“Temos um progresso por aqui”, ele brinca comigo, e antes
que eu possa falar muito mais, Olivia choraminga. Michael
rapidamente se coloca à disposição da sobrinha, trazendo-a junto
ao peito quando ergue o corpinho dela do chão. “Fico feliz que não
tenha simplesmente ignorado só porque eu esqueci.”
“Acho que tinha razão quando falou sobre a questão de
desestressar. O dia foi puxado, mas me sinto bem melhor agora,
como se tivesse conseguido deixar toda a loucura que essa semana
foi lá na revista. E tô odiando perceber que tinha razão.”
Michael ri baixo enquanto começa a ninar Olivia em seus
braços com muita naturalidade. Dá pra ver que ele realmente tem
muito apego as sobrinhas, não que eu tivesse duvidado disso.
Sempre percebi que constantemente troca mensagens com a irmã e
suas sobrinhas estão em todos os lugares de sua vida, no
apartamento, no computador, na tela do celular.
“Eu costumo sempre ter razão, gracinha. Se acostume.”
Balanço a cabeça, zombando dele e acabamos nos
acomodando em um silêncio. Novamente começo a perceber que
talvez eu esteja começando a passar do ponto por aqui e abro a
boca para me despedir.
“Prometo que tentarei não fazer isso de novo. Hoje foi uma
loucura. E obrigado por se preocupar e vir aqui ver como eu estava.”
Ele é mais rápido que eu, caminhando até ficar bastante próximo e
falando em um sussurro enquanto noto os olhos fechados de Olivia
em seus braços.
Ela parece pacífica e por certo ponto, compreendo. Deve ser
bastante confortável ficar ali, protegida e muito amada.
“Está mesmo tudo bem e… não sei, acho que é meu jeito.
Cogitei se alguma coisa não tinha te acontecido, fico feliz que esteja
bem. Mais do que bem, na verdade.” Sorrio largo, porque ele deve
mesmo estar em um momento de êxtase com sua pequena família
toda em sua casa.
“Quer ficar? Ainda não jantei e estava pensando em fazer um
fricassê essa noite. Adoraria uma companhia que não esteja
dormindo.” Seu riso é baixo antes que um beijo seja depositado na
cabeça da sobrinha. “Se não estiver muito cansada.” Seu
complemento é quase afobado e acho engraçado.
“Tem certeza?” Porque não quero ser a razão de qualquer
distração.
“Elas vão dormir até bem tarde, vão acordar para uma troca
pouco cheirosa, farão bom proveito das mamadeiras que Daphne
deixou, se agitarão por no máximo uma hora e depois é outro longo
sono até amanhã cedo.” A forma como ele pontua isso me faz
segurar uma risada. “Mas foi um convite.”
“Acho que vou aceitar então.” Dou de ombros e Michael me
dá mais que só um sorriso de canto. “De novo”, digo, lembrando do
nosso segundo encontro, quando acabei falando demais, bebendo
demais e me aproveitando demais do convite dele.
“Ok.”
“Só vou tomar um banho primeiro.” Torço o nariz, olhando
para minhas roupas de academia.
“Tudo bem.” Ele dá um aceno. “Irei te esperar e arrumar
essas duas no quarto.”
Dou um último aceno antes de finalmente me virar e
caminhar até a porta.
 

 
 
SINTO-ME BASTANTE ESTÚPIDO, muito mesmo. Além de um
péssimo… companheiro de academia? Bem, me sinto mal por não
ter lembrado de avisar para Beatrice que não poderia acompanhá-la
hoje. Uma simples mensagem bastava e até mesmo isso eu acabei
não conseguindo fazer.
Mas em minha defesa, Daphne e Matteo chegaram antes do
combinado e com toda a pressa de arrumar o apartamento de
Matteo para hoje à noite, até mesmo Chelsea deve ter ficado de
cabelo em pé pra conseguir cumprir todos os desejos do Drake.
Espero que ao menos Daphne diga sim para a loucura e que esse
maluco seja meu cunhado oficialmente até segunda-feira.
Isso ou teremos que passar um final de semana no hospital
porque é capaz de Matteo infartar se precisar de mais tempo até
colocar uma aliança de ouro pelo dedo da minha irmã e não consigo
entender muito bem a formalidade.
Vamos lá, eles têm duas meninas lindas, compartilham o
mesmo teto há mais de um ano, eu acho, e um casamento seria só
um papel. Todo mundo já os trata como casados.
Reviro os olhos porque sinto que deveria ainda ter uma
pitada de ciúmes sobre o fato do meu melhor amigo estar com a
minha irmã. Daphne sempre foi tudo de mais importante que eu tive
e agora essa lista acrescenta essas duas pequenas que coloco na
cama toda equiparada do quarto de hóspedes.
Talvez eu tenha me empolgado comprando algumas coisas
para fazer com que elas fiquem muito confortáveis aqui todas as
vezes que Daphne vem. Isso antes de Matteo e ela se firmarem de
fato como um casal e das visitas de Daphne no meu apartamento se
tornassem bem passageiras e com duração de poucas horas só.
Mas gosto de ver que elas estão seguras dormindo aqui.
Encosto a porta pela metade e começo a recolher os
brinquedos da sala quando Beatrice tenta a maçaneta e consegue
abrir a porta que deixei aberta para ela.
“Você voltou.” Porque parte de mim acreditava que talvez ela
não fosse voltar.
“Já falei que não faz meu tipo ficar iludindo ninguém,
Michael”, ela zomba em um tom baixo.
“Não precisa sussurrar, elas estão no quarto”, aviso,
enquanto termino de organizar as coisas na caixa. “Vai que queria
me dar o troco.”
“Não sou vingativa assim.” Ela faz um biquinho para mim e
balanço a cabeça. Beatrice se sente à vontade para ir diretamente
para a cozinha e se sentar em um dos bancos altos da bancada,
assim como fez na primeira vez que esteve aqui. “Preciso dizer que
estou morta de fome.”
“Vai me dizer que pulou alguma refeição importante hoje.”
“Talvez…” Ela faz uma careta e tento bancar o coach bravo,
como ela adora me chamar. “Desculpa, o dia foi realmente muito
cheio, mas tentei tomar aquela coisa que me falou, da loja aqui
perto, antes de treinar.”
“Um shake pré-treino”, falo, e ela concorda. “Deu tudo certo?”
Caminho até a cozinha e começo a lavar minhas mãos para iniciar
nosso jantar. Já cozinhei o frango mais cedo, só preciso desfiar e
fazer todo o resto.
“Sim, sempre dá. Mas também sempre fico nervosa achando
que não vai dar.”
“Quer beber algo? Tenho cerveja e um resto de vinho tinto,
suave. Só não posso acompanhar hoje…” Aponto para o corredor.
Daphne e Matteo provavelmente passarão a noite sozinhos e não
sou irresponsável de me deixar embriagar ao lado dessa mulher de
novo tendo duas bebês para cuidar.
“Tudo bem, acho que vou ficar em coisas não alcoólicas
hoje.”
“Como foi na quarta?” Não consigo me controlar de
perguntar, curioso sobre seu encontro com o ruivinho. Aproveito o
fato de estar focado na comida para não fazer uma careta quando
pergunto isso. Por algum motivo, não fiquei muito satisfeito quando
descobri que ela ainda fala com ele.
Provavelmente o tal Colton não é flor que se cheire e eu sei
disso de antecedência.
“Foi bom. Muito bom pra falar a verdade. Acredito que devo
isso a você…” Ah, pronto. Que ótimo. “…ele vem sendo uma
companhia e estamos trocando mensagens quase todos os dias.
Acho que minha primeira noite tentando algo natural rendeu bons
frutos.”
“Hum”, consigo falar, enquanto desfio o frango com um pouco
mais de agressividade que o normal e paro de súbito, respiro fundo,
jogando todo e qualquer sentimento que esteja motivando isso de
lado antes de continuar. “Legal”, me forço a dizer.
O silêncio se torna incomodo assim que preenche o ambiente
e Beatrice suspira nas minhas costas.
“Não tinha ideia que sua irmã e Matteo estavam juntos.”
“É, meio que aconteceu.” Viro-me e faço uma careta com
desgosto, Bea acaba rindo de mim. “Daphne ficou grávida e… eles
meio que foram ficando depois disso até ficarem junto de verdade.
Se tudo der certo, terminarão a noite noivos.” Levanto os ombros,
“Conheci ele quando morava aqui. Éramos amigos. Conheci
Brooke, também a fase… ruim do luto do Matt. Mas fiquei fora por
alguns meses. Ao que parece, foi bem na época que toda a
mudança aconteceu. Sempre torci pra que ele conseguisse se sentir
bem de novo.” Beatrice parece muito sincera, enquanto pego os
temperos para cortar e a olho de canto de olho, percebendo que
está com os pensamentos longe. “Fiquei feliz de ver ele hoje.
Parece tão… contente.”
“Ele está. Pelo menos é o que eu espero”, brinco, mas com
um bom fundo de verdade. “Daphne e ele fazem muito bem um para
o outro apesar de ter sido um começo complicado. Fico feliz pela
família que formaram, pela parceria que tem e por ver que o amor
entre eles é real.”
“Não ficou um pouco chateado no começo? Quando
descobriu que os dois estavam juntos.”
“Chateado nem começa a definir. Fiquei um bom tempo sem
falar com Matteo. Não era como se eles estivessem juntos mesmo,
fiquei puto por saber que o código mais básico da nossa amizade
tinha ido por água abaixo.”
“Vocês, homens, são tão chatos a respeito disso.”
“Foi o que ela e Rebecca falaram”, retruco, mal-humorado, e
Bea parece precisar de um momento para compreender o que falo,
provavelmente fazendo as relações entre as famílias. “Hoje em dia
parecem ter realizado algum sonho de amigas por estarem
oficialmente uma na família da outra.”
“Ok, não seja um chato. Não é como se não estivesse
adorando ser cunhado do seu melhor amigo.” Mas meu olhar para
ela parece traduzir muito e Beatrice me fita de volta com a
sobrancelha arqueada, muita confusão e curiosidade no rosto.
Talvez por isso, como sempre, eu não consiga me controlar e
faço algo que não é nem um pouco habitual para mim. Eu começo a
tagarelar um pouco sobre toda a situação.
 

 
Faith pareceu não se importar muito de estar no colo de
Beatrice quando as duas acordaram em choros cronométricos.
Claro que Olivia fez um barulho muito maior que a irmã.
Olivia ficou bastante entretida enquanto eu troquei a mais
nova e ignorou as tentativas de Bea de chamar sua atenção. Faith
ficou bem mais contente quando acabou nos braços da mulher e eu
lidava com a fralda suja e as risadas que Liv, que parecia achar
muita graça de tudo aquilo que tinha feito ali.
As meninas recusaram a mamadeira logo depois e preferiram
ficar no tapete da sala, sentadas conosco, enquanto se divertiam
com as muitas opções de brinquedos e mordedores. Mas não
demorou muito para que Faith esticasse seus bracinhos para
Beatrice e Olivia não quis ficar para trás quando se aninhou no meu
colo, cada uma com sua mamadeira na boca.
Essa função fez com que Beatrice acabasse falando sobre
sua afilhada e a relação dela com Isabelle, um pouco mais velha
que as gêmeas
“Acho que depois de tudo, elas duas viraram mais minha
família do que qualquer outro membro. Tirando minha avó, é claro.”
Um dar de ombros finda sua pequena história sobre como conheceu
Callista, sua melhor amiga, e tudo o que aconteceu com ela e o
noivo, ou partes do que aconteceu.
Seu celular vibra na mesa de centro e mesmo sem querer,
acabo pegando de relance de quem é a mensagem.
“Depois de tudo?” A curiosidade é feia, e motivada por uma
besteira. Porque quero que ela siga com a atenção na conversa. Em
mim.
Beatrice faz uma careta antes de tirar a mamadeira caída dos
lábios de Faith, que dormiu assim que terminou, e a coloca de lado.
“Meus pais morreram em um acidente quando eu tinha sete
anos, fui criada pelos meus avós desde então. Meus tios não foram
o melhor exemplo do mundo de tios, por isso não eram a melhor
opção para me criarem. Além disso, Katherine e eu nunca nos
demos muito, desde pequenas acabamos em pequenas discussões
e acho que até certa idade, nós duas dávamos o melhor para fazer
uma a vida da outra um inferno. Até que eu simplesmente desisti,
porque ela sempre seria melhor em todos os quesitos que eu mais
considerava importante.”
Deixo a mamadeira que tenho em mãos do meu lado quando
noto que Olivia já não está acordada para beber nada. Beatrice
acompanha o movimento antes de continuar.
“Então fiquei com meus avós. Meu avô foi o fundador de toda
a editora e provavelmente foi por causa dele sempre quis seguir por
esse rumo. Adorava ficar com ele, conhecer mais sobre todos os
processos. Meu avô começou com a revista de economia, depois
decoração, e então sobre economia e negócios. Moda foi o que
impulsionou o nome dos Oakles no mercado, e depois todas as
demais vieram, inclusive a de entretenimento, que eu chefio mais de
perto por gostar mais. Com quinze anos eu comecei a trabalhar lá
dentro, sendo assistente do meu avô, importunando outros
funcionários até virar também um nome lá dentro. Quando fui
escolher um curso nem tinha porquê querer outra coisa.” Ela faz
uma careta. “Teoricamente, Katherine e eu deveríamos ter ido
juntas, mas ela atrasou um ano no colégio e acabou entrando
depois em Administração de Negócios e não em Jornalismo. Meu
avô não falou muito sobre o assunto, era do tipo que sempre
apoiava qualquer que fosse as nossas decisões, contanto que a
gente fosse boa nisso. Ele cobrava um pouco, não posso dizer que
não. Acho que por isso acabei cobrando de mim muito também e,
felizmente, cumpri com todos os ideais que ele tinha para minha
vida.”
Um riso baixo escapa pelos seus lábios e ela afaga os
cabelos claros de Faith em seu colo.
“É engraçado porque nem posso mentir. Eu sempre fui a
favorita, fui como uma filha atrasada, a neta criada por eles. É
impossível pensar que eu não era a favorita e sempre fui muito feliz
no meu posto. Passei a vida ao lado dos meus avós e eles sempre
foram tudo o que eu tive de mais importante depois que meus pais
morreram, e independente de tudo, fizeram o seu melhor para
manter as lembranças dos meus pais vivas na minha cabeça. Me
formei com vinte e dois anos, quando estava prestes a completar
vinte e quatro meu avô teve um infarto que levou ele de nós. Toda
família ficou devastada, mas parte dela ficou só até descobrir o que
tinha no testamento. Meu avó era muito rico, além de ser dono de
uma grande companhia.”
“E você ficou com tudo?”, suponho pela situação atual das
coisas.
Ela torce o nariz e maneia a cabeça de um lado para o outro.
“É, teoricamente é isso. Sou a atual dona de tudo, é meu
nome que tá no papel e é a minha assinatura que faz e desfaz tudo.
Mas fazia um tempo que meu avô já não estava tão ativo e deixei
algumas coisas como estavam. Sou a dona de tudo, mas temos um
CEO responsável por cada parte, mantive grande parte dos
funcionários que já estavam nos cargos de antes.”
“E o resto? Sua prima, seus tios?”
“Minha tia sempre preferiu se importar mais com o dinheiro
do que com a forma como ele chega nas mãos dela, o que faz com
que nem mesmo seja uma ideia possível que ela e meu pai tenham
vindos dos mesmos pais, da mesma criação. O marido é um
usurpador barato e bem ruim, mas Katherine ganhou sua parte.
Comanda, muito mal, o setor principal da administração da editora.
Está um ou dois níveis abaixo da CEO da Oakles. Ainda está abaixo
de mim lá dentro e isso não agrada muito ela. Eu estou, ao mesmo
tempo, um degrau abaixo do CEO, por não tomar exatamente todas
as decisões, mas interfiro muito, entretanto também estou acima
dele, porque sou a dona, então processos importantes, demandas
grandes, contratos maiores, tudo precisa ser aprovado por mim
primeiro. Katherine odeia esse fato. Acha injusto e sempre faz o seu
melhor para tentar me provocar falando que eu interferi na decisão
do vovô.” Ela revira os olhos e eu não evito fazer o mesmo.
Pela forma como o cara foi descrito, não era fácil assim fazer
com que ele mudasse de ideia simplesmente porque a neta favorita
pedia. Negócios e família não se misturam bem depois de um tempo
no mercado, você aprende a lição.
“Então esse é o meu depois de tudo. Depois de perder meus
pais, Isabelle e Callie foram a melhor família que encontrei, isso
claro, tirando meus avós. Mas hoje somos só eu e vovó, e ela…
bem, ela gosta da sua paz, da sua rotina e de não ser incomodada
por coisas superficiais, como problemas da empresa. Mas adora
quando vou visitá-la como uma fofoca de família fresquinha.”
“A família da sua mãe?” Não consigo evitar perguntar, já que
o lado não Oakles nem mesmo foi mencionado uma vez.
Mas percebo que família é uma coisa bem complicada para
ela, porque novamente Beatrice faz uma careta de desgosto e me
apresso em desfazer a pergunta.
“Tudo bem, não precisa responder. Só fiquei curioso. Talvez
eu já tenha perguntado demais.”
“E eu falei demais”, ela brinca, sorrindo para mim e então dá
de ombros. “Quando meus pais se casaram, a família da minha mãe
não foi muito a favor, nunca cheguei a ter contato com eles. Depois
que meus pais faleceram, esse contato virou nulo.”
Não consigo evitar um pequeno choque pensando que
Beatrice não sabe o paradeiro da outra parte da sua família, seus
avós, possíveis tios, primos, nada. Nem os Laurent, nem os Davis
são exemplos de afeto e momentos fofos em família, mas ao menos
sei onde a maioria está e como está.
“Esse é o momento que você se expõe um pouquinho e não
me faz ficar mal por ter falado tanto.” Ela joga para mim, com uma
provocação no olhar e em um sussurro enquanto nos levantamos do
tapete com as meninas.
“Não falou demais”, pontuo, porque odeio quando ela se
repete nisso, como se não fosse eu quem quis escutar. Porque foi,
gosto quando ela fala, uma vez que eu não sou bom nisso, também
porque gosto de conhecer mais dela.
E do fato de ela estar se abrindo cada dia mais para mim.
“Não desvie do assunto principal. Acho justo me dar pelo
menos um pouquinho sobre você agora”, ela brinca, me olhando
como um cachorro abandonado, com um biquinho projetado nos
lábios. Apesar disso, sei que ela não acharia ruim se eu
simplesmente falasse que não.
Mas é impossível dizer não para ela, ao que parece. Por isso
acomodamos as meninas de volta na cama, e sei que só vão
acordar agora por volta das seis da manhã ou ainda mais tarde.
“É complicado”, começo, enquanto encosto a porta e deixo
uma pequena fresta. “Mas acho que nossos problemas parecem
meio que mínimos perto do que você já teve.”
“Não é assim que funciona. Cada um vai passar por suas
dores de uma forma diferente e isso não significa que uma dor é
maior ou melhor, ou mais importante que a outra. Cada pessoa
sente de uma forma, e essa forma é relativa unicamente para ela.
Não é só porque, sei lá, seus pais ainda estão vivos, mas são uns
babacas, e os meus estão mortos que os meus problemas são
maiores.” Não consigo evitar olhar para o topo da sua cabeça de
forma meio embasbacada, aproveitando que Beatrice caminha na
minha frente no corredor e não vai ver como eu pareço um bobo
ouvindo-a falar isso.
Tudo o que ela passou me faz ver o quão incrível ela é, ainda
mais do que já achava antes. Ela passou por muita coisa, ainda é
uma garota rica que teve um certo conforto enquanto crescia, mas
não sei como deve ser não ter ninguém, ou quase não ter ninguém.
Mesmo não tendo a família mais funcional do mundo, ainda são
meus pais. Ainda tenho um monte de gente que chamo de família,
com quem consigo ter conversas amenas em festas bem ocasionais
de família. Beatrice tem uma positividade ao olhar para o mundo
que me faz perceber que o mundo não a merece.
“Tudo bem…” Torço o nariz em uma careta e coço a nuca
enquanto a acompanho de volta para o sofá e Beatrice utiliza de
pouca distância quando se senta com uma das pernas para cima do
sofá, bem próxima de mim e me olhando de frente. “Meus pais se
conheceram meio que aleatoriamente, meus avós maternos são
franceses, por isso o sobrenome. Acho que eles acabaram seguindo
junto pela grande ambição de ambos em ter tudo o que não podiam,
em crescer independente de qualquer coisa. Não são tão diferentes.
Os Davis têm origem simples, meu pai sempre foi ambicioso demais
e isso o afastou dos pais, porque uma coisa é você almejar crescer,
outra é humilhar o seu passado e ser mal-agradecido por tudo o que
lhe foi dado. Eles não demoraram muito a abrirem o escritório juntos
e desde então fizeram de tudo para colocar o nome Laurent-Davis
no topo, se relacionando com políticos, pessoas de caráter nada
bom, empresários com empreendimentos ilegais, mas algumas
pessoas boas como o Theodore Drake e Cyrus Capri, e por algum
motivo foi nesse grupo de amigos que se assentaram.”
Beatrice me dá um aceno, provavelmente compreendendo
agora minha forte ligação com Matteo e até mesmo o fato de
sermos relacionados aos Capri.
“Daphne e eu não somos os mais almejados e desejados dos
filhos, ainda mais por sermos gêmeos, mas a gente se virou bem e
não manchou o nome como nossos pais temiam. Daphne sempre foi
um pouco mais rebelde, principalmente quando mais nova. Gostava
de ter um comportamento meio grosseiro em eventos só pra
provocar, sempre odiou esse teto de vidro no qual a gente vivia,
essa vida perfeita nos holofotes e tão distante fora deles. Nós mal
víamos nossos pais, estávamos sempre enfurnados na escola ou
então sozinhos em casa com empregados, nunca com eles. Às
vezes penso se eles somente não tinham outro lugar para ficar e
nem mesmo voltavam pra casa.”
“Credo, Michael, isso é horrível de pensar.” Ela acaba
segurando minha mão, porque apoio meu braço na guarda do sofá
para ficar um pouco virado de frente para ela também.
Dou de ombros.
“A gente passava dias sem ver eles, porque chegavam tarde
e saiam antes que a gente acordasse. Não seria uma teoria ruim.
Mas Daphne e eu crescemos bem, tínhamos sempre um ao outro e
isso nos bastava. Minha irmã sempre foi tudo para mim e agora com
minhas sobrinhas, sinto que finalmente nossa família é maior que
nós dois. Considerava meus amigos mais família que meus pais, via
meus amigos mais, eles sabiam mais de mim, até mesmo o que eu
gostava e não gostava enquanto meus pais nunca fizeram questão.
Tudo parece que foi piorando com a idade.” Ela me olha confusa,
parecendo nem mesmo notar o carinho que seu polegar faz nos nós
dos meus dedos. “Quando Daphne decidiu ir pra Boston, pra
Harvard, ao invés da NYU, eu a apoiei e falei que lidava com tudo
por aqui, mas meus pais não encararam bem a decisão e cortaram
bastante da mesada dela. Não deixaram de pagar a faculdade
porque seria vergonhoso se alguém descobrisse que Daphne
Laurent-Davis era uma bolsista. Mas não foi muito fácil pra minha
irmã, eu tentava ajudar como podia. Acho que tudo foi ficando pior
no contexto geral, os casos foram ficando cada vez mais sujos e
quando comecei a trabalhar mais a fundo lá dentro, fui descobrindo
uma podridão ligada ao meu sobrenome que eu… simplesmente
acho vergonhoso demais pensar.”
“Mas agora está à frente de tudo, não?”
“Sim, acho que sempre foi o plano para que eles pudessem
dar início a um novo projeto, um pouco mais ao norte do país
mesmo que ainda se mantenham por aqui. Estão fazendo as coisas
de longe e não duvido que seja uma empreitada… beirando o ilegal.
Não estou há muito tempo no escritório, meus pais ainda participam
de muita coisa, mas sei que com o tempo vão ir deixando cada vez
mais os casos por lá. Tenho tentado moldar as coisas, mas é
complicado, porque temos clientes que sozinhos pagam o salário de
metade dos funcionários por um ano inteiro só com o que deixam
dentro de escritório por proteção jurídica quando precisam. Não
posso simplesmente negar isso de prontidão e talvez acabar
demitindo muita gente, ficando com perigo de falir. Sei que soa
hipócrita, mas ainda gosto de certo conforto de vida. Entretanto, a
maioria dos casos agora são mais… são minimamente mais limpos.”
Não posso falar que são completamente ações do bem, com
pessoas totalmente inocentes, mas alguns clientes já não confiam
totalmente em mim para suas ilegalidades e buscam advogados
mais sujos, como meus pais. O projeto tem mantido os dois
ocupados o suficiente para não terem se metido nas mudanças que
venho fazendo.
“Acho que cada um tem mesmo seus problemas”, ela brinca,
com um meio sorriso e eu solto um riso anasalado. “Sinto muito por
tudo isso. Seus pais e o fato de eles parecerem péssimos pais.”
“Sinto muito pelos seus terem falecido quando ainda era nova
demais, e sinto muito pelo seu avô, ele parecia alguém muito
importante pra você.”
Acabo levanto meus dedos até sua bochecha, pegando uma
mecha grossa e macia do cabelo castanho que cai pelo seu rosto e
coloco-a vagarosamente para trás. Beatrice fecha os olhos por
alguns instantes e meu corpo quase estremece por algo que ainda
não quero chamar de desejo, mas sei que é.
Ela é linda e encantadora demais, e sorri de uma forma tão
bonita que sempre me sinto tentado a sorrir junto a ela. Faz mais ou
menos um mês que a conheço e sua presença em minha vida é
expansiva e muito deliciosa. Incrivelmente, Beatrice sempre me
torna uma pessoa falante e não tenho muito receio de contar a ela
coisas pessoais como as que acabei de contar.
Seus olhos me fitam de uma forma que tento evitar ao
máximo admitir que mexe comigo, mas é engraçado porque até
mesmo Raphael pareceu já perceber o quanto me sinto atraído por
ela e o quanto daria muito por algo a mais, por bagunçar só um
pouco a amizade que criamos. Odiaria que perdêssemos os
pequenos momentos que criamos ao longo desse curto período,
mas às vezes desejo fortemente que isso aconteça.
É engraçado porque acredito que talvez eu mesmo não
queira admitir o desejo que sinto quase ferver de uma forma
avassaladora quando meus dedos seguem em sua pele. Talvez eu
só queira negar porque ela não parece nenhum pouco interessada e
me sinto mal por fantasiar pegar essa mulher no colo e levá-la até o
inferno da minha cama ou poder simplesmente arrancar esse
inferno de camiseta larga que ela usa junto com o jeans que cola
perfeitamente em toda maldita curva muito gostosa que ela tem.
Talvez eu só tenha um pouco de orgulho e não queira admitir
que se eu pudesse, se ela desse algum mínimo sinal, a única coisa
que me impediria de fazer exatamente isso, de arrastar minha boca,
minha língua e meus dedos por todos os contornos dela, seria o fato
que minhas duas sobrinhas dormem há poucos metros. Mas isso
não faz com que eu tenha menos vontade de fazer isso em vários
outros momentos.
Não posso ser hipócrita porque não foi uma atração que
começou logo de cara. Ela fica engraçada quando está puta comigo
e fica tirando palavras da minha boca, mas foi quando ela falava
sem parar no meu apartamento, no primeiro dia que esteve aqui, e
eu fitava sua boca enquanto ela tagarelava sem parar que comecei
a pensar que adoraria beijá-la até que Beatrice não tivesse mais
muito fôlego para falar.
Talvez eu seja um puta bastardo por pensar nisso tudo. Mas
acho que deve ser alguma coisa que tenho dentro de mim.
Tenho vontade de me inclinar só para provocar mais um
pouco todo o tesão que vou acumulando no meio das pernas e não
sei se eu, ou ela acaba fazendo isso.
Mas Beatrice abre um sorriso largo, desviando os olhos que
noto que assim como os meus estavam nos seus lábios, os dela
estavam nos meus. Maldita falta de timing. Ela balança a cabeça e ri
baixo, se inclinando até apoiar a testa no meu ombro e a
proximidade entre nós é tanta que mal precisa de esforço para isso.
“Acho que consegui deixar o clima meio pesado com toda
essa conversa de família.” Ainda deixo minha mão escorregar pelo
seu rosto quando puxo seu queixo para cima de novo.
“Foi bom, conhecer essa parte sua. E fazia um tempo que
não falava sobre o assunto, acho que me fez perceber que meus
pais já não me afetam mais, pelo menos não da forma como me
afetavam quando eu era mais novo.” O que deveria ser óbvio,
porque já tenho vinte e cinco anos e estava na hora de superar toda
a ausência deles.
Bea dá um aceno, com o rosto ainda encaixado na minha
mão e então pigarreia, se afastando de súbito e parecendo estranha
repentinamente. Provavelmente falei algo errado. Ou agi como um
maldito filho da puta em algum momento, o que pode ser bem
provável.
“Acho melhor eu ir. Está tarde e você vai acordar cedo em
pleno sábado, deve estar querendo descansar também.”
“É”, permito-me dizer, porque ela já se levanta e pega o
celular da mesa de centro, juntando suas chaves também. “Deve
estar exausta”, meu comentário é meio baixo e não sei bem se ela
escuta. Sigo Beatrice pelo apartamento, com uma mão na nuca e
meio confuso com os últimos minutos.
“Obrigada de novo, estava delicioso o jantar.”
“Obrigado por me fazer companhia.” Abro um sorriso de
canto e ela é melhor nisso que eu quando sorri abertamente antes
de segurar a maçaneta da porta e abrir.
“Boa noite, Michael.”
“Boa noite, gracinha.” Mal penso quando solto o apelido, mas
vale a pena quando ela ri baixo e seus olhos se enrugam quando
faz isso, assim como o topo do seu nariz.
Isso é a última coisa que ela faz antes de balançar a cabeça
em negação e deixar o meu apartamento e eu demoro um pouco,
fitando a porta pela qual ela acabou de sair antes de finalmente
voltar aos meus sentidos.
 

 
 
E ME MOSTRANDO QUE EU PODIA, sim, me sentir ainda pior pelo
acontecido da semana passada, Beatrice me mandou uma
mensagem na sexta seguinte que me provou que mesmo ocupada
ela podia ao menos me dar um aviso sobre nosso treino. Coisa que
eu não fui capaz de fazer.
Apesar dela não ter falado muito a respeito do assunto e nem
mesmo ter deixado que eu me sentisse minimamente mal, era
impossível não lembrar que deixei uma impressão ruim há uma
semana. Mas a sorte é que Beatrice parece mesmo estar gostando
de toda essa história de academia e parece ter entendido o que eu
queria dizer sobre relaxar com os exercícios físicos e todas as
coisas que eles traziam para o nosso corpo.
 
Beatrice: Não vou poder te encontrar mais tarde hoje, achei
que conseguiria sair daqui até às 7, mas acho que não vai dar.
Michael: Tudo bem, espero que consiga resolver tudo.
 
Ela demora um pouco para me responder e com isso acabo
fechando o computador na minha frente, organizando minha mesa,
arrumando o processo no qual eu fazia algumas anotações e pronto
para finalmente ir almoçar a uma da tarde.
 
Beatrice: Eu também.
Michael: Já comeu?
 
Me vejo mandando em um impulso quando sua mensagem
apita na tela.
 
Beatrice: Desculpa coach, acho que não tenho muito tempo
de ser o orgulho de aluna hoje. Mas comi alguns biscoitos aqui da
minha sala e talvez eu peça algo depois, acho mesmo que eu vou
surtar hoje a ponto de nem mesmo sentir fome.
 
Reviro os olhos para a mensagem e guardo o celular no
bolso da frente da calça social preta que uso. Conjunto com o paletó
e gravata igualmente pretos e contrastando com a camisa social tão
branca que as vezes doíam os olhos ver todas juntas no closet.
Fecho minha sala e aviso Raphael que estou indo almoçar, e
espero que o escritório não pegue fogo nesse meio tempo. Com as
chaves do carro nas mãos, busco o endereço que preciso no
aplicativo de GPS e gosto ainda mais dessa coisa chamada internet
quando obtenho o que preciso em dois segundos.
Quarenta minutos depois, com uma embalagem
relativamente grande de papel pardo em uma mão, adentro o prédio
bonito recebendo alguns olhares. Ele é inteiro de vidro, ou pelo
menos as duas laterais e a fachada que pude ver até agora são
inteiras feitas de longas e infinitas janelas de vidros. Guardo os
óculos escuros no bolso da calça e não me sinto estranho no meio
de tanta gente igualmente engomada como eu.
A moça da recepção demora um pouco para achar as
palavras e me perguntar aonde desejo ir.
“Décimo quinto andar, Ex-Plain. Michael Laurent-Davis e vou
ir ver Beatrice Oakles.” E o nome parece ter impacto grande o
suficiente para que ela demore pouco para assimilar o que eu digo e
finalmente discar alguma coisa no telefone conectado ao seu fone
de ouvido.
A mulher fala algumas coisas e franze o cenho, e a conversa
parece demorar o bastante até que ela se volte para mim com um
sorriso, que dou o meu melhor para retribuir de forma simpática, e
liberar minha subida com um cartão de acesso.
Caminho a passos largos para aproveitar o elevador que a
recém chegou no térreo, aperto o botão e passo o cartão-chave
para que a caixa finalmente comece a se mexer em uma lentidão
enorme.
Ou eu estou com pressa, ou todas as coisas no edifício
Oakles parecem funcionar de forma lenta demais para o meu gosto.
Não preciso de muito para encontrar Beatrice. O andar está
bem vazio e assim que pisei para fora do elevador, fui recepcionado
pelos seus olhos castanhos firmes em mim, e suas sobrancelhas
arqueadas na minha direção. Ela me aguarda no que deve ser a
porta da sua sala. O lugar é bem amplo e parece com tudo o que eu
podia achar que uma revista de entretenimento deveria se parecer.
Poucas pessoas estão aqui, algumas comendo, outras
concentradas demais em seus computadores, mas todos acabam
direcionando um ou outro olhar para mim enquanto caminho em
direção a porta onde ela me espera. Tento segurar o sorriso
divertido porque não quero parecer provocá-la com meu ato e assim
que entro, ela encosta a porta atrás de nós. Seguro o saco alto o
suficiente para que Beatrice entenda minha visita e ela é quem
parece se controlar muito para não se desmanchar em um sorriso.
“Prometo que não vou te importunar muito, só achei que
poderia fazer o mínimo para que comesse decentemente. E tivesse
fome”, falo, enquanto caminho atrás dela na sala bastante ampla e
muito bem iluminada pelas paredes transparentes.
Quero observar tudo a minha volta, mas também não quero
parecer curioso demais, por isso só espero enquanto ela abre um
pouco de espaço na mesa e me convida para sentar, mas
permaneço de pé.
“Não precisava, eu iria me virar em algum momento.”
Eu já tinha visto ela com as roupas que costuma vir trabalhar
antes, mas vê-la em seu terninho, cabelo tão alto e tão puxado no
rabo de cavalo, sentada nessa cadeira que grita sua posição de
chefe por aqui, isso é bem diferente. Além do mais, Beatrice
também adere uma postura bem mais dura, séria, do que quando
estamos juntos em outros lugares.
Compreendo que precisa passar um pouco dessa seriedade.
“Não, você não iria.” E a forma como ela franze o nariz
quando falo isso me diz que realmente não iria. “Trouxe algo rápido,
para que não te atrapalhe.”
Encosto o saco na mesa e começo a tirar de lá a embalagem
e entregar para ela com o garfo.
“Claro que me taria um almoço assim”, Beatrice zomba, e eu
reviro os olhos.
“Temos alface, tiras de tomate e cebola roxa, temos azeitonas
pretas, palmito e grão de bico, e temos pedaços de frango grelhado.
E molho.” Tiro o molho de ervas de dentro do saco e coloco na
frente dela. “Tem tudo o que precisa, uma boa alimentação, mas não
fará com que você se sinta cheia e lenta para o trabalho. Não pode
parecer, mas é o almoço perfeito!” Aponto para ela, que acaba rindo
e balançando a cabeça em negação. “Mas trouxe isso também.”
Pesco a barrinha de chocolate lá de dentro.
“Deve ser o quê? 90% cacau?”, ela me provoca.
“Muito enganada, gracinha. Não sou tão ruim assim”, rebato,
empurrando o chocolate para ela.
“E o que mais tem aí?” Ela estica o pescoço, querendo
bisbilhotar o saco.
“O meu almoço. Também preciso comer.” Pisco para ela.
“Ok, então sente-se.” Ela indica de novo a cadeira.
“Não quero te manter longe dos seus afazeres. Vai que me
culpa depois por atrasar alguma coisa. Parece a típica workahoolic.”
“Obrigada”, ironiza, revirando os olhos e então pressionando
um botão na mesa. “Se quiser, vou adorar a companhia.” Escuto um
zumbido atrás de mim e me viro para a porta que passou da
transparência para um fosco quase branco. “Somos quase uma
revista de fofoca, todos adoram uma.”
“E eu sou uma fofoca?”
“Você é… informação demais.” Ela indica meu corpo inteiro
com um aceno quando finalmente me sento e não consigo não abrir
um sorriso. “Não precisa ficar convencido, como se não soubesse.”
“Não é porque sei que significa que não goste de ouvir da sua
boca.”
“Me faz parecer muito importante, além de ser bastante
narcisista.” Beatrice estala a língua em reprovação antes de abrir a
embalagem da sua salada. Seguro a resposta que pinica na ponta
da minha língua. “Pelo menos parece bonito.”
“E é deliciosa.” Pego meu próprio prato também, uma salada
parecida com a dela, e coloco na mesa.
“Sempre tentando me convencer a gostar das coisas erradas
da vida, como apreciar uma salada ou gostar de malhar.” Ela
balança a cabeça em negação, colocando uma expressão
decepcionada no rosto.
“Então sou total o estilo bad boy? Nunca fui taxado assim.”
Beatrice tenta conter o riso enquanto me fita, mas ela arqueia a
sobrancelha de leve. “Além de muito bonito, informação demais…”
Repito a frase dela. “Também corrompo as boas moças.”
“Ah, Mike, logo quando pensei que estávamos nos
conhecendo melhor.” O apelido, até então nunca proferido por ela,
sai como uma clara provocação quando um biquinho acompanha as
palavras e acabo passando a língua pelo meu inferior, puxando-o
entre os dentes em seguida com uma força extraordinária para
desviar a atenção de como ela ficava muito adorável com essa cara.
Porra.
“Não adianta mentir, Bea. Sei que não é uma menina ruim,
quebradora de corações, fria como o inferno etc., etc., etc.”, zombo
e ela suspira fundo, desmontando a postura e tombando no encosto
da cadeira.
“É, de fato. E acho que o inferno seria quente, a expressão
seria fria como o inverno.” Sua correção é tão despercebida
enquanto ela começa a mexer na salada, finalmente pegando algo
com o garfo e colocando na boca. Bea solta um gemido baixinho
que mostra que provavelmente estava com mais fome do que
pensava.
É, na verdade a expressão seria que ela é quente como o
inferno. Pra caramba quando geme baixinho assim por causa da
porra da maldita salada.
Caralho.
Foco.
Baixo os olhos, quase envergonhado pelos meus
pensamentos e feliz que ela não pode escutá-los. Ou talvez fosse
bom se ela escutasse, talvez tivesse alguma mínima ideia sobre
qualquer coisa, seja lá o que fosse.
Reviro eu agora a minha salada, pensando que tenho fome
de outra coisa e me sentindo bem escroto quando meto uma
garfada cheia na boca. Mastigando a alface com um pouco de raiva
para me livrar dos meus próprios pensamentos.
“Achei que você não tivesse algum apelido. Parece um cara
sério demais para ter apelidos.” Seus olhos me fitam por cima da
salada que ela segura enquanto descansa contra a cadeira,
esticando as pernas por baixo da mesa, como posso ver pelo vidro.
“Er… é algo que pegou desde mais novo, todo mundo me
chama assim o tempo todo. Os meus amigos mais próximos, gente
do nosso círculo social”, explico para ela. Mike pegou como um
chiclete nas pessoas, eu era criança ainda e desde então poucas
vezes ouvi alguém me chamar de Michael que não fosse a trabalho.
“Acho que vou aderir o apelido, parece que tira um pouco
essa sua cara de sério e fechado.” O deboche é claro como o dia e
Beatrice parece adorar me provocar.
“Nem pense nisso”, balbucio, e ela ri pelo nariz antes de
voltar a comer. “Gosto que me chame pelo meu nome.”
Seus olhos voltam para mim, quase confusos pela demora
entre uma frase e outra e ela deixa um sorriso de lado.
“Você é uma pessoa de muitos gostos e desejos, vou precisar
pensar com carinho sobre quais desejos irei acatar.”
Poxa, se eu jogasse toda a lista para ela, será que ela
pensaria mesmo com carinho quais iria me proporcionar?
“Cuidado para não me deixar mimado.” Pisco para ela, que ri,
negando com a cabeça.
“Você já é mimado!” Ela aponta o garfo para mim. “Roupas de
mimado, comportamento mimado, um narcisista total…”
“Nossa, passou bastante tempo admirando para listar tão
bem meus defeitos, quer ajuda?”, debocho, e ela se cala, revirando
os olhos como tem o hábito.
“Como não me deixou chegar na parte dos elogios, vou
guardá-los para mim.”
“E tinha elogios?”, pergunto tendencioso.
“Você gosta mesmo que falem bem de você, tadinho. As
garotas não fizeram isso o suficiente enquanto estava na escola?”
Sua provocação é presente de novo, mas preciso dar de ombros
para essa, voltando a mexer na minha salada desinteressado.
“Honestamente, não.” Sua sobrancelha super arqueada me
diz que a resposta passa longe de ser o suficiente para ela. “Isso
não era um problema, só pra deixar claro, mas eu era um pouco…
deixado de lado. Você mesma já deve ter brilhado os olhinhos para
o Matteo antes de pensar em mim. É o efeito do cara e infelizmente
até mesmo a minha irmã perdi pro babacão do Drake…”
“Ele é seu cunhado!”
“Não muda muita coisa. Mas é isso. Além de todo o, sei lá,
físico dele, tem a parte que Matteo é mais velho. As coisas
mudaram pra melhor quando fui pra faculdade.” Deixo um sorriso
malicioso nos lábios só porque sei que ela vai fechar a cara para o
meu comentário e segundo depois que mostro os dentes para ela,
sei que não estava errado. “Mas foi isso. E já te falei, gosto quando
me elogia.”
“Acho que já te deixei um pouco muito mimado”, ela pontua,
deixando a embalagem quase vazia na mesa de volta. “Vou buscar
água, quer?” Afirmo com a cabeça e ela levanta da mesa,
arrumando a roupa antes de sair.
Termino minha própria refeição e coloco no saco para jogar
no lixo depois. Meu relógio aponta que não está tão longe do fim do
meu horário de almoço, mas um dos prazeres de ser seu próprio
chefe é que se voltar um pouco atrasado, ninguém vai me olhar feio.
Se alguma emergência surgir, Rapha me liga. Não que eu pretenda
usar muito mais do tempo de Beatrice, mas talvez eu precise de
algum indicativo para ir embora por pura vontade.
Estou olhando alguns detalhes da decoração, como os
quadros de uma das paredes laterais da sala, cheia de quadros com
honrarias, fotos de pessoas recebendo prêmios e na prateleira que
exibe alguns deles ao vivo para mim ali, quando escuto o som da
notificação. Não preciso de muito para saber que não é meu, ou
para saber exatamente de onde é.
Preciso me forçar para não bisbilhotar quando barulho soa
pela segunda vez e logo Beatrice entra na sala. Ela me oferece o
copo de vidro e bebo alguns bons gole do conteúdo.
“Achei que estivesse com o ruivinho”, comento, não querendo
ter nenhuma pretensão com isso, quando ela pega o celular nas
mãos e acaba parecendo um pouco animada com o que vê. “O
barulho de notificação é típico. Pensei que, estando com ele, tinha
desativado o aplicativo.”
“Eu tinha, mas não estamos mais juntos.” Ela dá de ombros,
voltando a me encarar. “Ele conversou comigo… ontem, anteontem,
algo assim. Estávamos indo bem e ele não achou muito justo
porque ainda… rola alguns sentimentos com a ex dele. E ela
mandou mensagem esses dias, ele se sentiu um pouco mexido com
tudo e preferiu que a gente se afastasse, para não fazer nada de
errado, nem comigo, nem com ela, e nem com ele mesmo. Achei
até bonita a atitude, sabe? Teve a coragem de vir e me dizer a
verdade. Espero que, se nada der certo, ele volte a entrar em
contato. Ainda estou nos melhores amigos dele do Instagram e ele
respondeu os meus de hoje.”
Não sigo Beatrice no Instagram.
Colton segue, tanto que até comenta nas coisas dela!
E ele provavelmente também deve estar na droga dos
melhores amigos dela.
Dou um aceno.
“Uma pena, ele é um cara legal. Também é bom de…”
“Não, acho melhor não. Fico só com o cara legal mesmo!”,
interrompo-a, porque a última coisa que preciso é ouvir qualquer
descrição de sexo entre os dois.
Eu preciso de sexo, deve ser por isso que tenho estado tão
tenso.
“Ia falar que ele é bom de papo, gosto de conversar com ele”,
ela rebate, bufando. “Por isso acabei voltando de novo para o
aplicativo.”
“Já deu uma melhorada nele? Pra achar caras menos
terríveis?” Seus olhos me fuzilam e dou risada. “Hoje mais tarde,
que tal? Faço algo para o jantar e ainda te ajudo com isso.”
“Convite tentador, Mike. Mas a) não preciso de ajuda, e b)
vou viajar amanhã cedo pra Los Angeles então não posso.”
“Los Angeles?”
“Trabalho, tem uma cobertura pra ser feita em um evento que
acontece lá até terça. Inclusive, não vou estar aqui segunda, então
só quarta irei no nosso matador, mas adorável, treino matinal.” Dou
um aceno. “Isso me lembrou que preciso confirmar as reservas, se
já foram feitas e o jantar de domingo com o… com alguém
importante.” Ela se corrige no meio do caminho, me dando um
sorriso amarelo. “Desculpa, é uma fonte muito importante e não
quero arriscar nada.” Acabo rindo, levantando as mãos.
“Tá tudo bem, entendo um pouco disso. Espero que ao
menos consiga extrair algo bom.”
“Extrair é tão pesado, tinha mesmo que ser um advogado.
Obter informações através de um delicioso jantar, com uma bebida
cara da preferência da fonte, e com uma noite de hospedagem no
melhor hotel de Los Angeles, é assim que prefiro falar.”
“Informação cara.”
“Crucial eu diria.”
“Você quem tá cheia das palavras que o pessoal usa lá no
escritório agora.” Finalizo minha água e deixo o copo na mesa.
“Acho melhor eu ir então, já que tem mil coisas para verificar.”
“Não foi a intenção te mandar embora, mas tenho algumas
coisas mesmo.” Bea sorri sem graça, mas suavizo a minha
expressão, para ela compreender que não há nada de errado em
precisar trabalhar, “Obrigada! Por vir até aqui, pra trazer meu
almoço…”
“E sobremesa.”
“E sobremesa, e por me fazer companhia por alguns
minutos.”
“Acho que sou eu quem estou te deixando mimada”,
constato, e ela solta um riso baixo.
“Gosto disso.”
“Eu também”, deixo escapar. “Até quarta, sendo assim”,
emendo rapidamente, antes que ela tenha tempo de me olhar com
aquele cenho franzido de sempre.
“Até.”
 

 
MICHAEL MAL TEM TEMPO O SUFICIENTE para virar a esquina
do corredor, depois de deixar minha sala, quando Katherine adentra
o local e suga, instantaneamente, todo o meu bom humor. Levanto
da mesa para levar o saco de papel pardo, com as embalagens
vazias, até o lixo maior no canto da sala e deixo os copos no
aparador perto da porta.
Os olhos que Katherine me seguem de um lado ao outro
enquanto ela anda vagarosamente pela minha sala, com a
curiosidade estampada no olhar e provavelmente algum
pensamento maquiavélico na cabeça.
“Diga logo o que quer.” Jogo para ela sem muita paciência
para seus joguinhos. Estou ocupada demais e não pretendo utilizar
meu tempo não livre com ela, como fiz com Michael.
“Quanta grosseria, Beatrice.” Seu tom tenta ser magoado,
mas Katherine nem sempre é uma boa atriz. “Não sabia que estava
com um novo advogado.” Claro que Katherine Oakles não deixaria
isso passar.
É óbvio que ela o conhece.
“Não estou com um novo advogado.”
“Meus olhos não mentem e eles repararam bastante na
figura…” Tenho certeza que ela quer adjetivar a figura de Michael
pelo sorriso malicioso que ela dá, mas se controla. “De Michael
Laurent-Davis saindo desse escritório há meio minuto.”
“Sim, mas ele não estava aqui como um novo advogado.” Eu
sei que poderia sim dar a informação completa para ela, mas sou
infantil quando estou com minha prima e gosto da surpresa em seu
rosto, assim como gosto de saber que consegui provocá-la
levemente com essa informação.
“Interessante… Achei que um homem bonito daqueles só
entraria aqui contratado.” Como se estivesse esperando seu
momento, Katherine destila seu veneno.
Não respondo, porque não me darei o trabalho de dar
qualquer incentivo para que ela continue. Mas Katherine não pensa
assim.
“Ou talvez você tenha alguma informação bem guardada a
respeito dele…”, ela fala, e preciso de muito para só respirar fundo,
e olhar para seus cílios batendo como se fosse algum anjo, para
retrucar com a mínima educação.
“Estávamos almoçando junto, Katherine. Pare de ficar
inventando coisas na sua cabeça, você nunca foi muito criativa e
ambas sabemos disso.” Ela engole em seco, provavelmente sua
raiva, porque a falta de criatividade sempre foi um ponto
fundamental para fazer o vovô ver que ela não tinha um bom perfil
para comandar qualquer uma das revistas.
“Almoçando juntos? De fato, comer é algo que você faz bem.”
Hoje ela parece bastante inspirada. “Mas fiquei bastante curiosa
com a sua proximidade com ele. Lembre de comentar que tem uma
prima que vale a pena de fato, diferente de você.”
“Não deveria ser uma boa noiva? Seu mau-caratismo está
atingindo esse nível? É bem baixo, até mesmo pra você, Katherine.
Além do mais, Michael é um advogado, não biólogo para estar
interessado por víboras.” Tento meu melhor sorriso falso enquanto
sua expressão parece ofendida com meu comentário e sinto um
pingo de felicidade por atingi-la assim.
Tenho vontade de falar que somos amigos, bons amigos, até
mesmo a ponto dele vir me trazer meu almoço hoje, mas me
controlo. Porque Michael não merece ser usado para uma
provocação, e porque não quero mostrar a ela tanto assim sobre
nossa relação.
“Tinha algum objetivo de fato ao entrar aqui?” Não é possível
que ela desceu do andar da chefia até aqui só para ser uma grande
vaca.
Mas eu não duvidaria.
“Tem alguns documentos que precisa assinar antes de ir
viajar, é urgente! Mandei no seu e-mail mais cedo, mas não viu pelo
jeito. Aqui estão.” Ela deixa uma pasta fina em cima da minha mesa
e com o movimento, ambas notamos a chave deixada ali. Sou mais
rápida que Katherine ao puxar o pequeno molho para mais perto.
“Retorno o documento em meia hora, vou só dar uma lida e
devolvo.”
“Por Deus, Beatrice, só assine.”
“E foi assim que você criou uma fatura gigante de canetas
personalizadas que a gente nem precisava e eu precisei arrumar
sua cagada”, murmuro, começando a olhar os papéis. Dou uma
olhadela de esguelha para ela, só para pescar seu olhar irritado e
indignado por eu ainda jogar isso na sua cara.
Mas eu estava em Londres, e precisei me desdobrar para
desfazer esse acordo ridículo e nos levou alguns bons milhares de
dólares. Bons milhares de dólares em canetas. Por uma
inconsequência dela.
Sem mais nenhuma palavra, Katherine faz questão de bater
os saltos com força no chão enquanto marcha para fora do meu
escritório e toco o botão para deixar a parede de entrada novamente
transparente e acessível para os funcionários. Espero até ela virar
na direção do elevador para pegar meu celular, mas mal
desbloqueio o aparelho quando Michael entra de volta.
“Conversa amistosa?”, ele pergunta com deboche, apontando
para trás. Provavelmente encontrou com Katherine no meio do
caminho.
“Ela foi um doce, como sempre.” Pego as chaves do canto e
jogo para ele, que captura no ar. “Parece que está meio esquecido
hoje.”
“Seus elogios me afetaram bastante.” Michael pisca e preciso
soltar um riso fraco, disfarçando qualquer constrangimento que me
surge quando suas provocações são naturais assim.
“Adoro alimentar seu ego narcisista.”
“Achei que era um dos meus defeitos que você tinha listado”,
ele rebate, e eu finjo pensar um pouco.
“Acho que podemos colocar na lista de um dos defeitos que
eu gosto até.”
“Gosta até”, ele devolve, fingindo ofensa. “Vejo você na
quarta, Beatrice. Mande notícias e não se envolva com ninguém da
máfia só para conseguir informações exclusivas.” Michael aponta
para mim, rindo com sua própria fala, enquanto anda de costas até
a porta.
“Jurava que podia contar com um bom advogado amigo
nesses casos, mas tudo bem, vou seguir seu conselho.” Dou de
ombros. “Até quarta.”
Ele se vira e sai do meu escritório, me deixando quase com
um sorriso bobo no rosto, mas dou o meu melhor para me focar o
quanto antes nos papéis importantes na minha frente, que preciso
assinar e voltar logo para a análise de algumas questões para o
fechamento.
 

 
“Às vezes acho que você é louca” Callie soa, ou grita, pelos
altos falantes do carro que dirijo pelas ruas amanhecidas de Los
Angeles.
“Pode, por favor, não gritar. Meus ouvidos doem, minha
cabeça doí e até meu corpo também está dolorido.” É óbvio que isso
faz com que Callista ria tão alto que eu faço questão de abaixar o
volume do som. “Não ria, eu tenho muito pra fazer hoje, preciso de
um bom café da manhã e disposição.”
“Beatrice, o que aconteceu com você? Estou bastante
contente, mas um pouco chocada também. Isso é a influência do
seu novo amigo, com certeza.”
Sei do que ela está falando porque sei que é verdade. Não
queria admitir isso, porque de certa forma fico pensando que talvez
tenha passado vinte e sete anos da minha vida tendo uma vida
amorosa terrível e bastou a chegada de um cara para mudar tudo. E
eu não aceito isso muito bem. Gosto de pensar que Michael só me
deu um empurrão e que todo o resto fui eu sozinha, mas não sou
certa quanto a isso.
Mas de uma coisa ele tinha muita razão.
Homens se sentem atraídos por mulheres que exalam mais
confiança e isso faz hoje ser um péssimo dia para minha antiga eu
que exalava muita insegurança sobre si mesma, sobre seu corpo,
sobre sua personalidade e todo o resto. Sim, sempre me amei o
suficiente, mas sempre soube o meu lugar no mundo e sempre
soube que deveria me manter contente com certos caras.
Sempre tive na minha cabeça coisas como as que Katherine
disse para mim há não muitos dias, que homens como Michael
nunca ficaria comigo a não ser por algum contrato, que eu nunca iria
atrair homens tão bonitos assim. Mas, bem, desde que começamos
a malhar juntos, ele me mostrou que vou além de precisar um corpo
magro dentro do padrão e que a confiança pode fazer maravilhas
com uma pessoa.
Inclusive deixou claro que é através dela que muitos homens
que não valem tudo isso, acabam virando tudo isso. Confiança é a
chave, e eu ganhei um pouco dela depois de saber dessas coisas.
Mudou a forma como as pessoas me olham, e é incrível o que uma
simples mudança de comportamento pode fazer.
E eu nem mesmo estava querendo isso. Honestamente, foi
ótimo, mas não me sentei naquela mesa pensando em acabar no
quarto do modelo.
Iremos deixar que ele siga na incógnita, já que ainda é uma
fonte muito preciosa e que me contou muito mais do que eu
esperava sobre os rumores dos bastidores da grife do qual foi
modelo por cinco anos. Depois de uma incrível conversa cheia de
detalhes sobre tudo isso, engatamos em uma conversa boa, sobre
coisas que iam além do trabalho.
E quando eu finalmente passei a bebericar minha taça de
champanhe, bebida da preferência dele, acabamos em um convite
para sua suíte, mais champanhe, menos peças de roupa pelo
caminho, sua boca em muitos lugares e uma noite bastante agitada.
Fui pega de surpresa por isso, não posso mentir, mas foi delicioso e
acordei hoje resmungando para o despertador, precisando me
desvincular do corpo quente e nu do modelo que se debruçava
sobre mim.
“Talvez.” Jogo de volta para Callista que ri do outro lado da
linha. “Mas foi… uau, nem sei o que dizer. Ele não tem nada gigante
como aquelas sungas justas deixam parecer, mas tem um produto
que sabe muito bem como usar. Callie, acho que eu gozei umas…
três ou cinco vezes essa noite. Estou me sentindo exausta, e
dolorida. Acredito que tive a minha cota de sexo pelo ano.” Exausta
pelas transas e pela noite mal dormida em meio a cochilos e novas
rodadas, e dolorida porque fazia um bom tempo que minha vagina
não se encontrava com um pau tanto assim.
“Não, não e não. Acho que só está meio fora de grande uso,
e o melhor remédio para curar essas dores é justamente fazer um
uso maior da sua amiguinha aí.” Dou risada da forma como ela fala.
“Belle está por perto?”
“Ainda não gosto de discutir a sua vida amigável, e a grande
virada que ela sofreu nas últimas três semanas na frente da sua
afilhada.” É a minha vez de rir e isso traz uma dor aguda para minha
cabeça. “É bom, sabe? Tira toda essa tensão que você tem
constantemente. Pode descontar a raiva nisso.”
“É, quem sabe. Mas não sou raivosa, nem frustrada. Só que
foi divertido, nunca tinha tido uma aventura assim, foi diferente de
tudo.”
“Finalmente chegaremos na fase Beatrice pegadora?”
“Não, nem pensar. Preciso manter o foco no que importa,
inclusive preciso estar pronta daqui quarenta minutos para uma
reunião on-line e, veja só, estou há quinze minutos do hotel ainda.”
Solto um gemido frustrado quando percebo isso ao olhar para o
painel do carro, onde o GPS está conectado para me dar as
coordenadas. “Mas não seria má ideia ter algo incrível assim mais
vezes.” Dou de ombros, ainda que minha melhor amiga não possa
ver.
“É, eu concordo. Quando voltar, anote a receita porque posso
gostar de ter algo assim as vezes também, nem precisa ser com a
frequência que você tá tendo, aceito algo menos que isso.” Reviro
os olhos, parando em um sinal. “Vou deixar você focar no trânsito,
preciso vestir Belle e ir para o trabalho. Beijos, se cuide e não caia
por aí em muitos modelos, pelo menos espere algumas horas para
se recuperar.”
“Achei que estivesse me incentivando justamente do
contrário”, comento, debochada, pisando no acelerador quando a
luz verde acende. “Beijos, amo vocês.”
“Mande notícias.”
“Você também.”
Não demora para que eu escute um barulho de que a ligação
foi encerrada e foco nas pistas largas, que vão se enchendo quanto
mais me aproximo do hotel e o dia vai amanhecendo em Los
Angeles e preciso me desfazer do sorriso contente e muito satisfeito
pela noite de ontem que se mantém nos meus lábios. Não preciso
que a cidade inteira saiba que tive uma noite de muito sexo.
 

 
Minha volta para Nova York é agitada a ponto de eu chegar
cancelando algumas coisas, como meu treino de quarta cedo com
Michael, todos os meus agendamentos no salão, na manicure e até
mesmo precisei falar para Callista que não seria apta a ir buscar
Belle hoje para ela. O que foi uma tristeza porque eu estou sentindo
falta da minha afilhada e poderia usar de algum tempo com toda a
calmaria que ela me traz.
A entrevista com o modelo mexeu bastante com o
fechamento mensal da revista, porque nosso site estava a todo
vapor com as novas notícias e a revista física precisava ser fechada
hoje se quiséssemos colocar ela nas bancas amanhã de manhã,
adiantando o nosso dia de tiragem e chocando um pouco mais.
É nosso intuito com tudo isso. Queremos chamar atenção,
para nós, para nossa revista, para a entrevista, para essa edição.
Suspiro tão fundo que meus pulmões doem com o ato e foi
um suspiro contente porque envio o arquivo e recebo o e-mail de
confirmação. Amanhã cedo, Ex-Plain, esperançosamente,
encontraria seus leitores de bocas abertas.
Eu amo essa sensação. Não só de dever cumprido, mas de
um dever muito bem-feito.
“Acho que, apesar de ser quarta-feira, merecemos um dia de
folga.” Anne-Marie me olha com um brilho quando digo isso, mas
acabo rindo e fazendo uma careta. “Infelizmente, para os social-
medias, essa folga precisará ser adiada. Não podemos dispensar
vocês depois de soltar uma bomba.” Apesar de saber que eles
serão os que mais sofrerão qualquer coisa amanhã. “Logan,
relações-públicas também ficará. Podemos acordar com sábado e
segunda de folga, quem sabe?”, oferto, com um sorriso, começando
a fechar meu computador na mesa central do escritório.
“Mais do que ótimo”, Gregory me responde.
“Qualquer emergência, me liguem. Além disso, nada de
viagens ou loucuras. Mantenham seus celulares por perto e atentos,
se qualquer coisa for preciso, a folga vai ser cancelada”, alerto
todos, não acredito que nada vai requerer isso, mas sempre é bom
manter a todos a postos, mesmo na folga. “Até sexta, estão
dispensados.” E ganho muitos sorrisos e suspiros cansados
enquanto todos começar a desligar tudo e guardar seus pertences.
Volto para a minha sala e organizo as minhas coisas,
fechando as cortinas, desligando tudo e pegando minha bolsa
pesada demais. São mais de oito da noite e mando uma mensagem
para Callista, avisando que tudo correu bem e que amanhã posso
passar o dia com Isabelle. Recebo sua resposta positiva para que
eu pegue ela a tarde, depois do primeiro período na creche.
Nem mesmo sei o que desejo depois de hoje, mas mesmo
cansada, não tenho sono o suficiente para pensar em ir para a cama
mais cedo. Talvez uma garrafa de vinho, alguns mojitos, cervejas,
qualquer bebida com álcool, uma comida deliciosa e meu sorvete de
cookies favorito.
Com esse pensamento, passo na conveniência próxima do
prédio primeiro, pegando três potes médios antes de finalmente
entrar na garagem com o carro. Me apoio na parede do elevador
enquanto espero que ele suba até a cobertura e assim que as
portas se abrem, não consigo não sentir o aroma incrível que toma
conta do corredor inteiro.
Dou um sorriso involuntário, tão involuntário quanto minhas
pernas que me guiam até a porta que não é a minha. Fico parada
ali, pensando se devo ou não bater na porta e pareço um pouco
boba demais precisando pensar muito para tomar essa decisão. Ele
talvez esteja com visitas. Sua irmã, alguma mulher, amigos. Nunca
se sabe e não quero ser estranha e atrapalhar isso.
Mas, ao mesmo tempo, fico pensando que parte de mim está
com… saudades da presença dele. Da sua forma de falar pouco, de
contar aos poucos cada coisa, ou até mesmo das provocações. O
sorvete provavelmente quase derrete enquanto me demoro tanto
pensando sobre isso.
Escuto a música que vem do lado de dentro do apartamento
e é um country que não conheço muito, não esperaria isso de
Michael e solto um riso baixo antes de finalmente levantar a mão e
bater na porta. Cogito simplesmente sair correndo, mas não o faço
porque sei que, se ele abrir a porta e eu não estiver ali, de qualquer
forma Michael saberá que fui eu. Ninguém entra sem permissão no
prédio e dividimos o andar.
“Oie!” Ele parece animado ao me ver e por alguns segundos
estranho isso.
“Oie…” Franzo o nariz e ele me olha com estranheza. “Serei
muito interesseira se disser que o cheiro está delicioso e queria
saber se não posso, talvez, roubar um pouco do seu jantar?” E
então, para tentar me sentir menos boba, levanto a sacola que
tenho em mãos. “Posso oferecer a sobremesa.”
Ele sorri largo, e é tão bonito que chega doer. Michael tem
àquele sorriso que te tira do sério, capaz de fazer você se
apaixonar, ficar molhada e se derreter inteira como uma boba. Ele
não sorri largo assim com frequência, costuma me oferecer sorrisos
de canto, que são provocativos e atraentes, mas seu sorriso grande
ilumina seu rosto, que tem aquele ar de mistério.
Michael seria o bom tipo bad boy, com o ar de quem guarda
todos os segredos do mundo, com os olhos azuis como o mar e tão
profundos quanto, com o sorriso de canto que te deixa querendo
saber mais, com o cabelo bem curto e até mesmo quando está com
suas roupas despojadas ele pode ser um bad boy muito bom. Como
agora, que está com a camiseta preta levantada até os antebraços,
porque uma corrente de ar frio vem de dentro do apartamento, a
calça jeans da mesma cor.
Mas sei que se olhar mais para baixo, ele estará descalço,
porque é assim que prefere ficar em casa.
“É uma oferta tão tentadora que não posso deixar passar
assim.” Ele levanta os ombros antes de abrir passagem para mim e,
sem me demorar, adentro do apartamento que tenho quase tanto
conhecimento quanto o meu.
Claro, são semelhantes na disposição de paredes, mas tenho
ficado aqui tanto que conheço o apartamento dele muito bem.
E me dou conta disso enquanto caminho até a sala e deixo
minha bolsa no sofá, além de tirar os saltos ali também.
“Eu estava vendo o jogo, mas entrou no intervalo.” Ele aponta
para a TV, onde um jogo de beisebol acontece no mudo. Ou no caso
os melhores lances passam no mudo.
“Oh…”
“Eu não sou o maior fã do mundo e nem é o time que eu
torço, não precisa fazer sua mente fazer… isso.” Ele aponta para
minha cabeça e dou risada, porque estava mesmo começando a
pensar em muitas coisas, como o fato que estou atrapalhando.
“Como foi a viagem?”
Me sento no sofá como ele indica e relaxo pela primeira vez
no dia.
“Bem, muito bem inclusive. Espero que nossa capa esteja em
todos os sites, notícias, em tudo amanhã assim que sair. A exclusiva
que eu tinha foi muito bem, bem demais…” As palavras morrem na
minha boca com um sorriso malicioso que não prevejo. Michael
volta, me oferecendo um cenho franzido e uma taça de vinho, que
aceito de bom grado. “Foi uma boa viagem.” Levanto os ombros e
ele aceita. Michael leva os potes de sorvete para a cozinha e volta
de lá com duas taças de vinho.
Deixo meu corpo afundar no sofá quando o jogo volta e a
televisão sai do mudo. Apoio minha taça na mesa de centro e foco
meus olhos na tela quando um silêncio confortável se instala entre
nós dois.
A próxima coisa que sei é quando os dedos de Michael
passeiam pelo meu ombro e fazem cócegas no meu nariz antes da
sua mão agarrar meu ombro com mais firmeza.
“Beatrice.” Ele tem uma voz baixa e suave. “Acorda.” Abro
meus olhos, mas logo pisco e solto um gemido com reclamação da
luz. “O jantar está pronto, ou se quiser, posso te levar até seu
apartamento.”
Solto um bocejo curto e balanço a cabeça em negação.
“Não”, verbalizo. “Nem sei porque caí no sono, não estou
cansada assim.” A explicação também é para mim, porque não
compreendo como acabei dormindo. Respiro fundo e me sento
melhor no sofá. “O que fez? Nem perguntei antes.” Ele se coloca de
pé e me oferece sua mão, que eu aceito.
“Lasanha de frango desfiado com molho branco.” A resposta
faz com que eu solte um suspiro desejoso e esfomeado enquanto
sou levada até a mesa de jantar e Michael até mesmo puxa a minha
cadeira antes de se sentar ao meu lado.
“Estou me sentindo mal.” Torço o nariz e ele ri, pegando os
pratos para nos servir. “Me auto convidei para comer aqui e ainda
por cima dormi na primeira oportunidade em seu sofá.”
“Deve ter sido um dia cheio”, ele comenta, colocando o prato
na minha frente.
“Mas eu nem estava tão cansada assim!”
“Meu sofá é convidativo.” Michael pisca para mim antes de se
sentar e não consigo evitar o riso que me escapa. “Bom apetite.”
“Estou faminta e você só faz coisas deliciosas.”
“Você não sabe nem metade”, ele fala tão baixo que acabo
me virando com a boca cheia para ele.
“Hum?”
“Nada.” Com um aceno de mão ele dispensa o assunto e fico
me perguntando, enquanto como se ouvi direito e o que isso pode
significar. “E então, você e o ruivinho não se falaram mais?” Sei que
a pergunta é a contragosto e dou risada, balançando a cabeça
negativamente.
“Temos trocado uma mensagem ou outra, mas nada demais.”
Dou de ombros, pegando uma nova garfada e colocando na boca.
Colton e eu temos trocado mensagens pelo Instagram uma vez ou
outra, mas nada significativo. Como se fossemos meio amigos
agora. “O relógio voltou a rodar a toda velocidade agora”, brinco
com a situação.
“Como assim?”
“Tenho pouco mais de duas semanas para encontrar um par
para a festa de noivado oficial.”
“E ia convidar Colton?” Michael parece quase indignado, mas
eu só afirmo com um aceno, porque parece óbvio. “Mal conhecia o
cara.”
“Mas até lá estaríamos bem mais conhecidos um do outro”,
retruco. “Às vezes penso que você nem quer que eu ache ninguém,
com esse pensamento positivo sobre meus envolvimentos.” Bufo e
ele parece bem mais interessado em mim do que no prato agora.
“Envolvimentos? Com s? No plural?”
Pressiono os lábios, não que eu queria esconder isso, mas
não tinha pensado muito sobre falar sobre o que rolou em Los
Angeles para Michael. Não queria omitir, porém foi algo tão uma vez
na vida e outra na morte que nem pensei muito sobre.
“Não é que eu não queira isso, foi justamente pra esse papel
que me candidatei, de tentar te ajudar. Mas às vezes eu só penso
que… sei lá, você tem um gosto duvidoso”, ele se defende, voltando
a dar atenção para o seu prato de comida.
“Não tenho um gosto duvidoso.” Deixo um tapa em seu braço
só por supor isso, “E ok, eu entendo. Mas preciso… me arriscar
para tentar achar alguém minimamente aceitável para o papel de
acompanhante.”
“Você merece alguém que seja mais do que minimamente
aceitável.”
“E você constantemente diz coisas assim e não…” Balanço a
cabeça quando percebo como a continuação seria muito ridícula e
impulsiva, ainda que tivesse um fundo de verdade.
“Eu não…?”
“Deixa pra lá.” Dispenso o assunto com a mão, e mesmo que
Michael não pareça feliz, eu volto a comer e fico em silêncio.
 

 
Algum tempo depois, quando voltamos para o sofá após lidar
com a louça e com um pote de sorvete para ser dividido, o clima já
não é mais o mesmo mal-humorado que se instalou na mesa e me
inclino na direção de Michael para alcançar o pote, que ele segura
como se fosse só dele e as vezes puxa para longe do meu alcance,
como agora.
“Pare com isso, foi você quem sugeriu dividir.”
“Sim, para que você no fim da noite esquecesse eles aqui em
casa e sobrasse mais para mim.” Michael mal consegue conter o
riso enquanto quase deito em cima dele para conseguir alcançar o
pote, cada vez mais longe de mim quando ele mesmo se contorce
no sofá para fazer isso.
“Achei que fosse para que não derretesse rápido.” Bufo,
tentando reprimir a risada que arranha minha garganta. “Além disso,
não deveria ser do tipo maromba, todo cheio das coisas naturais e a
favor da alimentação 100% saudável?” Endireito-me de volta no
meu lugar e ele faz o mesmo.
“Achou errado, gracinha.” Ele finalmente deixa que eu volte a
comer o sorvete, chegando mais perto de mim e me passando o
pote. “Sou só gostoso e adoro uma academia, alimentação saudável
deixou de ser uma realidade faz um tempo. Adoro cozinhar.”
“Isso eu já notei.” Seu braço passa por trás dos meus ombros
no sofá e a outra mão segue atacando o sorvete. “Não é uma crítica,
mas sempre achei que fosse do tipo frango grelhado e batata-doce.”
Ele gargalha alto e eu reviro os olhos para conter minha
própria risada com o que falei.
“Tem uma ótima imagem das pessoas que malham, hum?”
Levanto os ombros como resposta e ele abafa o riso. “Era mais
focado na escola e na faculdade, por causa do time. Mas hoje em
dia é algo que eu mesmo gosto de fazer então não preciso do
mesmo condicionamento físico que antes.”
“Se agora é assim, imagina como era antes”, debocho.
“Muito melhor, gracinha.” Ele dá uma piscadela para mim
antes de puxar a última colherada de sorvete do pote. Deixo minha
colher ali dentro e Michael faz o mesmo depois que esvazia a sua.
“Sempre foi assim? Com esse ego enorme? Duvido que não
tivesse isso na escola”, provoco, enquanto me inclino para deixar o
pote vazio na mesa de centro.
“Já disse que nem toda a vida foi rosas.”
“Deve ser difícil ser Michael Laurent-Davis, realmente.” Meu
deboche faz com que ele revire os olhos. “Sempre quis jogar?”
“Depende.” Franzo a testa para ele. “É bom, a sensação do
campo, do couro na sua mão, das marcas da costura na sua pele
pela força de segurar a bola, correr até seus pulmões doerem,
cruzar a linha para um touchdown, interceptar uma jogada de
contra-ataque, sentir o passe perfeito se encaixando na sua mão…”
“Pancada muito duras dos adversários”, murmuro, e ele ri.
“Sim, tem essa parte também. Isso é bom, toda a sensação
do campo, da energia do jogo, é indescritível.” Me viro melhor na
sua direção, escutando com atenção. “Mas acho que eu comecei
mais pelos outros. Todo mundo participava, por que eu não? Então
comecei e virou uma boa válvula de escape. Era um momento que
meu foco estaria totalmente naquilo e nada poderia interferir. Depois
acabei gostando mais do que o esperado e, de certa forma, eu era
até muito bom nisso.” Seus olhos focam ora em mim, ora em outros
pontos da sala, como se divagasse um pouco. Seus dedos descem
para meu ombro, correndo carinhosamente pelo tecido da camisa
social que uso.
“Nunca pensou em ir para o profissional?”
“Acho que nunca pensei sobre o assunto.” Ele levanta os
ombros. “Eu sabia onde era o meu destino, precisava me formar
para assumir a empresa e coisa do tipo, soube que não podia
sonhar muito com essas coisas. Ir para o profissional poderia ter
sido uma opção, mas nunca cogitei, não sei se teria conseguido um
draft.”
“Mas Daphne se permitiu sonhar um pouco além do que o
esperado.”
Sei que posso estar entrando em um terreno um pouco
movediço e que não devo, mas Michael deixa um sorriso para mim
que me tranquiliza. Sua mão sai do meu braço quando ele apoia o
cotovelo na guarda do sofá e apoia a cabeça na mão, se virando
quase de frente para mim no sofá. Ele parece pensar um pouco e
hesita antes de trazer sua outra mão até meu pescoço, afastando
alguns fios do rabo de cavalo que caem pelo meu ombro e toma
uma mecha entre os dedos.
Não consigo evitar fechar meus olhos por um tempo,
controlando minha respiração que quase fica irregular pelo mínimo.
Ele tem esse efeito estranho no meu corpo, talvez seja por ser
bonito demais, ter uma presença e tanto e ainda por cima ser um
cara muito legal, sensível e gentil. Michael poderia ter tudo o que eu
desejo, se não fosse por ser inalcançável demais.
“Sempre fui algo que Daph nunca será, sempre fui covarde
demais e me acomodei no lugar de fazer com que todos os sonhos
da minha irmã fossem realizados porque sempre foi mais fácil para
mim. Sempre tive a facilidade de deixar com que as pessoas
mandassem na minha vida como desejassem, meus pais, os
colegas, pessoas próximas. Não é exatamente culpa deles que eu
não consiga tomar as rédeas. Então sim, ela acabou seguindo os
sonhos dela e eu acabei ficando, não porque ela pediu, mas porque
eu sempre acreditei que ficando seria como um… apaziguador.
Meus pais ficariam satisfeitos porque eu sempre fui mais na minha,
sempre fui um filho mais perfeito do que eles consideravam Daphne,
seria uma boa distração para eles não encherem o saco dela sobre
ir pra Boston, sobre não querer trabalhar na empresa.”
“Mas ainda assim ela sempre quis fazer Direito”, constato.
“Ela sempre gostou da profissão, mas, assim como eu, nunca
foi muito fã da forma como nossos pais lidam com o assunto. Foi um
pouco da parte dos dois lados, ela não querendo eles e eles, de
certa forma, expulsando-a de fazer parte depois que formasse.
Tenho esperança que daqui a alguns anos isso mude, comigo no
comando. Matteo provavelmente não ficará para sempre em Boston,
apesar de eu achar que se ela pedir, ele ficaria. Mas acredito que
talvez daqui há dois ou três anos eles voltem para Nova York, e
gostaria que Daphne viesse trabalhar ao meu lado na empresa.”
“Espero que dê tudo certo”, é o que acabo falando, mesmo
que me sinta tosca com isso. Gostaria de usar os dedos dele, que
vagam pelo meu pescoço e ombro, ou se focam em uma mecha do
meu cabelo, como desculpa por não formar pensamentos bons e
coerentes.
“Era só uma pergunta sobre futebol, olha no que eu
transformei”, ele brinca, fitando meus olhos com tanta intensidade
dentro daquele azul que quase me perco.
“Gosto quando acaba me contando mais sobre você. Às
vezes eu acho que sou só eu quem constantemente tagarelo sobre
minhas coisas.”
“E eu adoro quando faz isso.”
Não sei há quanto tempo estamos assim, mas noto que
nossas vozes saem quase como um sussurro, um para o outro.
Estou há um palmo de distância dele, qualquer volume não é
necessário para que eu escute e preste atenção no que diz. Sua
mão faz um carinho gostoso no meu pescoço. Fecho os olhos e me
deixo apreciar enquanto seu toque arrepia meu corpo sem precisar
de muito.
Aprecio mais do que provavelmente deveria, mas ele não
parece se incomodar com isso quando dedilha pela borda da minha
camisa, quase entrando por ali e sentindo minha pele, mas voltando
para o meu pescoço e ombro por cima do tecido.
“Michael…” Consigo me ouvir dizer e penso, penso demais
até. Penso porque quero tanto isso, quero tanto que ele continue,
que faça mais, porque desejo ele ainda que eu queria negar. Mas
não quero ser só mais uma pessoa que passa pela sua cama sem
mais, não quero perder nossas noites, nossos jantares, nossas
manhãs na academia. Porque gosto de estar ao seu lado mais do
que quero admitir. “Não deveríamos…” Minha frase não termina e
quando abro os olhos, o azul que me encara é intenso, é cheio de
desejo.
“Não deveríamos ou você não quer?” Sua voz parece sair
com dificuldade e que pergunta mais difícil de se responder, porque
a gente deveria sim, e eu quero tanto. Mas talvez não seja o melhor.
Minha demora faz com que ele pisque e desvie o olhar de mim. Vejo
suas bochechas corarem um pouco quando ele começa a se
distanciar e, infelizmente, tirar sua mão da minha pele. “Desculpe…
eu não…”
Tomo sua mão na minha antes que ele possa estar longe
demais e volto ela para o lugar de antes, assim como vejo o desejo
voltar para os seus olhos quando Michael se volta para mim e só
consigo tocar seu rosto antes que um gemido me escape dos lábios
quando eles são tocados com urgência, pressionados com os dele.
 

 
 
QUERIA UM BEIJO QUE FOSSE DELICADO, queria poder sentir
tudo, cada gostinho, cada pequeno gemido que escapa pelos lábios
dela enquanto sou consumido por todo o desejo que toma conta de
cada partícula do meu corpo. Queria que fosse algo suave, gentil e
calmo, mas não posso fazer isso.
Simplesmente não posso.
Porque no momento em que meus lábios tocam os de
Beatrice, que são macios como o inferno, assim como eu sempre
imaginei todas as noites desde que fui tomado por esses
pensamentos, eu não consegui mais controlar meu desejo de
simplesmente beijá-la com toda a urgência que meu corpo pede.
Necessitado dela. Ansiando por cada pequeno espaço de pele que
meus dedos tocam. Delirando pelos dedos dela que se agarram em
mim com a mesma vontade.
Ela suspira quando minha língua busca pela sua, quando
provo o delicioso gosto de vinho misturado com o sorvete de
cookies que acabamos de comer. Quando seu gosto se mistura com
o meu, quando sua boca parece igualmente esfomeada pela minha,
como estou pela sua.
Suas unhas passam pelo meu couro cabeludo, já que
mantenho meu cabelo curto o suficiente para que ela não ache
nenhum fio para se agarrar. Solto um grunhido enquanto busco por
mais, porque Beatrice é perfeita pra caralho e preciso aproveitar
tudo o que ela pode me dar enquanto simplesmente não me
empurra para longe e fala que devo parar.
Contrariando isso e me deixando ainda mais desejoso, ela
faz o outro lado da moeda quando sua outra mão pousa em meu
peito, agarrando-se na minha camiseta e me puxando para mais
perto. Não tenho nem mesmo condições de negar, quero dar tudo o
que ela me pedir e tenho esperado por isso faz alguns dias.
Quero tudo o que for receber, quero dar tudo o que ela
requisitar.
Meus membros parecem pegar fogo e nunca me senti tão
ansioso assim pelo toque de alguém, pelo seu beijo, por tudo. Ela
choraminga contra os meus lábios quando aperto sua cintura,
trazendo-a o mais perto que o sofá permite. Separo minha boca da
de Bea e escuto sua respiração pesada, descompensada, quando
não me desatrelo de sua pele, beijando seu queixo e fazendo uma
trilha molhada e demorada pelo seu pescoço e até clavícula onde a
camisa ainda me permite.
O caminho reverso me dá alguns suspiros. Seguro seu lóbulo
da sua orelha entre os lábios e ela arfa, aperto sua cintura ainda
mais. Desço minha mão do outro lado do seu pescoço, percorrendo
seu corpo e deixando que meu polegar raspe pelo seu seio, por
cima desse tanto de tecido que ainda a cobre, até que eu a segure
dos dois lados.
Beijo seu pescoço, chupando a pele até que o vermelho seja
o suficiente para sumir no dia seguinte e descubro um lugar
bastante sensível, merecedor de atenção. Mas estou sedento pelos
seus lábios, porque desejei beijar ela talvez desde o dia que ela
parecia estressada, supondo coisas que não deveria na academia.
Naquele primeiro dia. Claro, foi uma atração carnal, instantânea,
porque eu tenho o corpo fraco para mulheres bonitas. Brava ainda,
pareceu melhor.
Mas o que acontece agora é diferente do que o que eu queria
no primeiro dia, muito diferente e infinitamente melhor. Beatrice
parece ser pega de surpresa quando tomo seus lábios nos meus de
novo, mas não recusa enquanto sua mão desce pelo meu abdômen,
traçando todo gomo bem malhado até chegar na barra e se enfiar
por ali.
Meu pau aperta, latejando duro pela proximidade e mesmo
assim quero me torturar mais, porque a tortura, essa tortura, com
ela parece incrível.
“Sobe no meu colo.” É um pedido, mas também parece uma
ordem dita contra os seus lábios. Ela hesita e eu sei porque ela
hesita, e isso é uma merda do caralho.
Aperto sua cintura mais um pouco, porque por mim eu
simplesmente a colocava sentada em mim o mais rápido possível e
posso fazer isso em meio segundo. Mas quero que ela suba, quero
ela com toda a confiança deliciosa que ela tem quando quer,
passando suas pernas ao meu redor, se acomodando em cima da
minha rigidez.
“Por favor”, sussurro em seu ouvido, aproveitando para
molhar sua pele macia com mais beijos.
Ela toma minha boca contra a sua e me beija de forma quase
grosseira de tão boa que é. Sua língua é desesperada pela minha e,
porra, é a melhor coisa do mundo. Nunca achei que beijar pudesse
ser tão bom assim. Beatrice finalmente começa a se movimentar e
auxilio ela a subir em mim. É audível sua arfada quando seu ventre
encontra minha ereção, mas acredito que nossos sons são
misturados porque também suspiro pelo toque.
Tão encaixado, tão perfeito que só me faz pensar que quero
me enterrar nela até ouvir seus gemidos gritando pelo meu quarto,
ou suas arfadas silenciosas. Porque quero descobrir se ela gosta de
fazer barulho ou se prefere gemer baixinho no meu ouvido.
Subo minhas mãos pela sua cintura até agarrar o tecido da
camisa e puxar ele para fora da calça. Tateio o primeiro botão e o
desfaço de casa devagar, esperando qualquer recusa porque tenho
tanto medo que a qualquer momento ela recuse. Porque quero isso
demais, que chega doer o desejo, principalmente quando meu pau
está tão duro dentro da calça que dói.
Vou me desfazendo de um após o outro até que sua camisa
se abra na minha frente e eu me afaste do seu beijo, porque preciso
vê-la. Beatrice, por um mínimo segundo, quer se cobrir, mas busco
pelos seus olhos e ela tira as mãos que seguram a própria camisa
fechada e se jogam para trás. Passeio minhas mãos pela sua
cintura, pela barriga que ela puxa em uma respiração e balanço a
cabeça com isso.
Ela é macia, é deliciosa de tocar. Roço na renda que cobre
seus seios, em um sutiã sem bojo, até chegar nos seus ombros e
escorrego a camisa até que ela caia no chão. Beatrice fecha os
olhos que consigo ver que ela está envergonhada.
“Eu quero beijar cada pedaço do seu corpo”, sussurro meus
pensamentos enquanto começo com os ombros.
Beijo seu ombro direito e subo até seu pescoço. Ela relaxa
dentro do meu abraço, já que mantenho minhas mãos ao redor do
seu corpo, fazendo-a ficar próxima de mim, mas nunca o suficiente.
Desço minha boca até o vale dos seus seios e ela se arrepia, até
que eu suba de novo, indo para o lado esquerdo e fazendo tudo de
novo. Suas mãos começam a puxar minha camisa para cima e só
tiro minhas mãos dela tempo o suficiente para que a peça vá para
longe.
Meus lábios voltam a tocar os dela e Beatrice fica mais
confiante nos meus braços quando começa com provocações, com
reboladas em cima de mim enquanto me beija com vontade. Ela
deixa suas mãos passearem pelo meu corpo, passa seus polegares
pelos meus mamilos e acabo soltando um gemido pelo prazer que
isso me causa. Consigo sentir seu sorriso entre o beijo e começo a
buscar pelo fecho do sutiã. Mas ela só ergue os braços e
compreendo quando começo a puxar a peça para cima.
Seus seios saltam na minha frente quando são libertados e
sei que meus olhos brilham, porque minha boca saliva e tomo só um
momento para olhar para ela antes de me inclinar tomar um na
boca, passar a língua pelo mamilo tão duro que acabo eu também
soltando um gemido quando toco ali. Sigo segurando-a pela cintura,
mas subo até que minha mão esteja preenchida pelo outro seio, que
encaixa perfeitamente, grande em minha palma, endurecido quando
meu polegar se arrasta pela ponta.
Sugo sua carne, puxo até que ela choramingue de prazer e
então passo meus dentes levemente pela pele rosa clara. Seus
mamilos são grandes, tomo toda a aréola rosada na boca até
chupá-la e inverter as atenções, lambendo o bico do outro enquanto
passo a tocar com o indicador e polegar no já molhado. Beatrice se
esfrega no meu colo enquanto me delicio com seus peitos, mas ela
também tem suas mãos por todo o meu tronco despido.
Até ela descer perigosamente e apalpar meu pau pelo tecido
da calça jeans. Afasto-me da sua pele, enlouquecido pelo simples
movimento e ela sorri com malícia. Apoio minhas mãos em sua
bunda, para firmá-la contra mim e tenho o intuito de me levantar,
mas acabo tropeçando na sua camisa nos meus pés e caímos de
volta no sofá.
Dou um gemido um pouco mais sofrido, já que sua queda no
meu pau duro não foi a mais delicada e Beatrice fica vermelha para
conter uma risada, levando as mãos para a boca e eu olho para ela,
mas apesar de querer, sua gargalhada preenche o apartamento e
eu acabo rindo junto.
“Desculpa”, seu pedido é sem fôlego quando ela começa a
sair de mim, mas prendo ela no lugar e escondo meu rosto em seu
pescoço, beijando o lugar apesar de só querer esconder a minha
própria vergonha.
Suspiro fundo, voltando a olhá-la e segurando seu rosto entre
minhas mãos. Ela está com a boca inchada, com alguns lugares
trilhados pelo vermelho que eu provoquei. Seu cabelo se bagunça
para fora do rabo de cavalo, mas ela tem um brilho no olhar,
provavelmente ainda achando graça da situação. Franzo o nariz,
com desgosto para a minha possível ansiedade tão gritante que me
fez ficar atrapalhado.
“Que foi?”, ela pergunta, passando o indicador pelas minhas
sobrancelhas.
“Eu só… consegui ser ansioso demais e quebrar o clima?”
Hesito, porque não sei bem se isso aconteceu mesmo, e eu não
quero que aconteça. Não perdi clima nenhum e isso fica bem
evidente para Beatrice, acredito eu. Porque à medida que admiro
seu rosto, traçando os dedos por ali, minha meia ereção volta a
crescer contra ela.
“E eu achando que estava me levando para algum lugar.” Ela
morde o lábio e não sei se tem a intenção, mas me olha enquanto
faz isso de uma forma tão sensual que fico abismado. Isso dá a
oportunidade de Beatrice conseguir se levantar do meu colo e tatear
o zíper da calça, que precisa de uma ajuda para escorregar pelas
suas coxas grossas.
Minha boca saliva porque quero colocar minha língua nela,
tirar essa calcinha de tecido preta que é alta até seu umbigo. Quero
ela com nada, quero total a sua pele clara, desprovida de qualquer
contato com o sol pelo inverno que acabamos de ver, que parece
igualmente macia como todo o resto dela. Fico ali, de boca aberta e
pau duro, parecendo um garoto enquanto ela ergue sua mão, me
oferecendo.
Não demoro a pegar, puxando-a contra mim quando levanto
e beijando sua boca antes de a trazer em um quase abraço pelo
corredor. Beatrice ri enquanto eu cubro seu rosto de beijos,
abraçando-a e parecendo feliz demais enquanto a levo até o meu
quarto. Sexo sempre foi sexo para mim, mas quero muito sexo com
ela, porque sinto que a atração que tenho por Bea é tão forte que
meu sangue ferve.
Beijo ela enquanto toco o interruptor, ligando as luzes
amarelas próximas da cama, só para deixar o ambiente um pouco
iluminado, quero poder olhar para ela, apreciar ainda mais a visão.
Afasto-me com tristeza quando preciso caminhar até o outro lado do
cômodo para pegar o controle e fechar as persianas.
“Pomposo”, ela me zomba antes de sentar na cama, me
olhando com tanta malícia que penso que vou durar meio segundo
se ela me olhar assim enquanto eu estiver dentro da sua boceta.
Ela está sentada na minha cama só com uma calcinha, que
pretendo fazer ir embora o mais rápido possível, com os lábios
ainda mais inchados que o normal, com o cabelo bagunçado e
desejando que eu faça dela uma bagunça ainda maior. Quero
aproveitar isso até o momento que ela vai dizer chega, porque sei
que esse momento vai chegar.
Me aproximo e seu rosto se inclina para me olhar de pé.
Seguro seu cabelo para me desfazer do elástico que prende os fios
e ela me ajuda. Uma cachoeira grossa castanha escura cai pelos
seus ombros, ainda marcados pelo elástico, e ela desvia os olhos de
mim por um segundo.
“Deita mais para cima”, peço, e ela obedece, me deixando
observar seu corpo se esticando seminu na minha cama.
Pego seu pé, apoiando um joelho na cama, e começo
beijando seu tornozelo, ela solta um risinho e faço de novo só para
ouvi-lo. Começo subir devagar, me colocando cada vez mais em
cima da cama, segurando suas coxas fartas nas minhas mãos e
ficando no meio das suas pernas. Quando me inclino e lambo a
linha onde sua calcinha começa a cobrir sua boceta, ela recolhe a
perna.
“Eu preferiria se você não fizesse isso”, ela fala, e eu a olho
com estranheza, mas só me levanto mais sobre seu corpo, beijando
seu umbigo e subindo devagar.
“Posso te tocar assim?”, pergunto, pairando a ponta do
indicador onde momentos antes minha língua estava. Tomo seu seio
direito na boca e ela solta um barulho antes de me dar um aceno,
confirmando. Mas sigo olhando para ela, com a sobrancelha
arqueada.
“Sim, quero que me toque”, a confirmação verbal é bem
melhor. “Com os dedos.”
“Estava pensando em te tocar com outras partes também”,
sussurro contra sua boca, quando me coloco no mesmo nível que
ela e aperto minha ereção contra suas pernas abertas para que eu
me encaixe ali. Beatrice solta um gemido baixinho antes que eu a
beije e suas mãos se agarram em mim.
Suas unhas arranham minhas costas de leve, me causando
arrepios e fazem o mesmo no meu abdômen, enquanto me apoio
em um dos braços na cama, abrindo espaço entre nós para descer
a mão livre pelo corpo dela, beliscando seus mamilos duros,
traçando sua barriga, até chegar no cós da sua calcinha. Enfio
minha mão ali dentro e ela arfa em resposta.
Sinto a aspereza dos pelos que estão começando a crescer
contra meus dedos, contra minha palma, até dedilhar o início da sua
fenda. Olho para ela e suas mãos apertam minhas costas e meu
braço apoiado na cama.
“Michael…”, ela pede em antecipação, e sei o que quer. Mas
gosto de apreciar o prazer vindo vagarosamente, a pequena agonia
deliciosa da ansiedade pelo toque.
Por isso vou devagar, meu dedo médio de demora para ir
além, mas fica complicado controlar o desejo quando sinto sua
carne úmida contra meus dedos, quando sinto seu desejo ali,
molhando meus dedos, pulsando pelo meu toque.
“Porra, Beatrice. Você precisava ser gostosa pra caralho
assim”, praguejo baixinho, contra seu ouvindo, antes de ocupar
minha boca em seu pescoço.
Exploro com paciência, que ela não tem muita, passando
meus dedos pela sua umidade, indo e vindo, quase indo até a sua
entrada, mas não o suficiente. Pressionando seu clitóris, mas nunca
por tempo o suficiente.
Perco eu a paciência com a peça e me levanto um pouco, me
livrando da calcinha preta e Beatrice geme com desgosto quando
meus dedos saem dela. Sinto minha pele fria pela falta com contato
com suas mãos, com seu peito, com sua boceta. Mas fico feliz
quando a calcinha escorrega pelos seus pés e deixa a cama, e eu
volto para minha posição de início. Daria muito para estar nesse
momento enterrado no meio das suas pernas, chupando-a ali como
chupo seu pescoço nesse momento. Como marco o topo do seu
seio esquerdo só pela vontade que tenho de estar no lugar dos
meus dedos, que arrancam um gemido contido dela quando volto a
tocá-la.
Giro meu polegar pelo seu clitóris e ela suga a respiração,
apertando meus ombros e fechando os olhos. Beijo a ponta do seu
seio e ela arfa, mas acho que também possa ser porque aumentei a
pressão nos meus movimentos no seu ponto pulsante. Desço minha
mão um pouco mais, danço com o indicador pela sua entrada, tão
molhada que me faz gemer também. Tocar Beatrice é delicioso,
melhor do que todas as punhetas batidas poderiam prever.
Nenhum orgulho por isso, mas era foda todo o tesão
acumulado alguns dias.
Sua umidade é convidativa para que eu entre nela com dois
dedos de uma vez e seu gemido é uma música gostosa para os
meus ouvidos. Seus dedos descem pelas minhas costas e ela
aperta minha bunda quando tiro meus dedos completamente só
para levá-los de volta, estimulando um vai e vem.
Ela agarra minha nuca com a outra mão e me leva até sua
boca, me levando a uma loucura extrema quando me beija quase
sem jeito pela urgência, me apertando contra si o suficiente para
que eu entenda o recado. Sua mão que invade minha calça e minha
cueca, fazendo o caminho da minha bunda até meu pau e o
tomando nos dedos também é um bom indicativo.
Quero soltar um xingamento baixo quando sua mão me
masturba, porque é bom demais e meu corpo está fervendo com o
toque dela. Beatrice não tem problema nenhum em empurrar
minhas peças para baixo entre gemidos e eu coloco meus dedos
dentro dela em uma estocada forte antes de me desfazer da sua
umidade para terminar de tirar a calça e boxer.
Pesco uma camisinha na mesa de cabeceira e olho para ela.
Minha confirmação vem quando ela toma o pacote das minhas
mãos, abrindo-o e jogando a embalagem laminada de lado, vestindo
meu pau com o preservativo enquanto só consigo admirar seu corpo
nu embaixo do meu. Me abaixo sobre ela e Beatrice me guia até sua
entrada quando eu torno a beijar sua boca. Puxo seu lábio inferior e
pela primeira vez na noite, dito um ritmo calmo enquanto entro nela
e, cada pedaço do meu pau que é tomado pelo seu canal, faz com
que um gemido baixo e prolongado fique na minha garganta.
Abraço seu corpo e seguro suas pernas até que ela se agarre
em mim completamente.
“Quero saber como você me quer”, a pergunta implícita é
feita ao pé do ouvido do seu ouvido, e mal reconheço minha voz
rouca pelo desejo enquanto entro e saio dela devagar, metendo
forte cada vez que entro, mas mantendo um ritmo lento.
“Mais rápido”, ela sussurra de volta, antes de deixar um beijo
no meu pescoço que faz com que eu feche os olhos pelo arrepio
que me percorre. Obedeço-a, porque é a única coisa que eu saberia
fazer de qualquer forma e acelero.
Beatrice geme baixinho, é silenciosa, mas seus gemidos são
feitos abafados contra minha pele, contra os meus lábios, no meu
ouvido, e quando sinto minhas bolas doerem com o orgasmo vindo,
dedilho meu caminho até seu clitóris e ela não segura o gemido alto
que sai pelos seus lábios quando começo a tocá-la. Porque quero
que ela goze comigo dentro dela, quero que ela goze também por
causa do meu pau.
Empurro meu pau para dentro, forte e lento, apreciando-a se
contrair contra mim, aproveitando para ir mais fundo cada vez.
Abaixo minha cabeça na curva do seu pescoço quando solto
um grunhido pelo ápice que me atinge com força e tenho poucos
segundos até conseguir erguer a cabeça para ver Beatrice se
arqueando embaixo de mim, me apertando em todos os lugares
possíveis que quase penso que posso ter um segundo orgasmo
repentino só pela forma como sua boceta se aperta contra meu pau.
Ela solta um choramingo demorado enquanto seu corpo para
de tremer e eu recupero o meu folego. Seus fios escuros se grudam
no seu pescoço e os tiro dali enquanto ela respira pesadamente.
Não quero sair daqui, não quero me desvencilhar dela, porque por
um lado tenho medo.
Um medo que estranho muito e prefiro manter escondido da
minha mente, para não precisar pensar sobre ele.
Um sorriso brota em seus lábios quando ela abre os olhos,
suas mãos param na minha nuca e deixo um sorriso de canto para
ela quando saio de dentro, sabendo que preciso ir descartar o
preservativo. Sigo dedilhando seu rosto por algum tempo até que
ela espalme meu peito.
“Preciso ir ao banheiro”, Beatrice anuncia, e eu finalmente
rolo para o lado antes de me sentar e me desfazer da camisinha,
puxando-a para fora e amarrando.
“Pode usar o meu.” Aponto, já de pé, para o recinto que me
dirijo. Descarto no lixo e aproveito para lavar minha mão na pia,
observando quando Bea vem atrás de mim. Tenho medo de falar
qualquer besteira, porque sei que ela percebe que eu a observo nua
dos pés à cabeça com um sorriso descarado no rosto. Ela, graças,
não parece ter muito intuito de se esconder. “Vou buscar água e
fechar a casa.”
É um pedido indireto para que ela fique aqui. Quando ganho
um aceno afirmativo, quero esconder o sorriso, para não ser tão
animado, e deixo o banheiro rapidamente enquanto ele cresce nos
meus lábios.
Desligo as coisas na sala e cozinha, fechando a porta e a
porta da sacada. Pego duas garrafas de água na geladeira e
quando volto para o quarto escuto o chuveiro ligado e a porta do
banheiro aberta. Deixo as garrafas na mesa de cabeceira.
“Posso me juntar?”, pergunto, me apoiando no batente da
porta e observando seu corpo molhado embaixo do meu chuveiro.
Seus cabelos foram presos de forma desjeitosa em um coque e ela
demora para se virar para mim.
“Talvez você devesse.” Seu sorriso é malicioso e meu corpo é
totalmente acordado por ele e por essa mulher nua embaixo d’água,
que me oferece a mão quando eu me aproximo e abro o box.
E quando eu a toco, e ela me toca de volta, sei que não
iremos só tomar um simples banho. Também sei que não tem
muitas chances de simplesmente deitarmos para dormir.
 

 
Beatrice dorme pacificamente do meu lado, de bruços da
cama, com a respiração pesada e um ronco leve, cansado. Meu
celular aponta que é cedo demais e que acordei quase no meio da
madrugada, porque são quatro horas da manhã. Mas meus olhos se
acomodaram com o escuro e me pego admirando-a, seu sono, seu
corpo com o cobertor até embaixo dos braços, cobrindo sua nudez.
Transamos mais duas vezes, no chuveiro e depois na cama.
Foi perfeito, e no fim meu corpo exausto só quis puxá-la para mim,
mas tive medo de não ser o que ela desejava. Então assim como
todos os demais momentos da noite, esperei para que ela me
dissesse o que queria.
Aproximo-me do seu corpo, aproveitando do seu calor e logo
sou abraçado, envolvido no seu aroma do meu sabonete, na sua
pele macia, nos seus dedos que depois param no meu peito quando
a envolvo nos meus braços. Beatrice suspira e deixo um beijo no
topo da sua cabeça antes de cair no sono de novo.
Quando acordo, sei que o sol já nasceu do lado de fora e o
despertador de Beatrice grita do outro lado da cama. Demoro um
pouco, assim como ela, para perceber o que devo fazer e, muito
contragosto, abro meus braços para que ela role para a ponta
contrária da cama e desligue o barulho.
Meu despertador nunca seria tão alto assim, ou cedo.
Mas ao invés de se levantar, ela só volta para mim, sonolenta
e com os olhos fechados, empurrando seu nariz no meu pescoço e
não nego nada quando volto a abraçá-la bem apertado.
“Não precisa ir trabalhar?”, sussurro rouco em seu ouvido,
porque ela entra antes que eu.
“Não, folga”, suas palavras são murmuradas contra minha
pele, e fico feliz por ter mais disso por uma hora. Amando a forma
como ela voltou para os meus braços mesmo depois de acordar.
Mas meu sonho americano dura exatamente isso. Só mais
uma hora. Porque quando meu despertador toca e eu infelizmente
não posso me dar o dia de folga, Beatrice e eu levantamos. Quando
saio do banheiro, ela já está vestida com as roupas de ontem,
bocejando enquanto pega seu celular e o sutiã, abandonado do uso
nessa manhã.
“Vou para casa”, ela diz simplesmente.
“Pode tomar café aqui”, meu pedido é mais fraco do que eu
gostaria. Ela me lança um meio sorriso e balança a cabeça.
“Acho que vou usar mais algumas horas de sono.” Seus
passos já começam a levá-la para fora do quarto e eu a sigo,
usando só uma boxer limpa que peguei antes de ir para o banheiro.
“Tudo bem.” Engulo em seco, engolindo muitas coisas para
suprimir nesse tudo bem. Ela junta suas coisas na sala e pega os
saltos nas mãos, já pescando as chaves de dentro da bolsa.
“Obrigada… por ontem e pelo convite do café.” Ela sorri,
franzindo o nariz. “Te vejo manhã.” Minha expressão deve ter sido o
suficiente para que ela arqueie a sobrancelha. “Nosso treino?
Mesmo horário de sempre ou…”
“Sim!”, me apresso em dizer antes que ela termine. “Mesmo
horário de sempre, a não ser que prefira outro.”
“Podemos treinar de manhã.” Dou um aceno. “Amanhã não
teremos o fechamento, já que foi ontem.”
“Ok.” Coço a nuca quanto ela toca a maçaneta depois de
virar a chave para destrancar a porta. “Qualquer coisa, me mande
mensagem.”
“Está bem. Tchau. Bom dia de trabalho para você.”
“Boa folga.” Consigo sorrir de volta quando ela o faz, poucos
segundos antes de sair e fechar a porta, me deixando parecendo
um grande bobo parado no meio do meu apartamento, sem saber
muito o que eu deveria estar fazendo agora. Sem entender muito o
porquê me sinto tão chateado com sua recusa e quase fuga do meu
apartamento.
 

 
Giro a garrafa quase vazia na minha mão e escuto as vozes
de Zach e Matteo debatendo sobre algo, mas minha cabeça está
longe demais para prestar atenção. Provavelmente é sobre o jogo
que terminou faz pouco tempo. Era uma reprise, porque não vimos
ao vivo e era o que estava passando no momento.
Trago o gargalo até a boca e seco em dois goles a cerveja já
quase aquecida, de tanto rodar nas minhas mãos. A conversa para
e demoro para perceber que os dois olham para mim.
“O que aconteceu?”, Matteo pergunta, e torço o nariz porque
não sei se quero ou não falar sobre o que rolou e o porquê de eu
estar tão aéreo, porque sei que estou aéreo. “Algo no escritório?”
“Não”, respondo, cogitando se falo ou não. “Aconteceu uma
coisa, só isso.”
“Tão específico que eu poderia até dissertar sobre o
assunto”. Zach zomba, pegando mais um amendoim e colocando na
boca. “O que aconteceu? E por que eu tô sentindo que isso é tipo
algum problema com mulheres?”
Matteo olha para ele como se estivesse delirando, mas minha
careta diz muito.
“Mais ou menos. Não é um problema.”
Odeio isso, porque odeio falar da minha vida, mas parece
que não consigo esconder muito bem o quanto tudo que aconteceu
desde ontem de manhã me incomodou. Talvez porque eu seja a
merda de um cara que nunca passou por isso e só porque é a
primeira vez, não sei lidar com a situação.
Mas Beatrice apareceu hoje cedo para que a gente
malhasse, como me confirmou em uma mensagem ontem à noite, e
foi isso. Foi como há uma semana, sem nenhum puta
constrangimento, sem nenhuma conversa com duplo sentido, sem
nenhum olhar malicioso, nenhum sorriso de canto, sem nenhuma
merda que sinalizasse que sei lá… algo tinha acontecido.
Mas algo aconteceu!
Aconteceu muito, e aconteceu bem demais. E ela precisa de
duas garrafas de vinho para ficar bêbada e usar essa desculpa, mas
bebemos metade de uma ontem.
Então eu nem consigo ficar me sentindo mal pensando que
transei com ela, três vezes, quando ela estava bêbada. Porque sei
que ela não estava nem perto disso. Ainda assim, não consigo me
contentar com o simples fato de que Beatrice conseguiu sair
andando do meu apartamento ontem de manhã como se não
tivesse passado de um jantar comum, como todos os outros dias
que isso aconteceu.
“Eu fiquei com uma pessoa.”
“Bom”, Zach fala, levantando os ombros.
“Beatrice?” Matteo arqueia uma sobrancelha.
“Quem é Beatrice?” O texano boca aberta olha de mim para o
Drake.
“Foi ela.” Meu cunhado afirma porque provavelmente meu
olhar me denuncia o suficiente e nossos muitos anos de amizade
ajudam. “A vizinha dele.” A explicação é para o Hudson. “Ficou meio
óbvio que algo tava rolando com vocês, no outro dia ficaram muito
estranhos. Conheço você e conheço a Beatrice.”
“E então? Ficou com ela e…?”, é o que Zachary questiona,
girando sua aliança de prata nervosamente no dedo anelar.
Involuntariamente, tomo meu tempo para olhar para as mãos
de Matteo também, antes ele usava uma aliança como a de Zach,
mas faz mais de um ano que finalmente abandonou isso para dar
um passo à frente com Daphne. Agora usa outra, de ouro, na mão
contrária, e ele também tem o hábito de girar a aliança quando
pensa demais.
É uma coisa antiga dele já.
“A gente não tá junto”, corrijo Matteo primeiro. “Ficamos na
quarta-feira e no dia seguinte ela simplesmente levantou e foi
embora. E hoje… foi como se nada tivesse acontecido. Quer dizer,
tipo não tinha nenhuma pista que, sei lá, tivesse acontecido algo.
Sei que ela lembra e tudo mais, porque acordou ontem numa boa do
meu lado. Tô me sentindo estúpido, mas isso não é nada legal.”
Zach suprimi uma risada e tenho vontade de socar a cara
dele. Matteo me olha como se eu fosse um bicho exótico que ele
nunca viu na vida. Reviro os olhos.
“Olha só pra quem eu fui falar as coisas.”
“Isso meio que aconteceu comigo.” Matteo torce o nariz numa
careta, girando seu copo de uísque antes de virar o resto em um
gole.
“Na verdade, foi pior”, Zach zomba dele, que agora também
tem vontade de socar o Hudson. “A Daphne tava metendo o p…”
“Shhhh!” Tapo a boca dele. “Não quero saber, se não sei, não
quero saber. Se não quis saber na época, não quero saber agora.”
Ainda não é confortável a ideia de que Matteo dormiu com Daphne e
todo o resto.
“Só quis dizer que está no lucro, ela pelo menos acordou
junto com você e sempre teve a pretensão de dizer um tchau,
diferente de umas fugitivas por aí.” Sua risada quase explode com a
cara fechada de Matteo para ele e balanço a cabeça em negação.
Ele suspira com um sorrisinho de canto e nós dois acabamos
fitando Zachary com curiosidade, tenho certeza que Matteo tem a
mesma pergunta que eu. Quando nota os olhares, ele dá de
ombros, se levantando do banco.
“Não, nunca aconteceu comigo. Becca sempre ficou contente
o suficiente pra ficar no dia seguinte. Acho que o problema são
vocês mesmo”, ele afirma com um aceno, fazendo graça da nossa
cara enquanto, para a felicidade do seu rostinho presunçoso,
caminha rapidamente para a cozinha, buscando novas cervejas e
perdendo de ganhar dois socos. “Sabe, sempre foi bem tranquilo
mesmo. Antes de tudo. Ou era eu quem acabava arrumando uma
desculpa pra dar o pé, ou sempre foi um acordo mútuo de acordar,
se despedir e pronto. Sem o constrangimento do Mikezinho aí.” Ele
me aponta com uma das garrafas que pega da geladeira. “Mas com
a Bec…”
“Não!”, Matteo adverte. “Não quero mais ouvir falar sobre
suas… situações com a minha irmã.”
“Você precisa tomar as rédeas das coisas, cara”, aponto para
ele.
“Eu tenho a proteção”, Zach desafia, levantando a mão bem
iluminada pela aliança.
“A minha é de ouro!”, Matteo esbraveja, fazendo o mesmo
que ele.
“O problema é que eu tô pouco me fodendo.” Dou um
sorrisinho cínico para os dois.
Matteo suspira irritado e Zach mantém seu sorriso
engraçadinho no rosto, me dando mais uma cerveja aberta e
tratando de servir o seu cunhado com uma nova dose de uísque.
“Voltando ao ponto inicial…”, ele fala, enquanto despeja o
líquido âmbar no copo baixo. “Isso te incomodou por quê? Ego
grande demais para levar um semi fora ou…?”
É uma pergunta boa, porque não sei ainda o porquê disso
estar me incomodando tanto. Não é só meu ego grande demais que
não quer aceitar que ela simplesmente virou as costas e foi embora
pra depois agir como se não tivesse sido nada de mais. Talvez
tenha sido justamente por ela agir como se não tivesse sido nada de
mais quando eu achei que tinha, pelo menos, bom o bastante para
uma mínima reação pós-acontecido.
Não, definitivamente não é só um ego grande e escroto.
Talvez porque isso nunca me aconteceu antes e eu posso ter
ficado um pouco chateado com a situação. Não era como se eu
esperasse um pedido de casamento por causa de três fodas boas,
muito boas. Mas também não esperava que ela fosse embora sem
nem tomar café, ou que fosse aparecer hoje cedo com a mesma
cara que apareceu semana passada. Me sinto escroto por querer
isso, mas queria, pelo menos, um rubor, uma olhada diferente,
talvez de cobiça.
Como provavelmente eu fiquei olhando para ela e seu corpo,
que agora felizmente sei como é sem nenhuma peça de roupa, mas
pelo jeito foi uma vez na vida só mesmo.
“Não sei. Não é um ego grande”, garanto. “Mas acho que eu
pensava que…”
“Surtiria mais efeito? Achou que tinha um pau mágico e que
ela ficaria doidinha por ele?”
“Eu odeio você”, falo para Zach, enquanto Matteo se acaba
de rir.
“Brincadeiras à parte, tô achando que você basicamente tá
chateado que ela te tratou exatamente como você tratou todas suas
fodas. A ruiva ano passado? Transou como quem não queria nada e
no dia seguinte vocês continuavam sendo chefe e empregada como
se nada tivesse rolado. Teve aquela loira, Lizzie, um amor de gente,
mas caiu no erro de interpretar coisa demais e você fez o quê? Ah,
é, isso mesmo Mikezinho, se fingiu como a porra de um morto nas
mensagens dela.”
“Você devia ser um anjo antes da Rebecca”, ironizo. “Sua
reputação te seguia, Zachary.”
“É, mas eu sempre fiz questão de deixar claro minhas
intenções ou dispensar a menina na cara dela, não simplesmente
bancar o fantasma. Tem uma diferença.” Tem mesmo, o infeliz está
certo.
Mas em minha defesa, sempre deixei bem claro as coisas.
Nunca quis um relacionamento, sempre evito uma segunda
dose para não complicar nada, mensagens não são minhas coisas
favoritas do mundo. Uma vez e é isso, uma diversão e nunca mais.
Sempre deixei claro, ou tentei.
“Às vezes, é defesa.”
“Como assim defesa, Drake?”, pergunto.
“Quando Rebecca me deu um gelo, com um papo de
amizade e tudo mais e eu queria mais do que aquilo, entrei na onda
do só amigos pra não me machucar. Isso é a defesa que Matteo
quer falar. Se eu fingisse que por mim tudo bem aquele inferno de
amizade, teria menos decepção quando desse com a cara no chão
por causa da rejeição.”
“Faz sentido”, murmuro, pensando sobre o assunto. “Mas eu
nunca rejeitei.”
“Mas provavelmente já deve ter comentado algumas vezes
sobre seu estilo de vida.” Ele dá um tapinha no meu peito.
“Mas você quer alguma coisa? Não achei que fosse se apa...”
“Não sei, que inferno. Só fiquei com essa situação na
cabeça”, corto Matteo no meio de sua frase. Abro a boca para falar
mais alguma coisa, mas a risada de Chelsea se infiltra no
apartamento quando ela, Becks e minha irmã entram.
“Que caras são essas?”, Rebecca pergunta, com as
sobrancelhas franzidas, jogando suas chaves no aparador.
“Saudade”, Zach responde, piscando para a noiva e fazendo
com que nenhum olhar precise ser dado para que todos entendam
que o assunto se encerrou ali.
 

 
O GARFO DE CALLISTA CAI NO PRATO e olho para ela com
advertência, fingindo não notar atenção das mesas ao lado. Sua
boca cai aberta e isso também gera um olhar meu que pede,
silenciosamente, para que ela tente parecer um pouco menos
chocada.
Mas pouco adianta.
“Você o quê?” Sua voz sai mais aguda do que o normal e,
consequentemente, mais alta.
“Callie!”, peço, e ela leva as mãos aos lábios, disfarçando
antes de pegar sua taça de água e beber um longo gole. “Achei que
te contar em um lugar público evitaria a minha vergonha”, brinco, e
ela sorri, revirando os olhos para mim.
“Então foi por isso que esperou todo esse tempo para me
contar?” Uma sobrancelha é arqueada na minha direção e dou
atenção à Belle para fugir disso.
“Não. Sexta-feira eu ainda estava… relacionando tudo que
aconteceu. Viajei de noite e voltei só hoje. Não pensei que seria
interessante mandar uma mensagem: Ei, Callie, estou indo viajar
para ver minha avó, se cuide. Também tive uma das melhores
transas da minha vida com meu vizinho hiper gostoso e não soube
direito o que fazer quando acordei bem aconchegada e bem-vinda
nos braços dele, por isso acabei achando que ainda tava
sonhando.”
“É, eu prefiro com você me contando na minha frente mesmo,
pessoalmente e sem essa ironia.” Seus olhos me esquadrinham e
sei que isso é uma repreensão pelo meu comportamento. “Melhor
sexo da sua vida?”
“Sim, definitivamente entrou na lista de melhores. Foi
incrível!”
Sua boca pelo meu corpo, seus dedos deixando arrepios por
onde passavam, seus olhos que pareciam me venerar e me
deixavam fraca pelo desejo. Seu corpo quente contra minha palma
que explorava todo pedaço de pele que estava exposto e isso era
muita. Seu peito esculpido, seus braços fortes ao meu redor, as
trilhas de beijos, os toques delicados, precisos e deliciosos. Seus
movimentos firmes, duros e delirantes. Seus gemidos roucos no
meu ouvido, a língua exploratória, todos os suspiros que ele me
arrancou, os orgasmos que espasmavam meu corpo.
Seu abraço convidativo, sua respiração pesada e o ronco
leve que se formava em meu ouvido quando ele me segurou na
maior parte da noite em seus braços. A exaustão tomava conta do
meu corpo, isso era um fato, mas acordei estranha diversas vezes
pela sensação e não conseguia deixar de notar tudo isso enquanto
me deixava sentir feliz ali, adormecida junto a ele.
“Você tá pensando nele.”
Nem uma pergunta, nem um singelo tom de pergunta, pois
ela me conhece bem o suficiente para saber que sim, estou
pensando nele. Provavelmente com os olhos longe demais, com os
pensamentos mais longe ainda.
De volta para a quarta-feira, de volta para a quinta de manhã,
de volta para Michael e sua forma de me tirar o chão com os olhos
azuis tão profundos, mas que não tive medo algum de me perder.
Não naquela noite e não um pouco antes disso.
Me perdi tanto que estou agora no papel de maior boba do
mundo.
“Ok, não precisamos falar mais sobre esse assunto.” Olho
para ela depois de tomar de volta a garrafinha de água que Isabelle
estava já querendo jogar no chão. “Conheço esse olhar. Conheço
você, Bea.”
“Às vezes faz isso soar como uma ameaça”, brinco para
amenizar o clima.
“Se quer que seja assim, então não posso fazer muito.” Callie
compra a brincadeira, provavelmente porque não quer prolongar o
assunto conhecendo o olhar que dou quando penso nesse assunto.
Agradeço minha melhor amiga, que sorri para mim. Linda como
sempre, impecável em um visual bem casual que a deixa parecendo
uma mulher de vinte e dois anos de novo, antes de tudo.
Isabelle não envelheceu minha amiga. Engravidar aos vinte e
quatro, ter um bebê sozinha aos vinte e cinco, ser uma puta
funcionária de uma companhia grande, inclusive ser uma das
favoritas do chefe, ter grandes responsabilidades, ser a melhor
pessoa do mundo, uma mãe maravilhosa e uma amiga perfeita,
nada disso envelheceu minha melhor amiga.
Mas ela ficou mais séria.
Seu sorriso é mais escondido e raramente a vejo
gargalhando em público.
“É só que… Acho que posso ter estragado tudo e me odiaria
se isso acontecesse. Não me odiaria realmente, mas ficaria muito
chateada. Gosto da nossa amizade e não queria perder ela por
causa… disso.”
“Uma foda entre amigos”, ela sussurra, colocando a mão em
concha na boca como se contasse um segredo e arrancando de
mim um sorriso. “É assim que se chama.”
“Tá, foi isso o que aconteceu. Mas não queria que isso
acabasse sendo um motivo para que a gente fique estranho um do
lado do outro e que nossa breve amizade se esvaia. Sinto que, cada
dia mais, Michael se abre comigo. Gosto disso. Há um tempo não
tinha nenhum amigo assim, não desde…” A frase morre no ar,
porque me saiu sem pensar muito e o olhar de Callie diz muito.
Odeio esse olhar, porque ela sente muito por algo que não tem
culpa, porque foi terrível, porque às vezes ainda dói um pouquinho.
“É, na verdade é justamente tudo isso que quero evitar de novo.”
“Bea, Michael não é… você sabe quem. Não compare assim.
Além do mais, vai com calma. As coisas nem aconteceram ainda e
você já está cheia de pensamentos negativos.” Ela alcança minha
mão pela mesa. “Pare um pouco, deixe tudo fluir, acontecer como
deve acontecer.” Recebo um pequeno afago na mão e tento dar um
sorriso não tão amarelo para ela.
“Tudo bem, posso tentar relaxar um pouco.”
“Como as coisas foram depois? Quando se encontraram de
novo? Ou ainda não se viram?”
“Dei o meu melhor para fingir… sei lá, fingir que eu estava ok
com tudo, como se nada tivesse acontecido.”
“E ele?”
“Acho que não se importou com o fato de eu deixar as coisas
assim. Na verdade, parece que até gostou, pela forma como ele
estava calado, provavelmente se arrependeu.” Levanto os ombros.
“Beatrice!”, recebo a advertência, e dou de ombros mais uma
vez sob o olhar feio de Callista. “Garanto que você interpretou tudo
errado. Não queria um milagre.” O deboche dela faz com que as
situações se invertam e eu lhe dê um olhar feio agora. “Ele não te
chamou para o café? Não foi você quem saiu correndo?”
“Eu não saí correndo, quanta grosseira para pensar de mim.
E sim, mas às vezes foi por educação. Eu faria isso por educação.”
Não sei se Michael seria do tipo que faz isso por educação,
porque mesmo que seja do tipo muito educado, não parece do tipo
que faz as coisas para agradar os outros com facilidade. Ainda que
ele tenha falado sobre a questão de deixar que os outros
influenciem suas decisões, ou que tenham influenciado suas
decisões no passado, não vejo ele como essa pessoa atualmente.
“Bea, pare de colocar empecilhos inexistentes só para criar
teorias ruins. Nunca se sabe, fique com o que aconteceu. Ele te
chamou para o café, ele fez tudo isso, vocês ainda são amigos ao
que parece. Se acontecer de novo, ótimo. Se não acontecer, parece
que já está bem protegida com suas desilusões.” É uma pequena
crítica, eu sei que é.
Gosto de ter as rédeas das situações, às vezes gosto demais
disso e não é muito bom para mim. Depois de tantas coisas
acontecerem, acabei começando a temer surpresas não esperadas,
que abalaram minha vida o suficiente para deixar uma marca. A
morte dos meus pais; a morte do meu avô; muitos amores vazios ao
longo dos anos; alguns abalos na empresa; o noivado de Katherine.
Respiro fundo.
“Vamos mudar o assunto. Só queria te contar isso, mas
vamos esquecer que aconteceu.”
Callista não concorda nem um pouco, consigo decifrar sua
expressão mesmo se eu estivesse de olhos fechados, mas não diz
nada por um período, comendo do seu espaguete que já deve ter
esfriado antes de tornar a falar, colocando um tópico mais
confortável na conversa. O trabalho.
 

 
O elevador parece levar uma eternidade a mais hoje para
finalmente chegar no último andar do prédio e respiro fundo o aroma
de produtos de limpeza, de limpeza em si, que exala da caixa
metálica enquanto fico sozinha ali. Seguro firme os documentos nas
minhas mãos, porque quero entregá-los pessoalmente e, além
disso, debater sobre um evento que teremos no próximo mês.
O apito chega e espero que as portas se abram totalmente
para sair no andar silencioso da diretoria. É um misto de ternos em
cores chatas, uma decoração limpa demais, pessoas focadas
demais para até prestar atenção na minha chegada, dedos digitando
silenciosamente nos computadores e, ao longe o som do telefone
destoa de tudo mais.
Meus saltos fazem um barulho que até ecoa alto enquanto
ando pelo piso de porcelanato branco cintilante. Os olhos que se
viram para mim têm uma compreensão, um respeito e um
cumprimento silencioso. Muito diferente do clima na Ex-Plain,
sempre agitado, com pessoas conversando por todos os lados, às
vezes até mesmo uma playlist boa tocando nos altos falantes.
Sempre temos muita cor, pessoas sorrindo bastante, mesmo
focadas em seus trabalhos e sempre muito empolgadas com seus
trabalhos, digitando furiosamente nos teclados a próxima matéria
que irá chocar metade de Nova York. Às vezes é exaustivo, mas
amo trabalhar com pessoas que se sentem cativadas, felizes. Sei
que pagamos bem, e gosto dos bônus, dos extras no fim do mês, no
fim do ano, no fim de uma edição super vendida.
A secretária que fica na frente da sala do Hunter me olha
atentamente e dou um sorriso para ela, porque já tinha avisado
sobre minha vinda aqui e sei que a agenda dele não tem
absolutamente nada de urgente nesse horário. Abro a porta preta da
sala, tão diferente da minha que mal parece que estamos no mesmo
prédio ou que fazemos parte da mesma empresa.
“Hunter, vim trazer os…” Meus olhos não fitam Hunter,
porque seria impossível fazer isso. “Documentos que pediu para que
eu assinasse mais cedo.” Limpo a garganta, passando a língua
pelos lábios depois disso e voltando minha atenção para onde
deveria.
Mal consigo achar minhas palavras de forma coesa e sem me
abobalhar toda por causa da presença tão gritante da companhia
que Hunter tem na sala.
Inferno.
Queria ter sido avisada sobre essa surpresa.
Michael fica extremamente bonito todo vestido em seu terno
bem cortado, com o semblante sério, com toda aquela postura
profissional, com esse perfume que me invade com lembranças
deliciosas.
Seus olhos grudam em mim de forma tão pesada que me
sinto obrigada a olhar para ele mais uma vez.
“Michael”, um cumprimento até estranho, uma vez que nunca
nos encontramos em uma situação não informal demais. “Não sabia
que tinha visitas, Hunter. Elle não me avisou na hora que entrei.
Posso voltar depois.”
“Vocês se conhecem?” Hunter aponta para nós dois e parece
que todas as minhas defesas de não parecer uma idiota evaporam,
porque abro a boca seca e esqueço a resposta.
“Somos vizinhos.”
Vizinhos.
Vizinhos.
Fecho a minha boca e olho para Michael antes de dar um
aceno.
“Isso.” Aproximo-me da mesa de Hunter e deixo a pasta, para
me retirar daqui o quanto antes.
“Na verdade, eu já estava de saída” Michael fala, trocando
um olhar com Hunter. “Pode me ligar se tiver alguma dúvida.” E com
um aperto de mãos rápido e um olhar igualmente rápido para mim,
ele deixa a sala.
“Assinou?”, Hunter pergunta, pegando a pasta e me voltando
para o presente.
“Sim. Mas… queria que desse uma checada de novo nos
itens da página oito. Fiz algumas anotações sobre o evento
também, vou te mandar no e-mail mais tarde.” Até porque minha
cabeça parece girar em alguns sentidos bem diferentes e mal
associo de fato quais são esses pontos que ele precisa checar.
“Tudo bem. Vou tentar organizar isso até sexta.” Dou um
aceno, ainda temos um tempo para o evento e não precisamos
disso com urgência. “Alguma outra coisa?”
“O acordo?”, pergunto, começando a voltar aos meus
sentidos o suficiente para não parecer descomposta para Hunter.
“Ficou para quinta-feira da próxima semana. Vai estar na
reunião?” Ele arqueia uma sobrancelha enquanto se apoia com os
cotovelos na mesa.
“Sim. Saio daqui depois da reunião. Mas não se preocupe,
irei manter meu celular ligado.” Passo a mão pelos meus cabelos
bem puxados para o rabo de cavalo habitual que uso. Odeio pensar
que não estarei aqui na sexta-feira, porque sexta-feira é um dia
importante para a Ex-Plain.
Confio nos meus funcionários, confio cegamente, mas parece
que poderia haver um dia melhor do que sexta-feira para esse jantar
infernal.
“Tudo bem”, ele fala, e seus olhos dizem muito porque ele
compreende a escolha infeliz de dia. “Prometo tentar resolver tudo o
quanto antes.”
Dou um único aceno, me dirigindo para a porta.
“Obrigada.” Com um cumprimento rápido, saio da sala,
sorrindo também para Elle, com quem precisarei ter uma conversa
já que esqueceu de me informar o detalhe dentro da sala de Hunter
mais cedo.
Mas agora só quero voltar para minha sala e me enfiar no
trabalho, esvaziar minha mente.
“Ei!”
Sua voz é sussurrada enquanto me apressava para dentro do
elevador que acabo saltando com um susto e suas mãos firmam
meus braços. Michael se posiciona na minha frente e meus olhos
instintivamente acabam fugindo dos seus, indo para as mãos que
me seguram.
Ele abaixa o toque com rapidez.
Percebo que Michael me esperava no corredor que leva ao
elevador, porque ele está já está parado quando chego. Então ele já
podia ter deixado o prédio.
“Você está me evitando.”
Não é uma pergunta, ele afirma o fato que não é verídico.
Não tenho evitado ele. A gente se encontrou na segunda e hoje
cedo para nosso treino, como sempre.
“Não é verdade.” Ele segue do meu lado quando entramos no
elevador. Passo meu cartão pelo leitor e aperto o térreo. “Nos vimos
hoje cedo.”
“Beatrice…” Seus olhos me esquadrinham e eu preciso olhar
para longe do seu rosto bonito. Apesar da tarefa ser complicada
uma vez que Michael se coloca de frente para mim. “Se quer me
dizer alguma coisa, me diga. Não me evite. Se quiser me evitar, fale
isso na minha cara.”
Engulo em seco, voltando meus olhos para ele e mordendo a
parte interna da bochecha em um hábito terrível.
“Não estou te evitando, ou querendo te evitar.” Infelizmente
os saltos me deixam com uma bela visão da sua boca, porque ela é
bonita e bem mais tentadora depois que eu experimentei essa
belezinha aí.
E esse inferno de homem ainda sorri de canto quando nota.
Volto meus olhos para os dele.
“Mas quer me falar alguma coisa?” É uma insinuação clara e
acabo deixando meus ombros caírem da minha postura séria
demais. Ele acaba fazendo o mesmo. “Bea…”, a súplica é por uma
resposta e me sinto um pouco fraca quando ele me chama assim,
com a voz baixa e sussurrada só pra mim.
Mas meu silêncio permanece até que o apito do elevador
finalmente, ou infelizmente, soe e Michael dê um passo para trás. A
chateação é nítida no seu rosto, mesmo que eu perceba também
que ele faz certo esforço para manter uma expressão limpa.
Seus olhos dizem muito. Brilham com a provocação,
escurecem como desejo, sorriem as vezes mais que seus próprios
lábios e me mostram agora que ele está sentido pelo meu silêncio.
“Tudo bem”, sua voz é tão baixa que quase não escuto antes
que ele caminhe para trás e então vire de costas para mim, andando
pelo saguão.
Admiro suas costas fortes e seu corpo musculoso andar até o
balcão e quase sou pega pelas portas do elevador fechando quando
finalmente faço minhas pernas se moverem para frente, saindo para
o saguão também. Atrás dele. Solto um grunhido frustrado comigo
mesma.
Michael deixa seu cartão de acesso com a atendente e volta
a andar até a porta de saída. Meus saltos ecoam pelo piso
movimentado, principalmente pelos meus passos apressados. Ele
nota e se vira, parando no lugar.
“Tenho um convite”, começo, e ele arqueia a sobrancelha.
“Não precisa aceitar.” Uma risada debochada lufa pelo seu nariz.
“Venha comigo para a festa da semana que vem.”
Eu sou tão idiota!
O que me faz acreditar que ele deseja vir comigo? Como
amigos, porque o convite foi assim, mas o que faria com que eu
acreditasse que ele deseje vir comigo para um evento infernal da
minha família.
“Tome um café comigo”, ele joga de volta, me olhando com
um desafio nos olhos.
“Esse é o seu preço?”
“Não, eu aceito de qualquer forma. Mas quero passar um
tempo com você.” Tento esconder meu sorriso, porque já me basta
meu coração acelerar bem bobo com essa declaração.
Eu sou uma mulher madura.
“Quando?”
“Agora! Sou todo seu.” Deus sabe o que eu gostaria de fazer
com essa afirmação que ele me dá junto com um levantar de
ombros. Mas só levo os dedos aos lábios, suprimindo uma risada
pela brincadeira. “Ou mais tarde. O que preferir. Só um café, no seu
lugar preferido, seja lá ele onde for.”
“Preciso pegar minha bolsa”, aviso.
“Posso dirigir e pagar.” Acho graça da forma como ele rebate
tão rápido, como se quisesse me dar motivos para não precisar
subir. “Vai que resolve desistir e eu fico aqui esperando para
sempre.”
“Não seja tão dramático. Não esperaria para sempre, uma
hora eu teria que ir embora, Se bem que poderia usar a outra saída,
pelas escadas de emergência que dão para o fundo do prédio”,
digo, me colocando ao seu lado e voltamos a andar até saída.
“Então agora gosta de escadas de emergência?”
“Depende da situação. Só em casos extremos.”
 
 

 
OS PNEUS FAZEM BARULHO NO CASCALHO quando freio o
carro na frente da mansão. Não percebo quando acabo soltando um
suspiro alto no interior do veículo ainda e fito a fachada luxuosa da
antiga casa dos Oakles. É pomposa demais, grande demais e
parece como uma casa para uma boa ambientação de um filme de
época.
Talvez porque ela provavelmente foi construída em 1800 e
alguma coisa.
Estaciono completamente, mas não desligo a chave ainda.
Observo um pouco o movimento de vans, muitos funcionários,
Katherine e sua agente de casamentos dando ordens e vovó a
minha espera. Sorrio com essa última parte e finalmente tomo
coragem para sair do carro.
Dou a volta até a porta atrás do passageiro, pegando os dois
cabides pesados que pendurei no gancho em cima da janela e
minha mala de mão – uma grande bolsa onde cabe tudo o que eu
preciso e não preciso para o final de semana. Experimento meu
melhor sorriso, começando a caminhar em direção aos degraus que
fazem a entrada da casa e minha avó arruma a postura me abrindo
um sorriso também.
“Achei que não chegaria nunca.”
“Falei que sairia tarde de Nova York”, respondo, mas seu
olhar em mim mostra que ela não comprou totalmente minha
desculpa. Foi verdade! “Senti sua falta.” Abro os braços quando já
estou próxima o suficiente e minha avó se encaixa ali, me dando um
abraço forte e muito saudoso.
“Eu também, minha querida. Eu também.”
“Como está lidando com toda essa agitação?” Não gostei da
ideia de a festa de noivado ser aqui. Primeiro porque é uma festa
tardia e só pelas aparências. Segundo porque minha avó mora há
anos na paz da mansão dos Oakles em Green Hill, Rhode Island.
Ela não precisa de perturbações.
“Está tudo bem, minha Bea. Deixe sua prima se exibir com as
riquezas da família e ser feliz com isso. Além disso, Logan é um
bom rapaz.” Tento não fazer uma careta de desgosto na frente da
minha avó porque ela não sabe de toda a história então não
entenderia. Mas é difícil ver Logan sendo chamado de bom rapaz
quando na verdade não chega nem perto disso. “E é bom ter vocês
por perto, ter alguns convidados, rever velhos amigos. Nesses
momentos percebo que me fechei demais no meu pequeno mundo
de Green Hill.”
“Não tão pequeno assim”, lembro-a, e recebo um sorriso
largo pela brincadeira. Minha avó engancha seu braço no meu, me
guiando para a entrada da casa. “Isso é ruim? Se arrepende de ter
se fechado aqui?”
“Não mesmo. Seu avô e eu fomos muito felizes aqui, na
nossa pequena paz. Além disso, essa é a casa que tenho inúmeras
memórias dos seus pais, você e Katie pequenas, das festas de
Natal em família. Adoro viver aqui, sozinha e afastada na minha paz.
Mas não estou sozinha, tenho um time de funcionários que compõe
minha pequena família atualmente.”
“Sabe que eu viria te visitar mais se não fosse pelo trabalho.”
“E eu sou uma avó muitíssimo orgulhosa de todo o trabalho
que tem feito, sou avô também ficaria. Está carregando o nome dos
Oakles perfeitamente, além de estar trazendo novos ares para a
empresa.” Não consigo não brilhar com o sentimento que estufa
meu peito. Toda a minha vida sempre se resumiu em fazer com que
eles tivessem orgulho de mim, do meu trabalho e da continuação do
nosso legado. Meus avós sempre foram tudo de mais importante
que eu tive na minha vida durante muito tempo. “Vou chamar a Julie
para te ajudar a subir com as coisas e te acomodar no seu quarto”,
ela diz, já dentro do enorme hall de entrada, tirando seu braço do
meu.
“Não precisa! Sei o caminho e acho que vou descansar um
pouco, foi uma reunião complicada.” Seu sorriso para mim é tão
terno que me sinto novamente como uma criança. Vovó afaga meu
rosto dando um aceno e me deixando sozinha, indo em direção a
cozinha.
Não tenho tempo de dar sequer um passo até que Katherine
me alcance e pelo brilho em seus olhos sei que as palavras que
sairão a seguir pela sua boca não vão ser alguma gentileza de
boas-vindas.
“É a minha festa de noivado e ainda assim a pessoa que ela
mais esperava era você. Sempre sendo a órfã mimada.” É terrível, e
infelizmente estou mais acostumada do que gostaria. Suas palavras
saem com tanta naturalidade, junto com um sorriso quase simpático
que qualquer pessoa que não a conhecesse de verdade poderia
comprar essa cena como uma conversa amigável de primas.
“Espero que tente ao menos se comportar durante o jantar e a festa
e não faça nenhum escândalo.”
“Sempre deixei esse lugar reservado para você.”
“Não teria um acompanhante? Acho que eu estava certa
quando pensei em cancelar esse lugar a mesa.”
“Uma pena, não foi dessa vez. Meu acompanhante chega
amanhã cedo. Diferente de você, algumas pessoas trabalham de
verdade.”
E com isso, utilizo do seu pequeno momento sem palavras
para fugir o mais rápido da frente dela, subindo as escadas até o
terceiro andar com uma rapidez que fez meus pulmões quase
doerem.
Obrigada academia pelo novo fôlego.
 

 
Olho de novo para minha imagem no espelho e cogito se
gosto ou não do que vejo. Organizei meu cabelo em um coque no
topo da minha cabeça. Ele fica bem grosso pelo meu cabelo
volumoso e fico com minha expressão típica e séria. Gosto do visual
habitual. Minha maquiagem não é nada além do que normalmente
uso no meu dia a dia. Estou com um conjunto preto, parecido com
os que coloco para o trabalho, mas um pouco mais refinado e
ousado.
O primeiro botão é na linha debaixo do meu sutiã, o que faz
com que a peça também preta apareça discretamente no decote em
V. Não tem nada de mais, é um sutiã preto, só com bojo e sem o
arco de sustentação. O terno é simples, mas coloquei um cinto
grosso que acentua a curva da minha cintura. A calça é uma legging
quase cintilante que gruda na minha pele e fico agradecida por me
sentir cada dia ainda mais confiante sobre meu corpo.
Não preciso da falta de curvas da Katherine para ser
extremamente bonita e muito gostosa, tenho percebido isso.
Um scarpin preto completa tudo junto com alguns acessórios
em ouro dourado.
Passo o pincel com um pouco mais de iluminador no topo das
maçãs do meu rosto e pego meu celular antes de deixar meu
quarto.
Nem mesmo tenho a necessidade de parecer tão bem
arrumada para só um jantar de… um jantar comum que Katherine
colocou como um jantar de abertura ao final de semana do seu
noivado. Pomposo assim como ela. E desnecessário.
Poderíamos simplesmente ter uma recepção mais
confortável, casual, com petiscos e bebidas leves, boas conversas e
muita interação. Mas ao invés disso, ela preferiu uma mesa longa
com cinco pratos compondo o jantar da entrada a sobremesa com
uma distância fria entre todos os muitos convidados.
Se seu noivado é assim, isso me faz ficar com medo do
casamento em si.
Fecho a porta do meu quarto, trancando-a e enfiando a chave
no um bolso do terno. Paro na frente e checo minhas mensagens,
respondendo Callie e sorrindo com uma foto de Belle no pijama fofo
que dei a ela semana passada.
 
Michael: Acho que posso conseguir chegar na hora do
almoço.
Michael: Se isso não for estranho.
Beatrice: Achei que tinha desistido já, pelo seu próprio bem.
 
Mesmo que suas mensagens tenham sido de bons quarenta
minutos atrás, recebo uma resposta de prontidão.
 
Michael: Devo me preocupar?
Beatrice: Minha família talvez seja um motivo para certa
preocupação.
Michael: Você já conheceu os Laurent-Davis?
Beatrice: Ainda não hahaha.
 
Quase apago a mensagem no segundo que noto a forma
como coloquei isso. Ainda, como se eu estivesse pedindo algum tipo
de apresentação. Ou talvez ele vá interpretar da forma certa, como
ainda não porque nossos caminhos nunca se cruzaram antes.
Continuo digitando, sem esperar pela mensagem que ele digita.
 
Beatrice: Acho que tudo bem. Posso deixar avisado que
chega para o grande almoço.
Michael: Essa é uma sorte sua, confie em mim.
Michael: Grande almoço? Me falou sobre uma cerimônia
formal na capela e uma grande festa no sábado. Nada de grande
almoço na sexta.
Beatrice: Tudo por aqui é feito na grandiosidade, por favor,
somos os Oakles.
Michael: Consigo sentir sua animação daqui.
Michael: Então vou me preparar para chegar em um estilo
aceitável para todas essas grandiosidades dos Oakles.
Beatrice: Minha animação é contagiante, verá assim que
chegar. E fique tranquilo, é só um almoço normal, mas Katherine faz
de tudo um grande evento, inclusive estou a caminho de um jantar
super chique com vários pratos, pessoas servindo você e aquelas
conversas estranhas na mesa.
Beatrice: Espero que ao menos não tenha sido colocada
perto do tio do Logan.
Michael: Ok, além de muitas grandiosidades ainda teremos
parentes estranhos?
Beatrice: Ele não é estranho, mas as vezes juro que ele só
toma banho para o Natal.
Michael: Isso foi faz alguns bons meses…
Beatrice: JUSTAMENTE!!
Michael: Não seja assim, o coitado pode ter algum problema.
Michael: Não quero te atrasar para seu jantar chique, pode
perder a entrada e vai que é sopa de cogumelos, sempre são as
melhores opções para coisas grandiosas e caras.
Beatrice: Odeio sopa de cogumelos.
Michael: Desperdiçará a melhor parte do jantar.
Beatrice: Com certeza não, porque essa parte é a
sobremesa.
Avisto Logan virando o corredor, provavelmente indo em
direção a escada para descer para o jantar e seguro uma careta.
Beatrice: Preciso ir.
Michael: Espero que aproveite sua sopa.
 
“Você está aqui!”, Logan fala, assim que está perto o
suficiente de mim e não controlo minha língua.
“Bem, não podia esperar a Kim Kardashian como convidada
pela parte da Katherine.” Se bem que ela tem até mesmo o nome
com K para combinar com as Kardashian-Jenner. “Não me diga que
esqueceu, pela segunda vez, que somos primas?” A ironia me arde
o peito, porque não sou assim. Troco minhas farpas com Katherine,
mas isso é diferente.
Entretanto, minha mágoa ainda é grande demais, Logan
ainda me machuca só com a sua presença e seus olhos, ora
culpados, ora tristes todas as vezes que ele os coloca em mim.
“Beatrice…” Sua mão tenta alcançar meu braço, porém dou
um passo para o lado, inclinando minha cabeça para a escada em
um convite silencioso para que a gente siga na direção do salão do
jantar. “Achei que… que agora, com o casamento, a gente pudesse,
talvez…”
“Nossa amizade foi perdida há tanto tempo, Logan. Não
venha com essa conversa, não para mim, não depois de tudo. Se a
sua culpa te preenche todas as vezes que olha pra mim,
infelizmente não posso fazer nada para mudar isso.” Ando quase
até alcançar a escada e percebo que ele fica para trás.
“Eu sinto sua falta”, Logan dispara para mim, e estanco no
lugar, voltando meu rosto para ele e franzindo a testa.
“Não, você não sente. Provavelmente sente falta de, sei lá,
da forma como eu inflava seu ego, da forma como tudo era fácil de
tirar de mim, mas não sente a minha falta. Muito menos da nossa
amizade, se é que eu posso chamar aquilo de amizade.”
“Nós éramos amigos!”
“É, nós éramos.” Levanto os ombros ainda que não consiga
ser certa sobre o fato de realmente ter sido uma amizade. Hoje me
soa falso demais, proveitoso demais para ele e dolorido demais para
mim. “Você é o noivo, não deveria se atrasar!”
Não espero resposta, ou digo mais alguma coisa, ou até
mesmo espero para ver se Logan me segue até o andar de baixo.
Só seguro o corrimão e faço o meu caminho o mais rápido possível.
Porque o que mais quero é conseguir passar por esse final
de semana da forma mais rápida possível.
 
 
Não consigo evitar o pensamento de que convidar Michael
para tudo isso foi um grande erro. Um erro tão grandioso quanto o
lustre que estão trazendo pela porta da frente para o salão de
eventos e me obrigo a parar no pé da escada para admirar a cena.
Temos lustres o suficiente na casa já, porque é uma casa antiga,
reformada para ser chique, com um toque vintage e com bastante
luxo. Mas não é o suficiente para Katherine, pelo visto.
Assim como o lustre, penso que ter chamado Michael para
ser meu acompanhante foi um erro muito, muito grande. Se eu tinha
algum intuito de cativar nossa amizade, não farei nada disso
trazendo-o para esse ninho de cobras. Além disso, acabo pensando
enquanto faço meu trajeto até a sala de jantar, para tomar o café da
manhã, que posso ter colocado alguma ideia errada chamando-o
para um evento familiar.
O convite não foi romântico. Achei que ele, como um bom
amigo que tem sido recentemente, poderia ser uma ótima
companhia para os dias e acredito que uma parte egoísta de mim
também queria um porto seguro, uma pessoa que me faz bem, para
me distrair de tudo. Vovó estará envolvida demais como anfitriã.
Infelizmente, Callista já não aceita mais meus convites para eventos
familiares. Sempre me dá um sorriso e, delicadamente, declina.
Não posso julgá-la, sempre são péssimos e se eu pudesse,
também não participava.
Faço meu prato de café da manhã, não me sentindo muito
faminta, na verdade. O jantar de ontem à noite ainda me estufa a
barriga. Sento do lado da minha avó, que conversa com a mãe de
Logan. As duas sorriem para mim largamente, e devolvo o
cumprimento.
“Dormiu bem, querida?”, minha avó pergunta assim que
estalo um beijo de bom dia em sua bochecha.
“É gostoso estar de volta a minha cama aqui, sempre é como
voltar a ser criança.”
“Se me fizesse mais visitas…”, ela finge jogar
despretensiosamente. Marie, a mãe de Logan, e eu trocamos um
olhar enquanto rimos. “Achei que seu acompanhante chegasse essa
manhã.”
“Disse que ele chegaria para o almoço, ainda são nove horas.
Não o assuste, por favor vovó, é um amigo.”
“Beatrice tem um acompanhante?” Marie se inclina na nossa
direção, interessada e sei que não é algo falso ou fofoqueiro. Eu
costumava adorar conversar horas a fio com ela.
“Um amigo, como comentei. Ele chega hoje.” Não que eu
tenha um receio que talvez fique sem acompanhante na última hora.
Ainda não consigo acreditar nas motivações que fizeram Michael
aceitar o convite, muito menos o que ainda faz com que ele deseje
vir.
“Estou muito ansiosa para conhecer esse rapaz, sabe,
Marie?” Minha avó vira na direção da mãe de Logan com toda sua
postura para fofoca. “Bea não falou sobre ele até a semana
passada, estou curiosa para saber quem é esse homem misterioso.”
“Talvez um novo namorado?”
“Um amigo!”, digo exaltada para elas, mas me junto quando
as duas começam a rir, tentando conter o pedaço de panqueca que
tenho na boca. “Ele é um amigo e o convite veio a calhar na última
semana, ele aceitou e então informei que iria mesmo trazer alguém.
Não fiquem criando teorias, por favor. A última coisa que preciso são
fofocas mentirosas por aí.”
“Não fazemos fofoca, querida. Passamos informações
verdadeiras para frente. Ou seja, se ele é só um amigo, então
iremos passar para frente a informação de que estará com um
amigo.” Vovó pisca para mim e suspiro, porque quero ser, como
sempre, a pessoa esquecida nesses eventos, mas temo que a
presença de Michael possa trazer um pouco de atenção.
Novamente me pego arrependida pelo convite. Cogito pegar
meu celular e cancelar tudo, porém o que vejo quando destravo o
aparelho é uma notificação do Instagram.
(laurentdavis.m) Michael Laurent-Davis enviou uma foto
para você.
Tento não sorrir para não parecer suspeita. Abro a aba e
entro na nossa conversa, esperando a foto carregar. É de quarenta
minutos atrás.
“Sexta-feira sem você parece bastante triste, senti falta dos
resmungos.” É a legenda de uma foto tirada na frente do espelho.
Ele está sentado em um dos bancos que usamos para os exercícios
de braço, usando suas roupas habituais de academia. Seu celular
cobre maior parte do seu rosto, o que é um desperdício. Mas seus
braços estão expostos pela regata e bem flexionados pela pose.
Infelizmente, sou invadida por memórias da nossa noite
juntos, dos seus braços ao meu redor e seu rosto bonito alinhado ao
meu, com o desejo puro nos olhos. Também não consigo evitar de
sorrir, porque gosto de pensar que ele se lembrou de mim hoje
cedo.
beatriceoakles: Desculpe te deixar sozinho coach, mas sem
treinos para mim hoje.
laurentdavis.m: Acho que tem uma boa desculpa para isso
então tudo bem.
beatriceoakles: Segunda voltamos a programação normal,
mas isso não significa que pode me matar com exercícios de braço.
beatriceoakles: E ei, o que quer dizer com resmungos? São
sons claros do meu grande esforço.
laurentdavis.m: Não deixam de ser resmungos, gracinha.
laurentdavis.m: Estou entrando em uma reunião, assim que
sair pego a estrada, nos falamos depois.
beatriceoakles: Boa viagem.
“Está sorrindo para o seu telefone de novo”, a voz de Logan
chega sussurrada próxima a mim quando ele toma o assento ao
meu lado.
Franzo a testa, não conseguindo não continuar estranhando
o seu novo comportamento mega amigável. Como se estivesse
empenhado em fazer de nós dois amigos de novo. Se Katherine e
eu tivéssemos um bom relacionamento, poderia pensar que está
relacionado a isso, mas não temos então não compreendo essa
aproximação.
“Bem, e daí? Coisas engraçadas estão por toda a internet,
Logan.” Dou de ombros, voltando minha atenção ao meu prato e
ficando feliz por Marie e vovó estarem ocupadas demais falando
sobre as possíveis flores do casamento.
“Tudo bem, Beatrice. Se não quer que a gente tente uma
relação amigável qualquer, poderia ao menos me tratar com menos
grosseria.”
Solto um longo suspiro, deixando meus talheres de lado e
desistindo de tentar empurrar mais comida para baixo.
“Quer saber? Tem razão, não precisamos disso aqui. Me
desculpe pela forma que te tratei, ontem e agora. É só pelo final de
semana e então o casamento.” É como se eu precisasse falar isso
para mim mesma, ver que são só esses dois eventos e depois disso
posso voltar a fugir de qualquer lugar onde os dois estejam pagando
de belo casal.
“Beatrice… seremos família no futuro.”
“Ah, Logan, achei que depois de tudo soubesse que
Katherine e eu não somos exatamente o padrão perfeito de primas.”
Ele faz uma careta, porque ele nos conhece o suficiente para
entender que não somos muito o que costumeiramente é colocado
como família, não somos nem mesmo amigas. Se eu pudesse,
evitaria Katherine a todo custo. “Se me permite, vou voltar para o
meu quarto. Tenho algumas ligações para fazer antes do almoço.”
“Vai ficar para o jogo?” Fico agradecida pela pergunta vir
quando já estou de pé, de lado para ele e escondida o suficiente
para fazer uma careta de desgosto com força.
“É uma tradição, não é? Estarei lá, só não posso prometer
que podem contar com as minhas habilidades.” Logan dá uma
risadinha e não consigo evitar fazer o mesmo, porque odeio o
esporte e posso até não ser ruim, mas me esforço para sempre
mostrar o pior das minhas habilidades para ficar sentada na sombra.
“Nos vemos no almoço, sendo assim.”
Com um simples aceno, deixo a sala de jantar e volto para o
meu quarto, procurando por qualquer coisa que possa ocupar minha
mente até lá.
 

 
COM ROUPAS ATÉ SOCIAIS DEMAIS, todos nós nos dirigimos
para o campo aberto uma hora e meia depois que o almoço foi
servido. Esse foi o tempo previsto como adequado entre uma
refeição e a prática de um esporte. Eu teria colocado bem mais
tempo nisso, mas são duas da tarde e Katherine disse que até as
seis precisa estar de volta em seu quarto para começar a se
arrumar.
Ninguém está indo contra a palavra autoritária dela hoje.
“Você não me falou nada de esportes, isso foi malvado da
sua parte, Bea”, Michael sussurra próximo do meu ouvido, enquanto
andamos lado a lado, quase sendo os últimos do grande grupo a
marchar até o gramado.
Ele chegou há umas duas horas, duas horas e meia, a tempo
para o almoço e até o momento conseguimos não chamar qualquer
atenção para a sua presença aqui. Sua presença aqui como meu
acompanhante. Algumas pessoas o conhecem por causa dos seus
pais, do escritório ou de algum outro evento. Mas a expressão
fechada de Michael parece afastar qualquer conversa amena
desnecessária que vá além de um cumprimento de longe.
Apesar de tentar se manter o tempo inteiro ao meu lado,
conversando unicamente comigo, fomos colocados no meio da
minha avó e de Logan, que pareciam empenhados em conversarem
durante o almoço e conhecer o máximo possível sobre Michael,
quase esgotando qualquer assunto possível. Marie estava à frente
de Logan na mesa e fez o seu melhor também para fazer da
conversa ainda mais animada.
Conseguimos ainda assim manter tudo tranquilo, ainda que
eu possa ter sentido Katherine um pouco infeliz pela falta de
atenção da sogra, noivo e da avó. Mas seus pais estavam ali para
fazer com que ela se sentisse a princesa e seu sorriso branco
demais se manteve no rosto. O almoço em si, como esperado, era
um grande evento, com muitos pratos, muitas variedades e bastante
bebidas frescas para enfrentarmos o começo do verão que queria
despontar.
“Com sorte, conseguiremos fugir isso. Todas as vezes
consigo fingir… cólica, dor na perna, uma lesão no ombro ou dou o
meu pior para perder na primeira rodada.” Empurro ele com o
ombro. “Mas, ei, fique tranquilo, acho que consegue fingir que não
tem o físico pra isso e se esgueirar com os senhores acima de
sessenta para beber uísque fervendo.” Porque essa provavelmente
é a temperatura da bebida uma hora dessas.
“Não tem muita graça. E sua avó parece empenhada em me
manter por dentro de toda a programação.” E com um aceno com a
cabeça, ele me aponta minha avó, parada um pouco mais a frente e
nos olhando, esperando que a gente a alcance. “Além disso, na
última vez que joguei, minhas habilidades eram boas demais para
serem desperdiçadas.”
“E quando foi isso?”
“Acho que eu tinha uns onze anos.”
Dou risada, levando os dedos aos lábios para suprimir
qualquer possível gargalhada escandalosa e Michael me olha de
canto com um sorriso típico seu.
“Isso parece um grande evento para vocês”, seu comentário
vem uma vez que chegamos próximos o suficiente do campo
montado, muito bem aparado e preparado para o jogo.
“Croquet está na família há anos. Desde meu tataravô,
quando a família Oakles ainda não tinha migrado para os Estados
Unidos. É uma tradição nos eventos, mas depois da morte do meu
avô, raramente jogamos”, explico para ele, que assente de leve.
“Acredito que serão uma dupla, certo? Já inscrevi vocês na
lista”, minha avó diz, com um sorriso diabólico quando lhe
alcançamos e Michael segura uma risada.
“Acho que não é como se pudéssemos dizer não agora”,
brinco, e mesmo querendo, não consigo me sentir brava com ela.
“Pode ser engraçado.”
“Então é melhor irem mais para perto, Katherine vai fazer o
sorteio das equipes.”
Um olhar com uma sobrancelha bem arqueada é o que
recebo de Michael quando voltamos a andar.
“São feitos dois grupos com quatro equipes cada, se
conseguirmos oito equipes. Essas quatro equipes jogam entre si,
em cada grupo, e os dois melhores passam para a próxima fase.
Depois é feito um pequeno sorteio para termos duas semifinais, até
os dois vencedores vão para uma final.”
“Vocês levam isso a sério.”
“Ei! Isso é uma tradição, claro que levamos. Mas ignoramos
algumas regras sobre não pode machucar o adversário e algumas
sobre o jogo sujo. Pobre dos Fell, a família do noivo, mal sabem o
que lhes espera.” Não consigo evitar o riso ao pensar sobre isso,
porque provavelmente todas as duplas de Oakles irão detonar com
eles.
“Para alguém que costuma ficar de fora, é bastante animada
sobre a competição.”
“Sou uma ótima expectadora.” Levanto os ombros e ele cruza
os braços, pronto para ouvir as divisões e regras quando Katherine
pega um megafone.
Um megafone!
“E, então, vai querer jogar pra ganhar ou perder?”, ele me
questiona baixinho, se inclinando para não chamar atenção dos
demais atentos na minha prima.
“Acha que temos chances?”
“Posso ser muito competitivo quando eu quero, gracinha.”
“Jogaremos para ganhar, sendo assim.” Michael sorri
abertamente, passando um dos braços pelos meus ombros e me
trazendo mais para perto.
“Terá que me prometer que beberemos aquela garrafa de
uísque chique lá sozinhos, em uma só noite. Adoro quando fica uma
bêbada tagarela, Bea. Suas histórias são sempre ótimas.” Suprimo
um riso enfiando meu rosto em seu peito e ele ri baixo contra meus
cabelos. “Vai ter que me contar de novo a história sobre como
mentiu na cara dura para sua professora de história e ainda fez com
que a escola fizesse uma rifa beneficente.”
“Foi o auge da minha maldade.” Levanto meu rosto, ainda da
minha posição próxima demais dele e seus olhos brilham de
entusiasmo na minha direção. “A garrafa inteira pode ser muito”,
comento sobre o prêmio da dupla vencedora. “Podemos dividir em
duas noites e você também precisa me contar pelo menos um
segredinho sujo da sua vida.”
“Temos um trato.” Ele pisca, se inclinado e por um momento
quase penso que, assim como há algumas semanas, faz isso para
fundir seus lábios nos meus.
Não seria uma coisa ruim, mas é fantasia demais da minha
parte e nem mesmo sei se seria algo positivo para nossa amizade.
Muitos deslizes podem tornar tudo mais complicado.
Mas Michael só beija minha testa e me coloca de volta ao seu
lado quando Katherine começa a ditar suas ordens. Ele abaixa seu
braço até que somente sua mão siga nas minhas costas, mas me
desvencilho do toque com delicadeza, porque um filete de suor
começa a se acumular por ali e não quero que ele fique enojado
com isso. E toda a proximidade torna toda a questão de manter a
amizade nos bons termos muito mais complicada do que já é.
 
 
Quando a bola passa pelo último arco posto no campo após
uma tacada certeira de Michael, ninguém está chocado com o
resultado porque todos já previam que iríamos ganhar essa partida
e, consequentemente, ir para a grande final com Katherine e Logan.
O casal de noivos se empenhou hoje e acho que, de uma forma ou
outra, isso foi para mostrar que são o centro das atenções.
Dou um sorriso para felicitar Michael pelo acerto e trocamos
um olhar como nossa pequena comemoração enquanto deixamos o
campo para que a partida seja reiniciada e aproveito para aceitar a
garrafa gelada que me é oferecida. É uma dessas bebidas ice, com
sabor de limão e que te enganam pensando que a vodca ali não é
maléfica o suficiente. O corpo grande e imponente de Michael se
coloca ao meu lado, ele tem a mesma bebida nas mãos.
“Somos bons nisso.”
“Pelo visto sua memória de onze anos é boa o suficiente.
Mas não minta, eu tenho feito toda a parte difícil”, provoco ele, e
recebo um olha indignado do meu parceiro. “Acho que somos
competitivos, isso sim. Os pais de Logan saíram quase
traumatizados.” Marie e Robert deram boas risadas jogando
conosco, mas perderam muito feio.
“Azar o deles de terem pego adversários tão empenhados em
ganhar.” Ele levanta os ombros. “Vamos deixar o casal levar o
jogo?”
“Só porque eles são os noivos? Não esperava uma atitude
assim vindo de você.” Estalo a língua em desaprovação.
“Santo Deus, me lembre de nunca competir contra você. Ok
então, aquele prêmio já é nosso.”
“Não se esqueça do nosso combinado, coach.” Brindo
sozinha com a garrafa dele, piscando para Michael antes de secar
minha bebida.
“Por nada nesse mundo, Oakles. Só se lembre da sua
promessa.” Ele me aponta com o indicador antes de fazer o mesmo
que eu, findando sua bebida e deixando as garrafas no lixo mais
próximo. “Katherine parece bastante diabólica nos olhando dessa
forma.”
Aceito sua mão, quando ele me oferece, e dou uma risada
baixa enquanto andamos de volta para o campo.
“Ela também é muito competitiva.”
“Vocês já sabem as regras, tentem não trapacear tanto”,
minha avó, a juíza do último jogo, diz no centro do campo,
posicionando nossas bolas nos lugares antes de voltar para a
beirada.
“Não joguem mole só para nos agradar”, Katherine brinca,
olhando diretamente para Michael enquanto passa as mãos pelos
cabelos presos em um rabo de cavalo solto.
“Nem mesmo cogitamos fazer isso”, digo de volta, fazendo
com que a atenção dela se vire para mim. “Podem começar.”
O jogo segue tranquilo até a metade, porque somos duas
boas duplas nisso e todos queremos ganhar. Seguimos uma ordem
onde Katherine joga, depois Michael, então Logan e por último eu. O
que facilita muito as coisas, porque sou melhor que Michael nisso
então todas as bolas que ele não acerta muito bem, eu consigo
corrigi-las e faço com que sempre passem pelo arco junto com a do
outro time.
Faltam só mais dois arcos para que a partida acabe e todos
estão muito atentos no nosso jogo, porque estamos literalmente
taco a taco. Logan passa a bola pelo arco e eu faço o mesmo logo
depois. Provavelmente precisaremos contar pontos para ver quem é
o campeão, já que todos terminaremos o circuito no mesmo tempo.
Mas é chato demais contar pontos.
Enquanto Katherine se prepara para jogar, puxo o braço de
Michael, sentindo seus músculos se flexionam com o toque e os
olhos azuis piscina se viram na minha direção.
Desisti do meu kimono longo depois de um tempo do jogo,
porque está começando a ficar quente o bastante, e ele se ocupou
na posição de carregar a peça mal dobrada no ombro ao invés de
deixar que eu jogasse no canto do campo ou esperasse até
chegarmos no outro lado para entregar para mim avó.
A minha regata branca, que está para dentro do jeans claro,
provavelmente mostra algumas marcas de suor, mas estou focada
demais em ganhar para pensar sobre isso.
“Bata na bola deles”, sussurro para ele, que me olha com a
sobrancelha arqueada. “O campo se inclina um pouco ali, se acertar
com pouca força a nossa bola na deles, ela irá descer mais, por
causa do impacto. Se fizer isso na medida certa, sem muita força,
consigo rebater depois de volta, fazendo um arco até que ela
consiga passar normalmente. Mas Logan não consegue fazer isso.”
“Você é maquiavélica”, ele me diz com um sorriso largo nos
lábios. “Mas, claro, sem pressão que eu faça isso certo.”
“Não seja um menininho, Michael. É um homem ou um
rato?”, provoco-o, que suprimi um riso com os lábios pressionados.
“Basta encostar bem fraco na bola, ela está perto o suficiente da
deles. Eu estou confiando nossa vitória em você.”
“De novo, sem pressão nenhuma”, ele zomba, começando a
dar passos lentos em direção a nossa bola, para jogar.
Sua mão arruma meu kimono no ombro, para que não
escorregue e ele me dá um último olhar, dou um leve aceno para
ele, incentivando-o. Prendo minha respiração, sabendo que estou
sendo competitiva demais, mas ainda assim não consigo me conter
de segurar o ar nos meus pulmões enquanto Michael se concentra e
finalmente faz a jogada.
Ele mantém um sorriso presunçoso nos lábios quando tudo
sai na mais perfeita forma, tirando a bola de Katherine e Logan do
trajeto original, sem fazer muito estrago nem no nosso jogo, nem no
deles, mas os atrasando o suficiente para que sejamos os
campeões.
Uma grande leva de exclamações dos nossos espectadores
é audível o suficiente e Katherine solta um gritinho frustrado.
“Ele não pode fazer isso!”, ela fala incrédula, e então olha
para nossa avó. “Eles não podem fazer isso.” Minha prima descruza
os braços, prendendo-os do lado do seu corpo magro e parece uma
criança que foi contrariada. Michael volta lentamente para o meu
lado e nós dois temos sorrisos cúmplices no rosto.
“Tecnicamente, podem sim”, minha avó responde com
paciência.
“Não!”, Katherine insiste. Ela e nossa anfitriã olham para o
público e todos dão um aceno afirmativo, até mesmo minha tia
confirma a contragosto que, sim, podemos fazer isso.
“É uma jogada válida. Logan, querido, por favor faça sua
jogada.” Vovó aponta para Logan, que esteve calado esse tempo
todo e recebe um olhar bem feio de Katherine enquanto ele se
posiciona na bola deles.
O óbvio acontece, Logan consegue no máximo fazer com que
a bola deles volte para o caminho do arco. Tento não ser muito
convencida da nossa vitória quando me direciono para fazer minha
jogada. Concentro-me no taco e meço bem onde irei acertar,
focando no meu objetivo antes de dar um olhar para Michael e então
voltar meus olhos para a bola, fazendo minha tacada e, como tinha
imaginado, consigo fazer um arco com a bola o suficiente para que
ela passe pela casa fixada no gramado, avançando no jogo.
Me deixo sorrir, convencida agora e Katherine me fuzila com
os olhos enquanto volto ao meu lugar, do lado de Michael, e ela se
posiciona para jogar. Mas ainda melhor do que eu poderia ter
imaginado, Katie está com raiva demais e sua tacada é relapsa,
indo em direção a uma das traves do arco do gramado, não
conseguindo fazer com que a bola deles passe para a última fase,
como a minha e de Michael.
Ela bufa alto em frustração, e sei que se controla para
simplesmente não jogar seu taco no chão. Michael ri baixo ao meu
lado antes de caminhar vagarosamente até nossa bola, uma boa
tacada só será o suficiente para que a gente termine o jogo
vitoriosos. Ele sabe disso assim como eu, e não decepciona quando
seu taco atinge a bola e ela rola com tranquilidade para a última
casa, fazendo de nós os campeões.
Dou risada enquanto caminho até ele, que ostenta um sorriso
para mim também.
“Somos mesmo muito bons nisso”, comento, levantando a
mão para um toque, mas ele puxa minha mão e meu corpo para um
abraço.
“Achei que só fossemos muito competitivos. Sua família tem
boas tradições”, ele completa, nos afastando. “Espero não ser
desconvidado depois de ganhar do casal de noivinhos.” Com o
queixo, ele me indica uma Katherine discutindo com um Logan
resignado e torço o nariz.
Pobre Logan, é o que eu quero pensar, mas não consigo
segurar o pensamento por muito tempo.
“Vamos pegar nosso prêmio.” Ofereço minha mão e Michael
a pega para andarmos até minha avó, que provavelmente torcia por
nós já que estampa um sorriso muito largo enquanto nos espera.
 

 
 
TROCO ALGUMAS MENSAGENS com Daphne enquanto espero
Beatrice no hall de entrada. Os convidados passam pela minha
esquerda e direita, vindos do andar de cima ou do lado de fora. É
quase uma da manhã, porque Katherine quis dizer sim a meia-noite
em ponto, o que é romântico, mas um pouco brega e cansativo.
E é só uma festa de noivado.
O jantar está sendo servido agora, mas também foi oferecido
um pequeno banquete de canapés antes da cerimônia, que
aconteceu numa capela familiar nos fundos da mansão dos Oakles.
Apesar de não ser um dos mais religiosos, o lugar é bastante bonito
para uma celebração como o casamento e não posso dizer que
quarenta por cento dos convidados não ficou um pouco emocionado
quando o casal trocou os votos.
É estranho pensar que só um noivado levou a tudo isso,
porque precisou de um religioso, com a benção dos pais e avós,
uma celebração com alianças e fitas. Pareceu quase um
casamento, mas foi só parte do noivado.
Fico pensando em como será o casamento de fato, porque
provavelmente será ainda mais escandaloso, com mais pompa,
mais luxo e mais coisas estranhas. Nada contra, afinal cada um tem
seus gostos, mas Katherine parece gostar do exagero. Logan, o
noivo, parece só gostar de ir na onda dela.
O fluxo de pessoas diminui consideravelmente, mas não há
nenhum sinal de Bea ainda e estou perto de mandar uma
mensagem quando sua avó aparece ao meu lado.
“Esperando pela Beatrice?”
“Sim. Por algum acaso a senhora sabe onde ela está? Fiquei
de encontrar ela aqui para o jantar.”
“Ela não tinha saído da capela ainda quando eu saí de lá,
agora há pouco. Pode ser que ainda esteja por lá, ela gosta do
lugar”, a senhora me responde com um suspiro pesado. “Acho que é
bom ir buscá-la, ou Bea perderá a hora sentada na capela.”
“Ok”, digo, com certo estranhamento antes que ela vire as
costas e vá em direção a sala de jantar.
Franzo a testa um pouco antes de começar a caminhar para
fora da casa, contornando até começar a ver as luzes da capela um
pouco ao longe. Entro no caminho iluminado por velas, decorado
para levar os convidados até lá e vejo que a avó de Beatrice estava
certa, ela ainda está ali, sendo a única pessoa no ambiente banhado
pela luz amarelada.
“Ei”, sussurro para não assustá-la quando chego ao lado do
banco onde ela está sentada. Desabotoo o terno e me sento ao seu
lado. “Está tudo bem?”
Bea suspira, me dando um sorriso cansado e relaxando os
ombros.
“Sim. Foi um dia agitado.”
“De fato, foi. Sua família tem algumas boas tradições, apesar
de outras um pouco…” Gesticulo para a capela, bem decorada com
tecidos brancos, flores e velas.
“Exageradas. Sim.” Ela torce o nariz. “Isso aqui não é uma
tradição, só uma das milhares vontades da Katie.”
“Acho que combina com ela, todo esse exagero.” Levanto os
ombros. A mulher é um exagero por si só. “Não tenho direito de
julgar…”, começo, e Beatrice se vira melhor na minha direção, me
incentivando a seguir. “Mas em alguns momentos senti como se
fosse só isso, sabe? Só pelo exagero, pelo luxo do evento, para
mostrar para os outros. Claro, as vezes dá pra ver um brilho de
amor entre ela e Logan, mas enquanto estavam parados ali na
frente…” Aponto para o tablado mais alto, onde a cerimônia
aconteceu. “Não pareceu tudo isso, não pareceu emocionante,
cheio de amor e cumplicidade.”
“É isso que um relacionamento é para você?”
“Não é para você?” A resposta dela vem com um dar de
ombros. “Meus pais nunca foram exemplos disso, mas vi o
suficiente nos outros, ou pelo menos acho que vi. Não devia ser
nada além disso. Do amor, do companheirismo, do afeto mais
genuíno possível. Eles vão se casar, pretendem viver juntos, talvez
ter uma família. Não vão ser o tempo todo só um casal se exibindo
para os outros, então precisa haver algo além dessa exibição.”
“Algo real”, ela complementa por mim e dou um aceno. “Meus
pais se casaram aqui.”
“Oh…”, o som surpreso sai sussurrado pelos meus lábios, e
Bea vira o rosto para mim com um sorriso triste.
“Por alguns anos eu sonhava em ter o mesmo. Sempre
quis… não sei, ter um pouco do que eles tiveram, ter um pouco do
que meus avós tinham. Aquilo sempre foi amor. Eu podia ser nova,
mas ainda assim, sempre soube. Lembro de como meu pai olhava
para minha mãe. Lembro de flagrar eles dançando sem música
quando achavam que eu já estava dormindo. Sempre fui uma
adolescente sonhadora em ter o que meus pais tinham. Depois que
eles morreram, tentei buscar, me conectar com eles a todo custo.
Costumava vir aqui quase todos os dias possíveis, tentar sentir
como minha mãe se sentiu, tentar lembrar dos olhos gentis do meu
pai.”
Ela pressiona os lábios com força, balançando a cabeça em
negação e apesar de ver em seu rosto quando seus olhos retornam
para mim que sua expressão segue a mesma, da mulher
determinada que é, consigo ver algo mais a fundo. Vejo seus olhos,
vejo como eles têm um brilho sonhador, como têm a saudade dos
pais, o fundo de lágrimas que ela não se deixa derramar.
Por um minuto, me permito sentir inveja da relação que um
dia ela teve com os pais, porque vejo a saudade nos olhos de
Beatrice e isso nunca foi algo que eu consegui nutrir pelos meus
pais. Queria poder fazer mais do que só olhar para ela, mais para
ajudar nessa saudade que parece doer em seu peito quando ela
respira fundo de modo tão pesado.
Estico minha mão em sua direção e ela segura. Entrelaço
nossos dedos e recebo de Bea um sorriso tristonho. Trago sua mão
aos lábios e beijo cada um dos nós dos seus dedos. Isso incentiva
ela o suficiente para seguir falando.
“Hoje vi que não quero mais isso.”
Franzo a testa com força, porque a última coisa que um
noivado instiga em alguém é o desejo de não se casar com tanta
certeza assim.
“Pelo menos não dessa forma. Venho há alguns anos
buscando, buscando com todas as minhas forças preencher um
vazio que carrego dentro de mim, achando que serei capaz de suprir
essa ausência interna com a presença de alguém. Entrei em tantas
furadas ao longo dos anos, me frustrei tanto, me entristeci mais do
que deveria procurando por um cara que fosse me olhar com
gentileza, com carinho, com o amor que meu pai tinha pela minha
mãe. Me enchi de expectativas e hoje percebi que, no fim, o máximo
que posso conseguir é algo como Logan e Katherine. Logan a
amou, mas Katie sempre só cobiçou ele. Era algo com ela precisava
para suprir o seu vazio, acho que até conseguiu,
consequentemente, nutrir algum sentimento mais puro por ele, mas
oitenta por cento disso é… falso. É para o público.” Ela aperta seus
dedos nos meus. “Não quero isso para mim, não quero um
casamento para os outros. Sou estúpida, mas prefiro o verdadeiro.”
Ela solta um riso seco, me olhando e rolando os olhos.
“Provavelmente deve estar me achando uma romântica
incorrigível, mas sim, acho que desejo o amor verdadeiro. Descobri
isso hoje. Ainda que eu não vá ter nunca na vida, prefiro ter nada a
ter algo falso.”
“Não é bobo. Na verdade, acho que eu sempre fui cético
demais sobre essas coisas. Claro, sempre acreditei no amor e todas
as coisas que o envolvem, mas até pouco tempo não tinha tanta fé
assim no amor.”
“E o que mudou?”
“Vi isso acontecendo ao meu redor e foi… incrível, quase
mágico.” Solto um riso, achando graça de mim mesmo. “Minha irmã
e Matteo, Chelsea, Rebecca. Meu círculo de amigos encontrou isso
de uma forma diferente recentemente e foi transformador para eles.
Rebecca provavelmente nunca teria feito o que realmente desejava,
nunca teria se permitido querer mais do que o que foi designado
para ela…” Não que eu possa julgar, porque cá estou eu fazendo
tudo o que sempre foi esperado de mim. “Chelsea descobriu que ela
é a pessoa mais amável do mundo…” Coisa que eu sabia há muitos
anos, mas foi bom que Josh tenha ajudado ela a saber disso, e ter
conhecimento disso todos os dias. “Mesmo que eu goste, muito, de
encher a porra do saco dele por isso, Matteo foi bom para Daphne.
Vejo felicidade exalando dela. Ela descobriu o que é ter uma família
de verdade e, sinceramente vai soar muito cafona isso, mas acho
que ela trouxe a luz de volta pra vida dele.”
Por um lado, as vezes é positivo ser calado. É mais fácil para
observar os outros e sempre me senti mais confortável nesse lugar,
o de observar, de perceber o que acontecia na minha volta e de,
consequentemente, saber mais do que pareço saber. Os últimos
três anos foram bem diferentes na vida do nosso pequeno grupo de
amigos, que ficou ainda mais enxuto depois que Angel foi para a
Califórnia e Oliver não quer ser visto nem pintado de ouro por
nenhum de nós.
Eu nunca gostei dele, de qualquer forma.
“Você que é um romântico incorrigível.” Ela ri baixinho.
“Leio muitos romances”, brinco com ela, e Beatrice revira os
olhos, desacreditada.
“É bonito ver você falar sobre seus amigos. Acho que é
exatamente assim que eu quero que alguém fale de mim no futuro,
quero algo verdadeiro que encante as pessoas, que faça com que
elas voltem a ter fé no amor, talvez.” Um suspiro profundo é dado
por ela de novo e então sua mão escorrega para fora da minha.
Quero dizer algo, que ela provavelmente vai ter isso, mas não gosto
de fazer promessas vazias. “Estava falando a verdade sobre ler
romances?”
Faço uma careta e ela ri.
“É um pequeno segredo meu, por favor, não espalhe por aí.”
Vejo em seus olhos que Beatrice cogita se estou falando a verdade
ou não enquanto me fita com os olhos cerrados. “Gosto
principalmente dos de época, são uma pequena fraqueza minha.
Não consigo entender porque gosto tanto dessas histórias sendo
que são tão parecidas umas com as outras. E li o suficiente para ter
essa afirmativa como certa.”
“Não irei duvidar disso em momento algum, tenho um
sentimento que poderia discursar polidamente sobre seus romances
de época.”
“E posso!”
Ela ri mais uma vez e tento disfarçar meu sorriso. Ficamos
um tempo nos olhando e posso finalmente me permitir um
pensamento um pouco bobo e egoísta. Por um momento, quando
estivemos juntos há duas semanas, Beatrice me fez sentir algumas
coisas que nunca tinha sentido de forma tão forte durante um
simples sexo. Foi diferente ainda que eu seja incapaz de dizer o que
de fato aconteceu comigo.
Quando ela se afastou de mim depois disso, senti como se
tivesse feito a coisa errada e quase me arrependi da nossa noite.
Porque ela se tornou no último mês uma pessoa muito importante
para mim, importante o suficiente para que eu não deseje que ela se
afaste e quero mesmo dar o meu melhor para fazer com que ela
fique na minha vida. Ela me faz bem, com seu jeito certinho demais,
sua língua descontrolada e seu comportamento tão diferente do
meu.
Ela até mesmo me mudou a certo ponto.
Então foi um pouco… ruim estar aqui, com ela, e não ver nem
mesmo uma pequena cogitação da parte dela em relação a mim.
Suspiro com o pensamento idiota. Porque, no fundo, não sei
o que eu faria com essa cogitação dela e isso é muito egoísta.
Beatrice se levanta e me estende a mão.
“Está tarde, acho melhor voltarmos para a casa, também
acho que merecemos um descanso.” Dou um aceno como resposta,
segurando sua mão e me levantando no banco também.
Ela vai apagando algumas velas no caminho que fazemos até
a saída da capela, mesmo que provavelmente há empregados no
longo time contratado por Katherine prontos para finalizar o dia de
serviço e finalmente fechar essa capela, tirando toda a decoração
que a faz parecer um casamento.
Passo meu braço pelos seus ombros e ela entrelaça os
dedos na minha mão que repousa próxima ao seu pescoço. Beatrice
descansa a cabeça suavemente em meu peito enquanto
caminhamos abraçados e noto o quanto ela está cansada. Subimos
as escadas, ignorando o barulho vindo das salas de estar e jantar,
onde muitos convidados ainda estão apesar do horário.
Deixo-a na porta do seu quarto, ao lado do meu e espero até
que ela ache a chave e destranque a porta. Penso que não cogitei
fazer isso no meu quarto e guardo na memória para nunca mais
deixar que as pessoas possam ter livre acesso ao quarto onde
estou. Ela me olha.
“Obrigada, por agora a pouco e por estar aqui. Parece um
pouco melhor tendo a sua companhia.”
“Fico feliz em servir para os seus propósitos, senhorita
Oakles.”
“Você lê mesmo esses romances.” Ela acha graça,
balançando a cabeça como se mesmo assim ainda não acreditasse.
“Boa noite, senhor Laurent-Davis.”
“Acho que sempre pensei em mim mesmo como um lorde,
um duque talvez”, zombo, e ela revira os olhos. Me aproximo de
Bea, reduzindo a nossa distância e seus lábios parecem tão
convidativos que tenho vontade de ceder a minha tentação de beijá-
los de novo, porque sinto falta até do toque da sua boca na minha,
do seu beijo gostoso. Mas seria muito presunçoso da minha parte
achar que ela também quer isso, porque Beatrice não me dá sinais
que quer. Então seguro seu rosto entre as mãos e beijo
demoradamente sua testa. “Boa noite, Bea.”
Ela sorri enquanto me afasto, entrando para o seu quarto só
quando faço o mesmo, segurando meu sorriso de volta para ela.
 

 
“Honestamente, estou mesmo começando a ficar com medo
do que sua prima chama de comemoração entre poucos conhecidos
e noivado simples. Porque, sinceramente, ela vai levar todo mundo
para Paris em uma reuniãozinha de casamento?”, zombo, e Beatrice
leva os dedos aos lábios para suprimir sua risada.
Ela é bem mais contida perto da família, ou em público. A
maioria das vezes que estivemos juntos foi a sós e não acho isso
ruim. Gosto de ter seus olhos só para mim, seu sorriso frouxo e sua
boca gostosa tagarelando o tempo todo. Mas com a família, nesse
evento, ela tem sido bem mais quieta, quase tímida demais.
Claro que dificilmente poderia querer parecer muito tímida
nesse vestido que usa porque eu tenho dificuldade de tirar meus
olhos dela. Beatrice está perfeita num vestido marsala, com os
braços livres e uma gola que se fecha em seu pescoço. Apesar de
bem escondidos, seus seios ficam bonitos demais nesse vestido.
Quase tanto quanto ficam sem nada os cobrindo.
É um vestido longo, que marca sua cintura bem definida e se
solta em suas pernas. Tem uma fenda que quase me fez salivar
quando a vi descendo as escadas mais cedo. A fenda sobe até
metade da sua coxa direita, mostrando suas pernas que foram
ganhando mais definição nos músculos nas últimas semanas.
“Ok, eu entendi, nada de cogitar te convidar para o
casamento.” Ela leva a taça de champanhe aos lábios.
“Tenho a impressão que até você, se não fosse da família,
gostaria de não ser convidada.” Ela geme frustrada. “Talvez eu
possa te ajudar a inventar alguma doença. Quando mesmo é o
casamento?”
“Dezembro. Um frio gigantesco para ver ela casando. Pelo
menos, não será um casamento ao ar livre. É algo que eu esperaria
de Katherine. Uma loucura como casar ao ar livre no inverno.” Seu
suspiro é baixo e voltamos a olhar para a festa.
É uma grande social para a comemoração do noivado.
Katherine disse sim pela vigésima vez para o noivo e já estou
cansado de ver o coitado se ajoelhando. Para que tantas vezes?
Nunca vou entender.
Na verdade, nunca fui o maior fã de sociais, de festas com
muitas pessoas, de aglomerações no geral. Gosto de sair, de
encontrar alguém, de aproveitar a noite e coisas nesse sentido. Não
sou o maior apreciador de conversas idiotas, amenidades que não
fazem sentido algum, toda essa coisa de querer agradar mesmo
aqueles que não gosta.
Isso nunca foi para mim. Nisso dei o meu melhor para fugir.
Nunca fiz questão de ficar em eventos sociais, fossem eles do
caráter que fossem. Não me importava. Sempre apreciei os
aniversários dos meus amigos, o noivado de Rebecca, o casamento
pequeno de Daphne e Matteo.
Estou concentrado, olhando para alguns pares dançando,
que não noto quando Logan se aproxima de nós dois. Felizmente,
desacompanhado da noiva. Ele me dá um aceno e cumprimento-o
de volta.
“Bea… pensei em tirar você para uma dança”, sua voz é
quase sofrida demais, como se temesse a reação dela. “Por favor.”
O acréscimo é feito gentilmente, enquanto a oferece sua mão.
Ela puxa o ar com força, parecendo surpresa até, mesmo
assim junta sua mão com a dele.
“Ok.” E então me dá uma última olhada antes de se permitir
ser guiada até o círculo central do salão.
Meus olhos seguem os dois e engulo em seco o sentimento
que se acumula dentro de mim, ardendo minhas têmporas enquanto
percebo que meu maxilar fica tão cerrado a ponto de quase doer.
Mas, ainda assim, não consigo relaxar minha expressão, mesmo
que eu queira isso. Parece que meu corpo inteiro não consegue só
ignorar a forma como Logan coloca a mão da cintura de Beatrice e
como isso é incomodo.
Infelizmente, ela não parece desconfortável.
Respiro fundo, sentido minhas narinas dilatando e ardendo
pela minha respiração quente. Engulo o resto do champanhe na
minha taça com um gole só. Mal sinto o álcool descendo pela minha
garganta e percebo que preciso de algo mais forte que o inferno de
um champanhe ruim.
Mas não posso sair de onde estou também. Porque se sair,
vou perder os dois da minha vista e por algum motivo sádico, não
quero parar de observá-los. Fico feliz de ninguém se dar a
importância de querer falar comigo, todos os idiotas pareceram
chocados demais quando cheguei como acompanhante de Bea e
não me desagrada totalmente conseguir fugir das suas chatices.
Logan se inclina mais para perto de Beatrice e isso é a droga
do fim do mundo. Qual é a porra da necessidade dele ficar próximo
assim dela? E também qual é a porra da necessidade dele abraçar
ela desse jeito? Quem dança dessa forma? Só quero tirar as patas
desse idiota dela.
Ele não deveria ter a porra de uma noiva? A qual ele pediu
em casamento pelo menos umas trinta vezes. Porque ele precisa
ser tão… carinhoso enquanto dança e conversa com Beatrice? Não
precisa!
Sou consumido por um sentimento que nem mesmo sei o que
é, porque nunca senti isso antes. A única coisa que quero é que ele
pare, que ele saia de perto dela e, pelo amor, estou sendo ridículo,
mas quando parece que a música está se encaminhando para o fim,
meus pés me levam até eles e, de uma forma que estraga qualquer
decoro, pigarreio.
“Posso?”, pergunto, dando o meu melhor para não fuzilar ele
e fitando Beatrice com um sorriso convidativo.
Ou pelo menos é isso que eu acho.
Logan me olha com uma careta disfarçada, e finalmente, se
afasta dela, me passando sua mão.
Escorrego meu braço para sua cintura, quase suspirando de
alívio quando seu perfume floral me invade, acalmando meus
nervos de uma forma quase boba. Sua mão na minha é confortável
demais, a outra vai do meu ombro até o meu pescoço.
“Está tudo bem? Seu pescoço está vermelho.” Ela dedilha
minha pele com delicadeza, deixando arrepios. Quando seus olhos
voltam para os meus, ela entreabre a boca.
“Não faz isso…”, meu pedido é um sussurro fraco demais.
“Não é nada, tá tudo bem.”
“Poderia ter subido já, se estiver cansado.” Sua mão volta
comportadamente no meu ombro.
“Não estou cansado. Você está?”
“Você aparenta cansaço.” Ela ignora minha pergunta, me
olhando daquele seu jeito gentil terno e desvio meus olhos por
alguns segundos.
“Mas não estou. Só não… tenho muito costume de frequentar
muitos eventos sociais.”
“Achei que fosse de uma família que gosta desse tipo de
coisa.” Faço uma careta e ela abafa uma risada se inclinando contra
meu peito. “Nunca fui tirada pra dançar tantas vezes como essa
noite, finalmente estou tendo minha noite de baile de formatura?”,
Beatrice brinca com leveza, mas sinto um tom triste em seu
comentário. Olho para ela com uma sobrancelha arqueada.
“Nunca foi tirada pra dançar em um baile de escola?”, minha
indignação quase não pode ser contida.
“Por favor, Michael. Olhe para mim, era o patinho feio
sempre. Superei isso com os anos, eu juro. Mas sempre fui a garota
gorda, não é como se houvesse uma fila de caras disputando para
me chamar e colocar um corsage no meu pulso. A maioria deles
está horrível de feio, casado com uma mulher bonita demais, ou
seja, eu me livrei. Além de ter superado essa parte da minha vida.”
“Isso não significa que não seja, para começo de conversa,
bonita e muito atraente. Além disso, sua companhia é muito
prazerosa, gosto de estar com você.” Isso lhe arranca um sorriso e
ela repousa a mão na minha bochecha.
“É fofo da sua parte que me diga isso, mas não muda os
padrões da sociedade.” Ela parece resignada demais, consigo
entender, porém não me deixa menos frustrado. Me inclino contra
sua mão, seguindo o embalo da dança.
“O que há com você e o noivo?” Ela se finge de desentendida
com minha pergunta. “É notável que tem algo, apesar de eu não ter
visto desconforto enquanto estão juntos, posso notar que é como se
a tensão entre vocês pudesse ser agarrada com as mãos.”
“Logan e eu… não é uma longa história só é uma história
ruim. Éramos muito amigos, melhores amigos quase. Durante os
primeiros anos da faculdade achei que nunca conseguiria arrumar
nenhum outro amigo que não ele, pra falar a verdade. Acabei me
agarrando em uma ideia fictícia e, como esperado, me machuquei
com tudo.” E então ela não diz mais nada.
“Pode não ser uma história longa, mas acho que ainda não
consegui entender direito.” Ela morde a bochecha pelo lado interno
e trago nossas mãos unidas para passar o dedo ali, desfazendo a
tensão. “Não precisa me contar se não quiser.”
“Eu era apaixonada por ele, muito, e é uma burrice muito
grande se apaixonar pelo seu melhor amigo, só pra constar.”
“Ei, acredito que Daphne e Matteo podem dizer o contrário”,
zombo, só para conseguir arrancar um sorriso dela e tenho sucesso.
“Ok, mas eles são a exceção na minha opinião. Me apaixonei
por ele e, infelizmente, em algum momento achei que seria
interessante contar isso para o Logan. Em uma noite, de muita
bebedeira, acabamos ficando. Eventualmente, tornou-se algo meio
que habitual pra gente. Algo do tipo se não tivéssemos nada para
fazer, ficávamos outra vez. Mas para ele era algo casual, para mim
era algo que só me ajudava a nutrir uma grande ilusão.” Ela suspira
profundamente, a música acaba, mas seguimos no ritmo para a
próxima. “Digamos que acabou muito mal. Ele se apaixonou por
Katherine e, no fim, estava ficando com nós duas. O diferencial é
que com ela, ele sentia algo. E eu era a pessoa que ele usava
quando ela não o queria, porque eu era mais fácil. Katie descobriu
porque Logan abriu a boca, falou sobre o que a gente tinha e sobre
meus sentimentos por ele. Foi bastante humilhante ver Katherine
espalhando muitas coisas sobre sua prima gorda e feia que achava
que era capaz de ficar com um cara bonito por algo além que o tédio
dele. Logan não fez muito para impedir todo o estrago… talvez no
fim não fossemos tão amigos assim.”
Beatrice dá de ombros, e acabo parando no meio da nossa
dança. Incrédulo demais com essa situação tosca, além de muito
escrota da parte dos dois.
“E você ainda se dá o trabalho de vir ao noivado deles?
Espero que tenha desejado só coisas ruins ao casal, eu vou desejar
isso daqui pra frente.” Minha raiva transborda, mas ela só ri,
deixando sua mão pousar delicadamente no meu peito, como se
quisesse me acalmar.
“Não compensa o esforço, de verdade. Eu era um pouco…
influenciável a respeito da opinião alheia sobre mim, mas consegui
me livrar de comentários como esse, me livrar de todo o efeito que
um dia tiveram. Se Katherine quer tem um complexo sobre o meu
corpo, que ela tenha sozinha, estou muito bem comigo mesma hoje
em dia para ficar me importando com o que ela acha ou não de
mim. Acho que, de alguma forma, consegui tirar o melhor da
situação.”
“E teve isso?”
“Nunca fique com caras que não são para o seu bico.”
“Santo Deus e o que seria isso? Provavelmente a sua
definição de caras que não são pro seu bico é bem diferente da
minha.” Bea me puxa para que voltemos a dançar, sem chamar a
atenção por estarmos parados no meio da pista.
“Qual é a sua definição?”, ela retruca, curiosa, e vejo em seus
olhos a provocação para que eu responda antes que ela.
“Os caras babacas com quem saia! Que não fazem nem
mesmo a questão de serem cavalheiros o suficiente no primeiro
encontro, os que… droga, Bea, os caras que não conseguiam ver o
quão bonita, atraente, interessante, muito inteligente e sei lá, todos
os atrativos que você tem, os que te davam o bolo. Noventa por
cento dos caras daquele aplicativo.” Óbvio que ela acharia graça do
que eu falo, balançando a cabeça em negação enquanto controla o
risinho. “Ok, sua vez.”
Ela suspira outra vez, e parece bastante cansada na minha
visão. Seu riso se cessa e ela me olha com um pesar.
“Ah, Michael, ao longo da vida aprendi que caras bonitos
demais não são para o meu bico. Caras que podem ter qualquer
garota, não tem o porquê quererem a mim. Posso ter atrativos na
minha personalidade, mas não é ela quem fica estampada a olho
nu. Caras que tem boa fama com as mulheres sempre escolhem
pelo que veem de primeira e eu costumeiramente  não sou essa
escolha…” Ela passa a língua pelo lábio inferior e desvia seus olhos
dos meus. “Caras charmosos como Logan, caras bonitos como
você, caras meio combo completo como Colton.”
Abro a boca, com um choque nítido em meu rosto. Paro meu
corpo e faço com que ela pare também, seguro seu rosto entre as
mãos e ela me olha com arrependimento, provavelmente por ter dito
a última parte.
“Não me coloque ao lado do Logan, ele é um escroto do
caralho e espero ser minimamente menos babaca que ele. Não
posso negar que sou exatamente o cara que falou e isso soa
extremamente narcisista. Caras bonitos costumam ter o ego bem
maior do que devem e sei disso, mas não me coloque nessa lista.”
“Por que eu não deveria, Michael? Você é…”
“Não, Bea”, corto ela gentilmente. “Eu tô com a porra de uma
vontade de beijar sua boca todas as vezes que eu olho para você,
então não me venha com esse papo que não sou pro seu bico,
transformando tudo isso em algo ainda pior do que já tá sendo.”
Minha respiração é agitada e me arrependo profundamente de dizer
isso quando preciso encarar a expressão dela. Tiro minhas mãos do
seu rosto e as deixo cair ao lado do corpo. “Desculpa… eu não
deveria ter dito isso.”
Mas quando faço menção de me afastar, ela segura forte
meu corpo contra o seu, já que ainda estamos quase na mesma
posição que estávamos quando dançar ainda era nosso intuito. Vejo
a incerteza ali, ela parece travar uma pequena batalha entre
continuar se resignando ou acreditar em todo o desejo que tenho
por ela.
“Michael…” Porra, eu amo quando ela fala meu nome assim.
“Sobe pro quarto comigo”, sussurro meu pedido, e algo se
agita quando noto o desejo também flutuar pelos seus olhos quando
eles descem para minha boca quando profiro isso. “Por favor.”
“Tem um monte de convidado na casa.” Sua resposta é
demorada, e só serve para me arrancar um sorriso malicioso.
Inclino-me em seu ouvido.
“É só você não fazer barulho, gracinha.”
E quando Beatrice puxa o ar, vejo que está ansiosa por isso.
Meu corpo arde, porque estou há duas semanas só pensando em
ter meu corpo novamente tão próximo do seu. Faz duas semanas
que venho fantasiando muito além do que foi da primeira vez. Faz a
porra de duas semanas que venho imaginando, com ainda mais
ênfase, como é explorar todas as partes do seu corpo com a boca.
Sua mão desliza pelo meu braço até alcançar a minha e ela
entrelaça seus dedos nos meus, me dando um aceno antes que eu
comece a conduzir para fora da droga do salão de festas.
Faz duas semanas que espero que ela me deseje de volta e
meu peito se acalma com a percepção que esse momento
finalmente chegou.
 

 
MINHA MÃO PARECE QUASE SEM forças segurando a de Michael
enquanto caminhamos sem parecer suspeitos demais correndo. Ele
me olha vez ou outra por cima do ombro, enquanto nos guia até
meu quarto e sempre tem um sorriso malicioso nos lábios. Não
posso negar que, depois do que aconteceu entre nós, não fiquei
cogitando se um dia aconteceria de novo. Desejando que
acontecesse.
Mas, desde o momento em que o conheci, sabia que Michael
se encaixava na sessão de caras que eu nunca poderia me iludir.
Porque ele é demais, bonito demais, gostoso demais, cobiçado
demais. Tem mulheres demais a sua disposição. Mesmo de mãos
dadas com ele, sendo levada para o quarto por ele, ainda me
pergunto sobre os motivos que Michael tem para me escolher no
meio de tudo o que ele pode ter.
Ele procura a chave que dei para ele no bolso do paletó e
está mais do que só bonito hoje com um terno todo preto. Da
camisa aos sapatos, Michael veste preto e contrasta com sua pele
clara, seus olhos azuis límpidos e o cabelo que está em uma
tonalidade castanho claro agora que está cada dia maior. Desde que
nos conhecemos, tenho a impressão que ele parou de aderir o corte
tão rente, apesar das laterais ainda estarem raspadas
provavelmente na lâmina dois ou três.
Assim que a porta se abre, ele me convida para entrar com
um gesto e obedeço, mal tendo tempo para respirar antes de ser
empurrada contra a porta fechada e ouço o clique da trava enquanto
sou envolvida pelos braços fortes de Michael. Ele me olha, seus
olhos estão escurecidos pelo desejo e não posso evitar me sentir
ainda mais quente do que já estou quando ele me olha assim.
Uma de suas mãos segura minha cintura, enquanto a outra
acaricia minha bochecha com o polegar. Solto um suspiro e
compreendo a pergunta silenciosa que está me sendo feita. Minha
resposta é colocar meus braços ao redor do pescoço de Michael e
me inclinar até que minha boca toque a sua e um gemido saia pelos
meus lábios quando isso acontece.
Seguro sua nuca, passando os dedos pelos fios que estão
crescendo ali e abro minha boca para ele, que não tarda a colocar
sua língua, primeiro provocando meu lábio inferior, para então
buscar pela minha, ávida, desesperada, urgente por mais de mim
tanto quanto eu. É perfeito, o encaixe dos nossos dos corpos se
buscando, das mãos explorando cada pedaço de pele.
Deixo parte das minhas inseguranças para trás quando me
afundo em seus lábios, enquanto suspiro pelo seu toque gentil em
todo meu corpo, todos os lugares que ele alcança.
“Você não tem ideia do quanto estou com vontade de fazer
isso de novo. O quanto tava com saudade da sua boca”, ele
sussurra em meu ouvido antes de deixar um beijo logo abaixo, e
então no meu pescoço e vislumbro uma careta desgostosa para
minha gola alta do vestido.
“E por que não fez?”
“Bea.” Sua expressão demonstra que o motivo é óbvio, mas
trago seu rosto novamente na altura do meu e arqueio uma
sobrancelha. “Você correu da minha casa naquela manhã, e depois
fingiu que nada tinha acontecido. Eu supus que…”
“Você também me tratou como se nada tivesse acontecido!”
“Claro que não”, ele retruca, me abraçando pela cintura e não
me deixando sair da posição onde estamos. “Você correu de mim de
manhã, quando eu te convidei pra ficar, depois disso só esperei e na
sexta-feira me tratou como se a outra noite não tivesse existido. Só
segui seu comportamento.”
“Eu não corri de você”, me defendo, e ele ri, deixando um
beijo no meu maxilar.
“Eu nem sei se tinha terminado de me vestir quando você já
estava indo porta afora do meu apartamento.”
“Achei que estivesse fazendo o convite por educação, para
não deixar as coisas estranhas.”
“Primeiro, você sabe que eu não faço nada que não queira,
ainda mais em nome da educação. Segundo, as coisas ficaram
estranhas depois que me deixou sozinho lá. Eu queria que ficasse.
Preferi me ater ao pensamento de que talvez preferisse mesmo
continuar dormindo e por isso foi embora. Coisa que também podia
ter feito lá em casa, não me importaria que ficasse lá.”
“Você ia sair para trabalhar, como eu ia ficar lá?” Mesmo que
a cama dele seja infinitamente mais macia que a minha, todos os
lençóis tenham o perfume dele e seja muito convidativo o
pensamento de ficar horas e horas naquela cama, ainda assim seria
pouco lógico.
“Não é como se você fosse uma estranha.” Seu tom tem mais
ênfase que antes. “Não me importaria com isso”, ele prossegue, e
seus olhos me passam muito além disso. Vejo que ele não teria
mesmo se importado e penso que foi idiota da minha parte ter
deixado ele tão rápido.
Mas, eu não corri para fora do seu apartamento!
Foi uma saída rápida só.
Não estou acostumada com isso, com transar e passar a
noite junto. Sempre achei muito constrangedor precisar acordar ao
lado de alguém e talvez ver o arrependimento ali. Prefiro quando as
coisas terminam quando ainda estão boas, quando só precisarei
saber no dia seguinte, através de uma mensagem, se tudo vai
continuar ou acabar por ali. Apesar de sempre gostar disso, sempre
apreciar muito o ato, transar sempre foi uma grande insegurança.
É bastante íntimo e isso é óbvio, mas o fato de eu precisar
me revelar por inteira para alguém sempre trouxe alguns medos e
muitos receios. Independente de ter aprendido a me amar do jeito
que sou, de gostar do meu corpo como é, de me achar atraente na
frente do espelho noventa por cento do tempo, é diferente quando
envolve outra pessoa.
É bem mais amedrontador.
Com Michael isso foi mil vezes mais. Porque gosto da
companhia, da nossa amizade, da relação que criamos, dos meio
sorrisos que ele dá e como sempre parece muito disposto a me
ouvir falar sobre algo que nem mesmo parece fazer sentido. Ele
raramente se incomoda quando mudo o rumo da conversa mil vezes
enquanto falo e parece igualmente interessado em todos eles.
Não queria perder alguém assim na minha vida, porque ele
tem sido muito importante.
O medo de acordar naquela manhã e ter que encarar um
olhar arrependido, um tratamento cordial por obrigação. Esse medo
foi esmagador demais para que eu pensasse em qualquer coisa
além de ir embora o quanto antes e não precisar passar por nada
disso. Sim, posso ter mesmo me comportado como se nada tivesse
acontecido, tentando evitar qualquer constrangimento, qualquer
momento que pudesse nos deixar com vergonha de tornarmos a
nos encontrar. Preferi evitar porque não queria afastar ele.
“Ok, talvez eu tenha feito a coisa errada”, admito, levantando
os ombros e me dando por vencida.
“Bom que sou eu quem estou no seu quarto hoje. Assim vai
ter que me expulsar amanhã.” Ele pisca e reviro os olhos. Seus
dedos sobem pelo meu corpo, dedilhando meus braços até os
ombros e então os contornos do meu rosto. “O que disse lá
embaixo…”, seu sussurro vem junto com um profundo olhar, o azul
dos seus olhos me faz ser levada pela imensidão daquele mar bem
ali. Me sinto pequena e, ao mesmo tempo, poderosa quando ele me
olha assim. “Você realmente se sente assim? Como se tivesse que
se contentar com menos do que quer?”
“Não é me contentar com menos do que eu quero…”
“Então não me quer?”
“Óbvio que sim”, respondo, desejando poder dar um tapa
nele nesse momento por simplesmente perguntar isso. “Acho que
não é exatamente assim, só posso ter aprendido a desejar coisas
que posso ter, e não criar ilusões com pessoas que dificilmente
serão minhas.”
Ele me observa por alguns instantes e me dou conta do que
falei. Como se estivesse pedindo para que ele me diga que pode ser
meu, mas não foi a intenção.
“Eu não quis…”
“Eu entendi.” Ele me silencia com um olhar gentil. “E entendo
o que quer dizer, apesar de não concordar. Acho que a gente nunca
sabe como uma pessoa pode ser, além de nunca escolhermos esse
tipo de coisa. Nos sentimos atraídos pelo corpo, mas o que nos
prende é o conteúdo.” Pressiono meus lábios um no outro e ele
deixa um beijo rápido ali, desfazendo a tensão. Sorrio
involuntariamente com o seu ato.
Escorrego minhas mãos do seu pescoço para seus ombros
firmes e então para o peito duro.
“Você fica bonito de preto.” Seu olhar demonstra que ele
demora um pouco para captar o elogio e logo sorri, quase muito
convencido sobre isso.
“Você também.” Ele pisca e eu olho confusa.
“Isso é vinho, marsala, no máximo um vermelho-escuro. Não
é preto”, digo, abaixando meus olhos pelo vestido que uso.
“Está deslumbrante hoje também, mas me referia a outro…
tipo de vestuário no qual fica uma delícia em preto.” Demoro um
pouco para compreender ao que ele se refere e quase engasgo com
a lembrança. Michael sorri totalmente cheio de malícia, como se seu
objetivo tivesse sido cumprido.
“Michael…” Suspiro, tentando controlar o rubor que me sobe,
mas ele me ajuda com isso, se aproximando até que sua boca
esteja na minha de novo.
Seu beijo é bem mais calmo agora, como se estivesse feliz
em tomar seu tempo para investir em cada canto da minha boca. Me
agarro a ele, como se fosse fraca demais para permanecer de pé se
não o fizer. Ele mantém uma das mãos em minha nuca, enfiando os
dedos no meu cabelo solto, entrelaçando com algumas mechas e
me puxando para perto de uma forma bastante excitante.
A outra desce pelo meu corpo, arrepiando os pelos da minha
nuca e então endurecendo meu mamilo com um único roçar de
dedo, descendo ainda mais. Um aperto em minha cintura faz com
que eu arquei meu corpo contra o dele e ele pousa a palma firme na
curva da minha bunda. Como se fosse possível, puxo Michael ainda
mais para perto pela nuca. Ele geme contra minha boca quando
mordisco seu lábio inferior antes de voltar a tocar sua língua com a
minha.
Sua mão puxa a saia do vestido. Tento ajudá-lo dando um
passo para frente, mas perco o equilíbrio pelos saltos e Michael me
segura firme, separando sua boca da minha. Mais três beijos
rápidos cobrem meus lábios antes que ele se ajoelhe na minha
frente e segure meu tornozelo, começando a desfazer o fecho da
sandália de salto que uso.
“Muito cavalheiro da sua parte”, brinco, quando ele puxa meu
outro pé, depois de se livrar de um dos sapatos.
“Nada é feito sem maldade, gracinha. Deveria aprender isso.”
Antes de tirar completamente o último pé, ele se inclina e beija
minha coxa exposta pela fenda da saia. “Sabe… na verdade aqui é
uma posição muito confortável para algumas coisas que venho
desejando.” Suas mãos são hábeis ao jogar meu salto para o lado e
levantar minha perna um pouco, beijando meu tornozelo marcado
pelas amarras, minha panturrilha, fazendo com que eu contraia
meus músculos.
Seus beijos seguem, me deixando arrepiada até chegarem
no limite da fenda do meu vestido e ele me olha de novo, como se
pedisse permissão para seguir. Mordo meu lábio, um pouco incerta
sobre isso. Ele beija minha coxa de novo, ainda ajoelhado na minha
frente e segura minha perna deixando um carinho com o polegar
pouco acima do meu joelho.
“Você não quer ou não sabe?”, Michael me pergunta, e
preciso ter meu tempo para admirar esse homem, muito gostoso,
parado na minha frente, ajoelhado e me pedindo se pode tirar minha
calcinha e me chupar.
Ele é como um deus do sexo de tão bonito e atraente.
“Eu… eu nunca me senti muito confortável com isso e…
também não é como se eu tivesse tido boas experiencias ao longo
da minha vida sexual.”
“Nunca recebeu um oral que compensasse? Não é possível
estar me dizendo que ninguém nunca te chupou direito.” Ele parece
mesmo indignado com isso, mas também incrédulo. Cruzo os
braços, um pouco chateada com sua reação.
“Não precisa falar assim, ou achar graça da situação.” Meus
sentimentos ficam bem nítidos do meu tom de voz e em meio
segundo, Michael se coloca de pé e segura meu rosto entre as
mãos.
“Não estou fazendo graça. Sei que pode ser mais comum do
que nós, homens, gostaríamos de admitir.” Recebo um beijo casto
nos lábios, mas ele se demora ali e acaba sugando meu lábio entre
os seus. “Tudo bem, acho que compreendo sua ressalva. Quero
muito fazer isso, mas entendo se não quiser. Existe uma infinidade
de outras coisas que desejo fazer com você e que podemos testar.”
Michael me beija mais uma vez antes de se ocupar distribuindo
beijos pela minha bochecha, queixo, maxilar e descendo.
Me derreto em seus braços enquanto penso sobre o assunto.
Não é como se sempre fosse ruim. Amigas me falaram o suficiente
sobre como pode ser muito bom, e alguns caras fizeram valer por
alguns segundos antes de tudo ficar estranhamente desconfortável
e precisar inventar alguma desculpa sensual para que aquilo
acabasse antes. Não posso fingir que não sei sobre como Michael
sempre foi muito requisitado em camas alheias. Dificilmente ele é
ruim nisso, acredito eu.
Ele é muito bom em todo o resto, como pude provar há
algumas semanas.
Baixo meus braços, que ainda estavam cruzados e alcanço a
fenda do vestido, abrindo-a mais para os lados até alcançar o cós
da minha calcinha sem costura. Michael demora um pouco para
perceber o que faço e quando seus olhos voltam aos meus, eles
ficam com um brilho de excitação ainda maior. Sorrio enquanto sinto
o tecido descer pelas minhas pernas, me sentindo muito sensual e
poderosa, observando-o engolir em seco, me olhando com tanto
desejo.
Tiro os pés e chuto a calcinha para o lado.
“Gosta da cor”, Michael comenta tão rouco que quase não o
escuto. Seus olhos seguiram o trajeto curto da peça e noto que
também é preta.
“Noventa e cinco por cento das minhas roupas íntimas são
dessa cor. É uma cor prática e básica”, comento, tentando não ficar
sem graça.
“Estou ansioso para conhecer os cinco por cento.” Sua voz
sussurra contra meus lábios antes que ele me tome para mais um
beijo profundo.
Michael tem beijos muito bons. Todos eles. Mas meus
favoritos são quando ele tem urgência. É como se tudo dependesse
da forma como sua língua prova da minha, como suas mãos colam
meu corpo no seu, explorando minha pele por cima do tecido do
vestido. Enrijecendo meus seios com os polegares e grunhindo
contra minha boca quando sente a mudança. Meus mamilos doem
contra o algodão, quero a boca dele ali, as maravilhas que ele faz
quando passa a língua pela minha pele.
Mas para minha frustração, ou para o meu prazer, sua mão
desce ainda mais. Involuntariamente, sugo minha respiração
quando fazem o caminho pela minha barriga e ele deixa meus lábios
para me dar um olhar duro e reprovador. Isso dura pouco, porque
logo seu indicador encontra o começo da fenda do vestido e sobe
ela.
Seguro seus ombros, como se estivesse muito impactada por
toda a excitação que me atinge e ele chupa um ponto extrassensível
no meu pescoço quando seu dedo finalmente me toca, mas não o
suficiente. O indicador percorre a linha da minha virilha, do topo e
descendo até que finalmente separe meus lábios e toque minha
carne inchada.
Solto um gemido guinchado, ele sorri contra minha pele.
Talvez pela minha reação, talvez por notar que estou muito excitada.
Posso sentir minha umidade contra sua pele enquanto ele
vagarosamente percorre o dedo por toda extensão, do ponto mais
inchado até minha abertura e o caminho de volta. Seu polegar faz
um círculo muito lento em meu clitóris e arfo encostando mais nele.
Me surpreendo com o quanto estou desejando isso, o quanto
quero ele, seja como for. É um tipo de tesão que nunca tinha sentido
antes. É quase irritante a forma como tudo parece diferente com ele.
Como Michael me faz quase gritar de antecipação, desejando seus
dedos dentro de mim, seu pau escorregando pela minha entrada,
como desejo transar com ele.
Sua boca se desprende do meu pescoço, onde depositava
carinhosos beijos e então chupadas que me arrepiavam, e ele
começa a se abaixar mais uma vez. Felizmente, chupa meus seios
duros pelo tecido do vestido, mas isso só faz com que eu fique
ainda mais dolorida, desejando que não houvesse nada entre a
gente. Que ele estivesse sem tanta roupa.
Mas Michael permanece perfeitamente alinhado e eu sei que
devo estar uma bagunça. Deus, estou no meu vestido do noivado,
usando nenhuma calcinha, nenhum sutiã, sem sapatos e com o
cabelo provavelmente bem bagunçado pelos seus dedos. Seus
joelhos tocam o chão de novo depois que ele faz todo o caminho do
meu corpo, ainda me provocando vez ou outra com os dedos, ora
no meu clitóris, ora na minha entrada.
Ele para de me tocar, me deixando um pouco fria com a falta
de contato e seus olhos me fitam com bastante atenção quando
começa a beijar minha coxa, separando minhas pernas e puxando a
fenda do vestido até que esteja para trás na minha perna, me
expondo mais para ele. Michael gira minha perna suavemente,
lambendo a parte interna da minha coxa e enviando alguns choques
de prazer pelo meu corpo.
Sinto sua respiração quente contra minha pele e suspiro
quando seus lábios ficam próximo demais do meio das minhas
pernas. Ele segura minha panturrilha e me guia até que a parte de
trás do meu joelho se apoie em seu ombro e solto um gritinho de
surpresa quando sua língua me toca e percorre toda minha
abertura. Solto um gemido quando ele me chupa em sua boca e sai
mais alto que o esperado.
“Achei que se importasse com os convidados lá embaixo”, ele
zomba contra minha pele molhada, minha resposta é inclinar meu
quadril em sua direção, subitamente me sentido muito intrigada e
desejosa de ter mais da sua boca no meio das minhas pernas.
Sua língua me abre e então seus lábios se fecham em meu
clitóris, chupando suavemente e circulando o lugar com a ponta da
língua. Suspiro, me sentindo um pouco fraca com a onda de prazer
que me acomete e minhas mãos pendem frouxas nas minhas
laterais até que eu encontre seus cabelos e o segure ali, enfiando
meus dedos por entre os fios curtos.
Ele grunhe em satisfação quando puxo de leve os fios
enquanto desce sua língua um pouco mais, fazendo algumas
maravilhas com minha entrada. Michael não me penetra e isso me
deixa frustrada a ponto de investir meu quadril contra ele. Mas suas
mãos encontram minha bunda por baixo do tecido do vestido e me
prendem no lugar quando ele me tortura com preguiçosas lambidas.
É diferente, mesmo que ainda precise me desprender de um
pouco do meu desconforto por estar tão exposta assim para alguém.
De um modo estranho, confio muito em Michael, e talvez tenha sido
por isso que desejei também experimentar sua boca em mim assim.
Ele faz valer a pena e mordo meu lábio para suprimir outro som alto
demais quando ele investe a língua em mim. Indo o mais profundo
possível e girando-a lá dentro, trazendo sensações desconhecidas
pelo meu corpo.
Logo uma das mãos volta a fazer seu caminho para o meio
das minhas pernas e enquanto ele chupa meu ponto mais inchado e
pulsante de novo, afastando-se da minha entrada, seus dedos
fazem um trabalho maravilhoso ali. Primeiro um, então dois e
quando ele me penetra com um terceiro dedo, quero revirar meus
olhos com o prazer.
As estocadas são duras e firmes, fazendo com que meu
corpo acabe se aranhando um pouco ruidosamente contra a porta
na qual estou escorada. Controlo meus gemidos, mas é audível o
som dos seus dedos escorregando pela minha entrada, ensopados
pela minha umidade. Sinto meu corpo vibrar e se apertar.
“Eu…” Minha voz se corta com o prazer, e mesmo que eu
queira afastá-lo quando sinto meu clímax tão arrebatador, o que
faço é segurar seus cabelos, incentivando-o a ficar ali e inclinando
meu corpo para o dar ainda mais acesso.
Michael tira seus dedos de mim completamente e volta a me
preencher com a língua. É o suficiente para que eu solte um
choramingo fraco quando o orgasmo percorre por todo o meu corpo
me deixando mole. Tremo com a sensação e me sinto tão saciada
que perco as forças. Sei que só permaneço de pé pelos seus braços
fortes que me seguram. Ele lambe o que parece até a última gota do
meu prazer, se banqueteado de mim com lambidas calmas,
saboreando meu gosto em sua boca com um gemido, antes de
acomodar minha perna novamente no chão.
Suspiro quando ele se ergue na minha frente. Sem os saltos,
nossa pequena diferença de altura é mais notável do que estou
habituada. Apesar do cansaço, só consigo pensar em como quero
ele novamente dentro de mim, de outras formas. Como desejo
despir seu corpo e ter ele forte assim em cima de mim.
“Eu quero você”, digo, e ele sorri antes de beijar meus lábios
suavemente, me fazendo provar meu próprio orgasmo em sua boca.
“De novo”, insinuo, com um sorriso maldoso.
“Não sei se estou muito no lugar de te negar muitas coisas.
Parece bem difícil para mim”, ele responde, antes de investir sua
língua contra meus lábios e eu abri-los com prazer para um beijo
calmo e lento, quase como um exemplo do meu pequeno cansaço
depois de ser chupada de forma tão boa por ele.
Michael me abraça firme contra ele e me puxa junto ao seu
corpo quando começa andar para trás. Sinto meu vestido voltando a
se acomodar para frente do meu corpo e me afasto do seu beijo
para nos guiar melhor até a cama. Ele senta na ponta, mas me forço
a ficar de pé, levando as mãos até seu paletó e tirando a peça pelos
seus ombros. A gravata já frouxa vai com facilidade para o chão e
ele me observa com muita atenção enquanto o dispo.
“Você está me olhando de um jeito estranho”, brinco com ele.
Suas mãos me abraçam e me trazem para o meio das suas pernas
quando passo os botões um por um nas casas da camisa. Paro por
um instante e o observo, antes de soltar uma risada baixa. “Você
quer uma avaliação!” constato. “Não achei que fosse tão vaidoso
assim.”
Suas palmas massageiam minha bunda enquanto ele espera
por uma resposta e acabo maravilhada com a intimidade disso tudo,
do momento em que estamos. Penso que nunca tive isso antes, o
toque simples, mas provocante. A expectativa do que ainda
teremos, enquanto eu empurro sua camisa pelos ombros largos e
ele se vê obrigado a me soltar por alguns instantes para se livrar
dela. O silêncio se entende entre nós, e eu cogito se quero ou não
falar disso.
Michael impulsiona até estar sentado mais para o centro da
cama e me puxa para que eu me sente em seu colo. Sinto um
arrepio me percorrer ao encostar minha intimidade ainda sensível
em sua excitação crescente dentro da calça. Ele segue acariciando
minha pele, tomando a liberdade para fazer isso agora por baixo do
vestido. Abraço seu pescoço, circulando desenhos inanimados por
ali, descendo por seus ombros fortes, segurando os músculos firmes
dos seus braços e observando seu abdômen bem feito.
Ele parece feliz com a minha exploração. Honestamente,
nunca senti como se o silêncio incomodasse Michael. Não é a
minha coisa favorita no mundo, isso é um fato, mas a presença dele
é calma e sempre parece confortável estar em silêncio ao seu lado.
“Ok…” Ele se dá por vencido, rindo para mim e não deixo de
apreciar seu sorriso largo. É bonito e transforma o rosto dele. As
vezes fico pensando se até mesmo a forma como Michael sorri
pouco tem a ver com a forma como foi criado, como sua vida
sempre foi controlada demais a ponto de até seus sorrisos serem
controlados.
Depois de saber um pouco mais sobre sua família, sobre sua
infância, muitas coisas passaram a fazer mais sentido a respeito
dele.
“Foi bom.” Mas ele não compra minha resposta e faz uma
careta. “Ainda é… não sei, ainda acho desconfortável toda essa
exposição. Você… estava… é como se tipo…” Me enrolo com
minhas palavras e pareço bem tola com isso, porque sempre sei ser
eloquente. “Não é como se tivesse muito que não tenha visto de
mim agora.”
“E isso é ruim? Eu particularmente adorei.” Ele me dá um dos
seus sorrisos sacanas e reviro os olhos. Michael me aperta ainda
mais contra ele e então procura pelo fecho do meu vestido. “Posso
tentar fazer melhor da próxima vez…”, sua sugestão é boa, mas
ainda me sinto estranha o suficiente sobre o que acabou de
acontecer e, pelo visto, isso fica nítido nos meus olhos. “Um outro
dia”, ele completa.
“Desculpa, eu provavelmente sei muito bem como cortar o
clima.” Torço o nariz, mordendo a parte inteira no meu lábio inferior
e fugindo dos olhos dele enquanto desenho a linha da sua clavícula.
Fico um pouco chateada comigo mesma por minhas
inseguranças e minhas vergonhas, porque deve ter centenas de
mulheres que dariam tudo para ter esse homem o dia inteiro se
deliciando com seus corpos, dariam tudo para ter Michael enfiado
com a cabeça no meio de suas pernas, chupando-as deliciosamente
como ele fez comigo.
A resposta dele não vem verbalmente e me provoca uma
surpresa a ponto de eu soltar um grito estridente e talvez alto
demais. Michael segura minhas pernas com firmeza e nos vira na
cama, me colocando deitada embaixo dele e me prendendo contra
seu corpo. Abro as pernas, acomodando-o contra o meu corpo e ele
não faz cerimonia nenhuma para se esfregar em mim.
“Nada me faria perder o clima de foder você, gracinha”, ele
murmura rouco, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar com isso.
Seus olhos têm um brilho quase maligno e dou uma risada
antes de ser tomada para um beijo bruto, sua boca dura contra a
minha e sua língua provando tudo o que ele quer de mim. Não tenho
nenhuma ressalva quanto a isso, me entregando a ele, rodeando
seu pescoço com os braços e então descendo a ponta das unhas
pelas suas costas expostas. Sinto todos os músculos deles
contraídos contra meus dedos, ele parece ter sido esculpido pela
perfeição como tudo em seu corpo é.
Ele tateia meio corpo com pressa de tocar tudo ao que
parece e solto um gemido quando seu polegar passa pelo meu
mamilo endurecido.
“Como tira a droga desse vestido? Isso não tem um fecho
como qualquer roupa normal”, ele esbraveja contra meus lábios, e
solto uma risada abafada com sua impaciência.
Me ergo o suficiente para desabotoar os três botões de pedra
na minha nuca, soltando a gola e levantando os braços. Michael
logo compreende e com a cara amarrada pela dificuldade que a
peça lhe causou, corre as mãos firmes pelo meu corpo, puxando o
vestido das minhas pernas até subirem, ajudo-o me inclinando para
cima.
Mesmo assim, parecendo um pouco enfurecido, ele não
deixa de apertar meus seios com vontade quando suas mãos
passam por ali, voltando com seu sorriso malicioso para o canto dos
lábios. O tecido se estica no meu tronco e finalmente é puxado para
cima, passando pela minha cabeça e sendo arremessado do outro
lado do quarto.
“Eu deveria ter rasgado. Poderia comprar outro depois.” Ele
pensa por um instante, admirando meu corpo antes de voltar os
olhos depois como se um súbito pensamento lhe ocorresse. “Você
poderia comprar infinitos vestidos como esse. Eu compraria infinitos
vestidos para você, se pedisse. Todos seriam bem mais fáceis de
tirar do que esse.” Estou tão leve em seus braços que não consigo
evitar soltar uma nova risada baixa, balançando a cabeça incrédula
com ele.
Estou solta e nua em seus braços.
Não tenho muito tempo, porque ele volta a me beijar, até eu
me sentir desnorteada e nem mesmo me recupero quando Michael
desce seus lábios até meu pescoço, mordiscando minha pele sem
força. Ele chupa o contorno da minha clavícula e chega até o topo
dos meus seios. Suas provocações ali fazem com que eu arqueie
meu corpo para ele, desejando que ele vá um pouco mais para
baixo, que chegue no meu bico duro e dolorido.
Primeiro sou agraciada pelos seus dedos, que roçam
delicadamente nas duas pontas e as seguram entre o polegar e
indicador. Arfo de antecipação antes que ele belisque de leve o
direito. Meu corpo arde e sua boca, que se encaixa perfeitamente no
mamilo recém provocado, não ajuda em muito. Empurro meu corpo
contra ele, querendo sentir sua pele contra a minha, agarrando seus
cabelos enquanto sua língua brinca vagarosamente com o bico de
um seio e então vai até o outro.
Uma das suas mãos desce até o meio das minhas pernas e
as abro ainda mais, ansiosa pelo toque dele. Michael geme contra
meu peito quando sente minha umidade contra seus dedos e dou o
meu melhor buscando pelo fecho da sua calça. Ele me solta o
suficiente só para me ajudar nesse trabalho, seus sapatos já foram
embora há um tempo e nem mesmo notei, ocupada demais com ele.
A calça social, meias e boxer vão junto para o chão e ele fica em
toda a sua glória nua em cima de mim.
“Camisinha?”, pergunto, depois que ele volta a me beijar e
quando observo seu rosto, vejo uma careta dolorida ali.
“Não quero parecer muito iludido sobre o fato de ter trazido
camisinhas”, ele comenta, plantando um beijo na ponta do meu
nariz. “Estão no meu quarto.” Michel suspira, resignado.
“Eu tenho uma!” Lembro, com certo entusiasmo, porque não
quero que ele precise se vestir de novo, ir até seu quarto e voltar.
Quero ele agora. “Na necessaire na pia do banheiro”, indico, e ele
sai da cama em um pulo, mas se inclina de volta, deixando um
selinho nos meus lábios.
“Você é perfeita.”
Solto uma gargalhada pelo seu elogio, provavelmente muito
motivado pelo desejo sexual e quando Michael volta, olho
descaradamente para o seu corpo forte, nu e com uma ereção
apontada para mim. Ele é delicioso.
O pacote laminado é rasgado com eficiência e ele não
demora a encaixar o preservativo em seu pau, voltando para a
cama.
“Então não queria parecer muito iludido?”, brinco, voltando a
me agarrar nele, trazendo seus ombros para mais perto,
encaixando-o perfeitamente entre minhas pernas e sentindo seu pau
cutucar minha entrada.
“Depois de todo tratamento muito distante, melhor não
acreditar que iria ter alguns prazeres em algum lugar inusitado. Mas
devia ter previsto que poderia acabar aqui.” Ele distribui beijos pelo
meu rosto e pescoço enquanto fala.
“Lugares inusitado?”, questiono, arqueando meu quadril em
sua direção, querendo ele dentro de mim e o buscando com a mão
para o encaixar na minha entrada. Michael parece segurar a
respiração quando toco sua ereção pulsante e aproveito-a para
massagear um pouco seu pau antes de colocar sua cabeça na
minha entrada. Sinto minha própria umidade na ponta dos dedos
antes de investir contra ele, tomando mais do seu pau dentro de
mim.
A conversa é cessada ali, ainda que minha curiosidade esteja
gritando para compreender o que ele quis dizer com tudo isso.
Entretanto, não tem mais espaço para nada além de gemidos,
arfadas, sussurros roucos e sensuais enquanto ele investe firme em
mim e eu encontro seus movimentos com o quadril. Michael segura
minha cintura com força, provavelmente deixando algumas marcas
das quais não me importo, me ajudando a guiar meus movimentos.
Ele mete em mim forte, duro, sem se importar com nada além
de nós dois e a fricção da sua pélvis com a minha por causa das
investidas rápidas me leva a loucura. Amo transar assim e Michael
possui excelência em ser bruto de uma forma muito deliciosa nesse
momento.
Me agarro nele, passando os polegares pelos seus mamilos e
então arranhando levemente suas costas. Ele arremete duro e
preciso encostar meus lábios em seu ombro para suprimir os gritos
de prazer que desejo soltar. Michael aproveita para chupar e morder
meu pescoço.
Sinto o êxtase próximo de mim, sinto meu corpo vibrando
com o orgasmo que está por vir, também sinto ele pulsar em seu
próprio prazer. Contraio meus músculos de encontro com o seu
ritmo, agarrando ainda mais ele e os lábios de Michael se tornam
mais frouxos e desleixados, mordendo de leve meu ombro com um
grunhido alto.
Michael goza pouco antes que eu, com arremetidas fortes
contra mim, quase descontroladas e que são o suficiente para que
meu prazer chegue também. Aperto suas costas quando me sinto
tremer, atingindo mais um orgasmo, que é quase tão intenso quanto
antes. Ele ainda estoca mais duas vezes antes de parar dentro de
mim, suspirando com o cansaço. Me esparramo, pesando meu
corpo na cama e ele vem comigo, me abraçando enquanto sua
respiração ainda é ofegante.
Sinto um beijo cansado na minha bochecha antes de seu
corpo esfriar o meu com a sua saída da cama. Subitamente me
sinto um pouco vazia pela falta de contato. Michael tira a camisinha
e vai até o banheiro, voltando para a cama rapidamente. Me sinto
cansada e suada, e mesmo que queira deixar o sono me levar, me
permito ficar abraçada ao seu peito só por alguns minutos, me
recuperando, antes de sentar na beirada da cama. Minha pele brilha
com o suor e olho para o painel do ar-condicionado desligado.
“Preciso de um banho”, respondo sua pergunta silenciosa
quando ele me olha com hesitação. “Quer vir comigo?” Ofereço
minha mão para ele, já de pé ao seu lado, e seus dedos se
entrelaçam nos meus.
Nosso banho não tem muito além de mãos vagarosas se
explorando, sorrisos de canto e um pequeno cansaço no ar. Não sei
que horas são quando volto a me deitar abraçada a ele, só sei que
não preciso de mais do que dois minutos para cair em um sono
profundo, muito saciada e feliz.
 

 
 
SAIO DO ELEVADOR COM UM SUSPIRO CANSADO. É impossível
obter qualquer outra reação do meu corpo que não essa. O dia hoje
foi horrível, parecia que os casos nunca teriam fim e quando um
terminava de ser analisado, Raphael chegava com outro problema
na minha mesa. Sinto meu corpo inteiro dolorido pela falta de boa
postura hoje o dia inteiro, minha cabeça finalmente se livrou da dor
incessante depois de uns quatro comprimidos, que talvez me façam
mal amanhã, mas só queria que a martelada acabasse.
Começo a andar em direção a minha porta, mas sem pensar
muito, me direciono para a de Beatrice ao invés disso. Desde o
último final de semana, as coisas entre nós dois mudaram pouco.
Seguimos nos vendo quase todos os dias no elevador ou no
corredor, isso tirando os dias que estamos na academia juntos. Mas
tanto os meus horários como os dela vem sendo complicados.
A exaustão parece ter nos dominado desde segunda e
máximo que consegui foram alguns beijos roubados entre uma
sessão e outra, entre um andar e outro. Mas hoje, independente de
sentir o meu corpo pedindo minha cama, quero também senti-la
junto comigo, nem que seja para que fiquemos no nosso silêncio
gostoso ou só ouvi-la em um longo monólogo sobre seu dia.
É estranha a forma como me sinto confortável ao lado de
Beatrice, como se sua presença fosse o suficiente para trazer muito
contentamento a mim, ao meu corpo e mente. Depois do final de
semana, das coisas que ela falou e do que me contou, não pude
deixar de pensar que, mesmo sabendo não ser a melhor pessoa do
mundo para ela, não quero ficar longe de Bea.
O que faz de mim um filho da puta muito grande, mas não
consigo evitar.
Levanto a mão e bato na porta.
“Quem é?”, sua voz grita quase estridente lá de dentro.
Encosto a cabeça na porta.
“Sou eu.” Fecho os olhos e penso que poderia dormir
encostado aqui. O que me faz pensar de novo na minha decisão de
resolver vir vê-la ao invés de ir para meu apartamento.
“Ah, a porta tá aberta.” Testo a maçaneta, porém a porta não
abre. Escuto alguns sussurros e não duvido que ela esteja
praguejando a porta. “Ainda não aprendi direito como mexer nessa
nova trava”, Bea fala, assim que abre a porta e me dá passagem.
“Qualquer dia ainda vou me trancar aqui.” E então ela ri baixinho,
achando graça da sua falta de jeito e compreendo o porquê preferi
vir para cá. “Você tá com uma cara horrível.”
Suas mãos seguram meu rosto com gentileza antes de
empurrar a porta até que ela se feche. Fecho os olhos, recebendo
suas carícias e passo meu braço livre pela sua cintura. Jogaria a
pasta no chão agora mesmo se não fosse pelos dólares perdidos
com um computador de última geração.
“Foi um dia cheio”, comento, contra seu pescoço, onde me
enterro sentindo o cheiro doce que ela exala. Suas mãos abraçam
meu tronco contra si e ela me deixa ficar aqui um pouco.
“Deve estar cansado. Estava fazendo algo para deixar para
você.”
“Cheira nozes.”
“Sim, eu vi uma receita em um programa de confeitaria
internacional e pensei em adaptar um bolo que vi. É com pão de ló,
nozes e uma mistura de ovos. Acho que está dando certo.” Ela torce
o nariz em uma careta quando volto a fitar seus olhos.
“Parece delicioso.”
“É, a ideia é que goste mesmo.” Bea levanta os ombros,
como se não fosse muito importante. “Falou que essa semana tá
sendo bem complicada no escritório. Senti sua falta, mas entendo
que o trabalho as vezes pode ser puxado. Resolvi fazer algo para
que… não sei… na verdade, agora parece uma ideia bem boba.”
“Você está tentando me agradar?” Meu sorriso pretensioso
arranca a incerteza dos seus olhos e me inclino para beijar a ponta
do seu nariz arrebitado antes de beijar sua boca.
Beatrice tem um gosto doce, de açúcar, nozes e uma outra
mistura que não sei identificar. Me demoro provando sua língua
como se usasse dessa desculpa para ficar ali. Poderia passar muito
tempo aqui, abraçado a ela, beijando-a enquanto suas mãos tão
suaves seguram as lapelas do meu paletó.
“Te convidei para ir almoçar comigo hoje”, digo arrastado,
ainda não querendo me desvencilhar dela.
“É…, mas seria no seu escritório…” Franzo a testa, sem
entender bem o que ela quer dizer. Isso dá tempo para que Bea se
afaste, voltando para a cozinha. Tiro os sapatos e deixo minha pasta
de couro apoiada perto da entrada.
“É…” Faço uma careta, começando a pensar melhor. “Acho
que não foi a minha melhor ideia de todas. Seria mais… romântico
se tivesse feito uma reserva em algum restaurante. Não pensei
muito.”
Ela me disse estar por perto, no horário de almoço, pensei
que seria prático. Queria vê-la, mas acho que estava envolvido
demais no trabalho para ver como isso era uma ideia não tão boa.
“Não!”, ela se apressa em dizer, enquanto tiro meu paletó,
paro o movimento no meio do caminho e a olho com uma
sobrancelha arqueada. “Não, pode tirar seu terno, o que quis dizer é
que não é pra pensar assim. Não é por causa disso.”
“Foi por causa do quê? Quer dizer, tudo bem que não tenha
querido, não me senti chateado e provavelmente seria uma
companhia horrível.”
Deixo o paletó dobrado na guarda do sofá da sala e afrouxo a
gravata. Minha pergunta não é respondida por Beatrice e apesar de
querer uma resposta, não quero pressioná-la, ou estou com muito
ânimo para um possível desentendimento.
“Como foi o seu dia?”, pergunto, sentando em um dos bancos
na bancada, observando ela andar de um lado para o outro dentro
da cozinha aberta, com muitas formas e potes com os recheios.
“Tranquilo, apesar de isso ser um pouco estranho. Foi uma
semana agitada até ontem, aparentemente nada resolveu acontecer
de interessante hoje então só mantivemos o que já tinha na agenda,
começamos a organizar para o fechamento de amanhã e, com
sorte, amanhã também consigo chegar mais cedo em casa.” Ela
parece muito aliviada com essa possibilidade. “Quer jantar aqui?
Podemos pedir comida.”
“Árabe?”, sugiro, pensando no kibe cru e nos charutos que
tanto gosto.
“Você parece com muita vontade, nem vou discutir.” Ela ri
com as mãos cheias de farinha enquanto desenforma um dos bolos.
“Foi só uma sugestão”, retruco, porque não quero obrigá-la a
nada.
“E eu como de tudo, então pode fazer o pedido.” Beatrice se
aproxima da bancada, me dando um dos seus olhares gentis e
compreensivos. “Acho que merece ser um pouco mimado.”
“Vou me lembrar disso mais tarde.” A empolgação na minha
voz não pode fazer com que a frase seja interpretada de outra forma
e ela revira os olhos.
“Se está aqui só para isso, pode ir tirando o cavalinho da
chuva.” Franzo as sobrancelhas para ela e seu olhar desvia do meu.
“Eu… eu estou naqueles dias.” Sua voz soa baixa e me controlo
para não rir.
“Primeiro, não estou aqui só por causa disso. Sua visão de
mim é muito deturpada. E eu tenho uma irmã gêmea, Beatrice, pode
falar palavras como menstruação, é uma coisa natural do corpo
feminino…”
“Credo, você quase parece um médico falando assim”, ela
me corta com um murmuro.
“Também existem inúmeras formas de ainda transar…” Ela
faz uma careta. “Mas tudo bem. Porque estou aqui só para ter um
pouco da sua companhia. E sua visão de mim é tão deturpada
dessa forma? Acha que sou o quê?” Finjo ficar ofendido.
“Não seja idiota assim.” Ela revira de novo os olhos. “Já fez
nosso pedido?”
Abafo um riso enquanto pego meu celular e abro no
aplicativo, começando a selecionar alguns itens para nosso jantar e
ela se concentra em montar a torta. Parece bastante bonita além de
saborosa, e o aroma é incrível. Falando sobre a torta, não Beatrice.
“Acho que vou em casa tomar um banho”, comento, depois
de soltar o celular na bancada.
“Tudo bem.” Bea levanta os ombros, olhando para mim de
relance.
Franzo a testa sozinho com o comportamento estranho dela
hoje, mas decido que é melhor debater isso depois. Talvez um
banho restaure minhas energias um pouco.
“Volto em quinze minutos”, aviso sem necessidade, enquanto
me levanto e pego o paletó no sofá. Abaixo-me para pegar meus
sapatos nas mãos e minha pasta.
“Michael?”
“Sim?”, respondo de prontidão, tocando na maçaneta.
“É… se quiser trazer as suas coisas, pra passar a noite aqui.”
Ela suspira, e não consigo deixar de continuar estranhando a forma
como ela parece muito estranha na minha presença hoje. “Se
quiser. É um convite, só.”
“E deixar passar essa oportunidade de dormir em tentação
bem junto com seu corpo delicioso? Volto em quinze minutos,
gracinha.” Pisco para ela e deixo seu apartamento ao som da sua
risada.
 
 
“É, acho que eu posso ter dado um pouco de trabalho. Mas
em minha defesa, ninguém ligava muito.” Ela levanta os ombros.
“Quer dizer, talvez meus pais fossem liberais demais e, depois
disso, meus avós provavelmente tinham receio de me repreender.
Ninguém olhava muito para minhas coisas. Sempre fui boa aluna,
talvez isso ajudasse”, Beatrice segue.
“Faz parecer minha vida chata e muito monótona.” Franzo o
nariz, fitando sua coxa colocada em cima da minha perna. “Quer
dizer, não tenho muito do que reclamar. Foi melhor isso do que toda
a atenção indevida que meus pais davam a Daphne, culpando-a por
absolutamente tudo.”
“Você não deveria pensar assim.” Viro meu olhar para ela,
confuso. “Todas as vezes que fala dos seus pais, de como eles
foram desleixados com você, sempre se coloca em um lugar onde
parece quase agradecer. Porque com Daphne foi pior não significa
que com você tenha sido menos pior. Seus pais foram terríveis, com
vocês dois. Isso reflete no que são hoje em dia.”
“O que quer dizer?” Mas Beatrice pressiona os lábios com
força, olhando para longe e fugindo de mim. “Bea…” Aperto meus
dedos que repousam em sua coxa e ela puxa o ar.
“Não sei se é meu lugar falar alguma coisa.”
“Mas eu quero ouvir.” Meu tom é suave e sei que uso minha
voz persuasiva de advogado. Entretanto, estou sendo honesto com
ela, porque quero mesmo saber sua opinião sobre o assunto.
“É só que você ficou alguém um pouco… resignado. Não sou
ninguém, nenhum exemplo por assim dizer, de alguém com peito
forte sobre minhas decisões, principalmente as que dizem respeito a
minha vida pessoal. Mas vejo que você… que talvez você tenha se
moldado nessa capa de se contentar com o que teve, como se só
fosse merecer isso na vida e precisa ser grato por isso. O que não é
verdade. Seus pais fizeram muita coisa errada na criação sua e da
sua irmã, mas não significa que só porque você pode ter, sei lá,
sofrido menos as consequências disso do que ela, que merece
menos do que tudo que deseja.” Ela respira fundo e percebo que
tem mais ali. “Desculpa, não devia falar nada disso.”
“Não…” Pego sua mão na minha, trazendo-a mais para perto.
“Continua.”
Beatrice parece um pouco incerta sobre isso, porém acata
meu pedido.
“É só que não é a primeira vez que sinto um pouco disso em
você. Tá tudo bem você se sentir bem, confortável onde está, mas
não coloque como se isso fosse a única coisa que merecesse, como
se não pode se permitir almejar mais. Talvez eu esteja falando algo
nada a ver, mas às vezes eu sinto um pouco disso em você. Acho
que isso, talvez, possa ter te transformado em alguém um pouco
fechado, pra você mesmo, para os outros.” Ela pressiona os lábios
juntos de novo. “Desculpa se estou passando dos limites, mas é
isso.” Bea levanta os ombros e fico observando-a por um tempo.
Isso é o suficiente para ver seus ombros pesarem para baixo
e o arrependimento tomar seu rosto. Meu silêncio provavelmente
não ajuda em nada, mas acabo ficando um pouco sem palavras
para isso, porque não consigo pensar no que dizer. É estranho que
alguém consiga saber tanto de mim, tanto das coisas que nem eu
quero saber porque de certa forma me envergonho disso.
Beatrice conseguiu ler muita coisa de mim e isso é um pouco
apavorante.
Mas me inclino em sua direção, e nunca fui a melhor pessoa
com as palavras, não na minha vida pessoal. Talvez não seja o
melhor agindo também, prefiro só deixar as coisas passarem, mas
agora tomo a boca dela na minha e escuto seu suspiro surpreso.
Seus lábios cedem aos meus, se abrindo de bom grado quando
enfio minha língua em sua boca, desesperado para provar da sua.
Seguro sua perna acomodada entre as minhas até colocá-la
no sofá, me acomodando no meio das suas pernas e as mãos de
Beatrice encaixam em meu pescoço, meio que me agarrando junto
a ela, meio que mantendo o equilíbrio enquanto a deito no sofá com
meu corpo em cima do seu.
Ela usa uma calça de moletom solta em suas pernas. Depois
do jantar ela tomou um banho e tenho quase certeza que isso é
como um pijama para Bea. Seguro suas pernas que acabam
abraçando meu corpo, apertando suas coxas grossas e ela as
pressiona contra mim. Não evito um gemido contra seus lábios pela
pressão que me aproxima ainda mais do meio dela.
É necessário muito autocontrole para subir minhas mãos pelo
seu corpo da forma mais casta possível até segurar seu rosto entre
as suas mãos. Bea reluta para se afastar do meu beijo e não acho
ruim, deixando-a tomar posse e me reivindicar da forma que quiser,
acompanhando o ritmo que ela estipula até que o ar falte e seus
lábios se afastem minimamente dos meus.
“Disse tanto assim a coisa errada a ponto de achar que seria
melhor me calar dessa forma?”
“Pelo jeito não deu certo”, brinco, pressionando de novo
meus lábios nos inchados dela, puxando o inferior de leve só pelo
prazer de escutá-la soltar o choramingo de sempre. “Mas não. Acho
que só…” Não sei terminar a frase. “Você me enxerga de uma forma
bem diferente, talvez até melhor que eu mesmo me veja.” Consigo
perceber a incerteza em seu olhar. “Isso é bom.”
Suas mãos acariciam meu pescoço com gentileza e ficamos
assim, meio abraçados no sofá, comigo em cima dela. Passo a
sustentar meu peso com um dos braços firme na guarda do móvel e
acaricio seu rosto com a outra. Beatrice brinca com os fios curtos na
minha nuca. Ela suspira e sei que está prestes a falar algo, por isso
só espero.
“Eu não fui hoje ao escritório porque fiquei com medo.” Minha
sobrancelha arqueada diz muito a ela, por isso Bea prossegue. “Das
pessoas vendo nós dois juntos, que gerasse possíveis boatos. E,
não sei, acho que talvez tenha receio um pouco disso. Pelo menos
agora. Quer dizer… o que somos?”
Pressiono os lábios, sem ter uma resposta para isso também.
Ela aguarda pacientemente.
“Não tenho como responder a isso. Honestamente, nunca fiz
nada do tipo. Nunca… tive nada além de casos curtos, noturnos,
coisas que não tinha importância”, digo.
“Mas…?”
“Gosto de estar com você, talvez a gente estrague tudo
semana que vem, mas não posso evitar tudo isso. Você me excita,
gosto da sua companhia, na cama e fora dela, porque antes de tudo
acontecer, viramos amigos também.” Dou de ombros de forma
desajeitada pela minha posição. “Quer dizer, também não sei o que
somos. Mas não precisa ficar com medo de ser vista comigo…
publicamente.”
Pelo menos eu não quero que ela me evite da porta do prédio
para fora.
“Acredito que… a gente pode manter as coisas casuais.
Honestamente, Michael, depois de tanta coisa, talvez eu prefira,
pela primeira vez, fazer as coisas com calma, sem pensar muito. E
por mais estranho que pareça, não penso muito sobre isso aqui.
Pelo menos não foi algo que me pressionei a… rotular, desde o final
de semana. Então não acharia ruim manter as coisas como estão.”
“Amigos que fodem?”
“Não gosto muito de usar essa palavra, parece grosseiro.”
“Não lembro de ouvir você pedindo muita gentileza”, provoco-
a, e recebo um tapa leve nas costas, como uma repreensão. Porém
isso não tira meu sorriso sacana do rosto. “Ok, eu concordo, sendo
assim.” Melhor do que ter mais ainda a possibilidade de estragar
com tudo, e não tenho muito como argumentar.
Prefiro os termos dela a não ter nada de Beatrice nesse
momento.
“Acho melhor irmos deitar, foi um dia longo.” Sua voz é
arrastada e dou um aceno, me levantando e oferecendo a mão para
que ela levante também. “Quer ficar mesmo?”
“A não ser que prefira que eu vá para meu apartamento,
quero ficar.”
“Eu quero que fique.” Ela pressiona os lábios e deixo um beijo
rápido ali, tentando desfazer essa tensão que eu sei que se acumula
em seus pensamentos, antes de seguir Bea até o seu quarto.
 
 
Acordo de súbito e seguro o corpo de Beatrice contra o meu
numa impressão de falta de equilíbrio momentânea. Abro meus
olhos e eles demoram a se acomodar com o escuro do quarto dela.
Sua respiração bate leve no meu peito nu e seu corpo se abraça ao
meu, quase deitada de bruços em cima de mim.
Seus cabelos fazem um pouco de cócegas no meu braço e
peito, mas logo volto a me acomodar com a sensação. Tenho um
braço por trás do seu pescoço, abraçando suas costas, e o outro
envolvendo sua cintura. Suas mãos aquecem minha pele onde
tocam e eu suspiro, tentando não me movimentar muito e tentando
descobrir o que me acordou.
Seja qual foi o motivo, dificilmente me sinto tentado a voltar a
dormir. Não consigo me esticar o suficiente sem me mover muito
para alcançar meu celular na mesa de cabeceira e o escuro lá fora
não me dá ideia de que horas são.
Aprecio a respiração calma de Bea contra mim, deixando um
beijo no topo dos cabelos escuros antes de acariciá-los. Ela suspira,
provavelmente aprovando o gesto em seus sonhos e sigo o toque.
Meu sono não parece muito perto de voltar, por isso acabo deixando
meus pensamentos vagarem para nossa conversa de mais cedo.
Ela está certa, sobre muitas coisas. Penso sobre o escritório
e como isso sempre esteve nos meus planos de futuro, porque eu
sempre soube que isso seria meu destino. Talvez eu nunca tenha
me permitido sonhar com nada além, ou almejar coisas maiores que
assumir o lugar. Sempre soube que um dia meus pais passariam
para nós, depois percebi que isso seria passado só para mim e me
ative ao pensamento que precisaria dar o meu melhor para ser bom
na frente de algo tão importante.
Não que eu esteja infeliz. Apesar de tudo, me sinto muito feliz
com meu emprego. Muito talvez não seja a melhor palavra, mas não
odeio o que faço, onde trabalho, com quem trabalho, apesar de as
vezes odiar para quem trabalho. Nunca pensei a respeito de ter me
conformado com a posição onde fui colocado, apesar de não ser ao
todo uma mentira. Me contentei com o que me foi dado, com o que
foi designado para minha vida e não é exatamente uma coisa ruim,
mas também não tive direito de opinar sobre isso.
Nem tudo são flores, sei disso. Tem muito sobre o escritório
que desejo mudar. Funcionários que concordam mais com os
termos dos meus pais do que com os meus, e não é porque quero
ser o único certo, mas os métodos dos meus pais não são o que eu
considero certos. Provavelmente mais da metade da população
mundial concordaria comigo. Clientes dos quais prefiro manter
distância e quero desvincular do escritório, algumas coisas na forma
como os contratos com os demais advogados associados foram e
são feitos.
Mas isso não é o que toma mais meus pensamentos. Porque
apesar de ter ficado um pouco surpreso e tocado com a forma como
ela pode me ler tão bem, com a forma como Beatrice consegue me
conhecer com tão pouco tempo – o que talvez seja resultado da
nossa relação tão próxima em pouco tempo –, não foi isso que mais
girou em minha cabeça.
Não sei porque me incomodei um pouco com a forma como
ela colocou nós dois. Seu receio de ser vista ao meu lado doeu um
pouco, preciso admitir, porque sei que nunca fui o melhor dos caras
para se ter por perto e talvez ela esteja para lá de certa por não
querer se aproximar assim. Entretanto, acho que parte de mim, a
que está um pouco surpresa por tudo o que vem acontecendo,
desejava poder ter proximidade fora dos nossos apartamentos
também.
É quase como se estivéssemos nos escondendo dos outros,
e pode ser essa a intenção dela, e ainda que seja seguro, não deixa
de ser chato e um pouco irritante na minha cabeça. Penso
novamente na conversa que tive com Raphael há uns dias, quando
ele falou que talvez Bea possa ter um pouco de receio de se
relacionar comigo. Ou acreditar em um relacionamento entre nós
dois.
Ela não estaria errada, porque seria até mesmo
autopreservação. Mas não evito ter medo de que isso esteja
relacionado a outras coisas. Suspiro mais fundo, puxando mais a
coberta para os ombros dela e trazendo-a para mais perto do meu
corpo, inalando seu perfume floral, provavelmente do seu sabonete
ou mil cremes que ela passa para dormir.
Novamente, é bastante egoísta da minha parte, até mesmo
mais do que isso. Próximo a ser uma grande filha da puta, porque
eu desejo que ela diga mais, que ela queira estar comigo, mais do
que dentro das nossas paredes, mas não sou a pessoa mais segura
para se relacionar.
Honestamente, talvez eu não seja justamente por nunca ter
me relacionado com ninguém. Relações curtas são indolores e mais
proveitosas, ao meu ponto de vista. Prefiro não precisar pensar
muito sobre elas, só deixar que as coisas aconteçam, ir embora
quando acho necessário, ficar quando quero, sem o compromisso.
Claro que sempre preferi deixar isso claro para todo mundo com que
estive e de certa forma acreditei que tinha deixado quais são minhas
intenções agora com Beatrice.
“Você está acordado”, sua voz é tão rouca e sussurrada que
preciso abaixar meus olhos para acreditar que ela de fato está
acordada.
“Acho que tive algum sonho. Não queria te acordar”, digo
contra seus cabelos, deixando novamente um beijo ali. Ela abre os
olhos e volta a fechá-los, se aconchegando um pouco mais contra
mim, bastante confortável com a proximidade, assim como eu estou
com ela aqui.
“Tudo bem”, ela murmura contra meu peito. “Não conseguiu
mais dormir?”
“Acabei ficando pensando em algumas coisas, perdi o sono.
Mas não quero te atrapalhar. Se preferir…” Mas ela me silencia
colocado a palma estendida no meu peito e então acariciando a
minha pele.
“O que foi?”
“Não quero te deixar acordada comigo, Bea.”
“Eu já estou acordada junto com você. Se quiser, pode me
falar no que está pensando. As vezes pode ajudar a aliviar.” Ela
levanta os ombros meio sem jeito por estar deitada. Beatrice se
arruma um pouco até conseguir virar o rosto na minha direção, me
fitando no escuro. Consigo ver os contornos do seu rosto e seus
olhos cansados já que meus olhos se habituaram a luminosidade
mínima.
Faço todos seus traços com a ponta do indicador e ela fecha
os olhos, cedendo ao toque. Cogito falar ou não, porque não sei
ainda o que deveria falar ou explicar muito bem como me sinto e
poderia parecer muita bobagem. Beatrice e eu se mostrou, desde o
primeiro dia, melhor do que eu poderia prever. Desde aquele
encontro na academia, do jantar frustrado dela e das cervejas
compartilhadas.
“É sobre o que eu disse mais cedo?”, sua pergunta vem com
um olhar quase preocupado e percebo que ela também se adaptou
ao escuro quando muda sua posição para me olhar melhor.
“Não exatamente.” Mentir não é a melhor opção, eu sei disso,
mas o que vou dizer para ela? Que estou incomodado que talvez ela
esteja com medo de que eu estrague tudo? Porque normalmente eu
não costumo ligar o suficiente para saber se fiz ou não estrago.
Balanço a cabeça em negação, deixando um sorriso plantado de
canto e encosto meus lábios nos dela. “Não é nada, sério. Pode
voltar a dormir.”
“Agora não vou conseguir, porque vou ficar pensando nisso.
Então, é melhor me falar logo o que foi. Ficou chateado?” Seu tom
autoritário me faz rir.
“Posso te ajudar a não pensar sobre isso…” A sugestão
morre no ar enquanto me inclino sobre ela, beijando seu queixo e
toda a linha do maxilar. “Posso te cansar até ficar com sono de novo
ou esquecer sobre isso.” Abraço seu corpo, evitando que ela fuja de
mim e escuto o riso suprimido dela até se dar por vencida e colocar
as mãos em minha nuca.
“Não, você vai me falar o que aconteceu.” Beatrice até tenta,
mas vai perdendo o fôlego enquanto tomo sua boca na minha, em
um beijo furtivo e urgente. Abaixo-me mais, mordiscando seu
pescoço e me deliciando com seu aroma adorável. Antes que eu
possa ir um pouco além, suas mãos espalmam meu peito. “Mike!”
Viro quase de imediato para ela, fitando seu rosto no escuro
com uma expressão que, se ela pudesse ver, saberia que não me
agradou nada ouvi-la me chamando assim.
“Nunca mais me chame assim”, é um pedido sussurrado
contra seus lábios quando volto a beijá-los suavemente.
“Por quê? Todo mundo te chama assim.” Ela dá de ombros e
reviro os olhos, agradecendo pela visão precária que a situação a
dá.
“Você não me chama assim, e pronto”, minha voz é mais
firme agora.
“Ahn, quer apelidos especiais agora? Posso pensar algo para
você. Algo mais íntimo…” E como se eu pudesse prever que nada
sairia bem dali, porque mesmo sendo no meio madrugada ela vai
conseguir achar algo bem terrível, Beatrice acaricia meu rosto e
então desce as unhas pelo meu peito enquanto finge pensar. “Posso
começar a te chamar de pequenininho, é carinhoso. E bem
carinhoso… ou, benzinho, nenenzinho, tchutchuquinho.”
“Beatrice…”, a repreensão é falha, porque no momento em
que ela começa a rir, minha risada também é ecoada pelo quarto.
“Eu daria tudo pra ver o seu rosto agora. Deve estar vermelho
como um tomate.”
“Eu não fico vermelho!”
“Fica sim, é fofo.” E com isso ela se inclina para deixar um
beijo rápido na minha bochecha.
“Qual é a do diminutivo? Não… não sou…” E ela ri de novo.
“Ai está o porquê. Homens tem um complexo e é adorável
zombar do deles assim como adoram destacar o complexo das
mulheres. E o complexo dos homens é o tamanho do pau. Não
importa se são bons de cama, se sabem fazer o trabalho com o que
tem, não, nada disso. A maioria de vocês tem um complexo com o
tamanho”, ela diz, como se não fosse nada e nem mesmo responde
nenhuma das minhas perguntas feitas em silêncio.
Não, Beatrice só vira para o lado e preciso sair de cima dela,
me acomodando em suas costas. Solto uma risada quando percebo
que ela se enrola contra mim, segurando meus braços que a
abraçam, suas costas tocando meu peito e nossas pernas
entrelaçadas. Fico feliz que o tópico anterior da conversa foi
esquecido.
“Você é diabólica.”
Porque meu ego agora está um pouco consternado com esse
último tópico. Mas, ao menos não é tão ruim quanto o que eu
pensava antes dessa breve conversa da madrugada. E afirmando a
mim mesmo que não, não é pequeno e que sim, eu sei o que fazer
com o que tenho, apoio a cabeça na curva do seu ombro, logo
respirando tão profundamente quanto ela, entorpecido pelo
cansaço.
 

 
BALANÇO A BOLSA DE BELLE DE UM LADO PARA O OUTRO. O
som é um burburinho alto de fim de dia em Manhattan, tão típico
que não incomoda mais. Os nossos saltos batendo na calçada
também são sons da nossa caminhada, assim como as rodas do
carrinho de arrastando no concreto. Seria quase ironia se eu falasse
que sinto o aroma de algo que não a mistura entre o suor das
pessoas caminhando, já que o verão está entrando cada vez mais
na nossa pele, assim como ao longe os cheiros da natureza atípica
do Central Park em meio a tantos prédios e, claro, o que muitos
chamariam de aroma da civilização.
Honestamente, a fumaça tóxica do engarrafamento nunca me
proporcionou prazer algum.
Mas não penso muito nisso no momento. Minha mente está
longe demais para contar o toc toc dos saltos, ou para perceber com
desagrado a mistura que temos no ar, ou até mesmo para sentir
chateação por aqueles que parecem sentir-se melhores se
caminham esbarrando nos outros. Na verdade, estou distante o
suficiente para nem sentir os ombros doloridos ainda, ou o desejo
de me esticar e estralar minhas costas pelo longo dia que tive.
Se não fosse o hábito de caminhar por essas ruas, talvez
toda essa desatenção pudesse me desgraçar de alguma maneira.
Um pé torcido, uma queda, um furto, qualquer coisa. Entretanto,
embora esteja distraída, perdida em conversas que já aconteceram,
ainda consigo saber onde estou e aonde vou.
“Você está pensando muito, e nem é a sua cara de pensando
muito sobre o trabalho.” Callista me acorda dos meus pensamentos,
e preciso balançar a cabeça de leve para afastá-los totalmente
antes de voltar minha atenção a ela.
“Não sabia que eu tinha muitas caras de pensando muito”,
retruco ela com humor, mas seu sorriso não é de quem comprou o
desvio de assunto.
“O que aconteceu? Você tem estado estranha desde final de
semana.” Callie me fita com seriedade e uma pitada de
preocupação enquanto esperamos o sinal fechar para
atravessarmos. Uma pequena multidão vai se juntando de ambos os
lados, também esperando. “Honestamente, achei que depois que
você e Michael finalmente acontecessem, ficaria mais feliz e não
assim.”
“Não sei o que é. Na verdade, também pensei que ficaria…
quer dizer, ele é muito bonito, sabe muito bem o que fazer com tudo,
mas não sei Callie. É como se ainda tivesse algo me impedindo de
conseguir aproveitar isso completamente, sabe? Ainda tenho muito
receio em mim, ao que parece.” Suspiro um pouco cansada antes
de voltarmos a andar.
“Tem algo que não me contou?” Sua sobrancelha é arqueada
rapidamente na minha direção antes de entrarmos no
estacionamento onde meu carro está.
“Não, é só esse sentimento mesmo. Como se… não sei,
como se não fosse durar muito e eu deva me preparar para quando
isso acabar.”
“Acho que está sendo pessimista demais, Bea.”
“E por que não seria?” Ela não compreende o que quero
dizer. Destravo o carro e Callie se coloca para arrumar a cadeirinha
de Belle. “Ele é demais, Callie. Bonito demais, bom demais, tudo
demais para mim. Além disso, Michael não tem todo esse interesse
em relacionamentos, e eu finalmente deixei essa ideia de lado.
Talvez seja melhor me preparar para o inevitável.”
“Inevitável”, ela zomba, soltando um riso debochado
enquanto entramos na parte da frente do meu carro. “Não pense
assim. Pelo amor de Deus, Beatrice, uma vez na vida deixe as
coisas fluírem, deixe que aconteçam e não pense negativo. Sabe
que pensamentos atraem, então seja, um pouquinho, positiva”,
minha melhor amiga ralha comigo, puxando o cinto e faço o mesmo.
“Alguma coisa aconteceu para que começasse a pensar assim? Ele
falou algo?”
Lembro de todas minhas conversas com Michael e ele não
deu nenhum sinal de que isso é só uma coisa passageira, mas ao
meu ver também não deu nenhum indicativo como se quisesse algo
além disso. Também pareceu bastante a favor da minha sugestão
de manter tudo entre nós. Apesar de Callista saber.
“Não”, respondo ela, dando partida no carro.
“Então deve estar tirando isso dessa sua bela cabecinha,
Bea.”
“Não é assim também. Até parece que nunca ouviu falar
nadinha da fama dele, Callie.”
“E agora vamos julgar o homem pelo passado dele?”
“Passado nem tão passado”, lembro-a, que bufa para mim
com insatisfação para minha insistência. “Mas não, não iremos
julgá-lo pelo passado que Michael tem, ou pelo que ainda é. Até
porque não tenho lugar nenhum para fazer isso.”
“Por que não é nenhuma santa?”
“Não, porque eu simplesmente não tenho esse direito na vida
dele. Só isso.”
“Você está sendo teimosa!” Ela se vira o máximo na minha
direção, pronta para começar a argumentar. “Pare de pensar tanto.
Nem mesmo sei o que mais dizer para você. Pensei que estivesse
gostando disso tudo? Aproveitando que, uma vez na vida, tem um
cara que não parece tão lixoso assim na sua vida. Aproveite, por
favor, nem todas estamos com essa sorte.” Não é bem o que eu
esperava, por isso suspiro pesadamente. “Bea, só deixe as coisas
acontecerem, sério. Se for pra dar em algo, ok. Se for para acabar,
ok. Mas não se limite por temer algo que só existe em sua cabeça.
Só que também espero que não mude para agradá-lo.”
“Sabe que nunca faria isso.” Mas os olhos de Callista em mim
queimam e reviro os olhos. “Foi uma única vez!”, protesto. “Ok,
mudando o assunto. Vai mesmo viajar amanhã?”
“Infelizmente, sim.” Callie faz uma careta e olha para o banco
de trás, observando uma Isabelle capotada. “O pequeno demônio
que minha mãe é, quer pagar de boa avó em um evento e nos
convidou para comparecer no aniversário dela. Afinal, para o que
nós duas servimos se não como enfeites para ela?”
“E você está indo por quê? Não deve nada a ela, Callie.”
“Não é bem assim, Bea, sabe disso.”
“Só porque você não quer que seja. Honestamente, suas
dívidas com ela foram sanadas há um bom tempo, mas ela segue
se aproveitando disso para usar você. Para forçar você a… seguir
os comandos dela.” Minha melhor amiga fica em silêncio por algum
tempo e balanço a cabeça em negação, sabendo que isso é um
assunto que nunca tem fim, que discordamos e que eu não deveria
me intrometer, apesar de não conseguir ficar de fora. “Tá bem,
qualquer coisa me ligue, então. Sabe que posso ir até lá rápido e
resgatar vocês.”
“É, eu sei.” Ela solta uma respiração profunda. “E você?
Planos com o bonitão?”
“Sabe, esses seus apelidos são terríveis. E não, pelo menos
não até o momento.” Dou um sorriso de canto, esperançosa.
“Provavelmente vai achar alguma desculpa interessante para
aparecer no apartamento dele final de semana.”
“Faz com que eu pareça uma intrometida.”
“Ele não parece achar nenhum pouco ruim quando você é.”
E mesmo não querendo, acabo alargando meu sorriso,
porque de fato Michael não parece achar nenhum pouco ruim.
 
 
Paro no corredor depois de sair do banheiro, meio paralisada
pela quantidade de troféus no fundo de um quarto quase
abandonado. Na verdade, parece que um dia isso foi um escritório,
mas pelo que noto, Michael não o usa mais com frequência. A mesa
está abarrotada de pastas, algumas folhas soltas, um computador
de mesa desligado da tomada, alguns quadros com certificados e na
parede uma prateleira com troféus em uma variedade de tamanhos
e formas.
Dou um passo para dentro e viro minha cabeça para a
esquerda, encontrando uma camisa pendurada dentro de um
quadro de vidro. Davis, 2. Nunca fui fã do esporte, mas assisti jogos
algumas vezes e me pego imaginando como Michael era quando
jogava. Ele parece ter sido muito bom nisso porque reconheço que a
maioria dos troféus são esportivos.
Não querendo ser muito intrometida, volto para o corredor e
refaço o caminho até a sala. Ele está deitado no sofá que quase
parece meio pequeno para seus ombros largos, com um óculos
ostentando na ponta do nariz, uma testa franzida e um leitor digital
em mãos. Ele levanta os olhos para mim e deixa o livro de lado, se
acomodando sentado no sofá.
“Tá me olhando de um jeito estranho.”
“Você fala isso constantemente, tô começando a achar que
tem a ver com a minha aparência”, retruco, e arranco um sorriso
dele quando me sento ao seu lado.
“Ok, você está me olhando lindamente de um jeito estranho.”
“Isso nem mesmo faz sentido.” E Michael torce o nariz. “Tava
olhando seus troféus e vi sua camisa de futebol. Parece algo que
tem como uma boa memória.”
“É uma boa memória.” Ele levanta os ombros. “Comentei com
você outro dia sobre isso…” Dou um aceno, confirmando que me
lembro. “Penso que teria sido um futuro bem glamoroso se eu
tivesse pensado em seguir carreira profissional. Seria bastante
possível que talvez eu até, sei lá, me perdesse.” Franzo a testa,
confusa com o que ele fala. “A vida de profissional, pelo que falam,
é muito luxuosa, muito dinheiro, fama, uma vida de estrela,
mulheres… talvez eu perdesse, não sei, minha verdadeira essência,
ofuscado por toda essa beleza passageira. Tenho alguns antigos
companheiros que nem mais conheço, tem infinitas história de caras
que ficaram tão ludibriados com tudo que se afundaram. Precisa ter
a cabeça boa.”
“Acredito que você teria isso.” Mas ele não parece acreditar
muito em mim. Não digo mais nada. Gosto quando Michael resolve
se abrir para mim, porque ele nunca fala muitas coisas.
“Mas as vezes também acredito que pode ser só uma
desculpa que eu mesmo uso para justificar o fato de não ter ido.
Quer dizer, depois do que conversamos no outro dia, pensei sobre
isso. Nunca me lamentei por não ter ido para o profissional, porque
sempre tive essa ideia, que iria me perder pelo caminho, então me
ative a empresa porque foi meu ponto seguro desde cedo, sempre
foi o que eu deveria fazer e o que me imaginei fazendo. Mas
semana passada fiquei pensando se nunca tive essa ideia negativa
sobre ir para o profissional porque não quis me permitir sonhar.” Ele
balança a cabeça em negação e seu sorriso de canto me diz muito,
porque ele acredita que tudo isso é bobagem, mas não é. “Acho que
só estou… pensando coisas demais, sem necessidade alguma. Não
é como se o fato de pensar assim ou de outra forma mude como as
coisas estão agora.”
“Não significa que não pode tentar entender um pouco mais.
Tentar entender até um pouco mais de você. Não somos mais as
mesmas pessoas que éramos há dois ou mais anos. Nem sempre é
necessário também repudiar nossas decisões antigas e quem
éramos, eu fiz muitas coisas das quais gostaria de não ter me
submetido, mas a Beatrice da época achou que seria uma boa
ideia.” Dou de ombros. “Talvez nada do que estou fazendo agora vá
ser algo do qual a eu do futuro vai se orgulhar, porque espero ser
alguém bem melhor no futuro do que sou hoje.” Ele ri junto comigo.
“O que não se orgulha do seu passado? Logan?” E não
consigo evitar soltar outro riso, um pouco mais tristonho dessa vez.
“Também, mas ele é até um pouco nulo perto do que
realmente queria poder mudar. Queria viver minha adolescência
sabendo o que sei hoje, sendo a pessoa que sou hoje.
Provavelmente seria um pouquinho menos pior. Queria poder não
discutir e ficar brava por coisas bobas com os meus pais, queria
aceitar todos os convites possíveis e passar todo o tempo do mundo
ao lado deles. Hoje sei que eles não são eternos, mas a Beatrice do
passado acreditava nisso, eu sei que não tenho mais nenhum
momento com eles, porém ela não sabia disso. Eu diria para ela
escutar mais o vovô, porque, Deus, como os conselhos dele
poderiam ser úteis hoje em dia. Mas acho que eu também falaria
para a Beatrice de quatro anos atrás se amar um pouquinho mais,
porque ela merece.”
Michael estende a mão para mim quando pressiono meus
lábios, um pouco perdida em tudo o que penso no momento. Seguro
sua palma quente e macia contra a minha, sentindo o conforto do
seu toque. Tantas coisas poderiam ser melhores hoje se eu
soubesse tudo o que sei quando vivi experiencias não tão
memoráveis. Se eu tivesse metade do conhecimento que tenho
hoje. Adoro o lugar onde estou, comigo mesma, como profissional,
de uma forma geral. Por isso pequenos momentos de insegurança,
como o que me levou ao nosso primeiro encontro, não são tão
comuns. Sempre estive muito frustrada com algumas coisas, isso é
verdade, mas sou feliz de certa forma.
“Acho que, se tivesse o conhecimento que tenho hoje,
provavelmente não me submeteria a tantas ficadas com Logan, ou
pelo menos me afastaria quando o sentimento não foi recíproco,
hoje eu sei como dói amar alguém que não te ama de volta nem um
terço disso. Ao mesmo tempo, fico pensando se eu teria chegado
aqui. Se soubesse de tudo isso, se teria chegado à pessoa que sou
hoje. Nossas falhas, nossa confiança depositada na pessoa errada,
os amores ruins, os tropeços, todos os erros são tão parte da gente
como todas as coisas boas. Talvez eu nunca fosse aprender a
valorizar tanto as pessoas que realmente amo, e que esse é um
amor bom para mim, se não tivesse passado por tudo. Quer dizer,
não tô falando que adoro o fato de ter perdido meus pais e meu avô,
ou de ter sofrido pra caralho com o Logan, nem nada do tipo, mas
tudo vai nos formando. E nem sempre a forma é ideal, ou a mais
gentil, mas é a que nos trouxe aqui.”
Acabo revirando os olhos para mim mesma, porque consegui
ser um pouquinho egoísta e transformar o assunto em algo sobre
mim, mas a forma como Michael me olha, consigo ver que ele
compreende. Apesar de ser uma jornalista eximia dentro do
escritório, sou aparentemente péssima em conversas e conselhos,
porém ele compreende que essa é a minha forma de tentar
exemplificar o que disse.
“É ok você querer entender se onde está hoje é tudo o que
sempre quis ou não. Se, em algum outro momento, desejou outra
coisa para si e como seria sua vida se tivesse tomado outro
caminho. Tomamos decisões e elas nos fazem ser quem somos,
mas também é ok querer entender um pouco mais sobre seus
motivos para ter feito uma escolha e não outra.” Ele me dá um
aceno, entrelaçando nossos dedos. Ficamos assim por um tempo
até que ele sorri para mim.
“Obrigado.” Arqueio as sobrancelhas para ele, que traz
nossas mãos juntas até deixar um beijo no dorso da minha. “Só
obrigado.”
“Ok.” Sorrio de volta para ele, dando um pequeno aceno e
compreendendo que talvez um dia ele vá me explicar, ou eu vá
entender sobre o que é esse agradecimento. Mas por agora, fico
contente só por isso.
Michael solta minha mão para segurar meu rosto, me
trazendo para um beijo suave, como uma carícia lenta entre nossas
línguas, e ainda assim conseguindo tirar meu folego. Ele se inclina
um pouco e vou me deitando de costas no sofá, fazendo com que
seu corpo me acompanhe e deite em cima de mim. Sinto seu calor,
suas mãos tão gentis no toque, sem a urgência de quase sempre,
sua boca sem pressa e a língua passeando pela minha, me
provando e me permitindo prová-lo com calma.
Seus dedos escovam em minhas bochechas, segurando meu
rosto, depois meu pescoço, acariciando minha pele arrepiada
justamente por esse toque que ele tem. Seguro sua cintura,
sentindo os músculos duros por de baixo da camiseta que ele usa,
deixando que minha outra mão também afague seus cabelos,
segurando sua nuca para perto, querendo prolongar isso. Querendo
prolongar o beijo, o toque, esse momento que parece tão íntimo de
inúmeras formas.
Não nos aceleramos, Michael me beija sem pressa e eu
aproveito, fazendo o mesmo. Nos beijamos por um bom tempo,
trocando carícias no sofá da sua sala até que minha camiseta suba
por causa do toque da sua mão, e o arrepio que sinto quando seus
dedos tocam minha barriga não é mais o mesmo. O tecido faz uma
subida vagarosa, e os beijos se tornam mais languidos.
Os seus lábios descem, trilhando meu maxilar, voltando para
minhas bochechas e ele deixa beijos pelo caminho da minha
têmpora, vinco das sobrancelhas, saboreando meu lábio inferior,
deixando uma mordida sensual no meu queixo e então lambendo
aquele pontinho que ele sabe ser muito sensível no meu pescoço.
A esse ponto, meu sutiã preto básico já desponta pela blusa
levantada. A peça vai para o chão antes que seus lábios retornem
para meu pescoço, mas ele se afasta novamente para deixar os
óculos que usa na mesa de centro. Aproveito para puxar sua
camiseta para cima e ela vai para o chão também. O sofá parece
pequeno, ainda assim nenhum de nós tem a ideia de sair daqui.
Abro minhas pernas para que ele se encaixe no meio delas e sinto o
início de uma ereção pelos tecidos que nos separam.
Michael apoia um braço na guarda do sofá, atrás da minha
cabeça, e volta a me beijar, tocando meu corpo com a outra mão.
Seus dedos trilham como fogo em minha pele e faço o mesmo com
a dele. Seu corpo é bonito, provavelmente foi uma das coisas que
notei nele. Os braços fortes e largos, os ombros grandes, o
abdômen bem definido com todos os seis gomos perfeitos. Ele tem
tudo bem esculpido e malhado, até as pernas grossas que se
encaixam entre as minhas.
Seus dedos desabotoam meu jeans com destreza, descendo
o zíper e empurrando a peça o máximo possível sem que eu precise
levantar meu quadril. Ele afasta a boca da minha para encarar meu
sutiã, buscando pelo fecho e o ajudo a tirar as alças. Sinto-me muito
exposta, mas também sensual pelo seu olhar escurecido de desejo.
Desço minhas mãos pelas suas costas, enfiando-as para dentro do
cós da calça de moletom que ele usa e me chocando ao encontrar
nada além de muita pele ali dentro.
Minha expressão me denuncia e Michael levanta os olhos do
meu colo, onde distribui beijos, para sorrir com malícia para mim.
Ele abocanha um dos meus seios e meu choque dá lugar a um
choramingo que sai dos meus lábios quando sua língua quente toca
minha pele. Provavelmente também estou febril. Ele me suga em
sua boca e arqueio meu corpo quando Michael circula o bico com a
ponta da língua.
Seguro sua bunda nua por baixo da calça, cravando minhas
unhas ali enquanto vou de encontro a ele, buscando mais pelo seu
toque quando ele se distancia, soprando a pele molhada, enrijecida
e dolorida pelo desejo do toque. O outro seio ganha sua atenção e
minhas mãos sobem pelas suas costas, aranhando a pele macia e
musculosa, fazendo-o se arrepiar.
Quando sua mão volta até minha calça, o ajudo a colocá-la
para baixo e demoramos impacientemente nisso, porque a peça
está bem justa contra minha pele, mas Michael não se importa muito
quando acaba se abaixando mais no meu corpo para passar a peça
pelos meus pés e fica na altura das minhas coxas. Com um sorriso,
ele se inclina e beija o meu monte, ainda coberto pela calcinha.
Solto um gemido sofrido e isso é o bastante para que logo a renda
preta esteja junto as demais roupas espalhadas no chão.
Puxo-o junto a mim de novo, beijando sua boca e procurando
da melhor forma um jeito de tirar sua calça. Ele me ajuda a terminar
de chutar o moletom para longe. O comprimento grosso encosta
abaixo do meu umbigo e inconscientemente me esfrego um pouco
nele, que acaba por soltar um grunhido baixinho.
“Camisinha?”, pergunto, antes que ele tome meus lábios com
os dele e Michael morde sem muita dó meu lábio inferior quando
solta um som de frustração e então ri, saindo de cima de mim e
caminhando até o rack. Ele se abaixa, me dando uma visão muito
boa da sua bunda, e pega algo dentro da gaveta do meio. “Devo me
perguntar o que isso está fazendo aí?” Meu sorriso é travesso
quando ele volta com o pacote laminado, não demorando a encaixá-
lo em seu pau.
“Longa história e bastante constrangedora. Posso te contar
outra hora, mas agora minha mente não tá funcionando muito bem.”
Faço um som em concordância quando Michael volta a se deitar,
acomodando as pernas no meio das minhas e segurando minhas
coxas até que eu abrace sua cintura com elas.
A ponta do seu pau me toca de forma muito deliciosa e ele
desce uma das mãos, passando o indicador por toda a minha
umidade, tocando minha entrada com delicadeza demais, circulando
meu clitóris preguiçosamente até que eu me arqueie, buscando
mais do que toque. Pedindo por ele dentro de mim.
Meus pedidos são atendidos e quando Michael desliza de
uma vez, estocando até o máximo, ambos soltamos um gemido
baixo, que se mistura no ar. Ele apoia a mão novamente na guarda
do sofá, buscando um apoio antes de ritmar seus movimentos com
certa rapidez e dureza. Me seguro nele, porque adoro sexo assim e
ele é muito bom me dando isso.
Sua boca também é quase agressiva contra a minha quando
busca por um beijo e agarro seus cabelos para controlar os
movimentos da sua língua na minha. Com a mão livre ele agarra
minha cintura com força, me ajudando no trabalho de me empurrar
contra ele, indo de encontro a suas estocadas firmes. Não evito uma
arfada, misturada a um choramingo, quando ele atinge um ponto
ainda mais fundo e sinto ele totalmente dentro de mim, suas bolas
batendo contra minha pele, sua pélvis friccionando meu clitóris com
a força.
Ele segura um dos meus seios, provocando a pele rosada do
mamilo com o indicador e polegar. A esse ponto, os beijos não são
mais possíveis e sua cabeça descansa entre meu ombro e meu
pescoço, lambendo a pele dali vez ou outra com algumas chupadas.
Abraço suas costas até que minhas mãos segurem seus ombros.
Meu corpo treme e Michael tem movimentos mais frenéticos, cada
um em sua prévia do estupor.
Seu gemido é alto, e ele bate contra mim com força duas
vezes enquanto o sinto gozar e essa fricção contra minha pele
sensível e inchada faz com que meu orgasmo também chegue em
seu pico. Perco a força e me seguro nele como se precisasse disso
para simplesmente não desmanchar. Meus gemidos são
prolongados quando ele se movimenta mais um pouco,
provavelmente tirando até a última gota do seu prazer.
Quando o peso do seu corpo finalmente desce
completamente contra o meu, ele acaricia meu rosto, deixando um
beijo vagaroso nos meus lábios e ficamos recuperando nossas
respirações antes que Michael se levante, puxando a camisinha
para fora e a amarrando. Ele se abaixa, deixando um beijo em cada
mamilo e mais outros dois beijos em minha barriga antes de me
oferecer a mão. Ainda estou exausta e seu sorriso é sugestivo, mas
ainda assim seguro a sua palma e me levanto com ele.
“Banho e cama?”, brinco com ele.
“Ou eu te dou um banho, deixando você se deliciar com isso
e depois pensar se não mereço algo em troca, na cama.” Ele ergue
uma sobrancelha, questionando.
“Terei que analisar o teor desse banho.”
“Você é má.” Mas Michael diz isso abraçando minha cintura
quando chegamos ao seu quarto, me puxando até o banheiro. “Mas
terei que aceitar seja lá quais termos quiser impor.” Ele levanta os
ombros antes de descartar o preservativo.
“Acho que vou precisar me aproveitar disso, essa questão de
aceitar meus termos de julgamento.”
“Ah, eu concordo!”
 

 
 
TERMINO DE DIGITAR A LINHA E preciso voltar para ler
novamente o último parágrafo, notando que ele não faz sentido
algum e esse processo está pior do que eu poderia imaginar.
Minhas ideias não fecham arco nenhum e nem mesmo eu consigo
entender o que quis dizer com aquilo. Apago a últimas quinze linhas
e tento começar de novo. Coloco uma frase no arquivo antes de
Raphael entre pela porta com uma xícara em mãos.
“Achei que pudesse precisar depois do que acabei de ler.”
Claro que ele não seria capaz de não zombar de mim. Dou a ele um
olhar feio, mas pego de bom grado a xícara. “Pensei que esse
processo estivesse no papo.”
“Teoricamente. Está, na verdade. Eu é que estou um pouco
aéreo hoje.”
“E o motivo disso seria?” Faço uma careta e isso só o instiga
a ficar ali ainda mais. Meu amigo se acomoda na cadeira na minha
frente, cruzando as pernas confortavelmente.
“Não é nada.”
“Você escreveu que o cliente estava sob o presente
constituído na lei de proteção a crianças expostas a situações de
vulnerabilidade, mas até onde me lembro acredito que ele estaria
sob a proteção da lei de isenção da propriedade privada de preci…”
“Ok, eu já entendi!” O paro antes que Raphael siga falando
sobre mais coisas sem nexo que devo ter colocado no arquivo há
dois minutos. Bebo um longo gole do café e suspiro, puxando o ar
para meus pulmões. “O que daria para alguém que tem tudo?”
“Achei que já tivesse comprado os presentes das suas
sobrinhas.” Ele arqueia a sobrancelha em minha direção.
“Eu comprei.”
“Então é para outra pessoa?”
“Não, Raphael. Estou perguntando o que dar de presente
para uma pessoa que tem tudo e essa pessoa sou eu! Claro que é
para alguém, que não Faith e Liv.”
“Não precisa das grosserias.” Mas ele sorri como quem sabe
de tudo ao dizer isso, relaxando contra a cadeira. “Ok… Beatrice?”
“O aniversário dela é na próxima semana”, explico, e ele me
dá um aceno. “Queria comprar algo legal, mas ela tem tudo. Ela
pode ter tudo o que quiser, logo qualquer coisa que eu der será…
boba demais. Tudo o que me vem a cabeça é bobo demais.”
“Nem sempre é bobo assim.”
“Como você está ajudando!”, ironizo, bufando e revirando os
olhos.
“Mike, nunca vai saber se isso é bom ou não. E você, tipo,
não conhece ela o suficiente para saber o que ela pode ou não
gostar? Bolsas, sapatos, joias, um jantar. Deve ter algo que pense
que pode ser bom.” E é aí que mora o problema. Penso em várias
coisas, mas nada parece ser bom o suficiente, ou algo que ela vá
gostar muito. E quero que Beatrice goste muito do meu presente.
“Além disso, pare de ser tão nervoso. Vocês nem mesmo estão
namorando, nem nada. A não ser que tudo tenha mudado e você
não fez questão de contar ao seu melhor amigo”, ele provoca.
“Nada mudou e não se ache tanto.”
“Bem, eu não me acho muito, a questão é que esse foi meu
cargo elevado já que eu fiz questão de manter minhas mãos longe
da sua irmã.”
“Eu te odeio. E sempre posso recorrer ao Hudson como
amigo.”
“Ah, mas veja só, Zach está ocupado demais em Atlanta.
Parece que está preso aqui comigo, Davis.” Dou a ele um nariz
torcido e um riso fingido, me arrumando em minha cadeira.
“Sabe o que mais está preso aqui? Um monte de processos
que posso resolver encaminhar todos para o seu nome.”
“Isso foi malvado!” Raphael me aponta o indicador,
balançando a cabeça em negação. “Mas voltando ao assunto
principal, se não estão juntos, relaxe e compre algo que acredite
que ela vá gostar. Mande flores. Eu sempre quis receber flores.”
“Vou anotar isso como presente para o seu próximo
aniversário.”
“Eu estou falando sério, receber flores deve ser legal.”
“Eu também estou falando sério. Faça vinte e oito e aguarde.”
Levanto os ombros. “Mas a ideia de flores é legal, mas tenho receio
que ela não goste de receber isso no trabalho então…?”
“Entregue pessoalmente, no trabalho ou em casa. E duvido
que ela vá ligar, ela é Beatrice Oakles, bem provável que o seu não
seja o único buquê.”
“O que quer dizer?” Arqueio a sobrancelha, com um certo
receio dentro de mim e Raphael ri.
“Ela é uma das mais famosas editoras chefes de Nova York,
além de ser dona do maior conglomerado de mídias da Costa Leste,
deve ter alguns parceiros que vão mimá-la nesse dia. Não se sinta
tão único”, ele debocha de mim, descruzando as pernas bem-
vestidas em um terno feito sob medida e as cruzando para o outro
lado. “E acho que não posso mais dizer para relaxar e comprar
qualquer coisa, afinal, se tá tenso assim com a ideia dela receber
flores no aniversário então tem, sim, algo que não tá me contando.”
“As coisas seguem do mesmo jeito, se é isso que tá
perguntando, mas não significa que eu não queria dar algo legal
para o aniversário dela”, solto um grunhido, porque não consigo
pensar em nada bacana o suficiente e me jogo de costas no
encosto, que range com meu peso. Pego a caneca de café e bebo
mais um gole grande, esperando que a cafeína me ajude.
“Podemos começar com as flores. E pensar em mais alguma
coisa legal. Ela é uma mulher muito elegante, chique e bastante
rica. Exala bastante poder nas fotos.”
Nunca pensei muito sobre isso, porque a Beatrice que
conheço é mais relaxada. Porém, ele tem razão quando fala que ela
é elegante, além de muito rica e bastante poderosa, ainda que sua
postura seja outra nos nossos momentos a sós. Não tenho como
esquecer o fato que ela é, sim, dona de muita coisa importante e
chefia uma revista de grande nome. Não posso dar algo que não
combine com ela, logo bolsas e sapatos estão fora da lista porque
eu nunca saberia comprar algo assim certo. Mal compro certo as
minhas próprias roupas e elas são quase todas iguais.
“Posso te ajudar nisso, se quiser. No horário de almoço.”
Raphael se levanta, arrumando a cadeira de volta no lugar e olho
para ele por cima da borda da xícara. “Se me levar para almoçar
naquele restaurante italiano incrível.”
“Sabia que não sairia barato para mim.” Não que ele não seja
um ótimo amigo, mas óbvio que pediria algo em troca. “Saímos às
onze para passar nas lojas primeiro.”
“O que seria de você sem a minha amizade?”
“Provavelmente alguém com uma pessoa a menos para me
importunar.” Ele revira os olhos, mas solto uma risada. “Ah, e
preciso mesmo que pegue o caso dos Stones!”
“Por quê?”, ele choraminga.
“Porque é o melhor nisso e sabe.”
“Me mimando para arrancar o melhor de mim, é mesmo um
típico cafajeste.” Seguro para não gargalhar no escritório, porque ele
segura a porta aberta, para sair da minha sala e todo mundo
escutaria do lado de fora.
“Nunca disse que não era. Às onze, Raphael. Não enrole.”
“Você é o chefe, é o único que me impede de não sair todos
os dias mais cedo”, meu melhor amigo rebate, e solto um riso pelo
nariz enquanto o observo sair pela porta e voltar a sua mesa.
 

 
Espero alguns segundos na porta e procuro, como um idiota,
qualquer fiapo errado na minha roupa. Tiro o pequeno fio de linha
solto que está no meu ombro direito na camisa azul claro,
provavelmente solto do jeans escuro que uso. Arrumo as mangas
dobradas perfeitamente mais uma vez e olho para a pequena sacola
nas minhas mãos antes de ouvir a maçaneta começar a girar.
Beatrice está linda, com um sorriso enorme nos lábios
quando abre a porta para mim e claro que eu já sei o quanto ela é
bonita, chega ser um pouco perturbador às vezes como fico tão
distraído pelos contornos do seu rosto, mas hoje tem algo ainda
mais bonito nela. Ela está com um vestido florido castanho, com as
alças finas e que desce até um pouco acima dos seus joelhos.
Apesar de acentuar sua cintura e delinear bem seus seios, ele é
solto da cintura para baixo, dando a ela um ar de leveza que eu
conheço melhor do que a Beatrice nas roupas sérias, a jornalista
super executiva.
Uma jaqueta jeans está folgada nos seus ombros e assim
que ela abre passagem para que eu entre, entendo o porquê. A
enorme porta que leva a varanda do seu apartamento está aberta,
deixando que o vento de fim do dia entre no ambiente.
“Oie!”, Bea fala, fechando a porta atrás de mim e paro onde
estou, alcançando a cintura dela com o braço e a puxando para
mim. Ela ri antes que sua boca encoste na minha, em uma urgência
que é um pouco estranha para mim, mesmo assim não evito
precisar beijá-la todas vezes que nos vemos, o que dificulta um
pouco a convivência com Beatrice fora das paredes dos nossos
apartamentos. Pego seu lábio entre os meus, sabendo que apesar
de querer, não posso pular o jantar e tomar meu tempo beijando sua
boca e todas as demais partes perfeitas dela, findando nosso beijo e
recebendo uma nova risada de Bea.
“Oie”, respondo ela com um sorriso de canto nos lábios,
folgando o aperto do meu braço ao seu redor.
“Acho que gosto dessa recepção.”
“Podemos fazer de novo, é só pedir.” Jogo de volta para ela
com a maior malícia do mundo, mas Beatrice se desvencilha de
mim.
“Não, o jantar vai esfriar.”
“Sempre podemos aquecer de novo”, sugiro, um pouco
brincando, um pouco falando sério.
“Michael!” A forma como ela me repreende é muito fofa.
Sigo Beatrice até a mesa, deixando a sacola com seu
presente na sala. Ela já se desfez das embalagens do restaurante e
colocou tudo da forma mais caseira possível ali. Bea aproveitou o
tempo enquanto eu me arrumava bem. Quando sai do escritório, as
sete, ela já estava em casa, por isso fiz o pedido o quanto antes
para não ter qualquer maior atraso para finalmente vir vê-la. Mas o
trânsito estava infernal, demorei mais do que o previsto para
conseguir finalmente bater em sua porta.
“Queria ter podido fazer algo mais especial.” Torço o nariz,
porque comida comprada não é a melhor ideia.
“É quinta-feira, não teria como chegar mais cedo do trabalho
só pra isso. Além do mais, isso tudo parece delicioso. Nunca fui
nesse restaurante.” Ela vai até à cozinha, pegando o vinho em sua
adega refrigerada e trazendo-o para a mesa.
“É um dos melhores restaurantes franceses de Nova York, na
minha opinião.” Me sento, acompanhando por ela, que fica ao meu
lado e serve as taças de vinho. “Como foi ontem?”
Ontem, quarta, foi o aniversário de Beatrice. Mas seus planos
sempre incluíram, ao longo dos anos, passar todos os horários livres
do dia com Callista e Isabelle, sua melhor amiga e afilhada. Não
fazia sentido querer atrapalhar essa tradição delas. Por esse motivo
falei que prepararia um jantar hoje, ou faria o meu melhor para isso.
Na verdade, parte de mim também preferiu assim. Talvez se
eu tivesse insistido – e ela cedido – a ficar com Beatrice em seu
aniversário, poderia dar a ela a impressão de que estou
pressionando para algo que ela não quer. Porque passar o
aniversário juntos parece, talvez, demais para ela.
“Foi bom, como sempre. Honestamente, adoro passar meus
dias com elas. Fomos a um restaurante italiano, perto da revista, e a
Belle até interagiu com algumas crianças na pequena área que eles
tinham para recreação. Callie e eu provavelmente tomamos mais
vinho do que deveríamos. Passei boa parte da manhã com uma
ressaca enorme e um mau-humor ainda maior.” Ela torce o nariz em
uma careta antes de rir baixo. “No almoço comemos em um
restaurante japonês, mas nem pude aproveitar muito.” Bea dá de
ombros e começa a tirar as tampas dos potes, fazendo com que o
cheiro de comida me atinja, assim como a fome.
“Isabelle não costuma interagir com as crianças?” Fico
curioso com o assunto. A afilhada de Beatrice deve estar no top três
de pessoas mais importantes na sua vida, talvez em primeiro lugar,
inclusive.
“Não exatamente. Não acreditamos que ela seja antissocial,
nem nada, mas… não sei. Ela não é do tipo de criança que gosta de
interagir, brincar com as outras crianças. Callie pensou que quando
ela fosse para a creche, com as outras crianças da idade dela, isso
poderia mudar, mas não mudou. Talvez seja só porque ela ainda é
muito nova, acabou de fazer dois.”
“Talvez…” Mas me calo, pensando que talvez a sugestão seja
demais, que talvez seja até me intrometer demais. Beatrice volta a
se sentar depois de nos servir e me olhar com um sorriso.
“Termine a frase.”
“É só que poderiam ir comigo no aniversário das meninas, no
sábado. Matteo e Daphne vão vir para fazer uma pequena reunião
aqui. Com algumas pessoas mais próximas, alguns amigos da
família. Nada social, só nós e os amigos da empresa, que tem
filhos.” Tomo um gole de vinho. “Olivia e Faith provavelmente são as
duas crianças de um ano com maior energia que já vi. Talvez elas
se deem bem.” Levanto os ombros.
Bea abre a boca, e então volta a fechar.
“Foi só um convite, não precisa aceitar se não quiser. E talvez
Callista até já tenha sido chamada. Ela é bastante próxima dos
Drake.” E se Beatrice nem comentou sobre isso antes,
provavelmente Callista até mesmo deve ter recusado o convite.
O que me faz parecer um pouco estúpido por ter feito outro
convite agora. Ainda assim, não retiro.
“Posso ver com ela. Pode ser bom para a Belle.” A forma
como ela comprime os lábios, puxando a taça em seguida até eles,
me faz perceber que foi mesmo um convite ruim.
“Não precisa ir se não quiser. Foi um convite, sempre pode
negar, Bea.” Infelizmente, sei que minha voz soa mais ríspida do
que desejo.
É confuso e as vezes um pouco esmagador, sempre gostei
das coisas certas e minha vida sempre foi cheia de certezas, ainda
que fossem certezas erradas. Beatrice chegou de uma forma um
pouco… demais para mim, e não foi de uma forma ruim. Ainda
assim, foi um pouco avassalador. Na maior parte do tempo não sei o
que estou fazendo e odeio esse sentimento.
Mas quando ela me toca, como agora enquanto repousa a
mão por cima da minha, que segura o garfo flutuante no ar sem ter
muito a intenção de levá-lo ao prato ou trazê-lo a boca, tudo parece
diferente. Quando ela me olha, com esses dois poços de
intensidade e expressividade castanhos, mas que também são
travessos, risonhos e muito gentis quando ela deseja. Quando ela
me olha, não consigo distinguir se as coisas ficam ainda mais
confusas ou mais claras.
“Só fiquei surpresa. Mas vou ver com Callie.”
Não posso deixar de falar na boca, toda a contemplação que
é a sua boca. Sorrindo, falando, beijando ou fazendo tudo o que ela
sabe muito bem fazer com essa boca, eu me perco um pouco mais.
Raphael me fala todas as vezes que preciso parar de me conter,
que preciso parar de delirar só um pouco e aceitar as coisas, já que
meu mau-humor dos últimos dias tem sido resultado de uma
conversa que pareço não saber iniciar.
É irônico, e provavelmente o destino rindo em gargalhadas
bem altas da minha cara. E eu nem mesmo consigo entender o
porquê gostaria de algum tipo de rótulo para nós dois. Beatrice
entrou na minha vida há quase três meses e desde então deixou
tudo uma bagunça que só ela é capaz de arrumar. Ou talvez eu
quem seja um pouco preguiçoso e acomodado para ter a coragem
de fazer algo sobre isso.
Por outro lado, compreendo o porquê desejo isso. Talvez faça
com que convites assim sejam menos constrangedores, ou que eu
saiba melhor se posso ou não fazê-los. Que eu descubra se tudo
bem chamar ela para almoçar comigo ou se minha presença mais
do que uma vez a cada dez dias na revista é algo que a constrange.
Deixaria uma infinidade de coisas mais clara.
Pensando assim, me sinto quase como Matteo há pouco
mais de um ano, quando sua forma tão cética chegava a me
estressar. A forma como meu melhor amigo sempre desejou tudo
posto palavra por palavra para compressão me faz parecer o
paranoico que um dia eu o achei ser.
Tento afastar o assunto enfiando uma boa garfada da comida
deliciosa na boca depois que a mão de Bea se desvincula da minha.
Mas quando isso não funciona, parto para uma tática que não é
muito a minha praia: jogar conversa fora.
“Como foi ontem? No escritório.”
“Meio normal. Alguns presentes e, inclusive, adorei o buquê.”
Ela gesticula para a bancada da cozinha, onde o buquê que enviei
está posto em um vaso transparente. “Posso dizer que foi um dos
dois pessoais que recebi. Quer dizer, foi pessoal certo? Porque não
vi o carimbo do escritório nem nada…” E como sempre ela começa
a tagarelar ansiosa, me fazendo rir baixo.
“Claro que foi pessoal, mas se desejar, Laurent-Davis
Escritório de Advocacia pode também lhe enviar flores”, e não posso
deixar de complementar, para brincar com ela. “Quase me sinto
pessoalmente ofendido, escolhi as flores eu mesmo e ainda assinei
a mão o cartão. Não tenho toda essa dedicação com associados.”
Como previsto, ela revira os olhos.
“Não seja tão convencido. Foi um cartão…” Ela bate o
indicador nos lábios de forma adorável enquanto finge pensar.
“Mediano. Mal teve duas linhas.”
“Isso é um desafio?”, provoco, e vejo seus olhos se
arregalarem.
“Michael…” Mas sua frase morre quando coloco um sorriso
presunçoso nos lábios, dando de ombros como quem não quer nada
e deixando muita coisa no ar quando volto minha atenção ao jantar.
Beatrice demora um pouco mais para absorver minha fala,
provavelmente se questionando se irei fazer o que ela pensa que
irei e faço a mim mesmo essa pergunta.
Valeria muito a pena.
 

 
“Quero abrir meu presente”, Beatrice fala, se inclinando por
cima de mim no sofá para tentar alcançar a sacola que deixei ao
meu lado. Balanço a cabeça em negação, e ela continua tentando
como uma criança travessa com os olhos brilhando de divertimento.
“Mike!”
“Não me chama assim”, aviso para ela, que revira os olhos
como sempre. É engraçado como não consigo ouvir meu nome ser
chamado por qualquer pessoa.
Odiaria que Daphne me chamasse de Michael, ou que Matteo
falasse comigo assim, ou que Raphael usasse meu nome inteiro
quando estamos sozinhos, sem a seriedade do escritório. Mas não
consigo entender até hoje o porquê me apresentei a ela como
Michael, e desde então nada parece certo saindo pelos seus lábios
do que Michael. Mike não parece com a gente.
Não existe bem um nós dois, mas gosto de pensar que sim.
De uma forma um pouco distorcida talvez, mas existe um nós.
“Mike, Mike, Mike, Mike…” Ela continua até que colo minha
boca na sua, silenciando-a com um beijo e recebendo um sorriso
seu antes que sua língua passe pela minha boca, explorando meus
lábios e depois adentrando para provar o gosto de vinho da minha
língua, e eu provar a sua. Deixo, com muita satisfação, que Beatrice
me beije como bem quer, segurando sua cintura voluptuosa,
passando o braço ao seu redor até puxá-la ao máximo para perto.
Quase forçando que ela suba no meu colo, mas desconfio que ela
também faz isso de bom gosto.
Aperto suas coxas que se abrem para pararem ao lado das
minhas quando ela se senta no meu colo, envolvendo meu pescoço
com os braços. Ela se distancia, deixando dois beijinhos na minha
boca antes de sorrir de uma forma bastante maliciosa, com um
brilho divertido no olhar que sei exatamente o que vai fazer antes de
abrir a boca, por isso lhe roubo outro beijo.
“Você consegue ser uma criança quando quer.”
“E você parece um velho rabugento quando quer. Nem
parece na flor dos vinte e cinco.”
“Completou vinte e sete mal faz vinte e quatro horas, piadas
sobre isso ainda não são aceitas.” Ela espalma meu peito,
contrariada antes de voltar a se sentar ao meu lado. “Agora, seu
presente”, minha fala faz um sorriso largo retornar aos seus lábios, o
que poderia iluminar todo o apartamento. “Mas não aqui.”
“Como assim?” Bea franze as sobrancelhas quando me vê
levantar do sofá e esticar a mão para ela.
“Vamos para o meu apartamento, tenho uma surpresa.”
“Mais surpresas?”
“Mais?”, questiono porque não a fiz nenhuma surpresa ainda,
ao meu ver.
“O buquê, o jantar, o presente que ainda quero muito ver, o
que mais?”
“O jantar você já sabia. O presente é… óbvio.” Não deveria
presenteá-la?
“Não precisa entrar na defensiva”, ela murmura, e isso muda
um pouco o humor do ambiente. Mesmo assim, Beatrice me segue
quando caminho até a porta do seu apartamento, segurando seu
presente com uma mão e encaixando seus dedos nos meus com a
outra.
“Precisa ficar aqui fora um pouquinho, te acho quando puder
abrir a porta”, peço, fazendo com que o sorriso curioso retorne.
“Devo ter medo?”
“Confia em mim?”, provoco ela.
“Depende.”
“Do quê?”, rebato, achando graça de nós dois debatendo isso
na porta do meu apartamento.
“Da quantidade de roupas que usa.” Abro a boca em choque.
Esperava muito vindo dela, mas não isso. Claro que aprecio muito a
resposta e ela aprecia a minha reação para isso. Rindo e dando de
ombros. “Quanto mais roupa, menos confio.”
“Pensei que fosse ao contrário.”
“Nunca. Seu corpo é infinitamente melhor quando não tem
nada disso.” Ela gesticula para minha roupa e cogito se é parte da
bebida fazendo efeito, mas as vezes sua sinceridade crua me
surpreende, de uma forma majoritariamente boa.
“Devo preparar um strip-tease?”
“Humf, estava esperançosa que essa fosse a surpresa.” Mas
nem mesmo Beatrice se aguenta porque a visão deve ser bastante
engraçada na sua cabeça também e ambos acabamos gargalhando
no corredor. “Ok, estou ansiosa. Vou esperar.” E ela até mesmo
fecha os olhos, por isso roubo mais um beijo rápido da boca tão
bem desenhada antes de girar a maçaneta e entrar no meu
apartamento semiescuro.
Me sinto um pouco tosco e jovial demais, principalmente por
entrar sorrindo quase como um bobo dentro do meu apartamento e
ir organizar na bancada tudo o que trouxe mais cedo. Deixo a sacola
com o presente dela ali em cima mais uma vez. Preciso de um
pouco de agilidade para colocar todas as velas no topo do bolo. É
um bolo de mousse de chocolate e pareceu delicioso aos meus
olhos, por isso o escolhi. Tento fazer tudo o mais rápido possível
antes de segurá-lo nas duas mãos e caminhar novamente até a
porta.
“Pode entrar”, falo alto o suficiente para que Beatrice me
escute do outro lado e logo ela empurra a porta e entra com um
olhar desconfiado.
Entretanto, tudo muda quando seus olhos encontram o que
carrego em mãos. Sua expressão se ilumina, seus olhos brilham e
não sei se é só pelo reflexo das velas. Sua boca se abre um pouco,
surpresa com tudo e dura só até ela subir os olhos castanhos tão
bonitos e brilhantes para mim e sorrir.
Um pensamento bobo me ocorre, porque acho que bem
agora acabei de me perder um pouco mais para ela. E desejo que
Beatrice seja um pouco menos expansiva na minha vida ainda que
ela não tenha culpa de nada.
Estou fazendo isso sozinho comigo mesmo.
O que é ainda pior.
Mas é incrivelmente difícil resistir aos encantos dela.
“Feliz aniversário”, falo, deixando um sorriso de canto antes
de torcer o nariz. “Ou feliz vinte e sete anos e um dia.” Ela acaba
rindo da minha graça. “Faça um pedido.”
Bea se inclina para baixo, segurando os fios castanhos
sedosos que estão soltos hoje, como se por algum milagre, e fecha
os olhos antes de formar um biquinho fofo com a boca e soprar,
abrindo os olhos, olhando para as velas se apagando para então
levantar o olhar para mim. Ela se levanta de volta a sua posição
ereta quando todas as velas se apagam.
“Obrigada!” Sua voz sai trêmula. “De verdade.” Franzo o
cenho, sem compreender muito bem o porquê de isso parecer tão
importante, mas dou um aceno com a cabeça, convidando-a a me
seguir até a cozinha.
Deixo o bolo na bancada e ligo as luminárias de teto
pendentes em cima dela, iluminando o espaço antes de pegar
pratos e talheres.
“Minha mãe sempre fez um bolo de aniversário para mim,
logo de manhã cedo no dia do meu aniversário. Ela falava que era
importante começar comemorando o próximo ano que viria. É um
conceito estranho, já que também é um ano a menos na nossa
contagem do fim da vida, porém me acostumei com essa tradição.
Depois que eles morreram, minha avó manteve a tradição até os
meus vinte anos. Pareci velha demais para ela depois disso. Callista
sempre compra um bolo, ou faz um, para comemorarmos desde que
viramos amigas. Segue sendo uma tradição hoje.” Ela dá de ombros
sorrindo. “Uma vela para cada ano.” Sua constatação vem quando
começa a me ajudar a tirar as velas do topo do bolo.
“Não tinham um sete, só seis e oito. Provavelmente pensaria
que estou te chamando de velha demais com o oito ou achar que
não sei sua idade se comprasse a de seis.” É a minha vez de dar de
ombros e ela ri.
“Isso é verdade. Mas não fico ofendida com os anos a mais.
Não entendo muito o complexo com isso.”
“Talvez seja o medo do fim da vida?”
“Todos nós vamos morrer um dia, e nem todos morremos
com cem anos.” Ela suspira e penso que talvez esteja pensando em
todas as perdas que já teve em sua vida, algumas cedo até demais.
“Quer cortar? Um pedido a mais sempre pode ser bom.”
Ofereço-lhe a faca grande e Beatrice a pega com um sorriso,
girando a bandeja com o bolo até decidir em qual lado fará o
primeiro corte. “Estou torcendo para ganhar o primeiro pedaço”,
digo, zombando, e ela suprime uma risada, fechando os olhos antes
de descer a faca no bolo.
“O primeiro pedaço vai para mim. Sou merecedora do meu
primeiro pedaço.” Ela levanta o queixo, colocando sua pose
confiante e um olhar quase superior antes de terminar de cortar os
dois pedaços.
“Você merece”, concordo, recebendo meu pedaço. “Espero
que seja bom.”
Ela leva a primeira garfada aos lábios e me dá um aceno.
“É delicioso.”
“Obrigado”, retruco convencido, piscando para ela com
malícia.
“Você é terrível.”
“É você quem constantemente está pensando em maldade.”
“Não posso fazer muito contra todas as suas insinuações.”
“Eu não me insinuo, mas levarei como um elogio para o meu
jeito…” Busco alguma palavra, mas ela me completa.
“Sexy.” Não evito olhá-la com as sobrancelhas levantadas.
“Ah, por favor! Você tem essa coisa em você. É muito bonito e tem
um corpo muito bonito, sua cara fechada atraí mais olhares do que
conseguiria contar se quisesse. Você é, provavelmente, o cara mais
sexy que eu já conheci. Não venha me pedindo elogios.”
“Mas acabou de me elogiar”, provoco, só para receber a sua
revirada de olhos. Ela suspira, comendo mais um pouco do bolo e o
provo na minha primeira garfada. É mesmo delicioso.
“Ok, posso abrir meu presente agora?” Qualquer cara
amarrada que ela tentasse manter no momento anterior é
substituída pelo brilho curioso infantil que seu olhar tem agora.
“Não seja tão ansiosa.”
“Estou desde o começo da noite querendo abrir!”
“Não deu essa impressão.” Levanto os ombros, fingindo
chateação sobre a falta de interesse dela.
“Michael…” Beatrice semicerra os olhos quando me fita. “Só
não quis me apressar e ser mal-educada não parecendo
interessada nas coisas que me falou durante a noite.”
“HA! Então eu estava certo quando pensei que não me ouvia
quando falei sobre meu quase acidente de carro na hora do
almoço”, minto, sobre a falta de interesse dela em mim e sobre o
possível acidente.
“Você não falou nada disso, não minta”, sua repreensão não
vem tão séria como ela provavelmente gostaria. Uma sobrancelha é
arqueada em minha direção e aproximo a sacola da joalheria até
estar na frente dela, do outro lado do balcão de onde estou. Como
mais um pedaço do bolo enquanto ela se desfaz da fita que fecha a
sacola preta brilhosa.
Não quero, mas fico ansioso enquanto ela tira a caixa de
veludo quadrada lá de dentro, olhando com estranheza e deixando a
sacola de lado, assim como empurra seu prato para conseguir
apoiar a caixa na bancada. É um presente ok, e espero ter
conseguido acertar minimamente. É algo simples, mas… usável.
Claro que procurei por algo não tão significativo para não assustá-la,
entretanto não queria passar tão despercebido.
Observo sua reação quando ela abre a caixa azul-escuro e
parece chocada, levantando as sobrancelhas até enrugar um
pouquinho sua testa, sua boca entreabre surpresa e seus olhos
passam vagarosamente por toda a peça. É delicada, porque achei
que combinaria bem com ela algo mais delicado, nada chamativo. A
corrente é de ouro branco, fina e levemente torcida em seu próprio
eixo, não é tão curta, nem longa. A vendedora me prometeu que o
pingente ficaria pouco abaixo da clavícula.
O pingente em si é um trabalho ainda mais delicado. Um lírio
em pé, ao invés da flor aberta, em contornos finos, sem
preenchimento. É simples, mas extremamente delicado e bonito.
Elegante, e provavelmente esse foi o motivo por eu tê-lo comprado
ao invés de qualquer outra peça um pouco mais chamativa.
Beatrice passa a língua nos lábios, antes de retornar seus
olhos para mim.
“É lindo. Obrigada!” Um sorriso gentil transborda por seus
lábios. “Lírio, de novo.” Abro minha boca, pensando em qualquer
defesa. Foram as mesmas flores do buquê. “Eu gosto, são flores
bonitas.”
“Significam beleza…” Ela sorri convencida com a descrição.
“Inocência e pureza.” Para essa parte, recebo uma careta. “Sorte…”,
falo um pouco mais baixo, deixando minhas palavras se findarem
por ali, apesar de haver mais significados.
“Sorte?”
“Sim, sorte.” E fico me perguntando se sua pergunta é
apenas uma confirmação ou se pensou sobre minha escolha de
palavras. Ao invés de falar qualquer coisa além disso, ela segue
sorrindo, me dando um aceno antes de pegar o colar da caixa.
“Me ajuda a colocar?”
“Agora?”
“Não deveria querer usar meu presente?” Deveria adivinhar
que ela retrucaria rápido com essa pergunta, por isso tento deixar
um sorriso simples nos lábios enquanto vou até o outro lado da
bancada, me colocando atrás dela.
“É só porque provavelmente vai querer tirá-lo daqui um
pouco”, comento, já que é tarde. Foi um dia cheio para os dois.
“Para dormir”, explico, pegando o colar da sua mão quando ela me
estende.
“Talvez eu não queira tirar.” Ela levanta os ombros como se
não fosse muita coisa e, teoricamente, não deveria ser. Mas engulo
em seco enquanto observo ela levantar os cabelos para cima e sei
que minha reação não é pela pele exposta da sua nuca.
“Ok”, é a única palavra que consigo dizer antes de deixar um
beijo no seu pescoço, encaixar a corrente ao seu redor e fechá-la
sem dificuldade.
Quando Beatrice se vira de frente, vejo que combinou
bastante com ela. Suas mãos passam ao redor do meu pescoço e
abraço sua cintura automaticamente. Percebo que ela é minha
maior sorte dos últimos tempos, ela é tudo o que eu mais poderia
querer mesmo sem ter ideia disso até aquele fim de tarde na
academia, quando ela entrou na minha vida da forma mais Beatrice
possível.
“Obrigada, é lindo. Acho que usarei muito. Prata combina
comigo.” Não uso meu tempo para corrigi-la, porque prefiro
aproveitar quando Bea se inclina contra os meus lábios. E seu beijo
tem gosto de chocolate, fazendo tudo ficar ainda mais gostoso
quando pressiono seu corpo contra o meu.
 

 
POR ALGUM MOTIVO, que talvez eu vá descobrir mais tarde, estou
com pressentimentos sobre estar aqui. Talvez seja algo só da minha
cabeça, uma bobagem, e eu não vou me arrepender como acho que
vou, mas ainda assim, por agora, penso que essa é a possibilidade
mais próxima a mim.
Algo de errado já aconteceu? Não.
Estou me sentindo deslocada? Seria feio falar que sim.
Minha presença parece indesejada? Muito pelo contrário.
Ainda assim, sinto que talvez não devesse estar aqui. Ou só
tenho muito medo de estar aqui a ponto de acreditar que não é o
melhor lugar para eu estar.
Tomo um gole da minha mimosa, talvez seja a terceira ou
quarta, enquanto tento me ocupar para não ser inserida no assunto
até que Callista volte do banheiro, onde foi com Belle. Mimosa é
uma boa escolha para o meio da tarde, sol do meio de junho e um
sábado com festa infantil. Todas as demais mulheres da mesa
parecem tagarelar como as melhores amigas que são e me sinto um
pouco deslocada apesar de ter sido, sim, incluída em todos os
assuntos, mas tenho preferido me manter quieta.
Além disso, foi difícil negar e Callie respondeu por nós duas
porque óbvio que ela conhece muito bem Rebecca Drake e fazer
amizade com a esposa do futuro CEO também é bom. Mas além
disso, as interações dela com Rebecca e Daphne Drake não são
unicamente por interesse. As duas são simpáticas até o fim, Daphne
é bem mais solta, Rebecca tem um ar elegante impecável, além de
Chelsea, a terceira amiga, exalar… bem ela exala de tudo um
pouco. Sua beleza é brilhante, seu humor contagia e é difícil não
prestar atenção nela.
A residência dos Drake, onde o pai de Rebecca e Matteo,
além de dono de uma das maiores companhia de Nova York, seguiu
morando após o divórcio, é enorme e bonita. Talvez um pouco
pomposa demais, uma construção antiga com refinamento pelos
anos, um pátio gigantesco que foi dividido em várias áreas para os
brinquedos, mesa de decorativos com doces e o bolo, um bar onde
um homem e uma mulher preparam coquetéis com e sem álcool,
além de várias tendas com mesas para nos proteger do sol.
Michael falou a verdade quando comentou que seria algo
pequeno, mas nada é pequeno no nosso mundo, então apesar de
haver no máximo cinquenta convidados, tudo é bonito demais,
chique na medida que uma festa infantil pode ser. O garçom se
aproxima com uma bandeja e troco minha mimosa morna por uma
nova e mais gelada. Rebecca e Chelsea fazem o mesmo, mas
Daphne recusa.
Óbvio que noto, mas as duas outras notam bem mais.
“É a terceira bandeja que recusa”, Chelsea comenta como
quem não quer nada, jogando seu rabo de cavalo bem feito para
trás.
“Está grávida de novo?” Rebecca é mais incisiva, arqueando
a sobrancelha e deixando que sua voz saia estridente em choque
pelo pensamento.
“Santo Deus, está?” A loira se apoia na mesa, curiosa na
direção da amiga.
Daphne sorri, quase que sem jeito quando olha para mim e
penso abrir a boca para arrumar uma desculpa para sair dali, mas
ela acaba rindo e torcendo o nariz em uma careta que me faz notar
a semelhança gritante dela com o irmão.
“Não sei. Provavelmente não. Meu ciclo está atrasado cinco
dias, mas desde a gravidez não tem sido mais exatamente regulado.
Nos últimos três meses veio certo, com a tabelinha que tenho, mas
esse mês nada.” Ela bebe um gole da sua água. “Nada ainda.”
“Matt sabe?”, Rebecca pergunta.
“Claro que não, Becks! Se atrasar mais, faço um teste.”
“Não sabia que estavam tentando de novo.” As sobrancelhas
loiras de Chelsea se franzem e me sinto mal por estar sentada aqui
observando.
“Não estamos, mas também não estamos exatamente
evitando isso. Não venham me dizer que são as santas da
prevenção também”, ela rebate, semicerrando os olhos e
provocando as outras duas.
“Abandonamos a camisinha provavelmente antes do primeiro
mês.” A loira ri com malícia.
“Eu confio na pílula, minha menstruação sempre foi extra
regulada, então eu saberia de primeira.” A última frase saí quase
como desejosa e mesmo sem conhecer Rebecca o suficiente, sei
disso. “O quê? Queremos o casamento primeiro, é daqui pouco
mais de dois meses, mas nunca escondi a vontade que temos de ter
uma família. Zach é doido pra ser pai.”
“Deus nos proteja de minis Zachs correndo por aí sem limites
algum.” Não consigo evitar rir do que Chelsea fala, porque o noivo
de Rebecca tem um jeito bastante extrovertido que chega a ser
engraçado quando colocado ao lado dos outros três, Matteo,
Michael e Joshua, o namorado de Chelsea.
Meu riso discreto faz com que as três parem seu olhar em
mim. Não que tenham me esquecido no meio da conversa, mas o
fato é que o olhar que recebo de Daphne, Rebecca e Chelsea me
mostra que agora elas direcionam a pergunta silenciosa para mim.
Me finjo de desentendida, engolindo em seco.
“E…?”, Chelsea é a corajosa para perguntar.
“Ela não precisa responder isso, não é da nossa conta.
Parem de interrogá-la, não quero afugentar novas amigas”, Daphne,
apesar de ter parecido super interessada segundos atrás, repreende
Chelsea.
Deveria saber, quer dizer eu sabia, que vir aqui hoje geraria
comentários e muitas suposições, quero negar todas elas e acho
que deveria fazer isso, mas, ao mesmo tempo, compreendo que
seria bobagem e desperdício de saliva até. Comprimo os lábios,
pensando no que falar, mas Rebecca é ótima em quebrar a pequena
tensão que se forma.
“Daph, digo por experiência própria, você não quer saber
disso.” Os olhos azuis de Daphne fitam a amiga confusa. “A vida
sexual do seu irmão. Eu sei demais sobre a do meu e é… terrível.”
“Eu nem falo tanto assim!”, Daphne se defende.
“Não estou falando que você fala muito sobre isso, mas o que
fala já é o suficiente para me traumatizar. Ele ainda é meu irmão.”
“Ele é meu marido! Chelsea é bem mais visual quando fala
sobre suas aventuras.”
“É, o que estraga toda a visão que temos de Josh sendo um
bom garoto, mas a questão é que eu não compartilho nada com
Josh a não ser a Chelsea.” A loira, assim como eu, acha muita
graça do que Rebecca fala, mas diferente do meu riso contido, a
gargalhada da Chelsea é explosiva e bonita.
Quando a risada de nós quatro se cessa, finalmente abro a
boca, me sentindo um pouquinho mais corajosa para falar alguma
coisa.
“Michael e eu… nós não estamos…”
“Juntos?”, Daphne me ajuda, e tentando conter uma careta,
afirmo com a cabeça. “É… e apesar disso, está aqui hoje, não é
mesmo?”, ela diz, como se soubesse de tudo, e de fato parece
saber. “Eu conheço meu irmão, Beatrice. Mas, ok, são só amigos.”
Seus ombros se levantam e sua fala me deixa com infinitas
perguntas na minha cabeça.
Me salvando de acabar fazendo qualquer pergunta sobre o
que isso significa, Callista volta com Isabelle na mesa, se sentando
ao meu lado com ela no colo.
“Tivemos um pequeno incidente com fraldas cheias demais”,
ela fala para mim assim que chega, mas Daphne está do outro lado
e escuta, rindo baixo.
“Gosto de fingir alguma emergência e deixar essas para o
Matteo”, ela fala, chamando a atenção de Isabelle para a nova
pessoa estranha. Ela esteve desde o começo assistindo
atentamente todo mundo e não quis muito ir com as demais
crianças. Mesmo agora, quando o fim da tarde já cai e sobraram
pouco mais da metade dos convidados.
“Já estou tentando tirar aos poucos em casa, mas ainda é
complicado quando saímos. Sei que a Belle não gosta de estar em
lugares estranhos”, Callie responde, e sinto um pequeno aperto
porque minha afilhada é um pouco… diferente. Mas Callista e eu
fazemos nosso melhor para entender o tempo de adaptação dela
com as coisas.
“Não vamos colocá-la do lado da Olivia, sendo assim”,
Daphne murmura com humor e todas acabamos rindo, sei que é a
gêmea mais agitada. “Ela provavelmente vai ser expansiva demais.
Mas entendo, em partes, apesar das gêmeas terem só um ano.
Faith é mais quieta e insegura sobre coisas novas, pessoas novas.
Olivia vai no colo de qualquer pessoa, Faith não gosta tanto assim.
Inclusive, as vezes acho que ela gosta mais do colo do Mike do que
o meu ou do Matteo. É difícil tirar ela de lá.” Entretanto, ela não
parece achar essa folga nem um pouco ruim.
“Preciso dizer que nunca imaginei o senhor Drake tão… avô
assim”, Callie fala sobre o chefe, fazendo com que os nossos olhos
se voltem para onde ele está, com uma das netas no colo.
Todos os homens estão reunidos em uma tenda com
brinquedos, onde colocaram uma mesa e ficaram boa parte da tarde
por lá, bebendo e cuidando das crianças. Um menino e uma menina
se juntam as gêmeas agora, depois que a festa foi se esvaziando.
Desde o princípio foram mais adultos que crianças, mas agora essa
diferença é bem gritante.
“Por ele, iria para Boston final de semana sim, final de
semana também para ver as meninas. A relação dele com o Matteo
melhorou significativamente desde o fim do ano passado, preciso
falar. E ele constantemente está pedindo fotos e vídeos. Adora
passar um tempo com elas”, Daphne responde.
“Acho que meu pai quer que sua única definição daqui alguns
anos seja avô. Ele adora plantar a semente ainda mais na cabeça
do Zach, falando que quer mais netos. Deixarei a seu encargo,
Daph, que sirva os desejos do meu pai”, Rebecca brinca. “Serviu
muito bem esse cargo nele, preciso dizer.”
Não era mentira. Theodore Drake parece um avô babão em
suas netas, rodopiando com Olivia nos braços enquanto ela solta
risadas.
“Nunca achei que, há três anos, nossas vidas seriam assim
hoje”, Chelsea fala com uma dose de emoção.
“A vida nunca é o que a gente planeja, e algumas vezes tudo
sai ainda melhor do que imaginávamos”, falo, quase em um
sussurro, mas as quatro me escutam. “Talvez a melhor coisa que
fazemos, às vezes, é justamente não tentar controlar nossas vidas.”
“Está perdendo o controle da sua?”, é Rebecca quem tem a
coragem de perguntar.
“Um pouco, mas vem sendo melhor que achei.” Não sei bem
de qual parte da minha vida estou falando, porém, venho mesmo
aproveitando tudo que tenho vivido.
Não posso dizer que a empresa tem saído do meu controle,
pois seria mentira, mas algumas coisas têm, sim, sido feitas fora do
que o planejamento à risca. Foi bom, estou vendo crescimento, mais
público sendo atraído pelos nossos novos modelos de matérias, a
editora cresceu em suas ações no último ano, ainda que eu tenha
ficado com medo de arriscar.
Entretanto, minha vida pessoal também está bem diferente
do que achei que estaria sendo. Nunca fui boa em organizar essa
parte. Muito disso reflete meu primeiro encontro com Michael.
Porém, várias coisas mudaram desde então, a começar pela minha
relação com ele, algo que nunca cogitei que fosse existir. Sua
presença na minha vida fez com que rumos bem diferentes do que
imaginei fossem tomados e não me arrependo muito. Querendo ou
não, sei que foi ele quem me ajudou a ver algumas coisas, como por
exemplo que, talvez, eu devesse parar de simplesmente querer
alguém para suprimir um pequeno vazio que não queria admitir que
tinha.
Que deveria parar de querer cumprir com expectativas que as
pessoas têm de mim, principalmente se já estou satisfeita com
quem sou. E, de certa forma, estou satisfeita com a pessoa que sou.
Gosto da minha carreira e de onde cheguei hoje. Não vou negar que
sinto falta de algo a mais, algo emocionante, algo que arrepia a pele
e causa desejo. E não buscando isso, encontrei todas essas coisas
em Michael, ainda que seja uma relação incerta.
Tive controle nenhum sobre as coisas que acabaram
acontecendo conosco. Quis e quero muito ele, chegaria ser uma
bobagem sem tamanho tentar negar isso, mas não achei que
chegaríamos a isso. Desejos assim sempre costumam ser não
recíprocos.
As vezes ainda sinto que só estou esperando para o
momento em que tudo acabe, que deixe de ser recíproco. O que é
horrível, mas é como me sinto. Como se precisasse aproveitar cada
pequena parte dele enquanto ainda o tenho, porque sinto que será
algo de curto prazo.
“Está certa”, a voz de Chelsea sai baixa antes de ela suspirar.
“As melhores coisas sempre acontecem quando não estamos
esperando.” Seu sorriso é radiante enquanto ela observa seu
namorado caminhar na nossa direção junto com Zachary.
O segundo para atrás da noiva e logo seus braços descem
até que esteja meio abraçado em Rebecca, sentada. Ele se inclina
para beijar o topo da cabeça dela. É quase gritante demais a quase
devoção que ele tem pela noiva, mas é bonito. Parece que ela é o
centro do mundo dele e eu desconfio que seja mesmo.
Chelsea e Josh, por outro lado, são tão diferentes e, ao
mesmo tempo, parece que é exatamente isso que os encaixa tão
bem. O toque dele é mais delicado e tímido que o de Zachary
quando ele sussurra algo no ouvido da Chelsea, que a faz sorrir
ainda mais largo enquanto segura a mão dele entrelaçada com a
sua.
“Decidimos que vamos fazer um churrasco mais tarde, então
estou indo comprar bebidas e carne adequada”, Zach fala, me
fazendo olhar para o céu onde o pôr do sol vem dando lugar a noite.
“Estão todos convidados para ficar, claro.”
“Ah, jura? Por alguns instantes pensei que era a festa de
aniversário das minhas filhas.”
“Elas são minhas sobrinhas”, ele pontua.
“Meu pai não tem nada aqui?”, Rebecca pergunta, inclinando
a cabeça apoiada na barriga de Zach para olhá-lo.
“Gata, tudo é pomposo demais. Quero dar as minhas
sobrinhas um churrasco de aniversário propicio. Seu pai concorda.”
“Claro que ele concorda.” Ela bufa. “E o que tem de errado
com as coisas que tem aqui?”
“Nada de errado, mas sabe que seu pai mal tem ficado em
casa então temos só a comida da festa, do bufê. Nada que alimente
todo mundo.”
“Por que não pede pra alguém ir comprar?”, Chelsea
questiona com uma sobrancelha arqueada para ele.
“Porque pedir para alguém quando temos nós mesmos a
capacidade de fazer.” Não controlo minhas palavras, atraindo a
atenção para mim.
“Gostei dela!” Zachary sorri para mim, o que me deixa um
pouco sem graça de ter falado isso. Mas era algo que meu avô
falava as vezes, um dos legados que me deixou. “E é basicamente
isso. Então meu amigo Josh e eu iremos comprar as melhores
cervejas baratas da cidade para lembrar os velhos tempos de
faculdade e ver a resistência e bondade do seu pai.”
“Zach!”
“Becca!”, ele retruca no mesmo tom. “É uma brincadeira. Mas
quero mesmo testar se seu pai disse a verdade quando falou que
sabe como usar uma grelha.”
“Não o subestime”, Callie fala com um riso, sei que é por
causa da relação bastante próxima que tem com o senhor Drake.
“Ok, mas por favor tente não matar meu pai.” O pedido de
Rebecca sai com uma risada baixa.
“Ou meu namorado. Sabemos que suas habilidades dirigindo
são horríveis”, Chelsea o provoca, e Zachary revira os olhos.
“Eu dirijo muito bem, Chels”, ele se defende, começando a se
desvincular de Rebecca.
“Nós, na verdade, queríamos saber se vão querer algo”
Joshua pergunta, porque provavelmente foi algo que Zach já estava
esquecendo.
“Acho que o estoque do bar é o suficiente para mim”,
Rebecca fala, enquanto Daphne e Chelsea concordam. Contento-
me em me abster do assunto.
“Ok”, Joshua fala por fim, beijando a mão de Chelsea
entrelaçada a sua antes de seguir Zachary para a saída.
Preciso achar alguma boa desculpa para ir embora, porque
eu acredito que deveria ir embora. A reunião da noite é algo familiar
demais e eu provavelmente não deveria começar a me intrometer
tanto assim. Por isso levanto, avisando para Callie que vou ao
banheiro, enquanto busco minhas melhores desculpas na minha
cabeça.
 

 
Gostaria de dizer que, na verdade, me perdi dentro da
mansão dos Drake quando fui ao banheiro há mais de vinte minutos.
Mas a questão foi diferente. Eu fui, sim, usar o banheiro do andar de
baixo, e depois acabei preferindo me perder por entre os corredores
ao invés de voltar ao lado de fora, para as pessoas. Preferi olhar,
como uma intrometida, os quadros dos extensos corredores, as
fotos de família, os espaços vazios nas paredes que provavelmente
mostram as mudanças recentes que a residência teve depois que
Marise Drake deixou a casa, no começo do ano.
Não foi nada turbulento, apesar de eu saber que muitos
jornais e revistas queriam um escândalo para a família Drake. Ao
invés disso, eles mal ocuparam uma página da Ex-Plain quando
falamos sobre o processo. Foi discreto, um caso com advogados
próximos e foi até o escritório dos Laurent-Davis que cuidou da
parte de Theodore do processo. Marise deixou a casa em Nova York
e desde então as notícias apontam que ela tem ficado no Hamptons,
na residência dos Drake lá.
Eles são de grande influência na cidade, os motivos do
divórcio ainda são desconhecidos. Claro que todos falam de traição,
entre coisas piores. Acho que talvez tenha sido só… cansaço.
Depois de um tempo, poucas relações nesse meio são como no
começo. Amor vai embora e quando isso acontece, o mínimo que
precisa seguir existindo é o companheirismo. Meus avós não se
amavam mais, eu sabia disso, mas tinham um carinho um pelo
outro, zelo pela relação que criaram ao longo dos anos de casado,
pelo amor avassalador que pode ter acometido eles no começo da
vida.
Essa sempre foi a forma como eu acabei vendo o amor ao
longo da vida. Por muitos anos desejei algo avassalador que
pudesse se transformar em afeto mútuo no fim, em um carinho que
fosse o suficiente para trazer conforto no fim da vida. O que é um
pouco triste de pensar, porque tenho só tenho vinte e sete e pensar
sobre o fim da vida, velhice e afins é um pouco triste.
Ainda assim, sempre gostei de pensar que queria um
casamento como dos meus pais. Tinha amor ali, refletia de um no
outro até o fim. Talvez não fosse mais haver isso depois de um
tempo, mas sempre os vi juntos e velhos, porque existia respeito
acima de tudo e sempre vi o respeito como um sentimento muito
importante entre um casal. Depois da breve e bastante dolorida
passagem de Logan pela minha vida, comecei a buscar isso, de
forma quase obsessiva.
Consigo admitir coisas assim hoje, depois que passou de
certa forma. Consigo ver que eu busquei pelo amor em todos os
cantos, um amor para preencher um vazio, um vazio que aumentou
dia após dia, que aumentou com a perda de pessoas que sempre
amei, que aumentou com a falta de conseguir isso. Como eu
conseguia ser tão bem-sucedida em todos os campos da minha
vida, mas ser tão ruim no amor? Essa pergunta sempre me rondou
o suficiente para que minha busca fosse incansável por algo que eu
nem mesmo sabia o que era.
Perfil atrás de perfil, um rosto diferente atrás do outro,
encontros com caras que tinham gostos estranhos, que me olharam
torto vezes demais para que eu perca toda minha autoestima ao
contar, busquei por algo que nem mesmo sei o que era. Até eu
simplesmente perceber justamente isso, que por não saber o que
buscava, deveria parar. Parei e talvez tenha sido a coisa mais
libertadora que fiz nos últimos tempos.
Talvez tenha sido por resolver dar uma chance para algo
mais real que tenha descoberto um pouquinho o que eu quero. Sei
que foi por Michael me forçar, me provocar a fazer algo diferente e,
de certa forma, me tirar do conforto de um cardápio de rostos e
personalidades. Foi saindo disso que conheci um dos caras que foi
mais honesto comigo desde… desde que nasci. Colton trouxe
bastante desconfiança no começo, e acho que isso é um pouco meu
estilo de autodefesa. Mas foi bom, porque deixei que alguém me
conhecesse e estava disposta a conhecê-lo. E a honestidade dele
me fez perceber que eu estava com o cara certo, e que desejo que
as coisas na vida dele se ajeitem, seja lá para qual rumo forem
tomar.
Além disso, foi não esperando absolutamente nada, e nem
mesmo acreditando na possibilidade do acontecimento, que Michael
entrou na minha vida para algo além de segundas, quartas e sextas
na academia. A sinceridade dele, sempre em poucas palavras,
ainda me deixam nervosa, porque sei que sou muito sincera de vez
em quando, ainda que nem sempre seja o que a outra pessoa
precise ouvir. Ele é fechado demais para o meu gosto, porque
dificilmente consigo ler seus desejos e o que sente, e
constantemente me pego desejando conseguir fazer isso.
Olhando para ele, algumas vezes me pego amedrontada de
tudo isso. Porque não sei bem como interpretar as coisas, suas
ações comigo, suas palavras quando estamos juntos, coisas como o
convite de hoje, porque sei que ele não faria nada que não deseja,
porém os motivos por trás sempre podem ser confusos. Então
consigo ter a certeza de que ele me queria aqui hoje, apesar de não
ter nenhuma certeza de qual foi a sua intenção por trás do convite.
Às vezes também fico assustada com a forma como tudo
parece ir bem entre nós dois, tudo parece se encaixar bem. Nossa
relação funciona sem muitas regras explicitas, sem que muito
precise ser conversado e deixado claro, sem infinitas mensagens e
cobranças, talvez porque isso não tenha muito espaço entre nós.
Mas, também desejo às vezes que as coisas fossem mais faladas,
mais explicitas. Que não houvesse o receio das perguntas
desconfortáveis, das falas expositivas, que não…
“Te achei!” Sua voz não precisa ser alta para que eu o escute,
parando de encarar a parede vazia na minha frente para fitá-lo, na
outra ponta do corredor com um sorriso de canto, o seu habitual,
enquanto caminha na minha direção.
“Desculpa, acabei…” Procuro a desculpa que tentei arrumar
enquanto andava pelos corredores, ou qualquer desculpa. “Perdida
nos pensamentos eu acho.” Opto pela verdade quando ele para ao
meu lado e me viro de frente para ele.
“Callista pediu para te avisar que ela foi embora porque
Isabelle estava começando a dormir em seu colo”, ele fala, e tento
controlar torcer o nariz para minha melhor amiga, que me deixou
sozinha aqui e provavelmente sei o motivo.
“Ah”, falo, procurando meu celular no bolso da calça.
Callie: Não queria ser a sua desculpa. Aproveite a noite se
quiser, se não quiser seja honesta para ir embora.
Callie: Te amamos e te vejo amanhã.
Como eu previa.
Seguro o riso para minha amiga e só travo o celular para
colocar de volta na calça.
“Acho que perdi minha carona”, falo, com um dar de ombros.
“Posso te levar, se quiser ficar até mais tarde…” Ele passa a
mão pelos cabelos curtos. “Bea, não quero que se sinta forçada a
ficar. Não ficou subitamente interessada pelos quadros chatos dos
Drake.”
“Não estou me sentindo forçada.” Porque eu não estou, mas
também estou me sentindo estranha de ficar, porém não falo isso
para ele. “Só foi um dia um pouco cheio, talvez tenha sido muita
informação para processar.”
“Quer ir embora?”
“Não sei.” E sei que minha resposta o frustra, não preciso do
seu suspiro profundo para saber disso. “É só que… somos amigos,
mas aqui estou eu.” Suas sobrancelhas se franzem e sei que é uma
conversa perdida, porque infelizmente conheço Michael a ponto de
saber que ele não vai compreender isso.
“E? Se quiser ir embora, porque está cansada ou qualquer
coisa, não vou ficar chateado. Estou feliz que tenha vindo,
independente do motivo.”
“Qual seria outro motivo?”, minha pergunta sai mais
espontânea do que gostaria, porque o motivo para eu estar aqui
parece tão óbvio para mim. Ele dá um passo na minha direção.
“Deixa pra lá.” Balanço a minha mão, como se quisesse espantar o
assunto com o gesto e ele pega minha mão no meio do caminho. “É
sério. E eu não quero ir embora, só… acho que estava tomando um
tempo. São muitas pessoas diferentes, ou que estou conhecendo de
uma forma muito diferente.” Porque é diferente entrar para algo mais
íntimo de pessoas que sempre conheci através de fofocas ou
revistas.
“Não queria que… se sentisse desconfortável.”
“Não foi isso que eu disse.”
“Beatrice, eu queria que estivesse aqui hoje, não só porque
fiz o convite, mas porque também queria estar.” Ele acaricia meu
pulso quando abaixa nossos braços, chegando ainda mais perto.
“Gosto de ter você aqui.”
Se ele soubesse como isso me confunde de inúmeras
maneiras, talvez não falasse assim, ou tentasse ser um pouco mais
claro sobre as razões das quais gosta de me ter aqui. Puxo meu
lábio inferior e cravo meus dentes para reprimir todas as perguntas
que gostaria de fazer, mas não faço. Não faço porque o que temos
pode parecer às vezes um pouco insuficiente, entretanto é ótimo,
adoro estar ao lado dele, e não quero deixar Michael com medo, de
mim, da nossa relação meio disfuncional, com medo dos meus
sentimentos.
Fiz isso uma vez, não quero cometer o mesmo erro.
Sou salva quando a figura de Matteo aparece no fim do
corredor, fazendo com que eu me desvincule de Michael e dê um
passo para trás. Vejo que Matteo pensa em simplesmente ir
embora, mas percebe que já o notei e por isso pigarreia, chamando
atenção de Michael que está de costas para ele.
“Vim só… ver se estava tudo bem, não sabia que estavam
juntos. Daphne me avisou que fazia um tempo que Beatrice tinha
entrado, queria saber se estava bem”, ele fala da sua forma cética e
direta de ser.
“Sim, tudo bem. Só acabei um pouco entretida com os
quadros, não queria parecer intrometida.”
“Tudo bem”, Matteo diz, e ficamos os três parados em
silêncio até que eu volte a me mover, passando por Michael.
“Acho que vou voltar lá para fora.”
Não espero nenhum dos dois ter a chance de falar nada e me
esgueiro para fora do corredor e o mais rápido possível para fora da
casa, voltando a ver Chelsea, Rebecca e Daphne, agora próximas a
outra mesa, mais perto da piscina onde uma grelha pomposa foi
trazida e de onde sai um fio de fumaça.
 

 
 
“DESCULPE, NÃO QUERIA ATRAPALHAR.” Afasto os olhos do
caminho invisível pelo qual Beatrice saiu e olho para Matteo
pegando a careta que ele faz.
“Tudo bem.” Suspiro. “Acho que nem tinha muito o que
atrapalhar, de qualquer forma.” Não faço muita questão de inventar
qualquer história, afinal ele é meu melhor amigo há anos. Quase tão
bom quanto Daphne em ler minhas expressões.
“Está tudo bem?”
“Isso vai depender da definição e para o que está
perguntando.” Matteo arqueia uma sobrancelha. “Sim, está tudo
bem.” Porque é mais fácil responder a essa pergunta do que as
milhares que se formam em sua mente.
“Mike…”
“Não começa, Matteo. Sério.”
“Não ia falar nada”, ele rebate, cruzando os braços como se
esperasse pelas palavras que sabe que quero dizer.
E infelizmente ele está certo porque quero falar algumas
coisas e perguntar inúmeras outras, mas não sou bom nisso de
conversas. Talvez seja um grande defeito, porém não posso evitar,
simplesmente tenho um pouco de dificuldade de falar minhas
coisas. Aprendi a viver assim e estou, teoricamente, bem.
Entretanto, pareço estar perdendo um pouco a habilidade de
manter a droga da minha boca fechada, porque ela constantemente
se alinha com meus pensamentos nos últimos dias e isso vem me
levado a situações como a de agora, quando solto a seguinte fala
para meu cunhado.
“Você quase nunca fala muito sobre você e Daphne.” E eu sei
o motivo, porque sou eu o motivo. Matteo também sabe, mas
compreende que essa é uma forma que consigo iniciar qualquer
conversa que eu queira ter, porque ele ri baixo, balançando a
cabeça em negação enquanto olha para o chão. “Vivia falando
sobre seu relacionamento com…”
“Brooke. Vivia falando contigo sobre meu relacionamento
com a Brooke. O nome dela deixou de parecer como uma adaga há
um tempo.” O que eu teria ficado sabendo se não tivesse afastado
meu melhor amigo por algum orgulho de irmão mais velho ferido.
“Você nunca parece muito feliz quando falo sobre o que eu e
Daphne temos.”
“Eu sei.”
Matteo suspira, dando de ombros e se encostando na parede
do corredor.
“Não tem muito o que falar, eu acho. A gente briga, todo
mundo briga uma hora ou outra. Temos dias bons e dias não tão
bons. Temos nossos planos, para nossa família, para nós dois, cada
um com a sua própria carreira.”
“Planos?”
“Queremos comprar uma casa, decidir nossa relação com
Nova York. Ela sabe que você a quer de volta na empresa, mas a
relação com seus pais é complicada, não precisamos disso na
nossa vida, não agora, não na vida das meninas. Sei que não posso
ficar pra sempre em Boston. Meu pai ainda tem fôlego, porém uma
hora vai querer ir saindo da presidência, vai me cobrar que assuma
o que sempre prometi que assumiria. Não posso simplesmente
mudar uma empresa de meio século do nada de lugar.” Dou um
aceno para ele.
“A casa?” Matteo solta outra risada rouca.
“Queremos mais filhos, e as meninas merecem um lugar
grande para poderem brincar, terem seus próprios quartos no futuro.
Queremos uma casa para uma família e meu apartamento não é
bem o melhor lar para isso.”
“Daphne nunca comentou que queriam mais filhos.”
“Não é como se estivéssemos planejando isso, não
planejamos as meninas de qualquer forma.” E nenhum de nós dois
consegue evitar um pequeno riso para isso, porque foi uma situação
que ninguém poderia esperar. “Mas queremos, talvez para esse
ano, talvez para o próximo, talvez depois. Não sabemos, só temos a
certeza que queremos.”
Ouvir Matteo falar tudo isso me faz ter algumas percepções,
como a de que venho sendo um péssimo irmão e um amigo de
bosta. Fui bastante essa última coisa nos últimos dois anos.
Provavelmente estive perdido demais no meu próprio egoísmo e
orgulho imaturo para perceber algumas coisas, para participar
melhor de alguns momentos da vida dele.
Matteo sempre foi meu melhor amigo, mal consigo pensar em
algum momento da minha vida da qual ele não estava por perto.
Sempre fomos juntos demais, o ajudei a organizar dois pedidos de
casamento, ainda que tenha sido bem mais amigo para ele no
primeiro do que no segundo. Eu estive lá durante todos os dias
quando ele fingiu que não sofria até seu corpo doer com a perda de
Brooke.
Estava lá fingindo que o visitava todos os dias como um
amigo normal, e não um preocupado se ele estava vivendo em
condições minimamente humanas. Eu estava lá em vários
momentos, mas surtei como um idiota quando ele decidiu que
estava na hora de voltar a viver, porque sua escolha foi voltar ao
mundo dos vivos justamente ao lado da minha irmã, da única família
que sempre conheci ao longo da vida.
Daphne sempre fui tudo o que tive, tudo que sempre soube
que teria até o fim, porque aprendemos que nada poderia mudar
nossa relação, nada poderia mudar o fato de que somos irmãos
então tudo poderia ser tirado de nós, as demais pessoas poderiam ir
e vir, mas nós sempre permaneceríamos um ao lado do outro. Claro
que, até o momento, a vida nos provou errados porque as pessoas
não foram embora. Matteo, Rebecca e Chelsea sempre estiveram
aqui também. Zachary tem se mostrado um ótimo membro desse
grupo e até Josh consegue ser uma presença agradável para
equilibrar a tagarelice de Zach.
A vida nos mostrou que nossa família pode ser maior do que
nós dois, e descobri que nossa família, nós cinco, somos muito
adeptos a novos integrantes. Ainda assim, não consegui aceitar
bem o suficiente o fato de que minha irmã decidiu se apaixonar
justamente pelo nosso melhor amigo. O que foi bastante estúpido da
minha parte, por que quem seria melhor do que o cara que conheço
desde pequeno? O cara quem sempre soube ser uma boa pessoa?
Quem melhor do que meu melhor amigo que sempre
mereceu uma segunda chance para ser feliz na vida? Talvez eu
tenha tido razão de ficar puto quando ele fez algumas besteiras,
mas não posso dizer que Matteo não foi uma boa escolha para
Daphne, e que Daphne não foi uma ótima escolha para ele. Eles
chegam ser irritantemente certos um para o outro.
“Me desculpa”, falo, chamando sua atenção depois de um
tempo que ficamos ali. “Pelos últimos dois anos. Por ter me
afastado, por não ter perguntado as coisas básicas e por não
parecer um amigo receptivo para que pudesse falar coisas simples
da sua vida.”
“Mike…”
“Não, é verdade. Sei que desde o nascimento das meninas
estive mais presente na sua vida, mas ainda assim não fui um bom
amigo.”
“Você teve seus motivos.” E preciso rir da tentativa dele de
me defender.
“Foram motivos de bosta.”
“Ainda assim, foram motivos.” Ele levanta os ombros. “Está
tudo bem, de verdade.” Dou um passo em sua direção, me
aproximando da outra ponta do corredor. “Eu sinto falta do meu
melhor amigo, é verdade. E não conte ao Zach, mas ele é terrível
dando papos motivacionais, ele consegue ser pior do que você.
Estou mesmo esperançoso que Josh consiga falar mais porque
acho que ele tem potencial para ser melhor que vocês dois, mas tá
tudo bem.”
“Você refez a sua vida, está até fazendo piadas de novo, e eu
fui um pouco um amigo de bosta por não ficar junto com você
nesses momentos.”
“Você estava lá nos dois momentos mais importantes da
minha vida atualmente. Estava lá quando Daphne me xingou de
todos os palavrões existentes no mundo enquanto trazia minhas
duas filhas ao mundo e estava lá quando ela me deixou nervoso
antes de dizer um sim. Isso é muito importante, você sempre vai ser
meu melhor amigo, ainda que seja também o padrinho das minhas
filhas, meu padrinho de casamento e meu cunhado. Podemos ter
passado algum tempo… distantes, e eu entendo, ou pelo menos
tento entender o seu lado, mas isso não muda que as coisas são
como são, Mike.”
Balanço minha cabeça em afirmação, estendendo a mão
para ele, porque sei que Matteo meu puxará para um abraço e ele
faz exatamente isso. Meu melhor amigo me abraça por um tempo,
dando tapinhas nas minhas costas e começo a rir quando alguns
pensamentos me ocorrem. Nos afastamos até que minha mão
direita esteja no seu ombro e a dele no meu.
“Como viemos parar aqui?”
“Olha… acho que não quer a explicação de fato”, ele
responde, fazendo que nossas gargalhadas voltem a ecoar no
corredor. “Piadas são bem aceitas agora?”
“Sim, elas são.” Tento parecer resmungão sobre isso, porém
não sustento a expressão, sorrindo de canto. “Estou feliz, por
estarem juntos. E estou feliz pela família que tem.”
“Que temos. Somos todos família.”
“É, nós somos.”
“Ei! Estava procurando vocês dois.” A voz de Daphne vem
junto com seus passos apressados na nossa direção. Ela nos olha
com estranhamento antes que Matteo e eu abaixemos nossos
braços. “Tá tudo bem?”
“Sim”, respondo com um sorriso para ela. “Muito bem,
baixinha.”
Ainda assim, o olhar dela é desconfiado quando olha de
Matteo para mim. Me aproximo e deixo um beijo na testa de
Daphne.
“Ok, vocês dois sempre foram estranhos, mas estão ainda
mais agora”, ela diz, abraçando Matteo pela cintura enquanto ele
passa os braços ao redor dela.
“Coisa nossa”, digo, só porque sei que irá provocar sua
curiosidade. “Vou voltar lá pra fora”, anuncio, sem dar brecha para
que eles falem qualquer coisa enquanto já caminho para fora do
corredor, voltando para o pátio.
 

 
“Do jeito que as coisas estão indo, acho que vai ser mais fácil
a Chelsea levar o baby boy pra cama para dormir do que eu ou
Matteo levar a Olivia”, minha irmã zomba, e todos acabamos
olhando para um ponto mais distante do jardim, onde Josh embala
Liv nos braços. Minha sobrinha pareceu gostar muito de ficar com o
namorado de Chelsea e passou a maior parte da tarde e da noite
com ele. Apesar de não o escutarmos, consigo ver a boca de Josh
se mexendo a acredito que conte a ela alguma história.
Chelsea dá um olhar ao namorado, observando-o de uma
forma que conheço, porque vejo esse mesmo olhar constantemente
refletido em Daphne e Matteo, e Rebecca e Zachary. Não posso
negar que fico feliz vendo Chelsea assim, feliz. Ela achou alguém
que, por incrível que pareça, a ama da forma como ela é, e ainda
mais do que qualquer um de nós quatro podia oferecer. Joshua é
toda a paciência e calma que a Capri não é ou tem. O que é
engraçado porque provavelmente ninguém nunca esperaria ver ela
com alguém como ele, ou ver Chelsea tão apaixonada e tão bem no
papel de namorada.
“Nem vou negar, mas entendo Liv. Ele é perfeito mesmo,
também nunca quero desgrudar.” Ela dá de ombros.
“Espero que vocês dois providenciem mais sobrinhos, porque
eu perdi oficialmente meu posto de tio favorito da Olivia, nunca tive
nem chance com Faith…” Zach aponta para mim com o queixo,
indicando minha outra sobrinha que briga contra o sono no meu
colo.
“Sempre é mais fácil jogar a bomba para os outros, não é?”,
Chelsea o provoca, como sempre. “Apesar das meninas serem
boazinhas.”
“Passe um dia inteiro com elas quando o próximo dente
estiver nascendo, ou os próximos quatro resolverem nascer todos
juntos”, Daphne joga para ela, mas sei que não é bem uma
reclamação. “Apesar de não saber quem é pior, elas ou Matteo que
fica todo sensível porque as meninas choram o dia inteiro.”
Matteo torce o nariz, mas não nega minha irmã. Na verdade,
só abraça ela ainda mais para perto, descansando o queixo no topo
da sua cabeça.
“É dolorido ouvir elas chorando quase o tempo inteiro e não
poder fazer muito.”
“Já tentou os picolés?”, Beatrice pergunta, e minha irmã
arqueia a sobrancelha. “Com leite, leite materno mesmo. Você
compra aquelas pequenas formas de picolé e faz, só tira o leite e
congela, para fazer um picolé. Isabelle sempre adorou e ajuda
muito, além de ser uma forma de elas se alimentarem. Belle ficava
terrível pra comer no começo”, ela explica.
“Nunca tinha pensado nisso”, Daph fala rindo um pouco. “Mas
é um bom conselho.”
“Palitinhos de cenoura gelados também são bons.”
“Tentamos, mas elas não gostaram da ideia”, Matteo
responde a Bea. “Acho melhor levar Faith para dentro, ver se ela
para de fingir que não quer dormir”, ele fala, começando a se afastar
de Daphne.
“Faço isso.” Tranquilizo ele. Olho para Beatrice ao meu lado e
ela entendo o convite silencioso de se juntar a mim. Apesar de todos
nos observarem, ninguém fala nada enquanto caminhamos para
dentro da casa quase totalmente escura dos Drake.
Nenhum de nós fala nada por algum tempo, só andamos
pelos corredores infinitos da mansão até que eu ache uma sala,
mais afastada do barulho de fora.
“Hoje foi legal. Obrigada por ter me convidado.” É ela quem,
como sempre, consegue achar algum assunto para preencher nosso
silêncio.
“É… foi. Obrigado por ter vindo. Eu… gostei de ter você aqui
hoje.” Minha voz é tão baixa quanto a sua e mesmo prestando
atenção em Faith, que começa a fechar os olhos cada vez mais
pesados, consigo ver que Beatrice respira fundo, colocando as
mãos nos bolsos traseiros da calça jeans.
Não consigo entender o que ela quer que eu fale, queria
conseguir entender, mas me sinto bem perdido enquanto percebo
que ela está frustrada, provavelmente frustrada comigo. Às vezes,
quando estamos em momentos como esse, onde não consigo achar
as palavras, ainda que eu raramente consiga achar qualquer
palavra, ou quando percebo que ela quer me dizer algo, entretanto
por algum motivo não fala. São nesses momentos que me sinto
perdido de uma forma diferente, nova para mim.
Não compreendo se quero que Beatrice seja completamente
honesta comigo, ou não. Porque uma parte de mim sabe que sua
honestidade agora talvez não seja como sempre é, sobre coisas
comuns e até banais. Uma parte compreende que talvez sua
honestidade exacerbada pode ser em relação a mim, ao meu
comportamento. Nunca fui um exemplo de conversador, nunca fui
um bom exemplo de pessoa que sabe demonstrar, porém até
conhecer ela nunca tinha visto isso como possíveis defeitos.
Ela morde a parte interna da bochecha e isso me diz mais
coisas do que diriam meses atrás, quando não a conhecia. Bea está
ansiosa com algo, nervosa com qualquer pensamento que lhe
ocorre. Queria ser capaz de saber como tirar isso dela, mas para
conseguir essa proeza teria que compreender o que pode ter de
errado. Nossa conversa de hoje mais cedo foi estranha,
inconclusiva, e pela primeira vez em um bom tempo começo a sentir
que não somos mais tão bons assim nos entendendo.
Quando as coisas parecem se encaminhar mais certas,
começo a perceber que talvez esteja errado ao pensar assim.
“Vocês são como uma grande família.” Ela precisa limpar a
garganta para que sua voz não saia tão rouca. “É bonito ver todos
juntos.”
“Acho que é a melhor configuração de família que já conheci”,
admito, com um dar de ombros.
“Formamos nossa família com as pessoas que nos trazem
esse sentimento.”
“Como Callista e Belle.”
“Como Callista e Belle”, ela repete, realmente suspirando
profundo dessa vez.
“Bea…” Tento começar, mas nem mesmo consigo saber o
que quero, de fato, perguntá-la.
“Por que eu vim aqui hoje? E podemos pular a parte do você
me convidou e eu aceitei, porque essa é a parte que está bem
explicita.” Ela arqueia a sobrancelha para mim e seu olhar quase
penetra minha pele mesmo que ela esteja do outro lado da sala.
Pode ser estúpido, mas não consigo saber qual outra
resposta. Levanto as sobrancelhas de volta para ela, que puxa uma
respiração profunda. Beatrice está estressada comigo por motivos
que não tenho ideia de quais sejam, e preferiria muito mais que ela
simplesmente deixasse isso claro do que tentasse o jogo das
perguntas. Porque sempre fui horrível nesse jogo.
“O que mais quer que eu dê de motivos? Queria que você
estivesse aqui hoje, é o aniversário das minhas sobrinhas, com
meus melhores amigos, a família que eu tenho, você é alguém…
que tem estado na minha vida nos últimos meses, uma pessoa
importante pra mim, queria que estivesse aqui hoje como parte da
minha vida. O que mais quer que eu fale? Precisa ser mais
específica se quer que eu seja claro sobre alguma coisa?
Infelizmente, descobri que não sou a melhor pessoa do mundo
adivinhando nada.” Faith choraminga nos meus braços e continuo
embalando-a quando pressiono os olhos juntos. “Desculpa, fui
grosseiro.”
“É, você foi”, Beatrice retruca. “Não quis te pressionar a nada,
só queria conversar. Talvez também não esteja usando os melhores
métodos, ou os melhores momentos. É só que… as vezes eu fico
confusa sobre nós dois, Michael. Eu gosto de você, gosto disso que
a gente tem, dos nossos momentos juntos, de conversar com você,
mas as vezes não sei se é só isso, ou se…” Ela pausa e espero,
mas Beatrice não termina a frase.
“Ou se…?”, incentivo, mas ela só balança a cabeça em
negação. “Eu quero conversar.” Tento, porque não gosto de ver ela
parecer tão receosa assim ao meu redor. “Eu gosto de você
também, dos nossos momentos, gosto da forma como você me tirar
um pouco da minha zona de conforto das coisas, gosto de quando
fala sobre sua vida, gosto disso que a gente tem.” Repito o que ela
falou, não só porque desejo que Beatrice termine sua frase, mas
porque é justo deixar isso claro da minha parte também.
“Não é o melhor momento, pelo menos não aqui, agora, ou
hoje de forma geral.” Ela se aproxima de mim. “É uma festa de
família, não foi feliz da minha parte pensar sobre essas coisas.”
“Mas se são coisas que estão na sua cabeça, então acho que
talvez precisamos conversar sobre.”
“Não estou dizendo que não devemos falar sobre isso.” Bea
começa, tocando meu rosto com a palma da mão. “Só estou
dizendo que foi errado da minha parte trazer isso à tona agora, aqui.
Talvez amanhã, segunda-feira, ou talvez isso já seja esquecido até
lá. Está tudo bem, eu juro.” Mas não acredito nela nem por um
segundo. Ainda assim, mesmo contrariado, aceno com a cabeça e
ela se inclina, deixando um beijo demorado, mas não o suficiente,
nos meus lábios. “Acho que vou embora, é tarde, e talvez queira
aproveitar um pouco mais com seus amigos.”
“Beatrice…”
“Só quero ir embora, Michael, sem motivos demais. Só estou
cansada e acho que talvez seja bom deixar que aproveite um pouco
mais da sua noite com sua família. Não tem nada de errado nisso.”
Sua carícia no meu rosto é delicada, e ela sorri quando eu respiro
fundo.
“Ok”, consigo dizer, mesmo que não queira que ela vá, não
depois das duas conversas estranhas que tivemos hoje, porque
estou sentindo que, de alguma forma, Beatrice está me escapando
e não sei o que fazer para evitar isso.
E quero muito evitar isso.
“Vou me despedir do pessoal”, ela fala, começando a se
afastar, mas ajeito a adormecida Faith bem em um só braço para
puxá-la para perto com o outro e beijar Beatrice como quero fazer
desde hoje cedo e não pude.
Beatrice suspira contra minha boca e sei, pela forma como
esse suspiro não é só desejoso ou saudoso, que algo está errado e
que talvez eu deva insistir um pouco mais. Porém o máximo que
faço é beijá-la até que sua mão espalme meu peito e ela se afaste,
deixando um beijo final na minha bochecha.
“Vejo você amanhã?”, pergunto, quando ela está na porta da
sala de estar já.
“Te mando uma mensagem.” Mordo o lábio com tanto força
como reprimo uma resposta, um pedido para uma conversa mais
clara, e Beatrice deve perceber isso na minha postura, porque se
apoia no batente. “Combinei de encontrar Callie amanhã, então
quando voltar para casa, se não for muito tarde, te mando
mensagem.”
“Pode mandar se for muito tarde também.” Tento brincar,
querendo desfazer esse clima estranho entre nós e consigo arrancar
um pequeno sorriso dela. “Tchau”, digo, quando percebo que não
terei resposta.
“Tchau”, ela me fala de volta, com um sorriso estranho de
canto antes de virar as costas e sumir pelo corredor meio iluminado.
 

 
SEGUNDAS SÃO CONHECIDAS internacionalmente como dias
ruins, mas não tenho nada contra as segundas. Honestamente, são
até dias oks. A revista começa novos planejamentos para a edição
semanal, posso planejar toda a minha semana com tranquilidade,
tudo parece entrar nos eixos na segunda-feira.
Estou terminando de listar as coisas que preciso fazer na
sexta, finalizando pela quarta vez hoje meu planner, quando escuto
as batidas na porta. Deixo meu notebook de lado na mesa de jantar,
aproveitando para levar meu prato para a cozinha no caminho
quando levanto. Não preciso perguntar, porque sei que é Michael.
Ele jantou com Daphne essa noite, porque amanhã cedo todo
mundo que não mora aqui deixará Nova York.
Quero dizer a mim mesma que ontem não nos vemos pelo
motivo que foi dito, porque fiquei até muito tarde no apartamento de
Callista, envolvida em brincadeiras com Belle e conversando com a
minha melhor amiga. Mas ela não acreditou em mim ontem, Callie
me conhece bem demais e apesar de ter compreendido que eu
preferia não falar sobre nada disso, sabe que posso ter enrolado
desnecessariamente para voltar para casa.
Michael, por outro lado, pareceu acreditar na minha desculpa,
mas sabia que dar outra desculpa hoje poderia parecer um pouco
estranho, por isso falei que tudo bem ele passar aqui depois que
voltasse do seu jantar. Respiro fundo, sem entender o porquê,
quando giro a chave e torço a maçaneta.
“Oie!”, ele me cumprimenta animado e não consigo fingir que
não fico feliz ao vê-lo. É uma reação espontânea demais do meu
corpo.
“Ei!” Quando Michael dá um passo para frente, entrando no
meu apartamento, acho que é uma das poucas vezes que sou eu
quem vou de encontro a ele, pedindo pelo beijo que sempre ganho
e, de fato, o ganhando. Vejo que ele sorri antes de segurar meu
rosto de forma delicada e abraço sua cintura bem-marcada. É um
beijo tranquilo, sua boca encosta na minha gentilmente, meus lábios
se abrem para encaixar com os dele, nada mais do que isso.
“Essa é uma boa recepção.” Como se eu não adivinhasse
que ele iria falar algo sobre. Reviro os olhos, me afastando para
fechar a porta e Michael fica à vontade para entrar na minha casa,
como vem fazendo há um tempo. “Como foi seu dia?”
“Uma boa segunda!”, respondo, antes de me jogar ao seu
lado no sofá.
“Pensando que você é uma pessoa estranha que gosta de
segundas, isso é bom.”
“Está tudo bem gostar das segundas”, me defendo, enquanto
ele passa o braço pelos meus ombros, me trazendo para perto.
“É… isso é algo que você está dizendo, gracinha.” Seguro
minha vontade de revirar outra vez os olhos, porque sei que é um
hábito ruim. Ao invés disso, me arrumo deitando a cabeça em seu
ombro, acomodando as pernas para cima no sofá quando Michael
passa a acariciar meus cabelos.
“Ok…”, falo arrastada, me dando por vencida. “E a sua?”
“Proveitosa. Mas vou sentir falta das meninas, fazia um
tempo que não as via e não sei quando vou ver de novo.” Ele
suspira. Prefiro não comentar que viu suas sobrinhas há pouco mais
de um mês antes da vinda delas para o final de semana, porque
provavelmente a saudade não pode ser medida.
“Boston não está tão longe assim.” Três horas de viagem não
é muito assim, apesar de saber que a dificuldade maior seria
encontrar um bom espaço na agenda para uma visita, mesmo que
seja uma visita de dois dias. “Você é bastante apegado a elas, e
elas a você.”
“Dou o meu melhor para ser um bom tio.” Ele levanta os
ombros.
Corro meus dedos pelo seu braço, nos pelos não tão densos
ali, nos músculos um pouco flexionados por passarem ao redor nos
meus ombros pela frente do meu corpo. Como habitual, Michael se
sente mais confortável no silêncio do que eu, é como se
simplesmente estando aqui, abraçado comigo, fosse bom o
suficiente para ele. E não quero dizer que isso não seja suficiente
para mim, mas faz um tempo que tem me deixado mais confusa do
que gostaria de permitir que ele me confundisse.
É quase irônico pensar que quando finalmente me desfiz da
ideia de necessitar ter alguém ao meu lado, Michael não pediu
exatamente permissão para estar. Mas então chegamos a outro
ponto que me faz passar um bom tempo perdida em pensamentos,
ele está ao meu lado? De verdade, para além de nossos
apartamentos, para além de um convite mascarado de amizade
para sua família. Estamos juntos?
Também soa muito imaturo da minha parte desejar todos
esses pontos nos is, mas preciso disso. Preciso disso para não
pensar que estou confundindo as coisas, que estou entrando, de
novo, em algo sozinha, preciso das coisas claras, ditas palavra por
palavra, para ter a certeza das coisas agora. Não preciso de todas
as letras para entender quando um cara não quer mais ficar comigo,
mas preciso de todas elas para saber se não estou simplesmente
inventando um relacionamento sozinha na minha cabeça.
“Você tá com aquela cara”, ele sussurra no meu ouvido e
desfaço a testa franzida, que mal notei enrugar enquanto estava,
mais uma vez, presa nos meus pensamentos sobre nós dois. “E
antes que pergunte, é a cara que faz quando tá pensando demais e
infelizmente nunca é uma coisa boa.”
“E o que seriam coisas boas para pensar?”, provoco-o.
“Bem, posso te dar algumas dicas.” Sua voz rouca e
arrastada me faz fechar os olhos, Michael não ajuda muito quando
se inclina ainda mais para perto do meu ouvido, pegando o lóbulo
entre os lábios e então arrastando seu nariz pelo meu pescoço.
Queria não me render tão fácil, mas é impossível. Os efeitos
dele sempre foram bem grandes, porque é impossível fingir que ele
não é sensual, ou que seu corpo não é extremamente atraente, ou
que não me sinto excitada quando seus olhos azuis me fitam com
malícia, o que acontece muito. Existem várias coisas básicas nele
que me excitam e, às vezes, isso chega a ser constrangedor, porque
alguns desses momentos acontecem quando não estamos a sós.
Não acho que ele faça de propósito, só tem algo em Michael
que é sexy.
Sua existência, eu chutaria.
Michael Laurent-Davis é o homem que mais tive prazer de ter
na minha cama, no sentido bem literal da palavra mesmo. Ele é
sexy, mas é algo que você só vai captando nos pequenos gestos e
olhares depois que cai, como eu caí nos encantos dele. Mas outra
coisa que é difícil de evitar é cair nos encantos dele. A parte mais
chata é que o filho da puta não precisa fazer muito, só ficar com
esse olhar prepotente, de quem sabe cada ponto que me arrepia e
me faz ficar desmanchada em seus braços.
E ele sabe mesmo.
Seus lábios percorrem a linha do meu pescoço logo abaixo
da orelha até que seus dentes peguem minha pele e eu,
involuntariamente, gema porque é simplesmente delicioso. Sua mão
não é discreta quando traça minhas clavículas, depois voltando a
dedilhar mais para baixo até chegar no vale dos meus seios, que
não ficam tão bem quando estou assim, meio deitada, porém sua
exploração não dá brecha para qualquer vergonha.
É complicado, na verdade, sentir qualquer vergonha do meu
corpo quando estou com ele. Não vou mentir e falar que sempre
amei transar com a luz ligada, sempre amei um cara traçando todo
meu corpo com a boca, ficando com os olhos tão perto de todas as
imperfeições que eu tenho, ou que são muito imperfeições na minha
cabeça. Mas a forma como Michael parece quase venerar meu
corpo me deixa bem, faz com que eu me sinta sexy, faz com que eu
queira os olhares lascivos dele, a malícia discreta em sua boca, no
sorriso de canto que ele me dá constantemente, me dá vontade de
fazer ainda mais para ter tudo isso dele.
O toque molhado da sua língua contra minha pele me excita
bastante, e quando seu beijo volta para a minha boca é ainda mais
dominador que antes, mais necessitado, chupando minha língua,
mordendo meu lábio, me deixando arfando por mais.
Ainda assim, me afasto dele, deixando-o com uma feição
confusa. Levanto do sofá, tomando alguns segundos para observá-
lo com sua roupa do trabalho, amassado pelos nossos pequenos
amassos ali no sofá, e pelo dia inteiro de trabalho. Ofereço a mão
para ele.
“Precisamos parar com esse hábito do sofá. É ótimo, mas
depois traz grandes dores nas costas.” Levanto os ombros, fazendo-
o rir enquanto toma minha mão.
“Então está pensando em tentar outros móveis do
apartamento?”, ele questiona, fazendo nossos passos serem bem
lentos para nos afastar do sofá uma vez que me traz para perto,
puxando a barra da minha regata branca de seda para fora da calça
social. “Acho que a bancada da cozinha pode ser um lugar
interessante…” Michael arqueia uma sobrancelha antes de puxar
minha blusa para cima e levanto os braços para fazer o tecido ir
embora. “Mas você fez o jantar hoje então pode não ser o lugar
ideal.”
“Às vezes, fico um pouco assustada com a forma que a sua
cabeça funciona”, não evito dizer, pegando o colarinho da sua
camisa azul-marinho quando ele se aproxima e começando
desabotoar lentamente todos os botões, apreciando cada pequeno
novo pedacinho de pele que me é revelado. Do peito forte até o fim
do abdômen, onde uma tatuagem de bússola, um pouco maior que
a minha mão, aparece beirando sua linha em V.
“Assustada de uma forma boa ou ruim?” Sua mão desce pela
minha barriga, e eu por algumas vezes cheguei a tentar murchá-la
quando ele fez isso, mas agora só tremulo pelo arrepio que me vem.
Se Michael não se importa com minhas coxas grossas demais, com
algumas celulites, com minha barriga talvez larga demais, com
meus seios muito grandes e nada empinados, enfeitados com
algumas estrias do crescimento repentino na adolescência, se ele
não liga para nada disso, também confio que não preciso ligar.
É péssimo, eu sei, porque sempre tive muita confiança em
mim, aprendi a amar muito meu corpo com o tempo, porque é quem
eu sou. Hoje em dia ainda mais saudável do que antes, mas sempre
foi meu corpo, e sempre será assim. Porém, nunca faz com que a
pequena insegurança não retorne vez ou outra, com os olhares,
quando a atenção de alguém atraente demais, como Michael, é
voltada para mim.
Também seria utópico falar que não sou infiltrada as vezes
pela insegurança, que não me incomodo mais com nenhum olhar
estranho, que não me incomodo quando um cara fala que pareço
mais magra por fotos, ou que me faz perder a segurança em mim
mesma e cogitar colocar qualquer culpa, que não é minha, no meu
peso. É ruim fingir que, de vez em quando, não preciso mais da
validação de outras pessoas quanto a minha aparência. Na maioria
das vezes não preciso, mas alguns dias só fico cansada demais
para fingir que não me importo.
Entretanto, a ponta dos dedos de Michael se arrastando
pelas curvas da minha pele só me fazem sentir ainda mais sensual,
mais certa de como sou gostosa, de como posso ser muito sexy, de
como tenho esse homem rendido pelo meu corpo, e como desejo
poder falar que também o tenho rendido inteiramente por mim.
Deveríamos estar conversando sobre isso, porque preciso ter essa
conversa. Ao invés disso, estou deixando, com muito prazer, que os
dedos de Michael abram o botão da minha calça e desçam o zíper
fino.
“Assustada de uma maneira muito boa”, afirmo, quando sua
mão entra pela minha calcinha, descendo até achar minha fenda no
meio das pernas. Seus dedos estão gelados, porque o fim de noite
de hoje está bem fresco para uma noite de verão, e solto um gritinho
um pouco surpresa quando seu toque encontra minha carne
sensível.
Seus dedos separam meus lábios e suspiro, abrindo minhas
pernas ainda mais e agarrando seus braços quando seu dedo médio
me toca lentamente, passando pelo meu clitóris, indo até mais
embaixo, encontrando minha entrada e sei que estou muito
excitada. Michael estala a língua e me dá um sorriso convencido.
“Você está tão molhada, Beatrice, parece um pecado que eu
não esteja com a minha boca em você”, ele sussurra em meu
ouvindo, se inclinando para mais perto e deixo minha cabeça tombar
em seu ombro quando ele circula meu clitóris, gentilmente demais,
me obrigando a mexer o quadril, implorando por mais.
Mas os movimentos são limitados pelos tecidos, Michael
parece tão insatisfeito quanto eu com isso. Por isso, seguro seu
pulso, puxando-o de dentro da minha calcinha e não posso dizer
que não fico triste quando faço isso, ele também me olha com pura
confusão das duas bolas azuis como o ar, afundadas no desejo tão
nítido. Passo as mãos pela minha cintura, escorregando minha
calça e minha calcinha para baixo.
Seus olhos só escurecem ainda mais pelo desejo enquanto
me observa despir em pé na sua frente. Ele está duro, sua calça
começa a ficar apertada envolta da ereção evidente ali dentro, mas
não quero isso ainda, quero que Michael continue me masturbando,
por isso pego sua mão de volta, que ainda paira um pouco confusa
no ar. Guio seus dedos de volta para o meio das minhas pernas,
prendendo meu olhar no seu e assim que ele volta a me sentir
quente, úmida e pulsando de desejo, e eu solto um gemido quando
seus dedos encontram novamente os movimentos lentos por ali, ele
me puxa pela nuca com a outra mão.
É um pouco bruto, meio sem jeito, quando nossas bocas se
chocam mais uma vez, duras umas contra a outra, buscando mais,
sempre mais. Seu polegar e indicador provocam meu clitóris,
apertando-o, pressionando, escorregando em um vai-e-vem até
chegar na minha entrada e eu ser invadida com o prazer quando ele
me penetra com o indicador e o médio. Me afasto da sua boca,
porque é muito para mim. Suspiro contra seu ombro, sua mão segue
agarrando meu cabelo com força.
“Olha pra mim”, seu pedido poderia ser em um tom gentil,
mas é o desejo quem fala mais alto e sai como uma ordem.
Preciso de muita força para conseguir encará-lo, sustentando
meu corpo em pé enquanto seus dedos entram e saem de mim em
um ritmo perfeito, fazendo com que o barulho das peles se tocando,
deslizando uma pela outra, seja audível pelo apartamento tão
silencioso. Um gemido sôfrego sai pelos meus lábios quando seu
polegar volta a tocar meu clitóris. Minhas mãos estão firmes na sua
cintura, porque preciso de um apoio, mas as desço até o cós da
calça.
É quase uma eternidade até que eu consiga, em meio ao
meu prazer tão evidente, desfazer seu botão e descer o zíper da
sua calça, abaixando-a só o suficiente para conseguir tirar seu pau
para fora da cueca. Lateja contra minha palma quando o aperto,
sentindo seu comprimento quente, subindo até a pele bem
avermelhada e brilhosa da cabeça, pegando o pré-gozo com o
polegar e espalhando pela sua pele.
Seu olhar em mim queima, e imagino que faço o mesmo com
ele. Mordo o lábio quando ele vai ainda mais fundo, e minha forma
de devolver isso a Michael é começando a movimentar minha mão
para cima e para baixo em seu pau, tão duro que parece até doer de
tanto desejo. Ele arfa, e é sempre maravilhoso quando começa a
perder o controle, como consigo ver que ele tenta sustentar até o fim
que não vai perder, que tem todo o controle em mãos, é delicioso
ver ele perdendo isso justamente, e nesse momento literalmente,
em minhas mãos.
Corro as unhas da outra mão por todos os gomos do seu
abdômen e ele se contrai, tirando os dedos de mim de súbito.
“Eu preciso foder você”, a voz é rouca, quase difícil de sair.
Sorrio, porque quero muito que ele faça isso comigo. Michael se
afasta de mim, dando um passo para o lado e pegando sua carteira
na mesa de centro da sala, onde a deixou junto com seu celular e
chaves.
Tiro os pés da calça, a deixando no chão, e começo a
caminhar rumando o corredor para meu quarto, mas as mãos de
Michael são mais fortes quando me agarram no meio do caminho,
me guiando até a mesa de jantar, onde eu estava a pouco
trabalhando. Parando do lado contrário da mesa de seis lugares e
ele afasta a cadeira da ponta para o lado. Não evito sorrir de canto,
curiosa, antes da sua boca encontrar a minha para um último beijo
antes que ele me gire, me deixando de costas para ele e de frente
para a mesa.
Não preciso de muito para me deitar de peito no móvel,
confiando totalmente nos muitos dólares que gastei nela para
sustentar o que vai acontecer agora. Suas mãos encontram o fecho
do meu sutiã no meio das minhas costas e o abrem, levanto só o
suficiente para jogar a peça para longe. Michael se inclina, e o frio
na barriga pela ansiedade do toque que não vejo deixa tudo melhor.
Ele beija minhas costas, toda a extensão da minha espinha, beija
minha bunda logo depois, deixando uma mordida em seguida e
arqueio um pouco para ele.
Seu corpo volta a se encaixar atrás de mim e ele encosta seu
peito das minhas costas. Nossos corpos estão quentes, sinto sua
ereção tocar minha bunda, me deixando ainda mais ansiosa pelo
momento em que ele finalmente entrará em mim, mas esse
pequeno jogo de sedução é muito bom, muito excitante e sei que
Michael o ama tanto quanto eu. Seus lábios encontram minha
orelha, lambendo a curva externa.
“Tudo bem?”, ele pergunta, porque sei que quer saber se
estou confortável com essa posição.
“Sim”, respondo, virando o rosto mais para o lado a fim de
tentar olhá-lo de canto. Michael se inclina mais, deixando um beijo
nos meus lábios quando sua mão busca pelo meio das minhas
pernas, abrindo até se encaixar perfeitamente ali.
Sua testa descansa contra meu ombro quando seu
comprimento me atinge até o fim de uma vez, e eu apoio minhas
mãos na mesa em uma arfada. Seus dedos encontram os meus
quando ele começa a estocar, se entrelaçando enquanto seu ritmo é
perfeito, nem rápido, nem lento demais. Ele vai até o fim, entrando
fundo e sua respiração pesa em cima de mim até que Michael se
levante novamente, suas mãos deixando as minhas para uma
encontrar meu rabo de cavalo, enrolando os fios em um aperto e
espalmando a outra na minha bunda.
Fecho minhas mãos em punhos, me deliciando com o leve
aperto em meus cabelos e gemendo tão alto que provavelmente o
vizinho de baixo escuta quando sua mão se afasta da minha bunda
só para voltar em um tapa. É bom, muito bom. Arqueio meu corpo,
fazendo com que meus mamilos comecem a friccionar mais no
tampo gelado da mesa, e sei que pode ser dolorido amanhã, mas
agora é incrível. Seu pau entra e sai de mim, ficando mais rápido à
medida que nos dois começamos a entrar na espiral do êxtase.
Seus dedos afundam na minha pele, apertando minha
nádega direita e puxando meu cabelo ainda mais. Rebolo minha
bunda na sua direção, me firmando contra seus movimentos até que
meu corpo perca o controle junto com o seu. Esse é o momento
perfeito do começo do estupor do orgasmo para mim, quando o
controle é deixado totalmente de lado, os movimentos ficam quase
incertos, feitos unicamente pelo prazer que está por vir de forma tão
avassaladora.
“Beatrice…”, meu nome escorre pelos lábios dele em um
sussurro rouco antes de um gemido preencher meu apartamento,
uma mistura da minha voz com a dele. Seu aperto se frouxa e eu
deslizo meu corpo pela mesa, ainda choramingando pelo orgasmo
que acabei de ter.
Ele fica estático atrás de mim depois do próprio ápice,
respirando fundo e retomando o fôlego. O toque passa a ser
carinhoso, as mãos passeando com calma pelo meu corpo até que
ele se afaste, saindo de dentro de mim antes de se abaixar e beijar
novamente minhas costas duas vezes.
“Agora podemos ir para o quarto”, Michael sussurra no meu
ouvido, segurando minhas mãos e me trazendo novamente de pé,
colada de costas em seu corpo. O suor escorre pelos nossos
corpos, minhas pernas estão fracas e seu abraço me mantém bem
melhor do que minha própria força. Giro em seus braços, apoiando
minhas mãos em seu peito.
Sei que devo estar uma bagunça, com os cabelos
desarrumados, provavelmente marcada da mesa, mas recebo um
beijo delicioso assim que seus olhos encontram os meus
novamente. O beijo de volta, provando sua boca deliciosa até
ficarmos sem ar, porque nossa respiração ainda é irregular pelo
sexo ótimo a recém feito.
“Ou para o chuveiro”, o provoco com a outra sugestão no pé
do seu ouvido, mas me afasto porque quero ver o seu sorriso de
canto, o que tanto amo, cheio de malícia.
E como prevejo, ali está antes que suas mãos segurem as
minhas e ele comece a me guiar pelo corredor.
 

 
Todas as vezes que escuto meu despertador, fico com uma
vontade infinita de simplesmente jogar tudo para cima e dormir o
resto da manhã. Claro, a vontade passa rapidamente, basta desligar
o som insistente e me lembrar de todas as coisas que preciso fazer,
então cinco minutos a mais de cama podem resultar em dez e quem
sabe muito mais, o que resultaria em muitos atrasos durante o dia e
não tenho vontade de trabalhar até tarde demais para cumprir
tarefas.
Pode parecer algo de alguém que é organizada demais, e de
fato eu sou, mas simplesmente penso em todas as consequências
de dormir até mais tarde e me convenço que levantar no horário é a
melhor coisa.
Suspiro fundo, começando a me acordar cada vez mais,
porém o braço que pesa em minha barriga não gosta da ideia
quando ameaço me levantar. Michael está de barriga para baixo,
com a cabeça virada na minha direção e um braço em cima do meu
corpo, me abraçando contra ele o máximo que consegue nessa
posição.
“Não”, ele geme arrastado, com a voz abafada pelo
travesseiro e me dando aquele olhar azul pidão e totalmente
manhoso. Seu cabelo é curto demais para parecer bagunçado, mas
ainda assim é inegável que Michael está todo amassado pela cama.
Óbvio que ele passou a noite. É uma rotina estranha que
temos. Dormimos um na casa do outro, no dia seguinte eu acordo
mais cedo, venho para casa e ele fica, ou ele fica comigo no meu
apartamento até eu precisar sair e então volta para o seu. Sorrio
para ele, que tenta me convencer com o olhar.
“Só mais um pouquinho”, Michael segue pedindo, porém só
me inclino, beijando sua bochecha e escapando da boca que tenta
encontrar a minha antes que eu levante da cama.
“Sabe que pode ficar mais. Mas eu preciso ir trabalhar.”
Aponto para ele, ainda na cama e me olhando de pé. Meu pijama de
cetim não tem nada de especial, mas pela forma como seus olhos
estão em mim, faz parecer que é algo demais.
“Você deveria ser processada por dar esse horário tão cedo
para seus funcionários.”
“Tenho certeza que encontraria um advogado bom para me
ajudar nessa.” Pisco para ele antes de entrar no banheiro para um
banho.
Quase meia hora depois, estou pronta quando vou para a
cozinha, onde sei que Michael está pelo cheiro que começa a
preencher meu apartamento. Deixo meu blazer no sofá, caminhando
nos saltos até a figura dele na frente do fogão. Ele não se importou
em colocar nada além da calça que vestia ontem, que já está bem
amassada e me deixa com a visão das suas costas bem esculpidas
enquanto move os braços, cozinhando o que parece ser os ovos
mexidos.
Caminho até ele, que vira a cabeça levemente para o lado,
atento da minha chegada.
“Isso parece bom”, comento, abraçando sua cintura e
deixando um beijo em seu ombro, recebendo um na cabeça. Meu
cabelo está preso em um rabo de cavalo firme, como sempre.
“E deve estar. Vou escovar meus dentes e já venho para o
café.” Ele se desvencilha de mim, desligando a chama do fogão.
“Arrume a mesa, gracinha.”
Reviro os olhos para o tom mandão dele, mas não faço
diferente. Já estou sentada na mesa arrumada quando Michael
retorna. Temos café puro, como ambos preferimos, os ovos, alguns
waffles e todos os complementos que posso ter em casa para comer
a refeição mais importante do dia. Ele deixa um beijo rápido na
minha boca antes de se sentar ao meu lado direito, já que fico na
ponta da mesa.
Algumas lembranças me veem do que aconteceu ontem a
noite do outro lado dessa mesma mesa e largo meu celular de lado
com um sorriso.
“Sua irmã vai hoje?”, pergunto para preencher o silêncio e
também para confirmar a informação.
“Sim, provavelmente saem agora de manhã de volta pra
Boston, ela precisa trabalhar de tarde. Vão no jatinho dos Drake.”
Ele toma um gole de café e então se vira para mim. “No fim, ontem
não conversamos o que queria falar comigo final de semana.”
Até eu estava esquecendo desse assunto. Honestamente,
depois de ontem, de passar outra noite maravilhosa ao lado dele,
acordar assim, com tanta naturalidade um com o outro, me faz ficar
mal por ainda querer esclarecer as coisas. Uma voz dentro da
minha cabeça diz que não posso simplesmente deixar passar,
porque pode ser que agora tudo esteja em ordem para mim, mas
talvez daqui um ou dois dias vou novamente ser atormentada pelas
inseguranças.
Torço o nariz, um pouco insatisfeita por termos essa conversa
logo de manhã, porque está tudo indo bem. Mas respiro fundo,
porque não preciso temer o assunto. Teoricamente, só irei confirmar
algo que já sei, deixar todas as palavras ditas.
“Ok, agora fiquei preocupado”, Michael diz, soltando a xícara
na mesa e se virando melhor na minha direção.
“Não é nada demais, eu acho. É só que… as vezes ainda fico
confusa sobre nós dois”, falo, e sei que é pouco explicativo, mas é
bom arrancar o band-aid assim, porque pelo menos essa conversa
já foi começada.
“O que você quer dizer?”
“Quero dizer que… as vezes ainda não consigo ter a certeza
de quem somos um na vida do outro, acredito que sei, mas preciso
das coisas ditas. Preciso dessa confirmação porque a dúvida, a
incerteza, sempre me deixam pensando demais. Vou à eventos da
sua família, você vem a eventos da minha e… isso é uma amizade
com alguns benefícios entre quatro paredes ou não? Ou é mais? Sei
que combinamos, há um tempo, que seria casual, seria só entre nós
dois, mas acho que muito mais gente sabe do que achamos, então
quero saber em que… em que pé estamos, um sobre o outro.”
Tenho plena consciência que estou despejando palavras, que estou
falando demais, tanto pela respiração que preciso puxar como pela
feição confusão de Michael para mim. Ele parece não compreender
o porquê estou pedindo isso para ele, e entendo seu lado, ainda que
eu precise que ele entenda o meu lado agora. “Eu sei que já
dissemos muito um para o outro, mas preciso de um pouco mais,
preciso de uma certeza sobre algumas coisas.”
Ele abre a boca, buscando palavras e a fecha em seguida.
Se corpo se inclina um pouco mais para perto.
“Tipo?” Michael parece totalmente focado em mim, totalmente
prestativo em me dar essa conversa, em tentar tirar minhas dúvidas
de mim. Aprecio isso. Ele toca uma das palmas em minha
bochecha. “Qual outra certeza precisa de mim?”
“Parece estúpido, mas eu preciso de algumas. Preciso saber
o que somos. Estamos juntos agora? Se isso deixou de ser só para
gente, se… preciso saber se somos exclusivos um do outro ou…”
Minha voz se perde quando uma mensagem apita no meu celular,
no nosso meio na mesa, me interrompendo. O barulho chama nossa
atenção, e ambos lemos a mesma coisa na tela.
Uma nova mensagem: Colton.
Sua mão se afasta e ele volta a ficar ereto em sua cadeira.
Uma risada seca sai pelos lábios de Michael e seus olhos ficam
diferentes, saindo dos meus para fitarem o nada. Suspiro, porque
que hora mais errada para Colton resolver voltar a me mandar
mensagem. Nem mesmo sei o conteúdo dela.
“É pra isso que quer essa conversa? É por isso todo esse
papinho? Todo o seu comportamento estranho desde o final de
semana? Por isso que quer definir uma não exclusividade?”, ele
pergunta, e sua voz sai recheada de veneno, porque sei que ele
quer me atingir.
É ridícula sua mudança de comportamento repentino, é
ridícula a forma como ele simplesmente decide tirar conclusões sem
nem ao menos saber o conteúdo da mensagem, e como nem ao
menos compreende direito o que quis dizer há segundos. Mas o que
me magoa é a repentina falta de confiança. Sim, há minutos pedi
justamente para que isso fosse esclarecido, porque não temos
nenhum termo atual sobre essa questão e, sim, venho pensado há
dias sobre essa questão de estarmos ficando só um com o outro ou
não.
Eu estou, mas bastou uma mensagem para que ele
simplesmente ficasse muito puto sobre isso. Ainda assim, respiro
fundo e pego toda a educação que tenho.
“Não, nem ao menos sei o que ele mandou. Não nos falamos
há dias então não tenho noção do que Colton quer comigo às sete
da manhã.” Suspiro, tentando não me sentir atingida quando os
seus olhos azuis queimam em minha pele. “Preciso saber disso
porque já fui muito magoada no passado, Michael, preciso disso
porque não quero, de novo, me iludir com algo que não existe.
Preciso saber o que somos, o que é essa relação, o que ela significa
pra você e se estou sendo ou não a única pessoa na sua vida.”
“Pelo jeito eu não estou sendo na sua”, ele retruca, ácido.
“Ah, por favor, vamos parar por aí. Pare de ser tão infantil e
me escute, escute o que acabei de te falar.” Perco a paciência,
afasto meu prato um pouco para frente, perdendo a fome. “Eu fiz
uma pergunta muito simples, porque apesar das coisas parecerem
estar claras, prefiro quando são faladas.”
“Prefere quando elas são faladas ou só estava buscando por
alguma brecha?”
“Você, ao menos, está se escutando, Michael? Está sendo
ridículo comigo. Nem ao menos sei o que Colton quer comigo, nem
mesmo sei porque ele me mandou mensagem. Tem dias, talvez
mais de um mês, que não nos falamos.”
“Não sabe mesmo? Posso listar as coisas que ele
provavelmente quer com você, Beatrice. Não precisa ser boba.” Ele
tensiona a mandíbula quando fecha a boca novamente, cruzando os
braços e acabando por flexioná-los no ato.
“E você está sendo grosso comigo”, digo, pegando meu prato
e minha xícara, ambos pela metade, e me levantando da mesa para
levá-los até a cozinha. “Não vou ficar me explicando, porque não
tenho culpa nenhuma que um cara, com quem não falo há um bom
tempo, resolveu me mandar mensagem, que nem sei o que é. Até
falaria para abrir a mensagem, olhar tudo, mas não. Porque parece
que você nem ao menos conseguiu, até agora responder a minha
simples pergunta. Talvez seja você quem esteja recheado com a
culpa e quer jogar isso para mim”, sibilo para ele, me apoiando na
bancada para dizer isso para suas costas.
Ele fica tenso, totalmente tenso, e sei que estou jogando
palavras ao vento, porque essa discussão é ridícula, mas estou
chateada que ele simplesmente resolveu surtar por causa de uma
mensagem e porque não consegue só acreditar em mim. Sim,
chegou num péssimo momento, porque perguntar sobre
exclusividade e no segundo seguinte receber uma mensagem do
cara com quem ficava antes de ficar com Michael é um timing
horrível.
Estamos ambos sendo muito infantis.
“Não sou eu quem estou recebendo mensagens uma hora
dessas. Quando eu mal consegui deixar seu apartamento ainda.”
“Michael, essa discussão está ridícula, pelo amor de Deus.
Olha o que você está insinuando!” Ele se levanta, virando para mim
enquanto falo.
“Por que raios você iria querer saber se estamos juntos
mesmo, se somos exclusivos um do outro, quando tudo isso está
muito claro, Beatrice? Por que iria querer saber disso de forma mais
clara do que já está se não fosse porque tem algo a mais?”
“Porque nem sempre tudo é como parece e eu já me magoei
pra caralho uma vez por meus achismos, por deduzir coisas. Você
não é o maior exemplo de relacionamento…”
“Oh!” Ele sorri, cínico, e evito fechar os olhos com força,
porque sei que falei besteira ainda que não seja mentira. “Então,
além de estar me comparando com o escroto do Logan, e eu achei
que tinha deixado bem claro que não sou como ele, mas pelo visto
não é o suficiente pra você, também está falando que tenho algum
tipo de reputação? É algum exemplo nisso agora?”
“Eu não vou discutir com você.” Levanto os braços antes de
me virar para a geladeira, abrindo-a para pegar água. “Não vou
continuar me explicando por algo que não tenho culpa nenhuma,
não vou transformar isso em algo ainda pior do que já está. Se
quiser continuar com suas conspirações, continue sozinho, pra mim
já deu. Estou cansada disso, porque nenhum de nós dois é assim, e
estou cansada de receber suas grosserias de graça”, completo,
antes de beber um longo gole de água.
“Agora eu sou o malvado da situação? Ok. Quer saber, já que
está tão cansada assim, talvez eu esteja começando a sobrar. De
novo.” Franzo a testa, voltando meu olhar para ele, mas Michael vai
até a sala e começa a pegar suas chaves e carteira, que ficaram por
ali depois que fomos para o quarto ontem.
“O que tá fazendo?”, pergunto, arqueando uma sobrancelha
para ele, mas nem mesmo ganho um pouco da sua atenção.
“Estou indo embora, assim pode ter toda a liberdade que
estava querendo”, ele fala, antes de se abaixar e pegar seus
sapatos pela porta, abrindo ela em seguida e me deixando
paralisada quando simplesmente passa pela porta do meu
apartamento, batendo-a com força ao fechar e indo embora.
Solto um gemido alto de frustração quando consigo ouvir a
porta do seu apartamento também é batida, porque o que acabou
de acontecer foi ridículo demais, porque Michael está sendo muito
infantil e eu não estou sendo errada. Simplesmente queria um sim,
somos exclusivos, estamos juntos, somos quase namorados. Ao
invés disso, recebi uma discussão muito boba, uma desconfiança
descabida e uma mensagem que até agora não sei do que se trata.
Jogo o resto da água no meu copo fora e caminho até o
quarto, notando que o infeliz esqueceu sua camisa aqui. Quero
gritar, porque sei que ele vai me escutar, porque ele está errado e foi
um grosso comigo, porque simplesmente um idiota de marca maior
por achar que, logo eu, seria capaz de estar totalmente apaixonada
por outra pessoa que não ele.
Mas não faço isso, nem mando uma mensagem para ele
quando jogo meu celular para dentro da bolsa. Não. Só coloco meu
blazer, pego minhas coisas e saio para o trabalho. Ele que se
organize com suas próprias loucuras, com suas conspirações
ridículas e veja o quanto foi idiota comigo agora de manhã. E,
felizmente, como uma idiota, irei estar esperando por ele quando
recobrar seus próprios sentidos.
 

 
“Ele não fez isso.” Callie parece incrédula e não a julgo,
porque também ainda estou. Sua respiração está ofegante enquanto
tenta me acompanhar em uma caminhada na esteira. Eu disse a ela
que não precisava entrar no mesmo ritmo que eu, porque acabei me
acostumando com isso e ela não está acostumada, mas Callista me
garantiu que era capaz, “Simplesmente foi embora?”
“Sim, disse isso e foi embora. Fiquei estática, não
acreditando nisso, porque não é possível!” Tento controlar minha
voz, porque não quero gritar para toda a academia que Michael
simplesmente foi um otário ou que todo mundo aqui saiba o que
aconteceu comigo.
Faz dois dias que ele simplesmente deixou minha casa e não
mandou mais nada desde então. A mensagem de Colton realmente
tinha um conteúdo que poderia ter deixado ele, talvez, com ciúmes,
mas não foi porque eu quis isso. Colton acabou se resolvendo com
seu passado e estava há alguns dias tentando me chamar para sair,
porque ele vai estar de volta em Nova York, depois de uma visita
aos pais em Michigan, e queria conversar. Ainda assim, nada de
mais.
Contei parte do que aconteceu para minha melhor amiga por
telefone, mas decidimos que deixaria todos os pontos mais
fundamentais para esse momento, quando nos víssemos, porque
seria melhor para expressar o quanto a discussão foi idiota. Callie
tem estado atolada com as coisas na holding, dou o meu melhor
para não enchê-la de mensagens sem necessidade. Despejei tudo o
que aconteceu para ela durante nossos últimos quinze minutos na
esteira, ela parece, assim como eu, ainda não conseguir assimilar
tudo.
“Foi uma discussão bem boba.”
“Eu sei!”, replico. “Não entendi de onde tudo isso começou e
nem consigo compreender o porquê chegamos onde chegamos.”
“Não posso dizer que não foi chato da sua parte pressioná-lo
sobre essa questão de exclusividade e sobre o que são, ou eram,
um do outro, mas entendo o porquê fez isso, então ele surtou por
nada, nisso concordamos.” Ela se dá por vencida, diminuindo o
ritmo na esteira. “Santo, desde quando virou esses ratinhos de
academia? Estou morrendo e você está quase correndo e
tagarelando há um bom tempo.”
“Acho que acabei pegando o jeito disso tudo nos últimos
meses.” Torço a boca em uma careta, porque Michael é o infeliz
culpado por trás disso.
“Não se viram nem mesmo na academia?”, ela pergunta com
cautela.
“Não!” O que foi outra coisa que me irritou além do normal
hoje. “Ele nem mesmo apareceu hoje cedo, nem se deu ao trabalho
de enviar uma mensagem, nada.” Estou mesmo muito indignada
com a falta de consideração dele. Porque ele sempre me avisou
quando não pode ir, então hoje eu simplesmente fiquei igual uma
boba esperando-o por alguns minutos, me aquecendo na esteira, e
depois treinei sozinha até um vizinho chegar para usar a academia e
resolvi subir para meu apartamento.
Fiquei chateada, porque por alguns momentos acreditei que
hoje ele deixaria tudo de lado, hoje faríamos as pazes. Nem que
fosse para somente esquecer tudo o que aconteceu segunda cedo.
Mas talvez eu esteja me iludindo um pouco, porque se ele ao menos
se arrependesse de toda a situação, teria mandado uma
mensagem, tentado me encontrar.
Somos vizinhos, afinal!
Callie deve captar meu olhar sobre isso, porque acaba
resolvendo não perguntar nada sobre o assunto. Sei que ela quer
falar mais, porque seus lábios se comprimem com força. Mas ela
demora para elaborar a frase, o que é bastante estranho para ela.
“Acho que o problema não é só essa questão.”
“Como assim?”, questiono, começando a diminuir a
velocidade para parar com a esteira. Já fiz exercícios físicos o
suficiente por hoje.
“Não sei, tipo tudo estava bem em um momento e do nada
ele surtou por coisa pouca, sendo que sempre pareceu confiar o
suficiente em você. Talvez seja algo além de um ciúme descabido
de uma mensagem que ele nem sabia o conteúdo. Não sei, medo
de finalmente pôr em palavras a relação de vocês, medo de não
saber o que dizer. Não sei, é só uma coisa que me veio agora na
cabeça.” Por alguns instantes, não sei o que pensar. Talvez ela
esteja não errada porque pareceu mesmo algo um tanto atípico para
ele, mas, ao mesmo tempo, não quero pensar que ele estava com
medo de me assumir, porque isso machuca um pouco. “Eu não o
conheço, então não posso afirmar nada”, ela finaliza. “O que vai
fazer, em relação a isso?”
“Não sei…” Paro a esteira totalmente e ela faz o mesmo ao
meu lado.
“Vai atrás dele?”
“Não, não estava errada segunda e não quero deixar parecer
que me sinto assim hoje. Não sou a culpada pelo comportamento
dele. Me arrependo de algumas grosserias que posso ter dito, mas
não vou pedir desculpas e ir atrás porque não sou eu quem devo
fazer isso. Mesmo que eu tenha que sentar e esperar para sempre
enquanto ele deixa essa atitude infantil de lado, não irei atrás.”
“Bem… te perguntarei isso de novo daqui uma semana,
quando a saudade estiver bem grande, mas por enquanto, gostei da
resposta. Porque está mais do que certa mesmo, não deve deixar
que ele acredite que foi o certo em desencadear toda essa
discussão”, Callie fala, pegando seus pertences da esteira e me
seguindo pela academia onde viemos treinar agora no fim da tarde.
Eu precisava extravasar um pouco e ela achou que podia ser uma
boa ideia desenferrujar sua musculatura. “De qualquer forma,
estarei sempre aqui.”
“Você sempre está, e eu estou aqui por você. É por isso que
damos muito certo.”
“Já que tocou no assunto…”, Callista começa, sorrindo de
canto e sei o que vem por ai. “Pode ficar com Belle no sábado?
Tenho um encontro.”
“Espero que seja melhor que o último, então sim!” Sorrio de
volta para ela, parando para pegar água no grande bebedouro da
academia.
“Espero que vocês se resolvam, gosto da forma como você
sorri ao lado dele”, Callie fala depois de um tempo.
“É… eu também espero.”
 

 
 
ASSIM QUE ESCUTO A PORTA FECHAR, não preciso levantar os
olhos do copo na minha frente para saber que Daphne tem seus
olhos em mim. Não que eu tenha qualquer intuito de mentir para
minha irmã, porque seria estúpido da minha parte tentar. Somos
irmãos, gêmeos, passamos nossa vida sendo os maiores parceiros
um do outro, ela me conhece como a palma da mão.
Claro que ela iria estranhar que, uma semana depois que
eles deixaram Nova York, resolvi fazer uma visita surpresa, vindo
para Boston. Até eu sei que é suspeito, porque vim para passar dois
dias, dois dias mal passados ainda, porque sai hoje cedo, cheguei
perto do horário do almoço e amanhã volto no fim da tarde. Não é
um momento propício para visitas.
Daphne me conhece bem o suficiente para saber que tenho
algo para falar, que alguma coisa aconteceu. Queria ter conseguido
só pedir conselhos por telefone, mas acho que um lado de mim é
meio covarde e precisou de uma desculpa para ir embora de Nova
York, ainda que por algumas horas só. Porque querendo ou não,
Beatrice ainda mora na porta ao lado, e qualquer saída durante o
final de semana podia acabar ocasionando em encontrá-la no
corredor, no elevador, até na garagem.
Sei que é muito covarde da minha parte estar evitando-a
desde nossa pequena discussão na segunda e talvez eu não
devesse chamar de pequena. Falei besteira, sei que falei, porque
acabei me irritando por nada e nem mesmo entendo, até agora, o
porquê me irritei com algo tão bobo sem nem ao menos saber do
que se tratava.
Também sei que Daphne vai me dizer que fiz besteira, com
razão, e irei levar um grande sermão.
“Ok, nem Matteo, nem eu caímos nesse papinho da saudade.
Pode começar a desembuchar”, ela fala, depois de deixar a colher
que mexia a panela de lado. “O que aconteceu? E não diga que
nada aconteceu, porque eu não sou tão boba assim.”
“Nunca pensei em duvidar das suas capacidades cognitivas.”
Levanto os ombros. “Mas não é mentira que estava sentindo falta
das minhas sobrinhas.” Porque gostaria de tê-las por perto sempre,
mas é um sonho que talvez só se concretize no futuro. Puxo o ar,
fitando Daphne finalmente, nos olhos tão azuis quanto os meus. Ela
está com os braços cruzados, apoiada de costas na bancada ao
lado do fogão, onde nosso jantar exala um cheiro bom. “Não sei…”
“Sim, você sabe.”
Não evito grunhir baixo, um pouco insatisfeito. Eu sei o que
aconteceu e estou agindo como uma criança para fugir de tudo isso.
Daphne me olha, esperando que eu tome coragem.
“Ok, está me deixando preocupada. Nunca teve tanto receio
assim de me contar alguma coisa.” Ela se desencosta da bancada
da pia e caminha até mim, sentando ao meu lado em um dos
bancos altos do balcão que isola minimamente a cozinha do
apartamento deles. “Mike.” Minha irmã me dá um incentivo,
segurando minha mão. “O que aconteceu?”
“Beatrice e eu… discutimos. Eu já sei que foi minha culpa,
mas acho que ainda não conseguir… acho que ainda não consegui
pensar direito sobre isso, pra entender o que aconteceu.”
“Discutiram por quê?” Seu tom vai além de só curiosidade,
ela quer tentar compreender e me ajudar, mas sei que vai ver que fiz
besteira e mesmo já sendo ambos adultos, ainda sei como minha
irmã tem a capacidade de me dar um bom sermão sobre como
consigo ser muito estúpido as vezes.
“Foi um motivo idiota, talvez por isso ainda não consegui
digerir o que rolou.” Ela arqueia uma sobrancelha, confusa.
“Estávamos no apartamento dela, fazia alguns dias que ela tava
meio estranha e eu sabia que queria conversar, não sabia sobre o
quê. Então, ela trouxe o assunto à tona…” Tomo uma respiração,
tirando minha mão da de Daphne e olhando para frente, deixando
de encará-la.
“E o assunto era tão ruim assim?”, minha irmã pergunta
depois da minha pequena demora para prosseguir.
“Não.” Balanço a cabeça em negação, pressionando os
olhos. “Não era pra ser. É algo simples.” Ok, estou de volta aos
meus quinze anos pedindo conselhos e desabafando com minha
irmã mais nova, minutos mais nova, mas ainda assim mais nova.
E nem mesmo sei onde quero que essa conversa chegue.
Nem sei o que estou buscando vindo para cá nesse final de
semana. Sei que quis simplesmente me esconder, porque estou
temendo vê-la e precisar encarar como fui muito tolo, sei que estava
errado em começar toda a discussão, apesar de ainda não
conseguir compreender o porquê, mesmo sabendo disso, comecei
tudo.
“Por que eu estou sentindo que essa é uma das vezes que
você simplesmente preferiu fugir dos seus sentimentos a encará-
los?”, ela pergunta, me fazendo virar meus olhos para os dela. “Vai
negar que faz isso?” Mas eu não posso, e Daphne sabe muito bem
disso. Por isso, só nego com um balanço de cabeça. “Por quê? Ela
tem te feito tão bem. Pelo amor de Deus, Mike, as vezes a gente
também cansa de insistir. Dê a ela o mérito de ter conseguido entrar
nessa pequena bolha que criou ao seu redor, Beatrice conseguiu o
que eu já vi muitas mulheres tentando ao longo dos últimos anos e
falhando sem nem mesmo ganharem uma chance.”
Franzo a testa, confuso demais com sua última afirmação.
Sim, Beatrice entrou na minha vida como ninguém nunca fez antes,
mas nunca houve ninguém que tivesse feito como ela fez. Também
não é como se eu tivesse planejado isso, ela simplesmente ocupou
espaço demais até eu perceber que é mais na minha vida do que
gostaria que fosse. Ou que qualquer outra pessoa assim um dia foi.
“O que quer dizer?”
“Você foi, a vida inteira, cheio de casos de duram uma
semana, nem isso. Mal notou os inúmeros olhares apaixonados que
recebeu ao longo dos anos. Quebrou por tabela vários corações
porque elas simplesmente não percebiam que você estava aleatório
demais para perceber que precisava falar mais do que algumas
palavras para deixar claro que não estava interessado. Porque
nunca esteve interessado. Mas agora? Nunca vi você assim com
alguém. Ainda que queiram fingir toda essa conversa de que são
amigos, sou mais esperta que isso. Você ficou… constrangido na
frente dela. Você nunca, nunquinha, ficou constrangido na vida por
causa de uma mulher, eu acho.”
“Ok, está me fazendo parecer um monstro com todas as
mulheres com quem fiquei.” Eu sempre dei o meu melhor para não
deixar dúvidas que relacionamentos não são para mim, que quando
elas concordavam em acabar na minha cama ou eu na delas, que
seria algo de uma noite, duas, talvez mais. Porém nunca além do
sexo, dos beijos, de coisas que levavam a isso e somente isso.
Nunca foi minha intenção sair por ai iludindo ninguém.
“Você não é!”, Daphne exaspera. “Só sempre esteve
desligado demais para notar algumas coisas. E agora parece com
medo demais para admitir outras.” Ela levanta, voltando para dentro
da cozinha e mexendo em uma das panelas. “Você está com medo,
não tem como rebater isso. Quer dizer, consegue até mesmo
perceber que é o culpado pela discussão, que a discussão foi tosca,
mas ainda assim se importa o suficiente com ela por estar se
remoendo por isso, entretanto ainda está aqui e não junto com ela,
provavelmente é porque está com medo de alguma coisa.”
Suspiro, porque não sei bem o que responder. Daphne
sempre foi melhor que eu nessa parte, de conversar, de conseguir
expor seus sentimentos, de tudo. Mantenho os meus para mim até
não suportar mais, até explodir.
“Você está, constantemente, evitando fazer as coisas que
quer, está sempre deixando suas vontades de lado por medo, Mike.
Para, de verdade. Um dia vai acordar e vai perceber que nem tudo
pode ser consertado, porque já não tem mais tempo. Pare de ter
tanto medo de ser você, se fazer suas próprias vontades, de viver
acomodado no que a vida te dá. Eu te amo, mas isso é a verdade.”
Ela comprime os lábios, seus olhos azuis brilham e odeio saber que
minha irmã tem lágrimas nos olhos. “Eu sei que boa parte disso foi
por minha causa, e eu sou infinitamente grata a você por tudo, sabe
disso. Mas não quero acabar sendo, para sempre, o motivo pelo
qual você não vai atrás do que você deseja.”
Daphne vira de costas, se apoiando na pia e só fico parado
onde estou, observando-a respirar fundo e ir até à geladeira para
encher seu copo com água.
“Não estou dizendo que tenho ligação ao que tá acontecendo
agora, não diretamente. Só acho que você acabou assentando sua
vida inteira no que lhe foi dado que agora tem medo de
simplesmente agarrar o que deseja, e não minta. Você quer ela,
porque nunca sorriu como sorri ao lado da Beatrice, nunca foi tão
cuidadoso com alguém como é com ela, então nem tente mentir,
não para mim. Quero que seja feliz, que ache e agarre sua
felicidade. Eu achei a minha e é… é tão perfeito viver todos os dias
assim, que só posso desejar a pessoa que sempre amei mais que
tudo, que essa pessoa também encontre essa felicidade, seja como
for.”
Bebo um gole da minha água, tentando digerir também o que
ela acabou de me falar. Já me permiti aceitar o fato de que, sim, eu
venho fugido de muita coisa ao longo da minha vida, venho me
acomodando em situações simplesmente porque elas são
colocadas na minha frente, são dadas a mim e só aceito. Mas nunca
vi minha demora para simplesmente aceitar as coisas com Beatrice
como um medo.
“Desculpe, sou horrível tentando dar conselhos. Não quis…
não quis te criticar.”
“Não disse nada que não seja verdade”, falo a ela, dando um
sorriso amarelo de canto, minha irmã reflete o mesmo sorriso. “Mas
não sabia que pensava todas essas coisas.” Sei que meu tom tem
um pouco de mágoa, porque Daphne nunca comentou isso comigo,
a primeira vez que fui cogitar qualquer coisa assim foi quando
Beatrice comentou. Nunca achei que minha irmã já tivesse ideia de
todo esse meu comodismo.
“Mike…”, ela começa, mas a porta da frente de abre
novamente, anunciando que Matteo voltou.
“Está tudo bem”, digo para ela em um sussurro, antes dos
passos de Matteo adentrarem o ambiente da cozinha.
 

 
Descanso o copo de uísque na mesa de centro e as duas
pedras se chocam contra o vidro, tilintando um pequeno ruído no
andar de baixo do apartamento de Daphne e Matteo, vazio a não
ser pela minha presença. Foco meus olhos na tela, continuando a
ler o artigo que Raphael me mandou mais cedo sobre nosso caso
da semana que vem. O processo anterior movido, da mesma
empresa, contra nosso réu possui inúmeros furos, e alguns deles
foram repetidos dessa vez.
Estou tão focado na leitura que demoro para notar a
aproximação de Matteo, descendo as escadas tão silenciosamente
que mal dá para acreditar que seus pés tocam o chão. Ele é um
homem grande, provavelmente faria mais barulho do que qualquer
pessoa andando por um cômodo. Entretanto, a paternidade trouxe
alguns talentos para meu melhor amigo e andar silenciosamente foi
um deles. A luz fraca do corredor do andar de cima está ligada,
provendo a sala um pouco de iluminação além da tela do meu
computador e do abajur ao lado do sofá que mantive ligado.
Matteo parece cansado quando se senta ao meu lado, mas
ainda assim consigo sentir nele uma pequena áurea de felicidade,
coisa que venho percebendo ao seu redor há pouco mais de um
ano. É bom vê-lo assim, porque esperei um bom tempo na
esperança de ver meu melhor amigo com esse sentimento flutuando
ao seu redor de novo e agora finalmente vejo. Não é da mesma
forma que antes, sei que ele amadureceu de uma forma diferente
nesse meio tempo e não é mais o mesmo cara de quatro anos atrás.
Mas é bom ver Matteo feliz.
Termino de digitar uma pequena anotação para análise e
fecho o notebook em meu colo, colocando-o de lado. Sei que ele
acabou de colocar as meninas para dormir, já é quase dez da noite
e Daphne provavelmente já está na cama. Conheço ele o suficiente
para saber que, cansado como está, não veio desfrutar da minha
companhia, porque acredito que prefira desfrutar de um bom banho
e uma cama confortável agora.
“Daphne falou que eu deveria conversar com você, porque
ela acha que te chateou mais cedo, porém ainda acredita não ser a
melhor pessoa para a conversa, então… aqui estou eu, acatando as
ordens da minha esposa nem um pouco mandona. Mas como irmão
dela, deve saber sobre essa qualidade incrível que ela tem”, ele
começa, brincando e até mesmo soltando um riso baixo antes de se
inclinar e pegar meu copo de uísque pela metade, bebendo um gole.
“O que é estranho porque sempre imaginei que não haveria nada no
mundo que vocês não pudessem conversar um com o outro. Não
posso dizer que não estou curioso.”
O copo me é oferecido e pego, bebendo outro gole curto
enquanto Matteo levanta e vai até o aparador, servindo um copo
para si e dispensando o gelo.
“Quando soube que ela era a pessoa certa?”, pergunto de
súbito, e noto pela forma como seus ombros tensionam, antes de
relaxarem de volta, que o peguei de surpresa. Seus passos são
lentos de volta para o sofá e percebo que ele está pensativo.
“Daphne?”
“Bem, pelo menos é o que eu espero.” Franzo o nariz, porque
minha frase ficou um pouco ruim, e elaboro melhor. “Espero que a
mulher com quem está casado, mãe das suas filhas, seja a pessoa
certa. Ou ficarei feliz em conseguir boas ações na Drake Co. com
um processo de divórcio.”
“Cara, você está agressivo.” Matteo sorri, batendo no meu
ombro como se pedisse para eu relaxar e zombando de mim. “Eu
não sei.” Ele dá de ombros. “Honestamente, nem sei se ela é a
pessoa certa. Mas descobri que a amo com todas as células do meu
ser a ponto de fazer dela todos os dias a minha pessoa certa.” Matt
dá um gole com toda a calma do mundo antes de prosseguir. “Por
muito tempo, eu achei que nunca mais iria conseguir encontrar
alguém, que não merecia mais nada disso, que talvez estivesse
fadado a ficar em luto pela Brooke para sempre. Foi difícil aceitar
que não seria assim, foi complicado entender que eu poderia ter
mais um pouquinho de vida, que eu poderia me permitir viver isso. E
o mais irônico é pensar que foi logo em alguém que conheço a vida
toda, em quem achei novamente essa… essa vontade.”
Ele solta um riso, e eu o acompanho, porque é complicado
imagina que eles estiveram durante anos um ao lado do outro e
nunca houve nenhum contato sequer que pudesse demonstrar
interesse, e hoje estão mais do que só juntos.
“Eu sempre amei ela, como um amigo. Sempre quis o melhor
para Daphne, sempre torci pelo seu sucesso, sempre comemorei
suas conquistas, sempre a amei de uma forma. Sei que vai adorar o
que vou falar agora, mas depois que a… depois que a atração
aflorou, depois que vimos um ao outro de uma outra forma e depois
que fui conhecendo Daphne de uma forma diferente, onde ela
passou a ocupar uma posição diferente, eu descobri que isso podia
ser mais. Descobri que não queria viver a vida sem ela, sem pensar
em nós quatro como uma família como somos hoje. Eu poderia,
poderia seguir solteiro dentro da minha mágoa eterna com a vida
por ter tirado de mim uma pessoa que amei mais que tudo, mas não
queria mais. Queria ela na minha vida, e quero ela até o fim dos dias
na minha vida. Então dou o meu melhor para fazer com que as
coisas deem certo, faço de tudo para que todo dia eu acorde e faça
dela a minha pessoa certa, e dou o meu melhor para ser a pessoa
certa para ela.”
“Você quase faz parecer bem fácil.” Olho para ele de canto,
demonstrando com um olhar o sarcasmo já presente no meu tom de
voz.
“Não é e nem foi fácil para estarmos onde estamos. Além
disso… Mike, nem todos os dias são cheios de sorrisos, bom humor,
de coisas fáceis e simples. As vezes ainda tenho minhas dores e
minhas inseguranças, sua irmã tem os próprios problemas que
também acabam se elevando em alguns dias, nossos defeitos
tomam lugar, dão voz a pequenas discussões, fazem com que a
gente se desentenda por algo bobo. Alguns dias são complicados,
tudo é complicado. As meninas choram o tempo todo, nada parece
agradá-las, alguém esquece algum pedido do outro, a gente
esquece sobre os afazeres que já combinamos, e esses dias são
infernais. Mas tem os dias que beiram a perfeição, se ela existir.
Tem dias que acordo sorrindo, porque acordo sabendo a pessoa
que tenho ao meu lado, tem dias que tudo dá certo, parece não
haver problema no mundo, e tem dias que mesmo que haja todos os
problemas, eles se resolvem com facilidade. Então não, não quero
deixar parecendo que tudo é fácil, porque o caminho exige da gente
justamente a caminhada. Só precisamos ter a certeza se queremos
ou não enfrentar todos os imprevistos que surgem, e eu
definitivamente quero enfrentar qualquer coisa pela minha família,
por amar sua irmã, por não saber se sobreviveria sem minhas filhas.
Quero conseguir tudo porque quero ainda mais, mas acho que esse
é o ponto de partida, querer fazer tudo dar certo.”
Matteo suspira, perdido nos próprios pensamentos e tenho
vontade de me afundar no meu copo. Não posso dizer que ouvi-lo
falar assim é inesperado, que me surpreende pela profundidade das
palavras, porque esse é Matteo e ele sempre foi assim, mesmo
quando seu humor encobria boa parte de todo o resto.
“Nem mesmo sei se isso foi resposta o suficiente para sua
pergunta.” Ele levanta os ombros, focando em mim mais uma vez.
“Mas, agora, desembucha, por que Daphne acha que eu preciso
conversar com você?”
Não consigo evitar soltar um riso meio frouxo, estranho o
suficiente para que Matteo me olhe com uma sobrancelha
levantada. Acredito que ele falou, sim, o suficiente para que eu
coloque ambos os pés no chão e resolva começar a colocar minha
cabeça no lugar. Precisamos querer para fazer com que as coisas
deem certo e acho que Daphne está certa quando fala que tenho
tido medo demais para conseguir compreender o que eu quero.
Me acomodei em uma vida que exige pouco,
sentimentalmente falando, de mim. Meus pais tiveram um péssimo
casamento, o que não é bem um exemplo. Por algum tempo,
cheguei a acreditar que os dois se gostassem, que podem ter
nutrido algo maior do que isso no passado, mas Daphne e eu fomos
problemas o suficiente para duas pessoas que não desejavam
esses problemas.
Então sempre acreditei que fosse bem mais fácil somente
deixar estar, não me esforçar nenhum pouco com ninguém, não
deixar com que ninguém entrasse na minha vida verdadeiramente a
ponto de me importar dessa forma. Deveria ter começado a notar
isso quando Chelsea começou a namorar, porque sempre achei
que, nesse sentido, sempre fomos muito parecidos. Ouvi, vez ou
outra, ela comentando como perder esse medo a deixou ainda mais
livre do que achou que ficaria.
Entretanto, não sei se acredito que meu caso seja o mesmo.
Talvez seja a genética. Daphne nunca foi a pessoa mais fácil do
mundo para isso também, ainda que tenha conseguido, de alguma
forma, entrar no que ela e Matteo tem hoje.
Mas voltando a questão principal de tudo, sobre precisar
querer isso, acima de tudo, para conseguir acreditar e fazer com
que as coisas deem certo, acho que de certa forma é o que quero.
Só não sei bem como expressar, nunca soube. Nunca fui uma
pessoa fácil de se lidar, ou com facilidade para falar sobre
sentimentos. E, talvez, meu traço controlador de personalidade me
impediu de perceber algumas coisas ao longo do caminho.
Porque, de certa forma, é isso que entrar em um
relacionamento significa na minha cabeça. Perder o controle das
emoções, dos próprios sentimentos, perder o controle do rumo para
onde eu planejei direcionar minha vida. Mas agora, depois de ouvir
tudo o que Matteo disse, talvez não pense mais da mesma forma.
Assim como eu, ele sempre preferiu controlar tudo, e quando não
pode controlar tudo, muitas coisas aconteceram e o trouxeram o que
ele tem hoje. Honestamente, acredito que meu melhor amigo esteja
bem melhor.
Talvez queira fazer com que as coisas deem certo, que elas
continuem dando como já estavam. Talvez se eu não tivesse ficado,
como um menininho assustado, e agido de forma muita estúpida, as
coisas ainda estariam dando certo, mas não fui capaz de
simplesmente me deixar sentir. E uma mistura de coisas me
trouxeram onde estou hoje. Provavelmente deveria ter esclarecido
tudo na primeira vez que cogitei o assunto, na primeira vez que
pensei sobre quais eram as razões pelas quais Beatrice não
desejava um relacionamento de verdade, mas era minha primeira
vez pensando sobre o assunto, acho que acreditei que estaria
errado pensando em nós dois como algo além do que ela estava
determinando.
“Mike?”, Matteo me chama, me tirando de meus
pensamentos e me fazendo piscar algumas vezes antes de focar
nele.
“Acho que sim, que respondeu a minha pergunta e que, de
alguma forma, já conseguiu me falar tudo o que Daphne
provavelmente queria que falasse para mim.” Ele não parece
compreender bem minha resposta, mas ainda assim não diz nada,
nem eu.
Matteo e eu sempre apreciamos o silêncio, por isso,
seguimos sentados no sofá da sala, com a iluminação amarelada do
abajur e a luz vindo do andar de cima, sorvendo nossas bebidas
sem mais conversas até finalmente, sem muitas palavras, irmos
cada um para seu quarto.
 

 
Segunda de manhã me sinto levemente mais confiante do
que tenho pensado o final de semana inteiro, desde minha conversa
com Matteo. Acho que não há muito a ser feito, na verdade. Além do
óbvio, e isso é ir atrás de Beatrice e me desculpar por ser um
grande babaca grosso com ela semana passada.
Enquanto Raphael repassa sobre um caso que vamos levar
ao tribunal amanhã e fala sobre as partes do processo que devo me
atentar, acabo percebendo que faz uma semana que não nos
falamos. Faz uma semana desde a fatídica, e ridícula, discussão no
seu apartamento, depois de uma noite muito boa. Faz uma semana
que nem mesmo troco se quer uma mensagem com Beatrice. Talvez
seja o maior período que não nos falamos desde que começamos a
conversar.
Pensei em mandar alguma mensagem ontem, mas talvez
parecesse presunçoso demais de que ela vai me entender e
compreender tudo, e voltaremos a ser como éramos na segunda-
feira passada. Além disso, conversas frente a frente sempre foram
mais meu estilo. Por esse motivo, meu melhor amigo esteve
estressado comigo o dia inteiro. Fiquei desatento, pensando na
conversa e percebendo que, além de todas as outras coisas que
estão envolvidas em um relacionamento, também sou péssimo
pensando no que devo falar a ela.
Antes que o horário de fecharmos o escritório bata no relógio,
já estou com minhas coisas prontas. Aviso que sairei mais cedo e
ninguém contesta, como esperado. Nem mesmo sei se consegui
cumprir metade das coisas que precisava fazer hoje, ou se os
processos nos quais trabalhei estão minimamente bons para uma
futura revisão, bem provável que eu precise fazê-los todos de novo.
Fiquei ansioso, claro. Devo estar ansioso por finalmente
conseguir tentar pedir desculpar para Beatrice por ter sido um
babaca em relação a uma mensagem de Colton, com quem nem
mesmo sei se ela vem conversando ou se falou mesmo a verdade
sobre ser uma mensagem que surpreendia até mesmo ela, desde o
dia que percebi que fui um grande escroto nas coisas que disse.
Ela provavelmente bateria em mim com flores ou qualquer
coisa, porque causaria uma cena e já descobri que, apesar de
gostar de gestos bonitos, Beatrice odeia causar cenas. Então dirijo
da melhor forma que consigo até o prédio da editora, estaciono de
uma forma bem meia boca e me apresso para fora do carro. Tento
me recompor, porque não sou de ficar me afobando e correndo de
um lugar para o outro. A recepcionista libera minha subida sem
nenhuma ligação, como das últimas vezes que estive aqui. Acho
que posso ter ficado conhecido como… alguma coisa da Beatrice.
O elevador demora mais que o habitual e não sei qual é o
problema dessas coisas, sempre parecem levar uma eternidade
quando precisamos de rapidez, mas posso cogitar que seja minha
ansiedade falando mais alto. Outras duas pessoas entram no
elevador em andares antes que eu chegue no de Beatrice e tento
não parecer mais mal-humorado que o habitual com isso.
Quando o bip finalmente apita no andar que eu apertei,
espero impaciente que as portas metálicas se abram para sair
quase tropeçando de pressa para fora. Sorrio para a secretária que
fica próxima ao elevador e caminho pelo longo corredor, ladeado por
várias mesas preenchidas por funcionários. Eles me olham, não
tanto mais com a curiosidade do começo e com isso me pego
pensando em outras coisas.
Quantas pessoas ao nosso redor já acreditam que Bea e eu
temos um relacionamento mais sério do que nós dois nos deixamos
acreditar? Provavelmente bem mais do que eu acho.
Respiro fundo, colocando as mãos nos bolsos quando
caminho cada vez mais para perto da sala dela, com as paredes de
vidro que estão claras e a porta que está aberta. Sua risada
reverbera um pouco alta, me fazendo olhar para frente e encará-la.
O topo ruivo da cabeça dele faz com que minha espinha seja
percorrida por um arrepio, acredito que seja uma espécie de ódio,
ou ciúmes do mais feio possível. Ele está de costas para mim,
relaxado de pé, de frente para ela que também está de pé. Estão
próximos ao aparador em um dos lados da sala.
Beatrice está em suas roupas habituais do trabalho, uma
calça social verde-escuro que realça suas coxas grossas, bem
juntas uma na outra, acentuando a cintura mais marcada, uma vez
que a blusa de alça branca está posta para dentro, fazendo com que
o volume dos seus seios fique ainda mais destacado pela forma
como o tecido se ajusta em sua pele. O blazer, também verde-
escuro faz um bom trabalho para tentar disfarçar como ela é muito
gostosa por baixo de tudo isso. O cabelo, como sempre, está
puxado ao máximo em um rabo de cavalo e seu rosto parece
iluminado, desejo que seja pela maquiagem e não pelo sorriso
bonito infernal que ela abre para o ruivinho.
Colton parece também achar graça de sua própria piada,
porque também treme um pouco com uma risada bem mais contida.
Observo, como um otário, a cena, paralisado no meio do corredor
enquanto os dois parecem se divertir muito juntos.
Parece que, ainda que eu quisesse acreditar que fiz a coisa
errada, meus pensamentos não estavam assim tão longes da
verdade. Beatrice mentiu, e apesar de odiar o fato de ter sido grosso
com ela, não estava completamente errado no que disse. Colton e
ela estavam sim mantendo contato, ao que parece contato demais,
enquanto ficamos juntos nas últimas semanas, quando ele
aparentemente deveria estar fora de cena.
Me sinto um pouco enganado e penso se alguma vez fiz
alguém se sentir assim, porque é uma sensação de merda. Odeio
pensar que posso ter causado isso em alguém porque me sinto bem
mal enquanto simplesmente não consigo me mexer, parado quando
a mão de Bea toca o braço de Colton, porque outra piada foi
contada e ela ri mais um pouco.
Provavelmente, ela está distraída demais para me notar até o
momento de agora, quando seus olhos castanhos, pequenos pelo
sorriso largo, se viram para mim e se abrem mais, quase
assustados, surpresos o suficiente. Ela abre a boca, mas não diz
nada. Vejo que Beatrice se distancia de Colton antes de dar as
costas e marchar a passos largos de volta para o elevador. Seus
saltos batem alto atrás de mim e, talvez, só talvez, eu tenha
desacelerado um pouco o passo a ponto dela conseguir segurar
meu braço.
Seus dedos se fecham ao máximo em voltar do meu bíceps
e, infelizmente, o toque dela é bom mesmo pelas camadas da
camisa e terno.
“Michael”, sua voz me chama baixinho, para não causar a
cena que ela tanta odeia. O elevador demora o suficiente para que
ela me segure mais um pouco. “O que… Não sabia que estava
vindo.”
“Não avisei”, respondo seco, porque quero que ela sinta um
pouco da grosseria. Me sinto mal quando ela não reage, como se
estivesse quase habituada a lidar com isso.
“O que veio fazer aqui?”, ela pergunta, e puxo meu braço
quando as portas metálicas se abrem na minha frente. Bea me
solta, mas entra comigo no elevador.
“Não deveria deixar seu convidado sozinho.”
“Michael!”
“O que, Beatrice? Vai dizer que estou errado mais uma vez?
Porque pelo visto tenho me sentido mal por ter falado coisas
quando, na verdade, elas não passavam da verdade. Você está se
saindo melhor do que eu esperava para alguém que estava
encalhada há poucos meses. Conseguiu me fazer de bobo certinho,
mas acho que já ficou claro sua escolha. Era provavelmente sobre
isso que queria falar semana passada, não é mesmo?”, cuspo as
palavras, tentando fazer minha melhor postura indiferente, mesmo
sabendo que está bem claro como estou chateado. Escuto sua
respiração funda ao meu lado, porque não tenho coragem de olhar
ela nos olhos. “Bem, estou te poupando de, mais uma vez, precisar
me dar o pé. Entendi o recado.”
“Pelo visto não, também não aprendeu nem um pouco com
suas grosserias da semana passada. Na verdade, nem mesmo sei o
porquê me dou o trabalho de pensar em me explicar, pelo visto tem
receio demais para até tentar ouvir, Michael. E se você é tão
amedrontado assim da verdade, sinto muito, mas não tenho a
obrigação de ficar vindo atrás de você para escutar essas palavras
escrotas que estão saindo da sua boca e que me chateiam pra um
caralho. Posso saber que, no fundo, isso não é o que você é,
mas…” Abro a boca para retrucar algo e ela espera, porque parece
me desafiar a dizer algo, me desafiar a, até mesmo, parecer um
pouco arrependido.
Não preciso de muito para juntar uma coisa à outra, não
preciso de muito para juntar uma série de mensagens as sete da
manhã há uma semana com risadinhas e toques de flerte hoje. Não
preciso que ela fique explicando para mim algo que já está bem
claro. Pela primeira vez na vida, eu sobrei justamente quando não
queria e essa sensação é terrível.
“O quê? Não consegue mais pensar em alguma mentira para
justificar?” Não consigo controlar minha boca, como se precisasse
dizer mais grosserias para sair minimamente por cima nessa. Acho
que meu ego é frágil demais para conseguir não querer isso.
O apito soa alto, avisando que as portas estão prestes a abrir
no térreo, bem mais rápido do que a subida foi. Estou prestes a sair
quando sua resposta não vem, mas o som da sua voz, magoada
demais, me faz olhar para aqueles olhos castanhos.
“Não. É porque às vezes a gente percebe que não compensa
se explicar constantemente quando a pessoa simplesmente não
quer encarar a realidade como ela é. Se quer criar mil histórias na
sua cabeça, Michael, fique à vontade para isso. No subconsciente,
sabe a verdade e não preciso ficar me explicando quando não quer
ouvir. Pode se tornar muito cansativo insistir em algo sozinha.” Ela
indica com o queixo as portas abertas para o térreo e, sem mais
nenhuma palavra, dou dois passos para fora antes que ela aperte
furiosamente os botões para subir de volta.
Engulo em seco, com uma sensação que já ouvi essas
palavras antes, mas sei que é impossível. Nunca fui enxotado dessa
forma a ponto de me lembrar disso por muito tempo. Tento não
pensar muito sobre o assunto, sobre a forma como ela disse sua
última frase, porque sou orgulhoso demais para perder meu ego
indo atrás dela quando claramente ela voltou para outro cara.
Ao menos eu tenho um pouco de dignidade ainda.
Apesar de estar prestes a perder ela em plena segunda-feira.
 
Michael: Preciso sair hoje, nada de barzinhos meia boca.
Raphael: Temos um tribunal amanhã!
Michael: Até as duas da tarde é tempo o suficiente para
curar qualquer ressaca, sabe disso. O processo já tá ganho.
Michael: Além disso, não sei se preciso beber muito, preciso
de alguém.
Raphael: Achei que tinha ido bancar o príncipe encantado,
missão falha.
 
Estou prestes a digitar uma mensagem grosseira para meu
amigo quando recebo a resposta e uma localização.
 
Raphael: Uma boate que abriu semana passada, posso
conseguir nossa entrada para hoje a noite, não dê para trás!
Raphael: Te encontro as dez.
Michael: Não vou dar para trás.
 

 
EXISTEM ALGUNS MOMENTOS NA VIDA de uma mulher que ela
tem dificuldades de se lembrar sobre a sororidade que ela mesma
prega. Tive isso algumas vezes na minha vida, com algumas poucas
mulheres. Tenho dificuldade de me lembrar de não atacar e xingar
uma mulher com coisas machistas quando penso em Katherine,
minha prima, também agora, enquanto escuto a mulher com quem
Michael está transando gemer tão alto a ponto de chegar aqui, no
meu apartamento.
Em minha defesa, parece que os dois estão na minha sala
enquanto eu tento fazer uma leitura pacífica no quarto. E nem
mesmo posso julgá-la porque sei todas as maravilhas que esse
idiota faz na cama, e em qualquer outro lugar. Sei como ele
consegue te chupar a ponto de fazer com que você veja estrelas, ou
sei que a forma como ele transa com você faz seu corpo inteiro
tremer com o prazer, e que as mãos dele fazem tantas maravilhas
pelo seu corpo como a boca faz.
Por isso, mesmo querendo e pensando infinitas palavras das
quais quero proferir para a mulher que geme e grita como se
estivesse tendo o melhor orgasmo da vida dela, provavelmente está
tendo, eu não consigo porque sei que é errado. Sei que é errado por
inúmeros motivos, inclusive sentir raiva por Michael ainda ter um
pau ativo é errado, porque não me mantive em celibato desde que
paramos de nos ver.
Mas ainda assim, desejo por alguns motivos pessoais de
irritação com sua incapacidade de compreender coisas simples e
conseguir conversar como um adulto, formado em Direito, deveria
conseguir, que ele broxe. É bem babaca da minha parte com a
mulher que está aproveitando desse momento com ele que eu
deseje que ele broxe, mas não me importo. Porque para o
momento, esse é o sofrimento pelo qual quero que ele passe.
Quero que ele esteja à beira de um orgasmo delicioso,
aquele que faz com que ele gema do fundo da sua garganta, com a
voz rouca de tanto falar as indecências que ele fala, que nesse
momento que ele sinta o corpo vibrar com o desejo eminente, com o
orgasmo quase na ponta, que nesse momento seu corpo
simplesmente pare de responder aos estímulos e seu pau broxe
tanto, mas tanto, que suas bolas fiquem doendo.
Meu ódio está nesse ponto. Sei que o sentimento só é ruim
para mim, porque os dois estão aproveitando horrores do outro lado,
mas ainda assim não consigo evitar. Ela é a segunda mulher que
escuto gemer, e pode ser que teve outras que foram mais
silenciosas, mas ainda assim estou puta da vida com Michael.
Depois da ceninha ridícula dele, pela segunda vez,
simplesmente me dei por vencida. Se ele quer que as coisas sejam
assim, então que sejam. Não vou ficar implorando pela sua atenção,
para que ele me escute e entenda minha explicação. Acredito que
tenha sido justamente ele quem, certa vez, me disse que eu merecia
mais do que correr infinitamente atrás de homens que não
compensam.
Ele compensa, mas não vem ao caso. Pelo jeito, ficou tão
chateado assim que nem pode esperar eu virar as costas para
começar a se relacionar de novo com outras mulheres. Isso se um
dia parou. Pode ser que suas atividades só estavam privadas para
fora do prédio e eu nunca soube. Bem estúpido da minha parte
pensar nisso agora, que estou fervendo de raiva, porque diferente
dele, sei que esse não foi o caso. Entendo que éramos exclusivos
um do outro e só queria ouvir isso da boca dele. Nem é tão
complicado assim.
Mas desisti, de certa forma, e meu intuito não era voltar a
ficar com Colton, mas aconteceu. Conversamos a semana inteira, e
na outra, e depois do meu encontro com Michael na editora, alguns
dias depois fui chamada para um encontro e não posso evitar ver
que Colton é bonito e atraente. Ele não é Michael, mas ainda assim
não me sinto muito resistente ao charme do Colton.
E a comparação foi injusta, eu sei.
Além disso, o pensamento que tive quando os sons
começaram não foi justo. Quase quis chamar Colton para uma
pequena competição de quem transa mais gostoso. O que é bem
bobo, eu sei, mas novamente, são os momentos em que minha
raiva está a toda, porque além de me incomodar com o fato de que
Michael simplesmente é um infantil que não sabe dialogar e que
parece bem contente longe de mim, também preciso trabalhar
amanhã cedo.
Meu celular aponta que já são quase duas da manhã e eu
gosto de estar bem acomodada dormindo nesse horário. Claro que
poderia colocar uma música bem alta para abafar o volume, mas
isso mostraria que estou afetada e mesmo estando, não quero dar a
ele esse gosto.
Preciso superar, porque não posso insistir para sempre,
mesmo que eu queira. Preciso de alguém que queira, minimamente,
conversar comigo de forma madura sobre o que estamos tendo,
alguém que consiga sentar e falar sobre relacionamentos sem
surtar.
E pelo visto, Michael tem alguma incapacidade de
simplesmente compreender as coisas, sem inventar tudo sozinho.
 
 
Remexo mais um pouco na torta em meu prato e, apesar de
tudo estar delicioso, não tenho mais apetite para comer isso. Colton
está do outro lado da mesa me olhando, sei disso, porque sinto o
seu olhar em mim enquanto finjo interesse no glacê de chocolate. É
uma das minhas tortas favoritas, com nozes e chocolate branco, ele
se esforçou para achar isso em uma das padarias por aqui perto.
Na verdade, ele se esforçou muito em tudo hoje e sei que
estou sendo uma péssima companhia. O jantar foi comprado,
porque Colton não tem muitas habilidades na cozinha e eu não
chegaria antes que as sete da noite. A sobremesa foi comprada
pensando em mim, tudo estava além do delicioso e Colton se
esforçou demais em tudo hoje, porque está tentando me agradar.
Quero dizer a ele que não é preciso fazer isso, porque não preciso
ser agradada para estar aqui, estou aqui com ele porque quero.
É a verdade, porém ele sabe, assim como eu, que é
diferente. Não é tão simples. Porque estava tudo perfeito, mas
lembrei de Michael em diversos momentos, o que é horrível da
minha parte. Não compreendo bem o porquê Colton simplesmente
aceitou sair de sentimentos turbulentos com uma ex-namorada para
agora entrar em algo com alguém que saiu de algo confuso de
modo geral.
Nunca quis ser essa garota, sempre gostei de ser mais
descomplicada, não ter um passado que assustasse, mesmo com
tudo o que passou. Sempre preferi meu lugar tranquilo a qualquer
histórico turbulento e nem mesmo sei se posso encaixar o que
Michael e eu tivemos como um passado, porque tão breve
começamos, parece que tudo se findou. O que me faz ficar com um
ódio ainda maior de toda a situação.
Mal parecemos ter mais de dezesseis anos quando me
lembro das duas discussões que tivemos, porque ambas foram
muito bobas, sem sentido algum e quase uma disputa de egos. Não
gosto de pensar nessa última opção porque é mentira, não tenho
um ego grande, não senti tudo isso como uma disputa de quem saia
por cima e quem saia por baixo, simplesmente não iria ficar
insistindo todas as vezes para que me escutasse quando ele
claramente não queria fazer isso.
Depois de algum tempo, analisando toda a situação com
Logan percebi que, de certa forma, foi minha culpa por insistir tanto
em alguém que já tinha deixado claro que não me queria. Talvez se
eu tivesse me afastado quando fui percebendo isso, teria me
magoado menos. Aprendi pensando sobre toda essa história que
quanto mais a gente insiste em alguém que não quer algo, mais
seremos os únicos a saírem chateados.
Se Michael não quer me escutar, não quer tentar conversar
como duas pessoas adultas que somos, se não quer compreender
as coisas como são, então não ficarei indo todas as vezes atrás
dele, ainda que eu queira.
Deixo o garfo escorregar e cair ao lado do prato, levantando o
olhar para Colton. Não é justo com ele que eu esteja sentada aqui,
preenchida por pensamentos sobre Michael quando ele merece
mais da minha atenção.
“Acho que eu deveria ir embora”, digo, e vejo a ruga se
formar entre suas sobrancelhas. É sexta-feira e provavelmente os
planos se estenderiam ainda mais adentro na noite. Eu queria
conseguir ficar, porém acho que seja melhor eu ir, talvez esfriar a
cabeça em casa e esperar atividades sexuais mais baixas do meu
vizinho hoje.
“Beatrice…” Colton passa os dedos compridos pelos fios
ruivos que me chamaram atenção desde o primeiro dia.
Ele é bonito, com os olhos castanhos, as sobrancelhas
grossas e bem desenhadas num tom mais escuro que os cabelos,
os fios vermelhos sempre bem penteados em uma espécie de
topete bagunçado. Colton também tem um corpo bonito, braços
fortes, pernas bem torneadas, uma barriga que aponta o esforço
que ele tem na academia, apesar de não aparentar ser tão
musculoso como Michael, mas talvez seja pelo estilo mais
despojado de Colton, que contrasta com o advogado engomadinho.
Novamente, aqui estou eu fazendo essas comparações muito
infelizes.
Eles são pessoas completamente opostas, tanto fisicamente
quanto no que diz respeito a personalidade. Colton é mais falante,
mais comunicativo, assim como eu. Sempre tem alguma piada na
ponta da língua para me fazer rir, o tempo todo é descontraído e tem
menos preocupações na mente, o que faz com que ele não se
importe de ouvir as minhas por um bom tempo.
Além disso, apesar de não poder dizer que Michael é uma
pessoa estressada, Colton supera qualquer pessoa com sua
calmaria. Nada parece conseguir abalá-lo muito, tudo pode ser
resolvido tranquilamente e ele sempre está disposto a ouvir o que
alguém tem a dizer. Não sou tão diferente disso, porém as vezes me
pego quase irritada com tamanha calma. Não sou impaciente, mas
gosto de soluções mais urgentes.
Colton tem uma vida mais tranquila, é um professor e tem
alunas o suficiente mega curiosas em suas aulas, mas ele finge não
ver para não acabar dando qualquer ideia errada. É um profissional
perfeito e suas coisas parecem estar sempre em dia, o que eu
invejo de certa forma. Sua organização não é metódica e ele não
tem a necessidade do controle, só acaba conseguindo tudo isso
sem precisar pensar muito.
Ele é uma pessoa incrível que não merece que eu fique aqui,
sentada na sua frente, pensando em um cara muito babaca e
fazendo comparações. Porém, infelizmente, não posso fazer muito a
respeito, porque não controlo meus pensamentos e ainda sinto algo
muito forte por Michael.
“Você está bem?”, ele pergunta. “Passou a noite estranha.
Achei que a ideia de um jantar fosse ser interessante para te fazer
pensar menos. Talvez eu tenha errado.”
Suspiro fundo, porque me sinto um pouco mal por estragar
nossa noite, mesmo que não tenha sido minha intenção.
“Só estou um pouco cansada”, minto, e ele me dá um aceno.
“Desculpa não ter sido a melhor companhia hoje.”
“Você mente meio mal, e não foi uma companhia tão ruim. Só
está um pouco aérea aos assuntos, tudo bem.” Colton levanta os
ombros e percebo que faz o seu melhor para não parecer chateado.
“É… ele?” Torço o nariz e ele solta um riso baixo pela minha
expressão. “Se falaram de novo?”
“Não precisamos ficar falando disso.”
“Mas se quiser, pode falar. Não vou simplesmente surtar por
causa disso. Além de qualquer coisa, vocês também eram amigos,
então são meio que duas perdas em uma.” Colton respira fundo e se
inclina para frente na mesa, alcançando minha mão. “Beatrice, eu
gosto de você, mas sou realista. Não consigo fingir que estaria
comigo se ele ainda estivesse na jogada, além disso, também não
posso fingir que não percebo como toda essa confusão entre vocês
dois te chateou.”
“Desculpa, isso não deve ser uma situação muito legal.”
Aperto sua mão.
“Sempre fomos honestos um com o outro, não?” Confirmo
com a cabeça. “Se não quisesse estar aqui, falaria, e espero que
você também se sinta assim. Não é uma obrigação, e não precisa
ser algo… sério. Quer dizer, adoro sua companhia, de qualquer
forma, então se só quiser um amigo, acho que consigo ficar só
nessa área. Pode ser meio difícil, você sabe ser bonita e muito
atraente, mas faço meus esforços”, ele brinca por fim, me fazendo
rir um pouco mais animada. “Estou falando sério.”
“Eu sei que está, e sei que somos honestos e estou aqui
porque quero, não duvide disso.” Talvez só seja ainda cedo demais,
porém não completo isso para ele. É um pequeno dilema que eu
preciso resolver comigo mesma.
Nunca tive problemas em entrar e sair de infinitos encontros e
pequenos casos, mas talvez fosse pelo fato que nenhum deles era
promissor, nenhum deles aparentava ser algo além do passageiro.
Colton e Michael foram dois caras bem duradouros, os mais
duradouros em um bom tempo.
Ele segura nossas mãos juntas e traz até seus lábios,
depositando um beijo no dorso da minha.
“Gosto da nossa dinâmica, desculpe por estar sendo tão…
aérea.” Uso as palavras dele.
“Não se desculpe tanto, Beatrice. Ainda mais quando não
precisa se desculpar.” Colton solta minha mão de volta na mesa.
“Está tudo bem, de verdade.”
Pressiono os lábios juntos, porque mesmo sabendo que ele
tem razão, não tira a culpa que tenho no peito. Gostaria de
conseguir aproveitar melhor esse momento. O silêncio se acomoda
um pouco entre nós.
“Acho que vou mesmo embora.”
“Ok”, ele me responde, e me acompanha quando levanto.
Pego minhas coisas no sofá da sala e caminho até a porta.
Ele já me espera com um olhar paciente e um sorriso gentil nos
lábios. Me aproximo, abraçando sua cintura com uma das mãos e
Colton segura meu rosto, me inclino até que meus lábios estejam
nos dele e seu beijo calmo me deixa mais tranquila. Sei que está
tudo bem, mas gosto desse gesto, como se confirmasse tudo.
“Me avise a hora que chegar”, ele sussurra contra meus
lábios. Dou um aceno com a cabeça.
“Passo aqui domingo, depois que eu sair da Callie, pode ser?
Prometo ser uma companhia melhor”, digo, me afastando dele e
vendo seu sorriso crescer grande no rosto.
“Irei selecionar os melhores piores filmes para assistirmos.”
“Seu gosto é mesmo duvidoso”, brinco, tocando na
maçaneta. “Obrigada por hoje.”
“Sempre a disposição pra você.” Colton pisca, estalando um
beijo na minha testa antes de me deixar sair.
Quando a porta se fecha atrás de mim, respiro fundo, mas o
peso não deixa meus ombros ainda que eu tente com todas minhas
forças.
 

 
Sei que estou correndo mais rápido que o habitual. Tenho
descontado um pouco da minha frustração na academia de um jeito
que eu acho que Michael até ficaria orgulhoso e grunho estressada
por trazer ele, novamente, aos meus pensamentos. Mas, ainda
assim, tenho me esforçado além do que tenho costume, porque tem
sido uma boa fuga de tudo. Quanto mais me entorpeço com a
endorfina, mais esqueço sobre como as coisas simplesmente
viraram de ponta cabeça nos últimos tempos.
Amanhã faz três semanas desde que Michael saiu do meu
apartamento batendo portas e falando asneiras e desde então muito
mudou. Paramos de nos falar completamente e mal o vejo além de
relapsos de quando um sai pelo elevador e o outro está entrando
pela porta ou algo assim. Não trocamos nenhuma palavra e o
máximo que tenho dele são grunhidos e sons estressados vindos
das suas paredes.
Não sei ao certo como me sinto sobre isso. Acho que na
maior parte do tempo que penso sobre o assunto, me sinto
estressada, porque tudo não passa de um grande mal-entendido e
de atitudes infantis, que não fui eu quem causei e por esse motivo
não tento consertar. Não posso ficar dando-lhe o mérito de parecer
certo e só esperar até a próxima situação como essa aparecer de
novo.
Ele precisa se dar conta sozinho.
São esses pensamentos me deixam ainda mais estressada a
ponto de aumentar dois níveis da esteira.
Estou em uma quase corrida quando deveria estar
desacelerando, começando a relaxar meus músculos porque já fiz
todo o meu treino. Entretanto, sinto cada vez mais ânimo para
seguir aqui, mesmo sabendo que deveria correr porta afora antes
que qualquer tragédia ocorra.
É segunda fim de tarde e, por causa do feriado de quatro de
julho amanhã, preferi ir mais cedo para a revista, adiantar algumas
coisas dessa semana, vindo para a academia só no fim do dia. O
que não é meu habitual, então estou com receio de encontrar quem
não quero. Começo a desacelerar a esteira, voltando a um trote
antes de colocar uma velocidade para caminhada.
Estou prestes a sair do aparelho quando percebo que quase
chamei o acontecimento. Meus olhos param na porta e preciso de
bastante esforço para forçar minhas pernas a seguirem
funcionando, forçá-las a não me deixar cair como uma boba bem
aqui. Provavelmente, Michael não faria nada sobre o assunto.
Seus olhos me encontram quando sua mão abre a porta e
percebo que ele pensa demais, parado ali. Noto o pequeno passo
que ele dá para trás e reviro os olhos, apertando o botão vermelho e
parando a esteira de súbito.
“Não precisa se preocupar. Eu já estava de saída”, falo alto o
suficiente e em um tom que provavelmente denota minha chateação
com a atitude que ele estava prestes a tomar. “Não precisa sair
correndo como se minha presença fosse extremamente tóxica para
você, Michael. A academia é toda sua!”, prossigo, saindo do
aparelho e indo até o banco lateral, onde deixei minha chave, uma
toalhinha, meu celular e a garrafa de água.
Seus olhos queimam através da minha pele e suspiro,
frustrada, com sua falta de resposta mínima. Se esse inferno de
homem ainda fosse, pelo menos, menos bonito, poderia ser mais
fácil. Mas ele precisa ser lindo, atraente e um grande espécime
masculino, para não falar palavras obscenas demais, com uma
regata comum cinza e um short de malha preto. Ele nem mesmo
parece precisar se esforçar e isso é irritante.
O silêncio parece crescer dentro do ambiente enquanto pego
todas minhas coisas e me viro de frente para Michael, que segue
me observando com o rosto impassível. Noto, por conhecê-lo ou ao
menos acreditar nisso, que ele quer falar algo, as palavras
provavelmente coçam sua garganta, mas nada sai. Pressiono meus
lábios e dou um aceno, mostrando minha insatisfação com ele de
forma ainda mais clara.
Nunca odiei sua falta de palavras, sempre o compreendi
nesse ponto, mas hoje me toca onde dói, porque toca bem onde
percebo que isso é insignificante para ele. Me direcionar qualquer
palavra, tentar rebater o que disse, é pouco importante para ele. E
isso infelizmente me dói mais do que gostaria, porque me sinto
afetada com sua presença, com a mera menção do seu nome, com
os pensamentos sobre ele, sobre os pensamentos do que fizemos
juntos.
Gostaria de estar falando só sobre o toque quente, os beijos
lascivos e o sexo gostoso. Mas também penso sobre as conversas
bobas jogadas no meu sofá ou no dele, sobre os momentos quando
perguntas sem sentido foram feitas na cama, enroscados um no
outro, sobre minha longa descrição do meu dia enquanto ele
preparava algo para o jantar e me escutava com atenção. É sobre
bem mais do que só o carnal, gostaria que fosse só isso, porque
talvez fosse menos dolorido, mais fácil de esquecer.
Ele segura a porta para que eu passe, conseguindo manter
uma boa distância de mim assim.
“Beatrice…”, sua voz me chama e eu prontamente me viro,
esperando qualquer coisa.
Mas não vem, e eu espero mais do que deveria. Porque
quero, com todas as minhas forças, que haja uma continuação, que
seu olhar seja mesmo um olhar sofrido e que isso não seja só
invenção da minha cabeça, porque espero um pedido de desculpas,
qualquer coisa, qualquer tentativa de ver nele que ainda se importa
um pouco, que ainda deseja algo.
Mas não vem, e eu espero mesmo mais do que deveria antes
de morder a parte interna da mina bochecha com tanta força que
quase sinto o gosto metálico do sangue, dando um aceno com a
cabeça. Dou mais um passo à frente e sua mão escorrega para o
meu pulso, não aplicando muita força, mas estanco no lugar, com
seu toque me causando arrepios. Odeio a fraqueza que sei que
transparece em meu olhar.
“Vai dizer algo ou ficaremos nisso? Estou mesmo ansiosa
para ver se tem algo a me dizer”, consigo falar, buscando forças do
fundo de toda minha dignidade e ainda assim soando meio falha,
com a voz trêmula. Seus dedos seguem em minha pele por mais
alguns instantes antes que ele me solte, em silêncio, e dá um passo
para trás. “Acho que não deveria ficar chocada com isso”, é o que
falo antes de sair de vez da academia, ignorando qualquer tentativa
de pegar o elevador demorado e descendo o andar faltante até o
térreo pelas escadas de emergência.
Não escuto nenhum som atrás de mim e tento não ficar tão
decepcionada quando saio pela porta do prédio, dando um sorriso
amarelo para nosso porteiro confuso. Bem provável que seja a
primeira vez que ele me veja desarrumada, mas não me importo, só
sigo andando em passadas largas, sem me dar conta de onde estou
indo ou me incomodando com trombadas nos turistas e
novaiorquinos apressados até parar na frente do prédio alto de
Callista.
Respiro fundo, recuperando meu fôlego e desbloqueio meu
celular, discando o número da minha melhor amiga e tentando
parecer bem no meu tom de voz enquanto espero ela atender.
“Bea?” Sua voz é carregada de estranheza e preocupação.
“Oie… hum, está em casa?” Provavelmente sim, porque
amanhã é feriado e provavelmente já está com Belle se preparando
para o Quatro de Julho.
“Sim, cheguei faz pouco tempo. Por quê? Tá tudo bem?”
“Tá… Pode abrir a porta aqui de baixo para mim? Estou na
portaria.”
“Perdeu sua chave mais uma vez?”, ela questiona, e eu
escuto os seus passos antes do barulho alto da porta sendo aberta.
“Não exatamente, só sai meio… às pressas.”
“Beatrice, aconteceu alguma coisa? Está me preocupando.”
“Já estou entrando no elevador. Podemos conversar quando
eu subir aí?” Talvez até chegar no andar de Callie eu consiga pensar
no que falar para explicar o porquê corri até aqui ao invés de voltar
ao meu apartamento.
Talvez seja minha pequena fúria em relação ao não diálogo
que tive com Michael.
“Ok”, ela responde no momento em que as portas do
elevador se abrem e desligo a ligação, pressionando no botão para
o seu andar.
Me encosto na parede do elevador pensando que essa foi
uma péssima coisa a se fazer, porque estou levemente suada agora
e queria mais do que tudo um bom banho, porém agora irei
conversar com Callie, repetir mais um encontro sem sentido para
ouvir seus conselhos, provavelmente iguais os últimos. Espero que
minha melhor amiga não esteja se cansando de mim com toda essa
história.
Ela me espera apoiada ao batente da porta do seu
apartamento e é a primeira coisa que vejo quando as portas se
abrem na minha frente. Callie está com um roupão fofo azul-
marinho, e essa cor fica bonita nela. Quando me aproximo, pego
algumas gotas de água ainda presas em sua pele negra, no
pescoço e colo onde o roupão está mais aberto. Meu olhar diz
muito, porque a primeira coisa que ela fala quando me acompanha
para dentro é:
“Estava sentada no sofá. Não me tirou no meio do meu
banho com uma ligação”, ela explica, fechando a porta atrás de si.
Belle está de pijama já, sentada no tapete enquanto pinta alguma
folha em cima da mesa de centro da sala. “Acredito que não sentiu
uma súbita saudade, principalmente porque vamos almoçar juntas
amanhã. O que aconteceu? Michael?” Como se eu conseguisse ser
menos óbvia.
“Me sinto péssima”, admito, sentando ao seu lado no sofá e
deixando o seu cheiro de limpeza, um sabonete floral e seu
delicioso xampu de frutas vermelhas, me acalmar.
Callista não é uma pessoa sempre calma, ninguém é, mas
ela consegue ser na linha o suficiente para que um olhar nela me
faça ficar melhor. Talvez seja também é efeito que uma pessoa
como ela, com uma amizade tão forte como a que temos, tem em
mim.
“Por quê?”
“Por muitos motivos”, falo de primeira, olhando para ela, que
me espera elaborar um pouco mais. “Por sempre pensar em
Michael, mesmo estando com alguém incrível como Colton, por me
afetar por causa dele, por não conseguir simplesmente fingir
indiferença, como ele finge. Por não conseguir seguir em frente.” Me
acomodo de lado no sofá, ficando mais de frente para ela. “Isso
sempre foi muito fácil para mim.”
“Não compare as situações, nada é igual. Nenhum outro
relacionamento que teve foi como o que tem com Colton ou o que
teve com Michael. Cada pessoa desencadeia na gente uma reação
diferente. Além disso, as coisas acabaram complicadas, pode ser
que tenha uma grande mágoa que a impeça de simplesmente
esquecê-lo sem mais.” Ela levanta os ombros, mas sabe que não é
só isso, assim como eu. “Olha, Bea, pare de se cobrar. Está, sim, se
cobrando que o esqueça o mais rápido possível. Sei que vai me
dizer que já passou um bom tempo, mas não é motivo. Se permita
ficar chateada, fique o mais puta que quiser por causa das
infantilidades dele, por Michael ter estragado tudo entre vocês sem
nem ao menos dar a chance de serem algo de verdade. Pare de
querer fingir que tá tudo bem. Isso também não impede você de
aproveitar o momento com Colton, e até ele parece compreender
isso de uma forma que você não quer compreender.”
Solto um longo suspiro, que chama a atenção de Isabelle.
Ganho um sorriso da minha afilhada e sorrio de volta da melhor
forma que posso.
“Não quero apressar as coisas, só estou cansada de tudo dar
errado na minha vida. Quero aproveitar as coisas que estão dando
certo, mesmo que tudo possa acabar amanhã. Acho injusto não
conseguir ser melhor que isso. Talvez eu devesse…”
“Aproveitar um pouco mais, pensar menos, seguir com Colton
porque você gosta dele, sim”, ela finaliza por mim, sabendo que diria
tudo ao contrário. Reviro os olhos, escorregando no sofá me
sentindo frustrada e começando a me acostumar com essa
sensação. “Eu sei que é verdade, que gosta dele, da companhia
dele. Colton não está te pedindo em casamento, Bea. Se acha que
pode estar com ele sem usá-lo como uma muleta, não termine tudo.
Ainda pensava no dito cujo até meu terceiro ou quarto envolvimento
depois que ele foi embora, não podia evitar. O amei muito, ele é o
pai da minha filha, mas eu queria seguir em frente. Não podia
estancar a cada pensamento, achando que isso significava que
nunca o esqueceria”, sua voz é sussurrada, como se temesse que
Belle compreendesse demais da nossa conversa. Callie quase não
fala do ex-noivo.
“Entendi, entendi”, falo como uma adolescente emburrada.
“Só está colocando muita pressão em si. Relaxe, deixe as
coisas acontecerem e, quem sabe, logo tudo isso passa. Ainda está
muito chateada por causa da forma como as coisas acabaram, sei
disso e entendo, então pode ser por esse motivo que ele ainda está
tão… presente na sua vida, nos seus pensamentos.” Ela se levanta
do sofá, abaixando para deixar um beijo no topo da cabeça de
Isabelle. “Só tente… viver o que está acontecendo na sua vida
agora, e não só se lamentar pelo que não está acontecendo.”
Dou um aceno com a cabeça, observando o máximo que
meus olhos alcançam enquanto ela caminha até o corredor dos
quartos.
“Quando virou tão boa em conselhos?”, brinco, tentando
aliviar a tensão e querendo seguir o que ela disse, aproveitar o
momento, esquecer o que aconteceu há pouco.
“Eu sempre fui, mas acho que nunca precisou de tantos
conselhos bons antes. Estava esperando meu momento de brilhar”,
seu tom é debochado mesmo a distância, e ela demora pouco mais
de dois minutos para se vestir e voltar caminhando pelo corredor.
“Agora, apesar de não aprovar toda essa roupa fitness e esse estilo
de vida cansativo que tem levado, vou aceitá-la na minha casa se
me acompanhar em algumas taças de vinho.”
“Não é um estilo de vida cansativo, deveria tentar. E aceito o
vinho.” Levanto, seguindo-a até a cozinha.
“Seja mãe e descubra que isso pode ser exercício o
suficiente para se manter em forma.” Ela pisca para mim. “Branco
ou tinto?”
“Branco.” Escolho depois de fingir pensar por algum tempo.
“Ótima escolha, tenho um estoque bom dele para uma
bebedeira de corações partidos.”
“Não estou com o coração partido”, retruco, e ela rir, pegando
as taças.
“Aproveite o momento, não se amargure pelas coisas que
não pode mudar, não se magoe tanto pelas coisas do passado e
não finja que não teve um coração partido.” Ela lista nos dedos seus
conselhos. “Acho que minha cota de bons conselhos estourou por
hoje, então, por favor, os cumpra.”
“Anotado, senhorita. Prometo dar o meu melhor!”
“Não espero nada menos que isso”, Callie finaliza nossa
brincadeira, me dando uma piscadela e despejando uma boa
quantidade de vinho branco nas duas taças.
 

 
EXISTEM ALGUNS DIAS A GENTE ACORDA sabendo que tudo
dará errado. E como se o universo não quisesse me desapontar, na
terça-feira, uma semana após o Quatro de Julho, tudo que poderia
dar errado, deu.
Podemos começar pelo fato que meu despertador não tocou,
por causa de uma infeliz atualização do sistema do meu celular. Não
tomei café da manhã, o ar-condicionado do meu carro resolveu
parar de funcionar, peguei um cappuccino e um muffin em uma
padaria perto do trabalho e, adivinhe, me banhei com a bebida
enquanto entrava no elevador do prédio.
Como se o começo da minha manhã não estivesse terrível o
suficiente, duas entrevistas desmarcaram e pediram para entrarmos
em contato só semana que vem. Eram as matérias quentes dessa
semana. Meu computador resolveu que é o melhor momento para
travar e o mecânico me mandou mensagem sugerindo outras duas
coisas a serem melhoradas no meu carro ou poderia simplesmente
sofrer um acidente por causa da minha falta de cuidado com o
veículo
Tomei, sim, uma bronca do mecânico. Em minha defesa, o
meu tempo é curto.
Continuando a sessão de coisas ruins, um dos funcionários
ficou doente e preferi que ficasse em casa, porque trabalhar doente
só o faria piorar. Mas isso nem foi uma grande coisa, podemos
sobreviver a uma terça-feira com um funcionário a menos.
Cheguei a cogitar que as coisas melhorariam próximo as dez
da manhã. Estava bem enganada e percebo isso agora, quando
belisco meu almoço e o nome de Ashley brilha na tela. Ashley é a
filha da cozinheira da casa da minha avó, e uma ótima menina.
Sempre se manteve por perto e é parte de uma das duas famílias
que mora na propriedade. Meu avô sempre achou que ela teria um
ótimo sucesso como escritora, já que amou os livros desde a
primeira vez que tocou em um.
O problema é que Ashley nunca me liga. Temos o número
uma da outra e ela faz parte da minha lista de mensagens de feliz
aniversário, feliz Natal e feliz Ano Novo. Mas não nos falamos além
disso, ou quando estou na casa de vovó. Por esse motivo, meu
coração aperta quando atendo a ligação, colocando o celular no
ouvido.
“Ashley?”, digo assim que atendo.
“Oi… hum, Beatrice.” Ela parece um pouco afobada.
“Tá tudo bem?”
“Ela vai me matar quando ficar sabendo disso, mas precisei
te ligar… a senhora Oakles não tá bem.”
“O que aconteceu?”, atropelo suas palavras com as minhas,
me exaltando e quase derrubando meu almoço por toda minha
mesa.
“Fique calma, ela já está sendo cuidada no hospital.”
“Hospital?” Minha voz fica estridente.
“Ela teve um mal súbito. Os médicos acham que pode ter
sido um pré-infarto. Mas já viemos para o hospital da região. Acham
estranho, porque ela é muito saudável, mas não entendo muito
dessas coisas.” Ashley mantém a voz calma e acho que isso me
ajuda a ficar um pouco mais calma também. “Queria te avisar. Sei
que ela vai odiar quando souber, mas mesmo tendo a todos nós,
você é quem é a neta dela, e talvez fosse importante saber. Tentei
ligar para Katherine e sua tia, nenhuma das duas aceitou minhas
chamadas.” Tento não ficar um pouco irritada por não ela não ter
ligado para mim primeiro, mas as duas estão mais próximas da
costa do que eu, em uma das residências dos Oakles em mini-férias
de verão.
“Chego antes do fim da tarde”, é o que consigo falar
enquanto meus pensamentos correm a mil. Começo a me levantar e
jogo o resto do meu almoço no lixo.
“Beatrice, não sei se é uma boa ideia. Sua avó vai ficar
chateada comigo e não queria te preocupar, só acho que é
importante alguém saber. Alguém da família.”
“Sim, e fico grata por isso. Agora eu sei e irei ficar com a
minha avó.” Não haveria outra coisa para fazer. Independente de ter
sido algo leve ou não, foi um susto na saúde de ferro de minha avó.
Não me importo. Perdi pessoas o suficiente na minha vida para
simplesmente não fazer de tudo para cuidar da única pessoa com
quem compartilho sangue que ainda é importante demais na minha
vida.
“Beatrice…”
“Por favor, Ashley, não tem porquê tentar me convencer de
outra coisa. Estarei aí até o fim da tarde, passo alguns dias com
vovó, me certifico que tudo estará bem, pronto. Não há porque fazer
alarme sobre isso.
“Ela vai querer me matar.”
“Não mesmo, ela te adora e vai gostar de receber uma visita
minha. Faz um tempo que nós duas não temos um tempo juntas.”
Ashley suspira do outro lada da linha. Faço o mesmo, relaxando os
ombros por alguns instantes. Tiro a pequena agitação que se
formou em mim e, segurando o telefone junto a orelha, começo a
desligar meu computador e guardar minhas coisas. “Agora, por
favor, me conte tudo direito.”
“Foi rápido demais. Todos estávamos na sala de estar,
porque sua avó quis porque quis mostrar a todos os funcionários da
casa que estavam no momento um vídeo do casamento dos seus
pais. Ninguém entendeu, é claro. E então ela ficou estranha, estava
gelada e com falta de ar. Minha mãe chamou a ambulância mesmo
que sua avó relutasse, quando chegamos no hospital, o médico
ficou feliz que fomos.”
“Isso não parece um simples susto, ou não estaria ainda por
aí.”
“Er…”
“Ashley!” Meu peito aperta, sabendo que há muito mais do
que ela pretendia contar para mim.
“Ela está descansando. O médico deu a ela alguns
calmantes, eu acho. Minha mãe sabe melhor que eu. Mas foi algo…
forte. Se ela estivesse sozinha, por muito tempo, talvez tivesse…” A
frase morre no meio e não preciso de continuação. Com a idade
avançada, sabe-se lá o que poderia acontecer caso vovó tenha um
infarto. “Foi um grande susto, mas ela está bem. Provavelmente, foi
uma daquelas coisas que acontecem sem ter porquê, uma única
vez.”
“Espero que sim.” Porque não posso perder minha avó. Não
posso mesmo.
Sei que um dia ela irá morrer, e esse é meu maior medo
desde que meus pais morreram, mas ainda assim espero que
demore mais alguns bons anos até isso acontecer. Porque preciso
dela aqui comigo por mais anos, pelo menos mais uns dez. Não sei
ao certo o que será de mim se ela se for. Me sentirei sem família,
porque minha tia ou Katherine nunca serão o que ela e vovô são e
foram para mim ao longo desses anos depois que meus pais
morreram. Eles me fizeram o que eu sou, de certa forma. Minha avó
me ensinou basicamente tudo o que sei sobre o amor, porque meus
pais se foram cedo demais para me aconselhar sobre como homens
podem quebrar seu coração e ir embora como se não se
importassem.
Preciso da minha avó porque mais da metade das minhas
lembranças boas da vida estão relacionadas a ela, e preciso que
tudo siga assim. Quero que ela me veja ficar perdidamente
apaixonada por alguém, de uma forma genuína e boa, que me dê
conselhos sobre a vida e fale sobre querer bisnetos, quero que ela
me fale sobre casamento e quem sabe me dê conselhos. Preciso
dela por muitos anos.
O pensamento de qualquer dano ser causado a pessoa mais
coração aberto que já conheci na vida dói fundo no meu peito, na
minha alma.
“Te vejo no fim da tarde?” Ashley corta o silêncio que se
colocou entre nós na ligação.
“Por favor, peça para que arrumem a suíte ao lado da de
minha avó. Quero ficar por perto.”
“Ok. Te esperamos.”
“Até mais tarde.”
Jogo o celular na bolsa grande, checando minha sala uma
última vez antes de desligar a luz e encostar a porta. Paro de frente
aos pequenos espaços divididos que são feitos para dar uma melhor
privacidade para cada um trabalhar e vários pares de olhos se viram
para mim.
“Beatrice?”, meu assistente pergunta, se levantando para se
colocar ao meu lado.
“Viagem de última hora. Aconteceram algumas coisas e
ficarei até o fim da semana com minha avó, em Rhode Island. Sei
que é repentino, mas preciso fazer isso. Cody ficará orientando
vocês e Chloe também sabe mais do que eu sobre tudo.” É uma
mentira, mesmo que a minha editora-chefe seja uma pessoa muito
por dentro de tudo, ela não sabe mais que eu. Ninguém sabe mais
do que eu sobre minha revista, e sou orgulhosa de ser uma chefe
antenada. Meu assistente também é uma ótima pessoa para deixar
no comando. “Estarei trabalhando de lá, mas preciso ir.”
Todos me olham com certa apreensão. Chloe se levanta,
ficando ao meu lado e enlaçando seu braço no meu. Ela estampa
um sorriso bem mais confiante e brilhante que o meu, mas não
consigo esboçar nada brilhante enquanto a preocupação me atinge
com força e só quero voar pela estrada até a mansão Oakles.
“Vamos manter tudo em ordem. Temos uma agenda lotada
para a semana, muito trabalho a ser feito e dois ensaios essa tarde.
Espero que todos já estejam com suas pautas em mãos e com elas
bem trabalhadas”, Chloe fala, são ordens simpáticas e todos dão
acenos. Ela dispensa todo mundo com um aceno de mão e um
sorriso. “Tudo ficará em ordem, não se preocupe. Pode sempre ligar
se precisar de mais tempo, espero que tudo esteja bem.”
Sou o pior tipo de workaholic possível, porque os olhos dela
dizem muito sobre a preocupação que sente. Nunca viajaria de
súbito se não fosse uma situação realmente complicada e
necessária, muito menos sairia sem antes checar, redator por
redator, cada jornalista, fotografo e designer ali, se as pautas e listas
deles para o resto da semana estão corretas, se tudo está em
ordem.
Ao invés disso, simplesmente estou indo, sem muitas
explicações. O que mostra que muito pode estar em jogo para
minha saída às pressas.
“Tudo vai ficar”, digo, me desvencilhando dela e dando um
sorriso pequeno. Chloe respira fundo e acena antes de cruzar os
braços. Sei que ela me observa enquanto caminho até o elevador.
Quando aperto o botão para descer com mais força que o
necessário, desejando que isso faça com que ele me leve
diretamente até minha avó, não sinto nenhum remorso por largar o
trabalho e sei que isso não é somente uma super preocupação. Isso
parece algum sinal estranho.
 

 
“Sabe, me sinto orgulhosa de te ver assim. Mas por um bom
tempo, não achei que seguiria esse rumo”, minha avó diz, parando
no batente da divisória da sala de estar com o grande hall do andar
de baixo da mansão.
Ela se enrola ainda mais no roupão de algodão comprido e
olho no relógio do computador. É tarde e vovó deveria estar na
cama. Ao invés disso, ela dá passos em minha direção, sentando ao
meu lado no sofá. Esses pequenos momentos, onde ela deixa os
cabelos grisalhos caírem na altura dos ombros, que se enrola em
roupas simples, percebo que ela está mais magra que o habitual,
que parece ainda mais frágil.
Espero que seja só meu cuidado extra com ela nos últimos
dias e não nada além disso.
“O que quer dizer?” Salvo o arquivo e fecho o laptop,
colocando-o na mesa de centro.
“Quando você seguia seu avô de um lado para o outro, até
víamos o quanto amava todo esse mundo, mas não achamos que
duraria. Apesar dele querer muito que fosse você quem assumisse a
empresa, cogitamos que não fosse o que iria ser, entende?” Ela
segura minha mão entre as suas. “Talvez fosse desejar outra coisa
para sua vida, que fosse querer sair desse mundo.”
“Acho que nunca me vi fazendo qualquer outra coisa.”
Levanto os ombros.
“Mas é o que sempre quis?”, minha avó indaga com um leve
tom sugestivo, arqueando uma sobrancelha em minha direção.
Sorrio para ela, sem compreender sobre o que, exatamente, essa
pergunta se trata.
“É meio óbvio que sim, não é?”, retruco.
“Nem sempre tudo que é óbvio, é o correto. Sempre desejou
a carreira que tem hoje?”
“Nunca me vi fazendo nada além disso”, repito. Viro melhor
no sofá, sentando de lado para ver melhor minha avó. “Sempre
adorei seguir meu avô por aí, isso é um sentimento genuíno. Acho
que não seria tão feliz como sou hoje, se estivesse fazendo outra
coisa. A editora é tudo o que mais amo, a Ex-Plain é tudo o que
sonhei em ter para mim, tem a minha cara, minha personalidade.
Sei que não sou engajada o suficiente com a companhia de forma
geral, mas tento ficar por dentro de tudo.”
“Não foi uma cobrança.”
“Sei que não.” Coloco minha mão em cima das suas, que
acariciam a minha. “É só realmente nunca me vi em nenhuma outra
profissão. Sempre amei a escrita, a investigação, a criação e a
descoberta de novas histórias, amo ser uma jornalista e amo
comandar a revista, acima de tudo. Sei como a editora, de forma
geral, é algo importante, e adoro me envolver nas coisas de todas
as revistas e do jornal, mas a Ex-Plain é mais do que poderia
sonhar, sabe disso.”
“É, eu sei. Mas as vezes sempre é bom garantir.” Vovó
levanta os ombros.
“Está bem? Não te vejo acordada até tão tarde assim desde
nunca.” Porque o sono dela sempre foi bem regulado e qualquer
sinal estranho me faz ficar em alerta.
Ela saiu do hospital no mesmo dia que deu entrada, algumas
horas depois que Ashley me ligou. Quando cheguei na propriedade,
vovó já estava bem acomodada de novo em seu quarto, tirando sua
propícia soneca da tarde. Todos tentavam ao máximo não
parecerem alarmados com a situação, mas todos estamos
preocupados com a situação. Não tem como negar isso. Percebo a
forma como os funcionários vêm sendo mais cuidadosos com tudo,
querendo se certificar constantemente como minha avó está.
Claro que isso a irrita.
Ela simplesmente odeia o fato de parecer cercada de um
bando de enfermeiros chatos, palavras dela, não minhas.
Ainda assim, preferi ficar mais alguns dias, só para ter
certeza que nada mais vai acontecer. Ela me fez prometer que irei
embora no domingo e ainda não estou totalmente convencida que
devo, mas prometi.
“Dormi a tarde inteira, Bea, esse corpo não aguenta mais
dormir”, ela retruca em seu tom habitual, me repreendendo com a
carranca que só vovó tem. “Quero aproveitar, minimamente, minha
neta estar em casa. Não é uma reclamação, mas não é sempre que
tira um tempo para vir me visitar, quero aproveitar isso.”
“Prometo mudar essas estatísticas. Deveria ter percebido que
tenho passado pouco tempo aqui, mas com…”
“O trabalho e seu namorado, fica complicado. Novamente,
não foi uma reclamação, Bea. Pelo menos, você ainda liga.” Vovó
suspira, sei que ela fala de Katherine e minha tia. Não que isso me
faça sentir melhor, porque queria ter mesmo percebido que tenho
sido relapsa com ela.
Sempre fui de visitá-la pelo menos uma vez por mês, passar
três dias ou mais. Sempre amei nossos programas, as sessões de
confeitaria, quando ela tenta me ensinar a bordar melhor, quando
assistimos filmes juntas e seus infinitos conselhos muito sábios
sobre a vida. Ela era o braço direito do meu avô, é ótima falando
sobre investimentos e planos, assim como é a melhor conselheira
de relacionamentos da vida, além de saber sempre o que falar sobre
qualquer coisa.
Acabo distraída pelas memórias para me ater a certa parte da
sua fala.
“Não tenho um namorado”, afirmo, meio que tarde demais.
Colton e eu ainda não colocamos limites e não parece muito justo
colocá-lo nessa posição. Não que isso me impeça de falar sobre ele
com minha avó. “Ele é um cara legal, mas estamos indo devagar.
Nos conhecendo melhor e coisas assim.” Levanto os ombros.
“Bem, já faz um tempo que estão juntos, pare de enrolar o
menino. Pela forma como Michael a olha, é bem óbvio que ele
gostaria de namorá-la. Mas vocês, essa nova geração, é enrolada
demais. Não entendo.” Minha avó está presa em seus próprios
pensamentos, me dispensando com um aceno de mão que mal nota
minha boca aberta. “Se o seu avô me olhasse assim, no caso
quando ele me olhou assim, não esperei mais do que duas
semanas. Não queria me fazer de difícil para sempre, ainda mais
com ele sendo um homem tão… atraente.”
“Não estava falando de Michael”, minha voz é baixa e seu
nome quase inaudível quando sai pelos meus lábios.
“Como?”
“Não… Michael e eu não estamos mais nos falando”, explico,
mais alto dessa vez. Vovó se vira para mim com a testa enrugada.
“Nós meio que… brigamos.” Torço no nariz e ela repete o gesto. “Foi
uma coisa boba, na verdade. E posso te garantir que não é nenhum
pouco culpa minha”, esclareço antes de qualquer pergunta. Sinto
uma pequena fúria começando a incendiar meu corpo, lembrando
de toda a situação.
“Quer conversar sobre isso?”, sua pergunta é sincera, sem
pressão. Não quero falar sobre isso, porque todas as vezes que falo
sobre isso, fico ainda mais estressada lembrando de como tudo foi
tão idiota. Entretanto, há algo na minha avó que impende que minha
boca fique calada, por isso começo.
“Tudo estava indo bem, tipo, realmente bem. Achei até que
pudéssemos estar entrando em um relacionamento…”
“Vocês pareciam estar em um há um tempo já”, minha vó
interfere.
“Então quis deixar as coisas claras, para que não houvesse
qualquer mal-entendido sobre nada”, continuo, mas ela segue com
seus comentários baixos.
“Você sempre gosta das coisas bem explicadas.”
“Achei que a melhor forma de fazer isso seria conversando
com ele. Estava errada. Claro, houve todo o caso da mensagem que
chegou no momento errado, mas o ponto não é esse…”
“Que mensagem?”
“Bem…” Arrasto as letras. “Posso ter recebido, no momento
da conversa, uma mensagem do meu ex-ficante, com quem estou
agora, e Michael simplesmente interpretou tudo errado, vovó.” A
irritação começa a subir pelo meu peito. “Colton e eu não estávamos
mais conversando, por acaso ele mandou mensagem naquela
manhã. Sim, voltamos a nos falar e ele é uma ótima companhia,
porém o Michael nem mesmo sabia o que tinha na mensagem, e
preferiu acreditar no próprio surto do que em mim, enquanto eu
tentei explicar.” Ela me dá um aceno, completamente atenta ao que
falo. “Você me conhece, eu não ficaria para sempre implorando para
que ele me escutasse, então achei que a melhor ideia fosse deixá-lo
ir, para que esfriasse a cabeça.”
“E ele esfriou?”
“Acredito que sim, mas não tenho certeza. Uma semana
depois, ele me procurou, porém Colton foi no escritório. Ele estava
de passagem e me mandou uma mensagem se podia me levar um
café. Eu disse que sim. Depois da mensagem fatídica, voltamos a
nos falar. É tranquilo conversar com ele, não que com Michael seja
complicado, mas acho que compreende.” Outro aceno me mostra
que sim, ela compreende. Novamente, acho injusto ficar
comparando os dois. “Michael me viu com Colton e, mais uma vez,
tirou suas próprias conclusões. Não posso insistir para sempre em
alguém que simplesmente não deseja ouvir.”
“Mas…?” Queria que ela não me conhecesse tão bem.
“Mas eu gosto dele. Gostei do nosso tempo juntos. Michael
me fez bem de uma forma que nunca tinha sentido antes, me fez
ficar mais certa sobre mim, sobre meus sentimentos sobre mim
mesma, e me fez, pouco a pouco, me apaixonar por ele, por quem
ele significa na minha vida e todas as mudanças que trouxe. Ele é
tão diferente de mim, mas ao mesmo tempo somos iguais. Consigo
falar com ele coisas que nunca tive coragem de falar antes, sem ser
com você ou com Callista. É como se eu conseguisse me sentir
totalmente livre para ser quem eu sou, todas as facetas de quem
sou.” Meus ombros pesam com a decepção, com toda a frustração
que carrego pelos últimos dias que parecem um borrão tosco. Por
toda a confissão de finalmente colocar para fora o que sinto, sem
tanta irritação, mesmo que ainda haja um pedaço de mim que esteja
furiosa. Na verdade, sinto mais como uma dor no peito, pela falta,
pelos sentimentos que provavelmente nunca serão correspondidos.
“Está sofrendo pela sua ausência”, minha avó constata, e
desejo que seja menos óbvio. “Sinto muito por isso, por ele não
conseguir simplesmente parar e ouvir. Talvez ele não a mereça o
suficiente.”
“Não acho que seja um simples querer. Na última vez que
nos vimos… eu não sei. Sinto como se ele se impedisse de falar
algo, talvez de sentir o que está sentindo. Mas não sei se posso
lidar com isso. Quero ele e gosto dele completamente, todos os
lados e todas as coisas, mas não sei se sou capaz de enfrentar seja
lá o que o esteja impedindo de falar e sentir. Não posso ser essa
pessoa, provavelmente não sou o suficiente para ser a pessoa que
o traz para o lado externo de todos esses sentimentos que ele
guarda.”
Porque eu sei que ele guarda. Conheci Michael e mesmo que
nos momentos que quero odiá-lo, penso que tudo não passou de
invenções da minha cabeça, sei que o conheci o suficiente para
compreender essa parte dele. Michael sente demais e demonstra
nem um terço de tudo. Ele sente muito, porém raramente fala sobre
isso. Só não tive tempo se descobrir que ele não fala por não querer
ou por simplesmente não dar atenção o bastante para seus próprios
sentimentos.
Queria que as coisas fossem mais simples.
“E mesmo com o menino Colton, ainda sente tantas coisas
assim pelo Michael? Talvez devesse… dar um tempo para si, não?”
Seu conselho é, sim, muito certo. Porém não sou boa nisso, gosto
de estar em Colton, não para suprir uma falta de Michael, mas por
gostar dele como ele é, da nossa relação mais descomplicada. Faço
uma careta e minha avó ri. “Acho que entendo.” Suas mãos vêm
para o meu cabelo, me fazendo escorregar mais relaxada no sofá
fofo. Seu cafuné é bom e ficamos assim por um tempo, enquanto
quase me deito em seu colo e ela me deixa sentir como uma
menininha de novo. “Porém está sofrendo pelo Michael.”
É uma constatação, não uma pergunta. Ainda assim, digo:
“Sim. Queria não estar sentindo tanta falta dele, ou não
desejar com tanta força que ele tome juízo e me procure. Quer dizer,
ele me procurou, mas com mensagens evasivas desejando sua
melhora, o que é uma coisa ridícula. Gosto que ele se importe com
você, mas soa como uma mera obrigação que foi cumprida. Regras
de etiqueta e coisas assim.”
“Você respondeu de volta?”
“Da mesma forma evasiva que ele”, retruco, me lembrando
das mensagens e sentindo minha cabeça arder com a lembrança.
Odeio o fato de simplesmente não conseguir deixá-lo ir tão fácil.
“É engraçado, sabe. Gosto, de certa forma, de como está
lidando. Talvez eu fosse sugerir mudanças, mas essa é quem você
é, e fico orgulhosa de ver o quanto você… progrediu no que diz
respeito a relacionamento, Beatrice.” Seu tom é aquele sábio, e
franzo a testa, não conseguindo compreender o que ela quer dizer.
Curiosa para saber sobre o que ela faria.
“O que quer dizer?” Prefiro deixar minha curiosidade só para
mim. As mãos da minha avó param e levanto o rosto. Ela segura ele
com as mãos espalmadas em minhas bochechas.
“A dor é inevitável, sempre iremos sofrer por amarmos
demais, por deixarmos nossos sentimentos aflorados. Isso não é
errado, na verdade é a coisa mais bonita que podemos fazer. Amar
é bonito, o afeto embeleza a vida e as coisas boas são o que
transformam dias. Mas todas as entregas fazem com que a gente
sofra quando tudo vai embora. A dor, por ser humano, é inevitável,
porque se você é um bom ser humano, tem todo esse misto de
emoções descontroladas.” Ela acaricia minhas bochechas, com
seus olhos escuros tão gentis me olhando com atenção. “Mas a
forma como lidamos com a dor é o que importa, é o que fazemos
com ela que mostra nossas reais personalidades, como nosso
caráter foi moldado. Você, por muito tempo, deixou que as pessoas,
principalmente os rapazes de quem gostava, a fizessem de gato e
sapato, sofreu demais por pessoas que não mereciam, tomou
decisões baseada nos outros. Entretanto, agora aprendeu a viver
sua vida, a amar sua vida independente das coisas ao seu redor.
Isso é ótimo.” Ela respira fundo e eu faço o mesmo, tocando suas
mãos que me envolvem o rosto ainda. “Mesmo que você goste
muito dele, não deixou que isso a parasse no tempo.”
“Nem sempre podemos esperar para sempre, ainda mais
sabendo que será uma longa espera. Acho que aprendi com o
tempo que não podemos mudar as pessoas.” Engulo o nó em minha
garganta, porque não quero preocupá-la atoa, chorando sobre um
assunto assim quando muito mais está acontecendo, coisas mais
importantes do meu ponto de vista.
“Não estou tomando lados, mas só não desista tão fácil das
pessoas que significam muito para você. Ainda mais se estiver
incerta sobre querer ou não desistir.” Desvio meus olhos dela, mas
vejo um sorriso de lado brotar em seus lábios.
Não afirmo, e nem preciso afirmar, porque minha avó sabe
que eu não consigo ter total certeza que quero desistir de Michael. É
injusto e me sinto mal por isso, me sinto usando Colton, mesmo que
ele saiba de tudo o que se passa, de todos os meus sentimentos.
Simplesmente não posso fingir e ele parece compreender, de certa
forma, o modo como estamos. Balanço a cabeça, afastando os
pensamentos e alcançando meu celular, checando as horas.
“Acho que deveríamos ir deitar, é tarde demais para estar
acordada”, digo, e ela suspira, entendendo que dei o assunto como
encerrado. Levanto, lhe oferecendo a mão.
“Fique tranquila, querida. Subo sozinha. Acabei te
atrapalhando e sei que não vai dormir tão cedo sem que tudo esteja
feito. É igual seu avô.” Ela me despensa com a mão, ignorando
minha ajuda e caminhando em pequenos passos até a porta. “Mas
não fique até muito tarde. Nenhum trabalho merece desfazer sua
saúde.” Seu indicador apontado para mim mostra a seriedade, me
obrigando a concordar com um sorriso no rosto. “Boa noite, Bea.”
“Boa noite, vovó.” Retribuo seu sorriso largo. “Obrigada pela
conversa”, falo antes que ela se vire para sair.
“De nada.” Ela pisca para mim, virando-se e saindo da sala.
Acompanho seus passos até eles sumirem pela escada e tento
pegar meu computador, deixado de lado, mas sei que é impossível
pensar em qualquer outra coisa agora, além das palavras da minha
avó.
 

 
Como prometi para minha avó, voltei para Nova York no final
de semana e depois de quase uma semana em uma casa meio
cheia, é estranho estar de volta para meu apartamento vazio. Callie
e Belle me fizeram companhia na noite de domingo, em uma boa
sessão de cinema em casa com todas as besteiras que nos
permitimos comer. Minha melhor amiga me atualizou das coisas que
eu precisava saber e foi uma boa noite.
Ontem, Colton veio para minha casa e eu preparei um jantar
delicioso para nós dois. Mesmo com alguns protestos fracos dele
sobre talvez não ser uma boa ideia, ele passou a noite e descobri
que senti bastante falta das nossas conversas sinceras e dos seus
toques gentis. Mas ele saiu cedo demais hoje, antes mesmo que eu
pudesse pensar muito a respeito. Sua primeira aula do dia começa
muito cedo e ele precisava ir para casa antes de ir para a escola.
Saio do banho me espreguiçando ainda, porque a sensação
boa da minha cama ainda está presa no meu corpo. Me tornei um
pouco mais relaxada nesses dias na casa da minha avó, porque não
precisava acordar tão cedo, me aprontar e dirigir para o trabalho.
Um simples abrir de tela era o suficiente e podia ficar de pijama até,
pelo menos, às nove e meia da manhã.
Estou terminando de colocar a camisa para dentro da minha
calça social quando meu celular toca. Estranho a ligação tão cedo,
mas caminho a passos largos para pegar o aparelho na mesa de
cabeceira. Preciso me apressar ou vou me atrasar para chegar na
revista hoje, como me atrasei ontem. Quase como se a história se
repetisse, estranho o nome de Ashley no identificador de chamadas
e já sinto meu corpo ser percorrido por uma sensação estranha.
Tento não pensar o pior, porque pode ser alguma coisa
simples, algo que esqueci, ou talvez algum resultado adiantado dos
exames que vovó fez na sexta. Pode ser algum erro de chamada
também. Mesmo desejando pensar em coisas positivas quando
aperto o botão para atender a chamada, não posso controlar o
presságio que tenho, o coração acelerado ou a sensação estranha
na minha cabeça.
“Ashley?”
“Beatrice…” Sua voz está embargada e ela funga alto. Mordo
o interior da minha bochecha, segurando quando meus olhos se
enchem. “Eu sinto muito.”
“Ashley, o que aconteceu?” Faço o meu melhor para que
minha voz saia audível o suficiente e limpo a singular lágrima que
cai pela minha bochecha. Não posso chorar por antecipação, não
posso chorar, não preciso chorar. “Ashley”, a chamo, mas sai fraco
demais, principalmente em meio a seu soluço.
“Eu sinto tanto, Bea. Muito mesmo. Sua avó… ela estava
bem ontem à noite… ela… eu a levei para o quarto, conversamos
até ela falar que estava cansada demais… tudo parecia bem ontem
à noite. Eu sinto muito, eu não…” Sua voz falha novamente, como
se Ashley não tivesse forças ou como se sua garganta já estivesse
desgastada demais para falar qualquer coisa.
“Não, não Ashley, não. Por favor, não.” Minhas pernas
perdem a força e preciso me apoiar na parede atrás de mim. “Não,
não, não, não, por favor, não.”
“Eu sinto muito, Beatrice. Ela… quando fui acordá-la hoje,
ela… não estava mais aqui.”
“Não, por favor, não. Isso não pode estar acontecendo, por
favor, Ash, isso é algum… alguma brincadeira de mal gosto, por
favor. Me diz que está mentindo.” É impossível controlar qualquer
coisa. Um soluço seco arranha minha garganta e sinto meu rosto
ficar molhado rapidamente.
Isso não pode estar acontecendo, não posso estar passando
por isso, não outra vez. Não consigo passar por isso de novo, não
posso perder a última pessoa que amo mais que tudo, não posso
perder a última família de verdade que tenho. Não posso perder
essa última parte do meu passado, essa última pessoa que me
conhece mais do que eu mesma me conheço. Não posso perder
vovó também.
“Odeio ser a pessoa que precisa te dizer isso…”
“Não, Ash…”, minhas palavras morrem e escuto ela tomar
uma respiração funda do outro lado.
“Sua avó… ela faleceu hoje de manhã e… e nós precisamos
de você aqui. Eu sinto muito.”
“O que vou fazer agora, Ashley? O que… não, isso não pode
ter acontecido, por favor, me diga que é mentira”, eu imploro, me
agarrando no batente da divisória entre meu closet e o quarto até
que os nós dos meus dedos estejam brancos. “Por favor.”
“Eu sinto muito.” O seu soluço vem junto com o meu, em uma
pequena mistura de choros e eu me permito algum silêncio
enquanto choramos no telefone antes de respirar fundo e me
recompor minimamente.
“Em algumas horas eu chego, vou ver… vou… preciso…”
Mas eu não sei. Não sei o que quero, o que preciso, como fazer
isso. É estranho que alguém que já tenha feito isso tantas vezes não
saiba como fazer isso mais uma vez. Mas não sei, não quero ter que
encarar tudo isso de novo. Não posso encarar isso outra vez.
“Estarei aí”, digo, buscando no fundo uma força extraordinária que
não tenho, porque nunca fui forte, na verdade. Tudo o que sou é
baseado nas pessoas a minha volta, nas pessoas que amo. Elas
são parte de quem eu sou.
E me sinto perdendo tudo agora.
“Beatrice”, ela sussurra antes de se calar por um tempo,
assim como eu. “Ok. Irei avisar sua tia e Katherine.”
“Ok.” Dou um aceno, algo por hábito, e sinto meu corpo
tremer com o choro reprimido. “Preciso ir.” Não aguardo resposta e
sei que, em algum momento, me sentirei mal por desligar na cara de
Ashley, mas por agora não consigo sentir nada.
Nada além da dor, nada além do sentimento vazio que
preenche meu peito, nada além da saudade e da culpa. Eu deveria
ter ficado, deveria estar junto com ela, deveria ter estado lá por ela
depois de todos os momentos que ela esteve ao meu lado ao longo
da vida. Ela fez o melhor que pode, foi a melhor avó do mundo, não
posso fazer isso, não posso me despedir dela também.
Minhas pernas cedem, e consigo caminhar até a cama antes
de despencar nela. Solto um soluço algo, deixando toda a agonia
me preencher, toda a dor que penetra cada vez mais fundo e sou
tomada pelo sofrimento, me permito ser tomada por tudo isso
enquanto as lágrimas saem sem controle algum pelos meus olhos,
enquanto meu peito dói. Me surpreendo em como parece diferente,
todas as vezes são diferentes, porque elas acumulam.
A dor nunca vai embora, independente do quanto pense que
estou bem. Em algum momento, a ausência de alguém acaba se
fazendo presente, principalmente em momentos que estamos
distraídos demais. Acumulei dores demais ao longo da vida,
experimentei a dor da perda mais do que achei que fosse capaz de
suportar, mas agora é além, o sentimento é arrebatador e não quero
lutar.
Estou cansada.
Cansada de ficar forte. Não quero passar por isso outra vez,
não quero perder minha avó. Isso não pode estar acontecendo, não.
É demais.
Preciso me recompor, sei que preciso. Não tenho escolha.
Não é algo que a gente possa escolher. Preciso me recompor, dirigir
até Rhode Island, lidar com advogados, com parentes, com agentes
funerários, com pessoas demais. Preciso guardar a dor em um
potinho por algum tempo. Não posso escolher, preciso ficar firme e
forte. Mas pelo momento, me permito ficar encolhida na minha
cama, molhando o lençol com as lágrimas que não tem fim. Me
permito arruinar toda a pose perfeita que construí para mim.
Me permito sentir a dor, que me arrebata, que rasga meu
peito e vem em forma de soluços sofridos pela minha garganta. Me
permito chorar até que minha cabeça doa e que meu peito perceba
que não há mais nada, até me esquecer e então lembrar de tudo, e
meu peito volte a doer porque isso é tudo o que ainda há. Me deixo
esquecer que ainda existem sim pessoas que amo, pessoas que
são como família, mesmo que não mereçam essa nomenclatura.
Choro porque tudo aquilo que conheci desde que nasci como
minha família não existe mais. Porque sempre soube que vovó um
dia iria também, mas preferia acreditar que nunca aconteceria. Me
sinto vazia e seca, e quando parece que não há mais nada para
chorar, que sei que meus olhos estão inchados ao extremo, me
sento de volta na beirada da cama.
 
Ashley: Avisei elas.
 
É a mensagem que brilha na minha barra de notificações. É a
mensagem que me obriga a recompor, levantar e ir até o banheiro,
lavar meu rosto destruído, assim como o resto de mim. Não quero,
não quero nenhum um pouco sair daqui, quero chorar até me sentir
mais vazia e seca. Mas sei que tenho muito a fazer, e preciso ao
menos dar o meu melhor para que essa última despedida seja
decente, porque vovó era a mulher mais decente que conheci
depois da minha mãe.
Nesse momento não quero, mas sei que tenho vida demais
pela frente e para segui-la, preciso passar por tudo isso.
E pensar em tudo isso dói, dói o suficiente para que o ciclo de
tristeza comece outra vez, me acompanhando no caminho até
Green Hill em idas e vindas. E sei que me acompanhará por muito
além de só esse caminho.
 

 
A PRIMEIRA COISA QUE ESCUTO QUANDO saio do elevador é o
som de chaves batendo e um grunhido baixinho. Penso em
simplesmente voltar para dentro do elevador, mas é covarde
demais. É além da crueldade que eu sou capaz de ter. Por isso saio
pelas portas que já ameaçam fechar e ganho a atenção dos olhos
castanhos preenchidos pela dor, inchados pelo choro. Beatrice, pela
primeira vez desde que a conheci, parece péssima.
Toda a postura bem feita que ela sempre tem está
completamente bagunçada. Suas roupas estão amassadas e tenho
a impressão que são de conjuntos diferentes dos seus terninhos.
Mas ela tem todo o direito de estar assim, não esperava vê-la bem.
Se passaram só três dias desde o falecimento da sua avó. Beatrice
desvia o olhar do meu e segue lutando com as chaves, tentando
segurar tudo ao mesmo tempo.
Qualquer pessoa pensaria que seria bem mais fácil se ela
soltasse a mala de mão e a bolsa no chão, para tentar acertar a
chave. Mas suas mãos estão tremulas e não sei bem o que poderia
ajudar nessa situação.
Dou um passo, e depois outro, pensando se devo falar algo,
se devo fazer algo. Não estamos nos falando há dias e ela não
respondeu nenhuma das minhas mensagens de forma amigável,
quando desejei melhoras para sua avó na semana passada.
Imaginei que não seria a melhor ideia mandar uma mensagem
qualquer de pêsames para ela na terça. Mas ainda sinto um
sentimento ruim por ver Bea assim, tão distante em sua dor. Não
posso evitar ainda sentir coisas demais por ela e ficar mal vendo-a
assim.
O barulho ecoa pelo corredor quando as chaves caem no
chão e não aguento seguir indiferente a ela, desviando do caminho
para a minha porta e indo até Beatrice. Ela luta com as bolsas
enquanto tenta se abaixar e faço isso antes que ela, pegando as
chaves do chão e captando o momento em que ela limpa o rosto
com uma mão.
“Eu abro.” Minha voz sai mais rouca do que pretendia, como
se eu fizesse muito esforço para falar. Ajusto minha sacola de
compras e procuro a chave certa no molho. Sua respiração é funda
enquanto me espera girar a maçaneta quando abro a porta e a
seguro aberta para ela.
“Obrigada.” O fio de voz que sai me corta o peito de uma
forma que não sabia ser possível e travo meu maxilar, demorando
para pensar se devo deixar de ser um babaca ou não. Porque estou
sendo um grande babaca, e percebo a tempo que não é o momento
para isso. Mas quando abro a boca, Beatrice balança a cabeça em
negação com rapidez. “Não, por favor, não. Não posso aguentar
mais uma pessoa dizendo essas palavras. Por favor, Michael, não
faça isso comigo”, ela implora, parecendo ainda mais frágil agora.
Suas lágrimas ameaçam cair e Beatrice parece estar segurando-as
por tempo demais para continuar evitando que elas caiam.
“Deixa que eu levo isso para dentro pra você”, ofereço,
estendendo minha mão livre para ela, mas por alguns instantes ela
não faz nada além de me encarar com os olhos molhados. Não sei
se posso continuar parado se ela começar a chorar, não consigo.
Não posso simplesmente ficar aqui, parado, fingindo que
compreendo a dor que ela está sentindo ou fingindo que não me
importo.
No momento que ela me estende a mala, suas lágrimas saem
do seu controle e caem livremente pelas suas bochechas e é nesse
momento que percebo que não posso ser um babaca, porque gosto
dela demais para não trazê-la para os meus braços. Beatrice se
despedaça aos poucos, agarrando minha camiseta cinza a ponto de
fazer seus nós ficarem brancos. Ela me permite que eu a abrace,
desejando fazer mais do que só isso.
Desejo conseguir tirar um pouco da dor que ela sente,
gostaria de conseguir compreender melhor sobre isso, mas nunca
perdi alguém que amasse tanto, que fosse tão importante. Minha
família fez um ótimo trabalho sendo fria o suficiente para não
fazerem a diferença.
Meu abraço ao seu redor me faz desejar que isso pudesse
criar uma bolha onde nada disso estivesse acontecendo com ela, de
novo. Desejo fazer algo melhor do que só abraçá-la, mesmo
sabendo que Beatrice provavelmente não vai gostar de qualquer
coisa que eu possa dizer. Pelo momento, ela parece bem em só
abraçar e eu quero dar o meu melhor nisso. Afago suas costas e
subo minha mão até sua nuca, tocando os fios macios do seu rabo
de cavalo e acariciando sua cabeça.
Seu choro molha minha camiseta e não me importo com isso,
o máximo que faço é desatrelar um dos braços dela para deixar
minha sacola de compras no chão. Deixo que ela chore até que sua
garganta pareça seca e que seus olhos estejam ainda mais
inchados do que antes, mas me permito ser um conforto mínimo
para ela agora. Queria poder ser mais do que só isso, porque ela
significa tanto para mim e desejei ter estado lá com ela, para
segurar todas as suas lágrimas que provavelmente foram muitas
nos últimos dias.
Mas eu não estava, podia ter estado se fosse menos babaca,
mas não sou menos babaca.
Beijo sua testa e ela suspira antes de puxar o ar com força e
fungar. Suas mãos espalmam meu peito e ela se afasta devagar,
tentando limpar as bochechas molhadas e passando o pulso vestido
na camisa pelo nariz.
“Me desculpa, eu arruinei sua camiseta”, ela diz, apontando
para meu peito.
“Tudo bem.”
“Me desculpa por… isso.” Ela gesticula para si e dou um
passo para frente, querendo recuperar a proximidade entre nós dois.
“Beatrice…” Mas não sei o que dizer, porque nada parece
certo o suficiente. Seus olhos me fitam com um ar tão perdido que
meu coração despenca do peito. Respiro fundo, umedecendo os
lábios com a ponta da língua. “Que tal entrarmos?”, minha sugestão
parece bem aceita, como se ela finalmente se lembrasse o que fazia
antes.
Pego sua mala e minha sacola do chão, Beatrice agarra sua
bolsa, entrando em seu apartamento comigo atrás. Fecho a porta,
deixando as chaves no aparador que ela mantém por ali e
colocando minha sacola no chão, próximo da porta.
“Eu… eu…” Ela tenta, mas as palavras não aparecem para
ajudá-la.
“Quer que eu fique?”, pergunto, sem saber ao certo o que
fazer agora e controlando minha língua para não dizer as palavras
que ela me pediu para não dizer.
“Eu preciso de companhia, por favor.” A Beatrice na minha
frente, tão quebrável que me implora por isso é quase estranha para
mim, mas sua dor é tão visível que fica complicado não entender.
“Quer dizer…” Ela limpa a garganta, desviando seus olhos de mim e
procurando algum ponto na sala para direcionar o olhar. “Se pude,
não quero que fique por dó ou…”
“Bea, me desculpe”, começo, atraindo a atenção dela de volta
para mim. Solto sua mala no canto da sala, dando passos curtos
para reduzir nossa distância, porque ela parece longe demais para
mim. “Eu disse muitas coisas erradas, não é o momento para me
explicar, mas quero que saiba que sinto muito por tudo o que… tudo
o que aconteceu.” Independente de qualquer coisa, consegui
colocar meus pensamentos em ordem o suficiente para
compreender que fui a pessoa mais estúpida em todas nossas
discussões.
Precisei de mais alguns sermões de Daphne e Raphael, mas
consegui perceber isso. Só pareceu um pouco tarde demais para ir
atrás e chateá-la ainda mais, porque isso parece uma especialidade
minha. O olhar dela e suas palavras no nosso último encontro foram
o suficiente para que eu percebesse que estava errado, muito, mas
também me fez perceber que não quero mais ser o causador disso,
e tenho a impressão que se voltarmos a tentar algo, vou seguir
errando vez após vez.
Não sou bom o suficiente para Beatrice, ela merece alguém
que esteja lá por ela em qualquer momento, que não surte por
coisas estúpidas e que seja capaz de ouvir mais do que só falar.
Sou péssimo em tudo isso, pelo visto. Descobrir que não sou o cara
certo e tentar tirar ela da cabeça são duas coisas bem distintas, uma
bem mais complicada que a outra. Ninguém tem seu cheiro, sua
risada, seu sorriso lindo, os olhos castanhos como os seus,
nenhuma mulher é como ela e elas nem mesmo merecem a
comparação.
Depois de um tempo descobri que meu coração e mente
parecem condicionados demais a só querer Beatrice, mas tentei o
meu melhor no último mês.
“Me desculpa por tudo o que aconteceu entre a gente e… se
quiser, eu estou aqui. Para qualquer coisa que precisar agora”,
finalizo, alcançando seu queixo com a ponta dos dedos e não
deixando com que ela vire seu rosto. Preciso que ela acredite nas
minhas palavras. Seu aceno não é o suficiente, mas sei que é o
bastante por agora. Não é justo exigir mais dela.
“Preciso de um banho”, ela sussurra.
“Tudo bem. Posso preparar algo para o jantar?” Ela dá outro
aceno e repito o movimento. Mas permanecemos assim por mais
um tempo até que eu, após muita luta inteira, resolva abaixar minha
mão. Beatrice dá um passo para trás, depois outro e a observo
enquanto ela caminha até o corredor antes de voltar a me mover,
quase como um desconhecido pelo apartamento onde passei muitos
dias há um tempo, onde ainda tenho algumas boas memórias
guardadas.
Entretanto, ainda me sinto com um peso enorme nos ombros
por pensar que foi preciso algo assim acontecer para que eu
deixasse meu orgulho ferido de lado, para que eu fosse capaz de
começar a me desculpar.
Porque eu só comecei.
 

 
Estou testando o ponto do macarrão quando Beatrice volta.
Ela está em uma legging preta com uma camiseta grande demais,
que fica bem larga em seu corpo, como minhas camisetas
costumavam ficar quando ela as vestia. Olho para ela, como se
estivesse esperando o momento no qual ela me mandará para casa.
Mas ela só caminha em silêncio até mim, olhando as panelas que
tenho no fogão antes de abrir a geladeira. Seu cabelo está ainda um
pouco úmido, preso em um coque mal feito.
“Macarrão a carbonara, parece delicioso.” É sua voz quem
corta o silêncio e tento me atentar novamente as panelas. “Não
fique me olhando assim, por favor.”
“Desculpe, eu só… não sei o que falar, ou fazer.”
“Pode começar tentando não parecer tão preocupado. Eu
quebrei muitas vezes nos últimos dias, Michael, acho que estou sob
controle agora.” Mas sua piada não fica nem um pouco engraçada.
“Eu não estou bem”, ela começa, mais séria dessa vez. “Talvez eu
fique. Porém, por algum bom tempo, eu não estarei bem. Preciso
que compreenda que vai doer e que não vai passar num piscar de
olhos, pode fazer isso por mim?”
“Claro”, digo, com um aceno.
“Pode também me falar sobre… sua semana. Sobre qualquer
coisa. O que fez hoje?” Ela joga os tópicos. “Qualquer coisa.”
Compreendo que o que Beatrice busca é uma distração. Alguma
coisa que a faça esquecer a sua própria semana, todas as coisas
das quais precisou lidar essa semana.
“Foi uma semana… complicada”, começo, porque posso
muito bem entretê-la com meus assuntos chatos, falar sobre todos
os detalhes dos processos dessa semana, sobre o novo caso que
estou montando. Posso falar por horas se isso a mantiver com a
cabeça ocupada, pensando sobre as coisas bobas que eu digo, do
que sobre como tudo está terrível para ela nesse momento.
E Beatrice deixa. Ela senta em um dos bancos na bancada e
me escuta. Se serve de uma taça bem cheia de vinho e eu recuso,
porque acho que é melhor deixar que ela aproveite sozinha a
embriaguez, porque ela merece isso. Minha função hoje é somente
cuidar dela o máximo que posso, o máximo que ela me deixar. Falo
sobre Daphne e as meninas, falo sobre o novo namorado de
Raphael, apesar de achar que não vai durar, porque eles nunca
duram. Falo sobre o candidato à prefeitura nas próximas eleições,
um cliente nosso, e como o cara está tentando limpar sua imagem,
mas desconfio que nem tudo fique por baixo dos panos.
Falo sobre todas as trivialidades que consigo encontrar no
meu repertório. Ela come, apesar de demorar um bom tempo para
começar a colocar mais do que dois fios de macarrão em seu garfo.
Fico na mesa com ela, falo até que seu prato esteja o mais vazio
possível e quando vamos para o sofá, parece uma sensação
habitual demais. Meu coração me diz que isso é mais certo do que
eu sentado sozinho. Preciso me lembrar, repetidas vezes, o porquê
estou aqui, minha função como amigo e não nada mais.
Quando sua cabeça se deita no meu ombro, me acomodo
para deixá-la mais confortável e Beatrice permite que meu braço
passe pelos seus ombros. É bom ter seu corpo alinhado ao meu,
bom demais. Ficamos em silêncio, olhando para nada em específico
e ouvindo as respirações um do outro. Estou buscando um novo
assunto quando ela começa a falar.
“Eu nunca tinha pensado muito sobre isso, mas pela primeira
vez acho que fiquei muito grata por ser rica.” Seu suspiro é audível.
“Sabe, por não ter que lidar com nada. É mais dolorido ainda. Eu
queria me enrolar em um canto e chorar pela morte da minha avó,
mas precisava lidar com o funeral, com a casa, com os papéis, e
ainda precisamos lidar com o testamento. Não queria precisar
escolher as flores, ou ver se o caixão estava certo. Não queria lidar
com isso, e fiquei feliz por simplesmente poder pagar alguém para
lidar com isso por mim. É horrível. As pessoas vão sugando, pouco
a pouco, o que resta. É horrível entrar em um lugar para velar sobre
a morte de alguém que você amou e encontrar pequenos abutres, é
horrível ter que fazer uma recepção após o enterro e lidar com os
pêsames falsos, com as pessoas que só estão em busca de uma
nova fofoca.”
Não quero falar nada, mas acabo pensando em como teve
ser nojento precisar encarar todos esses pequenos abutres, e como
deve ter sido horrível lidar com isso pela terceira vez.
“As pessoas só querem saber sobre o dinheiro, sobre a
herança, sobre a casa em Rhode Island, sobre a propriedade aqui
em Nova York, sobre as ações da empresa.” Beatrice se aconchega
melhor no meu peito, repousando a mão por ali. Cubro sua mão
com a minha e o toque é bom demais. “O pior é que não são
somente as pessoas de fora. Se fossem só estranhos, acho que
seria menos… nojento. Mas também foram pessoas próximas,
parentes. Minha própria tia mal enterrou a mãe e já conversava com
o advogado sobre o testamento. Todo mundo sabe que ela quis
agradar a todos, todo mundo sabe como vai ser o testamento.
Minha avó nunca negou nada. Ela viu como todos pareciam
dementadores quando o testamento do meu avô foi aberto.
Independente do que ela iria querer, vovó dividiu tudo da forma mais
igual possível. Katherine pode ficar com sua parte, com a casa em
Nova York, se ela quiser pode ficar com todo o resto.” A irritação na
sua voz é bastante compreensível, além de muito notável.
Tento pensar do ponto de vista dela, mas não consigo,
porque nunca passei por algo assim. Entretanto, vendo Beatrice um
pouco com avó, ouvindo as suas histórias com ela, consigo
entender como deve ter sido difícil ver tantos interesseiros,
buscando só o próprio benefício pela dor e sofrimento alheio.
“Fiquei feliz por não precisar lidar com muita coisa, apesar de
ainda precisar lidar com os olhares, e com os pensamentos dos
outros que podem ser bem altos. Na morte do meu avô foi ainda
pior, me fez lembrar um pouco. Ninguém parecia notar como minha
avó definhava do próprio sofrimento, por ter perdido seu parceiro de
anos, o homem que ela amou. Todo mundo só pensava no legado e
no dinheiro. Acho que estou um pouco feliz por finalmente voltar
para Nova York, poder ficar sozinha aqui.” Franzo o cenho,
pensando se isso significa que ela quer que eu vá embora, mas
seus dedos apertam minha mão, me certificando silenciosamente
que não é o caso. “Obrigada. Por ficar aqui hoje.” Ela toma um
pequeno impulso, se reposicionando para conseguir olhar meus
olhos e a proximidade que isso nos dá é bastante tentadora para
mim, mas os olhos tristonhos de Beatrice me lembram
constantemente do meu propósito aqui. “Eu sei que não estamos
tão… bem no momento, mas obrigada por estar aqui.”
“Bea, me desculpa por tudo, de verdade. E eu não poderia
simplesmente… ignorar. Independente de qualquer coisa, tivemos
nosso momento e você é uma pessoa importante.” Quero falar mais,
porém sei que não é o momento e isso me deixa com um nó grande
na garganta. Engulo todas as palavras que não têm espaço agora e
ela me dá um aceno, como se compreendesse.
“Também tive minha parcela de culpa, então me desculpe
também.”
“Podemos falar disso outra hora.” Ou pelo menos torço que
isso possa ser um começo de algo, de uma conversa. “Deve estar
cansada, acho melhor eu ir.”
Ela se afasta um pouco de mim, me permitindo sentar ereto
no sofá. Vejo sua hesitação enquanto me olha, e sua hesitação me
faz esperar o que pode estar por vir.
“E se você ficar?”
“Beatrice.”
“Desculpa, ideia estúpida.” Ela engole em seco, balançando a
cabeça em negação.
“Não é isso. É só que… não quero parecer estar me
aproveitando demais do momento. Muitas coisas aconteceram e
não vai ser simples assim, temos conversas inacabadas, tenho
muito com o que me desculpar. Mas não é o momento, e não quero
parecer estar tirando proveito disso. Quero estar aqui pra você, para
o que precisar nos próximos dias. Porém…”
“Podemos fazer tudo isso como amigos, uma vez já fomos só
amigos.” Ela me interrompe e está certa. “Eu entendo o que quer
dizer. Eu só, por um momento, temi um pouco a solidão. Mas posso
lidar com isso. Não quero que a gente complique tudo antes mesmo
de tentar…”
“Descomplicar”, completo por ela. “Eu posso ficar, como um
amigo.” Por agora, completo na minha cabeça. Seria difícil, por
causa de tudo o que já passamos. Mas estou mesmo disposto para
ser o que ela precisar de mim agora.
“Obrigada”, ela fala antes de se levantar e eu a sigo.
E eu fico.
 

 
Acordo com um leve tapa no meu peito enquanto Beatrice
quase se debate em um sonho. Já é claro por trás das cortinas e
não me estico para buscar o celular e verificar que horas são. Ao
invés disso, pisco até conseguir distinguir a forma de Bea ao meu
lado. Passo meus braços ao seu redor, trazendo-a para mim e
abraçando mais o seu corpo. Depois da primeira noite, quando um
pesadelo a acordou em um susto e acabou me acordando no quarto
de visitas, decidimos que poderíamos dormir juntos e aqui estamos
há três dias.
Deveria me sentir culpado, deveria me sentir pelo menos um
pouco culpado, mas não me sinto. Ela parece precisar do meu
contato, do meu conforto, e darei a ela tudo que ela precisa
enquanto ainda me pedir. Seu corpo chacoalha, treme levemente e
sei que uma onda de pesadelos deve estar assombrando-a agora,
por isso acaricio seus cabelos, beijando sua testa e fazendo o
máximo para acalmá-la em seus sonhos.
Aqui, a segurando em meus braços, consigo compreender de
uma forma que nunca tinha compreendido antes. Consigo entender
tudo o que já ouvi falar sobre o amor, sobre as coisas bonitas e
sobre as partes feias do amor. Consigo entender tudo o que achei
que nunca entenderia na vida. Segurando Beatrice em meus braços,
lembro de todos os discursos bonitos que já escutei na vida sobre o
amor, sobre as coisas boas que isso nos faz e sobre os erros que
cometemos pensando no amor.
Me permito, pela primeira vez desde que confortei Beatrice
na sexta-feira, pensar sobre isso. Os dias sem ela são como o
inferno, e é incrível que eu perceba isso quando foi o medo de
perdê-la que me trouxe até aqui, até a saudade que preenche meu
peito e deixa um vazio. Os dias sem ela são horríveis e fui eu
mesmo quem me causei tão mal. Fui imaturo, mas consigo justificar
meu medo. Nunca tive nada como ela, nunca experimentei desse
amor do qual todos falavam, nunca me senti arrebatado por essa
sensação de conforto, de casa, que uma pessoa pode trazer para
nós.
Ela foi a melhor coisa que me aconteceu na vida, como um
brilho que eu nem merecia. Desde o primeiro dia, desde o maldito
primeiro dia que ela entrou na minha vida, ela mudou todos os
cantos e foi perfeito. Mas sou medroso, porque o novo me assusta,
as coisas fugindo do meu controle me assustam, e quero ela tanto,
quis ela tanto para mim, que fiquei assustado demais com o
pensamento de perdê-la. Não justifica tanto a forma como agi como
um babaca por tanto tempo, por não tê-la escutado, por não ter
insistido um pouco mais.
Poderia justificar se eu pensasse que sempre fui só eu no
mundo. Diferente de todos os meus amigos, com exceção de
Chelsea, nunca tive alguém. Nunca tive um Oliver, apesar de ele ser
um grande babaca, ou um Zachary, como Rebecca teve e tem.
Nunca tive minha Brooke, e nunca pensei que teria algo como o que
Matteo e Daphne conseguiram achar para si. Ver Chelsea achando
alguém que a fizesse acreditar no amor da forma mais pura que
existe, alguém que a transbordasse da forma tão bonita como
Joshua faz, foi lindo, mas nunca cogitei que fosse ter algo assim.
Sou complicado, sempre soube disso. Também nunca
busquei tentar descomplicar. Mas consigo compreender agora todas
as vezes que me disseram como é difícil controlar, porque você não
controla. Consigo compreender quando Matteo me falou que, se
você ama o suficiente, e se compensa, você precisa dar o seu
melhor para que as coisas funcionem. Consigo entender Zach
quando me falou que iria até o fim do mundo se fosse ao lado de
Beck. Consigo entender a forma como Josh olha para Chelsea,
como se ele tivesse finalmente encontrado o amor da sua vida.
Abraçando Beatrice depois de tanto tempo longe dela, me faz
compreender todas as frases bobas sobre o amor.
Desejo, de uma forma tão forte que meu coração dói, que eu
não estivesse tão atrasado para perceber isso.
Ela se acalmou em seus sonhos e sigo acariciando suas
costas por mais um tempo, pensando em todas as coisas que perdi
de estar ao lado dela pelas minhas atitudes imaturas. Sei que
precisamos conversar, sei que nem tudo está resolvido num passe
de mágica, só porque Beatrice está necessitada da minha
companhia nos últimos três dias. Só estou aqui porque ela me
permitiu ficar, e eu não teria outro lugar para ir enquanto ela precisa
de mim. Não há espaço para uma conversa, porque ela não precisa
de problemas agora, ela precisa das coisas sendo resolvidas, e é
mais fácil simplesmente deixar acontecer pelo momento.
Entretanto, sei que não posso me ater ao que está
acontecendo agora, porque ela merece mais do que as coisas
sendo resolvidas assim, sem maiores explicações, sem uma
desculpa propícia. Descobri, ao longo dos dias ao seu lado, que Bea
merece tudo, e mesmo que eu seja horrível nisso, desejo poder dar
ao menos tudo o que posso para ela.
Um gemido baixo sai pela sua garganta e ela começa a
despertar. Esse é um momento gostoso de ver, aprendi a apreciar
as pequenas coisas, como o momento no qual ela desperta em
meus braços. Começa com as mãos, que se movem, esticando os
dedos para então segurar mais um pouco em mim. O gemido baixo,
junto com o suspiro e o tremular de cílios, mas a preguiça de abrir
os olhos. O balançar de cabeça, como se estivesse convencendo a
si mesma que deve dormir mais um pouco, e então o abrir dos
olhos.
Sorrio no momento que capturo o castanho escuro dos seus
olhos, ou pelo menos sei que essa é a cor que eles ficam logo cedo.
Como café com um fino fio de leite, bem escuro, como chocolate
meio amargo. É a cor dos seus olhos quando desperta. O sorriso
vem preguiçoso, e então ela esconde o rosto no meu peito para
bocejar antes de finalmente se despertar por inteiro, saindo com
calma do meu abraço, rolando mais para o seu lado da cama. Sua
rotina de manhã é a mesma, sempre foi e eu sempre apreciei.
Nunca tinha notado como sabia tudo isso até ontem, quando
ela despertou nos meus braços e eu estava, felizmente, já acordado
para apreciar. Parece que precisei ser estúpido e magoá-la para
notar como amo até as pequenas coisas, os pequenos momentos
passados ao lado dela. Porque eu a amo, sei disso, sei disso com
todo o meu corpo, com toda célula de quem eu sou, com todas as
batidas do meu coração, com aquelas normais ou com as erráticas
que dou quando ela sorri ou gargalha, ou quando está atenta em
algo, ou quando ela me abraça.
Eu a amo, e por isso compreendo agora sobre todas as
coisas que já não acho mais tão baboseiras assim sobre o amor.
“Não quero precisar acordar cedo amanhã”, é o que ela fala,
ainda com a voz rouca de sono, rolando até a outra ponta da cama
e se sentando.
“Então não acorde. Acho que ainda pode se dar alguns dias
de folga, se quiser.” Porque ela merece quantos dias precisar em
casa. Queria não precisar trabalhar para acompanhá-la em todos
esses dias.
“Quero ir. Acho que pode ser bom, sabe? Para tentar voltar
para a rotina, para ocupar minha cabeça com algo que não…” Dou
um aceno quando sua voz morre, porque sei o fim da frase. Ela me
olha pelo ombro antes de se levantar. “Obrigada por ficar ontem à
noite, de novo.”
Quero dizer a ela que não haveria nada que eu faria mais do
que isso. Mas somente dou um aceno, me levantando também.
“Estou aqui”, é o que digo, e ela acena antes de entrar no
banheiro da suíte.
Caminho para fora, porque minhas coisas ficaram no quarto
de hóspedes e no banheiro do corredor. É o que diferencia o antes
do agora, além de todo o semblante triste dela, além de toda a
situação dolorosa que sei que Beatrice está passando. Algumas
outras pequenas coisas são lembretes constantes para mim que os
últimos três dias foram atípicos, não nosso normal de novo.
Visto jeans e uma camiseta diferente depois que passo pelo
banheiro e vou até a cozinha. Ontem fiz a mesma coisa. O café,
assim como todas as demais refeições ficaram por minha conta.
Tenho receio de pensar em como seria se eu não estivesse aqui,
porque Beatrice precisa de alguns bons incentivos para comer. Evito
a cafeteira, porque isso a fez ficar mais agitada ontem de manhã.
Beatrice não parece a pessoa mais desperta do mundo
quando senta no balcão, esperando que eu termine de dispor o café
da manhã ali. Também não está uma das mais falantes, o que é
estranho para ela. Nos últimos dias, tenho feito a maior parte das
conversas e percebi que ela prefere assim. Quando eu falo, ela
pode adentrar minha vida sem precisar se lembrar da sua, sem
precisar lembrar de todas as coisas que lhe aconteceram na última
semana, sobre nada relacionado a infinidade de coisas ruins que lhe
aconteceram.
A parte engraçada de se pensar é que é como um ditado
daqueles que todos nós, ou a maioria de nós acredita, é que o
dinheiro compra felicidade, mas percebo que o dinheiro não tira a
dor. E ainda que você compre a felicidade, a dor nunca vai embora
com isso, não tem como você comprar seu caminho para longe do
sofrimento, pelo menos não de um sofrimento como o que Beatrice
sente agora. Ao menos, o dinheiro conseguiu oferecer a ela um
sofrimento um pouco menor no que diz respeito aos cortejos e
enterro.
Queria poder controlar essas coisas, tirar todo esse
sentimento dela, mas não posso.
O que posso, e faço, é ficar ao seu lado enquanto ela come
pequenos pedaços da omelete antes de começar a bicar os waffles.
“Você precisa comer”, digo, servindo um copo de suco e
colocando na sua frente.
“Só não estou com muita fome, não é nada.” Mas é algo,
porque nunca tinha a visto com tão pouco apetite como nos últimos
dias. Abro minha boca para protestar mais um pouco, mas ela
continua falando. “Pode ir para o seu apartamento hoje.” Sua troca
súbita de assunto me manda um recado silencioso. “Vou para a
Callista mais tarde, então pode ficar… tranquilo.”
“Ok, se precisar de alguma coisa…”
“Posso te ligar”, ela completa a frase que já a disse mil vezes.
“Obrigada, de verdade, pelos últimos dias. Foi bom ter companhia.”
“Sei que não estivemos nos melhores dos termos nos últimos
tempos, mas pode sempre contar comigo. Sei que fui um otário com
você, porém posso ser um bom amigo quando precisar de mim. E
eu sinto muito pela sua avó, ela era uma mulher incrível no pouco
que a conheci.” Beatrice me responde com um aceno, e acho que
essa foi a primeira vez que externei meus sentimentos sobre o
falecimento de sua avó.
“Obrigada”, ela repete.
Não há como negar a pequena estranheza que ainda se
coloca entre nós em alguns momentos, como agora. É como se não
soubéssemos direito o que dizer um para o outro, porque é diferente
agora, por infinitas coisas que aconteceram, e parecemos estranhos
em alguns momentos, ainda que em outros pareça tudo como antes.
“Vou para meu apartamento assim que terminamos o café.”
Cubro o silêncio com algo monótono.
“Ok… acho que só irei para lá depois do almoço. Foi uma
noite ruim, talvez eu tente dormir mais um pouco.” Ela passou
mesmo um bom tempo rolando na cama, em sonhos agitados
demais. Para completar o que fala, Beatrice acaba bocejando antes
de beber o suco.
Mastigo um grande pedaço do meu waffle, porque não quero
parecer um incomodo e atrapalhá-la. Além disso, soube que hoje
seria o dia final de tudo isso, que precisaria voltar para casa e
cogitar o que será de nós agora, se voltaremos a como era antes de
sexta ou tentaremos voltar a um mínimo contato.
Novamente, penso demais antes de pensar em dizer algo, e
quando cogito abrir a boca, o celular de Beatrice toca do outro lado
da bancada, ao seu lado. Ela recebeu muitas ligações nos últimos
dias, mas rejeitou todas. Entretanto, agora ela me olha de uma
forma estranha, se levantando da bancada hesitante.
“Vou atender lá no quarto… É o Colton.” Não deveria ter uma
expressão de leve choque, mas ainda assim fico. Sei que os dois
estão… tendo alguma coisa. A presença dele parece frequente e as
paredes não são as mais grossas do mundo. Eu sabia que ela não
tinha subitamente virado minha de novo, porque, na verdade, nunca
foi minha, mas não consigo evitar me sentir um pouco enciumado e
triste.
É como se a realidade gritasse a porta.
“Ah, claro”, digo, me levantando também. “Acho que… é
melhor eu ir para casa.”
“Michael…”
“Não, sério. Tudo bem. Eu já estava de saída e… bem, é
isso.” Minha voz saí acelerada, como se as palavras se
atropelassem. Começo a recolher minhas coisas para levar na lava
louças, porque preciso fazer algo e manter a mãos ocupadas. É
bem diferente de como foi da outra vez que isso aconteceu, porque
agora muitas coisas mudaram, eu percebi muitas coisas e Beatrice
e eu não estamos mais juntos de forma alguma. O celular segue
tocando até que para no último toque. “Deveria ligar de volta.”
“Nós… Colton e eu…”
“Estão juntos, eu sei. Soube isso no momento que entrei
aqui. Eu não… eu não fiz o que fiz com segundas intenções, eu
gosto de você e você precisava de um amigo. Conseguimos deixar
nossa discussão antiga de lado e fico feliz por isso. Mas você
precisou de mim, e eu estava aqui, não pensei que as coisas
fossem mudar como mágica, por favor, não pense que só fiz isso
esperando alguma recompensa.” Porque seria uma atitude horrível
demais. Uma mensagem apita no seu celular, mas ela demora um
pouco para olhar. “Olha, Bea, as coisas estão complicadas agora
para você, não preciso complicar ainda mais.” Ela engole em seco e
percebo que está pensando demais. “Está tudo bem, eu juro.”
Pela forma como surtei da última vez, não é tão chocante que
Beatrice esperasse outro comportamento, mas acho que já tivemos
desconforto o suficiente por causa desse assunto. Ela merece
alguém que seja bom para ela e mesmo que pareça horrível falar, o
Colton é um cara que tem o potencial para isso. Gostaria de ser
esse cara, mas acho que talvez eu sirva melhor para esse local que
ocupei nos últimos três dias, o de um amigo.
“Podemos conversar outra hora?”, ela me pergunta.
“Sempre. Me desculpa de novo, por tudo o que aconteceu.
Eu estou aqui agora, eu prometo. Se precisar de alguma coisa, sabe
onde me encontrar.” Ela me dá outro aceno. “Só vou pegar minhas
coisas e já vou.”
“Obrigada, de novo”, ela se repete, e me aproximo de onde
está parada. “Por tudo.”
“Sempre”, repito também, puxando-a para um abraço. Deixo
um beijo no topo da sua cabeça antes de soltá-la.
“Vou ir retornar à ligação”, Beatrice diz, antes de sumir em
seu quarto, encostando a porta.
Não me demoro para pegar minhas coisas e sair, a última
coisa que preciso é escutar qualquer parte de sua conversa com
Colton. Sabia que as coisas acabariam hoje, nossos dias juntos da
forma que foram, mas haviam formas melhores de terminarem sem
ser com uma ligação dele. É como um dèjá vu.
 

 
Escuto as batidas na minha porta e não preciso pensar muito
para saber quem é. Dificilmente qualquer outra pessoa subiria até o
último andar para bater na minha porta. Puxo a camiseta pela
cabeça, vestindo-a rapidamente antes de dar passos largos quando
uma segunda batida ressoa. Respiro fundo, mesmo sem
compreender o porquê precisar fazer isso antes de tocar a
maçaneta e girá-la.
A figura de Beatrice está parada do outro lado em suas
roupas comuns de trabalho. Cheguei há não muito tempo do
escritório, mas tempo o suficiente para um banho, tentando me livrar
do calor do verão. Ela hesita antes de me dar um sorriso amarelo e
a conheço bem para ver que está quase arrependida de ter vindo,
porque pensa demais antes de abrir a boca para me cumprimentar.
“Olá.” Bea leva sua mão até o rabo de cavalo bem feito,
provavelmente outro ato ansioso dela.
“Ei.”
“Posso entrar?” Ela aponta com o queixo para meu
apartamento e abro espaço para que entre.
Não conversamos muito depois que deixei seu apartamento
no domingo. Sei que talvez deveria falar mais, tentar ser mais amigo
dela, mas acabei com medo de cruzar limites demais nessa relação
que foi reestabelecida há pouco tempo. Não quero apressar as
coisas, ou pressioná-la. Ela precisou de mim e eu estava lá por ela,
simples assim. Não quero assumir coisas que não são verídicas e
acabar piorando ainda mais nossa situação.
Entretanto, não posso deixar escapar que é um sentimento
bom vê-la entrando novamente no meu apartamento, ver essa
pequena relação entre nós dois se reconstruindo um pouco, ver um
pouco de esperança em nós dois.
Antes de qualquer coisa, Beatrice foi uma ótima amiga para
mim e, mesmo sabendo que tenho meus defeitos, acho que fui um
amigo até que bom para ela. Nossa relação era descomplicada,
leve, e ainda que a atração fosse forte, consegui suprimir meus
desejos para o bem disso, da amizade. Ela é importante e
provavelmente foi importante desde a primeira conversa tagarela
que jogou para cima de mim no primeiro instante.
O que me leva a outro pensamento. O silêncio e a hesitação
não combinam com a Beatrice que conheço, que fala pelos
cotovelos e adora contar fatos aleatórios sobre sua vida para mim.
“Podemos conversar?” Sua voz é carregada de incerteza.
“Claro. Claro”, repito, estranhando o meu próprio tom. Indico
o sofá da sala e ela caminha até lá. “Quer alguma coisa?”
“Não, estou bem.”
“Está mesmo bem?” A entonação dá a entender que pergunto
para muito além de sua preferência ou não por um copo de água e
ela suspira. “Pode ser honesta comigo.” Lembro-a, porque sempre
fomos os mais sinceros um com o outro, mesmo que algumas
coisas não ditas tenham sido exatamente o que fez nós dois nos
afastarmos.
“Bem… sim. Estou bem. Em alguns momentos mais que em
outros, mas estou bem. O trabalho tem ajudado”, sua resposta vem
demorada, enquanto me sento ao seu lado no sofá. “Acho que
talvez seja o momento para conversarmos, se ainda estiver
disposto. Não quero ficar com relações turbulentas com ninguém na
minha vida agora e sei que eu, teoricamente, estava fora da sua
vida, mas… obrigada, de novo, pelos dias que passou comigo na
semana passada.” Ela parece ter um pouco de dificuldade em
encontrar as palavras certas, mas estas não são preciso. Semana
passada mudou um pouco a forma do nosso arranjo. Estávamos
brigados e então não estávamos mais. Compreendo agora a
importância de deixar tudo claro, depois de perceber como foi
exatamente a falta de clareza que nos levou a onde estamos hoje.
“Fui honesto aquele dia, em tudo o que disse. Sinto muito
pelo que te falei, foi errado e era mentira. Você esteve certa em tudo
o que falou para mim, estou constantemente com medo de coisas
que não posso controlar e isso acarreta ações que nem sempre
condizem com o que quero”, começo, buscando pelos olhos dela e
querendo transmitir toda a verdade no que digo. “Desculpe por ter
sido um grande babaca. Eu sei que provavelmente te magoei com o
que disse, consegui ver isso depois de um tempo. A última coisa
que eu queria era isso.”
“Nunca me procurou para tentar falar isso. Também fui um
pouco dura no que falei para você. Não sei se tudo é verdade ou
não, mas não tinha o direito de jogar isso na sua cara como um
mecanismo de defesa. Te atingir porque me atingiu.”
“Foi um pouco idiota da minha parte querer te atingir”,
resmungo.
“Acho que podemos acordar que nós dois fomos um pouco
errados em tudo isso.” O que é incrivelmente maduro e bastante a
cara de Beatrice. Consigo fazer isso também, porque sei que já
perdi demais e percebi que fico um pouco cansado de querer ficar
zangado com ela.
“Sei que foi minha culpa. O começo de tudo, foi minha culpa.
Acho que… me acomodei um pouco e me senti amedrontado com
sua pergunta, com medo que isso significasse outra coisa. Algo
meio que: se isso for acabar mal, prefiro acabar por cima. Eu sei
que é infantil.” Balanço a cabeça negativamente, frustrado comigo
mesmo por tudo o que aconteceu. “Acredito no que me disse aquele
dia, que não havia nada entre vocês dois. Fui imaturo e muito
inseguro. Talvez eu devesse tentar justificar meus atos, dizer que
tudo foi porque nunca estive em um relacionamento, porque percebi
que fui perdendo aos poucos o controle de tudo que acontecida,
entre nós e dentro de mim. Mas ainda assim, não seria o certo.” A
resposta de Beatrice vem em um breve aceno.
“Talvez eu estivesse pressionando demais.”
“Você não estava!” Minha tentativa de garantir isso a ela não
parece convencê-la totalmente. “Não te procurei, isso é verdade.”
Volto no assunto que ela pontuou. “Acho que consegui voltar a
raciocinar direito um pouco tarde demais, não parecia justo voltar e
bagunçar tudo de novo. Sei que voltou a sair com Colton…” Não
que o pensamento me agrade muito, mas alguns fatos não posso
negar. “Então não quis voltar pra sua vida e seguir bagunçando tudo
porque sou inseguro e imaturo, e não consigo lidar bem com meus
sentimentos. Você merece mais do que alguém assim na sua vida.”
 

 
“ENTÃO, O QUE QUER DE MIM AGORA?”, não consigo evitar
perguntar.
Algumas coisas mudaram nos últimos dias e constantemente
venho me sentido confusa sobre tudo. Honestamente, estou um
pouco cansada desse sentimento já. Quero compreender o que
Michael quer de mim, o que quer de nós dois. Talvez tenha sido uma
decisão meio que precipitada vir até aqui, mas não quero que tudo
fique novamente estranho entre nós dois, acho que estou cansada
disso também.
Consigo compreender suas desculpas, porque depois de um
tempo passado da briga boba, não pude mais ficar totalmente brava
com ele. Qualquer rancor guardado não seria benéfico para nenhum
de nós, muito menos traria qualquer coisa de volta. Eu também
posso ter me adiantado e o pressionado sobre algo que ele não
queria. Pode ter sido uma série de fatores que nos trouxeram até
aqui.
Não posso mentir para mim mesma dizendo que não estou
gostando do pensamento que podemos dar certo de novo, de
qualquer forma que seja. Não vou dizer que não gosto de tê-lo de
volta na minha vida, dessa pequena aproximação entre nós. Michael
virou uma pessoa importante para mim e mesmo que eu tenha
ficado magoada por muito tempo por causa das suas palavras, acho
que não consigo sustentar mais esse sentimento por muito tempo.
Os últimos dias foram difíceis e me fizeram perceber muita
coisa. Uma delas é a importância de ter as pessoas que considero
importante próximas a mim. Michael poderia ter me deixado
chorando por dias sozinha em meu apartamento, ao invés disso,
ofereceu um ombro amigo. Ele poderia ter sido sim um grande
babaca sobre a situação, mas preferiu me ajudar como pode e isso
me faz acreditar que existe algo dentro dele ainda, algo relacionado
a nós dois, ainda que seja um afeto platônico e um respeito pelo que
tivemos.
Conhecemos um ao outro muito bem, acredito que somos
maduros o suficiente para compreender algumas coisas e deixar
outras de lado de precisar fazer grande caso sobre isso. Ainda que
Michael diga, repetidamente, que foi sua imaturidade e insegurança
que o fez começar a discussão boba no outro dia, sei que isso não
resume sua personalidade. Entretanto, preciso que as coisas fiquem
claras logo de começo agora, não quero mais confundir nada, não
quero mais brigas sem sentido e sentimentos atravessados, quero
saber o que ele quer.
“Eu…” Ele abre a boca e a fecha em seguida, comprimindo
os lábios juntos. “Quem sabe a amizade?” Sua incerteza lhe é
estranha, porque Michael não age de forma insegura ou parece não
ter a certeza das coisas, mas agora esse sentimento se espalha
entre nós. “Sendo sincero, Beatrice, eu ainda gosto de você, gosto
muito. Você se tornou uma das pessoas mais importantes da minha
vida, você entrou em todos os espaços e tomou conta de tudo. Você
é linda, inteligente, adorável e é difícil não gostar de você ao
extremo. Mas vimos o que eu fiz com a última oportunidade que tive,
fui um babaca, te magoei, falei coisas que te chatearam. Não quero
mais ser essa pessoa, que te causa isso. Mas quero tentar fazer
com que a gente volte um pra vida do outro. Sua companhia sempre
me fez bem e adoro estar ao seu lado. Penso que amizade seja um
termo seguro, mesmo que talvez não seja o que eu quero.”
Amizade.
Será que sei voltar ao ponto de ser só amiga de Michael, sem
nada mais do que isso? Provavelmente sim, porque o pensamento
que meus sentimentos por ele são tão expansivos a ponto de eu
não saber mais ser só amigos é tosco. Posso perdoá-lo, porque
gosto dele o suficiente para o querer na minha vida por um bom
tempo ainda, porque sua companhia me faz bem, porque sua
presença me tranquiliza, me deixa bem. Porque ele sempre foi uma
pessoa que trouxe esses bons sentimentos para mim, desde que
começamos a conversar.
Posso, também, suprimir qualquer atração física, ainda que
seu corpo seja tentador e ele seja sexy por natureza, não é
impossível conseguir resistir a isso, não sou primitiva. Além do mais,
Colton e eu estamos… indo.
“Sei que bagunçamos um pouco as coisas ao longo dos dias,
e não acho que isso foi ruim, tivemos ótimos momentos. Mas já
fomos só amigos um dia, e era bom, sempre foi bom. Era mais
tranquilo e… Bea, seria egoísta da minha parte. Acho que hoje
consigo entender muitas coisas que já me foram ditas na vida e
consigo compreender que nem sempre duas pessoas estão
destinadas a ficarem juntas. Não sei o que sente, e não parece ser o
momento ideal, mas…” Eu seguro minha respiração em
antecipação, porque sei o que está por vir e não sei se isso irá me
quebrar mais um pouco ou irá recuperar uma partezinha de mim.
“Eu amo você, mas não sou o cara certo, ou suficientemente bom
para estar com você. O que aconteceu antes, entre nós dois, não
sei se sou capaz de prometer que não serei idiota como fui de novo,
e não quero ficar quebrando promessas. Você sabe que merece
mais.”
Eu sei que mereço, sei que preciso de alguém mais disposto,
talvez mais certo. Mas não consigo compreender totalmente ainda,
porque talvez eu não queira compreender. Não quero escutar essas
palavras assim, não quero pegar e tirar. É doloroso, é estranho e,
acima de tudo, é confuso. Passei boa parte da minha vida buscando
alguém, buscando por um relacionamento, implorando pelo amor
até finalmente descobri-lo sozinha, dentro de mim e por mim.
Quando decidi, finalmente, que não queria mais nada disso, queria a
mim e o que viesse seria espontâneo, muito surgiu.
Michael surgiu.
E eu me senti amada e amável. Me senti bem ao lado de
alguém completamente pela primeira vez na vida. Agora tenho a
confirmação que fui amada, tenho a confirmação dos seus
sentimentos por mim e não é nenhum pouco como pensava que
seria.
Mas estou cansada. Cansada de perder constantemente
pessoas ao meu redor, com medo de ficar cada vez mais sozinha e
isso é terrível, é carente demais. Mas ainda assim, é a verdade
sobre o que sinto, sobre o que estou sentindo agora. Estou cansada
de brigar, de perder, de me limitar no amor que dou, de me limitar
em tudo. Quero Michael, o quero muito e mais do que já quis
qualquer pessoa. Quero ele de uma forma que dói, doeu durante o
tempo que passamos afastados e agora, pensando sobre sermos só
amigos, sei que vai doer por um tempinho a mais.
Eu o amo de volta de uma forma bastante expansiva. Ao que
parece o amor nem sempre é tudo, porém o quero, o quero em
minha vida e estou cansada de não o ter.
“Tudo bem”, digo, estendendo a mão para ele e sentindo seu
toque quente. Minha palma contra sua palma, meus dedos
dispostos com os seus. É um toque suave, mas parece um carinho
enorme. “Eu entendo e… eu também. Mas não quero discussões
bobas, não quero pressioná-lo a nada e imagino que uma amizade é
seja zona segura entre nós dois.” Deveria dizer mais um pouco, sei
disso. Porém não consigo. É o que tenho, o que consigo reunir
forças para dizer. Michael também parece querer dizer mais alguma
coisa, mas só engole em seco. “Acho melhor eu ir”, sussurro,
retirando minha mão da sua. “Estou cansada, foi um dia…
complicado.” Levanto do sofá e ele faz o mesmo.
“Claro.” Seus passos me acompanham até a porta. “Beatrice,
podemos nos ver amanhã? Talvez uma caminhada no parque ou…
qualquer coisa?”
“Sim, acho que seria bom.” Pequenos passos, mas sempre
em frente. É o que penso enquanto dou um aceno de cabeça. “Uma
corrida, o que acha? Preciso de um pouco de endorfina, para
extravasar”, confesso.
“Uma corrida, então.” Ele sorri, e é o seu sorriso de sempre.
De canto e junto com um olhar que agora não decifro tão bem. “Bom
descanso”, Michael diz ainda, me fazendo virar novamente em sua
direção quando já começo a tomar o caminho até a minha porta.
Faço outro aceno e sei que ele me observa ainda até que eu entre
no meu apartamento.
 

 
“Não faz mesmo muito sentido”, Callie me fala, enquanto
observa a vitrine da joalheria. “Quer dizer, dependendo da forma
como você analisa a situação, até que faz. Ele não quer se afastar
novamente, com um relacionamento amoroso não deram tão certo.
Amizade é um ponto seguro entre vocês. Mas não faz muito sentido
a pequena declaração só para dizer algo do tipo: você merece coisa
melhor que eu. Isso pode ser verdade, mas havia formas melhores
de fazer isso.”
“Havia?”
“Talvez sim. Ele poderia tentar não ser tão explicito com os
próprios sentimentos. Legal da parte dele ter percebido tudo o que
fez de errado e querer reatar uma relação saudável entre vocês,
mas não tem como mentir e dizer que não é doloroso ouvir alguém
falar um eu te amo seguido por um mas.” E ela sabe muito bem
sobre isso, infelizmente.
Apesar de ter passado por situações bem ruins relacionadas
ao amor, Callista pelo menos não se tornou amargurada. Eu teria
me tornado um pouquinho, eu acho. Mas ela só segue em frente,
constantemente segue em frente e busca pelas soluções dos
problemas sem nem ao menos parar e dar uma chorada básica. Eu
nunca teria toda a força que ela tem, porém ao menos me
disponibilizo para estar sempre aqui.
“Não sei”, respondo. “Acho que foi até bom. Queria ele de
volta a minha vida, talvez não dessa forma, mas…”
“Agora tem Colton, sim, eu já escutei essa parte algumas
milhares de vezes. Bea, não está só tapando um buraco com ele,
não é? Não está só tapando o buraco Michael com esse
relacionamento com Colton?”
“Não, não mesmo!”, confirmo rapidamente, porque não quero
que ela pense assim nem por segundos. “Gosto dele, de verdade.
Me envolvi com Michael e foi intenso, muito bom e sabe meus
sentimentos sobre ele. Com Colton é tranquilo e muito bom, gosto
da companhia dele e estamos nos permitindo ir com calma, é
ótimo.” E não estou mentindo. Às vezes, pode parecer que estou
trocando uma coisa por outra, porém não é assim. Sei dentro de
mim que não é assim.
“Ainda assim, acho um pouco confuso. Mas, de alguma
forma, fico feliz que estejam bem de novo. Sei como a briga te
afetou e fico feliz que ele tenha se desculpado, porque deveria ter
feito isso há um bom tempo. Além de tudo, sei que é grandinha e
sabe cuidar bem de si, confio na sua distinção de bons caráteres.”
Callie pisca para mim, virando seu rosto em minha direção e
precisando jogar uma das longas tranças para trás quando faz isso.
Quando volta a prestar atenção na vitrine, franze o cenho enquanto
pensa.
“Também estou feliz por termos deixado essa intriga para
trás. E acho que posso tentar fazer todo esse lance de amizade
funcionar. Apesar de eu não confiar tanto assim na minha boa
distinção de caráter. Falho algumas vezes.” Com a quantidade de
homens terríveis que passaram na minha vida, ela sabe bem do que
eu falo, por isso solta um riso. “Já deu de falar de mim, o que
estamos fazendo aqui?”
Estamos gastando nosso almoço de terça-feira em ruas
movimentadas de Nova York. Já passamos pela longa variedade de
lojas com todos os artigos possíveis e até o momento, ainda não
pensei em perguntar o que de fato fazemos aqui. Callie me disse
que precisava de ajuda para comprar um presente e aqui estou eu.
Nem sempre temos muito tempo durante o dia para conversarmos,
ou nos vermos, porque nossos horários são sempre lotados demais,
porém hoje não me importei em fazer companhia para minha amiga.
Meus momentos com Callista sempre me fazem esquecer
boa parte das coisas do mundo, porque entramos em algo nosso
confortável demais. Raramente temos opiniões muito distintas sobre
algum assunto, conseguimos sempre tirar lados positivos em todos
os sofrimentos dos nossos trabalhos e sempre nos concentramos
muito em Belle para pensar sobre muita coisa. Minha afilhada,
entretanto, não está conosco hoje, porque ainda está na creche.
“Bem, semana passada, quando precisou lidar com o
advogado do testamento, Belle ficou doente, lembra?” Dou um
aceno como resposta para ela. “Um dos estagiários acabou indo
buscá-la e ele foi… bastante atencioso. Ficou com ela até que eu
saísse da reunião e até mesmo brincou com Isabelle, que pareceu
bastante comunicativa com ele, o que é…”
“Eu entendo.” Porque falar sobre a forma como Belle é quieta
demais sempre deixa Callie com um peso no coração, como se
fosse sua culpa. Callista não consegue acreditar que as habilidades
sociais da filha são normais para uma criança. Só porque ela não
grita em busca de amigos constantemente, não significa que ela não
possa fazer amigos. E foi até mesmo a terapeuta quem garantiu
isso.
“Pensei que poderia ser legal comprar um presente para ele.
Porque ele não quis aceitar nada em troca pelas horas que ficou
com ela, entretanto me parece justo agradecê-lo de alguma forma,
foi bastante cuidadoso e sei que não foi só por bajulação a chefe.”
Porque não há bajulações que façam muito efeito com ela e
provavelmente todos que trabalham com Callista sabem disso.
“Acha que um relógio seria presunçoso demais? Ele parece um
rapaz simples, não fica se exibindo com roupas caras ou nada do
tipo.”
“Depende do relógio, pode ser presunçoso. Mas existem
modelos que não são tão presunçosos assim.” Aponto para alguns
na vitrine, exemplificando o que digo. “Foi legal da parte dele, e é
legal ver Belle interagindo com as pessoas, principalmente com as
mais velhas. Ele deve ter jeito com criança.” Levanto os ombros.
Talvez o motivo seja um agradecimento maior do que só por ter
ficado com Isabelle, mas ainda assim acho o gesto da minha melhor
amiga fofo. “Esse é bonito. Acha que combinaria com ele?”
“Não o conheço muito, é um estagiário que chegou faz um
tempo e Theodore o adora, então está subindo dentro do grupo de
estagiários, mas nunca fui de conversar com ele. Não nada além de
trabalho.” Ela me dá um aceno, para que entremos na loja e a sigo.
“Mas parece um modelo bonito, simples e nada luxuoso demais.”
Callie pede pelo relógio para a atendente e quando ela vai pegá-lo,
ela se vira para mim. “Pensa que posso passar uma ideia errada
fazendo isso? Dando a ele um presente?”
“Não. Acredito que todos sabem como é profissional demais
e, pelo que disse, mal se conhecem. Então é um agradecimento e
só.” Não acho que ela possa passar a impressão errada. Ainda mais
quando ela não pretende nada com o presente. Seria bobagem que
pensassem de outra forma, mas consigo compreender o medo dela.
Callie vai dar um jeito de entregá-lo o mais discretamente possível
para não ser julgada por colegas invejosos que só pensam errado e
querem ver a sua queda. E esses são muitos.
“Como foi a visita no advogado, inclusive?”, ela me pergunta,
mas vejo a atendente nos chamando para dar uma olhada no
relógio escolhido e em outros parecidos.
“Nada de novo”, respondo, indicando para irmos até a
atendente. Porque não houve nada do qual eu já não soubesse,
mas não foi menos doloroso ter que lidar com usurpadores, como
Katherine e sua mãe. Ainda assim, não era como se eu esperasse
menos delas.
Acompanho Callista até o balcão e dou minha opinião sobre
os relógios, me permitindo esquecer tudo por alguns momentos e
me focar somente na companhia ótima da minha melhor amiga.
 
 
“Você é péssima nesse jogo”, Michael zomba de mim quando
lhe entrego mais notas falsas de dinheiro do jogo. Reviro os olhos e
consigo esboçar um sorriso.
Esse está sendo o momento mais relaxado que já tive desde
que voltamos a ser amigos. Passamos as fases das conversas
estranhas e sem conteúdo, dos assuntos chatos, dos olhares de
esguelha desconfiados, e dos momentos desconfortáveis. Faz bons
vinte dias desde que ele e eu tivemos a conversa que determinou
que voltaríamos a ser o que éramos no começo. É estranho, mas é
bom.
Callie vem verificando quase todas as vezes que nos
encontramos se algo saiu do controle, ou se estou mesmo bem com
tudo isso. Mas estou. De uma forma estranha, estou bem. É bom ter
a companhia dele, Michael me distrai, como sempre fez,
conseguimos conversar sobre tudo, depois que pegamos o jeito de
novo, sempre nos demos bem e isso não mudou. Só é estranho, e
difícil me acostumar a ter só uma amizade de volta.
Não é impossível, entretanto.
“Só perdi o jeito com os anos”, resmungo, observando-o jogar
os dados e andar as casas que precisa. Felizmente, ele cai em uma
das minhas propriedades do jogo e conta as notas para me dar.
“Minha avó adorava esse jogo. Era o tipo de coisa que sempre
jogávamos na mansão de Green Hill. Antes com meu avô, depois eu
e ela, mas acabamos não jogando mais. Eu acabei precisando ir
com cada vez menos frequência, porque o trabalho ficou mais
puxado. Ela também não gostava tanto de vir, porque preferia a
calmaria da sua casa a agitação de Nova York.” Solto um suspiro
enquanto Michael me olha com atenção, ouvindo minha história.
Ontem fez um mês que ela se foi e ainda parece uma mentira.
Ainda acredito que irei dirigir minhas horas até sua casa e
encontrá-la em seu sofá, na posição de sempre, lendo alguma
revista e dando suas opiniões sobre o editorial, sobre o projeto
gráfico, sobre as matérias. Ainda acho que irei ir até ela e vê-la
cheia de seus conselhos sobre a vida, sobre as histórias sobre meu
pai, sobre como amava vovô e sente saudade dele. Sempre tive
dificuldade de acreditar em algumas coisas, apesar de ter nascido
como uma religiosa, mas gosto de pensar que os dois estão juntos
onde quer que estejam.
É uma das poucas vezes depois do enterro que falo sobre
minhas memórias com ela sem que isso me pese tão fundo no peito.
Acho que consegui lidar bem com a morte ao longo da vida, depois
de tantas perdas, tantos enterros, tantas despedidas. Minha avó
lacrou meu peito de uma forma diferente e mesmo que eu pensasse
em recuperar minha relação com os membros restantes da minha
família, o processo de leitura do testamento me fez desistir de
qualquer ideia.
Posso ser bem confortável com a vida que levo, pelo dinheiro
que tenho e como ele compra esse conforto. Mas o dinheiro de
minha avó não importa tanto, porque não trará o conforto que ela
me trouxe durante a vida toda. Além disso, tenho meu próprio
status, minhas conquistas.
É bom, falar dela assim, lembrar das nossas tardes de jogo,
nossas noites de cartas e vinho. É bom lembrar sem ressentir tanto,
sem doer tanto.
Deixo um sorriso de canto, voltando a pegar os dados.
“Eu costumava ser boa, as vezes ganhava dela. Minha avó
nunca aceitou uma vitória por pena, ou porque eu queria agradá-la.
Ela sempre gostou da dureza da vitória sofrida. Acho que diz muito
sobre quem ela é, sobre como sempre batalhou e foi atrás do que
quis”, complemento, enquanto ele segue a me ouvir atentamente.
Jogo os dados e ando com o peão. Paro em uma companhia e faço
as contas olhando para meu apertado orçamento fictício para pagar
essa despesa. “Acho que é o fim da linha para mim.” Michael franze
o cenho e solto um riso anasalado. “Perdi o jogo.” Aponto para o
tabuleiro.
“É, talvez tenha perdido mesmo o jeito”, ele brinca, voltando
ao clima leve da nossa noite. Sua visita foi bem apreciada quando
ele bateu na minha porta no meio da noite de hoje, um sábado. Não
quis prender Callie todos os dias dessa semana e Colton está em
uma semana de muito planejamento para a volta as aulas,
principalmente agora que suas aulas de verão acabaram. Me sinto
cada vez mais precisada de companhia, o que pode soar terrível,
mas é a verdade.
Uma pizza extra grande e alguns packs de cerveja
acompanharam nossa noite. Depois que Michael achou o jogo de
tabuleiro em cima da cômoda do quarto de visitas, acabamos
sentado na sala, com o jogo entre nós e jogando dados
alternadamente. Ele se saiu bem melhor que eu. E foi divertido,
normal demais. Conversas jogadas ao vento, sobre as sobrinhas
dele, sobre Isabelle, sobre Daphne e Matteo, sobre Callista, sobre o
casamento de Rebecca e Zachary no próximo mês.
“Ainda poderia te ganhar em uma revanche, mas acho que
fica para outro dia”, digo, porque já é muito tarde e é um horário
seguro ainda para que ele vá embora. Ele dá um aceno, me olhando
por um bom tempo e provavelmente pensando na mesma coisa.
Amizade está sendo uma zona segura, isso é verdade.
Todavia, preciso admitir que não ajudou nem um pouco no
sentimento que carrego dentro de mim, porque é dolorido vê-lo
quase todos os dias, mas ao mesmo tempo é bom porque o amo
muito e quero sua presença dentro da minha vida. Nunca
compreendi direito quando ouvia falar sobre como o amor pode ser
doloroso as vezes, ou pensava que compreendia, mas só agora vejo
isso de fato. Também nunca acreditei na história sobre amar e
deixar ir, porém agora sinto isso na pele.
Então por que eu sigo me torturando dessa forma? Porque é
uma dor satisfatória, uma dor que preciso sentir pelo visto. Parece
melhor do que a dor do pensamento de não ter Michael em minha
vida de qualquer forma.
“Vou ajudá-la a organizar tudo”, ele sussurra, começando a
se levantar do chão e pegar nossas garrafas vazias. Me ocupo em
guardar as peças do jogo e entramos em uma sintonia silenciosa em
nossas organizações. “Como você está?”, sua pergunta vai além da
que me fez mais cedo, da monótona que sempre fazemos por
educação. Tomo uma respirada profunda antes de responder.
“Bem, indo.” Levanto os ombros, fechando o tabuleiro. “Um
dia de cada vez, parece mais fácil.” Fecho a caixa como estava
antes e me levanto do chão. “Alguns dias são mais difíceis. Pareço
ser a única pessoa que sente muito por tudo isso, porém consigo
compreender, eu acho. Sou a única para quem não resta nada, não
me resta ninguém. Minha avó era a última parte familiar que eu tinha
de verdade, e agora não tenho mais. Depois que meus pais
morreram, eu desejei muito que meus avós nunca fossem embora.
Quando meu avô morreu, há alguns anos, consegui voltar a lembrar
que esse é o curso da vida. Agora, entretanto, é complicado. Porque
não queria esse curso da vida quando se trata da última pessoa
importante da minha família que eu tinha.”
“Não sei se posso compreender totalmente. Minha relação
com meus pais sempre foi… conturbada, sabe disso. Mas não sei o
que seria de mim se perdesse Daphne, ou Olivia, ou Faith, ou
Matteo. Raphael, Chelsea, Rebecca e até mesmo Zach, que veio no
pacote de forma bem permanente. Acho que eles são minha melhor
configuração de família. Não sei o que faria se fosse os perdendo.
Mas você sabe que…”
“Sei que ainda tenho muitas pessoas. Callista, Isabelle, você,
muitas outras pessoas que me querem bem. É só…”
“Diferente”, ele me completa, assim como o completei antes.
Caminho até a cozinha, onde Michael está parado e me apoio na
bancada ao seu lado. “Sei que não é a mesma coisa, porém ainda
tem muitas pessoas que estão aqui por você, saiba disso.”
“Eu sei.” Ele sorri do seu jeito único para mim e eu sorrio de
volta para ele. Michael traz sua palma até minha bochecha e
acaricia minha pele com o polegar.
Desejo que eu não fosse tão fraca, porque meus olhos ficam
cheios e ele percebe, mas segue no mesmo lugar, e eu também.
Luto contra as lágrimas e elas não descem. Entretanto, me torturo
mais, me inclinando contra o seu toque, querendo um pouco mais.
Desejo muitas coisas e entre elas, que nós dois não fossemos tão
complicados, que muita coisa não tivesse acontecido, que a gente
tivesse se esclarecido antes, que aceitássemos mais fácil os
sentimentos que temos. Desejo poder conseguir fazer ele se permitir
amar sem medo, desejo poder fazer mais do que faço.
Porque o desejo, tanto que dói. É uma tortura que lastima
todas as fibras do meu corpo e ainda assim, existe um ímã que me
impede que eu o afaste. Esse ímã provavelmente é a esperança e o
amor. Eu sei que poderia ser mais fácil, eu sei que poderíamos ser
algo, porque já fomos algo, porque sei que boa parte disso é medo
dele, em sentir, em me magoar de novo. Mas não acredito que esse
segundo caso se repita, porque ele não me magoou assim. Fiquei
chateada, porque estou cansada de ter que esperar, porque sabia
que tinha sido algo bobo. Porém também não quero pressioná-lo,
mesmo que eu tenha vontade.
Talvez a única coisa que Michael precise seja acreditar em
nós dois. Queria que ele acreditasse.
“Tenho pensado em deixar o escritório.” Acredito que ele volta
a falar como uma forma de pensar em outra coisa, porque sei que
quando ele me olha assim, pensamentos similares aos meus o
tomam a mente. Mas ele não se afasta, segue afagando minha
bochecha, segue próximo demais. E próximo demais é muito bom.
“Abrir algo totalmente meu. Começar do zero, começar de forma
mais honesta, com meus objetivos, com as visões que eu quero,
sem nada de… favores sujos e coisas corruptas assim. Não quero
meu nome, não me quero, envolvido em coisas assim. Acho que me
acomodei o suficiente na vida que me foi dada, está na hora de
começar a enxergar melhor as coisas, a ir atrás do que eu quero.” E
de forma infantil, desejo que isso seja eu também.
“Isso é bom, fico feliz por você. Sabe que sempre terá meu
apoio”, sussurro para ele de volta, porque mantemos nossos tons
baixos, não há necessidade de mais do que sussurros.
“Você meio que me inspirou nisso. Acho que ninguém nunca
teve muita coragem de dizer algumas coisas para mim e não tô
falando que se intrometeu, porque sei que está pensando nisso.
Você foi bem fundamental para que eu percebesse algumas coisas
sobre mim mesmo, sobre meus desejos, sobre a minha vida de uma
forma geral. Bem otário da minha parte ter sido um babaca com
uma pessoa tão importante assim.”
“Michael…” Não sei o que dizer, porque estou à beira de
lágrimas de novo, mas ele não está tão diferente assim.
“Eu amo ouvir você falando meu nome.” Sua voz é carregada
de sentimentos e eu sinto o mesmo. “Obrigado, por ter me feito tão
bem sempre, mesmo quando eu não mereci tanto assim.”
“Você sempre mereceu, sim.” Seguro seu braço que me toca
e o acaricio de volta. Os pelos em seu braço, a suavidade de sua
pele por baixo disso. Tomamos um momento só para nos
encararmos e isso é relaxante, observar cada contorno do seu rosto,
o azul profundo dos seus olhos, sua boca em um rosa fraco, seu
nariz com uma pequena protuberância, suas sobrancelhas grossas.
Tudo nele parece lindo, tudo nele parece bom demais para se
afundar, para que eu me derreta e eu já fiz isso, faço isso
constantemente.
Estou sempre me afundando nele, no que eu sinto. Estou
constantemente me derretendo com seu toque. Estou o tempo todo
o amando demais e isso é injusto.
Não sei dizer quem se inclinou primeiro, quem teve mais
coragem que o outro, quem cedeu mais fácil ao desejo. Mas um de
nós se inclinou para mais perto, e o outro fez o mesmo. E eu subi
minha mão até sua nuca, e então seu rosto. Nesse momento me
afundei mais um pouco, me recordando do sabor dos seus lábios e
o tomando em um beijo. Ou foi ele quem me beijou. Só sei que tudo
começou.
Estou perdida, mas nesse exato momento, quando nos
aproximamos mais dentro do beijo, me sinto pertencente a esse
lugar. A esse beijo, a esse toque, a esse contato tão bom. Não me
sinto perdida enquanto minha língua toca a sua, quando um gemido
sussurrado, pela saudade sentida, nos escapa dos lábios. Dado aos
nossos históricos, eu esperaria um beijo avassalador, que tirasse o
folego, que me deixasse sedenta por mais.
Quero mais, porém é uma exploração lenta, nossos lábios se
tocam com calma, aproveitando o momento, aproveitando tudo
porque sabem que vai acabar. Abraço sua cintura com o outro braço
e ele segura meu rosto com as duas mãos. Senti muita falta de ser
segurada por ele. É bom demais, além do que eu seria capaz de
descrever, além do que meu coração é capaz de bater. Eu sei,
nesse exato momento, enquanto me afundo, me perco e me
encontro em seu beijo, que cada batida é por ele. Ainda sou
inteiramente dele, mesmo que não seja.
É confuso, mas nesse momento nada parece mais certo do
que nossos toques, nossos lábios unidos nesse beijo lento e longo,
que dura e é perfeito. Dura até que o ar em meus pulmões se
esgote e eu deseje não precisar de ar, para não precisar parar de
beijá-lo. Mas eu preciso, e paro. O afastamento é lento, porque
nenhum de nós quer se afastar. Seus olhos seguem fechados, ele é
uma visão bonita demais.
Quando o azul infinito me encara novamente, com as pupilas
dilatadas deixando-os escuros, tenho a confirmação. Foi um
impulso, meu e dele. Ainda que tenha sido perfeito, foi um impulso.
Minhas mãos relutam para parar de tocá-lo e ele parece se sentir da
mesma forma. Ainda assim, nos afastamos, e parece levar minutos
até que uma distância segura seja restaurada.
“Eu deveria ir.” Ele parece tomar muita coragem para dizer.
Eu não tenho tanta para responder verbalmente, por isso só dou um
aceno.
Michael se demora mais um pouco, antes de sair da cozinha
e achar o caminho sozinho para a saída. Eu o assisto do mesmo
lugar. Trocamos um olhar singular enquanto ele segura a porta,
antes de sair e a fechar. E nesse olhar, ambos compreendemos que
acabamos de complicar um pouco as coisas, complicar demais as
coisas. Mas, da mesma forma que venho me torturado com meus
sentimentos, me torturo com a confirmação.
Porque ele ainda quer nós dois da mesma forma como eu.
Ele não desistiu completamente da forma como imaginei. Michael
parece também não compreender o porquê estamos separados.
Assim como eu.
 

 
EU NÃO DEVERIA ME SENTIR CULPADA, mas ainda assim, não
consigo me sentir de qualquer outra forma enquanto Colton afaga
meus cabelos, me contando sobre algumas reuniões que teve. Não
fiz nada de errado, sei disso. Sei muito disso, mesmo que as
palavras piniquem na minha língua para serem falada. Além de ter
se passado quase uma semana do acontecido já.
Hoje é a segunda vez que o vejo desde que tudo aconteceu,
desde que beijei Michael e foi perfeito. Também faz quase uma
semana que não vejo Michael. Não sei se a razão é somente
nossas rotinas corridas ou se há algo por trás disso. Chutaria alto na
segunda opção, porque acredito que ele sentiu o mesmo que eu
senti e, assim como eu venho tentando não pensar muito no
assunto, talvez ele esteja da mesma forma.
Entretanto, venho me sentido culpada todas as vezes que
converso com Colton, independente do assunto. Quero contá-lo
sobre o que aconteceu, porque acho que a honestidade sempre é
algo que prezamos muito na nossa relação. E percebo também que,
atualmente, me encontro na mesma posição que estava há alguns
meses, sem saber ao certo o que Colton e eu somos um do outro.
“Acho que vai ser um ano complicado. Nunca peguei uma
turma formanda, mas sei como eles são ansiosos demais para as
aplicações e como escolher a faculdade certa. Inclusive, a escola
quer me incluir na parte do conselho, que é um grupo de
professores que se pré-dispõe a conversar com os alunos sempre
que eles precisam. Ainda estou cogitando se aceito ou não, mas
devo aceitar”, ele me conta, e sei que está com um sorriso no rosto,
ainda que meus olhos estejam longe, pensando longe demais.
Também me sinto mal por essa questão, não o dar atenção o
suficiente quando ele sempre parece extremamente atencioso
comigo.
“Parece interessante, mas vai ter que estar preparado para
lidar com todo o tipo de adolescente inseguro e tagarela”, digo a ele.
“Eu meio que já lido com todos os tipos de adolescentes
todos os dias na escola”, ele replica e dou um aceno, porque não
tinha pensado muito sobre isso. “Você está bem? Pareceu meio…
longe a noite toda”, Colton pergunta, e me levanto do seu colo, me
sentando ao seu lado.
“Estou bem, porém quero conversar com você.” Toma toda a
minha coragem para dizer isso. Ele franze o cenho brevemente,
enquanto me acomodo melhor no sofá.
“Oh… ok. Sobre o quê?”
“Uma coisa aconteceu, semana passada, e acho justo te
contar sobre isso. Sempre fomos muito sinceros um com o outro,
você sabe exatamente como me sinto sobre… tudo. Sobre você,
sobre Michael.” Ele me dá um aceno, atento em minhas palavras.
“Sabe também que ele voltou para minha vida desde a morte da
minha avó, como um amigo.” Outro aceno faz com que eu prossiga.
“Semana passada, quando ele apareceu para jantar lá em casa, nós
ficamos. Quer dizer, foi um só beijo, mas aconteceu.”
“E você está se sentindo mal por isso. Não pelo beijo, mas
por toda a situação.” A afirmação de Colton só mostra o quanto ele
me conhece bem, e por isso confirmo com um gesto de cabeça.
“Desencadeou sentimentos que estava tentando manter afastados?”
“É complicado.”
“Eu vou entender”, ele me garante, e sei que sim, porque
gostamos da companhia um do outro, mas nós dois respeitamos
nossos passados. Não é exatamente como se estivéssemos usando
um ao outro para esquecer o passado, mas ambos queremos dar
uma chance para o agora, ambos queremos seguir em frente.
“Um pouco. Acho que é complicado ficar na amizade quando
alguns sentimentos ainda estão fortes demais dentro da gente.
Ainda que eu queira, não é como se tudo o que Michael e eu
vivemos evaporasse em dois segundos.”
“E?”
“Não sei se tem mais. Eu gosto dele, bastante, e gosto de
nós dois. Você me faz bem, eu quero que a gente dê certo, sei que
estamos no caminho certo. Achei que seria certo te contar sobre
isso. Nunca definimos limites, exclusividade, ou algo assim, mas
espero não te chatear com isso. Foi um beijo.” Não é uma
explicação, porque assim como eu, ele também sabe que não fiz
nada de errado. Talvez Colton também pensasse como eu, que isso
era questão de tempo para acontecer, porque Michael e eu temos
história.
“Ok”, ele fala depois de um tempo. “Posso entender. Às vezes
não controlamos nossos sentimentos e, como disse, nós nunca
oficializamos nada.” Colton respira fundo, e seus olhos buscam
pelos meus.
Ele tem sua expressão pacífica como sempre e todas as
vezes que me olha assim, compreendo os meus sentimentos por
ele. Gosto de Colton, me sinto atraída por ele e além de tudo, me
sinto confortável em sua presença, com ele ao meu lado, em nossas
conversas tranquilas. Estar com ele é fácil e descomplicado, é
tranquilo e calmo, e talvez eu queira um pouco dessa calmaria às
vezes. Sempre cogito que um dia posso acabar amando-o, porque
não deve ser tão difícil assim, ele tem tudo o que deveria ser
necessário para que eu o ame, só ainda não cheguei aí.
“Mas eu gostaria”, sua voz sai sussurrada em meio a um
silêncio e franzo a testa, não compreendendo direito. “Também
gosto muito de você, de nós dois. Ambos estamos buscando por
algo bom, por algo que acalme nossas mentes e corações. Eu adoro
estar com você, Beatrice, sabe disso desde o começo. Então
gostaria, não só porque temo qualquer coisa entre vocês dois,
porque já pensava nisso antes, e não porque estou chateado ou
algo assim. Gostaria que a gente desse mais um passo, para além
do casual, talvez.”
Não posso dizer que estou surpresa com isso, porque não
estou. Sei que uma coisa leva a outra e soube que, uma hora,
poderíamos chegar a esse ponto, do algo a mais, do próximo passo.
Acho que se estivesse com ele constantemente sem nem cogitar
isso, não faria sentido algum. Tenho vinte e sete e estou um pouco
sem tempo, sem disposição para joguinhos, se me envolvo com
alguém, é por algo além da sensação do momento.
“Eu entendo se não quiser, se quiser deixar isso para trás.
Contanto que possamos ainda ter contato, porque me preocuparei
para sempre com você, e é uma pessoa de quem eu gosto muito.
Mas acho que preciso disso. Nós conectamos nesse ponto, de
precisar das coisas esclarecidas.” Dou um aceno, porque ambos
temos nossos motivos para isso. Eu, por tudo o que passei com
Logan e recentemente a confusão com Michael, ele por causa do
relacionamento conturbado com a ex-namorada. Precisamos que as
coisas fiquem claras, para que seja evitado o maior sofrimento
possível.
“Eu…” Não sei bem o que dizer. Porque eu quero, mas, ao
mesmo tempo, estou confusa. É injusto. “Eu gosto disso, quero isso,
mas…”
“Sua vida está bastante turbulenta ainda, não quero te
pressionar a nada, só quero que saiba que essa é minha vontade.
Sei que agora deve estar ainda mais confuso, sei como é o
sentimento. Se precisar de um tempo para pensar sobre o assunto,
se é isso o que quer ou não, eu compreendo. Nossa relação sempre
foi baseada na honestidade e na compreensão, é algo que aprecio
muito entre nós dois e algo que me faz gostar do pensamento de
algo a mais.” Ele segura minha mão e deixa um afago gostoso na
minha pele. Não sei bem o que dizer, porque ele sempre foi muito
bom em ler meus sentimentos.
“Me desculpa. Por ser assim, por toda essa confusão.”
“Eu fiz isso uma vez, Bea. E você me aceitou disposta de
volta, acho que é justo que eu compreenda que é confuso para
você, que precisa pensar um pouco.” Ele traz meu torso até os
lábios e beija os nós dos meus dedos.
“Só não quero parecer ingrata.” Porque ele esteva ao meu
lado enquanto meu mundo desmoronava.
“Não fiz nada por algo em troca. Fiz porque você se tornou
alguém muito importante.” Dou um aceno, porque quero muito
acreditar nisso, já que sei que é a verdade. “Está tudo bem, de
verdade.”
“Eu só preciso…” Nem mesmo sei o que preciso, porque
preciso de muitas coisas.
“Acho que quer conversar com ele, primeiro.”
“É.” Porque ele consegue decifrar exatamente o que penso, o
que minha mente gira em círculos pensado. Quero descobrir o que
significou o beijo no sábado. Não faz nada ficar melhor, porque
pensar que preciso conversar com Michael primeiro antes de pensar
sobre ficar de fato com Colton ou não, deixa a impressão que ele é
a minha segunda opção.
Mas nem sempre a vida é feita de primeiras opções certas
para nós. Tive minha cota de outras tentativas que funcionaram
melhor. Ainda assim, acho que preciso disso.
“Você é muito bom comigo.”
“Os sentimentos são mútuos.” Ele beija novamente minha
mão antes de soltá-la. Demoro ainda para me levantar, calçando
meus saltos de volta.
“Três dias, é o que peço.”
“Está tudo bem, eu juro”, Colton repete, me acompanhando
até a porta. “Boa noite, Bea.”
“Boa noite.” Beijo sua bochecha demoradamente antes que
ele feche a porta e percebo que seu olhar para mim deixou a
entender muitas coisas. Acho que Colton compreende tudo o que
sinto agora, e parece saber também o desenrolar de todas as
coisas. Mas não posso ter certeza de nada, porque tudo ainda
parece confuso demais.
Ainda assim, deixo seu apartamento pensando em como a
vida é injusta, me trazendo duas pessoas boas demais, cada uma
de um jeito, ao mesmo tempo da minha vida. Entretanto, não sei o
que faria se um tivesse aparecido antes que o outro, ou quem eu
desejo que tivesse aparecido primeiro.
Me sinto confusa e terrível, porque sinto que estou, de certa
forma, brincando com os sentimentos de alguém, assim com o já
brincaram com os meus. Mas talvez seja eu novamente fazendo
com que tudo fique embaralhado. Talvez, dessa vez, seja eu mesma
quem estou brincando com meus próprios sentimentos.
E o pensamento não é nem um pouco reconfortante.
 

 
Talvez eu esteja sendo insistente demais, e provavelmente foi
por esse motivo que Callista me perguntou várias vezes se eu tinha
certeza disso, certeza que queria encarar novamente essa
conversa. E se eu tinha certeza que estava disposta a escutar seja
lá qual for a resposta, se estou certa que posso passar por tudo isso
novamente. E para que eu tenha certeza do que quero antes de
tomar qualquer decisão para agradar alguém. Sim, eu já tomei
algumas decisões para agradar os outros, porém aprendi com o
tempo a ser um pouco mais resistente a isso.
Além de tudo, sei que minha melhor amiga está preocupada
comigo. Está preocupada com o meu coração, que ele se parta
novamente. Sei que ela tem medo que eu esteja me entregando a
relacionamentos para preencher um vazio que me tomou nas
últimas semanas, ainda que ela não diga isso com todas as
palavras, eu a conheço e conheço seus olhares. Digo
constantemente para mim mesma que não, não estou fazendo isso
por nada além da minha própria vontade.
Mas às vezes até eu penso que posso estar mentindo para
mim.
Tento me apegar ao pensamento que preciso viver um dia de
cada vez, sem apressar as coisas. Mas não sou muito disso, gosto
de planejar, de pensar no que irá acontecer, gosto de tentar
premeditar as coisas. Entretanto, enquanto caminho para fora do
elevador, um dia depois da minha conversa com Colton, em direção
a academia do prédio, não consigo pensar no rumo que a conversa
que terei a seguir vai ter.
Não tenho a menor ideia.
Parte de mim quer pensar por um lado, outra parte quer ser
mais realista e aberta a qualquer que seja a resposta dele. Talvez
Callie tenha razão e eu esteja insistindo demais em algo que não é
para mim, mas acho que hoje posso compreender que o amor não
funciona de forma simples e convencional. Nem todas as vezes as
coisas vão de acordo com o planejado, e algumas vezes precisamos
arriscar um pouco mais, numa tentativa de fazer as coisas
funcionarem da forma como nosso coração deseja.
Sempre odiei livros que possuem triângulos amorosos,
porque sempre é bastante óbvio com quem o protagonista indeciso
ficará no fim. É bem óbvio quem a pessoa deseja mais, com quem
deseja ficar, ainda que haja dúvidas. Por isso odeio esse momento,
odeio minhas dúvidas, porque meu coração aponta para uma
direção e minha mente aponta para outra.
Eu deveria ficar sozinha. Talvez isso resolvesse as coisas de
forma mais simples, ainda que não menos dolorosas.
Empurro a porta de vidro e meus olhos logo focam na figura
de Michael. Ele está fazendo agachamentos com peso e para assim
que seus olhos me encontram pelo espelho.
“Oie.” É um cumprimento ansioso, e eu sei disso. Ele larga o
peso no chão e se vira para mim.
“Oie.” Essa é a primeira vez que nos encontramos de fato
desde o último sábado. Abro a boca, mas não sei por onde começar,
por isso a fecho de volta. “Você quer conversar”, a afirmação mostra
que ele consegue ler meus sinais muito bem, ainda que eu muitas
vezes me sinta leiga sobre os sinais dele. Acredito que os interpreto
sempre errado. “Sobre sábado”, ele complementa e dou um aceno.
“Serei incomoda?”, pergunto, já que irei interromper o treino
dele. Já é noite e sei que ninguém mais costuma usar a academia
do prédio nesse horário. Só o vizinho do terceiro andar, que
costuma vir depois das nove da noite. Teremos o espaço para uma
conversa tranquila, e o tempo, sem nos apressarmos ou termos
plateia.
Sabia que aqui seria um lugar mais tranquilo, mais seguro
para nossa conversa. Sem precisar bater na porta dele nem nada do
tipo. Ou continuar esperando que ele batesse na minha. A espera,
na verdade, é bastante incomoda e chata, porque nunca sei o que
esperar, nunca sei o que pensar. Ainda mais vindo de Michael.
Nunca sei se sua demora é pelo trabalho, por estar fugindo, ou
simplesmente porque não consegue se expressar.
“Nunca”, sua resposta vem quase que tardia. Ele se senta em
um dos bancos e bate para que eu me sente ao seu lado. “Está
chegando do trabalho?” Michael analisa minhas roupas, um pouco
desconfiado.
“Na verdade, combinei de ficar com a Belle essa noite.”
Callista tem uma confraternização da empresa e locais muito cheios
normalmente deixam Isabelle meio retraída, além de ter pouco para
fazer em meio a tantos adultos. “Mas ainda tenho tempo, por isso
resolvi descer mais cedo. Na esperança de te encontrar por aqui.”
“Me desculpa se fui muito invasivo aquele dia. Não queria
acabar… mexendo demais com as coisas.”
“Sabe que não foi. Mas mexeu um pouco com as coisas.”
Não posso negar isso. “Eu só queria saber o que aquilo significou.”
“Eu também.” Pela primeira vez em muito tempo, desde que
eu o conheço, Michael parece frágil, como se estivéssemos mesmo
na mesma posição confusa sobre nós dois. “Eu não sei o que
significou. Um ato impulsivo? Um desejo reprimido? Você consegue
determinar o que significou?” Ele joga para mim e pressiono os
lábios juntos, porque também não sei a resposta para a pergunta,
assim como ele. “Mas significou alguma coisa, se isso te serve de
algo”, seu sussurro quase me faz duvidar do que escuto, mas
quando viro meus olhos para ele, vejo seus olhos em mim. O azul
cravado em minha pele. Está em um azul claro hoje, preenchido
pelas dúvidas enquanto me olha.
“É.” Torço minhas mãos no colo, nervosa como sempre fico
pensando no assunto, nervosa porque não sei exatamente o que
planejava para essa conversa. “Você e eu, temos alguma
perspectiva de futuro? Porque as vezes me pego pensando nisso,
se devo esperar você compreender seja lá o que tem dentro de
você, ou se devo tomar o rumo da minha vida, tentando deixar isso
para trás. Mas acho que não consigo fazer isso se souber que existe
alguma coisa. O que tivemos, foi bom e foi novo, e foi tudo o que eu
queria e nunca nem imaginei. Sempre tive ideias distorcidas sobre
estar com alguém, sempre tive ideias de coisas turbulentas,
aventuras demais, não achei que pudesse achar o ideal na calmaria,
na rotina gostosa e calma. Entretanto, eu achei.”
“Eu sei que muita coisa mudou, mas será mesmo?”, prossigo.
“Acho que ambos conseguimos compreender que foram brigas
estúpidas, discussões sem sentido algum, palavras ditas ao vento
para afastar um ao outro, para alguém sair por cima. Mas também
podemos compreender que sempre houve algo além ali. Por muito
tempo, Michael, sempre achei que eu constantemente fazia teorias
sobre relacionamentos que tinha com caras aleatórios, que
imaginava coisas demais, porém sei que não foi isso dessa vez.
Não estou me iludindo de novo com uma ideia que só existe na
minha cabeça. Não me iludi com algo sozinha, porque não estava
acontecendo só comigo.”
“Não, não estava”, ele confirma, desviando seus olhos de
mim e balançando a cabeça negativamente. “Não estava se iludindo
com nada. Pelo amor, Beatrice, você virou tudo de cabeça para
baixo e hoje nem mesmo sei o que dizer, parece só que estou
constantemente na beira de voltar a fazer algo muito errado, voltar a
dizer e fazer coisas estúpidas. Nunca pensei que fosse ter algo
assim, que fosse sentir algo assim, e o pior de tudo é que, mesmo
que eu pense que deva tentar, não parece justo. Estou sempre
pensando que posso voltar a fazer alguma merda a respeito de nós
dois e isso é horrível, porque me mostra que não mereço nada
disso, não mereço tudo o que você significa na minha vida. Sabe,
vivi minha vida inteira achando que nunca iria ter isso, passei os
últimos anos presenciando isso e me conformando que, tudo bem,
nunca iria ter e estava bem com o pensamento. Mas agora que
finalmente descobri sobre o que isso se trata, consigo ter
consciência o suficiente para saber que devo deixar ir. Se realmente
me importo muito, se realmente quero o melhor para alguém que
traz tudo isso para mim, se realmente sou capaz de ser altruísta
com a pessoa que me trouxe coisas boas, preciso ter noção que
não sou o suficiente, que você não merece ficar com alguém como
eu.” Seus olhos voltam a procurar pelos meus e eles brilham em
algumas lágrimas acumuladas, assim como os meus devem estar.
“Você merece alguém que não te faça duvidar de nada, alguém que
te traga muitas certezas e não sei se sou essa pessoa agora. E não
quero acabar te machucando ainda mais.”
“Mas…” Quero contrapor com algo, mas não consigo
raciocinar direito agora, por isso ele prossegue.
“Significou algo, significou muito para falar a verdade. E
sendo honesto, passei a última semana tentando fingir que não
podíamos nos encontrar porque eu simplesmente não sabia o que
dizer, não queria ter que chegar nessa situação e precisar falar o
que eu devo, o que é certo falar. Queria muito conseguir me resolver
comigo mesmo, conseguir compreender melhor o que sinto,
conseguir acreditar que posso ser alguém certo, conseguir fazer as
coisas certas mais do que faço coisas erradas, mas venho
descoberto que sempre fui bem ruim lidando com a minha vida
pessoal. Tenho vinte e cinco e achei que a esse ponto seria melhor
em conseguir controlar tudo isso, sempre fui bom controlando meus
sentimentos, mas descobri com você que nunca tinha os sentido de
verdade. E você é incrível, e eu nem mesmo consigo descrever o
quanto incrível você é. Você é uma das mulheres mais fodas que já
conheci, Bea. É incrivelmente inteligente e acho que você não
escuta isso com a frequência que deveria, porque sei que as vezes
duvida da própria capacidade, mas, por Deus, você é capaz de tanta
coisa, de tudo o que quiser. Você gosta de pensar que tudo é
sempre um grande trabalho em equipe, e sim, é, mas você é quem
faz a maior parte de tornar todo o conglomerado da Oakles cada vez
mais conhecido nos Estados Unidos, em toda América do Norte.
Você é engraçada e é capaz de entrar em qualquer ambiente e se
misturar, não de forma ruim, mas porque você sempre consegue
fazer com que as pessoas te adorem, porque é muito adorável. É
linda e eu ficaria um bom tempo descrevendo o quão linda você é.
Dos pés, constantemente maltratados pelos saltos que não tira, aos
fios de cabelo macios. E sei que muita gente sempre faz com que
você duvide de você mesma em infinitos fatores, e sei que muita
gente faz você duvidar do quanto você é linda, capaz, inteligente, do
quanto você é espetacular, mas saiba que você é tudo isso. E eu
acho que foi fácil acabar amando você por causa de tudo, porque
você é você. Mas por esses mesmos motivos, não acho que você
precisa de alguém como eu na sua vida, que possa trazer dúvidas,
quem sabe inseguranças, que não possa te fazer ter a constante
certeza de tudo isso. Eu baguncei as coisas sem motivo nenhum,
acho que isso mostra um pouco… de tudo.”
Eu não acredito muito nas palavras dele, porque não consigo
considerar uma situação como o todo. Não consigo ouvir tudo isso
vindo dele, todas essas palavras que me arrancam algumas
lágrimas que não consegui impedir de caírem, e pensar que ele não
é o cara certo. Não consigo pensar que não vá existir a
possibilidade de conseguirmos lidar com tudo, não quero acreditar
porque não sei se consigo viver nisso de só amigos com ele, porque
Michael me mostrou um lado diferente sobre o amor, sobre
sentimentos de forma geral.
Toda positividade que eu gostaria de ter sobre esse
momento, é esgotada pouco a pouco, porque eu sabia que
precisava estar preparada para a realidade, para qualquer coisa que
pudesse estar por vir, mas não queria que fosse assim, não queria
precisar escutar tudo isso e amar ele ainda mais por todas essas
palavras e precisar escutar que ele não acha ser o suficiente para
mim. Entretanto, compreendo, consigo compreender.
Da mesma forma que eu não quero pressioná-lo a algo que
ele não parece estar seguro de ter, ele não quer acabar colocando
nós dois em situações ruins, em brigas desajustadas, em
inseguranças sem fim. Ambos compreendemos que o amor tem que
ser calmo e constante. Eu acredito que não seria da forma como ele
pensa, confio que não seria porque uma ou duas situações não
definem tudo o que tivemos, um momento de medo não define tudo
o que passamos, ainda mais porque ambos conseguimos entender
o que aconteceu de errado. Porém, não posso forçá-lo a pensar
como eu.
Dou um aceno fraco e ele corre o polegar pelas minhas
bochechas, limpando as lágrimas que caíram e eu toco o seu rosto
também. O suor dos exercícios secou e ele fecha os olhos pelo meu
contato.
“Acho que é isso”, sussurro para ele. “Me desculpe, por não
ter conseguido fazer dar certo.”
“Não, por favor.” Michael abre os olhos para mim e deixa que
uma singela lágrima escorregue, mas eu a pego no meio do
caminho. “Não acho que seja culpa de alguém, talvez seja o
momento, seja a forma como cada um de nós lida com as coisas, o
fato de eu não conseguir ser tão bom como você nisso, por não
conseguir compreender bem tudo isso.”
“Você sempre vai ser importante para mim.”
“Você sabe que também será.”
“Mas acho que talvez seja melhor… darmos um tempo nisso
tudo. Amizade é uma zona segura…”
“Porém temos sentimentos demais envolvidos”, ele completa
minha fala, e dou um aceno. Ele abaixa a mão e eu faço o mesmo.
“Eu entendo, e acredito que seja melhor. Odiaria continuar
magoando você aos poucos.” Balanço a cabeça em compreensão
outra vez.
“Eu deveria ir.” Porque não sei se faria bem para nenhum de
nós dois se eu ficar aqui. Me inclino e deixo um beijo em sua
bochecha, escuto Michael suspirar. “Tchau.”
“Tchau, se cuide”, ele me diz, enquanto eu levanto,
arrumando a bolsa no ombro antes de caminhar até a porta. “E,
Bea?”
“Sim?”
“Desculpe por não ser o suficiente.”
“Você sabe que é, ou poderia ser. Você já é muitas coisas
para mim.” Minha resposta arranca dele somente o silêncio, por isso
só dou as costas, saindo da academia e cogitando se conseguirei,
de fato, deixar Michael para trás.
 

 
 
O PERFUME QUE PREENCHE O ELEVADOR não deixa dúvidas
que estou descendo poucos minutos depois que Beatrice, e me
arrependo de não ter pego as escadas. Não morreria por descer um
lance de escadas e não precisar ser invadido por esse cheiro e
pelas lembranças que me trazem. É delicioso, porque tudo que
remete a ela é assim.
Eu sei que foi o combinado estarmos afastados, mas não
consigo compreender exatamente o que é pior, a distância ou a
proximidade, nada parece ser o suficiente. Mesmo que eu não a
veja há quase duas semanas, sua imagem está constantemente na
minha mente, consigo escutar sua risada no silêncio, sonho com
seu sorriso, anseio por um toque que não vai vir. Me sinto sempre
rodeado por ela, mesmo que ela não esteja aqui.
Entretanto, sei que se seguíssemos na relação amigável, isso
nos colocaria ainda mais próximos de um fim. Era eminente. Podia
quase sentir que o afastamento iria acontecer para nós dois,
primeiro conversas sem respostas, encontros que não
aconteceriam, olhares estranhos. É estranho como duas pessoas
que se conhecem tão bem começam a parecer estranhos um na
presença do outro. Odeio pensar que fui eu quem nos levou a isso.
Odeio pensar que a culpa é minha, que poderia não ter
cedido ao desejo, e depois não ter me permitido a isso, depois ter
sabido lidar direito com meus sentimentos e tentar não magoá-la.
Mas me permiti a tudo, ao desejo que gritava em meu peito, ao
sentimento expansivo, a presença confortável dela, me permiti amar
cada pedaço que Beatrice me deixava saber sobre ela, me permiti
porque eu nunca tinha feito isso, e pela primeira vez confiei em
alguém o suficiente para isso.
“Ei”, Daphne diz quando abre a porta do apartamento deles e
abre os braços. É estranho pensar que ela, com sua altura mediana,
braços finos e corpo esguio consegue me englobar em um abraço e
não o contrário. Mas seus olhos me desvendam, porque ela sempre
fez isso muito bem, e o cumprimento dela é mais longo do que o
normal. Não é só um abraço de; oie, senti sua falta. “Por que eu
sinto que se abraçar você mais um pouco vai se despedaçar em
meus braços?”, ela sussurra para mim, não me largando mesmo
assim. E eu aproveito o abraço da minha irmã um pouco mais. Me
permito isso também.
“Oie”, respondo, me afastando dela. “Eu estou bem.”
“Eu te conheço, Mike.” Mas eu prefiro não responder isso,
porque não sei se quero estragar o jantar tão cedo. Matteo, Daphne
e as meninas chegaram hoje cedo para passar alguns dias na
cidade antes do casamento de Becks, no sábado.
“Acho melhor entrarmos. Me disse que o jantar já estava
pronto.” E, mesmo relutante, ela abre espaço para que eu entre.
Troco um cumprimento rápido com Matteo, que me dá um
olhar estranho também e prefiro não ficar para responder as suas
perguntas. Caminho até a sala e abro meu melhor sorriso em dias
quando vejo minhas duas sobrinhas brincando na sala. Tomo meu
tempo recebendo abraços e beijos, e tentando decifrar longas
histórias enquanto Matteo e Daphne terminam de colocar a mesa.
Boa parte são oies e titio, mas elas estão boas falando Mike
também, o que é adorável.
Também é adorável vê-las andando até a mesa, mas fico
inseguro que elas caiam, ainda que Matteo me garanta que elas
estão indo muito bem nisso e provavelmente consigam fazer o
caminho até o altar com as alianças sozinhas.
“Ok, alguma coisa aconteceu.” Daphne quebra o silêncio do
jantar. Mesmo que Matteo tenha tentado preencher com algumas
conversas monótonas sobre o trabalho, não é como se minha irmã
comprasse isso. Olivia aproveita a distração da mãe para pegar uma
batata com vontade e colocar na boca. “Você pode tentar conversar
com a gente ou pelo menos afirmar minha teoria.”
“Não fez uma pergunta. E você sabe a resposta.” Porque
contei, em meias palavras, o que aconteceu entre Beatrice e eu. “É
só estranho, mas vai passar.” Ou pelo menos eu espero isso. Matteo
e Daphne trocam um olhar e odeio quando os dois fazem isso,
porque é um tipo de troca da qual eu não faço parte, nem sei o que
significa. “Não façam isso. Não conversem entre si com esses
olhares como se eu não estivesse aqui.”
“É só que, manter sentimentos para si, nunca lhe fará bem”,
Matt fala, limpando as bochechas de Faith cheias de restos de
brócolis comido há pouco. “E é bem óbvio que não é simples assim.
Não passa dessa forma, também não funciona assim. Simplesmente
deixar de lado não resolve problema algum.”
“Não sei se falar muito sobre o assunto também resolve muita
coisa.” Levanto os ombros e escuto Daphne suspirar, entretanto os
dois parecem deixar o assunto de lado novamente e o som dos
talheres é o único no cômodo, assim como as recusas das meninas
para algum alimento.
Provavelmente não é o jantar ideal que os dois imaginaram e
talvez eu devesse ter recusado o convite, porque sabia que não
seria uma boa companhia, mas foi um pouco egoísta, porque queria
uma companhia essa noite. Raphael me diria que posso encontrar
uma companhia fácil em qualquer lugar, nem mesmo preciso fazer
esforço, porém não é mais o suficiente. Não consigo mais
simplesmente encontrar uma mulher e ficar com ela, é como se
agora precisasse envolver sentimentos, e os meus estão
depositados em uma única pessoa.
Ou talvez eu só esteja ainda sentindo demais tudo o que
aconteceu para conseguir achar distração em sexo fácil e rápido.
Sempre achei e sempre apreciei, mas não posso mais, acho que
não consigo para o momento fazer isso. E em alguns momentos, o
trabalho não é o suficiente para ocupar minha mente a ponto de não
lembrar de nada, e não poderia partir para o álcool, ou teria
problemas ainda maiores.
Quero acreditar que vai passar, que uma hora o sentimento
irá, gradativamente, ir embora, ou pelo menos reduzir sua
intensidade.
Não é muito estranho perceber que o jantar acabou sem
maiores conversas e quando Daphne se levanta para começar a
tirar as coisas, Matteo faz o mesmo.
“Vou levar essas duas bagunceiras para uma boa limpeza de
mãos e bochechas enquanto vocês organizam por aqui.” Ele sorri
largo quando as meninas acham graça do que ele fala e fico feliz
todas as vezes que vejo meu melhor amigo assim, feliz de novo.
Matteo pega Olivia e Faith uma em cada braço e elas se abraçam
no pai enquanto são levadas pelo corredor.
“Foi uma saída sutil”, brinco, me levantando da mesa para
ajudar Daph, porque sei que fui deixado sozinho com ela por algum
motivo. “Mas ok, ele só precisa melhorar as habilidades de mentir”,
complemento, pegando os pratos para acompanhá-la até a cozinha.
“Não fale assim. Acho que ele te conhece muito bem e me
conhece muito bem.”
“Sim, essa segunda parte ainda é um pouco irritante”, zombo
dela, e recebo uma revirada de olhos da minha irmã. “É verdade, às
vezes é irritante o quanto vocês dois combinam.”
“Pequenos passos para um grande resultado”, ela responde,
e então faz uma careta. “Estou virando as típicas mães de filmes
com frases motivacionais bregas.”
“Ainda mais porque está grávida de novo”, sussurro,
provocando minha irmã e recebendo a confirmação que eu
precisava. Ela estanca no lugar, me olhando com os olhos
arregalados antes de olhar ao redor. “E o Matt ainda não sabe.”
“Não troque de assunto.” Mas isso me faz soltar uma risada
baixa, porque é exatamente o que ela está fazendo. “Vou contar
para ele final de semana, não estrague as coisas.” Ela aponta para
mim com o indicador antes de ir pegar o resto das coisas na mesa.
“Como descobriu?”
“Você não recusa muito taças de vinho no jantar, pelo menos
não que eu saiba. E não comeu mais do que duas ervilhas, e você
ama ervilhas. Também não comeu muito do frango ao molho branco,
o que também adora.” Aponto para o prato dela, antes de descartar
o resto da comida e acomodar o prato no lava-louças. “Desconfiei
que não tivesse, subitamente, mudado o mesmo gosto que tem há
vinte e cinco anos.”
“Não tive nenhum enjoo ainda, hoje foi o primeiro e posso
dizer que tenho um sentimento que será pior do que da primeira
vez.”
“Parabéns”, digo, terminando de colocar tudo na lava-louças
e me aproximando dela. “Estou feliz por vocês.” Abraço minha irmã
e ela envolve seus braços ao meu redor. Dessa vez, sou eu quem a
englobo em um grande abraço.
“Estou feliz. Não era o esperado, ou muito planejado, mas
estou feliz.” Sua voz sai um pouco embargada.
“Você é uma mãe incrível.” Beijo sua testa quando nos
afastamos e ela respira fundo. Sei que se sente sempre melhor
quando recebe elogios assim, porque às vezes Daphne precisa ser
lembrada constantemente que é uma boa mãe, nada parecida com
a nossa. Ela é perfeita para as meninas, e me sinto um tio feliz por
saber que terei outro sobrinho, quem sabe um menino dessa vez.
“Matteo irá ficar maluco com a notícia.”
“Estou ansiosa por isso”, ela replica, pegando um copo de
água. “Mas não é sobre isso.”
“Daph…” Mas minha irmã me para com um gesto com a mão.
“Não, Mike, você precisa saber ouvir um pouco também. Me
desculpa por ter sido uma péssima conselheira da última vez, às
vezes eu deixo meus sentimentos tomarem mais conta que a razão,
e às vezes fico estressada de ver você assim, só porque cria algo
na sua cabeça e acredita ser o certo. Você merece ser feliz também,
sabia disso? E ser feliz é incrível. É incrível se permitir amar alguém
tão forte, e você ama, só não se permite. Você ama a Beatrice, mas
criou tantas coisas para se impedir de amar ela, e essa é a razão
pela qual você está mal. Você se apegou a uma coisa pequena e fez
disso o seu maior motivo. O amor não é feito só de uma coisa, é
feito de várias, mas a gente precisa distinguir quando vale a pena ou
não tentar remediar as coisas ruins com as boas. A gente precisa
saber quando realmente vale a pena amar. Esse amor não vale a
pena para você, esse é o motivo por não se permitir senti-lo?”
“Vale muito a pena, vale tudo.”
“Então, por quê?”
“Porque não sou o suficiente para ela, e nunca vou ser.”
“Quem disse?”, ela replica quase em uma súplica. “Quem
disse que não é o suficiente? Ela ou você? Quem definiu esse
padrão sobre ser ou não o suficiente? Porque é um padrão bem
idiota, preciso dizer. Se esse amor vale a pena, o que é ser ou não o
suficiente?”
Eu me calo, porque não sei como responder. Daphne me
pressiona de uma forma que me faz olhar as coisas por um novo
ângulo. Mas, ainda assim, balanço a cabeça em negação, porque as
coisas não funcionam assim, não é simples assim, sei que não deve
ser.
“O primeiro passo é descobrir que fez algo errado, o segundo
é se desculpar, o terceiro é mudar a respeito disso. Acho que você
cumpriu todos os três passos desde que cometeu o seu grande erro.
Insegurança é uma droga, eu sei disso, penso que tem algo a ver
com nossa genética, mas não nos mostra exatamente a verdade.
Nem tudo que nossa insegurança nos leva a pensar é o certo. Não é
porque julga que não é o suficiente, porque acredita que talvez
exista algo melhor para ela, que está certo. Já pensou no que
Beatrice, de fato, deseja?”
E isso me faz lembrar a última coisa que ela me falou, na
porta da academia há alguns dias, sobre ser ou poder ser o
suficiente, sobre já ser tantas outras coisas para ela. Talvez eu
esteja sendo imaturo, talvez eu esteja fazendo a coisa errada, talvez
isso não seja o certo, talvez eu esteja pensando tudo ao contrário,
talvez muitas coisas. Estou confuso e, sim, me sinto muito inseguro,
porque descobri também que amar é ficar um pouco vulnerável. Se
eu falasse isso para Daphne, ela replicaria com alguma coisa sobre
isso ser mentira, porque ela provavelmente se sente forte com o
amor de Matteo, e vice-versa.
“Eu não sei”, minha resposta é um sussurro. Ela morde o
lábio inferior e solta os ombros para baixo. Suspiro, balançando a
cabeça em negação. “Eu não sei se o que estou fazendo é o certo,
mas não quero magoar ela de novo.”
“Não foi tão ruim assim”, Daphne começa. “Foi uma
discussão, os dois acabaram de cabeça quente, você disse coisas
que não queria, ela também, ambos conseguiram perceber isso.
Não é válido ao menos tentar?”
“Ela já está com outra pessoa.” Lembro-a.
“Ela procurou por você para uma conversa, para descobrir
algo. Se não fosse nem um pouco importante, se fosse uma
segunda opção, ela provavelmente não teria feito isso.”
“Mas…”
“É você quem, constantemente, está colocando empecilhos.
Você está com medo, amar sai do controle, vai além do que a gente
planeja, do que a gente acha que pode prever. Você sempre gostou
do controle, sempre gostou do premeditado. Não estou te julgando,
eu entendo um pouco. Só… acredite em você um pouco mais. Você
é o suficiente, ela sabe disso já, mas nem sempre podemos insistir
sozinhos, ela não vai insistir para sempre, muito menos insistir
quando acha que fará isso para sempre sozinha.”
Penso sobre isso, porque talvez os sinais realmente me
mostrem isso que Daphne fala, que Beatrice insistiu sim, ou não
teria me procurado nenhuma vez, ou não teria querido alguma
explicação, algum significado para nosso beijo. Mas, ao mesmo
tempo, o que eu lhe disse provavelmente a empurrou direto para os
braços de Colton, talvez fosse o que ela precisava.
“Eu quero ser o suficiente”, admito, porque ciúmes não é a
única coisa que sinto quando cogito ela com outra pessoa. É
também uma dor. “Mas não sei se consigo ser.”
“Sim, você consegue, e acredito que não sou a única que
pensa assim. Dê uma chance, ao menos. Se realmente achar que
não consegue isso, que pode acabar saindo mais machucado ainda,
que pode machucar ela, tenha a decência de ir embora. É melhor ir
embora do que simplesmente quebrar algo bonito. Mas eu penso
que você, ao menos, deveria tentar.”
“E se for tarde demais?”
“Nunca saberá se não pensar em fazer algo a respeito.” Ela
levanta os ombros. “É terrível ver você assim, é tão óbvio que não
está bem, que não está feliz com a forma como as coisas ficaram,
mas, ainda assim não se permitir ir em busca da sua felicidade.
Talvez fique amargurado para o resto da vida pensando nos infinitos
e se. E se tivesse feito diferente, e se tivesse ido atrás, e se tivesse
dito a ela que a amava e aceitasse isso, e se não fosse embora.”
“Quando você ficou tão sábia assim?”, digo, com um sorriso
de canto.
“Quando eu me permiti. Mas sempre fui um pouquinho mais
inteligente que você.” Daphne não perde a oportunidade de brincar
comigo de volta. “Pense sobre isso, mas pense com o seu coração,
com todo o amor que tem. É capaz de fazer tudo valer a pena? Ou
acha que é melhor simplesmente desistir? O que é mais válido; ficar
o tempo que for ao lado dela ou fazê-la uma passageira de curto
período na sua vida? O que você quer mais?”
Eu quero ela.
Essa é a resposta que me vem de primeira e Daphne sorri,
quase como se conseguisse escutar meus pensamentos. Porque
essa resposta é a réplica necessária para qualquer outra pergunta,
para qualquer pergunta. É válido ir atrás, é válido tentar, é válido me
esforçar para ser o suficiente. Ela vale todas as tentativas.
Daph estende a mão e eu seguro, recebendo um pequeno
afago.
“Quero que você seja feliz, acima de tudo”, ela diz. “Eu amo
você, Mike. Você é uma das minhas metades.” E eu sei que Daphne
hoje é repleta de metades.
“Eu amo você também”, falo de volta. “Obrigado.” Ela sorri e
seus olhos brilham em lágrimas, mas Daphne funga para afastá-las.
“Eu estou muito feliz por você.” Puxo minha irmã para um novo
abraço e ficamos assim por um tempo. É bom, reconfortante.
Sempre fizemos um do outro nossa verdadeira casa, sempre fomos
o tudo um do outro, e sempre seremos, independente do que
venham em nossas vidas. Sempre serei tudo o que ela precisar de
mim e sei que minha irmã faria o mesmo. “Prometo que irei pensar.”
“Fico feliz de ouvir isso.”
“Ela vale a pena tudo, ela vale tudo. Ela é provavelmente
tudo de mais valioso que tive na minha vida nos últimos tempos, foi
a melhor pessoa que entrou na minha vida.” Daphne me olha com
uma provocação pronta. “Família não conta.” Ela ri, deixando com
que uma lágrima escorra. Nos afastamos e passo o polegar para
limpar sua bochecha. “Acho melhor eu ir para casa.”
“Ok.” Ela me dá um aceno. “Acho que posso ter melhorado
nos meus conselhos.”
“Sempre foi ótima neles, eu quem não soube ouvir direito”,
digo, enquanto voltamos para a sala de estar. Matteo está na sala,
silenciosamente com as meninas. “Estou indo”, anuncio para ele,
que se levanta, analisando nós dois. “Está tudo bem”, falo para
tranquilizar meu melhor amigo. Daphne abraça minha cintura,
olhando para ele.
“Só uma conversa muito produtiva entre irmãos.”
“É, bastante.” Beijo o topo da cabeça da minha irmã.
“Obrigado pelo jantar.” Mas quero agradecer por muito mais do que
isso, porém ela compreender com um aceno. Me solto do seu
abraço, trocando um abraço com Matteo e beijando as bochechas
gordas de Olivia e Faith. “Jantar amanhã na minha casa?”
“Se estiver livre para isso”, Daphne diz com um sorriso largo
e Matteo franze a testa. Óbvio que ela está muito otimista, mas não
sei se sou capaz de conseguir digerir toda nossa conversa e ainda
conseguir tentar ter minha garota de volta em vinte e quatro horas.
“Nos avise.” Ela pisca para mim e dou um aceno, confirmando,
antes de caminhar até a porta.
Os deixo para entrar novamente no elevador que ainda tem o
mesmo maldito cheiro do seu perfume floral. Eu só quero senti-lo
novamente por todo o meu corpo, todos os meus dias, quero senti-la
inteira com a ponta dos dedos de novo, a quero em minha vida e,
mesmo que não seja tão positivo quanto Daphne, estou torcendo
para que não seja tarde demais, estou torcendo para que eu ache
as palavras certas essa noite, que consiga ser melhor me
expressando, e que eu consiga dizer tudo a ela amanhã.
Quem sabe eu ainda tenha sorte, quem sabe nós dois ainda
temos uma segunda chance, ou terceira. Quem sabe ela ainda
consiga querer aceitar esse cara meia boca que sou, porque estou
mais do que disposto a tentar ser o suficiente para ela. Eu a quero,
e por isso quero conseguir todas essas coisas. Porque ela vale
todas as minhas tentativas.
E quando estou pensando por onde devo começar, sou
despertado dos meus devaneios assim que saio pelas portas do
elevador, quando sua voz me chama enquanto ela está parada,
encostada contra a porta do meu apartamento.
“Oie.”
 

 
OS OLHOS DA MINHA MELHOR AMIGA SÃO como olhos de lince
para cima de mim enquanto ela coloca a travessa na bancada da
cozinha. Levo a mão e pesco um dos frangos fritos, fingindo não
notar como Callista me olha e levo-o até a boca. Ela também parece
não estar em um bom momento de inspiração, porque não diz nada,
só pressiona os lábios juntos e suspira, soltando as tranças do
coque que fez.
“Quer outra cerveja?”, sua pergunta é feita enquanto ela
recolhe minha garrafa vazia.
“Acho que vou parar por aqui.” Porque o álcool não está
fazendo tanto efeito assim e não acredito que seja a melhor
escapatória para qualquer pensamento. Não é escapatória para
nada. “Nunca me falou como foi para entregar o presente para o
estagiário.”
“Tranquilo, acredito que ele tenha gostado”, ela fala sem
muito entusiasmo, mas percebi quando engoliu em seco a princípio,
como se temesse que minhas palavras fossem outras. Olho para ela
com os olhos semicerrados, mas Callista finge não notar enquanto
pega outra cerveja para si. “Já conversou com Colton?
Sei que ela tem um interesse genuíno sobre a minha vida,
entretanto, sei também que a mudança de assunto de volta para
mim é para fugir de algo que ela não quer me contar. Penso em
insistir mais um pouco, porque também não quero falar sobre o
assunto que ela coloca na mesa, porém sigo comendo meu frango
até finalizá-lo, tentando achar as palavras boas para explicar para
Callie que ainda não fiz nada do que deveria.
“Não. Mas um ainda não”, digo, limpando minhas mãos no
guardanapo e indo atrás de uma garrafa de água na geladeira.
“Conversamos por mensagem, mas acho que ele também não quis
tocar no assunto, porque eu não toquei. Porém, também acredito
que seja um pouco óbvio a essa altura como as coisas se
sucederam. Ele deve imaginar isso. Então, porque não
simplesmente deixar as coisas acontecerem sem precisar ter outra
conversa chata, estou cansada de conversas chatas.” Suspiro,
levantando os ombros antes de beber um longo gole de água.
“Prometo que irei resolver isso antes do final de semana.”
“É o que quer mesmo?”, essa é uma pergunta que Callie tem
me feito com bastante frequência nos últimos dias, constantemente
preocupada que eu não esteja certa sobre as coisas, que não esteja
pensando de fato com meu coração, que preciso dar mais atenção a
essa parte de mim do que qualquer outra coisa. Eu entendo, mas ao
mesmo tempo não quero entender. “É assim que quer resolver as
coisas?”
“O que quer dizer?”
“Não está feliz com a forma como tudo está se sucedendo,
não era assim que você queria que as coisas fossem. Não está bem
com tudo isso, é nítido. Então quer mesmo resolver as coisas dessa
maneira? Quer mesmo conversar com Colton e simplesmente
ignorar seus sentimentos?”
“Não é simples assim.”
“Acho que é bem mais simples do que você pensa”, ela
replica, deixando de lado seu pedaço de frango, metade comido. “É
melhor simplesmente não ter nada do que se sentir para sempre
infeliz com o que vai ter. Sei que gosta do Colton, mas não gosta
dele da forma como gosta de Michael e irá, a todo instante,
comparar os dois. Não é justo com ele, nem com você, porque
reprimir seus sentimentos assim não trará bem algum para você,
amiga.”
“E o que eu deveria fazer? Michael já decidiu.”
“Michael já decidiu tudo por todos e por assim ficou. Ele
decidiu que não é a melhor pessoa do mundo e você comprou.
Entendo que esteja cansada disso e só está querendo evitar
discussões, entretanto também simplesmente aceitou o fato de que
é um ou é outro. Você não vai superar o que sente por Michael
estando com Colton. E além de tudo, também já sabe, aí dentro,
que Michael não é tão ruim assim, mesmo que ele tente fazer você
acreditar nisso, porque é nisso que ele acredita. Se também quer
comprar essa ideia, tudo bem, mas não minta para si mesma, não
reprima seus sentimentos.”
“E o que eu deveria fazer, Callie? Ir novamente atrás dele? Ir
novamente pedir para que ele compreenda meus sentimentos, ouvir
outra declaração linda só para novamente precisar ir embora?”, digo
exasperada para ela, cruzando os braços com minha frustração.
“Eu não sei, mas se quer a minha opinião, também acho que,
se ele não quisesse no mínimo um pouco de você, se não
acreditasse pelo menos um pouco em tudo, não se daria o trabalho
de declarações lindas, porque ele não sabe simplesmente ir embora
sem dizer nada, ele poderia não seguir te mostrando os sentimentos
dele. Penso que, mesmo sem perceber, ele constantemente te
mostra os sentimentos dele porque quer que você veja isso, e deve
haver um motivo para que ele queira tal coisa.” Ela bebe da sua
cerveja, tomando fôlego. “Mas nem vamos falar de Michael, vamos
falar de Colton. Acho que estou cansada por você, Bea. Isso de um
cara ou outro não está sendo a melhor coisa do mundo para você e
sabe disso. Você gosta de Colton, mas não quer ficar com ele, então
por que insistir?”
“Como pode saber disso?”
“Porque eu te conheço, porque sou sua melhor amiga e
mesmo quando tenta esconder as coisas de si, não é boa
escondendo elas de mim”, Callista me aponta. “Eu odeio te ver
triste, e atualmente está tomando uma atitude que eu sempre fiquei
feliz por ter deixado para trás, mas voltou a ter. Está sendo
resignada sobre a situação. Sabe que merece mais do que coisas
meia boca, mais do que sentimentos pela metade. Você merece um
amor fácil, isso é verdade, e nem tudo vem fácil, mas acima de tudo,
merece o amor verdadeiro.”
Isabelle parece um pouco frustrada com a própria
brincadeira, chamando nossa atenção e fazendo com que Callie vá
até ela, tentando descobrir o que a filha deseja. Começo a olhar a
interação das duas, mas minha cabeça está longe demais. Está nas
palavras de Callista, está nas palavras de Michael e nas minhas,
está nas lembranças, boas demais para serem apagadas, está em
Colton, que sofreu o suficiente e não merece mais ninguém
brincando com ele. Nunca teria a intenção de fazer isso, nunca iria
querer machucá-lo voluntariamente, mas não sei se conseguiria
controlar isso também.
Meus sentimentos por Michael são grandes demais, é
expansivo no peito e acho que nós dois percebemos isso um pouco
tarde demais, admitimos isso um para o outro tarde demais. Ou foi
só ele quem admitiu algo, porque seus discursos foram todos
bonitos além do que eu conseguia suportar, entretanto não consigo
lembrar se, em alguma das vezes, fui eu quem lhe fez algum
discurso, quem abriu um monólogo sobre o amor que sinto, sobre
tudo o que se passa aqui dentro. Acredito que ele saiba, mas nunca
lhe disse com todas as palavras que mantenho aqui dentro.
O acho o suficiente, mais do que isso. Ele é tanta coisa para
mim, Michael significa mais do que acho ser capaz de expressar em
palavras, ele é muito, talvez mais do que deveria, mas não sinto
muito por isso. Minha melhor amiga está certa quando diz que estou
infeliz, que essa não é a resolução que eu desejava, nem mesmo de
longe é algo que eu queria. Sempre quis me manter aberta para o
que pudesse acontecer com a minha história e de Michael depois do
tobogã de estragos que fomos fazendo por conta de pequenas
atitudes imaturas.
Isso é outra coisa que não compreendo, e não concordo.
Porque não somos imaturos, sempre conseguimos lidar bem com os
obstáculos, com nossos problemas, mas ambos tivemos nossos
momentos de falha, pelo visto, porque nos transformamos em
pessoas que não souberam conversar quando preciso. E ainda não
sabemos. Estamos constantemente buscando o que é melhor um
para o outro, entretanto não fomos egoístas para admitir o que nós
queremos. Aqui estou eu, supondo novamente algo que ele quer.
Estou cansada de tudo e estou cansada de estar cansada.
Estou exausta de não ter o que quero, de não lutar com mais força
para ter as rédeas da minha vida. Não posso e não quero substituir
a figura que Michael foi e é na minha vida, ainda que isso signifique
ficar sozinha pelo resto da vida, ou enquanto esse amor durar de
maneira tão forte assim. Eu prefiro ficar triste, mas prefiro ficar
assim sendo honesta comigo.
“Eu preciso ir”, digo, largando novamente o pedaço de frango
frito que ainda não consegui comer. Não tenho fome de qualquer
forma.
Callista vira seu rosto confuso para mim, sem compreender
nem um pouco minha atitude de súbito. Ela segura Belle em seus
braços, em um abraço, enquanto olham para um dos livros
interativos que minha afilhada tem. Ela é adorável com os cachinhos
se formando maiores ao redor da sua cabeça, o rosto tão angelical e
os olhos castanhos sempre calmos.
“Preciso ir”, repito. “Vou ir até o apartamento do Colton, vou
resolver as coisas. Preciso fazer isso.”
A confusão no rosto de Callie não muda.
“O que quer dizer?”
“Que não posso seguir assim, não quero seguir assim. Não
quero mais mentir para mim mesma, e ele merece somente a minha
parte honesta. Ele sempre foi muito bom comigo para não ter a
sinceridade agora.” Ela me dá um aceno de cabeça, pegando a filha
no colo e caminhando até mim. Belle não se importa pela
brincadeira ter sido interrompida pelo momento.
“Faça as coisas que são o melhor para você e unicamente
para você. Seja egoísta, pense só em si. E escolha o que pode te
fazer mais feliz”, são as palavras da minha melhor amiga. “Se
precisar voltar, estaremos sempre aqui”, ela me diz, me
acompanhando de longe enquanto pego minha bolsa no gancho
perto da porta e girando a maçaneta.
Acho que, quando Callie me fala isso, ela sabe mais do que
eu que essa não será a primeira parada da noite.
 

 
Colton me atende com um sorriso de quem sabe mais do que
eu, e eu nem mesmo posso desmentir. Ele não me convida para
entrar, não que eu precise de um convite muito formal, mas eu
também não tenho vontade de me estender muito. Ele estende a
mão para mim e eu pego, ele aperta meus dedos com carinho,
baixando os olhos para nossas mãos antes de os voltar para meu
rosto.
“Oie”, cumprimento, mesmo que já seja um pouco tarde para
isso.
“Oie”, ele me diz de volta, e então me puxa para um abraço, e
o abraço. “Eu acho que, no meu subconsciente, eu já tinha noção
disso. Está tudo bem.”
“Me desculpa.”
“Por seguir seu coração?”, ele questiona, com a voz abafada
em meus cabelos. “Nunca, porque nunca aceitaria um pedido de
desculpas a respeito disso. Só fico feliz que tenha sido honesta,
com você e comigo. Obrigado por isso.”
“Você foi comigo, quando ainda não se sentia bem o
suficiente para estar novamente com alguém depois da sua ex.”
“É, acho que nossa relação sempre foi marcada por isso.
Sinceridade e timing errado”, Colton brinca, e consigo dar uma
risada. “Foi bom, tudo foi muito bom.”
“Realmente. Não mudaria nada, se for falar a verdade.”
Mudaria outras coisas, mas nada relacionado a ele. Colton sempre
foi bom, em todos os momentos, sempre foram experiencias que
levarei com carinho, ele sempre me despertou o afeto de uma forma
bonita. Mas não era para ser. Outra coisa que venho
compreendendo ultimamente.
Nem tudo o que parece, é para ser. Nem todo afeto bonito dá
certo, mesmo que a gente tente muito amar além do só gostar
muito. Às vezes esse carinho não é o suficiente, pelo menos não
para começar uma relação. Também descobri que nem todo o amor
está destinado a dar certo, às vezes tudo sai pelas avessas. Não
temos o controle dos nossos sentimentos, ainda que tentemos com
todas as forças fingir que temos.
Tentei, tentei por mais de um mês. Tentei amar menos e amar
mais, tente fingir que não era nada, tentei fingir que estava bem
quando a única coisa que queria era chorar pela perda da minha
avó, tentei controlar minha vida e não posso. Preciso respeitar
algumas coisas, meu tempo, meus sentimentos e o rumo que a vida
está me levando.
Podemos nos precaver das dores, de tentar não nos
machucar tanto, mas não podemos controlar a impulsividade dos
sentimentos quando eles existem. Conseguimos até reprimi-los,
fingir que não estão aqui, e fingir que podemos seguir em frente.
Mas não quero mais fazer nada disso, quero sentir, quero ao menos
colocar tudo isso para fora.
Colton me abraça por mais um tempo e eu o abraço de volta.
Ficamos assim por alguns minutos, na porta do seu apartamento.
Não há lágrimas, mas há suspiros, respirações fundas e afagos
gostosos.
“Como você sabe?”, pergunto, quando finalmente tomo
coragem para me afastar dele.
“Porque eu olhei para você, e pela primeira vez você me
olhou totalmente com o que tem aí dentro, e eu vi tudo o que tentou
esconder de mim nos últimos tempos. Eu queria, queria muito, que a
gente desse certo, mas acho também que, se não fosse agora, seria
em algum outro momento.” Ele levanta os ombros. “E quando eu
olhei para tudo isso, eu sei que não sou a sua última parada da
noite. Não sei como me sinto sobre isso, porque escutei bastante,
sempre me contou sobre seus sentimentos, então não consigo
pensar direito sobre como me sinto agora. Entretanto, fique segura,
nunca será rancor ou mágoa.”
“Você merece a felicidade”, repito as palavras que Callie me
disse mais cedo, porque sei que, se alguém merece a felicidade de
forma pura, essa pessoa é Colton, entre outras pessoas. “E eu não
poderia te dar tudo isso. Talvez momentaneamente, mas não sei se
poderia te dar isso para sempre.”
“Você também merece isso, merece muitas coisas. Mas o
que vai fazer para conseguir o que quer?” Sei que a pergunta
também esconde o que ele sabe, e talvez sua pergunta verdadeira
seja outra. Talvez ele queira saber o que mais vou fazer.
“Não sei. Acho que vou só deixar que meu coração fale mais
alto, pela primeira vez. Vou deixar que ele seja honesto.” Levanto os
ombros e ele sorri, se inclinando para deixar um beijo na minha
testa.
“Você sempre terá um amigo em mim”, Colton diz, quando se
afasta.
“Digo o mesmo.” Começo a me afastar, ainda sem virar de
costas para ele.
“Boa sorte.”
“Obrigada.” Mas essa palavra significa bem mais do que um
agradecimento pela sorte desejada, é sobre muito mais. É sobre ele
ter compreendido tudo e sobre o tempo, porque nosso tempo foi
bom.
E nem tudo o que é bom dura para sempre.
Ainda que exista uma coisa da qual foi perfeita e quero que
dure para sempre.
 

 
Saio assim que as portas do elevador se abrem e paro no
corredor. Penso se não deveria esperar até amanhã, deixar as
coisas esfriarem um pouco, fazer com que todos meus
pensamentos se assentem melhor em minha mente. Mas acho que
já estive esperando por muito tempo, talvez tempo demais. E a
coragem que tenho agora vai ser sempre maior do que a que
acordará comigo amanhã cedo. Por isso caminho na direção
contrária à minha porta e bato.
E espero. E bato novamente depois de um tempo e espero.
Mas não obtenho resposta alguma.
Ele deve estar fora, e mesmo que pareça arriscado esperar
aqui, me apoio contra sua porta. Prefiro me ater ao pensamento que
fui longe demais para simplesmente desistir agora, além de saber
que não confiarei em mim mesma amanhã para refazer esses
passos. É arriscado porque talvez a visão que eu tenha ao vê-lo sair
do elevador seja acompanhado, aos beijos com outra, e isso
provavelmente quebraria meu coração.
Quantas vezes o coração de uma garota pode se quebrar
antes que ele permaneça nesse estado para o resto da vida?
Provavelmente muitas, porque somos resistentes demais, e
esperançosas demais. Pelo menos é assim que vejo a maioria das
mulheres a minha volta.
Penso em pegar o meu celular, jogado dentro da bolsa, mas
talvez a distração me leve a desistir. Prefiro ficar com meus
pensamentos e eles são bem turbulentos. Acredito até que seja bom
ficar somente com meus pensamentos agora, porque eles vão se
organizando, pouco a pouco, em minha mente. Minhas conversas
com Michael, antes e depois do afastamento, nossos beijos e
abraços, seus braços ao meu redor, sua boca por todo meu corpo,
tudo o que ele me dá, tudo o que ele sempre me dá.
A sensação de estar sem fôlego e ao mesmo tempo ter todo
o ar do mundo. De estar vazia por dar tudo o que tenho para ele,
mas também me sentir incrivelmente preenchida por tudo o que ele
me oferece de volta. É tudo, sempre é tudo. Estar com ele sempre é
sobre tudo.
O apito do elevador me tira dos devaneios e as portas se
abrem. Ele sai da forma como desejo, não como eu temi. Suas
mãos estão nos bolsos da calça jeans que usa e ele parece tão
focado como eu estava há poucos segundos, preso em seus
próprios pensamentos.
“Oie”, digo, e minha voz chama sua atenção até mim. E há
aquele brilho, que muda tudo. A forma como ele me olha no
momento em que finalmente se dá conta da minha presença, muda
tudo. Sorrio para ele e ele me dá seu sorriso de sempre, sem forçar,
sem nada. Sou teletransportada a nós dois há três meses, e as
lembranças me invadem com vontade, o que é muito bom.
“Oie”, Michael fala para mim, sua voz soa estranha e ele
segue onde está, há dois passos das portas do elevador.
“Eu te amo”, digo, e acabo rindo, porque é um começo
bastante promissor. “Acho que nunca te disse isso com todas essas
palavras, mesmo que eu acredite que saiba. Eu te amo e amo todas
as coisas que nos aconteceram enquanto estávamos juntos, talvez
seja presunçoso da minha parte assumir isso, que um dia estivemos
juntos, mas vou colocar assim.”
“Não é presunçoso, é a verdade”, ele fala, e não é uma
interrupção, somente um comentário que precisou colocar na
conversa. Um comentário que me deixa muito feliz.
“Amei cada minuto, porque me fez descobrir uma infinidade
de coisas sobre mim. Coisas que gosto e não gosto, sobre mim,
sobre os outros, sobre a vida. Mas eu gosto de você, muito. Você
constantemente me lembra várias coisas que a maioria das
mulheres deve adorar ser lembrada com frequência. Você me olha e
me sinto linda, me sinto desejada, me sinto única.”
“Você é, linda e única. E eu te desejo com tudo o que tenho
dentro de mim”, Michael complementa novamente.
“Nunca cogitei que fosse ser assim também. Nunca achei que
fosse ser bom assim. Nunca achei que fosse ser fácil e gostoso, e
até certo ponto foi fácil, foi calmo, e sempre foi muito natural. Eu
passei por caras que me fizeram muito mal ao longo da vida, caras
que fizeram eu duvidar muitas coisas, minha capacidade de ser
amada, de ser desejada, de ser a primeira opção, mas logo com
você eu nunca senti nenhuma dessas inseguranças. Quer dizer, eu
senti, mas elas nunca foram extremamente gritantes. Você é lindo, é
mais do que eu pensei que fosse justo de alguém ser bonito, tem
infinitas qualidades externas, mas acho que me apaixonei por tudo o
que é aí dentro.” Ele solta um riso abafado, dando um passo para
frente, na minha direção. “Você não vai gostar disso, mas é
completamente fofo e adorável. Você é protetor, é cuidadoso e
sempre dá o seu melhor para fazer a coisa certa pelas pessoas
próximas e que ama. Você não fala muito sobre isso, mas quem te
conhece percebe nos olhares o quanto adora todos os seus amigos
e como daria muito de si por eles.”
“Eles são tudo o de mais importante que tenho.”
“E isso é sempre muito evidente”, falo, e ele dá outro passo.
“Está sempre disposto, mesmo que finja que não. Está sempre
disposto a me fazer companhia, a ser um ombro para que eu chore,
para ajudar as pessoas. Você sempre me fez rir, sempre me fez
sentir especial, sempre fez coisas incríveis comigo, por dentro e por
fora. Você me trouxe tantas coisas que eu nem sabia que era capaz
de sentir, sempre achei que o amor fosse penoso, eu desisti de ter
isso, o amor bonito que vi em meus avós, em meus pais, e foi nesse
exato momento que você me apareceu e me ofereceu tudo isso. Me
ofereceu o amor bonito, a parte bonita disso tudo, me mostrou as
coisas boas de uma vida assim. E então você tirou, por quê?”,
pergunto, e ele só balança a cabeça em negação, pressionando os
lábios juntos e se aproximando mais um pouco. “Você é mais do que
o suficiente, você é tudo o que eu venho querendo há anos, muito
mais do que isso porque eu nunca teria sido capaz de imaginar
alguém como você. Você é tão suficiente para estar ao meu lado
que é doloroso o fato que não está. E sei que pode simplesmente
virar as costas depois disso tudo que estou te dizendo, mas eu
precisava dizer. Acho que você é perfeito, na forma como precisa
ser, e eu te amo. E queria tanto poder te mostrar tudo isso, queria
poder te mostrar todas as coisas lindas que existem sobre você e
que, pelo visto, não tem conhecimento.”
“Então faça isso.” Por alguns instantes, penso que não
escutei direto, mas ele torna a falar. “Me mostre, se ainda estiver
disposta.”
“Você está?” Porque tenho medo, tenho medo de me agarrar
a essas palavras e tudo dar errado na frase seguinte.
“Eu fui burro, sei disso. Um grande otário.” Michael solta um
riso triste, dando outro passo e nos deixando há poucos centímetros
de distância agora. “Me desculpa sobre isso, mas achei que poderia
controlar as coisas, que poderia controlar meus sentimentos, os
seus. Atropelei tudo quando poderia ter simplesmente feito as
coisas diferentes, ter cortado um círculo vicioso que criei para mim
mesmo. Fiz tudo isso quando poderia ter tentado melhor, porque
você merece que eu tente mais, que me esforce para deixar isso
para trás, para que eu tente fazer a coisa certa. Deveria ter feito isso
há tanto tempo e sinto muito por isso. Quem eu estava querendo
enganar? Você é quem trouxe a felicidade para os meus dias nos
últimos meses e eu amo te fazer rir, amo te fazer suspirar, amo
sentir o seu corpo adormecer contra o meu, amo transar com você,
amo quando fica tagarelando por horas sobre assuntos que não
compreendo, amo ler na sua companhia, amo tudo sobre você, mas
especialmente você.” Ele funga baixinho e penso em estender a
mão e tocá-lo, mas não faço isso. “Me desculpe por sempre fazer as
coisas erradas, mas por favor, eu juro que quero fazer a coisa certa
dessa vez. Sou um pouco lerdo e provavelmente vou fazer algumas
burradas no meio do caminho, posso prometer dar o meu melhor
para não fazê-las e para consertar todas as que eu fizer. Eu queria
ter pensado em palavras melhores, também não sou tão bom me
expressando, ainda que eu saiba que, agora, estou tagarelando de
nervoso. Mas queria ter pensado em palavras melhores quando
fosse te procurar amanhã, porque eu iria, eu juro que iria.”
“O que mudou?”, não consigo evitar a pergunta.
“Estou cansado de negar que te quero, e cansado de não te
ter na minha vida quando isso é o que eu mais desejo.”
“Estou cansada disso também.”
E então ele me beija, e é perfeito. É o gosto da perfeição, a
sensação de estar no céu e em casa, tudo junto. Me abraço nele
porque não quero deixá-lo ir, me abraço nele porque ele me abraça
de volta e tudo parece no lugar. Me abraço nele enquanto suas
mãos tateiam meu corpo, enquanto a saudade se extingue e o
fôlego é esquecido. A porta é aberta e entramos aos tropeços, as
roupas ficam no meio do caminho, nem mesmo lembro onde ficou
minha bolsa nisso tudo. Quando seu corpo cobre o meu e suas
mãos acariciam toda minha pele exposta, descubro a diferença
entre o sexo e o amor. E o amor, por incrível que pareça, consegue
ser ainda melhor do que só sexo.
 

 
 
ACORDO COM UMA SENSAÇÃO BASTANTE confortável e não
preciso pensar muito para descobrir do que se trata. O corpo de
Beatrice está junto ao meu, coberto somente por uma fina camada
de uma camiseta minha e pelo edredom, que recaí sobre nós dois
deitados. Sempre desacreditei sobre todas as coisas que falavam a
respeito de dormir de conchinha, mas ela faz ser sensacional,
independente de eu ter acordado porque meu braço está dolorido ou
não. Não estamos exatamente abraçados, mas eu a seguro
enquanto ela dorme de costas para mim.
Consigo tirar meu braço dormente de trás do seu pescoço e
faço o formigamento parar antes de analisar tudo com o sorriso.
Tudo é bom demais para parecer verdade. Não faz muito tempo que
eu estive deitado na mesma cama que ela, mas as situações eram
bem diferentes e tínhamos bem mais roupas em nossos corpos do
que agora. Apoio a cabeça na mão, apoiando o cotovelo na cama e
admirando a figura pacífica de Beatrice em seu sono.
Tomo coragem, após um tempo, e traço um carinho em seu
braço. Ela sempre teve um certo problema com eles e
constantemente pedia exercícios melhores na academia com o
intuito de fazer deles menos grossos e flácidos. Mas nunca vi
tamanho problema nisso, é proporcional com o corpo dela, é bonito,
porque tudo nela é bonito. Beatrice sempre se incomodou também
com a grossura das coxas, mas nunca achei problema nisso
também. As coxas seguem sendo grossas e gostosas, mas agora
passaram a ser bem malhadas também, assim como os braços
evidenciam alguns músculos.
Ela é perfeita e ontem pude finalmente me deliciar outra vez
com suas curvas, com seu corpo, com ela para mim. Pude beijar
cada canto de pele exposta e venerar cada pedaço dela. Sexo
sempre é bom, transar com Beatrice sempre trouxe algo diferente
para tudo isso, mas ontem foi além de qualquer coisa. A sintonia, a
saudade, os sons abafados e os gemidos roucos, as declarações
silenciosas dadas com o olhar ou com a ponta dos dedos. Ela é
tudo.
Passo meus carinhos para o seu cabelo, ajustando-os
espalhados pelo travesseiro. Ainda é bem cedo e provavelmente o
despertador dela vai tocar daqui um tempo na sala, onde sua bolsa
ficou. Ontem à noite parece ser uma grande loucura na minha
mente. Entre minha conversa com Daphne, minha decisão de fazer
algo sobre o assunto e Beatrice aparecendo em minha porta, não
me dando a chance de pensar em bons discursos e me exigindo
algumas ações agora.
Tenho sorte, sei disso, porque ela ainda tentou, várias vezes,
e eu fui bem idiota demorando muito para compreender tudo, para
fazer algo a respeito disso.
Ela respira fundo e sei que está começando a acordar. Existe
essa questão sobre dormir muito ao lado de alguém que passei a
apreciar, mas acho que tem a ver somente com ela. Sei a forma
como Bea fica enquanto acorda, seus sons nos primeiros instantes
da sua manhã, como ela abre os olhos confusa e então os fecha,
sorrindo em seguida antes de abri-los de novo.
Isso é exatamente o que ela faz agora e é adorável. Seu
corpo rola um pouco até ficar de frente para o meu.
“Oie”, ela diz, ainda bastante preguiçosa.
“Oie”, respondo, me inclinando para beijar sua testa. Não
consigo deixar de sorrir também, porque ter tudo isso de novo é
bom demais. “Bom dia”, sussurro, enquanto ela ainda encontra
dificuldade de se manter acordada. Abraço seu corpo e ela me
abraça de volta, tomo isso como algo positivo. Beatrice respira
fundo junto ao meu peito nu e me aproveito do seu aroma floral,
desse sentimento de casa que tenho com ela.
“Bom dia.” Ela se espreguiça mais um pouco e então me
olha. “Dormi incrivelmente bem e mesmo assim não quero sair da
cama.”
“Podemos faltar ao trabalho hoje”, sugiro, porque nada
parece mais importante do que ficar aqui com ela. Mas óbvio que
Bea só ri da minha suposição, ela consegue ser mais focada do que
eu no quesito trabalho.
“Acho que não devemos, não vai ser certo. É quinta, tenho
muito o que fazer.”
“Mas…?”
“Gostaria de ficar”, ela completa, e me permite lhe dar um
curto selinho nos lábios. “Porém, precisamos levantar.” E com isso,
o pequeno casulo é desfeito, porque ela se desvencilha de mim, se
sentando na beirada da cama.
“Vai ficar para o café?” Me estico na cama, implorando isso a
ela e tentando tocá-la mais um pouco, Beatrice acha graça do meu
jeito manhoso.
“Sim.” Bea se levanta, indo até o meu banheiro e buscando
alguma das suas roupas no meio do caminho.
Nunca pensei muito sobre isso, mas enquanto estou deitando
esperando que ela desocupe o banheiro da suíte, percebo que
nossos apartamentos podem ser a réplica um do outro, mas o meu
ainda tem um ar bem mais sombrio e escuro que o dela. Quase
como o antro de algum vampiro dos filmes. Talvez eu devesse
mudar a decoração, mudar alguns itens para algo mais claro.
Ignoro todas as mensagens de ontem que apitam em meu
telefone e o largo de volta na mesa de cabeceira quando a vejo sair
do banheiro, vestindo novamente o jeans de ontem à noite e ainda
com a minha camiseta. Fica sempre lindo demais nela.
“Vou começar a preparar algo enquanto se arruma”, ela diz, e
acho que, assim como eu, ainda se sente estranha sobre tudo,
como se ainda não conseguíssemos pensar em como ser, o que
dizer.
Por isso, faço exatamente o que ela fala para eu fazer. Saio
do quarto completamente vestido para o trabalho, segurando meu
blazer, que deixo no sofá, antes de ir até a cozinha. Ela já preparou
os ovos e o café, além de ter waffles na máquina, assim como as
torradas. Trabalhamos em silêncio enquanto coloco a mesa e ela
termina de preparar tudo, mas o silêncio parece estranho, e antes
de levarmos os pratos, puxo Beatrice pela cintura e a beijo.
Ela sorri entre o beijo e isso me incentiva a ir além, a beijá-la
com ainda mais entusiasmo. Suas mãos seguram meu pescoço e
eu abraço sua cintura com força. Nos beijamos com suavidade por
um bom tempo até finalmente precisarmos de fôlego e eu a soltar.
Bea ainda sorri enquanto me afasto e planto um beijo na ponta do
seu nariz.
“Assim é melhor”, digo.
“É mesmo”, sua resposta vem encoberta de sacanagem
antes que ela se incline e me roube outro beijo. A ajudo a levar o
que resta para a mesa e nos sentamos. “Está tudo…?”
“Bem? Sim, melhor do que poderia estar em um bom tempo”,
respondo com um sorriso, mas sei o que ela quer, por isso bebo um
gole de café antes de prosseguir. “Eu quero estar com você,
somente com você, exclusivamente com você, quero namorar com
você, mas também sei que não podemos retomar de onde paramos,
outras coisas aconteceram no meio do caminho, complicaram um
pouco.”
“Mas eu quero voltar ao que tivemos, não quero um começo
tudo de novo. Não acho que conseguimos isso”, ela diz.
“E eu concordo. Mas compreendo que talvez seja bom irmos
passo a passo. Seremos só um do outro, certo?” Ela me afirma com
um aceno. “Primeira coisa importante resolvida. Agora podemos ir
para o próximo passo.”
“E qual é?”
“Aproveitar ao máximo. Não temos como recuperar o que
perdemos, mas podemos aproveitar o que vamos ter daqui para
frente. Quero tentar ao máximo não fazer nada de errado, e quero
uma coisa desse novo nós.” Bea aguarda enquanto eu respiro fundo
para dizer. “Quero que a gente converse mais, sobre tudo.
Inseguranças, medos, o que não estiver bom, dúvidas que podem
surgir. Quero que sejamos honestos para que não haja
desentendimentos de novo.”
“Acho que posso fazer isso, se fizer também.”
“Acho que temos um acordo.” Estico a mão e ela segura.
Trago seu dorso aos lábios e beijo, antes de me inclinar para roubar
um selinho dela.
As coisas indo com calma talvez seja a melhor opção para
nós dois. Com calma e sempre, mesmo que eu nunca tenha
pensando em definir minha vida como calma, acho que isso é
exatamente o que desejo para mim e para ela agora. Nós acabamos
atropelando as coisas, nos machucamos por bobeiras. Quero
melhorar, quero que a gente dê certo, quero com todas as minhas
forças. Tentar e acertar. Ceder e receber em retorno. Amar e ser
amado.
Quero ela comigo, acima de tudo.
“E precisa arrumar um vestido para um casamento, no
sábado”, sussurro contra os seus lábios.
 

 
Sorrio para a tela do celular quando recebo uma foto de
Beatrice antes que ela saia de casa. Ela está bonita e isso não é
novidade alguma. Mas ainda assim fico um pouco bobo observando
sua imagem em meu celular por mais tempo do que o normal.
Deveria fazer dessa foto meu bloqueio de tela, é bonita demais. Ela
está em um vestido de cor bronze, que favorecem bem seus seios,
bastante justos nessa parte, e com as alças feitas de pequenas
argolas entrelaçadas, também douradas. O tecido desce solto e
longo pelas suas pernas e não tem muitos detalhes. É bastante
simples.
Seus cabelos estão soltos em ondas bem feitas e amo
quando ela usa o cabelo solto, porque dá a ela um ar jovial e leve.
Amo a Beatrice mulher de negócios, com os terninhos e rabo de
cavalo bem feito; amo a Beatrice despojada, de jeans e camisetas
simples; amo a Beatrice de pijama, com coques desgrenhados e
nenhuma maquiagem; e também amo a Beatrice que parece não ter
preocupações na mente, que se preocupou somente com o que
vestir hoje, e que quer aproveitar esse casamento; eu a amo e amo
ver ela sorrindo largo assim, porque ela passou por muito nos
últimos meses.
“Você está com uma cara de bobo olhando para esse
celular”, Matteo sussurra ao meu ombro, onde para com um olhar
que contém uma provocação clara. “Não é ruim, entretanto.” Reviro
os olhos para ele, travando a tela do celular.
“Sabiam que hoje é o dia do meu casamento e deveriam
estar me dando atenção?”, Zachary reclama, ajeitando a gravata
pela décima quinta vez nos últimos quinze minutos. “Estou nervoso
pra caralho. E se ela disser não?” Josh ri do seu canto, balançando
a cabeça em negação. “E quem o chamou? Ele tem ficado tão
debochado quanto vocês.” E quando o namorado de Chelsea abre a
boca para falar alguma desculpa, Zach sorri. “Estou brincando cara,
é bom ter todo mundo aqui. Acho que tô ficando com palpitação de
nervosismo.”
“Ela não vai dizer não, Zach. Pare de ser um mané”, Parker
rebate, entrando novamente na ampla sala onde o noivo, padrinhos
e agregados estão. Faço parte da segunda camada, assim como
Matteo, Parker, Chris e um outro cara, que virou grande amigo de
Zach em Atlanta. Josh não se sentiu nem um pouco chateado por
não ser chamado, porque ele entende que sua relação com Zach
não é a mesma que a minha e de Matteo. Ele é mais novo, tem os
próprios melhores amigos e mesmo que tenha, de fato, se aberto
mais conosco, ainda é diferente.
Mas eu gosto dele, e adoro seu efeito na loirinha.
“Além disso, ela tá uma gata então eu iria parar de dar
chilique antes de poder finalmente chamar aquela mulher de
esposa”, Chris provoca, e Zach dá a ele um olhar feio antes de se
desmanchar.
“Ela deve tá linda mesmo né? Você a viu?”
“Claro que não”, o outro responde, ele e Parker saíram para
pegarem seus ternos, que foram ajustados na correria. É um
casamento Drake, mas ainda é um casamento Hudson também.
“Ela é a noiva, nem mesmo um batalhão me faria passar pela
fortaleza que é colocada ao redor do quarto da noiva.”
“Tá, tá. Agora vocês vão logo se trocar e fingir que são
decentes porque eu vou casar e não quero ninguém feio nas fotos,
se possível.” Zach semicerra os olhos para Chris e Parker, que
correm para os trocadores montados. “Acho que vou explodir de
ansiedade.”
“Isso todos nós já sabemos”, digo, e nos aproximamos dele.
Matteo vira o cunhado pelo ombro e ajusta a gravata que ficou torta
por tantas mexidas.
“Ela vai dizer sim e tá tudo lindo lá fora, não se preocupe com
nada, a não ser aproveitar o dia que foi feito somente para vocês
dois”, Josh surpreende a nós três dizendo isso, acalmando Zach.
“Ela é tudo que importa.” E todos sabemos que ele fala isso
pensando na pessoa que ele tem como a mais importante.
“Ela te ama e você a ama, mas não faça nada errado ou
ainda posso querer te deixar com alguns bons roxos”, Matteo
complementa, e nós quatro acabamos rindo. “Está tudo perfeito, o
lugar é lindo, a cerimônia vai ser linda e é somente uma afirmação
de algo que já é concreto.”
“O fato que não posso viver sem ela”, Zach diz. “Ela é minha
pessoa mais importante, ela é tudo.”
Me identifico quando ele diz isso e sorrio, porque nós todos
sorrimos e provavelmente estamos presos nas nossas pessoas. Em
Rebecca, Chelsea, Daphne e Bea. Hoje é um dia bonito, um dia
recheado de sentimentos a flor da pele e, acima de tudo, um dia
preenchido pelo amor. Amor, com infinitos significados, com infinitas
maneiras de existir, com acertos e erros, com níveis de
profundidade, com tudo.
Amor é tudo, é até mesmo a raiva, o rancor, as dores, as
decepções, assim como são os sorrisos, o som alto da risada, é o
olhar de afeto, a preocupação e o zelo, amor é cuidado. Amor é
tudo, porque o amor traz e leva, e sem o amor não somos muito.
Nascemos amando, e esse amor que nasceu em mim se
desmanchou ao longo dos anos, porque nasci amando meus pais,
que foram minhas primeiras decepções no currículo, mas também
nasci amando minha irmã gêmea, a minha metade.
Aprendi a amar muitas outras pessoas ao longo da vida.
Matteo, Rebecca, Chelsea, Raphael, agora Zach e até mesmo
posso dizer que carrego um grande zelo e afeto por Joshua. Amor
nasceu quando olhei para minhas sobrinhas e foi arrebatador, foi um
sentimento tão grande que renovou também o amor e admiração
que sinto pela minha irmã. E então o amor floresceu com Beatrice, e
essa é uma metáfora bonita porque meu amor por ela foi lento e ao
mesmo tempo arrebatador. Acho que, entre nós quatro, todos fomos
atingidos por mulheres incríveis, todos fomos arrebatados pelo amor
que brotou sem pedir permissão.
Eu fui tomado pelo amor que sinto por Beatrice, e quando
parei de querer lutar, percebi que não havia nem como querer
impedir isso. Porque resistir a ela nunca foi uma opção, nunca foi
como se eu fosse capaz disso.
“Casamentos nos deixam sentimentais”, concluo, tirando
todos de seus pensamentos.
“Essa é a ideia.” Matteo levanta os ombros.
“Estou bastante feliz por estar sendo sentimental”, Zach
brinca, mas vejo que seus pensamentos o levaram a ter lágrimas
acumuladas nos olhos. “Eu nunca pensei que estaria aqui, quatro
anos depois de tudo acontecer, nunca achei que fosse ser capaz de
conquistá-la dia após dia, mas acho que não conseguiria imaginar o
que seria de mim sem Rebecca, ela é a luz de todos os meus dias,
uma constante lembrança de tudo que há de bom em mim, e como
essa parte deve prevalecer.”
“Acho que esse é o efeito que elas têm na gente. Mulheres
fortes demais, certas de si.” Josh alivia com um riso e
acompanhamos. “Espero que vocês sejam muito felizes, e espero
também estar por aqui para ver essa felicidade.”
“Ah, cara. Não acho que você e Chels sejam para menos que
o para sempre. São adoráveis juntos e ela fica ainda mais terrível
apaixonada assim”, zombo dele, que dá de ombros.
“Eu espero mesmo. Iria ao inferno para vê-la feliz. Ela é
minha luz também”, ela repete os dizeres de Zach.
“É a minha parte?”, Matteo zomba. “Se Mike não fizer
nenhuma agressão, irei dizer que Daphne vai muito além de uma luz
na minha vida, ela me mostrou isso de novo. O que é viver. Há um
tempo, dei certo conselho para esse cara aqui…” Ele coloca a mão
no meu ombro. “...e acho que funcionou. Façam valer a pena, todos
os dias façam os seus melhores para que isso seja para sempre.
Amor não é fácil, não sempre, mas precisamos nos ater as coisas
boas para investir nossos esforços e fazer tudo valer a pena, tudo
funcionar.”
“Todos nós sabíamos que era o mais velho do grupo, mas
discursos de pai entraram para o seu currículo.” Apesar de rir, Zach
funga também, afastando a lágrima que escorreu. Ele
provavelmente precisará de todos os lenços dos padrinhos para
secar suas lágrimas quando Rebecca passar pelo corredor até o
altar.
“Eu sou um pai. O que me lembra que está na hora das
daminhas de honra terminarem de se aprontar.”
“E eu esperava poder ter uma conversa com o noivo.” A mãe
de Zach, Lauren, aparece na porta. Ela está linda, e radiante como
mãe do noivo. “Foram discursos bonitos, me desculpem por escutar
escondido”, ela confessa e nos faz rir. A cumprimentamos, no meio
tempo que Parker e Chris saem dos trocadores ajustando as
gravatas borboletas de padrinhos, e deixamos a sala para os dois.
 
 
Quase todo mundo já foi embora. Na verdade, bem mais que
todo mundo. Deve passar das quatro da manhã, mas ainda estamos
rindo, animados demais, com gravatas esquecidas de canto, saltos
jogados por debaixo da mesa, bem mais descompostos do que
nossa etiqueta social permitiria. Mas o salão de festas está vazio,
dispensamos a equipe de cattering, porque a limpeza pode começar
amanhã e eles merecem descanso. A música parou há um tempo e
temos ido nos mesmos pegarmos nossas bebidas no enorme
freezer.
As únicas outras risadas que ainda permanecem no salão,
vem da família Hudson, pequena e composta por quatro pessoas,
rindo e conversando, aproveitando tudo o que o dinheiro dos Drake
pagou para os luxos da noite. A família do Zach reflete muito na
pessoa que ele é, e isso é algo muito positivo. A festa foi ótima e
pela forma que estamos todos passados da bebida e comida, posso
dizer que aproveitamos muito.
Todos com exceção de Daphne, que fica entre a água e o
refrigerante. Ela contou, por uma surpresa que todos nós
participamos, que está grávida e foi bonito. Todos tivemos parte, em
arrumar a pequena sala com a surpresa, vestir as meninas com as
roupinhas de irmãs mais velhas e levá-lo até lá, todos ajudamos. Foi
um momento deles, e depois de nós todos. Daph não queria roubar
a cena, mas não queria esperar tanto, foi quando Becks deu a ideia
do casamento, e fizemos acontecer de forma discreta, como a
família que somos.
Matteo ficou emocionado, e chorou abraçado as três, ou aos
quatro. E agora parece extremamente contente ao dizer que é pai
de três. Estou feliz por eles, todos eles. Por Rebecca que deita a
cabeça no peito de Zach, cansada e feliz. Por Chelsea que acaricia
a nuca de Josh, que segura sua outra mão com muito afeto. Por
Daphne e Matteo, e pelas meninas deitadas dormindo calmas nos
carrinhos, porque eles são uma família linda. Por mim e por Bea
também, e afago seu ombro, com meu braço passado por trás da
sua cadeira e ela repousa a mão na minha coxa.
“Foi uma noite bonita”, Chels fala, com seu sorriso radiante.
“Estou feliz por estarmos todos aqui, mesmo depois de tudo, com
distâncias, com casamentos repentinos, gravidez súbita, namoros
falsos e todo o resto”, ela brinca.
“Estou feliz que não perdemos isso, era algo que eu tinha
medo”, Beck complementa. “Fico feliz de ainda termos mantido viva
nossa amizade de um jeito tão bom assim.”
“E acho que manteremos por muitos mais anos”, falo, com
um sorriso de canto.
“Passando o nosso Natal sempre juntos”, Matteo determina.
“Como ano passado. Independente do lugar, sempre passaremos o
nosso Natal juntos. Antes da data oficial, mas sendo a nossa data
oficial.”
“Acho uma ideia maravilhosa”, Beck exclama, sendo seguida
vários acenos. Nada me deixaria mais feliz do que isso, passar
sempre meus Natais com a minha família de verdade.
“Poderia oferecer como um Natal de despedida em Boston,
mas acho que não quero toda a bagunça de novo”, Daphne joga a
informação, apertando sua mão junto da de Matteo e recebendo
todos os olhares confusos. “Estamos pensando em voltar para Nova
York ano que vem. Assim que Matteo concluir o doutorado,
pensamos em voltar. Ele não pode ficar longe da empresa, nem
todos os dias é fácil essa distância e parece bobagem que a gente
se segure lá por minha culpa. Amo meu emprego e todas as
chances que estou tendo, mas não me importaria de voltar pra cá e
ficar mais perto da família.” Ela me alcança com a mão e eu aperto
a dela na minha. Sei que ela também fala sobre Chelsea, e sobre
horas a menos de viagem até Beck.
“Vai ser incrível”, Chels comenta.
“Já que estamos para as revelações”, começo, soltando a
mão da minha irmã e segurando a de Bea, porque ela já sabe da
minha ideia. “Tenho pensado em deixar o escritório. Quero abrir algo
totalmente meu, sem qualquer dedo dos nossos pais. Algo com meu
nome, minha cara ali, meus valores e objetivos. Estou cansado de
lutar em processos que não vejo sentido, que são por nome ou
dinheiro sujo, culpar pessoas inocentes as vezes. Posso ter grande
trabalho, mas acho que vale totalmente a pena.”
“Talvez devessem tentar algo juntos”, Zach diz, acariciando
os braços de Rebecca. “Uma sociedade entre irmãos.”
“Não parece uma ideia ruim”, digo, sorrindo em direção a
Daphne.
“Parece como nosso sonho de adolescentes”, ela responde.
“Talvez seja a hora de realizarem”, Matteo complementa, e
damos um aceno. Provavelmente nada me faria mais feliz em
finalmente ter uma presidência lado a lado com minha irmã, nosso
escritório de advocacia, nosso sonho.
“Falando sobre planos para um futuro”, Beck chama a
atenção para ela. “Zach e eu mudamos um pouco o plano.
Queremos viajar ao redor do mundo depois da nossa lua de mel nas
Maldivas. Então nossos planos agora incluem aproveitar todas as
folgas possíveis para conhecer um novo pedacinho de mundo.”
“Isso significa que minhas sobrinhas terão que esperar para
terem priminhas por mais alguns bons anos. Mas sempre sonhamos
com isso e quero mostrar a Rebecca que consigo amá-la na maior e
na menor altitude do mundo.”
“Elas são minhas sobrinhas”, friso para incomodá-lo. “E não
sabia que era do tipo quero escalar o Everest.”
“Esse ainda é um ponto para debate”, ele retruca e todos
rimos.
“Bem…”, Chels fala com um riso preso. “Podem ficar
tranquilos que nós dois não traremos muitas novidades. Estou feliz
sendo uma empregada do estúdio e da agência de eventos. Posso
pensar em abrir algo meu para o futuro, mas deixarei para o futuro.
Ou talvez eu compre o estúdio no próximo ano, e nunca saberão até
lá”, ela zomba, mas sabemos que não conseguiria manter tanto
segredo. “Mas podem não esperar casamento ou filhos vindos de
mim e do baby boy. Ainda temos uma formatura pela frente e quero
algum planejamento, mesmo que não seja tão boa fazendo isso na
minha própria vida.” A loira suspira, e recebe um beijo o topo da
cabeça de Josh.
“Acredito que isso nos dá pelo menos mais um ano e meio”,
ele complementa em tom travesso.
“Acho que é isso”, Daphne finaliza, pousando as mãos na
barriga e apoiando a cabeça no ombro de Matteo.
“Na verdade, tem mais uma coisa”, comento, e seguro meus
dedos entrelaçados no de Beatrice. “Nós dois estamos namorando”,
anuncio, e todos gargalham.
“Nós meio que já tínhamos notado”, Zach fala. “Mas bem-
vinda a família, Bea. Você parece areia demais para esse cara, mas
cada um com suas escolhas. Todos nós aqui na mesa temos fracos
por mulheres que são demais pra nós.”
“Ei! Se você não se garante, eu garanto meu namorado”,
Chelsea não perde a oportunidade de provocá-lo, e Josh,
finalmente, conseguiu se acostumar com as brincadeiras para rir da
situação.
“Acho que somos todos feitos na medida certa”, Bea se
pronuncia. “E posso oferecer um lugar para o Natal. A tradição
Oakles não precisa ser quebrada, ainda.” Ela aperta minha mão,
provavelmente se lembrando da avó e beijo sua têmpora. “Tenho
uma bela e tranquila residência em Green Hill, Rhode Island. A
região fica linda no Natal.”
“Me parece o lugar perfeito”, Daphne diz, sorrindo para minha
namorada.
E provavelmente será, o lugar, a comemoração, as pessoas.
Tudo parece muito perfeito.
 
Outubro do ano seguinte
 
TERMINO DE LER O ARQUIVO ENQUANTO Daphne para de pé
ao meu lado, mexendo no celular. Salvo tudo antes de fechar e
respirar fundo. Isso não é o suficiente para chamar a atenção da
minha irmã, que virou parceira e sócia, ela parece focada demais
com um sorriso no rosto enquanto digita algo no celular e não
preciso de muito esforço para saber do que se trata.
Faz quase seis meses que ela se mudou para Nova York de
volta, que ela e Matteo compraram uma casa grande para que as
meninas tenham espaço para brincar, para que pareça um ambiente
bem familiar, porque o apartamento sem cor de Matteo não era. A
pequena mansão deles acomoda sete quartos, quatro banheiros,
uma sala enorme que parece um cinema, uma sala de jantar para
acomodar toda nossa família, uma cozinha gigantesca além da área
externa, que é ótima para nossos eventos quase semanais. Não fica
tão longe da residência dos Capri.
Nos últimos meses de gestação dela, começamos a
organizar e em junho abrimos nosso escritório. D&D, combina
conosco, é sobre uma nova era, sobre muita coisa. Muitos dos
funcionários mais novos do escritório dos meus pais encararam a
aventura conosco e aceitaram um começo incerto. Mas apesar de
incerto, foi um ótimo começo, e vem sendo um ótimo começo.
Daphne só voltou a trabalhar no começo de agosto e não
poderia ser diferente. Cogitei adiarmos tudo mais um pouco, porque
não queria que ela precisasse voltar a trabalhar tão cedo depois do
parto, mas ela insistiu que estava tudo bem, e que nossos horários
eram flexíveis o suficiente para ela. Não temos centenas de casos,
ou um nome enorme no mercado ainda, mas tem ido tudo bem.
Além disso, tivemos muitas ajudas e somos gratos por isso.
“Estou indo, se não precisarem de mais nada”, Raphael diz,
batendo na porta do meu escritório.
“Estamos terminando por aqui também, pode ir. Todos já
foram?”, Daphne pergunta, tirando os olhos do aparelho.
“Sim, só nós três.”
“Ok então, pode ir. Tenha um bom final de semana”, ela
deseja e ele se despede de mim com um aceno. “Acha que
consegue ver alguma barriga aqui?” Minha irmã se vira para mim e
me mostra o celular.
É uma foto de Chelsea, que descobriu há pouco tempo que
nossa família irá aumentar e mesmo que no começo tenha sido um
grande surto, e um medo imenso de Josh, hoje está tudo mais
tranquilo. Matteo foi um bom amigo para Joshua enquanto o
tranquilizava sobre a paternidade e acho que ele compreende que
também tem a nós, além dos próprios amigos. Não foi planejado, é
claro, mas a loirinha está feliz já que, como ela mesma diz, não
queria ser mãe tão velha.
Ela irá completar vinte e nove mês que vem, nem mesmo é
tão velha assim. Nem sabia que Chelsea desejava ter filhos, porém
ela parece desejar muitas coisas a respeito de Josh e isso é bonito.
“Diga que sim, vai agradá-la”, comento depois de analisar a
foto. Chelsea está em um vestido tubinho preto que marca todo o
seu corpo esguio, e até dá para ver um leve inchaço em sua barriga,
mas ela ainda não tem um barrigão, como Daphne desenvolveu
facilmente na segunda gestação. “Ela está linda, radiante”, falo
também, porque minha amiga parece tão feliz.
“Irei passar seus complementos. Ela está procurando um
vestido para o aniversário dela e quer algo que evidencie bem a
gravidez”, Daphne me explica. “Terminamos?”
“Sim, o processo estava impecável, como sempre”, elogio
minha irmã, que sorri de forma terna para mim. Me levanto da
cadeira, pegando meu paletó.
“Bom, porque parece que o papai do ano está tendo alguns
problemas para fazer as cólicas do Stephan passarem.” Mas ela
também faz uma careta, descontente por meu sobrinho de cinco
meses estar com dores. Ele vem passando pela fase das cólicas de
forma bem mais dura do que as meninas.
“Quer cancelar o jantar de mais tarde?”
“Não, não! Tudo vai se resolver até lá. Ele só precisa de um
colo de mãe e pronto.” Porque isso resolve mesmo tudo com
Stephan. “Nos encontramos às oito, certo?”
“Sim, mas se precisarem ficar em casa, me avise”, peço, e
ela me dá um aceno enquanto deixamos minha sala.
“Tudo sob controle.” Daphne caminha até sua sala, pegando
sua bolsa e blazer. “Se precisarem de algo, nos avisem.”
“Beatrice já passou no mercado a caminho de casa. Tudo sob
controle”, repito o que ela disse, abrindo a porta para que ela passe
a trancando em seguida.
Fazemos o caminho do elevador conversando sobre o
processo que eu analisava mais cedo, beijo sua testa quando nos
despedimos e faço o caminho até meu apartamento de carro. O
cheiro do molho caseiro já me atinge no momento que as portas do
elevador se abrem na cobertura. Não consigo evitar sorrir quando
escuto também as músicas ecoando. Pesco minhas chaves no
bolso e seleciono a correta, porque meu molho aumentou no último
ano.
Bea e eu continuamos cada um em seu apartamento, mas
poderíamos facilmente acabar com as divisórias e transformar tudo
em algo maior e de mais uso, assim não precisamos
constantemente nos mudarmos um para o apartamento do outro.
Minhas roupas já ficam mais com as dela do que no meu próprio
quarto, meu apartamento é bastante inutilizado porque passamos
boa parte dos nossos momentos livres, juntos.
Giro a maçaneta e a primeira visão que me atinge é ótima,
ela dançando pela cozinha antes de buscar por uma travessa no
armário. Seus olhos encontram os meus e nossos sorrisos se
refletem, ela é tudo, sempre foi e para sempre será. Ela é minha luz,
todos os lembretes possíveis de ser diariamente melhor, de fazer
tudo ficar melhor. Ela é meu lembrete para que eu me permita, me
permita amá-la, me permita acreditar nos meus sonhos, me permita
ser quem eu sou por dentro, me permita tudo. Ela faz com que tudo
fique ainda mais bonito.
Beatrice faz da minha vida uma vida melhor de se viver.
“Oie!”, ela diz, com uma voz afetada enquanto me aproximo e
penso que nunca irei me cansar desse sorriso, dessa ansiedade que
ela tem pelo meu toque, e nunca irei me cansar do seu toque.
“Oie”, respondo, deixando minhas coisas na sala antes de
marchar até ela. “Senti sua falta”, digo, quando abraço sua cintura e
ela coloca as mãos no meu pescoço. “Como está se sentindo?”
“Incrivelmente melhor agora.” Mas ela sabe que essa não é a
resposta real para minha pergunta, por isso me distrai com um beijo,
que eu aceito de bom grado, claro. Sinto seus lábios nos meus,
beijo-a com a mesma saudade que ela me beija, mesmo que
tenhamos nos visto hoje cedo. Não sei mais deixar que ela tome
parte de todo meu dia, que ela veja a visão que quero a todo
momento. “Daph e Matteo vêm?”, Beatrice pergunta, desviando o
assunto, quando se afasta da minha boca.
“Sim”, replico depois de um resmungo pela troca. “Stephan
está com alguns incômodos por causa de cólicas, mas minha irmã
disse que ainda vem.” Porque combinamos de jantar juntos hoje, já
que faz um tempo – uma semana – que não vejo meus sobrinhos.
Olivia e Faith tem crescido na velocidade da luz e parecem duas
pestinhas ainda maiores com dois anos e poucos meses. Mas
ficaram bem no cargo de irmãs mais velhas. “Sabe que não foi
exatamente isso que perguntei. Você está melhor?”
Beatrice tem passado mal nos últimos dois dias e pedi para
que ela fosse procurar um médico hoje, porque estava começando a
me preocupar. Minha pergunta faz os ombros dela murcharem e
isso me preocupa ainda mais. Acaricio suas costas, a tranquilizando
enquanto seu olhar foge do meu e não entendo o porquê. Suas
mãos se apoiam em meu peito, fazendo desenhos inanimados com
a ponta dos dedos, sua tensão é óbvia, assim como sua tristeza.
“Gracinha…”
“Eu achei… eu achei que pudesse estar grávida”, ela diz,
ainda evitando meu olhar. Levanto as sobrancelhas em choque,
porque nem mesmo pensei sobre isso. Ela passou a usar um
método diferente do que a pílula e depois de um tempo, fomos
abandonando a camisinha aqui e ali. Ainda assim, não cogitei essa
opção e me sinto desleixado. Entretanto, não ficaria triste com a
notícia, parece cedo, mas quero tudo ao lado dela. “Mas não, deu
negativo”, Bea prossegue, tristonha.
“Você queria que desse positivo?” Porque nunca chegamos a
falar muito sobre o assunto, estamos juntos há pouco mais de um
ano, nem mesmo falamos muito sobre casamento.
“Não sei. Me senti frustrada com o negativo, mas não sei o
que faria se desse positivo. É só que parece que todos a minha
volta estão indo por esse caminho…”
“Mas é o que quer?”, repito a pergunta.
“Você não?” Seus olhos encontram os meus e dou um
sorriso.
“Claro que quero, mas quero saber se é algo que você
também quer, e se quer para agora.” Solto um suspiro e seguro seu
rosto com as mãos. “Quero filhos e casamento, e a vida inteira com
você, mas se quiser também. Honestamente, gostaria de planejar
isso para o próximo ano, para ter uma estabilidade melhor, poder
auxiliar melhor tudo o que precisar, mas não ficaria nenhum pouco
triste se acontecesse agora também.” A sinceridade me flui com
facilidade.
“Eu quero, mas não para agora. Acho que me apeguei ao
pensamento e… talvez fiquei na expectativa de algo que nem sei se
queria mesmo, não agora”, ela responde. “Quero tudo com você
também. Só fiquei meio…”
“Triste, e é compreensível.” Beijo sua testa, tentando desfazer
o vinco de preocupação que há ali. “Queria que tivesse
compartilhado isso comigo.”
“Pensei que poderia ser bobagem.”
“Nada é bobagem quando se trata de você.”
Ela suspira e me beija, em um selinho casto e demorado. É
gentil e para tranquilizar, e eu faço o meu melhor para dar isso a ela.
No último ano é isso que tenho feito, o meu melhor. Por ela,
por nós dois, por mim mesmo. Descobri uma versão de mim mesmo
que gosto mais, que aprecio mais e que as pessoas também gostam
mais. Uma companhia mais gentil, um amigo mais presente, um
chefe mais aberto, um namorado melhor. Descobri fazer mais do
que desejo e menos do que me é imposto, e isso tornou minha vida
bem melhor.
Beatrice se afasta e seus olhos ficam nos meus. Há uma
infinidade de sentimentos dentro desse olhar, dentro dessa pessoa.
Há infinitas mudanças que ela fez em mim e eu fiz nela ao longo
desse tempo que nos conhecemos. Aprendemos uma nova forma
de amar e descobrimos coisas novas sobre isso diariamente em
olhares e toques, em beijos e abraços, em conversas e silêncios.
Nesse silêncio, que se instala depois que o beijo cessa e ela
me abraça, me mostra algumas coisas. Beatrice quer ser mãe, e
mesmo que ela não tenha desejado isso, o choque do negativo
quando ela cogitou a ideia a deixou pensando no assunto, na
esperança que desse outro resultado. Ela vai ser uma mãe incrível,
e eu farei de tudo para que ela tenha isso, porque também quero ser
pai, pai dos filhos dela, o marido dela, a pessoa com quem ela
desabafa e que ela se sente confortável para tagarelar ou chorar no
ombro.
“Ei, um passo de cada vez, certo?”, sussurro em seu ouvido.
Ela dá um aceno, mas ainda assim segue com a cabeça escondida
no meu peito. “Primeiro um jantar com minha irmã, depois podemos
seguir tentando isso de ter filhos a noite inteira, e amanhã, e depois
de amanhã, e na semana que vem, no próximo mês, no próximo
ano, depois do nosso casamento, podemos fazer isso para sempre
até termos um ou sete filhos. Acho essa coisa de tentar bem
gostoso, e conseguir será maravilhoso.” E isso a faz rir antes de
voltar a me olhar. “Estou falando sério!”
“Eu te amo, sabia?”
“Sim, eu sei. Mas amo ouvir você falar isso.”
“Casamento, hum?”
“Ops, merda, estraguei qualquer surpresa que eu fosse
fazer”, brinco, para ouvir a risada dela, porque amo o som, e amo
ser o motivo de suas risadas. “Eu te amo também.”
“Eu aceito”, ela fala depois de um tempo sorrindo para
minhas brincadeiras.
“Eu não aceitaria outra resposta, de qualquer forma.” Isso faz
Beatrice cair na gargalhada e eu observo, porque amo observá-la, e
quero fazer isso para o resto dos meus dias.
 
OS VOTOS
 
ZACH COCHICHA PARA MIM e Matteo que suas mãos suam de
nervoso e quando Matteo se inclina para lhe dar uma resposta, a
música começa. É nesse exato momento que vejo um dos meus
melhores amigos congelar no lugar. Ele fica tenso, tomado pelos
seus sentimentos ansiosos enquanto a marcha toca e não é uma
marcha comum. Sei que foi Chelsea quem compôs, porém ela
nunca assinaria de forma tão visível. Olho para a loira e ela tem um
sorriso radiante. Matteo e Daphne são os primeiros padrinhos na
linha, Chelsea e eu ficamos na segunda. Parker e Chris fazem par
com duas amigas próximas de Rebecca em Atlanta.
Parece uma eternidade e se eu acho isso, acredito que o
noivo no meio do altar terá um piripaque até que a figura de Beck
em branco apareça no fim do corredor. Ela faz sua marcha de
braços dados com Theodore, e seu sorriso iluminaria a sala, assim
como o de Zach. Ele ri suavemente, nunca tirando seus olhos dela e
não acho que, um dia, Zach foi capaz de fazer isso. Mas lágrimas
também escorrem pelos seus olhos, molhando suas bochechas
enquanto ele assiste a noiva o alcançando.
Os olhos castanhos de Rebecca também parecem molhados,
mas ela controla suas emoções melhor que Zach. Ele a ama com
tudo o que tem, isso é tão visível que chega ser lindo de ver, desde
o princípio, sempre foi muito claro seu amor por ela. Quando a
marcha termina, ele está ansioso e seus olhos demoram para
desviar e ir até Theodore, que beija a testa da filha primeiro antes de
abraçar Zach. Diferente de algumas tradições, Becks busca por
Lauren, a quem entrega o buquê e trocam um olhar muito
significativo.
Quando Zach e Rebecca se unem, entrelaçando os dedos,
ele se demora beijando a testa dela e percebo que sussurra algo,
que é o suficiente para que ela derrame sua primeira lágrima com
um sorriso radiante no rosto. Eles se afastam e se ajoelham, para
que a cerimônia religiosa comece.
Zach resolveu se casar de branco, ou algo bem próximo. Seu
terno é cinza, quase azul gelo, com minúsculas riscas giz, quase
imperceptível, mas é um belo terno. A camisa é branca, a gravata
também em um tom bastante branco. Ele tem um lenço e um corset
de lapela, as mesmas flores em versão reduzida do buquê de
Becks. Ela é a noiva mais bonita que já vi – Daphne teve um
casamento rápido e não usou nada tão glamoroso como esse
vestido.
Seu vestido não é escandaloso, mas combina perfeitamente
com ela. A cauda não é enorme, tem um tamanho normal, não deve
se estender nem mesmo um metro atrás dela. O vestido é delicado,
como Rebecca. As mangas longas são feitas de tule com algumas
aplicações leves de renda, não são justas aos seus braços,
deixando uma suavidade. Todo o tronco do vestido é assim,
aplicações delicadas de renda intercalado com o tule, o decote é
discreto, em um V aberto, mas todo seu colo e ombros são cobertos
pelo tule. A saia é branca, só levemente bufante, também coberta
por uma camada do material transparente.
Ela brilha, de felicidade e pela maquiagem simples e fofa,
definindo muito bem ela. Os cabelos castanhos estão presos em um
coque, com mechas caindo pelo seu rosto e, chocando alguns,
Becks não usa véu, só uma tiara de brilhantes bonita.
Me atenho aos detalhes, ouvindo pouco dos dizeres do padre
que celebra o casamento, mas presto atenção quando os dois se
colocam de pé e seguram as mãos. Sei que muitas lágrimas virão a
partir de agora.
“Você é tudo, absolutamente tudo. Do momento em que eu
acordo ao momento em que eu vou dormir, também preenche meus
sonhos. Você é tudo o que eu desejei sem saber, minha prece mais
sortuda, minha maior sorte. Você é linda, mas sabe disso, porém por
dentro tudo em você me encanta, tudo é lindo também. Sua
paciência, sua inteligente, sua sagacidade, a forma como é altruísta,
como sempre dá um jeito em tudo, como me entende mesmo
quando eu não quero me entender. Você me traz, diariamente, todos
os sentimentos mais bonitos que eu já senti na vida, você me
ensina, constantemente, como viver da melhor forma que pode
existir. Você me transforma todos os dias, e durmo apaixonado, mas
acordar ao seu lado me faz a amar ainda mais, se possível. Você
me trouxe tanto, entretanto acima de tudo, me trouxe luz, me trouxe
força, me trouxe um sentimento que eu nunca tinha tido antes. Eu
pertenço a você, não só de hoje em diante, mas desde o dia em que
nos conhecemos, e fica a seu critério se isso foi há três anos, ou há
seis. Becca, minha Becca, todos os dias me faltam palavras para
descrever o quanto te amo, o quanto eu iria a qualquer lugar com
você, porque você é a minha casa, no teu peito é o meu lugar, seja
onde for, ao seu lado é o meu lugar certo. Eu iria do inferno, com o
perdão da palavra Padre, ao céu por você. Eu te amo e todos os
dias quero provar que sou o suficiente para te amar, para estar aqui.
Quero ficar velho com você, quero fazer planos para o resto da
minha vida com você, quero tudo o que quiser. Quero uma casa
cheia de crianças, todas com seus olhos, com seu jeito. Quero você,
hoje, pra sempre, pelo tempo que me quiser, pelo tempo que
precisar de mim. Eu pertenço a você e nada faz mais sentido do que
isso. Eu faria, absolutamente tudo, por esse sorriso.” Ele toca a
bochecha dela, limpando as lágrimas e Rebecca funga, passando o
dedo por baixo do nariz em suaves toques. Zach não se importa
com o rosto manchado.
Eles estão em um momento deles, somente deles, pela forma
como se olham e pela forma como existe tudo dentro desse olhar.
Eu quero isso também, e involuntariamente, olho para os bancos e a
encontro. Bea sorri de volta para mim, limpando suas lágrimas. Seu
olhar diz muito para mim, e seu sorriso é lindo, como sempre. Me
concentro de volta nos noivos e vejo a tempo Rebecca desistir do
discurso pronto, deixando o papel dobrado ao lado do documento
que logo mais vai assinar.
“E você fez, e continua fazendo. Cumprindo uma promessa
silenciosa sobre isso. Você fez isso desde o primeiro dia e mesmo
quando me irritou, e ainda me irrita as vezes, sempre me compensa
com um sorriso depois. Você sempre fez seus esforços para isso, e
acho que foi uma das coisas mais bonitas que já recebi na vida. Sua
vontade de me fazer sorrir, tirar a expressão tristonha do meu rosto
fofo…” E a expressão faz os dois rirem, como uma lembrança. “Foi
o que nos trouxe até aqui. Acho que nunca te contei isso, mas a
primeira vez que me beijou, me senti de uma forma bem maluca.
Um beijo trazendo isso? Não, não achei que fosse possível, mas foi.
Você sempre trouxe o melhor de mim, é a minha força e a minha
fraqueza, porque eu te amo tanto que se não fosse a pessoa com a
qual sei que posso dividir todo o fardo, todas as minhas batalhas e
minhas dores, nem sei se aguentaria. Meu amor por você é minha
força e minha fortaleza nos dias difíceis. Você me faz nem mesmo
pensar sobre os dias difíceis, porque esses são os dias sem você, e
me sinto sortuda por eles serem poucos. Todas as vezes que nos
despedimos, eu torço para o tempo passar rápido, para que eu te
encontre de novo, e quando estamos juntos, rezo para que dure
uma eternidade. Eu quero uma eternidade ao seu lado, quero tudo
ao seu lado. Você me mostrou o que o amor realmente é, a
verdadeira faceta do amor. E é lindo, é real, é esmagador, é
delicioso, me consume da melhor forma que eu poderia ter. Você me
mostrou o que é o amor, e eu amo amar você. E vou amar isso até o
fim dos meus dias, enquanto eu torcer para que vire um velhinho
menos bonito, para que eu passe menos trabalho na terceira idade.
Eu quero filhos, netos, bisnetos, viagens, aventuras, quero risadas
ao seu lado, quero chorar no seu ombro todas as vezes que tudo
ficar difícil, quero que chore no meu ombro sempre que quiser,
quero morar no seu abraço até o fim da vida, quero acordar com
seus beijos e dormir ouvindo sua respiração para sempre, quero
nossa rotina, nossas noites de filmes e pizza, quero ouvir você
falando de coisas que não tenho ideia do que são, só porque fica
ainda mais lindo com os olhos brilhando de empolgação, quero
esses olhos azuis lindos para mim o resto da vida. Eu quero uma
vida com você.”
Zach está soluçando quando toma Rebecca em seus braços
e eles ficam assim por um bom tempo. Abraçados como se fossem
a salvação um do outro.
Não, como se fossem a vida um do outro, porque são. O
amor deles é bonito, é sobre compartilhar e ceder, sobre fazer dar
certo, e constantemente sobre receber, porque eles recebem tanto
amor um do outro, que eu não sabia que isso era possível. Diferente
de Chelsea e Josh, ou Matteo e Daphne, o amor de Rebecca e
Zachary sempre foi algo para ser visto, não porque eles se exibem,
mas porque estão sempre demonstrando em meio as pessoas sem
notar.
Nunca achei ruim, e agora compreendo.
“Eu te amo”, ele diz assim que eles se afastam, segurando o
rosto dela entre as mãos.
“Eu sei”, Rebecca responde com um sorriso de orelha a
orelha.
Eles tomam um tempo ainda até que se voltem para o padre,
chegando finalmente na parte dos eu aceito, e do vos declaro
casados. Olivia e Faith são adoráveis carregando as alianças.
Também é a parte das assinaturas e dos beijos, porque Zach não se
contenta com um.
Enquanto comemoro a saída dos dois, penso sobre as
palavras de Rebecca, sobre Zachary lhe mostrar o que é o amor, a
verdadeira face disso, e sobre como o amor é lindo.
Compreendo, agora eu sei, e consigo entender.
Amar é sobre ceder, é sobre ter paciência, é sobre fazer valer
a pena, é sobre se permitir.
E é lindo.
 
 
 
 
Me desculpem, mas não sei se consigo fazer isso. Essa é a última
vez que irei escrever um agradecimento em um livro da série e meu
coração não está preparado para isso.
Se você está aqui desde o começo, ou algo próximo a isso,
deve saber que eu sou uma chorona de primeira classe, e sou
mesmo, com orgulho. Por esse motivo, não me sinto tão preparada
para falar adeus, muito menos me sinto pronta para dizer o nome de
todas as pessoas que fizeram parte desse caminho e que foram de
extrema importância. Essa última parte eu não conseguirei fazer
direito porque sou péssima lembrando nomes, mesmo que eu tenha
um carinho enorme por todas as pessoas que passaram por mim.
Falando sobre Taken sem si, acho que a primeira pessoa que
preciso agradecer de uma forma bem grandiosa, apesar de sempre
agradecer nos meus livros por ela fazer parte do processo, é a Gabi.
Ela me inspirou horrores para escrever esse livro, foi em meio a
uma conversa que eu tive a ideia que desencadeou todo o plot, foi
dela que extrai alguns pedacinhos da Beatrice. Ela foi muito
importante para esse processo, assim como para todos os livros que
já escrevi até aqui.
Assim como meus pais, minha irmã, minha avó, que sempre
apoiam o processo, sempre falam sobre os livros e panfletam por aí
(mesmo que as vezes não tenham noção sobre o que se trata), me
deixando com o coração quentinho pensando que sou sortuda pelo
apoio de vocês.
Todas as vezes eu tento, mas nunca dou conta, porém queria
poder deixar aqui meu grande agradecimento a todo mundo que leu,
desde Fixed até agora, completando esse ano ao meu lado, e
também agradecer quem chegou depois, quem chegou pelo
segundo livro pra depois ler o primeiro, ou quem chegou pelo
terceiro pra depois ler os demais, ou quem tá chegando por esse
(leia os três primeiros também, eu juro que vale a pena). Gosto de
falar, porque penso assim: nada faria sentido sem vocês. Pelo
menos, não para mim. Escrevo para ser lida, para desencadear os
sentimentos que desencadeio e para me apaixonar por cada reação
que me mandam, seja os surtos no meio da leitura, aquela
mensagem no fim, aquele comentário solto, alguma avaliação. E
também escrevo para você, que lê e acompanha, mas preferiu
nunca falar comigo, porque sei que desencadeei alguma reação,
mesmo que você não tenha gostado dos livros.
Quero agradecer pessoas que fizeram esse livro lindo e me
ajudaram a fazer com que ele chegasse nas suas mãos. Gabi, que
ilustrou esses dois e captou tudo o que eu sempre imaginei para a
Bea e para o Mike. Bianca, que transformou esse livro em algo mais
lível, revisando minha escrita desleixada, principalmente quando eu
fico empolgada com uma cena, e foi minha primeira leitora, meu
primeiro feedback. Larissa, que deu um rosto para esse livro, apesar
de não ser do jeitinho que deveria ser (Deus me livre da falta de
representatividade dos bancos de imagens), mas colocou sua mão
mágica e fez esse livro ficar lindo de morrer.
Taken encerra um ciclo (apesar de Ever After, esse é o fim
oficial da série) e eu não poderia estar mais feliz por ser com esses
dois. Mike e Bea me mostraram bem na raiz o que é criar
personagens que me fazem querer arrancar os cabelos, mas no fim
de tudo, na minha última leitura antes de entregar esse livro para
vocês, fico feliz por ter encerrado com eles, porque eles são tão
humanos que dói. Eles me mostraram uma forma diferente de amor,
em todos os âmbitos da vida, e por isso eu aprendi muito
escrevendo esses dois. Eles me mostraram que às vezes nós
erramos, mesmo que a gente acredite até o fim que o que fazemos
é o certo. Eles têm muito de mim, e eu espero de coração que tenha
gostado de Taken.
A Série Encontros Inesperados foi minha porta de reentrada
ao mundo da escrita e eu sou muito grata a esses oito que me
inspiraram para quatro livros que enchem meu coração de amor e
carinho, e que abriram minha criatividade para muitos outros que
estão por vir. Mas a série nunca faria sentido se não fosse pelos
leitores, então sou eternamente grata por vocês me fazerem a
escritora que sou hoje.
Encontro vocês na trilogia Momentos Inesquecíveis, o spin-off
de Encontros Inesperados (Nick, Scott e Ethan chegam a partir de
setembro de 2022 na Amazon) e também na Série Delta Gamma
Zeta (só lendo para saber como ela se encaixa no universo de
Encontros Inesperados, a partir de maio de 2022 na Amazon)
 
Um grande obrigada e com amor imensurável,
Gabi
 

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