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Copyright © 2022 Alya Joes

Revisão de Alya Joes


Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução de parte e totalidade da obra sem a
autorização prévia da autora.
Obra meramente fictícia – trata-se de uma releitura de uma
das brilhantes obras Shakespearianas.
Teresina – PI
NOTAS DA AUTORA

Olá, caro leitor!


Existem algumas coisinhas que você precisa saber antes de iniciar
essa leitura, então vamos lá: inicialmente, gostaria que tivesse em mente
que tomei como base – e inspiração – para esse livro, uma das fantásticas
criações do maravilhoso William Shakespeare, logo, não vá se assustando
com as semelhanças – e nem me acusando de plágio, pelo amor de Deus! A
história em questão é “A Megera Domada”, já adaptada, inclusive, para as
telinhas – caso não saiba, o filme “Dez Coisas que Eu Odeio em Você” é
uma adaptação dessa divindade Shakespeariana. Assim, peço novamente
para que não se espante com as semelhanças entre a história original e a
minha “versão” dela.
Todos os personagens são jovens, em seus plenos 15/18 anos de
idade, então não vamos ficar julgando suas atitudes, ok? – até porque, quem
nunca fez alguma besteira nessa fase tão complicada da vida, né? Ademais,
haverá a presença de palavras de baixo calão, cenas de nudez, sexo
explícito e consumo de drogas lícitas e ilícitas, tornando sua leitura
recomendada para maiores de 16 anos.
E, por fim: esse livro pode conter gatilhos emocionais; caso se
sinta desconfortável, por favor, peço encarecidamente para que abandone a
leitura. Não pretendo desrespeitar ninguém e muito menos fazer com que se
sinta desconfortável, pois é exatamente o oposto do que planejei – escrevi
esse livro com tanto amor e é somente isso o que espero repassar através
dele.
No mais, desejo uma excelente leitura e que possa desfrutar dela
tanto quanto eu, enquanto a escrevia.
PLAYLIST

Para uma melhor experiência – caso seja do seu desejo, é claro –,


sugiro que acesse a playlist que criei exclusivamente para seu deleite, no
Spotify.
EPÍGRAFE

"Eu odeio a maneira como você fala comigo


E a maneira como corta o cabelo
Eu odeio o modo que dirige o meu carro
Eu odeio quando você fica encarando
Eu odeio os seus grandes coturnos
E a maneira como você lê a minha mente
Eu te odeio tanto que me dá nojo
E até me faz rimar
Eu odeio que você esteja sempre certo
Eu odeio quando você mente
Eu odeio quando você me faz rir
E ainda mais quando me faz chorar
Eu odeio quando você não está por perto
E o fato de não ter me ligado
Mas acima de tudo eu odeio o fato de que não te odeio
Nem um pouco, nem de perto, de modo algum".

Katharina Stratford para seu Petruchio, Patrick Verona – 10


Coisas Que Eu Odeio Em Você.
Esse livro é para os lutadores, aqueles que persistem, mesmo quando lutar
nem mesmo se parece uma possibilidade. É para aqueles que, mesmo
quando os disseram que era impossível, continuaram e conseguiram. É
para aquelas cujas ambições já foram alvo de chacota e, mesmo assim,
continuaram, ignorando as dificuldades e os olhares de todos aqueles que
os julgavam. Esse livro é para todas vocês, Astrid’s, espalhadas por todo o
mundo. Não permitam que diminuam o seu potencial, porque vocês são
fodas.
PROLÓGO

SERENA.

Ensino Médio.
A melhor fase da vida para a maioria das pessoas. É literalmente o
fim da vida fácil e descontraída dos adolescentes; os últimos três anos antes
da faculdade e, eventualmente, da vida adulta.
É por isso que devemos desfrutá-la da melhor maneira possível,
correto?
Errado.
Bem, pelo menos para mim. Minha vida era resumida a dias
consecutivos trancafiada em casa, fitando estupidamente o teto enquanto as
demais garotas da minha idade estavam por aí, se divertindo. E tudo isso se
dava graças às regras bizarras do meu pai. Ele era uma dessas pessoas
extremamente antiquadas e conservadoras que acreditava veemente que
devemos ter cautela e viver pacientemente, respeitando as “etapas da vida”.
E foi tendo esse pensamento abominável em mente, que ele
estipulou a regra: "se Astrid não for, você não vai" – o que inferia, em
outras palavras, que eu não poderia fazer absolutamente nada sem a
presença da minha irmã.
Festas? Nem pensar.
Encontros? Definitivamente não.
Qualquer interação humana fora da escola?
Absolutamente fora de cogitação.
Quanto a isso, me permita explicar melhor: Astrid Spencer, a minha
"adorável" irmã mais velha, era uma megera. E não no sentido figurativo;
literalmente. Ela inclusive ganhou esse apelido devido a sua personalidade
difícil e rabugenta, justificando o fato de quase nunca sair de casa e,
consequentemente, de me impossibilitar de desfrutar das festividades da
vida adolescente.
Se fosse para depender da presença da minha irmã para alguma
coisa, eu morreria sozinha e ainda por cima, em cárcere privado.
Uma peculiaridade a meu respeito, é que nunca fui a filha
inteligente. O status de "cérebro" da família se dava exclusivamente para
Astrid, quem vivia enfurnada no quarto, lendo algum dos milhares de livros
que abrigava lá; contudo, apesar de não ser tão inteligente quanto minha
querida irmãzinha, eu tinha a beleza e o carisma que lhe faltavam além de,
regularmente, ter ideias que surpreendiam até a mim mesma, tamanha a
genialidade delas; e foi exatamente o que aconteceu certa vez, quando tive a
melhor ideia de todas.
Tudo começou em um dia qualquer com aulas – insuportáveis – de
uma quinta-feira comum. Eu estava especificamente na aula entediante de
literatura inglesa, mascando um chiclete na tentativa frustrante de não
sucumbir ao sono – como boa parte da turma estava fazendo – quando de
repente, a Senhorita Brooke passou um de seus fúnebres e detestáveis
trabalhos mensais – que se baseava, em suma, a fazer uma leitura, análise e
interpretação de um livro qualquer, desde que o mesmo que tivesse autoria
inglesa.
E foi exatamente isso o que fiz ao chegar em casa.
Ao invés de me enfiar em uma biblioteca como boa parte dos meus
colegas de classe, fui mais prática: fiz minha busca em uma espécie de
biblioteca particular, o que significava que, em outras palavras, resolvi
vasculhar o quarto da minha irmã mais velha, que, por sinal, era quase uma
biblioteca.
A questão foi que, ao buscar por qualquer livro que tivesse o nome
de William Shakespeare na capa – já que a senhorita Brooke tinha uma
obsessão inexplicável por ele –, acabei me deparando com um título
aparentemente fútil, que, posteriormente se tornaria o fator X do meu plano;
era o livro "A Megera Domada''.
A princípio, após folhear rapidamente as páginas do tal livro,
concluí que o mesmo era igualmente entediante a todos os demais livros
que eu já havia lido anteriormente – e com ler, quero dizer folhear;
diferentemente de minha irmã, eu passava bem longe de ser o que se podia
chamar de leitora voraz.
Comecei a fazer a redação, dando uma conferida no Google em
busca de um resumo da obra – tendo em mente que mais alguns minutos
lendo aquilo e eu cairia em sono profundo – quando, repentinamente, o
impensável aconteceu: notei que a narrativa do livro era bizarramente
semelhante a minha vida.
Para o meu espanto, uma das personagens, descrita como Bianca
Minola, era ridiculamente parecida comigo, e sua irmã, descrita como Kate,
assemelhava-se muito a minha irmã. Na peça, a filha caçula de Baptista
Minola, (Bianca) possuía vários admiradores, mas Baptista se recusava a
permitir que ela se casasse até que sua filha Kate encontrasse um marido e
blá blá blá. Moral da história: a garota bonita – Bianca – tinha semelhança
praticamente absoluta comigo, incluindo o fato de ter uma irmã má vista,
assim como eu.
Fechei a tampa do notebook bruscamente, formulando em minha
cabeça, aquilo que ocasionaria a minha liberdade: só precisava achar um
cara aleatório para sair com a charlatona da minha irmã e então, bingo:
minha tão almejada liberdade adolescente.
Passei a semana seguinte inteira buscando o Petruchio ideal para o
meu plano, mas, para a minha consternação, ninguém concordava em sair
com a megera de Lester Ville, porque, apesar do rostinho bonito, com uma
única palavra ela conseguia espantar quem quer que fosse.
Após incontáveis tentativas frustrantes de encontrar alguém decente,
o destino ironicamente me levou até Jacob Davies, o famoso delinquente de
Lester Ville. Apesar da beleza notória, Jacob era um daqueles sujeitos com
os quais não se deve brincar. Especulavam-se diversos boatos sobre ele,
especificamente sobre seu caráter duvidoso e a natureza extremamente
impulsiva, o que acarretava em brigas e mais brigas que, unidas a seus
incontáveis delitos, justificavam a péssima reputação que obtinha. De toda
forma, apesar dos diversos boatos, ninguém sabia muito sobre a vida
particular de Jacob. Tudo o que se sabia dele é que morava na parte feia da
cidade – a periferia, em outras palavras – e que vivia com o pai, que,
adivinhe só: estava no xadrez. E, foi justamente devido a situação de seu
pai, que pude chegar à conclusão de que Jacob Davies poderia sim, ser o
meu Petruchio.
Foi surpreendentemente fácil convencê-lo a compactuar com meu
plano. Como imaginado, Jacob era uma daquelas pessoas fáceis de
comprar: bastou que lhe mostrasse a quantia generosa que seria ofertada,
para que concordasse – o sujeito era realmente muito maleável.
Depois de combinar os termos do nosso “acordo”, fui para casa com
um sorriso imenso no rosto, certa de que, finalmente, poderia me ver livre
das amarras da minha entediante irmã mais velha.
Agora, o que me restava a fazer era torcer para que minha irmã não
estragasse tudo com seu mau hábito de ser uma pessoa insuportável, e que
cedesse aos encantos daquele delinquente indiscutivelmente atraente.
01.

ASTRID.

Eu odiava Lester Ville.


Não, pensando melhor, eu odiava morar em Lester Ville.
Quando você mora em uma cidadezinha pequena e pacata, se
acostumar com a dinâmica da coisa toda é quase um dever: todo mundo se
conhece e o resultado disso são os malditos boatos e fofocas que se
espalham feito um incêndio.
E a minha família, sobretudo, parecia ser alvo exclusivo de tais
especulações – ou difamações, melhor dizendo.
Não fazia muito tempo desde que fui comparada à minha mãe pela
primeira vez – e o ato em si deveria ser lisonjeiro, já que Zilda Spencer era,
entre outras coisas, uma mulher espetacular. No entanto, a verdade era que
ser comparada a ela não era bem um elogio, e sim, o exato oposto.
Minha mãe era um espírito livre; não, na realidade, meus pais eram.
Os dois costumavam viajar juntos pelo mundo, colecionando lembranças
em cada pedacinho de terra que visitavam. Mas então, um “acidente”
aconteceu: minha mãe engravidou. E graças a esse acontecimento, ela teve
que suspender a rotina de viagens e aventuras pelo mundo, porque agora
tinha coisas para lidar. E com lidar, quero dizer um bebê a caminho. O
mesmo aconteceu com meu pai, que teve que arranjar um emprego às
pressas para sustentar a namorada e seu futuro filho.
Infelizmente, o único local que lhes ofereceu assistência e
oportunidade, foi uma cidadezinha localizada no Estado de Wisconsin,
Estados Unidos. E foi dessa maneira que viemos parar em Lester Ville.
O resto da história já pode ser deduzida: em três de fevereiro
daquele mesmo ano, eu nasci. Me deram o nome de Astrid, porque –
segundo meu pai – eu era o bebezinho mais fofo existente. O nome "Astrid"
possui origem germânica e significa: "a amazona dos deuses Ases". Então,
basicamente, meu nome tinha associação com a minha "beleza", já que me
comparavam com uma amazona dos Deuses Nórdicos, algo que, na minha
humilde opinião, não passa de um blefe, tendo em mente que minha mãe
era uma fã convicta das mitologias e certamente por essa razão me deu o
nome.
Após dois anos do meu nascimento, minha irmã Serena veio ao
mundo – e ela sim, era a personificação da beleza. Serena era simplesmente
um encanto em tudo o que fazia: desde a maneira como chorava – ela não
berrava como os bebês costumam fazer –, e até mesmo os sorrisos que dava
pareciam ensaiados, como os daqueles bebês de comerciais. Notando todas
as qualidades – quase anormais – de sua filhinha caçula, meus pais
decidiram colocá-la como competidora desde muito pequena nos concursos
infantis de beleza da nossa cidade. E até nisso ela era impecável:
simplesmente vencia todas as competições que participava, razão pela qual
ganhou a fama de "A Rainha da Beleza de Lester Ville".
A vida realmente prosperou para nós, os Spencer, nos anos
seguintes. Papai conseguiu um diploma depois de uma árdua vida
acadêmica tendo duas filhas para cuidar, e mamãe descolou um emprego
em uma loja de departamentos que pagava razoavelmente bem e ajudava
nas despesas de casa. Tive uma infância feliz, ou pelo menos normal, pelo
que me recordava.
Mas é claro que a vida aos olhos de uma criança não é algo com o
qual se deva confiar. O que não havia percebido na época, era que a vida
como chefe de família não estava fazendo nada bem à minha mãe. Ela
estava cada vez mais frustrada e triste por sentir falta da vida anterior à de
mãe em tempo integral. Foi exatamente por isso que certo dia ela tomou
uma decisão: ir embora. E não demorou até que a realizasse.
Em questão de dois dias, a notícia sobre a "fuga" da minha mãe
espalhou-se e não havia um indivíduo em toda Lester Ville, que não
soubesse da lastimável história do “pobre e abandonado” Edgar Spencer e
suas filhas.
A vida sucedeu com papai sendo nosso porto-seguro pelos anos
seguintes, até que, cerca de quatro anos após a partida da nossa mãe,
recebemos uma carta do estado do Alabama informando sobre a morte de
uma mulher que, posteriormente, foi identificada como Zilda Spencer. A
descoberta sobre o falecimento da minha mãe foi como um soco no
estômago para Serena, meu pai e eu. Tentamos ao máximo seguir em frente,
mas o ressentimento, mágoa e saudade, ainda estavam lá, no fundo de
nossos corações.
Confesso que, à priori, julgava muito a mulher que me deu a vida
por sua decisão de abandonar as filhas e deixá-las como uma bagagem
indesejada para seu marido, mas depois de um tempo, quando finalmente
comecei a entender a dinâmica da nossa cidade, parei de condená-la e
passei a compreendê-la.
Não que fosse a favor do que ela havia feito conosco, mas entendi o
porquê de sua partida; às vezes, morar em Lester Ville se tornava
simplesmente insuportável com toda aquela façanha ridícula de ir à igreja
apenas para comentar sobre a vida dos demais e todos os malditos boatos
que surgiam dali. Eram muitos os que faziam uso da palavra divina apenas
para recriminar aqueles que não compactuam com as tradições e hábitos
estúpidos daqueles que, ironicamente, se auto clamavam como “serventes
de Deus”.
Passei ambas as palmas no meu jeans surrado, admirando o meu
trabalho recém-realizado. Quando completei dezesseis anos, implorei ao
meu pai para que me deixasse arrumar um emprego e, felizmente, ele
permitiu. Depois de dias de muita procura, a senhora Cousin, uma
senhorinha muito simpática da nossa região, resolveu me empregar em seu
estabelecimento: a biblioteca Pop's. E aquele foi para mim, o melhor
acontecimento em muito tempo. A calmaria e tranquilidade daquele
ambiente, longe dos olhares condenatórios de todos e tendo a companhia de
pilhas e mais pilhas de livros, me fazia realmente bem.
— Como consegue passar tanto tempo aqui e não ficar entediada?
Serena perguntou repentinamente, torcendo o nariz ao notar as pilhas de
livros que eu havia acabado de ordenar.
— Esse lugar é simplesmente o paraíso para mim, Serena —
respondi, enquanto passava por ela carregando uma pilha de livros recém-
ordenados, e os depositava em cima do balcão, próximo a caixa
registradora.
— Claro que é. — ela resmungou, avaliando o ambiente com
evidente desaprovação. — Está mais do que evidente que a sua concepção
antiquada faz todo o sentido. — fez uma careta. — Tudo que estiver longe
de qualquer interação humana é simplesmente perfeito para você.
— Está enganada. Aqui há sim, interação humana. — apontei para
uma das mesas, onde duas mulheres liam. — O que acha que é aquilo?
Serena seguiu meu olhar, fazendo uma careta sugestiva ao notar as
duas senhorinhas debruçadas sobre seus respectivos livros, a alguns metros
de nós.
— Ok — afirmou minha irmã caçula, lentamente. — Correção:
qualquer interação adolescente.
— Exatamente nem mesmo me dei ao trabalho de negar.
Agora poderia me fazer o favor de me dizer o que está fazendo aqui?
exigi saber, fitando-a de olhos estreitos.
Eu estava trabalhando na Pop’s há quase um ano, e durante todos os
onze meses que passei a ir até lá após a escola, minha irmã nunca havia se
dado ao trabalho de ir aparecer por lá, tornando a sua presença algo no
mínimo suspeito.
Serena entreabriu os lábios, pondo uma das mãos sobre o peito no
que conclui ser a tentativa de uma dramatização de ofensa – algo em que
tinha muito talento, inclusive; ela fazia a mesma expressão quando queria
arrancar dinheiro ou qualquer outra coisa do nosso pai e sempre obtinha
êxito.
— Vim ver você — declarou, a expressão de ofensa ainda intacta
em seu rosto. — Há algo de errado em vir até aqui, ver a minha adorável
irmã?
— Corte essa, Serena — disparei, fitando-a cética. — Nós duas
conhecemos você suficientemente bem para saber que isso não passa de
uma mentira. Diga de uma vez o que quer.
Ela suspirou, me seguindo a passos hesitantes e sentando-se em uma
das baquetas próximas do balcão da recepção onde eu me encontrava.
— Bem, eu... — mordeu o lábio inferior, parecendo hesitante. —
Gostaria que você fosse comigo à festa de Kelly Jensen, hoje à noite.
— Não — respondi sem nem pestanejar, com os olhos fixos na
caixa registradora, conferindo atentamente as quantias ali depositadas.
Serena piscou.
— Não? — repetiu, incrédula.
— É, Serena, não. Sei que você não está acostumada a ouvir essa
palavra, mas, enfim: não.
Ela fechou a boca com força, assumindo a expressão birrenta que
costumava esboçar sempre que as coisas não saíam como queria:
sobrancelhas e lábios franzidos, e nariz torcido.
— É só uma festa, Astrid. Pelo amor de Deus! Não seja egoísta!
Ergui os olhos da caixa registradora e olhei para ela, arqueando uma
das sobrancelhas.
— Não estou sendo egoísta, Serena. Estou sendo responsável.
Diferente de você, tenho um emprego e não posso simplesmente largá-lo
para farrear por aí.
— Ah, por favor! A festa será apenas à noite, Astrid! Por Deus, não
seja chata!
Bati bruscamente uma das mãos contra o balcão, chamando a
atenção das senhorinhas sentadas nas mesas laterais a alguns metros de nós,
e fazendo com que Serena recuasse um passo, assustada.
— Já dei a minha resposta, Serena. Agora me faça o favor de dar o
fora daqui. — disparei, irritada.
Serena franziu as sobrancelhas, fixando seus olhos castanhos nos
meus, irritação esbanjando de seu semblante.
— Qual é o seu problema? — esbravejou ela. — Você costumava
ser normal, Astrid. Meu Deus, você fazia parte do ABC! Como pôde se
tornar isso?
— Existem coisas que o seu mundinho cor-de-rosa é incapaz de
perceber, Serena. E, por Deus, não me lembre do meu passado humilhante
— suspirei. — Apenas pare de fingir que se importa comigo e dê o fora. —
falei, gesticulando na direção das portas.
Ela atendeu meu pedido – ou ordem, tanto faz – e caminhou
impecavelmente na direção da porta, sem nunca deixar de lado a postura de
Miss que fazia jus a cada um dos prêmios que ela ganhou quando mais
jovem: os passos perfeitamente alinhados, ombros retos, cabeça erguida e
postura impecavelmente reta.
Voltei minha atenção para a caixa registradora novamente,
ignorando o som dos sinos presos à porta, indicando a saída da minha irmã,
e fazendo uma careta ao notar a pilha de livros que ainda restavam ser
ordenados na prateleira às minhas costas.
Enquanto suspirava, foi quase impossível não pensar nas palavras de
Serena e, especificamente, nas lembranças que as mesmas traziam; eu nem
sempre fui como era atualmente; antigamente, eu era Astrid Spencer, a
abelha rainha da Lester High School e, em outras palavras, uma completa
idiota. Há alguns anos, Bella e Carly, – minhas ex melhores amigas – me
ajudaram a criar o ABC: o trio mais popular da escola, responsável por criar
toda uma política ridícula de hierarquização entre nossos colegas. Éramos
implacáveis juntas, e nosso domínio e influência, chegaram a se expandir de
tal maneira que não havia indivíduo algum que se atrevesse a se opor contra
qualquer uma de nossas decisões. Eu me considerava uma privilegiada na
época, por ser detentora de uma legião de súditos tão leais, mas é claro que
assim como todo o restante daquela merda de estilo de vida hostil, aquilo
não passava de uma ilusão, porque não demorou até que Carly se revelasse
uma verdadeira vaca e roubasse a única coisa realmente importante para
mim.
Balancei mentalmente a cabeça, forçando meus pensamentos a
retornarem para a pilha de livros que tinha que ordenar, impedindo assim,
que aquelas lembranças voltassem. “Não vale a pena, Astrid. Se concentre
no que realmente importa”, repeti mentalmente, tal qual vinha fazendo em
todos aqueles anos, sempre que me pegava lembrando do passado.
Soltando uma respiração, eu estava prestes a pegar todos os livros
que aguardavam para serem ordenados, quando uma sombra pairou sobre
mim, bem diante do balcão. Bufei, detestando o momento inoportuno da
chegada do cliente e abrindo a caixa registradora, assumindo minha postura
como atendente.
— Boa tarde! Em que posso ajudá-lo? — perguntei, destinando
minha inteira atenção ao caderninho que pendia diante de mim, sobre o
balcão – objeto onde anotava todas as vendas, usando-o como um bloco de
notas fiscais.
O sujeito – era definitivamente um homem, a julgar pelas veias
presentes em seus antebraços e todos aqueles anéis entre seus dedos – se
inclinou sobre o balcão, apoiando ambos os braços no lugar em questão e,
assim, literalmente invadindo o meu espaço pessoal.
Fixei os olhos em seus antebraços, dividida entre a vontade de exigir
que os retirasse de lá, ou retirá-los eu mesma, a força.
— Bem, na realidade, gostaria que você me instruísse — disse o
sujeito, sua voz soando presunçosa aos meus ouvidos. — Tem alguma
recomendação a me fazer? Como um último lançamento ou coisa assim?
Soltei o ar com força, ao mesmo tempo que dava alguns passos para
o lado e passava pela portinha que dividia o balcão do cliente inoportuno,
fazendo um gesto com as mãos para que ele me seguisse enquanto
caminhava pelas estantes de livros, me dirigindo até a sessão dos livros
recém-chegados.
— Qual a sua preferência literária? — perguntei, enquanto passava
os olhos pelas estantes, buscando a sessão em que estavam depositadas as
novidades da biblioteca – o estabelecimento/livraria faturava com o
empréstimo e aluguel dos livros, o que gerava um lucro regular ao final de
cada mês.
— Gosto de coisas com ação, morte e muito sangue. — declarou o
cliente, sem nem pestanejar.
Fiz uma careta.
“Coisas”?
Quem diabos faz tal comparação infame para se referir a um livro?
Ignorei a vontade de chamá-lo de ignorante – tendo em vista que
não seria nada apropriado –, e segui na busca pela sessão dos recém-
chegados, vasculhando com os olhos as placas superiores que indicavam as
indicavam.
— Então está me dizendo que gosta do gênero terror, correto? —
perguntei, suspirando de alívio ao encontrar a sessão A3, local onde as
novas mercadorias eram colocadas.
— É, acho que sim — respondeu o cliente, e dessa vez senti todo o
meu autocontrole ser atirado pelos ares com sua resposta indecisa e
indiferente.
Girei nos calcanhares bruscamente, objetando finalmente visualizar
o rosto daquele indivíduo ignorante e, para a minha surpresa, o babaca era
um adolescente; e aparentemente tinha a minha idade, a julgar pelas feições
joviais.
O mais bizarro de tudo era, no entanto, que aquele rosto me era
estranhamente familiar; seu rosto – estupidamente belo – se enquadrava nos
padrões de beleza masculinos, considerando o maxilar marcado, o nariz reto
e as sobrancelhas grossas. O cabelo – ou pelo menos o que se podia ver dele
– era de um castanho-avermelhado e estava quase inteiramente coberto por
um gorro negro, fazendo com que apenas algumas mechas salientes
escapassem por lá. Seus olhos tinham uma coloração bonita e rara, sendo
meio verdes e amarelados ao mesmo tempo.
Um sorriso largo curvou seus lábios à medida que estreitava meus
olhos para ele, em desconfiança pela sua aparência estranhamente familiar.
— Basta me dizer qual é a droga da sua preferência literária —
soltei, meu autocontrole já inexistente, em razão daquele sorrisinho
descarado estampado em seu rosto. — É muito simples.
O sorriso dele apenas aumentou – se é que era possível.
— Nossa, você definitivamente faz jus a má-fama que tem.
— Como é? — questionei, estreitando os olhos para que pudesse
fixá-los ameaçadoramente nos seus. — Eu por acaso o conheço?
Ele sorriu e pequenas ruguinhas se formaram pelos cantos dos seus
olhos que, analisando melhor, eram na cor âmbar.
— Ah, acho que não. — disse, estendendo uma das mãos. — Mas
tenho certeza de que já ouviu falar sobre mim, assim como ouvi sobre você.
Creio que vamos nos dar muito bem, principalmente pelo fato de sermos, os
dois, alvo das línguas ferozes das pessoas dessa cidade.
Estreitei ainda mais os olhos, o fitando com desconfiança, até que a
ficha caiu e tudo fez sentido: a aparência familiar, a postura desleixada, o
sorriso fácil e por fim aquela última informação – a má fama – me fizeram
identificá-lo: aquele era Jacob Davies, a erva-daninha da cidade.
02.

JACOB.

“Os olhos são as janelas para a alma”, já dizia meu caro amigo,
Edgar Allan Poe.
E, considerando a forma como a lourinha diante de mim me olhava
– como se pudesse arrancar meu couro fora – pude ter certeza de que o Poe
foi um verdadeiro gênio em vida.
Que Deus o tivesse.
Quando Serena Spencer – a intitulada "Rainha da Beleza de Lester
Ville” – veio à minha procura na semana passada, mal acreditei; e o que
veio em seguida foi ainda mais bizarro: a Barbie psicótica queria que eu
descolasse alguns encontros com a irmã dela em troca de uma grana
respeitável, e eu, sendo o sujeito inteligente e assumidamente capitalista
que era, nem pensei duas vezes antes de aceitar aquela quantia generosa.
Quer dizer, cem pratas só para levar uma garota para sair?
Moleza.
Ou pelo menos era o que eu pensava, até conhecer a peça.
— Posso saber o que diabos você está fazendo aqui? — disparou a
lourinha diante de mim, cuja expressão era digna de uma Lady Killer
prestes a entrar em ação e executar alguém.
— Como assim? — indaguei, fingindo inocência. — Já expliquei:
quero a sua ajuda para escolher um livro.
Os olhos dela se estreitaram ainda mais, ao mesmo tempo que seus
braços eram cruzados sob o peito, chamando a minha atenção para o decote
inexistente de sua blusa – uma pena, porque aquela garota definitivamente
tinha belos seios.
— Pessoas como você não frequentam bibliotecas e tampouco
costumam ler, Jacob Davies. — soltou, quase cuspindo o meu nome.
— Olhe só! E não é que você realmente me conhece? — retruquei,
com um sorriso enorme nos lábios.
Ela deu um passo à frente bruscamente, se colocando a milímetros
de distância do meu rosto. Muito embora toda aquela proximidade me
agradasse, a expressão no rosto dela era fugaz o suficiente para eu saber
que, se olhares matassem, eu definitivamente já estaria morto.
— É quase impossível morar nessa cidade e não ter ouvido falar
sobre você e a sua repugnante reputação, Davies. declarou, me fitando
com uma severidade quase fatal.
Imitei sua postura, pondo o rosto a milímetros do seu e sustentando
seu olhar com um sorriso quase involuntário nos lábios.
— O mesmo vale para você, Astrid Spencer — desviei
propositalmente o olhar para seus lábios. — Ou devo chamá-la de
“Megera”, como é popularmente conhecida?
Ela franziu os lábios, endurecendo ainda mais sua expressão.
Ao invés de recuar como pensei que faria, ela ergueu o queixo,
ignorando completamente a minha provocação e abriu um meio-sorriso
presunçoso. Era quase como se tivesse orgulho do apelido que recebeu; ou,
talvez, simplesmente não desse a mínima, o que me pareceu mais plausível.
— Por que você não fala de vez o que veio fazer aqui? Isso pouparia
o meu trabalho de ter que descobrir sozinha — exigiu, descruzando os
braços e recuando um passo, se afastando.
Desviei os olhos do seu rosto, para o resto de seu corpo, notando
pela primeira vez, que era mais alta do que a maioria das garotas que eu
conhecia - sempre fui um cara notoriamente alto, e a garota diante de mim
era alguns poucos centímetros mais baixa do que eu. Frente a frente, o topo
de sua cabeça alcançava o meu queixo, o que era impressionante em
comparação com a sua irmã, por exemplo, que mal atingia a altura dos
meus ombros.
Meu olhar deslizou por todo o seu corpo, se demorando na extensão
de suas pernas – que estavam cobertas por jeans cintura alta largado - antes
de passar rapidamente pela parte frontal de sua blusinha listrada –
especificamente em seus seios pequenos e empinados perceptíveis sob o
tecido fino – e, por fim, voltando para seu rosto. No entanto, a julgar pela
sua carranca, pude ter certeza de que não gostou nada da minha conferida à
sua aparência.
— Então? — ela tornou a exigir, arqueando uma das sobrancelhas.
— Vai ou não me dizer o que está fazendo aqui?
Mantive meu sorriso intacto, enquanto tornava a me aproximar dela
e me colocava a meros milímetros de seu corpo esguio.
— Tudo bem — cedi. — Você me pegou. Não vim até aqui para
alugar um livro.
— Esse é o momento em que devo fingir surpresa? — declarou,
sarcástica.
Me aproveitando da proximidade entre nossos respectivos corpos,
passei uma das mãos pelos seus cabelos, enrolando uma mecha loura-clara
entre os dedos, enquanto fitava seu rosto com um sorriso provocador.
Tinha a total ciência de que deveria dar encima dela, mas a
oportunidade de provocá-la me parecia estranhamente mais tentadora.
— Vim aqui por você. — declarei, prendendo uma risada ao notar a
careta em seu rosto. — Estava me sentindo solitário e você não faz ideia do
quanto um amigo faz falta hoje em dia.
— Está de sacanagem com a minha cara? — grunhiu, dando um
tapa na minha mão que anteriormente segurava uma mecha de seu cabelo.
— Na realidade, sim — confessei, prendendo outra risada. A garota
era realmente brava. — Mas não completamente, já que realmente vim até
aqui por você.
Ela estreitou seus olhos acastanhados, me fitando em nítida
desconfiança.
— Quero que você saia comigo — revelei pausadamente, enquanto
analisava seu rosto com atenção.
— Isso foi uma ordem ou um pedido? — ironizou, arqueando uma
das sobrancelhas.
— O que você quiser que seja falei, dando o meu melhor sorriso.
Ela deu um passo para o lado, afastando-se por completo de mim, ao
mesmo tempo que me olhava dos pés a cabeça.
— Agradeço o pedido ou ordem, ou, seja lá o que tiver sido isso,
mas terei que recusar. Lamento desapontá-lo, mas se me der licença, tenho
que trabalhar. Deveria seguir o exemplo, em vez de, você sabe, perder o seu
tempo aqui comigo declarou, abrindo um sorrisinho irônico e não me
passou despercebida a sua indireta quanto a minha “ociosidade”.
Trinquei o maxilar.
Astrid não era muito diferente de todas as pessoas que moravam
naquela cidade: mesquinha, arrogante e esnobe; afinal, todos ali pareciam
sentir um prazer bizarro em zombar das dificuldades daqueles que não
tinham o “privilégio” de fazer parte de seus respectivos ciclos sociais. Nós,
os favelados de Lester Ville, sofríamos constantemente com os maus
olhares e as críticas cruéis às nossas condições de vida. Eles achavam que
tinham o direito de nos intimidar, simplesmente por terem empregos e
moradias melhores que as nossas e como consequência de seus
pensamentos racistas e preconceituosos, acabávamos quase sempre sendo
associados à criminalidade – não que realmente não existissem muitos
crimes na nossa parte da cidade, é claro, mas o que eles não sabiam, é que
nem todos éramos iguais. Meu pai, por exemplo, era a prova viva disso, ao
estar cumprindo pena na prisão por um delito que nem mesmo cometeu.
Ergui uma das mãos até a minha cabeça, ajustando meu gorro
enquanto lançava um olhar indiferente para a garota que, agora, me olhava
de forma intrigada. Era como se estivesse surpresa pela minha reação – ou
melhor, pela falta dela – à sua provocação.
— Nos vemos por aí. — declarei, forçando um sorriso aos lábios,
enquanto girava nos calcanhares e caminhava casualmente na direção da
porta, como me havia sido sugerido.
— O quê? — ela inquiriu às minhas costas, mais para si mesma, do
que para mim, parecendo imersa em confusão.
Estanquei no lugar, virando o rosto apenas o suficiente para lhe
lançar um olhar divertido.
— Eu disse que nos vemos por aí. E, da próxima vez, espero que
responda um sim ao invés da quantidade absurda de insultos que disparou
contra mim.
Ela franziu a testa, de modo que seus olhos castanhos se
arregalassem com o movimento, e nada foi mais satisfatório do que
observar a expressão surpresa em seu rosto.
Aquela garota era exatamente como comentavam por aí: arrogante,
fria, sarcástica e, principalmente, rabugenta. Entretanto, havia algo que ela
não tinha o menor conhecimento ao meu respeito: quanto maior o desafio,
mais tentador me parecia o prêmio. E com prêmio, não me referia apenas à
quantia que me havia sido ofertada para que a levasse para sair, e sim, ao
prazer que teria ao domar aquela megera;
Acabei cometendo um erro ao julgar mal a famosa megera da
cidade, subestimando-a ao acreditar veementemente que ela aceitaria sair
comigo em uma primeira tentativa. No entanto, Astrid também me julgou
mal ao pensar que se livraria tão fácil de mim. Ao contrário do que a
maioria das pessoas pensava ao meu respeito, eu tinha uma paciência
invejável e não me daria por satisfeito enquanto não tivesse aquela lourinha
azeda na palma das minhas mãos – o que obviamente não seria fácil, mas
que apenas tornava tudo mais interessante.
03.

ASTRID.

Bastou que pusesse meus pés sobre o gramado da minha casa para
que percebesse que algo estava errado.
Um mau cheiro insuportável vinha me perseguindo desde que eu
havia dobrado o quarteirão, e foi com pesar que percebi que, infelizmente,
advinha diretamente da minha casa.
Confusa, bati bruscamente a porta atrás de mim e o odor se tornou
dez vezes pior. Torci o nariz, enquanto depositava minha jaqueta no gancho
ao lado da porta e seguia pela casa, adentrando primeiramente na sala – que
estava vazia, por sinal – e seguindo o rastro horrendo que seguia até a
cozinha.
Estanquei no lugar assim que cheguei até o cômodo em questão,
tendo de piscar algumas vezes até que entendesse o que estava vendo.
— Pai? — chamei, e o homem com um avental cor-de-rosa que
vasculhava o forno elétrico se virou na minha direção, me permitindo
vislumbrar sua mão enluvada e, especificamente o que segurava: uma
travessa contendo uma espécie de torrão em seu interior.
Meu pai piscou.
— Astrid! — exclamou, enquanto largava bruscamente a travessa
sobre o balcão da cozinha. Parecia aliviado. — Já estava começando a ficar
preocupado, filha! Por que demorou tanto?
Suspirei, posicionando ambas as mãos na cintura, em cada lado do
corpo, enquanto passava os olhos pela cozinha e avaliava o estrago. Detalhe
importante: Edgar Spencer era um completo desastre na cozinha e, por isso,
a tarefa de administrar a alimentação de todos em casa era minha.
— Pai, por que está fazendo o jantar? — fiz uma careta, notando o
conteúdo de aparência duvidosa dentro da travessa. — Quer dizer, por que
está tentando fazer o jantar? E, caramba, nem vou perguntar o que é isso e o
motivo de estar com esse cheiro horrendo.
Ele bufou, tirando o avental e o entregando para mim, antes de
seguir na direção da sala de estar.
— Você estava demorando e acabei tomando a liberdade de preparar
o jantar — explicou, ao mesmo tempo que se sentava no sofá e ligava a
tevê. — Mas como já deve ter percebido, a culinária e eu não nos damos
muito bem. — olhou para trás, fixando seus olhos na travessa fumegante
sobre o balcão. — E isso, aliás, é um bacalhau. Ou pelo menos era, antes
que me distraísse e o deixasse por tempo demais no forno.
Prendi uma risada.
— Bom, não precisa se preocupar com a comida, pai. Deixe-a
comigo. Apenas faça um favor a todos nós e fique longe da cozinha, está
bem?
Ele assentiu, se limitando a fazer um sinal de positivo com o
polegar, com os olhos pregados à tevê, local por onde uma partida de
basquete se desenvolvia a todo vapor.
Prendi o cabelo em um coque frouxo e vesti o avental, destinando
toda a minha atenção para o chão imundo e o odor insuportável de bacalhau
queimado – quer dizer, torrado – que ainda emanava pelo ar. Dando um
longo suspiro, comecei a enxaguar todos os pratos e utensílios que haviam
sido usados – desnecessariamente – no processo para o preparo do peixe,
antes de enxugá-los e depositá-los em seus respectivos locais. Em seguida,
despejei o alvejante por todo o piso, suspirando de alívio ao sentir o odor
anteriormente podre, sendo gradativamente substituído pelo agradável das
ervas daninhas.
Assim que constatei que a faxina havia sido bem sucedida e que
aquele cheiro desagradável havia se dispersado completamente, tratei de
migrar até a sala, onde meu pai estava.
— Já que você fez o favor de destruir o peixe que eu havia deixado
no congelador, vou pedir pizza. — informei, me jogando no sofá ao lado
dele, genuinamente irritada pelo incidente na cozinha.
— Claro. — concordou ele, parecendo incapaz de desviar sua
atenção da tevê. — Peça o que quiser.
Estendi um dos braços, prestes a pegar o telefone fixo, quando
lembrei de algo: Serena era extremamente rigorosa e seletiva no quesito
escolha de sabores, e visando evitar uma discussão – o que certamente me
causaria uma tremenda dor de cabeça, uma vez que Serena conseguia ser
irritantemente chata quando queria –, optei por ser mais flexível e consultá-
la antes de fazer o pedido. E foi só então que percebi o quanto minha irmã
estava estranhamente quieta. O jantar em nossa casa sempre acontecia
pontualmente às sete em ponto – regras explícitas do meu pai –, e
considerando que já passavam das oito, o fato de Serena não ter dado as
caras até aquele momento era, no mínimo, estranho.
— Pai, aonde está Serena? — perguntei, desconfiada.
— No quarto. — respondeu, fitando a tevê plasma diante de si com
atenção. — Está lá desde que chegou da escola e como estava visivelmente
brava, resolvi não incomodá-la.
Bufei, ao mesmo tempo que me levantava bruscamente do sofá,
segurando o telefone fixo entre os dedos, e pisava duro, rumando até as
escadas. Subi apressadamente cada degrau, realmente irritada por ter que
cuidar de literalmente tudo naquela casa. Desde a partida da minha mãe,
acabei assumindo o papel dela: eu limpava, cozinhava e fazia basicamente
todas as funções que uma chefe de família deveria fazer. Não que estivesse
reclamando nem nada do tipo, uma vez que tinha total consciência de que
meu pai fazia o possível por nós, mas, às vezes, era extremamente cansativo
e estressante ter de fazer tudo – praticamente – sozinha.
Como não desejava que nenhuma de suas filhas trabalhassem –
apesar de eu obviamente ter passado por cima de seu desejo –, era papai
quem arcava com a maioria das despesas de casa; ele trabalhava como
psicólogo no único consultório da cidade, o que significa, em outras
palavras, que fazia o atendimento psicológico de boa parte dos residentes de
Lester Ville – dentre os quais estavam os temíveis “aborrecentes”, razão
pela qual poderia explicar o porquê de suas paranoias com as companhias
que suas filhas tinham; ou melhor: com as companhias que Serena tinha –
não era como se ele realmente tivesse que se preocupar comigo em tal
quesito, considerando a minha evidente antissociabilidade.
Ouvindo o piso amadeirado ranger sob meus pés, percorri o pequeno
corredor do segundo andar, parando na porta esbranquiçada onde a frase
"não perturbe" estava pendurada. Ergui uma das mãos, prestes a bater na
porta, mas me dei conta de que estava entreaberta. Espiando pela fresta,
observei Serena balançar desenfreadamente seus pés sobre sua cama queen-
size, enquanto fitava fixamente o dispositivo sobre suas mãos: seu celular.
Seus olhos observavam-no com um olhar matador, ao mesmo tempo que
seus dedos se moviam agilmente pela tela, digitando algo. Deixando de lado
o momento stalker, empurrei bruscamente a porta, fazendo com que minha
irmã quase saltasse da cama mediante o susto.
— Caramba! — exclamou, se sentando rapidamente. — Será que
poderia pelo menos bater? Mas que droga!
— Vou pedir pizza. — falei, ignorando seu comentário anterior. —
Qual sabor você vai querer?
Ela bufou, dando de ombros e voltando sua atenção para o celular
sobre suas mãos.
— Tanto faz. Escolha o que quiser — resmungou.
— Qual é o seu problema? — retruquei, irritada. — Vim até aqui
porque você sempre reclama dos sabores que escolho, e agora que venho
perguntar a sua opinião, está me dizendo que posso escolher o que eu
quiser?
— É, Astrid! Isso mesmo. Agora dê o fora. — ordenou, apontando
rudemente em direção da porta.
Estreitei os olhos, alternando o olhar entre seu rosto e o celular em
suas mãos.
— Por que está tão brava? E com quem está falando?
— Um: talvez possa encontrar a resposta que procura no fato de que
estou trancada em casa em plena sexta à noite, quando poderia estar na festa
da Kelly Jensen, e dois: não é da sua conta.
— Inacreditável — murmurei, balançando a cabeça em
desaprovação. — Ainda está brava por causa da festa da tal Kelly Jensen?
— O que você acha? Por sua causa vou ter que ficar trancada nessa
casa, quando poderia estar me divertindo! — disparou, esticando um dos
braços e jogando um travesseiro na minha direção. — Tenho quinze anos,
Astrid! Ingressei no Ensino Médio no ano passado e simplesmente não
posso fazer nada porque estou presa a você, que é uma tremenda egoísta
insensível!
— Não fui eu quem estipulou a regra que prende você a mim. —
rebati, desviando do objeto que havia sido disparado contra mim. — Se
realmente deseja culpar alguém, culpe ao papai e a si mesma. Se você não
fosse tão...
— Tão o quê? — interrompeu ela, me fitando com uma expressão
fugaz. — Normal?
Fechei a boca com força, lhe direcionando um olhar repleto de
seriedade.
Eu estava certa de que a culpa não era realmente minha,
considerando que certamente o problema fosse com nosso pai e sua
natureza extremamente conservadora e protetora, mas, ao mesmo tempo,
não conseguia deixar de me sentir mal ao constatar o quanto Serena era
bizarramente parecida com a nossa mãe: as duas eram espíritos livres e
detestavam se manter presas a algo ou alguém. E talvez por essa mesma
razão, papai fosse tão protetor com Serena, porque a semelhança entre ela e
a sua falecida esposa o assustava.
— Você tem 15 minutos. — falei em meio a um suspiro.
Serena piscou.
— Quinze minutos para se arrumar, enquanto convenço papai a nos
deixar ir a essa tal festa. — esclareci, já abrindo a porta do seu quarto.
— Ai meu Deus! — exclamou ela, extasiada. Você está falando
sério? Realmente vamos à festa de Kelly?
— Só se você se aprontar em 15 minutos — condicionei, berrando
de volta, já descendo as escadas.
Um gritinho feliz ecoou pela casa inteira e me peguei sorrindo
involuntariamente.
A partida de minha mãe me fez aprender uma lição importante: nada
era mais importante do que a família. E por mais que eu não gostasse nada
das festividades adolescentes – como um dia já gostei – não permitiria que
Serena as perdesse. Queria que minha irmã desfrutasse de sua juventude
assim como eu costumava fazer, quando tinha a sua idade.
No entanto, enviá-la ao mundo das festas e da curtição adolescente
não poderia me deixar mais receosa, afinal, eu sabia o quanto ele podia ser
cruel. Mas, o que me servia de consolo, todavia, era o fato de conhecer
minha irmã suficientemente bem para saber que não cometeria o mesmo
erro que eu.
Porque Serena era inteligente e não se permitiria ser enganada tão
facilmente quanto eu fui – ela seria inteligente o suficiente para não se
apaixonar tão tolamente quanto eu o havia feito há dois anos, erro pelo qual
paguei caro e arcava com as consequências até os dias atuais.
04.

JACOB.

A primeira coisa que fiz ao receber a mensagem de Serena, foi


xingá-la.
Quem diabos enviava a porra de mensagem de texto
repleta de arrogância exigindo a presença de alguém, em plena sexta à
noite?
Aparentemente, Serena Spencer.
Sendo totalmente franco, eu estava começando a desconfiar que
Serena era tão pirada quanto sua irmã mais velha, se não, mais; a diferença
entre ambas se dava exclusivamente pelo fato de Astrid ser uma maluca
assumida, enquanto sua irmã era um exemplo vivo da expressão lobo em
pele de cordeiro.
Foi necessária uma força sobre-humana para me fazer levantar da
cama e não ceder ao sono, uma vez que eu estava prestes a dormir. Eu havia
trabalhado um bocado naquela tarde e realmente deveria ter me lembrado
de desligar o celular, mas, é claro, esqueci e, como consequência disso, teria
de ir à festa de uma garota cujo nome nem mesmo sabia.
Liguei minha caminhonete, praguejando baixinho o percurso inteiro
até a casa de Kelly Jensen – e sim, acabei memorizando o nome dela depois
das dez mensagens consecutivas de Serena ordenando que eu fosse ao local
que o GPS indicava. Levaram cerca de quinze longos minutos até a
residência da dita cuja, localizada bem na porra do outro lado da cidade.
Bufando, estacionei na rua oposta à casa por onde o som de um rap
ensurdecedor tocava, realmente receoso quanto a ter tomado a decisão
correta ao sucumbir às ordens de Serena – a Barbie militar conseguia ser
assustadoramente mandona quando queria. Atravessando a rua, depositei
ambas as mãos nos bolsos frontais da minha calça jeans, enquanto
caminhava casualmente pela extensão do percurso pavimentado. A
desigualdade social em Lester Ville era gritante e definitivamente muito
óbvia: daquele lado da cidade, as casas eram em sua grande maioria
sobrados em excelentes condições de estado e, além disso, era
impressionante observar que em todas elas, existiam pelo menos dois carros
estacionados em suas respectivas garagens, diferentemente do subúrbio em
que morava – do outro lado da cidade – onde a maioria das residências
eram basicamente trailers e as casas eram tão pequenas, que mal davam
conta de abrigar as pessoas em que ali residiam.
Soltei um longo suspiro ao me colocar diante da porta onde a festa
transcorria. Era engraçado, na realidade, que ali, do lado de fora, mal dava
para perceber ou notar o que estava acontecendo por detrás daquela porta
amadeirada. Apesar do volume exagerado da música que tocava na casa, o
qual era audível a quarteirões de distância, a varanda externa estava
praticamente deserta, dando impressão de que aquela era apenas uma
quinta-feira normal de uma adolescente normal em Lester Ville.
Bati na porta e em questão de segundos, fui atendido por uma garota
morena e bonitinha – a dona da casa e anfitriã da festa, presumi. Ela passou
seus olhos azuis por cada centímetro do meu corpo, parecendo incrédula
pela minha presença.
— Jacob Davies? — balbuciou ela, parecendo perplexa.
— Sim, eu mesmo — respondi, passando por ela e adentrando no
interior da casa, onde uma quantidade impressionante de adolescentes
estava reunida.
Suspirei.
Ótimo.
Por mais surpreendente que possa parecer, não era do meu feitio
frequentar festas como aquela. Os motivos eram simples: 1) por eu ser um
"favelado", digamos apenas que não era muito bem visto pelas pessoas que
tinham o hábito de dar festas, o que inferia, em outras palavras, que os
engomadinhos temiam que eu causasse alguma confusão, como me
envolver em brigas ou praticar furtos, por exemplo – o que fazia bastante
sentido, na verdade. E, por fim: 2) eu realmente não gostava de festas como
aquela, pela simples razão de não me adaptar ao lugar e principalmente, às
companhias.
— O seu casaco, por favor. — pediu a tal Kelly, gesticulando
sugestivamente para o casaco azul que eu usava.
Atendendo ao seu pedido, retirei agilmente meu casaco, o
entregando para ela, antes de me aventurar na multidão de pessoas que
cercava o lugar.
Passei os olhos pela extensão da sala de estar, procurando a
cabecinha loura da garota que praticamente me arrastou até ali. E não foi
nada difícil localizá-la: estava entre uma roda de garotas que pareciam,
assim como ela, acabadas de sair do catálogo de uma revista qualquer.
Retirei o celular do bolso, prestes a lhe enviar uma mensagem,
quando uma mão repentinamente agarrou meu ombro, me virando
bruscamente para trás.
— Mas que porra está fazendo aqui, Davies? — rosnou o sujeito
diante de mim e imediatamente senti todo o meu corpo enrijecer.
Bastou que eu reconhecesse a quem aquela voz pertencia, para que
uma raiva ensurdecedora passasse por cada centímetro do meu corpo,
fazendo com que meus punhos cerrassem instintivamente.
— O que acha que estou fazendo? — rebati rispidamente, me
desvencilhando de seu toque.
— Bom, eu não sei. — grunhiu ele. — Foi por isso que perguntei.
— É uma pena então, camarada — forcei um sorriso, de modo
zombeteiro. — Porque não quero e nem vou respondê-lo. E sinto em
informá-lo, mas existem coisas que o seu dinheirinho sujo não pode
comprar, como a verdade por exemplo. Se assim fosse, meu pai não estaria
aonde está neste exato momento.
Nataniel engoliu em seco, passando os olhos pelos arredores, como
se temesse que alguém pudesse nos ouvir – o que era ridículo, considerando
o volume ensurdecedor das caixas de som ao nosso redor.
— Não quero você aqui. — sibilou, baixando o tom da voz de modo
que soasse ameaçadora.
— Bom, problema, seu então. E adivinhe o motivo? Não dou a
mínima para o que você quer — rebati, abrindo um sorriso debochado. —
Portanto, se me der licença, tenho coisas mais importantes a fazer além de
que ficar batendo papo com um mentiroso feito você.
— Muito cuidado, Davies — advertiu o desgraçado. — Senão vai
acabar igualzinho ao seu pai: endividado, preso e...— antes que pudesse
terminar sua fala, avancei em sua direção, erguendo-o do chão pela gola de
sua camisa.
— Não se atreva a terminar essa frase, seu desgraçado! —
disparei, intensificando o aperto na gola da sua camisa polo ridícula. —
Você e toda a sua família ainda vão pagar caro pelo que fizeram ao meu pai,
ouviu?
— Uma ameaça um tanto descabida vinda de alguém como você. —
debochou, enquanto se desvencilhava de mim e curvava os lábios em um
sorriso repulsivo. — A minha família manda na porra dessa cidade, Davies.
E a sua não passa de um lixo. Não se meta comigo de novo, ou...
— Já chega, Nate! — exclamou um sujeito alto, interrompendo a
discussão e se colocando defensivamente ao lado de Nataniel. — Gente
como ele não merece sequer o nosso tempo. — tocou no ombro de seu
amigo. — Vamos, cara. Carly está procurando por você feito louca.
O cara moreno me lançou um olhar de desprezo, antes de reassumir
sua postura de bajulador e dar um tapinha em um dos ombros de Nataniel,
incentivando-o a seguir seu conselho e recuar. Algo que, sendo honesto, me
soou verdadeiramente sensato, tendo em mente que estava a um triz de
socar o rosto daquele desgraçado.
Nataniel passou ambas as mãos na camisa, alisando-a, antes de
erguer o olhar e torcer o nariz para mim.
— É, você está certo, Kyle. — declarou, girando nos calcanhares e
seguindo os passos de seu amigo. — Eu realmente não deveria perder meu
tempo com alguém tão insignificante quanto ele.
Observei, completamente impotente, o cabelo encaracolado de
Nataniel se afastar e, a cada madito passo que ele dava, as pessoas abriam
caminho para ele, como se o desgraçado fosse um príncipe ou coisa do tipo
– o que não deixava de ser verdade. A família Hawkins era tratada como se
pertencesse à realeza nos arredores de Lester Ville, motivo justificado pela
quantidade exorbitante de posses e grana que tinham, o que lhes
proporcionava privilégios inimagináveis, que, por sua vez, contribuíam
diretamente pelo motivo de meu pai estar detrás das grades, enquanto
Martin Hawkins – o tio de Nataniel – estava em Nova York, fugindo de um
crime pelo qual havia sido inocentado.
Franzi o cenho assim que notei todos os olhares das pessoas ao meu
entorno presos à mim, como se eu tivesse causado todo aquele alvoroço, ao
invés do maldito Nataniel.
Trincando o maxilar, ignorei todas aquelas pessoas enquanto
caminhava casualmente na direção da porta. Irritado, estava prestes a girar a
maçaneta, quando uma mãozinha delicada tocou meu cotovelo, me fazendo
estancar no lugar. Olhei por sobre o ombro, receoso de que fosse Nataniel
novamente, mas dessa vez – para a minha felicidade – era apenas uma
garota loura e baixinha: Serena Spencer.
Serena estreitou seus olhos para mim.
— Para onde pensa que vai? — exigiu saber, autoritária. —Não está
pensando em dar para trás, está?
— Não. — retruquei secamente. — Não se preocupe, vou dar um
jeito, ok? — olhei aos arredores, temendo que alguém nos estivesse
observando, mas para a minha felicidade, todos já haviam voltado suas
respectivas atenções para uma garota bêbada que dançava um quase streep
tease no balcão da cozinha da casa. — Só não agora. Estou caindo fora.
Serena bufou.
— Nada disso. Astrid está aqui! Não pode deixar passar a
oportunidade de convidá-la para sair. — ergueu o indicador, apontando-o de
modo intimidador para meu rosto. — E espero que desta vez realmente
obtenha êxito.
Passei a língua pelos dentes, sustentando o olhar voraz de Serena e
posicionando ambas as mãos dentro dos bolsos frontais de minha calça.
— Tudo bem. — concordei. — Mas saiba que aumentei o meu
preço.
Serena piscou.
— O quê?
— É isso mesmo que ouviu. Sua irmã é um osso duro de roer e sabe
como é: tempo é dinheiro para alguém como eu.
Serena fechou a boca com força.
— Você não irá me extorquir, Jacob. — declarou ameaçadoramente.
— De fato. Estou apenas valorizando o meu serviço. E caso se
recuse a concordar com o aumento, boa sorte para encontrar outro cara para
sair com a sua irmã, porque estou fora. — revelei, dando-lhe as costas.
— Espere! — pediu ela e imediatamente estanquei no lugar. —
Tudo bem. Pago o quanto precisar, está bem? Só cumpra com a sua parte no
acordo, começando agora. — apontou com o polegar para trás. —
Conhecendo Astrid como conheço, posso afirmar que ela certamente deve
estar em algum lugar isolado da casa. Talvez no andar de cima ou na área da
piscina, lá no quintal. Encontre-a e cative-a.
Assenti, fazendo uma leve continência militar.
— Tudo bem, chefia. Falamos sobre valores amanhã, ok? —
indaguei, passando por ela e migrando na direção das escadas, onde Astrid
provavelmente estaria.
Por mais que estivesse furioso pelo encontro lastimável com
Nataniel Hawkins, precisava cumprir com a minha parte no acordo com
Serena. Não podia me dar ao luxo de desistir quando precisava tanto do
dinheiro e, lamentavelmente, já estava sobrecarregado de empregos, o que
me obrigava a buscar todos os meios cabíveis de descolar uma graninha
extra.
A grana, afinal, era o único empecilho entre a liberdade de um
homem inocente e sua vida como detento e eu faria tudo o que estivesse ao
meu alcance para consegui-la.
05.

ASTRID.

Não demorou nada para que eu me arrependesse de bancar a irmã


boazinha com Serena.
Mal colocamos nossos pés na casa de Kelly Jensen e minha irmã
simplesmente deu um jeito de sumir, me deixando sozinha. A garota
praticamente correu em direção ao local em que uma roda de garotas estava,
sem realmente se importar comigo ou meus altos índices de
antissociabilidade.
Vasculhei o lugar com os olhos, notando a ausência da mobília na
extensão da sala estar – o que sinceramente me pareceu uma decisão sábia,
considerando o bando de arruaceiros que estavam presentes na festa e a
quantidade gigantesca de bebida alcóolica que os mesmos estavam
ingerindo. Não sendo suficiente, a música era terrível e todas as cenas que
ocorriam naquele ambiente lotado e apertado, somente serviam para me
fazer ter mais certeza do quanto odiava festas; ali, nada se via além de
pessoas se esgueirando por todos os lados, semelhantes a animais no cio,
garotas seminuas fazendo danças que certamente não se enquadravam em
ambientes familiares e babacas bêbados; existia coisa pior?
Bufei, passando pelo aglomerado de pessoas a passos lentos,
enquanto migrava até a mesa onde o ponche era servido. Torci o nariz assim
que enchi meu copo com o que imaginava ser ponche, e instantaneamente
senti um cheiro esquisito vindo da mesma: álcool, definitivamente.
Desisti da bebida, pondo-a sobre um armário qualquer, enquanto
avançava na direção das escadas, na esperança de que pudesse encontrar um
lugar mais aconchegante, ou, pelo menos mais silencioso do que aquele,
onde um rap ensurdecedor estourava pelas caixas de som. Subi
apressadamente cada degrau, dando de cara com várias garotas bêbadas e
garotos barulhentos com copos de cerveja nas mãos. Suspirei de alívio
assim que cheguei ao topo da escada, lançando um olhar sobre o ombro
para o andar de baixo, onde consegui localizar minha irmã e suas amigas
rindo, próximas à lareira.
Passei pelo corredor que se estendia pelo segundo andar, me
sentindo completamente perdida naquele mar de desconhecidos. Em
seguida, vasculhei com os olhos cada um dos cômodos, que, para a minha
total consternação, estavam todos ocupados. Depois da quinta porta
consecutiva trancafiada, acabei optando pelo banheiro, julgando-o ser mais
seguro, dadas as circunstâncias do ambiente em que me encontrava, mas
que se mostrou igualmente lotado quando avistei a fila gigantesca para seu
uso.
Frustrada, girei bruscamente nos calcanhares, determinada a
regressar para o andar de baixo, quando, de repente, tombei com algo.
Correção: algo não. Alguém.
O impacto foi tão forte, que quase cambaleei para trás, não fosse a
agilidade das mãos que seguraram ambos os meus ombros, me fazendo
recuperar o equilíbrio. Arrastei os olhos para o rosto do indivíduo, prestes a
agradecê-lo, quando, repentinamente, congelei. Meu corpo inteiro ficou
imóvel, ao mesmo tempo que o reconhecimento passava por mim e me dava
conta – tardiamente – de quem estava ali, bem diante de mim.
Sua aparência ainda era literalmente de tirar o fôlego, com aqueles
belos olhos azuis, as covinhas profundas em suas bochechas e,
principalmente, os cachos dourados que tanto amei. Seu rosto parecia ter
saído de um sonho, mas, na realidade, era exatamente o oposto: meu maior
pesadelo pessoal.
— Astrid? — balbuciou ele, suas mãos ainda unidas firmemente aos
meus ombros, me mantendo no lugar.
Recuei um passo bruscamente, batendo com as costas em alguém –
provavelmente uma garota, à julgar pelo gritinho agudo – e então,
simplesmente dei no pé. A mera visão do rosto dele era capaz de trazer
velhas recordações à tona e mesmo agora, depois de dois anos, ainda doía.
Desci as escadas em meio a tropeços e empurrões, porque o ar, de
repente, me pareceu rarefeito e permanecer cara a cara com meu ex-
namorado, quem tolamente cheguei a acreditar ser o grande amor da minha
vida, era simplesmente insuportável. Era como se todo o ar tivesse esvaído
dos meus pulmões, causando uma asfixia que eu sabia que somente seria
revertida quando saísse daquele ambiente abafado e tomasse uma lufada de
ar, o mais distante possível dele.
Desesperada, caminhei apressadamente por cada um dos cômodos
no andar de baixo, rogando pelo momento que encontraria a saída daquela
confusão toda. Para a minha consternação, no entanto, todos os lugares
pareciam igualmente lotados: a cozinha estava cheia de bebidas e garotos; a
sala de jantar também; a sala de estar estava lotada de caras bêbados e
barulhentos demais, além de uma quantidade impressionante de garotas
seminuas.
Apenas quando avistei as enormes portas francesas próximas à mesa
de ponche, que pude soltar um suspiro aliviado. Disparei na direção das
mesmas, suspirando de satisfação e alívio ao abri-las e dar de cara com o
quintal da casa, onde – felizmente – a quantidade de adolescentes e bebidas
era inferior à do interior da casa. Passei os dedos pelos meus cabelos,
desembaraçando-os nervosamente, na tentativa de fazer algo com as mãos,
que pareciam trêmulas e geladas demais.
— Não acredito. — disse uma voz feminina às minhas costas. —
Definitivamente devo estar tendo alguma alucinação.
O tom debochado e doce demais, me fez reconhecer de imediato a
dona daquela voz, me poupando o trabalho de ter que virar o rosto e me
deparar com a expressão naturalmente esnobe de Carly Newton, uma das
minhas ex melhores amigas.
Me sentindo rija, cruzei ambos os braços sob o peito, projetando o
quadril para o lado, enquanto sustentava seu olhar.
Carly estreitou seus olhos.
— O quê? Por acaso virou muda? — disparou. — O que foi, Astrid?
O gato comeu a sua língua?
Suspirei, pondo uma expressão neutra no rosto, na tentativa de não
demonstrar todos os reais verdadeiros sentimentos transpassados a mim,
naquele momento: raiva, repúdio e desprezo.
Os últimos anos foram capazes de me ensinar que simplesmente não
valia de nada perder tempo com pessoas como Carly e, por isso,
simplesmente a ignorei desde aquele dia, quando a flagrei na cama do meu
até então namorado. Tendo esse pensamento em mente, passando
casualmente por ela e ignorando-a completamente.
— Estou falando com você, sua vadia! — berrou ela, agarrando meu
antebraço com força e, assim, me fazendo estancar no lugar. — Não se
atreva a me dar as costas! Quem você pensa que é?
— Vá se ferrar, Carly. — sibilei, afastando rispidamente meu braço
da sua mão.
— Ora, então a princesinha finalmente resolveu quebrar o voto de
silêncio? — disse Bella – minha outra ex amiga –, se aproximando de nós
com uma expressão divertida no rosto. — Parece que o voto de silêncio
finalmente foi embora, afinal. Pensei que fosse boa demais para falar com
meras mortais feito nós, Trid.
— Não me chame assim. — grunhi, ao ouvir o apelido que havia
recebido quando ainda éramos amigas.
Bella ergueu ambas as mãos em rendição, enquanto Carly passeava
seus olhos turquesa por cada centímetro do meu corpo, me medindo em
evidente desaprovação.
— Olhe para você — divagou ela, torcendo o nariz ao fixar os olhos
em meus jeans largados. — Meu Deus, e pensar que você já foi considerada
referência de moda na nossa escola!
— Não esqueça que ela quase foi tendência, C — acrescentou Bella,
abrindo um sorriso zombeteiro para a minha aparência.
Decidida a não ceder às provocações de ambas, fiz o mais sensato:
direcionei-as um olhar indiferente, antes de girar nos calcanhares e dar
meia-volta, regressando para o interior da casa.
Assim que passei pelas portas francesas, o som da música alta
voltou a sondar pelos meus ouvidos, conforme vasculhava a casa, em busca
de Serena. No final das contas, a ideia de ser compreensiva com ela, acabou
me custando caro: tive que encarar não um, mas três fantasmas do meu
passado.
Avistei Serena próxima ao corrimão da escada e imediatamente
ergui um dos braços, sinalizando para que me notasse na outra extremidade
da festa. Para a minha sorte, Serena era perspicaz o suficiente para perceber
meu movimento sem muito esforço. Ela arqueou uma das sobrancelhas em
uma pergunta silenciosa e rapidamente tratei de apontar na direção da porta,
indicando que era hora de voltarmos para casa. Ela fez uma careta, antes de
balançar a cabeça negativamente e cruzar ambos os braços sob o peito,
adotando uma postura birrenta.
Fiz cara feia para ela, voltando a apontar para a direção da porta,
quando ela simplesmente desfez o contato visual e riu de algo que haviam
lhe dito – estava obviamente me ignorando.
Bufei, desistindo de vez de tentar recrutá-la e, pisando duro, me
dirigi rumo às portas que levavam até a saída da casa. E foi somente ao
abri-las, que notei algo: chuva. Muita chuva.
Olhando por cima do ombro, notei que nenhum dos indivíduos que
estavam naquela sala, parecia se dar conta ou realmente se importar com o
fato de que estava chovendo forte lá fora, devido a toda a euforia que os
envolvia enquanto dançavam e bebiam ao som da música. Bufei e então, de
repente, o som de um tilintar metálico atravessou meus sentidos, me
fazendo virar o rosto bruscamente e dar de cara com um molho de chaves.
— Parece que alguém está precisando de uma carona, não é? —
declarou o indivíduo e nem precisei fitar seu rosto para saber a quem aquela
voz pertencia.
Aparentemente, meus sentidos estavam ficando cada vez mais
apurados no que dizia respeito a Jacob Davies.
06.

JACOB.

Foi surpreendentemente fácil localizar meu alvo em meio àquela


multidão de bêbados e garotas seminuas.
Assim como Serena disse, Astrid estava no segundo andar – pelo
menos até praticamente sair correndo de lá como se tivesse visto um
fantasma. Depois disso, ela percorreu com os olhos a extensão da sala e um
brilho sinistro passou pelos seus olhos quando avistou as portas francesas
que levavam ao quintal da casa. A segui até lá e foi quando acabei
avistando as outras duas garotas que se uniram a ela na beira da piscina. As
ditas cujas, então, começaram a disparar insultos e palavras grotescas contra
Astrid, que para a minha surpresa, os revidou com o silêncio, uma atitude
um tanto inesperada vinda de alguém com um pavio tão curto quanto o
dela.
A "discussão" – se assim podia ser chamada – foi, na verdade,
hilária. Uma das garotas – a loira – era tão surtada, que agarrou o pulso de
Astrid, exigindo por sua atenção e tive que me preparar para intervir caso
uma briga começasse – algo que surpreendentemente não aconteceu; Astrid
permaneceu indiferente a ambas. Pelo menos aparentemente, é claro. Eu era
observador o suficiente para notar o leve tremor em suas mãos, atitude que
me fez chegar à conclusão de que estava apenas tentando manter a calma.
Depois de lançar um "foda-se" para as duas patricinhas piradas,
Astrid voltou para dentro da casa – fazendo com que eu me escondesse
detrás de uma roda de amigas bêbadas – e buscou por Serena, que estava do
outro lado da sala, próxima ao corrimão da escada. Uma conversa silenciosa
aconteceu entre as duas, antes de Serena ignorar completamente sua irmã e
se concentrar na conversa entre as garotas que a rodeavam.
Acompanhei o balançar suave dos quadris de Astrid até uma das
portas da casa, onde ela estancou no lugar ao abrir a porta e visualizar a
chuva que despencava do lado de fora. E foi quando a minha deixa surgiu:
me aproximei lentamente dela, igual um felino prestes a avançar sobre sua
presa, enquanto me deliciava com a bela visão de seu perfil: aquela garota
poderia ser muitas coisas, mas definitivamente não era feia; longe disso.
Nunca fui um grande admirador dos jeans rasgados, mas, de alguma forma,
aquele adereço feminino ficava muito bem nela.
— Parece que alguém está precisando de uma carona, não é? —
constatei, enquanto balançava sugestivamente as chaves da minha
caminhonete próximas ao rosto dela.
Astrid olhou para as chaves diante de si e voltou o olhar para o meu
rosto.
— Você por acaso está me seguindo? — quis saber, fechando a porta
bruscamente e cruzando os braços sob o peito para me dirigir um olhar
fugaz.
— Claro que não! — menti, balançando a cabeça e fingindo
surpresa. — Por que está me perguntando isso?
— Porque nos encontramos duas vezes no mesmo dia em um
intervalo de tempo minúsculo. E, para mim, isso é no mínimo suspeito.
— Já ouviu falar em destino? — questionei, balançando
sugestivamente as sobrancelhas.
— Não seja ridículo, Davies — estreitou os olhos. — E pode fazer o
favor de parar de desviar o assunto? Ainda não respondeu a minha
pergunta.
Abri um meio-sorriso, ao mesmo tempo que reduzia a distância
entre nós e baixava o rosto, de modo que pudesse igualar a altura de nossos
olhares.
— Não seja tão convencida, Astrid. Moramos na mesma cidade, a
qual é minúscula, por sinal, e estudamos na mesma escola. Acredito que o
fato de nos esbarramos por aí seja algo totalmente normal, considerando as
circunstâncias que acabei de citar.
— Que seja respondeu, dando de ombros e voltando o olhar para
a porta diante de nós. — Só quero voltar para casa, porque estou farta desse
lugar.
— Pois somos dois — declarei, esticando um dos braços e abrindo a
porta para ela, num incentivo para que passasse por lá, saindo da casa. Ela
virou bruscamente o rosto para mim, em resposta, me fitando num misto de
desconfiança e surpresa.
— O que pensa que está fazendo? — sibilou, no momento que dei
um leve empurrãozinho em suas costas, incentivando-a para que saísse.
— Sendo prático — respondi, fechando a porta e lhe entregando
meu casaco. Pelo que pude notar, não era do feitio dela usar algo que não
fosse um par de all star pretos, seus jeans cintura alta largados, e aquelas
camisetinhas minúsculas que faziam maravilhas com sua cintura estreita.
Ela olhou do casaco para mim, franzindo a testa.
— Vamos, Astrid — pedi, impaciente. — Facilite as coisas. Basta
vestir isso e aceitar a minha carona.
Hesitante, ela aceitou o casaco, vestindo-o sobre seu corpo esguio
em silêncio.
— Agradeço pelo casaco, mas vou ter que recusar a carona. —
declarou, abraçando o próprio corpo, na tentativa de conter o frio – eu
mesmo estaria fazendo o mesmo, não fosse pelo costume que tinha de usar
duas camisas por debaixo do casaco.
Pisquei.
— Como assim vai recusar a carona? — balbuciei.
Ela suspirou.
— Olhe, agradeço de verdade pela gentileza, mas posso voltar para
casa sozinha.
— Ah, tudo bem. — declarei, fazendo o possível para esconder a
pontada de decepção. — Você estacionou seu carro por aqui, ou...
— Não vim de carro. — revelou, séria. — Minha irmã e eu
moramos a apenas algumas ruas daqui, então viemos a pé.
Meu queixo caiu.
— Caralho, Astrid! Está me dizendo que vai voltar para casa a pé?
— apontei para a chuva que despencava dos céus, fora da proteção varanda
externa da casa de Kelly. — Debaixo dessa chuva toda?
Ela fez uma careta.
— Agradeço a repentina e totalmente surpreendente preocupação,
mas sei me cuidar. É só uma chuva, Jacob. Não vou morrer.
— Será mesmo? Tem noção das infinitas chances que tem de morrer
no percurso até a sua casa? E se um raio atingi-la? E se for atropelada? E se
for arrastada junto da enxurrada ou...
— Ai meu Deus! Pare com isso, caramba! Você é pior do que o meu
pai, credo! — murmurou, franzindo a testa.
— Me desculpe por estar sendo realista. — retruquei. — E, aliás:
deveria estar grata pelo meu cavalheirismo. Eu normalmente não sou assim.
Sinta-se lisonjeada pela minha atenção-barra-preocupação-barra-carona.
Ela bufou.
— Tudo bem, Davies. Agradeço a sua atenção-barra-preocupação-
barra carona, mas sinto em informá-lo que não mudei de ideia. A minha
resposta ainda é não.
Avancei um passo na sua direção, pondo nossos rostos a milímetros
de distância um do outro.
— Qual delas?
Ela piscou.
— A resposta que deu, se refere a qual das duas perguntas? —
esclareci, me divertindo com a confusão evidente em seu rosto.
— Duas perguntas? — repetiu, confusa. — Do que está falando?
— O não é para a carona, ou para o encontro? Porque se for o
último caso, sinto em informá-la que não aceitarei outro “não” como
resposta.
Ela estreitou os olhos, me fitando com atenção.
Você não desiste fácil, hein, cara? indagou, franzindo a testa.
Abri um sorriso presunçoso.
— O que acontece é que quando quero uma coisa não desisto até
consegui-la, Astrid. — revelei, me aproximando de leve de seu corpo,
enquanto fitava seus belos lábios rosados.
Imitando meu gesto, ela fitou meus lábios antes de desviar
rapidamente o foco de seu olhar para sustentar o meu. Parecendo acuada e
muito desconfortável, ela recuou um passo, se afastando de mim enquanto
me avaliava com uma expressão indecifrável.
Era como se estivesse decidindo se eu era ou não confiável.
— Tudo bem. — falou por fim, após longos segundos de hesitação.
— Eu aceito. A carona. — acrescentou rapidamente. — Mas saiba que se
tentar alguma gracinha, juro que arrebento o seu...
—Tudo bem, já entendi. — interrompi. — Nada de gracinhas. —
garanti, erguendo ambas as mãos em sinal de rendição.
Astrid me avaliou em silêncio, parecendo desconfiada, antes de
voltar o olhar para a porta da casa de Kelly.
— Será que podemos esperar pela minha irmã? pediu, franzindo
a testa em preocupação. — Ela disse que queria ficar mais um pouco e não
quero deixá-la sozinha.
— Ela se vira. — disparei rispidamente, realmente convencido de
que não gostaria de fornecer uma carona para a duplicata psicótica da
Barbie.
Astrid voltou o olhar para mim, me fitando com cautela.
— Por que não quer dar uma carona para ela?
Porque ela é uma tremenda chata.
— Não abuse da minha boa vontade. — afirmei, passando por ela e
caminhando na direção dos degraus que separavam a fachada da varanda da
casa de Kelly do jardim, aonde a chuva despencava a todo vapor. — O
convite vale apenas para você — declarei, sem esperá-la.
Àquela altura do campeonato, minha paciência estava se esgotando
e, sinceramente, se aquela lourinha continuasse com aquela postura
birrenta, simplesmente a arrastaria até a caminhonete – o que felizmente
não foi necessário, tendo em mente que ela me seguiu quieta até a
caminhonete, sem reclamar.
Entrei na caminhonete deixando totalmente de lado o meu
cavalheirismo e, sem me dar ao trabalho de abrir a porta para ela, passei a
chave pelo carro, fazendo o motor estalar. Com certa hesitação, ela seguiu
meu exemplo, ocupando o assento ao meu lado, no passageiro.
Abrindo um sorriso, arranquei pela estrada, me parabenizando
mentalmente pela conquista: consegui fazer a maior rabugenta de Lester
Ville entrar na minha caminhonete por livre e espontânea vontade.
Bem... tecnicamente.
Astrid Spencer não era fácil, e isso era um fato de conhecimento
público.
Contudo, nada e nem ninguém era tão decidido e obstinado quanto
eu quando queria algo, e não demoraria nada para que ela se desse conta
disso.
07.

ASTRID.

O percurso inteiro de volta para a minha casa com Jacob Davies


dirigindo ao meu lado se mostrou uma verdadeira caixinha de surpresas.
Por mais surpreendente que possa parecer, ele era um bom
motorista. Na verdade, um motorista exemplar, seria o termo correto; ele
dirigia com cautela, respeitando os limites de velocidade e até mesmo
parando nas faixas de pedestres para qualquer um que passasse por elas –
como fez com um gatinho que atravessava a rua não muito tempo atrás.
Sendo sincera, eu ainda não conseguia entender o motivo de ter
aceitado a carona dele. O fato de estar chovendo deveria servir de
justificativa, mas a verdade é que não teria sido problema algum voltar para
casa debaixo d'água porque já havia feito isso algumas vezes antes e tinha
ciência de que minha imunidade era alta o suficiente para impedir que
pegasse um resfriado.
Esfreguei as mãos juntas, posicionando-as debaixo do tecido grosso
do casaco que Jacob havia me emprestado, enquanto observava seu perfil.
— Não vou atacar você Astrid, então pode parar de me olhar assim
— disse ele aleatoriamente, enquanto aguardava o sinal do cruzamento
abrir.
Pisquei.
— Você está me olhando com uma expressão toda desconfiada —
esclareceu, virando o rosto para encontrar meu olhar. — E isso é assustador,
na verdade. É quase como se você estivesse prestes a me agarrar, só que não
da maneira como que eu gostaria.
Soltei um suspiro exasperado, ignorando seu olhar e cruzando
ambos os braços sob o peito.
— Essa é a minha expressão natural — respondi indiferente, fitando
o vidro da janela embaçado pelo frio. — Olho assim para todos.
— É, eu sei — replicou, franzindo os lábios em evidente diversão.
— Isso explica muita coisa.
Franzi o cenho, olhando bruscamente para ele, ao mesmo tempo que
sua atenção era direcionada para o volante e uma de suas mãos se movia
para o mesmo, avançando pelo sinal recém-aberto.
Passei distraidamente os olhos pela extensão de seu rosto, me
demorando no gorro negro que cobria seus cabelos, revelando apenas
algumas madeixas salientes, e voltando para seus olhos âmbar, que estavam
cravados na estrada, com uma concentração admirável.
— Sabe, Astrid, se continuar me olhando assim, vou começar a
pensar que só está bancando a difícil — revelou, me fitando de soslaio com
um sorrisinho convencido nos lábios.
Fiz uma careta, revirando os olhos de modo dramático, enquanto
voltava o olhar para o vidro da janela ao meu lado e bufava alto.
Ele riu, balançando a cabeça em divertimento, antes de dobrar em
uma das esquinas que levava até as ruas próximas à minha casa.
— Como sabe aonde eu moro? — questionei, o fitando desconfiada.
— Como não saber aonde a famosa megera de Lester Ville mora?
— comentou, ao passo que estacionava a caminhonete, fazendo com que eu
só então me desse conta de que já estávamos diante da minha casa.
Jacob virou o rosto para me fitar e, desta vez, não fui capaz de
conter a carranca em meu rosto ao notar o sorriso presunçoso que surgiu
pelos seus lábios.
— Então — começou ele, deixando a frase pairar pelo ar. Suspirei,
destravando o cinto de segurança e me inclinando no assento com o intuito
de retirar seu casaco e devolvê-lo. Antes que o fizesse, todavia, uma das
mãos dele agarrou meu pulso, me fazendo parar.
— Não precisa devolver agora — apontou com o queixo na direção
da janela, onde era possível visualizar os respingos gélidos ainda recaindo
dos céus. — Ainda está chovendo. Pode me devolver depois, ou ficar com
você, se quiser. Acho que será uma boa recordação.
— Vou lavá-lo e então devolvo para você. — cortei-o, fazendo seu
sorriso vacilar. — Bem, e quanto a carona não tenho nenhum tostão aqui
comigo, mas posso entrar e pegar algo...
— Está me achando com cara de uber? — questionou, divertido,
mas seu sorriso foi morrendo conforme notava a minha expressão confusa.
— Estou falando sério, Astrid. Não precisa me pagar. — fez uma pausa,
avaliando meu rosto com atenção. — Pelo menos não assim.
Estreitei os olhos.
— Como assim? O que você quer? — exigi saber, receosa.
Ele abriu um sorriso, ao mesmo tempo que destravava seu cinto de
segurança, e avançava na minha direção. No mesmo instante, me afastei,
batendo com as costas no vidro gelado da janela às minhas costas.
— O que está fazendo? — exclamei exasperada.
Ele arqueou uma das sobrancelhas de modo irônico e só então fui
capaz de compreender o que realmente estava fazendo: abrindo o
compartimento ao lado de seu assento.
— Sabe, acho que já disse isso antes, mas é sempre bom lembrar:
não vou atacá-la. — fez uma pausa, me avaliando com atenção. — Só se
você quiser, é claro.
— Dispenso — falei prontamente, relaxando no assento. Ele deu de
ombros, voltando a vasculhar o pequeno compartimento ao seu lado.
Após apenas alguns segundos de busca, ele voltou à sua posição
inicial, encostando suas costas contra o assento do banco, enquanto me
fitava sério, com um pequeno cartão em uma das mãos.
— Aqui — disse, estendendo o cartão para mim. Olhei do cartão
para ele, de sobrancelhas arqueadas.
Ele suspirou, antes de agarrar meu antebraço, abrir a minha mão, e
enfiar o papel entre meus dedos.
— Caramba, mulher! Como você é complicada! — resmungou, se
afastando de mim e voltando a se recostar em seu assento.
Franzi a testa ao ler o que estava escrito no papel reciclado sobre
minhas mãos. Nele, avistava-se o nome dele, “Jacob Cristopher Davies,
seguido por um número telefônico.
— Um cartão de visita? — entonei, incrédula. — É sério?
Ele deu de ombros.
— É algo muito útil para alguém que está constantemente atrás de
bicos. Já descolei vários usando isso aí. — declarou, apontando com o
queixo na direção do pequeno cartão na minha mão.
— Ok, mas por que diabos você o deu para mim? — questionei,
fitando-o cética.
Ele bufou.
— Para alguém que tira notas tão altas, você é bem burrinha, hein?
— declarou, arqueando uma das sobrancelhas. — O dei para que você
possa me ligar.
Franzi o cenho.
— E por que razão eu que ligaria para você?
— Para me pagar — respondeu simplesmente.
Pisquei, confusa.
— Você está em débito comigo, Astrid. — esclareceu, me fitando
seriamente. — O que infere que não pode recusar o meu convite. Terá que
sair comigo como pagamento.
Senti meus lábios entreabrirem, incrédula, ao passo que estreitava os
olhos para ele em desgosto.
— Agora tudo faz sentido — conclui, brava. — Essa coisa toda de
bancar o cavalheiro e me oferecer carona, não passava de um pretexto, não
é?
O desgraçado deu de ombros, tendo a ousadia de dar um sorrisinho
pesaroso.
— É como já disse a você, Astrid: quando eu quero uma coisa, não
desisto até consegui-la.
Revirei os olhos.
Ah, faça-me um favor resmunguei, tentando destravar a porta
do carro, mas uma das mãos dele rapidamente agarrou o meu pulso, me
detendo.
Uma ligação disse, me fitando seriamente. Me ligue e
então tudo ficará certo entre nós.
Me desvencilhando do seu toque, desci da caminhonete em um
movimento brusco, fechando propositalmente a porta do veículo em seu
rosto, sem ao menos respondê-lo.
Babaca manipulador.
Pisando duro, atravessei o jardim, fitando as poças d'água debaixo
dos meus pés, enquanto lembrava da expressão presunçosa estampada no
rosto dele ao revelar o verdadeiro intuito por trás de toda aquela repentina
gentileza.
Quando cheguei ao hall de entrada, lancei um olhar sobre o ombro,
apenas a tempo de visualizar o lugar onde sua caminhonete anteriormente
jazia, vazio.
Ele já havia ido embora.
Bufei, retirando o pequeno cartão do bolso do casaco e amassando-o
entre os dedos, antes de arremessá-lo no gramado do jardim e abrir a porta,
entrando em casa.
Ainda não entendia a verdadeira razão por trás da evidente fixação
de Jacob em me levar para sair, mas de uma coisa estava certa: Jacob era
sinônimo de problema, e evitá-los era a decisão mais sensata de todas.
08.

JACOB.

Depois de dois dias no aguardo pela ligação de Astrid – que nunca


veio –, finalmente decidi abordá-la.
A garota estava realmente me demandando um esforço inimaginável
e me sentia cada vez mais frustrado e exausto com o rumo que as coisas
estavam levando com ela; simplesmente não conseguia nenhum progresso
com ela, mesmo depois de tantas tentativas, e convencê-la a sair comigo era
uma tarefa que me exigiria paciência e tempo – coisas estas que eu, no
momento, não dispunha. Eu precisava da grana o mais rápido possível e
uma vez que ainda estava empacado na primeira parte do plano, não o
conseguiria tão cedo.
No sábado, um dia após a festa na casa de Kelly Jensen, recebi uma
ligação de Serena exigindo que tomasse alguma atitude com relação a
Astrid. Segundo o projeto de miss falsificada, eu estava apenas "enrolando"
para descolar mais dinheiro dela, o que, honestamente me pareceu uma
excelente ideia, mas que, contudo, andava bem longe de ser a verdade,
porque eu realmente estava fazendo a minha parte, mas como não dependia
somente de mim e Astrid continuava me ignorando, eu estava na mesma:
sem sucesso algum.
Larguei bruscamente minha bandeja sobre a mesa, me sentando na
cadeira ao mesmo tempo que notava a lourinha diante de mim dar um leve
sobressalto. Me inclinei no lugar, dando uma garfada na macarronada,
enquanto fitava propositalmente sua cabecinha loura enfiada num livro,
ignorando completamente a comida posta na bandeja diante de si.
Permaneci quieto, apenas mastigando e lentamente seus olhos
castanhos foram erguidos do livro para mim. Assim que o reconhecimento
passou por seu rosto, sua expressão alternou de confusa para brava.
— Posso saber o que diabos você está fazendo aqui? — exigiu saber
com o livro ainda aberto em suas mãos.
Arqueei uma sobrancelha, apontando sugestivamente para a minha
bandeja.
— O que acha? — fiz uma pausa, mastigando. — Comendo.
Ela deu um longo suspiro, rolando os olhos antes de voltá-los para
meu rosto.
— Ok, permita-me reformular a minha pergunta: por que diabos está
comendo aqui, na minha mesa?
Abri um sorriso debochado, cruzando ambos os braços detrás da
cabeça, enquanto fitava seu rosto retorcido de raiva.
— Engraçado, não sabia que essa mesa era um pertence seu falei.
Por acaso tem o seu nome escrito nela ou coisa assim?
— Não. — grunhiu, trincando o maxilar. — Mas ninguém senta
aqui além de mim.
— E por que não? — questionei, me recostando na cadeira e abrindo
os braços, tocando as cadeiras vazias ao meu lado. — É um ótimo lugar.
Ela franziu a testa, me olhando como se eu tivesse acabado de fazer
a pergunta mais idiota existente.
— Por que você tem essa mania insuportável de ficar mudando de
assunto? — falou, após vários segundos apenas me fuzilando com o olhar.
Ainda não respondeu à minha primeira pergunta sobre o motivo de estar
aqui.
Cocei o queixo, divertido, e os olhos dela dispararam para os meus
lábios, antes que voltassem novamente para os meus.
— E você? Por que não explica a razão de não ter me ligado como
pedi que fizesse? desconversei, ciente de que fazia exatamente o que ela,
a pouco, me acusou de fazer.
Ela soltou uma risadinha, fechando o livro diante de si e o
depositando ao seu lado na mesa, apenas para que pudesse esticar um dos
braços e roubar uma batatinha frita da sua bandeja.
— Não me lembro de ter dito que ligaria para você — revelou,
mastigando lentamente a batatinha.
Estreitei os olhos.
— Mas você...
— Eu o quê? — desafiou, arqueando uma das sobrancelhas. Não
concordei ou sequer disse que ligaria para você.
Trinquei o maxilar, fixando o olhar em seu rosto, enquanto ela
voltava a atenção para seu livro, reabrindo-o e, então, ignorando por
completo a minha presença.
Tamborilei os dedos pela borda da mesa, arrastando lentamente o
olhar pela extensão do seu corpo: seu cabelo estava preso em uma trança
que caía na lateral de seu pescoço, parando a apenas alguns centímetros da
altura dos seus seios. Apenas o seu tronco estava visível devido ao bloqueio
da mesa que nos separava, mas de onde estava, podia visualizar a blusinha
branca que usava por baixo de uma jaqueta e mesmo sem conseguir
enxergar o restante de seu corpo, tinha certeza de que estava usando seu
habitual jeans cintura alta e – certamente – seu par de all star negros.
— Será que dá para parar? — grunhiu ela, ainda focada na leitura de
seu livro.
— Hein? — indaguei, desviando o olhar para o seu rosto. — Parar
com o quê?
— De ficar me olhando assim. Eu literalmente consigo vê-lo me
encarando mesmo quando estou focada nas páginas desse livro — queixou-
se, fechando bruscamente o livro diante de si e me destinando um olhar
severo.
Tive vontade de dizer para ela que era a primeira garota a se queixar
do meu olhar, mas, prevendo que ela certamente me xingaria, optei pelo
mais sensato: bancar o desentendido.
— Não sei do que você está falando — retruquei, fingindo
inocência. — Não estou fazendo nada.
Ela bufou, balançando a cabeça em descrença.
— Inacreditável. — murmurou com os olhos ainda fixos em mim,
de modo condenatório.
— Continuo sem entender do que está falando.
— Quer saber? Esqueça. — fez uma careta. — Só me explique o
motivo de estar aqui. — fez uma pausa. — Na escola.
E foi a minha vez de soltar uma risadinha.
— Qual o problema de um aluno aplicado como eu estar
participando efetivamente das aulas?
— Aplicado? — riu. — Você passou o último ano inteiro sem
frequentar a escola, Davies. Por que resolveu voltar?
— Parece que alguém andou investigando a fundo a vida de um
certo alguém aqui, não é? — ironizei, balançando sugestivamente as
sobrancelhas.
— Como não saber sobre a vida da famosa “erva-daninha” de Lester
Ville? — comentou, abrindo um sorriso repleto de deboche.
Me recostei na cadeira, passando uma das mãos pelos cabelos
enquanto sustentava seu olhar sagaz e sorria de sua resposta sarcástica.
Nunca pensei que chegaria ao dia em que passaria a considerar o sarcasmo
como algo sexy, mas havia algo na forma como aquela garota falava que me
soava fodidamente sexy aos meus sentidos.
— Por que o repentino interesse na minha vida pessoal? —
questionei, arqueando uma das sobrancelhas para ela, enquanto avaliava sua
expressão com atenção.
Ela deu de ombros.
— O ser humano é curioso por natureza — respondeu
simplesmente, sustentando o meu olhar desafiador.
— O ser humano tem sentimentos, coisa que estou começando a
duvidar que você tenha — rebati, estreitando os olhos. — Assim como um
coração.
— E lá vai você mudar o foco do assunto novamente. — reclamou,
balançando a cabeça em desagrado.
— Por que não me ligou? — questionei, fazendo-a estreitar seus
olhos.
Quando ela nada fez além de me fitar com uma expressão irônica no
rosto, abri um meio sorriso e, ainda sustentando o seu olhar com malícia,
comecei a tamborilar casualmente os dedos pela mesa que nos separava.
— Uma pergunta. Uma resposta. Que tal? — sugeri.
Ela me olhou desconfiada por vários segundos, até finalmente ceder
e concordar lentamente com a cabeça.
— Tudo bem. Me parece justo. — arqueou uma sobrancelha. —
Então? Que tal começarmos pela minha pergunta?
Suspirei, desfazendo o contato visual.
— Faltei à escola no ano passado porque precisava trabalhar. —
revelei desconfortavelmente. — Precisava de grana, então faltar às aulas me
pareceu algo promissor, na época. Bem, infelizmente foi tudo em vão, já
que acabei reprovando por faltas e ainda preciso da grana.
Ela me lançou um olhar indecifrável por um misero instante, antes
que estreitasse seus olhos e voltasse a colocar aquela máscara de
indiferença em seu rosto.
— Comovente, mas ainda não respondeu a minha pergunta —
declarou, séria. — O que mudou, Davies? Você disse que ainda precisa do
dinheiro, então por que está aqui? Por que resolveu voltar para a escola
justo agora?
Porque a sua irmã é uma pirada desalmada que está me pagando
para estar aqui com você.
Limpei a garganta, desviando o olhar para uma das enormes janelas
de vidro localizadas à esquerda, bem às suas costas. O som de talheres e
pratos sobre as mesas ao nosso entorno preenchia o silêncio desconfortável
instalado entre nós, enquanto fazia o possível para não encontrar o seu olhar
intrigado.
— Jacob? — ela chamou, quando permaneci calado. — Fiz a
pergunta. Agora responda.
Suspirei.
— Estou aqui porque preciso estudar. — confessei. — Digamos
apenas que fiz uma promessa a alguém importante de que me empenharia
ao máximo nesse ano — o que não deixava de ser verdade, uma vez que eu
havia, de fato, feito tal promessa ao meu pai, mas as circunstâncias de sua
prisão e fiança me impediam de cumpri-la.
Assim que terminei de falar, arrisquei um olhar em sua direção,
esperando por um olhar crítico, ou piedoso, mas na verdade, o que vi foi
compreensão. E de algum modo, seu olhar foi capaz de me gerar culpa. Não
me pareceu correto que ela se mostrasse tão empática com alguém como eu,
que apenas a estava usando.
Passei uma das mãos pela nuca, desconfortável, e seu olhar
acompanhou o movimento com atenção.
— Certo. Minha vez — declarei, colocando um sorriso descontraído
no rosto e rogando para que parecesse verdadeiro. — Por que não me ligou?
Ela riu.
— Vai realmente desperdiçar a sua pergunta?
— Sim, tendo em mente que passei o final de semana inteiro
aguardando por uma ligação que nunca veio acusei.
Ela suspirou, enrolando as pontas douradas da sua trança lateral
entre os dedos, enquanto me lançava um olhar entediado.
— Já o respondi, Jacob. Não prometi e sequer concordei em contatá-
lo, então não entendo o motivo de estar tão...
— Um encontro — interrompi, impaciente. — Um encontro, Astrid.
É pedir demais? Basta que mova essa bundinha linda até o cinema e pronto.
Por que dificultar?
Seu olhar recaiu sobre mim, vasculhando meu rosto com atenção,
seus dedos ainda envoltos na ponta dourada de sua trança.
— Por quê?
Pisquei, confuso.
— Por que essa fixação toda em me levar para sair? — exigiu saber,
apoiando os cotovelos na mesa e se inclinando na minha direção com uma
expressão desconfiada. — Estudamos na mesma escola a vida toda e até
sexta-feira passada, você sequer havia me dirigido a palavra antes, então
por que isso agora?
Milhares de desculpas diferentes surgiram pela minha cabeça
naquele momento, mas havia algo que já tinha notado em Astrid: ela era
esperta o suficiente para reconhecer uma mentira. Então, tendo isso em
mente, optei por contar uma "meia-verdade", omitindo a parte em que ela
certamente me socaria, é claro.
— Bom, a verdade é que acho você bem gostosa — respondi,
indiferente.
Os olhos castanhos se esbugalharam, ao mesmo tempo que sua testa
franzia mediante a minha confissão. Durou bem pouco, no entanto, porque
no segundo seguinte, ela já estava me olhando daquela forma habitual:
como se pudesse me matar a qualquer momento.
— Não me olhe assim. — pedi ao notar a mudança drástica em suas
feições. — Você queria a verdade, não é? Eu bem que poderia ter enchido a
minha resposta de palavras bonitas e essas coisas que esses babacas fazem
para conquistar uma garota, mas não sou assim; prefiro ser honesto.
Ela sustentou meu olhar por mais alguns segundos, abrindo a boca
para dizer algo – provavelmente alguma resposta espertinha – mas seja lá o
que planejava dizer, foi interrompido assim que ela desviou os olhos para
um ponto fixo às minhas costas e então bufou.
— Perfeito — murmurou, e custei a perceber o motivo de seu
comentário sarcástico; bastou que virasse o rosto para notar os diversos
pares de olhos fixos em nós.
— Qual o problema deles? — questionei, ainda observando os
diversos stalkers ao nosso entorno.
— Você é o problema. — acusou Astrid, conquistando a minha
atenção. — Que parte de "ninguém senta aqui além de mim" você não
entendeu? — reclamou. — Agora, graças a você, esse bando de
desocupados vai ficar de olho em nós feito malditos paparazzis.
Franzi o cenho.
— Caramba, nunca tinha parado para pensar que eu era uma espécie
de celebridade nessa escola. — revelei, impressionado pelo momento de
atenção.
— Acredite em mim: você não é uma celebridade Astrid falou.
Nós não somos. Estamos mais para a escória desse lugar.
Fale por si mesma — falei, bufando de leve. — Eu tenho fãs, não
haters.
Ela revirou os olhos e antes que pudesse dizer qualquer coisa, o
sinal tocou, indicando que era hora de retornarmos para as nossas
respectivas salas de aula. Astrid se levantou rapidamente, parando apenas
para enfiar o livro debaixo do braço e erguer a bandeja – quase intocada –
de cima da mesa.
— Que aula você tem agora? — perguntei no momento que ela
passava por mim, me colocando à sua frente no intuito de impedir que
escapasse de mim.
— Ciências sociais. — respondeu pausadamente, parecendo
desconfiada, enquanto fazia um movimento e passava por mim, rumo à
cantina.
Abri um sorriso, acompanhando seus passos e me pondo ao seu
lado, deixando a bandeja vazia para trás, sobre a mesa.
— Acho que também vou assistir a essa aula. — afirmei, sorrindo
grandemente.
Astrid piscou, me lançando um olhar esbugalhado.
— Como é?
Dei de ombros.
— Isso mesmo. Agora é oficial: não vou desgrudar de você
enquanto não concordar em sair comigo. — respondi, chamando a atenção
de duas garotas atrás de nós, que ficaram surpresas com a minha revelação.
Astrid revirou os olhos em resposta e, notando isso, lancei uma
piscadela em sua direção, ao mesmo tempo que ela depositava sua bandeja
no balcão do refeitório, onde Larry, o auxiliar da cozinha, recolhia os pratos
e louças sujas. Com uma carranca no rosto, ela me lançou um olhar mortal e
tratou de acelerar seus passos, me deixando para trás. Acompanhando o
movimento suave do balançar de seus quadris, sorri ao notá-la acelerar cada
vez mais os passos para poder escapar de mim; mas eu era rápido, então
conseguia permanecer colado às suas costas feito uma sombra. Filas de
adolescentes foram se formando até as portas de vidro que separavam o
refeitório dos corredores, tornando tudo pior: várias garotas alternavam o
olhar entre Astrid e eu, como se fôssemos uma espécie de Bonnie e Clyde
da atualidade.
Ainda fitava a parte traseira dos jeans de Astrid, quando ela virou
abruptamente na minha direção, fazendo-nos quase tombar um no outro.
Pisquei ao vê-la diante de mim com seus olhos castanhos vidrados,
parecendo furiosos.
— Percebe o que fez? — sussurrou, aproximando o rosto do meu
ouvido. — Acabei de perder a minha invisibilidade e isso é tudo culpa sua,
Davies — acusou, me dando um empurrãozinho que nem sequer me tirou
do lugar.
— Ei, não tenho culpa se você é antissocial. argumentei. — Não
é como se a culpa fosse minha por...
— A culpa é sua, sim me interrompeu, irada. Pare de ficar me
seguindo. Pare de falar comigo. Isso gera atenção e eu odeio isso. Estava
muito feliz na minha bolha de invisibilidade antes de você chegar e estragar
tudo! Sabia que algumas pessoas nos viram juntos na festa da sexta? E
agora você aparece aqui no refeitório com...
— Basta aceitar o convite — interrompi. — Aceite e eu paro de
perseguir você. Simples e fácil, não?
Ela abriu e fechou a boca.
— Um encontro, Astrid. — ressaltei, fitando-a com atenção.
Ela olhou aos arredores – provavelmente notando os olhares ao
nosso redor – e mordeu o lábio inferior, antes de voltar a me fitar.
— Tudo bem — cedeu. — Um encontro, Davies. E então você me
deixa em paz, certo?
Errado.
— Claro. — menti, escondendo ambas as mãos nos bolsos da minha
calça.
— Ótimo. Então nos vemos por aí. E não se atreva a invadir a minha
classe de ciências sociais. — avisou.
Ergui ambas as mãos em rendição.
Ela girou nos calcanhares, avançando um passo, antes de voltar o
olhar para mim, como se tivesse esquecido algo importante.
— Ah, e falando nisso: será que você poderia me dar outro dos seus
cartões de visita? — pediu. Enviarei uma mensagem informando o
horário em que estarei disponível.
Franzi o cenho.
— Hum, claro, mas... o que aconteceu com o que eu entreguei à
você na sexta? — perguntei, confuso.
— Joguei fora. — revelou, dando de ombros.
Mas que danadinha.
— Quer saber? Me dê o seu número dessa vez. — sugeri.
— Vá sonhando — declarou instantaneamente, me dando as costas
novamente e sumindo em meio àquele mar de pessoas.
Sem nem pestanejar, retirei o celular do bolso da calça e enviei a
seguinte mensagem de texto para Serena:
Dados atualizados: fase 01: concluída.
09.

ASTRID.

Conferi a hora pela terceira vez seguida, antes de guardar o celular


no bolso e voltar a xingar Jacob mentalmente.
Naquele mesmo dia, assim que as aulas terminaram e ele passou a
insistir incansavelmente para que eu lhe desse o meu número, combinei de
encontrá-lo mais tarde – às oito, especificamente – no cinema. E cá estava
eu, no local – e horário – combinado, esperando-o feito uma idiota.
Mais e mais pessoas passavam por mim, entrando no
estabelecimento e me fitando com expressões confusas – o que eu não
podia julgar, uma vez que faria exatamente a mesma coisa se desse de cara
com alguém nas mesmas circunstâncias que eu.
Soltei o ar com força, dividida entre a raiva e o alívio ao ver um
jovem alto atravessar a rua, vindo até mim com um sorriso largo no rosto.
Estreitei os olhos para ele à medida que se aproximava de mim e, mediante
o ato, seu sorriso imediatamente vacilou.
— Oi. — disse ele, hesitante, no instante que pairou diante de mim.
— Oito horas, Jacob. Marcamos oito horas — lembrei-o de dentes
cerrados, brava pela sua falta de pontualidade. — Isso é hora de chegar?
Ele coçou a ponta do nariz, com uma expressão inocente no rosto.
— São oito da noite. — afirmou. — Bom, pelo menos eram, quando
saí de casa.
Franzi os lábios, fechando os olhos com força, na tentativa de
manter o autocontrole.
— Quando eu disse oito horas, quis dizer que chegasse às oito, não
que saísse de casa às oito. — expliquei, entredentes, tentando manter a
calma.
Ele deu de ombros, abrindo um sorrisinho descarado.
— Falha sua, então. Da próxima vez seja mais específica.
Cerrei os punhos.
— Não haverá uma próxima vez — assegurei, erguendo ambas as
mãos e passando-as pelo cabelo, acomodando algumas mexas detrás das
orelhas, na tentativa de conter a vontade de passá-las por seu pescoço e
esganá-lo.
Parecendo notar o meu estado de estresse, Jacob posicionou uma das
mãos sobre um dos meus ombros e despejou alguns tapinhas ali.
— Você parece bem estressada — constatou, me fitando com
atenção. — Se quiser, posso cuidar disso para você. Pode até não parecer,
mas sou um ótimo massagista.
— Agradeço a gentileza, mas passo. — soltei, abrindo um sorriso
falso.
— Ah, não seja chata! — exclamou, esticando uma das mãos e
pondo-a no meu ombro esquerdo. — Vamos lá, sei que você vai gostar. Sou
ótimo com as mãos. — deu uma piscadela. Com duplo sentido incluso.
Olhei do seu rosto para a sua mão no meu ombro e ele
imediatamente a retirou, entendendo a ameaça e erguendo-a para o alto, em
rendição.
— Só cale a boca e me siga. — ordenei, girando nos calcanhares e
passando pela pequena ala da bilheteria. — Vamos acabar logo com isso. —
resmunguei, enquanto empurrava a porta que dava acesso à parte interna do
estabelecimento.
Assim que atravessei a porta, chegando até a área onde funcionava
uma pequena lanchonete, Jacob agarrou meu cotovelo esquerdo, me
fazendo estancar no lugar. Franzi o cenho, alternando o olhar entre seu rosto
e mão, com uma expressão cética no rosto.
— Precisamos comprar os bilhetes. — lembrou, apontando com o
polegar para detrás de si. — Não podemos assistir ao filme sem...
— Já comprei os malditos bilhetes. — cortei-o, ao mesmo tempo
que me desvencilhava abruptamente do seu toque. — Será que podemos
apenas entrar e assistir ao maldito filme? Pare de enrolar.
Ele franziu a testa, confuso.
— Enrolar o quê?
Revirei os olhos.
— Esse encontro. Não precisamos torná-lo mais longo do que o
necessário. Assistimos ao filme e ponto. — expliquei impaciente e seus
olhos âmbar me avaliaram com cautela.
— Tudo bem — cedeu, após longos segundos em silêncio. — Mas a
comida será por minha conta.
Suspirei.
— Não é necessário.
Claro que é. — discordou, parecendo ofendido. — Você já pagou
pelos bilhetes. Deixe a comida comigo.
Não, Jacob; realmente não é necessário tornei a dizer e dessa
vez, ele finalmente entendeu o tom de seriedade contido em minhas
palavras.
Meu Deus, óbvio que é declarou, estranhamente ofendido.
Cinema e pipoca são um conjunto, Astrid, e não podem ser separados —
explicou, sério.
— Podem, sim — eu disse, mais pelo prazer de contrariá-lo. Meu
comentário fez com que ele me direcionasse um olhar boquiaberto. — O
quê? Não gosto de distrações durante o filme justifiquei, quando seus
olhos permaneceram fixos em mim, me observando em evidente
desaprovação.
— Você realmente acabou de considerar comida como uma
“distração”? — indagou, incrédulo.
Dei de ombros.
— Não há nada de errado nisso. — retruquei.
Ele riu, balançando a cabeça, antes de erguer ambos os braços e
posicioná-los sobre os meus ombros.
— Existem tantos erros na sua declaração que não consigo sequer
enumerá-los. — afirmou, me fitando com atenção.
— Não seja dramático, Jacob — pedi, fazendo uma careta para sua
expressão estranhamente séria. — São só comida e filme, meu Deus!
Ele riu, chamando a minha atenção para as pequenas ruguinhas que
se formavam pelos cantos dos seus olhos a cada vez que ria. Era adorável.
No instante que me dei conta do que estava fazendo, limpei a
garganta, desconfortável.
— Tudo bem. Você pode comprar a comida se quiser. — cedi. —
Mas saiba que não vou com você. — apontei na direção da enorme fila
diante dos balcões da lanchonete. — Sinta-se a vontade para enfrentar
aquela fila horrenda sozinho, porque eu não vou.
Ele seguiu meu olhar, antes de voltar a me fitar.
— Está enganada se acha que aquela fila será um empecilho para
mim.
Suspirei.
— Faça como quiser. — afirmei, observando-o se afastar de mim e
caminhar casualmente em direção à fila onde várias pessoas aguardavam
pela sua vez.
Olhei aos arredores, observando o aglomerado de pessoas que
cercavam cada pedacinho do estabelecimento, antes de voltar o olhar para
Jacob, que aguardava calmamente no final da fila. Em seguida, retirei os
bilhetes do bolso da minha calça jeans, analisando o horário de início do
filme: 21:30; tínhamos pelo menos uma hora de intervalo antes que o filme
começasse.
Recoloquei os bilhetes no bolso, cruzando os braços e passando os
olhos pela extensão do lugar em busca de um local menos sufocante –
aquela lotação era surpreendente para uma segunda-feira. Decidida a ter um
pouco mais de espaço, caminhei até as portas, empurrando-as e suspirando
de alívio ao sentir o ar livre proporcionado pelo ambiente externo do
cinema.
Fechei os olhos, permitindo que a brisa suave da noite dançasse
pelos meus sentidos e foi justamente nesse momento, que o som de uma
voz repentinamente surgiu, me fazendo congelar.
— Astrid? — chamou a voz.
Olhei bruscamente na direção do indivíduo, sentindo o coração
apertar contra o peito no instante que meus olhos pousaram sobre seu rosto.
Era ele.
— O que você está fazendo aqui? — questionei, tensa.
— Suponho que o mesmo que você — respondeu ele, dando aquele
sorriso repleto de covinhas que eu costumava amar com devoção.
Virei o rosto, fugindo de seu olhar, ao mesmo tempo que cruzava
ambos os braços sob o peito e fingia observar o movimento dos carros pelas
ruas.
Ele lambeu os lábios, mudando de posição, parecendo
desconfortável.
— Então, posso saber qual filme veio ver? — perguntou, se
colocando ao meu lado e me fitando com atenção.
— Não é da sua conta. — disparei.
Ele piscou, surpreso.
— Astrid, eu...
— O quê, Nate? — interrompi, girando nos calcanhares para melhor
olhá-lo. — Você não tem esse direito.
Ele imitou meu gesto, fixando seus olhos azuis nos meus,
esbanjando preocupação.
— Que direito? — questionou, parecendo aflito.
— O de ignorar o meu pedido — esclareci, sentindo o peito arder
com a lembrança. — Eu disse a você que não queria que voltasse a falar
comigo. Pedi que me deixasse em paz.
— E eu a deixei! — exclamou, exasperado. — Mas depois de dois
anos, não consigo mais fazer isso! — avançou um passo, me fitando com
tristeza. — Sinto sua falta, Astrid.
Recuei um passo, soltando uma risadinha amarga.
— É claro que sente. — zombei.
— Estou sendo sincero com você. Por favor, não zombe dos meus
sentimentos. — pediu, ofendido.
— Como se atreve a dizer isso depois de tudo pelo que me fez
passar, Nate? — disparei. — Tem noção de quanta dor e sofrimento você
me causou?
Ele desviou o olhar, coçando a nuca de modo constrangido.
— Eu sei. — confessou, voltando a me olhar e dando alguns passos
em minha direção, até que meros centímetros nos separassem. — Sei que
errei com você, mas, caramba, Astrid! Não acredito que você pôde jogar
fora todos os momentos que tivemos apenas por um mero deslize da minha
parte!
Cerrei os punhos.
—"Deslize"? — repeti, enojada pela sua escolha de palavras. —
Realmente considera o que me fez como um mero “deslize”? — rosnei,
avançando um passo e empurrando seu peito, fazendo com que cambaleasse
para trás. — Ela era a minha melhor amiga, seu canalha!
Ele me fitou surpreso, parecendo incrédulo pela minha reação – a
reação que não esboçava desde o dia em que o flagrei com Carly, minha -
até aquele momento - melhor amiga.
— Ei, não faça alvoroço! — pediu em um tom controlado, olhando
aos arredores como se temesse que alguém nos flagrasse ali.
— Ah, vá se foder! cuspi. E, pela última vez, Nate: fique
longe de mim. — adverti. Ou juro que será uma questão de tempo até
que todos saibam quem você é de verdade: a porra de um covarde traidor
esbravejei, fitando-o afrontosamente, antes que lhe desse as costas e
caminhasse para longe dele, sentindo todo o meu corpo tremer de raiva.
Há alguns anos, eu costumava considerar Nataniel Hawkins como
meu porto seguro; era a ele que recorria a cada momento de tristeza e
insegurança. A cada momento de fraqueza. E este foi sem dúvida alguma, o
meu maior erro: me tornar tão dependente de alguém.
No dia que descobri sobre sua traição, contudo, senti o mundo
inteiro desabar sobre mim, porque somente então pude perceber o quanto eu
fui estúpida ao lhe conceder tanto poder sobre mim.
Atravessei a rua, ouvindo-o chamar por mim, enquanto caminhava
apressada, rogando pelo momento que enfim chegaria à segurança da minha
casa. “Eu nem deveria ter saído de lá, para início de conversa”, pensei e
estava tão atordoada, que sequer pensei no que estava fazendo – e no que
significaria posteriormente.
Naquele momento, a única coisa que eu queria fazer era fugir.
Fugir da pessoa que por tanto tempo julguei ser a minha salvação,
mas que se revelou o exato oposto: minha maior desgraça.
10.

JACOB.

Eram cerca nove da noite quando finalmente consegui sair da fila e


comprar a comida que havia prometido para Astrid.
Equilibrei os pacotes de petiscos e os baldes de pipocas em ambos
os braços, enquanto saía daquela fila horrenda e passava os olhos pela
extensão do ambiente, tentando localizá-la. Franzi o cenho ao notar que o
local anteriormente ocupado por ela, estava vazio e, desconfiado, segui em
direção às portas, lembrando da cena que havia presenciado na sexta – na
festa de Kelly Jensen –, quando Astrid praticamente saiu correndo da sala
superlotada para o quintal, onde estava mais tranquilo. Talvez ela fosse
claustrofóbica ou coisa assim. Com dificuldade, empurrei as portas que
davam acesso ao lado de fora do estabelecimento, e após uma rápida
verificação, notei que o paradeiro dela ainda era desconhecido.
Olhei para o relógio sobre meu pulso, constatando que eram 21:05
da noite, o que significava que ela não poderia estar em nenhuma das salas
de cinema, já que as mesmas só eram abertas faltando pelo menos cinco
minutos para o início do filme.
Confuso, caminhei apressado na direção da pequena cabine da
bilheteria, dando uma leve batida no vidro na tentativa de chamar a atenção
do atendente.
— Posso ajudá-lo? — perguntou ele, guardando o celular e
assumindo sua postura como atendente.
— Creio que sim. — afirmei, fitando-o com apreensão. — Receio
que tenha visto a garota loira que estava comigo ainda a pouco, certo?
— Muitas garotas loiras passam por aqui. Não tenho memória
fotográfica nem nada do tipo, então... disse o espertinho, com certa
indiferença.
— Astrid. — cortei-o, impaciente. — Astrid Spencer. Você a viu?
— A megera? — perguntou, arqueando uma das sobrancelhas e me
senti estranhamente incomodado pela sua menção ao apelido de Astrid. —
Sim, eu a vi. Ela estava aqui agora a pouco — revelou indiferente.
— É, eu sei que ela estava aqui — declarei, perdendo a paciência.
— O que quero saber é se tem alguma ideia de onde ela possa estar agora.
O garoto coçou o queixo, me fitando com desconfiança.
— Por que está tão interessado no paradeiro daquela garota? Por
acaso sabe o que comentam sobre ela por aí?
— Não dou a mínima para fofocas. — disparei, irritado. — Mas,
quanto a minha pergunta: vai respondê-la ou não?
O garoto suspirou, apontando com desdém na direção da rua às
minhas costas.
— Ela estava ainda há pouco ali, com um cara loiro. —
confidenciou, destinando sua atenção para o celular recém- retirado de seu
bolso. — Eles conversaram alguma coisa e então ela saiu.
Pisquei.
— Espere um segundo: está me dizendo que ela estava com um
cara?
Ele concordou, alheio ao tom irritadiço em minha voz.
— Você sabe quem era? — questionei, cerrando os punhos.
O garoto ergueu seus olhos azuis de celular para mim, confuso.
— O cara com quem ela estava. — esclareci, grunhindo.
Ele deu de ombros.
— Não. Na realidade, não consegui ver muito dele daqui da minha
cabine devido ao movimento incessante de hoje. As únicas coisas que pude
notar dele é que era loiro e alto, no estilo galã de cinema confidenciou.
Grunhi um agradecimento e então me afastei do pequeno
compartimento de sua cabine, fitando todos os alimentos presentes em meus
braços. Apertei um dos pacotes de salgadinhos entre meus dedos, fazendo-
os estalar, enquanto tentava manter a respiração instável.
Estava mais do que claro que Astrid estava me fazendo de idiota –
aceitando o meu convite, me tratando com indiferença e ainda por cima me
deixando plantado na lanchonete, esperando-a feito um maldito idiota,
enquanto estava na companhia de outro cara.
Bufei com o pensamento e deixei que os alimentos caíssem das
minhas mãos, retirando bruscamente meu gorro e arremessando-o contra o
chão, irritado. Em seguida, passei nervosamente ambas as mãos pelos meus
cabelos, na tentativa de conter a raiva que irradiava de mim naquele
momento. A concepção de que ela estava apenas brincando comigo fez meu
peito arder de raiva e humilhação. E, como se já não fosse suficiente, meu
celular vibrou contra o bolso da minha calça e ao verificá-lo, congelei ao
ver o nome de Serena estampado na tela.
Deixei tocar por mais alguns segundos, fitando fixamente seu nome
no identificador de chamadas, antes que finalmente atendesse.
— O que diabos você fez? — disparou ela no instante que
posicionei o telefone no meu ouvido esquerdo, fazendo com que eu quase o
derrubasse de susto mediante o tom gritante de voz.
— Caramba! — resmunguei, afastando o celular do ouvido. — Pelo
menos avise antes de gritar desse jeito.
— Por que a minha irmã já está em casa? — exigiu saber, ignorando
por completo a minha afirmação anterior.
Trinquei o maxilar.
— Por que não pergunta a ela?
— Hein? — indagou, confusa. — Não venha com essas respostas
engraçadinhas para cima de mim, Jacob! Estou pagando você para sair com
a minha irmã, então pare de...
— Ela foi embora porque quis, está bem? — interrompi. — E ainda
teve a ousadia de me deixar plantado na fila da lanchonete expliquei,
omitindo a parte em que Astrid estava com o tal cara misterioso, porque
parecia humilhante demais dizê-lo em voz alta.
Longos segundos de silêncio se alastraram pela ligação, até serem
rompidos pela risadinha insuportável da garota do outro lado da linha.
— Não acredito que ela fez isso! — exclamou, em meio a uma
gargalhada.
Cerrei os dentes.
— Pare de rir, duplicata psicótica da Barbie! — exclamei, fazendo-a
se calar. — Isso envolve a porra do seu dinheiro, então tenha maturidade!
— passei a mão pelo rosto, nervoso. — O negócio é o seguinte, Serena:
estou me esforçando de verdade para cumprir com a minha parte do acordo,
mas a droga da sua irmã não coopera!
Ela bufou.
— O que espera que eu faça? — ela indagou friamente. — Estou
pagando você, Jacob. Dê um jeito. Mude a estratégia ou qualquer coisa do
tipo! Só cumpra com a droga da sua parte!
Minha visão ficou turva e antes que pudesse perceber, estava
pisando em cima de um dos pacotes de salgadinho do chão com mais força
do que o necessário.
— Vá se danar, Serena. — rosnei, em um tom de voz calmo e
ameaçador. — Estou farto disso tudo, está bem? Cansei da porra do seu
autoritarismo e de ter que me rastejar pela sua irmã!
— Não fale assim comigo! — rebateu ela, igualmente irritada. — E
tampouco se atreva a dar para trás agora, Jacob. Já lhe paguei pelo serviço
e...
— Se o problema é esse, então não se preocupe. — interrompi,
fazendo-a se calar. — Vou devolver cada centavo do seu dinheiro, ok?
Ela permaneceu em silêncio por alguns segundos, parecendo
incrédula pela minha atitude.
— Você não pode estar falando sério. — declarou. — Então é isso?
Vai desistir?
— Isso mesmo. Procure outro cara para a sua irmã fazer de idiota,
porque estou fora. — afirmei, encerrando a ligação na sua cara, sem me
importar de estar bancando o babaca grosseiro.
Guardei o celular no bolso, que voltou a vibrar em questão de
segundos. Ignorei. Fixando o olhar em um ponto qualquer na rua, senti a
raiva se instalar por cada centímetro do meu corpo, fazendo minhas mãos
tremerem e meu coração acelerar. Estressado, passei ambas as mãos pelo
meu cabelo, jogando-o para trás e o movimento fez com que as malditas
mechas voltassem a cair pelos meus olhos, me fazendo bufar.
Deslizei o olhar para as embalagens intocadas de salgadinhos e os
baldes com várias pipocas derramadas ao chão, contra meus coturnos.
Direcionando um olhar frio a ambos, lembrei da informação que me havia
sido repassada, não muito tempo atrás, de que Astrid estava na companhia
de outro cara, enquanto eu a esperava naquela maldita fila.
Não tinha dúvidas do quanto precisava da grana que Serena estava
me pagando e, principalmente, do que ela significaria para mim e meu pai
posteriormente, mas, ainda assim, me parecia simplesmente impossível
continuar com aquela farsa, quando Astrid estava obviamente apenas
zombando de mim.
Me desviando de toda aquela comida aos meus pés, enfiei ambas as
mãos nos bolsos da minha calça e caminhei decididamente até o lugar em
que havia estacionado minha caminhonete.
Direcionando um olhar para o céu, fitei a bela e estonteante lua ao
seu centro, sendo rodeada por uma vastidão de estrelas cintilantes. Uma
solidão atípica passou por mim com a concepção de que teria que voltar
mais cedo do que o habitual para a minha casa – o que era justificado pelo
fato de ter saído mais cedo do trabalho para poder encontrar com Astrid – e
que, graças à isso, teria que lidar com os pensamentos fodidos que
passavam pela minha cabeça a cada noite em claro.
11.

ASTRID.

Estacionei o carro ao lado do hidrante, bufando, ainda descrente


pelo que estava prestes a fazer.
Hoje completavam três dias desde o encontro inesperado – e
totalmente desagradável – com meu ex-namorado babaca, onde, ao
praticamente sair correndo do cinema visando evitá-lo, acabei esquecendo
completamente de um detalhe importante: Jacob.
No momento que percebi o que havia feito – o deixado para trás na
fila da lanchonete –, peguei automaticamente o telefone, objetando informá-
lo sobre a minha partida precoce, mas justamente aí, que outro fato me veio
à tona: eu não tinha o seu número de celular.
Me senti péssima por tê-lo deixado esperando por mim e antes que
percebesse, já estava chorando; contrariando o senso-comum, eu não era
uma vadia desalmada e – normalmente – tinha empatia pelas pessoas, mas o
reencontro com Nataniel havia me afetado mais do que eu gostaria de
admitir, me fazendo esquecer por completo do fato de Jacob ter ido comprar
comida para nós.
No dia seguinte, acordei cedo e decidi que o mais sensato a se fazer
naquela situação, seria pelo menos prestar uma explicação decente para
Jacob, informando o porquê de ter ido embora sem avisá-lo; e realmente o
teria feito, se o tivesse visto na escola. Esperei por ele no horário do almoço
e nas demais aulas que descobri que frequentávamos juntos, mas nem sinal
dele. Resolvi, então, aguardar pelo dia seguinte, mas o karma era realmente
uma merda, porque mais uma vez, ele não compareceu às aulas.
Bati a porta do carro às minhas costas e atravessei a rua, dando de
cara com a evidente desigualdade social de Lester Ville. Era estranho estar
daquele lado da cidade onde a maioria das residências era constituída por
trailers e casas minúsculas, quando estava acostumada com o bairro em que
morava, onde a situação era exatamente a oposta: as casas da vizinhança
eram, em sua maioria, sobrados confortáveis e razoavelmente grandes,
diferentemente das casinhas que avistava diante de mim.
Olhei pelos arredores e congelei ao reconhecer uma caminhonete
Ford negra estacionada na garagem de uma casinha adorável. Mordendo o
lábio inferior, forcei meus pés a seguirem pelo caminho, atravessando a rua
até a casa térrea amarelada.
Sendo uma pessoa naturalmente orgulhosa, não foi nada fácil chegar
à conclusão de que precisava tomar uma atitude quanto ao incidente com
Jacob, mas, depois de muito pensar, me parece totalmente indiscutível a
concepção de que a situação realmente exigia isso de mim, uma vez que me
sentiria igualmente brava se alguém me deixasse plantada na fila da
lanchonete do cinema, muito embora não esperasse tal atitude vinda
justamente dele. Sua personalidade alegre e descontraída me fez pensar que
agiria como se nada tivesse acontecido, ou que pelo menos tiraria sarro de
mim por ter bancado a hipócrita irresponsável com ele. No entanto, para a
minha surpresa, a única reação que obtive dele foi o silêncio – algo mil
vezes pior do que qualquer uma das opções anteriores.
Engoli em seco ao me aproximar do vão da rua e notar que o capô
dianteiro da caminhonete estava aberto. A julgar pela presença de uma
caixa de ferramentas ao seu lado, pude ter a certeza de que alguém a estava
reparando. Bati ambas as palmas, sem jeito, clamando por atenção e de
repente uma cabeça se elevou diante do capô dianteiro.
Observei o semblante de Jacob alterar de confuso para desconfiado,
à medida que seu olhar sustentava o meu e o reconhecimento se tornava
evidente em suas feições.
— Astrid? — perguntou, desconfiado.
— Oi. — respondi meio sem jeito. — Será que podemos conversar
um pouco?
Ele limpou as mãos em um paninho branco próximo a um dos
pneus, e confirmou com a cabeça, antes de fazer um sinal para que eu me
aproximasse. Hesitante, caminhei lentamente até ele, que fechou o capô
dianteiro antes de se virar para mim e apoiar o corpo contra a caminhonete,
me fitando com atenção.
— O que está fazendo aqui? — exigiu saber sem rodeios.
— Já disse, vim conversar com você — expliquei, e quando ele
estreitou ainda mais os olhos, suspirei. — Esperava encontrar com você na
escola, mas como não foi possível, presumi que o encontraria aqui.
— Como descobriu aonde moro?
— Todos sabem aonde você mora, Jacob — retruquei, fitando-o
com deboche.
— Não. — discordou, cruzando ambos os braços sob o peito,
fazendo com que seus bíceps flexionassem, revelando músculos salientes.
— Todos sabem que moro desse lado da cidade, mas não sabem o meu
endereço exato. — estreitou os olhos. — Como descobriu?
— Com o orientador. — confessei.
Ele piscou.
— Orientador? — repetiu confuso.
Assenti.
— Sim. O senhor Sanderson é um excelente informante.
Ele estreitou os olhos.
— Está dizendo me dizendo que o orientador deu meu endereço à
você?
— Sim. — fiz uma careta. — Quer dizer, tecnicamente.
— Como assim? quis saber, cada vez mais confuso.
Suspirei.
— Procurei por ele afirmando que estava com alguns problemas
familiares e quando ele me atendeu, fingi chorar. Depois disso ele foi até a
enfermaria buscar alguns lenços e então aproveitei a oportunidade para
vasculhar a ficha dos alunos. Bastou que chegasse na letra inicial do seu
nome e bingo: lá estavam todas as informações ao seu respeito, Jacob
Christopher Davies.
Ele piscou algumas vezes, até franzir a testa, parecendo surpreso.
— Você fuçou nas coisas do orientador só para obter uma
informação pessoal. — concluiu, me fitando com espanto.
Dei de ombros.
— Bem, eu precisava falar com você e não sabia onde encontrá-lo,
então me pareceu uma boa alternativa procurar através do maior detentor de
informações da escola.
Ele cruzou ambos os braços sob o peito, avaliando a minha
expressão com interesse.
— Então? Poderia explicar o motivo de ter dirigido até o outro lado
da cidade só para conversar comigo? — indagou, sério.
— Gostaria de me desculpar. — confessei, suspirando. — Na
segunda, as coisas acabaram não saindo conforme o planejado e...
— Você me deixou esperando na fila do cinema — acrescentou,
trincando o maxilar.
Abri e fechei a boca, sem saber o que responder.
— Sinto muito. — falei, após alguns segundos em silêncio.
Ele vasculhou meu rosto por alguns segundos, antes de me dar as
costas, abrir o capô do carro e se inclinar diante do mesmo, retomando a
atividade que praticava antes da minha chegada.
— Está tudo bem. — respondeu rispidamente. — Algo mais?
Pisquei.
— Perdão?
Ele endireitou a coluna, virando o rosto para mim.
— Caso já tenha acabado, peço que se retire — disparou friamente.
Meu queixo caiu.
— Como é? — questionei, incrédula.
Ele ignorou a minha pergunta, parecendo estar completamente
absorto na tarefa de limpar aquelas peças imundas daquela caminhonete. Ou
talvez simplesmente estivesse fingindo estar absorto em sua tarefa, já que,
de onde eu estava, podia notar o leve tremor em suas mãos, no que presumi
ser raiva.
Voltei o olhar para o seu rosto, notando a forma como seus lábios e
sobrancelhas estavam franzidos. Umedecendo os lábios, cruzei os braços
sob o peito e bati o pé, impaciente.
— Estou falando com você, Jacob insisti.
— E eu estou ouvindo — resmungou, enquanto esfregava uma
flanela branca na peça sobre suas mãos, usando mais força do que o
necessário.
Bufei, desistindo de vez de tentar manter a civilidade e avançando
na sua direção, arrancando a peça de suas mãos e finalmente fazendo com
que me olhasse.
— Que tal olhar para mim quando estiver falando com você? —
sugeri sarcasticamente, largando a peça contra o chão e ignorando a sujeira
em minhas mãos.
Ele olhou para a peça jogada ao chão, antes de olhar para mim, e a
expressão severa que me direcionou, foi capaz de causar arrepios na minha
pele.
— Qual é a droga do seu problema? — disparou, apontando com o
indicador na direção da peça jogada ao chão. — Tem noção do quanto essa
peça custa?
— Não faço a menor ideia — confessei, erguendo o indicador e o
apontando para seu peito. — Mas o que sei é que você está agindo feito a
droga de um babaca grosseiro!
— Acho que tenho esse direito, não? — ironizou, soltando uma
risadinha debochada. — Sou um defensor árduo da reciprocidade e depois
do que você me fez passar, acho que estou na razão. — falou, sustentando
meu olhar e pondo o rosto a meros centímetros de distância do meu.
Ergui o queixo, sustentando seu olhar em desafio, e avançando um
passo na sua direção, me recusando a recuar perante a sua postura
intimidadora.
— Olhe só, eu sei que errei ao deixá-lo para trás no cinema, mas
isso não lhe dá o direito de falar assim comigo! Estou apenas tentando pedir
desculpas, seu tapado! — empurrei seu peito. — Por que diabos está tão
bravo comigo?
— Está realmente falando sério? — ele questionou visivelmente
bravo.
Arqueei uma sobrancelha e ele bufou, recuando um passo e
passando uma das mãos pelo rosto, sujando-o de leve de graxa, antes de
retirar o gorro que cobria seus cabelos e arremessá-lo contra o chão.
— Acha que sou idiota? — disparou, voltando a se aproximar de
mim de modo inquiridor.
— Quer mesmo que eu responda? — debochei, cruzando ambos os
braços sob o peito. — Porque acho que a resposta é um pouco óbvia
demais.
— Por que aceitou meu convite se já tinha planos? — rosnou contra
o meu rosto, ignorando a minha provocação. — Bastava dizer que não
estava interessada, ao invés de me fazer de idiota!
— Em primeiro lugar — comecei, fitando-o seriamente. — Eu o
recusei. Duas vezes. Foi você quem insistiu em sair comigo. E em segundo:
o que diabos você quer dizer com “outros planos"?
— Me disseram que você estava com outro cara na porta do cinema.
— revelou, contraindo os lábios em evidente irritação. — E, ainda por
cima, enquanto eu estava na porra da fila esperando por você. Tem noção
do quanto foi humilhante descobrir por outra pessoa que você estava me
fazendo de idiota?
Franzi o cenho, finalmente compreendendo tudo.
Ele pensava que eu o havia deixado para trás de propósito para
poder sair com outro cara. Meu Deus. Não sei se deveria ficar triste ou
irritada por ele realmente ter acreditado que eu seria capaz de fazer algo
assim.
— Eu não ...— fiz uma pausa, avaliando sua expressão enfurecida e
fechando a cara. — Não foi assim. Você entendeu tudo errado!
— Ah, é mesmo? Então que tal prestar os devidos esclarecimentos?
— Era exatamente isso o que estava fazendo antes de você me
interromper, seu imbecil! — acusei, descruzando os braços para poder
estica-los e empurrá-los contra seu peito. Percebendo isso, Jacob tratou de
agarrar meus pulsos, mas nem mesmo isso foi capaz de me deter, porque
continuei: — Acabei encontrando com alguém que não queria no cinema, e
por isso fui embora. No momento, estava tão brava que acabei esquecendo
completamente do que estava fazendo, que era esperar por você, seu
babaca. Eu não fiz de propósito e caso realmente acredite que o fiz, vou ter
que manda-lo ir para os quintos dos infernos por ter sido capaz de julgar tão
mal o meu caráter soltei, encarando-o no fundo dos seus olhos.
As mãos dele ainda agarravam meus pulsos enquanto seus olhos
vasculhavam meu rosto, como se em busca de alguma comprovação para a
veracidade das minhas palavras; depois do que pareceu uma eternidade, ele
finalmente afastou suas mãos de mim, suspirando audivelmente logo em
seguida.
— Então foi realmente isso o que aconteceu? — quis saber, me
fitando com a testa franzida.
Assenti lentamente.
— Sim — afirmei, fitando-o cética. — Talvez isso sirva de lição
para que você que aprenda que não se deve sair acreditando em tudo o que
dizem por aí.
Ele fez uma careta, me fitando dos pés à cabeça de modo irônico.
— Quem é você? A minha mãe, por acaso? — zombou.
Revirei os olhos.
— Ok. Vou interpretar o seu comentário ridículo como uma
confirmação de que as coisas estão acertadas entre nós.
Ele umedeceu os lábios ao mesmo tempo que cruzava os tornozelos
e apoiava as costas contra a caminhonete, me fitando com atenção.
— Realmente veio até aqui só para me pedir desculpas?
— Esclarecer as coisas. — corrigi, erguendo o indicador. Mas,
sim, vim até aqui somente para isso. Senti que devia pelo menos explicar a
situação a você, tendo em vista como as coisas acabaram e, bem, a
impressão que acabei causando em você.
Um sorriso lento se formou pelos lábios dele.
— Está perdoada. — afirmou.
Abri um sorriso falso.
— Ótimo. Agora posso voltar a viver sem remorsos, já que
conquistei o seu tão estimado perdão — ironizei, fazendo-o rir.
Seu sorriso murchou no momento que olhou para trás de mim,
especificamente para a rua. Segui seu olhar e constatei que fitava o céu
alaranjado, uma comprovação de que não demoraria muito para escurecer.
— Acho melhor você ir — aconselhou, reconquistando a minha
atenção. — Está ficando tarde e não acho uma boa ideia alguém como você
ficar zanzando por aí tão tarde.
— Está bem, papai. — debochei, antes de fazer uma careta. — E o
que você quer dizer com "alguém como eu”?
Ele suspirou, descruzando os braços e dando as costas para mim, se
dirigindo até o capô da sua caminhonete e fechando-a bruscamente.
— Você não vai querer descobrir a resposta por si mesma — alegou,
virando o rosto para mim. — Vá por mim.
Senti um arrepio pela espinha e, hesitante, assenti, girando o corpo,
prestes a atravessar a rua, quando o som de sua voz me fez estancar no
lugar e virar o rosto em sua direção.
— Obrigado por ter vindo — ele disse, com um meio-sorriso nos
lábios. — Significou muito para mim.
Retribuí o sorriso, acenando antes de voltar a caminhar
apressadamente até o outro lado da rua, onde havia estacionado meu carro.
Bati a porta com força assim que cheguei, dando mais uma olhada pelo
retrovisor na direção de Jacob, que ainda me fitava no mesmo lugar, na
garagem de sua casa.
Desviei abruptamente o olhar, lembrando do seu conselho para ir
embora o quanto antes e tratei de dar partida no carro, sumindo por entre as
ruas estreitas, com destino ao outro lado da cidade: a minha casa.
12.

JACOB.

O som do sinal me fez estremecer no meu lugar e, muito


relutantemente, erguer a cabeça da mesa, bocejando.
Olhei aos arredores, ainda grogue, notando os alunos se dispersaram
gradativamente pela porta, migrando até os corredores. A aula havia
acabado de terminar e a professora, não muito diferente do restante dos
alunos, saiu apressada. Soltando outro bocejo, me espreguicei, prestes a me
erguer do meu lugar, quando, de repente, duas pessoas que não faziam parte
daquela classe repentinamente surgiram pelo meu campo de visão, passando
pela porta e adentrando na sala.
Esfreguei os olhos na tentativa de fitá-los melhor e, aos poucos,
minha visão foi desembaçando, revelando detalhes que me fizeram
enrijecer de imediato, conforme reconhecia os indivíduos que caminhavam
na minha direção, passando por entre as fileiras de carteiras com suas
expressões comumente esnobes em ação. Um deles era loiro, com um
cabelo encaracolado e o outro era negro, no estilo jogador de basquete
famoso; eram Nataniel e seu capacho, Kyle.
Imediatamente coloquei uma máscara de indiferença em meu rosto,
me recusando a demonstrar a raiva que sentia por ter Nataniel Hawkins e
seu capacho cada vez mais próximos de mim. No momento em que ambos
pararam à minha frente, fixei o olhar na janela, ignorando-os. O som de
uma batida forte na minha mesa, contudo, me fez virar lentamente o rosto,
dando de cara com um Nataniel visivelmente perturbado. Olhei da sua mão
para seu rosto, arqueando uma das sobrancelhas de modo irônico. Em
seguida, arrastei os olhos para Kyle, que estava posicionado à retaguarda de
Nataniel, mais parecendo a droga de um segurança do que um colega de
classe. Custei até perceber que ambos bloqueavam a minha saída.
— Parece que me seguir por aí está começando a virar um hábito,
não é, Hawkins? — ironizei, me recostando na minha carteira e cruzando
ambos os braços sob o peito. — Um tanto irônico vindo justamente de você,
que exigiu que eu me mantivesse longe.
Nataniel trincou o maxilar, abrindo um sorriso retorcido e bizarro.
— Mas que porra você pensa que está fazendo, Davies? — indagou
rispidamente.
Estreitei os olhos.
— Eu estava cochilando antes de você chegar — respondi,
arqueando uma das sobrancelhas. — Mas, de toda forma, não é como se eu
devesse prestar esclarecimentos a você sobre o que faço ou deixo de fazer
com a minha vida.
Nataniel voltou a bater a palma contra a minha mesa e, lentamente,
deslizei o olhar para a dita cuja, lutando contra a vontade de retirá-la dali a
força.
— Não tenho o menor interesse na porra da sua vida, Davies —
rosnou ele, se inclinando na cadeira para poder baixar o rosto e nivelá-lo ao
meu, no intuito de me lançar um olhar fugaz. — A questão é que tenho
ouvido boatos repulsivos ao seu respeito e me recuso a acreditar neles.
Franzi o cenho, observando a forma como as sobrancelhas dele
franziram e seu olhar endureceu. O babaca estava realmente bravo.
Desconfiado, permaneci quieto, o que visivelmente o irritou, fazendo com
que recuasse um passo e cruzasse ambos os braços sob o peito, me fitando
com frieza.
— Como se atreve a, pelo menos, pensar que poderia ter alguma
chance com alguém como ela? — grunhiu, me fitando com uma expressão
de repulsa no rosto. — Ponha-se no seu lugar, Davies. Um lixo como você
jamais terá alguém como ela.
Cruzei ambos os braços detrás da cabeça, assumindo uma postura
descontraída, ao passo que esboçava um sorriso zombeteiro nos lábios.
— Adoraria respondê-lo à altura, mas não poderei fazê-lo enquanto
não tiver ideia do que diabos você está falando — declarei com o sorriso
ainda intacto nos lábios. — E então? Vai falar ou terei que adivinhar?
Nataniel franziu os lábios, fazendo com que Kyle lhe lançasse um
olhar preocupado.
— Acho que ele está debochando de nós, Nate — opinou, me
fitando com desdém. — Não prefere que eu cuide disso para você?
Observei o momento em que Nate virou o rosto para o seu “amigo”
e, sem nem pestanejar, espalmei ambas as mãos sobre a mesa, me erguendo
em afronta.
— Pode vir, camarada — desafiei. — Dou conta de você. — olhei
para Nataniel. — Dos dois, aliás.
Kyle avançou um passo, mas antes que pudesse fazer qualquer
coisa, Nataniel o parou, erguendo uma das mãos. Kyle estancou no mesmo
instante, captando aquela ordem silenciosa.
— Não há necessidade — afirmou Nataniel, me lançando um olhar
duro. — Pelo menos não por agora; deixe isso comigo.
Abri um sorriso.
— O que foi, Hawkins? Está com medo? Pode vir, amigão. Acabo
com você em um piscar de olhos — lancei um olhar para Kyle, que bufava
de raiva. — E com o seu segurança também.
Nataniel respirou fundo, tentando controlar a raiva.
— Fique longe das irmãs Spencer, Davies. — ordenou. — Não
gosto que mexam no que é meu, entendeu?
— Então é disso que se trata? — indaguei, franzindo a testa. — Das
irmãs Spencer? — soltei uma risada irônica. — Não sabia que curtia
garotinhas feito Serena, Hawkins provoquei, ciente de que, certamente,
havia sido visto conversando com ela alguns dias antes, quando ela me fez a
proposta para poder sair com sua irmã.
Ele arregalou os olhos, franzindo as sobrancelhas e me lançando um
olhar severo.
— Não seja ridículo. Não estou falando de Serena.
Piscando, franzi a testa à medida que ligava os pontos e, enfim,
entendia o que estava acontecendo.
— Espere aí pedi calmamente, estreitando os olhos e
perguntando: Está falando de Astrid Spencer?
Ele cerrou os punhos.
— Não se atreva a sequer pronunciar o nome dela, seu desgraçado!
— disparou, dando um soco forte na minha carteira. — Ela é minha.
A minha primeira reação foi entreabrir os lábios, tamanho o choque
pelo que estava acontecendo; em seguida, após breves segundos apenas
fitando a expressão furiosa de Nataniel, tentando assimilar tudo, abri um
sorriso largo, porque aquilo era bom demais para acreditar.
O Príncipe de Lester Ville tinha uma queda pela Megera de Lester
Ville?
Rá, essa era boa.
Conhecendo a lourinha como conhecia, podia apostar que ela iria
ficar irada quando descobrisse que um babaca feito Nataniel Hawkins a
estava proclamando como sua “posse”.
— E ela por acaso sabe disso? — questionei, com um sorriso sacana
nos lábios, enquanto arqueava ironicamente uma das sobrancelhas para a
expressão enfurecida do babaca.
Kyle bufou.
— Todo mundo sabe. — respondeu, me olhando como se eu fosse
estúpido. — Todo mundo nessa maldita escola sabe que Astrid Spencer
pertence ao Nate. Quem mexer com ela, já deve se considerar morto.
— Na realidade, grandalhão, acho que todos na escola, com exceção
da própria Astrid, sabem dessa regra. Tem noção do que ela faria se
descobrisse que andam exigindo direitos sobre ela por aí? — desviei o olhar
para Nataniel, que tinha os punhos cerrados. — E você não tem namorada,
seu imbecil?
A expressão dele permaneceu impassível.
— Isso não vem ao caso — o filho da puta revelou, sustentando o
meu olhar. — Apenas siga o meu conselho e fique bem longe dela. Caso
contrário, irá se arrepender voltou a ameaçar.
Soltei uma risadinha irônica.
— Não deveria ter dito isso, camarada. À essa altura do
campeonato, você já deveria saber que quando me dizem para não fazer
algo, vou lá e simplesmente faço. Quebrar regras é literalmente um dos
meus hobbies provoquei, me deliciando com a expressão sagaz dele.
Assim sendo, considere o seu conselho oficialmente ignorado.
Nataniel trincou o maxilar, prestes a avançar na minha direção, mas
a voz de Kyle o fez parar.
— Qual é, Nate! — disse ele, tocando seu ombro. — Não precisa
ficar assim, cara. Não perca o seu tempo com esse pedaço de lixo. Não é
como se Astrid fosse realmente se rebaixar ao nível dele. Nós a
conhecemos. Ela jamais daria qualquer chance para alguém como ele.
Nate se acalmou mediante as suas palavras de seu “amigo”,
reassumindo a sua postura.
— É, você está certo — concordou, enquanto ajustava o colarinho
de sua camisa e me lançava um olhar desdenhoso. Onde estou com a
cabeça? É claro que Astrid jamais daria brechas para alguém como ele.
— Será mesmo? — provoquei. — Talvez não a conheçam tão bem
quanto pensam, afinal — avancei um passo na direção de Nate, o fitando no
fundo de seus olhos. — Ou realmente acha que os boatos que tem ouvido
por aí são à toa?
Nate ergueu o queixo.
— Isso não quer dizer nada.
Boatos não surgem à toa, meu caro repliquei.
Ele trincou o maxilar.
Isso não quer dizer nada repetiu. Talvez ela tenha
apenas...
— Sido vista comigo? — complementei, fazendo com que ele
franzisse seus lábios.
Ele riu.
Não seja ridículo. Ela jamais passaria um segundo sequer ao lado
de alguém como você.
Ah, ela passaria, sim retruquei. Não é toa que concordou
em sair comigo, afinal.
Kyle riu, ao passo que Nataniel cerrava ainda mais os punhos.
— Ok, isso já está indo longe demais disse o primeiro, sorrindo.
Está na cara que ele está mentindo, Nate. Não dê ouvidos a ele.
— Já que estão duvidando, por que não perguntam para alguma das
suas “fontes”? — desafiei, certo de que várias pessoas já nos tinham vistos
juntos, seja na escola ou no cinema e, por isso, o boato chegou aos seus
ouvidos.
O rosto de Nataniel se retorceu de raiva e juro que vi um dos olhos
dele tremeram.
— Seu desgraçado mentiroso! — disparou, matando a distância
entre nós e agarrando a minha camiseta, de modo que estivéssemos nariz a
nariz. — Você é a porra de um mentiroso! Astrid jamais se envolveria com
alguém como você, seu pedaço de lixo!
— Parece que ela discorda da sua opinião ao meu respeito, porque
caso contrário, não teria ido ao cinema comigo na sexta passada —
provoquei, empurrando seu peito com força para trás.
Algo no que eu disse obviamente o irritou ainda mais, porque antes
mesmo que eu percebesse, ele ergueu um dos punhos em direção ao meu
rosto, prestes a me acertar. Em um movimento rápido, desviei de seu golpe,
agarrando seu braço e o empurrando para trás, fazendo com que
cambaleasse.
— Tente me acertar de novo e juro que quebro todos seus malditos
dentes — ameacei. Aquela não era a minha primeira briga; eu certamente
estava mais do que apto para poder quebrar aquele narizinho arrogante.
Em questão de segundos, Kyle se pôs defensivamente ao lado de
Nataniel, e rapidamente os dois trataram de avançar na minha direção. Me
preparei para me defender, mas antes que pudesse fazer qualquer
movimento, o som de um pigarreio interveio pelo ambiente, fazendo com
que Nataniel, Kyle e eu congelássemos no lugar.
— Meu Deus, vocês são um bando de brutamontes — disse a voz e,
ao segui-la, dei de cara com uma Serena visivelmente irritada.
Parecendo chegar à mesma conclusão que eu, Nate tratou de se
recompor, endireitando a postura e pondo um sorriso amigável no rosto; o
mesmo pode ser dito de Kyle, que escondeu os punhos e passou uma das
mãos pela sua camiseta, alisando-a.
— Serena. — cumprimentou Nate, me dando as costas e
caminhando na direção da garota loura que o fitava com uma expressão
pouco amigável no rosto.
Ela o ignorou, desviando o olhar dele para mim.
— Estava procurando por você, Jacob. Podemos conversar?
Kyle olhou bruscamente para mim, com uma carranca severa em seu
rosto – no que presumi ser ciúme.
Estreitei os olhos para ela, relembrando da última conversa que
tivemos naquela noite, no cinema, quando ela riu da minha cara depois que
confidenciei que Astrid havia ido embora e, graças a isso, desfiz o nosso
“acordo”.
— O que diabos você quer agora? disparei.
— Não fale assim com ela! — grunhiu Kyle, já avançando na minha
direção.
— Está tudo bem, garotos. — interveio Serena, caminhando pelas
fileiras de carteiras para poder se aproximar de mim. — Realmente preciso
conversar com ele, então será que poderiam nos deixar a sós?
Nataniel olhou para ela e depois para mim, franzindo a testa.
— O que exatamente você teria para conversar com alguém como
ele?
— Estava me fazendo a mesma pergunta. — murmurou Kyle, me
fitando com uma expressão dura.
Serena abriu um sorriso doce.
— Não acho que seja da conta de vocês — disparou, meiga — Por
que não fazem o favor de sair?
Nate e Kyle se entreolharam, parecendo relutantes em atender ao
desejo dela. Notando isso, ela revirou os olhos.
Ele é inofensivo, pessoal falou, endurecendo o tom e
decretando por cima do ombro: Agora saiam.
Revirei os olhos quando os dois, apesar de relutantes, atenderam a
ordem – disfarçada de pedido dela –, me lançando olhares desconfiados
antes de saírem pela porta. O baque da porta fez com que deslizasse meus
olhos de volta para ela, que me olhava com uma expressão séria no rosto.
— Conseguiu expulsá-los, meus parabéns. Satisfeita? — ironizei e
ela me olhou feio.
— Estou tudo, menos satisfeita resmungou.
— Problema seu, então — grunhi, dando de ombros. — Eu teria
dado conta deles, mas, mesmo assim, agradeço por ter me poupado o
trabalho e tê-los expulsado. Agora, se me der licença, preciso ir — dei um
passo para o lado e ela seguiu meu movimento, cruzando ambos os braços
sob o peito.
— Não até conversarmos decretou, bem à minha frente.
Trinquei o maxilar, vasculhando seu rosto com atenção.
— Qual é o seu problema? — disparei.
Ela franziu os lábios.
O meu problema é ter pagado alguém por um favor e esse
alguém, agora simplesmente deu para trás acusou.
Se está se referindo ao seu dinheiro, não se preocupe. O
devolverei assim que receber o meu salário do mês fiz questão de dizer,
me referindo ao salário que recebia no trabalho de meio-período como
ajudante num pequeno mercado localizado no centro da cidade.
Ela bufou.
Não quero a droga do dinheiro, Jacob! Quero que cumpra com a
sua parte no acordo!
Suspirei, recuando um passo e lhe lançando um olhar.
— Lamento, Serena, mas não mudei de opinião — falei. —
Continuo fora do seu plano. Trate de procurar outro cara aconselhei,
dando um passo para o lado, mas, outra vez, ela bloqueou a minha saída, se
colocando à minha frente com uma expressão suplicante no rosto.
Por favor, Jacob, não faça isso pediu, soando verdadeiramente
desesperada. Você não pode desistir agora que está dando tão certo! Na
sexta, depois que você convidou minha irmã para sair, foi a primeira vez
que ela concordou em ir à uma festa comigo e não pode ter sido à toa!
juntou as mãos em súplica, me olhando feito um cachorrinho pidão. Por
favor, Jacob. Eu faço qualquer coisa; posso lhe dar mais dinheiro, até
triplicar o valor que você já ganhou!
Por um segundo, hesitei; 300 pratas era uma boa grana, mas, mesmo
assim, consegui-la me demandaria muito trabalho, afinal, mesmo Astrid
tendo ido até a minha casa para poder me pedir desculpas naquele dia,
duvidava muito que concordaria em ir a outro encontro comigo; ela era uma
fera extremamente difícil de amansar.
Já dei a minha resposta, Serena declarei, impassível.
Demonstrando todo o seu desespero, Serena soltou um suspiro
pesado.
— Não estrague tudo, Jacob sussurrou, parecendo prestes a
chorar. Eu sei que fui mandona e... um monte de outras coisas e por isso
você deve me odiar, mas, saiba que ao concordar em me ajudar, não estará
fazendo um favor somente para mim, então, se realmente for fazer isso, não
faça por mim; faça pela minha irmã. Pode parecer estranho, mas de uns dias
para cá, tenho notado uma melhora significante no humor dela e
provavelmente tem alguma relação com você. Ela não tem sido a mesma
desde o dia em que terminou com Nate, mas se você continuar me
ajudando, tenho certeza de que...
Senti minhas sobrancelhas franzirem conforme assimilava o que
tinha acabado de escutar.
— O que foi que você disse? — eu quis saber, semicerrando os
olhos e a interrompendo.
Ela piscou.
— Eu disse que Astrid está estranhamente mais bem-humorada
esses dias.
— Depois disso, Serena — pedi, impaciente.
— Ah — franziu a testa. — Está se referindo ao que falei sobre
Nate? — assenti, ansioso. — Bem, não é segredo para ninguém que Astrid
e Nate namoraram há alguns anos atrás e...
Parei de escutar no momento em que aquelas palavras ecoaram
pelos meus ouvidos. Porra, não podia ser verdade.
Engoli em seco.
— Astrid e Nate namoraram? — repeti, em um misto de
incredulidade e algo que não conseguia entender.
Serena franziu o cenho, antes de assentir lentamente.
— Puta que pariu — praguejei baixinho, passando ambas as mãos
pelo cabelo, imerso em incredulidade. — Agora tudo faz sentido! Foi por
isso que aquele filho da mãe me mandou ficar longe dela!
Serena fez uma careta.
— Não acredito que ele fez isso — murmurou. — Ele é sempre
assim quando se trata de Astrid: um tremendo babaca possessivo. O término
deles foi há dois anos e, ainda assim, ele acha que tem algum direito sobre
ela ou coisa assim.
Olhei bruscamente para Serena, uma ideia se formando pela minha
cabeça.
— Aonde está sua irmã? exigi saber, impaciente.
Ela piscou.
— Deve estar na Pop's, trabalhando — estreitou os olhos. — Por
quê?
Ignorei sua pergunta, passando por ela e me dirigindo até a saída,
rumo à biblioteca localizada a apenas alguns quarteirões de distância da
escola. Ouvi os protestos de Serena às minhas costas, mas é claro que
ignorei cada um deles; estava extasiado demais para perder tempo com ela e
seja lá o que tivesse a me dizer.
Por anos esperei pelo momento em que pudesse prejudicar Nataniel
tanto quanto ele fez comigo e o meu pai; ele e sua estúpida família de
merda simplesmente arrancaram o meu pai de mim e nada no mundo
poderia se comparar à dor e sofrimento que senti, quando fui forçado a vê-
lo sendo preso injustamente devido ao mero infortúnio de estar no lugar e
na hora errada. Naquele mesmo dia eu jurei que algum dia faria com que os
Hawkins pagassem pelo que haviam nos feito.
Por um tempo, cheguei a realmente cogitar num plano de vingança,
mas acabei desistindo ao perceber que nada do que eu faria poderia afetá-
los, afinal, os desgraçados mandavam na porra daquela cidade de merda e
tinham absolutamente tudo e todos aos seus pés.
Bem, ou pelo menos era o que eu pensava, até descobrir um fato
interessante acerca de Nataniel: o seu envolvimento com ninguém menos
do que Astrid Spencer.
Abri um sorriso.
Finalmente havia chegado o tão esperado momento da vingança.
E agora sabia exatamente como atingir Nataniel.
13.

ASTRID.

Fechei bruscamente a página do livro sobre o balcão, desviando


minha atenção para o relógio pregado à parede. Marcavam dezesseis e
trinta. Me restavam duas longas horas até o horário correspondente ao de
fechar a biblioteca.
Olhando aos arredores, soltei um suspiro ao constatar o estado
desértico do lugar: não era segredo algum o quanto as pessoas de Lester
Ville não costumavam cultivar o hábito da leitura, razão pela qual a
biblioteca Pop’s estava quase sempre sofrendo com a falta de clientes. Há
exatos dois anos, quando consegui o emprego, eu já sabia que teria que
aprender a conviver com a solidão e, na realidade, essa era uma das
principais razões pelas quais eu amava aquele lugar; nada de pessoas para
poder me atormentar.
Suspirando, voltei a atenção para o livro diante de mim apenas a
tempo de ouvir o sininho preso a portar apitar, indicando a chegada de um
cliente. Franzi o nariz e, ao erguer o olhar, fiquei simplesmente sem
palavras ao notar Jacob Davies diante de mim, com seu habitual sorriso
torto no rosto.
— Oi — ele cumprimentou com ambas as suas mãos pendendo
dentro dos bolsos frontais da sua calça jeans.
— Oi — respondi, fitando-o com desconfiança. — Como posso
ajudá-lo? — questionei, abrindo a caixa registradora e lhe lançando um
olhar intrigado.
Ele passou as mãos pelos cabelos, coçando a nuca e minha atenção
recaiu para as madeixas castanho-avermelhadas que desgrenharam com o
movimento.
— Na realidade não vim comprar nada — confessou, se
aproximando de mim para poder apoiar ambos os braços no balcão à minha
frente.
Franzi o cenho.
— Ok — respondi lentamente. — Humm, então... o que veio fazer
aqui? perguntei em seguida, notando que ele nada faria além de me olhar
com aquela expressão estranhamente séria no rosto.
Ele não me respondeu; em vez disso, seus olhos permaneceram
fixos nos meus, me avaliava atenciosamente, ao passo que uma expressão
intrigada tomava conta de seu rosto; parecia relutante em me dizer algo.
— Então — comecei, arqueando uma sobrancelha. — Você quer me
dizer alguma coisa ou vai querer que eu tente adivinhar? — perguntei,
ironicamente. Eu não leio mentes, só para constar.
Por um segundo, a expressão dele endureceu, mas em questão de um
piscar de olhos, aquele sorriso descontraído voltou a surgir pelos seus
lábios. No instante seguinte, seus olhos passaram a vasculhar o meu rosto,
parecendo intrigados.
— Estive com Nataniel Hawkins ainda há pouco — ele revelou,
fazendo com que meu corpo inteiro enrijecesse e meus olhos rapidamente
procurassem pelo seu rosto.
Os olhos âmbar dele permaneceram fixos nos meus, extremamente
atentos a cada uma das reações que eu, infelizmente, não conseguia omitir;
tinha total ciência de que todo o meu corpo estava tenso, assim como o
aperto dos meus dedos contra a borda do balcão que nos separava.
— E o que eu tenho a ver com isso? — disparei, tentando soar
indiferente.
Ele permaneceu em silêncio, mas, dessa vez, aquele sorriso
descontraído havia desparecido por completo de seu rosto, dando lugar a
uma expressão totalmente séria.
— Ele me pediu interrompeu-se, fazendo uma careta. Quer
dizer, me ordenou que ficasse longe de você — revelou, ainda atento ao
meu rosto.
Cerrei os punhos, estreitando os olhos para Jacob.
— Ele fez o quê? indaguei, descrente.
— Me mandou ficar longe de você — repetiu calmamente. — Disse
alguma coisa sobre você ser propriedade dele ou coisa assim.
Trinquei o maxilar, sentindo a tensão se dissipar completamente,
dando lugar a outro sentimento: raiva.
— Mas que filho da puta — murmurei, cerrando os punhos pela
ousadia descarada de Nataniel em exigir que alguém se mantivesse longe de
mim, e afirmando, ainda por cima, que eu “era sua propriedade”. Bastardo.
— Ele não tem esse direito. Quem ele pensa que é? — perguntei, retórica,
mais para mim mesma do que para Jacob, que permanecia atento a mim.
Contei até dez mentalmente – um truque que meu pai havia me
ensinado para controlar a raiva – e fechei os olhos com força, tentando me
livrar daquela sensação sufocante que surgia a cada vez que ouvia falar de
Nate e suas babaquices.
Aquela não era a primeira vez que ele bancava o babaca possessivo:
no ano passado, quando Finn Worst, da minha turma de Sociologia,
começou a falar comigo nos intervalos, Nate simplesmente surtou. Depois
de algumas semanas almoçando juntos, Finn subitamente parou de falar
comigo e demorei bastante até perceber o que realmente havia acontecido:
Nate o havia "advertido" sobre ficar de conversinha comigo. Apesar de ter
ficado extremamente irritada, resolvi ignorar aquela façanha ridícula, me
recusando a esboçar qualquer reação e então voltando a me isolar. Nate
pareceu satisfeito com isso e, desde então, parou de me incomodar.
Até agora.
Voltei a olhar para Jacob, que agora brincava com uma das folhas do
caderno de notas fiscais aberto no balcão diante de si.
— Ele disse mais alguma coisa? questionei, reconquistando
a sua atenção.
— Uma série de palavrões e insultos totalmente irrelevantes —
revelou, dando de ombros.
Suspirei, passando pela portinha que dividia a balcão e me
colocando ao seu lado.
Sinto muito por isso lamentei, lhe dirigindo um olhar
envergonhado. Caso Nate volte a incomodá-lo, me conte e prometo
resolver tudo.
Jacob abriu um sorriso, divertido pelo meu comentário.
— Se ele voltar a me incomodar de novo, eu mesmo darei um jeito
nele — garantiu, virando o corpo e avançando um passo para poder se
aproximar de mim. Meros centímetros nos separavam agora. — A questão
aqui é você.
Pisquei.
— Eu também posso lidar com ele. — rebati, me sentindo
levemente ofendida pela sua suposição de eu precisar de proteção. — Nate
é apenas um idiota egocêntrico. Basta ignorá-lo que ele o deixará em paz.
Jacob abriu um sorrisinho triste.
Vou ter que discordar comentou, me fitando com atenção.
Eu já tentei e, acredite em mim, não deu muito certo.
Franzi o cenho.
— Do que está falando?
Ele desviou o olhar, soltando um suspiro profundo.
— Problemas familiares. — respondeu simplesmente, esfregando a
nuca ainda sem me olhar. — Digamos apenas que ele é um tremendo filho
da puta, assim como cada um dos membros daquela escória nojenta dos
Hawkins.
Permaneci quieta, compreendendo-o completamente; não era
novidade alguma o quanto os Hawkins eram esnobes e cheios de si e eu,
sobretudo, os conhecia bem o suficiente para saber que Jacob estava certo.
— Eu o odeio — Jacob revelou aleatoriamente, com o olhar fixo em
um ponto avulso, após longos segundos em silêncio. — Ele tirou a pessoa
que eu mais amava de mim e simplesmente não posso deixar isso barato.
Preciso fazê-lo pagar pelo que me fez. — fez uma pausa, virando o rosto
para mim para poder me avaliar. — E depois de hoje, acho que descobri
como.
Franzi o cenho, esperando por uma explicação, mas nada veio.
Jacob ainda me fitava fixamente, de um modo silencioso e quieto.
— O que foi deu em você? — questionei, fazendo-o piscar. — Está
esquisito hoje, Davies. Se quer me dizer alguma, diga de uma vez em vez
de ficar fazendo tantos rodeios repreendi, franzindo o cenho.
Para a minha surpresa, ele sorriu.
— Tudo bem, você me pegou disse, sorrindo amplamente. Eu
realmente não vim até aqui à toa.
Arqueei uma sobrancelha.
Não diga.
A verdade é que eu gostaria que fosse comigo à uma festa que vai
rolar na casa de Susan MacGyver, mais tarde.
Pisquei.
— Uma festa?
Ele assentiu, franzindo o cenho e me fitando como se eu tivesse dito
algo estranho.
— Eu detesto festas, Jacob — declarei, dando ênfase
propositalmente a palavra "detesto".
Jacob bufou.
— É só uma festa, Astrid. Não estou pedindo para que assassine
alguém nem nada do tipo.
— Me dê dez minutos dentro de uma casa lotada de adolescentes
bêbados e garanto que não hesitarei em cometer um assassinato
retruquei, cruzando ambos os braços sob o peito.
Ele revirou os olhos.
— Dramática — acusou, dando um longo suspiro. — Olhe só, eu
não queria ter que usar essa artimanha, mas você está me deixando sem
alternativas. — pigarrou, antes de forçar uma expressão séria no rosto, que
me fez prender uma risada mediante a sua terrível atuação. — Você está em
débito comigo.
Meu sorriso vacilou.
— Não estou, não. — discordei, cruzando ambos os braços sob o
peito e lhe lançando um olhar irônico.
— Sim, está — teimou, erguendo o indicador diante do meu rosto.
— Ou por acaso esqueceu do incidente no cinema?
Fechei a cara.
— Eu pedi desculpas — grunhi.
— É, mas não reparou o dano. Fiquei traumatizado, sabia?
— Bom, então aí a culpa já não é minha. — declarei, fazendo seu
sorriso vacilar. Procure um psicólogo sorri docemente. Posso
inclusive lhe indicar um: se chama Edgar Spencer.
O queixo dele caiu.
O seu pai? repetiu, embasbacado. Ficou maluca? Que Deus
me livre de me consultar com um Spencer. Vocês todos têm sérios
problemas.
Revirei os olhos, me abstendo de responder à sua provocação.
Já acabou, Davies? indaguei secamente. Preciso voltar
para o trabalho.
Ele sorriu.
Ainda não falou, levando uma das mãos até o bolso da sua
calça e retirando de lá o seu celular. Estendendo-o para mim, ele disse:
Digite o seu número.
Com os olhos estreitos, tomei seu celular em minhas mãos e tratei
de atender ao seu pedido, adicionando o meu respectivo número na lista de
contatos.
Pronto soltei, fuzilando-o com o olhar, enquanto estendia um
dos braços em sua direção, devolvendo o seu dispositivo. Satisfeito?
Na verdade, sim falou, recolhendo seu celular e, em seguida,
dando alguns passos em direção à porta, ao passo que acrescentava: Vou
esperar por você hoje à noite, na festa. Daqui a cinco minutos, enviarei o
endereço da residência de Susan, fique atenta informou, me dando as
costas, já bem próximo à porta.
— Ei, espere um segundo, eu não... — tentei, mas infelizmente em
vão. O babaca já estava passando pelas portas, me ignorando por completo.
— Esteja lá — ele disse mais uma vez, antes que o som da sua voz
fosse abafado pela porta batendo.
Bufando, deixei que ambos os meus braços caíssem ao lado do meu
corpo, impotente; eu realmente não gostaria de comparecer àquela festa,
mas saber que existia uma razão por trás de toda aquela insistência de Jacob
para que eu comparecesse, definitivamente era mais do que suficiente para
me convencer de que deveria ceder à curiosidade e ir.
Conforme o combinado, o meu celular vibrou dentro da calça, e nem
mesmo precisei checa-lo para saber que era uma mensagem de Jacob
informando a localização da casa de Susan MacGyver.
Frustrada, bufei, antes de abrir a gaveta ao lado da caixa registradora
e fisgar meu livro, abrindo-o e retomando a leitura de onde tinha parado,
enquanto chegava à conclusão de que teria de refazer os meus planos para
aquela noite – que incluíam, agora, ter de convencer o meu pai a me
autorizar a comparecer à segunda festa em apenas duas semanas.
14.

ASTRID.

No final das contas, apesar de muito relutante e totalmente surpreso,


meu pai acabou concordando em me deixar ir à festa de Susan MacGyver.
No instante em que descobriu sobre o meu "passe-livre," Serena
simplesmente surtou. Ela armou um verdadeiro show dramaturgo afirmando
que papai estava sendo injusto e hipócrita, permitindo que eu saísse e ela
não; algo que, na realidade, não deixava de ser verdade, tendo em mente
que papai estaria burlando as próprias regras caso negasse a ida de Serena
também.
Após uma hora inteira de lamentação, papai acabou cedendo e
permitindo que Serena fosse comigo à festa, sob a condição de que
chegássemos no horário marcado, e minha irmã não pôde ficar mais feliz.
Fiz uma careta no momento em que meus olhos se fixaram na sala
de estar da casa, cuja mobília estava deslocada no intuito de dar espaço para
a multidão que se aglomerava em seu centro. A reação da minha irmã foi
totalmente contrária à minha, tendo em mente a forma como seus lábios se
curvaram em um sorriso deslumbrado.
— Ainda não posso acreditar no que aconteceu — refletiu, tendo de
elevar o tom da voz para que eu pudesse ouvi-la em razão do nível
exorbitante da música que emanava pelo ambiente. — Acho que estou
sonhando acordada.
Bufei.
— Meu Deus, não seja dramática, Serena. E apenas desfrute do
momento, porque garanto que não tornará a acontecer — aconselhei,
fazendo-a desviar seus olhos do grupo que dançava no centro da sala de
estar para mim, me fitando com a testa franzida.
— Agora estou ainda mais curiosa. — declarou, com os olhos ainda
fixos em mim. — Me diga, Astrid: por que quis vir a essa festa? Pensei que
detestasse festas.
— E detesto — rebati, olhando por cima da sua cabeça, vasculhando
a sala com os olhos, procurando o real motivo da minha presença naquele
ambiente. — Mas combinei de encontrar com alguém aqui.
Ela piscou, parecendo incrédula.
— Combinou de encontrar com alguém? — repetiu boquiaberta,
antes de fazer uma careta ao perceber que eu não a fitava. Meus olhos
permaneciam fixos nos arredores, vasculhando o lugar em busca de Jacob.
— Ei! — ela chamou, acenando para mim. — Olhe para mim quando
estiver falando com você.
Revirei os olhos, antes de direcionar minha atenção para seu rosto.
— Pronto — ironizei, abrindo um sorriso falso. — Está feliz agora?
Serena fez cara feia, se limitando a dar de ombros e voltar sua
atenção para o grupo de adolescentes bêbados dançando no centro da sala
de estar.
Arrastei o olhar pela extensão do lugar, chegando até a erguer o
pescoço no intuito de fitar o andar de cima, cuja visão havia sido bloqueada
por um grupo de garotas que usava o corrimão como uma espécie de
escorregador. Estava prestes a desistir da ideia patética de esperar por Jacob
– tendo em vista que ele obviamente tinha sérios problemas com
pontualidade –, quando meu celular vibrou contra o bolso da minha calça.
Pisquei, antes de erguê-lo e checá-lo.
Me encontre na piscina.
– J.
Bufando, guardei o celular no bolso, virando o rosto para Serena,
que parecia entretida demais com o espetáculo sucedido diante de nós:
agora, uma espécie de karaokê havia começado e várias vozes cantavam
juntas a letra da canção Bad Romance, de Lady Gaga. Fiz uma careta para
todo aquele alvoroço, realmente feliz pelo momento oportuno da mensagem
de Jacob me convidando para sair dali. Cutuquei o ombro de Serena, que
relutantemente voltou o olhar para mim.
— Vou sair, aqui está muito barulhento — informei, apontando com
o polegar para as minhas costas, olhando propositalmente para as portas
francesas que levavam para o quintal. — Você vai ficar bem aqui sozinha?
Ela se limitou a me despachar com uma das mãos, voltando
imediatamente sua atenção para o espetáculo que transcorria diante de nós.
Girei nos calcanhares, me enfiando entre um punhado de garotas
alegres e eufóricas que pulavam em sincronia com a versão distorcida da
canção Bad Romance. Quase soltei um suspiro aliviado ao chegar até as
enormes portas e empurrá-las, dando de cara com o gramado e outra boa
quantidade de gente. No entanto, senti um desconforto iminente ao perceber
que aquela área era destinada aos "pombinhos''. Alguns casais se beijavam e
outros se agarravam desavergonhadamente próximos ao gramado,
totalmente alheios ao fato de não estarem sozinhos.
Passei por cada um dos diversos casais apaixonados fitando o chão
em evidente constrangimento, parando apenas quando meus olhos
avistaram um rapaz com um gorro escuro sentado sobre a borda da piscina,
tendo metade das pernas submersas na água. Franzi o cenho, antes de me
aproximar dele e pigarrear. Lentamente, seus olhos foram erguidos da água
para mim, e imediatamente um sorriso curvou seus lábios.
— Ei, e não é que você realmente veio? — indagou, antes de se
arrastar para o lado, abrindo espaço para mim. Permaneci imóvel e ele
então deu leves batinhas no espaço vazio ao seu lado, me fitando de
sobrancelhas arqueadas.
Revirei os olhos, me inclinando e sentando ao seu lado, cruzando
propositalmente os tornozelos atrás das coxas para evitar entrar em contato
com a água fria da piscina.
Jacob arrastou os olhos dos meus tornozelos cruzados, para a pele
da minha barriga exposta pelo modelo da blusinha que eu usava por
debaixo do casaco – o qual havia sido recolhido pela anfitriã da festa,
minutos atrás.
— Bela blusa — comentou, voltando o olhar para o meu rosto com
um sorriso descarado no rosto.
Estreitei os olhos para ele.
— Agradeço pelo elogio, mas sabe do que gostaria ainda mais? De
esclarecimentos. Como o por que de você ter me convidado para essa festa,
por exemplo.
Ele virou o rosto, fitando o céu, com um sorriso divertido nos lábios.
Segui seu olhar, visualizando o céu estrelado acima de nós. As estrelas nos
saudavam em sua esplêndida existência, contornando a lua amarelada e
estonteante ao centro, que refletia na água da piscina diante de nós, numa
espécie de espetáculo que apenas a natureza era capaz de proporcionar.
— Eu gostaria que você desse uma olhada em algo — Jacob disse
repentinamente, me tirando dos meus devaneios. Rapidamente o olhei,
confusa. Ele apontou sugestivamente na direção de algo às minhas costas e
relutantemente, segui seu olhar.
Apenas alguns metros de onde estávamos, um casal se agarrava
sobre uma das espreguiçadeiras; de onde estava, não conseguia ver muito
dos rostos de ambos, mas conseguia visualizar as mãos do rapaz
serpenteando pelas costas da garota, que, por sua vez, estava montada em
seu colo. A sensação de confusão foi substituída pela de asco, quando
percebi quem de fato eram aqueles dois. Conhecia aquele cabelo louro
encaracolado muito bem, assim como a dona das mãos que o tocavam.
Virei bruscamente o rosto para Jacob, que me fitava com uma
expressão indecifrável no rosto. Franzi as sobrancelhas para ele, que
permaneceu quieto, apenas me observando.
— É sério? — indaguei, irritada. — Foi para isso que me chamou?
Mas que porra você tem na cabeça, Davies?
Ele permaneceu quieto, limitado a me fitar atentamente – o que
apenas me deixou ainda mais irritada.
— Vá se foder, Jacob — cuspi, fazendo um movimento para poder
me erguer do chão, mas fui abruptamente impedida quando uma das mãos
dele tocou meu antebraço, me mantendo no lugar.
— Poderia pelo menos me ouvir? — pediu, arqueando ambas as
sobrancelhas.
Puxei bruscamente o meu braço de volta, cruzando-o ao outro sob o
peito, enquanto o fitava com uma expressão fugaz.
— Ok — continuou, me fitando de olhos estreitos. — Vou
interpretar o seu silêncio como um “sim”. — suspirou, olhando por cima da
minha cabeça, antes de voltar novamente o olhar para o meu rosto. —
Queria saber como você reagiria àquilo antes de fazer algo.
Pisquei, sentindo a raiva diminuir, dando lugar à curiosidade.
— Como assim? — questionei, o fitando desconfiada. — Do que
você está falando?
Ao invés de me responder, ele olhou outra vez para algo detrás de
mim, e se inclinou em minha direção, se colocando a meros centímetros do
meu corpo. Seus olhos voltaram para mim enevoados, ao mesmo tempo que
uma de suas mãos se movia pelo meu rosto, tocando a linha da minha
mandíbula. Olhei confusa entre aquela mão e seu rosto, arregalando
levemente os olhos em estranhamento pela sua repentina proximidade.
Estávamos tão próximos, que podia até mesmo sentir a sua respiração
contra a minha.
— Fique quietinha, está bem? — falou, sua voz mal passando de um
sussurro grave.
Seus olhos se fixaram mais uma vez em um ponto fixo as minhas
costas e antes que eu pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, ele aniquilou a
distância entre nós, pressionando os lábios contra os meus. Congelei,
incrédula pelo acontecimento e ele se aproveitou do momento para penetrar
meus lábios com a língua, me fazendo suspirar contra a sua boca em
espanto.
Espalmei ambas as mãos em seu peito, tentando afastá-lo, mas, ao
invés de realmente fazê-lo, uma das mãos dele disparou em direção a minha
cintura, tocando firmemente a pele nua, causando arrepios em toda a minha
pele. Estremeci quando senti sua outra mão se arrastar lentamente da minha
mandíbula para a minha nuca, se enfiando por entre os meus cabelos, de
modo que pudesse conduzir o beijo como bem quisesse. Fechei os olhos
com força, minha pele eriçando a cada vez que sentia o toque firme de suas
mãos contra os meus cabelos, ou a sua mão, aquela mão grande e quente, na
minha cintura.
Fazia um bom tempo desde que eu não beijava alguém e, mesmo
tentando urgentemente escapar do toque dele, tinha que admitir que ele
beijava muito bem; o que provavelmente explicou o motivo de eu, em dado
momento, ter aberto – involuntariamente – os lábios para ele, que
rapidamente uniu sua língua à minha, movimentando-a lenta e
sedutoramente, de tal modo que eu nem mesmo me desse conta do que
estava fazendo: permitir que ele me beijasse daquela maneira.
Finalmente recobrando a razão e determinada a escapar de seu
enlace, cravei as unhas em seus antebraços e meus dentes em seu lábio
inferior, e nós dois sentimos o gosto metálico no instante em que ele
rompeu com o beijo, recuando devido a dor. Fixando meus olhos em seu
rosto, notei-o ofegante, e só então percebi que estávamos os dois, sem
fôlego. Passei as mãos pelos cabelos, arrumando-os e, engolindo em seco,
dei tudo de mim para não transmitir o quanto aquele beijo havia me afetado,
quando notei seus olhos se voltando para mim, me fitando de uma maneira
lasciva. Ergui imediatamente o queixo, me recusando a desfazer o contato
visual, ao passo que ele, ao invés de se queixar como pensei que faria,
simplesmente tocou o pequeno ferimento em seu lábio inferior e então
sorriu.
Porra... praguejou, rouco, com aquele sorriso nos lábios, e
outra vez o seu olhar recaiu para a minha boca, enquanto ele passava a
língua pelos lábios. Você não para de me surpreender, Astrid Spencer
murmurou em seguida, e algo na forma como pronunciou o meu nome, fez
com que a minha pele arrepiasse novamente e meus mamilos ficassem
eretos, saudando-o por debaixo do tecido fino da minha blusa. Para a minha
total consternação, ele percebeu o movimento, pois rapidamente fixou seu
olhar sobre meus seios, e me senti tentada a cobri-los quando seus olhos
deslizaram novamente até os meus, parecendo turvos, dominados por algo
que eu conhecia muito bem: desejo.
Sentindo o rosto corar, me ergui abruptamente da borda da piscina e
sem olhar para trás, girei rapidamente nos calcanhares, deixando-o para
trás. Desesperada para sair dali, caminhei apressadamente em direção às
portas francesas, parando somente quando um par de olhos azuis me
chamou a atenção. Virei o rosto, notando um Nataniel visivelmente
transtornado sentado sobre uma das espreguiçadeiras, com Carly ainda
sobre seu colo. Alternei o olhar entre ambos e, sem hesitar, passei pelas
portas, adentrando na casa. Não havia tempo para perder com aqueles dois;
não quando meu coração ainda batia desregulado contra o peito e minha
pele formigava.
Ao chegar até a sala de estar, caminhei apressada até onde Serena
estava com algumas outras garotas. Sem hesitar, agarrei seu antebraço,
puxando-a.
— Ei! — ela protestou à medida que eu praticamente a arrastava em
direção à porta. — Pare com isso, Astrid! O que está fazendo? A festa ainda
não...
— Vamos para casa — decretei, e algo na minha voz certamente
entregou o meu estado, porque ela se calou de imediato.
Permanecemos quietas o percurso inteiro até nossa casa, com Serena
parecendo cada vez mais desconfiada, e eu simplesmente sem palavras.
Estava assustada. Mas não pelo que me havia acontecido, porque, afinal,
não considerava um beijo “roubado” algo com que realmente devesse me
preocupar.
O que me assustava – e preocupava – era o fato de tê-lo retribuído e,
mais ainda, de ter gostado.
15.

JACOB.

Desde a primeira vez em que pus os meus olhos sobre Astrid


Spencer, acreditei veemente estar lidando com alguém mais semelhante a
um bloco de gelo: sólido, ríspido e indiferente a qualquer sensação ou
interação humana; contudo, após tê-la beijado, pude perceber o quanto
estava errado, porque aquela garota estava mais para fogo: quente como o
inferno.
Notei a forma como ela estremeceu quando toquei a pele exposta da
sua cintura, ou como suspirou quando agarrei um punhado de seu cabelo,
mantendo-a no lugar e, principalmente, quando uniu sua língua, aquela
língua ferina e fodidamente sensual, à minha num dos beijos mais
excitantes de toda a minha vida.
Toquei o pequeno ferimento em meu lábio inferior, passando a
língua pelo local e sentindo o gosto metálico invadir meus sentidos; ela era
agressiva até mesmo nos momentos mais inusitados. Um sorriso
involuntário curvou meus lábios com a lembrança da sensação dos dentes
dela cravando contra o meu lábio inferior e nem mesmo foi necessário que
olhasse para baixo, para saber que estava duro, porque conseguia
literalmente sentir todo o volume se acumulando sob a minha calça.
Olhei por cima do ombro, vendo-a caminhar apressada na direção
das portas francesas que levavam para o interior da casa. Quase fui atrás
dela, mas considerando a maneira como parecia desesperada para sair dali,
acabei decidindo que, por agora, seria melhor respeitar sua vontade e deixá-
la ir; além do mais, considerando a minha situação – com uma ereção
latejante dentro da calça – por certo que não conseguiria alcançá-la nem
mesmo se quisesse.
Arrastei os olhos das costas dela, para o indivíduo que a fitava
fixamente de seu lugar, sobre uma das espreguiçadeiras alguns metros à
frente. Nataniel e sua namorada – cujo nome não recordava – observavam-
na atentamente, esboçando reações totalmente distintas um do outro: a
garota fazia uma careta enojada, ao passo que Nataniel tinha uma expressão
visivelmente transtornada no rosto, seus dedos firmemente presos contra a
espreguiçadeira, conforme seu maxilar trincava com força.
Em questão de segundos, Astrid entrou na casa, os deixando para
trás e, de imediato, parecendo sentir meu olhar sobre si, ambos desviaram
suas respectivas atenções para mim, que os fitava atentamente do meu
lugar, na beirada da piscina.
A expressão de Nataniel endureceu conforme seus braços ajudavam
sua namorada a ficar de pé, permitindo assim, que ele fizesse o mesmo, se
erguendo num solavanco enquanto mantinha sua expressão mortal dirigida
a mim. Desviei a atenção dele, para a garota ao seu lado, que me fitava
intrigada. Seu cabelo era louro assim como o de Astrid. Entretanto, a
diferença entre ambos era notória: enquanto o cabelo de Astrid possuía um
tom louro nude, o da outra garota era meio esbranquiçado – no que presumi
ser tintura, considerando a coloração distinta entre a raiz e o restante das
madeixas. Fisicamente falando, as duas eram magras, mas a atual namorada
de Nate era mais curvilínea, com seios fartos, contrariando Astrid, que tinha
curvas suaves e seios pequenos.
Quando dei por mim, Nataniel já estava vindo em minha direção,
enquanto sua namorada permanecia imóvel, me fitando com atenção. Com
certa dificuldade, me ergui do chão, ao mesmo tempo que Nate avançava,
pairando bem diante de mim. Seus olhos vasculharam o meu rosto, se
demorando no pequeno ferimento presente em meu lábio inferior e,
imediatamente, um sorriso curvou seus lábios.
— Parece que alguém levou uma advertência — ele constatou, me
fitando com desdém. — Eu avisei que deveria se colocar no seu lugar,
Davies.
Toquei o ferimento e, sem desfazer o contato visual, direcionando
um meio-sorriso zombeteiro.
— Ah, isso? — questionei, tocando o ferimento em questão.
— Acho que você entendeu errado. Astrid é meio ...— fiz uma
pausa ensaiada, me divertindo com a expressão tensa no rosto dele. —
agressiva.
As palavras mal haviam saído da minha boca, quando Nataniel
avançou na minha direção, acertando em cheio o meu rosto e me fazendo
cambalear. Incrédulo, gemi, tocando a região onde ele havia acertado, antes
de voltar à posição ereta e abrir um sorriso sacana.
Filho da mãe.
— É o melhor que consegue fazer? — soltei, cerrando o punho
esquerdo e avançando em sua direção, acertando o seu olho, lhe devolvendo
o golpe.
Nataniel cambaleou para trás, caindo de nádegas no chão e não
demorou nada para que sua namorada viesse em sua ajuda. Ela se ajoelhou
ao seu lado, tocando o local em que o havia acertado, mas Nataniel, se
desvencilhou rispidamente de seu toque, se erguendo abruptamente do chão
em afronta.
— Você é um desgraçado! — esbravejou ele, apontando acusatório
para o meu peito. — Como se atreve a tocar em mim, ou nela?
— Vá se foder, seu mauricinho esbravejei, voltando a me
aproximar em desafio para que pudesse dizer, enquanto estávamos nariz a
nariz: Se aproxime, você dela, e juro que acabo com você.
Ele trincou o maxilar, seu olho já dando indícios de uma coloração
avermelhada, mas, mesmo assim, o desgraçado tentou partir para o
confronto novamente, se detendo apenas quando sua namorada interveio,
puxando seu antebraço para trás.
— Nate, já chega! — pediu ela, exasperada. Sua mão segurava com
força o antebraço de Nataniel, tentando mantê-lo no lugar.
— Fique fora disso, Carly! — ordenou ele, usando um tom
controlador e grosseiro. — Isso é assunto meu. Não se meta.
A loura, Carly, recuou um passo, largando o antebraço dele e o
obedecendo feito um maldito cachorrinho.
Mas que porra...?
— Controle a porra do seu namorado ou juro por Deus que ele só
sairá daqui numa maca, rumo ao hospital — ameacei e algo na minha
expressão fez com que ela recuasse um pouco, assustada.
— Não fale assim com ela, seu desgraçado! — berrou Nataniel, me
empurrando para trás.
Olhei furioso na direção dele e, captando isso, Carly rapidamente se
colocou defensivamente na frente de seu namorado.
Já chega! ela decretou, me fuzilando com o olhar. Se você
não for embora, juro que ligarei para a polícia!
Hesitei. Um confronto com a polícia era tudo o que eu menos
precisava naquele momento, tendo em mente as minhas passagens
anteriores – todas elas causadas por brigas.
— Não volte a se aproximar dela, entendeu? — ordenou Nate,
reconquistando a minha expressão. À julgar pela expressão desdenhosa de
sua namorada, podia apostar que pensava que ele estava se referindo à ela,
mas tanto eu, quanto ele, sabíamos que aquilo tinha relação com Astrid, não
com ela.
— Senão o quê? — desafiei, projetando o queixo para a frente em
afronta.
Ele franziu os lábios, soando mais ameaçador agora que estava se
acovardando atrás de sua namorada.
— Se não me obedecer, vai sofrer com as consequências, Davies —
ameaçou ele. — E garanto que se arrependerá pelo resto da sua vida
miserável.
Me limitei a abrir um meio-sorriso, totalmente satisfeito pela sua
reação ante o meu ato – totalmente premeditado – e, mais ainda, por saber
que não havia mais nada que ele pudesse fazer para me atingir; ele e sua
maldita escória já haviam me tirado o meu pai, a única pessoa com a qual
realmente me importava, e agora, por ironia do destino, o jogo havia virado:
era a minha vez de furtar alguém importante para ele; alguém cujo gosto
não saía da minha boca.
Com os olhos ainda cravados nos meus, Nataniel recuou, fazendo
um gesto para que sua namorada o seguisse e assim ela o fez. Os dois
saíram do quintal praticamente desfilando, como se fossem a maldita
realeza do lugar.
No instante em que os avistei desaparecendo pelas portas francesas,
toquei minha mandíbula, sentindo-a arder sob o toque dos meus dedos.
Desgraçado.
Deixei que minha mão caísse ao lado do meu corpo, me dirigindo
até a cerca esbranquiçada que dividia aquela residência da vizinha e, em
seguida, a pulei. De nada me adiantaria permanecer naquela festa, uma vez
que já havia conquistado o meu objetivo.
E o resultado definitivamente havia sido muito mais interessante do
que o esperado.
16.

ASTRID.

— A segunda guerra mundial foi um retrocesso à sociedade alemã


— afirmou Sr. Zander, o professor de Sociologia. — O holocausto foi um
exemplo iminente do quanto o etnocentrismo pode ser extremamente
perigoso para a sociedade.
Desviei os olhos dele para o meu caderno, cujas páginas estavam em
branco. Não conseguia me concentrar naquela aula, e em nenhuma outra,
para ser sincera. Constantemente me pegava lembrando dos eventos
sucedidos na noite anterior, e era quase impossível não me sentir dominada
pela revolta a cada vez que pensava no que Jacob havia feito; depois de
muito pensar à respeito, finalmente pude chegar à uma conclusão decente
sobre o que realmente tinha acontecido: Jacob apenas havia me usado para
poder atingir Nate.
Babaca.
Batendo os dedos contra a minha carteira, mordi a ponta do meu
lápis, imersa em tédio. Em seguida, apoiei o rosto contra uma das mãos,
voltando o olhar para a lousa onde as palavras “etnia” e “preconceito”,
estavam destacadas em letras de fôrma. Larguei o lápis contra a carteira,
errando a trajetória e fazendo com que caísse contra o chão, apenas a tempo
de notar o senhor Zander se calar abruptamente. Ao voltar para a posição
ereta, quase pulei de susto ao seguir o olhar do professor – e de metade da
turma – e ver Jacob Davies próximo à soleira da porta com a mochila
pendendo pelo lado de um de seus ombros.
O professor suspirou.
— Mais um atraso e estará reprovado, Davies — assegurou
rispidamente. — Agora, venha, una-se a nós. — pediu, fazendo um gesto
para que o rapaz em questão se aproximasse.
Fechei a cara ao vê-lo caminhar por entre as fileiras de carteiras com
o olhar fixo no chão, parando apenas para largar bruscamente a mochila
contra a mesa e se sentar. Agradeci aos céus por ele estar sentado algumas
posições à minha esquerda, permitindo assim, que apenas eu pudesse vê-lo.
De onde eu estava, tinha a visão privilegiada do seu perfil e considerando o
quão desatento ele era, duvidava muito que soubesse que compartilhávamos
aquela aula.
O professor prosseguiu normalmente com a aula, quase colocando
metade da turma para dormir mediante o tom de voz calmo e desinteressado
de sua voz. Arrastei os olhos novamente para o perfil de Jacob, estreitando
os olhos para o hematoma arroxeado no lado esquerdo de seu rosto. Não era
novidade alguma o quanto ele costumava se envolver em brigas, mas
considerando que fazia apenas algumas horas desde que o havia visto pela
última vez e ele não tinha aquele machucado na ocasião, concluí que
certamente havia o conquistado após o “acontecimento” transcorrido entre
nós dois na beira da piscina.
Rapidamente afastei a lembrança, me recusando a pensar no
assunto.
— Você ficou sabendo? — sussurrou uma das garotas sentadas ao
meu lado, conquistando a minha atenção. — Jacob Davies se envolveu em
mais uma briga — olhou sugestivamente para ele, cuja cabeça estava
enfiada em cima da mesa – dormindo, obviamente. — Por isso ele está com
aquele machucado no rosto. O cara que brigou com ele tem um exatamente
igual, só que no olho.
A outra garota soltou um arquejo, surpresa, antes de voltar o olhar
para sua amiga, esbanjando curiosidade.
— Quem foi o felizardo que se meteu com ele dessa vez? —
questionou ela, num sussurro quase inaudível.
A garota ao seu lado abriu um sorriso.
— Ninguém mais, ninguém menos do que Nataniel Hawkins —
confidenciou, quase soletrando o nome de Nate. Eu soube, inclusive,
que foi o próprio Nate quem o abordou, muito embora o ferimento dele
esteja mais feio que o da máquina de matar ali, é claro — informou,
apontando sugestivamente com o queixo na direção de Jacob.
As duas riram, causando uma expressão severa no professor, que as
flagrou. Elas, então, imediatamente trataram de se calar, voltando suas
respectivas atenções para os cadernos sobre suas mesas.
Cerrei os punhos com a informação recém-descoberta: que Nate
havia abordado Jacob. E, infelizmente, sabia exatamente o motivo: eu.
Aquele filho da mãe ainda se achava no direito de proclamar a mim como
sua prioridade particular, agindo como se estivéssemos na maldita idade das
cavernas.
Cerrei os dentes com o pensamento.
— Senhor Davies — chamou o professor, me tirando de meus
devaneios. — O que acha de erguer o rosto da carteira? Não está na sua
casa, caso não tenha percebido.
Meus olhos dispararam para Jacob, cujo rosto foi erguido
abruptamente da mesa perante o pedido do professor. Ele fixou seus olhos
âmbar atentamente no senhor que o fitava severamente, com uma expressão
sonolenta no rosto, antes de se reclinar no encosto, ficando ereto na carteira
e abrir um sorrisinho irônico. Algumas risadinhas abafadas surgiram pela
sala, cessando no momento em que o senhor Zander ergueu uma das mãos,
silenciando-as.
A aula seguiu normalmente depois disso; e, com normal, digo
comumente entediante. A voz calma e desinteressada do homem que nos
lecionava Sociologia era capaz de pôr uma quantidade impressionante de
pessoas para dormir – literalmente.
Cerca de trinta ou vinte minutos depois, o sinal tocou, causando
suspiros aliviados em cada um dos meus colegas de classe – incluindo a
mim. O professor saiu sem hesitar, parecendo igualmente aliviado e em
questão de segundos, a sala foi esvaziando. Me ergui da minha carteira num
movimento ágil, lançando um olhar para o rapaz cujas costas ainda estavam
apoiadas contra o encosto da cadeira, fitando inexpressivamente um ponto
fixo na lousa localizada a apenas alguns metros de si, parecendo pensativo.
Reprimindo um suspiro, recolhi minhas coisas sobre a cadeira e
então tratei de caminhar casualmente em direção à porta, fingindo não
perceber quando um determinado par de olhos âmbar se ergueu
abruptamente para mim, quase queimando em minhas costas. Ignorando-o
descaradamente, eu estava prestes a avançar pela soletra da porta, quando
uma mão repentinamente agarrou meu antebraço, me puxando para trás.
Praguejei, quase tropecei nos meus próprios pés, ao passo que Jacob olhava
para o lado – especificamente para os alunos que ainda restavam na sala – e
apontava autoritário para a porta, numa ordem silenciosa para que saíssem.
Não demorou nada para que nossos colegas de classe entendessem o recado
e rapidamente o obedecessem. Em questão de segundos, a sala foi
esvaziando, fazendo com que Jacob fechasse bruscamente a porta,
deixando-nos a sós.
— Abra a maldita porta — ordenei entredentes, assim que ele girou
nos calcanhares, se colocando à minha frente.
— Não até conversarmos — condicionou, me fitando seriamente.
Franzi os lábios, avançando um passo e tentando passar por ele, mas
o bastardo agilmente me manteve no lugar ao agarrar a minha cintura, me
firmando no lugar. Rapidamente bati na sua mão, recuando com a
lembrança da noite anterior, quando aquelas mesmas mãos me tocaram sem
permissão.
— Não me toque — rosnei para ele, que recuou mediante o meu
tom de ameaça.
— Ei, relaxe! — pediu, erguendo ambas as mãos em rendição. —
Eu não mordo — franziu os lábios, parecendo lutar contra uma risada. —
Diferente de você, é claro provocou e foi quase impossível não olhar
para o pequeno ferimento causado pelos meus dentes em seu lábio inferior.
Senti as bochechas esquentarem, mas ao invés de demonstrar meu
constrangimento, ergui o queixo, sustentando o seu olhar.
— Vá se foder, Jacob. — cuspi.
— Só se for com você — respondeu prontamente, curvando os
lábios em um sorriso malicioso.
Revirei os olhos, dando um passo para o lado na tentativa de passar
por ele, mas, em meros segundos, o desgraçado repetiu o meu gesto,
bloqueando a saída.
— Saia da porra da minha frente! — ordenei furiosa, espalmando
ambas as mãos em seu peito e o empurrando para trás – ato que se revelou
totalmente inútil, uma vez que ele nem saiu do lugar.
Suas mãos agarraram meus pulsos, ao mesmo tempo que me debatia
contra seu peito, desesperada para escapar de seu enlace.
— Me solte! — exclamei, me chacoalhando contra o seu aperto
firme.
— Experimente ficar quieta e então a solto — decretou, entredentes.
Alternei o olhar entre seu rosto e suas mãos que prendiam meus
pulsos próximos ao meu rosto.
— Se não me soltar, vou mordê-lo. — ameacei.
Ele abriu um sorriso.
— Eu não faria isso se fosse você — aconselhou, com um brilho
atípico nos olhos. — Mas, caso tente a sorte, garanto que não sairá impune.
Custei alguns segundos até interpretar corretamente o duplo sentido
de suas palavras e, ao fazê-lo, rapidamente recuei, fazendo com que ele
afrouxasse o aperto contra meus pulsos e, aos poucos, me libertasse.
— Certo, creio que agora podemos conversar — concluiu, após uma
rápida averiguação ao meu rosto.
Inspirando com força, me limitei a cruzar ambos os braços sob o
peito enquanto o fuzilava com os olhos.
— Me desculpe, está bem? — ele pediu, depois de soltar um breve
suspiro. — Não deveria tê-la beijado sem a sua autorização.
Permaneci calada, esperando-o continuar e, quando ele nada fez
além de sustentar o meu olhar, senti a minha expressão endurecer, ao passo
que a dele se contorcia em confusão.
Agora é o momento em que você diz “tudo bem, eu aceito as suas
desculpas, Jacob. Está perdoado” ele falou após alguns segundos em
silêncio, franzindo o cenho para mim, que lhe lançava um olhar colérico.
Na verdade, acho que é momento em que você continua com as
suas desculpas comentei, irônica, trincando o maxilar ao notar que ele
permaneceu em silêncio, parecendo ainda mais confuso. Sentindo o
autocontrole indo embora, avancei na direção dele e, sem hesitar, espalmei
o seu peito, lhe dando um empurrão forte – ao menos na minha cabeça era,
porque outra vez, o filho da mãe nem mesmo se moveu do lugar. Que tal
se desculpar pelo fato de ter me usado como um instrumento de vingança,
seu filha da puta? cuspi, fazendo com que ele arregalasse os olhos,
surpreso. Seu bastardo! Quem você pensa que é? disparei, tentando
socar seu peito, mas, para a minha total consternação, num movimento
brusco ele voltou a agarrar meu pulso, impelindo o golpe. Furiosa,
chacoalhei meu braço, tentando afastá-lo do seu toque, o que apenas fez
com que ele intensificasse ainda mais o aperto. Sem saída, ergui o outro
braço, só que ele foi mais rápido e também o agarrou, me imobilizando por
completo.
Mas que porra! berrei, possessa. Me solte, seu infeliz!
Em vez de me obedecer, ele me empurrou de leve para trás e só
percebi o que estava acontecendo quando senti minhas costas baterem
contra a parede, ao passo que ele usava uma das mãos para prender ambos
os meus pulsos acima da minha cabeça e a outra para cobrir meus lábios,
silenciando os meus protestos.
Santo Deus, se acalme, mulher! ele pediu, parecendo
genuinamente assustado, apertando ainda mais sua mão contra a minha
boca, conforme eu me chacoalhava freneticamente, tentando me livrar do
seu toque. Astrid, estou falando sério: fique quieta ele ordenou
seriamente em seguida e, por alguma razão, eu cedi.
Desconfiado, ele afastou de leve a mão dos meus lábios, antes que,
me fitando cautelosamente, a retirasse por completo, me mantendo presa
somente pela sua outra mão, que, por sua vez, mantinha meus pulsos
firmemente presos bem acima da minha cabeça. Soltando uma respiração
pesada, me obriguei a ficar quieta, enquanto ele avaliava a minha expressão
com cautela, seu rosto tão próximo ao meu, que conseguia sentir a sua
respiração quente contra meu rosto.
Será que eu posso falar agora? ele retoricou segundos depois,
arqueando uma das sobrancelhas. Ótimo, então vamos lá: sinto muito
por tê-la beijado à força e, principalmente, por ter feito isso apenas para
poder atingir Nataniel. Foi errado e imaturo, e espero, de verdade, que saiba
o quanto estou profundamente arrependido.
Estreitei os olhos para ele, vasculhando a sua expressão com atenção
e fixando minha atenção no ferimento arroxeado sobre a sua bochecha
esquerda.
Foi ele que fez isso com você? perguntei, apontando
sugestivamente para o hematoma.
Ele assentiu lentamente, fazendo uma careta.
É, mas você precisa ver o rosto dele: está dez mil vezes pior do
que o meu se gabou, como se isso realmente melhorasse alguma coisa.
Abri um sorriso.
Ótimo. Os dois idiotas mereceram comentei, sarcástica. Em
seguida, olhei sugestivamente para as minhas mãos presas à minha cabeça,
e perguntei: Será que poderia me soltar agora?
Hesitante, ele o fez, se afastando lentamente de mim, à medida que
eu quase suspirava de alívio por ter meus pulsos finalmente liberados. Pelo
canto do olho, notei a atenção dele cravada à mim, me observando enquanto
eu tateava a pele dos meus braços, checando-a em caso de estarem
avermelhadas. Suspirando, virei o rosto.
Tudo bem, Jacob. Desculpas aceitas falei, fixando o meu olhar
no hematoma presente no lado esquerdo do seu rosto. Apenas esqueça
disso tudo, porque farei exatamente o mesmo sugeri, fazendo uma
careta. Fingir que não aconteceu definitivamente será o melhor a se
fazer.
Ele me olhou em silêncio por longos segundos, até passar uma das
mãos pelo cabelo e me lançar um olhar indecifrável.
— Tudo bem, como quiser. — concordou, com uma expressão séria
no rosto.
— Ótimo — declarei, erguendo o queixo decididamente. — Agora,
se me der licença, realmente gostaria de sair. Preciso resolver uma coisa
declarei, ciente de que precisava acertar as coisas com a outra parte daquela
confusão toda.
Jacob me lançou mais um olhar antes de dar um passo para o lado,
liberando a minha passagem. Esboçando uma expressão indiferente, não
olhei para trás quando passei pela porta, adentrando nos corredores, e muito
menos quando empurrei as portas avermelhadas que levavam até o
refeitório.
Meu sangue fervia de raiva com tudo o que estava acontecendo e era
hora de colocar um basta em toda aquela merda.
Estava cansada de ser tão passiva com relação a minha própria vida,
permitindo que me tratassem como se eu fosse uma coisa, em vez de a
droga de uma garota que só queria um pouco de paz.
E, pensando melhor, talvez fosse justamente esse o problema: estava
na hora de parar de colocar um ponto final naquilo, e resolver aquela
situação de uma vez por todas.
17.

ASTRID.

No momento em que empurrei as portas avermelhadas que davam


acesso ao refeitório, vários pares de olhos se voltaram na minha direção,
como se eu fosse uma celebridade ou coisa assim.
Passei os olhos pela extensão do lugar, parando na mesa onde cinco
pessoas riam a todo vapor; a mesma mesa onde apenas alguns anos atrás, eu
costumava almoçar. Pisando duro, fiz o percurso até a dita cuja, ignorando
cada um dos murmúrios e olhares curiosos que me seguiam.
No instante em que parei diante da mesa mais cobiçada da escola, as
risadas das pessoas que a ocupavam imediatamente cessaram. Passei
rapidamente os olhos por cada um deles, me detendo em Nate, cuja
expressão parecia quase tão confusa quanto a de Bella e o restante do
pessoal – exceto Carly, que me fitava com uma expressão furiosa, pelo
simples fato de eu estar fazendo contato visual com o seu namorado.
— Nataniel, precisamos conversar informei rispidamente, e de
imediato, todos me olharam espantados, o que era totalmente compreensível
se levado em consideração o fato de que fazia um bom tempo desde a
última vez que dirigi abertamente a palavra a ele; a verdade é que eu havia
o ignorado de todas as formas possíveis desde o nosso término,
simplesmente por pensar que seria o melhor a se fazer. Somente agora
podia perceber o quanto eu estava equivocada.
— Então a inabalável Astrid resolveu nos dirigir a palavra? —
ironizou Bella, se erguendo de seu lugar e se colocando diante de mim.
Seus olhos serpenteiam por cada centímetro de meu corpo, antes de
voltarem novamente para o meu rosto.
A ignorei, não me dando ao trabalho nem mesmo de fitá-la; minha
atenção se mantinha cravada em Nataniel.
— Levante a porra da bunda daí eu ordenei a ele, ignorando
Bella por completo, totalmente impaciente.
Nate estreitou os olhos, antes de virar o rosto para Carly e murmurar
alguma coisa em seu ouvido. Ela me lançou um olhar de desdém e
concordou com a cabeça. Levei cerca de dez segundos para entender que
ele a estava tranquilizando.
Babaca.
— Qualquer coisa que queira falar com o meu namorado, terá que
ser dita na minha frente — Carly decretou, erguendo o queixo. — Não
existem segredos entre nós.
Incapaz de ignorar aquilo, desviei os olhos de Nataniel para ela.
Carly tinha os lábios curvados em um sorriso malicioso, certamente
adorando toda a atenção que aquela “discussão” estava gerando; vários
olhares curiosos estavam fixos em nós, atentos a cena toda.
Eu poderia muito bem tê-la ignorado ou até pedido a ela para que
pedisse ao seu namorado para que me deixasse em paz, mas, em vez disso,
simplesmente não me aguentei, e quando dei por mim, já estava dizendo, no
simples intuito de provocá-la:
— Você faz muito bem em dizer isso. Acho verdadeiramente
pertinente, considerando, você sabe, tudo o que aconteceu no passado —
comentei, fazendo com que o sorriso dela vacilasse. — Mas você nem
mesmo precisa se preocupar, Carly, porque não somos iguais. Eu jamais me
interessaria por um cara comprometido — fiz uma pausa calculada,
avaliando a sua expressão. — Diferentemente de você-sabe-quem.
Ela arregalou levemente os olhos e fez menção de se levantar de seu
lugar – provavelmente para me confrontar – mas foi interceptada quando
Nate agarrou seu pulso, mantendo-a no lugar. Os olhos azuis dele me
avaliaram com frieza, antes que um sorriso curvasse seus lábios e sua
atenção voltasse para a sua namorada.
— Está tudo bem, Carly — assegurou. — Posso lidar com ela. Não
se preocupe.
Carly me avaliou por longos segundos até finalmente concordar com
a cabeça e se acalmar. Em seguida, ergueu decididamente o queixo e cruzou
as pernas, assumindo sua postura de abelha-rainha, mas eu a conhecia bem
o suficiente para saber que tudo não passava de uma encenação: seu sorriso
estava forçado, assim como a expressão calma em seu rosto. Ela
simplesmente não queria demonstrar sua insegurança pelo simples fato de
considerá-la inadequada, tendo em mente que estávamos cercados de gente.
— Claro que está, Nate — ela declarou, jogando o cabelo por cima
ombro, fingindo indiferença. — Não é como se eu realmente devesse me
preocupar com alguém que nem mesmo conhece o verdadeiro significado
da palavra estilo zombou e Bella rapidamente riu, sendo a idiota de
sempre.
— Maravilha — respondi, abrindo um sorriso doce. — Então que tal
parar de tanta enrolação e liberar o seu namoradinho para que possamos
acabar com isso de uma vez?
O sorriso dela vacilou ao mesmo tempo que Nate se erguia do seu
lugar e caminhava na minha direção com um sorriso presunçoso no rosto.
Ignorei seu olhar, lhe dando as costas e me limitando a fazer o percurso até
os corredores no mais sublime silêncio. No instante em que nos pusemos
longe dos olhares curiosos das pessoas do refeitório, me virei para ele,
fechando a cara para a sua expressão satisfeita. Os corredores estavam
praticamente vazios – com exceção de alguns funcionários que zanzavam
pelo lugar e do zelador, que esfregava o chão com fones tapando seus
ouvidos.
— Então? — começou ele, se inclinando de leve na minha direção.
— Sobre o que gostaria de conversar?
— Acabei de perceber que cometi um erro — declarei, fazendo seu
sorriso alargar.
— É mesmo? — questionou, usando um tom grave e baixo. — E
que erro seria esse?
— Bem, acabei julgando você mal — respondi, mantendo a
expressão firme. — No dia em que pedi para que se mantivesse longe de
mim, não pensei que...
— Eu sabia que isso aconteceria — ele afirmou, me interrompendo
enquanto aproximava – ainda mais – seu corpo do meu. — Eu sabia que
algum dia você perceberia o erro que estava cometendo ao terminar tudo
comigo, por conta de... um erro.
Arqueei uma das sobrancelhas, quase rindo em deboche pelo seu
comentário descabido.
— Realmente acredita que é sobre isso que vim até aqui falar? —
questionei, incrédula. — Que tenho “arrependimentos” por ter terminado
com você? — balancei a cabeça, em total descrença. Você é realmente
muito sem-noção, Nate. O que eu estava tentando dizer antes de você me
interromper, é que acabei julgando mal o seu intelecto. Quando disse para
que você ficasse longe de mim, pensei que seria inteligente o suficiente para
entender o recado.
Ele engoliu em seco, endurecendo a expressão e recuando um passo,
se afastando de mim.
— E eu entendi — afirmou convictamente. — Me mantive longe de
você como me pediu que fizesse.
— Não. — discordei. — Você fingiu se manter longe, quando, na
realidade, estava usando a sua influência sobre as malditas pessoas dessa
cidade para me controlar e poder me manter longe dos outros rapazes que
tentavam se aproximar de mim, me tratando como se eu fosse a droga de
uma posse sua.
— Eu estava protegendo você — ele teve a ousadia de dizer, o que
me fez cerrar instintivamente os punhos, dominada pela raiva. Não sendo
suficiente, ele continuou: — Conheço cada um dos sujeitos dessa cidade,
Astrid, e sei que todos só querem uma coisa.
Assim como você, suponho — retruquei prontamente, fazendo
com que um sorriso tenso brotasse em seu rosto.
— Não diga isso — pediu, falsamente ofendido. — Eu esperei por
você, Astrid. Fui um cavalheiro. Disse que esperaria o quanto fosse
necessário até que se sentisse pronta.
Dessa vez eu realmente ri.
— E com esperar você quer dizer se enfiar debaixo dos lençóis da
minha melhor amiga? — indaguei sarcasticamente.
Ele abriu e fechou a boca, antes de lamber os lábios e desfazer o
contato visual, esfregando a nuca.
— Não foi assim — replicou, após alguns segundos em silêncio.—
Eu nunca quis fazer o que fiz, Astrid. Realmente estava esperando por você,
mas então Carly começou a jogar pesado para cima de mim e... eu não
resisti. Foi só um lance físico, Astrid, e sabe por quê? Porque nada e nem
ninguém se equipara ao que sinto por você; mesmo estando com ela, é em
você que eu penso.
Cerrei os punhos, lutando contra a raiva que zumbia pelos meus
ouvidos, enquanto fitava seu rosto, realmente descrente por ter sido tão cega
a ponto de quase me entregar – de corpo e alma – para alguém como ele.
— Já chega. — decretei, suavizando o tom de voz e tentando lutar
contra a raiva que dominava meus sentidos. — Não quero falar sobre isso.
Não importa. O que realmente quero, é que entenda de uma vez por todas
que o nosso relacionamento acabou e que, consequentemente, você não tem
mais direito algum sobre mim. Então cuide da sua vida e me deixe em paz.
Gaste a droga do seu tempo controlando Carly, se quiser, mas da minha
vida, cuido eu, entendeu?
Ele franziu o cenho e só então me dei ao trabalho de notar o
hematoma arroxeado circundando seu olho esquerdo, o qual inutilmente
tentou cobrir com maquiagem.
— Quero que você deixe Jacob em paz também revelei em
seguida e, de imediato, sua expressão se enevoou: seu maxilar estava
tensionado agora, ao passo que seus lábios e sobrancelhas franziam
mediante a simples menção ao nome de Jacob.
— Como é? — questionou de dentes cerrados.
— Exatamente o que ouviu — retruquei. — Fique longe de Jacob.
Estou farta de você e seus ataques ridículos de possessividade e quero que...
— fui interrompida quando uma de suas mãos agarrou meu braço,
apertando-o com força enquanto seus olhos me fitavam friamente.
— Por que está dizendo isso? — exigiu saber, usando um tom
mortalmente baixo. — Por que diabos está tentando protegê-lo, Astrid?
Ergui o queixo, sustentando seu olhar com frieza, enquanto ignorava
a ardência em meu braço mediante seu aperto sufocante.
— Não diria que estou tentando protegê-lo — comecei, puxando
meu braço de modo brusco e me livrando do seu toque. — Acredito que
Jacob já seja grandinho o suficiente para lidar com você — apontei
sugestivamente para o hematoma em seu rosto. — E que obviamente dá
conta. Mas a questão é que estou apenas tentando fazer com que entenda de
uma vez por todas que não tem direito algum sobre mim, então pare de
tentar controlar a minha vida e com quem eu me relaciono.
O sorriso dele vacilou, ao passo que seus olhos se estreitavam para
mim, me avaliando com cautela.
— Está dormindo com ele, não é? — quis saber, me lançando um
olhar feroz.
Meu queixo caiu.
— Como é que é? — indaguei, em um misto de raiva e
incredulidade.
— Claro que sim — concluiu, soltando uma risada sem humor. —
Por isso foi à festa com ele e aquele desgraçado estava tão cheio de si!
Porque está transando com você! — voltou o olhar para o meu rosto,
torcendo o nariz em repulsa. — Deveria se envergonhar. Como pôde
permitir que aquele rato de rua tocasse em você? Esperei dois malditos anos
por você e agora resolve ficar com um sujeito como ele?
Antes que me desse conta do que estava fazendo, avancei na sua
direção, erguendo uma das mãos e deferindo-a contra seu rosto. O som
abafado do tapa ecoou pelos corredores vazios e só então percebi que havia
sucumbido a raiva.
Nate tocou o local em que o acertei, me fitando com uma expressão
espantada, enquanto eu sustentava seu olhar, tentando manter o
autocontrole.
— Nunca mais fale assim comigo — ordenei friamente. — E o que
faço ou deixo de fazer não é da sua maldita conta.
Ele deixou cair uma das mãos ao lado do corpo, me fitando
desolado.
— Está brincando comigo, não é? — questionou esperançoso. — É
só mais um dos seus joguinhos e você realmente não...
— Que parte de não é da conta você não entendeu? — disparei. —
Chega disso, Nate! Estou farta de você! E dessa vez, falo sério: se meta
comigo ou com Jacob de novo e juro que irá se arrepender ameacei.
A mandíbula dele tencionou, ao mesmo tempo que seus pés
recuaram, me proporcionando a tão almejada distância de que eu precisava.
Girei nos calcanhares, lhe dando as costas com a certeza de que pela
primeira vez – em muito tempo – havia reagido. Havia revelado uma faceta
da antiga Astrid que há muito tempo não demonstrava para ninguém.
Por muito tempo, resolvi me isolar devido a dor mediante a traição
das duas em que mais confiava – e amava –, mas a verdade é que a culpa
não era e nem nunca foi minha. Era deles. Foram eles que agiram mal,
jogando fora toda a relação que tínhamos apenas por um “lance físico”, e eu
sabia agora, mais do que nunca, que havia cometido um erro ao me isolar
do mundo e das pessoas ao meu redor, por causa disso.

Caminhei apressada pelos corredores, parando apenas para checar


meu armário, fechá-lo e fisgar as chaves do carro. Em questão de segundos,
enviei uma mensagem para Serena informando sobre a minha partida
precoce.
Eu não aguentaria passar mais um segundo sequer naquela escola,
porque estava brava demais para poder lidar com qualquer outra coisa.
Então, sem hesitar, fiz algo que há muito tempo não fazia: matei
aula.
E a sensação foi simplesmente libertadora.
18.

JACOB.

A notícia sobre a discussão – com direito a bofetada – entre Astrid e


Nataniel se espalhou feito um incêndio pelos corredores da escola de tal
maneira que, no dia seguinte, não havia indivíduo algum que não soubesse
– e comentasse – sobre o acontecimento.
E eu, sobretudo, não podia estar mais satisfeito, afinal, no mesmo
instante em que fiquei sabendo sobre o acontecimento, soltei uma
gargalhada ao imaginar a cena de Astrid o acertando – e, mesmo aquilo não
sendo totalmente proporcional aos planos de vingança que eu tinha em
mente para ele, já estava de bom tamanho, porque, afinal, realmente
consegui atingi-lo através dela.
Só que isso, no entanto, me custou caro, uma vez que apesar de ter
afirmado que havia me perdoado, não demorei a perceber que Astrid estava
me evitando; já fazia uma semana desde que ela me pediu para que
esquecêssemos o que aconteceu, e então não falou comigo desde então.
Às vezes eu notava a forma como seu olhar capturava o meu quando
pensava que não a estava vendo, mas eu de fato a via, ainda que fingisse o
contrário. Ela lançava um olhar às minhas costas a cada vez que nos
cruzávamos pelos corredores, ou em qualquer outro lugar da escola e,
orgulhoso, acabei fazendo o mesmo, acreditando tolamente que em dado
momento ela voltaria atrás e simplesmente me dirigiria a palavra outra vez
– algo que obviamente não aconteceu.
Eu sabia que não deveria me importar com o fato de ela estar me
ignorando, afinal de contas, não era como se eu realmente não estivesse
acostumado àquilo, tendo em mente que as pessoas me ignoravam o tempo
todo em razão da minha péssima reputação; mas, para a minha total
consternação, a verdade é que eu estava dando mais importância para aquilo
do que pretendido, simplesmente por não conseguir tirá-la da porra da
cabeça desde que a beijei naquela noite, e tive um terrível caso de bolas
azuis que somente se desfez quando cheguei em casa e tive que me
masturbar debaixo do chuveiro feito um maldito pré-adolescente. Não
sendo suficiente, aparentemente fui o único a me sentir assim, tendo em
mente que ela agiu com frieza mediante a situação, me pedindo, inclusive,
para que “esquecesse tudo”, porque seria “o melhor a se fazer”.
Sacanagem.
Frustrado, apoiei a cabeça sobre uma das mãos, enquanto lançava
um olhar para a cabeça loura localizada algumas carteiras à minha frente.
Era aula de história e infelizmente não tive como escapar daquele inferno,
tendo em vista a minha situação acadêmica.
— Formem duplas e respondam ao questionário localizado na
página 62 do livro — ordenou a professora, enquanto caminhava na direção
da sua mesa, puxando sua cadeira para trás e se sentando. Em seguida, suas
mãos fisgaram um livro qualquer – que certamente não tinha relação
alguma com a revolução francesa – e seus olhos se fixaram no mesmo,
ignorando por completo o mundo ao seu redor.
Olhei novamente na direção de Astrid, que agora conversava com
Nelly Ford – a maior nerd da sala. Não me surpreendia nada em vê-las
juntas, tendo em mente que Nelly era muito provavelmente a única pessoa
naquela escola que Astrid não odiava. Apesar de não serem exatamente
próximas, as duas costumavam constantemente formavam dupla nas aulas
que frequentavam juntas, unindo forças sempre que fosse necessário.
Bufei, prestes a abrir o meu livro e fazer meu trabalho sozinho – o
que acontecia com certa regularidade, tendo em vista que ninguém sequer
se atrevia a me dirigir a palavra –, quando o som de um pigarreio me fez
parar e virar o rosto.
Uma garota com brilhantes olhos verdes e um cabelo escuro sorriu
para mim, antes de apontar para o lugar vazio ao meu lado.
— Se importaria se eu me sentasse aqui? — ela perguntou,
apontando com o polegar na direção da carteira ao meu lado ocupada pela
minha mochila.
Assenti lentamente, antes de retirar a mochila e liberar o espaço para
que ela pudesse ocupá-la. Sem pestanejar, ela se sentou, tratando
imediatamente de arrastar a carteira até o lado da minha, posicionando-as
lado a lado.
Franzi o cenho, alternando gradativamente olhar entre a carteira e o
seu rosto, arqueando uma das sobrancelhas.
Ela sorriu, erguendo uma das mãos até mim.
— Acho que ainda não fomos apresentados. — constatou. —Sou
Isabella Northwest, mas todos me chamam apenas de Bella. E você é...
— Não finja que não me conhece, Isabella. — falei, arqueando
ironicamente uma das sobrancelhas, fazendo com que seu sorriso vacilasse.
— Ok, Jacob. Você está certo. Realmente já o conhecia antes de
abordá-lo. — confessou, dando uma risadinha. — A questão é: como não
conhecê-lo, não é?
Permaneci sério, apenas observando seu rosto; seu rosto
peculiarmente familiar, por sinal. Ela tinha um daqueles rostos de
menininha rica, com um narizinho empinado, lábios pequenos e olhos
verdes revestidos por longos cílios negros, além de usar uma roupinha cor-
de-rosa que claramente fazia jus à impressão que tinha dela, considerando o
aspecto quase gritante do quanto aquilo custava caro; ela era realmente
muito bonita, tinha que confessar.
Quase que de modo inconsciente, meus olhos deslizaram na direção
de Astrid, que para a minha surpresa, agora olhava fixamente na minha
direção, alternando o olhar entre Isabella e eu. Rapidamente voltei o olhar
para Isabella, que agora me fitava por debaixo dos longos cílios, batendo
uma das unhas pintadas de vermelho contra a carteira, esbanjando interesse.
Intrigado, estreitei ainda mais os olhos para ela, direcionando um olhar
aguçado à sua aparência familiar e então, de imediato, as peças começaram
a se encaixar: aquela garota era a mesma que vivia colada em Carly, a
namorada de Nataniel.
Arrastei o olhar para Astrid outra vez, e considerando a forma como
olhava para a garota ao meu lado – parecendo prestes a assassiná-la – pude
comprovar a minha teoria, o que, é claro, apenas me deixou ainda mais
curioso pelo motivo de alguém como ela – rica, popular e bonita – estar ao
lado de alguém como eu.
— Então — Isabella continuou, conquistando a minha atenção. —
Por que não fazemos essa atividade juntos? Acho que formaríamos uma
excelente dupla.
Me reclinei no encosto da minha carteira, arqueando uma das
sobrancelhas.
— Não acha que deveria ter perguntado isso antes? — questionei,
fazendo-a piscar. — Você sabe, antes de ter colado a sua carteira a minha.
— expliquei.
Ela sorriu, ao passo que se inclinava sutilmente na minha direção,
aproximando seu corpo do meu.
— Se eu não tivesse feito isso, você certamente teria dado um jeito
de escapar de mim — declarou, com uma expressão presunçosa no rosto. —
Mas, de toda forma, eu não dou a mínima para essa atividade e tampouco
estou a fim de respondê-la, e você?
— Eu normalmente concordaria com você, mas considerando a
minha situação acadêmica nessa disciplina em específico, não acho que
poderia me dar ao luxo de dizer que sim. — revelei, lhe causando uma
risadinha.
— Certo. Então que tal deixarmos a resolução desse questionário
chato para depois? Posso cuidar disso para você. — sugeriu, se inclinando
ainda mais, enquanto fechava o livro acomodado encima da minha mesa.
Arqueei uma sobrancelha, desviando o olhar para ela.
— Está me dizendo que vai fazer a atividade sozinha?
— Sim, história é moleza. — opinou, dando de ombros.
Assenti lentamente, avaliando seu rosto com atenção.
— Presumo que não tenha vindo até aqui só para se oferecer para
responder a atividade, certo Isabella? — indaguei, quando ela nada fez além
de me olhar com um sorriso nos lábios.
O sorriso dela alargou.
— Por certo que não, Jacob — afirmou, pronunciando meu nome de
uma forma sedutora. Muito perspicaz.
Estreitei os olhos para ela.
— Sou todo ouvidos, Isabella — falei, a fitando com atenção.
Ela abriu um sorrisinho, chamando a minha atenção para o gloss que
os revestia, fazendo com que brilhassem.
— Bem, eu darei uma festa na minha casa amanhã e gostaria de
contar com a sua presença informou.
Pisquei.
— Uma festa na sua casa? — repeti, franzindo os lábios. — Então
está dizendo que veio até aqui, apenas para me convidar para ir à sua festa?
Ela permaneceu sorridente, confirmando com a cabeça enquanto
continuava a bater uma de suas unhas desleixadamente contra a minha
mesa. Notando isso, cocei o queixo e lhe direcionando um olhar intrigado.
Um dos membros da Elite de Lester Ville me convidando
pessoalmente para uma festa em sua casa...?
Só podia ser alguma brincadeira.
— E por que exatamente você está me convidando, Isabella? —
exigi saber, genuinamente curioso, quando ela continuou a me olhar em
silêncio daquela maneira, sorrindo maliciosamente para a minha expressão
confusa.
Ela deu de ombros.
— Porque será divertido e acho que você deveria ir — falou, se
levantando do seu lugar. Estarei pessoalmente esperando por você, então
apareça por lá, está bem? fez questão de dizer em seguida, se demorando
na parte do “pessoalmente”, enquanto me lançava um sorrisinho.
Desviei o foco de seu rosto para os arredores e então concluí que
não era o único a achar aquela cena toda no mínimo, esquisita. Todos os
alunos fitavam-nos em um misto de curiosidade e intriga, estranhando o
fato de uma das garotas mais populares da escola estar me dirigindo a
palavra e, ainda por cima, estar claramente flertando comigo.
Observei as costas de Isabella se afastarem de mim, antes de virar o
rosto na direção de Astrid, que diferentemente de nossos colegas de turma,
não esboçava uma expressão confusa, mas sim, brava. Seu rosto estava
vermelho, e seus olhos cravados em Bella, que parecia indiferente ao seu
olhar fulminante. Assim que notou o meu olhar sobre o seu, no entanto,
Astrid desfez rapidamente o contato visual, voltando sua atenção para
Nelly, que tagarelava sem parar, parecendo alheia a toda a situação ao seu
redor.
Estreitei os olhos.
Interessante.
Aparentemente alguém estava nitidamente incomodada com a
abordagem nada discreta de Bella.
Já havia entendido que com Astrid as coisas não funcionavam como
acontecia com as demais garotas; ela era uma verdadeira caixinha de
surpresas e às vezes, custava até que conseguisse entendê-la – como
naquele momento, por exemplo, quando ela estava assentindo para tudo o
que Nelly dizia, mesmo que estivesse obviamente imersa em pensamentos;
sem mencionar no fato de estar com a mandíbula tensa, como se estivesse
furiosa com algo.
Fechei o livro diante de mim, cruzando ambos os braços sobre o
mesmo e usando-os como apoio para meu rosto, enquanto observava
atentamente a sua expressão.
E foi naquele momento que decidi que dessa vez, adotaria uma
tática diferente: não iria até ela.
Desta vez, seria ela quem viria até mim.
19.

ASTRID.

Fechei com força a tampa da caixa registradora, fazendo com que o


som ecoasse por todo o ambiente – praticamente vazio – da biblioteca que
eu trabalhava.
Serena franziu o cenho, me lançando um olhar curioso antes de
voltar novamente sua atenção para a serra de unhas sob suas mãos.
— Quando é que vai me dizer que bicho a mordeu? — ela
perguntou com o olhar ainda fixo no movimento incessante da lixa contra
uma de suas unhas.
Fechei a cara.
— Estou ótima, Serena. Não há nada de errado comigo — franzi o
cenho, estreitando os olhos em desconfiança. — Agora me explique você o
motivo de estar aqui.
Ela deu de ombros, curvando os lábios em um sorriso desdenhoso.
— Não tinha nada para fazer, então vir até o local de trabalho da
minha irmã me pareceu mil vezes melhor do que ficar trancada no meu
quarto — suspirou dramaticamente. — É claro que eu preferia estar em
alguma festa, mas é como dizem por aí: não se pode ter tudo na vida, não é?
Ignorei seu comentário, conferindo a quantia miserável presente na
caixa registradora diante de mim. As vendas não iam nada bem, o que na
realidade, não era surpresa alguma considerando o movimento praticamente
nulo durante a semana inteira.
Serena largou a serra de unha contra o balcão, olhando aos arredores
com indiferença, parecendo entediada.
— Sabe qual é a última nova da escola? — ela perguntou em
seguida, tentando romper o silêncio que pairava entre nós.
— Não. — grunhi com a atenção ainda presa na quantia sobre
minhas mãos. E prefiro continuar sem saber.
— Não param de falar sobre o tapa que você deu no seu ex-
namorado. — ela revelou, me ignorando. — Não posso negar que até
mesmo eu fiquei surpresa — deu uma risadinha. — Deveria ter visto a cara
que Carly fez quando soube. Ela parecia prestes a soltar fogo pelas narinas.
Bufei.
— Será que podemos falar de outra coisa que não seja Nataniel ou
Carly? — sugeri, enquanto enfiava o dinheiro dentro da caixa registradora.
Serena bufou, batendo o indicador contra o queixo, parecendo
pensar.
— Então que tal falarmos sobre a fofoca número dois da escola: o
novo possível casal, Jacob Davies e Bella Northwest? — perguntou, me
fitando com atenção.
Ignorei a pontada de raiva dentro de mim e lentamente arrastei os
olhos para o rosto dela.
Do que você está falando? indaguei, tentando soar indiferente.
Serena arqueou uma das sobrancelhas.
— Ora, por favor, não vai me dizer que não está sabendo da
novidade? — questionou cética.
Dei de ombros, abrindo a portinha que dividia o balcão do restante
da biblioteca e caminhando na direção das vitrines, a fim de verificar os
livros em exibição – o que não passava de uma desculpa para escapar dos
olhos perspicazes da minha irmã caçula.
Não menti, enquanto fingia ajustar um dos livros em exibição
na vitrine. Não é como se eu passasse o dia inteiro ouvindo as fofocas da
escola ou me importasse com elas.
Serena bufou.
Bem, então não sabe o que está perdendo. Uma verdadeira novela
mexicana está em desenvolvimento entre aqueles dois. Todo mundo está
morrendo de curiosidade sobre o porquê de Bella tê-lo convidado para a sua
festa e, ainda por cima, de ele ter de fato, comparecido. Os pombinhos
foram inclusive vistos ontem numa lanchonete local, dá para acreditar?
Não, não dava para acreditar; mas eu não podia me dar ao luxo de
demonstrar que dava importância àquilo – não com minha irmã ali, me
observando com atenção.
Larguei com força o livro que anteriormente pendia entre meus
dedos na vitrine, fazendo com que o som ecoasse pelo ambiente ao nosso
redor. Em seguida, no mais sublime silêncio, girei nos calcanhares,
passando por Serena e me colocando atrás do balcão, onde peguei um livro
qualquer e fingi folheá-lo.
Então começou Serena, após o silêncio que eu
propositalmente instalei entre nós. Não vai dizer nada sobre esse arranjo
totalmente improvável entre uma das Princesinhas da escola e o Bad Boy da
cidade?
A ignorei, passando com força a página do livro e colocando uma
expressão neutra no rosto. Não satisfeita com meu silêncio, Serena bufou
antes de se inclinar no balcão que nos separava e puxar bruscamente o livro
das minhas mãos.
Ei! protestei, me inclinando no balcão na tentativa de
recuperar o livro das mãos dela. Me devolva isso, Serena! Eu estava
lendo!
Com uma expressão debochada no rosto, minha irmã depositou o
livro debaixo de seu braço e me olhou com interesse.
Sabe, estava esperando que você me contasse algo, mas como
obviamente não contará, terei que perguntar diretamente confidenciou
com uma expressão exageradamente desapontada no rosto.
Cruzei ambos os braços sob o peito, a fitando com desconfiança.
Por isso veio até aqui, não é? presumi, estreitando os olhos.
Essa história de querer passar um tempo comigo não passa de um blefe.
Eu não disse que queria passar um tempo com você. ela me
corrigiu, arqueando uma das sobrancelhas. Disse que não tinha nada
melhor para fazer, o que não deixa de ser verdade.
Revirei os olhos.
Ok, Serena. Já entendi. Que tal fazer logo a droga da pergunta ao
invés de ficar enrolando?
Ela fez uma careta, imitando minha voz com um tom anasalado
antes de bufar e por fim começar a falar.
Está bem cedeu, logo após a terrível imitação da minha voz.
Estão comentando por aí que você e Jacob se beijaram na festa de Susan
Macgyver, na semana passada.
A olhei bruscamente nos olhos, sendo recebida pela sua expressão
perspicaz que me avaliava atentamente.
Onde foi que você ouviu isso? questionei, tensa.
É um boato, Astrid. Não sei ao certo onde ou com quem
começou, mas o fato é que já está rolando pelos corredores da escola
inteira.
Bufei.
Essa gente não tem o que fazer murmurei, irritada.
Serena piscou.
Só vai dizer isso? indagou, incrédula. Realmente não se
importa com o que estão dizendo por aí sobre você?
Dei de ombros.
Não é como se já não falassem mal de mim todos os dias,
Serena. Essa é a minha realidade como a “Megera” da cidade; parei de me
importar a um bom tempo e simplesmente me acostumei.
Ela bufou, se colocando de pé num movimento abrupto para poder
me olhar com repreenda.
Bom, talvez você não se importe, mas eu, sim declarou,
franzindo as sobrancelhas. Realmente acha que gosto de ouvir os
comentários maldosos que estão dizendo sobre você por aí?
Estreitei os olhos para ela.
Que comentários, Serena? indaguei, curiosa.
Que Jacob usou você só para poder chegar até Bella ela me
confidenciou, arqueando uma das sobrancelhas.
Franzi o cenho, levemente incomodada pela suposição totalmente
descabida que estavam fazendo por aí.
Isso sequer faz algum sentido comentei, franzindo a testa.
Por que raios Jacob me usaria para poder chegar em Bella? Nem somos
mais amigas.
Serena deu de ombros.
Você sabe como as pessoas são. Inventam histórias sem o menor
cabimento apenas para poder chamar atenção.
Isso é ridículo opinei, balançando a cabeça em desaprovação.
Para você, sim retrucou Serena sem nem pestanejar.
Como assim? indaguei desconfiada.
Raciocine, Astrid. Não acha que toda essa situação está pegando
mal apenas para você? explicou. Jacob, por exemplo, está obtendo a
maior fama de pegador às suas custas. Já parou para pensar que ele pode ser
o responsável por espalhar os boatos?
Ele não faria isso declarei convictamente, antes de franzir a
testa com a lembrança do beijo que compartilhamos, e, em específico, do
motivo que o levou a me beijar: Nate.
Seria mais uma provocação?
Ou um joguinho patético que objetivasse provar algum ponto?
Parecendo a par da dúvida iminente sondando pelos meus
pensamentos, Serena pigarrou, reconquistando a minha atenção.
Está ficando tarde informou, conferindo as horas no relógio
sobre seu pulso. Não acha que já é hora de voltarmos para casa?
Não falei por impulso. Quer dizer, sim. Você deve voltar
para casa. Vou ficar um pouco mais e daqui a pouco fecho tudo.
Serena franziu o cenho.
Por que não vamos juntas? fez um gesto apontando aos
arredores. Sem ofensa, mas não acha um pouco inútil permanecer aqui
quando obviamente faltam clientes?
Isso se chama responsabilidade, Serena. retruquei, a fitando
com repreenda. Devo respeitar os horários deste estabelecimento
independentemente da minha vontade. Normas são normas. Se me disserem
que a loja deve fechar às 18 horas, então fecharei às 18 horas. O mesmo
vale para que...
Ok, já entendi! exclamou Serena, me interrompendo. Já
que insiste tanto, vou deixá-la está bem?
Assenti, ignorando sua careta e despachando-a com uma das mãos.
Com um suspiro, minha irmã seguiu na direção das portas, fazendo com
que os sinos tilintassem quando passou pelas mesmas.
Observei sua cabeça loura sumir pela extensão da rua e, sem hesitar,
olhei aos arredores, notando as duas – únicas - senhorinhas que
anteriormente liam há algumas mesas de distância, se despedirem uma da
outra, antes que viessem até mim e me estendessem algumas notas, pagando
pelos livros que carregavam em suas sacolas. Com um sorriso nos lábios, as
atendi e quando as vislumbrei sando da biblioteca, fechei bruscamente a
tampa da caixa registradora, pegando, em seguida, o meu celular dentro do
bolso. Acessei o perfil da escola que era administrado pelos alunos, fazendo
uma careta para a notícia em destaque: “Astrid Spencer é novamente
trocada por uma ABC”?
De dentes cerrados, larguei o celular contra o balcão, massageando
as têmporas na tentativa de controlar o estresse que irradiava de mim. Uma
sensação de Deja vú me consumiu enquanto fitava um ponto fixo no chão,
constatando a semelhança entre o que estava acontecendo agora e o que
aconteceu anos atrás, quando noticiaram erroneamente que Nate havia me
trocado pela minha, até então, melhor amiga Carly Newton, ao invés de
noticiarem que fui eu quem terminou com ele depois de flagrá-lo na cama,
com a minha melhor amiga. Na época, omitiram a parte da traição, fazendo
parecer que eu é que havia sido pateticamente “chutada” da relação, o que
me deixou completamente revoltada.
Fechei os olhos com força e, ao abri-los, notei a notificação da
atualização no feed de Bella. Ao desbloquear a tela do celular, dei de cara
com uma selfie dela seguida por alguns emojis de corações.
E foi nesse momento que decidi que precisava evitar que aquele
pesadelo voltasse a acontecer. Para que isso acontecesse, no entanto, eu
precisava urgentemente de alguns esclarecimentos.
Em questão de ágeis minutos, fechei a loja e ao invés de seguir em
direção à minha casa, como havia dito à Serena, fiz um percurso diferente.
Ao ligar o carro, dobrei no cruzamento, sabendo exatamente para onde ir: o
outro lado da cidade.
19.

JACOB.

Eram 18 horas quando a campainha da minha casa repentinamente


soou, me espantando.
Eu não costumava receber visitas, muito menos àquela hora da noite
– quando não fazia muito tempo desde que havia chegado do trabalho –,
tornando tudo ainda mais surpreendente.
Passei a toalha pelos cabelos ainda úmidos, me livrando do excesso
de água, enquanto caminhava apressado até meu quarto, na busca por uma
roupa que pudesse omitir a minha seminudez. Peguei a primeira camisa que
encontrei esparramada pela cama e num movimento ágil, a vesti, passando-
a pela cabeça ao mesmo tempo que me dirigia até a porta, local por onde o
som da campainha continuava a soar incessantemente.
Meus olhos arregalaram no instante em que dei uma espiada no olho
mágico e tive de esfregá-los algumas vezes para poder me certificar de que
não estava tendo alucinações, porque, do outro lado da porta, estava uma
garota alta, loura e com uma expressão fugaz no rosto, a qual eu conhecia
mais do que bem.
Franzindo o cenho, rapidamente tratei de destravar a tranca de
segurança, abrindo a porta, mas antes mesmo que pudesse dizer ou fazer
qualquer outra coisa, a lourinha passou por mim parecendo um furacão,
adentrando na casa sem sequer esperar por um convite.
Precisamos conversar ela declarou rispidamente, jogando sua
bolsa no sofá da sala e girando nos calcanhares para me olhar seriamente, se
posicionando alguns poucos metros de distância de mim, que permanecia
estupidamente parado ao lado da porta – ainda – aberta.
Oi para você também ironizei, antes de fechar a porta e
avançar alguns passos em sua direção, pairando à sua frente. Arqueando
uma das sobrancelhas, esperei por algum esclarecimento, mas quando ela
nada fez além de me fitar de uma maneira acusatória, resolvi perguntar,
estreitando os olhos em desconfiança: Então, sobre o que, exatamente,
precisamos conversar?
Ao invés de me responder, ela deu alguns passos para o lado, se
inclinando no sofá e vasculhando sua bolsa. Segundos depois, voltou a se
colocar diante de mim com seu celular em mãos, o estendendo para mim
com uma expressão dura no rosto.
Olhei do celular para ela, franzindo as sobrancelhas em confusão.
Leia a droga da notícia, Jacob ela grunhiu ao notar minha falta
de reação e, hesitante, o fiz. A notícia em destaque informava sobre um
possível novo casal na escola e ao arrastar o olhar mais para baixo, notei o
motivo da irritação de Astrid.
“Astrid Spencer: novamente trocada por uma ABC” li em voz
alta, antes que deslizasse o olhar do celular para seu rosto e franzisse a
testa. Mas que porra é essa?
Me diga você rebateu, acusatória, puxando bruscamente o
celular de volta, me privando de visualizar o restante da notícia.
Pisquei.
Bem, a julgar pelo início da postagem, presumo que seja alguma
das fofocas divulgadas no perfil da escola.
Ela abriu um sorriso debochado.
Bela observação, capitão óbvio ironizou, antes de cruzar
ambos os braços sob o peito e estreitar os olhos para mim. Quero saber
se o que diz na notícia é realmente verdade explicou, parecendo ainda
mais brava.
Se você não tivesse puxado o celular antes que eu pudesse
terminar de ler, certamente estaria em condições de respondê-la aleguei,
arqueando uma das sobrancelhas.
Ela fechou a cara.
Aqui fala sobre você e Isabella Northwest ela me cortou
rispidamente, quase cuspindo o nome da garota em questão. Você está
realmente saindo com ela?
Pisquei várias vezes, até que finalmente pudesse entender o real
sentido de suas palavras; sim, eu havia realmente encontrado com Isabella
Northwest algumas vezes. Mas não da maneira como Astrid e,
aparentemente, boa parte da escola estava pensando – porque, na realidade,
não haviam passado de encontros casuais.
A primeira vez ocorreu naquele dia, na classe, quando a própria
Isabella me fez um convite para que comparecesse à sua festa, e, com
relutância, acabei realmente indo; depois de um longo e estressante dia de
trabalho, resolvi ir até a tal festa de que tanto comentavam, mas foi
decepcionante, para ser sincero. Nada mais do que música de péssima
qualidade, bebidas e muita maconha. No final das contas, acabei bebendo
apenas uma cerveja antes que voltasse para casa completamente saturado
daquele ambiente hostil, que conseguiu se tornar ainda pior quando
Nataniel Hawkins teve a ousadia de me interceptar na festa e praticamente
me expulsar de lá. O segundo “encontro” com Isabella se deu no dia em que
ela compareceu ao mercadinho onde eu trabalhava e pediu que lhe ajudasse
com algumas sacolas. Desconfiado, concordei e ela, agradecida, me
convidou para um jantar como forma de agradecimento. Tentei recusar, mas
a garota era realmente muito teimosa e depois de muita conversação, acabei
concordando. Saímos naquele mesmo dia para uma lanchonete nas
redondezas e foi provavelmente nessa ocasião que fomos vistos e, assim, os
boatos sobre nós dois começaram a rolar pela escola.
Fiz uma pergunta, Jacob Astrid grunhiu, me arrancando de
meus devaneios. Está ou não saindo com ela?
Imediatamente estreitei meus olhos para a sua expressão, abrindo
um sorriso involuntário quando algo se passou pela minha cabeça.
Por que se importa? indaguei, enquanto vasculhava seu rosto
com atenção.
Não seja ridículo. ela declarou rispidamente, me fitando com
frieza, logo após captar o sorrisinho em meus lábios. Eu não me
importo.
Ah, não? ironizei, arqueando uma das sobrancelhas. Então
está me dizendo que dirigiu até o outro lado da cidade, a essa hora da
cidade, por nada?
Ela franziu os lábios e tive que prender uma risada ao notar a
carranca que assumiu seu rosto.
Não seja convencido, Jacob ela praticamente cuspiu,
desviando sua atenção para o celular em suas mãos, desbloqueando a tela.
A questão aqui não é sobre você declarou, estendendo novamente o
celular na minha direção. É sobre mim.
Passei rapidamente os olhos pela manchete destacada no celular
antes de novamente deslizar o olhar para seu rosto.
Tudo bem, senhorita narcisismo. Já entendi a sua questão. Mas
então, é aí que entra a minha questão: o que eu tenho a ver com essa
notícia?
Observei sua expressão mudar de carrancuda para furiosa em
questão de segundos e antes que pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, ela
me deu um leve empurrão, que se mostrou completamente inútil quando
sequer me movi do lugar.
Está de sacanagem com a minha cara? esbravejou ela.
Eu ia fazer exatamente a mesma pergunta retruquei, imerso
em incredulidade. Porque não fui eu quem praticamente invadiu uma
residência privada e está tentando agredir o proprietário sem razão
aparente.
Sem razão? repetiu, balançando a cabeça em incredulidade.
Não se faça de idiota, Jacob! A droga dessa manchete tem relação com o
fato de você, seu imbecil, estar saindo com Isabella não fazendo sequer uma
mísera semana desde que foi flagrado me beijando!
Franzi o cenho.
Então é disso que está falando? Das fofocas que estão
comentando sobre você? indaguei, genuinamente confuso. Desde
quando você se importa com isso, Astrid?
Ela me fitou perplexa, antes que trincasse o maxilar e seu semblante
alterasse bruscamente para furioso.
Desde que você, seu cafajeste, está se aproveitando da coisa toda
para poder se dar bem! acusou e senti meu queixo cair.
Como é que é? disparei, incrédulo.
Não me olhe assim disse em seguida, captando o meu olhar.
Não aja como se eu estivesse dizendo alguma loucura, porque não é a
primeira vez que você me usa para benefício próprio apontou,
provavelmente fazendo menção a noite em que a beijei apenas para poder
atingir Nataniel, enquanto avançava alguns passos na minha direção de
maneira afrontosa. E é por isso que não duvido nada que minha irmã
esteja certa, porque talvez seja você mesmo quem esteja disseminando
todos aqueles malditos boatos só para nutrir essa rixa bizarra que tem como
o babaca do Nataniel!
Cerrei os punhos.
Maldita Serena Spencer.
Agora que eu estava me recusando a compactuar com o seu plano, a
lourinha psicopata estava manipulando sua irmã contra mim, causando a
discórdia apenas para poder se vingar; que cretina.
Realmente acredita que ligo para essa coisa toda de
popularidade? perguntei, e quando ela permaneceu calada, me fitando
com o cenho franzido, falei: Não, Astrid. Eu não ligo. Não dou a porra
da mínima para isso, assim como sei que você também não dá, então pare
de mentir e apenas assuma de uma vez que está com ciúme!
Ela arregalou os olhos, sua expressão endurecendo conforme
assimilava o que eu havia acabado de insinuar: que toda a sua ira não
passava de ciúme.
Você não passa de um idiota prepotente disparou, me
fuzilando com o olhar. Está muito enganado se acha que eu...
Quer saber de uma coisa? Estou farto disso, Astrid soltei, a
interrompendo. Eu simplesmente não consigo entender você falei,
franzindo o cenho e avançando bruscamente em sua direção, aniquilando a
distância entre nós para poder lhe fitar severamente nos olhos. Eu sei
que ficou incomodada quando viu Isabella flertando comigo na sala de aula,
assim como sei que gostou de ter me beijado. No entanto, você
simplesmente passou a me ignorar e agora decide usar essa desculpa
ridícula sobre a porra desse site fofocas para vir até aqui e despejar todas
essas merdas em cima de mim? Qual é a porra do seu problema? ela
entreabriu os lábios, em choque, mas não disse uma palavra sequer,
tornando a minha frustração ainda maior. Isso não é um jogo, Astrid.
disparei em seguida, lhe lançando um olhar mortal.
Eu nunca disse que isso era um jogo retrucou prontamente, na
defensiva.
É mesmo? indaguei sarcasticamente, voltando a me aproximar
do seu corpo. Então por que diabos você está aqui, agora, me exigindo
explicações depois de ter começado a me ignorar descaradamente, apenas
um dia depois de ter me pedido para esquecer do beijo que, por sinal, sei
que gostou tanto quanto eu? ela franziu a testa, desviando o olhar para
um ponto avulso, fugindo do meu olhar. Irritado, recuei um passo,
balançando a cabeça em desaprovação. Está vendo? Nem mesmo você
entende o que está fazendo. Essa merda é confusa, Astrid, e está me
matando, porque diferentemente de você, eu sim, sei o que quero fiz
uma pausa, a fitando com atenção e, lentamente, seu olhar deslizou de volta
para o meu. Quero você desde aquele maldito dia, quando nos beijamos,
e, desde então, não consigo pensar em outra coisa a não ser em você.
Ela franziu as sobrancelhas e nada disse pelos cinco segundos
seguintes, razão essa que me fez soltar um suspiro e recuar um passo,
passando uma das mãos pelos cabelos ainda úmidos, imerso em frustração.
Eu estava prestes a pedir para que ela dissesse alguma coisa, quando ela se
aproximou subitamente de mim e, sem aviso algum, pegou o meu rosto
entre as mãos, unindo seus lábios aos meus. Incrédulo, senti uma de suas
mãos deslizando lentamente até o meu peitoral, ao passo que seus lábios se
moviam cada vez mais insistentes contra os meus e seus seios pressionavam
contra o meu corpo, conforme ela inclinava o rosto, aprofundando o beijo.
Deixei que ela conduzisse até certo ponto, mas quando sua língua penetrou
lentamente a minha boca, foi quase impossível não levar uma das mãos até
a parte de trás da sua calça jeans e apertar firmemente a sua bunda, fazendo
com que suspirasse contra a minha boca.
Arrastei meus lábios até seu pescoço, depositando beijos de boca
aberta, enquanto ouvia o som da sua respiração cada vez mais ofegante
contra o meu ouvido e suas mãos serpenteavam pelas minhas costas. Uma
onda de prazer me atingiu em cheio quando senti suas unhas arranharem
minhas costas por debaixo do tecido da minha camisa e, em resposta, acabei
sugando com força a pele sensível do seu pescoço, fazendo com que Astrid
soltasse um gemido baixinho de prazer. No segundo seguinte, os meus
lábios já haviam retornado para os dela, beijando-a com força mediante os
sons estimulantes que emitia a cada vez que minha língua entrava em
contato com a sua. Inalei o ar com força no instante em que seus dentes
mordiscaram meu lábio inferior, partindo, em seguida, para o meu pescoço,
por onde despejou beijos molhados e fodidamente quentes.
Ofegante, puxei seu cabelo com força, obrigando seu rosto a voltar
para cima, para que assim pudesse reivindicar seus lábios e ansiosamente
ela obedeceu. Passei uma das mãos por debaixo da sua blusa, arrastando
lentamente meus dedos pela extensão da barriga lisa e ouvindo sua
respiração acelerar conforme os movia mais para cima. Astrid arqueou as
costas para mim assim que minhas mãos espalmaram seus seios por cima
do sutiã, ao mesmo tempo que uma das minhas mãos permanecia em seus
cabelos, prendendo-os num rabo de cabelo entre meus dedos, e meus lábios
faziam uma trilha de beijos pelo seu pescoço.
Foi justamente quando meus dedos tentavam se mover pelo feche do
seu sutiã, que ela enrijeceu, espalmando o meu peitoral, tentando me
empurrar para trás. Soltando um gemido frustrado, relutantemente me
afastei, interrompendo o beijo e libertando seu pescoço e todo o seu corpo
do meu alcance, ao mesmo tempo que ela recuava alguns passos, quase
batendo com as costas na parede da sala. Seu peito subia e descia desregular
quando finalmente deslizei meus olhos para o seu rosto, notando que
parecia assustada.
Lambi os lábios, ainda sentindo seu gosto e os olhos dela se
moveram para as marcas de arranhão em um dos meus antebraços, o que
com fez arregalasse os olhos em surpresa.
Não se preocupe com isso assegurei ao seguir seu olhar e
tocar os leves arranhões avermelhados na minha pele. Vai sarar rápido.
Ela mordicou o lábio inferior e foi necessário todo o meu
autocontrole para não voltar a beijá-la ali mesmo, contra a parede da sala.
Droga, eu não deveria ter vindo até aqui murmurou,
desembaraçando o cabelo desgrenhado por entre os dedos. Preciso ir
embora.
Permaneci estagnado, a vendo arrumar seus cabelos, vasculhar o
sofá em busca da sua bolsa e, em um movimento ágil, rumar até a porta.
Então é isso? questionei irritado, fitando suas costas. Você
me beija e então simplesmente vai embora?
Ela me olhou por cima o ombro, vasculhando meu rosto com uma
expressão indecifrável.
Preciso ir, Jacob. declarou por fim e, num piscar de olhos, já
estava fechando a porta e saindo da casa, me deixando para trás.
Soltei um suspiro assim que ouvi o som do motor do carro vindo do
lado de fora, e outro ainda mais alto quando deslizei o olhar para as minhas
calças, notando que aquela era a segunda vez que Astrid Spencer ia embora
depois de me deixar duro feito a porra de uma pedra.
20.

ASTRID.

Mesmo que exatas 13 horas tivessem se passado desde o incidente


com Jacob na noite anterior, eu ainda não conseguia acreditar no que havia
acontecido.
Eu quase havia perdido a virgindade com Jacob Davies.
E por mais que relutasse em acreditar ou recordar no que – quase –
havia feito, as sensações e marcas do ocorrido ainda estavam cravadas em
mim.
Literalmente.
A primeira coisa que notei ao conferir a minha aparência no espelho
naquela mesma manhã, foi a mancha arroxeada no meu pescoço. Uma
maldita – e gigantesca – recordação do que havia feito na noite anterior.
Não foi nada fácil explicar para o meu pai o motivo de ter chegado tão tarde
em casa e principalmente de estar com o rosto tão corado ao falar com ele.
No entanto, a desculpa da chegada de mais alguns clientes à biblioteca soou
verdadeiramente muito convincente, e, quanto ao rubor, o fato de o clima
estar mais gélido naquela época do ano soou como uma verdadeira dádiva.
O apito da professora me fez voltar à realidade, juntamente com a
vontade de ir embora daquela aula que mais se assemelhava a uma tortura.
Acelerei os ritmos dos meus passos, assim como a professora
ordenava, enquanto tentava acompanhar minhas colegas de classe, que
assim como eu, estavam ofegantes e exaustas mediante os exercícios
incessantes que vínhamos fazendo desde o início da aula, alguns minutos
antes.
Você está vermelha, Astrid comentou Nelly Ford – minha
companheira de laboratório – ao meu lado, me fazendo virar o rosto para
poder fitá-la.
É claro que eu estava vermelha; e não tinha a menor relação com o
fato de estar suada e exausta mediante a aula de Educação Física: os
amassos com Jacob foram tão intensos que, ao chegar em casa, tive que
recorrer ao meu bom e velho amigo, Paul, “o pau ambulante”, para poder
sanar toda aquela excitação e, mesmo agora, só de lembrar da sensação dos
lábios dele contra a minha pele, ou das mãos dele contra meu corpo, eu...
Rapidamente afastei o pensamento.
Hoje está bem quente desconversei, rogando para que minha
desculpa colasse e Nelly não desconfiasse do real motivo por trás do meu
rubor.
Nelly deu de ombros, acompanhando meus passos com dificuldade
enquanto estreitava os olhos, fitando o longo percurso que ainda tínhamos
que percorrer na pista de corrida.
Isso é tortura comentou, franzindo a testa. Três voltas
inteiras nessa pista gigantesca? olhou por sobre o ombro,
especificamente para a mulher corpulenta que nos observava seriamente das
arquibancadas. Quem ela pensa que é? Ou melhor: quem ela pensa que
somos? Uma espécie de Hércules afeminado ou o quê?
Provavelmente a última opção respondi, suspirando.
Permanecemos caladas por um longo intervalo de tempo, tendo
apenas o som de nossos tênis batendo contra o chão da pista como
soundtrack, até que, em determinado momento, meus olhos pousaram em
Bella sentada em um dos bancos e instantaneamente estanquei no lugar.
Por que ela não está correndo como o restante de nós? exigi
saber, fitando a garota em questão com uma carranca no rosto.
Problemas cardíacos. revelou Nelly, estancando no lugar e
seguindo o meu olhar. Bem, pelo menos foi o que ela disse à professora.
Virei bruscamente o rosto para Nelly, a fitando de testa franzida.
Bella não é cardíaca declarei, recordando de todas as vezes em
que fizemos corridas regulares pelas ruas próximas às nossas casas.
Nelly deu de ombros, retomando o trajeto até o local em que a
professora havia estipulado como o marco-zero, e, hesitante, imitei seus
passos, não demorando muito até voltar a alcançá-la. Nelly era bons cinco
centímetros mais baixa do que eu, além de uma garota assumidamente
sedentária, o que inferia, em outras palavras, que não era o que se podia
chamar de uma corredora muito veloz.
Estão comentando por aí que ela e Jacob Davies estão tendo um
rolo ela confidenciou no momento em que me coloquei ao seu lado,
acompanhando seus passos sem muita dificuldade. Para ser sincera,
ainda não enxerguei muito cabimento nessa notícia. fez uma careta,
antes de voltar o olhar para o meu rosto. É de Isabella Northwest que
estamos falando. Garotas como ela normalmente não se interessam por
garotos como Jacob Davies. É ilógico.
Forcei um sorriso.
Essa notícia certamente não passa de especulação. E talvez nem
seja verdade eu disse, omitindo a verdade: que a simples ideia de Jacob
beijando Bella, me dava asco.
Não sei continuou Nelly, franzindo a testa. Nenhum dos
dois se pronunciou sobre o assunto, mas ao que parece, foram vistos juntos
algumas vezes discretamente, apertei com força o tecido da minha calça
moletom, enquanto Nelly continuava a falar, evidentemente imersa ao meu
gesto. Talvez Isabella tenha algum tesão por Bad Boys ou coisa assim.
Ouvi por aí que Jacob é ótimo no que faz me deu uma piscadela. Se é
que você me entende.
Engasguei com a saliva, tossindo sem parar ao mesmo tempo que
Nelly me olhava com espanto.
Ai meu Deus! Você está bem? ela quis saber, preocupada.
Me agachei, agarrando meus joelhos e erguendo uma das mãos,
recusando a sua ajuda. Ignorando o movimento, ela imitou a minha postura,
se colocando ao meu lado e dando leves tapinhas nas minhas costas.
Estou bem, Nelly assegurei, assim que a tosse cessou e pude
me colocar novamente na posição ereta. Só estou cansada. menti, me
abanando com uma das mãos E com calor. Talvez seja insolação ou
coisa assim. De todo modo, pode continuar sem mim. Preciso de água.
Ela assentiu.
Bem, certamente é por conta de toda a roupa que você está
usando opinou, apontando sugestivamente para o casaco gola alta que eu
usava como disfarce para a enorme mancha que ilustrava uma parte do meu
pescoço. Talvez sirva de lição para que aprenda a não usar roupas tão
agasalhadas durante as aulas de educação física
Sim, você está certa desconversei, despachando-a com uma
das mãos. Mas pode continuar sem mim. Vou ficar bem.
De cenho franzido e muito relutantemente, ela atendeu ao meu
apelo. Me dando conta do feito, suspirei, antes de lançar um olhar cansado
na direção da professora e apontar sugestivamente para o banco, onde
minha garrafa de água estava. Sem nem pestanejar, a professora fez um
sinal positivo e antes que pudesse agradecê-la pelo ato surpreendentemente
generoso, voltou a soprar o apito com força e gritar comandos para que as
demais garotas retomassem a corrida. Girei nos calcanhares, suspirando de
alívio ao vislumbrar o banco e em específico o isopor onde as garrafas eram
guardadas. Contudo, minha felicidade foi morrendo conforme me dava
conta de quem estava ocupando o espaço ao lado do isopor.
Irritada, ignorei o olhar desdenhoso de Bella ao meu traje de corrida
e sem pensar duas vezes, me coloquei ao lado do isopor, destampando-o e
fisgando a minha garrafa cor-de- rosa.
Belo traje ironizou Bella, ao mesmo tempo que eu colava
meus lábios no gargalo da garrafa, bebendo-a. Aposto que saiu de um
brechó velho, assim como o restante do seu guarda-roupa.
Passei as costas das mãos pela boca, me livrando das gotículas de
água e rapidamente tratei de recolocar a garrafa no isopor. Em seguida,
acomodei o espaço vazio ao lado do mesmo, a alguns bons metros de
distância de onde Bella estava sentada. Não satisfeita com a minha falta de
reação à sua provocação, ela esticou o pescoço, me olhando com desprezo.
Engraçado como certas coisas nunca mudam, não é?
questionou, me medindo dos pés a cabeça. A história está se repetindo:
assim como há dois anos, você está novamente sendo trocada. E por uma de
nós, ainda por cima.
Com um sorriso doce nos lábios, sustentei seu olhar.
Não que me importe com o que você pensa ou deixa de pensar
sobre mim, mas por quem exatamente está dizendo que estou sendo
trocada?
Ela piscou e o sorriso em meus lábios se ampliou.
Não se faça de desentendida. Se você teve curiosidade o
suficiente para fuçar no perfil da escola, certamente sabe sobre o que boa
parte da escola está comentando.
Passei uma das mãos pelo cabelo, intensificando o aperto no rabo de
cavalo que o prendia, enquanto voltava a fitar a pista, ignorando por
completo seu olhar ao meu rosto.
Ah, claro, presumo que esteja se referindo ao boato que está
rolando por aí sobre você e Jacob, não é? indaguei, fingindo indiferença.
Ouvi Serena comentando algo sobre.
Ela e boa parte da escola não falam de outra coisa respondeu
com presunção.
Ignorando a pontada de raiva, me ergui do banco e virei o rosto para
poder fitá-la nos olhos.
Eu não sabia que você gostava de garotos como Jacob. Pensei
que só gostasse de atletas declarei, lembrando de todos os ex-namorados
dela, que eram, em sua grande maioria, atletas do time de lacrosse da
escola.
O mesmo vale para você repontou sem nem pestanejar,
cruzando ambas as pernas no banco e me lançando um olhar malicioso.
Quer dizer, seu tipo mudou drasticamente considerando o cara com quem
namorou pelos últimos anos.
Sorri.
Ah, então é sobre isso constatei, vasculhando seu rosto com
atenção.
Sobre isso o quê? ela repetiu, franzindo a testa.
O seu repentino e aparentemente inexplicável interesse pelo
Jacob. esclareci, ainda de pé. É porque ele se envolveu comigo. fiz
uma careta, fingindo pensar. Sabe, parando para pensar melhor, acho que
esse é exatamente o tipo de garoto que vocês, membros do ABC, gostam:
meus ex. Por isso Carly quis Nate e você agora quer Jacob.
Bella sorriu, se erguendo do banco e se colocando ameaçadoramente
diante de mim com uma expressão fugaz no rosto.
Ou talvez o problema seja com você, que é tão desinteressante
que não demora nada para que os caras a larguem para vir até nós.
Ainda sustentando seu olhar, abri um sorriso provocador.
Claro, Bella, se é o que você acha, quem sou eu para discordar?
falei, demonstrando nítido desinteresse pelo que ela falava; Bella era
uma daquelas pessoas que fazia qualquer coisa por um pouco de atenção e
talvez fosse justamente por isso que estivesse atrás de Jacob agora: ela sabia
dos boatos sobre nós dois, razão que a fez entrar na história para poder
arrancar todos os holofotes para si. Tendo em mente que a melhor forma de
provocá-la era com o silêncio, eu estava prestes a ignorá-la e voltar para a
pista de corrida, mas sua voz me fez parar subitamente, assim que ela
começou a falar, reconquistando a minha atenção.
Você e Carly sempre tiveram as melhores coisas murmurou,
me fitando com uma expressão sinistra no rosto. As melhores notas, os
melhores namorados, e até as melhores roupas, mesmo você não tendo nem
metade do dinheiro do que eu tenho pontuou, cerrando os punhos.
Mesmo não estando satisfeita, eu sempre as deixei para vocês, me
contentando com o que sobrava para mim, mas agora que você não é mais
uma de nós, não permitirei que fique com ele, Astrid. Não quando posso tê-
lo para mim.
Surpresa, franzi o cenho em contemplação pela sua visão distorcida
das coisas.
Carly, ela e eu, havíamos nos conhecido ainda no fundamental, e
desde aquela época eu já tinha ciência do quanto eu era diferente de cada
uma delas: enquanto eu morava numa casa relativamente modesta, elas
viviam em mansões que mais pareciam castelos e todo o seu estilo de vida
coincidia com aquilo, tornando suas realidades totalmente diferentes da
minha, uma garota cuja vida, toda a cidade fazia questão de comentar.
Mesmo sabendo disso – que não podia competir com elas –, acabei me
tornando próxima de ambas e, quando pude perceber, já éramos amigas.
Sendo totalmente franca, eu nunca entendi o motivo de elas, sendo como
eram, terem se aproximado de alguém como eu e muito menos de terem me
autointitulado como a sua “líder”, mas o fato é que, em dado momento, nos
tornamos inseparáveis – até o fatídico dia em que descobri que Carly estava
dormindo com o meu namorado, é claro; eu sempre me considerei de
alguma forma inferior a elas, nunca chegando a pensar que pudessem se
sentir da mesma maneira em relação a mim.
Tendo isso mente, estava mais do que claro que Bella somente
estava interessada em Jacob, pelo fato de supor que eu também estava.
Aquilo não tinha relação com sentimentos; era tudo sobre poder.
Bem, boa sorte com ele, então me ouvi dizendo, abrindo um
sorrisinho, me recusando a demonstrar uma reação a todas as provocações
dela – ainda que sentisse o peito inflar de raiva com toda aquela atitude
mesquinha e presunçosa.
Ela imitou o meu sorriso, erguendo decididamente o queixo.
Sorte é para os perdedores declarou, me dirigindo um olhar
repleto de arrogância. Pode apostar que não vou precisar dela para
conseguir o que eu quero concluiu, cruzando ambas as pernas de uma
maneira desafiadora.
Eu tive vontade de simplesmente abaixar a gola do meu casaco e
mostrar a ela a evidência de que seu jogo seria inútil; “ele está comigo”,
uma vozinha praticamente me ordenou a dizer, mas eu sabia que aquilo não
era totalmente verdade e, mais, que se fizesse isso, nunca mais teria
sossego. Eu já era alvo das línguas ferozes de boa parte da cidade desde que
me entendia por gente e, caso assumisse um envolvimento com uma pessoa
cuja reputação ainda pior do que a minha, definitivamente teria sérios
problemas; e eu não estava nada disposta a ter que encará-los.
Por isso, lançando um olhar repleto de doçura na direção de Bella,
avancei na direção da pista de corrida, intensificando o ritmo dos meus
passos, conforme chegava à conclusão de que precisava tomar uma atitude.
Em todos os meus dezessete anos de vida, eu nunca fui alguém
muito fácil de impressionar, razão essa que talvez explique o motivo de
somente ter me apaixonado por uma única pessoa, e o resultado não foi
nada legal: o babaca destruiu o meu coração em mil pedacinhos. Desde
então, eu prometi que jamais me permitiria cair na cilada do amor outra vez,
mas, agora, depois dele e tudo o que causava em mim, eu sabia que já era
tarde demais para voltar atrás.
Eu não estava apaixonada por ele – ao menos achava que não; mas
uma coisa era fato: eu estava totalmente atraída por ele e o desejava como
nunca desejei alguém antes.
Assim sendo, só me restava uma coisa a fazer: ceder.
Apenas alguns minutos após o fim da aula, recolhi o meu celular do
armário do vestiário e rapidamente tratei de enviar uma mensagem de texto
para Jacob, pedindo que me encontrasse em cinco minutos.
Respirando fundo, guardei meu celular de volta e então caminhei em
direção a um dos chuveiros, entrando debaixo da ducha e decidindo
mentalmente, enquanto sentia a água lavar meu rosto e todo o meu corpo,
que estava tomando a decisão certa, por mais assustadora que ela pudesse
parecer.
21.

JACOB.

Abri bruscamente a porta da biblioteca, fazendo com que vários


pares de olhos se voltassem em minha direção.
Ignorando cada uma das reclamações de barulho, caminhei
decididamente até a mesa onde uma garota loura e baixinha estava
debruçada sobre um livro, folheando-o tediosamente.
Serena chamei sem a menor delicadeza, ao me colocar diante
de sua mesa. Precisamos conversar.
Ela deslocou os olhos do livro para mim, franzindo a testa ao fixá-
los na minha expressão evidentemente brava.
Olá, Jacob. É muito bom revê-lo falou, abrindo um sorrisinho.
O que diabos se passa na porra da sua cabeça? disparei e desta
vez a lourinha conferiu os arredores, notando a atenção indesejada que eu
estava atraindo devido meu tom de voz, antes de recolher o livro que
anteriormente folheava e me puxar pelo braço, longe dos olhares de todos.
Passamos pelas portas que dividiam a biblioteca e só paramos
quando chegamos nos corredores momentaneamente vazios.
Acredito que podemos conversar sossegadamente aqui
constatou, após uma rápida averiguação ao nosso entorno. Certo. Aonde
paramos?
O que diabos você tem na cabeça? grunhi, estreitando os olhos
para a sua expressão ofendida.
Um cérebro e...
Não comece a cortei rispidamente. Estou falando sério.
Não é hora para piadas.
Ela fez cara feia, arqueando uma das sobrancelhas em ironia ao meu
comentário.
Tudo bem soltou, cruzando ambos os braços sob o peito
enquanto me fitava impacientemente. E então? Vai ou não dizer o
motivo de apenas alguns segundos atrás ter insinuado que eu não tenho
cérebro? ergueu o indicador. E sim, sou inteligente o suficiente para
entender a mensagem subliminar por trás das suas palavras grosseiras.
Já que é tão inteligente, deveria compreender o motivo de eu ter
de usá-las retruquei, trincando o maxilar.
Ela bufou.
Menos enrolação e mais objetividade, Jacob. Não tenho o dia
inteiro. Minha aula de ciência política começa daqui a pouco e eu deveria
estar estudando para não bombar na prova, ao invés de estar aqui jogando
conversa fora com você.
Suspirei, esfregando o rosto na tentativa de manter a calma.
Tudo bem, Serena cedi, suspirando. Que tal começarmos
com o fato de você ter colocado merda na cabeça da sua irmã e
terminarmos com o motivo de ter feito isso?
Ela franziu o cenho.
Não sei do que está falando.
Trinquei o maxilar.
Estou perguntando o motivo de você, sua maluca, ter sugerido
para Astrid que eu sou o responsável por disseminar todos esses boatos
estúpidos sobre eu tê-la “usado”, apenas para poder me dar bem com
Isabella esclareci impacientemente.
Eu apenas constatei o óbvio ela respondeu seriamente.
Sinto em desapontá-lo, mas é exatamente essa a impressão que você está
causando ao sair com Isabella não muito tempo depois de ter sido visto
beijando a minha irmã.
Como sabe sobre o beijo? indaguei de olhos estreitos e ela deu
de ombros.
É como eu disse: todo mundo sabe, Jacob. Estão comentando sem
parar sobre vocês e é claro que não tive como ficar de fora de toda essa
conversação.
E realmente acha que isso lhe dá o direito de fazer a minha
caveira para a sua irmã? questionei, lembrando da maneira – psicótica –
como Astrid agiu quando me contou tudo ontem a noite.
Ora, não seja tão dramático. pediu, balançando uma das mãos
em desdém. No final das contas, eu acabei o ajudando, então não vejo
motivo algum para estar se queixando agora.
Estreitei os olhos.
Como assim me ajudou? repeti, desconfiado.
Não se faça de bobo, Jacob. Sabe muito bem sobre o que estou
falando declarou, arqueando uma das sobrancelhas. Ou realmente
acha que não percebi que a minha irmã chegou mais tarde que o normal
ontem à noite? Sem mencionar no rubor no rosto dela e no estado
assanhado em que seu cabelo estava, que certamente não se justifica pelo
fato de o clima estar “mais gélido a essa época do ano”, como ela disse ao
nosso pai balançou a cabeça em reprovação, abrindo um sorrisinho
presunçoso. Você deveria estar me agradecendo, Jacob.
Fechei a cara.
Então quer dizer que tudo não passava de um plano? inquiri,
obtendo a minha resposta quando ela simplesmente deu de ombros,
indiferente. Meu Deus, você realmente é maluca, garota!
Chame do que quiser retrucou, apontando com o polegar para
si mesma. Eu chamo de precaução.
Acho que você deveria passar mais tempo com o seu pai
opinei e ela inclinou a cabeça para o lado, confusa. Ele é um psicólogo,
não é? Acho que você definitivamente está precisando se consultar com um.
Serena revirou os olhos, antes de jogar o cabelo louro por cima do
ombro e me fitar de olhos estreitos.
Deixando as bobagens de lado, espero que esteja grato o
suficiente para voltar a colaborar com o acordo.
Senti minha expressão endurecer.
Não vou ajudá-la, Serena. Já dei a minha palavra final e nada e
nem ninguém me fará mudar de ideia.
Ela suspirou.
Vamos lá, Jacob! Não seja chato! implorou, agarrando meu
antebraço em uma súplica infantil. Você me disse que precisava de
dinheiro, não é? Eu posso ajudá-lo. Basta que me ajude também.
E ainda preciso do dinheiro retruquei prontamente. Mas já
disse que não vou voltar a compactuar com o seu plano, então mantenho a
minha posição, Serena. declarei, afastando bruscamente o braço da sua
mão.
Ela franziu os lábios, me fuzilando com o olhar antes de bufar e
bater um dos pés contra o chão, exatamente igual a uma criança birrenta.
Tudo bem. Já que é assim, vou encontrar outro cara para sair com
a minha irmã. Não devo perder as esperanças. Talvez alguém...
Não se atreva declarei firmemente, calando-a. Não vou
permitir que arranje um cara aleatório e tente uni-lo a sua irmã.
Serena arqueou uma das sobrancelhas.
E por qual motivo? Se não vai me ajudar, então fique quieto e não
me atrapalhe.
Soltei o ar com força, lutando contra o estresse que aquela garota
despertava em mim a cada vez que abria a boca.
Olhe só comecei, tentando manter a calma. Apenas deixe
as coisas como estão, ok? Por mais que precise do dinheiro, não o quero.
Não o seu, pelo menos. Darei um jeito. E, mais do que isso, detestaria a
ideia de você contratando algum cara qualquer para sair com a sua irmã.
Posso continuar com o combinado, mas sem a remuneração.
Assim que terminei de falar, notei o olhar vidrado de Serena ao meu
rosto, me fitando em evidente espanto.
Está falando sério? quis saber, franzindo a testa. Realmente
está dispensando a remuneração?
Suspirei.
Sim, Serena. Isso mesmo concordei, fazendo com que os
olhos dela esbugalhassem em surpresa.
Ela piscou algumas vezes, seus olhos vasculhando a minha
expressão com uma intensidade que quase me fez desviar o olhar.
Espere um segundo ela começou, me observando com
atenção, antes que repentinamente arregalasse seus olhos, parecendo
surpresa. Você gosta dela murmurou, e não era uma pergunta.
Honestamente, eu não sabia exatamente se gostava dela – pelo
menos não da maneira como Serena estava insinuando; eu de fato gostava
de passar um tempo com ela e definitivamente adorava aquela
personalidade atrevida e extremamente sexy, mas não podia afirmar se
estava realmente apaixonado, porque a única coisa que sabia com certeza,
era que tinha um puta tesão por ela.
Permaneci calado, de cara fechada, ao passo que Serena, aquela
psicopata loura, se desatava a rir.
Ai meu Deus, então quer dizer que por debaixo de toda essa casca
grossa se esconde um coração “super mole”? ela provocou, levando uma
das mãos até o meu queixo para poder tocá-lo em gozação.
Rapidamente bati na sua mão, mas antes que pudesse revidar o seu
comentário, senti meu celular vibrando contra o bolso da minha calça. Ao
fisgá-lo, franzi as sobrancelhas quando o nome de Astrid surgiu pela barra
de notificação. No mesmo instante cliquei, me deparando com a seguinte
mensagem:
Me encontre na sala do zelador em 5 min.
-A
É ela, não é? Serena quis saber, me espantando. Seus olhos
estavam atentos ao meu rosto, quando ela prosseguiu, com ambos os braços
cruzados sob o peito: Aposto que ela deve estar surtando agora
suspirou, balançando negativamente a cabeça. Você deverá ter paciência
com ela, Jacob. Conhecendo-a como conheço, ela certamente não vai querer
se envolver com você agora; dirá algo como: “não estou pronta para isso”, e
então caberá a você respeitar a vontade dela aconselhou, me fitando
seriamente. Deixe o restante comigo.
Estreitei os olhos para ela e só então uma observação perturbadora
ao seu respeito me veio à tona: o quanto ela conseguia ser fria com relação
ao fato de estar manipulando toda a situação para obter o que queria, não se
importando nem um pouco com o fato de os sentimentos de sua irmã
estarem envolvidos na coisa toda. Era, entre outras coisas, assustador.
Ela arqueou uma das sobrancelhas, captando o meu olhar.
Está esperando o que para ir encontrar com ela? indagou,
mandona. Caso não tenha percebido, minha irmã odeia esperar, então é
bom você se apressar aconselhou, elevando uma das sobrancelhas
quando permaneci a olhá-la com uma expressão séria no rosto.
Depois de apenas mais alguns segundos, segui seu conselho, lhe
dando as costas, e caminhando pelos corredores rumo a sala do zelador, ao
passo que pegava o celular e digitava rapidamente um “A caminho”.
Eu não fazia a menor ideia do que faria a seguir; sabia o quanto
concordar com o acordo de Serena não era correto, mas, mesmo assim,
estaria disposto a mandar a razão ir à merda, caso tivesse a oportunidade de
beijar aqueles lábios – cujo gosto permanecia fresco na minha memória
feito uma maldição – outra vez.
Eu sabia o quanto tudo aquilo era fodidamente errado, mas não era
como se eu costumasse fazer as coisas certas, de toda forma.
22.

ASTRID.

Àquela altura do campeonato, eu já deveria estar habituada a falta


de pontualidade de Jacob Davies, mas, mesmo assim, me peguei num misto
de raiva e incredulidade, quando ele apareceu quase 10 minutos depois do
combinado, na sala do zelador.
Usando uma regata branca por debaixo de uma camiseta de botões
preta – a qual mantinha aberta – ele adentrou no pequeno cômodo com uma
expressão desconfiada no rosto. Seu cabelo castanho estava penteado para
trás e só então pude perceber que era justamente por essa razão que ele
comumente usava aquele gorro negro: para poder impedir que as madeixas
de seu cabelo, cortado em estilo “Middle Part”, caíssem contra seu rosto.
Minhas observações à sua aparência não acabaram por aí: além de estar sem
o gorro, ele usava uma corrente de prata com uma cruz, além de um brinco
de argola em uma das orelhas.
Olhe só, devo confessar que estou um tanto surpreso pela sua
atitude ele disse, me tirando de meus devaneios, assim que fechou a
porta às suas costas e veio até mim. Cruzando ambos os braços sob o peito,
ele me lançou um olhar semicerrado, me mediando dos pés a cabeça,
enquanto prosseguia: Pensei que faria como da última vez e me pediria
para que esquecesse tudo.
Respirei fundo.
Você estava certo, Jacob eu falei simplesmente, decidindo
ignorar o seu comentário – obviamente provocativo – sobre a maneira como
reagi da última vez que nos beijamos. Ele arqueou uma das sobrancelhas,
me forçando a revirar os olhos e então confessar, à contragosto: Eu
realmente gostei de ter beijado você, ok? Satisfeito?
Ele franziu o cenho.
Na verdade, não falou, me fitando confuso. Pelo menos
não até que me explique o por quê de ter me pedido para “fingir que nada
aconteceu” e, principalmente, de ter começado a me ignorar depois que
tudo aconteceu.
Suspirei, esfregando o rosto no intuito de desviar um pouco a
atenção do seu rosto – o qual, por sinal, se mantinha intensamente atento ao
meu.
Eu fiquei assustada, está bem? admiti, fitando um dos botões
da camiseta dele, em vez de encará-lo. Eu já conseguia sentir as minhas
bochechas esquentando e só Deus sabia o quanto odiava demonstrar aquilo
– especialmente para ele. Não sabia como reagir, então simplesmente...
recuei.
Ele fez uma careta.
Desculpe, mas continuo sem entender. Do que diabos você estava
com medo? ele quis saber, aparentando genuína confusão.
De você, e do quanto me fez sentir fora do controle das minhas
próprias emoções.
Quer saber? Isso foi uma péssima ideia. Eu realmente não deveria
ter vindo até aqui eu soltei, irritada, pretendendo passar por ele, mas
uma de suas mãos agarrou meu antebraço e, delicadamente, ele me puxou
de volta, com uma expressão séria no rosto.
Você está fazendo de novo, Astrid comentou, cruzando ambos
os braços e se aproximando de mim, me encurralando. Encolhi no lugar,
notando que ele bloqueava a minha saída e engolindo em seco devido a toda
aquela repentina proximidade. Está tentando fugir falou, em
repreenda.
Ergui decididamente o queixo no mesmo instante, encontrando seu
olhar, decidida a não demonstrar o quanto me sentia nervosa.
O que estou tentando dizer é que estou atraída por você
admiti, sustentando o seu olhar em desafio. O que você vai fazer a
respeito?
Os olhos dele deslizaram para os meus lábios quase tão rápido
quanto suas mãos me agarram por trás, sobre a minha bunda, me erguendo
do chão para poder me encurralar e, assim, grudar seus lábios nos meus.
Sem perder tempo, envolvi sua cintura com as minhas pernas, seu corpo
prensando contra o meu, me empurrando contra as prateleiras repletas de
produtos de limpeza às minhas costas. Sem delongas, ele enfiou a língua na
minha boca e arquejei quando senti o volume da sua calça contra a mim,
enquanto ele inclinava o rosto, colando ainda mais o seu corpo ao meu, para
poder aprofundar o beijo. Ele irradiava calor e, inebriada pelo seu perfume,
não consegui pensar em nada, a não ser no quanto meu corpo inteiro
latejava de desejo por ele. Meus seios pareciam pesados e meu interior
vibrava a cada movimento que ele fazia, me entorpecendo. Soltei um
gemido baixinho quando senti os lábios dele distribuindo beijos molhados
pela minha pele, trilhando o caminho até a linha da minha mandíbula e,
quando ele mordiscou o lóbulo da minha orelha, tive que morder o lábio
inferior para evitar que um gemido de luxúria me escapasse. Cravei as
unhas nas costas dele em resposta, e, dessa vez, foi ele quem soltou um
gemido gutural, empurrando de leve os quadris contra mim, me fazendo
arquejar devido a proximidade do seu membro rijo contra meu corpo, ao
passo que sua mão apertava com força a minha bunda, tornando tudo ainda
mais intenso.
Não sei até onde eu teria ido caso o sinal não tivesse tocado, me
fazendo – enfim – despertar para a realidade; o fato foi que, quando o som
entonou pelos meus ouvidos, relutantemente empurrei de leve os ombros de
Jacob, que, entendendo o recado, lentamente me libertou de seu toque e,
assim, eu fiquei outra vez de pé.
Você precisa parar de fazer isso, Astrid ele sussurrou, depois
de recuar alguns passos, desgrudando o rosto do meu pescoço. Sua
expressão parecia sofrida, mas foi somente quando segui seu olhar – o qual
estava fixo em sua virilha – que entendi sobre o que estava falando. Essa
é a terceira vez que você me deixa assim, e não faz absolutamente nada a
respeito.
Prendi uma risada.
O sinal tocou, Jacob lembrei, fazendo força para não rir da sua
expressão frustrada. Precisamos voltar antes que notem a nossa
presença, ou pior: antes que sejamos pegos aqui.
Ele bufou, recuando alguns passos, me dando espaço suficiente para
poder passar, enquanto passava ambas as mãos pelos seus cabelos,
parecendo irritado.
Tudo bem, mas como será daqui por diante? ele quis saber, me
fitando com atenção. Espero muito que não volte a me pedir para que
ignore isso, ou juro por Deus que acabarei morrendo de tanta frustração
sexual disse, parecendo verdadeiramente angustiado.
Bem comecei, umedecendo os lábios, e os olhos dele
rapidamente seguiram o movimento, antes que voltassem novamente para
os meus, me encarando. Acho que, depois disso, já sabemos que a
tensão sexual entre nós é simplesmente impossível de se ignorar, então
sugiro que continuemos numa outra hora, sem, você sabe, compromisso
algum.
Ele franziu o cenho.
Está sugerindo sexo casual?
Concordei, hesitante.
Eu não quero um compromisso. E você?
Ele negou rapidamente.
Não, para mim está bom assim, contanto que possamos nos pegar
às vezes falou, me fazendo revirar os olhos devido a sua escolha de
palavras. Com um sorriso malicioso nos lábios, ele voltou a se aproximar de
mim, mas rapidamente o detive depois de espalmar seu peito, fazendo com
que estancasse no lugar e me olhasse confuso.
Antes de qualquer coisa, precisamos estipular algumas regrinhas
informei, fazendo seu sorriso vacilar.
Ele bufou, recuando alguns passos.
Pelo amor de Deus, não torne a coisa toda chata resmungou,
mas eu o ignorei.
Regra número 1: nada de mordidas, arranhões ou quaisquer
gestos que possam deixar marcas baixei a gola da minha blusa,
revelando a mancha arroxeada a qual tive de cobrir com um pouco de
maquiagem depois de sair do vestuário, minutos atrás. Se vamos
realmente fazer isso, precisamos ser discretos e não deixar vestígios, o que
nos leva a regra número 02: prevendo toda a confusão que seguirá caso
tornemos isso público, sugiro que mantenhamos isso em segredo, apenas
entre nós dois.
Ele fez uma careta e, notando isso, me prontifiquei em perguntar:
De acordo? indaguei, arqueando uma das sobrancelhas.
Sim concordou, após uma pausa. Com um sorriso malicioso
nos lábios, ele acrescentou: Vou adorar ser o seu segredinho sujo.
Revirei os olhos, fazendo com que o sorriso dele ampliasse.
Da próxima vez que fizer isso, espero muito que seja enquanto
estiver debaixo – ou por cima, se for da sua preferência – de mim falou,
se aproximando e me segurando pela cintura, voltando a colar seu corpo no
meu. Garanto que farei valer a pena.
Engoli em seco, sentindo meus olhos recaírem involuntariamente
para os lábios dele, que estavam repuxados em um sorrisinho presunçoso. E
então, pela segunda vez, nos beijamos; ele levou suas mãos até o meu rosto,
espalmando-o, enquanto enlacei seu pescoço com as minhas, e nossas
línguas, por sua vez, voltaram ao encontro uma da outra, se movendo numa
dança lenta e sensual, que somente teve fim quando ficamos os dois, sem
fôlego.
Umedecendo os lábios, eu fui a primeira a me afastar, lhe lançando
um olhar que coincidia perfeitamente com o que ele me dirigia: lascivo.
Quando é que eu vou poder ver você de novo? ele perguntou,
quando fiz menção de passar por ele, verdadeiramente temerosa quanto a
possibilidade de acabarmos sendo pegos.
Abri um sorriso debochado.
Tenha paciência, Davies.
Estou tentando falou, me fazendo sorrir. Mas está meio
difícil desde que descobri o puta tesão que tenho por você e essa sua boca
atrevida. É insano.
Uma parte de mim ficou feliz em ouvir aquilo, afinal, significava
que ambos estávamos nos sentindo exatamente igual em relação ao outro e
que, possivelmente, aquilo mal passava de uma tensão sexual gritante. Só
precisaríamos de alguns encontros e então pronto; tudo voltaria ao normal.
Entrarei em contato com você assim que possível avisei,
atenta a expressão frustrada em seu rosto. Até lá, nada de quebrar as
regras do nosso “lance” ameacei, lhe dirigindo uma expressão dotada de
repreensão.
Ele suspirou.
Tudo bem, Astrid. Esperarei até que você me contate afirmou.
Ótimo eu disse, lhe lançando mais um olhar antes de abrir a
porta e, espiando pelos arredores, sair, me infiltrando entre todos os
adolescentes que preenchiam os corredores.
23.

JACOB.

“Me contatar” uma ova.


Já fazia quase um dia, e ela não me ligou e tampouco me enviou
uma mensagem de texto sequer, contrariando o que havia me dito ontem,
enquanto nos agarrávamos na sala minúscula do zelador. Eu sabia que seja
lá o que teríamos dali por diante seria casual e sem toda essa coisa de
compromisso, mas, porra, ela disse que ligaria.
Frustrado, bufei, largando o celular contra a minha cama, enquanto
encarava o teto, entediado. Em dias como aquele, a solidão parecia me
tomar conta por completo. No passado, quando meu pai ainda estava livre,
morando comigo, costumávamos comprar porcarias e então nos entupir
delas enquanto assistíamos a reprises de programas famosos da década de
1990 – ele tinha uma estranha fixação por elas. Eram bons tempos, mas
agora, só de lembrar neles, me sentia dividido entre a tristeza e a irritação
pelo quanto a porra do destino – se é que ele existia – foi cruel conosco, nos
separando sem dó alguma.
Eu estava prestes a me levantar da cama para poder ir tomar uma
ducha, quando o meu celular vibrou. Rapidamente o peguei, sentindo o meu
sorriso murchar conforme avistava o nome de Serena no identificador de
chamadas. Com uma expressão decepcionada no rosto, esperei que ele
tocasse um pouco, antes que o atendesse.
O que você quer Serena? foi a primeira coisa que eu disse,
meu tom soando excessivamente desinteressado até mesmo para os meus
próprios ouvidos.
Olá para você também, Jacob ela resmungou, do outro lado da
chamada. Permaneci em silêncio e, percebendo isso, ela rapidamente tratou
de começar a falar: Preciso que me faça um favor.
Suspirei.
Claro que sim.
Preciso que você responda com um “sim” à pergunta que minha
irmã lhe fará daqui uns três minutos ela continuou e rapidamente me
sentei na cama, interessado.
Do que está falando? indaguei, franzindo o cenho. E que
pergunta é essa?
Serena bufou.
Haverá uma festa na casa de Nancy Geller essa noite e quero
muito ir, então pedi à minha irmã para que fosse comigo, mas como ela
relutou em vez de dizer simplesmente um “não”, acabei chegando à
conclusão de que irá ligar para você informou.
E o que faz você pensar que ela irá ligar para mim?
interroguei, arqueando uma das sobrancelhas.
Serena bufou, como se eu estivesse fazendo alguma pergunta idiota.
Não se faça de bobo, Jacob. Eu sei que vocês estão tendo algo.
Eu previ isso na biblioteca, inclusive, então nem venha tentar me deixar de
fora dessa se queixou, me fazendo revirar os olhos. Além do mais,
sei que vocês não se veem desde ontem, porque estive com Astrid durante
todo o período em que ela trabalha na biblioteca, impossibilitando-a de vê-
lo, além de saber que ela é certinha demais para simplesmente dar uma
“escapada” à noite para poder encontrar com o seu novo “peguete” e, dessa
maneira, a melhor oportunidade para vocês poderem perdi a atenção no
que ela falava, tão logo suas palavras fizeram sentido para mim; então ela
não havia me ligado por falta de tempo. Isso era bom. Muito bom. Sendo
sincero, uma parte de mim estava um tanto receosa de que ela pudesse
mudar de ideia, tendo em mente a sua natureza imprecisa, mas, felizmente,
não era o caso.
Então, você vai me ajudar ou não? a voz de Serena me
arrancou de meus pensamentos, me fazendo perceber que estava divagando.
Reprimi um gemido.
Eu bem que poderia ter um dito um não, mas só Deus sabia o quanto
eu queria ver Astrid de novo e, principalmente, voltar a beijar aqueles
lábios suaves e atrevidos, que tanto vinham me assombrando; o desejo de
estar com ela outra vez era quase uma necessidade carnal e, pensando
melhor, talvez se desse pelo fato de ela ser a única coisa que me fazia
esquecer um pouco dos meus problemas e de toda a minha realidade de
merda.
Sim acabei respondendo à contragosto, e no mesmo instante a
lourinha psicopata soltou uma risadinha eufórica do outro lado da linha que
fez meu ouvido zunir.
Obrigada, Jacob ela disse em seguida, me surpreendendo pela
sua inédita capacidade de agradecer, quando, de repente, meu celular vibrou
e, ao afastá-lo do ouvido para poder checar a notificação, me deparei com o
nome de Astrid sobre a tela.
Preciso desligar, Serena falei prontamente, não esperando pela
sua resposta, antes de encerrar a chamada e, em seguida, atender à de
Astrid.
Oi ela foi a primeira a dizer, emendando em seguida, sem
esperar pela minha resposta: Seria muito estranho se eu o chamasse para
ir a uma festa comigo essa noite?
Um pouco respondi, sorrindo, mesmo já sabendo de tudo.
Serena está quase enlouquecendo porque quer ir à essa festa, e
como nosso pai não permite que ela saia sem mim, eu sou meio que o
“empecilho” entre ela e essa tal festa, motivo esse que a levou a
praticamente me implorar para ir com ela explicou, suspirando. Eu
obviamente não quero ir, mas, como não tenho nada melhor para fazer,
acredito que seja uma boa oportunidade para que possamos nos encontrar.
Arqueei uma das sobrancelhas.
Nos encontrarmos numa festa lotada, Astrid? O que aconteceu
com a regra número 02, “nada de sermos vistos juntos em público”? eu
quis saber, genuinamente interessado.
Ela bufou.
Não esqueci da regra, Jacob. Apenas pensei que pudéssemos
aproveitar a oportunidade para poder nos ver, depois de sairmos de lá,
obviamente.
Assenti, compreendendo tudo.
Certo, entendi.
Ela fez uma pausa.
Então, você topa?
Fiquei em silêncio por um tempo, fingindo pensar.
Eu não gosto muito de festas, mas se for para encontrar com você
lá, então sim, eu topo falei.
Certo ela disse, parecendo animada. Então nos
encontramos lá?
Assenti, mesmo sabendo que ela não poderia ver.
Na casa de Nancy Geller, certo? eu perguntei, não reparando
no que tinha dito de errado, até que ela ficasse em silêncio.
Como sabe onde a festa será? indagou lentamente, parecendo
desconfiada. Em momento nenhum falei sobre o endereço, Jacob.
Ah, merda.
Cidade pequena, Astrid desconversei, rogando para soar
convincente. Todo mundo sabe de tudo.
Ela permaneceu em silêncio por um tempo e quando pensei que não
diria mais nada, me surpreendeu ao murmurar:
É, você tem razão disse e eu quase conseguia vê-la dando de
ombros. Enfim, nos vemos lá. Esteja lá às nove, Jacob. Não nove e dez,
ou nove e cinco, às dez em ponto decretou, mandona.
Sim, senhora eu brinquei.
Pois bem, até lá disse, desligando antes mesmo que eu
pudesse respondê-la. No segundo seguinte, larguei o celular contra o
colchão e levantei da cama, indo direto para o banho.
Os planos para a noite haviam acabado de mudar.
24.

ASTRID.

A casa de Nancy Geller estava completamente lotada.


Um tanto impressionada, passei os olhos por toda a extensão da sala,
notando o quanto o lugar era assustadoramente grande, mas, ainda assim,
parecia sufocante, tamanha a aglomeração que o preenchia.
Eu adoro essa música uma Serena notadamente animada
comentou bem ao meu lado, próximo ao meu ouvido e só então me permiti
prestar atenção à música ambiente do lugar, identificando as vozes de Dua
Lipa e Miley Cyrus na canção “Prisoner”. É, ao menos a música era boa, eu
tinha de admitir; fiquei tão imersa nela, que quase não me dei conta de que
minha irmã continuava falando comigo: Você está de vestido.
Pisquei.
Como? indaguei, me inclinando em sua direção para poder
escutar melhor, temendo que tivesse ouvido errado.
Eu disse que você está de vestido ela repetiu, mais alto agora,
e então eu a olhei confusa, franzindo o cenho. Notando isso, ela arqueou
uma das sobrancelhas, apontando sugestivamente para o vestidinho negro
que eu usava por baixo de uma jaquetinha jeans. Você nunca usa
vestido, Astrid.
Dei de ombros.
Peguei a primeira coisa que encontrei no armário
desconversei, omitindo que, na verdade, havia escolhido aquele vestido à
dedo, pelo simples fato de ele destacar as curvas – aparentemente
inexistentes – do meu corpo, me dando um ar sensual na medida certa, sem
parecer muito vulgar.
Serena me lançou um olhar aguçado, estreitando os olhos para mim
de uma maneira que me fez desviar o olhar, incomodada por toda aquela
intensidade. Diferentemente dela, eu nunca fui uma boa mentirosa e temia
que pudesse entregar a verdade a qualquer momento: que eu havia ido
àquela festa no simples intuito de finalmente transar com ele.
Fazia quase dois anos desde que me privei de sentir qualquer coisa
por alguém, apenas pelo medo de voltar a sofrer tanto quanto sofri depois
da traição de Nataniel – o único cara na vida por quem me apaixonei e,
consequentemente, me permiti ser tocada. Agora, eu tinha dezessete anos, e
ainda era virgem; havia deixado que Nate me manipulasse mesmo sem
perceber e agora estava farta de continuar sendo apenas uma expectadora da
minha própria vida. Eu queria experimentar sensações novas, e desde
aquela noite, quando Jacob me beijou na piscina, eu soube que existia uma
versão de mim que nem mesmo eu conhecia ainda: a garota sem estribeiras
que desejava urgentemente ceder ao desejo avassalador que sentia por ele.
Bem, de toda maneira, eu gostei do vestido minha irmã
continuou, conquistando a minha atenção. Ficou muito bom em você.
Sorri, um tanto surpresa.
Obrigada falei, mas Serena ignorou minhas palavras tão logo
quanto avistou algumas de suas “amigas” do outro lado da sala, próximas à
cozinha.
Ah, eu preciso ir ela disse simplesmente, se afastando de mim
com um sorrisinho animado nos lábios. Em circunstâncias normais, eu teria
ficado chateada, mas levando em consideração o fato de realmente querer
que ela saísse o mais breve possível, simplesmente peguei meu celular
dentro do bolso da minha jaqueta e tratei de enviar uma mensagem de texto
à Jacob, informando sobre a minha localização e perguntando aonde diabos
ele havia se enfiado – mas é claro que ele não me respondeu.
Irritada, tive vontade de ligar para ele ali mesmo e xingá-lo dos
piores nomes possíveis, mas tendo em mente o local em que estava,
simplesmente soltei um suspiro irritado e então voltei a guardar meu celular
dentro do bolso da minha jaqueta. Cruzando ambos os braços sob o peito,
deslizei o olhar pela multidão de rostos desconhecidos ao meu redor, até
que enfim avistasse três identificáveis entre eles: Carly, Bella e Nataniel. Os
três estavam sentados sobre o sofá ao centro da sala, feito a maldita realeza
do lugar e imediatamente me senti invadida pela recordação de quando eu
costumava estar ali, entre eles.
Parecendo sentir o meu olhar sobre o seu, o rosto de Nataniel se
voltou abruptamente na minha direção, o sorriso presunçoso em seus lábios
se desfazendo conforme me identificava em meio àquela multidão de
pessoas. Seguindo o olhar de seu namorado, a expressão de Carly
rapidamente endureceu e o mesmo pode ser dito de Bella, cujos olhos me
mediram dos pés a cabeça, tão logo quanto se puseram sobre mim. Me
sentindo repentinamente desconfortável, ignorei-os e agilmente me enfiei
entre todas as pessoas ao meu redor, caminhando apressadamente até que
pudesse avistar a escada e subi-la, rumo ao segundo andar. A música
parecia ainda mais alta lá em cima, de tal maneira que tive de tapar os
ouvidos quando passei ao lado de uma das caixas de som localizadas contra
o chão, no corredor. Incomodada, fiz uma careta enquanto tentava passar
por todas as pessoas que dançavam animadamente ao ritmo da música,
parando apenas quando pude avistar uma porta entreaberta no corredor e
então abri-la, adentrando num quarto felizmente vazio. Suspirando, fechei a
porta às minhas costas, ao passo que olhava os arredores, notando a
decoração cor-de-rosa do ambiente – um quarto feminino, evidentemente.
Eu estava tão distraída observando tudo, que quase não percebi
quando a porta foi repentinamente aberta às minhas costas, sendo fechada
logo em seguida – o que só então despertou a minha atenção, me fazendo
virar abruptamente o rosto na direção do indivíduo que, agora, me olhava
com um sorrisinho nos lábios.
À priori, fiquei assustada, mas bastou que ele baixasse o capuz, para
que pudesse identificá-lo e então, imediatamente senti a medo se
transformar em raiva, conforme ele avançava na minha direção com ambas
as mãos erguidas.
Mas que porra, Jacob! reclamei, posicionando uma das mãos
sobre meu peito, tentando me recuperar do susto. Quer me matar de
susto?
Ele apenas sorriu, seus lábios se repuxando para cima conforme
reduzia a distância entre nós e notava a expressão cada vez mais dura no
meu rosto.
Eu disse nove horas, Jacob repreendi, quando ele se colocou
diante de mim, com aquele sorrisinho ainda intacto em seus lábios.
E também disse lá fora, mas cá está você rebateu, arqueando
uma das sobrancelhas. Parece que ambos descumprimos com o
combinado.
Fiz uma careta.
Não, eu não descumpri. Cheguei no horário combinado, mas
como você não me respondeu, acabei vindo para cá em busca de um pouco
de paz argumentei.
Na verdade, eu a respondi sim alegou. Saberia disso, se
tivesse me respondido.
Pisquei e, ao fisgar o celular do bolso da minha jaqueta, notei que
ele falava a verdade, porque, de fato, lá estava a mensagem dele afirmando
já ter chegado e perguntando sobre a minha localização. Provavelmente ela
foi enviada enquanto eu me locomovia entre toda a multidão barulhenta e
por isso não consegui ouvir o som da notificação. Droga.
Deslizei novamente o olhar para o rosto dele e foi quase impossível
não revirar os olhos quando notei a forma presunçosa como me olhava.
Tudo bem, Jacob. Você tem razão soltei, abrindo um
sorrisinho falso. Eu errei, admito. Satisfeito?
Ao invés de me responder, ele me lançou um olhar meticuloso, seus
olhos serpenteando pela extensão do meu corpo sem o menor pudor.
Gostei do vestido elogiou, arrastando lentamente o olhar
novamente para o meu rosto. Belas pernas.
Abri um sorriso provocador.
Belo capuz ironizei, esticando uma das mãos para tocar a peça
em questão.
Ele deu de ombros.
Você disse que não queria que fôssemos vistos juntos, então vim
a caráter explicou. Agora, por que não pulamos as formalidades e
vamos para a parte interessante? sugeriu, seus olhos voando na direção
dos meus lábios.
Sorrindo, recuei um passo, arqueando provocativamente uma das
sobrancelhas, mas ele avançou na minha direção e, feito um furacão, entrou
no banheiro, fechando a porta às suas costas e a trancando, antes que virasse
para mim e se aproximasse, me encurralando contra a parede, depois de ter
passado o moletom sobre sua cabeça e o largado contra o chão.
Pensei que sairíamos daqui antes comentei, mas ele nem
sequer estava me dando atenção; seus olhos âmbar estavam fixos nos meus
lábios, inebriados de luxúria, ao passo que suas mãos estavam no meu
quadril, me segurando, e seu corpo pressionava contra o meu. Soltei o ar
com força quando senti o volume na sua calça pressionando contra a minha
barriga, mas não desviei os olhos dos dele.
Mudança de planos ele disse simplesmente, umedecendo os
lábios conforme voltava a me encarar. A forma intensa como me olhava,
conseguiu roubar todo o ar dos meus pulmões, e aquele banheiro me
pareceu repentinamente quente e apertado demais para nós dois. Quero
você aqui e agora.
Santo Deus.
Uma pontada rapidamente me atingiu bem no meio das pernas e eu
quase tive que fechá-las, tentando reprimir o efeito que aquelas simples
palavras tiveram sobre mim.
E se alguém entrar aqui e acabar nos vendo? perguntei,
tomada pelo repentino nervosismo ante aquela possibilidade.
Você pensa demais, Astrid ele falou, se inclinando contra mim
e no segundo seguinte, já pude sentir seus lábios contra os meus, me
beijando com força. Em seguida, ele se afastou apenas para poder me ajudar
a tirar a minha jaqueta jeans, arremessando-a num canto qualquer, antes que
voltasse a reivindicar os meus lábios num beijo selvagem. Sem delongas,
ele enfiou a língua na minha boca e foi mais do que suficiente para que
meus pensamentos se dissipassem, fazendo com que me concentrasse
apenas no quanto meus batimentos aceleravam conforme as mãos dele
serpenteavam pelo meu vestido, causando arrepios na minha pele, me
enlouquecendo.
Afastando os lábios dos meus, ele os moveu para o meu pescoço,
depositando uma trilha de beijos molhados que me fez suspirar e, quando
enfiou as mãos por debaixo do meu vestido, agarrando a minha bunda e me
erguendo do chão, eu arquejei. Ele me levantou e, como se eu não pesasse
nada, me colocou sentada sobre a pia do banheiro. Meu vestido já havia
subido até os meus quadris àquela altura, motivo esse que certamente o
levou a recuar alguns passos, conferindo a “vista”. Eu sempre fui uma
garota contida, cujas emoções fazia questão de esconder, mas com ele era
diferente: eu não tinha o menor pudor e tampouco me importava em deixar
de lado a postura de “boa moça” para revelar a faceta de uma parte minha
que a pouco, nem mesmo eu conhecia; com as costas apoiadas no espelho,
atenta a expressão no rosto dele, abri as pernas, lhe mostrando a calcinha
rendada que usava e recebendo, em resposta, um praguejar baixinho,
indicando que eu não era a única a estar quase me desmanchando de prazer
ali.
Sem emitir uma palavra sequer, ele sustentou o meu olhar e,
sorrindo maliciosamente, levou dois dedos aos lábios, voltando a caminhar
até mim com uma expressão diabólica no rosto que me fez estremecer antes
mesmo que ele pudesse se posicionar entre minhas pernas, afastando o
tecido da minha calcinha para o lado e então enfiasse os dois dedos de uma
só vez na minha entrada, me fazendo arquejar, surpresa.
Imaginei que uma garota como você gostasse assim ele
sussurrou contra o meu ouvido, seus lábios chupando o lóbulo da minha
orelha, ao passo que seus dedos continuavam se movendo pela minha
abertura. Lento e com força.
Um gemido rapidamente me escapou, soando mais alto do que o
pretendido, mas a julgar pela forma como ele afastou o rosto para me olhar,
pude ter certeza de que gostou de tê-lo ouvido. Mordi o lábio inferior,
reprimindo outro gemido quando ele começou a mover seus dedos num
ritmo que ia de lento e torturante, ao acelerado e delicioso.
Não faça isso ele me pediu, intensificando a velocidade dos
seus movimentos contra a minha abertura. Eu quero ouvi-la. Gema para
mim.
E eu simplesmente fiz, atendendo-o sem nem mesmo protestar.
Aquela não era a primeira vez que eu era tocada; mas não daquela
maneira, é claro. Com Nate, eu tinha de instruí-lo, proferindo comandos até
que ele pudesse me satisfazer da forma como eu gostava. Com Jacob, no
entanto, não era necessário, porque ele sabia o que estava fazendo,
parecendo me conhecer melhor do que eu mesma.
Massageando o meu clitóris com o polegar, ele me observou com
atenção enquanto eu me contorcia, gemendo alto e jogando a cabeça para
trás, excitada demais para poder lembrar de onde estávamos. Os dedos dele,
então, encontraram o meu ponto G e tive de realmente morder o interior das
minhas bochechas para não gritar.
Eu vou gozar avisei, me sentindo estremecer enquanto os
dedos dele continuam em mim e rapidamente, a sensação deliciosa de um
orgasmo se espalhou pelo meu corpo.
Encostei a cabeça no vidro, soltando um suspiro satisfeito, mas não
havia acabado por ali, porque quando pude perceber, Jacob já estava de
joelhos, puxando meus quadris e, assim, me colocando sentada na beirada
da pia. Confusa, o olhei e bastou que notasse aquele sorrisinho perverso em
seus lábios, para que soubesse o que viria em seguida: com uma agilidade
impressionante, ele retirou a minha calcinha, puxando-a pelas minhas
pernas sem desfazer por um segundo sequer com o contato visual.
Umedeci os lábios, me sentindo ansiosa pelo que viria em seguida,
ao passo que ele, sorrindo presunçosamente, usava suas mãos para afastar
ainda mais as minhas pernas e, então, se posicionar entre elas.
Está enganada se acha que vai acabar por aqui ele murmurou,
sem nem mesmo me dar tempo para racionar, antes que entrasse em ação.
Meus olhos reviraram quando senti sua língua sobre o meu clitóris
inchado. Jacob o chupava lentamente, numa espécie deliciosamente
perversa de tortura, enquanto eu me contorcia. Era muito bom; quer dizer,
ele era muito bom. Realmente sabia o que estava fazendo. Sua língua se
movia com uma habilidade que me fez perceber que aquela não era nem de
longe a primeira vez que ele fazia aquilo. Ele tinha experiência; uma
evidentemente muito vasta, por sinal.
Agarrando com força as bordas da pia, dei tudo de mim para não
soltar um gemido escandaloso assim que o senti chupando com força o meu
clitóris, passando a língua pela região ultrassensível, me torturando.
Santo Deus gemi baixinho, ao passo que ele erguia o olhar
para mim, abrindo aquele sorriso de canto, diabólico.
Não clame por ele disse, rouco. Clame por mim. Isso não é
nem 1% de tudo o que pretendo fazer com você garantiu e em questão
de segundos, já voltava a me chupar com força, fazendo com que me
contorcesse loucamente sobre aquela pia e voltasse a jogar a cabeça para
trás. Uma das mãos dele serpenteou pela minha barriga, pousando sobre o
meu seio esquerdo e, quando ele o apertou com força, intensificando ainda
mais a sucção contra o meu clitóris, estremeci, sucumbindo mais uma vez a
outro – igualmente intenso – orgasmo.
Me recostei no espelho – certamente já embaçado às minhas costas
–, e arfando, literalmente sem ar, o direcionei um olhar, vendo-o passar a
língua pelos lábios umedecidos, degustando do meu gosto.
Você é deliciosa comentou, capturando o meu olhar. Em
todos os sentidos da palavra.
Sem perda de tempo, me inclinei na pia, puxando-o para mais um
beijo e ele, em resposta, enfiou uma das mãos no meu cabelo, retomando o
controle. Consegui sentir o meu gosto na sua língua quando a senti
penetrando na minha boca e só Deus sabe o quanto foi bom quando ele
puxou firmemente meu cabelo para o lado, liberando a pele do meu pescoço
e depositou uma mordida no meu ombro.
Já tínhamos quebrado várias regras àquela altura do campeonato,
então simplesmente ignorei o fato de que seus dentes certamente deixariam
uma marca na minha pele, e apenas desfrutei da sensação dos lábios dele
contra o meu pescoço, lambendo, mordiscando, chupando de leve... Deus,
era muito bom.
Passei as mãos pelas costas dele, arranhando-as de leve, e o senti
estremecer de leve, ao mesmo tempo que seus lábios continuavam nos
meus, me beijando daquela maneira que apenas ele sabia. Ele levou uma
das mãos para debaixo do meu vestido, me erguendo de leve da pia para
poder apertar a minha bunda nua e foi quase impossível não gemer de
prazer pelo contato direto entre seus dedos e a minha pele. Me colocando
sentada de novo, ele se afastou apenas o suficiente para me encarar e
apontar sugestivamente na direção do meu busto, onde o decote do meu
vestido tomara-que-caia se encontrava.
Quero vê-los ele disse, autoritário.
Arqueei uma das sobrancelhas em desafio.
Nada disso discordei. Quero vê-lo antes. Só um de nós está
seminu aqui, e não acho isso muito justo.
Ele abriu um sorriso e foi justamente quando estava prestes a puxar
a sua camiseta pela cabeça, que o som de batidas na porta nos trouxe de
volta à realidade. Nós dois congelamos no lugar, ao passo que as batidas
continuavam, incessantes, nos deixando alarmados.
Assustada, rapidamente desci da pia, ajustando o meu vestido,
enquanto lançava um olhar para Jacob e apontava sugestivamente na
direção da banheira. “Entre lá”, eu sussurrei, mas ele não pareceu satisfeito.
“Entre lá e depois me encontre lá fora” instruí, e dessa vez, apesar de
relutante, ele o fez, caminhando na direção da banheira e fechando
rapidamente a cortina, enquanto eu pegava a minha calcinha e a vestia,
temendo pelo pior. As batidas na porta continuaram.
Um minuto! praticamente berrei, recolhendo a minha jaqueta
e o casaco de Jacob do chão e passando a primeira pelos meus braços,
vestindo-a. Então, antes de destrancar a porta e sair, lancei mais um olhar na
direção de Jacob, escondido detrás daquela cortina de banheira.
Uma garota morena surgiu do outro lado da porta assim que eu a
abri, e a julgar pela forma como me fitou, pude apostar que não estava nada
satisfeita.
Mas que demora ela reclamou, passando por mim e fechando
a porta na minha cara.
Preocupada, não me demorei por muito tempo, acomodando o
moletom de Jacob sobre a cama e rapidamente saindo pela porta, rogando
para que minha aparência não revelasse o que eu estava fazendo minutos
atrás.
25.

JACOB.

Depois do que pareceu uma eternidade, o banheiro finalmente foi


desocupado, me permitindo, enfim, levantar daquela banheira e sair do local
onde, minutos antes, estava prestes a transar com Astrid.
Deus, aquela garota era... fenomenal.
Já estive com algumas dúzias de garotas antes, mas nenhuma delas,
de longe, teve o mesmo efeito que ela teve sobre mim. Mesmo agora,
alguns minutos depois de tê-la ouvido gemer enquanto eu a chupava, ainda
conseguia sentir o seu gosto na minha língua, e meu pau endurecia só de
lembrar.
Balancei a cabeça, afastando o pensamento.
Eu tinha que me concentrar; não foi nada fácil “tranquilizar” a
ereção pulsante dentro da minha calça e eu definitivamente precisaria de
autocontrole se quisesse sair dali sem ficar duro outra vez, então pensar em
Astrid e no quanto seu gosto era simplesmente viciante, não era uma boa
ideia.
Passei uma das mãos pelos cabelos, dando mais uma ajustada no
meu “amiguinho” lá de baixo – que, por sinal, não estava nada feliz com a
maneira como as coisas acabaram dentro daquele banheiro –, antes que
avistasse meu casaco sobre a cama cor-de-rosa do quarto e rapidamente o
vestisse, passando-o pela cabeça e me dirigindo, logo em seguida, até a
porta, saindo do cômodo. O som de uma canção tocava a todo vapor do
lado de fora, parecendo se ampliar conforme eu passava pelo corredor,
rumo às escadas. Enquanto avançava num dos últimos degraus, peguei meu
celular do bolso e rapidamente tratei de enviar uma mensagem para Astrid,
mas não foi necessário, porque eu a avistei alguns metro à frente,
conversando com Serena, assim que pus meus pés sobre o primeiro andar.
Ela tinha uma expressão irritada, só que foi quase impossível não desviar os
olhos de seu rosto, para o seu corpo, constatando o quanto ela ficava bem
naquele vestidinho apertado. Ele se moldava perfeitamente às curvas de seu
corpo, destacando o bumbum redondinho e avantajado, a barriga esguia, e,
claro, aquelas pernas dignas de uma daquelas modelos do Victoria Secret’s.
Reprimi um gemido.
Eu precisava urgentemente me enterrar nela; o desejo que sentia por
ela estava começando a se tornar incontrolável, de tal maneira que apenas
vê-la, era capaz de dar vida ao mini-Jake.
Porra, eu estava ficando duro de novo.
Com uma das mãos ainda apoiadas no corrimão da escada, mantive
meus olhos fixos no cabelo louro dela, quase não notando quando alguém
se colocou repentinamente ao meu lado.
Olhe só o que temos aqui uma voz feminina soou ao meu
lado, me forçando a desviar os olhos de Astrid para si. A primeira coisa que
notei ao virar o rosto foi aquele par de olhos verdes brilhantes, seguidos dos
lábios tingidos de vermelho-escarlate e, claro, o longo cabelo escuro.
Isabella.
O que faz aqui, Jacob? ela quis saber, quando nada fiz além de
fitá-la com uma expressão desconfiada no rosto. Pensei que não gostasse
de festas.
Dei de ombros.
E não gosto, mas sabe como é: não dispenso uma bebida grátis
soltei, desejando que minhas palavras lhe causassem asco, mas, em vez
disso, ela riu.
Bem, fico muito feliz por tê-lo encontrado por aqui ela
confidenciou em seguida, aproximando sutilmente seu corpo, quase colando
seus seios em mim. Porque estava prestes a convocar uma galera para
um joguinho.
Estreitei os olhos para ela.
Nada de bom poderia vir daquilo.
Agradeço, Isabella, mas vou ter que passar. Eu já estou de saída
falei, mas é claro que ela me ignorou, agarrando meu antebraço enquanto
abria um sorrisão.
Vamos lá, não seja chato. Será divertido, eu prometo!
garantiu, mas antes mesmo que eu pudesse voltar a pedir para que me
soltasse, porque queria ir embora, os olhos dela se moveram para um ponto
à minha frente e, ao segui-lo, avistei Carly Newton de braços dados com
Serena, vindo até nós com um sorriso nos lábios. E a bizarrice não acabava
por aí, porque logo atrás delas, estava Astrid, seguindo-as com uma
expressão feroz no rosto. Seu semblante endureceu ainda mais conforme
seus olhos se colocavam sobre mim e, em específico, sobre as mãos de
Isabella agarradas ao meu antebraço. Notando isso, rapidamente me
desvencilhei do toque de Isabella, que me olhou confusa mediante o ato.
Olhe só quem encontrei por ali, Bella Carly Newton comentou,
olhando para Serena com um sorriso nos lábios.
Astrid bufou.
Vou dizer pela última vez, Serena: volte para casa comigo
falou, entredentes, e eu imediatamente compreendi o motivo por trás de sua
irritação: ela não queria que Serena continuasse ali, com elas.
Carly bufou.
Ela não é mais uma criança, Astrid. Não seja chata.
É, Astrid interveio Isabella. Não seja chata. Deixe sua irmã
se divertir um pouco, sua charlatona!
Astrid revirou os olhos, impaciente.
Se você não vier comigo, Serena, juro por Deus que ligarei para o
nosso pai e aposto que essa será a última festa que participará em toda a sua
vida ameaçou.
Serena corou, passando os olhos pelas duas garotas que agora a
fitavam com desdém e os voltando para a sua irmã de uma maneira fatal.
Não seja chata, Astrid! ela reclamou, corando, e foi o primeiro
vestígio de humanidade que encontrei nela em todo aquele tempo.
Astrid a ignorou, voltando a fuzilar Carly com o olhar.
Deixem minha irmã em paz mandou.
Isabella revirou os olhos.
Não seja dramática, Astrid, não estamos fazendo nada de errado,
só vamos jogar um pouco.
Ela só tem 15 anos, sua tapada! Astrid disparou, irritada.
Não vou permitir que deem bebidas ou drogas a ela!
Carly revirou os olhos.
Não seja hipócrita, Astrid, não aja como se nunca tivéssemos
feito isso na idade dela comentou.
Serena lançou um olhar perplexo para sua irmã, que se limitou a
sustentar o olhar de Isabella no mais puro ódio.
Encostem nela e juro que ligo para a polícia Astrid garantiu.
Carly e Isabella se entreolharam, fazendo uma conversação
silenciosa, parecendo decidir os prós e os contras de “jogar” com Serena.
Tudo bem Isabella cedeu, frustrada, fazendo uma cara feia
para Astrid que, por sua vez, lhe fuzilava com o olhar. Mas espero que
saiba que não permitirei que você acabe com a toda a minha diversão para a
noite virou o rosto para mim, seus dedos serpenteando pela extensão do
meu pescoço. Eu soube que existe um quarto desocupado no andar de
cima, o que acha de ir até lá comigo, Jacob?
Carly sorriu, balançando negativamente a cabeça, ao passo que
Serena fazia uma careta e Astrid se limitava a me encarar, esperando
atentamente pelo meu próximo movimento.
Eu deveria ter sido direto, pedindo simplesmente para que ela me
largasse ou qualquer coisa do tipo, mas, em vez disso, me peguei sorrindo e,
sustentando o olhar de Isabella, me desfiz delicadamente de seu toque,
fingindo não reparar no quanto seus seios praticamente se esfregavam
contra o meu braço.
Eu adoraria, Isabella, mas realmente preciso ir falei,
percebendo ter dito a coisa errada, assim que meus olhos se puseram sobre
Astrid e então – só então – pude avistar a maneira como me olhava:
parecendo prestes a matar alguém – eu, por certo – ali mesmo.
Contudo, tão rápido quanto ela demonstrou aquele quase
imperceptível movimento, fez questão de omiti-lo depois de erguer
decididamente o queixo e olhar para Serena, ignorando descaradamente o
meu olhar.
Vamos para casa, Serena ela disse e, surpreendentemente,
Serena a obedeceu, acompanhando-a com dificuldade, tamanha a agilidade
com a qual ela caminhava em meio àquelas pessoas, desaparecendo do meu
campo de vista.
Confuso, fitei suas costas, pensando mentalmente no que poderia ter
dito de errado e, quando não encontrei a resposta, voltei a sorrir para
Isabella e antes mesmo que ela pudesse voltar a me pedir para ficar, saí.
26.

ASTRID.

Filho da puta.
“Eu adoraria, Isabella, mas preciso ir”, disse o bastardo, todo
sorridente, apenas alguns minutos depois de quase ter transado comigo
sobre a pia daquele maldito banheiro.
Trinquei o maxilar, batendo com mais força do que o necessário a
porta do armário, fazendo com que o ruído soasse perceptível até mesmo
em meio a todo o tumulto de todas as pessoas que passavam pelos
corredores.
Quando é que você vai me dizer o que foi que houve com você?
Serena indagou ao meu lado, intrigada. Ela tinha seus livros abraçados
contra o peito, enquanto me olhava, desconfiada. Irritada, peguei meus
livros e então a olhei, arqueando uma das sobrancelhas para a sua
expressão. Ela rapidamente franziu o cenho. O quê? Não me olhe assim.
Você está toda emburrada desde ontem e sequer me explicou o motivo por
trás dessa repentina mudança de humor.
Respirei fundo, tentando manter a calma.
Não há nada de errado comigo, Serena. Estou bem.
Certo, então diga isso para o nosso pai comentou, franzindo a
testa. Ele passou a manhã inteira me perguntando o motivo de você estar
“mais temperamental do que o normal”.
Revirei os olhos.
Já disse que estou bem, Serena. Apenas me deixe em paz, ok?
Quero ficar sozinha murmurei.
Ela estreitou os olhos, analisando meu rosto com atenção.
Ainda é por causa do que aconteceu ontem? quis saber e
rapidamente me senti enrijecer. Eu já disse que não ia fazer nada demais,
Astrid. Só queria socializar um pouco, e quando Carly apareceu e me
cumprimentou, eu simplesmente não pensei, só a segui.
Carly é uma idiota, Serena. E você já deveria saber disso
resmunguei, lhe lançando um olhar mortal.
Ela suspirou.
É, eu sei. Mas ela é popular confidenciou, como se isso
explicasse alguma coisa.
Arqueei uma das sobrancelhas.
Pessoas populares são normalmente as mais idiotas, Serena
falei.
Você costumava ser popular, Astrid ela lembrou, com uma
expressão irônica.
É, e adivinhe só: eu também era uma idiota. Está vendo só? Não
existe uma exceção à regra declarei, fazendo com que ela revirasse os
olhos.
Bem, eu preciso ir agora informou, suspirando. Tenho aula
agora e não posso me atrasar.
Assenti, e no segundo seguinte, minha irmã já passava por mim, se
enfiando entre todo o mar de pessoas que lotava os corredores àquela hora
da manhã. Soltando um suspiro, abracei meus próprios livros contra o peito,
me recostando contra o armário, enquanto tentava pensar em alguma coisa
que não fosse Jacob ou, claro, Bella. Eu havia passado a noite inteira em
claro pensando nos dois, e mesmo que Jacob tivesse me ligado umas cinco
vezes, foi quase impossível não cerrar os punhos a cada vez que seu nome
surgia pela tela do meu celular.
Franzindo as sobrancelhas com a lembrança, senti minha expressão
endurecer ainda mais, conforme avistava um rapaz alto com um gorro negro
sobre sua cabeça, vindo até mim com uma expressão séria no rosto. E foi
suficiente para que eu girasse nos calcanhares e rapidamente começasse a
me mover, tentando escapar dele. Meros minutos depois, contudo, notei que
minha atitude havia sido falha, assim que senti uma mão agarrando o meu
antebraço, me fazendo parar.
Ei, precisamos conversar ele disse e, hesitante, virei o rosto
para fitá-lo. Ele tinha o cenho franzido em preocupação, e a julgar pela
forma como vasculhou o meu rosto, pude apostar que parecia genuinamente
inquieto.
Aqui não praticamente sibilei, notando todos os olhares
curiosos sobre nós.
Ele bufou, me ignorando.
Liguei para você feito um maluco ontem, mas você simplesmente
me ignorou acusou.
Afastando bruscamente o meu braço da mão dele, fechei a cara, ao
passo que cruzava ambos os braços sob o peito.
Eu estava cansada menti, mas considerando a maneira como
ele estreitou os olhos para mim, certamente não havia sido convincente o
suficiente.
Custava ao menos ter me enviado uma mensagem de texto,
então? indagou, parecendo ironicamente irritado.
Trinquei o maxilar.
Que parte de eu estava cansada você não entendeu? soltei,
impaciente. Eu não quis checar a porra do celular, Jacob, então não
encha.
Ele franziu as sobrancelhas, surpreso.
O que diabos aconteceu com você? indagou, estreitando os
olhos. Por que você está assim?
Cerrei os punhos.
Porque você estava dando mole para aquela garota insuportável
apenas alguns minutos depois de quase ter transado comigo, seu imbecil!
Não é nada, Jacob. Apenas me deixe em paz, está bem?
disparei, tentando passar por ele. Preciso ir para a aula.
Para a minha consternação, no entanto, ele voltou a agarrar meu
braço, me mantendo no lugar com uma expressão impaciente no rosto.
O que você está fazendo? exigi saber, tentando me
desvencilhar do seu toque de aço. As pessoas vão nos ver, Jacob! Mas
que porra, me solte!
Em vez de me responder, ele simplesmente me puxou, praticamente
me arrastando pelo corredor lotado, parando apenas quando atravessamos
uma porta qualquer, a qual ele fez questão de trancar, nos deixando a sós.
Bufando, desviei os olhos dele, para o lugar: uma sala
esbranquiçada repleta de instrumentos musicais; a sala de música.
Tudo bem ele falou, ficando à minha frente. Já estamos a
sós agora, Astrid. Pode ir começando a falar.
Endurecendo a minha expressão, ergui afrontosamente o queixo, ao
passo que cruzava ambos os braços por debaixo do peito, sustentando o seu
olhar em desafio.
Não tenho nada a dizer soltei friamente.
Ele pareceu perplexo.
Ah, não? retoricou, irritado. Eu posso dar algumas
sugestões, então: que tal começar falando sobre o fato de estar me
ignorando desde ontem e de agora estar assim, toda fria?
Meu queixo quase caiu.
Por que não procura uma resposta no fato de ter cedido às
investidas nada sutis de Isabella Northwest, seu idiota? esbravejei, lhe
fuzilando com o olhar.
Ele piscou.
Então é por isso que você está brava? interrogou, franzindo o
cenho.
O que você acha? indaguei, irônica.
O que você queria que eu dissesse? ele soltou, inquieto.
Que eu a empurrasse ou coisa assim?
Eu não sei, Jacob, mas qualquer coisa teria sido melhor do que
aquele sorrisinho sacana seguido de um “eu adoraria, Isabella, mas preciso
ir agora” falei, fazendo uma imitação barata do seu tom de voz.
Ele pareceu ainda mais confuso.
Não estou entendendo você, Astrid comentou, balançando
negativamente a cabeça. Foi você quem disse que não queria um
“compromisso” e que ninguém soubesse sobre nós, e agora está agindo
assim?
Fechei a boca com força, ciente de que ele tinha razão – coisa que
eu não confessaria nem morta.
Quer saber? Esqueça, Jacob cuspi, tentando passar por ele,
mas, outra vez, o bastardo agarrou meu cotovelo esquerdo, me puxando
novamente para trás, bem à sua frente.
Você não vai fugir avisou, sério. Você tende a tentar
escapar sempre que as coisas complicam, mas não vou permitir que saia
antes que possamos conversar sobre isso.
Isso o quê? eu quis saber, franzindo a testa.
Ele suspirou.
Isso que está rolando entre nós esclareceu. Não acho que
vá dar certo.
Levei alguns segundos até compreender o que ele dizia com
exatidão e quando finalmente aconteceu, não pude deixar de me sentir uma
pontada bem no peito; ele estava me descartando. Porra, aquilo doía. Doía
para caralho.
Decidida a não demonstrar isso, no entanto, eu simplesmente ergui o
queixo, encarando-o com uma expressão decida no rosto e então assenti.
É, você tem razão concordei, ignorando a dor instalada em
meu peito.
Ele piscou.
Tenho?
Sim falei. Realmente não daria certo. É melhor que
acabemos antes que seja tarde declarei, notando, assim que as palavras
me escaparam, a expressão repleta de incredulidade presente em seu rosto.
Agora eu realmente preciso ir. Me daria licença?
Esperei que ele protestasse, ou que dissesse qualquer coisa para me
impedir, mas ele simplesmente deu um passo para o lado e sua atitude
equivaleu a uma facada bem na porra do meu coração.
Ignorando a dor que aquilo me causou, apenas passei por ele,
caminhando até a porta com uma expressão apática que destoava por
completo da forma como me sentia internamente: meus olhos estavam
quase lacrimejando e meu peito apertava, numa evidência de que eu havia
me entregado demais e, outra vez, tinha sido tapeada.
Só que, dessa vez, por ironia do destino, a dor parecia dez mil vezes
mais intensa, tornando tudo pior.
E foi só ali, que entendi tudo: eu havia me perdido no meu próprio
jogo, e estava, outra vez, apaixonada.
Porra.
27.

JACOB.

Qual é o seu problema? foi a primeira coisa que ouvi assim


que atendi meu celular, e eu já sabia do que se tratava antes mesmo que
Serena pudesse continuar.
Suspirando, equilibrei o celular, enquanto tentava manter o foco nos
ovos que eu fritava na frigideira diante de mim. Eram quase oito da noite e
eu não comi nada desde que Astrid terminou – seja lá o que tínhamos –
comigo sem a menor hesitação. Doeu para caralho perceber toda a
indiferença com a qual ela agiu, enquanto eu estava ali, fazendo qualquer
coisa para poder não pensar na dor que sua atitude infringiu contra mim.
Jacob, estou falando com você Serena grunhiu do outro lado
da linha, irritada. Quero saber por que diabos minha irmã está até agora
trancada no quarto, sem falar com ninguém!
Está perguntando para a pessoa errada, então murmurei,
tentando soar indiferente. Redirecione essa pergunta à ela e aproveite,
inclusive, para perguntar o motivo de ela simplesmente ter me descartado
feito lixo hoje.
Um minuto de silêncio se seguiu.
Ela terminou com você? Serena indagou, chocada.
É isso aí concordei, enquanto desligava o fogo e usava uma
espátula para poder recolher a omelete e transportá-la para o prato
acomodado no balcão da pia, ao lado do fogão.
Eu não entendo Serena murmurou, mais para si mesma, do
que para mim, que aproveitava o momento para poder me sentar à pequena
mesinha na cozinha e mordiscar minha omelete. Por que ela fez isso?
Ótima pergunta ironizei, enquanto mastigava lentamente.
Vocês chegaram a conversar depois de ontem? Antes da festa,
minha irmã estava bem – mais do que bem, na realidade. Mas então depois,
ela simplesmente se fechou por completo, ficando imersa numa redoma de
irritação e mau humor.
Fiz uma pausa, mastigando, ao passo que lembrava das palavras que
ela usou mais cedo contra mim, dentro daquela sala.
Ela ficou brava porque, segundo ela, eu “dei mole” para Isabella
Northwest, depois que nós... humm, bem, depois que nos divertimos no
banheiro alguns minutos antes relatei.
Eca Serena soltou, e eu quase pude ver a careta que
certamente esboçou mediante a minha confissão. Espere, então está me
dizendo que você se esquivou de Bella com um sorrisinho, apenas alguns
minutos de ter “se divertido” no banheiro com a minha irmã? ela repetiu,
o tom em sua voz deixando evidente a sua desaprovação.
Pisquei.
Humm... sim?
Mas que porra, Jacob! Você é um idiota! ela soltou, custando
um pouco até continuar: Astrid está com ciúmes, seu panaca, não é
óbvio?
Eu quase ri.
Ah, claro, e por isso terminou as coisas comigo sem mais nem
menos, não é?
Serena bufou.
Não seja tapado, Jacob! Ela estava insegura, provavelmente
esperando que você tomasse uma atitude e agora, como você não fez nada,
ela está enfiada naquele quarto, praguejando você de todos os nomes
imagináveis! concluiu, me fazendo franzir o cenho tamanha a sua
perspicácia, afinal, aquilo fazia sentido.
Astrid Spencer tinha um gênio forte, mas, ao mesmo tempo, ela
conseguia ser extremamente insegura e sensível com relação a algumas
coisas; ela não se entregava fácil e agora, uma vez que já tinha – quase –
feito isso comigo, estava mal por pensar que eu tinha traído sua confiança.
Você precisa consertar as coisas com ela Serena decretou.
O que? soltei. Por que tem que ser eu a ir atrás dela? Foi
ela quem propôs um “lance” as escondidas, só para não ser vista comigo, e
agora surtou porque eu respondi – normalmente – Isabella. Eu não sou o
errado da história, Serena apontei, irritado.
Cale a boca e me escute, Jacob Serena mandou, impaciente.
Minha irmã é complicada, e não é à toa que ela possui a fama de
“Megera”, mas ela é uma garota como todas as demais. Arranje um jeito de
se desculpar com ela, e tudo voltará à normalidade: vocês dois agindo feito
dois adolescentes estupidamente apaixonados no cio, e eu, participando de
mais festas.
Fiz uma careta.
Pelo amor de Deus, nunca mais diga algo assim outra vez.
Ela soltou uma risadinha irônica.
Você sabe que é a verdade murmurou. Mas, de toda forma,
o que estou tentando dizer, é para que você compre algumas flores, pense
em algumas palavras bonitas e então: bingo.
Eu não sou um monstro sem sentimentos, Serena murmurei,
jogando a indireta. Eu... jamais faria uso de algumas palavras só para me
dar bem com ela. Realmente gosto da sua irmã, Serena, então não direi nada
da boca para fora.
Ela suspirou.
Faça como quiser, Jacob. Apenas resolva as coisas, está bem?
Agora preciso ir. Minha irmã está péssima, e tudo por sua causa acusou
e eu quase caí na gargalhada, porque até parecia que ela realmente se
importava.
Sem delongas, Serena encerrou a ligação e me peguei mais uma vez
pensando em Astrid e no efeito bizarro que tinha sobre mim. Naquela
manhã, eu ia propor a ela para que esquecêssemos a regra do “às
escondidas”, porque estava farto de ter que me esgueirar pelos cantos para
poder encontrar com ela, mas acabei desistindo quando ela, sem ao menos
esperar pela conclusão da minha fala, resolveu dar um ponto final nas
coisas entre nós.
Ela estava com ciúmes e então decidiu fugir – como sempre.
Mas, dessa vez, eu não permitiria que ela escapasse de mim.
Dessa vez, eu faria questão de dizer a Deus e o mundo, que ela era
minha.
28.

ASTRID.

Lancei uma garfada da macarronada dentro da boca, sem realmente


desejar comê-la.
Eu estava sem fome e nada e nem ninguém conseguia me dar ânimo
para fazer nada, além de ler. Os livros eram o meu escape da realidade – e
isso era tudo o que eu mais vinha desejando desde ontem, depois do
incidente com Jacob.
Afastei o pensamento, balançando negativamente a cabeça; eu já
tinha pensado naquilo o suficiente e, sendo honesta, estava começando a
ficar assustada devido a quantidade de vezes que me pegava pensando nele.
Na noite anterior, por pelo menos três vezes, tive de me policiar para poder
evitar de pegar meu celular e simplesmente ligar para ele.
Bufei, voltando a minha atenção para o livro aberto diante do meu
rosto, ignorando propositalmente a comida contida dentro da minha
bandeja. Ao meu redor, os sons dos pratos, talheres e risadas de uma quarta-
feira comum, sucediam pelo ambiente, numa recordação constante de que
eu era a única a estar submersa numa onda de solidão e tristeza, feito a
adolescente “anormal” que eu era.
Me concentrei na leitura de “O Morro dos Ventos Uivantes”, atenta
a cada uma das façanhas de Heathciff, ao passo que, subitamente, a batida
da canção “Stand By Me” começava a entonar pelo lugar, capturando não
somente a minha atenção, como também a de todos aqueles que marcavam
presença no refeitório.
Intrigada, virei o rosto, seguindo os olhares de todos para um ponto
fixo à minha direita, e imediatamente senti meu queixo cair conforme
avistava o que acontecia ali: de pé sobre o balão da cantina, estava um rapaz
alto, com uma camiseta branca – em que a frase: “Eu Amo Astrid” estava
estampada –, e uma colher de cozinha sobre uma das mãos, cantando
conjuntamente com a voz de Ben E. King, numa versão desafinada da
canção.
Na parte específica da canção em que chegava ao verso de “So
darling, darling, stand by me”, Jacob desceu do balcão e veio diretamente
até mim, apontando a colher em minha direção e me destinando uma
piscadela. E, quando eu pensei que acabaria por ali, ele simplesmente ficou
de joelhos, bem à minha frente e pegou um buquê de rosas – o qual eu nem
mesmo tinha notado a presença – de cima da mesa ao lado, entregando-o
para mim, num timing perfeito com o final da canção.
Me desculpe por ser um idiota, Astrid ele disse, de joelhos,
dando aquele sorrisinho que eu, somente agora, podia perceber tanto gostar.
Captando os olhares de todos ao nosso redor, rapidamente fiquei de
pé e, envergonhada, praticamente supliquei para que Jacob fizesse o
mesmo, mas ele estava impassível, se mantendo de joelhos enquanto eu não
aceitasse o buquê que ele me oferecia.
Sem alternativas, peguei o buquê e ele rapidamente tratou de ficar
de pé, se colocando bem à minha frente. Seu cabelo estava penteado para
trás com um gel e eu quase ri da estampa de sua camiseta, porque de perto,
ela era, sem dúvida alguma, ainda mais ridícula.
Um sorriso ele comentou, conquistando a minha atenção.
Isso é um bom sinal, receio.
Sustentei o olhar dele, fazendo força para não sorrir ainda mais.
O que é isso tudo, Jacob?
O meu pedido de desculpas. Quero que veja o quanto me importo
com você, ao ponto de me expor ao ridículo desse jeito. Essa é, sem
dúvidas, a maior prova de amor que você terá em toda a sua vida.
Revirei os olhos.
Que tal voltar para o pedido de desculpas em vez de continuar se
gabando desse jeito?
Ele sorriu.
Você não me deixou terminar de falar ontem falou, atento à
minha expressão. Foi um mal entendido, Astrid. Eu não queria terminar
com as coisas entre nós. Disse que não daria certo, porque não aguentaria
mais ter que ficar me espreitando para poder vê-la, quando queria que todos
soubessem sobre nós, que você está comigo. Eu nunca fui um bom
entendedor de sentimentos e essas coisas, mas uma coisa posso afirmar com
propriedade esticou uma das mãos, apontando entre nós dois. Isso
não é apenas atração física, Astrid. Deixou de ser a bastante tempo.
Engolindo em seco, fiz força para não deixar que uma lágrima
escapasse, porque conseguia sentir meus olhos marejados.
Era recíproco; eu não era a única a me sentir daquela maneira,
afinal.
Com o buquê entre minhas mãos, prensado contra o meu peito, não
consegui evitar o sorriso que me escapou quando ele se inclinou ainda mais
contra mim e afastou uma mecha do meu cabelo do rosto, colocando-a
detrás da minha orelha.
E quanto ao que aconteceu na festa, quero que saiba que não
tenho olhos para ninguém além de você desde aquele dia, quando a vi na
biblioteca e você simplesmente me recusou sem dó e nem piedade
confessou, fazendo o meu sorriso alargar ainda mais. Tem sido você
desde então, Astrid Spencer. Só você. Será que poderia perdoar esse tolo e
idiota apaixonado?
Apaixonado.
Meu peito vibrou com aquela simples palavrinha.
É claro que eu posso perdoá-lo me ouvi dizendo. Desde
que mudemos algumas regras no nosso “acordo”. Eu quero exclusividade.
Ele abriu um sorriso.
Então aquela regra do “sem compromisso” foi direto para os ares
agora, certo?
Arqueei uma das sobrancelhas.
Assim como a do “sigilo” expliquei e ele rapidamente avaliou
os arredores, compreendendo o que eu dizia: diversos pares de olhos
curiosos fixos em nós, sussurrando, comentando, sobre o inusitado arranjo
entre as duas pessoas com as piores reputações da cidade.
Desculpe ele pediu. Eu não pretendia chamar tanta atenção
assim.
Sorri.
Está tudo bem, Jacob. Não é como se eu realmente me importasse
com o que toda essa gente fala.
Ah, é? Então quer dizer que estou autorizado a beijá-la aqui, bem
diante de todos? quis saber, esperançoso.
Ergui decididamente o queixo, abrindo um sorriso provocador.
Por que não tenta a sorte?
E ele o fez, inclinando o rosto contra o meu, para poder me dar um
beijo casto que mal passou de um roçar de lábios.
Certo ele soltou pausadamente, afastando o rosto do meu.
Então quer dizer que somos oficialmente Astrid & Jacob?
Revirei os olhos, impaciente.
Por que não cala a boca e volta a me beijar? sugeri e ele não
perdeu tempo nenhum para poder atender ao meu pedido: antes que eu
pudesse perceber, já estava colando seus lábios nos meus, causando aquele
alvoroço no pé da minha barriga que eu, agora, podia afirmar com toda a
convicção do mundo, se tratar da mais pura e inevitável paixão.
Foi a partir dali que ele e eu nos tornamos um “nós”.
E nada no mundo, havia me feito tão feliz quanto aquilo.
29.

ASTRID.

Exatamente como o imaginado, não demorou nada para que os


boatos sobre Jacob e eu começassem a se espalhar pela pacata e minúscula,
Lester Ville.
Jacob Davies, Astrid? quis saber papai, no momento em que
me uni a ele e Serena à mesa, para o café da manhã.
Bom dia para você também, pai ironizei, ao passo que me
acomodava na cadeira à sua frente e despejava leite na minha xícara.
Responda a minha pergunta, mocinha decretou e, ao arriscar
um olhar na sua direção, notei sua expressão mordaz.
O que exatamente devo informá-lo sobre Jacob Davies, pai?
indaguei, fingindo inocência.
Talvez o fato de que não param de comentar sobre vocês dois
desde que ele fez aquele espetáculo na frente de toda a escola comentou
Serena, me fitando atentamente de seu lugar, exatamente ao lado do nosso
pai.
Alternei o olhar entre ambos, antes de enfiar minha colher na tigela
de cereal e levá-la aos lábios, mastigando lentamente o cereal.
Não sei qual a necessidade de me perguntarem isso, quando
certamente já sabem de tudo através das bocas ferozes das pessoas que
moram nessa cidade aleguei de boca cheia.
Serena fez uma careta.
Mastigue antes de falar, Astrid. É nojento.
Quero explicações, Astrid disse papai, me fitando duramente
de seu lugar. Já ouvi os boatos, agora quero o seu lado da história.
Suspirei, largando a colher sobre o prato e o olhando nos olhos com
uma expressão irônica no rosto.
Estamos saindo, pai esclareci a contragosto. Satisfeito?
Serena engasgou com o cereal, ao mesmo tempo que os olhos de
nosso pai se esbugalhavam mediante a minha revelação.
Então é verdade? questionou ele, sem conseguir omitir o tom
de incredulidade na sua voz. Realmente está namorando aquele rapaz?
Saindo o corrigi. Estamos saindo, pai.
Minha irmã está namorando Jacob Davies murmurou Serena,
perplexa, ignorando o meu comentário anterior.
C-Como isso aconteceu, minha filha? gaguejou papai,
embasbacado. Como foi que você e aquele rapaz...
Eu não sei, pai. Simplesmente aconteceu. expliquei.
Diferentemente do que você pensa, nem sempre temos controle de tudo em
nossas vidas. Não foi premeditado. Apenas aconteceu e ponto final.
Papai franziu a testa.
Pensei que não gostasse mais de garotos.
Serena engasgou com uma risada, antes de notar meu olhar
fulminante sobre o seu e rapidamente franzir os lábios, omitindo-a.
Não sou lésbica, pai revelei, franzindo o cenho.
Eu sei. Quer dizer, sabia afirmou ele, coçando a nuca.
Sempre soube que gostava de garotos, mas depois que você e Nataniel
Hawkins romperam, notei algumas mudanças no seu comportamento e
depois disso, passei a ter dúvidas.
Franzi o cenho.
Mudanças de comportamento? repeti confusa. Do que está
falando, pai?
Da sua drástica mudança de “Astrid Spencer, Rainha da Escola”,
para “Astrid Spencer, A Megera de Lester Ville” respondeu Serena, me
fitando ceticamente.
Olhei para papai, buscando alguma argumentação da sua parte, mas
ao invés disso, ele apenas concordou com a cabeça, como se Serena tivesse
toda a razão.
O que diabos uma coisa tem a ver com a outra? indaguei
seriamente, alternando o olhar entre os dois indivíduos sentados diante de
mim. Só porque faz muito tempo desde que não me relaciono com
algum cara, não quer dizer que eu seja lésbica. Isso é meio preconceituoso,
aliás.
Papai suspirou.
Não há nade de errado em ser gay, querida. Você sabe que não
sou nem um pouco preconceituoso.
Arqueei uma das sobrancelhas.
É um alívio ouvir isso, pai, mas não, eu não sou lésbica falei.
E, se realmente quer saber, se a sua teoria quanto a minha “perda de
interesse em garotos” for real, deveria aplica-la a você também, já que não
se relaciona com ninguém desde que mamãe partiu dessa para melhor.
Serena espremeu os lábios, obviamente prendendo uma risada,
enquanto papai franziu a testa, no que presumi ser incredulidade.
Está insinuando que eu sou gay? o último repetiu, de queixo
caído.
Não há nada de errado em ser gay, pai falei, usando suas
palavras contra ele. Serena e eu não somos preconceituosas, então está
tudo bem.
Papai fez cara feia, antes de lentamente curvar os lábios em um
sorriso, cedendo à comédia repentina do momento.
Parecendo se dar conta disso, Serena revirou os olhos.
Você deveria estar a reprendendo, pai. Não rindo com ela
opinou, fazendo uma careta para o sorriso que relutava em desaparecer do
rosto de nosso pai. Que tipo de pai é você? Ela quebrou as regras. Está
namorando. Deveria castigá-la.
Eu não quebrei as regras. argumentei convictamente, a fitando
seriamente. Que eu saiba, não existe regra alguma que me proíba de
namorar.
Serena fechou a cara.
Você não vai conseguir se safar dessa, Astrid. Não é melhor do
que eu. Receberá a devida punição por estar namorando escondido.
virou o rosto para papai. Não é, papai?
Papai suspirou, parecendo constrangido.
Bem, tecnicamente falando, a sua irmã está certa, Serena. Jamais
criei alguma regra que a vetasse de namorar.
Não pode estar falando sério, pai. Serena esbravejou, o
fuzilando com o olhar. Está me dizendo que todas essas regras bizarras
que você estipulou se aplicam apenas a mim?
Não pensei que haveria necessidade de adequá-las à Astrid!
ele se explicou, exaltado. A sua irmã passou dois anos sem o menor
interesse em rapazes e pensei que assim permaneceria. Por isso não resolvi
acrescê-la as regras da casa!
E agora ela passará impune? indagou Serena, indignada.
Papai abriu e fechou a boca várias vezes, em contrapartida com a
expressão cada vez mais dura de Serena, na qual mal conseguia disfarçar o
desgosto com toda aquela situação.
Não, ela não passará impune declarou nosso pai por fim,
suspirando.
Arqueei uma das sobrancelhas, antes de estalar um dos dedos,
conquistando a atenção dos dois.

Como assim “não passarei impune”? questionei, franzindo o


cenho. Não pode me punir, pai. Eu não quebrei as regras.
Quebrou sim. contrariou Serena, projetando o queixo para
frente em desafio. Está namorando, Astrid.
Não posso estar quebrando uma regra que não existe.
argumentei, fazendo com que Serena se erguesse da cadeira em desafio,
sem desfazer o contato visual comigo. Imitei seu gesto, fechando a cara
para a sua expressão irritada. Notando o clima de tensão desencadeado
entre nós duas, papai resolveu intervir, se pondo de pé abruptamente e
batendo ambas as mãos na mesa da cozinha.
Já chega grunhiu ele, autoritário. Parem com isso agora.
Foi ela que começou birrou Serena, apontando o indicador na
minha direção.
Eu? repeti incrédula, franzindo a testa. Foi você que
começou a exigir que papai me castigasse injustamente, sua mentirosa!
Serena já estava prestes a abrir a boca para protestar, mas papai a
impediu, tocando levemente um de seus braços, calando-a.
Já disse para pararem. informou, adotando um tom mais
severo enquanto alternava o olhar entre nós duas.
Bufei, ao mesmo tempo que Serena me mostrava a língua, mais
parecendo uma criança de cinco anos, em vez de uma adolescente.
O negócio é o seguinte recomeçou a falar papai,
reconquistando a minha atenção. Se você vai continuar saindo com esse
rapaz, quero ao menos conhecê-lo, Astrid. Não permitirei que minha filha
continue a se encontrar com alguém que sequer conheço.
Como assim não conhece, papai? entonou Serena, franzindo a
testa. É de Jacob Davies que estamos falando. Todos sabem quem ele é
e, em específico a terrível reputação que o precede.
Será que dá para calar a droga da boca e cuidar da sua própria
vida? disparei.
Já pedi que parem! esbravejou papai, assustando a nós duas.
Faça como eu disse, Astrid. Se realmente quer continuar vendo esse
rapaz, o traga para que eu possa conhecê-lo e tirar as minhas próprias
conclusões a seu respeito. Caso contrário, passarei a monitorá-la para que
não o veja novamente, entendido?
Revirei os olhos.
Tudo bem, pai. cedi, cruzando ambos os braços sob o peito e
abrindo um sorriso presunçoso na direção de Serena, que tinha o rosto
completamente vermelho.
Excelente. Agora podemos, por favor, voltar a comer em paz?
indagou papai, voltando a se sentar em sua cadeira, antes de fisgar a garrafa
de leite e incliná-la na direção da sua xícara, despejando o leite fumegante
na mesma.
Fiz exatamente o mesmo, sentindo o olhar de Serena preso ao meu
rosto. Ao fitá-la novamente, contudo, vislumbrei um sorriso estranho
curvando seus lábios, o qual ela omitiu tão rápido quanto notou o meu olhar
sobre o seu.
Mas que diabos?
30.

JACOB.

Bati audivelmente a porta do meu armário, sendo recebido pelos


olhares intrigados de cada uma das pessoas que passava pelos corredores.
Eu já deveria saber que aquilo aconteceria a partir do momento em
que as pessoas descobrissem sobre Astrid e eu, mas ainda assim, não
deixava de me surpreender com toda aquela atenção indesejada.
Desde a época que meu pai foi preso, passei a ficar cada vez mais
“conhecido” na cidade por conta dos pequenos deslizes que cometia como,
por exemplo, envolvimento em brigas ou, claro, aquela fez que fui pego
vendendo maconha – meu pai jurou que me mataria quando saísse da prisão
– e, então, a partir dali, uma reputação passou a me perseguir por onde quer
que eu passasse, me tornando alguém tão negativamente famoso.
Tendo isso em mente, acabei me acostumando aos olhares tortos e
comentários desprezíveis que proferiam quando pensavam que eu não
estava vendo ou ouvindo, mas nunca passavam disso: maus comentários.
Agora, no entanto, as pessoas me olhavam como se eu fosse uma atração de
circo, o que tornava tudo pior.
Acomodei meus livros debaixo do braço, girando nos calcanhares
para poder fazer o percurso até a sala de aula, quando, repentinamente, um
empurrão forte me fez bater com as costas contra os armários, causando um
estrondo que chamou a atenção de todas as pessoas que passavam pelos
corredores.
Mas que porra comecei, antes de fechar a boca com força, ao
reconhecer o indivíduo parado diante de mim, cuja uma expressão feroz no
rosto.
Você deve estar muito satisfeito, não é? constatou Nataniel,
me fitando desdenhosamente dos pés a cabeça.
Arrastei o olhar por cada uma das pessoas que nos cercavam no
corredor, voltando a fitá-lo com um meio-sorriso nos lábios.
Com toda certeza confirmei, já sabendo sobre o que ele estava
falando.
Nataniel trincou o maxilar, antes de recuar um passo e passar uma
das mãos pelo cabelo encaracolado, puxando-o para trás em evidente
nervosismo.
Não acredito que ela chegou a esse nível. murmurou ele,
parecendo transtornado. Deve estar realmente muito desesperada para...
Ficar comigo? complementei, reconquistando a atenção dele.
Não acha um tanto absurdo que a esteja acusando de estar “desesperada”
considerando que ela passou dois anos sem se envolver com absolutamente
ninguém?
Ele abriu um sorriso presunçoso.
Ninguém esquece um relacionamento de longa data como o que
ela e eu tínhamos, Davies.
É mesmo? Engraçado, porque se não me falha a memória, não
demorou nada para que você engatasse outro relacionamento depois do
término com Astrid. lembrei, fingindo pensar. Foram exatas duas
semanas para que você assumisse o relacionamento com Carly Newton,
não?
Os olhos azuis de Nataniel se arregalaram, antes que ele conferisse
os arredores e voltasse a me fitar com uma expressão furiosa. Ele era
exatamente igual aos demais membros de sua família: um bando de
acovardados que tinha as aparências como uma das maiores virtudes da
vida.
Filho da puta! esbravejou, avançando na minha direção.
Me preparei para acertá-lo no rosto, mas uma voz em particular me
fez estancar no lugar.
Jacob, pare! exclamou Astrid, enquanto tentava passar pela
multidão de expectadores que cercava Nataniel e eu.
Fixei os olhos na sua expressão aflita e imediatamente me
tranquilizei, assim como Nataniel, que ao ouvir a voz dela, imediatamente
retesou, recolhendo o punho que certamente seria disparado contra o meu
rosto.
Mas que merda está acontecendo aqui? Astrid exigiu saber, no
momento que se colocou defensivamente diante de mim.
Esperei por um esclarecimento da parte de Nataniel, mas ao invés
disso, ele apenas permaneceu calado, limitado a alternar gradativamente o
olhar entre Astrid e eu.
O show acabou! ladrou Astrid ao aglomerado de pessoas ao
nosso entorno, cujos olhos observavam-nos atentamente. Caiam fora.
Aos poucos a multidão foi dispersando e naquele momento, notando
o evidente poder de comando que Astrid emanava, pude concluir – e
compreender – o porquê de garotas como Isabella e Carly ainda implicarem
tanto com ela. Por mais que a aparência e o comportamento de Astrid
tivessem mudado drasticamente desde a época em que ela fazia parte do
ABC, seu poder permanecia intacto. Ela ainda era uma rainha, no final das
contas. Bastava observar a forma como as pessoas a obedeciam quando ela
se impunha.
Por favor, não me diga que você voltou a implicar com Jacob,
Nate. Astrid grunhiu, me tirando dos meus devaneios.
Ei, espere aí intervim, tocando delicadamente seu ombro e
fazendo com que me fitasse. Agradeço a preocupação, mas não sou
criança, Astrid. Não é como se você tivesse que me defender dele. Sei me
cuidar.
Claro que sabe. ironizou ela, adotando um tom sarcástico.
É por isso estava prestes a ceder as provocações dele e voltar a se meter em
uma briga, não é? sem esperar por uma resposta, ela virou o rosto,
voltando a fitar Nataniel.
Que porra você pensa que está falando, Nate? Pensei que tivesse
deixado as coisas claras entre nós na última vez em que conversamos.
Ele trincou o maxilar, sustentando o olhar dela com uma expressão
fugaz.
Isso era antes de você ser flagrada com esse imbecil. cuspiu,
apontando desdenhosamente com o queixo na minha direção. Me recuso
a acreditar que você realmente esteja com ele, Astrid.
Avancei um passo, mas antes que pudesse me aproximar dele, Astrid
estendeu um braço, me interceptando.
É uma pena, então, porque dessa vez, os boatos são verdade
informou ela, com os olhos ainda fixos nele. Agora faça um favor a
todos nós, e se retire de uma vez por todas.
Ele negou com a cabeça, retorcendo os lábios em um sorriso bizarro.
Você não pode estar falando sério, Astrid murmurou, a fitando
em nítida incredulidade.
Ah, ela está sim intervim, abraçando propositalmente a cintura
de Astrid, pressionando-a contra mim em um gesto possessivo. Aceite de
uma vez e nos deixe em paz, Nataniel.
Nataniel nos lançou mais um olhar, antes de finalmente dar meia-
volta e atender ao meu pedido, desaparecendo pelos corredores. No
momento que as costas dele desaparecem pelo meu campo de visão, Astrid
me deu uma cotovelada forte, me fazendo gemer mediante o ato.
Precisava disso? ela questionou, cruzando os braços e girando
nos calcanhares para poder me lançar um olhar dotado de repreenda.
Disso o quê? indaguei, fingindo desentendimento.
Desse momento “homem das cavernas” esclareceu, arqueando
uma das sobrancelhas.
Não sei do que está falando. desconversei, dando de ombros.
Isso. Continue bancando o idiota. ironizou, revirando os
olhos. Definitivamente vai livrá-lo de muitos problemas.
Esfreguei a testa, ajustando meu gorro antes de avançar um passo na
sua direção e enlaçar sua cintura, colando seu corpo ao meu.
Por mais que relute em admitir, eu sei o quanto você adora um
idiota. Do contrário, não estaria comigo.
Ela bufou contra meus braços, esticando-os, e os depositando na
minha nuca.
Bem, você tem razão. Eu definitivamente devo ter algum dedo-
podre ou coisa do tipo. Por isso namorei Nataniel e agora estou com você
ela declarou, abrindo um sorrisinho debochado.
Fechei a cara.
Nunca mais volte a mencioná-lo na minha frente. É
desrespeitoso.
Ela fez uma careta.
Tudo bem, senhor-insegurança zombou, depositando um beijo
instalado nos meus lábios e sorrindo.
Afundei as mãos nos bolsos da sua calça jeans, inclinando o rosto
para poder aprofundar o beijo e usando a língua para penetrar sua boca,
fazendo-a sorrir maliciosamente contra os meus lábios. Intensifiquei o
aperto nos bolsos da sua calça, espalmando sua bunda e ela rapidamente
rompeu com o beijo, se afastando de mim ofegante.
Durante uma ligação algumas noites atrás, acabamos decidindo ir
com calma, levando as coisas entre nós no fluxo correto, sem precisarmos
agir como se não houvesse amanhã, nos enfiando em locais escuros e pouco
frequentados, feito dois criminosos.
Acho que já é suficiente ela declarou, penteando o cabelo
louro desgrenhado por entre os dedos. Estamos em um ambiente escolar
e não quero que as pessoas fiquem comentando que estamos...
Dando uns amassos no corredor da escola? acrescentei e ela
assentiu. O que aconteceu com aquele papo de não se importar com o
que as pessoas falam sobre você, Srta. Spencer?
Ela bufou.
Eu realmente não ligo, Jacob. Mas conheço alguém que se
importa e teria um ataque se soubesse que estávamos nos beijando na
escola. fez uma careta. E conheço outra pessoa que ficaria mais do
que satisfeita em confidenciar o que acabou de acontecer aqui.
Poderia ser mais específica? pedi, imerso em confusão.
Sinto muito, mas não sou capaz de identificar sobre quem você está
falando. Poderia pelo menos fornecer nomes? Tipo, pessoa A e pessoa B
são denominadas por...
Estou falando de meu pai e Serena. ela esclareceu, me
interrompendo. Os dois ficaram sabendo hoje sobre nós. Quer dizer,
vieram me confrontar hoje sobre. Aposto que Serena já sabia de tudo e só
não contou porque queria que papai descobrisse por conta própria
balançou a cabeça, soltando um suspiro frustrado. Deveria ter visto a
reação dela hoje de manhã. Fez um verdadeiro escândalo quando soube que
nós estamos saindo. Foi patético.
Assenti, sentindo-me desconfortável pelo rumo em que a aquela
conversa estava tomando.
Sabia que Serena era calculista o suficiente para prever – e
premeditar – toda aquela situação. Logo, era esperado que ela não
concordasse com o relacionamento entre Astrid e eu, considerando as regras
bizarras que seu pai estipulava e que, aparentemente, se adequavam apenas
à ela, e, tendo isso em mente, o “barraco” que ela armou pela manhã
deveria ser compreensível e esperado pelos seus parentes. E exatamente por
isso, ela o fez. Agiu como se não estivesse nada feliz com o relacionamento
da sua irmã, quando, na realidade, deveria estar eufórica por saber que seus
planos estavam se concretizando.
Jacob chamou Astrid, me reconectando à realidade.
Ouviu o que a acabei de lhe dizer?
Claro menti.
E tudo bem para você? questionou, franzindo o cenho.
É, eu acho que sim concordei, ainda que não fizesse ideia
sobre o que ela estava falando.
Ótimo declarou, sorrindo. Então passe na minha casa lá
pelas oito da noite e esteja apresentável. E de preferência sem o gorro. Meu
pai é ridiculamente conservador, então...
Pisquei.
Espere, o quê? a cortei, confuso. Seu pai, sua casa...?
Ela fechou a cara.
Você não ouviu uma palavra do que acabei de dizer, não é?
Abri um sorriso amarelo.
Sim, eu ouvi. Teoricamente. Só não prestei atenção. Poderia fazer
a gentileza de repetir tudo novamente?
Ela revirou os olhos.
Eu disse que meu pai quer conhecê-lo explicou.
Engasguei.
O quê?
Meu pai quer conhecê-lo repetiu, franzindo a testa.
É, eu ouvi. Apenas não entendi o motivo.
Astrid fechou a cara.
Ele descobriu que estamos juntos. E é um pai. Não acha que é
normal que ele tenha interesse em conhecer o cara com quem sua filha está
saindo?
Merda.
Cocei a nuca, sem saber como me expressar corretamente.
Astrid, veja bem, eu normalmente não costumo me dar muito
bem com adultos. E em específico, os responsáveis. Eles me odeiam.
Ela franziu os lábios, prendendo uma risada.
Não se preocupe, meu pai vai gostar de você. Ele é um cara legal,
apesar da fama de paranoico.
Gostar de mim? repetiu, descrente. Duvido muito.
Ora, vamos lá, Jacob! Não seja um covarde. É só um jantar.
Com Edgar Spencer complementei, fazendo-a suspirar.
Apenas esteja no local e horário marcado, ok? O resto é por
minha conta ela declarou, segurando ambos os meus ombros com
ternura.
Está bem. concordei, forçando um sorriso.
Ela sorriu, antes de se inclinar e depositar um beijo estalado nos
meus lábios.
Preciso ir avisou, recuando alguns passos. Tenho aula de
Ciências Sociais e você sabe como o professor é rígido. Nos vemos mais
tarde?
Assenti, estendendo uma das mãos e acenando. Ela sorriu e
rapidamente girou nos calcanhares, se enfiando naquele mar de pessoas
revestindo o corredor àquela hora da manhã.
Suspirei.
Porra.
Eu precisava impressionar ninguém mais, ninguém menos, do que o
pai mais surtado de toda Lester Ville.
Aquilo não era nada bom.
31.

ASTRID.

Adicionei a calda de chocolate à massa do bolo já assada, exalando


o aroma deliciosamente delicado que aquela combinação obtinha, ao som
de Stand By Me, Ben E. King – era impossível escutá-la agora, e não me
pegar sorrindo devido a recordação que ela trazia.
Aquela música era, de longe, a única coisa capaz de me fazer relaxar
devido ao que aconteceria mais tarde.
Não muito tempo atrás, eu havia saído da escola para que pudesse
fazer a compra dos ingredientes que fariam parte do cardápio do jantar
daquela noite, onde teríamos como convidado de honra, Jacob Davies.
A ideia me causava um frio na barriga e por mais que me obrigasse
a relaxar, a simples ideia de Jacob sentado diante de meu pai, me dava
calafrios.
Que aroma dos deuses! exclamou papai, quase me fazendo
derramar a calda de chocolate contra o balcão da pia, mediante sua
repentina aparição.
Meu Deus, que susto! reclamei ao me recompor, colocando a
frigideira com a calda de chocolate sobre o balcão da cozinha, visando
evitar possíveis queimaduras.
Chegou cedo constatou ele, ignorando minha reclamação
anterior, puxando uma das cadeiras da cozinha para trás, e a acomodando
logo em seguida.
Dei de ombros, voltando a enfeitar o bolo diante de mim,
despejando sobre a massa já assada, confetes e incrementos à calda de
chocolate.
Estou de folga, então aproveitei o tempo livre para fazer algumas
compras e organizar os aperitivos que serviremos no jantar de mais tarde.
expliquei, de costas para ele, atenta demais aos confetes para poder fitá-
lo.
Então é oficial? Seu namorado realmente virá jantar conosco
mais tarde? interrogou ele e, mesmo que estivesse de costas, pude sentir
o tom de choque contido em seu tom.
Sim, pai. Ele vem. respondi, o olhando por cima o ombro.
Assim como você me orientou que fizesse. Está arrependido por tê-lo
convidado?
Ele sorriu.
Não, apenas surpreso. Não pensei que ele realmente aceitaria o
convite.
Bufei.
Pois é, que pena para você, então, porque ele de fato virá.
Ele riu.
Não me interprete mal, querida. Estou apenas curioso. Quero
saber se esse rapaz realmente condiz com tudo o que comentam sobre ele
por aí.
Larguei bruscamente a vasilha com os confetes contra a pia, virando
o rosto para poder fitá-lo.
Então é sobre isso que se trata? indaguei irritada, antes de
fazer uma careta. Saber se os “boatos” são verdadeiros?
Papai suspirou.
Não é bem assim, querida. Não seja injusta comigo. Estou apenas
tentando ajudá-la explicou-se, me fitando de cenho franzido.
É, pai, só que você não está me ajudando. A única coisa que está
fazendo é me privar de viver a minha vida, tentando me controlar a cada
passo que dou acusei. Por Deus, eu não sou como Serena! Você
deveria confiar em mim!
Ele arregalou levemente os olhos, parecendo surpreso pela minha
resposta, antes que franzisse o cenho e voltasse a endurecer a expressão.
Mas é claro que eu confio em você, filha! E é aí que está a
questão central: é nele que não confio abri a boca para retrucar, mas me
contive ao notar seu olhar derrotado ao meu rosto, seguido por um longo
suspiro. Jamais me perdoarei caso você volte a se magoar como
aconteceu anos atrás, com Nataniel. Permiti que você o namorasse e se
tivesse sido mais atento, talvez nada daquilo teria acontecido.
Pisquei várias vezes, até por fim entender o real significado de suas
palavras.
Pai chamei, me aproximando dele e tocando sua mão por cima
da mesa. O que aconteceu com Nate não foi culpa sua.
É claro que foi discordou, fechando os olhos com força.
Não deveria ter permitido que aquele garoto namorasse com você, sem
melhor conhecê-lo antes.
Sorri, intensificando o aperto em sua mão.
Nate enganou a nós dois, pai. Eu também pensava que o conhecia
de verdade. Acreditava de verdade que ele fosse o meu príncipe encantado
dos contos de fadas, mas ele não era. E está tudo bem, pai. Porque a
decepção me ajudou a me tornar quem sou hoje.
Lentamente papai ergueu seus olhos das nossas mãos unidas sobre a
mesa, para mim e meu peito apertou ao notar o marejar naqueles belos
olhos castanhos.
Não permitirei que volte a se magoar novamente. ele
assegurou, me fitand com determinação. Desta vez, tomarei todas as
precauções necessárias.
Delicadamente afastei a minha mão da sua, sorrindo pela sua
declaração.
Agradeço de verdade, pai. Mas desta vez será diferente. Jacob é
diferente.
Assim espero, querida. ele murmurou, antes de se erguer da
cadeira e voltar a me fitar com um sorriso doce nos lábios. Vou deixar o
preparo dos aperitivos com você, já que não sou de grande ajuda neste
quesito.
Assenti.
Bem melhor assim. comentei, rindo da sua careta.
Ele retribuiu a risada antes de girar nos calcanhares e sair da
cozinha, me deixando a sós. No segundo seguinte ouvi o som da TV sendo
ligada e sorri ao ouvi-lo praguejar algo sobre o placar do jogo.
Olhei para o bolo ao meu lado no balcão, notando o quão mal
decorado estava e fazendo uma careta ao sentir o cheiro de queimado vindo
do forno, o que me fez recordar do bolo de carne que havia deixado ali
minutos atrás.
Praguejando baixinho, peguei uma das luvas de cozinha, ao mesmo
tempo que corria na direção onde o cheiro desagradável emanava e retirava
a travessa com o que deveria ser um bolo de carne do forno.
Conferi as horas no relógio instalado na parede e quase gritei ao
notar as horas. Faltavam menos de quatro horas até o jantar e mal havia
preparado quase nada que havia preparado para o cardápio.
Precisava literalmente correr contra o tempo se quisesse que as
coisas saíssem como o planejado.
Merda.
Agilmente, tratei de retomar a atividade de decoração no bolo de
chocolate, decidindo desistir de vez do bolo de carne e prepara-lo
novamente assim que terminasse com o bolo de chocolate.
Tudo deveria ficar perfeito.
E acima de qualquer coisa, o jantar tinha de dar certo.
32.

JACOB.

Ajustei mais uma vez a gola da minha camisa, antes de reunir a


coragem necessária para bater na porta diante de mim.
Eu havia passado o dia inteiro pensando em uma desculpa para não
comparecer ao jantar na casa de Astrid, mas toda vez que cogitava na ideia,
o rosto decepcionado dela surgia pelos meus pensamentos, me fazendo
desistir de vez.
Estava prestes a bater novamente na porta, quando o som da tranca
sendo destravada me fez enrijecer no lugar, com a possibilidade de que
fosse o senhor Spencer a me atender.
Meu sorriso vacilou no momento que o rosto de Serena surgiu
diante de mim e o olhar em seu rosto foi capaz de sugar qualquer resquício
de empolgação ou felicidade que eu tivesse, ao concordar em participar
daquele jantar.
Olá, Jake cumprimentou ela, parada ao lado da soletra da
porta.
Olá, Serena. grunhi, forçando um sorriso ao rosto. Permaneci
calado, esperando que ela me convidasse para entrar ou que pelo menos
abrisse a porta para que eu passasse, mas ela nada mais fez do que me olhar,
me fazendo fechar a cara. Não vai me deixar entrar?
Ela abriu um sorriso malicioso, me medindo dos pés à cabeça, antes
de finalmente ter o bom-senso de abrir espaço para que eu pudesse passar
pela porta.
Confesso que estou surpresa pelo espetáculo que você para poder
reconquistar a minha irmã comentou, enquanto eu passava por ela,
adentrando na casa. Devo admitir que você foi realmente corajoso, tanto
naquilo, quanto a concordar em vir jantar aqui. Papai pode ser assustador
quando quer.
Virei o rosto para fitá-la, estancando ao seu lado no tapete que
levava à sala da casa.
Eu disse que não amarelaria afirmei, estreitando os olhos para
a sua expressão sorridente.
Pois é, percebi. concordou, passeando os olhos por toda a
extensão do meu corpo. E devo admitir também que minha irmã fez um
belo trabalho em você. espremeu os lábios, fixando os olhos no meu
cabelo. Ai meu Deus, você está usando gel de cabelo?
Revirei os olhos, ignorando seu comentário e avançando alguns
passos hesitantes em direção à sala de estar da casa. Congelei assim que
meus olhos pousaram nos castanhos incrivelmente familiares do homem
que descia as escadas e um sorriso tenso curvou meus lábios quando ele
pairou diante de mim, estendendo uma das mãos.
Olá, meu jovem. ele cumprimentou, abrindo um meio-sorriso
para mim. Presumo que deva ser Jacob, o namorado da minha filha.
Engoli em seco com a menção ao termo “namorado”, antes de
aceitar a sua mão estendida e assentir.
Sim, senhor. Sou eu mesmo. confirmei, me sentindo desnudo
mediante seu olhar minucioso e o aperto firme às minhas mãos.
De soslaio, notei o olhar de Serena alternar entre nós, antes que ela
bufasse alto e passasse por nós, pisando duro.
Que tal você parar de encará-lo e simplesmente convidá-lo para
entrar, pai? ela sugeriu ironicamente, se dirigindo até o corredor por
onde um cheiro delicioso vinha. A cozinha, presumi.
Relutantemente, os olhos do homem diante de mim foram se
desviando de mim, para o percurso realizado pela sua filha caçula e tão
rápido quanto aconteceu, me permiti passear uma das mãos pelo meu
cabelo, objetando arrumá-lo, mediante o estado impecável dos já grisalhos
do homem diante de mim.
É um prazer recebê-lo em nossa casa. ele voltou a falar, assim
que voltou a me fitar nos olhos. Sou Edgar, a propósito.
Pigarreei.
É, eu sei. É um prazer conhecê-lo pessoalmente, senhor Spencer.
Edgar. interrompeu ele, ainda sorrindo. Pode me chamar
apenas de Edgar.
Pisquei.
Obrigado, senhor. Digo, Edgar.
Ele sorriu, acenando com uma das mãos para que eu o seguisse e
hesitante, o fiz. Passamos pela sala de estar agradável, onde uma TV plasma
era cercada por um sofá e duas poltronas. Era sem dúvida alguma um
ambiente acolhedor e muito familiar. Seguimos pelo corredor que dividia a
sala da cozinha, e assim como o imaginado, o cheiro delicioso tornou-se
mais intenso quando nos pusemos diante do cômodo em questão.
Ao desviar o olhar de Edgar, notei uma cabeça loura debruçada
sobre a pequena mesa ao centro do ambiente e após uma checagem rápida,
notei suas mãos se movendo agilmente sobre alguma coisa, que percebi não
muito tempo depois, ser um bolo de carne. Edgar pigarreou e
instantaneamente os olhos de Astrid deslizaram do bolo de carne posto
diante de si, para ele e, em seguida, para mim, fazendo com que um sorriso
brotasse por seus lábios.
O convidado acabou de chegar. informou Edgar, declarando o
óbvio.
Por que não paramos de tanta enrolação e pulamos logo para a
parte interessante em que comemos? sugeriu Serena, alternando o olhar
entre as três pessoas que agora a encaravam. Estou morrendo de fome.
Astrid bufou.
Que tal mostrar um pouco mais de educação, Serena?
ironizou, fuzilando a garota em questão com o olhar.
Serena deu de ombros.
Não seja chata. olhou para mim. Se ele de fato quiser fazer
parte dessa família, terá que se acostumar com a dinâmica das coisas por
aqui.
Serena, por favor. pediu Edgar, adotando um tom mais severo.
O quê? Não acha que estou sendo sensata por avisá-lo sobre as
regras bizarras desta casa antes que ele possa se instalar por aqui? ela
indagou, assumindo uma postura sarcástica. E sim, Jake, temos regras
bizarras nesta casa que, aparentemente, só se adequam a mim e não a minha
irmã, já que ela trouxe o namorado para cá.
Edgar suspirou.
Serena, já conversamos sobre isso. Pare com isso.
Ela o fitou por longos segundos, fechando a cara para a sua ordem
disfarçada de pedido, até, inesperadamente, abrir um sorriso sarcástico.
Claro, papai. Como quiser.
Movi os olhos dela, para Astrid, que esfregava a testa, parecendo
extremamente constrangida com o drama familiar desenvolvido ali.
Bem, acho que em algo Serena está certa. comentou ela,
rompendo com o silêncio desconfortável que se instalou entre nós.
Realmente já está passando da hora de iniciarmos este jantar. Papai, poderia
fazer a gentileza de levar Jacob até a sala de jantar?
Edgar assentiu e sem nem pestanejar atendeu ao pedido de sua filha,
me levando até a sala ao lado, onde uma adorável mesa estava preenchida
por uma quantidade impressionante de comida.
Pode sentar, rapaz. ofereceu Edgar, provavelmente notando a
minha relutância em me acomodar em uma das cadeiras postas diante da
mesa.
O agradeci, atendendo ao seu convite e me sentando em uma das
cadeiras. Serena fez exatamente o mesmo, ocupando a cadeira diante da
minha e, ao arriscar um olhar na sua direção, notei seus olhos cravados em
mim, me observando atentamente.
Então, Jacob começou Edgar, reconquistando a minha
atenção. Poderia falar um pouco sobre você? O que os seus pais fazem
ou algo do tipo?
Essa será boa. murmurou Serena, abrindo um sorriso
malicioso.
Me remexi desconfortavelmente na cadeira, fitando minhas próprias
mãos sobre a mesa, antes de finalmente encontrar coragem para encarar o
homem que me fez a pergunta.
Não tenho mãe, senhor confidenciei, sentindo a garganta
fechar com a revelação. Não gostava de falar sobre a mulher que me deu à
luz.
Edgar estreitou os olhos.
Como não? Ela faleceu ou...
Ela tem outra família. revelei, intensificando o aperto em
minhas próprias mãos. Tem outro marido e filhos, além do meu pai e eu.
Forcei um sorriso ao rosto, ao mesmo tempo que era recebido pelos
olhares intrigados de Edgar e Serena. Ambos esboçavam reações diferentes
a minha revelação: Edgar tinha uma expressão empática, enquanto a de
Serena expressava surpresa.
Sinto muito. Edgar murmurou, me fitando com compaixão.
Está tudo bem. Isso já deixou de ser importante há muito tempo.
confessei. Meu pai e eu já superamos isso.
Edgar assentiu.
E quanto ao seu pai? Presumo que seja bem apegado a ele tendo
em mente que considere banal o fato da ausência da sua mãe.
Desfiz o contato visual, coçando a nuca em desconforto pelo rumo
que a conversa estava seguindo.
Meu pai está preso. Não o vejo há dois anos confidenciei,
sendo recebido pelo som de um pigarreio que, ao segui-lo, notei partir de
Astrid.
Acompanhei o movimento sutil das mãos dela acomodando a
travessa com o bolo de carne sobre a mesa, ao mesmo tempo que sentia o
olhar de Edgar cravado ao meu rosto, me observando com atenção.
Já podemos começar a comer. informou Astrid, contornando a
mesa e acomodando a cadeira ao lado da minha. Os aperitivos estão
oficialmente completos.
Olhei para Edgar, que por sua vez, permanecia atento a minha
expressão, me avaliando com cautela. Ás vezes acabava esquecendo que ele
era um psicólogo e o quanto eu detestava psicólogos. Ainda lembrava da
psicóloga com a qual fui obrigado a me consultar assim que meu pai foi
preso. Diziam que eu poderia desenvolver “distúrbios”, caso não
conversasse sobre a raiva incorporada dentro de mim mediante a prisão
injusta dele, mas eu nunca precisei de um psicólogo. A única coisa de que
precisava de fato, era de um bom advogado. E felizmente, eu tinha. Adam
era mais do que isso, aliás. Ele era um amigo – talvez o único que eu e meu
pai tínhamos.
Você disse que não vê seu pai há dois anos. retomou Edgar,
parecendo ignorar as últimas palavras de sua filha. Por quê?
Franzi o cenho, ao mesmo tempo que Astrid olhava bruscamente na
direção dele.
Pai, por favor. ela pediu, mas foi ignorada quando ele sequer a
fitou. Ainda tinha a sua atenção voltada a mim, provavelmente no aguardo
por uma resposta.
Porque ele está preso e não gosta que eu o visite. respondi,
sustentando seu olhar. Ele diz que aquele ambiente não é nada saudável
para mim.
Edgar assentiu lentamente, cruzando ambas as mãos por debaixo do
queixo, enquanto ignorava por completo o prato diante de si.
Entendo. murmurou. E quanto a prisão do seu pai? Poderia
explicar o motivo por trás dela?
Estreitei os olhos.
Com todo respeito senhor, mas acredito que seja público o motivo
por trás da prisão do meu pai. As pessoas da cidade não mediram esforços
para espalhá-lo.
Senti um aperto sobre uma das minhas mãos por debaixo da mesa e
soube, ainda que sem olhar, que vinha de Astrid.
E no que diz respeito à condenação? inqueriu Edgar,
ignorando minha afirmação anterior. Como a considera?
Fechei a boca com força, estreitando os olhos para a expressão
neutra esboçada no rosto dele.
Injusta, obviamente. respondi com prontidão.
Então realmente acredita que incendiar uma propriedade privada
não seja motivo para uma condenação quis saber ele, arqueando uma das
sobrancelhas.
Eu não disse isso fiz questão de dizer.
É mesmo? questionou, franzindo a testa. Então me
explique, meu caro, o que o faz considerar a prisão do seu pai como uma
condenação injusta, já que acabou de deixar implícito que repudia o ato do
incêndio criminoso?
Perdão, senhor. Mas não estou conseguindo acompanhar a sua
linha de raciocínio. declarei, me inclinando na sua direção.

O que estou tentando saber é se os delitos sobre os quais


comentam pela cidade que você possui autoria realmente procedem, e, se
sim, se a razão por trás dos mesmos esteja ligada fato de considerar a prisão
do seu pai como injusta.
Estava prestes a respondê-lo, quando Astrid bateu ambas as mãos
contra a mesa, conquistando a atenção de todos nós.
Pai, já chega. ela interveio, endurecendo a expressão. Por
favor, pare com isso.
Edgar ergueu ambas as mãos em rendição e ao arriscar novamente
um olhar na sua direção, pude notar suas reais intenções.
Me expor ao ridículo diante da sua filha, expondo as minhas
verdadeiras raízes.
Claro.
Sentindo o sangue fervilhar, me ergui abruptamente do meu lugar,
largando o guardanapo contra a mesa, antes de olhar novamente para o
homem que agora, me fitava aparentemente surpreso.
Acho que já deu a minha hora. murmurei para ninguém em
particular, contornando a mesa e disparando na direção da porta da frente,
sem olhar para trás.
Pisando duro, passei pelo corredor que dividia a cozinha da sala,
estancando no lugar ao sentir um toque sobre o meu cotovelo esquerdo.
Jacob, espere! exclamou Astrid, exasperada. Por favor, não
vá embora. pediu, espalmando ambos os lados do meu rosto.
Sustentando seu olhar, toquei uma das suas mãos, a afastando
delicadamente do meu rosto, tentando ignorar o olhar que ela me deu em
resposta.
Me desculpe, mas não posso. Não quando terei que escutar seu
pai insultar o meu daquele modo. balancei a cabeça. Não dá. Sinto
muito. girei nos calcanhares, lhe dando as costas, mas ela novamente
agarrou meu cotovelo, me interceptando. Astrid, me solte. pedi ainda
de costas, endurecendo o tom e relutantemente ela cedeu.
Acelerando o ritmo dos meus passos, fiz o percurso até a porta que
levava ao hall de entrada da casa, soltando um suspiro frustrado ao sentir a
brisa fria da noite dançar pelos meus sentidos.
Desci os degraus da escadinha do hall de entrada, me dirigindo sem
hesitar até o outro lado da rua, local onde havia estacionado a caminhonete.
Ao entrar na mesma, bati a porta do carro com força, antes de dar um soco
no volante, depois de recordar as palavras grosseiras de Edgar Spencer.
Foi tudo uma farsa.
Ele jamais aceitaria que alguém como eu namorasse uma de suas
filhas.
E, por mais que o xingasse mentalmente pela sua atitude mesquinha
e todas as coisas grotescas que insinuou do meu pai, eu sabia que ele tinha
razão: eu não merecia Astrid Spencer.
33.

ASTRID.

Fitei completamente impotente, a porta da sala de estar ser fechada


com força, indicando a saída de Jacob.
Exasperada, corri até a janela próxima a um dos sofás e sem
pestanejar, espiei pela cortina, vendo-o entrar em sua caminhonete e
rapidamente avançar pelas ruas.
Pisando duro, girei nos calcanhares, caminhando até a sala de jantar,
onde papai ainda estava acomodado sobre uma das cadeiras, mastigando
calmamente a comida presente em seu prato, completamente indiferente ao
fato de ter praticamente expulsado Jacob dali, minutos atrás.
Pai chamei, cerrando os punhos. O que foi aquilo?
Ele ergueu os olhos da refeição para mim, arqueando uma das
sobrancelhas.
Aquilo o quê? indagou, parecendo genuinamente confuso.
Por que tratou Jacob daquela maneira? esclareci, furiosa.
Você me disse que se comportaria!
Não, eu disse que tentaria conhecê-lo. corrigiu, erguendo o
indicador. E foi exatamente o que fiz.
Não pai, você o interrogou feito a droga de um policial
investigativo! acusei, irritada.
Serena suspirou.
Astrid, vá com calma.
Olhei bruscamente para ela.
Não se intrometa, Serena. Isso não é da merda da sua conta!
disparei, fazendo com que ela franzisse a testa.
Ei, não desconte a sua frustração em mim! rebateu, se
erguendo do seu lugar e se colocando desafiadoramente diante de mim.
Não tenho culpa se você tem um péssimo gosto para namorados.
Cerrei os punhos, prestes e xingá-la, quando o som das palmas de
papai me fez estancar no lugar.
Não comecem. decretou, suspirando.
Fechei a cara, empurrando Serena e avançando desafiadoramente na
sua direção, pairando exatamente ao seu lado na mesa.
Não comece você, pai desafiei, finalmente conquistando a sua
atenção. Não venha bancar o pai sensato e compreensivo depois do que
acabou de fazer. Como pôde mentir para mim tão descaradamente? Aposto
que toda aquela conversação sobre estar tentando me proteger, não passou
de uma desculpa estúpida para que pudesse tentar justificar as suas atitudes.
Não permitirei que tente me controlar, pai!
Não consigo compreender o motivo da sua revolta. opinou,
franzindo a testa. E não menti para você, como está me acusando. Mais
cedo, quando conversamos na cozinha, eu disse que tentaria conhecer
Jacob. E foi o que fiz. Todas aquelas perguntas, nada mais foram, do que
uma maneira de interpretá-lo. Estava tentando compreendê-lo.
Ele não é a droga de um dos seus pacientes, pai! disparei,
jogando as mãos para o alto.
Eu sei concordou, franzindo o cenho. É pior do que isso: o
namorado da minha filha. Há algo de errado em querer compreender melhor
o rapaz que está saindo com a minha filha?
Balancei a cabeça em descrença, incapaz de desfazer o contato
visual com ele, que, para meu total repúdio, parecia ofendido.
Realmente espera que eu aceite essa desculpa ridícula como
justificativa para as suas atitudes? questionei após alguns segundos em
silêncio. Você o humilhou, pai. Por certo já sabia a resposta de cada uma
das perguntas que fez para ele e só estava tentando intimidá-lo com toda
essa sua postura indiferente e cética de um psicólogo profissional.
Ele fechou a boca com força, trincando o maxilar e então eu soube
que sim, era exatamente aquilo.
O “teste de conhecimento” nada mais era do que uma tentativa de
levar Jacob até o seu limite. Papai queria que Jacob mostrasse o lado que
todos conheciam: o briguento e encrenqueiro de que tanto comentavam por
aí, ao invés de o amável e alegre que ele permitiu que apenas eu
conhecesse.
Jacob Davies era muito mais do que apenas um delinquente
encrenqueiro.
Espero que saiba que continuarei saindo com ele com ou sem a
sua aprovação, pai. informei, erguendo o queixo em desafio. E
lamento, mas a sua tentativa envergonhá-lo diante de mim não surtiu efeito
algum.
Não ouse me desobedecer, Astrid ele advertiu, se erguendo
bruscamente de seu lugar a mesa para me lançar um olhar ameaçador.
Balancei a cabeça em negação, cruzando ambos os braços sob o
peito enquanto sustentava seu olhar, lembrando de todas as vezes nos
últimos dois anos, em que me permiti ser controlada por ele.
Agora, no entanto, seria diferente.
Desta vez, não permitiria que me usurpassem o controle da minha
própria vida.
Por muito tempo me acovardei na minha bolha de invisibilidade
graças à todos os traumas e consequências que a traição de Nate me causou.
Por mais que me recusasse a admitir em voz alta, sabia que era exatamente
isso: medo.
Me sentia constantemente amedrontada a voltar a me relacionar com
alguém, porque a ideia de ser novamente traída me corroía por dentro.
Entretanto, com Jacob, sentia que seria diferente, porque ele era
diferente.
Girei nos calcanhares, ignorando Serena e papai, caminhando
decididamente até as escadas e subindo cada um dos degraus com o som da
voz de meu pai entonando pelas minhas costas. Ignorei seu chamado e, ao
chegar ao segundo andar, não pensei duas vezes antes de fechar a porta do
meu quarto com força, trancando-a para poder me jogar no colchão da
minha cama, abafando um grito com o travesseiro.
Exasperada, fisguei meu telefone ao lado da cabeceira da cama,
conferindo as chamadas na esperança de que alguma tivesse autoria dele,
mas para a minha consternação, não havia nada. Enviei rapidamente uma
mensagem de texto, notando que ele apenas a recebia e quando tentei a
sorte ligando diretamente para seu número e a ligação caiu na caixa postal,
bufei alto.
Frustrada, me ergui abruptamente da cama, caminhando de um lado
para o outro enquanto mordia a unha do polegar, imersa em nervosismo, até
que o movimento da brisa fria da noite contra a cortina da janela chamou a
minha atenção, me fazendo franzir a testa com a ideia que me veio
subitamente em mente.
Olhei por cima do ombro, especificamente para a porta trancada do
meu quarto e, sem hesitar, avancei na direção da janela, observando
atentamente a paisagem exterior, bons metros abaixo de onde estava.
Conferi novamente o telefone e quando nenhuma notificação surgiu pela
tela, decidi que estava tomando a decisão correta. Em um movimento ágil,
depositei o telefone no bolso da minha calça, ao mesmo tempo que passava
uma das pernas pelo peitoril da janela, escapando do meu quarto.
Estava farta de permitir que tomassem decisões por mim.
Era a minha vida e se existia alguém que eu quisesse que fizesse
parte dela, era ele.
34.

JACOB.

O gosto amargo da cerveja barata me causou uma careta ao senti-la


descendo pela minha garganta.
Eram onze da noite e o som da TV era a única coisa capaz de afastar
meus pensamentos do incidente de algumas horas atrás, na casa de Astrid.
Maldito Edgar Spencer e sua mentalidade psicótica.
A discussão com ele não somente me fez perceber o quanto eu
estava sendo patético – pensando que realmente teria um futuro ao lado de
uma garota como Astrid – como, também, me fez sentir péssimo ao lembrar
de algo: que eu havia me perdido em meu verdadeiro propósito. Aquilo não
era sobre mim; era o sobre o meu pai. Sobre eu e ele, juntos, outra vez. Por
isso concordei com a proposta de Serena, porque precisava da porra do
dinheiro e, em vez disso, acabei me desviando, me permitindo beijar e tocar
aquela garota, como se realmente fosse certo e justo com ela e, claro, com
meu pai.
Talvez Edgar estivesse certo, afinal: eu era um pedaço de lixo.
Largado no sofá, mudei novamente o canal, desviando minha
atenção do seriado Friends apenas para que pudesse dar mais um longo
gole na minha bebida. Na TV, Rachel e Ross discutiam fervorosamente e
antes que eu pudesse revirar os olhos mediante aquela irritante briga de
casal, o som da campainha entonou, me obrigando a desviar os olhos da TV
para a porta.
Franzindo o cenho, larguei o controle remoto sobre o sofá,
relutantemente avançando em direção à porta principal. Com a garrafa
ainda em mãos, chequei o olho mágico, quase engasgando ao notar quem
estava parada do outro lado da porta. Sem pestanejar, destravei as trancas de
segurança e repentinamente o rosto de Astrid surgiu pelo meu campo de
visão.
Oi ela cumprimentou sem me dar a oportunidade de
questioná-la, tão rápido quanto abri a porta e pousei meus olhos em sua
expressão corada.
Pisquei várias vezes, antes de silenciosamente, dar um passo para o
lado, permitindo a sua entrada. Ela entendeu o convite silencioso e não
tardou a passar por mim, adentrando na casa.
Girei nos calcanhares depois de fechar a porta e completamente
descrente e – literalmente – sem palavras pela sua repentina aparição, nada
mais fiz, do que fitá-la em silêncio, aguardando por esclarecimentos.
Você deve estar se perguntando o porquê da minha presença, não
é? ela deduziu, rompendo com o silêncio que se alastrava entre nós.
Exatamente. concordei, franzindo o cenho ao descer o olhar
pelo seu corpo e notar que ainda fazia uso das mesmas roupas de algumas
horas atrás.
Ela seguiu meu olhar e rapidamente abraçou o próprio corpo,
cobrindo-o, como se apenas agora se desse conta de que usava apenas uma
calça jeans desbotada e uma camisetinha colada, o que era surpreendente,
considerando o frio congelante que fazia àquela hora da noite.
Preciso te pedir desculpas. informou, parecendo constrangida.
Não deveria ter insistido para que você fosse àquele jantar, assim como
também deveria conhecer meu pai o suficiente, para saber que ele agiria
daquele modo. Lamento de verdade.
Suspirei, passando uma das mãos pela nuca, enquanto fitava o piso,
fugindo do seu olhar.
Não, você não precisa se desculpar discordei, fitando um
ponto fixo na parede, visando escapar do seu olhar atento ao meu rosto.
No final das contas, por mais que eu não concorde com a forma como o seu
pai agiu, sei que ele tem razão. arrastei os olhos novamente para o seu
rosto, apontando entre nós, ao mesmo tempo que sua testa franzia. Isso
nunca daria certo, Astrid.
Você só pode estar brincando comigo, Jacob falou, rindo sem
humor algum. Tão rápido quanto notou a expressão em meu rosto, contudo,
seu sorriso murchou. Não pode ter levado a sério tudo o que meu pai
disse. Desde quando você se importa com a opinião alheia ao seu respeito,
Jacob?
Respirei fundo.
Olhe para nós, Astrid. Parecemos um cosplay bizarro do Shrek e
da Fiona, onde você, sem mim, é definitivamente a versão humana dela e,
comigo, se transforma na outra versão, a ogra suspirei, fechando os
olhos com força ao constatar o quão verídica aquela afirmação era.
Somos de mundos e realidades completamente diferentes. Jamais
funcionaríamos como um casal. Seu pai tem toda razão.
Não diga bobagens, Jacob. Assim como nós, Shrek e Fiona não
são tão diferentes assim ela declarou, me obrigando a voltar a fitá-la.
Seus olhos permaneciam persistentemente fixos nos meus, enquanto sua
expressão beirava a seriedade absoluta. Ela era uma princesa patética
que, ao invés de continuar esperando tolamente pelo seu príncipe encantado
dos contos de fadas, acabou encontrando a felicidade com alguém
improvável. fez uma pausa, abrindo um sorriso terno. Assim como
eu.
Eu não sou o herói dessa história, Astrid. murmurei num
fiasco de voz.
Eu era o exato oposto: o vilão.
Eu sei. concordou, curvando os lábios em um sorriso gentil.
Assim como eu também não sou a “princesinha” patética que precisa de
proteção. Eu sei cuidar de mim mesma; tenho feito isso por todos esses
anos, desde que minha mãe morreu e tive de assumir o papel dela em casa,
então não permitirei que meu pai continue dizendo todas aquelas bobagens,
quando posso tomar as minhas próprias decisões e saber o que é melhor
para mim.
Desfiz bruscamente o contato visual, esfregando a nuca ao sentir o
peso de todas as minhas atitudes surgirem de uma só vez, fazendo com que
meu peito ardesse em culpa.
Por favor, não diga isso. supliquei, amargurado. Você não
faz ideia do que está dizendo.
Um silêncio sufocante se instalou entre nós, antes que o som dos
passos dela ecoassem pelo piso amadeirado e seu cheiro me abraçasse,
indicando sua proximidade abrupta. Completamente estagnado, a observei
ficar na ponta dos pés e tocar um dos lados do meu rosto, me obrigando a
voltar a fitá-la.
Sei perfeitamente do que estou falando. assegurou,
acariciando a minha bochecha com o polegar, enquanto sustentava o meu
olhar. Eu quero você, Jacob, e nada e nem ninguém poderá mudar isso.
Nem mesmo o meu pai.
Involuntariamente, toquei a sua mão que voltava a acariciar a minha
bochecha, virando o rosto apenas para beijar-lhe a palma. Em seguida, a
afastei delicadamente do meu rosto, para assim, poder encará-la
profundamente nos olhos.
Eu não mereço você. afirmei, incapaz de desfazer o contato
visual.
Ela sorriu.
É, eu sei. Sou muita areia para o seu caminhãozinho. zombou
e não fui capaz de prender a risada que me escapou. No entanto, meu
sorriso tão logo vacilou ao me lembrar de algo: Existem coisas sobre
mim que você não sabe. revelei, me lembrando da expressão
desapontada de seu pai, quando falei sobre a prisão do meu pai, ou sobre o
quanto a minha família – o que restava dela, é claro – era extremamente
disfuncional.
Então me permita conhecê-lo pediu, voltando a me fitar
intensamente. Me permita conhecê-lo por completo. Me mostre todos os
seus lados. fez uma pausa, acariciando meu rosto. Até mesmo os
mais feios. Eu quero tudo, Jacob.
Permaneci no mais sublime silêncio, limitado a fitá-la, porque as
palavras simplesmente pareciam ter sido roubadas de mim e a única coisa
em que conseguia pensar, era no quanto aquela cena parecia estranha e, ao
mesmo tempo, tão especial.
Quando havia sido a última vez que alguém tinha demonstrado o
menor interesse por mim?
Há muito tempo, certamente.
Era fascinante e definitivamente satisfatório ouvir aquelas palavras e
conseguir, de fato, interpretá-las corretamente, especialmente por terem
vindo dela, a única garota capaz de converter toda a bagunça que era a
minha vida, em algo bom.
Abri um sorriso torto e antes que pudesse fazer ou dizer qualquer
coisa, ela roçou levemente seus lábios contra os meus, me beijando com
ternura enquanto espalmava ambos os lados do meu rosto.
Movi as mãos do seu rosto, para a sua cintura, enlaçando-a
fortemente, ao mesmo tempo que a sua língua adentrava na minha boca, me
entorpecendo com o seu sabor viciante. Ela inclinou o rosto em seguida,
levando uma das mãos até a minha nuca e permaneci quieto, permitindo que
ela assumisse o controle do beijo, enquanto sentia sua outra mão descer
para o meu peitoral, aranhando de leve o tecido fino da minha camiseta.
Então, sem aviso prévio, seus lábios se afastaram abruptamente dos meus e
em questão de meros segundos, suas mãos dispararam até a bainha da
minha camisa, puxando-a para cima. Dando um passo para trás e sem
desfazer o contato visual, realizei a tarefa – aparentemente árdua – por ela,
sorrindo ao notar seus olhos passearem descaradamente pelo meu abdômen
no instante que arremessei a camisa contra o chão.
Uau ela sussurrou impressionada, seus olhos fixos no meu
abdômen.
Abri um sorriso presunçoso, conforme ela avançava um passo,
parecendo fascinada e relutante ao mesmo tempo.
Você pode me tocar, se quiser. Eu não mordo declarei e
relutantemente seus olhos voltaram para o meu rosto.
Morde sim ela contrariou, estreitando os olhos em zombaria
pelo meu comentário.
Por que não experimenta tocar e ver o que acontece? sugeri,
curvando os lábios em um meio-sorriso sedutor. Tire a prova você
mesma.
Ela me olhou por longos segundos em silêncio, até, relutantemente,
voltar a atenção para o meu dorso nu e, de modo cauteloso, deslizar um dos
dedos pela minha barriga, fazendo com que minha pele arrepiasse ante o
movimento lento da ponta dos seus dedos contra a minha barriga.
Você é lindo ela sussurrou o elogio, antes que seus dedos
tocassem um ponto específico no meu peitoral e sua testa vincasse
ligeiramente, seus olhos fixos no local em questão. Permaneci quieto,
limitado a observar atentamente a sua expressão curiosa e então, de modo
inesperado, seus olhos castanhos se elevaram novamente para os meus.
Então você realmente tem uma tatuagem? quis saber, se referindo ao
boato que rolava pela cidade sobre o fato de eu ter uma tatuagem – algo
que, numa cidade extremamente conservadora como Lester Ville, era algo
simplesmente abominável.
Dei de ombros.
A resposta está literalmente diante dos seus olhos falei.
Ela sorriu, voltando instantaneamente a fazer a sua inspeção pela
pequena tatuagem com a forma de uma serpente localizada especificamente
no músculo em formato de leque do meu peito. Analisei sua expressão com
cuidado, notando a forma como o seu lábio inferior cravou contra um de
seus dentes, antes que ela se inclinasse ainda mais na minha direção e
depositasse um beijo na minha tatuagem. Em seguida, com os olhos fixos
nos meus, ela recuou um passo, passando ambas as mãos pela barra da sua
camiseta e, sem hesitar, a puxou de uma vez pela cabeça, revelando o sutiã
rendado que cobria seus seios pequenos e arrebitados. Minha boca secou
quase que instantaneamente com a visão exuberante da sua barriga esguia e
tive de cerrar os punhos para conter a vontade de tocá-la da mesma maneira
que ela havia feito comigo, não muito tempo atrás.
Á contragosto, deslizei os olhos dos seus seios para o seu rosto e o
sorriso que curvava seus lábios, deixou evidente que ela sabia exatamente o
rumo que meus pensamentos estavam sendo levados.
Você pode me tocar se quiser ela informou sedutoramente,
devolvendo as palavras que eu havia dito alguns minutos atrás. Eu não
mordo.
Abri um sorriso.
Morde sim brinquei, elevando uma das sobrancelhas. Mas
não é algo que me incomode, no entanto revelei, dando de ombros e ela
sorriu.
Dei alguns passos hesitantes na sua direção, avaliando seu rosto com
atenção em busca de algum impedimento. Quando parei diante dela, notei
sua respiração acelerar, conforme seus olhos permaneciam fixos nos meus,
ansiosos pelos meus próximos movimentos. Cautelosamente, ergui uma das
mãos, levando-a até a curva do seu pescoço antes de, delicadamente, puxar
seu cabelo para o lado, liberando a pele do seu pescoço. Com os olhos ainda
fixos nos seus, me inclinei, lhe roubando mais um beijo e ela
instantaneamente arqueou as costas quando usei uma das mãos para arrastar
lentamente meus dedos pela extensão da sua barriga, me detendo bem
abaixo de seu sutiã. Estava prestes a recolher a mão, quando senti seus
dedos a apertarem-na forte, em um incentivo para que não me contivesse.
Você tem certeza? arrisquei perguntar, rompendo com o beijo
apenas fitá-la nos olhos, buscando por uma confirmação.
Jacob ela começou, me lançando um olhar fugaz. Cale a
boca e apenas aja.
Sorri.
Mandona como sempre.
Como quiser declarei, lambendo os lábios em empolgação.
Atendendo a sua ordem, usei a mão livre para segurar a sua nuca, puxando
um punhado do seu cabelo e a mantendo no lugar.
Despejei uma trilha de beijos pela linha da sua mandíbula, parando
na curva do seu pescoço, local por onde dei uma leve mordida, sorrindo ao
notar o tremor que seu corpo emitiu em resposta. Tornei a unir nossos lábios
em um beijo duro e sem a menor delicadeza, ao mesmo tempo que desatava
o fecho do seu sutiã com uma das mãos, passando-o por entre seus braços
no segundo seguinte e fazendo com que o mesmo caísse contra o chão. Sem
desfazer o contato entre as nossas bocas, espalmei um de seus seios com
força, e Astrid imediatamente arquejou contra a minha boca.
Santo Deus murmurou com dificuldade assim que rompi com
o beijo, lhe dando tempo para que recuperasse o fôlego, e me aproveitava
da deixa para admirar com precisão seu dorso completamente nu.
Para a minha surpresa, seus seios eram um pouco maiores do que o
imaginado, sendo empinados e arredondados, com mamilos rosa-claro que
faziam com que a minha boca salivasse. Ao arrastar os olhos até seu rosto
novamente, notei um sorriso presunçoso em seus lábios mediante a
expressão certamente predatória em meu rosto – ela sabia que eu estava
gostando do que via.
Gosta do que vê? ela quis saber mesmo assim, visivelmente
satisfeita com a forma como eu a olhava.
Me limitei a abrir um sorriso malicioso e a julgar pela maneira como
ela engoliu em seco, pude apostar que captou a minha resposta.
Ela arqueou uma das sobrancelhas em desafio e instintivamente
voltei a avançar em sua direção, reivindicando a sua boca com
possessividade. Arrastei a língua pelo seu lábio inferior, pedindo por
passagem e ela prontamente concedeu, abrindo os lábios para que minha
língua se unisse a dela. Nós dois gememos quando puxei sua cintura,
colando nossos corpos e seus seios pressionaram contra mim. Ansioso,
movi as mãos até o botão da sua calça jeans, tentando desesperadamente me
livrar da peça, e ela riu contra a minha boca mediante meu ato
desengonçado. Recuando alguns passos, ela retirou a calça, fazendo um
movimento extremamente sexy ao passá-la pelos seus quadris e, em
seguida, pelas suas pernas, o que me fez ter a certeza de que a ereção dentro
da minha calça ereção estava completamente perceptível àquela altura do
campeonato.
Uma minúscula calcinha rendada surgiu pelo meu campo de visão
assim que Astrid se livrou por completo da sua calça, arremessando-a sem a
menor delicadeza contra o chão. Lambi os lábios, passeando os olhos por
toda a extensão do seu corpo e foi apenas então, que notei a forma como ela
engolia em seco, indicando, dessa vez, nervosismo.
Decidido a deixá-la menos desconfortável, retirei, sem o menor
pudor, a minha calça moletom, expondo a minha cueca boxer e, assim como
ela, ficando apenas de roupa íntima. Os olhos castanhos dela passearam sem
o menor pudor pela extensão do meu corpo, suas sobrancelhas arqueando
de leve conforme desciam e fitavam a minha ereção completamente
perceptível. Permaneci imóvel, lhe dando tempo e coragem suficientes para
que tomasse as rédeas e se sentisse confortável. Felizmente, a minha
estratégia se mostrou vitoriosa segundos depois, quando ela voltou a se
aproximar de mim com as bochechas coradas e, ainda por cima, mordendo
o lábio inferior daquela maneira fodidamente sexy.
Sem aguentar mais, estiquei ambas as mãos e espalmei seus seios no
momento em que seu corpo pairou diante do meu. Ela soltou um gemido
baixinho quando circulei os mamilos rosados com o polegar e jogou a
cabeça para trás quando os torci entre os meus dedos, recebendo de sua
parte, um gemido alto em resposta. Em seguida, incapaz de deixar de
observar a sua expressão, me abaixei diante dela e instantaneamente seus
olhos voltaram para os meus, ansiosos. Com os olhos ainda presos nos seus,
toquei delicadamente o cós da sua calcinha, passando-a pelos seus quadris,
conforme ela mordiscava o lábio inferior, me fitando com atenção.
Lambendo os lábios, acariciei lentamente suas dobras, antes que, sem aviso
prévio, pusesse dois dedos de uma só vez no meio das suas pernas e um
gemido surpreso rapidamente escapou dos seus lábios. Os olhos que antes
me observavam atentos, se fecharam com força quando minha língua a
penetrou, lambendo-a dolorosamente lento e desfrutando do seu sabor.
Enfiando e retirando a língua na sua boceta, sorri ao notar seus
quadris se moverem ao ritmo das estocadas e um leve tremor assumiu todo
o seu corpo quando intensifiquei o movimento, lambendo e esfregando mais
forte o seu clitóris inchado, até que, em determinando momento, fui
surpreendido ao notar suas mãos tocarem ambos os meus ombros, em um
incentivo para que me colocasse novamente de pé. Rapidamente o fiz, e a
maneira como me olhou foi incentivo suficiente para que despejasse beijos
molhados pela linha da sua mandíbula, até parar na curva entre seus seios.
Ergui os olhos até os seus novamente e, desfrutando da expressão excitada
em seu rosto, suguei um dos mamilos, fazendo com que ela arqueasse as
costas em resposta e soltasse um gemido. Dei a mesma atenção ao outro
mamilo, tomando o cuidado suficiente para mordê-los delicadamente,
quando minha língua os tivesse terminado de inspecionar.
Deus ela gemeu, quando voltei a sugar um mamilo entumecido
e repentinamente, tive o rosto novamente puxado para cima, fazendo um
barulhinho molhado quando meus lábios soltaram abruptamente um dos
mamilos rosados.
Em questão de segundos, meus lábios voaram para os dela, que me
beijavam ansiosamente de volta. Senti suas mãos passearem pelas minhas
costas e gemi contra a sua boca ao sentir suas unhas cravando na minha
pele, o que lhe rendeu um sorriso, ainda entre meus lábios. Então, em
seguida, suas mãos serpentearam pelo meu abdômen, parando quando
chegaram na minha cueca e, em específico, na minha ereção pulsante.
Ainda sem desfazer o contato entre nossos lábios, senti seus dedos se
fecharem em torno do meu cumprimento e foi suficiente para que um
gemido gutural me escapasse. Ela soltou uma risadinha maliciosa em
resposta, antes que se colocasse de joelhos, seu rosto bem diante do meu
pau, me fitando com uma expressão receosa.
Eu, humm, nunca... começou, mas se deteve rapidamente,
parecendo constrangida.
Pisquei, confuso.
Você nunca chupou ninguém? perguntei, surpreso. Ela era
verdadeiramente confiante, e a forma como agia me fez pensar que já
tivesse alguma certa experiência.
Ela lambeu os lábios, desviando o olhar.
Eu nunca cheguei além... admitiu e senti meus olhos
arregalarem.
Porra.
Ela era virgem.
Está me dizendo que você é virgem? quase engasguei a
pergunta, chocado.
Ela bufou, corando.
O que, existe algo de errado nisso? perguntou, fechando a
cara.
Pisquei algumas vezes, tentando assimilar tudo, ao passo que levava
uma das mãos até as dela, incitando-a a ficar de pé.
É claro que não há nada de errado nisso fiz questão de dizer.
É só que, eu pensei que...
Eu já tivesse transado com o meu ex-namorado? ela concluiu,
me fazendo esboçar uma careta de imediato, com a ideia dos dois juntos.
Ela suspirou. Foi por isso que ele me traiu explicou, endurecendo sua
expressão. Porque ele estava impaciente, então o imbecil foi atrás da
minha melhor amiga.
Mas que filho da puta soltei, cerrando os punhos. Agora
finalmente conseguia entender o motivo de toda a revolta dele: ele pensava
que Astrid seria sua para sempre e que ninguém, além dele, teria o direito
de tocá-la.
Babaca.
Astrid permaneceu em silêncio, me avaliando com atenção e, ao
olhá-la, não pude deixar de me sentir um tanto receoso.
Você tem certeza de que quer fazer isso? indaguei, franzindo o
cenho.
Ela bufou.
A primeira vez é uma coisa muito importante expliquei, sério.
Tem certeza de que quer que a sua seja aqui, comigo? indaguei,
receoso pela resposta que teria. Você merece mais do que isso, e...
Cale a boca, Jacob ela me interrompeu, impaciente. Não
sou nenhuma criança, sei o que quero; e, nesse momento, o que mais quero
é você.
E foi impossível não sorrir, porque, afinal, era recíproco; nunca
desejei tanto alguém quanto a queria naquele momento.
Sorrindo, toquei delicadamente uma das suas mãos, guiando-a pelo
estreito corredor, rumo ao meu quarto. Chegando lá, fechei a porta às
minhas costas e, sem hesitação, a encaminhei até a minha cama, local onde
a deitei de costas, me proporcionando a gloriosa visão do seu corpo
inteiramente nu.
Você é tão linda sibilei, hipnotizado, me inclinando sobre o
seu corpo e voltando distribuir beijos pela sua extensão, começando pelo
seu pescoço e parando na sua barriga lisa.
Jacob ela entonou, rouca e suplicante. Foi apenas ao erguer o
rosto e fitar a sua expressão, que consegui decifrá-la: ansiedade.
Podemos avançar as coisas? Estou ficando...
Molhada? complementei e ela assentiu, ansiosa. Ela já estava
molhada quando a fodi com a língua minutos atrás, mas suspeitava que
estivesse a um triz de gozar e eu queria aliviá-la da maneira correta.
Sem hesitação, caminhei até um dos armários e tirei de lá, um
preservativo, o abrindo com os dentes enquanto notava a expressão ansiosa
no rosto dela, seus olhos atentos ao membro que rapidamente expus.
Coloquei o preservativo sem muita dificuldade e imediatamente os olhos de
Astrid se voltaram para o meu rosto, em um misto de apreensão, ansiedade
e excitação.
Tem certeza? sussurrei, quando ela abriu as pernas e me olhou
no fundo dos olhos. Se quiser, podemos esperar até que esteja...
Pelo amor de Deus, Jacob, cale a boca e coloque de uma vez
ordenou, olhando fixamente para o meu membro.
Assenti e lentamente atendi a sua ordem, me posicionando sobre seu
corpo e observando sua expressão alterar de ansiosa para desconfortável, à
medida que eu a penetrava mais fundo. Tive que fechar os olhos quando a
penetrei por completo, porque, caralho, ela era apertada.
Está doendo? questionei, num fiasco de voz, tentando manter
o autocontrole.
Não, é apenas desconfortável respondeu, com uma careta no
rosto.
Assenti, fazendo o possível para não me mover mais do que o
necessário e lhe causar mais desconforto. Em dado momento, contudo, um
suspiro escapou dos lábios dela e demorei até perceber que estava movendo
os quadris contra o meu membro, moendo contra mim. Nós dois gememos e
o olhar lascivo que ela me direcionou foi suficiente para que entendesse o
pedido silencioso: imediatamente tratei de me mover contra ela, ouvindo-a
gemer por debaixo de mim, conforme me movimentava.
Mais forte ela pediu, ofegante, e rapidamente o fiz, metendo
mais fundo, e, assim, fazendo com que os gemidos dela se tornassem mais
altos. Ela arquejou contra o meu ouvido, ao passo que enterrava meu rosto
na linha entre o seu pescoço e ombro, gemendo conforme ela moía contra
mim, se movendo em sintonia com o ritmo das minhas estocadas: rápido e
fundo.
Voltei a grudar meus lábios nos dela e Astrid começou a se esfregar
contra mim, em busca do alívio que não demorou a chegar, pois, no
segundo seguinte, gozou tão forte, que tive de estrangular um gemido
enquanto mantinha meus lábios nos dela. Não demorou nada para que
sentisse um arrepio pelo meu corpo, gozando forte. Suado e ofegante, me
joguei ao lado dela na cama. Longos segundos se passaram conosco no
mais sublime silêncio, até que acabei perguntando:
Você está bem?
Ela sorriu.
Estou mais do que bem.
Espero que tenha sido bom para você, tanto quanto foi para mim
comentei, avaliando seu rosto com atenção. As primeiras vezes não
costumam ser muito prazerosas, mas prometo que com o tempo melhora.
Estou bem, Jacob. De verdade respondeu, virando o rosto para
me fitar. Estou feliz que tenha sido com você.
Abri um sorriso, esticando um dos braços apenas para afastar uma
mecha da sua testa suada.
Eu também confessei e não sei como, ou quando aconteceu,
mas quando abri os olhos, algumas horas depois, ela já não estava mais ao
meu lado.
Um pequeno bilhete pregado ao lado da porta foi a única resposta
que encontrei para desvendar a minha pergunta.
Bufando, voltei a fechar os olhos, sendo invadido pela súbita
sensação de perda ao não tê-la ali, ao meu lado da cama.
Agora, definitivamente seria muito mais difícil ficar longe dela.
E essa verdade me atingiu feito um soco no estômago, mediante o
real significado por trás daquelas palavras: mais do que querê-la ou desejá-
la, eu a amava.
35.

ASTRID.

O sinal mal havia tocado, quando me arrastei para fora da sala de


aula, me locomovendo com agilidade pelos corredores lotados, rogando
pelo momento em que pudesse me libertar daquele inferno particular.
Para onde pensa que está indo? questionou Serena, surgindo
repentinamente ao meu lado, enquanto eu caminhava pelo gramado que
levava até o estacionamento da escola, ao invés do campus, como havia
combinado com ela mais cedo.
Estacionamento respondi, sem sequer olhá-la.
Estacionamento? repetiu confusa e quando não diminuí o
ritmo dos meus passos, ela tratou de me acompanhar, quase tropeçando ao
fazê-lo. Por que você está indo para o estacionamento?
Porque eu quero? ironizei e ela bufou.
Estou falando sério, Astrid. Por qual motivo você está indo para o
estacionamento se foi o papai que veio nos deixar hoje, depois de ter
proibido você de tocar no carro?
Talvez você encontre a resposta que procura no fato de eu ter um
namorado que tem um carro rebati, finalmente arriscando um olhar na
sua direção.
O queixo de Serena caiu, ao mesmo tempo que minhas palavras
pareciam atingi-la em cheio, finalmente registrando significado.
Por favor, me diga que eu entendi errado o que você acabou de
insinuar murmurou, estancando no lugar em iminente incredulidade.
Dei de ombros.
Bem, se você tiver entendido que vou pegar uma carona com
Jacob, então não terei motivos contrariá-la.
Você enlouqueceu, Astrid? ela indagou, sussurrando. Tem
noção do que papai fará se descobrir?
Provavelmente me dar outro castigo sem lógica alguma falei,
dando de ombros, indiferente. Não dou a mínima.
Pois deveria. Serena advertiu, franzindo a testa. Primeiro
você foge de casa e quase enlouquece o nosso pai de preocupação, e agora
quer burlar o castigo que ele te deu? Qual parte de: “Da escola, direto para
casa”, você não entendeu?
Revirei os olhos.
O que papai deixou passar despercebido é o fato de que eu
trabalho. Não posso simplesmente faltar sem dar explicações. O que direi a
senhora Cousin? Aquela biblioteca tem estado sob a minha
responsabilidade pelos últimos dois anos, Serena. Não posso simplesmente
largá-la sem mais nem menos.
Serena abriu um sorriso zombeteiro.
Está enganada, irmãzinha. Papai não esqueceu o fato de você
trabalhar e exatamente por isso, fez uma ligação para a senhora Cousin mais
cedo, informando sobre a sua ausência no trabalho hoje.
Fechei a boca com força.
Claro que ele fez isso.
E lá estava ele novamente, tomando decisões por mim sem sequer
me consultar antes.
Abri um sorriso irônico, ao mesmo tempo que Serena estreitava os
olhos para mim, parecendo desconfiada.
Quando papai vier buscá-la, o agradeça por mim. informei,
sendo recebida pelo franzir em sua testa, no que presumi ser confusão. O
fato de ele ter me garantido um dia de folga não pode passar despercebido,
não é?
Os olhos de Serena esbugalharam mediante o meu comentário e
quase ri da sua expressão boquiaberta.
Bem, vou indo nessa. declarei quando ela permaneceu calada,
parecendo incrédula demais para dizer qualquer coisa. Nos vemos mais
tarde.
Sem aguardar pela sua resposta, lhe dei as costas, retomando o
percurso até o estacionamento e sorrindo ao visualizar a caminhonete de
Jacob estacionada em uma das vagas destinadas aos alunos. Não tardei a
localizá-lo ao lado da dita cuja, com a atenção inteiramente voltada no
celular em suas mãos.
Não havíamos conversado desde ontem, em reflexo da punição que
meu pai me atribuiu pelo fato de tê-lo desobedecido e de, ainda por cima,
ter saído de casa sem o seu conhecimento, o que me rendeu um terrível
sermão sobre responsabilidade e a confiscação do meu celular além de, é
claro, estar proibida de dirigir o carro, instrumento utilizado na “fuga” da
noite anterior.
Papai acreditava que estava me punindo por todas as coisas
“abomináveis” – palavras dele – que eu havia feito, mas mal sabia ele, que
não me arrependia de nada.
E, francamente, se pudesse repetir tudo novamente, o faria sem
sequer hesitar.
Ao invés de me afastar de Jacob como era o seu objetivo, meu pai
acabou fazendo exatamente o contrário: nos unido ainda mais.
Ainda conseguia lembrar de cada sensação, cada olhar e cada toque
que havíamos compartilhado na noite anterior e a cada vez que tais
lembranças vinham à tona, mal conseguia conter o sorriso bobo que se
instalava nos meus lábios. Transar com ele me fez sentir mais confiante, e
eu sabia que isso tinha relação com a minha decisão de me entregar por
completo para alguém.
E dessa vez, ao invés de receosa, me sentia ansiosa.
Eu queria mais.
Os toques.
Os beijos.
As carícias.
E, acima de tudo, o sentimento de pertencimento.
Pigarreei assim que me coloquei diante dele, e imediatamente seus
olhos deslocaram da tela do seu celular, para mim.
Ele franziu o cenho no momento que o reconhecimento pareceu
atingi-lo, guardando seu celular no bolso da sua calça para poder me olhar
com aflição.
Estou tentando falar com você desde ontem informou ele,
vasculhando meu rosto com atenção. Está tudo bem?
Assenti, mal conseguindo conter o sorriso em meus lábios.
Está sim. Não há nada com que se preocupar tranquilizei,
antes de fazer uma careta. E com relação ao celular, bem, meu pai
acabou o confiscando.
Ele fez o quê?
Confiscou. repeti, fechando a cara. E não apenas o celular:
o carro também. Ele quase surtou quando me flagrou voltando para casa
tarde da noite comentei, dando de ombros.
Jacob suspirou, passando uma das mãos pelos cabelos castanhos em
evidente preocupação. O movimento fez com que suas madeixas
desgrenhassem, deixando-o ainda mais atraente.
Merda, eu sinto muito. pediu, assumindo uma expressão
pesarosa. É tudo culpa minha. Eu não deveria...
Eu fui atrás de você, Jacob. interrompi, o corrigindo. Você
não fez nada de errado. Não precisa pedir desculpas por algo que não fez.
Está tudo bem.
Ele suspirou.
Nós dois sabemos que eu também tenho culpa no cartório, Astrid.
revelou, arqueando uma das sobrancelhas.
E por qual motivo? Por ter comparecido ao jantar que
praticamente implorei para que fosse? bufei. Ora, por favor, Jacob.
Não tente se culpar por algo que não fez.
Ele balançou a cabeça, desistindo de argumentar comigo, antes que
franzisse a testa e estreitasse os olhos para mim, parecendo confuso.
Espere um segundo pediu, coçando a nuca. Se seu pai
confiscou o carro, como é que você vai voltar para casa?
Bufei.
Ele vem buscar Serena e eu daqui a pouco revelei, franzindo
as sobrancelhas ao recordar de todo o sermão patético que tive de escutar o
percurso inteiro até a escola.
Jacob fez uma careta, alternando olhar entre mim e o relógio sobre
seu pulso, parecendo confuso.
O sinal já tocou, Astrid informou, constatando o óbvio e
quando arqueei uma das sobrancelhas em indagação, ele esclareceu: Se
o sinal já tocou e você disse que seu pai vem buscá-la, o que ainda está
fazendo aqui? E se ele nos flagrar juntos?
Ele não vai nos flagrar juntos. assegurei, fazendo uma careta
para a sua expressão preocupada. E só corrigindo: ele virá buscar
Serena, não eu. Vou com você.
Ele engasgou.
Vai comigo? repetiu estupidamente, me fitando incrédulo.
Está me dizendo que vai burlar o castigo que seu pai lhe deu? Enlouqueceu?
Fechei a cara.
Não, Jacob. Eu não enlouqueci. Diria que é o exato oposto: estou
mais lúcida do que nunca cruzei ambos os braços sob o peito, o medindo
dos pés a cabeça. No entanto, se você não quiser me dar uma carona,
não tem problema. Posso pegar uma carona com alguém.
Não vou largar você sozinha por aí, Astrid declarou
prontamente, trincando o maxilar.
Excelente. Então já que não há empecilhos, certo? Podemos
finalmente ir? propus, o fitando com expectativa.
Tudo bem ele cedeu, suspirando. Mas fique sabendo que
tenho turno daqui a pouco e não posso me atrasar. Teremos que sair neste
exato momento se quisermos evitar o trânsito incessante desse horário e...
Me leve para o seu trabalho com você. intervim, o fazendo
arregalar os olhos. Não quero e nem vou para casa agora. E se formos
direto para o seu trabalho, não há como você se atrasar, não é? Problema
resolvido.
Ele franziu a testa.
Você quer ir para o meu trabalho?
Quero passar um tempo com você, panaca esclareci,
arqueando uma das sobrancelhas. E se para isso tiver que segui-lo feito
um maldito parasita, então assim farei.
Minha carranca foi se desfazendo gradativamente, à medida que
notava seus passos vindo até mim, de modo que seu corpo pairasse diante
do meu.
Essa foi a coisa mais romântica que você já me disse ele
afirmou e foi apenas ao lhe lançar um olhar mais apurado, que notei o
sorriso zombeteiro em seus lábios. O babaca estava caçoando de mim.
Vá se foder, babaca disparei, lhe dando um leve empurrão,
que sequer surtiu efeito.
Com todo prazer rebateu com aquele sorriso irritante ainda
intacto nos lábios. Inclusive, estou pensando em algumas coisinhas para
fazermos depois.
Sorri.
Estaria mentindo se dissesse que não estava pensando exatamente o
mesmo desde ontem: eu vinha desejando estar com ele outra vez,
fantasiando sobre outras formas de voltar a me sentir tão bem quanto o fiz
com ele, sobre aquela cama.
Depois de você me levar embora daqui condicionei, sorrindo
maliciosamente e ele ansiosamente assentiu.
Então isso é um sim? quis saber, esperançoso.
Não, é um “vou pensar no seu caso” informei, passando por
ele e me dirigindo até a sua caminhonete sem sequer consultá-lo, antes de
abrir a porta e batê-la com força, me acomodando no banco passageiro.
Felizmente ele entendeu o recado e não demorou nada para que
seguisse meu exemplo, se acomodando no banco do motorista e, sem
demorar, arrancar na direção da saída da escola.
Observei a paisagem pela janela ao meu lado, fechando os olhos ao
sentir a brisa da tarde invadir meus sentidos, graças ao vidro baixo e a
sensação foi simplesmente maravilhosa.
Pela primeira vez em muito tempo, me sentia viva outra vez e por
mais que custasse a admitir, sabia que era tudo em razão dele.
Estar com Jacob significava reaprender a viver.
Era sentir prazer nos pequenos detalhes da vida que, antigamente,
julgava como sendo fúteis e completamente insignificantes.
Era surreal.
36.

JACOB.

Pare aqui Astrid ordenou repentinamente ao meu lado,


enquanto passamos pela rodovia que levava à cidade vizinha a Lester Ville,
bem na saída da cidade, aonde nada se avistava além de paisagens naturais.
Fazia apenas alguns minutos desde que o meu turno no meu
emprego como ajudante no mercado do Sr. Souza havia acabado e agora,
estávamos prestes a parar numa lanchonete para que a senhorita-faminta ao
meu lado pudesse comer.
Pisquei.
Perdão? indaguei, pensando ter ouvido errado.
Eu disse para você parar esclareceu, franzindo uma das
sobrancelhas em desafio.
Desconfiado, estacionei no acostamento e, no segundo seguinte, a
lourinha ao meu lado simplesmente saltou de seu lugar para o meu colo, se
sentando sobre mim. Confuso, oscilei o olhar entre seu rosto e o movimento
das suas mãos no meu cinto, ao passo que ela simplesmente sorria para
mim, divertida pela expressão confusa em meu rosto.
O que você está fazendo? eu perguntei, desconfiado.
Desabotoando a sua calça ela respondeu simplesmente,
movendo bruscamente os quadris sobre mim, fazendo com que o meu pau
se agitasse sob a minha calça mediante o movimento. Em seguida, com um
sorriso malicioso nos lábios, ela se inclinou contra a alavanca ao lado do
banco e o inclinou até que ele ficasse no modo de “dormir”, dando espaço o
suficiente para que ela pudesse se mover sobre mim com mais facilidade.
Arregalei os olhos mediante o ato, mas ela não se deteve; em vez disso,
erguendo de leve os quadris, ela puxou minha calça para baixo, até a altura
das minhas coxas, fazendo o mesmo com a minha cueca boxer e, assim,
libertando o meu membro – já ereto.
Parabéns, a sua resposta é “sim” ela disse apenas, envolvendo
meu pau entre seus dedos e o apertando. Fechei os olhos e sibilei baixinho
mediante o acontecimento, ao passo que ela, satisfeita, continuava movendo
suas mãos para cima e para baixo pela extensão dele, me masturbando,
enquanto me fitava com atenção. Estiquei ambas as mãos e as posicionei
contra o forro do teto do carro, meus olhos fechados com força.
Porra praguejei, enquanto as mãos hábeis dela continuavam,
me enlouquecendo. E, quando pensei que não pudesse ficar melhor, ela se
afastou, descendo do meu colo para poder ficar de joelhos na parte onde
ficavam os pedais do carro e então simplesmente abocanhou o meu
membro. A sensação dos seus lábios me envolvendo foi deliciosa para
caralho. Ela começou devagar, sua boca me chupando lentamente e
instintivamente coloquei uma das mãos na parte de trás da cabeça dela, sem
assumir o controle. Eu a deixaria livre para fazer como quisesse, e, porra,
ela não decepcionou, porque era boa para caralho naquilo. Ela me lambia,
me envolvendo por inteiro dentro da boca, sem deixar de movimentar suas
mãos.
Puta que pariu.
Reforçando a minha opinião sobre o quanto Astrid era boa em fazer
boquetes, senti sua língua tocando um ponto ultrassensível na cabeça do
meu pau, o que me fez gemer e intensificar o aperto contra os seus cabelos,
lhe causando um sorrisinho. Umedecendo os lábios, abri os olhos, apenas a
tempo de vê-la me encarando, com a porra do meu pau dentro da boca, sexy
para um caralho. Sem emitir uma palavra sequer, ela voltou a atingir aquele
ponto sensível outra vez, fazendo com que intensificasse o ritmo, me
chupando com força. Gemi.
Eu vou gozar avisei, num fiasco de voz, mas ela não se
moveu; em vez disso, continuou, circulando com a língua o ponto sensível e
eu realmente gozei, fechando os olhos quando a sensação deliciosa de um
orgasmo varreu meus sentidos. Ao abrir os olhos, quase gemi de novo ao
perceber que eu tinha gozado na boca dela e ela tinha engolido cada gota
da minha porra.
Certo, aquela garota definitivamente era fenomenal.
Notando o meu olhar, ela não demorou nada para subir no meu colo
outra vez e então abrir um sorrisinho presunçoso nos lábios.
Tem certeza de que era virgem até ontem? eu perguntei,
rouco.
Eu disse que era virgem, não uma espécie de monge brincou,
arqueando uma das sobrancelhas.
Atento a expressão presunçosa no rosto dela, levei uma das mãos até
uma das suas bochechas analisando cada detalhe do seu rosto: desde as
sobrancelhas, cuja coloração era mais escura do que a do seu cabelo, até os
olhos amendoados, o nariz pequeno e delicado e aqueles lábios sensuais
que, a pouco, estavam envoltos no meu pau. A recordação fez o membro
em questão se agitar outra vez e a julgar pela forma como os olhos de
Astrid arregalaram, pude apostar que ela percebeu – ou melhor: sentiu.
Outra vez? ela perguntou, perplexa. Deus do céu, você é
insaciável, Davies!
Você não viu nada ainda comentei, abrindo um sorriso
enquanto apontava sugestivamente na direção do porta-luvas do carro.
Vá pegar um preservativo e então poderá entender sobre o que estou
falando garanti e ela rapidamente atendeu, se esticando para o lado para
poder alcançar o compartimento em questão e retirar de lá um preservativo.
Em silêncio, ela se desfez da embalagem e a envolveu na minha extensão,
se erguendo apenas o suficiente para poder retirar sua calcinha – graças aos
céus ela estava usando saia, o que facilitou a tarefa, uma vez que ela apenas
a subiu até a altura da sua cintura – e então voltar a se posicionar sobre
mim, montando em mim.
Nós dois gememos quando ela começou a se mover contra mim,
cavalgando o meu pau, assumindo o controle. Ela gostava rápido e
profundo, tal qual a safadinha que ela era, e mais uma vez me peguei
agradecendo aos céus por Ele ter me presenteado com alguém cuja
devassidão combinava perfeitamente com a minha. Ouvindo-a gemer cada
vez mais alto, enterrei o rosto na linha do seu pescoço e ombro, levando
uma das mãos até sua bunda, apertando forte, ao passo que seus
movimentos se tornavam cada vez mais frenéticos e suas unhas arranhavam
minhas costas por debaixo do tecido da camiseta.
Porra, Astrid eu murmurei contra o ouvido dela, sentindo-a
moer contra mim mais rápido, em busca de alívio. Estava quase gozando. O
orgasmo dela chegou junto com o gemido alto que me escapou assim que
senti seus dentes cravando contra o lóbulo da minha orelha e, então, foi a
minha vez de gozar.
Ofegante, senti meu corpo tremer, ao passo que a ouvia dizendo,
numa voz fodidamente sexy:
Você estava certo falou, umedecendo os lábios. Sexo
realmente vai melhorando com o tempo.
Sorrindo, ainda ofegante, puxei seu rosto para um beijo, grudando
nossos lábios de uma maneira tão lasciva, que chegou a assustar. Com ela,
nunca parecia suficiente; eu estava sempre querendo mais.
No entanto, para a minha infelicidade, Astrid saiu de cima de mim
tão rápido que nem mesmo pude registrar quando aconteceu. Ao virar o
rosto, a flagrei vestindo a sua calcinha e ela, captando o meu olhar, elevou
uma das sobrancelhas.
Hora de dirigir, Davies. Você já foi mais do que bem
recompensado hoje.
E eu sorri, porque não deixava de ser verdade.
Retirando o preservativo, ajustei minhas roupas e então dei partida
na caminhonete, avançando em direção à lanchonete a qual prometi que
iríamos antes daquilo: o melhor sexo que já tive na vida.
37.

JACOB.

Mesmo que tivessem passado trinta minutos desde o final do meu


turno no trabalho, ainda não podia acreditar no que estava acontecendo.
Astrid estava sentada exatamente à minha frente, folheando o
cardápio com uma atenção admirável, enquanto eu tentava digerir todos os
acontecimentos que vinham ocorrendo desde que começamos a sair.
Desde o primeiro beijo, a noite de ontem e também, a alucinante
“rapidinha” no banco da frente da caminhonete – ideia dela, só para constar.
Quando sugeri sexo mais cedo, estava apenas brincando e não
pensei que ela realmente levaria a ideia em consideração, algo que se
concretizou quando, assim que meu turno acabou, entramos no carro e ela
inocentemente sugeriu que parássemos próximo a uma das plantações
localizadas na saída de Lester Ville. Obviamente o fiz e fiquei literalmente
de queixo caído quando ela pulou do banco e se sentou sobre mim. No
segundo seguinte, tive o cinto desabotoado e aquela boquinha deliciosa no
meu pau. O fato de aquela garota ser virgem até a noite passada era quase
inacreditável agora, tendo em mente todas as suas habilidades recém-
descobertas.
Astrid estava diferente do normal e eu desconfiava que isso não
tivesse a menor relação com o rompimento do seu hímen na noite anterior;
ela parecia mais alegre, confiante... e o mais fascinante de tudo, era que
nem mesmo ela parecia ter noção do quanto havia mudado. A forma como
seu sorriso parecia mais natural, ou como sua risada soava com mais
facilidade a cada piada que eu contava, apenas me serviam de comprovação
para o meu ponto.
Entretanto, o fator X de tudo, era o fato de ela estar naquele exato
momento comigo, ao invés de em casa, como seu pai havia estipulado que
fizesse. Ela o estava desafiando e, sendo sincero, eu não sabia se isso era
algo bom ou ruim; não queria que ela se distanciasse de seu pai por minha
causa, mas, ao mesmo tempo, também não queria que ela se distanciasse de
mim por causa dele.
Que tipo de lanchonete não serve limonada? ela indagou, com
os olhos ainda fixos no cardápio diante de si.
Uma fast food? respondi de sobrancelhas arqueadas e aos
poucos, seu olhar se moveu do cardápio para mim.
Deveriam servir limonada resmungou, largando o cardápio ao
seu lado e parecendo genuinamente irritada.
Sorri da sua expressão, antes que meu celular vibrasse sobre a mesa
e ao checá-lo, instantaneamente enrijecesse no meu lugar. O nome de Adam
Hilton surgiu pela tela, fazendo com que franzisse as minhas sobrancelhas
assim que o entendimento sobre o que se tratava aquela ligação me atingiu
em cheio, equivalendo a um maldito soco no estômago.
Jacob, está tudo bem? questionou Astrid do outro lado da
mesa. Depois de arriscar um olhar na sua direção, tive certeza de que a
minha expressão foi capaz de responder por si só, me entregando por
completo.
Forcei um sorriso ao rosto.
Está, sim menti, pigarreando e recolhendo meu celular para
debaixo da mesa, longe do seu olhar.
Infelizmente, àquela altura do campeonato já deveria ser do meu
conhecimento o quanto aquela garota era teimosa, e o olhar desconfiado em
seu rosto dizia exatamente a mesma coisa.
Não minta para mim, Jacob. pediu, endurecendo a expressão.
Está na cara que algo está o incomodando e certamente tem relação com
a ligação que você acabou de receber. fez uma pausa, vasculhando meu
rosto com atenção. Aconteceu alguma coisa?
Sim.
Não. Não há nada de errado. É apenas uma ligação do trabalho.
Nada demais desconversei, abrindo um sorriso. Que tal pararmos de
falar sobre isso e finalmente fazermos o pedido? Você está há um tempão
checando o cardápio e não fez nada além de reclamar da comida daqui.
Ao invés de atender a minha sugestão como pensei que faria, ela
apenas me fitou, esboçando uma expressão completamente séria e atenta, o
que me fez suar frio, mediante a intensidade do seu olhar.
Sabe, Jacob ela começou, após longos segundos em silêncio.
Espero que você saiba que o que eu disse ontem ainda está valendo.
Preciso que você confie em mim. Seja lá o que o estiver incomodando, pode
me contar. Talvez eu possa ajudar.
Sustentei seu olhar, focando no castanho dos seus olhos e por um
momento, realmente me pareceu plausível compartilhar com alguém o que
há tanto tempo vinha guardando apenas para mim.
Cada apelo.
Cada dor.
E cada momento excruciante de solidão e desespero, desde o
fatídico dia em que Mike Davies havia sido preso.
Mas então, foi ao abrir a boca, que a triste realidade me atingiu,
fazendo com que me calasse e rapidamente desfizesse o contato visual.
Como poderia lhe contar que estava tão desesperado por dinheiro,
que cedi à proposta de sua irmã?
Não é nada voltei a afirmar, fitando as minhas próprias mãos
ao invés de o seu rosto. Mesmo sem fitá-la, sabia que seus olhos me
observavam em iminente desapontamento.
Tudo bem ela murmurou baixinho, desfazendo o contato
visual e voltando a folhear o cardápio ao seu lado na mesa. Em seguida,
após uma rápida – e totalmente superficial – verificação, ela bufou,
desistindo de vez de fingir interesse.
Acho que mudei de ideia. Não quero mais comer aqui.
Pisquei.
Como não? Você insistiu para que viéssemos até aqui durante o
meu turno inteiro, Astrid. Não pode ter mudado de ideia tão rápido.
Ela deu de ombros, fitando o chão ao invés de mim.
Pois é, mas aconteceu. Mudei de ideia e a única coisa que quero
agora, é ir para casa.
Fiz uma pausa, a avaliando com atenção, até ser capaz de decifrar a
sua expressão: mágoa.
Suspirei.
Tudo bem cedi, reconquistando a sua atenção. Você
venceu. Me faça uma pergunta. Responderei ao que quiser.
Ela piscou algumas vezes, parecendo incrédula e quando arqueei
uma das sobrancelhas, estreitou os olhos, adotando uma postura cética.
Está falando sério? questionou de olhos semicerrados.
Assenti.
É isso aí. Mas a minha proposta tem data de validade, então seja
rápida e pergunte de uma vez.
Ela analisou meu rosto por mais alguns segundos, antes de cruzar
ambas as mãos debaixo do queixo e fazer uma pausa, parecendo pensar.
Bom, eu gostaria de começar pelo início de tudo. declarou
após uma pausa. Pelo motivo real por trás da prisão do seu pai.
Suspirei.
Essa história é velha, Astrid. Toda Lester Ville sabe dela.
Eu sei, mas quero a versão real dos fatos. Tudo o que ouvi a
respeito, não passa de boatos rebateu, sem sequer pestanejar.
Tudo bem cedi, após um longo suspiro Aconteceu há
alguns anos atrás, quando meu pai trabalhava como mecânico em uma das
empresas Hawkins. A versão relatada pela polícia foi que meu pai foi
responsável pelo incêndio na oficina e que, graças a ele, Justin Thorn, um
dos clientes que estava no estabelecimento naquele dia, veio a óbito. No
entanto, o que não veio a se tornar público, foi o fato de que o meu pai não
foi o último a sair da loja naquele dia, como foi repassado. Foi Martin
Hawkins, o irmão do dono do estabelecimento. Plantaram provas falsas no
carro do meu pai, de modo que pudessem torná-lo responsável por aquele
delito, enquanto na realidade, estavam tentando encobrir o real culpado:
Martin Hawkins fiz uma pausa, arriscando um olhar na sua direção em
busca de indagações e quando nada veio, recomecei a falar: Martin
Hawkins tinha envolvimento com drogas e ninguém além dos funcionários
e familiares dele, sabia disso. Fato este que se mostrou bastante peculiar
para o caso, considerando que Justin Thorn, ao invés de um simples cliente
como foi relatado pela polícia, era um traficante de drogas e estava na
oficina a negócios. Martin tinha um vício exorbitante em cocaína e pouco
dinheiro para custeá-lo. Por essa mesma razão pediu que o fornecedor da
droga o encontrasse em uma das lojas do seu irmão, que por sua vez, era
detentor de uma quantidade impressionante de capital monetário. Ele queria
que seu irmão quitasse a sua dívida e quando ele se recusou a fazê-lo,
Martin entrou em desespero. Todos sabemos o que acontece com quem
deve dinheiro para grandes traficantes de droga, não é? retoriquei, rindo
amargamente. Morte. Martin, mais do que ninguém, deveria saber disso.
Bem, o resto da história você já deve ter deduzido: um incêndio, uma morte
e um culpado. Fim da história.
Astrid tinha os lábios entreabertos, quando terminei de falar e tão
logo voltei a fitá-la, ela pigarreou.
Então, está me dizendo que o real responsável pelo incidente na
oficina mecânica Hawkins, foi o tio de Nate?
Trinquei a maxilar com a menção ao nome do desgraçado, fugindo
de seu olhar na tentativa de mascarar a minha indignação.
É, eu sei. Inacreditável zombei, abrindo um sorriso forçado.
Na verdade, não contrariou, franzindo o cenho. Para mim,
faz todo o sentido. Nate sempre me disse que seu pai e tio não se davam
muito bem. Ele dizia que seu tio era uma verdadeira sanguessuga.
Estreitei os olhos.
Então está dizendo que acredita em mim? fiz uma pausa,
analisando seu rosto com atenção. Que acredita na inocência do meu
pai?
Ela me fitou em silêncio por longos segundos, antes de estender
uma das mãos e uni-la a minha, por cima da mesa.
É claro que acredito. No entanto, o que me intriga é o fato de ele
permanecer preso até hoje, se você sabe da verdade. Porque não relata a sua
versão a polícia? Certamente reabrirão o caso e talvez voltem a apurar...
Olhe para mim, Astrid. pedi seriamente para ela, a
interrompendo e fazendo com que me fitasse novamente. Realmente
acha que acreditariam em mim ao invés de no grande Billy Hawkins, dono
da porra da metade dessa cidade? questionei e quando ela reprimiu os
lábios, recomecei a falar: Não, não acreditariam. Ainda mais quando a
própria polícia está do lado deles. Eu vi quando o maldito Billy Hawkins
comprou o silêncio das testemunhas e, em vez de contarem a verdade, estas
mesmas pessoas acusaram o meu pai. É por isso que eu odeio essa maldita
cidade. Bando de filhos da puta mentirosos.
Eu também odeio. Astrid me interrompeu, reconquistando a
minha atenção. Essa fé inabalável e falsidade disfarçada de união
comunitária é uma puta de uma hipocrisia.
Fixei o olhar no seu rosto, notando a forma como parecia pensativa,
fitando o chão ao invés do meu rosto e o ato em si, me fez perceber que seu
ódio por Lester Ville era alheio aos meus próprios motivos.
Está dizendo isso por causa da sua mãe? me atrevi a perguntar
e lentamente, seus olhos voltaram para mim.
Sim e não respondeu, fazendo uma careta. Um pouco dos
dois, eu acho. Cresci com a certeza de que odiava a minha mãe pelo que ela
nos fez, mas depois de um tempo, passei a entendê-la. Até mesmo eu daria
o fora daqui, se pudesse.
Faço das suas palavras as minhas sussurrei, sendo recebido
pelo seu sorriso.
Viu só? Não somos tão diferentes assim ela afirmou, enquanto
apoiava o rosto em uma das mãos e me dirigia um sorriso torto.
Retribuí o sorriso, notando o quanto ela estava correta.
Éramos os dois, vítimas de toda aquela comunidade falsificada.
E o pensamento me causou um sorriso genuíno.
Somos mais parecidos do que o que eu imaginava. refleti,
franzindo a testa.
Ela riu.
Bizarramente parecidos declarou.
Sustentei seu olhar, antes que meu celular voltasse a vibrar no bolso
da minha calça e instantaneamente qualquer resquício de alegria me
escapasse.
Você tinha razão. Acho que está ficando tarde constatei, após
ignorar a segunda chamada consecutiva daquele número em específico e
voltar a guardar o celular em um dos bolsos da minha calça.
Verdade concordou ela, parecendo alheia a mudança abrupta
no meu humor.
Sem mais perguntas, Astrid se ergueu de seu lugar e rapidamente
tratei de segui-la até as portas da lanchonete, ignorando o olhar irritado da
garçonete que nos havia entregue o cardápio cerca de trinta minutos atrás.
Fitando os próprios pés, praguejei baixinho por ter deixado que as
coisas chegassem àquele nível.
Ao sair com Astrid, acabei esquecendo por completo da real
motivação por trás do ato e, principalmente, do que ela significaria para
meu pai e eu.
Liberdade.
38.

ASTRID.

Dois dias após o terrível jantar com Jacob na minha casa, meu pai
ainda estava bravo.
Não, bravo não; usar tal termo seria eufemismo.
Ele estava irado.
E eu, no entanto, estava adorando perceber o quanto as suas
tentativas de tentar me castigar estavam sendo ineficazes.
Depois de confiscar o carro e o celular, ele tentou me tirar o
computador – grande diferença – e ao notar que sua atitude novamente não
surtiu efeito, ele finalmente partiu para o diálogo.
Foram longas quatro horas trancados no meu quarto, tentando
“entrar em consenso” como ele mesmo dizia e, no final das contas, foi
exatamente assim que acabou: chegamos à conclusão de que ele não tinha o
direito de tentar boicotar o meu relacionamento, assim como eu também
não tinha o direito de questionar a sua autoridade.
Em suma, tudo não passou de uma troca de compreensões até que
chegássemos ao veredito de que tínhamos de manter o respeito. E, no final
das contas, estabelecemos algumas regras de convivência que fariam com
que mantivéssemos o respeito mútuo e que, por fim, conquistássemos a
harmonia.
Jacob Davies, hein? questionou Nelly ao meu lado, me tirando
de meus devaneios. Eu não poderia estar mais surpresa, Astrid.
Dei de ombros, abrindo um sorriso enquanto fechava a porta do meu
armário e depositava ambos os meus livros debaixo do braço.
A vida é uma caixinha de surpresas, Nelly informei, virando
rosto para fitá-la.
Ela estreitou seus olhos azuis para mim, parecendo resignada.
Eu só não consigo acreditar que isso aconteceu bem debaixo do
meu nariz e eu nem percebi se queixou ao mesmo tempo que franzia a
testa.
Franzi o cenho.
O que você quer dizer com “isso”?
Ela bufou.
O fato de vocês dois terem se apaixonado. Me refiro a oitava
maravilha do mundo: o amor.
Ai meu Deus murmurei, prendendo uma risada e girando nos
calcanhares, me enfiando no mar de pessoas que revestia os corredores da
escola àquela hora da manhã. Você está parecendo uma romancista,
Nelly. Pare com isso.
Ei, eu sou uma leitora voraz defendeu, ofendida. Sou
assumidamente uma romântica incurável estreitou os olhos para mim.
Assim como sei que você também é. Já a vi lendo Shakespeare, Astrid.
Não me julgue.
Leio romances trágicos. É diferente. corrigi, erguendo o
indicador, mesmo sabendo que estava sendo uma baita hipócrita, afinal, eu
lia de tudo – mas é claro que acabei omitindo isso para poder provar meu
ponto.
Nelly bufou.
Bem, que seja. De todo modo, a sua vida está mais movimentada
do que a minha revelou, suspirando. O que me faz lembrar: como o
seu pai reagiu a tudo isso, considerando, você sabe, o jeito dele?
Muito mal. confessei. Mas acabamos nos resolvendo
ontem à noite e estabelecemos algumas regras e limites. Em suma, está tudo
bem.
Bem? ironizou uma voz ao meu lado que, no segundo
seguinte, descobrir pertencer à Serena. Eu não diria que está tudo bem;
não ainda, pelo menos. Papai ficou muito chateado pelo seu comportamento
rebelde e certamente não irá ceder tão facilmente virou o rosto para
mim, arqueando uma das sobrancelhas. Sabe o que estou dizendo com
ceder, não é? Nada de encontros com o seu namorado Bad Boy.
Revirei os olhos.
Não seja chata, Serena.
Estou sendo realista. É mil vezes diferente ela rebateu,
acompanhando Nelly e eu pelos corredores lotados.
Dá na mesma resmunguei e ela me mostrou a língua em
resposta.
Fiz uma careta.
Muito maduro, Serena.
Falou a garota que saiu escondida de casa para fazer Deus sabe o
quê com o namorado retrucou, fazendo cara feia.
Estou na adolescência. Não é a fase das atitudes impulsivas e dos
incontáveis erros justificados pelos “hormônios a flor da pele”?
questionei, franzindo a testa. Acho que estou no meu direito.
Acrescente normal na sua resposta e está tudo certo Serena
ironizou, abrindo um sorriso doce. Mas eis a questão, irmãzinha: você
não é uma adolescente normal.
Fechei a cara.
Ah, cale a merda da boca grunhi e ela sorriu.
Viu só? Essa é a Astrid que eu conheço. Grosseira, rabugenta e
estressada.
Estava prestes a xingá-la, quando o som de um pigarreio me
conteve.
Está na minha hora. Tenho aula de Física agora e não posso me
atrasar. informou Nelly, apontando com o polegar na direção da sala à
nossa direita. Nos vemos na aula de laboratório, Astrid. Não se atrase!
Ok, nos vemos mais tarde. respondi, observando suas costas
desaparecerem pela multidão que nos cercava.
Retomei o percurso até a sala de aula, notando que Serena
permanecia ao meu lado, me observando com atenção.
Não sabia que você e Nelly Ford eram amigas disse ela, me
avaliando com atenção.
E não somos. respondi no automático, antes de lembrar de
todas as nossas conversas nas aulas que frequentávamos juntas. Quer
dizer, não próximas, pelo menos.
Serena fez uma careta.
Estou começando a acreditar nessas baboseiras que dizem por aí
sobre o amor mudar as pessoas. revelou, me fitando acusatoriamente.
Não comece você também. grunhi, revirando os olhos.
Você lê romances. O que espera que eu diga? justificou, quase
cuspindo a palavra romances.
E você não lê nada que não tenha imagens apontei. No fim
das contas, tenho mais vantagens a contar do que você.
Ela fez cara feia e estava prestes a me responder, quando teve sua
atenção repentinamente roubada para algo diante de nós. Segui seu olhar e
notei que ela não era a única a fitar aquele ponto em específico: a multidão
de alunos ao nosso redor abria espaço para três garotas que passavam pelo
corredor como se fossem parte da realeza inglesa ou coisa assim.
E foi ao reconhecê-las que tudo fez sentido.
Há apenas alguns metros de onde Serena e eu estávamos, o ABC –
que agora era apenas “AB” – fazia seu majestoso percurso pelos corredores,
ambas com sapatos altos, bolsas de grife e saias cor-de-rosa. Fechei a cara
em contrapartida com o som de seus saltos estalando contra o piso, se
assemelhando a uma cena bizarra do filme “Meninas Malvadas”, onde
Carly incorporava uma versão da icônica Regina George com sua expressão
de cadela em ação.
Serena Spencer cantarolou a dita cuja assim que se pôs diante
de nós.
Serena piscou.
Carly, Bella cumprimentou, oscilando o olhar entre as duas,
estreitando os olhos em desconfiança.
Desloquei o olhar pelo corpo da garota em questão, notando a forma
como seu cabelo ridiculamente impecável caía em ondas pelas suas costas e
sua saia cor-de-rosa se ajustava perfeitamente às curvas voluptuosas de seu
corpo. O mesmo podia ser dito de Carly que, não muito diferente de Bella,
tinha uma saia rosa que fazia maravilhas com seu corpo de manequim.
Pisquei com força, voltando à realidade, ao passo que Bella estendia
uma das mãos até minha irmã e lhe ofereceu um pequeno papel delicado
que, não muito depois, notei ser um convite. Ela tinha pelo menos trinta
iguais a ele por debaixo do braço, o que me fez perceber que ela
literalmente estava selecionando as pessoas que iriam para a sua festa – a
festa anual do ABC; eu sabia disso porque fui eu quem criou a tradição.
Serena alternou o olhar entre o delicado convite e o rosto de Bella,
arqueando uma das sobrancelhas em uma indagação silenciosa e parecendo
se dar conta disso, foi a vez de Carly intervir:
É um convite. ela esclareceu, constatando o óbvio. Nós
estamos convidando você para uma das festas oficiais do ABC.
Bella assentiu.
Exatamente. Será uma festinha intima na minha casa. arrastou
os olhos para mim. Apenas para o pessoal autorizado.
Serena franziu o cenho.
Ok disse pausadamente, parecendo desconfiada. Obrigada,
eu acho.
Bella abriu um sorriso doce, antes de me lançar um olhar
desdenhoso e girar nos calcanhares, retomando seu percurso majestoso
pelos corredores, sendo fielmente seguida por Carly, que assim como sua
amiga me lançou um olhar repulsivo, antes de praticamente correr para
alcançar a sua “amiga”.
Mal posso acreditar nisso Serena murmurou ao meu lado,
reconquistando a minha atenção. Fui convidada para uma festa do ABC.
sussurrou, parecendo descrente.
Uhu, que notícia maravilhosa! ironizei, usando um tom de voz
exageradamente animado. Devo parabenizá-la pelo feito ou algo do
tipo?
Poderia calar a boca. ela rebateu, fechando a cara para mim.
Seria de grande ajuda.
Então, não vai abrir? questionei, ignorando seu comentário e
apontando sugestivamente para o pequeno envelope dourado sobre suas
mãos.
Ela suspirou.
Não. De que me adianta receber e até abrir esse envelope, se não
posso... se interrompeu, piscando algumas vezes antes de voltar o olhar
para mim com um sorriso largo nos lábios. Bem, pensando melhor,
talvez eu possa ir para essa festa.
Estreitei os olhos.
Não, não pode.
Posso sim, se você for.
Fechei a cara.
Não respondi sem nem pestanejar, fazendo com que seu
sorriso vacilasse.
Ela piscou.
Como assim não? fez uma careta. E por que não?
Porque como você mesma disse, é uma festa do ABC. E como
também já deve saber, eu odeio o ABC.
Ora, por favor! Não seja estraga-prazeres! pediu, agarrando
meu cotovelo e me fazendo estancar no lugar.
Não estou sendo estraga-prazeres. grunhi, me desvencilhando
do seu toque. Estou apenas constatando um fato: que eu odeio o ABC.
Ela suspirou.
Vamos, lá suplicou, voltando a agarrar meu cotovelo. Não
seja chata. O que aconteceu com a sua repentina rebeldia? Há literalmente
dois dias, você saiu escondida de casa. argumentou, arqueando uma das
sobrancelhas de maneira dramática. Não acha que sair um pouco da sua
zona de conforto, seria uma excelente alternativa para fugir da monotonia
da vida real?
Não, não acho. retruquei, fazendo uma careta. Como
diabos encher a cara debaixo do teto da minha pior inimiga seria algo bom?
Experiências novas? tentou e quando fechei a cara, arqueou
uma das sobrancelhas. Certo, então que tal voltarmos ao fato de que
você é uma adolescente e que há pouco tempo atrás estava dizendo
exatamente isso? O que aconteceu com o papo de “erros incontáveis e
atitudes impulsivas”?
E o que aconteceu com o papo de que não sou uma adolescente
normal? relembrei, arqueando uma das sobrancelhas.
É, mas aí é que está: eu sou uma adolescente normal e preciso de
um pouco de entretenimento na minha vida entediante. Será que dá para
deixar o egoísmo de lado por pelo menos uma vez na vida? Além do quê,
papai não poderá nos impedir de ir à essa festa. Ele conhece as próprias
regras e jamais as ignoraria.
Revirei os olhos.
Certo, Serena. Excelentes argumentos, mas ainda estou sem
carro. Papai o confiscou e duvido muito que me devolva hoje, apenas para
que possamos ir para uma festa.
Você tem um namorado que dirige, esqueceu? lembrou ela,
me fitando como se eu fosse estúpida.
Exato, Serena. Um namorado, não um uber.
Ela bufou.
Tanto faz. De todo modo, ter um namorado lhe garante caronas
grátis, não é?
Não é bem assim que funciona.
Ela deu de ombros.
Que seja, mas a questão central não é essa. É o fato de que
certamente você adoraria ver a cara de desgosto do ABC ao vê-la na festa,
não é? indagou, franzindo o cenho. Imagine só a cara daquelas três
patetas ao verem você, a antiga líder delas, na festa? Seria um verdadeiro
escândalo. Também serviria como comprovação de que você deixou todo o
seu passado para trás e que agora, simplesmente já não dá mais a mínima
para o ABC ou Nataniel Hawkins, aparecendo por lá com o seu mais novo
namorado. Seria o ápice da sua superação.
A fitei de olhos estreitos, odiando admitir o quanto seu raciocínio
caía bem à situação, porque mesmo que a contragosto, eu sabia que ela
estava certa em basicamente tudo: adoraria ver a expressão de Bella ao me
ver na sua festa e também amaria provar de uma vez por todas para Nate
que ele já não tinha mais efeito sobre mim; que agora, estava mais do que
feliz com Jacob.
De soslaio, notei os olhar de Serena cravado a mim, aguardando
pela minha resposta com expectativa.
Suspirei.
Está bem, Serena. Você venceu. Vamos a essa maldita festa.
ergui o indicador, fazendo seu sorriso vacilar. Mas sob uma condição:
Não demoraremos. Passamos por lá e não tardaremos a voltar, está bem?
Ela assentiu, balançando a cabeça para cima e para baixo em
evidente animação.
Então, sem sequer me agradecer ou pelo menos me lançar um olhar,
ela saiu disparada pelos corredores e, à julgar pela sua expressão eufórica,
sabia que iria contar a novidade para as amigas.
Suspirando, retomei o percurso até a minha classe, o que me fez
recordar Jacob e a sua expressão tensa de ontem à noite.
Ele estava estranho desde ontem à noite, após a nossa conversa em
uma lanchonete local.
Frustrada, retomei o percurso até a minha classe, sorrindo com o
pensamento de Bella e Carly irritadas com a minha repentina aparição na
festa que ocorreria hoje à noite.
Fiz uma careta.
Talvez Serena tivesse razão.
Eu realmente estava diferente.
Contudo, ao invés de me espantar ou frustrar com a ideia,
simplesmente sorri.
Talvez o amor realmente mudasse as pessoas.
39.

JACOB.

Logo após uma noite inteira mal dormida, acabei optando por parar
de adiar o inevitável.
Empurrei as portas francesas que davam acesso para a área interna
na cafeteria Brook’s, a preferida do meu pai, e, ao fazê-lo, instantaneamente
o aroma inconfundível de fritura e café, invadiu meus sentidos, fazendo
com que inspirasse aquele odor extremamente nostálgico.
Passei os olhos pelo estabelecimento, engolindo em seco ao notar o
homem elegante sentado algumas mesas à minha frente. À passos
hesitantes, segui em sua direção, pigarreando ao finalmente me colocar
diante dele, que agilmente moveu seus olhos verdes do jornal sobre suas
mãos para mim.
Jacob murmurou, puxando os lábios em um sorriso educado.
Por que não se senta? ofereceu ele, quando nada mais fiz além de fitá-
lo em evidente nervosismo.
Assenti, atendendo ao seu pedido e acomodando o assento à sua
frente.
Obrigado por ceder um pouco do seu tempo para vir até aqui,
doutor Hilton. agradeci, assim que me recostei no assento acolchoado às
minhas costas.
Disponha. ele respondeu, abrindo um sorriso antes de voltar a
bebericar o líquido fumegante que jazia em sua xícara.
Pigarreei.
Bem, antes de qualquer coisa, gostaria de lhe pedir desculpas por
não ter atendido as suas ligações ontem. Estava ocupado e acabei as
ignorando, lamento.
Sem problemas, meu rapaz. No entanto, acredito que já saiba o
motivo por trás das minhas ligações, o que nos poupa bastante tempo.
Assenti.
Sim, eu sei murmurei, fitando as minhas próprias mãos sobre
a mesa, ao invés do seu rosto. O senhor quer que eu efetue o pagamento.
Exatamente. ele concordou, cruzando ambas as mãos por
debaixo do queixo. Conversamos antes sobre a situação do seu pai e
você me pediu que lhe desse uma quantidade de tempo maior para que
pudesse providenciar a quantia equivalente á fiança. E cá estou, exatos
trinta dias depois, assim como combinamos.
Fechei os olhos com força, intensificando o aperto em minhas mãos
e soltando o ar com força.
Eu sei que combinamos trinta dias após o acordo, mas agora não
tenho condições. Preciso de um pouco mais de tempo.
Inconcebível. ele me cortou, endurecendo o tom. Você me
disse exatamente a mesma coisa há um mês: que precisava de mais tempo, e
eu cedi. Agora, todavia, já não vejo mais como prolongar isso, Jacob. Você
sabe da situação do seu pai e mais ainda, de como foi difícil conseguir um
acordo judicial apelando para o pagamento da fiança. Já faz dois meses,
Jacob. Se nos prolongarmos ainda mais nisso, o xerife poderá mudar de
ideia e caso aconteça, o acordo será vetado.
Isso não vai acontecer declarei, trincando o maxilar. Já
consegui os dez mil dólares de adiantamento. Se me der mais algum tempo,
garanto que consigo a quantia exata até...
Já disse que é inconcebível, Jacob. Lamento, mas não vejo como.
Suspirei, deixando de lado todo o orgulho e me inclinando na mesa,
de modo a tocar uma das mãos dele em uma súplica desesperada.
Por favor, Adam pedi, apertando forte a sua mão. Você tem
acompanhado esse caso desde sempre e sabe como tenho feito de tudo para
que meu pai saia da cadeia. A única coisa que peço agora é que, por favor,
me conceda um prazo maior. Converse com o xerife e peça um pouco mais
de tempo.
Ele sustentou meu olhar por longos segundos, antes de se
desvencilhar do meu toque e soltar um longo suspiro.
Tudo bem. Verei o que posso fazer. declarou, fazendo com
que eu soltasse uma lufada de ar em alívio. No entanto, quero que saiba
que ainda que eu consiga um prazo maior, não será como da última vez.
Estou falando de alguns dias, Jacob. Uma semana, no máximo. Depois
disso, caso não consiga o dinheiro, lamento, mas terá que desistir.
Assenti, aliviado demais para dizer qualquer outra coisa.
Certo, então seguirei no aguardo para que você realize o
pagamento da fiança. ele afirmou, suspirando. Mas, na realidade, há
algo que me intriga, meu jovem.
O quê?
Por que motivo você não comentou com o seu pai, sobre os
problemas financeiros pelos quais está passando?
Porque não quero preocupá-lo. Ele já está sofrendo o suficiente
passando dias consecutivos trancafiados naquela cela imunda. Não quero
que saiba sobre nada disso. comentei, antes de erguer o olhar até seu
rosto, notando seus olhos cravados em mim.
Como quiser. ele declarou por fim, voltando a bebericar sua
xícara de café. Fiz menção de me levantar, mas me contive quando ele
ergueu uma das mãos, me interceptando: Não precisa ir agora. Fique
mais um pouco. Fiz um pedido em seu nome.
Agradeço, mas já estou atrasado para a aula. Não posso demorar.
informei, coçando a nuca em constrangimento.
Não seja mal educado, garoto. Aceite o meu convite. Pagarei pelo
seu pedido.
Agradeço de verdade, Adam. Mas realmente está tarde e...
Acomode a droga da bunda no assento, Jacob. ele ordenou e
prontamente o fiz, estranhando seu atípico tom de voz.
Adam era um velho amigo do meu pai e o fato de ele ser advogado
soou como uma verdadeira bênção para nós, quando a sentença do meu pai
saiu.
Fazia dois anos desde que Adam e eu estávamos buscando alguma
lacuna na maldita lei que pudesse de algum modo, favorecer meu pai.
Contudo, para a nossa consternação, Billy Hawkins era influente demais
para permitir que algo assim acontecesse. Era exatamente por isso que meu
pai cumpria pena em Hertwake, ao invés de Lester Ville, como uma forma
de garantir que nada desse errado e que ninguém intervisse no caso, o que,
obviamente, acabaria prejudicando seu esquema criminoso de
acobertamento.
Era o maldito Martin Hawkins quem deveria estar detrás das grades,
não meu pai.
E por mais que esta verdade me revoltasse, sabia que não havia
muito a ser feito para mudá-la.
Afinal, como poderia tentar contrariar um cara que era dono de
metade da cidade e, ainda por cima, que tinha total domínio sobre o xerife e
o departamento de polícia?
Billy Hawkins era o equivalente a um rei em Lester Ville e seu
domínio ia muito além dali: Hertwake era sua também.
A única alternativa que me restava era tentar livrar o meu pai
daquele tormento da forma mais cabível possível: através da boa e velha
fiança.
Caríssima, por sinal.
Desde que soube sobre o acordo judicial que Adam conseguiu para
meu pai, fiz o possível – e até o impossível – para conseguir a quantia
equivalente a fiança necessária para libertá-lo e agora, no entanto, sentia-me
um verdadeiro traidor por ter me esquecido do meu real objetivo: a porra do
dinheiro.
Era apenas nele em que pensava quando concordei em ajudar no
plano de Serena. E era nele, também, em que deveria estar pensado quando
beijei Astrid pela primeira vez. Apesar disso, era na forma como seus lábios
pareciam convidativos demais, ou na maneira como seus olhos castanhos
brilhavam contra a má iluminação da piscina naquele dia, que eu estava
pensando durante o ato.
E agora, depois de tê-la, tudo se tornou mil vezes pior.
Antes, tudo não passava de uma fantasia. Agora era realidade – e era
completamente impossível de ignorar. Acabei me afastando do meu real
objetivo e não conseguia parar de me sentir culpado por estar feliz quando
não deveria estar. Por quantas vezes eu havia presenciado meu pai batalhar
para que pudesse pagar as contas da casa ou para que simplesmente eu
pudesse comer?
Ele era a pessoa mais altruísta e nobre que conhecia, sendo a minha
maior inspiração, mesmo sabendo que jamais poderia ser como ele, afinal,
mesmo que a concepção de que não deveria estar com Astrid me atingisse
feito um soco no estômago, eu sabia que não era forte o suficiente para
deixá-la.
Eu a amava muito mais do que gostaria e não estava disposto a
perde-la.
Aconteceu alguma coisa? questionou Adam, provavelmente
ao notar a minha expressão.
Não menti, forçando um sorriso ao rosto. Está tudo bem.
Ele assentiu, mas a expressão em seu rosto beirava a desconfiança, o
que me fez ter certeza de que a mentira que contei não soou tão convincente
quanto o desejável.
Escute só, meu rapaz recomeçou a falar, após apenas alguns
segundos em silêncio. Seja lá o que estiver acontecendo com você, saiba
que pode contar comigo. Farei o que estiver ao meu alcance para ajudá-lo.
declarou, me arrancando um sorriso.
Obrigado, Adam.
Disponha. retrucou, sorrindo.
Abri a boca para respondê-lo, mas antes que o fizesse, a garçonete
chegou com nossos respectivos pedidos. Ela carregava consigo uma
bandeja com waffles e alguns burritos, e não tardou a colocá-los sobre a
nossa mesa, servindo-nos.
Sorrindo, mordisquei um dos burritos e pelo menos naquele
momento, me permiti degustar a comida, sem me preocupar com mais nada.
40.

ASTRID.

A carranca de Jacob me fez prender uma risada, assim que bati a


porta do carro, me acomodando no assento do passageiro ao seu lado.
Receio que você já saiba aonde fica a casa de Isabella, tendo em
mente que já a visitou, certo, Jake? comentou Serena enquanto colocava
o cinto de segurança, no assento atrás de nós.
É claro que sei Jacob grunhiu e de imediato soube que o
motivo do seu mau humor se dava pela presença de Serena.
Excelente. ela murmurou e, ao arriscar um olhar na sua
direção, notei que já estava entretida no próprio celular, ignorando a
presença de cada um de nós.
Sabe Jacob comentou, reconquistando a minha atenção.
Quando você me convidou para passearmos, pensei que faríamos um
programa de casal. Apenas nós dois.
Mordi o lábio inferior.
Eu sei e peço desculpas por ter trazido Serena junto, mas esta foi
a única alternativa que encontrei para que saíssemos. Meu pai estipulou
uma regra chata que Serena não pode sair de casa, a menos que eu vá com
ela.
Jacob fez uma careta, me fitando de soslaio, enquanto tinha a
atenção voltada para a estrada.
Certo, entendi o seu ponto. No entanto, o que não compreendo é
o por quê de o seu pai ter deixado você sair comigo. Pensei que você
estivesse de castigo ou coisa assim.
Suspirei.
E estou. Tecnicamente. Meu celular e o carro ainda estão
confiscados e o único motivo de meu pai ter permitido que você e eu
possamos sair, é porque ela está aqui informei, apontando com o polegar
para Serena, que ainda tinha toda a atenção voltada ao seu celular. Por
mais paranoico que meu pai possa ser, ele jamais age contra as próprias
regras, e o fato de Serena estar aqui agora, justifica tal coisa. Ainda estou de
castigo, mas Serena não. E ela fez uso dessa última informação para acusar
nosso pai de estar agindo contra os próprios preceitos o que, obviamente,
não o agradou e prontamente o fez mudar de ideia.
Jacob assentiu, franzindo a testa em espanto.
Ok, entendido. Agora podemos, por favor, chegar na parte em
que você me explica o por quê de estarmos indo para uma festa do ABC e
especificamente de Isabella Northwest?
Serena bufou.
Porque eu fui convidada. respondeu, o olhando feio de seu
lugar.
Meus parabéns, felizarda, só que eu não estava falando com você
e sim, com a sua irmã ele rebateu, abrindo um sorriso falso para ela,
enquanto a fitava pelo retrovisor de centro. Então, Astrid, poderia fazer
as honras? questionou, assim que voltei o olhar para o seu rosto.
Serena já disse. Ela foi convidada para essa festa e resolvi ajudá-
la.
Jacob bufou uma risada.
Ah, por favor! Conte outra, Astrid. Conheço você e sei que não
faria algo assim apenas para agradar a sua irmã.
Fechei a cara, em contrapartida com a risada irritante que Serena
soltou.
Ele te pegou, Astrid. E, caramba, tenho que admitir que essa
mentira soou mal até para mim. Você não faz o tipo irmã boazinha, Astrid.
Cale a boca, Serena. grunhi, a fuzilando com o olhar, antes de
voltar a fitar o perfil de Jacob, que por sua vez, permanecia concentrado na
estrada. Eu estava a fim de me divertir um pouco. Há algo de errado
nisso?
Não respondeu ele, franzindo o cenho. Mas
definitivamente existe algo de errado no fato de você usar as palavras festa
e diversão na mesma frase. Pensei que não gostasse de festas.
E eu não gosto retruquei imediatamente. Mas estava com
vontade de tentar coisas novas. Sair da mesmice de sempre. Indo para
uma festa de Isabella Northwest? complementou ele, franzindo o cenho.
É isso aí respondi, cruzando ambos os braços sob o peito e o
lançando um olhar fugaz.
Está bem, festeira. respondeu, zombando de mim.
Permanecemos os três imersos em um silêncio desconfortável que se
alastrou até o momento que adentramos na enorme propriedade Northwest,
e Jacob estacionou em uma das vagas, finalmente fazendo com que Serena
desviasse a atenção do celular e recomeçasse a falar:
Céus, olhe para essa casa. murmurou fascinada, assim que
desceu da caminhonete, dando de cara com a luxuosa mansão diante de nós.
Depois dos Hawkins, os Northwest eram a segunda família mais rica
e importante de Lester Ville, o que era justificado pelo fato do pai de Bella
ser o dono de uma das maiores empresas de plantação de milho das
redondezas, além de possuir também, diversas outras propriedades
espalhadas pela cidade.
Parando para pensar, o motivo de Nate jamais ter se relacionado
com Bella era um verdadeiro enigma; os dois tinham sangue azul, além de
serem iguais em diversos aspectos como, por exemplo, a ostentação e,
também, serem amigos de longa data. Mas talvez o problema fosse
exatamente esse: os dois serem parecidos demais, mas não de uma forma
boa; provavelmente ambos tinham a noção de que, se tentassem algo juntos,
certamente acabariam destruindo a relação afetuosa – e comercial – que
suas famílias nutriam.
Notoriamente empolgada, Serena correu na direção da porta da casa,
batendo-a sem sequer prestar a menor atenção em Jacob e eu, parados às
suas costas. O enorme jardim estava revestido de adolescentes bêbados e
diversas latas de cerveja e copos descartáveis largados contra o gramado
bem aparado.
Segundos depois, a porta foi aberta, revelando uma Bella sorridente
que não tardou a abraçar Serena, parecendo genuinamente satisfeita em tê-
la ali, na sua casa. Entretanto, bastou que os olhos esverdeados dela
focassem em Jacob e eu, parados às costas de Serena, para que seu sorriso
vacilasse e a expressão anteriormente alegre em seu rosto fosse substituída
por uma desdenhosa.
Posso saber o que diabos você está fazendo aqui, Astrid? ela
exigiu saber, projetando o quadril para o lado, adotando uma postura
inquiridora.
Acompanhando a minha irmã. respondi, abrindo um sorriso
doce dotado de sarcasmo.
Bella me fitou por longos segundos, antes de passear
desdenhosamente os olhos pela extensão do meu corpo, e voltar a fitar meu
rosto com um sorriso zombeteiro nos lábios.
Vindo de penetra em festas, Astrid? debochou, me fitando
com desdém. Que feio.
Revirei os olhos e antes que pudesse devolver o comentário, Jacob
tocou meu ombro, me silenciando e direcionando a sua atenção para Bella,
que agora o fitava de sobrancelhas arqueadas.
O negócio é o seguinte, Isabella: se quiser Serena aqui, terá que
nos deixar entrar também. E, caso não saiba, Edgar Spencer é um tremendo
controlador e jamais permitiria que Serena viesse sozinha. abriu um
sorriso. Receio que você já conheça as regras da casa Spencer, então
pare de criar empecilhos e nos deixe entrar de uma vez por todas.
Bella piscou algumas vezes, entreabrindo os lábios em
incredulidade, antes que voltasse a fitar Serena e instantaneamente um
sorriso malicioso curvasse seus lábios.
Tudo bem. concordou, finalmente dando um passo para o
lado, permitindo a nossa entrada.
Um cheiro forte – o qual identifiquei como sendo maconha –
invadiu meus sentidos assim que me posicionei sobre o carpete da casa e
em questão de míseros segundos, notei Serena ser levada por Bella, que
entrelaçava seus braços nos dela, como se as duas fossem amigas intimas ou
coisa do tipo.
Desde quando Serena e Bella são amigas? questionou Jacob
ao meu lado, fazendo uma careta para as duas garotas que conversavam
animadamente feito as duas amigas que eu sabia que não eram.
Desde nunca revelei, fitando as duas de cenho franzido.
Serena nunca escondeu o quanto sempre almejou se tornar amiga do ABC e
em especial de Isabella, mas o sentimento obviamente nunca foi recíproco.
Até agora, aparentemente.
Jacob assentiu, as fitando fixamente antes de cutucar minha costela,
clamando pela minha atenção. Gemi, antes de esfregar o local atingido pelo
seu cotovelo e por fim, virar o rosto, o destinando a minha inteira atenção.
Espero que agora seja o momento em que damos o fora daqui e
saímos para dar algum lugar mais reservado comentou, me fitando com
expectativa.
Não o contrariei, fazendo seu sorriso vacilar, antes de estender
uma das mãos e tocar amavelmente seu ombro.
Não podemos deixar Serena sozinha. virei o rosto, fitando
propositalmente Bella e minha irmã cercadas por uma roda de garotas ao
lado da lareira. Não confio nada em Bella e seu repentino interesse em
amigar com a minha irmã. Temos que ficar de olho.
Jacob sorriu.
Amigar? repetiu, espremendo os lábios no que presumi ser a
tentativa de reprimenda de uma risada. Quem diabos fala assim?
Eu respondi, arqueando uma das sobrancelhas e erguendo
sugestivamente uma das mãos. Realmente não espera que eu diga algo
cafona como “criar afinidade” ou coisa do tipo, não é?
Não. Mas que tal dizer algo mais comum como, por exemplo,
criar intimidade? sugeriu, arqueando uma das sobrancelhas.
Soltei um grunhido de frustração, enlaçando seu pescoço e sorrindo
ao notar suas mãos circundarem a minha cintura, de modo que precisasse
ficar na ponta dos pés para lhe dar um beijo estalado nos lábios.
O que acha de ficarmos apenas mais um pouco e depois, quando
Serena estiver sob a nossa tutela, darmos um passeio por aí, só nós dois?
sugeri, sendo recompensada por um sorriso.
Tudo bem, mas só para constar, quanto mais ou menos
equivaleria esse “um pouco mais”? indagou, franzindo a testa.
Apenas algumas horas. confidenciei e instantaneamente
qualquer resquício de humor se esvaiu do seu rosto. Ao notar sua mudança
brusca de humor, tratei imediatamente de esclarecer: Serão apenas mais
algumas horas, Jacob. Depois que sairmos daqui, prometo recompensá-lo.
Ele fez um beicinho, fingindo pensar enquanto mantinha o contato
entre seus braços e a minha cintura, de modo que pudesse sentir uma das
suas mãos brincar com o bolso traseiro da minha calça jeans.
Tudo bem cedeu, após uma pausa dramática. Mas espero
que a recompensa de que está falando, realmente valha a pena. se
inclinou, colando a boca ao meu ouvido. E espero que equivalha a ter
você dentro de mim.
Sem conseguir esconder, abri um sorriso diabólico que foi
rapidamente repassado para ele, que me fitou com malícia.
Não se preocupe, valerá a pena garanti, sorrindo largamente.
Apoiei a cabeça no seu ombro, observando, ao virar o rosto, os
olhos azuis de Nataniel cravados em mim. Sustentei seu olhar por longos
segundos, antes de voltar a posição ereta e sorrir para Jacob que, por sua
vez, ainda abraçava a minha cintura.
O que acha de dançarmos um pouco? sugeri segundos depois,
tendo de praticamente gritar no seu ouvido para que me ouvisse, mediante a
música alta que estourava pelas caixas de som ao nosso redor.
Ele fez uma careta, e antes que pudesse protestar, o puxei pelo
braço, guiando-o até a pista de dança improvisada ao centro da sala, local
por onde diversas outras pessoas se remexiam ao som de Maniac, de Conan
Gray.
Então, sem pestanejar, comecei a dançar no ritmo da música e a cara
feia de Jacob foi imediatamente substituída por um sorriso malicioso
quando o puxei para um beijo, bem no centro da sala.
Alternamos entre nos beijar e dançar por longos minutos, até que
meus pés começaram a doer e minha garganta secou, fazendo com que
Jacob me guiasse até a cozinha, em busca de uma bebida.
Fomos acompanhados por diversos pares de olhos durante cada
passo que dávamos e, pela primeira vez, não me incomodei.
Na realidade, era o exato oposto: eu tinha gostado de toda aquela
atenção.
Queria que as pessoas soubessem e comentassem sobre o quanto
Jacob e eu estávamos felizes.
E, acima de tudo, queria que Nate soubesse que a minha felicidade
independia dele.
Ela, na verdade, tinha nome e sobrenome: Jacob Davies.
41.

JACOB.

Guiei Astrid até a cozinha e, ao lhe oferecer uma bebida, notei o


quanto estava suada.
Seu cabelo grudava contra a testa, assim como o tecido fino da sua
blusa, que estava nitidamente encharcado de suor. Havíamos dançado pelo
menos seis músicas seguidas antes que ela finalmente cedesse ao cansaço.
Será que não servem algo além de cerveja nessa festa? ela
questionou, me fazendo fitá-la de cenho franzido.
É uma festa, Astrid. As pessoas costumam ingerir bebida
alcóolica. É quase uma tradição.
Ela bufou.
Que bela tradição murmurou, fazendo uma careta antes que
instantaneamente franzisse o cenho. Céus, por favor, me diga que estou
tendo alucinações. se queixou, e, ao seguir seu olhar, imediatamente
entendi o por quê do seu comentário.
E, infelizmente, não era apenas uma alucinação.
Há alguns metros da cozinha – onde estávamos – uma multidão
cercava uma garota de pé sobre o sofá da casa, e me bastou um olhar mais
atento ao seu cabelo louro, para que a identificasse: Serena.
Uma Serena incrivelmente sorridente e alegre, se chacoalhava ao
ritmo de I Wanna Be Yours, do Artic Monkeys, e a julgar pela forma como
mexia sedutoramente o quadril, pude ter certeza de que não estava em seu
habitual estado de sanidade mental.
Ai meu Deus, era só o que faltava grunhiu Astrid ao meu lado,
balançando a cabeça em incredulidade pelo quase streeptease de sua irmã.
Eu a perco de vista por dez minutos e isso acontece! reclamou,
apontando com o indicador para a garota que agora, dava um longo gole em
uma bebida que certamente não era água.
Sem delongas, Astrid avançou na direção onde a multidão
permanecia reunida, provavelmente ao resgate de Serena, porém, antes que
chegasse ao seu destino – a sala de estar – alguém a interceptou, fazendo
com que estancasse no lugar. Imediatamente a segui, passando pelo mar de
pessoas que preenchia o pequeno corredor que dividia a cozinha da sala,
apenas a tempo de ver Isabella Northwest parada diante dela, com ambos os
braços cruzados sob o peito.
... estou falando sério, Bella. Saia do meu caminho. rosnou
Astrid, a fuzilando com o olhar.
Isabella sorriu.
Para quê? Para que você a tire dali? questionou, arqueando
uma das sobrancelhas em ironia. Ela está se divertindo. Não seja chata.
Ela está bêbada. corrigiu Astrid, cerrando os punhos. A
minha irmã não costuma beber, Bella. Olhe para ela apontou para
Serena, que agora bebia uma garrafa de tequila com empolgação.
Realmente acha que Serena se disponibilizaria a pagar um papelão como
esse, na frente de praticamente toda a escola?
Bem, eu sei que ela adora atenção. retrucou Bella, fitando a
garota em questão com um sorriso zombeteiro nos lábios. Então
certamente deve estar adorando estar literalmente sobre os holofotes.
Astrid fechou a boca com força e levei cerca de cinco segundos para
notar o leve estreitar em seus olhos, o que indicava que ela estava pensando
– não, que estava desconfiada.
Sua cretina cuspiu. Foi por isso que você a convidou, não
é? Para que ela passasse vergonha.
Ao invés de esboçar espanto ou ofensa – como qualquer outra
pessoa normal faria – Isabella abriu um sorriso, o que foi suficiente para
que Astrid avançasse na sua direção e, não fosse a minha agilidade em lhe
agarrar a cintura, certamente já a estaria atacando.
Sua vaca! xingou, ao mesmo tempo que se debatia contra
mim, tentando se libertar do meu enlace. Tire-a dali agora mesmo! Caso
contrário, juro que quebro o seu rostinho de boneca!
Isabella teve a ousadia de rir e felizmente a música alta e o
streeptease de Serena serviram como distração para que ninguém se
dignasse a prestar atenção em nós.
Ei, ela está falando sério declarei, conquistando a atenção de
Isabella, que sorria largamente das tentativas frustradas de Astrid de escapar
do meu enlace. Tire a garota de lá. Agora. ordenei e aos poucos, o
sorriso dela foi sumindo.
Own que fofo. Então quer dizer que o namoradinho atua em
defesa da namorada, agora? ironizou, fazendo beicinho. Quem diria.
Quem o viu, quem o vê, Jacob Davies.
Suspirei.
Será que dá para parar com tanta falação e partir logo para a
ação? Saia da frente ou então tire você mesma Serena dali.
Isabella me fitou por longos segundos, antes de abrir um sorriso e
agilmente estalar um dos dedos, o que acabou acalmando Astrid, que
rapidamente a fitou em desconfiança. Em questão de míseros segundos,
uma garota surgiu ao lado de Isabella e não demorei nada para reconhecê-
la: Carly Newton. Sem desfazer o contato visual, Isabella inclinou o rosto
na direção da amiga e sussurrou algo em seu ouvido, recebendo uma
risadinha como resposta da última, seguido por um leve aceno de cabeça.
A música alta ao nosso redor estava abafada por vários berros
unidos, que emitiam ordens para que alguém “virasse” alguma coisa. Ao
deslizar o meu olhar pela extensão da sala, imediatamente compreendi a
razão por trás de toda aquela algazarra: Serena ainda estava sobre o sofá,
com uma garrafa de tequila entre os lábios, bebendo-a ao comando de toda
a multidão que a cercava. No entanto, não foi o fato de vê-la ingerindo
quantidades obviamente excessivas de álcool e sim, as dezenas de câmeras
apontadas em sua direção.
Porra, estão fotografando. praguejei, fechando a cara.
Astrid seguiu meu olhar e imediatamente enrijeceu.
Merda praguejou baixinho, franzindo o cenho em
preocupação pelo rumo em que aquelas fotos – e muito provavelmente
vídeos – poderiam tomar.
Não precisava ser muito observador para perceber o quanto Serena
Spencer era fissurada em vida social e todas essas baboseiras, o que apenas
servia de comprovação que quando ela despertasse do seu estado de
embriaguez, certamente teria um colapso nervoso ao se dar conta do que
havia acontecido.
Mande pararem ordenou Astrid, endurecendo o tom.
Mande esse bando de arruaceiros pararem de fotografar a minha irmã! Ou
então juro que...
O quê? desafiou Carly, a interrompendo. Vai bater em cada
um deles?
Ela não, mas eu sim. intervim, abrindo um sorriso doce
enquanto abraçava defensivamente um dos ombros de Astrid. Ou então,
posso ser mais drástico: declararei vocês, os Northwest e Newton, como
inimigos oficiais. E creio que vocês já devem saber o quanto a comunidade
da minha parte da cidade é unida, o que, obviamente, pode lhes causar
grandes problemas. Realmente não vão querer criar inimizade com algumas
das gangues com as quais convivemos por lá, não é?
Verdade seja dita, eu não conhecia nenhuma das gangues que
residiam na periferia de Lester Ville, mas duvidava muito que elas
soubessem disso.
Isabella e Carly piscaram algumas vezes, antes que se entreolhassem
e rapidamente mascarassem o vislumbre de terror que deixaram
transparecer por seus semblantes segundos atrás.
Pois bem começou Isabella, erguendo o queixo de modo
desdenhoso. Garantirei que todas as fotos de Serena Spencer tiradas
nessa festa sejam deletadas, mas com uma única condição. informou,
erguendo o indicador e fazendo com que Astrid e eu nos entreolhássemos,
confusos. Quero que Astrid concorde em jogar um pouco comigo.
Astrid piscou.
Como é?
Exatamente o que ouviu: farei com que Carly recolha todos os
celulares e os vasculhe em busca das fotos de Serena, sob a condição de que
você concorde em jogar uma partida de Verdade ou Desafio, como
costumávamos fazer nos velhos tempos.
Franzi o cenho, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, Astrid
assentiu.
Tudo bem concordou sem rodeios. Trato feito. Agora peça
para que a sua amiguinha adiante as coisas e tire imediatamente a minha
irmã de lá. exigiu, apontando para onde Serena estava: especificamente
sobre o sofá da sala.
Carly revirou os olhos, antes de lançar um olhar para Isabella, que
arqueou uma das sobrancelhas, no que presumi ser um comando silencioso.
Ei chamei, tocando delicadamente o cotovelo de Astrid e a
fazendo me fitar. Tem certeza de que quer fazer isso?
É só um jogo, Jacob. Está tudo bem. declarou ela, franzindo as
sobrancelhas. Além do mais, meio que estou acostumada com jogos
bobos. Como ela mesma disse apontou com o queixo na direção de
Isabella, cuja atenção permanecia cravada em nós, nos observando. Era
quase uma tradição jogar Verdade ou Desafio no meu tempo como membro
do ABC.
Assenti lentamente, fitando-a apreensivamente enquanto sentia o
olhar de Isabella preso a mim, e ao virar o rosto, notei o quase
imperceptível sorriso esboçado em seus lábios.
Estreitei os olhos para a sua aparente postura esnobe, até que uma
figura alta pairou ao seu lado e imediatamente enrijeci.
Nataniel alternou o olhar entre Astrid e eu, antes que finalmente
fitasse Isabella e murmurasse algo que a fez abrir um sorriso malicioso.
Momentos depois, três outros caras – provavelmente atletas do time de
lacrosse da escola – apareceram com dezenas de celulares sobre as mãos,
não muito depois de os terem confiscado da multidão que agora, se
dispersava pela sala, liberando o espaço em que anteriormente preenchiam,
ao redor do grande sofá onde Serena estava.
Muito bem. Os celulares já estão aqui. Que tal partirmos para a
diversão? sugeriu Isabella, com um sorriso diabólico nos lábios.
Não tão rápido interveio Astrid, desconfiada. Como vou
saber que não estão trapaceando? Quero vê-los deletando cada uma das
fotos.
Nataniel revirou os olhos.
Ela não mentiu. Recolhemos todos os malditos celulares.
Agradeço pela informação, mas não estou falando com você.
grunhiu Astrid, curvando os lábios em um sorriso doce.
A porra das fotos já foram excluídas, e se quiser provas, as
daremos. Mas antes, cumpra com a sua parte no acordo. disse Carly,
enquanto lançava um olhar fugaz para Astrid.
Eu deveria ter desconfiado da insistência daqueles três para que
Astrid participasse daquele jogo bobo.
Deveria saber que algo não estava certo.
Deveria impedir que Astrid compactuasse com aquilo.
Mas ao invés disso, me vi os seguindo feito um maldito cachorrinho,
sem a menor ideia de que estava – literalmente – cavando a minha própria
cova.
42.

ASTRID.

Me sentei na pequena almofada do porão da casa assim como


costumava fazer regularmente alguns anos atrás, quando ainda era membro
do ABC e foi impossível não me sentir instantaneamente invadida por um
terrível Deja vú.
Nate, pegue uma garrafa no frigobar para que possamos começar
o jogo. ordenou Isabella, enquanto se sentava na almofada diante de
mim.
Passeei os olhos pela extensão do pequeno porão, notando o quanto
a sua decoração era básica: nada mais havia, do que algumas almofadas
localizadas no entorno de uma mesinha de centro adorável, algumas caixas
com jogos de tabuleiro e um pequeno frigobar localizado ao canto da sala.
Quando dei por mim, Nate já havia retornado com a garrafa em
mãos e, sem tardar, a colocou sobre a mesinha de centro. Com um sorriso
nos lábios, Carly foi a primeira a girá-la, sem sequer se preocupar em
esclarecer as regras do jogo: os participantes teriam de escolher entre
verdade ou desafio e caso optassem pela última, alguma tarefa
completamente embaraçosa seria lançada como desafio.
Ao meu lado, notei Jacob se remexendo desconfortavelmente na
pequena almofada em que estava sentado. Ao lhe lançar um olhar, notei que
tinha os olhos fixos em Isabella, no que deduzi ser desconfiança.
Sendo sincera, eu também tinha algumas dúvidas com relação
àquilo tudo: desde o convite inusitado à Serena, até o “acordo” para que eu
fizesse parte do jogo bobo com o qual estávamos habituadas a participar
alguns anos atrás.
No entanto, o que me confortava era o fato de que nada de ruim
podia acontecer, levando em consideração que era apenas isso: um jogo
bobo. Não era como se eu tivesse algo a esconder ou algo do tipo. Sem
mencionar também, que aquela era a única alternativa para evitar que
Serena fosse exposta ao ridículo com as fotos que haviam tirado dela.
O gargalo da garrafa apontou diretamente para Nate, enquanto a
outra extremidade apontou na direção de Isabella, que sorriu em resposta,
certamente satisfeita pela sua posição.
Verdade ou desafio, querido Nate? ela indagou, curvando os
lábios em um sorriso malicioso.
Nate se inclinou em desafio, esboçando um sorriso presunçoso
enquanto tinha um dos braços envoltos em Carly, que por sua vez, digitava
algo no celular.
Desafio. ele respondeu, sorrindo.
Bella abriu um sorriso, antes que batesse indicador no lábio inferior,
parecendo pensar. Tão logo quanto o fez, abriu um sorriso, dizendo, logo
em seguida:
Desafio você a dar um beijo no forasteiro ali desafiou e, ao
seguir seu olhar, notei que apontava diretamente para Jacob.
O sorriso de Nate vacilou, ao mesmo tempo que Jacob fechava a
cara.
Nem fodendo cuspiu o último, balançando a cabeça em
reprovação. Me tirem dessa. Não estou participando desse jogo ridículo.
Carly revirou os olhos, em contrapartida com o bufar audível de
Bella, que parecia descontenta com a resposta dele.
Parece que alguém tem a masculinidade frágil provocou
Carly, deixando de lado o celular e arriscando um olhar na direção de Jacob.
E parece que alguém é extremamente intrometida ele retrucou,
ele dando um sorriso debochado.
Ele está coberto de razão intervim, conquistando a atenção
dos três. Jacob não está participando, portanto, o deixem fora dos
desafios.
Ouviu, só? indagou Nate, parecendo aliviado. Lance outro
desafio porque o “maricas” ali não está participando.
Jacob fez menção de se levantar, cedendo à provocação, mas o
detive ao agarrar seu cotovelo, fazendo que estancasse no lugar. Murmurei
um “relaxe” e ele rapidamente se acalmou, voltando a sentar em seu lugar.
Bem, pois já que é assim, vou mudar o desafio informou
Bella, reconquistando a minha atenção. Já que Jacob não está
participando, vou mudar o alvo: o desafio a beijar Astrid, Nate.
Carly olhou bruscamente na direção da amiga, assim como Jacob e
eu, que a fitamos incrédulos.
Ela não vai beijá-lo. grunhiu Jacob, cerrando os dentes.
É, ela não vai. concordou Carly, fuzilando Bella com o olhar.
É isso aí. Eu não vou. afirmei convictamente, fazendo uma
careta para Bella, que parecia satisfeita com toda a discórdia que causou.
É um desafio, Astrid. ela informou, arqueando uma das
sobrancelhas. Terá de cumpri-lo, caso contrário, arcará com as
consequências do seu ato.
É, mas o desafio é dele. Não meu. retruquei, cruzando ambos
os braços. Não vou beijá-lo.
É só um desafiozinho de nada, Astrid começou Nate, se
inclinando- na mesa que nos separava. E, também, não é como se você
já não tivesse beijado estes lábios. pontuou, apontando com o polegar
para os dito cujos.
Ela não vai beijá-lo. ressaltou Jacob, cerrando os punhos. E
não se atreva a encostar nela, seu filho da puta. cuspiu, passando uma
das mãos defensivamente por um dos meus ombros.
Bella bufou.
Vocês são um bando de crianças. É só um beijo.
Então beije você ele sugeri, a fitando com desdém.
Ela bufou e estava prestes a retrucar algo, quando Jacob
repentinamente se inclinou sobre a mesa e esticou uma das mãos até a nuca
de Nate, o puxando em sua direção. Então, sem aviso prévio, agarrou sua
mandíbula e virou seu rosto, depositando um beijo estalado em uma das
suas bochechas.
Pronto declarou ao voltar para a sua posição, esfregando a
manga de sua camisa sobre os lábios, limpando-os com desdém. Desafio
realizado com sucesso.
Não valeu. reclamou Bella, cruzando ambos os braços.
É claro que valeu. rebateu Jacob, sorrindo. Você desafiou
que houvesse um beijo e foi o que aconteceu. Da próxima vez, seja mais
específica.
Prendi uma risada, ao mesmo tempo que Carly revirava os olhos,
Nate limpava o local onde Jacob o havia beijado e Bella bufava alto.
Pois bem, já que foi você a realizar o desafio de Nate, está na sua
vez de girar a garrafa. informou ela, o fitando com expectativa.
Jacob soltou um suspiro audível, antes de atender ao seu pedido e
girar a garrafa. Todos fitamos a dita cuja, até que ela estancasse, apontando
entre Carly e eu. Quase suspirei de alívio ao notar que o gargalo apontava
para ela, o que significava que seria eu a lançar a pergunta excruciante.
Verdade ou desafio? indaguei, abrindo um sorriso superficial.
Verdade. ela respondeu, erguendo o queixo em desafio.
É verdade que você já dormiu com Jimmy Heller, do time de
lacrosse fiz uma pausa, olhando sugestivamente para Nate. Mesmo
estando com Nate?
Ela entreabriu os lábios em incredulidade, enquanto Nate a fitava de
olhos arregalados e Bella sorria, parecendo divertida. Outra risada baixinha
entonou pelo ambiente e não precisei virar o rosto para saber que pertencia
a Jacob.
Basta responder com sim ou não, Carly insisti quando ela
permaneceu em silêncio. É uma pergunta simples: você pulou ou não a
cerca?
Ela trincou o maxilar, arriscando um olhar para Nate, antes de
finalmente responder:
Sim confessou, endurecendo a expressão.
Caralho, você me traiu? esbravejou Nate, batendo com ambas
as mãos na mesa, assustando todos nós.
Estávamos brigados! ela justificou, lançando as mãos para o
alto em rendição. Tínhamos discutido, então não foi traição!
É claro que foi! Uma discussão não é desculpa para que você saia
se esfregando nos outros caras por aí! ele acusou, apontando o dedo para
o rosto dela.
Ora, não seja hipócrita! Não é como se você também já não
tivesse me traído! Ou realmente acha que não sei das suas “escapadas”?
Ele abriu a boca para devolver o insulto, mas foi impedido quando
Bella bateu as palmas juntas, clamando por atenção. Rapidamente os dois a
fitaram.
Já chega. ela decretou, endurecendo o tom. Por que não vai
fazer você-sabe-o-quê ao invés de ficar cedendo às provocações dela,
Carly? sugeriu, assumindo uma postura indiferente.
Arqueei uma das sobrancelhas, recebendo o olhar voraz de Carly,
antes que ela se erguesse do lugar e, ainda me fuzilando com o olhar, se
dirigisse até a escada que levava para o interior da casa.
Franzi o cenho.
Então é assim que funciona? Ela simplesmente vai embora?
questionei, revoltada.
Bella abriu um sorriso.
Não, não é assim que funciona. Mas Carly é meio temperamental
demais. Ia acabar estragando o plano caso continuasse aqui. Mas, não se
preocupe, ela vai voltar.
Jacob franziu a testa.
Plano? questionou, a fitando desconfiado. Como assim
“plano”? Do que diabos está falando?
Ao invés de respondê-lo, Bella abriu um sorriso, lançando um olhar
divertido para Nate, antes que voltasse a me fitar, ignorando por completo a
pergunta dele.
Que tal continuarmos? retoricou, alternando o olhar entre cada
um de nós. Está na sua vez de girar a garrafa, Astrid. Faça.

A fitei por longos segundos antes de seguir a sua ordem, sem deixar
de fazer uma careta ao constatar o quanto aquela cena soava como um deja
vú bizarro. Alguns segundos se passaram, até que a garrafa por fim
estancou, apontando entre Jacob e Bella. Estreitei os olhos para a expressão
presunçosa dela, notando, então, que o gargalo apontou para ele, tornando
evidente que seria ela a fazer a pergunta.
Maravilha... murmurou Jacob, esfregando o rosto, enquanto
Bella sorria largamente.
Bem, vamos lá: verdade ou desafio? inqueriu ela, esboçando
um sorriso malicioso.
Verdade. respondeu Jacob sem rodeios, provavelmente
receoso de que ela, dessa vez, o desafiasse a beijar Nate nos lábios.
Excelente escolha ela opinou, desviando o olhar dele, para um
ponto fixo às suas costas. Imediatamente segui seu olhar, observando que
ela fitava as escadas e, em específico, Carly, que tinha Serena ao seu lado.
Deslizei o olhar para Jacob que assim como eu, tinha o cenho
franzido em confusão.
Vou começar a pergunta com a própria “fonte” ao lado disse
Bella, com os olhos fixos em Serena. Pois bem: é verdade, Jacob Davies
fez uma pausa, alternando o olhar entre Jacob e eu. Que você foi pago
para sair com a sua atual namorada?
Pisquei algumas vezes, completamente incrédula pela sua pergunta,
mas foi apenas ao virar ao rosto e fitar a expressão empalidecida de Jacob,
senti o coração acelerou.
É verdade confirmou Serena, com a voz arrastada. Eu o
procurei no mês passado e ofereci uma grana para que saísse com a minha
irmã confidenciou com dificuldade, apontando entre Jacob e eu.
Então ele aceitou e foi muito além do acordado: acabou namorando com
ela.
Olhei bruscamente para Jacob, esperando pelo momento em que ele
a desmentiria, mas para a minha total consternação, ele permanecia calado,
com os olhos fixos em Serena.
Jacob chamei, num fiasco de voz. É verdade? fiz uma
pausa, sentindo os lábios tremeram em uma previsão de que não demoraria
para que me rendesse as lágrimas. A minha irmã pagou você para que
saísse comigo?
Relutantemente, os olhos dele desviaram de Serena para mim e uma
expressão sofrida assumiu seu rosto, antes que ele abrisse e fechasse a boca
diversas vezes, tentando encontrar as palavras certas para usar.
E foi o suficiente para que eu encontrasse a resposta para a minha
pergunta.
Senti as lágrimas rolarem desgovernadas pelo meu rosto, enquanto
sons de risadas entonavam ao meu redor, ao mesmo tempo que Jacob tocava
desesperadamente meu rosto.
Por favor pediu, engolindo em seco. Me deixe explicar, eu
posso...
Não toque em mim, seu desgraçado! disparei, o
interrompendo enquanto me desvencilhava bruscamente do seu toque e me
colocava de pé em um movimento brusco.
É realmente verdade, não é? Serena pagou você para que me
levasse para sair. indaguei, já ciente da verdade.
Ele imitou meu gesto com agilidade, se colocando de pé à minha
frente e tentando tocar meu rosto, ato que impeli, ao empurrá-lo, fazendo
com que cambaleasse.
Sem conseguir conter as lágrimas e os soluços que me escapavam
involuntariamente, passei por ele, ignorando o som das risadas que sabia
que pertenciam à Bella e Carly, e me dirigi até as escadas, quase tropeçando
em meus próprios pés ao passar pelos degraus estreitos.
Sentindo o peito arder e a respiração falhar, em meio a tropeços e
empurrões, passei pelo mar de pessoas que preenchiam a sala de estar e um
soluço descontrolado me escapou quando girei a maçaneta da porta da
frente e saí, sentindo a brisa da noite me atingindo em cheio.
Minhas pernas cederam assim que atravessei o jardim frontal da
propriedade, e foi ao cair de joelhos no gramado bem aparado, que ouvi o
som da sua voz.
E imediatamente enrijeci.
43.

JACOB.

Ela estava caída de joelhos no gramado quando a encontrei.


Astrid gritei, a chamando, e lentamente ela se ergueu do
gramado, me fitando por cima o ombro com uma expressão devastada.
Vá embora! ordenou, usando um tom frio, mas as lágrimas em
seu rosto a desmentiam completamente.
Precisamos conversar e não posso e nem vou embora, até que o
façamos. declarei, desesperado demais para disfarçar o tom exasperado
na minha voz.
Ela me deu as costas, antes de passar uma das mãos pelo rosto e
enxugar as lágrimas ali presentes. Então, sem hesitar, girou nos calcanhares,
mas ainda que tentasse manter a postura firme, o tremor em seu queixo era
completamente perceptível.
Não vou dizer duas vezes, Jacob grunhiu, trincando o maxilar.
Vá embora. Não quero vê-lo e muito menos ouvi-lo.
Suspirei.
Eu falei sério, Astrid. Lamento, mas não sairei daqui enquanto
você não puder me ouvir explicar que...
O quê? ela interrompeu, atirando as mãos para o alto e
parecendo desistir de vez de manter a compostura. Explicar o quê,
Jacob? Que você e a minha irmã são dois malditos mentirosos?
Fechei os olhos com força, tentando controlar a respiração.
Por favor, você precisa me ouvir. As coisas não aconteceram da
forma como você está pensando. Eu juro que tive uma razão. Eu fiz por
necessidade!
Já chega! Pouco me importa as suas desculpas, porque nada do
que disser vai mudar o que você fez declarou, me cortando. Você e
Serena são dois mentirosos egoístas. Vocês me traíram, Jacob. Me traíram
da maneira mais suja e sorrateira possível.
Sem pensar no que estava fazendo, avancei alguns passos na sua
direção, me dando por satisfeito apenas quando consegui espalmar ambos
os lados do seu rosto, a obrigando a me olhar nos olhos.
Seus olhos estavam vermelhos e as lágrimas ainda rolavam pelas
suas bochechas, quando encostei a minha testa na sua, sem romper com o
contato visual.
Eu sei que errei, mas, por favor, precisa entender que o que sinto
por você vai muito além do acordo que fiz com a sua irmã. O sentimento é
verdadeiro, Astrid. Não menti em nenhuma das vezes em que a beijei ou
toquei. Cada toque. Cada palavra. Cada sensação. Foram todos verdadeiros.
movi o polegar até seu lábio inferior, sentindo a maciez em meus dedos,
enquanto ainda tinha os olhos presos nos seus. Você precisa acreditar em
mim, Astrid.
Os olhos dela brilharam com mais lágrimas, em contrapartida com o
tremor em seus lábios e então, de modo completamente abrupto, um dos
seus pulsos disparou contra o meu peito, me empurrando e fazendo com que
cambaleasse.
Nunca mais me toque novamente. ela advertiu, erguendo o
queixo e endurecendo a expressão. Tampouco peça pela minha
confiança, porque a partir de agora, ela inexiste para você. Tem noção do
quanto isso é humilhante? soltou uma risada amarga. A minha irmã
pagou um cara para sair comigo. Isso é tão constrangedor que é quase
inacreditável. declarou, enquanto balançava a cabeça em incredulidade.
Quanto ela te pagou? 100 pratas por encontro? Certamente você deve ter
descolado uma boa quantia fingindo namorar comigo.
Eu não fingi! exclamei, a interrompendo. Será que você
pode pelo menos me ouvir? suspirei, antes de avançar um passo na sua
direção. À princípio, não há como negar que me aproximei de você
apenas pelo dinheiro, mas depois tudo mudou. Eu mudei, Astrid. E foi você
quem fez isso comigo. Não sei como e nem quando, mas o que sei é que me
apaixonei de verdade por você. Eu te amo, Astrid. Por favor, me dê uma
oportunidade de....
Já chega! ela berrou, me calando. Não quero mais ouvir as
suas mentiras. Estou farta delas, e de você. Faça um favor a nós dois e
apenas me deixe em paz!
Com estas palavras, ela voltou a me dar as costas e ignorar a cada
um dos meus chamados. Tentei alcançá-la, parando apenas quando a notei
acelerar o passo e praticamente correr na direção do vão da rua.
Passei as mãos pela nuca, observando suas costas desaparecerem
pela extensão da rua e antes que ponderasse segui-la na tentativa
desesperada de me explicar, algo me ocorreu.
Serena.
Enxugando as lágrimas que ameaçavam escapar pelos meus olhos,
me dirigi agilmente até o interior da casa, me enfiando na multidão de
pessoas que festejava com danças e muita bebida, completamente alheia a
discussão decorrida entre Astrid e eu, a apenas alguns metros dali.
Não foi nada difícil localizar a cabeça loura de Serena próxima ao
balcão da cozinha, ao lado de Isabella e Carly. As últimas riam de algo,
enquanto a primeira tinha uma expressão estranha no rosto, o que me fez
questionar o quão bêbada realmente estava.
As risadas cessaram no momento em que me coloquei diante das
três e sem aviso prévio, estiquei um dos braços, puxando Serena e
consequentemente fazendo com que ela piscasse algumas vezes, e quase
caísse, quando pairou diante de mim. Sem pronunciar uma palavra, a
suspendi, tentando ignorar seus protestos e chutes para que a soltasse.
Aonde pensa que está indo? inqueriu Isabella, se colocando
diante de mim com uma expressão presunçosa no rosto.
Saia da porra da frente, Isabella grunhi, genuinamente
impaciente.
Parece que alguém está bravo, hein? provocou Carly às
minhas costas. Outra risada se uniu a dela e ao virar o rosto, identifiquei
Nataniel ao seu lado.
E de pensar que realmente acreditei que ratos como você
tivessem alguma dignidade. cuspiu ele, fitando-me com desdém.
Quanto você ganhou para sair com ela? Dez dólares?
Trinquei o maxilar e decidido a ir embora dali o quanto antes, os
ignorei, passando por Isabella e outro bocado de gente, até chegar à porta da
frente da casa. Serena ainda protestava contra meu ombro quando cheguei
ao local onde havia estacionado e, sem hesitar, a acomodei no banco do
passageiro da caminhonete, conferindo os arredores na esperança de que
Astrid ainda estivesse por lá, mas infelizmente, a rua estava deserta.
Suspirando, fechei a porta do carro e o contornei, socando o volante
com força assim que me acomodei no acento do motorista, fazendo com
que o som da buzina ecoasse pela rua deserta e Serena repentinamente
soluçasse no bando de trás do carro. Lentamente, ergui o rosto do volante e
a fitei pelo retrovisor de centro, fechando a cara ao recordar que havia sido
ela, a razão por trás da descoberta de Astrid.
Cerrando os punhos e lutando contra a raiva, dei partida no carro,
sem deixar de me xingar mentalmente ao recordar da expressão devastada
de Astrid.
E o pior é que era tudo minha culpa.
Porra.
44.

ASTRID.

Um leve toque sobre o meu ombro me fez despertar, e foi suficiente


para que meu peito voltasse a doer.
Aos poucos, o rosto de Nelly foi tomando forma, ao mesmo tempo
que me sentava sobre a cama.
Oi ela disse docemente. Como você está?
Terrível confessei, fitando as minhas próprias mãos ao invés
do seu rosto. Muito obrigada, aliás. Ainda não tive tempo de agradecê-la
por ter me deixado passar a noite aqui.
Ela sorriu.
Está tudo bem, Astrid. Não precisa me agradecer. A única coisa
que eu gostaria que fizesse, é que me diga o que aconteceu para que você
ficasse nesse estado.
Ergui os olhos das minhas mãos cruzadas para o seu rosto, notando
a forma como sua testa estava franzida.
Você acompanha o perfil de fofocas da escola, não é? indaguei
e ela imediatamente assentiu. Bem, então receio que não haja
necessidade de explicação. Certamente já terão noticiado por lá.
Nelly franziu o cenho, antes de ceder a curiosidade e rapidamente
fisgar o seu celular da escrivaninha ao lado da cama. Observei sua
expressão mudar de confusa para incrédula, à medida que seus olhos
passavam pela tela, provavelmente lendo a notícia.
Ai meu Deus ela murmurou, lambendo os lábios em evidente
nervosismo, antes de voltar a me fitar nos olhos. Eu nem sei o que dizer.
Sinto muito. se inclinou na cama, tocando as minhas mãos.
Realmente sinto muito, Astrid.
Abri um sorriso fraco.
Está tudo bem. Quer dizer, vai ficar. Já passei por algo similar
antes e se sobrevivi àquilo, certamente superarei agora. declarei,
rogando para que as minhas palavras soassem convincentes, mas a julgar
pela expressão de Nelly, ficou claro que não obtive o efeito desejado.
Astrid, você não precisa manter a postura comigo. aconselhou,
apertando minhas mãos. Nunca passei por uma desilusão amorosa, mas
posso imaginar o quão difícil e doloroso seja. Pode se abrir comigo, se
quiser. Não sou boa em dar conselhos, mas garanto que sou uma excelente
ouvinte.
Todo e qualquer resquício do meu autocontrole foi atirado pelos ares
no momento que as suas palavras entonaram pelos meus ouvidos e de modo
completamente involuntário, lágrimas e mais lágrimas iniciaram seu trajeto
pelas minhas bochechas, antes que Nelly as secasse com as costas das suas
mãos e, sem hesitação, me enlaçasse entre seus braços, consolando-me.
Permanecemos abraçadas por longos segundos, até que finalmente
criei coragem para começar a falar:
Eu deveria ter sido mais atenta. murmurei, ainda entre seus
braços. Devia ter desconfiado de tudo e não ter cedido tão facilmente,
mas invés disso acabei fazendo o exato oposto: baixando por completo a
guarda.
Não faça isso disse Nelly, rompendo com o abraço e me
fitando com uma expressão preocupada. Não se cobre tanto. A culpa não
foi sua, e sim deles. Não há motivo para que se lamente por algo tão
inimaginável. E sim, foi exatamente isso: inimaginável. Como é que você
imaginaria que a sua irmã e seu namorado fossem capazes de algo tão baixo
e cruel?
Baixei a cabeça, abraçando meus próprios joelhos ao invés de fitá-la
nos olhos.
Me sentia humilhada e completamente patética; patética o suficiente
por não ter desconfiado de nada e, principalmente, de ter rompido com o
juramento que havia feito a mim mesma alguns anos atrás: acabei me
apaixonando novamente e cá estava eu, arcando com as consequências do
meu ato imprudente.
Alguém sabe que você está aqui? Nelly questionou, me
trazendo novamente à realidade.
Neguei com a cabeça.
Não. Eu não tive coragem de ir para casa e acabar tendo que
encarar meu pai e admitir que ele tinha razão o tempo todo: Jacob não é
para mim. suspirei, passeando uma das mãos pelo meu cabelo
desgrenhado. Sem falar que não sei o que vou fazer quando vir Serena
novamente. Ainda não me sinto pronta para encará-la.
Nelly assentiu, solidária.
Tudo bem, entendi. Mas não acha que deveria pelo menos ligar
para o seu pai avisando que está aqui? Apenas para dar um sinal de que,
você sabe, está viva?
Bufei, odiando ter que admitir que ela estivesse coberta de razão.
Você está certa, mas de qualquer maneira, estou sem meu celular,
então....
Posso emprestar o meu, se você quiser. Ou então, se preferir,
posso pedir para a minha mãe ligar para a sua casa e explicar tudo.
sugeriu e mal pude conter o sorriso aliviado que me escapou.
Sim, eu adoraria. me inclinei em sua direção, unindo a sua
mão à minha enquanto a fitava nos olhos. Muito obrigada, Nelly. Nem
sei como agradecê-la.
Ela sorriu.
Já disse que não precisa me agradecer. Apenas aguarde aqui, está
bem? aconselhou, erguendo-se da cama e já caminhando na direção da
porta. Vou pedir a minha mãe que faça a ligação e já volto. Depois disso,
o essencial seria que você comesse um pouco. Está mais pálida do que o
normal.
Tem certeza de que não estou incomodando? questionei,
enquanto secava uma lágrima da minha bochecha.
Claro que não. Me atrevo a dizer até que é o exato oposto. Espere
só até a minha mãe saber que trouxe uma amiga para dormir aqui em casa.
Ela vai surtar.
Abri um sorriso fraco e antes que pudesse agradecê-la novamente,
ela bateu a porta audivelmente às suas costas, me deixando sozinha no seu
quarto.
Suspirando alto, apoiei a cabeça na cabeceira da cama, arriscando
um olhar na direção da janela, observando os pássaros sobrevoarem os céus
enquanto tentava evitar que meus pensamentos voltassem a girar em torno
dos acontecimentos da noite anterior.
Meu peito ainda ardia a cada vez que me lembrava do rosto dele, ou
quando lembrava também, de cada um dos momentos que compartilhamos
enquanto ele recebia dinheiro para namorar comigo.
Minhas bochechas coraram de raiva, quando me recordei de todas as
vezes em que permiti que ele me beijasse e pior, me tocasse.
Balancei a cabeça, impedindo que a dor voltasse a se instalar no
meu peito, roubando-me soluços e mais e mais lágrimas.
Por mais impossível que soasse naquele momento, eu sabia que
deveria ser forte.
Sabia que deveria impedir que o que Jacob e Serena me fizeram me
marcasse tão profundamente tanto quanto o que Nate havia feito anos atrás,
ao me trair com a minha melhor amiga.
E era engraçado, na verdade, notar que a história parecia novamente
se repetir: só que desta vez, não se tratava apenas do meu namorado e
melhor amiga, mas sim, da minha própria irmã.
Lutando contra as lágrimas, abracei meus próprios joelhos, sentindo
o queixo tremer na insinuação nada sútil de que seria impossível àquela
altura do campeonato, me impedir de sucumbir à tristeza que irradiava de
mim a cada suspiro que dava.
Era tudo culpa deles e os odiava por isso.
Mas, acima de tudo, odiava a mim mesma por permitir que aquilo
me acontecesse novamente.
45.

JACOB.

Voltei a bater contra a porta novamente, mas, para a minha total


consternação, o senhor Spencer parecia realmente decido a manter a
palavra.
Na noite anterior, depois de deixar Serena em segurança, Edgar
Spencer não perdeu a oportunidade de novamente me encher de perguntas,
o que acabou fazendo com que descobríssemos sobre o paradeiro
desconhecido de Astrid, que por sua vez, não havia retornado para casa até
aquele momento. Imediatamente entrei em desespero com a concepção de
que ela não havia voltado para casa, mas antes que pudesse me oferecer
para procurá-la, Edgar não hesitou em me mandar embora.
Acho que, no final das contas, ele acabou percebendo o real motivo
por trás do desaparecimento de Astrid: eu.
Ás vezes acabava subestimando as habilidades de um psicólogo tão
experiente quanto ele, e por mais que desaprovasse a sua rudeza em me
expulsar da sua casa sem sequer me dar uma chance para explicação, sabia
que ele estava certo.
Não havia pregado o olho por um segundo sequer na noite anterior e
isso explicava o motivo de eu estar em frente àquela casa novamente, em
plenas seis e trinta da manhã.
Senhor Spencer, por favor! implorei, batendo insistentemente
contra a porta. Por Deus, ao menos me avise se ela já está em casa!
Pelos cinco minutos seguintes, ninguém deu as caras e sem me dar
por vencido, tornei a bater incessantemente contra a porta, até que,
finalmente, ouvi o som da tranca sendo destravada, indicando que
finalmente haviam cedido ao meu apelo.
O rosto de Serena surgiu diante de mim e tive de reprimir um
gemido ao constatar o acontecimento.
Aonde está a sua irmã? questionei, ignorando por completo os
cumprimentos desnecessários. Ela já chegou? Está bem, ou...
Está na casa de Nelly Ford. confidenciou, me interrompendo.
A senhora Ford ligou agora a pouco avisando que Astrid passou a noite
lá. E muito obrigada, a propósito, por impedir que eu conseguisse dormir ao
bater feito um maluco nesta maldita porta.
Graças a Deus murmurei, suspirando e fazendo passar
despercebido seu comentário irônico. Por acaso você sabe o endereço da
casa de Nelly Ford?
Sim, eu sei. Mas não perca o seu tempo. Papai já foi busca-la e
certamente não vai gostar nada de vê-lo por lá.
Bufei, recuando alguns passos e passando uma das mãos pela nuca,
imerso em nervosismo.
Precisava urgentemente conversar com Astrid e se antes Edgar já
não gostava da ideia de nos ver juntos, agora, definitivamente tinha motivos
para isso.
Serena pigarreou.
Acredito que devo pedir desculpas depois do que aconteceu
ontem.
Estanquei no lugar, a fitando seriamente por cima do ombro.
Nós dois precisávamos.
Não, não precisa. Não para mim, pelo menos. Precisa se
desculpar com a sua irmã ao invés disso. Nós dois a magoamos e
precisamos urgentemente reparar esse erro.
Serena revirou os olhos.
Já sei disso, está bem? A única coisa que me irrita é a
incapacidade dela de perceber que, na realidade, não deveria estar brava
comigo e sim, muito agradecida.
Meu queixo caiu.
Você é completamente inacreditável, Serena.
Ela inclinou o rosto em confusão, mas antes que pudesse lhe dizer o
quão egoísta e insensível era, o som de um carro sendo estacionado me fez
endireitar a coluna, me colocando em alerta com a possibilidade de que
fosse ela.
Pude comprovar a minha hipótese segundos depois, quando a vi
fechar a porta do carro e se dirigir a passos lentos até a varanda – porch – da
sua casa, onde Serena e eu estávamos.
Observei seu semblante mudar de apático para surpreso, no instante
em que nossos olhares se cruzaram e imediatamente, a expressão do homem
ao seu lado endureceu ao se dar conta disso.
Posso saber o que é que você está fazendo aqui? ele grunhiu,
se colocando defensivamente diante da sua filha. Pensei que tivesse sido
claro na noite passada, quando pedi que não voltasse a pôr os pés na minha
casa.
Ignorei sua pergunta, incapaz de desfazer o contato visual com
Astrid, que por sua vez, sustentava meu olhar com uma expressão dura no
rosto. Seu cabelo louro estava despenteado e as olheiras em torno dos olhos
castanhos combinavam perfeitamente com as minhas.
Jacob Davies chamou o senhor Spencer, praticamente
cuspindo o meu nome e relutantemente, movi meus olhos até os dele,
notando a forma como parecia prestes a voar no meu pescoço. Não
tornarei a repetir: saia da minha casa. Caso contrário, terei de chamar a
polícia e aposto que você não vai querer ser preso por invasão domiciliar.
Trinquei o maxilar.
Lamento senhor, mas não sairei daqui enquanto não conversar
com a sua filha.
Edgar fez menção de fisgar o celular dentro do bolso da sua calça,
cumprindo com a ameaça, mas se deteve ao sentir o leve aperto de Astrid
sobre um de seus antebraços.
Está tudo bem, pai ela assegurou, erguendo o queixo e pondo
uma expressão indecifrável no rosto. Posso lidar com ele.
Edgar não pareceu convencido da alegação dela, mas decidido a não
contrapor a decisão dela, agilmente tratou de passar por mim, levando
Serena consigo. O som da porta sendo fechada às minhas costas me fez
soltar o ar com força, antes que tomasse coragem e começasse a falar:
Parece que as coisas entre seu pai e você estão finalmente
acertadas.
É, nos resolvemos no caminho para cá. ela revelou
rispidamente, sem deixar passar despercebido o tom apático em sua voz.
Assenti, esfregando as mãos nervosamente contra o tecido da minha
calça jeans, me sentindo de volta ao fundamental, quando não fazia ideia do
que dizer, ou como agir perante uma garota.
Olhe só comecei, após um longo suspiro. Eu realmente
sinto muito pelo que fiz e entendo completamente você por estar brava
agora, mas eu não me arrependo de nada, Astrid; porque foi graças a esse
acordo idiota, que tive você. Por isso, eu faria tudo de novo, só para tê-la
comigo.
Não sei o que você espera ganhar com essas palavras. ela
disse, me cortando.
Espero que pelo menos tente acreditar em mim quando digo que
me apaixonei de verdade por você declarei, a fitando nos olhos.
Ela me fitou em silêncio por longos segundos, vasculhando meu
rosto com tanta intensidade, que tive de desfazer o contato visual em
desconforto. Então, de repente, soltou um suspiro cansado.
Sabe, Jacob começou, reconquistando a minha atenção. O
que mais me impressiona em você, é o fato de por tanto tempo ter julgado e
recriminado Nate pelo que ele me fez, quando, ironicamente, você fez
exatamente a mesma coisa. E isso o torna um maldito hipócrita.
Sei que você esta brava, mas, por favor, não me compare com
aquele...
O quê? Mentiroso mau-caráter? me interrompeu, arqueando
uma das sobrancelhas. Não percebe o quanto isso é extremamente
irônico? Que justo você venha acusá-lo de ser mentiroso? Eu confiei em
você, Jacob. Me entreguei literalmente de corpo e alma, e em troca, recebi
mentiras e falsidades. Você é um traidor.
Trinquei o maxilar.
Eu não traí você. Não como ele fez. Não me compare com ele.
Traiu, sim. rebateu, sem nem pestanejar. Ambos traíram a
minha confiança. Ambos são mentirosos e traiçoeiros.
Imerso em frustração, avancei um passo, mas infelizmente impedi-
me ao notar que ela recuou outro, tornando evidente a repulsa que sentia
pela minha aproximação.
Engolindo em seco, deixei ambas as mãos caírem ao lado do corpo,
sentindo-me impotente e extremamente desprezado pela expressão
condenatória em seu rosto.
Espero que saiba que o que lhe disse ontem ainda está valendo
ela informou secamente. Não quero que volte a se aproximar de mim.
Não quero vê-lo e nem falar com você a partir de agora. Você morreu para
mim e espero que aja como tal. Agora, se me der licença, preciso entrar.
Tenho mais o que fazer do que ficar jogando conversa fora.
Com estas palavras, ela passou por mim, tomando cuidado o
suficiente para sequer olhar na minha direção enquanto fazia o percurso até
a porta da sua casa. Então, sem olhar para trás, bateu a porta com força as
suas costas, me deixando para trás na varanda, contemplando jardim da sua
casa em silêncio.
Fechei os olhos com força, ao mesmo tempo que tentava reunir
coragem para atender ao seu pedido e sair da sua casa.
Ao descer os pequenos degraus que separavam a varanda do jardim,
não pude deixar de sentir a pontada de dor que me atingiu, se assemelhando
a um maldito soco no estômago, quando a lembrança do olhar notoriamente
dotado de repulsa que ela me deu, voltou aos meus pensamentos.
Passei pelo jardim, me dirigindo até o vão da rua, antes de olhar por
sobre o ombro, comtemplando mais uma vez a sua casa, na esperança de
que ela estivesse ao menos me olhando.
Mas não havia nada.
Eu estava completamente sozinho e a sensação foi equivalente a
uma apunhalada no meu peito.
Saber que não a teria novamente me assustava e, principalmente, me
revoltava porque no final das contas, era tudo culpa minha.
Eu não deveria tê-la beijado, para inicio de conversa.
Tampouco deveria ter gostado de fazê-lo.
Mas para o meu completo desgosto, lá estava eu, sentindo o coração
destroçar-se por completo com a percepção do tamanho do erro que havia
cometido ao concordar com a proposta que Serena me havia feito.
46.

ASTRID.

Espiei pela fresta da cortina, o observando entrar na caminhonete e


arrancar pela rua estreita, segundos depois, desaparecendo por completo do
meu campo de visão.
Deveria conversar com ele ao invés de ficar choramingando pelos
cantos Serena me aconselhou repentinamente, fazendo com que eu
quase pulasse de susto.
Decidida a ignorá-la de todas as maneiras possíveis, fechei
bruscamente a cortina, erguendo o queixo e, sem sequer lhe dirigir o olhar,
caminhei calmamente até o corredor que levava às escadas.
Realmente não vai falar comigo? ela questionou inutilmente e
quando não obteve uma reposta, acelerou o ritmo de seus passos até que
agarrasse meu cotovelo e me fizesse estancar no lugar. Isso é ridículo,
Astrid. Não pode fazer isso comigo. Sou a sua irmã.
Puxei bruscamente meu braço de volta, me desvencilhando do seu
toque com rispidez enquanto lhe lançava um olhar afiado.
Exatamente, Serena. Somos irmãs. E isso torna o que você fez
completamente imperdoável acusei, trincando o maxilar ao notar a
expressão incrédula no rosto dela.
Ora, por favor. Não é para tanto.
Não é para tanto? repeti, boquiaberta. Você pagou um cara
para sair comigo, Serena. Tem noção da gravidade disso?
Por que você não tenta ver o lado positivo de tudo, ao invés de
me atacar desse jeito? Eu banquei o cupido. Graças a mim, você encontrou
o seu “grande amor adolescente”. Deveria estar grata ao invés de brava.
Grata? Realmente espera que eu tenha gratidão pelo que você me
fez? questionei, desistindo de vez da postura apática e adotando a
furiosa ao invés disso.
Ela deu de ombros.
Exatamente. Por mais que se recuse a admitir, você sabe que o
tempo que passou com Jacob foi o melhor em muito tempo na sua
monótona vida e isso, minha cara, é graças a mim.
Recuei um passo, balançando a cabeça enquanto a fitava em um
misto de incredulidade e fúria.
Meu Deus, você é pior do que eu imaginava, Serena
murmurei, lhe lançando um olhar de desprezo. É tão narcisista que
sequer se dá conta do erro que cometeu. Como pôde? questionei,
completamente indignada e quando ela permaneceu em silêncio, pedi:
Será que pelo menos poderia me explicar o motivo de ter feito tudo isso?
Ela cruzou ambos os braços sob o peito e parecendo recuada, desfez
o contato visual, fitando o tecido esverdeado da minha blusa, ao invés de o
meu rosto.
Você já deve ter deduzido os meus motivos. É inteligente o
suficiente para compreendê-los.
É, mas quero ouvi-los da sua boca grunhi, endurecendo o tom
e reconquistando a sua atenção.
Ela piscou várias vezes, mudando o peso do corpo de um pé para o
outro, antes de finalmente começar a falar:
Você conhece as regras do nosso pai. Não posso ir a lugar algum
a menos que você vá comigo mordeu o lábio inferior, parecendo
relutante, antes de retomar a sua fala: Foi por isso que contratei Jacob:
porque se você tivesse um namorado, teria que sair com ele e tudo o mais, o
que me incluiria nisso tudo, ocasionando na minha participação nas festas
da vizinhança.
Deixe ver se eu entendi: está me dizendo que pagou um cara para
sair comigo, simplesmente para poder ter acesso as festas ridículas que
rolam na nossa escola?
Ela fez uma careta.
Falando assim parece que foi a decisão mais patética existente,
mas garanto que não foi. Foi uma jogada de mestre e até mesmo você tem
que admitir isso.
Pisquei com força, dividida entre a incredulidade e a vontade de
esganá-la.
Não acredito nisso murmurei, passeando nervosamente as
mãos pelo meu cabelo. Você é a pessoa mais egoísta que conheço,
Serena. Arquitetou um plano para que pudesse se dar bem passando por
cima de literalmente tudo, inclusive de mim. Dos meus sentimentos. Da
minha vontade. Tem noção do quanto isso é terrível, Serena? E o pior de
tudo é que você nem se dá conta disso! Está tão absorta no seu próprio
mundinho cor-de-rosa que sequer percebe o quão egocêntrica, maquiavélica
e calculista você pode ser quando quer tanto algo! fiz uma pausa,
erguendo uma das mãos para enxugar a lágrima sorrateira que escorria pela
minha bochecha. Sabe, agora entendo o motivo pelo qual papai sempre
foi mais protetor com você. Não é porque você é mais frágil do que eu, é
porque igualzinha a ela.
Finalmente a expressão confiante de Serena vacilou mediante a
minha acusação e um leve resquício de mágoa atravessou seus olhos, antes
que ela agilmente o mascarasse.
Meça as suas palavras antes de dirigi-las a mim retrucou
ameaçadoramente, mas o marejar em seus olhos evidenciava que minhas
palavras a tinham atingido em cheio.
Por quê? Eu não menti e você sabe disso tanto quanto eu. Nós
duas sabemos o quanto você se parece com a nossa mãe. As duas são
mentirosas egoístas que não pensam em nada e em ninguém, até
conseguirem o que querem. Vocês usam e descartam as pessoas sem dó.
Você é exatamente igual a ela, Serena.
Você está sendo cruel, Astrid. ela acusou com os lábios
trêmulos.
Não, estou sendo realista. corrigi, sem me deixar afetar pelas
lágrimas que escorriam pelo rosto dela, em uma comprovação de que ela
era um ser humano, afinal.
A fitei nos olhos por um longo período de tempo, vendo-a se desatar
em lágrimas enquanto me obrigava a não seguir o seu exemplo; em vez
disso, me mantive apática as suas lágrimas e soluços, me limitando a
sustentar seu olhar com indiferença.
O que é que está acontecendo aqui? interveio nosso pai, o tom
de urgência em sua voz me obrigando a desfazer o contato visual com
Serena.
Na viagem de volta para casa, depois que ele praticamente me
arrancou da casa de Nelly, acabamos conversando o percurso inteiro, o que
fez com que eu confessasse tudo o que estava acontecendo comigo e,
principalmente, quem eram os responsáveis pelo ato. Mal acreditei quando
não o ouvi soltar um “eu te avisei” com relação a Jacob e, ao invés disso,
vi-me emocionado perante a sua compreensão e empatia comigo. Ele não
me julgou ou recriminou por nada do que fiz, ainda que soubesse o quanto
eu havia errado. Contrariamente, ele me lançou palavras confortadoras e
conselhos para que não me deixasse abalar mais do que o necessário.
E talvez tenha sido por causa disso que não cedi á raiva e decepção
ao ter que encarar Jacob e Serena assim que pus os pés em casa.
Papai Serena choramingou, correndo para ele feito uma
criança de cinco anos. Astrid está sendo má comigo. Ela me comparou
com a mamãe, pai.
Imediatamente papai enrijeceu com a menção a palavra mamãe,
antes que pigarreasse, afagasse o rosto de Serena e me lançasse um olhar
suplicante.
Astrid, querida começou, mas não foi necessário que
terminasse de falar para que eu soubesse o que estava tentando dizer.
Não eu o cortei, endurecendo a expressão. Não vou pedir
desculpas, pai. Não sou eu quem deve pedi-las.
Papai suspirou.
Sabemos que a sua irmã errou muito, mas somos uma família,
querida. Devemos nos manter unidos, independente de qualquer coisa.
Eu quase ri.
Ela me traiu, pai, e que eu saiba, nós não perdoamos traição
cuspi, olhando acusatoriamente para Serena. Ou vai me dizer que
perdoou a mamãe depois de tudo pelo que ela nos fez passar?
Papai trincou o maxilar e só então me dei conta de que havia
passado dos limites. Os nomes “Zilda” e “mamãe” haviam sido banidos do
nosso vocabulário desde que ela nos tinha abandonado, e papai sempre
reagia mal todas as vezes em que rompíamos com o combinado e
acabávamos proferindo as palavras proibidas.
Não vou pedir desculpas. avisei em meio a um murmúrio
praticamente inaudível e sem pensar duas vezes, girei nos calcanhares, lhes
dando as costas enquanto retomava o percurso até as escadas e, em
específico, ao meu quarto.
À passos ágeis e desajeitados, subi cada um dos degraus, quase
tropeando ao chegar no segundo andar. Alívio tomou conta de mim quando
entrei na segurança do meu quarto e um suspiro me escapou quando fechei
a porta, me privando de todos. Sem me dar conta do que estava fazendo,
caminhei em direção à minha cama, praticamente me jogando no colchão e
finalmente me permitindo ceder às lágrimas que ameaçavam me escapar
desde o reencontro com Jacob, alguns minutos atrás.
Me rendi ao sofrimento e cada vez que me lembrava do rosto dele, a
dor triplicava de intensidade, acarretando em lágrimas e uma dor
ensurdecedora que dominava por completo cada um dos meus sentidos.
A cada suspiro, uma parte do meu coração perecia despedaçar.
A cada respiração, meu peito ardia.
E a cada lágrima, minha respiração falhava.
E era tudo culpa dele, do indivíduo que, ironicamente, me fez
acreditar novamente no amor.
47.

ASTRID.

Entre passar horas consecutivas trancada no meu quarto aos prantos,


me forçando a comer a comida – lastimável – que meu pai estava
preparando e fingir que estava tudo bem durante meu turno na Pop’s, voltar
para a escola estava sendo, sem dúvida alguma, a tarefa mais difícil de se
fazer.
Após três dias, finalmente decidi parar de adiar o inevitável: meu
retorno às atividades escolares. Era o meu último ano, afinal de contas, e a
percepção de que faltavam poucos meses até a formatura me servia de
consolo a cada passo que dava. Àquela altura do campeonato, eu já sabia
sobre o que andavam comentando pelas redondezas de Lester Ville: que a
“pobre coitada” megera da cidade havia sido enganada. Que a tinham feito
de trouxa depois de pagarem um cara para que a “domasse”.
Papai fazia questão de não falar nada, mas eu sabia, pela expressão
dele, que a minha situação era bem pior do que ele fazia transparecer; eu
tinha o total conhecimento de que as pessoas maldosamente estavam
falando atrocidades ao meu respeito, enquanto Serena havia sido,
milagrosamente, absolvida de qualquer julgamento por ter uma boa
reputação além de, tecnicamente, apenas estar “tentando agir como uma
“adolescente normal”, já que nada havia feito além de “tentar burlar as
regras do pai extremamente rígido”.
Estúpidos.
Obviamente ignoraram o fato de ela ser uma pessoa
assustadoramente calculista e insensível, atribuindo toda a condenação a
mim, que era, segundo eles, a “real culpada por tudo”.
“Se ela fosse um pouco mais normal, a irmã não teria feito o que
fez.”
“Serena não estava errada. Obviamente estava desesperada para
poder curtir a vida adolescente e de que modo poderia, se não fosse
garantindo que a charlatona da irmã conseguisse um namorado”?
“Quem em sã consciência concordaria em sair com Astrid Spencer,
se não o desprezível Jacob Davies? Ele faz qualquer coisa por dinheiro,
afinal.”
Infelizes.
Eu podia ouvi-los.
Os ouvia a cada maldito minuto que saía de casa e os burburinhos
estavam se tornando cada vez piores, me assombrando como uma constante
e repetitiva maldição. E infelizmente o mesmo podia ser dito naquele exato
momento, quando caminhava pelos corredores da escola sendo seguida por
uma legião de pares de olhos curiosos e lá estavam eles: os malditos
murmúrios novamente.
Intensifiquei o aperto nos livros que carregava contra o peito,
erguendo o queixo e fingindo indiferença perante cada olhar maldoso que
me era direcionado. Tinha aula de química agora, e o que me consolava era
o fato de saber que Nelly estaria na mesma turma que eu.
Desde o incidente com Jacob, quando fui parar na casa dela alguns
dias atrás, nos tornamos muito próximas e me arriscava, inclusive, a chamá-
la de amiga. Ela estava me dando o suporte necessário para que
simplesmente não me sufocasse na minha própria dor, me dando conselhos
motivadores e me incentivando a retornar a minha rotina.
E cá estava eu, tentando fazer exatamente isso.
Já havia retornado para o trabalho, mas a escola era, sem dúvidas, a
parte mais difícil de suportar.
Olhe só, se não é a cliente do namorado de aluguel disse
maldosamente uma voz às minhas costas e tive de reprimir um gemido ao
virar o rosto e fitar Nate. E, como se já não fosse suficiente, lá estava a sua
legião de adoradores imbecis: o ABC e alguns dos caras do time de
lacrosse.
Endireitei a coluna, prestes a lhe dar as costas e ignorá-lo, quando
um toque em um dos meus cotovelos me fez estancar no lugar.
Ele está falando com você, sua vadia cuspiu Carly, me
mantendo no lugar ao agarrar um dos meus cotovelos. Não finja que é
melhor do que nós.
Endurecendo a expressão e sem desfazer o contato visual, puxei
meu braço.
Me deixe em paz. pedi, sussurrando ameaçadoramente.
Carly sorriu.
Eu até poderia, mas não vou fazer isso. Estou me divertindo
demais para atender ao seu pedido.
A pergunta que não quer calar é: quanto foi que ele recebeu para
sair com você, Astrid? questionou Bella, intervindo na conversa
enquanto se colocava ao lado de Carly, exatamente diante de mim.
Serena disse que deu 100 pratas a cada encontro, mas sinceramente, não
acho que Jacob se venderia tão facilmente, até porque, todos nós sabemos o
quanto a tarefa dele árdua.
Evidentemente concordou Nate, se afastando do seu armário e
caminhando casualmente até onde estávamos, especificamente no meio do
corredor lotado. Aposto que um rato como ele não se contentaria com
tão pouco. E convenhamos que dinheiro é uma coisa que ele certamente
precisa. E muito.
Alternei o olhar entre cada um deles, notando também, que uma
quantidade impressionante de espectadores havia se aglomerado ao nosso
entorno, observando a cena que se desenvolvia entre nós com evidente
curiosidade e divertimento.
Por que não vão procurar algo para fazer? sugeri com
aspereza. Como, por exemplo, cuidar das suas próprias vidas?
Bella arqueou uma das sobrancelhas, em contrapartida com a risada
irônica que Carly soltou e a expressão debochada que assumiu as feições de
Nate assim que minhas palavras saíram. Cansada de todo aquele espetáculo
patético, girei nos calcanhares, objetando sair dali, até que uma mão
agarrou meu antebraço, mais uma vez, impedindo-me.
Não fuja de nós rosnou Nate, me obrigando a voltar a fitá-lo
quando puxou rudemente meu braço em sua direção. Ainda não
acabamos.
Franzi o cenho, tentando inutilmente escapar do seu toque quando
seu aperto se tornou insuportável, de modo que a pele do meu antebraço
começasse a ficar avermelhada.
Qual é o seu problema? disparei, tentando me livrar do seu
toque. Me solte, seu idiota!
Ao invés de atender ao meu apelo, o sorriso dele apenas ampliou,
enquanto Bella e Carly sorriam largamente, comtemplando o ato e
ignorando por completo o fato de que ele estava começando a me machucar.
Exasperada, tentei novamente me desvencilhar dele e foi quando de
repente, o vi ser afastado bruscamente de mim, fazendo com que eu quase
cambaleasse com ato. No segundo seguinte, notei que os olhares que
antigamente estavam fixos em mim, tinham agora, um novo foco e ao
segui-lo, me deparei com Nate jogado ao chão, com alguém sobre ele, lhe
socando rosto.
Pisquei algumas vezes, até que por fim, a identidade do sujeito que
agredia brutalmente Nate foi se tornando clara, fazendo com que
entreabrisse meus lábios em incredulidade. De modo completamente
impulsivo e ágil, corri na direção onde Jacob e Nate estavam, praticamente
arrancando o primeiro de cima do segundo, ao notar o estado deplorável em
que Nate estava: seu nariz estava ensanguentado e os pulsos avermelhados,
em um sinal evidente de que havia tentado, inutilmente, se defender dos
socos desgovernados de Jacob que, em contrapartida, tinha apenas alguns
machucado no rosto e no punho esquerdo.
Imediatamente a multidão que antes nos cercava foi se dispersando
quando o inspetor e alguns funcionários da escola foram chegando, no
intuito de prestarem os primeiros socorros à Nate, que gemia de dor ainda
largado contra o chão.
O que diabos você pensa que está fazendo? disparei, assim
que Jacob finalmente me olhou, com uma expressão indecifrável no rosto.
Ele estava te machucando. murmurou e instantaneamente meu
olhar recaiu para o ferimento em seu lábio inferior.
Sei cuidar de mim mesma. retruquei, voltando a fitá-lo nos
olhos e ignorando a pontada de preocupação pelo seu ferimento.
Não é o que estava parecendo há alguns minutos, quando aquele
desgraçado estava apertando o seu braço. rebateu, passeando os olhos
pelo meu corpo e repentinamente tocando meu antebraço, local por onde
Nate apertava não muito tempo atrás. Você está bem?
Minha garganta fechou em contrapartida com o aperto no meu peito,
que por sua vez, fez com que puxasse rispidamente meu braço de volta e o
cruzasse contra o peito, na tentativa de escapar dos hipnotizantes olhos
âmbar dele.
Qual é o seu problema, seu lunático? esbravejou Carly,
empurrando Jacob para trás enquanto Bella e outro bocado de gente
acompanhavam a chegada da enfermeira responsável por cuidar das feridas
de Nate. Por que diabos agrediu o meu namorado? Enlouqueceu?
Jacob sorriu, ao mesmo tempo que limpava a boca ensanguentada
com uma das mãos.
O seu namorado a estava machucando revelou, endurecendo o
tom e apontando sugestivamente para mim. E já que você e todos os
idiotas assistiam a tudo calados, tive que intervir.
Não preciso da sua ajuda o cortei ao constatar a ironia daquela
situação. Nem mesmo a quero. Não se meta na minha vida. cuspi,
ignorando por completo a mágoa estampada na sua expressão e o olhar
fugaz de Carly a nós dois, que a estávamos obviamente ignorando.
O fato de eu já não ser o seu namorado, não me impede de me
preocupar com você. disse ele, seriamente.
Meu coração acelerou contra o peito, mas tão rápido quanto
aconteceu, me repreendi.
Ah, me poupe de todo esse fingimento. Se você está esperando
que eu o agradeça ou algo do tipo, já pode ir tirando o cavalinho da chuva.
Nem sempre fazemos alguma coisa esperando por algo em troca,
Astrid.
Você deveria ter pensado nisso quando aceitou a grana para sair
comigo. ironizei e imediatamente uma expressão surpresa tomou conta
de suas feições, sendo substituída, segundos depois, pela de dor.
Engoli em seco, sentindo um caroço preso à garganta.
Ele não tinha o direito de me fazer sentir mal pelas minhas palavras.
Não depois do que me fez.
Ele sustentou meu olhar por longos segundos, antes que a voz grave
do diretor surgisse, conquistando nossas respectivas atenções:
Eu já deveria saber que tinha dedo seu envolvido nisso tudo
afirmou, balançando a cabeça em negação antes de fazer um sinal para que
ele se aproximasse. Já para a minha sala, Davies.
Para a minha surpresa, ao invés de soltar algum comentário
sarcástico – como sempre fazia – Jacob o obedeceu, lançando um olhar
apático para Nate antes de seguir o homem corpulento que dirigia a nossa
escola pelos corredores, no mais sublime silêncio.
Observei suas costas se afastarem, antes de agilmente passar por
Carly, tombando propositalmente nossos ombros e me agachar no chão ao
lado de Nate, exatamente onde a enfermeira lhe prestava atendimento
médico.
Por favor, quando acabar com ele, poderia verificar o outro
rapaz? Ele tem ferimentos no rosto e no pulso, e também precisa de
verificação médica. pedi gentilmente, recebendo um sorriso seguido por
um leve aceno de cabeça como resposta. A agradeci, antes de me pôr de pé
e ignorar os olhares das pessoas ao entorno que me fitavam atentamente.
Pelos três minutos seguintes me mantive forte, e foi apenas quando
me vi na privacidade do banheiro feminino, que pude permitir que as
lágrimas brotassem pelo meu rosto, transparecendo assim, o meu deplorável
estado real: devastação.
48.

JACOB.

Depois de uma longa e estressante ida à sala do diretor, mal acreditei


quando recebi a noticia de que receberia apenas uma suspensão pelo meu
“delito”.
Francamente, aquela não era a primeira vez que me envolvia – ou
começava uma briga –, motivo que justificou o meu espanto ao perceber
que o diretor não levaria tal fato em consideração para estipular a minha
sanção: suspensão de uma semana.
Peguei as minhas coisas e sem muito reclamar, me dirigi até o
estacionamento, assim como o diretor me instruiu. A cada passo que dava,
no entanto, sentia o peito apertar com a recordação das palavras que Astrid
me havia dito não muito tempo atrás; ela me pediu, melhor: exigiu, que a
deixasse em paz e eu nada mais poderia fazer, a não ser respeitar a sua
vontade – por mais que relutasse em fazê-lo.
Assim que saí da escola, fui diretamente para o meu trabalho, e foi
quando uma ligação de Adam Hilton me chamou a atenção, fazendo com
que me recordasse de algo importante a ser feito. Então, sem hesitar, pedi
licença para o senhor Souza, pedindo para que me liberasse mais cedo e ele
prontamente concedeu o meu pedido.
Minha ida ao banco se sucedeu exatamente como Adam me havia
orientado: depositei metade da quantia estipulada pelo xerife responsável
pela soltura do meu pai, suspirando ao me dar conta de que precisava
conseguir mais dinheiro o quanto antes.
Apenas assim meu pai poderia se libertar daquele inferno ao qual
havia sido injustamente colocado.
O percurso de volta para a minha casa se deu com a minha maluca
fixação em observar Astrid trabalhar de longe, no meu carro. Aquele era o
único momento em que podia vê-la sem a expressão desaprovadora que
adotava a cada vez que me via.
Observá-la ler detrás do balcão, com aquele leve franzir de cenho a
cada vez que avançava uma página, me gerava um sorriso involuntário com
a percepção do quanto ela ficava bonita quando lia.
Por mais que estivesse com a sensação de que estava desenvolvendo
indícios sérios de um stalker, não conseguia me impedir de dirigir até ali
todos os dias naquele mesmo horário, desde que havíamos terminado. Ou
melhor, desde que ela tinha terminado comigo.
Sem me dar conta, vê-la – mesmo que de longe – acabou se
tornando completamente imprescindível.
Ela era, para mim, o equivalente ao que o ar era para os meus
pulmões: completa e inegavelmente indispensável.
Mais do que a queria, eu precisava dela.
De uma maneira tão extrema, que chegava a me assustar.
E este sentimento estava me matando aos poucos, porque eu sabia
não a teria mais; que ela não me queria mais.
Com os olhos ainda presos nela, quase pulei de susto ao notar uma
batida sobre uma das janelas da caminhonete que, segundos depois, notei
ser de um policial. Eu havia estacionado sobre uma das faixas de pedestres
e ele estava me advertindo e ameaçando me multar caso repetisse o ato.
Frustrado, assenti – mesmo que não desse a menor atenção para o
que ele me dizia – e quando ele me orientou a sair dali e liberar o espaço
para que alguns pedestres pudessem passar, nem pensei duas vezes antes de
fazê-lo.
Lançando mais um olhar na direção da biblioteca Pop’s, dei partida
no carro, memorizando a expressão dela por apenas mais alguns segundos,
antes de avançar na direção das ruas e sair dali.
Seu rosto era a última coisa que via antes de dormir e a primeira
coisa em que pensava quando acordava.
Ela estava se tornando uma obsessão que, infelizmente, teria de me
forçar a esquecer o quanto antes.
49.

ASTRID.

Bati a porta com força às minhas costas, notando, no segundo


seguinte, que a minha casa estava estranhamente quieta.
De cenho franzido, retirei meu casaco, o colocando no gancho atrás
da porta, antes de adentrar na sala de estar, que, por sua vez, estava vazia –
o que era estranho, considerando que geralmente naquele horário papai
costumava assistir ao noticiário local.
Avancei na direção do corredor que levava até a cozinha, quase
pulando de susto quando as figuras de papai e Serena surgiram
repentinamente pelo meu campo de visão.
Céus arquejei, colocando uma das palmas contra o peito na
tentativa de controlar minha respiração desgovernada.
Papai abriu um sorriso constrangido, ao mesmo tempo que Serena
fitava as próprias mãos ao invés do meu rosto.
Não nos falávamos há três dias – por escolha minha, devo dizer – e
por mais que às vezes sentisse vontade de conversar com ela, não
conseguia. Ainda me sentia traída e magoada pelo que ela havia feito e a
cada vez que olhava para o seu rosto, era exatamente nisso que pensava: no
que ela e Jacob haviam feito.
Papai se ergueu de seu lugar à mesa, assim que fiz menção de subir
as escadas e ir para o meu quarto, e antes que pudesse perguntar o que ele ia
fazer, senti uma das suas mãos puxar um meu antebraço em um incentivo
para que o seguisse. Hesitante, o fiz, acomodando uma das cadeiras à mesa
assim que ele a afastou para mim, em um convite silencioso para que me
sentasse.
Serena permanecia quieta no seu lugar à mesa, exatamente diante de
mim e o franzir em seus lábios me fez perceber que havia algo de errado.
Olhei para papai.
Aconteceu alguma coisa? questionei, mas ao invés de me
responder, ele soltou um longo suspiro, puxando uma das cadeiras para trás
e se sentando sobre a mesma sem muita hesitação.
Serena precisa lhe contar algo. ele revelou segundos depois,
ignorando por completo a minha pergunta.
Não quero ouvir falei, a de olhos estreitos. Já disse que não
quero as desculpas dela. Não vão mudar nada. O estrago já foi feito e é
completamente incorrigível.
Papai suspirou.
Astrid, por favor, ouça o que a sua irmã tem a dizer. É importante.
Me recostei na cadeira, cruzando ambos os braços sob o peito,
enquanto lançava um olhar apático para Serena, que permanecia calada.
Ao notar isso, papai interveio:
Serena, conte o que você me disse minutos atrás. Vamos lá, filha,
é importante.
Ela bufou, mordendo o lábio inferior antes de finalmente desviar o
olhar das suas mãos, para o meu rosto.
Ela não quer me ouvir, papai. E mesmo que o faça, não vai
acreditar em mim.
Não saberemos disso enquanto você não tentar a sorte
comentou papai, fazendo com que ela piscasse algumas vezes e
relutantemente, voltasse a me fitar.
Ela suspirou, reunindo coragem para poder começar a falar.
Papai me perguntou o que me levou a fazer o que fiz e o
expliquei, assim como tentei fazer com você no outro dia, quando você me
mandou calar a boca. Serena disse, me relembrando de uma noite atrás,
quando ela apareceu no meu quarto e tentou dizer algo que, rudemente não
fiz questão de ouvir. Simplesmente mandei que calasse a boca e saísse do
meu quarto.
E acho que tenho motivos para isso, não acha? argumentei,
irritada.
Papai bufou.
A questão não é quem tem ou não razão, Astrid. Por que não dá
uma oportunidade para que a sua irmã se explique, ao invés de julgá-la?
Ah, por favor! exclamei indignada. Não há necessidade
para explicações, pai. É como ela mesma disse: ela queria se divertir e para
isso, pagou um cara para que me mantivesse ocupada enquanto ela ia para
as malditas festas de que tanto ama. Para mim a motivação está óbvia:
egoísmo.
Papai esfregou o rosto, estressado, em contrapartida com o momento
em que Serena fechou a cara.
Viu só, pai? Eu disse. Ela não vai me ouvir. disse a última,
apontando o indicador de modo acusatório para mim.
Como se atreve a incorporar o papel da vítima? Você não é a
vítima aqui, Serena. É a vilã. Não banque a inocente. Não depois de tudo o
que fez passar. Você é uma tremenda egocêntrica que não se contenta até
conseguir o que quer. Assim como a mamãe. cuspi e instantaneamente o
rosto de Serena ficou vermelho.
Eu não sou como a mamãe. ela se defendeu, endurecendo o
tom de voz.
Abri a boca para retrucá-la, mas papai se ergueu audivelmente da
sua cadeira, conquistando as respectivas atenções das suas filhas.
Já chega. Vou fazer como antigamente: no próximo minuto, vou
para a sala assistir ao noticiário e quando voltar quero vê-las conversando.
decretou enquanto alternava ameaçadoramente entre nós duas, em uma
comprovação do quanto estava falando sério. Entendido?
Alguns segundos se passaram antes que Serena e eu
murmurássemos, em uníssono:
Entendido.
Papai assentiu, parecendo satisfeito e não tardou a cumprir com a
sua parte na ameaça: em questão de segundos, caminhou até a sala, nos
deixando a sós.
Virei o rosto, cruzando ambos os braços sob o peito enquanto
evitava propositalmente o olhar de Serena, que parecia tão relutante quanto
eu a começar a falar.
Longos segundos de silêncio se alastraram pelo ambiente, até que,
em determinado momento, minha irmã o rompeu ao soltar um longo suspiro
e falar:
Tudo bem, talvez eu realmente seja um pouco teimosa e
obstinada demais concordou a contragosto. Mas eu não sou como a
mamãe. declarou convictamente, mais para si mesma. Eu não fiz por
mal. Juro que não pensei que as coisas terminariam da maneira como
acabaram. Nunca se passou pela minha cabeça que você se apaixonaria de
verdade por ele, assim como ele por você.
Ele não se apaixonou eu a interrompi, trincando os dentes.
Tudo o que ele diz sentir, não passa de mentiras.
Serena bufou.
Sim, Astrid. Ele se apaixonou e posso garantir isso. Ele... fez
uma pausa, abrindo e fechando a boca em aparente incerteza do que dizer:
Ele não é tão culpado quanto eu. murmurou por fim, atiçando por
completo a minha curiosidade.
Como assim? Do que você está falando? exigi saber, me
inclinando na cadeira.
Ela se remexeu desconfortavelmente na cadeira, até, por fim,
começar a se explicar:
Ele só concordou em participar do meu plano porque estava
realmente desesperado confidenciou, fitando as próprias mãos cruzadas
sobre a mesa, ao invés de o meu rosto. Acabei descobrindo sobre a
situação crítica do pai dele e meio que me aproveitei da necessidade dele
pelo dinheiro. Óbvio que ele não deixou transparecer isso quando o abordei,
mas tenho olhos e ouvidos por toda a cidade. Me contaram sobre a situação
do pai dele e isso me chamou a atenção. E antes que me pergunte, não estou
tentando defendê-lo nem nada do tipo porque sei que nós dois erramos, mas
espero, de verdade, que possa entender que ele teve um bom motivo para
fazer o que fez. Ele não é egoísta. baixou o tom de voz, murmurando:
Não como eu.
Pisquei várias vezes, tentando processar o que me havia sido
revelado e então, de modo inesperado, recordações do dia em que Jacob e
eu estávamos na lanchonete e ele acabou me confidenciando, a contragosto,
sobre a lastimável situação do seu pai vieram à tona, fazendo com que as
peças do quebra-cabeça se encaixassem gradativamente.
Lembrava perfeitamente bem da expressão devastada no rosto dele
ao me contar sobre a prisão injusta de seu pai e de como tentou, diversas
vezes, libertá-lo da mesma.
“Fiz por necessidade”.
Merda.
Virei bruscamente o rosto para Serena, fazendo-a me fitar em alerta.
Está me dizendo que ele precisava do dinheiro para poder pagar a
fiança do pai dele? indaguei, exasperada.
Serena assentiu.
Sim, e sei que pode não fazer muita diferença, mas depois de um
tempo, ele me disse que não precisava mais pagá-lo. Acho que estava se
sentindo culpado, e ainda que precisasse urgentemente do dinheiro, o
recusou quando vocês começaram a namorar. Ele é uma pessoa decente,
Astrid.
Faz diferença, sim. murmurei, sentindo os olhos marejarem.
Mas isso não muda o que ele fez ou...
Ele gosta de você de verdade, Astrid. Serena murmurou, me
interrompendo ao, provavelmente, notar as lágrimas em meu rosto. E
mesmo que você não perceba, ele a mudou. fez uma pausa, vasculhando
o meu rosto. Assim como você fez com ele.
Respirei fundo, lutando contra mais lágrimas enquanto secava as
sorrateiras que rolavam pelo meu rosto, quando minha irmã,
repentinamente, anunciou:
Tem mais uma coisa. revelou, engolindo com força enquanto
me fitava seriamente. Na festa de Bella, quando a verdade veio à tona,
eu não estava completamente bêbada como fiz parecer. Bebi um pouco, mas
não o suficiente para que me fizesse perder a consciência e falasse o que
não devia. Tudo o que falei, fiz porque quis.
Franzi o cenho.
Como assim, Serena? Se não estava bêbada, por que motivo você
contou sobre o acordo entre você e Jacob para Carly? pisquei, lembrando
da noite em questão. Pensei que ela tivesse embebedado você para lhe
arrancar a verdade.
E ela tentou revelou. Mas não foi necessário porque eu já
ia contar tudo. suspirou, fitando um ponto fixo à parede, no que presumi
ser constrangimento. Talvez você tenha razão: eu sou a baita de uma
egoísta.
Suspirei, me erguendo do meu lugar e caminhando decididamente
até ela, até que me ajoelhasse e tocasse delicadamente a sua mão.
Serena... murmurei docemente, e ela imediatamente puxou sua
mão da minha.
Não, Astrid. Não seja gentil comigo. Eu não mereço disparou
desenfreadamente, parando apenas para enxugar uma lágrima que escorria
do seu olho enquanto falava. Você tem toda razão, Astrid. Eu sou uma
pessoa terrível.
Sem pensar no que estava fazendo, ergui uma das mãos, tocando seu
rosto, a obrigando a me olhar, enquanto usava a mão livre para afagar o seu
rosto.
Você não é uma pessoa terrível, Serena. É apenas humana. Erros
e sentimentos assim, bons ou ruins, são o que nos tornam humanos.
Os lábios dela tremeram, ao mesmo tempo que seus olhos antes
marejados, cedessem ás lágrimas desgovernadas.
Por que você não está brava? questionou, quando a abracei,
colando-a ao meu corpo em um enlace apertado. Você tem que ficar
brava. Não faça com que me sinta mais mal do que já estou.
Ao invés de respondê-la, me limitei a mantê-la entre os meus
braços, ignorando o fato de que as lágrimas dela estavam encharcando a
minha camiseta.
Levou menos tempo do que o imaginado comentou papai,
parado ao lado do vão da porta. Três minutos e exatos trinta segundos. É
um novo recorde. Das outras vezes, levava pelo menos cinco minutos para
que vocês começassem a falar.
Serena ergueu a cabeça do meu ombro, enxugando as lágrimas com
as palmas das mãos, enquanto abria um sorriso tímido.
Odeio admitir quando você tem razão, mas você estava certo, pai:
tudo se resolve com uma boa conversa.
Papai e eu sorrimos, mas imediatamente senti o sorriso vacilar.
Bem, nem tudo está acertado. murmurei, antes de virar o rosto
para papai. Foi por isso que pediu que conversássemos? Para que Serena
me explicasse o lado dela ou...
Achei que seria injusto que você não soubesse sobre Jacob
complementou, se justificando.
Mas por quê? Pensei que não gostasse dele comentei,
franzindo a testa.
E não gosto. Mas de você sim, e detesto vê-la triste. Por mais que
continue desaprovando o que aquele rapaz lhe fez, não suportaria continuar
presenciado impotentemente o seu sofrimento pela ausência dele.
Me mantive em silêncio, incapaz de dizer qualquer coisa, ciente de
que ele tinha razão, porque eu estava sentindo saudade dele; muita saudade.
Serena bufou.
Acho que, se depender dele, vocês voltarão o mais breve
possível.
Não vamos nos apressar, Serena. disse papai, metódico.
Como não? Ele foi suspenso por causa dela, pai explicou
Serena, apontando com o polegar para mim.
As coisas não são tão simples assim comentei, me erguendo
do chão e soltando um longo suspiro. Eu o mandei ficar longe de mim e
ainda tem esse problema com o pai dele, que, certamente, não se resolverá
tão facilmente.
Eu posso cuidar disso revelou prontamente papai, me
assustando. Pelo bem das minhas filhas, faço qualquer coisa.
Pisquei confusa, enquanto Serena soltou um suspiro audível.
Bem, já que é assim, posso abrir mão da minha mesada por
algumas semanas ou meses declarou, me fazendo fitá-la em confusão.
Somos os Spencer, Astrid disse papai, certamente ao notar o
meu estado de confusão. Juntos, podemos fazer qualquer coisa.
Naquele momento, nada mais fiz do que abraçá-lo em
agradecimento, mesmo que não fizesse ideia do que estava falando.
No dia seguinte, contudo, suas palavras fizeram sentido no momento
em que o vi ligar para um advogado cujo primeiro nome era Adam.
E no final das contas, ele estava certo: juntos, não havia nada que
não pudéssemos fazer.
50.

JACOB.

Hoje fazia exatos dois dias desde que não conversava com Astrid e,
não fosse pelo meu momento stalker durante o turno dela na Pop’s, sequer a
veria.
O despertador tocou na cômoda ao lado da minha cama, se
revelando verdadeiramente inútil, tendo em mente que eu já estava
acordado. Não conseguia dormir nem mesmo se quisesse e sabia que estava
a meros passos de me tornar um zumbi ambulante. Me espreguicei, me
pondo de pé logo em seguida e migrando até o banheiro, aonde tratei de
realizar a minha higiene matinal.
Depois de estar devidamente limpo, fiz o percurso até a cozinha,
abrindo a geladeira na esperança de encontrar algo para comer, mas ao abri-
la, fui tristemente bombardeado pela lastimável realidade: havia usado
quase que completamente o meu dinheiro no pagamento da fiança do meu
pai, o que me impediu de fazer a rotineira ida ao supermercado e,
consequentemente, de comprar comida.
Bufando, bati a porta da geladeira e foi nesse exato momento que
um batido à porta entonou, chamando a minha atenção. Eram sete e trinta.
Quem diabos poderia ser àquela hora?
Coçando a nuca, me dirigi casualmente até a porta, conferindo o
olho mágico antes de eventualmente abrir a porta, dando passagem para
Adam, permitindo que entrasse. Entretanto, ao invés de adentrar na casa, ele
apenas permaneceu imóvel, com um sorriso enorme nos lábios.
Estreitei os olhos.
Aconteceu alguma coisa? questionei, estranhando o ato.
São sete e trinta da manhã e você está na porta da minha casa. Por que está
sorrindo?
O sorriso dele permaneceu intacto, ao mesmo tempo que ele
estendia uma das mãos até mim, me entregando um papel esbranquiçado.
Suspirei.
Por favor, que não seja nenhuma multa ou coisa do tipo, porque
se for, juro que terei de recorrer a prostituição para me manter.
Adam bufou, recolhendo o papel das minhas mãos em um
movimento brusco.
Já que você obviamente não irá ler, vou ser mais prático e lhe
explicar o conteúdo aqui expresso ao vivo e a cores.
Franzi o cenho.
Do que diabos está falando? E desde quando usa expressões
como “ao vivo e a cores”?
Ele suspirou, antes de dar um passo para o lado, revelando alguém.
Longos segundos se passaram para que pudesse me certificar de que
não estava vendo uma miragem ou pior, tendo uma alucinação.
Mas não.
Lá estava ele, bem diante dos meus olhos.
O pouco cabelo que costumava ter, agora estava ralo, deixando
apenas alguns fios visíveis sobre a careca brilhante em sua cabeça. Os olhos
âmbar, exatamente iguais aos meus, tinham rugas, com olheiras arroxeadas
os cercando, e não custei a perceber o quanto havia perdido peso.
Ainda incrédulo, dei mais alguns passos em sua direção e foi apenas
quando ele abriu os braços, deixando escapar algumas lágrimas pelo seu
rosto, que corri em sua direção, o abraçando apertado no momento que
aniquilei a distância entre nós. Sem acreditar no que estava acontecendo,
recuei um passo, espalmando seu rosto e o tateando em incredulidade.
Você está aqui murmurei estupidamente, sentindo as lágrimas
quentes rolarem pelo meu rosto enquanto o fitava.
Estou, meu filho. E é tudo graças á você. deslocou o olhar
para um ponto fixo às minhas costas e, ao segui-lo, fitei Adam com uma
expressão emocionada. Graças à vocês dois. corrigiu, antes de passar
um dos braços pelo meu ombro, exatamente como costumava fazer. Meu
Deus, garoto, olhe só para você constatou, me medindo dos pés a cabeça
com um sorriso enorme nos lábios.
Sorri.
E você perdeu o barrigão comentei, fitando sugestivamente o
local em questão onde, alguns anos atrás, uma enorme “pança” costumava
jazer.
Ele socou meu ombro.
Olhe o respeito, garoto. Ainda sou seu pai. Espero que tenha
cuidado bem da Betsy enquanto estive fora.
Adam franziu o cenho, ao mesmo tempo que revirei meus olhos.
É claro que cuidei, pai. E não sei se você se recorda disso, mas a
deu para mim antes de ir parar em cana.
Ele fechou a cara.
É verdade, mas agora a estou confiscando de volta. Ela é minha,
afinal de contas.
Adam pigarreou.
Perdão, mas quem é Betsy?
Papai riu, enquanto tive o desprazer de ter que sinalizar para a
caminhonete estacionada na garagem da casa.
Adam piscou várias vezes, parecendo descrente sobre a real
identidade de Betsy, popularmente conhecida como o amor da vida do
velho Mike Davies.
Ok, eu preciso de um banho. Um banho de verdade. declarou
o homem em questão, largando a bolsa que anteriormente carregava nas
costas contra o chão, antes de agilmente se dirigir até o interior da nossa
casa.
Adam estava prestes a segui-lo, quando o interceptei, pigarreando.
Rapidamente conquistei a sua atenção mediante o ato.
Adam, como isso aconteceu? indaguei, baixando o tom de voz
e arriscando um olhar na direção da porta da sala, de modo que pudesse me
certificar que meu pai não nos estivesse ouvindo. Como conseguiu soltá-
lo? Não depositei a quantia inteira e, pelo que me lembro, faltava um pouco
menos da metade dela.
Adam coçou o queixo.
Bem, quanto a isso não há com que se preocupar. A fiança foi
paga. Devidamente paga, devo dizer.
Franzi a testa.
Mas como? Que parte de faltava um pouco menos da metade
dela, você não entendeu?
Entendi o que você disse, mas não menti quando confirmei que a
fiança foi devidamente paga. O pagamento total foi efetivado ainda ontem,
o que garantiu a liberdade do seu pai. No entanto, ele terá de arcar com
algumas obrigações, como, por exemplo, comparecer perante a autoridade
da cidade vizinha ou até mesmo desta, caso ocorra alguma intimação para
os atos do inquérito ou do processo. Você deverá ficar de olho no seu pai,
meu rapaz.
Adam o interrompi ansiosamente. Agradeço os conselhos e
por tudo o que tem feito por nós, mas sinceramente, a única coisa em que
consigo pensar agora é em como a fiança foi paga se eu não a paguei e
certamente você também não. De onde esse dinheiro saiu?
Adam franziu os lábios, desfazendo o contato visual enquanto
ajustava a sua gravata. Sua postura esbanjava desconforto, algo que me fez,
de imediato, desconfiar.
Adam o chamei, estreitando os olhos. Você sabe de alguma
coisa, não é? Sabe de onde essa grana veio e não quer me contar.
Ele esfregou a testa, parecendo cansado.
O responsável pelo pagamento da fiança me pediu sigilo.
Como assim? Quem diabos seria tão caridoso assim em Lester
Ville? As pessoas daqui não são nem perto boas, Adam. Poderia, por
gentileza, informar a identidade desse ser angelical?
Ele negou com a cabeça.
Sinto muito, mas não posso.
Bufei.
Ah, por favor, Adam. Seja lá quem tiver sido, tem de ser
reembolsado, porque meu pai e eu pagaremos cada centavo do dinheiro.
Não acha que temos o direito de saber de quem se trata para que possamos,
posteriormente, pagá-lo?
Ele ficou quieto por alguns segundos, parecendo ponderar sobre a
minha declaração até suspirar e finalmente falar:
Tudo bem, você está certo. Contarei em respeito à honra que seu
pai e você tem, terei de, infelizmente, romper com o pedido que me foi
feito, mas não vejo outra alternativa. refletiu, ajustando a gravata antes
de voltar a me fitar: Anteontem recebi uma ligação de Edgar Spencer,
me perguntando sobre o caso de Mike Davies e quando o questionei sobre a
sua motivação, ele explicou que gostaria de fazer o pagamento da quantia
restante que faltava para a efetuação da fiança. De início desconfiei, mas
quando recebi a confirmação do depósito que ele havia feito na minha conta
bancária, nada mais pude fazer além de respeitar o seu pedido, efetuando
por completo o pagamento da fiança de Mike.
Meu queixo caiu.
Espere um segundo: está me dizendo que foi Edgar Spencer
quem pagou pela fiança do meu pai?
Exatamente. Ele é um homem indiscutivelmente muito nobre,
não acha?
E maluco complementei embasbacado, fazendo o homem
diante de mim me fitar espantado. Ele claramente não sabia sobre Astrid e
eu, então não entenderia a minha razão em desconfiar da atitude de Edgar.
Não fazia o menor sentido.
Por que não comemora o regresso do seu pai ao invés de ficar se
preocupando tanto? Adam sugeriu, me trazendo de volta à realidade.
Seu pai comentou o percurso inteiro até aqui, que está morrendo de vontade
de comer algo bem gorduroso, com muita cerveja para acompanhar.
Sorri.
É bem típico dele, querer se entupir de porcarias. comentei,
balançando a cabeça em diversão ao lembrar de todas as comidas
gordurosos cm as quais meu pai estava habituado a comer antes de ser
preso. “Cerveja” sempre foi o nome do meio dele.
Adam assentiu alegremente.
E então, o que acha de realizar o desejo do seu pobre pai? Aposto
que ele ficará extasiado ao se deparar com um bom e velho hambúrguer
gorduroso e, é claro, algumas cervejas. Devo admitir que eu também
adoraria degustar de tais coisas antes de voltar para casa.
Suspirei.
Ok, Adam. Já entendi. Vou providenciar a droga dos
hambúrgueres e você pode ficar para o almoço, se quiser.
Ele abriu um sorriso largo e, sem pestanejar, girou nos calcanhares,
adentrando na nossa casa e provavelmente indo direto até a cozinha.
Conferi minhas roupas e praguejei baixinho ao me dar conta que
nada mais usava do que um moletom velho e uma camiseta preta surrada.
Bufando, passei pela porta da sala, sorrindo ao ouvir o barulho do
chuveiro ecoar pela casa que, por tanto tempo, permaneceu
insuportavelmente preenchida pelo silêncio da solidão.
Troquei de roupas, bufando ao notar Adam se queixar sobre a falta
de alimentos na geladeira e tive de realmente me impedir de soltar um
palavrão ao ter que abrir mão da pequena economia que tinha guardado em
uma das gavetas do meu quarto, mas instantaneamente relaxei ao me
recordar que ele estava aqui.
O objetivo que, por tanto havia arduamente perseguido, por fim
havia sido alcançado e ainda que me sentisse completamente aliviado e
realizado por ter meu pai de volta, ainda sentia que estava faltando algo.
E lá no fundo, sabia exatamente o que era.
Ou melhor, quem era.
Sentia falta dela a cada maldito segundo do dia, e a lembrança de
que havia sido seu pai o responsável pelo pagamento da fiança do meu, me
deixava intrigado e definitivamente desconfortável.
Não conseguia compreender a real motivação dele e a desconfiança
estava me consumindo segundo a segundo.
No entanto, ao invés de continuar com a dúvida fixa à cabeça, decidi
seguir o conselho de Adam: comemorar o retorno do meu pai.
Então, sem hesitar, saí de casa, pegando a caminhonete que por
tanto tempo esquecera seu nome, e dirigindo até a lanchonete mais próxima,
em busca da comida fast food que meu pai tanto desejava naquele
momento.
Lidaria com os problemas no dia seguinte.
Hoje era dia de comemorar.
51.

ASTRID.

Conferi toda a quantia adquirida naquele dia, a colocando na caixa


registradora e soltando um suspiro cansado ao notar meu trabalho recém-
realizado: pilhas e mais pilhas de livros devidamente depositadas em suas
respectivas sessões.
Com o sorriso nos lábios, a admirei, antes que o som do sino
tilintasse, indicando a chegada de mais um cliente, o que me fez bufar alto.
O relógio preso à parede marcava o horário exato em que devia fechar o
estabelecimento e era exatamente isso o que estava planejando fazer.
Já estamos fechando declarei, ainda de costas.
É, eu sei. Por isso vim até aqui. respondeu o indivíduo às
minhas costas, cuja voz grave era a única capaz de mexer com cada
terminação nervosa do meu corpo.
De modo completamente abrupto, virei o rosto, suspirando
audivelmente ao vê-lo ali, bem diante de mim.
O mais surpreendente de tudo foi o quanto aquela cena me pareceu
familiar: com o gorro negro lhe cobrindo os cabelos, uma jaqueta escura por
cima de uma camiseta branca e jeans rasgados, Jacob estava bizarramente
muito semelhante ao dia em que, pela primeira vez, me abordou naquela
mesma biblioteca, tempos atrás.
O dia em que tudo começou.
Algumas coisas haviam mudado de lá para cá, incluindo nós dois,
mas, definitivamente, o que mais havia se alterado, era, sem sombra de
dúvidas, o sentimento que agora jazia em mim, a cada vez que o vi ou
simplesmente ouvia o seu nome.
Não fazia a menor ideia do quanto ele era importante, até perdê-lo e
me ver completamente devastada.
Por dias, depois que descobri sobre o acordo entre ele e Serena,
tentei odiá-lo. Com toda a força do meu ser, tentei pensar nele com apatia e
até indiferença, mas falhei miseravelmente. Não conseguia tirá-lo da cabeça
porque, àquela altura do campeonato, ele já fazia parte de mim. Estava
impregnando em toda parte, desde na ponta dos meus pés, até a minha
alma.
Podemos conversar? ele pediu com tanta seriedade, que me
fez virar por completo o corpo em sua direção, me colocando diante de seu
corpo.
Claro concordei com prontidão, constatando o quanto havia
sentido falta daquilo: de conversar com ele. De ouvir a sua voz. Sua risada.
Suas piadas sem graça. Absolutamente tudo.
Ele me fitou em silêncio por longos segundos, até por fim, dizer:
Meu pai saiu da cadeia revelou, pondo uma expressão
indecifrável no rosto.
É, eu soube. Como já deve saber, boato algum passa despercebido
por Lester Ville.
Imagino que também saiba que foi seu pai quem pagou a fiança
dele. ele disse, me surpreendendo com o fato de estar a par de tal
informação.
Quando ligou para o advogado responsável por defender Mike
Davies, meu pai pediu claramente para que ele mantivesse a descrição e não
contasse aos Davies que havia sido ele, a efetuar o pagamento.
Feito este que agora, notei ter sido brutalmente ignorado.
Cruzei ambos os braços sob o peito, sem saber o que dizer, ao
mesmo tempo que Jacob permanecia imóvel, no aguardo pela minha
resposta.
Engoli em seco.
Sim, eu sei confessei, fitando a gola da sua camiseta ao invés
dos seus olhos.
E por que ele fez isso? exigiu saber, impaciente.
Honestamente, não consigo entender. Não faz o menor sentido. Pensei que
ele me odiasse.
Ele não o odeia, Jacob declarei, ao notar a sua expressão
evidentemente confusa. Apenas não simpatizou com as suas atitudes e o
julgou mal. Ato pelo qual atualmente se arrepende, aliás.
Jacob franziu o cenho.
Eu não entendo... murmurou, franzindo as sobrancelhas
enquanto vasculhava meu rosto, buscando respostas para a sua indagação.
Serena me contou pelo que você estava passando, quando o
procurou revelei. Ela, inclusive, confessou ter se aproveitado do
momento delicado para convencê-lo a fazer parte do plano dela.
Jacob me fitou em silêncio por mais alguns segundos, antes que
trincasse o maxilar e fechasse a cara.
Então foi isso? Vocês ficaram com pena e por isso fizeram
caridade? questionou, parecendo ofendido. Olhe só, meu pai e eu
pagaremos cada centavo do dinheiro e por mais que estejamos gratos pelo
que fizeram, gostaríamos que soubessem que, em momento algum pedimos
para...
Não é nada disso, Jacob intervim, fazendo-o se calar. Você
entendeu tudo errado. Meu pai não fez isso por caridade e nem nada do
tipo. Ele fez por mim.
Você pediu que ele bancasse a fiança do meu pai? questionou,
franzindo o cenho.
Céus, não! Por que não tenta ouvir ao invés de ficar me
interrompendo a cada segundo? sugeri e instantaneamente ele se calou,
me fitando de olhos estreitos.
Serena contou absolutamente tudo sobre o período em que vocês
fizeram o acordo e quando ela me disse que você estava desesperado por
dinheiro devido a situação do seu pai, me senti péssima. Me senti péssima
por ter ficado aliviada pela revelação, porque desse modo, eu poderia ter
uma desculpa para voltar correndo para você, porque simplesmente não
aguentava mais ficar longe, Jacob. Tentei a cada maldita fração do dia odiá-
lo, mas não consegui. No final das contas, a saudade de você era mais forte
e mil vezes maior do que todo o ódio que tentei inutilmente despejar em
você.
Ele permaneceu quieto por longos segundos, vasculhando meu rosto
em evidente descrença pelo que eu havia dito. Quando não moveu um
músculo sequer, respirei fundo antes de avançar decididamente na sua
direção.
O que estou tentando dizer é que amo você, Jacob. Amo tanto, e
de uma maneira tão intensa, que chega a doer. O amo mais do que gostaria e
não deixei de amá-lo nem por um segundo sequer. Nem mesmo quando
tentei desesperadamente arrancar esse sentimento de dentro de mim.
Passei uma das mãos pelo peitoral dele, levando-a até um lado do
seu rosto e sorrindo ao notar que seus olhos se fecharam com o movimento.
Segundos depois, eles se abriram à medida que seus dedos se fechavam
contra a minha palma que ainda segurava seu rosto. O amarelo-esverdeado
dos seus olhos se fixou no castanho dos meus, antes que sua mão livre
voasse em direção à minha nuca, me puxando em direção ao seu corpo. No
segundo seguinte, seus lábios se fundiram aos meus de um modo tão
desesperado, que tive de segurar forte em seus ombros, evitando que meus
joelhos fracos me fizessem cair contra o chão.
Com os olhos marejados, inclinei o rosto, desfrutando da sensação
de ter novamente os lábios dele contra os meus e foi exatamente nesse
momento que ele rompeu com o beijo, afastando o rosto do meu.
Por favor, me diga que isto tudo é real e que você não irá fugir de
mim como fez na primeira vez em que a beijei. murmurou, parecendo
angustiado.
Bufei.
É real e o seu temor se tornará realidade caso a sua boca não volte
a fazer o que estava fazendo segundos atrás.
Ele fez uma careta.
Essa boca e todos os membros restantes do meu corpo, têm
sentimentos e ela quer saber se você está falando a verdade, ou se vai fugir
de mim e voltar a me ignorar assim que parar de fazer o que estava fazendo
minutos atrás. rebateu seriamente, o que me causou uma risada.
Espero sinceramente que não esteja rindo de mim.
Ao invés de respondê-lo, fiquei na ponta dos pés e enlacei seu
pescoço, sorrindo em satisfação ao notar seus olhos se voltarem para os
meus lábios, parecendo entorpecidos.
Não vou fugir de você, Jacob. Que parte do “eu te amo” você
ainda não entendeu?
Ele abriu um meio-sorriso, passeando o polegar carinhosamente
pelo meu rosto, enquanto ainda tinha os olhos fixos nos meus lábios.
Eu também te amo voltou o olhar abruptamente para os meus
olhos. Mas não estou disposto a suportar a ira do seu pai sozinho. Quero
que ele tenha a total ciência sobre nós e que...
Ele já sabe, Jacob o cortei, recebendo uma careta em resposta.
E prometeu não interferir mais. Ele disse que a minha felicidade vem em
primeiro lugar.
Ele assentiu, aprovando.
Certo, e quanto à quantia que ele desembolsou não se preocupe.
Prometo que meu pai e eu pagaremos.
Ah, eu sei. E já sei de que maneira o farão: você, sendo o melhor
namorado possível e seu pai, como assistente do meu pai no consultório.
Papai quer conhecê-lo, aliás. Disse que o quer no consultório amanhã cedo.
Espere aí: está me dizendo que seu pai quer empregar o meu?
Assenti.
É isso aí. Ele imaginou que vocês não iriam aceitar de bom grado
a quantia e me pediu para que, caso o advogado do seu pai desse com a
língua contra os dentes, mandasse chamar o famoso Mike Davies para que
ele pudesse quitar a dívida trabalhando com ele.
Uau ele murmurou, embasbacado. Tenho que admitir que
seu pai é um cara extremamente gentil e bizarramente brilhante.
Dei de ombros.
Já sabe de onde Serena herdou toda aquela inteligência disfarçada
de perspicácia.
Ele fez uma careta.
Agora tudo faz sentido.
Ri da sua expressão embasbacada, o puxando para mais um beijo
antes de sussurrar próximo ao seu ouvido:
O que acha de já ir trabalhando em quitar a sua dívida?
Ele abriu um sorriso malicioso.
E de que maneira a senhorita gostaria que eu fizesse isso?
Acho que usando esses lábios para fazer algo que não seja falar
declarei e ele agilmente entendeu o recado: me beijando com louvor.
Em seguida, afastando de leve os lábios dos meus, ele sussurrou
sedutoramente:
Você realmente já ia fechar a biblioteca, certo? indagou, e eu
assenti. Ótimo, porque eu sempre quis transar numa biblioteca.
Eu ri.
Ei, não ria protestou, fazendo uma careta. Me dê dois
minutos e garanto que transformarei esse sorrisinho em um gemido,
enquanto eu estiver... eu o detive antes que ele pudesse terminar,
cobrindo seus lábios com os meus, enquanto ele me erguia do chão, prestes
a cumprir com a sua palavra.
E foi ali que voltamos a ser, ele & eu.
Astrid & Jacob.
A Megera & a Erva-Daninha.
As duas pessoas com as piores reputações, unidas, numa só.
E não existia arranjo melhor.
52.

EPÍLOGO.

JACOB.
Julho.

Em todos os meus anos como estudante, nunca pensei que chegaria


a de fato, me formar.
Por muito pouco não reprovei e, não fosse pelas as intermináveis
sessões de estudos particulares que Astrid me cedeu, certamente o teria
feito.
Mas contrariando todas as minhas expectativas, lá estava eu, usando
uma beca e um capelo sobre a cabeça, enquanto ouvia o a voz do diretor
anunciar o nome dos alunos para que subissem á plataforma e pegassem
seus diplomas.
Minha bela e totalmente nerd namorada, já estava do outro lado do
palco, juntamente com os demais alunos que tinham as letras iniciais do
alfabeto na lista de chamada, todos com sorrisos enormes nos rostos
evidentemente felizes.
Endireitei a coluna assim que ouvi meu nome ser anunciado e
sorrindo, fiz o glorioso percurso até o diretor, o cumprimentando antes de
pegar meu diploma e descontraidamente, fazer uma dancinha da vitória que
gerou diversas risadas pela plateia que nos observava. Então, com um
sorriso genuíno nos lábios, ergui o diploma para o alto, olhando fixamente
para o homem cujos olhos âmbar estavam fixos nos meus e marejados com
a concepção de que seu único filho estava se formando e avançando mais
uma etapa da temível e assustadora, vida. Ao seu lado, Edgar dava leves
batidinhas em suas costas, o consolando exatamente como um amigo
deveria fazer.
É isso mesmo.
Edgar Spencer e Mike Davies acabaram se tornando mais do que
bons colegas de trabalho: eram grandes amigos.
Os dois iam juntos a bares e, inclusive, jantavam um na casa do
outro algumas vezes na semana, o que alegrava - e muito - Astrid e eu, que
não perdíamos uma oportunidade sequer de passar um tempo juntos.
Depois que reatamos o namoro, nos tornamos literalmente Bonnie e
Clyde de Lester Ville, tendo uma fama tão repugnante, que chegava a nos
causar risadas, a cada vez que ouvíamos as atrocidades que comentavam ao
nosso respeito.
Tínhamos a total concepção de que os responsáveis pelos boatos
difamatórios que circulavam pela escola certamente tinham autoria do ABC
– e certamente Nataniel Hawkins de brinde –, mas, francamente, nunca nos
importamos com a má reputação que possuíamos e agora, definitivamente
não seria diferente.
O fato foi que, depois de tudo pelo que tivemos que passar para que
por fim ficássemos juntos, Astrid e eu acabamos percebendo que
deveríamos adquirir a maturidade necessária para que pudéssemos aprender
a conviver pacificamente em Lester Ville, ignorando todo e qualquer
comentário maldoso ao nosso respeito. As pessoas esperam reações ao
serem cruéis e certamente se cansarão se não as arrancarem de você.
Acomodei o espaço vazio ao lado de Astrid, entrelaçando os dedos
nos seus e então, notando os olhos azuis de Nataniel se voltarem para mim.
Fazia dias que ele não provocava Astrid ou eu, e me sentia verdadeiramente
grato por isso. Felizmente os Hawkins pareceram, finalmente, deixar os
Davies em paz, algo que sabia que tinha relação com o fato de Edgar
Spencer estar publicamente oferecendo suporte ao meu pai, e o ato em si,
impossibilitava qualquer tipo de prejuízo – moral ou financeiro – ao homem
que a cada dia, ganhava uma reputação melhor na pequena e pacata, Lester
Ville.
Aos poucos, meu pai foi passando de “Mike Davies, o ex-
presidiário”, para “O trabalhador, e ex-presidiário, Mike Davies.” Estava
verdadeiramente feliz por ele e assim como Adam Hilton, nosso advogado e
amigo havia informado, ele tinha de prestar regularmente alguns serviços
comunitários pela semana e isso era algo que, surpreendentemente o
agradava – coisa que para mim, fazia o maior sentido, já que
definitivamente, trabalho comunitário era mil melhor do que passar dias
consecutivos no xadrez.
Ainda de mãos dadas com Astrid, olhei por sob o ombro, fitando
Isabella e Carly entre alguns dos formandos que já haviam recebido os seus
diplomas. As duas cochichavam animadamente sobre algo – provavelmente
sobre sapatos, a julgar pela forma como mostravam os dito cujos, uma à
outra – e riram quando uma das nossas colegas de turma tropeçou em seus
próprios pés e quase caiu no palco, ao receber o seu diploma.
Suspirei.
Algumas coisas nunca mudariam.
Observei Nataniel se unir as duas, compartilhando da risada, assim
que se colocou ao lado da sua namorada. Balancei a cabeça em reprovação,
virando o rosto para frente, para que pudesse voltar a fitar o momento em
que os demais formandos recebiam seus diplomas.
Meus pés estão me matando murmurou Astrid ao meu lado,
me fazendo fitá-la. Agora é oficial: odeio salto alto.
Sorri.
Deveria ter vindo de tênis. Ninguém os veria por baixo das
nossas roupas extravagantes comentei, apontando sugestivamente com o
queixo para a minha beca.
Ela bufou.
Serena escondeu todos os meus tênis esta manhã
confidenciou, fechando a cara e fitando a garota em questão, que, por sua
vez, conferia as próprias unhas do seu lugar na plateia. Ela me disse que
a ocasião exigia que pelo menos pusesse saltos e, sem muitas alternativas,
acabei os calçando.
Ficaram ótimos em você opinei, fitando os delicados saltos
que calçava. Assim como qualquer coisa que você use.
Ela abriu um sorriso zombeteiro.
Parece que alguém amoleceu declarou, irônica.
Dei de ombros.
Pode rir o quanto quiser, o amor de fato muda as pessoas.
revelei, ouvindo a sua risada como resposta.
Permanecemos em silêncio pelos quinze minutos seguintes, até que
finalmente o diretor deu por encerrada a cerimônia de entrega dos diplomas
e enfim pudemos descer do palco e conversar com os nossos familiares.
Fui recebido com um abraço apertado assim que me dirigi até os
assentos destinados aos familiares dos formandos. Sorrindo, dei leves
tapinhas nas costas do meu pai, gemendo ao ouvir minhas próprias costas
estralarem perante seu aperto de aço.
Pai chamei, gemendo. Está doendo.
Ele rapidamente atendeu ao meu apelo, se afastando de mim e
voltando a enxugar uma lágrima do olho esquerdo, enquanto me observava
com atenção.
Meu garoto está se formando murmurou emocionado. Mal
posso acreditar nisso.
Sorri, movendo, em seguida, o olhar para Serena, que tinha os
braços cruzados sobre o peito e os olhos fixos em um ponto fixo em meio à
multidão de formandos. Astrid e seu pai ainda conversavam animadamente
sobre algo, parecendo completamente alheios à presença da caçula, cujos
olhos se mantinham fixos em algo que, ao seguir, notei ser alguém.
Pretendentes, cunhada? questionei, com um sorriso zombeteiro
nos lábios e ela rapidamente olhou para mim, surpresa por ter sido flagrada
fitando Miles Souza, o garoto novato. Ele tinha quinze anos e, em menos de
uma semana depois de ter se mudado para a casa do seu pai – o meu chefe,
por sinal –, já havia sido suspenso pelo menos três vezes por ter arrumado
briga com os calouros.
Em suma, ele era uma versão mais nova – e barulhenta – de mim
mesmo.
Serena corou.
Não seja ridículo declarou, nervosa. Não tenho
pretendentes.
Arqueei uma das sobrancelhas.
É mesmo? Então que tal dizer isso para o Miles ali, para quem
estava olhando fixamente segundos atrás?
Ela fechou a cara, e o rubor em suas bochechas pareceu intensificar
com a simples menção ao nome de Miles.
Cale a boca e cuide da sua própria vida. cuspiu, antes de
passar por mim, tombando propositalmente nossos ombros e se dirigir para
onde um grupo de calouras estava, ao lado da mesa de ponche.
Sorri, fitando as suas costas, antes que sentisse um toque delicado
sobre meu ombro, o que me fez virar o rosto e dar de cara com Astrid.
Meu pai acabou de convidar você e seu pai para jantarem na
nossa casa. revelou, com um sorriso nos lábios.
Bufei.
Não, ele convidou o meu pai. Ainda não me acostumei a vê-los
tão amiguinhos. É estranho.
Ela riu.
Não seja reclamão. Deveria tentar enxergar o lado bom das
coisas: você e eu, mais próximos. Estou quase conseguindo convencer o
meu pai a deixar você passar a noite na nossa casa.
Meio improvável que ele concorde com isso. Acho que vamos ter
que continuar com os encontros às escondidas pela madrugada constatei,
franzindo a testa ao lembrar de todas as vezes em que tive – e ainda teria -
que subir pelo telhado da casa dela, para que pudéssemos passar a noite
juntos.
Vai dar certo, pode acreditar ela assegurou convictamente,
enquanto entrelaçava os braços nos meus e caminhávamos pelo gramado da
quadra da escola, nos dirigindo até o estacionamento. Já pensou em qual
universidade vai tentar a sorte?
Óbvio respondi com prontidão. A que tiver a maior
distância possível daqui.
Ela riu.
Estou falando sério informou após soltar uma risadinha.
Dei de ombros.
A que tiver o privilégio de me ter como aluno.
Ela riu.
Ok, sabichão. E quanto ao curso?
Ela arqueou uma das sobrancelhas.
Não aja como se já não soubesse.
Literatura Inglesa? tentei, me recordando do quanto ela havia
dito que gostaria de estudar literatura, durante as nossas conversas sobre o
futuro.
Ela assentiu animadamente.
E você? Já é hora que decida qual carreira quer seguir e o que
quer fazer, Jacob. Temos literalmente apenas alguns meses até que
possamos começar a procurar uma universidade para você.
Suspirei.
Na realidade, eu já sei. Decidi isso há alguns dias e agora tenho
quase certeza da minha decisão.
Ela me fitou com expectativa.
E qual é?
Direito. respondi convictamente. Quero impedir que outras
pessoas passem pelo mesmo que meu pai e eu passamos. Quero ajudar
assim como Adam fez conosco. revelei, fitando o homem em questão,
que ria de algo que Edgar e meu pai haviam dito.
Astrid permaneceu em silêncio e ao voltar o olhar para o seu rosto,
notei seu sorriso largo.
Isso é muito inspirador, Jacob. Estou muito orgulhosa e
empolgada por você. E também, mal posso acreditar que namorarei um
advogado.
Bufei.
Não vamos nos precipitar. Tenho um longo percurso a trilhar até
lá, inclusive, de conseguir ingressar em uma Universidade, para início de
conversa.
Ela revirou os olhos.
Não se preocupe com isso. Vamos aproveitar as férias de verão e
tentar em todas as universidades que conseguirmos nos lembrar, está bem?
Bufei.
Para você é fácil falar, senhorita aprovação precoce.
resmunguei e ela revirou os olhos.
Ainda durante o período de aulas, Astrid teve sua inscrição aceita na
Stevens Point University, deixando evidente o quanto era inteligente e
principalmente, extraordinária.
Vai dar tudo certo ela garantiu. Prometo. Daqui a pouco,
estaremos os dois saindo de Lester Ville e trilhando nossos futuros de
cabeça erguida. E estarei com você, sempre e para sempre, está bem?
Sorri e neste exato momento, a voz de Nelly entonou, fazendo com
que nós dois a fitássemos. A garota baixinha corria animadamente na nossa
direção e em questão de segundos, Astrid descruzou seus braços dos meus e
tratou de ir ao encontro da amiga, sem antes me lançar um beijo pelo ar.
Sorri da expressão animada dela, ao provavelmente contar sobre a
novidade da minha escolha de carreira. Nelly e ela acabaram por se tornar
grandes amigas, o que não deixava de me surpreender.
Com um sorriso nos lábios, retomei o percurso até Betsy e só parei
quando ouvi alguém me chamar.
Jacob, espere um minuto! exclamou Adam, ofegante,
enquanto tentava arduamente me alcançar. Rapidamente parei, girando nos
calcanhares e o fitando de cenho franzido. Assim que se pôs diante de mim,
ele tratou de explicar: Estava falando com seu pai e então me lembrei de
algo que ele me disse alguns dias atrás sobre a carreira que você escolheu
seguir. É verdade? Realmente pretende ser advogado?
Sorri.
Tem alguma dica de veterano a me dar?
Ele negou com a cabeça.
Ainda não. Mas, na realidade, vim lhe dizer que tenho uma
excelente proposta para você. quando apenas arqueei uma das
sobrancelhas, ele explicou: Estava conversando com um amigo da
faculdade que, convenientemente é reitor da Green Day University, e ele me
contou que estão em busca de novos alunos e acabei falando sobre você.
fez uma pausa dramática, me observando com ansiedade: Ele me disse
que quer que você compareça para uma entrevista na próxima segunda.
E-Entrevista? gaguejei, nervoso.
Entrevista para uma bolsa, Jacob. esclareceu e
instantaneamente um sorriso enorme curvou meus lábios.
Caralho, você está falando sério? M-mas como conseguiu Quer
dizer, minhas notas não são das melhores e...
Indicação, meu rapaz. E terá que mudar suas notas se quiser fazer
parte daquela universidade. Garanti que você é um bom aluno e caso suas
notas caiam, perderá a bolsa, ouviu?
Ao invés de respondê-lo, o abracei, eufórico, o agradecendo-o a
todo momento, antes que corresse até Astrid e lhe contasse a novidade.
Comemoramos com um abraço apertado, gritos eufóricos e beijos
estalados.
Formatura.
Faculdade.
Bolsa de estudos.
Futuro promissor.
Nunca pensei que teria tais coisas e, tampouco, que as conquistaria
através de um acordo.
Acordo este, que me proporcionou a maior virtude de todas: ela.
E por mais que por algum tempo eu tenha sido através de um
acordo, agora, sabia que era único a ter o privilégio de chamá-la de minha.
Porque era exatamente assim que acontecia: pertencíamos um ao
outro, de alma e coração.
E assim permaneceríamos, até o final de nossas vidas.
AGRADECIMENTOS.

Em primeiro lugar a Deus e, em segundo, à minha família, pelo


apoio incondicional em cada momento. Em específico, à Sabryna, pelos
surtos e ideias mirabolantes que posteriormente se tornaram reais ao serem
postas nesse livro e também, à minha mãe, por cada mensagem e cada
comentário motivador. Muito obrigada! Vocês não têm ideia do quanto são
essenciais para mim.
Gostaria de agradecer também à você, leitor, por nesse exato
momento, estar fazendo o que mais me motiva a continuar escrevendo:
lendo.
Obrigada por estar lendo isso e por estar me acompanhando nesta
trajetória – ainda surreal – para mim.
Este livro é por e para você.
Para quem gostou desta obra e quer continuar me acompanhando –
não vai parar por aqui não, ainda tenho muito a contar! – basta que me
acompanhe nas redes sociais: @AlyaJoes.
Obrigada novamente e nos vermos muito em breve!

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