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Copyright © 2020 Ruby Lace

Namorado de ficção

1° Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser


reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por
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eletrônicos ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito da


autora, exceto no caso de breves citações incluídas em revisões
críticas e alguns usos não comerciais permitidos pela lei de
direitos autorais.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei n


°9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Capa: Layce Design

Diagramação: Ruby Lace

Revisão: Cris Castro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios,


eventos e incidentes são ou produtos da imaginação da autora ou
usados de forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais,
vivas ou mortas, ou eventos reais é mera coincidência.

Edição digital | Criado no Brasil


Sumário
Sinopse
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Epílogo
Sobre a autora
Agradecimentos
Sinopse

Tudo o que Serena Halle queria era um pouco de paz.


Só isso.
Mas com as diárias ligações opressivas que recebia da mãe; e com o
seu mais novo vizinho, Luke Moretti, insuportavelmente lindo e barulhento
roubando sua concentração; seu desejo estava longe de ser realizado.
Portanto quando Luke aparece à sua porta implorando por ajuda,
Serena não perde a chance de cobrar um pequeno favor em troca.
O acordo era simples: ele se passaria por seu namorado.
Nada poderia dar errado, certo?
Afinal, era para durar apenas enquanto visitava sua família.
Mas Serena logo descobriria o quanto a linha entre o que era real e
fictício poderia ser tênue.
Ainda mais quando Luke a olhava como um namorado apaixonado, a
defendia como se realmente se importasse, e a beijava como se reivindicasse
posse.
Capítulo 1

“Pintava meu mundo de branco para tentar sair


daquela escuridão. Com cada camada de tinta eu
encobria imagens do passado, e com cada batida da
música abafava meus pensamentos sombrios.”
Luke Moretti

Sorvi um longo gole do chocolate quente, o vapor embaçando as lentes


dos óculos e aquecendo o meu rosto sonolento. Um novo bocejo rompeu da
minha boca e balancei a cabeça, tentando findar a preguiça daquela manhã de
domingo. Precisava ficar alerta, pois havia um prazo a cumprir e não podia
mais adiar aquele trabalho.
— Está na hora de orquestrar um assassinato — cantarolei, forçando o
ânimo a surgir ao impulsionar os meus pés cobertos por pantufas de pelúcia
rosa pelo assoalho.

Percorri a pequena distância da cozinha americana até a sala onde o


notebook me aguardava. Ele já estava ligado e parecia me encarar do sofá,
pressionando-me a terminar o que comecei.
— Vamos lá, Serena... — Bebi um pouco mais do chocolate antes de
colocá-lo sobre a mesinha, esticando as pernas logo em seguida ao apoiar os
calcanhares na sua superfície e acomodar o notebook no colo. — Você
consegue fazer isso — murmurei para mim mesma.
Inspirei fundo e abri o site de busca, desesperada por um cenário
minimamente plausível de como matar alguém em meio a uma grande festa

de final de ano e sumir sem deixar vestígios.


Droga, estou perdendo o jeito!
Ajeitei os óculos que escorregavam pelo arco do nariz depois de horas
de pesquisas e arqueei as costas, sentindo a coluna estalar e gritar por ajuda.

— Desse jeito quem vai morrer sou eu — gemi e me levantei para


alongar o corpo, parando diante da janela e espiando através do vidro.
Lá fora, nuvens carregadas encobriam o céu de Nova Iorque como um
manto negro, dando a sensação de ser noite, apesar de saber não se passar do
meio-dia. Faltava uma semana para o inverno chegar, mas parecia que a
frígida temperatura e os pequenos flocos de neve não quiseram seguir com o
calendário, antecipando a chegada da estação.
Um suspiro me escapou e, quando sentia os músculos finalmente

começarem a relaxar e a tensão na nuca se dissipar, meu coração entrou em


colapso com o som do meu celular tocando.
Por favor, não seja quem eu imagino ser...
Meu corpo se enrijeceu, a ansiedade se alastrando por minhas veias e
me congelando no lugar.
No terceiro toque consegui forçar as pernas a se moverem,
aproximando-me do aparelho mortífero. Com as mãos trêmulas apanhei o
celular na mesinha de centro, amolecendo de encontro ao sofá em alívio ao
ver quem era e atendi a chamada com um sorriso no rosto.

— Puta merda, Cora, você quase me matou do coração! — Espalmei o


peito com a mão livre. — Pensei que fosse a minha mãe de novo com as suas
chantagens emocionais.
— Nada disso, você não pode morrer, Serena. Não antes de terminar

de escrever esse livro, preciso saber o final dele!


Joguei a cabeça para trás ao deixar escapar um riso.
Cora, além de ser minha fã número um, também era a minha beta e
revisora. Nós nos conhecemos em um fórum de escritores iniciantes há cinco
anos. Desde então nos tornamos melhores amigas e apoiávamos uma à outra.
Portanto sabia muito bem o motivo de ela estar me ligando...
— Não tenho nada para você hoje. — Suspirei, olhando para o teto
como se de lá pudesse tirar inspiração. — Estou empacada na cena do

assassinato.
— Como assim, sua louca? Jurava que já tivesse o esboço dela, não
conseguiu escrever nadinha? — Choramingou no outro lado da linha. —
Estava doida para ver aquele desgraçado morrer!
Outro riso escapuliu da minha boca, achando graça da situação.
Cora era a típica romântica sonhadora, tão romântica que vivia disso,
consumia e escrevia livros sobre amor.
Eu era a sua única exceção, ela lia os meus thrillers e sempre me
ameaçava para colocar algum tipo de romance no roteiro, mesmo que no fim

os personagens não ficassem juntos.


Mas pelo visto acho que acabou pegando gosto pelo gênero de
verdade.
— Para alguém que respira romance você está muito sanguinária —

provoquei.
Ela riu do outro lado.
— Esse personagem merece o que está por vir. — Estalou a língua. —
Mas parece que você vai me torturar com a espera...
Fechei as pálpebras com força, sentindo a pressão para terminar o livro
no prazo me consumir.
Após alguns segundos de silêncio, ela continuou com um tom mais
suave:

— Precisa de ajuda, amiga?


— Não faço ideia de como posso matá-lo sem que ninguém perceba
bem no meio de uma festa!
Se algum vizinho escutasse a nossa conversa ficaria horrorizado. O dia
em que a polícia batesse à minha porta e apreendesse meu notebook eu
estaria ferrada, o meu histórico de navegação era incriminador.
— Hum... — Cora murmurou, podia imaginá-la batucando os dedos
sobre a boca de forma pensativa como era de costume. — Mas e aquela ideia
de ele beber uma taça de champanhe envenenada?

— Não dá — neguei, fazendo uma careta. — Seria óbvio demais, além


de difícil execução. Como garantir que a taça envenenada chegasse até ele e
não à outra pessoa no meio do baile? Ah, e já usei morte por envenenamento
no meu último livro, não quero repetir.

— Verdade...
— Será que esgotei a minha fonte de ideias?
— Não! Você vai conseguir pensar em algo fabuloso, amiga — ela
disse veemente, acreditando mais em mim do que eu mesma acreditava no
momento.
— E como vai o seu novo livro? — Coloquei o foco sobre ela.
— Tô apaixonada... — Suspirou. — Queria que o meu mocinho
existisse na vida real.

Eu também estava apaixonada por ele, era o meu mais novo namorado
literário. Minhas relações amorosas se resumiam em namoros de ficção
ultimamente, desde que flagrei o meu ex me traindo no ano passado...
Personagens de livros não quebravam o meu coração.
— Quero um capítulo hoje no meu e-mail, viu? — incentivei de forma
genuína.
Eu estava viciada no seu novo romance e aguardava ansiosa pela
próxima cena onde os personagens finalmente ficariam juntos.
— Até à noite envio. — Soou animada. — E nem preciso dizer que

espero por um e-mail seu também, né? Nem que seja a cena incompleta ou
um outro capítulo, deixa fluir que as ideias chegam na hora certa.
— Pode deixar!
Encerrei a chamada depois de nos despedirmos, sentindo o estômago

reclamar de fome, não conseguiria me concentrar na escrita nem por um


decreto agora.
Por mais que estivesse apreensiva para sair daquele bloqueio e lançar o
livro na data planejada, precisava tirar uma pausa para comer.
Carreguei o notebook comigo até a cozinha e o coloquei sobre a
bancada enquanto preparava um almoço rápido. Minutos depois, com a
barriga forrada e com os ânimos renovados, voltei minha atenção para o
monitor aberto.

— Ok, Serena, vamos lá! — Ajeitei-me na banqueta após a breve


automotivação, estalando os dedos para depois pousá-los sobre o teclado. —
Acho melhor deixar esse capítulo empacado para depois e pular para algum
mais fácil...
Aos poucos tive um vislumbre de uma cena, ela se desenrolava na
cabeça de forma tênue e, antes que se dissipasse, bati as digitais sobre as
teclas e deixei as palavras fluírem.
Um sorriso desabrochava em meus lábios conforme as linhas iam
aumentando na página.

Estava prestes a finalizar o primeiro parágrafo, meus dedos


competindo com a minha mente acelerada, quando um barulho alto de música
me fez tropeçar no caminho. As palavras que antes corriam soltas na cabeça
tiveram uma morte súbita, e a linha de chegada daquela cena sumiu

completamente de vista.
— Mas que diabos? — Lancei um olhar fulminante para a parede à
minha frente, de onde o som atravessava. — Ah, não... Não acredito que o
vizinho tá aniquilando a minha concentração, de novo!
Não fazia nem uma semana que havia se mudado para o lado, mas
desde então a minha paz acabou.
Há dias meus ouvidos eram alvejados por batucadas de martelos e o
irritante ruído de furadeira durante a minha escrita. Já tentei usar fones a fim

de abafar os barulhos, até experimentei sons binaurais para criatividade e


foco, mas não era o tipo de escritora que consegue trabalhar com música.
Precisava do silêncio.
Por todo esse tempo eu mordi a língua e guardei as queixas para mim,
pois as obras foram feitas dentro do horário permitido, mas dessa vez não iria
ficar calada.
Uma coisa era fazer reparos no apartamento, outra coisa era ligar o
som alto e esperar que o prédio inteiro quisesse ouvir Guns N’ Roses!
Não importava se essa era uma das minhas bandas favoritas, eu não

queria escutar Patience naquele momento.


Porque a minha paciência havia se esgotado!
Arrastei a banqueta para trás, marchando até a parede que separava o
meu apartamento do dele, ergui uma mão em punho e desferi três socos.

Aguardei alguns segundos, mas a canção continuou no mesmo volume.


Esmurrei algumas outras vezes na esperança do vizinho me escutar por trás
daquele barulho insuportável, no entanto, nada aconteceu.
— Droga. — Inalei fundo e massageei as têmporas, coagindo-me a
ficar calma.
Embora eu escrevesse histórias repletas de conflitos, mortes e
vinganças, eu não gostava de confrontos na vida real.
Prova disso era a minha ansiedade toda vez que meu celular tocava, e o

motivo por não atender as chamadas insistentes da minha mãe.


Talvez pudesse ignorar a barulheira e tentar usar os fones de novo...
— Não — interrompi meus pensamentos, meneando a cabeça. — Se
eu não reclamasse, os sons continuariam me incomodando e nunca terminaria
o livro a tempo.
Por isso, antes que a coragem se esvaísse, rumei a passos firmes até o
corredor lá fora.
Hesitei por um instante antes de tocar a campainha do apartamento,
erguendo o queixo e estufando o peito por baixo da camiseta geek que,

coincidentemente, exibia a frase “Minhas habilidades interpessoais são


ótimas, é minha tolerância para idiotas que precisa ser aprimorada”.
Segundos depois a porta se abriu e...
— Ah, oi. Eu, hã...

A primeira coisa que vi foi o rosto digno de capa de livro.


Deus, como ele era lindo.
Seu cabelo escuro e desalinhado caía sexy sobre a testa, como se ele
tivesse acabado de sair da cama. Íris de um azul extraordinário, a maneira
como cintilavam à luz pareciam dois diamantes, me encaravam com
curiosidade. E a barba por fazer emoldurava o maxilar proeminente.
Sem que eu pudesse controlar, meus olhos desceram por seu corpo,
percorrendo sem demora pelo abdome nu cheio de gominhos, os músculos se

tensionando como se pudessem sentir a carícia do meu olhar sobre eles. A


calça jeans dependurava-se nos quadris estreitos, deixando à mostra aquelas
entradas nas laterais que eram pura devassidão. Havia respingos de tinta
branca em sua pele e uma grande mancha no jeans, bem onde um longo
volume demarcava o tecido, roubando minha atenção para aquela área.
Qualquer palavra que estivesse em minha mente evaporou, e continuei
muda enquanto me familiarizava com a anatomia do novo vizinho.
O que eu estava fazendo ali mesmo?
— Como posso ajudar? — Sua voz foi abafada pela música ao fundo,

lembrando-me da razão de eu estar ali.


Balancei a cabeça, recuperando-me da surpresa em vê-lo pela primeira
vez, e desviei rapidamente minha atenção para o seu rosto.
Seus olhos me fitavam risonhos.

— Pode me ajudar abaixando esse som altíssimo. — Senti as minhas


bochechas corando, mas preferia pensar que ficaram assim pelo
aborrecimento, e não porque ele me flagrou cobiçando o seu corpo. — Estou
tentando trabalhar.
— Ah... — Levantou os braços e puxou o cabelo para trás, lançando-
me um sorriso mordaz. — Você é a vizinha que bateu na parede.
Minha boca se abriu em choque.
— Então você me ouviu e não fez nada?

Seus ombros largos subiram e desceram, num gesto de indiferença.


O que ele tinha de lindo tinha de babaca.
— Estava ocupado pintando — disse por fim. — Mas posso abaixar o
volume agora já que fui interrompido.
— Bem, você me interrompeu primeiro! — Dei as costas antes que
fizesse algo que me arrependesse, marchando de volta ao meu apartamento.
— Foi um prazer te conhecer também — ele falou alto, divertindo-se
às minhas custas.
— Idiota — resmunguei baixinho, batendo a porta atrás de mim e me

recostando nela.
Meu coração retumbava e calor se espalhava por toda parte do meu
corpo, deixando-me com falta de ar.
Culpei meu descontrole pelo aborrecimento, não tinha nada a ver com

o fato de eu estar atraída por meu vizinho.


Capítulo 2

“Ela chegou como um tornado de fogo, revirando meu


mundo com sua língua afiada, pantufas fofas e camisa
nerd. Foi a primeira vez que sorri em tempos.”
Luke Moretti

Com o santo silêncio na tarde anterior após o pequeno confronto com o


vizinho, consegui voltar à escrita e, quando dei por mim, varei a madrugada
escrevendo. Talvez a balbúrdia em mim provocada pelo homem tenha sido
um estímulo inesperado, aproveitei todo aquele caos e o transferi para a
história.
Quando a inspiração batia e as palavras jorravam sem esforço algum,
eu deixava fluir, pois sabia como era raro daquilo acontecer. Mesmo que isso
significasse pular a janta e me apertar para ir ao banheiro. Qualquer pausa
poderia acabar com o ritmo fluido, às vezes uma pausa acabava até com toda

a linha de raciocínio e as vozes dos personagens cessavam. Era difícil fazer


eles falarem comigo de forma clara e ressonante como na noite anterior sem
precisar forçá-los, geralmente tinha de me sintonizar com eles a cada
tentativa e daquela vez captei a frequência perfeita.
Portanto, acordei mais tarde que o costume no dia seguinte.
Nas segundas eu me mimava com um bom café da manhã calórico,
para começar bem a semana. Havia uma pequena cafeteria perto do prédio
onde morava, os donos eram brasileiros e faziam uns pães de queijo

recheados deliciosos, nunca provei nada igual. Eu era frequentadora assídua e

sabia como aqueles pãezinhos eram disputados, principalmente o meu


favorito, se eu não me apressasse perderia a última fornada.
Lá fora uma fina chuva se unia ao vento, cortando o ar em pequenos
filetes diagonais. Enrolei um cachecol no pescoço e joguei o grosso casaco

que estava pendurado no gancho atrás da porta por cima do meu blusão de
moletom.
A estampa do dia era:
( ) Solteira
( ) Comprometida
( X )Em um relacionamento com um personagem fictício
Levantei o capuz, cobrindo meus longos cabelos escuros e ocultando
parte dos meus olhos que, por trás das lentes dos óculos e agora encobertos,

tendiam mais para o cinza do que para o azul. Sem me preocupar em


melhorar a aparência do meu rosto amassado de sono, saí de casa
praticamente correndo. Entrei no estabelecimento apressada, liberando-me do
capuz e quase tropeçando nos meus próprios pés ao rumar até o caixa que,
milagrosamente, não tinha fila.
— Um chocolate quente e a porção de pão de queijo recheado com
bacon e requeijão, por favor — pedi, salivando em expectativa.
— Ah, querida, se você chegasse um minutinho antes... — Nana torceu
a boca em comiseração, debruçou-se sobre o balcão e gesticulou

discretamente com a cabeça para uma mesa. — Aquele rapaz bonito acabou
de pedir a última porção deles.
Segui o seu olhar apreciativo e meu coração disparou, bombando
indignação nas veias.

— Não — murmurei, sentindo o rosto queimando e uma inexplicável


vontade de chorar. — Não pode ser, esse homem apareceu na minha vida
para acabar com ela.
— Ele é uma gracinha, não acha?
Nana era uma senhora fofa de quase sessenta anos, por isso não sabia
do que estava falando, claramente foi enganada pela beleza da criatura.
Deveria lembrá-la de que Lúcifer foi o anjo mais belo criado por Deus,
mas não deixava de ser o próprio diabo.

Como se pudesse sentir o peso do meu olhar, os olhos de diamante


encontraram com os meus e um sorriso se expandiu naquele rosto insolente,
então ergueu uma mão num breve aceno.
— Ele é um monstro — falei entredentes. — Primeiro roubou a minha
paz, agora roubou os meus pães.
Nana riu, como se eu tivesse feito uma piada.
— Todas as mesas estão ocupadas e parece que já se conhecem, por
que não senta com ele? Talvez possam dividir.
— Eu não poderia. — Arregalei os olhos, minhas bochechas

queimando. — Mal nos conhecemos.


— Não seja boba, aqui está — falou ao me entregar minha bebida
numa grande caneca. — Que tal experimentar o croissant de chester com
requeijão hoje? É o seu segundo favorito.

— Tudo bem — assenti, conformando-me com a segunda opção. —


Pode trocar tudo para viagem, por favor?
Ela sorriu, mirando na direção daquela mesa novamente.
— Acho que não será necessário.
Virei-me para entender o que ela dizia, encontrando o olhar do meu
vizinho.
Ele ergueu uma sobrancelha, gesticulando para a cadeira vazia à sua
frente num convite silencioso.

O filho da mãe estava se fingindo de bondoso na frente da dona Nana,


não seria eu a sair com fama de indelicada nesse jogo. A senhora era dona do
estabelecimento e eu vinha tentando cair nas suas graças para conseguir
reservar os meus pãezinhos há meses!
Ignorei a acelerada brusca do meu coração e respirei fundo, sentando-
me com um sorriso falso para manter as aparências.
— Oi — ele disse, mordendo um pedaço generoso de um pão de queijo
logo em seguida.
— Oi — respondi seca, fulminando-o com inveja ao vê-lo emitir um

pequeno som de contentamento enquanto mastigava.


Encarei o meu croissant sobre a mesa e suspirei, forçando-me a levá-lo
até a boca para dar a primeira mordida.
— Me chamo Luke.

Quando não disse nada em troca, pois ainda estava mastigando, ele
continuou:
— E qual é o seu nome?
Levei a caneca aos lábios, dando um longo gole antes de responder.
— Serena.
Ele assentiu satisfeito, então seus olhos se recaíram na altura dos meus
seios e ali ficaram por um bom momento, depois fisgou o lábio inferior como
se contivesse um sorriso.

Mas que safado.


— Ei, meus olhos estão aqui! — Levei dois dedos até o rosto,
chamando a atenção dele de volta para lá.
— Eu estava lendo o que está escrito na blusa.
Mortificação ardeu em brasas nas minhas bochechas e tive que
esconder o rosto por trás da caneca para me recompor.
— Ah... Certo.
— Sabe, acho que você me entendeu mal ontem.
Meu olhar disparou na sua direção, mas continuei calada, sem saber o

que dizer.
— Eu estava em pé sobre a escada, literalmente com as mãos ocupadas
pintando a parede quando você bateu nela, no susto me desequilibrei e deixei
a bandeja de tinta cair no chão.

Comprimi os lábios ao imaginar a cena, guardando-a num cantinho da


cabeça para usá-la um dia em algum livro.
— Eu ia abaixar o volume, mas precisava garantir que não tivesse
danificado o piso antes, foi quando você tocou a campainha. — Levou uma
mão à nuca, esfregando-a. — E confesso que não estava com o melhor dos
humores. Então peço desculpas.
Relaxei os ombros, acreditando na sinceridade de suas palavras.
— Tudo bem. Da próxima vez só não ligue o som tão alto... — Segurei

o croissant só para ter algo para fazer com as mãos, por algum motivo Luke
me deixava inquieta. — Eu trabalho em casa e é muito difícil me concentrar
com barulho.
— Tudo bem, vou me lembrar disso na próxima vez.
Ele fez menção de comer outro pão e, por mais que eu tentasse, não
conseguia conter o ressentimento por ele ter pego a última porção.
— Pensei que tivesse me perdoado por ontem.
— Hã? Eu perdoei.
— Então por que está me olhando desse jeito? Como se eu estivesse te

ofendendo.
— Não é nada.
— Por que será que não acredito em você? — indagou com os cantos
da boca curvados para cima.

Entortei o nariz para ele, odiando o fato daquele estranho me ler tão
bem como um livro aberto.
— Ok, é só que você pegou a última porção do meu pão de queijo
favorito.
— Pode pegar um se quiser — ofereceu.
— Não, tá tudo bem — simulei indiferença, forçando outra mordida do
meu croissant.
Droga, eu realmente não estava com vontade de comer aquilo.

Saí do conforto da minha casa e enfrentei o tempo chuvoso só por


causa da promessa daquele pão!
— Você realmente está chateada por causa disso?
Encolhi um ombro.
— Quer trocar?
— Trocar o meu croissant quase intacto? Você comeu mais que a
metade da porção!
— Você que sabe.
Mas quando sua mão pairou sobre a cestinha contendo quatro

pãezinhos suculentos, arrependi-me.


— Tá bom — resmunguei, puxando a sua cesta para mim, e
empurrando o meu prato na sua direção.
Seu riso gostoso e espontâneo fez meus lábios se curvarem vacilantes

para cima.
Desviei minha atenção para o café da manhã à minha espera, e ele fez
o mesmo, num mútuo acordo de que não precisávamos de cerimônias para
comer ou de continuar com a conversa.
No entanto, quando o sabor orgástico invadiu minha boca ao dar a
primeira mordida, um gemido me escapou, fazendo as suas íris azuis
reluzirem sobre mim. Luke me observava sem reservas, ateando fogo na
minha pele num intenso rubor, mas aproveitei para fazer o mesmo com ele,

catalogando cada detalhe do seu rosto bonito.


Estávamos naquele duelo silencioso de olhares, quando o meu celular
começou a tocar sobre a mesa.
Arfei baixinho, sentindo meu coração vibrar tão forte no peito que eu
estremecia no mesmo compasso. Só não sabia dizer se era por causa da
temível chamada ou daquela coisa que se passou entre Luke e eu.
— Não vai atender?
Neguei com a cabeça ao mesmo tempo em que silenciava o aparelho,
esperando até que a ligação caísse na caixa postal.

Finalmente ele parou de tocar e pude soltar o ar preso nos pulmões,


mas no instante seguinte voltou a vibrar com uma nova chamada da minha
mãe.
— Pode ser algo importante — Luke disse, entrevendo o nome do

contato na tela.
— Não é.
Ele franziu a testa.
— Ah, qual é! — Tentei aliviar o clima e dissipar aquela ruguinha na
sua testa. — Vai me dizer que também não ignora chamadas da sua mãe de
vez em quando.
Ele negou com a cabeça, evitando o meu olhar.
— Então ela não deve ser do tipo que usa chantagens e tenta te

manipular e se intrometer na sua vida como a minha.


— Não...
— Sorte a sua — falei ao colocar o último pãozinho na boca.
— Não, porque a minha mãe está morta — disse junto comigo,
fazendo-me engasgar.
Arregalei os olhos, querendo me enfiar num buraco no chão.
E talvez acabasse me enterrando mesmo, porque se eu não morresse de
vergonha eu morreria asfixiada.
— De-desculpa — forcei as palavras enquanto lágrimas involuntárias

rolavam por minhas bochechas em meio à crise de tosse.


Luke levantou-se rapidamente e se colocou ao meu lado, levando a
caneca com o chocolate agora morno até os meus lábios.
— Shiu, tenta beber um pouco. — Agachou-se e me fitou de perto,

dando umas batidinhas nas minhas costas até que minha respiração se
normalizasse.
— Eu não fazia ideia, desculpa... — murmurei, encarando-o fundo nos
olhos.
— Está tudo bem. Faz muito tempo.
Luke se ergueu sobre as pernas e tentou se afastar, mas segurei a sua
mão na minha, soltando-a quando ele se voltou para mim.
— Minha mãe e eu... — Mal nos conhecíamos, mas por algum motivo

não queria que pensasse o pior de mim. — Temos uma relação bem
complicada.
— Não precisa se explicar, Serena. — Ele voltou a sorrir para mim
como se nada tivesse acontecido. — Escuta, preciso me arrumar para o
trabalho. Está pronta para ir?
Mordi o lábio inferior e assenti.
O silêncio nos acompanhou até o prédio, mas mil perguntas se
passavam na minha cabeça.
De um vizinho sem face ele se transformara em um homem com uma

história. Uma da qual tive um pequeno vislumbre.


Afinal, quem era Luke?
E será que eu realmente queria descobrir?

— Serena? — Uma pequena mão se agitou diante do meu rosto.


— Desculpa, o que foi que disse? — Saí dos meus pensamentos para o
mundo real, encontrando Cora me encarando por cima do seu longo copo de
mojito.
Naquela tarde ela havia escrito o último capítulo, dando um final feliz
para os seus personagens. Portanto, como era tradição quando uma de nós
concluíamos um livro, estávamos em um pub comemorando.
— Hoje você está mais distraída do que o normal, aconteceu alguma

coisa?
Deixei um riso de nervoso me escapar, girando a taça de vinho nas
mãos.
— Hum, o de sempre. Minha mãe está tentando me convencer a passar
o Natal em família. — Fiz uma careta, lembrando-me da última mensagem
que recebi dela em letras maiúsculas, pedindo para eu parar de ignorar as suas
ligações.
Cora entortou a boca coberta por um batom rosa pink já desbotado e

balançou a cabeça, seu cabelo loiro deslizando por cima dos ombros com o
movimento. Ela tinha olhos meigos de um tom de verde calmo, naquele
momento eles me fitavam com empatia.
— Já decidiu o que fazer?

Soltei um lamento e encostei a testa no balcão do bar.


— Pretendo me fingir de morta.
— Sabe, porque não diz logo que não vai e acaba com essa tortura? —
Virou-se sobre a banqueta para ficar de frente a mim, e seus dedos afagaram
as mechas escuras esparramadas nas minhas costas enquanto tentava me
reconfortar. — Acho muito injusto te forçarem a ir depois de tudo o que
aconteceu.
Ergui a cabeça e bufei, agarrando a taça pela metade.

— Como se fosse fácil assim — falei após virar o resto do vinho. —


Ela ameaçou a vir até aqui me buscar à força.
— Você é uma mulher adulta e independente. — Segurou meus
ombros, como se tentasse me convencer. — Não é obrigada a ir,
principalmente se te faz tão mal.
— É eu sei, mas...
— É complicado — completou minha frase, pois já a ouvira tantas
vezes que sabia de cor.
— Sim.

— Tirando isso, alguma novidade?


Abri a boca para dizer que não, mas então Luke me veio à cabeça e
uma sensação quente se espalhou em meu peito. Ainda assim hesitei por um
segundo, decidindo-me se deveria ou não falar sobre o novo vizinho. Nem o

conhecia direito.
— Aha! — Ela estalou os dedos. — Sua cara já disse tudo, me conta
logo.
— Já te contei sobre o novo vizinho. — Tentei soar blasé.
— O barulhento. — Assentiu. — O que tem ele?
— Bem... — Exalei baixinho. — Eu o conheci pessoalmente, ontem
esbarrei com ele na cafeteria e...
— E o quê?

— Ele não é tão ruim assim.


— Ah, meu Deus, ele é gostoso, né?
— Não! — Corei e meu coração disparou.
Cora elevou uma sobrancelha e abriu um sorriso.
— Quero dizer, sim, Luke é bonito. Mas...
— Sabia! — Minha amiga se remexeu no assento, numa dancinha
ridícula. — Por favor, me diga que ele é solteiro e que vocês vão se apaixonar
e viver um romance arrebatador!
— Deixa de ser louca — falei rindo, achando aquilo um absurdo. —

Isso aqui não é um dos seus livros de romance não, é a minha vida. E você
sabe muito bem que não acredito nessas coisas.
— Você realmente não acredita no amor?
— Eu acredito nos amores de ficção, onde os personagens são feitos,

literalmente, um para o outro. — Engoli o nó que brotou na garganta. — Mas


na vida real as pessoas são imperfeitas, elas decepcionam e machucam.
Alguém sempre sai com o coração partido.
Pequenas lágrimas inundaram seus olhos e me arrependi de ter falado
tanto.
— Ah, Serena. Nem todos são como ele...
— Acho que bebi demais — interrompi suas palavras, forçando uma
risadinha. — E já está ficando tarde, vamos pedir uma última rodada antes de

irmos?
— Tudo bem.
Brindamos mais uma vez ao seu novo livro e nos despedimos com a
promessa de que eu leria os últimos capítulos ainda naquela noite.
Cheguei ao apartamento um pouco antes da meia-noite, aumentei o
termostato, escovei os dentes e tirei as roupas, trocando-as por um
conjuntinho de flanela. Aconcheguei-me na cama com o meu Kindle, pronta
para ler o último arquivo que Cora havia enviado. Minhas coxas se
esfregaram uma na outra quando cheguei na cena erótica, os personagens

tinham uma química explosiva, deixando-me com o corpo quente.


Ao terminar de ler eu não sabia se suspirava pelo final impecável, ou
se gemia pelo pulsar frustrante que aquela cena me causou entre as pernas.
Coloquei o Kindle sobre a mesinha de cabeceira, desliguei o abajur e

me deitei de barriga para cima, chutando o cobertor para longe.


Apesar do clima frio eu estava transpirando e precisei inspirar fundo
umas três vezes a fim de me acalmar.
De olhos fechados, abracei o macio travesseiro de corpo, meu único
companheiro naquela cama por meses a fio.
Tentei acolher o sono e estava quase conseguindo, porém algo me
sobressaltou.
Apurei os ouvidos, buscando compreender o barulho.

Foi quando escutei os gemidos em compasso com baques de encontro


a parede.
— Ah, não acredito — resmunguei com as bochechas pegando fogo,
num misto de raiva e tesão reprimido.
Não bastasse ele ter roubado a minha paz e os meus pãezinhos, Luke
agora estava roubando o meu sono.
Eu tinha uma boa ideia do que rolava no apartamento do vizinho, pelo
jeito a sua cama ficava atrás da minha, separada apenas por uma fina parede.
Apesar de não conseguir decifrar exatamente o que diziam, os ruídos de

prazer eram nítidos o suficiente para me manter acordada.


Joguei um braço sobre os olhos, minha respiração ofegante e meu
íntimo pulsando.
— Filho da mãe — resmunguei, deslizando a mão livre por meu

ventre, entremeando-a por baixo do pijama até chegar na calcinha.


Já que não dormiria tão cedo...
Tiraria proveito.
Capítulo 3

“Tive uma recaída. Culpei aquela data infeliz e as boas


doses de álcool que ingeri. Era para eu ter me sentido
melhor, mas me arrependi, sentia-me pior do que antes.
Até reencontrá-la e me pegar sorrindo com a frase
estampada em sua blusa.”
Luke Moretti

Não fazia ideia de como eu havia parado ali, e nem queria pensar
muito nos pormenores, a única certeza é de que eu estava gostando.
Gostando era eufemismo.
Eu estava adorando.
Enquanto ofegava esparramada em sua cama, sem conseguir sentir
direito as pernas depois da segunda onda arrebatadora de prazer, ele se
levantou e caminhou até a escrivaninha. Assisti com um sorriso lânguido à
sua figura de costas, prometendo a mim mesma que morderia aquela bunda

durinha e lisinha quando voltasse.


Ele retirou a garrafa de champanhe do balde e se virou, flagrando meu
olhar. Seus lábios gostosos se curvaram para cima, deu três longos passos e
me alcançou, colocando-se ajoelhado sobre o colchão bem na minha frente.
Sua aproximação acelerou meus batimentos cardíacos com a
expectativa do que estava por vir, mas não precisei esperar tanto.
Ele derramou um pouco da bebida na minha barriga, fazendo-me
arrepiar e soltar um gemido com a sensação fria, mas logo a sua boca colou

em minha pele, aquecendo-a. Sugou o champanhe, serpenteado a língua ao


redor do meu umbigo antes de trilhar beijos molhados por toda a minha
extensão até alcançar os meus lábios, clamando-os com urgência. Seu beijo
tinha gosto de paixão com uma nota efervescente da bebida, afrodisíaco e

doce ao mesmo tempo.


Abri as coxas de forma instintiva, querendo contato aonde eu mais
necessitava, ele leu meu corpo e se colocou entre as minhas pernas,
pressionando tentadoramente o seu membro na minha intimidade. Arqueei a
coluna ao passo que ele ondulou os quadris, escorregando para dentro de mim
e me preenchendo da melhor maneira possível. Um grito perfez meus lábios e
cravei as unhas em sua bunda, puxando-o, querendo-o mais fundo, mais
forte...

Joguei a cabeça par trás e fechei os olhos, fogo crepitou em meu


âmago até que eu entrasse em combustão, explodindo de prazer.
Arfei, sentando-me de supetão e piscando os olhos enevoados.
Olhei para os lados, buscando pela imagem de instante atrás, mas tudo
o que via era o meu quarto vazio.
Então a realidade me assaltou.
Oh, meu Deus, sonhei com o Luke.
Espalmei o peito que subia e descia célere, tentando conter as batidas
desenfreadas do coração, depois levei os dedos até a boca.

No sonho era eu quem estava com ele na noite passada, mas éramos os
personagens de romance da Cora, reproduzimos todas aquelas cenas eróticas
e um pouco mais. Foi um daqueles sonhos tão reais que despertei com os
resquícios das sensações, por um breve momento podia sentir o gosto do seu

beijo e a dorzinha gostosa entre as pernas.


Acordei sem saber se ria da situação ou se me encolhia em
mortificação.
Eu deveria estar ficando louca.
Por que diabos me toquei ouvindo a playlist sórdida do vizinho?
Obviamente aquilo mexeria com minha cabeça!
A verdade é que senti inveja dele e da sua visita noturna, fazia tanto
tempo desde que havia dormido com alguém...

Mas eu não era o tipo de pessoa que conseguia entregar meu corpo sem
entregar um pedaço do meu coração também.
Portanto, como ainda não me sentia preparada para começar uma nova
relação, meu vibrador fazia um bom serviço.
Soltei um longo suspiro antes de abandonar o conforto do meu
colchão, calcei minhas pantufas e fiz um coque desleixado no alto da cabeça
enquanto caminhava até o banheiro. Assim que tive um vislumbre do meu
reflexo no espelho fiz uma careta, havia me esquecido de retirar a
maquiagem.

Resíduos do delineador e da máscara para os cílios escorreram abaixo


dos meus olhos, e o batom vermelho borrou até as bochechas. A pele ávida
aparentava mais palidez devido minha reclusão durante a escrita em conjunto
com a estação do ano. Se normalmente eu mal saía de casa, no frio então, só

quando era questão de vida ou morte. Ou para brindar um livro, como foi o
caso na noite anterior.
— Why so serious? — falei com a voz rouca e abri um sorriso largo,
uma imitação quase perfeita do Coringa adaptado por Heath Ledger.
Depois de limpar o rosto, parecendo humana novamente, coloquei os
meus óculos gatinho e fui até a cozinha preparar o café da manhã, mas não
havia chocolate em pó o suficiente.
— Droga, me esqueci de fazer as compras — choraminguei com

preguiça de ter de ir lá fora.


Mas não havia jeito, precisava passar no mercado porque tanto a
geladeira quando a dispensa estavam praticamente vazias
Troquei de roupa, optando pela calça jeans e o blusão com a frase “Só
vim pela comida”, depois fui meio que andando e meio que calçando as botas
até a sala. Pesquei o cachecol do gancho e girei a maçaneta, mas quando pus
os pés para fora de casa, a porta do vizinho se abriu e estaquei no lugar. Por
ela saiu uma mulher, usava um vestidinho curto e amarrotado que denunciava
a sua “caminhada da vergonha”.

Esse pessoal não sentia frio?


Tentei muito mesmo não bisbilhotar, mas se tornou uma missão
impossível quando o vizinho apareceu no batente, sua nuca foi envolvida
pelos braços da loira que o puxou para um beijo de despedida.

Uma sensação estranha se apoderou do meu peito e precisei desviar


rapidamente os olhos para o molho de chaves na minha mão trêmula.
Por que eu estava tremendo?
Balancei a cabeça e tranquei a minha porta, não queria ficar nem mais
um segundo ali assistindo àqueles dois, ter de ouvi-los pela madrugada foi o
bastante para mim.
— Se mudar de ideia, me liga — a moça ronronou ainda agarrada ao
Luke, mesmo de salto ela ficou nas pontas dos pés e de alguma maneira a

posição fez a barra do vestido subir, deixando à mostra sua nudez.


Ela estava sem calcinha!
— Hã... — Foi a resposta dele.
Droga, meus olhos traidores se voltaram para a sua direção.
Luke parecia lutar para se desvencilhar dos braços da loira, a sua
expressão, no entanto, foi o que quase me fez rir. Era um misto de horror,
constrangimento e talvez um pouco de ressaca.
— Deixei um presentinho para você debaixo do seu travesseiro — ela
disse com aquele tom de voz enjoativo, era para soar sexy, mas dava nos

nervos.
Ah, o mistério da calcinha desparecida foi desvendado.
— Obrigado? — Soou como uma pergunta, seu sorriso parecia mais
uma careta, e talvez fosse mesmo.

Tapei a boca tentando abafar o riso à tempo, mas não tive sorte.
Ambos olharam para mim no mesmo instante, fingi uma crise de tosse
e pude sentir a minha face em brasas.
Descongelei os meus pés do lugar e praticamente corri em direção do
elevador, pressionei o dedo no botão com força, rezando para que daquele
jeito ele chegasse mais rápido.
— Anda, anda... — implorei baixinho.
No entanto, o barulho de saltos altos se aproximando pelo corredor me

fez perceber que não conseguiria escapar.


Droga, por que não desci pela escada?
— Ah... — A moça suspirou alto do meu lado, alto até demais, como
se quisesse chamar a minha atenção.
Encarei-a brevemente, sentindo uma grande gratificação ao notar o seu
rosto manchado por maquiagem derretida, eu não era a única a acordar como
o Coringa nessa vida.
— Bom dia — falei de modo educado.
— Sim, muito bom mesmo! — Riu, espiando por sobre o ombro, mas

sabia que Luke não estava mais ali, pois ouvi o som da porta se fechando.
Comprimi os lábios e assenti, entrando rapidamente no elevador assim
que a porta de ferro se abriu.
De esguelha a vi ligar para alguém, seu celular colado na orelha, no

instante seguinte ela começou a vomitar palavras, totalmente sem filtro


algum.
— Oi! — Uma breve pausa acompanhado por um risinho. — Sabe
aquele gostoso do bar? Sim, passei a noite com ele!
Revirei os olhos internamente.
Só me faltava ela começar a contar detalhes que eu não queria ouvir...
— Se ele é bom de cama? — Meio que bufou e meio que riu, enquanto
eu morria por dentro. — Meu Deus, ele sabe usar bem o instrumento que tem,

nunca gozei tanto na minha vida. — Deu um gemidinho.


Arregalei os olhos e me engasguei com a saliva, mas ela continuou
como se eu fosse invisível, pouco se importando com a minha presença.
— E ele é tão lindo, nossos filhos seriam perfeitos, não acha? — Outro
risinho. — Já estou na casa dos trinta, preciso arrumar um jeito de prender
esse homem.
Por que o elevador estava demorando uma eternidade para descer?
— Ah, você sabe como são os homens, sempre dizem que é casual,
apenas por uma noite — ela desdenhou. — Mas vou convencê-lo do

contrário. Ele vai enxergar que fomos feitos um para o outro. Até deixei a
minha calcinha debaixo do travesseiro dele, a clarividente me garantiu que
essa simpatia funciona.
Meu Deus, a mulher não batia bem da cabeça.

Agora entendia a expressão de medo do Luke.


Esgueirei-me para perto da saída, preparando-me para escapar do resto
daquela conversa assim que chegássemos no andar térreo.
Saí depressa, atravessando o saguão do prédio em tempo recorde, a voz
da moça ficando para trás.
Depois daquela eu merecia um café da manhã calórico, não importava
que não fosse segunda.
Nana estava no balcão de atendimento e, assim que me viu entrar na

cafeteria, passou a preparar uma cestinha com os meus pãezinhos.


— Hoje é o seu dia de sorte. — Sorriu, entregando-me o meu pedido
de sempre sem eu ter precisado dizer. — A última porção é sua.
— Obrigada, Nana — agradeci, apanhando a caneca em uma mão e a
cestinha na outra. — Estava precisando de um pouco de sorte mesmo.
— Dia difícil?
— Sim. — Ri de nervoso. Na verdade, a resposta correta deveria ter
sido “meses difíceis”, mas não quis deprimi-la com a minha história.
A senhora olhou por cima da minha cabeça, como se procurasse por

algo, ou alguém.
— E o moço bonito, não vem?
— Como vou saber? — Encolhi um ombro. — Não nos conhecemos.
— Não foi o que pareceu na segunda-feira — retrucou com um brilho

divertido nos olhos.


— Deve ter sido ilusão de ótica, Nana. — Balancei a cabeça. — Só
dividimos a mesa porque não tinha outro lugar para eu me sentar.
— Sei...
Abri a boca para contestar, queria dizer o quanto Luke era
inconveniente até mesmo nos meus sonhos!
Era bom não precisar encontrá-lo ali, pois estava saturada dele. Não
bastasse fazer morada no apartamento ao lado, ele tinha de se infiltrar na

minha cabeça também?


Mas engoli as palavras e me acomodei na primeira mesa vaga que
encontrei.
Além do mais, não podia me delongar por ali, ainda precisava passar
no mercado para fazer as compras do mês e depois bater a meta de escrita.
Afinal, o livro não se escreveria sozinho.
Terminei de tomar o meu café da manhã e acenei para a Nana antes de
sair, sendo recebida pelo frio e por delicados flocos de neve. Apertei o
cachecol ao redor do pescoço e acelerei os passos, ignorando o aperto no

coração e a ardência por trás das pálpebras ao passar por casais apaixonados e
vitrines com decorações natalinas.
Até pouco tempo atrás eu amava essa época do ano, acreditava na
magia do Natal, mas agora tudo o que sentia era desencanto.

O poder de uma desilusão amorosa era tão devastador quanto a


descoberta de uma criança sobre a não existência do Papai Noel, destruía
nossa inocência e fé.
Percorri dois quarteirões até chegar no mercado mais próximo,
repassando a lista de compras na minha cabeça ao arrastar o carrinho pelos
corredores de prateleiras. Todas as melhores coisas estavam em falta, deixei
para vir muito perto do feriado e as pessoas já haviam feito a limpa para a
preparação da ceia. Encontrei a marca do chocolate em pó que eu gostava,

mas não conseguia achar os marshmallows. Minha bebida matinal não seria a
perfeição de sempre sem os pedacinhos daquelas guloseimas que derretiam
na boca.
Percorri meus olhos pelo lugar onde costumava encontrá-los,
suspirando em alívio ao avistar os últimos dois sacos na prateleira do alto.
Estiquei os braços e fiquei na ponta dos pés, mas ainda assim não
conseguia alcançar.
Uma mão masculina ultrapassou a minha, pegando os meus bens
preciosos.

— Ei, esses marshmallows são meus! — reclamei, virando-me para o


abusado, mas quase engoli a língua ao dar de cara com o Luke.
Por algum motivo meu coração começou a disparar, quase saltando
pela boca.

Até outra semana eu nunca o tinha visto na vida, agora parecia que ele
surgia em todo lugar!
Será que existia alguma lei da física que explicava esse fenômeno?
Ou era só má sorte mesmo?
Ele me fitava com uma expressão divertida, suas sobrancelhas erguidas
e um sorrisinho de canto.
— Calma esquentadinha, eu peguei para você. — Entregou-me os dois
pacotes.

— Ah — respondi meio sem reação, colocando os itens no carrinho de


compras para não ter que encará-lo tão de perto, ou então ele enxergaria a
vergonha tingindo meu rosto. — Obrigada — murmurei por fim.
— Por nada — disse ele com aquela voz grossa de homem gostoso,
arrepiando os pelinhos da minha nuca.
O idiota além de lindo tinha de ter esse timbre sedutor?
Não era à toa que era um mulherengo, ele sabia dos seus atributos e se
aproveitava disso.
Meu cérebro conjurou o sonho antes que eu pudesse detê-lo, e precisei

fingir procurar por algo a mais naquela mesma prateleira para me ocupar e
não fazer papel de boba.
— Precisa que eu pegue outra coisa que não alcança? — perguntou ao
meu lado, sua voz soou pertinho do meu ouvido e eu estremeci, perdendo o

controle das mãos e derrubando uma caixa de cereais.


— N-não — titubeei e a minha reação me deixou furiosa.
Por que eu estava reagindo daquele jeito?
Empertiguei os ombros e estreitei os olhos para ele que, ao me analisar
deliberadamente da cabeça aos pés, deixou um riso escapar daquela boca
pecaminosa.
Naquele instante a nossa trégua acabou, e me arrependi amargamente
de tê-lo perdoado pelos barulhos, porque obviamente ele gostava de me

atormentar e não merecia clemência.


Bufei antes de me virar de costas, empurrando o carrinho pelo corredor
a fim de me afastar daquele idiota.
No entanto, quando percebi, lá estava Luke rumando na mesma
direção.
— Por acaso está me seguindo?
— Por que a seguiria? — replicou entretido.
— Porque gosta de me atazanar.
Ele voltou a rir, balançando a cabeça.

— Você é engraçada — comentou, virando em sincronia comigo na ala


das bebidas.
— Devo ser mesmo porque não para de rir da minha cara.
— Ei... — Franziu a testa, estacando no lugar, fazendo-me parar

também. — Eu nunca ri da sua cara.


— Ah, não? — Cruzei os braços. — Então o que foi aquilo ali
instantes atrás? — Acenei com o queixo na direção de onde viemos.
— Oh, aquilo. — Luke fisgou o lábio inferior, suas íris azuis
deslizando por meu corpo até chegarem no meu busto. — É que gostei da
escolha de hoje, achei divertida.
Olhei para baixo, dando-me conta do que ele se referia.
— Só vim pela comida também — complementou sorrindo ao apontar

para a frase estampada na minha blusa.


Oh, meu Deus, qual era o meu problema?
Luke só demonstrou gentileza desde quando nos conhecemos.
Ele não tinha culpa por precisar fazer reformas no apartamento, e não
cometeu crime nenhum por viver a sua vida de solteiro.
Era eu quem tinha culpa por jogar as minhas frustrações pessoais nele.
— Desculpa pelo mal-entendido — falei com uma careta de embaraço.
— Sem problemas, esquentadinha.
— Será que pode parar de me chamar por esse apelido ridículo? —

Revirei os olhos, voltando minha atenção para as garrafas de vinho na


prateleira antes que ele notasse o rubor em minhas bochechas.
Não estava realmente irritada, de certo modo gostava que tivesse me
apelidado.

E ele não estava errado, afinal. Sempre que nos encontrávamos eu


estava de péssimo humor.
Pensando bem, estive de mau humor durante o ano inteiro, mas tinha
minhas razões para isso.
— Serena?
— Hum — murmurei distraída, saindo dos pensamentos e retornando
minha atenção no homem.
— Se está na dúvida entre qual vinho levar, esse tinto combina melhor

com massa ao molho de tomate. — Indicou para a garrafa que eu segurava na


mão direita.
— Como sabia? — Arregalei os olhos, colocando o vinho branco de
volta ao lugar e escolhendo aquele que sugeriu.
— Pelos ingredientes no seu carrinho — disse como se fosse óbvio, e
era mesmo, até o momento, além do chocolate e dos marshmallows, só havia
colocado nele massa de macarrão, queijo parmesão e o molho de tomate.
— Entende de vinhos?
Ele deu de ombros, voltando sua atenção para as bebidas enfileiradas à

sua frente.
— Trabalhei um tempo em um restaurante italiano quando era novo.
— Analisou algo na prateleira e finalmente encontrou o que buscava,
virando-se com uma garrafa de champanhe nas mãos. — Aprendi algumas

coisas.
Mas eu já não prestava mais atenção no que dizia porque de repente
meu coração deu uma guinada e bombeou fogo por todas as minhas
extremidades.
Eu só conseguia enxergá-lo nu com o champanhe, derramando o
líquido em minha pele antes de saboreá-lo junto ao meu corpo.
Mordi o lábio e balancei a cabeça, dissipando as imagens do sonho e
me agarrando à realidade, morrendo de medo que ele lesse os pensamentos

estampados no meu rosto em tom escarlate.


— Preciso de legumes! — exclamei como uma louca, empurrando o
carrinho para longe.
— Eu também — veio a resposta atrás de mim.
Tentei fugir da tentação, mas a missão parecia impossível, pois o
tentador me perseguia por todo lado, por mais que eu não quisesse, ou não
admitia querer.
A verdade era que, mesmo não me sentindo preparada para aquelas
sensações que me domavam quando estava perto dele, eu as sentia, e isso me

deixava confusa e irritada.


Um dia chamaria aquele fenômeno como a lei de Luke, ou o princípio
fundamental da dinâmica entre nós: a aceleração do meu coração era obtida
pela força da atração que tinha por ele.

E olha que eu nem era boa em física, mas não podia negar que daquele
físico eu gostava.
Capítulo 4

“O dia, que havia começado ruim, se transformou em


um dos melhores desde a mudança. Como prolongar
aquela sensação? Bem, inventando uma desculpa para
rever a vizinha.”
Luke Moretti

Voltamos juntos do mercado e Luke fez questão de me ajudar a


carregar as compras. Abri o portão do prédio para ele entrar, pois suas mãos
estavam completamente ocupadas, então subimos em silêncio pelo elevador.
Vez ou outra o espiava de canto de olho, agora que havia baixado
minha guarda, tentava enxergá-lo sem o prejulgamento velado por minhas
frustrações, e o que eu via era assombroso.
Ele era lindo e gentil, uma fórmula perigosa.
Talvez pudesse entender um pouco da obsessão daquela mulher,

coitadinha, não foi forte o suficiente e se deixou levar na ilusão, porque,


apesar do homem ser o pacote completo, não deixava de ser um solteirão.
A porta de ferro se abriu no nosso andar, dei um passo apressado à
frente e me pus a procurar pela chave do meu apartamento dentro da bolsa,
censurando-me por não ter feito logo aquilo ao invés de ficar admirando o
vizinho secretamente. Quando finalmente consegui destrancar a porta, virei-
me para ele e peguei a pesada sacola de papel em um dos seus braços.
— Obrigada por isso — falei um pouco sem jeito, não estava
acostumada com amabilidades.

Luke abriu um sorriso fácil e piscou.


— Sem problemas.
Assenti e entrei rapidamente, escapando de mais alguns segundos de
constrangimento, porque eu não sabia mais o que dizer.

Nunca fui boa com interações, sempre fui melhor em escrever do que
falar.
E esse pensamento me lembrou do trabalho à minha espera.
Soltei um longo suspiro e segui com a rotina.
Por algum motivo estava bastante inspirada, além do normal, as vozes
dos personagens soavam frenéticas e eu precisava pedir para eles se
acalmarem, pois meus dedos não eram tão ágeis. Minhas bochechas doíam de
tanto que eu sorria, sentia-me exultante, e tinha certeza de que conseguiria

terminar o livro antes do prazo.


Consegui dar uma breve pausa para comer um sanduíche no almoço,
mas logo voltei ao trabalho, aproveitando o fluxo de palavras que se
derramavam para fora de mim. E para melhorar, durante o intervalo,
enquanto comia, esbarrei em uma matéria online que me deu um estalo para
elaborar o plano perverso do assassino.
— Oh, Deus, eu consegui! — exclamei ao concluir a grande cena.
Esfreguei os olhos cansados e me levantei do sofá para alongar a
coluna, assustando-me ao perceber que lá fora já era noite e eu não percebi o

tempo passar.
Sabia que meu celular tinha recebido algumas mensagens mais cedo e
finalmente fui conferir, torcendo para não ser outra ameaça da mamãe, apesar
de eu já ter dito que não passaria o Natal lá.

Cora: Novidades?
Cora: Esbarrou com o vizinho gostosão de novo?
Ri alto e balancei a cabeça.
Sabia que não deveria ter falado nada sobre o Luke. Conhecia a peça,
agora ela ficaria me perguntando dele e sonhando com um romance
improvável entre nós.
Serena: Estou quase terminando o livro, consegui sair do bloqueio!
Minha mensagem foi visualizada na hora e logo recebi uma resposta.

Cora: Oba! E cadê esses capítulos? Quero ler para já!


Antes mesmo dela pedir eu estava anexando o arquivo no e-mail.
Serena: Prontinho, me fala se gostou?
Cora: Pode deixar <3
Cora: Mas não pense que não percebi, ainda não me respondeu
sobre o vizinho. Quero detalhes!
Revirei os olhos e estava prestes a contar sobre tudo o que aconteceu,
desde a noite anterior até hoje mais cedo, quando alguém bateu à minha
porta.

Caminhei distraída até lá, abrindo-a sem conferir quem era enquanto
digitava no celular. Pensei se tratar da senhora do andar de baixo que sempre
perdia o seu gato fujão e o procurava por todo o prédio. Não pude estar mais
enganada.

— Oi de novo. — Sua voz inundou meus sentidos primeiro, desgrudei


os olhos espantados do aparelho em minha mão e encarei Luke.
Trêmula, como se sua presença inesperada provocasse um terremoto
em mim, guardei o celular no bolso da calça de modo estabanado. Abri um
sorriso de nervoso, torcendo para que ele não tivesse visto a minha
comprometedora troca de mensagens com Cora, estávamos falando sobre ele!
— Ah, oi! — Recompus-me, levantando uma sobrancelha em uma
pergunta muda sobre o que fazia ali.

— Por acaso pode me dar um pouco do seu queijo parmesão? —


Esticou seus lábios num tênue sorriso, então levou um braço para atrás da
nuca e a esfregou.
Até seu lado tímido era atraente.
— Hum... — O que foi que ele pediu mesmo? Droga, eu devia estar
muito cansada e com fome para raciocinar.
— Estou preparando um nhoque à bolonhesa e só agora percebi que
me esqueci de comprar o parmesão, será que posso usar um pouco do seu?
— Ah, sim, claro — respondi, dando passagem para ele entrar e me

seguir até a cozinha. — Fique à vontade para pegar o quanto quiser. —


Retirei o pedaço de queijo da geladeira e o entreguei para ele.
— Obrigado. — Segurou o embrulho, seu olhar percorrendo pelo
ambiente como se buscasse por algo até que por fim se fixou em mim. — Já

jantou?
— Ainda não.
— Por que não vem jantar comigo? — Fez o convite de forma
despretensiosa. — Eu preparei mais do que devia, ainda não me acostumei a
cozinhar para uma pessoa só e sempre sobra.
Para quem mais você costumava cozinhar?
Mordi o interior das bochechas, contendo a pergunta.
Enquanto ponderava se era uma boa ideia ou não, meu estômago se

decidiu por mim. Ele vinha reclamando da fome fazia algumas horas, pois eu
só havia comido um sanduíche no almoço e mais nada. Além do mais, ao
ouvir a palavra “nhoque” minha boca se encheu d’água, eu seria boba se
recusasse.
— Tudo bem, se não for incômodo...
Ele deu uma batidinha no balcão de mármore antes de se afastar e se
virar em direção à porta. Eu continuei presa no lugar, assistindo-o.
— Você não vem? — perguntou da soleira.
Balancei a cabeça em afirmativa, e o segui.

Seu apartamento era igual ao meu, mas de modo espelhado. No


entanto, os detalhes faziam muita diferença. A parede de tijolinhos foi
pintada de branco, dando um ar mais moderno ao ambiente, além da sensação
de mais claridade e espaço. Ao adentrarmos, passamos pela cozinha

americana com uma ilha de mármore branco, era de muito bom gosto e
separava aquele ambiente da sala de estar.
Embora estivesse curiosa para conhecer o resto da casa, Luke puxou
um banco para eu me sentar em frente à ilha. Sobre ela já estavam a salada e
os utensílios, precisei conter um riso ao ver dois pratos dispostos, o danado já
esperava pela minha presença antes mesmo de eu aceitar o convite.
— Já está tudo pronto — comentou ao retirar um refratário de vidro do
forno e colocá-lo sobre o balcão, depois pegou o ralador e passou a salpicar o

queijo sobre a comida. — Espero que esteja comível.


— Parece delicioso.
Ele me serviu do nhoque e da salada, e fez o mesmo com a taça de
vinho, enchendo-a até a metade como pedi. Esperei que se acomodasse à
minha frente e então dei a primeira garfada, gemendo em deleite com o sabor
maravilhoso.
— Wow, você cozinha muito bem — falei ainda de boca cheia por trás
da mão, tentando suavizar o gesto rude.
Os cantos dos seus olhos se enrugaram, mas o seu sorriso se escondia

na borda da taça enquanto tomava um gole do vinho.


— Obrigado, tudo o que sei aprendi com minha mãe — respondeu, seu
olhar se perdendo na lembrança e meu peito se apertou ao me recordar de que
ela havia falecido.

Continuei em silêncio, pois a sua expressão nostálgica me dizia que ele


ainda tinha coisa para falar.
— Antes de eu sair de casa para a faculdade, mamãe teve uma
conversa séria comigo, disse que, para me tornar independente, deveria
aprender a me virar sozinho. Por meses fiquei responsável pelas tarefas
domésticas, e ela ainda conferia se eu estava fazendo certo ou então me
mandava fazer novamente. — Riu.
— Ela parece adorável.

— Sim, ela era.


Seu pomo de adão subiu e desceu, depois veio o silêncio, e por alguma
razão meus olhos lacrimejaram.
— Como ela se chamava? — perguntei com a voz embargada, e
precisei limpar a garganta com um gole da bebida.
Daquela vez era ele quem estava de boca cheia, por isso aguardei antes
de receber a resposta.
— Chiara.
— Que nome bonito, e diferente... — comentei.

— É italiano, o meu também é. — Ele deve ter visto a confusão na


minha expressão, portanto continuou. — Luciano, mas todos me chamam de
Luke.
Anuí, repetindo o seu nome na cabeça e adorando a sua sonoridade,

poderia usá-lo para algum personagem no futuro.


Voltamos nossas atenções para os pratos, não fiz outras perguntas,
apesar de querer saber mais sobre ele e o que aconteceu com a mãe.
E quanto ao seu pai? Ele nunca falava dele.
Embora eu também não falasse muito...
Será que seu pai também abandonou a família para se casar com a
amante como o meu?
Seria uma coincidência triste, esperava que não fosse o caso. Havia

tantas outras possibilidades.


— O que vai fazer no Natal? — Surpreendeu-me com a pergunta.
— Queria ficar em casa, mas... — Um nó se instalou na garganta, tossi
atrás do punho, fingindo ter me engasgado com algo quando na verdade foi o
meu coração que tentou fugir pela boca só em pensar na alternativa.
— Está tudo bem? — Franziu a testa. — Aqui, beba um pouco. —
Serviu-me mais o vinho e se ergueu, colocando a taça entre os meus lábios.
Sua mão segurava a bebida de encontro à minha boca, envolvi os
dedos ao redor do seu pulso e arrepiei-me com o contato quente da sua pele.

— Obrigada — murmurei, corando ao fitá-lo de perto. — É a segunda


vez que me salva de um engasgo.
Luke sorriu e levou uma mecha do meu cabelo, que havia caído sobre
os olhos, para atrás da orelha, suas as digitais afagando minha bochecha com

o movimento.
— Sem problemas — ele disse com a voz enrouquecida, então se
afastou, levando consigo o seu calor, mas jurava que ainda podia sentir os
rastros de fogo que deixara na minha pele.
Se eu já não estava vermelha, com certeza estaria naquele instante.
Encarei a taça agora vazia sobre o balcão, recriminando-me por ter
bebido tanto, já estava sentindo e imaginando coisas absurdas.
— Enfim — voltei a falar como se nada tivesse acontecido —, quero

passar o Natal aqui, mas não tenho certeza, provavelmente acabarei cedendo
às coerções da minha mãe e passarei com a família.
Ele assentiu em silêncio, mas seu rosto denunciava curiosidade, talvez
não entendesse o motivo de eu preferir ficar sozinha quando tinha uma
família.
— E você?
— Vou ficar aqui. — Baixou o olhar para o seu prato vazio, e aquele
gesto me deu um aperto no peito.
— Sozinho?

— Sim.
Abri a boca, mas acabei fechando-a logo em seguida.
Diferente de mim, a ideia de passar o Natal sozinho não parecia ser
uma escolha sua, queria perguntar, mas não sabia se tinha esse direito.

Como uma brincadeira do destino, meu celular vibrou sobre o balcão e


a palavra “Mãe” aparecia na tela seguida por uma prévia da mensagem.
Mãe: Está sendo egoísta como sempre, depois de tudo o que fiz por
você...
Meus olhos dispararam para o Luke e o flagrei lendo aquelas palavras,
engoli em seco.
— Não vai responder? — perguntou, mas não havia julgamento em seu
tom, apenas curiosidade.

Soltei um suspiro, resignada por ele ter visto aquilo, devia estar
pensando o pior de mim.
— É melhor — confirmei, pegando o aparelho para desbloquear o
resto da mensagem.
Mãe: Está sendo egoísta como sempre, depois de tudo o que fiz por
você! Por que não é como a sua irmã? Por que sempre tem que arruinar
tudo?
Eu: Não estou arruinando nada, mãe. Posso te visitar em qualquer
outro dia, menos quando eles estiverem aí.

No instante seguinte veio sua resposta.


Mãe: Está viva! Já estava pensando em chamar a polícia para ver
se não tinha morrido sozinha dentro desse cubículo que chama de
apartamento.

Mal tive tempo de pensar em algo quando o meu celular vibrou em


minhas mãos.
Mãe: E deixe de ser patética, já se passou um ano, Serena! Não
entendo por que não quer vir, é por inveja? Supere!
Lágrimas fugazes brotaram e não pude impedi-las de escapar pelos
cantos dos olhos.
Ignorei aquela última mensagem, desligando o aparelho em seguida.
— Serena?

Enxuguei rapidamente os rastros da tristeza por trás dos óculos, e


forcei um sorriso.
— Desculpa, o que disse?
— Você está bem?
Parecia ser a minha sina passar vexame na frente dele.
— Ah, sim, não foi nada! — Levantei-me da bancada e passei a
recolher a louça. — Bobagem.
— Ei, deixa que eu cuido disso. — Ele chegou por trás e tocou a minha
cintura, afastando-me delicadamente da pia.

— Bem, obrigada pelo jantar, estava uma delícia — agradeci sem jeito.
— Obrigado você pelo queijo — retrucou com um sorriso enquanto
colocava os pratos e todo o resto no lava-louças. — Fez toda a diferença.
Quando ele disse aquelas últimas palavras, olhando-me fundo nos

olhos, parecia estar agradecendo por outra coisa e permiti-me acreditar ser a
minha companhia.
Talvez fosse bom tê-lo como amigo, pois eu não tinha muitos.
Sorri de volta, sabia que ele tentava melhorar o clima, mas eu ainda me
sentia estranha depois das mensagens que recebi. Por isso forjei um bocejo e
avisei ter de ir embora. Luke não tentou me convencer a ficar, deve ter
percebido minha mudança de humor, e acompanhou-me até a saída.
— Boa noite, esquentadinha — falou antes que eu atravessasse a porta.

— Boa noite, vizinho — respondi por sobre o ombro. — Estou tão


cansada que, mesmo se você fizer barulho pela madrugada de novo, dormirei
como uma pedra.
Ao compreender o significado das minhas palavras, arregalou os olhos
e ficou vermelho.
— V-você ouviu aquilo?
Ri do seu embaraço e concordei com a cabeça, minha resposta o fez
corar ainda mais.
Adorei vê-lo daquele jeito, parecia mais humano, menos perfeito.

Estávamos quites.
Antes que ele pudesse dizer alguma coisa de volta, acenei um breve
tchau e fui embora, achando que não o veria tão cedo novamente.
Estava enganada.

Na manhã seguinte mal tinha saído da cama e estava preparando ovos


mexidos para o café da manhã quando a campainha tocou seguida por batidas
insistentes.
— Meu Deus! — Sobressaltei-me, deixando cair a espátula na
frigideira.
— Serena, está aí? — Ouvi a voz abafada do Luke. — Me deixa entrar,
por favor!

Havia urgência na sua fala, portanto desliguei o fogão e corri para a


porta.
— Que foi? — disse ao me deparar com um Luke esbaforido. — O
prédio tá pegando fogo?
— Não, é uma coisa pior. — Entrou sem pedir licença, fazendo-me dar
um passo para trás. — Preciso da sua ajuda — implorou com os olhos,
fechando a porta em seguida e apoiando o corpo nela.
— Fale logo, caramba! — Agitei as mãos, querendo saber que raios

aconteceu para deixá-lo alarmado daquele jeito. — Tá me deixando nervosa.


— Shiu... — Pressionou um dedo sobre os lábios e se virou, colocando
a orelha contra a porta. — Ela chegou — sussurrou.
— Quem? — sussurrei de volta, aproximando-me para escutar

também, meu rosto de frente para o seu.


Ele não precisou responder, pois no instante seguinte a campainha do
apartamento ao lado tocou acompanhada por uma voz feminina.
— Luke, querido? Por que não atende as minhas ligações?
Eu conhecia aquela voz de algum lugar...
Meu olhar encontrou o dele e arfei baixinho, tapando a boca para não
rir enquanto ele parecia suar frio.
— Luke, está fugindo da namorada? — provoquei-o num sussurro. —

O que foi que você fez?


— Ela não é minha namorada — balbuciou, sua expressão estarrecida
chegava a ser cômica. — Eu não sei nem como ela conseguiu o meu número
de celular.
— Tenho uma ideia... — deixei escapar, imaginando que ela o tivesse
esperado dormir para desbloquear o seu aparelho com a digital sem que ele
percebesse.
Luke ergueu as sobrancelhas escuras, parecia querer perguntar, mas
balançou a cabeça e se afastou, puxando-me consigo.

Quando a distância parecia segura para que não fôssemos ouvidos do


corredor, ele se pôs na minha frente e uniu as mãos em súplica.
— Por favor, Serena, se livre dela por mim?
— Quê? Por que eu?

— Estou desesperado, não sei mais o que fazer. — Andou de um lado


para o outro, levando as mãos para trás da nuca. — Ela não aceita que não vai
rolar mais nada entre nós, mal se passou um dia e já está me perseguindo em
casa.
Cruzei os braços, aquilo era problema dele.
— Por favor, vou ficar te devendo uma! — Segurou meus ombros com
sutileza e me fitou com olhos de cachorro perdido. — Pode me pedir o que
quiser.

— Qualquer coisa?
— Sim, faço qualquer coisa!
Mordi o lábio inferior, ponderando, então assenti.
— Ok, você quem pediu por isso — falei sem esconder o riso.
Andei até a porta e a escancarei, colocando a cabeça para fora e
encontrando a loira com um dedo em riste no interruptor da campainha.
— Oi, você está procurando por Luke? — Fiz a minha melhor cara de
inocente.
— Sim! — A moça se aproximou com os seus saltos agulha, estava

vestida como se estivesse pronta para a noitada, mas não passava das oito da
manhã. — Sabe onde ele está?
— Não ficou sabendo? — sussurrei de forma conspiratória, inclinando-
me para que ela me escutasse. — A esposa dele chegou aqui com duas

crianças e deu o ultimato, ou ele voltava para casa ou pagava a pensão. Então
voltou.
Ela arfou alto, espalmando o peito.
— Ele era casado? — perguntou com os olhos se enchendo de
lágrimas, fiquei até com pena. — Mas ontem mesmo a clarividente me
afirmou que eu conheci a minha alma gêmea...
— Talvez você tenha se confundido. — Entrei na onda, tentando soar
séria, apesar do riso borbulhando dentro de mim. — Será que ela não se

referiu a outra pessoa? Não conheceu ninguém durante esse tempo?


A moça arfou novamente, dessa vez como se uma luz tivesse se
acendido na sua cabeça.
— Meu Deus, é o carteiro! — Sorriu, enxugando as lágrimas. —
Obrigada pela ajuda, agora tudo faz sentido.
— Por nada — respondi, fechando a porta rapidamente segundos antes
de explodir em risos.
Luke surgiu de onde havia se escondido, dentro do banheiro.
— Ela foi embora?

— Uhum — confirmei, caminhando até a cozinha. — Já tomou o café?


Vislumbrei um esboço de sorriso em seu rosto antes de me voltar para
a frigideira.
— Ainda não, ia comer na cafeteria da Nana, mas quando estava

prestes a sair pelo portão do prédio vi a mulher chegando pela calçada.


— Bem, eu estava fazendo ovos mexidos quando você me chamou,
tem o bastante para nós dois.
— Tudo bem, se não for incômodo. — As mesmas palavras que eu
havia usado quando me convidou para o jantar.
Sorri, pegando mais ovos na cartela.
— Posso? — Indicou com a cabeça em direção à sala, curiosidade
estampando seu rosto.

— Fique à vontade.
— Você tem bastante livros — comentou, bisbilhotando a estante que
dominava boa parte da parede da sala.
Assenti enquanto colocava os ovos mexidos em dois pratos.
— Legal, já leu todos eles? — Deslizou a ponta dos dedos pelas
lombadas, lendo os títulos em silêncio.
— Sim, mais de uma vez até. — Mordisquei o lábio. — E alguns deles
eu mesma escrevi.
— Sério?! — Fitou-me surpreso, depois voltou a observar a estante. —

Quais você escreveu? Não encontro o seu nome.


Caminhei até a sala com uma bandeja contendo o nosso café da manhã,
colocando-a na mesinha de centro para depois me aproximar dele.
— Eu escrevo sob pseudônimo. — Apontei para uma sessão de

prateleiras só com os meus livros, havia em torno de vinte títulos publicados,


além de algumas de suas versões em outros idiomas. — Prazer, sou Adda
Halle.
— Wow, você é famosa.
Meu rosto esquentou, não chegava a ser famosa, mas tinha leitores em
diversos países.
— Por que Adda?
— É meu nome do meio. — Ri, empurrando meu ombro no seu. Se ele

esperava por alguma resposta elaborada se decepcionou. — Halle é mesmo o


meu sobrenome.
Luke folheou um dos meus livros, parecia realmente interessado, seus
olhos divagaram pelas palavras e então se prenderam em mim, sua expressão
era puro fascínio.
Calor brotou em meu peito, afogueando minha pele.
Sem contar a Cora, que era minha melhor amiga e confidente,
nenhuma outra pessoa em minha vida se importava com o que eu fazia.
— Vem comer antes que esfrie. — Puxei seu braço, fazendo-o colocar

o livro no seu devido lugar para logo me acompanhar.


Preferimos nos sentar ao chão, sobre o tapete, em vez do sofá, assim
era mais confortável nos servir na mesinha posta.
Levei a caneca aos lábios e beberiquei meu chocolate enquanto

roubava vislumbres do homem à minha frente sem que ele notasse.


A luz natural vinda da janela incidia por trás dele, sombras pincelavam
seu rosto, brincando com os ângulos perfeitos que o emolduravam. Por Deus,
até o contorno da sua silhueta era de tirar o fôlego.
Soltei um suspiro, fazendo o vapor subir e embaçar meus óculos,
ocultando brevemente a minha visão, mas tudo bem, já o havia tatuado na
memória.
Com certeza o herói do meu próximo livro teria seus atributos, talvez

pudesse convencê-lo a ser o modelo da capa.


Afinal, ele me devia um grande favor.
Capítulo 5

“Notei o modo como ela me olhava, porque estava


olhando para ela também. Portanto, não me importei
nem um pouco quando me fez aquela proposta.
Aproveitaria a oportunidade.”
Luke Moretti

Saí do banho quente, sentindo-me revigorada e mais calma após longas


horas escrevendo, o livro finalmente estava concluído, só faltava o aceite da
revisão final.
Apesar de ter o trabalho dos sonhos, não deixava de sofrer com o
estresse e com a ansiedade. Toda vez que dava à luz um novo livro eu ficava
uma pilha de nervos, tinha medo de os leitores não se apaixonarem por ele
assim como eu. E com apenas cinco dias até a véspera do Natal, que
coincidia com a data do lançamento, eu precisava urgentemente de algo que

me ajudasse a relaxar.
— Já sei — murmurei, indo atrás do vinho e me servindo em uma
caneca mesmo. Afinal, já vestia pijamas e estava sozinha em casa, pouco me
importava com formalidades.
Dei um longo gole, tentando não me preocupar com o lançamento, e
nem com a ligação que recebi da minha agente naquela manhã de sábado.
Ela me questionou se eu não gostaria de publicá-lo de forma
tradicional, pois uma renomada editora tinha interesse nele. No entanto,

aquilo adiaria a sua publicação. Além do mais, essa história fazia parte de

uma série que eu lançava de forma independente, e continuaria assim por


respeito aos meus leitores. Debatemos um pouco, mas no fim ela respeitou
minha decisão e acabei me despedindo com a promessa de que entregaria o
próximo projeto para a editora.

Portanto, tão logo encerrei a chamada, trabalhei com afinco para deixar
o manuscrito pronto, dando os toques finais na diagramação, só parando
minutos atrás ao me dar conta de já ser noite. Em contrapartida, consegui
finalizar à tempo, e poderia tirar alguns dias de folga durante as festas de fim
de ano antes de entrar de cabeça na próxima história.
Cora: Ah, meu Deus, acabei de ver o seu manuscrito diagramado
na minha caixa de entrada! Parabéns, ficou lindo!
Eu: Mal terminei esse livro e já preciso começar outro, socorro!

Embora tivesse um caderno cheio de ideias para novas histórias, era


difícil se desapegar da última, ainda mais em tão pouco tempo.
Cora: Nada de férias por enquanto?
Ao visualizar a sua pergunta tive que rir.
Eu: E quando é que tiramos férias?
Cora: HAHA, verdade. Quando não estamos escrevendo ou
estamos planejando a próxima história ou divulgando o nosso trabalho.
Segurando a caneca em uma mão e o aparelho na outra, andei até a
janela da sala e me sentei no parapeito. Meus olhos foram atraídos para as

luzes natalinas e as pessoas tumultuando as ruas lá fora, mas então o celular


vibrou, roubando de volta a minha atenção.
Cora: Quer sair essa noite?
Normalmente comemoraria com ela em algum bar, mas estava exausta,

deixaria para depois.


Eu: Hoje não. Talvez peça algo para comer ou, se tiver sorte, o
vizinho cozinhe para mim de novo.
Cora: ESPERA, que história é essa do vizinho?!
Ops...
Não é como se estivesse guardando segredo.
Fazia apenas três dias desde que Luke e eu jantamos juntos no seu
apartamento, as coisas aconteceram rápido e estive ocupada finalizando o

livro, simplesmente me esqueci de contar para a minha amiga.


Eu: Não foi nada demais, ele veio me pedir um pouco de parmesão
e acabou me convidando para comer por educação.
Hesitei em contar sobre o café da manhã no dia seguinte aqui em casa.
E sobre o fato de que, desde então, ele batia à minha porta para
oferecer algo como se estivesse pagando o favor que me devia em parcelas.
Mas eu não era boba, ainda estava pensando sobre o que pediria em
troca, e não seria algo fácil como os pãezinhos de queijo que me trouxe
ontem de manhã, ou o chocolate quente especial da Nana hoje.

Cora, do jeito que era a louca dos romances, acabaria aumentando as


coisas.
Alguns minutos se passaram e não recebi resposta.
Hum...

Normalmente ela estaria bombardeando meu celular com mensagens,


mas dei de ombros, imaginando ter se distraído com algo mais importante.
Aconcheguei-me no sofá e naveguei pelo catálogo de filmes e séries,
optando por um documentário sobre serial killers. Meia hora depois, quando
estava bem no meio do episódio, a campainha tocou.
— Cora?
— Me conte tudo! — Mal tive tempo de abrir a porta e ela foi
entrando, colocando sua bolsa sobre a bancada da cozinha e se servindo do

vinho que eu havia deixado ali. — Não deixe nenhum detalhe de fora!
Ri, balançando a cabeça.
— Veio mesmo aqui só para saber do meu vizinho?
— Pelo visto é mais que um vizinho, né?
Não sei por quê, mas minhas bochechas arderam em brasas.
— Sabia! Você não me engana com esse papinho de “não foi nada
demais”. — Sorriu ao gesticular a frase entre aspas.
Rolei os olhos.
— Amiga, eu não sou um personagem de romance clichê, não — falei,

enchendo a minha caneca de novo e me sentando ao seu lado no balcão,


como se estivéssemos em um bar.
— E, por acaso, se envolver com um vizinho gostosão só é possível em
livros, Serena? — Foi a sua vez de revirar os olhos para mim.

Mostrei a língua para ela, fazendo-a rir.


— Vai, não me deixe curiosa. O que aconteceu?
Inspirei fundo, sendo vencida pelo cansaço, então contei os
acontecimentos desde o início.
Quando terminei ela se remexia na banqueta, tamanho era o fogo no
seu rabo, sabia que ficou animada com a história e aumentou as proporções
de tudo. Provavelmente já planejava ser madrinha do meu casamento
inexistente com o Luke.

— Pare com isso — falei rindo.


— Parar com o quê? — Se fez de desentendida, alargando seus olhos
verdes para mim, toda inocente.
Olhando assim, se não a conhecesse bem, nem imaginaria que essa
criatura era capaz de escrever todas aquelas cenas eróticas em seus romances.
— Você não tem jeito. — Suspirei, apoiando os cotovelos na bancada
e descansando o queixo sobre as mãos. — Ele é só um amigo.
— Viu só?! Foi promovido de vizinho a amigo, não é improvável que
cresça de cargo novamente.

Ignorei o meu coração relapso. Por um átimo, ao ouvir a possibilidade


retratada, ele se esqueceu de que estava em exílio e tentou escapar do meu
peito, colocando-se em perigo.
Meneei minha cabeça em negativa, tanto em recriminação pessoal

quanto em revide às palavras da minha amiga.


— Serena, você é linda e desimpedida. — Cora jogou as mãos pro alto,
seu anel de noivado cintilou sob a luz artificial. — Se eu fosse solteira e um
homem maravilhoso desses batesse à minha porta, não perderia tempo.
Como num passe de mágica, alguém literalmente bateu à porta,
eriçando os pelinhos do meu corpo.
Encarei a minha amiga como se ela tivesse causado aquilo, mas a sua
expressão me dizia que estava tão surpresa quanto.

Quando a campainha tocou segundos depois, meu coração deu um


salto e eu pulei junto para fora da banqueta.
— Atende logo, Serena — sussurrou ao se levantar, dando um pequeno
empurrão em minhas costas para eu andar na direção da porta.
Lancei um olhar mortífero para ela.
— Se comporte — cochichei, em seguida aumentei a voz para que
quem estivesse lá fora pudesse me ouvir. — Já vou!
Girei a maçaneta e lá estava Luke, nossos olhares se encontraram e um
sorriso travesso despontou em seus lábios.

Os músculos do meu rosto se contraíram involuntariamente, quando


dei por mim sorria de volta.
Deus, toda vez era a mesma coisa, espantava-me com a beleza do
homem.

Hoje ele parecia um astro do rock com aquela calça jeans lavada,
camiseta preta que abraçava o seu corpo e anunciava para o mundo o abdome
definido, jaqueta de couro e, para completar, coturnos. Só faltava a guitarra,
mas em seu lugar estava uma caixa, e o cheiro que vinha dela era de dar água
na boca.
— Gosta de pizza de pepperoni? — foi a primeira coisa que disse ao
me ver.
Assenti, erguendo as sobrancelhas.

— O tamanho grande estava em promoção, espero que esteja com


fome — falou entrando, sem tirar os olhos de mim.
— Sabe que uma pizza não muda nada, né? Continua me devendo.
— Mas... — Estacou no lugar quando finalmente percebeu não
estarmos sozinhos. — Ah, oi.
— Oi! — Cora olhava de mim para Luke com um sorriso tão grande
que chegava a ser assustador. — Você deve ser o vizinho.
Ela esticou um braço em sua direção e ele prontamente colocou a caixa
sobre o balcão para cumprimentá-la.

— Isso — respondeu, lançando-me um olhar divertido por sobre o


ombro antes de voltar a encará-la. — Meu nome é Luke.
— Sim, eu sei. Prazer, sou Cora, a melhor amiga.
Fora do campo de visão do Luke, deslizei um dedo pelo pescoço, num

gesto que lhe dizia estar em apuros. Ela não se abalou, pelo contrário, soltou
um risinho.
Numa tentativa vã de desviar a atenção do meu vizinho para qualquer
coisa, menos para o fato de que eu conversava sobre ele com a minha amiga,
abri a tampa da caixa.
— Foi mal, não sabia que já tinha outros planos. — Ele colocou as
mãos dentro dos bolsos da calça.
— Nada, eu já estava de saída! — Cora pegou sua bolsa e me deu um

beijo estalado na bochecha. — Vocês aproveitem a noite.


Queimei de vergonha, sem poder dizer nada enquanto a assistia erguer
os dois polegares em sinal de joinha atrás do Luke, seus lábios formando uma
frase silenciosa: “Que gostoso!”
— Tchau — meio que sibilei por entre o sorriso forçado, e a segui para
trancar a porta.
Quando ela finalmente foi embora, retornei minha atenção para meu
vizinho, encontrando-o de pé perto de mim.
— Ela parece ser legal.

— Ah, sim, Cora é uma figura...


— Contou de mim para ela? — perguntou, curvando os cantos da boca
para cima.
— Para quem mais contaria sobre meu vizinho chato e barulhento? —

Segurei seu braço, puxando-o de volta à cozinha. Ele riu, mas não insistiu
naquele papo, graças a Deus.
Em meio à sua visita inesperada logo após falar dele para a minha
amiga, e da reação de Cora ao conhecê-lo, mal consegui fazer nada além de
tentar sobreviver à situação constrangedora.
Mas agora, ao me servir da pizza, finalmente pude relaxar. Além do
mais, não havia motivo para me sentir estranha com o Luke, já o considerava
um amigo e, mesmo o conhecendo em tão pouco tempo, sentia-me à vontade

com ele.
Luke não parecia se importar com as minhas tendências geek e meu
jeito esquisito, ao seu lado eu podia ser quem realmente era.
— Obrigada por isso — murmurei antes levar a fatia até a boca, e
precisei conter um gemido ao sentir o rico sabor e a textura perfeita da massa.
— Gostou? — Soou divertido.
Concordei com a cabeça, ocupando-me com outra grande mordida.
— Tão bom assim? — Riu quando emiti sons de contentamento.
— Uhum — confirmei, lançando um olhar cheio de desconfiança para

ele que me observava enquanto eu comia.


— O bastante para quitar aquela dívida, né?
Ri, tapando a boca para não cuspir o pedaço da pizza sem querer.
— Não, nem de longe.

— Qual é, esquentadinha. — Levou as mãos até os cabelos


desalinhados, rindo. — Você está me enrolando, o que fez por mim não foi
nada demais.
— Nada demais? — Bufei. — Luke, aquela mulher era louca, coloquei
minha segurança em risco por você.
— Ela não era tão ruim assim...
— Se achasse mesmo isso não bateria desesperado à minha porta —
retruquei, calando-o.

— Ok, tem razão. — Dando-se por vencido, pegou a garrafa de vinho e


se serviu. — Pelo menos já decidiu o que quer em troca?
Bati com os dedos no queixo, cogitando seriamente a alternativa dele
ser o modelo da capa do meu próximo livro.
— Sabe, tenho uma ideia... — Comecei a falar, inclinando-me para
perto, instintivamente, ao admirar os ângulos do seu rosto bonito enquanto
imaginava a foto perfeita.
Luke imitou meus movimentos, aproximando-se.
— Sim? — sussurrou, seu hálito morno e mentolado abrasando minha

pele.
Deus, o que eu ia falar mesmo?
Pisquei algumas vezes, tentando desatar meus pensamentos que de
súbito se emaranharam ao redor do meu vizinho.

Limpei a garganta e preparei as palavras, mas antes que elas pudessem


passar por meus lábios, meu celular criou vida sobre o balcão, vibrando com
uma chamada da minha mãe.
No sobressalto tentei silenciar a ligação, mas com o gesto brusco
esbarrei meu braço em um copo cheio, derramando vinho no aparelho.
— Droga! — chiei.
Luke ergueu o objeto para longe da poça carmim e eu corri em busca
do papel toalha para enxugar o celular a tempo de evitar um estrago.

Na urgência, nossos dedos deslizaram pela tela, aceitando sem querer a


chamada e, para piorar, ativando o viva-voz.
— Serena, minha paciência já se esgotou! Não vou permitir que
arruíne a imagem da nossa família, ou você vem por vontade própria ou...
— Mãe! — interrompi seu discurso, cobrindo o rosto vermelho com as
mãos. — Agora não é um bom momento.
— Não ouse desligar! Cansei da sua petulância. Por que não pode ser
como a sua irmã? Ela superou enquanto você continua se fazendo de vítima.
Apertei os olhos com força, tentando prender as lágrimas de

mortificação.
— William e Sarah merecem ser felizes, eles se amam e essa sua
inveja os magoa. Está na hora de você vir e se reconciliar com eles.
Inspirei fundo e exalei.

— Quer saber, mãe? — Virei-me para o Luke que ouvia tudo em


silêncio com uma expressão estranha. — Eu vou sim. Mas apronte dois
lugares, porque vou com o meu namorado.
— Namorado?! — ela guinchou na linha. — Que namorado?
Luke franziu o cenho, parecia tão aturdido quanto a minha mãe.
Ergui as sobrancelhas pra ele, comunicando-me por telepatia.
No instante seguinte a mensagem deve ter sido decodificada, porque
meu vizinho arregalou os olhos, apontou de modo acusatório para mim e

passou a negar, mas seus lábios se curvaram num sorriso.


Comprimi um riso de nervoso, balançando a minha cabeça para cima e
para baixo.
Tinha acabado de me decidir qual seria a sua forma de pagamento.
Luke se passaria por meu namorado.
Já que, por ele, confrontei a mulher louca, nada mais justo que me
ajudasse a confrontar a minha família descompensada.
Capítulo 6

“Ela tinha um passado triste, só esperava que não fosse


como o meu.”
Luke Moretti

— O que foi que acabou de acontecer aqui? — Luke perguntou tão

logo encerrei a chamada.


Apoiei os cotovelos no balcão e afundei a cabeça nas mãos, precisando
de um minuto para me recompor depois de falar com a minha mãe, como
sempre.
— Ei, você está tremendo. — Sua mão grande e cálida aqueceu as
minhas costas com um toque sutil.
— Vou ficar bem — sussurrei sem me mover, querendo prolongar a
sensação boa do seu contato em minha pele.
Quase choraminguei quando ele se afastou, levando consigo o seu

calor.
— O que está acontecendo? — Sua voz firme fez-me destapar os olhos
para encará-lo, encontrando-o de braços cruzados e com uma expressão
fechada. — Claramente essa ligação te chateou, o modo como ela falava com
você...
— Eu vou te contar, prometo — interrompi suas palavras com o
coração acelerado. — Mas não agora, por favor.
Não estava preparada.

Acho que nunca estaria, era doloroso demais.


— Tudo bem, mas me esclareça uma coisa. — Inclinou a cabeça de
lado e um vislumbre de sorriso apareceu em seu rosto. — Você realmente me
pediu para fingir ser o seu namorado, ou eu viajei?

Em meio à confusão de sentimentos sufocando meu peito, um riso se


esgueirou para fora, aliviando a tensão.
— Oh, Deus... — Dobrei-me ao meio, minhas mãos agarraram os
braços fortes de Luke e tentei enxergá-lo por trás das lágrimas. — Sim, você
entendeu corretamente. — Forcei as palavras em meio ao riso histérico.
Ele me fitava com um sorriso divertido, devia me achar maluca.
— Ok. — Colocou uma mecha para atrás da minha orelha, desfazendo
o meu riso.

De repente não havia nada de engraçado naquela situação.


Luke me fazia sentir coisas inapropriadas, mas eu não tinha controle
sobre o meu coração que acelerava e bombeava fogo nas veias quando ele
estava por perto.
Inspirei fundo, na tentativa vã de acalmar os batimentos cardíacos e
parecer indiferente ao seu toque, quando, na verdade, por dentro eu era uma
confusão.
— Já está tarde — ele murmurou, deslizando as pontas dos dedos na
minha bochecha antes de abaixar a mão. — Amanhã a gente conversa melhor

sobre esse arranjo.


— Ah, tudo bem — confirmei baixinho, afastando-me dois passos.
— Mas antes de eu ir, me passa seu número — disse, pegando seu
celular do bolso da calça para me entregar.

Salvei o meu contato no seu aparelho antes de devolvê-lo, Luke


conferiu e começou a digitar algo. Segundos depois o meu celular vibrou com
uma mensagem.
Boa noite, namorada.
Meus olhos voaram para cima, flagrando seu sorriso faceiro.
Antes que eu pudesse dizer algo, ele se despediu com um beijo na
minha bochecha e então se foi, deixando-me sozinha com os meus
pensamentos.

Fui para o quarto meio desnorteada, nem percebi o caminho que


percorri, quando dei por mim estava deitada no colchão.
Minha cabeça rodava, não conseguia parar de me preocupar com o que
estava por vir e queria que tudo corresse bem, mas para isso tinha de
confirmar algumas coisas com o meu namorado de mentirinha.
Peguei meu celular na mesa de cabeceira e disparei uma mensagem
para o vizinho antes que fosse tarde demais e ele estivesse dormindo.
Eu: Você vai estar livre na véspera do Natal?
Não demorou para eu receber sua resposta.

Luke: Posso tirar folga nesse dia.


Eu: Perfeito! E quanto ao fim de semana?
Daquela vez a mensagem não foi imediata e o imaginei conferindo sua
agenda antes de me responder.

Luke: Tenho a opção de trabalho remoto quando necessário. Por


quê?
Mordi o lábio inferior, meus dedos ágeis formulando a próxima
mensagem.
Eu: Porque passaremos esses dias fora, voltaremos no domingo.
Luke: Tem certeza disso?
Sua resposta fez meu coração titubear, deixando-me insegura com o
meu plano.

Eu: Sim. Mas só se você puder, claro. Senão voltamos antes.


Não que eu quisesse ficar todo aquele tempo com a minha família, mas
já que iríamos, queria aproveitar a viagem e revisitar alguns lugares.
Luke: Posso sim.
Eu: Combinado, boa noite!
Luke: Bons sonhos, namorada ��
Revirei os olhos, embora um sorriso despontasse em meus lábios.
Aconcheguei-me na cama, fechando as pálpebras num longo suspiro,
mas não consegui dormir, revirando-me no colchão a noite toda. Depois do

que me pareceram horas em claro, desisti de tentar cair no sono. Levantei-me


para preparar meu chocolate e assisti ao nascer do sol da janela, a luz pálida
refletia por entre os prédios, acordando todo o Brooklyn com um novo dia.
Lá embaixo algumas pessoas caminhavam apressadas, como se

tivessem um propósito tão cedo.


Aquilo me fez lembrar do meu próprio propósito para o Natal, e a
ansiedade me domou.
Apressei-me até o notebook para pesquisar as passagens de avião e tive
sorte de encontrar dois lugares num voo saindo na manhã da véspera,
chegaríamos em Los Angeles no fim daquela tarde. Confirmei a compra e
encaminhei as informações do embarque para Luke.
Estava feito.

Toquei minha testa com o dorso da mão, sentindo-me nauseada só de


pensar em ter de encarar meu passado.
Já que havia me decidido em ir, ao menos precisava aparentar o meu
melhor.
Voltei para o quarto, abrindo o meu closet e esperando por um milagre,
mas tudo o que encontrei foram roupas casuais e minha coleção de moletons
e blusas com frases estampadas.
— Cadê aquele meu vestido vermelho? — resmunguei, revirando o
closet de ponta-cabeça a fim de encontrá-lo.

Retirava as roupas dos cabides e as jogava em cima da cama ainda


desfeita quando alguém tocou minha campainha.
Parei e respirei fundo, dando as costas para minha bagunça e indo
atender à porta.

— Você não comentou sobre seus pais morarem no outro lado do país,
esquentadinha — Luke disse assim que me viu, agitando a tela do seu celular
com as informações do voo que eu tinha enviado na madrugada.
— Isso é um problema? Eu não pensei. — Mordisquei o canto da boca.
— Simplesmente me esqueci de avisar.
— Não, não é problema. — Seguiu-me para dentro do apartamento e
foi comigo até o quarto. — Mas sabendo que não vou poder dar uma
passadinha no trabalho durante esse período, preciso delegar algumas coisas.

Ele estacou no batente ao ver o caos de roupas e acessórios sobre a


cama, e levantou as sobrancelhas para mim.
Encolhi os ombros e suspirei, a curiosidade sobre o seu trabalho dando
lugar à preocupação de antes.
— Não tenho o que vestir na viagem. — Virei-me para o closet com
uma inexplicável vontade de chorar.
Ia muito além da vaidade, era questão de dignidade.
— O que há de errado com essas? — Luke perguntou, tocando nas
blusas com estampas nerds e de frases engraçadas sobre o colchão.

— Não posso usar isso, minha mãe as odeia. — Fiz uma pequena
careta. — Quero minimizar minha dor de cabeça quando estiver lá, e não vai
ajudar em nada tê-la me enchendo o saco sobre como me visto mal.
— Bem, eu gosto delas...

Um calor se espalhou em meu peito, mas o ignorei.


— Obrigada.
Voltei a minha atenção para a bagunça que fiz, deixando um longo
suspiro de resignação me escapar.
— Tem certeza de que é isso o que quer fazer?
Luke me fizera aquela mesma pergunta ontem, eu já estava insegura da
decisão que tomei, talvez não fosse mesmo uma boa ideia voltar lá, muito
menos enfiá-lo no meio de toda aquela confusão.

— Sabe, se está tão incomodado, não vou te obrigar ir — murmurei,


fingindo indiferença ao me virar de costas para ele e bisbilhotar meu closet.
— Posso pensar em outra coisa para você me pagar o favor.
— Não é por isso, quem parece incomodada é você — falou, sentado
na beirada da minha cama com suas longas pernas esticada à sua frente. —
Por que ir se, claramente, não quer?
Exalei baixinho e desisti de encontrar o vestido, era o melhor que eu
tinha, mas àquela altura achava que devia tê-lo deixado para trás quando me
mudei para Nova Iorque.

— Eu preciso fazer isso, Luke — disse ao me virar para encará-lo. —


Mesmo que odeie ter de voltar, não posso ignorar a minha família para
sempre.
— Ok. — Levantou-se e eliminou a nossa distância, segurando meu

rosto. — Mas se quer que eu finja ser o seu namorado, preciso saber o que
aconteceu, ou pelo menos como lidar com a situação.
Abaixei o olhar, mas assenti.
Tentei me esquivar desse assunto o quanto pude, mas Luke estava
certo, se eu quisesse que esse namoro de ficção parecesse legítimo, ele tinha
de saber.
— Tudo bem, mas com uma condição.
— Diga. — Seus polegares afagaram minhas bochechas, ateando fogo

nelas.
Desvencilhei-me sutilmente, deixando os cabelos cobrirem parte do
meu rosto para esconder minha reação ao seu toque.
— A cada informação minha que eu der, você tem que retribuir com
uma sua.
— Combinado — concordou.
— E outra coisa... — falei e ele riu, erguendo as sobrancelhas em
expectativa. — Precisamos de regras.
— Que tipo de regras?

— Do tipo como: “não se apaixonar” — respondi em tom de


brincadeira, porque aquilo era um grande clichê.
Criar essa regra seria como dizer que nos apaixonar fosse possível, ele
acharia uma grande bobagem.

Porém Luke não riu.


Pelo contrário, fitou-me calado.
Seus olhos intensos, fixos aos meus, desceram fugazes para os meus
lábios e então ele deu um passo para frente.
— Que mais? — perguntou baixinho.
Engoli em seco, tentando raciocinar com ele tão próximo.
— Sem beijos.
Ele mordeu o canto da boca, depois negou com a cabeça.

— Como iremos convencê-los de que estamos juntos se nunca nos


beijarmos?
— Ah... — Toquei meus lábios com as pontas dos dedos, assimilando
seu argumento. — Tem razão.
— Uhum. — Desceu as mãos até os meus quadris, segurando-me com
uma pegada forte e colando nossos corpos. — Se quisermos que acreditem
em nós, precisamos nos comportar como namorados.
— T-tudo bem — titubeei, espalmando o seu peitoral firme. — Mas
também não precisamos exagerar, né? — Soltei um riso estrangulado.

— Não estou exagerando, se fosse minha de verdade não conseguiria


tirar as mãos de você.
Meus pulmões entraram em colapso, perdi o ar e um pouco da razão
também, porque por um segundo cogitei implorar por uma respiração boca-a-

boca para ter logo os seus lábios nos meus.


Deus, eu estava há muito tempo na seca.
Não podia perder o controle e cair em tentação só porque fazia quase
um ano desde que fiquei com alguém.
Deveria me lembrar de que aquele homem em questão era um
mulherengo e que tudo não se passava de uma mentira.
E Luke só estava flertando comigo por brincadeira, obviamente.
— Engraçadinho. — Forcei um riso e o empurrei. — Concordo que

devemos nos comportar como namorados. Mas nada de exagero, não vai ser
necessário beijo de língua e pode controlando essas mãos bobas!
— Você é quem manda, Serena.
— Se sou eu que mando... — Tentei manter o clima leve entre a gente,
lançando um sorriso travesso. — Que tal você me acompanhar hoje? Preciso
de sua ajuda.
— Com o quê?
— Compras.
Ele esfregou a nuca, sorrindo de volta como se não acreditasse no que

estava prestes a dizer.


— Tudo bem — concordou e dei um pulinho. — Mas tenho que dar
um pulo no trabalho mais tarde, se não se importar.
Não me importava nem um pouco, além do mais, mataria a minha

curiosidade sobre ele.


Capítulo 7

“Ela não sabia, mas preparei minha armadilha. Será


que cairia nela?”
Luke Moretti

Aproximadamente uma hora mais tarde nos reencontramos no

corredor, foi o tempo de eu tomar um banho e trocar meu pijaminha por


roupas quentes. Luke, quando me viu, puxou a barra da minha blusa e abriu
aquele seu sorriso devastador.
— Gostei dessa — disse, lendo as palavras estampadas nela.
Olhei para baixo, tentando me lembrar qual era, pois vesti a primeira
coisa que vi pela frente. Tive que rir, porque aquela estampa traduzia bem os
meus sentimentos sobre voltar à California.
Se der, eu vou. Tomara que não dê.
Ergui a cabeça e aproveitei para admirá-lo rapidamente. Não sabia

como era possível, mas Luke estava mais lindo do que nunca com seus jeans
rasgados na altura dos joelhos, coturnos e camiseta preta simples com uma
jaqueta jeans por cima.
Ele era a personificação de um bad boy literário.
Pena que na vida real os bad boys não mudavam por amor como nos
livros, um romance com um homem desses estava fadado a um coração
partido.
Controlei meus pensamentos, varrendo aquela atração para um canto

obscuro da mente.
Ao sairmos pelo portão do prédio fomos brindados por uma lufada
forte de vento, fazendo-me estremecer. Luke deve ter percebido, porque no
mesmo instante passou seu braço por sobre meus ombros e me puxou para o

seu corpo quente.


Meus músculos se retesaram por um breve momento, pega de surpresa
com o gesto, mas o calor que ele emanava era gostoso demais, fazendo-me
derreter ao seu lado.
— Melhor? — sussurrou em meu ouvido, estremeci novamente, mas
daquela vez não foi de frio.
— Uhum, obrigada — agradeci com um sorriso, torcendo para que ele
pensasse que o meu rubor fosse por causa do vento.

— Para uma esquentadinha, você até que sente bastante frio —


brincou, apertando-me ainda mais contra si.
Caminhamos daquele jeito pelas ruas movimentadas do Brooklyn,
seguindo em direção à boutique que Cora havia me indicado.
Já pela vitrine da loja soube que seria difícil de escolher apenas alguns,
os vestidos eram maravilhosos. A vendedora foi simpática comigo, mas seu
olhar cheio de interesse sempre voltava para o homem ao meu lado, achei
aquilo rude.
E se Luke fosse meu namorado?

Revirei os olhos, mas compreendia a ruiva, era impossível não admirar


o cara.
Ela me ajudou a escolher algumas opções do meu tamanho, e fui
entregando-as para o Luke que estava se saindo um ótimo cabide pessoal.

— Se quiser, seu namorado pode esperar por você no lounge — falou


para mim, mas sua atenção estava em Luke, e apontou para o sofá que ficava
logo em frente aos provadores.
Ah, então a descarada ficava mesmo de olho nos namorados dos
outros?
— Obrigado — Luke a respondeu antes que eu pudesse abrir a boca e
corrigi-la sobre nosso relacionamento, naquele caso a falta de um.
Meu namorado de mentira pressionou a palma na minha lombar,

incendiando minha pele e me levando até o local.


Olhei por trás do ombro para fitá-lo e ergui uma sobrancelha.
— Você está levando esse acordo bem a sério, né? — cochichei para
que só ele me ouvisse. — Sabe, você só precisa fingir ser meu namorado
durante a viagem.
— É bom ir treinando. — Piscou para mim. — Para nos acostumar
com nossos toques e... — Desceu o olhar para meus lábios.
Resvalei a ponta da língua neles de forma instintiva, prendendo sua
atenção ali por mais tempo que o adequado.

— Beijos — completou a frase.


Senti o rosto queimar e dei graças a Deus por ter uma boa desculpa
para me esconder, entrando de imediato no provador e me trancando ali
dentro.

— Boa ideia — respondi através da porta que nos separava.


— Serena? — Luke soou divertido.
— Sim?
— Você se esqueceu das roupas.
Fiz uma careta, brigando comigo mesma mentalmente por ser tão
abobalhada. Inspirei fundo, forcei um sorriso e reabri a porta, aceitando os
vestidos que ele segurava para mim.
— Obrigada.

A primeira opção era um midi vermelho escarlate de um tecido


acetinado, o decote de coração acentuava meus seios, mas acentuava até
demais. Ou a vendedora me deu um número menor ou eu havia ganhado peso
depois de comer todos aqueles pãezinhos.
— O que acha desse, está muito apertado? — perguntei ao sair para o
lounge, distraída enquanto tentava ajustar o vestido na altura do busto.
— Porra...
Assustei-me com a escolha de palavra e subi os olhos para Luke, ele
me observava de um jeito que fez minha pele queimar.

— Você está linda, Serena. — Percorreu o olhar por meu corpo,


deixando trilhas de fogo pelo caminho. — Com certeza deve escolher esse.
— Bem, é só o primeiro vestido. — Tentei soar indiferente quando, na
verdade, meu coração estava acelerando no peito. — Vou experimentar os

outros.
Provei no total dez vestidos.
Luke não foi de muita ajuda, tudo o que eu vestia, ele gostava.
Por fim acabei comprando quatro, dentre eles o primeiro que vesti,
depois de me enxergar pelos olhos do meu vizinho nele, senti-me linda e
desejada.
Uma mulher deveria se sentir daquele jeito todo dia.
Mas como não era o meu caso, pelo menos agora tinha um vestido que

me deixava sexy. Deus sabia do quanto eu precisava me sentir assim na


Califórnia, bem comigo mesma, diferente de quando saí de lá.
Depois da boutique, acabamos passando em uma grande loja de
departamento, daquela vez foi para comprar alguns presentes de última hora.
Luke e eu nos separamos lá dentro, e aproveitei para encontrar algo para ele
sem que percebesse. Nós nos reencontramos depois do caixa, ele me
aguardava na saída e percebi que havia comprado algumas coisas também.
— Precisa ir em outro lugar? — perguntou tranquilo, tão diferente do
meu ex que à essa altura estaria reclamando da espera e arrumando desculpas

para não me acompanhar.


— Não, já tenho tudo o que preciso. — Ergui os braços cheios de
sacolas, ele as pegou para si como um exímio cavalheiro, livrando-me do
peso.

— Então a nossa próxima parada é o restaurante, está com fome?


— Morrendo!
Não demorou muito até chegarmos no lugar, havia uma pequena fila de
espera na entrada, mas meu vizinho passou direto por ela, fazendo-me
acreditar que tivesse feito uma reserva.
— Olá, Sr. Moretti! — a hostess cumprimentou Luke com um enorme
sorriso, suas bochechas tomando cor.
Pelo brilho de interesse e reconhecimento no olhar da moça, ou os dois

se conheciam intimamente, ou Luke era um cliente assíduo naquele lugar.


— Boa tarde, a sacada está ocupada? — Ele sorriu de volta para ela.
Mordi o interior das bochechas, sentindo uma sensação estranha no
peito.
Eu não era louca de sentir ciúmes do meu vizinho solteirão, né?
Devia ser só um mal-estar.
— Não, senhor. Ela é toda sua. — De algum jeito a hostess conseguiu
alargar o sorriso, e precisei conter um rolar de olhos com o seu interesse
óbvio no homem. — Deixe-me guardar as sacolas para o senhor. — Esticou

as mãos para pegá-las.


Luke as entregou de bom grado e logo a moça as guardou em algum
lugar atrás do balcão da recepção. Depois indicou para que a seguíssemos,
caminhando na nossa frente e nos guiando pelo ambiente intimista. Enquanto

atravessávamos o salão, percorri meus olhos curiosos pelo espaço, havia


garrafas de vinho dispostas em prateleiras nas paredes de tijolinhos, os lustres
pendentes eram de bom gosto e iluminavam as mesas de madeira rústicas que
estavam praticamente todas ocupadas.
Não tive tempo de bisbilhotar muito, pois logo subíamos os degraus até
o segundo andar onde ficava uma pequena área reservada com varanda, nela
uma mesa de dois lugares nos aguardava.
— Aqui é muito bonito — falei ao admirar a sacada florida, parecia

estarmos naquelas típicas casas italianas que víamos em fotos no Pinterest.


Luke sorriu, puxando a cadeira para eu me sentar.
— Tenham um ótimo almoço, logo o Carlo virá atendê-los — a hostess
comunicou, dando uma conferida sutil em Luke antes de nos deixar a sós.
Peguei o menu e escondi meu rosto atrás dele para liberar o revirar de
olhos que estive contendo.
Meu humor melhorou quando fixei meu olhar na logo do restaurante
estampado no papel, não tinha prestado atenção quando chegamos, mas ao
vê-lo no menu fiquei animada.

— Ah, aqui é o lugar de onde você trouxe aquela pizza deliciosa no


outro dia!
Luke assentiu, mordendo o canto da boca, parecia querer dizer algo.
— Olá, Sr. Moretti. — O atendente surgiu de repente. — Senhorita —

cumprimentou-me logo em seguida. — Já sabem o que vão escolher?


— Esse Fettuccine parece delicioso — murmurei, deslizando o
indicador pela imagem no menu.
— Um Fettuccine ao molho Alfredo para a senhorita, e um Linguine
ao Pesto para mim — Luke pediu, então desviou a atenção do atendente para
me fitar em questionamento. — Vinho?
Confirmei com um aceno de cabeça.
— Pode trazer o Sauvignon Blanc, por favor.

— É para já, chefe. — Carlo anuiu sorridente para o Luke e foi


embora, deixando-me estupefata.
— Espera, você trabalha aqui? — Ergui as sobrancelhas em surpresa.
— Bem, na verdade o restaurante é meu. — Ele riu, esfregando a nuca.
— Você estava escondendo o jogo por todo esse tempo!
Joguei meu guardanapo de pano em sua direção, arrancando outro riso
dele.
— Isso é demais, olhe para esse lugar! — Esquadrinhei o ambiente
com mais atenção, admirada. — Quando o inaugurou?

— Em janeiro vai fazer dois anos. — Mordiscou seu lábio inferior com
uma expressão mais séria. — Quando minha mãe se foi, há quatro anos,
herdei alguns bens da família. Por um tempo não soube o que fazer com o
dinheiro, fiquei um pouco perdido durante alguns meses...

Continuei em silêncio, com medo de interromper a história, queria


saber mais.
— Um dia encontrei seu livro de receitas, e me lembrei de como ela
amava cozinhar, era seu jeito de demonstrar amor. — Seus olhos cintilaram e
um sorriso doce brotou em seus lábios, tão atraente e cativante na sua
vulnerabilidade que um pedaço do meu coração foi tomado contra a minha
vontade.
— Então a ideia do restaurante surgiu, um tributo às minhas raízes.

— Parabéns, aqui é lindo.


— Obrigado.
Seu sorriso deu lugar a uma expressão mais séria, e meu pulso se
acelerou em expectativa. O lugar era romântico e, pela intensidade com a
qual me olhava, alguém de fora poderia pensar que estivéssemos em um
encontro.
Ainda bem que eu não era iludida ou louca como aquela loira do
elevador, sabia se tratar de um simples almoço entre amigos.
Mas eu precisava me lembrar disso sempre que ele me olhava daquele

jeito, Luke tinha uma perigosa habilidade de levar as mulheres à loucura, e eu


deveria tomar cuidado para não ser uma de suas vítimas.
— Agora que soube algo sobre mim, você me deve uma informação
sua em troca — ele falou, recordando-me do nosso acordo.

— Você não perde uma, não é? — Apoiei o queixo em uma mão,


suspirando. — Tudo bem, o que quer saber?
— O que aconteceu entre você e sua família?
Engoli em seco, sentindo o sangue gelar.
— Será que podemos entrar nesse assunto mais tarde, de preferência
depois do almoço? — Segurei a borda da mesa com força, tentando controlar
o súbito mal-estar. — Não quero estragar nosso apetite.
Uma ruguinha se formou em sua testa e seus olhos analisaram o meu

rosto com minúcia antes de concordar.


— Ok. Então me conte um segredo.
— Hum... — Pressionei meus dentes no lábio, tentando pensar em algo
que não me constrangesse tanto. — Todos os vilões dos meus livros têm
características de pessoas reais na minha vida que me magoaram um dia, e
sinto grande satisfação em puni-los nas histórias.
Luke me encarou em silêncio por um segundo, assimilando minhas
palavras, depois jogou a cabeça para trás num riso estrondoso.
Sua reação foi tão espontânea e engraçada que acabei rindo também.

— Então se não quiser aparecer como um vilão em um dos meus


livros, é melhor tomar cuidado — disse, apontando para ele em advertência.
— Eu sou basicamente a versão literária da Taylor Swift.
— Vou manter isso em mente.

Nossos pratos chegaram naquele instante, o atendente parecia conter


um sorriso e corei ao notar que ele tinha ouvido minha confissão enquanto se
aproximava.
— Agora é a sua vez de me contar algo — falei quando voltamos a ter
privacidade. — Quantos anos tem?
— Vinte e seis, e você?
— Vinte e cinco. — Não pensei muito na próxima pergunta. — Já
esteve em um relacionamento sério?

— Sim — respondeu com a voz grave, surpreendendo-me. Parecia


incomodado e aquilo me instigou. Quando foi que aconteceu? Com quem?
Ele a amou? Quem foi que terminou? Mas Luke jogou a pergunta para mim
antes de entrar em detalhes. — E você?
— Também — falei, enrolando o macarrão no garfo e pensando numa
forma de mudar o assunto pra algo mais leve. — Livro favorito?
— Hum... — Levou sua taça de vindo à boca, ponderando. — Antes eu
diria O Hobbit, sem sombras de dúvidas, mas atualmente estou lendo um que
pode mudar minha opinião.

— Oh... — Deixei escapar um suspiro. — Você realmente gosta de ler,


ou só está tentando impressionar uma escritora? — gracejei.
— Se você tivesse entrado no meu quarto não estaria fazendo essa
pergunta. — Riu. — As prateleiras de livros tomam boa parte da parede.

Aquela informação enfraqueceu o muro no qual trabalhei meses para


erguer dentro de mim. Podia sentir a convicção de me manter
emocionalmente distante ruindo, e gravitei em sua direção, inclinando-me
para perto.
Luke conseguiu ficar ainda mais atraente, o que era um absurdo.
Mais absurdo ainda era o meu coração agitado no peito.
Contive-me antes que fizesse papel de boba e encostei-me no apoio da
cadeira, afastando-me de supetão.

— Verdade? — Tentei soar blasé, ignorando meu surto interno. — Me


deixou curiosa, que livro é esse que está lendo?
— Depois te conto. — Piscou para mim, segurando seu garfo e
mudando a atenção para a comida à sua frente.
Começamos a comer antes que o almoço esfriasse, mas não deixamos
de soltar algumas perguntas entre uma garfada e outra.
Descobri que Luke era filho único e, da sua família, somente seu pai e
seus avós paternos estavam vivos, mas raramente os via, pois moravam na
Itália.

Em contrapartida, contei sobre minha mudança para Nova Iorque,


deixando a Califórnia para trás a fim de morar próxima da minha melhor
amiga. Mas ocultei alguns detalhes importantes que me levaram a tomar essa
decisão, era um assunto para outro momento.

— Vamos precisar de muito mais que um almoço para nos


conhecermos melhor, com certeza vão nos perguntar sobre coisas pessoais —
comentei depois de comer o último pedaço do tiramisù. — Ah, e se
perguntarem como nos conhecemos?
— Contamos a verdade. — Abriu um sorriso travesso. — Que você
não resistiu ao charme do vizinho bonitão — brincou.
— Você se acha demais. — Tentei soar séria, mas acabei rindo.
Luke esticou um braço por cima da mesa e segurou minha mão na sua,

fazendo-me arfar em surpresa.


— Vai se acostumando, Serena — falou, entrelaçando nossos dedos.
— Você não pode ficar tensa sempre que eu te tocar.
— D-desculpa, não estava esperando por isso — titubeei.
— Essa é a questão. — Sorriu, acariciando meu polegar. — Não dá
para ensaiar cada movimento, você precisa se sentir confortável comigo.
— Tem razão — sussurrei, relaxando o corpo.
— Tenho uma ideia. — Soltou a minha mão para deslizar seus dedos
no meu braço, arrancando-me um arrepio quente. — A partir de agora vou te

tocar assim, sem aviso, com o tempo vai se tornar natural.


Assenti em silêncio, mas duvidava muito que chegasse o dia em que
um simples contato do Luke não eletrizasse minha pele e descompassasse
meu coração.

Mais tarde, quando voltamos ao nosso prédio, Luke me acompanhou


até o meu apartamento com as sacolas de compras nos braços e as colocou no
balcão da cozinha antes de se sentar em uma banqueta.
Acomodei-me ao seu lado, não escaparia novamente da sua pergunta e,
antes que ele pudesse repeti-la, comecei a falar.
Afinal, havia prometido.
— Aconteceu no ano passado, nas férias de fim de ano. — Cerrei as
pálpebras, como se não quisesse enxergar aquela lembrança, mas era

impossível.
Luke afagou minhas costas, a cadência suave dos seus dedos para cima
e para baixo acelerou meu pulso, mas de uma forma estranha também me
acalmou.
— Eu e William estávamos juntos há seis meses, achava até que ele ia
me pedir em noivado, a namorada do melhor amigo dele ouviu uma conversa
entre os dois e me confidenciou. — Continuei de olhos fechados. — Mas
tudo mudou quando William bateu os olhos na minha irmã.
O movimento acalentador em minhas costas parou abruptamente.

— Não... — Luke murmurou.


Soltei um riso alquebrado e assenti.
— Até então Sarah e William não se conheciam, mas naquela semana
ela havia voltado da faculdade para passar as férias em casa. — Abri os olhos

e os mirei no homem ao meu lado. — No início fiquei feliz em ver o


entrosamento dos dois, não maldei a familiaridade deles.
— Porra, Serena. — Luke fechou a expressão e se levantou,
abraçando-me por trás. — Não precisa dizer mais nada...
— Preciso — proferi baixinho. — Quero colocar para fora, talvez
assim não doa tanto aqui dentro.
Seus lábios pressionaram o topo da minha cabeça e seus braços me
envolveram com mais intensidade.

— Naquele dia minha mãe estava no clube com o meu padrasto.


William e Sarah aproveitavam a piscina quando fui me encontrar com uma
amiga, mas ela cancelou assim que saí com o carro, quando voltei para casa
flagrei os dois transando.
Luke me girou na banqueta até ficarmos de frente um para o outro,
encostou sua testa na minha e me fitou com olhos soturnos.
— Eles te machucaram da pior forma — sibilou, como se sentisse
minhas dores. Como se entendesse. — E sua mãe, falando contigo daquele
jeito...

— Bem, nunca foi segredo de que Sarah é a sua filha predileta, acho
que eu me pareço demais com meu pai, ele a traiu e se casou com a amante
quando eu tinha três anos. Sarah é minha meia irmã.
Luke contraiu os músculos do rosto, sabia o quanto aquilo o fez pensar

na minha mãe como uma hipócrita e um tanto traiçoeira com meus


sentimentos, mas havia uma explicação.
— Ela não sabe o que aconteceu naquele dia, em seu entender Sarah e
William só ficaram juntos depois que eu terminei com ele e parti seu coração.
— Forcei um riso e rolei os olhos. — Não adiantaria muito se soubesse da
verdade, sempre serei a ovelha negra da família mesmo.
Luke trincou o maxilar com força e, antes de pensar no que estava
fazendo, tentei suavizar a expressão sombria em seu belo rosto com as pontas

dos meus dedos.


— Qual é o seu plano? — perguntou baixinho. — Você quer minha
ajuda para fazer ciúmes no seu ex-namorado, é isso? Quer se vingar da sua
irmã? — Proferiu as palavras como se elas deixassem um gosto amargo na
boca.
— Não! — Arregalei meus olhos, negando enfaticamente com a
cabeça. — Mas essa será a primeira vez em que os verei desde o término, não
quero me sentir como uma perdedora.
— Você está longe de ser uma, Serena. Eles é que são uns idiotas por

terem traído a sua confiança. — Buscou por minhas mãos e entrelaçou nossos
dedos. — Os perdedores são eles, literalmente perderam alguém especial.
— Obrigada. — Funguei, tentando conter as pequenas lágrimas que se
formavam. — Mas de qualquer forma sinto medo, não quero desmoronar ao

confrontá-los. Vai ser mais fácil com você ao meu lado para amortecer a
queda.
— Pode contar comigo, eu não te deixarei cair.
Capítulo 8

“Deveria ter ganhado uma estatueta de ouro por


manter o controle e fingir não ter me afetado. Eu
estava caindo na minha própria armadilha, e nem
queria sair dela.”
Luke Moretti

— Vocês o quê?! — Cora gritou no outro lado da linha, fazendo-me


afastar o celular da orelha. — Oh, meu Deus! Eu sabia!
Finalmente havia tomado coragem para contá-la sobre o trato que fiz
com meu vizinho, hesitei tanto em dizer exatamente porque sabia que reagiria
desse jeito. Mas Cora era a minha melhor amiga, sempre contava tudo para
ela. Além do mais, precisava de uma ajudinha para arrumar minha mala e ela
era expert nisso, pois sempre viajava em turnê com o noivo.
Ah, sim, Cora estava noiva de um astro do rock, mas essa história era

ela quem deveria contar.


— Por favor, amiga, não exagere — falei, rindo de nervoso. — Eu e
Luke não estamos namorando de verdade, é tudo ficção.
— É assim que começa, Serena! — proclamou animada, fazendo-me
suspirar em resignação. — Todo mundo sabe que namoro de mentira é uma
desculpa para o casal ficar junto. A linha tênue entre o que é ficção e o que é
real está fadado a se romper.
— Isso não vai acontecer — respondi, embora uma vozinha na minha
mente me perguntasse se eu tinha tanta certeza daquilo.

— Cinquenta.
— Quê? — Uni as sobrancelhas sem entender.
— Aposto cinquentinha que vocês vão se apaixonar.
Soltei um riso alquebrado, sentindo suor frio brotar na nuca.

— Você vai perder — avisei, virando-me na direção da minha mala


aberta sobre a cama. — Agora é sério, será que pode vir aqui me ajudar? O
voo sai amanhã cedo e tenho uma sensação de que estou me esquecendo de
algo.
— Tá se esquecendo sim.
— Do quê? — perguntei, olhando ao meu redor, sem me questionar em
como ela poderia saber se nem estava ali.
— De separar o dinheiro para me dar, porque quem vai perder essa

aposta é você. — Riu e desligou na minha cara.


Antes que eu pudesse xingá-la e ligar de volta para confirmar se afinal
ela viria me ajudar ou não, recebi uma mensagem.
Cora: Estou a caminho!
Aproximadamente meia hora depois ela entrava no meu apartamento
com um sorriso desaforado, sua sorte era que eu a amava, senão viraria vilã
no meu próximo livro só por causa do deboche.
— Temos vinho? — perguntou, remexendo na minha cozinha como se
fosse de casa, e era mesmo.

— Sim, mas não vou beber com você porque não quero viajar com
ressaca.
Cora encontrou a garrafa e se serviu, então me acompanhou até o
quarto.

— Vamos lá — falou por trás da taça ao observar minha bagagem


aberta, dando um gole da bebida antes de continuar. — Você fez uma lista?
— Sim, mas posso ter me esquecido de anotar algo. — Caminhei até a
escrivaninha, pegando meu bloquinho de notas e entregando-o para ela.
Conferimos juntas item por item, até que, na parte das roupas íntimas,
Cora me encarou, segurando a bolsinha organizadora.
— Por favor, me diga que aqui dentro tem lingeries sensuais e não
calcinhas de vovó. — Ela abriu o zíper para espiar o que tinha dentro,

soltando um gritinho animado. — Alguém está planejando um momento


quente com o namorado de mentira!
— Não é nada disso que está pensando. — Arranquei a bolsa de sua
mão, rindo. — Gosto de usar lingeries bonitas por baixo das roupas
confortáveis, é meu segredinho. Me sinto sexy mesmo vestindo moletom.
— Sei... — disse em tom irônico em meio a risinhos, então voltou sua
atenção para a mala. — De acordo com a lista, está tudo aqui. Mas você se
esqueceu do biquini, não vai aproveitar aquela piscina aquecida?
Um calafrio subiu pela minha espinha, imagens desagradáveis do meu

ex-namorado com a minha irmã dentro da água estavam gravadas na


memória.
— Sequer chegarei perto daquela piscina. — Fiz careta, estremecendo.
— Então não tenho porquê levar biquini.

— Você quem sabe, mas se fosse eu aproveitava. — Deu de ombros.


Cora sabia da traição, mas nunca entrei em detalhes de como e onde
aconteceu. Portanto não fiquei ofendida com seu comentário, pois ela não
compreendia a razão da minha recusa.
— Já sei o que faltou nessa lista — comentou logo em seguida. — Os
sapatos e acessórios!
Estapeei minha testa, sentindo-me uma idiota.
— O que eu faria sem você?

— Andaria descalça, pelo visto. — Riu, balançando a cabeça.


Quando abri o closet para ver minhas opções, Cora praticamente me
ameaçou a levar a Louboutin vermelha de saltos altíssimos que eu havia
comprado numa rara loucura consumista, mas nunca tive coragem de usar.
Não refutei porque realmente aquela era a ocasião perfeita para calçá-
la e combinava impecavelmente com os meus vestidos novos.
Só rezava para não torcer meus tornozelos naqueles saltos finos.
— Obrigada, amiga — falei ao fechar a mala. — Sério, estou tão
preocupada com essa viagem que mal consegui fazer uma lista decente.

— Por nada, mas tem outra coisa importantíssima que não está
levando.
— O quê?
Ela abriu sua bolsa, retirando de lá alguns preservativos.

— Não vou precisar disso, sua louca! — Ri, sentindo o coração


acelerado.
— Não custa nada levar, é sempre bom se prevenir. — Ergueu as
sobrancelhas, insistindo ao colocar as camisinhas na minha mão.
Bufei, mas aceitei, colocando-as no compartimento externo da mala.
— Pronto, satisfeita? — falei ao fechar o zíper.
— Muitíssimo. Pode contar comigo para qualquer coisa, sabe disso —
disse enquanto conferia algo no celular com um largo sorriso. — Escuta,

preciso voltar para casa. Você vai ficar bem?


— Vou sim, pode voltar para o seu noivo — respondi, adivinhando
com quem ela estava conversando por mensagem.
— Não se esqueça da nossa chamada de vídeo no Natal! — Puxou-me
para um abraço. — Já vou, mas antes preciso fazer xixi, bebi demais — falou
rindo, andando apressada até o banheiro.
Esperava por Cora na sala para me despedir direito antes que fosse
embora, quando uma batida se fez ouvir, antes que eu pudesse conferir quem
era à porta, ela se abriu.

— Oi, estava aberta — Luke falou, entrando sem cerimônias.


— Oh, devo ter me esquecido de trancar...
Ele me alcançou em poucas passadas, interrompendo minha linha de
raciocínio ao segurar meu rosto entre as mãos e resvalar suavemente seus

lábios nos meus. Apesar do contato ter sido breve, deixou rastros de fogo em
minha pele, devastando-me.
— Tudo pronto para amanhã, namorada? — perguntou com a voz leve,
como se não tivesse acabado de me roubar um beijo. Então se afastou
minimamente para me fitar.
Aqueles olhos de diamante me fitavam tão de perto que tive medo, era
como se ele pudesse ler meus pensamentos, como se pudesse decifrar cada
batida do meu coração. Ambos diziam coisas inadequadas, coisas que ele

jamais poderia saber.


Assenti muda, completamente pega de surpresa, embora tivesse
concordado sobre os toques ocasionais, não esperava por aquele beijo.
Não esperava sentir cada molécula do meu corpo se acendendo como
uma maldita árvore de Natal.
Seu beijo ligou algum interruptor dentro de mim, desnorteando-me até
que eu me acostumasse com a luz depois de tanto tempo presa no escuro.
— Hum. — Cora limpou a garganta para se fazer presente e
praticamente pulei para longe do Luke no susto, tinha me esquecido

completamente dela.
— Ah, oi! Não sabia que estava aqui. — Meu vizinho a cumprimentou
com um sorriso fácil.
Sua reação despretensiosa só serviu para me lembrar de que nada era

real, e eu precisava me certificar de não confundir seu afeto como algo além,
ele só estava cumprindo o combinado.
— É, eu percebi — Cora respondeu com um brilho divertido nos olhos.
— Eu já estava de saída, mas queria desejar a vocês uma boa viagem
amanhã.
— Obrigado — Luke agradeceu, colocando as mãos dentro dos bolsos
da calça jeans.
— Obrigada, amiga. — Aproximei-me dela que já rumava em direção

a saída.
Antes de ir, virou-se para mim no batente e me abraçou.
— Ele te quer! — sussurrou no meu ouvido.
Suas palavras eram ludibriantes, acelerando meu pulso com a mínima
probabilidade.
— Não quer não. — Balancei a cabeça em negativa, forçando um riso.

O que você viu foi ilusão de ótica.
— De onde eu estava parecia muito que ele te beijou — cochichou,

afastando-se para me encarar com as sobrancelhas erguidas.


Soltei um suspiro, bisbilhotando por trás para ver se Luke estava por
perto correndo o risco de nos escutar, mas ele parecia distraído com os livros
na minha estante.

— Não foi nada demais, nós combinamos para não parecer falso
quando estivermos na frente da minha família.
Minha amiga comprimiu os lábios como se contivesse um riso, sua
expressão de descrença era nítida.
— Quê? — reclamei baixinho para Luke não nos escutar. — É a
verdade!
— Nada. — Atravessou a porta, acenando em despedida. — Só estou
pensando no que vou gastar com o dinheiro que ganharei da aposta — falou

do corredor e explodiu em risos.


Mostrei a língua para ela e então fechei a porta.
Precisei respirar fundo a fim de acalmar meus batimentos cardíacos
antes de voltar para a sala.
— Está tudo bem? — Luke perguntou tão logo me viu.
— Sim, tudo ótimo! — Disfarcei minha ansiedade por trás do tom
vibrante.
Ele se aproximou, parando de frente a mim.
— Queria confirmar com você sobre amanhã — falou ao segurar uma

mecha do meu cabelo entre os dedos. — Saímos daqui às seis e meia, certo?
— Isso — murmurei, forçando-me a não reagir com a sua
aproximação.
Mas quando Luke colocou a mecha para atrás da minha orelha, naquele

gesto agora tão familiar, os nós dos seus dedos afagaram minha pele,
fazendo-me estremecer.
— Então é melhor irmos dormir se quisermos tirar algumas horas de
sono. — Afastou-se.
— Ok. — Foi tudo o que consegui dizer.
— Boa noite, esquentadinha.
— Noite — respondi, observando-o ir.
Já não tinha tanta certeza se sairia ilesa desse acordo, mas era tarde

demais para cancelar a viagem.

O trânsito de Nova Iorque na véspera do Natal estava infernal e, apesar


de termos saído de casa com bastante antecedência, chegamos no aeroporto
em cima da hora e por pouco não perdemos o embarque.
Quando nos acomodamos em nossos assentos, finalmente pude relaxar
e até pensei que pudesse tirar um cochilo já que não havia dormido direito na
noite anterior.

Mas assim que o avião tomou velocidade na pista e alcançou voo, a


percepção do que fazíamos e para onde estávamos indo me acertou como um
soco no peito, arrancando-me o fôlego.
Deus, eu estava mesmo voltando à Los Angeles depois de tudo?

— Serena, você está bem? — Luke soou preocupado e afagou as


minhas costas enquanto eu lutava em busca do ar.
— N-não consigo respirar.
— Venha cá. — Me abraçou de lado, pressionando minha cabeça
contra seu peitoral. — Você está hiperventilando, siga o movimento do meu
peito, tente controlar a respiração.
Ele inspirou fundo e soltou o ar devagar, tentei imitá-lo, mas meu
coração estava acelerado demais.

— Não estou pronta — ofeguei, agarrando sua camisa.


— Ei, vai dar tudo certo — falou com a voz mansa, tentando me
acalmar.
— Não estamos preparados, e se me perguntarem algo sobre você e eu
acabar estragando tudo? Droga, nem sei quando é o seu aniversário!
— Dia vinte e dois de fevereiro — respondeu, beijando minha
têmpora. — Fique calma, minha linda. Temos algumas horas pela frente.
Pode me perguntar tudo o que quiser saber.
Amoleci, aconchegando meu rosto nele e inspirando fundo o seu

cheiro reconfortante.
— Ok, tem razão — sussurrei mais tranquila, suas carícias acalentando
as batidas do meu coração. — Aliás, o meu aniversário é no dia quinze de
janeiro.

— Bom saber, está perto. — Acarinhou meu cabelo. — Já sabe como


quer celebrar?
Neguei, erguendo a cabeça a fim de encará-lo.
— Que tal no seu restaurante? — Mordi o lábio. — Seremos só eu,
você, Cora e talvez o noivo dela se ele topar sair disfarçado.
— Disfarçado?
— Sim — confirmei rindo. — Ele é o Alec Baine.
— Espera, daquela banda de rock?

— Sim. — Assenti. — Os paparazzis o perseguem caso não tome


cuidado.
— Bem, podemos reservar a sacada que é a área mais exclusiva. E dá
para ter acesso às escadas pela entrada dos fundos, assim ele não precisa se
preocupar em ser reconhecido por clientes.
— Obrigada, vai ser perfeito!
— Por nada, esquentadinha. — Sorriu para mim. — Quer me fazer
mais perguntas?
Concordei e passamos as próximas duas horas conversando. Falamos

sobre a faculdade, ele se graduou em administração de negócios em NYU e


eu contei sobre como desisti do direito em UCLA para estudar literatura e
escrita criativa. Quando mencionei sobre a minha mãe ter se decepcionado
com a minha escolha, Luke me apertou em seu braço, murmurando o quanto

tinha orgulho de mim e do caminho que percorri. Precisei piscar algumas


vezes para dissipar as lágrimas que tentaram brotar nos olhos.
— Ainda não sei o nome da sua mãe, e nem do seu padrasto — ele
falou, percebendo de súbito.
— Ela se chama Silvya, e ele Harold. — Fisguei o lábio inferior,
contendo uma careta. — Mas provavelmente irão te fazer chamá-los de
senhor e senhora Price. Eles gostam de formalidades.
— Pensei que o sobrenome fosse Halle. — Franziu a testa.

— Eu sou a única Halle — murmurei. — Não recebi o sobrenome do


Harold quando mamãe se casou com ele, continuei com o do meu pai
biológico, mesmo que ele nunca tenha sido um pai para mim.
Não que Harold fosse, na verdade nunca me senti totalmente parte da
família.
Sempre fui a diferente, deslocada, a filha indesejada.
Mas não precisava dizer isso ao Luke, logo ele veria com os próprios
olhos.
Um bocejo me escapou e me ajeitei no assento, aninhando-me ao lado

do Luke.
— Acho que já sabemos o suficiente, namorada. — Depositou um
beijo no topo da minha cabeça. — Tente descansar um pouco.
— Ok... — Fechei as pálpebras, mas Luke se movimentou ao meu

lado, e abri um olho para espiar o que fazia.


Ele havia retirado um livro de dentro da sua bagagem de mão, o abriu
na página marcada e começou a ler de onde parou. Pelo número da página já
estava quase terminando a história.
Senti meu peito se aquecer e calor subir pelo rosto.
— Você está lendo meu livro? — indaguei boquiaberta.
Luke sorriu e me lançou uma piscadela.
— Lembra quando me perguntou sobre o meu livro favorito?

— Uhum...
— Bem, eu estava certo, esse aqui subiu no topo da lista.
Bem ali, naquele instante, ele conseguiu roubar outro pedacinho do
meu coração. Precisei de muito esforço para não cair na doce ilusão e acabar
entregando-o todo o resto.
Luke era como um personagem fictício, por mais que eu gostasse dele
nada aconteceria entre nós, porque nosso romance não existia na vida real.
Era tudo mentira.
Capítulo 9

“Eles a enxergavam como um patinho feio, quando na


verdade ela era a porra de um belo cisne. O que havia
de errado com aquela gente?”
Luke Moretti

Depois de oito horas de voo, com uma pequena parada em Denver,


chegamos exaustos no aeroporto de Los Angeles. Perguntava-me a todo
instante o porquê me submeti àquilo se nem ao menos queria ter vindo. Mas
no fundo sabia que precisava daquele confronto, talvez fosse a página final
ou o recomeço com a minha família, não podia continuar evitando a trama da
minha própria história para sempre.
— Para onde? — o motorista do táxi perguntou enquanto nos ajudava a
colocar nossas bagagens no porta-malas.
— Beverly Hills — murmurei ao passar o resto do endereço, sentindo-

me estranhamente constrangida.
Até então havia omitido o fato da minha família ser rica porque não
queria que Luke pensasse diferente sobre mim ou desistisse de vir comigo
por não se sentir à vontade. Porém ele não disse nada, sequer parecia se
incomodar com aquela informação e se acomodou no banco do passageiro,
observando calmamente a cidade passar pela janela. Ao contrário de mim
que, quanto mais nos aproximávamos do nosso destino, mais o meu pulso se
acelerava e meus pés batucavam o assoalho.

Uma mão grande apertou minha coxa, estacando meus movimentos e


alastrando calor por minha pele. Arfei baixinho, virando o rosto em sua
direção, Luke se inclinou para perto e me beijou no canto da boca ao passo
que seus dedos subiam e desciam por minha perna.

Fechei os olhos ao ser inundada por uma sensação acalorada, seus


toques sutis e o suave resvalar dos lábios macios em minha pele estimulavam
minhas terminações nervosas, abrasando meu corpo inteiro.
— Luke — soprei seu nome, curvando o pescoço ao sentir seus beijos
trilhando caminho por ele até alcançarem meu ombro.
Se a sua intenção era me distrair, ele conseguiu.
Não pensava em nada além dele e das sensações que me
proporcionava.

— Estou aqui — respondeu, soltando a minha perna para cingir minha


cintura e me puxar contra si, aninhando-me em seu peitoral firme. — Não
vou te deixar cair, lembra?
— Sim — sussurrei, embora pensasse ser tarde demais.
Eu me encontrava na beira do precipício, um passo e estaria em queda
livre. E pelo modo como ele fazia meu coração tropeçar, o risco era grande.
Afundei o nariz em sua camisa, sorvendo discretamente o seu cheiro
delicioso e descansei a cabeça sobre o seu peito. Deixei-me ser embalada
pelas batidas cadenciadas do seu coração, e não me preocupei pelo restante

do trajeto. Levamos cerca de quarenta minutos no trânsito, por conta do fuso


horário ainda era fim de tarde em Los Angeles, não se passava das cinco, mas
o sol já findava ao horizonte em tons de laranja e lilás. Quanto mais o carro
subia pela encosta, mais eu podia ver do meu lado da janela a cidade lá

embaixo, até que o motorista manobrou no recuo e parou em frente ao portão


da mansão.
— Chegamos — murmurei, subitamente com falta de ar e com o peito
dolorido de tanto que meu coração o esmurrava.
— Vocês preferem que eu entre com o carro? — o taxista inquiriu, nos
olhando pelo retrovisor.
— Não precisa, pode nos deixar aqui mesmo — respondi enquanto
buscava pela carteira dentro da bolsa, mas Luke foi mais rápido do que eu e

pagou pela corrida.


— Está pronta? — ele me perguntou antes de sairmos do carro,
segurando minha mão para beijá-la logo em seguida.
— Não. — Ri de nervoso. — Mas é muito tarde para desistir agora.
Pegamos nossas bagagens e, antes de sinalizar nossa chegada através
do interfone, precisei inspirar fundo para me acalmar.
— Sabe, se mudar de ideia é só me dizer — Luke falou ao meu lado,
alternando seu olhar de mim para o portão de ferro. — Posso te levar daqui
num piscar de olhos, é só me dar um sinal.

— Obrigada, namorado. — Usei o apelido, testando-o nos lábios. Ele


sorriu para mim, exultante. — Mas qual seria o gesto? — Entrei na
brincadeira, vai que eu precisasse mesmo de um resgate?
— Que tal assim? — Lançou-me uma piscadela. — É sutil e vão

pensar que estamos simplesmente flertando.


— Ok, mas não sei piscar com um olho só — avisei. — Então se por
acaso minhas pálpebras tremerem e eu parecer estar sofrendo um AVC, esse
é o sinal.
Ele jogou a cabeça para trás e riu, fazendo-me rir também e dissipando
um pouco do meu nervosismo.
Finalmente apertei o botão do interfone e, em segundos, a governanta
nos atendeu, liberando nossa entrada.

Arrastamos nossas malas de rodinhas pelo caminho pavimentado até a


casa onde uma senhora de meia-idade vestindo uniforme nos aguardava à
porta. Não a reconheci da época em que morava aqui, devia ter sido
contratada após a minha mudança.
— Boa tarde, deixe-me ajuda-los com as bagagens. — Soou polida,
esticando os braços finos.
— Ah, não se preocupe, posso levar — Luke disse rapidamente,
abrindo um sorriso afável para a mulher.
Gostei de como ele não se aproveitou da situação, diferente do meu ex-

namorado que gostava da mordomia e nunca levantava um dedo para nada.


Éramos perfeitamente capazes de carregar nossas coisas e, pelo aspecto
cansado e desalinhado da senhora, sabia que minha mãe a tinha mantido
ocupada o dia inteiro com as preparações da ceia.

— Se insistem — ela anuiu, abrindo caminho pela porta dupla de


madeira e nos guiando para dentro.
Atravessamos o hall de entrada, passando em seguida por entre a
movimentada cozinha onde funcionários preparavam as refeições e a sala de
jantar com a ampla mesa sendo arrumada para a ceia. Quando chegávamos à
sala de estar enrosquei meu braço livre no do Luke, precisando do seu apoio
para o que estava por vir, ele abaixou seu rosto e beijou o topo da minha
cabeça.

No entanto, o espaço estava vazio, com exceção dos móveis e das


decorações. Apesar de eu ter compartilhado as informações do nosso voo
para a minha mãe, ela não estava ali para nos recepcionar e precisei engolir o
nó que se formou na garganta.
Havia uma enorme árvore de Natal em um canto da sala abarrotada de
presentes. E logo ao seu lado, meias natalinas com nomes bordados estavam
penduradas na lareira.
— Cadê a meia com o seu nome? — Luke sussurrou ao pé do meu
ouvido.

Encolhi os ombros, ignorando a ardência nos olhos. Depois de tanto


tempo pensei que não me abalaria com nada, mas estava engada.
— Não moro aqui.
— Mas até o seu ex tem uma — falou, franzindo a testa num misto de

indignação e perplexidade. — Se quiser posso escrever seu nome na minha


meia e colocar ali.
— Vai espantar o papai Noel com seu chulé — cochichei rindo,
recebendo cócegas nas costelas em retaliação.
— Não tenho chulé, sou todo cheiroso.
Não duvidava que fosse, ele tinha um perfume delicioso e eu já estava
me viciando nele.
A governanta nos espiou por sobre o ombro para se certificar de que a

seguíamos, então subiu as escadas.


— Vocês ficarão aqui — avisou ao abrir a porta de um dos quartos de
hóspedes. — Há toalhas na suíte e amenidades, se precisarem de alguma
coisa não hesitem em pedir.
— O-obrigada — titubeei, olhando para o cômodo impecavelmente
arrumado. — Mas pensei que eu fosse ficar no meu antigo quarto?
— Não, senhorita. Aquele aposento foi transformado em sala de arte.
— Alisou seus fios presos no coque, parecia constrangida por ser a pessoa a
ter de me informar aquilo.

— Oh... — Mordi o lábio inferior e assenti. — Tudo bem.


— A ceia será servida às seis, enquanto isso fiquem à vontade. — Fez
menção de sair, mas a impedi.
— Espere — murmurei, olhando rapidamente para o Luke que levava

nossas malas para dentro do closet. — Hum, eu e meu namorado não estamos
juntos há muito tempo, será que não tem outro quarto disponível?
— Desculpe. — Negou com a cabeça.
Num suspiro fechei a porta, andei até a cama gigantesca e me sentei,
sentindo-me sem energias.
— Ei, por que esses olhos tristes? — Luke surgiu ao meu lado,
afundando o colchão com o seu peso. — Se está preocupada em dividir a
cama comigo, posso dormi ali. — Apontou para o divã perto da janela.

Tive de rir, ele não caberia ali nem se estivesse dobrado ao meio.
— Não seja bobo.
Empurrei seu braço, amenizando o clima.
Ele viajou por mim e enfrentaria dias torturantes com minha família,
seria demais se dormisse de mal jeito também.
— Essa cama é tão enorme que, se dormirmos cada um em uma ponta,
sequer escutarei os seus roncos — complementei em tom de brincadeira,
embora por dentro surtasse.
Seria tentador demais me deitar com ele, e eu já estava por um fio.

Acabaria agarrando-o na madrugada e jogaria a culpa no sonambulismo


depois para salvar minha dignidade.
— Que bom que eu não ronco, namorada. — Sorriu, balançando as
sobrancelhas. — Assim posso dormir pertinho de você.

— Vai sonhando. — Escondi meu rubor ao abaixar o rosto, apoiando


minha cabeça em seu ombro. — Você realmente está bem com tudo isso?
— Não se preocupe comigo, ok? — Pressionou seus lábios em meus
cabelos. — Estou aqui por você, e para o que precisar.
Decidi tomar meu banho primeiro enquanto Luke tirava suas coisas da
mala e as guardava no closet.
Havia me esquecido de levar roupas para o banheiro e saí de lá
enrolada na toalha. Senti-me linda e constrangida ao mesmo tempo quando

Luke percorreu deliberadamente o seu olhar por meu corpo, foi tão quente e
sensual que evaporou as gotas d’água que escorriam em minha pele.
Ao menos foi essa a sensação que tive.
Depois ele murmurou algo, virou-se de supetão e se trancou no
banheiro.
Tive a impressão de que demorou além da conta no chuveiro, fazendo-
me pensar no que ele poderia estar fazendo lá e se estava se tocando
pensando em mim assim como eu me toquei pensando nele minutos antes.
Espalmei minhas bochechas coradas e comprimi um sorriso.

— Pare com isso, Serena — sussurrei para mim mesma, meneando a


cabeça em repreensão.
Havia coisas mais importantes a se fazer do que fantasiar com o meu
namorado de mentirinha.

Portanto, depois de me vestir, peguei a minha necessaire e comecei a


dar um jeito no meu rosto pálido, optando por usar lentes de contato ao invés
dos óculos.
Comparações seriam feitas, como de praxe.
Já me disseram que Sarah era a irmã mais bela, mas ter de ouvir aquilo
hoje, vendo William ao seu lado, seria ainda mais difícil.
Preciso estar o mais bonita possível.
— Você é linda — Luke falou do batente, quase me infartando de

susto.
— Eu disse aquilo em voz alta? — perguntei, fitando-o pelo espelho da
penteadeira.
— Sim. — Com passos confiantes e postura dominante ele andou até
mim, meus olhos o seguiram cativos.
Parou por trás, colando seu peito nas minhas costas e aproximou sua
boca no meu ouvido, encarando-me através do reflexo.
— Sempre foi linda. Não precisa de maquiagem ou roupas elegantes
para isso, esquentadinha. — Virou o rosto e beijou minha bochecha, fazendo

minha pele arder de desejo, ansiando por mais. — Mas você neste vestido...
Prendi a respiração, esperando por suas próximas palavras.
— Você neste vestido está um espetáculo — murmurou, suas palmas
quentes afagavam meus braços enquanto seus olhos me contemplavam pelo

espelho. — Não vou conseguir tirar as mãos de vocês essa noite.


Antes que eu pudesse dizer algo em retorno ele se afastou, andando em
direção ao closet e me deixando com frio sem o seu toque abrasador.
Sem conseguir me conter observei sua figura devassa, admirava as
costas largas e aquela bunda durinha coberta apenas pela toalha enrolada em
seus quadris estreitos, até que ele se virou e me flagrou, lançando-me um
sorriso travesso. Naquele segundo eu tive a visão da sua parte frontal e quase
tive outro infarto quando contemplei o grande volume por trás da toalha,

deixando pouquíssimo para a imaginação.


Deus, e eu tinha uma imaginação fértil, poderia escrever um livro em
ode ao seu corpo só com aquele vislumbre.
Acho que apaguei um pouco, sonhando acordada, porque no instante
seguinte ele estava vestido e me perguntava se eu estava pronta.
Não queria soar como uma covarde, então concordei.
— Segura minha mão? — perguntei com a voz vacilante antes de
atravessarmos a porta, transparecendo meu nervosismo.
— Nem precisava pedir. — Beijou minha têmpora e entrelaçou nossos

dedos, infundindo seu calor e coragem em mim.


Assim desci as escadas, com ele ao meu lado, amortecendo meus
medos e evitando minha queda fatal, porque naqueles saltos o tombo seria
ainda maior.

Vozes sussurradas podiam ser ouvidas quanto mais nos


aproximávamos da sala de estar, mas tão logo a nossa presença foi revelada
elas se aquietaram. Reconhecia aqueles timbres e apertei a mão do Luke na
minha assim que adentramos o cômodo, dando de cara com minha irmã e seu
noivo. Os dois estavam de frente um para o outro, pareciam discutir algo,
porém, quando nos perceberam chegar se viraram em nossa direção. Sarah
com uma postura rígida, nos fitou com um sorriso forçado. Will parecia
estarrecido ao me ver, e sequer tentou esconder o caminho que fez com os

olhos, delongando-se em meus seios e me fazendo arrepiar em repulsa.


— Olá — consegui proferir sem vacilar e me parabenizei por dentro.
— Serena, oi! — minha irmã me cumprimentou, mas não fez menção
de me abraçar ou apertar minha mão, e foi bom assim. — Mamãe comentou
que talvez você viesse, mas não deu certeza.
— Que engraçado, porque eu confirmei com ela na semana passada e
ainda a informei sobre meu voo.
Ela soltou um risinho sem graça e desviou seu olhar curioso para Luke,
claramente tinha interesse em saber quem era.

De esguelha pude notar que William alternava sua atenção de mim


para o homem que me acompanhava, mas ao contrário da Sarah, sua
expressão gritava arrogância.
Tive vontade de dar um soco naquele rosto que um dia achei ser belo,

mas agora não sabia aonde estava com a cabeça por pensar aquilo.
William era o típico filhinho de papai, até poderia se passar por bonito
naquele seu estilo engomadinho, mas agora só enxergava feiura nele.
Além do mais, Luke revolucionou o parâmetro de beleza dos homens
para mim, arruinando-me para todos os outros.
Will não chegava aos seus pés.
E acho que ninguém chegaria.
Tentei me recompor, saindo daqueles pensamentos e quebrando o

silêncio embaraçoso.
— Luke, essa é a minha irmã Sarah e esse é o seu noivo William.
Enquanto eu fazia as apresentações, ele desatrelou nossos dedos a fim
de envolver minha cintura e me puxar para si, abraçando-me por trás. Apoiou
seu queixo no topo da minha cabeça, esticando o braço livre à nossa frente
para cumprimentá-los.
— Pessoal, esse é o Luke, meu namorado — completei.
— Olá — ele disse ao apertar as mãos dos dois. — Serena me falou
bastante de vocês. — Precisei conter meu riso com a expressão cômica que

minha irmã fez, obviamente preocupada com as informações que devo ter
compartilhado com ele.
William murmurou uma saudação com a cara fechada, Sarah parecia
prestes a dizer algo, mas foi interrompida pela voz que soou atrás de mim.

— Ah, você veio. — Minha mãe surgiu do corredor que dava acesso à
suíte master, analisando-me de cima a baixo enquanto caminhava na nossa
direção.
— Eu disse que viria — retruquei, sentindo meu peito se comprimir
com o modo frio no qual me recebeu.
— Bem, depois de tanta decepção me acostumei a não te levar a sério.
Então seu olhar desaprovador se recaiu sobre o Luke.
— Esse deve ser o namorado.

— Sim, Sra. Price — respondeu imperturbado. — Sou o namorado,


mas pode me chamar de Luke. — Sorriu.
— Enfim — ela continuou impassível, sem demonstrar um pingo de
simpatia. — Harold está preso em uma conferência virtual, portanto
aguardaremos mais alguns minutos para a ceia.
— Não podemos beliscar alguma coisa enquanto esperamos, mamãe?
— minha irmã reclamou manhosa.
— Ah, querida. — Suavizou o tom, ajeitando o colar de pérolas da
Sarah sobre a gola do vestido num gesto maternal. — Se está com fome vou

pedir para a Mary servir alguns petiscos.


Luke me apertou em seus braços, abaixou a cabeça e beijou
carinhosamente a minha bochecha.
Seu gesto afável aqueceu meu peito e me deu forças, fazendo-me

suportar melhor o tratamento diferenciado que mamãe tinha por suas filhas.
Ergui o rosto e encontrei seus olhos atenciosos presos em mim.
Ele desempenhava muito bem o seu papel de namorado, melhor do que
eu podia imaginar, e me flagrei desejando que aquilo não fosse uma farsa.
Desejava um dia ter alguém que me tratasse com o mesmo zelo e amor, e que
me olhasse da mesma forma que ele estava olhando para mim: como se eu
fosse o centro do seu universo.
— Obrigada — sussurrei, contendo a vontade de chorar.

— Por nada, namorada. — Ele piscou, abrindo aquele seu sorriso


devastador e roubando outro pedacinho do meu coração. — Não se esqueça
do nosso sinal.
Pensei em usá-lo naquele momento e deixá-lo que me levasse com ele
para longe daquele lugar.
Se em poucos minutos na companhia da minha família eu já me sentia
mal, temia o resto da noite.
Só não pisquei de volta porque estava faminta e seria muita burrice ir
embora de barriga vazia depois da viagem que fizemos para chegar ali.

Seguimos até a sala de jantar, minha mãe à frente e os traidores logo


atrás dela. Nossos lugares à mesa foram escolhidos por nós, Luke e eu
ficamos do lado oposto de Sarah e William, infelizmente seria forçada a olhar
para eles durante a ceia.

Comi alguns dos frios que foram servidos para aplacar um pouco a
nossa fome enquanto aguardávamos por Harold. No meio tempo, os pais dele
desceram de um dos quartos de hóspedes e se juntaram a nós, dando atenção
para Sarah e seu noivo, mas praticamente me ignoraram. Eles nunca me
trataram como uma neta, pois não partilhávamos do mesmo sangue. Quando
pequena aquilo me magoava, hoje eu correspondia com a mesma indiferença.
Durante toda a conversa à mesa, que não me incluíam, Luke fazia
questão de me tocar e roubar minha atenção para si.

Naquele instante, por exemplo, enquanto todos riam de algo que


William disse, o homem ao meu lado se inclinou para beijar o ponto sensível
atrás da minha orelha, sussurrando ao pé do ouvido logo em seguida.
— Eles só podem estar rindo por pena, porque aquela piada foi tão
ruim que morri um pouco por dentro.
Foi a minha vez de rir, fazendo os outros me olharem como se eu fosse
louca ou burra por não ter compreendido a piada antes.
Mal sabiam que eles eram a piada.
Harold apareceu pouco tempo depois e se sentou ao lado da esposa,

sem dar atenção para a família enquanto conversava com alguém no celular.
Notei a careta de desagrado da minha mãe, mas não ousou repreendê-lo por
trabalhar à mesa, pois era ele quem bancava a sua vida de luxo.
Aquilo me lembrou sobre o meu celular que estivera em modo avião

desde a manhã, e apressei-me em retirá-lo da bolsinha de mão para desabilitar


aquela função. Estive tão nervosa com a viagem que nem pensei no
lançamento do meu livro, sequer me lembrei de conferir minhas redes sociais
ou postar algo sobre ele hoje. Não fosse pelas minhas parceiras maravilhosas
que me ajudavam nas divulgações, eu estaria ferrada.
O aparelho tomou vida em minhas mãos, vibrando com centenas de
notificações, meu coração vibrou junto.
Ignorei todo o resto e abri as mensagens da minha melhor amiga.

Cora: Já viu a lista dos mais vendidos na Amazon?


Cora: Amiga, você está no top 10 do ranking!
Cora: Cadê você, sua louca? Seu lançamento subiu no ranking,
está em primeiro lugar!
Ofeguei e me virei para o homem ao meu lado com olhos arregalados.
— Meu livro é best-seller, Luke — falei atônita, mostrando a tela do
meu celular para ele ver.
— O que você lançou hoje? — perguntou, sorrindo ao segurar meu
rosto em suas mãos.

Assenti e ele firmou seus lábios macios nos meus.


Seu beijo foi tão rápido e inesperado que meu coração sofreu um
solavanco e perdi o ar.
— Parabéns, namorada. Não tinha dúvidas de que seria outro sucesso

— falou contra a minha boca, as íris cintilavam em admiração enquanto me


fitava de pertinho.
Naquele momento ele nem precisou roubar outro pedacinho de mim,
entreguei de bom grado alguns poucos cacos que restavam do meu coração.
Danem-se as consequências, pensaria nelas outro dia.
Quando não estivesse embriagada com sua atenção e carinho.
Quando o choque da realidade me arrancasse daquela doce ilusão.
— Obrigada — soprei em seus lábios.

Estava pronta para outro beijo, rendendo-me àquela utopia, quando um


limpar de garganta se fez ouvir à mesa, quebrando o encanto.
— Hã? — murmurei aturdida.
Luke se ajeitou em sua cadeira, afastando-se de mim. Só então
consegui pensar direito, notando minha mãe lançando dardas imaginárias
com seus olhos na minha direção.
— Perguntei sobre o que estavam de segredinho. — Elevou uma
sobrancelha de forma condescendente. — É desrespeitoso não incluir as
outras pessoas à conversa, Serena.

Antes que pudesse conter, um riso irônico me escapou, e senti Luke


apertar minha coxa por baixo da mesa em sua silenciosa reciprocidade àquele
sentimento.
— Então vocês têm sido bastante desrespeitosos comigo e com meu

namorado há uns bons minutos.


Ela ofegou dramaticamente e olhou para os lados como se buscasse por
apoio. Mas Harold continuava distraído ao telefone. Os pais dele se
ocupavam em comer, como se nada estivesse acontecendo. William encarava
Luke com uma expressão constipada horrorosa. E minha irmã abaixou a
cabeça envergonhada, queria saber onde estava aquela sua vergonha na cara
quando abriu as pernas para o meu namorado.
— Como ousa dizer isso, Serena? — Minha mãe forçou uma voz

sofrida, a mesma que usava para me chantagear ou me culpar por algo. —


Você não nos vê há um ano, é claro que depois de tanto tempo achamos
difícil te colocar a par de tudo.
— Tudo bem se não nos incluírem em alguns assuntos, sei que há
coisas que não entenderíamos. — Encolhi os ombros, ansiosa para voltar a
ser invisível aos seus olhos e deixá-los retornar para as suas conversas banais.
— Então nada mais normal do que esperar o mesmo de nós.
Voltei a atenção para o aparelho em minha mão a fim de conferir
rapidamente o meu trabalho e responder algumas mensagens pendentes,

porém fui impedida.


— Nada de celular à mesa! — minha mãe bradou.
No mesmo instante olhei para o Harold, gesticulando em sua direção.
— Ele está trabalhando, é importante — ela contestou.

Inspirei fundo e comprimi a boca, sem saber se sucumbia ou se entrava


em uma exaustiva discussão que me tiraria as energias. Nunca ganhava de
qualquer forma, por isso preferia evitar confrontos com ela, mesmo quando
eu tinha razão.
— Com todo o respeito, sra. Price — Luke falou, passando um braço
por meus ombros. — Mas a Serena também está trabalhando, hoje é o
lançamento do seu livro e ele já figurou a lista dos best-sellers.
— Livro? — Mamãe desdenhou.

— Você ainda insiste nesse hobby, Serena? — William se intrometeu,


rindo. — Lembro que vivia grudada no notebook escrevendo, eu precisava
convencê-la a sair ou então inventava desculpas para nossos amigos sobre
você não ter ido comigo nos encontros. Foi umas das razões por não termos
dado certo.
— Não é um hobby — sibilei, odiando-o por me culpar pelo fim da
nossa relação, e não o fato dele não saber guardar seu pau dentro das calças.
— É meu trabalho.
Em algum lugar da casa o interfone do portão principal tocou,

interrompendo nossa discussão.


Franzi a testa.
Todos os integrantes da família estavam ali, então quem seria?
— Ah, os Elliot chegaram! — mamãe exclamou, mudando

completamente de comportamento. — Mary, rápido, libere a passagem para


eles e já pode avisar na cozinha para nos servirem a ceia. — Agitou suas
mãos para a senhora uniformizada que se apressou em cumprir as ordens.
Senti meu estômago afundar e apertei a perna do Luke, precisando de
apoio.
— O que foi? — perguntou baixinho, colocando sua mão sobre a
minha.
Espiei as pessoas ao nosso redor, certificando-me de que ninguém nos

ouvia, e suspirei ao notar que todos se distraíram com a chegada dos Elliot.
— São os pais do Will — murmurei, mergulhando meu rosto em seu
pescoço para ocultar minha careta. Não sabia se ria ou se chorava. — Um dia
foram meus futuros sogros, mas agora são os da minha irmã.
Passar o Natal em família já estava sendo ruim, mas com a chegada
dos novos integrantes ficaria ainda pior.
Capítulo 10

“Ela era uma estrela em meio a escuridão, e não


permitiria que tentassem apagar sua luz só porque a
claridade era forte demais para eles.”
Luke Moretti

— Desculpe o atraso! — A mãe do Will disse ao adentrar a sala,


cumprimentou a todos rapidamente e beijou o rosto do filho antes de se
acomodar na cadeira ao seu lado. — Mas houve um acidente no trânsito e
levamos o dobro do tempo de Pasadena para cá.
A ceia já estava posta à mesa e quando todos estavam em seus devidos
lugares, começamos a nos servir.
— O que perdemos? — o pai do meu ex-namorado perguntou,
debruçando-se para se apossar do purê e despejar quase tudo em seu prato.
— Nada demais, estávamos falando sobre trabalho.

— Ah, que assunto chato para se ter na ceia! — A sra. Elliot riu,
abrindo o guardanapo de pano e o colocando sobre o colo.
— Pode ser interessante, minha querida — seu marido contrapôs. —
Você contou para eles da boa notícia, William?
— Ainda não, estava aguardando a sua chegada — respondeu ao pai,
empertigando-se na cadeira com uma expressão presunçosa. — Fui
promovido à contador fiscal sênior.
Sarah abriu um sorriso orgulhoso, esfregando o braço do noivo.

— Estou muito feliz por você, meu amor. — Ela se inclinou para beijá-
lo e precisei desviar o olhar.
Apesar de já ter superado a traição, vê-los juntos daquele jeito
cutucava a ferida recentemente cicatrizada.

— Que maravilha! — mamãe congratulou. — Não é uma ótima


notícia, Harold?
Meu padrasto desgrudou os olhos da tela de seu celular e acenou com a
cabeça, forçando um sorriso.
— Já não era sem tempo — falou ele, erguendo as sobrancelhas
grisalhas para o Sr. Elliot.
Luke e eu trocamos olhares inundados de tédio e comprimimos um
riso, ele piscou para mim numa pergunta silenciosa, e eu neguei

minimamente com a cabeça.


Aquilo tudo estava muito chato, mas dava para suportar.
Ele então enveredou os dedos em minha nuca, emanando seu calor em
meu corpo num arrepio gostoso. Já não escutava mais nada, minha atenção
estava completamente nele e nos delicados movimentos circulares das suas
digitais em minha pele.
Por mais que eu preferisse estar em qualquer outro lugar, eu não
precisava de um resgate. Com ele ao meu lado dominando meus pensamentos
e incitando sensações, o mundo à nossa volta poderia estar um caos, mas eu

só ouvia um ruído branco.


— Parabéns pela promoção, William — Luke me surpreendeu ao dizer
para o homem sentado à nossa frente, tirando-me do transe. — Você parece
jovem para o cargo, deve ser mesmo bom no que faz. — Seu tom foi

genuíno, mas pela expressão insultada do Will o comentário não foi bem
recebido.
— O cargo é meu por direito — retrucou, estufando o peito.
— Seria inconcebível colocar outra pessoa na função, quem mais eu
confiaria na minha empresa, senão meu próprio filho? — Sr. Elliot comentou,
sem se dar conta de que soou como um grande nepotista. — Ainda mais
agora que Will vai se casar e ser chefe de família.
— E quanto a você Luke, também é escritor como a Serena? —

William perguntou com desdém, fazendo-me fechar a cara para ele.


Como é que um dia pude me apaixonar por aquele babaca?
— Não, não tenho tanta criatividade ou o dom das palavras como ela.
— Ele afagou meu cabelo, mirando suas íris brilhantes em mim. — O que
Serena faz é pura magia.
— Bobagem, escrever não é tão importante quanto advogar. — Mamãe
olhou para minha irmã. — Sarah está cursando direito em Standford. —
Como sempre, nos comparou a favor da sua filha preferida.
— Discordo de você, senhora — Luke se opôs, arrancando o sorriso do

rosto da minha mãe. — O que seria de qualquer profissão sem os livros e


seus ensinamentos? Escrever é muitíssimo importante, não acha?
— Ele tem razão, Silvya — a Sra. Elliot comentou em bom espírito,
calando a boca da minha mãe. De todos ali, ela era a melhor pessoa.

— E quanto a você, Luke, trabalha no quê? — Foi a vez do Will falar,


sua curiosidade era nitidamente maliciosa.
— No ramo de restaurante — Luke respondeu tranquilo, escondendo o
jogo. Diferente do meu ex-namorado, que obviamente gostava de se
enaltecer, ele era humilde.
— Não me diga que é garçom ou que lava as louças? — William fez a
piada de mal gosto, arrancando risos do seu pai e da minha mãe. — Talvez
possamos ter uma ajudinha a mais na cozinha.

Meu sangue ferveu, segurei a perna do Luke, tanto como um pedido de


desculpas por tê-lo trazido ali, quanto para controlar minha raiva.
— Não sou. — O admirável homem ao meu lado nem se abalou, mas
eu estava ultrajada e não tinha aquela sua indiferença elegante para me
conter.
— Luke é dono de um restaurante italiano maravilhoso — informei,
frisando meus olhos em irritação para o Will.
Por um momento fez-se silêncio, todos pareciam ter perdido a fala com
aquela notícia, mas obviamente alguém teve que diminuir o seu sucesso,

porque ninguém além deles era bom o suficiente.


— Hum. — Minha mãe empinou o nariz.
— Bem, se seu negócio crescer — Sr. Elliot falou em tom de
descrença, achando pouco provável aquele feito, o que era ridículo, pois não

sabia nada a respeito do Luke —, e precisar de um bom contador, ligue para a


minha empresa.
— Na verdade, não preciso. — Ele sorriu polido e, apesar de tratarem-
no com desdém, manteve-se impassível. — O restaurante é a minha paixão,
mas minha atuação é em gestão de negócios e investimentos, sei me virar
muito bem sozinho.
Mordi meu lábio inferior para conter um sorriso largo e firmei minha
pegada em sua coxa grossa por baixo da mesa.

Ele virou seu rosto bonito para mim, apertou minha nuca e me puxou
para um beijo discreto, resvalando a ponta do seu nariz no meu de forma
carinhosa antes de se afastar.
Voltei minha atenção ao prato praticamente intacto na minha frente,
mas meu estômago parecia cheio demais com todas aquelas borboletas se
alvoroçando dentro dele.
Com as mãos trêmulas, levei o copo d’água aos lábios e forjei
tranquilidade pelo resto da ceia, ignorando tudo ao redor, com exceção do
homem ao meu lado.

Quando todos terminaram de comer, levantei-me de mão dadas com o


Luke, querendo dar aquela noite por encerrada. Porém, minha mãe nos
coagiu a seguirmos o resto do grupo até a sala de estar. Como era tradição, a
família tomava gemada alcoólica sentada no sofá em frente à lareira enquanto

jogava conversa fora.


Bem, eles conversavam, normalmente eu me entretinha sozinha com o
rosto enfiado em algum livro.
Mas daquela vez eu tinha alguém para me fazer companhia.
— Não consigo me conformar sobre não terem colocado a sua meia de
Natal na lareira — Luke sussurrou ao pé do ouvido, enroscando um braço ao
meu redor. — Sinto dizer, mas a sua família é fodida — falou baixinho de
encontro a minha cabeça.

Soltei um riso carregado de tristeza, e assenti, olhando para cima a fim


de encará-lo. Dividíamos uma poltrona em um canto mais afastado da sala,
Luke estava sentado sobre o braço dela ao meu lado, pois não havia outro
lugar.
— Eu sei — murmurei de volta.
Bebericava a bebida sem muita vontade, só esperando passar alguns
minutos para poder dizer boa noite e nos tirar dali.
— Já decidiram a data do casamento? — A avó de Sarah perguntou
para ela e o Will, fazendo-me retesar.

Tentei não demonstrar emoção nenhuma, mas era difícil demais


esconder o desconforto que aquelas palavras me causaram.
Encontrei o olhar da minha irmã do outro lado da sala, mas logo ela
desviou a atenção para o anel de noivado em seu dedo, sorrindo.

— Queremos um casamento de primavera, mas não estamos com


pressa — respondeu, pegando na mão do noivo que concordou. — Vamos
esperar até eu me graduar na faculdade.
Enquanto continuavam falando sobre os planos do casamento, Luke se
curvou para baixo e me distraiu resvalando seus lábios no meu rosto,
apertando-me contra si. Fechei os olhos sorrindo e me aninhei nele,
repousando o rosto em seu braço.
Amava a maneira como se preocupava comigo e com o meu bem estar.

Amava o modo como ele fazia tudo desaparecer até que só restasse
apenas nós dois naquela sala.
— E quanto a vocês? — A voz da minha mãe penetrou meus ouvidos,
estourando a minha bolha da felicidade.
Pelo tom sabia que falava comigo.
Voltei meu olhar para ela, esperando que elaborasse a pergunta.
— Esse namoro é sério? — Inclinou a cabeça para o lado enquanto nos
analisava com frieza. — Há quanto tempo estão juntos?
Pela segunda vez o meu corpo se retesou, meu coração titubeou e

encarei os olhos de Luke em desespero.


Não havíamos combinado aquela resposta, sequer pensei que nos
perguntariam sobre o nosso tempo de namoro.
Ao contrário de mim, Luke não parecia estar surtando, pelo contrário.

Ele abriu um sorriso lindo, segurou meu rosto com adoração e o ergueu
delicadamente até sobrar apenas um fiapo de distância entre nós.
— Parece que por toda a minha vida, e não é o suficiente — ele a
respondeu, colando a sua boca na minha e me arrancando um suspiro.
Seus lábios deslizaram suavemente pelos meus, dedos voltearam
minha nuca, puxando-me para mais perto, nossas respirações se mesclaram
perigosamente enquanto Luke prolongava o toque da sua boca macia na
minha. Aquele beijo, apesar de casto, durou mais tempo do que devia,

agitando as borboletas em meu estômago e precipitando as batidas em meu


peito.
Tínhamos uma regra: nada de exagero, apenas toques e beijos
discretos.
Mas naquele momento, a vontade de quebrar nossas regras era muito
tentadora.
No entanto, Luke rompeu o nosso contato antes ao afastar seus lábios
irresistíveis dos meus, embora a pressão de seus dedos em minha nuca
continuasse firme como se ele estivesse em conflito.

Como se estivesse tentado em quebrar a regra também.


Ele uniu as nossas testas, sua respiração sôfrega em compasso com a
minha enquanto me fitava fundo nos olhos.
Nosso namoro era de mentira, sabia disso.

Mas quando Luke reivindicava meus lábios e me fitava com aqueles


olhos cheios de desejo, parecia real.
— Hum. — Minha mãe limpou a garganta em tom de censura.
Ignorei sua atitude e me levantei, puxando Luke junto comigo.
— Está tarde e a viagem foi cansativa — falei para todos, segurando a
mão dele na minha.
— Boa noite — ele disse em seguida, acompanhando-me até as
escadas.

Percorri todo o caminho com as pernas bambas e o coração


chacoalhando no peito, agarrando-me no braço do homem que havia
provocado aquele terremoto em mim.
Evitei seu olhar, sem saber lidar com o que havia acabado de
acontecer.
No fundo sabia que o beijo havia sido só mais uma farsa, ele estava
desempenhando o seu papel de namorado devoto. O problema era que a sua
atuação era boa até demais, e aquilo estava bagunçando a minha cabeça.
Ao entramos no quarto passei na sua frente, murmurando algo sobre

me arrumar para dormir, peguei a minha necessaire, o conjunto de pijama que


havia separado mais cedo, e praticamente corri até o banheiro.
Fitei-me no espelho, exalando alto antes de lavar o meu rosto com
água fria, retirar as lentes de contato e limpar cuidadosamente a pele da

maquiagem. Depois de trocar a roupa e escovar meus dentes, hesitei à porta


por alguns segundos até reunir coragem o suficiente para voltar ao quarto.
Luke estava distraído no celular, mas quando me viu chegar, o largou
de lado e se levantou da beira da cama.
— Tudo bem? — perguntou, parando na minha frente e me forçando a
encará-lo nos olhos.
— Sim, só estou cansada — menti, escondendo o fato de estar confusa
depois daquele beijo.

Ele fisgou seu lábio inferior enquanto me observava em silêncio,


galgando minha resposta, então assentiu.
— Em qual lado você prefere dormir? — Acenou na direção da cama.
Encolhi os ombros.
— Não sei, tanto faz. — Ignorei o meu coração palpitante com o
lembrete de que dormiríamos juntos.
— Por mim também, pode escolher — disse, demorando-se na minha
frente, como se quisesse falar algo, mas o que quer que fosse ficou em
suspense porque ele se virou e rumou em direção ao banheiro.

Engatinhei pela cama, aconchegando-me por baixo do lençol no canto


extremo, quase caindo da borda, e me virei de costas para o lugar de onde ele
viria.
Controlei minha respiração, aquietando os meus batimentos cardíacos

e fechei os olhos.
Continuei na mesma posição quando ouvi os seus passos se
aproximando, fingindo ter caído no sono, quando na verdade cada molécula
do meu corpo estava desperta.
Através das pálpebras percebi quando ele desligou a luz e logo em
seguida o colchão se moveu com o peso do seu corpo.
— Boa noite, Serena — murmurou baixinho.
— Boa noite. — Só sussurrei de volta mais tarde, quando a respiração

cadenciada denunciou seu sono.


Fiquei acordada até muito tempo após Luke adormecer, pensando nele
e no nosso beijo.
Pensando na frieza da minha mãe.
Pensando no William com a minha irmã.
Pensando em como aquela casa me sufocava com lembranças tristes.
Quando finalmente a minha mente se cansou e peguei no sono, sonhei
com as imagens da traição. Era como se eu vivesse tudo aquilo de novo, a
angústia parecia tão recente e intensa que acordei com lágrimas escorrendo

pelo rosto.
Um soluço me escapou, a dor persistia no peito mesmo após eu ter
acordado. Fiquei ali chorando e tremendo, incapaz de conter as lágrimas.
Ouvi um farfalhar ao meu lado e no instante seguinte senti a mão

morna de Luke tocar meu ombro.


— Ei... — Puxou-me para si e tocou minha face molhada com o dorso
da mão. — Ah, minha linda, o que aconteceu?
A tênue luz da lua atravessava a janela, permitindo-o me enxergar
apesar da lâmpada estar desligada.
— N-nada. — Cerrei as pálpebras, deixando escapar mais lágrimas no
processo e tentei virar o rosto, com vergonha. — Foi só um pesadelo.
Luke beijou minha têmpora, capturando o rastro de tristeza que por ali

deslizava com os seus lábios.


— Eles não merecem suas lágrimas, Serena — murmurou de encontro
à minha pele, desferindo beijos por todo o meu rosto.
Seu carinho deixou o meu coração exposto, e comecei a chorar ainda
mais, abraçando-o em busca de conforto.
— Faz parar? — pedi.
Ele afastou seu rosto do meu para me olhar, secando minha tristeza
com as pontas dos dedos.
— Eu faço o que você quiser. — Colocou-se por cima de mim, se

apoiando sobre os cotovelos e aprisionando meu rosto em suas mãos. — É só


pedir.
— Me beija...
Antes que eu terminasse a frase seus lábios capturaram os meus com

fervor.
Sua língua deslizou provocadora pela costura dos meus lábios,
arrancando-me um suspiro. No instante em que entreabri a boca,
sucumbindo-me ao anseio, sua língua se chocou com a minha. Emiti um
pequeno gemido em deleite, enveredando meus dedos em seus cabelos eu o
puxei para mim, sedenta por aquele beijo proibido. Ele grunhiu baixinho,
mordendo meu lábio inferior para então sugá-lo sedutoramente antes de soltá-
lo.

Um calor súbito se alastrou em minha pele, fazendo-me arquejar e


abraçá-lo com força, não querendo que aquela sensação acabasse.
Ele desceu o rosto lentamente e reaproximou nossas bocas num toque
suave como uma pluma.
A pressão que antes estava em meu peito, sumiu, agora sentia-me tão
leve que temia flutuar pelo quarto sem o peso do seu corpo sobre o meu.
Luke sorriu de encontro à minha boca, como se também pudesse sentir
a doçura daquele momento.
Num suspiro ele se afastou minimamente, fitando-me como se

reconhecesse a verdade refletida em meus olhos: aquele beijo era real.


Fisguei o seu lábio inferior entre os dentes, depois suavizei a ardência
com a ponta da língua, fazendo-o gemer com a sensação.
Luke abaixou um braço e deslizou as palmas pela lateral do meu corpo

para cima e para baixo, deixando rastros de fogo e desejo por onde tocava.
Retribuí suas carícias com as minhas, descendo minhas mãos por suas
costas, resvalando as pontas das unhas de leve em sua pele e o fazendo
arrepiar.
Ele desacelerou o nosso beijo, pressionando seus lábios nos meus uma
última vez antes de mergulhar o rosto em meu pescoço. Senti o seu sorriso
contra a minha pele e sorri também, encarando o teto sem acreditar no que
acabara de acontecer.

De repente Luke saiu de cima de mim, deitando-se de lado com a


cabeça apoiada sobre uma mão.
— Está se sentindo melhor, esquentadinha? — perguntou, acariciando
meu rosto com o polegar.
Senti fogo queimar minhas faces, e assenti timidamente.
— Minha missão foi cumprida — falou, cingindo minha cintura e me
puxando até deitar minha cabeça em seu peito. — Agora volte a dormir,
ainda está escuro lá fora.
Pressionei o nariz em sua camisa, inspirando fundo e preenchendo

meus pulmões com o seu cheiro reconfortante, então amoleci em seu corpo,
sentindo-me protegida.
— Boa noite — sussurrei, embora soubesse que não conseguiria cair
no sono tão cedo, não depois daquele beijo.

Mas no embalo das batidas do seu coração e dos seus braços protetores
ao meu redor, acabei adormecendo antes do que imaginava.
Capítulo 11

“Às vezes coisas ruins aconteciam para mudar nossa


perspectiva, abrindo caminho para algo muito melhor.
Tudo fazia sentido agora que a tinha em meus braços.
Era para eu tê-la conhecido.”
Luke Moretti

A luz pálida da manhã atravessou a janela descortinada e se infiltrou


no quarto, batendo diretamente nos meus olhos e me despertando de um
sonho bom.
Porém, ao perceber que o calor me envolvendo não vinha do lençol,
mas sim do homem na cama comigo, descobri que não foi um sonho.
Realmente havia beijado o Luke naquela madrugada e adormeci com o
rosto deitado em seu peito, sendo ninada pelas batidas do seu coração.
Um dos seus braços ainda cercava minha cintura, o outro estava

dobrado para o alto com sua cabeça apoiada nele e aquela posição
evidenciava seu bíceps definido. Levantei o olhar, sem me mover muito com
medo de acordá-lo, e contemplei seu rosto pacífico. Ele era lindo, mas
enquanto dormia a sua beleza parecia angelical, me deu vontade de tocá-lo só
para ter certeza de que não era uma miragem, mas me controlei.
Uma das minhas pernas estava enroscada na sua, e em algum momento
da noite o lençol foi empurrado para os nossos pés. Aproveitei para espiar o
volume despontando por trás do seu moletom e contive um risinho ao
confirmar como ele era grande, correspondendo com o que senti

pressionando em meu ventre enquanto nos beijávamos ontem.


— Bom dia, namorada — ele disse com a voz rouca de sono, sorrindo
ainda de olhos fechados.
Meu coração deu um pulo e corei ao ser flagrada admirando-o.

— Como sabia que eu estava acordada?


Luke finalmente abriu as pálpebras, revelando seus lindos olhos e
prendendo-os em mim.
— Eu já estava acordado, pude sentir quando você despertou. — Tirou
a franja desgrenhada do meu rosto, colocando-a para trás da minha orelha. —
Sua respiração mudou de ritmo e seu corpo se alongou junto ao meu —
completou.
— Ah, sim. — Escondi meu rosto vermelho em sua camisa, recebendo

um beijo no topo da minha cabeça. — Bom dia — falei com a voz abafada.
— Feliz Natal, Serena — murmurou de encontro aos meus cabelos.
Afundei o nariz em seu peito, viciada no seu cheiro aconchegante, e
respondi com um sorriso acanhado.
— Feliz Natal, Luke.
Desvencilhei-me dele e me levantei antes que fizesse algo
constrangedor, como aprisioná-lo na cama comigo e coagi-lo a ser meu de
verdade.
Ainda pensava no nosso beijo de ontem e em como ele foi real e

intenso, bagunçando não só a minha cabeça, como o meu coração também.


Mas partiu de um momento de fraqueza, Luke só estava me ajudando,
reconfortando-me com seu afeto porque era aquilo que eu mais precisava.
Não podia esperar além do que foi combinado, não podia me iludir e

acabar me apaixonando pelo meu namorado de mentira.


Apesar de querer muito que ele estivesse tão balançado com o beijo
quanto eu, tinha medo de nutrir essa esperança e acabar me machucando.
Por isso fingi que nada havia acontecido, mantendo um sorriso
despreocupado nos lábios, mesmo que por dentro eu me tremesse toda.
— Qual é o plano para hoje? — ele perguntou ao se sentar, esfregando
o rosto sonolento.
— Troca de presentes antes do café da manhã — conferi as horas no

celular, assustando-me ao ver que se passava das oito, normalmente a essa


hora já estávamos abrindo os presentes diante da árvore de Natal.
— Que foi? — Percebeu minha preocupação.
— Nada, é que me esqueci de ativar o despertador. — Coloquei o
aparelho de volta na mesa de cabeceira. — Mas como ninguém nos chamou,
ainda devem estar dormindo.
Fui até o banheiro com uma muda de roupa, lavei o rosto e escovei os
dentes antes de me vestir. Optei por usar um vestido confortável de mangas e
coloquei os meus óculos, saindo para o quarto enquanto ajeitava os cabelos.

Luke havia trocado de roupas e apreciei o modo como a camisa branca


de mangas compridas se ajustava ao seu corpo, ele estava de tirar o fôlego.
Amava seu estilo despojado, e o fato de que não precisava se esforçar
muito para ficar bonito, ele poderia usar um saco de batatas no lugar da

camisa e ainda assim se passaria por um modelo da Vogue num ensaio


conceitual.
Ele passou por mim, tocando sua mão brevemente na minha ao se
dirigir para o banheiro agora livre.
Enquanto ele não voltava, aproveitei para tirar os embrulhos de dentro
da mala, havia me esquecido de colocá-los sob a árvore quando chegamos
ontem, e precisaria descer com eles.
— Trouxe uma coisa para você — Luke falou atrás de mim,

sobressaltando-me com sua chegada silenciosa, e espalmou a minha lombar


num gesto tranquilizador. — Mas gostaria de te entregar aqui, a sós, você se
importa?
— Claro que não — respondi, virando-me para ele com o seu presente
em mãos e um sorriso no rosto. — Também prefiro que seja assim, entre a
gente.
Luke pegou o embrulho, quando abriu e viu o que era, seus lábios
curvaram para cima e seus olhos brilharam em direção aos meus.
Era um cachecol preto, nada demais, porém a sua reação fazia-me

pensar que aquele era um dos melhores presente que já recebeu.


— Obrigado — agradeceu sorrindo, enrolando o cachecol no pescoço.
— Gostei bastante, embora eu prefira os seus braços ao meu redor para me
manter aquecido.

Ri, fazendo exatamente o que ele disse, abraçando seu pescoço e


estalando um beijo na sua bochecha.
— Sua vez — falou, segurando meus quadris ao se distanciar e depois
andou até o closet, retirando de lá uma caixa de presente que estava
escondida entre suas roupas.
Estiquei os braços, agitando os dedos em animação.
Assim que ele me entregou a caixa, desatei o laço vermelho e a abri
eufórica, soltando um gritinho animado.

Havia três blusas, todas com frases estampadas, bem no estilo que eu
gostava. Uma delas era de um tom de rosa claro e de mangas compridas,
quando li a estampa deixei um riso escapar.
“Desculpa o atraso, eu não queria vir.”
— Amei, obrigada! — Abracei o Luke apertado, soltando-o logo em
seguida para erguer a blusa que mais me chamou a atenção. — Vou até trocar
de roupa, quero vestir essa blusa hoje.
Imaginava a cara de horror da minha mãe quando lesse a frase, e me
senti vingada pela noite anterior. Não adiantava tentar agradá-la, sempre a

desapontaria. Então, já que aquilo aconteceria de qualquer forma, melhor


desapontá-la me vestindo à minha maneira, do que me fingindo ser alguém
que eu não era.
Depois de trocar o vestido pela blusa e uma calça jeans, voltei para

pegar os embrulhos em cima da cama antes de descer com Luke,


— Espera, você comprou mesmo um presente para o seu ex? — ele me
perguntou ao ler o nome em um dos pacotes.
Tapei a boca, abafando um riso enquanto assentia.
— Um gorro amarelo horrendo para cobrir aquela sua cabeça grande e
soberba.
Ele riu alto, estremecendo os ombros largos.
— Boa.

Luke perguntou se eu queria ajuda para carregar as coisas escada


abaixo, mas neguei, conseguindo segurar facilmente tudo em meus braços. A
grande maioria era roupas ou acessórios, portanto não estava pesado.
Risos ecoavam pela casa e, quando chegamos à sala de estar, deparei-
me com a árvore já sem embrulhos e toda a família reunida com os presentes
abertos.
— Vocês começaram sem mim. — Estaquei no lugar, assistindo àquela
cena.
— Ah — minha mãe se sobressaltou, entregando o último presente

ainda embrulhado para o William antes de me dar sua atenção. — Achei


melhor não te acordar para a troca de presentes, como você confirmou muito
em cima da hora, não tivemos tempo para comprar nada para você, Serena.
Deixei os presentes em meus braços caírem ao chão, sentindo-me uma

grande idiota por ter me preocupado em trazê-los.


Fui uma boba por achar que hoje teríamos uma trégua e que tudo
ficaria bem, em prol do espírito natalino.
— Mãe, por que insistiu tanto que eu viesse, se claramente não se
importa com a minha presença? — Minha voz saiu embargada, denotando a
mágoa por trás das palavras.
Ela teve a audácia de parecer constrangida, mas não pelo motivo certo,
e sim por estarmos tendo aquela discussão na frente dos Elliot.

— Bem, o que você esperava? — Ergueu seu queixo, ganhando uma


postura ofensiva. — Humilhou nossa família ao ir embora nas vésperas do
Natal passado sem dar satisfação alguma, terminou com o namorado perfeito
e o deixou aqui com o coração partido. — Gesticulou para o Will.
Olhei para o meu ex-namorado e depois para a Sarah, mas ambos
continuaram quietos, deixando que ela mantivesse a sua visão equívoca sobre
os acontecimentos daquele dia.
— Eu queria que presenciasse isso — ela disse, sorrindo para minha
irmã e o seu noivo. — Como punição pelo o que nos fez passar, queria que

visse o quanto estamos felizes com o desenrolar das coisas, que algo de bom
nasceu em consequência dos seus atos.
Meu peito se comprimiu dolorosamente e um nó brotou na garganta,
impedindo-me de falar.

Mãos grandes e protetoras apertam meus ombros, e me virei para o


Luke, olhando-o através da tempestade que se precipitava em meus olhos. Ele
as subiu até meu rosto, segurando-o ao me observar com preocupação. Deve
ter pensado que eu estivesse tentando dar o sinal ao notar os espasmos
musculares e o tremeluzir das minhas pálpebras, mas na verdade eu só lutava
contra a vontade de chorar.
Embora quisesse mesmo um resgate, não conseguiria piscar, não
quando segurava as lágrimas na frente de todos.

— Vocês são realmente densos — Luke proferiu em asco para toda a


sala, envolvendo-me em seus braços. — Sequer pensou que houvesse uma
razão para fazê-la ir embora? — disse para a minha mãe antes de acenar para
o casal ao seu lado.
— Conheço a filha que tenho, não se intrometa — ela retrucou com
hostilidade.
— Não conhece, não, nenhuma das duas na verdade. — Apertou-me
em seus braços. — A razão para Serena ter ido embora foi porque flagrou
William e Sarah transando na piscina, eles a traíram.

Ouvi mamãe arfar alto e acho que a sra. Elliot também.


Não me contive e afastei o rosto da camisa de Luke para espiar a cena,
queria ver a reação de todos agora que finalmente a verdade foi revelada.
— Que absurdo, minha Sarah nunca faria uma coisa dessas! — Silvya

agarrou seu colar de pérolas, ofendida. Então se voltou para a filha predileta e
quando a viu, sua expressão de afronto se desmoronou.
Sarah havia começado a chorar, denunciando sua culpa.
— Não era para você ter visto aquilo. — Soluçou, como se fosse a
vítima e não eu. — Nunca foi a nossa intenção te magoar, simplesmente
aconteceu.
— Filho, isso é verdade? — A mãe do Will perguntou incrédula,
lançando um olhar decepcionado para ele.

Meu ex-namorado contraiu o maxilar, mas não demonstrou nenhuma


emoção de arrependimento ao confirmar com um breve aceno de cabeça, só
parecia aborrecido por ter sido descoberto.
— Eu não sei qual é o problema de vocês, nada explica a maneira com
a qual tratam Serena, com tanto descaso e negligência — Luke falou,
embalando-me. — A única certeza que tenho é essa: se não se retratarem o
quanto antes, irão perdê-la para sempre.
Minha mãe comprimiu os lábios, seu queixo tremia e seus olhos
ficaram vermelhos.

— Eu não sabia — falou, desviando seu olhar de mim para a minha


irmã. — Nunca imaginei...
— Você nunca me perguntou — proferi baixinho, sem forças. —
Sempre pensou o pior de mim enquanto Sarah sempre foi perfeita aos seus

olhos. Bem, ela não é.


Minha irmã soluçou mais alto, abraçando o noivo que me encarava
com uma careta feia.
— William, por que mentiu para nós? — a mãe dele perguntou,
claramente abalada. — Por que nos fez pensar que foi Serena quem acabou
com tudo?
— Porque foi, ela não me deixou explicar, simplesmente arrumou as
malas e foi embora — rugiu.

— Explicar o quê? — Ri em escárnio. — Que tudo não se passou de


um acidente? Seu pau escorregou sem querer para dentro da minha irmã?
Minha mãe arfou novamente com as minhas palavras rudes, porém
sinceras.
Will fechou ainda mais a cara, e Sarah continuou em prantos.
Rolei os olhos, quem devia estar chorando era eu que fui duplamente
traída e ainda saí com fama de mau-caráter porque os dois não tiveram
coragem para contar a verdade à família.
— Chega! — Harold bradou. — Vocês estão deixando os meus pais

nervosos, terminem essa discussão em outro lugar ou calem a boca.


Todos ficaram mudos, até mesmo a Sarah engoliu seus soluços.
Olhei para a minha mãe, não sabia o que esperava, um pedido de
perdão talvez, mas aquilo não aconteceu.

Ela simplesmente abaixou a cabeça e começou a chorar em silêncio.


No fundo sabia que suas lágrimas não eram por mim, mas por sua filha
mais nova.
— Vamos embora daqui — avisei ao Luke, subindo meu olhar para o
seu rosto.
Ele concordou sem pestanejar, entrelaçando nossos dedos e nos
levando para longe daquela funesta reunião.
Ignoramos os murmúrios e lamentos às nossas costas enquanto

subimos as escadas de volta ao quarto, chegando lá me apressei em arrumar


as malas. Eu tremia tanto que não tinha coordenação motora e desisti de
dobrar minhas roupas, colocando-as de qualquer jeito dentro na bagagem
— Escuta — Luke me abraçou por trás, pausando meus movimentos
desgovernados —, vai ficar tudo bem.
Fechei os olhos e inspirei fundo, descansando a cabeça em seu peitoral.
— Você acha? — perguntei baixinho.
— Tenho certeza. — Pressionou seus lábios em minha têmpora. — O
afeto que não encontra na sua família, você recebe em abundância dos seus

amigos.
Virou-me em seus braços para me olhar, afagando meu rosto.
— Às vezes os vínculos de sangue não têm muita importância, Serena,
o que importa são as pessoas que escolhem ser sua família. — Encostou sua

testa na minha. — E você tem a mim, tem a Cora, e uma multidão de fãs que
a admiram. Você é muito amada.
Duas lágrimas despencaram dos meus cílios e sorri, cingindo meus
braços ao seu redor aproximando nossas bocas de forma instintiva.
— Obrigada — sussurrei, meus lábios acariciando os dele sutilmente.
— Por nada, esquentadinha — murmurou de volta, beijando-me
docemente antes de apertar meus quadris e se afastar. — Ah, consegui
reservar uma suíte para nós em um hotel não muito longe daqui.

— Pensei que preferisse voltar mais cedo depois dessa tragédia.


Ele negou com a cabeça.
— Nós iremos salvar esse Natal e aproveitar o fim de semana da
melhor maneira possível.
Um calor se espalhou em meu peito e, pela primeira vez desde que
chegamos à Los Angeles, fiquei animada.
Terminamos de arrumar as coisas e eu conferia se não me esquecera de
nada, quando alguém bateu à porta do quarto.
Inspirei fundo a fim de acalmar os nervos, soltando o ar devagar pela

boca.
Luke franziu sua testa em preocupação, acenei para ele de que estava
tudo bem e girei a maçaneta.
— Serena — minha irmã disse meu nome em súplica, segurando a

porta como se tivesse medo que eu a batesse na sua cara. — Por favor, me
escute.
Cruzei os braços em meu peito, tentando escudar meu coração, e dei
um passo para trás, permitindo sua entrada.
De esguelha vi Luke entrando no banheiro para nos dar privacidade,
mas saber que ele estava por perto me reconfortou, dando-me forças para
aguentar o que fosse que minha irmã tivesse para me dizer.
— O que foi? — Minha voz soou dura, defensiva.

Ela me fitou com seus olhos avermelhados, o rosto inchado pelo choro
se contorcendo como se prendesse uma nova onda de lágrimas.
Aquilo me irritou profundamente, que droga, qual era o seu problema?
Foram suas escolhas que nos levaram até aquela situação, que nos
afastou e quebrou qualquer laço de fraternal que tínhamos, o que já era quase
nulo.
Sarah e eu nunca fomos muito amigas, não tínhamos nada em comum
e a diferença de idade nos separava ainda mais.
No entanto, quando a olhava agora, enxergava uma estranha a qual não

gostaria nem um pouco de conhecer.


— Queria pedir desculpas — disse, levando as mãos até as bochechas
para enxugá-las.
— Não acha que está um ano atrasada para me pedir isso?

— E-eu sinto muito, Serena...


— Você sente muito por ter sido descoberta — retruquei, balançando a
cabeça. — Não fosse Luke contar a verdade, você e o Will deixariam todos
pensarem que eu era a vilã nessa história, quando na verdade fui a vítima.
— Eu sei! — exclamou em pranto e tentou me tocar, mas me encolhi
para longe, fazendo-a abaixar sua mão. — Convivi com a culpa por todo esse
tempo, mas fui covarde, sei disso.
— Por quê? — perguntei, referindo-me à traição e ela entendeu,

abaixando a cabeça envergonhada. — Por que não esperar que ele terminasse
comigo antes de ficarem juntos?
— A-aconteceu — titubeou, erguendo os olhos molhados. — Eu me
apaixonei por ele.
— Em menos de uma semana? — indaguei.
— Sim, Serena. — Confirmou com a cabeça. — Pode não acreditar,
mas é a verdade.
Comprimi a boca, sem saber o que dizer, só queria ir embora e deixar
tudo aquilo no passado.

— O amor não tem prazo certo para acontecer, e posso soar como uma
vadia por dizer isso — continuou enquanto me olhava fundo nos olhos —,
mas não me arrependo por ter ficado com ele, só me arrependo pela maneira
que tudo aconteceu.

Assenti quieta, pensando no duplo livramento que tive com aqueles


dois.
No fim me contentei em saber que ao menos eles se amavam, que não
foi em vão toda a dor que me causaram.
— Você me perdoa? — ela perguntou com uma expressão sincera.
Suspirei, deixando meus braços caírem a cada lado do corpo.
— É disso que precisa para se sentir melhor?
Suas faces ficaram ainda mais vermelhas e concordou com um meneio

de cabeça.
— Perdoo, Sarah — respondi, deixando um peso se esvair do peito. —
Mas se pensa que a partir de hoje seremos amigas como se nada tivesse
acontecido... — Neguei com a cabeça.
— Entendo — murmurou, desviando os olhos para o lado. — Bem, ao
menos espero que vá ao casamento, afinal você é minha irmã.
— Veremos.
Ela mordeu o lábio e assentiu, girando o corpo na direção da porta,
olhou-me pela última vez por sobre o ombro e então se foi.

Soltei o ar preso nos pulmões, relaxando o corpo ao cair sentada na


beira da cama.
— Luke, pode sair — avisei alto.
Ele surgiu do banheiro e caminhou até mim com o cenho franzido,

parou na minha frente e se agachou para analisar meu rosto cuidadosamente,


suavizando sua expressão quando percebeu que eu estava bem.
— Vamos? — perguntou ao se colocar de pé, oferecendo sua mão.
— Sim. — Deixei que me puxasse, guiando-me em seguida para fora
daquela mansão.
Ninguém tentou nos impedir de ir embora.
Aquilo me deixou triste e feliz ao mesmo tempo.
Capítulo 12

“Tudo o que queria de Natal estava bem ali, ao meu


lado. Então desfrutaria cada instante.”
Luke Moretti

Pedimos um motorista de app e quando chegamos ao portão ele já nos

aguardava no recuo. Assim que entramos no carro, Luke passou o endereço


do hotel em East Hollywood, e levamos cerca de vinte minutos para chegar
lá.
Meu estômago se contorcia de fome, com todo aquele caos nós
acabamos saindo da mansão sem tomar o café da manhã.
Atravessamos o hall de entrada do hotel arrastando nossas malas,
parando no balcão da recepção onde um recepcionista nos atendeu
prontamente. Soltei um suspiro de alívio quando nos informou que

conseguiria adiantar o nosso check-in, pois a suíte já estava pronta.


— Ainda estão servindo o café? — perguntei num tom beirando ao
desespero.
Luke sorriu e afagou minhas costas, subindo a mão até a minha nuca e
massageando-a com as pontas dos dedos enquanto o rapaz respondia que sim,
o buffet do café da manhã ficava disponível até as dez e meia.
Seu gesto carinhoso era familiar, e muito perigoso.
Não precisávamos mais fingir, porém os toques e carícias continuavam
pela força do hábito, treinamos tanto que com o tempo se tornou natural.

E se não quebrássemos aquele costume, eu acabaria me confundindo,


sucumbindo à fantasia de que estávamos juntos de verdade.
De que Luke era meu.
Desvencilhei-me sutilmente do seu contato, lamentando imediatamente

a sua perda, embora a decisão fosse minha.


Nós deixamos as nossas coisas aos cuidados da recepção e nos
direcionamos até o buffet.
— Olha, tem chocolate quente. — Luke apontou para uma garrafa
térmica disposta à mesa. — Sua bebida matinal preferida.
Ele me conhecia bem e em tão pouco tempo, aquilo aqueceu meu peito
e tive que me controlar para não fazer a loucura de beijar sua boca.
Com o Will precisei beber café por meses antes dele perceber que eu

odiava, porque comprava para mim nas manhãs em que nos encontrávamos e
eu tinha pena de recusar, apesar de fazer careta a cada gole. Ele nunca me
notou realmente, não como o Luke me notava.
Balancei a cabeça para apagar aquelas lembranças, e me recriminei por
teimar em comparar os dois homens, não tinha propósito algum.
De repente oscilei sobre as pernas, agarrando-me no braço do Luke.
Depois que a adrenalina causada pelo confronto com minha família se
esvaiu do meu corpo, sentia-me zonza. Precisava comer urgentemente ou
então desfaleceria. Merecia uns pãezinhos recheados da Nana, mas como ali

não tinha, aceitaria qualquer coisa igualmente gordurosa.


— Tudo bem? — Ele me segurou, apoiando-me no seu corpo e me
inspecionando de pertinho. — Quer se sentar? Eu trago o café para você.
— Obrigada — sussurrei em concordância e me afastei assim que

meus pés se firmaram ao chão.


Aguardei por ele em uma das mesas vagas, respondendo algumas
mensagens de felicitação no celular, de colegas escritores e de leitores.
Aproveitei para avisar à Cora que logo mais ligaria para ela por vídeo
chamada para desejar um Feliz Natal apropriado e contar sobre os
acontecimentos.
— Trouxe de tudo um pouco — Luke disse ao se aproximar,
colocando um prato recheado de coisas sobre a mesa, e me entregando uma

caneca cheia até a borda da minha bebida preferida.


Murmurei um agradecimento e escondi o rosto por trás da caneca,
preocupada em não transparecer minhas emoções, ou então ele enxergaria o
quanto seu zelo e carinho me afetava.
Por que ele tinha que ser tão perfeito?
Dificultava demais as coisas, droga!
Minhas inquietações se dissiparam assim que mordi o primeiro pedaço
do muffin de chocolate, estava delicioso. Comemos em silêncio, Luke
também devia estar morrendo de fome, não dava tempo de ter uma conversa

com ele porque ambos mantínhamos as bocas ocupadas com a comida.


Sentia-me até feliz depois de comer tantas coisas gostosas, e soltei um
suspiro de contentamento quando nos levantamos para finalmente conhecer
nossa suíte.

— Esse foi o único lugar por perto que encontrei no dia do Natal,
tivemos sorte que alguém cancelou a reserva — Luke disse ao passar nosso
cartão-chave no leitor da porta, abrindo passagem. — Espero que goste.
— Aqui está ótimo! — falei antes mesmo de entrar e prestar atenção
no ambiente.
Mas assim que atravessei a porta, meu queixo caiu, porque aquela suíte
era bem melhor do que poderia ter imaginado.
Deparei-me com uma ampla sala com decoração de bom gosto, no

centro havia um bonito sofá com uma mesa de centro, mais ao fundo um
balcão em semicírculo do bar privativo nos brindava com um balde de
champanhe, e logo ao seu lado tinha algo que me surpreendeu.
— Você sabia sobre isso? — perguntei pasma, apontando para a
jacuzzi no interior da sala.
— Não — respondeu rindo. — Mas pode apostar que vamos usá-la.
Fiquei sem fala, meus passos agora animados me carregaram ligeiros
para conhecer o resto do lugar.
O quarto esbanjava uma cama king e me sentei nela, alisando o lençol

branco e macio que a cobria.


Luke parou no batente, me olhou e depois trocou seu foco para a cama.
Sabia o que estava pensando, mas não vocalizaria a pergunta pairando
nas nossas cabeças: Dormiríamos na cama juntos?

Deixaria para entrar naquele assunto mais tarde, perto da hora de


dormir, agora eu só queria relaxar e não me preocupar com mais nada.
Ele se aproximou e se acomodou do meu lado, deitando de costas, mas
com as pernas dobradas para fora da cama e os pés tocando o assoalho.
Fiz o mesmo, esparramando meus cabelos no colchão, e virei o rosto
para fitá-lo.
Ele abriu um sorriso preguiçoso para mim no qual correspondi,
encaramo-nos fundo nos olhos e, do nada, começamos a rir.

— Deus, que dia! — falei em meio aos risos. — E olha que ele mal
começou.
— Como você está se sentindo? — perguntou com uma voz risonha,
apesar de saber que falava sério, preocupava-se comigo.
Encolhi os ombros.
— Estou bem. — Exalei, virando o corpo de lado e apoiando as mãos
de baixo do rosto. — Só um pouco cansada, mas não fisicamente, sabe?
— Quer tentar dormir mais? — Brincou com uma mecha do meu
cabelo enquanto falava comigo, acelerando meus batimentos cardíacos.

— Não estou com sono, há coisas demais na minha cabeça.


— Podemos fazer o que quiser, passear, ou ficar na suíte o dia inteiro
só comendo e descansando, a escolha é sua.
Fechei os olhos e inspirei fundo antes de abri-los de novo.

— Sabe o que é engraçado?


— Quê?
— Morei aqui em Los Angeles toda a minha vida, mas depois de um
ano vivendo em Nova Iorque, sinto falta da neve. Nunca imaginei que diria
isso, nem gosto do frio.
Ele soltou um riso gostoso, e assentiu com a cabeça.
— Natal sem neve realmente é diferente — complementou meus
pensamentos. — Mas eu nunca estive aqui no Natal, então não posso

comparar muito.
— Eu sei de um lugar onde podemos ir mais tarde, acho que vai gostar.
— Combinado, enquanto isso, que tal passarmos o dia naquela jacuzzi?
Mordi o lábio, tentada em aceitar o convite, mas sentindo um friozinho
na barriga só de pensar em nós dois lá dentro, parecia muito íntimo.
Também havia outro detalhe que me impedia.
— Não vai rolar, não trouxe biquíni.
Seu sorriso se tornou travesso e foi sua vez de morder o lábio, mas
diferente de mim, seu gesto era pura sensualidade, fazendo meu coração

colapsar no peito.
— Sem problemas, pode ficar sem, não me importo.
Aquele homem era um perigo para a minha saúde, acabaria me
infartando.

Bati em seu braço, rindo de nervoso.


— Safado, só vai me ver pelada em seus sonhos!
Ou nos meus, perdi as contas de quantas vezes sonhei com a gente sem
roupa. Meu subconsciente não era tão forte, se rendia às fantasias obscenas.
— Você tem uma mente muito impura, Serena. — Fez cara de santo,
mas o sorriso sacana ainda despontava em seus lábios.
— O que eu quis dizer é que não precisa de biquíni. Por que não entra
na água de calcinha e sutiã? — continuou com seu discurso. — É

praticamente a mesma coisa. Além do mais, também não trouxe bermuda ou


sunga, vou ficar de cueca mesmo.
Oh, Deus.
— Tudo bem. — Peguei-me dizendo, sentindo meu rosto queimar.
— Vou preparar a jacuzzi enquanto você se arruma. — Levantou-se
num rompante e saiu do quarto, sem me dar chance de mudar de ideia.
Tapei o rosto com as mãos, abafando um gemido eufórico.
Eu estava muito ferrada.
Tomei fôlego e coloquei-me de pé, indo atrás da minha mala. De lá

retirei a bolsinha contendo as lingeries, precisava encontrar um conjunto que


não fosse muito revelador para se passar por roupa de banho. Decidi-me por
um na cor preta, a taça do sutiã, apesar da delicada renda, tinha forro e não
ficaria transparente quando molhasse. A calcinha era uma das mais

comportadas, ainda que mostrasse boa parte da minha bunda, não era
tanguinha como as outras. Suspirei, virando-me de um lado para o outro a fim
de conferir se tudo estava no lugar, peguei o roupão e o vesti. Então fui atrás
dele, meus passos lentos e hesitantes em contraste com as batidas aceleradas
do coração.
Luke estava ao lado da banheira já quase completa d’água, segurava
um frasco de sais de banho que o hotel oferecia de cortesia, quando me ouviu
se virou para mim.

— Você prefere com ou sem espuma?


— Com — respondi sorrindo.
Ele retirou a tampa e despejou um pouco do conteúdo na água.
— Vou abrir o champanhe — falou em seguida, caminhando até o bar
logo ao lado.
Ele trouxe duas taças cheias e me entregou uma, deu um pequeno gole
da bebida antes de colocá-la na borda da jacuzzi, eu fiz o mesmo.
Luke ainda estava vestido e vacilei em entrar na água primeiro,
brinquei com a faixa do roupão em nervosismo quando ele se ergueu,

agarrando sua camisa por trás e tirando-a num movimento fluido.


Fui contemplada com seu abdome maravilhoso, depois ele abriu o
botão da calça e a desceu pelas pernas musculosas, ficando só com a cueca
boxer preta.

Oh. Meu. Deus.


Minha pele ardeu em brasas quando ele curvou seus lábios para cima,
flagrando minha indiscrição.
Ocupei as mãos trêmulas e retirei meu roupão, arrastando-o pelos
ombros até que caísse ao chão.
Notei o modo como me fitou e abaixei a cabeça para esconder meu
sorriso espontâneo por trás da cortina de cabelo.
Estávamos quites.

Ele entrou primeiro e esticou o braço para mim, segurando minha mão
e me conduzindo para dentro da banheira redonda e cheia de espuma.
— Hum... — gemi em contentamento, relaxando ao sentir os jatos de
água morna massageando meus músculos.
— Está boa, né? — Riu do meu lado, esgueirando uma mão na minha
nuca, complementando a massagem que eu recebia com as pontas dos dedos,
fazendo-me arquejar.
Virei o rosto lentamente na sua direção, meu corpo amolecendo com as
sensações prazerosas, o estresse dos últimos dias se dissipando, minha guarda

abaixando.
Mordi o lábio e sorri languidamente, assentindo.
— Obrigada por vir comigo — sussurrei, transmitindo minha gratidão
através das palavras. — E obrigada por isso, por tentar salvar o Natal.

— Não precisa me agradecer, esquentadinha. — Segurou meu queixo e


riu baixinho ao perceber as lentes dos meus óculos embaçados por conta do
vapor. — Está conseguindo enxergar alguma coisa?
— Não — falei rindo. — Pode tirar para mim? Estou com preguiça de
me mover, está bom demais aqui.
Sua mão deslizou por meu rosto, puxando os óculos com cuidado e
colocando-os na borda, então se voltou para mim.
— Melhor?

— Uhum — murmurei, seu toque quente de volta na minha nuca,


dedos fortes mergulhando em meus cabelos, a pegada gostosa me arrancando
um suspiro e me impelindo para perto dele.
Luke extasiava e acordava tudo em mim ao mesmo tempo, deixei-me
ser carregada pela miríade de sensações.
— Seus olhos são lindos — ele falou pertinho, seu nariz quase tocando
o meu. — Esses risquinhos nas íris azuis, são como um raio se espalhando
pelo céu de verão.
Além de tudo ele era poeta.

Ah, que homem...


Meu coração não era imune a esse tipo de criatura mística, pensei que
só existissem em livros.
— Também gosto dos seus — sussurrei, cravando os dedos em seus

ombros para me agarrar ao momento, sentindo que poderia flutuar. —


Parecem diamantes azuis.
Seu olhar desceu lentamente até a minha boca, e se demorou lá com
uma intensidade crua, propagando desejo e me arrancando o fôlego.
Deus, ele iria me beijar.
— A gente não pode fazer isso. — Afastei-me de supetão, sentando do
outro lado da jacuzzi.
Meu peito arquejante subia e descia na água, denunciando a comoção

dentro de mim.
— Por quê? Você não quer?
Querer eu queria, e muito. O problema não era esse.
— Porque não posso. — Decidi ser sincera, mesmo que soasse como
uma boba aos seus ouvidos. — Não sou como você, Luke. Não consigo ter
um relacionamento casual, eu me apego rápido.
Engoli em seco, porque “se apegar” foi uma forma muito sutil de
explicar o que realmente estava acontecendo comigo.
— É isso o que pensa de mim? — perguntou, unindo as sobrancelhas.

— Mas não é a verdade? Você não é um solteirão?


Ele negou com a cabeça, sua franja molhada caindo sobre a testa.
— Já se esqueceu de que te vi com aquela loira?
Ele esfregou o rosto, parecia exasperado.

— Aquilo foi um erro.


— Não fale assim, ela pode até ser louca, mas é horrível chamar
alguém de erro.
— Me expressei mal. — Enterrou as mãos no cabelo, puxando-o para
trás ao soltar um suspiro. — Eu não costumo sair para beber e depois voltar
para casa com uma mulher que mal conheço. Você me flagrou numa ocasião
infeliz.
Contemplei sua expressão sincera, querendo muito acreditar nas suas

palavras, mas tive medo.


Portanto, continuei muda, sem saber ao certo o que falar.
Sem saber como reagir.
Sentindo meu peito retumbar cada vez mais alto e praticamente
explodir quando ele se aproximou de mim, ficando bem na minha frente.
— Serena — murmurou meu nome, segurando meu rosto
delicadamente entre suas mãos e me fazendo encontrar os seus olhos —, acho
que está na hora de você saber algo importante sobre mim.
Com o coração saindo pela boca, não consegui falar, então acenei com

a cabeça para que me contasse.


Ele inspirou fundo, encostando sua testa na minha e fechando os olhos.
— Eu sei exatamente de que maneira se sentiu ao ver Will com a sua
irmã — proferiu as palavras com a voz rouca, como se elas saíssem

arranhando tudo por dentro —, porque passei pelo mesmo com a minha noiva
e meu melhor amigo.
Ofeguei, meu coração se comprimindo dolorosamente ao compreender
o que dizia. Levei as mãos até seu rosto, tocando-o com as pontas dos dedos,
familiarizando-me com ele sob aquela nova luz.
Deus, como não o enxerguei antes?
— Quando? — perguntei com a voz alquebrada.
— Há três meses. — Descortinou seus olhos, fitando-me com uma

expressão desarmada. — Voltei do restaurante mais cedo que o de costume e


os flagrei transando no balcão da minha cozinha.
— Espera! — Encarei-o perplexa. — Eles foram para a sua casa
enquanto você não estava lá e ainda te traíram?
Ele soltou um riso fraco, e meneou a cabeça em negativa.
— Minha noiva e eu morávamos juntos, Bart fez uma visita especial.
— Soltou o nome do ex melhor amigo com frieza.
— Eu sinto muito, Luke. — Alisei seu maxilar retesado, tentando
suavizar a mágoa marcando sua face. — Foi bem recente, você está bem?

— Estou melhor, já não pensava neles faz um tempo. — Esfregou o


nariz no meu antes de afastar o rosto. — Mas falar sobre a traição traz à tona
alguns sentimentos ruins.
Assenti, entendendo muito bem o que ele dizia, pois acontecia o

mesmo comigo.
— Você ainda a chama de noiva... — Franzi o cenho, percebendo
tardiamente aquele detalhe.
Ele emitiu um som de aborrecimento, como se recriminasse a si
mesmo.
— Foram quase dois anos de noivado, às vezes o termo sai sem querer,
mas está tudo acabado entre nós — constatou, descendo as mãos pelos meus
braços e entrelaçando nossos dedos.

Mirou nossas mãos, parecia envergonhado em me encarar ao dizer o


que veio a seguir, tão lindo na sua vulnerabilidade que mais uma vez tive
vontade de beijá-lo.
— Na noite em que dormi com aquela mulher, eu estava tendo um dia
péssimo. — Engoliu com dificuldade, voltando sua atenção para o meu rosto.
— Esbarrei com algumas fotos da minha ex naquele dia e tive uma recaída,
saí para beber em um bar e acabei fazendo algo que me arrependi depois.
Meu coração se lançou para fora do meu peito e se entregou a ele.
Luke não era um solteirão como eu tinha imaginado, saber daquilo

rearranjou todas as coisas dentro mim. Percepções. Medo. Hesitação.


Aquilo mudava tudo.
Desenrosquei nossos dedos para alcançar seu pescoço, abraçando-o de
repente e fazendo-o afundar um pouco na água com o meu peso.

— Por que não me contou antes, quando falei sobre mim? —


murmurei em seu ouvido.
Seus braços envolveram minha cintura e me apertaram, seu rosto
mergulhando em meus cabelos molhados.
— Não sei. Eu queria te proteger da tristeza, não contribuir com a
minha.
Ele estava me matando.
Coloquei minhas pernas em cada lado do seu corpo, sentando no seu

colo e me inclinando sutilmente para trás a fim de encará-lo.


— Você continua triste?
Sua resposta foi um esboço de sorriso.
— Não me sinto triste quando estamos juntos. — Apertou-me contra
si, seus lábios perigosamente próximos dos meus. — Sequer penso no
passado porque gosto de viver o presente ao seu lado.
Eu não tive outra escolha a não ser beijá-lo.
Puxei seus cabelos com firmeza e desci o rosto até o seu, seus lábios se
entregaram ao meus com avidez, acelerando as batidas do meu coração e me

arrancando um suspiro. Nossas línguas se encontraram num resvalar lento e


provocador, depois rápido e faminto, alimentando nossa paixão com sabor de
champanhe e notas de chocolate.
Dedos cravaram em meus quadris, enveredando-se nas laterais da

calcinha, arrepiando minha pele, roubando meu ar, aumentando meu anseio.
Em seus braços me sentia livre.
Finalmente cedi àquela atração avassaladora, sem mais reservas.
Suguei seu lábio inferior, ondulando instintivamente meu corpo ao seu,
ele revidou, mordiscando meu queixo em seguida, deixando rastros de beijos
pelo meu pescoço e me fazendo arquejar. Um braço cingiu minha cintura
com força e a outra mão subiu até minha cabeça, puxando meus cabelos para
trás, e então ele me fitou cheio de tesão, esquentando o sangue que corria

como labaredas em minhas veias.


— Você é tão linda — falou com a voz grave. — Quis você desde a
primeira vez em que te vi. E agora que a tenho, quero mais.
Assenti com a cabeça, sem conseguir falar.
Eu também o queria, tanto que não conseguia mais me conter, não
depois de chegarmos até ali.
Não havia retorno, só dava para continuar de onde paramos.
Com o meu incentivo ele firmou a pegada em meu cabelo, trazendo
seus lábios macios de volta aos meus. Seus dedos possessivos controlavam a

direção e a intensidade do beijo, inclinando minha cabeça para um lado,


movendo-a de volta para o outro, deixando-me tonta de desejo.
Amava os barulhos que fazia quando eu arrastava as unhas por suas
costas, quando sugava sua língua e me movia sobre ele. Calafrios se

espalhavam pelo meu corpo todas as vezes que ouvia os gemidos e suspiros
escapando dos seus lábios, encorajando-me a provocá-lo ainda mais e
aumentando meu tesão.
Afastei ainda mais as coxas, pressionando-me em seu colo com
ousadia e sentindo o volume grosso e longo da sua ereção despontando da
cueca. Ele se impulsionou para cima com força em resposta e não consegui
conter o rolar dos meus quadris, buscando por alívio no ponto onde eu
pulsava de desejo. Um rosnar se esgueirou de sua garganta, seus dedos

agarraram meus cabelos com força, deslocando nossas bocas. Seu rosto
contorcido num misto de dor e prazer.
— Eu te quero muito, mas precisamos parar.
Não entendi como ele conseguiu se refrear, deveria ter poderes sobre-
humanos.
Nossos corpos estavam correndo uma maratona deliciosa, e faltava tão
pouco para alcançar a linha de chegada que era crueldade interromper nosso
avanço.
Deus, fazia tanto tempo desde que me senti daquele jeito com alguém.

Na verdade, nunca havia me sentido assim antes, nada se comparava.


Por isso lamentei baixinho, apertando sua nuca e calando-o com minha
boca, tentando fazê-lo mudar de ideia.
Luke gemeu de encontro aos meus lábios, mas voltou a se afastar.

— Se não pararmos agora... — disse ofegante.


— Não para, por favor — interrompi suas palavras. Esfregando-me
nele, desesperada para aliviar aquele pulsar entra as minhas coxas.
Ele agarrou minha bunda, cravando os dedos na minha carne com um
rosnar excitante.
— Se rebolar assim vou acabar gozando, esquentadinha.
— Ótimo — gemi, jogando a cabeça para trás ao sentir o orgasmo
efervescendo em meu ventre, pronto para explodir.

Não sentia vergonha de ir atrás do que eu queria, não naquele


momento crucial onde eu quase chegava lá, meu corpo alcançando a linha de
chegada.
Não depois de semanas sonhando com ele, querendo-o em silêncio,
reprimindo minha atração.
Agora que eu o tinha ali, entregue a mim, podia me permitir.
Intensifiquei meu rebolado, pressionando mais forte contra a ereção do
Luke e arrancando-lhe outro rosnado de excitação, ele me ajudava a manter o
ritmo avassalador com as suas mãos guiando meus quadris. Seu rosto

mergulhou em meu seio esquerdo, sua boca sugando o mamilo por cima do
sutiã, espalhando choques de prazer por todas as minhas extremidades e
incitando o orgasmo.
Estremeci num grito mudo.

Perdi o controle motor enquanto os espasmos domavam meu corpo e


me rendi, sentindo-o empurrando-se contra mim, prolongando aquela
sensação até que um som gutural escapou de sua garganta e a pegada forte ao
meu redor colou meu corpo no seu, estacando nossos movimentos ao chegar
no ápice do prazer.
Deus, o que foi aquilo?
Nuca gozei tão rápido, e não fizemos nada demais!
Nem o vislumbre do seu pau eu tive, só a sensação dele através do

tecido fino de sua cueca.


Afundei o rosto em seu pescoço, rindo de forma descontrolada.
Luke afagou as minhas costas languidamente, subindo uma mão até
minha nuca ele enveredou os dedos na raiz dos meus cabelos e me puxou
para trás a fim de olhar. Encarou-me com um sorriso largo nos lábios
inchados e um brilho saciado nos olhos.
— Por que está rindo? — perguntou divertido, apesar de saber muito
bem a resposta.
— Porque nunca me senti tão bem quanto agora — murmurei,

subitamente tímida depois que a névoa do desejo começou a se dissipar. —


Porque estou feliz.
— Quem bom — disse, roubando-me um breve beijo. — Estamos
quites.

Um silêncio de contentamento nos abarcou enquanto contemplávamos


um ao outro, deslizei as pontas dos dedos por seu rosto, ainda assombrada
com a sua beleza.
Como alguém em sã consciência traía um homem desses?
Luke era pura perfeição, bonito por dentro e por fora.
— Você está toda enrugada — ele falou, segurando meu pulso e
levando minha mão aos lábios para beijar minhas digitais. — Vamos te tirar
dessa água.

Ele se levantou comigo em seu colo, fazendo-me enlaçar seu corpo


com minhas pernas e braços para não cair, apesar da sua pegada firme e
protetora. Colocou-me de volta ao chão quando saímos da jacuzzi,
envolvendo-me no roupão e esfregando meus braços para me aquecer.
— Preciso tomar um banho de verdade. — Fisgou o canto da boca e
lançou um olhar para a sua cueca, indicando a bagunça que eu provoquei
nele. — Depois podemos sair para almoçar e você pode me levar àquele lugar
que me falou mais cedo.
— Combinado — concordei, tentada a me convidar para tomar banho

com ele, mas já não me sentia tão ousada quanto antes.


Quando ele entrou no banheiro da suíte, corri até o meu celular,
aproveitando a privacidade para ligar para a minha melhor amiga.
Assim que ela aceitou a chamada de vídeo e viu minha expressão, riu e

disse:
— Já transferiu o dinheiro para a minha conta?
Capítulo 13

“Nunca me esqueceria daquela noite.”


Luke Moretti

Saí do quarto, distanciando-me ao máximo do banheiro para Luke não

escutar a conversa, mesmo que o barulho do chuveiro abafasse tudo.


— Como tem tanta certeza de que ganhou a aposta? — Ri, espalmando
minha bochecha ruborizada.
Cora parecia caminhar para algum canto mais silencioso a fim de me
escutar melhor, estava em algum tipo de festa.
— Sua cara não engana, né? É óbvio que rolou alguma coisa, me
conta!
Desci a mão até o peito, tentando domar as batidas estrondosas do meu
coração.

— Nós nos beijamos.


— E?
— Só isso — menti, o que fizemos foi muito além de um simples
beijo. — Mas agora eu tô surtando, não sei o que fazer.
— Por quê, amiga? — Inclinou a cabeça para o lado. — Não foi bom?
— Foi melhor do que eu poderia imaginar. — Suspirei, tocando meus
lábios instintivamente, relembrando as sensações.
— Então o que houve?
Gemi em frustração e expliquei tudo o que aconteceu desde que

chegamos em Los Angeles.


Do modo como Luke foi carinhoso comigo e me defendeu na frente da
minha família. Em como ele me trouxe ao hotel, preocupando-se comigo a
todo instante. Enfim falei da nossa conversa na jacuzzi, sobre a traição

recente pela qual ele passou, e o beijo que aconteceu logo em seguida.
— Quando estávamos nos beijando e a coisa esquentou, ele quis parar,
mas não deixei — cochichei envergonhada. — Agora não sei se forcei
demais a barra.
— Sabia que estava me escondendo alguma coisa — respondeu
animada, fazendo-me rolar os olhos. — Serena, duvido que ele não quisesse o
mesmo que você.
— Ele tinha acabado de me confidenciar algo triste, e o que eu fiz?

Ataquei o homem!
Minha amiga riu, jogando a cabeça para trás e tudo.
— Estou falando sério, Cora. — Minha voz saiu trêmula, fazendo-a
ficar séria ao notar a gravidade do meu nervosismo. — Ele está tomando
banho e não sei como reagir quando voltar de lá.
— Serena, não se preocupe, eu vi a maneira como Luke te olha.
Sorriu docemente, acalmando um pouco os meus receios.
— Ele me olha como?
— Como se você fosse o presente mais aguardado do Natal, e ele mal

pode esperar para poder desembrulhar. — Riu, se abanando em brincadeira.


— É muito óbvio que aquele homem gosta de você.
Senti o fogo se intensificando na minha pele, precisando me abanar
também.

— Mas e se... — Mordi o lábio. — E se eu quiser mais do que ele pode


me dar?
— Nunca se envergonhe de ir atrás do que você quer. Mas se está
incerta, pergunte a ele, seja franca.
Exalei baixinho e assenti, sabendo que ela estava certa, apesar do medo
de me abrir e acabar me machucando novamente.
Em meio ao barulho de música e vozes ao fundo, ouvi alguém chamar
pelo nome da minha amiga, e de repente seu noivo apareceu por trás dela.

— Já vou, amor. Estou falando com a Serena.


Alec finalmente me notou na tela do celular da noiva e acenou,
lançando-me um sorriso sincero.
— Oi, Serena. Feliz Natal!
— Feliz Natal, Alec. — Retribuí o seu sorriso. — Cora, pode voltar
para a festa, depois a gente se fala melhor.
Despedimo-nos com a promessa de que conversaríamos em breve e
encerrei a chamada num suspiro.
— Serena?

Ofeguei, quase derrubando o celular ao me virar para encará-lo.


Luke já estava arrumado e, quando abaixou os olhos para o roupão que
eu ainda vestia, uniu as sobrancelhas.
— Desistiu de sair?

Meu rosto queimou de vergonha e neguei com a cabeça.


— Estava em uma chamada de vídeo com a Cora, perdi a noção do
tempo. — Caminhei rapidamente em direção ao quarto, murmurando um
pedido de desculpas.
— Ei, está tudo bem, sem pressa — disse, esbarrando brevemente a
sua mão na minha quando passei por ele.
Escolhi uma das blusas que ele me presenteou, a estampa era uma
ilustração de um livro e o seu título dizia: “Sou melhor que o filme”.

Terminei de me arrumar e dei um jeito rápido no cabelo, secando-o em


ondas.
Luke me aguardava na sala e seus lábios se curvaram para cima
quando notou a blusa que eu vestia.
— Pronta? — Ofereceu seu braço.
Tentando engolir meu nervosismo, aceitei, caminhando ao seu lado
para fora da suíte.
Pedimos para que o concierge conferisse as disponibilidades dos
restaurantes e lugares pela região, infelizmente no Natal era praticamente

impossível conseguir uma reserva em cima da hora. Ou deveríamos tentar a


sorte e ir aos locais para aguardar por uma mesa — que poderia ter horas de
espera —, ou poderíamos almoçar no bar & lounge do hotel.
Decidimos pela segunda opção.

O menu era limitado, mas não me importava porque já estava com


fome de novo e um hambúrguer me parecia ótimo.
— Eu deveria ter planejado isso melhor, desculpa — ele murmurou
com uma expressão de culpa quando nossos pedidos chegaram.
— Luke, não tinha como você saber. — Apertei sua mão por cima da
mesa. — Não fosse por mim, estaríamos almoçando um banquete agora. Mas
prefiro mil vezes comer aqui com você do que voltar naquela casa. Comeria
até macarrão instantâneo, se preciso.

Ele riu em alívio, entrelaçando nossos dedos.


— Não deixaria chegar a tanto, macarrão instantâneo no Natal é
deprimente demais. — Brincou com meus dedos. — Na verdade, é
deprimente em qualquer dia, sempre que precisar pode bater à minha porta
que eu preparo um macarrão de verdade para você.
— Cuidado, viu? Posso levar sua oferta a sério.
— Tô contando com isso, esquentadinha. — Piscou para mim.
Escondi meu sorriso por trás do hambúrguer e dei uma mordida.
Meu coração tropeçou no peito, fazendo-me perder o equilíbrio na

beira do precipício. Estava em queda livre e não havia mais como voltar
atrás, só me restava aceitar minha situação.
Quebrei a nossa primeira regra: me apaixonei.
Minha mente não parava de voltar ao conselho que Cora me deu, eu

precisava saber se ele estava caindo naquela sensação comigo, ou se me


espatifaria sozinha quando tudo aquilo terminasse.
Mas não tive coragem de falar, não ali com ele do outro lado da mesa
enquanto eu roubava vislumbres do seu rosto e dos seus movimentos
descontraídos enquanto almoçávamos.
E nem quando saímos para passear em Los Angeles naquela tarde fria
e nublada, sua mão na minha enquanto caminhávamos juntos e sem pressa
pelas ruas com palmeiras iluminadas por piscas-piscas, algo que ele se

divertiu em ver.
Não havia muitos lugares legais funcionando naquele dia, quase tudo
estava fechado por conta do feriado.
Infelizmente tinha me esquecido desse pequeno detalhe e não
conseguiríamos ir no cinema ao ar livre, havia planejado assistir a um filme
temático com ele, aconchegados numa manta e beliscando besteiras.
Levei-o até o The Grove em vez disso, o shopping a céu aberto parecia
uma viagem a um mundo mágico, todo o lugar estava completamente
decorado, além das árvores e iluminações natalinas, havia enormes estrelas

penduradas no céu como se flutuassem sobre nossa cabeças. Pegamos o


bondinho turístico só por diversão, e descemos quando ouvimos um grupo de
violinistas tocando perto do chafariz.
Luke me abraçou por trás e apoiou o queixo na minha cabeça,

embalando-me docemente no ritmo da melodia enquanto apreciávamos a


linda performance.
O grupo emendou uma música na outra, e os acordes da canção The
Way You Look Tonight vibraram no ar.
Ele começou a cantarolar suavemente ao pé do meu ouvido, sua voz
era surpreendentemente bonita, o timbre grave e baixo me fez estremecer,
provocando um terremoto dentro de mim.
“Algum dia, quando eu estiver terrivelmente pra baixo
Quando o mundo estiver frio
Eu vou sentir um fulgor só de pensar em você
Apenas do jeito que você está essa noite”

O modo como a música soava em seus lábios e afagava minha pele,


fizeram-me querer acreditar que Luke dizia aquelas palavras para mim.
Que elas significavam além do que apenas uma letra.
Que elas saíam do seu coração.
Ah, como eu queria que fossem reais.
Um sentimento agridoce se alastrou em meu peito, que se expandiu

para depois se contrair dolorosamente.


Meu coração almejava mais estações ao lado do Luke, não apenas
durante uma pequena parcela do inverno.
Não apenas por causa de um acordo idiota, mas porque o que eu sentia

por ele era verdadeiro.


Abri a boca, mas minha confissão ficou presa na garganta.
Não tive coragem de contar como me sentia, porque preferia aproveitar
aqueles segundos ao seu lado, do que colocar em risco o resto da viagem e
acabar perdendo-o antecipadamente.
Meus olhos arderam em lágrimas e apertei os seus braços ao meu
redor, desfrutando daquele momento fugaz, absorvendo-o e tatuando na
memória antes que ele se dissipasse por completo.

De repente uma gota açoitou meu rosto, sequei a lágrima fugitiva com
o dorso da mão antes que Luke notasse, mas quando outras gotas frias
deslizaram por minha pele, percebi que não eram lágrimas.
— Oh, não. — Movi a cabeça para trás, sendo atingida pela chuva que
caía cada vez mais forte.
Luke se inclinou por cima de mim, tentando me proteger da
tempestade repentina com o seu corpo.
Os músicos pararam de tocar, apressando-se em guardar os
instrumentos, e as pessoas ao nosso redor corriam em busca de proteção.

— Vem! — Luke me pegou no colo, arrancando-me um gritinho.


Enlacei seu pescoço e comecei a rir enquanto ele corria comigo em
seus braços até a marquise mais próxima.
Mas não teve jeito, já estávamos molhados da cabeça aos pés.

— Ei, está tremendo — disse ao me ver batendo o queixo e me puxou


para um abraço, esfregando minhas costas por cima da jaqueta jeans
encharcada. — Já estou pedindo uma corrida de volta ao hotel.
Assenti, afundando o rosto em seu peito e me banhando no seu calor.
Quando nosso motorista chegou, Luke o solicitou que aumentasse a
temperatura dentro do carro, e me abraçou de lado durante todo o trajeto
tentando me manter aquecida. No entanto, continuei tremendo, não pelo frio,
mas pelo terremoto provocado por ele.

Meu coração vibrava tão forte no peito que ecoava por todo meu
corpo.
A tempestade continuou firme e forte lá fora, Luke novamente tentou
me proteger da chuva ao sairmos do carro, tirando sua jaqueta e colocando-a
sobre minha cabeça enquanto percorríamos o curto caminho até entrarmos no
hotel.
Abandonamos nossos sapatos na entrada da sala, junto com as meias, e
seguimos para dentro deixando trilhas molhadas pelo caminho.
— Você precisa de um banho quente — falou ao atravessarmos a porta

da nossa suíte.
— Você também — retruquei, tocando em sua face e enxugando
rastros de chuva que escorriam do seu cabelo.
— Estou bem — disse, beijando a palma da minha mão.

Ele se afastou para retirar a camisa colada ao corpo, deixando-a cair no


chão.
Fiquei muda, assistindo àquele espetáculo, meus olhos mapeando os
vales e aclives de seu abdome.
— Serena.
— Hã? — Forcei minha atenção ao seu rosto.
— Suas roupas estão encharcadas. — Aproximou-se, puxando minha
jaqueta por meus ombros até me ver livre dela. — É melhor tirá-las antes que

congele.
Ele estava pertinho de mim e me fitou fundo nos olhos, suas mãos
tocaram as laterais do meu corpo, apesar de frias elas queimaram minha pele.
Seus dedos se enroscaram na barra da minha blusa, mas permaneceram
imóveis enquanto ele me olhava, esperando por um sinal.
Seu toque era como fogo, esquentando tudo em mim e derretendo o
gelo causado pelo temporal. Meu ar ficou em suspensão com a doce
expectativa.
Eu não precisava de sua ajuda para tirar a roupa, mas queria, não seria

burra de deixar essa oportunidade passar.


Aproveitaria o tempo que tivesse com ele, se depois tudo acabasse, ao
menos esses momentos derradeiros ficariam gravados na lembrança.
Mordi o lábio inferior e meneei a cabeça positivamente.

Luke arrastou a barra da minha blusa para cima, os nós dos seus dedos
deslizando por minha pele, arrepiando-me. Embora o ar estivesse denso,
repleto de tensão e anseio, a gola grudou na minha cabeça e desalinhou meus
óculos, arrancando-me um riso de nervoso e quebrando completamente o
clima.
Ele riu também, ajeitando os óculos no meu rosto quando finalmente
consegui me livrar da peça de roupa. Flagrei seu olhar descer até meu busto
coberto apenas por um sutiã de tule com transparência, meus mamilos ocultos

precariamente por detalhes de renda. Um som escapou de sua garganta e


fechou os olhos, dando um passo para trás.
— Hum, vou preparar o banho para você — murmurou, soltando o ar
pela boca antes de descortinar suas íris de diamante.
Seus olhos me contemplaram por um átimo com um brilho torturante,
depois ele se virou e sumiu dentro do banheiro. Balancei a cabeça, tentando
me recompor, com mãos trêmulas retirei a minha calça jeans, deixando-a
numa pilha ao chão junto com as outras peças de roupa. Fui atrás do Luke,
vestida somente com o conjunto de lingerie e, apesar de saber que ele já tinha

me visto daquele jeito antes, sentia-me tímida.


Abracei meu próprio corpo e vacilei na entrada, observando-o ligar o
chuveiro e ajustar a temperatura da água para o quente. Quando se virou para
mim, seu peito subiu e desceu descomedidamente, então cravou os dentes no

lábio e fechou as mãos em punho como se tentasse controlar um impulso.


Uma nova onda de arrepio reverberou pelo meu corpo, Luke deve ter
interpretado errado a minha reação, pois seu semblante mudou drasticamente.
Seus olhos, antes escuros de desejo, agora me fitavam com preocupação.
— Vou pedir o serviço de quarto enquanto toma banho, gosta de sopa?
Concordei em silêncio, apesar de não estar pensando em comida
naquele momento. Queria dizer que não tremi de frio, para não se preocupar
comigo, mas engoli as palavras.

Ele assentiu e passou por mim ligeiro, saindo pela porta e fechando-a
atrás de si.
Deus, o que foi que acabou de acontecer?
Luke parecia tentar fugir da óbvia atração que sentia, mas eu não
compreendia o porquê.
Ignorei minha frustração e retirei as peças íntimas, entrando debaixo
do chuveiro.
Meus olhos se fecharam automaticamente e exalei alto, permitindo que
a torrente quente dissipasse a tensão do meu corpo. Fiquei mais tempo que o

necessário no banho, reunindo coragem para sair de lá e encarar o meu


vizinho.
Sequei meu cabelo e me enrolei no roupão, hesitando por trás da porta
antes de finalmente abri-la.

Luke estava sentando na cama com suas costas apoiadas na cabeceira,


mexia no controle da televisão, mas quando me viu, o largou sobre o seu
colo.
Ele havia trocado de roupa, vestia uma calça de moletom e só,
deixando seu torso nu. Aparentava estar confortável e despreocupado.
Totalmente diferente de mim.
Eu estava surtando, perguntando-me o que aconteceria agora, se
fingiríamos que nada rolou entre nós naquela manhã na jacuzzi, ou se em

determinado momento continuaríamos de onde paramos.


Precisava saber se ele sentia o mesmo que eu.
Se ele me queria tanto quanto, ou se tudo não passou de uma fantasia
louca da minha cabeça.
Inspirei fundo e ameacei a falar, mas fui salva pelo serviço de quarto.
— Eu atendo — Luke avisou, levantando-se.
Aproveitei a oportunidade para me vestir, pegando um conjuntinho de
pijama da mala e voltando ao banheiro. Daquela vez, quando saí de lá, ele me
aguardava com uma bandeja sobre a cama.

— Você prefere sopa de cebola ou creme de abóbora? — perguntou


assim que me viu.
— Tanto faz, gosto das duas.
Acomodei-me ao seu lado, meu ombro encostou no seu, mas não me

afastei.
Escolhemos nossos pratos e dei a primeira colherada, gemendo
baixinho em deleite.
Ele me lançou um olhar fortuito no mesmo instante em que espiei seu
perfil, então sorriu, acordando as borboletas no meu estômago.
— Quer provar? — Ofereci ao flagrá-lo me observando pela terceira
vez.
Luke desceu os olhos para a minha boca e anuiu, aproximando seu

rosto do meu.
Sua língua deslizou sutilmente para fora, lustrando seus lábios antes de
abri-los lentamente. Seus dedos envolveram meu pulso, guiando a minha mão
que segurava a colher para si. Ele emitiu um som de contentamento ao
saborear a sopa, seu olhar preso ao meu.
Meu coração deu uma guinada brusca no peito e ofeguei baixinho,
sentindo meu rosto em brasas.
— Deliciosa — murmurou antes de se afastar e voltar a atenção para o
seu próprio prato.

Ele retribuiu com a mesma oferta, mas recusei, pois entraria em


autocombustão se repetíssemos aquela cena.
Nós dois escovamos os dentes depois que terminamos de comer, e
voltamos para a cama. Peguei o controle remoto para bisbilhotar as opções na

TV e coloquei no primeiro filme que vi, só para manter minha mente ocupada
e não surtar por dividir novamente a cama com o Luke.
— Simplesmente Amor? — ele comentou com um sorriso na voz,
ajeitou-se à minha esquerda e passou um braço por meus ombros, aninhando-
me ao seu lado.
— Sim, se importa? — Olhei para cima a fim de vê-lo, minha cabeça
estava deitada em seu peito e minha perna levemente intricada na dele.
— Não, até gosto desse filme. — Pressionou sua palma na minha

lombar, alastrando uma energia quente por minha coluna. — Só me


decepcionei com o Severo Snape por ter traído a professora Sybill Trelawney.
— Quê? — perguntei, confusa com as referências dos personagens de
Harry Potter, mas ao entender soltei um riso.
Nos filmes da série os personagens foram interpretados pelos atores
Alan Rickman e Emma Thompson, que também atuavam no qual estávamos
assistindo.
Nem precisava dizer que meu coração suspirou por ele conhecer Harry
Porter, certo?

Se descobrisse que ele também leu os livros e não somente assistiu aos
filmes, não me responsabilizaria por meus atos, eu o obrigaria a ser meu ali e
agora.
Daria uma de louca, como aquela loira do elevador, e o convenceria de

que éramos almas gêmeas.


— Pois é, ele foi um babaca por trair a esposa — concordei, e voltei a
descansar meu rosto em seu peito, ignorando minha vontade de agarrá-lo.
Inspirei fundo, lutando para relaxar meus músculos tensos e acalmar
meus batimentos cardíacos, mas o seu aroma me embalou numa nuvem de
luxúria e o seu corpo quente colado ao meu conduziu meus pensamentos para
um caminho sem volta, um caminho perigoso.
Não falamos mais nada enquanto assistíamos ao filme.

No meu caso eu fingia assistir a alguma coisa, porque minha atenção


estava completamente voltada ao homem na cama comigo.
Soltei o ar pelos lábios trêmulos e tentei me concentrar no que
acontecia na TV, mas os meus olhos enevoados não se focavam nas imagens
e as batidas frenéticas do meu coração abafavam as vozes dos atores.
E Deus, Luke começou a deslizar seus dedos em meu braço, subindo-
os e descendo-os preguiçosamente na minha pele e arrebentando o fio de
concentração que eu ainda mantinha.
Arfei baixinho e me remexi sobre o colchão, tentando sutilmente me

desvencilhar, mas Luke não deixou. Seu braço me apertou, eliminando a


mínima distância entre nós, minha perna se enroscando ainda mais na sua e
minha mão pressionando seu abdome definido. Senti sua respiração morna
afagar meus cabelos e seus dedos apertarem meu quadril antes de me

soltarem, como se demandassem que eu ficasse ali e não tentasse me afastar


novamente.
Oh, Deus.
— Luke... — sussurrei, sem saber como reagir à sua proximidade,
querendo jogar todo o meu autocontrole para o alto e atacá-lo novamente.
— Hum — ele murmurou em resposta, passeando os dedos pela lateral
do meu corpo, sua respiração pesada movendo os fios do meu cabelo.
Ele sabia exatamente o que estava fazendo comigo, certo?

Eu não estava enlouquecendo, Luke realmente estava me provocando!


Pagaria na mesma moeda, porque não era possível que ele estivesse me
torturando inconscientemente, e mesmo se estivesse, eu não seria a única
pessoa a ter de sofrer com aquela frustração sexual.
Desci morosamente a minha mão por seu abdome, curvando os dedos
para deslizar minhas unhas por sua pele, do jeito que eu sabia que ele
gostava.
Seus músculos se retesaram e um pequeno grunhido escapou de sua
garganta, ele correspondeu à minha provocação apertando minha coxa, seus

dedos perigosamente perto da minha bunda. Mas não falou nada, e voltou a
me torturar com suas carícias.
Comprimi um sorriso e continuei com a minha trajetória, resvalando
delicadamente as unhas por sua extensão até alcançar o cós do moletom. Ele

se movimentou sob mim, contraindo os músculos da barriga e erguendo


sutilmente os quadris, sua respiração se entrecortou e eu precisei prender a
minha quando mirei a ereção que se avolumava dentro da sua calça.
— Serena... — Foi a sua vez de chamar por meu nome, a voz contrita e
a pressão da sua pegada na minha perna denunciavam seu desejo.
Seguiria o conselho da minha amiga e iria atrás do que eu queria,
naquele momento, o que mais queria era ele.
Acariciei-o na margem da sua calça, e outro som escapou de sua boca,

incitando o pulsar entre as minhas pernas. Esfreguei-me despudoradamente


nele em busca de alívio e, num ímpeto de coragem, apertei o seu volume por
cima do moletom, sentindo-o espasmar e crescer na minha mão.
Luke grunhiu alto e enlaçou minha cintura, puxando-me ferozmente
para cima do seu corpo até que eu o montasse. Enterrou sua mão em meu
cabelo e trouxe minha boca à sua, beijando-me com voracidade.
Até que enfim!
— Você me deixa louco — gemeu, mordendo meu lábio inferior e
sugando-o em seguida. — Eu tentei me controlar, juro que tentei.

— Por quê? — perguntei de encontro aos seus lábios. — Você não me


quer desse jeito? Acha uma má ideia?
— Está de brincadeira? — Apertou minha nuca, fitando-me com um
olhar desarmado. — Eu te quero desde a primeira vez em que te vi, Serena.

— Então por que se controlar quando é óbvio que queremos a mesma


coisa?
Suspirou, seu hálito quente afagando meus lábios desejosos, fazendo-
me inclinar para perto em busca dos seus.
— Minha linda, eu não quis te pressionar ou me aproveitar da situação.
— Deslizou levemente sua boca na minha. — Queria que você tivesse
absoluta certeza para não se arrepender depois.
— Eu tenho certeza — sussurrei sem fôlego e com o coração

palpitando.
Luke buscou por meus olhos e deve ter enxergado a sinceridade neles
porque logo depois devorou minha boca, voltando a me beijar.
Nossas línguas se enredaram, circundando e deslizando numa dança
sensual. Ele apertou minha bunda com uma mão enquanto a outra me puxava
pelo cabelo, guiando o compasso do nosso beijo. Abri as pernas,
pressionando-me em sua ereção, sentindo-me quente e prestes a explodir a
qualquer momento só pela fricção deliciosa de nossos corpos.
Mas eu precisava de mais.

Muito mais.
Estava prestes a vocalizar minhas vontades quando Luke me
surpreendeu, com um rosnar de tesão ele me alçou para o lado, colocando-me
de costas no colchão e se embrenhando entre as minhas pernas.

— Quero te provar — falou, mordendo meu lábio inferior e puxando-o


eroticamente enquanto me olhava nos olhos.
Ah, eu queria aquilo também.
Queria tudo o que ele pudesse me dar.
— S-sim.
Ele trilhou beijos em minha pele, deixando um rastro de fogo pelo
caminho até alcançar o vão dos meus seios e mergulhar sua língua ali,
fazendo-me arquejar. Luke ergueu seus olhos, observando-me enroscar os

dedos na barra do meu top e lentamente me livrar da peça. Um gemido se


esgueirou dele ao ver meus seios desnudos e ele me contemplou com
fascínio. Seus dedos tocavam-me reverentes, contornando, apertando,
beliscando e atiçando antes de finalmente descer o rosto e sugar um dos meus
mamilos com sofreguidão. Ofeguei, puxando sua cabeça para mais perto e me
entregando às sensações, minhas coxas se abriram para senti-lo melhor.
Minhas mãos atrevidas apertaram sua bunda durinha, impelindo-o a se
pressionar com mais força em meu íntimo e gemi ao sentir o contato do seu
membro deliciosamente rígido.

— Ah, Luke... — Joguei a cabeça para trás, estremecendo sob seu


corpo.
Um barulho molhado e excitante de sucção estalou no ar quando a sua
boca soltou meu seio, depois Luke se esgueirou para baixo, sua cabeça

pairando entre as minhas pernas.


De repente já não vestia mais nada e me vi completamente nua e
entregue à sua frente.
— Linda — falou com a voz rouca, suas íris chisparam de desejo e
suas mãos separaram ainda mais as minhas coxas.
Um grunhido lhe escapou antes de me abocanhar, sua língua
deslizando por minha carne úmida e pulsante, seus dedos me estimulando, a
barba por fazer deixando marcas deliciosas em minha pele.

— Isso! — Rebolei despudoradamente, puxando seus cabelos com


urgência ao sentir a vibração se intensificando, o calor se avolumando e
crepitando antes do orgasmo me consumir em chamas.
Luke emitiu um som carnal e aumentou a pressão de seus lábios, sua
língua quente serpenteou minha entrada e depois se afundou em mim,
arrancando-me um grito de prazer. Ele subiu seus olhos e me encarou com
uma expressão devassa, trocou a língua por seus dedos, estimulando aquele
ponto mágico dentro de mim ao passo que chupou o meu clitóris com força.
Arquejei, fechando as pernas e aprisionando sua cabeça quando o fogo

se alastrou e explodi em milhares de partículas de prazer, espasmando e


gemendo em delírio.
Finalmente amoleci de encontro à cama, esboçando um sorriso de pura
satisfação.

Luke ergueu-se sobre meu corpo e se aconchegou entre minhas pernas


trêmulas, beijou minha boca com ternura, retirando algumas mechas
desgrenhadas do meu rosto suado.
— Você é deliciosa, sabia? — Esfregou seus lábios docemente nos
meus.
— Hmmm... — murmurei em contentamento. — E você sabe usar
muito bem a sua boca, sabia?
Ele riu, mergulhando o rosto em meu pescoço e me beijando ali

também, depois fez o mesmo com os meus seios.


Parecia faminto por mais, e eu sabia que estava, mal tínhamos
começado. O que fizemos foi só uma pequena degustação do que estava por
vir.
— Por que ainda está vestindo o moletom? — Apalpei a sua bunda por
cima da calça. — Tire logo isso, quero te sentir dentro de mim. —
Mordisquei seu queixo.
— Serena.... — Afundou a cabeça em meu peito, gemendo quando
investi minha pélvis para cima, roçando-me na sua ereção.

Franzi a testa quando ele afastou o seu corpo do meu, apoiando-se


sobre os cotovelos e me fitando com uma expressão torturante.
— Quê?
— Eu não... — Engoliu em seco, fazendo meu coração desabar dentro

do peito. Deus, ele não queria? — Não tenho nenhum preservativo aqui
comigo.
Suspirei, abrindo um sorriso.
— Eu trouxe alguns, estão na mala! — falei rapidamente, praticamente
empurrando-o para fora da cama na direção da minha bagagem.
Ele riu, seguindo minhas ordens e voltando com as três embalagens em
mãos.
Teria que agradecer a minha amiga mais tarde, ela salvou minha vida,

porque se eu fosse desprovida de ter aquele homem por falta de camisinha, eu


morreria de frustração.
Assisti em fascínio ele desenrolar o preservativo por sua longa e grossa
extensão. Luke era enorme e sabia disso, exibia-se descaradamente ao me dar
um show particular. Lançou-me aquele seu sorriso devastador com um olhar
escuro antes de se acomodar entre as minhas pernas escancaradas e se
esfregar no meu íntimo, pressionando-se até entrar lentamente em mim.
— Ah! — Arquejei, fechando momentaneamente os olhos ao senti-lo
me preencher deliciosamente.

— Meu Deus, esquentadinha — murmurou e se debruçou sobre mim.


— Você é tão quente e apertada, tão perfeita... — Gemeu e colou nossas
bocas, beijando-me com sofreguidão.
Cingi seu tronco com as pernas ao passo que ele aumentou a cadência

e intensidade das estocadas, batendo naquele ponto maravilhoso dentro de


mim e me levando à loucura rapidamente.
Meus músculos se tensionaram e meu grito ecoou pelo quarto,
estremeci logo em seguida, comprimindo-o dentro de mim com a chegada do
novo orgasmo.
— Serena — Luke grunhiu meu nome e começou a se mover com mais
urgência.
Seus lábios se partiram num brado silencioso e seus olhos se

comprimiram no momento em que ele alcançou o prazer, estacando fundo


dentro de mim para logo desabar sobre meu corpo.
Nossas respirações entrecortadas se mesclavam no curto espaço, senti
o seu sorriso de encontro a minha bochecha e virei o rosto, capturando-o em
meus lábios.
Sentia-me viva, cada molécula do meu corpo vibrava em alegria.
Luke se afastou para me fitar de perto e tocou minha face
carinhosamente, juro que naquele momento enxerguei algo mágico cintilando
em seu olhar.

Parecia muito com o que eu sentia por ele, e fiz uma silenciosa prece
para que não fosse uma miragem, ou só um mero reflexo dos meus
sentimentos no espelho dos seus olhos.
Capítulo 14

“Quando meu mundo esfriou e a névoa inquietante me


abarcou, me aqueci só de pensar nela e em como estava
maravilhosa naquela noite.”
Luke Moretti

Estávamos enroscados na cama, nossas respirações se acalmando aos


poucos depois de extenuarmos nossos corpos da melhor maneira possível.
Luke subia e descia preguiçosamente uma mão pelo meu dorso
enquanto a outra pressionava minha cabeça sobre o seu peito nu. Suspirei em
contentamento, aconchegando-me ainda mais nele, poderia me acostumar a
ser ninada pelas batidas do seu coração. No entanto, não conseguiria dormir,
havia uma pergunta rondando na minha mente e, se eu não tomasse coragem
para fazê-la naquele momento, talvez perdesse minha chance.
O que aconteceria com a gente agora? Pensei, ensaiando a frase que

se repetia dentro de mim


Inclinei a cabeça para cima, capturando seus olhos nos meus. Quando
ele sorriu para mim, sorvi uma longa lufada de ar, preparando-me para soltá-
la de uma vez em forma de palavras.
Mas o destino novamente me impediu de vocalizar meus sentimentos,
e fui interrompida por um celular tocando em algum lugar do quarto.
— Hm... — Luke apertou seus braços ao meu redor. — Ignore.
Obriguei-me a relaxar os músculos e voltei a deitar minha cabeça sobre

o seu coração, fisguei meu lábio entre os dentes, hesitando entre tentar outra
vez ou me acovardar. Esperava somente que o barulho da ligação cessasse
para me decidir, porém, assim que a chamada acabou, ela começou de novo
logo em seguida.

— Droga, é melhor eu atender — ele murmurou, esgueirando-se para


fora da cama à contragosto e indo atrás do seu aparelho.
Apoiei-me nos cotovelos e me sentei, assistindo-o em silêncio. Luke
parecia agitado ao ouvir a pessoa do outro lado da linha e proferiu baixinho,
andando de um lado para o outro do quarto enquanto conversava com quem
quer que fosse.
— Sim, estou a caminho — falou, parando à minha frente na beirada
da cama.

Luke encerrou a chamada e soltou um longo suspiro, pendendo os


ombros como se subitamente carregasse um peso enorme nas costas.
— Tudo bem?
Ele ergueu seu olhar para mim e negou com a cabeça.
— O gerente escalado para esse fim de semana no restaurante sofreu
um acidente — respondeu ao puxar seu cabelo para trás, preocupação
inundando seu rosto.
— Oh, não! — Levei uma mão à boca, sentindo meu peito se
comprimir. — Ele vai ficar bem?

— Não sei a gravidade da situação, mas ele foi hospitalizado e não


tenho outra pessoa para colocar no seu lugar. — Esticou um braço e me
puxou para si, tocando em minha face ao me fitar com olhos pesarosos. —
Preciso voltar o quanto antes, Serena.

Meneei a cabeça em concordância e forcei um sorriso complacente,


embora estivesse desolada.
— Tudo bem, vou alterar as nossas passagens — falei ao me afastar,
ocupando-me em encontrar algum voo saindo ainda naquela noite.
Não queria parecer egocêntrica, mas estava triste por nosso tempo, já
curto, ter sido interrompido tão cedo. Senti uma abrupta ardência por trás dos
olhos, mas consegui manter a calma, inspirando fundo e soltando o ar
lentamente pela boca.

Luke estava concentrado no celular enquanto resolvia questões do


trabalho e não flagrou o meu momento de fraqueza.
Foi melhor assim.
E foi ainda melhor ter sido interrompida por aquela chamada.
Se amanhã as coisas voltassem a ser como eram antes e o nosso
momento fugaz se tornasse apenas uma lembrança saudosa, ao menos não
havia dado chances para o Luke ter me rejeitado. Eu poderia voltar a viver
minha vida normalmente, permitindo que os sentimentos não correspondidos
se desbotassem com o tempo, sem precisar lidar com a dor da rejeição.

Mais tarde conseguimos embarcar às pressas num voo da madrugada,


daquela vez os nossos assentos eram em lugares diferentes e não tive a
oportunidade de aproveitar algumas horas extras em sua companhia. Apesar
de cansada, não consegui pegar no sono e passei quase todo o trajeto em

claro, sentindo um peso esmagador no peito. Meus pensamentos giravam em


torno do que aconteceu entre nós dois durante a viagem e do que o futuro me
aguardava, deixando-me num estado de alerta e exaustão ao mesmo tempo.
No entanto, em algum momento devo ter apagado, porque quando dei
por mim havíamos pousado e acordei com a comoção das pessoas se
preparando para sair do avião. Enquanto Luke se acomodou próximo da
saída, o meu assento ficava no fundo da aeronave, portanto fui uma das
últimas a descer. Quando finalmente consegui sair, encontrei-o na esteira

pegando as nossas bagagens. Caminhamos juntos até o ponto de táxi, ambos


cansados demais para iniciar alguma conversa, e acabei cochilando mais um
pouco no carro, minha cabeça se deitando de forma natural em seu ombro.
— Chegamos, esquentadinha — Luke murmurou de encontro ao meu
cabelo.
Forcei os meus olhos pesados a se abrirem, almejando voltar para a
letargia de antes onde não havia dúvidas ou apreensões, mas a realidade me
assaltou, impelindo-me a despertar. Mirei a fachada do nosso prédio através
da janela e exalei baixinho antes de segui-lo para fora do táxi.

Subimos o elevador em silêncio e mordi meu lábio inferior ao espiá-lo


sutilmente, ele parecia absorto em pensamentos. Apesar do rosto abatido, das
linhas demarcando sua testa e dos olhos avermelhados pela falta de sono,
Luke continuava lindo. Minhas mãos trepidaram com a vontade de tocá-lo e

desfazer a ruguinha de preocupação entre suas sobrancelhas, e meus lábios


desejaram beijá-lo até suavizar a tensão nos cantos da sua boca, mas me
controlei. Recordei-me que o nosso acordo havia expirado e eu não podia
mais tomar certas liberdades de antes. Embora não estivéssemos namorando
realmente, eu não fazia a maldita ideia de como me comportar ao seu lado
depois de tudo o que aconteceu, minha cabeça estava uma bagunça.
Desviei a minha atenção dele para o painel do elevador, soltando o ar
aprisionado em meus pulmões quando a porta de ferro finalmente se abriu no

nosso andar.
Luke me ajudou a carregar as malas até o meu apartamento, mas não se
delongou por ali, precisava se arrumar e ir direto para o restaurante.
— Você vai ficar bem? — perguntou antes de ir embora, fitando-me
do batente.
Embora meu coração gritasse dentro do peito, almejando ser ouvido, as
palavras se entalaram na minha garganta e apenas assenti.
Sim, eu ficaria bem, só não naquele exato momento.
— Ok — ele disse, hesitando por um breve momento antes de

atravessar a porta. — Nos falamos mais tarde.


Murmurei um sim e me tranquei depois que ele se foi, arrastando-me
até o quarto e caindo de encontro à minha cama.
Talvez se eu dormisse direito acordaria melhor e tudo não passaria de

um sonho, um do qual eu não conseguiria me lembrar.


Mas algumas horas depois, quando despertei, as lembranças dos nossos
beijos e a sensação deliciosa do seu corpo ao meu continuaram vívidas na
memória.

Passava das três da tarde e meu estômago reclamava de fome, consegui


recuperar o sono atrasado, mas por isso acabei perdendo o horário de almoço.
Caminhei trôpega até a cozinha, conferindo minhas opções e precisei

rir quando só encontrei alguns pacotes de macarrão instantâneo na despensa.


Soltei um suspiro, abrindo um pacote e despejando-o na água fervente. Luke
não estava ali para cumprir com a sua promessa de cozinhar para mim, então
o jeito seria comer aquilo mesmo.
Relanceei minha atenção para o meu celular sobre o balcão, entre uma
garfada e outra, lendo as novas mensagens que recebi da minha amiga ainda
naquela manhã.
Cora: Desculpe por não conseguir falar direito com você ontem!

Cora: Alec e eu estávamos em uma festa organizada pela


gravadora, foi uma loucura.
Cora: Mas chega de falar sobre mim, quero saber como estão as
coisas aí em Los Angeles! Rolou algo a mais entre você e o Luke além

daquele beijo?
Ela não sabia sobre a minha volta repentina, não tive tempo de avisá-
la.
Serena: Estou em Nova Iorque.
Cora: Já? Pensei que fossem ficar em LA até domingo.
Minha amiga digitava rápido demais, sequer consegui responder
quando uma nova mensagem chegou.
Cora: O que aconteceu?

Empurrei o prato vazio e me levantei com o celular em mãos. Queria


contar tudo para ela, mas não por mensagem, precisava vê-la.
Serena: Posso te ver?
Cora: Claro, por que não vem aqui? Estou sozinha, podemos
conversar à vontade.
Aceitei o convite e em quinze minutos saía pela rua, foi só o tempo de
tomar banho e me arrumar.
Ignorei completamente as roupas sujas nas malas e a louça na pia,
havia coisas mais importantes a se fazer no momento: desabafar com a minha

melhor amiga e ouvir os seus conselhos.


Cora morava com o noivo em TriBeCa, um bairro sofisticado em
Manhattan. Como eu vivia no Brooklyn e a uma quadra da estação, decidi por
ir de trem, pois era a maneira mais rápida de chegar até lá. Acomodei-me do

lado da janela e me distraí com a paisagem durante o trajeto, admirando a


Brooklyn Bridge no horizonte quando o trem começou a atravessar o Rio
East. Estava nublado, mas alguns filetes de luz transpassavam as nuvens
densas, incidindo sobre a ponte e os prédios de Nova Iorque. Fiquei de pé no
vagão ao chegarmos na ilha, preparando-me para descer na estação, e em
pouco tempo entrava no suntuoso prédio, sendo atendida pelo segurança. Ele
liberou minha passagem ao elevador privativo que subia direto à cobertura e,
tão logo as portas se abriram no andar destino, minha amiga me aguardava do

outro lado.
— Um dia me acostumo com todo esse glamour — comentei ao
abraçá-la, referindo-me à sua nova vida depois que ficou noiva de um rock
star.
Cora riu e quando nos afastamos notei o rubor em suas bochechas.
— Eu sei! Até hoje preciso me beliscar para conferir se não estou
sonhando — segredou, puxando minha mão e me carregando para dentro da
cobertura.
— Onde está o Alec? — perguntei ao me sentar no enorme sofá,

aceitando a taça de vinho que Cora acabou de servir.


— Ele se reuniu com os meninos na casa do Bash, estão ensaiando as
músicas do novo álbum.
Por meninos ela quis dizer os outros integrantes da banda, e Bash era o

baterista.
— Temos a tarde toda só para nós — ela complementou, levando sua
taça à boca.
Aproveitei e fiz o mesmo, dando um longo gole da bebida a fim de
acalmar meus nervos, mas as minhas mãos tremiam tanto que quase derramei
o vinho na minha blusa.
— O que houve, Serena?
— Eu transei com ele, Cora.

Ela abriu um sorriso e se remexeu em animação, mas ao perceber


minha expressão desolada, aquietou-se.
— Foi tão ruim assim? Ele tem pau pequeno?
Soltei um riso, estapeando seu braço.
— Não, boba. Foi ótimo. Ele me arruinou para todos os outros homens.
— Exalei alto, sentindo-me derrotada.
— Então qual é o problema, amiga?
— Não sei se o que tivemos acabou junto com o acordo, se agora que
voltamos da viagem vamos fingir que nada aconteceu...

— Vocês não conversaram?


Neguei com a cabeça.
— Fui interrompida nas duas vezes que tentei, então tivemos que
antecipar nossa volta às pressas por conta de um acidente.

— Acidente?! — Ela arregalou os olhos, conferindo-me dos pés à


cabeça como se buscasse por algum machucado. — Você está bem? Luke?
— Estamos bem, foi com alguém do trabalho dele — falei de
prontidão para tranquilizá-la. — Luke precisou voltar para cuidar do
restaurante.
— Não me assuste desse jeito — reclamou, desmanchando-se no
encosto do sofá em alívio. — Enfim, foi só isso o que aconteceu ou tem algo
a mais?

— Hm... — titubeei, abaixando meu olhar. — Sei que estava


preocupado com o trabalho, mas quando se despediu de mim nesta manhã foi
estranho, ele não me beijou. E Luke sempre me beija ou me toca quando
estamos juntos, ao menos era assim antes de voltarmos.
— Ah, Serena... — Cora me acalentou, segurando minha mão na sua.
— Não presuma o pior. Como você mesma disse, ele estava atribulado, não
deve ter se afastado de você de forma consciente.
— Mas e se realmente estiver se afastando? E se eu só servi de estepe
para ele superar a ex? — Inspirei fundo, encostando minha cabeça em seu

ombro. —
Ele não seria a primeira pessoa a me decepcionar.
Depois de tantos desenganos eu já esperava o pior das pessoas.
Meu pai abandonou a família para ficar com a amante, minha mãe me

renegou desde que me entendia por gente e meu noivo me traiu com a minha
própria irmã...
A insegurança que eu carregava no peito foi semeada desde o berço,
enraizando-se e crescendo com o passar do tempo, toda vez que alguém a
regava com novas mágoas e desilusões.
— Amiga, não adianta ficar sofrendo por antecipação, você só terá
certeza se perguntar a ele.
— Não é tão fácil assim, Cora. Ele é meu vizinho, lembra-se?

Ela ergueu as sobrancelhas, incentivando-me a explicar.


— Não poderei fugir caso as coisas deem errado, seja porque ele me
rejeitou ou porque me magoou de outro modo. — Virei-me de lado e a
encarei com uma expressão aflita. — Luke mora no apartamento ao lado,
estou fadada a me esbarrar nele pelo corredor. Gosto demais do meu
apartamento para ter que me mudar de novo, Cora!
— Serena, você tem duas opções: se arrepender por não ter tentado, ou
tentar e descobrir que ele é o amor da sua vida.
— Mas e se ele não for?

— Vida que segue.


Eu já sabia daquilo.
Sabia que deveria ter uma conversa aberta com o Luke, mesmo com
medo de me machucar, se eu não arriscasse o meu coração, perderia a chance

de ser feliz novamente.


Mas, às vezes, era bom ouvir a opinião da boca de outra pessoa, porque
nos reafirmava e nos encorajava a fazer algo que era difícil, porém correto.
Passamos o resto da tarde conversando sobre outras coisas, Cora tentou
me distrair ao me contar sobre o seu novo livro e ficamos caçando modelos
que tivessem o perfil do personagem principal nas redes sociais, algo que
adorávamos fazer. No entanto, não conseguia me concentrar, a todo instante
minha atenção se recaía no meu celular, mas ele continuava sem receber

mensagem alguma. Embora Luke tivesse prometido que nos falaríamos mais
tarde, aquele mais tarde nunca chegou e, quando voltei para o meu
apartamento naquela noite, dormi sem ter ouvido nada dele.
No dia seguinte ocupei minha mente com um livro, ou no caso tentei,
peguei-me precisando reler a mesma página várias vezes porque meus
pensamentos corriam para longe. Portanto desisti da história e liguei a TV,
acomodando-me debaixo da coberta enquanto tentava a todo o custo me
concentrar no seriado.
— Droga, o que está acontecendo? — Peguei o controle da televisão

para voltar a cena, mas acabei desligando o aparelho no último instante.


Joguei o corpo para o lado, deitando encolhida na cama e escondendo
o rosto no colchão. Não achei que fosse possível em tão pouco tempo, mas
me acostumei a dormir ao seu lado e me perguntei se ele também não

conseguiu dormir direito porque sentiu a minha falta.


Estiquei meu braço, tocando a palma na parede que dividia meu
apartamento do dele, mas não senti nada além do silêncio e do frio que
permeava os tijolinhos. Pensei em bater com o punho só para ver se ele dava
algum sinal de vida do outro lado, porém recolhi meu braço e fechei os olhos.
Nunca imaginei que fosse falar isso, mas sentia falta dos barulhos que Luke
fazia, das suas músicas altas e até mesmo das batucadas de martelo. Sentia
falta da sua constante presença, das suas visitas inesperadas e dos mimos que

ele trazia para mim quando tentava pagar pelo favor. Sentia falta dos carinhos
espontâneos, dos beijos roubados, do coração descompassado.
Sentia falta dele.
Odiava aquela quietude.
Chutei a coberta para longe e me levantei no impulso.
Talvez um banho quente me fizesse bem, limpasse aquela carência
para fora do meu corpo e a jogasse no ralo.
Não adiantava eu querer conversar com ele, abrir meu peito e
confidenciar meus sentimentos se ele não estivesse ali para ouvir.

Se até agora ele não havia dado notícias, então claramente estava me
evitando, e eu não seria mais o tipo de pessoa que corria atrás de alguém que
não estava interessado.
Depois de tudo o que passei, de doar meu coração só para tê-lo partido

ao meio nas mãos de quem eu jurava me amar, merecia alguém que se


jogasse aos meus pés em reverência.
Meu coração merecia ser exaltado.
Desliguei o chuveiro e me enrolei na toalha, sentindo-me um pouco
melhor, resoluta.
Inclinei o queixo, como se tentasse intimidar minhas próprias dúvidas
e segui de volta ao quarto em busca de uma muda de roupa. No entanto,
vislumbrei uma luz vindo da cama e quando me virei naquela direção,

percebi se tratar do meu celular. Estremeci como se tivesse levado um


choque, sentindo adrenalina e esperança correr nas veias. Meus pés passaram
a correr também e praticamente mergulhei no colchão para conferir a
mensagem recebida.
Quando meus olhos bateram no nome na tela, ofeguei num misto de
alívio e ansiedade.
Luke: Você está livre hoje?
Pairei meus dedos trepidantes sobre a tecla, inspirando fundo para me
acalmar e não transparecer meu nervosismo na resposta. Queria perguntar

onde ele estava, por que não falou comigo ontem como havia prometido e por
que não o ouvi chegar no apartamento. Não admitiria, mas fiquei acordada
até tarde aguardando por algum indício dele, mas ou Luke não dormiu em
casa ou chegou pela madrugada e saiu no raiar do dia. Ambas as opções eram

trágicas. Onde ele passou a noite e com quem? No entanto, mordi a língua e
tentei soar indiferente.
Serena: Sim.
Luke: O que acha de vir almoçar aqui no restaurante?
Luke: Preciso falar com você.
Engoli o coração que entalou na garganta e reli as últimas mensagens.
Uma das minhas perguntas mudas foi respondia, Luke estava no
restaurante.

E ótimo que ele queria falar comigo, porque eu também queria falar
com ele.
Oh, Deus. Chegou a hora.
Ao conferir rapidamente o horário, notei ser onze e meia.
Serena: Tudo bem, chego aí em trinta minutos.
Capítulo 15

“Havia dias em que tudo dava errado, mas em meio ao


caos, ela continuava sendo a escolha certa.”
Luke Moretti

Avistei a fachada do restaurante e inspirei fundo antes de adentrar o

local, aguardando na pequena fila até ser atendida pela hostess. Assisti em
silêncio uma pequena comoção quando uma mulher passou direto pelas
pessoas e demandou ser atendida com prioridade, não consegui ouvir o que
disse, mas ficou claro que se achava importante demais para esperar como
todos. O casal na minha frente não gostou nem um pouco daquilo, e desistiu
de almoçar ali, indo embora e me fazendo ser a próxima da vez.
— Bem-vinda, mesa para quantas pessoas? — a hostess perguntou
com um sorriso e sorri de volta.

Não era a mesma que havia me atendido da última vez que estive ali,
pois aquela estava ocupada guiando a mulher fura-fila para dentro do
estabelecimento.
— Obrigada, tenho uma mesa reservada pelo — titubeei, quase
referindo-o pelo primeiro nome — Sr. Moretti. Ele está me aguardando.
— Oh, mas... — Seu sorriso vacilou e notei como seus olhos se
arregalaram minimamente antes de se desviarem para o salão. — Qual é o seu
nome, por favor?
— Serena.

— Ok, um momento.
Mordi meu lábio em nervosismo e assenti, algo parecia estranho.
Talvez Luke tivesse se esquecido de avisar sobre a minha chegada, mas isso
não seria um problema, poderia esperar até que uma mesa vagasse. Ela se

virou de lado e a observei comunicar algo baixinho pelo rádio portátil, tentei
ler seus lábios e só entendi quando falou meu nome, e meneou a cabeça
positivamente ao dizer um “sim, senhor”. Quando a hostess findou a
comunicação, girou nos calcanhares e se aprumou. Seus olhos pareciam jogar
uma partida de tênis, indo de mim para um ponto adiante e, antes que ela
pudesse dizer alguma coisa, uma voz masculina se fez ouvir ao meu lado.
— Oi — Luke falou, beijando minha têmpora. — Pensei que já
estivesse na sacada, estava indo para lá te encontrar.

A sua recepção carinhosa dissipou um pouco dos meus receios e me


arrancou um suspiro.
Soergui o rosto corado a fim de fitá-lo e, quando nossos olhares se
encontraram, uma horda de borboletas se agitou em meu estômago.
— Hum, Sr. Moretti... — a hostess balbuciou, parecia apreensiva. —
Acho que houve um engano.
Luke, uniu as sobrancelhas, mas foi educado ao perguntar sobre o
acontecido.
A moça enrubesceu ao explicar que outra mulher chegou um minuto

antes alegando estar ali para se encontrar com ele, portanto pensaram se tratar
de mim e a acomodaram na mesa reservada.
Ele pareceu muito confuso, mas não fez alarde.
— Vou lá conferir quem é, mas da próxima vez confirmem o nome na

lista antes de presumirem, ok?


— Sim, senhor.
Então ele se virou para mim e me lançou um sorriso sem jeito.
— Desculpe por isso. — Entrelaçou nossos dedos. — Eu reservei toda
área da sacada para nós dois, então podemos usar outra mesa.
— Sem problemas.
Caminhamos juntos pelo salão e seguimos até as escadas. Assim que
chegamos no segundo andar, Luke parou de súbito, estacando-me no lugar

junto dele.
— O que você está fazendo aqui? — Ele empalideceu ao mesmo
tempo em que seu corpo se retesou.
Sentada a uma das mesas estava a mulher que eu vira há pouco furar a
fila, ao ouvir a voz do Luke ela se levantou, elegante, alisando seu longo
vestido. Quando notou minha presença, lançou-me um olhar mortífero e
empinou o nariz antes de voltar sua atenção para o homem ao meu lado.
— Vim te convencer a voltar para casa — ela disse audaciosa, levando
a mão que vestia a aliança até o peito de forma premeditada, exibindo-a

altivamente.
Mas é claro que a ex do Luke tinha de ser linda.
Parecia uma Kardashian com seus cabelos pretos longos que caíam em
ondas impecáveis até a cintura fina, olhos escuros adornados por cílios

grossos e um bocão tingido por um vermelho chamativo.


— Está de brincadeira? — Ele a encarou incrédulo, sem se mover.
Olhei de um para o outro, sentindo meu coração despencar até o
estômago e esmagar fatalmente as borboletas de antes.
— Estou com saudades, amore...
— Não me chame assim — Luke disse num tom angustiante, negando
com a cabeça. — Que parte do acabou você não entendeu?
— Eu te quero de volta. — Aproximou-se dele e tocou em seu peitoral,

ignorando completamente a minha presença. — O que mais quer que eu


diga? Que estou arrependida? Sim! Eu sinto muito!
— Você sente muito por ter sido pega no flagra. — Ele soltou um riso
fraco.
Sabia exatamente como ele se sentia e apertei nossos dedos para
reconfortá-lo assim como fez comigo na viagem.
— Não...
— Onde está o Bart? — ele a interrompeu.
Um vislumbre de aflição chispou no olhar da moça e seus ombros se

penderam sutilmente.
— Você só está aqui porque ele te largou, não é?
— Esquece ele. — Ela jogou as mãos para o alto em exaspero, no
entanto sua voz tremeu, denunciando a veracidade da acusação. — Eu cometi

um erro terrível, não vai mais acontecer!


— Nunca vou me esquecer, Abby.
Devia ter deixado escapar um som de desprezo, porque de repente a
mulher virou seu rosto para mim, erguendo as sobrancelhas em
aborrecimento.
— Será que pode nos dar licença? — Ela praticamente rosnou. —
Quero ter uma conversa particular com o meu noivo.
Suas palavras me acertaram como pedras de gelo, fazendo-me

estremecer.
— Ex-noivo — Luke rebateu. — E Serena fica — anunciou.
Por mais que eu odiasse deixá-los a sós, sentia que estava impedindo
que tivessem uma conversa pertinente.
Obviamente a relação deles não teve um ponto final apropriado se ela
pensava que ainda estavam juntos.
A mulher continuava usando a aliança, pelo amor de Deus!
Estava claro que aquele não era o momento certo para me declarar,
enquanto Luke não resolvesse suas pendências do passado, nós dois não

teríamos um futuro juntos.


Com meu peito dolorido e os olhos enevoados pelas lágrimas
reprimidas, fiz menção de me desvencilhar do Luke, mas ele impediu ao
apertar a minha mão na sua.

— Está tudo bem... — murmurei, sentindo meu rosto em brasas, apesar


de estar suando frio. Fiquei nas pontas dos pés e aproximei meus lábios do
seu ouvido para que só ele pudesse me ouvir. — Vocês precisam conversar,
sabe onde me encontrar depois.
Ele franziu o cenho quando tentei me afastar novamente, mas daquela
vez não refreou minha partida.
Virei as costas e fui embora sem olhar para trás, ou então fraquejaria.
Compreendia o quanto aquele confronto era necessário para o Luke,

mas não podia evitar sentir medo de sua repercussão.


Ele daria um ponto final em uma história, só não sabia se seria a deles
ou a nossa.
Voltei para o apartamento pelo trajeto mais longo, caminhando
devagar pelas ruas do Brooklyn. Bisbilhotava as vitrines das lojas, forçando-
me a pensar em qualquer coisa, menos no que havia acabado de acontecer.
Aproximava-me do prédio e ponderei se seria melhor pedir algo para comer
em casa, ou se preparava novamente um macarrão instantâneo, apesar de não
sentir mais fome precisava me alimentar. Tentava me decidir quando passei

pela cafeteria da Nana e parei na calçada, retornando alguns passos para


entrar no estabelecimento. Percebi não ser ela quem estava no balcão e
agradeci mentalmente por poder evitá-la, a senhora tinha a mania de me
perguntar sobre o Luke e aquilo abalaria ainda mais o meu estado emocional.

Naquele horário não faziam mais os pãezinhos recheados, portanto pedi um


sanduíche para viagem e me refugiei no apartamento pelo resto do dia.
Preferi não contar para a minha melhor amiga o que havia acontecido,
não por enquanto, ela merecia um pouco de férias dos meus dramas. Ignorei
meu celular, colocando-o no modo silencioso, porque se Luke resolvera
voltar com a noiva, não queria saber por mensagem ou chamada. Mantive a
mente ocupada rascunhando o roteiro do meu próximo livro, e não foi
coincidência que o vilão dessa história na verdade era uma mulher de longos

cabelos escuros e lábios vermelhos como sangue. Nomeei a personagem de


Addy, só porque Abby seria óbvio demais. Elaborava o modo como ela
sofreria no final, uma morte lenta e torturante, quando a campainha tocou,
arrancando-me dos devaneios.
Empurrei o notebook do meu colo para colocá-lo no sofá e me levantei
trépida, meu coração batia tão forte que desestabilizava minhas estruturas,
sentia como se minhas pernas pudessem desabar com o meu peso. Apoiei-me
no encosto e inspirei fundo, tentando me acalmar antes de voltar a andar.
Talvez estivesse me precipitando, podia ser a vizinha procurando por seu

gato fujão...
— Serena. — A voz do Luke atravessou a porta, seguida por três
batidas.
Oh, Deus, era mesmo ele.

Por um instante cogitei fingir não estar em casa, tive medo do que
veria em seus olhos.
Será que enxergaria pena por ter decidido me rejeitar para voltar com a
ex?
Ou talvez indiferença, como se não devesse explicação para mim já
que nossa relação nunca foi real.
Cerrei os olhos com força e encostei a testa na porta fechada.
— Sei que está aí, esquentadinha.

Ofeguei alto, tapando a boca tarde demais.


Ele me ouviu, pois logo em seguida soltou um riso fraco.
— Não precisa me deixar entrar se não quiser, mas me deixe te ver?
Levei uma mão até a maçaneta e, antes que perdesse a coragem,
destranquei a porta.
Arrependi-me logo em seguia ao me lembrar do meu estado.
Meus cabelos estavam presos num coque desgrenhado no alto da
cabeça, e eu só vestia um blusão surrado que batia na altura das coxas, com a
estampa que dizia: “Tô esperando chegar a minha carta de Hogwarts para

deixar de ser trouxa.”


Quando o vesti achei que transmitia perfeitamente a minha situação
atual.
Ou seja, eu estava uma bagunça.

Enquanto Luke, como sempre, parecia um modelo pronto para um


ensaio fotográfico.
Encarei-o muda, paralisada pela ansiedade enquanto tentava ler a sua
expressão, mas não consegui decifrá-la, e aquilo me deixou ainda mais
nervosa.
— Posso entrar? — ele perguntou baixinho com as mãos enterradas
nos bolsos da calça.
— Ah... — Descongelei do lugar, concordando rapidamente. — Sim.

Abri caminho para ele, delongando-me alguns segundos a mais para


fechar a porta com o intuito de me recompor antes de virar na sua direção.
Luke estava de pé na cozinha, seu quadril apoiado despretensiosamente
no balcão, mas pude notar a tensão em seu corpo.
— Você não respondeu minhas mensagens — disse assim que nossos
olhares se esbarraram.
— Estava distraída trabalhando no livro novo — contei uma meia
verdade, gesticulando para o notebook ainda aberto sobre o sofá.
Omiti o fato de que não conferi o meu celular propositalmente.

Ele contemplou meu rosto com minúcia, então uniu as sobrancelhas ao


enxergar a mentira estampada na minha cara. Nem me surpreendi, pois
sempre me lia tão bem.
Suspirei resignada e decidi fazer logo a pergunta que não se calava na

minha mente, seria como arrancar o band-aid de uma só vez.


— Você e Abby voltaram? — Cruzei os braços, usando-os como um
escudo sobre o meu coração.
Luke inspirou fundo e eliminou a distância entre nós, sua expressão era
um enigma. Ele segurou minha face entre as mãos, seus polegares
acariciaram minha pele enquanto me fitava com intensidade, ainda em
silêncio.
Prendi a respiração, preparando-me para as suas próximas palavras.

— Se não tivesse ido embora, saberia a resposta — murmurou,


inclinando-se para perto, sua boca a um sopro da minha. — Te procurei logo
depois, mas não a achei em lugar algum.
— E-eu — titubeei, puxando o ar entre os lábios trêmulos, sorvendo
sua respiração morna. — Não pude ficar.
— Por que não?
— Porque eu vi o modo como ela ainda te afeta, Luke — sussurrei,
abaixando os olhos.
— É claro que eu senti algo ao vê-la, Serena — retrucou com a voz

grave. — Da mesma forma que você sentiu quando encontrou com a sua irmã
e o Will.
Voltei a encará-lo, ainda insegura, porém com mais esperança do que
antes.

— Não quis atrapalhar a conversa, pensei que precisassem se resolver.


— Ainda não entendeu? — Deslizou seu nariz no meu. — Quem nos
atrapalhou foi ela, e eu precisava sim, resolver algo... — Inundou meus olhos
com as suas íris cintilantes. — Com você.
— Comigo? — Ofeguei.
— Ah, namorada... — Esboçou um sorriso, migrando uma mão para a
minha nuca, a outra continuou em meu rosto, seu polegar trilhando calor em
minha pele até tocar meu lábio inferior.

Ele me chamou mesmo de namorada ou eu estava delirando?


— Se ainda tem dúvidas, então preciso ser mais direto — ele
completou.
— O que...
Minhas palavras foram engolidas quando ele mergulhou sua boca na
minha, beijando-me com sofreguidão. Arfei em surpresa, abrindo-me
instintivamente para ele. Circundei meus braços ao redor de seu pescoço,
enveredando os dedos em seu cabelo e agarrando-me firme à sensação
avassaladora de seus lábios reivindicando os meus.

Seu beijo era delicioso, ainda melhor do que me lembrava, fazendo-me


soltar um gemido.
Luke inclinou a cabeça, deslizando a língua na minha num movimento
lento e sensual, abrasando meu corpo de desejo. Suas mãos quentes

reconheciam as minhas curvas com familiaridade, ele as desceu até os meus


quadris e me puxou de encontro a si.
— Senti a sua falta — disse com a voz rouca, desviando os lábios para
a minha nuca, sugando e beijando minha pele. — Depois de um dia péssimo,
tudo o que eu queria era te ver, mas você fugiu de mim. — Apertou minha
bunda com força, punindo-me e proporcionando prazer ao mesmo tempo.
— De-desculpa — murmurei, curvando o pescoço para lhe dar melhor
acesso. — Não achei que ainda me quisesse desse jeito...

— Por que diabos não? — Afastou-se sutilmente para me encarar.


— Hm... — hesitei, constrangida por ter de vocalizar meus receios. —
Porque o acordo acabou e foi tudo uma mentira? — Soei incerta.
— Espera, acha mesmo isso? — Sua expressão desmoronou por um
átimo, antes de voltar a ficar impassível.
Minha resposta ficou entalada na garganta, pois ele não me deu tempo
de responder.
— Acha que isso aqui é fingimento? — Segurou meu pulso, trazendo a
minha palma até seu peito onde o coração batia tão forte quanto o meu.

Puxei o ar pesadamente, quando ele começou a guiar minha mão


lentamente para baixo, sua intenção nítida, dando-me tempo de me
desvencilhar se eu quisesse. Cravei os dentes no lábio ao percorrer os dedos
pelo abdome definido, cruzando o cós de sua calça até alcançar a enorme

ereção empurrando o tecido. Luke pressionou a minha mão no seu volume e


eu o apertei despudoradamente, fazendo-o gemer.
— Realmente acha que sou capaz de fingir isso? — perguntou,
projetando a pélvis para frente. — O que sinto por você é muito real, Serena.
Nunca foi uma mentira para mim. Foi uma mentira para você?
Eu estava aturdida com a sobrecarga sensorial.
Poder tocá-lo novamente, sentir o calor emanando do seu corpo, sorver
seu cheiro delicioso, escutar a sua voz rouca de tesão...

Deus, eu poderia desmaiar de euforia.


Demorei para conseguir ordenar as palavras na cabeça, prolongando o
silêncio por tempo demais, pois Luke fez menção de se afastar.
Agarrei seus braços, induzindo seu olhar de encontro ao meu.
— Não, não foi.
— Porra, Serena... — Foi a sua vez de me agarrar. Ergueu-me em seus
braços e me sentou sobre o balcão, embrenhando-se entre as minhas pernas.
— Por um segundo você me assustou.
Luke se inclinou para frente, encostando sua testa na minha, sua boca

deliciosa estava tão próxima que podia sentir o gosto do beijo iminente.
— Por que fugiu mais cedo? — perguntou, esfregando seus lábios
macios nos meus.
Soltei um suspiro trêmulo, querendo acabar logo com aquela conversa

e pular para a parte boa.


— Você ficou distante desde que voltamos da viagem. Mal me olhou
nos olhos, não me beijou e nem me tocou como de costume. E depois me
evitou o dia inteiro. — Encolhi os ombros. — Pensei que estivesse me dando
sinais.
— Droga, não foi minha intenção te fazer se sentir assim. — Negou
com a cabeça.
— Tudo bem.

— Não, eu quis muito falar com você ontem, mas precisei correr para
o restaurante e resolver alguns problemas.
— Não precisa se explicar...
Ele apertou as minhas coxas, interrompendo-me.
— Além do gerente, outros dois funcionários não puderam ir. Precisei
ficar até o último horário para cobrir os buracos. A bateria do meu celular
acabou e ninguém tinha um carregador para me emprestar.
Tudo passou a fazer sentido e me senti péssima por ter imaginado o
pior.

— No fim estava tão exausto que dormi no escritório, ainda bem que
eu sempre deixo uma muda de roupas lá para emergências.
Envolvi seu belo rosto entre as mãos, amando a sensação da sua barba
por fazer, e o beijei docemente.

— Sinto muito — murmurei em sua boca.


— Eu também. — Puxou meu cabelo para trás, afoito para aprofundar
o beijo, mas desci uma mão em seu peitoral, fazendo-o parar.
— Espera, preciso saber de uma última coisa. — Seus olhos chispavam
de desejo, ainda assim aguardou pacientemente pela minha pergunta. — O
que aconteceu entre você e Abby depois que fui embora?
— Absolutamente nada. — Trincou o maxilar. — Ressaltei que acabou
e dessa vez pedi a aliança de volta. Não me importei em pedi-la antes porque

não tem valor para mim, mas quis acabar com qualquer fiapo de esperança
que ela ainda pudesse ter.
— Bom saber. — Exalei em alívio.
— Será que agora posso matar a saudade que tenho da minha
namorada? — perguntou com o timbre rouco, reaproximando nossas bocas
saudosas.
Esbocei um sorriso ao ouvi-lo me chamar por aquele termo, adorando a
perfeição de sonoridade em seus lábios.
— Sua namorada, é? — Meu sorriso se expandiu, sendo espelhado

pelo dele. — Amei isso, fala de novo?


— Namorada — pronunciou com aquela voz deliciosa, fazendo-me
arrepiar.
— Sim, namorado. Pode matar nossa saudade...

Ele capturou a minha resposta com um beijo.


Capítulo 16

“Meu coração foi entregue em suas delicadas mãos,


era dela para fazer o que quisesse. Só esperava que o
guardasse para si, porque não aceitaria devolução.”
Luke Moretti

Ainda de olhos fechados, acordei envolta a um manto quente, mas


quando tentei me mover e não consegui, percebi se tratar do Luke. Meus
lábios se ergueram num sorriso lânguido ao me lembrar do que fizemos na
noite anterior, reconectando-nos de corpo e alma. Minha bochecha
descansava sobre o seu peito nu, nossas pernas estavam entrelaçadas e nossos
braços envolviam um ao outro. Inalei fundo, sorvendo seu cheiro delicioso e
soltei o ar num suspiro. Pela cadência tranquila do seu coração sabia que ele
continuava dormindo. Abri minhas pálpebras devagar, acostumando-me com
a claridade, e olhei para o meu namorado.

Meu namorado!
Ah, mal podia acreditar que era real.
Contive um riso bobo e depositei beijos delicados por toda a extensão
do seu corpo que conseguia alcançar. Comecei por seu ombro, subindo para o
pescoço até o seu maxilar, depois voltei a descer e beijei o seu peitoral à
mostra.
Pude sentir os seus batimentos cardíacos vibrarem céleres sob os meus
lábios e no instante seguinte mãos grandes apertaram minha bunda, fazendo-

me arfar em surpresa.
— Bom dia — ele disse, apertando-me junto a si. — Dormiu bem?
— Você não me deixou dormir muito, né? — Ri, esfregando-me em
seu corpo.

— Está reclamando, namorada? — Franziu a testa, fingindo


preocupação, mas os cantos da boca curvados sutilmente para cima o
denunciaram. — Então acho que devo me conter...
— Não ouse! — Belisquei seu quadril, arrancando-lhe um riso. —
Dormi pleníssima porque você me cansou da melhor maneira possível.
Ele nos rolou na cama, ficando por cima. Desceu o rosto e me beijou
suavemente antes de se afastar, levantando-se.
— Vou preparar o nosso café da manhã — avisou ao resgatar sua

cueca boxer do chão, vestindo-a antes de se virar em direção à porta do


quarto.
— Hum... — Por um momento perdi a capacidade de racionar,
admirando a visão espetacular à minha frente. — Minha cozinha está vazia.
Luke parou no caminho e me olhou, deixando escapar um riso.
— A minha também, não fiz compras desde que voltamos. — Fisgou
seu lábio inferior, fitando-me em silêncio.
— Está pensando o mesmo que eu? — perguntei ao engatinhar pela
cama até alcançar a beirada, saindo dela e ficando de pé na sua frente.

— Se você estiver pensando em irmos à Nana, então sim — respondeu


ao me puxar para um abraço e beijar o topo da minha cabeça.
— Já estamos até transmitindo pensamentos — falei divertida.
Ele deu um tapa gostoso na minha bunda e, com o movimento dos

nossos quadris, pude sentir sua ereção pressionando meu ventre. Mas logo se
afastou, mirando seus olhos risonhos em mim.
— Se não sairmos agora vou acabar te jogando de volta nessa cama.
— Não seria uma má ideia...
— Ah, esquentadinha. — Balançou a cabeça sorrindo. — Vou passar a
te chamar de tentação.
Luke me agarrou subitamente pelas coxas e me pegou no colo, soltei
um gritinho quando me lançou no colchão e se colocou entre as minhas

pernas. Sua boca mergulhou de encontro à minha num beijo voraz, e seu
corpo se moldou perfeitamente ao meu.
Quem é que precisava de café da manhã quando se tinha um homem
daqueles disponível para um banquete pessoal?

Uma hora depois saíamos pelo portão do prédio, trocando sorrisos


cúmplices. Flocos de neve começaram a cair do céu cinzento, Luke me puxou
de lado e enlaçou minha cintura, encobrindo-me com seu calor para me

proteger do ar glacial. Em poucos minutos avistamos a cafeteria, e respirei


em alívio só de imaginar em como lá dentro a temperatura era aquecida. Logo
atravessávamos a porta de vidro e não me surpreendi ao encontrar o
estabelecimento cheio, mas notei uma mesa vaga e a apontei para o Luke.

— Pode se sentar, eu peço para você — meu namorado falou, beijando


minha têmpora enquanto caminhávamos abraçados em direção ao balcão.

Agora que estávamos realmente juntos, Luke parecia não conseguir


para de me tocar, e eu amava aquilo.
Amava como ele era carinhoso comigo, sem ressalvas em demonstrar
seu afeto em público.
— Tudo bem, eu vou querer...
— Uma porção dos seus pãezinhos favoritos e um chocolate quente?

— Isso. — Sorri apaixonada.


— Vocês são uma gracinha — Nana disse com um sorriso na voz.
A senhora não escondia seu apreço, meneando a cabeça positivamente
enquanto seus olhos disparavam de mim para o Luke.
— Obrigada. — Senti meu rosto afoguear. — Bem, vou te esperar ali.
— Voltei a atenção para o meu namorado e beijei a sua bochecha.
Quando me sentei foi que percebi, aquela era a mesa que nós
dividimos pela primeira vez, na época em que o achava insuportável. Tapei a

boca com uma mão para abafar um riso ao me lembrar dos nossos embates.

No início não dei trégua para o homem porque pensei o pior dele, nunca me
enganei tanto quanto a uma pessoa e acabei pagando com a língua, ou
melhor, acabei com a língua enfiada naquela boca gostosa.
— Aqui está, tentação. — Luke chegou com o nosso café da manhã.

— Vai mesmo me chamar disso agora? — Rolei os olhos.


— Não gosta? — Fitou-me com um sorriso faceiro.
Ele sabia muito bem que eu gostava só de ver o fogo queimando as
minhas faces e os meus lábios se curvando para cima.
Comíamos tranquilamente em meio a conversas descontraídas, quando
meu celular se acendeu sobre a mesa com uma mensagem da minha mãe.
Meu coração que antes batia leve, afundou-se como uma pedra no
estômago, e quase me engasguei com o pedaço de pãozinho que tinha

acabado de engolir. Aquela era a primeira vez em que ela entrava em contato
comigo desde que fui embora na manhã de Natal.
— Não vai conferir? — Luke perguntou absorto, sem ter notado o
nome na tela enquanto tomava um gole do seu café.
— É a minha mãe.
— Ah... — Assentiu, descansando a caneca sobre a mesa e me dando
sua total atenção. A ruguinha entre as sobrancelhas denotava a sua
preocupação comigo.
Eu estava tão feliz que havia me esquecido dos problemas não

resolvidos com a minha família. Bem, a Sarah me pediu desculpas do seu


jeito torto, mas pediu. Só faltava a minha mãe se pronunciar, mas não ousaria
criar expectativas, talvez aquela fosse mais uma mensagem passiva-agressiva
sobre eu ter arruinado outro Natal e família.

— Leia para mim? — Empurrei o aparelho na direção do Luke. — Se


for algo ruim prefiro não saber. Estou feliz, não quero que ela destrua esse
momento.
— Tem certeza, Serena?
Concordei com a cabeça.
Ele leu rapidamente e me devolveu o celular, colocando-o entre as
minhas mãos.
— Não é ruim, ela quer saber o que vai fazer no seu aniversário.

— Sério? — perguntei incrédula, correndo os olhos pela mensagem. —


Que estranho, ela nunca se importou antes.
— Talvez esteja tentando se reaproximar de você.
Encolhi os ombros e hesitei alguns segundos até que, por fim, decidi
digitar uma resposta.
— Antes tarde do que nunca — falei em ironia para camuflar a
pontada de esperança que tentava se infiltrar em meu peito. — Mas duvido
que seja isso, ou então ela começaria por um pedido de desculpas.
Luke segurou minha mão e a levou até seus lábios, reconfortando-me

com um doce beijo.


Pouco tempo depois saíamos da cafeteria, desejando um feliz ano novo
para a senhora Nana que retribuiu os nossos votos com um largo sorriso e um
acenar de mão.

Não me permiti pensar sobre a mensagem da minha mãe pelo resto do


dia e, como um bom namorado que era, Luke não mediu esforços para me
distrair.
Ele me acompanhou até o mercado para fazermos as compras e quando
chegamos até o corredor onde ficavam os marshmallows, rimos juntos ao
recordamos da última vez em que estivemos ali.
— Pensei que estivesse checando os meus peitos — falei em meio aos
risos. — Morri de vergonha quando percebi que só estava lendo a frase na

minha blusa.
— Eu posso ter checado um pouco os seus peitos, sim — confidenciou,
levando um tapa no braço em resposta e rindo alto.
Seguimos até as prateleiras das bebidas e precisei conter um gemidinho
ao vê-lo segurar uma garrafa de champanhe, lembrando-me do sonho erótico
protagonizado por ele e que ainda não tive a oportunidade de transformar em
realidade. Nosso tempo no hotel foi tão curto que sequer tive chances de
colocar minha fantasia em prática.
— É para brindarmos a virada do ano — comentou, colocando a

garrafa em seu carrinho.


— Ótimo — respondi, lustrando os lábios com a ponta da língua. —
Faremos bom proveito dele. — Abri um sorriso travesso.
Contei as horas para a véspera do Ano Novo, e forcei-me a ser paciente

quando chegou o tão esperado dia.


Assistimos a Bola da Times Square descer na contagem regressiva e
nos beijamos sob as luzes dos fogos de artifício. Comportei-me até que
nossos lábios se afastaram, então agarrei a sua mão e o arrastei de volta ao
seu apartamento. Ansiosa pelo momento no qual Luke abriria o champanhe e
usaria meu corpo como a sua taça, bebendo-me inteira.

Conforme as semanas se passaram criamos uma rotina, toda noite

dormíamos juntos, alternando entre nossos apartamentos. Por algum motivo


eu dormia melhor na cama dele, também gostava das prateleiras de livros em
seu quarto e amava ler em sua companhia antes de dormir. Bem, na verdade
quase não líamos nada porque acabávamos largando os livros para nos beijar,
e uma coisa levava à outra muito mais intensa...
Lá estava eu pensando novamente no meu namorado quando devia
estar escrevendo.
Faltavam dois dias para o meu aniversário, portanto queria adiantar

alguns capítulos do novo livro para tirar uma folga e aproveitar o tempo livre
com o Luke.
Estive focada no trabalho, por vezes passava o dia inteiro em frente ao
notebook escrevendo, só conseguindo dar atenção ao meu namorado tarde da

noite. Ele nunca reclamou, pelo contrário, era um grande incentivador.


Sempre trazia comida para mim e se certificava de me manter hidratada
quando eu entrava na zona da escrita, perdendo completamente a noção do
tempo.
Apesar do seu apoio, eu não queria negligenciar a nossa relação.
Além do mais, sentia sua falta.
Voltei ao trabalho, induzindo meus dedos sobre o teclado ao imaginar
a cena e convertê-la em palavras. Minhas digitais batucavam ligeiras nas

teclas, minha mente imersa na história, os personagens tagarelavam na minha


cabeça.
Até que as vozes imaginárias foram abafadas por um barulho, fazendo-
me piscar aturdida.
Estreitei os olhos em direção à parede que dividia meu apartamento do
Luke, por onde atravessava o som alto da música.
— Ah, não! — resmunguei, embora um sorriso despontasse da minha
boca.
Empurrei o notebook para longe e me levantei no impulso, marchando

para fora e parando em frente à porta do vizinho.


Ergui uma mão em punho e bati.
No mesmo segundo a porta se abriu, revelando o homem que não saía
dos meus pensamentos.

— Vem cá, tentação. — Ele me puxou para um beijo antes que eu


pudesse dizer alguma coisa, andando para trás e me guiando para dentro.
— O que está tramando? — perguntei em seus lábios.
— Precisei chamar a sua atenção de alguma forma, está na hora do
jantar.
Ele me soltou ao chegarmos à cozinha, seguindo até a sala para
desligar o som. Sentei-me à bancada posta, salivando ao sentir o aroma
maravilhoso que vinha do forno.

— O cheiro está divino — comentei quando ele retornou.


Luke lançou-me uma piscadela ao passar por mim.
— Essa foi a primeira receita que aprendi a fazer, a famosa lasanha da
minha mãe — ele disse ao retirar o refratário do forno e colocá-lo sobre o
balcão.
— Foi ela que te ensinou a cozinhar, certo?
Ele assentiu com um sorriso leve enquanto me servia uma grande
porção.
— Ela me ensinou muitas coisas antes de partir. — Preencheu as

nossas taças com o vinho, então voltou a falar, mirando seus olhos cintilantes
nos meus. — Uma delas é que cozinhar é uma das mais prazerosas
demonstrações de amor.
Deus do céu, ele falou mesmo o que eu estava pensando?

Apesar de que não seria loucura imaginar que sim.


Ele demonstrava nos pequenos gestos, sempre colocando amor em
tudo o que fazia, cozinhar para mim era um bônus a mais.
Mas aquela foi a primeira vez em que Luke disse em palavras, mesmo
que subliminarmente, que me amava!
— Está dizendo que me ama? — perguntei em tom de descontração,
não queria soar desesperada, mas no fundo torcia para que fosse verdade.
— Sim, acho que me apaixonei por você quando bateu à minha porta.

— Suas palavras ecoaram no meu coração, fazendo-o pulsar alegre no peito.


— Você me fez sorrir pela primeira vez em semanas.
Encarei-o atônita, minha boca levemente entreaberta por onde um
suspiro se esgueirou.
— Te assustei? É muito cedo?
Balancei a cabeça lentamente, meu rosto se partindo ao meio num
exuberante sorriso.
Eu estava nas nuvens, sentindo-me leve e feliz.
Nunca imaginei que encontraria alguém como o Luke na vida real,

pensei que namorados perfeitos só existissem na ficção, mas ele me provou o


contrário.
— Uma pessoa me disse que o amor não tem data certa para acontecer.
— Inclinei-me para perto, sussurrando de encontro aos seus lábios. — Não

acho que seja cedo. É o tempo certo. Nosso tempo.


Capítulo 17

“Quando fechou os olhos, será que desejou o mesmo


que eu?”
Luke Moretti

Meu peito vibrava em expectativa, sorri para o meu reflexo antes de

desgrudar os olhos do espelho.


Sentia-me bonita.
Trajava um vestido preto — um dos que comprei para a viagem, mas
acabei não usando —, abri mão das minhas blusas de estampa porque hoje
era uma ocasião especial.
Contente com minha aparência, atravessei a porta do meu quarto
enquanto ajeitava as mangas estilo cigana nos meus ombros.
— Você está um espetáculo, Serena.

Ergui o olhar, deparando-me com Luke que apreciava minha figura da


cabeça aos pés.
Espetáculo era ele.
Deus, não me cansava de admirar aquele homem, parecia que a cada
dia ele acordava mais bonito. Luke era o pacote completo, além de lindo era
carinhoso, provocante, e tinha uma pegada forte que me levava à loucura.
E aquele sorriso devastador?
Aquele ali que ele estava me lançando, fazia meu coração palpitar.
Com os olhos reluzentes, ele andou até mim e esticou o braço que

escondia atrás do corpo, revelando um buquê de peônias.


— Feliz aniversário, meu amor.
Aceitei as flores, inalando o doce aroma. Meu sorriso se expandiu
junto com os meus pulmões, ainda assim meu peito parecia pequeno demais

para todo aquele sentimento que me inundava.


— Obrigada.
— Está pronta? — perguntou, descendo o rosto para me beijar.
— Sim — respondi animada, estalando um beijo em sua boca
deliciosa.
Luke me ajudou a colocar o buquê em uma jarra, retirei uma única e
exuberante flor do arranjo e a levei comigo.
Saímos pelo portão do prédio onde um motorista nos aguardava logo

em frente, e em pouco tempo chegávamos no restaurante. Estranhei a falta de


pessoas na fachada e quando comentei isso, meu namorado me surpreendeu
ao dizer que fechou o lugar inteiro só para mim.
— Luke, não precisava tanto! — Arfei, deixando-me ser guiada para
dentro, meu braço enlaçado ao seu. — Não vai prejudicar o seu trabalho?
— Relaxa, tentação. — Colou meu corpo ao seu lado, resvalando os
lábios em minha orelha para sussurrar em seguida: — Você merece tudo
hoje.
O salão térreo estava completamente vazio, salvo a hostess que nos

cumprimentou na entrada acompanhada de um segurança, e a cozinha que


estava a todo vapor. Quanto mais nos aproximávamos dos fundos em direção
às escadas, mais se podia ouvir o tintilar de talheres e a usual comoção dos
funcionários, além dos cheiros de dar água na boca que emanavam de lá.

— Confia em mim? — meu namorado perguntou antes de subirmos


para a sacada.
Fitei o seu semblante bonito, capturando as íris de diamante que
faiscavam afeto. Meu rosto foi agraciado com a sua palma quente, seus dedos
afagaram minha pele com ternura enquanto ele me contemplava à espera de
uma resposta.
Não havia dúvidas em meu coração.
— Confio.

— Feche os olhos. — Fez o pedido, e eu o acolhi com diligência,


sentindo animação pulsar nas veias.
Luke cingiu minha cintura com um braço e cobriu as minhas pálpebras
fechadas com a mão livre, guiando-me degrau acima com cuidado. Sussurrou
ao pé do meu ouvido que faltava pouco para chegarmos e, quando
alcançamos o segundo andar, caminhou comigo alguns passos até estacarmos
onde imaginei ser o centro do exclusivo salão que dava para a sacada.
— Pode abrir. — Beijou minha têmpora, deslizando sua mão para
longe do meu rosto.

Tão logo meus olhos se abriram, pisquei em choque.


— Surpresa! — Todos disseram em uníssono, acelerando as batidas do
meu coração.
— Deus — ofeguei, tapando minha boca.

O lugar estava cheio de pessoas amadas.


Cora estava acompanhada do seu noivo e logo ao lado dele os seus
primos, que também eram integrantes da sua banda famosa, sorriam na minha
direção.
Deus do céu.
Eu já os conhecia, desde antes de ficarem famosos em uma das visitas
que fiz à Cora alguns anos atrás. Sempre era muito bem tratada por eles
quando os encontrava, seja na casa da minha amiga ou quando a

acompanhava em eventos. No entanto, nunca imaginei que viriam comemorar


o aniversário de uma reles mortal, pensei que deuses do rock tinham coisas
muito mais importantes e épicas para se fazer numa sexta à noite.
Agora entendia o porquê dos seguranças que vi estrategicamente
posicionados no estabelecimento.
Também notei a presença de algumas das minhas queridas amigas e
parceiras literárias, elas não sabiam se olhavam para mim ou para os
rockstars, pareciam fazer uma força suprema para não surtarem e aquilo me
fez rir alto.

— Como? — perguntei atônita, voltando meu olhar para o Luke.


— Sua amiga me ajudou a organizar tudo — ele disse, apertando
minha cintura ao me conduzir para perto dos convidados. — Agradeça a ela.
Foi o que eu fiz, pulei em cima da Cora, envolvendo-a num abraço

apertado.
[1]
— Não acredito que trouxe toda a Baine of my life com você! —
bradei em seu ouvido, referindo-me à banda composta pelos primos Baine.
— Pode acreditar, é um dos seus presentes!
— Tem mais? — Arregalei os olhos.
Ela riu, assentindo e gesticulando para um canto do salão onde, pela
primeira vez, percebi o palco improvisado com os instrumentos musicais da
banda.

— Mentira!
— É verdade, pequena — Alec respondeu no seu lugar, esboçando um
sorriso genuíno, diferente dos que ele costumava mostrar para a imprensa. —
Será um prazer tocar para você e seus amigos.
Fogo se alastrou por todo o meu rosto e o abracei, quando dei por mim
todos os meninos me congratulavam, abraçando-me e beijando minhas
bochechas. Luke surgiu atrás de mim logo em seguida, como se marcasse
território, e me derreti em seus braços, contendo um riso.
— Obrigada. — Direcionei as palavras tanto para os Baine quanto para

a Cora. — Sério, nem sei como agradecer.


— Não precisa. — Minha amiga piscou para mim. — Só aproveite a
festa.
Afastei-me deles para dar atenção aos outros convidados, carregando

Luke comigo pelo braço.


— Isso realmente aconteceu? — murmurei para o meu namorado. —
Baine of my life vai fazer um show privado só para a gente?
— Para você, meu amor.
Só acreditei mesmo quando, mais tarde, os astros se posicionaram no
palco e começaram a tocar algumas das suas músicas no estilo acústico. A
voz do Alec em harmonia com os acordes e as batidas ressoavam como a de
um anjo dissoluto pela sacada, encantando todos os presentes, até mesmo o

meu namorado parou o que estava fazendo para ouvir, embalando-me em


seus braços na melodia da canção.
Quando a banda finalizou a última música, nós explodimos em
aplausos e Cora assoviou alto como de costume, arrancando um sorriso largo
do seu noivo.
Estava agradecendo novamente aos meninos pelo lindo presente,
quando uma mão pousou em meu ombro, fazendo-me olhar para trás.
Meu coração deu um solavanco no peito e precisei piscar algumas
vezes para me certificar de que estava enxergando direito.

— Mãe?
Escudei minha expressão, tentando não transparecer o quanto a sua
presença me afetava. Quando ela me perguntou sobre o meu aniversário no
outro dia e eu contei que comemoraria no restaurante do Luke, não presumi

que planejasse aparecer.


Silvya denotava nervosismo ao segurar seu colar de pérolas, seus olhos
iam de mim para todos os lados, como se não conseguisse sustentar meu
olhar por muito tempo.
— Feliz aniversário, Serena — ela disse, fixando sua atenção no meu
rosto por alguns segundos a mais, porém não fez menção de me abraçar ou
qualquer outro tipo de contato.
— O-obrigada — titubei.

Uni as sobrancelhas, ainda desacreditada, encontrando por trás de sua


cabeça a expressão de surpresa do meu namorado que nos observava de
longe. Ele encolheu os ombros como se não tivesse ideia de que minha mãe
viria, depois me incentivou com um gesto de mãos para que eu conversasse
com ela.
— Você veio sozinha? — perguntei enquanto procurava pelo rosto da
minha irmã no salão, mas não a encontrei.
— Sim, estou só de passagem — anunciou.
— Ah...

— Bem, queria te ver no seu aniversário antes de ir à Miami me


encontrar com o Harold, ele está lá a trabalho e resolvi aproveitar.
— Que legal, obrigada por vir. — Senti as minhas bochechas tremerem
com o sorriso simulado, não sabia o que dizer ou como reagir.

Ela aquiesceu, abriu a boca como se fosse falar algo, porém desistiu e
voltou a dedilhar o seu bendito colar.
Soltei um pequeno suspiro, mas ocultei a minha frustração ao forçar as
próximas palavras.
— Fique à vontade. — Apontei para uma mesa vaga e depois para
alguns atendentes que transitavam com bandejas. — O jantar está sendo
servido.
Dei um passo para trás, mas os seus dedos envolveram o meu braço,

impedindo-me de me afastar.
— Espera, filha.
Anestesiei as minhas emoções e inspirei fundo, dissipando o nó que
brotou na garganta.
Filha.
Ela me chamou de filha.
Até então essa alcunha era reservada à Sarah. Por toda a minha vida eu
fui apenas Serena, nunca recebi apelido afetuoso dela, e quando recebia
algum, era depreciativo.

— Sim?
— Podemos nos falar em um lugar mais... — Olhou ao redor antes de
retornar a sua atenção em mim. — Reservado?
Cruzei os braços e assenti, não me sentiria à vontade com ela em um

lugar completamente vazio, portanto não pedi para que Luke nos deixasse
usar o seu escritório, preferi guiá-la escada abaixo onde o salão não estava em
uso, porém alguns funcionários transitavam pelo local entre a cozinha e a
sacada.
Assim que nos sentamos eu a encarei em expectativa, flagrando o
momento em que ela engoliu em seco e então subiu o olhar de suas mãos em
seu colo para o meu rosto.
— Por que está aqui? — Liberei a pergunta que ecoava na minha

cabeça.
A Serena de antigamente estaria insegura e fugiria de um confronto,
mas eu mudei, cresci. Estava na hora de me impor.
— Ora, você me contou que comemoraria o seu aniversário nesse lugar
esta noite — falou, empinando o nariz ao analisar cada canto do restaurante,
sua atitude não era de se espantar, mas precisei controlar um revirar de olhos.
— Ainda não respondeu minha pergunta, mãe. — Ergui as
sobrancelhas. — Soube onde eu comemorei nos últimos anos, mesmo assim
não se importou em comparecer antes. Nem da vez em que fiz uma festa na

piscina na sua própria casa, lembra? Você e Harold viajaram no mesmo dia.
Ela arfou, espalmando o peito e virando seu rosto para o outro lado.
Balancei a cabeça em exaspero, ponderando se me levantava dali e a
deixava para trás quando ouvi um murmúrio quase inaudível sair de sua boca.

— Quê?
— Eu vim me desculpar — ela repetiu mais forte, encarando-me.
Limpei a garganta, odiando o fato de senti-la embargada. Depois de
anos de abuso psicológico e negligência, pensei que meu coração estivesse
imune a ela. Pensei que não restassem esperanças, mas aquelas palavras me
pegaram de surpresa e senti minha máscara de indiferença ruir.
— Pelo quê?
— Por tudo — proferiu baixinho como se fosse difícil soltar a frase de

dentro de si. E seu queixo, apesar de erguido, tremia. — Sei que não fui uma
boa mãe para você.
Eu precisava ouvir o seu pedido de desculpas, era a peça que faltavam
em meu coração para que finalmente se completasse, caso contrário sempre
haveria um buraco nele.
Nunca era tarde demais para se pedir perdão, só era difícil digerir as
suas palavras depois de tantos anos engolindo as dores que me causou.
Meu peito se comprimiu, sufocando-me com o turbilhão de
sentimentos. Inalei fundo pelo nariz, forçando o ar para dentro dos pulmões, e

controlei a ardência por trás dos olhos, não choraria na sua frente.
— Seu namorado estava certo, Serena. — Ela continuou com voz
contrita. — Você não fez nada para merecer o meu descaso, a culpa foi
minha.

— Então por quê? — indaguei veemente, girando-me na cadeira para


encará-la de frente. Queria enxergar a verdade cruel em seus olhos.
— Quando você nasceu... — Hesitou, puxando o seu colar com tanta
força que pensei que fosse se arrebentar. — Eu tive depressão pós-parto, por
meses não conseguia te segurar no colo. Mal conseguia cuidar de mim
mesma, muito menos de um bebê. Não consegui criar um laço afetivo com
você.
— Mas isso não a valida me tratar mal durante toda a minha vida, mãe.

Ela comprimiu os lábios e assentiu minimamente.


— Seu pai não me entendia. — Voltou a tentar se explicar. —
Reclamava da minha aparência e dizia que eu tinha que me esforçar mais. Ele
não acreditava em terapia, então não me tratei.
Concordei lentamente, não era uma surpresa que meu pai biológico
tenha mesmo se comportado daquela forma.
Ainda assim, nada do que ela disse até o momento era motivo para me
renegar, nada realmente seria, mas continuei muda, deixando que
continuasse.

— Aos poucos ele foi se distanciando, dormia fora nos finais de


semana, até que chegou a um ponto em que vivia mais na casa da amante do
que com a própria família. — Seu rosto se contorceu num misto de emoções.
— E eu te culpei por ele ter ido embora.

— Culpou uma criança inocente pelos pecados de um homem — falei


com a voz embargada.
— Você se parece tanto com ele, Serena — sussurrou, fitando-me
como se não suportasse enxergar a imagem do meu pai em meus traços.
Suspirei resignada e exausta de tentar compreendê-la.
— E-eu busquei por ajuda — ela emitiu as palavras com dificuldade,
como se fosse ruim admitir aquilo, como se ainda estivesse se acostumando
com a ideia. — Estou me consultando com uma psicóloga, deveria ter feito

isso há muito tempo.


— Bom para você, mãe — falei de forma genuína, apesar de ter
minhas dúvidas sobre ela seguir com o tratamento devido ao seu orgulho,
mas esperava que eu estivesse engada.
— Vou tentar ser melhor daqui para a frente — declarou com um
sucinto menear de cabeça.
Mordi meu lábio inferior, querendo muito acreditar nela, mas as tantas
decepções e mágoas do passado me tornaram cética.
Só o tempo me mostraria a verdade.

— Ok. — Minha resposta soou impassiva, e esbocei um sorriso


forçado.
— Bem, era isso — ela disse, alinhando o colar simetricamente sobre o
colarinho da sua camisa. — Preciso ir, meu voo para Miami é amanhã cedo.

— Tudo bem. — Levantei-me junto com ela, meu coração parecia


entalado na garganta, mas as palavras conseguiram atravessar o bloqueio.
Paramos frente a frente, ameacei dizer um breve adeus e voltar logo
para a festa, mas ela me surpreendeu ao abrir os braços. Uni as sobrancelhas
em confusão, pois nunca nos abraçávamos, porém me inclinei para perto e
aceitei o gesto. Seus braços pareciam desajeitados ao meu redor, mas só de se
esforçar a demonstrar algum tipo de afeto foi um avanço descomunal.
O abraço durou pouquíssimos segundos e logo ela foi embora.

Só então permiti que as lágrimas caíssem e precisei esperar um minuto


para me recompor antes voltar à sacada.
Quando subi os lances de escada me esbarrei com o Luke no meio do
caminho.
— Fiquei preocupado — falou ao me ver, segurando meu rosto com
brandura para me inspecionar de perto. — Estava chorando?
— Um pouco — confirmei. — A conversa com a minha mãe me
desestabilizou, mas estou bem agora.
— Tem certeza? — Afagou minha face com os polegares, quando

concordei com a cabeça ele se curvou e incidiu seus lábios delicadamente nos
meus.
— Sim. — Soprei a resposta. — Ela me pediu desculpas e tentou se
explicar, disse que vai tentar ser uma mãe melhor.

— Isso é bom, meu amor.


— É sim, se ela cumprir com a sua palavra. Mas não quero pensar
nisso agora. — Luke estava um degrau acima, fiquei nas pontas dos pés e
enlacei a sua nuca. — Meu namorado maravilhoso organizou uma festa épica
para mim, então é melhor eu aproveitar.
— Parece que esse namorado merece um beijo. — Desceu até ficarmos
no mesmo degrau e me girou, pressionando minhas costas no corrimão
enquanto capturava os meus lábios com voracidade.

Rendi-me ao beijo desenfreado, nossas línguas se chocaram famintas


para depois deslizarem sensualmente em um vai e vem tão delicioso que
incendiou meu corpo inteiro. Mãos ávidas apertaram minha bunda, guiando-
me para perto e extinguindo qualquer distância ainda existente entre nós, um
gemido escapou dos meus lábios para os seus, ou dos deles para os meus, já
não sabia mais.
Nossos corpos estavam em perfeita sintonia, apesar do descompasso
dos nossos corações.
Não fosse o inconfundível barulho das pisadas reverberando nas

escadas nos apartar, ficaríamos ali perdidos um no outro, cativos em nosso


próprio universo, enquanto o mundo continuava girando ao nosso redor.
— Amiga, temos que ir — Cora disse afobada, segurando a mão do
noivo. Atrás deles os membros da banda desciam apressados.

— Oh, tudo bem.


Luke e eu descemos para dar passagem a eles, quando chegamos ao
andar térreo avistamos dois seguranças, olhei por sobre o ombro e notei que
outro seguia os meus amigos escada abaixo.
— Aconteceu alguma coisa? — Luke perguntou.
— Alguns paparazzis estão se aglomerando na entrada do restaurante
— Alec respondeu. — Alguém deve ter vazado a nossa localização.
— Sinto muito por isso, cara. — Meu namorado franziu a testa. — A

saída dos fundos está livre?


— Sim, senhor — um dos seguranças disse, gesticulando para que o
grupo o seguisse. — Os carros estão à nossa espera.
Minha amiga estalou um beijo na minha bochecha e os meninos
acenaram um tchau, no instante seguinte eles passaram como um tornado
pela gente.
— Então essa é a vida de um rock star — Luke murmurou, abraçando-
me por trás enquanto assistíamos aos meus amigos sumirem de vista.
— Prefiro a nossa — segredei, apertando seus braços ao meu redor e

inclinando o rosto para cima a fim de vê-lo. — Gosto da nossa vida pacata.
— Pacata? — Abriu um sorriso devasso. — Nem tanto.
Ri, sabendo muito bem do que ele se referia.
Voltamos para a sacada e desfrutamos do restante da festa, música

tocava dos alto-falantes e algumas das minhas amigas dançavam no palco


agora vazio como se fosse uma pista de dança. Algumas estavam sentadas
enquanto jantavam e conversavam ao mesmo tempo.
Lembrei-me de que eu ainda não tinha parado para me alimentar e
espalmei a barriga, lambendo os lábios quando um atendente me ofereceu as
opções de pratos em sua bandeja.
— Já volto — Luke disse algum tempo depois que terminamos de
comer, resvalando seus lábios aos meus brevemente antes de se afastar.

O jantar estava tão delicioso que acabei repetindo a porção, sentia-me


empanturrada e me desmanchei na cadeira soltando um longo suspiro.
No entanto, quando Luke apareceu com um enorme bolo de chocolate
nas mãos e, milagrosamente, arrumei um espaço no meu estômago. Ele sabia
do meu amor por chocolate e caprichou na cobertura, só de olhar para o doce
salivei de vontade, louca para provar um grande pedaço.
Todos começaram a cantar os parabéns, mas a voz do meu namorado
ressoava mais alto, seu tom forte vibrando em meu peito e fazendo-o pulsar
vigorosamente.

— Faz um pedido e assopra a vela, amor — ele sussurrou ao pé do


meu ouvido, eriçando os pelinhos do meu corpo.
Inclinei o rosto em sua direção, encontrando aquelas íris cintilantes que
iluminavam meu mundo.

Era aquilo o que eu queria, aquele sentimento que transbordava de seus


olhos toda vez que olhava para mim.
Queria aquela sensação para sempre.
Sorvi uma grande lufada de ar, fiz o pedido e assoprei as velas.
Epílogo

“Ela era a protagonista da minha vida, e para mim o


nosso romance superava qualquer história de amor já
escrita. Porque o que tínhamos era real.”
Luke Moretti

Seis meses depois...

— Não acredito que você me convenceu a fazer isso — Luke


balbuciou no meu ouvido.
Ri de nervoso, concordando.
Também não acreditava, fui iludida e não pensei nas consequências.
Olhei de esguelha para a mão atrevida apalpando o abdome do meu
namorado, uma mão que não era a minha, e precisei me conter para não
arrancar os dedinhos da leitora descarada.

Por que fui inventar de pedir para Luke ser o modelo da capa do meu
livro?
E por que, Deus, tive a brilhante ideia de trazê-lo para a sessão de
autógrafos do lançamento?
Ele era um exímio profissional e estava se saindo muito bem no seu
papel, embora vez ou outra notasse o rubor tomando conta do seu rosto, ainda
mais quando era atacado por suas fãs descontroladas. Luke estava fazendo
mais sucesso do que eu, que era a autora do livro.

Os leitores estavam em polvorosa, querendo tirar fotos com o


“personagem” e alguns atrevidos aproveitavam a oportunidade para tocá-lo
além do normal. Flagrei uma mulher apalpando a sua bunda e tive que
repreendê-la delicadamente, porque tudo tinha um limite e aquilo já era

atentado ao pudor! Deveria ter estampado a camisa dele com a frase


“Propriedade privada, se você não se chama Serena Halle, o acesso é
negado.”
Eu já estava com torcicolo de tanto que virava a cabeça para
inspecionar cada interação que acontecia ao meu lado. Entre me abaixar para
autografar os livros e entortar o pescoço a todo instante a fim de conferir as
mãos ousadas sobre o meu namorado, minha coluna foi a óbito.
No entanto, segui plena, projetando um largo sorriso a todos.

Apesar dos ciúmes, eu estava radiante, grata por receber tanto carinho
do público e por meu lançamento ser um grande sucesso.
— Amo todos os seus livros, Serena! — uma moça me disse assim que
chegou a sua vez na fila do autógrafo, suas palavras fizeram o meu peito se
expandir para tentar conter tanta felicidade. — Mas esse aqui é o meu
preferido, adorei o romance entre o detetive e a vítima! Que homem... —
falou ao se abanar, fitando o meu namorado.
Lá estava a pontada de ciúme novamente, mas não deixei que aquilo
desbotasse o meu sorriso, pelo contrário, ri da situação.

Era de se esperar que todos se encantassem por Luke, caso contrário


não o teria pedido para ser o avatar do herói da minha história.
— Obrigada... — Seu rosto era familiar, mas titubeei enquanto lia o
nome rabiscado no post-it colado no livro. — Beatrice!

Por muitas vezes reconhecia leitores pelas fotos que usavam em seus
perfis nas redes sociais, mas a minha memória para nomes era péssima. Então
sempre dava uma espiada sutil nos crachás quando usavam ou, naquele caso,
no bendito pedaço de papel. Não fosse pela minha querida assessora
organizando o evento e se certificando de que todos escrevessem seus nomes
no post-it, eu passaria vexame.
Contudo, quando a próxima pessoa da fila surgiu à minha frente, não
precisei de nenhuma ajuda para saber quem era.

— Mãe — proferi em tom de surpresa, levantando-me para abraçá-la.


Daquela vez os seus braços se moldaram naturalmente ao meu redor, e
eu me senti à vontade para retribuir o gesto. Ela vinha cumprindo com a sua
promessa, continuou com as sessões de terapia e, tempo ao tempo, foi se
reaproximando de mim, remendando a frágil relação de mãe e filha. Havia
muito caminho a ser percorrido ainda, alguns hábitos antigos eram difíceis de
se quebrarem, porém percebi o quanto se esforçava e aquilo abriu espaço no
meu coração para o perdão.
Só de ela estar ali, me prestigiando, era uma prova da sua mudança.

— Serena, você viu o tamanho dessa fila? — Sua voz denotava


assombro e, ousei pela primeira vez pensar, um pouco de orgulho também. —
Não cabe o tanto de gente dentro da livraria, tem pessoas esperando do lado
de fora!

— Vi, sim. — Ri, achando graça da sua reação. — Mas acho que esse
cara aqui está atraindo mais gente do que o costume. — Acenei em direção
ao Luke que riu ao meu ouvir, negando com a cabeça.
— Nada disso, o mérito é todo seu. — Ele se inclinou para perto,
beijando minha bochecha e complementou o discurso baixinho, só para eu
ouvir: — Todos esses leitores vieram porque amam o seu trabalho. Porque te
admiram. Porque você é sensacional. Tenho muito orgulho de você, amor.
Suas palavras eram um bálsamo para a minha alma e precisei conter a

emoção transbordando em meus olhos.


— Te amo — sussurrei para ele, esquecendo-me por um segundo que
não estávamos a sós.
— Serena, esse aqui você autografa para mim e esse... — Minha mãe
roubou a minha atenção de volta a si. Empurrando os dois livros na minha
direção sobre a mesa. — Para a sua irmã.
— Ah, ela também vai ler? — Tentei ocultar o meu choque na voz,
mas falhei miseravelmente.
Apesar de eu tê-la perdoado, continuávamos sem nos falar porque

nunca tivemos uma relação de amizade antes, então não havia muito o que se
fazer além de ser cordial quando nos encontrávamos, coisa que raramente
acontecia. Aliás, pelo que me lembrava da minha irmã, ela nunca se
interessou em ler livros, quando lia algo era por obrigação e relacionado aos

estudos da faculdade.
— Bem, espero que sim. — Tocou sutilmente em seu colar. — É um
presente, você sabe que a gravidez dela é de risco e mal sai da cama, vai lhe
fazer bem ler alguma coisa para se distrair.
Ah, verdade.
Sarah descobriu que estava grávida semanas após o Natal, o bebê foi
uma surpresa, o que acabou mudando todos os seus planos. Ela e Will se
casaram

às pressas em março, enquanto a barriga de gestante mal podia ser notada por
baixo do vestido. Tive a “infelicidade” de não poder comparecer à cerimônia,
porque estava viajando a um evento literário em Roma, na Itália. Luke foi
comigo e aproveitamos para tirar umas férias românticas no país que ele
carregava no coração. Quando fomos a Positano, meu namorado me levou
para conhecer a sua família paterna que morava lá, foi um momento
inesquecível, vê-lo se reconectando com as suas origens e matando as
saudades do seu pai.
— Obrigada por vir — falei ao lhe entregar os livros autografados. —

Vai ficar quanto tempo aqui dessa vez? — inquiri, referindo-me à sua estadia
em Nova Iorque.
— Durante o fim de semana. Pensei que poderíamos...
— Sim? — perguntei ao notar a sua hesitação.

— Poderíamos almoçar juntas amanhã antes de eu voltar para


California?
Sorri e aceitei o seu convite.
Ela estava se esforçando, e aquilo era o bastante para mim.
O evento continuou por mais uma hora, minha melhor amiga
compareceu, como sempre, para prestigiar o meu trabalho, esteve ali do início
ao fim, ajudando-me e dando apoio à minha assessora.
Estávamos naquele momento em uma sala privativa do

estabelecimento, arrumando as nossas coisas para ir embora depois que a


sessão de autógrafos acabou.
— Mais um sucesso, amiga! — Cora exclamou ao me abraçar
apertado. — Como se sente?
— Exausta, porém feliz — falei rindo.
— E você, garanhão, sentiu na pele como é ser uma celebridade! —
Lançou a frase para o Luke em tom de troça.
— Foi interessante... — Meu namorado riu, esfregando a nuca num
gesto de timidez. — Mas vou me aposentar desse cargo cedo, não sirvo para

a fama como o seu noivo, prefiro ser um astro somente na vida de uma
pessoa. — Piscou para mim.
Ah, esse homem um dia me mataria do coração, eu não tinha
suficiência cardíaca para o tanto de amor que ele me proporcionava, sentia

como se meu peito fosse explodir.


Despedimo-nos da minha amiga e das pessoas que organizaram o
evento, então finalmente fomos embora. Pegamos um táxi de Manhattan ao
Brooklyn, levando pilhas de livros que eu ainda deveria autografar para os
leitores que não puderam comparecer, mas que compraram os exemplares
autografados para receberem por correspondência.
Luke me ajudou a carregar tudo para o meu apartamento, deixando-me
apenas com uma sacola leve contendo os brindes que sobraram.

— A minha coluna está me matando — murmurei ao guardar as coisas


no quarto, arquejando as costas e escutando os estalidos das vértebras como
se elas gritassem de dor.
— Quer que eu faça uma massagem relaxante em você, amor? — Luke
me abraçou por trás, depositando um beijo na curvatura do meu pescoço.
— Uhum... — gemi, desfazendo-me em seus braços.
— Tire a roupa — ele disse com a voz rouca, arrepiando os pelinhos
do meu corpo.
Puxei a barra da camisa para cima, livrando-me da peça e ficando

apenas de sutiã. As mãos do Luke se esgueiraram para a frente da minha


calça, desfazendo o botão e deslizando o zíper para baixo, seu toque me
queimava, acendendo meu desejo enquanto ele descia a roupa por minhas
pernas. Não bastasse a provocação de seus dedos explorando meu corpo,

senti seus lábios tocarem minha lombar, e a respiração morna em contato


com a minha pele nua me fez estremecer.
— Deite na cama, tentação — pediu, subindo a palma para os meus
quadris, guiando-me ao colchão até que eu me deitasse de bruços. — E me
espere.
— Aonde vai? — perguntei aturdida quando ele se afastou.
— Vou buscar por aquele seu hidratante — falou, sua voz soando cada
vez mais longe como se estivesse andando rápido. — Você o esqueceu no

meu apartamento da última vez que dormiu lá!


Suspirei, fechando os olhos por um momento enquanto ele não voltava.
No início achava ótimo ser vizinha do meu namorado, podíamos passar
todas as noites juntos se quiséssemos, mas com a vantagem de termos nossa
privacidade a qualquer momento quando entrávamos em algum atrito bobo,
ou qualquer outra coisa do tipo. Bastava sair pelo corredor e entrar na porta
do lado. Mas com o passar do tempo, enquanto alternávamos entre dormir um
no apartamento do outro, o que antes era vantagem, virou empecilho.
Praticamente morávamos juntos, e com tantas idas e vindas, nossas coisas se

misturavam. Havia mais roupas minhas no seu armário do que no meu, e


outro dia percebi que ele tinha mais pares de sapatos em meu closet do que
eu.
— Voltei. — Ele surgiu no minuto seguinte, posicionando-se

ajoelhado sobre mim com cada perna ao lado do meu corpo.


Ouvi quando ele colocou um pouco do hidratante em suas palmas,
esfregando as mãos para aquecê-las antes de tocar minha pele. Dedos fortes e
ao mesmo tempo gentis pressionaram meus músculos, desatando os nós de
tensão e me arrancando um longo gemido.
— Sabe, um dia vamos ter que derrubar as paredes que nos separam —
ele disse espontaneamente enquanto massageava deliciosamente o meu
corpo. — Não gosto das barreiras que me mantém longe de você.

— Está insinuando que quer morar comigo? — Emiti a pergunta em


meio a um arfar, deliciando-me com a sensação prazerosa de suas mãos
venerando meu corpo.
Luke se inclinou para frente, distribuiu beijos suaves pela lateral do
meu rosto, até alcançar a minha boca.
— Nós praticamente já vivemos juntos. — Fisgou meu lábio inferior,
sugando-o languidamente antes de soltá-lo. — Acha que é muita loucura?
— Se é loucura, eu não importo, contanto que você seja louco comigo.
— Sou louco por você há tempos, tentação. — Virou-me de frente, e se

deitou sobre mim apoiando-se nos cotovelos. — Eu te amo.


Mergulhou os dedos em meus cabelos e encostou sua testa na minha,
fitando-me fundo nos olhos. Suas íris azuis chispavam numa miríade de
emoções, e eu me derreti sob o seu olhar, rendendo-me às chamas da paixão.

Enlacei seu pescoço, sorrindo de encontro à sua boca.


Nem nos meus melhores sonhos imaginei que um dia encontraria o
amor da minha vida, mas ele estava ali, em carne e osso.
— Também te amo — Apertei a sua nuca carinhosamente, espelhando
o seu sorriso. — Sabe, me enganei sobre você quando te conheci.
— É mesmo? — Ergueu as sobrancelhas em divertimento.
— Sim, pensei que fosse um bad boy, mas na verdade é o mocinho da
minha história.

— Eu posso ser um bad boy também. — Seu doce sorriso se


transformou em pura malícia. — Posso ser o que você quiser.
— Verdade?
Ele assentiu ao descer uma mão até a minha coxa, trilhando seus dedos
por um caminho mais indecente, exatamente onde eu os queria.
— Sim. Nesse momento, por exemplo, quero fazer coisas obscenas
com você. — Massageou-me novamente, daquela vez no ponto onde eu
pulsava entre as pernas, fazendo-me ofegar de prazer. — E sei que você
adora.

Adorava sim.
Amava tudo o que ele fazia.
Amava todas as suas facetas, do mocinho afável ao bad boy devasso.
Simplesmente o amava.

Nosso namoro podia ter começado como uma mentira, mas às vezes o
amor nascia de situações inusitadas.
Luke apareceu em minha vida despretensiosamente, com as suas
músicas altas e batucadas na parede ele, aos poucos, derrubou os muros que
ergui ao redor do peito. Com o caminho livre, apossou-se do meu coração
desgastado e o restaurou com gentileza e esmero, fazendo-o pulsar como se
fosse novo.
Antes eu só acreditava nos amores de ficção, mas descobri que na vida

real havia sim pessoas que nasceram para complementar nosso enredo.
Luke surgiu como uma reviravolta do destino na minha história.
E eu estava animada para viver cada capítulo dela ao seu lado.
Olá, obrigada por ter chegado até aqui, espero muito
que tenha gostado!

Se você gostou de Namorado de ficção, que tal me


ajudar a levá-lo a mais leitores?
Deixe a sua avaliação na Amazon. Ela é muito importante
para mim, fico imensamente feliz quando leio a opinião
dos meus leitores!
Indique a história para um amigo, ou vários! Nada melhor
do que ter alguém para conversar sobre um bom livro, não
é mesmo?
Publique em suas redes sociais, não esqueça de me marcar
se puder, amo compartilhar e comentar nos posts!
Gratidão por todo carinho, se quiser papear comigo, vou
amar!
Sobre a autora

Ruby Lace é uma sonhadora e romântica assumida, tem como o seu


único vício a leitura e como sua grande paixão a escrita. Ama ler e escrever
histórias que fazem o seu coração disparar, romances que mexem com seus
sentimentos de diversas maneiras e de finais felizes.
Seu romance A Bela e o Chefe ocupou o primeiro lugar na lista de E-
books mais vendidos da Amazon e conta com mais de 10 milhões de leituras
no Kindle Unlimited.

Nasceu em São Gonçalo, cidade do estado do Rio de Janeiro, onde


mora atualmente com o marido. Como toda boa carioca, gosta dos dias
ensolarados, das belezas praianas e de usar havaianas.

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Wattpad: RubyLace1

Conheça outros trabalhos da autora:

A BELA E O CHEFE

ROSAS & ESPINHOS

DESEJO.COM

MARCAS DO CORAÇÃO
Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço à Deus por me abençoar com o dom de


contar histórias. Sou grata pela oportunidade de trabalhar fazendo o que tanto
amo.
A cada livro novo o número de pessoas pelas quais tenho a agradecer

aumenta, e eu novamente agradeço ao Senhor por colocar em minha vida


tanta gente abençoada e querida!
Taffarel, meu eterno namorado, obrigada por acreditar.
Cris Castro, mil vezes obrigada por estar do meu lado desde sempre,
sem você nem sei o que seria de mim.
Maitê e Aline, muitíssimo obrigada por serem as minhas betas e por
me acompanharem nessa história do início ao fim, vocês são maravilhosas.
Jéssica, Pat e Cléo, agradeço por todo o apoio e amizade, vocês são
meu ânimo e a força que me impulsiona a seguir.

Meninas do grupo Point das Autoras, vocês são meu guia, tenho muito
orgulho de vocês e agradeço pela união e por todo incentivo!
Hellen, obrigada por tudo, amiga!
Lara, gratidão por todo apoio.
Muito obrigada a todas as minhas parceiras, sem vocês eu estaria
perdida!
Leitores queridos, sem vocês eu nem estaria aqui, obrigada por
tornarem possível a realização dos meus sonhos.

E à mamãe, papai, irmãos e toda a família que sempre me apoiaram,


obrigada de coração.

[1]
No inglês a expressão “The bane of my life” significa “A ruína da minha vida”. Os
primos fizeram um trocadilho com a frase, substituindo a palavra “bane” pelo sobrenome
deles.

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