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Copyright © 2021 Mário Lucas

NA REDENÇÃO DO ADVOGADO

SÉRIE: INTENSO DEMAIS – LIVRO 2

1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou
transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou mecânico sem consentimento e

autorização por escrito do autor/editor.

Capa: @designerttenorio

Revisão: Carol Pereira

Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da imaginação do autor. Qualquer semelhança com fatos reais é mera

coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes – tangíveis ou intangíveis – sem prévia autorização do autor. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA


PORTUGUESA.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Epílogo
Sobre o autor
Redes sociais
Outras obras
ESTEBAN JAVIER

ANOS ANTES.

Corro pela casa com Mateo me perseguindo. Nós, sorrimos e gritamos


enquanto nos divertimos brincando de pega-pega pelo segundo andar da
mansão.

— Vou te pegar, Esteban!! Vou te pegaaar! — avisa ele às minhas


costas, enquanto tenta me alcançar.

— Não vai, nãooo! — Gargalho, entrando em um dos grandes e


luxuosos quartos.

Uso a cama como forma de manter distância do meu irmão mais velho,
mas como ele é um pouco maior e mais ágil do que eu, consegue me capturar
antes que eu salte por cima do colchão. Caímos sobre os lençóis, Mateo
fazendo cócegas em mim, arrancando-me mais e mais gargalhadas.

— TE PEGUEI! — exclama, vibrante e vitorioso.

— Pare! Pare, Mateo! Pare! — Rio desesperadamente e contorcendo-


me, pois, seus dedos roçam por minha barriga.

— Agora é a sua vez! — afirma, saltando da cama e saindo do cômodo

feito um foguete. O som da sua risada e de seus pés batendo no assoalho


ecoando pelo ambiente, ficando cada vez mais distante.

Respiro fundo, descendo devagar e assim que toco no piso, volto a


entrar na brincadeira, disparando para fora em euforia, mas parando
bruscamente quando bato em alguém e caio.

— Tome cuidado, meu filho! — avisa papai, sorrindo. Ele é enorme,


um homem bonito, jovem. Sorrio de volta sabendo que o amo muito. Porém
não lhe dou ouvidos e rapidamente fico de pé, procurando por Mateo
descontrolado. — Não quero você e seu irmão com esse tipo de brincadeira

aqui em cima, já avisei! — repreende, mas sua voz se distancia quando


adentro outro quarto.

— Mateo...? Mateeeo...? Onde está você...? — O procuro, ansioso e


desejando capturá-lo como ele me capturou. Adoro essa brincadeira, adoro
me divertir com o meu irmão e agradeço todos os dias por ter alguém para
brincar. Tenho vários amigos na escola que são filhos únicos e acho isso
terrível!

Estou suado, ofegante. Penso ter escutado algo dentro do armário e o

abro violentamente, com alta expectativa de flagrar o menino, mas


decepciono-me por avistar apenas roupas e objetos estranhos, inclusive uma
máscara horrível, que inicialmente me dá medo, mas depois se torna a
inspiração para uma ideia malévola que acaba de surgir em minha mente.

Pego o grande objeto com cuidado, é uma máscara africana, que


mamãe arrematou em um leilão, ela já falou sobre isso.

— ESTOU AQUIII! — Mateo grita na porta, assustando-me e some


outra vez.

Sorrio, seguro a máscara pesada sobre a face com as duas mãos e sigo
para o corredor, correndo e gritando.

— BUU! BUUUU! — urro. O objeto é grande demais para o meu


rosto, fico praticamente às cegas. Ouço os gritos do meu irmão com a minha

aproximação e isso me instiga a acelerar, contudo, bato contra algo outra vez,
o impacto mais uma vez é forte, vou ao chão com violência, a máscara
escorrega para longe e a cena de alguém caindo escada abaixo aos gritos é
agonizante.

Meus olhos se esbugalham com a cena, fico paralisado, em choque, não


conseguindo acreditar ou muito menos entender o que acabou de acontecer!!
Ergo-me boquiaberto, aproximando-me do topo da longa escada,
amedrontado, observando o corpo caído e sem vida lá embaixo.

— O que é isso? Que barulho foi esse? — Papai surge, e daqui de cima
o vejo assustado, seus olhos emanando pavor ao avistarem o acidente. — Oh,
meu Deus!! Meu Deus... NÃO! — Se desespera, agachando-se ao lado da
vítima, tentando entender. Seu olhar encontra com o meu e um sentimento

ruim se apodera da minha alma. — O que você fez? — pergunta, incrédulo,


acusador. — O que foi que você fez?!! — berra, seu ódio é como uma
enxurrada de agulhas perfurando a minha pele.

Sinto que nada mais será como antes.

ANOS DEPOIS.

Nada nunca será como antes.

Bato na porta do escritório do meu pai e entro, quando ouço a sua voz.
Estamos na nossa mansão, o lugar onde fui criado, onde vivi as maiores
felicidades e infelicidades da minha vida. Estou ansioso, sei que esta noite
será importante e as minhas expectativas estão a mil. Trabalhei muito para
esse momento... para ter o tão esperado reconhecimento.
Vai dar tudo certo.

Avisto o senhor Javier fumando seu charuto, sentado em sua poltrona

defronte para a imensa janela que dá visão para o jardim. O céu lá fora está
coberto por nuvens negras, prevendo que uma tempestade se aproxima.

— Papai, aqui estão as decisões judiciais sobre os últimos processos da


empresa — aviso-lhe, deixando o envelope que carrego sobre a sua

imponente escrivaninha.

— Ganhamos todos? — pergunta, sem virar o velho rosto para mim,


soprando a densa fumaça que lentamente se esvai no ar.

— Quase todos. Mas não se preocupe, vou recorrer — informo, sou o


diretor jurídico da Montres Javier S.A., empresa fundada por meu avô e que
hoje é referência mundial no ramo da relojoaria de luxo.

— Esteban... Esteban... sempre deixando algo para depois — comenta,


frio, mas tento não me afetar com isso. Porém, ele insiste: — Sempre

escolhendo fazer as coisas como bem entende.

— O que quer dizer com isso, pai? — indago sério, compreendendo a


sua indireta.

— Nada, filho. — Me fita, sorrindo. — Estou brincando. — Ele


levanta, aproximando-se, mas não me toca. — Está tudo bem. Sabe se todos
já estão me aguardando lá na sala? — Muda de assunto.
— Falta apenas o Alejandro.

— Já ordenei à babá da Alisa para chamá-lo, vamos para lá. — Toma à

frente, seguindo rumo à porta.

Respiro fundo, ainda sinto culpa, mesmo sabendo que não a tive e que
nem deveria ter.

— Papai... — chamo, fazendo-o parar e voltar a me dar atenção. — Sei


que já conversamos sobre isso, que já faz anos, mas... se o senhor ainda
estiver chateado com o que houve na empresa...

— Não! — Me corta, firme, em seguida amansa o tom de voz. — Não


vamos mais tocar neste assunto. Juramos esquecer, lembra?

Assinto, abaixando o rosto, reflexivo.

— Está tudo bem. Por que está querendo falar a respeito? — Franze as
sobrancelhas, sem entender.

— É que por um momento achei que... esqueça! — Sorrio, afastando as


paranoias. — Vamos lá!

Seguimos para a sala, onde quase toda a família nos espera, exceto
Alejandro, meu irmão de criação. Papai marcou essa reunião de repente e
desconfio que o propósito seja a escolha daquele que o substituirá no cargo
de CEO da empresa.

Mateo, meu irmão mais velho, aproxima-se de mim enquanto me sirvo


com um drink.

— Então, será que já posso chamá-lo de todo poderoso senhor CEO da

Javier? — cochicha, sorrindo, fazendo-me sorrir também.

Olho para mamãe que dialoga com papai no sofá. Ela ri para mim
positiva, motivadora, me dando a certeza que tanto quero, algo que acalenta o
meu coração.

— Creio que sim — afirmo, estou bastante convicto. Papai não tem
outra opção, Mateo nunca se interessou pelos negócios da família, é professor
renomado e premiado do ensino superior, tem a sua vida e carreira, foi o
primeiro e único até agora a sair de casa. Luna também não se interessa, e
Alejandro... apesar de ser um exímio diretor na empresa, simplesmente não
consegue se comunicar verbalmente.

Além desses motivos, é certo que trabalhei muito duro, me sinto


preparado para isso, sei que mereço.

— Será que é sobre isso mesmo que ele quer falar, Esteban? — Mateo
observa o nosso pai de soslaio, curioso.

— Só pode ser. Tomara que sim. — Bebo um pouco do álcool,


sentindo-me mais em paz.

— Ansioso?

— Bastante.
— Até Joaquin ele chamou — comenta, fitando o assistente e intérprete
de Alejandro tagarelando com Luna, a nossa irmã de criação.

— É, isso eu também não entendi. — Recebo a mensagem de uma


recente paquera, e sorrio ao ver a sacanagem do texto no celular.

— Safado. — Mateo logo percebe do que se trata.

Alejandro aparece, descendo vagarosamente pela escada, usando trajes


escuros e neutros, como sempre. Mateo vai cumprimentá-lo, papai começa a
explicar o teor da reunião e, como eu esperava, é sobre a sua substituição
devido à idade e complicações com a sua saúde. Hoje, ele escolherá o novo
presidente da Javier.

Meu coração bate forte enquanto escuto o velho Miguel. Em milésimos


de segundos recordo tudo o que fiz ao longo dos anos, o caminho imenso que
percorri para alcançar cada vitória, apesar dos erros ali e aqui. Sorrio, já
quase conseguindo escutá-lo invocar o meu nome, quando a verdade soa no

ambiente de forma totalmente diversa:

— Alejandro é o mais preparado para ser o CEO — dispara, mirando o


homem que finge estar bestificado. Tenho certeza absoluta que ele já sabia
disso!

Fico sem chão. Não consigo acreditar que mais uma vez fui preterido
por papai, que simplesmente nomeou o meu primo como presidente da
empresa ao invés de mim, seu filho legítimo!!

De repente sou invadido por todos os milhares de fantasmas do

passado, de como a minha vida mudou após a chegada dele nesta casa, de
todo o desprezo que passei a receber de papai dali por diante. Da forma como
passei a mover céus e terras na tentativa insana de conseguir um pouco de
atenção!

— Miguel, querido... você tem certeza? — Mamãe dá um passo em


direção a ele, prevendo o caos se formar.

— Absoluta. Joaquin será o intérprete de Alejandro quando for


necessário, como já o faz. Hoje o mundo está muito moderno, qualquer
impasse pode ser facilmente resolvido. Além disso, Esteban ali como vice,
poderá solucionar outras questões...

— Isso só pode ser piada! — rebato, não processando que ele me quer
apenas como vice-presidente!

— Não é piada, estou falando muito sério. Você e todos aqui sabem
muito bem o quanto seu irmão é altamente capacitado para isso...

— E eu não?! — Fico perplexo, os meus olhos ardendo em fúria


querendo chorar, mas me controlo.

— Filho, entenda, o Alejandro é visionário, tem mais experiência,


equilíbrio e maturidade nos negócios...
Agora ele simplesmente me humilhou outra vez, assim como já fez em
tantas outras ocasiões, sem se importar com a presença de terceiros, comigo

ou com o que sinto, com absolutamente nada!

Perco totalmente o controle e ataco! Atinjo Alejandro na sua maior


ferida: o fato de não conseguir falar, já que sofre de um transtorno
psicológico desde criança. Me transformo na raiva, na inveja, no ciúme e no

ressentimento, tudo no mais alto grau possível.

As coisas simplesmente explodem uma atrás da outra. Fico totalmente


cego e não percebo o mal que estou fazendo a ele:

— Era tudo o que queria, não era, Alejandro?

Ele nega em suas expressões, como sempre não emite uma palavra
sequer. Isso me dói, pois muitas vezes parece deboche, como se me
ignorasse, apesar de não ser nada disso.

— Esteban! — Papai exclama, mas não o escuto.

— Desde que chegou aqui, sempre quis tudo o que era meu! Tudo o
que me pertencia! — sibilo, emputecido.

— Isso não é verdade, filho! — Mamãe o defende.

— É verdade sim e a senhora sabe! Todos aqui sabem!

— Não acredito que ainda discursa essa tolice! Que decepção! — rosna
papai, atingindo-me outra vez. Ele não cansa de me bater com palavras.
— Decepção? Eu sou uma decepção? — Sou possuído pelos
sentimentos mais perversos possíveis. Encaro Alejandro. — Vai, prova agora

para a gente que você pode ser o CEO da Javier, vai! Fala alguma coisa ao
menos uma vez na vida, mudinho! — O empurro com força no tórax,
provocando-o. — FALA, PORRA!

Tudo chega ao limite, tomando proporções absurdas e vou ao chão após

levar um soco dele. É neste exato instante que tomo consciência da


atrocidade que acabei de fazer, algo que já abandonei há muito tempo quando
entendi que era errado, porém, outra vez não soube lidar.

As coisas parecem acontecer em câmera lenta, Alejandro foge de casa


ao mesmo tempo em que o caos predomina em todos ao meu redor. O sangue
arde na minha boca, me sinto no fundo do poço, até que Mateo me puxa e me
ajuda a levantar, trazendo-me de volta para a realidade.

— Você vai pagar muito caro por isso, Esteban! — exclama papai,

fuzilando-me.

— Miguel, chega!! — grita mamãe, chorando, nervosa.

— Pagar mais? — indago ao homem que só me transmite ódio. —


Mais do que já paguei em todos estes anos?!

— Esteban, por favor! — implora Luna, também atônita com a


situação, querendo acabar com o conflito.
Minha respiração sai quebrada, olho para todos que agora me veem
como um monstro. Penso que já fiz tudo o que podia fazer, que lutei todas as

batalhas que podia lutar, mas perdi a guerra. Tomo a decisão que mudará para
sempre a minha vida:

— Não dá mais... eu vou embora! — Sai quase como um murmúrio, a


desistência de um sonho.

Tento me afastar, mas mamãe se interpõe em minha frente, segurando-


me desesperada.

— Não meu filho, por favor, não faça isso...

— Deixa, Alba! — ordena Miguel.

— NÃO! — Ela rebate.

— Deixa!! Talvez assim ele finalmente aprenda a dar a valor a família!

É um novo e mais furioso soco no estômago. Olho-o com os lábios

tremendo e rosno:

— Hipócrita...

— Esteban! — Mateo sente o cheiro do perigo, mas não o escuto.

— Quer dizer então que o senhor dá valor à sua família? — Provoco o


velho que fica cada vez mais raivoso. — Conte o que fez...

— Cale-se! — Miguel fica nervoso.


— Conta!

— CALE-SE!! — Tenta me bater, mas Joaquin e Mateo são mais

rápidos e o seguram a tempo.

É o suficiente para me destruir de vez, corro para o andar superior.


Tudo o que falei com eles também feriu a mim, o feitiço virou contra o
feiticeiro, o veneno que exalei lá embaixo, agora me consome e amarga a

minha língua.

Entro no quarto, jogo a mala sobre a cama e começo a preenchê-la de


roupas e assessórios sem cuidado algum. Mateo e Luna surgem logo em
seguida.

— Chega! Para com isso! Não vai a lugar nenhum! Você foi um idiota
com o Alejandro mais uma vez, mas não vai embora porra nenhuma! — Luna
grita, tentando desfazer a minha mala, mas a seguro pelos pulsos. Ela se
sacode revoltada e se afasta, chorando.

— Nossa irmã tem razão, para e esfria essa merda de cabeça para poder
pensar direito! — repreende Mateo.

— Estou fazendo o que você sempre me aconselhou, irmão. Não se


lembra? — indago, com a voz frágil, engolindo o pranto. — Mateo, você
tinha razão... eu preciso viver a minha vida sem depender do reconhecimento
de alguém... de atenção... do afeto.
— O papai te ama, Esteban — choraminga Luna, arrasada.

— Preciso conquistar as coisas com os meus próprios punhos, assim

como você fez. — Continuo focado no professor. —Já chega de viver em


uma quimera... necessito fazer o meu próprio destino! Tenho consciência do
meu valor. Vai dar tudo certo.

Mateo assente, mesmo não querendo. Termino de arrumar a mala.

— Não... não, Mateo, não deixe ele ir, por favor!! — implora Luna,
toda se tremendo. Dou-lhe o abraço de despedida.

— Escute Passarinho, escute — chamo-a pelo apelido carinhoso que


lhe dei desde menina, acariciando seu rosto inconsolável. — Você também
precisa voar. — É algo que sempre disse a ela, quando a via perdida, pois
também possui muitos traumas.

Deixo-a, já sentindo o vazio e abraço Mateo. No fundo ele sabe que é o


melhor a se fazer, foi o que ele fez há alguns anos. Não há mais espaço nesta

casa para mim. Saio do quarto carregando a mala e deixando-os, respiro


fundo, enxugo as lágrimas e caminho rumo à escada.

— Titio Esteban! — Ouço a doce voz da pequena Alisa, filha de


Alejandro, a minha amada sobrinha. Ela parece um anjo. A única coisa boa
dessa casa depois da minha mãe.

Agacho-me para ficar à sua altura, a garotinha só tem quatro anos.


— Oi... — Abraço-a, sentindo o seu maravilhoso perfume.

— Aonde o senhor vai? — A sua voz é triste, como se já soubesse de

tudo.

— Eu vou ter que viajar por um tempo, mas juro que volto. — Minto,
com o coração em pedaços.

— Vai embora como a minha mamãe? — As suas palavras acabam


comigo. Tão pequena e já afetada com a própria vida. Talvez haja uma
maldição sobre esta família, sobre esta casa.

— Não... farei apenas uma viagem, já disse. Logo, logo, iremos nos
ver, ‘tá bom? — Beijo sua testa.

— ‘Tá bom. — Consente sem acreditar, com os olhinhos azuis baixos e


tristonhos.

A abraço mais forte, deixo-a com a babá que sai do quarto à sua

procura e desço as escadas. No hall encontro apenas a minha mãe com a


empregada, Luján, que ajudou a me criar.

— Meu menino, não faça uma coisa dessa, olha o estado da sua mãe!
— diz ela agoniada, enquanto mamãe chora e nega com a cabeça.

Abraço as duas de uma só vez, sou grande e forte.

— Vai ser melhor assim. Todos nós sabíamos que isso um dia ia
acontecer — digo, tentando parecer forte.
— Não, Esteban... — implora dona Alba. — Para onde meu filho vai?

— Entrarei em contato. Não se preocupe, a senhora sabe que sei me

cuidar.

— Não...

Beijo e abraço as duas mais uma vez, finalmente abandonando a

mansão. Abro o porta-malas do meu Jaguar, ponho a mala dentro, fecho e


entro no carro ligando-o. Algo me chama feito um imã e miro a janela do
escritório, batendo o olhar com o do meu pai, que está nas sombras, me
observando. É o fim.

Disparo acelerado, saindo da propriedade e de Madri, focando no meu


mais novo destino, onde irei me reconstruir: Paris.
ESTEBAN JAVIER

ATUALMENTE

Estar no Le Loup é sempre incrível.

Aqui temos de tudo: petiscos saborosos e variados, bebidas de


qualidade, música boa, bandas ótimas que me agradam bastante, que tocam

ao vivo em noites como essa, onde me reúno com amigos do trabalho para
beber e apreciar as beldades que desfilam pelo ambiente.

Considero este bar como a minha segunda casa, aqui me sinto


confortável, onde vivo grandes momentos divertidos. Com uma vibe de
boteco de luxo, o Le Loup tem um espaço amplo e sofisticado, com algumas
mesas grandes, e outras pequenas, bilhar e até mesas de pebolim para quem
precisa de mais lazer, um atendimento eficiente, além de todo o resto.
Mas, agora me concentro em apenas um ponto do lugar: o balcão, onde
está o meu mais novo alvo. Alta, esguia, cabelos pretos lisos e longos, um

corpo de modelo, pele alva, boca carnuda, — com certeza, fruto de


preenchimento labial, não que me importe, muito pelo contrário, adoro — a
mulher que faz absolutamente o meu tipo, está sentada na banqueta, mexendo
no celular e tomando um Dry Martini. Sozinha.

Como um bom caçador, vou à caça! Caminho na direção da gostosa,


recebendo olhares de interesse de outras moças pelo caminho, ajeitando a
gravata do terno que ainda estou usando, tendo em vista que saí do escritório
e vim direto para cá. Retiro o chiclete que estava mascando da boca e ponho
embaixo de uma das mesas antes de sentar ao lado dela.

Trocamos um olhar rápido, sei que nestes milésimos de segundos ela já


me analisou e já selecionou, mesmo que inconscientemente, se lhe sou
atraente ou não. É questão de instinto, atração é uma coisa incrível mesmo,

ligeira e fatal, difícil de explicar.

— Um Rare Breed, por gentileza — peço para o bartender, o uísque


que é considerado um dos melhores Bourbons do mundo.

— Sim senhor — assente o homem, rapidamente me servindo, ele já


sabe do que gosto.

Dou um gole no copo de cristal, notando que a modelo ao meu lado


continua focada em seu smartphone, sem dar um pingo de atenção para mim.
Respiro fundo, vejo a hora no meu Omega, o tempo está passando. Decido

entrar em ação:

— Oi — chamo a sua atenção.

— Olá. — Sorri forçado, aparentemente não está a fim de dialogar, só


que isso é irrelevante para mim agora.

— Posso te contar um segredo? — Ponho sobre ela o meu olhar


penetrante, sei que as minhas pupilas profundamente azuis, são um ponto
forte ao meu favor.

A mulher faz uma cara engraçada, sem saber como agir ou o que
responder, então prossigo:

— Eu sou uma ótima companhia — digo, descarado.

— É mesmo? — Zomba. — E por que está me contando isso?

— Porque você está sozinha... eu também estou. E acho sinceramente


que você pode ser uma ótima companhia para mim também. — Não tenho
um pingo de vergonha, em compensação transbordo de ousadia.

— Ah..., sinto muito. — Finge lamentar.

— Ainda não, mas posso te fazer sentir.

Ela gargalha. Mais um ponto!!


— Você é engraçado, contudo não estou para brincadeiras hoje.

— Nem eu. Pode não parecer, mas estou em busca de algo sério. —

Abro o meu sorriso cafajeste, com inúmeras promessas silenciosas.

— Sei... então sexo é algo muito sério para você? — Acerta na mosca!
Hmmmm, objetiva e realista!

— Mas é claro, porém, também podemos nos divertir, brincar... —


Pisco, fazendo-a sorrir outra vez e virar o rosto para o outro lado, tímida.
Aproveito o instante para fitar o relógio de pulso novamente.

— Parece tentador, mas a resposta é não.

— Ah, não me diga que vai me dispensar como fez com os outros três
— comento, tomando mais um pouco da bebida.

— Me vigiandooo? — Se surpreende, esticando os lábios em um


belíssimo sorriso, mexendo no cabelo. Já está se exibindo para o meu deleite

sem nem perceber.

— Observando — corrijo. — Sempre observo aquilo que desejo. —


Olho-a saliente, fazendo uma tensão sexual começar a nascer entre nossos
corpos que ainda estão muito distantes para o meu gosto. Mas é melhor
assim, não quero de alguma forma intimidá-la, preciso de abertura para tocá-
la.

— Então já deve ter observado muito por aqui...


— Hoje, só você. — Pisco outra vez, fazendo ela ficar sem graça.

A linda mulher respira fundo, bebe um pouco mais do seu drink, sem

notar que já abandonou o celular sobre o balcão.

— O que te faz pensar que é diferente dos outros três? — Boa pergunta.
Está me testando.

Penso um pouco.

— Hmmm... eles não eram tão boas companhias quanto eu. — Levo
tudo no bom humor.

— Por quê? — A pergunta sai de modo sensual. Já está jogando.

— Vamos sair daqui, que eu faço você descobrir — digo sério, com a
voz rouca.

A mulher gargalha novamente.

— Insistente...

— Não desisto nunca — afirmo convicto, sensual!

— Não sou garota de apenas uma noite. — Ergue uma sobrancelha.

— Não tem problema, eu tenho a vida toda. — Rebato rápido, ela cai
em graça outra vez. O clima está esquentando. Estou torcendo para que
resista mais, para que seja mais difícil, isso me excita, me deixa louco.

Ela termina de beber o Dry Martini, guarda o celular na bolsa e se


levanta, levanto-me também, sentindo-me vitorioso e frustrado ao mesmo

tempo por ter sido tão fácil. Recebo o seu olhar sexy, as pontas dos seus

dedos tocando o meu queixo.

— Você é muito bom, o melhor da noite, mas não vou te dar hoje,
querido. — Sopra as palavras me decepcionando. Oi??

Quando faz menção em se afastar, esbarra com uma garçonete que

trazia nas mãos, uma bandeja com vários drinks, molhando seu vestido
prateado e curto, o qual molda perfeitamente o seu corpinho magro.

— Merda!! — exclama, se afastando da garçonete.

— Oh, meu Deus, desculpe! — pede a moça.

— Não olha por onde anda, balofa?!

Olho o relógio novamente, o tempo está acabando. Miro a mesa onde


eu estava, meus amigos sorriem vitoriosos. Não... não vou perder. Eu nunca

perco!

— Já pedi desculpas, senhora. Você entrou na minha frente.

— Compra óculos ou lentes, que te perdoo!

Nossa, que arrogante, penso. Mas os meus planos são maiores agora.

— Venha comigo. — Puxo a mulher delicadamente pelo braço, a


afastando da garçonete e da discussão que estava se formando entre ambas.
Porém, quando damos as costas, ouço um claro xingamento espanhol:

— Perra! — resmunga a garçonete, surpreendendo-me ao chamar a

minha acompanhante de cadela, entretanto continuo caminhando.

— O que ela disse? — Mais uma francesa que não entende o espanhol.

— Nada, querida. — Minto, passando pelos meus amigos que agora

estão com a clássica expressão de derrotados. Isso me deixa vibrante.

Saio do bar com a gostosa que ainda nem sei o nome.

— Droga, estou toda molhada!! — resmunga, como se fosse o fim do


mundo. — Olha o que ela fez com o meu vestido!

Aproveito a situação para dar a cartada final.

— Acompanhe-me. — A puxo pela mão, damos alguns passos até que


ela raciocina, para e pergunta:

— Aonde está me levando?

— Ao meu carro, lá terei como ajudá-la com isso — observo o seu


decote molhado. Vejo-a pensar mais um pouco. — Não se preocupe, só quero
ajudar. — Minto, mas de forma convincente, charmoso. No fundo ela
também sabe que é mentira, então agora é a hora da verdade.

Assente, e me acompanha. Nos aproximamos do meu poderoso Aston


Martin Vanquish Coupé preto, que está estacionado perto do estabelecimento.
Percebo que logo de cara o meu carro deixa a morena impressionada, mas ela

disfarça.

Como um bom cavalheiro que sou, abro a porta do carona, a deixo


entrar, dou a volta e tomo o meu lugar ao seu lado. Habilidosamente, pego o
rolo de lenços, retiro um e, olhando sério e profundo nos olhos dela, movo a
mão devagar até o seu decote, dando tempo para uma possível negativa, que

não acontece.

Deslizo por entre o vão dos seus seios pequeninos, enxugando a sua
pele que se arrepia ao meu toque. De repente, todo o estresse dela desvanece
e sua atenção agora está inteiramente voltada para mim.

Fico perigoso e lascivo, a excitando a cada movimento “inocente” e


gostoso. Ela me fita de modo fervente, engolindo em seco, os lábios
entreabertos, as coxas pressionadas uma contra a outra. Inclino-me em sua
direção, encostando os lábios em sua garganta, fazendo-a sentir o meu hálito

quente ao mesmo tempo em que abandono o lenço e escorrego a mão grande


e grossa para as suas pernas, apalpando.

— Oooh... — geme.

— Abre pra mim — peço sedutor, sussurrando com a voz grave e


rouca. Continuo beijando a sua pele, chupo o lóbulo da sua orelha.

Ela faz o que peço, sem resistência, se entregando, provando que me


queria desde que me aproximei dela naquele balcão. Sem pensar duas vezes,
penetro a mão por baixo do seu vestidinho, seguro a sua calcinha e a puxo

com força, a surpreendendo com essa minha atitude um tanto quanto


primitiva, bruta. Mas eu sou assim mesmo.

A mulher entende que meu objetivo é realmente afastar a peça íntima


de seu corpo e termina de tirá-la após eu tê-la arrastado até os seus joelhos.

Tomo-a de sua mão, cheiro-a em sua frente, fechando os olhos, mordendo o


lábio inferior excitado e, então trago a morena para um beijo animal.

Aproveito o momento para invadir a sua intimidade outra vez, mas


agora penetro o dedo em sua boceta molhada, devagar... arrancando os seus
gemidos que se libertam em minha boca, enquanto estou com a língua
enroscada na dela.

— Você disse que não vai me dar hoje? Isso é mesmo verdade? —
Provoco-a, mordiscando o seu lábio, assistindo-a arder de tesão. Seu rosto

corresponde, negando. Giro o dedo em suas entranhas, ela geme mais forte.
— Então você vai me dar essa boceta hoje?

— Aham... — suspira, queimando.

— Então diga — rosno, ordenando e dominando-a neste momento


tórrido. Nem sabemos quando o meu domínio começou, é tudo muito rápido.
Vejo as oportunidades e simplesmente aproveito-as, não sou de deixar passar
nada.

— Eu vou te dar... hoje — fala estremecida.

— Dar o quê?

— A minha... boceta.

A beijo outra vez e continuo fodendo o seu centro, resvalando por seus

lábios íntimos, tornando tudo ainda mais lambuzado. A noite termina com ela
no meu loft, onde trepamos até nos aproximarmos do crepúsculo.
ESTEBAN JAVIER

Ao amanhecer, apesar de ter esquecido do despertador, meu relógio


biológico me acorda. Levo alguns segundos para despertar de verdade, estou
de bruços completamente nu, com a desconhecida ao meu lado. Os momentos
que passamos juntos foram intensamente agradáveis, mas terminaram. É hora
de começar um novo dia!

Respiro fundo e levanto, calço minhas pantufas pretas e caminho nu até


o banheiro, sentindo o frio costumeiro de uma manhã de primavera
parisiense. Tomo um banho quente relaxante, faço a minha higiene pessoal e
retorno para o quarto de roupão, enxugando a cabeça com uma toalha,
observando que a moça continua dormindo.

Capturo a sua calcinha preta do chão e faço o ritual de sempre, pondo-a


no meu rosto como se fosse uma máscara, passando as alças de renda por trás
das orelhas, o fundo tapando o nariz e a boca. Pego o meu celular sobre as
gavetas flutuantes ao lado da cama e tiro uma selfie, fazendo uma cara

engraçada. Envio no grupo dos marmanjos com a seguinte legenda:

E o homem-calcinha ataca novamenteeee!!!!

P.S: mais tarde, como sempre, quero a minha recompensa por mais uma
vez ter salvado a nação.

Concluo o texto com emojis de risos, lendo as lamentações dos meus


amigos. Guardo a peça íntima na minha gaveta de calcinhas.

Visto uma calça moletom, jaqueta e tênis. Vou para o andar inferior,
seguindo para a cozinha que fica abaixo do mezanino onde está localizada a
minha suíte. Vivo em um loft planejado e decorado exatamente ao meu estilo.

É todo industrial, com paredes tijolinhos à vista e condutores elétricos


aparentes, além da estrutura metálica.

O espaço não é tão grande e nem tão pequeno, é exatamente essencial,


contendo o básico, pois não preciso de muito. As cores são discretas, as peças
de design assinadas compõem cada detalhe do ambiente masculino. A sala de
estar demonstra amplitude e conforto, decorada com sofás cinza e outros
poucos móveis, faz divisão com a pequena e sofisticada cozinha onde me
encontro agora.

Faço o meu café na cafeteira, preparo um belo sanduíche e também

algumas frutas. Às minhas costas, ao lado da geladeira, há uma portinha de


correr quase invisível à primeira vista, lá fica uma miniárea de serviço, onde
a mulher que pago para vir três vezes por semana para fazer faxina, lava as
minhas roupas.

Ponho a minha refeição numa bandeja, ultrapasso o balcão da cozinha e


atravesso a sala de estar, abro as cortinas e as portas de vidro do outro lado do
espaço, permitindo assim que a luz do dia invada o AP, seguindo enfim para
a charmosa varanda com a mesma decoração industrial, porém cercada de
algumas plantas.

Sento à mesa de madeira, observando pelo celular a hora que marca


exatamente sete e dez. Esse é o meu momento relaxante, gosto de comer ao ar
livre, nesse clima marítimo e adorável, observando daqui de cima a belíssima

cidade acordada, cortada pelo rio Sena que faz um arco. Daqui tenho uma
visão privilegiada, avisto inclusive a Torre Eiffel distante, imponente.

Enquanto degusto o meu saboroso café da manhã, penso em como será


o meu dia, o trabalho mais tarde. É tão gostoso sentir o vento soprando pelos
meus cabelos dourados, essa paz inigualável, uma paz que sempre precisei a
vida inteira, mas que demorei a perceber.
Há um ano moro na cidade luz. Desde que abandonei completamente a
minha vida em Madri, foquei bravamente em provar a mim mesmo que não

precisava do dinheiro do meu pai para construir o meu império, que por sinal
não chega nem perto do poder da multinacional Javier, mas que hoje é mais
do que suficiente para suprir todas as minhas necessidades e me dar uma vida
confortável.

Há um ano não vivo cercado de todo aquele luxo da mansão onde fui
criado, porque não quero, eu aprendi que não precisava de tanto luxo, mas
sim de viver em cima das minhas próprias expectativas, dos meus objetivos,
criar os meus desafios voltados para o meu crescimento e não para conseguir
desesperadamente o olhar de um homem que nunca quis assumir a minha
paternidade de fato.

Era assim que eu me sentia na Espanha... um órfão de pai, acolhido por


uma mãe e por uma empregada que faziam de tudo para suprir a ausência

paterna em minha vida, mas que infelizmente falharam. Nunca consegui ser
tão forte quanto Mateo, entretanto, ele não chegou nem perto de ser tão
desprezado quanto eu.

Meu irmão mais velho sempre compreendeu a minha dor, mas a


sensação que me passava era a de que não sentia as coisas na mesma
intensidade. A nossa sintonia pelo sangue tinha limites.
O pior de tudo, é saber o motivo que fez seu pai se afastar de você. Eu
sei não só um, mas vários, desde a juventude, como também na fase adulta.

Pode até haver mais, não sou onisciente, certas coisas sempre ficaram nas
sombras.

Hoje, após tanto refletir sobre o meu passado, parece até que tudo foi
bolado milimetricamente pelo destino, para que eu e papai sempre

estivéssemos afastados, e que ele sempre fosse hostil comigo mesmo que
sutilmente como fazia na grande maioria das vezes, para não aborrecer
mamãe. Sempre que tentava me aproximar, algo surgia e acabava por nos
afastar.

Tudo começou naquela manhã, há quase trinta anos, quando eu era


apenas uma criança inocente brincando com Mateo, correndo pela casa até
acontecer aquela fatalidade. Me dói tanto só de lembrar. Foi traumático, tive
que ir ao psicólogo, não lembro ao certo, mas acho que fiz até tratamento,

contudo a ferida se manteve viva através do comportamento do velho Miguel.

Nada foi como antes.

Seu desprezo era visível e todos percebiam, recordo de discussões


constantes entre ele e dona Alba, mas com a chegada de Alejandro e Luna, a
nossa relação de pai e filho foi só ladeira abaixo.

Meus primos, recém órfãos e fodidos psicologicamente depois que eles


perderam os pais de modo ultrajante, tomaram a atenção de todos. Na época,
eu não era maduro o suficiente para entender, aliás, ainda não entendo, as

cicatrizes se aprofundaram, me vi sendo claramente trocado... preterido...


substituído.

Me senti ainda mais culpado pelo acidente, não conseguia entender


direito o rumo que as coisas estavam tomando, fazia de tudo para chamar a

atenção do Sr. Javier, mas fracassava terrivelmente. Só o que se discutia


pelos cantos da mansão era o fato de Alejandro não poder falar, mesmo não
sendo mudo.

A minha resposta foi a raiva, o rancor e o ódio! O silêncio dele se


tornou o meu principal inimigo, passei muito tempo achando na minha
imaturidade, que Alejandro não falava de propósito só para ter meu pai
totalmente para si. Demorei a compreender o seu problema, mutismo
seletivo, e quando finalmente compreendi... cresci... amadureci, era um pouco

tarde demais.

Confesso que sob muita insistência de mamãe, tentei poucas vezes me


aproximar dele, mas pequenas atitudes do meu pai, me fazia o afastar ainda
mais de mim. Miguel nunca lembrava do meu aniversário, mas sempre
surpreendia Alejandro com um presente no seu, uma viagem... um passeio de
pai e filho.
Eu não me importava com o fato do meu primo ter sido criado como
meu irmão, ou com ele ganhar presentes e eu não, mas sim com a falta do

mesmo amor, carinho e atenção que ele recebia do meu pai.

Enquanto isso, me tornei um rebelde na juventude, fazia barbaridades


para chamar a atenção, pois já que papai não olhava para mim pelo amor...
que olhasse então pelo ódio!! Entretanto... as coisas só pioraram.

Luna, diferentemente de Alejandro, conseguiu perfurar a minha casca


dura e se aproximar de mim, talvez por ela se identificar comigo de alguma
forma. Mais tarde, Mateo como sempre, me jogou a realidade na cara,
mostrou o futuro de merda que eu teria se não consertasse o poço no qual
estava me auto introduzindo, por algo que talvez não valesse tanto a pena.

Foi nesse momento que botei os pés no chão e voltei a focar nos
estudos, logo estava em Harvard com o meu irmão mais velho, lá estudei
Direito enquanto ele fazia Literatura, mesmo contra a vontade de papai.

Mateo não ligava para a opinião dele e cada vez mais eu queria ser igual, mas
não conseguia.

Achava que devia me redimir de tudo o que fiz no passado, até das
coisas que não quis fazer. Carregava uma culpa em relação ao meu pai que
não deveria carregar e todo o meu currículo exemplar dali por diante, foi
pensado para impressioná-lo, para mostrar que havia mudado, que era o filho
de quem poderia ter orgulho. A minha vida girava em torno dele.

Mas nada adiantava, mesmo quando alcancei o cargo de Diretor

jurídico na Javier por mérito, nada era o suficiente, nada estava cem por cento
bom ou perfeito. Entretanto, engoli tudo calado, já não atacava mais
Alejandro, vivemos em paz por anos na empresa, mesmo distantes. Ele
sempre foi frio e preso em seu próprio mundo, mundo que eu não conseguia

sentir vontade de me envolver ou conhecer, o estrago já estava feito.

Depois o destino decidiu intervir outra vez, dando mais um motivo para
papai sentir ódio de mim, fiz de tudo para contornar, me expliquei, e mais
uma vez me senti culpado por algo que não deveria sentir e me calei, tudo por
ele!!

O fim da picada foi a promoção de Alejandro a CEO. Aquilo foi um


misto de tudo, me fez explodir, me tornar um monstro a ponto de chicoteá-lo
com todo o ódio que estava preso dentro de mim. Trabalhei tanto, tanto... não

era pelo status de ser o CEO, mas pelo tão sonhado reconhecimento após
tudo o que fiz por Miguel e por aquela empresa.

Saí do controle, tenho esse lado explosivo e impulsivo.

Isso não me exime de ter sido realmente um filho da puta, talvez


egoísta ou invejoso, infantil. Quem conhecer a história da família Javier,
provavelmente a grande maioria, vai achar que sou tudo isso, e fui mesmo,
em vários momentos. Talvez só quem foi desprezado num nível tão absurdo
quanto eu, poderá me entender.

Hoje não quero mais ser entendido, já passei dessa fase. Arrependo-me
de muitas coisas. Quando chegamos em um ponto de autorreflexão da nossa
vida e olhamos para trás, percebemos o que de verdade valeu a pena e no
meu caso, não valeu quase nada.

Reconheci muito tarde que meu lugar não era naquela casa, naquela
cidade, mas antes tarde do que nunca. Vim para Paris, onde amigos que se
formaram comigo já tinham um escritório renomado. Tornei-me sócio deles,
fui muito bem recebido e ganhei uma nova família, aumentei os lucros da
organização, trouxe novos métodos jurídicos adquiridos no meu doutorado
para resolver casos bem específicos e finalmente ganhei o reconhecimento
que busquei por mais de trinta anos.

Não foi fácil, mas até que aconteceu rápido. Em trezentos e sessenta e

cinco dias toda a sociedade parisiense já sabia quem era Esteban Javier. Ele
era o filho preterido e esquecido às sombras do dono de uma das maiores e
mais poderosas marcas da relojoaria de luxo do mundo? Não!! Ele era agora
um dos melhores advogados de Paris!!

Eu sou foda sim!! Tenho o meu valor sim!! E provei a mim mesmo,
que eu posso fazer tudo sozinho sim!! Sou capaz, sou demais e sempre
consigo tudo o que quero!! Sempre.
ESTEBAN JAVIER

Termino de comer e, percebendo que a minha convidada ainda está em


um sono profundo — com razão, pois a usei extremamente durante horas —,
saio de casa e desço pelo elevador, pego o carro no estacionamento do
subsolo e sigo rumo à academia que fica à algumas quadras.

Em alguns minutos estou aquecendo e correndo na esteira. Sempre

gostei de fazer exercícios e, quando por algum motivo deixo de malhar, fico
com a consciência pesada. Adoro ser grande — em todos os sentidos —, forte
e musculoso, mas para manter o corpo esculpido não é nada fácil. A minha
sorte é que a academia é uma das minhas válvulas de escape para o estresse
do dia a dia, assim como o sexo.

Além de ser conhecido como um excelente advogado, tenho uma certa


fama de pegador, mas nunca de homem de compromisso. Namorei poucas
vezes na vida, por pouco tempo e nunca mais após deixar a Espanha. Creio
que o rompimento traumático com a minha família tenha me dado uma certa

repulsa de relacionamentos.

Por enquanto isso não me faz falta, mas é algo que não posso descartar.
Nunca diga nunca, jamais diga que dessa água não bebereis, pois tudo pode
mudar em um piscar de olhos, porém no meu caso acho difícil.

Estou acostumado a pegar a mulher que eu quiser, às vezes tenho que


trabalhar um pouco mais com o meu poder de sedução, como foi com a
desconhecida que ainda deve estar dormindo na minha cama, mas na maioria
das vezes nem preciso abrir a boca, elas vêm até mim, como essa coisinha
linda que está me fitando enquanto corre em outra esteira um pouco distante
da minha.

Esqueci o seu nome, mas recordo que já a comi aqui mesmo na


academia, no quarto alugado que tenho para tomar banho e às vezes já sair

daqui pronto para trabalhar quando acordo atrasado, ou quando surge um


compromisso urgente.

Sexo sem compromisso é vida, mas isso não é motivo para que eu
destrate as mulheres com quem já me relacionei ou me relaciono, muito pelo
contrário, trato-as da devida forma que merecem, pois, mulheres para mim
são bênçãos divinas, damas, flores sensíveis, que merecem o maior e melhor
cuidado possível, mesmo que numa trepada casual.

Talvez isso me diferencie dos demais, já fui muito elogiado neste

sentido, pois todos somos seres humanos, não vejo razão para ser um
cafajeste frio e ridículo, que come a garota e depois lhe passa a sensação de
que ela não foi mais que apenas um objeto. Não, não faço isso.

Sou um cafa, mas com sentimentos. Deixo bem claro o que elas podem

esperar de mim e às vezes nem é preciso, o mundo hoje é muito prático e


evoluído.

Tenho os meus traumas familiares, meus medos e limites, mas não


misturo isso com a minha vida sexual ou afetuosa, exceto no que tange a
querer formar uma família, a ir além dos lençóis bagunçados e molhados de
prazer, como já expliquei acima. Realmente tudo o que aconteceu no meu
seio familiar meio que me fez acreditar que família é sinônimo de perdição.

Não penso em ter filhos, nem ter uma esposa. Isso pode mudar com

alguém? Sim, mas esse alguém até o momento nunca chegou. Infelizmente,
quase todas as mulheres que peguei foram muito fáceis, isso meio que me
desanimou, o fato de não ter um desafio de verdade e de sentir emoção ou
não saber o que esperar.

Mas se isso acontecer, provavelmente me sentirei incomodado, pois ao


mesmo tempo em que gostaria de mais resistência da parte delas, também sou
altamente dominador, prezo pelo controle de tudo, de saber como as coisas
irão se encaminhar.

Saio da esteira e vou para o supino, onde levanto uma grande


quantidade de peso, malhando o peitoral. Faço outros exercícios, sempre
notando o olhar insistente e desejoso da loira em cima de mim.

Quando termino tudo, miro o relógio de pulso, vendo que ainda tenho

alguns minutos. Dou um sinal com o olhar para ela, seguindo para o
quartinho onde a recebo em seguida, discretamente.

— Oi, Esteban! — cumprimenta, sorridente.

— Oi, tudo bem? — Sorrio, acariciando o seu rosto.

— Adorei o outro dia, então eu... — Fica tímida, não sabe bem como
dizer o que quer.

— Sei o que você quer e eu também quero, mas tenho pouco tempo

hoje, tudo bem?

— Aham... — confirma, então a puxo para um beijo caliente,


necessitado e fogoso. — Vira — rosno. Ela imediatamente espalma as mãos
na parede e arrebita a bunda, sua respiração já acelerada em ansiedade do que
vem a seguir.

Desço a sua calça legging apertada com as duas mãos, desnudando a


sua pele alva, bem cuidada. Rasgo a sua calcinha, guardando-a em meu bolso
e dou-lhe um tapa na nádega empinada, deixando-a imediatamente vermelha,
arrancando-lhe um gemidinho que faz meu pau endurecer ainda mais rápido.

Chupo um dedo e em seguida o enfio na boceta dela, usando a outra


mão para puxar seus seios siliconados para fora do sutiã e massageá-los com
força.

— Sentiu saudades? — murmuro ao pé do seu ouvido, rouco, lascivo.

— Não parei de pensar em você — confessa, se derretendo em meus


braços. Estoco em suas entranhas, ela geme mais forte e mais alto.

Quando fica ensopada, me afasto e visto a camisinha, então a penetro


com força, bruto, de uma só vez. Seguro-a com as duas mãos pela sua
cinturinha perfeita, de Barbie, tendo o apoio que preciso para enrabá-la com
a potência que gosto. Gememos juntos e fodemos até gozarmos loucamente.

Quando tudo acaba, enquanto nos recompomos:

— Você gostou? — pergunta.

— Eu amei e depois quero repetir... preciosa. — Acaricio o seu rosto,


sendo sincero, ao chamá-la de linda.

— Adoro quando fala em espanhol. — Morde o lábio inferior, excitada


outra vez, sinto vontade de fodê-la novamente, mas tenho que ir trabalhar.

Saímos um de cada vez e trocamos beijinhos lá fora, nos despedindo


feito velhos amigos.
— De novo vai levar a minha calcinha? — pergunta, contente e
satisfeita.

— Gosto de calcinhas. — Pisco para ela, entrando no meu carro


enquanto ela entra no dela.

Retorno para o loft, subo para o meu quarto, onde encontro uma moça
toda descabelada se vestindo apressada e calçando os scarpins

desengonçadamente.

— Oi... — sorri sem graça, meio envergonhada. — Por que não me


acordou?

— Não quis atrapalhar o seu sono — afirmo, retirando a jaqueta,


mostrando o torso suado.

— Você viu a minha calcinha? Procurei em todo o lugar e não a


encontrei! — Vistoria ao redor, buscando pela peça.

— Não. — Minto, me aproximando da gaveta, onde guardo


discretamente a nova aquisição do dia. Gosto de guardá-las como forma de
lembrar dos meus momentos memoráveis. Okay... sei que é um hobby muito
estranho, me julguem, mas é o meu hobby. Acho excitante arrancar as
calcinhas das parceiras de cama e roubá-las para mim! — Está com pressa?

— Sim... atrasada para o serviço, ainda tenho que passar em casa.

— Quer uma carona? — Retiro a calça com a cueca, ficando nu em sua


frente, sem pudor algum. Ela engole em seco, visando o meu pau ainda
babado da trepada de mais cedo.

— Se não for demorar muito... — A sua voz sai frágil, parece


hipnotizada em meu corpo.

— Vou só tomar um banho rapidinho. — Pisco para ela, entrando no


banheiro que é separado do cômodo por uma parede de vidro com uma

película jateada, que me dá privacidade, só que por pouco tempo, pois logo a
mulher invade a suíte totalmente nua.

Não estava em meus planos, mas como nunca nego fogo, pego o
preservativo no armário sobre a pia e transo pela segunda vez na manhã. Só
para que fique claro, isso não é comum, mas às vezes acontece.

Saio de casa em meu terno Armani caríssimo e sigo viagem com a


sorridente e satisfeita morena ao meu lado. Meu pau está doendo do
exagerado exercício matinal, contudo estou bem satisfeito também. Com os

óculos escuros da Maybach, o The Diplomat I, dirijo pela famosa Avenue des
Champs-Élysées, uma das avenidas mais caras em imóveis na Europa.

Acho a Gran Vía de Madri belíssima, mas a Champs-Élysées é muito


mais com certeza, isso porque é cercada de castanheiros-da-índia, além do
imponente Arco do Triunfo. Enfim.

Paro em um prédio, troco beijinhos de despedida com a morena no


carro, que sorri, encantada.

— Você não perguntou, mas meu nome é Catherine. — Se apresenta.

— Você não perguntou, mas meu nome é Esteban. — Apresento-me.

— Esteban? — Estranha, sabendo que é um nome espanhol.

— Sim. — Não dou mais detalhes. Não precisa.

— Nossa, que loucura, nem tivemos tempo de trocar nossos nomes. —


Sorri, se dando conta disso.

— Acontece...

— Comigo foi a primeira vez.

— Espero que tenha gostado, então.

— Eu amei! E, você também não pediu, mas... — Abre a pequena bolsa


e me entrega o seu cartão.

Estico os lábios de modo saliente, erguendo a sobrancelha direita.

— Vou guardar no coração. — Encosto o cartão no peito esquerdo. —


Foi ótimo, obrigado pela noite incrível.

— Eu que agradeço. Tchaaau. — Passa a mão no meu ombro, abre a


porta e se vai. Guardo o cartão dela na minha carteira, quem sabe.

Dou partida, fazendo o motor poderoso roncar e as rodas potentes


deslizarem na pista. Aumento o som, deixando a voz de um dos meus ídolos,
Ricky Martin, ecoar a todo vapor dentro do carro cantando “Livin' La Vida

Loca”

Sempre presto atenção na letra e penso a mesma coisa: será que essa
garota descrita na música existe? Será que um dia irei encontrar uma mulher
que vai fazer eu me apaixonar, que me fará tirar a roupa na chuva e dançar,
viver a vida louca ou que tirará a minha dor como uma bala no meu cérebro?

É óbvio que não!

Ainda assim, mesmo descrente, canto o refrão alegre e de bem com a


vida:

Upside, inside out

She's living la vida loca

She'll push and pull you down

Livin' la vida loca

Her lips are devil red

And her skins the color moca

She will wear you out

Livin' la vida loca

Livin' la vida loca


She's livin la vida loca

Finalmente chego ao meu local de trabalho, parando o carro na frente


de um prédio todo espelhado, gigantesco e luxuoso no coração dos negócios
de Paris, o La Defense, um dos maiores centros empresariais desenvolvidos
na Europa.

Desço com a minha maleta e peço para um dos porteiros pôr o meu
automóvel no estacionamento, dando-lhe a chave, pois hoje estou muito
animado, é dia de comemorar e por isso quero entrar pela porta da frente.

Compro um buquê de rosas vermelhas de um floricultor ambulante,


entro no edifício chiquérrimo e avisto as garotas da recepção que se derretem
ao me ver. É sempre assim.

— Olá meninas, bom diaaa!! — exclamo, aproximando-me da


bancada.

— Bom diaaaa, doutor Esteban!! — As duas falam em coro.

— Nossa, para quem será esse lindo buquê? — pergunta uma delas.

— Para todas as princesas desse prédio que fazem o meu dia mais feliz!
— Sorrio de orelha a orelha, entregando uma rosa a cada uma delas, que
ficam absolutamente encantadas.

— Meu Deus, que lindo!! Nem sei quando foi a última vez que ganhei
flores, obrigada, doutor! — Agradece uma.

— Eu ameeei! Grata!! — Agradece a outra.

— De nada... vocês merecem! — Pisco para elas, enquanto me afasto.


— Para você também! — Dou uma rosa para a segurança.

— Ai, obrigada! O senhor é tão fofo! — Ela perde até a compostura.

Um simples gesto, muda a vida de milhares.

Passo o meu crachá na catraca, distribuindo mais rosas para outras


moças, surpreendendo todas até chegar ao elevador, onde confiro a minha
aparência no espelho lateral. Sou um homem vaidoso, não chego a ser um
metrossexual da vida, mas gosto de estar sempre apresentável de acordo com
o que a situação exige.

Cada andar desse prédio comercial abriga um departamento diferente e


independente. Aqui funciona de tudo, empresas, escritórios de diversas áreas,
inclusive o meu. O La Defense em si é o encontro de arranha-céus que

comportam grandes companhias como SFR, a Société Générale, Total, e


muito mais!!

O elevador para no vigésimo quinto andar e chamo a atenção desde o


momento em que as portas metálicas se abrem, com certeza são as flores,
nunca surgi com isso aqui antes.

— Bom dia! — cumprimento a recepcionista, entregando-lhe uma rosa,


ela abre um largo sorriso. Às suas costas, na parede e sobre a sua cabeça, há
uma placa onde está escrito “DLBJ Société d' avocat”.

D de Durand, L de Laurent, B de Bresson e J de Javier. Sociedade de


Advogados.

Continuo passando pelas mesas de todas as mulheres do grande


escritório, presenteando cada uma até chegar à porta da minha sala, onde

entrego as últimas que sobraram do ramalhete à Chloé, minha estagiária com


cara de nerd, e à Charlotte, minha secretária com cara de chata.

Há vinte anos de diferença entre as duas, mas nem isso ou a aparência


que as suas faces representam importam para mim, pois foi a competência de
cada uma que as fizeram estar aqui ocupando os lugares em que estão.

— Para você, Chloé... para você Charlotte.

— Aaah, que meigo, obrigada! — Agradece a jovem estagiária de pele


café, cheirando as pétalas com os olhinhos brilhando por trás dos óculos.

— Te proíbo de chorar — falo sério, ela rapidamente se recompõe,


fazendo-me rir.

— Obrigada, doutor, mas que mal lhe pergunte, qual é o motivo do


lindo presente? — Charlotte... sempre mais objetiva e curiosa. Lembra
aquelas senhoras de novelas mexicanas, as fofoqueiras do bairro, apesar de
ser muito confiável para mim.
— Segredo de justiça, Senhorita Curiosa; onde estão os meus sócios?
— Mudo de assunto, oferecendo a minha maleta para Chloé, que a pega em

dois segundos sempre querendo provar a sua eficiência.

— Estão o esperando na sala de reuniões.

— Ótimo! O processo da Bastille? — pergunto, a estagiária se apressa


em me entregar a papelada perfeitamente organizada em uma pasta, com

post-its coloridos para chamar a minha atenção para o que é mais importante.
— Muito bem Chloé, você não será demitida hoje! — Aponto o indicador
direito para ela, vendo o seu rosto empalidecer.

Sigo para o meu destino gargalhando, a minha vida é brincar com ela, a
ameaçando falsamente de perder o emprego, quando na verdade nem chego
perto de cogitar isso. Miro o Omega no pulso esquerdo, ele marca nove e
meia, o expediente começa as nove.
ESTEBAN JAVIER

Irrompo pela porta da sala de reuniões vitorioso e sorrindo para o


vento, encontrando as faces nada amigáveis e derrotadas de Pierre Durand,
Dominique Laurent e Bernard Bresson. Os três homens engravatados estão
sentados em volta da mesa que é digna de verdadeiros cavalheiros.

— Senhores, mais uma vez o campeão chegou!! — exclamo,

debochado.

— Está trinta minutos atrasado, espertinho! — reclama Pierre. Ele é o


detentor da maior parte do escritório, o “chefe”.

— Mas é claro, Pierre, o que você queria que acontecesse após mais
uma aposta vencida por esse cafajeste ontem à noite? — indaga Bernard,
inconformado.
— Filho da mãe... — rosna Dominique, mais inconformado ainda.

Aproximo-me e me junto a eles, tomando o meu lugar, colocando o

processo sobre a mesa.

— Só digo uma coisa para cada um de vocês: Bernard, minha conta


bancária já está esperando pela sua transferência desde ontem. Dominique,
quero a minha Triumph Speed Triple na minha garagem agora e Pierre... bom

dia cara, como vai a vida?

— Não vou lhe dar a minha moto! — retruca Dom, batendo a mão na
mesa e fuzilando-me, a sua raiva me diverte.

— Vou fazer a transferência dessa merda agora. Posso parcelar? —


indaga Bernard, desanimado.

— Nããão! — Nego, feliz.

— Bom dia, Esteban, quero que vocês parem de discutir sobre essas

apostas ridículas no escritório, pois não estamos mais na Universidade,


foquem no trabalho! E respondendo à sua pergunta, a minha vida está uma
droga — conta Pierre, desde que entrei percebi que ele está de mal humor. É
o chatinho do grupo, mas tem bom coração.

Nos conhecemos muito bem e não conseguimos esconder os


sentimentos uns dos outros. Agradeço a Deus todos os dias por ter conhecido
esses três franceses em Harvard e ter solidificado uma amizade tão forte que
nos reuniu no futuro, após tantos anos afastados.

— O que houve, cara? — Fico sério.

— Brigando com a Camille outra vez — Bernard responde por ele.

— Mas de novo? Por que brigam tanto? — indago, franzindo as


sobrancelhas. Essa história dele vem se repetindo há meses, na verdade desde

que entrei no escritório.

— Ela quer ter filhos, ele não.

— Cale a boca, Ben! Se não se deu conta, eu estou aqui! — resmunga,


irritado.

— Isso é tão fácil de resolver, é só dar filhos a ela — Dom aconselha,


como se fosse a coisa mais simples do mundo.

— Olha quem fala, o homem que nem pensa em casamento. — Pierre


debocha.

— E que está interessado na estagiária do Esteban — dispara Bernard,


o fofoqueiro.

— O quê?? — Fico chocado, fuzilando o Dom. — Nem pense em tocar


na Chloé, Dominique! — Aponto o indicador na sua cara. — Ela é só uma
menina, tome vergonha! — Volto a relaxar na cadeira, ajeitando o blazer.

— Uma menina de vinte e três anos — comenta Dom, esbugalhando os


meus olhos. Miro Pierre.

— Você está escutando isso? — peço-lhe um posicionamento.

— Pare de ser bobo, ele está te provocando porque você ganhou a moto
dele na aposta. Dom sabe que ninguém aqui pode se envolver com
integrantes do escritório, ainda mais estagiárias, isso é o caminho para um
escândalo. — Pierre bebe um pouco da água do copo ao seu lado.

Destruo Dominique com o olhar, que sorri satisfeito por ter abalado a
minha paz. Ele tem o semblante de malvado.

— Mas conta aqui pra gente, a gata do bar é gostosa mesmo? —


Bernard foca em mim, está curiosíssimo, como sempre.

— Chega! — interrompe Pierre. — Já disse para vocês que a vida


pessoal é da porta do escritório para fora. Somos adultos e temos que
aprender a fazer isso.

— Nossa, você está péssimo hoje, Pierre — Dom resmunga.

— Aqui está o processo da Bastille. — Tento trazê-los para os assuntos


do dia.

— Agora não. Antes vamos terminar de falar sobre o caso do filho do


Sr. Dubois — afirma Pierre. — Como anda o processo, Dom?

— Por mim aquele filho da puta apodreceria na cadeia — comenta o


advogado. — Mas como estamos sendo bem pagos para fazer o contrário, já
entrei com o pedido de Habeas Corpus e já estou me preparando para ser
bombardeado pela mídia.

O nosso escritório é dividido em quatro ramos. Criminal, gerido por


Dominique. Cível, liderado por Bernard. Trabalhista, comandado por Pierre e
empresarial, administrado por mim. Cada um tem a sua equipe, que se
resume a secretárias, assessores e estagiários. Somos referência na Justiça de

Paris, os melhores no que fazemos, por isso tanto sucesso.

Passamos um bom tempo na sala de reuniões discutindo e depois


seguimos cada qual para a sua sala, exceto Bernard, que corre para uma
audiência. No horário do almoço, peço para o meu restaurante favorito
entregar o meu pedido aqui no escritório, pois estou muito atarefado e prefiro
não ir até lá hoje.

À tarde, acompanho um dos meus clientes em uma reunião de negócios


e chego em casa quando o sol está se pondo. Encontro tudo em ordem, sinal

de que a faxineira passou por aqui. Livro-me da roupa e tomo um belo banho,
ficando um bom tempo na hidro, ouvindo a belíssima voz de Alejandro Sanz
ecoar pelo ambiente.

Sem querer, lembro do meu irmão de criação que tem o mesmo nome
do cantor. Fico imaginando, como em tantas outras ocasiões, se a voz dele
poderia ser parecida com a do Sanz.
De repente, uma memória antiga de nós dois invade a minha mente. Foi
em uma manhã, enquanto estávamos na escola, quando flagrei três meninos

mais velhos de outra turma encurralando ele contra parede.

— Por que você não fala, hein?! Estanho!! — Um dos garotos o


empurrou.

— Você é ridículo!! — O outro o fez cair, Alejandro foi ao chão com

força.

— Poderíamos cortar a língua dele... já que não a usa! — O terceiro


deu a ideia, retirando um estilete de lâmina afiada do bolso. Os três meninos
riram, apavorando Alejandro, que não conseguia soltar uma palavra para se
defender, aterrorizado. — Segurem-no!!

Dois deles prenderam o meu irmão contra o chão, forçando os seus


braços, o outro montou sobre ele com o estilete em punho, ameaçador!

— EI!! EI!! LARGUEM O MEU IRMÃO!! — gritei, correndo até eles.

Não consegui mais assistir a tudo escondido, os encontrei por acaso e estava
ouvindo a confusão.

Acertei o menino do estilete com um chute no rosto que o fez voar e


cair longe, gemendo de dor. Soquei cada um dos outros dois, fui golpeado
também, sangue saiu pelo canto da minha boca, mas consegui afugentá-los,
ambos correram assustados aprendendo a lição.
Fiquei ofegante após a briga, com as mãos apoiadas nos joelhos,
tentando me recompor. Senti Alejandro se reerguendo às minhas costas, sei

que devia estar chocado com este meu “ato de heroísmo” que nem eu mesmo
consegui compreender.

Era estranho pois, gostava de perturbá-lo, mas não aprovava que outros
de fora da família fizessem isso. Por alguma razão desconhecida, me irritava.

— Isso não muda nada entre nós... mudinho. Nada — declarei arfando,
sem olhá-lo nos olhos, não conseguia fazer isso. Assim, me afastei o
deixando sozinho.

Volto à realidade, nem percebi quando a música parou. Saio da


banheira, ponho o roupão e desço para a cozinha, onde começo a preparar o
meu jantar. Adoro cozinhar, foi algo que tive que aprender a fazer após
passar a morar sozinho, já que na mansão Javier sempre tive alguém para me
dar de tudo.

Pode parecer bobo, mas quando vim para Paris, passei a me sentir mais
humano. E, por incrível que pareça, foram as pequenas coisas que me
trouxeram essa humanidade. Digo não por questão sentimental, mas por
aprender a ver coisas que antes não via por estar sempre cercado de muito
luxo e pompa.

Meus pais sempre me ensinaram a ser humilde apesar de toda a riqueza,


mas uma coisa é a teoria, a outra é a prática. Cozinhar me tornou mais
humano, assim como ganhar meu próprio dinheiro sem influência de terceiros

também, sair para comprar pão na padaria, comprar flores e dar de presente
para mulheres do meu dia a dia. Enfim.

Apesar de tudo isso, ainda tenho o meu lado cretino, como fazer altas
apostas com os meus amigos envolvendo mulheres. Mesmo que não haja

desrespeito algum com elas ou coisas do tipo — visto que nem ficam sabendo
—, sei que não é algo, digamos... ético. Mas não me importo, pelo contrário,
divirto-me bastante, é uma velha prática da Universidade que ressurgiu
quando vim trabalhar com eles aqui em Paris.

Essa é a minha vida. Um advogado espanhol trabalhando e vivendo


intensamente em Paris, que a cada dia tenta esquecer ainda mais o passado e
solidificar o seu futuro.

Na sexta-feira à noite, saio do escritório com os meus sócios


diretamente para o Le Loup, como sempre costumamos fazer. Porém, hoje
tem um motivo ainda mais especial, a entrega da minha streetfighter inglesa
que Dominique está enrolando há dias para me dar após eu ter vencido a
última aposta.
Enquanto a garçonete termina de nos servir com as nossas gigantescas
canecas de Chopp, Pierre e Bernard gargalham comigo à espera de Dom, que

ainda não apareceu.

— Ele não vai vir! — conta Pierre. — Desista, aquela moto foi presente
do pai dele, faz muitos anos.

— Além disso, Dominique tem um carinho muito especial por ela,

tendo em vista que é muito fã de Tom Cruise e do filme — afirma Bernard,


pegando a sua caneca e agradecendo à moça que nos deixa em seguida. —
Obrigado.

— Eu sei muito bem disso! — Bebo um pouco da cerveja. — Por que


acham que decidi colocar essa motocicleta em jogo? Quero me sentir o
verdadeiro Ethan Hunt saindo acelerando pelas ruas da cidade em uma
missão impossível! — Uso as mãos para imitar o movimento de acelerar.

— Ele não irá entregá-la a você. — Pierre está convicto. — Vai enrolá-

lo durante a vida inteira ou fazer uma contraproposta.

— Não aceitarei, simples — afirmo, bebendo um pouco mais.

— Até parece, logo você que adora ser desafiado, Sr. Javier. —
Debocha Bernard.

Antes que eu possa me defender, escutamos o ronco poderoso da


máquina lá fora, avistamos Dom através da vidraça, montado na incrível e
histórica Triumph Speed Triple 955i. Saímos rapidamente ao seu encontro,
para fora do bar onde fico vibrando com esta maravilha.

— Meu Deus, que incrível!! Uuuuuh! — Gargalho impressionado,


enquanto Dominique já em pé ao lado da motocicleta está simplesmente
arrasado, mas não me importo, só sei olhar para ela.

Sem cerimônia, monto nela, sentindo o seu peso e a sua imponência.

— É realmente idêntica à do filme, caralho!! — Estou muito


empolgado, lembrando um menino tocando na máquina como se fosse feita
de ouro.

— Mas é claro... é o mesmo modelo, seu otário! — Dom nem consegue


esconder seu desconcerto.

— Ah, por favor doutor, saiba perder, sim? — O provoco, e estendo-


lhe a mão. — Agora me dê a chave.

Ele ergue o chaveiro como se fosse um martírio, mas antes que eu


possa tocá-lo, desiste.

— Antes eu tenho uma contraproposta — anuncia, fazendo-me revirar


os olhos.

— Eu não falei? — Pierre gargalha, ele e Bernard estão se divertindo


muito com isso. — É incrível como vocês não evoluíram em nada depois da
Universidade. Parecem duas crianças, que patético.
— Desista Dom, a minha resposta é não e não há nada maior que esta
belezinha aqui para me fazer mudar de opinião...

— Dez por cento da minha parte do escritório — dispara ele, todos


ficam chocados.

— Chega, acabou a brincadeira! — interrompe Pierre, sério.

— Uuuooouu!! Isso vai ser divertido!! — Bernard fica empolgado,


enquanto já me sinto tentado. Desço da motocicleta.

— Não. Isso é ir longe demais — nego, mas meu cérebro cogita a ideia,
pois com a porcentagem dele me tornaria o segundo maior lá dentro, ficando
apenas atrás de Pierre.

— A moto e dez por cento da minha parte do escritório. Mas se você


perder, só quero a moto de volta, não mexerei na sua parte. Pense bem
Esteban, os seus honorários iriam aumentar, poderia participar de contratos
exclusivos comigo e Pierre. — Ele é muito bom de lábia.

— Exatamente, mas vocês estão apenas esquecendo que isso também


envolve o meu trabalho! Não é coisa que se aposte! E não concordo —
afirma o homem.

— Relaxa, Pierre, sabe muito bem que você não será afetado. Vamos
Javier, pense bem, pense bem...

— Se ele disser que sim, já sei até qual será o novo alvo — conta
Bernard, Dom fita-o, contrariado. — Se eu fosse você, me deixava escolher
dessa vez amigo, se quiser vencer, é claro. Lembre-se que lhe afirmei naquele

dia que a moça que havia recusado três rapazes não era uma boa opção e
mais, que Esteban já perdeu mais apostas comigo do que contigo.

— É, pode ser — Dom concorda, mirando-me novamente. — E então?

— Vocês realmente são uns imbecis! Vou voltar para o meu Chopp que

ganho mais! — Pierre retorna para o bar, enfurecido.

— É melhor não — digo, mas no fundo algo grita para que eu diga sim.

— Vamos lá, sei que você quer. Vamos lá... pense no poder que iria ter.
— Dominique é como uma serpente sibilando em meus ouvidos.

Passamos alguns minutos conversando até que finalmente sou


convencido. Voltamos para a nossa mesa e fico observando ele e o Bernard
cochichando do outro lado.

— Está difícil escolher? Que seja bonita, hein — aviso. Pierre revira os
olhos, desconfortável com a nossa brincadeira de sempre.

— Já a escolhi faz tempo e dessa vez não nos venha com “que seja
bonita”. As bonitas sempre caem no seu papinho, dessa vez vamos colocá-lo
em um desafio de verdade. — Bernard está super animado. Ele adora essa
adrenalina e emoção das nossas apostas. Talvez seja por isso que sejamos
viciados nessa porra.
— Tudo bem, fala logo!

— A garota que você vai ter que levar para a cama desta veeez... está

preparando a bandeja com os drinks lá no balcão. — Bernard aponta com os


olhos.

Miro por sobre o ombro, avistando apenas uma das garçonetes fazendo
o que ele descreveu, é uma mulher pequena e gordinha.

— A garçonete? — Fito perplexo os dois homens de sorrisos largos. —


Isso é sério?

— A gordinha. Sim, é seríssimo! — diz o Dom.

— Isso é golpe baixo, sabem que ela não faz o meu tipo.

— Exatamente por isso a escolheram, seu babaca! — Pierre já entendeu


tudo.

— Estamos fartos de você, Esteban, faz tempo que não perde uma.

Talvez precisamos apenas mudar alguns elementos, já que escolhemos


sempre o mesmo estilo de mulher — conta Bernard, convencido de que irei
perder, isso só me deixa ainda mais desafiado e excitado para ver a sua cara
de derrota daqui a pouco.

— Por que ela? — indago sem entender, observando a moça mais uma
vez, vestida em seu horrível uniforme de trabalho.

— Por que não? — Bernard está se divertindo.


— O que foi doutor, está com medo? — Dom gargalha, sua voz grave
ecoando ao nosso redor.

Viro a caneca, bebendo tudo. Levanto, espalmo as duas mãos na mesa,


inclino-me um pouco em direção a eles e digo:

— A ordem dos fatores não altera o produto. Pode ir preparando o


contrato dos dez por cento. — Pisco para eles, saindo rumo à minha nova

conquista. Ajeito o terno e a gravata.

Essa parece ainda mais vulnerável. Está no papo!


MADELEINE FERNANDEZ

Estar no Le Loup é sempre cansativo.

Aqui temos de tudo: patrão chato, clientes arrogantes, soberbos, muito


trabalho e salário miserável. Enfim. Mas além de tudo isso, também temos
colegas de trabalho adoráveis, música boa ao vivo, algumas gorjetas altas e o
fato de que preciso desse emprego para me manter e pagar a faculdade, por

isso... teoricamente, não deveria estar reclamando.

Mas é só na teoria mesmo, porque na prática... haja paciência!!

— Ei, Dumbo!! — grita Maurice, o meu chefe. Ele está distante e me


chama pelo apelido de Dumbo, devido ao clássico filme da Disney, tendo em
vista que me compara ao pequeno elefante por eu ser acima do peso. É um
idiota, tento levar na esportiva para não ser demitida, mas o odeio. Seus olhos
apontam para a boqueta onde há novos pedidos à espera, só que mal acabei
de servir uma mesa, ainda nem deu tempo de olhar para lá.

— Já estou indo!! Mas se o senhor não sabe, eu tenho nome!! —

rebato, enraivecida.

— Pega logo a porra dos pedidos, garota! — Corta a minha voz,


estressado. Ele está sempre assim, à flor da pele e com um cigarro que nunca
sai da sua boca, sempre de olho no caixa, o lugar onde mais gosta de ficar

quando não está circulando pelo bar para encher o meu saco e o das minhas
colegas.

Procuro por elas e vejo que também estão ocupadas, o local está lotado
de clientes, sem falar da música alta. Estamos trabalhando desde as seis da
tarde e parece que sempre chega mais gente. Hoje é um dos dias mais
movimentados, tem até fila de espera do lado de fora.

Corro até a abertura existente entre a cozinha e o bar — boqueta —,


ponho os pratos sobre a bandeja e apresso-me para deixá-los nas suas devidas

mesas. No caminho, passo por Amélie, minha melhor amiga que também
caminha ligeira com o seu uniforme e uma bandeja em punhos, no pique que
o Le Loup nos exige.

— Ganhei gorjetaa! — comemora, cochichando em meu ouvido


quando nos encontramos no meio do caminho.

— Vai ter que dividir comigo! — Brinco.


— Nunca! — rebate, seguindo seu destino e eu o meu.

É sempre a mesma coisa, sirvo os clientes que mal olham na minha

cara, mal percebem que estou aqui, coisa que não acontece com Amélie e as
demais garçonetes, simplesmente porque elas estão dentro dos padrões de
beleza dessa sociedade hipócrita. Porque não possuem manequim quarenta e
seis ou busto acima de noventa ou cento e oito de quadril como eu.

Não se preocupem, não sou a “chata militante”, mas sei muito bem o
que me diferencia das demais mulheres ou dos olhares dos homens ao meu
redor. Amo a minha amiga, a respeito e ela me respeita também, porém todos
os dias sofro com preconceito, mas insisto em não dar atenção a isso, até
porque, já estou acostumada e tenho coisas mais importantes para focar.

Neste momento então, adoraria ganhar uma gorjeta como Amélie, mas
para mim essa pequena atitude é muito mais rara. Fazer o quê, né?

— Madeleeeine! — grita Marcel, o bartender, apontando os drinks

sobre o balcão. Ele também é meu amigo, sempre nos demos bem. É um fofo,
o pegador de funcionárias, já passou o rodo em quase todas as moças que
trabalharam ou ainda trabalham aqui. Até porque o homem é um pecado!

— Qual a mesa, querido? — indago. Nós trocamos sorrisos.

— Vinte e sete, querida. — Me trata com o mesmo carinho, enquanto


ponho as taças sobre a minha bandeja.
Afasto-me do gato de cabelos pretos espetados e braços tatuados,
tentando caminhar depressa, mas com atenção, quando uma mulher no fim do

balcão simplesmente entra em minha frente de repente, sem mais nem menos,
fazendo-me esbarrar nela e molhar seu vestido com os drinks. As taças se
espatifam no chão e a primeira coisa que penso é que isso vai sair do meu
salário.

Droga!

— Merda!! — exclama, se afastando de mim.

— Oh, meu Deus, desculpe! — peço, levando uma das mãos à boca. A
coitada está toda molhada.

— Não olha por onde anda, balofa?! — A visão de coitada que eu tinha
sobre ela se esvai em milésimos de segundos pelo modo como me trata. A
culpa foi dela! Foi um acidente!

— Já pedi desculpas, senhora. Você entrou na minha frente. — Tento

me justificar. Minha vontade é de perguntar quem ela pensa que é para se


referir a mim desse jeito e lhe cuspir inúmeros impropérios, mas tenho que
me controlar. Se há uma coisa que não podemos fazer no Le Loup é destratar
um cliente, isso é demissão na certa!

— Compra óculos ou lentes, que te perdoo! — É arrogante, seu olhar


me destruindo como se eu fosse a sua inimiga mortal. Fico chocada.
É neste momento que o belíssimo loiro de olhos azuis ao seu lado entra
em ação:

— Venha comigo. — Ele puxa a vaca delicadamente, a afastando de


mim. Agradeço a Deus internamente por ter feito isso, já que se o barraco
continuasse, o meu emprego estaria em risco, entretanto a única coisa que
consigo rosnar neste momento é:

— Perra! — chamo-a de cachorra em espanhol, a minha língua nativa,


tendo em vista que nasci na Espanha e depois vim morar na França. Xingar
em espanhol, clientes e demais pessoas infames que surgem na minha vida é
o meu refúgio, já que ainda não tive a “sorte” de encontrar alguém próximo a
mim que também fale a língua espanhola.

O gigante se afasta com a cadela e eu me abaixo para apanhar os cacos


de vidro. Corto-me com um deles, algo que me faz ficar ainda mais abalada,
pois as grosserias daquela mulher tocaram fundo em minhas feridas. Feridas

que carrego durante toda a vida.

Ponho o indicador que contém uma gotinha de sangue na boca,


tentando afagar o ferimento. Levo a bandeja com a bagunça para a cozinha,
onde o pessoal trabalha feito um trem desgovernado para entregar os
inúmeros pedidos. Mal me aproximo da pia onde ponho a bandeja, quando
Maurice se aproxima.
— O que foi aquilo no bar, Dumbo? — Fecho os olhos, recebendo mais
uma facada da noite.

— Um acidente, o senhor não viu? — disparo, o irritando.

— Olha essa língua!! — Aponta o dedo na minha cara, então lembro


que ele é o meu chefe, fico calada, mas sem parar de encará-lo. — Isso vai
ser descontado do seu salário! — avisa, olhando as taças quebradas, como se

estivesse contando alguma novidade.

— Já sei — respondo, desgostosa.

Ele nota o corte no meu dedo.

— Não precisa mais voltar para o bar, não quero mais estragos essa
noite. Aproveita que está aqui e lave essa louça! — ordena, finalmente indo
embora.

Respiro fundo, morrendo de raiva.

— Estúpido! Bastardo! — xingo baixinho em espanhol, mirando a


gigantesca quantidade de louças que tenho para lavar.

— Ei, o que aconteceu? — Amélie se aproxima, preocupada.

— Nada de novo, amiga — afirmo, fazendo-me de forte.

— Seu dedo está sangrando...

— Está tudo bem. — Forço-me a sorrir. Odeio demonstrar as minhas


fraquezas a alguém, jamais farei isso.

— Amélieeee!! — grita Maurice.

— Fica bem. Depois conversaremos melhor. — Ela me beija na


bochecha e se vai.

Observo o meu dedo outra vez, consigo um Band Aid com um dos

cozinheiros para tapar o ferimento e só assim dou início ao longo martírio


que é lavar essa montanha de pratos sujos.

Mais tarde no início da madrugada, quando finalmente o bar fecha, saio


com Amélie rumo ao metrô que fica bem perto de onde trabalhamos, para
pegar um dos últimos da noite, o que é bem perigoso por sinal, mas já
estamos acostumadas. Sentamos lado a lado como sempre, começamos a
conversar sobre os acontecimentos das horas anteriores.

— Eu vi ela esbarrando em você, mas não sabia que ela tinha te falado
tanta porcaria! Vaca! — Amélie está indignada com a cadela.

— Pois é, ainda bem que aquele cliente retirou ela de lá, porque acho
que a situação ficaria pior. Eu não conseguiria segurar a minha língua por
muito tempo, já estava coçando — conto, bocejando. Estou exausta.

— Ah sim, sei quem é aquele gostoso.

— Sim, não lembro o nome dele, mas faz parte daquele grupinho de
advogados soberbos que não saem do bar.
— Já são clientes há muitos anos. Antes só eram três, depois surgiu o
gostoso. Um mais lindo que outro! — afirma empolgada, mas nem lhe dou

atenção, fico com a cabeça encostada no vidro da janela, vendo a cidade


passar lá fora. Amélie suspira. — Mas é claro que isso não importa para você,
não é? Sei muito bem em quem está pensando.

— Ah, para. — Bocejo outra vez.

— E aí? Vai ter coragem mesmo de entregar o presente para o otário do


Vincent? — É assim que ela se refere ao cara que tirou a minha virgindade.

— Sabe que não gosto que se refira a ele assim — rebato, calma. —
Quanto à sua pergunta, não... não sei se terei coragem.

— Ah, se já comprou agora tem que entregar! — Retira o celular da


bolsa, mexendo.

— Não quero que ele pense que estou tentando chamar a sua atenção
— comento, pensando sobre o assunto.

— Mas não é exatamente isso que você quer?

Respiro fundo, confessando:

— Sim.

— Então entrega logo essa merda, mas se ele te tratar mal, juro que vou
naquela faculdade destruí-lo!
Volto a olhar pela janela, desacreditada.

— O único homem arrogante que suportamos é o idiota do Maurice

apenas porque é o nosso chefe, pois necessitamos do emprego. Fora ele,


ninguém mais pode nos humilhar!

— O Vincent nunca me humilhou...

— Não mesmo, só tirou a sua virgindade e depois fingiu que você não
existia. Aliás, continua fingindo até hoje. — Ela é revoltada com isso, pois
passou pelo mesmo.

Ponho a mão na têmpora, minha cabeça está doendo.

— Obrigada por me lembrar da parte que me toca — afirmo, ainda


mais desanimada.

— Ah amiga, desculpa. — Me beija. — É que eu te amo e não quero te


ver sofrendo por causa daquele traste!

— Não sofro por causa do Vincent.

— Está vendo? Nem mesmo consegue xingá-lo. Você ainda é


apaixonada por ele e eu entendo. Adoraria que ele mudasse e visse a mulher
linda e maravilhosa que é...

Sorrio, debochando de seus elogios.

— Não vou mais ficar aqui ressaltando as suas qualidades, viu? Você é
linda sim, e falo isso de coração porque é mesmo a minha opinião. Eu

mataria e morreria para ter esse rosto de anjo e esses olhinhos verdes, meu

Deus. — Brinca, fazendo-me finalmente rir. — Só um babaca para não


enxerga!

— Eles enxergam o meu corpo de Dumbo, amiga. — Faço piada de


mim mesma, dói menos quando sou eu.

— Lá vem ela de novo. Nossa, você é péssima! — Se irrita, ela odeia


quando fico me auto degradando. Assim, põe os fones de ouvido passando a
me ignorar.

Os minutos voam, logo chegamos aos nossos destinos. Amélie desce


primeiro, depois eu. A minha estação parece um deserto, mas não me assusta,
faço esse trajeto desde que comecei a trabalhar no Le Loup e isso tem um
pouco mais de um ano.

— Oi, senhor Ollie! — cumprimento o pedinte que está averiguando

algo na lata de lixo. — Como foi o dia?

— Intenso, Madeleine. E o seu? — Sorrir, acenando.

— Aff... horrível! Nem queira saber! Tchaaau!

— Tchau!

Cumprimento também um dos guardas e sigo para fora da estação.


Poucos minutos depois e já estou no meu bairro, onde graças a Deus, há um
bar na esquina que fica aberto ainda mais tarde do que o Le Loup. Aceno para
os bêbados, todos velhos vizinhos.

Entro na minha humilde residência, abrindo primeiro o portãozinho


depois destrancando a porta. É uma casa simples de três quartos pequenos.
Aqui vivo com a minha mãe, pai e irmão mais novo.

Meu pai é cozinheiro há cinco anos, transformou um hobby em

profissão após se aposentar como policial, depois que quase foi morto em
uma troca de tiros com bandidos. Ele trabalha em casa com a minha mãe,
ambos vendem comida por delivery. Tivemos que nos adequar a esta opção,
principalmente depois da aposentadoria do meu pai e também por causa do
meu irmão, que precisa de uma atenção especial.

Caminho pela sala escura, até chegar ao corredor e finalmente entrar no


meu quarto. Jogo-me na cama, morta de sono e de cansaço, mas sou do tipo
de pessoa que pode estar na pior situação possível, porém não consegue

dormir sem tomar um bom banho.

Assim, forço-me a tirar toda a roupa e me arrastar até o banheiro. A


preguiça acaba quando sinto a água molhar os meus cabelos e rosto, a
sensação é realmente indescritível, me relaxa, deixa leve, renova as energias.

Assim que abro a porta sanfonada, levo um susto ao ver Timothée, meu
irmão, dentro do quarto. Ele estava distraído andando de um lado a outro
falando baixinho e sozinho, quando me ouve e vira em minha direção com
um largo e belo sorriso. O garoto de oito anos possui cabelos castanho-claro,

quase loiro, e olhos verdes assim como eu.

— Madeleine..., eu es... estava esperando por você — afirma, com o


leve atraso na fala robótica que ainda possui. Ele é autista.
MADELEINE FERNANDEZ

— Boa noite para você também, Timothée — digo, educada e calma,


lembrando-o indiretamente da importância de cumprimentar as pessoas, coisa
que não o interessa. — Esqueceu novamente de bater na porta? — Outra
coisa que estou tentando ensinar a ele faz um tempo.

— Aham. — É sincero.

— Não esqueça da próxima vez, senão ficarei aborrecida — aviso-lhe,


o deixando seríssimo só de pensar nesta possibilidade. Sorrio, indo em sua
direção e o beijando na bochecha, mas ele rapidamente se afasta, pois não
gosta de contato prolongado. — Já disse que essa não é hora de você ainda
está acordado, é hora de dormir. O que está aprontando? — indago,
afastando-me dele um pouco para ajeitar a toalha que cobre o meu corpo.

— Es... estava pintando, pois estou sem sono — informa, erguendo as


mãos sujas de tinta, só então noto os rabiscos coloridos por seu pijama
listrado, o que usa sempre à noite, de forma irrevogável. Ele adora pintar e

está se tornando um excelente artista. — Trouxe os meus pincéis? — Está


ansioso.

— Hmmm... será que eu trouxe? — Finjo tentar lembrar, seguindo


rumo à minha mochila que me acompanhou o dia inteiro. Abro-a, procurando

o presente.

O garoto volta a andar de um lado para o outro, se aproximando de


mim ansioso e retornando para onde estava, observando a mochila, coçando a
cabeça inquieto.

— Nossa, não estou encontrando — comento, achando estranho. É


tanta coisa em um mesmo lugar que nem sei como cabe.

— Mas você prometeu — afirma, sinto seu nervosismo começando a


inflar.

— Calma, estou procurando.

— Você disse que seria hoje! — rebate, a voz já triste.

— Acheeeei! — Viro de repente, mostrando-lhe o saquinho


transparente com três pincéis de madeira em tamanhos diferentes.

Ele sorri de forma tão linda e tão grandiosa, que arrebata o meu
coração. O meu amor por ele é infinito.
— Você não esqueceu, Madeleine — comenta, pegando seu presente,
abrindo e tocando rapidamente como se quisesse comprovar que é real.

— Claro que não, bobo! Acha mesmo que eu esqueceria de você?


Nunca! — argumento, sacudindo os seus cabelos. — Agora como se diz?

— Ob... obrigado, Madeleine — agradece. — Venha! Venha aqui no


meu quarto, por favor.

— Eu vou vestir uma roupa e já te encontro lá, tudo bem?

— Sim, tudo bem — concorda, saindo do quarto.

Fecho a porta, sujando a minha mão de tinta ao tocar na maçaneta.


Suspiro, não posso me irritar com isso. Lavo a mão na pia do banheiro, visto
uma camisola, enrolo a toalha em meus cabelos e vou até o quarto dele que
fica no final do pequeno corredor. Passo pela porta do quarto dos nossos pais,
eles devem estar em um sono profundo.

Entro no universo de Timothée, que é um verdadeiro ateliê de pintura,


só que muito bagunçado. De um lado, há a cama com um guarda-roupa e do
outro, um espaço que é um misto de pequenos quadros, potes de tinta,
cadernos gigantes para desenhos, paleta e outros materiais comprados por
papai para ajudá-lo a se desenvolver através da arte. Foi o que mais deu certo
na terapia que já faz desde novinho.

— O que está escondendo aí? — Sorrio, vendo ele em frente ao


cavalete do seu tamanho que guarda um quadro coberto por um pano.

— Ss... surpresa! — Retira o pano, revelando a arte que me deixa

boquiaberta. Ele simplesmente tentou reproduziu o famoso quadro de


Leonardo da Vinci, só que com o meu rosto. Fico em choque.

— Você... — aproximo mais — me transformou na Mona Lisa? —


Ainda estou perplexa, apesar das alterações, a pintura está simplesmente

fantástica para um menino da sua idade.

— Você é a... minha inspiração, Madeleine — se declara, derretendo o


meu coração.

— Aaah... eu te amo. — Tento abraçá-lo, mas ele nega. Tim fica


calado, nunca disse para mim ou para os nossos pais que nos ama, ele não
sabe ou não gosta de demonstrar sentimentos. Dizer que sou a sua inspiração
já foi uma grande vitória para alguém tão sentimental quanto eu.

— Gostou do quadro? — pergunta.

— Adorei. — Enxugo uma lágrima que desce por minha face. Ele é o
meu ponto forte em muitos momentos, ainda mais em um dia difícil como
este, porém nem imagina.

— Então porque está chorando? — Está contrariado, chorar não é algo


bom ao seu ver.

— Estou chorando de emoção, bobinho. Isso quer dizer que gostei


muito. Eu amei — reafirmo, para lhe dar essa certeza.

Fico com ele ainda por longos minutos até finalmente deixá-lo na sua

fantasia e voltar para o meu quarto, onde capoto na cama para dormir.

No dia seguinte, levanto pela manhã morta de preguiça, criando raiva


do meu despertador por me acordar, mesmo sabendo que o programei para
isso. Caminho cambaleante até o banheiro, dando de cara na parede antes de

encontrar a porta.

Quando faço tudo que tenho que fazer, olho-me no espelho indecisa
sobre a roupa nova que comprei para usar hoje. Amélie me ajudou a escolher,
entretanto quando experimentei em sua presença parecia bem melhor, agora
que estou sozinha o meu reflexo não me agrada. Sempre tenho a tendência de
achar que estou ridícula.

Uso uma saia preta que deixa meus joelhos e pernas à amostra com
uma blusinha branca de mangas curtas e sapatilhas. Meu cabelo castanho-

loiro está solto, são madeixas lisas e agora bem penteadas. A saia está um
pouco apertada, mas não totalmente desconfortável. Olho-me várias vezes
fazendo careta, até que resolvo ligar para a minha amiga.

— Não vou usar essa roupa ridícula! — É a primeira coisa que afirmo
quando Amélie atende.

— Para de besteira, ficou lindo, nós vimos e revimos. Já está com


paranoia? — indaga bocejando, devo tê-la acordado.

— Pior que já — confesso.

— Não está se sentindo bem?

Olho-me outra vez, agora de costas, vendo o quanto minha bunda é


grande.

— Mais ou menos — gemo, insegura.

— Vai apenas no mais que dará tudo certo, amiga! Agora vou voltar a
dormir, beijos! — Desliga, me deixando sem saída.

Respiro fundo, balançando a cabeça e afastando os fantasmas dos meus


pensamentos. Lembro das palavras do meu irmão ontem, que me enchem de
força, fazendo-me sorrir. Pego um batom vermelho e pinto os meus lábios. Já
que é para mudar, tenho que arrasar! Além do mais, sempre quis fazer isso!

Após dar uma última conferida, pego a mochila pesada com tanta coisa

e sigo para a cozinha, onde encontro a minha família. Meu pai já está
cortando os legumes, com uma rapidez incrível que já é de costume em
preparar as marmitas para vender no horário do almoço.

Timothée está sentado na sua cadeira de sempre, comendo a mesma


coisa e com os mesmos talheres, assim como em todos os dias, pois o seu
autismo o faz levar a rotina bem a sério. Como ele precisa de uma certa dose
de suporte em algumas atividades, foi diagnosticado com o grau moderado do
transtorno, ou seja, nível dois.

Graças a Deus ele não tem nenhum tipo de retardo mental, mas ainda

assim, a cada dia, aprende a enfrentar novas dificuldades. Sempre estamos


aqui para ajudá-lo, é um esforço diário conjunto. Sou a pessoa da casa que
menos passa o tempo com ele devido ao meu cotidiano corrido, porém tento
compensar nos finais de semana.

Mamãe verifica as panelas no fogão, ela é corpulenta, mais gorda que


eu, manequim cinquenta, contudo age como se não o fosse.

— Bom dia! — cumprimento, sentando-me na minha cadeira, torcendo


para não me notarem.

— Bom dia, filha! — exclama papai, sorrindo radiante para mim. —


Hmmm, olha que linda, roupa nova hein! Sua irmã está tão linda, não é
mesmo, Timothée?

Tim não dá atenção a ele, está mais interessado em tomar o seu café da

manhã enquanto olha para o nada, perdido em pensamentos. Mamãe me


analisa com estranheza, fazendo bico.

— Para que tudo isso? Que exagero! Não gostei, ficou mais gorda —
afirma, não me surpreendendo.

— E desde quando a senhora gosta de algo que visto, mamãe? —


indago, desgostosa, me servindo com um pedaço de baguete e café com leite.
— Já vai começar, querida? — pergunta papai, também desconfortável
com ela. Todo dia a mesma coisa.

— Esse batom também não combina com você, já te disse isso antes,
mas não me escuta — critica, tento não deixar as suas palavras entrarem na
minha mente, mas sempre entram, agora ou mais tarde.

— Combina sim e está linda! — O master chefe Nicollas novamente

me defende. É assim que na maioria das vezes começa uma briga entre o
casal.

Entretanto, Timothée derruba a sua colher no chão, impedindo que


mamãe responda o cozinheiro. Quando o meu irmão tenta pegar o objeto, ela
é mais rápida.

— Não pode, pegue essa outra. — Oferece a ele outro talher, mas é
inútil.

— Não..., quero a minha colher — afirma, sem olhar ou apontar para o

objeto. Dona Martina revira os olhos, sabe que não é bom insistir. Assim,
lava a única colher favorita dele na pia e a entrega de volta.

Após sair de casa com essa linda motivação da minha mãe — coisa que
ela faz diariamente sem que eu entenda o porquê —, pego o metrô, seguindo
diretamente para a faculdade. Durante a viagem, para tentar melhorar o meu
humor que já está quase obsoleto, ponho os fones de ouvido e escuto
“Bailando” na versão espanhola, de Enrique Iglesias, um cantor pelo qual
sou apaixonada.

Yo te miro, se me corta la respiración

Cuanto tú me miras se me sube el corazón

(Me palpita lento el corazon)

Y en un silencio tu mirada dice mil palabras

La noche en la que te suplico que no salga el sol

(Bailando, bailando, bailando, bailando)

Tu cuerpo y el mío llenando el vacío

Subiendo y bajando (subiendo y bajando)

(Bailando, bailando, bailando, bailando)

Ese fuego por dentro me esta enloqueciendo

Me va saturando

Todas as vezes em que escuto essa canção, lembro-me da minha


primeira — e única até agora — vez com Vincent, o garoto da turma de
medicina, pelo qual sou apaixonada. Lembro-me como se fosse hoje
quando... no semestre passado, ele começou a me olhar de forma diferente, de

uma forma que nenhum outro homem jamais olhou para mim, a se aproximar
e puxar conversa.

Não foi difícil dar o meu número, como passar dias conversando até
que eu entregasse a ele a minha virgindade. Ele me levou para um motel, me

tratou com carinho, foi belo e inesquecível enquanto durou, mas depois, foi
como se nunca tivéssemos nos conhecidos.

Tentei me reaproximar diversas vezes, mas senti que Vincent me


ignorava. Chorei, sofri, porém também não me humilhei, entendi e passei a
respeitar o espaço dele. Desde então, tenho a esperança de algum dia receber
o seu olhar novamente. Por mais que eu tente, não consigo esquecê-lo,
sempre lembro dos nossos corpos na cama, de tudo o que senti.

Hoje ele faz aniversário, e como foi de certa forma alguém importante

em minha vida, mesmo que por apenas uma noite, quero lhe dar um presente.
Chego na faculdade e fico a aula inteira pensando em como farei isso, sequer
consigo prestar atenção ao que o professor está falando.

Na hora do intervalo, caminho em direção à sala de Vincent e por sorte


o vejo saindo sozinho, com a mochila nas costas, mexendo no celular. O
garoto é um pedaço de mal caminho, lindo, e sempre que o olho não consigo
acreditar que um dia se interessou por mim.

O sigo, sei que é muito abordado, é popular na faculdade, por isso devo

aproveitar que está sozinho para fazer o que vim fazer. Apresso-me para
acompanhá-lo, respiro fundo tomando coragem.

— Vincent! — chamo por ele, então para e me nota, o sorriso que tinha
no rosto morre.

— Oi..., é... — Tenta lembrar do meu nome, isso acaba comigo por
dentro. Como não lembra do meu nome?

— Madeleine. — Completo, forçando um sorriso.

— Madeleine, isso. Desculpa, é que...

— Não tem problema! — corto, engolindo em seco. — Sei que hoje é o


seu aniversário, queria lhe dar... — ofereço-lhe o pequeno embrulho que me
custou o que juntei por dois meses.

— Ah... nossa! Obrigado! — Fica surpreso, tendo curiosidade e


abrindo o presente, descobrindo uma pulseira de ouro vinte e quatro quilates
com um pingente de bola, pois ele é louco por futebol. — Adorei...
Madeleine. — Sorri, fazendo-me sorrir também.

— Ah, que bom, então. — Fico sem saber o que fazer agora, as mãos
cruzadas em frente ao corpo, uma vontade interna e imensa de ser chamada
para sair.
Ele olha para trás quando uma garota alta e magra acompanhada de
umas amigas o chama, isso me destrói.

— Eu tenho que ir.

Assinto, séria.

— Adorei o presente, obrigado de verdade — diz, já se afastando, estou

agoniada por dentro.

Fico igual uma otária, vendo o cara que foi o meu primeiro homem,
abraçando a loira sorridente, beijando-a e se afastando com ela de mãos
dadas. Penso em várias coisas, mas a mais forte delas é segui-los. Quem é
ela? Ele está namorando? Não consigo me controlar, preciso saber mais.

Sigo o grupinho discretamente, até vê-los seguindo rumo ao carrão de


Vincent, fora da faculdade. Fico atrás de uma árvore, os observando. O
mundo acaba para mim quando ele pega a pulseira que acabei de lhe dar e
põe no pulso dela, como um presente. As amigas aplaudem o casal do ano, é

estarrecedor!

Fico tão magoada, tão chocada que só sei fugir. Fujo chorando para o
banheiro feminino mais próximo, esbarrando sem querer em umas meninas
que estão se maquiando em frente ao espelho, antes de me trancar no box.

— Olha por onde anda, maluca! — grita uma delas.

Sento no vaso, ponho as duas mãos na boca para não fazer nenhum
ruído, fecho os olhos e choro dolorosamente, em um silêncio torturador. Cada
lágrima é como uma lâmina cortando a minha face, aprofundando e criando

mais cicatrizes. Meu coração está apertado, a garganta sufocada, uma


sensação de haver um buraco negro abaixo de mim!

Após ficar horas aqui dentro, quando não escuto mais nenhum
movimento do lado de fora, resolvo então sair. Estou exausta de tanto chorar.

Quando penso que ao olhar para o espelho, vou encontrar apenas o rosto
vermelho de pranto de uma idiota, vejo uma frase escrita de batom que diz:

“CUIDADO!! OBESA CHORANDO NO BANHEIRO! ”

Dessa vez não consigo mais chorar, pelo contrário, encho-me de um


ódio tão grande, mas tão gigante, que a minha reação é socar o meu reflexo,
quebrando o espelho. Odiando-me por ser gorda e odiando o mundo. Levo
longos segundos para me dar conta da minha mão sangrando e do estrago que
fiz em um bem particular.

Saio dali arrasada, com uma certeza absoluta: nunca mais vou permitir
que nenhum homem brinque comigo assim! Nunca!

Alguns dias se passam e não conto o que houve nem mesmo para
Amélie, quero exterminar Vincent da minha mente. Estou em mais uma noite
de trabalho no Le Loup, hoje até que está mais tranquilo, não é um dia tão

movimentado. Ponho os drinks sobre a bandeja e entrego na mesa ao lado.

Percebo que dá tempo de respirar um pouco, então me afasto, seguindo


para um canto mais sossegado e fora do campo de visão do Maurice,
encostando-me na parede e fechando os olhos somente até ouvir uma voz

grave falar:

— Oi. — É o belíssimo loiro que estava com a cadela que esbarrou em


mim outro dia.
ESTEBAN JAVIER

Enquanto espero a garçonete terminar de servir uma mesa, fico


pensando em como abordá-la. É claro que em todos estes anos de
abordagens, aprendi a deixar a conversa fluir naturalmente e usar o meu bom
humor como uma das minhas grandes armas de sedução. Acredito que no
mundo há muitas mazelas e rir é o melhor remédio, pelo menos foi essa a
terapia que me auto apliquei para superar certas dificuldades. Rir.

Aparentemente ela me parece um alvo fácil, aquele tipo de mulher que


é pouco cortejada pelos homens e que provavelmente não vai resistir muito
ao primeiro que a tratar de modo diferente. Não posso agir com ela como fiz
com a anterior que já tinha dispensado três caras antes da minha chegada.

A moça com cara de vinte e seis anos, até um pouco nova demais para
mim, termina com os clientes e se afasta para um canto mais tranquilo, onde
quase não há movimento. Perfeito! Este é o momento. Limpo a garganta e me
dirijo até a minha nova conquista que aproveita o instante para relaxar,

fechando os olhos ao se encostar na parede. Deve estar exausta.

— Oi — falo, puxando o canto do lábio em um sorriso meigo. A


garçonete abre os olhos surpresa ao me ver.

— Sim? — indaga, querendo entender.

— Desculpa, não quero atrapalhar o seu trabalho, é que já estou te


observando faz um tempo e você me lembra uma pessoa que conheci. —
Minto, mas de forma convincente.

— Ah... nossa! — Sorri, incrédula.

— Deve estar me achando maluco, não é? — Balanço a cabeça,


fingindo estar sem jeito.

— Não..., acontece.

— Tudo bem. É..., realmente acontece, só que eu sou um pouco...


digamos... sensitivo.

— Sensitivo? — Se surpreende outra vez.

— É, e estou aqui me perguntando agora se essa mulher que conheci lá


atrás não era você.

— Eu? Ah não, não, não. Pode ter certeza que não. — Balança a
cabeça, negando e sorrindo.

— Será que não? Ela tinha esse mesmo sorriso lindo que o seu. — A

elogio, deixando-a perplexa. A garçonete arrasta um sorriso debochado sem


controle, pondo a mão na boca. Não era isso que eu esperava, achei que
ficaria tímida com o elogio.

Fico sem palavras, enquanto ela abafa a gargalhada insana.

— O que foi? — indago, sem entender.

A jovem respira fundo e responde:

— Desculpa moço, mas com certeza essa pessoa não sou eu. Desculpe,
tenho que voltar ao trabalho. — Faz menção em se afastar, mas não permito.

— Calma, o que quis dizer é que existe uma possibilidade.

Ela suspira, impaciente:

— Não existe, moço, se eu o conhecesse com certeza lembraria —

afirma.

— Com certeza, por quê? — A minha pergunta a deixa sem resposta


por segundos, ergo uma sobrancelha.

— Porqueee sou ótima de memória. — Titubeia um pouco, mas é uma


boa resposta.

— Tudo bem, sei que é um momento inapropriado, você está no seu


local de trabalho, mas se me desse o seu número, poderíamos esclarecer

melhor este assunto. — Pisco para ela, deixando-a ainda mais perplexa.

— Oi? — Ainda não processou. Cogitei que uma abordagem assim não
era comum para ela, porém não pensei que fosse tanto.

— Seu número — reexplico.

— Ah, não, não vai rolar.

Retiro o celular do bolso, oferecendo.

— Salva aqui — peço.

— Não vou salvar; o que está pretendendo? — Fica desconfiada. Que


estranho.

Penso um pouco.

— Tem namorado? — Tento compreender o seu comportamento.

Sua boca rosada abre, procurando a resposta que leva um tempinho até

sair.

— Isso não é da sua conta! — Não, ela não tem.

— Não sabia que pedir o número de uma garota era crime, então. —
Brinco.

— No meu caso, talvez, mas só vou lhe dizer duas coisas: a primeira,
nós nunca nos vimos antes. A segunda, não estou conseguindo acreditar em
uma só palavra que sai da sua boca, então é melhor dizer o que quer de

verdade. — Ela é direta, fico chocado, mas tento disfarçar.

Porra! Talvez não seja tão fácil assim, tenho que mudar de estratégia.
Respiro fundo, fechando os olhos por um milésimo de segundo.

— Certo, então vamos recomeçar. Realmente a história de já ter te visto


antes é mentira, era só uma desculpa para conseguir o seu contato.

— Para quê? — É incrível como ela leva isso como se fosse um


extremo absurdo. Será que nunca um cara pediu o seu telefone antes?

— Para conhecê-la melhor, um jantar talvez — sugiro.

A garçonete solta um riso debochado com mais uma gargalhada que me


irrita. Será que ela acha que sou algum tipo de palhaço? Gosto de fazê-las rir,
mas não com escárnio.

— Por acaso o meu nariz está pintado de vermelho? — indago sério,

logo ela para de rir.

— Não, mas você é muito engraçado, desculpe.

— Pare de se desculpar! — Isso chama a sua atenção, logo fica séria.


— Quero o seu número agora. — Meu tom sai um tanto quanto exigente.

— Não. — Nega outra vez.

— Por favor... — Sorrio charmoso, suavizando a fala.


— Não! — É incisiva.

— Não tem problema, eu consigo. — Sorrio outra vez.

Ela parece não acreditar na minha insistência. Olha para os lados,


suspira e responde:

— Só quero ver tentar. — Me desafia, se afastando.

— Aaah, eu adoro um desafio! — declaro, fazendo-a me olhar ainda de


costas, sobre o ombro, sem entender as minhas intenções. Seus passos se
apressam para longe, fugindo, como se tivesse medo de ceder.

Realmente estou surpreso com a sua negativa assim de primeira, achei


que com ela seria muito mais fácil. Já aconteceu esse tipo de resistência
antes, sei que só preciso insistir mais um pouco. Noto outra garçonete
abordando o meu alvo, olhando para mim sorrindo, com certeza falando a
meu respeito, e as duas juntas somem para os fundos do bar.

Retorno para os meus amigos tentando esconder a minha insatisfação.

— E então? — Dominique não perde tempo em perguntar.

— Oh, meu caro Dom, sei que está ansioso para ter a minha moto de
volta, mas sinto muito em lhe dizer que hoje ela vai para a minha garagem.
Inclusive, vim de Uber só para sentir o gostinho de pilotá-la — provoco-o,
bebendo um pouco da minha cerveja que agora está quente.

Dom rosna, fechando a cara ao me ouvir, parecendo até uma fera.


— Não sei não, hein, doutor. Assisti com atenção a sua performance
daqui e a garota não me pareceu muito convencida. Na verdade, ela pareceu

te dar um belo não. — Bernard me alfineta.

— Esse caminho já é conhecido por todos nós, Ben. Esse não logo mais
irá se transformar em um sim. — Estou confiante.

Bernard ergue as mãos em sinal de rendição, calando-se, ele e os outros

sabem que não podem me subestimar, assim como também não os subestimo.
A gente brinca, se provoca, mas sabemos o poder que temos com as
mulheres. Já fizemos isso muitas e muitas vezes, por isso mesmo que não
estabelecemos um tempo exato para as conquistas, exceto com a última, já
que valia o bem mais precioso de Dominique.

— Já cansei de tanta baboseira, vou para o bilhar, quem me


acompanha? — Convida Pierre, erguendo-se.

— Eu vou, porque se ficar mais alguns segundos aqui sou capaz de

cometer um homicídio. — Dom me ameaça, fazendo a todos nós rir.

— Olha, alguém quer entrar para o rol de criminosos. — Zombo.

— Não irá nos acompanhar no bilhar, Esteban? — indaga Bernard.

— Não, vou ficar por aqui.

— Certo — Pierre concorda, se afastando com os outros dois.

Aproveito que estou sozinho e ergo a mão para o bartender, mostrando


a caneca ao fazer um novo pedido. Ele que já está acostumado com o gesto,
entende assentindo. Por sorte, quem vem me servir é a garçonete que estava

conversando com aquela que me fará ganhar dez por cento a mais de direito
sobre o escritório.

— Boa noite — cumprimenta-me, sorridente e educada, servindo-me


com o novo Chopp e pegando a caneca com a bebida quente.

— Boa noite, linda. Posso te fazer um pedido? — A pego de surpresa.


— Será que pode me passar o nome e o número da sua amiga?

— E por que eu faria isso? — Ela ergue uma sobrancelha, se


divertindo.

— Porque acho que gostaria de ajudar um homem que tem ótimas


intenções com ela.

— Engraçado, a sua cara diz totalmente o contrário. O senhor exala


perigo para a minha amiga, e acho que não quero facilitar para que ela corra

este risco.

— Ah, mas quando estou interessado em uma mulher fico realmente


perigoso... no bom sentido é claro.

Ela gargalha, baixando a guarda.

— Vai, me ajuda, por favor. — Faço biquinho.

— Sinto muito, mas...


— Que tal uma gorjeta alta? — A pego de surpresa outra vez, retirando
a carteira do bolso, mostrando-lhe as notas de euro.

— Nossa, que jogo baixo. — Fica tentada, seus olhos brilham quando
miram a grana.

— Não meço esforços para conseguir o que quero.

— É tentador, mas prefiro a minha amiga. Terá que se esforçar mais.


— Faz menção em sair, mas a seguro pelo pulso com delicadeza.

— Diga à senhorita “sem nome” que não vou desistir. — Pisco, a


fazendo suspirar, engolir em seco e saindo em seguida.

Bebo um pouco da cerveja sorrindo. É, parece que esse jogo vai ser
divertido. Quanto mais difícil, mais longo será o meu entretenimento. Gosto
mais dessas que dizem “não” de início, porque é muito empolgante quando
depois estão totalmente rendidas e gritando “sim”.

Concluo que por hoje já foi o suficiente, não quero me transformar em


um incômodo, é melhor parar e planejar os próximos passos. Vou jogar bilhar
com os meus amigos, nos divertimos bastante como sempre. Nesse meio
tempo, vejo a garçonete gordinha várias vezes, ela finge que não estou
presente, mas hora ou outra nossos olhares se batem.

Quando decidimos ir embora, Dominique chora para finalmente me


entregar as chaves da Speed Triple, mas acaba cedendo.
— Não se preocupa, logo papai vai te pegar de volta. — Dom beija o
tanque da moto, fazendo um papel ridículo, bêbado. Eu e os outros

gargalhamos.

— Vamos, seu tolo! — Bernard o puxa pelo braço até o seu carro.

— Não... — Dom choraminga, mas não me comove. Sempre quis essa


máquina!

Os dois se vão, sento no topo do meu prêmio.

— Que noite... vocês são ridículos, mesmo assim sempre me divirto


muito — comenta Pierre.

— Desde a universidade, amigo. — Relembro.

— Pois é. — Seu sorriso morre, como se lembrasse de algo que o deixa


reflexivo.

— E como vai com a Camille? — indago, sei que o casamento dele não

anda bem.

— Nós fizemos as pazes e pretendemos sedimentar isso neste fim de


semana. Será o nosso aniversário de casamento, queremos receber amigos em
nossa casa. Conto com a sua presença.

— Pode deixar que apareço e ainda levo um presente. Vou lá dar essa
força, torço muito por vocês — afirmo, pondo a mão em seu ombro.
— Agradeço, meu amigo. Nos vemos no sábado à noite, então.

— Certo — confirmo, o vendo entrar em seu carro e partir.

Ponho o capacete, ligo a moto, olho uma última vez para o Le Loup,
vendo a garçonete trabalhando. Ela parece ser atraída por um imã, seu rosto
novamente vira em direção ao meu, trocamos um olhar rápido, momento em
que confirmo que está interessada, por mais que me diga que não.

Vou embora em alta velocidade, fazendo o motor da streetfighter


roncar poderosamente. Vibro com o vento batendo em mim, a sensação de
liberdade e adrenalina. É tudo que preciso.
ESTEBAN JAVIER

Do alto da escada, vi meu pai gritar e sofrer, mirando-me com o olhar


julgador. Através do seu olhar, sabia que eu era o culpado. Fiquei muito aflito
por dentro, em choque, as minhas pernas enfraqueceram de um modo que me
fizeram cair para trás no chão, mirando o teto, achei que estava ficando tonto.

Mateo finalmente reapareceu se aproximando. Ele me balançou pelo

braço, chamando o meu nome preocupado, sua voz estava distante. Notei que
enfim percebeu o que aconteceu, olhando o que eu fiz e ficou aterrorizado,
indo para o piso inferior depressa, me deixando ali em cima sozinho.

Acordo do pesadelo ofegante, saindo do tormento que sempre me


persegue, que abre as minhas feridas. Vejo o relógio, já é de manhã, bem na
hora de ir para a academia. Tomo um banho rápido, visto a minha roupa e
sigo para lá, extravasando os sentimentos ruins na esteira onde corro feito
louco.

A mesma mulher da outra vez está aqui, me comendo com os olhos,

mas o meu humor está péssimo e não dou atenção, vindo embora assim que
concluo o treino.

Minha paz interior se renova um pouco ao chegar no escritório. Estou


sentado à minha escrivaninha enquanto Chloé me atualiza da documentação

que preciso averiguar no dia.

— Certo, certo. Mais alguma coisa? — indago a ela.

— O doutor Dominique deixou isso aqui assim que chegou. —


Entrega-me uma carta que já me faz sorrir.

— Tudo bem, linda, pode ir. — Dispenso a estagiária, que se vai


fechando a porta.

Abro o envelope formal, encontrando uma mensagem ridícula:

Sinto que a garçonete fará você de patinho.

Está demorando demais, doutor.

P.S.: quero a minha moto!

Gargalho, o respondendo no verso da folha ao escrever:


Lobos não viram patos, pelo contrário, os devoram!

Mas lhe permito ter esperança, afinal... ela é a última que morre!

Atte. Ethan Hunt

Dobro o papel, guardo novamente dentro do envelope, chamo Chloé


pelo celular e entrego a carta, ordenando que a jogue por baixo da porta da
sala de Dom.

— Sim senhor! — confirma ela, indo depressa fazer o que mandei.

Giro na cadeira, pensando na garçonete que ainda não sei o nome, mas
que terei que conquistar. Faz dois dias que não vou ao Le Loup. Hoje farei
uma nova visitinha!

Assim, quando deixo o trabalho no fim do dia, vou em casa, preparo

um jantarzinho gostoso e rápido que degusto com apreço. Modéstia à parte,


me tornei um excelente cozinheiro e não sou só eu que digo isso, outras
pessoas já confirmaram.

Visto uma camiseta preta, calça jeans e jaqueta de couro, penteio o


cabelo loiro, ponho perfume e sigo para o bar em minha moto, me sentindo o
verdadeiro Tom Cruise.
Quando entro no estabelecimento, não vejo a mulher de meu interesse,
mas vejo outras que me chamam a atenção de imediato, cuja troca de olhar

promete uma foda louca a noite inteira, porém tenho que me concentrar. Levo
os meus negócios a sério, é por isso que para eu perder uma aposta é raro.

Aproximo-me do balcão, sentando-me na banqueta e assim que o


bartender termina com um cliente, me dirige toda a sua atenção e gentileza

de sempre:

— Sim, chefe, o que vai querer hoje?

— O meu Bourbon de sempre, mas antes quero saber o nome de uma


garçonete — declaro, vendo quando as suas sobrancelhas se erguem.

— Ah... se for a que estou pensando, ela me proibiu de... — Abro a


carteira e ponho uma nota alta sobre o balcão, o calando.

— E então? — Sorrio.

— Madeleine — afirma, tentando pegar o dinheiro, porém o impeço.

— E o telefone?

— Ah, sim, mas não diga que foi eu...

— Nem pensar, segredo absoluto só nosso. Aliás, ela já chegou? —


pergunto.

— Sim, está na cozinha — informa, enquanto mexe em seu celular,


procurando o número dela.

— Ela tem namorado?

— A Madeleine? — Ele acha a minha pergunta engraçada, pois trata


como se fosse algo impossível. — Não que eu saiba.

— Por que esse sorriso? Por acaso ela é lésbica? — Ergo uma

sobrancelha.

— Acho que não. É só que... nunca a vi com homem algum. — Se


justifica.

Saio do balcão e ocupo uma mesa, retiro o casaco e ponho nas costas da
cadeira ao lado, esperando Madeleine aparecer. Não demora muito, ela surge
com a sua clássica bandeja pela porta da cozinha, os cabelos mal arrumados,
o uniforme que não a valoriza em nada. Realmente não faz o meu tipo, acho
que nunca transei com uma mulher igual a ela, mas tudo tem a sua primeira
vez.

A garçonete nota a minha presença, seu semblante demonstra surpresa,


mas rapidamente disfarça, desviando os olhos da minha imagem. Espero ela
terminar com os clientes e ligo para o seu celular. Vejo-a pegar o aparelho do
bolso, verificar a tela com aquela cara de quem não reconhece o número.
Torço para que atenda, então atende.

— Alô? — Sua voz desconfiada vem até o meu ouvido.


— Eu disse que ia conseguir o seu número. — Meu tom é um tanto
quanto vitorioso.

— Quem está...? — Chocada, vira-se em minha direção, descobrindo-


me. Aceno para ela.

— Boa noite, baby. Já tenho o seu telefone, agora só falta marcarmos


um encontro.

— Quem foi o filho da...?

— Cuidado com a língua...

— Quem te deu o meu número?

— Já sei também, que você não tem namorado e que não é lésbica,
então, qual é o problema?

Novamente recebo o seu olhar de choque.

— Não me ligue mais!

— Por favor, não desligue, quero fazer um pedi...

A ligação corta antes que eu possa falar mais alguma coisa. Viro a
caneca de cerveja até secar e ergo a mão para o barman que já sabe o que
fazer. Faço-o entender que quero que coloque Madeleine para me servir, ele
atende ao meu pedido sorrindo, se divertindo com a situação ao chamá-la.

Fico observando o desconforto dela em querer vir até mim, mas as


outras garçonetes estão ocupadas, ela acaba cedendo por falta de opção, isso

me empolga.

— Aqui está, senhor. — A sua voz desgostosa é evidente enquanto me


serve. — Algo mais?

— Conhece algum restaurante da Torre Eiffel? — ignoro o seu


semblante de quem me odeia. Ela suspira irritada e me dá as costas. — Quero

alguns petiscos! — falo antes que se vá, a obrigando a voltar emputecida. —


O que sugere? — Sou muito descarado.

— Não sabe escolher?! Não sabe o que quer?! — É arrogante, mas não
me atinge.

— Bom, nesse momento eu quero só você. — Pisco para ela, a


desarmando inteirinha.

A jovem suspira perplexa, desconcertada com a minha cantada entoada


por minha voz sensual e responde:

— Não sei se sabe, mas não faço parte do cardápio. Não estou à venda!

— Não quero comprá-la, quero que me dê de bom grado... — ela


esbugalha os olhos, eu também. Puta merda, falei besteira!! — Quer dizer...
que me dê... uma oportunidade de jantar comigo. — Tento me corrigir, mas é
tarde demais, Madeleine está a ponto de explodir.

— Eu poderia dar um tapa nessa sua cara! — ameaça. Apesar da raiva,


ela não altera o tom de voz, nem eu, conversamos sem chamar a atenção do
resto do bar que está com o movimento rotineiro.

— ‘Tá, eu deixo bater, mas tem que ser com carinho — ironizo, ela
sorri desacreditada. Issooo, a fiz sorrir! Até que tem um sorriso bonito de
verdade.

— Se não vai fazer a droga do pedido, então vá a merda! — sussurra,

inclinando o rosto em minha direção, levo o meu para mais perto ainda do
dela.

— Só mais um pouquinho, e... — Meu hálito quente bate contra os seus


lábios carnudos e rosados, ela fica nervosa e se afasta desconcertada. Estou
adorando isso!!

— Gillipollas! — Ela me xinga de babaca em espanhol,


surpreendendo-me.

— Sólo un poquito — rebato, fazendo sinal de “pequeno” com o

indicador e o polegar.

Madeleine fica estarrecida ao perceber que compreendi muito bem o


seu espanhol e foge das minhas vistas. Gargalho, adorando esse momento que
passamos dialogando de forma saudável. Estou gostando da brincadeira,
mas... ao ouvi-la falar a minha língua nativa, tive a impressão de que já a vi
antes.
Ora, ora, que contradição! O feitiço virou contra o feiticeiro e a
desculpa que usei dias atrás para abordá-la, agora se tornou uma verdade.

Bebo meu Chopp e fico buscando na mente de onde conheço essa mulher.
Faço uma busca intensa, mas não me recordo, sou particularmente péssimo
de memória!

Sei que o Le Loup hoje fecha mais cedo, então deixo o tempo passar

enquanto bolo o próximo passo, não vou desistir agora que já senti o cheiro
da atração da garçonete por mim. Sim, ela quer, mas não vai se entregar fácil,
já deixou isso bem claro. Assim, não mexo mais com Madeleine. Ela fica
passando por mim me ignorando, resolvo não ser mais inconveniente e
permitir que termine o expediente em paz.

Sou um dos últimos a sair, a rua está até pouco movimentada, sento de
lado na minha moto, cruzando os braços, de frente para o bar, esperando
Madeleine aparecer. Mais alguns minutos e ela surge de braços dados com a

sua amiga, aquela com quem falei dias atrás.

Elas tentam fingir que não estou aqui, contudo não permito:

— Quer uma carona, baby? — falo em alto e bom tom para que não
haja a desculpa de não ter me escutado.

Ambas param e me olham, a amiga gargalha enquanto Madeleine troca


faíscas comigo em um olhar desafiador.
— Amiga, vou te falar, esse cara é insistente — fala a magrinha do
cabelo preto.

— Eu disse para você avisar a ela que não vou desistir — reafirmo, não
retirando os olhos do meu alvo.

Madeleine respira fundo, estou preparado para ouvir mais um desaforo


seu quando escuto o contrário:

— Tudo bem, você venceu — diz, me fazendo arquear as minhas


sobrancelhas. Até a sua amiga fica embasbacada.

Ah, Droga! Acabou a brincadeira, estava tão bom! Penso. Mas é


melhor que seja agora mesmo, assim Dominique irá parar de vez de duvidar
da minha capacidade ou de apostar o que não deve.

— Está falando sério? — Sorrio, ainda desconfiado dessa aceitação


repentina.

— Não era o que queria? — pergunta, fico sem resposta.

— Você vai com ele? — indaga sua amiga, desacreditada. — Mas nem
o conhece! Porém não julgo. — Me fita saliente.

Madeleine me examina novamente, como não reajo, fala para a colega:

— Vamos, Amélie, como eu esperava, era só conversa furada. — Faz


menção em sair.
— Espere! Não era conversa furada. Pode vir. — Sento da forma
correta na Streetfighter.

Madeleine se separa da amiga e vem em minha direção.

— Meu Deus! — Amélie não consegue esconder a surpresa.

— Ah... acho que está só esquecendo de uma coisa, querido — afirma a

garçonete.

— E o que seria? — indago, desconfiado.

— A sua jaqueta ficou lá dentro.

— Hm, é verdade. Vou pegar, mas não saia daqui.

— Claro que não. — Sorrir como um anjinho. Está no papo!

Entro no Le Loup, sigo até a mesa onde estava, pego a jaqueta ainda
sobre as costas da cadeira, visto-a e quando retorno para fora não encontro
mais as garotas. Avisto as duas correndo de mãos dadas para longe,

gargalhando.

Tenho uma ideia, subo na moto rapidamente com a intenção de


alcançá-las. Chego a dar a partida e sair quando noto algo estranho que me
faz parar.

— Ah não! Você não furou os meus pneus, não! — Estaciono e


observo o estrago, as duas rodas furadas, secando rapidamente. — Puta que
pariu!! — exclamo, irritado. Agora ela me deixou irritado!! — E agora como

vou embora?!! — pergunto-me em voz alta, pondo as mãos na cabeça! Vejo

as duas moças bem distantes, sumindo por uma esquina. — ISSO VAI TER
RETORNO!! — berro, em seguida me dou conta do que aconteceu e
gargalho de desespero.

Ouço meu celular apitar, pego-o rapidamente, abrindo a mensagem que

diz:

Tchauzinho, BABACA!!!

Dessa vez ela me xingou em francês mesmo. Ao invés de aumentar a


minha raiva, aumentou a minha adrenalina e interesse nesta garçonete! Sorrio
admirado, será que dessa vez encontrei alguém à altura? Eu estava
enganado... o jogo não acabou, ele está só começando!
MADELEINE FERNANDEZ

Corro a todo vapor com Amélie para longe do bar e para ainda mais
longe do imbecil do advogado. Nós ouvimos ele gritar alguma coisa assim
que dobramos a esquina. Paramos em gargalhadas, de mãos dadas, ofegantes.

— Não consigo acreditaaar! Você enlouqueceu de vez! — Amélie está


em polvorosa, porém não mais que eu.

— Afinal o estilete que guardo na bolsa finalmente serviu para alguma


coisa, não? — indago, tentando controlar a respiração, encostando no muro e
olhando cuidadosamente para a imagem do loiro atrevido que está cercando
sua moto sem saber o que fazer.

— E agora, como é que o gostoso vai embora? Tadinho. — Ela não se


decide de que lado está.
— Tomara que assim ele aprenda a me respeitar e deixar em paz!
Vamos, senão perderemos o nosso trem. — Puxo a mulher pela mão, temos

que chegar à estação.

Já no metrô, enquanto seguimos viagem lado a lado, Amélie — como


já era de se esperar —, começa a me interrogar:

— Já te falei isso e vou falar de novo! Há duas coisas que não entendo:

a primeira, é o que te fez mudar da água para o vinho, porque você poderia
até dizer “não”, mas não chegaria a fazer maldades desse tipo com um
gostoso daqueles. A segunda é, por que não dar uma chance para ele? Se não
quiser, eu quero!

— Você quer todo mundo, Amélie! — rebato, sorrindo.

— Todo mundo que me quer, é diferente. Aliás, todo mundo não,


porque o advogato quer só você, não foi isso que ele disse? — Ela fica me
tocando, provocando-me e divertindo-se com isso.

— É mentira! Não pode ser verdade! Ele não me convence! — afirmo,


um pouco mais séria, refletindo sobre a questão.

Minha amiga suspira, fazendo um bico de insatisfação.

— Ah, é claro, como pude me esquecer? O único homem que te quer é


aquele otário do Vincent! — replica. Fico calada, recordando do que
aconteceu e que ainda não tive coragem de dizer a ela. — O que foi? —
Minha amiga nota o meu semblante entristecido. — Ah, por favor, já era para
ter se acostumado comigo xingando ele!

— Não é isso, agora sei que ele é um idiota mesmo. Um otário... um


babaca! Pior ainda que o advogado — desabafo, mirando Paris pela janela.

— O que foi que ele fez? — A voz dela é preocupante. — O que aquele
cana...?

— Ele deu o meu presente para a namorada dele — disparo, sentindo


como se houvesse uma pedra na minha garganta.

— Nããããoo!! — Fica em choque.

— Sim. Acho que é namorada... sei lá o que ela é. Não sei por que me
surpreendi, ela tem corpo de Barbie, faz muito bem o estilo dele, eu fui uma
exceção — concluo.

— Ai que ódio! — rosna Amélie! — Amiga, você tem que se vingar!

Sorrio em deboche.

— E como sugere que eu faça isso? — inquiro.

— Cortando o pênis dele fora e jogando para os abutres! — diz


vingativa, os seus globos brilhando só de imaginar.

— O quê? — Gargalho. — Enlouqueceu? Em que século você vive?

— Ele já tinha te usado e descartado, não poderia ter te humilhado!


Não poderia ter feito como o idiota do meu ex fez comigo!

— Ele não fez isso na minha frente, eu o segui e vi quando colocou a

pulseira que custou dois meses do meu sacrifício no pulso da outra — conto.

— Mesmo assim, foi uma humilhação! Com isso o Vincent apenas


deixou bem claro...

— Que só queria me comer e tirar a minha virgindade — completo,


Amélie se cala por alguns instantes.

— Exatamente — concorda.

— Foi isso que me fez acordar de vez para o mundo real, amiga. É por
isso que não posso baixar a guarda para aquele arrogante do bar, seja lá qual
for a verdadeira intenção dele. Não consigo mais confiar nos homens, não
consigo mais ser a romântica incurável que eu era até dias atrás. Ainda mais
agora, que estou no último semestre da faculdade e vou me formar. Tenho
que focar no meu futuro e os homens que se fodam!

— Concordo com isso, apesar de saber que provavelmente você não vai
conseguir viver sem um pênis.

— Nossa, como você é suja, Amélie! — reclamo. — Não quero mais


pensar nisso agora. Não quero pensar nisso por muito tempo. Tenho as
minhas ambições profissionais e você sabe.

Ela parece não me escutar, está focada em algo desconhecido,


pensando bastante, até que exclama, assustando-me:

— O Advogado!!

— O que tem ele?

— Por que não o usa para se vingar do imbecil do Vincent? — Ri,


empolgada. — É isso!! O otário vai enlouquecer quando te ver ao lado

daquele loiro gostoso dos olhos azuis!!

— Pode parar. — A corto, desgostosa só de imaginar essa situação.

— Amiga, vai ser demais! Para e pensa!!

— A resposta é nããão! Será que você não consegue ver que aquele cara
não quer nada comigo?

— Por que não poderia querer?! Só por que você é gorda? — Me fuzila
com os olhos.

— Óbvio! — concluo, sem a menor vergonha. — Ele parece que não

lembra que trabalho ali e já o servi várias vezes e que, inclusive já o vi


paquerando inúmeras clientes, todas fisicamente muito diferentes de mim...

— E daí?? Ele pode ter mudado de gosto! Pode estar cansado de comer
só pele e osso!

— Nossa, como você é vulgar...

— Talvez ele queira algo mais... suculento... mais palpável, mais


fofinho! — Me faz cócegas, entramos em um conflito bobo no momento em

que tento afastá-la de mim às gargalhadas. — Talvez ele queira caaarne,

Madeleine! O homem quer caaaarne! — Faz uma voz pavorosa, como se


fosse um monstro devorador.

— Sai, sua maluca!! — Morro de rir. Conversamos tanto que a viagem


passa rápido e logo estou em casa.

Jogo-me na cama pensando em tudo o que aconteceu nos últimos dias.


É claro que o que Vincent fez me chocou muito, mas a insistência do
advogado em supostamente tentar algo comigo está me deixando muito
intrigada.

O que será que ele quer? A minha cabeça paranoica pensa em tudo,
menos na possibilidade de ele estar mesmo a fim de mim. Homens como ele
não saem com garotas feito eu. É muito raro, a conta não bate. O cara é lindo,
passa poder, riqueza e sofisticação, sempre pegou as mulheres mais bonitas

que já apareceram no Le Loup, por que diabos ele, de repente, olharia para
mim?

Por um lado, desconfiar que tudo é uma farsa me conforta, porque é


algo mais crível e lógico, mas por outro... pensar que é verdade, me abala.
Enquanto eu estava fissurada no Vincent, não conseguia olhar para outro
homem, mas... quando o loiro chegou com o rosto bem perto do meu, me
deixou nervosa. Nervosa de verdade.

Minhas pernas tremeram quando senti o seu hálito quente em meus

lábios, seus olhos com aquele azul-glacial me consumindo, seu perfume


másculo e diferenciado invadindo as minhas narinas. Ah, nossa! Foi como se
tudo aquilo que parecia mágica apenas quanto a Vincent, se esvaísse e desse
lugar para outra coisa muito mais impressionante!

Eu realmente adoraria ter a sensação de sentar na garupa daquela


supermoto, mas..., meu sexto sentido agora fala bem mais alto, mais do que
nunca! Além disso, mesmo não querendo, o canalha do Vincent ainda é
alguém especial.

Ainda tenho sentimentos por ele, não é fácil superar, estou nesse
processo há mais de seis meses. Toda vez que lembro do que o vi fazer dói,
dói demais, mas me dá ainda mais força para querer esquecê-lo. E eu vou!

Tomo um belo banho, a minha barriga ronca avisando que preciso mais

uma vez assaltar a geladeira! Caminho de pijama pela pequena casa


silenciosa, pensando se o meu irmão está acordado pintando em seu quarto.
Provavelmente não, pois, na maioria das vezes quando me ouve chegar, vem
até mim.

Chego até a cozinha escura, andando delicadamente como se estivesse


pisando em ovos, temendo fazer algum barulho que acorde a minha mãe, que
já me flagrou algumas vezes e aproveitava o momento para me dizer que eu
iria explodir por fazer isso, como se ela não fizesse igual.

O problema dos parentes é que, a intimidade os faz pensar que qualquer


coisa de ruim que saia da boca deles, não é tão ruim assim. Uma crítica ao
meu corpo, aos meus modos, roupas e outras coisas, aqui em casa é quase
cultural. Desde que me entendo por gente, dona Martina sempre foi assim,

nunca mudou nem mudará. Ao seu ver, as suas palavras não me machucam,
pelo contrário, são críticas construtivas.

Abro a geladeira que ilumina a cozinha. Sorrio ao ver a quantidade de


coisas que tem para comer, esse é o lado bom de morar com cozinheiros,
sempre há fartura em casa. Quando faço menção em pegar uma marmita,
assusto-me ao ouvir a voz às minhas costas:

— Você está presa por assaltar a geladeira, mocinha! — diz papai,


ligando a energia. Com a luz, conseguimos trocar olhares.

— Ai, que susto, pai! — Ponho a mão no peito, enquanto ele ri. Minha
voz sai em tom baixo, para não ser escutada além dele.

— Flagrada! — afirma no mesmo tom, encostando-se na pia, onde pega


sua long neck.

— Ainda com a mania feia de beber no breu? — indago, cruzando os


braços o encarando.
— Ainda com a mania feia de assaltar a geladeira na madrugada? —
Repete os meus movimentos e caras.

— Sim — confesso, pegando a minha marmita e pondo-a sobre a mesa


onde, logo após capturar os talheres na gaveta do armário, sento-me para
comer. Papai senta-se defronte.

O observo melhor, ele não diz mais nada, está com o olhar distante, o

sorriso já foi embora e o semblante de que algo está o incomodando não


consegue ser disfarçado, apesar de estar tentando.

— O que houve? — indaga-me, fingindo-se de desentendido. — Por


que me olha assim?

— Eu que pergunto, o que houve. Por que essa cara? Por que ficar aqui
sozinho?

— Como foi o seu dia? — Tenta mudar de assunto.

— Não..., perguntei primeiro. Vamos, papai, diga — exijo.

— Foi o seu irmão.

— O Timothée? — Paro de comer imediatamente, atenta.

— Sofreu bullying na escola de novo, mas dessa vez foi mais grave. —
Está triste ao contar.

— Como assim mais grave? — Estou com medo da resposta.


— Ele foi empurrado por um garoto da turma e se machucou quando
caiu.

Levanto-me, perplexa e já sendo consumida pela raiva.

— Acalme-se, eu e sua mãe já resolvemos tudo. O ferimento não foi


grave, apenas um arranhão no braço, mas a confusão que eu e principalmente
a sua mãe fez naquela escola por causa disso, vai entrar para a história.

Sento-me novamente, um pouco mais calma.

— Posso imaginar. — Conheço a dona Martina quando está puta da


vida, meu gênio é tão forte quanto o dela. Falamos muita merda quando
estamos com ódio. — É óbvio que esse garoto irresponsável sabe que
Timothée é autista.

— Sim, isso com certeza. Todos na escola sabem, foi por prever
situações como essa que resolvemos desde o início informar sobre o autismo
dele, não para que o tratassem diferente, mas sim para que o tratassem como

ele deve ser tratado, de maneira especial. Também pelo respaldo que
poderíamos ter.

— E espero que tenha acontecido respaldo neste caso. — Meu tom sai
em exigência.

— Sim, houve, a diretora e a professora souberam tratar de modo


correto a situação. Entretanto, discutimos feio com os pais do fedelho que
empurrou o Timothée, ele recebeu uma punição, vai ficar sem ir à escola por
alguns dias, mas não conseguimos expulsá-lo. A diretora nos propôs mudar o

Timothée de turma, porém é claro que recusamos, primeiro, que se alguém


tem que sair é o moleque, segundo, que o nosso filho ficaria louco com a
mudança de rotina, você sabe.

— Deus..., não quero nem pensar. — Volto a comer, mastigando a

deliciosa refeição. — Ai, que ódio desse menino..., que raiva! Timothée já
está dormindo?

— Deixei-o na cama, espero que ainda esteja nela, você sabe como ele
é na madrugada, ainda mais em um dia agitado como foi hoje — comenta
papai, parece exausto. Então me oferece cerveja.

— Se minha mãe souber... — digo, pegando a garrafa.

— A sua mãe tem que parar de tratá-la como se ainda fosse uma
criança e você tem que parar de ter medo de se impor a respeito disso. Não

posso continuar lutando essa guerra sozinho, tem que me ajudar.

— É inútil, pai, ela não vai mudar — digo após tomar um gole do
álcool.

— Então vai querer ser tratada por ela assim a vida inteira?

— Quando eu me formar e passar a morar sozinha, vai ser diferente —


conto-lhe o meu plano.
— Mas todas as vezes em que ela te encontrar continuará do mesmo
jeito. Você enfrenta a todos, menos à sua mãe. Não deve faltar com respeito a

ela, claro, mas também não pode deixar que ela fale e aja contigo como
quiser. Não basta apenas eu reclamar, a sua voz tem que ser ouvida também.

— Eu sei..., mas estou cansada de tentar ser ouvida aqui, pai. Acho que
me basta o senhor e o Tim — confesso, cansada deste assunto, entristecida ao

relembrar dos conflitos que sempre tive com dona Martina.

O senhor Nicollas fica calado, sabe que de certa forma tenho razão,
tentar mudar mamãe é como dar murro em ponta de faca. Eles dois também
têm os seus desentendimentos. Sei que ele já pensou em divórcio algumas
vezes, — coisa que eu não gostaria que acontecesse —, mas desiste por causa
de mim e principalmente por meu irmão.

Coloco a mão sobre a sua.

— Mas o senhor e ela estão bem? — indago.

— Estamos tentando, querida. A Martina é uma pessoa muito difícil...


muito difícil — comenta, com o olhar distante.

Suspiro e não digo mais nada, preferindo não me meter, pois este é um
terreno perigoso. Termino de comer, lavo a louça e abraço o meu papai por
trás enquanto ainda está sentado, o beijando na cabeça.

— Vamos, o senhor tem que dormir. Chega de tristeza.


Ele termina de beber, largando a garrafa sobre a mesa levantando-se,
abraça-me forte e diz o que sempre costuma dizer:

— Você foi um presente de Deus em minha vida — declara.

— O senhor sempre diz isso — afirmo sorrindo, enquanto meu rosto é


acariciado por suas mãos calorosas, com o perfume de vários legumes
frescos, os quais manuseia todos os dias.

Caminhamos até o corredor dos quartos, sigo o ritmo dele que manca
devido ao incidente que teve enquanto era policial.

— Boa noite, vou dar uma olhada no Timothée — aviso-o, beijando-o


uma última vez, seguindo para o quarto do meu irmão.

Por incrível que pareça, encontro-o dormindo, o que é raro, já que


geralmente dorme pouco à noite. Isso só prova o quanto o dia deve ter sido
estressante para ele. Aproximo-me da cama com todo o cuidado do mundo,
sentando-me ao seu lado, puxando seu cobertor delicadamente em busca do

ferimento no braço.

Então encontro a vermelhidão no antebraço, na região próxima ao


cotovelo. Por mais que não seja grave, isso me toca. Fico tocada
profundamente por saber que sempre haverá alguém mal no mundo que fará
o meu irmão sofrer, seja com preconceito, com comentários malignos ou
indiferença, enfim. Sei disso porque vivi e vivo essa realidade na pele dia a
dia.

Meus olhos brilham, mas seguro as lágrimas, acariciando os cabelos

castanhos e revoltos de Timothée. Fico com ele por algum tempo, até ir para
o meu quarto.
MADELEINE FERNANDEZ

No outro dia, saio de casa direto para o hospital onde faço estágio, acho
que ainda não contei para vocês, mas sou acadêmica de fisioterapia, a coisa
que mais amo fazer na vida e na qual pretendo crescer. Fico na área de
reabilitação, a que mais gosto, pois pretendo me especializar em fisioterapia
traumato-ortopédica.

Quando entro em uma das salas, os pacientes sorriem, pois já me


conhecem. Muitos gostam e exigem ficar comigo. Aqui abordamos condições
como fraturas, entorses, amputações, lesões neurais e miotendíneas.

Começo a trabalhar assim que converso com uma das médicas,


iniciando pela cinesioterapia, que são os exercícios fisioterapêuticos,
atingindo objetivos de acordo com as necessidades de cada paciente. Alguns
precisam restaurar a mobilidade, outros a força, resistência, trofismo e daí por
diante.

Ao me deslocar para outra sala, no meio do caminho avisto Vincent aos

beijos com a mesma garota para quem deu o meu presente. Escondo-me
rapidamente para não ser vista, observo com dor o entretenimento deles ao
ficarem às escondidas, mas não me permito permanecer nesta tortura,
mudando a rota em seguida.

Só que isso, sem querer já estraga o meu dia. A imagem do casal fica
grudada em minha mente. O pior é que a garota ainda está usando a pulseira
que dei para ele, o que me causa um ódio desmedido. Uma coisa é certa: se
eu não sentisse mais absolutamente nada por aquele otário, não doeria tanto.

Tento me recuperar, quando mais tarde sigo para o Le Loup, pois sei
que terei que absorver toda a calma do mundo para lidar com o arrogante do
Maurice e a correria rotineira do bar. Contudo, invento de ouvir Corazon
Partío de Alejandro Sanz durante a viagem, o que acaba comigo! Fico triste

até chegar ao bar, principalmente no refrão da canção que diz:

¿Quién me va a entregar sus emociones?

¿Quién me va a pedir que nunca le abandone?

¿Quién me tapará esta noche si hace frío?

¿Quién me va a curar el corazón partío?


¿Quién llenará de primaveras este enero,

y bajará la luna para que juguemos?

Dime, si tú te vas, dime cariño mío,

¿quién me va a curar el corazón partío?

Após algum tempo trabalhando, sem entender o porquê, lembro do


advogado convencido. Onde ele está? Pelo jeito não vem hoje, por enquanto
não. Amélie se aproxima em um instante e pergunta com um sorriso irônico:

— Será que o loiro gostosão vai aparecer? — Empurra-me com o


ombro.

— Espero sinceramente que não — afirmo, cabisbaixa.

— O que foi que houve dessa vez?

— Nada! Vamos trabalhar. — Sou grossa, afastando-me dela antes que

me interrogue mais um pouco.

No final de semana, no sábado de manhã, aproveito a minha folga para


convidar Timothée para dar uma volta no parque Buttes Chaumont, que é
considerado um dos maiores de Paris e, ao meu ver, o mais bonito. Sempre
amei aquele lugar, mas já faz um bom tempo que não o visito.

Além disso, será bom para que os meus pais tenham um tempo só deles

e aproveitar para conversar ou resolver seja lá a crise que estejam passando.


Bom, pelo menos é o que espero. Nenhum deles me pediu isso, mas o clima
entre ambos está estranho e sei que por vezes é muito estressante cuidar de
um autista, porque, apesar do meu irmão ser inteligente, ainda precisa de

ajuda para tomar banho fora outras coisas básicas.

Também quero distrair Tim, após o triste episódio que teve na escola
essa semana. Sábado e domingo são os únicos dias que consigo dar mais
atenção a ele, por isso gosto de levá-lo para passear, principalmente para
parques ambientais, algo que amo.

Estou em meu quarto em uma nova crise do que vestir. Fico olhando-
me no espelho, vendo o quanto o short que ousei experimentar contorna as
minhas coxas grossas e molda o meu bumbum gigantesco. É tão difícil ser

feia e gorda! Queria tanto possuir a autoestima das mocinhas plus size dos
romances que li, mas na vida real a coisa é bem diferente.

Queria muito ter coragem de usar peças assim mais leves e despojadas,
joviais, porém me falta coragem, exceto de apenas observá-las em meu corpo
em frente ao espelho de vez em quando. Mas sair de casa usando-as? Jamais!

Assusto-me, quando mamãe entra sem bater de repente, procurando


algo:

— Você viu o sapato do seu irm...? — Paralisa ao me observar dos pés

à cabeça. — Ficou ridícula, sua bunda lembra a bunda de um gorila, troca de


roupa! — comenta com toda a naturalidade, voltando a vistoriar o cômodo.

Fico mal como sempre, controlando-me para não dizer o que penso da
bunda dela, que é bem maior que a minha.

— Não sei para que você foi escolher esse parque! Poderiam ir para
outro, não gosto do Buttes Chaumont! Sempre me pareceu perigoso. — Muda
de assunto, após perceber que o que procura não está aqui.

— Eu gosto de lá, é seguro e lindo, a essa hora não estará tumultuado,


perfeito para o Timothée. Sei que nunca o levei lá, mas tudo tem a sua
primeira vez. Além disso... a senhora e o papai terão um tempo a sós, já que
cuidam do Tim a semana inteira.

Ela me fita entendendo bem o que quis dizer sobre eles terem um

tempo, mas ao invés de concordar e agradecer, continua emburrada. Quando


está comigo, dona Martina é sempre assim emburrada, parecendo sempre
chateada ou incomodada com alguma coisa, provavelmente comigo, com a
minha existência na Terra.

Após ela ir, tiro o short e ponho uma calça jeans, lutando para manter o
que sobrou do meu bom humor.
— Vamos, Mad... Madeleine! Vamos! — Timothée bate palmas
quando me vê, andando de um lado para o outro na sala, agitado, feliz da vida

porque vai sair para passear. Espero que ele não implique com o lugar novo.
É um risco que estarei correndo ao quebrar o costume de irmos sempre para
outro parque.

Ele não fica a semana inteira em casa, além da escola, faz terapia em

uma clínica pública especializada, é acompanhado na medida do possível por


uma equipe multidisciplinar, composta por: fonoaudiólogo, terapeuta
ocupacional, psicólogo e outros. Mas passear em sua rotina também é
importante, até agora tem dado certo, saímos cedo para evitar locais lotados e
barulhentos, coisas que o incomodam bastante.

— Vou acompanhá-los até o metrô — afirma mamãe, pegando a bolsa


de lado.

— Não precisa, mamãe..., vou com a Madeleine — fala o garoto,

parando e olhando para ela, mas como sempre, sem focar nos olhos, não
gosta de contato visual.

— Eu vou sim, filho.

— Não, não precisa, mãe — repete, se aproximando de mim e


puxando-me pelo braço, é sistemático, quer que seja exatamente como foi em
outras ocasiões.
— Querida, não insista — fala papai, tocando no ombro dela que
suspira e assente, preocupada.

— Vai ficar tudo bem, mãe, a senhora sabe que sempre fica — afirmo,
para relaxá-la.

— Tudo bem. — Vai até o menino e acaricia os seus cabelos. — Até


mais tarde, te amo. — Ela nunca fez isso comigo, porém já estou acostumada.

Saio com o meu irmão, juntos vamos conversando até o metrô. Ele fala
sobre artes e grandes pintores da história com os seus grandes quadros, sabe
de tudo sobre Michelangelo, Picasso, Monet. É tanto conhecimento que fico
chocada, entendendo perfeitamente que não adquiriu todo este saber apenas
na escola. Como este é o seu assunto favorito, quando tento falar sobre outra
coisa, não tem interesse, exceto sobre o parque ao qual estamos indo.

Ao chegarmos no imenso jardim público que tem quase vinte e cinto


hectares, sigo com o Tim até os extensos e belíssimos gramados inclinados.

O que mais gosto daqui é a grande variedade da flora — que inclui cedros do
Líbano, cedros do Himalaia, avelãs bizantinas, olmos siberianos, cerejeiras e
muito mais —, a enorme colina de pedra que abriga o Templo de la Sibylle
em seu topo e o lago artificial que a rodeia.

Pelos gramados informes, ensolarados e floridos, há vários parisienses


sentados em toalhas curtindo a bela manhã. Mas a quantidade de pessoas não
se compara a quase o triplo que vem aqui à tarde

Logo estendo a toalha que trouxe também, sentando-me com Timothée

que não para de observar tudo ao redor, encantado. Trouxe-o para um canto
onde há menos gente, para que não fique irritado com os movimentos e sons
das conversas aleatórias em volta.

Ele fecha os olhos, curtindo a brisa do vento como se estivesse

sonhando.

— Está gostando? — Sorrio ao perceber o seu deleite.

— Por que nunca me tro... trouxe aqui antes, Madeleine? — indaga,


ainda de olhos fechados.

— Ah, porque não deu... você sabe que sou muito ocupada, mas
quando quiser podemos vir de novo.

— Acho que seria ótimo. Este parque... é melhor que o de sempre. — A

forma como ele fala é carregada de uma educação impecável, a entonação é


como de um lorde inglês, mas na verdade é o seu diálogo ainda em
desenvolvimento para ficar perfeito, pois era bem mais arrastado ou pausado
quando mais novo. — Quero conhecer o Templo de la... la Sibylle. — Olha
para a construção no alto dos penhascos que fica cinquenta metros acima das
águas do lago.

— Como sabe o nome do templo? Eu não te disse. — Observo,


intrigada.

— Ele foi inspirado no Templo de Ves... Vesta, em Trivoli, na Itália,

que está em diversas pinturas românticas de paisagens do sé... século


dezessete ao dezenove — conta com a maior naturalidade, fico chocada.

— Sério? Nossa, nem eu sabia. — Não sei por que ainda me


surpreendo com a inteligência dele.

— Vamos até lá! — Levanta-se rapidamente.

— Vamos apenas chegar perto, não iremos sequer passar pela ponte, é
muito perigoso — aviso-o, pegando a mochila ao levantar.

— Certo! Vamos! — Caminha na frente, empolgado.

— Calmaaa! — exclamo, fazendo-o ir mais devagar, porém não menos


contente.

Nos aproximamos da ponte pênsil de sessenta e três metros de

cumprimento, uma das que dá acesso ao monte.

— Pare aí! Aí está bom mocinho — chamo a atenção do garoto, que


mira o templo lá no alto com atenção, tentando captar o máximo de suas
características, apesar que devido à distância, não dá para notar muita coisa.
Lá é muito alto, não tenho coragem de ir sozinha com ele.

Estou ofegante, ainda caminhando em sua direção.


— Parece muito interes... interessante, Madeleine — comenta.

— É..., parece mesmo — concordo, parando um pouco para respirar

antes de ficar ao seu lado

— Veja, uma borboleta azul! — exclama, ao notar o inseto voando


alguns metros de distância da gente.

É neste instante que o meu terror tem início, o hiperfoco do menino é


ativado, pois ele simplesmente corre em direção ao animal, seguindo para a
ponte, desobedecendo-me!

— EI! NÃO! — grito, seguindo-o apressada, porém tropeço e caio duro


na grama. Levanto gemendo, mas ao tentar correr sinto a pressão no joelho
que suportou o impacto da queda. — TIMOTHÉE, VOLTE AQUI! — Entro
em desespero, subindo na ponte, tentando alcançá-lo da forma mais rápida
que consigo, só que não é o suficiente.

Ele não me escuta ou finge não me escutar, o que é comum devido ao

autismo. Vejo-o parando quase no meio da ponte, encostando-se no guarda-


corpo, olhando para a borboleta que flutua no ar, do lado de fora.

Tim nunca teve noção de perigo, o meu coração quase para quando ele
se inclina sobre a tela de proteção com metade do corpo suspenso para fora.

— NÃÃÃO!! — berro, esquecendo da dor e voltando a correr feito


louca, segurando-o pela mão no momento em que cai para fora da ponte,
ficando jogado ao vento, ao ar livre, em pleno perigo de vida! Estamos oito
metros acima do lago. — SO... CORRO! — Estou desesperada, segurando o

garoto que pesa mais do que posso suportar.

Sinto meu corpo seguindo o seu, a gravidade nos puxando para baixo,
vamos morrer os dois aqui com a queda livre e não há nada que eu possa
fazer para conseguir impedir! Não consigo raciocinar e nem olhar para os

lados em busca de ajuda, não lembro se havia pessoas próximas quando tudo
isso começou. Foi muito rápido!

Gemo alto e forte, sentindo dor, vendo com pânico a mão do meu irmão
escorregando da minha pouco a pouco. Estou a ponto de ceder contra a minha
vontade quando outra mão — bem grande por sinal —, surge do nada e o
segura, puxando-o de volta para a ponte com potência e velocidade. Caímos
os três no piso.

Abraço Timothée me tremendo inteira, chorando feito uma criança

enquanto ele está bem pleno, como se a quase tragédia não tivesse o afetado
em nada.

— Você não pode fazer isso comigo, está entendendo?!! Não pode!! —
grito, soluçando.

— Se você ficar chorando vamos perder a borboleta — afirma


inocente, procurando pelo maldito inseto que quase nos matou.
Isso me faz chorar ainda mais. Só então fito o homem que nos salvou,
que nos observa atento e preocupado. É o advogado convencido do bar.
ESTEBAN JAVIER

Após uma noite intensa de sexo com uma paquera que conheci na
balada, meu relógio biológico me acorda novamente. Hoje é sábado, final de
semana não vou a academia, geralmente gosto de correr pela cidade e quebrar
a rotina que sigo durante toda a semana, isso quando tenho pique, é claro. É o
que irei fazer.

Levanto-me, observando a gostosa nua na cama, entre os lençóis.


Mesmo cedo, seu rosto está incrivelmente perfeito, sem nenhuma marca
natural matutina que todo mundo tem, isso porque com certeza ela deve ter
feito harmonização facial que simplesmente a deixa impecável a qualquer
momento.

Bocejo, pego a sua calcinha rosa do chão e guardo dentro da minha


gaveta que já está lotada. Tomo banho, visto uma roupa esportiva, tomo café
da manhã e saio de casa já sabendo para onde devo me dirigir: o Buttes
Chaumont, um dos meus parques prediletos da cidade. Gosto de lugares

verdes, a natureza me traz uma sensação que a academia nunca irá trazer,
nem se compara.

Como o jardim público fica perto de onde moro, sigo para lá correndo,
deixando a bela moça dormindo, como faço com todas as outras. Não tenho

problema algum de tê-las em minha casa ou compartilhar a minha cama,


gosto do contato e do conforto de possuí-las em um local que domino.

Minutos mais tarde, estou respirando o ar até mais natural que o parque
exala, a flora e o clima aqui são fenomenais, parece que tudo é melhor, tudo
fica mais impressionante.

Corro pelo calçadão, passando pelos maravilhosos gramados


inclinados, vendo as pessoas aproveitando o sol da manhã, mas não se
compara à quantidade que vem à tarde, que é bem maior.

Após alguns longos minutos perdendo calorias, paro em um bar e


compro uma garrafinha de água mineral, que bebo em questão de segundos
tamanha sede. Fico por aqui por alguns momentos mexendo no celular,
sentindo a leve brisa do vento, curtindo a paz que o local oferece, até decidir
fazer a última corrida para ir embora.

Dessa vez prefiro passar perto do lago artificial, seguindo rumo a ponte
pênsil, o local está pouco movimentado. Miro o templo no topo da falésia,
vou baixando os olhos até me deparar com uma visão de deixar qualquer um

em choque: uma moça segurando um menino que está suspenso fora da


ponte, a ponto de despencar lá de cima.

Sequer consigo pensar direito, acelero a corrida feito um louco, subo na


ponte e ajudo a mulher a puxar o garoto de volta para o piso firme, salvando

ambos. Eu estava tão alucinado com a situação que mal me dei conta da força
gigantesca que usei para puxá-lo, o que fez nós três irmos ao chão.

Sinto as minhas pernas e mãos tremerem, o coração está quase saindo


pela boca, todo o meu ser desnorteado com o que acabei de viver e presenciar
em questão de segundos. Miro a moça no instante em que ela chora e grita
com o menino, é quando noto que se trata clara e surpreendentemente de
Madeleine!

Porra!

Quando ela por fim levanta o seu olhar para mim, também fica em
choque ao perceber a puta coincidência. Seus olhos chorosos me
compadecem, eles são lindos, de um verde impressionante, algo que eu não
tinha notado antes. As lágrimas os fazem brilhar, ficando mais intensos.

Fico de pé olhando ao redor, pelo visto mais ninguém viu o que


aconteceu.
— Venha. — Ofereço a mão para ela, que aceita, deixando-se ser
ajudada a levantar. O garoto não me permite tocá-lo, fica em pé sozinho,

escondendo-se atrás da moça. — Vocês estão bem?

— Agora estamos, muito obrigada. — A voz fragilizada dela


demonstra o quanto está abalada.

— O que aconteceu aqui? — indago, ainda tentando controlar a

respiração.

— A borboleta azul... ela sumiu, Madeleine. — O garoto observa ao


redor, procurando algo. Noto que ele a chama pelo nome.

— Como sabia que eu estava aqui? — A garçonete tenta recuperar o


controle, segurando o menino pela mão.

— Eu não sabia... estava correndo. Pode não acreditar, mas foi uma
louca coincidência. Vocês me assustaram, veja... — Mostro-lhe a mão direita
que ainda está tremendo.

O garotinho lindo me observa discretamente e tímido, de olhos tão


verdes quanto os dela. A garçonete percebe que precisa tomar uma atitude,
respira fundo e diz:

— Tim, este é o... — Sua voz falha, não sabe o meu nome.

— Esteban — apresento-me.

— Esteban, este é o Tim, o meu irmão. Agradece a ele por ter nos
ajudado, Timothée. — Ela pede, mas ele não quer conversar comigo. — Ele
é... tímido — explica fungando, ainda no processo de engolir o choro.

Agacho-me um pouco para tentar ficar na altura do rapazinho e digo:

— Oi Tim, não precisa ficar com vergonha de mim. Sou amigo da


Madeleine. — Minto, vendo o garoto sorrir, porém não me olha nos olhos.

— Temos que ir para casa agora — determina, então volto a ficar ereto.

— Não... quero ir agora — anuncia o garoto.

— Mas vamos, chega de aventura. — Madeleine continua


desestruturada.

Ela o puxa, sua mão está cravada na dele como um metal soldado.

— Muito obrigada. Obrigada de verdade. — Agradece.

— De nada. Mas vocês não querem sentar um pouco, tomar uma água?
— indago, preocupado com o seu estado, tendo em vista que o menino está

muito calmo como se nada tivesse acontecido.

— Não, precisamos mesmo ir para casa, não estou mais me sentindo


confiante com ele aqui. — Ela nota que não consigo compreendê-la, então
cochicha as próximas palavras para que o irmão não a escute. — Ele é autista,
estava atrás de uma borboleta, por isso quase caiu.

Isso faz eu entender melhor a gravidade da situação. Um menino da


idade que Timothée aparenta ter, raramente se colocaria num perigo de vida

como aquele.

— Vocês estão de carro? — Quero ajudá-los, noto que Madeleine ainda


está muito perturbada, com o psicológico frágil.

— Vamos de metrô... — responde a jovem, começando a caminhar.

— Eu os acompanho até o portão — decido, ela não contesta.

Enquanto andamos, vou para o seu lado, aproveitando que Tim está
distraído, olhando ao redor. Falo em tom mais baixo:

— Calma, já passou. — Tento tranquilizá-la.

— Acho que vai demorar bastante para que eu fique realmente calma.

— Gostaria de saber como isso aconteceu em detalhes, mas sei que este
não é o melhor momento. O importante é que estão bem.

— Obrigada por entender, mal estou conseguindo caminhar —

comenta, colocando a mão na testa. Tenho medo de que ela desmaie.

Quando saímos por um dos portões do parque, sem perguntar nada a


eles, chamo um táxi que para na nossa frente.

— Não, nós vamos de metrô — Madeleine avisa.

— Não, vocês vão de táxi para que fiquem mais calmos e confortáveis,
não acha? — argumento, realmente estou tenso sobre ela ainda ter que
enfrentar uma viagem de metrô até chegar ao seu destino, tendo em vista a

sua condição e a do irmão após o susto.

— Não temos dinheiro para pagar táxi, Esteban — informa.

— Eu pago — afirmo, já retirando a carteira do bolso traseiro da calça


e abrindo-a.

— Não se incomode, eu... — Ela tenta contestar, contudo não permito.

— Você me paga depois. — Pisco para ela, deixando-a sem resposta.

Inclino-me na janela do carro.

— Leve eles para onde quiserem, por favor. — Entrego ao homem uma
nota alta, suficiente para qualquer viagem, mesmo que distante.

— Sim senhor — afirma o motorista.

Abro a porta do táxi, chamando Madeleine com o rosto. Ela está de


lábios entreabertos, provavelmente surpresa com a minha atitude, mas sou

assim mesmo. E, para que fique bem claro para vocês, neste momento estou
agindo como agiria com qualquer outra mulher em seu lugar, não tem nada a
ver com a aposta.

Vejo a garçonete entrar com o irmão, sentando no banco traseiro. Fecho


a porta, assinto para ela me despedindo e recebendo o aceno singelo de
Timothée que me dá tchau, comunicando-se comigo de verdade desde que o
salvei. Que garoto mais fofo.
Retorno para casa, com o pensamento nos dois irmãos, tentando
entender o que deve ter acontecido exatamente para encontrá-los naquela

situação de risco extremo, foi assustador! Será que apenas uma borboleta
causou esse estrago? Bem, não sei quase nada sobre autismo, é um universo
desconhecido para mim.

Acabo lembrando do que aconteceu ainda essa semana, quando a

engraçadinha da garçonete simplesmente me fez de tolo ao me iludir sobre tê-


la fisgado e ainda por cima fugir da minha presença após furar os dois pneus
da minha moto.

Ah, fiquei puto! Muito puto! Nenhuma mulher jamais fez isso comigo,
pelo contrário, ansiava para entrar em meu carro, para ficar comigo nem que
fosse apenas por alguns milésimos de segundos. Nem gosto de lembrar o
trabalhão que deu para conseguir voltar pra casa com a Streetfighter. Fora o
prejuízo para comprar novas rodas.

Madeleine... Madeleine, você está me saindo melhor que a encomenda.


Posso parecer um completo maluco, mas apesar de toda a dor de cabeça que o
comportamento infantil dela me causou, uma parte de mim se sentiu
desafiada a querer domá-la. São poucos dias de aposta e ela já está sendo uma
das minhas conquistas mais difíceis.

Entretanto, testemunhar o seu lado frágil minutos atrás, em uma quase


tragédia com o seu irmão, me fez enxergar que essa merda — como chama

Pierre —, talvez não valha a pena. Senti dó dela, escutei seu desespero, foi

impossível não ficar tocado. Não sei como será de agora em diante, porque
não quero perder a minha moto e nem a porcentagem que me dará mais poder
e nome dentro do escritório.

Ao chegar no loft, descubro que a ruiva com quem dormi essa noite

ainda está na cama. Algumas ficam mais do que deveriam, outras vão embora
logo cedo. Ela acorda assim que tiro a roupa inteira, mostrando o meu corpo
com os músculos tensos e suados. Nossa troca de olhar diz tudo, faz inflamar
a tensão sexual que rolou na madrugada, então sigo em sua direção, sério,
fatal.

Puxo-a pelos calcanhares de forma bruta, arrancando-lhe um gemidinho


com o susto do movimento, a arrastando pelo colchão até a beira onde estou.
Os lençóis já não cobrem mais o seu corpo esguio e perfeito, ela está

absolutamente nua para mim. Ergo as suas pernas, observando os seus pés
limpinhos, beijando a parte superior de ambos.

Vou descendo, arrastando os lábios entreabertos pela panturrilha


esquerda, mordiscando quando chego na parte inferior da coxa, agachando o
corpo à medida que vou abaixando até ficar com o rosto acima da sua boceta
magra e depilada. Miro-a saliente, faminto e beijo o monte de Vênus,
molhando o clitóris.
— Oooh! — A mulher geme, erguendo o rosto, abrindo as pernas
dando passagem.

Observo-a, adoro ver a sua face exalar tesão, sensualidade, prazer. Faço
uma lambida servida por toda a vagina, umedecendo os lábios pequenos e
fininhos, que vibram ao meu toque. Passo a chupá-la com um pouco mais de
intensidade, mas lentamente de forma gostosa, calma e ao mesmo tempo

delicada.

A boceta de uma mulher é como um tesouro sensível que deve ser


muito bem cuidado, para preservar o seu valor.

Enfio o dedo médio por entre as suas carnes íntimas, devagar, até o fim
e faço movimentos dentro do seu corpo ao mesmo tempo em que continuo
com o sexo oral, chicoteando o seu clitóris com a língua macia, habilidosa.
Fecho os olhos em alguns momentos, absorvendo o sabor, curtindo cada
segundo, mamando com todo o carinho.

A ruiva fica cada vez mais molhada, gemendo alto, se contorcendo


alucinada. Quando ela está enlouquecida, prestes a gozar, afasto-me
capturando um preservativo e me protegendo.

Retorno para o mesmo lugar entre as suas pernas, abrindo as suas


coxas, pegando forte, marcando a sua pele quente. Ajoelho-me no colchão e,
sem usar as mãos, apenas com o movimento hábil do quadril, penetro a
minha longa extensão em sua bocetinha, de uma só vez, até o limite, a
preenchendo por inteira, grosso, pulsante.

— Hmmm... — geme, olhando-me, queimando entre a dor e o prazer.

Largo as suas coxas finas, escorrego as mãos gigantes por seu abdômen
até os seios pequeninos que cabem nas minhas palmas, apalpando-os e
massageando-os, no instante em que inicio a nossa conjunção carnal de fato,

indo e vindo entre os seus lábios vaginais, deslizando por suas carnes
molhadas, comendo-a.

Gradativamente, fodo a gostosa com mais intensidade, aumentando o


ritmo, acelerando as estocadas, socando o pau em suas entranhas sem dó nem
piedade, do jeito que adoro fazer. Minhas mãos resvalam para o seu pescoço,
fechando-o sem sufocá-la, usando como apoio para trazer o seu corpo contra
o meu a cada impacto poderoso dos nossos sexos.

O barulho que fazemos é fenomenal, ecoa por todo o quarto, os

gemidos dela se tornam ainda mais altos, escandalosos. O meu quadril


trabalha a todo vapor, frenético, o suor das chamas que emanamos, fazendo a
minha pele cintilar. Mordo o lábio com força e semicerro os olhos quando
sinto a pressão sobre o meu pênis ficar maior.

Ela arranha os meus braços com selvageria em combustão, explodindo


e vou junto, explodo também, expulsando todo o meu prazer para fora, tudo
indo embora e enchendo a camisinha de maneira colossal.

A ruiva fica trêmula com o orgasmo arrebatador, eu nunca cheguei a

tremer com ninguém. Ofegante, retiro a camisinha, amarrando e jogando-a no


chão. Sento-me na beira da cama, limpando a minha intimidade com a toalha,
ouvindo o meu coração retumbar no peito.

Olho para trás, vendo o sorriso de satisfação no rosto da mulher.

— Casa comigo? — pede, respirando forte, toda marcada por mim.

Sorrio cafajeste com o seu pedido, deito-me sobre ela, seguro o seu
queixo, viro seu rosto para o lado e cochicho em seu ouvido, safado:

— Não.
ESTEBAN JAVIER

Ao anoitecer, sigo em meu carro para a casa de Pierre e Camille, que


fica em um conceituado condomínio de luxo da cidade. Paro em frente ao
imóvel deslumbrante de dois andares, estacionando perto de outros
automóveis, alguns já conhecidos. Pego a caixa com o vinho escocês que sei
que o casal adora.

É Camille que me recebe, ela está belíssima em um vestido preto que


contorna seu corpo incrível. Seus cabelos negros e lisos estão soltos, os olhos
castanhos são de chamar total atenção.

— Ah, não acredito!! — exclama, abraçando-me.

— Ora, ora, ora, realmente a secretária se tornou uma dama do lar. —


Brinco, pois ela era a secretária de um empresário em um escritório no andar
abaixo do nosso, daí começou o romance deles há dois anos. A mulher
sempre foi uma querida por todos e chegou a ser disputada por alguns, mas
Pierre levou a melhor.

— Ah, cale-se, seu bobo! — Dá um tapinha em meu ombro, depois


mira a caixa que seguro na outra mão. — É o meu presente?

— Seu e de Pierre, onde ele está? — Olho além dela, vendo a sala de
estar luxuosa muito bem preenchida com convidados da alta sociedade, todos

conversando e rindo enquanto são servidos por garçons uniformizados de


branco. Um cantor entoa uma canção gostosa e agradável ao violão em um
canto.

— Lá... conversando com o seu novo amigo. — Aponta com o rosto,


sua voz esmorece, parece desanimada. Com isso, de cara já percebo que nem
tudo está como deveria. Avisto o meu grande amigo batendo um papo muito
animado com um homem que não me recordo agora.

— Está tudo bem? — indago, olhando nos olhos dela.

— Claro... por que não estaria? — Sorri de orelha a orelha, disfarçando.


— Venha, vamos curtir a festa, seus colegas de trabalho estão ali — afirma, é
quando noto que eles – Bernard e Dominique – já perceberam a minha
presença e erguem as taças em minha direção discretamente, me chamando.

— Vou até eles. — Despeço-me dela com um leve toque em seu


ombro, seguindo rumo à dupla, recebendo alguns olhares de interesse pelo
caminho, principalmente quando paro para pegar uma taça de champanhe.

— Veja quem chegou, Ben, é o nosso mais novo perdedor. — Zomba

Dom, mirando o amigo que também está com um sorriso confiante


estampado no rosto. — Trouxe a minha moto..., Ethan Hunt?

Gargalho rapidamente em deboche, a minha voz gutural soando pelo


ambiente.

— Vai sonhando, otário — digo, experimentando da bebida.

— E aí, doutor, nada a declarar ainda? — Bernard está curioso.

Respiro fundo e resolvo ser sincero:

— Pasmem, mas estou pensando em desistir — afirmo, os deixando


chocados, ambos até param de se mover, com os olhos fixados em mim.

— Quê? — Dom não consegue acreditar.

— Isso é sério? — inquire o outro.

— Houve uma situação hoje que me fez repensar nesta aposta como
algo negativo — conto ao mesmo tempo em que observo ao redor,
encontrando algumas gostosas atraentes.

— Quando ganhar dez por cento do escritório será algo negativo? —


Dominique quer entender, mas não explico.

— Talvez quando fira os sentimentos da mulher — cogita Bernard,


analisando-me, querendo desvendar qual é a minha.

— Mas é por isso que fazemos de tudo para que elas não fiquem

sabendo. É a nossa regra inquebrável, algo só nosso, não atinge ninguém —


Dom descreve a nossa filosofia, mas então me analisa com mais atenção. —
Não vá me dizer que você é quem foi atingido. — Zomba rindo, desvirtuando
o assunto sem entender nada.

— Não seja ridículo, não é nada disso. — O corto.

— Ora, Dominique, não vê que ele está blefando? Esse aí não me


engana, quer nos iludir para depois poder atacar. Lobo em pele de cordeiro?
Não combina contigo, Esteban Javier.

Eles não acreditam em mim, resolvo não falar mais sobre o assunto.

— Boa noite, senhores — Pierre nos cumprimenta, chegando com o


homem que estava conversando.

— Parabéns pelo aniversário de casamento, meu amigo. — Trocamos


um aperto de mãos.

— Demorou aparecer, doutor. — Observa.

— Sabe que sempre sou o último a chegar, mas também o último a sair.
— Pisco para ele.

— Quero lhes apresentar o Adam, um exímio jogador de ping pong,


meu mais novo inimigo de competição do clube. — Pierre apresenta o cara
que veste tons claros. Todos nós o cumprimentamos e já ficamos cientes da
nova amizade, pois Pierre é viciado em ping pong, inclusive já ganhou

inúmeras competições até fora do país.

Começamos os cinco a bater um papo cheio de conteúdo, até que


Camille vem até nós com uma amiga que logo percebo não tirar os olhos de
mim.

— Me concede essa dança, senhor Durand? — Ela convida o marido, o


abraçando pelas costas.

— Ah, amor... estou dando atenção aos nossos convidados. — Ele tenta
recusar.

— Os seus convidados são mais importantes que a sua esposa? — A


voz dela sai em tom de brincadeira, mas pega ele de jeito, nos fazendo rir.

— Com licença, senhores. — Segura a mão dela, se preparando para ir


para o meio da sala.

— Ah, mas antes... — Camille retorna. — Esteban, essa é Elisa, minha


amiga, por que não a convida para dançar? — Ela não é nada discreta.

— Camille! — Elisa finge se incomodar com o comentário dela.

— Eu adoraria, mas sou péssimo dançando, esmagaria os seus belos


pés. — Sorrio de forma gentil.

— Estou interessado, se quiser — diz Adam, nos surpreendendo. Elisa


aceita e juntos os dois vão ser felizes. Logo, ambos os casais chamam a
atenção ao bailarem, inspirando os demais casais da festa que acabam

surgindo. Até Bernard e Dominique que não são bobos, conseguem um par e
vão dançar também.

— Que horror, isso aqui está pior que baile de debutante — comento,
quando fico sozinho. Seco a taça e logo pego outra.

Esse clima romântico não me convém, não gosto e não me vejo


dançando assim com ninguém, mesmo que de maneira casual, apesar de
adorar certos ritmos que são de mexer todo o esqueleto. Diferente do que está
tocando agora que leva para um lado bem meloso. Além disso, curto mais
música espanhola do que francesa. Enfim.

Meu celular toca, vejo que é Mateo e rapidamente me afasto do


barulho, caminhando mais para dentro da casa, entrando em outra sala.

— Oi, irmão — atendo.

— Oi, Esteban, vi chamadas perdidas suas. Tudo bem? — Ouvir a voz


dele faz a saudade aumentar consideravelmente, faz um ano que não o vejo,
assim como o resto da família.

— Tudo bem, liguei apenas para saber como estava, ter notícias dos
outros. Mamãe também não me atendeu mais cedo.

— Ah, hoje é dia dela ficar com a Alisa, você sabe. Quando aquela
gracinha está na mansão tudo fica de cabeça para baixo.

— Ela está com cinco aninhos agora, não é? — Sorrio ao lembrar da

pequena.

— Sim, e perguntou por você na festa de aniversário que foi no jardim


da mansão.

— Perguntou? — Meu sorriso se torna ainda maior e as sobrancelhas


arqueiam de alegria.

— Aham... onde está o titio, Esteban? Por que o titio Esteban não
veio? — Tenta imitar a voz doce da nossa sobrinha.

Gargalho, sinto-me explodir de energia positiva internamente apenas


por imaginar a cena.

— Você poderia ter enviado pelo menos o presente, sei que lembrou.
— Pontua.

— Lembrei, mas... quero continuar sendo esquecido. — Minha voz


amarga um pouco.

— Impossível. Ninguém te esqueceu e nem vai, nem mesmo Alejandro.

— Alejandro? — Fico intrigado.

— Ele está indo muito bem na empresa como CEO, mas está sentindo a
sua falta como diretor jurídico.
— Ah, me poupe, Mateo. — Debocho, bebendo mais um pouco e
caminhando para mais longe do som, entrando em um corredor.

— Acha que estou mentindo para lhe agradar? Me poupe você! Até
quando vai manter essa ferida aberta, um dia pode ser tarde demais. — Fico
levemente tenso com o tom da sua voz.

— Tarde demais? Do que está falando? Alejandro está bem? — indago,

preocupado.

— Sim, está sim, não se preocupe.

— Não estou preocupado com ele, Mateo! — rebato.

— Mas desde que ele foi morar sozinho está ainda mais distante...
obscuro. — Me ignora. — É o que sinto quando o vejo. Nas poucas vezes em
que o vejo.

— Isso não me importa. Não sei porque estamos falando dele. Quero

saber mais da Alisa, minha sobrinha. — Mudo de assunto.

— Papai e mamãe estão pensando em fazê-la conhecer os avós


maternos — conta.

— O quê?! — Fico indignado. — Por quê?

— Eles entraram em contato de repente.

— Boa coisa não deve ser. O pai dela está sabendo disso? — Fico
curioso.

— Não, estão mantendo segredo, até porque acho que esse encontro

nunca vai acontecer.

— Espero mesmo que não, a nossa sobrinha não merece aqueles avós.

— Eu disse isso a eles quando perguntaram a minha opinião. E como

você está?

— Ótimo. — Sou direto.

— Ouvi o som de música quando atendeu.

— Estou na casa de um sócio do escritório, aniversário de casamento


— conto, sentindo vontade de mijar, abrindo uma porta para ver se se trata do
banheiro, acerto em cheio. Entro, deixo a taça sobre a pia de mármore e sigo
para o box.

— Que orgulho de você, maninho. — Brinca, nós rimos.

— Como está papai? — indago, lembrando do velho enquanto abro a


braguilha da calça e ponho o mastro para fora.

— Levando uma vida de aposentado.

— Foi o que ele sempre planejou desde o início. Está vendo como não
faço falta? — O alfineto.

— Afff. — Meu irmão, resmunga bufando, entediado. — Não vou


entrar nesse mérito pela milésima vez se é o que quer.

— Não, desculpa. Desculpa.

— Tenho que desligar.

— Já pedi desculpas, Mateo!

— Tenho um encontro, seu idiota — revela.

— Hmmmm... quando vai me apresentar?

— Quando vai voltar? — replica, tocando na minha ferida.

— Um dia — afirmo, tristonho.

— Boa noite, cabeção.

— Boa noite..., e a Luna? — É tarde demais, a ligação foi encerrada.


Guardo o celular no bolso da calça, seguro meu pau e termino de mijar com
tranquilidade.

Quando estou me recompondo, ouço a porta do banheiro abrir e ser

trancada com violência, passos rápidos de mais de uma pessoa, suspiros,


gemidos, amassos. Rapidamente reconheço do que se trata, sei muito bem
que tipo de sons são esses, tem um casal se pegando aqui e eu não faço parte
dele. Ora, que milagre! Sorrio mentalmente.

Eles podem até curtir, mas vão ter que me esperar sair, pois não ficarei
preso aqui ouvindo uma mulher gemer sem que seja eu a causar os seus
gemidos. Abro a porta do boxe, recebendo um choque absoluto como jamais

tive algum dia na vida ao me deparar com Pierre prensando Adam contra a

parede, os dois em um beijo eufórico e possessivo.

Meu queixo vai ao chão, na verdade despenca e fico paralisado sem


saber o que fazer. Adam é o primeiro que me ver, assim que suas pálpebras se
erguem.

— Puta que pariu!! — Xinga, empurrado o outro que perde tudo


quando percebe a minha presença.

— Esteban?!! — Engole em seco, estarrecido, os olhos esbugalhados


como os meus.

— Hmm... é... — balbucio, ninguém sabe o que dizer. — Eu não...


estive aqui — são as únicas palavras que saem da minha boca. Afasto-me,
ainda tentando entender. Isso nunca passou pela minha cabeça em todos esses
anos em que o conheço.

Saio do banheiro até um pouco zonzo, realmente foi um baque. Óbvio,


ser gay ou bissexual, ainda não sei a condição dele, é algo totalmente normal,
mas Pierre é casado e..., hoje é o seu aniversário de casamento! Porra!

Esse flagrante sem querer ativou um gatilho perverso que


imediatamente me faz mal. Lembro do meu passado, da dor que senti. Por
que as pessoas são assim?? Caminho de volta para a sala de estar, quase
esbarrando em Camille.

— Esteban, cuidado! — Ela ri, mal consigo olhar na sua cara. — O que

houve? Por que está assim?

— Nada... está tudo bem. — Minto.

— Certo, viu o meu marido? — Ela poderia fazer qualquer pergunta,

menos essa, droga!

— Ah...

— Ah, ele está ali! — Olho na direção em que ela olha, vendo Pierre
surgir agora sozinho, fitando-me ao lado da esposa aterrorizado. Ela vai em
sua direção e aproveito para fugir da festa, voltando para casa.

Abro uma garrafa de uísque assim que entro no loft, sentando no sofá
agora já mais calmo, bebendo para tentar impedir que os fantasmas daquilo
que me dói invadam a minha mente como fazem quando tenho pesadelos.

Foram tantas merdas para uma vida só, que nem sei dizer.

Não queria sentir tanto pela Camille, mas estou sentindo. Queria poder
entender o meu amigo, aquele que jamais demonstrou qualquer característica
homoafetiva ou infiel, mas até o momento não consigo entender, nada disso
também me diz respeito. Mas o acontecido tocou feroz em uma das minhas
cicatrizes, a porta se abrindo... o choque! Foi como um déjà vu.

Após alguns copos da bebida e tentativas ridículas de fugir das


lembranças, pego o celular quando o ouço apitar, lendo a mensagem:

Boa noite, babaca.

Franzo o cenho, respondendo:

Quem é?

Você sabe quem é. Quero agradecer mais uma vez pelo meu irmão. Muito
obrigada. E pedir desculpas por ter te tratado tão mal..., pela sua moto.

Madeleine, penso. É ela, preciso continuar com o jogo, não posso


desistir agora! É isso que também me faz fugir da minha parte obscura.

Aceito as suas desculpas, mas apenas se jantar comigo.


MADELEINE FERNANDEZ

Após o susto de quase perder o meu irmão em uma queda livre


aterrorizante, o susto da sequência foi ter encontrado e ser salva por nada
mais nada menos que o advogado convencido do bar, o qual agora já sei o
nome... Esteban.

Ao contrário das primeiras impressões que ele me passou lá no Le

Loup, no parque se mostrou um homem surpreendentemente educado,


compreensivo e fofo, que se importa com o próximo. Não senti que ajudou a
mim e ao Tim com segundas intenções. — Como a de querer sair comigo
como propôs quando me abordou.

Apesar da coincidência absurda, Esteban me passou verdade pela


primeira vez e isso é o mais importante agora, porque estou com uma culpa
que não tem fim. Primeiro claro, pelo Timothée que, sob a minha
responsabilidade quase despencou naquele lago, podendo morrer com a
queda.

Segundo, pelo Esteban, por ter o tratado mal e ainda por cima furado os
pneus da sua moto. Agora estou com duas dívidas, lhe devendo em dobro,
rolando na cama após passar o dia tentando esconder dos meus pais a quase
tragédia. Tim não parou de falar da maldita borboleta azul, mas até o

momento não citou nada sobre o pior. Se nossa mãe descobre o que
aconteceu, é capaz de arrancar a minha cabeça fora.

Já está ficando tarde, mas não consigo dormir. Suspiro, irritada com a
insônia, então ligo para Amélie e lhe conto tudo. Ela fica chocada.

— Minha nossa, estou em choque!! — exclama do outro lado da linha.

— Eu estou em choque até agora — confesso.

— Você não contou para a sua mãe, né? Diga que não.

— Óbvio que não! Deus me livre! Não quero morrer agora. Não contei
nem para papai, porque por peso na consciência ele poderia acabar falando
para ela.

— E como fez para o seu irmão ficar calado? Sei que o Timothée não
consegue guardar segredos, é muito verdadeiro.

— Pois é, tenho medo de ele abrir a boca, mas até o momento só se


referiu à borboleta, não citou nada sobre o acidente. Chegou até a comentar
que andou na ponte, mas não que quase caiu de lá — digo as últimas palavras
aos sussurros.

— Menos mal. Mas e agora, o que vai fazer quanto ao gostoso dos
olhos azuis? — Está curiosa.

— Hmmm... não sei, estou me sentindo muito culpada por tê-lo julgado
mal lá no bar e furado os pneus dele. Agora estou devendo isso e o dinheiro

do táxi, além do ato heroico dele. Estou pensando em lhe mandar mensagem.

— E se ele te chamar para sair outra vez?

— Vou negar, é claro.

— Óbvio que não! Enlouqueceu? É o mínimo que pode fazer, já que


está com essa dívida gigantesca — afirma.

— Devo-lhe dinheiro, não um encontro.

— Mas se ele realmente quiser comer você, vai te chamar para sair —

conclui.

Arquejo, não consigo me acostumar com o vocabulário tão cru dela.

— Então o que espera que eu faça?

— Dê para ele! — fala como se fosse a coisa mais normal do mundo.


Tudo bem... sei que também não é tão absurdo assim.

— Ah ‘tá, então vou dar para o cara porque ele salvou a minha vida e a
do meu irmão.

— E você acha pouco? Dá sim, como forma de agradecimento.

Ponho a mão na boca para abafar as gargalhadas, Amélie também ri


muito, levamos um tempo até nos recompormos.

— Mas, é sério amiga, até porque você também está precisando. — Ela

continua.

— Olha aqui, Amélie, você está muito ousada! Não estou precisando de
sexo, pelo contrário, estou muito bem, obrigada! — Tento ser verdadeira,
apesar de achar que falhei miseravelmente.

— Ah, me engana que eu gosto. Todo mundo precisa de sexo,


homens... mulheres. Além disso, um pau novo vai te fazer esquecer do
antigo.

— Mas eu já esqueci do Vincent! — rebato. — Quer dizer... estou

tentando.

— Vai demorar muito mais se não começar a ficar com outros homens.
Amiga, já te disse isso mil vezes, quanto mais homem melhor. É tão bom
quando estamos no poder e os usamos igualmente eles nos usam, assim o
jogo fica equilibrado e ninguém sai perdendo.

— Hm... — Fico pensativa. — Esteban me passou verdade com as suas


atitudes lá no parque, mas o meu sexto sentido ainda diz que as suas atitudes
do bar não são verídicas. Não é possível que um homão daquele esteja afim
de mim, não é possível. — Não consigo ficar convencida.

— A sua autoestima mandou lembranças. — Minha amiga me provoca.

— Manda um beijo para ela, faz tempo que não a vejo.

— Você só se deprecia tanto assim, devido a vida difícil que tem com

uma mãe dessas e pessoas tóxicas ao seu redor feito o imbecil do Maurice.
Você pode ser gorda, mas é muito gostosa, tem uma bunda perfeita, grande e
redondinha como eu gostaria de ter. Seu peso é muito bem distribuído, não se
concentra apenas na sua barriga. Sua pele é tão branquinha que fica rosada
facilmente, seus lábios carnudos são naturais e seus olhos... oh Deus! Que
vida injusta!

— Vida injusta? — Ela não me convence, apesar de no fundo conseguir


afagar o meu ego tão sofrido e quase inexistente.

— Isso porque você não é quase esquelética como eu. Minha bunda é

tão seca que quando sento sinto até os ossos... e dói! Mas eu me amo, não
cem por cento, mas me amo muito mais do que me odeio e a senhorita
deveria ser assim também. Você poderia ser modelo plus size, sabia?!

— Ah... me poupe, Amélie!

— Só precisa aprender a se vestir melhor, anda igual a uma gata


borralheira! Não se maquia, não arruma o cabelo!
— Vamos parar de falar de mim, por favor?!! — Aumento o tom, já
incomodada com tantos comentários tecidos ao meu respeito.

— Então faça o que quiser e vá a merda! — Ela desliga na minha cara.


Que louca!

— Que vagabunda, desligou na minha cara! — Fico chocada.

Largo o celular um pouco e me deito olhando para o teto, suspirando,


pensando em tudo o que ela disse sobre o Esteban. Pego o aparelho
novamente e envio uma mensagem a ele, bem do meu jeitinho o chamando
de babaca para que lembre de mim, mas como já era esperado... não lembra.
Que cara está interessado em uma menina e não salva o contato dela? Por
fim, ele afirma que só aceita as minhas desculpas se eu aceitar o seu convite
para jantarmos juntos!

Oh, merda! Penso. Bem que Amélie previu isso. Começo a digitar uma
desculpa esfarrapada para negar, afirmando ainda que vou pagar o táxi e os

pneus quando ouço alguém tentar entrar no quarto, girando a maçaneta. Só


pode ser o Tim, ou... mamãe, mas é raro ela ficar acordada até essa hora.

Levanto e destranco a porta, dando de cara com a dona Martina que,


como sempre, me fita emburrada.

— Mãe, o que está fazendo acordada até agora? — indago, sem


entender.
— Quem é Esteban? — Arregalo os olhos. Como ela soube?

— Esteban...?

— Sim. — Cruza os braços, analisando-me desconfiada.

Olho para a porta do meu irmão no fim do corredor, ele só pode ter
falado o que não devia, mas como já conheço bem a mãe que tenho, sei que

não posso entregar tudo de bandeja até saber até que ponto ela sabe.

— Um cliente do bar, que por acaso encontramos hoje no parque.

— Quer dizer que você agora se encontra com os clientes do bar e


ainda por cima leva o seu irmão? — Como sempre, ela desvia tudo para um
lado imoral que tem absoluta certeza que tenho.

— Não, mãe... já disse que foi por acaso — afirmo, desgostosa.

— Tem certeza? — Ela parece sentir o cheiro de que estou ocultando


algo.

— Absoluta.

— Então por que o seu irmão está desenhando ele desde que chegou do
parque?

Fico novamente surpresa. Engulo em seco, pensando rápido e


respondo:

— Porque eles conversaram, Timothée deve ter gostado dele, não sei.
— Hmm... sei. Espero então que tenha sido só isso mesmo, porque de
modo algum vou aceitar você ficar levando o seu irmão para testemunhar as

suas safadezas!

— A senhora está me chamando de safada? — indago, pondo-a contra


a parede. Martina fica sem resposta por alguns instantes.

— Estou apenas querendo dizer que moça de família não fica se

encontrando com macho às escondidas dos pais, ainda mais na companhia do


irmão autista!

— Pois é, mas quem está dizendo isso é a senho...

— Cale a boca, você está na minha casa e aqui eu falo o que quiser! Se
não estiver feli...

— Não se preocupe, depois que me formar, sumo da sua vida. —


Corto-a, falando o que ela sempre desejou.

— Arrogante... não ponha palavras na minha boca — rebate, tentando


não aumentar o tom para não chamar a atenção dos outros.

Ela vai para a porta do seu quarto, abrindo-a, mas antes de entrar, me
olha uma última vez e destila o seu veneno:

— É bom que ainda seja virgem, porque já é gorda, caso não seja
virgem também não valerá mais de nada! — Assim, some de vista.

Rosno de ódio, batendo a porta do meu quarto com violência, andando


pelo espaço com vontade de gritar! De falar para ela tudo o que está entalado
na minha garganta há anos, mas me controlo. Levo vários minutos para voltar

a respirar direito. Lembro do que ela disse sobre o Tim e sigo para o quarto
dele.

Fico paralisada ao ver o garoto desenhando uma enorme borboleta azul


em seu caderno de desenhos, com as asas abertas voando, porém com um

detalhe especial, a cabeça é do Esteban. Isso mesmo, ele retirou a cabeça do


animal e no lugar colocou a do advogado. A arte ainda não está completa, ele
pincela os olhos azuis do homem que realmente lembram os verdadeiros.

— Gostou... Madeleine? — indaga, ao notar a minha presença.

— Meu Deus, Tim, há quanto tempo está desenhando isso? —


Aproximo-me, tentando tocar o seu ombro de leve, mas meu toque é
recusado. Não consigo tirar os olhos do que parece uma caricatura.

— Tempo o su... suficiente — afirma, adorando a sua obra de arte.

— Você é um artista, irmão. Um artista incrível. Está lindo.

— Ainda não — discorda, é exigente. Fica um tempinho em silêncio.


— Quando o veremos de novo?

— O Esteban? — Surpreendo-me por perguntar. Timothée não


pergunta por quem não se interessa.

— Sim.
Pego o celular do bolso observando novamente a última mensagem
dele me convidando para jantar. Olho o quadro do meu irmão outra vez,

lembro das palavras terríveis da minha mãe e querendo fazer exatamente o


contrário do que ela acha certo, só de pirraça, respondo:

Eu aceito.

— Talvez em breve, maninho — respondo Tim.

Na tarde do dia seguinte, bato na porta do apartamento de Amélie, que


mora em um condomínio humilde, de apenas oito andares. Ela atende com
uma toca na cabeça, percebo de cara que estava pintando o cabelo, ela adora
mudar de cor de tempos em tempos. Era preto, agora, pela cor na sua pele ao
redor da toca, será vermelho.

— Oi! — Sorrio, acenando.

— Como assim você vem me visitar e nem avisa? — indaga,


indignada.

— Por quê? Está acompanhada? — Franzo as sobrancelhas, achando


que cheguei em um momento errado.

— Não, meu boy só chega mais tarde, entra. — Me dá passagem, a


ultrapasso e seguimos para o seu sofá de estampa florida após fechar a porta.
— Só fiquei surpresa, você não costuma me visitar e quando vem, sempre
avisa.

— Saí de casa às pressas para a minha mãe não inventar alguma


desculpa para me impedir. Aproveitei que ela fofocava com a vizinha para
escapar.

— Nossa, às vezes você parece uma adolescente.

A ignoro e continuo:

— A questão é que marquei de jantar com o Esteban. — Deixo-a


boquiaberta. — Hoje à noite. — Sorrio.

— AAAAAAH, MEU DEEEUS!! É HOJE QUE VOCÊ SE LIVRA


DAS TEIAS DE ARANHAAAA! — grita, saltitando feito uma criança.

— Me respeita!! — Arremesso uma almofada na sua cara, ela segura o


objeto e continua rindo.

— Então foi para isso que veio aqui!! Para ficar lindaaa!! — Advinha.

— Não, quero apenas ficar arrumada, pelo menos isso. — Pontuo,


séria.

— Deeeeus! Isso é um milagreee. — Ela me puxa pelas mãos e me faz


rodar com ela no meio da sala pequena, porém bastante colorida, com cores
vivas e reluzentes.
— Para sua maluca, vai me deixar tonta!! — reclamo, recebendo o seu
abraço.

— Se prepara bebê, porque hoje vou fazer você finalmente ver a linda
mulher que é! — Promete, empolgada.

— Por que sinto que vou me arrepender? — Penso alto.

— Que nada, sua chata! Vamos! — Me puxa pela mão, fazendo-me


correr até o seu quarto.
MADELEINE FERNANDEZ

Daí por diante, fazemos uma bagunça, começamos vendo as opções de


roupa que trouxe na minha bolsa lateral para usar mais tarde. Passo a vestir
cada peça, desfilando para ela. Amélie não curte nenhuma, achou todas
comportadas demais. Finalmente entramos em consenso sobre um vestido
com estampa abstrata em tons de laranja-escuro, de alças finas que deixarão
meus ombros à amostra.

Em seguida, ela manda eu tomar um bom banho e quando retorno para


o quarto apenas de toalha, parece que há um mini salão de beleza à minha
espera. Agora é a fase da beleza, Amélie faz as minhas sobrancelhas, as
unhas dos pés, ficamos fofocando enquanto me sinto em um dia de princesa
da Disney. As minhas mãos são as próximas, ganho unhas postiças, pontudas
e bem-feitas, pintadas de vermelho, coisa que nunca usei.
— Agora vamos para a depilação! — avisa, erguendo-se da cadeira
onde estava.

— Depilação? — Arqueio as sobrancelhas, não gostando desse assunto.

— Claro, você deve estar com uma selva no meio das pernas! — afirma
descaradamente.

Fico calada, mas torcendo os lábios à procura de uma contestação à


altura. Quem ela pensa que é para falar essas coisas comigo?!

— Nem adianta me olhar assim, mulheres que não transam dificilmente


se preocupam em limpar a vagina. Você com certeza deve ser uma delas!

— Vá a merda! Para a sua informação eu limpo sim, mas não todos os


dias, porque não é necessário! — rebato, enraivecida.

Amélie pega algumas coisas sobre a sua cômoda, seu quarto é pequeno,
com móveis antigos e gastos. Ela se vira para mim com o material que irá

precisar para me depilar.

— Okay... não vamos entrar neste mérito, agora finge que eu sou o
loiro gostoso e abra as pernas! — exige, olhando-me saliente.

— Mas nem que eu morra! Posso muito bem usar um prestobarba e


fazer isso sozinha! — Levanto da cama, fazendo menção em ir ao banheiro,
porém paro no meio do caminho e encaro a minha amiga que me observa
como se eu fosse uma tola. — Aliás, não vou me depilar coisa nenhuma,
porque não estou indo para esse jantar afim de sexo!

— Ah, não? Então está indo por quê?!

— Para me desculpar e encerrar com esse assunto de uma vez por


todas!

— Não vou discutir contigo hoje, Madeleine! Não me faz te mandar ir

à merda de novo, deita nessa cama e abre essas pernas! — grita, fazendo-me
esbugalhar os olhos.

— O fato de você ser a minha amiga não significa que eu não tenha
vergonha, entendeu?! Nunca fiz isso antes e não será hoje que irei fazer! Me
consegue um prestobarba que cuido disso sozinha!

— Aqui não tem prestobarba e você com essas unhas postiças vai
acabar decepando o seu clitóris antes de conseguir usá-lo outra vez! Agora
deita na merda dessa cama, caramba!! — fala mais alto ainda, histérica. —
Ou é isso ou vai para o banheiro tentar ficar aleijada da boceta, você que

escolhe!!

Inconformada, bufando e não vendo outra saída, deito-me na sua cama


de casal como se fosse o fim da minha vida. Vejo-a se ajeitar ao meu lado,
abrindo o saquinho com o gel, pegando os lenços, uma espátula, preparando o
produto em um recipiente. Trocamos olhares silenciosos, os meus de medo e
os dela de quem nem está preocupada, já está acostumada a fazer essas coisas
femininas.

— Pronto, abra a toalha — pede, educada até.

— Amélie... eu... — A minha voz sai quebrada.

— Amiga, sei que tem vergonha do seu corpo, mas sou eu... relaxa! —
Tenta me acalmar.

— Tem certeza que já fez isso antes?

— Óbvio, ou acha que estou te usando como cobaia? Acorda! Abre


logo, que já está anoitecendo. — Manda. Suspiro e faço o que ela diz. Depois
que fico exposta, ponho as mãos no rosto, sentindo a minha pele inteira ficar
vermelha de vergonha. Meu Deus. — Nossa..., mais um pouco aqui e sua
vagina iria criar tranças de Rapunzel! — comenta, me tirando do sério.

— AH, VÁ PARA O INFER...

— Calma!! Estou só brincando!! — Ela me impede de levantar,

gargalhando.

— EU TE ODEIO! TE ODEIO TANTO! — Ponho para fora toda a


minha fúria, tentando me cobrir de volta.

— Fica quieta, deixe-me fazer o meu trabalho, cadê o seu senso de


humor, linda?!

— Está no caralho!! — rebato, abaixando o tom de voz.


— Abra as pernas — pede, tentando controlar a voz de riso.

— Não vou abrir!

— Abre isso, Madeleine! Quer encontrar o homem toda peluda, quer?!


— A desgraçada me faz raciocinar um pouco.

— Vou abrir, mas eu juro que se soltar mais alguma piadinha de mal

gosto, vou embora, desisto do encontro e você nunca mais vai me ver na
vida!! — ameaço.

— Entendi... entendi... agora abre! — Ela nem se importa com o que


acabei de dizer.

Ponho as mãos no rosto novamente para evitar olhar para ela e abro as
pernas. Sinto o gel sendo posto sobre a minha vulva.

— Hmmm... é frio — gemo.

— Pode doer um pouquinho, mas só um pouquinho — avisa.

— Doer?

— É uma dor suportável. Nossa, cada vez odeio mais a sua mãe por
você ser tão inexperiente, uma mulher adulta que não sabe de nada. Tudo isso
aprendi com a minha mãe, cara! Nossa! — Ela fixa o lenço na minha
intimidade. — Preparada?

— Não, quer dizer... AI! — Solto um gritinho quando ela faz o


primeiro movimento, rápido e fatal.

— Pronto... tudo bem? Está viva? — pergunta. Retiro as mãos do rosto,

encarando sua face risonha, erguendo o meu rosto para ver o estrago, mas até
que gosto do resultado.

— Apesar de estar ardendo, parece que ficou bom — comento.

— É, e vai ficar ainda melhor. Deita de novo — pede, Amélie é


mandona e eu detesto isso. Detesto pessoas que gostam de dar ordens!

O resto do processo não é um bicho de sete cabeças como pensei. Após


lavar o meu sexo no banheiro, olho-o discretamente no espelho, percebendo
que ficou depilado como jamais ficou na vida. Amélie aparece de repente às
minhas costas, surgindo no reflexo, momento em que me cubro rapidamente,
não quero mais que me veja nua, não gosto de mostrar o meu corpo.

— Gostou? — pergunta.

— Gostei, mas não quero mais falar sobre isso. O que estava fazendo?
— indago, vendo-a mexer no meu vestido.

— Salvando o seu look da noite. — Ela me mostra a peça que antes era
longa e agora ficou curta, com um corte na barra no estilo babado.

— Não acredito que cortou o meu vestido, Amélie! Que droga!

— É porque quero que pareça uma jovem e não uma freira! Sei fazer
esse tipo de corte e ficou show! Vai ver quando vestir, mas antes vamos
arrumar o seu cabelo, vamos! Daqui a pouco o seu boy chega e o meu
também.

Sento-me na cadeira e ela começa a arrumar as minhas madeixas que


são de um castanho-claro, próximo a loiro, alisando e fazendo babyliss nas
pontas. Os meus cabelos não são longos, ficam um pouco abaixo dos ombros.

Quando termina, olhamos as duas para o resultado no espelho. Amélie

sorri orgulhosa e não tenho outra reação a não ser sorrir também.

— Você ficou linda!! — Elogia-me, e dessa vez não a contesto, até que
estou adorando essa minha nova imagem. — Agora a maquiagem, vamos!!

— Deus, parece que não acaba nunca! — resmungo, um pouco


cansada.

— Acha que beleza é fácil? Não é, não! Só quero ver a cara do gostoso
quando ver a garçonete transformada em uma princesa! — Gargalha
contente, mas o meu estômago esfria, fico com um pouco de medo ao

imaginar a cena.

Ela me maquia com perfeição, parecendo mesmo uma profissional.


Amélie sempre foi vaidosa, sempre chegou ao bar muito bem arrumada, o
uniforme nunca ficou feio nela porque sempre dava um jeitinho de ajustá-lo
ao seu jeito, por isso já ficou com inúmeros clientes. Eu, ao contrário, nunca
me importei com isso, porque não acho que essas coisas vão conseguir
expulsar a minha feiura, porém hoje essa opinião está fragilizada, tendo em
vista que pela primeira vez em muito tempo estou me achando... bonitinha.

Por fim, ponho o vestido que só cobre até a metade dos meus joelhos,
as minhas pernas depiladas ficam expostas assim como os meus braços e
ombros. A peça fica bem em meu corpo, valorizando as minhas curvas
avantajadas e segurando os meus seios grandes que agora não parecem tão

exagerados. Calcei tênis brancos, os que uso quando vou para o hospital e pus
um colar singelo que ganhei de papai aos quinze anos.

Olho-me novamente no espelho com Amélie ao meu lado.

— Divina!! — Ela afirma. — Eu sou demais! Fiz um trabalho


excelente!

— Gostei... nem sei quando me senti assim... bonita. — Sorrio, com os


olhos ardendo e brilhando.

— Ah amiga, não chora senão borra a maquiagem! — Ela me abraça,

emocionando-se também.

— Tudo bem, não vou chorar. Só estou me sentindo muito nua, muito...
exposta e não me chame de careta! — A repreendo antes de tentar.

Amélie analisa-me um pouco mais, faz uma expressão de quem teve


uma ideia e vai até o seu pequeno guarda-roupas, retornando com uma
jaqueta jeans descolada, vestindo-a em mim.
— Comprei essa jaqueta na internet, mas veio o tamanho errado, nunca
consegui devolver. O que achou?

— Ah, agora gostei. — Sorrio, contemplando-me.

— Deixa esse lado assim, mostrando um pouco o ombro. Isso! Que


luxo!

Nós sorrimos. Ouço o meu celular apitar.

— É o Esteban?

— Sim — confirmo, lendo a mensagem. — Está pedindo a minha


localização.

— Então envia logo!

— Ai, amiga, estou com tanto medo! — confesso.

— Chega de medo, Madeleine. Não tem como viver com medo, meu
amor. Só os corajosos vivem de verdade. Nossa, me saí tão filósofa agora. —

Sorrir, encantando-me.

Envio a localização para Esteban e a abraço, feliz.

— Eu te amo! Obrigada por tudo! — Agradeço.

— Para, senão vou choraaar! — avisa, enxugando os olhos com os


dedos, faço o mesmo.

Ela lembra que ainda não usei perfume, então o faço. Após alguns
minutos, descemos pelas escadas até a portaria, onde nos surpreendemos com

o advogado me esperando em um carrão de tirar o fôlego! Nossos olhares se

cruzam quando baixa os vidros. Tento não ficar boquiaberta e fingir costume,
mas é quase impossível.

— Oh Jesus, o homem ainda é milionário! — sussurra Amélie, passada.


— Ai, que inveja de você agora, Madeleine... o meu pretendente vai chegar

daqui a pouco de Uber.

— Eu não esperava por isso — murmuro.

— Querida, não espere nada deste homem. Ele é daqueles


imprevisíveis, pode ter certeza! Agora vai!

Nos despedimos, sigo tremendo inteira por dentro até o superesportivo,


mas me surpreendo quando Esteban desce ao meu encontro. Ele está
magnífico! Usando um casaco de lã preto com calça jeans, sofisticado e
predador, com um perfume devastador e irreconhecível, que sinto antes

mesmo que pare na minha frente.

Seus olhos azul-glacial consomem todo o meu corpo de cima abaixo de


uma maneira que nunca aconteceu antes. Sinto-me nua, como se ele me
enxergasse além das vestes, vendo mais do que Amélie viu hoje à tarde.

O loiro de cabelos perfeitamente penteados que fazem um topete


charmoso parece bastante surpreso, nem consegue esconder. Só não consigo
identificar se a sua surpresa é boa ou negativa, e isso me deixa nervosa, me
sinto vulnerável. Seu olhar finalmente encontra com o meu outra vez, após

analisar todo o meu corpo. Sua mão grande e macia segura a minha, não
estava esperando por isso!!

— Está pronta para mim, baby? — pergunta, sexy e fatal, a voz rouca
ressoando em meus ouvidos. É quando a minha intimidade pisca, se

contraindo de uma forma nova, parece que vou derreter.

Engulo em seco, não sei o que responder, a voz não sai. Ele abre a
porta para mim, cavalheiro. Observo o interior luxuoso do seu carro com a
sensação de que se entrar nele, estarei totalmente perdida, mas não posso
deixar que isso aconteça, preciso manter a sanidade mesmo ao lado do diabo.

Suspiro nervosa, observando o quanto a sua barba rala de fios dourados


fica perfeita contornando o seu queixo viril, de homem. Pisco, saindo do
transe do seu fascínio, assinto e entro, ele fecha a porta, acena amigável para

Amélie — que está quase explodindo ao nos assistir —, volta para o seu
lugar, olha-me de maneira profunda mais uma vez e acaricia o meu queixo,
gosta de me tocar.

— Você está linda, Madeleine, nós vamos nos divertir muito hoje.
ESTEBAN JAVIER

Domingo à tarde, estou sentado na varanda do meu loft, recebendo o


maravilhoso sol de primavera enquanto faço uma vídeo-chamada com mamãe
e Alisa. Como amo essas duas!

— Você está linda, meu amor! Linda! — digo feliz, vendo ela abraçada
à dona Alba, sorrindo.

— Quando vai voltar, titio Esteban? — pergunta com sua doce voz. —
O senhor faltou ao meu aniversário e não me deu presente — lamenta,
tocando o meu coração, com seus olhos intensamente azuis me fitando.

— Logo, logo estarei voltando. — Mamãe me observa um pouco mais


séria, essa é a pergunta que ela nunca deixou de fazer desde que saí de casa.
— Algum dia chegarei aí na mansão de surpresa.
— O senhor sempre diz isso — afirma, desacreditada.

— Mas é a verdade. É que o tio está com muito serviço aqui.

— Aqui onde? — Nunca disse onde moro.

— Em Nárnia — brinco, mamãe revira os olhos, deixando que a


menina dialogue comigo.

— Nárnia não existe de verdade, não ache que sou boba, tio —
reclama, fazendo bico.

— Você jamais será boba, meu amor. Você é uma princesa, a minha
princesinha.

Ouço uma terceira voz conhecida ressoar pelo vídeo.

— Vamos, pequena!

— Tchau, tio, já tenho que ir. — Alisa se despede, mandando um beijo


com a mão, a coisa mais fofa que já vi na vida.

— Tchau... — murmuro, meu coração se apertando ao ter que me


despedir outra vez. — Quem é? — pergunto à mamãe quando fica sozinha.

— É Rayka, a babá — informa, se ajeitando na cama onde está sentada.

— Ah, sim.

— Preciso repetir a pergunta da Alisa? — indaga, irônica.

— Mãe... — Seu tom já faz me sentir culpado, tento desconversar.


— Às vezes fico me perguntando o que fiz para ser tão maltratada pelos
meus filhos. Você: foi embora e nunca me disse onde está, apenas afirma que

está bem e que não sabe quando vai voltar. Alejandro: desde que passou a
morar sozinho, mal vem nos visitar, só foca na Javier. Luna: muitas vezes
ainda é uma adolescente no corpo de uma mulher, vivendo a vida como se
todos os dias fossem os últimos, sinto que está se destruindo aos poucos.

Mateo, é o único que sente piedade de mim.

— Mamãe, já conversamos sobre isso milhares de vezes. Preciso desse


tempo para mim. — Sei que a minha justificativa nunca será válida.

— Tempo? Que tempo? Esse exílio no qual se autocolocou? Já passou


um ano, meu filho! Na primavera passada você estava aqui comigo...
conosco. Isso é uma tortura! Você e seus irmãos gostam de nos torturar! —
Faz drama. Minha mãe mesmo irritada é uma bela mulher, que aparenta ter
menos idade do que realmente tem, é bem cuidada. Seus cabelos loiros e

curtos moldando a sua face.

Ficamos um tempo calados.

— E como a senhora está? — indago, tentando mudar de assunto, mas


seu olhar que me chama de cínico, faz-me calar a boca.

— Mamãe, com quem está falando? É o Esteban? — ouço a voz da


minha irmã.
— Ótimo, fale com ele, porque hoje não estou mais com paciência! —
Dona Alba resmunga, entregando o celular para Luna.

— Mãe, eu te amo! — exclamo.

— Ama não, quem ama não maltrata! — ouço-a rebater, enquanto Luna
me fita sorrindo.

— Hoje ela está uma fera — falo baixo, tentando evitar ser ouvido.

— Ela já foi — informa Luna, caminhando, sei disso porque a sua


câmera balança um pouco até que ela se encosta contra o parapeito de uma
janela.

— Tudo bem? — inquiro.

— Tudo na mesma — afirma, como quem não quer falar muita coisa.

— E como está com o Joaquin? — Sou irônico.

— Ah, cale-se! — reclama, fazendo-me rir.

— Ainda andam se pegando às escondidas aí na mansão? Nunca


esqueço o dia em que os flagrei...

— Cala a boca, Esteban! — Fica realmente irritada, eu gargalho mais,


jogando a cabeça para trás. — Como você é ridículo. E, para a sua
informação, nós terminamos — afirma, sem me olhar nos olhos.

— Mas de novo? Nem deu tempo de contar sobre a relação de vocês


para a família.

— Nós não temos uma relação, é só sexo. Só você sabe disso porque

infelizmente naquele dia estava no lugar errado, na hora errada.

— Hmmm... e por que terminaram, então?

— Por que ele quer mais do que posso oferecer. — Luna sempre é bem

objetiva nas palavras.

— Não pode oferecer a ele um namoro? — Ergo uma sobrancelha.

— Não — responde, seca. — Não consigo. — A sua voz estremece de


leve.

— É claro que consegue, precisa se permitir, Passarinho.

— E você já se permitiu?

Abaixo os olhos, fechando a cara. Assim como sei coisas sobre a sua
vida, ela também sabe coisas sobre minha.

— Eu fico com várias mulheres. — Tento fazer com que isso pareça
algo sólido, tentando nos diferenciar.

— É? Agora voltei a ficar com vários caras também — conta, ainda


olhando pela janela, não gosta de me encarar quando o assunto é íntimo.

— Mas diferentemente de você, não machuco ninguém, pelo menos


tento não machucar. A senhorita deve estar esmagando o coração do Joaquin.
Um dia ele vai se cansar e aí poderá ser tarde demais — aviso.

— Não estou nem aí. — Finge não se importar.

— Está preparada para vê-lo com outra?

— Ele já deve estar, não fica esperando por mim, apesar de vir atrás de
vez em quando. Não dá Esteban, gosto dele, mas não consigo amá-lo. Não

consigo amar ninguém.

— Não consegue ou tem medo disso? Já procurou um psicólogo?

— Vamos juntos, que tal? Acho que você também precisa! — ataca
novamente, reviro os olhos. Ela ataca quando se sente acuada. Vejo sua mão
nervosa mexendo em seus cabelos pretos curtos e repicados, Luna é linda,
exuberante, meio gótica. — Maldito o dia em que abri espaço para você na
minha intimidade! — reclama, fitando-me agora.

— Pelo menos com alguém da família tinha que se abrir, não é? E

convenhamos que fui a sua melhor escolha. — A faço sorrir.

— Se eu descobrir onde você está antes que retorne, darei muitos


cascudos nessa sua cabeça enorme!

Ouço o meu interfone tocar.

— Tenho que desligar. Tchauzinho, te amo — declaro-me, enquanto


levanto já entrando em casa.
— Tchau, também amo você. — despede-se, então encerro a chamada.

Atendo o telefone, ouvindo do porteiro que o Sr. Pierre quer subir.

Minutos depois, estou abrindo a porta para recebê-lo. A nossa troca de olhar é
estranha, sinto o medo exalando de cada poro dele.

— Entra — digo, ele suspira e passa por mim. Fecho a porta. — Por
que não avisou que viria?

— Porque fiquei com medo de criar alguma desculpa para não me


receber — confessa. Seu rosto está péssimo, com olheiras, os ombros caídos
e murchos.

— E por que eu faria isso, Pierre? — Não consigo entendê-lo.

— Oh, meu Deus, estou tão envergonhado pelo que você viu ontem,
Esteban! — Seus olhos brilham, nunca o vi querer chorar antes.

— Foi um choque, admito. Mas não tenho nada a ver com a sua vida

pessoal, irmão. Então não se preocupe.

— Não pode contar a ninguém! — implora se desesperando,


aproximando-se de mim com aflição, fico assustado. — Por favor, você não
pode acabar com a minha imagem, Esteban! — Segura-me pelas mãos.

— Ei, Pierre! Enlouqueceu? Sou eu, Esteban, o seu amigo desde


Harvard! Acha que eu faria algo para te prejudicar? Isso nunca nem passou
pela minha cabeça! Fica calmo, cara...
Uma lágrima desce por sua face.

— Sei que vai me olhar diferente, com repulsa... você, Bernard e

Dominique sempre foram tão... másculos, e eu...

— E você também! Nunca desconfiei que... — Minha voz falha,


recordo do episódio da noite passada. — Mas não precisa ter tanto medo
assim, não tenho intenção nenhuma de interferir na sua vida. Não concordo

com o que fez ou... está fazendo, mas essas coisas acontecem, acredito que
não seja de hoje, nem de ontem que... — Não sei como me expressar outra
vez.

— Não, não é... — Ele vira as costas, enxugando as lágrimas. — Tentei


fugir desse meu outro lado a vida inteira, Esteban. A minha família sempre
foi muito dura, religiosa e apreciadora dos velhos costumes, do homem e a
mulher segundo os preceitos bíblicos. Você não pode imaginar o quanto era
difícil para mim estar ao lado dos meus amigos, ouvi-los falar vinte e quatro

horas sobre mulheres e eu ter que fingir que sentia tudo igual.

— Então você não é... bissexual? — Estou curioso.

— Não... demorei a entender sobre isso também, mas hoje entendo.

— Por isso que nunca participou das nossas apostas, você nunca achou
divertido —relembro.

— Acho que nem se gostasse do sexo oposto brincaria disso — reflete.


— Então, por que continua casado?

— Infelizmente só ousei pela primeira vez na vida a libertar esse meu

lado por tantos anos reprimido após casar com Camille, quando conheci o
Adam. — Me fita, chorando, devastado. — Não queria fazer isso com ela,
não queria, mas tudo já estava insuportável! Era como se a qualquer
momento fosse explodir, porque por mais que quisesse amá-la, ser o homem

que ela precisava, não conseguia... sofria!

— Precisa tomar alguma atitude, Pierre. Agora entendo por que o


casamento de vocês nunca foi estável, você está sendo infeliz e a fazendo
infeliz também. — Toco-o no ombro.

— Sei disso, mas não posso me separar! Ela é o meu ponto seguro para
que eu jamais seja descoberto. Tenho uma carreira e uma imagem a zelar, a
qual tenho certeza que consegui por ser heterossexual.

— Acho que está enganado, isso não tem nada a ver...

— É claro que tem, não seja hipócrita! — rebate, ergo as sobrancelhas


ao sentir a raiva na sua voz. Seu comportamento é de quem foi injustiçado
por toda uma vida. — Sei tudo o que ouvi e presenciei, a forma como as
pessoas tratavam e viam os homossexuais. Foi doloroso... levei muito tempo
para me aceitar e, ao conhecer o Adam, pela primeira vez na vida me senti...
livre — confessa, tocando os meus sentimentos. Sinto pena, consigo
compreendê-lo.

— Sei como é essa sensação de liberdade, meu amigo. Tive isso

quando vim para Paris e me libertei de coisas tóxicas que me faziam mal na
Espanha. Me libertei quando você e os outros aceitaram que eu fizesse parte
do escritório. Tenho muito a te agradecer, Pierre, a oportunidade que me deu
aqui, dificilmente outro daria.

— Não seria tão difícil com o currículo glorioso que possui — elogia-
me, tentando um sorriso entre a profunda tristeza que se abate sobre o seu
semblante.

— Irmão, não se preocupe. Seu segredo está muito bem guardado


comigo. — O abraço, dando-lhe afago, ele lembra uma criança, parece que
tudo que precisava era de um apoio.

— Jura que não contará a ninguém? Nem mesmo aos nossos amigos?
— Está muito inseguro, desconfiado.

— Não vou contar, cara! Para com isso. Estou jurando que da minha
boca não sairá nada. Agora quero que quando sair daqui, pense bem sobre o
seu casamento. Pierre, nada é mais importante do que a sua saúde mental, a
sua paz interior, acredite em mim, foi por isso que deixei Madri. — Afasto-
me dele, encarando-o. — Precisa se libertar dessa merda toda, mandar a
opinião alheia para o caralho e quando finalmente se sentir pronto... libertar-
se de vez.

Ele respira fundo, encantado com o meu conselho.

— Obrigado, cara. Muito obrigado. Nunca poderei agradecer o que está


fazendo por mim — funga, enxugando o rosto mais uma vez.

Sirvo um copo d’água para ele, trocamos mais algumas palavras e

enfim o homem vai embora. Sinto que um lado seu confia em mim, mas há
outro perturbado pelo temor de um escândalo latejando em sua mente. Não
faz mal, com o tempo ele vai perceber que sou de total confiança, apesar de
achar que já sou merecedor de tal sentimento devido ao tempo em que
estamos convivendo, mesmo não sendo muito.

Ao anoitecer, começo a me aprontar para encontrar com Madeleine. Já


pensei em tudo, deixei reservada a nossa mesa no restaurante, vou pegá-la
assim que me enviar a sua localização, nós vamos ter uma noite maravilhosa
onde irei tentar seduzi-la de todas as formas e espero que o fim seja aqui na

minha cama, que já está lindamente arrumada a esperando.

Vai ser uma experiência inédita para mim, acho que nunca fiquei com
mulheres gordinhas ou que pesassem mais que cinquenta e sete quilos.
Também nunca demorei tanto para ganhar uma aposta e de hoje não pode
mais passar. Espero que pelo menos ela saiba se vestir à caráter ou cuide um
pouco da aparência, pois todas as vezes em que a vi anteriormente não estava
apresentável como as garotas com quem costumo ficar.

Se bem que isso não importa tanto, levando em conta que ficaremos

apenas por uma noite e nunca mais.

Trocamos mensagens, ela envia a sua localização e assim saio de casa


acelerado no meu Aston Martin. Sigo pelas ruas de Paris, uma mais linda que
a outra, a cidade brilha à luz do luar e das inúmeras lâmpadas espalhadas por

todo os lados.

Chego numa zona mais humilde da cidade, olhando o GPS,


confirmando que estou me aproximando do local certo quando avisto a minha
acompanhante com a amiga na porta do condomínio pequenino. Abaixo os
vidros do carro para nos mirarmos melhor e é quando, mesmo ainda distante,
consigo notar que Madeleine está bem diferente do que me lembrava.

Ela vem em minha direção, mas sinto a necessidade de sair para recebê-
la, assim como todo bom cavalheiro deve fazer. Atravesso o carro, recebendo

o seu olhar de forte interesse, porém... para a minha grande surpresa, me pego
fitando-a com interesse também, pois vejo uma imagem totalmente nova da
garçonete que está simplesmente... linda.

A maquiagem muito bem desenhada em seu rosto, ressaltou o verde


dos seus olhos de um modo glorioso, intenso. O cabelo castanho-claro está
ainda mais liso do que já era e ondulado nas pontas, o vestido... nossa, adoro
mulher de vestido! Demonstra que apesar de ser avantajada, Madeleine
possui curvas, sua massa corporal é muito bem distribuída, não falta nada em

nenhum lugar.

O vestido curto deixa de fora umas pernas tão alvas e de pele que
aparenta ser tão macia, que jamais imaginei que ela poderia ter. Sinto
curiosidade de vê-la nua, uma curiosidade monstruosa.

A jaqueta jeans termina de compor o seu look, um dos ombros está


meio descoberto, dando visão para a fina alça que a minha mente pervertida
rapidamente pensa em deixar escorregar por seu braço até que fique pelada.
Além disso ela cheira... meus amigos e amigas, Madeleine está com um
perfume feminino gostoso que invade as minhas narinas de um modo
incontrolável.

Nunca imaginei que poderia sentir o que estou sentindo por ela agora:
atração. Não por preconceito por ela ser de acordo com o que dizem, acima

do peso, mas simplesmente por não ter sentido essa força, essa vontade que o
homem tem de comer uma mulher logo que nos conhecemos como acontecia
com as outras, além de... — como já disse várias vezes anteriormente —, ela
estar fora dos padrões das moças que estou acostumado a levar para a cama.

Após ficar alguns longos segundos meio que hipnotizado na nova


imagem da garçonete, que agora parece alguns anos mais jovem do que
aqueles que lhe dei, deixo-a sem palavras com uma pergunta sensual que

ressoa dos meus lábios e a levo para o carro.

Ao sentar ao seu lado, novamente contemplo o seu rosto e me pergunto


em pensamentos como não pude ter visto essa beleza toda antes. Fico em um
misto de sensações porque nunca me atraí por mulheres como ela, sequer
olhei. Fito as suas coxas rapidamente que se descobrem um pouquinho

enquanto está sentada e a minha mão coça para tocá-las, descobrir a textura
dessa pele que tanto me captura a atenção.

Meu pau até lateja dentro da calça, em milésimos de segundos imagino


como deve ser a sua boceta, como deve ser tocá-la... penetrá-la. Agora esse
jogo vai ficar muito mais interessante, me sinto muito mais empolgado em
levar Madeleine para a minha cama. Seguro-a pelo queixo com delicadeza.

— Você está linda, Madeleine, nós vamos nos divertir muito hoje —
aviso.
ESTEBAN JAVIER

Ela suspira, está mexida assim como eu, posso sentir a química
faiscando entre a gente, entretanto, desfaz o meu toque afastando a minha
mão, para a minha surpresa.

— Obrigada. — Sorrir sem jeito, está nervosa.

Dou a partida e saímos da rua, entrando numa avenida.

— Para onde vamos? Preciso avisar a minha amiga — afirma, pegando


o celular da pequena bolsa que carrega consigo.

— Jantar na Torre Eiffel — disparo, percebendo que ela fica chocada


positivamente. Isso é muito bom.

— Sério? — indaga.

— Falei sobre isso lá no bar aquele dia, lembra? — A encaro por


alguns segundos.

— Sim, mas... não imaginei que estivesse falando sério.

— Sempre falo sério quando se trata do que quero, Madeleine — aviso.

— E o que quer exatamente, Esteban? Confesso que ainda não consigo


entendê-lo.

— Já disse naquele dia no bar, mas hoje não quero que brigamos e nem
ser antipático ou arrogante, a minha resposta é... quero jantar contigo, ter esse
momento a dois para nos conhecermos melhor. O que vem depois, se vier, é a
noite quem vai dizer. — Sou direto e sincero.

— O seu “se” foi muito bem colocado, agradeço por isso. Porém, quero
que saiba que não tenho as mesmas pretensões que você diz ter essa noite —
informa, ela não se dá por vencida, é tinhosa. Gosto disso.

— As pretensões que eu digo ter? — zombo. — Acha que estou aqui

por brincadeira? — A olho desafiador e sério, deixando o humor de lado.

— Não sei..., mas em algum momento irei descobrir. — A certeza em


sua voz deixa-me inseguro, é como se a garçonete farejasse o meu segredo.

Resolvo então mudar de tática, é melhor tentar comer pelas beiradas, o


clima estava bom quando nos encontramos, mas agora ficou meio tenso.

— Gosta de música? — indago, mudando de assunto.


— Depende, o que você escuta? — Gosto da sua resposta, demonstra
que tem estilo.

— Cantores espanhóis... latinos...

— Amo! — Sorri, o clima já fica um pouco mais agradável.

— Então vejamos se conhece essa aqui... — Mexo no som, pondo para

tocar Loco, de Enrique Iglesias ft. Romeo Santos.

Te pido de rodillas

Luna no te vayas

Alumbrale la noche

A ese corazón

Desilusionado

A veces maltratado

— Enrique Iglesias, amo demais! — Madeleine sorri mais ainda. Um


ponto para o Esteban!!

No te perdonaré
Si me dejas solo

Con los sentimientos

Que pasan como el viento

Lo revuelven todo

Y me vuelven loco

E assim seguimos até o nosso destino, ouvindo a belíssima canção que


fala de alguém que está sofrendo por amor, louco para beijar os lábios da
pessoa amada e implorando para que ela não a faça sofrer. As notas começam
melancólicas, mas depois se agitam, se transformando em uma batida gostosa
que dá vontade de dançar.

Deixo o carro em um estacionamento seguro, próximo à Torre,


pegamos os nossos tickets no Welcome Center, que fica embaixo do grande

monumento metálico. Seguimos para a entrada, onde ficamos em uma


pequena fila até adentrarmos no elevador e desembarcamos no primeiro
andar.

— Nunca veio aqui antes? — pergunto a Madeleine, ela olha ao redor


encantada.

— Sim, mas já faz um bom tempo, e foi durante o dia. Também nunca
entrei nos restaurantes — informa.
— Ainda temos alguns minutos até a nossa hora no 58, que tal darmos
uma volta enquanto isso? — A convido.

— Por mim, tudo bem — consente.

— Venha. — Coloco a mão em sua lombar, a conduzindo. Ela estranha


a minha atitude, não esperava, mas gosto de tocar, de controlar.

Passeamos sobre o chão de vidro, de onde podemos ver as pessoas lá


embaixo em terra firme, observamos as exposições, os trabalhos ao redor do
mundo do engenheiro que projetou a Torre, Gustave Eiffel.

— Incrível, não é? — indaga, muito atenta e contente.

— Incrível mesmo, admiro muito os engenheiros, projetos como esse a


princípio parecem impossíveis, mas eles vão lá e conseguem realizar. Vamos,
já está na nossa hora. — Tento conduzi-la outra vez, mas agora Madeleine
delicadamente, porém de forma clara, foge do meu toque.

Entramos no restaurante 58 Tour Eiffel, falo a nossa reserva e somos


guiados pelo hostess até uma mesinha com vista para o magnífico Jardim do
Trocadéro.

— Deve ter custado uma grana para ficarmos com essa vista —
comenta, ela sabe muito bem como funcionam as coisas.

— Pacote especial — informo.

— Tudo isso para mim? — Ergue uma sobrancelha.


— Para nós. Além disso, gosto de impressionar.

O garçom nos aborda, olhamos o cardápio, faço as minhas escolhas:

— Para a entrada, quero camarão com especiarias suaves, abacate e


tartare de frutas, vinagrete ao maracujá — afirmo, enquanto passo a analisar
o resto.

— E a senhorita?

— Ah... estou em dúvida — Madeleine fica atenta às opções.

— Te indico camarão também, é delicioso — comento.

— Então tudo bem. — Assente, o garçom anota. — Para o prato


principal quero o dorso de salmão à petiscado, batata Anna, abóbora
butternut, rabanete vermelho, molho champanhe. — Escolhe, fico
impressionado.

— Parece ótimo, quero o mesmo — afirmo, ela se agrada disso, é

visível.

— Nossa, escolher sobremesa aqui é dificílimo — comenta, enquanto


usa o indicador direito para enrolar em uma de suas mexas, meiga, tão
feminina.

— Concordo, mas acho que vou de...

— Profiterole — respondemos em uníssono. Ficamos surpresos com os


nossos gostos coincidirem tanto, gargalhamos.

— Meu Deus, que loucura, isso nunca me aconteceu! — Sorri,

divertida.

— A mim também não — afirmo. — Então, como sobremesa,


profiterole com sorvete de baunilha e calda de chocolate quente — concluo,
largando o cardápio. O garçom se vai.

Olho em volta, as mesas ficam bem perto umas das outras, a maioria é
composta por casais, há um burburinho pelo ambiente, um clima confortável,
vívido e divertido. Enquanto esperamos a nossa entrada, somos servidos com
um vinho que escolhi e pães de couvert para abrir o apetite.

Ao ficarmos sozinhos novamente, puxo assunto:

— E o seu irmão, como está?

— Ah, está bem, graças a Deus e a você. Ainda estou chocada com a

coincidência — revela.

— Mas acredite, foi mesmo uma coincidência. Gosto muito de correr


naquele parque.

— Se você diz... — Não acho legal o tom dela.

— Por que tanta desconfiança, Madeleine? Por que sempre está assim...
armada ou com o pé atrás? Tem medo de mim? — Vou direto ao ponto.
— Não exatamente de você, desde ontem te vejo com novos olhos, mas
sou receosa sim com os homens em geral, ainda mais esses como você.

— Como eu? — Estico um sorriso, puxando os lábios levemente,


curioso para saber a opinião dela sobre mim. — Explique-se melhor.

— Não quero estragar o clima.

— Que clima? — A provoco, sorrindo ainda mais, deixando-a sem


jeito. — Sabe, gostei do seu irmão. — Mudo de assunto, realmente não quero
que as coisas fiquem chatas agora, deixa para mais tarde.

— Ele também gostou de você, até demais para a minha surpresa.

— Que bom saber disso. Interessante essa questão do autismo,


enquanto o observava, notei que havia algo incomum, o achei muito
indiferente quanto ao que quase aconteceu com ele.

— Uma das características do autismo é não ter a noção de perigo, em

alguns é mais leve e em outros mais forte. Outra característica é o hiperfoco,


ele acabou naquela situação quando uma borboleta surgiu na sua frente, não
conseguia me ouvir.

— Já havia acontecido algo parecido antes? — Fico curioso.

— Sim... uma vez ele soltou a mão da minha mãe na rua e atravessou a
avenida, quase foi atropelado. Foi um susto e tanto, mas o que você
presenciou foi muito pior — diz.
— Ele faz tratamento? Fora aquilo o achei muito... não sei se posso
falar essa palavra.

— Normal?

— Sim.

— Não se preocupe, se você se expressar mal sem querer, posso

corrigi-lo. Mas sim, ele faz tratamento multidisciplinar desde muito pequeno,
o autismo dele é do grau moderado, ele não possui nenhum tipo de atraso
mental, porém enfrenta os seus obstáculos dia após dia. Já melhorou bastante
comparado ao que era antes.

— Que ótimo; esquecemos de brindar. — A convido, ela sorrir,


juntamos as taças e bebemos mais do vinho delicioso, em seguida
experimentamos os pães. Mais alguns minutos e temos as nossas entradas
servidas.

Degustamos com afinco a deliciosa comida, conversamos sobre o

restaurante, sobre o cardápio. Com Madeleine, o diálogo não fica apenas


dependente da minha atitude, ela conversa, ri, e faz perguntas também.

— Onde trabalha? — indaga.

— No La Defense, tenho um escritório com os amigos.

— Que chique.

— E o que você faz além de trabalhar no bar? — Estou curioso.


— Faculdade de Fisioterapia.

— Que ótimo, estava precisando mesmo de uma massagem, ando com

dor nas costas, sabe... — Brinco, trocamos sorrisos com segundas intenções.

— Deve ser porque a sua cama é muito movimentada — alfineta.

— De fato — confesso, Madeleine gargalha. — Explique-me a sua

nacionalidade — peço.

— Como assim? — Franze o cenho.

— Sei que sabe falar espanhol fluentemente. — Lembro de ela me


xingando. — Quero descobrir se sabe falar espanhol ou se é espanhola.

— Ah, sim. Nasci em Madri, e depois meus pais vieram para Paris,
então quase não tenho lembranças da Espanha, porém gosto muito da cultura
de lá, principalmente das músicas, acho que está no meu sangue.

— Eu sou de Madri também, vim para Paris faz um ano, quis mudar de

vida.

— O que fazia lá?

— Trabalhava para a minha família, aqui trabalho para mim.

— Legal.

— Mas, algum parente seu é francês?

— O meu pai. Ele trabalhava na capital espanhola quando conheceu a


minha mãe, depois passou em um concurso para policial em Paris, então veio

para cá, diz a lenda.

Gargalho.

— Gosto mais desse seu lado humorístico — comento.

— Aproveite, porque quando estou estressada fico uma fera — avisa.

— Já vi um pouco desse seu lado ferino.

— Nem chegou perto, querido — informa, isso me instiga.

O tempo passa, as nossas sobremesas são servidas, continuamos nos


divertindo, curtindo tudo o que o restaurante pode nos proporcionar, percebo
que a acadêmica de fisioterapia está exagerando no vinho.

— Desse jeito a senhorita ficará bêbada — aviso.

— Se tentar abusar de mim, pode se considerar um homem morto. —


Brinca.

— Jamais faria isso, só se você deixasse.

— Não... você jamais faria isso de qualquer jeito. — A sua voz está um
pouco suave demais. Ela, pelo visto se embebeda fácil, não deve ser
acostumada com álcool.

— Por que acha que tem tanta certeza a meu respeito? — Volto a entrar
no assunto de meu interesse.
— Não acho, eu tenho. — Bebe mais um pouco, já secou várias taças.

— Então me diga, como eu sou? — A desafio.

— Posso estar errada em muitas coisas, mas estou certíssima quando


afirmo que não está realmente afim de mim.

— Por que acha isso? — Acomodo-me melhor na cadeira, a

observando com atenção.

— Porque homens como você não ficam com mulheres como eu.
Conheço-o, antes de falar comigo, o vi por inúmeras e inúmeras vezes no Le
Loup cortejando e paquerando várias moças, cada dia uma diferente, todas
bem diversas de mim, altas... magras e perfeitas. O senhor... não leva para a
cama mulheres gordas, feias e pequenas, aposto que nunca ficou com alguém
como eu... não sabe o que é um corpo sem qualquer procedimento estético,
que não seja lapidado numa academia ou em um crossfit.

— Está dizendo na minha cara que não sei o que é uma mulher de

verdade, Madeleine? — Ergo uma sobrancelha, indignado com a sua


insinuação.

— Sim. — Sorrir, um pouco tonta, secando de vez a taça e tentando


colocar mais.

— Não. Já chega. — A impeço, tomando o objeto de sua mão.

— Ah, para de ser chato, Esteban. Só estou querendo me divertir, não


foi para isso que me trouxe aqui? Aliás, muito obrigada, apesar de não
acreditar nas suas intenções, nunca fui tão bem tratada assim por um homem

e não lembro quando foi a última vez em que me diverti tanto. Você é
divertido, sabia?

— Acho que o álcool está te fazendo falar o que não falaria se estivesse
sóbria — digo.

— Mas é verdade, só fiquei com um cara em toda a minha vida e ele foi
um escroto! — confessa, me deixando chocado.

— Está falando sério?

— Sim..., mas não conta para ninguém. — Faz sinal de silêncio. É, ela
está bêbada e nem percebi como chegou a este ponto.

— Quantos anos você tem, Madeleine?

— Vinte e um.

Suspiro, percebendo a grande merda que estou fazendo. Madeleine é só


uma menina inocente, e se o que disse sobre ter ficado apenas com um cara
for realmente verdade, como eu acho que seja, é quase virgem, então... não
posso jogar com ela. Não dá. Isso está passando dos limites.

— Okay... vou ao banheiro agora e quando voltar, nós vamos embora


— determino.

— Mas já? Passou tão rápido — reclama.


— Espere-me aqui e não beba mais, por favor. — Levanto-me,
seguindo para o toalete. Antes de entrar, olho novamente para Madeleine,

suspirando irritado ao vê-la me desobedecendo e já tomando mais vinho.

Entro em um dos boxes, mijo e sigo para a pia, lavo as mãos e o rosto,
me achando um ordinário por ter vindo para cá com uma menina com
segundas intenções. E todas as coisas que eu disse para ela? Quando a vi no

bar, parecia mais velha, apesar de vulnerável. Está decido, sairei do banheiro,
a deixarei em casa e mandarei essa aposta para o inferno!

Ao retornar para o salão, surpreendo-me com Madeleine vindo ao meu


encontro no meio do caminho, nervosa.

— Você não vai acreditar, o meu ex... quer dizer, o cara que eu fiquei,
está aqui!! — afirma, como se fosse o fim do mundo, murmurando.

— O quê? — Nem consigo compreendê-la direito, faço menção em


olhar ao redor, mas a sua mão é mais rápida e segura o meu rosto.

— Não, não olha, apenas me beije! — pede.

— Como? — Esbugalho os olhos.

— Finja que é o meu namorado e me beije!! — exige, tem pressa.

— Madeleine, eu...

Não consigo concluir, a baixinha fica nas pontas dos pés, puxa o meu
rosto com força com as duas mãos e gruda os nossos lábios, roubando-me um
beijo.
ESTEBAN JAVIER

Sou pego de surpresa, quando percebo já estou com a boca colada à de


Madeleine. Ela está de olhos fechados, fico sem saber o que fazer, paralisado,
foi muito repentino e não esperava por isso. Jamais uma mulher fez esse tipo
de coisa, tomou essa atitude, sempre acontecia ao contrário, por isso o meu
desconcerto.

Mas, esse toque macio acende algo desconhecido dentro de mim. O


contato das nossas carnes de forma tão inesperada faz surgir uma vontade de
querer experimentar mais, é como um novo tipo de fome, de desejo que
cresce tão rápido a ponto de conseguir com que as minhas pálpebras se
fechem também.

Mesmo que as nossas línguas não estejam unidas, a energia e o sabor


dos seus lábios carnudos e rosados são capazes de me atingir, causando um
efeito novo, desconhecido, talvez... puro. O mundo à nossa volta parece parar
de repente, as vozes... todos os sons são invadidos pelo silêncio e a única

conexão capaz de me fazer se sentir vivo é o beijo dela.

Só há ela e eu.

Abro os olhos devagar quando sinto os nossos lábios se desconectarem.


Com um suspiro longo, Madeleine afasta o rosto, retirando as mãos da minha

face e voltando a ficar com os pés normalmente no chão, se tornando


pequenina diante de mim que sou maior e mais forte que ela.

As pálpebras dela levam mais segundos para se reerguerem, nossos


olhares se encontram outra vez e enfim, parecem fazer a mesma pergunta em
coro: “o que foi isso? ” Madeleine, então observa o seu lado esquerdo, sigo o
seu olhar avistando um jovem rapaz nos encarar duramente e então sair do
restaurante incomodado, puxando a sua acompanhante pela mão de forma
bruta.

Só então entendo tudo de vez e consigo raciocinar, não gostando nada


da conclusão.

— Você me usou para fazer ciúmes naquele moleque? — pergunto,


indignado.

Madeleine põe as mãos na cabeça, de olhos estufados, parecendo se dar


conta da gravidade do que acabou de acontecer aqui. Ela dá as costas
arrependida e volta para a nossa mesa onde vira a sua taça, bebendo todo o
vinho de uma só vez, como se para digerir o pequeno caos do qual foi a

autora.

— Será que dá para parar de beber?! — reclamo, tomando o objeto


dela, colocando em cima da mesa. — Vamos embora. — Pego a jaqueta que
ela havia deixado sobre as costas da cadeira e ajudo-a a vesti-la.

Faço menção em ir na frente, porém a garçonete me segura pelo braço:

— Esteban... me perdoe! — pede, incrédula sobre as suas próprias


atitudes, deduzo.

— Você bêbada é um perigo, garota — comento. — Vamos! —


Seguro-a pelo braço de forma delicada, a conduzindo para fora do
estabelecimento. Como já paguei o jantar na hora da reserva online, não
preciso me preocupar com isso agora.

Descemos pelo elevador em silêncio, sem trocar olhares. Estou

perturbado, com a sensação de estar fora do controle, a confiança já não tão


segura como quando cheguei aqui. Como assim, essa garota que mal saiu das
fraldas me usou como meio para um fim? E logo para algo tão infantil... fazer
ciúmes no ex ridículo. Ela pensa o quê? Que sou o seu objeto?!

Quando saímos do elevador e nos dirigimos rumo ao carro, penso que


estou sendo hipócrita, pois a trouxe aqui hoje justamente para usá-la também,
por causa da maldita aposta que agora já tenho certeza estar desfeita.

Sem perceber, acabei me envolvendo demais com Madeleine, o pouco

contato que tivemos foi muito comparado às outras. Isso consequentemente


acabou me desestabilizando, adquiri informações dela, da sua família. Antes
não havia tempo para conversas, conhecimento, romance. Era sexo casual e
pronto, estava encerrado, eu ganhava o meu prêmio, a mulher seguia a sua

vida sem desconfiar de nada e ninguém se machucava.

A pretensão nesse jogo nunca foi machucar alguém, sempre foi apenas
se distrair, se divertir. Não posso permitir que as regras sejam quebradas.
Apesar de tudo isso ser uma merda como Pierre sempre falou, tentamos ter
alguma espécie de princípios onde é quase impossível.

Agora com a estudante de fisioterapia é tudo diferente. Ainda tem a


idade, eu jamais fiquei com garotas, sempre foram mulheres mais ou menos
na mesma faixa etária que a minha. Como pude ser tão bobo e deixar me

enganar? As dicas estavam todas ali durante todo o tempo mesmo que de
modo implícito, entretanto não as captei.

Respiro fundo quando entramos no estacionamento, faço o pagamento


e depois abro a porta do automóvel para que Madeleine entre.

— Obrigada, você é um gentleman — elogia-me em um tom


brincalhão.
— Eu sei — digo um tanto quanto desanimado. O que houve Esteban?
No fim foi só um beijo, nada demais. Sinto um misto de culpa, descontrole

e... tesão. Foi o beijo mais simples e casual de toda a minha vida, contudo o
gosto ainda está aqui, latejando em meus lábios.

Mordo-os quando bato a porta após ela se acomodar. Sigo reflexivo


para o meu lugar, dando a partida e entrando na pista.

— Esteban, desculpe-me, estraguei tudo, eu sei! — Ela põe as mãos no


rosto, envergonhada. — Oh, Deus... perdi o controle! Não queria ter te
beijado, é que... quando vi o Vincent com a outra...

Sorrio incrédulo. É inacreditável! E eu pensando que ela estava afim de


mim!

— Não precisa se desculpar, está tudo bem. Agora vou te deixar em


casa e pronto. — Reúno toda a minha maturidade nestas palavras. Como ela
pode sentir alguma coisa por um pirralho daqueles e ainda tentar atingi-lo me

usando? Isso foi o fim!

— E pronto? — indaga com a voz meio mole, o olhar torto. — Quer


dizer que não quer transar comigo?

Olho-a sem entender nada. Fico calado, prefiro não responder. Ela
entende a minha negativa silenciosa e continua:

— Ah... que bom então — afirma, como se fosse um alívio. O QUÊ??


— Nossa... obrigado! — Não consigo me controlar, ela está me
reduzindo a nada, a pó!

— Ah, desculpa, é que...

— Pare de pedir desculpas! Vai pedir desculpas por não querer transar
comigo? Também não quero transar contigo! — disparo, não vou ficar por
baixo.

— ‘Tá bom... não precisa se irritar. — Ergue as mãos em sinal de


rendição.

— Eu não estou...! — Resolvo me calar. Que merda! Não posso dar


toda essa moral para ela, sou Esteban Javier!

Madeleine põe as mãos no rosto novamente, gemendo com os olhos


fechados.

— Está tudo bem aí? — pergunto, preocupado.

— Acho que exagerei no vinho e na comida, não estou me sentindo


bem — informa, realmente parece estar mal.

— Estamos chegando ao prédio da sua amiga, não seria melhor mandar


mensagem para ela avisando?

Madeleine assente com o rosto, retira o celular da bolsa, mas seu


semblante não é nada bom com o que vê.
— Droga... não acredito, Amélie! — resmunga, chamando a minha
atenção.

— O que houve? — indago.

— Ela me enviou uma mensagem há duas horas afirmando que estava


saindo de casa sem hora para voltar. — Mostra-me o celular, vejo que Amélie
ainda desejou uma ótima noite para a amiga, já prevendo que Madeleine e eu

iríamos transar.

Tudo isso é culpa minha.

— Você mora com ela?

— Não..., mas não posso ir para a casa dos meus pais... — geme, pondo
a mão na garganta. — Eles nem sonham que estou com um homem... em um
encontro..., não quero nem pensar o que mamãe diria se descobrisse! —
Fecha os olhos, fazendo careta.

Agora tenho ainda mais certeza de que eu, um homem de trinta e sete
anos, estou com uma garota, de que levei uma menina para jantar. Fiz merda,
a envolvi em um jogo sujo que pode acabar com os seus sentimentos, a deixei
sair de casa mentindo para os pais para poder me encontrar e agora está aqui
no meu carro passando mal. Isso está indo muito longe, longe demais.

— Esteban... acho que vou vomitar — avisa a garota.

— Calma, segura um pouquinho, vou estacionar. — Procuro


rapidamente um local para parar.

Desço rapidamente e Madeleine sai do carro vomitando, pondo o vinho

em excesso para fora, despejando tudo na rua. Fico ao seu lado, segurando-a
para que não haja risco de cair e se machucar. Deixo-a botar para fora o que
lhe faz mal.

— Terminou? — pergunto.

— Acho que sim. — Respira fundo.

— Vou pegar lenços para você, espere um segundo. — Retorno para o


carro, pego os lenços de papel e entrego a ela, que limpa a boca.

— Obrigada — agradece, olhando-me com os olhos brilhando da força


que exerceu para poder vomitar.

— Respira direitinho, quando se sentir melhor nós seguimos viagem,


dessa vez irei dirigir mais devagar, talvez o balanço do carro tenha

contribuído para te fazer mal.

— Desculpe por toda essa situação.

— Não, Madeleine, se tem alguém aqui que deve pedir desculpas, sou
eu — assevero, ela me fita sem entender.

— Foi mal mesmo. Vou ligar para Amélie. — Voltamos para o carro,
retorno para a pista, permitindo-a tentar se comunicar com a sua colega, mas
pelo visto não dá em nada. — O celular não está chamando. — Está muito
preocupada, é como se tivesse caído numa cilada. — Não acredito que ela fez
isso comigo! — Fica incrédula, decepcionada, agoniada. Acredito nos seus

sentimentos, são todos reais. — Já sei, você me deixa no prédio dela, irei
esperá-la no corredor do apartamento, não tem problema.

Isso não tem cabimento.

— Não, você vai dormir na minha casa — determino, sem olhá-la,

focado na direção.

— Não, não vou.

— Vai sim, não tem outra opção e não permitirei que fique ao relento
sem saber a que horas a sua amiga vai chegar.

— Mas... — Tenta replicar.

— Ou é isso ou só irei parar o carro quando me disser o endereço dos


seus pais — sentencio, calando-a e irritando-a também. Contudo, como está

cansada, não discute. — Não se preocupe, não irei tocar em você — afirmo,
sério.

— Não vai mesmo — confirma, com o nariz empinado, dando a última


palavra.

— Acha que seria tão ruim assim transar comigo? — Não resisto,
preciso saber.

— Sim, você parece ser bem ruim de cama.


Não controlo a gargalhada rouca que sai forte da minha boca,
retumbando pela garganta. Madeleine me fita toda sem graça, sabe que não

me convenceu com a sua desculpa esfarrapada, talvez nem ela mesma tenha
se convencido do que disse. Paro de rir quando noto as suas maçãs fofinhas
enrubescendo. Fico encantado... é uma graça!

Engulo em seco e volto a mirar a estrada. Não posso desejá-la, é só

uma menina!

— Diz a garota de um homem só — resolvo provocá-la.

— Ah, para por favor, não quero tocar mais neste assunto — determina,
séria.

— Parece que a consciência de alguém está voltando. Mas me diga,


Madeleine, foi só ele mesmo? Nunca ficou com outro homem? — Estou
muito curioso a respeito disso.

Olho-a e ela se mantém calada, fugindo de mim virando o rosto. É um

sim. Nossa! É um baby mesmo, uma donzela.

— Tudo bem, não está mais aqui quem falou. — Dou o assunto por
encerrado.

Quando chegamos no meu prédio, noto que Madeleine observa tudo


com atenção. Deixo o carro no estacionamento do subsolo, e sigo com ela até
o elevador. Alguns minutos depois saímos no meu andar, destranco a porta e
dou passagem para ela entrar no loft.

— Uau... — comenta, analisando o espaço. — Achei que seria

diferente.

— Diferente como? — indago, entrando e fechando a porta.

— Achei que você fosse daqueles caras que esbanjam luxo por todos os

lados, principalmente em casa. Esse loft é luxuoso, porém simples ao mesmo


tempo.

— Exatamente, não preciso de luxo extremo, já o tive por muito anos,


entretanto, quando passei a morar sozinho descobri que a simplicidade e
sofisticação me bastavam.

— Adorei... é rústico, bonito e sofisticado. — Ela me olha.

— Assim como eu. — Pisco, fazendo-a revirar as pupilas e me arrancar


mais um sorriso.

— Onde vou dormir? — Observa ao redor, procurando um abrigo.

— Na cama comigo, óbvio — determino, retirando o casaco de lã.

— O que está fazendo?! — Seu tom de voz aumenta e seus pés dão um
passo para trás, em alerta.

— Com licença..., gosto de me sentir confortável quando estou em


casa! — afirmo, agora com o torso nu diante dos olhos impressionados da
garçonete, que por alguns segundos parece hipnotizada nos meus músculos,

mas por fim pisca três vezes e vira o rosto.

— Aff... sabia que era uma péssima ideia vir para cá! — reclama,
cruzando os braços.

— Já disse que não irei te tocar, para de querer ser chata, pois sei que
não é. — Caminho até a escada. — Vem! — chamo, subindo os degraus.

— É óbvio que não vou dormir na sua cama! Enlouqueceu?! —


exclama.

Paro e viro-me, encarando-a.

— Aqui só tem uma cama, Madeleine. Se não dormir comigo, vai


dormir aonde?

Ela olha em volta outra vez e se senta no sofá.

— Esse seu sofá é mais confortável que a minha cama, e bem espaçoso

também. Ficarei por aqui — responde.

Dou de ombros, continuando até chegar em meu quarto.

— Esteban! — chama, olho-a daqui de cima, encostando-me no


guarda-corpo de vidro que separa o meu cômodo da queda livre até a sala. —
Preciso tomar um banho e também de uma roupa limpa, sujei o vestido com o
vômito — afirma, fazendo careta.
Penso um pouco e arremesso o meu casaco para ela, que o pega com as
duas mãos.

— Usa isso, ainda está com o meu perfume, vai que te faz ter sonhos
eróticos conosco esta noite. — Pisco, provocando-a, vendo sua expressão de
raiva.

— Seu convencido!! — Lança o casaco para longe enquanto gargalho.

Adoro irritá-la.

— Tem um banheiro aí embaixo com toalhas e tudo, no fim da sala,


antes da varanda, mas o meu aqui é mais espaçoso, hein! — grito, enquanto
sento na cama e retiro a calça, também preciso de um banho.

— Vá a merda!! — grita de volta, sorrio outra vez.

Fico muito tempo no banheiro para dar espaço e privacidade à


Madeleine. Enquanto isso, ponho uma música no celular como sempre faço,
abro os braços sobre a lateral da banheira, sentindo a água com espumas

refrescar todo o meu corpo. Está uma delícia.

De repente, pego-me pensando nela, dos nossos momentos que tivemos


hoje na Torre, do quanto a garçonete se mostrou ser inteligente e
terrivelmente sincera. Ela tem opinião formada, personalidade, e apesar de
ser uma garotinha, não acreditou no meu papo, não está caída no meu jogo e
ainda por cima me usou para jogar com outro cara.
Aquele beijo... levo os dedos até os lábios, fechando os olhos, ainda
sentindo o gosto. Se foi gostoso daquele jeito, imagina se fosse completo,

com a minha língua prendendo a dela de várias formas, com os meus dentes
mordendo a sua carne, chupando. Fico chocado com a ereção se formando
entre as minhas coxas, com os pensamentos sacanas. Meu pau levanta
rapidamente, longo, grosso, pungente, saindo de dentro da água apontando

para o alto.

Caralho... quero comê-la, mas não posso!

Após cerca de quarenta minutos curtindo o banho relaxante, saio do


banheiro enrolado na toalha. Procuro Madeleine na parte de baixo, ela já está
deitada no sofá e com o meu casaco, isso por algum motivo desconhecido me
deixa contente, afaga o meu ego. A luz da sala foi desligada.

Visto apenas uma calça moletom para dormir, enxugo os cabelos


molhados com a toalha, sacudindo a cabeça em seguida para tentar secá-los o

máximo possível e, por fim, os penteio usando os dedos da mão.

Pego um travesseiro e um edredom no guarda-roupas, desço as escadas,


quando estou me aproximando da garçonete, consigo observá-la mais de
perto. Ela usou uma das toalhas do banheiro para cobrir as pernas nuas ao
invés de me pedir os lençóis, claramente tentando evitar que eu a visse de
forma tão íntima.
Mas, para a minha surpresa, Madeleine muda de posição, está de costas
para mim agora, a toalha cai no chão com o movimento, descobrindo a sua

bunda enorme, redonda e durinha. Meu queixo vai ao chão! Fico paralisado,
em choque, porque foi tão repentino, inesperado.

Ela usa uma calcinha roxa de cintura alta que mesmo sendo
proporcional ao seu tamanho, está enfiada entre as suas nádegas avantajadas,

branquinhas, a pele lisa. Engulo em seco, meu pau se contrai, criando vida
outra vez, endurecendo com força, o sangue correndo pelas veias,
esquentando o corpo inteiro.

Isso só pode ser uma tentação! Não é possível! Aproximo-me mais


dela, não consigo deixar de desejar o seu big bumbum, estou salivando, com
água na boca. Contemplo-a descaradamente, pensando tanta putaria que
poderíamos fazer juntos, que chego a ficar tonto.
ESTEBAN JAVIER

Para não morrer aqui na pele de espectador, ponho o travesseiro


debaixo do braço esquerdo e uso as mãos para desdobrar o edredom,
cobrindo-a. O meu casaco ficou muito bem em seu corpo, moldando-o,
contrastando com a sua bela cor. Suspiro após perceber que a tentação se foi,
mas a minha ereção não, está quase rasgando o tecido da calça.

Fico receoso de Madeleine acordar de repente e me flagrar, mas ela


parece estar em um sono profundo, pelo visto devia estar exausta. Temo
tentar pôr o travesseiro sob o seu rosto e despertá-la, por isso o uso como
modo de defesa, cobrindo o meu pau, indo embora da sala.

Desligo algumas lâmpadas em meu quarto, deixando o ambiente


semiescuro. Deito-me na cama e a sensação que tenho é de pura frustração.
Passo vários minutos virando para um lado e para o outro feito bicho, sem
conseguir pegar no sono, a imagem da bunda daquela garota está aprisionada
na minha mente de tal maneira que não permite que a minha ereção vá

embora e nem me dê paz!

Mesmo com ela longe, meu corpo está quente, parece até que não tomei
banho. É como se eu estivesse sem foder há dias, pois não é possível tanta
atração momentânea. Pela primeira vez uma mulher dorme na minha casa

sem ser na minha cama ou após transar comigo. Isso está estranho... muito
estranho! Não devia estar perturbado, mas estou, porque a desejo.

Fico imaginando como seria aquele rabo dela sentando sobre mim,
engolindo-me por inteiro em suas entranhas e concluo que o impacto seria
forte, poderoso. Rolo mais vezes, chegando a rosnar de raiva por não
conseguir adormecer. Canso de lutar e me entrego.

Agora estou eu aqui, entre a razão e o tesão, mas com o pau na mão.

Masturbo-me e não leva muito tempo para eu gozar feito a merda de

um adolescente virgem. Nem pareço um homem feito, pareço um nerd tão


seco quanto o deserto do Saara. A que ponto tu chegaste, Esteban Javier?? A
que ponto?!

Limpo-me com a barra do lençol, guardo o pênis de volta dentro da


calça e só então, já aliviado de todo o estresse causado pelo tesão reprimido,
consigo finalmente pegar no sono!
MADELEINE FERNANDEZ

Acordo no meio da noite, assusto-me com o novo ambiente e com a


pouca luz, quase tudo está escuro, levo alguns segundos para identificar que

ainda estou na casa do advogato... quer dizer, advogado. Ao lembrar dele,


automaticamente olho para o mezanino, esbugalhando os olhos quando vejo a
sua sombra no topo da escada, parece que estava observando a mim também.

Suspiro, o que ele está fazendo? Esteban então desce pelos degraus,
bem lento, e vem caminhando decidido em minha direção. Quando se
aproxima, é que consigo notar que está completamente pelado, fico
boquiaberta ao focar em seu pênis gigantesco.

— Esteban... o que...? — Mal consigo falar, seus braços musculosos e

tatuados avançam em mim, segurando os meus pulsos sobre a cabeça ao


mesmo tempo em que as suas pernas compridas, grossas e duras se enroscam
nas minhas, seu corpo inteiro me dominando.

Uma parte da minha consciência grita para que eu lute, mas a outra
parte berra muito mais alto para que eu ceda, para que o permita me tomar e
fazer de mim o que quiser. Sua língua lambe o meu pescoço, arrastando-se
por minha pele. Enlaço o seu quadril quando sinto o seu pau pressionado
contra o meu abdômen, quente, pegando fogo.

Sua boca ataca a minha, os lábios vorazes consomem os meus com

euforia, com violência, suas mãos largam os meus pulsos e apalpam os meus
grandes seios com força. Sinto seu corpo colossal escorregar pelo meu,
resvalando para baixo, o casaco que visto sendo jogado para o alto, a calcinha
rasgada, e então...

Acordo em sobressalto, sentando-me em um movimento reflexo.


Respiro fundo, quente, suando, olhando em volta agoniada, me dando conta
de que é dia, que já amanheceu e que estava tendo um sonho erótico com o
cara mais convencido e arrogante que já conheci na vida!

Oh, meu Deus, onde ele está?! Viro-me com violência em busca dele,
tentando achá-lo, mas me desequilibro, esquecendo que estou no sofá e caio
toda desengonçada no chão. O tombo me faz gemer de dor e despertar de vez.

Olho para o alto após levantar, não há movimento algum, nenhum sinal

do homem. Sinto a minha intimidade toda molhada, observo as minhas partes


baixas, toco a minha calcinha e fico impressionada ao perceber o estrago que
o sonho me causou. Vejo um edredom sobre o sofá que não sei de onde
surgiu e o capturo como se fosse a minha tábua de salvação, enrolando-me
para proteger e esconder-me.

Agora mais calma, capto melhor todas as sensações que o meu corpo
emana, estou um pouco mole, mas é uma moleza gostosa. Tenho vontade de
me tocar mais, ao mesmo tempo em que estou incomodada com o melecado

entre as pernas. Minha pele está quente, o sonho foi muito realista,
avassalador e assustador.

Como pude ter sonhado com aquele babaca?! Não, não, não, isso não
aconteceu! Não posso estar atraída a esse ponto por ele!

Troco o edredom pela toalha e corro para o banheiro. Retiro o casaco


que só cheira ao advogado, não posso negar que é um perfume forte, intenso
e viril. É diferente, não conheço, deve ter sido feito exclusivamente para ele.

Fico perturbada ao constatar que o cheiro dele está impregnado em


mim. Fungo os meus ombros cheirando, não encontrando nenhum resquício
do meu odor, só do dele! Droga! Retiro a calcinha que está ensopada! Isso
mesmo, diria até encharcada!

Ponho a peça no cabide na parede, entro debaixo do chuveiro e começo

a tomar um bom banho para voltar ao meu estado normal. Sei que acordar
assim após os últimos acontecimentos é normal, mas a questão é que eu não
queria que fosse assim, queria ser indiferente ao Esteban, no fundo sei que ele
não me quer de verdade, isso não pode ser possível, então, não posso sentir
nada por ele. De jeito nenhum!

Não posso correr o risco de repetir com ele a mesma história que tive
com o Vincent.

Acontece, que o advogado consegue me tirar do sério e atrair ao mesmo

tempo! Querendo ou não, me convidar para jantar foi uma grande sacada, foi
romântico, o melhor jantar de toda a minha vida. Depois, quando passei mal,
ele me acolheu, cuidou de mim e me trouxe para a sua casa sem garantia de
sexo.

Ao chegarmos aqui, tive que suportar as suas brincadeirinhas cheias de


ironias eróticas que irritavam e atiçavam alguma parte do meu corpo. Esteban
é safado, ainda lembro quando fiquei babando ao vê-lo tirar a camisa e
chocada quando o vi caminhar nu pelo mezanino, ele nem se importou que eu
estava ali embaixo na sala.

Fiquei atônita e com tesão simultaneamente, isso porque nem vi tudo


direito, o vidro do guarda-corpo não me deixou focar na parte debaixo, mas
ele estava nu! Sem pudor nenhum! Descarado! Pelo menos não me atacou a

noite como no sonho, se bem que aquele sonho... oh Cristo! Se mamãe


estivesse aqui já me condenaria ao inferno, pois ela é uma falsa e hipócrita
puritana!

Por que Esteban não poderia ser apenas convencido e arrogante?! Por
que ele tinha que ser educado, lindo, romântico, provocante, cuidadoso e
protetor? Um cavalheiro na pele de lobo e um safado na pele de cordeiro!
Sinto que ele está me envolvendo aos poucos e conquistando com essa
personalidade tão... fascinante, desafiadora! Ao mesmo tempo que tenho

vontade de o pôr em seu devido lugar, sinto vontade de estar lá com ele. Mas
isso deve ser passageiro, mal nos conhecemos, são poucos dias demais, para
já ficar assim... derretida, controversa, incomum!

Termino de tomar banho e pego o vestido que deixei secando no porta-

toalhas a noite toda após dar uma lavada ontem somente no local em que
manchou um pouco de vômito. Que vergonha vomitar daquele jeito na frente
dele, vergonha maior ainda foi tê-lo beijado para atingir Vincent!

Fico chocada outra vez só de lembrar daquela cena! Isso me serviu de


lição, para nunca mais beber tanto vinho ou qualquer outro tipo de álcool,
pois saí completamente de mim, perdi o juízo! Fiquei louca quando vi
Vincent com aquela menina e só consegui lembrar das palavras de Amélie
sobre usar Esteban para me vingar dele.

Essa noite foi uma loucura, uma loucura que nunca mais quero que se
repita!

Visto-me com o vestido, mas continuo sem a calcinha, sou muito


higiênica, não quero sentir o molhado dela em minha intimidade agora que
estou limpa. Decido que irei levá-la embora dentro da minha bolsinha. Mexo
no meu cabelo molhado em frente ao espelho, tentando não ficar horrorosa,
notando que a princesa que estava em mim foi embora dando lugar à gorda

sem graça de novo.

Saio do banheiro, observando ao redor o silêncio absoluto, entra um


vento gostoso pela varanda. Sigo até lá devagar, achando que encontrarei o
dono do loft, mas ele não está, porém fico maravilhada com a visão que ele
possui e com o design desse cantinho incrível, ótimo para relaxar e ler um

bom livro.

Retorno para o sofá, sento-me e começo a calçar os tênis. Será que


Esteban ainda está dormindo? A todo instante olho o mezanino, mas daqui
debaixo não dá para saber se ele está lá. O telefone fixo começa a tocar, então
espero que ele apareça, o som é alto o suficiente para ser ouvido do seu
quarto.

Termino de amarrar os cadarços quando a chamada para e dar lugar à


caixa de mensagens. Uma voz masculina ecoa pela casa:

— Não estou conseguindo ligar para o seu celular, Esteban, por acaso
anda fugindo de mim? Sei que é cedo, mas estou ligando para lembrá-lo da
aposta! — Levanto-me, pegando a minha bolsa, seguindo para o banheiro. —
Nunca o vi demorar tanto, por acaso está com dificuldades para comer a
garçonete gordinha do bar? — Estanco no meio do caminho, encarando o
telefone com pavor. — Se quiser me devolver a moto já estou aguardando, do
contrário trate logo de ganhar essa merda! Ou será que não consegue? Até

daqui a pouco, homem-calcinha!

Caminho vagarosamente até o aparelho que desliga, a ligação foi


encerrada. Estou chocada, abominada, sem chão! Então tudo não passava de
uma aposta?! Meu Deus...

Ouço a porta da sala se abrir, o advogado surge com roupa de

academia, todo suado. Fito-o sem reação, gélida, estou tremendo inteira por
dentro!

— Acordou, princesa? — indaga sorrindo, vindo até mim. — Como foi


a noite? Dormiu be...? — Não permito que continue, acerto o seu rosto com
uma bofetada sonora que deixa a minha mão imediatamente vermelha e
ardida.

Esteban geme forte, boquiaberto, levando a mão à face, esbugalhando


os olhos para cima de mim sem entender nada.

— Mas que porra é essa?! — exclama, furioso.

— Um cara acabou de ligar cobrando a aposta que você fez com ele, a
de comer a gordinha do bar! — Cuspo as palavras com nojo. Esteban é pego
de surpresa! O seu semblante assustado acaba de confirmar que tudo é
verdade mesmo.

Suspiro incrédula, sabendo lá no fundo da alma que por um momento


ou vários, mesmo que eu dissesse não... cheguei a me enganar, a me iludir
com este ordinário! Meus olhos ardem, sinto-os querendo chorar com uma

força perturbadora, mas me controlo. Não quero, não posso e não vou ficar
fragilizada na frente dele!

— Agora sim entendi todo aquele seu interesse! Mas como eu disse
ontem, nunca acreditei mesmo que fosse... — a minha voz falha, uma maldita

lágrima desce pelo meu rosto —, verdade. — Estou quebrada! Não sou mais
nada!

Ultrapasso o gigante que nem mesmo sabe o que dizer, procurando um


buraco para enfiar a cara carregada de vergonha! Corro, fugindo dele, do seu
apartamento, batendo a porta de saída com força. Nunca mais quero vê-lo!
MADELEINE FERNANDEZ

Bato na porta de Amélie quase sem forças, ela já está em casa,


trocamos mensagens enquanto eu me dirigia para cá. A mulher agora ruiva
abre com um sorriso largo para mim com grandes expectativas do que tenho
para lhe contar sobre a minha noite.

— E aaaíííí como foi?! — exclama, mas fecha o semblante quando

percebe que não estou nada bem.

Não consigo mais me conter e a abraço forte em prantos, soluçando


feito um bebê, derramando-me em lágrimas incontáveis.

— Meu Deus, amiga... o que houve? — pergunta, fechando a porta e


correspondendo ao meu abraço, preocupada, tentando me passar conforto,
porém nada me fará superar tão cedo o que descobri.
Levo um bom tempo até me recuperar, já passa da hora de ir para a
faculdade quando Amélie me serve com um chá de camomila que me deixa

bem mais calma. Sinto o meu rosto inchado, os olhos sensivelmente


doloridos das lágrimas. Estamos as duas sentadas uma de frente para a outra
em seu sofá. Respiro fundo ao mesmo tempo em que a minha amiga acaricia
o meu cabelo.

— Certo, agora você consegue me contar o que foi que aquele


desgraçado fez para te deixar assim? — indaga de modo suave, nem parece
que está com o coração cheio de ódio.

— Era tudo mentira, Amélie. Tudo não passava de... uma aposta! —
revelo, fungando, dando um gole na xícara de porcelana.

— Como assim uma aposta? — Arqueia as sobrancelhas.

— Pelo que entendi, o Esteban apostou com um cara que conseguiria


transar comigo. — Lembro da voz do homem no telefone.

Amélie fica boquiaberta, sem acreditar.

— Em troca de quê?

— Acho que de uma moto. — Me sinto tão fútil sabendo disso. É como
se esse fosse o meu valor.

— Que filho da mãe... e como descobriu isso? — Está curiosa.

— Foi hoje de manhã. Quando acordei, Esteban não estava mais no


apartamento, o telefone fixo dele tocou, caiu na caixa de mensagens e um
cara começou a contar tudo, estava cobrando ele, disse que o advogado

estava demorando demais para cumprir a aposta.

— Oh, meu Deus... — fica aterrorizada —, então vocês transaram?

— Não — nego.

— Ah, que bom. — Põe a mão no peito aliviada, fechando os olhos por
um instante.

— Graças a Deus que não, imagina ter descoberto isso depois de


transar com ele? Eu me sentiria ainda mais lixo do que já estou me sentindo.

— Ah, não consigo acreditar que isso aconteceu, Madeleine!! Mais que
merda passa na cabeça desses homens?! — alteia o tom de voz, furiosa. —
Por que eles têm que ser tão... IMBECIS?! — Está inconformada.

— Não sei... agora sinto nojo até de tê-lo beijado.

— Vocês se beijaram? — Fica chocada.

— Você não vai acreditar... exagerei na bebida e o Vincent apareceu no


mesmo restaurante em que estávamos.

— Nããããooo? — Seu queixo vai ao chão.

— Sim — confirmo, infeliz. — Então fiquei doida, não queria


novamente me sentir por baixo diante dele que estava acompanhado com a
mesma menina para quem deu a minha pulseira e detalhe... ela ainda está

usando. Com o álcool na cabeça, lembrei do que você disse sobre usar o

advogado para me vingar, e...

— Beijou o Esteban na frente do Vincent?!! — Está estupefata!

— Aham — confirmo, arrependida.

— Madeleine do céu!! — Amélie põe as mãos na boca, parece que vai


ter um treco — Jesus... criei um monstro!!

— Resumindo... só fiz merda noite passada — lamento, fungando


novamente, segurando as lágrimas, não quero mais chorar.

— Eles é que fizeram merda, Madeleine, não você. Conscientize-se


disso!

Suspiro.

— Vamos pensar pelo lado bom...

— E existe lado bom nesta história? Existe? — Sei que é impossível.

— O lado bom é que você mostrou ao Vincent que não está mais nem
aí para ele e de quebra conseguiu se livrar de um novo embuste, no caso, o
Esteban. Se formos analisar, foi melhor ter descoberto agora do que depois
de, sei lá... se apaixonar por ele, pois isso era uma possibilidade.

— Felizmente não era. — Beberico um pouco mais do chá. — Desde o


início te falei que não acreditava nas intenções daquele ordinário, algo dentro

de mim dizia que não podia ser verdade que um homem daqueles olhasse

para mim, e no fim estava certa. Senão fosse essa tal aposta, ele jamais teria
me enxergado.

— Ah, esqueci que a sua autoestima é zero — a mulher revira os olhos


—, mas em parte concordo contigo. Apenas em parte. O Esteban é um deus

grego filho da puta, mas o Vincent também é muito lindo e lhe enxergou. Ele
queria somente a sua virgindade? Correto, mas poderia ter comido outras
virgens, porém preferiu a Madeleine.

— Não quero mais pensar nisso — digo fragilizada, devolvendo a


xícara para ela.

— Oh, amiga... nós temos mesmo o dedo podre — lamenta, abraçando-


me.

— O que aconteceu? Teve uma noite ruim também?

— Não... até que o carinha é legal, mas ele é apenas um carinha,


entende? Não vejo futuro ao seu lado, de pobre já basta eu.

— Que horror, Amélie. Ele pode trabalhar... somar.

— Não, amiga, não sinto que ele pode ser o homem que preciso. Se for
para arrumar problema, prefiro ficar solteira. Que tal ficarmos as duas
solteironas, titias? — Aperta-me em seus braços. Sorrio.
— Ai... só você mesmo para me fazer sorrir nos momentos mais
complexos da minha vida.

— Temos que rir para não chorar. Vi essa frase em algum lugar na
internet. — Levanta, afastando-se de mim. — Vai ficar aqui até a hora do
trabalho? Porque já perdeu a faculdade.

— Sim, vou. Não tenho condições de ir estudar e nem de ir para casa

assim. Preciso de mais algum tempo para me reerguer, mas irei. — A minha
voz sai em tom de promessa.

— Claro que irá, sempre consegue se reerguer nas dificuldades. É uma


das coisas que me inspira em você. — Sorri, indo rumo à cozinha.

— Ah Amélie, às vezes eu queria tanto que você fosse um homem. —


Penso alto.

— Vá a merda! — rebate, sumindo de vista, nós ouvimos a gargalhada


uma da outra mesmo distantes. — Olha, vou ter que ir fazer umas

comprinhas, vai ficar bem sem mim por um tempo? — grita.

— Sim! Não se preocupe mais comigo, já estou bem melhor. — Tento


fazer com que as minhas palavras pareçam reais, mas a verdade é que ainda
estou bastante machucada. Ser esquecida após perder a virgindade... ser alvo
de uma aposta. O que ainda mais falta acontecer comigo?

Amélie passa para o seu quarto e volta com a sua bolsa de lado, beija-
me na testa e segue até a porta de saída.

— Volto daqui a pouco, juro que não vou demorar, só se a fila do

supermercado estiver muito longa — avisa.

— Tchau! — despeço-me, vendo-a partir.

Suspiro, cansada do pranto, cansada de ser feita de trouxa, mas até que

com Esteban fui mais esperta. Ele sinalizava perigo, sempre ficou com várias
no bar e acredito que a imagem de cafajeste que eu já possuía dele quando
apenas o observava de forma longínqua, atrelada à experiência que tive com
Vincent, contribuiu para me deixar sempre com o pé atrás.

Palavras e beleza não me tentam mais, são as atitudes que me


convencem, que fazem toda a diferença.

Fico refletindo deitada no sofá por longos minutos até que ouço o som
de mensagem em meu celular. Pego-o e me surpreendo quando vejo que se
trata de Esteban. Mas que diabos ele quer?

Estou em frente ao prédio da sua colega. Precisamos conversar.

Fico assustada. Ele está aqui?? Levanto e corro para a janela que dá
visão para a rua, abro a cortina vagarosamente, mas ela desprende da parede e
cai, momento em que meu olhar se cruza com o do advogado que está lá
embaixo, de terno, encostado em seu carro na rua.

Oh, merda!!

Afasto-me o mais rápido possível, voltando para perto do sofá.

Já te vi. Por favor, deixe-me subir. Só quero esclarecer as coisas.

Semicerro os olhos ao ficar puta com a sua mensagem. Cínico!


Observo ao redor, pensando no que fazer, até que avisto algo no canto da
parede que me dá uma ideia genial. É a melhor solução!!

Após me preparar, retorno para a janela, dessa vez sem tentar me


esconder, trocando olhares com o desgraçado que me fita sério. Estou no
terceiro andar.

Não vou permitir que suba, se quiser falar comigo, vai ter que ser eu aqui e
você aí.

Ele revira os olhos ao ler a minha mensagem e perceber que não vou
facilitar. Abre os braços em um pedido de por favor, aproximando-se do
prédio.
— Vim te pedir desculpas!! — exclama, mas me finjo de desentendida.

— O quê? Não ouvi direito! — grito de volta, ele vem para mais perto.

— Porra, Madeleine, me deixa subir!! — reclama. A sua voz ecoa pelo


ar.

— Fala mais alto que não estou te escutando direito!

Ele faz uma careta horrorosa e se aproxima ainda mais, ficando bem
embaixo da minha janela. Põe as mãos na lateral da boca numa tentativa de
criar mais eco quando grita:

— Eu vim te pedir des... — não consegue completar, pois derramo um


balde de tinta branca sobre ele, o molhando inteiro dos pés à cabeça. Esteban
é tomado pelo susto, não consegue reagir e fica completamente melado até eu
derramar a última gota.

Livro-me do balde, sorrindo em adrenalina com o que acabei de fazer,

observando boquiaberta o “homem-calcinha”, como o amigo dele disse no


telefone, se transformar no “homem-tinta”. De repente, ouço uma gargalhada
no andar acima do meu, onde há uma senhorinha na janela apontando para
Esteban e rindo desvairada.

Era o que eu precisava para começar a gargalhar também, um pouco


eufórica, sentindo-me vingada. Vejo o advogado limpar a região dos olhos e
me fitar indignado, com um ódio abissal.
— Vai pedir desculpas no inferno, seu BABACA!! — berro, a raiva me
dominando outra vez. Então fecho a janela, afastando-me.
MADELEINE FERNANDEZ

Mais tarde, quando Amélie retorna com as poucas sacolas de compras,


já tomei banho e troquei de roupa. Conto a ela o que aconteceu na sua
ausência, a deixando perplexa e emputecida por ter perdido a cena, quase não
consegue acreditar, só crê quando mostro o baldinho de tinta vazio,
prometendo lhe dar um novo.

As próximas horas me fazem me sentir ainda mais aliviada e leve, nós


almoçamos, conversamos, realmente o que fiz com o idiota do advogado
lavou a minha alma, porém não curou tudo. Só de pensar que fui vítima de
um joguinho sujo dele, fico enojada.

Arrumo a minha mochila e pego o trem com Amélie para o Le Loup,


torcendo para não encontrar o babaca por lá, mas acho que isso não irá
acontecer. Ele é egocêntrico demais para se submeter a vir me pedir
desculpas outra vez após o que fiz com ele. Deve estar morrendo de fúria por
mim, mas não me importo, pelo contrário, toda vez que imagino essa

situação, encho-me de satisfação.

As horas no bar sem os clientes arrogantes de sempre são maravilhosas,


exceto por Maurice que nunca deixa de ser chato e inconveniente, mas agora
ignoro as suas palavras preconceituosas para não perder o emprego.

— Dumbo, o seu salário. — O homem com o cigarro no canto da boca


que o deixa fedendo à fumaça, me entrega o envelope leve como faz todos os
meses, assim, no meio do bar mesmo, sem se importar com os clientes. —
Descontei a merda que você fez outro dia, quebrando as minhas taças. Gordo
só faz gordice mesmo — debocha sorrindo descaradamente, tenho que me
segurar para não o socar.

Em seguida, vira para Marcel e joga o envelope dele sobre o balcão.

— O seu também, meu barman preferido! — Dá um tapinha no ombro

do homem que está atrás do balcão.

— Mas de barman aqui só tem eu — Marcel comenta. — Inclusive, já


disse ao senhor que seria melhor contratar outro...

— Não, deixa esse assunto para lá, rapaz. O meu dinheiro não nasce em
árvore, sabia?

— Até porque isso é impossível! — rebato, recebendo o olhar


incomodado do meu chefe, que me ignora.

— Vamos trabalhar, trabalhar! — afirma, se afastando.

Marcel fita-me, e pergunta:

— Por que deixa ele te tratar assim?

— É só até o final desse semestre — digo. — São os últimos meses de

faculdade, preciso do dinheiro para me formar. Depois disso, vou mandar


Maurice se foder e vou procurar um emprego na minha área.

— Hmmm, vai se formar hein, que legal. Acho que é a única daqui que
sairá graduada, o que deve ser considerado um milagre.

Nós sorrimos.

— E vai ter festa? — pergunta.

— Sim, inclusive um baile de formatura que a turma está organizando.


Sempre foi meu sonho ter um baile assim, mas ultimamente estou deixando

essas futilidades de lado e focando no que realmente importa, que é o meu


diploma.

— Então quer dizer que não vai ao baile?

— Sim, vou, mas não mais com as mesmas expectativas de antes.

— E quais seriam, posso saber? — Está curioso.

— Não pode, seu curioso! Vai, vamos trabalhar. — Sorrio, esperando


ele terminar de preparar os coquetéis para que eu os sirva.

Dentre todas as minhas expectativas, a maior delas era ir acompanhada

por um namorado, alguém especial em minha vida além da minha família.


Antes do Vincent, eu era uma romântica incurável, que acreditava cegamente
no amor, lia vários romances. Mas agora, depois dele e também de Esteban,
estou cada vez mais descrente de que o amor é possível para alguém como eu

na vida real.

À noite, quando finalmente chego em casa, encontro papai deitado no


sofá da sala, assistindo televisão.

— Boa noite. Acordado até agora? Vai ficar com sono amanhã —
afirmo, aproximando-me dele e o beijando na testa, então sento na poltrona.

— Oi filha, como foi a festa do pijama com a sua amiga? — pergunta


papai, com olheiras marcadas na face.

— Pai, eu já sou uma adulta, não faço festa de pijama já faz um

tempão. Aliás, acho que nunca fiz — comento, rindo.

— Releva, estou com sono.

— Então por que continua aqui? — O analiso, enquanto seus olhos


focam apenas na tevê. — Brigou com a dona Martina de novo? — Fico
curiosa.

— Por isso também, mas é que o Tim demorou para dormir hoje, estava
com ele até alguns minutos atrás, ele estava querendo te ver chegar. Desde
ontem não para de falar no seu nome.

— Ele sabe que aos finais de semana sempre fico em casa, é raro não
me ver aqui — comento. — Vou dar uma olhadinha nele antes de ir para o
meu quarto. — Reflito um pouco. — Pai, não estou gostando desse clima
chato entre você e a mamãe. Sei que sempre brigaram, mas não gostaria de

vê-los separados.

— São vários fatores que estão nos afastando, além disso, cuidar do
Tim também não é fácil, quase não temos tempo para nós. Entretanto, o que
me deixa mais entristecido é a aparente insatisfação dela em estar aqui
conosco. Parece até que Martina gostaria mais de ter a vida que tinha antes de
eu conhecê-la.

— A que vida está se referindo? — Fico curiosa.

— Uma vida... diferente — comenta desanimado, deixando claro que

não quer mais falar sobre o assunto. — Mas ficará tudo bem, não se
preocupe. Não iremos nos separar, após anos de casado dá preguiça.

Sorrio, adorando a sua piada.

— Preguiça, é? — Gargalho.

— Sim.

Após abraçar e beijar o senhor Nicollas outra vez, vou ao quarto de


Timothée e o beijo. É só neste momento, em que está dormindo, que não
recusa o meu carinho. Sei que não demonstrar afeto é uma característica do

autismo, mas para quem gosta bastante de dar e receber carinho feito eu, isso
machuca.

Na manhã seguinte, após tomar café, vou para a faculdade. A manhã é


de aulas, o clima já é de despedida entre os colegas de turma e professores,

apesar de ainda faltar cerca de dois meses inteiros para o verão, que é quando
nos formaremos após três anos de curso.

Aqui não fiz amigos, não consegui me encaixar em nenhum grupinho,


falo com quase todos, mas nada além disso. Já ouvi piadas de colegas e até
professores por eu ser gorda, então isso me fechou ainda mais. Para não
perder o foco, decidi não interagir e apenas estudar, estudar e estudar. Pelo
menos isso está dando resultados.

No horário do intervalo, estou no corredor dos armários mexendo no

meu armário e quando o fecho, levo um susto ao encontrar Vincent parado,


sério, me observando com a cara amarrada, os braços cruzados com o corpo
encostado na parede.

— Oi, Madeleine — cumprimenta com desprazer. Então ele lembra do


meu nome?

— Oi... — respondo, ainda sem entender nada. O que ele quer?


— Você acha bonito ficar aos beijos em público com um cara que
aparentemente tem idade para ser o seu tio? — pergunta o moreno de olhos

escuros. É neste momento que sinto um buraco se abrir abaixo das minhas
pernas e me absorver lá para o fundo.

— O quê? — pergunto, quase murmurando, sem raciocínio algum


porque o golpe foi forte.

— Não entendeu? Quer que eu desenhe ou apenas está se fazendo de


idiota? Perguntei por que estava beijando aquele otário no 58. — Aproxima-
se, parece bastante irritado, mas controlado, falando em tom normal.

Pisco algumas vezes. Olho ao redor para verificar se não há uma


câmera nos filmando, se não se trata de uma pegadinha.

— Vincent..., isso é sério? — indago.

— Pareço estar brincando? Quero que me dê explicações!

— E por que eu deveria fazer isso? — rebato, entendendo que ele só


pode estar ficando maluco.

— Porque garotas com quem já fiquei não saem ficando com outros por
aí, ainda mais uma que tirei a virgindade!

Sorrio em deboche. É inacreditável!

— Ah, e queria que eu fizesse o quê? Ficasse esperando a vida toda por
você?!
Ele fica calado, remoendo palavras que não saem, as suas narinas,
tremendo de raiva. A minha voz sai mais alta do que deveria, sinto que

alguns alunos começam a nos observar.

— Aliás, não sei nem por que está perdendo o seu tempo falando
comigo, porque depois que nós ficamos, você simplesmente passou a fingir
que eu não existia e agora, até onde sei, tem uma namorada.

— Ela não é minha namorada, é só um lance...

— Azar o seu, agora tenho namorado, vida que segue! — replico, não
pensando antes de falar. Ele esbugalha os olhos.

— Aquele cara é o seu namorado? — Cospe as palavras.

— Sim. — Minto, quero destruí-lo.

Ele sorri incrédulo, os músculos dos seus enormes braços cruzados se


contraem, nervosos.

— Você não tem vergonha? — Me fuzila, também está falando mais


alto, e chamando a atenção de mais pessoas que cochicham ao nosso redor.

— Se eu tenho vergonha? Quem deveria ter vergonha era você,


Vincent! Ainda mais depois de ter me feito de trouxa inúmeras vezes.

— Nunca te prometi nada garota, se manca! — Ele observa ao redor


com um sorrisinho de superioridade, querendo mostrar que eu sou a louca.
— Ah, é? Então por que está vindo aqui tirar satisfação sobre quem eu
deixo ou não de namorar?! Quem devia ter vergonha era você, que pegou a

pulseira que a idiota aqui te deu de presente no seu aniversário e deu para
aquela menina com quem desfila pela faculdade!

Todos ao redor ficam chocados com a minha revelação, o burburinho é


ainda maior.

— Por acaso está falando de mim, garota? — Ouço a voz da dita cuja
às minhas costas, viro-me para encará-la. Ela finge que não sou ninguém e
fita o namorado atrás de mim. — Amor, o que está acontecendo? Por que está
falando com essa gorda?

Nossa, isso só me dá mais uma injeção de fúria.

— Saiba que foi essa gorda aqui, que deu essa pulseira que está no seu
pulso de presente para o seu namorado e ele, como não é homem nem para
comprar um presente, deu a pulseira a você! — exclamo, apontando o dedo

na cara dela que fica chocada.

— Que mentira deslavada, gente. Vincent jamais faria isso. — Ela


zomba.

— Fui homem o suficiente quando usei o meu pau para tirar a porra da
sua virgindade, não fui?! — revela ele, emputecido comigo. Fico estarrecida
por ter revelado isso assim, diante de todos, mas agora pelo menos não sairei
de mentirosa nesta história, porém também não quero sair humilhada!

A galera grita enlouquecida, adorando o barraco, surgiu gente do nada,

não consigo nem mais ver os finais do corredor, porém nada disso me
importa agora, só o que me importa é acabar com esses dois!

— Que pau? O dedo mindinho que você tem entre as pernas? —


disparo, destruindo-o com o olhar, a plateia gargalha e grita como nunca

antes na história dessa faculdade. Vincent fica vermelho como tomate, sem
palavras e humilhado.

— Não acredito que você comeu essa gorda, Vincent! — A namorada


dele está chocada.

— Não acredito que ele comeu foi você, um cabo de vassoura! —


rebato, voltando a focar nela. Estou o puro ódio!! Odeio que fique zombando
da minha condição física, como se pelo fato de ser magra, ela fosse superior.

O pessoal se agita outra vez, estão do meu lado e adorando tudo o que

estou botando para fora, toda a merda que durante meses segurei entalado na
garganta.

— Sua vaca... tudo isso é por causa dessa merda de pulseira?! Então
toma!! — Retira o objeto do pulso e arremessa aos meus pés.

Respiro fundo, fechando os olhos, não irei me rebaixar.

— Pode ficar, não me faz falta. Além disso, vocês se merecem! —


zombo, arrumando a mochila nas costas e tentando me afastar, porém sinto a
vadia puxando-me pelo cabelo quando lhe dou as costas.

— Volta aqui, sua imbecil...

— Não me toque!! — berro, virando-me rapidamente e a empurrando.


Ela cai com força no chão, batendo nos armários, humilhada. Todos ao redor
gargalham da sua situação. Isso me deixa renovada. — Isso é para que

aprenda a me respeitar! E nunca mais entre em meu caminho! — aviso-a,


vendo a sua cara de vergonha.

Troco olhares uma última vez com Vincent, que não faz um movimento
sequer para ajudar a namorada. Fujo dali, ultrapassando todos que aparecem
em minha frente, afastando-me da faculdade. Só preciso desaparecer!

Alguns dias se passam, e consigo reestabelecer o meu equilíbrio, não


vejo mais Esteban, nem Vincent. Consigo parar de pensar nos dois e focar
nos estágios no hospital que estão cobrando muito de mim. O estudo é a
minha válvula de escape, assim como o Tim.

Em uma noite, enquanto estou servindo no bar que está lotado, num
momento daqueles agitados, fico infeliz ao ver Vincent entrando no
estabelecimento. Mas que inferno, parece que nunca terei paz! Ele jamais
veio aqui antes e se veio hoje, deve ser por minha causa, mas alguma parte de

mim ainda tem esperanças de que esteja errada.

O homem é lindo, isso não posso negar, também sabe se vestir bem
com calça jeans e camisa polo. Logo que ele me encontra, não tira mais os
olhos de mim, sequer ocupa uma mesa, vejo negar a Maurice quando este

tenta guiá-lo.

Tenho que levar um pedido e infelizmente cruzar com ele, que por uma
maldição segura-me pelo braço, obrigando-me a encará-lo com a bandeja na
mão.

— Preciso falar contigo — informa, sério e determinado.

— Morra — respondo.

— Não vou sair daqui enquanto não tivermos um momento a sós —


insiste, sério.

— Faleça, e me solte, se não derrubo essa bandeja na sua cabeça. — O


ameaço, puta da vida.

— Estou falando sério, Madeleine.

Suspiro, tentando me controlar, procuro por meu chefe e, como


desconfiava, está de olho em mim, suspeitando do que está acontecendo.

— Espere-me lá fora, te encontro dentro de alguns minutos, mas terá


que ser rápido — aviso, o cara assente e sai.

Assim que Maurice se distrai, falo com Amélie e Marcel, então consigo

fugir para fora do Le Loup, onde encontro o embuste.

— Não sei como descobriu que trabalho aqui, mas quero que esqueça
hoje mesmo, então fala rápido! — ordeno, o olhando com ódio.

— Vim devolver a sua pulseira. — Tira a joia do bolso. — E também


pedir o seu perdão.

— Não aceito nem um nem outro. Era só isso? De nada. — Sou ríspida,
tentando me afastar, mas Vincent não permite. — Solte-me — ordeno.

— Quero uma nova chance — pede, fazendo-me gargalhar.

— Que patético... — zombo.

— Estou falando sério, garota.

— A resposta é não.

— Mas vai ter que ser um sim.

— Já disse que tenho namorado. — Uso essa arma, numa tentativa de


fazê-lo desaparecer.

— Mas não acredito nisso. Aquele cara não é seu namorado, está
mentindo. Está tentando me enganar.

— Oh, como você se acha, querido. Por que eu estaria mentindo? Por
acaso acha que não sou capaz de ter um namorado como aquele?

— Então onde ele está? — replica. — Já estou te observando há alguns

dias e não o vejo ao seu lado.

Fico boquiaberta, ele estava me vigiando. É um louco sociopata, só


pode ser.

— Olha, Vincent... quero que me esque...

— Fala onde está o seu namorado, Madeleine. Me diz — provoca, com


um sorrisinho soberbo no semblante.

— Eu estou aqui — ouço a voz grossa e rascante às minhas costas que


me arrepia inteira. Viro-me assustada, tendo que olhar bem para o alto até
enxergar o rosto presunçoso de Esteban.
ESTEBAN JAVIER

Estou puto! Caralho... caralho! Não consigo crer que Madeleine me


jogou um balde de tinta quando o idiota aqui veio pedir desculpas a ela no
caminho para o escritório. Meu terno italiano está todo cagado e
provavelmente não terá mais salvação! Ela já sumiu da janela e a senhora do
andar acima do seu continua rindo da minha cara.

Bufo furioso. Que raiva! E agora? Tenho uma audiência marcada! Meu
telefone toca, é do escritório, sei que se trata de Chloé. Atendo, pondo no alto
falante.

— Oi — rosno, controlando-me para não berrar para os quatro cantos


da terra.

— Doutor Esteban, como combinamos, venho lembrar ao senhor que


deve chegar vinte minutos antes para se preparar para a audiência, há
apontamentos que ainda preciso lhe passar, além da conversa de sempre com
o cliente — avisa ela, preocupada.

— Surgiu um imprevisto, não poderei ir, estou com um problema sério


aqui... — Olho-me inteiro, vendo a lambança.

— Mas...

— Contate o nosso advogado audiencista, encontre-se com ele se for


preciso e lhe ponha a par do processo. Ligue para o cliente e diga que
aconteceu uma fatalidade e que não poderei representá-lo como combinado,
não nesta audiência, mas que tudo se mantém de acordo. Participe da reunião
entre o advogado e o cliente, para que ambos sigam preparados para o juiz.
Participe da audiência também e depois me passe um relatório.

— Certo. Algo mais?

— Não. — Desligo.

Fico sem saber o que fazer, pensando em como manchar o menos


possível o meu amado carro. Um garotinho passa chupando um pirulito e
simplesmente não consegue tirar os olhos de mim.

— O QUE É?!! — exclamo rude, o assustando, ele sai correndo aos


gritos deixando o doce cair.

A melhor solução que encontro é tirar a roupa toda no meio da rua


mesmo e entrar no carro apenas de cueca, jogando o terno dentro de um saco
plástico que tinha guardado dentro do automóvel. Ao chegar no prédio e
entrar no elevador, tenho que viver um momento constrangedor ao lado de

uma idosa com o seu cachorrinho no colo.

Hoje é o dia das idosas, não é possível!

Ela não tira os olhos de mim, estranhando a minha situação, apenas de


cueca segurando o saco com a roupa em frente ao corpo, com o cabelo e rosto

com resquícios da tinta que tentei ao máximo tirar usando a minha camisa de
algodão egípcio. De algodão egípcio!!

— Hoje está fazendo calor, não é? — indaga. Viro o rosto desagradável


em sua direção.

— Bastante — respondo amargo, respirando fundo para não dizer tudo


o que realmente penso sobre a merda do dia.

Ao entrar no loft, corro para o banheiro e fico pensando na audácia de


Madeleine enquanto a água cai sobre mim. Nunca, em toda a minha vida,

uma mulher me tratou assim, mas por mais que eu queira tocar o foda-se, sei
que o errado ainda sou eu e não consigo. A imagem de decepção nos seus
olhos quando descobriu a verdade está marcada a ferro e fogo na minha
mente.

Sequer estou conseguindo ter raiva de Dominique, pois ele não poderia
imaginar que eu estava acompanhado e está ansioso para ter a sua moto de
volta. Ele é leal, também não gosta de machucar as mulheres com quem
praticamos as apostas, jamais seria capaz disso só para ganhar, nós temos

regras e princípios, por mais que sejam imorais.

Só que dessa vez deu tudo errado, Madeleine foi a primeira a descobrir
o nosso jogo sujo, saiu machucada, ferida, e a sua reação ao me banhar com
tinta branca não foi nada mais nada menos do que a demonstração de toda a

sua revolta.

Fiquei me sentindo o pior homem do mundo, lembrando da lágrima que


desceu por sua face durante cada minuto, depois que ela saiu do apartamento
e com o seu tapa bem dado ardendo na minha face, mas não doendo mais que
toda essa situação.

Fui à sua procura na intenção de me desculpar, contudo, sei que


palavras não seriam o suficiente, também não esperava ser recebido daquela
maneira. Droga! Detesto quando as coisas fogem do meu controle, mas

aquela Madeleine Pimentinha consegue me tirar do eixo com facilidade.

Saio do banho prolongado e torturador, visto que levei bastante tempo


para tirar a tinta do meu corpo. Ponho um novo terno, pego o carro e sigo
para o escritório. No caminho, ligo para a minha estagiária, a voz dela logo
ecoa pelo carro:

— Oi, doutor — diz Chloé.


— E então? — indago.

— Estamos no tribunal, está tudo correndo bem. O cliente odiou não

estar acompanhado pelo senhor, mas o outro advogado soube passar


confiança e está conseguindo conduzir tudo direitinho — cochicha.

— Certo, não esqueça das anotações.

— Jamais.

Desligo. Mais alguns minutos, chego ao escritório. Como hoje estou


péssimo e de muito mau humor, não cumprimento ninguém, a minha carranca
provavelmente já é conhecida por todos que me veem dia a dia, pois não
ousam tentar puxar assunto comigo, exceto Charlotte, que é uma secretária
paciente.

— Bom dia, doutor Esteban — cumprimenta-me quando me aproximo.

— Não quero ver ninguém hoje e tratar apenas dos assuntos mais

urgentes! — determino, entrando na minha sala, batendo a porta com força.

Respiro fundo ao ficar sozinho, depositando a maleta sobre a poltrona,


pegando uma garrafinha de água mineral no meu frigobar e tomando com um
comprimido para sarar a dor de cabeça que estou sentindo do estresse que
tive hoje pela manhã.

O meu local pessoal de trabalho é bem confortável, com cores claras


que deixam tudo bem iluminado. Gosto de ambientes vívidos, nada de cores
frias ou escuras, muito menos neutras. Tento trazer luz à minha vida da
maneira que posso, já que por muito tempo fui cercado de escuridão.

Agora, me sentindo mais calmo, sento-me na cadeira que mais parece


um trono moderno, abro o notebook, encosto o cotovelo na mesa e massageio
a têmpora direita com dois dedos. Acesso o meu e-mail e atualizo-me de tudo
o que preciso saber, respondo vários de forma objetiva e rápida para

economizar tempo.

Em seguida, acesso as pastas de alguns clientes e analiso as petições


que ordenei que Chloé complementasse, observo se está de acordo com o que
pedi a ela. Estão todas corretas, essa garota é um arraso na eficiência! Ainda
assim, gosto de conferir as leis citadas que são os principais motivos que me
fazem gostar do sistema de justiça de Paris, o civil law, ou seja: normas
escritas, o mesmo da Espanha.

Passo a dar alguns retoques nas argumentações, melhoro poucas coisas,

não precisa de muito, deixando preparado para peticionar. Logo a minha paz
acaba, quando Dom irrompe pela porta. Charlotte vem atrás dele irritada.

— O senhor sabe que ele nunca me escuta! — resmunga, batendo as


mãos nas coxas. Assinto, ela sai e fecha a porta.

— Fugindo de mim, doutor? — Ele senta na cadeira à frente da minha


mesa.
— Não estou para brincadeiras hoje, Dominique. Fale o que quer e
saia! — Sou grosso, sem nem mesmo olhar em seus olhos.

— Porra... você também? Mas que merda está acontecendo com os


advogados deste escritório? Primeiro o Pierre, está dando patadas em quem
chegar perto dele e agora você? — Cruza os braços, desgostoso.

— Ele está bem? — Fico curioso.

— O Pierre? Não ouviu o que eu disse? Está ranzinza, mas fora isso...
aconteceu algo que não estou sabendo? — Ergue uma sobrancelha, preciso
agir rápido.

— Claro que não, só estranhei porque ele não costuma ficar da forma
como acabou de descrever — desconverso. A verdade é que sei muito bem o
motivo do nosso amigo não estar bem.

— Nem você. Hoje está sendo um dia totalmente atípico.

— Sei por que está aqui, mas tudo deu errado e não quero falar sobre
isso agora. — Trago o foco de volta para mim.

— Tudo deu errado? — Dom raciocina, então estica um sorriso


gigantesco. — Não acredito que não conseguiu comer a...

Bato na mesa com força, o assustando.

— Porra, Dominique! Já disse que não quero falar sobre isso agora! —
exclamo, descontrolando-me.
— Okay..., então foi mais sério do que pensei. — Ignora a minha raiva.
— O que pode ser mais sério do que perder?

Fuzilo-o, semicerrando os olhos.

— Tem que botar para fora, Esteban. Sou seu amigo, desabafe e se
sentirá melhor. — Continuo calado, o ignorando e voltando a focar no
computador. Dom mira o relógio de pulso, resolvendo mudar de tática. —

Você chegou atrasado hoje, falta apenas uma hora para o almoço, que tal
conversamos sobre isso no restaurante de sempre?

— Tudo bem, agora me deixe em paz! — Expulso-o.

— Certo, seu cavalo! — Sai desgostoso da sala.

Suspiro, tentando ficar calmo e entender por que estou tão estressado.
Óbvio que é por causa do que aconteceu com Madeleine, mas principalmente
pela forma como as coisas aconteceram. Na minha cabeça, já tinha desistido
da aposta, não era para ela ter descoberto.

Na hora do almoço, como combinado, encontro-me com Dom no


restaurante. Ele já está me esperando, fazendo o seu pedido com o garçom ao
seu lado quando tomo o meu lugar.

— Vai querer escargot também? — pergunta-me.

— Pode ser qualquer coisa, estou sem fome. — Não dou atenção a isso.

— Traga tudo o que pedi para ele também, obrigado. — Dispensa o


cara e se apoia na mesa com os antebraços, encarando-me. — Você é um
homem sempre muito bem-humorado meu amigo, então, se está tão péssimo

assim por causa da aposta, uma merda muito grande deve ter ocorrido, pois
você sabe perder, por isso, suponho que este não deve ser o problema.

— A garota descobriu tudo — disparo, servindo-me com o vinho que já


está sobre a mesa.

— Como? — Ele não vai acreditar.

— Com a ligação que você fez hoje de manhã para o meu telefone fixo.

— Puta merda, Esteban! Sabe que não tenho culpa, não é?

— Não tem, mas precisava disso? Será que não poderia me esperar
voltar da academia para te responder? E para que tão cedo, Dom? O que foi?
Acordou com a porra da moto na cabeça?! — desabafo emputecido,
controlando o tom para não ser ouvido pelos demais clientes em volta.

— Infelizmente sim, estou sentindo falta do meu amor — confessa,


então respira fundo. — A garota dormiu na sua casa? Então vocês...

— Felizmente não, até agradeço a Deus por isso, porque se tivéssemos


transado e depois a descoberta, seria bem pior!

— Realmente. Acredito que ela tenha reagido da pior maneira possível.

— Da pior que você possa imaginar. — Encaro-o.


— Nossa, isso nunca tinha acontecido.

— Não, mas é que notei que o jogo com ela deveria ser diferente, não

dava para ser rápido como as outras, mas acabou que conversamos demais e,
descobri algumas coisas.

— Por exemplo?

— Ela só tem vinte e um anos, é mais nova que a Chloé.

— Caralho..., mas não parecia.

— Mas é verdade. É só uma estudante e eu, um filho da puta, a


machuquei feio.

— Então vá se desculpar... tentar de alguma forma explicar o


inexplicável.

— Já tentei, ela me deu um banho de tinta antes de vir para o trabalho.

— O quê? — Dominique gargalha. — Isso é sério?

— Não estou vendo graça — afirmo, o encarando. — Toda brincadeira


tem limite e o meu é não machucar uma mulher. Sei muito bem como é ser
ferido por outra pessoa, ter os sentimentos esmagados e não desejo isso a
ninguém, por isso sempre exigi que mantivéssemos sigilo nas apostas.

Dom fecha o semblante, conscientizando-se.

— Você está certo, desculpe-me. Bom, se a sua consciência está pesada


e precisa se redimir com essa garota, não resta outra opção a não ser ir atrás

dela e tentar pedir o seu perdão. Mas pelo pouco que contou, essa gordinha...

— Madeleine, o nome dela é Madeleine — corrijo, porque a forma


como ele se refere a ela pelo físico soa de forma ruim, mesmo que eu saiba
que essa não é a sua intenção.

— Nossa... — Dom me observa de modo estranho. — A Madeleine

mexeu contigo, doutor.

— Não inventa, Dominique.

— Será que por trás da culpa há algo mais?

— Claro que não, idiota — minto, pois existe o fato surpreendente de


eu ter me atraído por ela, algo que não era esperado, mas isso ele jamais
ficará sabendo.

— Como eu estava dizendo... pelo pouco que contou, essa Madeleine

tem o gênio forte, então provavelmente não irá querer olhar na sua cara.
Basta saber até onde o senhor está determinado a ir para consertar isso, se
bem que, ao meu ver, não tem conserto. Também não acho que foi tão grave,
já que nem chegaram a transar. Nós sempre soubemos que havia este risco,
agora é a hora de estar preparado.

— O que é grave para uma mulher geralmente não é para o homem,


amigo. Nós enxergamos as coisas com muito mais praticidade, objetividade e
frieza, e é aí que muitas vezes mora o erro. Entende?

— Sim, sei muito bem disso. Só quero dizer que talvez se afastar seja o

melhor caminho, a não ser que haja algo a mais...

— Ah, Dominique, vá para o inferno! Você não se cansa, não? Já parou


para pensar que o que aconteceu com Madeleine pode ser um alerta para
pararmos de fazer essas apostas?

— Não exagera...

— Não é exagero. Tudo tem limite, lembre-se.

— E a minha moto? — Está curioso.

Viro o rosto, não quero responder.

— Esteban, tecnicamente você perdeu, então...

— Não, aconteceu um fato superveniente, causado pelo senhor que


tecnicamente me atrapalhou. — Oculto o fato de que já havia desistido da

aposta para não devolver a Streetfighter.

Dominique fica indignado.

— Não acredito que vai fazer isso — diz, a raiva tomando conta do seu
corpo.

— Não estou mentindo, estou?

— É por isso que tenho vontade de te matar — declara, rosnando.


— Ah, não começa...

— Caralho, Esteban, e os dez por cen...

— Enfie no seu rabo!! Não quero mais saber! Vamos comer — afirmo,
o garçom chega com os nossos pratos. Durante todo o almoço sinto a energia
negativa emanada do advogado sobre mim. Ele vai ter que engolir essa e se
conformar!

Resolvo deixar alguns dias passarem, para tentar espairecer e esquecer


de Madeleine. Talvez o Dom tenha razão, o melhor seja o afastamento. Em
uma manhã, decido não ir à academia como de costume, mas sim correr no
Buttes Chaumont, momento em que lembro outra vez da garçonete e do seu
irmãozinho ao passar pela ponte onde os encontrei em apuros.

Ao voltar para casa, encontro com a minha ajudante que já está


limpando tudo que ver pela frente.

— Bom dia — cumprimento, retirando os fones de ouvido, estou todo

suado.

— Bom dia, Esteban. Tudo bem? — Ela sorri enquanto limpa um


móvel com uma flanela.

— Tudo, e com você?

— Tudo ótimo também. Esteban..., acho que dessa vez o senhor


esqueceu de fazer a sua limpeza pessoal antes da minha chegada, não é
mesmo? — Sorri saliente.

— Do que está falando? — Fico sem entender.

— Há algo no banheiro social, decidi nem tocar, pois sei que gosta de
cuidar desse tipo de assunto. — Gargalha um pouco tímida, fico contrariado.

De sobrancelhas tortas, sigo para o local citado por ela, descobrindo

uma calcinha bem diferente das costumeiras que ficam por aqui, pois é de um
tamanho maior, mais larga. Rapidamente identifico que é de Madeleine, pois
a vi usando, ficou muito sexy nela. Engulo em seco só de recordar.

Pego a peça e aproveito para cheirá-la, já que não há como a faxineira


me ver. Fecho os olhos, aperto forte o tecido entre os dedos longos e inspiro
um aroma bem conhecido de boceta. Só que essa tem um odor diferente, uma
coisa que prende a minha atração e instiga a libido, apesar de estar aqui
esquecida há alguns dias.

Saio com ela na mão, notando o olhar irônico e curioso da mulher sobre

mim, ela sabe que sempre guardo as calcinhas, é a única que não tive como
evitar que descobrisse o meu segredo, até porque lava todas elas para que
fiquem sempre cheirosas e limpas. Ela me acha um safado, mas me adora.
Conversamos bastante quando está trabalhando aqui, nos momentos em que
tenho tempo.

À noite, resolvo tentar conversar com a acadêmica de fisioterapia pela


última vez. Sei que estou errado, mas não quero ser insistente a ponto de me
tornar inconveniente e transformar o constrangimento entre nós em algo

ainda pior. Além disso, não sou de correr atrás de ninguém, isso aqui é uma
exceção.

Chego ao Le Loup no carro, demoro a encontrar vaga na rua que está


lotada de automóveis. Quando finalmente consigo estacionar, caminho pela

calçada até o bar. A noite está linda estrelada, de repente surpreendo-me ao


avistar Madeleine do lado de fora do estabelecimento, de costas para mim,
conversando com um cara.

Espere..., não acredito, é o moleque do 58!! Aproximo-me deles de


forma discreta, fingindo que vou entrar no bar, mas não entro. Descarado, os
escuto conversar e, por algum motivo desconhecido, por um impulso
incompreendido, decido interferir no instante em que o cara duvida que
Madeleine tem um namorado.

— Fala onde está o seu namorado, Madeleine. Me diz. — Ele a


provoca.

— Eu estou aqui — manifesto-me, altivo, com atitude. Sem medo


algum de ser desmascarado pela garçonete.
ESTEBAN JAVIER

Ela vira-se para mim de olhos esbugalhados, sem acreditar que estou
aqui. Já o moleque está com cara de poucos amigos. Não sei por que, mas
gosto disso, de vê-lo incomodado.

— Dá licença, titio, não está vendo que estamos tendo uma conversa
particular? — Ele é afrontoso. Ergue o queixo em minha direção, tentando

me atingir. Sorrio em deboche.

— Ninguém tem conversa particular com a minha namorada sem a


minha presença... moleque. — Pisco para ele, enlaçando a cintura de
Madeleine com o braço, mas ela imediatamente o afasta. O otário nota isso,
estranhando a atitude dela.

— Ou você sai por conta própria ou podemos resolver isso na porrada,


mas não quero bater em velhinhos. — Sorri com superioridade.
— Também não bato em crianças, é crime — zombo, além da diferença
de idade ainda sou alguns centímetros maior que ele.

— Chega!! Não aceitarei nenhum tipo de violência! — Madeleine se


impõe.

— Diz isso após o episódio na faculdade? — Ele a provoca, fito-a


curioso para descobrir que episódio foi esse.

— Aquilo nunca havia acontecido antes, só para que fique sabendo!


Agora quero que suma daqui, Vincent! E me esqueça! — determina,
enchendo-me de felicidade por dentro.

Que emoções loucas são essas que estou sentindo? O moleque cruza os
braços com cara de mal, encarando-nos calado, analisando.

— Não acredito que esse cara seja mesmo o seu namorado, Madeleine.
Os dois não me convencem — debocha, então puxa a mão da garçonete,
depositando nela uma pulseira de ouro. — Não vou descansar até tê-la de

volta, gata. — Que descarado, filho da puta!

Assim, nos dá as costas e se afasta, entrando num superesportivo mais à


frente, indo embora cantando pneu. Respiro forte, desconfortável.

— Que moleque abusado, ridículo! — resmungo, pensando alto.

— Não muito diferente de você, Esteban. O que está fazendo aqui? —


Madeleine guarda o presentinho dele no bolso da calça e me encara como se
eu fosse uma ameba.

— Também trouxe algo para você, baby. — Retiro do bolso traseiro a

peça íntima de cor roxa. A garota paralisa, chocando-se.

— Minha calcinha! — Puxa-a, mas não a solto. — Largue! — exige,


controlando a voz em rosnado.

— Não até prometer que iremos conversar sobre o que aconteceu.

— Mas que inferno, só posso ter feito algo muito ruim para Deus para
ser perseguida por tanto embuste, Senhor! — reclama, puxando mais.

— Vai rasgar — aviso, ela fica furiosa.

— Largue a minha calcinha, seu tarado!

— Então iremos conversar?

— Conversar, o quê?! Será que dá apenas para me esquecer?! —


rebate, ela me odeia, me rejeita, nunca se interessou por mim, trata-me como

qualquer um. Por que é tão diferente das outras mulheres, Madeleine?

Fico sem palavras, meus olhos fixados nos dela.

— Ei, Dumbo! — Um homem na porta do bar a chama. O conheço, é o


dono do estabelecimento. — Esqueceu que está em horário de serviço,
porra?! — É arrogante, Madeleine fecha os olhos, envergonhada.

— Eu já estou indo! — responde.


— Por que ele te chama de Dumbo? — indago, não gostando disso.

— Por favor, não me procure — murmura, ultrapassando-me após

largar a calcinha que rapidamente guardo no bolso.

— Madeleine! — A chamo, ela vira-se para mim outra vez, suspirando


impaciente.

— Você não está me ouvindo, Dumbo?! — O homem caminha em


nossa direção, irritado, sigo até ele, fuzilando-o.

— Por que chama ela assim? — pergunto, duro e direto. Madeleine me


fita em um pedido implícito para que eu não me meta, entretanto, já é tarde
demais.

— De quê? Dumbo? — O imbecil ri, fazendo chacota da garota que


fecha os olhos novamente, as bochechas corando. Ela está muito
desconfortável. — Já assistiu aquele desenho da Disney? É um elefante gordo
ridículo que...

Sou tomado por um ato desmedido e agarro o imbecil pela gola da


camisa, inesperadamente. O movimento é tão rápido e forte que seu cigarro
cai da boca, o assustando. Sou maior e mais forte que ele, deixando-o nas
pontas dos pés.

— Se ela é gorda ou não, isso não lhe diz respeito e com certeza ela não
é ridícula! — rosno, atravessando-o com o olhar, sou puro ódio agora. — Ser
gordo não é um defeito e sim uma condição física assim como todas as
outras! — O sacudo forte, vendo-o amedrontado. — O nome dela é

Madeleine. Repete, Madeleine — ordeno, entredentes.

— Ma... Ma... Madeleine — gagueja, tremendo.

— Esteban largue ele, por favor. — A garçonete está chocada, mas não
lhe dou atenção.

— Sou advogado, cara, e cliente desse bar há um bom tempo! Se eu vir


aqui outra vez e escutar você chamando ela de Dumbo, sou capaz de entrar
com um processo trabalhista, criminal ou qualquer outro que se encaixe nesse
seu preconceito do caralho e acabo com a sua raça, entendeu?!

— Aham... Aham... — Sua voz sai frágil, os olhos esbugalhados


imprimem medo. É um covarde.

— E é melhor ela não ser demitida sem justa causa depois dessa nossa
conversinha! — O largo, jogando ele para trás com força. O cara sai

cambaleando, boquiaberto, aterrorizado, voltando para dentro do Le Loup em


milésimos de segundo.

Troco olhares com a garota que está sem palavras, com os olhos
brilhando, sensível. O meu raciocínio retorna, pisco, dando-me conta do que
fiz, foi como se tivesse saído de mim enquanto ameaçava o ridículo. Acho
que fiz merda
— Desculpe, eu... não queria... — Minha voz falha.

— Obrigada — agradece, aliviando a minha consciência. Ela enxuga

uma lágrima que quer descer, tocando o meu coração. Não gosto de ver
mulher chorar, na verdade detesto isso com todas as minhas forças.

Assinto, esticando um sorriso sem graça. Não sei o que deu em mim.

— Já vou indo... prometo que agora te deixarei em paz. Desculpe por


tudo mais uma vez. De verdade — peço sério, enquanto ela suspira, está
muito tocada. — Fique bem.

Dou-lhe as costas, afastando-me até me aproximar do carro, momento


em que lembro que novamente esqueci da calcinha dela. Toco no bolso de
trás da calça, sentindo a peça íntima, viro-me em direção aonde a garçonete
estava, porém não a encontro mais, então por hora, desisto de tentar devolver
o que é seu. Talvez um outro dia ou nunca mais.

Saio acelerado em direção à minha casa, há algo por dentro

incomodando, latejando em relação à Madeleine. Preciso passar dessa fase e


seguir em frente, já fiz o que podia fazer e ela não quer mais me ver. Não está
errada.

Mudo a rota de repente e sigo para uma das boates que mais gosto de
frequentar. O lugar é luxuoso, cheio de gente bonita e jovem. Aproximo-me
do bar como sempre e peço uma dose enquanto a música eletrônica francesa
soa estrondosamente pelo ambiente. Vejo lindas garotas dançando e troco
olhares com algumas. Preciso me divertir.

Aproximo-me de uma delas, em poucos momentos estamos dançando e


em sequência nos beijando de forma avassaladora. O clima esquenta, pega
fogo, então a puxo para uma sala privada. A jogo contra a parede e ergo o seu
vestido paetê curto, porém, quando vejo a sua bundinha magra,

automaticamente recordo da bunda de Madeleine no sofá da minha casa...


aquela quantidade arredondada de carne macia.

Isso quebra um pouco as minhas expectativas, mas sacudo a cabeça


para me livrar das lembranças e focar na garota que estou agora. Ela percebe
que dei uma parada e busca por minha boca, contudo, já perdi a vontade. Não
quero mais. A deixo e me afasto sem trocar nomes ou telefones.

Dois dias depois, estou no trabalho, em reunião com um empresário e


seu assessor que relatam sobre o problema que querem que eu resolva. É de
manhã, acertamos todos os pontos até que chamo Chloé com a procuração
para que assinem, me dando assim todos os poderes que preciso para poder
representá-los.

Quando finalmente fico sozinho e consigo respirar, pego o meu celular


após ouvir a notificação de mensagem:

Bom dia, babaca.

Surpreendo-me com um sorriso, sabendo muito bem de quem se trata.

Respondo:

Bom dia, Pimentinha.

Pimentinha? Aqui é Madeleine.

Exatamente, Madeleine Pimentinha

Ah ‘tá. Quero saber como faço para que devolva a minha calcinha.

Uma desculpa esfarrapada, na verdade ela quer me ver. Isso me anima.

Que tal um almoço hoje. Aonde posso te pegar?


Resolvo ser direto.

Estou na faculdade, mas não precisa se dar ao trabalho. É só me passar o


endereço do lugar.

Se eu for te buscar será mais prático para nós dois, pois depois terei que
retornar para o trabalho. Diga aonde está.

Ela não discute mais, concordando. Na hora combinada, vou para casa
pegar a sua peça íntima e em seguida sigo para a faculdade dela. Paro em
frente ao grande prédio na pista do extenso e belíssimo gramado. Desço do
automóvel chamando a atenção de vários jovens, tanto homens quanto

mulheres.

Troco olhares com a acadêmica de fisioterapia que vem em minha


direção claramente envergonhada. Não trocamos uma palavra, abro a porta,
ela entra e vou para o meu lugar fechando o carro.

— Oi, baby. — Finalmente a cumprimento.


MADELEINE FERNANDEZ

Amélie gargalha tão alto, que se vê obrigada a tapar a boca com a mão
para não assustar os demais passageiros do trem que já nos fitam de forma
estranha. Quem poderia estar tão feliz a essa hora da noite em que o cansaço
e o sono são os mais lógicos? É claro que teria que ser a minha melhor e
única amiga, ela acabou de saber o que Esteban fez com o nosso chefe horas
atrás.

— Pare de ser escandalosa, sua maluca! — brigo, pois ao contrário


dela, não estou achando tanta graça no acontecido.

— É por isso então que o Maurice estava mansinho ao final do


expediente, ele levou um susto do advogato! — conclui, respirando fundo em
seguida, parando de rir.

— Sim, também notei a mudança no comportamento dele, mal olhava


para mim. Acho que irá me demitir — afirmo, pensativa.

— Duvido... depois dessa pressão aí, duvido mesmo! Olha, vou te

dizer... esse Esteban é aquele tipo de homem que a gente não sabe se ama ou
odeia.

— Concordo. Por que ele tinha que vir me procurar? Já não havia sido
o suficiente tudo o que aconteceu? — Tento entender.

— Ele não veio pedir desculpas?

— Pediu, mas queria conversar e usou a minha calcinha como moeda


de troca.

— Safado... — Amélie sorri outra vez. — Esse Esteban é um safado!


Mas, se ele veio atrás de você, é porque a consciência pesou. Amei que o
Maurice finalmente encontrou um homem para colocá-lo em seu devido
lugar! Bater de frente com mulher é fácil, quero ver com um cara que fale
mais alto e mais grosso que ele! Foi bem merecido!

— Nossa, fiquei de alma lavada! — confesso, sorrindo. — Ele obrigou


Maurice a falar o meu nome e foi obedecido. Nunca alguém havia me
defendido assim, amiga.

— Isso te tocou. — Ela me analisa, entendendo-me.

— Tocou muito fundo. Principalmente quando falou sobre a minha


condição física, que ser gordo é normal.
— É o que sempre te falei.

— Mas eu não acreditava que ele pensasse assim até aquele momento.

Não foi nada armado, simplesmente aconteceu. Esteban estava mesmo com
raiva, consegui enxergar isso em seus lindos olhos azuis — suspiro.

— Hmmmm, lindos olhos azuis? — Amélie me empurra com o ombro,


irônica.

— Não vou negar, que olhos lindos, Deus — confesso.

— Realmente. Na verdade, ele é todo lindo, porém... de caráter


duvidoso. E o Vincent? Qual é a dele?

— Não sei e prefiro não descobrir. Ainda estou processando esse seu
comportamento louco. Após o sexo, ele sempre fingiu que eu não existia.

— Ego ferido, querida — conclui. — Homem com o ego ou orgulho


ferido é um pé no saco. Eles em geral têm um estranho instinto de posse

sobre as mulheres com quem se envolvem, mesmo que não as assumam,


como foi contigo. Um exemplo é o cara que deixa a mulher, se casa com
outra e quando ver a ex finalmente esquecê-lo ao conhecer um novo amor,
passa a interferir na vida dela.

— Já vi isso acontecer inúmeras vezes. Entendi o que quer dizer,


Vincent só voltou a olhar para mim quando notou que eu já havia o superado.

— Ele devia se achar muito por ter sido o único a tocá-la, estava bem
com isso enquanto pegava geral. Vincent, com certeza sabia que você ainda
gostava dele, o seu comportamento deixava isso claro.

— Ele não gosta de mim de verdade, apenas quer assegurar que outro
não chegue perto. Se eu ceder, depois vai fazer a mesma coisa.

— Exatamente — concorda. — Nossa, quem nos vê assim até acha que


somos inteligentes, mas isso só na teoria, porque na prática, o traste volta e as

palhaças, por uma declaraçãozinha ali e aqui, terminam aceitando.

— E as pessoas em volta ainda incentivam. Tudo em nome do amor —


digo a última palavra com sarcasmo, nós gargalhamos até doer a barriga. —
Agora, Esteban ainda é uma incógnita.

— Que você quer desvendar — Amélie completa, fitando-me irônica.

— Não quero mexer no que está quieto. Acho que depois de hoje, ele
finalmente me deixará em paz.

A mulher levanta, o trem está parando na sua estação. As portas se


abrem, mas antes de descer ela diz:

— Mas, lembre-se que ele ainda está com a sua calcinha. — Pisca para
mim e se vai. Às vezes Amélie é pior que um padrinho mágico.

Ao chegar em casa e entrar no quarto, encontro Timothée caminhando


de um lado para o outro, refletindo, agitado, ansioso. Ao me ver chegar,
mostra-me o papel que segura com as duas mãos, onde está o desenho
finalizado do Esteban-borboleta.

— Acabou? — Sorrio, observando a arte feita com muito afinco.

— Aham... — responde, sorrindo de forma tímida.

Suspiro, largando a mochila em um canto, sentando na cama e tirando


os sapatos. Os meus pés estão doloridos e vermelhos do dia cansativo.

— Quero entregar a ele — revela, chamando a minha atenção.

— Quer dar o desenho ao Esteban? — Ergo uma sobrancelha.

— Sim... Madeleine.

E agora essa. Penso.

— Eu posso entregar, você quer? — proponho, calmamente.

— Não... — Tim dá um passo para trás.

— Ah, quer entregar pessoalmente? Mas...

— Onde ele está?

— Espero que na Terra do Nunca. — Sou irônica, enquanto retiro a


blusa, mostrando o sutiã. Noto que o meu irmão está calado, então o fito,
encontrando seu rosto de quem não entendeu nada.

— Existe uma Terra chamada Nunca? — Ergue uma sobrancelha,


desconfiado.

— Ah..., não... — Levo a mão à testa, balançando a cabeça, esquecendo


que ele não entende ironias ou figuras de linguagem.

— É parecida com o planeta Terra?

— Tim, Terra do Nunca não existe, meu amor. Eu estava sendo irônica.
Lembra o que isso significa? Já te expliquei.

— Aham — responde. — Mas o que é Terra do Nunca... Madeleine? —

Agora agucei a sua curiosidade.

Respiro fundo, fechando os olhos, estou tão cansada e estressada do


longo dia de trabalho, às vezes tenho vontade de apenas manda-lo ir de volta
para o seu quarto, porém me controlo. Tenho que me controlar, não é culpa
dele e nem porque quer.

— Madeleine... o que é Terra do Nunca? — repete, ao ver que não lhe


respondi com urgência. — Madeleine...

— Eu vou falar! — alteio o tom, chamando-o para sentar ao meu lado.

Assim, passo a próxima hora contando sobre Peter Pan, Capitão Gancho,
Sininho e os Garotos Perdidos. Mas no fim, acabo deixando o menino mais
confuso do que antes.

Quando o levo para o seu quarto dormindo em meu colo, penso por um
instante, em pegar o desenho do advogado para que ele esqueça a ideia de
devolver pessoalmente, mas desisto. Isso poderia lhe deixar muito estressado
no dia seguinte, então nem vou arriscar.
Durante a madrugada, volto a sonhar com Esteban, vejo nós dois no 58
outra vez, nos beijando, só que de modo mais fervente, mais quente do que

realmente aconteceu. Acordo molhada e perturbada, tentando esquecê-lo.

Hoje é dia de estágio, saio de casa atrasada e quando chego ao hospital,


sou repreendida por minha supervisora, por outro lado, sou super bem
recebida pelos pacientes, que me adoram. Como de costume, começo a fazer

os exercícios terapêuticos do dia, trabalho a mobilidade de um senhor que


fraturou a perna.

Em seguida, parto para uma paciente com a qual faço estimulação


elétrica transcutânea, um dos recursos utilizados na eletrotermofototerapia.
Presto bastante atenção nas orientações que recebo da fisioterapeuta e
também do médico, fazendo tudo de acordo, recebendo elogios no fim.

Almoço no refeitório do hospital, sempre sozinha distante de todo


mundo. Os meus colegas de turma me observam de longe e cochicham, assim

como estagiários de outras turmas da minha faculdade, deduzo que devem


estar comentando sobre o barraco entre Vincent, a namorada e eu, namorada
essa que ainda não sei o nome, nem quero saber.

Como se adivinhasse os meus pensamentos, o garoto aparece, todo de


branco usando um jaleco, lindo, sentando-se de frente para mim,
compartilhando da minha mesa sem pedir licença. Reviro os olhos.
— Ontem no bar, e hoje aqui? Agora vai ficar me perseguindo? —
pergunto.

— Se ainda não sabe, também estagio aqui, Madeleine. Serei um futuro


e brilhante médico — comenta, pondo o prato e talheres que trouxe sobre a
mesa, preparando-se para comer.

— Mas a sua mesa é aquela ali — aponto com o rosto —, onde estão

todos os seus amigos de turma.

— Mas hoje resolvi sentar contigo.

— Não estou afim de estar na sua presença.

— Tenho certeza que logo, logo estará. — Ele sorri com segundas
intenções.

— O que está tentando provar, Vincent? — resolvo ser direta. — Já vi


quem é de verdade, esse seu joguinho não me convence.

— Não quero provar nada, só não te quero com aquele cara que insiste
em dizer que é seu namorado. — Ele é sincero também.

— E você pode ficar com outras por aí...

— Quero ficar contigo.

— Agora que estou com outro...

— Posso te levar para o trabalho hoje, se quiser. — Me ignora,


mudando de assunto. — Já sei que vai estagiar durante a tarde hoje, vai sair

daqui exausta.

— Não, obrigada. Tenho metrô e ônibus à minha disposição. —


Levanto-me, séria e desgostosa. — Não pense que faço parte das suas sobras,
Vincent. Estou cansada de ser feita de trouxa e não sou seu brinquedo. Você
não sente nada por mim, é apenas o seu ego que é grande demais. — Dou-lhe

as costas, me afastando.

A tarde passa devagar, fico envolvida com os inúmeros procedimentos


que tenho que aplicar e ainda aprender, de modo que saio atrasada, sabendo
que até chegar no metrô, já terei perdido o meu trem.

Para o meu azar, encontro Vincent em seu conversível luxuoso,


aparenta estar me esperando na porta do hospital. Suspiro, chateada com a
sua insistência e o ignoro, mas ele me segue com o carro.

— Por favor, Madeleine, já fiz muita merda, permita-me uma gentileza

— pede, guiando o automóvel devagar, na minha velocidade.

— Estava me esperando esse tempo todo? — pergunto parando,


sentindo as minhas pernas doerem pelas horas que fiquei em pé e que ainda
terei que ficar ao chegar no Le Loup. O sol já está se pondo.

— Mas é claro. Me deixe pelo menos ser seu amigo — pede, mas fico
desconfiada. — Qual é? Vou só te dar uma carona, é sem pretensão alguma.
Por favor — insiste.

Olho ao redor, o cansaço fala mais alto, então aceito. Minutos depois,

estou ao seu lado, sentindo o vento sacudir os meus cabelos, já que o teto do
carro está removido, e isso me relaxa.

— Lembra quando estava comigo aqui à primeira vez? — pergunta, já


fazendo eu me arrepender de ter aceitado o seu convite.

— Você que não deve lembrar. Não quero falar sobre isso — corto-o,
percebendo que está mudando de rota. — Para onde está indo? — Ergo uma
sobrancelha, desconfiada. O cara não responde. — Vincent, este não é o
caminho do bar, para onde está me levando? — Minha voz sai mais incisiva.

— Relaxa, só quero te mostrar uma coisa. — Está bem pleno, focado


na direção.

Quando chegamos em frente ao motel onde perdi a minha virgindade,


me sinto bastante desconfortável.

— Por que me trouxe aqui? — A minha voz sai frágil, estar aqui me
causa gatilhos, me deixa sensível.

— Porque quero te lembrar de nós dois. Sei que fui um otário... um


idiota..., mas quando te vi com aquele cara, percebi que ainda gostava de
você.

Sorrio, em deboche.
— Você não gosta de mim, Vincent. Nunca gostou, seja franco.

— Por que acha que estou aqui contigo, então?

— Porque está com o ego ferido, acha que sou uma coisa sua, que tem
que tomar de volta — disparo, fortificando o tom, mas por dentro estou até
tremendo.

— Mas quero mesmo que seja minha — fala manso, pondo a mão
sobre a minha coxa. — Vamos entrar ali de novo, Madeleine... deixa eu tirar
a sua roupa — sussurra em meu ouvido, depois tenta me beijar, mas viro o
rosto.

— Não!

— Sei que você quer... que me deseja — sinto um calafrio maligno,


detestando o seu toque.

— Tira a mão de mim, Vincent! — ordeno, mas ele não me escuta.

— Estou com tanta saudade...

— EU JÁ DISSE QUE NÃO! — grito, o empurrando. Ele me olha


enraivecido, não gostou nem um pouco de ter sido rejeitado. Tenho uma
sensação de perigo e retiro o cinto de segurança, mas antes de conseguir
saltar do carro, Vincent acelera, saindo disparado pela pista. — Para o carro,
eu quero descer — peço nervosa, mas sou ignorada. — Vincent, para o carro,
por favor!
Sinto vontade de chorar, o garoto enfia o pé no acelerador e a nossa
velocidade aumenta cada vez mais, o vento agora açoitando o meu rosto. Fico

amedrontada e ponho o cinto de segurança outra vez, não sabendo o que


esperar, não gostando nada do seu rosto meio doentio, furioso. Nunca o vi
assim!

— Vai mais devagar! — exclamo, fechando os olhos quando ele faz

uma manobra e desvia de um caminhão, me aterrorizando. — Não!

Meu coração está a ponto de sair pela boca, as mãos estão tremendo,
não consigo nem mesmo ficar de pálpebras erguidas. O barulho do vento e do
motor misturado, retumbando em meus ouvidos. Volto a respirar direito
quando finalmente paramos. Observo ao redor, devagar e ofegante,
reconhecendo que estou em frente ao Le Loup.

— Pronto, está entregue. — Vincent é irônico, olhando-me de forma


estranha, que dá medo. Retiro o cinto outra vez e desço do automóvel numa

pressa absurda. — Até mais, Madeleine. — Se despede, indo embora


cantando pneu.

Entro no bar e sigo para o banheiro das funcionárias. Troco de roupa,


ainda abalada com o que aconteceu. Lavo o rosto na pia pequenina, olhando-
me no espelho, segurando as lágrimas, não quero chorar e ser notada por isso
lá fora. Minhas mãos ainda estão tremendo, mas respiro fundo e sigo para o
salão principal quando estou me sentindo melhor.

— Madeleine... — Uma voz masculina faz com que eu olhe para trás

surpresa. É Maurice, chamando-me pelo nome. Só pode ser um milagre. —


Está tudo bem?

— Sim... chefe — respondo desconfiada, surpresa com tanta educação


da sua parte.

— Ah..., que bom. Bom trabalho. — Ele força um sorriso e dá dois


tapinhas em meu ombro ao me ultrapassar e se afastar. Sigo-o com o olhar,
abismada. Isso está mesmo acontecendo? Foi o efeito Esteban.

Esse dia está sendo uma loucura! As próximas horas são normais, não
acontece mais nada de diferente, porém não consigo esquecer da atitude
impulsiva de Vincent. Estou com uma sensação ruim. Muito ruim. Essa
sensação se confirma quando, na manhã do dia seguinte, ao terminar a última
aula, encontro um pedaço de papel dentro do meu armário.

Descobri onde o seu namorado trabalha.

Esbugalho os olhos, apavorada. Olho ao redor, tentando descobrir se


estou sendo vigiada. Não tem outro alguém, foi ele! Vincent! Ele é autor
desse bilhete, tenho certeza, a minha intuição grita! Entretanto, não cairei
nesse joguinho, se a intenção é me deixar com medo, não vai conseguir!

Fecho o armário e caminho depressa até a sala dele, vou tirar

satisfação! Espero que saia de lá assim como os seus colegas de turma que
estão indo embora, mas nada. Quando tento entrar, esbarro em uma garota, os
óculos escuros dela vão ao chão e quando encontro o seu olhar fico ainda
mais desestabilizada. É a namorada do Vincent, de olho roxo, como quem

levou um soco.

— Não olha por onde anda? — rosna, fuzilando-me enquanto pega os


óculos do chão e põe de volta na face, escondendo o machucado. Ela se
afasta, me deixando agoniada. Fico sem palavras.

Caminho devagar para fora da faculdade, lendo outra vez o recado


deixado no meu armário. Se tudo o que estou pesando sobre o Vincent for
verdade, Esteban pode estar correndo perigo. Nunca me senti assim e jamais
pensei que o garoto por quem por tantos meses fui apaixonada, podia ser

tão... descontrolado.

Está quase na hora do almoço, resolvo sentar em uma mesa de uma das
lanchonetes do prédio e enviar mensagem para o advogado. Como não quero
assustá-lo, resolvo agir como sempre agi com ele, chamando-o de babaca e
perguntando pela calcinha, a melhor desculpa que consegui inventar para
tentar reencontrá-lo.
Surpreendo-me ao saber que fui apelidada de “Pimentinha” e chego a
negar o seu convite de almoço — que foi até mais rápido do que imaginei —,

pensando em desistir de repente, contudo, no fim aceito. Leva pouco tempo


até ver Esteban chegando em seu superesportivo chamativo. Sigo até ele que
desce do carro para me receber como na outra vez, feito um cavalheiro.

Todos os olhares possíveis estão focados em nós, o homem de terno

fica ainda mais tentador, os seus olhos azuis brilham de forma intensa sob o
sol e seu perfume me inebria. O cabelo dourado penteado para trás, a barba
cerrada, o porte de galã, de macho alfa. Não há como negar, é muito gostoso
como Amélie diz, e sua presença me faz esquecer por vários segundos o
motivo de tê-lo procurado, até quando entramos no carro.

— Oi, baby — cumprimenta, com a voz rouca.


MADELEINE FERNANDEZ

— Oi... Esteban. — Engulo em seco, sentindo o seu calor que parece


atravessar a sua roupa e me tocar.

— Tudo bem? — pergunta, protetor. Tento lembrar do que fez comigo


para ser ríspida, mas o que me irrita é esse seu charme que parece vencer
qualquer coisa no fim.

— Aham. — Minto, não está nada bem.

Ele dá partida, logo invadimos a pista.

— Tem algum lugar de preferência ou posso te levar para onde quiser?


— É irônico, como é desde que o conheci, com o tom brincalhão. Entretanto,
ao contrário de Vincent, ele me dá a oportunidade de escolher, isso
demonstra que valoriza a minha opinião. Também não é a primeira vez que
acontece, confiou em mim na montagem do nosso cardápio quando fomos ao
58.

— Leve-me para um lugar simples, onde possamos dividir a conta.


Nada de luxo como na última vez — determino. Esteban faz um bico e
responde:

— Como quiser. Acho que conheço um local pelo qual vai se apaixonar

— comenta.

— E isso importa? — replico.

— Claro, não gosto que as pessoas se sintam mal ao meu lado.

— É? Não parece — alfineto.

— Olha só, Pimentinha...

— Madeleine...

— A gente pode começar a lavar a roupa suja agora ou só depois de

almoçarmos e estarmos satisfeitos. Te garanto que discutir com fome não é


uma escolha legal.

— Tudo bem, mas só quero deixar claro que isso não é um encontro.
Quero apenas conversar algumas coisas com você — digo preocupada,
lembrando do Vincent.

— Eu sei, não se preocupe. No fim do dia você estará de barriga cheia e


com a sua calcinha de volta após ter me dado o seu perdão — fala, de muito

bom humor, fazendo-me até sorrir.

— Você nunca consegue falar sério? — indago, esticando os lábios de


orelha a orelha.

— Você nunca consegue brincar? — rebate, fico calada. Realmente


devo ser uma chata com os homens, mas tenho razões para isso. Trocamos

um olhar profundo, onde perdemos a graça, até que enfim ele volta a focar na
direção.

Esteban me leva para o Bistrot Victoires, um típico bistrô parisiense,


todo em madeira com vidraças para a rua. O espaço é pequeno, porém
aconchegante e muito bem localizado. No momento não está lotado, por isso
o barulho não será um incômodo.

Ocupamos uma mesa ao lado da vidraça, logo somos atendidos por um


garçom bonito e muito simpático, que nos serve com água da casa e pães de

cortesia. Ele pergunta o que iremos querer, momento em que Esteban fala
comigo em espanhol:

— Aqui os preços são mais em conta comparados aos restaurantes da


região, há uma boa variedade de comidas, mas há uma em especial que me
faz matar um pouco da saudade que tenho dos Estados Unidos.

— Por que está falando em espanhol? — Observo o garçom de soslaio,


sem entender.

— Porque assim apenas nós dois saberemos o que estamos falando. —

Pisca para mim. Acho isso tão sexy.

— E como sabe que ele não nos entende?

— Já fiz um teste antes. Nunca fez isso?

Sorrio, adorando a brincadeira. Balanço a cabeça para ele em negativa.

— Dialogar com alguém intencionalmente, não. Mas já xinguei muito


no Le Loup.

— Inclusive eu. — Gargalhamos. — Dessa vez vou escolher o que


iremos comer, pode ser?

— Tudo bem. — Já me sinto bem mais leve e descontraída. Esteban


tem esse poder de me fazer relaxar. Agora lembro o motivo do nosso jantar
na Torre Eiffel ter sido tão bom, apesar de ter tido um final trágico.

— Um bife com batatas fritas e creme brûlée de sobremesa, por favor


— pede, agora em francês para que o moço entenda. Ele se retira e nos deixa
sozinhos.

— Então era isso que comia nos estados unidos? — Estou curiosa.

— Principalmente as batatas fritas — confessa.

— Com o porte físico que possui, não parece.


— Em Harvard, eu era... digamos... um pouco gordinho. Estava
passando por uma fase de depressão quando cheguei lá, então comia bastante

quando ficava ansioso. — Fico chocada com a sua revelação.

— Sério? — Minha voz sai até um pouco mais... sentimental.

— Sim. Talvez tenha sido por isso que te defendi de forma tão...
violenta contra o seu chefe. Digamos que ouvi muitas piadinhas devido ao

meu físico na época de acadêmico, por isso não gostei nada do tom que ele
usou para falar contigo, ainda mais aquele apelido ridículo.

— Nossa..., é tão estranho pensar que logo você entende o que eu


estava sentindo naquele momento. — Parece mentira.

— Sei que é difícil acreditar após descobrir... aquela merda. Eu fui no


bar naquela noite para te pedir perdão. — Sinto sinceridade em sua voz. —
Pode não acreditar, mas eu já tinha desistido da aposta assim que saímos da
Torre.

— Não acredito — afirmo.

— Sei que não, mas é a verdade. Era para ser apenas uma brincadeira, a
intenção nunca foi machucar alguém, então quando descobri a sua idade, a
sua inexperiência, me arrependi no mesmo instante. Nunca me envolvi com
garotas da sua idade. Não querendo te ofender, mas achei que você era um
pouco mais velha. Só um pouco — confessa.
Respiro fundo, perdendo o encanto por ele outra vez.

— Você é muito escroto, Esteban. Você e quem faz parte disso — falo,

mas sem agressividade, pois não quero brigar. — O pior é que... nem precisa
disso para ficar com uma mulher, cara! Por que faz isso?

Ele está claramente envergonhado, abaixa a cabeça por um momento,


depois me encara, buscando coragem.

— Era uma brincadeira da faculdade. Você nunca devia ter ficado


sabendo, não humilhamos ninguém. Aquela ligação foi uma fatalidade.

— Isso não justifica, cara. Vocês correm esse risco, são os sentimentos
de outra pessoa envolvida — argumento.

— Nunca deixamos chegar ao ponto de envolver sentimentos,


Madeleine.

— Nada do que disser, irá me convencer... porque nada do que

aconteceu naquela noite foi de verdade.

— Eu me diverti muito jantando ao seu lado, você é uma ótima


companhia, Pimentinha — comenta, querendo recuperar o humor.

— Não vem com gracinha, estou falando sério. E quer saber? Já


entendi tudo!

— Entendeu o quê, sua maluca? — Fica curioso.


— Sabe o que eu acho que você é? — Ergo uma sobrancelha.

— Me diga. — Ele está disposto a ouvir, mas titubeio. — Vai... pode

falar, sei que mereço ouvir. Pode bater que aguento.

Respiro fundo e respondo:

— Um covarde. — A minha resposta o surpreende, talvez esperasse por

algo mais agressivo. — Como já disse, não precisa desse tipo de coisa para se
relacionar com uma mulher, se o faz, é porque tem medo do que pode vir
depois.

— Eu não disse isso — nega.

— Você disse...

— Não...

— Falou que não é para chegar ao ponto de envolver sentimentos e blá,


blá, blá. O senhor advogado aqui em minha frente... tem medo de se

apaixonar. É isso! — concluo batendo na mesa, em seguida bebo um pouco


d’água.

Esteban força uma gargalhada, erguendo o rosto, segundos depois fica


extremamente sério e fala amargo em espanhol no instante em que o garçom
chega com a nossa comida:

— Okay, vamos parar de falar disso agora, senão ficarei puto contigo
antes de matar a minha fome, se isso acontecer, estragarei qualquer chance de
te pedir perdão, Madeleine.

— Nem precisa perder o seu tempo, também não foi por isso que vim

aqui. O que tenho para falar contigo é bem mais sério.

Ele franze a testa, curioso.

— E o que seria?

— Só depois do almoço, querido! — Decido seguir a sua regra,


fazendo o homem bufar de raiva. Isso me diverte por dentro.

Se tem uma coisa que Esteban possui, é bom gosto. Já constatei isso
nele, tanto para restaurantes quanto para comida. Realmente o que pediu está
delicioso.

— Está gostando? — pergunta, percebendo as minhas caras e bocas.

— Sim, bastante. Engraçado que, teoricamente é um prato tão comum,


mas que comi pouquíssimas vezes na vida — revelo.

— Acho mais comum nos Estados Unidos, assim como o clássico e


calórico café da manhã.

— Legal saber que você se formou em Harvard, morava em Madri e


agora trabalha aqui em Paris. Isso é tão... chique. — Sorrio. — Fez algum
doutorado?

— Aham, em Direito Empresarial, a área na qual atuo.


— Ah, é doutor, então. — Brinco, degustando um pedaço da carne com
batatinha.

— Não me chama assim que me dá tesão — fala em espanhol, o seu


sotaque é muito mais forte que o meu, mais eloquente, quente.

— Só tenho vinte e um anos, lembre-se disso. — Provoco-o, sem nem


mesmo saber por que fiz isso. Só estou devolvendo na mesma moeda.

Ele sorri cafajeste, e esse sorriso acaba comigo. Deus... por quê? Pisco,
tentando não ficar hipnotizada. Terminamos a entrada e partimos para a
sobremesa, momento em que decido falar o porquê procurei por ele:

— Esteban, é o seguinte. Na verdade, te mandei mensagem porque tem


algo sério acontecendo. É o Vincent... o meu ex, aquele do bar — conto,
chamando a sua atenção.

— O que ele fez com você? — Vai direito ao ponto, é como se


farejasse o que Vincent está fazendo. Suspiro e continuo:

— A questão é que depois que ele nos viu naquela situação lá na Torre
Eiffel, está agindo de modo muito estranho... possessivo, e tenho razões para
acreditar que você pode estar em perigo.

O loiro faz uma cara de quem não está acreditando nisso.

— Olha, sei que é surreal, mas... Deus, como posso te explicar? — Fico
pensativa. — A culpa é minha por ter dito que você era o meu namorado.
Ontem ele fez uma coisa, e hoje... acho que me ameaçou.

— O quê? — Agora está acreditando.

— Quer dizer... — começo a gaguejar. — Acho que ele jogou uma


indireta sobre você, na intenção de nos afastar, pois mal sabe que não temos
absolutamente nada!

— Madeleine, o que exatamente aquele moleque fez contigo? Podemos


procurar a polícia agora mesmo.

— Não, não, nada de polícia, também não é para tanto. Estou nos
últimos meses da faculdade, só quero me formar em paz! — respiro fundo. —
Ontem eu tive a infeliz ideia de aceitar uma carona dele, ele tentou...

— Ele tentou te estuprar? — Fica indignado.

— Não, mas tentou reatar o que nunca tivemos, eu neguei e aí... ele
ficou um pouco louco, insistente e furioso com a minha recusa. Me levou

contra a minha vontade até a frente do motel onde tivemos a nossa primeira
vez, não me deixou descer do carro, correu em altíssima velocidade, me
assustando. Era como se realmente quisesse me pôr medo e de fato
conseguiu. Enfim..., hoje encontrei esse bilhete no meu armário. — Retiro o
papel da mochila que deixei sobre uma das cadeiras e mostro a ele.

Esteban debocha ao ler.

— Deixa só aquele moleque aparecer no meu trabalho, para ver o que


irá acontecer.

— Esteban, não quero briga. Só vim te avisar para tomar cuidado,

porque... a minha intuição não falha. Fui procurá-lo para tirar satisfação,
encontrei a namorada dele com o olho roxo e isso me deixou muito aflita.
Sinto que se o Vincent continuar assim... dessa forma que nunca vi antes,
pode acabar tentando alguma merda. Ele é muito rico, não está acostumado a

ouvir não.

— Mas vai ter que se acostumar — decreta, assustando-me. Começo a


achar que estou deixando tudo ainda pior. — Obrigado por se preocupar
comigo, Pimentinha, mas está esquecendo só de uma pessoa: você.

— Ah, vou ficar bem. Não se preocupe — digo, mas por dentro estou
muito incerta sobre isso.

— Olha, já vi que por meras palavras, não irei conseguir o seu perdão.
Então me deixe tentar isso através de atitudes.

— Do que está falando? — Não consigo compreender.

— Só há uma solução para afastar Vincent de vez da sua vida: nós


começarmos a fingir que namoramos de verdade.

Fico pasma, levando alguns segundos para raciocinar.

— Está querendo dizer que quer ser o meu namorado de mentirinha? —


pergunto.
— Sim. Dessa forma, te ajudo a se livrar do Vincent e consigo o seu
perdão verdadeiro.

— Por que isso é tão relevante para você?

Esteban perde as palavras pensando, olhando para o nada até forcar em


mim:

— Talvez esteja na hora da minha redenção. E aí? Sim ou com certeza?


ESTEBAN JAVIER

Sinto que Madeleine está com medo do seu ex, o moleque que pelo
visto se acha o rei do mundo. Ela me contou coisas que me deixaram atento,
como o fato do tal Vincent ter a amedrontado com o carro em alta velocidade
e socado o rosto da sua namorada atual. Esse é um bom momento para tentar
me redimir e ainda por cima, livrá-la desse problema.

— Nem sim, nem com certeza. A minha resposta é não. Isso só pode
ser brincadeira. — Ela arqueja, incrédula. — Quer brincar comigo de novo?
Não vai conseguir.

Suspiro, revirando os olhos. Essa Pimentinha é mesmo difícil.

— Madeleine, estou falando sério. Se parar para raciocinar, isso tudo


que está acontecendo contigo é culpa minha. Se eu não tivesse te incluído
nessa maldita aposta, provavelmente esse Vincent não estaria no seu pé agora
— digo sério, olhando-a nos olhos.

— O que está dizendo tem muita lógica, mas estudando o


comportamento do Vincent nos últimos dias, ele iria agir assim se me visse
com qualquer um, então não preci...

— Mas ele me viu contigo. Era eu, não outro. E se continuar assim,

você terá que se esconder dele sempre que for a um encontro. É isso o que
quer?

Ela fica calada, refletindo. Acompanho-a no silêncio, sem tirar os olhos


da sua face.

— Do que tem medo? Será apenas um namoro de mentira, não iremos


nos relacionar de verdade, é só para a sua proteção — explico.

— Não entendo o que você ganharia com isso, Esteban. — É muito


desconfiada, mas tem razões para isso, já que foi passada para trás por mim e

também pelo outro.

— Já disse... o seu perdão. Sei que está muito machucada, a minha


consciência também está pesada. Fazendo isso, irei me livrar de qualquer
culpa e sei que assim poderá me ver com outros olhos. Não sou esse cafajeste
insensível que está pensando, também tenho sentimentos. — Brinco, a
fazendo sorrir lindamente. Madeleine é linda, o seu sorriso é meigo, puro...
encantador.

— Você disse que talvez fosse a hora da sua redenção, não disse? —

Agora parece estar interessada, erguendo as sobrancelhas.

— Disse — concordo, desconfiado.

— Se eu aceitar, não será apenas por mim..., mas por todas as mulheres

que já enganou e usou para essas apostas ridículas. Tenho certeza que não fui
a primeira, mas se vamos entrar em um acordo, também quero garantir que
serei a última.

— Como assim? — Mexo-me na cadeira curioso, querendo


compreendê-la.

A garçonete suspira pensando, então responde:

— Vou te ajudar a encontrar a mulher da sua vida — dispara, de modo


bem natural. Esbugalho os olhos e começo a zombar do que disse.

— Está brincando, não é? — indago, coçando o queixo.

— Não, estou falando muito sério. Que espécie de redenção você quer
fazer? Se for para mudar, que seja de verdade. Você me ajuda a me livrar do
Vincent, eu te perdoo, mas antes te ajudo a encontrar uma namorada que o
faça parar de praticar essas cafajestagens por aí.

— E quem disse que estou interessado em perder a minha maravilhosa


vida de solteiro, Pimentinha? — inquiro, cruzando os braços.
— Então como vai perder o medo de se apaixonar?

— Mas não tenho medo dessa merda! — Minha voz sai mais alta do

que deveria, chamo a atenção de outros clientes e dos garçons. Pigarreio,


retomando a compostura e repito a frase em espanhol: — No le tengo miedo a
esta mierda! — A minha voz sai mais rouca do que deveria, em tom baixo, o
meu olhar sério. Falar de amor é realmente um ponto sensível.

— Tem certeza? — Madeleine consegue me tirar do sério, está claro


que não acredita em mim.

— O que é isso agora? Estou querendo me redimir quanto a você e não


quanto a nação feminina inteira — argumento. — Por acaso está querendo
fazer parte dos bastidores de algum programa de relacionamentos, talvez um
Test Drive?

— Test Drive? — Não entende.

— É um aplicativo muito famoso de relacionamento dos Estados

Unidos, criado por um cara chamado Mário Lucas. A questão é que não estou
em busca de uma namorada. Estou ótimo solteiro, posso muito bem pegar
mulher sem precisar de aposta alguma.

— Pois essa sua redenção pelo visto não valerá de nada. — Ela não tem
filtro, sai derrubando tudo, atirando as suas opiniões sem mira. — Olha como
repudia a simples ideia de se apaixonar. Saiba que pode se surpreender e ter
mais a ganhar do que perder.

Respiro fundo, perdendo a paciência.

— Como você é insistente, Pimentinha. Vamos fazer assim: te permito


tentar me arranjar alguém, mas não vou prometer nada. — Ergo as mãos em
sinal de rendição.

— Já é um começo. — Volta a comer o crème brûlée, que por sinal está


uma maravilha. A acompanho, para ver se consigo me sentir confortável
novamente. Ficamos assim durante longos minutos, nos encarando, tentando
compreender um ao outro. Ela pensa que vai me vencer, mas não vai mesmo.
Vou apenas ajudá-la e cair fora. — Agora tenho algumas perguntas.

— Hmm... lá vem. — Tento me preparar para a bomba.

— Por quanto tempo exatamente vai durar essa nossa... farsa?

— Por quanto tempo acha que o moleque vai ficar te enchendo o saco?

— Hmm... espero que dure o mínimo possível. — Ela degusta um


pouco mais do creme, seus lábios carnudos e rosados por natureza, chamam a
minha atenção. — Quanto tempo você leva para conquistar uma mulher?

— Oi? — Franzo o cenho.

— Temos que levar isso em conta, afinal será uma missão dupla,
afastar Vincent e encontrar uma pessoa especial para o seu coração, se é que
o tem. — É irônica, mas a ignoro e decido entrar na sua brincadeira. Vamos
ver até quando vai suportar lidar sobre esses assuntos comigo.

— Depende da garota, se ela for fácil, levo para a cama no mesmo dia,

se for mais difícil, levo para a cama até o terceiro ou quarto dia. — Me gabo,
a deixando perplexa.

— Como é soberbo e idiota, graças a Deus não caí na sua lábia. —


Fuzila-me.

— Porque desisti na noite do jantar, do contrário, a senhorita não teria


dormido naquele sofá. Pode não parecer, mas sou um cafajeste com
princípios.

A acadêmica de fisioterapia força uma gargalhada, debochando.

— Você jamais teria princípios o suficiente para me levar para a cama,


otário...

— Olha o respeito, Pimentinha. Lembre-se que agora somos amigos,

porém não coloridos. — Pisco, a irritando. Ela bufa.

— Tenho certeza que o seu lugar no inferno está bem guardado,


Esteban — diz, em tom ameaçador.

— Se o capeta me aguentar... eu sou quente, hein. — Madeleine não


resiste e cai na gargalhada.

— Ai, que ódio! Seu convencido!! Arrogante!! Se cree um dio! —


rosna a última frase em espanhol, afirmando que me acho um deus.
Madeleine não sabe se ri ou se fica enfurecida.

— Sólo un poquito, baby — misturo espanhol e inglês agora,

adoraaando perturbá-la. O meu celular toca, vejo que é do escritório,


momento em que me dou conta que passei mais tempo com a garçonete do
que deveria. — Nossa, perdi a hora! — chamo o garçom com a mão. —
Tenho que voltar para o trabalho.

— Meu Deus... já está tarde — A jovem olha o seu relógio de pulso, se


dando conta de como o tempo passou rápido.

O homem para ao nosso lado e nos entrega a conta, mostro a ela.

— Realmente saiu barato — afirma, abrindo a bolsa em busca do


dinheiro.

— Tem certeza que não quer que eu pague? — ofereço-me.

— Ainda estou lhe devendo dois pneus e um táxi, deixa que eu pago

tudo — determina.

— Não..., iremos dividir como combinado no início — pontuo.

— Aqui, moço. — Entrega o valor integral para o garçom, sem me dar


ouvidos, dando de ombros para mim com um sorriso malicioso, atrativo e ao
mesmo tempo fofa. Isso nunca aconteceu antes. O meu machismo interior faz
me sentir um bosta por permitir que uma mulher ao meu lado pague sozinha a
conta pela primeira vez na vida, porém consigo superar.
Com tudo certo, levantamos e caminhos para fora do estabelecimento.
No meio do trajeto, ponho a mão na cintura dela e dou duas apertadinha na

sua carne, imediatamente recebo um tapa na mão que arde e me obriga a


desfazer o toque.

— Au! — gemo, fazendo uma careta de dor.

— O que é isso, seu safado?! — inquire, olhando-me indignada.

— Que tipo de namorada é você que nem me deixa dar uma apalpada?
— indago, tentando suavizar a dor, massageando o lugar que recebeu o golpe.

— Ah, é? Então por que não me deixa apalpar o seu rabo? — Ela fala
baixo, rosnando, tentando não ser ouvida, mas está puta!

— Deixe-me ver o tamanho da sua unha — peço descarado, fingindo


cogitar a possibilidade. Madeleine bufa e caminha na minha frente às pressas,
sigo-a gargalhando.

— Isso é uma péssima ideia, nunca vai funcionar! — resmunga, mas


não dou ouvidos, apenas me divirto enquanto voltamos para o carro.

Seguimos viagem, deixo a garçonete próxima ao seu trabalho e sigo


para o meu. Desço em frente ao prédio, entrego a chave para um dos
porteiros guardar o carro e quando ele sai com o automóvel, sinto algo ruim
chamar os meus olhos para o outro lado da avenida, onde avisto Vincent
dentro do seu superesportivo, me observando com cara de mau.
Caralho... ele realmente está querendo incomodar. Fico imóvel,
devolvendo o mesmo olhar desafiador, sem medo, de queixo erguido até que

o pivete acelera e vai embora.

Assim, entro no prédio e pego o elevador rumo ao escritório, pensativo.


Madeleine realmente não estava brincando, isso é sério. Aquele bilhete é
mesmo dele, e ele está tentando nos assustar ou nos separar, já que acha que

estamos juntos. É um verdadeiro tolo..., pois não me afeta em nada, nem


mesmo consegue chegar próximo disso.

Paro em um andar bem antes do que vou descer, momento em que entra
Pierre, surpreendendo-me. Por incrível que pareça, estamos só nós dois aqui,
geralmente o elevador costuma ficar mais cheio.

— Pierre? — Trocamos um aperto de mão.

— Oi, Esteban, quanto tempo. — Sorri.

— Pois é, não nos vemos desde... — A minha voz falha, mal o

encontrei e já tornei o clima desagradável. — Tudo bem, meu amigo? — Ele


sabe que estou me referindo a ele e Camille.

— Sim, graças a Deus ela não desconfia de nada e..., resolvi dar um
basta naquilo — fala, mas não de forma feliz.

— Tem certeza que essa foi a melhor decisão? — Sinto que ele não
está feliz.
— Se foi a melhor, não sei, mas com certeza é a mais correta. De
qualquer forma, também gosto muito da Camille, ela é uma mulher excelente

e não será difícil amá-la. Na verdade, já a amo, só que... de um modo um


pouco diferente. — Baixa os olhos, envergonhado.

A sua situação é muito degradante. Sei na pele o quanto é horrível ter


que abdicar dos seus verdadeiros desejos em nome de padrões sociais ou de

outras pessoas.

— Espero sinceramente que saiba o que está fazendo e não esteja se


enganando, Pierre. — Chegamos ao nosso andar, as portas se abrem,
andamos para o living. Ele fica mais atento, temendo que alguém nos escute.
Aproximo-me mais dele e cochicho — Sempre estarei aqui caso queira
desabafar. Depois daquele dia, a minha vida ficou um pouco conturbada,
creio que a sua também, e apesar de trabalharmos no mesmo local ainda não
tínhamos nos visto até agora.

— Certo. Obrigado, doutor. Obrigado de verdade. — Ele parece mais


aliviado, mas ainda muito reservado e introspectivo. Realmente saber que
descobri o seu segredo o abalou e o fez mudar. Não quero acreditar que
talvez esteja tentando manter distância de mim, não ficaria um clima
benéfico, já que trabalhamos juntos.

Passo o resto da tarde trabalhando, saio para uma reunião na empresa


de um cliente que já se tornou um amigo. Praticamente todos os clientes se

tornam meus amigos, gosto de ter contatos e criar laços, sou bastante

comunicativo.

À noite, chego no loft cansado, mas com uma vontade enorme de


transar. Ao sentar na hidro, resolvo bater uma para poder aliviar a tensão e
tirar o tesão reprimido, mas sou pego de surpresa quando Madeleine invade

os meus pensamentos com aquela sua big bunda atrativa.

Sem querer, imagino-a de quatro e então gozo de forma arrebatadora,


dessa vez sem culpa. Tenho vontade de comê-la desde aquele jantar, isso é
fato, e depois do nosso almoço de hoje fiquei ainda mais encantado por sua
personalidade autêntica, apesar de irreverente.

Só devo saber me controlar, não posso misturar mais as coisas e correr


o risco de machucá-la além do que já a machuquei, ainda mais agora que
estou em busca do seu perdão, da minha... “redenção”. Sorrio ao recordar que

ela quer me fazer encontrar a mulher da minha vida, parece que conseguiu ler
além do ideal e descobrir que realmente evito me envolver demais com
alguém. Tenho razões fortíssimas para isso.

Saio da banheira, enrolo-me numa toalha preta, calço as minhas


pantufas e desço para a cozinha, onde invento algo rápido e prático para
comer. Olho ao redor, há somente o vazio, o silêncio, a solidão. Em geral,
sempre me dou bem com isso, mas de vez em quando bate uma tristeza. Aqui

tenho paz, isso é certo, mas junto a ela também há solitude.

Após terminar a refeição, retorno para o quarto, jogo a toalha para


longe, apago as luzes, ligo a tevê, ponho na Netflix e fico assistindo a uma
série totalmente nu, pois assim me sinto confortável. Recordo de Vincent me
vigiando no trabalho, então tenho uma ideia e resolvo conversar com

Madeleine. Envio uma mensagem:

Boa noite, Pimentinha. Ainda está acordada?

Quase uma hora depois, ela me responde:

Oi, babaca. Pode falar, acabei de chegar do trabalho.

Observo a hora na tela do celular, já é tarde. Isso não é vida, mas sei
que a maioria das pessoas tem uma realidade bem diversa da minha, sempre
tive berço de luxo, mas também não cheguei até aqui devido ao meu dinheiro,
ele ajudou é claro, contudo o esforço e muito estudo é que realmente fez toda
diferença.
Se quiser, podemos conversar uma outra hora.

Proponho.

Pode falar.

Posso te ligar? A essa hora da noite, tenho preguiça de digitar, já estou


muito cansado.

Madeleine confirma, então ligo, e a primeira coisa que escuto é a sua


voz desconfiada indagando:

— O que foi?

— Como vai a namoradinha mais linda desse mundo? — Brinco.

— Sério que a partir de agora terei que suportar isso? — indaga,


desgostosa.

— Okay... vou falar sério agora — bocejo, com sono. — O Vincent


estava no meu trabalho hoje — disparo.

— Meu Deus... — murmura, assustada.


— Assim que cheguei ao prédio após o nosso almoço, o avistei do
outro lado da rua, me vigiando em seu carro.

— Nossa... então foi ele mesmo quem escreveu aquele bilhete. — A


ficha também está caindo para ela. — E agora?

— Agora precisamos mostrar para ele que realmente estamos juntos,


pelo menos fazê-lo acreditar nisso a tal ponto que saiba que se tentar algo,

terá consequências.

— E como faríamos isso? — Sinto o medo em sua voz.

— Eu estava pensando... você sabe como é a rotina dele? Onde ele


costuma ir além da faculdade?

— Por quê?

— Perguntei primeiro. — Sou incisivo, a desconfiança dela já está me


chateando.

— Além da faculdade... — pensa um pouco —, Vincent gosta de jogar


futebol em clube aos finais de semana.

— Qual clube?

— Não lembro o nome agora, mas tenho uma foto salva aqui, vou te
enviar — avisa, rapidamente recebo a foto do pivete com roupa de jogador
em frente ao clube que uma vez visitei.
— Ah, conheço. Tenho clientes que jogam lá. Será perfeito. — Abro
um sorriso maléfico.

— Perfeito para quê? Não gostei nada do seu tom.

— Qual o nome dele completo?

— Vincent Fournier.

— Ótimo, Pimentinha. Está preparada para ver o seu namorado


jogando?

— Nem pensar!

— Até o final de semana, baby. Boa noite! — Desligo na sua cara, sei
que a deixei furiosa.

Procuro no celular pelo contato dos meus clientes que sei que
frequentam o mesmo clube do moleque. Está na hora de contra-atacar!
ESTEBAN JAVIER

No domingo, pego Madeleine na casa de Amélie e sigo com ela para o


local onde, se tivermos sorte, nos encontraremos “por acaso” com Vincent.
Ao estacionarmos em frente ao clube e descermos do carro, ela me lança um
olhar atravessado e infeliz.

— Ainda não entendo o que estamos fazendo aqui — reclama,

fechando a porta do automóvel.

— Ué... a minha namorada veio me ver jogar bola. E é melhor que


pareça real e torça por mim da arquibancada. — Levo no bom humor.

— Viemos provocar Vincent, é isso o que viemos fazer. — Ela está


tensa.

— Relaxa, não viemos brigar, mas apenas mostrar para ele que você
tem um namorado de verdade.

— E como sabe que o encontraremos aqui?

— Não sei, estou contando com a sorte. Você que o conhece melhor,
sabe se ele vem todos os domingos mesmo?

— Até quando eu o acompanhava nas redes sociais... sim.

— Não entendo como pôde ter dado lugar para um cara como aquele?

— Nunca se arrependeu de alguma merda que fez na vida? — Sempre


rápida nas alfinetadas.

— Bastante.

— Então pronto. — Faz com que eu cale a boca. Ah, eu fico puto! Mas
suspiro, tentando continuar no clima saudável.

— Gostou da minha roupa? — Abro os braços, mostrando a ela o meu


traje de jogador – short e camiseta – nas cores do time dos meus clientes, que

no caso, são irmãos e detentores de uma rede de hotéis pela Europa. A


garçonete fita rapidamente o meio das minhas pernas longas, onde há um
volume marcado devido ao tecido fino, mas disfarça e responde:

— Apropriado. — Gargalho.

— Apropriado... — repito. — Essa Madeleine ainda me mata.

— Não estou vendo graça — afirma, enquanto fecho o carro, e sigo


para uma das entradas do prédio enorme.

— Vamos! — chamo. Andamos lado a lado até entrarmos e pararmos

na recepcionista, que nos atende atrás de uma cabine de vidro. Fazemos os


nossos cadastros, recebemos cartões magnéticos e ultrapassamos as catracas,
seguindo por um hall cheio de quadros da história do time da casa e taças nas
paredes em caixas de vidro, tudo exposto.

— Os seus amigos já estão aqui?

— Sim, nos esperando — respondo.

— O que disse a eles sobre mim? — Está curiosa.

— Nada ainda, mas vou dizer. — Seguro a sua mão pequenina se


comparado à minha que é grande e forte, recebendo o seu olhar surpreso no
mesmo instante. — Acalme-se, dessa vez é sério. Temos que parecer um
casal, se o Vincent estiver lá dentro, precisa acreditar.

Ela suspira nervosa, mas não contesta. O nosso toque é quente, quer
dizer, a minha palma aquecida está esquentando a dela que é fria.
Atravessamos portas duplas até nos depararmos com um campo de futebol
belíssimo, onde há vários jogadores, todos da alta sociedade, sei que o clube
é bem frequentado.

Só quando avistamos os meus clientes, é que me dou conta do quanto é


estranho encontrá-los acompanhado, já que sempre que os vejo, estou
sozinho. É quando percebo que estou levando a brincadeira bem a sério
mesmo, porém tem um motivo importante: livrar a futura fisioterapeuta do

imbecil do ex dela.

Madeleine acha que não percebi, porém sou bastante observador e notei
que mais uma vez está lindamente arrumada, como na noite do jantar. Senti o
seu perfume doce e gostoso desde que entrou no meu carro. Ela, como

qualquer mulher, se preocupa em estar apresentável ao sair de casa,


mostrando que possui vaidade, e isso muito me agrada. A cada dia que a
conheço um pouco mais, a acho mais bonita do jeitinho que é.

Enquanto caminhamos entre a arquibancada e o campo, ela aperta a


minha mão em aviso. Sigo o seu olhar tenso, avistando Vincent nos
observando do gol, ele é goleiro. Seu rosto está um misto de surpresa e
desconforto tremendo. É evidente que está odiando me ver aqui, no que
parece ser seu recanto costumeiro, ainda mais ao lado da mulher que, pelas

atitudes, considera dele.

— Não acredito!! Ele veio mesmo! — exclama Cédric, um dos meus


clientes, um homem na casa dos cinquenta anos, saudoso e sempre muito
educado, de cabelos grisalhos, olhos escuros e pele muito branca, igualmente
ao seu irmão que está ao seu lado, Claude.

Cumprimento a ambos com apertos de mãos, sorrindo. Fito Madeleine


que não sabe como reagir, estico o meu sorriso para ela, apertando a sua mão

discretamente, que entende e força um largo sorriso que parece meio...

plastificado.

— É claro que eu vim! Não disse que viria? — afirmo, feliz.

— Mas essa sua promessa é antiga, doutor — conta Claude.

— Antes tarde do que nunca! — Brinco, todos gargalham.

— Vejam amigos, esse é o nosso advogado de quem tanto falei a vocês.


— Cédric me apresenta para outros três senhores, todos ricos com certeza.

— O melhor de Paris, o melhor, hein! — complementa Claude, fico até


um pouco sem jeito com tantos elogios.

— Ah, o que é isso, só tento fazer bem o meu trabalho.

— Não apenas faz bem, como de modo excelente. Inclusive os meus


amigos também estão precisando de uma assistência jurídica empresarial de

qualidade, já passei o seu contato a eles. Mas hoje não é dia de conversar
sobre negócios, é dia de jogar bola! — O homem então foca em Madeleine.
— E essa linda moça, quem é? — Sorri para ela.

— Esta é Madeleine, minha namorada — apresento. Ela é pega de


surpresa, talvez a sua ficha só esteja caindo de verdade mesmo agora, pois a
brincadeira fica cada vez mais sério. — Madeleine, estes são os meus
queridos clientes, Cédric e Claude.
Seus olhos procuram-me atônitos, mas por fim, ela disfarça.

— Oi — acena tímida para os senhores.

— Namorada? Que bela surpresa! Esteban é meu advogado há quase


um ano, senhores, e nunca o vi acompanhado de uma mulher. Bom, ali estão
as nossas esposas e filhas, acho que seria interessante se juntar a elas, porque
o jogo já vai começar.

— Ah... claro! Tudo bem. — Ela aceita, está toda sem graça, é uma
péssima atriz, mas eu não. Antes que a sua mão solte a minha, a puxo de
volta.

— Não está esquecendo de nada, amor? — indago, deixando a jovem


chocada, de olhos arregalados. Puxo-a mais para perto e lhe dou um beijo,
grudando os nossos lábios, mas sem misturá-los e sem língua, sentindo de
novo o sabor ardente que ela tem.

— Aaah... é o amor! — brinca Claude, todos os homens sorriem para

nós, o casal do ano.

Madeleine me fuzila enquanto tem que forçar mais um sorriso e fingir


diante deles que tudo isso foi normal.

— Agora sim pode ir. Tchau, vida! — Aceno para ela, vendo-a se
afastar emputecida. — Ah, eu amo essa mulher! — comento com os irmãos.

— É visível, agora deixe o coração de lado e vamos jogar. — Cédric


põe a mão em meu ombro, sou mais alto que ele e os outros.

O empresário me apresenta a mais amigos quando entramos no campo

de grama artificial, porém Vincent fica bem longe, do outro lado no gol,
fingindo que não existo. Na partilha do time, fico no grupo de Cédric, Claude
vai jogar no time de Vincent. Garanto aos meus novos colegas que sou um
ótimo atacante e eles confiam.

O jogo começa, a bola rola pelo campo, movo-me rápido, recebendo-a


em um toque e repassando para o meu companheiro. Os primeiros dez
minutos acontecem, recebo marcação de um cara tão alto quanto eu,
desconfio que foi escolhido a dedo. Corro para a área inimiga, grito,
recebendo a bola outra vez, rápido feito um foguete. Driblo um, driblo dois,
chuto com força e acerto um gol em cheio no canto superior, atravessando o
pivete que cai humilhado no chão.

— UUUUH HUUUUU!!! — grito, erguendo os braços sorrindo, me

sentindo até um grande jogador francês, Mbappé. Todos ficam


impressionados com um gol marcado logo assim de cara com pouco tempo
de jogo, mal sabem que eu jogava bastante em Madri.

Corro para a grade, avistando Madeleine impressionada, sentada ao


lado de outras mulheres que vibram, gritam. Faço um coração com as mãos
para ela.
— Esse foi pra você, amor!! — exclamo, vendo seu queixo ir ao chão.

Olho de soslaio para Vincent que aparentemente está irritadíssimo.

Isso... vai ficando com raiva moleque, vai! O juiz apita, voltamos para o jogo.
Dessa vez sou marcado por dois caras, mas os meus pés são rápidos, muito
mais rápidos que os deles.

Por sorte, o meu colega de time também é um ótimo atleta, a bola

parece que dança quando está conosco, logo criamos uma conexão incrível.
Em um momento, chuto para Cédric, que parece ser mais jovem do que eu
com tanta disposição. A bola rola para outro e para outro até voltar para mim.
Arrisco mais um gol e acerto em cheio.

Saio correndo de braços abertos, agora me sentindo o verdadeiro


argentino, Messi. Vibro, apontando para Madeleine que agora bate palmas
com as suas novas amigas, enquanto Vincent soca o chão, enraivecido. Seu
olhar quer me destruir, mas a minha alegria o deixa ainda mais enfurecido.

Segundo tempo, eles fizeram um gol e ponho na mente que não


podemos permitir empatar. Vamos ao ataque, Cédric e todos os outros estão
muito empenhados, isso aqui está mais disputado que Copa do Mundo, eles já
confiam plenamente em mim, a bola vem com frequência e em uma dessas é
gol de novo! Vincent berra de ódio, parece que vai explodir.

— É POR VOCÊ, MEU AMOR! É POR VOCÊ, VIDA! — berro para


Madeleine, para que todos ouçam, a galera está chocada com tanto amor
desse casal exagerado. A garçonete entra na brincadeira, pulando, mandando

beijo e me dando tchauzinho, feliz da vida.

Entramos nos minutos finais do segundo tempo, Cédric também marca


um gol e no fim ganhamos de quatro a um. Ele me abraça, gritando feito uma
criança e comemorando de forma insana, dá para notar o quanto é fanático

por futebol.

Após toda a algazarra, saio do campo bem suado. Olho para o lado e
vejo Vincent me observando com um semblante maligno. Madeleine vem em
minha direção com as outras mulheres que vão ao encontro de seus parceiros,
momento em que decido dar a cartada final.

— Meu Deus, este... — não a permito terminar, a agarro de assalto


forte pela cintura, grudando os nossos corpos e lhe beijo com intensidade,
dessa vez como um casal de verdade, misturando os lábios, enroscando as

línguas.

No início, fico temendo que a garota se afaste, mas ela não o faz, pelo
contrário, me corresponde. Fecho os olhos sentindo o seu sabor ainda mais
ardente e ao mesmo tempo doce, gostoso e viciante. Nosso toque é molhado,
fervente, as nossas carnes se complementam de modo fenomenal e outra vez
tudo desaparece em volta, sobrando apenas nós dois e o calor.
Está quente. Sou muito maior que ela e tenho que me inclinar para
poder lhe beijar com furor. A coisa toma uma proporção inesperada, a aperto

mais contra o meu corpo, sentindo o quanto é macia, voluptuosa, deliciosa. A


nossa química é explosiva, abrasando ao nosso redor. O meu pau passa a
tomar vida crescendo, controlo-me ao extremo para não o roçar nela, mas sei
que provavelmente já deve estar sentindo.

Continuo a me deleitar com a sua boca. É incrível como nos


encaixamos perfeitamente bem, entramos num ritmo que envolve, numa
dança sensual que me surpreende porque por mais que eu sentisse essa
atração efusiva e inexplicável por essa menina, jamais poderia imaginar que a
realidade fosse tão saborosa e agradável.

Estamos queimando de tal forma que o meu suor parece intensificar por
dentro da camisa. Os dedos dela cravam-se em meu ombro, afundando na
pele, e os da outra mão serpenteiam a minha nuca, arrepiando-me por inteiro,

demonstrando que está cedendo, se entregando, permitindo-se e viajando


comigo nessa onda que parece arrebatar as nossas almas.

Nossos lábios fazem sexo, as testas grudam uma na outra, a


temperatura sobe além do limite, mas ainda muito longe do que necessito.
Não parece suficiente, quanto mais nos tocamos mais tenho fome, ansiedade.
De repente me torno um homem insaciável que precisa devorar tudo o que
houver dela.
Ouço vozes que me despertam do sonho pecaminoso e então afasto o
rosto, ofegante. Madeleine ofega também, arqueja. Trocamos olhares sem

entender o que está acontecendo, sem poder identificar o que é mentira ou


realidade já que era apenas para fingirmos que namoramos, contudo, esse
beijo foi mais do que real. Ultrapassou a brincadeira.

— Seu desgraçado!!! — Vincent me empurra forte com as duas mãos,

pegando-me desprevenido, vou ao chão com força total! Ele puxa Madeleine
pelo braço, violento. — Está achando que eu sou otário, sua puta?!! —
Arrasta ela, descontrolado.

— Me solta!! Me larga!! — Ela tenta se desvencilhar dele enquanto é


levada para longe feito um animal.

Levanto-me o mais rápido possível, mas antes de conseguir alcançá-los,


dois jogadores seguram o moleque que está simplesmente descontrolado de
ciúmes.

— Nunca mais toque na minha namorada, entendeu!! — Aponto o


dedo na cara dele que tenta me atacar de novo, porém os outros não deixam.

— Vincent, meu filho, o que é isso?!! — grita Cédric, indignado com a


situação.
MADELEINE FERNANDEZ

Fico chocada ao descobrir que um dos clientes de Esteban é o pai do


Vincent. Estão todos calados agora, os olhares tensos no círculo que se
formou entre mim e esse otário que xingou e puxou-me como se eu fosse a
sua propriedade.

Muito nervosa, fito o Esteban, e quando ele pisca discretamente para

mim, entendo tudo. Ele sabia sobre o vínculo sanguíneo entre pai e filho
desde o início! Mas que perspicaz, inteligente, malévolo! Agora sim consigo
compreender o real motivo de termos vindo para cá e todo aquele teatro
durante o jogo. Mas será que o nosso beijo foi apenas fingimento também?

— Vamos, Vincent! Estou esperando uma explicação! — exige Cédric,


em cólera com o filho que não para de me observar com um ódio que me dá
medo. Esteban vem para o meu lado e segura a minha mão, sinto-me
protegida com o seu toque.

— Essa garota é da minha faculdade, nós já tivemos uma relação... —

Vincent tenta se justificar, mas a minha língua está coçando e não consigo me
controlar, o interrompendo:

— Exatamente, tivemos, Vincent. Na verdade, nunca chegou a ser uma


relação e agora... — Olho para Esteban, perdendo as palavras.

— Ela tem namorado — completa. As suas palavras me dão segurança


e receios ao mesmo tempo, é difícil explicar.

— Espera aí... você conhecia o meu filho, Esteban? — Cédric se volta


para nós.

— Conheci quando fui buscar Madeleine no trabalho, momento em que


flagrei Vincent importunando ela. Eu não sabia que ele era o seu filho, Cédric
— mente, mas de forma muito convincente.

— A importunando? Mas por quê?

— Papai...

— Quero entender isso agora mesmo! — O homem exige.

— O seu filho vem me perseguindo desde que descobriu o meu


relacionamento com o Esteban, senhor Cédric. É isso que está acontecendo
— disparo, deixando a família chocada. O grupo é composto por parentes e
amigos. — Eu já disse que não quero mais nada com ele, mas Vincent ainda
parece não compreender. Outro dia ele me ameaçou, e agora isso — conto
sem medo, recebendo o apoio de Esteban que me olha com incentivo.

Vincent está de cabeça baixa, o rosto vermelho de vergonha e de raiva,


não tem argumentos para se defender, pois sabe que tudo o que saiu da minha
boca é verdade. Cédric está visivelmente decepcionado, olhando para o filho
com repulsa.

— De novo isso, Vincent? — rosna, fico abalada. Como assim “de


novo”? — Saia daqui agora mesmo, nós teremos uma conversa séria em casa!

— Papai...

— Saia agora! — ordena o homem, muito determinado. Vincent se


desvencilha com brutalidade dos rapazes que o seguram e vai embora pelas
portas mais próximas. Há um burburinho ao redor, o escândalo realmente foi
feio, porém necessário. — Acabou o transtorno pessoal, obrigado pela
presença de todos, mas já podem ir.

As pessoas começam a se dispersar, Cédric vem até nós.

— Cédric, nos desculpe, não fazíamos ideia de que o garoto era o seu
filho. Eu cheguei a vê-lo no campo, mas achei que pudéssemos levar o jogo
até o fim sem incômodos... — Esteban é um ator excelente, merece até um
Oscar por tanta cara de pau, entretanto, não consigo odiá-lo e nem tenho
motivos para isso, muito pelo contrário, estou com uma gratidão por ele sem
tamanho.

— Eu que peço desculpas a vocês, o meu filho é problemático, sempre

foi. Pago terapia para ele há anos, descobri há pouco tempo que nem mesmo
frequentava mais o psicólogo, estava me enganando. Ainda estou pasmo com
a coincidência, mas...

— Nós também!

— Porém, coincidência ou não, isso não apaga o fato que houve aqui e
que foi grave. Vincent sempre teve confusões relacionado a namoradas, por
isso sei que Madeleine está mesmo falando a verdade. Não achem que sou
aquele tipo de pai que passa a mão na cabeça do filho quando ele está errado,
porque não sou.

— Muito obrigada, senhor Cédric, obrigada de verdade — agradeço.


São poucas vezes na vida em que me senti assim... compreendida!

— Só queria pedir a vocês que não levassem isso para a justiça.

Prometo a vocês que posso controlar o meu filho a partir de agora e que
nunca mais ele irá incomodá-los.

Troco olhares com Esteban, ele é o advogado e o autor de toda essa


armadilha, preciso que me guie no que fazer.

— Cédric, além da nossa relação profissional, nós também somos


amigos. Há alguns dias Vincent está importunando a minha namorada, porém
acho que, o que houve hoje serviu para abrir os seus olhos sobre a gravidade
do que estava acontecendo. Você disse que não é a primeira vez, então isso

nos deixa um pouco inseguros, mas confio plenamente em sua palavra.

“No entanto, a mais afetada de toda essa história é a Madeleine. Preciso


que ela diga se está confortável em resolver esse problema aqui ou se prefere
tomar alguma atitude, até porque o seu filho estuda na mesma faculdade que

ela e pode facilmente...”

— Eu o retiro de lá sem problemas. — O senhor garante, fico


impressionada. Os dois homens me fitam, aguardando uma resposta. Engulo
em seco, pensando.

— Sendo assim... por mim tudo bem — afirmo, Esteban sorri, Cédric
também, mas o seu sorriso é de gratidão.

— Obrigado, senhorita. E para tentar agradecer ainda mais por sua


decisão, convido os dois para o baile beneficente que realizo todos os anos.

Esteban sabe do que estou falando, será no próximo fim de semana.

Fico boquiaberta, sem palavras.

— Ah, não sei...

— Por favor, será o meu pedido de desculpas. Prometo que não haverá
outro problema como esse.

— Prometo que iremos pensar sobre o assunto, meu amigo. Muito


obrigado pelo convite — diz Esteban, com isso fico mais aliviada.

— Tudo bem. Agora eu já vou indo. — Eles trocam apertos de mãos, o

homem se afasta.

Encaro Esteban, abrindo os lábios desacreditada, com vontade de falar


inúmeras coisas, mas ele faz sinal de silêncio, levando o indicador aos lábios.
Em seguida, me chama com o rosto para irmos embora. A sua mão não se

desgruda da minha e durante o percurso até o carro, já estou toda bagunçada


em relação aos sentimentos.

Quando finalmente o nosso toque se desfaz para que possamos entrar


no automóvel, o meu coração palpita, é uma sensação estranha, ainda não
consigo compreender o que foi real ou mentira dentro daquele clube. Era
apenas para fingirmos sermos um casal, mas em poucas horas foi muito além
disso.

Aquele beijo... por que não resisti? Por que não o empurrei, relutei? À

primeira vez, lá na Torre Eiffel, não me tocou tanto, foi um impulso, eu


estava bêbada. Mas o de hoje foi completamente diferente, nós dois
estávamos sãos, Esteban veio como um furacão para cima de mim, suado,
gigante, e com a pele quente.

A sua boca tomou a minha de forma desenfreada, senti a sua língua


perverter a minha sem dó ou piedade, ao mesmo tempo em que seus braços
longos e parrudos me cercaram, grudando os nossos corpos a ponto de me
fazer sentir o volume entre as suas pernas que desmontou todo o meu

equilíbrio.

Enquanto Esteban se inclinava para baixo, para poder me alcançar


melhor, tive que ficar na ponta dos pés para me entregar a ele. Sim... eu me
entreguei de forma inesperada, sem barreiras ou amarras. Não havia medos,

receios ou inseguranças, os seus lábios ardentes se misturando aos meus


faziam-me com que eu acreditasse que era poderosa... ilimitada.

E quando acabou... logo que ele se afastou e me olhou... senti um vazio


ruim, era como se eu necessitasse de mais e mais da sua energia máscula e
primitiva para poder respirar.

— Deu tudo certo! — A sua voz rouca me tira dos devaneios. O seu
sorriso encantador e olhos que faíscam o azul chamam a minha total atenção.
— E então, gostou? — indaga, enquanto fecha a porta do carro.

— Estou perplexa... você planejou tudo isso? Mas como...?

— Quando me disse o sobrenome do Vincent, matei a charada.


Fournier. Foi assim que ele descobriu onde trabalho, pois soube primeiro que
eu era o advogado do seu pai, Cédric Fournier. Vincent já deve ter me visto
na empresa deles, ou em qualquer outra ocasião, já que fazemos reuniões de
vez em quando — afirma contente, ligando o superesportivo e entrando na
estrada.

— Minha nossa... — Ainda é difícil acreditar. — Você é muito sagaz,

Esteban —elogio.

— Por que acha que sou advogado? Nasci para isso. E quanto ao
Cédric, ele sempre foi um homem muito respeitador, de boa moral, algo me
dizia que não iria aceitar essas barbaridades do filho. Só precisávamos

instigar o seu ex para fazer um papelão em frente ao pai e deu certo, já que
ele é mau-caráter. Gostou da minha atuação?

Engulo em seco antes de responder, reflexiva:

— Gostei. — Forço um sorriso, no fundo é difícil encarar que tudo não


passou de uma dramaturgia. — Foi bem... convincente — comento.

— Você também foi bastante convincente, Pimentinha. Acho que


formaríamos um belo casal. — Brinca, lançando-me o seu olhar irônico que
me desestrutura, porém tento disfarçar, tenho que manter o meu escudo

armado. Esteban parece não ter sentido nada demais, encarou tudo como uma
brincadeira mesmo.

— Impossível, nós não temos nada a ver um com outro, mas realmente
fizemos bonito lá no clube — afirmo respirando fundo, olhando pela janela
não querendo encarar o loiro agora, ainda estou frágil por dentro com aquele
beijo e toda a proteção que ele me passou. Foi só atuação, Madeleine, nada
além disso.

— Que tal pararmos em algum lugar para comemorar antes de eu te

devolver para a Amélie? — Propõe, fazendo-me encará-lo outra vez. Gosto


da ideia, gosto de sair com ele, me faz muito bem. Agora então, depois de ter
tirado Vincent da minha vida, Esteban conseguiu abrir os meus olhos para o
homem incrível que é.

Ele realmente se preocupou comigo após a descoberta da aposta, me


procurou, prometeu me ajudar, se redimir e conseguiu. Não foram só
palavras, foram atitudes.

— Por mim tudo bem, ainda está cedo. — Olho o relógio, ainda falta
uma hora para o sol começar a se pôr.

Dessa vez Esteban me leva para o Paname Brewing Company, um bar-


restaurante na região nordeste de Paris. Ficamos no terraço ensolarado, o qual
surpreende por ser praticamente uma jangada flutuando pelas águas do canal

Quai de La Loire, onde o estabelecimento está localizado.

Sentamos em uma mesinha de madeira para dois, defronte para o


belíssimo rio de águas verdes. O vento sopra ameno sobre nós, a cervejaria
está lotada de gente jovem e bonita, Esteban avisa que aqui temos que fazer
os pedidos no balcão, momento em que levanta para ir até lá fazê-lo. O deixo
escolher o cardápio, confio no seu paladar, além de quê, nunca vim aqui e
fico indecisa com tanta variedade.

Após sermos servidos com deliciosas cervejas artesanais e carne de

churrasco acompanhada com molhos e batatas fritas de impressionar,


comento:

— Nossa, que lugar fenomenal!

— Ainda não conhecia? — indaga, após beber mais um pouco do seu


Chopp.

— Não. Não sei se notou, moro em Paris, porém quase não tenho vida
social.

— Sim, notei. Está perdendo bastante, essa cidade é maravilhosa.

— Sei disso, só que ainda estou na fase pobre estudante de fisioterapia.


Depois que eu estiver formada será bem diferente. Pelo menos espero por
isso.

— Ah, é? Como se vê daqui há uns anos, já que está bem perto de se


formar?

Paro um pouco, pensando.

— Me vejo... com a minha própria casa — conto, imaginando.

— Prefere casa a apartamento? — Esteban está curioso.

— Prefiro. Nada contra apartamento, mas uma casa com paredes de


vidro, com uma bela vista da varanda e um lindo gramado no quintal para que

os meus filhos corram.

— Ah, pretende ter filhos, então? — Se surpreende.

— É uma ideia ao meu ver meio impossível, mas já que está


perguntando... sim.

— Por que impossível?

— Porque sim — corto-o, educadamente.

— E o quê mais? — Ele me instiga a continuar.

— Me vejo uma fisioterapeuta renomada, que é procurada, sabe?


Elogiada quando chega nos locais, assim como aconteceu contigo hoje no
clube.

— Sei.

— Ai, acho isso muito... incrível!

— Você é incrível, Madeleine. E tenho certeza que realizará todos os


seus sonhos — Esteban fala sério, sem nenhum tom de brincadeira,
admirando-me profundamente com os seus belos olhos de tal forma que me
faz arrepiar. Engulo em seco, fugindo do seu contato, analisando o meu prato
já abandonado. — Hoje não vale ficar bêbada, hein —. Faz piada, quebrando
o clima.
— Não... — Sorrio, sem graça. — Mas se continuar me levando a
ótimos lugares assim, vai me deixar mais obesa do que já sou. — Brinco.

— Você se acha obesa? — chama a minha atenção com a sua pergunta.


Fito-o sem palavras imediatamente e como não o respondo, o advogado
continua. — Você se acha obesa ou pessoas como o seu chefe te fizeram
pensar assim?

Suspiro, estou me sentindo posta contra parede.

— Bem, qualquer um que me olhe vai notar que sou acima do peso —
digo, sem encará-lo, bebendo um pouco.

— Mas quem disse que você é acima do peso? Ser ou não acima do
peso na minha opinião é uma ideia, uma opinião formada, muitas vezes um
julgamento. O que o seu chefe fazia com você se chama gordofobia...

— Em Paris é uma ideia concretizada e amplamente inserida na cultura.


E não estou falando da boca para fora, leia o livro “Não Se Nasce Gorda” da

Gabrielle Deydier. Olhe ao redor agora, quantos gordos além de mim vê


aqui? — Esteban faz o que digo meio receoso, e não encontra mais ninguém.
— Ser gordo é ser pobre na França. Viver em Paris é muito caro e como
todas as estruturas urbanas aqui não encaixam pessoas como nós, vivemos
mais em casa, morando nas periferias.

“Sofremos muito preconceito, porque o nosso país é mundialmente


conhecido por mulheres de silhueta naturalmente fina, o que não deixa de ser
uma verdade, já que há estatísticas europeias que mostram que as parisienses

são as mais magras da Europa. Porém, essa ideia de que a nossa cidade
somente comporta gente magra é falsa. Pode ser verdade, talvez, entre
pessoas de alto poder aquisitivo, onde raramente há problemas com peso.

Você deve ter se perguntado por que eu permito que o meu chefe fale

daquele jeito comigo. Sabe quantos nãos recebi em entrevistas de emprego


antes de trabalhar no Le Loup? Inúmeras. Teve uma mulher que chegou a
dizer que na loja dela não havia uniforme para o meu tamanho. E olha que...
sendo sincera, não me acho tão gorda assim, mas já me falaram tanto isso...”

— Que você acreditou — completa, com uma das mãos sob o queixo,
observando-me.

Sinto vontade de chorar, mas me controlo, contudo, a minha voz ainda


sai frágil:

— Por que acha que sempre fui desconfiada quanto às suas intenções?
Porque sempre o observei no bar, assisti as mulheres com quem paquerava,
eram todas parisienses modelos, de acordo com os padrões sociais. Eu não
estou dentro do seu padrão, Esteban.

Ele fica calado, baixando os olhos com tristeza, pensativo. Enxugo os


olhos com as costas das mãos, antes que o meu rosto fique molhado.
— Mas está tudo bem... já estou acostumada. O importante é que
agora... você provou ser um cara excelente. — Recebo o seu olhar outra vez.

— Estou imensamente grata pelo que fez hoje por mim, Esteban e..., eu te
perdoo... de todo coração. — A lágrima vem, não consigo segurar.

— Consegui a minha redenção, então? — pergunta, esticando um


sorriso singelo.

— Aham... — confirmo, tentando me recompor. Respiro fundo e bebo


mais um pouco. — Ah, desculpe, que vergonha.

— Está tudo bem, Madeleine. Está tudo bem — afirma.

— Naquele dia, vomitei e hoje estou chorando. — Sorrio, me sentindo


mais leve por desabafar um pouco da minha dor.

— Estar comigo é assim, baby. Uma montanha russa de emoções.

— Ah, voltou o convencido!

Gargalhamos como bons e velhos amigos. O tempo passa, nos


empanturramos de comida, bebemos, dialogamos, sorrimos muito mais,
curtimos o espetacular pôr do sol em frente ao rio e enfim ele para com o
carro na portaria do prédio de Amélie.

— Você pode não admitir... — comento, um pouco tonta, sentindo o


álcool em meu corpo enquanto retiro o cinto de segurança. — Mas é um
cafajeste muito romântico.
— Você pode não admitir..., mas é uma pimentinha muito doce. —
Pisca para mim, de olhos marejados da bebida.

— Foi ótimo te conhecer, Esteban — despeço, sentindo uma dor no


peito.

— Foi ótimo te conhecer, Madeleine. — Ele segura a minha mão e


aperta com carinho, fico aflita, não queria ir, mas abro a porta.

— Madeleine...

— Oi. — Viro-me para ele, esperançosa, nem sei o que estou


esperando.

Esteban entreabre os lábios, olhando-me profundamente sem saber o


que dizer, entretanto, por fim pergunta:

— E... o seu irmão? — Certamente não era isso que eu esperava ouvir,
mas me agrada da mesma forma. Me derreto inteira por dentro por lembrar do

Timothée.

— Ah..., esqueci de te falar, ele fez um desenho para você, te


transformou em uma borboleta.

— Uma borboleta? — Ergue as sobrancelhas.

— A borboleta que ele estava perseguindo na ponte que causou aquele


acidente do qual você nos salvou. — Sorrio. — Por algum motivo, ele te
associou a ela. Isso significa que o Tim gostou de você.
— Que gracinha, ele. Depois quero esse desenho, viu — avisa, sorrindo
encantador.

— Certo, qualquer dia. — Não quero criar expectativas.

— Qualquer dia — afirma, agora sério.

Esteban não pede para eu ficar, eu não peço para ele não ir, e assim

termina o nosso dia, o nosso contato para sempre. Sei que não nos
encontraremos mais, posso sentir.

Vejo-o se afastar em seu carro após ter cumprido o que prometeu.


Suspiro devastada, com os sentimentos à flor da pele, incompreensíveis,
explodindo. Quando Amélie abre a porta do seu apartamento e vê o meu
estado sensível, pergunta preocupada:

— O que houve dessa vez?

— Estou apaixonada por Esteban — admito, ela fica boquiaberta.


MADELEINE FERNANDEZ

A semana passa devagar, na verdade parece se arrastar e, pela primeira


vez em muito tempo, não me sinto tão enfadonha no Le Loup. Maurice
mudou da água para o vinho após a pressão que Esteban deu nele, agora fala
comigo apenas o necessário e de forma educada.

Esteban... nunca mais o vi depois do clube, ele não frequentou mais o

bar esses dias, até seus amigos vieram, mas ele não. Confesso que de vez em
quando miro a mesa em que sempre costuma ficar, o procurando e, quebro as
expectativas quando não o encontro. Por outro lado, sou consciente de que
seria melhor que nunca mais nos víssemos, pois depois daquele beijo fiquei
muito mexida e sonhei com ele a semana inteira.

Não quero me apaixonar, me encantar ou envolver. A sua outra face


revelada no dia do jogo fez meu coração bater tão forte que era capaz de ser
ouvido por qualquer um que chegasse perto de mim. Ele e eu nunca daríamos
certo, isso ficou evidente na nossa última conversa.

A notícia boa é que Vincent também não deu mais as caras, me deixou
em paz e foi transferido de faculdade como o seu pai prometeu, esse era o
burburinho da semana entre os corredores da instituição. Isso me deixou
muito aliviada e segura.

No sábado de manhã, estou em casa assistindo vídeos no YouTube de


curiosidades sobre grandes artistas da história com Timothée, pois ele ama
esse universo. Estamos sentados lado a lado no sofá, papai e mamãe
trabalham na cozinha, o cheiro de comida boa paira pelo ar. Quando o meu
celular toca, então atendo.

— Oi, amiga! — Sorrio, adoro quando Amélie me liga.

— Você precisa vir aqui em casa urgente! — A voz dela está tão
animada que me enche de curiosidade imediatamente, fazendo-me até

levantar e caminhar até o meu quarto para não ser ouvida por ninguém. — O
que houve? — sussurro.

— É uma surpresa! Uma surpresa boa, Mad! Corre aqui agora!! —


grita, gargalhando.

— Não me deixa descobrir só quando chegar aí, eu prometi que


cuidaria do Tim hoje, meus pais estão super atolados na cozinha!
— Dê seu jeito, não vou contar nada! Beijos! — Desliga na minha cara,
fico louca!

Tomo banho e troco de roupa num piscar de olhos. Pego a minha bolsa
de lado e caminho até a cozinha, recebendo o olhar desconfiado da minha
mãe logo de cara.

— Para onde pensa que vai? — pergunta, enquanto mexe uma colher

enorme em um tacho sobre o fogão. Papai está preparando todas as


quentinhas dentro de depósitos de isopor sobre a mesa.

— Comprar balinhas para o Tim, ele está pedindo — minto, mas o


senhor Nicollas rapidamente percebe que estou mentindo.

— Desnecessário — afirma dona Martina, fico nervosa, não sei mentir


direito.

— Ah... ele estava mesmo pedindo. Vá..., mas não demore. — Ele
ergue a sobrancelha, permitindo que eu saia e passando por cima da voz de

mamãe que o olha desgostosa.

— Certo. — Sorrio, saindo de casa mais rápida que a velocidade da luz


após me despedir de Tim que mal me dá atenção, só se interessa pelo que vê
na tevê.

Meia hora mais tarde, sou recebida ao gritos e pulos de Amélie que
parece uma louca eufórica.
— O que está acontecendo?! — pergunto, ansiosa.

— Olha!! — Me mostra uma caixa preta e grande presa por um laço

vermelho sobre a sua mesa da sala. — Chegou para você! Acho que é do
gostoso de olhos azuis! O advogato!

— Sério? — pergunto incrédula, caminhando depressa até o presente e


abrindo a o bilhete na parte superior, preso à fita que diz:

Não esqueça que temos um baile para ir hoje à noite, Madeleine.

Espero que goste do presente. Te busco às 22h.

Atte. Seu cafajeste romântico.

— E então, é dele mesmo? Do Esteban? — Amélie está louca, eu estou


pasma!

— Sim... — A minha voz falta não sair, não consigo acreditar.

— Que história de baile é essa que não em contou? Como assim um


baile, gente?!

— Ele disse seu... você viu? — indago, para ter certeza de que não
estou ficando louca.

— Sim, seu cafajeste romântico. Ai, Deus... agora vai! Ele vai te
comer!! —exclama, abrindo os braços, sorrindo de orelha a orelha. —

Vamos, abre a caixa! Vamos! — incentiva.

Pisco tentando raciocinar, desfaço o laço, retiro a tampa, pego o


embrulho perfeito, abro-o e encontro o luxuoso vestido preto de cetim, na
minha medida. Meu queixo vai ao chão, Amélie tapa a boca com as mãos,
esbugalhando os olhos.

— ELE VAI TE COMER MUITO, MEU DEUS!!! — Saltita


desvairada, pior que criança. Nem consigo contestá-la.

Ponho o vestido sobre o meu corpo, notando que ficará perfeito em


mim.

— Mas como ele conseguiu...? — pergunto, bestificada. Esteban


acertou o meu manequim.

— Se tem um vestido, deve ter os sapatos! — Amélie investiga a caixa,


retirando um par de scarpins fantásticos e por último um estojo de joias,

preto e aveludado. Ficamos tão chocadas que não conseguimos falar, apenas
trocamos olhares incrédulos.

Ela me entrega o objeto, abro o estojo vagarosamente, encontrando um


colar precioso com um pingente de borboleta. Acho que é ouro branco.
Lindo!

— Ele vai te comer até desmaiar — Amélie afirma, séria dessa vez
— Eu não posso acreditar... achei que nunca mais iríamos nos ver —
comento.

— Pois estava muito enganada, pelo visto. Esteban quer você,


Madeleine e você vai a esse baile quer queira...

— Eu vou! — Sorrio, feliz. — Eu vou! — O meu coração grita por


isso.

— É isso aí garota!

Fazemos um high-five. Está decidido! Ligo para o meu pai, preciso


passar por essa prova de fogo.

— Você só vai dormir fora de casa hoje se me disser a verdade,


mocinha! — Ele exige, do outro lado do telefone. — O que está
acontecendo? Antes você não saía de casa, e agora é todo fim de semana.
Quem é o rapaz?

— O quê? — Surpreendo-me com a pergunta, não estou preparada para


dizer. Amélie, que está ouvindo tudo porque coloquei a ligação no alto
falante, cochicha para que eu conte logo.

— Quem é ele, Amélie? Ou será... que é ela? — As últimas palavras


saem com medo.

— Não, pai! Nada contra, mas gosto de homens. É um cara que eu


conheci, ele me convidou para sair e não posso recusar, pai! Por favor, me
ajude com a mamãe, por favor! — imploro.

— Você gosta dele?

Levo alguns segundos para responder, mas respondo:

— Sim.

— Então ‘tá’ bom. Divirta-se e cuidado. Use preservativo!

— Ai, pai... que vergonha! — Estou muito tímida com essa conversa
sincera entre a gente.

— Não vá engravidar, minha filha. Pelo amor de Deus!

— Pai, confia em mim. Beijos, tchau. Te amo.

— Te amo muito mais! — declara, então encerro a ligação.

— Vamos começar o SPA, baby! — avisa Amélie, e dessa vez não


replico.

Quando chega à noite, estou me olhando impecável em frente ao

espelho, no fantástico e longo vestido. Amélie alisou os meus cabelos que


agora estão maiores e brilhosos. Novamente estou de unhas postiças, a
maquiagem perfeita.

— Nunca me senti tão maravilhosa — comento, amando-me.

— Eu deveria abrir um salão de beleza, acho que iria enricar —


comenta a minha melhor amiga, observando o meu reflexo ao meu lado. —
Perfeita Mad..., simplesmente perfeita! Deusa. Mas ainda falta o toque final.

— Pega o colar no estojo e se posiciona às minhas costas, pondo-o em meu

pescoço assim que ergo as minhas mechas para lhe dar espaço. — Por que
uma borboleta? Achei tão fofo.

— Por causa do Tim... Esteban realmente é um fofo mesmo. — Sorrio,


contemplando o lindo batom em meus lábios.

— O Tim?

— É uma longa história, depois te explico.

— Depois mesmo, que Esteban já deve estar chegando.

Ouvimos o meu celular apitar em cima da cama. É ele! Vejo sua


mensagem avisando que está lá embaixo, então desço com Amélie. Despeço-
me da minha amiga no portão, dirijo-me até o superesportivo, onde Esteban
vem me receber como um deus grego caído na Terra.

Ele usa um smoking cinza-chumbo com colete na mesma cor e gravata


borboleta preta, sapatos italianos pretos que brilham, o cabelo dourado
penteado para trás de modo uniforme e impecável. O seu perfume é como
uma lufada de ar enfeitiçada, que me hipnotiza na sua imagem e me deixa
absolutamente louca!

Nossos olhos se encontram de modo impactante, suas pupilas me


vistoriam de cima a baixo, com desejo, com fogo. Seu olhar penetrante
parece enxergar a minha alma, queimar a minha pele. Ele segura a minha
mão e beija como se fosse um príncipe.

— Deslumbrante, baby. Você está deslumbrante. — Sorrio,


maravilhada.

— O que significa tudo isso, Esteban? — pergunto.

— Cédric me ligou insistindo para que eu fosse ao baile. A primeira


pessoa que lembrei para me acompanhar, foi você — afirma, sorrindo
charmoso.

— Mais algumas horas como a sua namorada de mentira?

— Quem sabe a noite toda. — Sinto ironia na sua voz, que me causa
um calor absurdo entre as pernas.

Ele me guia até o carro e quase perco o ar quando ficamos novamente


dentro do espaço apertado. Tem um clima rolando, uma química

incontestável entre a gente, mas não quero e não devo me precipitar. Porém,
se Esteban investir, sei que dessa vez irei ceder! Sei que dessa vez estarei
perdida eternamente.

A viagem até a grande e luxuosa mansão onde o baile está acontecendo


é tranquila, quase não trocamos informações. Esteban para o carro em frente
à entrada que está cheia de fotógrafos, parece até o dia das celebridades. Ele
nos identifica pela janela, os portões são abertos, então passamos.
Levamos alguns minutos pela extensa propriedade até atingirmos o
ponto onde iremos descer. Estacionamos próximo ao jardim onde acontece o

evento. Esteban desce do automóvel e abre a porta para mim, tomando-me


pela mão.

— Está pronta? — Olha no fundo dos meus olhos.

— Sim — respondo, confiante.


ESTEBAN JAVIER

Estou com a mulher que não saiu dos meus pensamentos a semana
inteira. Eu não podia convidar outra pessoa para essa festa, tinha que ser ela.
Madeleine, a doce jovem mais encantadora que já conheci.

Uma parte de mim grita afirmando que estou fazendo errado, que ela é
jovem demais para mim, mas a outra é mais poderosa que um imã, uma força

incomum e indescritível, magnética, que faz eu querer ficar ao seu lado,


principalmente depois daquele beijo que demos no clube.

Confesso que quis me afastar da garçonete depois daquele dia, que


evitei ir ao Le Loup, evitei vê-la ou mandar alguma mensagem, mas o gosto
dos seus lábios não me abandonou, o calor do seu corpo grudado ao meu não
parou de arder, pelo contrário, ficou latejando, me lembrando, me
endurecendo, entorpecendo.
Quando Cédric ligou ontem, avisando sobre ter cumprido a sua parte do
acordo e afastado Vincent da faculdade, relembrou do convite que fez a mim

e a ela sobre o seu baile beneficente. Até neguei, mas o homem insistiu,
queria ter certeza que havia selado a paz entre a gente e me utilizei disso para
ficar ao lado de Madeleine outra vez.

Planejei tudo, comprei o que sei que ela iria precisar para um evento

deste porte e agora estamos de mãos dadas, lado a lado, juntos, caminhamos
pelo tapete vermelho sob um céu estrelado rumo ao enorme e incrível jardim
da luxuosa mansão Fournier, onde há vários convidados da alta sociedade.

A ornamentação da festa está gloriosa, um verdadeiro baile de gala com


tons claros predominando, as mesas dispostas sobre o gramado, a enorme
piscina reluzente com balões, uma banda tocando música francesa sobre um
tablado em um canto, e garçons atendendo por todos os lados.

— Ai... estou tremendo, nunca vim a um evento tão chique assim —

sussurra Madeleine, ela fica ainda mais linda nervosa. Hoje, em especial, está
mesmo deslumbrante, a minha escolha do vestido foi certeira, todo o look
caiu de forma impressionante em seu corpo, como imaginei.

— Não solte a minha mão, eu te guiarei. — Pisco para ela, tentando lhe
passar segurança.

Uma moça nos atende, levando-nos até a nossa mesa, mas antes que
possamos nos sentar, Cédric aparece em seu smoking preto, um senhor muito
bem apresentável.

— Olha só, o lindo casal chegou. Sejam bem-vindos — nos


cumprimentamos, ele realmente está contente em nos ver. — Senhorita, você
está divina.

— Ah, obrigada, senhor Fournier — Madeleine agradece, sorridente.

— Espero que se divirtam no nosso baile. No início é um pouco chato,


muito falatório, também teremos o leilão, mas depois vem a festa
propriamente dita com música boa. Gostam de Il Divo?

— Ah, sou apaixonada!!

— Eles cantarão hoje aqui.

— Sério? — Até eu fico surpreso. — Que incrível. — Troco olhares


com a acadêmica de fisioterapia que fica boquiaberta.

— Seríssimo, todos os anos trazemos uma banda diferente, e todas


famosas. Bem, agora tenho que ir. Estou logo ali, naquela mesa. Qualquer
coisa, só chamar — afirma, se afastando.

— Ele é um doce, não é? Bem diferente do filho — afirma Madeleine,


puxando a cadeira e sentando-se. Sento-me defronte para ela. — Falando no
Vincent, será que ele está aqui?

— Não sei, é bem provável que sim, mas mesmo que esteja, não irá nos
importunar. Cédric sempre foi um cliente de palavra, confiável — informo,
para tranquilizá-la.

— Ele faz o quê mesmo da vida? Sempre soube que Vincent era rico,
mas nunca me interessei em pesquisar da onde vinha a fonte de riqueza da
sua família.

— É um executivo da publicidade, trabalha com marcas muito famosas,

como Heineken, Victoria’s Secret.

— Uau... agora não entendo por que Vincent quis ser médico.

— Deve ter puxado à mãe, que é diretora de um hospital, já advoguei


para ela também. É aquela ao lado de Cédric, estava contigo na arquibancada
do clube.

— Sim, estou reconhecendo. Meu Deus... até ela presenciou o


escândalo, agora estou com vergonha de estar aqui — confessa.

— Não tenha, eles são muito evoluídos, sabem que o filho estava
errado e que não é a primeira vez que apronta. Quando um mesmo fato se
repete sempre, não tem mais como passar a mão na cabeça do moleque. —
Sorrio com tristeza, sabendo que um dia já fui esse jovem rebelde. A ovelha
negra.

— Você é muito acostumado a viver neste meio, não é? — indaga,


curiosa.
— Está se referindo...?

— A essas pessoas de alto padrão.

— Sim, desde pequeno. A minha família em Madri é muito rica,


poderosa — conto.

— A que família pertence? Aliás, qual é o seu sobrenome, Esteban?

Nunca o disse.

— E prefiro não dizer, não gosto que saibam — revelo. Madeleine não
pergunta, mas o seu semblante imprime um claro “por quê”? — Não gosto de
ter a minha imagem profissional relacionada a eles, não quero que digam que
estou hoje onde estou por causa do meu sangue, entende?

— Ah sim, entendo muito bem e concordo. — Ela me faz sorrir.

— Evito o máximo falar.

Um garçom vem até nós, somos servidos com taças de champanhe.

Ergo a minha para ela, então fazemos um brinde.

— Você está me levando para o mau caminho. Estou bebendo contigo


o que não bebi o ano passado inteiro — comenta, os seus olhos verdes me
observando com ternura, inocência. É encantador. — Se minha mãe
descobrir, me mata. — Ao invés de me sentir incomodado com a sua
inocência, sinto-me ainda mais atraído. Isso jamais aconteceu antes. Sempre
me interessei por mulheres mais experiente, independentes.
— E o seu sobrenome? — Quero saber.

— Madeleine Armand Fernandez. — O sotaque dela é demais, uma

mistura de francês com espanhol, mais leve que o meu.

— Armand francês e Fernandez espanhol.

— Isso. Meu pai é francês, a minha mãe espanhola. Já te contei a minha

história. Agora posso te fazer uma pergunta?

— Todas que quiser.

— Qual a sua idade?

— Trinta e sete.

Ela fica boquiaberta.

— Estou chocada, não parece. Não parece mesmo. Parece ter uns trinta.
Acho que fiz essa pergunta tarde demais. — Pensa alto e dá um gole na taça.

— Tarde demais por quê? — A deixo sem palavras, estou curioso, mas

acho que já sei o que quis dizer.

— Nada... falei besteira. — Tenta disfarçar, mas não consegue. Sei que
Madeleine sente a mesma atração que sinto por ela. Essa coisa que não
deveríamos sentir, mas que sentimos.

Ficamos em silêncio, ela evita olhar diretamente em meus olhos agora.


Claude se aproxima e nos cumprimenta, sorrindo. Nos apresenta a sua esposa
e filha adolescente, e me chama para falar sobre negócios rapidamente. Peço

licença à Madeleine e vou com ele para um canto do gramado, distante das

mesas.

Quando terminamos, sigo rumo à minha acompanhante que está


sozinha, à minha espera, até que uma mulher com um vestido vermelho
incrível entra em minha frente. Ela é belíssima e me olha como se me

conhecesse.

— Não acredito... é você! — afirma, sorrindo. Ela é linda, magra, alta.

— É... sou eu. — Sorrio, sem graça. Não sei quem é.

— Não se lembra de mim, não é? Sou Catherine, a mulher que você


abordou no Le Loup, no dia em que uma garçonete maluca esbarrou em mim
e molhou o meu vestido.

Reflito um pouco, lembrando do incidente e recordando também que


era Madeleine a tal garçonete, que até xingou Catherine em espanhol. Até

agora, ainda não havia me dado conta disso! Caralho...

— Ah, lembrei! Olá, Catherine, tudo bem? — cumprimento.

— Tudo bem... Esteban! Acertei?

— Sim, acertou. — Sorrio, para tentar aliviar o clima.

— Está acompanhado? — Ela é direta.


— Estou. — Fico sério.

— Ah, então tudo bem. Foi um prazer. — Se despede, trocamos

beijinhos nas bochechas.

— O prazer foi meu — afirmo, então nos afastamos. Retorno para o


meu lugar na mesa, onde Madeleine fita o palco com uma expressão séria.
Pigarreio. — Sabe quem é aquela que acabou de falar comigo?

— Não faço a mínima ideia. — Me olha fazendo bico, de quem não


sabe. Esses lábios acendem uma chama dentro de mim, porém me controlo.

— A mulher que esbarrou em você e ficou com o vestido todo molhado


no Le Loup. Lembro que inclusive você a xingou de cadela em espanhol. —
Sorrio, não revelando que só lembrei disso agora.

— Sério? — Madeleine fica chocada. — Não acredito que ela está


aqui!

— Deve fazer parte de alguma das empresas envolvidas ou da própria


empresa de Cédric. Essa Paris às vezes é pequena.

— Concordo. Hmm... acho que vai começar o leilão. — Fita o palco


onde Cédric se posiciona ao lado do irmão.

Ambos começam a discursar sobre o baile, o prazer que é ter todos aqui
por mais um ano e por fim, dão lugar para o celebrante realizar o leilão de
vários objetos e peças caras, algumas artísticas entre outras, em prol das
instituições carentes as quais serão destinado o dinheiro arrecadado nesta
noite.

A dinâmica do leilão toma início, os convidados se divertem, algumas


coisas são bem disputadas, quase nada me interessa, chego a dar alguns
lances, fazendo Madeleine rir, porém prefiro não arrematar nada. No fim,
todos aplaudem o que foi um verdadeiro espetáculo.

— Ai, Deus... é agora... Il Divo! Nem posso acreditar, Esteban! —


comenta Madeleine, respirando descompassada após anunciarem o show dos
quatro grandes tenores.

— Confesso que também estou ansioso, já faz tempo que não assisto a
um show deles — comento, mirando o palco que é preparado para receber o
grupo de sucesso.

— Já assistiu a um show deles?

— A vários, tenho até foto com o Carlos Marín, o nosso representante

espanhol.

— O mais lindo dos quatro, o mais charmoso!! — afirma, toda


apaixonada, fazendo-me rir.

O show tem início e a comoção do público é fantástica. O poderoso Il


Divo mostra o porquê é um sucesso mundial, com as quatro vozes masculinas
mais do que românticas, entoando inúmeras canções de arrebatar a alma.
Assisto tudo com Madeleine, que está derretida, fica claro que nunca viveu
uma experiência assim, e já até chorou de emoção.

Todos aplaudimos a música que eles acabam de apresentar, até que um


dos cantores afirma que quer ver casais dançando na próxima canção, o que
faz os convidados riem e se empolgam com a ideia. Troco olhares com a
garçonete, que diz:

— Se eu fosse você, convidava ela. — Aponta com o rosto para


Catherine, que está me observando de outra mesa. — A mulher não parou de
te olhar durante todo este tempo.

— Acha que eu deveria convidá-la para dançar? — indago, querendo


saber o que Madeleine tem a dizer.

— Acho... que sim. — Sua voz falha. — Ainda não cumprimos a


minha parte do acordo, não é? Encontrar uma namorada para você, lembra?

Surpreendo-me por ela recordar disso.

— Ah, é verdade. Então acha que Catherine combinaria comigo? — A


testo, sei que no fundo não quer isso.

— Ah, ela se chama Catherine. Bem... conhecendo o seu estilo, creio


que sim. Acho que vocês formariam um lindo casal. — Não está feliz em
dizer isso, posso sentir, mesmo assim, diz.

A banda começa a tocar, os casais se posicionam na pista de dança, e


rapidamente conheço a canção que será cantada, Solo Outra Vez, a mais bela
de todas que o grupo interpreta, na minha opinião.

— E se hoje eu quiser mudar de estilo? — indago, pegando-a de


surpresa.

— O quê? — Ela ergue as sobrancelhas, me olhando sem entender.

— Não quero dançar com ela, Madeleine. Quero dançar com você.

Levanto-me, indo até ela e lhe oferecendo a mão no instante em que


começam a cantar:

Quise volar

Y conoci la soledad

Jugue al amor sin entregar

Sin esperar

Madeleine suspira, trocamos um olhar profundo que diz milhares de


coisas, expressa infindáveis sentimentos que não sei definir. Ela aceita o meu
convite, junta a sua palma à minha e nos reunimos aos outros casais na pista.
Seguro em sua cintura, a mão livre dela pousa em meu ombro, nossos corpos
se unem, então começamos a dançar.
Salgo a buscar

Alguna huella, una senal

Hacer mi sueno realidad

Poder amar

Sinto o seu calor, os nossos rostos atentos um ao outro e a nada mais. A


conduzo, bailando no ritmo lento e fascinante da incrível canção que
transforma este momento no mais sublime possível, talvez o melhor que já
vivi em toda minha vida.

Solo otra vez

No se vivir

Solo otra vez

Sin amor

Rodamos juntos em silêncio, permitindo que o som embale os nossos


passos, o nosso contato que parece único, especial, sem igual. Há uma magia
que nos circunda, é como se estivéssemos em um sonho do qual não
queremos acordar.

— Sabe por que o grupo canta a maioria das canções em espanhol? —

sussurro em seu ouvido, sentindo o seu perfume que tanto gosto.

— Não... — responde.

— Porque eles dizem que o espanhol é a língua do romantismo —

informo, com a voz rouca e então, não podendo mais resistir, acaricio o seu
pescoço com a ponta do meu nariz, fechando os olhos, aspirando esse odor
que me deixa louco. — Adoro o seu perfume, Madeleine — declaro.

— Esteban...

— Não consegui tirar você da cabeça durante todos esses dias —


afirmo sincero, convicto. Preciso botar para fora, a sua mão aperta mais a
minha. — Não consigo esquecer aquele beijo.

— Por favor, não podemos... — Ela fecha os olhos, lutando contra os

próprios desejos, assim como eu.

— Sei que não, tenho trinta e sete anos, você apenas vinte e um. Você é
tão novinha para mim, mesmo assim, de uma forma inexplicável eu te desejo.

— Não é a diferença de idade entre nós que me incomoda, é todo o


resto, não somos... — A sua voz falha, as palavras se perdendo. Ela respira
fundo, encarando-me, engolindo em seco.

Fito os seus lábios com um desejo absurdo que não consigo controlar e
a beijo. Madeleine se entrega outra vez, permitindo-me tocá-la, as nossas
carnes em contato, as línguas se fundindo de forma avassaladora como se

precisássemos disso para sobreviver. É uma necessidade que faz meu pau
acordar instantaneamente e queimar dentro da calça.

Devoro-a, cada vez mais intenso, quando sinto os seus dedos roçando
na minha nuca como na primeira vez, um arrepio gostoso, todos os meus

músculos latejando com a energia que transpassamos um para o outro.


Preciso de mais, muito mais, porém agora não tenho como conseguir aqui tão
exposto.

Afastamos os rostos no instante em que todos aplaudem o grupo que


terminou a canção sem que percebêssemos. O tempo voou na imensidão do
nosso beijo, que sempre me traz essa sensação de ser maior e mais poderoso
que tudo.

Troco olhares com a garçonete que hoje se tornou uma princesa. Sei

que estou no comando, então posso fazer de tudo. Puxo-a pela mão,
aproveitando a distração do público para nos afastar o máximo possível de
todos. Nos embrenhamos pelo imenso jardim, seguindo pela lateral da
mansão, indo para os fundos onde não avisto movimento algum.
ESTEBAN JAVIER

Em um momento, até corremos um pouco, lembrando dois


adolescentes, uma adrenalina emocionante percorrendo por meu ser e
sacudindo tudo por dentro, a sensação de praticar o proibido excitando,
abrasando, nos fazendo esquecer das possíveis consequências. Paramos
quando enfim encontro um lugar discreto, uma viela entre os muros altos da
casa que está escuro. Perfeito!

Ouço a respiração ofegante da jovem quando, sem falar mais nada, a


encosto contra parede e tomo a sua boca outra vez, agora com fogo e paixão.
As minhas mãos desesperadas levantam o seu vestido, apalpando feroz a sua
bunda redonda, macia e grande. Madeleine puxa o meu rosto para o seu,
nossos lábios comendo uns aos outros, vorazes e desenfreados.

O fogo se alastra entre nós sem controle, inflamável. A puxo para mim
pela bunda, grudando os nossos corpos, abrindo as suas nádegas ao meio com
as duas mãos, afundando os dedos na sua carne fofa e gostosa, que queima.

— Ooh... — Seu gemidinho bate contra a minha língua, lateja a cabeça


do meu pau que se espreme contra as vestes que o prendem, quase rasgando
tudo, pedindo clemência para sair, se libertar.

Arrasto a língua pelo seu pescoço cheiroso como um felino, um animal

selvagem fora da jaula, disposto a tudo para saciar a sua fome! Mordisco a
sua pele ao mesmo tempo em que as suas unhas roçam por meu couro
cabeludo, bagunçando todos os fios, me tirando do prumo.

Chupo a sua orelha, a língua capturando o seu gosto e incitando o


lóbulo, meus dedos transpassam o cós da sua calcinha, ameaçando rasgá-la,
contudo, Madeleine segura as minhas palmas por sobre o vestido, impedindo-
me, impondo limite. Isso não me faz parar, mas apenas mudar de tática, estou
sedento demais para desistir agora.

Volto a beijá-la e puxo as alças do seu vestido que escorregam livre por
seus ombros. Faço isso devagar, dando tempo a ela de revidar, mas não
revida. Abaixo o seu decote, Madeleine está sem sutiã e fico ainda mais
entorpecido com isso. Apesar da pouca claridade, consigo ver o desenho dos
seus seios avantajados em forma de gota. Troco olhares com ela, ambas as
respirações saindo tremidas. Abocanho o mamilo direito, atacando-o ávido,
libertino!

— Aaah... — geme alto, bagunçando os meus cabelos novamente e

arranhando a minha nuca, alucinando, pegando fogo junto comigo, se


deixando queimar e sendo queimada nessa fogueira flamejante que criamos.

Sugo a sua carne, mordo, resvalo os dentes, sendo golpeado pela libido,
açoitado pela saliência e me tornando um homem incontrolável, doido para

foder essa mulher. Sugo o bico entumecido, brincando com ele entre os
lábios, pincelando a ponta da língua ligeiro, predador, causando-lhe arrepios,
arrancando-lhe mais gemidos e suspiros

Ataco o outro mamando, sorvendo a pele delicada, me satisfazendo,


afundando em mais plena luxúria sem querer sair, me rendendo ao seu corpo,
a essa nossa aura afrodisíaca. Aperto cada seio com as mãos, ao mesmo
tempo, rosnando e respirando forte, buscando por mais, arrebatado, viciado,
exaltando esse momento que ela me proporciona!

Não resisto e volto a subir o seu vestido, olhando-a nos olhos em um


pedido implícito para que me deixe matar a intragável necessidade de
ultrapassar a sua calcinha, alcançando a boceta fervente, que arde mais que
pimenta. Madeleine puxa o meu rosto em um gemido gutural quando toco o
seu clitóris, erguendo a face. Aproveito para morder o seu queixo com força
moderada.
— Aaaii... — geme potente, vibrando, enlouquecida, fora de si,
pressionando as coxas uma contra a outra.

Pressiono o seu ponto de prazer, massageando, reverberando o tesão


por nós dois. Desço um pouco mais, os lábios são cheios, carnudos e
depilados, a fenda está babada, escorregadia. Vou e volto ali com os dedos,
criando uma fricção, agitando, e por fim penetrando a ponta de um deles na

entrada ensopada que se contrai freneticamente, me apertando, prendendo.

— Esteban... — A jovem está perdendo todos os sentidos, mas consigo


ler em seu semblante o medo misturado ao prazer. Ela ainda não está pronta.

Assim, resolvo parar, afastando a mão das suas partes íntimas. Fico
totalmente ereto, demonstrando a nossa diferença de tamanho e seguro o seu
queixo com a outra mão, dominador, obrigando-a a me observar de baixo
para cima. Coloco o dedo que usei para penetrá-la dentro da boca, sensual,
sentindo o gosto molhado da bocetinha, fantástico, carregado de luxúria, em

seguida o levo até a boca dela, deixando-a experimentar do seu próprio


líquido.

— Chupa — ordeno. Madeleine obedece, envolvendo os lábios de


forma sensual, lambuzando com a língua, absorvendo o sabor, uma mistura
de inocência com pecado. Um tiro fatal em meu peito.

Em seguida, a beijo outra vez, devagar, até perdermos o ar. Escorrego


os lábios até o seu ouvido:

— Eu quero te foder, Madeleine. Mas não se preocupe, não faremos

isso aqui hoje, não assim, não desse jeito, você merece muito mais, porém...
preciso te fazer gozar e gozar também. Então peço que confie em mim e
fique de costas.

Ela geme, é como se dissesse sim. Me olha por alguns segundos

decidindo, observando em volta, teme que alguém nos flagre, pois de


qualquer forma estamos expostos. No fim, fica de costas, espalmando as
mãos contra parede. Ergo o seu vestido que está me incomodando desde que
chegamos aqui, pelo trabalho que dá para me fazer alcançar o que tanto
quero, apesar de continuar me excitando. Dobro-o sobre o seu quadril de um
modo que não caia mais.

Deixo o seu bumbum perfeito descoberto, a pele branca tomando forma


em meio a escuridão. Agacho-me, acariciando as nádegas com as mãos,

Madeleine rebola bem lentamente, de modo natural reagindo ao meu toque,


se controlando para não gemer mais alto.

Desço a peça íntima até a metade das suas coxas, volto a ficar de pé,
subindo com a mão entre elas até tocar o seu centro.

— Hmmm... — mia, perdendo o juízo. Acaricio a boceta aveludada, e


tenho pena de não poder contemplar essa obra prima a olhos nus agora.
Com a outra mão, abro o cinto e a braguilha da calça, desço a cueca e
exponho a minha longa e grossa ereção que ela não vê, já que está de costas e

tão absorta na tensão sexual que estou lhe oferecendo. Penetro o dedo médio
dentro da sua vagina, indo o mais fundo possível entre as suas paredes
vaginais vívidas, que se contraem loucamente quando me recebem.

No mesmo instante, escorrego pelo meu pênis, iniciando uma

masturbação simultânea em nós dois. Começo devagar, indo e vindo pela


gruta dela, atiçando os lábios melados ao mesmo tempo em que sinto a
lubrificação na fenda da minha glande se tornar ainda maior. Aperto-me com
mais força quando estoco dois dedos em Madeleine, fodendo-a com uma mão
e batendo uma em mim com a outra.

Em um momento, afundo dentro dela até o fim e apenas movo-me entre


as suas entranhas apertadas, contraindo as pontas dos dedos em um
movimento de “vem cá” gostoso que a deixa mais aguada, instigando o seu

ponto G. Aproveito para acelerar a minha masturbação, meu pau está em alta
temperatura, a ponto de explodir!

Madeleine mexe o quadril, grunhindo forte, erguendo o rosto de novo,


gozando, expelindo fluidos em descontrole, molhando as pernas. Abro a
boca, resfolegando, sentindo a minha vez chegar arrasadora. Saio de dentro
dela quando tem que se sustentar na parede para não cair e estapeio a sua
bunda em despedida, o som seco estalando no ar.
Viro-me depressa para o lado oposto, tocando-me mais rápido e mais
implacável até ejacular, eufórico. Os jatos explodindo de dentro de mim,

atravessando o interior do mastro, sacudindo as veias proeminentes e voando


para longe em abundância, como flechas a acertar algum alvo.

Deixo-me esvaziar por completo até não sobrar mais nada, pondo a
mão na testa quando enfim acaba, meio desequilibrado. Isso foi surreal. Viro-

me para Madeleine que está igualmente afetada e sem forças, toda


descomposta. Foi como se tivéssemos transado de fato.

Os seus olhos focam no meu membro ainda semiereto, babado.


Guardo-o dentro da calça e caminho até ela no instante em que faz menção
em puxar a calcinha de volta para o lugar, mas a impeço.

— Não... ela vai ficar comigo — aviso.

— Vai me roubar outra? — pergunta sorrindo, sexy.

— A primeira você deixou de propósito, essa sim vou roubar. —

Brinco, retirando-a do seu corpo e guardando dentro do bolso traseiro da


calça.

Ajudo Madeleine a ajeitar o vestido e a beijo carinhoso outra vez,


acariciando a sua face delicada, não quero desgrudar dela.

— Estamos banhados em suor... como vamos voltar para o baile? —


pergunta, preocupada.
— Não vamos — afirmo. — É melhor irmos embora.

Após tentarmos nos recompor sem muito sucesso. Seguro a jovem pela

mão e saímos de modo discreto do beco, caminhando o mais escondido


possível até o meu carro. Somente quando ultrapassamos os portões da
propriedade, feito dois bandidos, como se lá dentro tivéssemos cometido um
crime, é que Madeleine comenta:

— Que loucura... nunca fiz isso na vida — confessa. É tão inexperiente.

— E o que achou? — Sorrio, saliente.

— Incrível, mas tive medo de sermos pegos.

— Percebi, por isso não quis insistir com o sexo, teremos tempo para
isso. No entanto, o que fizemos foi ótimo.

— Quer mesmo me levar para a cama? — pergunta, como se não


pudesse acreditar.

— Quero te levar para qualquer lugar onde possa entrar dentro de você,
Madeleine. Isso agora se tornou uma necessidade e a minha prioridade, mas
faremos no seu tempo. — Pisco para ela, vendo-a morder o lábio inferior,
excitada. — Não faça isso, se não teremos um acidente.

— Se for para acontecer...

— Sabemos que vai acontecer. —Corto, fitando-a sério por um instante


e voltando a focar na direção.
— Tem que ser devagar. Tenho que estar preparada. Não posso mais
me machucar, Esteban. Não posso. — Sua voz é triste e me toca.

— Eu sei... — murmuro, pensando duas vezes agora sobre isso. Não


posso simplesmente comê-la e descartá-la como sempre fiz com as outras.
Com Madeleine tem que ser diferente, ela é diferente, eu sei das suas dores,
dos seus temores e da experiência péssima que teve.

Estou entre a razão e o destrutivo tesão novamente, não posso pensar


apenas com a cabeça de baixo e fazer merda. Também não quero me agoniar
com isso agora.

Minutos mais tarde, paramos em frente ao prédio humilde de Amélie.


Observo Madeleine, acaricio o seu rosto de novo, as suas pálpebras se
fecham ao meu toque, está acontecendo uma coisa muito louca entre a gente.

— Desculpe se..., em algum momento, passei do limite — peço,


sincero.

— Não passou. — Sorri, estonteante.

— É que você me deixa louco — confesso, Madeleine suspira. A puxo


pela nuca para mais um beijo longo... molhado e de perder o ar. — Eu queria
muito te levar para a minha casa e te fazer minha a noite inteira, mas
concordo contigo, precisamos e devemos ir com calma.

— E também saber para onde estamos indo — completa. Assinto.


— Sei que não está acostumado com garotas como eu...

— Ninguém é como você, Madeleine. Ninguém que eu já tenho visto, e

isso é especial.

— Você... gostou? — pergunta, receosa. Fito o seu decote onde a pele


está toda vermelha, os braços também.

— Adorei, te deixei com marcas, mas você me marcou também. Acho


que me marcou desde a primeira vez em que nos falamos.

Ela fica encantada, sorrimos e nos beijamos. É tão bom que não
queremos que acabe. Porém, Madeleine enfim vai embora e só o que me resta
é o seu perfume que está impregnado em meu corpo. Passo a mão no cabelo,
respirando fundo, caindo a ficha de toda a loucura que vivemos naquele baile.
Nada disso estava programado, mas botamos para fora todas as nossas
vontades, os instintos.

Agimos como adolescentes, sim, principalmente eu que deveria guiá-la,

mas o tesão reprimido gritou mais alto, estava muito tempo encubado, sendo
empurrado e naquele momento foi mais poderoso, nos possuiu, mas não tanto
a ponto de que fizéssemos merda.

Disparo na estrada entrando na pista, dirijo em silêncio lembrando de


tudo, até endurecendo outra vez. Quando estou próximo do meu prédio, noto
que estou sendo seguido por quatro motoqueiros. Eles cercam o carro e
aceleram para me intimidar, fazendo barulho, socando as janelas.

Acelero, tentando me livrar deles sem entender o que está acontecendo,

mas uma garrafa de vidro é lançada no meu capô que explode e pega fogo,
tapando a minha visão, pondo-me em terrível perigo. Fico sem saber o que
fazer, também não estou conseguindo enxergar, temo um acidente e então
paro o carro.

Saio rapidamente do automóvel, sendo cercado pelos quatro homens


que gritam e escondem as suas faces dentro dos capacetes. Estamos no meio
da pista deserta, eles não se intimidam com a cidade, com alguém que possa
nos ver.

— Que porra é essa? O que querem?! — exclamo, não abaixando a


cabeça. Eles descem das motos e investem contra mim. A princípio, consigo
me defender, revidando os golpes, mas a maioria vence.

Começo a ser espancado por todos simultaneamente, sendo acertado

por punhos, joelhos e pés. Vou ao chão sangrando, já não consigo enxergar
direito. Fico tonto, sem ar, a dor dilacerando por toda parte. Ouço o som de
sirene policial antes de desmaiar.
MADELEINE FERNANDEZ

Após fofocar muito com Amélie e contar a aventura que foi a minha
noite, estou no banheiro depois de tomar banho, nua até a cintura onde a
toalha está presa, observando-me em frente ao espelho, acariciando o busto
onde ainda há marcas de Esteban, recordando dos momentos que vivemos no
baile horas atrás e que não saem de modo algum da minha mente.

Ele me levou fora do limite com a sua pegada, me surpreendeu, foi


além do que imaginei que seria, das coisas que o vi fazer quando sonhei com
ele sem querer, provando-me o quanto as suas mãos e boca podem ser
habilidosas, sôfregas.

Até pensei em resistir, mas como já previa, não consegui. Estava


envolvida demais, a sua redenção em relação ao Vincent e tudo, me tocou, a
chama acendeu com aquele primeiro beijo e ficou. Desde então, sabia que o
advogado havia quebrado algumas das minhas barreiras. E quando disse
sobre querer me foder, perdi tudo.

Ele é lindo, sedutor e intenso demais.

Aquelas palavras estão impregnadas em mim, ficam ressoando em


meus ouvidos. A forma como me tomou e me possuiu naquele beco escuro,
sem pudor e sem freios, me chupando, me desejando e querendo, deixou-me

extasiada, fez me sentir desejada, requerida e até usada – no bom sentido.

Mas tive medo, não só de sermos flagrados, como também de deixar


acontecer ali naquele momento. Uma parte da minha consciência gritava,
afirmando que não deveria, que não era o momento, ainda não tinha a
segurança que precisava da parte dele. A confiança total. E adorei que
Esteban percebeu isso e parou... quer dizer, em partes, mas adorei a
experiência, as sensações, perdi a razão que ele trouxe de volta.

Não quero jamais repetir a mesma história que tive com Vincent, a

quem deixei que me levasse para a cama com poucas palavras, poucas
atitudes. Ele me pegou inocente, carente de amor e carinho, frágil, vulnerável.
Foi o primeiro que me deu um pouco de atenção onde ninguém nunca dava e
permiti me entregar.

Com Esteban está sendo um pouco diferente, ele é mais experiente,


paciente, está respeitando o meu tempo apesar de ter deixado bem claro que
se eu quisesse, me levaria para a sua cama. Sinto que talvez ele esteja se
descobrindo ao ficar com uma mulher tão diferente das que está acostumado

e é isso que mais me assusta.

Tenho que dar um passo de cada vez e não deixar que o desejo e o calor
que a sua boca causa quando encosta na minha fale mais alto. Volto para a
cama da minha amiga que divido com ela quando durmo aqui e demoro a

pegar no sono, com as lembranças vivas na mente. Dessa vez não sonho com
Esteban, tenho sonhos diversos sobre a faculdade e futuro.

No dia seguinte, acordo esperando uma mensagem do gostoso de olhos


azuis, como Amélie fala, só que não acontece. Não há nada. Ela pede para
passar o domingo com ela e como acordamos tarde, tenho preguiça de voltar
para casa, então aceito. O dia é muito divertido, alegre e cheio de
gargalhadas, porque é sempre assim quando estamos juntas.

Na segunda, saio do apartamento dela direto para a faculdade após

tomarmos café, tendo uma manhã e uma tarde agitadas. Está ficando cada vez
mais corrido, já que estamos chegando na reta final do curso. Aproveito a
hora do almoço para estudar um pouco para as provas.

No fim da tarde, já no metrô rumo ao Le Loup, verifico o celular outra


vez, mas ainda nada do Esteban. Começo a me incomodar por querer que ele
fale comigo, porém tento não pensar besteira, não deixar que as vozes
negativas em minha cabeça me dominem e gritar tudo aquilo de ruim que

ouvi a vida inteira.

Trabalho no bar ferrenhamente, como quase todos os dias e assim que


chego em casa, encontro a minha mãe de robe sentada no sofá, me esperando.
Sei que vamos brigar.

— Boa noite, mãe — cumprimento, trancando a porta.

— Boa noite coisa nenhuma! Você vai me falar agora o que anda
aprontando, Madeleine! — impõe, com o indicador a posto.

— Mãe, eu estou muito cansada, passei o dia no hospital e no bar e não


quero discu...

— Onde passou o fim de semana? Vai me dizer que foi na casa da


Amélie de novo? — Está muito desconfiada.

— Sim, na casa dela...

— Mentira! Seu pai disse que está conhecendo um rapaz. Não vou
aceitar que fique saindo e entrando na minha casa a hora que quiser para ficar
de safadezas por aí, entendeu?!

Encho-me de raiva e não consigo segurar a língua dessa vez:

— E a senhora quer o quê? Que eu faça as minhas safadezas aqui


dentro de casa? — replico, provocando-a, transformando-a no puro ódio.
Usando o seu veneno contra si mesma.
— Ora, sua...

— Por que a senhora não se importa com a sua vida e me deixa em

paz?! — Agora ela fica sem palavras, nunca fui tão incisiva assim, sempre
abaixei a cabeça, mas não aguento mais. A ultrapasso e sigo para o meu
quarto. Ela me segue.

— Não vou admitir que me desrespeite, está entendendo?! Não vou

admitir, Madeleine! Você é uma ordinária ingrata! Não aceitarei esse tipo de
comportamento, a minha casa não é bagunça... — Fala mais um monte de
outras coisas, contudo, tranco a porta na sua cara.

Martina continua do outro lado, batendo, me xingando, mas coloco os


fones de ouvido e a ignoro durante as próximas horas, até enfim o silêncio
retornar e me permitir dormir.

Ao amanhecer, acordo mais cedo do que de costume e dou um beijo no


meu irmão que ainda está dormindo antes de sair, quero evitar ver a mulher

que tanto me odeia sem motivos. Sinto que o prazer dela é me fazer infeliz,
tentando me colocar para baixo a todo instante e me reduzir a nada.

À noite, ao voltar do Le Loup, no trem com Amélie, conto-lhe da briga


com a minha mãe.

— Meu Deus, mas essa sua mãe não quer que você respire! Parece que
ela é infeliz e quer que você seja mais ainda! Ela vive em função de te botar
para baixo, Madeleine! — Minha amiga está puta com a situação.

— Pois é..., juro que estou a ponto de enlouquecer. Não consigo ter paz

em casa para estudar ou me concentrar, ela não deixa, e sempre que saio de lá
fico desequilibrada emocionalmente com as suas palavras maldosas e triste o
dia inteiro.

— Olha... por que não vem morar comigo? — propõe, já falamos disso

antes.

— Amélie, o seu apartamento é pequeno, só tem um quarto. Não quero


te atrapalhar, tirar a sua privacidade. Além disso... tem o Tim. O meu coração
fica apertado só de pensar em deixá-lo.

— Mas já deve pensar nisso, amiga. Afinal, até onde sei, o seu plano é
sair de casa assim que se formar e se for para o seu irmão sofrer, ele sofrerá
de qualquer jeito, então que seja agora, antes que fique louca. Será até bom
para o pequeno ir se acostumando. E quanto ao meu apartamento, há outro de

dois quartos no andar de cima, o qual está para vagar, o vizinho vai se mudar,
podemos dividir o aluguel e as contas.

— Amélie...

— Não diz nada, só pensa. — Acaricia o meu ombro, suspiro. — E o


Esteban? Ainda não apareceu?

Balanço a cabeça em negativa. Isso é outra coisa que está doendo, mais
do que deveria doer, na verdade.

— Você enviou alguma mensagem a ele?

— Não... já passei por isso com o Vincent e não quero repetir. Não
quero ser a chata insistente que fica atrás do cara depois de termos ficado —
confesso, apesar de estar morrendo de vontade de tentar me comunicar com o
loiro.

— Olha, para de lembrar da sua experiência com o Vincent, ele é


totalmente diferente do Esteban, pelo menos em boa parte pelo que sabemos
até agora. De duas uma: ou pode ter acontecido alguma coisa ou ele está te
evitando. Por desencargo de consciência, acho que deveria enviar um “oi”,
senão houver resposta, não fala mais nada, morreu, pronto, acabou! Essa
ideia de que só o cara deve vir atrás acho errada. Eles esperam reciprocidade
assim como nós, mas tudo tem limite.

— Tem razão. — Retiro o celular do bolso da calça e envio um “Olá,

tudo bem? ” Entretanto, a mensagem não chega para ele. — Ele não recebeu
a mensagem, será que está com o celular desligado?

— Pode ser, porque bloquear ele não te bloqueou, a gente saberia disso
se fosse o caso.

— Pensando por esse lado, agora estou até um pouco preocupada. Será
que aconteceu algo? Tudo nessa vida é tão imprevisível.
— Vamos pedir a Deus para que não, para que esteja tudo bem e ele
tenha uma desculpa plausível, então assim você poderá descobrir como é dar

para um gostoso de olhos azuis! — Ela adora tirar sarro da minha cara,
gargalhando e me animando, resgatando-me da tristeza.

Mais tarde, após o meu banho revigorante, estou sentada na cama do


Timothée, bem atenta enquanto ele me mostra o seu novo brinquedo, que

pelo que vi na embalagem, se chama pop-it. É uma placa de bolhas coloridas


que ele pode afundar com os dedos.

— Que legal, Tim. Quem recomendou a compra desse brinquedo? —


pergunto, curiosa. Só nós dois estamos acordados.

— A tia — responde, amassando as bolhas, entretido.

— A terapeuta?

— Sim.

— E para que serve?

— Para eu não me estressar.

— Aah... — Olho para o lado, vendo o seu caderno de desenhos, onde


há duas pessoas desenhadas e uma borboleta voando entre elas. Franzo o
cenho. — Quem são esses aqui, Timothée? — Aponto, chamando a sua
atenção.

— Você... o Es... Esteban e a borboleta. — Meu Deus, ele não esquece


do Esteban. Não consigo entender.

— Tim, o que você sente quando está desenhando? — Fico curiosa.

— Bem..., quando dá errado algumas vezes, fico triste e nervoso —


confessa, sem me dar atenção, fazendo-me rir.

— Mas é normal errar, meu amor.

— Fico com raiva — afirma, sem olhar nos meus olhos, atento ao
brinquedo.

— Mas não pode. — Respiro fundo, ele me deixa acariciá-lo na cabeça,


mas por pouco tempo. Tomo coragem para começar a falar o que estou
pensando. — Tim..., você ficaria chateado se eu... morasse em outra casa? —
falo com todo cuidado.

— É melhor não, Madeleine — afirma. Resolvo então ficar calada. Não


demora muito para que me fite com cara de bravo, deixando claro que não

gostou dessa ideia.

Após colocá-lo para dormir, sigo para a minha cama e fico pensando
em Esteban. Olho o celular, a mensagem ainda não chegou para ele, apenas
foi enviada. O que será que aconteceu? Será que ele apenas não quer mais
falar comigo? É impossível não divagar sobre um monte de besteiras.

Na manhã seguinte, quarta-feira, já é o terceiro dia sem comunicação


com o advogado. Estou na sala de aula quando me surpreendo com uma
mensagem dele. O som emitido pelo meu celular faz o professor me encarar
de soslaio, ponho o aparelho no silencioso e abro discretamente o texto que

diz:

Bom dia, Pimentinha. Desculpe o sumiço. Não estou muito bem, e você?

O que aconteceu? Por que não está bem?

Fico preocupada e pasma quando ele me diz o que houve. Só penso em


Vincent! Será que ele foi capaz de fazer essa atrocidade? Isso me deixa tão
desesperada que não consigo mais me concentrar na aula, mesmo Esteban
dizendo que não preciso me preocupar, o aviso que estou indo até o seu loft.

Saio da faculdade depressa, com o coração acelerado imaginando

infinitas coisas! É claro que Vincent demonstrando ser violento como estava
demonstrando, não deixaria isso barato. Não há outra resposta, foi ele! Por
que mais de quatro homens iriam perseguir Esteban sem motivo?

Então esse era o motivo dele não ter me respondido, estava


impossibilitado no hospital. Levo quase uma hora para finalmente chegar ao
seu prédio muito bem localizado. Identifico-me na portaria, então sou
liberada para subir, Esteban já havia os avisados da minha chegada.
Entro no elevador tremendo, estou abalada, nervosa, tendo a noção de
que essa história já foi longe demais e a culpa é minha por ter dito que o

advogado era o meu namorado. Toco em sua campainha, a porta se abre e o


susto que levo ao vê-lo é tão grande que, automaticamente as minhas mãos
tapam a minha boca com o choque.

Esteban está com o rosto todo arrebentado, horrível, o olho esquerdo

inchado e roxo, o lábio inferior cortado, machucado, há um curativo na


têmpora direita, outro no ombro e uma faixa no tórax. Ainda assim, ele se
força a me receber com um sorriso que não chega nem perto de possuir o
brilho irradiante que tinha antes. Lágrimas descem por minha face.

— Estou bem, Pimentinha. Eles não conseguiram me derrubar —


comenta, então o abraço devagar, para não o machucar, soluçando enquanto o
homem fecha a porta e me envolve com os seus braços longos e quentes, mas
gemendo, demonstrando um pouco de dor com esse movimento. Ele usa

apenas uma calça cinza moletom.

Quando enfim consigo me acalmar, sentamos lado a lado em seu sofá.


Esteban fica acariciando o meu rosto, enxugando as minhas últimas lágrimas,
dá uma tristeza gigantesca olhar para ele, ver que foi agredido brutalmente.

— Então... estava esses três dias no hospital? — pergunto, fungando.

— Não, fui liberado na manhã do dia seguinte, mas o meu celular


quebrou e perdi tempo com a compra do outro, recuperar o meu número e
mandar o carro para a oficina. Segundo os exames, quebrei apenas uma

costela. Levei pontos aqui e aqui. — Aponta para o curativo na têmpora e no


ombro. — Depois terei que retornar para tirar os pontos.

— Alguém ficou contigo enquanto esteve no hospital?

— Não, porque como o meu caso não foi grave, não fiquei lá muito

tempo. Assim que recebi alta, entrei em contato com Dominique, um amigo
que me trouxe para casa.

— Esteban... já parou para pensar que Vincent pode estar por trás
disso? — A minha voz é carregada de medo.

— Claro que sim, a polícia já está investigando. Pelo que Dominique


me disse, o ponto em que fui alvejado tinha poucas câmeras, os elementos
estavam se escondendo com os capacetes, mas vão tentar capturar a placa de
alguma das motos — conta devagar, agora fazendo uma careta de dor.

— Tudo bem? — indago, tocando-o, notando que está pegando fogo.


— Você está com febre! — Fico preocupada.

— É só uma dorzinha de cabeça, já vai passar. Também sinto dor onde


fraturei a costela ao respirar — fala, como se não tivesse importância.
Levanto-me, olhando ao redor.

— Você tem analgésicos aqui? O médico deve ter prescrito alguma


coisa.

— Está sobre o balcão da cozinha, mas não precisa... — dou as costas,

não lhe dando mais ouvidos.

Encontro a sacola sobre o balcão e vejo tudo o que está descrito na


receita médica, os horários dos remédios e como devem ser usados.

— Já tomou esse da manhã? — exclamo, vendo-o fechar o único olho


que ainda consegue se manter aberto. A cena é dolorosa! Esteban responde
que não, com o rosto. Abro a caixa, pego os comprimidos, uma pomada anti-
inflamatória, um copo com água e volto para ele. — Tome, para baixar a
febre. E esse para as dores. — Ofereço o copo e os comprimidos. Ele ingere
sem contestar. — Também está na hora de usar essa pomada no seu rosto,
para ajudar a desinflamar.

Esteban assente, parecendo exausto e precisando de cuidados, fico


bastante tocada. Sento-me ao seu lado e, sem aviso prévio, ele se deita

devagar pousando a cabeça sobre as minhas coxas, gemendo baixinho com os


movimentos, esticando as longas pernas sobre o extenso assento. Nessa
posição fica até melhor para espalhar o creme. Faço isso com cuidado, com
os dedos trêmulos, compadecida com a sua situação, não quero machucá-lo.

— As suas pernas são melhores que os meus travesseiros, sabia? —


Brinca, é sempre brincalhão.
— É? — choramingo.

— Não chore, baby. Está tudo bem agora — murmura, ainda de olho

fechado.

— Não está... a culpa é minha. A culpa disso tudo é minha, Deus. —


Sinto as lágrimas que ardem e descem pelas bochechas. Tomo cuidado para
que não caiam sobre o rosto dele.

— Eu que te coloquei no meu jogo sujo, mas não me arrependo. Não


mais — confessa.

— Não devia ter me procurado. Não devia ter inventado essa história
de redenção — fungo, tentando engolir o choro.

— Sabe o porquê... fiz isso? — fala baixinho, sonolento.

— Por quê? — indago, deixando a pomada de lado e pousando


delicadamente uma mão sobre o seu peitoral.

— Porque eu queria... pelo menos uma vez... fazer alguma coisa certa
na minha vida — revela sincero, fofo. Meu coração palpita e mais lágrimas
vêm. A sua palma segura a minha, como se quisesse ter a segurança de que
estou aqui, dormindo em seguida.
MADELEINE FERNANDEZ

Uso a mão livre para acariciar os seus cabelos dourados, tão sedosos e
macios. Controlo-me, o pranto não pode me dominar. Respiro fundo e apenas
contemplo o grande homem que agora parece um garoto ferido, carente e
sozinho. Olho ao redor, pelo visto ele não tem ninguém, já que a família vive

toda em Madri. Que loucura!

Se tiver mesmo sido Vincent o autor desse crime, não sei o que posso
esperar dele e me sinto em risco também. Desprotegida. Resolvo esquecer um
pouco disso e focar no advogado que dorme como um bebê. Fico dando
afago a ele, acalmando-me também, então resolvo observar o seu corpo com
mais atenção.

É perfeito. O abdômen repleto de gominhos até o V que se forma


abaixo do umbigo e que some para dentro do moletom, onde há uma
tatuagem que o deixa bem sexy. Esteban tem algumas tatuagens que eu já

havia notado quando o vi sem camisa pela primeira vez, porém, como evitei
olhá-lo diretamente, não prestei total atenção. No ombro e braço esquerdos há
mais algumas.

Sei que já repeti muito isso, mas realmente é impressionante o quanto

ele é grande, forte, musculoso, e não paro de fitar as veias grossas no seu
abdômen que também somem para dentro da calça. Não deveria ficar mexida
com o seu corpo, com a mão quente sobre a minha e a respiração que faz seu
peitoral largo e inflado descer e subir, mas fico. Bastante eu diria.

Após um bom tempo cuidando de Esteban, a minha barriga ronca, o


que me faz lembrar que não almocei, na verdade já até passou da hora do
almoço. Provavelmente, o advogado também não deve ter comido ainda,
creio que como vive sozinho, deve comprar comida pronta ou pagar para

alguém cozinhar.

Levanto-me do sofá com cuidado para não o acordar. Sigo para a


cozinha que fica a poucos metros do sofá e abro a geladeira, encontrando
vários legumes e frutas, tudo muito bem organizado. Como ele está
machucado, o melhor seria degustar algo leve, que não o faça exercer muita
força com a boca, já que deve estar sentindo dores.
Encontro queijo e pão, a ideia estala rápida na minha mente e resolvo
fazer uma típica sopa francesa de cebola, só que mais simples, retirando

alguns ingredientes que não são bons para Esteban agora, como o vinho e
caldo de carne, vou usar água no lugar.

Passo a picar as grandes cebolas em fatias bem finas, depois uno a


ramos de salsinha, folha de louro, manjericão e tomilho, folhas e talinhos de

salsão com água na panela e deixo cozinhar pelo tempo necessário.


Acrescento noz-moscada, ajusto o sal e a pimenta. Corto o pão em fatias que
besunto com manteiga, levando ao forno para dourá-los e derreter o queijo.

Esteban acorda, levanta, espreguiçando-se, caminha devagar em minha


direção, sentindo o cheiro do cozido. Demora um pouco para me olhar com
clareza, esticando um sorriso assim que entende o que estou fazendo,
sentando-se na banqueta com os antebraços sobre o balcão.

— Hmmm... que cheirinho bom — elogia. — É sopa de cebola? —

Acerta na mosca.

— Aham..., nossa que olfato apurado! — Sorrio, agora tentando ser


divertida e esquecer um pouco dos problemas.

— Aqueles caras erraram quando tentaram acertar o meu nariz. —


Brinca, mas não acho graça.

— Por favor, não faça piada desse assunto sério. Não gosto nem de
pensar — declaro, preparando o prato dele da forma mais bela possível, como
papai me ensinou.

— Tudo bem — afirma, sério. — Estou adorando esse tratamento vip


que está me dando. Se quiser ser a minha enfermeira pessoal, eu deixo viu. —
Lança no ar, trocamos olhares.

— Se quiser... posso vir aqui todos os dias te fazer companhia —

proponho.

— Acho que seria muito interessante. Gosto da solidão, mas


ultimamente ela me incomoda. Além disso... sou péssimo em cuidar de mim
mesmo, para ser bem sincero. Não que eu precise de tantos cuidados assim,
pode não parecer, mas como eu disse, o meu caso não é grave.

— Então acho que já posso ser nomeada a sua babá, baby. — Dou o
seu prato com a colher, ele mexe a sopa analisando a textura, parece até um
expert no assunto.

— Mas para ser a minha babá é preciso fazer de tudo, já vou logo
avisando. Inclusive, me dar banho. — É irônico.

— Nem doente você deixa de ser safado. Seu safado! — rebato


sorrindo, mas no fundo penso que dar banho nele não seria uma má ideia.

Esteban leva a colher à boca com certo requinte, ele tem finesse até
para comer, mas com o seu imperdível jeito masculino de ser. A forma como
o metal transpassa os seus lábios é sensual, mesmo com o estado caótico em
que se encontra o seu rosto.

— Delicioso... quem te ensinou a fazer? — Está curioso, passando a


comer normal agora.

— Meu pai, ele é cozinheiro de mão cheia, trabalha vendendo


quentinhas pela internet. Delivery — conto.

— Ele está de parabéns, então. A sua sopa está melhor que a minha —
dispara, ergo as sobrancelhas, surpresa.

— Não vai me dizer que sabe cozinhar — falo, servindo-me e passando


a comer também, de frente para Esteban, em pé do outro lado do balcão.

— Acha que tenho empregada? — Sorri.

— Cogitei que se não fosse isso, poderia comprar comida pronta.

— Esses dias enclausurado aqui, estão me obrigando a comprar, mas

apenas porque sinto dor com os movimentos. Antes disso, só comprava


comida quando tinha preguiça de fazer ou quando jantava fora. Gosto de
cozinhar, comecei desde que passei a morar sozinho e peguei gosto pela
coisa, aprendi muito rápido.

— Pega, experimenta o pão com queijo. — Levo até a sua boca, ele
morde com cuidado, adorando.

— Esplêndido... bem melhor que a comida do hospital.


— Sujou aqui. — Uso o polegar para limpar o canto da sua boca,
momento em que Esteban segura a minha mão, acariciando e me olhando

profundamente.

— Tem medo de beijar uma fera, Madeleine? — pergunta sério e


intenso, referindo-se a si mesmo.

— Não... até porque, dentro de você há um príncipe — afirmo, bem

segura em minhas palavras.

Nossos rostos vão ao encontro um do outro e nos beijamos de forma


doce, singela, com respeito e carinho. Esteban tenta não demonstrar, mas está
bem carente, vulnerável, de uma forma que jamais vi antes. Nossos lábios se
desgrudam, mas ele ainda beija as minhas bochechas, delicado, gosta de me
tocar.

— Promete que vai vir todos os dias? — indaga, sussurrando em meu


ouvido, me conquistando, molhando a minha intimidade sem saber.

— Prometo — digo, suspirando, de olhos fechados.

Esse homem deveria ter um aviso de “não se aproxime”, porque ficar


próximo a ele é perigoso. Perigoso demais.

— Agora termine de comer, porque já está na hora do seu medicamento


outra vez, e quero sair daqui para o trabalho com a certeza de que tomou tudo
certinho.
— Ah, vai ter que ir trabalhar. — Não parece muito animado com isso.

— Amanhã estarei de volta. Entrarei em semana de provas, então sairei

mais cedo da faculdade, poderei ficar aqui até a hora de ir para o bar... se
quiser é claro. — Fico sem jeito, não quero me sentir a intrometida.

— Quero muito, mas não se prejudique nos testes por minha causa —
afirma, responsável.

— Não se preocupe, sei me virar em várias coisas ao mesmo tempo. É


uma qualidade feminina — brinco, fazendo-o sorrir.

Quando chega a hora da despedida, nos abraçamos na porta. Odeio ter


que deixá-lo assim, sigo para o bar com a sensação de que deixei algo para
trás. Estou me sentindo muito culpada por tudo o que aconteceu a Esteban e
com medo de Vincent. Não temos certeza se foi ele, mas a minha intuição
grita que sim.

Nos próximos dias, graças ao bom Deus, ocorre tudo tranquilo. Adapto
a minha rotina com as visitas ao Esteban, saindo de casa para a faculdade, da
faculdade para o loft dele e de lá para o trabalho. É assim todo santo dia.

No início, fico receosa de não estar sendo de fato bem-vinda, os


demônios da minha cabeça falando um monte de merda, mas com o tempo
percebi que não era só bem-vinda, como também esperada, sendo recebida

com abraços e beijos.

Aos poucos, eu e Esteban vamos nos conhecendo melhor, descobrindo


várias coisas em comum e opiniões diferentes também. Dialogamos sobre
tudo, política, religião, conhecimentos gerais, e até time de futebol. Ele se

interessa pelo meu curso, gosta de saber sobre o que sei, faz perguntas e
conta sobre alguns casos que já pegou fora da sua área envolvendo saúde.

Fico responsável por lembrá-lo dos horários dos remédios e também de


fazer a comida. A limpeza do apartamento fica por conta da diarista que ele
paga, que vem duas vezes por semana. Apenas no domingo não o vejo,
porque evito deixar o clima em casa ainda mais desagradável, já que estava
me ausentando em todos os finais de semana.

Aqui fica muito chato sem você. Estou com saudades.

Recebo a mensagem dele à noite, que derrete o meu coração e me


arranca suspiros.

Também estou com saudades. Amanhã volto a te ver.


E assim se passa mais uma semana e mais outra. A nossa intimidade

vai aumentando, as brincadeiras... os momentos bons. Beijá-lo se tornou um


vício insaciável, quanto mais o beijo, mais beijá-lo eu quero. Estou vivendo
um sonho que parece não ter fim e não quero que tenha. Pela primeira vez na
vida, sinto-me feliz diariamente.

Esteban volta a trabalhar, mas de casa, ele estava ansioso por isso, não
aguentava mais ficar enclausurado sem fazer nada. O seu rosto, com o passar
dos dias retorna ao normal, o seu olho roxo já não existe mais e a sua visão
fica sem qualquer sequela. A sua costela também fica em ótimo estado e as
dores cessam de vez.

Vou visitá-lo em um sábado à noite, que promete ser o seu último final
de semana de recuperação antes de voltar a frequentar o escritório onde
trabalha. Quando ele abre a porta, como sempre, me agarra forte pela cintura,

abraçando-me como se não nos víssemos a mais de meses e me beijando com


ansiedade, nossos olhos fechados, os lábios se misturando até perdermos o ar
e resfolegarmos, quentes, fervendo.

As suas pupilas focam nas minhas de maneira profunda, atravessando o


meu corpo, atingindo o meu espírito, é como se estivesse muito apaixonado,
mas ele jamais disse isso. Sei que estou apaixonada, bastante, penso nele em
todas as horas do dia, porém nunca me declarei também. Ainda tenho medo,

muito medo.

— Tirei os pontos! — afirma feliz, lembrando até um menino,


mostrando a têmpora onde não há mais o machucado, só a cicatriz que vai
sumir.

— Eu percebi. Que maravilha! O ombro está bom também?

— Está ótimo. Eu estou ótimo, e tudo isso graças a você, Pimentinha.


— Faz um beijo de esquimó, muito carinhoso.

— É, acho que sirvo para ser enfermeira. — Brinco, nós gargalhamos.

— Preciso te mostrar uma coisa — avisa, desgrudando os nossos


corpos.

— O quê? — Fico muito curiosa.

— Venha. — Ele me puxa pela mão, caminhando rumo ao mezanino,

ao seu quarto, onde nunca fui durante todos esses dias em que vim aqui. Ele
não me convidou e eu também não me ofereci. Claro.

Ao chegarmos lá em cima, fico boquiaberta com o enorme e belíssimo


buquê de rosas vermelha sobre a cama de casal. Esteban larga a minha mão,
pega o buquê, sorri para mim e diz:

— Isso é para agradecer por ter ficado aqui comigo durante esse tempo.
Por ter cuidado de mim. — Entrega-me o presente, fico emocionada
segurando as lágrimas que imediatamente querem sair.

— Esteban...

— Sem você teria sido bem mais dolorido e sofrido, baby. — Acaricia
o meu rosto. Suspiro, encantada, sentindo o perfume intenso das flores cor de
sangue, de botões enormes e beleza impecável.

— São rosas colombianas? — pergunto, notando a diferença das rosas


comuns.

— Sim. Você merece o melhor. — Sorri, radiante.

— Por que dificulta tanto as coisas? Nunca recebi flores antes. — Estou
maravilhada, e dessa vez sou eu a puxá-lo para um beijo. Fico na ponta dos
pés, como sempre, para poder alcançar a sua boca, suas mãos grandiosas
seguram o meu rosto enquanto os nossos lábios brincam entre si.

Esteban para um instante, pega o ramalhete e põe sobre a cama outra

vez. Voltando a me beijar, agarrando-me pela cintura, mais forte, mais


gostoso, porém ainda carinhoso. Sinto a sua ereção potente bater contra mim
e as nossas respirações ficam entrecortadas quando o toque se desfaz. Meu
coração bate forte acelerado, ele está me queimando, e o convite que faz a
seguir é fatal:

— Dorme comigo hoje?


ESTEBAN JAVIER

Foram vários dias na companhia de Madeleine Fernandez. Pela


primeira vez em muito tempo, me senti não apenas solitário como também
carente e, realmente não quis ficar sozinho. Ela veio como um clarão em
meio ao meu nevoeiro, a sua suavidade apascentando as minhas dores,
cuidando de mim sem esperar por minha permissão, mas nem revidei. Não
havia por que revidar.

Sei que ela se sentia culpada, mas além disso queria estar comigo e
para mim era o mais importante. Nunca passei tanto tempo com uma mulher
nesse apartamento sem sexo, tudo sempre era relacionado a isso, a transar e
nada mais. Não havia cuidado, cumplicidade ou sentimento.

É até loucura afirmar essa palavra... sentimento. Há bastante tempo


desejo Madeleine, mas o tempo ao seu lado me fez enxergar além da carne e
ver o ser humano incrível que ela é, o seu sorriso gravado na minha memória,
o seu jeito doce de ser, a inteligência, a garra e força de vontade que ela tem

apesar das inúmeras inseguranças.

Realmente fiquei surpreso, fui presenteado com uma enfermeira, uma


guerreira, uma menina, mas também mulher, que sabe o que quer do futuro e
luta todos os dias por isso, mesmo sofrendo preconceitos, recebendo golpes

pesados da vida. Ela também estava carente de atenção... de carinho,


entretanto, nunca mendigou por isso.

As coisas entre a gente fluíram de modo muito natural. Me vi


dependente do seu beijo, da sua boca complementando a minha, do seu
abraço delicado, das suas carícias. Criamos uma amizade, coisa que jamais
fiz com as outras que vieram aqui. Não tinha tempo para dialogar, conhecer e,
inesperadamente me dei conta de que queria muito isso, na verdade
precisava, mas não sabia.

A minha interação com a garçonete é mágica, especial, tocou fundo em


algumas feridas que possuo, mexeu com o meu psicológico em determinados
momentos, fez lembrar de coisas que não queria lembrar, de quando gostei
tanto assim de outra pessoa uma vez. É um trauma... o medo de tudo de ruim
de alguma maneira se repetir, mas sei que não vai. Sei que Madeleine é
diferente, diferente de todas.
— Dormir aqui...? Contigo? — indaga, surpresa com o meu convite.
Adoro o perfume dela.

— Sim. — A olho com segundas intenções. Vejo que está tentada, que
me deseja, porém ainda tem receios.

— É que...

— Não precisamos fazer nada, se não quiser. Apenas quero a sua


companhia, você me acostumou mal, o que posso fazer? — Sorrimos. —
Prometo que não vou ultrapassar o sinal, não até que esteja preparada.
Comigo, estará segura. — Tento tranquilizá-la. Madeleine suspira.

— Sei disso, nem precisa falar. Então tudo bem, só preciso avisar a
Amélie — informa.

— Certo. — A solto, deixando-a pegar o celular para ligar para a


amiga. — Que tal um vinho? — proponho.

— Ótima ideia — concorda, contente.

— Vou buscar — afirmo, descendo a escada e indo até a cozinha,


ouvindo-a no andar de cima avisando a amiga sobre passar a noite comigo.
Ela gargalha, fofoca algo que não entendo enquanto pego a garrafa na
geladeira com as taças, chocolate e o abridor de vinho. Planejei tudo para
termos uma noite agradável.

Volto para o quarto, encontrando-a sentada na cama, observando ao


redor. Suas sobrancelhas se erguem ao ver os mimos que eu trouxe.

— Uau... que romântico — elogia, encantada.

Ponho tudo sobre o móvel preto em frente a cama, onde fica a televisão
e há gavetas preenchidas com as minhas coisas. Abro o vinho com o saca-
rolhas elétrico, que é bem prático para momentos como este. Preencho as
taças com a bebida, entregando a de Madeleine. Capturo a pequena tigela de

vidro com os bloquinhos de chocolate e deixo sobre a cama, entre nós dois,
quando me sento ao seu lado.

— Um brinde? — proponho, ela aceita e nossas taças se tocam.


Bebemos um pouco. Pego um pedaço do chocolate e ofereço. —
Experimente, é meio amargo. — Levo-o até sua boca. Madeleine morde
devagar, degustando.

— Delicioso — elogia, como o que sobrou, chupando com cuidado o


polegar onde ficou resquícios do doce.

— E quando poderei rever o seu irmão? — É algo que falamos entre os


dias em que passamos juntos aqui.

— Vamos tentar em algum final de semana, assim ele te entrega as


artes que fez de você.

— Estou muito curioso sobre essas artes. — Sorrio, sendo sincero.

— Está pronto para voltar ao escritório na segunda? — Muda de


assunto.

— Mais do que pronto. Você testemunhou o quanto foi enfadonho para

mim ficar preso em casa, o que me salvou foi trabalhar daqui e a sua
companhia, mas não é a mesma coisa que estar no escritório. Foi uma loucura
com todos os compromissos que eu tinha, porém a minha estagiária e
secretária são excelentes, deram conta.

— Sim, testemunhei mesmo. Acho que você é viciado em trabalho. —


Sorri, bebendo mais um pouco.

— Acho que estou me viciando em algo novo.

— Em quê?

— Você — disparo suave, fazendo-a me olhar com desejo e suspirar.

Viro a minha taça bebendo tudo, sem tirar os olhos salientes dela. A
desejo muito e todo esse tempo sem sexo só me deixou com o tesão em níveis

estratosféricos. Tomo a sua taça e ponho junto com a minha sobre as gavetas
flutuantes ao lado da cama, assim como a tigela de chocolates. Pego o
ramalhete de flores e deixo sobre o móvel em frente a cama.

Volto a me sentar ao seu lado, agora mais perto, ergo a mão que
acaricia o seu rosto e escorrega para a nuca, de onde a puxo para um beijo.
Estou muito quente, quero tirar tudo dela e levá-la ao extremo prazer, mas
preciso manter a calma e ir devagar, ainda não sei se Madeleine já está
preparada, se sente totalmente segura ao meu lado.

O nosso toque se torna mais intenso aos poucos, as unhas dela afundam

em meus ombros, sobre a camisa, está se excitando comigo. Resvalo os


lábios por sua bochecha até a sua garganta brincando ali com carinho, a
arrepiando inteira. Com a mão esquerda, apalpo um de seus seios com força
moderada, retornando para os seus lábios carnudos e mordiscando o inferior,

puxando enquanto olho profundamente em seus olhos verdes, sensíveis.

Inclino-me um pouco mais sobre ela até que esteja deitada, fico com
metade do corpo sobre o seu, intensificando o beijo e serpenteando a palma
por seu corpo macio, por suas dobras e curvas sensuais até o centro
protuberante das suas coxas. Madeleine usa um short que valorizou ainda
mais as suas pernas e bunda. Fiquei excitado desde que a recebi na porta.

Paraliso quando ela me segura pelo pulso, impedindo-me de penetrar


por dentro da sua roupa e seguir rumo à calcinha.

— As luzes... — murmura. Assinto, levanto e desligo algumas


lâmpadas, deixando apenas duas acesas, o ambiente semiescuro. — Pode
desligar todas? — indaga. Franzo o cenho.

— Quer ficar no breu? — Sorrio.

— Estávamos quase no breu lá no baile. — Recorda, sorrindo insegura.


Começo a criar uma hipótese do porquê de estar agindo assim, mas ainda
preciso confirmar.

Avisto o abajur sobre a mesinha do outro lado da cama, desligo todas

as luzes do quarto e deixo apenas ele ligado. Retiro a camisa, o cinto, a calça
e os tênis, sem pressa, ficando apenas de cueca boxer que marca a poderosa
ereção. Madeleine foca em meu corpo nas sombras. Ajoelhado sobre o
colchão, vou até ela, vendo-a retirar as sapatilhas e me dar atenção.

Faço-a se deitar e puxo o seu short, devagar, desnudando as suas


pernas, ouvindo os seus suspiros se tornando mais fortes. Deito-me entre as
suas coxas, cobrindo o seu pequeno corpo com o meu, que é bem maior e
mais forte. Pareço um gigante sobre uma flor. Faço questão de me apertar
contra ela e fazê-la sentir o quanto estou duro, pressionando a minha ereção
contra o seu monte de Vênus.

— Oooh... — mia, arranhando os meus braços e depois bagunçando os


meus cabelos, abrindo-se mais para mim, querendo me sentir.

Chupo a sua orelha, vou mordendo e arrastando a língua pelo seu


pescoço, lambendo o seu lábio inferior, mordisco o queixo e continuo
roçando o pau na sua boceta ainda escondida dentro da calcinha, mas que está
quente, pegando fogo. Beijo-a novamente apalpando a sua coxa, descendo até
a sua bunda, pegando de forma mais potente, espremendo a sua carne entre os
meus dedos longos, tendo a certeza absoluta de que estou deixando marcas.
Quando Madeleine já está alucinada, fico de joelhos deixando o corpo
ereto, segurando os seus seios com as duas mãos, massageando-os por sobre

o tecido fino, vendo-a se contorcer e grunhir, resvalando as coxas nuas nas


minhas pernas com pelos, manhosa... excitada, louca por mim. Tento tirar a
sua blusa para depois me livrar do sutiã, mas ela me para outra vez.

— Deixa assim... — geme.

— Não... quero você como veio ao mundo — respondo, a voz


carregada de lubricidade, quase rosnando. Tento despi-la novamente, mas ela
não deixa. Fico frustrado e me afasto, deitando ao seu lado, apoiando a
cabeça na mão, encarando-a mesmo sem conseguir ver seu rosto com
exatidão. — O que está acontecendo? — Quero que ela me diga.

— Nada... — Mente, sem jeito.

— Por favor, baby, seja sincera comigo assim como sou contigo —
peço carinhoso, pousando a mão sobre a sua bunda quando fica de lado, à

minha frente.

Madeleine mexe no cabelo, nervosa, então acaricia o meu queixo de


barba cerrada.

— É que... não quero que... veja tudo — confessa, com dificuldade.

— Por quê?

— Porque... tenho vergonha do meu corpo. — Está sendo difícil para


ela falar sobre isso. Logo percebo que é um trauma, uma ferida profunda
demais e que não será fácil cicatrizar.

— Está com medo que eu te ache feia se vê-la nua completamente? —


Vejo seu rosto balançar um “sim” na penumbra. — Acha que eu estaria aqui
contigo se não me sentisse suficientemente atraído por você? Veja... — Levo
a sua mão para o meu pau, fazendo-a senti-lo sobre a cueca, ela respira forte

sendo pega de surpresa.

A sua palma fica imóvel e esquenta mais o meu sexo. É gostoso, difícil
de controlar. Seguro-me para não liberar um gemido e ela engole em seco.

— Estou pronto para o seu corpo, Madeleine. Do jeitinho que ele é. —


As palavras fogem pelos lábios.

— Eu sei... acredito, Esteban. O problema não é você, sou eu —


explica, entristecida. — Por favor, me desculpe, sei que... estou estragando
tudo. Pensei bastante sobre esse nosso momento e queria que fosse perfeito,

mas... estou longe de ser perfeita como você.

Sorrio, em deboche.

— Acha que sou perfeito depois de tudo o que fiz? Após te mostrar o
meu lado ruim quando nos conhecemos?

— Não estou falando de caráter... estou falando do seu físico, do físico


das garotas com quem já...
— Não pense nelas, por favor. Elas não importam para mim. Você se
auto boicota demais, Pimentinha. Não vê que se comparar à outras pessoas só

te leva ao fundo do poço?

— Mas a vida toda fui comparada à outras pessoas, Esteban —


justifica.

— E quando isso vai acabar? — A deixo sem palavras. Seguro-a pelo

queixo. — Quando vai parar de acreditar no que os outros dizem? Você não é
o patinho feio... é um lindo cisne. — A elogio, percebo que sorri. — Além
disso, não sou perfeito como diz, apenas gosto de musculação.

— Ah é? Então me diga pelo menos um defeito seu? — Me desafia,


ainda com a voz frágil, como quem está se segurando para não chorar.

— Hmmm... meu pau é torto — declaro, deixando-a chocada.

— O quê?! — pergunta, incrédula.

— Ué... meu pau é torto — repito. — Por ele ser acima da média, fica
um pouco inclinado para a esquerda quando está ereto. Isso porque a vida
toda sempre o coloquei nessa posição dentro da cueca.

Madeleine sorri, a sua tristeza vai embora tão rápido que nem se dá
conta. Novamente o meu humor fazendo efeito.

— É normal, mas por uma ótica... imperfeito. Ninguém é perfeito,


Madeleine e exigir isso de outras pessoas é ignorância.
— Ai, Deus... essa é boa. — Continua rindo, se divertindo com a
informação que lhe dei.

— Está fazendo bullying comigo, é isso? Olha, que entro com uma
ação judicial contra você — ameaço, brincando.

— Não, é que... pensar que... o seu pênis é torto me parece engraçado.

— Não será engraçado quando o ver ou senti-lo dentro de você. Será


gostoso... para nós dois — digo sensual, sério, calando-a ao fazê-la imaginar
a cena. Ficamos em silêncio. — Quer sentir agora?

— Quero... — murmura.
ESTEBAN JAVIER

Respiro fundo, deito de costas e tiro a boxer, ficando totalmente nu,


mas sei que a jovem não consegue me ver com definição, devido à pouca
claridade. Resolvo continuar assim para não a assustar. Traço um plano na
mente para derrubar todas as suas barreiras, uma por uma, para que enfim
seja minha por completo, como quero e como deve ser. Sem pudores.

Fico de joelhos e a faço ficar do mesmo jeito, porém sentada sobre os


calcanhares. Estamos frente a frente, com o meu pau entre nós. Seguro o seu
pulso e a guio até a base do meu sexo, cobrindo a sua mão com a minha para
ensiná-la.

— Toque-me — ordeno suave, usando a mão livre para acariciar os


seus cabelos, retirando algumas mexas do seu rosto e pondo atrás da sua
orelha.
— Aah... — geme, resvalando devagar por toda a minha extensão,
subindo. Faço-a parar no centro, onde as veias são mais salientes.

— Está sentindo? A curva começa aqui. — Ela me aperta um pouco


mais, fazendo arder... ferver. — Hmff... — gemo, fechando os olhos, continuo
guiando até a glande robusta, proeminente, lubrificada. — Sinta... estou
molhado por você — anuncio.

— Perfeito... você é perfeito — sussurra, tomada de tesão.

A agarro pela cintura e a beijo, o pau pressionado contra o seu


abdômen. Nos tocamos com mais intensidade, os lábios se fundindo,
derretendo, se transformando em uma coisa só, mais forte e lasciva. Resvalo
para a sua bunda apertando as nádegas com as duas mãos, fazendo-a ficar de
coxas eretas como as minhas.

Abro-a ao meio, puxando até o limite, invadindo a sua calcinha com o


indicador que tateia a entrada do seu cu. Ela arqueja, em uma luxúria nervosa

que a faz cravar as unhas em meus ombros outra vez, entretanto, com uma
força nunca antes usada, percebendo que estou descobrindo cada ponto do
seu corpo.

Roço a barba por sua bochecha, descendo para o pescoço, rosnando... e


enfim subo para a sua orelha, chupando o lóbulo, indecente e pervertido, ao
mesmo tempo em que massageio o seu orifício, mas sem penetrá-lo.
— Nós vamos começar devagar, baby. Prometo que vou te fazer
esquecer todas essas merdas que colocaram na sua mente e bagunçaram com

o seu psicológico — sussurro, arrastando os dentes por sua pele, ela geme
mais alto. — Vou te mostrar o quanto é linda... gostosa.

— Esteban... — Arranha as minhas costas largas, descendo até apalpar


a minha bunda dura e musculosa.

— Vou te provar que você tem tudo o que um homem precisa, o que eu
preciso... e que não falta nada! — Aperto as suas nádegas com mais força,
sentindo a sua pele fofa entre os meus dedos. O mastro lateja contra a sua
barriga, pegando fogo.

— Preciso te foder por inteira... como veio ao mundo... sem barreiras...


sem pudor — sibilo sexy, atiçando-a em nível máximo. — E vou te deixar
tão louca por isso, Madeleine..., mas tão louca, que vai implorar para que eu
esteja dentro do seu corpo quando estiver completamente nua... com as luzes

acesas... em qualquer lugar... a qualquer hora... sem vergonha, sem receios.


Porque nesse dia se aceitará como é, sem precisar da aprovação de ninguém.

— Ooorh... — Ela puxa o meu rosto e me beija de forma avassaladora,


aproveito o instante para rasgar a sua calcinha com uma só mão, bruto,
jogando a peça para longe. Ela geme forte e desconcertada dentro da minha
boca.
Faço-a deitar e me deito entre as suas coxas grossas, encaixando o
corpo do pênis sobre o seu monte púbico, esmagando o seu clitóris para que

sinta a pressão. É pecaminoso. O nosso contato, ainda que sem penetração é


como duas colunas de fogo colidindo, criando labaredas incontroláveis e
irreversíveis. Tenho que me utilizar de todo o meu autocontrole para não a
foder de uma vez.

— Vamos começar... — aviso entre beijos, movendo o quadril devagar,


roçando o pênis no seu clitóris, abrasando. — Hoje vou te fazer gozar apenas
te chupando, mas não vou te comer ainda, somente quando estiver pronta
para se entregar a mim por inteiro.

— Esteban... por favor — implora, então enfio o indicador em sua


boca, ela chupa contornando com os lábios carnudos que tanto gosto de
beijar.

Escorrego por seu corpo, descendo... apertando os seus seios sobre a

maldita blusa, controlando-me para não tentar tirá-la outra vez, porque agora
quero que essa atitude parta dela. Ela que tem que tirar, só assim quebrará o
trauma e se libertará dos demônios que implantaram em sua cabeça. Este, a
partir de agora será o meu maior desafio.

— Abra as pernas o máximo que puder, baby — ordeno, Madeleine


obedece, se esticando toda.
A curiosidade para ver sua boceta às claras chega a ser absurda,
principalmente quando a acaricio, ficando boquiaberto ao sentir o quanto é

volumosa. Isso me deixa fascinado, escorrego os dedos pelos lábios grossos e


encharcados.

— Tão molhada... — gemo, mordendo o lábio inferior. Desço um


pouco mais, até ficar com o rosto sobre o seu sexo. Faço mais carinho, a pele

sensível dela está flamejante, vibrando a cada toque meu.

— Aaaiii... — Seu grunhido é o meu pontapé inicial para me fazer


abocanhar a sua intimidade com delicadeza, sutil. Pincelo a língua por todo o
monte depilado, contornando pelo clitóris latejante, que prendo entre os
lábios e estico, fazendo uma massagem. — Deus... — Madeleine arqueia o
corpo, abre os braços agarrando os lençóis e arrasta os calcanhares por meus
ombros.

— Preciso que se abra mais, baby — murmuro, ela se força a me

obedecer. Está embevecida, dominada.

Arranho com cuidado os dentes em sua pele, descendo... então passo a


explorar a vulva, serpenteando a língua entre os lábios externos, tocando a
ponta nos internos, abrindo mais a fenda e incitando a carne mais profunda,
mais sensível que a faz enlouquecer e espasmar o quadril.

Faço uma lambida servida, de baixo a cima, sempre carinhoso, sem


pressa, fechando os olhos e permitindo me levar neste sonho infinito e
saboroso. Sei o que estou fazendo, mas a boceta de Madeleine está me dando

a sensação de ser a primeira vez. Ela está tão sensível e suas reações são tão
puras e primárias, que é como se ainda fosse virgem. Talvez realmente seja,
talvez ainda não tenha descoberto todos os seus pontos erógenos.

Penetro o seu canal vaginal e brinco ali dentro, recebendo as contrações

poderosas das suas paredes internas que se desconcertam ao me receberem.


Madeleine volta a roçar os pés nas minhas costas, querendo fechar as coxas,
mas não deixo, abrindo-as rapidamente avisando-lhe indiretamente como
deve ficar.

Beijo o seu sexo, libidinoso, provocativo, remexendo os meus lábios


nos lábios íntimos dela, desordenando tudo, a beijando como se beijasse a sua
boca, devorando cada pedaço, sentindo os seus fluidos que escorrem da sua
fenda e molham a sua pele, o meu queixo. Volto para o clitóris, criando uma

fricção com movimentos frenéticos ao mesmo tempo que penetro o dedo


médio dentro dela.

— OOOH! — grita, arqueando ainda mais as costas, se partindo ao


meio quando inicio as investidas, socando agora dois dedos em suas
entranhas, brigando contra os seus músculos sensíveis, agitando, fazendo-a
tremer.
Sugo o clitóris, fazendo barulho com a língua, chupando enquanto
incito o seu ponto G, massageando-a no interior, movimentando e levando-a

à beira da insanidade! Madeleine volta a espasmar, dessa vez de modo mais


potente, contorcendo o quadril. Afasto o rosto e continuo golpeando-a com os
dedos até que exploda em prazer!

Ela esguicha jatos de luxúria, alucinando totalmente fora de si. Deixo-a

terminar e volto a socar a bocetinha, novamente ela berra, agoniada se


contraindo, me fechando e ejaculando pela segunda, terceira vez. Porém
ainda não estou satisfeito. Retorno a chupá-la, lambendo-a de forma
necessitada, a jovem delira, se tremendo inteira e esguicha dentro da minha
boca. Bebo todo o seu suco.

— Hmmmm... preciosa! — rosno em espanhol, rouco, gutural. Ela


grunhe entorpecida.

Fico de joelhos entre as suas pernas, enxugando os lábios com as costas

da mão. Meu pau está tão petrificado, apontando pungente para cima, quando
o forço para baixo, contraindo com o movimento, sinto-o estalar gostoso, isso
me arranca um gemido.

Encosto a glande no clitóris melado da garçonete, brincando e


instigando, fazendo uma espécie de massagem erótica. Então passo a me
masturbar, com força, escorregando a mão da ponta até a base, rápido, fatal.
Estou tão repleto de lascívia que não demoro quase nada para explodir e

ejacular sobre Madeleine.

Os jatos vêm ferozes, saindo das minhas bolas, atravessando o interior


do mastro até expelir pela fenda, voando em abundância, caindo sobre os
seios dela encobertos pela blusa, jorrando até seu umbigo, onde despejo a
maior quantidade do meu prazer viscoso, grosso e pesado, que queima.

Meu coração bate acelerado, nós estamos arfando e suados mesmo com
o ar ligado. Deito-me ao seu lado, ainda tentando controlar a respiração.
Apenas dei prazer a ela aqui, porém fui arrebatado com os sentimentos na
mesma intensidade. Ficamos em silêncio por um bom tempo, até que levanto,
pego uma tolha de mão em uma das gavetas que uso para a limpar.

Delicadamente, enxugo a sua vagina, apalpando com cuidado, fazendo-


a suspirar gostoso, inocente. Isso acaba comigo e me faz latejar outra vez.
Limpo o seu abdômen também, mas como prometido, não toco na blusa. Uso

a toalha ainda para me limpar, em pé fora da cama, sendo observado pela


jovem que continua deitada, no quase breu.

Deito-me ao seu lado novamente, a abraçando, pondo a sua coxa sobre


a minha, pousando a mão na sua bunda e a beijando com carinho.

— Como consegue se controlar? — pergunta, roçando as unhas na


minha barba.
— Anos de experiência, Pimentinha — afirmo. — Nós teremos todo o
tempo do mundo, sou paciente.

— O que acabamos de fazer foi loucura, Esteban.

— Estamos só começando.
MADELEINE FERNANDEZ

Impressionada! Essa é a palavra que me representa agora. Esteban é


impressionante e pela segunda vez provou que consegue me dar prazer sem
precisarmos fazer o sexo propriamente dito. Mas cada vez que me toca assim,
por metade, fico ainda mais incandescente para descobrir como é quando me
possuir por inteiro.

Foram tantas promessas silenciosas e faladas, que não saem da minha


mente, e só pelo que já mostrou não duvido de nenhuma delas, sei que ele é
capaz de tudo, pois tem um poder sexual muito grandioso, nem precisa
insistir, consegue o que quer de mim com suavidade e firmeza nos momentos
certos.

É como se fosse a primeira vez. Senti isso no baile e agora de novo


aqui no seu quarto. As sensações que esse homem me passa são
diferenciadas, nunca sentidas antes. Não quero lembrar de Vincent, mas é
impossível, porque agora sei que com ele não senti prazer de verdade, apenas

fui o seu meio para um orgasmo.

Não teve envolvimento, palavras, nem tão pouco sedução. Não


aconteceu esse magnetismo, essa força louca e poderosa que me faz querer
Esteban além de tudo. Ele prometeu limpar todo o lixo que puseram na minha

mente desde que me entendo por gente, sinto que realmente será capaz disso
porque quando estou ao seu lado, esqueço dos problemas, fico livre.

Ainda tenho receios, inseguranças, ontem quando começamos a


brincar, por um momento, quase tirei a blusa para dar a liberdade e ele poder
fazer comigo o que quisesse, porém preciso perder esse maldito bloqueio que
grita. Vincent não se importou com esse fato, na verdade nem deu atenção de
transar comigo sem estar completamente nua, apenas se satisfez. Na época
achei lindo, mas hoje após Esteban, sei que de lindo não teve nada.

Ontem, não nos enxergávamos bem devido ao escuro que impus, mas
quando o advogado me fez tocá-lo, quando a minha mão segurou aquele
mastro grosso e extenso, era como se eu visse tudo! Ele é lindo, gostoso e
muito quente. Me fez arder, implorar, porém não caiu na tentação e me levou
a um estado caótico.

Nunca a minha intimidade ficou tão lambuzada, descobri pela primeira


vez o que é ter um orgasmo de verdade, como os que já vi em alguns filmes

pornôs e acreditava ser mentira. Não é só verdade, como possível. Esteban

tirou isso de mim, acho que conseguiu sugar prazer até da minha alma, mas
no fundo estou culpada por não ter dado a ele nem metade do que me deu.

Quero satisfazê-lo também, quero levá-lo ao limite mesmo sem


experiência alguma, mas sei que para isso terei que aceitar os seus termos e

me entregar sem qualquer pudor ou barreira. Realmente, para mim não é tão
fácil, não é uma coisa de escolher ou não fazer, quando chega a hora H,
simplesmente travo. Contudo, estou disposta a tentar vencer esse fantasma.

Os meus medos não podem ser maiores que os meus desejos.

Após brincarmos daquela forma quente e ficarmos conversando,


Esteban se mostrou um homem muito carinhoso, cuidando de mim com
carícias e beijos suaves. Ele respeitou o meu espaço, me deu uma camisa sua
para usar como pijama e me deixou tomar banho em seu banheiro para então

podermos dormir.

Sim, dormimos juntos sem transar e isso só me fez admirá-lo muito


mais. Sei que a maioria dos homens não conseguiria ou não aceitaria isso,
porque o sexo sempre vem em primeiro lugar. Para o advogado, a minha
segurança e confiança ao seu lado é a prioridade, e assim me sinto especial e
o faço ainda mais especial em meu coração.
Agora estamos aqui, de conchinha, só que de forma inversa, já que sou
eu que estou às suas costas, pois ele disse que seria muito perigoso fazermos

do modo tradicional, pois aí arriscaria quebrar a sua promessa. A verdade, é


que quero que ele quebre mesmo, mas por outro lado, também quero tentar
perder o bloqueio, não só para agradá-lo — até porque ele merece — como
também, para me libertar disso de uma vez por todas.

Estar abraçada a este homem é surreal. A pele dele sempre muito


quente, e suas costas são largas e musculosas. Estou acordada já faz um
tempo, curtindo esse nosso momento que jamais imaginei que poderia
acontecer, enquanto ele continua dormindo, sua respiração pesada indo e
vindo, fazendo seu corpo crescer mais ainda e diminuir com o ar que percorre
os seus pulmões.

Pareço uma menininha protegida por um grande escudo de titânio, se


alguém chegasse no quarto agora, provavelmente não perceberia que estou

com ele, escondida atrás da montanha de músculos. Não resisto e mordo o


seu ombro, um instinto animal e brincalhão que me domina. Esteban é
cheiroso, seu perfume natural é de tirar o fôlego.

— Hmmm... — geme sonolento. Mordo de novo. — Está querendo me


comer... Pimentinha?

— Estou... — Sorrio. — Acordei faminta e a culpa é sua — confesso.


— Também estou faminto, então é melhor não me provocar — avisa
imóvel, dorminhoco.

— Senão o quê? Vai quebrar a sua promessa e ceder? Por mim tudo
bem, eu acho ótimo! — revelo, mordendo-o novamente.

— Não vou perder essa guerra... já disse que vou te fazer implorar —
repete, bocejando.

— É muita prepotência. Quem inflou tanto o seu ego assim, hein,


senhor advogado?

— A vida — responde, fazendo-me rir ainda mais.

— Eu quero te provocar. — Deslizo a mão saliente sobre o seu braço,


sentindo os bíceps e tríceps.

— Hmmm — geme rouco, me arrepiando.

— Acho que essa sua pose de autocontrole vai cair por terra em algum

momento. Não vai resistir muito. — Estou sendo leviana agora, e adorando
esse meu lado.

— Madeleine... — repreende.

— Quer uma massagem? Sou quase uma fisioterapeuta já, lembra?

— Não brinque com fogo, garota.

Afasto-me dele, faço-o ficar de bruços e monto sobre a sua bunda nua e
gostosa.

— Ai... caralho. Não me diga que está sem calcinha — fala, ainda de

olhos fechados, meio zumbi, só que um bem gato eu diria.

— Queria o quê, já que rasgou a minha? Dormi sem calcinha a noite


toda aqui do seu lado, só não te contei, pois não queria jogar sujo. — Estou
adorando alfinetá-lo, começando a massagear suas costas. — Por quê? Tem

algum problema nisso.

— Teria se tivesse me contado, mas agora temos, já que estou sentindo


a sua boceta quente contra a minha bunda. Isso está me deixando excitado.
Meu pau já está duro, Madeleine. — Essa informação me faz tremer por
dentro e engolir em seco. Suspiro.

— É? — indago, cheia de vontade. Estou com muita vontade dele


mesmo. Apalpo sua pele com cuidado, tocando em pontos estratégicos para
relaxá-lo. — Sinto que está muito tenso, querido. Precisa relaxar — provoco-

o, rebolando vagarosamente o quadril sobre as nádegas duras dele.

— Deus... socorro! — geme, me fazendo rir, aperto os seus ombros


enormes, minhas mãos pequeninas estão perdidas em seu corpo. — Isso não
se faz com um homem logo cedo, Pimentinha.

— Ah, é? E aquilo que fez comigo ontem à noite é coisa que se faça
com uma mulher? Quase não consegui dormir e agora estou querendo tudo de
uma vez, você por completo. — Deito-me sobre ele, cochichando sensual em
seu ouvido.

— Sabe o que fazer então. — Lembra, me fazendo revirar os olhos.


Mordisco a sua orelha e digo entredentes:

— Isso é tortura.

— O que está fazendo sobre mim é tortura. Estou latejando,


Madeleine... por favor.

— Não precisamos passar por isso, com o tempo tudo dará certo.

— Negativo... precisamos fazer do início. Você vai gostar e vai pedir


para repetir — avisa, me excitando. O seu ego às vezes me excita bastante.

— Seu safado! — Volto a me sentar sobre ele. Desço um pouco mais,


ficando agora sobre as suas coxas e visualizando o bumbum másculo que
passo a apalpar.

— Opa... cuidado! Cuidado aí! — avisa, não gostando muito de ser


tocado nessa região. Gargalho.

— Qual o problema?

— Ainda sou virgem aí atrás, então cuidado com essas suas unhas
grandes — fala brincalhão e sonolento, arrancando-me ainda mais
gargalhadas.
— Não tenho unhas grandes, não posso devido à minha profissão, só
uso postiças de vez em quando — informa.

— De qualquer forma, depois das unhas tem os dedos... dá para parar


de me tocar assim, por favor? Estou me sentindo meio... vulnerável.

— É só um dedo, nada mais.

— Não é só um dedo. É um dedo muito perigoso, vai que eu goste.

Me desmancho em risadas.

— Você jamais gostaria disso, não faz seu perfil. Não mesmo, senhor
advogado.

— Prefiro não arriscar. Já até broxei aqui — revela. Ele é demais!

— Gosto de pegar na sua bunda, acho sexy, assim como sei que gosta
de pegar na minha.

— São situações diferente.

— Por quê? Porque você é homem e eu sou mulher?

— Sim.

— Oh, que machista! — Dou um tapinha nas nádegas dele.

— Aaaaaiii... — geme como uma menina, quase morro de rir.

— Posso morder?

— Não... de jeito nenhum! — Sua voz sai mais grossa, porém não lhe
dou ouvidos.

— É só para experimentar.

— Madeleine Armand Fernandez, sua canibaaal! — geme em sufoco,


quando prendo a sua pele fofa e esbranquiçada entre os dentes.

Esteban remexe o quadril como se tivesse possuído até me derrubar

para o lado, livrando-se de mim. Então se levanta rápido, nu, olhando-me


com pavor.

— Esqueça que tenho bunda, sua pervertida! — Ergue o indicador para


mim. —Vou tomar banho antes que invente outra coisa louca. Antes que me
devore!

Aos risos, vejo-o se afastar rumo à toalete. Ainda consigo vê-lo através
da película jateada no vidro que separa o quarto do banheiro. Fico jogada na
cama, olhando para o teto, sentindo-me mais feliz do que nunca, bem, em paz
e com a saúde mental restaurada. Esteban faz com que eu me sinta única,

desejada, além de me entorpecer de prazer. É mágico.

É como se nada pudesse me abalar, no entanto, quando o meu celular


apita ao receber uma mensagem, e arrasto-me pelo colchão para pegá-lo
sobre as gavetas flutuantes, descubro que estou enganada. O texto foi enviado
por um número desconhecido:
Sei que você continua com aquele otário. Mas, quer saber de uma coisa?
Não vou estragar a minha vida por sua causa! Não preciso, posso ter todas

que quiser. Além disso, ele já teve o que mereceu. Acha que somos
diferentes? Assim como eu, ele só vai te comer e jogar fora. Porque você
não faz o nosso tipo, aliás... não faz o tipo de homem nenhum. Ninguém
quer assumir uma gorda ridícula e feia! Não se iluda, após ele conseguir o

que quer, vai te esquecer.

Adeus para sempre, vadia!

É o Vincent! Fico chocada e desestruturada com a sua mensagem. O


que é isso? Uma despedida? Uma renúncia ou aviso de trégua? Se for, acho
muito bom, mas por outro lado, ele só provou o quanto é maléfico ainda
tentando me atingir. Mas não vai conseguir. Não acreditarei em suas
palavras, apesar de já senti-las perfurando o meu psicológico sensível.

Devolvo o celular para onde estava, até que noto que uma das gavetas
flutuantes está entreaberta. Algo me faz aguçar a curiosidade a ponto de abri-
la, momento em que fico boquiaberta ao descobrir um mundo de calcinhas.
Levanto-me para conferir melhor, são tantas que a gaveta mal fecha direito,
está lotada.

Encontro a minha que Esteban rasgou ontem à noite, que por sinal é
maior que as outras que puxo para conferir. Ele colocou a minha peça aqui,
em meio a outras dezenas. Vejo que há pouca diferença de um número para o

outro, que são de estilos e cores diferentes, compreendendo que pertencem a


cada mulher que já passou por sua cama.

Fico abalada e com as pernas fracas, juntando isso às palavras de


Vincent. Eu sou apenas mais uma. A história está se repetindo e estou caindo

outra vez como uma pata. Fecho a gaveta rapidamente quando escuto Esteban
se aproximando. Disfarço, fingindo arrumar a cama para que não perceba o
meu estado enquanto ele se aproxima molhado enrolado na toalha.

— Aah, que banho gostoso! Agora é a sua vez, Pimentinha, e como


ontem, não se preocupe. Juro que não vou olhar! — Brinca, então me vejo
obrigada a encará-lo.

— Ah, obrigada. — Sou fria, mesmo forçando um sorriso.

Esteban, sendo muito perspicaz como é, franze o cenho achando algo

estranho e fita a gaveta, como se soubesse que mexi ali. Engulo em seco e o
ultrapasso, seguindo para o banheiro, onde me tranco.

— Vou te esperar na cozinha. Vou fazer um café para a gente! — avisa.

— Tudo bem! — exclamo em resposta.

Crio coragem para tomar banho, porque quando fico ansiosa e nervosa
assim, geralmente gosto de comer para ficar mais tranquila. Ao retornar para
o quarto enrolada na toalha, vejo que estou sozinha e escuto Esteban
cozinhando no andar de baixo. Cozinhando e cantarolando uma canção em

espanhol, parece contente.

Procuro a minha roupa, visto, mas sem a calcinha porque não tenho
mais, está rasgada e foi posta no depósito junto às outras. Penteio o cabelo
rapidamente, refletindo. Estou indecisa, sem saber o que fazer. Por um lado,

eu poderia conversar com Esteban acerca disso e pedir uma explicação, mas
por outro... não acho que já possuímos essa intimidade, poderia soar como
cobrança e não temos nada, apenas uma amizade colorida.

A minha vontade é de pegar a bolsa e ir embora, o clima para mim já


morreu, não estou me sentindo mais à vontade, não consigo parar de olhar
para a maldita gaveta e criar teorias que vão contra o príncipe que Esteban
demonstrou ser durante todos esses dias que passamos juntos.

Ouço o celular apitar sobre a cama novamente, vou pegá-lo, mas não é

o meu, é o dele. Não resisto à infame curiosidade e leio as diversas


mensagens que aparecem como uma prévia na tela. São todas de mulheres,
algumas dizendo que estão com saudades, outras o convidando para sair.

Ele é um cafajeste, tem uma vida sexualmente ativa. Quando foi que eu
esqueci disso? E se nesse tempo que ficou aqui outras vieram visitá-lo além
de mim? E se alguma daquelas calcinhas foi colocada naquela gaveta
enquanto estava machucado? Não posso duvidar de nada, não posso confiar

nele!

Não tenho frieza o suficiente para me envolver com um homem que se


envolve com muitas outras. Não sou assim, não suportaria uma relação deste
nível agora. Preciso me resguardar porque já fui magoada demais e se receber
mais um soco, sei que não irei suportar.

Respiro fundo, decidida. Pego a minha bolsa e desço as escadas com


rapidez.

— Está chovendo forte lá fora, acredita? — Ouço-o dizer quando me


vê, mas não o olho, passo direto pela sala, marchando. — Ei, aonde vai?
Madeleine! Madeleine! — grita, quando abro a porta e saio. Sinto que está
vindo atrás de mim, mas por sorte consigo entrar no elevador onde há outras
pessoas. — Madeleine! — Esteban surge apenas de calça moletom no
momento em que as portas metálicas se fecham.

Os condôminos me observam, sem entender nada, mas os ignoro. Só


quero partir, sumir, ficar sozinha. Meu coração bate forte, estou agoniada,
sem saber direito o que estou fazendo, mas é certo que preciso me isolar por
um tempo para poder refletir. Chegando ao térreo, saio do elevador, caminho
rumo à saída, assustando-me ao ouvir a voz de Esteban me chamando outra
vez.
Ele sai por uma porta lateral. Esbugalho os olhos, deduzindo que
desceu as escadas. Merda! Caminho depressa, está um temporal, estou tão

desequilibrada com os demônios atacando o meu psicológico que não me


importo de ficar ensopada. Ando pela calçada, desorientada, sendo banhada
pela chuva forte.

— Madeleine! — Esteban me segue. — Porra, eu estou falando

contigo! — Me puxa pelo braço, obrigando-me a virar e encará-lo. Mas me


desvencilho.

— Está louco?! — exclamo, para poder ser melhor ouvida, já que a


tempestade faz barulho, a ventania açoitando os nossos ouvidos. — Vai ficar
andando de moletom na rua?!

— O quê?! — Ele abre os braços, incrédulo. — Louca é você, que sai


nessa chuva sem nem se despedir! Quer me explicar que merda está
acontecendo!

— Nada... só preciso ir embora! Isso entre a gente não vai dar certo! —
Dou-lhe as costas, voltando a caminhar, mas Esteban não desiste.

— Foi a gaveta? — A sua pergunta espeta o meu peito e me faz parar.


— Aquilo..., aquilo foi antes! Não coloquei a sua calcinha lá com essa
intenção, é costume! Você sabe muito bem a vida que eu tinha, caramba!

— A vida que você tem! — Viro-me para ele, o encarando. — Vamos


ser sinceros, Esteban, você não quer nada comigo! Tudo é só sexo e não tem
nada de mau nisso, eu não te julgo, mas não sou esse tipo de garota! Não

posso mais me magoar, entende?

Ele fica calado, sem palavras. Não tem o que dizer, é a verdade.

— A gente... — choro, arrasada. — A gente pode ser apenas amigos,


okay? Não estou com raiva de você, estou apenas sendo realista! Não somos

e nunca seremos um casal porque não fomos feitos um para o outro. Olha
para mim e depois para você! Não combinamos e está tudo bem! Você jamais
se apaixonaria por alguém como eu. — São as minhas últimas palavras.

Esteban continua em silêncio, fitando-me desconcertado, um advogado


sem argumentos. Sempre estive certa, apenas me iludi. Volto a caminhar,
agora devagar, com dor, sem chão.

— Madeleine! — grita, paro outra vez. Estamos completamente


encharcados, a água não para de cair em abundância, o vento soprando, os

carros passando na pista, pessoas nos ultrapassando, sempre olhando para a


situação dele enquanto tentam manter as sombrinhas no lugar.

Olho-o, o que ainda pode querer?

— E se você estivesse errada? E se pudéssemos ser um casal? Se...

— Impossível!

— E se fôssemos feitos um para o outro, Pimentinha? — Fecho os


olhos quando me chama pelo apelido carinhoso, tocando o meu coração. —
Estou olhando para mim... e para você. — Chora, me emocionando. — E

acho que combinamos em tudo! — declara em pranto, expondo os seus


sentimentos. — Eu estou apaixonado por você, Madeleine! Sou louco por
você, baby!

Agora sou eu que fico sem palavras, sem argumentos, sem barreiras! O

advogado avança em mim, me puxando contra ele com posse, reivindicando-


me e então me beija. Nós nos beijamos no meio da rua, debaixo da chuva,
sem se importar com nada ao nosso redor. Somos dois loucos apaixonados, se
entregando a um sentimento que vai contra todas as possibilidades, mas briga
para ser aceito e imperar entre nós.
MADELEINE FERNANDEZ

É paixão! O fogo acende dentro de nossas almas mesmo com os nossos


corpos molhados. Os nossos lábios se esfregam uns nos outros com
voracidade, sôfregos, desesperados para botar para fora toda essa emoção que
nos domina, que estava entalada na garganta e tinha medo de ser colocada
para fora!

Quando por fim terminamos, os narizes ainda se tocando, Esteban


segura a minha mão com força, com poder e me leva de volta para o seu
prédio. Nos atracamos dentro do elevador, desvairados e inconsequentes!
Está calor! Não sentimos frio, apenas os corações retumbando no mesmo
ritmo, os corpos clamando por mais, muito mais!

Entramos no seu loft, subimos as escadas molhando todos os degraus e


paramos estrategicamente em frente ao grande espelho do advogado, que nos
reflete, ele às minhas costas, me fitando com desejo. Eu pegando fogo,
afundada em tesão. Ele afasta o meu cabelo para o lado, desnudando o meu

pescoço e beija com carinho, arrastando os lábios até o meu ouvido:

— A partir de hoje você vai ser minha e de mais ninguém. E eu só serei


seu também.

Suspiro, arrepiada, a roupa úmida ainda colada à minha pele.

— Eu disse que somente iria te foder se fosse sem qualquer pudor e


para isso teria que ver ela como veio ao mundo. Pois bem, farei isso hoje,
porque para te ver não preciso estar de olhos abertos, mas apenas te sentir —
declara sexy, rouco. Não entendo o que ele quer dizer até se afastar e voltar
com uma gravata de seda vermelha.

— Esteban...

— Shhh — pede silêncio, pondo o indicador em meus lábios, fazendo a


minha intimidade piscar.

O homem está sério, erótico, com a pele ainda cintilando do molhado.


Ele retira o moletom com a cueca, ficando totalmente nu, permitindo que seu
membro surja imponente, pungente, intimidador. Ao contemplá-lo, sinto
meus seios sensíveis, os bicos entumecendo.

Esteban usa a gravata para se vendar, fazendo o nó perfeito atrás da


cabeça, então se posiciona às minhas costas, olho-o pelo espelho, as mãos
enormes em meus ombros, resvalando para o pescoço e rosto, acariciando e
atiçando a minha pele, enquanto a ponta do seu pênis bate na minha lombar.

Um dedo penetra a minha boca, o chupo com vontade, submissa... entregue.

— Deixe-me te ver, Madeleine — sussurra libidinoso, me


conquistando. Ele escorrega sobre a minha blusa até a barra, puxando-a
devagar para cima, dando tempo a mim de impedi-lo, mas como está

vendado, me sinto segura o suficiente e permito que retire. A roupa vai ao


chão.

Ele beija o meu ombro nu, doce, carinhoso, ao mesmo tempo em que
retira o meu sutiã, livrando-se da peça, fico exposta, exposta como jamais
estive na frente de um homem, já que está tudo claro ao nosso redor, ainda
cai chuva lá fora.

— Oooh! — gemo, quando segura os meus seios com as palmas,


apalpando forte, espremendo-os um contra o outro e apertando os bicos entre

os dedos, abrasando. Seu corpo se pressiona contra o meu, seu pau se aperta
mais contra a minha coluna, posso senti-lo pegando fogo, petrificado.

Entro em sua fantasia, observando-o me dominar mesmo sem me ver,


isso me excita, é um contraponto, um meio termo entre o meu trauma e a
minha libido. Sua língua chupa a minha orelha do jeito que gosto, sugando.
Ergo os braços, bagunçando os seus cabelos umedecidos, ainda recebendo a
massagem nos mamilos.

Esteban decide partir para o meu short, abrindo-o e puxando para

baixo, até sair pelos meus pés e ser jogado para longe. Ele está agachado aos
meus pés, aproveita para morder a minha bunda se vingando, me fazendo rir
e instintivamente me apoiar no espelho, arrebitando o traseiro que agora se
perde em seu toque grosso, assanhado.

— Maravilhosa... — rosna, arrastando a língua por minhas nádegas


abundantes, mordendo outras vezes e subindo, lambendo a minha espinha
dorsal até ficar de pé outra vez e morder a minha nuca, roçando o pênis
contra o meu bumbum vulnerável.

— Hmmf... — mio eriçada e envolvida, querendo-o mais que o próprio


ar para respirar.

De repente, o advogado me vira e me toma contra o espelho, seus


longos braços abarcando o meu pequeno corpo, apertando todas as minhas

dobras, queimando cada pedaço, comprimindo o mastro contra o meu


abdômen. A minha bunda é aberta, o seu indicador tateia o meu orifício anal,
arrancando-me um gritinho e obrigando-me a erguer a perna direita numa
reação espontânea.

A minha boca não é mais minha, agora pertence a ele, que chupa,
mordisca e devora. As nossas línguas se enfrentam, digladiando, enroscando-
se uma na outra, sugando. Nosso beijo é esfomeado, estamos com tesão
reprimido, aproveitando agora para botar tudo para fora, nos deixando

extravasar e sermos apenas... prazer.

Arranho as suas costas, selvagem, recebendo uma nova investida nos


seios. Esteban mama em mim com paixão e ímpeto. A lascívia o toma,
estamos ardendo, febris. Continuo bagunçando os seus cabelos, sentindo uma

carência gigantesca entre as pernas, uma vontade de ser tocada no meu centro
sem igual, irreversível.

Ele parece adivinhar os meus pensamentos e resvala para baixo,


arranhando os dentes na minha pele, rosnando feroz, apertando as dobras da
minha barriga entre os dedos, sem frescura, sem pudor, tocando em pontos
sensíveis os lugares que mais gosto de esconder, que temo mostrar, mas que
para ele são mais um ponto de desejo em mim.

É uma sensação incomum, é como se os bloqueios lutassem para

resistir e permanecer ali, tanto que instintivamente seguro os seus pulsos,


gemendo alto, mas dessa vez o homem não para, continua segurando as
minhas dobras com força e lambe até o meu clitóris, então perco o controle,
os fantasmas são destruídos e a lubricidade vem com tudo, espantando o mal,
fazendo imperar a luxúria.

Os seus lábios salientes beijam o meu monte púbico com carinho,


trazendo também sentimento, aqui Esteban desacelera e vai devagar,

chupando-me, sugando e massageando a minha carne íntima na boca. É

perverso..., me deixa vulnerável, açoita a minha alma, me tira tudo e fico sem
nada.

Quando a temperatura está quase me fazendo entrar em combustão,


Esteban levanta, abandonando-me, necessitada, trêmula.

— Vamos para a cama — sussurra contra a minha bochecha,


possessivo segurando o meu queixo. Sua mão toma a minha — Guie-me —
ordena, obedeço-o puxando, pois estou desesperada para continuar. Ele para
quando passamos pelo móvel da tevê, tateando a madeira até encontrar o
buquê de rosas que me deu, pegando uma delas e assentindo para que eu
continue.

Ele se senta no colchão primeiro, ajeita três travesseiros contra a


cabeceira, no centro, e se encosta neles, de pernas abertas, o pau imponente e

grandioso, duro, me chamando.

— Sente-se aqui — manda, apontando para a sua frente. Subo na cama


e engatinho até ele, admirando o seu corpo nu, o abdômen trincado, repleto
de gominhos. Viro-me, sentando entre as suas pernas abertas, Esteban me
puxa pelo quadril até que nossos corpos estejam unidos, as minhas costas
contra o seu torso e seu pênis novamente latejando atrás da minha lombar. —
Agora deite a cabeça em meu ombro, abra as pernas e ponha sobre as minhas.

Obedeço, primeiro pousando a cabeça em seu ombro direito, depois

abrindo as pernas e pondo sobre as dele, meus pés sobre os seus e meus
braços atrás das suas coxas, nas laterais do seu corpo robusto. Esteban respira
pesado contra a minha orelha e isso é tão viril que me excita. Não sei o que
ele está pretendendo, qual será o seu próximo passo, é um poço de mistério e

isso também me tira o juízo, me deixa louca, efervescente.

Quero logo que transe comigo, mas a sua paciência e jogos são uma
tortura boa, fora do comum! Ele ergue a rosa, e a usa para acariciar o vão dos
meus seios, as pétalas vermelhas escorregando por minha pele com afeto e
suavidade, arrepiando tudo. Fecho os olhos e gemo forte quando toca a minha
boceta e gira. Preciso de mais e que seja bem mais forte, por isso fico
ensandecida, carente.

— A rosa colombiana é uma das principais representantes do amor... e

da paixão — murmura em meu ouvido, perigoso, lascivo. A sua voz me faz


piscar, a sua mão livre apalpa o meu seio esquerdo com sedução e
libidinagem. — Ela é como você, Madeleine, linda, perfumada... intensa e
grande. O seu corpo é macio como as pétalas, mas também tem espinhos, que
não nasceram contigo, foram colocados pela sociedade.

Ele volta a subir, a flor resvala por minhas dobras e pincela delicada em
meus mamilos, até ser deixada de lado na cama. Esteban larga o meu seio e

segura o meu pescoço com firmeza, descendo a mão direita para o meu sexo,

que passa a massagear com habilidade.

— Oooh... — libero um grunhido, estou muito sensível.

— Diga que é linda — rosna, comandando. Aperto as pálpebras,


rebolando o quadril à medida que brinca comigo. — Diga! — ordena, com

raiva, capturando o meu clitóris e espremendo entre os dedos até doer,


sufocando-me pela garganta.

— OOOH... Eu sou linda! — gemo bem forte e alto, rouca, roçando as


panturrilhas depiladas nas dele que são peludas e viris.

Esteban esfrega o indicador e o polegar onde prende o meu maior ponto


de prazer, para cima e para baixo, contraindo o clitóris sem pena. É a
primeira vez que me faz sentir dor unida à uma luxúria intensa. Nem consigo
compreender ou explicar o turbilhão de sensações que reverberam por mim

agora, é como se ele tivesse a minha vida em suas mãos... literalmente.

— Agora diga que é gostosa — ordena.

— Eu sou... gostosa. — Tremo, recebendo uma pressão absurda sobre a


boceta que se agita.

— Diga que é minha. — Acelera com o toque, esfregando o meu


clitóris com mais rapidez, roçando a carne puxando, me fazendo arquear o
corpo. Ele me segura pelo pescoço, impedindo-me de sair, tomando-me o ar,
controlando a minha respiração.

— Eu sou... sua!

— Que a sua boceta é só minha.

— Oooh... — As minhas pernas vibram, estou gozando, ele larga o

clitóris e escorrega os dedos por minha fenda aveludada, instigando lá no


fundo. — A minha boceta... é só... SUA! — berro espasmando, esguichando
jatos poderosos que explodem de dentro de mim para fora, molhando os
lençóis. O meu corpo parece que está se partindo ao meio, então Esteban me
solta, deixando que eu caia para a frente, agonizando em prazer.

Ele me vira enquanto me tremo inteira, com a respiração quebrada, fica


entre as minhas pernas e paira sobre mim, ainda vendado.

— Se estiver preparada, deixe-me vê-la agora, baby — diz, a minha


respiração ofegante batendo contra os seus lábios. Não há mais dúvida

alguma, puxo a gravata, libertando os seus olhos cobiçosos para que me


vejam completamente nua, da forma como ele sempre quis.

Esteban me observa de cima a baixo, sorrindo saliente, feito um tarado,


então me beija com delicadeza, mordiscando o meu lábio inferior e avisa:

— Agora sim você vai saber o que é ser fodida por um homem de
verdade.
ESTEBAN JAVIER

Eu consegui! Venci a guerra e afugentei os demônios que assolavam a


linda garçonete. Madeleine agora está inteira e totalmente entregue a mim,
embaixo do meu corpo, ainda sentindo os espasmos do orgasmo louco que a
fiz ter segundos atrás. Os nossos olhares não se desligam, observo encantado
as suas pupilas embevecidas com a magia do prazer.

Ela está toda mole, enfraquecida, submissa e pronta para me dar tudo o
que quero. A beijo outra vez, seu corpo suado agora não mais da chuva, mas
sim de um suor cheiroso, viciante. Afasto-me dela, abro a gaveta abaixo da
que está repleta de calcinhas e pego um preservativo, abrindo-o com a boca e
me protegendo.

Volto a ficar entre as coxas dela, abro-as e finalmente contemplo a sua


boceta na luz. Está toda babada, lubrificada. É cheia e avolumada como
imaginei, perfeita, diferente de todas que já vi, única! Não resisto e me
inclino, dando uma lambida servida, sentindo o gosto do seu mel ardente e ao

mesmo tempo docinho que adoro degustar.

— Oooh... — geme gostoso, manhosa. Não aguento mais, já segurei


tempo o suficiente e extrapolei os limites do meu autocontrole. Preciso fodê-
la já!

Seguro as suas pernas abertas e flexionadas, o que faz o seu monte de


Vênus se tornar ainda mais protuberante. Sem usar as mãos, rebolo o quadril
com habilidade e guio a glande do pênis até a entrada da sua gruta, que pega
fogo mesmo estando toda molhada. Olho fixamente nos olhos de Madeleine,
ponho força empurrando e a penetro devagarinho, invadindo-a com
delicadeza.

Ela me para quando estou com metade dentro de seu corpo, seus dedos
pressionam o meu abdômen, os seus lábios boquiabertos denunciam a dor e o

tesão que está sentindo.

— Hmmm... — gemo, mordendo o lábio inferior. As paredes vaginais


dela me apertam, ela é bastante aveludada, é muita carne contornando o meu
pau e me sinto em um sonho, como se tivesse comendo uma nuvem ou
afundando em um mar de plumas. — Puta que pariu! — rosno, contraindo o
quadril e penetrando-a mais alguns centímetros.
— Esteban... — A sua voz sai rouca, em um leve sufoco.

— Aguenta, baby... só mais um pouquinho — peço, tomado pela

lascívia, fazendo mais um movimento e indo mais fundo, esticando-a ao


meio, descobrindo todos os pontos possíveis do seu interior até ficar
completamente enterrado dentro dela, com as bolas batendo do lado de fora.

Madeleine mexe o quadril devagar me recebendo, tentando se

acostumar com o meu tamanho. Fico tão fascinado por sua imagem que me
deito sobre ela, prendendo os seus pulsos contra o colchão e tomando a sua
boca em um beijo que afaga as nossas almas. Os lábios derretendo uns nos
outros, com afeto e sentimento.

Fico parado, esperando ela se sentir mais confortável com a minha


invasão, gemendo e fechando os olhos com força a cada vez que lateja e me
prende forte.

— Você é tão apertada... preciosa. — Meu gemido é gutural, primitivo.

Ela arranha as minhas costas que já estão doloridas de tanto receber o mesmo
golpe, mas isso só me incentiva a continuar.

Seguro a sua língua dentro da minha boca chupando, começo com os


movimentos, bem devagar para não a machucá-la, entrando e saindo da sua
boceta, indo e vindo com o pau que se esfrega contra os seus grandes lábios
babados, as veias pulsando, o sangue correndo quente, vívido.
Madeleine se abre mais, ficando ainda mais exposta, sem medo ou
temor, assim fica mais fácil para devorá-la. Libero a sua língua e mordo o seu

queixo no instante em que acelero com os golpes em suas entranhas,


socando... esfregando o meu púbis no monte dela, incitando o clitóris,
friccionando até atear fogo.

— Aaaii... Esteban! — Ela grunhe de forma tão pura e inocente, que

me faz perder a razão. Fico enfeitiçado, tomado por seu corpo fofo e gostoso,
suave, que tão perfeitamente encaixa com o meu, que é duro e ríspido.

Um homem apaixonado... é isso que sou! Foi tão rápido que nem
percebi, apenas constatei de verdade quando estávamos lá embaixo sob a
chuva, quando percebi que poderia perdê-la. Meu coração parou, parecia
preso pelo medo de não ver ela mais e surpreendeu até a mim. Ainda travei,
tive medo de confessar, mas confessei. Foi mais forte e mais intenso do que
pude imaginar.

Na verdade, está sendo. Devorar Madeleine assim, tão gostosa e


entregue é fenomenal. Ela não precisou primeiro tirar a roupa para depois me
conquistar, foi ao contrário, me conquistou dia após dia, enquanto cuidava de
mim, sendo sincera, autêntica e verdadeira, agora estamos aqui transando
com sentimento, de uma forma que nem me lembrava mais de ser possível.

Fodo-a afundando o meu pau na sua bocetinha sem parar de beijar a sua
boca. Ela segura os meus cabelos entre os dedos e geme cada vez mais

potente. Faço o quadril trabalhar mais rápido, deixando-a ainda mais

molhada, chocando os nossos sexos que fazem barulho com o impacto, uma
melodia para os meus ouvidos.

Nunca me entreguei de forma tão profunda assim, jamais senti o que


estou sentindo agora, esse amontoado de emoções que latejam cada músculo

do meu corpo. Os dias sem sexo me deixaram sensível também e comer


Madeleine está sendo uma delícia.

Solto os seus pulsos, passo o antebraço direito sob o seu pescoço, a


prendendo para ter mais equilíbrio e força, seguro o seu seio esquerdo com a
mão livre, ele enche a minha palma, o bico fica espremido entre os dedos
junto com a pele alva. Dou lambidas, sendo provocativo, sensual, e golpeio o
centro dela com mais agilidade, resvalando os nossos corpos que se fundem e
se tornam um só.

É abissal. Madeleine, contraindo me aperta mais, sinto o prazer me


dominar por absoluto, vindo com tudo, arrebatando qualquer coisa que
estiver pela frente até explodir de dentro de mim para fora com um longo e
alto gemido que liberto pela garganta embevecido tomado, submisso.

O orgasmo é arrasador e inebriante, acabando comigo, me elevando a


um estado de êxtase sublime. Relaxo sobre a mulher, deitando o rosto sobre o
dela, tremendo o corpo todo como nunca antes, com a respiração quebrada e

ainda duro em suas entranhas, pingando sem energia nenhuma.

Ficamos em silêncio, o único som ouvido é o da nossa respiração


ofegante, retumbante, barulhenta. Madeleine tira forças ainda para acariciar o
meu rosto, cuidando de mim, sentindo meu peso bruto esmagá-la contra a
cama. Rolo para o lado, fraco, meio desanuviado e troco olhares com ela.

Somos dois corpos desfalecidos, usados ao extremo e agora exaustos.


Acaricio os cabelos dela, notando o brilho em suas pupilas, o sorriso esticado
nos lábios. Retiro a camisinha, amarro-a e jogo no chão.

— Fantástico, baby. — Essa é a nota que dou para a nossa primeira


vez. Fantástico!

Madeleine puxa o cobertor, tentando se cobrir, mas a impeço, jogando


os lençóis para longe, observando-a de cima a baixo com devoção.

— Fique assim... não quero que tenha pudor antes ou depois do sexo.

Quero sempre que puder, te olhar como veio ao mundo... perfeita —


murmuro, deslizando os dedos pelo vão dos seus seios. Ela suspira,
enfeitiçada.

— Isso nunca me aconteceu antes — comenta.

— Nunca te foderam assim? — Sorrio, convencido.

Ela fica sem palavras por um instante.


— Como você é grosso... rude! Vocabulário chulo. — Sorri.

— Não gosta? — Ergo uma sobrancelha.

— Adoro — confessa. Então fica séria, pensativa, dando uma longa


pausa até falar: — Esteban... sobre o que disse lá embaixo...

— É verdade — corto-a, reafirmando as minhas palavras. — Só me

apaixonei uma vez na vida antes de você, por isso sei o que é que está
acontecendo entre a gente. Só que contigo é mais forte — sou sincero.

— É que para você parece ser tão fácil admitir.

— Não sente o mesmo?

— Sinto — declara verdadeira, forte. — Acho que me apaixonei


primeiro, mas não esperava...

— Nunca esperamos. Diferente do que pensa, não foi nada fácil


admitir, quase te deixei partir, estava entalado na garganta, eu tinha que pôr

para fora, Madeleine. Se você tem inseguranças e temores sobre


relacionamento, eu também tenho, só que sei esconder muito mais por trás
desse humor que sempre uso para me proteger.

Ela me fita profundamente, refletindo:

— Também teve uma decepção amorosa no passado?

Desvio o olhar dela, virando o corpo, deitando de costas e mirando o


teto, com as mãos abaixo da cabeça sendo invadido pelos fantasmas.

— Sim... — confesso, a voz saindo baixinho. — Na verdade, tive

muitas decepções na vida, tanto familiares quanto amorosas. Decepcionei


muitas pessoas também.

— Por isso nunca fala da sua família? Tem irmãos? — Está curiosa,
sua voz sai com cuidado.

— Tenho... dois que amo... e um que odeio — revelo, as pupilas


ardendo, não gosto de lembrar.

— Odeia? Por quê? Ele te fez algum mal?

— Indiretamente sim... talvez diretamente também. É complicado,


Madeleine. Não gosto de falar sobre isso. Odeio lembrar do passado. Sinto
raiva..., mas também vergonha. Culpa.

Ela resvala as pontas dos dedos macios por minha face, que continua

focada no alto, sem olhá-la.

— Sempre te achei misterioso..., mas não imaginava que fosse tanto.


Desculpe-me por ser tão intrometida — pede.

— Está tudo bem, nunca fui transparente contigo e você já me contou


muita coisa de si, outras descobri sozinho.

— Só não falei que tenho problemas familiares também. Muito graves


por sinal. Nisso, novamente somos parecidos.
— É sério, Pimentinha? — Volto a lhe dar atenção, interessado no
assunto. — Conte-me... se quiser.

A jovem respira fundo, se preparando.

— É a minha mãe... que me odeia — revela com tristeza,


automaticamente lembro do meu pai. — A nossa relação é tóxica, ela...
parece que tem prazer em me jogar para baixo, sabe. Isso desde a minha

infância, foram as suas palavras e tratamentos hostis que contribuíram para os


traumas quanto ao meu corpo. Eu sofria dentro e fora de casa, as únicas
pessoas que sempre demonstraram amor por mim de verdade foram o meu
pai, o Tim e a Amélie.

— Sabe o motivo de tanta rejeição da parte dela?

— Pior que não. Ela trata o meu irmão com amor, mas comigo nunca
teve isso. Jamais ouvi dela sequer um... “eu te amo”.

Respiro fundo, me identificando muito com o que está dizendo.

— Sei muito bem como é isso. No meu caso, foi o meu pai que sempre
me tratou assim. Na verdade, nem sempre... houve uma época em que tudo
era diferente, sei como começou, mas ainda assim não consigo compreender
tudo. — Penso alto, deixando claro, mesmo que sem pretensão, o quanto esse
assunto me perturba. Penso em fazer um depoimento, mas travo.

— Não precisa contar senão quiser, baby — chama-me pelo mesmo


apelido que sempre uso com ela, roçando as unhas em meu queixo, me dando
carinho.

Sorrio, nervoso, passando a mão na boca.

— Engraçado, agora estou com vontade de falar e normalmente não


sinto isso, muito pelo contrário.

— Às vezes é bom desabafarmos, mas... talvez ainda não se sinta


suficientemente íntimo de mim para contar.

— Já sou mais íntimo de você do que de qualquer outra que tive nesta
cama, Madeleine. Não sei como conseguiu isso, mas está feito. E me perdoe
pela gaveta de calcinhas, por ter posto a sua lá também. Isso merece uma
explicação mais plausível, só que... a verdade é tão ridícula que me sinto até
envergonhado de falar.

— Não precisamos falar, só esquecer. Você me fez mais bem do que


mal, Esteban. Veja como estou aqui, exposta... sem roupas ou lençóis para

me esconder. — Sorri, feliz por isso.

— Está se sentindo bem nua na minha frente? — A puxo pela bunda e


grudo os nossos corpos, esquentando outra vez.

— É estranho, mas sei que fazer isso irá me ajudar — confessa, então
nos beijamos.

— Quero que se sinta à vontade comigo, acho que só iremos conseguir


isso se enfrentarmos o seu trauma de frente, passo a passo.

— Você está conseguindo até bem rápido, eu diria — faz piada —, mas

está sendo maravilhoso.

— Se não suportar, podemos deixar para depois, hoje já foi mais do que
suficiente. — Puxo o lençol de volta e a cubro até o busto. — Melhorou?

— Aham. — Beija-me com doçura.

— Sem pressa, baby... tudo no seu tempo.

Madeleine agora parece mais segura assim, protegida com o cobertor.


Ela respira fundo, tomando coragem para dizer algo e começa:

— Desculpe por ter saído daquele jeito, você deve ter me achado
infantil, mas não foi só pela gaveta.

— Não? — Ergo as sobrancelhas.

— Recebi uma mensagem de um número desconhecido... tenho certeza

que foi do Vincent, ele disse palavras horríveis que me fizeram enlouquecer...
— confessa.

— Filho da puta! — Fico enraivecido.

— Somei a mensagem dele ao que vi na gaveta e... pirei. Não posso ser
assim, impulsiva, desculpe-me.

— O que ele disse? Estava te ameaçando?


— Não... pareceu mais uma despedida. Ele afirmou, em outras
palavras, que me deixaria em paz, mas antes fez questão de deixar claro que...

você faria comigo o mesmo que ele fez. — Ela abaixa o olhar, medrosa. Isso
a afetou.

— Espero que não concorde com ele...

— Não! Agora não mais! Foi só um surto, já passou. Prometo que na

próxima vez, se houver, vou te chamar para conversar — afirma.

— É bem melhor, Madeleine. Nada se resolve daquele jeito. E quanto


ao Vincent, a polícia não descobriu nada que ligasse o meu caso a ele —
informo.

— Por que não presta queixa?

— Porque não envolve só aquele moleque, tem o pai dele que é meu
cliente. Quer dizer, era... amanhã mesmo vou pedir a renúncia dos poderes
que tenho para representá-lo. Não serei mais o seu advogado.

— E a mensagem que recebi dele? Poderia servir como prova. Do


contrário, você sairá no prejuízo, Esteban — argumenta.

— Ou não... Cédric sempre se mostrou um homem de caráter, mas foi


ele quem nos convidou para o baile. E se estiver envolvido? E se tiver dado
esse aval para o filho?

Madeleine fica boquiaberta.


— Acha que ele seria capaz disso?

— Homens poderosos são capazes de tudo, Pimentinha, não posso pôr

a minha mão no fogo. Não quero vingança ou escândalo, quero apenas me


afastar e encerrar esse assunto. Mas estarei preparado caso tentem mais
alguma coisa, aí sim irei revidar. Além disso, mesmo que Cédric não saiba de
nada, ele é pai do Vincent. Lá no clube, ficou do nosso lado, mas em um

tribunal, tenho certeza que não largaria a mão do filho.

— Tem razão. E se essa despedida do Vincent for real, então ficaremos


em paz.

— Mas não podemos contar só com isso. Contratarei segurança pessoal


tanto para mim quanto para você. Eles serão discretos, nem iremos perceber a
presença deles, mas estarão lá... nos vigiando.

— Não, Esteban! Ficou louco? Para você pode ser, mas para mim não.
Deve ser muito caro.

— Posso pagar.

— Já vi advogados ricos, mas você às vezes me parece bilionário.

— Eu sou — afirmo, convicto. — O escritório não é a minha única


fonte de renda, só não preciso ficar espalhando isso por aí. Contudo, estou te
falando apenas para que saiba que não irá custar no meu bolso.

— Mesmo assim não aceito! — rebate, tinhosa.


— Não é uma opção, Madeleine. Já determinei, só resta aceitar.

— Não pense que irá mandar em mim — avisa, apontando o dedo na

minha cara, que mordo, a fazendo sorrir.

Vou para cima dela, encaixando-me entre as suas pernas, a beijando


com paixão. Acaricio o seu rosto.

— Além de advogado, acho que daria um ótimo psicólogo, sabia? —


diz, sorridente.

— É, tenho esse dom de aconselhar e ajudar a tratar os outros, mas sou


péssimo em praticar o que digo comigo mesmo.

— Mais uma vez lembrando do seu passado? — Ela desliza os dedos


por meus cabelos.

Assinto, saindo de cima dela e voltando para o meu lugar, agora sério,
com os pensamentos distantes. Sinto vontade de desabafar, Madeleine me

passa essa segurança. Reflito por longos segundos, tomando coragem.

— Aconteceu há muito tempo... quando eu era apenas uma criança —


conto, olhando para o nada. — Estava correndo pela mansão com o meu
irmão mais velho, Mateo. Éramos dois moleques que adoravam se divertir e
brincar de pega-pega. Não nos cansávamos nunca, repetíamos isso todos os
dias depois da escola, até a exaustão. Em uma manhã, papai nos repreendeu,
disse para pararmos de correr pelo segundo andar da casa, ele sempre
afirmava que isso era perigoso, mas não dávamos ouvidos. Quando somos
crianças tudo parece possível, não é?

Respiro fundo sentindo a mão tremer um pouco, tento afastá-la, mas


Madeleine a segura, me dando apoio e transpassando ainda mais confiança,
segurança. Algo que já não sinto vindo de alguém há muito tempo. Não de
uma mulher, ainda mais de uma que compartilha comigo a mesma cama.

— Mas naquela manhã em especial, a repreensão dele foi uma


premonição e diretamente para mim, hoje enxergo assim, porque... enquanto
eu perseguia o meu irmão, encontrei uma máscara africana que mamãe havia
arrematado em um leilão e decidi usá-la para tentar assustar Mateo, porém ela
era grande demais para mim e me cegou. Naquela velocidade... atropelei
alguém acidentalmente que rolou escada abaixo.

A palma da garçonete se aperta contra a minha, forte e nervosa. Os seus


olhos me fitam com curiosidade e temor.

— Quem...? — Não resiste em perguntar, sua voz baixinha soprando


pelos lábios, quase inaudível. Os meus lábios tremem, aflitos.

— A minha mãe — confesso, e lágrimas molham o meu rosto. Largo


Madeleine e rolo pelo colchão, virando-me para o lado oposto, lhe dando as
costas. Lembrar disso dói demais.
ESTEBAN JAVIER

— Esteban...

— Ela estava grávida... — soluço —, era um menino... — Parece que


há uma pedra na minha garganta, tento me controlar, mas é impossível. A dor
é implacável.

— Oh, Esteban... — Madeleine toca-me suavemente no ombro,

compadecida, a voz frágil dela denuncia que me acompanha no pranto.

— Ali começou o ódio do meu pai por mim, a rejeição. Ele queria
muito aquele filho, a minha mãe estava de oito meses, prestes a dar à luz...

— Mas foi um acidente...

— Que ele me culpou. Fui sentenciado por este crime ainda menino,
sem entender nada, nem o que havia feito direito, a gravidade da situação.
Paguei por isso a vida toda. Um assassino... que depois foi substituído pelo
novo irmão — o ódio em minha voz é audível, lembro de Alejandro

chegando com Luna na mansão após serem resgatados do orfanato pelo


senhor Javier.

— Eles tiveram outro?

— Adotaram os meus primos órfãos, um casal de irmãos... Luna e

Alejandro... os sobrinhos que meus pais transformaram em filhos, nos


criaram como iguais, porém nunca fomos. Alejandro se tornou o filho que eu
matei...

— Você não matou ninguém.

— Ele era o preferido e o que recebia toda a atenção da casa inteira, até
porque... era cheio de traumas, na verdade deve ser até hoje e por isso não
consegue falar, apesar de não ser mudo.

— Coitadinho. — Madeleine sente pena, isso me perfura como uma

agulha.

— É, era assim que todos o viam, como coitadinho, enquanto eu passei


a ser... o vilão. O irmão invejoso... ganancioso e incompreensível. Ninguém
nunca parava para me compreender, mamãe tentou de todas as formas
apaziguar a relação entre mim e meu pai, mas a cada dia que passava ele me
deixava mais distante, até tentava fingir paternidade na frente dela, porém,
depois era frio como um iceberg.

“E tudo que ele fazia comigo... eu descontava em Alejandro. Toda vez

que papai me rejeitava... eu rejeitava o meu primo. — Choro, voltando a


soluçar, em um misto de sentimentos negativos”

— Mas ele, o Alejandro... não tinha culpa do seu pai fazer essa
crueldade. O seu pai foi infantil, você era apenas um garoto! — Madeleine

funga, tentando engolir o choro.

Enxugo as lágrimas com as costas da mão, o ódio percorrendo as


minhas veias só de lembrar do passado.

— Ele tinha culpa sim! — rosno. — Sabia da situação e não fazia nada
para me ajudar. Alejandro era sonso! Todas as vezes que eu tentava me
aproximar do meu pai, ele criava algo para chamar a atenção dele... de
propósito! Se vitimizava descaradamente. Uma vez... o flagrei dialogando
com Luna, mas quando estava na frente do meu pai... se calava

intencionalmente, para ser o foco. E foi assim por toda a nossa vida, até que...
quando adultos, ele me deu o golpe de misericórdia. — Suspiro, aflito.

— Como assim? O que o Alejandro fez? — Madeleine está assustada.

Respiro fundo, pensando em lhe contar, mas é uma ferida profunda


demais e ainda não estou preparado. Talvez nunca estarei.

— Nada... chega! Não quero mais lembrar disso. — Levanto


choramingando, fugindo para o banheiro como um garoto assustado que tenta
recuperar o homem humorístico de volta, para sorrir e afastar os fantasmas.

Entro na banheira de água morna, sentando-me, abrindo os braços


sobre a beira, tentando relaxar fechando os olhos, envolvido demais nestes
sentimentos péssimos que me arrastam para o fundo do poço. Respiro fundo,
com a cabeça deitada na lateral, erguida para o teto, as pálpebras fechadas,

até que as abro quando escuto alguém passar pela porta.

É Madeleine... que vem enrolada no cobertor, me observando com


ternura, de olhos marejados sabendo que estou ferido e vulnerável. Ela
respira fundo, fechando os olhos por um instante e criando coragem para
abrir o tecido que a envolve. É um processo devagar, até que se expõe e fica
totalmente nua à minha frente, o lençol vai ao chão.

A garçonete entra na banheira, enrubescida de vergonha, mas corajosa


o suficiente para se juntar a mim, abraçando-me em apoio e consolo,

repousando o rosto sobre o meu ombro, me dando carinho. Ela sabe que
preciso disso agora, eu também sei, porém... é tão estranho. Não queria que
me visse assim nunca, ainda estou decidindo se me arrependo ou não de ter
exposto o meu lado obscuro.

A sua presença me faz bem, o seu toque me conforta. Fico relaxado, os


músculos perdem a tensão que os dominava. Aos poucos os pensamentos
rancorosos se esvaem, vão indo embora e dão lugar a emoções boas,

sublimes, fazendo renascer o clima agradável que tínhamos antes de

começarmos a falar de nossas famílias.

Apesar de sermos de mundos tão diferentes, nós temos muito em


comum.

A beijo de forma doce na testa, uma... duas... três vezes a acariciando,

até que ela ergue a face para mim e nossos lábios se encontram. O beijo é
delicado, carregado de paixão e emoções sentimentais, afetuosas. Nossas
línguas se encontram e, juntas dançam uma valsa, uma guiando a outra se
envolvendo, se transformando, espalhando mágica sensual pelo corpo todo.

Ficamos excitados, a água de morna se torna quente, quase


borbulhando. Aperto Madeleine contra o meu corpo, escorregando a mão
para a sua bunda enquanto ela segura o meu pau duro entre os seus dedos
pequeninos.

— Hmmf... — gemo dentro de sua boca, ela responde gemendo


também. É delicioso, leve e lascivo.

Nos beijamos com mais intensidade, a puxo para o meu colo e sinto a
pressão boa quando senta sobre o meu centro, nossos sexos roçando um no
outro debaixo d’água. Inigualável... a sensação é única, ela rebola
devagarinho me atiçando, provocando, enquanto comprimo as suas nádegas,
afundando os dedos em sua pele, gostando de tê-la para mim e sobre mim.

Suas unhas outra vez bagunçam os meus cabelos, o seu rosto fica sobre

o meu, me devorando, tomando os meus lábios, requerendo, demonstrando


posse. Um pensamento proibido invade a minha mente, logo me vejo
segurando o mastro e enfiando dentro de suas entranhas, afundando por sua
boceta, deslizando com dificuldade até o final!

— OOOH! — grita, oferecendo a garganta que chupo com vontade.


Estou todo dentro dela, pecaminoso, sem proteção. Nunca transo sem
proteção.

Me corrompeu... a irresponsabilidade que estamos praticando agora


parece mais certa do que tudo na vida. Passo a fodê-la, subindo o quadril e
descendo, abrindo as suas nádegas com as mãos enquanto aprofundo os olhos
nos seus, impressionado, dominado por seu corpo delicioso que me queima e
me deixa louco.

Sem razão. Não há juízo agora, somos dois irresponsáveis transando


sem pudor, praticando o sexo da forma mais natural possível, pele com pele,
pau e boceta fundidos, conjugados, provando que nossos corpos foram feitos
um para o outro. Seguro a sua mão e a guio para que segure o seu seio pela
parte inferior e ofereça-me para mamar.

Madeleine entende o que quero e faz, levando o mamilo à minha boca


faminta, que chupo com vontade, sugo e mordo. Ela também se move,
criando os movimentos entre os nossos centros, gemendo forte e alto a cada

vez que me sente bem fundo dentro dela, enterrado, pulsante. A pressiono
contra o meu corpo, adorando as suas dobras e curvas, um fascínio!

Estamos a cada segundo mais cegos, esquecendo do certo, valorizando


o errado, que é fatal, colossal... viciante! As minhas bolas vibram quando a

jovem rebola com vontade, puxando o meu rosto contra o seu busto, o seio
afundado entre os meus dentes, empurrando a língua. Sou atingindo por um
resquício de consciência e a tiro de cima de mim, ofegante, sem entender.

Abro um caixinha de porcelana ao lado, pego um preservativo, rasgo-o


e me protejo, então ela compreende. Lambo os lábios, libidinoso, voraz e a
puxo de volta, fazendo-a sentar em mim outra vez e me receber com força em
sua bocetinha. Nossos corpos novamente se tornam um, aceleramos o ritmo e
nos devoramos esfomeados, como se fôssemos desaparecer antes do tempo.

— Preciosa... — murmuro, com luxúria. — Gostosa...

— Aaii... — Fica louca, rebolando, se libertando, se permitindo


dominar apenas pelo desejo, prazer e nada mais!

Sigo-a, e juntos explodimos em um orgasmo inesquecível.


MADELEINE FERNANDEZ

Desejada... cuidada... empoderada e apaixonada, é assim que me sinto


com Esteban! Esse final de semana está parecendo uma semana inteira,
estamos aprofundando a nossa relação que acabou de tomar o pontapé inicial,
de forma bem intensa. Não sei o que esperar nem onde vai dar, mas prefiro
não pensar no futuro agora. Agora não.

Conseguimos nos abrir, contar sobre os nossos medos e segredos de


família, ainda estou chocada com o outro lado que descobri de Esteban. Há
um garoto ferido, carente de amor e afeto por trás do grande e imponente
advogado. Ainda é cedo para dizer, mas acho que o pai dele causou um
estrago abominável na sua relação com o irmão a quem diz odiar.

Estou muito curiosa e com uma vontade enorme de ajudar esse homem
que está me fazendo tanto bem sem pedir nada em troca, por quem estou
encantada e fascinada a cada instante a mais que passo com ele. Certo que ele
apenas se abriu sem pedir ajuda alguma, parece retraído quando a questão é a

sua família, mas há um trauma aí que também precisa de tratamento.

E o sexo? Nossa! Sem comentários. Não, na verdade irei comentar sim,


preciso compartilhar e contar para vocês que é fenomenal, quebrou boa parte
das minhas barreiras e afugentou centenas de fantasmas. Sei que ainda tenho

receios e pensamentos negativos, não é uma coisa que se perde do dia para a
noite, mas sinto que se me manter ao lado de Esteban, conseguirei enfim
superar todos os meus limites.

Ele me leva à loucura, me tira do chão, me faz ter sensações que jamais
imaginei na vida e ir ao orgasmo de forma arrebatadora, tanto que fico com
vontade de mais. Sempre mais. Estou descobrindo o meu próprio corpo
através das mãos dele, com o seu toque grosso e masculino. Esse advogado
sabe o que faz, de forma que não fico com vergonha de me expor para ele.

Depois que saímos do banheiro, descemos para a cozinha mortos de


fome, sem energia. Como perdemos a manhã inteira entre sexo, revelações e
discussão de relacionamento, Esteban pula o café da manhã e parte logo para
o almoço. Olhá-lo apenas de moletom preto, calçando pantufas, descamisado
e cozinhando, é um colírio!

Estou encostada na parede, com as mãos atrás das costas, usando uma
nova camisa sua, de pernas nuas e ainda sem calcinha, porque não vim

preparada. Sinto-me estranha, é como se estivesse pelada, hora ou outra

enrubesço, afinal de contas fui criada aprendendo que devia me esconder o


máximo possível por ser feia e acima do peso. Agora, estou mais exposta do
que nunca.

— Sabe, você fica bem sexy de pantufas e moletom! — Brinco

sorrindo, observando o loiro gostoso que está muito atento às panelas que
exalam um cheiro maravilhoso.

— Nem vou comentar o que acho de você usando a minha camisa sem
calcinha, senhorita Madeleine — afirma, fitando-me por um segundo.

Gargalho, os comentários dele me fazem tão bem. A minha barriga


ronca, expulsando o meu sorriso.

— Ai... estou faminta! O meu estômago não para de clamar por


comida. — Faço careta.

— Também estou com muita fome, você sugou toda a minha energia,
Pimentinha.

— Eu? Acho que foi o contrário, senhor advogado!

— Juro que já estou terminando. Vai ficar delicioso.

— É o que espero, vamos ver se o que disse é mesmo verdade. É a


primeira vez que cozinha para mim e a sua chance de provar que sabe se virar
na cozinha.

— Ah, é?

— Sim!

— Vai comer da minha comida e ainda vai pedir para repetir — avisa,
desafiando-me.

— Convencido... em tudo você é convencido!

— Eu admiti que o seu pai sabe cozinhar melhor que eu, não admiti?

— Mas o meu pai não cozinhou para você, eu que fiz a sopa que ele me
ensinou! Sendo assim...

— Ele que cozinha melhor que eu e não você! Ponto final!

Sorrio, em deboche.

— Ah, não me provoque! — Caminho para a sala, andando


desanimada, esfomeada, a barriga roncando outra vez. Avisto as portas

duplas de vidro ainda molhadas da chuva do outro lado e sigo até elas
abrindo-as, o sol já brilha forte no céu. — Você tem uma varanda linda! —
exclamo.

— Vamos almoçar aí, vai adorar!

Ando pela sacada, observando a linda paisagem da magnífica Paris,


notando que a mesa onde iremos almoçar ainda está úmida do temporal.
Assim, retorno para o apartamento, pego uma flanela que Esteban indica e

enxugo a mesa e as cadeiras. Há algumas flores ao redor que deixam o clima

ainda mais agradável, um verdadeiro sonho.

Sento-me e reflito um pouco sobre a vida, lembrando da loucura que fiz


hoje mais cedo quando pensei em me afastar. Sempre fui assim impulsiva,
ainda mais quando se trata dos meus demônios. Ainda bem que Esteban me

impediu, olha tudo que eu teria perdido, jamais iria me perdoar.

Mais alguns minutos e o loiro aparece com uma bandeja, compondo a


mesa com os pratos e talheres, tudo muito organizado.

— Olha sóóó! Quer dizer que você será o garçom hoje? — Provoco,
estou me sentindo muito leve, zen.

— Por que não? — Ele pisca para mim, sensual! Ai Deus, toda vez que
faz isso fico com vontade que me abra toda de novo. Retorna para a cozinha e
reaparece com duas travessas. — Aqui está, frango cozinhado ao vinho com

cogumelos frescos e cenoura. O arroz. Ainda falta o bacon, vou buscar! —


Segundos depois volta, completando a mesa.

— Ai, que delícia... — aspiro o odor. — Que cheiro bom, Esteban!


Como não me apaixonar?

— Eu sei... sou mesmo irresistível! — Se vangloria, porém, estou tão


faminta que dessa vez deixo passar. E quando experimento o seu cozido, sei
que deve se enaltecer mesmo, porque está maravilhoso!

— Demais... delicioso! — elogio, tentando ser educada enquanto me

alimento, porque a vontade é de devorar tudo de forma ilimitada, passamos a


manhã inteira sem comer, simplesmente. Foram tantas emoções que vivemos
que esquecemos de nos alimentar.

Ele assente calado e comendo, também está faminto. Compartilha

comigo do bacon, servindo-me, então continuamos degustando o nosso


almoço trocando sorrisos de satisfação. Como disse, acabo pedindo para
repetir, não queria dar esse gostinho a ele, mas é impossível. Está muito bom!

No fim, Esteban nos serve com um delicioso suco verde, algo leve após
o almoço intenso. Observamos Paris em silêncio, o movimento das pessoas lá
embaixo, nas ruas, os carros e ônibus.

— Como será daqui por diante? — Penso alto.

— Sexo, todos os dias. Pelo menos umas três vezes por dia —

responde, na maior naturalidade.

— Ficou louco? — Estou bestificada.

— Não... sou apenas um homem voraz, Pimentinha, tenho para mim


que a vontade de comer você não se acabará.

— Mas não poderemos fazer isso todos os dias. Está pensando que sou
uma máquina? Além disso... temos as nossas obrigações.
— Daremos um jeitinho, não há limites para dois amantes. — Pisca de
novo, me conquistando. — Acredite... você vai gostar.

— Eu já gosto — declaro, levantando e indo até ele, o beijando. Suas


mãos grandes contornam a minha cintura.

— Que tal assistirmos um filme? — Me convida, surpreendendo-me,


pois achei que iria partir para o sexo outra vez. Gosto da ideia.

— Acho ótimo! — concordo. — Lavo a louça enquanto você escolhe


qual filme iremos assistir. Tudo bem?

— Aham. — Me beija com carinho.

Nos separamos, cada um para a sua função até que nos reencontramos
no quarto, ficamos agarrados na cama, assistindo um longa de comédia.
Sorrimos bastante e terminamos transando outra vez. Depois Esteban faz
pipoca e partimos para outro filme, agora um de suspense que não faz muito
o meu estilo, mas até que é bom.

Fazemos sexo novamente antes de dormir e acordamos na manhã


seguinte sabendo que o conto de fadas terminou, que a magia cessou e a
realidade agora bate na nossa cara. Esteban me leva de carro até a faculdade,
nos beijamos dentro do automóvel.

— Foi tudo incrível — elogio. — O melhor fim de semana da minha


vida.
— Que já quero repetir — afirma erótico, me beijando outra vez.
Sempre que me toca, fico pegando fogo. — Hoje não iremos nos ver, fiquei

com muito trabalho acumulado e definitivamente ficarei o dia inteiro no


escritório.

— Tudo bem, também preciso me reajustar com a faculdade, o estágio,


além de voltar para casa, enfrentar a minha mãe e dar atenção ao Tim. Estou

morrendo de saudades dele.

Esteban recebe uma ligação, que atende imediatamente.

— Bom dia.... Já está aqui?... Certo — afirma, então desliga e me fita


com seriedade. — Venha, quero lhe apresentar a sua segurança.

— Está falando sério? — Fico em choque.

— Seríssimo. — Desce do carro, eu também. Espero encontrar um


brutamontes de terno preto como nos filmes, mas sou apresentada a uma
mulher alta, com um traje comum, calça jeans, blusa e tênis, lembrando até

uma aluna, só que séria e atenta. — Esta é Louise, ela vai cuidar de você,
Madeleine.

— Olá... — Sorrio amarelo para a mulher negra de cabelo crespo preso


em um coque. Não sei como agir nessa situação. Uma segurança? Isso está
completamente fora da minha realidade! Parece coisa de filme.

— Não se preocupe, senhorita, juro que nem notará a minha presença.


Manterei uma distância segura para que não percebam e não fique
constrangida — diz a mulher, que está bem tranquila, já deve ser acostumada.

— É que... Esteban, isso não será necessário. É loucura, como...? —


Fico confusa.

— Acalme-se, você vai se acostumar, será como a Louise falou e não


será para sempre, só pelo tempo necessário, até nos sentirmos seguros outra

vez. Agora tenho que ir. — Ele me beija rapidamente, com naturalidade, não
sente vergonha alguma por estarmos em meio a diversas pessoas, então volta
para o carro e se vai.

Respiro fundo, observando Louise sorrir para mim, tentando me


transmitir segurança.

— Certo então..., você vai me seguir? — pergunto, sem jeito.

— O dia inteiro — responde, ergo as sobrancelhas.

— O dia inteiro? Mesmo? E como fará para comer e...

— Eu me viro.

— Certo..., mas vai começar...?

— Agora mesmo.

— Então, eu... vou andando e você?

— Vou aqui atrás.


— Mas haverá uma distância entre nós?

— Sim, para não ficar tão na cara.

— É... — Estou bastante desconfortável. Não sei lidar com isso.


Começo a caminhar devagar, olhando para Louise, nervosa. — Então, vou
indo assim... — Afasto-me um pouco, a encarando assustada por sobre o
ombro. A mulher assente. — Essa distância está boa? — exclamo, fazendo-a

franzir a testa. — Aaah... — lembro que tenho que fingir que não a conheço.

Caminho mais um pouco e olho para trás, Louise já está me seguindo.


Paro, ela para também. Volto a andar e do mesmo jeito ela faz, se tornando a
minha sombra. Oh, Deus... será que conseguirei me acostumar com isso?
Entro na sala de aula e a mulher fica do lado de fora, mas todas as vezes que
tenho que sair, ela me segue. Isso se posterga até quando chego ao Le Loup
no início da noite.

— Uma segurançaaa? — Amélie fica de queixo caído. Juntas,

observamos Louise sentada no bar como se fosse uma cliente qualquer.


Estamos no balcão, cochichando sobre o assunto. Marcel prepara os drinks,
como sempre.

— Aham.

— Madeleine você está muito chique! Meu Deus... — Ela acena para
Louise, sorrindo, e a mulher por sua vez a ignora. — Que grossa!
— Pare de acenar! Combinamos fingir que ela não está me vigiando
para que os outros não descubram! — repreendo.

— Ah, entendi! Mas ela vai para o meu aniversário na sexta?

— E já se decidiu sobre o que vai fazer?

— Balada! Esse ano quero comemorar numa balada! Quero uma

noitada daquelas sem fim, já que você estará comigo, a sua segurança pelo
visto também estará.

— Ah, não sei. Preciso ver. — Me preocupo com essa ideia.

— Não vai ver nada! Já está decidido! Se você faltar ao meu


aniversário esse ano, desconsidere-se como minha amiga! — Sentencia,
pegando a sua bandeja preenchida por Marcel e se afastando.

— Dramática! — reclamo.

— Ela também me convidou — revela o barman.

— E você vai?

— Sim. Adoro a Amélie e uma balada sempre cai bem, inclusive foi eu
que indiquei o lugar.

Louise vai embora quando o seu horário termina e eu sigo para casa,
encontrando Tim acordado, como sempre. Conversamos bastante, ele me
mostra todos os seus desenhos novos e as coisas que aprendeu nesses dois
dias que ficamos sem nos ver. Esteban faz uma vídeo-chamada para

podermos conversar, porém, antes de atendê-lo, tranco a porta do quarto para

não haver perigo de que meus pais entrem por acaso.

— Boa noite, baby.

— Boa noite. — Sorrio, contente por falar com ele. — Tim, veja só
quem está aqui. É o Esteban!

O menino fica retraído, sorrindo com timidez.

— Tim? Você está aí? Apareça para que eu possa vê-lo — Esteban
chama por ele, mas Timothée nega com a cabeça.

— Ele não quer — respondo, chamando o garoto com a mão.

— Posso pelo menos ver o desenho que você fez de mim? — propõe o
advogado.

— Acho que... sim — responde.

— Então vai buscar — incentivo. Ele destranca a porta e sai. — E aí


como está? — Volto-me para Esteban.

— Péssimas notícias, amanhã terei que viajar a trabalho. Preciso


acompanhar um cliente em uma negociação em Nova York. Acabou-se os
nossos planos de sexo diário — lamenta, fazendo-me rir.

— Vai ficar por lá quantos dias?


— Creio que até quinta ou sexta, haverá várias reuniões, será uma
fusão entre duas grandes empresas e me tomará tempo.

— Que legal — digo, sem muita animação, já pensando que Esteban


ficará sozinho em outra cidade, livre para fazer o que quiser. Mas tento
afastar esses pensamentos porque afinal, tecnicamente estamos apenas nos
conhecendo, sem compromisso algum.

— Legal para quem? Você? Porque não estou feliz com isso, mas a
minha vida sempre foi assim... corrida.

— Se visitar algum ponto turístico legal, mande fotos.

— Vou a trabalho e não a passeio, Pimentinha. — Lembra. Tim volta


para o quarto com o seu quadro.

— Venha aqui — chamo. — Pode vir meu amor, ele quer ver. Posso
virar a câmera?

— Aham... — responde, erguendo a pintura até cobrir o seu rosto.


Mostro para Esteban o desenho da sua cabeça no corpo de uma borboleta
azul.

— Uau... que lindo, Timothée! Você é muito bom, sabia? — elogia o


advogado.

— Eu sei — confirma o menino, presunçoso escondido atrás do quadro.

— Está vendo? Tão humilde quanto você. — Brinco, comparando


ambos.

— Estou vendo. — O homem ri. — Nossa, mas ficou espetacular!

Quero que me entregue esse quadro pessoalmente em algum momento, Tim.


Pode ser? Você aceita?

— Talvez sim — responde, ainda escondido atrás da arte.

— Ah, por favor. Irei adorar. Podemos ir para o parque de novo.

— Gosto do parque. — Tim abaixa o quadro, revelando os lindíssimos


olhos verdes. Encaro Esteban em repreensão, essa ideia em nada me agrada,
não tivemos uma experiência positiva com a última vez em que fomos ao
parque, mas o homem me ignora.

— Pois está combinado.

— Você promete? — Tim adora uma promessa.

— Prometo.
MADELEINE FERNANDEZ

Na manhã seguinte, encontro os meus pais bem cedo na cozinha, o meu


irmão continua deitado.

— Quem é vivo sempre aparece — ironiza dona Martina, enquanto


sento-me à mesa.

— Bom dia para a senhora também, mãe. Bom dia, papai. — O beijo

na testa.

— Bom dia, meu amor. Como foi o fim de semana?

— Pelo visto todos os finais de semana dela estão sendo agitados —


mamãe responde por mim.

— Sim, mãe, muito agitados. Foi ótimo, papai. Maravilhoso — afirmo,


com um sorriso, dessa vez não irei me abater.
— Parece até que engordou... é melhor fazer uma nova dieta para esse
seu namorado não te largar — alfineta, recebendo o olhar desagradável de

papai que faz menção em respondê-la, porém seguro a mão dele e o impeço,
tomando a palavra:

— Não faz mal, ele me adora como eu sou. Além disso, mãe, não estou
interessada em dieta, passei a gostar do meu corpo do jeito que ele é!

Diferentemente de muitas pessoas, agora estou conseguindo me aceitar e me


amar — replico a atingindo, já que é mais gorda do que eu e se incomoda
com o próprio corpo, tenta até fingir, mas não me engana.

Ela estica os lábios em deboche, como se não acreditasse nas minhas a


palavras.

— Sério, filha? Que maravilha! E quando iremos conhecer esse rapaz?


Estou muito curioso — afirma papai.

— Até eu estou — diz Martina, irônica.

— Ainda estamos nos conhecendo. Ainda não é nada sério. Ele não é
meu namorado.

— Por enquanto, pois com certeza será. Nenhum homem sensato no


mundo iria recusar ser o seu par, filha, porque você é uma garota adorável.
Mas preciso conhecê-lo.

— Tudo no seu tempo, papai. — Acaricio a mão dele. Mamãe fica


calada e não diz mais nada, deve estar insatisfeita por dessa vez não ter
conseguido me abalar.

Sigo para a faculdade contente, onde encontro Louise. Na hora do


intervalo, decido quebrar a distância entre a gente e a convido para lanchar
comigo. Ela aceita, então passamos a dialogar. Descubro que já é mãe de uma
menina, divorciada, e que viu nesse tipo de serviço uma maneira para pôr

dinheiro dentro de casa, mas que teve que se qualificar com cursos e tudo.
Que gosta do que faz.

Gosto dela, falamos bastante durante os dias seguintes e iniciamos uma


amizade. Na sexta-feira, Amélie e eu nos organizamos com Maurice — que
anda bem bonzinho depois do papo com Esteban naquela noite fatídica —, e
saímos mais cedo do trabalho devido ao aniversário dela. Seguimos para o
seu apartamento sendo acompanhadas por Louise que agora anda lado a lado
comigo, sem manter distância. Assim fico mais à vontade com ela.

— Não repara na bagunça, Louise, fique despreocupada que aqui


dentro não corremos perigo de sermos abordadas por um Vincent canalha da
vida! — afirma Amélie, assim que entramos.

A mulher gargalha com elegância.

— Estou mais preocupada com a boate, Amélie. Por favor, não


dificultem o meu trabalho, peço para que se comportem. — Brinca Louise.
— Meu amor... se tem uma coisa que não iremos fazer é nos
comportar! — afirma Amélie, começando a ficar doida, todas gargalhamos.

— Agora vamos nos arrumar e já que a senhorita segurança tem que se


disfarçar em nosso meio, ficará bem bonita também, vai arrasar corações!

— Deus me livre, quero distância de relacionamentos. O meu ex-


marido era tóxico, por isso me separei e busquei aprender defesa pessoal.

— Você será a nossa amazona do grupo! Quero que me ensine alguns


golpes para acertar em cheio as bolas dos babacas que tentarem nos
incomodar. Se bem que hoje estarei pior que carne oferecida no frigorífico.
Vou bem putinha vulgar para chamar a atenção!

Louise gargalha de forma absurda comigo. Amélie não existe!


Passamos a nos produzir, a segurança se solta e relaxa um pouco mais em
relação ao seu serviço, entrando na onda de curtir uma noitada com as suas
então melhores amigas. Enquanto ela é maquiada por Amélie, respondo

algumas mensagens de Esteban, passamos a semana inteira nos comunicando.

As minhas respostas não chegam para ele, Esteban havia afirmado mais
cedo que estava voltando hoje para Paris, o avisei sobre o aniversário de
Amélie, mas ele ainda não visualizou.

Quando ficamos prontas, pegamos um Uber e seguimos para a boate,


onde Marcel já está à nossa espera e consegue a nossa entrada rápida,
evitando a fila enorme do lado de fora. Amélie já chega no espaço escuro
lotado, barulhento e iluminado por centenas de lasers erguendo as mãos para

o alto, dançando e gritando. Ela usa um vestido curtíssimo, está quase nua.

— É HOJE AMIGAAA! É HOJE QUE ENCONTRO O BOY DO


MEU DESTINOOO! ESTOU SENTINDO! MAS ANTES QUERO ME
DIVERTIR! — grita para que eu consiga escutá-la, enérgica cheia de vontade

de arrasar, e sei que vai conseguir.

— Pois vamos nos divertir muito porque você merece! Eu te amo,


Amélie! — declaro-me, nos abraçamos.

— Também te amo e estou muito contente que agora você está se


permitindo viver mais!

— Foi o gostoso dos olhos azuis que me fez ter coragem para isso!

— Por que não o convidou?

— Tentei, mas ele já deve estar em viagem e sem área para o celular, as
minhas mensagens não chegaram.

— Não se preocupe, passei o endereço para ele de onde estamos —


informa Louise, a fito surpresa. — Faz parte do meu trabalho. Foi uma das
exigências dele — explica.

— Vamos esquecer de trabalho agora! Viemos para arrasaaaar! —


decreta Amélie, dançando.
Em outros tempos, eu ficaria me sentindo um peixe fora d’água aqui,
não sou acostumada com baladas, até porque nem tenho tempo para isso, se

duvidar essa é a terceira vez que venho com Amélie, sempre para
acompanhá-la. Mas hoje quero fazer diferente, preciso me permitir mais,
descobrir e buscar por sensações de plenitude como aquelas que Esteban me
fez sentir.

Ele me mostrou em apenas um final de semana, que posso ser


respeitada e desejada, então não tenho motivos para me esconder. Não quero
deixar aquela Madeleine livre surgir apenas quando estiver com ele, quero ser
assim a todo instante, sempre que possível!

Louise está atenta, não veio para se divertir, e sim para trabalhar, mas
acabamos fazendo-a relaxar um pouco. Marcel surge com bebidas,
entregando os nossos coquetéis, exceto para a segurança, que não aceita.

— Um brinde à garçonete mais linda do baaar! — grita Marcel,

erguendo a sua taça, o acompanhamos, criando uma rodinha. — Parabéns,


Amélie!!

— Parabéeens! — exclamamos em coro sorrindo, e assim bebemos.

— Temos que virar, vamos! Bebam tudo! — diz a aniversariante, nos


incentivando até que secamos as nossas taças. Quase morro durante os goles,
mas consigo! — Vamos dançar! — Amélie entrega os nossos copos para
Marcel e nos puxa para a pista, onde várias pessoas dançam e pulam
eletrizadas.

Sem perceber, a música começa a me dominar, entra mais fundo por


meus ouvidos do que antes, envolvendo-me, chamando, até que começo a
ficar empolgada e beber mais.

Não demora muito para a coisa piorar. Quando me dou conta, estamos

gritando e descendo até o chão juntas, pirando e se divertindo como nunca.


Fazemos coreografias, gargalhamos, rodamos e pulamos feito malucas. Tudo
gira ao meu redor, fica mais forte e mais brilhoso. É uma loucura!

— Vá com calma, Madeleine! — Louise chama a minha atenção,


apesar de estar se divertindo conosco, continua imune a tudo, sempre ligada
no que está ao nosso redor.

O meu celular toca, vejo o nome de Esteban e saio de perto da


multidão, tentando achar um lugar menos barulhento, mas é quase

impossível! Louise me segue.

— Alôôôô! — grito, sorrindo para o vento, meio mole.

— Madeleine? Que barulho é esse?

— É o barulho da DIVERSÃÃÃO! UUU HUUU! — grito.

— Onde você está?! Cadê a Louise?! — inquire, exigente.

— Está aqui comigo, estamos curtindo o aniversário da Amélie, eu te


falei!

— Só vi a mensagem agora, não imaginei que seria em uma boate!

Daqui a pouco chego aí.

— Ah, você não foi convidado, baby! — provoco, sorrindo.

— Até parece que preciso. Conheço a casa em que estão. Chego dentro

de alguns minutos. Beijos. — Desliga.

— Ele vem? — grita Louise, o som alto da música explodindo ao nosso


redor.

— Sim!

— Acho que não vai gostar de me encontrar assim... tão íntima de você
— reflete.

— Que nada, ele é ótimo!

— O senhor Esteban me parece muito sério, sabe? Além disso, sou a

sua segurança!

— Então me segura! Me seguraaaa! — Brinco exclamando, não estou


me reconhecendo, mas já me sinto um pouco tonta. Puxo Louise pela mão,
retornando para onde estávamos. — Cadê a Amélie?

— Lá! — Aponta, momento em que avisto a minha amiga aos beijos e


amassos com um gato. — Aquele é o amigo dele! E pelo visto... está olhando
para mim! — Mostra o outro, que também é lindo e não para de observá-la

com segundas intenções.

— Eles me parecem familiares! — Observo, mas como não estou muito


certa do juízo, penso que deve ser engano. — Se quiser, pode ir lá! Eu deixo!

— Jamais! Não desgrudo de você! Não quero ser demitida logo na


primeira semana, isso mancharia o meu currículo! Nunca me envolvi assim

como clientes, vocês estão me levando para o mau caminho!

— É a Amélie! Nossa... ela está quase transando com aquele cara em


público! Alguém precisa pará-la!

— Deixa... ela sabe o que está fazendo!

— Mais bebidas, garotas! — afirma Marcel, nos oferecendo novos


coquetéis.

— Não, obrigada — Louise nega.

— A sua amiga não se diverte, Mad? — Ele fica curioso.

— É claro que sim, e eu também! — Tomo a taça dele, bebendo pelo


canudo!

— Madeleine... acho que já está bom. — Ela me repreende, educada.

— Você é a mãe dela? — Marcel fica desconfiado.

— Não se meta, babaca!


— Ei! Não briguem! — intervenho.

— Vamos dançar, linda! — Marcel me puxa pela mão, não recuso.

Estou amando tudo isso!

Louise fecha a cara para mim, negando com a cabeça para eu não
aceitar o convite, mas Marcel é apenas um amigo, o conheço já faz tempo e
não há perigo algum, por isso aceito. Ele fica às minhas costas, escorregando

uma mão para a minha cintura, e assim entramos no mesmo ritmo.

Gargalhamos muito e dançamos como bons amigos, com respeito.


Louise fica parada, observando-nos a uma distância segura, até que o amigo
do cara que beija Amélie a aborda.

Tudo está ótimo, incrível, até que de repente Esteban surge do nada,
empurrando Marcel para longe de mim com força. O meu amigo quase cai no
meio da galera, assustado por ser pego de surpresa. Fito o advogado
boquiaberta, os seus olhos azuis me encarando com fúria.

— O que é isso, cara, está ficando maluco?! — Marcel retorna,


emputecido.

— Nunca mais toque nela! — Aponta o dedo pare ele, o avisando.

— Esteban... — Fico sem palavras.

— Chefe! — Louise se aproxima junto com o seu, paquera, Amélie e o


outro também. Os homens trocam olhares.
— Dominique? Bernard? — O advogado fita os dois que parece
conhecer.

— Esteban? — A dupla fala em coro. Será que são os amigos dele que
sempre o acompanham no bar?
ESTEBAN JAVIER

Passo apenas alguns dias em Nova York, e quando chego dou de cara
com Madeleine dançando com o barman do Le Loup! O cara está
simplesmente se esfregando nela com toda intimidade. Isso é demais para
mim. Não consigo me controlar, uma raiva explosiva me sobe à cabeça,
ultrapasso as pessoas que dançam ao meu redor e o empurro antes que o
esfrega-esfrega continue!

Madeleine fica chocada com a minha atitude, enquanto olho para ela
furioso. Não quero parecer ciumento, é claro que a minha reação não foi fruto
de ciúmes, sou um homem feito, porém não suportei ver outro tocando-a.

Para a minha surpresa, deparo-me com Dominique surgindo ao lado de


Amélie e Bernard ao lado de Louise. O que eles estão fazendo aqui e por que
estão com elas?
— O que está acontecendo aqui, amiga? — Amélie está preocupada.

— Esse imbecil chegou me empurrando, só porque eu estava dançando

com a Madeleine! — relata o bartender, deixando os meus colegas de


profissão de olhos esbugalhados. Eles não sabem que estou me envolvendo
com Madeleine.

— Modere o seu tom, rapaz! — repreendo. — Não vê que ela não está

sozinha? O que ainda quer aqui? — Sou intolerante. Ele bufa irritado e sai de
cena, derrotado.

— Não... — Dominique está prestes a falar merda, observando


Madeleine com atenção, a reconhecendo e se dando conta do que está
acontecendo — Essa é a...

— Madeleine Fernandez — corto-o, aproximando-me dela e a


segurando com posse pela cintura. — Estamos nos conhecendo melhor — os
homens trocam olhares, impressionados. — Estes são Dominique e Bernard,

trabalham comigo. — Madeleine troca apertos de mãos com eles.

É uma situação um pouco inusitada, pois os nervos ainda estão à flor da


pele.

— Ah, então são vocês que sempre vão ao Le Loup! Por isso tive a
impressão de que já te conhecia, gatinho! — Amélie acaricia o queixo de
Dom com toda intimidade, deixando a mim impressionado, ele fica um pouco
sem graça, percebendo que está ficando com a amiga da minha
acompanhante.

— E você, Bernard? O que faz ao lado de Louise? Ela trabalha para


mim — afirmo, pois já que eles estão descobrindo algo de mim, também
quero descobri-los. Louise abaixa a cabeça sem graça, também não estou
satisfeito por ela deixar as coisas chegarem a esse ponto.

— O quê? — Ele é pego de surpresa, não sabia. — Ah... nada,


estávamos apenas conversando.

Madeleine aperta a minha mão em sua cintura e vira-se para mim,


cochichando em meu ouvido:

— Precisamos conversar. — A sua voz sai em tom de exigência, não


parece contente em me ver após esses dias separados.

— Também acho — concordo amargo. Com o olhar, aviso aos meus


amigos que vou me ausentar por um instante, saindo de mãos dadas com a

jovem para um canto um pouco mais silencioso da boate, onde podemos nos
escutar melhor para conversar.

— Por que chegou empurrando o Marcel? Aquilo foi ridículo! —


reclama de braços cruzados, e o fato dela defendê-lo me incomoda.

— Gostaria de me ver dançando com tanta intimidade assim com outra


mulher? — Decido pegar pesado nos argumentos.
— Não estávamos com essa intimidade a que está se referindo, a não
ser a de amigos, pois é somente isso que somos. Trabalhamos juntos no Le

Loup há mais de um ano e nunca houve nada além de amizade! — rebate.

— Não foi o que pareceu, não sou cego, Madeleine! Se não gostou,
também não gostei. Você sabia que eu estava vindo e ainda assim foi dançar
com aquele cara...

— Porque ele é meu amigo...

— Amigos ficam se esfregando? — provoco-a.

— Pelo o que eu lembro, você se esfregava com as suas! — replica,


odiosa.

— Está vendo alguma amiga minha aqui?

— É bem capaz de ter, já que é um safado!

— Está com bafo de álcool! Está bêbada! Deve ser por isso que está tão

soltinha...

— Safado!

— Me respeite que sou um advogado...

— Safado e do pau torto! — Ela enlouqueceu de vez.

— Que faz a melhor curva dentro de você! — completo, sorrindo


saliente.
— Olha aqui... — Antes que ela continue falando, a puxo para um beijo
arrasador, tentando matar essa saudade louca que nos consome e nos envolve

a ferro e fogo! Uma mão a segura pela nuca e a outra pela cintura, prendendo
ela a mim como um imã, uma força magnética exalando de nossos corpos
sem freio algum!

Madeleine desgruda as nossas bocas, ofegantes, aproveito o instante

para lamber o seu pescoço e mordiscar a sua orelha, nos excitando.

— Com o Marcel não havia perigo algum... — murmura em minha


orelha, arranhando as minhas costas com a voz entrecortada, sentindo-me
duro como aço contra o seu abdômen. — Jamais aceitaria dançar com um
desconhecido. — Aperto a sua bunda com força, segurando um pedaço da
sua carne entre os dedos sobre o tecido. — Foi ele quem conseguiu nos fazer
entrar aqui e até onde eu sei... o ajudou a conseguir o meu número quando
quis se aproximar de mim... ou já esqueceu disso?

Desfaz o meu toque, gemendo gostoso, momento em que lembro que


estamos em público. Fiquei até um pouco entorpecido, toda vez que a toco
saio de mim. Sou colocado contra parede. Ela tem razão. Merda, odeio estar
errado! Os seus olhos me encaram esperando a resposta que já sabe qual é,
mas pouco estou me importando com isso agora. A quero mais que tudo.

— Tem razão... — confesso — É que não raciocinei direito, achei


que...

Madeleine fica na ponta dos pés e me ataca, puxando o meu rosto com

as mãos, levando a minha boca à sua com vontade, sem pudor e desinibida,
provando que também sentiu a minha ausência.

Era só isso que eu queria desde que cheguei aqui! Beijá-la... saciar essa
vontade que ficou impregnada em mim durante todo esse tempo em que

fiquei fora e que pareceu muito, sem seu corpo para esquentar, sem as suas
curvas para apertar.

A agarro forte, entregando-me, pressionando ela contra mim e tomando


os seus lábios com uma necessidade voraz. Realmente não esperava ficar
com tantas saudades, mas fiquei. Não imaginava que pensaria tanto nela
durante o dia, mas pensei e recordei do nosso final de semana incrível, regado
a sexo, revelações e bom-humor.

Já quero repetir a dose, preciso me afundar em seu corpo e não posso

mais esperar. Chupo a sua língua e apalpo a sua bunda sem vergonha, sem
me importar com as pessoas que passam por nós, mas Madeleine desfaz o
meu toque de novo, notando o perigo. Estamos quentes e ofegantes.

— Vamos para o meu loft agora — determino rouco, em seu ouvido.

— Quero muito, mas não posso. Prometi a Amélie que passaria o seu
aniversário com ela este ano, e se eu sumir ela vai me matar. Já deve estar me
esperando, ainda teremos o bolo.

Bufo, insatisfeito.

— Vai ser rápido, pelo que tudo indica ela não ficará aqui muito tempo.
É capaz de sair com o seu amigo e aí a festa acaba. Não há festa sem
aniversariante. Além disso, estou adorando isso aqui, já faz muito tempo que
não venho a uma boate e quero me divertir. — Me olha com cara de pidona.

Não consigo resistir.

— Okay... vamos prestigiar a sua amiga e nos divertir um pouco.


Também estou precisando relaxar, foram dias muito estressantes lá em Nova
York.

Ela fica feliz com a minha decisão, nos beijamos mais uma vez.
Madeleine está com um look de chamar a atenção, é a primeira vez que a vejo
de saia de tonalidade vinho, que é comportada e ousada ao mesmo tempo,
deixando um pouco das suas lindas coxas de fora. Veste um cropped branco

de renda que contorna bem o seu corpo e valoriza o seu decote, fatal! Além
dos saltos.

— Você está muito linda. — Cheiro o seu pescoço, excitando-me. —


Poderosa...

— Gostou? Agora a Amélie é a minha personal styling, e quase me


bateu para usar isso. Hoje também quis me permitir um pouco mais. Quis
ficar bonita. — Sorri, inocente.

— Você já é bonita, Pimentinha, só conseguiu ficar ainda mais —

elogio, deixando-a encantada.

Damos um último beijo antes de voltarmos para o grupo, permito que a


jovem acadêmica de fisioterapia me guie, segurando-me pela mão. Amélie
para de paquerar com Dominique e vem ao nosso encontro.

— Por favor, me digam que agora está tudo bem! — Cruza as mãos,
torcendo por um sim.

— Sim, tudo bem — confirma Madeleine.

— Serei o penetra da sua festa — acrescento, fazendo-a rir. —


Parabéns e muitos anos de vida. — Apertamos as mãos.

— Muito obrigada!! E sim, deixo você ser o penetra, desde que


convença o seu amigo a me penetrar também... quer dizer! A ficar aqui

conosco! — Fico surpreso com a sua ousadia, Madeleine, dá um tapinha no


ombro da amiga, a repreendendo. Todos rimos.

— Pode deixar, irei convencê-lo. — Pisco para ela, a animando. Solto


Madeleine, dando espaço para que as duas fofoquem e sigo até Dom que está
em sua pose de macho alfa de sempre, bebendo o seu uísque.

— Ora, ora, ora... — diz, irônico.

— Ora, ora, ora, digo eu, safado! — rebato.


— Ainda estou tentando entender. — Analisa-me, como se quisesse me
desvendar.

— Não a nada para entender, não irei expor nada. — Sou sério.

— Tudo bem, mas tenho o direito de ficar surpreso; a amiga dela é


legal. — Fita Amélie.

— Percebi que vocês dois estão íntimos.

— Nos conhecemos a cerca de uma hora. Ela é como um furacão. Já


faz um tempo que não encontro uma mulher assim.

— Por acaso se trata de alguma aposta entre você e Bernard? — Fico


curioso.

— Não. Apostas sem você não tem graça, gosto de provocá-lo. Viemos
aqui apenas para relaxar e então aconteceu toda essa situação. E como foi
com o cliente em Nova York?

— Trabalhoso, mas resolvemos tudo com louvor — informo.

— Esteban Javier... um homem que sempre surpreende! — Bernard


chega por minhas costas, colocando as mãos em meus ombros, viro-me para
ele encarando o seu sorriso carregado de ironias. — Você e a garçonete?
Sério mesmo?

— Parem de ser idiotas, por que parece tão absurdo? — pergunto.


— Não é pela diferença de status entre vocês, meu amigo. É porque
você não é homem de requerer uma mulher como se fosse sua como fez

quando a viu com aquele rapaz — relata, fico constrangido.

— Isso foi uma idiotice, confesso. Agi por impulso. — A minha


justificativa não soa tão verdadeira. Na verdade, nem passa perto disso.

— E põe impulso nisso! — Os dois homens zombam, adorando me ver

nessa situação de homem de uma mulher só. — Isso é coisa de cara


apaixonado, hein...

— Mas eu estou — confesso, fazendo o sorriso de ambos morrer


automaticamente.

— O que disse? — Dom indaga, sério.

— Estou apaixonado por Madeleine. Estamos nos conhecendo há


semanas e ela é uma mulher maravilhosa. Desde que passamos a ter mais
intimidade, não durmo com mais ninguém.

— Você está bem, Esteban? — Bernard está chocado. — Caiu e bateu


com a cabeça? Desde quando se apaixona?

— Sei que parece loucura, amigos, mas está acontecendo. Não iria
revelar isso a vocês tão cedo, até porque, ainda não é tão sério quanto parece.
Como eu disse... estamos nos conhecendo.

A dupla troca olhares incrédulos, sinto vontade de rir. Não tenho


vergonha de admitir isso a eles e não há razão para isso. Assim evito que me
encham o saco pelos próximos dias no escritório.

— Vou pegar alguma coisa para beber. — Pisco para eles, saindo e os
deixando em silêncio.

Quando chego ao bar, avisto Marcel sentado em uma das banquetas,


emburrado, e fecha a cara mais ainda ao me ver.

— Um Rare Breed, por gentileza — peço para o barman, que


rapidamente me atende. Enquanto o espero, fito o homem ao meu lado de
soslaio, chateado, e me sinto culpado. — Não vai... retornar para o grupo? As
meninas estão te chamando — minto, desagradado.

Marcel ri com deboche, odeio isso.

— Você está querendo que eu volte? — É incisivo, quer me ver


confessar. Sua sobrancelha até se ergue.

— Ah cara, não fode! Só não quero ser o estraga prazer da festa da


amiga da Madeleine, entendeu? — Não deixo brecha para que ele se sinta
especial. Sou péssimo em pedir desculpas, ainda mais para outro homem. Já
fiz até demais.

Pego a minha bebida e volto para o grupo, Marcel aparece logo em


seguida, recebendo o abraço de Amélie e Madeleine, que me olha contente
como se soubesse que fui eu quem o trouxe de volta. Bernard e Dominique
não percebem isso, estão entretidos conversando, até que interfiro:

— E Pierre, como está?

— Parece bem, menos estressado. Ontem aquele amigo dele do ping-


pong apareceu lá no escritório o procurando — informa Bernard, enquanto
Dom não para de observar Amélie.

Tenho uma intuição ruim ao ouvir isso, mas disfarço.

— Aquele que ele nos apresentou em sua casa no dia da festa? —


pergunto.

— Aham.

— Parece que é a hora dos parabéns — diz Dominique, quando vê dois


garçons se aproximando com o bolo de Amélie.

Abrimos uma roda em volta dela e cantamos ao mesmo tempo em que


batemos palmas, a enchendo de felicidade. Madeleine a fotografa no instante

em que a mulher que parece alguns anos mais velha, apaga as velas. Louise
que, desde a minha chegada ficou desconfortável, para ao meu lado.

— Senhor Esteban... — começa a falar, sem jeito.

— Não se preocupe, Louise. Está tudo bem, eu que me excedi. Curta a


festa ou se quiser já pode ir. Seu trabalho está encerrado por hoje. Cuidarei de
Madeleine a partir de agora. — As minhas palavras a deixam mais aliviada.
— Ah obrigada, mas continuarei aqui, Amélie exigiu.

— É fácil se tornar amiga dessas duas, não é? — indago, observando as

amigas felizes.

— Bastante. — A mulher concorda, sorrindo.


ESTEBAN JAVIER

O tempo passa e logo o clima chato que causei quando cheguei se


dissipa de vez, dando lugar à alegria e diversão. Não me lembro de curtir uma
balada de forma tão empolgante assim antes, já que sempre vinha às boates
como essa somente à caça, transava e ia embora, sem me importar muito em
dançar ou beber com os amigos.

Danço com Madeleine, na verdade mal sei dar um passinho para lá ou


para cá nesse tipo de música, estou incrivelmente permitindo que ela me
utilize como uma haste de pole dance, envolvendo o meu pescoço com os
antebraços, jogando os cabelos para os lados, sorrindo, se divertindo,
iluminada... perfeita!

Nunca a vi tão feliz e leve, é uma nova faceta sua que estou
descobrindo agora, já que a conheci muito ranzinza devido aos traumas.
Também não estou me reconhecendo, só tenho sorrisos incontáveis para ela,
e a seguro para que possa pular e me beijar, adorando a minha companhia

assim como adoro a sua.

Amélie está do mesmo jeito com Dominique, o fogo entre eles é


perceptível a quilômetros de distância. Já Bernard continua conversando com
Louise, ambos estão no bar, parecem bem íntimos, acho que a bela negra não

é nada fácil e sei que isso só instiga ainda mais o meu amigo. Tanto eu,
quanto ele e Dom, gostamos de desafios, por isso me apaixonei por
Madeleine.

Ela me tira da zona de conforto e não tem medo de jogar verdades na


minha cara.

Marcel está pegando quase todas as garotas ao redor, atacando sem


moderação e sendo correspondido. Não paro de trocar beijos com Madeleine,
esquecemos do sexo, estamos mais interessados agora em rir de tudo e curtir.

A impeço de continuar bebendo, ela se embebeda fácil e não quero que


vomite outra vez no carro.

Não percebemos e as horas passam, até que Amélie chama Madeleine e


Dom vem até mim.

— Estamos indo, meu amigo. Preciso ficar a sós com Amélie. — Pisca
para mim, imoral.
— Divirtam-se! — Dou um tapinha no ombro dele.

— Que noite atípica, não?

— Com certeza. Onde está Bernard? — Não o vejo mais no bar,


Dominique também procura por ele.

— O canalha foi embora sem nos avisar! Gostou da sua contratada.

— Eu vi.

Amélie retorna aos risos com Madeleine, vem se despedir de mim,


trocamos beijos no rosto e um abraço.

— Obrigada por fazer parte da minha festa. Amei. Agora tenho que ir!
— Nos dá tchau.

— Também acho que já está na hora de irmos. — Fito Madeleine.

— Ótimo — concorda.

Elas se despedem de Marcel e juntos saímos do clube. Amélie segue

com Dominique para o carro dele, enquanto Madeleine vem comigo para o
meu.

Chegamos ao apartamento nos beijando com fogo. A sala está


semiescura, nos amassamos gostoso até nos aproximarmos do sofá, onde
afasto a minha boca da sua mordendo o seu lábio inferior, puxando-o até
soltá-lo, seduzindo ela, que me consome com os olhos, cheia de tesão.
— Sentiu ciúmes? — indaga já sem ar, quente. — Ao me ver com o
Marcel?

— Era isso que queria, não era, safada? — rosno, erótico.

— Não, mas... — antes que termine, viro-a e a empurro contra o braço


do sofá, deixando-a de bruços com a bunda empinada na minha direção.
Madeleine libera um gritinho com o movimento rápido e bruto que a

assustou. — Você foi uma garota má, baby, muito má... — Puxo a sua saia
apertada para o alto, até a sua cintura, desnudando a sua bunda e encontrando
uma calcinha verde-escuro. — Sabe que..., quando te vi de saia fiquei louco
— confesso, mordendo o lábio e o pau se contorcendo petrificado dentro da
calça.

— Esteban...

Acerto o seu rabo com uma palmada, o som do tapa moderado soando
pelo ambiente.

— Oooh!!! — geme alto, de uma forma que me deixa louco.

— Senhor... Esteban a partir de agora, entendeu? — explico, segurando


um punhado do seu cabelo, erguendo o seu rosto sem tirá-la da posição em
que está, momento em que aproveito para roçar a minha ereção contra as suas
nádegas ardentes. — Diga que sim.

— Sim... — arfa, entendendo a brincadeira e ficando mais excitada


com isso, assim como eu.

Solto-a, volto a ficar ereto e estapeio a sua bunda redonda outra vez,

marcando as duas nádegas que ficam vermelhas... lindas! Madeleine geme de


forma prolongada, manhosa, vivendo uma nova experiência com certeza, ela
ainda é muito inocente quando se trata de sexo, mas irei fazê-la descobrir
tudo sobre o assunto.

Agacho-me atrás do seu traseiro impressionante e desço a sua peça


íntima devagar, observando com afinco o tecido resvalar por sua pele,
eriçando os seus pelinhos até sair por seus saltos que também me atiçam.
Gosto de mulher de salto, acho fascinante!

Encosto o nariz em sua boceta e aspiro o perfume, gemendo ao sentir o


cheiro afrodisíaco que mexe com cada músculo do meu corpo e faz a minha
ereção latejar, se tornar maior e mais parruda. Abro as pernas dela e também
as suas nádegas, segurando-as com firmeza, olhando o desenho da sua vagina

com nitidez agora.

Dou uma lambida com a ponta da língua, Madeleine estremece,


gemendo com a voz entrecortada. Dou outra lambidinha, provocando,
instigando os seus lábios vaginais e em um novo toque, o cuzinho que pisca
ao me sentir molhado e fervente.

— Aaaii... Esteban — grunhe, depois grita com o tapa forte que dou em
seu rabo. — Senhor... Esteban — corrige, voltando ao jogo.

Abro as suas nádegas formosas outra vez e beijo a sua intimidade com

carinho e cuidado, fechando os olhos, envolvendo os meus lábios nos dela,


aprofundando a língua em suas entranhas, vou fundo... penetrando-a,
preenchendo o espaço vazio entre as carnes que se incitam, contraindo.

Saio do seu corpo e arrasto-me para o alto, até o orifício rosado que

abocanho, arranhando os dentes em sua pele, mordendo sem machucar, um


pouco mais feroz agora, rosnando feito um animal, desejando devorá-la de
todas as formas possíveis. Madeleine enlouquece mexendo o quadril,
espremendo as coxas, toda exposta... e vulnerável!

Resolvo terminar aqui, estou muito necessitado, foram dias sem esse
prazer e preciso agora. Levanto-me, abro a calça, desço a cueca e exponho o
mastro com a fenda lubrificada, a glande larga, que de rosa se tornou
vermelha com tanto tesão que me queima.

Pego uma camisinha na carteira que tiro do bolso traseiro e me protejo,


escorregando a proteção que fica apertada até a base. Posiciono-me,
segurando Madeleine pela cintura, guiando o meu pau até sua bocetinha,
penetrando-a devagar, delicado, sentindo as contrações que me são
proporcionadas.

— Hmmf... — gemo enfeitiçado, dominado pelo fogo que nos queima


neste instante, o nosso contato fazendo surgir labaredas imensuráveis que
serpenteiam por nossos corpos de dentro para fora.

— Oooh... aaai! — Madeleine está de olhos fechados, sentindo-me por


trás, invadindo-a com cuidado para não a machucar. Porém, a tentação é fora
do comum, está tão bom que perco a razão e forço o quadril, empurrando-me
inteiro de uma só vez para dentro dela, abrindo-a ao meio! — OOH! — grita,

jogando os cabelos para trás, sexy, com dor e prazer.

Minhas mãos apertam o seu quadril com mais potência, segurando-a


firme, de forma que as minhas investidas começam duras e intensas, nos
encaixando com perfeição. Como ela está bem molhada, ajuda-me a deslizar
por suas paredes vaginais, indo e vindo, saindo até a ponta e golpeando tudo
outra vez.

Sigo inteiro e dominante para dentro dela, o melhor lugar do mundo.


Adoro ver a sua bunda ondular com cada impacto. Fico louco ao sentir os

seus fluidos escorrendo, que fazem o som da penetração aumentar e se tornar


música para os meus ouvidos.

Obcecado... ter Madeleine nessa posição tão erótica me deixa obcecado


e com vontade de fodê-la cada vez mais. Acelero as estocadas em busca de
destruir a minha fome, sendo um pouco egoísta e importando-me um pouco
mais com o meu prazer, delirando quando ela geme, envolvida, submissa.
Toda minha.

Inclino-me sobre ela, segurando novamente um punhado dos seus

cabelos e afundando o meu corpo no seu, exalando essa magia luxuriosa entre
a gente, a comendo... um macho devorando a sua fêmea. Um cavalo sobre
uma flor.

Está apertado, molhado, fervente, o suor escorre por dentro da roupa, o

mesmo acontece também com Madeleine, suas costas cintilando, encantando-


me sem limites. Vejo seus seios pressionados contra as almofadas e então é o
meu fim!

— UUUUH... — urro gozando, as pernas estremecendo, a respiração


faltando. Vou fundo em seu corpo uma última vez, roçando o meu púbis
contra a sua bunda, esfregando-me contra a sua pele enquanto estou absoluto
em seu interior, sem deixar espaço para mais nada!

Levo longos segundo para me recompor. Puxo minha gostosa e a beijo,

ainda com as mãos em sua bunda, adoro essa parte do seu corpo, assim como
o busto e todo o resto. Prendo-a em meus braços com o mastro semiereto,
babado do orgasmo batendo nas dobras da sua barriga. Nosso toque é lento e
profundo, acalentador, as línguas enroscam-se com paixão até que perdemos
o ar.

— Agora é a sua vez de gozar, Pimentinha — informo, olhando-a


intensamente, fazendo-a suspirar, o seu hálito batendo em minha boca.

Guio Madeleine até o enorme sofá, onde faço-a se sentar após tirar a

sua blusa e saia, mas não os saltos. Percebo que ela ainda tem receio de ficar
totalmente exposta para mim, não me disse nada dessa vez, mas consegui
notar pelo seu olhar ou gestos instintivos, contudo, vou enchê-la de tanto
prazer que não vai conseguir focar nisso.

Agacho-me em frente as suas belas pernas que estão juntas. Uso as


mãos para afastá-las com calma, abrindo... abrindo... até que suas coxas
fiquem bem distantes uma da outra e dê visão para a vagina lubrificada.
Madeleine respira fundo ao ficar assim na minha frente, o meu rosto devasso
a excita, ela apalpa os seios, apertando-os e o meu pau toma vida outra vez.

Os mamilos dela estão durinhos, entumecidos me desejando, mas


preciso focar no que estou fazendo agora. Puxo-a pelas coxas até que se deite
com a bunda na beira. Flexiono as suas pernas, segurando-a pelos

calcanhares, beijando cada panturrilha de pele sedosa e atraente.

Olho a jovem nos olhos quando abocanho a sua boceta volumosa,


protuberante, depilada, que enche a minha boca como um fruto raro e
proibido, o qual apenas eu tenho o prazer insano de desfrutar. Lascivo...
suave, mamo no seu centro com habilidade e inteligência, chicoteando o seu
clitóris ao mesmo tempo em que penetro dois dedos em sua boca.
Madeleine me morde e chupa, arreganhada para mim, assistindo-me
fazer esse oral delicioso nela com toda paciência do mundo, sonhando e

percorrendo todas as vielas do seu paraíso, sugando tudo, experimentando e


me fartando, alucinando-a, fazendo-a arder com força. Mas antes que
exploda, paro.

O seu olhar de decepção me dá vontade de rir, porém me seguro. Tiro a

roupa toda e ponho um novo preservativo, a encaro com seriedade e ordeno:

— Agora quero que ofereça a sua boceta para mim. — Ela fica
contrariada, está desesperada por mim e não consegue raciocinar direito.
Agacho-me em sua frente outra vez, puxo as suas mãos com delicadeza por
sobre as coxas ainda abertas e uso os seus dedos para abrir os lábios externos
da sua boceta, mostrando a carne rosada lá dentro. — Assim... — sibilo,
pornográfico.

— Oooh... — Madeleine está arfando.

— Abra mais um pouco — mando, ela obedece esticando mais a sua


carne aveludada. É um tesão! — Fique assim enquanto fodo você.

Levanto-me, abro as pernas até alcançar a altura necessária para


conseguir levar o pau até a sua entrada encharcada e penetrá-la forte. Seguro-
a pelos calcanhares que estão erguidos, que me dão o equilíbrio que preciso
para comê-la no ritmo que quero.
Assim, dou início as estocadas rápidas, vorazes, acertando o saco no
limite de Madeleine que geme alto, apertando as pálpebras, boquiaberta,

embriagada de libidinagem, recebendo-me longo e grosso em seu interior.


Me perco na sua imagem, os seios volumosos pressionados um contra o outro
entre seus braços que estão esticados para manter os lábios vaginais abertos
para mim.

A temperatura aumenta, um arrepio percorre a minha espinha quando


ela geme gostoso me tomando, sugando, apertando. Fico ofegante,
desacelerando, indo mais devagar agora, fechando os olhos ao sentir a curva
que meu pênis faz ser comprimida entre as carnes sensíveis que brigam para
me acomodar.

As emoções que o nosso contato proporciona são de arrasar. A gostosa


não consegue mais segurar e retira as mãos do seu centro, levando-as até o
meu abdômen trincado e molhado do suor com desespero, como se me tocar

ali fosse a última coisa que pudesse fazer na vida.

Largo os seus calcanhares, inclino-me sobre ela, seguro o seu rosto


entre as mãos e a beijo com paixão, efervescente. Aproveito para fodê-la com
maior ímpeto, me perdendo em seu corpo, entregando-me e recebendo-a com
furor. Soco desenfreado, recebendo os seus gemidinhos dentro da boca,
nossos lábios molhados derretendo uns nos outros, as línguas se conjugando,
cedendo.
Levo as mãos para os seus seios estufados, esmagando-os entre os
dedos e ela segura o meu rosto com potência, nos desejamos mais e mais de

forma ilimitada. Ela geme descontrolada, focando em mim até explodir,


esguichando... me molhando. Mais um pouco e chego ao orgasmo também.

Não sobra mais nada de nós aqui.


MADELEINE FERNANDEZ

Mais uma semana se passou e foi recheada de surpresas e descobertas,


principalmente da minha parte. Após o aniversário de Amélie, Esteban e eu
tivemos um final de semana tão bom quanto o anterior, fizemos muito sexo e
nos divertimos em seu apartamento.

Ele tem o dom de me fazer sonhar e querê-lo sempre mais, é incrível!

Não consigo parar de pensar nele todos os dias, e dessa vez, como não viajou,
cumpriu o que disse sobre nos vermos e transarmos diariamente. Foi o que
aconteceu e me surpreendi por não me incomodar com isso.

Pelo contrário, estou descobrindo que sou ou estou ficando tão fogosa
quanto ele. O advogado me faz ter desejos que nunca imaginei, me leva à
loucura, à luxúria, e descobre pontos específicos do meu corpo que nem eu
mesma sabia existir. A cada dia que passa, me sinto mais confiante, mais
apaixonada e segura de mim.

Fico viciada naquele homem, em seu corpo incrível devorando o meu e

todos os prazeres que ele pode me proporcionar. Com Esteban, sinto


calmaria, mas também adrenalina. Sinto paz e segurança, mas também
agitação e euforia. Tudo de uma só vez, em vários momentos, o que torna o
nosso relacionamento ainda indefinido, perfeito.

Entretanto, estou insatisfeita por não conseguir retribuir todo o prazer


que ele me dá. Esteban é muito dominador e criativo na cama, enquanto sou o
inverso, apenas sigo a sua dança lasciva e sensual, porém percebo que ele
gosta. Mas para mim não é o suficiente, sinto a necessidade de impressioná-
lo, de deixá-lo alucinado como me deixa, de também ter esse poder, por isso
ando pesquisando sobre sexo oral.

Acordamos cedo apesar de ser sábado, já tomei banho e agora estou


deitada na cama usando apenas uma das camisas dele. Aproveito que Esteban

está tomando banho para ligar para Amélie.

— E então, já fez o boquete nele? — Ela é direta e imoral como


sempre, sabe que é sobre isso que quero falar.

— Ainda não tive coragem — murmuro, temendo ser ouvida.

— Vergonha de quê? Ajoelha e vai fundo, amiga!

— Nossa, Amélie, como você é...


— Prática — corta. — Eu sou prática, Mad e já te ensinei tudo sobre o
que precisa saber para fazer o seu homem gozar na sua boca. Você praticou

com uma banana como indiquei?

— Deus me livre. — Fico tensa só de imaginar a cena. — Era capaz de


me engasgar. — Dou risada e ela também.

— Bem, você disse que o instrumento dele é grande...

— Gigante, para ser sincera.

— Então, se engasgar nas primeiras vezes é normal, alguns até gostam


e acham sexy. Dominique adorou o que fiz com o pênis dele, que por sinal é
enorme também... delícia!

— Ainda estão transando?

— Nos encontramos três vezes depois do meu aniversário. Ele me fez


gozar quatro vezes seguidas, creio que é o amor da minha vida! — brinca,

arrancando-me gargalhadas.

— Amélie, mal conhece o cara e já fez oral nele — comento.

— Se duvidar, já o conheço mais que a própria mãe dele que o pariu!


— gargalhamos de novo. — Não tenho dessa não, amiga. Se o homem for
gostoso e higiênico como o Dondom é, chupo mesmo, porque não sou
obrigada! Além disso ele é um gentleman, estamos nos dando bem.

— Também estou me dando muito bem com Esteban, transamos feito


dois coelhos, ele já me ensinou muita coisa nesse pouco tempo em que
estamos juntos, por isso quero surpreendê-lo. Acho que ele me dá mais prazer

do que recebe, eu quero retribuir.

— Adoro homem assim, que se importa mais com o prazer feminino,


isso é uma maravilha, mas te entendo. Então chupa ele! Chupa esse homem!
Vá com calma e depois me conte tudo! Beijos, tchau! — Desliga na minha

cara, nunca espera eu me despedir também, essa vaca!

Esteban sai do banheiro enrolado em sua toalha preta, o corpo ainda


repleto de gotículas de água que desenham os seus músculos de modo
fascinante. Tesão... o homem é o verdadeiro significado dessa palavra, forte,
alto, musculoso, imponente, tatuado, loiro e de olhos profundamente azuis.
Uma tentação!

Meu centro pisca com a sua aproximação, ele molhado me esquenta até
mesmo sem me tocar. Engulo em seco, ainda não sei quando vou me

acostumar com a sua imagem, a sua presença.

— Precisamos nos arrumar, baby. Vamos sair — avisa.

— Sair? Achei que passaríamos o fim de semana aqui, como sempre


fazemos. — Fico surpresa, mas adoro ser surpreendida.

— Fizemos isso nos dois últimos fins de semana, não é uma má ideia,
pois eu adoro, mas neste quero que seja diferente. Vamos dar uma volta, há
um lugar onde quero te levar.

— Sério?! — Levanto-me, empolgada.

— Seríssimo — confirma, abrindo a gaveta do móvel em frente a cama


e retirando um embrulho que joga para mim. — Para você!

— O que é isso? — Abro o presente, encontrando uma jaqueta preta de

couro, do meu tamanho.

— Para a viagem, vai precisar. Vamos de moto.

— Uau... — Estou impressionada e adorando a ideia. — E para onde


vamos?

— Surpresa. — Pisca para mim, lindo com o seu sorriso matador.


Corro e o abraço, tendo que ficar na ponta dos pés para alcançar a sua boca,
pois o homem é um gigante.

Horas mais tarde, estamos sobre a sua Streetfighter poderosa, vestidos

com calças jeans, tênis e jaquetas. Protegidos com capacete e até luvas.
Seguimos pela estrada, ultrapassando as belíssimas paisagens da França,
rumo ao inesperado. Realmente não sei o que esperar, estou vivendo um
sonho agarrada a Esteban, com os braços em volta do seu corpo, de sorriso no
rosto.

Uma aventura... é essa a sensação que tenho. Liberdade, adrenalina,


emoções tão intensas que chegam a irradiar a minha alma. A sensação do
vento batendo em meu corpo, sacudindo os cabelos que ficam de fora do
capacete. Nunca havia andado de moto e agora penso o porquê de não ter

feito isso antes. Apesar de não saber para onde estou sendo levada, em
nenhum momento desconfiei do advogado, pois quando estou com ele me
sinto incapaz de ser atingida por qualquer coisa ruim.

— Vai mais devagaaar!! — grito ao pé do seu ouvido, estou um pouco

tensa devido à velocidade.

— Ir mais rápido? Tudo bem! — finge não me escutar e acelera mais,


fazendo o motor roncar potente, disparamos, passando por panoramas
verdejantes sob o céu azul e vívido pelos raios do sol.

Aperto o loiro com todas as minhas forças, gritando de medo, então ele
desacelera indo bem mais devagar agora, gargalhando do meu mini
desespero. Dou tapinhas em seu ombro.

— Babaca!! — xingo, mas ele ignora e ri muito mais, arrancando-me

gargalhadas também. Rimos juntos, nos divertindo.

— Abra os braços, Pimentinha! — exclama, sem tirar o foco da estrada.

— O quê?!

— Confie em mim, prometo ir devagar! Abra os braços.

— Esteban...

— Abraaaa!
Atendo o seu pedido e estico os braços lentamente, até que fiquem
totalmente abertos, sentindo agora a brisa do vento mais intensa em todo o

meu corpo, afagando o meu espírito. Posso dizer que me tornei outra pessoa.
É como se nessa estrada, aquela velha Madeleine cheia de mágoa, feridas e
traumas ficasse para trás e desse espaço para uma nova mulher que acredita
que todos os seus sonhos podem mesmo se realizar!

— ISSO É BOM DEMAIS! — grito, sorrindo de orelha a orelha. Tudo


passa em câmera lenta, como se nunca tivesse fim e não quero mesmo que
tenha!

A nossa viagem dura duas horas e meia, paramos apenas uma vez no
caminho, em um posto de gasolina para abastecer, esticar as pernas, ir ao
banheiro e beber água. A paisagem começa a mudar, surge areia e avistamos
o mar ainda distante. Fico chocada! Não esperava que ele me levasse à praia.

Quilômetros atrás passamos por uma placa que informava que

estávamos entrando na região da Normandia, e agora avisto outra placa que


informa que estamos chegando à comuna de Cabourg. Logo adentramos na
pequena e belíssima cidade à beira-mar, que contém uma charmosa atmosfera
Belle Époque.

Fico fascinada, observando tudo com atenção, enquanto Esteban pilota


devagar. Entramos numa fantástica avenida chamada Promenade Marcel
Proust, que se localiza defronte para a imensa extensão de areia do mar.

Paramos em um hotel enorme de quatro andares, um verdadeiro palácio

epopeico.

Estacionamos na praça em frente, sobre a grama onde há vários carros.


Desço da moto ainda bestificada, tentando entender o que estamos fazendo
aqui. Esteban ri quando tira o capacete e percebe a minha expressão

incrédula.

— Esse é o Grand Hotel de Cabourg, onde ficaremos até amanhã —


informa, naturalmente. O nome do prédio está no topo, em letras maiúsculas
brancas.

— Não pode estar falando sério — murmuro, recebendo o seu sorriso


cínico. Ele está muito lindo de motoqueiro. — Esteban, você me trouxe para
a Normandia! Quase nunca saí de Paris, estou... chocada.

— Vamos, baby, temos um longo dia pela frente e já está quase na hora

do almoço. — Toma-me pela mão, caminhando rumo às grandes portas do


edifício.

— Esse lugar é chique demais, estamos parecendo um casal de


motoqueiros, vamos acabar sendo barrados. — Fico preocupada, ajeitando a
mochila nas costas, a única que trouxemos com alguns pertences.

— Já sou hóspede. Eles me conhecem.


— Já trouxe outras mulheres aqui antes? — Não consigo controlar a
língua, quando percebo, já perguntei.

— Não, venho aqui para me divertir com amigos. — É sincero. Na


verdade, Esteban sempre foi sincero, porém também sei que é um excelente
advogado, por isso não posso afirmar quando ou se está mentindo. Até por
que a nossa relação começou com a mentira daquela merda de aposta. Por

fim, prefiro acreditar nele, até por que não tem mais motivos para me
esconder a verdade.

Somos muito bem recebidos, fazemos o check-in e nos guiam até a


nossa suíte com uma enorme varanda para o oceano. Esplêndido! Ao
ficarmos sozinhos, Esteban se diverte ao me observar vistoriar cada parte do
espaço que é maior que a minha casa.

Há uma sala de estar, escritório, quarto, banheiro e mais. Todos os


cômodos são confortáveis e muito espaçosos, contendo móveis caros e

resistentes. As paredes possuem tons claros, cortinas blackout, ar-


condicionado, TV de tela plana, frigobar, closet e isolamento acústico. Abro
as portas duplas, parando na sacada, colocando as mãos sobre o guarda-corpo
de vidro e suspirando, incrédula.

— E então, gostou? — Esteban para ao meu lado, acariciando o meu


rosto. Ele parece adorar esse tipo de coisa.
— Se eu gostei? Amei, mas... nunca imaginei algo assim, Esteban...
não precisava! — Admiro a imensa praia, até a água do mar esverdeado.

— Acostume-se, gosto do que é bom. — Ele me beija com doçura, mas


estou em choque ainda.

— Exibido... — concluo, ele gargalha, sabe que é verdade. — Você é


muito exibido, cara! Se vamos ficar somente até amanhã não precisava de

tudo isso. Essa é a suíte presidencial?

— Acho que não, mas se for... o que importa? — Para ele esse mundo é
muito normal, ainda fico processando tanto luxo, não estou acostumada e
realmente não sei fingir costume.

— Agora vamos tomar um banho, almoçar e depois praia — informa,


entrando na sala e retirando a jaqueta, mostrando a camiseta branca que
molda perfeitamente o seu corpo.

— Praia? Mas nem trouxemos roupa para isso! A mochila mal coube os

nossos produtos de higiene, você me deixou completamente despreparada!

— Acalme-se, não gosto de andar com muita bagagem quando viajo de


moto, por isso compraremos o que precisar por aqui.

— Ah... certo. — Tudo é muito simples. Quem tem dinheiro, não se


preocupa com nada. O advogado nota o meu espanto, larga a jaqueta no sofá
e segura o meu rosto entre as mãos.
— Baby... relaxa! Vamos apenas nos divertir, okay?

Respiro fundo, afastando o leve nervosismo que causou um frio em

meu estômago.

— Okay — concordo, recebendo o seu beijo outra vez.

Assim, tomamos banho e descemos para o luxuoso restaurante que

também passa a sensação de estarmos em outra época. Os garçons são


exageradamente educados, chegam a ser caricatas, como os personagens dos
filmes franceses. Aos poucos vou relaxando e me sentindo mais à vontade, é
impossível não ficar assim em um lugar rico como esse. Enquanto comemos
frutos do mar, fico divagando enquanto observo ao redor.

— No que está pensando? — Esteban me tira dos pensamentos. Pisco


algumas vezes antes de respondê-lo.

— Que... é para isso que estou estudando, sabe? Que é uma vida assim
que quero ter daqui há alguns anos. Claro, não preciso de tanto, mas... quero

conforto, independência financeira para viajar para onde quiser e quando


quiser como estamos fazendo. Você me inspira, Esteban — declaro, o
surpreendendo. Ele fica sem palavras por alguns segundos.

— Essa foi a coisa mais bonita que já ouvi na minha vida — confessa,
e eu sorrio. Unimos as nossas mãos por sobre a mesa, passando energia
positiva um para o outro. — Tenho certeza que conseguirá realizar todos os
seus sonhos, porque é guerreira, inteligente e determinada. Vai conseguir.

— Obrigada.

Ao terminarmos o almoço, seguimos a pé mesmo e de mãos dadas até


uma boutique próxima ao hotel onde vende apenas peças praianas femininas.
Logo de cara já sei que lá dentro não encontrarei biquínis do meu tamanho.

— Esteban, acho que não tem o meu tamanho aqui — cochicho em seu
ouvido antes de entrarmos.

— Não prefere olhar primeiro? — pergunta, então acabo cedendo, já


sentindo os meus demônios acordando. Passei por isso antes muitas vezes, é
quase um filme que se repete sempre.

Uma das vendedoras que é magra e alta vem nos atender, observando-
me de cima abaixo com desdém e provavelmente estranhando o fato de um
deus grego como Esteban estar ao meu lado.

— Boa tarde, sejam bem-vindos — cumprimenta, mas não gosto dela.

— Boa tarde, por favor, será que pode encontrar algo para a minha
acompanhante? — O advogado fala, todo educado e naturalmente atrativo. A
mulher não consegue disfarçar o interesse nele. Tento não me sentir
diminuída em sua presença, mas é impossível.

— Ah... desculpe, mas aqui não temos o seu manequim, querida —


finge lamentar, fitando-me cínica.
— Tem certeza? — Esteban insiste, aperto a sua mão, querendo sair
daqui.

— Qual o tamanho dela? Quarenta e oito?

— Quarenta e seis! — corrijo incisiva, sei que está debochando de


mim.

— Ah, então realmente não podemos ajudá-la, nossos números são


todos abaixo de quarenta.

— O que é ultrajante, não é? — Esteban rebate, surpreendendo-me. —


E pode soar até como preconceituoso. Será que vocês aqui podem servir ao
menos para nos indicar outra loja?

Ele pegou pesado, mas adorei! A mulher fica muda por alguns instantes
até responder, educada:

— Não conheço nenhuma para o tamanho que procura, senhor.

Esteban fecha a cara para ela e me puxa para fora.

— Vamos procurar outro lugar.

— Esteban. — O faço parar, ele vira para mim. — Não adianta,


Cabourg é pequena, se ela disse é porque não iremos encontrar. Não quero
passar por isso outra vez... me faz mal — confesso, entristecida.

— Aquela vendedora não sabe de nada! — Ele ri, tentando diminuir o


que aconteceu na loja. — Não vamos acreditar nela, continuaremos

procurando. É claro que deve existir um lugar, não é possível...

— Mas não quero procurar, por favor, não me faça passar por isso. Já
vivi essa situação muitas vezes, não quero repetir — digo, o deixando sem
palavras. Penso um pouco. — Sei que planejou muitas coisas para nós, mas...
não precisamos tomar banho de mar... deve haver muitas outras coisas para

fazer aqui, não? — Sorrio, sem graça.

Esteban larga a minha mão, desconcertado, olhando para os lados em


busca de uma solução que não existe. É porque ele não esperava por isso, foi
pego de surpresa, não pensou nessa questão. Gordinhas como eu devem sair
preparadas de casa para ir ao litoral, se tivesse me avisado seria diferente,
mas queria fazer uma surpresa.

— Não quero estragar o nosso final de semana, é só que...

— Vamos fazer o seguinte. Volte para o hotel, nos encontraremos lá

daqui a pouco — determina.

— Vai continuar procurando? — deduzo. — Esteban...

— Madeleine, por favor, faça o que estou pedindo. Me espere no


quarto, sim? — pede, afastando-se.

— Esteban! — exclamo incomodada, mas sou ignorada, ele segue


caminhando sem olhar para trás.
MADELEINE FERNANDEZ

Emburrada, retorno para o hotel. Fico sentada no sofá da sala, olhando


para o nada, sem esperanças, abatida prevendo que tudo vai dar errado. Quase
uma hora depois e nada do advogado, permaneço no mesmo lugar, liguei para
ele algumas vezes, porém não fui atendida. Estou preocupada, relembrando
momentos difíceis da minha vida como este, fico sem saber o que fazer.

Levanto-me em sobressalto quando vejo a maçaneta da porta girar,


esbugalho os olhos quando uma mulher negra de meia idade entra toda
animada. Ela tem o meu manequim, cabelos pretos longos e cacheados, usa
um maiô com uma saída de praia longa por cima e puxa uma mala de
rodinhas na mão direita. É elegante, sorridente e alto astral.

— Cadê ela? É você? — aponta para mim, há várias pulseiras


caríssimas em seus pulsos. — Ah, que lindaaaaa! — exclama, vindo em
minha direção, Esteban surge atrás dela com um senhor negro na casa dos

sessenta anos. Fico confusa, a mulher troca beijinhos no rosto comigo na


maior intimidade.

— Madeleine, estes são o senhor e a senhora Petit, também são


hóspedes do hotel — Esteban nos apresenta.

— Olá. — Aperto a mão de ambos, sorrindo sem entender nada.

— Doralice, prazer. — A mulher se apresenta.

— Brunot senhorita, prazer — diz o homem, muito contente também.


O casal tem uma energia positiva que contagia.

— Prazer — falo.

— Doralice vai ajudá-la com os biquínis enquanto eu e Brunot vamos


tomar uma dose de uísque, que tal? — Esteban propõe ao homem.

— Acho ótimo, meu caro!

— Venha querida, leve-me para o seu quarto! — Doralice me puxa pela


mão. — Agora é a hora das meninas! Comportem-se rapazes! — Se despede
dos homens.

— Pode deixar, meu amor! — exclama o marido dela.

— Nossa, a suíte de vocês parece ser mais completa que a nossa! Esse
hotel é mesmo lindo, não é? — indaga, enquanto nos afastamos.

— Belíssimo — afirmo, nós entramos no quarto.

— Feche a porta, há muitas peças para experimentar — informa, faço o


que ela diz ao mesmo tempo em que a observo pôr a mala sobre a cama e
abri-la. — Veja só que maravilha! Não saio de casa sem os meus bebês,
muitos são novos aqui, então não se preocupe. — Mostra-me inúmeros

biquínis e outras peças praianas lindas e todas do meu tamanho.

— Uau... — Aproximo-me, pegando um sutiã. — Acho que vai servir.


— Sorrio, criando esperança.

— Mas é claro que vai servir! Temos o mesmo corpo, só mudamos a


cor... e no cabelo — gargalha. — Fora que você é mais jovem e sua bunda é
uma coisa maravilhosa, querida! Seu namorado estava desesperado, tadinho,
me contou tudo e fiquei compadecida. Entendo o que vocês estão passando,
passei pelo mesmo durante toda a minha vida, por isso já venho para lugares

como este precavida.

— É que ele queria fazer uma surpresa, ainda não sabe como é a nossa
vida de Plus Size, mas é um fofo!

— Assim como o meu marido! Agora vamos experimentar e achar o


que é a sua cara, porque precisamos ir para a praia! Estou adorando conhecê-
los, uma amiga nessa viagem era tudo o que eu queria! Eu e o Brunot
adoramos fazer amizades em nossos passeios!

— Ah, confesso que já estou me sentindo melhor por encontrar alguém

como eu por aqui também! Muito obrigada. — Aperto as mãos dela,


emocionada, segurando-me para não chorar. Doralice me abraça.

— Oh querida, está tudo bem. Sabe, hoje não me atinjo mais com esse
tipo de coisa. Amo o meu corpo e quem eu sou, óbvio que demorou muito

para me aceitar, a sociedade é cruel, sempre excluindo aqueles que não estão
dentro dos padrões de beleza. Mas após muitas experiências, decidi ligar o
botão do foda-se. Porém, você ainda é muito jovem, sei que não deve ser
fácil.

— Não é, mas estou tentando mudar... porque a sociedade nos ensina a


não nos amarmos por sermos como somos, mas... no fundo... gosto de mim,
sabe? — confesso, fungando e enxugando as lágrimas.

— Sei, te entendo. Trabalhe em cima disso, com o tempo essa ideia vai

prevalecer e então se sentirá absoluta! Verá que é muito gostoooosa e


maravilhosa! — arranca-me gargalhadas. — Agora vamos esquecer disso e
partir para os biquínis! Vem!

Tudo o que eu precisava era de uma Doralice na minha vida hoje!


Parecemos amigas de infância enquanto experimento várias peças, recebendo
os seus conselhos que são sempre construtivos e leves! Quando fico insegura,
ela me compreende e mudamos algumas coisas, também me consegue uma
longa saída de praia e por fim chegamos a um resultado.

— Incrível! — Bate palmas, estamos de frente para o grande espelho,


observo o meu reflexo com um sorriso meigo no rosto, contente com o
biquíni rosa proporcional às minhas medidas e que valoriza o meu corpo, não
me deixando vulgar nem ridícula.

A calcinha é de cintura alta, deixando as minhas pernas bem atraentes e


o sutiã tem um bonitinho detalhe de laço no centro, o meu busto fica cheio e
até um pouco sensual.

Fecho o robe antes de sair do quarto, pretendendo tirá-lo apenas na


praia se tiver coragem. Quando retornamos para a sala, encontramos os
homens muito bem-humorados, bebendo no sofá. Esteban agora usa uma
bermuda bege com uma camisa linho de botões, lindo! Eles levantam quando
chegamos à sala.

— Ela ficou perfeita, não ficou? — indaga Doralice.

— Ela é perfeita — Esteban vem em minha direção e me beija,


amoroso e encantado.

— Oooh... desse jeito eu me derreto! — brinca Doralice, indo até o


marido. —Vamos deixar a mala em nosso quarto e nos encontramos dentro
de alguns minutos no lobby, pode ser?
— Ótimo, nos encontramos lá, muito obrigado! — Esteban agradece e
os acompanha até a porta. Quando ficamos sozinhos, ele foca em mim,

safado. — Posso ver? — Pede. Sorrindo, abro a saída de praia, mostrando o


biquíni. Ele morde o lábio inferior, excitado, me desejando, vindo até mim e
me agarrando com cuidado, tomando a minha boca, lascivo. — Será que dá
tempo de foder você assim antes de irmos para a praia? — sussurra contra os

meus lábios, fico toda mole.

— Não... agora você me empolgou quero conhecer a praia daqui. Onde


encontrou Doralice e o marido? — Estou curiosa.

— Você tinha razão, não achei lojas aqui com o seu manequim.
Frustrado, voltei para o hotel sem saber o que fazer, até que esbarrei com eles
no elevador, notei que ela usava peças que serviriam em você e resolvi
perguntar onde comprou. O casal se mostrou muito solícito e entendeu a
nossa situação e então... bem, você sabe que sou bom em construir amizades.

— Aham... sei muito bem. E não sei como agradecê-lo por isso. Estar
contigo é viver a cada dia com uma surpresa diferente.

— Quero que se sinta bem ao meu lado. — Toca o meu queixo com
carinho. — E não posso permitir que nada estrague isso. — Me beija com
paixão, me apaixonando ainda mais. Esse homem não existe!

Minutos mais tarde, como combinado, encontramos com o casal Petit e


seguimos todos para a praia privada do hotel. Ocupamos as nossas barracas
chiquérrimas e confortáveis, equipadas com tudo o que podemos precisar.

Esteban tira a roupa e fica apenas de sunga, maravilhoso, então me chama


com a mão.

Troco olhares com Doralice que está deitada na espreguiçadeira, ela


assente, me passando coragem. Respiro fundo, abro o robe lentamente e o

retiro até ficar apenas de biquíni, exposta... em público. O frio na barriga


bate, junto a insegurança, mas quando caminho até o advogado e seguro a sua
mão, me sinto forte e confiante.

Ele sorri para mim e tudo se torna o paraíso. O seu cabelo fica ainda
mais dourado brilhando sob o sol... lembrando até um anjo pervertido.
Começamos a caminhar pela areia branca, fofa, Esteban acelera e quando me
dou conta estamos correndo.

Dois adolescentes... é o que parecemos. Não me importo mais com

nada, se há olhares em volta, não me preocupam. Aqui não há fantasmas nem


demônios, apenas o vento batendo em nosso rosto, os nossos pés afundando
na areia e a água salgada nos recebendo quando invadimos as ondas e
mergulhamos juntos, lavando a alma.

Brincamos... nadamos... pulamos... nos abraçamos e beijamos muitas,


muitas vezes. Não há limites, só beleza, a vida é bela! E neste momento,
fixando nos olhos azuis profundos de Esteban, sei que a minha paixão

evoluiu para algo maior... o amor.

Passamos uma tarde maravilhosa na praia, ao retornarmos para o


quarto, tomo banho primeiro, ainda estou encantada relembrando tudo o que
vivemos, o quanto foi bom. Fico penteando o cabelo com uma escova,
sentada em frente a penteadeira até que Esteban sai do banheiro de roupão.

— Nossa, nunca me diverti tanto naquela praia como hoje. Parece até
que foi a primeira vez — comenta, vindo por trás, apoiando as mãos sobre os
meus ombros e beijando-me no topo da cabeça.

Olho-o decidida pelo reflexo do espelho, deixo a escova de lado e me


levanto, virando-me para ele. Beijo-o com vontade, seus braços musculosos
rapidamente me correspondem e apertam-me contra o seu corpo duro,
grande. Suas mãos apertam a minha bunda, erguendo o meu roupão,
comprimindo a minha pele.

Sinto a sua ereção crescer entre nós e mordo o seu lábio inferior, algo
que aprendi com ele. As suas sobrancelhas se erguem com a surpresa, e seus
olhos me encaram com desejo extremo.

— Vamos para a cama — convida.

— Sim, mas... hoje quero fazer algo diferente — anuncio, deixando-o


curioso. — Você sempre me satisfaz, também quero satisfazê-lo.
— E quando foi que não me satisfez, Pimentinha? — Sua voz é rouca,
libidinosa, os seus lábios passeiam por meu pescoço, arrepiando-me.

— Eu sei... mas quero retribuir de uma forma nova — aperto o seu


mastro sobre o tecido.

— Hmmf... — o gemido dele faz a minha vagina se contrair. — O que


quer fazer? — sussurra.

— Nunca fiz isso, mas... quero que me ensine a te dar prazer — peço,
deixando-o boquiaberto, excitadíssimo. Esteban me beija com euforia, parece
ter adorado as minhas palavras.

Assim que perdemos o ar, pressiono o seu peitoral, ele entende que
quero sentá-lo, então se senta na ponta da cama. Quando me ajoelho à sua
frente, ele entende o que quero fazer e parece gostar da ideia, abrindo mais as
pernas e em seguida o roupão, dando visão para o seu mastro poderoso,
enorme e enrijecido que aponta para o alto, intimidador, atraente.

— Pode deixar, baby. Vou ensinar tudo a você.


MADELEINE FERNANDEZ

Um colosso... soberano... uma montanha de músculos muito bem


esculpidos, a pele bronzeada do sol ainda úmida do banho recente, as pernas
longas e grossas com pelos abertas diante de mim, dando visão para o sexo
parrudo, chamativo, as bolas avantajadas. O olhar fatal, em expectativa.
Esteban me excita de todas as formas.

Ajoelhada aos seus pés, continuo focada no seu centro, admirando e


desejando-o dentro de mim, sentindo-me queimar de dentro para fora,
imaginando mil coisas eróticas, porém lutando para me concentrar no prazer
que quero dar a ele, mesmo com zero experiência no sexo oral.

— Mostre os seios para mim — ordena, com a voz grossa, máscula.


Suspiro, saindo da hipnose, descendo o roupão até a cintura. Os mamilos
estão bastante sensíveis, os bicos endurecidos, eles sempre ficam assim, sou
muito delicada nesta região e quando fico excitada a coisa só piora.

— Preciosa... — rosna em espanhol, fervente, arrepiando-me com o

seu som gutural. Esteban suspira e arruma os meus cabelos úmidos,


segurando-os na nuca apenas com uma mão firme, porém cuidadoso para não
me causar nenhuma dor. — Segure o meu pau e o guie até a sua boca.
Comece devagar, beijando ou lambendo, você escolhe. Mas não tenha

pressa... deixe o seu instinto te guiar — instrui, devagar.

Assinto, olhando em seus olhos. Meus lábios estão secos, o coração


acelerado, a intimidade contraindo, várias sensações insanas ao mesmo
tempo. Tenho temores, não quero machucá-lo, mas há também muita
curiosidade para descobrir como é, sentir o gosto que tem, a sensação dentro
da boca.

Ergo a mão direita, contornando o mastro com os dedos pequenos,


fechando-o, as suas veias salientes latejam. A minha palma que está perdida

na imensidão da carne, arde com o calor que sai dali e atinge todo o meu
corpo. Ele é muito quente, grande, largo e duro.

Esteban fecha os olhos e arfa quando tomo coragem para beijar a


glande, como ele instruiu. Os meus lábios delicados encostam na ponta
massuda, proeminente, abrasando com o toque. O líquido que sai da fenda é
salgado e transparente, se espalhando por minha língua. Uso-a e o lambo com
timidez, ele fica boquiaberto, apertando mais o meu cabelo... reagindo.

É fenomenal! Arrasto-me pela parte inferior, sentindo cada contorno do

membro pontiagudo, forte e sensível. Faço devagar como me foi


aconselhado, a todo instante olhando para o semblante do homem, buscando
alguma correspondência, uma resposta sobre eu estar fazendo o certo ou não.

— Hmmf... — Esteban grunhe baixinho, mordendo o lábio enfeitiçado.

Acho que está gostando. Lambo outra vez, cuidadosa, inexperiente com a
mão livre na sua coxa. Beijo novamente, a minha saliva está começando a
lambuzá-lo, fazendo a carne cintilar e se tornar ainda mais atraente aos meus
olhos.

O advogado geme e contrai o quadril, empurrando-se delicado para


dentro da minha boca pela primeira vez, seus dedos roçam na minha nuca e
apertam as minhas madeixas. Os meus lábios ficam cheios com a invasão
educada, mas que preenche boa parte de tudo, esfregando nos dentes,

parecendo ainda maior do que já é.

Ele se afasta, me observando com devassidão, pervertido, sinto os meus


fluidos molhando a parte interna das minhas coxas. Continuo lambendo,
agora com menos timidez e um pouco mais de atitude. Esteban segura o seu
pau contra o seu abdômen trincado e guia o meu rosto da base até a ponta em
uma lambida longa e servida pela parte inferior.
— Isso... — geme quente, a sua temperatura corporal só aumenta, pois
ele exala calor. Repete o mesmo ato mais umas três vezes, arrasto-me da base

até o alto, molhando a sua pele, atiçando as veias até que sua glande penetra a
minha boca novamente.

Esteban vai e vem com lentidão, uma coisa que aprecio nele é a
paciência, isso me deixa mais segura por saber que as coisas não acontecerão

rápido, mas sim no tempo necessário. Gradativamente, vai afundando um


pouco mais, entrando com mais alguns dos seus centímetros comprimindo os
meus lábios, pressionando a língua, preenchendo o espaço e tocando o céu da
minha boca, então para.

— Fique assim — ordena calmo, massageando a minha nuca. —


Respire pelo nariz — obedeço, sem tirar os olhos dos seus, boquiaberta com
um pedaço dele dentro de mim, quase chegando à garganta. Estou imóvel,
sem saber qual é a finalidade disso, tentando estudar as suas expressões e

entender.

Conforme os segundos passam, não consigo evitar que a minha saliva


se acumule cada vez mais e molhe o seu pênis, babando-o e descendo por
toda a sua extensão, o fazendo latejar. Esteban geme mais forte com isso e
então se afasta, permitindo-me voltar a respirar normal e limpar o meu queixo
que também está lambuzado.
Mais uma experiência surreal... é o que estou tendo com este homem. O
seu poder sexual é muito maior do que imaginei e a experiência de saber

exatamente o que está fazendo me conquista.

Quando fico sóbria outra vez, ele volta a penetrar a minha boca
resvalando para dentro e para fora devagarinho e ensinando-me, cada gemido
seu me arrepiando. Ficamos assim por um bom tempo até que Esteban vibra,

parece que vai gozar, então levanta e me puxa pelos cabelos para beijá-lo. Ele
não tem nojo de nada, nossos lábios se misturam com indecência e sua mão
livre aperta o meu seio, massageando o bico.

— Aaiii... — gemo, entorpecida.

— Está indo muito bem, baby. Agora quero mais — anuncia voraz, um
pouco ofegante.

Ele me deita de costas no centro da cama King com um travesseiro sob


a minha cabeça e fica de joelhos ao meu lado, o seu pau pairando sobre o

meu rosto.

— Abra as pernas — ordena com a voz mansa, o obedeço, deixando as


coxas flexionadas. — Nós vamos brincar um com o outro. A regra é: não
podemos parar em hipótese alguma até o orgasmo, entendeu?

— Sim — respondo, a voz saindo em murmúrio de tanto tesão. Quero


que ele me toque, quero muito e estou tentada com o desafio, não sei o meu
limite.

O advogado consegue se tornar ainda mais pornográfico ao inserir os

seus dois dedos do meio inteiros dentro da boca e chupá-los para fora,
deixando-os lubrificados o suficiente para em seguida penetrá-los com um
único movimento dentro da minha vagina.

— OOH!! — libero um gritinho, arqueando as costas um pouco,

sabendo que o jogo começou. Seguro o seu mastro bem onde faz a curva
saliente e volto a chupá-lo como posso, sem afobação, ainda aprendendo.
Estou gostando de degustá-lo e de fazê-lo gemer.

Ao mesmo tempo, Esteban passa a — como ele mesmo sempre diz —


me foder, escorregando os dedos longos e grossos por entre os meus lábios
grandes e aveludados, lubrificados de luxúria. Começamos devagar, ele me
tocando com carinho e eu o lambendo cuidadosamente. Cada vez que o faço
arfar e se contrair, é uma vitória.

O tempo vai passando, mas não nos cansamos, pelo contrário, ficamos
cada vez mais excitados e provocativos. Esteban aumenta a intensidade de
suas investidas em meu centro ao ponto de fazer barulho quando me penetra
até o limite, criando um impacto gostoso demais que me leva à loucura.

Os meus gemidos saem abafados com a ponta do seu pênis dentro da


boca. Em um instante, ele usa a mão livre para guiar a minha sobre o seu
membro e me ensinar a masturbá-lo durante o oral e assim faço. O advogado
fecha os olhos em vários momentos delirando, como se eu estivesse lhe

fazendo uma tortura prazerosa.

O mesmo acontece comigo, a sua mão habilidosa se agita em minhas


entranhas, os dedos indo o mais fundo possível e criando movimentos
libidinosos entre as minhas carnes íntimas de modo que me faz gritar. Por

vezes quero parar de chupá-lo e apenas receber essa lubricidade insana que
me domina, mas lembro da regra, é o que me impede.

Esteban pausa as investidas e fica parado dentro do meu corpo de modo


profundo, pressionando com a mão por fora prendendo o meu sexo,
começando a sacudi-lo eroticamente. O meu quadril sobe e desce em um
ritmo lascivo, as minhas coxas tremem, os fluidos se multiplicam e me
encharcam em abundância.

Sinto toda a força do meu corpo se concentrar entre as pernas, vindo

com tudo e prendo o pau dele dentro da boca também, toda babada,
apertando-o com a mão e fechando os olhos, grunhindo sem parar,
incontrolável. Esteban grita, usando a mão livre para pressionar a minha
cabeça nos últimos momentos e resvalar mais alguns centímetros por meus
lábios, preenchendo-me até o limite a ponto de incomodar.

Chegamos ao extremo, então gozamos. Ele se afasta a tempo e jorra


tudo sobre o meu rosto ao mesmo tempo que estou alucinada, espasmando e

ejaculando desenfreada. Os seus dedos agora roçam com habilidade e

domínio lentamente por meus lábios vaginais e clitóris, permitindo que o meu
orgasmo seja ainda mais poderoso e duradouro.

Inexplicável... estamos em chamas. Sou um misto de emoções


incontáveis e extasiantes, indescritíveis. Tudo é intenso demais! O seu

esperma caindo sobre a minha face, os jatos que explodo para fora. O tempo
passa em câmera lenta e meu corpo parece que vai se partir ao meio.

— A língua para fora... — ofega, desesperado — ponha a língua para


fora, Madeleine! — Ordena tremendo. O obedeço e recebo mais da sua
semente espessa, viscosa. Jamais imaginei que coisas tão profanas assim
pudessem me encantar e satisfazer.

Deixo escorrer por meu queixo e bochechas, sou banhada por Esteban,
literalmente. Não engulo, pois tenho receios, mesmo assim não consigo evitar

que algo desça por minha garganta. Estou feliz por tê-lo feito gozar e por esse
furacão que está passando aqui.

Após recuperarmos um pouco da energia que foi embora com o


desgaste do orgasmo, seguimos para o banheiro, onde ensaboamos um ao
outro e nos limpamos de toda a sujeira que provocamos. Namoramos debaixo
d’água, nos beijando de forma caliente, relaxada e sensual.
Voltamos para a cama ainda nos agarrando, o que me faz perceber que
não acabou. O homem fica de joelhos novamente e dessa vez me faz chupá-lo

de quatro, mandando eu abrir as coxas de forma que as minhas nádegas


fiquem naturalmente separadas e dê visão para a minha intimidade.

Ele usa a mão enorme para abrir mais a minha carne e brincar com os
meus lábios vaginais, acariciando eles e toda a região em volta. Então,

penetra até o fim o polegar grosso vagarosamente no meu ânus, arrancando-


me um gemido alto e forte. Assim, continua brincando com a minha vulva,
utilizando os demais dedos para me atiçar até o clitóris.

Ficamos dessa forma por vários minutos até que finalmente eu fico
molhada o suficiente e deixo o pênis dele todo babado de novo. Então,
Esteban põe o preservativo e me penetra por trás, devagar. Fico com a bunda
para o alto e a cabeça contra os lençóis. Libero um grunhido gutural quando
as mãos dele seguram pedaços das minhas nádegas para tomar impulso e

passar a me penetrar mais forte.

A minha pele amontoada e espremida entre seus dedos ao mesmo


tempo em que seu corpo se choca contra o meu, fazendo barulho a cada golpe
que recebo fundo em minhas entranhas. Ele nunca me possuiu desse jeito,
sempre foi muito cuidadoso e devagar, mas hoje está me usando de maneira
ilimitada e me tomando com ímpeto e selvageria. O pior é que estou amando.
Sinto o pau dele ir e vir por meu corpo, dominando, preenchendo todo
o vazio que possa haver em meu interior e atingindo até o útero. Dói..., mas é

uma dor que alimenta, desejada, necessária!

Não paro de gemer, sou toda dele e Esteban está fazendo comigo o que
quer e o que bem entende. Em um momento, se afasta e me deixa vibrando
por mais, ansiando para que me penetre outra vez. Abre a minha bunda com

brutalidade e arrasta a língua pelo centro, de baixo para cima sugando tudo.

Se inclina mais sobre o meu corpo, montando e apoiando-se na perna


esquerda, espalmando as mãos nas minhas costas e bunda, voltando a se
enterrar em minha vagina ensopada. A força com que vem sobre mim a cada
investida sacode todo o meu corpo e naturalmente as minhas coxas se abrem
mais, fico arreganhada diante dele.

Sinto as suas bolas baterem no meu sexo quando se aprofunda em


minhas entranhas até o limite e me encontro seduzida. É bom demais. O

advogado começa a urrar, acelerando, deixando o nosso ritmo mais intenso.


A cama range, treme, é capaz até de estar saindo do lugar quando o homem
explode em meu interior.

Sinto os jatos potentes me preencherem e a sensação é nova,


impressionante! Logo sei que tem alguma coisa errada, mas estou envolvida
demais para focar nisso agora.
Esteban está elétrico e efusivo, todo dentro de mim enquanto goza, fica
moendo o pau entres as minhas carnes íntimas, rebolando bem devagar contra

as minhas paredes vaginais, o seu púbis se esfregando com violência em


minha bunda. Estamos tão unidos que por um instante chego a acreditar que
jamais poderemos separar os corpos outra vez.

O seu esperma vai longe e me enche tanto que escorre para fora, me

melando inteira. Ele aperta mais a minha carne entre os dedos e chega a
minha hora de flutuar, sendo arrebatada por um orgasmo diferente de todos
os outros, colossal. É como se Esteban arrancasse todas as minhas energias
pela vagina e tomasse para si. Derreto-me sobre a cama em um gemido longo
e manhoso enquanto perco todas as forças.

Mágico... ele finalmente sai do meu corpo, então caímos lado a lado,
trêmulos, os músculos espasmando, todo o nosso ser vibrando. Levo bastante
tempo para conseguir abrir os olhos, fico quietinha, mole, apenas sentindo a

rajada de emoções me dominar sem fim como se estivesse no céu.

Levanto as pálpebras quando acho coragem e enfim tento averiguar o


que foi que aconteceu, avistando a camisinha rasgada no pênis de Esteban.
Ele está desfalecido sobre os lençóis, absorto em prazer, tentando respirar
para continuar vivo, pois o sexo foi muito estonteante para nós dois. Nos
cansou.
Ele nota o que estou observando e faz uma careta, fechando os olhos
com certa preocupação.

— Foi bem na hora H — explica, resfolegando. — Quando percebi já


era tarde demais e não consegui mais me afastar de você.

— Também não queria que se afastasse... foi incrível — ofego, fraca.

— Nunca conversamos sobre isso, sempre nos protegemos com


camisinha, mas você usa anticoncepcional?

— Não... — respiro fundo, me preocupando. — Eu não tinha uma vida


sexual ativa antes de você e nunca gostei muito desses remédios.

— Então... infelizmente vou ter que comprar uma pílula do dia seguinte
para você. Desculpe, sei que não é o certo, não é algo a ser tomado assim...

— Foi um acidente e é a primeira vez. Está tudo bem — sorrio,


adorando tê-lo neste estado vulnerável, tão arrasado sexualmente quanto a

mim. Era isso que eu queria e acho que consegui! — Foi bom? — Mudo de
assunto, estou curiosa.

Esteban abre os olhos e me fita imoral.

— O melhor de todos, querida. — Meu coração dá uma palpitada


quando me chama assim. É a primeira vez e já me marcou. Ele me chama
com a mão, então me aproximo e deito a cabeça sobre seu peito,
descansando.
Recebo as suas carícias e mimos por um longo tempo que nem vejo
passar.
ESTEBAN JAVIER

Acordo ainda sonolento e demoro a perceber que estou deitado com


Madeleine em meus braços. Estamos nus, as pernas enroscadas após a transa
fenomenal que tivemos. O melhor sexo da minha vida... ah sim, com certeza
foi. Cada vez que me entrego a essa Pimentinha, sou devastado de alguma
forma e isso muito me surpreende.

É normal não esperar nada de fantástico na cama de uma mulher tão


jovem e muito mais inexperiente que eu, porém quando os nossos corpos se
tornam um só, é simplesmente inexplicável! Ela está se tornando a minha
droga, a fome deliberada que preciso saciar todos os dias para não morrer. É
perigoso.

A minha necessidade de estar dentro de Madeleine se assemelha a um


trem desgovernado, é imparável e a sensação que tenho é que cresce cada vez
mais, ficando mais veloz, insano. Não consigo mais pensar ou olhar para
outra mulher, é só ela. Não estou me reconhecendo, principalmente por não

sentir mais falta de ter uma convidada diferente todos os dias em minha
cama.

Sei que tudo isso é consequência da paixão que sinto por ela.
Reconheci que estava mudando o meu comportamento ainda lá atrás e assumi

isso quando me declarei para ela debaixo daquela chuva, desde então, essa
mulher só me domina cada vez mais.

Essa é a segunda vez que me apaixono na vida, mas está sendo bem
mais intenso do que a primeira, e bem mais verdadeiro também, porque de
fato estou sendo correspondido. Por mais que eu já tivesse uma ideia do que
era se apaixonar — tanto que reconheci o sentimento há muito esquecido
quando surgiu —, Madeleine está me fazendo questionar tudo a respeito.

Paro de acariciar os seus cabelos sedosos e de observá-la encantado,

quando lembro que a camisinha estourou e ejaculei toda a minha luxúria


dentro dela. O preservativo rasgado ainda está em meu pênis, parece inteiro
então creio que não ficou nenhum pedaço dentro dela. Se houvesse ficado,
ela saberia.

Não sei quanto tempo dormimos, não foi somente o cansaço do sexo
que nos arrebatou, mas o das horas em que ficamos na praia também. Pelas
portas da sacada percebo que já é noite.

— Baby..., acorde. Acorde — chamo, retirando as mechas do seu rosto,

sorrindo com a perfeição que é assisti-la acordar, as pupilas esverdeadas me


fitando, o rosto angelical.

Ela troca olhares comigo por um instante, então se assombra e se senta.

— Que horas são? E a pílula que tenho que tomar? Minha nossa! Não
posso engravidar Esteban, tenho todo um planejamento de vida pela frente
que não inclui um bebê! — Está atordoada.

— Calma — gargalho, achando engraçado a sua preocupação. —


Ainda temos muitas horas de vantagem para você se proteger e agora... —
viro-me na cama até a mesinha ao lado, olhando a hora no meu relógio de
pulso que lá está —, já está na hora do jantar.

— Meu Deus, como fomos tão irresponsáveis? Adormeci sem perceber,


estava tão exausta!

— Eu também, ficamos horas na praia e depois aqui se divertindo na


cama, tudo isso cansa, Pimentinha, é normal que tenhamos apagado. Mas não
se preocupe, você não irá engravidar. Vai dar tudo certo. Vamos nos arrumar,
descer, jantar e depois procurar alguma farmácia.

— Primeiro a farmácia, depois o jantar — determina. — E realmente


espero não engravidar — afirma mais calma, entretanto ainda está
preocupada. Essa sua preocupação e consciência pesada me agradam, mostra
que se importa.

Tomamos um banho, dessa vez sem safadeza. Vestimos as únicas


roupas extras que trouxemos na mochila dela. Eu, calça jeans e casaco, ela,
um vestido confortável. Estamos bem à vontade. Mas descemos de jaqueta
com os capacetes nas mãos, seguindo para o estacionamento onde saímos na

moto.

É bem gostoso pilotar essa máquina sob a luz da lua, sempre gostei da
sensação, apesar do frio. Madeleine me agarra forte e me sinto bem, gosto de
saber que ela se sente protegida e confia em mim. Gosto de ser o cara que
está levando-a para passear, mesmo que esse passeio não seja o mais
desejável, já que nos dirigimos para a farmácia mais próxima.

Compramos a pílula e retornamos para o hotel. Ela ingere o remédio no


quarto, então descemos para o restaurante, onde avistamos o casal Petit numa

mesa e nos juntamos a eles. A noite é maravilhosa, rimos muito com as


histórias deles e nos divertimos bastante, passando horas agradáveis.

Ao retornarmos para o quarto, dormimos de conchinha após assistirmos


um filme e acordamos tarde no outro dia. Peço café da manhã no quarto, o
mordomo nos serve na sacada, enquanto somos abençoados com a brisa
marítima e a linda vista do Canal da Mancha.
— Isso até parece um sonho. — Madeleine sorri do outro lado da mesa,
com algumas olheiras assim como eu. Estamos aqui há um dia, mas foi um

tempo bastante agitado e recheado de atividades.

— Gosto muito desse lugar, por isso quis trazê-la aqui, sabia que iria se
divertir. — — Coloco a mão sobre a dela, enquanto o mordomo
uniformizado termina de nos servir, deixando a mesa perfeita. Assinto para

que ele se afaste.

— Um advogado bilionário... que gosta de viver intensamente, se


divertir, curtir a vida. Você está me fazendo perceber que a vida é bela e não
só trabalho e dores de cabeça — declara, acariciando a minha palma.

— Tudo tem a sua fase, você ainda está saindo da faculdade, mas já
tem alguns planos em mente que farão diferença lá na frente. É assim que tem
que ser. Foi uma das coisas que me apaixonou em você — confesso, tornando
o seu sorriso ainda maior.

— É? E o que mais fez o senhor se apaixonar por minha humilde


pessoa? — Está curiosa, brincando com a palavra “senhor”.

Penso um pouco.

— Não sei ao certo se começou ali, mas... quando me disse que eu fazia
apostas com os meus amigos porque era um covarde... porque tinha medo de
me apaixonar, me tocou fundo — conto, um pouco mais sério surpreendendo
a garota.

— Então era verdade?

Demoro a responder, mas o faço:

— Sim. — Afasto a palma da dela, recordando de coisas ruins. Miro o


mar, sentindo o vento menear os meus cabelos.

— Uma vez você me disse que não entendia como eu havia dado
espaço para alguém como Vincent entrar na minha vida, então te perguntei se
você nunca havia feito alguma merda que tenha se arrependido, a sua
resposta foi sim. Tem a ver com isso? — Ela acerta na mosca! Parece até que
consegue ler os meus pensamentos.

— Tem — respondo, ainda fitando o mar, várias lembranças e mágoas


açoitando o peito.

— Traição? — A voz dela é cuidadosa. — Esquece... não precisa

contar, sabe que sou curiosa.

— Nunca falei disso com ninguém a não ser Mateo, ainda demorei
muito para criar coragem para contar a ele, foi efeito do álcool que estava no
meu corpo após beber feito um... imbecil, numa noite qualquer. Luna foi mais
esperta e descobriu sozinha, ela é bastante perceptiva, também sei seus
segredos e assim construímos uma amizade. O clube dos rejeitados... era
assim que eu nos intitulava porquê... só o Alejandro recebia atenção real do
nosso pai.

Respiro fundo.

— Aconteceu há sete anos, eu trabalhava como diretor jurídico da


empresa da minha família, era um cargo muito importante que consegui com
bastante esforço e sem ajuda de papai, fui eleito por mérito, após abrir vaga e
o conselho reconhecer o meu valor. Essa vida libertina que eu tinha quando

você me conheceu, também possuía naquela época, sempre tive um fraco por
mulheres e não tenho vergonha de afirmar isso. Era um cafajeste assumido.
— Sorrio, Madeleine também.

“Só que... conheci ela, a nova secretária do meu pai. Era uma mulher
deslumbrante, não só fisicamente como... de conteúdo também. Ela
conseguia me desestabilizar como você — confesso, Madeleine está bem
atenta. — Nós começamos a ter um caso secreto para não chamar a atenção
dos colegas de trabalho, ela queria zelar por sua imagem e não ser mais uma

conhecida por entrar na minha lista, e assim... fui me apaixonando”

Respiro fundo, pondo a mão sobre a borda do guarda-corpo, desviando


o olhar de Madeleine e voltando a encarar as ondas.

— Virei um covarde em relação a sentimentos, Mad, porque... tinha


medo de me apaixonar de novo e me tornar um homem vulnerável, frágil e
cego como naquela época. Entreguei o meu coração para aquela mulher,
fiquei completamente louco por ela como jamais havia ficado por outra e
então... — a minha voz falha, os olhos ardem, o ódio se apoderando do meu

sangue que corre com dor pelas veias —, ela negou o meu pedido de
casamento e terminou tudo de repente, sem motivos persistentes. Foi quando
passei a notar que estava acontecendo algo estranho.

“Não aceitei o término, acreditava que ela me amava e a procurei por

diversas vezes, tanto no trabalho quanto em casa. Me declarei, implorei e


cada vez que era ignorado me sentia sufocado, porque a via todos os dias e
não podia gritar para ninguém a dor de saber o quanto a amava e que não era
mais minha.

Eu estava me afundando em um poço terrível, não entendia nada,


enquanto estávamos juntos ela dizia que me amava tanto, não justificava
fugir sem mais nem menos. Então... em uma noite, quando fui à sua casa na
intenção de tentar reconquistá-la, perdi tudo ao vê-la saindo do carro do meu

irmão. ”

— O Alejandro? — Madeleine fica chocada.

Demoro a responder, uma lágrima desce por minha face.

— Sim... — engulo o choro, meu coração está estilhaçado dentro do


peito. — Fiquei furioso... inconsolável e fui para casa decidido a colocar toda
essa história a limpo, esperando ele chegar do encontro que foi ter com a
minha ex-namorada! Comecei a beber, foi quando papai percebeu a minha
agitação e perguntou o que estava acontecendo. O álcool me fez falar e ele

revelou que já sabia do caso de Alejandro com ela e que foi ele quem
ordenou que ela terminasse comigo.

— Meu Deus...

— Sim... — Sorrio sem humor, mais lágrimas banham o meu rosto,

ainda parece inacreditável. — Ele disse que descobriu que ela estava se
envolvendo com nós dois ao mesmo tempo, que a obrigou a fazer uma
escolha e como ela preferiu o Alejandro, então teria que abrir mão de mim
para ficar com ele porque..., como o meu irmãozinho era um coitado...
fodido, traumatizado... não poderia sofrer por amor. Mas eu, que era um
mulherengo... saberia superar mais fácil.

Os soluços explodem por minha garganta, tento controlar, mas é


impossível. Me recuso a olhar para Madeleine agora porque não quero me

sentir pior.

— Fiquei revoltado... nós discutimos feio, gritei que a amava, mas ele
falou que não esperava por isso, que não era para eu ficar sabendo, mas como
não iria saber se todos morávamos dentro da mesa casa?! — Perco o ar só de
lembrar. — Revidei, xinguei Alejandro e joguei na cara dele que era o seu
filho preferido, mas que isso não iria passar em branco, eu não aceitaria! —
rosno, recordando dessa discussão.

— O que você fez? — A voz da jovem é sussurrada com temor.

— Nada — custo a admitir. — O meu pai me implorou para esquecer


disso e fingir que nunca tive um caso com ela, que em troca, finalmente me
perdoaria por ter... matado o seu filho. — O meu pranto aumenta, a dor é
absurda. — Falou que era a prova de amor que ele precisava para poder

voltar a confiar em mim. Que estava disposto a recomeçar de verdade.

Madeleine funga, está em pranto também, abismada.

— E aí... eu aceitei... — confesso quebrado, sem chão —, porque eu


preferi... valorizar a família do que... — fico sem voz, me tremendo —, ser
chamado de egoísta mais uma vez. Eu preferi o amor do meu pai..., do que o
amor daquela que me traía com o meu irmão.

Troco olhares com Madeleine, não dizemos nada por muito tempo,
apenas choramos, ela me assistindo em pedaços.

— O Alejandro... sabia? — pergunta, com medo da resposta.

— O que você acha? — debocho. — Não acreditei que não soubesse.


Quando perguntei, papai se calou, não confirmou..., mas quem cala consente!

— Mas e se...?

— Esse “se” não existe, Madeleine! — rebato com raiva, a voz amarga.
Agora há apenas rancor dentro de mim — Fui obrigado a vê-lo se casando
com a mulher que eu amava, tendo uma filha linda..., uma princesa... com a
mulher que eu amava! E só consegui superar isso porque com o tempo,

percebi que Maite nunca me amou de verdade.


ESTEBAN JAVIER

Estou muito abalado, lembrar de tudo isso é como abrir uma ferida e
jogar sal. Agora... vendo Madeleine arrasada com o que escutou, me
arrependo... sinto vergonha por confessar como fui enganado, humilhado,
feito de trouxa e tive o coração transformado em cacos.

Sinto vontade de correr, fugir e me esconder. Os meus fantasmas foram

ressuscitados com a recordação do passado e agora me atacam com força


bruta. Pareço um garoto frágil e abandonado, em um pranto profundo e
dolorido. Cheio de marcas, horror e escuridão. A escuridão da qual tanto me
ocultei.

A jovem choraminga, enxugando os olhos com as costas das mãos.

— Esteban, escute-me. Eu sei... entendo tudo o que passou, mas...,


alguma vez já falou com o Alejandro sobre isso? — Está curiosa. A olho com
ódio, já sabendo onde quer chegar.

— Não... — digo entredentes —, porque não precisava ser humilhado

mais do que já estava sendo. Mais do que todos aqueles anos que tive que
suportá-lo sendo feliz dentro daquela casa enquanto eu era enganado com um
amor falso do meu pai e com a falta de caráter de Maite. No fim, eles se
mereciam!

— Mas e se... o Alejandro não soubesse, se o seu pai escondeu isso


dele, então... — tenta argumentar, entretanto, levanto-me furioso.

— Então, nada!! — rebato alterando a voz, emputecido, a assustando.


A encaro incrédulo. — Você... — abaixo o tom —, nem o conhece e quer
defendê-lo! Quer fazer o mesmo que todos fizeram durante a minha vida
inteira!! — acuso.

— Não é isso! Está confundido tudo! — Levanta, argumentando me


enfrentando. — Não o estou defendendo, só acho que seu pai pode...

Dou-lhe as costas, não quero mais ouvi-la.

— Maldita a hora que abri a boca para te contar essa merda!

— Você é um babaca teimoso! — exclama, caminho enraivecido para a


sala, onde encontro o mordomo parecendo uma estátua em um canto,
esperando ser chamado.

— Saia daqui!! — ordeno, o expulsando e descontando a raiva nele. O


homem se assusta e foge praticamente correndo pela porta.

— E vai continuar sendo um babaca se não aprender a ouvir! Não vou

parar de falar só porque não quer pôr a sua cabeça para raciocinar!!

Resolvo ficar calado. Sigo para o quarto, choramingando, tentando


enxugar as lágrimas, o nariz. Todos os sentimentos ruins se abatendo sobre
mim de uma vez. Quero ir embora daqui, voltar para o meu loft e me isolar,

mas acabo optando por sentar na cama e parar para tentar ordenar os
pensamentos.

O silêncio agora é absurdo, tanto daqui como de lá. Não ouvimos nada
um do outro por um longo tempo. Começo a me arrepender por ter agido
assim com Madeleine, porém o meu orgulho é grande demais para procurá-la
agora. Como pode defender o Alejandro sem nem mesmo conhecê-lo? Por
que todos defendem aquele maldito?! Será que vai me perseguir a vida
inteira? Por que resolvi contar tudo a ela?!

Após meia hora afastados e remoendo a discussão que tivemos,


Madeleine aparece na porta, mas finjo que não a vejo. Não quero papo agora,
talvez não queira papo com ela por um bom tempo. Prefiro não correr o risco
de falar coisas que sei que vou me arrepender depois.

De soslaio, vejo-a entrar no quarto e ir na direção oposta, mexendo no


móvel onde está o aparelho de som. Continuo a ignorando, tudo o que menos
quero com ela agora é contato.

Então... de repente, começa a tocar Solo Otra Vez do Il Divo, a música

que embalou a nossa primeira dança na casa de Cédric. Travo imediatamente.


Por que ela colocou essa canção para tocar? Sinto que está se aproximando,
não quero olhar em seus olhos, não agora, mas por fim acabo olhando. Sua
mão é oferecida, seu olhar me chama.

— Bailas conmigo, Esteban — convida-me para dançar em espanhol,


sentimental.

Suspiro, tentando não a levar a sério, ainda com rancor.

— Por que está fazendo isso, Madeleine? — pergunto.

— Porque nenhum de nós quer ficar sozinho outra vez — diz o título
da música que tanto me toca e com a qual me identifico bastante.

Mad não me espera e puxa a minha palma delicadamente até me fazer

ficar de pé. Ela me leva para o centro do quarto, sem desfazer o olhar do meu
e me abraça. Um abraço consolador e carregado de sentimentos fortes,
poderosos, que tocam o meu coração.

O meu ego diz para recusar, mas não consigo. Pelo contrário, a
correspondo, as lágrimas ainda fugindo por minha face sem o meu
consentimento. Menti para mim mesmo, o contato dela é tudo o que preciso
agora. Sempre que lembro do passado, me sinto carente e solitário, foi
Madeleine que mudou tudo isso desde que entrou na minha vida, desde que a
encontrei.

Ela me faz seguir o seu ritmo lento, começamos a dançar agarrados,


unidos não apenas com os corpos como também com as almas. Fecho os
olhos, acariciando a sua cabeça com o meu queixo, de vez em quando com o
nariz, absorvendo o seu perfume incrível que está em cada fio.

— Perdoe-me por ter agido daquele jeito contigo...

Ela ergue o rosto e me beija carinhosa, amorosa. Sim... Madeleine me


dá carinho e amor. Não quero pensar nisso agora, lembrar desse sentimento
que me fez sofrer durante toda a vida, tanto por meu pai quanto pela mulher
que amei, e de ambos recebi em troca... a rejeição.

Não posso acreditar que seja amor, porque já foi muito difícil ceder à
paixão, mas não sou tolo o suficiente para não entender que estamos
construindo algo muito maior juntos. Tão forte que penso ser inabalável. Tão

puro que deve ser divino. Tão doce que provavelmente seja único.

Os nossos lábios resvalam suaves uns nos outros, o toque é leve,


singelo e acalentador. Traz calor... afasta os demônios e causa uma paz que
jamais encontrei em outra pessoa. Nela encontro emoções que ainda nem
sabia que existiam, sinto coisas que não sentia, viajo para lugares que não
imaginava, enxergo muito além onde antes não via nada.
Solo otra vez...... no se vivir

Solo otra vez...... sin amor

Solo otra vez...... estoy aqui

Solo otra vez...... sin amor

Madeleine ergue a minha camisa, ajudo-a a tirá-la e faço o mesmo com


a sua blusa. Gradativamente, peça por peça vai ao chão, nada pode nos
impedir de nos unirmos novamente agora, de nos transformamos em um só
corpo. Ponho o preservativo, vamos para a cama, onde me encaixo entre as
suas pernas e a penetro devagar, escorregando por seus lábios aveludados até
o fim.

A boceta dela me acolhe inteiro e profundo, me prende e me faz desejá-


la mais... muito mais. Dessa vez não faço investidas, fico parado, recebendo

todas as contrações e sensações que seu corpo quente transpassa. Madeleine


abre mais as coxas, flexionando-as ao máximo para me sentir sem limites.

Fico com as mãos apoiadas na cama, a contemplando tão intensa,


ardendo em prazer de forma diferente, um formigamento bom que se espalha
por toda a pele indo e vindo, nos conectando de modo surreal, fazendo-me
entender que fomos feitos um para o outro e que o nosso sexo não é apenas
uma troca, mas sim uma comunhão de espíritos.
No se vivir tan solo

Ya no quiero estar tan solo sin tu amor

Yo no se vivir sin amor

Sin amor

Embalado pela música, apaixonado por sua imagem divina abaixo de


mim, todos os detalhes do seu corpo que se tornam uma obra de arte,
aprofundo-me em suas pupilas esverdeadas e pronuncio em minha versão os
versos que acabamos de ouvir:

— Já não sei mais viver sem você, Madeleine — murmuro, encantado.

— Oorh... — ela mia, contraindo o quadril e esticando mais as coxas,


consigo ir ainda mais fundo do que já estou, ela arqueia as costas, jogando a

cabeça para trás e arranhando os meus braços, colocando para fora todas as
chamas que a deterioram agora.

Deixo o corpo elevado, os braços esticados e esfrego o púbis no seu


monte de Vênus sem sair de seu corpo, mantendo o alinhamento coital
perfeito, estimulando o seu clitóris, roçando na vulva que fica cada vez mais
molhada. O momento é simplesmente mágico, uso apenas o quadril para
devorá-la enquanto assisto o espetáculo que é tê-la gemendo... vivendo...
sentindo.

Rebolo um pouco lento, gostoso, jogando o peso do meu sexo contra o

seu para que definitivamente não aja espaço entre nós e meu pau esteja total,
duro, robusto e fundo em seu interior que se contrai com euforia. Os lábios
vaginais abrem e fecham com força, lambuzando a base, sugando-me e me
fazendo gemer também.

Prossigo moendo sem golpear, incitando o clitóris, alucinando


Madeleine que me contempla como se eu fosse uma espécie de deus ou
milagre em sua vida.

— Eu te amo, Esteban... — se declara, arqueando as minhas


sobrancelhas. Fui pego de surpresa!! A ponta dos seus pés resvala nas minhas
coxas, bagunçando todos os pelinhos. Ela mexe o quadril outra vez... a vagina
ensopada implorando para receber as minhas estocadas, sofrendo com a doce
luxúria que é me ter parado dentro de si e brincando em seu monte do lado de

fora.

Arquejo embevecido, sem palavras e sem reação. Pressiono mais a


nossa conjunção esfregando as carnes, criando uma fricção que a faz gemer
mais alto, fechando os olhos com força, segurando os meus braços como se
hoje fosse o seu último dia de vida.

— Eu te amo, Esteban... — repete, maravilhosa. Continuo


pressionando, roçando, enlouquecido por dentro, sendo bombardeado por
tantas emoções que me guiam a um estado indescritível.

— Goza para mim, cariño mío — chamo de “meu amor”.

— OOH!! — grita ao me ouvir, entorpecida.

— Goza para mim — repito rouco, entregue, apaixonado. Madeleine

vibra, os seus grunhidos se quebram em pedacinhos de sons rítmicos até se


estenderem em uma nota prolongada que arrepia toda a minha espinha.

Assim, finalmente me entrego deitando sobre ela, misturando os nossos


corpos, tomando a sua boca em um beijo doce e intenso, fodendo-a sem
pressa, com amor e tesão. Passo o antebraço abaixo do seu pescoço para
devorá-la melhor, a mão livre segurando a sua perna esquerda, apalpando a
sua bunda... minha!

— Cariño mío... — gemo, enfeitiçado — cariño mío.

A beijo mais vezes, Madeleine goza novamente, se derretendo sob


mim. Viro para o lado sem nos desconectar, ficamos de conchinha, porém de
frente um para o outro, ainda estou entre as suas pernas e acelero um pouco
mais as enterradas, comendo-a com mais atitude, fogoso... libidinoso.

Minha mão grande puxa a sua nádega, abrindo-a ao meio, facilitando


ainda mais para ela me receber. Madeleine oferece o seio e o abocanho com
voracidade, mamando com necessidade e paixão. Golpeio-a um pouco mais,
o meu pau afundando em sua bocetinha. É abissal... puro... inigualável.

Explodo e urro contra os seus lábios carnudos, gemendo sem parar,

estremecendo enquanto ainda mexo o quadril e invado o corpo dela perdendo


todas as forças, o ar. O orgasmo me arrebata, quando penso que terminei,
Madeleine se contrai outra vez, acho até que de forma espontânea, me
prendendo e do nada os jatos atravessam o pênis de novo para fora.

Puxo a jovem pela nuca, fundindo as nossas bocas, soldando de uma


maneira que quem visse diria que jamais poderia ser desfeito. Ficamos assim
por um longo tempo, digladiando as respirações, dois amantes sem fim.

Após um dia inteiro aproveitando todos os maravilhosos serviços que o


Grand Hotel poderia nos proporcionar, como SPA, massagem e banho turco,

ao pôr do sol seguimos viagem de volta para casa.

Percorremos a estrada como se o mundo fosse nosso e o destino fosse o


infinito. Com a moto, as paisagens de encher os olhos iluminadas pelos
últimos raios alaranjados do sol, o vento soprando no corpo e Madeleine
agarrada a mim, me sinto um homem completo. Não me falta nada.

Chegamos a Paris à noite, no caminho compramos o nosso jantar e


quando entramos no loft só queremos comer e dormir. Estamos exaustos! Ao
amanhecer, finalmente nos separamos, a sensação que fica é que o final de

semana durou vários dias e depois percebemos que foi pouco e que queremos
mais.

Chego ao escritório cumprimentando a todos com muito bom humor,


afinal, não há razão para ser diferente, estou ótimo, me sinto bem e feliz.

Encontro Bernard e Dominique na sala de reuniões. Junto-me a eles,


ocupando uma cadeira.

— Bom dia, senhores.

— Bom diaaa... veja só a pele bronzeada dele, Dom — observa


Bernard, brincalhão como sempre.

— Por acaso esteve pegando sol em alguma praia, senhor Javier? —


Dom está curioso.

— Acertou na mosca, levei Madeleine para o Cabourg — informo

sorrindo, os deixando perplexos. Ambos trocam olhares para terem certeza de


que ouviram direito.

— Desse jeito posso mesmo começar a acreditar na história de que está


apaixonado — diz Bernard.

— Já eu não tenho mais dúvidas. Esteban nunca levou uma mulher para
o Grand Hotel, sempre fomos só nós para nos divertir e transar com as
turistas.

— Exatamente senhores, posso afirmar a vocês que ir com uma

acompanhante especial como é a minha, torna a viagem bem melhor.

— Não sente falta da vida de solteiro? — pergunta Bernard. — Porque


vocês estão praticamente namorando.

— Não consigo pensar em outra mulher, acredita? — indago.

— Confesso que agora sinto um pouco de inveja. Talvez seja legal ter
alguém especial — Bernard pensa alto, refletindo.

— É uma experiência nova. Não foi algo que procurei, aconteceu com
aquela nossa maldita aposta.

— Ela sabe disso? — Dom pergunta.

— Sabe, foi difícil conseguir o seu perdão, mas deu tudo certo.

— Tive uma boa impressão de Madeleine, e pelo que Amélie fala sobre

ela, tem futuro.

— Mad me comentou que você ainda anda saindo com a Amélie.

— Sério? — Bernard se surpreende. — Ninguém me conta nada!

— Você não nos contou que ainda anda se encontrando com a


segurança gostosona — rebate Dom, agora sou eu que ergo as sobrancelhas.
Bernard me fita sem palavras. — Vi vocês dois saindo de um motel, eu e
Amélie também estávamos lá, mas nos escondemos — Dom sorri,

recordando.

— Puta merda. Okay... estamos transando. Por enquanto é só sexo, não


nos interessamos em algo além — conta.

— Eu e Amélie estamos do mesmo jeito. Ela é muito fogosa, às vezes


me cansa, porém me sinto desafiado a superá-la. De vez em quando consigo.

Nós três gargalhamos.

— Ela é muito divertida, estava sentindo falta dessa energia que ela tem
em minha vida — confessa, e sinto que tem algo além do sexo nessa história.
Talvez ele não percebeu isso ainda.

— Não precisa ficar preocupado quanto a Louise, Bernard, ela apenas


trabalha para mim, o resto... não me interessa — afirmo, abrindo a pasta que
trouxe.

— Sei disso, inclusive usei isso como um dos argumentos para seduzi-
la. Por que Mad precisa de proteção?

— Talvez não precise mais, o perigo parece que já passou, mas


ficaremos com Louise por mais um tempo. Foi um ex dela que resolveu dar
uma de otário, mas prefiro não falar sobre isso.

— Tem a ver com o atentado que sofreu? — Dom é esperto.

— Não quero falar sobre isso — repito, seco. Prefiro não revelar a eles
que Vincent é filho de um dos maiores clientes com quem encerrei contrato,
algo que inclusive foi motivo de lamentação da parte deles, mas preferi não

deixar o assunto render, até porque consegui o cliente sozinho, não foi
através do escritório e não afetou o nosso trabalho em grupo nem a nossa
imagem. — Onde está Pierre? Ele nunca se atrasa — mudo de assunto,
observando a hora no relógio de pulso.

Assim que digo isso, o homem entra na sala, ajeitando o cabelo,


tomando o seu lugar.

— Bom dia senhores, desculpem o atraso, tive um imprevisto — conta


sorrindo, mas a minha intuição diz que está mentindo.

— Está tudo bem? — Bernard faz a pergunta que tenho vontade de


fazer.

— Sim, por que não estaria? — devolve.

— Porque jamais se atrasou em todos estes anos?

— Tudo tem uma primeira vez, Dominique.

— E a nossa cara e lindíssima Camille, como vai? — Bernard faz a


segunda pergunta que também tenho vontade de fazer.

— Ótima. Vamos aos trabalhos. — Abre a sua maleta sobre a mesa e


me fita. — Esteban, bronzeado — comenta, mudando de assunto.

— Ele passou um fim de semana romântico em Cabourg — Bernard


faz questão de começar a zombaria, todos rimos novamente e depois nos
concentramos nas pautas jurídicas do dia.
ESTEBAN JAVIER

A semana é agitada, não consigo ver Madeleine todos os dias como


tenho necessidade e também dou espaço a ela para se concentrar nas últimas
provas do semestre que estão chegando. Penso bastante no que Bernard disse,
realmente estamos convivendo como namorados, as coisas estão acontecendo
de modo muito natural e ficando sério.

No final da tarde de sábado, encontro com ela e Tim em um dos lindos


parques entre os vários que Paris possui. Ela não me deixou ir buscá-los em
sua casa e não disse o motivo. Fiquei responsável por levar a cesta do
piquenique. Estendemos uma grande e macia toalha azul sobre a grama, onde
nos sentamos. Ela escolheu um ponto mais tranquilo e sem muito barulho do
lugar para deixar o irmão confortável.

O clima está muito agradável, há várias flores por perto, montamos os


lanches sobre a toalha, deixando tudo organizado. Fico observando o cuidado
que Madeleine tem com o garotinho que, além de ser lindo, é muito meigo e

especial. Ele fica a maior parte do tempo escondido atrás dela, segurando o
quadro onde me pintou.

— Vai, Tim..., entrega para ele — Madeleine incentiva.

— Estou curioso, Tim. Vi pelo celular naquele dia, mas agora quero ver

de perto, por favor — peço, trocando sorrisos com a irmã dele.

De cabeça baixa, Timothée cria coragem e finalmente me dá o quadro


que está embrulhado, rasgo o papel e vejo a pintura que é impressionante
para um menino na idade dele.

— Uau... você é um excelente artista! Acho que já te disse isso —


elogio, sem tirar os olhos da pintura.

— Já... e eu concordei, Esteban — lembra, é tão educado. — Pode ficar


com o quadro, é para você — fala o que já sei.

— Ah, muito obrigado de verdade. Adorei o seu presente e me sinto


lisonjeado por ter me pintado. É a primeira vez que alguém faz isso, sabia?

— Não... como poderia saber? — responde, em toda a sua inocência,


gargalho.

— É verdade, não teria como você saber, me desculpe. Você foi o


primeiro e eu jamais esquecerei. Em agradecimento, também trouxe um
presente. — Ele sorri e Mad fica apreensiva, entortando as sobrancelhas para
mim.

— O que é? — Tim fica curioso.

Retiro da sacola que trouxe com a cesta uma caixa colorida, é um


quebra-cabeças de uma grande borboleta azul, e entrego a ele, que fica com
os olhos brilhando de felicidade.

— Veja, Madeleine. Ele me deu um presente! — anuncia, dando a


caixa a ela que segura com as duas mãos para ele poder abrir. Mad agora
sorri em aprovação, acho que por um instante pensou que eu iria querer me
exibir e dar algo caro para a criança. — Um quebra-cabeças! — exclama,
contente.

— Gostou? — indago, é tão bom fazer alguém feliz.

— Leia o que está dizendo aqui, Tim. — Ela aponta para o topo da
caixa.

O garoto rapidamente me fita envergonhado, e nega para a irmã.

— Por favor, leia — Mad insiste.

— Não... — Sorri, envergonhado, tentando se esconder atrás dela outra


vez.

— Tudo bem, eu leio! — interfiro, não quero afastá-lo. Pego a caixa e


pronuncio o que está escrito: — Monte a borboleta azul. — Sorrio para o
garoto que fica feliz ao entender do que se trata.

— Ele não gosta muito de ler, é bem resistente quando tentamos

ensiná-lo essa parte, mas está aprendendo. Porém adora resolver problemas,
montar coisas. Acertou em cheio no presente, é ótimo para os autistas
desenvolverem habilidades e interagirem com os outros.

— Sei disso, Pimentinha, pesquisei antes de comprar. — Pisco para ela.

— Hmmm. — Gostou de saber disso também.

— Posso te ajudar a montar a borboleta, Tim? — proponho.

— Sim, Esteban — permite, assim consigo me aproximar mais dele.

Os próximos minutos gastamos os três em montar o grande quebra-


cabeças e comer deliciosos sanduíches. Sorrimos, nos divertimos e curtimos
até o lindo pôr do sol, momento em que arrumamos tudo para voltar.

— Vocês não voltarão de trem, irei levá-los — determino.

— Já disse que não, Esteban. O trem é ótimo e confortável — a jovem


rebate, teimosa, enquanto caminhamos de mãos dadas até o meu carro.
Parecemos uma família, o pai, a mãe e o filhinho.

— Por que não quer me deixar conhecer onde mora? — falo em um


tom mais baixo para o Tim não me ouvir.

— Você sabe que tenho problemas com a minha mãe, ainda não é o
momento. Além disso, o seu carro só possui dois lugares, ficaremos

desconfortáveis — justifica, sussurrando em meu ouvido.

— Desculpa esfarrapada — debocho.

Discutimos mais um pouco sobre isso, insisto, mas sou vencido pela
teimosia dela. Não posso obrigá-la, mas fico puto! Deixo os dois na estação
mais próxima com raiva. Madeleine me beija antes de entrar no trem como

consolo e promete que amanhã estaremos juntos. Já reservamos os finais de


semana para sempre nos encontrarmos. Se tornou a nossa rotina.

Assim, na noite do domingo, estamos enroscados na cama após outro


sexo fenomenal. Ela chegou já no fim da tarde, o que me irritou, mas disse
que havia prometido para o pai que iria ajudar com o irmão enquanto ele e a
mãe corriam para fazer a entrega de uma grande encomenda.

— E então, os seus pais trabalharam muito hoje? — indago, com o


rosto bem próximo do seu e o corpo ainda suado de tanto foder.

— Bastante, por isso demorei a chegar, alguém precisava dar atenção


para o Timothée — informa. — Ele ficou perguntando o que você é meu.

— O que respondeu?

— Que somos amigos.

— Então mentiu.

— Menti?
— Somos namorados, ora.

— Nunca recebi o pedido — justifica, sorrindo de orelha a orelha.

— E precisava?

— Não... — gargalha —, mas preferi falar que somos amigos para


mamãe não ficar me infernizando.

— Ainda tem problemas com ela? — Fico sério.

— Sempre.

— Já pensou em parar de morar com ela?

— Sim, estou me planejando para mudar para um apartamento com


Amélie assim que me formar. Já avisei ao meu pai e estou tentando preparar
o Tim.

— Nunca me disse isso. — Observo.

— Estou dizendo agora. — Acaricia o meu peito nu.

— Mas pelas minhas contas, essa sua mudança vai ocorrer... na semana
que vem? Já será a sua formatura.

— Até o mês que vem, será agora no início do verão.

— E como acha que a sua mãe reagirá a isso?

— Definitivamente, não faço ideia. Às vezes acho que ela ficará muito
feliz, outras acho que odiará perder uma ajuda com o Timothée, mas nunca
que ficará triste. Ela não me ama.

— Qual a mãe que não ama a filha?

— Qual o pai que não ama o filho? — devolve, então fico calado. Esses
casos existem por mais que pareçam impossíveis. — Tem razão..., mas deve
ter um motivo, tanto ódio gratuito assim não tem cabimento.

— Pensei nisso durante toda a minha vida e nunca encontrei a resposta,


então desisti. Às vezes queria ter coragem para perguntar por que não me
ama, porém não tenho.

— No meu caso, sempre soube a razão e nunca precisei perguntar —


digo triste.

— Quando pensa em voltar a Madri? — Madeleine ainda não perdeu o


interesse sobre a minha família. Sinto que ela deseja me ver de bem com os
meus parentes, coisa que não quero.

— Não sei. Não penso nisso. — Sou frio na resposta.

— Tenho uma tia lá, ela me adora, é da família do meu pai. De vez em
quando conversamos — comenta rindo, mudando de assunto. Melhor assim.

— E o baile de formatura? — indago.

— Desisti. Estive conversando com Amélie e concluímos que uma


balada será bem melhor. Convidei Louise também e seus amigos que ainda
estão saindo com elas parece que vão — dispara, ergo as sobrancelhas.
— Estou sendo o último a saber de tudo, obrigado por me deixar
participar dos seus planos, Madeleine — finjo-me de irritado.

— Planejei isso com ela hoje. Deixe de ser bobo! — Me beija, deitando
sobre o meu corpo, excitando-me, então transamos de novo com ela por cima
me cavalgando.

Mais uma semana se passa e quase não vejo Madeleine, que não para
com os preparativos para a sua formatura. Ela está muito nervosa porque
estarei no mesmo lugar que seus pais e então precisará me apresentar a eles.
Está morrendo de medo de como a mãe dela vai me tratar, mas tentei
tranquilizá-la ao lembrá-la que sou advogado e sei lidar com qualquer tipo de
gente.

Quando o dia tão esperado chega, pela noite paro o carro no


estacionamento da faculdade dela, encontrando com Louise na entrada do
prédio, para a minha surpresa.

— Doutor Esteban! — ela me cumprimenta, trocamos um aperto de


mão. A mulher está incrível, em um vestido branco que destaca o tom da sua
pele e com o cabelo solto, volumoso. Uma negra realmente de parar o
trânsito!
— Chegando agora também? — Sorrio, caminhamos lado a lado.

— Aham, e estamos alguns minutos atrasados. — Olha o relógio de

pulso.

— Sei disso, Madeleine vai me matar! — A faço gargalhar. — Louise,


escute, não precisarei mais dos seus serviços, ligarei para a sua agência para
resolver a parte burocrática.

— Tudo bem, doutor, eu já previa isso. Não há perigo nenhum em volta


da Mad e ela sabe se proteger muito bem sozinha. O bom foi que ganhei uma
ótima amiga.

— Tanto eu quanto ela queremos manter essa amizade. E como está


Bernard? — A deixo sem graça, adentramos um corredor, passando por
alguns alunos que nos observam.

— Ah... estamos nos conhecendo — resume a resposta, decido não ser


mais intrometido.

Entramos no auditório onde acontecerá a cerimônia de formatura e


tomamos os nossos lugares, nos juntando a Amélie que levanta e nos chama,
mostrando que guardou os nossos lugares. Trocamos acenos com Madeleine
que está linda de beca e capelo, sentada ao lado dos demais formandos.

Em cima do palco, estão todos os professores e reitor ocupando a


bancada. O celebrante dá início à formatura e é realmente algo lindo de se
ver. Lembro até da minha cerimônia, muitos anos atrás em Harvard, quando
me formei com os amigos que hoje são os meus sócios no escritório.

Quando o nome de Madeleine é pronunciado, nos levantamos e


aplaudimos. Amélie, por sua vez, grita e ainda faz barulho com uma buzina
que do nada saiu da sua bolsa. Ela levanta uma placa onde está escrito bem
grande “MINHA FISIOTERAPEUTA” e parece que vai enlouquecer de tão

histérica, chorando de orgulho.

Madeleine é mesmo o nosso orgulho, a nossa guerreira que está


ultrapassando mais uma fase da vida! Meu coração bate forte, a felicidade
dela é a minha felicidade e não há nada maior que isso.

Quando toda a celebração termina, somos conduzidos até um salão ao


lado onde há uma recepção com comes e bebes para toda a turma. Cada aluno
tem a sua mesa. Fico conversando com Amélie e Louise quando Madeleine
se aproxima agora em um vestido preto que a deixa linda, ao lado dos pais e

de Tim que segura a mão do pai.

A nova fisioterapeuta vem em nossa direção e primeiro abraça as


amigas, depois a mim. A beijo rapidamente, ela segura a minha mão, respira
fundo e me leva até o senhor e a senhora Armand Fernandez.

— Pai... mãe... este é Esteban, o meu namorado. — Nos apresenta,


apreensiva. A sua palma aperta a minha bem forte, está nervosa, mas trato de
tranquilizá-la.

— Olá, é um prazer conhecê-los. — Troco apertos de mãos com

ambos. O homem não tem nada a ver com Mad, ela se parece mais com a
mãe nos traços fisionômicos, porque de corpo a senhora é bem mais
corpulenta e pesada, coisa que estranho, pois Madeleine já me disse várias
vezes que sofreu preconceito dela por ser gorda, então esperava encontrar

uma mãe magricela.

— Eu sou Nicollas, muito prazer e essa é a minha esposa, Martina —


apresenta sorridente, me passando uma energia boa.

— Muito prazer — diz ela, mas sinto que está incomodada com a
minha presença e não me vê como um amigo, porém finjo não notar.

— Oi Tim! Tudo bem? Como está? — pergunto, inclinando-me um


pouco em sua direção, ele sorri e se esconde atrás do pai.

— Tudo bem, Estebaaan — responde, surpreendendo os pais.

— Você está lindão hoje, hein? Adorei a roupa! — elogio, o Sr.


Nicollas sorri, feliz com a nossa amizade, Martina continua séria e curiosa
por me ver dialogando com o menino.

— Minha mãe... que me deu — informa, fofo.

— Parabéns pela filha fisioterapeuta! — brinco, voltando-me para os


pais dela, Mad ri desconfortável, está mais retraída na frente dos pais, como
se pisasse em ovos.

— Ela é o nosso orgulho! — Nicollas elogia, Martina continua calada.

— Papai, vamos dançar! — Tim o puxa pela mão.

— Achei que ele não gostasse de barulho e de muita gente.

— O barulho não é o que mais incomoda, mas sim pessoas tocando e

esbarrando nele, por isso escolhemos essa mesa que é mais distante. Vou dar
uma voltinha com ele enquanto nos servem. — Nicollas sai com o menino.

— Tudo bem, papai — diz Madeleine.

— Mad, vem cá! — Amélie chama a amiga, que larga a minha mão e
vai até ela.

Troco olhares com Martina, o olhar incompreensivo dela me incomoda.

— Está uma festa linda, não é? — Observo em volta, é tudo simples,


mas bem produzido, bem ornamentado.

— Por que está perdendo tempo com a minha filha? — A mulher


dispara, fico chocado e sem palavras por alguns segundos.

— Perdendo tempo? — Ergo a sobrancelha. — A sua filha é a minha


namorada e eu gosto muito dela — respondo calmo.

Martina estica um sorriso debochado, fico bastante constrangido.


Madeleine retorna, nos observando desconfiada.
— O que está acontecendo aqui? — pergunta.
MADELEINE FERNANDEZ

Sinto que mamãe disse alguma merda para o Esteban, mas ele disfarça
e me toma pela cintura.

— Eu e sua mãe estamos conversando, querida. — Beija a minha testa,


sorrindo. Fito dona Martina, investigando o seu semblante que conheço bem,
mas ela faz um bico de quem está desconfortável e fala:

— Vou procurar seu pai e o Tim — avisa, sem me olhar nos olhos,
fugindo. Imediatamente viro-me para Esteban, apoiando as mãos em seus
ombros largos.

— O que ela disse? — Fico preocupada.

— Nada, cariño mío. — Acaricia o meu rosto calmo, entretanto não me


convence.
— Por favor, diga — insisto.

— Não disse nada. Relaxa. Vamos comer. — Segura-me pela mão e me

leva para a mesa.

O buffet está maravilhoso, até que estou gostando da minha formatura,


achei que seria pior, imaginei que mamãe se comportaria de modo mais frio,
porém, fora de casa ela sempre se comportou como uma mãe aceitável. Não

faz suas piadinhas ridículas sobre mim, responde quando as minhas amigas
lhe perguntam algo e até sorri, mas passa a maior parte do tempo calada.

Quem conversa mesmo é o meu pai, principalmente com Esteban, que


parece estar determinado em conquistar o velho, ambos falam de culinária, o
que já era esperado.

— Agora acabou o nosso contato... sentirei saudades. — Louise segura


a minha mão, fazendo carinha de triste.

— Claro que não, ainda seremos amigas. Hoje não será a nossa última

balada! Você não se verá livre mim! Não é por que não será mais a minha
segurança que ficaremos distantes! — Aperto-a, fazendo-a sorrir.

— Isso mesmo! E hoje vamos arrasar! O Dondom irá nos encontrar! E


o Bernard estará lá tambééém! — Amélie encosta o ombro no de Louise, a
provocando.

— Três amigas ficando com três amigos! Essa é boa — digo e


gargalhamos.

— E depois de hoje? Quais são os planos? — Louise pergunta a mim.

— Procurar um emprego na minha área, juntar uma grana e em breve


abrir a minha clínica. Esteban disse que tem clientes fisioterapeutas e que vai
conseguir um lugar para mim.

— Ele parece ser incrível. — Todas nós fitamos o belíssimo loiro que ri
com o meu pai, que causa suspiros onde passa.

— Ele é — afirmo, apaixonada.

Horas mais tarde, nos separamos da minha família e seguimos todos


para a boate que fomos da última vez e amamos, onde todos nos conhecemos.
Vou no carro com Esteban e as meninas, de táxi. Lá nos encontramos com
Dominique e Bernard que já estavam a nossa espera. O grupo é formado.

Não demora muito para criarmos uma roda e dançarmos bastante.

Começamos a beber, Esteban tenta me impedir de encher a cara, mas é


exatamente o que quero fazer, afinal, hoje é o meu dia. Em algum momento,
os três casais dançam individualmente, os beijos e abraços acontecem,
simplesmente perdemos qualquer vergonha diante uns dos outros, até mesmo
por que não há razão para tê-la.

Fazemos brindes, pulamos, tiramos diversas fotos e a noite ainda


promete ser muito intensa. De repente, Esteban olha para o centro da pista e
franze o cenho, como se visse algo estranho.

— O que foi? — pergunto falando alto para que me escute, pois, a

música eletrônica ribomba em nossos ouvidos.

— Acho que estou vendo uma amiga minha ali... Camille — diz ele,
sigo o seu olhar e avisto a belíssima mulher de cabelos negros que parece
bêbada, perdida.

— Amiga sua? — indago.

— Esposa do meu sócio, Pierre — informa.

Dominique se aproxima gargalhando com Amélie, ele parece estar um


pouco tonto da bebida.

— Que noite maravilhosa! Parabéns por sua formatura, Madeleine! —


diz, alegre. Amélie o enche de beijos carinhosos.

— Obrigada, Dom! — agradeço.

— Veja, Dominique, é a Camille. — Esteban aponta com o rosto.

— O que ela está fazendo aqui?

— Não faço a mínima ideia, ela não frequenta boate, muito menos o
Pierre.

— Será que ele está aqui?

— Se estiver, não estou vendo. — Esteban está preocupado, Camille


aparentemente não está bem. Isso se comprova quando ela cai na pista. —

Caralho, vamos ajudá-la! — Chama o amigo, juntos correm até a moça. Fico

observando de longe com Amélie.

— Ainda não conheço esse tal Pierre, mas Esteban já me falou sobre
ele — comento.

— Ah, o Dom já me contou um pouco sobre ele, disse que é o mais

sério da turma, que não participa das farras, o único casado, porém o
casamento não vai bem — dispara Amélie, me surpreendendo.

— Ele te disse tudo isso?

— Disse muito mais, amiga — sorri. — Nós estamos bem íntimos, se


quer saber. As coisas estão fluindo muito rápido. Na verdade, eu sou rápida!
— Se vangloria, fazendo-me revirar os olhos.

— O que mais ele te disse? — Fico curiosa.

— Que essa tal Camille era secretária do andar acima do escritório


deles e disputada entre os homens, porém ela era afim mesmo do seu gostoso
dos olhos azuis.

— O Esteban? — Fico chocada.

— Aham, porque ele era o único do prédio que não corria atrás dela,
porém quem acabou namorando e casando com ela foi esse tal Pierre.

Vejo Esteban se afastando com a mulher, deixando-a se apoiar nele


enquanto Dominique retorna até nós.

— Ele foi colocá-la em um táxi de volta para casa. Parece que brigou

com o nosso amigo outra vez e estava ultrapassando os limites sozinha aqui.

Assinto, mas quando Esteban some com ela, fico com ciúmes. Sinto
uma pontada dentro de mim que até me faz virar a taça, bebendo o drink
inteiro. Os meus demônios ainda estão aqui, eles não foram embora e toda

vez que algo os ativa, fico nervosa.

Pego outro coquetel e espero pelo advogado que não retorna. Os


minutos parecem horas, bebo mais, fico com vontade de ir atrás dele, mas
não farei isso. Uma relação sem confiança não é nada! Fico vendo as minhas
amigas dançarem com os seus parceiros e me sinto só.

Esteban finalmente retorna, ainda preocupado, me beija rápido nos


lábios e toma a minha taça, bebendo.

— Desculpe a demora, foi difícil colocá-la no táxi, estava muito mal,

chorando.

— Por quê? A briga com o marido foi tão feia assim? — Fico
interessada na questão.

— O casamento deles está saturado, ela hoje chutou o balde, mas acho
que vai ficar bem. Vou ao banheiro. — Me devolve a taça, dá um leve toque
no meu ombro e se afasta.
Fico com uma sensação estranha, pensando na hipótese deles dois
alguma vez terem ficado, já que ela era afim dele antes de se casar, um

casamento que agora está indo de mal a pior. Não, Madeleine, não pira... isso
é só coisa da sua cabeça, o Esteban gosta de você. Ele nunca disse que te
ama, mas gosta muito, dá para sentir, penso.

É que... ela, mesmo de longe, é tão bonita... diria linda, na verdade.

Magra... alta, corpo de modelo. Bebo todo o resto do meu drink, sacudindo a
cabeça, percebendo que não só Esteban precisa de psicólogo para superar os
traumas dele, como também preciso para superar os meus.

Ponho a taça sobre o balcão do bar e caminho até os banheiros, preciso


lavar o rosto. Ao passar pelo banheiro dos homens, vejo um cara saindo e
tenho uma ideia maluca, provavelmente provocada pela ousadia que o álcool
em exagero me dá. Entro, tranco a porta com a chave e procuro Esteban, que
sai de um dos boxes fechando o zíper da calça.

— Madeleine? — Entorta as sobrancelhas, sem entender o que estou


fazendo aqui. Olho ao redor rapidamente, o espaço é grande e limpo, mas não
parece ter mais ninguém.

Sem pensar, caminho depressa até o loiro atraente e ficando na ponta


dos pés o agarro, puxando ele para um beijo louco. O movimento repentino
nos move até a pia de mármore negro, onde fico encostada. Esteban afasta o
rosto, ainda não sabendo o que está acontecendo, nem eu sei.

— O quê...? — tenta perguntar, mas não permito, o beijando outra vez

e abrindo a sua calça com desespero.

— Quero você... agora! — sussurro ofegante, me tremendo, nervosa


com essa loucura. Ele segura os meus pulsos, me parando e focando em
minhas pupilas.

— Você não está sóbria, não sabe o que está fazendo. Vamos brincar
mais tarde em casa, aqui não...

— Mas eu quero aqui! — insisto, o beijando novamente e escorregando


a mão por dentro da sua cueca, tocando o membro longo, pesado e grosso.

— Pimentinha... — geme contra a minha boca, se excitando, segurando


o meu pulso novamente. — Estou sem camisinha, sua maluca! — Sorri.

— Não tem problema, desde o acidente no hotel que estou usando

anticoncepcional, só não havia lhe dito ainda. Agora você pode... —


aproximo os lábios do seu ouvido —, gozar dentro de mim... sem medo —
ele rosna outra vez, apertando o meu pulso mais forte.

Então, observa ao redor verificando se estamos sozinhos de fato.

— Já havia percebido que o álcool te deixava um pouco louca, mas não


tão safada — diz e me beija, soltando-me e permitindo-me tocá-lo com
vontade, masturbando-o enquanto aperta a minha bunda e devora a minha
boca, se entregando.

— Isso é ruim? — ofego, desfazendo o nosso toque.

— É bom demais — confessa, voltando a sugar os meus lábios, sinto o


seu pau crescendo na minha palma, inflando, criando vida.

Esteban aperta os meus seios sobre o decote e vai descendo lambendo o

vão, até erguer o vestido e puxar a calcinha, e em seguida guardando dentro


do bolso da calça. Adoro isso, me dá muito tesão! Fica de pé outra vez, me
pega pela cintura e senta-me sobre a pia com as pernas abertas diante dele.

Puxa-me para a beirada arreganho-me inteira, estou louca para recebê-


lo e ele vem, penetrando-me com um só movimento, profundo... fatal!
Golpeando a minha vagina com brutalidade até o fim, invadindo o meu corpo
sem prévio-aviso, me dominando!

— OOH! — Jogo-me contra o espelho, arrebatada pela multiplicidade


de sensações que vêm em cheio com a nossa união. Gosto de senti-lo sem a

proteção, pele com pele, é mais gostoso e tentador, diferente!

— Gostosa... já está toda molhada — geme rouco, arrepiando-me.


Realmente estou lubrificada, fiquei assim apenas com o seu beijo, ele mal
precisa me tocar direito para me deixar em êxtase.

Esteban passa longe de ser delicado, o deixei empolgando trazendo-o


para a minha aventura sexual que criei do nada e agora estamos aproveitando.
Seu quadril trabalha poderoso e rápido, seus antebraços seguram as minhas
coxas, deixando-me mais aberta possível. Seu pênis cresce cada vez que se

afunda em minhas entranhas.

Apoio uma das mãos em sua nuca, entramos em um ritmo lascivo,


carregado de luxúria. O olhar está fixo um no outro, não desgruda nunca e a
curva natural do seu membro cria sensações diferentes em mim, atiçando o

ponto G, me deixando louca, alucinada. Gemo mais alto, os nossos centros se


chocando sem dó nem piedade.

O homem se torna bruto e viril, fazendo sexo como nunca antes, sem
carinho, sem paixão, apenas com um tesão absurdo que não tem limites.
Porém, gosto dessa experiência aqui, entregando-me a ele no banheiro de
uma boate, sem pensar nas consequências, mas apenas no prazer.

Ele leva uma das mãos ao meu pescoço e me aperta um pouco,


sufocando-me, tomando o ar, com o semblante sexual, pornográfico que me

faz queimar ainda mais do que estou queimando. Seu polegar penetra a minha
boca, fecho os olhos, sentindo a minha intimidade pingando.

— Esteban... — gemo entorpecida, querendo mais, sempre mais.


Mordo o seu dedo, ele geme alto, puxando-me e grudando os nossos lábios
com violência, enterrando todo o mastro em minha boceta e gozando
boquiaberto, resfolegando, espasmando os quadris.
Inigualável... Esteban é único. Espasmo também, contraindo
naturalmente, apertando-o, fechando-o, uma contração após a outra,

buscando o meu prazer ao mesmo tempo em que sinto as rajadas de espermas


me preencherem. Puxo um gemido longo e sofrido de prazer, chegando ao
ápice do orgasmo e indo junto com ele.

Quando finalmente acabamos, ainda com as bocas unidas, me declaro

outra vez, esperando receber o mesmo em troca:

— Eu te amo, Esteban. — Ele sorri de olhos fechados, com a


respiração tremida, me beijando com doçura até sair do meu corpo sem dizer
nada.

Decepção... não queria estar decepcionada, mas estou. Penso que outra
vez estou correspondendo mais do que sendo correspondida e isso me afeta,
contudo, tento disfarçar. Deve ser o álcool que está me fazendo pensar tanta
besteira, ficar louca. Estamos com pouquíssimo tempo de relação, vai

completar apenas dois meses desde que nos conhecemos e já sou intensa
demais.

Peço a minha calcinha de volta e recebo dele, nos recompomos e


retornamos para o grupo, encontrando uma fila de três marmanjos quando
saímos do banheiro, que nos olham desconfiados, nos fazendo sorrir.
MADELEINE FERNANDEZ

O resto da noite é de muita diversão e no dia seguinte acordo tarde na


cama de Esteban, é sábado. Desço enrolada apenas em um lençol azul-
marinho com cuidado até a cozinha, onde o encontro somente de moletom,
como sempre, cozinhando. O cheiro está maravilhoso.

— Bom dia, Pimentinha!! — Sorri de orelha a orelha, lindo.

— Bom dia, babaca — bocejo. — Hmmm... que cheiro bom.

— É o nosso café da manhã americano, bem calórico! Hoje estou


inspirado, você me deixa inspirado!

— Você quer me deixar mais gorda do que já estou, isso sim. — Minha
voz sai manhosa, sonolenta, caminho quase me arrastando até o sofá, onde
me sento.
— Melhor, pois terei mais carne para pegar. — Pisca para mim, safado.

— Que horas são? — Estou perdida no tempo.

— Vai dar quinze...

— Quinze horas?! — Levanto-me, assustada. — Prometi ao papai que


voltaria até às catorze horas, hoje ele e mamãe têm uma grande encomenda

que não puderam adiar e preciso ficar com o Tim. Não gostamos de deixá-lo
se isolar, por mais que ele adore fazer isso — afirmo, seguindo para a escada.

— Mas você se formou ontem! — Esteban reclama.

— Mas promessa é dívida! Vou tomar banho! — exclamo, subindo os


degraus.

Minutos mais tarde, desço já completamente pronta e revigorada com o


banho, porém ainda me sentindo morta por dentro.

— Coma comigo antes — Esteban ordena, é o senhor mandão!

— Só vou beliscar, pois estou com pressa! — Mordisco um pouco do


ovo e bebo um copo de suco.

— Madeleine... —repreende!

— Amanhã estou de volta! — O beijo rapidamente, mas ele me puxa e


me obriga a beijá-lo de forma prolongada.

— Só amanhã? — reclama.
— Se der volto ainda hoje, mas acho difícil! Tchau! — Corro, saindo
pela porta. Dessa vez Esteban não insistiu para me levar de carro, sabe que

sempre discutimos por isso.

Não quero que ele saiba o meu endereço e correr o risco de ter a sua
visita de surpresa, não confio em mamãe e não me sinto confortável naquela
casa para receber meu namorado. Em breve... quando eu passar a morar com

Amélie, aí dará certo.

Ao chegar em casa, encontro Tim assistindo na sala e meus pais na


cozinha atolados de serviço. Há um cheiro delicioso de comida no ar e várias
quentinhas sobre a mesa.

— Oi, Tim! — Acaricio a sua cabeça rapidamente, não lhe dando


chances de recusar o meu toque.

— Olá fisioterape... peuta — diz sorrindo, fazendo-me rir também.

— Olá, pintor! — Pisco para ele. Vou até a cozinha.

— Ah... a cinderela resolveu aparecer! — reclama dona Martina. Pela


sua cara já noto que está puta, estressadíssima. Sempre fica assim quando tem
muito trabalho a fazer e tudo é desculpa para brigar comigo.

— Desculpem, tive um imprevisto! — minto.

— Sei bem que tipo de imprevisto foi esse — ironiza, mas não lhe dou
atenção. Estou muito contente e ninguém vai estragar a minha felicidade.
— Boa tarde filha, te amo. — Papai pisca para mim, também
preferindo não rebater as ironias de mamãe. Noto que está tentando se

controlar, o clima aqui não está nada bem e fico curiosa para entender o
motivo, apesar de já deduzir que a relação deles está indo para o buraco.
Mando beijo para ele.

Sigo para o quarto, onde deixo a minha bolsa e troco de roupa, vestindo

algo mais confortável. Retorno para a sala e sento ao lado de Tim no sofá,
que não tira a cara da televisão, onde assiste curiosidades sobre os grandes
artistas do mundo, como sempre gosta.

Vejo o quebra-cabeças que Esteban lhe deu jogado no chão, e uso isso
para tentar fazê-lo interagir comigo, afinal de contas, sempre gosto de brincar
com ele, desenvolver as suas habilidades e ter contato, por isso pensar em
deixá-lo me dói a alma, mas a hora já está chegando. Não quero mais viver
assim, com uma mãe que me odeia.

Tudo vai bem até o anoitecer. Todos já jantamos e dei banho no Tim.
Terminamos de colocar o seu pijama quando escutamos os nossos pais
discutindo. Eles trocaram algumas farpas durante a tarde, mas isso é normal
quando trabalham bastante, porém, quando o serviço terminou, a energia
negativa se manteve.

— Acho que papai e mamãe estão... brigando, Madeleine — afirma


Timothée, fazendo a sua carinha de preocupado. Há algumas situações que o

fazem ter crises terríveis, uma delas é desentendimentos na família.

— Não... — tento disfarçar —, não é nada, deite-se. — Ele se deita,


não acreditando em mim, vou até a sua janela e a fecho. Olho para o garoto
outra vez, não escutamos mais barulho.

— Parece que pararam — diz, mais aliviado.

— Eu disse que não era nada. — Fico aliviada também, odeio quando
eles perdem as estribeiras e brigam, ambos sabem que Tim não fica bem com
isso, contudo, sempre esquecem.

A paz não dura muito tempo. Pela manhã, acordo com os meus pais
discutindo outra vez. Salto da cama em alerta, muito preocupada porque a
coisa está ficando séria, se prolongando desde ontem sem sossego. Eles
nunca brigaram tanto assim. Saio do quarto e encontro com eles na sala
lavando a roupa suja.

— Você está insuportável!! Insuportável! Não aguento mais! —


exclama papai, furioso.

— Eu que não aguento mais! — rebate dona Martina, em cólera. — Eu


tinha uma vida diferente em Madri antes de te conhecer! Foi você que não me
deixou viver como queria! Me fez falsas promessas! Tudo poderia ter sido
diferente!
— Falsas promessas? — Ele ri, incrédulo. — Eu te salvei de cometer
uma loucura! Senão fosse por mim, continuaria abandonada e sem rumo

daquele jeito...

— Nunca estive abandonada para a sua informação! E a vida digna que


você disse que iria me dar? Por acaso essa merda que temos é uma vida digna
na sua opinião?

— Sempre fiz de tudo por nós dois! Fiz por você o que outro homem
jamais faria! Sabe muito bem que me aposentei contra a minha vontade!!
Pelos malditos tiros que recebi na perna enquanto trabalhava como policial
para sustentar a nossa família! Mas você não valorizou isso, não é?

— Parem com isso!! — intervenho, chamando a atenção de ambos que


se assustam ao me ver. — Querem que o Tim tenha uma daquelas crises?
Enlouqueceram? — abaixo o tom.

— O que está fazendo aqui? Isso é entre nós dois, não é da sua conta!

— sibila Martina. — Além disso, não venha com essa de Tim, pois há muito
tempo está claro que você não está nem aí para ele. Só pensa naquele homem
que te ilude e que te faz de pata! Mas a mim não!

— Eu amo o meu irmão e a senhora sabe muito bem disso. Quanto ao


Esteban, o que temos é entre nós dois também e não permito que se intro...

— Não permite nada, sua ingrata! — replica, me causando raiva. —


Tentei alertar Esteban na formatura, mas não deu — dispara para me
provocar, pior que consegue.

Fico calada por alguns segundos, aproximando-me dela, estou apenas


de pijama. Eu sabia que ela tinha dito algo que ele não quis me contar.

— O que disse a ele? — rosno, a fuzilando com os olhos.

— Martina... — papai tenta repreendê-la, pois sabe onde isso vai dar.
Mas dessa vez não sairei chorando como sempre. Não mais.

— Perguntei por que ele estava perdendo tempo com você! — afirma
com prazer.

— A senhora ficou louca?! — aumento a voz. — Perdeu a noção?!

— Olha, me respeita...

— Por que sempre faz isso?! — grito. — Por que não para de me
perseguir?!

— Filha! — Papai tenta me parar se aproximando, mas não lhe dou


ouvidos. Sei que ele quer me resguardar da crueldade da língua dessa mulher.

— Parem com isso! — Tim aparece na sala, nervoso, porém não damos
atenção a ele

— Eu? Te perseguir?! Madeleine você não se enxerga mesmo! —


Martina não para, ela está louca de vez hoje, não há outra explicação. Sendo
assim, louca também serei. O ódio aflora por minhas veias.

— Você é que não se enxerga! Quer saber o que eu acho? Inveja! É o

que tem de mim! — disparo, cuspindo as palavras que há muito tempo estão
entaladas na garganta.

Ela gargalha, tentando ser superior, mas não irá conseguir.

— Fala das minhas roupas, mas se veste pior do que uma freira! Fala
do meu cabelo, mas o seu tem cara de que nunca foi lavado! Me chama de
gorda, porém é bem mais gorda do que eu! — disparo, destruindo o seu
sorriso imediatamente. Seus olhos esbugalhados querem me matar.

— Cale a sua boca, sua fedelha...

— Não!! Dessa vez não vou me calar! Não me calarei nunca mais
porque sou a sua filha e não o seu tapete para me pisar sempre que quiser!

— PAREM COM ISSO! — grita Timothée, começando a beliscar os

próprios braços. Tudo está saindo do controle, nem papai sabe como agir
porque eu nunca agi dessa forma, sempre abaixei a cabeça.

— Eu sou formada!! Tenho um homem que me ama e a senhora, nada


disso!! Papai tem razão, você é insuportável, a sua vida é desprezível, sem
amor, sem felicidade, e ele só está contigo ainda por causa do Tim!! — grito,
enlouquecida.

— Sua rata de esgoto!! — Ela tenta me dar uma bofetada, entretanto,


papai é mais rápido e segura o seu pulso a tempo, com força, a
surpreendendo. Ele a joga no sofá como se ela fosse uma coisa qualquer.

— Não... toque... na minha filha! — rosna, odiando-a. Estou chocada!

— Nicollas... — A mulher não acredita no que aconteceu, pois ele


jamais tocou assim nela.

Tim começa a gritar e acertar a cabeça contra parede. O inferno está


criado.

— Tim... — Vou até ele, tentando segurá-lo, mas o menino se arranha


inteiro, cortando a própria pele com as unhas, se debatendo e gritando
repetidas vezes:

— PAREM COM ISSO! PAREM COM ISSO! PAREM COM ISSO!

Papai vem me ajudar, nós dois lutamos para conter o garoto que está
em mais uma crise absurda e devastadora.

— Ela não é... a sua filha!!! — Martina declara em alto e bom tom, sem
se importar com o estado de Timothée. — E você sabe muito bem disso! —
As lágrimas descem amargas por sua face, como se queimassem a sua pele e
os olhos vermelhos.

Com o meu irmão berrando e a situação em descontrole, não entendo


bem o que ela diz, olhando para ela e para papai.

— O que... ela disse? — pergunto para Nicollas, que parece procurar


um lugar para se esconder de tão arrasado.

— Ele não é o seu pai biológico! Apenas te criou... e foi por causa dele

e de você que eu vim parar neste inferno! — confessa com dor, muita dor.

— Cala essa sua boca!! — grita papai. Tim se joga no chão com
violência, conseguindo se desvencilhar de nós. Lutamos para segurá-lo
novamente. É terrível!

— PAREM COM ISSO! PAREM COM ISSO!

—Você pensa que Esteban ama você? Se ele tiver dito isso é mentira!!
— soluça as palavras para mim, seu pranto é horripilante, é como se contasse
algo que já viveu. — Os homens não amam as mulheres de verdade!! Ainda
mais as gordas como nós! É tudo mentira! Ele vai te enganar até se cansar de
você! É sempre assim!!

— Saia daqui!! — Papai aumenta o tom outra vez, expulsando-a. A


mulher corre para fora de casa, fugindo.

Fico inconsolável, tento segurar o choro por causa do menino, mas não
consigo. Se isso tudo for verdade...

— Diga que é mentira... — peço ao meu pai quando ele pega o garoto
no colo, prendendo-o em seus braços para contê-lo.

— Não saia daqui! — pede, levando Timothée para o quarto.

Desolada... fico sem saber o que fazer, sozinha. Vou para o meu quarto
e tento me recompor com um banho, mas é impossível. Fico pensando mil e
uma coisas, mas não entendo nada. Como assim ele não é o meu pai

biológico? Me criou desde que nasci! Desde que me entendo por gente! Isso
não tem lógica alguma, não é verdade.

Sinto vontade de fugir, sempre tenho duas reações quando fico nervosa:
fugir ou comer. Não quero estar aqui quando Martina voltar, porém também

preciso saber da verdade! A verdade que agora tenho tanto medo de ouvir.

Quando finalmente consigo pôr uma roupa e pentear o cabelo, já não


ouço mais os berros nervosos de Tim. Sempre fico ao lado dele nesses
momentos de crise, mas agora estou abalada demais, perdida com as novas
informações. Papai bate na porta e entra, fechando-a em seguida.

— Consegui acalmá-lo — diz, respirando fundo em seguida —, ele


está... amassando aquelas bolhas que a psicóloga indicou.

— Preciso que negue o que a mamãe falou. — Uma lágrima desce por

minha bochecha. Meu pai observa o chão, cabisbaixo não diz nada. Vou até
ele e o seguro pelos braços com força, o sacudindo. — Preciso que negue,
pai! Negue! — imploro. Ele me puxa para um abraço acalentador.

— Eu queria muito... — diz choramingando, sem chão —, mas não


posso, porque é verdade.

— Não... eu me sinto mais sua filha do que dela — soluço quebrada, no


fundo do poço. Ele me acaricia e abraça mais forte, beijando a minha cabeça.

Primeiro, choramos lamentando bastante, devastados. Depois, nos

sentamos na cama lado a lado, e Nicollas me conta tudo:

— Conheci a sua mãe grávida, em Madri. Eu era o novo segurança da


clínica onde ela era faxineira — revela.

— Clínica? — Esbugalho os olhos.

— Ela se encantou por um dos profissionais que trabalhava lá, um


fisioterapeuta.

Arquejo, chocada.

— A Martina nem sempre foi amarga assim, não foi por essa mulher de
hoje que me apaixonei. O seu pai a rejeitou assim que soube da gravidez, a
fez ser demitida e depois tentou convencê-la a abortar — diz triste, fico
boquiaberta. — Ela achava que seria a melhor opção, mas à essa altura eu já

havia me aproximado, já conversávamos, então consegui impedi-la.

“Mas o seu avô com quem ela morava era rígido e a expulsou de casa
ao descobrir a gestação. Ele era mal, a maltratava por ser gorda e piorou
depois da gravidez. Eu a acolhi quando ninguém mais a quis... e a convidei
para recomeçar comigo aqui, onde me tornaria policial. A enchi de
expectativas de uma vida melhor que até tivemos antes desse... maldito
acidente! ”
Ele fita a perna manca, com culpa.

— Não se culpe, pai... — O abraço. — Agora entendo alguns

comportamentos dela comigo. Ela me culpa por ter a vida que tem.

— Sim... ela estudava antes de engravidar, era bonita e, hoje acha que
perdeu tudo quando decidiu manter você na barriga. Age contigo como o
velho nojento agia com ela. Tem raiva por ver a filha tendo a vida que ela

sempre sonhou ter, quando na verdade deveria sentir orgulho. Isso já está
doentio. Ela não conseguiu filtrar o amor do preconceito em que foi criada.
Mas nada justifica, você não tem culpa. Nunca teve.

— Eu sei... — Tento respirar com normalidade, mas está difícil.

— Sei que ainda deve estar cheia de dúvidas. — Acaricia o meu rosto,
afastando uma mecha para trás da orelha.

— Sim, mas agora não quero saber de mais nada. Por hoje foi o
suficiente, eu só... quero sair para respirar um pouco. — Levanto-me,

pegando a minha bolsa.

— Filha, para onde vai? — Ele fica preocupado.

— Ver o Esteban... não quero estar aqui quando ela voltar —


choramingo. — Mas, e o senhor... e o Tim?

— Não se preocupe, ficará tudo bem. A gente ainda vai terminar essa
conversa. Agora vá. — Me beija na testa e me abraça novamente.
Saio de casa inconsolável, nem consigo me despedir do meu irmão. No
trem, choro mais que um bebê. A minha cabeça gira com inúmeros

pensamentos que me deixam tonta. Entro no prédio do Esteban após o


porteiro me liberar, ele já me conhece, estou autorizada a subir sem aviso
prévio.

Pego as cópias das chaves que Esteban me deu para abrir a porta, mas

antes tento melhorar o semblante, não quero assustá-lo. Entro no loft,


encontrando tudo silencioso. Será que ainda está dormindo? Ainda é cedo,
mas até aos domingos ele acorda cedo. Enviei algumas mensagens ontem
antes de dormir, porém não me respondeu.

Perco o ar quando avisto sapatos femininos no primeiro degrau da


escada que leva ao seu quarto. Olho para o alto com medo, pensando besteira.
Meu coração passa a bater acelerado e me forço a caminhar lentamente,
subindo apreensiva e gelada.

Ao chegar no piso superior, paraliso com a imagem da mulher na cama,


debaixo dos lençóis, dormindo calmamente como quem teve uma longa noite
de sexo. É Camille, a bêbada da boate, a mulher do tal Pierre, a que sempre
desejou Esteban. Não posso acreditar!!

Ouço o som do chuveiro, as lágrimas descem quando caminho mais um


pouco e reconheço a silhueta de Esteban através do vidro tomando banho.
Isso não pode estar acontecendo!
ESTEBAN JAVIER

Fico frustrado quando Madeleine bate à porta, indo embora. Porra, ela
se formou ontem, só curtiu a madrugada, hoje planejei outras coisas para nós.
Mas entendo e admiro a importância que ela dá à família, mesmo com uma
mãe horrível daquelas. Fora que Timothée realmente merece a sua atenção.
Gostei muito do senhor Nicollas também, conversamos bastante.

Diria que já conquistei o pai e o irmão da minha namorada, agora só


resta a mãe, o que estou ponderando se vale mesmo à pena. Agora... aqui,
sozinho, lembro da minha família, tão desajustada por trás daquela fachada
de um grande império espanhol. Muito mais obscura que a de Madeleine,
com as suas cicatrizes profundas.

Até Mateo tem os seus mistérios escondidos por trás da sua


personalidade amável e sensata. Ele nunca conversou abertamente comigo
sobre os seus gostos sexuais peculiares e o motivo de praticá-los, mas tem
algo que não sei, que ele nunca revelou a ninguém.

Recebo uma ligação de um cliente importante que está precisando da


minha assistência urgente, o que me faz correr para o quarto para vestir um
terno e depois pegar o carro para ir até a sua casa, ao seu encontro. Passo o
resto da tarde com ele, revisando alguns contratos que pretende assinar no

início da semana.

Como sempre, ele me oferece uma bebida, ser o seu advogado parece
até lazer, porque nos divertimos com diálogos enriquecedores enquanto
trabalhamos. Fico lá bem mais do que deveria, sigo para casa quando o
relógio está prestes a marcar vinte e uma horas, surpreendendo-me ao ter
Camille entrando na frente do meu carro quando estou prestes a descer para o
estacionamento no subsolo do meu prédio.

Ela parece terrível, bêbada como ontem e ainda por cima com uma

garrafa de uísque na mão, bebendo puro. Faço-a entrar no carro e a levo para
o loft. Assim que entramos, tento pela décima vez tomar-lhe a garrafa:

— Me dê a garrafa. — Estendo a mão, mas Camille nega, se afastando


de mim, caminhando rumo aos sofás.

— Não posso... tenho que beber! Preciso esquecer do que vi ou...


desculpa! Você não tem nada a ver com isso, Esteban, mas é que não pensei
em outra pessoa! Não depois que me ajudou ontem na boate. Não podia ir até
a minha família neste estado, não quero contar às minhas amigas, elas vão...

elas podem... imagina se todos souberem? — Seu rosto está aterrorizado, eu


só consigo pensar é que já descobriu tudo sobre Pierre.

— Se não me der a garrafa, não conseguiremos conversar direito,


Camille — insisto, calmo e compreensivo. — Preciso saber o porquê está

assim de novo. Por que estava na boate ontem naquele estado? Brigou com o
Pierre?

— Agora sei por que sempre brigamos... — soluça, desesperada —, ele


não gosta de mim... ele não gosta de mulher... ele é gay!!! — A sua voz de
incrédula evidencia o quanto a descoberta a chocou. Também não é para
menos. — Ele me trai... com o Adam! O Adam! O companheiro dele do
ping-pong!

Abaixo o rosto, sem saber o que dizer, não há argumentos para

defender o meu amigo. As minhas suspeitas se confirmaram, Pierre se afastou


de mim porque voltou a se envolver com o Andam e não queria correr o risco
de receber o meu olhar julgador por perto, por mais que eu jamais fosse capaz
de fazer isso.

A dor de Camille me atinge em cheio, traição é uma das piores coisas


que existem e não desejo a ninguém, jamais faria isso com alguém, porque
quando aconteceu comigo, doeu demais, criei repulsa disso e do amor de uma

mulher, preferi desde então, apenas o amor na cama, dos orgasmos repetidos

e desenfreados, isso tudo me bastou... até encontrar Madeleine.

Camille soluça e vira a garrafa na boca outra vez, chamando a minha


atenção. Decido acabar com o que não vai levá-la a nada e vou até ela,
tomando-lhe o álcool, mas a mulher luta contra mim, tentando evitar, bêbada,

fragilizada, sofrida, destruída.

— Não! Não, Esteban! — Tenta pegar o objeto de volta, mas me


afasto, seguindo para a cozinha.

— Não vou deixar que faça isso! Não irá adiantar! — alteio a voz.

— Você não entende! Não entende! — choraminga, me seguindo.

— Entendo muito bem, mais do que imagina! Já passei por isso e sei o
quanto está sofrendo. — Viro-me para ela, a encarando. É incrível como a
dor lhe tirou todo o brilho e até a beleza, está aos cacos, em pedaços. —

Também fui atrás do álcool para tentar fugir, mas a verdade, é que não há
fuga, Camille! Você precisa enfrentar de frente! Só assim a dor vai passar! —
Sou duro, falo com ela como se tivesse falando com o Esteban de anos atrás,
o que estava nesta mesma situação.

— NÃO! NÃO! ME DEVOLVA! — Ela bate em mim, tento segurá-la,


porém a garrafa acaba se espatifando no chão, o que faz a mulher ganhar um
pingo de sanidade. — Oh, me desculpe... — Dá alguns passos para trás, mas
escorrega no tapete e cai desengonçada, no fundo do poço. É triste.

Camille acaba vomitando, bebeu bastante e precisa de ajuda. Respiro


fundo, pego-a no colo e a levo para o andar superior. Preparo a banheira e a
coloco dentro de roupa e tudo.

— Tente tomar um banho enquanto eu limpo a bagunça lá embaixo —

digo, ela assente em silêncio. As lágrimas ainda molham a sua face.

Saio do banheiro fechando a porta, retorno para o andar de baixo,


pondo as mãos na cintura insatisfeito ao ver a bagunça. Rapidamente pego
um balde, vassoura, rodo e pano de chão para limpar tudo. Perco uns trinta
minutos nessa brincadeira, alguns deles foram até propositais, para dar tempo
de Camille se recompor.

Ao terminar, retorno para o quarto e a vejo saindo do banheiro enrolada


em uma toalha. A sua imagem está melhor do que antes, mas o rosto,

principalmente os olhos, denunciam o mal-estar.

— Posso dormir aqui hoje? Não tenho para onde ir. — É como se
pedisse socorro. — Estou com medo de dirigir...

Penso duas vezes, não quero me meter nesse problema, sou amigo do
Pierre, mas a mulher está desamparada e infelizmente lembrou de mim.
Também estou compadecido com o seu estado, pelo que ela está passando,
isso despertou em mim diversos demônios perigosos.

— Tudo bem, mas... o Pierre não pode saber. Não quero problemas

com ele e esse assunto remete apenas a vocês. Entende? — Sou educado.

— Entendo... completamente. Também não quero que ninguém saiba.


Não quero que pensem besteira. Já há coisas demais para processar. Não sei
se tem namorada, mas...

— Tenho sim, mas ela não estará por aqui até amanhã à tarde.

— De manhã eu vou embora — garante. Eu assinto. — Posso dormir


no sofá, e...

— Você dorme na cama, eu durmo no sofá — determino. Ela concorda.

Pego uma roupa confortável para dormir, jogo uma de minhas camisas
para ela e antes de descer para a sala, ouço-a me chamar:

— Esteban... — viro-me, recebendo o seu olhar analítico —, não ficou

nem um pouco chocado por descobrir que o seu amigo é gay?

Fico sem palavras, com os lábios entreabertos.

— Claro que fiquei — a minha voz sai frágil, nesse tipo de coisa é
difícil saber mentir —, mas... como disse, não é um assunto que me diz
respeito.

Ela abaixa a cabeça, um pouco decepcionada, não sei o que esperava


ouvir de mim. Sigo para a sala, vejo ligações perdidas de Pierre e mensagens

de Madeleine. Decido não os responder, prefiro me livrar do problema

primeiro, antes de criar um outro ainda maior.

Na manhã seguinte, acordo até um pouco mais tarde do que deveria,


subo de moletom e camisa para o meu quarto, encontrando Camille em um
sono pesado, deve ter demorado a dormir. Bocejo, irei acordá-la apenas

quando já estiver arrumado. Sigo para o banheiro, penso em descer e tomar


banho no de baixo, mas sinto preguiça, todas as minhas coisas pessoais estão
aqui. Ela está apagada, não irá me ver.

O banho é relaxante e preocupante ao mesmo tempo, só consigo pensar


nas ligações perdidas de Pierre. Se ele me ligou, é porque cogitou que
Camille pudesse me procurar, e isso é ruim. Ela deve ter comentado com ele
que me encontrou na boate. Nem quero saber o que poderá me perguntar no
escritório.

Quando enfim termino, enrolo apenas uma toalha em volta da cintura,


vou em direção a porta de vidro do banheiro, abrindo-a devagar, para
verificar se a mulher ainda está dormindo e se me disponho a correr o risco
de pegar o meu terno e voltar para me vestir, porém, esbugalho os olhos ao
encontrar Madeleine parada me observando, com os olhos em chamas de
raiva, chorando.
— Não é..., o que está pensando — digo, pausadamente, erguendo uma
das mãos em sinal de pare e a outra segurando a toalha para não cair. Meu

coração está quase saindo pela boca.

— Eu confiei em você... — Ela parece despedaçada, está quebrada e


abalada com a mentira que ela acha ser verdade.

— Calma, vamos conversar. — Tento me aproximar, mas ela puxa a

maldita gaveta onde eu guardava as calcinhas e que agora está vazia. Vazia
desde que passamos a nos relacionar sério.

— Aproveita e põe a calcinha dela aqui!! Para começar uma nova


coleção! Babaca!!! — grita, acordando Camille.

— O que está acontecendo? — indaga a mulher, sonolenta, tentando


enxergar direito.

Puta que pariu!

Madeleine a fita com ódio mortal.

— O que está acontecendo, é que você está na cama do melhor amigo


do seu marido!! Vagabunda!! — rebate, fazendo Camille acordar de vez.

— Madeleine! — Tento segurá-la, mas ela se afasta rumo à escada.

— Não toque em mim! Vai para o inferno!! — replica, arrasada, mas


tentando manter a pose forte.
Ela corre escada abaixo, Camille diz alguma coisa que não consigo
escutar, pois não lhe dou atenção e sigo a jovem furiosa que é mais rápida e

vai embora. Praguejo, retornando para o quarto, não encontrando Camille,


aproveito para procurar o que vestir. A mulher sai do banheiro já em sua
roupa, a mesma que usava quando chegou aqui.

— Esteban...

— Por favor Camille, vai embora! — rebato. — Sei que está com
problemas, mas já me prejudicou demais! — Estou furioso.

— Não era essa a minha...

— Por favor, vai! — A expulso, sem olhá-la, ela não diz mais nada e se
afasta. Em seguida, ouço a porta bater lá embaixo. Estou sozinho.

Saio do loft sem tomar café, dirigindo para o apartamento de Amélie


que é o único lugar que conheço como casa da Madeleine, já que ela nunca
me mostrou onde fica a casa dos seus pais e agora não atende o celular.

Chega um momento em que nem chama mais, deve ter desligado. Fico
preocupado, com um mal-estar enorme por todo o corpo, sabendo o quanto
ela é grilada com essas coisas, tanto quanto eu, sei que vai custar acreditar em
mim.

Paro em frente ao prédio humilde. Primeiro ligo para Amélie, pois


também tenho o seu número, porém não me atende. Então começo a buzinar,
sempre mirando a janela do apartamento para tentar ver pelo menos alguma
silhueta, mas não vejo. Quando perco a paciência, desço do carro e começo a

gritar por ambas, Amélie e Madeleine.

Os vizinhos passam a reclamar do barulho, entretanto, não vejo outra


maneira de chamar a atenção, sei que elas estão lá dentro tentando me
ignorar. Buzino mais um pouco até que vejo Amélie surgir furiosa, vindo em

minha direção.

— O que está acontecendo, ficou louco?!

— Por favor, Amélie, chame a Madeleine — peço, segurando a voz


para parecer calmo.

— Ela não está aqui! — rebate, mas por seu comportamento de quem
está inconformada, sei que está mentindo.

— Por favor, chame ela...

— Por favor é uma ova! Não tem vergonha na cara?! Por que vocês
homens são esses merdas, hein?! Ai que ódio! — exclama, emputecida.

— MADELEINE! — berro, a ignorando.

— Ela não vai descer! Eu proibi! Você não a merece! É um sem


vergonha descarado!

— Foi um engano! Não é o que estão pensando, não a traí! — Tento


me defender.
— Ainda por cima é mentiroso! Seu otário ridículo! Pensa que vamos
acreditar nesse conto de fadas?!

— Você não tem nada a ver com isso, preciso falar com a Mad... — A
minha voz falha quando vejo a fisioterapeuta se aproximar.

Amélie fica decepcionada porque ela desceu.

— Deixa comigo, amiga. — Mad toca no braço dela.

— Por que veio aqui? — Amélie range os dentes, quer resguardá-la.

— Por que ela sabe que não vou parar enquanto ela não me ouvir —
respondo por ela, sério, recebendo o olhar odioso das duas.

— Qualquer coisa me chama, tenho uma arma! — Amélie avisa,


ameaçando-me, mas não me afeta. Então se afasta.

— Vai embora! — Madeleine me expulsa antes de me escutar. Seus


olhos estão marejados, provando que já chorou bastante neste curto intervalo

de tempo da minha casa para cá.

— Posso ter a chance de me explicar, por favor? — indago, ela está


machucada, mas segura o pranto na minha frente. Firme.

— Explicar o inexplicável? Você me traiu, simples! Não é a primeira


vez que passo por algo parecido e não precisa ficar inventando desculpas, eu
vi...
— Viu errado, não aconteceu nada. Camille surgiu ontem à noite lá em
casa, bêbada, porque descobriu que Pierre estava a traindo. Ela precisava

desabafar...

— Aaah, então foi procurar logo você! Dentre todas as pessoas do


mundo, ela escolheu você! — replica, me ferindo. Essa é a sensação de ser
acusado injustamente, porém sei que tem razões para agir assim e isso torna

tudo mais difícil.

— Porque a ajudei na boate...

— Aí resolveu levá-la para o seu apartamento e lhe dar um consolo,


entendi. — Ela é irônica.

— Porra, Madeleine! Não te traí! Ela estava muito mal, então a acolhi,
ela dormiu na cama e eu no sofá, quando você chegou eu estava aproveitando
o sono dela para poder tomar banho com privacidade...

— Chega! Não adianta, Esteban! Nada do que me disser será verdade

agora. Não irei acreditar! — sentencia.

— É..., porque é mais fácil acreditar que sou um cafajeste e que tudo o
que vivemos até aqui foi mentira, não é?

— Sim, é! Porque você pelo visto nunca vai mudar!! — Me ataca, as


lágrimas rasgando as suas bochechas. — Vai continuar sendo para sempre
esse moleque sem sentimentos que brinca com as mulheres e que joga toda a
culpa do que acontece de ruim na sua vida em cima da sua família!

Fico chocado. Agora ela pegou pesado. Não esperava por isso

— Não sabe o que está falando — afirmo devagar, tentando não me


atingir com isso, mas está difícil. É a minha ferida, meu ponto sensível, um
terreno mais do que perigoso.

— Ah, eu sei... — choraminga, enxugando as lágrimas com as costas


das mãos.

— A minha família não tem nada a ver com isso. Não venha falar dos
meus traumas, porque não estou falando dos seus! — alteio a voz.

— Dos meus? — Ela ri com deboche. — Você sempre gostou daquele


tipo de mulher...

— Está vendo? — Aponto com as duas mãos para ela. — É isso!! Só


tem... merda nessa sua cabeça!! Essa merda que colocaram tão fundo na sua

mente e que leva como ideologia de vida!! É uma fodida do psicológico!

— Fodido é você! — grita.

— Não me importo com essa coisa de tipo de mulher!! Não mais!


Escolhi você, será que não entende?

— Então me ama? — Me põe contra a parede. Fico sem palavras,


paralisado. — Me ama? Por que todas as vezes em que te disse isso... fugiu!
— Eu gosto muito, mas...

— Mas não é amor! É por isso que me traiu e vai continuar traindo,

porque...

— Se for amor, ainda não estou pronto para me declarar! Uma coisa
não tem nada a ver com a outra! Está pirando!! Já te contei a minha história, é
muito difícil para mim... — a minha voz falha, o peito dói —, declarar um

sentimento que me fez... tão mal! Mas não existe alguém mais especial do
que...

— E para mim, acha que é fácil?! Tudo o que sofri, tudo o que ainda
sofro... nem sabe as coisas que descobri sobre a minha vida, Esteban! E ainda
depois encontrá-lo com aquela mulher! — soluça, devastada.

— Está sendo infantil!

— O que queria namorando com uma garota de vinte e um anos? Sou


infantil! Insegura! Mas lembre-se, que foi você quem começou tudo isso! É o

que dá brincar fora do seu perfil...

— Para de falar dessa droga de perfil!!! Isso só existe na sua cabeça —


Perco o controle. — Vai me jogar na cara agora o início conturbado da nossa
relação? Vai ressuscitar algo do qual já disse mil vezes que me perdoou?

— Início conturbado da nossa relação... — debocha, entre as lágrimas,


e, por fim faz um bico —, boa definição para tudo o que fez e que continua
fazendo. Sabe... me arrependo de ter te dado uma chance!

— Mentira. Está mentindo.

— Por que não vai embora, seu babaca?!! E me esqueça! Esqueça para
sempre! — Me dá as costas, mas ao assisti-la se afastando, perco o chão. Não
pode ser o fim. Não assim.

— Madeleine, Madeleine! Ei, Madeleine! — A seguro pelo braço, a


abraçando contra a sua vontade. — Por favor não faz isso, cariño mío!!

— Não me chame desse jeito! Me largue! — Empurra-me. — Eu não...


te amo mais! — declara séria, convicta. É como uma facada no peito
esquerdo.

Não tenho forças para segurá-la mais, a deixo partir. Estamos de cabeça
quente, continuar discutindo agora será pior, não adiantará nada. É preciso
tempo. Sei que está mentindo, é claro que ela me ama. O amor não se acaba
assim de uma hora para a outra.
MADELEINE FERNANDEZ

Quatro dias reclusa no apartamento de Amélie foram o suficiente para


decidir o que irei fazer da minha vida. Sem poder voltar para casa, sem
Esteban ou qualquer ânimo de continuar aqui, anuncio ao meu pai que agora
está na minha frente, sentado comigo no sofá, qual será o meu destino:

— Madri? — Ele fica perplexo. — Quer ir morar em Madri, filha?

— Por enquanto... só passar um período. Não sei se vou conseguir


morar lá e ficar longe de vocês por muito tempo, mas... preciso respirar um
pouco e digerir tudo o que vivi aqui nos últimos dias. O senhor entende? —
indago entristecida, torcendo para ser compreendida.

— E ficaria aonde? Na sua tia?

— Sim... foi ela quem deu essa ideia ao me ligar ontem. Tentei
disfarçar que não estava abalada, mas o senhor sabe como ela é, acabou
notando.

Ele sorri, lembrando da irmã.

— Achei que a Lea vivesse com o namorado, noivo, sei lá o que ele é
dela. — Sorri outra vez.

— Ela disse que o largou, está solteira e precisa de companhia. —


Respiro fundo, olhando para o nada, abatida. — Preciso me afastar um pouco
de Paris, pai — confesso —, estou me sentindo sufocada e sem ter para onde
fugir.

— É por causa da briga com a sua mãe? Isso pode ser resolvido.

— Não pode. Não assim, não agora. Além dela... tem o Esteban. A
gente brigou, não estamos mais juntos e não quero mais vê-lo.

— Como assim não estão mais juntos? Ele me pareceu ser um bom

homem, você disse que ele iria lhe conseguir um emprego...

— Mas não quero mais, papai. Não quero nada que me ligue a ele. E
tudo aqui... essa cidade, lembra nós dois ou os conflitos com a mamãe. Tudo
recorda ao sofrimento e preconceito que tive das pessoas na faculdade... no
estágio... no emprego. É claro que tem as coisas boas também, o senhor... o
Tim e a Amélie, mas estou muito machucada. É como se tivesse levado uma
surra e não apenas um tapa — declaro, entristecida. Respiro fundo,
percebendo meu pai murchar. Ele sabe que tenho certa razão.

— Não sei o que o Esteban te fez, mas por favor não haja com a cabeça

quente. — Ele acaricia o meu rosto. Estamos só nós dois aqui, Amélie saiu.
— Sempre que chega ao seu limite, toma decisões precipitadas, fala e age de
uma forma que se arrepende depois.

— É exatamente por isso, pai... estou no meu limite e prefiro me

distanciar um pouco para pôr os pensamentos em ordem e decidir o que irei


fazer depois. — Seguro as lágrimas diante dele.

O senhor Nicollas respira fundo, assentindo.

— Está certo, eu concordo. Lá em casa os ânimos ainda estão voltando


para o lugar... também não quero que fique aqui, não gosto desse prédio e
nem desse apartamento que é mais apertado que a nossa casa, com todo
respeito à sua amiga. — Ele olha em volta.

Fungo, reflexiva, pensando constantemente na Espanha, em encontrar a

minha tia.

— O Esteban veio te procurar? — Ele está curioso.

— Todos os dias, mas não estou mais o recebendo. Não quero recebê-
lo.

— Madeleine, se ele não gostasse de você não se submeteria a isso...

— Pai... é complicado. — Não quero contar a história em detalhes, não


quero que papai odeie o advogado. Sem saber o motivo, ainda estou o
resguardando. — Só... preciso desse tempo fora para poder me encontrar de

novo. Por incrível que pareça, ainda tenho sonhos. — Estico os lábios, na
tentativa falha de me animar.

— Tudo bem, filha... vou comprar as suas passagens — garante,


segurando as minhas mãos com força, olhando-me nos olhos, chorando. —

Mas vai me prometer... que quando chegar lá, irá procurar um psicólogo, nem
que seja apenas pelo tempo em que ficará em Madri.

— Com que dinheiro...?

— Com o dinheiro que vou te dar...

— Não...

— Sim! — Se impõe. — Você precisa, filha. Precisa muito. Já que é


para recomeçar... que seja por completo! Nunca deveria ter cortado o seu
tratamento quando adolescente, mas enfim..., jamais é tarde para recomeçar.

— Jamais é tarde para recomeçar — repito, fungando. — Tudo bem, eu


prometo. E o senhor, assim como a Amélie, vai me prometer que se por um
acaso encontrar o Esteban, não falará que irei embora. Promete?

O homem respira fundo, desgostoso.

— Prometo. — Então me olha de forma estranha e pergunta: — Filha...


por acaso não está pensando em ir para Madri atrás do seu... pai biológico,
né?

Fico surpresa.

— Não... isso nunca passou pela minha cabeça. Meu pai é o senhor,
não esse homem que não quis me assumir.

Nicollas sorri, despreocupado e se sentindo valorizado. Então vai

embora, e à noite, após Amélie chegar do Le Loup, do qual já pedi demissão,


me entrega um envelope com o valor da minha rescisão.

— Nossa, mas aqui tem muito dinheiro — comento, folheando as notas


de Euro.

— Eu disse para o bosta do Maurice que o Esteban estava te


representando, só para dar um medinho nele e pagar tudo certo. Parece que
funcionou! — Amélie sorri, estamos sentadas em sua cama.

— Você não presta, sabia? — Sorrio, segurando a sua mão.

— Nunca afirmei o contrário. — Sorri sem humor, ela sabe para que
vou usar essa grana. Respira fundo e aperta a minha palma. — Amiga, sei
que prometi não insistir, mas... ainda dá tempo de desistir. Aqui você também
pode recomeçar.

— Não pira, já disse que é só por um tempo. Irei voltar. — Quero


tranquilizá-la, mas pelo visto, passo longe de conseguir. Suspiro — Ele... foi
hoje de novo lá no bar? — Estou curiosa.
— Foi... e está para me deixar louca querendo saber de você. Ele jura
que não te traiu, que foi um mal-entendido, o Dominique também conversou

comigo...

— Ele apelou até para os amigos? — Sorrio com deboche.

— Fiquei pensando... e se for verdade?

— Amiga, sei o que vi.

— Você estava muito abalada pela discussão brutal que teve com a sua
mãe, pela descoberta de um outro pai e depois flagrar aquela cena... foi muita
coisa ao mesmo tempo, porém...

Ela se cala quando o meu celular apita. Pego-o e leio a mensagem de


Esteban, mas uma de milhares que não respondi:

Por favor, Pimentinha, não estraga tudo o que construímos até aqui.

Nunca encontrei alguém como você e sei que jamais encontrarei.

Me dê uma chance de me explicar. Vamos conversar.

Nada do que pensa foi real.

Atte., seu babaca romântico.

— É ele? — indaga.
— É... — uma lágrima cai, e eu fungo —, está novamente pedindo uma
chance para conversarmos.

— Precisa dar essa chance a ele antes de ir embora. Essa conversa pode
mudar tudo.

— Essa não é a Amélie feminista que conheço. E para de tratar a minha


viagem para Madri como uma despedida definitiva!

— Madeleine, eu sinto que você vai para ficar! Sinto que se pegar
aquele avião não irá voltar e vou ficar aqui sozinha! — Ela se desespera
querendo chorar, engolindo em seco.

Seguro o seu rosto entre as mãos.

— Jamais te deixarei sozinha. Eu te amo, Amélie! Além disso, tem o


Timothée, o papai... a minha vida é aqui! Só preciso desanuviar, se ficar em
Paris, o Esteban não irá me dar folga, talvez os conflitos com mamãe
continuem e tudo isso me faz muito mal.

É exatamente esse o meu medo. Por outro lado, sempre pensei em


todos e agora me sinto egoísta por pensar um pouco em mim. A abraço forte
e choramos, Amélie parece se conformar e aceitar de vez a minha decisão.
MADELEINE FERNANDEZ

Na noite de véspera da minha viagem para Madri, Esteban me liga


novamente. É tarde, bloqueei o contato dele duas vezes em outras ocasiões,
mas o homem é insistente, troca de número e continua ligando. Suspiro,
irritada, finalmente decido respondê-lo, só que por mensagem. Ouvir a sua
voz ainda é um golpe pesado demais para os meus sentimentos:

Esteban, por favor. Preciso que pare de me ligar e enviar mensagens.

Não, até você me ouvir, Madeleine.

Eu já ouvi!
Aquilo não foi uma conversa, nem passou perto. Estávamos de cabeça

quente, trocamos farpas e nos magoamos mais do que já estávamos


magoados.

Ah, você também está magoado? Poupe-me!

Sim... me magoa saber que a pessoa que eu mais gosto, pensa que a traí e
magoa ainda mais, saber que tive culpa nisso. Não devia ter recebido
Camille em minha casa, mas me pus em seu lugar.

Só não se pôs no meu. Gostaria de ter me visto saindo nua do banheiro com
um homem deitado em minha cama?

Não, não gostaria, mas...

Não, Esteban! Preciso de um tempo! Todas as vezes que você me procura,


me machuca! Quero que respeite o meu momento e me deixe em paz!
Não posso perder você, Madeleine, e não vou. Eu não te traí, errei sim, mas
não traí e vou provar.

Isso me toca. Por que ele tinha que ter feito essa merda?? Estava tudo
indo tão bem! E por mais que esteja falando a verdade, pensar em meu
namorado recebendo uma mulher para dormir na cama que divide comigo é

demais para mim, mesmo que não tenha me traído.

Bloqueio esse número para finalmente tentar conseguir dormir, porém é


falho, fico quase a noite inteira acordada e quando amanhece, entro no táxi
com Amélie, rumo ao aeroporto. A minha amiga está inconsolável. O silêncio
entre nós é estarrecedor. Ela não gosta da ideia de me ver longe, mesmo que
por pouco tempo, entretanto, eu preciso disso, estou convicta no que quero.

Foram dois golpes pesados demais, um atrás do outro. Mais duas


desilusões para a minha conta que já estava cheia de tantas que tive aqui,

nessa cidade tão bonita, mas que me fez sofrer bastante.

Preciso de outro lugar para me reerguer e conseguir me recuperar. Um


local aonde não tenha tantos fantasmas por todos os lados, em todos os cantos
e por onde eu passo. A maioria dos locais me lembram coisas ruins, mas
quando avisto a Torre Eiffel, lembro de uma coisa boa: Esteban.

Nos encontramos ali pela primeira vez. Foi uma noite trágica, mas ao
mesmo tempo... inesquecível. Ele foi o primeiro homem que me tratou bem e
me levou para sair. Mesmo que no fundo fosse uma mentira, os momentos

que vivemos foram um sonho.

As demais recordações me atingem como chuva, todas as vezes que ele


provou que gostava de mim, que me queria e me desejava, que me fez me
sentir uma mulher de verdade. Os momentos românticos na sua casa, na

praia. Lembro das tentativas dele de se reaproximar nesses dias após o


flagrante.

Talvez... eu devesse arriscar ouvi-lo pessoalmente, ou pelo menos me


despedir. Mesmo com o que vi, não consigo odiá-lo, não consigo odiar
ninguém. Ainda tenho tempo até o avião partir, um medo absurdo de me
arrepender se abate sobre mim, ao ponto de me fazer falar para o motorista:

— Por favor, moço! Vá para o La Defense, preciso ver alguém antes de


ir para o aeroporto — digo, ele assente. Amélie sorri de orelha a orelha e me

abraça bem forte, comemorando.

Alguns minutos depois, estacionamos em frente ao prédio imponente


onde Esteban trabalha.

— Quer que eu suba contigo? — pergunta a minha amiga.

— Não... preciso ir sozinha — afirmo, mas antes que eu possa descer


do automóvel, avisto Esteban saindo do prédio acompanhado de uma mulher.
À primeira vista, penso ser Camille, mas é pior, se trata da mulher que
meses atrás esbarrou em mim no Le Loup, a mesma que encontramos no baile

de Cédric. Ela sorri para ele, e toca em seu ombro com intimidade. Fico
paralisada com essa imagem, como se um buraco se criasse abaixo de mim e
me arrastasse para as profundezas.

Olho para Amélie que também está em choque e apenas abaixa a

cabeça decepcionada. A sua última esperança de impedir a minha viagem


indo pelo ralo.

— Pode seguir para o aeroporto... moço — digo, após tomar coragem


para falar. Não vou chorar por ele. Não irei chorar mais por homem nenhum!

Mais um tapa na cara. E assim vou aprendendo que ser boazinha, ter o
coração mole e pensar primeiro nos demais, nem sempre é um bom caminho.
É claro que não se deve generalizar, cada um é cada um, porém, o que eu vi
foi o suficiente para entender que Esteban jamais será apenas de uma mulher,

será de todas.

Agora está claro que os traumas dele com aquela tal Maite, o pai e o
irmão o bloquearam por completo para o amor. Todas as suas atitudes, os
seus comportamentos apontavam para a ideia de que era amor, de que me
amava, mas as palavras não saíram por sua boca, porque lhe faltava coragem
para superar ou porque realmente não sentia.
Talvez fui infantil por esperar e exigir isso dele, entretanto, também
tenho os meus traumas, e por isso mesmo é tão importante ouvir um “eu te

amo”, ainda mais depois do que aconteceu. É como se Esteban tivesse


construído um castelo de sonhos dentro de mim nesses quase três meses de
relacionamento e por fim, destruído tudo como um trator desenfreado.

Recordo com pesar, quando ele jogou na minha cara que eu era uma

fodida do psicológico. Não posso negar que mesmo sendo feliz e aprendendo
a me amar ao seu lado, uma voz quase inaudível, lá no fundo do meu ser,
sempre dizia na minha mente que era temporário, e por mais terrível que
pareça, essa voz era a da minha mãe.

Recordo de papai exigindo que eu vá ao psicólogo, ele sabe que


preciso, que fui muito agredida por anos, por várias pessoas, por isso sou
assim... desacreditada... insegura... instável e impulsiva. Talvez essa viagem
seja mesmo um impulso. Está cada vez mais difícil olhar pela janela e

continuar segurando as lágrimas que pesam para descer.

— Agora, eu quero que você vá, amiga — diz Amélie, chamando a


minha atenção. — Aquele filho da puta não te merece! E ainda tem a sua
mãe...

Suspiro, ela segura a palma da minha mão com carinho.

— Você vai para Madri e ficará por lá o tempo que for necessário, o
tempo que precisar. Sei que tentar se recuperar aqui dos últimos abalos que
viveu não será a mesma coisa, não com tanta gente jogando sal nas suas

feridas.

— Obrigado por entender, amiga. — Fico feliz, forço-me a sorrir.

Quando chegamos ao aeroporto, encontramos papai, Timothée e Louise


à nossa espera. Combinamos todos de nos despedirmos aqui, só as pessoas

especiais em minha vida. Primeiro converso com o meu irmão, papai já me


disse que falou a ele que eu iria viajar e tento encarar a situação assim,
porque pensar em me afastar dele é detestável, mesmo que por pouco tempo.

— Vai demorar a voltar? — Tim pergunta, dando pouca importância


para o nosso afastamento, frio como sempre, de mãos dadas com o nosso pai.

— Só um pouquinho, mas volto logo. Vai sentir saudades de mim? —


Tento fazê-lo exprimir alguma emoção.

— Não há Da Vince... sem Mona Lisa — responde, até um pouco

profissional eu diria, mas toca o meu coração.

Sorrio largamente, acariciando os seus cabelos. Retiro do pescoço o


colar de borboleta azul que Esteban me deu no dia do baile e mostro a ele.

— Olha... fica com isso, para sempre me manter perto. — Ele gosta do
presente peando para ele. Acaricio a sua mão na oportunidade que tenho, ele
deixa o toque permanecer por mais tempo do que o comum e é fantástico.
— A borboleta azul... — comenta, encantado.

— O meu coração é todo seu, Timothée... — soluço, em prantos —, e

ele vai ficar aqui contigo.

— Vai retirar o coração do corpo e me dar? — Ele tenta imaginar a


cena que não lhe parece nada agradável, todos achamos graça em suas
palavras.

— Filha... — o senhor Nicollas me chama, então o abraço forte —,


ligue todos os dias, sim?

— Sim, tudo bem — garanto. — Eu te amo, papai.

— Também te amo, meu amor. Te amo muito... muito.

Aproximo-me de Amélie que está tensa. Ela não diz nada e apenas me
abraça outra vez, em um pranto profundo, parecemos duas crianças.

— Isso não é um adeus, amiga. É apenas um até logo — relembro, mas

não adianta.

— Você é a irmã que nunca tive. Te amo tanto! — declara mais uma
vez, abalada.

— Te amo muito mais. Logo, logo iremos nos reencontrar. — Então


abraço Louise, que é a única feliz aqui.

— Vai dar tudo certo, quero te ver voltando revigorada! Quem me dera
poder ir para Madri reforçar as energias! Vai com tudo e me traga alguma

lembrancinha, okay? — pede, sorridente.

— Tudo bem, amiga.

Assim, após me despedir de todos, respiro fundo, tomando coragem e


sigo para a escada rolante que me levará direto para os portões de embarque.
Várias pessoas andam para lá e para cá com a suas malas, o barulho comum

de aeroporto pelo ambiente, as chamadas das viagens nas televisões.

O tempo parece andar em câmera lenta, o destino agindo. Aceno para a


minha família enquanto subo, e é neste momento que avisto mamãe surgindo
atrás deles, chorando bastante, focando em mim. Ela veio!

A mulher está com a mão no peito e um semblante de arrependimento


profundo, mas agora é tarde demais. Ela estica o braço, como se quisesse me
tocar, porém está longe, sempre esteve e continuará assim. Acabou, pelo
menos por enquanto.

É a primeira vez, em meus vinte e um anos de vida, que a vejo


demonstrando algum tipo de sentimento. Jamais vou esquecer do seu rosto
arrependido e as lágrimas imparáveis, atestando a sua dor de me ver indo
embora.

Subo até perdê-los de vista, caminho para o portão de embarque e


quando o ultrapasso, penso escutar a voz de Esteban gritando o meu nome.
Não consigo esquecê-lo e sei que jamais esquecerei. Deve ser apenas um
delírio da minha mente. Agora o meu destino é Madri.
ESTEBAN JAVIER

Estou no restaurante em que sempre almoço com Dominique, acabo de


lhe contar sobre a visita inesperada de Catherine.

— Então quer dizer que Cédric mandou a secretária para tentar


convencê-lo de ser seu advogado novamente? — indaga, surpreso.

— Sim, acredite se quiser. — Também ainda estou tentando processar

o que aconteceu. — E essa mulher é aquela da aposta, a que recusou três


caras e esbarrou em Madeleine lá no Le Loup — revelo.

— Não... — as sobrancelhas do homem se erguem.

— Sim. Eu a vi no baile de Cédric, mas ainda não sabia qual era o


vínculo de Catherine com ele. Ela trabalha para ele em outras corporações.
Achei bem estranho logo ela vir falar comigo.
— Por isso a vi cheia de intimidade.

— Ela chegou a me tocar, se oferecendo indiretamente, mas é claro que

recusei. — Respiro fundo, entristecido, olhando para longe.

— Você é o melhor advogado empresarial de Paris, meu amigo. Cédric


deve estar sentindo falta da sua competência, deve ter descoberto que já
comeu Catherine e tentou usá-la para tê-lo como advogado novamente.

— É uma teoria, mas muito fantasiosa. — Não dou atenção a isso, fico
pensando em Madeleine.

— E como vai com a Mad? Ainda nada?

— Nada. Ela realmente está puta e com razão. Tentei me aproximar de


todas as formas, ontem ela bloqueou o meu número de novo, mas pelo menos
trocamos algumas mensagens antes.

— O que ela disse?

— Que precisava de um tempo, precisava de paz. Que toda vez que a


procuro, a machuco também. — É horrível pensar nisso.

— Então dê esse tempo a ela. Amélie ficou com tanto ódio de você que
até andou me evitando esses dias, principalmente depois que falei com ela em
seu nome para tentar alcançar Madeleine. Estou com saudades daquela doce
safada. — Ele sorri, apaixonado.

— Doce safada? — Ergo uma sobrancelha.


— É o meu apelido carinhoso. — Nós rimos. — Mas falando sério
agora, vai dar o tempo que a Mad pediu?

— Óbvio que não! Não sou homem de esperar e não posso deixar que
as chamas entre nós se apaguem. A quero de volta. Esses dias sem a presença
dela estão sendo devastadores. Só... solidão. — Dói até falar.

— Ainda não consigo entender o que fez Madeleine terminar contigo,

você não me explicou direito. — Na verdade, não disse nada a ele sobre
Camille ou Pierre, ainda estou mantendo a minha promessa e tentando
protegê-los, me fodendo inteiro por conta dos outros. — Mas o que pretende
fazer, então? Apenas palavras não estão adiantando.

— Eu sei, percebi isso. É hora de atitudes. Comprei um caminhão de


rosas colombianas para dar a ela, vão chegar depois do nosso almoço —
disparo, recebendo o olhar chocado de Dom, que fica calado por alguns
segundos, sem palavras.

— O quê? — indaga, incrédulo.

— Bernard intermediou isso para mim, ele tem um contato e...

— Está falando sério? Um caminhão de rosas colombianas? Ficou


louco? Um buquê não bastava?

— Pelo nível de ódio e rancor na voz de Madeleine, compreendi que


não. —
Para mim, isso parece muito natural. Sou extravagante em alguns momentos.

Bernard entra apressado no restaurante no mesmo instante em que o

garçom começa a servir o nosso almoço. A tensão no rosto do advogado me


arrepia por dentro, algo me diz que não é boa coisa.

— Onde está o seu celular? Por que não me atende? — indaga,


enraivecido.

— Esqueci na minha sala, por quê? — Tento entender o que está


acontecendo.

— Tenho duas notícias, uma ruim e uma boa.

— Quero ouvir primeiro a boa.

— O caminhão de rosas já está esperando lá fora — afirma, mas ainda


está descontente. — A notícia ruim é que Madeleine está indo embora neste
exato momento.

— Como? — Me levanto, o desespero me atacando.

— Louise, ela me avisou que estava indo se despedir dela no aeroporto,


eu não entendi e perguntei o que estava acontecendo. Madeleine está pegando
um avião para Madri, Esteban, e você tem que correr se quiser alcançá-la.

— Puta que pariu! — Levo as mãos para a cabeça, preocupado. —


Sabe qual é o aeroporto? — Começo a caminhar com Bernard para a saída,
Dom nos chama, mas não damos ouvido.
— Sei!

— Mande o motorista do caminhão ir para lá. Vou atrás dela! — aviso,

ele assente, então corro para o meu carro, saindo descontrolado rumo ao
aeroporto.

Nunca corri tanto nesse carro. Fico tentando associar as informações na


cabeça. Por que Madeleine iria para Madri? Então é assim que ela quer dar

um tempo? Não poderia me avisar? Isso é loucura e agora sei que a coisa é
muito mais grave do que imaginei. Sabia que a havia machucado, mas não
tanto. Inferno!

Chego ao aeroporto e me sinto um garoto perdido, sem celular, feito


um doido, olhando para um lado e para o outro, tentando ver algum rosto
conhecido, porém não vejo. Peço informações, corro mais um pouco, olho
todas as viagens do dia, subo por escadas rolantes.

Fico com o coração na mão, a garganta sentindo o nó entalado, a

sensação de que tudo está ruindo ao meu redor, de que estou deixando o meu
verdadeiro amor ir embora. É amor! E fui covarde demais para afirmar! Ela
precisava ouvir tanto quanto eu... Madeleine foi muito mais corajosa do que
eu.

— Madeleineee! — grito, como se tivesse pedindo socorro, assustando


todos à minha volta. Acho que a vi entrando por um portão de embarque,
porém não tenho certeza. — Madeleineee! — berro outra vez, então dois
seguranças se aproximam de mim, pedindo silêncio.

Tento explicar o que está acontecendo, mas me complico todo e é em


vão. Descubro qual é o avião dela, depois fico em dúvida, há muitos indo
para Madri. Por fim, fico sozinho, com a sensação de ter perdido tudo... tudo!
Vou para um ponto onde dá para ver os aviões partindo através da vidraça.

Em um deles está a jovem que roubou o meu coração. O que me deixa


mais desesperado é a falta de informação. E se for para sempre? E se ela
quiser mesmo acabar com tudo de vez? Quando já não tenho mais
esperanças, vou embora, encontrando o caminhão de rosas me esperando fora
do aeroporto.

Peço para o motorista abrir as grandes portas traseiras, e observo


desolado as flores vermelhas de enormes botões que não serão entregues à
sua dona. Para que flores se não serão entregues à uma mulher? Não faz

sentido.

— Pode levar tudo de volta — digo ao homem.

— Para a loja? Mas...

— Leve de volta, não vou mais precisar! Depois acerto com o


vendedor. O meu sócio entrará em contato. — Afasto-me, rude, deixando-o
contrariado.
Retorno para o escritório nervoso e agora enraivecido comigo mesmo e
até com Madeleine. Droga! Ir embora? Para Madri? Precisava de tudo isso?!

Evito falar com todos enquanto caminho para a minha sala, mas Pierre surge
em minha frente. Bosta! Hoje não é mesmo o meu dia.

— Esteban, podemos conversar? É sobre a Camille... — fala baixo,


sendo discreto.

— Agora não, Pierre. — Tento ultrapassá-lo, mas ele não sai da minha
frente.

— Ela dormiu na sua casa naquele dia?

— Agora não! — Sou grosso, falo mais alto do que deveria, todos
olham para nós, crio um constrangimento desnecessário. — A minha vida
está indo por água abaixo porque fiquei tentando tapar as merdas que você
fez!! Prejudiquei o meu relacionamento porque você não foi homem o
suficiente para lidar com o seu!! — Perco o controle, Pierre fica nervoso,

procurando um buraco para se esconder, com medo de eu falar demais. —


Não quero saber dos seus problemas nem da sua falta de caráter! Tenho
vergonha das suas atitudes! Você é uma decepção! Um imbecil! Me deixe em
paz!! — cuspo as últimas palavras, furioso.

Pierre fica chocado assim como o pessoal ao nosso redor, até Bernard e
Dominique nos olham das portas das suas salas sem compreender o que
acabou de acontecer. O silêncio é colossal, penso que posso ter me excedido,
mas não me arrependo de uma só palavra.

Pierre não replica, simplesmente não tem palavras, então me deixa


passar de cabeça baixa, humilhado. Caminho duro até a minha sala, onde me
tranco. Sento-me na cadeira e respiro fundo, passando as mãos nos cabelos,
buscando me acalmar. Ligo para Amélie, mas como já era esperado, ela não

me atende, penso em encontrá-la mais tarde no Le Loup, porém, não quero


esperar tanto. Preciso saber o que está acontecendo!

Ligo para Louise:

— Esteban? — ouço a sua doce voz.

— Por favor, preciso saber o que está acontecendo, Louise. — A minha


voz sai um tanto quanto desesperada.

— Está falando da Madeleine?

— Sim, você já deve saber que tivemos um desentendimento e que


provavelmente também acha que sou um desgraçado, mas a sua opinião não
me importa agora. Só o que me importa é saber da Madeleine.

O silêncio impera por alguns segundos.

— Ela pegou um avião para Madri, vai ficar um tempo por lá. É tudo o
que sei — conta, fecho os olhos com pesar ao saber da notícia.

— Sabe onde ela vai ficar?


— Ah... não... — Sinto que está mentindo.

— É na casa de uma tia? Uma vez ela comentou que tinha uma tia por

lá. — Traço meios na minha mente de reencontrá-la. É como se precisasse


dela para respirar e agora, com a sua distância, é como se eu estivesse
morrendo.

— Como eu disse, só sei do que já lhe falei. Madeleine não me contou

nenhum detalhe. Quem deve saber de tudo é a Amélie e a família dela...

— Por acaso sabe onde mora os pais dela?

— Se o senhor não sabe, imagine eu.

— Louise... — rosno, tenho vontade de gritar de novo.

— Tenha uma boa tarde. — Desliga na minha cara. Fico tão puto que
arremesso o celular no chão, quebrando-o inteiro. Vou precisar de outro
agora.

Sem controle... nada mais está ao alcance das minhas mãos. Perdi
tempo demais, agi tarde, algo me dizia que mesmo com a negativa dela, não
podia esperar e olha o que aconteceu, a perdi.

A minha cabeça dói bastante, lembro que não almocei e que agora não
sinto mais vontade de almoçar, parece que vou explodir de tanto estresse,
mas no fim, tento ser lógico e peço para a minha secretária providenciar
alguns comprimidos que tomo para conseguir terminar um processo, o qual
não posso deixar para depois.

Ao sair do escritório, evito conversar com Dominique e Bernard, estou

afetado demais, arrependido, me sentindo um lixo, rejeitado, machucado por


fantasmas, sendo para Madeleine a pessoa que um dia alguém foi para mim:
um traidor. Giro em recordações ruins e depois todas maravilhosas com a
imagem da minha Pimentinha que agora nem sei dizer se ainda é minha, e de

tudo o que vivemos.

Vou para o Le Loup na esperança de encontrar Amélie e ter algum


endereço, alguma informação mais concreta. Sento-me no bar e sou servido
por Marcel, recebendo o olhar amistoso do dono do estabelecimento que não
se aproxima, ainda parece ter medo de mim. Melhor assim.

Chego a abrir os lábios para perguntar ao barman por Amélie, mas a


vejo sair da cozinha com o seu uniforme e bandeja nas mãos, como sempre.
Quando me nota, fecha a cara e enrola bastante para se aproximar, até que é

obrigada a buscar alguns drinks no balcão. Seguro-a pelo pulso, fazendo-a


ficar ainda mais com raiva.

— Sabe por que estou aqui e não vou sair enquanto...

— Me larga! — ela fala baixo, se desvencilhando. — Você não se


manca não, Esteban? Será que não percebe que não é homem para a
Madeleine?
Sorrio com deboche.

— E quem decidiu isso? Você? — indago.

— Não tomo decisões pela minha amiga e sabe muito bem disso. Mas
nesse caso, também não preciso, porque você é um canalha pervertido...

— Olha só, pode me xingar a vontade, só preciso saber o endereço dela

em Madri ou o dos pais dela aqui. Senão me disser, irei descobrir sozinho,
claro que vai demorar mais, mas vou descobrir — afirmo convicto, a
deixando tensa.

Amélie respira fundo, tentando não fazer um escândalo e diz:

— Esteban, por favor, não piora as coisas. Quanto mais insistir agora,
mais vai distanciá-la. Por mais que você descubra o endereço dos pais dela,
eles não vão te revelar onde ela está, muito menos eu, até porque, eu também
não sei ainda e mesmo que soubesse não diria. — Parece sincera. — Ela já te
falou isso e eu vou repetir: Madeleine não te ama mais. — É como uma

facada no peito.

“Ela acabou de sair da faculdade, brigou com a mãe e não voltará mais
para casa, está tentando ter um futuro e nós sabemos que esse futuro não será
ao seu lado porque você já provou que ainda não está preparado. Então, vê se
entende logo de uma vez que ela quer distância e a deixe em paz! Porque se
Madeleine voltar por sua causa, coisa que eu acho quase impossível de
acontecer, e ter mais uma decepção, a responsabilidade será toda sua! ”

Assim a mulher se afasta, indo servir uma mesa, me deixando no chão!

Troco olhares com Marcel, que logo finge não ter ouvido nada e se afasta
também. Sozinho... outra vez solitário, outra vez o mundo caindo sobre mim.

Fico ali por mais umas duas horas, bebendo uma dose atrás da outra,
amargo, no poço. Não posso forçar ninguém a continuar comigo, ainda mais

alguém que diz que me ama e que não tenho coragem ou não sei dizer o
mesmo. Parece que a garganta fecha e a voz não sai. Os traumas... os
malditos demônios, as lembranças daquilo que eu deveria chamar de família.

Talvez Amélie tenha razão, e eu ainda não esteja preparado para ser o
homem da vida de Madeleine. Ela está começando um futuro agora e ao
invés de ajudá-la, posso acabar estragando tudo. Também estou chateado por
não ter sido avisado da sua partida. Tanto que tentei.... Talvez ela também
ainda não esteja pronta para ser a minha mulher. Talvez... o amor não seja

para mim e por mais de dois meses me iludi.

Sou um dos últimos a deixar o Le Loup, paro a Amélie no meio do


caminho, a segurando pelo braço novamente, cochichando em seu ouvido:

— Diga a ela que vou realizar o seu desejo e deixá-la em paz... para
sempre. — A voz sai sofrida, dolorida. Sinto vontade de chorar, mas faço isso
apenas quando chego em casa, dentro da banheira onde tenho vontade de me
afogar.
ESTEBAN JAVIER

— Como você está se sentindo hoje? — A voz do meu psicólogo,


Héber, é grave e mansa, me passa calmaria. Deitado no divã da sua sala,
penso na resposta.

— Normal — titubeio um pouco ao responder. — É... acho que é a


melhor palavra que me define.

— Normal como? Triste? Cansado? Feliz?

— Ah, doutor... talvez cansado. O que é tristeza e felicidade? Aprendi


que não dá para perder tempo com isso.

Ouço o homem suspirar e se remexer em sua poltrona.

— Algum plano para hoje? Afinal... é sábado, seria bom tentar sair.
Está passando muito tempo em casa e no trabalho.
— Pela primeira vez em muito tempo, vou para um jantar na casa de
Dominique. Ele... se casou com a Amélie secretamente, na verdade... estavam

bêbados e acordaram de alianças. Hoje é o primeiro dia morando juntos e


chamaram os amigos íntimos para comemorar. Infelizmente, não posso faltar.

— Infelizmente?

— Não por ele, mas por ela... ela me lembra quem o senhor tenta me

fazer esquecer todos os dias.

— Não tento fazê-lo esquecer da Madeleine. O que digo, é que tem que
seguir em frente com a sua vida, assim, como provavelmente ela deve estar
seguindo a dela, já que nunca mais retornou para Paris.

— Mas estou seguindo a minha vida, doutor.

— Acha que viver recluso em casa ou no trabalho é viver?

— Acho. É uma forma de viver.

— Então, porque veio me procurar?

— Precisava de alguém para desabafar e me compreender, alguém que


não fosse algum de meus amigos — confesso e respiro fundo.

Damos uma pausa, até que o Héber continua:

— Está com medo de saber alguma notícia da Madeleine que não lhe
agrade?
— Talvez... — penso sobre isso —, ainda me machuca tudo o que
aconteceu.

— Conseguiu sair com alguma das mulheres que o paqueraram semana


passada?

— Não. — Sorrio sem humor. — Não sinto vontade de transar com


nenhuma delas. Acho que entrei em um celibato sem perceber.

— Há quanto tempo não faz sexo?

— Há alguns meses.

— Há quanto tempo Madeleine foi embora?

— Há alguns meses.

— O seu celibato tem alguma coisa a ver com ela?

— Espero que não.

Pausa de novo.

— Estou contente que aceitou sair. Os seus amigos também insistiam


nisso. Como vai no trabalho?

— A cada dia pior. Por algum motivo desconhecido a minha clientela


vem caindo drasticamente e a relação com o Pierre continua hostil.

— Ele ainda te culpa pelo vazamento da notícia de que ele era


homossexual?
— Aham... ele sabe que eu falei para o Dom em uma noite em que
fiquei alcoolizado. Mas eu não disse a mais ninguém, depois disso todo o

escritório ficou sabendo, na verdade, todo o prédio. Porém tenho certeza que
foi Camille quem deu um jeito de espalhar como meio de vingança depois
que se divorciaram.

— E o que pensa em fazer sobre isso? Vai continuar trabalhando com

ele?

— Eu e os outros sócios estamos pensando em desfazer a sociedade


com ele e abrir um novo escritório. Nenhum de nós está contente com o seu
comportamento, com a forma que está levando a sua vida pessoal e
destruindo o nosso trabalho. Pierre não entende que não o julgamos por ser
gay, mas essa paranoia na sua cabeça está acabando com tudo. Ele está nos
fazendo de inimigos, principalmente eu, porque fui o primeiro a descobrir
tudo e recebi Camille em meu loft naquela noite fatídica que o senhor já sabe.

Pierre acha que influenciei a ex-esposa a tomar todas as decisões que ela
tomou em seguida.

— Qual a sua teoria para ele pensar isso?

— Acho que... é porque a Camille era afim de mim antes de se casar


com ele. Mas Pierre sabe que nunca dei chances a ela e nunca dei motivos
para ele desconfiar de algo. Ultimamente, estou com vontade de mandá-lo
para a puta que pariu outra vez

— Se arrepende de ter recebido Camille em sua casa naquela noite?

— Amargamente. Foi o início da minha queda em tudo. Estraguei o


meu relacionamento para tentar ajudar o deles e me fodi! E aquele imbecil do
Pierre ainda quer me culpar de tudo, quando na verdade, sempre quis ajudá-
lo.

Uma nova pausa acontece. O silêncio às vezes é reconfortante. Respiro


fundo, tentando dissipar a raiva.

— E como vai a família na Espanha? — Muda de assunto.

— Pelo que Mateo me conta, muito bem.

— Não pensa em fazer como Madeleine? Dar um tempo daqui e voltar


para Madri?

— Madri não é o meu lugar, doutor, já lhe disse isso.

— Não acha que se reaproximar da família seria algo bom agora? Há


muito tempo não os vê.

— Tenho medo de voltar, de me tornar outra vez aquele homem


rancoroso, de reabrir as feridas — confesso, esse meu lado obscuro me
transforma.

— Ainda odeia o seu irmão... Alejandro?


Meus lábios ficam entreabertos, a resposta antes parecia tão concreta.

— Não sei mais se vale a pena. Às vezes, lembro das coisas que

Madeleine tentou me avisar sobre toda a minha história. Sobre ele também
não saber de nada, mas...

— Odiá-lo se tornou um refúgio... uma zona de conforto, uma válvula


de escape?

— Não sei. — Sinto medo de ser verdade.

— Será que sente tanto ódio por ele assim? Sabia que na raiva também
pode existir amor?

— Isso é o senhor quem diz. — Abro um sorriso nervoso, observando o


lindo teto.

— Não sou eu que estou aqui para compreendê-lo?

— Amo Luna, Mateo, mamã e Alisa. Somente. Esses tenho certeza.

— O amor do seu pai não importa mais?

— Não importa desde que vim para Paris.

— Bom, isso é muito bom. Então o ódio pelo Alejandro já não precisa
importar mais também, não concorda?

Reflito sobre isso.

— Tem medo de amá-lo?


— Eu não o amo — rosno, os olhos ardem.

— Mas e se amasse? Teria medo de reconhecer isso?

Engulo em seco, demoro a responder:

— Sim...

— Por quê? — insiste.

— Pare de me provocar, doutor! — reclamo.

— Esse é o meu objetivo. Por esse motivo estou aqui. Não se preocupe,
somos só nós dois. Podemos conversar sobre tudo, lembra? Não há mais
ouvintes aqui além de mim. Não jogarei sal nas suas feridas, só quero ajudá-
lo a encontrar o caminho para curá-las de vez. Todas elas.

As suas palavras me relaxam, os músculos voltam a encontrar conforto


sobre o divã, o coração desacelera e a respiração também. Me sinto suave.

— Reconhecer amar o Alejandro seria... ter uma derrota... para o meu

pai. — Lágrimas descem por meu rosto. — Mais uma.

— E se fosse o contrário? — pergunta. Fico desconcertado, as pupilas


se movem em raciocínio.

— Como assim?

— E se reconhecer amar o seu irmão, fosse vencer o seu pai pela


primeira vez? Isso, se o amasse de verdade, é claro.
— Mas você disse uma vez que eu não deveria ter esse sentimento de
competitividade...

— Não com o Alejandro. Pelo que conta, foi o seu pai quem criou isso
entre vocês. Já parou para pensar, que por esse motivo sempre se desafiou a
ser melhor para chamar a atenção dele? Mas, se não houvesse desafios
porque simplesmente o amor de irmãos fosse maior?

Demoro a responder de novo.

— Não sei. Nunca pensei nisso.

— Acha que o seu pai os afastou?

— Talvez. — A voz sai frágil. É uma ferida profunda que nunca irá
cicatrizar.

— Acha que quebrar esse afastamento mostraria a ele que não pode
tudo?

— Talvez..., mas está deixando de lado a hipótese de Alejandro sempre


ter sido complacente com o velho Javier.

— Negativo. Estou apenas abrindo a sua mente para outras teorias de


acordo com o que pensa.

Silêncio. Sempre o silêncio.

— Porém, Madri se tornou ainda mais distante, porque agora sei que a
Mad está lá também, e isso me deixa ainda mais inseguro. Foi ela quem quis

assim, estou apenas cumprindo o seu desejo — digo, soando amargo.

— Ainda tem esperanças de reencontrá-la e tê-la de volta?

O meu coração fica gelado, tão gelado quanto o frio que faz lá fora. O
pior inverno da minha vida, em todos os sentidos. Permaneço calado, na
verdade, a minha voz desaparece, então levanto, deixando o divã.

— Tenho que ir, senão me atrasarei para o jantar. — Vou até o


mancebo e pego o meu sobretudo preto, vestindo-o sobre o casaco da mesma
cor que estou usando. Héber se levanta rapidamente, ajeitando os óculos. É
um homem alto, negro e careca.

— Até semana que vem, Esteban. — Sorri. — E, continue lendo o livro


que lhe indiquei.

— Obrigado, doutor Héber. Até semana que vem. — Pego a carteira do


bolso traseiro, abro-a e o pago pela sessão.

Saio da sua sala luxuosa e depois do prédio, recebendo a linda visão de


Paris sob a neve. Está fazendo cerca de quatro graus célsius. Flocos finos
caem sobre mim no percurso até o meu carro. É claro que no inverno a cidade
luz não é tão linda quanto na primavera e outono, nem tão quente e vívida
como no verão, mas continua com o seu charme, talvez até um pouco mais
rebuscado.
Nessa época aqui é lotado de eventos, ruas e avenidas são iluminadas
de forma gloriosa e o mercado natalino dispara. Tem a comemoração do Ano

Novo Chinês e o dia dos namorados, uma data que para mim nunca foi algo
para se comemorar, e agora menos ainda. O que mais gosto mesmo é das
inúmeras exposições que ocorrem por toda a cidade, porém ainda não tive
ânimo para ver nenhuma.

Quando paro na frente da casa de Dominique, que agora também


passará a ser a casa de Amélie, olho-me na câmera frontal do celular. Estou
decadente, a barba dourada maior do que o comum, as olheiras profundas e
marcantes, um homem velho e abatido. Porém preciso parecer bem na frente
deles. Irei tentar.

Sou recebido por Dom, com tapinhas amigáveis no ombro, que está
radiante, parece muito mais jovem que eu, apesar de termos a mesma idade.
Um homem feliz e realizado.

— Seja bem-vindo, meu amigo! Entre! — chama, fechando a porta às


minhas costas.

— Olha o homem das cavernas aí! Então resolveu sair de casa! —


Bernard, brincalhão como sempre, vem trocar um aperto de mão comigo. Ele
também está ótimo.

— Meninas, o Esteban chegou — Dom chama Amélie e Louise que


vêm me cumprimentar. De Louise sinto sinceridade, de Amélie ainda há uma
certa amargura.

— Olá, Esteban, boa noite.

— Boa noite, Amélie — falo educado.

— Esteban, quanto tempo! — Louise me abraça rapidamente, nos

tornamos mais amigos devido ao seu relacionamento com Bernard ter


evoluído também. Ela é uma mulher cheia de luz e hoje me compreende
melhor, mesmo que nunca mais tenhamos parado para conversar sobre o que
aconteceu após aquela ligação.

— Quanto tempo, Louise. Tudo bem? — Com ela sou mais receptivo,
até porque também sinto essa reciprocidade.

— Bem, agora que já estão todos aqui, posso servir o jantar? — Amélie
bate palmas, animada. Ela está lindíssima, não é mais ruiva, se tornou
morena, os cabelos escuros longos e ondulados a formoseando.

— Claro que pode, meu amor! — Dom a puxa pelo rosto com as duas
mãos e a beija.

— Eu vou te ajudar — afirma Louise. Elas saem gargalhando para


algum ponto da casa espaçosa e sofisticada, com paredes de vidro que nos
permitem ver a neve caindo lá fora.

— Ah, poxa... esqueci de trazer um presente, amigo — lamento.


— Não tem problema, isso não é importante — ele diz.

— É mentira, é claro que lembrei. — Sorrio, retirando a chave da sua

moto que ganhei na aposta meses atrás e oferecendo a ele.

— Está brincando comigo? — Fica impressionado, a moto tem um


valor sentimental enorme para ele. Ganhou do pai.

— É sério, ela está abandonada na minha garagem já faz tempo, e, na


verdade nunca deixou de ser sua.

— Esteban... eu vou aceitar o presente porque você sabe o valor que


tem para mim, mas estou muito triste pelos motivos que está me dando. —
Ele pega a chave.

— Triste? Motivos? — Faço-me de desentendido.

— Meu amigo... tem que sair dessa — Bernard quem me aconselha.

— Parem agora, ou vou embora. Eu estou ótimo — falo sério, os

fazendo suspirar e mudar de assunto.

— Temos uma notícia nada agradável — conta Dom. — Descobrimos


que as suas causas estão diminuindo por interferência de Pierre — dispara.

— O quê? — Fico chocado.

— Ele está impedindo os clientes que buscam por seus serviços


cheguem até você.
— Como?

— Indicando outros advogados — responde Bernard, até paraliso com

a notícia.

— Não é possível.

— Ele está ficando louco e insuportável. Agora é oficial, nós três

vamos desfazer a sociedade com ele, mas ainda precisaremos ter um pouco
mais de paciência para que essa transição seja bem-feita e não nos cause
danos grandiosos.

— Até porque, ele detém a maior parte da sociedade, manipula a


maioria dos contratos que compõem os nossos honorários.

— Vou ter que respirar fundo para encará-lo sem poder jogar mais
algumas verdades na sua cara. — Fico puto. — Não tenho nada a ver se a ex
dele explodiu na sociedade a sua orientação sexual! Que merda!

— Nunca pensei que Pierre desceria tanto o nível profissional, conheço


ótimos advogados gays, que são éticos, então uma coisa não tem nada a ver
com a outra — conta Bernard.

— Mas para ele tem — afirma Dom. — Conheço o Pierre, sempre foi
muito competitivo, se escondeu no armário por tantos anos pensando que ser
homossexual atrapalharia os seus interesses. Ele deve ser fodido de traumas,
mas não deveria misturar o pessoal com o profissional. Já é hora de dar um
basta, mas vou preparar tudo para que quando formos dar a notícia a ele, não
dê tempo de tentar qualquer besteira.

— Do jeito que ele está hoje, a pessoa em quem se transformou, não


tenho dúvidas de que realmente é capaz de tentar nos dar um prejuízo ainda
maior — reflito em voz alta.

— Venham comer, rapazes! E deixem para falar de trabalho depois! —

Amélie nos chama com a sua voz doce.

Os próximos minutos são um pouco torturadores, porque agora o ódio


pelo Pierre lateja em cada uma das minhas veias, porém tento parecer bem
por causa de Dom. Hoje é o seu dia. Mais um cafajeste que se rendeu ao
amor de uma mulher. Daqui a pouco será Bernard, enquanto eu... vou ficar
sozinho, como sempre deveria ter ficado.

A conversa na mesa está bem animada, descontraída, acompanhada de


gargalhadas, o único frio aqui sou eu, que até estico os lábios em alguns

momentos, forçando um sorriso, respondendo a perguntas dos meus amigos


que se esforçam para me incluir no diálogo e os respondo, mas nunca
pergunto nada.

— Ah, só quem está faltando aqui é Madeleine! — solta Louise, entre


risos, tomando mais do vinho, esquecendo que estou na mesa.

— Ela ainda vai me pagar por não ter vindo! Mas está muito ocupada
com o seu novo... — Dom aperta a mão da mulher sobre a mesa, lembrando-a
de mim. A voz de Amélie falha e os seus olhos encontram com os meus. —

Ah... nós temos um vinho melhor na adega, não temos amor? Esse aqui está
meio...

— Não precisa mudar de assunto, Amélie. — A encaro.

— Oi? — Se faz de desentendida.

— Não precisa parar de falar da sua melhor amiga só porque estou


aqui. Continue o que estava dizendo — a incentivo, sério.

— Esteban... — Dominique tenta intervir.

— Parece que quem não seguiu em frente foram vocês, eu estou muito
bem — minto, e não sei se estou sendo convincente. — Mas como querem
ultrapassar essa fase se evitam até comentar sobre Madeleine na minha
frente? — Jogo na cara deles, os deixando sem palavras. — Não estamos
mais juntos a meses e está tudo bem. Não sinto mais nada por ela. Por que

Amélie não pode falar sobre ela na minha presença?

O constrangimento agora é enorme. Amélie troca olhares com o marido


que assente, lhe permitindo falar.

— Eu estava dizendo que... — Amélie fixa em meus olhos, sem jeito,


desconfortável —, Madeleine está ótima lá em Madri, em um emprego
maravilhoso, numa clínica onde conseguiu entrar por mérito e agora tem...
uma nova paquera. — Abaixa a cabeça, como se estivesse noticiando que
alguém morreu. Talvez eu. Engulo em seco. — Ela me mandou até uma

foto...

— Posso ver? — A minha voz sai quase em exigência. Todos olham


para mim, surpresos.

— Esteban... — Amélie fica ainda mais desconfortável, sem palavras.

— É só uma foto, não pode me mostrar?

— Não, porque ela mandou para mim...

— Mas eu quero ver! — alteio a voz, assustando o grupo. Não estou


raciocinando direito.

Amélie então, meio que pressionada por mim, retira o aparelho do


bolso, desbloqueando devagar, forçada e me mostra a imagem de um cara
beijando a bochecha de Madeleine. Ela está sorrindo, feliz... um golpe fatal.

Respiro fundo. Busco autocontrole até da alma para poder me comportar.

— Que bom para ela. — Sorrio, fingindo, mas claramente todos ficam
mais calmos com a minha reação. — Viu, Amélie... não doeu, doeu? —
pergunto, ela ainda continua constrangida.

Dom puxa outro assunto e forço-me a resistir durante todo o jantar para
não demonstrar a minha raiva, ódio e decepção. Ela está com outro. Com
outro. Quando finalmente chega a hora de ir, aceno para o casal antes de
entrar no carro. Ao tomar uma distância suficiente, choro em silêncio.
Lágrimas rasgando a minha face.

Acelero feito um louco desvairado, percorrendo as ruas em alta


velocidade, por uma Paris noturna e cheia de neve. Lembro de tudo o que
vivemos, tudo o que tivemos, do fim e agora isso! Ela seguiu mesmo em
frente, se foi e o otário ficou aqui! Mas não haverá mais esse otário. Ele não

irá mais existir! Chega!

Sei para onde devo ir. Sigo para um clube de luxo, lugar em que
somente clientes de alto padrão podem frequentar, onde há as mulheres mais
gostosas e quentes de Paris. Escolho as que mais me agradam. Levo duas
para a cama e transo com elas feito um animal feroz.
MADELEINE FERNANDEZ

Uma mulher que vence um pouquinho mais a cada dia, é assim que me
sinto. É incrível como Deus foi bondoso comigo nos últimos meses e, em
menos de um ano, já conquistei muito do que almejava conquistar. Sinto que
é só o começo.

Se alguém me dissesse lá atrás, quando deixei Paris, que em Madri me

encontraria e teria uma paz que nunca tive antes para poder focar no meu
futuro e na minha carreira, provavelmente não acreditaria.

Saí da cidade luz abalada, machucada, desacreditada e insegura. Hoje,


sou o oposto de tudo isso. Aqui, aprendi a matar um demônio por dia. Com o
amor e receptividade da minha tia, descobri o que é sorrir e me sentir bem em
casa pela primeira vez.

A ideia da minha estadia ser passageira mudou radicalmente quando fiz


um seletivo para uma clínica de fisioterapia renomada e passei. Os dois
primeiros meses foram de testes para ver se eu pegava o ritmo do lugar e não

só peguei, como superei as expectativas, chamando a atenção da


coordenadora da minha ala, a doutora Andressa, como também do doutor-
chefe e dono da clínica, o senhor Delmar, que além de ter uma das melhores
clínicas especializada em todas as áreas da nossa profissão, é um grande

empresário em outros ramos.

Fico na área traumato-ortopédica, a que sempre desejei e na qual


também já estou me especializando. Ganhei uma sala para atendimento, onde
faço procedimentos com total liberdade e segurança com os pacientes. É o
meu espaço da felicidade, onde me realizo diariamente.

Termino de atender um paciente que sai contente, caminhando devagar


com as suas muletas para fora do consultório. Volto para a minha mesa,
começando a fazer algumas anotações quando o meu celular chama. É o Tim,

querendo falar comigo.

— Madeleine! — ele exclama, quando me vê pela câmera assim que


atendo a ligação.

— Oi, Tim, tudo bem?! — Ele está ao lado de mamãe, que me olha
toda sem jeito. É sempre assim quando ela tem que fazer a vídeo-chamada
para mim no lugar de papai.
— Tudo bem, hoje eu pintei você outra vez, veja! — Ele mostra o
desenho no caderno, o meu rosto cercado de borboletinhas azuis.

— Lindo, maravilhoso, vou querer todos. — Sorrio, mamãe continua


calada, deixando-nos conversar.

— Já sabe quando vai voltar? — O garoto está curioso, acho que ele
sente saudade, só não declara.

— Ainda não, porque estou cheia de trabalho, provavelmente vai


demorar um pouco mais, porém, vamos mantendo contato por aqui como
estamos fazendo durante todo esse tempo, assim eu não morro de saudade! —
A minha mãe sorrir com as minhas palavras, um sorriso singelo.

— Tudo seu é morrer? — Tim entorta as sobrancelhas, é engraçado.

— É modo de falar, querido! Eu te amo!

— Já sei... — Ele revira os olhos e suspira, como se tivesse cansado de

ouvir. — Agora vou para o meu quarto. Tchaaau!

— Tchau. — O vejo sumir da câmera, só sobra mamãe.

— Oi, filha — diz, sem jeito. Parece que ela não sabe agir comigo.
Nesse tempo em que estivemos distantes, nunca mais fez qualquer deboche
ou disse palavras ruins. Sempre tenta puxar assunto, mas não sabe como. Não
sabe demonstrar sentimentos, é mais fria que o Timothée.

— Oi, mãe — a respondo. Tento dar alguma chance a ela, afinal é a


minha mãe.

— Está na clínica?

— Sim, acabei de atender um paciente — olho o relógio de pulso —,


daqui a pouco vou embora.

— Sei que não vai acreditar, mas... estou feliz por você estar

conseguindo realizar os seus sonhos. — Sinto sinceridade, o que sempre foi


difícil de sentir quando partia dela.

— Se a senhora diz... eu acredito. Por que não acreditaria? — Dou de


ombros, ela abaixa a cabeça. Respira fundo e depois fala mais.

— Vai do trabalho direto para a casa da sua tia?

— Sim, por quê? Quer saber se vou parar em algum lugar imoral no
meio do caminho? — alfineto, às vezes não consigo me controlar e ajo com
ela, como agia comigo.

— Não... — Balança a cabeça. — Só queria saber um pouco mais do


seu... dia a dia.

Os meus olhos ardem, ela quer saber da minha vida, quer se importar.
Seguro as lágrimas, suspiro e balanço as pernas. É incrível que, mesmo não
querendo mais me importar com a sua opinião ao meu respeito, ainda me
importo e no fundo, bem lá no fundo, quase achando petróleo, gosto quando
demonstra algum tipo de sentimento por mim.
— Depois que sair daqui eu vou... para a psicóloga. Hoje é dia do
grupo de apoio das vítimas de gordofobia. Encontrar com as meninas duas

vezes por mês está me fazendo enxergar a mulher linda que eu sou e que o
meu corpo não é e nunca foi um problema. As pessoas preconceituosas é que
são.

Ela abaixa a cabeça, chorando em silêncio.

— Que bom... — A sua voz sai quebrada. — Espero que..., esse grupo
e a psicóloga... consiga consertar o estrago que fiz em você — declara,
confessando a sua grave influência nos meus problemas.

É um golpe fundo e sentimental.

— A senhora devia procurar ajuda também, mãe. A senhora precisa.


Todo mundo precisa de terapia.

— Eu vou... — Funga, enxugando os olhos. — Porque quero me tornar


uma pessoa melhor e assim... tentar conseguir o seu perdão.

— Mãe... para, por favor.

— A distância me fez perceber... o quanto você faz falta, filha...

— Mãe, preciso desligar. Tchau, manda beijo para o meu pai. —


Desligo, fugindo, buscando ar. Vou ao banheiro para me recuperar, lavando o
rosto na pia. Quando saio, dou de cara com o doutor Delmar, me esperando.
É um homem de cabelos grisalhos na casa dos sessenta anos.
— Doutor Delmar? Que surpresa! — Sorrio, temendo que ele perceba a
minha cara de choro. Está de jaleco assim como eu.

— Estava chorando, Madeleine? — Franze o cenho, não tenho como


mentir.

— Aah... sim, estava. Problemas familiares, mas não se preocupe, está


tudo bem. Ultimamente ando mais emocional do que o comum.

— Ah, sim, achei que era por causa do Jaime, todos aqui sabem que ele
é louco por você.

— O Jaime? — Sorrio amarelo. Como o meu chefe sabe disso? — Ah,


não... nós não temos nada, somos só amigos. Além disso, prometi a mim
mesma nunca mais chorar por homem algum, então... se o senhor me ver
chorando, não será por causa do sexo oposto.

— Muito bem. Gostei de ouvir isso. Eu vim aqui parabenizá-la pelo


atendimento da senhora Rimena, ela e a família são clientes antigos da nossa

clínica e o seu nome foi elogiado.

— Sério? — Fico muito feliz.

— Seríssimo. Continue assim que vai muito bem. Em poucos meses


você está fazendo o que muitas aqui não fizeram em anos, e isso é bom.
Muito bom.

— Ah, obrigada, doutor. Ouvir isso do senhor é muito... importante


para mim. De verdade.

— Certo... agora já vou indo. Não chore mais, okay? Te proíbo de

chorar na clínica inteira. — Acaricia o meu rosto, um toque fraternal.

No fim do dia, quando o plantão termina, saio da sala, encontrando


Jaime que também sai da sua. Ele é um homem alto, gordinho feito eu e de
muito bom humor. Inteligentíssimo e que flerta comigo sempre que tem

oportunidade, elevando a minha autoestima sem saber.

— Boa noite, linda, pode me dar uma carona hoje de novo? — Sorri, o
seu sorriso é belo. Passamos a caminhar lado a lado.

— Quando o seu carro vai sair da oficina? — Fico desconfiada, porque


há três dias que eu levo ele para casa e nada do carro dele ser consertado.

— Amanhã, eu juro, e então não terá mais dor de cabeça comigo.

— Não tenho dor de cabeça contigo, gosto da sua companhia.

— Mas só como amigo, não é? — imita a minha voz, revirando os


olhos, me fazendo gargalhar.

— Sim. E é somente isso que pode ter de mim, amizade — falo mansa,
delicada para não o magoar.

— Que droga... você poderia me dar pelo menos uma chance — finge
lamentar. É engraçado
— Jaime, Jaime... vamos parar — digo, mas gosto da brincadeira, de
certa forma a amizade dele me faz bem. Porém, sempre corto as suas asinhas

quando se abrem demais.

Descemos pelo elevador até o estacionamento, entramos no carro da


minha tia que ela me fornece para poder trabalhar e saímos do prédio. No
caminho, conversamos sobre as aventuras do dia, gargalhamos muito e Jaime

sempre me deixa mais leve. Entretanto, toda vez que ele fala sobre as suas
segundas intenções, lembro de Esteban. Ainda não consegui esquecê-lo.
Acho que nunca conseguirei.

Assim que paramos em frente ao prédio de Jaime, novamente recebo a


sua investida:

— Hoje vai ter beijo de despedida? — Sorri saliente, mas ao mesmo


tempo fofo. Ele é bonito, cabelos pretos penteados para o lado.

— Ontem você já me roubou um enquanto eu tirava uma selfie para a

minha amiga — recordo.

— Ah, mas aquele foi na bochecha! Estamos precisando evoluir a


nossa relação e beijar na boca, Mad.

— Relação? Somos só amigos, lembra?

— Poderíamos ser amigos coloridos, não teria problema algum. Sem


compromisso sério... — sugere, me fazendo pensar. — Só um beijinho, Mad
— aproxima o rosto, está cheiroso.

— Jaime... — tento negar, mas no fim permito que me beije. O toque é

lento, suave. Mas quando afasto o rosto, vejo Esteban na minha frente, os
olhos azuis magníficos, o sorriso cafajeste, a barba loira aparada
emoldurando o queixo másculo, atraente.

— Mad? — A voz de Jaime me faz despertar da imagem de Esteban e

voltar para realidade. É o fisioterapeuta que está diante de mim.

— Eu preciso ir, Jaime. Boa noite — me despeço.

— Desculpa se...

— Está tudo bem. Mas preciso ir mesmo, estou atrasada para um


compromisso que não posso faltar.

— Tudo bem. — Ele sai do carro desanimado. Que droga.


MADELEINE FERNANDEZ

Tento não focar nisso e ajusto o cinto de segurança, me sentindo


apertada. Ganhei alguns quilos nos últimos meses, tive que comprar algumas
roupas maiores e outras ainda estão apertadas. Chego ao consultório da
minha psicóloga atrasada, como sempre, com frio, pois a temperatura está
baixíssima lá fora, a neve caindo. Me junto a roda de mulheres gordas e
lindas, todas minhas amigas agora.

— Hoje, eu finalmente tive coragem e falei a verdade na cara da minha


tia — afirma uma, que está de pé, é a sua vez de falar. — Vocês não
acreditam, mas estávamos no aniversário da minha prima e ela teve a audácia
de chamar a minha atenção na frente de todo mundo, dizendo para eu não
comer brigadeiro, senão iria explodir.

Todas ficamos horrorizadas com o depoimento. O burburinho de raiva


e pavor dessa tal tia é de matar. Estamos sentadas em cadeiras, são cerca de
dez mulheres.

— Pois é, mas dessa vez não abaixei a cabeça e não fui me esconder e
chorar, muito pelo contrário! Eu disse que o que poderia explodir mesmo era
o preconceito dela que era enorme e que poderia levá-la algum dia para a
prisão. Que eu não aceitaria mais esse tipo de brincadeira, porque nunca falei

dela e a sua obsessão por emagrecer!

— É isso aí garota!!! — comemora uma das nossas amigas. Nós


batemos palmas.

— Disse que estava de bem com o meu corpo, que me amava e que o
filho dela, o meu primo, não parava de correr atrás de mim, porque sou uma
gordinha gostosa!!!

— UUUHUUU!! — Todas ficam eufóricas com esse discurso e as


palmas só aumentam. Agora é a vez de outra:

— Na semana passada vivi uma situação terrível com a minha filha,


gente. Ela, como vocês sabem, tem apenas dez anos e também é gordinha, é
de família, todos somos assim. Nós fomos comprar uma bicicleta para o seu
irmão, escolhemos uma, mas o vendedor, achando que era para a minha filha,
disse que não serviria porque ela era gorda.

— Que filho da puta! — exclama uma, as outras mulheres xingam


também.

— Ah, não me controlei, na verdade, eu surtei e disse várias coisas para

ele, até que chamei a atenção do gerente da loja. O vendedor foi repreendido
e teve que nos pedir desculpas.

Todas batemos palmas.

— E o que disse para a sua filha depois? — pergunta a psicóloga.

— Ah, eu disse para ela jamais abaixar a cabeça, porque sei que vai
enfrentar situações horríveis como eu enfrentei e nem sempre estarei lá para
protegê-la.

Ela é aplaudida novamente e agora é a vez de outra colega falar:

— O pior, é que as pessoas acham que eu sou gorda por opção, sabe.
Elas acham que gordo não emagrece porque não quer, porque é fácil, quando
na verdade, vocês sabem que tenho compulsão alimentar e já estou em

tratamento multidisciplinar para conseguir superar isso. É um problema sério,


e a galera não enten... — A sua voz falha, ela começa a chorar.

Todo mundo fica compadecido, outras meninas choram, até eu.

— Chora meu amor, põe para fora — diz a nossa psicóloga, que é
maravilhosa. — É para isso que estamos aqui, para expor os nossos
sentimentos e buscarmos força umas nas outras. Todas aqui temos histórias
fortes, sabemos que a gordofobia é um problema real e não uma brincadeira.
Aos poucos, todas estamos evoluindo para enfrentar os problemas da vida,
porque sabemos que a nossa condição física não é um problema, é mais uma

como todas as outras. Assim como os magros são magros, nós gordas somos
gordas e está tudo bem. E o mundo precisa entender isso!

“Algumas engordam porque têm problemas de ansiedade, outras por


estresse pós-traumático e outras por questões genéticas mesmo. É muito fácil

para alguém que é magro apontar o dedo para nós e nos julgar, achando que
não emagrecemos por preguiça. Mas não precisamos emagrecer se não
quisermos, porque ser gordo é normal. O que não é normal é ser obeso,
porque obesidade é uma doença séria que deve ser tratada. Ser gordo não é
sinônimo de doença e nem de algo feio.

A cultura do nosso país e do mundo nos ensina que devemos seguir um


padrão de beleza e assim afeta milhares de mulheres por dia ao ponto de se
odiarem quando se olham no espelho, quando na verdade não deveria existir

essa coisa de padrão. O verdadeiro padrão deve ser aquele que te faz bem,
seja magra, gorda, pequena ou alta. Assim como existem gordinhas que
querem ser magras, existem magras que querem ser mais cheinhas e gordas
que preferem continuar assim, porque se amam e está tudo bem! ”

Batemos palmas para ela, nos orgulhando de suas palavras.

— Ser gordo é normal, também é bonito, desde que tenhamos saúde e


pronto! Isso deve ser normalizado e não o preconceito, o ódio pelo próprio

corpo por não estar nos padrões, a obesidade ou qualquer outro problema que

leva a engordar de forma que faz mal. Essas coisas sim devem ser
combatidas! — A mulher respira fundo. — Alguém mais quer falar?
Madeleine, você que chegou por último querida, desabafe um pouco — me
chama, eu sorrio e me levanto.

— Bem, gente, como vocês podem perceber, eu ganhei alguns


quilinhos a mais, porém não estou incomodada com isso. Pela primeira vez
não me sinto incomodada e isso... ufa! É um alívio. — Sorrio de orelha a
orelha, desabafando. — A minha saúde está perfeita, na verdade... nunca tive
nenhum problema, graças a Deus. Aos poucos estou perdendo o medo de usar
roupas um pouco mais ousadas ou mais confortáveis. Estou indo nas lojas
que vocês indicaram. — Todas riem, olhando-me com orgulho.

“Acho que um fator importante também é o respeito que estou tendo

em casa e no trabalho, coisa que antes não acontecia em Paris. Tenho a


admiração de algumas pessoas na clínica e o amor da minha tia quando chego
em casa. Tudo está bem diferente. Um diferente bom, sabe? Hoje... — tomo
coragem para falar —, a minha mãe finalmente confessou que contribuiu para
os meus traumas sobre o meu corpo e, ela... pela primeira vez — choro —,
demonstrou algum tipo de sentimento. E... mesmo não querendo reconhecer,
gostei disso.
“Não sei se um dia poderemos ser mãe e filha com um relacionamento
normal, mas... o que aconteceu hoje foi legal. Quanto àquele cara que me

paquera, hoje ele enfim conseguiu me roubar um beijo — conto, todas


sorriem, encantadas —, mas não vai rolar nada. Primeiro porque não estou
focando nisso agora... penso mais na minha carreira. Segundo porquê... não
consegui superar o Esteban.

Sempre que lembro do que me fez deixá-lo, também recordo de todos


os momentos bons, românticos e encantadores que tivemos. Tenho a
sensação de que jamais outro homem fará igual. Ainda estou sem saber
notícias dele por opção, porque proibi as minhas amigas de Paris de me
atualizarem sobre qualquer coisa relacionada a ele. Eu precisava focar no
meu futuro e tinha medo de me tornar aquela garota idiota que ficava
suspirando pelos cantos por causa de um amor que era mais meu do que dele.

Mas a verdade, é que essa garota ainda está aqui. — Ponho a mão sobre

o peito esquerdo. — Ela renasce todas as noites antes de dormir e vai embora
pela manhã, quando acordo para ir trabalhar. Sinto saudades, mas também
sinto rancor. — Respiro fundo, fazendo uma pausa. — É isso. Obrigada.
Adoro estar aqui. Adoro vocês. ”

Todas me aplaudem. No fim, a psicóloga faz o ritual de sempre, nós


trocamos abraços apertados, que dão alento e amizade. Damos as mãos e o
nosso grito de guerra em coro:
— SOMOS LINDAS, GOSTOSAS E MARAVILHOSAAAAS!

Saio de lá revigorada, me sentindo muito melhor, menos

sobrecarregada. Ao chegar em casa, encontro a minha tia com um jantar


maravilhoso na mesa à minha espera.

— Boa noite, querida, como foi no trabalho? — pergunta a mulher que


é alta como o meu pai, quase idêntica a ele, porém usa óculos. Ela é

jornalista, mas adora cozinhar como o senhor Nicollas e agradeço isso todos
os dias quando chego em casa.

— Cansativo, mas maravilhoso como sempre — bocejo, cansada.

— Foi no grupo das gordinhas lindas hoje? — Ela não esquece as


datas, foi sua indicação.

— Fui e novamente amei — conto, deixando a bolsa sobre a mesa.

— E no jornal, como foi?

— Estressante, cozinhei para ver se passava o estresse daquela vaca da


minha chefe! Cometi um erro no texto e ela disse que é porque estou ficando
velha. Falei a ela que velha é a mãe dela.

— Falou? — Fico chocada.

— Falei, não tenho medo de ser demitida. Ela ficou murcha, quero ver
fazer de novo e, ai dela se me demitir — conta, servindo o próprio prato.
Gargalho bastante, ela me acompanha, então rimos juntas. — Agora venha
comer, deixe o banho para depois que estou morrendo de fome.

— Vamos! — Bato palmas, contente.

Jantamos e conversamos bastante. Sempre nos demos muito bem e ela


se tornou a mãe que não tive. O tempo passa, vamos dormir, mas acabo
acordando na madrugada toda molhada entre as pernas e com uma dor
terrível na barriga. Mudo de posição para tentar afagá-la, porém só aumenta.

— Aaah... — gemo, o meu quadril todo dói, estou suando mesmo no


ar-condicionado. — Levanto e tomo banho sentindo dores, tentando entender
como fiquei molhada desse jeito e que contrações estranhas são essas que
nunca senti antes.

Troco de roupa e tento dormir outra vez. Passa uma hora... duas... e a
coisa fica tão ruim que me obrigo a pedir ajuda da minha tia. Ela me senta no
sofá, traz um copo d’água e um comprimido, entretanto, derrubo o copo ao
sentir uma contração bem forte que me joga no assento deitada. Grito alto.

— Madeleine, você está me assustando! — exclama, de olhos


esbugalhados.

— Ai tia, está doendo... doendo muito! — gemo forte, as costas doem


também, parece que algo está me rasgando ao meio e vou morrer.

— Meu Deus, temos que ir ao hospital então... venha, vamos trocar de


roupa! — Tenta me puxar, mas não consigo nem me mexer.
— OOOH!! — berro, levando as mãos para a barriga. — Não dá! A dor
é... insuportável! — afirmo em sufoco.

Tia Lea fica louca, se tremendo inteira, sem saber o que fazer.

— Então vou chamar a ambulância, isso não é normal e não consigo


entender do que se trata! — Ela vai até uma mesinha e começa a ligar do
telefone fixo. — Alô? É...

— TIAAA.... — agonizo, me contorcendo, ela larga o telefone e corre


até mim, desesperada, se ajoelhando ao meu lado.

— Minha sobrinha, pelo amor de Deus!!! — Chora.

— Parece que tem algo que quer sair de dentro... de mim. — Sinto a
pressão sobre a minha vagina.

Minha tia resfolega, pensando.

— Não pode ser... — murmura, erguendo a minha camisola e puxando

a minha calcinha. Nem consigo contestar. Ela observa abismada o centro das
minhas pernas.

— O que... foi? — Tento entender, estou apavorada, sei que vou


morrer.

— Madeleine... você está em trabalho de parto!! — afirma, sem chão.

— O quê...? AAAAI! — A dor é dilacerante.


— Como ficou grávida e não me contou?!!

— Eu não sei... — Choro desesperada, tentando respirar, sentindo

coisas que nunca senti antes.

— Calma... calma — A dona Lea respira fundo, amarrando o cabelo


em um coque, nervosa ao extremo. Não vejo possibilidades de sairmos bem
dessa situação. Escutamos uma voz baixinha saindo do telefone, ela põe no

alto-falante e a voz de um homem ecoa pelo ambiente.

— Alô, no que posso ajudar?

— Moço, a minha sobrinha! Ela está em trabalho de parto, por favor


precisamos de ajuda, a criança já está nascendo, não teremos tempo de chegar
ao hospital! — diz, desesperada.

— Não... não... me leva para o hospital, tia! — imploro em prantos,


vermelha, suada, dolorida, sofrendo.

— Não dá!! A criança já está nascendo! Estou vendo a cabecinha, a sua


vagina está muito dilatada!

— Primeiro, peço que fique calma, senhora. Me diga o seu endereço —


pede, a minha tia dá. — Certo, agora escute: eu sou paramédico e vou
precisar que me ouça com atenção e siga as minhas instruções.

— AAAAII! — grito.

— Diga rápido! — Lea implora.


— Onde e como a sua sobrinha está?

— Deitada no sofá de pernas abertas.

— Tudo bem, preciso que fique entre as coxas dela e use uma toalha
para amparar o bebê quando ele sair.

— Uma toalha? Certo, vou buscar! — Titia corre pela casa feito uma

maluca e retorna com uma toalha branca felpuda. Ela se posiciona na minha
frente como lhe foi instruído.

— Peça para a sua sobrinha respirar fundo e fazer força. Nós já estamos
a caminho, caso o bebê nasça antes de chegarmos, ampare-o com a toalha e
deite-o no colo dela. Não corte o cordão umbilical. Entendeu? — indaga o
homem.

— Entendi, entendi! — Ela parece que está mentindo, seu semblante


preocupado me preocupa mais ainda. — Mas não desliga o telefone, moço,
pelo amor de Deus!

— Não desligarei, não se preocupe. Estou aqui.

— Okay, Madeleine, preciso que respire fundo e coloque força. — Tia


Lea tenta me incentivar.

— Eu não vou conseguir... — Fico mais desesperada e grito outra vez.

— Tem que conseguir! Vai conseguir! Respira... — A obedeço,


fechando os olhos. — Agora vai! Empurra! — ordena, sigo-a e é então que
sinto a minha alma sair do corpo. Horrível... terrível e não tem saída! Fico me
esgoelando de dor, as veias do pescoço parecem que vão se romper. — O

bebê está saindo, está saindo! Só mais um pouco e já dá para puxá-lo!

— Não o puxe, apenas o ampare! Ele vai sair sozinho! — corrige o


paramédico. — Limpe o rostinho dele quando estiver totalmente fora, deu
para compreender?

Respiro fundo, sem entender nada do que está acontecendo, não dá


tempo nem para buscar uma lógica de tudo isso. GRÁVIDA?? COMO
ASSIM GRÁVIDA??

— Mais uma vez, vai! — pede dona Lea, me preparo, as lágrimas


banhando o meu rosto. É agora ou nunca.

— AAAAAAAH!! — berro, usando todas as minhas forças, sentindo a


criança sair de dentro de mim e parar nos braços da minha tia. O choro dela
rasgando o ar, a coisa mais linda que já vi na minha vida.

Meu Deus.

Não consigo parar de olhar, é muita informação ao mesmo tempo, mas


não consigo parar de olhar. Titia chora junto com a coisinha pequenina, fofa,
embrulhando-a na toalha, limpando a sua face e a entrega em meu colo, nós
duas estamos muito emocionadas. Não sei descrever tudo o que estou
sentindo, acabei de dar à luz e o resultado está aqui em meus braços.
Em meio ao desespero... sinto um amor mais forte que tudo.

— É uma menina... uma menina linda, Madeleine.


ESTEBAN JAVIER

Fugir do mundo. Foi o que fiz... novamente! Assim como deixei Madri
quando tudo se tornou um caos, também abandonei Paris após descobrir que
Madeleine havia seguido a vida dela, e após saber que Pierre estava
boicotando o meu trabalho. Foi quando me senti no escuro na cidade luz. Que
ironia.

Fui embora sem rumo, buscando pelo homem que eu era antes dela.
Precisava voltar a ser frio e calculista, ainda menos bonzinho, fechado para o
amor, querendo apenas sexo e nada mais. Consegui. Viajei pelo mundo,
conheci e revisitei vários países, fodi tantas bocetas que perdi as contas, mas
ainda me sinto insatisfeito.

Exílio. Me isolei de todos, cortei qualquer contato com Paris, com os


clientes, com os amigos, até os íntimos. Não permiti que, absolutamente
ninguém soubesse algo ao meu respeito durante esses meses, assim como não
quis ficar atualizado da vida alheia. Deixei apenas um recado no escritório

para que Dominique e Bernard não achassem que eu havia morrido.

Incomunicável. Joguei o celular fora, o notebook, tudo. Precisava fazer


uma limpeza interna de verdade, uma limpeza mental. Saí gastando dinheiro
de um lugar para o outro, vivendo como um playboy, vagabundo, mochileiro,

viajante da terra. Apenas continuei dando notícias para Mateo, para que
mamãe não ficasse preocupada demais.

Não gosto de deixá-la preocupada, mas mal sabe ela e Mateo que tudo
o que disse era mentira. Falei ao meu irmão que estava tudo bem e que ainda
estava trabalhando no escritório em Paris, que tudo estava evoluindo e
solidificando.

Hoje voltei a Paris em segredo, pois estou apenas de passagem. Ainda


não estou preparado para falar com ninguém, ver todos felizes, seguindo a

vida e eu na merda. Pode parecer infantil da minha parte, mas temo


novamente me sentir frágil e vulnerável perto dos meus antigos sócios e de
suas mulheres, como naquele jantar de casamento do Dominique e Amélie.

Depois daquele dia, nunca mais os vi, acordei na manhã seguinte,


deixei o recado e parti para a Índia, depois Brasil... Portugal... Austrália...
Bélgica e muitos outros lugares. Sem roteiro, sem lógica, apenas fui deixando
a sorte escolher por mim e me guiar, ou talvez o azar, não tenho certeza.

Viajar se tornou a minha mais nova válvula de escape, além do sexo e

solidão. Agora estou em uma boate de luxo, é o primeiro lugar que decidi vir
depois da minha chegada. Sentado no bar, tomando o meu drink, ouço uma
voz conhecida ao meu lado, pedindo um Dry Martini, momento em que dou
de cara com Camille. Ela está linda e sensual como nunca antes.

— Esteban? — Fica chocada ao me ver. — Meu Deus!

— Oi Camille — cumprimento, trocamos beijinhos no rosto, ela senta


na banqueta ao meu lado. Seu perfume está de matar. Perfeito.

— Por onde andou? Ouvi dizer que estava desaparecido, ninguém te


encontrava, que havia deixado um recado afirmando que precisava sumir por
uns tempos.

— Exatamente isso. — Sorrio, confiante. — E gostaria de continuar


assim, senão se importa — peço.

— Ah... — fica sem palavras —, não se preocupe, não vou contar a


ninguém que te vi aqui; obrigada — agradece ao barman que serve a sua
taça. — Até porque, já não tenho mais contato com o pessoal do escritório.
Depois que me separei do Pierre, fugi de qualquer informação sobre ele e os
amigos, porém sempre lembrei de você.

— Por quê? — Ergo uma sobrancelha.


— Porque até hoje me sinto culpada por ter estragado o seu

relacionamento. Percebi naquele dia o quanto gostava daquela moça.

— Sinceramente, eu me arrependo de tê-la recebido em minha casa,


isso afetou o meu relacionamento, tanto com a namorada, quanto com Pierre,
mas já passou. Acabou, também não quero mais lembrar disso. — Sou

sincero, meio grosso.

Ela abaixa a cabeça e suspira, afetada.

— Ele não está mais no escritório, sabia? O Pierre. Dominique e


Bernard conseguiram desfazer a sociedade e dispensá-lo. Ele se prejudicou
muito, em vários sentidos.

— Não sabia, mas acho bem feito. Isso é que dá não valorizar os
amigos. Porém, também não me interessa.

A mulher ergue as sobrancelhas, chocada com a minha hostilidade,


mesmo assim, continua tentando conversar comigo:

— Por que voltou? Posso saber?

— Precisava pegar algumas coisas em casa para poder continuar


viajando. — Bebo um pouco do meu drink.

— Qual será o seu novo destino?


— Ainda não sei, até amanhã pretendo descobrir.

Ela sorri, surpresa ou assustada.

— Você está bem diferente, Esteban. Continua lindo..., mas diferente.


— Me lança o seu olhar de interesse.

— Mudança as vezes são necessárias. — Retiro a atenção dela, focando

em outro ponto.

— Gostaria de...?

— Não. — Sou seco na resposta, a desconcertando. De soslaio, percebo


que se levanta e vai embora sem dizer adeus. Melhor assim.

Viro a taça e peço mais uísque até começar a sentir o álcool nas veias,
dominando o corpo. Sigo para a pista de dança, à caça, preciso de sexo
quente, ardente, bruto! Encontro duas gostosas que me recebem e começam a
dançar comigo. Elas ingerem balas e colocam uma na minha boca. Não gosto

de nenhum tipo de entorpecente, mas dessa vez, aceito.

Começamos a dançar juntos, a nos envolver e alucinar. A música


eletrônica francesa ribomba em nossos ouvidos, e em um momento é como se
as nossas almas flutuassem de nossos corpos, brilhando o mundo ao nosso
redor. As bocas se encontram, os três juntos enroscando as línguas, sentindo
o gosto do beijo, a união dos lábios, a lascívia aflorando quente, extasiante.

Aperto a bunda das duas ao mesmo tempo, grudando-as em mim e


sentindo as mãos em meu pau. A boate está escura, os milhares de lasers
faíscam ao nosso redor, nos dando a privacidade necessária para essa putaria.

Porém, tenho uma sensação estranha e desvio o rosto, avistando o meu irmão
Alejandro parado no bar, a alguns metros, me observando em choque.

O que ele está fazendo aqui?

Comento no ouvido das garotas que vou ter que partir, elas tentam me

impedir, mas não permito, afastando-me. Por que estou indo embora? A
resposta é clara, é porque não quero vê-lo, não quero ter contato com ele,
estou nervoso só de pensar nisso. Fujo, sentindo que estou sendo seguido.
Confirmo isso, quando fora da boate, Alejandro me puxa pelo ombro,
fazendo-me parar.

Viro-me em sua direção com brutalidade, desvencilhando-me do seu


toque. Não quero que me toque!

— O que você quer?! — rosno. Ele me observa indagador, parece estar

com várias dúvidas. — Como me achou aqui? Por acaso anda me seguindo?

Alejandro afirma em linguagem de sinais espanhola que não tem tempo


para me seguir e pergunta quando eu retornarei para casa. Debocho, tratando-
o da forma que sempre o tratei, dentro da minha zona de conforto que grita
que ele é meu inimigo:

— Isso é sério? Está querendo dizer que foi uma coincidência? — Não
vou acreditar nesse papinho. Não sei o que pretende, mas coisa boa não deve
ser. Nós dois estamos com trinta e oito anos agora.

Alejandro assente, confirmando que foi sim uma coincidência,


perguntando por onde andei todo esse tempo desde que saí de Madri,
afirmando que os nossos pais estão preocupados. Tudo em gestos.

— Não me venha com este papo de merda, mudinho. Acha que acredito

em você? Deve estar adorando comandar o império da família sem eu para


atrapalhar — disparo, cheio de ódio, cuspindo as palavras. Tê-lo perto de
mim é ressuscitar o velho rancor e amargura. Não consigo controlar.

Alejandro ignora o meu ódio e pergunta o que estou fazendo da vida,


como que se preocupasse de verdade.

— Vivendo, sem papai para me controlar ou subestimar, e sem você


para odiar. Esquecendo da Espanha, de Madri, de tudo aquilo que prezei por
tanto tempo e que no final, não valeu de absolutamente nada. Cansei de ser...

preterido por minha família que prefere enaltecer um sobrinho ao filho


legítimo.

Ele argumenta que fomos criados como irmãos.

— Mas nunca o considerei como um, e nunca irei considerar, Alejandro


— afirmo, com os piores sentimentos da face da Terra. Outra vez
descontando nele não só o nosso passado, como tudo o que venho vivendo
nos últimos tempos.

“Nunca fui seu inimigo. Vamos deixar as nossas diferenças de lado.

Volte para casa”

Afirma em sinais.

— Minha casa agora é o mundo, e acredite, é muito melhor. Esqueçam-

me.

Entro no meu carro e saio disparado pela cidade em uma confusão de


emoções malignas, árduas e sofridas. É primavera agora e isso me faz
recordar outra vez de Madeleine, porque na primavera passada a conheci. Saí
de Paris no frio e retornei agora com esse clima agradável, mas que
novamente me faz mal.

Pior agora com esse encontro repentino com o meu irmão, o que mais
odeio ou quero odiar, não sei. Não sei mais de nada, exceto que devo retornar
para o mundo e tentar fugir desses demônios malditos que ainda me

perseguem. Ao amanhecer, sigo com a minha mala para o aeroporto, viajando


agora para o continente africano.

Fico por lá o resto da estação inteira, e no início do verão parto para o


Antártida.
MADELEINE FERNANDEZ

Esperanza ri no berço, se contorcendo toda enquanto brinco com ela.

— Quem é o meu amor? Quem é o meu amor? — pergunto, sorrindo de


orelha a orelha. A bebê de seis meses e meio gargalha, feliz da vida. Para a
sua idade, ela já tem bastante cabelo, são várias mechas douradas, lisas, e
olhos azuis tão intensos quanto os do pai. Na verdade, ela puxou apenas ao

pai, é incrível a semelhança. — Sim, você é o meu amor. É o amor da


mamãe!

— Ela ama quando você chega do trabalho, Madeleine — comenta tia


Lea, ao meu lado, observando a garotinha estender os braços, pedindo o meu
colo. — Olha, ela quer ir para os seus braços! Quer ir para a mamãe, quer?

— Ai, tia, deixa eu ir correndo tomar um banho logo para poder pegá-
la, não aguento de tanta saudade!! — digo, passando a tirar a roupa e
pegando a toalha. — Fico o dia inteiro naquela clínica pensando na minha
Esperanza.

— E ela fica o dia inteiro aqui comigo pensando em você.

— Tia, tem certeza que não está sendo pesado demais para a senhora?
Ainda podemos pensar na questão de termos uma babá. — Entro no banheiro.
Estamos em meu quarto, que adaptei para mim e para a bebê, crescendo o

espaço, melhorando. Tudo com o dinheiro do meu salário.

— Será que você vai me fazer a mesma pergunta todos os dias,


Madeleine? Já disse que essa está sendo a melhor aposentadoria que eu
poderia querer — diz, animada, pois assim que tive a menina, ela deu entrada
na sua aposentadoria para poder me ajudar a cuidar dela. Graças a Deus deu
tudo certo. — E babá custa caro aqui em Madri, qualquer coisa também
temos a vizinha que é louca pela Esperanza.

— Papai e mamãe ligaram hoje?

— Principalmente a sua mãe. Tive que dar um basta, ela quer ver a
menina durante o dia todo, não tem condições!

Gargalho, a dona Martina está apaixonadíssima por sua netinha, assim


como papai. Tim também pergunta por ela. Foi tão difícil quando tive que
contar a eles sobre a minha gravidez silenciosa. Imagine só, descobrir que
estava grávida na hora do parto, mas depois que fui levada ao hospital,
descobri que isso era mais comum do que se imaginava.

Não senti praticamente nada do que uma gestação comum faz a mulher

sentir, exceto pelo pouco aumento de peso. Não desconfiei da minha barriga,
porque sempre fui gordinha e confundi alguns sangramentos comuns da
gravidez com a menstruação. O meu ciclo menstrual sempre foi bagunçado,
por isso não desconfiei.

Quando Esperanza nasceu, foi o verdadeiro caos, demorei a contar para


a minha família, eles vieram aqui conferir a existência da menina e a pergunta
que não queria calar: quem era o pai?

Termino de tomar banho, ponho uma roupa confortável para dormir,


deito na cama com Esperanza que está usando um macacãozinho rosa com
orelhinhas de urso. Deixo-a numa posição confortável para poder mamar. Tia
Lea deita ao nosso lado, nos observando com amor. Ela nunca teve filhos,
sempre foi uma mulher avançada, moderna, mas está adorando a experiência

de cuidar de uma bebê.

— E então? Ainda nenhuma notícia do pai dela? — pergunta, séria.


Balanço a cabeça em negativa.

— Ainda nada tia. Esteban continua sumido, ninguém em Paris sabe


dele. Todos estão atentos, mas não há notícias... — afirmo, muito
preocupada. — E a cada dia que passa, não sei o que fazer.
— Na verdade você sabe. — Ergue uma sobrancelha.

— Ah, tia. Não é tão fácil assim! — reclamo.

— É claro que é. Os amigos dele de Paris já te informaram a que


família o Esteban pertence aqui em Madri. E é uma família muito poderosa,
Madeleine! Dona da Javier, a marca de relógios mais luxuosa da Espanha!

Respiro fundo.

— Mas eu já disse para a senhora milhares de vezes que prefiro contar


ao Esteban primeiro sobre a filha.

— Madeleine...

— Tia, ele nunca me falou o sobrenome dele, quem me informou isso


foram os amigos dele quando comecei a procurá-lo após o nascimento da
Esperanza.

— E o que isso tem a ver?

— Esteban não gostava da família, não se dava bem com um dos


irmãos e odiava o pai. Ele me contou coisas terríveis que o pai fez com ele
durante a vida inteira. Como a senhora quer que eu chegue na porta dos
Javier com a minha filha? O que eu iria dizer? “Oi gente, sou Madeleine, uma
namorada de Esteban que ele conheceu em Paris há mais de um ano, está aqui
a neta de vocês. Sabem onde ele está? ” — mudo a entonação para
demonstrar o quanto seria ridículo falar isso.
— Mas e se eles souberem? Afinal, são a família, devem manter algum
tipo de contato!

— Prefiro esperar mais um pouco — digo, com a consciência pesada.

— E se o Esteban estiver aqui em Madri e você não sabe?

— Não está — afirmo, convicta.

— Como tem certeza?

— Eu ando observando os Javier desde que voltei a trabalhar.


Acompanho tudo sobre eles, as notícias que saem na mídia. Já até sei onde
moram, onde fica a mansão, as empresas. E não há nada do Esteban. Ele não
está aqui.

Tia Lea respira fundo, incomodada. Pensa duas vezes e diz:

— Olha, já faz um tempo que estou cogitando uma hipótese, só que não
disse nada a você antes porque não quero te magoar ou preocupar.

— O quê? — Fico tensa com o tom dela.

— E se o Esteban tiver morrido?

— Ai, tia, pelo amor de Deus! Que horror! Nunca mais diga isso! —
alteio a voz, Esperanza geme, então acolho ela melhor em meus braços,
beijando a sua testa, sentindo o calor da sua pele.

— Mas temos que pensar nisso, Madeleine! A família dessa menina


precisa saber da sua existência!

— Mas eles irão saber, tia! Só que primeiro o pai dela será informado!

Não quero aparecer na porta dos Javier como a interesseira que deu o golpe
do baú. Não confio neles, principalmente no patriarca, o tal Miguel Javier.

— Você poderia então tentar falar com um dos irmãos que Esteban
gostava.

— Mateo e Luna — digo, pensando neles. — Já segui eles algumas


vezes.

— O quê? — Titia fica chocada.

— Sim, tia, a senhora acha que não penso na importância da minha


filha conhecer a família do pai, mas eu penso sim! Os segui porque queria ver
se por acaso se encontravam com Esteban, também já pensei na hipótese de
ele estar aqui, mas não.

— E o que essa Luna e esse Mateo transpareceram para você? — Ela


ficou curiosa.

— Bem... de longe... só posso dizer que Luna parece viver a vida


adoidada.

— Como assim?

— Ela... me pareceu uma mulher livre, badalada, sabe? Vive em


boates... shows de rock. Fuma e anda com um pessoal meio estranho.
— E o outro?

— Ele é um professor renomado aqui de Madri, trabalha em uma das

maiores e mais caras faculdades. Aparentemente é um bom moço.

— E o irmão que Esteban não gosta.

— Alejandro, o vi algumas vezes na porta da empresa. Parece ser um

homem muito ocupado. É o mais inacessível.

Titia respira fundo, deitando de costas, observando o teto.

— Gravidez silenciosa... quem diria? Até você me surgir grávida do


nada, eu apenas havia ouvido falar na gravidez comum e na psicológica, que
é quando a mulher acha que está grávida. Agora essa chamada silenciosa, foi
uma baita surpresa.

— Lembra da gente tentando explicar isso aos meus pais? — Sorrio.

— Sorte que a sua mãe já havia ouvido falar.

— Lá na clínica tem duas mulheres que passaram pela mesma situação,


uma delas descobriu dois dias antes do parto e a outra foi na hora, assim
como eu.

— Aquela noite foi um desespero, mas deu tudo certo, graças a Deus.
Agora temos Esperanza. — Ela acaricia as costas da neném.

Suspiro refletindo, recordando.


— Como o tempo passa rápido. Tive ela no inverno e agora já estamos
no verão. Foi no verão passado que me separei de Esteban, assim que me

formei e aconteceu tudo aquilo. Eu já estava grávida e nem sabia.

— Vocês não se protegiam? — Titia acaricia a cabeça da Esperanza


que não para de mamar.

— Nos protegíamos, mas uma vez a camisinha estourou, eu até tomei a

pílula no dia seguinte, mas acho que não fez efeito. Pelas minhas contas,
engravidei ali ou um pouco depois. Depois tomei anticoncepcional, mas nada
adiantou.

— Você já estava grávida.

— Sim.

Ficamos em silêncio por um tempo.

— Já pensou como será o seu encontro com ele? Afinal... vocês se

separam porque Esteban te traiu, não foi isso?

— Ah, tia, isso não me importa mais. Só o que importa agora é a nossa
filha. Não guardo mágoas do Esteban, também não penso mais que possamos
ter um futuro juntos, porém, temos um compromisso por toda a vida, que está
aqui em meu colo. — Sorrio para a minha menina, retirando o peito da sua
boca e lhe deixando arrotar.

— Está certo, mas veja lá, hein... se ele continuar desaparecido,


teremos que procurar a família dele quer queira, quer não — relembra,
fazendo-me revirar os olhos.

— Tudo bem, tia. Não se preocupe que não sou irresponsável.

— Sei disso, mas estou aqui para evitar que seja. E o Jaime, ainda
continua insistindo contigo? — muda de assunto.

— Ele nunca deixou de brincar, diz que é o pai da Esperanza. —


Rimos.

— Ele até que daria um ótimo pai. Com toda essa insistência, vai
acabar te ganhando.

— Não quero saber de homem agora, Deus me livre. Só o que me


importa é a minha filha. — Beijo-a.

— A verdade é que você ainda ama o pai da sua filha! — dispara.

— Ah tia, que droga! — reclamo.

— E não tente negar, que te conheço muito bem!

Conversamos mais por um bom tempo, assim como fazemos todas as


noites. Alguns dias se passam, sigo para a clínica, faço alguns atendimentos,
até que recebo uma chamada da Amélie. Atendo-a no celular.

— Oi, amiga! Bom dia! — falo sorridente, girando na minha cadeira.

— Bom dia! Como está a minha sobrinha predileta? — pergunta,


gargalhando.

— Mas ela é a única que você tem.

— Por isso é a predileta, querida.

— Está muito bem, deve estar agora no parque passeando com a tia.

— Ah, não vejo a hora de conhecê-la pessoalmente!

— Vamos planejar direitinho. Alguma notícia? — Sempre pergunto


isso quando ela liga.

— Dessa vez sim — diz séria.

— Esteban apareceu?

— Há alguns meses, na primavera. Ele foi visto — dispara, e o meu


coração acelera.

— Por quem? — Fico tensa.

— Camille — a notícia me deixa sem chão, sem palavras —, mas

calma, escuta. Eu estava passeando no shopping ontem e encontrei ela por


acaso. Primeiro pensei em passar direto, mas não resisti e resolvi me
apresentar.

— Na cara?

— Aham, você me conhece. Falei a ela que eu era esposa do


Dominique, e também a sua amiga, expliquei que você namorou o Esteban e
que agora tinham uma filha. Enfim, disse tudo, e no final perguntei se ela

sabia dele. Foi então que ela disse que o encontrou numa boate na primavera.

A gente foi conversando e conversando, ela ficou compadecida ao saber da


situação e se mostrou muito arrependida do que causou.

— Ela confessou a traição? — Tenho medo de ouvir a resposta.

— Na verdade... ela contou que não foi traição. O Esteban estava

falando a verdade, amiga. Dominique falava a verdade e Bernard falava a


verdade.

Fico em choque. Um silêncio profundo.

— Você tinha que ver quando contei ao Dom, ele jogou tanta coisa na
minha cara defendendo o amigo. Mas eu rebati dizendo que você era a minha
amiga e que na época, entre acreditar na versão de Esteban e na sua, claro que
preferi acreditar na sua. Era uma palavra contra a outra.

“Expliquei que depois você foi para Madri, me proibiu de dar notícias

sobre Esteban e assim eu fiz, porque você estava se dando tão bem aí, fiquei
com medo de passar por uma nova decepção, e eu não tinha certeza de nada.”

— Amiga, eu sei de tudo isso, não precisa se justificar — digo.

— É que... você estava grávida!

— Mas não sabíamos!

— Se eu não tivesse falado que você tinha um novo pretendente...


talvez Esteban não tivesse viajado para o mundo e a nossa Esperanza agora
estivesse com o pai. Eu me culpo tanto — lamenta.

— Nenhuma de nós teve culpa. Se as coisas aconteceram assim é


porque tinham que acontecer. Tudo tem um motivo, Amélie. Ainda não
entendo, mas sei que tem. — Respiro fundo. — Não adianta mais chorar pelo
leite derramado. Agora só o que importa é encontrar aquele homem. Ele

precisa saber que tem uma filha, é o seu direito.

— Amiga... será que ele vai acreditar que você teve uma gravidez
silenciosa?

— Sinceramente? Não sei... só quero que saiba da filha, o resto... não


me importa — minto. Na verdade, importa muito. — Estou mais tranquila
agora que sei que ele apareceu não faz muito tempo. — Ponho a mão no
coração, as outras teorias que eram piores se dissipando.

— O pior é que Camille disse que Esteban informou que continuaria

viajando, que não tinha destino e estava muito estranho.

— Estranho como?

— Ela disse que ele não tinha o mesmo carisma de antes. Estava...
obscuro sabe, do jeito que te contei como estava no meu jantar de casamento.

— Ai, meu Deus. — Volto a me preocupar. — Então, ao que parece,


ele passou só uma noite em Paris.
— Sim... se pelo menos tivesse visto um de nós, teria ficado sabendo da
Esperanza.

Alguém bate na porta.

— Tenho que desligar. Mantenha-me informada.

— Tudo bem, tchau. — Desligo, olhando dona Rimena, uma ex-

paciente, entrar acompanhada de outra senhora muito bonita, loira de olhos


azuis.

— Dona Rimena! — Levanto-me para recebê-la. Trocamos um abraço.

— Olá querida, como vai? Tudo bem? Eu acabei de sair do quiroprata


com a minha amiga e não poderia deixar de vir aqui apresentá-la a você! —
informa Rimena, uma dama da alta sociedade.

— Ah, que maravilha! — Troco olhares com a sua colega.

— Alba, esta é Madeleine Fernandez, a melhor fisioterapeuta dessa

clínica, talvez até de Madri! — apresenta-me, fico corada. — Madeleine, esta


é Alba Javier, a dona e proprietária de uma das maiores marcas de relógios
luxuosos da Espanha e do mundo!

Só então raciocino e reconheço a mulher que vi sempre a distância e


pelos jornais. Meu Deus! É a avó da minha filha! Ela estende a mão para
mim.

— Olá, prazer em conhecê-la, a Rimena me falou muito bem de você.


— Observo a sua mão no ar, esperando pela minha correspondência, então a
cumprimento, em choque.

— Ah... fi-fico feliz em saber. — Sorrio sem humor, gaguejando.

— Já disse a Alba que quando precisar de uma fisioterapeuta, não tem


erro, será você!

Ainda estou sem saber o que dizer, não consigo parar de encarar a mãe
de Esteban, ele tem tudo dela e consequentemente Esperanza também.

— O que houve, Mad, ficou pálida de repente? Está se sentindo bem?


— indaga dona Rimena, me fazendo sair da hipnose.

— Ah... está tudo bem! É só que... eu sou assim mesmo, às vezes paro
no tempo pensando besteira. E sim, estou à disposição sempre que precisar!
— Sorrio de orelha a orelha, tentando passar normalidade, mas não sei se
estou conseguindo.

Perco tudo quando a tia Lea aparece com Esperanza no carrinho atrás
das duas mulheres. A menina já chega fazendo barulho, chamando a atenção
delas.

— Oh, meu Deus, que coisa linda! — afirma dona Alba,


automaticamente se encantando pela garota.

— Olha quem veio visitar a mamãe — diz, a tia Lea.

— É a sua filha? — Dona Rimena pergunta para mim.


— Sim... e essa é a minha tia, Lea — apresento, engolindo em seco.
Estou prestes a desmaiar com essa situação.

— Ai, eu adoro bebês, posso segurá-la um pouquinho? — pede dona


Alba, fico sem resposta.

— Mas é claro que pode! — Tia Lea, que é muito simpática, pega a
minha filha e dá nos braços da avó que se derrete inteira ao segurar a netinha.

— Aaaah... que linda! — Alba sorri para o vento.

— Meu Deus, Alba, ela se parece bastante contigo! Poderia ser a sua
neta! — comenta dona Rimena, meu coração dispara. Fico paralisada, sem
reação.

— Olha... e não é que é verdade? A senhora se parece muito com


Esperanza — A tia Lea não sabe com quem está falando, é inocente.

— Ela se chama Esperanza? Que belíssimo nome! — Dona Alba fica

ainda mais encantada, Esperanza sorri para ela. — Até o momento, eu só


tenho uma netinha, sabe? Ela se chama Alisa e tem seis anos. É esperta e
muito amável. Mas o meu sonho é ver a minha casa cheia de netos, até
porque, tenho muitos filhos, porém nenhum se interessa em me dar essa
felicidade. Uma tragédia.

— Dramática... — brinca Rimena.

— A minha esperança — dá ênfase no nome da minha filha —, é o


meu filho Alejandro, que está namorando uma linda bailarina. Ele irá levá-la
em um jantar lá em casa para nos apresentar.

— Mateo não é casado? — pergunta, Rimena, em dúvida.

— Se é, não me convidou para o casamento. Luna também não quer


saber de filhos, e Esteban... ainda está pelo mundo. Só Deus para me dar
forças.

Tia Lea esbugalha os olhos em minha direção, entendendo quem é a


senhora. Nos comunicamos pelo olhar. É uma loucura.

— Bom, já temos que ir. Tchau, Esperanza. — A dona Alba devolve a


criança para a minha tia. — Tchau Madeleine, se precisar, chamo você.

— Claro. — Dou um sorriso amarelo.

Dona Rimena se despede também e as duas senhoras vão embora. Tia


Lea entra na minha sala, tranco a porta, pego Esperanza no colo e a abraço

forte.

— Ela é quem estou pensando? — pergunta titia, apavorada.

— Sim — respondo, aflita, o coração quase saindo pela boca.


ESTEBAN JAVIER

Não há nada mais bonito que o céu. Vejo as nuvens passando, sendo
iluminadas pela lua, a cidade lá embaixo surgindo, estamos chegando a
Madri. A voz do comandante soa pelo avião, avisando que vamos pousar.
Meu coração dispara, chegou o grande momento de voltar para o lugar que
por muito tempo chamei de casa.

Cansei de fugir. Estou machucado e preciso de auxílio. Observo a bota


ortopédica que uso no pé esquerdo e vai até metade da panturrilha, o motivo
principal do meu retorno, já que o pequeno acidente que tive foi grande o
suficiente para me fazer refletir sobre toda a minha vida e perceber que não
suporto mais ficar sozinho.

Cansei de lutar. Como disse o meu psicólogo — o qual me consultei


via chamada de vídeo nos últimos dias —, os demônios perdem a razão de
existir, quando o espírito está em paz. É o ódio, o medo e o rancor que os
alimentam. Quando os sentimentos ruins somem, os demônios perdem a sua

fonte de vida.

Hoje sei que nunca estive totalmente em paz enquanto vivia em Paris, a
ferida estava ali, latente, pulsando, e eu me escondia na cidade luz por medo
de voltar ou enfrentar a minha escuridão.

Não quero mais ficar no escuro, ser esse homem sombrio. Preciso de
ajuda, não só por estar machucado por fora, mas principalmente por dentro. E
por mais que eu tenha conflitos com alguns parentes, há aqueles que sempre
me amaram de verdade.

Um menino atingido. É de amor que preciso, do colo da minha mãe, do


abraço quente dos irmãos, e não tenho mais vergonha de reconhecer esse
fato. Também não dava mais para continuar sozinho, não com esse calcanhar
fodido, com a locomoção reduzida, a capacidade distorcida. Sou vulnerável

como todo mundo, apenas mais um ser humano frágil e, não dá mais para
manter a pose de fodão. Há muito tempo não a mantenho.

Saio do avião em uma cadeira de rodas, uma das aeromoças me leva


para o aeroporto, onde recebo a minha mala pequena que ponho em cima das
coxas. Quando saímos do prédio, um taxista me ajuda pegando a bagagem,
então posso ficar finalmente em pé com o auxílio das muletas. Agradeço e
despeço-me da moça que me auxiliou, entro no carro com um pouco de

dificuldade e dou o endereço da mansão Javier.

Respiro fundo, já um pouco exausto, ser limitado fisicamente é


frustrante. Tive que aprender a ser paciente, ter calma e pensar duas vezes
antes de agir. A impulsividade foi embora, entrou mais resiliência.

Observo pela janela Madri à noite, e tenho várias recordações. Vejo

estabelecimentos que costumava frequentar quando vivia aqui, de como era a


minha vida neste local, trabalhando na Javier, vivendo em prol do
reconhecimento do meu pai. Não, Esteban, de novo não. Você não precisa
disso, penso.

A cada minuto que passa, o meu coração fica mais apertado, as minhas
mãos suam, a respiração sai lenta. Não avisei a ninguém da minha chegada,
quis evitar uma possível reunião ou preocupar todos de uma vez ao veem a
minha bota. Já basta mamãe que com certeza vai pirar.

Quando o táxi para no portão da mansão, desço o vidro para que os


seguranças possam me ver. São os mesmos de dois anos atrás, eles
esbugalham os olhos e ficam chocados quando me reconhecem, e, assim
permitem a minha entrada. Seguimos pela enorme propriedade até entrarmos
no imenso e belíssimo jardim, parando em frente à casa de dois andares

Demoro a ter alguma reação, admirando o imponente palácio, vendo-


me ainda garoto, correndo pelo pátio com Mateo atrás de mim, posso até
ouvir as nossas gargalhadas, o som de quando éramos felizes.

— É aqui, senhor? — indaga o motorista, retirando-me das


recordações.

— Sim... desculpe. — Desperto do transe, piscando três vezes. Respiro


fundo, pago a viagem e abro a porta do carro. O homem prontamente vem me

ajudar, mas ergo a mão o parando, recusando. — Apenas deixe a minha mala
na porta.

— Quer que eu toque a campainha?

— Não — falo com a voz em sufoco no instante em que exerço força


com os braços para ficar de pé, tomando cuidado para não pesar sobre a bota.

Dou dois passos de muletas, na verdade são dois pulinhos, lentos e


cuidadosos. Observo o taxista fazer o que eu pedi e depois parar à minha
frente.

— Mas alguma coisa, senhor?

— Não, obrigado — agradeço. Ele assente, entra no carro e vai embora.

Miro a vasta piscina a alguns metros, brilhando, com as luzes ligadas.


Lembro de saltar ali ainda garoto, com Mateo, Luna e Alejandro. Nem
sempre tudo foi rivalidade e tristeza, às vezes tínhamos momentos bons. Às
vezes a felicidade reinava, principalmente quando papai estava longe e não
fazia diferença entre a gente.

Suspiro, então sigo até a entrada, lembrando dos degraus que levam à

porta. Droga, devia ter deixado o motorista me ajudar! Com dificuldade,


subo cada um deles e chego a erguer o dedo para tocar a campainha, mas
penso bem e não o faço, afinal, essa casa também é minha, mesmo que não a
considere mais tanto assim. Ainda sou um Javier.

Giro a maçaneta, abro-a e entro, encontrando o luxuoso hall vazio.


Escuto o som do piano tocar uma belíssima canção que não conheço. Quem
está tocando? Há séculos ninguém toca aqui. Quem fazia isso era o Alejandro
ou Mateo. Olho para a bolsa na porta, depois em volta novamente, esperando
alguma empregada aparecer, porém, como não toquei a campainha, ainda sou
um fantasma.

Fito a escada que leva ao andar superior. Os flashes do dia maldito


atacam-me com uma força bruta, a ponto que me fazem fechar os olhos com

a imagem de mamãe rolando escada abaixo.

A música chama a minha atenção, dirijo-me até a sala do piano,


ouvindo atrás das portas o som parar e os aplausos soarem, a comemoração,
várias vozes que conheço. Respiro fundo, tomando coragem e entro, dando
de cara com a família inteira reunida, recebendo os olhares surpresos de
todos.
Há apenas uma pessoa que não conheço: é uma linda jovem negra dos
cabelos cacheados que, por algum motivo, está descalça no centro do salão

abraçada à pequena Alisa. Alejandro está ao lado do piano desfazendo um


abraço com Luna, enquanto mamãe, papai e Mateo estão de pé a frente dos
sofás.

— Esteban! — Dona Alba põe a mão na boca, pega de surpresa.

— Oi, mamãe. Boa noite a todos. Eu voltei — anuncio cabisbaixo,


meio sem jeito, me sentindo um intruso.

— Titio Esteban? — A voz doce da Alisa me acalma um pouco.

— Alisa? — Estico os lábios em um sorriso frágil, a minha sobrinha


não esqueceu de mim! Ela me deixa sem palavras quando corre ao meu
encontro, porém para antes de pular em meus braços. — Como você cresceu,
garota.

— Seja bem-vindo de volta! — A abraço, sentindo a sua energia

positiva me revigorar de uma maneira fantástica. É incrível.

— Meu filho... que bom que voltou — diz papai, a minha sobrancelha
se ergue em espanto. Ele se aproxima assim como todos os outros.

— Oi pai — o cumprimento. Trocamos um aperto de mão frio depois


que recebo o abraço da minha querida e amada mãe que já está chorando.

— Mas o que aconteceu com a sua perna? — Ela fica tensa.


— Um acidente..., mas agora estou melhor do que antes — conto,
tentando não entrar em muitos detalhes.

— Meu Deus, Esteban. — Luna me abraça também, e de repente a


sensação de não fazer mais parte da família vai se dissipando pouco a pouco.
Apesar de tudo, esse ainda é o meu lar.

— Irmão. — Mateo me recebe de forma calorosa. Por fim, sobra o

Alejandro e a moça cacheada ao seu lado, que mais parece uma boneca de tão
perfeita. Eles são um casal?

— Alejandro. — Tento demonstrar com esse cumprimento que não vim


para a guerra, mas sim em busca de paz.

— Venha, você precisa se sentar e me contar esta história direito —


afirma mamãe, nervosa — Luna, querida, peça para prepararem o quarto
dele.

— Sim. — A minha irmã sai imediatamente.

Alejandro se afasta com a sua acompanhante, saindo da sala enquanto


sigo para os sofás com os demais, que se sentam e esperam por uma
explicação. A cacheada retorna, avisando que ela e Alejandro já estão indo
embora, ela chama Alisa para ir com eles, mas a pequena prefere ficar para
dormir aqui, está muito bem sentada no colo da avó.

Sei que Alejandro já está partindo porque cheguei. O nosso último


encontro foi feroz. O magoei de novo como sempre fiz, por isso entendo o
seu distanciamento, o temor de ouvir as minhas palavras duras. Sempre

ataquei ao perder o controle, e quando nos encontramos em Paris, eu estava


amargo demais.

— Esteban, esta é Mina Pacheco, namorada do seu irmão, Alejandro —


apresenta, a minha mãe. A moça cora, tímida, mas me cumprimenta.

— Ela também é a minha professora de balé e a minha querida babá!


— informa Alisa, orgulhosa, momento em que noto o quanto a presença de
Mina já está fazendo muito bem a ela. A pequena sempre sentiu a ausência de
uma mãe, isso não era novidade para ninguém.

— Que maravilha! — elogio, sorrindo outra vez. — Prazer em


conhecê-la, Mina.

— O prazer é meu. Bem, já que você vai ficar, Alisa, então eu e seu pai
já vamos indo. — Ela beija a menina na testa, que a beija também, e assim

vão embora.

Recebo o olhar dos meus parentes, todos fazendo a mesma pergunta.


Ficamos um pouco em silêncio até que Alisa toma a frente:

— O que aconteceu com o seu pé, tio?

— Eu caí, meu amor... no gelo. Rompi parcialmente o tendão de


Aquiles — informo.
— Tendão de Aquiles? — Ela franze o cenho.

— É uma espécie de cordão que liga o calcanhar ao músculo da perna.

É muito importante para podermos nos locomover — tento explicar da


melhor forma possível. Alisa fita os próprios pés.

— Fica aqui, querida. — A mamãe toca o tendão do pé direito dela,


para que entenda.

— Ah, sim.

— Onde estava durante todo esse tempo, Esteban? — Papai está


curioso. Estou estranhando ele agindo tão manso assim, deve ser porque está
na frente dos outros. Mateo me olha já sabendo a resposta, era o único que
sabia e pelo visto cumpriu com a promessa de não contar.

— Em Paris, advogando. Dividia um escritório com amigos que se


formaram comigo em Harvard.

— Foi lá que se machucou? Há quanto tempo está assim? — pergunta


Mateo, preocupado.

— Há quase seis semanas — disparo, mamãe fica chocada e furiosa. —


Fui passear na Antártida, e em uma das cidades escorreguei feio no gelo.
Preferi ficar por lá até me sentir mais forte para viajar, então decidi... vir para
casa.

— Alisa, querida, vá ver como anda a organização do quarto do seu tio,


por favor? — pede mamãe, a menina levanta abandonando o colo dela e se
afasta, a obedecendo. Ela mal bate à porta e dona Alba começa: — Custava

você ter me falado tudo isso?! Custava?! — exclama, indignada, caminhando


de um lado para o outro.

— Mamãe... — tento argumentar.

— Mamãe é uma ova! Cale-se! — Aponta o dedo na minha cara. Ela

chora de ódio, respirando com dificuldade. — Fiquei dois anos sem saber
onde te visitar, só recebendo as suas notícias rasas, isso até que suportei. Mas
aí você não fez mais ligações nos últimos seis meses e agora volta falando
que estava machucado na Antártida e não disse nada para a sua família?!

— Eu...

— E se tivesse morrido?! Como iríamos saber? Será que... você não


pensa na sua mãe?!

— Não queria preocupá-la...

— Ah, não queria me preocupar. Essa é boa!

— Não queria preocupar ninguém.

Fico esperando papai se meter, mas não o faz. Ele está diferente. Mateo
também não está gostando nada do que está descobrindo, se sente traído,
porque sempre lhe contei tudo.

— A senhora tem razão, mãe. O Esteban tem a mania de esquecer que


tem família. — Me repreende.

— Mas eu mudei... — a minha voz sai frágil, estou de cabeça baixa,

envergonhado —, por favor, não vamos brigar. — Quase imploro. — Errei...


e muito..., mas foi tentando acertar.

Ficamos em silêncio por longos segundos, o clima tenso pairando sobre


nós.

— Fez o certo em voltar para casa, filho. — A voz do meu pai soa no
ar, surpreendendo-me. — Nós vamos cuidar de você — promete, e essa
promessa toca fundo na alma. Cuidar de mim? Ele vai cuidar de mim? Fico
sem reação com as suas palavras.

— O que quero que entenda, filho. — Mamãe se aproxima ainda


chorando e segura meu rosto entre as mãos. — É que apesar de tudo... somos
a sua família e estaremos aqui para você e por você sempre. Eu te amo. —
Me abraça com carinho, tenho que me segurar para não derramar lágrimas. —

E nós vamos ter que ir no doutor Delmar para ver esse seu pé! —
choraminga, afastando-se.

Luna retorna de mãos dadas com a Alisa, ambas sorridentes.

— O seu quarto já está pronto! As meninas não precisaram fazer muito,


já que... — A sua voz falha ao fitar mamãe.

— O quê? — Mateo pergunta o que todos querem saber.


— Nada... — Luna sorri amarelo, escondendo algo.

— Eu preferia que ajeitassem algum quarto aqui embaixo, vai ficar

muito difícil para mim com aquela escada — conto.

— Oh, Deus... é verdade! — Mamãe se preocupa novamente.

— Amanhã nós resolvemos isso, mas por hoje seria melhor você ficar

no seu quarto mesmo — diz Luna.

— A escada não será um problema! — afirma Mateo, chamando a


nossa atenção. Poucos minutos depois, ele está me carregando nos braços
com todo cuidado, subindo a escada. — Tudo bem aí, bebezão? — Encara-
me, sorrindo de forma contagiante, todos gargalham às nossas costas.
Criamos uma fila indiana rumo ao segundo andar.

— Vai a merda, Mateo! — xingo, fazendo a família rir ainda mais.

— Olha a boca, sua sobrinha ainda está aqui! — repreende mamãe, lá

embaixo.

— Não tem problema vovó, tia Luna já me ensinou vários xingamentos


diferentes. Quer que eu diga um?

— Deixa de ser mentirosa, menina! Fica quieta! — Luna fica


desconcertada, foi desmascarada.

— Luna, você não tem jeito. — A voz grossa de papai impera.


ESTEBAN JAVIER

Depois de ser muito bem acomodado no meu antigo quarto, fico


deitado na cama King com lençóis de algodão egípcio, com o pé machucado
sobre dois travesseiros, no alto, como é o correto para amenizar as dores.
Mateo me ajudou no banho e na troca de roupa. Luna também está conosco.
Ficamos os três no quarto depois que a empregada vai embora levando a
louça suja do meu jantar.

— Então você sempre esteve em Paris e Mateo sabia de tudo esse


tempo todo, e não nos contou nada. Parabéns, Mateo — Luna é irônica, por
dentro está fulminando de raiva.

— O importante é que Esteban retornou e está tudo bem — ele observa


o meu pé —, quase tudo, né. Luna..., não conte para a mamãe que eu sabia do
paradeiro desse fugitivo.
— Devia contar, mas ela já está com problemas demais, então dessa
vez passa. Não entendo o porquê não me disse, Esteban. Que ridículo!

— Você é louca Passarinho, temi que de alguma forma estragasse o


meu retiro — brinco.

— Poderíamos testar uma balança para saber quem é o mais louco


dessa família, porque todos estão nessa classe — ela brinca.

— Que problemas são esses da nossa mãe? — Fico curioso.

— Também quero saber — complementa Mateo.

— Acham que é só vocês dois que têm segredinhos? — Luna adora


ficar por cima das situações. — Não posso contar, agora terão que suportar o
fato de ficarem alheios à mais um segredo desta família.

— Lembre-se que sei algumas coisinhas de você também — a alfineto,


semicerrando os olhos, mas não consigo atingi-la.

— De você sei muito mais, bobinho. E não me ameace se tem valor à


sua vida. —Gargalhamos.

— Como eu estava com saudades de vocês — comento.

— Sério? Não parecia — Luna me cutuca.

Respiro fundo e digo:

— Percebi que algumas coisas mudaram na minha ausência. Duas em


específico me chamaram a atenção assim que cheguei: Alejandro e papai.

— Alejandro está amando outra vez e agora parece que finalmente está

sendo devidamente correspondido — conta Mateo.

— E está. Hoje tive uma conversinha com Mina, ganhei a prova que
precisava para saber se ela era mesmo verdadeira ou mais uma cobrinha, feito
a Maite — afirma Luna. Abaixo os olhos ao ouvir o nome da mulher que

também estragou a minha vida.

— O que achou de diferente em papai? — Mateo quer saber de mim.

— Ele não foi hostil comigo — respondo. — E dessa vez... senti


sinceridade em suas palavras.

— Ele mudou muito depois da sua saída, a relação entre ele e mamãe
não está nada boa — informa Luna.

— Não estou sabendo disso. — Mateo encara Luna.

— É esse o segredinho de vocês duas? — A encaro também.

— No momento certo, ambos irão saber de tudo. É mamãe quem deve


contar, não eu. Mas o que posso adiantar... é que a sua ausência também o
afetou. Ele viu que você era sim, importante e necessário, não só para a Javier
quanto para a família... e consequentemente para ele também.

Sorrio em deboche, meio nervoso com essa revelação. É inacreditável.


— Pensando bem, Alejandro nunca conseguiu encontrar outro diretor
jurídico à sua altura e papai sabe disso. Os demais advogados não eram tão

perfeccionistas e habilidosos quanto Esteban Javier — conta Mateo.

— Então ele sentiu falta do seu cachorrinho, do empregado — concluo,


virando a cara.

— Eu acho que foi mais profundo. Sabe aquela velha história que a

pessoa só valoriza a outra quando a perde? — Minha irmã me faz refletir.

— Não sei tudo que essa pestinha sabe — diz Mateo —, mas uma coisa
é certa, a ficha cai para todos em algum momento.

— Não acredito neste conto de fadas. Vocês dois sabem o quanto papai
me feriu grave e não acredito nessa mudança repentina.

— Não foi repentina, você passou dois anos fora de Madri, Esteban —
lembra Luna.

— De qualquer forma, isso não me importa mais. Não vim para


brigar... nem com ele, nem com Alejandro. Cansei de tudo aquilo. Eu só
precisava... ver vocês — confesso, cabisbaixo, Luna se compadece e segura a
minha mão, Mateo põe a dele sobre as nossas e juntos fortificamos o nosso
vínculo.

— Voltei! — Mamãe invade o quarto. Mateo e Luna se levantam. —


Quero conversar com o irmão de vocês a sós.
— Eu já vou embora, amanhã volto para ver se ele não cometeu
nenhuma besteira — Mateo se despede de mim, trocamos um aperto de mão

e se despede de mamãe com beijinhos no rosto.

— Onde está a Alisa? — pergunta Luna.

— Com o avô. Gostaria que você a colocasse para dormir, querida —


pede dona Alba.

— Tudo bem, mãe. — Os dois saem do quarto, a senhora que parece


jovem demais para a idade, loira de olhos azuis radiantes, tranca a porta e
senta-se ao meu lado, segurando a minha mão.

Ela respira fundo, olhando bem no fundo das minhas pupilas e


pergunta:

— Valeu a pena se afastar por tanto tempo, filho?

Penso na minha resposta por longos segundos.

— Só o tempo vai dizer, mãe. Mas ainda me sinto perdido nele —


confesso. — A sensação que eu tenho, é que... tudo na minha vida... foi em
vão. — Os meus olhos ardem, mas não me permito chorar na frente dela, já
dona Alba não consegue fazer o mesmo.

— Jamais diga isso outra vez. Você é o meu filho... um campeão, o


meu orgulho. E nada, nada... vai te derrubar. Por mais que o mundo tente,
nada vai derrubar Esteban Javier. O meu filho.
Ela enxuga os olhos, virando o rosto, mirando o nada, tomando
coragem. Suspira, volta a me encarar e conta:

— Eu sei de tudo. — Fico calado, esperando que continue. Tudo o quê?


— Seu pai me confessou a atrocidade que fez contigo e com o Alejandro.
Meu Deus... — chora, abalada.

— Esqueça, mamãe. Os demônios perdem a razão de existir quando o

espírito está livre. O meu psicólogo está me ajudando a finalmente encontrar


a minha liberdade.

— Você nunca foi culpado, filho. Esteban, você era apenas uma
criança... brincando com o irmão. Achei que o rancor do seu pai por ter
perdido o filho que ele tanto queria iria passar, principalmente com a chegada
do Alejandro, mas só piorou tudo. Por anos me senti incapaz de te defender,
de defender os meus dois filhos desse jogo sujo que Miguel estava fazendo.

“Achei que havia conseguido, realmente acreditei, mas fui tapeada.

Enganada. Ele foi tão desprezível ao ponto de jogar com vocês dois usando
Maite, aquela amaldiçoada. Não valia nada! — rosna, odiosa. Leva um tempo
para se recuperar até continuar: — Miguel me confessou tudo, porque a
consciência pesou demais, ele entrou em depressão depois que você se foi, na
verdade, ainda está e esse é o único motivo de eu não ter pedido o divórcio. ”

— Desde quando tudo isso está acontecendo? Por que nunca me


contou?

— Está acontecendo há seis meses. Quando ele viu que você realmente

não iria retornar, começou a afundar, mas eu e Luna seguramos as pontas


para não falar a Alejandro e Mateo, eles também não sabem. Preferi não
estragar a vida de vocês três com os problemas de um homem que já havia
interferido demais.

“Tanto você quanto Mateo iam muito bem nos empregos, pelo que
contavam e Alejandro... conheceu uma mulher maravilhosa, está finalmente
se abrindo para o amor depois de tanto sofrer e não quis que nada
atrapalhasse. Contei somente à Luna que também ficou horrorizada. ”

— Ela nunca soube de todos os detalhes, não todos. Nunca tive


coragem de contar a fundo, a vergonha me impedia — confesso, abalado.

— E para que fique sabendo de uma vez por todas, caso essa dúvida
ainda esteja na sua mente. Alejandro não sabia de nada, ele nunca foi

conivente com as maldades de Miguel em relação a você. Ele... assim como


eu, se sente culpado... ele não pediu toda aquela atenção do tio... toda aquela
fascinação ou obsessão — chora novamente.

— A senhora não tem culpa de nada, mãe. — Lágrimas molham a


minha face.

— Tenho sim! Como não consegui impedir isso? Como não consegui te
proteger? Você viveu aqui sob o mesmo teto que aquela mulher, teve que
suportá-la vivendo como esposa do seu irmão! E no fim, ela provou que

também não o queria de verdade. Sempre gostou apenas de si mesma e usava


todos ao seu redor.

— Não quero mais lembrar disso, mãe. Preciso esquecer.

— Nós vamos esquecer. Esquecer e superar. Agora saiba que

Alejandro, apesar de tudo... te ama, Esteban. E por mais que negue, sei que o
ama também. Muito. Então, por favor, superem isso. Mesmo que... doa
muito, muito. Superem isso. — A puxo para um abraço, ambos sofremos em
um pranto doloroso, carregado do nosso passado sombrio.

— Eu vou tentar, mãe... e prometo que dessa vez tentarei de verdade —


afirmo, a reconfortando.

Saber de uma vez por todas que Alejandro nunca foi conivente com
Miguel, provoca emoções absurdas em mim, mesmo que eu já houvesse

decidido que não iria me importar mais com isso.

Depois que nos recuperamos, mamãe muda de assunto:

— Você estava tendo acompanhamento médico? — Fita o meu pé.

— Sim... e já está passando da hora de começar o tratamento com um


fisioterapeuta.

— Amanhã mesmo iremos resolver isso. Vou pedir ao doutor Delmar


para enviar o melhor fisioterapeuta da sua clínica. Quero que você tenha todo
o atendimento que precisa aqui em casa. Romper o tendão de Aquiles é algo

muito sério, quanto menos se locomover melhor.

— Tudo bem — concordo.

Conversamos mais um pouco, agora sobre coisas leves e descontraídas,


até que mamãe vai embora, após se certificar de que não preciso de

absolutamente nada. Sozinho... lembro de Madeleine. Que ironia do destino,


preciso de uma fisioterapeuta e não será ela. Nunca mais será ela.

Na manhã seguinte, um dos seguranças me ajuda a descer para a sala de


estar. O doutor Delmar vem até a mansão a pedido de mamãe. Ele analisa
todo o meu relatório e exames que eu trouxe comigo, conversando com

mamãe em um sofá, enquanto converso com Luna em outro.

— Ela te contou tudo? — Luna cochicha ao meu lado, se referindo à


dona Alba.

— Contou. — Não estou feliz em saber que elas sabem disso. Ninguém
deveria ter descoberto. É horrível demais. Podre demais.

— A situação entre ela e papai está séria, ela estava dormindo em seu
quarto desde que ele não aguentou a barra e confessou tudo o que fez.

— Por que acha que papai contou tudo? — Fico curioso.

— Consciência pesada, ele via mamãe sofrer diariamente com a sua


falta. Ele está tomando remédios controlados e vai toda semana ao médico.
Inclusive deve estar lá neste momento. Eu vou ver se a Alisa já acordou. —
Luna me beija na bochecha e sai. O Sr. Delmar se levanta e se aproxima com

minha mãe, segurando as minhas radiografias e demais papeis que relatam o


meu estado.

— Todos esses exames foram feitos recentemente — atesta.

— Sim, fiz antes de vir para cá — confirmo.

— Realmente é hora de começar a tentar realizar força nesse pé, a


fisioterapia será necessária para restaurar a amplitude de movimento do seu
tornozelo. Para isso, chamei uma das melhores fisioterapeutas da minha
clínica nessa área. A garota chegou a pouco tempo, mas é inteligente demais

e faz um trabalho maravilhoso. A deixarei disponível apenas para você por


quanto tempo for necessário até que se recupere totalmente.

— Não é preciso, doutor. — Acho isso um exagero.

— É preciso sim, já sei quem é a profissional e simpatizei com ela —


argumenta mamãe. Suspiro insatisfeito, não tenho o que fazer.

— Ela já deve estar chegando. — O homem observa o relógio de pulso.


— Já vamos começar hoje? — Ergo as sobrancelhas.

— Não, ela apenas fará uma análise inicial e semana que vem começará

o tratamento; desculpem, mas... aonde fica o banheiro?

— Ah, eu mostro o caminho para o senhor, doutor. — Mamãe sai com


ele, me deixando sozinho.

Respiro fundo, pego as muletas e forço-me a ficar de pé. Sigo para a


janela mais próxima, recebendo uma brisa gostosa no rosto enquanto observo
o jardim. Isso me acalma a alma. Lembro outra vez de Madeleine, do seu
sorriso, do cheiro da sua pele. Onde será que ela está? Por que não consigo
esquecê-la?

— Doutor Esteban, a sua fisioterapeuta chegou. — A voz da


empregada anuncia às minhas costas.

Viro-me para ver a mulher, e paraliso quando Madeleine Fernandez


surge em minha frente. A empregada nos deixa a sós e por alguns instantes

penso que estou sonhando, mas é real. Ela está aqui.


MADELEINE FERNANDEZ

Adoro os finais de semana, porque posso me dedicar totalmente à


minha Esperanza. Estou dando banho na linda bebê na sala mesmo, com ela
dentro da sua pequena banheira rosa, de plástico. Seguro-a para que não corra
o risco de afundar de alguma forma, jogando água em sua cabeça com todo o
cuidado do mundo.

Ela grita alto, adora gritar e chamar a atenção enquanto bate as


mãozinhas com toda força dentro da água, espichando gotículas para tudo
que é lado, molhando ao redor, inclusive eu.

— Minha filha... pelo amor de Deus — gargalho, impressionada com a


sua voz potente. Amando a sua diversão, ela é fascinada por banho.
Esperanza não me escuta e grita mais vezes, em seu mundo encantado, se
contorcendo até me obrigar a deixá-la de pé.
— Eitaaaa festa! — exclama titia, entrando em casa com uma sacola
de compras.

— Ela está eufórica hoje, tia! Não sei o que é!

— Felicidade, oras. A nossa bebê é muito feliz, né, meu amor? — Rir
para a menina que gargalha ao notá-la, a reconhecendo. — É sim!!

— Como foi no supermercado? — indago, vendo a mulher ir rumo à


cozinha.

— Menos lotado do que eu esperava.

— Já chega, mocinha! Agora está na hora de pôr uma roupinha... —


digo, trazendo Esperanza para o meu colo, enrolando-a em uma toalha. O
meu celular toca, interrompendo o que eu ia dizer. Faço sinal de silêncio para
a garotinha e atendo. — Oi, doutor.

Ele me conta a situação e fico chocada. Titia retorna da cozinha e pede

Esperanza, que entrego. Caminho para longe delas, ouvindo o meu chefe
requisitar a minha presença em um endereço bem específico. Fico gelada.

— Tudo bem... — respondo, frágil. Titia nota que há algo errado. —


Sim, claro... estarei lá. Daqui a uma hora, poder ser?... Certo... aham... — A
chamada se encerra. Levo um bom tempo para desgrudar o aparelho da
orelha, ainda processando.

— O que houve? — Tia Lea quer saber.


— O doutor Delmar quer me encontrar — conto, nervosa.

— E o que é que tem? Acha que vai te demitir?

— Não é isso. Ele quer me encontrar na casa dos Javier. — Ainda não
consigo acreditar. Começo a caminhar de um lado para o outro, roendo as
unhar.

— É sério? Mas... por que ele te encontraria lá? Será que descobriram
algo a seu respeito?

— Ele falou que um dos Javier precisa de uma fisioterapeuta exclusiva


e quer que eu seja essa pessoa, porque sou uma das melhores em traumas e a
dona Alba citou o meu nome. — Isso é surreal.

— Citou? — O queixo da minha tia vai ao chão.

— A dona Rimena me indicou para ela naquele dia, lembra?

Lea raciocina um pouco.

— Então... está tudo bem, não? Você vai lá... faz o seu trabalho e volta
para casa. Tudo certo.

— Não, tia. Não está nada bem. Primeiro, eu não queria ter contato
com a família do Esteban sem antes contar a ele sobre Esperanza. Segundo, a
depender do trauma do paciente, posso ficar meses fazendo o tratamento. O
doutor disse que me quer exclusiva. Ele faz isso quando os pacientes são
amigos dele ou muito influentes na sociedade.
— Quem será que se machucou por lá? Meu Deus... você vai conhecer
de perto os seus cunhados, os seus sogros. Isso é obra do destino.

— Destino esse que com certeza não está ao meu favor. Droga! E se me
descobrirem? — Fico aflita.

— Não tem como. Madeleine, isso é impossível. Essa família não te


conhece. Fique calma, prepare-se, e vá fazer o seu trabalho. Até porque, não

pode negar esse pedido ao seu chefe e querendo ou não, essa exclusividade
pode te abrir muitas outras portas. Se Delmar lhe chamou, é porque já confia
em você. Será uma prova de fogo.

— Uma prova e tanto. — Fico temerosa. — Estou morrendo de medo.

— Você está indo lá como a fisioterapeuta e não como a mãe da filha


do Esteban. Pelo menos eu espero que assim seja. Não faz sentido criar essas
teorias malucas. Se essa mulher, Alba, soubesse de alguma coisa, não
precisaria do intermédio do doutor para falar contigo.

— É verdade — raciocino, acalmando-me mais um pouco. — Então eu


vou.

— Vai e me mantém informada, porque ficarei louca enquanto não


chegar aqui para me contar tudo em detalhes!

Minutos mais tarde, estou pronta e me dirigindo à mansão da família


paterna da minha filha. Meu coração bate forte, penso em Esteban a todo
momento, o meu plano era esperá-lo aparecer para lhe contar que tivemos
uma filha e só então, com a sua ciência, conhecer a sua família.

Mas, como a minha tia falou, o destino é traiçoeiro. As coisas estão


fugindo do meu controle e mesmo sabendo que me apresentarei àquela
família como apenas fisioterapeuta, fico bastante nervosa, insegura, me
sentindo até mal, com um enorme frio na barriga, porém tento focar e me

controlar.

A mansão é luxuosa, parece aquelas de filmes. Realmente incrível, toda


em tons claros, por dentro e por fora. A minha chegada já era aguardada, a
empregada me leva até a sala de estar, onde o pessoal está reunido. Procuro
alguma pista de Esteban em algum canto, alguma foto, mas ainda nada.

As portas duplas se abrem, sigo a mulher e a minha respiração para


quando avisto, do outro lado da sala, um homem parado, observando pela
janela. É ele! O conheceria até se estivesse muito mais longe. A empregada

me anuncia, chamando por seu nome, derrubando por terra qualquer dúvida.

Quando Esteban vira e seu olhar encontra o meu, as minhas pernas


tremem e me dão a impressão de que irei cair. Estou bestificada e ele
também. Não conseguimos romper a força magnética emanadas por nossas
pupilas que nos obrigam a não piscar, a não desgrudar da imagem um do
outro que parece ser loucura demais para ser verdade.
Ficamos a sós quando a mulher que me trouxe aqui vai embora, e só
então pisco, processando essa situação. Um golpe forte demais, jamais

imaginei que fosse ele, como não descobri que estava aqui? Demoro a notar a
sua perna com a bota ortopédica e automaticamente me preocupo. Meu Deus,
o que aconteceu?

— Você? — A voz do lindo loiro de olhos azuis continua rouca e

máscula, mas sai ferida. O brilho da sua íris também não é mais tão radiante e
fica mais escuro a cada segundo que passa olhando para mim.

— Esteban... — O meu som é quase inaudível.

— O que... está fazendo aqui? — Ele está tentando entender.

— Eu... fui chamada... pelo meu chefe — explico. É inacreditável.

— Não pode ser. — Ele abaixa a cabeça, sorrindo sem humor,


processando esse fato. — Você sabia...?

— Não!

— Não acredito em coincidências.

— Ultimamente está acontecendo mais coincidências do que o comum.

— O que quer dizer com isso?

— Eu... precisava te encontrar. Te procuro há meses.

— Me procura? Para quê? — É irônico, está amargo, magoado e o


entendo muito bem. Foi julgado errado, acusado de algo que não cometeu e

agora nada mais é como antes. Não existe mais o amor. — Achei que não

quisesse me ver nunca mais. Que estava feliz aqui! — Joga na minha cara.
Fecho os olhos, controlando-me para não chorar.

— Esteban... — Calo-me quando ouço pessoas entrando pela porta. É


Alba acompanhada de Delmar.

— Olha só, ela chegou! — Dona Alba vem em minha direção, Esteban
volta a se virar para a janela, como se não quisesse mais olhar para mim.
Tenho que buscar todo o meu autocontrole para poder reagir a tantas
emoções ao mesmo tempo e ainda parecer normal. — Olá querida, tudo bem?

— Olá, dona Alba, tudo bem sim — nos cumprimentamos.

— Já conheceu o seu mais novo paciente? — pergunta, mas Esteban


continua de costas.

— Sim — respondo, aflita, engolindo em seco.

— Esteban... — O doutor tenta chamá-lo, mas é cortado


imediatamente.

— Hoje eu não quero avaliar nada. Estou com uma dor de cabeça
terrível! — anuncia, sem olhar para trás. Rancoroso.

Fico sem saber o que fazer, não posso simplesmente disparar a notícia
sobre Esperanza. Tenho que prepará-lo. Quero tocá-lo, cuidar dele, abraçá-lo,
escutá-lo, talvez pedir desculpas, conversar, entender.

— Meu filho, o que houve? — Alba se aproxima do homem que se

recusa a nos encarar. Fico chocada com o tamanho da sua perturbação com a
minha presença. Esse encontro está mexendo muito comigo também. Ainda
mais agora, que sei que não quer olhar na minha cara.

Doutor Delmar percebe que o assunto agora é de família e me chama

com o olhar para sairmos.

— Vamos esperar lá fora, Alba — ele avisa a senhora. Sou obrigada a


ir, porém não quero! Há uma vontade superior que me quer ao lado de
Esteban, uma necessidade de sentir o seu perfume, tudo. Ele ainda mexe
comigo, bagunça tudo, me tira o chão!

O observo enquanto me afasto, com medo de perdê-lo de vista outra


vez. De não contar o que deve saber, de perder a oportunidade. Mas a sua
perna ferida, de certa forma, me dá a segurança de que não pode ir muito

longe.

Ficamos no hall, aguardando alguma decisão. Delmar me conta


detalhes dos exames recentes de Esteban, opina sobre o que deve ser feito,
pergunta sobre a minha opinião também, mas nem o escuto, estou fora de
mim, pensando em Esteban incessantemente.

Indo longe, viajando por tantas lembranças, sem esquecer o olhar que
recebi minutos atrás e que me transpassou a ponto de me arrepiar inteira. As
minhas mãos tremem, a garganta está seca, o coração quase saindo pela boca,

os ouvidos surdos, tudo sucumbindo a simples presença daquele homem!


Uma revoada de sentimentos!

— Madeleine, está me ouvindo? — pergunta.

— Oi? Sim... doutor... claro. — Saio dos meus devaneios. Tento traçar

algum plano, alguma estratégia.

Alguns minutos depois, a senhora Javier vem até nós.

— Está tudo bem, ele só ficou indisposto de repente — anuncia. —


Podemos começar na segunda? Tem algum problema para você passar a
frequentar a nossa casa, querida? Acho que seria melhor, assim evitaria
Esteban se locomover com frequência.

— Por mim... tudo bem. Mas ele está de acordo? — Estou cheia de
dúvidas.

— Está. — Ela sorri.

— Ele... por acaso tem alguma viagem marcada? — A minha pergunta


faz a testa do doutor franzir, estranhando.

— Não. Ele não vai sair daqui a não ser que seja necessário, não se
preocupe.

— É o recomendável. — Fico mais aliviada.


ESTEBAN JAVIER

Impossível!!! Não pode ser... como? Ainda não consigo acreditar.


Agora sozinho, após ter inventado umas desculpas esfarrapadas para

convencer mamãe de não começar a avaliação da fisioterapeuta hoje, tento


pensar no que fazer. Sabia que Madeleine estava em Madri, mas jamais
pensei em procurá-la ou encontrá-la assim... de surpresa.

Eu não estava preparado! O que irei fazer? Falei à dona Alba que
queria o tratamento, mas... na verdade só quero tempo para descer esse
encontro goela abaixo! Coincidência? Destino? Loucura? Deus... alguém
pode explicar isso? A minha fisioterapeuta é a mulher que mais mexeu
comigo em toda a vida!

Penso que ela vai embora e a sensação é de que irei perdê-la outra vez,
mesmo já sabendo que não é mais minha e não a querendo outra vez.
Entretanto, um sentimento impulsivo lateja por minhas veias, uma vontade
louca de saber mais, de... entender! De querer ter novamente o controle,
aquele que perdi quando Madeleine me deixou!

Eu não deveria me importar... não deveria possuir essa curiosidade


ridícula, essa ansiedade, explosão de sensações, mas é inevitável. É como se
uma chama dentro da minha alma reacendesse para o bem ou para o mal.
Pego o celular dentro do bolso em desespero e ligo para o segurança, o

chamando.

Ordeno que ele me leve para um dos carros disponíveis e siga


Madeleine. Ainda bem que dá tempo de a acompanharmos após sair da
propriedade.

— Mantenha uma distância segura, não permita que ela nos veja —
instruo o homem, estou no banco traseiro, fazendo uma careta, sentindo dores
no calcanhar. Deveria estar em repousou ou fazendo algum exercício de
fortalecimento como disse o doutor Delmar, mas não me movimentando
assim.

Rapidamente mamãe me liga, preocupada, ela morre de medo de eu


sumir outra vez. Então atendo:

— Não se preocupe mãe, só estou dando um passeio — falo antes que

ela diga algo.

— Esteban, você não pode sair assim...

— Não se preocupe, sei me cuidar. Volto mais tarde. — Desligo, atento


ao carro de Madeleine que está a alguns metros do nosso.

Os minutos passam, paramos em uma casa simpática em um bairro de


classe média. Mantemos uma distância segura da fisioterapeuta que estaciona
na frente do imóvel e entra.

— Aproxime-se mais um pouco — ordeno ao segurança, que faz o que

digo. — Pare. Já está bom.

De onde estamos, consigo observar pelas duas grandes janelas abertas


da casa. O carro tem insulfilm, então não corro perigo de ser flagrado. Vejo
Madeleine conversando com uma mulher mais velha, uma senhora de cabelos

pretos e óculos. Elas duas caminham de um lado para o outro, o diálogo


parece tenso. Será que estão falando de mim?

De repente, Madeleine aparece com um bebê no colo, fico chocado! Ela


beija o rosto da criança que não consigo ver bem, abraça com carinho. Será
que é filho do namorado dela? Será que casou e engravidou? Rapidamente
faço os cálculos, faz apenas um ano que ela está aqui, nos separamos no
verão passado e agora, novamente no verão nos reencontramos.

O bebê é pequeno, mas esforço-me para tentar constatar se é um recém-

nascido ou não, mesmo assim, as contas não batem. Só se ela tivesse


engravidado assim que chegou aqui ou... já estivesse grávida antes de mudar
de país.

O último pensamento me paralisa, os lábios ficam entreabertos, os


olhos esbugalhados, milhares de pensamentos me invadindo. Não... ela não
me esconderia uma gestação. Não seria capaz disso. Pode ser filho de outra
pessoa, da mulher que está com ela, de uma vizinha. Então recordo de
Madeleine dizer uma hora atrás que estava me procurando. Por que me

procuraria? Por quê?


ESTEBAN JAVIER

Volto para a mansão meio entorpecido, desorientado, abalado com


tantos pensamentos. Não consigo dormir bem, a imagem de Madeleine com
aquele bebê no colo não me abandona, pelo contrário, pulsa, se alastra por
minha mente e domina os meus pensamentos. Fico tentando recordar de
alguma vez que tenhamos transado de modo irresponsável ao ponto de gerar
uma criança.

No dia seguinte, durante a tarde, aproveito que mamãe sai de casa e


volto a sair com o segurança para vigiar Madeleine. Ficamos um tempo na
sua porta, a minha expectativa é vê-la com algum homem, namorado ou
marido, mas não acontece. Pelo contrário, ela entra no carro com a mulher
que conversava ontem e com o bebê, que pelas roupas rosadas, agora
creio ser uma menina. Uma menininha linda e fofa.
As seguimos até um parque ambiental, onde as mulheres jogam uma
toalha sobre a grama verde e sentam-se com a criança, brincando com ela,

gargalhando e conversando bastante. A menina é loira, posso ver o brilho dos


seus cabelos dourados mesmo de longe. Meu coração bate acelerado com a
imagem de Madeleine brincando com ela, fico atordoado, os olhos
lacrimejam e não entendo o que estou sentindo.

Fico as assistindo do carro até que anoitece e vão embora. Nada de


companhia masculina. De quem é aquela bebê? Onde está o pai? Por que ele
não aparece? O que Madeleine queria comigo a ponto de me procurar?

Ao chegar na mansão, sou recebido por Alisa, que vem me abraçar com
cuidado!

— Titio, Esteban! — exclama, sorridente.

— Já voltou? Achei que iria dormir hoje com o seu pai — pontuo, pois
a tinham levado embora.

— Também achei, mas Isabel, a governanta, disse que não. Ela me


trouxe de volta, parece que papai vai ficar mais um tempo em Cercedilla com
Mina — informa, não muito contente.

— Ah, sim... — Antes de continuar falando, vejo mamãe se


aproximando com Luna. Ambas estão com as expressões nada boas. — O
que houve? — pergunto.
— Alisa, querida, o vovô está te chamando, vamos. — Luna leva a
menina para longe, fico atento.

— Oh, meu filho, aconteceu uma tragédia! — anuncia mamãe, nervosa,


fico preocupado. — Mina, a namorada do seu irmão, caiu de um cavalo no
lugar onde eles estavam, e agora está hospitalizada em estado grave, em
coma!

— Meu Deus — comento, e rapidamente esqueço dos meus problemas.


— Onde... eles estão agora?

— Aqui em Madri, Alejandro conseguiu transferir Mina para o hospital


em que sempre frequentamos, Joaquin está com ele. Ele deve estar arrasado,
o seu irmão ama muito aquela menina.

— Consegui notar isso no dia em que cheguei, vi na troca de olhar


deles. Mas calma, mãe. Temos que nos manter calmos.

— Sim, ainda mais pela Alisa. Ainda não dissemos nada a ela, então

temos que transparecer que está tudo bem.

— Certo — confirmo.

— Oh, Deus... por que a minha família tem sofrido tanto? Onde você
estava? Você não pode se locomover tanto assim sem supervisão. Você quer
me enlouquecer, Esteban!

— Mãe...
— Amanhã a fisioterapeuta vem, por favor, filho, inicie esse
tratamento...

— Sim, eu vou iniciar. Não se preocupe comigo agora...

— Não me diga isso! — Se irrita. — Eu me preocupo com todos os


meus filhos! Quero ver todos bem, é só o que quero. Agora vou rezar um
pouco pela vida daquela menina. Uma linda bailarina... oh Jesus! — A dona

Alba se afasta e me deixa compadecido com a sua aflição.

Devagar e com dificuldade, vou até a sala de estar, vendo a Alisa no


colo do senhor Javier e Luna do lado. Ele me olha com pesar, sempre meio
cabisbaixo, como fica desde que cheguei aqui, como se sentisse vergonha de
mim. Então levanta e se aproxima. Dou meia-volta, tentando fugir, mas já é
tarde.

— Filho...

— Ainda estou tentando me acostumar com o senhor me chamando

assim e não pelo nome — disparo, o seu olhar desvia.

— Em algum momento... quando estiver melhor, quero conversar.

— Talvez não valha a pena, pai. Não quero reabrir antigas feridas.

— Nem eu, mas...

— Não está sabendo do que aconteceu com a namorada do Alejandro?


— mudo de assunto.
— Sim, mas... conversar contigo é a minha prioridade também. Estou
tentando ser o pai de todos os meus filhos... pelo menos uma vez. — As suas

palavras me tocam e bagunçam tudo por dentro, mas mantenho a pose, o


calcanhar está doendo bastante.

— Eu não voltei para brigar..., mas também não quero remexer no


passado.

— Estou pensando no futuro. — Ele é rápido na resposta, mas ainda


não confio.

Assinto.

— Tenho que voltar para o quarto, preciso tomar meu anti-inflamatório


— continuo andando, o ultrapassando.

— Quer que eu chame o segurança para lhe ajudar a subir? — Se


dispõe.

— Eu ligo para ele.

— Ligar para quem? — Mateo surge. Acabou de chegar

— Ah, não é mais preciso. Será você que me levará para o quarto — o
aviso.

— Ainda não preparam um aqui embaixo? — pergunta, curioso.

— Acho que amanhã já estará pronto.


Subo com ele, confesso que é bem desconfortável ficar nos braços de
um gigante musculoso, mas deixo passar porque é o meu irmão. Quando

chegamos no cômodo, fico na cama na posição apropriada após tomar os


meus remédios. Conto a ele tudo sobre Madeleine, o nosso passado e as
minhas desconfianças do presente.

— Espera aí... está me dizendo que a sua fisioterapeuta por acaso é a

mulher com quem se envolveu há mais de um ano em Paris e que acha que
vocês têm uma filha? — Ele está embasbacado.

— Sim..., mas é só uma desconfiança, não sei se a menina é realmente


minha. Eu fiz as contas e, é possível. Nós nos conhecemos na primavera do
ano passado, tivemos uma relação de cerca de três meses até nos separarmos
no verão, se ela tiver vindo para cá grávida...

— Tudo isso são suposições. E bem loucas por sinal. Não consigo
imaginá-lo como pai. — Ergue as sobrancelhas, surpreso.

— Nem eu, mas... a criança também pode ser de outro. Ela teria que me
confirmar. Ela disse que me procurou, mas não dei oportunidade para falar o
motivo. Por que Madeleine me procuraria já que achava que eu a traí?

— Só se tivesse um motivo muito forte — conclui Mateo.

— Além disso, ela está aqui há apenas um ano, pouco tempo para
engravidar e já ter uma menina daquele tamanho.
— Mas é possível. É melhor não ficar especulando e conversar com
ela.

— Amanhã nos reencontraremos. — Fico apreensivo ao pensar nisso.

— Acha que ela vem?

— Sim... eu sinto — confesso.

— E se você for mesmo o pai... como se sente com isso? — Mateo está
curioso.

— Ainda não sei. Não sei me descrever agora. Não sei o que é ser pai.

— Mas se a menina for sua... vai descobrir. — Mateo respira fundo e ri


de nervoso. — Que loucura, Alejandro no hospital com a mulher acamada e
você aqui com a possibilidade de já ser pai. Tudo acontecendo ao mesmo
tempo. É melhor guardar segredo sobre isso por enquanto, senão dona Alba
ficará maluca.

— Claro — concordo.

— Acha mesmo que papai está tentando se reaproximar de você? —


Ele muda de assunto.

— Pelo que parece, sim, mas ainda não me convenceu.

— Dê uma oportunidade, o escute.

— Estou pensando nisso. Agora vou te pedir para sair, preciso fazer
uma vídeo-chamada com o meu psicólogo — informo, pegando o celular ao

lado.

— A essa hora? — Mateo observa o relógio de pulso.

— Ele me atende quando preciso.

Ao amanhecer, estou na sala de estar, sentado no sofá, observando

nervoso mamãe receber Madeleine. Dessa vez sinto necessidade de olhá-la.


Ela está linda, mais ainda do que quando nos separamos em Paris. Se tornou
um mulherão, usando uma calça e blusa que moldam seu corpo
perfeitamente, com saltos, a deixando mais gostosa.

O cabelo está feito, a maquiagem suave no rosto, o perfume que toma


todo o espaço, me inebriando, o jaleco que traz uma sensualidade, uma coisa
meio profissional que também me dá orgulho. Queria sentir ódio por ela, mas
não consigo, ainda mais com a ideologia que agora estou tentando seguir.
Nem tudo vale a pena.

— Bom, vou deixá-los a sós, preciso resolver algumas pendências.


Qualquer coisa, é só chamar — avisa dona Alba.

— Tudo bem — confirma Madeleine, sorridente. Minha mãe vai


embora e ficamos sozinhos. Ela se torna séria. — Oi, Esteban.

— Oi Madeleine — minha voz é fria. Ela respira fundo antes de


continuar falando.
— Olha... sei que não me quer aqui e você também não é obrigado a
isso. Mas eu vim por que...

— Estamos aqui para isso, não estamos? — interrompo, calando-a. —


Então faça o seu trabalho. Somos adultos. Preciso da sua ajuda como
profissional.

Ela ergue as sobrancelhas, surpresa. Demora a raciocinar, mas por fim

assente.

— Então vamos começar tirando essa bota, preciso ver o seu calcanhar
— afirma. Fico deitado no sofá com o pé sobre travesseiros após retirar a
bota ortopédica. Madeleine analisa o pequeno inchaço no local do ferimento.
— Vou tocá-lo agora, tudo bem? — Os seus lindos olhos encontram com os
meus, há sentimento.

— Tudo bem — sai quase como um sussurro. Seus dedos delicados


deslizam por minha pele, apalpando pontos específicos. Uma energia corre

por meu corpo. É incrível como o seu toque ainda me esquenta.

— Sente dor aqui?

— Não.

— Aqui?

— Sim.

— Os seus exames estão bem recentes, mas por precaução vou pedir
outros. Precisamos movimentar o seu tornozelo, criar força, e para isso
faremos alguns exercícios. Todos os dias. — Olha-me nos olhos novamente,

porque acabou de dizer que o nosso contato se estenderá por semanas, talvez
meses.

Madeleine também está nervosa com a nossa proximidade, mas tenta


ser profissional. Ela não consegue evitar me olhar várias vezes nos olhos,

enquanto os seus lábios rosados me chamam, me queimam de dentro para


fora numa vontade louca de beijá-la. Não posso. Não quero desejá-la, apenas
saber da verdade.

— Vamos fazer alguns movimentos agora. Avise-me se sentir alguma


dor — diz, respirando fundo.

— Tudo bem — concordo, saindo da hipnose que naturalmente ela me


causa.

Quando enfim terminamos com o primeiro exercício, ela faz algumas

anotações em uma agenda, sobre a mesinha de centro há uma bolsa com


acessórios e tudo o mais que precisa. Por fim coloca a bota novamente em
mim.

— Lembre-se de continuar tomando os seus remédios. O seu tornozelo


está respondendo bem ao exercício, teremos um longo caminho pela frente,
mas com resiliência, a recompensa será a sua cura total — diz, porém,
continuo calado. Ela não resiste e me fita outra vez. — A sua mãe disse que...
escorregou no gelo. — Está curiosa.

— Eu estava na Antártida. Viajei bastante, sabe? Precisava espairecer


— ela sente o peso das minhas palavras.

— Entendo.

— Por que estava me procurando, Madeleine? — disparo, ela fica


desconcertada.

— O quê?

— Você disse que me procurou, por quê?

A mulher é pega de surpresa. Seus olhos brilham, ela respira com


dificuldade, tomando coragem.

— Porque precisava te contar uma coisa... muito importante.

— O quê? — Então é verdade. Ela realmente me escondeu a criança.

— Esteban... depois que nos separamos... — Senta-se no sofá, à frente


dos meus pés. Engole em seco, sem palavras.

— Ela é minha filha? — Vou direto ao ponto, seus olhos esbugalham.


— A bebê que estava contigo ontem no parque... é minha filha? — Uma
lágrima desce pesada por minha face. Madeleine também chora, sem saber o
que dizer.
É agora... não há mais espaço para nada, a não ser a verdade.
MADELEINE FERNANDEZ

— Você nos seguiu? — choramingo, incrédula, tentando entender.

— Responde — rosna. Esteban está com raiva, olhando-me como se eu


fosse uma criminosa, já pensando o pior.

— Sim... — balanço a cabeça em positivo — ela é sua filha. Nossa


filha — confesso, e retiro um peso enorme que ficou por seis meses sobre as

minhas costas.

Esteban fica boquiaberto, provando que por mais que já desconfiasse


disso, ainda sim, o golpe é forte... profundo... intenso demais. Ele vira o
rosto, evitando olhar para mim, a mão trêmula enxugando os olhos. A sua
reação me afeta tanto que por um momento acho que vou desmaiar. Não
consigo parar de observá-lo.
— Como... teve coragem de me esconder essa gravidez? — É a
pergunta que eu estava esperando. O seu som é de indignação.

— Não tive... não escondi. — Ele me observa outra vez, agora


querendo compreender. — Esteban, eu tive uma gravidez silenciosa — ainda
não o convenci —, descobri que estava grávida no dia do parto.

Sorri em deboche, sem humor, incrédulo.

— Esse tipo de gravidez existe, eu não sabia até acontecer comigo.


Quando saí de Paris, já estava grávida e tive a menina no inverno. Quando te
procurei dias depois para contar, você já havia partido para não sei onde,
deixado um aviso para os seus amigos...

— Quer mesmo me convencer dessa mentira?

— Pergunte para eles... para Dominique, para Bernard...

— Estou me referindo aos nove meses de gestação, Madeleine! —

alteia a voz.

— Pesquise sobre a gravidez silenciosa e vai entender! — Estou


desesperada para que acredite em mim. — Eu não senti nada que a maioria
das grávidas sentem, continuei sangrando, mas era sangramento comum da
gestação e confundi com menstruação, até porque os meus ciclos menstruais
sempre foram bagunçados...

— Mentirosa...
— Por que eu mentiria?

— Porque estava com raiva de mim! Porque achava que eu havia te

traído e queria se vingar! — dispara, feroz, botando o que estava entalado na


garganta para fora. — Você foi medíocre, Madeleine...

— Medíocre? — Dói demais ouvir isso. — Você me conhece e sabe


muito bem que eu jamais faria isso! Agora se quer aproveitar o momento para

destilar toda a sua raiva por ter sido julgado injustamente por mim, pode
fazer! Vai! — O deixo perplexo, pela primeira vez estou confessando que ele
era inocente. — Há pouco tempo descobri que tudo o que me disse naquela
época era verdade. Amélie encontrou Camille por acaso e ela disse tudo,
falou que não... aconteceu nada entre vocês.

Ele fecha os olhos e vira o rosto de novo, tentando processar. O silêncio


predomina por um tempo, tento me recuperar do abalo emocional que me
envolve.

— Sabe... até entendo você ter ficado puta. Me coloquei no seu lugar...
eu também não teria acreditado se tivesse visto aquela cena, mas... o que fez
depois foi o que mais me magoou, Madeleine. Você não me deu a chance de
conversar, de me explicar, tanto que pedi...

— Mas...

— Fui atrás de você naquele aeroporto, sabia?


— Fiquei sabendo depois. — Fecho os olhos, sem chão.

— Levei um caminhão de rosas... — Ri, debochando de si mesmo, as

lágrimas descendo. — Você dizia que me amava tanto, e o resultado desse


amor foi se envolver com outro assim que chegou aqui...

— Não me envolvi com ninguém...

— E me esconder a minha filha!

— Não a escondi de você, caramba! — Bato na própria coxa, furiosa


por não ter crédito algum, por tentar me explicar e não ser levada a sério.
Soluço, em pranto. — No dia em que fui viajar parei na frente do seu prédio,
eu iria me despedir, mas te vi com aquela mulher que esbarrou em mim no
bar. A mesma que encontramos no baile de Cédric. Ela estava cheia de
intimidade contigo, te alisando...

— Nada a ver. Não foi nada! Você não viu nada demais!

— Eu estava frágil! No dia em que encontrei Camille em sua cama


descobri que meu pai não era meu pai biológico e fui expulsa de casa por
minha mãe! Tudo caiu sobre a minha cabeça ao mesmo tempo e quando fui
atrás de você... a única pessoa em quem encontrava apoio... flagrei aquela
cena terrível! O que queria que eu pensasse? Não considera traição deixar
outra dormir na cama onde dormia com a sua namorada? É muito fácil me
julgar e jogar tudo na cara agora!
— É muito fácil dar as costas a tudo que vivemos, a todas as provas
que te dei e simplesmente fugir do país!

Trocamos olhares fatais, inimigos. Um tentando derrubar o outro com


argumentos sobre o triste passado.

— Também não tenho culpa se sumiu no mundo sem contato algum!


Sem telefone, sem e-mail, nada! Enquanto isso, eu estava aqui... com a nossa

filha, te esperando para contar toda a verdade! Dominique me contou quem


era a sua família, mas nunca vim a esta mansão atrás de algum direito, porque
queria que você fosse o primeiro a saber!

— Viajei para tentar te esquecer! — rosna, ressentido, as lágrimas


rasgando o seu rosto como veneno a destruir a sua pele. É forte demais. —
Para esquecer o ódio que tive quando te vi naquela foto com aquele cara! Não
era o que você queria? A minha ausência? O meu distanciamento?! — Joga
na cara.

Tenho dificuldade para respirar. Estou me desmanchando neste


pesadelo. Por mais que eu já esperasse todas essas suas reações, a dor
superou as minhas expectativas.

— Na verdade, não era nada disso que eu queria... — soluço outra vez,
desabando em um abismo sem fim. — Tudo o que eu queria... era você! —
declaro, não suportando mais. Pego as minhas coisas com rapidez e corro
para fora, fugindo, preciso fugir!

Esbarro em Luna no meio do caminho que fica preocupada com o meu

estado.

— Moça, o que houve? — pergunta, tentando me segurar. Entretanto,


apenas balanço a cabeça em negativa, desolada, e saio da mansão, rumo ao
meu carro.

ESTEBAN JAVIER

Fico bestificado com as palavras dela. Tudo o que ela queria era eu?
Tocou na ferida que agora dói muito mais que o meu calcanhar. Chorando, a
vejo partir e me deixar sozinho outra vez. Logo depois Luna entra, sem
entender nada, preocupada.

— Esteban... o que está acontecendo? Por que a sua fisioterapeuta saiu


daqui assim? Por que você também está chorando? — Ela se aproxima,
agachando-se ao meu lado, me vendo abalado demais. — Vou chamar a
mamãe...

— Não! Não, Luna, por favor! — Nego.

— Então me conta. Se acalma, primeiro...


— Traz uma água e não deixe ninguém me ver assim, por favor —
imploro. Ela assente e sai.

Mais tarde, após estar completamente calmo. Luna senta no outro sofá
e me escuta contar absolutamente tudo. Chocada, leva as mãos à boca sem
conseguir acreditar.

— Meu Deus, Esteban... uma filha! — fala alto.

— Abaixe o tom, não quero que nossos pais saibam agora,


principalmente mamãe que está preocupada com Alejandro.

— Estou me sentindo em um campo minado — põe as mãos na cabeça


—, com uma bomba explodindo a cada instante por todos os lados. É você...
Alejandro... Mina, antes foi papai. Essa família ainda me mata! Já conheceu a
menina?

— Claro que não, acabei de ter a confirmação de que é mesmo a minha


filha, eu te disse!

— Gravidez silenciosa... uma amiga minha teve isso. — Essa


informação me deixa em alerta.

— Isso realmente existe? — pergunto.

— Sim... ela me contou que descobriu a gestação um dia antes de parir.


— Luna levanta e sai da sala, voltando depois com um tablet que me entrega.
— Olha aí! Foi exatamente o que a minha amiga teve.
É um site médico que conta tudo sobre esse tipo de gravidez. Leio
palavra por palavra atentamente, e conforme o tempo passa, entendo que tudo

o que Madeleine me disse é mesmo verdade.

— Se a sua dúvida era saber se ela estava mentindo, o que tenho a dizer
é o seguinte: ou essa garota encontrou uma boa desculpa para contar uma
mentira bem contada ou ela realmente carregou a filha de vocês por nove

meses sem saber. É loucura pensar isso, mas acontece.

Fico calado, raciocinando.

— Você que a conhece, sabe da sua personalidade. O que o seu coração


diz?

Suspiro e respondo, olhando dentro das pupilas da minha irmã:

— Já não tenho mais coração, irmã. Mas o meu cérebro diz que
Madeleine está falando a verdade — concluo.

Ver Madeleine chegar tão linda e perfumada me estremece inteiro por


dentro. Após o nosso embate de ontem, não sei como ela irá se comportar
hoje, mas sei muito bem o que quero fazer. Já tomei uma decisão. Parte de
mim fica aliviado que ela voltou, mas a outra parte ainda tem mágoa.
— Bom dia. Como está se sentindo hoje? — pergunta, delicada,
deixando a bolsa sobre a mesinha de centro. É incrível como mudou o estilo,

agora se veste com elegância, parece bem consigo mesma e com o corpo,
algo que não tinha antes. E isso aguça a minha atração.

— E isso importa? Como acha que eu deveria me sentir após a nossa


conversa de ontem? — alfineto, não consigo controlar.

— Estou me referindo ao seu tornozelo. Não pense que foi fácil para
mim também. Eu não quero brigar, Esteban. Querendo ou não, temos que
chegar a um acordo, não precisamos passar por isso, você pode trabalhar com
outro profissional e entrar em contato apenas sobre a nossa filha... se quiser, é
claro. — Desvia o olhar, essa última possibilidade claramente não lhe agrada.

Respiro fundo:

— Tudo bem — concordo. — Pensei muito sobre tudo e tomei uma


decisão. Quero conhecer a minha filha...

— A nossa filha. — Ela me corrige, incisiva. Suspiro.

— Mas antes precisamos fazer a nossa sessão, não quero que mamãe
desconfie de nada agora, estamos passando por um momento conturbado na
família. Quando terminarmos, vou sair discretamente com o segurança e
segui-la até a sua casa. Tudo bem?

— Sim — assente, realmente quer que esse encontro aconteça, isso me


deixa contente, mas não demonstro.

O tempo passa e recebo uma massagem ótima. Adoro tê-la me tocando,

cuidando de mim. Fico calado, a observando profundamente e entendendo


que é real, que estamos mesmo vivendo esses momentos após o longo
período de separação. Ela com as feridas dela e eu com as minhas. Quem é o
certo ou o errado? Quem é a vítima ou o culpado?

Quando dona Alba surge, nós fingimos que está tudo bem, fazemos
teatro. Após terminamos os exercícios para me trazer mobilidade no pé,
fazemos como combinado. Ela segue no seu carro a frente, enquanto vou com
o meu motorista atrás. Não queria, mas sinto orgulho de presenciar toda essa
sua independência. Saber que tão nova está conquistando as coisas que
sonhava.

Lembro do passado, quando ela me contava dos seus sonhos e


objetivos. Dos momentos lindos que tivemos. Não consigo odiá-la e por mais

que não queira admitir, tê-la comigo, mesmo que presa através da
fisioterapia, é uma lufada de sensações boas, indescritíveis... incríveis. Essa
mulher mexe comigo ainda mais do que antes.

Entro devagar em sua residência, que é até bem simpática e espaçosa,


pintada em tons claros, algumas paredes em um amarelo muito bonito. Tudo
é bem decorado, cheio de detalhes, uma casa que traz um ar de família e
aconchego. Com janelas que permitem a luz brilhante do sol entrar e a brisa

do vento meneando as cortinas.

— Essa é a minha tia, Lea. Ela cuida da bebê enquanto eu trabalho —


apresenta Madeleine.

— Olá, Lea Armand — trocamos um aperto de mão. De cara, já sinto


confiança no sorriso dela.

— Esteban Javier, prazer.

— Quer uma água? Um café? Qualquer coisa.

— Não, obrigado. Só quero ver a menina.

— Eu acabei de dar mamadeira, ela está tirando uma soneca. É muito


dorminhoca — conta, cheia de carinho.

— Acompanhe-me — chama Madeleine, deixando as suas coisas sobre


o sofá, ficando mais confortável. Ela caminha na frente e eu a sigo de

muletas.

Entramos em um lindo e espaçoso quarto em tons de rosa bebê e


branco. Tudo é muito limpo e confortável. Meu coração para quando avisto o
berço. Madeleine olha-me nos olhos antes de puxar o dossel delicado e dar
visão para a coisa mais fofa que já vi em toda a minha vida.

Sinto o meu peito voltar a bater, agora acelerado e fica mais rápido
enquanto ela toma a criança nos braços com delicadeza e experiência. A
menina faz um barulhinho e se reconforta no colo materno, o reconhecendo.
Engulo em seco, fascinado e chocado ao mesmo tempo.

Madeleine me fita com os olhos brilhando e eu também não consigo me


segurar, as lágrimas despencam, silenciosas. Uma ardência me atinge por
dentro, se concentrando em meu âmago. São emoções estranhas, ainda
desconhecidas e que estou tentando desesperadamente identificar.

— Sente-se na cama para eu colocá-la em seu colo — pede, me tirando


da hipnose, não consigo parar de contemplar a menina loirinha, a pele alva,
belíssima, tão linda quanto um anjo.

Com cuidado, tremendo, consigo me sentar e pôr as muletas de lado.


Avisto uma foto minha com Madeleine sobre a mesinha ao lado e é como se
uma flecha me acertasse em cheio. Foi em Cabourg que tiramos essa selfie...
na praia... em um dos momentos mais felizes das nossas vidas.

— Vou entregá-la a você agora — avisa. Fico nervoso ao extremo.

— E se... e se eu a derrubar? — pergunto, gaguejando.

— Você não vai... — Sorri, emocionada. — Eu tenho certeza.

Assim, recebo a bebê lentamente em meu colo, e quando os meus


braços e mãos a envolvem, quando a sinto junto a mim e sua mãozinha
naturalmente segura em meu antebraço, perco tudo... perco o mundo e
entendo de uma vez por todas o que estou sentindo... é amor.
Um amor arrebatador, incondicional, maior do que tudo que já senti
antes, forte... intenso e poderoso. Meu Deus... não sei o que está acontecendo

comigo, mas tudo o que quero agora é protegê-la para sempre e nunca mais
sair de perto dela.

— Minha filha... — sussurro, sentimental, abalado, observando o seu


rostinho que lembra tanto a mim e a minha mãe —, você é a minha filha.

Madeleine soluça, arrebatada e senta-se ao nosso lado, nos assistindo


com um embevecimento abissal.

— Qual é o nome dela? — pergunto.

— Esperanza — revela, frágil. — Porque... quando a tive e não


consegui te encontrar, sabia que precisava de esperança de que tudo iria dar
certo. Foi muito difícil para mim... eu não queria ser mãe tão cedo e fui pega
de surpresa, mas... quando a vi, senti tanto...

— Amor — completo, compreendendo tudo. — É amor que estou

sentindo agora. Eu te amo... Esperanza. — Acaricio o rostinho dela, a menina


mexe os lábios, e abre os olhos lentamente, revelando as duas lindas pupilas
azuis, me tirando o chão. — Veja... ela acordou. — Fico todo bobo,
esquecendo de todo o mal, do rancor, da mágoa.

Tudo de ruim é destruído, não existe mais nada além desse olhar
inocente que me domina.
— Olha filha... é o seu papai — Madeleine soluça, fungando. — Eu
disse que ele chegaria logo, não disse? Ele voltou.

As palavras dela me emocionam, saber que falava sobre mim, que não
me esqueceu, que me mantinha aqui com elas de alguma forma, mesmo eu
não merecendo tudo. Esse momento é mágico, e nesses primeiros minutos, já
vou descobrindo um pouquinho do que é ser pai, e ser pai também é saber

reconhecer.

Seguro a mão de Madeleine com afago, a surpreendendo, prendendo os


seus olhos marejados nos meus. Ela se enche de expectativa mesmo não
sabendo o que esperar.

— Obrigado por não desistir — agradeço, mais lágrimas descem.


Suspiro, a respiração quebrada, me controlando para não desabar, mas no
bom sentido. — Você foi muito forte... e me perdoe pelas palavras pesadas.

— Perdão também... por tudo, por não ter te ouvido. Eu me arrependo...

— desabafa, em prantos.

— Eu que me arrependo de ter deixado Camille entrar, foi errado...,


mas só quis ajudar, porém não pensei no que você acharia de tudo aquilo. Fui
negligente e carreguei essa culpa durante todo esse tempo, porque só depois
que te perdi... — suspiro, quebrado, abrindo as feridas —, é que descobri que
te amava, Madeleine, que sempre te amei... e agora sei que ainda te amo. Não
queria, mas te amo, e amo a nossa filha!

Ela fica embasbacada com as minhas palavras, não esperava. Estamos

tremendo. Madeleine puxa o meu rosto e me beija. O toque dos nossos lábios
reanima todo o meu espírito e ressuscita sentimentos há muito tempo
esquecidos. É um forte e verdadeiro amor. Amo-a como jamais amei outra
mulher. Amo-a como se dependesse disso para sobreviver.

— Eu te amo... nunca deixei de amar — sussurra contra a minha boca,


era tudo o que eu precisava ouvir. — Te amo demais, Esteban. — Ela me
beija novamente, esquentando os nossos corpos, sôfrega, segurando o meu
rosto entre as palmas com um certo desespero, como se precisasse comprovar
que sou real. — Nunca mais quero te perder!

— Nunca mais... — murmuro, sendo golpeado pelo delicioso sabor da


sua língua, ainda é o mesmo, só que melhor, bem melhor.

Esperanza grita, chamando a nossa atenção, esbugalhando os olhos

azuis intensos. Ela aperta as pequenas mãos uma contra a outra, nos
observando e fazendo lembrar que ainda está aqui. Sorrimos para ela.

— Oi, filha... — Seguro uma de suas palmas e ela aperta com uma
força monstruosa, gritando novamente, como se quisesse dizer alguma coisa.

— Acho que ela está feliz por conhecer o pai — Madeleine sorri,
enxugando os olhos.
— Também estou feliz. Pela primeira vez em muito tempo me sinto
feliz de verdade. — Sorrio, e beijo Madeleine outra vez.
MADELEINE FERNANDEZ

Parece até mentira, mas é real! Ter Esteban e Esperanza aqui comigo é
um sonho realizado! O meu peito se enche de alegria, uma felicidade que não
cabe em mim. Graças a Deus ele me escutou, nós discutimos, conversamos e
nos perdoamos de todo o mal que, sem querer fizemos um ao outro.

Paz... a sensação é de que a dor acabou, e quando os lábios dele se

misturaram aos meus, eu soube ter reencontrado o meu lugar. Ao ouvi-lo


dizer que me amava, me derreti e me tornei apenas um pó apaixonado voando
sobre as nuvens. Flutuei... fui além e recordei o que é estar apaixonada, o que
é amar alguém de verdade e mais do que nunca, ser amada.

Agora, estou na cozinha preparando um lanche com tia Lea enquanto o


lindo loiro de olhos azuis está com a nossa filha lá na sala. O acomodei no
sofá, com o pé sobre alguns travesseiros, ele brinca com Esperanza que está
sobre o seu abdômen, gargalhando alto com as suas palhaçadas.

— Minha nossa, olha só como ele já está apaixonado pela menina! —

comenta titia, de mãos cruzadas, radiante, espiando pela porta entreaberta que
dá visão para a sala. — Que lindo! É de deixar o coração quentinho!

Deixo os sanduíches que estou preparando de lado e me aproximo dela


para observar também. Esteban usa o rosto para fazer cócegas na bebê que

puxa os seus cabelos dourados com uma força imensa e grita, gargalhando.

— Eles são tão lindos juntos, não é tia? Parece até um sonho! — Fico
nas nuvens, suspirando.

— Sim... e me desculpe falar, mas... ele é maravilhoso. Você por


diversas vezes havia me contado sobre a beleza desse homem, mas nada
chegou tão perto da realidade. Esteban Javier possui uma beleza digna de um
deus da mitologia grega.

— Concordo... e olha que depois que passei a observar a família dele,

notei que essa beleza vem do sangue. Todos eles são lindíssimos, os irmãos e
até os pais, apesar da idade, têm boa aparência.

— Você também não fica atrás. Agora, o jeito como ele te olha é
fascinante — comenta, inflando o meu ego e paixão.

— Ele disse que me ama, tia... pela primeira vez, e isso me tirou do
chão. — Volto para os sanduíches, organizando-os sobre a bandeja com um
copo grande de vitamina.

— Eu acredito, dá para notar o quanto vocês dois ainda são muito

apaixonados um pelo outro e isso é fantástico, principalmente para Esperanza


que agora está com o time completo, pai e mãe. Estou tão feliz por você,
querida!

— Sei que sim, tia. E só o que me define agora é alívio. Vou lá levar o

lanche para ele.

— Vai... vou deixá-los a sós para que possam conversar a vontade. Sei
que há muito para esclarecer ainda.

— Tudo bem — agradeço, afastando-me. Aproximo-me de pai e filha


que se divertem fazendo barulho.

— Você gosta do papai? Gosta? Gosta, do pai? — ele pergunta,


fazendo uma voz fofa, cheirando o pescoço da menina que se derrete, rindo
com as cócegas da barba dele.

— Que festa linda essa de vocês! — exclamo, colocando a bandeja


sobre a mesinha de centro. — Agora venha para o colo da mamãe e deixe o
papai lanchar. — Tomo Esperanza nos braços.

— Não precisava se preocupar — diz Esteban, olhando para os


sanduíches. Deixei a mesa perto dele, para que pudesse alcançá-la sem
esforço. Sento-me na poltrona, pondo o seio para fora e dando de mamar para
a menina.

O advogado paralisa, contemplando nós duas com fascínio e

admiração.

— Vocês são lindas juntas — comenta, encantado. — Parecem até uma


obra de arte. — Sorrio, contente. — Você está tão mulher.

— Por acaso está me chamando de velha? — brinco.

— Sabe que não é isso — sorri, é sensual até sem querer. — Quis dizer
que está muito bem... independente, mais ainda do que já era quando nos
conhecemos. Notei também que está mais segura de si... mais madura.

— A maternidade mudou muita coisa, Esteban, e acho que todas para


melhores.

— Tenho certeza disso.

— Quanto ao trabalho, diferentemente da época do Le Loup, gosto do

meu novo ambiente de serviço, todos lá são muito educados e me tratam


muito bem. Também frequento um grupo de apoio que me trouxe mais
segurança quanto ao meu corpo e me ajudou a desintoxicar a mente de tudo
aquilo que vivi.

— Que bom, Madeleine. Eu tenho feito várias sessões virtuais com o


meu psicólogo nos últimos meses. Ainda estou nesse processo de
desintoxicação — afirma, reflexivo, desviando o olhar por alguns segundos.
— O que está acontecendo na sua família? Que momento conturbado é
esse que estão passando? Algo a ver com você e seu pai? — Estou curiosa e

preocupada ao mesmo tempo.

— Não... na verdade, o problema é com a mulher do meu irmão,


Alejandro. Ela está em coma há dois dias, levou um golpe forte após cair de
um cavalo. Ela é muito querida por todos e como o Alejandro já é bastante

fodido do psicológico devido à ausência da sua voz, a preocupação é maior


ainda.

— Nunca me disse qual é o problema dele. Comentou apenas que era


psicológico, senão me engano — relembro.

— Sim, é. Se chama mutismo seletivo, um transtorno que o impede de


falar em determinados lugares ou com algumas pessoas. Lá em casa ele só
fala com a Alisa, a filha dele, com o resto de nós tem bloqueio.

— Que horror... — Fico compadecida mais uma vez com a história

desse homem. — E o que fez ele ficar assim? Mutismo seletivo... nunca ouvi
falar.

— Quando ele passou a morar conosco, já era assim, não sabemos


como aconteceu. Os pais dele morreram de forma trágica, então pode ter algo
relacionado a isso, não sei dizer — conta.

— E como está a relação de vocês dois?


— Péssima ainda. Quer dizer... nem tivemos tempo para conversar, só
o vi uma vez depois que cheguei, depois veio você, o acidente dessa menina.

Luna hoje foi para o hospital onde ela está internada, foi dar apoio ao
Alejandro. Estou esperando o momento certo para... sei lá, talvez pedir
desculpas — revelo, suspirando em seguida.

— Está disposto a isso? — Fico muito feliz por saber que agora

Esteban pensa assim.

— Sim... eu voltei para Madri disposto a levantar uma bandeira da paz


para todos os conflitos que tinha com a minha família. Além disso, depois
que cheguei descobri... que o Alejandro nunca soube das tramoias de papai.
Jamais foi conivente. Ele era inocente, Madeleine, como você desconfiava.

— Isso muda tudo, não é?

— Muda.

— Prova que ele também foi uma vítima do seu pai. Eu até tentei ter

raiva do senhor Javier esses dias em que estou indo à mansão. Mas ao olhá-
lo... vejo apenas um homem abatido e cabisbaixo, frágil. Dá até pena.

— Ele está com depressão. Antes da minha chegada, mamãe nem


dormia mais com ele e acho que ainda não dorme. Ele contou tudo a ela, a
consciência pesou e então contou. Ele sabe do que me fez, tanto que agora
busca o meu perdão. Além disso, a relação com os demais filhos é fria, Mateo
só aparece de vez em quando, Luna não dá bola para ele e muito menos
Alejandro, que até um tempo atrás o deixou sem a presença de Alisa, por ter

escondido coisas dele.

Balanço Esperanza no colo, a acomodando melhor. Ela chupa o bico do


meu peito com afinco e os olhões azuis continuam sobre mim. Sorrio e a
acaricio.

— Fico feliz em saber que está tentando consertar as coisas. Todo


aquele ódio não valia a pena, só fazia mal a você.

— Foi o que o meu psicólogo me fez enxergar. — Ele contempla a


filha por mais um tempo, sorrindo, apaixonado, me arrebatando. — E como
está com a sua mãe? Como ficou tudo depois que veio para cá? — ele muda
de assunto, está curioso.

— Por incrível que pareça, a minha ausência em Paris fez a dona


Martina repensar em muitas coisas. Hoje nos damos bem, mas ainda não

consegui superar todas as coisas que me fez. Porém, não foco mais nas
lembranças ruins, com o nascimento de Esperanza, uma nova vida nasceu
para mim também...

E assim, continuamos conversando pela tarde inteira, até a noitecer. Tia


Lea se aproxima e bate um bom papo com Esteban também. Conforme o
tempo passa, enxergo outra vez aquele advogado alegre e vívido que conheci
em Paris. Ele ainda está ali, só precisa de incentivo para ressurgir de vez.

ESTEBAN JAVIER

Estou me sentindo outro homem. Foi difícil dormir na mansão, longe

da minha filha e de Madeleine. Pela primeira vez em bastante tempo, não tive
uma noite triste, solitária ou depressiva, muito pelo contrário. Os sorrisos e
gritos de Esperanza realmente me deram esperança de que posso ter um
futuro melhor, de que ainda é possível acreditar e fazer um novo caminho.

Agora me sinto outra vez com um propósito, um homem capaz de


vencer as dificuldades da vida sem me entregar às mazelas. Sinto que posso
voltar a enfrentar os problemas sorrindo, com bom humor e confiança. Tudo
o que me foi tirado, está sendo devolvido de uma maneira duplamente

melhor.

Saio do quarto devagar, dando um passo de cada vez com as muletas.


Ao chegar próximo à porta aberta do antigo quarto de Alejandro, vejo Luna
sair de mãos dadas com a Alisa, ambas aflitas.

— O que houve? — pergunto, preocupado.

— É o papai... ele está sofrendo por causa da professora Mina — fala


alisa, deixando as lágrimas despencarem. — Eu quero que ela acorde, tio! Por
favor — implora, agoniada, sem chão. Meu coração fica pequeno no peito.

— Vamos, querida — Luna a chama, se afastando, e sussurra para

mim: — Fala com ele. — Aponta com o rosto para dentro do cômodo, só
então estico o rosto e avisto Alejandro de costas, na janela, em prantos.

Respiro fundo, é agora, o momento que eu esperava. Vê-lo ferido,


abatido, desabando, dói demais em mim. Já fiz tanto mal a ele que não sei o

que irei dizer, não sei como reagir. Preciso, pelo menos uma vez ser o irmão
que nunca fui. Necessito do seu perdão e lhe dar forças neste momento
difícil, pois já passei pelo o que ele está passando, a sensação de perder a
mulher amada para sempre.

Tomo coragem e lentamente, dirijo-me até ele, fazendo barulho a cada


vez que as muletas tocam no piso. Alejandro olha para trás e me vê, momento
em que tenta a todo custo engolir o choro e fingir que é forte, que nada
demais está acontecendo, escondendo-se novamente em seu terrível silêncio.

Meu coração está a ponto de sair pela boca e perco todas as palavras
quando paro ao seu lado, abalado, trêmulo, quase sem respirar. E agora? O
que farei? Onde está a intimidade que deveríamos ter? O companheirismo, a
camaradagem, a lealdade? Ambos fomos manipulados, enganados e criados
para sermos inimigos.

Nunca trocamos confidências, somos dois estranhos lado a lado. Dois


desconhecidos da mesma família tortuosa. Fito a sua mão sobre o parapeito,
fecho os olhos para tomar coragem e ergo a minha devagar, trêmula até

finalmente conseguir pousá-la sobre a dele. Torço para que esse toque
carinhoso valha ao menos pela metade das palavras que nunca lhe disse e que
não consigo dizer agora.

Os sentimentos estão aflorando e explodindo por cada poro do meu

corpo. Eu precisava disso, dessa energia de irmãos da qual sempre fugi por
achar que era o meu mal, mas agora sei que sempre estive enganado.
Alejandro faz parte de mim e também sei que faço parte dele. O nosso laço é
profundo e único.

Aperto a sua palma, dando apoio ao seu sofrimento, um alento, um


afago. Sinto o seu calor enquanto invado o seu silêncio sem pedir licença.
Tenho medo de ser rejeitado, de receber dele o que sempre lhe dei, mas... se
mostrando novamente superior, o homem me corresponde, atingindo-me em

cheio com muita emoção. Seus dedos seguram os meus e me fazem chorar,
quebrado.

Neste simples gesto, ele me diz tudo que não pode verbalizar, afirma
que me perdoa e que precisa de mim tanto quanto preciso dele. Uma atitude
que vale mais do que mil palavras. Meu lábio inferior chega a tremer com o
pranto intenso, os suspiros de estar sentindo tanta energia positiva nos
sondando e todo o mal caindo por terra sem chances de se reerguer.
Contra todo o ódio, essa irmandade venceu!
MADELEINE FERNANDEZ

Com o tempo tudo vai se acertando. Vou para a mansão dos Javier
todos os dias, ajudando Esteban com o tratamento do seu tornozelo. Agora a
nossa interação é bem maior porque não há mais mágoas, somente amor.

Seguimos o protocolo que combinamos, fingindo para os pais dele que


não nos conhecemos, que somos apenas paciente e fisioterapeuta, porém os

irmãos dele já estão cientes de tudo. Luna, inclusive já trocou algumas


palavras comigo. Ela pessoalmente é uma pessoa totalmente diferente do que
aparentava ser de longe, de uma forma positiva, apesar de maluquinha.

Chegamos ao outono e, para o conforto de todos, a mulher de


Alejandro, Mina, finalmente acorda do coma, após passar um mês inteiro
dormindo, derrubando assim toda a tensão que ainda restava entre os Javier,
trazendo paz em nossos corações e a oportunidade de finalmente noticiarmos
sobre a existência de Esperanza.

É fim de semana, estou na minha casa observando a minha pequena

dormir e esperando Esteban chegar para conversarmos sobre esse assunto.


Olho-me no espelho, estou usando um vestido tomara-que-caia que contorna
bem o meu corpo, do qual agora me orgulho e me sinto bem. Me perfumo,
passo o batom e espero ansiosa pelo meu amado.

Ouço a campainha tocar e corro para recebê-lo. É a primeira vez que


ele vem aqui a noite. Abro a porta e encontro um belíssimo loiro com os
cabelos penteados para trás, usando um casaco branco que o deixa ainda mais
lindo, mesmo que de muletas.

Ele me observa dos pés à cabeça, um olhar faminto. Todo esse tempo
após o reencontro namoramos escondidos, mas não tivemos oportunidade de
fazer muita coisa, o que instigou ainda mais a nossa libido.

— Entre, meu amor. — Dou espaço, deixando-o passar. Fecho a porta

enquanto Esteban avista a mesa que preparei para nós, um lindo jantar à luz
de velas.

— Tudo isso é para mim? — Sorri charmoso, a barba cerrada, de um


tom dourada, formoseando o seu queixo másculo e viril.

— Para nós — digo, sorrindo de orelha a orelha, sentindo o seu


perfume me atingir.
— A sua tia já saiu?

— Sim, foi dormir na casa de uma amiga. Estamos só eu, você e a

bebê.

Esteban Javier me consome com o olhar, vejo fogo em suas pupilas e


pensamentos indecentes. Ele deixa as muletas de lado, encostadas na parede,
ficando em pé sem dificuldade, já que agora tem mais resistência no

calcanhar machucado. Então me chama com a mão, sexy.

Quase sem ar, não penso duas vezes antes de ir até ele, sendo enlaçada
por seus braços quentes e devorada por sua boca que recai sobre a minha em
um beijo lascivo, devagar e gostoso. Logo sinto quando as suas mãos
enormes resvalam por minhas costas e apertam a minha bunda com força ao
mesmo tempo em que chupa a minha língua, sugando, dominando.

— Oooh... — gemo, arranhando os seus ombros, notando a sua ereção


crescendo entre a gente, tomando forma. Estou louca para revê-lo nu, como

veio ao mundo.

O beijo se torna mais saliente, efervescente. Os nossos lábios se


misturam com sensualidade, fazem sexo, e esse contato enrijece naturalmente
os bicos dos meus seios. O homem parece sentir isso e escorrega os dedos
longos por minha cintura, subindo até os ombros, puxado o vestido e
desnudando o meu busto. Estou sem sutiã.
Sua respiração quente bate contra a minha boca. Seus olhos faiscantes
observam os meus mamilos com cobiça, feitiço. Quando me toca e apalpa

com certa força, ergo o rosto em gemido, fechando os olhos, sensível,


pingando.

— Como eu estava com saudade... — rosna, rouco e poderoso.

A sua língua se arrasta por minha garganta, arrepiando-me inteira ao

mesmo tempo em que massageia os bicos, instigando, alastrando o fogo,


queimando-me como somente ele sabe queimar. Esteban se abaixa mais um
pouco e lambe cada um, lento, pervertido, abrindo a minha bunda ao meio, os
dedos afundando na minha carne.

— Eu quero você, Esteban... — digo, em um grunhido, já entorpecida e


sensível. Seguro o seu pau sobre a calça. — Quero inteiro — anuncio, o
deixando louco.

Nós vamos para o sofá que é bem espaçoso, ele coordena tudo, fica

deitado após tirarmos toda a sua roupa. Estou em pé, o observando se


masturbar provocante, alucinando-me apenas com a imagem do seu corpo
enorme e definido, dourado, o pau gigante na mão, escorregando entre os
dedos.

— Agora tire a calcinha... bem devagar — ordena, mordendo o lábio


inferior, gostoso.
De costas para ele, desço a peça pequenina de forma sensual, sem
pudor, arrebitando o bumbum em sua direção, safada e necessitada, segura de

mim e sem nenhuma vergonha. Depois o vestido, até ficar completamente


nua para ele.

— Linda... você está ainda mais linda, Madeleine — diz, encantado, me


contemplando.

— Não me faça mais esperar... preciso de você agora — murmuro, sem


tirar os olhos do seu membro grosso e pulsante.

Esteban me chama novamente, surpreendendo-me ao me pedir para


ficarmos na posição 69. Fico com a bunda diante do seu rosto e com o seu
pênis diante do meu. Libero gritinhos quando ele novamente me abre ao meio
e arrasta a língua por minhas carnes íntimas, devastando tudo.

Perco a concentração, mal consigo lamber a sua glande massuda,


pontuda e rosada que me deixa com água na boca. Recebo um tapa forte e

beijos em seguida. Ele invade a minha fenda e gira, arrepiando-me


novamente até que fico ainda mais encharcada, trêmula.

Engulo o seu pau numa tentativa de lhe dar prazer também,


escorregando os lábios pelo corpo parrudo, longo e vívido, que queima a
minha língua e roça em meus dentes. Não vou tão longe, é impossível
absorver tudo... é imenso e impressionante!
— Hmmm... — gemo mais vezes, agora com o pau dele na boca,
apertando-o, lambuzando-o com a minha saliva.

Esteban está se fartando, atacando a minha intimidade esfomeado e


delicado, sabendo bem como me chupar e me tirar todo o equilíbrio. O
masturbo, pincelando a sua fenda, o fazendo gemer contra o meu centro e
sugar os lábios vaginais para dentro da boca, comprimindo-os entre os lábios,

beijando, bebendo o meu primeiro orgasmo que me faz gritar alto.

Ele também não consegue mais esperar e me pede para virar, se


ajeitando para ficar um pouco mais sentado. Visto-o com o preservativo,
seguro o seu pênis que está em chamas, bastante duro, e guio-o até a minha
entrada.

Dor..., parece que voltei a ser virgem. A última vez que transei foi com
ele e já faz muito tempo.

— Aaaai, Esteban... — mio, toda manhosa, sentindo dificuldade com a

penetração. Solto-o, entregando-lhe todo o poder, apoiando as mãos no seu


peitoral inflado, definido. Esteban me contempla, hipnotizado, de lábios
entreabertos enquanto move o quadril de forma hábil, abrindo as minhas
nádegas para facilitar.

Leva um bom tempo para se afundar inteiro em mim, porém quando


acontece... é mágico. Sinto-me totalmente preenchida, abastecida com o seu
corpo unido ao meu. Novamente somos um, e nem o tempo ou a distância
conseguiu superar isso. Agora entendo de uma vez por todas que fomos feitos

um para o outro e que o nosso destino está interligado.

Esteban aperta a minha cintura, sem tirar os olhos dos meus, gemendo.
Movimento-me, subindo e descendo, sem pressa, afundando as unhas no
peitoral dele. O homem me guia, aumentando o ritmo, movendo os quadris,

socando o pau na minha boceta com mais intensidade, saciando a nossa sede,
buscando o nosso prazer.

— Aaah... gostosa!! Minha!! — grunhe embevecido, afundando o rosto


no meu busto, abraçando o meu corpo com toda força possível, esmagando-
me para si, adorando o meu tamanho. Dá para notar que me adora e me
deseja exatamente como eu sou.

Ele me morde, arranhando os dentes em minha pele, apaixonado, voraz.


Estapeia os meus quadris mais uma vez no instante em que puxo os seus

cabelos, pressionando o seu rosto contra mim, sentando em seu mastro com
mais força, molhada, lambuzada, sensível, e estremecendo, saindo de mim.

Gememos alto em um orgasmo único, alucinados, embriagados de


paixão, amor e prazer. Uma lubricidade que nos domina e nos faz de
submissos um do outro. Esteban estoca forte, se enterrando de forma
profunda em minhas entranhas, mostrando que é o meu homem e fazendo-me
sua mulher.

Estamos suados, entregues, recebendo cada rajada dessa energia

afrodisíaca que nos envolve e eleva as nossas almas a outro nível. Ele ergue o
rosto e o beijo, apaixonada, com o seu pau pulsando contra os músculos da
minha vagina que se contraem e o comprimem, fechando o seu corpo grosso
desenhado por veias ferventes.

Mais tarde, ficamos deitados ainda sem roupa um ao lado do outro, eu


com a cabeça repousada sobre seu ombro e a coxa sobre a sua. Ambos
apertados no espaço do sofá, mas de uma forma boa e agradável. Gosto de
ficar assim, coladinha a ele.

— Eu precisava tanto disso — confesso rindo, brincando com o seu


tanquinho, deslizando a ponta do dedo por cada gominho. — A última vez
que transei foi contigo.

— Sério? — Se surpreende, sorrindo.

— Sim.

— Por isso estava tão apertadinha. — Apalpa a minha bunda que tanto
gosta. — Eu te amo Madeleine, como jamais amei outro alguém — se
declara.

— Te amo mil vezes mais. — Acaricio a sua barba dourada, os fios que
tanto roçaram em minha intimidade. Nos beijamos outra vez e me excito ao
sentir o meu gosto nele. — Estou contente por Mina ter acordado. Acha que
agora podemos contar sobre Esperanza para Alejandro e para os seus pais?

— Sim, mas vamos esperar mais um pouco até Alejandro voltar à vida
normal. Ele recebeu a noiva com uma festa e começou o tratamento para
voltar a falar.

— Que maravilha! — comemoro.

— Também me convidou para voltar ao meu antigo cargo na empresa


assim que estiver totalmente recuperado do tornozelo.

— Nossa... que fantástico, meu amor!

— Pois é. Aos poucos estamos construindo uma amizade que... pelo


visto, sempre esteve ali, só precisava florescer.

— Tenho certeza que dará tudo certo.

Ele me beija de novo e me aperta toda contra o seu corpo duro,

voltando a se excitar, mas antes que possamos brincar de novo, ouvimos o


choro de Esperanza.

— Parece que alguém acordou. — Sorrio, enquanto ele faz um


semblante impagável. Gargalho.

— Tinha que ser agora, filha? — brinca.

— Está pensando que ser pai é fácil? Não é!


ESTEBAN JAVIER

Chega o grande dia de anunciar oficialmente para toda a minha família


sobre Esperanza. Acabamos de entrar no inverno, estou no carro com

Madeleine, a nossa filha e dona Lea, indo em direção à mansão onde reuni os
Javier para um almoço. Quando o motorista para o automóvel, Madeleine
suspira, nervosa.

— Ai, meu Deus... estou tensa — afirma.

— Calma, meu bem, vai dar tudo certo — tranquilizo-a.

— Esteban tem razão, querida. Fique calma, tenho certeza que todos
vão amar a notícia, até porque já te conhecem e gostam de você.

— Exatamente — confirmo. — Ela já fez amizade com Luna, com

mamãe, trocou algumas palavras com Mateo, Alisa e até papai. Falta apenas
conhecer Alejandro e Mina.

— A minha sobrinha encanta onde passa, mas se com ela não der certo,
tenho certeza absoluta que Esperanza dará conta do serviço.

— A menininha do papai vai apaixonar todo mundo, não é? — Cheiro


a testa dela, encantado com a sua beleza, vestida em um macacão rosado com
casaquinho de frio, gorro, luvas e meias. Ela grita, sorrindo alegre. — Vai

sim, querida... vai sim, amor!

Saímos do carro devagar, especialmente eu por conta da neve que está


por toda parte, embelezando o ambiente. Flocos finos caem sobre nós e
lembro de brincar pelo jardim congelado com os meus irmãos quando
criança. Fazíamos muitos bonecos de neve.

Agora uso apenas uma muleta e uma bota menor, que cobre somente
até o calcanhar e me dá mais liberdade para exercer força ao caminhar.
Entramos os quatro na mansão após uma das empregadas nos receber.
Entregamos os nossos casacos a ela e encontramos a família inteira reunida
na sala de refeições, sentados à mesa, nos aguardando.

De cara, mamãe e papai já estranham a presença das minhas


convidadas, assim como Alejandro que não as conhece.

— Bom dia a todos — cumprimento, sorrindo radiante, trocando

olhares com Mateo e Luna que já sabem do que se trata.

— Bom dia — dizem, menos Alejandro, que ainda não se sente seguro
falando em meio a tantas pessoas reunidas.

— Que surpresa... não sabia que iria trazer Madeleine. — Mamãe se


aproxima, focando em Esperanza no colo dela. — Essa é a sua filha?

— Sim — responde a fisioterapeuta, tensa.


— Aquela que peguei no colo há um tempo atrás?

— Ela mesma, e eu sou a tia de Madeleine, Lea — se apresenta a

simpática senhora.

— Nós nos vimos naquele dia, eu estava com Rimena — recorda dona
Alba.

— Exatamente — confirma Lea.

— Filho, por que não nos avisou que iria trazer convidados? Eu teria
preparado tudo melhor. Oh, não se ofenda Mad, estou adorando a presença de
vocês aqui, gosto de saber que a sua amizade com o meu filho ultrapassou a
relação profissional.

— Já ultrapassou há muito tempo, mãe — falo, deixando-a


desconcertada.

— Como assim? — Ergue uma sobrancelha, confusa.

— Mãe, e todos aqui que ainda não sabem. Quero que respirem fundo
porque tenho uma grande notícia para dar a vocês — tento preparar o terreno.
Não sou muito bom nisso.

— Está me deixando ansiosa, menino! Fale logo! — exige dona Alba, e


pelo seu rosto, já criou mil teorias, mas duvido que uma delas seja certa.

— A senhora não prefere sentar? É um assunto delicado... talvez


inacreditável, mas...
— Conta logo, Esteban! — exclama Luna, adorando a situação.

— Isso, conte! — Mamãe está ansiosa.

— Eu e Madeleine nos conhecemos desde Paris, e o que tivemos aqui


foi um reencontro. Essa bebê linda que está no colo dela... é a sua neta —
disparo, contente. A senhora esbugalha os olhos, em choque. Papai levanta da
sua cadeira, focando em nós.

— O que disse, Esteban? — pergunta, essa notícia parece tê-lo


despertado.

— Que o senhor tem mais uma neta, além de Alisa. Madeleine e eu nos
separamos em Paris, mas ela não sabia que estava grávida, teve uma gravidez
silenciosa, que não permite a mulher desconfiar da gestação. Enfim, a história
é longa, mas o importante é que nos reencontramos aqui em Madri como
paciente e fisioterapeuta, e ela me revelou Esperanza, a nossa querida filha.

— Quer dizer então que eu tenho uma prima??! — Alisa exclama,

saltando da cadeira, está vestida como uma princesa e não acredita na notícia.

— Sim, querida. Ela está aqui na sua frente.

— Minha nossa, Esteban! — fala mamãe com os olhos marejados,


fitando a menina que grita, parecendo tentar chamar a atenção dela. — Isso é
mesmo verdade, Madeleine?

— Sim, dona Alba. Perdão por não ter falado nada antes, eu e Esteban
achamos melhor esperarmos até Alejandro e Mina superarem a barreira que
estavam passando.

— Aaah, que gentil! — Mina levanta, vindo até nós com o noivo.

Todos se aproximam, Esperanza se tornou o centro das atenções.

— Deixe-me pegá-la no colo — dona Alba estende os braços,

chorando, Madeleine entrega a menina.

— Aaaah... bá, bá, bá, bá!! — Esperanza cantarola ao ser acolhida pela
avó. A menina é só felicidade, é como se entendesse que está sendo
apresentada à sua família paterna.

— Por que... ela não contou sobre a menina assim que a teve? — Papai
encara Mad com seriedade, raciocinando nessa questão crucial.

— Porque Esteban estava incomunicável, não consegui encontrá-lo até


quando chegou aqui.

— Gente, não parece coisa de novela? — indaga Luna, animada.

— Você já sabia? — Mina pergunta para ela.

— Mas é claro! Estávamos aguardando você acordar para contar para


todos de uma só vez. Você agora também faz parte da família, mocinha.

— Nossa, gente... não tenho palavras — Mina está se sentindo ainda


mais acolhida, Alejandro sorri, olhando para mim e para a bebê ao mesmo
tempo. — Oi, prazer, Mina Pacheco. — Ela abraça Madeleine.

— Prazer, Madeleine Fernandez. Essa é a minha tia, Lea. — Começam

as apresentações e o grupão se divide em grupos menores que começam a


tagarelar. Vira uma bagunça.

— Quer segurá-la, Alejandro? — pergunto a ele, que fica todo sem


graça, até nega com o rosto.

— Segure-a, filho... sinta a sua sobrinha. — Mamãe entrega Esperanza


a ele. A menina acaricia o rosto do tio, o fascinando. Ele sorri para ela e para
mim. Mamãe chora.

— Tia Madeleine, posso maquiar a minha priminha? — indaga Alisa,


repleta de planos e expectativas.

— Ah, que fofa, ela me chamou de tia! Vem cá, me dá um abraço —


Alisa salta nos braços da minha mulher, as duas gargalhando.

— Afinal, não foi apenas o silêncio de Alejandro que surpreendeu essa


família, Esperanza veio do silêncio também — Mateo comenta, acariciando a
sobrinha enquanto Alejandro a balança no colo, lhe arrancando gargalhadas
intensas. — Não dá nem para negar, a menina saiu a cara de mamãe, Jesus.

— Oh, eu vou desidratar de tanto chorar. Como vocês me aprontam


uma dessas! — Dona Alba choraminga, está hipnotizada por Esperanza.

Papai, cabisbaixo e sem jeito, se aproxima, fitando-me com olhos de


pedinte.

— Posso segurá-la, filho? — Todos se calam, à essa altura até

Alejandro já sabe o que o velho Javier fez comigo no passado. Ainda há esse
constrangimento entre mim e o senhor Miguel.

— Claro que pode, pai. Ela é a sua neta — permito. O homem respira
fundo quando Alejandro entrega a criança em seu colo. Esperanza gargalha,

puxando a orelha dele.

— Vejam só... eu tenho mais uma neta — comenta o velho Javier,


fascinado pela garotinha. — Deus... sei que não mereço, mas obrigado por
este presente — diz, olhando para o alto por alguns instantes. Isso me toca
fundo, seguro-me para não cair em pranto também. — Obrigado por ela,
Esteban... Madeleine — agradece, beijando a bochecha da menina.

Todos ficam emocionados. É um momento histórico nesta família que


está crescendo.
ESTEBAN JAVIER

Vejo feliz Madeleine começar a se organizar para jogar o buquê.


Acabamos de nos casar e agora estamos comemorando no belíssimo jardim
da mansão Javier com todos os nossos amigos e familiares, que não são
poucos.

O lugar está ricamente decorado, tudo obra de dona Alba que cuidou de

cada detalhe. Ela ama organizar eventos. O sol irradia brilhoso por todo lado,
está uma manhã maravilhosa e bastante florida.

— Vamos, meninas! Organizem-se! Organizem-se! — Grita a minha


esposa. Ela ficou maravilhosa de vestido de noiva, a mulher mais linda do
mundo, a única que quero ter para o resto da vida.

Madeleine está sobre o palco, as mulheres se amontoam às suas costas.


Mateo e Alejandro se aproximam de mim, ambos em seus smokings pretos
com gravata borboleta. Ao contrário deles, uso um terno branco com gravata
comum.

— Meninas, acalmem-se, por favor, até parecem crianças! — Mamãe


fala no microfone, reclamando com as moças que parecem que vão guerrear
pelo ramalhete, todas sorrindo e gritando.

Gargalho com os meus irmãos.

— Alejandro, Mina não vai tentar a sorte? — pergunto a ele, esperando


que me responda pela voz, já que o tratamento que anda fazendo há meses
está gerando frutos, ele já falou com cada um de nós da família, contudo,
ainda não consegue se sentir confortável o suficiente para falar em meio a
tantas pessoas.

Mesmo assim, o homem respira fundo, se concentrando, talvez


utilizando alguma técnica ensinada pelo seu sábio psicólogo.

— Ela... não precisa — afirma, conseguindo emitir som, e fica aliviado

depois disso. É impressionante, ainda não nos acostumamos com ele falando,
tanto que faz a mim e a Mateo sorrir novamente por ouvi-lo se expressar por
palavras. — Esqueceu que já a pedi em casamento? — Seu tom é baixinho,
quase um sussurro.

— Sim, mas... vocês só irão casar daqui a alguns meses — continuo,


pois, o psicólogo dele nos aconselhou a dialogar com ele de modo normal e
respeitando o seu tempo. Em hipótese alguma podemos responder por ele.
Jamais.

— Descobrimos algo que nos fez mudar de ideia... — respira fundo, se


concentrando outra vez. — Agora vamos casar bem antes do combinado —
conta, todo misterioso.

— O que foi? — Mateo está interessado.

— Hoje é o dia do Esteban, no momento apropriado... eu conto. — Nos


deixa mais interessados ainda, porém nos controlamos e não perguntamos
mais nada a ele. Também não é bom forçá-lo demais, mas parece que agora
Alejandro não perde uma oportunidade de conversar.

— Vejam só a nossa querida irmã ao lado de Mina, ela também não


está nada interessada no buquê — zomba Mateo.

— Ainda deve ser apaixonada por Joaquin — digo. — Falando nisso,


aquele filho da mãe não veio para o meu casamento.

— Ele pediu demissão e..., foi embora — informa Alejandro, fico


chocado. — Disse que tinha que viajar urgente, problemas familiares.
Desconfio de que ele seja... um príncipe.

— Um príncipe? — Mateo enruga a testa.

— Sim. Acho que ele pertence a alguma família real e nos escondeu
isso por todo esse tempo. — Alejandro fica reflexivo.
— Olha só, quem diria, Joaquin e seus segredos. Não acredito que ele
foi embora e não levou a Luna — brinco.

— Eles terminaram já faz tempo, não estava... dando certo. Enquanto


Luna não mudar as atitudes e comportamentos dela... não dará certo com
ninguém — Alejandro fala devagar, sério.

— É verdade, passei dois anos fora de casa, mas ela ainda é a mesma,

continua presa em uma bolha psicológica terrível que não a deixa evoluir —
digo. — Sinto que pode ter algum segredo seu que ainda não saibamos e que
jamais irá nos contar.

— Tenho certeza que ela tem um mistério não revelado. Luna é uma
caixinha de surpresas. Já tentei ajudá-la, mas ela recusou — informa Mateo.

— Ela recusa a ajuda de todos, acha que não precisa. Foi esse o
principal motivo que fez Joaquin deixá-la de vez — conta Alejandro.

— Se fosse apenas ela escondendo coisas — jogo a indireta.

— De quem está falando? — A carapuça serviu!

— De você, oras! Mateo Javier é um exagero de discrição, sei muito


bem que também tem os seus mistérios — o deixo desconcertado.

— Você já tem a sua vida para cuidar, não? Então deixe a minha de
mão! — É grosso, se irritando, fazendo-me sorrir.

Respiro fundo, observando Madeleine começar a contagem para jogar o


buquê:

— Um... Dois...

— E você Mateo? O que está esperando? Mulheres sei que não faltam.
Não quero pressionar, mas... — o provoco novamente

— Estou muito bem sozinho.

— Era o que eu achava também até conhecer a minha bailarina —


Alejandro sorri apaixonado, fitando Mina de longe gargalhar com Luna
quando as mulheres brigam pelo ramalhete jogado por minha mulher.

— Era o que eu achava até conhecer a minha fisioterapeuta. —


Madeleine acena para mim, explodindo de alegria.

— Sei que não gostam de falar disso, mas... e Maite? Luna me contou
que ela voltou — Mateo toca em um assunto extremamente desagradável. —
E que te procurou, Alejandro.

Ele assente com o rosto, com um pouco de ódio, depois toma coragem
e diz:

— Não quero conta... contato com ela, muito menos... que tenha com a
minha filha — Ele vê quando a Alisa e papai se aproximam de Mina e Luna,
ambos sorridentes.

— Também prefiro fingir que essa mulher não existe. Com licença,
senhores — vejo minha amada descer do palco e vir em minha direção de
braços dados com Amélie e Louise. Dominique e Bernard as acompanham.
Estão todos muito elegantes, vieram de Paris especialmente para o

casamento.

Deixo os meus irmãos conversando e vou até o grupo. Puxo Mad para
mim, soltando-a das amigas, enlaço-a pela cintura e lhe dou um beijo longo,
fazendo a galera zombar e rir bastante.

— Já chega, pombinhos! — exclama Amélie. Eu e ela agora nos damos


muito bem.

— Pelo visto, estão gostando da festa. — Fito os dois casais.

— Está tudo maravilhoso, perfeito, Esteban! A sua mãe é uma ótima


organizadora de eventos! — elogia Louise.

— Ah, ela adora tudo isso! — Sorrio

— Essa mansão é magnífica, Esteban. Seu pai fez um tour conosco e

nos mostrou tudo — conta Bernard, surpreendendo-me.

— Sério? Que maravilha!

— Vão morar aqui?

— Não, já compramos o nosso apartamento que está nos esperando!

— Ai, eu amei o nosso AP!! Tenho certeza que seremos muito felizes
lá! — Madeleine puxa o meu rosto e me beija com afinco, apaixonada e
amada por mim.

— Eu estou adorando Madri, aqui é incrível! — conta Amélie. — O

povo espanhol é animado, quente e não tem papas na língua, assim como eu...
amo! — gargalha.

— Já falei que seria super legal vocês virem morar aqui, mas... —
Madeleine joga a dica, é louca para ter as melhores amigas por perto.

— Falando nisso, Esteban, já pensou na minha proposta de abrirmos


um escritório por aqui? — Dominique não para de falar sobre isso.

— Já, mas hoje não é dia de falar de trabalho. Conversaremos sobre


isso depois.

— Okay... — Ele beija a testa de Amélie. São um casal apaixonado


assim como Bernard e Louise. Três amigos e três amigas.

— Recebeu alguma mensagem de Pierre? — Bernard está curioso.

— Sim e fiquei chocado que ele falou comigo.

— Confesso que também fiquei — diz Mad.

— Ele mudou, Esteban. Se assumiu e hoje vive com o Adam — conta


Amélie.

— Acho que a consciência dele finalmente recaiu — fala Louise. —


Melhor assim, a pessoa viver preso dentro de si mesmo como ele vivia não é
legal.

— Não é legal o que ele fez comigo, mas enfim, também já superei. —

Abraço a minha esposa mais forte, sentindo o seu calor.

— O que ele disse na mensagem? — Dominique quer saber.

— Pediu perdão e desejou felicidades — resumo.

— Querido, onde está a nossa filha? — Madeleine a procura com o


olhar em meio aos convidados.

— Também faz um tempinho que não a vejo, vamos procurá-la. — A


tomo pela mão, peço licença ao grupo e me afasto com Madeleine,
cumprimentando várias pessoas durante o percurso em busca da nossa bebê
que já está com um pouco mais de um ano de idade.

A encontramos com a família de Madeleine, estão todos em uma mesa,


inclusive dona Lea que está acompanhada de seu novo namorado. Dona

Martina, que está muito elegante em um vestido salmão, segura Esperanza no


colo, morrendo de amores pela garota que brinca com Timothée.

— Olá!! — Madeleine cumprimenta a família por nós.

— Filha, a sua festa está linda! — comenta o senhor Nicollas, que


levanta e aperta a minha mão. — Sei que já lhe disse isso, mas vou repetir,
Esteban, muito obrigado pelo carinho. Sei que vai cuidar muito bem da
minha menina. Aliás, já está, não é?
— Na verdade, foi ela quem cuidou de mim! Veja, estou finalmente
andando sem aquelas malditas muletas e sem as botas ortopédicas. A sua

filha, é o meu anjo da guarda.

Faço todos gargalharem. Madeleine toma Esperanza da mãe, a


beijando.

— Madeleine, por favor, não percebeu que eu estava conversando com

a minha sobrinha? — indaga Tim, ele está mais lindo do que já era, e com
certeza irá se tornar um belo homem.

— Conversando? Tem certeza? — Madeleine brinca, aproximo-me


dela e cheiro a nossa menina que está vestida como uma princesa.

— Eu entendo a língua dos bebês. Quer dizer, entendo o que ela fala...
pelo menos algumas palavras.

— Tim você está enorme! — Observo, dona Martina o abraça pelo


lado, acariciando os seus cabelos castanhos. Ele já está do seu tamanho,

esticou rapidamente.

— Você vai falar isso quantas vezes, Esteban? — O menino me encara.

— Ah, foi mal, não lembrava que já tinha lhe dito isso antes! —
gargalho.

— E quando vai cumprir a sua promessa? O tempo está passando...


quero expor as minhas obras! — exige.
— Tim, filho, o que é isso? Seja mais educado — Martina chama a sua
atenção.

— Já falei com o meu amigo empresário que adora investir em talentos


como o seu. Mandei as fotos dos seus quadros e ele adorou, vai te ligar na
semana que vem. É suficiente ou quer mais?

Timothée sorri, surpreendido, porém responde:

— Por enquanto... é suficiente.

Isso é o bastante para a família inteira gargalhar sem fim.

— Ah, amor... não sei se vou ter coragem de passar três dias longe da
nossa Esperanza — Madeleine cansa de segurá-la e me entrega. A garotinha
sorri e fala várias coisas que não compreendemos.

— Você sabe que ela vai ficar bem! A titia vai cuidar dela como
sempre fez, não é meu amor? — exclama dona Lea, olhando Esperanza, em

seguida beija o rosto do seu acompanhante.

— Dessa vez sob a minha supervisão, porque a vovó é muito mais


cuidadosa! — brinca Martina, provocando a cunhada.

— Ah, meu Deus, elas já vão começar! — O senhor Nicollas revira os


olhos.

— Até parece, Martina! — retruca Lea, a briga entre elas pela bebê me
diverte, mostra o quanto a amam.
— Bom dia a todos, olá Madeleine! Olá Esteban! — O doutor Delmar
se aproxima de braços dados com a esposa. Ambos muito elegantes.

— Doutor Delmar!! — Madeleine o abraça e troca beijos com os dois.


Ela se dá muito bem com o chefe.

— Ainda não tínhamos tido tempo de lhes parabenizar — diz ele,


sorridente.

— O casamento foi lindo, lindo! Parabéns! — elogia a mulher dele.

— Ah, obrigada.

— Muito obrigado — agradeço também.

— Veja só, esse é o meu pai, Nicollas — Mad apresenta, os homens


trocam um aperto de mão. — Essa é a minha mãe, Martina — Acontece algo
muito estranho, Martina e Delmar ficam em choque quando se veem. Se
cumprimentam, mas não falam nada e se olham com estranheza, como que se

conhecessem.

— Aaah... tenho que beber água — Martina puxa Tim, se afastando de


repente. — Venha comigo, filho. — Ela praticamente sai fugida, todos
ficamos sem entender.

— Ah... eu... desculpe Madeleine, preciso resolver um compromisso.


Só vim me despedir — afirma o doutor.

— Despedir? Mas você disse que ficaríamos até o fim da festa, querido
— a esposa dele também não está entendendo nada.

— Tchau... obrigado pelo convite. Nos vemos no trabalho após a sua

lua de mel. Foi tudo muito lindo. — Delmar se despede com pressa e se
afasta, sumindo de vista.

— Que estranho — comenta Madeleine.

— Também achei — digo.

A banda volta a tocar, chamando a nossa atenção com a música Livin’


La Vida Loca, do Ricky Martin.

— Vamos dançar, amor! Essa é a minha música, pois já encontrei a


mulher da minha vida, a descrita na canção, que é você, baby! — Pisco para
ela, a fazendo se derreter de amores.

A puxo pela mão para o centro da pista de dança. E assim, com


Esperanza no colo, danço com as duas ao mesmo tempo, gargalhando,

rodando, se divertindo. Nossa menina grita, elétrica, ela adora música e ama
dançar.

Todos os convidados se reúnem para nos ver, batendo palmas,


animados, comemorando a nossa felicidade. Para a minha surpresa,
Alejandro entra na pista de mãos dadas com Mina e Alisa, bailando com as
duas mulheres da sua vida também. Depois Luna puxa Mateo, Dominique
vem com Amélie, Bernard com Louise, Lea com o seu namorado, e quando
menos esperamos, a maioria dos convidados já estão se requebrando para
tudo que é lado.

Nos divertimos por algumas horas, e no meio da festa, de repente, surge


um caminhão buzinando bem alto e assustando a todos. Madeleine fica
nervosa, assim como praticamente todas as mulheres da festa. A banda para
de tocar, os convidados não entendem o que está acontecendo, papai e

mamãe vão reclamar com o motorista que dá a ré e deixa o grande automóvel


com o fundo virado para a festa.

Pego um dos microfones e caminho de mãos dadas com Madeleine em


direção a eles para resolver o problema.

— O que é isso? Quem é o senhor? Ficou louco?! — Mamãe está


furiosa com o homem.

— Retire esse caminhão da minha propriedade imediatamente! —


ordena Miguel, enraivecido. — Estamos em um casamento!

— Calma pai, calma mãe. Foi eu quem permiti a entrada do caminhão


— falo no microfone, chamando a atenção dos convidados que agora nos
cercam curiosos.

— O que significa isso, Esteban? — indaga Madeleine, sua voz é


captada pelo microfone e todos escutam.

— Também quero uma explicação! — exige mamãe, emputecida.


Estou estragando o projeto de festa dela, isso me faz rir.

— Meu amor... minha amada... minha mulher. — Respiro fundo,

olhando no fundo dos lindos olhos de Madeleine, preparando-me para falar o


que tenho que falar. — Quando nos separamos em Paris, há quase dois anos
atrás... você sabe que... em uma tentativa desesperada de tê-la de volta, eu fui
atrás de você com um caminhão de rosas colombianas. Porque essas rosas

representam o início da nossa paixão.

“Agora, tanto tempo depois, após inúmeras dificuldades, estamos


juntos outra vez... casados, com a nossa linda filha, um presente que você e
Deus me deram — emociono-me, permitindo que as lágrimas molhem o meu
rosto. Madeleine acaricia o meu rosto, sorrindo, em pranto também. — Pois
bem, pode abrir moço — peço.

O homem destrava os ferrolhos das portas de ferro e abre o baú do


caminhão, revelando o espaço totalmente lotado de belíssimas rosas

colombianas, são tantas que dava para criar um mar só delas. O tom do
vermelho é de impressionar, e o perfume invade o ar. O burburinho de
surpresa do pessoal é enorme, o queixo da minha esposa vai ao chão.

— Minha nossa, Esteban!!! — Ela põe a mão na boca, incrédula.

— Hoje, trouxe o seu caminhão de rosas de volta, e é nele que iremos


para o aeroporto, para a nossa lua de mel!
A comoção é geral, a galera fica impressionada, alguns riem, ninguém
sabe ao certo como reagir a uma loucura dessas.

— Você é louco!!! — Madeleine não consegue acreditar.

— Louco por você, meu amor!! Eu te amooo! — grito, para que todos
escutem. A abraço forte, somos aplaudidos fortemente.

— Eu também te amooo! — Ela segura o microfone para exclamar.

Após os fotógrafos que abusam de nós com tantas fotos. Pego a minha
mulher pela mão e a ajudo a subir nos degraus para o banco do passageiro.
As suas amigas ao lado de Luna e Mina se apressam para erguerem o seu
vestido com o véu. Corro para o outro lado, para subir ao meu lugar, ligo o
caminhão e buzino bastante para o pessoal que está em êxtase!

— Tchaaau!! — Madeleine e eu gritamos, acenando para eles. Dona


Lea segura Esperanza e a faz acenar para nós também.

Acelero até sairmos pelos portões e seguirmos caminho. Madeleine


nota as nossas malas no banco de trás.

— Meu advogado convencido, gostoso e louco dos olhos azuis! — Me


beija rapidamente.

— Um advogado rendido por uma Pimentinha, baby! — Pisco para ela


e nos beijamos mais uma vez.

Agora o nosso destino é a praia de Cabourg, outra vez!


ESTEBAN JAVIER

Corro de mãos dadas com Madeleine pela areia da praia, ela grita
quando a primeira onda nos atinge ao entrarmos no mar. A puxo para mim, a
abraçando forte, gargalhando, e então mergulhamos juntos, nadando um
pouco mais para o fundo.

Emergimos lado a lado, molhados, felizes e apaixonados. Sempre mais

do que antes. O nosso amor cresce a cada minuto que passamos juntos e
parece não ter limites. Ela enlaça o meu pescoço com os antebraços e me
beija gostoso, de forma sensual. A seguro pela bunda por dentro d’água,
fazendo-a montar em mim.

Estou apenas de sunga e ela de biquíni. Dessa vez veio preparada e não
se sentiu nem um pouco envergonhada ao tirar o roupão e se mostrar. Essa
sua segurança e amor com o próprio corpo me faz desejá-la ainda mais,
querê-la de uma forma que chega a ser obsessiva.

Arrasto os lábios até o seu ouvido, rosnando:

— Quero te comer aqui... agora — declaro, safado, arrancando-lhe um


sorriso saliente. O sol brilha sobre nós, a praia está repleta de turistas,
Cabourg é realmente maravilhosa.

— Aqui não... no quarto — geme em minha orelha, roçando as unhas


na minha nuca, movendo o quadril lentamente ao sentir a minha ereção.

— Não vou aguentar chegar lá, veja como já estou duro... pronto para
me afundar em você, baby. — A minha voz é rouca e lasciva.

— Você quer me comer? — pergunta ela, me surpreendendo e faz a


cabeça do meu pau latejar. Suspiro, sentindo a energia do tesão nos
corromper.

— Eu vou te comer — decreto. — Vou te foder tanto... que depois não

conseguirá andar sem a minha ajuda.

— Ai... Esteban... — geme, a água de repente fica tão quente ao nosso


redor, que é capaz de borbulhar.

Graças à consciência da fisioterapeuta, controlo-me. Saímos da água


com ela na minha frente, para disfarçar a minha potente ereção até eu me
cobrir com o roupão do Grand Hotel.

Chegamos à suíte presidencial pegando fogo, nos atracando feito dois


animais que não acasalam a meses e sofrem de uma luxúria absurda. Retiro o
roupão e a sunga, expondo o mastro que aponta para o alto petrificado e é tão

grande que chega a ser um pouco torto, intimidador, poderoso.

Madeleine se livra do sutiã do biquíni e eu invisto contra os seus lindos


seios em forma de gota, juntando-os no meio e chupando cada um deles com
certo desespero, ouvindo os seus gemidos, os seus dedos que puxam os meus

cabelos enquanto me abaixo e arrasto a sua calcinha para longe, dando duas
lambidas rápidas no seu clitóris.

Sinto vontade de esmagar Madeleine, apertá-la, penetrá-la e consumi-la


como o fogo, porém não tão rápido. Volto a ficar de pé, beijando-a com ardor
até encostá-la contra a parede, pressionando o meu sexo contra o seu
abdômen. A mulher arranha os meus ombros, entorpecida, excitada,
necessitada, gemendo mais alto entre os meus lábios.

A levanto pela bunda e a monto em meu colo, ela abre as pernas e

enlaça o meu quadril, erguendo o pescoço, sem fôlego. Arranho os dentes por
sua garganta ao mesmo tempo que afundo os dedos em suas nádegas grandes
e redondas, maravilhosas. Coloco-a sobre o móvel mais próximo, espatifando
os objetos no chão, quebrando alguns.

Madeleine se arreganha inteira, apoiando as costas na parede,


preparando-se para me receber, sem tirar os olhos dos meus. É neste
momento que paro, a encarando como um macho voraz a devorar a sua presa.

Cuspo lentamente, mirando a minha glande que de rosa já está se tornando

vermelha com tanto calor, acertando a saliva sobre ela, melando o resto com
a mão, provocante, imoral.

Ajeito os seus quadris, deixando a sua bunda na beira, esticando mais


as suas coxas e me fascinando outra vez com a volúpia da sua boceta, o

monte de Vênus avantajado, depilado, esperando por mim. Uso os polegares


para brincar um pouco com os seus grandes lábios externos, juntando-os e os
tornando ainda maiores, atraentes.

— Ooorh... aaiii... — ela mia, se contorcendo devagarinho.

Escorrego as mãos para os seus mamilos entumecidos, apalpando-os


brevemente e por fim seguro a sua nuca com a mão direita, firme. Uso a
palma livre para guiar a ponta do pau até a sua vagina, olho no fundo das
pupilas da minha esposa, avisando-a implicitamente que vou começar, e me

enterro dentro de seu corpo de uma só vez, em um golpe único e certeiro.

Madeleine grita, entre a dor e o prazer, erguendo o rosto boquiaberta,


com o quadril tremendo, os seus músculos internos agitados loucamente para
me conter, nossos corpos unidos até o limite, sem espaço para mais nada a
não ser toda essa paixão que nos envolve e nos eleva a níveis estratosféricos.

Quando nos acalmamos mais um pouco e não ouvimos nada além das
nossas respirações ofegantes, saio dela sem pressa, observando encantado os
seus lábios vaginais me cobrirem e se arrastarem por meu corpo de veias

saltadas. Não tiro tudo, afundo-me nela outra vez, lento, criando uma dança
libidinosa entre a gente.

Aos poucos vou aumentando a velocidade, segurando o seu pescoço


por trás, meus dedos bem apoiados em sua pele, marcando. Remexo o quadril

habilidoso, as pernas dela me envolvendo, a boceta vibrando e me apertando,


sugando-me para o fundo, o som das estocadas molhadas ecoando em nossos
ouvidos.

Fico louco, arrepiando-me inteiro, fodendo-a com gosto, lubricidade,


uma socada após a outra, me perdendo em seu corpo que é o meu vício eterno
e incomum. Quero-a, desejo-a como a minha fonte de prazer insubstituível.

Madeleine fecha os olhos, arranhando o meu braço, as suas unhas


arrastando em minha pele. Os golpes que dou em suas entranhas são tão

fortes que os demais objetos do móvel em que a coloquei caem no chão


também, porém não nos importamos com isso, só o que queremos é chegar ao
auge desse sexo fenomenal.

Rebolo mais rápido e faminto, meu pau arde com o contato das carnes,
em chamas. Uso a mão livre para segurar os seios de Madeleine
conjuntamente e uni-los no centro, apertando-os, brincando. Ela alteia os
gritos, arqueando o corpo, jogando as mãos para trás, contra parede, perdida e

alucinada.

Saio dela com rapidez e me agacho, abrindo as suas coxas, colocando a


língua pontuda para fora, pincelando o seu clitóris sem tirar os olhos do seu
rosto. Isso é o suficiente para a mulher estremecer como se o seu corpo fosse
se partir ao meio. Grudo a boca na sua vulva e espero o suco vir.

Ele vem... ardente, quente, gostoso. Fecho os olhos e afundo o rosto no


seu centro como um garotinho a brincar com o melhor brinquedo do mundo,
como um homem pervertido a comer o fruto proibido e irresistível.
Madeleine é o meu pecado e salvação, ela me tira do chão ao gozar na minha
língua, me lambuzando.

Ao me dar por satisfeito, levanto-me, pego-a no colo com brutalidade,


sem carinho, e a jogo na cama gigante, de bruços. Ela está a ponto de
desmaiar e meio que engatinha até os travesseiros, tentando achar um apoio

para respirar melhor. Venho por cima dela como um felino, escorregando a
língua da sua bunda, passeando pelas costas até mordiscar o seu ombro ao
mesmo tempo que a penetro outra vez.

— Hmmm... — gemo alto, adoro essa posição. Agarro um punhado dos


cabelos da jovem e acelero os golpes, enlouquecendo com o impacto que os
nossos corpos fazem, com a melodia que criamos. — Minha... minha para
sempre — sussurro em sua orelha, a embevecendo.

A cada vez que me enterro em sua boceta aveludada, crio ondinhas em

suas nádegas com o nosso contato. Não demora muito e grito alucinado,
moendo meu pau dentro dela com violência, esmagando-a, apertando-a
inteira e jogando tudo em seu interior, explodindo em um orgasmo
inesquecível.

MADELEINE FERNANDEZ

Após três dias de amor e prazer em Cabourg, regado a jantares,


almoços maravilhosos, passeios de moto, visitas às praias da redondeza e
jogos no Cassino ao lado do hotel, retornamos para Madri, agora para o nosso
novo lar, o nosso apartamento. Encontramos Esperanza com mamãe, papai,

Tim e tia Lea, todos aqui para nos receber com um almoço incrível.

Conversamos bastante, gargalhamos, a minha família já está de malas


prontas para voltar a Paris no dia seguinte, como combinado. Ao anoitecer,
dona Martina, que passou o dia me olhando de forma estranha, me chama
para conversar no escritório do meu marido. O nosso apartamento é muito
espaçoso e confortável, com vários cômodos.

Sei que o que mamãe tem para me contar é sério, porque raramente ela
me chama para conversarmos a sós. Nós nunca tivemos essa intimidade,
coisa que mudou um pouco nos últimos tempos. O assunto é sobre o doutor

Delmar, com quem ela agiu super estranho ao encontrar na festa.

— Quer dizer então... que o meu chefe era o melhor amigo do meu pai
biológico? — pergunto, chocada.

— Sim, eles trabalhavam juntos na clínica onde eu era faxineira — diz.

— Ele pode saber onde o seu pai verdadeiro está, já que eu nunca mais soube
nada dele.

Respiro fundo, pensando sobre o assunto.

— Mas eu não quero saber disso, mãe. Nunca vim para Madri com a
intenção de encontrar esse homem que lhe abandonou no momento que você
mais precisava. Meu pai é o Nicollas, o outro não me interessa.

— De qualquer forma, eu precisava te contar, para que você não fosse


pega de surpresa, caso o seu chefe fosse conversar algo contigo. Ele sabe que

eu tive um caso com o seu pai e sabe que quando nos separamos, eu estava
grávida.

— Vamos deixar o passado no passado — dou a palavra final.

A mulher respira fundo, olha-me com receio e pergunta?

— Isso também serve para nós duas? Filha, você nunca disse se me
perdoou por tudo?
Suspiro, não queria ouvir essa pergunta.

— Sabe mãe, eu aprendi que o melhor perdão é aquele conquistado

com atitudes. Nos últimos tempos a senhora tem... por várias vezes, se
demonstrado uma mãe que me fez falta a vida inteira. Eu não a odeio, a
senhora é a minha mãe, já superei todos os meus fantasmas, não sou mais
aquela garota insegura e chorona. Porém, há marcas profundas que sei que o

tempo irá cicatrizar, mas para isso precisamos continuar plantando o bem...
com atitudes. Entendeu? — A observo reflexiva.

— Eu entendi, Madeleine. Dizem que o tempo cura tudo. Vamos dar


tempo ao tempo. — Ela ri, segurando a minha mão. — Eu... — paralisa, os
seus lábios tremem —, te amo. — É muito difícil para ela declarar um
sentimento ocultado por tanto tempo. Isso me toca, mas me seguro.
Correspondo o seu aperto de mão. — Nunca devia ter te culpado pela minha
irresponsabilidade com o seu pai. Hoje sei que... o problema sempre foi eu e,

nunca você.

— Tudo bem, mãe. Tudo bem — assinto.

Volto para o meu quarto, encontrando Esteban lendo um livro na cama.


Conto tudo a ele, o deixando surpreso com as coincidências, em saber como o
mundo é pequeno.

— Vai falar com o seu chefe sobre isso? — pergunta curioso,


acariciando os meus cabelos.

— Não... quero enterrar esse assunto. — Respiro fundo, não gosto de

falar sobre esse homem que me recusou.

— Eu também tive uma conversa sincera com o velho Javier — revela,


me surpreendendo, olho-o nos olhos, estou sentada ao seu lado na cama
agora.

— Teve?

— Sim... foi durante a nossa festa. Ele veio pedir perdão, chorou...
disse que queria muito aquele filho que perdeu e depois encontrou em
Alejandro, o menino que tanto queria. — Vejo a dificuldade para o Esteban
ao abrir essa ferida.

— Ele te confessou isso? — Fico em choque.

— Aham.

— Você o perdoou?

— Sim. Como eu lhe disse, não voltei para Madri atrás de guerra. No
início ainda relutei com ele, mas... não vale a pena. Além disso, agora tenho a
minha própria família, e serei o melhor pai para Esperanza, um que eu nunca
tive. Vou transformar todo o mal que recebi durante anos, em amor por nossa
pequena.

— Aaah... — Derreto-me com as suas palavras. — Eu te amo, Esteban


Javier. Você continua me inspirando.

— Também continuo me inspirando em você, amor. — Me beija,

terminamos a noite fazendo amor.

No dia seguinte, vou para o trabalho, mal chego na minha sala e abro as
cortinas quando Delmar entra. Por sua expressão, já sei que quer falar sobre o
assunto que desejo manter esquecido.

— Como foi a lua de mel? — Sorri.

— Maravilhosa. — Dou um sorriso também. — E o senhor, como está?

— Bem, mas preciso conversar com você.

— Eu acho que já sei sobre o que se trata.

— Sua mãe te contou?

Assinto com o rosto.

— Petrus era muito inteligente e simpático, assim como você. Agora

entendo por que gostei da sua companhia à primeira vista, minha cara —
conta, então o nome dele era Petrus. Nem isso quis saber da minha mãe.

— O senhor disse “era”? — pergunto, fazendo Delmar ficar pálido. —


Ele morreu?

— Desculpe... achei que sua mãe...

— Ela nunca mais soube nada sobre ele. Ela não quis procurá-lo, assim
como eu quando cheguei aqui. Não havia motivos para procurar um homem

que não quis a filha.

— Não posso dizer que está errada.

— O senhor sabe se eu tenho algum parente vivo? — Sobre isso fico


curiosa.

— Não, seu pai era sozinho, não tinha família. Cresceu em um orfanato
e conquistou tudo que tinha sozinho. Ele estava começando a carreira quando
conheceu a sua mãe, depois sofreu um acidente de carro e faleceu.

Esse assunto me deixa triste.

— Realmente, ele foi negligente com a sua mãe, lembrei de tudo


quando a vi em seu casamento. Na época, tentei avisá-lo do erro que estava
cometendo, mas não me deu ouvidos, era teimoso e impulsivo, achava que
uma filha iria atrapalhar a sua carreira, e veja a ironia do destino... hoje você
está aqui, na mesma profissão que ele e se destacando a cada dia.

— É realmente uma ironia. Porém, não consigo sentir nada por ele, mas
saber de toda essa história me deixa um pouco triste.

— Desculpe, eu tinha que falar contigo sobre isso.

— Tudo bem, doutor. E, muito obrigada pelas informações.

— Não fique triste. — Ele me abraça, consolando-me. — Pessoas


como você só merecem ser felizes.
— E pessoas como o senhor também. Obrigada novamente.

No fim do expediente, vou para o encontro com as minhas amigas do

grupo de apoio. Novamente trocamos informações e experiências, conto a


elas o quanto a minha vida está indo bem:

— Hoje eu me sinto uma mulher segura, uma mulher de bem com o


próprio corpo e posso dizer a todas vocês que me amo. Se amar do jeito que

você é, não é crime, é o caminho para viver bem consigo mesma e então
poder abrir espaço de fato para alguém na sua vida, sem demônios
atormentando a sua mente.

“Não foi o meu marido que me abriu os olhos e me fez gostar de mim
mesma, ele me ajudou nesse longo caminho, claro, me ajudou bastante. Mas
a mudança começou, quando eu, sozinha acordei para esse fato. Aprendi que
não podia depender de ninguém para iniciar qualquer mudança a não ser de
mim mesma, porque eu era a minha maior inimiga e precisava superar os

meus medos.

Essa é a lição de vida que aprendi, meninas... supere os seus medos e


acredite que vencer é possível. ”

Neste momento, todas se levantam e me aplaudem, algumas até gritam


animadas. No fim, nos abraçamos e gritamos a nossa frase de guerra que nos
faz voltar para casa revigoradas.
Antes de ir para o meu apartamento, paro na casa da tia Lea para pegar
Esperanza. Ela agora mora com o namorado que é muito gente boa. Ponho a

minha filha na sua cadeirinha no banco de trás, me despeço do casal e sigo


para o meu destino. Mamãe, papai e Tim já voltaram para Paris.

Adoro ter um lar e agora a minha própria família. Isso se concretiza


quando entro com Esperanza em casa e somos recebidas pelo pai dela usando

avental e terminando de pôr a mesa. O jantar que ele fez exala um cheiro
maravilhoso que faz a minha barriga roncar.

— Ah, então chegaram os dois amores da minha vida!! — comemora,


enxugando as mãos em um lencinho e vindo em nossa direção.

— Chegamos, papai, e estamos com muita fome!! — digo, sorridente.


Esteban me abraça e me beija, depois pega Esperanza no colo que está louca
por ele, balbuciando várias palavras que não compreendemos

— Venha para o papai, meu amor! Senti saudade de você e sua mãe o

dia inteiro! — Ele cheira a barriga da menina que gargalha, alegre.

— E como foi na Javier?

— Muito trabalho, estou tendo que mudar a forma como o pessoal do


jurídico trabalhava para termos mais celeridade e estarmos mais atualizados
com o mercado.

— Alejandro está te cobrando muito?


— Ele sabe que dou conta, está adorando a minha ajuda.

— Ah, nem vou tomar banho, o cheiro da comida está tão bom que

quero agora.

— Então vamos! — diz, segurando Esperanza em um braço e usando a


mão livre para tirar o avental, está apenas de moletom, com os músculos de
fora. Perfeito

Ele se senta com ela, enquanto nos sirvo com uma taça de vinho, ainda
sorrindo.

— Todos os dias serão assim, babaca? — provoco. Ele sorri, beijando a


bebê.

— Como? Felizes? — indaga.

— Sim.

— Pode apostar que sim. Farei vocês felizes pelo resto da vida.

— Para sempre?

— Para sempre, baby — promete, piscando para mim, sexy e safado


como todas as vezes.

— Eu te amooo. — O beijo rapidamente.

— Eu sei — afirma, soberbo.

— Convencido! — Gargalho, ele também e Esperanza grita, sorrindo.


O nosso jantar parece acontecer em câmera lenta. Cada gesto é sublime,
Esteban dando comida na boca da Esperanza, eu batendo palmas empolgada

com a cena. Na brincadeira, também levo um pouco da refeição à boca dele,


que faz caras e bocas engraçadas, arrancando gargalhadas minhas e da nossa
filha.

Sei que a sua promessa será cumprida e seremos assim todos os dias e

todas as noites. Pode até ser que novos percalços surjam no caminho, mas
com o nosso amor, resiliência, paciência e o poder da nossa superação,
poderemos vencer as barreiras, porque este é o significado de família.

Os erros que cometemos lá atrás, serviram de aprendizado para


valorizarmos o que temos agora, a nossa filha, a nossa casa e o nosso
casamento. Diálogos são necessários e até discussões também, além da
alegria e risos diários. Os problemas não serão o fim, mas sim o meio para as
soluções, porque quando há força de vontade, há tudo.

Felizes para sempre


ESPERANZA JAVIER

Querido diário, hoje a minha sexta-feira foi completamente diferente


das anteriores. Mamãe não me levou para a natação, muito menos ficou
fofocando com as mães das minhas amigas enquanto dava de mamar para o
meu irmãozinho.

Aliás, quero dizer que estou indignada com a quantidade de leite que

aquele bebê consome diariamente. Será que Vicenzo acha que a nossa mãe é
uma vaca e ele um bezerrinho? Pois bem, como diria vovó Alba, “é
preocupante”.

Mas, voltando ao que importa, hoje foi tudo diferente porque fomos
para a exposição dos quadros do meu querido tio, Timothée. O que soube é,
que ele vendeu bastante e um dia desses vi o seu nome no jornal. Ele até
tentou me persuadir para a pintura, mas retruquei afirmando que serei uma
escritora!

Já papai, fica falando para os meus tios e amigos que serei uma

advogada, mas como diz mamãe, eu não tenho a sua cara de pau. Ele replica
argumentando que sou nova demais, tenho apenas doze anos de idade e com
o tempo posso mudar de opinião. Porém, sei que serei uma escritora, porque
gosto de escrever, não é à toa que tenho você, querido diário!

Continuando... eu não gosto da namorada do tio Tim, confesso que


tenho ciúmes dela e que ela esconde algo atrás daquele sorrisinho angelical
que todo mundo diz que ela tem. O sorriso angelical da minha mãe é muito
mais bonito, contudo, gostei de ganhar chocolates dela, papai deve ter dito a
ela que o meu fraco era a barriga.

Tá bom... ela não é tão chata assim, tio Tim diz que o meu ciúme que é
grande demais, maior do que aquelas pinturas que faziam nos tetos das
igrejas dos séculos passados. Odeio quando ele começa a contar a história

das artes, é entediante e até parece que é obcecado nisso!

Fiquei triste pelo vovô Nicollas não ter vindo, gostaria de cozinhar
com ele de novo, mas a vovó Martina contou que eles tinham muito trabalho
com o restaurante novo que abriram. Ah, não vejo a hora de voltar a Paris
para jantar na Torre Eiffel, Vicenzo vai adorar conhecer o restaurante onde
os nossos pais comeram juntos pela primeira vez.
Mas isso vai demorar, mamãe tem planos para quando voltar a
trabalhar, as palestras que ela dá sobre gordofab... gordofobo... ah que

merda!! Gordofobia! Minha nossa! Mamãe não pode ler o que escrevi aqui
hoje, irá reclamar por me ver xingando até na escrita, mas ela pensa que não
a escuto falar palavrão de vez em quando.

A questão é que ela é uma mulher muito ocupada, papai a chama de:

mulher de negócios, mas ela nunca deixa de ter tempo para a nossa família,
nem papai. Nós fizemos uma promessa jurando bem juradinho, que a família
devia vir em primeiro lugar.

Falando nisso, Vicenzo também vai ter que jurar, mas ele ainda é
muito pequeno e grande demais para ter saído da barriga da nossa mãe. Eu
gosto dele, na verdade, amo aquela bolinha de sorvete, como diz papai.
Agora tenho um companheiro para brincar, vou ensiná-lo a maquiar o nosso
pai também.

Depois da exposição do tio Tim, fomos jantar todos juntos e eu toquei


piano no restaurante, fui até aplaudida! Em seguida nos separamos, tio Tim
foi dormir em um hotel com a namoradinha dele e eu vim para casa com a
minha família.

Como sempre, minha mãe teve o prazer de me obrigar a arrumar o


meu quarto, e já contei aqui diversas vezes que não suporto fazer isso!! Esse
quarto é grande demais! Às vezes só queria ter uma varinha mágica para

fazer uma mágica e mandar colocar as minhas roupas dobradas nas gavetas

e as louças lavadas no armário.

Papai disse que é preguiça minha, mas não vejo nada de mau em ser
preguiçosa! Descobri que não sou a única, minhas amigas também são.
Seguindo essa lógica, isso é mais do que normal, mas meus pais não

entendem!

Duvido que quando Vicenzo tiver a minha idade vai querer organizar o
quarto dele, aquele garoto tem carinha de sapeca igual ao meu pai, não é à
toa que são idênticos! O cabelo dele é tão dourado que dói os olhos devido
ao brilho, hahahaha! Mentirinha!!

Agora, infelizmente tenho que ir dormir, minha mãe já confiscou o meu


celular, e a qualquer momento ela e papai chegarão aqui para me dar o meu
beijo de boa noite como fazem sempre. Apesar deles pegando no meu pé, não

sei o que seria de mim sem eles, até porque, os amos muitos e preciso que
continuem pagando as minhas contas até que eu atinja a maior idade.

Tenho muitos planos para a minha vida, por isso espero que ela seja
beeeeem longa! Enfim, este é o fim de mais páginas escritas com as minhas
aventuras e desventuras em série. Já estou bocejando... preciso ir, vou tentar
sonhar com a minha família completa na cidade luz.
Até logo,

au revoir,

goodbye.
Mário Lucas é piauiense, advogado, aventureiro e sonhador. Começou

a escrever aos quinze anos e agora não quer mais parar. “Na Redenção do
Advogado” é o seu sétimo e-book publicado, e já possui mais romances à
vista.

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WATTPAD
NO SILÊNCIO DO CEO: SÉRIE
INTENSO DEMAIS – LIVRO 1

Alejandro Javier, é um poderoso CEO que comanda o grande império da


família em Madri, a marca de relógios Javier, uma das mais renomadas da
indústria mundial. No trabalho, ele é insuperável, firme e determinado,
possuindo apenas um diferencial que se tornou seu atributo: o silêncio.

Quando criança, o homem que hoje possui trinta e oito anos, sofreu traumas
tão fortes e intensos que acabou psicologicamente perdendo a capacidade de
falar, apesar de não possuir nenhum problema físico que o impeça de emitir a

sua voz.

Mas essa situação não afeta em quase nada o “Senhor Silêncio”, assim é
conhecido na empresa, tendo as mulheres e os negócios na palma da sua mão.
Ele não consegue mais estabelecer relações sentimentais, a não ser com a

pequena Alisa, sua filha. Porém, o destino o leva a conhecer a extrovertida


Mina, uma virgem que mudará para sempre a sua vida.

Mina Pacheco, é uma garota humilde de apenas dezenove anos, que trabalha
como assistente de professora na mais renomada escola de balé da cidade.
Seu dom para a dança nasceu com ela, um sonho que sempre a fez dar
piruetas com os quadris chamativos desde que se entende por gente, mas que
foi interrompido.

Entre sorrisos e lágrimas, mantém a esperança de algum dia voltar a ser

bailarina, tendo como motivação as suas pequenas alunas que sempre enchem
ela de amor, em especial a doce Alisa cujo o pai é um homem que Mina
nunca esqueceu e que sempre esteve em seus sonhos, Alejandro Javier.

Ele é o silêncio, a quietude, a escuridão. Ela é o som, a melodia, o ritmo da


luz, que vai enlouquecer Alejandro de todas as formas com a sua dança e
barulho. Ele a quer e a terá para si a qualquer custo. Ela irá se ver
irremediavelmente e intensamente, no silêncio do CEO.

OBS: Esta série contará a história de cada personagem de modo

independente. Não será necessário ler um livro para entender o outro. Serão
livros únicos. No Silêncio do CEO não terá continuação, a próxima história
será de outro personagem.
TEST DRIVE: SEU AMOR EM 30 DIAS

À procura do amor, Gerard e Allie se conhecem através do aplicativo “Test


Drive”, onde deverão passar trinta dias morando juntos para descobrirem se
podem formar um casal, e compartilhar uma vida a dois.

Ele é do campo, um fazendeiro de mãos calejadas, em certos momentos


bruto, eternamente solitário. Um cowboy que se fechou para o amor após a
perda da única mulher por quem se apaixonou um dia, dedicando-se apenas
ao trabalho e às suas terras, um vasto paraíso na costa da Califórnia. Mas um
acontecimento inesperado pode fazê-lo perceber que amar de novo talvez seja
a melhor opção.
Ela é da cidade, CEO de uma marca conceituada de moda feminina,
acostumada com tecnologia, a estar no controle de tudo ao seu redor. Mas o

que poucos sabem, é que por trás de todo o sucesso profissional, Allie
Jackson se sente devastada na vida pessoal.

Frustrada com vários casos infrutíferos e quase perdendo a esperança de


formar uma família, decide tentar um último teste, indo para a fazenda de um

louro cabeludo, turrão e completamente irresistível.

Será que trinta dias serão suficientes para conhecer a sua alma gêmea? Nada
melhor que um teste, mas há regras a serem seguidas.

Uma comédia-romântica não recomendada para menores de 18.


ALPHAS: DONOS DO SEU PRAZER

Kelly e Suzy cometeram um erro fatal que as puseram nas garras de um


poderoso bilionário, Hector Foxhill. Após quase ser roubado por elas, ele
quer se vingar selando um acordo: Kelly terá que se casar com seu filho, a

fim de libertar a amiga que ficou prisioneira do magnata. Mas o destino é


imprevisível e, em meio a tudo isso, ela acaba encontrando a sua salvação em
um grande amor do passado, que pensava estar morto.

Erick Lobo, um empresário de sucesso, é um cafajeste nato que resolve


expandir seus negócios para fora do Brasil. Tudo parece correr bem até ele
reencontrar o grande amor de sua vida, Kelly, a única mulher que conseguiu
marcar seu coração e que já não vê há muitos anos.

Em meio a todas estas reviravoltas, Apolo Lobo, irmão de Erick,

também está próximo de ter seu mundo virado de cabeça pra baixo.

Um homem dominador, um poderoso CEO de renome, Apolo é


conhecido por sua eficiência e exigência no trabalho, onde é apelidado de
“coração de gelo”, por ser frio e impenetrável. Ele não pensa em se envolver

com ninguém, tendo em vista os traumas amorosos do passado.

Contudo, a sua nova secretária, Bianca Vasconcelos, com sua inocência


e petulância, chama a sua atenção de todas as formas, dentre elas as mais
sujas e eróticas. O perigo a atrai, e ela decide enfrentar esse furacão de
homem, descobrindo que seu chefe possui gostos peculiares. Ambos acabarão
caindo na teia de um romance quente e sedutor, mas os traumas de Apolo
podem atrapalhar este romance improvável.

Amor, redenção, polêmica, encontros e desencontros te aguardam nesta

história que mescla três casais apaixonantes. Livro não recomendado para
menores de 18. Contém cenas de sexo explícito.
VICTOR: SÉRIE ALCATEIA - LIVRO 1

Livro recomendado para maiores de 18 anos.

Victor é um simples mecânico, lindo, intenso e sedutor que, viciado em


adrenalina sexual, se envolve com mulheres casadas para obter o prazer

quente do perigo.

Mas a sua vida muda radicalmente quando ele descobre ser herdeiro de uma
grande fortuna deixada por um pai desconhecido. O jovem é levado a uma
casa luxuosa e passa a morar com Laura, a viúva, uma mulher cheia de
segredos e tentadoramente linda.

Agora, sob o mesmo teto, a atração entre eles é inevitável e se intensifica a


cada dia, mesmo os dois pertencendo a mundos tão diferentes. Ela é chique,
ele bruto, mas ambos ilimitados.

Victor se vê diante de uma realidade totalmente nova, cercado de riqueza e


poder. Seu desejo pela madrasta se torna obsessivo, afinal, Laura é o seu
maior desafio. Possuí-la é imoral, proibido e fatal, pois ela pode ser a sua
perdição ao se transformar na principal suspeita da estranha morte de seu pai.

Neste primeiro livro da série Alcateia, é contada a história abrasadora de


Victor, um romance original que foge dos padrões, narrado na visão
masculina, hot, instigante e misterioso.

OBS: Esta história não se trata sobre lobos, não é uma fantasia! “Lobo” é
visto aqui no sentido figurado.
APOLO: SÉRIE ALCATEIA - LIVRO 2

Contém cenas de sexo explícito. Livro recomendado para maiores de 18 anos.

Apolo Lobo, é um lindo jovem que apesar do rosto de anjo, possui a mente

pervertida e os sentimentos à flor da pele. Ele é obrigado a voltar a morar


com o pai, Victor, o qual culpa pela dissolução da família. E em meio a
conflitos familiares e traumas que ressurgem, uma nova vizinha, Érica, chega
ao condomínio atraindo o garoto de forma ardente.

Movido pelo desejo e curiosidade, Apolo acaba descobrindo um segredo de


Érica, dando início a um jogo quente e perigoso onde a vingança é a cartada
final. Ele é desafiado, treinado, e fará de tudo para sentir o maravilhoso sabor
de ter uma mulher sob seu corpo, provando que não é de falar, mas sim de

fazer, mas talvez o preço a ser pago seja alto demais.

Victor Lobo, viveu anos se sentindo o homem mais feliz e realizado de todos,
entretanto, a vida lhe mostrou que pode ser cruel arrancando-lhe a mulher
amada e o respeito do filho por uma mentira perversa. Agora, solteiro, tem a
sua carreira em ascensão e as mulheres que quer para satisfazê-lo apenas

carnalmente, pois não consegue esquecer o amor do passado.

Contudo, o que importa nesse momento é reestabelecer seu laço paterno com
Apolo, e quem sabe o destino lhe traga uma nova paixão.

Neste segundo volume da série Alcateia, pai e filho terão que redescobrir o
amor familiar e verão que possuem muita coisa em comum, principalmente
no quesito mulheres. Amor, sexo, traição e vingança se unem a cadCapítulo
tentadoramente.

OBS1: Este é o segundo livro da série, antes é preciso ler o primeiro, Victor.

OBS2: Esta história não se trata sobre lobos, não é uma fantasia! “Lobo” é
visto aqui no sentido figurado.
ERICK: SÉRIE ALCATEIA - LIVRO 3

AVISO: Apesar do nome da série, este livro não se trata de fantasia ou


sobrenatural. É um romance hot contemporâneo, com amor, humor, mistério,

muitas cenas quentes, e pode ser lido de forma independente dos demais.

Contém cenas de sexo explícito. Livro recomendado para maiores de 18 anos.

Erick, é um jovem conhecido por sua beleza e cafajestagem. Apelidado de


"negão" pelos amigos, ele possui a fama de sedutor e vive a vida
intensamente como se todos os dias fossem os últimos. Aventureiro, rebelde,
fogoso e inconsequente, adora desafios perigosos e adrenalina pura,
principalmente quando o assunto é mulher.

Mas tudo muda quando Kelly, uma jovem astuciosa e linda, surge em sua

vida com más intenções, ela é uma aspirante a ladra, mas na falha tentativa de
roubá-lo, acaba se apaixonando por ele, sentimento este que deverá ser
provado com uma missão: Kelly agora terá que ajudar Erick contra um
inimigo que ameaça tomar o império da mãe dele, um resort hotel à beira-

mar.

Num jogo de mentiras e vingança, nasce um amor puro, romântico e


abrasador, mas será que o casal resistirá às consequências das suas atitudes?
Por outro lado, Erick nem sonha que a mãe a quem tanto quer ajudar, esconde
um grande segredo sobre a sua vida.

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