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Sumário

Sinopse
Prólogo: Alice
Capítulo 1: Pietro Mendes
Capítulo 2: Alice
Capítulo 3: Pietro
Capítulo 4: Alice
Capítulo 5: Pietro
Capítulo 6: Alice
Capítulo 7: Pietro
Capítulo 8: Alice
Capítulo 9: Pietro
Capítulo 10: Alice
Capítulo 11: Pietro
Capítulo 12: Pietro
Capítulo 13: Pietro
Capítulo 14: Alice
Capítulo 15: Alice
Capítulo 16: Pietro
Capítulo 17: Alice
Capítulo 18: Pietro
Capítulo 19: Alice
Capítulo 20: Alice
Epílogo Pietro
Epílogo: Alice
Recado da autora
Agradecimentos:

Capista e Beta
Nina Higgins

Revisão
Ctrl K Produção Editorial (16) 99763-7678
Sinopse

Pietro é um jovem CEO e pai do esperto Caíque. Viúvo há quase seis anos, não consegue
adaptar seus horários com nenhuma babá. Desesperado pelos encargos de sua profissão, ele se vê
sem saída, no entanto, o destino coloca

Alice em seu caminho. A estudante de Artes, sonhadora, meiga e mãe solo da espoleta
Alícia, mostrará a Pietro a coloração explosiva da vida e ele as regras e coordenações do amor.
Prólogo: Alice

Já sei que estou atrasada, de novo!

Não basta ter me formado há quase seis meses, não, eu tinha que estar completamente louca
ao cogitar, refletir, pretender e, por fim, aceitar a dar aula na La Madre, uma escola de crianças
ricas, muito ricas. Na verdade acho que nem tem adjetivo para a pomposidade daquela molecada.

Meu pai, o adorado senhor Osvaldo, tinha trabalhado lá como professor de matemática e,
obviamente, isso contou no meu currículo, não que eu quisesse, mas... para recém-formados, como
eu, uma oportunidade é sempre A oportunidade.

Já acordo num solavanco e começo a pegar as coisas pelo caminho, paletas, tintas, alguns
livros de pintura moderna, uns pincéis e, como boa descendente de italiana, grito:

— Alíííciiia! Filhota! Harry Potterzinha! Pipoquinha da mamãe!

A minha docinha de quatro anos aparece com as mãos na cintura, toda arrumada já! Com
aquele uniforme zelosamente passado pelo meu pai, mochilinha nas costas e a lancheira, tudo oriundo
daquela escola blé! E eu lutando pra me enfiar uma camisa.

— Tá atrasada, mamãe! — ela quem me ajuda a me livrar da blusa, enquanto vou cedendo
ao chão, como uma pamonha murcha, percebendo que aquela porcaria de blusa era a dela e não a
minha!

— Caralh... — minha filha me olha, estreitando os olhos, uma cara de julgamento que só
por Deus... emendo: — Carvalho, filha! Uma árvore linda e...

— Mamãe, seu cabelo tá gudando, eca!

— Ahn... vai indo lá com o vovô! Eu vou... cinco minutos! — dou um beijo em sua
bochecha e saio catando cavaco, como uma louca pra tirar o xampu restante em meu cabelo para
parecer minimamente apresentável!

— Paaaaiiii! — A torrada que me enfia na boca me faz calar a boca, depois de generosos
goles de suco de laranja, que já estava na mão dele. Eu junto todo meu material em uma maleta
grande, com alguns quadros, livros, portifólio, apostila, agenda, etc... — Já tô de saída! — dou um
beijo em sua testa e, como sempre, ele me olha e dá um sorrisinho de lado, triunfante, acho que deve
fazer bolão com os amigos, apostando quando eu não acordaria atrasada.

— Alice. — Ele diz, divagando, colocando o lápis sobre o jornal, na parte de palavras
cruzadas. — O que é bom, com seis letras e começa com B?

— Bufunfa, pai! — pego um café preto e, antes que ele pudesse me alertar, queimo a língua
e fico com ela de fora, a abanando com a mão.
— Mas tem sete letras! São seis! — ele resmunga, colocando o lápis atrás da orelha e se
levantando para arrumar a casa. Se não fosse por ele, eu estaria fo-di-da! E mal paga, dou mais um
giro pela casa e... cadê a baixinha?

— Alícia, filha! Vamos! Já estamos atrasadas!

Minha filha abre a porta de casa, revelando já estar na garagem, me esperando batendo os
pezinhos no chão:

— Tô sóóó te esperando, mamãe! Tenta “bombom”, vovô! — a meia-calça do uniforme


dela estava do avesso, o cabelo bagunçado numa tentativa de penteado e a gola da roupa com marcas
de pasta de dente.

— Olha, perfeito! Bombom! — Diz meu pai, apoiando o caderninho de palavras-cruzadas,


sentado na mesa da cozinha como se o mundo dele fosse paralelo a todo o resto. Ao contrário de
mim, que passo a mão na cara, derrotada! Eu nunca iria entrar nos padrões das mães perfeitas do
bairro. Sorrio amarelo:

— Eu sabia que você estava aí... — Minto e ela revira os olhos... até tu, filha? — Bom, vou
indo, beijo pai! Bombom... — Resmungo a última palavra, como ela sabia? Essa baixinha esperta.

Sabendo que eu havia esquecido minha bolsa e prevendo a minha anarquia, meu pai já
espera eu gritar “A bolsa”, segurando-a com o indicador, sem virar os olhos para mim.

— A chave! — e é Alícia que estende a mãozinha com a chave do carro, ela me olha
curiosa e eu não sei o motivo, quando abro o carro para colocá-la na cadeirinha ela pergunta,
apontando pra mim:

— Vai com a calça de unicóneos, mamãe?

Não vou olhar pra baixo, não vou olhar pra baixo... mas sim, eu me confundi e coloquei as
calças do pijama.

— Ah! Espera só um pouco, filha, mamãe já volta!

Entro em casa e meu pai já tinha jogado minhas calças jeans no sofá. Ele dá aquele risinho
de quando faz “bingo”, tenho certeza que vai ser motivo de horas de áudio no whatsapp com os
amigos!

— Tem como piorar?


Ele me olha de revés, dando de ombros, lavando a mamadeira de dormir de Alícia, quando
ouço um trovão, mas não qualquer trovão, era um anunciando o apocalipse!

— Acho melhor pegarem um Uber, esse carro não é bom na chuva.

Saldo da manhã: criança molhada, mãe encharcada e mais de quinze minutos atrasada!
Capítulo 1: Pietro Mendes

Caíque terminava de se arrumar com a ajuda da nova babá enquanto vou acertando meus
últimos detalhes para a viagem à China. Na verdade, eu queria levá-lo comigo, mas sei que não
posso, não enquanto ele está na escola.

Os negócios têm crescido, mas, na mesma medida, eu não poderia participar tanto da vida
do meu filhote como eu queria.

Belisco uma fruta na mesa enquanto Rachel, nossa empregada que trabalha em tempo
integral há anos, termina de pô-la:

— A babá nova tem um cheiro forte de perfume e se maquia muito! — Ela me alerta
enquanto eu tento fazer malabarismo ao falar com Jing no telefone, arrumar a gravata e terminar de
comer a fruta.

— Ah é, é? Nem reparei! — Digo, sinceramente, intercalando o chinês e o português,


quando Rachel me puxa pela gravata, fazendo mais um de seus nós impecáveis e mirabolantes.

Ela bufa um “hunf”, virando-se de costas e terminando de arrumar a mesa, eu havia


comprado uma casa menor e mais aconchegante, contudo ainda enorme para que Rachel desse conta
sozinha, mesmo sendo Caíque e eu.

Rachel nunca estava feliz com babá nenhuma e ela sabia que estava se sobrecarregando em
dar conta da casa, gerenciar os funcionários e ainda tomar conta do meu pequeno.

— Vou abrir seleção pra outra, é isso sim que eu vou fazer! — ela resmunga, corrigindo o
jeito de uma das moças passava a roupa; rolo os olhos, eu que não queria estar em suas mãos como
funcionário.

Na realidade, acho que se ela tivesse o cargo de CEO seria “tiro, porrada e bomba”.

— Raaaachel! — Caíque pula as escadas indo abraçá-la, e eu com os braços abertos e a


maior cara de otário achando que a preferência pelo abraço seria minha: estou só com a maçã na
boca, celular pendurado no ombro, olhando trêmulo para o meu filho, que me lança um sorrisinho:

— Bom dia, papai! — E se senta à mesa, servindo-se de cereal, suco, leite... espera, desde
quando ele não precisa de ajuda?

A jovem ao meu lado, a babá, provavelmente, me olha de cima a baixo e eu ando como um
caranguejo, tentando me livrar de qualquer situação embaraçosa, ainda mais na frente de Caíque.

Sempre que eu saía com alguém, ou ela era de fora da empresa ou alguma amiga colorida
de escritório, tipo a Estela, mas isso teria que acabar, já que a companhia crescia para um comércio
mais sério, diversificado e... bem, por que não? conservador.

— Papaaai! Ontem eu fiz uma amiga nova na escola! — ele comenta, tomando o leite,
deixando bigodinho e balançando as pernas.

— Ah é? — Tento prestar atenção, agora me virando entre o assunto da amiguinha nova do


Caíque, a babá de olhos gulosos, Rachel reclamando do jeito que a roupa era passada, Jing berrando
um chinês para o qual meu nível não estava preparado e a dor de ter batido meu dedo mínimo na
mesa:
— Ah! Mas que mer... — e como num passe de mágica, todos me olham, meu dedo
latejando, Jing gritando, a babá me observando como se eu tivesse quebrado todas as expectativas
possíveis, assim como Rachel e a moça da louça: — ... mer... mercenário... esses investidores
chineses!

— A mãe dela é professoUra de Artes! — ele pisca algumas vezes, tirando uma lasca de
maçã dos dentes e batendo sobre a mesa — Mercenários chineses!

Eu tento não rir, não posso rir, na verdade, os olhos de Rachel me fuzilam.

Há poucas semanas, eu que o levava para a escola, mas agora nem isso dava tempo mais,
seu José ficava a cargo de levá-lo e buscá-lo e a saga da babá não terminava. Enquanto isso, eu tinha
que contar com a boa vontade de Rachel.

— Papai precisa ir... er... prazer, babá nova...

Ela tenta me dar um beijo no rosto, mas eu quase meto a minha pasta na minha cara para
evitar qualquer contato, com uma dor desgraçada no meu dedo, mas tentando sorrir, dou um beijo nos
cabelinhos cheirosos de Caíque.

— FaceTime que horas? — eu pergunto e ele se agita, animado na cadeira:

— Às seis!

Desde que a empresa começou a se expandir e meu tempo com ele ficou mais e mais
escasso, o que a gente fazia para se divertir era uma chamada de vídeo, aí a gente brincava,
conversava, até a babá nova ou Rachel colocá-lo para dormir e eu praticamente o via de manhã por
poucos minutos.

— Preciso ir! Até mais tarde! — Assim que eu saio, um tanto de jornalistas me espera.

Ser CEO de uma empresa do ramo da arquitetura aos trinta e quatro, viúvo, pai solteiro,
tudo bem, mas ter dado um “fora” em uma influencer influente e intransigente foi um escândalo!

— Pessoal, tô sem tempo agora, mas prometo que marco uma coletiva assim que der! — eu
tentava ser simpático, mas meu olhar estatelado de quem não dorme, o dedinho inchando e a pasta
quase deslizando das minhas mãos não me deixavam muitas alternativas.

Eu estava atrasado para a reunião com os chineses mercenário pontuais como britânicos e
Jing só não me xingava mais porque ele sabia que eu não entendia.
Capítulo 2: Alice

Estava projetando Artes da Renascença quando a diretora em pessoa dá três batidas na


porta.

— Alice? Me procura no intervalo, sim? — Concordo com a cabeça, vendo aquela mulher
chique dando meia volta. Me recrimino por não ter ido mais arrumada, sei lá, uma calça longa, blusa
combinando, bijuterias, tudo que eu tinha eram os meus óculos para minha miopia, calça jeans
surrada e a blusa da escola, maior que aquela sala.

— Hm, onde estávamos? — eu dava aula para todas as turmas praticamente, para os
pequeninhos era mais brincadeira lúdica como: o que eles faziam de diferente na Monalisa, fazer
carinha feliz em “O Grito” de Münch ou inventar uma história para quadros de Botticelli. Agora,
para o ensino médio, eu realmente fazia uma explicação sobre a arte, desde as pinturas rupestres, a
“pintura abstrata”, indo até Bill Barret.

— Professora? — enquanto os alunos tomam notas, eu me embanano toda com a bricolagem


das crianças, as provas dos adolescentes e os trabalhos de casa, que se acumulavam na minha mesa.

— Oi? Sim, Tamara? — sabe aquela aluna pé no saco? Era ela, que adorava esfregar na
minha cara suas ricas viagens internacionais e fazer inveja nos professores sobre tudo! No meu caso,
com fotos incríveis que ela trazia do Egito e das pirâmides, que era meu sonho conhecer.

Eu ia a toda exposição que São Paulo poderia oferecer, mas claro que ter no currículo um
curso ou uma viagem internacional seria o máximo! repouso minha cabeça nas mãos, divagando,
quando vejo a sala inteira me olhando.

— Você me... ouviu, professora? — percebo que estou com o dedo na lente dos óculos,
olhando a arte das crianças e sequer olhei pra minha aluna, que virava a cabeça, bem ao estilo
adolescente, como se dissesse “oi, querida, tudo bem?”, abro a boca, vendo-a desfocada pelo dedo
na lente.

— Ahn, desculpa, o que foi que perguntou? — me levanto, ajeitando o jeans e indo até o
projetor, pensando nas possíveis perguntas que poderiam cair no vestibular.

— Eu disse que não vai mais cair Artes no vestibular! — ela enfatiza, como se falasse
triunfante, eu sorrio torto, imaginando a cena hipotética de eu sair no tapa com aquela atrevida! Olho
para os outros alunos, vou até a lousa pego o canetão e o recosto na boca.

— Bom, as Artes não se resumem só aos quadros e as pinturas que remanesceram nos dias
de hoje, não... — ajeito meus óculos, encarando os alunos enquanto pondero minhas próximas
palavras. — As artes falam sobre nosso período histórico, dialogam com o nosso passado, presente e
estruturam sociedades inteiras, sem arte a vida perde cor, sentido... Já se imaginaram sem um filme?
Uma série? Música? Tudo faz parte de um equilíbrio e...

— Mas, professora, isso não é quadro, né? — Tamara me interrompe mais uma vez,
cruzando os braços, dou de ombros e continuo:

— Faz e não faz... os filmes, por exemplo, usam a fotografia, a tela, alguns inclusive têm o
cenário todo pintado à mão! Imaginem... Avatar foi todo composto por artistas e...

— Mas não cai mais no vestibular! — juro que eu vou arrastá-la pelos cabelos até a saída,
atrasou minha aula e eu já querendo fazer um discurso à la Dalai Lama, mas quando retomo meu
raciocínio o sinal toca, estridente e alto, bem alto.

Os alunos agradecem e começam a sair, e eu vou recolhendo o material, desligando o


computador com projetor, enfiando o canetão no bolso da calça jeans, desligando as luzes e fechando
a sala.

— Mamãe? — quase trombo com Alícia ali na porta. A baixinha sabia que não podia ir
para os prédios do ensino médio, adolescentes e crianças dificilmente se misturavam, mas ela
sempre dava um jeito de me achar. Vou lutando contra o material, dando uns coices na mochila para
pegá-la no colo:

— Você sabe que não pode vir aqui, né? — ela faz uma cara de sapeca e um “sim” com a
cabeça.

— Espertinha! Sabia que a mamãe pode receber uma bronca se te virem por aqui? — a
pego com um braço enquanto com o outro vou administrando as coisas até a sala dos professores.

— Não vão me ver, mamãe... eu tô com a capa do Harry Potter de inviabiLidiade! — só aí


que vejo que o casaquinho da escola fora substituído pela capa da fantasia do Harry Potter, que ela
pronunciava certinho. Ela amava Harry e nunca deu bola pra outras coisas.

Não consigo esconder o sorriso, enquanto passava pela biblioteca com ela arrumando meus
óculos tortos na cara.

— Fazer feitiço pra ficar certinho.

Eu a beijo, passando meu nariz no dela e vendo como aquela escola era imensa, até aula de
jardinagem as crianças tinham, mas também... a mensalidade parece que era por volta de cinco mil,
um pouco mais do que meu salário de aula todos os dias, manhã e tarde, fora os reforços.

O prédio parece um palácio: janelas grandes, pinturas em branco com grandes logos da
escola, o jardim com a horta, três cafeterias para os aborrecentes — alguns do cursinho tinham
carros de luxo dado pelos pais, inclusive.

As salas de aula eram todas equipadas com o melhor padrão de lousa inteligente, todos os
alunos tinham tablets fornecidos pela escola, as cadeiras com assentos confortáveis, eu mesma tinha
estudado lá quando meu pai conseguiu o cargo de professor e devo muito a essa educação por ter
passado de primeira em Artes na USP, até que minha mãe... suspiro, ainda andando.
Foi no primeiro ano que conheci Rafael, pai de Alícia, que se mandou em um intercâmbio
sem volta para os Estados Unidos já faz quatro anos. Faço umas contas mentais... Isso... me formei
em cinco anos, depois da licença-maternidade e a morte da mamãe... olho minha pequena, ainda
mexendo em sua fantasia, dou um beijo em sua testa, ela nunca tinha perguntado do pai.

— Alice? Pode vir na minha sala um instantinho? — a diretora me chama novamente e eu


arremesso minhas coisas na mesa da sala, as professoras dando aquele sorriso do tipo “sério que
você precisa pegar todo esse espaço?”, e se encolhendo com o café numa pose chique.

Coloco Alícia no chão, a diretora me esperando:

— Vai pro seu prédio, filha. Mamãe tem que conversar com a diretora...

— Posso ficar aqui? Fico quietinha... — Olho para a diretora que faz “não” com a cabeça,
ai que saco, sabe aquelas horas que você tem que suspirar um trilhão de moléculas de oxigênio pra
não mandar alguém tomar no...? Então, fui eu. Pego nas mãozinhas dela e falo:

— Harryzinha, vai pra sua sala comer seus “feijõezinhos de todos os sabores” ... mamãe
logo logo vai estar lá com você — Meu pai tentava fazer biscoito caseiro, que ficava esfarelado e
meio salgado, mas Alícia achava que eram “feijõezinhos”, balinhas que apareciam no Harry Potter, e
aí meu pai, todo convencido, fazia sempre, a única coisa que eu pedia era que tirasse aquele tanto de
sódio.

Ela me olhou desconfiada, depois pra diretora e reclamou:

— Mas eu tô com a capa da inviabilidiade — abaixei até ela, como eu poderia pedir sem
perder a magia?

— Alícia, vá pra sua turma agora! — a diretora manda, rispidamente, me corta o coração
aquele biquinho, ela se esconde na capa e sai correndo, quase tropicando. Arrumo meus óculos e
passo a mão pelo cabelo. Mas que desgraçada...

— Alice, você tem tempo agora de vir à minha sala ou não? — E sigo o “tec tec” de seus
saltos altos, olhando uma última vez pelo corredor para ver se a Pipoquinha ainda poderia ser vista.

Os professores continuam tomando seus cafés sem nem me notar. Eu me rendo e vou
andando atrás da mocreia com o coração apertado e engolindo todos os palavrões que eu queria
dizer.

Entramos na sala chique, me largo na cadeira, prevendo que chegaria atrasada na próxima
aula e nem tinha comido nada. A elegantíssima diretora dá uma volta teatral até a mesa, cruzando as
pernas e se recostando na cadeira estofada.

Ela diz num tom ríspido:

— Sabia que Artes não cai mais no vestibular? — Coço minha cabeça, processando a
informação. Depois do jeito que ela falou com Alícia, a vontade de socá-la era tão grande que mal
ouvi o que ela falou, mas a conectei com a fala de Tamara, a aluna agressiva-narcisista.

— Tamara Francis disse algo na última aula, sim, dona Simone, mas acredito que a arte
seja mais... enfim, seja mais que análises de quadros e pinturas... as artes como um todo caminham
como um tooodo — Faço um círculos com as mãos: — Se o medo é a praticidade do curso, temos
que lembrar que, para prestar arquitetura e urbanismo ou... fotografia, cinema... deve ter aula de artes
e, enfim, há muitas aplicabilidades e eu tenho certeza... que... que....

— Nós não vamos mais dar essas aulas, os pais dizem que é desnecessário... e, depois de
uma análise, eu concordei. — Aquela mocreia o quê? Mas a mensalidade era um absurdo, todo
mundo ali tinha condição, exceto os bolsistas e ela estava me dizendo em desnecessário? Fico
olhando pra ela, rendida... Então a minha profissão era desnecessária? Insisto:

— Além das aplicabilidades nas áreas de engenharia...

— Alice, não teremos mais aula de Artes, se quiser... pode dar aula de reforço de português
duas vezes por semana... — começo a fazer os cálculos mentais de quanto isso iria me render por
mês... quase nada! Nada! Arrumo meus óculos, perguntando:

— Mas... eu vou ganhar bem... bem menos... e.... e a bolsa da Alícia?

— A bolsa da Alícia será garantida, fique tranquila e...

— Espera... espera... eu... tô demitida? — um calafrio me corrói, mas, na mesma medida eu


poderia ter tempo de estudar para meu mestrado, elaborar melhor o projeto e logo, logo eu poderia
vender alguns quadros, ou... ou pleitear uma bolsa, ou... pedir esmola com o meu chapéu de
formanda.

— Suas aulas são reforço de português duas vezes por semana... Tem mais alguma coisa
que não entendeu? — Ah tinha! Ô se tinha! Eu queria defender a minha área. Por que não era
importante? As artes movem o mundo! Me formar, com filha pequena, o pai dela inexistente e com
uns bicos na Escola de Comunicações e Artes da USP, aqui em São Paulo, não era nada, nada
simples mesmo!
Agora uma escola de filhinhos de papai iria me dizer que minhas aulas eram, como ela tinha
dito mesmo? Desnecessárias! Agora, com a voz um pouco mais alta, como se a ficha ainda não
tivesse caído, retorno ao ponto de toda aquela discussão, movendo a cabeça de um lado pro outro,
ajeitando os óculos:

— Por que tiraram Artes?

— Você pode ir embora agora, eu tenho um pai pra atender, tenha um bom dia... — ela faz
um gesto com a mão de “pode ir” que me deixa maluca, me levanto e tento protestar mais uma vez:

— Mas, mas...

— Por favor, Alice! — Ela se levanta e praticamente me empurra até a sala de espera,
onde, diga-se de passagem, nenhum pai de aluno estava.

— Tá. Er... até... vou pegar os horários do reforço.

— Isso... faça isso, bom dia... — E, assim que ela lança aquela porta linda de vidro com o
logo azul e branco da escola na minha cara, eu sussurro:

— Bom dia... nunca mais fale daquele jeito com a minha filha, com licença!

Ouço o burburinho inquietante da sala dos professores, que comentam:

— Sabia que Artes não cai mais no vestibular? — tomei coragem para entrar na sala
novamente e eles se silenciaram com seus cafés e cappuccinos em mãos, mas sou superior! Abri meu
armário, peguei minhas coisas e fui até a cantina esperar a minha filha. Fiquei brincando com um
joguinho de celular até aparecer “bateria fraca”, ah! E essa agora?

Abro um dos meus rascunhos para quadro e começo a desenhar, sem grandes expectativas,
só para passar o tempo mesmo, pensando que eu deveria ter arrumado aqueles óculos há séculos, que
eu deveria marcar um check-up pro papai e pra Alícia e que... e que... as lágrimas começam a cair
em cima do desenho...
Capítulo 3: Pietro

Entro na sala de maquetes depois de uma manhã intensa de reunião, almoço com os
chineses e com a minha arquiteta Estela — a gente se pegava de vez em quando pra aplacar o stress.

— Não gostou dos designs, Pietro? — ela gesticula com os braços, a prancheta nas mãos, o
olhar lascivo, mesmo sem querer.

Ela roça a pele gostosa em mim, já me provocando, mas aquilo era trabalho e eu precisava
ser sincero, já sabendo do gosto do público chinês.

— Ahn... Estela, aqui as paredes estão meio arredondadas... — aponto para a maquete de
um prédio, o arranha-céu, fetiche dos países ricos. — Eles gostam de alguns ângulos diferentes,
assim... — mostro com os dedos como deveria ser feito, eu era engenheiro civil; o design, a parte da
arquitetura não eram minha praia. Na verdade, eu tinha que colocar a estrutura de pé e eles faziam a
magia do aconchego acontecer.

— Pode mostrar de novo... os movimentos com o dedo? — ela provoca, colocando a caneta
na boca.

Concordo, olhando para a equipe e dizendo mais ou menos como eu queria; as vigas,
entretanto, não podem ficar tão rígidas quanto meu pau, que ca-ra-lho... preciso pensar em um meme,
algo engraçado, qualquer coisa pra sair dali.

Foram me apresentadas seis maquetes, três projetos e um desenho de um shopping em fase


inicial reprovei todos... faltava algo... um pouco de cor, não sei, algo que me fizesse querer entrar no
ambiente e chamar de lar, nada daquelas cores frias ou mornas, queria algo... algo, mas ainda não
sabia o quê!

Frustrado com o trabalho, me refugiei na minha sala, quando olho no relógio já passava um
pouquinho das seis. Rodo na cadeira, ligando o FaceTime e já vejo Rachel pegando o tablet da mão
de Caíque e colocando a sua cara bem no meio da câmera:

— Tá ouvindo, PIETROOO?

Dou um pulo pra trás, fazendo que “sim” com a cabeça, afrouxo um pouco a gravata, me
recostando na cadeira pomposa da presidência. Quem diria que em dez anos eu e minha esposa
construiríamos uma empresa de construtora, paisagismo e design de interiores que poderia dar tão
certo?

Há seis anos ela havia partido... eclampsia, nem pôde ver nosso filho...

— Vou contratar outra babá! Essa aí não gostei não!

Volto pra realidade com Rachel gritando desnecessariamente no microfone do tablet. Ela e
a saga da babá!

— Eu viajo semana que vem, Rachel! Encontra alguém pra meio período, sei lá! Mas que
se adapte a sua rotina e a de Caíque, depois a gente fala sobre isso, agora, cadê meu Legolas? — ela
bufa um “ai, vocês dois!”, e logo Caíque aparece vestido igualzinho ao Orlando Bloom, o Legolas,
de O Senhor dos Anéis, filme favorito dele (e tudo que eu podia comprar de O Senhor dos Anéis eu
comprava).
Até o quarto dele era temático.

Nas minhas coisas eu tinha uma action figure de Sauron e imitava a voz de Aragorn, que ele
achava igualzinho, ele só perguntava quem seria a minha Arwen, papel de Liv Tyler, a elfa esposa de
Aragorn.

Desligo o FaceTime depois de quase uma hora conversando, rindo, brincando, até Rachel
chamá-lo para tomar banho. Eu desligo com o coração apertado.

Semana que vem eu viajaria e ficaria uma semana fora... desligo a câmera e volto a minha
atenção para o AutoCad, até Estela aparecer com aquele terninho que me deixava louco, a saia preta
com riscos brancos em vertical, brincos discretos, cabelão solto.

— Quer jantar? Fiquei pensando, talvez a gente pudesse dar uma volta...

Sorrio, meio sem jeito, eu estava com tanta vontade de sexo, fazia um bom tempo que vinha
de uma seca. Eu me permito relaxar na cadeira bem confortável, me livrando de dois botões.

— Estela, não sei... — eu sempre ficava meio relutante, mas era tanto tesão que me
inflamava, que ficava difícil resistir... ela vem andando, toda feminina, pronta pro ataque, jogando o
cabelo para o lado, colocando o joelho na cadeira, puxando a minha gravata e me lascando um beijo
daqueles.

Fico sem muita reação, minhas mãos procuram seu decote, aperto os seios e lambo a
orelha, à medida que ela vai se abaixando, com uma cara de safada, as mãos sabendo exatamente por
onde correr, até o cós da minha calça, deslizando pelo corpo, revelando estar de cinta liga e sem
calcinha...

Ah, Deus! Como resistir a isso?

Agarro o braço da cadeira com força, mordendo meu lábio inferior, ela desce a língua até
meu pau, roçando o rosto, já me encontrando duro feito uma viga em alicerces comerciais. Pu-ta que
pariu, a boca dela era um aspirador, eu forço a cabeça e ela quase engasga, aquele barulho gostoso
de saliva e sucção.

— Você é um homem tão atraente, Pietro... — ela passa a mão, me masturbando gostoso,
minhas bolas estimuladas naquela delícia de língua, um boquete quente e molhado. Me seguro na
cadeira com força, vou decolar de tesão!

Não aguento e forço a cabeça dela com a mão, querendo que ela enterrasse a boquinha
linda em “O” no meu pau, ela engasga, sorri e geme.

— Estela... você é uma delícia... — A puxo para cima de mim, rasgando a cinta liga,
aproveitando ela estar sem calcinha, lambo minha mão e começo a brincar com sua buceta gostosa.
— Senta em mim... — Ela o faz. Forçando bem as pernas na cadeira, ela enlaça os braços em torno
do meu pescoço, gemendo no meu ouvido, aquele cabelo cheiroso roçando em mim.

Espalmo as mãos na bunda tenra dela e a ajudo com os movimentos, não nos aguentando
nos gemidos, xingamentos e sussurros:

— Teu pau é uma... uma tentação... — ela geme, quicando no meu colo, começo a suar,
queria ficar nu pra comer essa mulher linda melhor, como um lobo em cima de uma presa. Nossas
peles se chocam, quentes, a cadeira começando a ficar úmida.

— Que buceta gostosa! — Agarro o cabelo dela, lambendo sua boca, sugando sua língua,
chupando pescoço lindo de Estela... mordiscando, engolindo o gosto delicioso dela.

— Então.... me come... me come… Pietro — tiro a blusa dela, os seios redondos pululando
na minha frente, coloco meu rosto no meio deles, depois eu os aperto forte, bem forte... lambendo os
seus mamilos, sentindo a buceta úmida escorregar pelo meu cacete.

A lubrificação começa a escorrer, quente e melada:

— Gostosa... gostosa, caralho... isso... isso... — a levanto no meu colo, quase escorregando
de tão melado. A deito na minha mesa do escritório, foda-se papelada, caneca, clipes, grampeador...
abro suas pernas lindas, descendo meu rosto, as coxas encharcadas de suor e desejo, começo a
lambê-la sentindo que estava em ebulição.

Encaixo suas pernas nos meus ombros, a fodendo sobre a mesa, os sapatos de salto alto se
chocando... ela me aperta comigo ali, gostosa... chupo com vontade, a buceta deliciosamente
arrebatadora, quero mais, enfio mais a minha língua, ansiando em lhe dar prazer.

— Me chupa... me chupa... vou gozar, Pietro...!

Meu rosto queima de prazer, de tesão, em ânsia de comê-la com mais vontade, saio do meio
de suas coxas, a puxando para mais perto de mim, dando-lhe um tapa na bunda... um... dois... três...
quatro... ela geme, geme gostoso, aperto suas coxas e começo a meter rápido, tirando todo o pau e
metendo de novo.

Ela arranha a mesa, eu aperto a bunda redonda dela, me colocando em cima daquele corpo
lindo, lambendo sua orelha, sussurrando:

— Geme pra mim, vadia...

Eu a pego e a viro de costas, preciso gozar ou vou explodir!

Abro com os polegares a bunda de Estela, quero um anal... quero... ouso colocar um pouco
a cabeça do pau, ela lambe a minha mão, os seios passando nos papeis, me incentivando:

— Me come... onde quiser!

Vou devagar para não a machucar, ela lambe os lábios, forçando o corpo para o meu, me
deixando comer sua bunda gostosa, dou uns tapas estalados, mais e mais forte, estremeço... isso...
isso... vou gozar...

— Ca-ra-lho... — sussurro, vibrando cada pedaço do meu corpo, relaxando aos poucos,
ansiando por ar... assim como ela. Nos damos as mãos e eu tiro meu cacete, levantando minhas calças
e mordendo a bunda apetitosa dela. — Gostosa...

Ela se vira, me dando um beijo, arrumando-se rapidamente; e eu já estava com saudade de


gozar nos peitos...

— Quando a gente vai ter tempo para um motel? — Ela sussurra, pegando suas coisas e me
esperando na porta. — acilando no andar, eu pego meu laptop, pasta e alguns contratos pelo chão.

— A gente tem que ver, Estela, até voltar da China a gente vai ter bastante trabalho. —
fecho a porta com a chave e caminho com ela pelos corredores vazios, dou “boa noite” aos
seguranças noturnos, me demorando pra tomar um cafezinho expresso e pegando o elevador para a
garagem.

Ela pula em mim, com gosto de café e biscoitinho de açúcar, me beijando deliciosamente
pós-orgasmo, brincando com a língua na minha boca, apertando meu pau, sussurrando: “quando vai
me comer mais vezes?”. Sorrio, prometendo que em breve, mas... eu não queria algo sério. Fazia
pelo menos dois anos que a gente estava nesse chove e não molha.

Eu saía com outras mulheres, poucas... pouquíssimas, na verdade, e ela com outros homens,
mas de um tempo para cá ela vem me cobrando algo um pouco mais sério e eu entendo, mas sinto, de
alguma maneira, que não sou apaixonado por ela.

Meu Deus, o que estou dizendo?


Estela é linda, madura, uma excelente funcionária, solteira... iria entender minha situação,
mas... não sei... assim como os prédios lindos que estávamos construindo para os chineses, eu sentia
que faltava mais cor na minha vida também, cores vibrantes e menos sóbrias, menos certas... menos
planejadas.

Chego em casa morto de cansaço: tomo um banho, vejo meu pequeno herói dormir com um
boneco de pelúcia do Legolas, vislumbro seu quarto, desço pra comer um lanche, Rachel já está
dormindo.

As luzes inteligentes, a Alexa, tudo tão... tecnológico e perfeito, vou para a varanda do meu
quarto depois de escovar os dentes e olho para o horizonte...

Quem estaria disposta a colorir esse quadro branco de desenhos geométricos confusos e
perdidos?
Capítulo 4: Alice

Terceiro dia semidesempregada, aulas do mestrado online e meu orientador pegando no


meu pé para terminar livros imensos, então, para poder ficar com a Potterzinha e com meu pai, decidi
ter a brilhante ideia de dormir apenas três horas por dia, ia dar certo?

Nem fudendo.

Estou babando com o livro na mão, assistindo Harry Potter e não qualquer versão não, a
versão estendida! Acho que a Harryzinha é mais pertencente a Hogwarts do que os próprios bruxos.
Talvez eu tenha engravidado em Hogwarts e eu era a única que não sabia.

— Mamãe... você tá dormindo? — ela abre meu olho e a vejo meio zangada, com a boca
cheia de... chocolate?

Dou um beijo na bochecha dela pra ter certeza que era chocolate e a sento ao meu lado.

— Desculpa, meu amor, a mamãe anda... — bocejo beeem gostoso. — A mamãe anda meio
cansada.

Ela se aconchega no sofá, colocando a minha mão em sua cabeça, aponta pra TV e comenta:

— Cê acha... que se alguém tivesse o poder do Voldemort... o pessoal ia ser mau assim que
nem lá, mamãe?

Vixi... como responder?

Sorte que meu pai aparece coçando a cabeça com a caneta, indo se sentar com a gente:

— Eu gosto do “Cálice de Fogo”, mas o que acha de ir comigo até a padaria e comprar
alguma coisa pra gente tomar de lanche da tarde?

Ela se empolga, indo pegar sua varinha, animada, e diz que vai defender o vovô.

— Escova o dente dela primeiro, pai, ou ela vai parecer o próprio Voldemort com essa
boca toda cheia de chocolate.

Ele a gira pela cabeça, indo até o banheiro, e eu me sento, passando as mãos no rosto. Ai,
ai... o que eu iria fazer? IPTU, IPVA, conta de água, luz, mercado, quitanda, a enésima prestação de
livros que eu comprava pro mestrado, gasolina...

A aposentadoria do meu pai mal dava pra pagar nossos planos de saúde, remédios, além de
uma poupança que a gente mantinha para o meu doutorado metade no exterior, metade no Brasil, algo
que meu orientador já planejava desde a graduação.

Fora... fora... ahhh jogo o livro na minha cabeça, como se aquilo pudesse resolver alguma
coisa, fora os materiais que eu usava no meu ateliê improvisado no quartinho ao lado da garagem,
quadros que jamais fariam sucesso... merda!

“Calma, respira, Alice... disseram a mesma coisa pra Monet, com a diferença que ele fez
sucesso depois de... morto...” Penso, já em mente que todos os grandes pintores, com raras exceções,
tinham feito sucesso depois de falecidos... sabe que a ideia de fingir a minha morte até passou pela
minha cabeça?

Eu poderia arrancar minha orelha à la Van Gogh, que vivia na miséria, mesmo sendo um
dos mais influentes pintores ocidentais, ele criou mais de dois mil trabalhos em quase uma década!
Quase dois... mil... trabalhos, e morrer na miséria, doido, em um lugar qualquer em Paris...

Agarro meus óculos e sinto um ódio mortal da dona Simone, duvido ela dizer que Monet,
Van Gogh ou Kandysky são desnecessários... num acesso de raiva eu vou até o altarzinho do meu pai,
uma mesinha simples de madeira em que ele colocava seus santinhos de devoção ao lado do sofá da
sala e grito:

— Por que comigo, porra? POR QUÊ? — pego aquele monte de santo e saio jogando no
chão, vejo a imagem da minha mãe e grito: — VOCÊ ME DEIXOU! ME ABANDONOUUU! AHHH,
que merda, merda, merda de vidaaa! — dou pulos, ficando cega de raiva, quem nunca? Ah, quem
nunca? Aquele monte de santo olhando pra minha cara sem fazer nada?

Depois, do nada, o arrependimento vem e eu começo a chorar e beijar os santinhos


colocando-os de volta, vejo que uma vela caiu no carpete e já me desespero de novo:

— AHHH NÃO! — começo a abanar o que, na minha cabeça, era um princípio de


apocalipse dos fogos do inferno, até que tenho a ideia que poderia salvar a minha casa, sento com a
bunda bem em cima das labaredas infernais e um “fuuuu” parece aplacar o fogaréu!

O portão range, ouço meu pai falando sobre brinquedos de sua infância com Alícia, mas eu
me desespero! Eles já tinham voltado da padaria?

Logo a porta vai se abrindo e vejo a cabecinha branca do meu pai:

— Chegamos, meu amor... olha a Harryzinha quer fazer xi...xi... Alice? — meu pai olha os
santos meio xoxos nos lugares, o cheiro de queimado no carpete, eu com o quadro da minha mãe em
minhas mãos, fungando alto, descabelada, e o livro jogado em cima da televisão.

— Mamãe tá fazendo churrasco, vovô?

Assim que levanto, vejo aquela mancha preta no carpete, assim como a minha bunda cheia
de fuligem. Meu pai cruza os braços, suspirando fundo:

— Acho que... vou... enfim, vou preparar as coisas pro lanche, Alice, que tal dar banho na
Alícia? E... vou colocar o lixo na rua, amanhã é dia de reciclável.
Depois do meu acesso pirotécnico de raiva acumulada e de deixar minha filha cheirosinha e
pronta para mais uma noite com meu pai, fui me arrumar para a faculdade. Minha sorte era morar em
Pinheiros com um metrô perto da USP e longe da escola.

Em uns 40min, eu já estava entrando na linda galeria ao ar livre da ECA, minha vida era
aquela universidade e, aos 24 anos, com uma filha de 4, estar cursando o primeiro ano de mestrado e
dando aula numa conceituada escola era pra ser tudo de bom, né?

Não!

Mesmo papai morando comigo, eu passava um aperto danado pra estudar, dar conta das
minhas obrigações da escola, pagar contas, ajudar a Potterzinha e sempre ter em mente que o pai
dela, que se mandou, pode um dia voltar e requerer algum direito sobre a minha filha.

Sorte que os pais dele são do Mato Grosso e não têm coragem de vir pra São Paulo... Até
que eu gostava da irmã dele, a gente se tinha no Facebook e ela comentava coisas fofinhas, mas não
passava disso.

Ligação do Rafael? Nunca! Nunquinha! Até parece que fiz a filha com o dedo!

Olho a cidade da garoa ficando escura... minha calça rasgada e queimada, aquele monte de
farol louco na cara, buzina, trânsito, caos. Assim é São Paulo. Até que no fundo eu amava aquilo.

Amava... Até agora, quando estendo o braço para o ônibus parar e ele segue direto,
fingindo não me ver. Ah! Vou chegar atrasada na aula do meu orientador!? Olho para o relógio e
decido dar uma corrida!

— Ok! Vai lá, Alice, você consegue! — e assim como em Alice no país das maravilhas,
que corre em busca do coelho branco atrasado, eu corro pela minha vida pra pegar aquele ônibus,
“tic-tac”, “tic-tac”, “tic-tac”.

Ao melhor estilo ninja, ofegante, suada e acabada, chego na sala, procurando algum colega,
mas nada... o professor já auxiliando a leitura da semana. Sento, largando as coisas do lado, quando
sinto um... sei lá, um vento no rosto.

— Puta que pariu, caíram meus óculos! — todos olham pra mim, eu com a boca aberta,
cegueta de tudo, mal conseguindo olhar os slides no projetor, me enfio até a frente pra ficar com a
fuça perto para tomar anotações.

— Ahn... licença, Alice, mas tá atrapalhando...

Olho para trás e vejo Estela, a super-bem-arrumada-modelo-top-ótimo-emprego-


empreendedora-ex-do-meu-ex com a maior cara de sonsa, ah! Por favor! Eu tinha perdido meus
óculos.

— Muda de lugar, Estela. Alice, chega mais perto se quiser, a gente estava discutindo algo
que pode ser interessante para a sua pesquisa: As cores em Kandinsky. Por favor, me acompanhem no
texto... página 311. — o professor pega aquele livro enorme, lindo e colorido, que eu só tinha o
xerox...

Estela ostenta o dela, todo novo e brilhante, se gabando que iria para a China com o chefe-
peguete dela.

Rolo os olhos, ainda bem que minhas amigas, assim como eu, detestavam a soberba babosa
dela: Lidi e Carol, amigas desde a graduação ficavam sempre ao meu lado, desde o meu namoro com
Rafael. Elas, assim que chegou o intervalo, vieram ao meu encontro falar mal do megahair da Estela.

O professor volta para a sala e eu vou terminando o refrigerante, chupando até a última
gotinha no canudo da Coca. Eu já pensava se os R$ 4,50 iriam fazer um rombo muito grande no meu
orçamento, enquanto esperávamos o professor, quando Lidi comenta:

— A gente bem que poderia ir para uma baladinha hoje, né?

Carol se anima toda, falando de umas bijus que tinha comprado pra revender e as que ela
tinha aproveitado pra ficar pra ela. A 25 de março, uma das ruas de comércio mais quentes de São
Paulo era o paraíso da Carol, já eu e a Lidi íamos mais aos museus como o Masp, teatro ou
exposições, mas naquele dia até a Carol se surpreendeu.

— Você tá bem, Lidi? Sair pra uma balada assim do nada? Depois da nossa amiga ser
humilhada, rebaixada e colocada pra escanteio na escola mais chique de São Paulo?

Ela pega a minha Coca, jogando a lata fora, dando uma de Chiquinha defendendo o Seu
Madruga no seriado Chaves:

— Não poderia me animar mais, Carol. — resmungo, ela pisca pra mim e nos viramos para
Lidi.

— Você se livrou, isso sim, amiga... Pensa bem, aquela escola ia te esfolar mais ainda...
além disso, logo você vai fazer uma exposição no Masp com as suas obras ma-ra-vi...

— Não viaja, Lidi... desculpa, gente, eu sei que querem me incentivar e ajudar, mas... sei
lá... — abaixo os olhos. — Não temos que forçar a barra, né? Enfim, preciso arrumar logo alguma
coisa, a aposentadoria do meu pai não vai dar conta de tudo! — com os dedos vou unindos minhas
sobrancelhas, céus!

Eu tava tão cansada... sabe quando você quer paz por alguns minutos?

Logo sinto a mão de Lidi me consolando.

— Sabe a babaca da Estela? Então o ranço dela por você é nítido por causa do escroto do
Rafael...M-A-S ela trabalha numa empresa legal pra caramba! Já te disse um milhão de vezes! E olha
que ela é uma arquiteta bem meia-boca. Por que você não leva seu currículo lá?

— Por...que...sou formada em Artes? Ao contrário dela e do Rafael!

— Eu não tento porque vocês sabem que eu quero ir pro Canadá, a Carol não leva porque
tem bolsa... mas você, sua boba! Vai lá, Alice, o que tem a perder? É a construtora “Make it” do cara
que deu um fora na influencer...

O assunto morreu, quando vimos Estela vindo, não com uma Coca 600mL na mão, mas com
duas! Fuzilo com os olhos aquele refrigerante, que era meu favorito... sei lá! Que explodisse naquele
cabelo cheio de mega hair!

O professor entra em seguida, e me concentro nas cores abstratas de uma vaga naquele
império.
Lidi e Carol me deram uma carona até em casa, me fazendo economizar uns trocados, chego
morta, semicega, indo ver Alícia e papai, que havia dormido e deixado a pipoquinha dormir com ele
na cama... mesmo eu reprovando esse hábito! Ela tinha que ter a caminha e as coisas dela, já era
grandinha pra dormir com o avô, que sempre acordava com dor nas costas depois dela se saracotear
toda na cama.

Tomo aquele banho e pego meus óculos reserva, mais feio dos que eu perdi, mais largos e
com uma armação de Só Jesus na causa. Pensando nisso, dou um sorriso meio torto pro altar do meu
pai, meio que pedindo desculpas pros santinhos.

Papai havia jogado fora o carpete chamuscado e deixado um pouco daqueles biscoitos ruins
que ele fazia, os tais “feijõezinhos” de Alícia.

Abro o note, começo a procurar mais sobre a empresa de Pietro Mendes e lá estava no site,
maravilhoso, “Make it: construtora, paisagismo e urbanismo, faça seu sonho se realizar”, ah, claro...
sabe o quão caro deveria ser aquilo? Uma meia parede deles deveria custar a casa do papai com os
móveis.

Vou até a sessão de “trabalhe conosco” e me empenho em fazer o melhor dos currículos, me
colocando lá pra cima; cruzo minhas pernas embaixo da mesinha, me dou o direito de beber um
copão de Coca-Cola e comer uns biscoitos, e tento pensar que eu era emponderada, linda, mesmo
sem me depilar há semanas, conquistadora, guerreira, mesmo com uma espinha na testa... Vamos lá!

Depois, vou a grupos de Facebook, sei lá, talvez alguém precisasse de uma artista? Pintar a
capela Sistina? Fazer um grafite! Ah, qual é? Qualquer coisa e nada... LinkedIn... e nada... até piscar
o WhatsApp no meu computador com o número da construtora! Quase cuspo a coca na tela e dou “Alt
+ Tab” correndo pra ver, tentando colocar em minha cabeça que eram uma dessas mensagens prontas
de “agradecemos o seu contato e em breve retornaremos”, mas... NÃO! ERA UMA PESSOA.

Olá, eu sou Rachel Flores, sou secretária do senhor Mendes e recebi seu currículo.
Começo a me tremelicar toda! Aiii, Caramba! Eu ia dar um beijo na Lidi e na Carol e ia
comprar uma roupa da Grifinória pra mim se aquilo desse certo!

Dou umas lambidas nos dedos cheios de biscoito e respondo:

Oi! Obrigada pela pronta resposta!

E lá estava... digitando... digitando... digitando...

Podemos marcar uma entrevista para amanhã às 10:30? Segue o endereço Alameda Hong
Kong, Alphaville, depois, quando estiver na frente, eu peço pra te liberarem e o motorista vai te
buscar, ok?

Ué... eu conheço esse endereço, isso não é um bairro comercial, esquisito, não? Será que
seria um dos escritórios da Make it?

O local da entrevista era num dos bairros mais caros de São Paulo, quiçá do mundo, e eu
não tinha nem roupa pra isso. Bom, pelo menos eu poderia deixar Alícia na escola, pegar o metrô até
a Sé e de lá ir ao desconhecido centro da nobreza paulistana. Valeria a pena!

Sim. Tudo bem, sem problemas, 10:30 estarei na portaria esperando.

Dou um generoso gole de Coca... beeem generoso, até ver a tela ser preenchida por três
caracteres:

Ok!

Minha vontade é soltar rojões, mas me acalmo... andando pela casa com passinhos
nervosos, mãos abanando... querendo gritar, mas não posso acordá-los.

E outra, eu não poderia ir com aqueles óculos, na verdade, eu iria tirá-los para a entrevista!
Arrumo a roupa que acho que mais se adequa, tipo pessoas que vão à missa de domingo e já
escolhem o look? Era eu!

Mando mensagem no grupo dazamigas e elas ficam embasbacadas, assim como eu... já me
chamando de “Colega da Estela”, pior que até rimava... será que era ela quem faria a entrevista?
Capítulo 5: Pietro

Olho para o celular na minha cama e vejo o horário piscando “6:30”, miro a janela sem a
mínima vontade de levantar, considerando o tempo nublado, a chuva fina e um cheirinho de pelúcia
de criança em minhas narinas.

Caíque estava com a mania de dormir comigo, de novo. Para um garotinho de quase seis
anos eu deveria me preocupar? Eram os trovões que o acordavam no meio da noite ou era uma
ansiedade inexplicável que eu via em seus olhos lacrimejando ao ligar a luz do meu quarto e pedir:
“— Pai, posso dormir com você?”.

Eu tinha medo de infantilizá-lo, ou de ele estar sofrendo bullying ou... ah! Suspiro, dando
um beijo em seus cabelos, ele se vira, agarrado ao Legolas que ele não solta por nada. Preciso de
uma babá ou de um milagre, penso, meio confuso em como agir.

Os psicólogos infantis que eu levava diziam ora que era saudade de uma figura materna,
que ele projetava em Rachel, ora em uma figura de mais autoridade, que inexistia, jogando na minha
cara que eu era um pai de merda.

Mas foi observando o comportamento do meu filho que cheguei à conclusão de que eu o
achava muito solitário.

Nunca chamava um amiguinho para brincar em casa, poucas vezes era convidado para
festinhas e as notas dele não eram das melhores, lembrando que ele iria fazer seis anos e precisava
ser alfabetizado, mas tinha algo ali que eu ainda não tinha capturado.

Mesmo Caíque sendo fluente em inglês, ele ia mal em escrever o próprio nome, ou mesmo
já tirando algumas notas de ouvido no piano com o professor, ele tinha dificuldades de ver as notas.

Os vários especialistas cogitavam déficit de atenção, mas eu não achava que era isso.
Aline, me ajuda com nosso filho...

Caíque queria me mostrar alguma coisa que eu não estava vendo... mas o quê? Seria a
minha falta? Mas... todos os dias eu tentava ser presente.

— Tá pensando em quê? Papai?

Me vejo olhando para o teto e sua mão na minha barba, eu tava extremamente relaxado, dou
um beijo em seu rosto.

— Eu? Tava pensando em talvez você chamar algum amiguinho pra brincar com você.
Lembra que eu vou viajar, né?

Ele enrola o dedo indicador no meu cabelo, dizendo baixinho:

— Eu fiz amizade com uma menina, papai, mas ela é da outra turma... ela gosta de Harry
Potter.

Animado, o levanto da cama, vou andando até o banheiro, a calça de moletom larga em meu
corpo, passo uma água no rosto:

— Bem, eu posso pedir a Rachel que ligue para a mãe dela, talvez a gente possa se
conhecer, o que acha?
Ele concorda. O coloco sentado na pia e o incentivo a lavar o rosto, ele me abraça e eu o
levo no colo escada abaixo para tomar café da manhã, assim que eu vejo a sala de jantar e a cozinha
tenho vontade de dar meia volta.

O que era aquilo?

Um monte de mulheres das mais variadas idades, jeitos, rostos, roupas, invadiram a minha
casa!

Rachel estava sentada com uma no escritório ao lado da sala de estar, como se tivesse...
não, como se tivesse não... ela estava entrevistando aquelas mulheres.

— Rachel?

“Com licença”, uma me disse, entregando um papel escrito “currículo” para a minha
governanta, que deu passinhos ligeiros até mim, cochichando:

— Tive uma ideia perfeita pra contratar uma babá!

Coloco Caíque no chão e ele já corre para pegar seu suco e se servir, a encaro... dessa vez
ela tinha ido longe demais.

— O... o que significa isso?

Ela me empurra as costas, me rebocando como um guindaste até a cozinha, me sentando e


me servindo um café da manhã reforçado.

— Eu pedi pro Luís da TI reverter todos os currículos dos últimos dias pra cá — ela
aponta para seu celular e, antes de eu dizer que absurdo era aquilo e que poderia, inclusive, me dar
problemas judiciais, ela enfia um biscoito na minha boca. — Ele fez o que eu pedi e agora estou
atarefada até à noite com esse monte de mulher pra fazer entrevista!
— Bom dia. — diz seu José, constrangido ao ter sido designado a dar cafezinho e
biscoitinho à mulherada esperando em toda a minha casa. — Já está na hora de levar Caíque pra
escola.

— Não, seu José, tudo bem... eu levo ele na escola hoje. — aproveitaria e falaria com a
diretora sobre os colegas dele, além de um possível bullying, não sei... Eu estava desesperado. O que
mais eu poderia fazer?

Improviso, olho as horas meio inquieto, olho Caíque, depois aquele monte de mulher, o seu
José com cara de “Deus nos acuda” e, sem pensar muito, resolvo sair com o baixinho para o
consultório médico de última hora, pensando em ter uma vaga, depois iria almoçar com ele e ter uma
boa conversa com a diretora. Ele mataria aula, eu o trabalho e Estela.

Dou um high five e o chamo para entrar no carro comigo, tentando sair do foco daquela
gente.

Espero pacientemente pelo atendimento com a pediatra do Caíque, o consultório deveria


ser uma espécie de paraíso para a molecada: brinquedos, cadeiras coloridas e mesinhas com
desenhos para colorir, bonecas, bonecos e até uma estante com vários livrinhos infantis.

— Por que você não pega um livro e lê pro papai?

Ele corre e vai com as outras crianças escolher um livro, conversando com elas,
interagindo numa boa. Ué... então por que ele tinha dificuldades em fazer amiguinhos e as notas
estavam tão baixas?

— Caíqueee! — o chamo, queria ver como estava a leitura dele, bato no fofo estofado ao
meu lado, ele se despede com educação das crianças e vem ao meu encontro, com um livro de O
Senhor dos Anéis versão infantil.

— Olha papai, igual ao meu lá em casa, né? — eu concordo e peço para ele começar a ler.
— Na te... terra mé-média. — observo ele passando os dedinhos pelas letras e lendo,
direitinho, até que me dá um estalo na cabeça.

Pego o livro rapidinho das suas mãos e coloco em uma generosa distância, mas que ainda
daria para ler.

— Lê, agora, filho...

Ele faz uma carinha de me cortar o coração, me abraçando e dizendo que os meninos faziam
isso com ele na escola e debochavam que ele não conseguia ler, por isso não fazia amizade com
outras crianças.

— E por que não me contou?

— Por... porque... porque não queria que ficasse zangado comigo...

Eu o pego e aperto bem forte, sussurrando que não estava zangado e nem decepcionado,
meu Deus, como não pude ver que meu filho só precisava de óculos?!

Saio com uma fúria daquele consultório médico, ligando para a empresa e dizendo a uma
das secretárias que marcasse um oftalmo infantil urgente, ca-ra-lho, como ninguém percebeu isso
antes?

Uma revolta me atinge, vejo que levo Caíque no meu braço, como a uma maleta, as
lágrimas dando lugar a risada.

Ligo para o escritório novamente: Caíque iria comigo para a empresa, mas antes iria mover
céus e mundos para achar alguns óculos que ele amasse e nunca mais tivesse vergonha ou receio de
me contar nada.

Ele era meu orgulho em todos os sentidos.


Capítulo 6: Alice

Chove.

Chove tanto que acordo mais cedo que o normal, a ponto de meu pai estranhar.

— Bom dia, pai, hmmm... cheiro de café bom.

Ele fecha o jornal, me dando um beijo e logo emenda:

— Acho que aqueles santinhos merecem mais que uns beijos e não vou mais acender
velas... percebi que pode ser perigoso... — ele me olha por cima dos óculos e eu dou um risinho sem
graça, indo para o quarto dele e acordando a Pipoquinha.

— Mamãe, quando vai contar pro vovô que não vai mais na escola?
Faço um “shhh” e a pego pela mão, indo até o banheiro:

— Logo, logo... vem, vem fazer xixi, depois tomar um banhinho e se preparar pra ir pra
escola.

Vou ajudando, já meio preocupada com a torrente d’água lá fora, Alícia olha pra mim e
pergunta, enquanto eu a seco na cama:

— Mamãe... a gente pode ver Senhor dos Anéis? Tem um menininho na escola que assiste e
disse que é muito legal, ele também vê Harry e... gosta muito. — pego o uniforme, pensativa...
Senhor dos anéis? Deveria ser um menino mais velho, não?

— Pode, filha, mas tem uns bichões feios... não precisa ficar com medo porque...

— São OLcs, mamãe... ele disse... ele tem uma espada que fica azul se vê um OLc, sabia?

Sorrio, que bom que ela estava fazendo amizades. Alícia é muito doce, meiga, gentil, mas é
bolsista... e sabemos como as mães e as próprias crianças podem ser cruéis e menosprezar bolsistas,
por isso que eu fazia questão de dar os tais reforços de português, assim ficava mais perto daquela
diretora e das crianças.

Arrumo a lancheira, rezando que ela não passe por nenhuma situação vexatória por ser
bolsista, respiro fundo, organizando a mochila, e, como se meu pai tivesse realmente o poder de ler a
minha mente, indaga:

— Como anda a escola? As aulas... os alunos... faz uns dias que não comenta nada, além da
fúria aos meus santos, coitados... Sabia que São Jorge perdeu a lança São Bento o manto e Nossa
Senhora do Sagrado Coração a auréola?

Rio novamente, vexada com aquilo, e enquanto ele prepara os biscoitos ruins e o suco de
laranja, depois de sua encarada Sherlock Holmes, digo:

— Depois eu prometo que a gente conversa, pai... por ora só quero um café bem forte e
levar Alícia pra aula...

Ele coloca o pano de prato no ombro, terminando de arrumar a mesa e chama a Harryzinha
pra tomar café.

Ela vem com sua pelúcia do Harry Potter! Eu tinha visto uns em um camelô, mas fiquei com
medo de dar alergia nela, então comprei no shopping, uma facada!
Minha filhota diz que vai levar pro novo amigo, meu coração gela:

— Amor, leva outro brinquedo... e se você perder esse e a mamãe não conseguir comprar
outro?

Meu pai, depois de posta a mesa, se senta com suas palavras cruzadas:

— Deixa ela, filha, de que vale um brinquedo se não se pode brincar?

Rolo os olhos:

— Eu sei que brinquedo é para brincar, papai, mas esses bonecos são realmente caros,
sabia!?

Ele coça a boca com a caneta Bic preta, a de sempre, já quase em petição de miséria dos
seus últimos traçados e complementa:

— Se ela perder eu compro outro, quanto é?

— Cento e vinte reais... à vista no cartão... — Resmungo, me servindo de um pouco de pão


e manteiga.

— Alicia, que tal você pegar outro brinquedo? Vovô te ajuda a escolher.

E com isso me demoro mais de dez minutos.

Olho no celular de tela trincada e cheia de marcas de dedinhos. Como poderia ser 9:30?
Volto a colocar o celular no bolso de trás da calça ainda chamuscada, mais esgarçada do que nunca,
mas era a melhorzinha e tinha aguentado até aqui, não?

Coloco Alícia na cadeirinha do carro, ela agora que tinha se convencido a ir “apenas” com
a sua capa da inviabilidade e o avô tinha ajudado a fazer a cicatriz em forma de raio com meu lápis
de olho preto, diga-se de passagem, na sobrancelha, algo que me assustou por ser mais um borrão
disforme, como se minha filha tivesse levado um murro no olho.

— Por Deus, papai... olha isso no rosto da menina! Não vou deixar ela ir para aquela
escola de filhinhos da pu... mamães, assim... — aponto para ela e meu pai vem com suas palavras
cruzadas murmurando qualquer coisa. Até que ele para e alterna da revistinha para mim e depois
para as palavras cruzadas novamente.

— Que foi, pai?


— Uma palavra que começa com “d” e demonstra “pouco interesse em se produzir mesmo
sendo linda”: desleixada.

— O senhor inventou essa...

— Não, tá aqui... e quanto a esse negócio no olho da Alícia, eu tentei tirar, mas com água
não sai.

— Tem que ser demaquilante...

— Enfim... — ele dá de ombros, fazendo carinho em Alícia. — Já estão mais que


atrasadas, não?

— Vou correndo pegar o demaquilante, Alícia, papai... não saiam daqui! — vejo minha
filha fechar e abrir a mão, como se me desse “tchau” e meu pai com uma cara horrorizada, como se
tivesse visto mais um de seus santinhos quebrados.

Que era agora?

Corro, coloco o demaquilante no algodão e volto para tirar aquele borrão preto de Alícia
quando ouço o maior estrondo de chuva, meu pai com a criança rindo nos braços, dizendo que vai
chamar um Uber.

A baixinha liga no 220 V e eu tenho que correr para tirar aquilo do olho dela, meu currículo
amassa e eu não enxergo direito por estar sem óculos, corro pra achar o reserva. O Uber está há um
minuto e Alícia quer ir ao banheiro, cancela corrida, volta corrida... São Paulo vai alagar!

A região em sua testa, onde era pra ser uma linda marca do Harry Potter, fica vermelha e
meu pai diz, como sempre, que vai dar um jeito no carro. Deixo Alícia atrasada e já quero chorar,
não só por ser onze da manhã, mas pelo motorista da Uber dizer:

— Moça, sua... hm.... calça tá rasgada, eu acho?

Saldo da manhã: mais de quarenta minutos atrasada, criança chorando de saudade, eu


chorando de saudade.
Quase sem coragem de ligar e avisar que estou lá, aos prantos, roupa cheirando lenço
umedecido, eu umedecida e os óculos mais sujos do que se eu tivesse deixado eles sem limpar, ligo,
sem nem deixar a pessoa dizer “alô”, já me desespero e finjo demência:

— Eu tive um pequeno imprevisto, mas já estou aqui. — olho a tela do celular, eu tinha
desligado na cara da pessoa? Da tela, olho aquela parte linda de São Paulo: Alphaville, cada mansão
mais imponente do que a outra, parecia que eu estava num jogo de The Sims onde só havia belas
casas passando dos milhões.

Ah, se um dia eu pudesse pintar aquelas paredes brancas com as artes que eu guardava na
minha imaginação.

O motorista, senhor José, me leva para a entrevista, sendo muito educado em não apontar as
inúmeras falhas no meu look “entrevista de desemprego”, sério... acho que qualquer RH ou qualquer
site que dite regras em como se portar e se vestir estaria me linchando, me pegando como exemplo de
“não faça isso” em letras garrafais e neon vermelho.

Chegamos a uma casa linda, moderna, de extremo bom gosto, janelas altas de vidro,
persianas creme, os muros de madeira bem liso, uma cor tabaco bonita, grandes vasos de flores,
quadros abstratos.

Senhor José me mostrou a entrada, uma sala ampla com móveis aconchegantes, um imenso
tapete felpudo super branco.

Não parecia um escritório, embora tivesse uma entrada de vidro ao lado da cozinha...
Realmente era ali? Confiro no celular, coçando a cabeça... e... putz! Meus óculos, ahhh! Não, não,
não! Onde eu tinha deixado?

Devo estar dançando algo bizarro para encontrá-los quando ouço uma voz feminina ao meu
lado:

— Er... você é a das 10:30, certo?

A senhora que me chama é uma graça, os olhos amendoados, o rosto redondo e


vermelhinho, os cabelos curtos encaracolados, pele morena com algumas pintas sortidas pelos
braços, pescoço e colo. Rechonchuda e super bem vestida num tailleur lindo com algumas
ondulações, melissinha nos pés e uma saia ornando com as bijuterias.

E eu?

Parecia uma morta de fome.

— Você é a...? — Ela repara bem em mim, eu sinto, a sigo pegando minhas coisas
molhadas, por que imagina que eu iria sentar essa linda bunda chamuscada, cortada e encharcada
nesse sofá... né?

— Alice Freitas, eu sou das 10:30 desculpa o atraso... e...

— Vem, entra aqui, meu nome é Rachel, você aceita um café?

Ela me conduz para um pequeno escritório ao lado da sala de estar, algo simples,
minimalista e muito elegante: computador sem fios, com uma generosa tela, pela qual com certeza eu
não precisaria de óculos para ver um filme. Prateleiras com porta-retratos de um rapaz beeem
apessoado com um menininho que me era familiar. Algumas esculturas em mármore, a cadeira
extremamente confortável, vários detalhes tão bonitos de uma decoração ao estilo Pinterest.

— Pode, quero sim... — Na verdade queria um cappuccino, mas um café quando se está
molhada é uma ótima pedida.

Vou toda atrapalhada pegar minhas referências: currículo molhado, alguns rascunhos de
interior, quadros que eu tinha impresso, livros do mestrado. Ela me espera paciente e eu dou um
sorrisão amarelo que nem gema de ovo:
— Aqui está meu currículo, queria agradecer de novo por me aceitar, mesmo depois do
horário....

— Imagina. — suas mãos repousam uma sobre a outra e, sem alterar o tom da voz, ela
chama uma outra senhora: — Dona Lúcia, traz um cafezinho? Você tem experiência? — demorei um
tempo pra entender, experiência em café?

Então dou um tapa na minha testa e falo ora alto, ora baixo, como se fosse a minha primeira
entrevista. Verdade fosse dita... Era a minha primeira entrevista para uma grande empresa, que ficava
na casa, tudo confuso, mas... a mulher me olha, bato novamente na testa pra pegar no tranco:

— Tenho sim. Trabalho no ramo desde a graduação, dei aula e agora tô no primeiro ano do
mestrado...

— Que bom, é a primeira que tem mestrado... E você tem disponibilidade para dormir no
emprego?

— Até tenho, sim, mas teria como minha filha dormir comigo? — “dormir no emprego”,
será que teria hotel, vale ou algo assim?

Fiquei imaginando meu pai sozinho, será que eu teria que me mudar de cidade? Até que ela
continua, olhando o computador, concentrada:

— Você tem filhos?

— Uma... pai ausente... ele sumiu depois do quarto mês, na verdade, mas minha filha é
muito boazinha, ela fica quietinha. Meu pai quem cuida dela hoje em dia. — Magicamente sou
transportada para o dia que descobri que estava grávida, minha mãe já tinha falecido e o primeiro a
quem contei foi meu pai, que achei que iria me dar uma represália daquelas, mas ao invés de dizer
alguma coisa, ele me deu um abraço e disse: “onde comem dois, comem três. Estou aqui pra você!”.

Desde então, ele sempre esteve...

— Ela pode dormir aqui aos finais de semana. — ela concorda com a cabeça, anotando
alguma coisa nas teclas chiques do computador, que nem fazia barulho, ela para e me mira... Eu olho
à minha volta, Rachel parece abrandar o olhar, quando me dá o café das mãos da senhora, parece que
via através de mim, o que me relaxou um pouco, sorrio:

— Aqui no escritório?

— Acho que está confundindo... — ela comenta, a xícara treme nas minhas mãos, o que
raios eu poderia estar confundindo? Arrumo os óculos que não estão no meu rosto, acho que por isso
eu não havia enxergado suas feições direito.

Eu estava na entrevista certa? Por algum motivo sinto meu estômago revirar:

— Também acho, a empresa não é na Paulista? — a avenida mais importante de São Paulo,
mais cara também, claro. Giro minha cabeça de lá para cá e limpo a garganta, certeza que eu estava
no lugar certo?

— Ah! — Ela gargalha, eu rio junto, mas é o riso dos desesperados. — Eu... eu desviei os
currículos do site da empresa do seu Pietro, eu sou a governanta, aqui é a entrevista pra ser babá...

— Babá?

— Isso, ah, eu peço desculpa. Eu me responsabilizo pelos gastos e demais despesas... Eu tô


meio desesperada para achar uma babá pro Caíque...

Meu mundo desaba.

Entrevista para babá? Logo a imagem da Estela-superestrela-chique-bem-sucedida-


empresária passa pela minha mente, eu estava bem longe daquilo que eu projetava em ser.

De artista fui para professora de matéria que não cai no vestibular a babá!

Não que o trabalho fosse indigno ou qualquer coisa assim, mas esse cargo deveria ir para
uma jovenzinha au pair que estaria pensando em uma carreira, ou para quem realmente tivesse
vocação, enfim:

— Ahn... — é tudo que sai da minha boca, deixo até a xícara chique tremeluzir o líquido
preto na mesa de vidro e começo a catar as coisas, aquela senhora tinha ludibriado todo mundo? Era
isso mesmo?

Me sinto uma idiota, tranço meus cabelos úmidos e já penso na gargalhada que Carol vai
dar e na bronca da Lidi em cima da Carol, e no fim do dia íamos rir da minha desgraça em algum bar.

Até que, mais uma vez, a senhora me surpreende, dizendo:

— O salário vale a pena, inicialmente estamos pagando seis mil... além disso, podemos te
registrar como professora, você disse que deu aula, em que escola?

— Na La Madre? — indago a mim mesma... seis mil reais para ser babá? Eles não estavam
desesperados, eles estavam hiper-mega-implorando uma alma que tomasse conta do filho. Imaginei
desde um monstrinho até um minipsicopata! Mas era mais do que eu ganhava na escola, dando aula
até aos sábados... quase mil reais a mais! Ok... vamos ouvir a proposta:

— Ué... é onde o Caíque estuda!

Caíque... olho as fotos, mesmo com a minha visão borrada pela falta dos óculos, puxo pela
memória, ah... será que:

— Caíque Mendes... seis anos? Pré?

— Isso.

Eu me lembro dele, claro! Um garotinho muito esperto, mas, como Alícia, sem muitos
amigos. Ele era imaginativo e criava muitas histórias legais nas atividades, na verdade, eu amava
todo o pré! Os adolescentes que me davam um trabalho a mais:

— Fui professora dele. Falando nisso, não quero ser inconveniente, mas acho que ele
precisa de óculos. — coloco a mão ao lado da boca, como se eu estivesse falando uma fofoca: — A
diretora acha que Artes não é bom o suficiente então estou com aulas de reforço duas vezes por
semana e... Lembro que ele tinha um pouco de dificuldade de enxergar, eu tinha avisado a diretora,
que disse que ia falar com o pai, mas nem cheguei a ver o desfecho.

E aquela senhora comedida e reservada pula da cadeira, me abraçando e gritando:

— CONTRATADA!
Capítulo 7: Pietro

Cheguei em Beijin exausto, nem espero Estela ou Roger, que é engenheiro como eu, para ir
ao hotel. Jing estava por lá e eu peço que recepcione meu amigo e a minha funcionária, algo que ele
aceita de pronto.

Mesmo na primeira classe e um voo tranquilo, ficar na ansiedade de mais de vinte horas no
céu é complicado, não posso, contudo, reclamar. Dou uma estalada nas costas, já pegando meu tablet
e vendo o horário, quase seis horas no Brasil, chamo um táxi e chego morto no hotel, sem querer
muito alarde. Peço educadamente que eu não seja incomodado de maneira alguma.

Subo até uma das suítes presidenciais, algo meio exagerado pro meu gosto. Já tinha pedido
o contato de algum guia para fazer um tour pela cidade aos recepcionistas do hotel.

Sempre que eu vinha pra cá, gostava de visitar os museus, as galerias de arte, as
construções antigas, a velha China, a grande muralha e, claro, comprar coisas legais pro meu filhote.

Tomo um banho e me jogo na cama, pegando o tablet e abrindo o FaceTime. Já estava morto
de saudades.

— Ah... olá, seu Pietro...

Jogo o tablet do outro lado do quarto e enfio uma camisa, quem era aquela? Quem era
aquela mulher...? Volto para a câmera do tablet como se tivesse visto um fantasma, bonito, mas
fantasma:

— Ahn... você é...?

Meu filho pula no colo da desconhecida, que arruma os óculos dele, e quem me responde
é... justamente, Caíque:

— Papai... lembra que eu falei que tinha uma professora de Artes? É ela, só que ela foi
mandada embo...

Ela coloca a cabeça no ombro dele, sem graça, e eu não tenho como não rir... aqueles
cabelos revoltos, a cara cheia de tinta e a alegria de Caíque em ter uma babá que já tinha sido sua
professora... e a cereja do bolo eram aqueles óculos dela, que ficavam lindos em seu rosto bonito.

— Seu Pietro...

— Pietro.

— Pietro... eu fui professora de Artes do Caíque na La Madre, mas me dispensaram porque


a matéria não cai mais no vestibular...

Eu fico pensativo nesse momento, e daí? Artes eram fundamentais, como matemática e
português.

— Lamento ouvir isso, mas fico feliz que tenha aceitado ser babá do meu filho... er... o que
estavam fazendo?

Ela, na mesma empolgação que meu filho, pega vários papéis sortidos, com desenhos
bonitos, não é porque sou pai, mas ele levava jeito... ainda mais com uma professora daquelas... Eita,
Pietro, por favor...
— A gente tava desenhando o...o...o... como é mesmo?

Ela pega o desenho das mãos dele, olhando com carinho e respondendo:

— Esse aqui é o Degas, a gente tá inventando histórias para as bailarinas dele, depois a
gente vai ver Senhor dos Anéis, depois... a gente vai ler o Hobbit...

Ela entrega o tablet pra ele — um olhar carinhoso sobre Caíque, o beija no rosto e se
despede, dizendo: — Vou deixar que conversem! Acredito que já tenham muita coisa para colocarem
em dia. Assim que ouço o barulho da porta se fechando, Caíque olha para mim, sussurrando:

— Ela é bem legal, papai... ela é a mãe da menininha que eu te falei, sabia? Ela lê bem
também e... e...

— E você tá feliz?

Ele faz “sim” enfático.

Fazia tempo que não via aquele sorriso e até fiquei enciumado, ele estava realmente feliz.
Nossa conversa foi avançando e ele dizia como ela era incrível e eu deixei escapar um “e bonita”,
ele colocou uma mão na boca, respondendo:

— Eita, papai!

Eita mesmo, Pietro! Ela é babá do seu filho, mas eu queria muito que ela passasse um
tempo comigo também.

O despertador toca e eu tento abrir os olhos, com a impressão de que estou em casa ainda,
meus músculos doem, minha lombar dói e assim que eu me levanto, vejo que chove, chove muito.

Me permito tomar um banho longo de banheira, até cochilar um pouco, quando ouço o
celular tocando. Era Estela.
— Nem quis saber de mim ontem... — Essa intimidade ainda iria me trazer problemas,
mas... por quê? Poderia ter uma boa noite de sexo com uma mulher bonita, mas parecia que isso já
não me era o suficiente.

Vejo as gotas de água caírem um pouco da banheira, olho a imensidão daquele quarto
presidencial com uma só pessoa...

— Pietro?

Divago nas minhas próprias lembranças. Eu estava viúvo há mais de seis anos, as feridas
ainda doíam, eu só fui sentir atração por outras mulheres depois de quatro anos, mas namorar? Fugia
de namoro, fugia de me entregar, talvez fugisse mesmo era do amor.

— Pietrooô?

É isso. Eu fugia de amar outra pessoa, por medo... Aline tinha partido muito jovem, nem viu
o filho e isso me entristecia, mas ela jamais iria aceitar que eu me rendesse a dor e ao luto, enfio
minha cabeça na banheira, agradecendo que o celular fosse à prova d’água. Porém, meus olhos não
eram e minhas lágrimas se fundem àquela água.

Eu quero estar pronto para amar.

A reunião se arrastou por horas. Além do público chinês ser bem conservador e resistente
às ideias novas, Estela tem tentado uma aproximação irritante, parecia que estávamos em uma viagem
a lazer, tanto que ela chegou a querer me puxar para beijos diante do pessoal, algo que eu não admitia
em absoluto.

Estranhamente, eu estava ansiando que dessem seis horas no Brasil, uma por saudade de
Caíque, mas... por aquela babá cheia de vida, olhos cativantes, cabelos bagunçados, que poderia
estar dormindo entre meus lençóis...

— Pensando em quê? — Estela apoia os braços no meu ombro enquanto estamos em uma
agitada avenida de compras, que eu mal me lembro o nome, pessoas apressadas indo e vindo, Beijing
era São Paulo mil vezes mais caótica, mil vezes mais populosa e mil vezes mais limpa, na mesma
medida.

— Estela, eu já pedi profissionalismo. Estamos aqui para representar a empresa, poxa... —


agradeço a ajuda de uma atendente, eu estava fazendo compras para Caíque... e para a nova babá, por
que não? Afinal, ela estava trabalhando em casa... e, claro, para Rachel, para alguns amigos...

— A gente podia fazer algo menos profissional no seu quarto? — desde aquela transa no
escritório, eu me sentia ainda mais pressionado por ela e começo a achar que tê-la trazido não foi a
melhor das ideias.

— Estela... melhor nos mantermos no âmbito profissional. — ela tira os braços de mim,
rindo de canto, eu sei que sou babaca, eu sempre fazia isso... esse ioiô, mas dessa vez eu estava
certo: não queria machucá-la e não queria envolvê-la em sentimentos, claro que o emprego dela não
tinha nada a ver com o pessoal.

— Você sempre diz isso quando está a fim de alguém, Pietro... — ela pega um funko e joga
em cima de mim. — Depois vem correndo pra minha cama, após ver que não era a pessoa que
esperava... — ela joga outro funko — Qual é a sua agora?

— Só acho que esse lance que a gente está tendo... está te machucando e me machucando,
por Deus, Estela... olha pra você! — pego os bichinhos que ela tinha jogado no chão e, como a
vendedora estava com um olhar de “vou te matar se não comprar”, fui caminhando para o caixa
falando: — Você é linda, jovem, talentosa... logo arruma um namorado... eu sou viúvo, com um filho
de seis anos, não sei... não estou mais a fim de me lançar em coisas e ver “no que dá”, quero... —
respiro fundo, pegando o cartão de crédito e a olhando — Quero reconstruir minha vida afetiva.

Saio de lá com a mesma sensação de quando dei o “fora” na influencer, ainda bem que as
pessoas tinham deixado esse fato pra lá, inclusive a imprensa, assim como um dia você está nos
holofotes, no outro você está bem atrás deles, completamente apagado na escuridão.
Fico no saguão do hotel dando os últimos detalhes do início da construção do shopping
para Jing, meu chinês estava dando caldo, acho que eu nem sabia o quão bom estava porque, além de
traduzir para Rodrigo e Estela, tenho que colocar as ideias para a empresa de Jing, o CEO chinês.

Assim que termino, são quase seis e meia no Brasil, então nem vou para meu quarto, pego o
celular mesmo e abro uma chamada de vídeo com Caíque.

— Papai, olha... essa é a menininha que eu te falei, minha amiga, mas ela é pequena, tá
vendo? — vejo uma criança de uns três ou quatro anos brincando com meu filho. Ela está vestida de
Harry Potter, tentando me lançar algum feitiço com sua varinha, dou um “oi”.

— Alícia, esse é o momento que a mamãe falou que o Caíque conversa com o papai dele,
filha, vem cá... — ouço uns barulhos de criança chorando, Caíque rindo, a babá arrastando uns
móveis, até que ela vem e eu não posso esconder meu sorriso, ela estava ainda mais bonita.

— Desculpa, seu Pietro é que...

— Pietro.

— Pietro... — ela sorri... um puta sorrisão lindo, colocando uma mecha do cabelo atrás da
orelha. — Esses dois não me deram sossego, enquanto eu não trouxe a Alícia pra brincar de Harry
Potter e Senhor dos Anéis...

Ela era casada?

— Você é casada?

— Não... me... — ela fala baixo, se aproximando da câmera, posso ver aqueles lábios
desenhados num tom carmim natural, uma pele bonita, dentes brancos meio tortinhos, e uma pequena
pintinha perto do lábio superior: — Engravidei no primeiro ano da faculdade, ele me deixou... foi
pra um intercâmbio nos Estados Unidos e... bem, somos eu, ela e meu pai...
— E nós...

Ela arregala os olhos esverdeados, por trás dos óculos com armação frouxa, limpo a
garganta, me corrigindo:

— Quer dizer, pode contar com a gente... Rachel está por aí? Tá tudo bem?

Ela relaxa em cima da cama do meu filho, o chamando pra conversar comigo, mas ele diz
que Alícia, ou melhor, a “Harryzinha” está sendo salva por Aragorn, e eu fico com pena de estragar a
brincadeira deles, ou melhor, quero que eles brinquem muito e que eu possa falar mais com a bela
mãe da Harryzinha.

— Esses dois estão o dia todo assim, seu Pietro... — ela parecia suada, parece que os três
estavam o dia inteiro nessa correria, expando meu sorriso de orelha a orelha.

— Se me chamar de “seu Pietro” de novo, vou ficar ofendido... — ela se ajeita na cama,
sem saber muito bem o que fazer e aquela espontaneidade me cativa tanto... até que eu me lembro... o
nome dela? — Bom, vou ter que chamar de senhora? Dona?

Ela cai na gargalhada, uma risada alta, meio estridente, mas tão natural...

— Alice, meu nome é Alice... — ela estende a mão para mim, como se fosse me
cumprimentar.

— Obrigado por tudo, Alice... devo chegar na segunda-feira que vem. Bom, me ligue a
qualquer horário... se Caíque tiver saudades, ou... ou... qualquer coisa...

Ela coloca o tablet entre as mãos, assim posso vê-la melhor, ela vai até a porta checar as
crianças, depois se senta em uma poltrona que eu deixava no quarto dele.

— Eu tô cuidando das crianças, arrumando meu projeto do mestrado e... — ela me mostra
uma tela, pequena, com uma paisagem e uma silhueta. — E pintando... — de repente ela fica branca,
pálida, como se tivesse visto uma assombração, olho para trás e vejo Estela.

— Por que você tá conversando com a vadia da USP?


Capítulo 8: Alice

Juntando os nós na minha cabeça, eu estava sendo babá de Caíque Mendes, filho de Pietro
Mendes, CEO da construtora Make it, onde Estela trabalhava! Ela tinha falado aos quatro ventos que
iria viajar com o peguete Ceo da empresa que era funcionária e não sei... raios! Não sei o porquê
estou com esse... esse... esse... ciúmes?

Claro, Alice, o cara era um gato, pai de um menino que você tem extrema estima, que
inclusive era o único amiguinho da sua filha, mas você é tão... tão... Alice: mãe solo, solo de solteira,
sozinha, que ainda mora com o pai, fazendo mestrado e sem... ah... sem... sinto o ardor nos meus
olhos e meu nariz escorrer, nem para chorar como em filme?
Nariz inchado, escorrendo, olhos esbugalhados, caindo mais ranho que lágrima.

Vou pra cozinha, olhando a simplicidade honesta e carinhosa do meu pai, um balcão em L,
pia, micro-ondas barulhento, uma geladeira baixa, porta com rede para não entrar mosquitos, uma
janelinha e muita, muita laranja, todos os dias suco de laranja.

Esquento um leite para mim, com generosas colheres de Nescau, e me ponho à mesa,
pensando... olhando as palavras cruzadas dele, rascunhando algum desenho, quando ouço suas
pantufas no taco arranhado.

— Papai, te acordei? — passo as mãos no rosto, fazendo força para que qualquer vestígio
de tristeza sumisse dali.

— Sabia que a sua mãe escolheu seu nome por causa do filme da Disney de 1951? — ele se
senta ao meu lado, sorrindo, afagando uma mão na outra, se servindo de um pouco do meu leite. —
Não foi do livro, ela ficou encantada com o desenho... sua mãe era uma artista... — ele divaga,
olhando nos meus olhos, suas mãos escorregam para meu cabelo. — Sabe que você pode ir a
qualquer mundo, Alice, sentar-se para o chá em qualquer mesa, se divertir com qualquer chapeleiro
maluco, porque você é uma artista, minha filha... — aí que meu nariz começa a escorrer mesmo, dou
aquela fungada forte, ele continua: — Acho que a minha jornada como “a lagarta” está se encerrando,
Alice... você está uma mulher linda... uma mãe maravilhosa... e, bem, talvez precise de um chapeleiro
maluco...

— Pai... eu sempre vou precisar de você!

Ele sorri bonachão que só ele, me abraçando e me levando pra deitar na cama dele junto
com Alícia, sim, nós três dormindo juntos, ouvindo a chuva cair.

Ouço um “piririm” do meu celular... gelo ao ver que era Pietro, engulo o amargo do meu
choro e levanto com calma, será que ele... sabe-se lá o que Estela havia dito a ele. Extremamente sem
graça, atendo, pisando com cuidado na escuridão, sendo guiada pelos relâmpagos, e vou até a área, a
chuva caindo e salpicando gelado em mim:

— Hmm... Alô? Seu Pietro... eu posso explicar sobre Estela, ela foi namorada do pai da
Alícia e fazemos uma matéria juntas no mestrado e... bem e.... — Só consigo pensar, meu emprego,
meu emprego, meu emprego! Não tira meu emprego de mim! — Rafael terminou com ela quando eu
fui caloura em Artes, eles já estavam no terceiro ano e eu, caloura, ingênua, seduzida pelo garanhão
gostoso da arquitetura, engravidei... aí... enfim, ele se mandou... eu não quis pensão, não quis nada
dos pais dele que eu nunca nem conheci, mas...

— Calma! — ele diz do outro lado, eu tomo um susto. Ouço pratos, talheres, pessoas
falando... ele respira bem fundo e diz: — Eu sei que no Brasil deve estar bem tarde, Alice, mas eu
queria pedir desculpas pela Estela... ela não tinha o direito de... de te ofender, ela levou uma bela
advertência e...

— Mas, vocês são namorados e...

— O quê? Namorados? Não, não... ela é minha funcionária e, espera... Ela disse isso?

Dou aquela tossida... o que eu poderia dizer? Sinto até um gelo na barriga, como se
tivessem me tacado um porrete de neve! Falo totalmente sem pensar para o silêncio em nossa
conversa não ficar mais embaraçoso:

— Ela fica falando na sala que pega o patrão gostoso e...

— Gostoso, é?

Meto a mão na testa, que merda que eu tinha falado? Ele gargalha depois de uns segundos
de silêncio, e eu o acompanho na risada, ouço ele falar algo em mandarim, se afastando das pessoas,
parecia querer um lugar reservado para conversar.

— Ah... me desculpe mesmo... — eu insisto, procurando meus óculos e andando pela sala,
deitando no sofá, apreensiva, extremamente nervosa...

— Eu que preciso me desculpar... Ela não tinha o direito, enfim... por que a gente não
conversa um pouco sobre... hm... você?
Bati os olhos no celular e vi que já passava das seis da manhã. Desço a mão pela perna,
aquele homem tinha uma voz sexy, que ai ai ai, viu?

— Já estou atrasada... — ele solta um “ah! Pena, nem vi o tempo passar, posso ligar
depois... de novo?” Alice, Alice... ele estava te cantando?

Minha cara chega a arder de nervoso, falo um “aham” e desligo na cara dele! Na cara!

Assim que me viro no sofá, levo um susto ao ver meu pai com suas palavras cruzadas,
sorrindo:

— Começa com “p”, uma gíria usada por jovens e tem 9 letras... — pulo do sofá, dando um
beijo em suas mãos ... pensando, logo respondo:

— Peloamor!?

—Hunf... não ...

Começo a correr, pegar Alícia, levar ao banho, trocar, papai vai fazendo o café, enquanto
suspiro pelos cantos... e esse suspiro preenche uma cor no meu sorriso... o corre-corre da manhã se
torna mais... não sei, iluminado? E não há técnica de pintura que possa expressar em cores o que eu
sinto, vou andando feito uma retardada pela casa.

— Mamãe, tô com sono!

— Eu também ... — Digo, a levando no colo, os olhos cheios de remela e lá vai eu passar
soro, ver a temperatura do mamá com Nescau e checar o material.

Eu mereço uma Coca-Cola bem gelada hoje! Ah, se mereço! Dou uma baforada achando
que estava de óculos, mas Alícia me puxa pela camisa:

— Hoje a gente vai na casa do Caíque, mamãe? — Ela indaga, usando os dedos para mexer
em meu cabelo, faço um “shhh!” e prometo que iria pensar. Na verdade, eu estava trabalhando lá há
quase uma semana.

Quando a criança está de café tomado, arrumada, cheirosinha, meu pai exclama algo,
colocando a caneta no papel das cruzadas:

— Sua chefe disse que o motorista iria buscar vocês às oito! De nada...

Alícia me olha incrédula:

— Vovô lê mentes, mamãe!

Eu tento amenizar, piscando para ela:

— Quase o Dumbledore, né, filha?

Era para ser um momento muito fofo entre pai e filha, se não fosse o celular tocar, a chuva
começar a cair e Alícia fazer manha para levar o Harry Potter de 120 reais!

O motorista chega no horário combinado e não posso ser mais grata por um uber particular,
coitado! Assim que me despeço da Pipoquinha e vou a Alphaville, mando mensagem para as
meninas.

“Eu e Pietro passamos horas no celular!”

Lidi comenta:

“SORTUDA, queremos detalhes na aula amanhã”

Carol não se aguenta:

“Isso, Alice, pega outro namorado da mimada da Estela”

Sinto muito por ela e Rafael, de verdade, mas não posso conter meu sorriso: pela primeira
vez em tempos eu via o amarelo do sol rasgar as nuvens cinzas.
Capítulo 9: Pietro

Falar com Alice, Alícia e Caíque já fazia parte da minha rotina. Por imprevistos, fiquei
uma semana a mais do que o desejado aqui em Beijing e tão logo a papelada estava devidamente
assinada e otorgada, resolvi voltar ao Brasil.

Não que minha ansiedade tivesse a ver com aquela morena linda de cabelos bagunçados,
fartos, sorriso leve, olhos vivos que capturavam todas as cores, além de um corpo... ai ai... havia
tempo que não enxergava uma mulher com roupas simples, calça jeans e uma blusa três vezes maior
que si mesma de maneira tão sexy.

Visto sobretudo, casaco e gorro, frio aqui pode ser um tormento, mas eu gostava, eu tinha
contratado um guia para me levar à parte da velha China, queria respirar bem o ar chinês enquanto
viúvo, prometendo a mim mesmo que a próxima vez que viria aqui seria com Caíque e... uma
namorada.

O senhor Xang se apresentou antes do horário marcado, pedi ao que ele me esperasse um
pouco enquanto terminava a pequena mala de viagens e colocava alguns trocados nos bolsos,
verificando o celular, não deixaria de falar com eles nem mesmo um dia.

Me despeço daquele quarto imenso e solitário, junto alguns papéis do checkout, louco para
passear um pouco, dou bom dia para o recepcionista, que começa a dar baixa na minha estadia,
quando todo mundo praticamente para e olha: Estela está com um vestido colado ao corpo,
curtíssimo, botas de cano alto e saltos... altíssimos! Quase suo frio... as mãos com luvas de renda e a
gola cheia de plumas, o estereótipo de perua!

— Vamos? — o rabo de cavalo lá no alto, uma pose pretensamente chique e eu me


segurando para não escavar um buraco e permanecer lá... por séculos, tá, ok... isso era pior que a
influencer muito pior.

— Ahn... Estela, esse tour que dou por Beijing é algo meio que... — Engasgo quando a
recepcionista me entrega o comprovante e eu vejo o moço do tour apontando para o relógio, me
apressando. — Algo que eu faço sozinho...

Ela abre a boca e fecha em seguida quando faço menção em me mover. Ela coloca a mão no
meu peito, estalando a língua nos dentes:

— Você até marcou o voo em horários diferentes, Pietro... eu não quero ir sozinha, sabe? —
me sinto mal, não vou negar não, ainda mais que eu me meti nessa situação, sei lá também onde
Roger estaria, talvez esperando por ela no táxi.

— Estela, liga pro Roger, acho que ele...

— O Roger? — ela aumenta o tom de voz e meu sorriso apaziguador não demonstra a
melhor das confianças, só queria sair dali, eu odeio escândalo... ainda mais depois do caso da
influencer chata pra caramba! A pego pelos ombros, a virando de costas para o hotel em passinhos
precisos e rápidos, falo baixo, mas ela me ouve:

—Isso, o Roger. Estela, é a primeira vez que viaja comigo e eu sou assim, gosto de ter
meus momentos... eu amo a China, estou com um guia e quero dar uma volta, sozinho! — chamo um
táxi para ela, o Xang estava espumando de raiva e nem meus pedidos de desculpas ou eu dizendo que
pagaria a mais pela tour o fizeram tirar o semblante “eu te mato e te empalo”.

Assim que vou entrar no carro, Estela me pega pelo braço:

—A gente terminou então?

Só não pulava de alegria porque tinha um chinês furioso ao meu lado e já estava meio
exausto desse jogo, então digo categoricamente:

— Acabou! — e antes que pudesse levar outra bronca, entro no carro já ligado e quase
causando um acidente na ansiedade que estava em sair dali. Xang se segura de uma maneira... que
parecia que eu era um dos caras do Velozes e Furiosos, mas na verdade eu era um cara que odiava

dar foras e fugia das situações quando possível.

Depois da Xanghai Old Tour, dispensei Xang e parei em uma cafeteria temática: os homens
vestidos como guerreiros, fazendo performance com a espada de bambu, as mulheres servindo o chá
como era tradicionalmente feito na Era Meiji, os turistas tirando fotos, absolutamente encantados,
assim como eu toda vez que ia.

As paredes eram de um tijolo frio, diferente do brasileiro, algo... milenar, os sabores


intensos, o chá verde não amargo como o nosso, mas de amargor leve e refrescante se colocado um
pouco de hortelã e páprica, a xícara também vinha quente e ver o espetáculo da preparação era um
show à parte.

As mulheres pegavam as louças se movimentando lentamente, colocando no bule e


misturando as ervas com a água, com uma ferramenta parecida com a de um batedor globo de uma
batedeira. Elas acrescentam mais ervas, gengibre e uma água fumegante a ponto das ervas se juntarem
todas e mudarem de cor. O meu chá verde só ganha essa coloração única depois de minutos de
mistura com ingredientes marrons, amarelos e vermelhos.

Elas ficam de joelhos em um tatame de bambu, a mesa de madeira clara e todas vestidas a
caráter, tiro uma foto para mandar a Alice, depois faço um vídeo... penso que nessas duas semanas
não saímos do cordial, ela me contou sobre o pai da Alícia e eu revivi momentos preciosos com
Aline.

Quando chegou o meu Nikuman, bolinho frito com recheio de carne de porco, molho
agridoce e gergelim, tirei uma foto também. Alice me confidenciou a história dela com o ex-
namorado Rafael, como se conheceram, o cara tinha jeitão sedutor, ele estava para se formar e se
mandou para os Estados Unidos, antes desse rolo todo ele foi namorado da Estela, mas havia um
grande lapso de tempo entre o namoro de Alice e Rafael.

Terminei minha refeição pensativo, peguei o celular e vi a imagem de WhatsApp de Alice,


ela sorrindo com a filha abraçada ao seu pescoço lhe contando algum segredo no ouvido, sorrio
involuntariamente, perguntando a mim mesmo o que as duas estariam cochichando? Vejo as horas, já
estava na hora de pegar o voo e me permiti levar mais um presente para a amiguinha do meu filho.
Pietro tinha ficado duas semanas fora e minha perna parecia estar viva. Sim, eu tinha que
admitir que estava extremamente ansiosa para conhecê-lo pessoalmente, já estava na casa dele,
cuidando de Caíque e Alícia, os ajudando na lição de casa.

Estávamos na ilha da cozinha, Alícia de um lado, Caíque de outro e eu beliscando algum


quitute feito pelas meninas da cozinha e, diga-se de passagem, eu jamais iria cozinhar daquele jeito.
O petisco era bem servido, parecia uma tortinha com cream cheese, frango, gergelim e super
crocante e, claro, minha inseparável Coca-Cola.

Observo bem aquela cozinha de móveis brancos, impecavelmente limpos, quadros


comprados provavelmente em alguma galeria de arte no exterior, combinando milimetricamente com
os ambientes. Contudo a cozinha e o escritório eram o que mais me chamavam a atenção e eu parecia
ser o inverso do imobiliário, como uma mosca varejeira que senta em cima do móvel branco,
maculando o objeto.

Estou tão imersa nesses pensamentos que vejo o garotinho ao meu lado dar um pulo, os
óculos de aro azul do super-homem quase voam do seu rosto quando ele grita um audível:

— PAPAAAI!

Alícia olha para mim e eu nem tenho tempo de segurá-la e ela corre junto, assim que me
viro para ver se consigo pará-la e deixar pai e filho mais à vontade. Logo que olho o homem que
entra por aquela porta... meu coração para! Paraliso totalmente quando o vejo... pessoalmente! Ele
era lindo... lindo demais! Uma barba rala, um sorriso imenso ao se abaixar e abraçar o filho. Pietro
era alto, imponente, um corpo tão bonito, meus olhos escorregando para seu...

Como posso pensar nisso?

Ele me olha diretamente...

E minha calcinha fica enxarcada! Minha nossa, que calor! Que... que fogo! Depois do pai da
Alícia eu tinha conhecido tão poucos homens, apenas por Tinder e não passava muito do terceiro ou
quarto encontro, às vezes eu achava que tinha me transformado numa pedra de gelo, mas... não...
aquele homem só mostrava que eu estava era bem viva minha pepeca concordava!

Ele anda em minha direção e parece que ouço anjinhos cantando “Ohhh” em meu ouvido,
toda a casa dá espaço a nuvens angelicais e ele parece um daqueles modelos de propaganda de
perfume que sai do mar em câmera lenta. No caso, ele descia das nuvens em câmera lenta!

Meu emprego... meu emprego... tento mentalizar, esquecendo momentaneamente que aquele
deus grego é meu chefe, mas meus olhos estão magnetizados em tuuudo aquilo, acho que vou fingir
desmaio, a minha cara já denuncia que a atração que eu sinto por aquele homem é... ca-ram-ba!

— Alice, que prazer em te conhecer em carne e osso! — eu fico com a boca aberta, sem
responder, só olhando como uma imbecil para aquele par de olhos escuros, que gato! Alícia sobe em
cima do banquinho e passa a mão em frente aos meus olhos, depois olha para Caíque e cochicha:

— Ihhh, pifou!
Depois da euforia da minha chegada e Alícia ter me feito mil perguntas, resolvi deixar para
abrir os presentes no sábado. Caíque estava tão eufórico que até engasgava para falar, Rachel queria
me puxar para o escritório e conversar, mas meus olhos estavam vidrados nela, Alice.

Ela ainda era mais bonita ao vivo e a cores! A blusa larga, a calça jeans... er... chamuscada
na bunda e um rabo de cavalo frouxo nos longos cabelos castanhos, sim... ela conseguia ser bonita
assim...

Ela ajuda as copeiras a arrumarem a mesa e serve um bolo cheiroso de laranja, Alícia puxa
meu casaco:

— Minha mãe... ela faz bolo de lalanja só pra quem ela gosta muitão... — Caíque
concorda:

— Ela fez um bolo de laranja mágico com cobertura de chocolate, papai! Mas a Rachel
falou que estava solado, não mágico — Eu sorrio de lado enquanto Caíque abraça a pequena e tenta
suspendê-la no ar, enquanto ela ri com os dentes sujos de chocolate, logo Alice chega e os apressa
para irem lavar as mãos para o café.

— Ainda bem que eles terminaram a lição. — Ela comenta e eu não sei como, mas sorrio
mais.

— Então, Alice, finalmente a gente conseguiu se conhecer... — ela faz um barulho estranho
com a boca, hesitando entre me dar a mão e se aproximar para um beijo no rosto. Eu a puxo de uma
vez, beijando demoradamente sua bochecha, sentindo a pele macia, cheirosa por algum creme, sinto...
eu sinto que ela arrepia!

— Pois é... Pietro, eu... hãn... eu... eu deixei todas as coisinhas desses dois... é... eu trago a
Alícia porque ela não é acostumada a ficar sem mim... mas amanhã mesmo eu levo ela para ficar com
o meu pai e...

Ela estava achando que eu ficava bravo de Alícia estar na minha casa? Que... bobagem, a
menina era uma graça e se dava muito bem com Caíque, mesmo sendo mais novinha. Me sento à
mesa, Caíque senta na minha perna e Alícia, malandrinha, enfia o dedo no chocolate e corre para
colocar na boca de Caíque.

— Se quiser, pode até trazer seu pai pra cá... — me sirvo de um pedaço de bolo, coçando a
barba, tentando disfarçar o quão atraído eu estava por aquela boca, aquela mulher linda...dou uma
garfada naquele bolo... mágico e solado.
Capítulo 10: Alice

— Caíque já dormiu e Alícia também pacotou! — Comento com Pietro, extremamente sem
graça. Ele deixa a televisão em um filme, mas não assiste, pelo contrário, ele fica analisando alguns
papéis e quando acho que ele não nota a minha presença, ele me presenteia com um sorriso lindo.

— Deixa ela dormindo aqui, depois você avisa seu pai. — Ele sorri, ainda faendo algumas
anotações. Vou até a cozinha pegar um copo de água e o líquido quase sai pelo meu nariz com a sua
pergunta. — Vamos jantar? Você deve estar faminta e eu também, chega de trabalho por hoje.

— Estou sem roupa, seu Pietro, não me sinto confortável de ir a qualquer lugar assim! —
Lembro da calça chamuscada, a camisa larga, os cabelos emaranhados e a minha cara de cansada,
fora os livros que estavam numa sacola tipo ecobag ganhada em congresso há milhões de anos.

Ele sorri carinhosamente, colocando um pouco de mechas do meu cabelo atrás da orelha,
minhas pernas ficam bambas e posso jurar que meus olhos viram dois coraçõezinhos igual a um
emoji.

Ele olha o relógio e resvala o braço no meu, Jesus, teria sido de propósito? Engulo em seco
quando ele me pergunta:

— Bom, sugere você aonde a gente vai, pode ser? — Eu fico extremamente sem graça de
dizer afinal ele era CEO da Make It e eu não iria sugerir que:

— Eu tô morrendo de vontade de comer uma coxinha, daquelas com a casquinha bem


fininha e crocante com um belo copo de Coca-Cola! — Ele sorri, um sorriso largo e genuíno,
pegando o celular e mandando uma mensagem e, para apaziguar minha curiosidade:

—Tô vendo se a Rachel tá por aqui para dar uma olhada neles. Hoje eu quero conhecer
você, Alice. — Eu vou surtar, eu juro que vou... observo melhor Pietro ao vivo, Deus, como esse
homem era gos-to-so!

Penso que para um CEO, a lanchonete perto de casa era muito simples, Alice, sério que
você pediu para ele vir comer coxinha? Penso na minha falta de bom senso, mas Pietro estava tão à
vontade quando pegou o carro para nos levar até a Dona Nita, a melhor coxinha de São Paulo.

Enquanto dirigia, ele começou a me contar sobre a China e sua maravilhosa arquitetura e eu
falei sobre o Egito e a minha fascinação pelas pirâmides e as cores intensas, até mesmo a maquiagem
oriunda daquela parte do mundo antigo.

— Você tinha comentado que pintava. Tem seus quadros em exposições? — Dou um sorriso
amarelo já vendo ele virar à esquerda seguindo o GPS, tento mudar de assunto:

— Meu pai diz que eles deveriam estar no Louvre — Meu sorriso de sem graça vai para
um genuíno quando ele comenta:

— Vou querer ver seus quadros, ok? — balanço afirmativamente a cabeça, dando rumo a
nossa conversa:

— Você sempre foi das exatas? — Pergunto a ele, que me deixou divagar, me brindando
com um sorriso lindo, as mãos fortes no volante e uma leveza... eu estava ficando gamada! Duas
semanas conversando e já foram o suficiente para acender algo em mim que achei que tinha ido
embora com Rafael.

— Sempre! — Ele para em um sinal vermelho ligando o limpador do para-brisa, uma chuva
bem fina e constante caia na cidade da garoa. Ele tamborila os dedos no volante esperando o sinal
abrir:

—Sempre gostei de matemática, física e química, inclusive, você me disse que seu pai é
aposentado, né? Professor de matemática?

— Isso! —Eu não imaginei que ele fosse guardar essas informações que comentei tão
despretensiosamente, confesso que meu sorriso foi de orelha a orelha — Meu pai foi professor da
mesma escola em que eu estudei e na mesma escola de Caíque e Alícia, depois da morte da minha
mãe — Suspiro alto, não tanto pela tristeza, mas pela saudade que era enorme. — Depois que ela
faleceu, ele se empenhou ainda mais no trabalho, até eu entrar na faculdade e conhecer o pai da
Alícia...

Divago pensando em tudo que tinha acontecido até aqui. Eu ao lado desse homem lindo,
charmoso, extremamente simpático e cavalheiro, eu merecia...? Ou... ou ele apenas pensava em se
divertir uma noite comigo e cair fora? E se ele e Estela queriam armar uma vingancinha comigo por
causa do Rafael? Logo fico na defensiva e parece que Pietro percebe. Ele estaciona o carro e quando
estou prestes a sair, paraliso.

Ele envolve as mãos grandes, quentes, masculinas pelo meu cabelo me fazendo um cafuné,
seus olhos encontram os meus e nossos sorrisos se misturam em um beijo ali mesmo no carro. Sua
boca parece se encaixar com a minha como um quebra-cabeças em que a última pecinha que faltava
se encontrava ali entre nós.

Pietro suspira fundo enquanto desliza as mãos pelo meu corpo, e eu não conseguia resistir
àquilo tuuudo. Hesito com os dedos pelos seus ombros fortes, sua boca quente, a língua invasiva, o
calor da sua respiração na minha pele me fazendo arrepiar como se eu tivesse quinze anos novamente
e aquele beijo era o mesmo que eu havia dado em um colega de bairro na festinha da quermesse.

A mesma sensação, a mesma paixão e... os mesmos temores.


Eu beijei meu chefe, eu beijei meu chefe... Era tudo que conseguia pensar enquanto a gente
degustava as coxinhas. Mesmo eu estando nervosa, me sentindo culpada e num quase arrependida, eu
não iria negar coxinha e Coca-Cola.

— Essa de carne seca é muito boa! — Ele exclama com a boca cheia e eu me impressiono
com o CEO, ou ele queria muito mesmo me comer ou estava realmente curtindo esse rolê simples que
eu fazia com meu pai e Alícia de vez em quando.

— Minha filha também adora a de carne seca, mas eu peço para eles fazerem pequenas e
quase sem óleo, você sabe... — dou uma boa mordida dando de ombros como se ficasse claro que
não era bom uma menininha de quatro anos ingerir gordura, ele para e sorri, apoiando o cotovelo na
bancada simples de mdf fosco e toda engordurada e à nossa frente um grande vidro espelhado,
igualmente precisando de produtos de limpeza.

— Acho que vou levar um para o Caíque. Como eu disse, ele não tem muitos amiguinhos o
que me preocupa um pouco, ainda bem que uma certa babá tem ajudado muito com a autoestima dele.
— Pietro seca a boca que chega a ficar brilhante, na minha imaginação poderia ser por aqueles
lábios serem deliciosos e reluzirem como diamante, mas era só o óleo da coxinha. Ouso me
aproximar e dar uma lambidinha em seu lábio inferior, oferecendo a minha Coca-Cola em seguida.

— Se for pedir para viagem, melhor pedir as congeladas, aí eu frito... — observo


atentamente cada reação dele e o que eu ganho são suas duas mãos segurando meu rosto e me dando
um beijo que faria inveja a Hollywood.
Depois da coxinha, ele me perguntou se eu queria tomar um vinho em sua casa. Esperei,
respirei, ponderei... tomar vinho na casa dele? Isso não significava que eu teria que fazer sexo, não...
Mas eu iria resistir? Aquele sorriso, aquele corpo... Deus, ele deve ter uma barriga tanquinho tão
trincada que eu poderia lavar roupas ali.

E eu?

Há meses não via uma manicure, uma boa depilação daquelas que tiram até os pelinhos
do...

— Se quiser eu posso te deixar em casa, sem problemas... — Minha vontade era gritar um
“Nãooo” em slow motion como naqueles filmes que o personagem abre a boca exageradamente e a
voz sai lenta e distorcida, mas na mesma medida, dar para o meu chefe era aceitável? Não, nem um
pouco aceitável.

Ainda estávamos no carro e eu com aquela cara de indecisão, engolindo um ardor na minha
garganta... “é só um vinho” tento me convencer, mas não... claro que eu iria recusar, afinal eu tinha
aula durante a semana, textos e mais textos para ler:

— Adoraria um vinho... — Sim, eu arrego! Mas, a meu favor, como dizer “não” a Pietro?
Aquele homem era um sonho de consumo, eu estaria cometendo um crime se não fosse tomar um
vinho com ele!
O pior de tudo é que eu sou fraca para bebidas, principalmente vinho!

Pode me dar um caminhão de cerveja Stella que eu encho o meu tanque, mas vinho... ah!
Era o meu ponto fraco e ainda a gulosa aqui aceita uns queijinhos para acompanhar aquela safra de
não sei que ano, não presto atenção nessas coisas.

Pietro passa as mãos pelos cabelos e até esse gesto é estúpido de sensual, estávamos na
sala, no vão entre a mesa de centro e o lindo sofá em L, sentados no chão. Eu já estava rindo feito
uma imbecil, não só pelo nervosismo, mas porque sou uma péssima companheira de vinho, quando o
queijo que pego cai na minha perna e ele... pega com a boca...

— Eu fico pensando em você desde quando apareceu naquela chamada de vídeo... — ele
confidencia baixinho, os olhos entreabertos, a mão boba segurando a minha bunda e a outra fazendo
meu corpo ceder ao chão revestido de um tapete felpudo branco que roça em minha pele, me fazendo
arrepiar.

Até a casa de Pietro aflorava tesão.

— Também penso em você... — Sussurro, temendo que talvez ele não me ouvisse, mas seu
sorriso mostra o contrário, ele abre a blusa, botão por botão, e minha visão fica boa na hora ao ver
aquele tronco lindo... nu... para mim! Dou a louca e espalmo minhas mãos, explorando cada
pedacinho daquele corpo gostoso, o puxando para me beijar.

Ele passa as mãos pela minha cintura e rolamos pelo tapete nos beijando, fundindo o
aroma, o gosto e a deliciosa fusão explosiva de vinho em nossas bocas. Pietro puxa minha calça
jeans para baixo, as mãos decididas ansiando por um pouco da minha pele, o tecido roça na minha
coxa e a palma de sua mão me faz ficar molhada.

Nossa... como eu estava a fim daquele homem!

— Tudo bem? — Ele pergunta, acariciando minha testa e me depositando um beijo.

— Estou muito... muito bem... — Confesso, colocando minhas mãos em sua bunda, ainda
com a calça, ele apoia uma das mãos e a abre, abaixando a cueca. Sim, o tesão era tanto que faríamos
sexo assim mesmo, acho que foi, até o hoje, o momento mais erótico e mágico e intenso e... e...

O pau dele estava duro e... uau! Que pau... que rola... que pinto... que enorme! Ele ainda se
apoia com um braço no chão e com a outra passa na minha buceta, as minhas calças até meus joelhos
e... sim, consigo sentir seu volume entrando em mim, nos encaramos... sorrio e ele beija meus lábios
e começa a se mover lentamente para frente e para trás.
— Caramba, Alice... — Ele ofega, inalando meu cheiro, mordiscando minha orelha e eu
enfio minhas mãos pela calça dele para apertar aquela bunda gostosa, forçando ele para mais dentro
de mim, mais e mais... o ar começa a sair dos meus lábios num gemido contido.

Levanto minha cintura e ele para, apenas me observando ansiar pelo prazer, sorrio,
passando o dedo indicador pelos seus lábios.

— Qu...que foi?

— Você é tão linda... — Derreto como um pedacinho de gelo numa superfície em chamas,
ele segura uma das minhas pernas, a elevando e investindo mais e mais em mim, gente... o modo
como ele mete é tão bom que chega ao ápice de eu querer gozar!

— Ah, seu Pietro... — Ele me olha em represália e eu não acredito que vou gozar para o
“seu” Pietro, não. Quero gozar para o Pietro... e, sim... meu corpo parece em chamas e preciso
apagar esse incêndio com os lábios de Pietro.

O abraço tão forte, apertando seu corpo, inalando sua pele... quero me embebedar de
Pietro, quero que ele sussurre meu nome em meu ouvido e seus cabelos brinquem com os meus
sentidos, assim como a mão dele que se aperta em uma das minhas. Ele segura meu rosto, me guiando
a olhá-lo:

— Fica de lado... — Ele não precisa nem pedir duas vezes, seguro seu pescoço, sentindo o
calor me invadir. Estou gozando e mal consigo processar a deliciosa fonte do meu orgasmo, quando
me viro de costas para ele, que habilmente me encaixa em seu pau, ainda com nossas roupas... ele
agarra meus seios, me abraça e me força a sentar nele. Minhas unhas arranham o sofá... me sinto tão
desejada como há muito tempo não me sentia, meus sentidos à flor da pele.

Estou absolutamente sem graça... ele me acaricia de maneira pornográfica, brincando


deliciosamente com meu clitóris enquanto o ouço procurar outra camisinha na carteira e tudo é tão
rápido que, assim que olho, ele me penetra de novo.

Aqueles músculos roçando no meu corpo, arranho o sofá, ele geme um “isso, gatinha...” o
que me faz sorrir, passando minha língua pelos lábios ao ouvi-lo sussurrar de prazer...

— Delícia... — Ele geme, sussurrando que iria gozar na minha “bunda gostosa”, fico toda
assanhada, se é que possível... até a voz daquele homem era sexy, o que, estranhamente, me deixava
segura, muito segura... Nos damos as mãos.

Meu corpo vibra, meus seios escapam do sutiã e isso não é ignorado pelas mãos de Pietro,
que parece um polvo... me apalpa, me lambe, geme... tudo nele era tesão e carinho, jamais pensei que
ele pudesse ser tão carinhoso e... intenso ao mesmo tempo. Eu esperava mordaças, chicotes, plugs,
vibradores, mas não poderia estar mais satisfeita conosco ali, de roupas, transando em seu tapete e o
torpor do vinho percorrendo nossos corpos.

Suas mãos pousam em meus ombros, me forçando com mais vontade em seu colo, seu pau
parece que vai explodir e eu pareço que vou soltar glitter pelos poros... estou gozando de novo...?

— Alice... — Ele segura minhas mãos, me fazendo ceder de bruços no chão, sinto o cheiro
delicioso do tapete, ele sobre mim... o líquido quente escorrer pela minha bunda, minha calça,
calcinha... estou embebida de Pietro.
Capítulo 11: Pietro

Colocamos o restante da roupa rapidamente. Alice, ainda ofegante, sorri sem graça,
comentando:

— As crianças! — Ela se espanta, afinal a gente tinha se agarrado em um lugar inusitado,


acredito que ela pensava que Alícia ou Caíque pudessem nos ouvir... ou Rachel.

Sorrio de volta, confiante, colocando uma mecha do cabelo dela atrás da orelha, me
sentando no sofá ao seu lado:

— No andar de cima — Aponto com o dedo o teto — Eles não ouvem, é meio longe, por
isso que Rachel dorme no quarto ao lado... Enfim, só não se preocupe...
A sento no meu colo e ela sorri, acariciando meu rosto, passamos o resto da madrugada
conversando. O papo estava tão bom que não vi três ligações de Jing em meu celular.
Fui direto fazer um café da manhã reforçado. Rachel é a primeira que acorda, um tanto
desconfiada, seu penhoar arrastando pelo chão enquanto me dizia que iria contratar mais uma
faxineira.

— A dona Maura é muito boa... olha esse fogão! Parece um espelho! — Comento enquanto
termino de preparar uma salada de frutas com kiwi, maçã, banana, mamão e suco de laranja. Sirvo
tudo num refratário e no meu coloco um pouco de creme de leite e açúcar.

— Isso está com uma cara ótima! — Pietro também se serve, sentando-se ao meu lado,
sorrindo, e eu viro o rosto rapidamente, puxando assunto sobre faxineiras com Rachel.

— Eu vou chamar as crianças... Acho que um parquinho seria legal para elas hoje... —
Rachel me olha desconfiada, eu sinto. Pietro alisa meu pé com o dele e eu fico sem saber para onde
olhar.

Eu transei com o meu chefe! Caramba... e ele não estava me ignorando, fingindo que aquilo
não tinha acontecido e... o queijo e o vinho ainda estavam em cima da mesa, quase engasgo!

— As taças... o vinho... o queijo! — cochicho para ele, que sorri, dizendo:

— Uma das faxineiras já tirou as provas do crime dali! — ele sussurra, rindo, nem um
pouco preocupado com o apocalipse que a minha mente já prenunciava.— Eu vou ter que trabalhar
hoje, infelizmente. Mas vou deixar o seu José com vocês... vão a um parque de diversões ou algo
assim.

Ele me dá um beijo no topo da cabeça, quando ouvimos a algazarra das crianças. Me


levanto rapidamente e pego Alícia no colo para levá-la ao banheiro. Como ela havia dormido fora,
eu receava que ela tivesse feito xixi na cama, mas felizmente nenhum acidente registrado.

Caíque foi abraçar e conversar com o pai e eu os deixei a sós enquanto dava um banho
rápido na Pipoquinha, que havia acordado com um pique de outro mundo. Seria bom levá-la a um
parque para queimar essa energia e... pensando bem, fazia um bom tempo que nossos programas não
se resumiam a coxinha e escola.

— Mamãe, você acha que o vovô ficou triste da gente ter dormido aqui? — Um frio
escorreu minha espinha... como ela sabia que eu tinha dormido ali?

— Mas a mamãe não dormiu aqui... — ela me olha brava e joga um pouco de água na minha
cara.

— Então, me deixou aqui sozinha, mamãe? — ela passa as mãozinhas na cabeça para
espalhar o xampu e eu tenho que pensar alguns segundos:

— A mamãe foi conversar num lugar com o pai do Caíque... ele é meu chefe, sabia? — ela
se demora olhando pra mim, depois abre a boca e fecha em seguida. Me sinto triunfante, “ahá”, quero
ver se ela tem uma resposta esperta para minha!

— E você foi com a mesma roupa? Credu, mamãe! — É isso... baixinha sempre 1 x 0. Olho
para as minhas roupas, realmente... a calça chamuscada já estava fazendo hora extra.
— Eu preciso ir trabalhar hoje, filho. Eu pedi pra Alice levar você e a Alícia para um
parquinho, o que acha?

Ele olha para Rachel e, em seguida, para mim, afastando o pote com a salada de frutas:

— Mas hoje é dia de ficar comigo...

Rachel apoia os cotovelos na ilha, chegando perto dele, pegando uma fruta, bagunçando
seus cabelos:

— Seu pai tem que trabalhar, Caíque, por isso a gente chamou a Alice e a Alícia pra ficar
um pouco com você enquanto ele trabalha.
— A Alícia é chata! É menina! — Ele enrosca os braços no meu pescoço fazendo manha e
eu olho em súplica para Rachel, que por sua vez faz uma careta para mim, indicando com o queixo
que Alícia e Alice desciam com toda a alegria do mundo.

— Ela é menina, sim, mas é sua amiga... — cochicho no ouvido dele, que segura nas minhas
roupas, não me deixando levantar.

— Está tudo bem, Caiquezinho? — Alice pergunta enquanto Alícia pega o pote de salada
de frutas dele com as duas mãos derramando suco nela, no chão, deixando um rastro que faz com que
a mãe corra atrás dela, desesperada.

— Tá vendo, papai? Ela é chata!

Rolo os olhos, olhando para Rachel em puro desespero, mas ela me abandona, indo atrás de
Alice e Alícia, que abria o berreiro ao ser levada para tomar outro banho e a pobre da Rachel
chamando alguém para ajudar a limpar o chão.

— É... porque ela é novinha ainda... — Tento dar uma de intermediário, e essa agora? Ele
ainda agarrado ao meu pescoço começando a chorar e os óculos ficarem com aquela fumacinha,
acredito que era mais saudades de mim. — Você vai ficar feliz se o papai te levar para trabalhar
comigo hoje? Você volta a ser amigo dela?

Ele me mira com os olhos brilhando, fazendo “sim” com a cabeça. Ok... eu estava errado
em fazer essa chantagem, mas, confesso, também tinha saudades dele.
Senhor José me deixa em casa, agradeço e pego Alícia no colo, ela estava meio irritada,
talvez por ter dormido fora de casa, não sei.

— O Caíque é chato, mamãe...

Não me surpreendo muito, afinal, ele era mais velho e logo teria amiguinhos na idade dele,
abro o portão com o pé enquanto ela enrola os dedinhos no meu cabelo, enchendo os olhos de
lágrimas.

— O que houve, meu amor? — Pergunto antes do meu pai aparecer para me ajudar com a
minha ecobag, alguns livros e Alícia. Ele não queria demonstrar, mas estava super ansioso, acredito
que ele nem tenha dormido...
— Ele viajou muito, mamãe... ele é rico, né?

Engulo em seco... estava demorando para ela perceber a diferença de padrão de vida, meu
pai ouve o que ela diz e a segura no colo para mim... O que Caíque tinha falado? Mas não precisava
falar muita coisa, era só ver o quarto do menino, a casa, as condições... mas ah... se ele a tivesse
ofendido!

Meu pai a recebe com muito amor e carinho e, por um momento, acredito que ela se
esquece do que me disse. Mando mensagem para Lidi e Carol marcando de ir a alguma loja para
comprar uma calça jeans nova pra mim.

— Alice? —Meu pai me chama assim que termino de mandar áudio no grupo das meninas.
Ele se senta na poltrona ao meu lado, ponderando suas falas, pensativo como sempre e com a caneta
bic na orelha.

— Você pode dar uma olhada na Alícia, papai? Eu vou comprar uma calça jeans nova...

— Você não me disse que ia dormir fora, até liguei para a casa do tal Pietro e falei com
Rachel e ela que teve que me acalmar... Cadê sua responsabilidade, filha? — Engulo em seco, já me
sentindo culpada por ter esquecido de falar com ele, antes que eu possa retomar o fôlego para
retrucar, ele coloca a mão na minha perna: — Você não tem obrigação de me avisar se for dormir
fora ou não, Alice, mas... enquanto morar sob meu teto e com a minha neta, você tem obrigação sim
de me dar satisfação... A menina nunca dormiu fora, filha...

— Eu dormi com Pietro, papai... — Confesso, morrendo de vergonha, escondendo o rosto


nas mãos, já cheia de remorso, ele tira a mão da minha perna e ralha:

— Você só pode estar de brincadeira! — Ele se levanta, balançando a cabeça em negativa.


— Ele é rico, Alice! Totalmente diferente da nossa realidade e mais... e mais... — Ele aponta o dedo
para mim, nervoso — Ele é o seu chefe! Já não basta Rafael? Aquele moço que te deixou com uma
filha, agora... vai se meter com outro playboy? Ah, Alice, quando acho que você aprendeu a lição!

Me levanto, tentando me defender, ora... eu errei, sim, mas o que isso me impedia de... mas
ele corta qualquer pensamento:

— Onde se ganha o pão não se come a carne, menina! — Me sinto tão pequena,
humilhada... ele estava certo, o que Pietro Mendes iria querer comigo? E o que Alícia falou mais
cedo martelava na minha cabeça. Senhor Osvaldo bufa alto, voltando às suas palavras cruzadas. Ele
tinha todo o direito de ter ficado bravo por eu ter dormido fora de casa, mas... e se Pietro realmente
estivesse a fim de mim como eu estava dele?
— Olha quem veio trabalhar com o papai! — Caíque estava de mão dada comigo e virou
sensação da empresa, até chegarmos no meu escritório e encontrarmos Estela me esperando. — Ela
diz e eu sorrio cordialmente, dando a ele alguns papéis e lápis coloridos do pessoal da arquitetura
para que ele pudesse se distrair naquele sabadão.

—Vou desenhar você, a Alice, a Alícia e a Rachel!

Quase caio na gargalhada em ele ignorar Estela daquela maneira, que, além de ficar sem
graça, franze a testa em uma careta ao ouvir quem ele desenharia. Sento na cadeira e começo a
analisar uns papeis quando ela vem sensualmente ao meu encontro, espalmando as mãos na mesa e se
abaixando para deixar o decote bem à mostra:
— Refiz o que Jing pediu...

Olho em interrogativa, ué... Jing? Ignoro aquela sensualidade exagerada e pego os papeis
de sua mão, Caíque de bruços no chão, fazendo seu desenho, até com a língua de fora, um tique que
ele tinha quando estava muito concentrado, me pergunto se eu tinha o mesmo toc.

— Eu meio que fiquei off ontem... — Sorri para ela, tentando me justificar que não retornei
as ligações de Jing e muito menos as dela. Estela coloca um dedo na boca, balançando o corpo e
dizendo triunfante:

— Por um acaso você ficou tão off assim que não viu que ele quer que a gente vá para a
China novamente? Em caráter de urgência?

Tusso para pegar no tranco, o... o quê…? Coço a cabeça, andando de um lado para o
outro... Jing queria o quê?

Estela continua, me ignorando:

— Quando arrumamos as malas?

Caíque sai de seu desenho aos prantos:

— Você vai viajar de novo, pai? Nãooo! Não querooo! — Seus soluços me cortam o
coração, e não sei se culpo Estela ou Jing por me obrigar a voltar à China em tão pouco tempo!
Havia o quê? Nem dois dias que estava no Brasil.

Mesmo chorando, ele me entrega o desenho e eu o pego no colo. Estela, só por provocação,
diz a ele:

— Caíque, já conheceu a China? Tenho certeza que seu pai te leva dessa vez...

E ela... sai!

Ele me olha com os óculos molhados, os tiro para poder limpar, ele faz carinho no meu
rosto, os olhos brilhando:

— Eu vou viajar também?

Engulo em seco, sabe-se lá quanto tempo eu teria que ficar na China e a última vez que a
gente viajou tinha sido nas férias para a Disney e eu sempre quis que ele conhecesse outras culturas.
E, espera... eu tinha Alice, que poderia ficar com ele.
— Se a Alice for junto... você gosta dela, né?

— Gosto muito dela e da Alícia, ela é pequenininha, né, papai?— Concordo, aliviado que
ele tenha repetido as minhas palavras de mais cedo, o beijo e o volto no chão, não antes de lhe dar
um abraço bem apertado e ver o desenho que ele esfregava na minha cara.

Posso perceber que ele estava desenhando bem... e, obviamente, meus pensamentos
vagueiam em Alice... e já anseio em falar com ela sobre a viagem.
—VOCÊ, O QUÊ?! — Lidi e Carol me puxam pelo braço e eu quase derrubo minha coca na
camisa. Sem sacolas, só com uma bolsinha a tiracolo, eu parecia uma jeca perto das minhas amigas e,
ainda, a calça chamuscada na minha bunda...

— Meu pai acabou comigo... — tomo mais um gole, determinada a achar uma calça jeans,
minha bolsinha de couro de primeiro ano da faculdade também precisava ser substituída urgente!

— Ele é pai, né, Alice! Se manca... — Carol me cutuca para que eu veja algumas calças à
mostra em manequins, já Lidi faz carinho no meu cabelo, lutando contra a falta de escova deles,
chega até a arrumar a alça do meu sutiã.

Céus... eu estava só o pó da rabiola.


— Ele tem medo que você se machuque... e, convenhamos, o homem chegou de viagem o
quê? — ela aponta para uma loja mais em conta e nos chama com o dedo indicador, quase berrando
no shopping: — Além dele ser seu chefe e você dar pra ele no primeiro dia que se conheceram?

— Hunf... se você ouvir tudo que a Lidi fala ou seu pai, você acaba virgem de novo! —
Carol descansa as mãos nos meus ombros ao cochichar. Sabe, eu meio que estava farta daquilo! Tá...
eu dei pro meu chefe e era a primeira vez que o via pessoalmente, mas virtualmente a gente já tinha
tido uns paranauês.

— Alice, vai lá ver a calça, separa algumas que já vamos lá com você! Vem, Lidi! Aquela
promoção de make tá um arraso pro seu tom de pele! — As duas correm até o quiosque de
maquiagem e me deixam sozinha. Parte da culpa era minha, afinal, eu sempre recusava os rolês ou
por estar ocupada ou para ficar mais tempo com Alícia, mas era inegável que as minhas amigas
estavam mais unidas entre elas.

Sinto um pouco de ciúmes... Carol era aquela loiraça de parar o trânsito e Lidi uma mulher
preta incrível que amava seu cabelo crespo, usava turbantes altos, blusinhas de alcinha e calças que
valorizavam seu corpo, até sua arquitetura tinha sua cara, seu jeito. Enquanto Carol era praiana, Lidi
era florestal, sempre erguendo bandeiras sobre cuidados com a terra e afins.

Dou de ombros, sempre eu seria a esquisitinha que vivia num mundo só meu, quando deixo
alguém entrar, como foi o caso de Rafael, eu só me machuquei... com Pietro não seria diferente. Entro
na loja absolutamente vazia, nenhuma atendente vem ao meu encontro. Continuo olhando as calças até
que duas me chamam atenção, vou até a arara e, para minha surpresa, estavam em promoção: duas
R$188,70, a vista.

— Com licença... acho que vou querer essas duas calças, tamanho quarenta e quatro da
promoção! — As duas vendedoras me olham, mas me ignoram! Olho para os lados para ter certeza se
estou sozinha ou, sei lá, se elas estavam atendendo alguém... — Com licença... — Pego as duas
calças e levo até o balcão. Elas olham para mim com certo desprezo, mas passam a compra:

— Cento e oitenta e oito reais e setenta centavos. — Sorrio amarelo enquanto elas
continuavam conversando, peguei o cartão e uma delas estourou a bola de chiclete bem na minha
cara. Calma... pensei, até que dá um erro no cartão.— Não passou. — Ela fala triunfante para a
amiga e as duas soltam risinhos... Quê? Pô, eu tinha esse valor, não tava passando fome não, mas né?

Por garantia, olho meu extrato no celular, retrucando:

— Pode passar de novo? Acho que deve ser problema na maquininha... eu realmente gostei
das calças...

Elas me olham com aquele olhar... sabe, aquele? Rolando os olhos nas órbitas, a outra
vendedora sai de cima da banqueta, aponta a maquininha para mim e diz:

— Olha bem para essa loja, querida, e olha para essa maquininha... e para você, acha
mesmo que a maquininha é o problema? — Minha garganta dá um nó, mas eu não iria deixar elas
falarem assim comigo não... ah! Não! Eu... eu iria fazer barraco, escândalo!

Eu queria as duas calças por R$ 188,70!

— Olha aqui você, querida. Eu sou professora de artes, que não cai mais no vestibular, mas
posso te dizer uma ou duas coisinhas! — Meu tom de voz se eleva, nisso alguns outros clientes se
aproximam para olhar as promoções, respiro fundo: — Sabe que essa cor toooda da loja foi
inspirada em Yayoi Kusama? A arte dela se baseia em cores fortes da mitologia japonesa, inclusive,
caso não saiba... — Aponto o dedo para a menina do chiclete — Na sua busca por ser original, você
cai na mesma mediocridade de todo mundo... nada aqui é original, e você não tem cor, não tem alma
e nem vida! Espero que trate melhor seus clientes e, sim, sua maquininha está com problema!

Saio da loja furiosa, dando pulos irritados. Pego um ônibus, sem avisar Lidi ou Carol, e
vou direto para o centrão de São Paulo que, com certeza, teria mais originalidade e aguentaria meu
orçamento limitado... Encosto o vidro na janela, pensando que aquela palestrinha imbecil que eu
tinha dado em nada adiantaria, assim como Artes não cairia mais no vestibular, eu não era necessária
e nem bem-vinda na vida de ninguém.
Capítulo 12: Pietro

Assim que chego em casa, pergunto sobre Alice a Rachel, que, antes de me responder,
encaminha Caíque para o banho.

— Arruma as coisas dele, Rachel, eu tenho que ir pra China semana que vem. — Roubo
uma bolacha recheada e começo a andar feito uma barata tonta pela casa.

— Mas, Pietro, como assim ir pra China? Você acabou de voltar! — Já tinha Jing em
videochamada, seu semblante sério dizendo que as plantas e as estruturas estavam “sóbrias demais”.
Não aguento e bato a mão na testa! Ah! Qual é!? O que mais eles queriam? Começo a levantar o tom
da minha voz, mas que merda!
— Eu sei, mas parece que eles... ​— Aponto já puto para o celular — Eles não vão querer
fechar contrato se eu não for, Rachel e... Cadê a Alice? — Antes de Rachel me dizer ainda vem mais
uma enxurrada de questionamentos, sugestões e blá-blá-blá! Ah, quer saber? — Foda-se, Jing, eu
vou... que merda! Zàijiàn — Se eu não fosse, perderia uma grana e um prestígio que me abririam
portas em Dubai, Xangai e até na Rússia.

Eu precisava do contrato!
Meu dia acaba comigo me sentindo gorda, feia e nenhuma calça servindo em mim. Lidi e
Carol apareceram em casa preocupadas depois do vexame que eu tinha dado no shopping, então a
gente decidiu ir para um barzinho.

— Não acredito que deu uma de doida e saiu do shopping! — Lidi cutuca Carol, que ainda
ri da minha cara.

Pego meu chopp, dando um generoso gole:

— Pois é... ainda tô me sentido gorda, feia, descabelada... eu dormi com meu chefe! —
Carol vai tentar me animar, mas Lidi toma a frente, colocando suas mãos macias nas minhas que
ainda estavam sujas de tinta.
— Nem gorda, nem feia... — Ela alisa meu rosto, me presenteando com um sorriso
maravilhoso. Aí sim dou uma generosa fungada. — Alice, você é linda... O que precisa é de um
banho de loja pra aumentar essa autoestima aí... E, bem, vestir roupas do seu tamanho... parece que
você se anulou depois que Alícia nasceu, pensa comigo... — Ela dá uma boa golada em sua cerveja,
e meus olhos já crescem para a batata frita com cheddar e bacon... Eu estava faminta! Lidi continua:
— A gente te empresta o dinheiro, você não precisava ter passado por esse constrangimento sozinha,
poxa!

Carol dá um murro em sua mão com uma cara de má:

— A gente bate naquelas vendedoras atrevidas! E mais, vamos pra academia com a gente?
Você malha esse corpo... fica mó gata e arrebenta a Estela!

Suspiro alto, não sei se falar que eu não estava em forma o suficiente era um elogio, mas eu
entendia que elas queriam me animar. Dou um sorriso amarelo, aceitando o tal banho de loja,
matrícula na academia e... Vejo meu celular apitando e elas soltando um “Ohhh”.

Sim, era Pietro... atendo com uma certa culpa, afinal eu deveria ter voltado ao trabalho... Se
bem que ele havia me dispensado, acho eu... O segundo toque vem com tudo e Carol me joga uma
batatinha para que eu atendesse logo:

— Hm... Alô? Seu Pietro?

— Se falar “seu” de novo não converso mais com você... E, falando nisso, onde está? —
Encaro as meninas e peço o endereço, elas ficam mais alvoroçadas que eu. Ele diz que está perto e já
está chegando e minha cara é... “Estou vestindo a calça chamuscada, estou suada, o cabelo
desgrenhado e... Deus, eu estava de tênis!”.

— Arrasa, Alice! — Lidi fala metendo umas três batatas na boca e rebocando Carol pelo
braço, que em protestos diz que quer ficar e conhecê-lo.

— A gente fica, Lidi... Quero ver bem o bonitão que tirou as teias de aranha dela! — E ela
não diz isso baixo... Típico de Caroline, todos ali ao lado olham para mim e ela nem aí.

Lidi volta a se sentar, concordando:

— Tem razão, acho que dessa vez a gente pode ver se o boy é lixo ou não...

— Vocês entendem que é meu chefe que está vindo aqui me ver, né? — Falo retoricamente,
coberta de desespero! Eu estava... deplorável! Ok... as mãos manchadas de tinta eram uma coisa, mas
a calça... Jesus, a maldita calça!
Chego ao tal bar exausto!

Minha conversa com Jing não tinha sido nada além de trocas de farpas e, para presentear
meu dia, Estela me liga dizendo picuinhas sobre Roger, que por sua vez se recusa voltar para China
em tão pouco tempo.

Entre levar Roger e Estela, claro que eu preferiria mil vezes levar o Roger, mas... se Estela
já tinha falado com Jing, seria burrice minha evitá-la nessa altura do campeonato... Estaciono meu
carro de qualquer jeito, espichando meus olhos para ver se encontro Alice, logo me reteso... Porra,
Pietro... não é assim que se educa um filho! Ele tem que entender que eu preciso viajar a trabalho! E
ele perderia dias de escola? E... bem, levar a babá com a qual eu transei, inclusive.
E outra... eu estava com saudades do beijo de Alice, eu estava morto de tesão e já esperava
aquela mulher nua na minha cama, num motel, na banheira ou qualquer porra de lugar em que eu
poderia me extasiar com ela. Fecho os olhos por um momento... Não, eu não poderia levá-lo, era
mimá-lo demais.

Saio do carro com a certeza de que talvez esse lance de Alice ser babá de Caíque não
estava dando certo, nada certo, aliás... Seria melhor eu dispensá-la, ter outra babá e... conhecê-la
sem ser a minha funcionária ou eu poderia acabar na mesma encrenca que estava com Estela.

Coço a barba e olho o palanque com um karaokê: duas moças cantavam Eduardo e Mônica
do Legião Urbana. Logo eu a vejo... cabelos soltos, despenteados, a calça meio queimada na... er...
bunda, uma blusa comprida, o microfone na mão esganiçando o refrão longo.

Cruzo os braços e me encosto no carro olhando a cena.

A amiga canta alto e não é ruim agora, Alice canta timidamente, ambas as mãos no
microfone, passinhos de lá pra cá até o final da canção, quando agradece o pequeno público bêbado
e, provavelmente, colegas de cantoria.

— Música dedicada à minha ex-chefe... Ah! Parece que Artes não cai mais no vestibular...
tipo, mesmo!

Sorrio com certa tristeza, alguém que fala com tanta paixão e vai em busca de um mestrado,
com certeza tinha amor pelo que fazia... Foi um golpe. Me aproximo mais um pouco e logo vejo uma
jovem negra muito bonita e espontânea levantar da cadeira e me puxar para a mesa:

— Ahhh você é o famoso Pietro Mendes... A Alice e a Carol, aquela loira ali — ela aponta
com o dedo, pegando um espetinho de carnes e tomando um bom gole de cerveja — Vou te dizer,
você pode ser CEO e oscarai, mas Alice é como se fosse uma irmã... Eu lembro dela toda fodida,
que nem ela está agora, não mudou muita coisa, mas ainda grávida de Alícia... — Ela aponta o dedo
pra mim e meus olhos crescem em admiração, Alice era rica... em amizades, amor de pai, amor de
filha... O que faltava para a carreira dela deslanchar? — Minha amiga não é a Estela não, viu? E vou
te contar a verdade... Aquele cabelo é megahair, pronto, falei... se quiser me processe!

Ela bufa, devorando outro espetinho e, antes mesmo que eu pudesse me defender, Alice
chega acompanhada da amiga, ambas me dão um beijo... no rosto, ok... eu esperava um selinho, sei
lá! A gente tava ficando, certo?

— Pietro, essas são Lidiane e Caroline, minhas amigas desde o começo da graduação em
artes...

— Que não cai mais no vestibular... — Carol coça o olho, tirando uma... remela? E se
senta, se servindo de espetinho e puxando a amiga para a cadeira perto de mim.

— Prazer, meninas... Alice, eu preciso te pedir um grande favor... — Deixo as meninas e


ela em suspense, claro, eu queria fazer um pouco de charme e peço uma cerveja também, na
verdade... pelo olhar inquisidor de Carol, acabo pedindo para a mesa inteira. — Eu recebi uma
ligação em caráter de urgência e... vou precisar viajar para a China... — Dou um bom gole na bebida
que chega bem gelada.

— Mas não faz nem três dias que voltou! — Exclama Lidi, sorrio... Bem, pelo menos eu
teria alguém a mais para me ouvir as baboseiras... e que... quase com certeza já sabiam o que tinha
rolado entre mim e essa moça linda de olhos castanhos e sorriso deslumbrante ao meu lado... meus
dedos passam pelos dela, que se retrai.

— Meninas, o que acham de Alice ir comigo? Afinal, ela é babá de Caíque... e seria ótimo
para ela respirar outros ares...

Alice arregala os olhos, Carol solta um som estranho e Lidi bate na mesa.

Elas eram doidinhas... e eu gostava disso.


Fico longos segundos com o espetinho na mão...

O quê?

— China? — Repito pela enésima vez... Pietro faz que “sim” novamente. Carol e Lidi me
balançam, talvez para que pegar no tranco.

— Não posso ir, Pietro... Alícia e... meu pai? — Os três me olham em conjunto, Carol
berra:

— Ahhh não, não, não e não! Alice, a Lidi cuida da sua filha e eu vou dar comida pro seu
pai, se quiser.
— Ele não é um cachorro, Carol... E a Lidi não sabe nem cuidar de planta!

Pietro parece rir da situação. Lidi começa a enumerar quais as chances no mundo uma
proposta dessas cair no meu colo... quando chegou na trigésima, Pietro retoma a palavra:

— Eu quero que leve Alícia... e, quanto a seu pai... tenho certeza que ele poderá ser
assistido pelo seu José, Rachel ou meu médico particular... Só preciso desse tempo para me
reconectar com meu filho, Alice... Diz que sim... — Parece que uma auréola angelical pousa em cima
daqueles cabelos castanhos danados de impecáveis e revoltos, me sinto impelida a dizer “sim” e sair
dançando à la High School Music, mas eu tinha que ter a mente no lugar e... o espetinho também, que
ainda estava suspenso na minha mão a caminho da minha boca.

— Preciso ver com meu pai e Alícia, seu Pietro... — Carol faz uma careta horrorosa e Lidi
balança os dedos em minha direção, falando:

— Para de chamar o homem de “seu não sei o quê!”, já até deu pra ele e.... — Eu engasgo
com a carne, Carol faz um barulho horrível e Pietro olha para mim... ainda sorrindo... Acredito que o
bar inteiro olha pra mim, mas Carol piora tudo:

— Pelo menos, não fui eu quem dei o fora dessa vez...


Capítulo 13: Pietro

Depois de um breve momento constrangedor fui eu quem dei uma gargalhada alta, sem
freios, sem amarras, aquelas risadas que te deixam sem ar... a cara de Alice foi um prêmio
impagável!

Doidinhas e divertidas... ah! Há quanto tempo eu não ria daquela maneira...

Elas me olham como parte do grupo e isso me fascina, nada de “sim, senhor”, “não,
senhor”, minha origens não foram tão humildes, mas com absoluta certeza, não carregava o
estereótipo de CEO, o comedor. Gostava e muito de sexo, mas minha vida não se resumia a isso, não.
Para ser CEO da minha própria empresa eu tive que trabalhar e muito... e muito... e mais um pouco.
Não era só terno e gravata, eram anos de estudo e de muitas noites mal dormidas, mal via
meu filho e sentia uma culpa sim, quando as reuniões importantes varavam noite adentro.

— Pietro, se eu for... preciso de alguns dias, principalmente para falar com o meu pai... —
Eu estava distraído e acabei falando sem pensar muito:

— Que isso... eu falo com ele... — As meninas quase cuspiram suas cervejas e os olhos de
espanto recaíram sobre mim.

—Você? Falar com o pai dela? Uau... muito boa sorte Seu Pietro... — Carol provoca,
limpando a boca com um guardanapo de papel. Lidi pisca para ela e vejo que suas pernas balançam,
ela apoia a cabeça nas mãos me encarando e eu me sinto como se eu estivesse em um reality show,
onde o grande prêmio seria... não ser devorado pelas perguntas indiscretas das amigas de Alice.

— Você sabia que o pai da Alice matou o pai da Alícia... e fez estrogonofe com a carne
dele? — Engulo em seco... — O ... o quê? — Alice começa a rir, assim como Lidi e Carol, e eu me
sinto com dez anos novamente, quando meu avô me contava que havia sido perseguido pelo Saci
Pererê.

— É brincadeira dela... antes que saia correndo todo borrado... — Carol chama o garçom e
dessa vez é Alice quem dá um sorriso amarelo, que se aproxima do meu ouvido, sussurrando:

— Quer dar uma volta? — Eu jogo duas notas de cem reais na mesa e... para meu espanto,
elas não fazem o clichê de insistir em pagar, Lidi e Carol pegam as notas sem a menor cerimônia e
comentam:

— Se quiser deixar o cartão, a gente finge que esquece a senha! — Elas começam a rir e,
antes que eu tente falar qualquer coisa, Alice me empurra para o carro.
As meninas tinham pegado pesado com ele, contudo Pietro poderia se dar ao luxo que havia
sido aprovado por elas, e elas por ele, mesmo com o agravante delas detestarem Estela mais do que
eu.

Assim que vou me virar para, sei lá, tentar me desculpar, sou surpreendida pelas suas mãos
em torno da minha cintura e seu beijo quente em meus lábios, tento fechar os olhos, mas não
consigo... A noite estava fresca, os pedregulhos abaixo de nossos pés fazendo um barulhinho
agradável. O beijo de Pietro é ainda melhor do que eu me lembrava... Ele roça a perna na minha
buceta, ao mesmo tempo que acaricia meu rosto.
— Você é tão bonita... — Ele sussurra em um som baixo, a voz rouca, a outra mão
acariciando meu cabelo, o tirando da minha nuca, até lamber meu pescoço... arrepio por inteira, me
contraindo de tesão... Senhor! Que homem era aquele e... que fogo! Suas mãos me exploram com
vontade se demorando nos meus seios...

— A gente está num estacionamento... E se alguém... ver? — Ele sorri e eu me sinto uma
burra... Ah, qual é? O que tenho que me preocupar se alguém ver? Ou... vir? Ou... sei lá! Logo a
angústia de ser uma Estela II paira na minha mente. Pietro percebe que não fico tão relaxada quanto
da primeira vez:

— O que houve?

O que houve? O que houve? Houve um turbilhão de acontecimentos que poderiam deixar
qualquer mulher louca! Um homem desses... e eu babá do filho dele! Mordo meu lábio... Ah, Alice...
não vá cometer o mesmo erro! Ponha-se em seu lugar e... antes que eu conclua meu pensamento, me
jogo em cima de Pietro, enrolando meus braços pelo seu pescoço, procurando avidamente pelos seus
lábios quentes.

Ele hesita, coitado... Acho que nem ele entendeu muito bem, mas tenho urgência em querer
que ele me pegue de jeito de novo, então tento encarnar a mulher emponderada, espontânea, segura de
si e... e... começo a chorar, claro... Eu tinha que chorar no meio de um amasso delicioso com ele.

— Ok, Alice... É nítido que você não está bem... Entra, vamos conversar um pouco no
carro? Quer que eu te leve pra casa?

Faço que não com a cabeça. Tudo que eu não queria era ir para a minha casa nesse estado.
Começo a fungar e claro que eu começo a fungar mais alto, Pietro sorri... aquele sorriso bonito que
só, coloca a mão nas minhas costas e... abre.... a porta do carro para mim!

Tá, ele tem que ter defeitos! E muitos defeitos...

Ele se senta ao meu lado, colocando a mão na minha perna, acariciando levemente, ele coça
o cantinho da sobrancelha, suspira longamente e diz:

— Eu prometi ao Caíque que levaria ele comigo dessa vez para a China. — Ele sorri meio
culpado e eu entendo esse sorriso. É difícil dizer “não” aos filhos, principalmente quando somos
sozinhos, quer dizer, eu tinha meu pai, mas ele... viúvo... — Se for pra falar com seu pai, ficarei feliz
em ir, mas eu quero saber se você... enfim, quer ir.

Abro a boca entusiasmada:


— Claro que eu quero! Quero e quero muito, mas... bom, eu nem passaporte tenho... —
Minha voz mingua cada vez que tenho que pensar nos empecilhos, começo a mexer no vidro, o
descendo e o subindo, Pietro retruca:

— Isso pode ser resolvido rapidamente — Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha, sorrindo, mas não muito feliz, eu sei que ele poderia resolver rapidamente... continuo:

— Nem roupas... — Olho para a minha blusa, a calça, o tênis... imagina eu assim num
aeroporto? Num jantar como babá do filho do CEO?

— Considere com roupas para enfrentar a viagem... — Ele era prático, acredito que em sua
cabeça deveria ter uma checklist em que tudo era feito em sua cabeça quase automaticamente.

— Minha matéria não cai mais no vestibular e só de pensar como fui tratada naquele
shopping... — Confesso quase quebrando o botão de subir e descer do vidro. Não conseguia encará-
lo, e como aquelas vendedoras me trataram realmente doeu, foi um pensamento alto que verbalizei,
quando sinto sua mão em meu braço, perguntando num misto de curiosidade e irritabilidade:

— Como assim?

— Na... nada... — Mas nada para um CEO é como se uma labareda infernal fosse
inflamada com gasolina, e entre prantos eu contei... Desabafei até sobre meu ateliê e os desenhos que
surgiram nos meus dedod, mas não iam para a tela...
Eu tinha ouvido falar poucas vezes sobre a bendita loja do tal shopping.

Quer dizer, eu sabia a estrutura do shopping porque havia feito a liberação para os
bombeiros, mas nunca que o incêndio recaísse sobre as clientes. Alice era uma mulher tão doce,
meiga... doidinha como as amigas, mas isso me encantava ainda mais. Observo sua cabeça afundada
em meu peito, acaricio aqueles cabelos cheirosos, lindos... num brilho cor de noz selvagem.

Ergo com o dedo seu queixo delicado, observando suas feições harmônicas... O que ela
queria dizer com não conseguir mais pintar? Ora... ela era uma artista, uma mãe dedicada e uma babá
que meu filho gostava muito... Eu sou atraído por ela... E sem eu dizer mais uma palavra, a abraço, a
beijando, a envolvendo em meus braços.
Alice passa para o meu colo e eu afasto mais o banco para trás, espalmando minhas mãos
naquela bunda linda... Alice tem um corpo tenro, macio, delicado, curvas generosas... deliciosamente
perfeita para as minhas mãos desesperadas por sentir a pele dela, o silêncio cortado por sua
respiração hesitante, fundida com o som estalado dos meus beijos me excita.

Subo sua camisa, enquanto ela tenta tirar o sutiã, eu me apresso em fazê-lo, querendo,
finalmente, vê-la um pouco mais nua... os seios... lindos, fartos, os bicos empinados pela excitação,
mordo com cuidado e começo a chupá-los, massageá-los. Alice geme baixo, contida, ainda olhando
para os lados, preocupada em saber se iriam nos flagrar, mas confesso que esse medo dela me
deixava ainda mais inflamado de tesão.

— Ninguém vai ver a gente... — Bato com os nós dos dedos no vidro. — São foscos e
blindados... — Ela passa o rosto pelo meu pescoço, alisando meu peito, abrindo botão por botão da
minha camisa e eu já estava tão desesperado para comê-la! Ela fica com os joelhos um de cada lado
do meu corpo, e eu só conseguia pensar em tirar aquela maldita calça.

— Alice... eu tô maluco por você... — Confesso em um sussurro, a abraço, roçando minha


barba pelo seu colo, seios, costelas, fazendo com que seu corpo ceda pelo volante, quando ela
aciona, sem querer, o rádio.

Feed the Fire é a música que começa a tocar. Alimente o Fogo era exatamente o que eu
precisava ouvir.

Abastecido de emoções que eu pensei que soubesse, ela se apoia nos joelhos, abaixando as
calças, Pressão!

Minha mão busca sua buceta, que se encontra tão molhada, deliciosamente apetitosa...
Busco a camisinha na gaveta embaixo do meu assento, mal me livro do tecido que prendia meu pau,
Alice se aninha no banco do passageiro, me fazendo um oral maravilhoso... com os lábios ela desce a
camisinha pela cabeça do meu pau, estremeço.

Você não está sozinho nisso.

A pego pela nuca, segurando forte seu cabelo e a puxo para um beijo, com a outra mão
seguro sua coxa e a faço deslizar pelo meu pau, sem nenhuma demora... Apertada!

— Ahhh! — Seu gemido combina com o refrão e posso ouvir nossa carne começar a se
fundir... Minha mão ainda presa em seus cabelos, minha cintura começando a ir para cima e para
baixo e seus joelhos ao redor do meu corpo... trêmulo.
Alimente o fogo, alimente o fogo em você.

A abraço, sentindo seu coração pulsar como tambores de bateria. A olho sobre mim e não
poderia desejar uma visão mais maravilhosa... Meu pau lateja, duro, quente... a buceta dela o engole
quase inteiro, meus pulmões ardem quando busco por ar... aquela mulher montada em mim, rebolando
deliciosamente em meu corpo...

Queime todos os seus medos.

Seus cabelos caem como perfumadas cataratas castanhas, enquanto ela me arranha as
coxas... nosso suor se envolvendo em palavrões tão obscenos e tão apaixonados, aperto suas coxas.
Alice rebola com força, isso... Queime todos os seus medos... Quero que ela goze em mim... seguro
com mais força a sua bunda, a esfregando em cima de mim.

Deixe seu coração comandar, agora!

As batidas do meu coração me deixam alucinado... Posso ouvir os batimentos cardíacos de


Alice no mesmo ritmo que o meu, da música, das suas unhas curtas apertando meus ombros,
murmurando que vai... sim, que vai... gozar.

Eu sinto uma paz enorme nos braços daquela mulher, sinto que encontrá-la foi como ter
sorte... Não sei o que sentir, mas quero sentir... quero sentir o abraço suado dela, as pernas trêmulas,
minha cabeça inspirando o cheiro de sua pele em meio aos seus seios fartos.

Por hoje eu quero sentir meu coração bater desesperado e irresponsável.


Capítulo 14: Alice

Mando uma mensagem para meu pai, dizendo que vou dormir fora e o emoji que ele manda
é de uma carinha zangada. Gravo um áudio no grupo com Carol e Lidi e peço, sem detalhes, que
mintam que estão comigo, caso meu pai ligue para alguma delas e silencio o grupo.

Estou deitada no colo de Pietro, ainda no carro, os vidros não muito embaçados, por serem
sei lá o quê! Parecia que toda a minha sensualidade permanecia em suas mãos. Não acredito que
transei com meu chefe, de novo!

— Vamos tomar café? Putz... tô morto de fome! — Ele confessa, rindo. Caramba, para um
CEO todo atarefado ele até ri demais, mas eu não seria eu se recusasse comida. Olho no meu celular
e vejo que já são quase cinco da manhã e estranhamente ninguém do bar, que já estava fechado, veio
falar com a gente.

— O que você come de manhã? — Pergunto colocando a minha blusa e calça, ignorando a
calcinha e o sutiã, tento passar as mãos nos cabelos, mas eles estavam de mau humor e não me
obedeciam.

— O que eu como? Ou o que eu gosto de comer? — Sua sobrancelha se levanta e eu decido


por fazer um coque no cabelo mesmo, usando o espelhinho do carro para me guiar... Eu estava
acabada, qualquer um que me visse na rua saberia que eu tinha transado a noite toda... num carro, que
por mais confortável e sei lá de qual marca fosse, ainda era um carro.

— O que gosta de comer, né? — Empurro seu ombro amigavelmente, ele puxa minha nuca,
olhando fundo em meus olhos... que chega a molhar minha calcinha...er... que calcinha?

— Gosto de comer você, Alice... — Ele abre mais o sorriso eu o abraço e o beijo
novamente... Tinha como esse momento ficar para sempre assim? Para que eu o revisitasse sempre?
Depois de um café rápido, Alice pediu para que eu a levasse em casa para ver a filha e o
pai. Caramba, parece que é a primeira vez que eu vou conhecer os pais de alguém que estou ficando.

Eu me lembrava que ela morava perto da lanchonete de coxinhas e me espantei com a


casa... er... precisava de reformas estruturais. Eu como engenheiro fiquei reparando nessas partes...
Alice tira o molho de chaves. — Sorrindo e falando sobre o ateliê que tinha montado num quartinho
feito ao lado da garagem.

A calçada estreita de pedra, árvores que destruíram alguns azulejos da entrada da casa,
assim que entramos, engulo em seco, pera... Eu nem havia perguntado o nome do pai dela! Caramba,
Pietro, que gafe! Assim que o portão range e ela abre a porta me deparo com a sala, à minha direita,
o estofado do sofá desgastado, vários tapetes de crochê, um pequeno corredor à frente e logo à
esquerda a cozinha.

Parece que eu estava entrando na casa da minha avó, os tons azuis claros dos armários,
alguns itens realmente raros como uma suqueira em formato de abacaxi, as panelas embaixo da pia
sendo cobertas por uma cortininha, um cheiro bom de café sendo passado no pano, uma mesinha para
quatro pessoas e um senhor olhando para nós sob os óculos. Ele praticava palavras-cruzadas.

— Bom dia, pai... esse é o...

O senhor se levanta bufando, cortando a fala de Alice, ele deixa o óculos pendurado no
pescoço por uma cordinha. Ele era magro, um pouco calvo, parecia ainda estar com a roupa de
dormir, ele estende a mão para me cumprimentar, eu o faço dizendo:

— Prazer, senhor... — Eu estava extremamente nervoso e não queria demonstrar que, além
de tudo, eu passei a noite com a filha dele e... bem, não só passei a noite. E como se ele quebrasse a
minha cabeça e lesse o que estava ali, fala:

— Então vocês estiveram juntos essa noite?

— Mais ou menos, pai... e Alícia? — Eu devo estar suando frio. O senhor a olha de
maneira que... ai, meu Deus, ele está puto, não... ele está muito puto. Ele bufa:

— Dormindo.

— Eu vou dar um beijo nela... — Eu não sei se meu sorriso está legal ou assustador, porque
raios ela vai me abandonar! Tento estender meus dedos para ela, que faz menção para que eu me
sente na cadeira, mas o pai dela a segura pelo braço:

— Tenha modos, se levanta. Então, Pietro, quais as suas intenções com a minha filha?

— Pai, a gente precisa ir para a China e... — Caramba, Alice, calma... deixa eu responder
que minhas intenções contigo são as piores possíveis. Ela me olha em espanto enquanto o pai dela
anda ao nosso redor, com as mãos para trás, segurando firme o caderno de palavras-cruzadas.

— Alice, eu não estou falando com você! Vá para o quarto ver sua filha! — Passo a mão na
boca porque eu quero rir de desespero, a situação do triângulo Alice, o pai dela e o possível
pretendente que quer levá-la, literalmente, para o outro lado do mundo fez mal a ele. E quando as
coisas não podem piorar... o remendo me sai pior ainda:
— Pai, que isso? A gente tá querendo...

Alice, o que a gente tá querendo? Eu nem sei mais para quem eu olho, parecia um jogo de
ping-pong, onde a cabeça parece rodar de um lado a outro.

— Alice, minha filha, você vive sob esse teto! Eu vou falar com o rapaz de homem pra
homem!

Era comigo?

Nessas horas eu quero simplesmente arregar de ser homem, acho que eu preferiria falar
com os jornalistas sobre o caso do fora da influencer.
— Filha? — Eu nunca esperei levar uma bronca do meu pai na frente de alguém, ainda mais
na frente do meu crush e chefe! Dou um beijo na testa de Alícia, ela agarrada ao seu Harry Potter de
pelúcia, decido tomar um banho antes de deitar ali com ela.

Tiro a calça e me enfio no chuveiro, pensando na noite anterior, no sexo delicioso no carro,
enquanto lavo meus cabelos, a água parecia ondular em meu corpo como as mãos de Pietro. Lavo
meu rosto, quando sinto uma baixinha cutucando a minha perna:
— Mamãããeee, a gente tá atrasada, de novo! — Ela tinha se vestido com o uniforme
sozinha, enquanto eu estava no banho, feito até um rabo de cavalo, os olhos com remela e arrastando
o coitado do Harry Potter. — Anda, anda! Vai logo, mamãe!

— Mas hoje é domingo, filha. Não tem aula! A mamãe ia lá deitar com você... — Ela me
olha furiosa, já tirando a roupa e indo de fralda e tudo para dentro do chuveiro comigo. Eu usava a
fralda só em caso de acidentes noturnos. Lidi, Carol e até meu pai diziam que eu deveria desfraldar o
mais rápido possível.

— Alícia, você não pode entrar com a fralda! — Tiro a bendita e a sento na banheirinha
começando a dar banho nela também. Alícia tinha acordado elétrica, tomo sempre dois banhos com
ela ali.

— Mamãe... se a gente não vai pra escola, vamo pra casa do Caíque? — A levo para cama
e começo a secá-la na cama, pegando uma roupa para ela e para mim na cômoda que ficava no quarto
do meu pai. Ela ainda tinha essa mania de dormir com ele.

— Filha, você gostaria de viajar? — Pergunto como quem não quer nada, prendendo meu
cabelo, a colocando sobre a cama, nossos conjuntos combinando os tais unicóneos que eu tinha
comprado no shopping...

— Eu? Arram... eu gosto de viaja, mamãe... — Eu iria preparar o café da manhã pra ela,
mas Alícia deu um bocejo enorme e começou a enrolar os dedos nos meus cabelos. Eu acaricio o
rostinho dela, observando o quanto ela se parecia mais comigo do que com... o traste lá!

Ela já me empurra com o pé, ocupando praticamente toda a cama e eu começo a roer as
unhas, meio que apavorada com aqueles dois na cozinha. O que meu pai iria achar dele? O que ele
iria achar do meu pai? O que as palavras-cruzadas queriam dizer?

Acredito que eu adormeço bem na ponta da cama, Alícia quase sobe em cima de mim como
se aquele espaço todo não fosse suficiente para seu sono.

Cochilo um pouquinho e acordo sem Alícia ao meu lado. Já levanto, preocupada chamando
baixinho por ela, coloco a mão na parede limpando os olhos andando feito um zumbi pela casa,
quando dou de cara com Pietro.

— Convenci! — Ele me abraça me rodando, ouço a risada alegre de Alícia perto da gente,
ela fica rodando e tentando dançar ao mesmo tempo. Meu pai aparece e traz a mamadeira dela.

— Só concordei com essa loucura porque esse caboclo fala bem, mas eu tenho muito o que
conversar com você.

Suspiro, derrotada... lá viria o sermão e acho que prefiro ser humilhada em alguma loja de
shopping.
Capítulo 15: Alice

Depois de uns dias, poucos dias, porque Pietro estava com uma pressa imensa, faço tudo:
dispenso as aulas de português de dona Simone, pergunto para Lidi e Carol o que vão querer de
presente, arrumo as malas de Alícia, deixo as contas pré-agendadas e dou mil instruções ao meu pai
e, claro, agradeço a ajuda que Rachel iria dar. Ela viria pelo menos três vezes por semana pra se
certificar que ele estaria bem.

Muito embora eu tenha quase ganhado alguns cascudos dele por conta disso e um sermão
sobre “Não preciso de babá” ou “Você tá achando que eu sou velho caduco?”, por fim ele concordou,
mas com muita má vontade...
Quando chega o momento em que Pietro e Caíque nos aguardam no carro, meu pai benze a
mim e Alícia mil vezes e, para não chorar, prometo a ele que trarei palavras-cruzadas, em chinês.

— Minhas meninas... — Ele nos abraça, nos beija, carregando as malas. Meu coração fica
apertado... muito apertado... Eu o abraço forte, sussurrando:

— Eu te amo, papai...

— Eu te amo e te adoro, minha filha. — Meus óculos ficam esfumaçados, a pequena abraça
as pernas do avô, e aquele momento lindo em família poderia acabar em uma desgraça: meu pai por
pouco não atropela Alícia, que me puxa pela camisa e eu puxo o braço do meu pai... Quase caímos
no chão e esmagamos nossas costelas.

Pietro conversou amistosamente com meu pai, que queria se manter forte, quase sufocando
a menina com tanto abraço, a apertando. As despedidas quase estavam virando um enterro e, logo, já
estávamos no carro indo a um shopping.

Caíque cumprimentou meu pai como um mocinho, pegando Alícia pela mão. A despedida
foi tão dolorosa, que Pietro rapidamente tomou a decisão de irmos logo comprar as roupas de
inverno para a viagem.

As crianças estavam eufóricas e, no caminho para as lojas, eu quase sinto falta de andar de
ônibus, mentira, não sinto não... Andar de carro ou ônibus em São Paulo é quase um martírio, porém
Pietro não é um cidadão comum e já coloca um carrão na rua, dirigindo muito bem e por vias pouco
movimentadas.

Felizmente ainda tinha ali no banco de trás a cadeirinha de Caíque quando pequeno, onde
coloco a Pipoquinha. Ui ui ui! Últimas compras e... China! Mal acredito que vou realmente viajar! Eu
estava tão empolgada! Verifico se a baixinha está bem, arrumo os óculos de Caíque e os meus
próprios, o que me faz lembrar de que preciso de uma armação mais bonita ou lentes de contato.

— Alice, mandou certinho mesmo os seus documentos e os de Alícia por e-mail para minha
secretária, né? Preciso entregar seu passaporte — Confirmo que sim, claro, havia checado tudo mais
de mil vezes, checo a fralda emergencial de Alícia, a água e o suco de Caíque e não reparo que
Pietro entra no estacionamento do fatídico shopping... onde havia ido com Carol e Lidi.

Mal consigo protestar, quando Pietro olha para trás, sorrindo:

— Vamos comprar uma calça pra você... depois a gente vai pra empresa e vai de jato até
Paris, fica umas horas e volta para nosso curso até à China, sabe por quê? Porque meio que Jing está
putaç... er... bravo... bravo...

— Não aí... — Reclamo, Alícia e Caíque começam a fantasiar pegando seus brinquedos,
sim, o Harry Potter de cento e vinte reais. Eles não tinham brigado mais, pelo contrário estavam se
tornando tão bons amigos, que algumas colegas da escola me disseram que ele a havia defendido de
uns meninos da sala dele.

Esse era um assunto que eu precisava conversar com eles, inclusive. Agora o meu maior
medo era entrar naquela merda de shopping. Acho que começo a ter uma crise de pânico que começa
a virar uma risada estridente e sinto que até a calça chamuscada se rasga, bem, claro que eu tinha
comprado roupas... para Alícia.

Para mim eu estava pensando em fazer um mochilão na China, sei lá... Se as roupas da
China são baratas, imagina na China mesmo? Não canso de pensar que vou para China... Até que ele
estaciona e eu ajudo as crianças a sair do carro.

Dou a mão a Caíque e Alícia, mas para minha surpresa, Pietro a pega no colo.

— Pietro, não precisa... — Contudo parece em vão, ele a coloca sobre os ombros, ela
levanta os braços tentando pegar alguns enfeites que passam por sua cabeça, sinto a minha mão ser
apertada mais forte... Caíque me dá um abraço e... e eu não sei o porquê.

— Oh... o que houve? — Ele sorri, arrumando seus óculos e voltando a segurar minha mão,
dizendo:

— Sei lá... deu vontade... — Eu sorrio de volta para ele, sim, acho que essa viagem vai
deixar todo mundo emotivo... Logo a gente chega no parque interno e Pietro paga para as crianças se
divertirem por ali, alertando as cuidadoras que voltaríamos dali a pouco tempo.
Oi?

— Esse lugar é bem legal... eles cuidam de pequenininhos também — Ele aponta as três
moças que cuidam do brinquedo indicado para a idade da minha filha, enquanto Caíque a ajudava a
subir num carrinho.

— Er... Acho que o Caíque vai enjoar dos brinquedos da Alícia, ela é muito novinha ainda
e...

— Sabe que ele tá se divertindo pra caramba, né? Como se fosse uma espécie de irmão
mais velho e... — Minha cara deveria ter se derretido... ah! Deus, eu transei duas vezes com esse
homem e era possível eu estar apaixonada? Meus olhos parecem corações e meus suspiros me
entregavam demais... — Ele disse que iria ensinar ela, achei fofo...

Ah, Pietro, você que é fofo... gato... tesudo... gostoso... e... e... meu chefe, e eu sendo paga
para ir nessa viagem. O som das pessoas passando, da música ambiente, da gritaria vinda do parque
pareciam ter sumido e um zoom se concentrado na cara de Pietro.

Ele era tão... tão...

— Alice? — Ele ri, passando a mão na frente dos meus olhos. — Não ouviu uma palavra
que eu disse, não é mesmo?

— Ahn... claro, ouvi... — Minto, balançando a cabeça afirmativamente e colocando uma


mecha dos meus cabelos atrás da orelha.

— Ótimo, então vamos entrar na bendita loja, vem! — Ele segura a minha mão, me
puxando, e eu iria até para o inferno com esse homem, até o infinito, até as estrelas, até que freio
meus pés, recuando, o puxando para o lado oposto.

— Não entro aí! — A loja da promoção dos cento e oitenta e oito reais e setenta centavos?
Nem morta, nem enfiada numa catacumba! Não tinha tido acesso de fúria com os santinhos do meu
pai para isso. Até que a música celestial parece cair dos céus e Pietro virar aqueles personagens que
saem do mar em câmera lenta, aquele cabelo lindo... roupa cheirosa, cara gostoso falar
sedutoramente no meu ouvido:

— Confia em mim... — Ele pisca e dá aquele sorriso... Ah! Aquele sorriso... aquela mão
me segurando e aquela maldita loja me encara. Quero dar um murro em todo mundo e sair correndo
com Alícia, aí eu pondero, ok... o que mais pode acontecer?
E essa é uma pergunta que a gente não faz nem brincando.
Eu entro primeiro na loja, porque Alice deve ter passado supercola na sola dos tênis e seu
semblante assustado me preocupa. Mando uma mensagem à minha secretária dizendo que já
estávamos indo, deixo algumas pessoas passarem e sinto o chão lustroso sob meus pés, a algazarra
das promoções, pessoas com sacolas indo e vindo em escadas rolantes.

Mando uma mensagem para o dono daquela loja, enquanto Alice reclama que não quer
entrar e diz mais algumas coisas como “estou com fome”, “tem um carrinho de churros ali” e “Ok!
Vamos embora...?”. Contudo eu não cedo. Assim que o dono da bendita ou maldita loja diz que já
está vindo, entro no local.

As duas moças, pelo que Alice descreveu, eram as mesmas e estavam interessadas demais
em seus celulares, até eu chegar. Mal entro e a loja faz aquele som de campanhia, elas se entreolham
e eu vou em direção a parte de ternos, as duas chegam:

— Podemos ajudar? — Elas me encaram, se cutucando e mostrando os modelos mais


modernos, vejo Alice respirando fundo e eu a incentivo com a cabeça para que venha também.

Assim que a campanhia a anuncia as duas começam com risadinhas, vejo a tal promoção de
calças e percebo que só sobraram os tamanhos menores, o gerente milagrosamente também chega,
mas aquelas duas fingem que Alice não estava ali...

Como elas podem?

Eu fico intrigado, até que Alice chega perto delas e fala com uma voz tímida:

— Hmmm... com licença... as calças continuam em promoção? — Elas a olham de cima


abaixo e vão adular o chefe, que chega me cumprimentando e, também, ignorando Alice.

— Pietro, que prazer em tê-lo aqui na loja, posso dizer que a loja da zona Sul tem uma
linha de ternos mais à sua altura... — Ele me dá uns tapas nas costas, Alice volta e repete com a voz
cansada:

— Com licença, a promoção ainda está válida? — Uma delas a encara, mas não responde,
a outra fala:

— Ah... é essa a menina que falou que a gente copiava a estilista japonesa lá. — O meu
colega a olha de cima a baixo e fala:

— Ah, é você? — Alice engole em seco, perigosamente perto da porta, mas ao ouvir o que
lhe é dito, se volta, corrigindo:

— Yayoi Kusama? Ela não é estilista é artista... E tudo isso lembra ela, sim! — Quando ela
pega o ar para dizer mais alguma coisa, o dono da loja levanta o dedo:

— Se acha que a gente é uma cópia... Por que voltou aqui, então? Ponha-se daqui pra...

— Ela é minha namorada... — Pego em sua mão trêmula, a puxando para o meu braço. —
Ela queria uma promoção... E foi essa loja, meu amor? Essa loja que te tratou mal?

Olho com uma cara de espanto como se eu não soubesse o que tinha acontecido, ela só
afirma com a cabeça e aí... Começa o show de desculpas, perdões e eu-não-sabias.

— Bom, acho que nossa parceria também deve se encerrar aqui, Vinícius. Como eu poderia
continuar com uma loja que tratou mal minha namorada?

— A gente fecha a loja para vocês, claro! — Mas é Alice quem levanta o dedo, percebo
que ela ainda segura a minha mão com mais força:

— Não quero... Vamos embora, Pietro?

E foi nesse dia que ela segurou a minha mão pela primeira vez, e eu nunca iria soltar...
Capítulo 16: Pietro

Assim que cortei relações comerciais com aquela rede de lojas e senti o celular vibrando
com o número de Vinícius, o bloqueei. Ele que fosse falar com o Papa, se quisesse, comigo ele nunca
mais dirigia uma palavra sobre acordos.

Alice estava trêmula, desfazendo do laço bonito que nossas mãos se formavam, e
caminhando meio a esmo, tanto que quase um daqueles brinquedos de andar no shopping a atropela,
mais precisamente um unicórnio.

A puxo, enquanto a criança guiava sorrindo o fantástico animal colorido, guinando para à
direita, seus pais vinham com sacolas de compras, abraçados.
Alice vira o rosto para mim, sorrio:

— Olha, salvei sua vida! — Ela não era ela senão sorrisse, a tirei da frente de outros
monstros automáticos, segurando pelos ombros, quase a cedendo para um beijo, mas ela coloca a
mão em meus lábios.

— Eu... eu sinto muito pela loja... e por... enfim...

Ela estava um pouco abatida, aérea, seus olhos não encontravam os meus, ao passo que não
resisto e a abraço, afagando seus fartos cabelos:

— Está tudo bem... vamos fazer assim, eu vou levar as crianças pra comer alguma coisa,
dar uma volta e depois você me manda uma mensagem, pode ser? — Tiro minha carteira do bolso de
trás do meu jeans, ofereço a ela meu cartão, piscando: — A senha é ...

— Nã...não... espera, eu sou a babá... e não quero, mesmo, mesmo... lá eu compro, prometo
— Ela balança a cabeça. Eu fico preocupado, a China estaria congelante... Mando uma mensagem
para uma das secretárias, pedindo que fizesse as compras online, sem que ela percebesse.

Chegamos no heliponto da empresa quase uma hora depois do combinado. O vento ali em
cima era forte, intenso e arrebatador como Alice. Alícia e Caíque davam as mãos a ela e eu acenava
ao piloto que fumava um cigarro despreocupadamente. A vista era bem imponente, parecia que São
Paulo estava aos nossos pés.

Olho à minha volta, pensando no patrimônio que Aline e eu construímos, o fruto do nosso
amor segurando carinhosamente as mãos de uma nova paixão e uma baixinha de olhos astutos,
desconfiada e com... er... a boca suja de cheddar.

— Alícia, vem cá! — Digo, sorrindo. — Aqui... — Pego um lenço em meu bolso e limpo a
boca dela, Alice se abaixa para checá-la:
— Meu Deus, ela estava andando no shopping todo assim? — Caíque dá uma risadinha e
diz:

— Ela que pediu pra não contar pra ninguém... — Seus olhos ficam vidrados nele e uma
risada escapa, junto com um “Você é um dedo duro!”.
Dentro daquele er... jato, Pietro vira e mexe olha em minha direção. Enquanto eu ninava
Alícia, Caíque colocava a língua para fora jogando FreeFire no celular. Confesso que eu estava
morta de sono também, olho para Pietro, contudo desta vez ele está trabalhando em seu laptop, as
pernas abertas, o aparelho apoiado nos joelhos, o olhar concentrado.

Nossa, Alice, vamos combinar que esse homem é um gato... penso em Estela, que
provavelmente nos recepcionaria no hotel na China, junto ao senhor Jing, faço algumas anotações,
depois as leio, até que pisco algumas vezes e cochilo... sim, um cochilo beeem gostoso.
— Crianças, Alice, que tal comerem alguma coisa? — Acordo com Pietro mexendo no meu
cabelo. Deus! Eu tinha dormido com a boca aberta, a caneta caída, Alícia esparramada no assento,
Caíque apagado, espremido com o celular na mão e a cabeça apoiada em meu ombro.

— O que que tem? — Alícia pergunta, mostrando a Pietro o Harry Potter de pelúcia que
tinha levado, Caíque quase cai no meu colo e eu o sento. Ele esfrega os olhos e já começa a puxar
Alícia para a vista

— Tem... bem, tem basicamente tudo... — Pietro olha sem graça, a aeromoça comunica que
o voo está tranquilo e que as crianças podem ir para o assento adequado para comer.

Me levanto meio tímida com a caneta perdida, logo a localizo bem longe. Pietro mantém os
olhos sobre mim e se abaixa, eu tento o impedir:

— Eu... eu pego... — Balbucio, me abaixando, na verdade, eu queria ir no banheiro, dar


uma refrescada na cara e ver se me afundava em algum doce gostoso. Caminho até o banheiro e, para
minha surpresa Pietro me acompanha, pedindo que a comissária ficasse de olho nas crianças.
Estranho, mas não falo nada e, quando estou quase perto da cozinha, ele fecha a porta que separa o
corredor, abrindo outra porta, logo sinto as mãos pesadas, brutas e deliciosamente sedutoras de
Pietro, que me conduz ao lado esquerdo, o banheiro.

O toalete não era pequeno, tinha espelho, além de ser bem perfumado e arrumado... Gente
rica tem avião, banheiro impecável, certeza que tinha um doce que eu poderia...

— Nossa, como senti saudade dessa boca...

Não. Definitivamente o beijo dele era mais doce... Começamos a nos atracar ali mesmo.
— Preciso de você, agora... — Murmuro no meio daqueles cachos castanhos, minha mão
aperta um de seus lindos seios, a outra escorre pela barriga... lisa, a bunda linda resvalando em mim.

Estou louco por ela... por essa jovem de vinte e quatro anos. Avidamente minha língua
passa pelo seu pescoço, enquanto deslizo a calça jeans dela, observando a delicadeza feminina de
seu corpo... Ela é linda... apalpo seu seio, a prensando com mais força e colocando o indicador em
seus lábios.

— As crianças! — Ela me alerta, mas sorrio a acalmando:

— Elas estão com a comissária... Relaxa um pouco, está tudo bem... — Lambo sua orelha
bem devagar, seu corpo começa a mostrar os sinais da excitação, me coloco um pouco mais em cima
dela, deslizando a mão para a buceta.

— Você é uma delícia... — Ela geme, eu prendo sua mão na parede do banheiro, com a
outra a masturbo, deleitando meus dedos na lubrificação natural dela. Alice começa a se mover, meus
dedos ainda dentro dela, roço meu pau em sua bunda, a gente não poderia demorar muito, mas eu não
queria que fosse rápido demais.

— Pietro... — Ela estava tão molhada, meu pau em total alerta, queria comê-la! A viro de
frente para mim, alisando suas costas, tirando sua blusa. Nossa respiração nos unindo.

— Uau... — Sussurro, me afundando em sua pele macia, doce, arrepiada... Mordisco um


dos seios e ela treme, gemendo bem baixo, brincando com a mão em meu cabelo, isso... me
despenteie, me arranhe, me domine...

Olho para ela e vejo que está me mirando, os dentes mordendo os lábios inferiores, a minha
excitação crescendo.

— Eu vou ficar louco ... — Ela sorri, abaixo a calça jeans dela e a minha, espalmo minha
mão em sua bunda, abro suas pernas bem devagar.

— Ah, Pietro... — Passo a mão dela na minha boca e conduzo sua mão para meu pau, ela
me observa, se abaixando, ficando de joelhos naquele cômodo, sinto seus lábios contornarem meu
pau, minha respiração acelera, aliso seus cabelos.

Deus... que boquete era aquele?

Minha cintura se movimenta para frente e para trás sem ao menos eu perceber. Aqueles
olhos castanhos me encarando, aquela boca linda em formato de O me chupando... aquelas mãos
apertando minha bunda, acho que eu... sim, estou apaixonado por ela.

Sorrio mais, passo a mão em seus braços, a levantando, esfrego meu pau em sua bunda ee
logo escorrego para a buceta.

— Ahn... Pietro... — Alice apoia as mãos no vidro, sinto o jato ondular pelos céus e a
sensação de arrepio se mistura com o desejo. Consigo vê-la pelo espelho e como está linda... os
cabelos jogados ao lado, o rosto um pouco para o lado e baixo, o suor em nossas peles.

Meu pau se delicia ao entrar e sair, aperto aquela bunda linda e espremo suas pernas. Alice
coloca a mão na boca e eu não tenho tempo de tirar, recosto meu queixo na base de seu pescoço,
gemo baixo em seu ouvido.
— Quero muito comer você... — Ela sorri pelo espelho, rebolando. Meu pau gosta disso e
gosta ainda mais quando ela sussurra:

— Estou tomando pílula... — Mordo meus lábios, passando a mão direita em seus seios, os
unindo com força. Mais uma guinada do jato, os cabelos dela suspendem, meu abdômen se contrai.

— Pietro... rápido... — A seguro mais forte pela cintura, seu rosto lindo se contrai em
prazer, ela praticamente se senta no meu colo com vontade. Nossos corpos se chocam e reverteram o
som do sexo.

As mãos dela enlaçam meu pescoço.

— Isso... isso... — Incentivo, os seios se chocam um contra o outro, as belas pernas


enrijecem, ela respira fundo.

Ainda permaneço nela, apenas contemplando que consegui dar prazer a ela.

Suas maçãs do rosto ficam vermelhas e ela comenta:

— Intenso...

— Linda. — Meus dedos deslizam pelo suor de seu rosto, ela se vira para mim, lambendo a
mão e me masturbando.

Puta merda!

Instintivamente ranjo os dentes, por essa não esperava. A mão dela sabia o que fazer, uma
punheta calma, nada bruto, pelo contrário, o vai-e-vem englobava todo o meu pau, ela volta a se
abaixar, olhando para mim e chupando minhas bolas.

Caramba! Isso realmente estava acontecendo?

O comandante informa:

— Tempo precipitando chuva sem vento, espero que estejam aproveitando a viagem.

Aproveitando?

Eu, literalmente, estava nas nuvens...

Ela me lambe, me chupa, minhas mãos fecham em punho, mal pisco... quero que minhas
retinas fiquem impregnadas desse momento.

Eu não aguento, embora tente não me masturbar, quero gozar bem depois, mas simplesmente
sinto meu pau bombear a minha porra... e ela toma como se fosse realmente excitante para ela.

— Pietro... — Ela diz baixinho, nos abraçamos, agora eu tenho certeza que estou muito
apaixonado.
Capítulo 17: Alice

A escala havia sido na França. Depois de poucas horas, pegamos outro jato em Paris.
Pietro renovou meu guarda-roupa, conseguimos tomar banho, comer, descansar um pouco e conversar
com as crianças.

E eu mal me reconhecia: meus lábios com batom, um casaco elegante, branco com botões
pretos, um cinto e o que eu mais gostei: uma calça jeans sem chamuscados, botas forradas, longas
com saltos, meu cabelo ainda pingando água e uma boina. Poxa... acho que eu estava bem bonita,
mesmo com vontade de espirrar e minha mão estranhando as luvas.

Assim que pousamos, pude ver a animação de Pietro. Mal peguei as malas novas e ainda
cheirando a lojas, e ele pega Caíque no colo, Alícia se pendura no braço, quase me matando de
vergonha. Pietro me dá a mão agradecendo o piloto e os comissários.

Ele se abaixa e fala para as crianças:

— Aqui é o Aeroporto Internacional de Pequim, o maior do mundo! — Caíque solta um


“uau” e Alícia pergunta:

— E do universo também, né? — Ele sorri, mexendo na touca no cabelo dela, Caíque
segura a mão dela e começa a balançar, respondendo:

— Acho que é só na Terra que tem aeroporto, o resto é centro de OVNIs. — Ela parece ter
se dado por satisfeita com essa afirmação. Pietro envolve minha cintura com uma mão e logo vemos
uma limusine vindo em nossa direção, Pietro sussurra:

— Esse é o motivo de estarmos aqui, Jing Xan-Chai, o CEO das empresas de construção de
Pequim... — Devo ter feito uma cara engraçada, porque ele beija meu nariz e segura minha mão,
chamando as crianças. O carro preto estaciona, o motorista nos recepciona:

— Vou traduzir para vocês, esse é o motorista de Jing e... — Um homem de terno, com
quepe segura as malas e as leva até o porta-malas. Em seguida, outro homem, ainda mais bem
vestido, alto, os olhos astutos, uma expressão fria, mas educado, se curva para mim, faço o mesmo,
ele sorri e Pietro diz alguma coisa a ele, depois para mim:

— Não precisa se curvar, Alice — Eu fico vermelha, aí dou a mão para o homem, acho que
a gafe deve ter quebrado o clima de formalidade, porque o tal Jing gargalha e fala animadamente com
Pietro, que coça a sobrancelha, visivelmente sem graça. Se a minha fada madrinha pudesse me lançar
mais um encanto com sua varinha, ela o faz, porque eu fico de boca aberta ao ver que Pietro falava
chinês com uma normalidade... Uau... mordo meus lábios, se eu pudesse daria um amasso nele ali
mesmo.

Caíque e Alícia também são apresentados e Alícia era realmente a minha filha, porque ela
me imita, apertando a mão de Jing e correndo com aqueles sapatinhos de frio para dentro da limosine
do homem!

— Crianças! — Pietro levanta as mãos e Caíque a acompanha, o motorista aloca todas as


nossas coisas e pede, em inglês, para que eu me sente... Penso nos cursinhos que fiz e forço para que
saia uma frase inteira sem problemas, Pietro se senta na frente, com Jing, e as crianças e eu ficamos
atrás.
As ruas de Pequim eram uma bela poluição visual! As ruas largas, organizadas num caos
pulsante, vários locais com uma fachada luminosa e colorida, mal podia acreditar que eu estava do
outro lado do mundo! Pego meu celular e já tiro algumas fotos para mandar no grupo de Lidi e Carol,
que pedem um vídeo da limusine, bem, Carol pede. Faço o vídeo meio escondida e mando... elas
perguntam por Estela, mudo de assunto... Não queria pensar nisso agora.

— Mamãe, aqui é tudo ao contrário, né? — Olho para Alícia, que já tinha tirado seu sapato
e agora segurava o pé, Caíque estava admirando a paisagem com a mão apoiando a cabeça,
recostado ao vidro. Ele se vira para ela:

— É... é mais ou menos... Lá no Brasil deve ser noite, já... — Arrumo os óculos em seu
rosto e agradeço por estar com os meus em um estojinho, enxergava as coisas meio embaçada?
Demais, às vezes confundia uma folha com um bicho? Sim, mas eu estava na China e não entenderia
nada mesmo... talvez uma armação menos ruim faria mais sentido.

A limusine para em frente a um hotel magnífico! Em letreiros dourados, vários detalhes que
fazem um lugar ser algo de padrão elevado como o carpete vermelho, impecável, o manobrista ser
quase invisível, as malas foram levadas ao hall e Pietro, ainda falando com Jing traduzia de chinês
para inglês, ao fazer nosso check-in.

O hall era imenso, elevadores panorâmicos subindo e descendo. Aperto as mãos nas
crianças, as puxando mais perto de mim... Havia tanta gente... as pilastras grandes, os quadros e
tapeçarias imensas chamando a atenção, volto minha mão para achar meus óculos... Eu queria ver
tudo aquilo com o olhar focado, um salão à frente, que deveria ser de negócios, uma loja à direita
como um minishopping cheio de atratividades para os turistas, além do teto reto e com uma pintura de
dragão que envolvia todos os pilares.

Chamo a atenção das crianças, que soltam um “uau”, e meu pescoço quase quebrando,
querendo gravar as cores quentes e vibrantes. Alícia dava voltas em torno de si mesma, apontando
com o dedo como o dragão serpenteava por toda a extensão dos nossos horizontes.

Eu quis chorar. Lágrimas brincavam na minha pele e um sorriso se formava, a arquitetura


do lugar era única, algumas esculturas se erguiam imponentes e ninguém via? Meus olhos percorrem
e parece que elas dançam, sim, vejo ali todo o esforço do artista em criar um ambiente aconchegante
e requintado ao mesmo tempo como se a coloração e a delicadeza de uma gueixa, por exemplo,
fossem abraçadas por aquele imenso dragão, sua cauda deixando rastros de histórias como a do
menino-pêssego ou o gato e a lebre.
Eu não sabia o significado dos kanjis, não sabia pronunciá-los, mas via neles as formas
históricas e delicadas de uma poesia, como se a música das cores atingisse em cheio o meu mundo
pequeno e o abrisse para descobertas e possibilidades...

— Nossa, nem com um banho de lojas você muda esses óculos? — Nem precisava virar
para trás para identificar no meio de vozes abafadas o desgosto de ver Estela. Parece que eu fui
tirada da minha alucinação sem drogas e arrastada para uma realidade enfadonha. — Olá, Caíque...

Ele aperta mais a minha mão, sem olhar para ela, eu chamo sua atenção para que ele
responda, algo que ele faz de muita má vontade. Procuro Pietro como se fosse um bote salva vidas no
Titanic afundando, minha mente como os caras que continuavam tocando e vem minha filhinha como o
iceberg.

— Essa é a mulé chata, mamãe? — Minha pálpebra chega a convulsionar. Estela abaixa até
o campo de visão dela e indaga:

— Quem disse isso? — Ela perguntou apoiando o corpo nas mãos e se abaixando.

Eu poderia dar um chute naquela teta de silicone? Sim, poderia dar uma joelhada naquele
queixo de harmonização facial? Perfeitamente, mas eu não poderia negar que ela estava bonita... Um
coque sofisticado, saltos bem altos, um casaco que se abria num vestido, as unhas esmaltadas,
brincos e um batom vermelho igual ao lugar, como se pertencesse a esse lugar.

— Não, filha, essa é uma colega da mamãe do mestrado... Você está muito bonita, Estela.
— Digo no tom mais amistoso que eu quero, ela fica olhando Alícia por longos segundos, talvez
estivesse procurando nela algum traço de Rafael, impossível dizer ao certo. Alícia mostra o Harry
Potter de pelúcia a ela, que sorri, em seguida olha para mim.

A paz poderia ser selada ali, mas iria? Claro que não.

Assim que Pietro volta com Jing dentre a multidão, ela o abraça provocativa. Caíque fica
olhando o senhor Jing, Alícia faz uma careta estranha quando me vê, depois olha para Caíque, que
volta a encarar Alícia que solta mais uma de suas pérolas.

— Ué Caíque, por que a mulé tá abraçando seu pai? Se a namorada dele é minha mãe? —
Estela a olha sorrindo torto e eu tento não gargalhar, mas quando a coisa não pode piorar é Caíque
que solta um longo suspiro, repousando a mão sobre o ombro dela, balançando a cabeça:

— É que ela é tipo o Snape, sabe? Fura olho de casal...


Agora ele usava referências de Harry Potter também... A baixinha solta um “ahhh!” como se
tudo ficasse encaixando naquela cabecinha.

Onde eles aprendiam aquilo? Não importa, só não preciso dizer como ficou a cara de
Pietro e a minha, mas a de Estela... Aquela sim daria um quadro que eu faria questão de pagar.
Capítulo 18: Pietro

As duas primeiras semanas tinham sido tão intensas que mal conseguia respirar, Jing não só
queria que a gente refizesse tudo, não... Ele queria que a gente arquitetasse novas estruturas, inéditas,
incomuns, inusitadas e modernas. Ainda bem que Alice estava comigo nessa... cuidando de Caíque no
hotel e se virando sem a minha presença como podia, não era fácil, mas ei... eram Alice e Alícia,
aquela duplinha tinha o poder de se adaptar e ser feliz em qualquer lugar e levar meu filho junto
nessa alegria era o que eu mais prezava.

Mesmo nossos encontros sexuais sendo menores... bem menores, na realidade quase nada,
ela me entendia sem me cobrar, claro que ela estava a trabalho em sua função de babá e eu não havia
formalizado nada... eu queria... mas ainda pensava em tantas barreiras, concretos, cercas, arados que
me faltava a coragem de dizer que eu queria que ela saísse do emprego de babá e aceitasse o desafio
de namorar comigo.

— Pietro, o que acha a gente jantar no hotel hoje? — Quero matar o Jing, me viro para ele
no escritório já quase dez da noite com um sorriso tão forçado que eu já poderia ser o novo coringa.

Estela caminha sensualmente para buscar um café e vejo os olhos dele espicharem para
ela... Jing pergunta:

— Ela está solteira? — Faço que “sim” com a cabeça. Aquele cara sabia que ela não
entendia porcaria nenhuma em chinês, ele alisa o cabelo e o paletó, pedindo para que eu a chamasse
para jantar com a gente. Ela aceita com um sorrisinho estranho, uma alisada no cabelo para Jing...
Ok... definitivamente não entendo as mulheres. Mando uma mensagem a Alice para preparar as
crianças. Jing era um homem chinês e como todo chinês prezava relações comerciais e familiares,
claro que em um determinado momento ele iria querer algo mais informal, mesmo que levasse
trabalho para esses jantares.

Tradicional, extremamente inteligente, sagaz e metódico, isso que o levou a ser CEO de
uma das mais renomadas empreiteiras chinesas, que viu em meus negócios uma oportunidade de
inovar. No carro, a caminho do hotel, eu analisava o tipo de solo, as vigas e a estrutura engenhosa
que eles esperavam de nós da Make It, eu ainda não conseguia dizer precisamente o porquê da minha
insatisfação... parecia faltar cor, brilho naquelas paredes, ou... alguma luz e sutiliza na arquitetura das
maquetes, no que eu poderia dar vida?

— Paaai! — Caíque me abraça bem forte, Alícia vem ao seu encalço e me abraça por
tabela, ela corre com a sua pelúcia do Harry Potter e percebo que o brinquedo está ficando
desgastado, observo a suíte presidencial por alguns instantes, enquanto ouço as crianças contarem
animadas sobre o primeiro dia de escola EAD.

— Cadê a Alice? — Pergunto tirando o cachecol. Caíque atropelava Alícia que tentava
falar alguma palavra em chinês que tinha aprendido, mas ele tentava erguê-la e ela, sem querer,
colocou a mão em seus óculos, ele puxou os longos cabelos dela, quando eu achava que o caos e o
terror haviam se instaurado, porque ambos começaram a chorar.

— Crianças, Alícia, Caíque eu quero ouvir o dia de cada um! — Levanto a mão como se
estivesse me rendendo a bandidos armados, já desesperado passando a mão na barba, quando vejo,
finalmente, Alice saindo do banheiro.

E... uau...

Ela estava sem os óculos, num vestido preto com alças de renda, o cabelo escovado, bem
liso, uma maquiagem muito... refinada, os olhos bem marcados, um belo batom cereja, minha fruta
favorita, saltos prateados, uma bolsa discreta e uma correntinha de ouro com uma menininha.

Ela estava absolutamente linda, acho que minha boca nem se fecha de tão embasbacado que
eu me encontro... Alice é naturalmente bonita, sexy, atraente, mesmo sem tudo isso, mas... Caramba
como conseguiu me surpreender ainda mais? Ela sorri e é o sorriso a joia mais bonita em seu corpo.
Logo ela entra no meio das crianças com uma voz calma, porém firme:

— Caíque, Alícia, não é para brigar! Que tal vocês me mostrarem o que aprenderam hoje?
— Eles dão um beijo nela um de cada lado da bochecha e essa cena é tão linda que quero que fique
assim para sempre, mas claro que nada por ser perfeito, Jing já manda mensagem dizendo que dali há
dez minutos estava pronto para jantar e com dez minutos ele queria dizer cinco. Chineses são tão
pontuais que dá até medo.

— Ainda bem que eu te convidei pra jantar, Jing está nos esperando impaciente!

— Eu arrumei as crianças, só preciso de cinco minutinhos pra deixar elas nos trinques!

Enquanto ela ajeita o laço de Alícia e a gravata de Caíque eu checo meu estado:
lamentável. Eu estava com olheiras, a boca seca, cansado, suado e não poderia nem pensar em banho
agora e precisava pensar no esporro de Jing para acalmar uma certa ereção que não me deixava
sossegado.

Quando chegamos à mesa em que Jing havia escolhido, vejo que o salão está vazio. Com
certeza aquilo era uma espécie de tortura chinesa para saber se eu e minha empresa estávamos aptos
ao trabalho duro que se seguiria. Traduzo quem era Alice e digo que ela era minha namorada, Jing se
levanta e cumprimenta todos em inglês, Alícia mostra seu inseparável Harry Potter de pelúcia e
pede:

— Prietro, fala pra ele que custa cento e vinte reais! — Quando arregalo os olhos, Alice se
abaixa para ela, vermelha feito pimenta:

— Filha, que isso? — Mas a baixinha a olha com espanto:

— Você mesmo disse que não ia comprar outro! Aí tem que falar quanto custa! Porque você
não vai ter dinheiro pra comprar outro, mamãe! O vovô disse! —Jing quer saber da conversa,
enquanto as duas conversam e eu apenas digo.

— Aquilo é um Harry Potter de pelúcia caro... que a garotinha está te mostrando... — Ele
ri, abaixando-se agora para o meu filho e mexendo em seus cabelos, falando em inglês:

— E você é o Caíque, certo?

— MALDITOS CHINESES! — Sorte ou não ele grita isso em português. Alícia e Alice
ficam olhando de mim para ele. Jing me olha com um sorriso e confesso que não sei o que eu senti...
O que tinha dado nele de dizer isso exatamente naquela hora? E a explicação vem com um sorriso:

— Agora ele não te chama mais em horário inumpotúneos, pai! — Alice fica pálida, Alícia
sorri, Estela se levanta para ver o porquê de estarmos demorando e outros acionistas de Jing também
vem ao nosso encontro.

Minha cara arde tanto que eu quero cavar um buraco na terra e sumir para o outro lado da
galáxia, mas Alice arrisca dizer em inglês que é a babá de Caíque e estava me ajudando com ele, que
além de sentir minha falta, também estava passando por uma fase de adaptação, Jing soltou um “oh!
Eu também passei por isso quando criança e além de babá, você tem outra profissão?”

Eles foram caminhando para a mesa, Caíque pegou em minha mão e me conduziu, até que
ouvi Alice dizendo mais alto do que deveria:

— Sabia que artes não cai mais no vestibular? — Ela olha para mim e pede que eu
traduza... Jing se interessa pelo que ela diz e pergunta a razão das mãos dela estarem sujas de tinta.
Ela fica sem graça, colocando uma mecha de seu cabelo atrás da orelha... tão sexy, deslizo a cadeira
para que ela se sente e deixo Alícia se sentar de um lado, Caíque do outro e eu no meio.

Estela se mantinha calada, apenas observando com um interesse notório Alícia, olhava dela
para o celular e do celular para Alice. Acho que ela tentava ver se havia semelhança da filha de
Rafael em alguma foto, talvez?

— Por favor, escolham o que quiser do cardápio, eu terei prazer em traduzir... — Digo
tanto para Alice, quanto para Estela e as crianças. Estela, contudo, dá a volta na mesa para se sentar
perto de mim, pedindo gentilmente para Alice se sentar “mais para lá”, o que ela faz sem nem tirar os
olhos do cardápio, falando para as crianças o que parecia mais apetitoso.

— A gente tem que conversar, Pietro.

— Não aqui, né? — Olho sem graça para Jing, que cruza os dedos e apoia a cabeça, os
acionistas tiram algumas plantas de tubos e deslizam pela mesa.

— Olha que coisa mais... sem graça... — Comenta Jing, apontando com os dedos algumas
das áreas de convivência do shopping. Dou um suspiro longo, pegando a planta e analisando, minha
testa tão enrugada que tenho certeza que vou ter uma ruga.

— Infelizmente não estou satisfeito, Pietro, nem um pouco... mas acredito em potenciais e
você tem se esforçado, eu vejo, mas... — Ele balança a cabeça negativamente, ah! Malditos chineses!
O que eles queriam? Que eu pintasse com sangue as paredes daquele lugar? Jing inclina seu tronco,
quase subindo em cima da mesa:

— Eu tenho uma casa perto da cidade antiga que acho sua cara... É em madeira e tem
algumas escolas de férias, acho que vai ter que ficar mais um tempo aqui, Pietro...

Engulo em seco. Como é que é? Mais tempo? Ele só poderia estar de brincadeira... E as
crianças? E o mestrado de Alice e... e...

— A não ser que queira desistir... — Ele lê meu pensamento, só pode! Sim, passa pela
minha cabeça desistir, até eu ver os olhos de Jing saltarem como se fossem cifrões: — Estou disposto
a investir um bilhão de...

Minha cabeça rodopiou... nem ouvi a moeda que ele tinha mencionado, pus um sorriso
imbecil na boca:

— Claro que eu topo... posso sair do hotel ainda essa semana! — Ele concorda satisfeito.
Em seguida, olha para Alice e Estela, depois para mim: — Diga a elas que eu escolho...

Não via muita saída, passei a informação a elas. Alice estava desconfortável, era notório,
porém acredito que não era com Jing, mas sim com Estela que não tirava os olhos da menina...

Jing foi certeiro na escolha: zonzi, um prato delicioso com arroz, gengibre, vinho amarelo
de arroz, molho de soja e óleo de pimenta, enrolado em folhas de cana. A entrada chegou bem quente
em chapa de metal, as crianças comeram tão bem que fiquei sem graça de dizer que aquela era
apenas a entrada.

— Alice, você teve notícias do Rafael? — Quase tenho um AVC, meu olho direito começa
a piscar involuntariamente e um riso nervoso contrai meus lábios, mas Alice responde com
naturalidade, ensinando a filha a mexer no hashi.

— Não, Estela. Só com a irmã dele de vez em nunca, para ser mais exata no aniversário da
Alícia, quando ela me manda uma lembrancinha... — Alícia abre a boca e ampara com as mãos para
que não caia arroz em seu vestido. — E os assuntos com a irmã dele são sempre sobre Alícia ou os
pais dele, que se divorciaram. — Alícia sorri com a boca cheia, exclamando:

— Essa é mélior coisa que eu já comi!

— Ela se parece um pouco com ele... — Estela divaga e não deixo de notar que Jing parece
mais interessado na conversa das duas do que eu e olha que eu era um fofoqueiro de primeira, bom,
na verdade meio ciumento... Esse tal Rafael, imbecil! Alícia era a cópia mirim da mãe!
O jeito que Pietro me olha... é tão excitante. Ele passa várias vezes o pé na minha perna...
eu latejo de desejo. Após o jantar, assim que arrumamos as crianças para dormir, ele me puxa dar um
beijo obsceno, na antessala daquele quarto de hotel imenso, beirando o exagero.

Ele lambe meu ombro, mas se afasta.

— O que houve? — Eu indago, preocupada... Será que Jing ou Estela tinham dito algo a
ele? — Vou checando se as crianças poderiam nos ouvir. Ainda bem que o quarto era grande. Vamos
até a antessala, eu me sento no sofá, piscando algumas vezes, a lente de contato me incomodando,
começo a prestar atenção em um quadro que eu tinha gostado tanto... Um samurai com o torso nu, uma
espada reluzente à sua frente, suspiro... olho Pietro com uma certa lascívia, me levanto para beijá-lo,
mas ele coloca as mãos em meus ombros, falando pausadamente:
— Alice... eu concordei com Jing que ficaria alguns meses aqui e...

— MESES? — Eu berro, batendo as mãos nas pernas, depois as colocando na cabeça,


inconformada. Do céu ao inferno... meses? Não posso acreditar que ele tenha concordado sem nem
me falar nada, minha voz sai num fio... Os pensamentos desconexos, eu já via a cara do meu pai,
furioso! E com razão: — Pietro, eu faço mestrado, Alícia tem aula e Caíque também! Como pôde
concordar com um absurdo desses?

Ele parece suar, contudo, respira acelerado, erguendo as mãos como se não tivesse opção:

— Ele me encurralou, Alice. Eu espero há anos ter oportunidade no mercado chinês. Aqui é
competitivo! — Ele aumenta o tom da voz, apontando com o indicador o chão. — Eles não querem o
melhor, eles querem o perfeito! E é isso que a Make it tem que oferecer, a perfeição...

— Pietro, as crianças não podem ficar tanto tempo longe de casa! E... eu? Eu moro com
meu pai, ele nunca iria aceitar e... — Parece que o chão do hotel se abriu e o dragão que o ronda me
abocanha com voracidade! Até meus lábios tremem, que ódio! Já penso num complô de Pietro e
Estela para me tirar de casa, penso se eu posso nadar até o Brasil com Alícia e Caíque nas minhas
costas... penso até em carona! Como ele pôde nem ter me consultado?

— Alice, você já é bem grandinha pra se virar longe do pai, não acha?

Abro a boca... Eu iria berrar, mas tento manter a compostura, ando de um lado para o outro,
colocando a mão no queixo. Desde o falecimento da minha mãe éramos ele e eu, depois com Alícia
éramos nós três, tipo um trio de Harry Potter. Falar que eu iria ficar meses longe de casa era como
apunhalá-lo pelas costas!

— Não! Não acho! Ele nunca ficou tanto tempo sem a neta! Vai surtar quando eu contar.
Além do mais...

— Eu disse que disponibilizo médicos para ele e o que mais seu pai precisar, mas eu quero
conviver com o meu filho, Alice. Imagina eu ficar longe dele por meses? Eu iria morrer de saudade e
a oferta que Jing fez...

— Dinheiro, dinheiro, dinheiro! É isso? Que droga, eu não estava preparada!

Ele bufa! Jogando as mãos para o alto e as espalmando na cara. Recuo alguns passos... Não
era justo, ele deveria ter me falado! Pelo menos... ter me dito sobre a mais remota possibilidade de
isso acontecer. E se meu pai ficasse deprimido? Recordo que por causa de um final de semana ele
quase comeu meu fígado com cebola, imagina eu ligando para ele e dizendo: “então, papai, a
irresponsável da sua filha vai ficar na China por meses! Tchau, ah! Não esqueça de comprar suas
palavras-cruzadas às sextas!” Pietro corta meu devaneio:

— A gente vai ficar numa casa oferecida por Jing, não vamos ficar no hotel.

Ah! Vou surtar! Ah, se vou! Já penso que esse tal de Jing pode ser um maníaco que atrai a
babá, as crianças e o CEO para o matagal e nos joga numa casa mal-assombrada, logo ia ter cabelo,
a menina do grito e do poço dando as mãos para assombrar a gente... em chinês! Berro:

— Vamos ficar mais isolados ainda? Já não basta você nem aparecer? Você diz que quer
ficar perto do seu filho, mas você mal fica aqui, mal sabe o que acontece!

— POR ISSO QUE EU PAGO A PORRA DE UMA BABÁ!

Ah! Olha a maldição já aparecendo e nos colocando um contra o outro! Ele berra tão alto,
que chego a sentar no sofá, perplexa! Ele nunca tinha falado assim comigo e eu nunca tinha visto esse
lado dele. Não era à toa que Pietro Mendes era CEO de uma das maiores construtoras do mundo.

Era tudo do jeito dele! Protesto, aumentando mais o tom da minha voz, percebo que suo,
minhas mãos inquietas ainda com tinta de um quadro que nunca sairia do esboço, me sinto tão mal...
traída... penso nas vezes que Rafael falava assim comigo, quando descobriu a gravidez... Mas ele
estava certo, Pietro estava certo. Artes não caíam mais no vestibular, as aulas de português não
davam nem para arcar com as minhas contas.

Eu era a babá do filho do CEO e deveria saber o meu lugar... por um momento me sinto suja
como se ser babá incluísse o sexo. Pietro tenta se aproximar, mas me mantenho firme. Lacrimejo,
todavia nenhuma lágrima iria cair:

— É por isso que você paga uma porra de uma babá, seu Pietro... Ainda bem que a sua
profissão é muito valorizada e pode contratar a porra da babá...

Viro de costas, sinto que as mãos dele resvalam na minha pele, ele corre para ficar na
minha frente, me encarando... Os lábios secos, as mãos na maçaneta, o olhar de desespero na
penumbra. Eu vejo que ele se arrependeu, mas... poxa! Meses? No plural ainda! Ele balbucia:

— Alice, eu... eu falei sem pensar... e... espera...

— Não! Eu sou sim paga para ser a babá do seu filho e sou mãe de uma menininha, cujo pai
sumiu do mapa! Mas ficar longe do Brasil por sei lá quanto tempo, pode interferir na educação dos
dois, sim!
Eu estava com raiva, queria gritar, mas não queria assustar as crianças, nenhuma delas
merecia ver aquela cena e ficarem assustados, já basta o que eu estava passando! Eu não entedia a
língua, muitas vezes Caíque ajudava a mim e Alícia a traduzir algo em inglês, quando Pietro saia
antes do sol nascer, até o sol se pôr! Eu tinha medo de sair com as crianças desse hotel e me virava
em mil para que elas encontrassem um pouco de diversão, mas agora, meses?

Ficamos nos encarando, a respiração dele estava pesada, suas pupilas dilatadas, Pietro
padecia tão quanto eu por Jing tê-lo prensado contra a parede para que ele ficasse lá. Eu o entendia,
ele queria ficar próximo ao filho, mas e eu? E minhas responsabilidades para com meu pai, minha
faculdade, minha vida? Eu não fui paga para ser babá vinte e quatro horas do meu dia.

E nem que tivesse sido.

Levar Alícia para tão longe e sem meu pai, a quem ela iria sentir muita falta... Pietro se
aproxima de mim, a luz da lua incide sobre seus cabelos castanhos, sua pele, seus lábios.

— Se quiser ir embora... — Ele passa a mecha do meu cabelo para trás, me presenteando
com um sorriso encabulado, uma covinha se forma em sua bochecha e, nossa... eu já pensei isso antes
e penso sempre, mas tem como esse homem ser ainda mais bonito? — Eu não vou ficar magoado,
Alice, mas... se puder ficar... eu ofereço o que for possível para que se sinta em casa, o máximo que
for possível.

Eu tinha medo.

Medo do desconhecido, medo por nunca ter ficado tão longe do que me era seguro... e, sim,
medo dos meus sentimentos por esse homem que vive em uma realidade tão longe da minha...

Olho para um canto, aquele quarto de hotel era imenso, um tanto frio, onde eu tinha que
manter duas crianças distraídas, educá-las, entretê-las... Se essa situação foi difícil por duas
semanas, imagina meses?

— Pietro, eu deveria pelo menos ser consultada... — Ele passa a mão pelo rosto,
notoriamente zangado e vejo que é mais com ele do que para mim. Me assusto quando ele passa a
mão pela minha nuca e me abocanha a boca, um beijo quente, desesperado, cheio de fúria e desejo.

Demoro um tempo para entender e retribuir aquele beijo feroz, arrebatador aquilo... aquilo
havia sido uma briga! E eu estava brava, sim, estava... estava... as mãos de Pietro espalmam minhas
coxas e erguem meu vestido, mãos grandes, masculinas, deliciosamente sedutoras pelas minhas
pernas.
— Foi tão difícil te achar... Procuramos há anos... por favor, Alice, não me deixe... — Ele
sussurra em meu ouvido e eu tremo da cabeça aos pés, aquele gemido envolvente. Pietro me prensa
na parede, erguendo a minha mão, e morde meu ombro, passando a língua pelo meu pescoço,
chupando minha orelha.

— O que eu sou pra você? — Pergunto, sem frear a palma das minhas mãos, que já
percorriam com voracidade vejo seu abdômen tanquinho, arranho suas costas. Sinto seu corpo
pesando sobre o meu, ele arfa, eu cedo, seus dedos acariciam a região da minha calcinha, a
abaixando até o meio das minhas coxas, cerro meus olhos com força, ele me vira de costas, me
abraçando e apertando meus seios com vontade.

— Gostosa... — O ouço suspirar forte, suas mãos deslizam até a minha cintura, espalmando
minha barriga, chegando até minha bunda e a apertando, abrindo com os dedos minha buceta e me
penetrando.

— Deus! — Gemo, colando minha testa à parede fria, meu corpo formigava de raiva e
tesão. Senti que o dedo indicador de Pietro já estava molhado, a fricção deliciosa que fazia em
mim... Sinto que vou suar, sinto que vou dar a ele o que quer, coloco minha mão na parede, a outra
fica em meu sexo, forçando seu dedo mais dentro de mim, rebolo. O rosto dele se afunda em meus
cabelos, o sinto ofegante.

— Eu tô louco por você... — O ouço gemer mais uma vez, ele bate na minha bunda,
espalmo as duas mãos na parede, ele me inclina, minha bunda exposta para ele, que começa a passar
seu cacete quente, grosso pelas minhas nádegas, mordo os lábios. Eu queria e não queria ao mesmo
tempo, um misto de sentimentos tão confusos...

Ele me vira de frente, me puxando para outro beijo, sinto que suas mãos prendem meu
cabelo e com um braço em volta da minha cintura, me suspende do chão.

— Enrola suas pernas em mim, Alice... Me pede te comer de pé...

Puta merda!

Faço o que ele pede, na urgência da sua voz, minhas mãos passam pelo seu rosto, enroscam
em seu pescoço, sinto sua barba pinicar minha boca, pescoço, orelha, colo. Minhas costas cedem em
suas mãos, vejo o escuro do ambiente, o desejo invadindo meu copo, que aquece, aquece como o
inferno dos olhos sedutores de Pietro.

Ele, comigo enrolada nele, me ergue e me abaixa, seu pau serpenteia pela minha bunda e a
minha buceta, e a penetração é apertada, quente, extasiante, o abraço e, suas mãos levantam e
abaixam minha cintura.

— Rebola pra mim... — Ele pede, e eu miro seus olhos, obedecendo. Ele volta o olhar para
mim e nos encaramos, enquanto o tranco do meu corpo no dele reverbera barulho de pele com pele,
suor com suor, o desejo inflamando meu ser. Minha boca se entreabre em múrmuros, ele lambe minha
boca, suga minha língua, não posso imaginar a força que faz para me manter suspensa em seu colo.

— Mais rápido... — Minhas unhas passeiam em suas costas, como se eu pudesse escalá-lo,
e meu prazer aumenta em sentir que meu desejo é atendido. Ele anda comigo até um puff qualquer na
sala, se senta e eu mal tenho tempo de me arrumar, Pietro usa as suas pernas para que eu não pare de
quicar em seu colo, rebolar em seu pau, gemer seu nome e me entregar a ele mais uma vez.

— Me perdoa... — Nosso olhar ainda está um no outro, eu nunca havia transado de uma
maneira tão... intensa, quase devastadora. Engulo em seco, sem responder, a urgência de gozar era
mais forte e potente do que qualquer palavra dita durante o sexo.

Meus pés tocam o chão e posso ter a autonomia de me esfregar com mais rapidez e mais
intensidade em seu pau, o choque e o barulho que fazem ao me sentar nele é mais alto do que eu
esperava e mesmo seus lindos lábios entreabertos, sua mão aninhando meu cabelo e a outra alisando
minhas costas, não me impedem de impelir a raiva que sinto ao gozar, minha mão se fecha em seu
peito, meu rosto se contorce e ele sorri.

— Goza pra mim... — Sua voz abafada é um incentivo a mais, meus mamilos estão tão
enrijecidos que quando seus lábios o tocam é como se uma corrente elétrica perpassasse meu corpo.
É quente e frio ao mesmo tempo, o prazer é tão grande e dura por tanto tempo, que meus membros
amolecem. Ele sai de dentro de mim e sinto escorrer porra pela minha barriga, pernas, bunda. Suas
mãos apertam meu rosto, ele parece querer guardar minhas feições em sua mente, sussurrando:

— Como você é linda... — Não respondo, estamos tão ofegantes, que parece que o ar não
percorre seu caminho, parando pela metade.

Uma culpa me invade, não apenas por estar apaixonada por ele, mas por não saber se eu era
a babá que dava para o patrão, ou a babá que havia se transformado em uma amante barata. Todos
esses pensamentos me invadiam. Pietro era viúvo, cheio de marcas, cicatrizes, feridas abertas.

E por mais que ele me chamasse de namorada para Jing, eu era o que era: a babá de
Caíque.
Capítulo 19: Alice

— Lidi, eu tô em Xangai. — Aperto com força Caíque e Alícia. Atendia a ligação da minha
amiga por Ipod; a rua lotada, como sempre. Eu procurava pelas inúmeras lojinhas alguns livros de
chinês para iniciantes, tintas e telas, a sacola pesando em meu braço.

Naquela rua de paralelepípedos, gente, lojas, ambulantes e gritaria, era impossível passar
um carro. Esbarro em um homem e automaticamente peço “desculpa” em chinês, Caíque arruma seus
óculos e eu percebo que os meus estão quase na ponta do nariz.

— Mamãe, tô com fome! — Ignoro Alícia, puxando as crianças para a calçada e entrando
em uma loja de artes, um livro me chama a atenção e o vendedor me aborda em inglês, percebendo
que eu era estrangeira. O respondo em chinês.

— Oh! Está aprendendo chinês! — Ele observa e eu digo que sim, que já estava há dois
meses na China e que morava em Beijing.

— Meu chefe e eu estamos em estadia curta aqui, eu queria... hm... como eu posso dizer
“quadro 30 × 30” em chinês? — Ele sai do balcão e pacientemente começa a me mostrar. Alícia
mostra o Harry Potter de pelúcia e observo que a cicatriz do coitado caiu, Caíque lê um quadrinho e
vejo que os óculos dele estão esgarçados.

— Filha, deixa eu comprar o quadro! — Ela puxa o Harry Potter com raiva e eu franzo o
rosto, poxa, que saco:

— Alícia, tenha modos, filha! Que coisa! — O senhor chinês continua me mostrando os
quadros e as tintas, e eu só olho para o lado para ter certeza que Caíque não saia da minha cola,
quando vejo: cadê a baixinha?

— Alícia? — Meu coração parece parar, pego Caíque pela mão, quase gritando:

— O senhor viu a criança que estava comigo? — O coitado do senhor chinês olha para
todos os lados com cara de desentendido. Olho à minha volta, tudo parecia igual, pisco algumas
vezes e, sem passar, me lanço na rua movimentada, um homem quase esbarra em mim com sua
bicicleta. Caíque dá um berro e eu o puxo de novo.

— Cadê a Alícia? — Ele choraminga e só então percebo que começa a nevar e eu esqueci
meu casaco na loja do senhor, que eu nem via mais... Parece que a minha visão se escurece, a neve
vem forte, Caíque berra o nome dela e eu o pego no colo, minhas mãos tremem e tento ligar para
Pietro, olho para todos os lados, meus lábios tremem...

Caixa postal! Pra variar essa merda! Quase arremesso o telefone para longe!

— ALÍCIAAA! — Berro, as pessoas à minha volta começam a perguntar o que aconteceu, a


neve começa a se acumular nos meus pés. Caíque puxa seu celular e mostra a tela de bloqueio: Ele e
Alícia abraçados! Meu coração acelera e eu começo a perguntar misturando chinês, inglês,
português:

— Alguém viu essa garotinha? Alguém viu? Pelo amor de Deus, Alá, Buda, Zen! Eu me vi
agarrada ao paletó de um senhor, que meneava “não”, “não”, “não”. Agarro outro, Caíque mostra a
foto...
Chamamos a atenção da polícia chinesa que se aproxima e eu quase caio de joelhos, se não
fosse por Caíque eu não conseguiria falar:

— Ela sumiuuu! — Ele mostra a foto e a polícia começa a exigir que os transeuntes saiam
do caminho, uma sirene é ligada e outros policiais veem ao meu encontro eu mal consigo falar, só
penso na minha filhinha, na minha Pipoquinha:

— Por que eu estava tão irritada? Por que não deixei ela mostrar o Harry Potter? — Eu
grito, o policial quase bate na minha cara para eu me recompor e Caíque continua ligando para o pai,
caixa postal.

Todos se mobilizam. Eu corro a esmo com Caíque ao meu lado, acho que chego a perder
meus óculos, Caíque ofega e começa a tossir de tanto chamar o nome dela e eu já nem sinto mais
minhas mãos:

— Alíciaaa! ALÍCIAAA! — Os oficiais mostravam a foto, perguntavam, praticamente


fecharam a rua mais movimentada de Xangai, Tianzifang. Minhas sacolas alastradas pelo chão, eu
corro tanto e parece que um labirinto se forma, caralho, onde estava o Pietro?

Ele poderia arrumar um helicóptero, não poderia?

— Moça, moça! — Uma policial me chama para uma loja e é a mesma que eu tinha saído, o
senhor ria e eu mal via nada, não tanto pelos óculos perdidos, mas pelas lágrimas que eu nem havia
sentido... Alícia esfregava os olhos, abraçada ao maldito Harry Potter.

— Ela dormiu embaixo da prateleira de tintas... — O senhor ainda ria e ela começou a rir
também, mas eu não processava as informações. Caíque a abraçava e, tadinho, ele chorava muito.
Quando dei por mim urrava, chorava, a abraçava...

— Nunca mais... NUNCA MAIS faça isso de novo! — Ela deu um bocejo, esfregando os
olhos e dizendo um “Tá bom”.

Para mim o passeio havia acabado ali, voltei para o hotel e não desgrudei mais dela ou de
Caíque, quando liguei para o meu pai só para desabafar, ouvi a maior bronca da minha vida.
Dormi com as mesmas roupas da rua, abraçada à minha cria. Caíque se acomodou do outro
lado, depois de tomar banho e esquentar sua comida sozinho.

— Entra, Estela, porra, finalmente a gente conseguiu um aval positivo do Jing! — Ouço a
voz de Pietro animada, ele cumprimenta o filho e Alícia sai da cama até eles, com o maldito Harry
Potter.

— Oi, crianças! — Diz Estela, que fala sempre a mesma merda sobre o Harry Potter: “—
Eu posso te dar um maior de presente”. Que inferno! Será que ela não entende que aquele é especial?
Sinto minha cabeça pesada e não quero me levantar, olho para o lado e vejo o cavalete salpicado de
cores com a tela em branco, vários e vários rascunhos distorcidos e borrados pela minha miopia,
meus olhos marejam.

— Alice, eu vi que me ligou várias vezes, mas estava em reunião! Vem, vamos comemorar,
finalmente a primeira parte do projeto deu certo! Xangai vai ter um pedaço do Brasil em uma rede de
restaurantes afiliadas ao shopping de Jing — Ele se aproxima rindo, animado, colocando o celular na
mesinha ao lado, sentando-se na cama, arrumando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha: — Eu
estou tentando fazer as coisas certas... Acredita que até seu pai me mandou mensagem? Apareci em
uma coletiva de imprensa e...

— Que bom pra você! — Esbravejo, empurrando a mão dele do meu rosto, ele solta um
suspiro e eu me levanto tão, tão cansada!

— Alícia sumiu hoje! No meio da maior cidade da China! — Esbofeteio minhas mãos nas
coxas. — Eu estava procurando tintas e ela sumiu! A polícia apareceu foi um caos e onde você
estava? Na porra de uma coletiva!

— Calma... calma! Ela está bem agora... Vem, me conta tudo o que aconteceu no jantar e...

— Foda-se o jantar, Pietro, que porra! Eu quase perco a minha filha! Me agarrei a Caíque
tão forte... Meu Deus, será que você não viu quantas vezes a gente tentou te ligar?

— Eu estava numa coletiva, Alice, meu celular nem estava comigo... — Ele parece
assustado, suspirando fundo e ajeitando o sobretudo azul marinho. Pietro tinha olheiras, mas nada se
comparava ao horror que eu havia passado essa tarde. Caminho até o cavalete, dando um chute e indo
procurar as crianças, quase gritando:

— Quero ir embora! Olha a porra dessas telas em branco! Eu perdi meus óculos, estou
cansada e...

Ouço Estela falando novamente e a voz de Alícia. Corro até elas, mesmo com Pietro
dizendo a maldita frase “tudo bem, calma, por favor”; a vejo de mãos dadas com Alícia, o cão se
apossa do meu corpo e todo o terror, náusea e tremor daquela tarde vem à minha mente. Vocifero,
puxando Alícia num tranco:

— Sai de perto da minha filha, Estela! — A periguete se faz de ofendida colocando a mão
na boca teatralmente num “oh”. Pietro fala qualquer coisa, mas o que me mata é aquele sorrisinho
cínico de Estela olhando de mim para Pietro:

— O que é isso, Alice? A menina veio mostrar o brinquedo pra mim!

— Ela SUMIU hoje! E não vou deixar que ela dê a mão a qualquer piranha! — Me viro
para Pietro e aquela cara de sonso dele: — E se fosse teu filho, e se fosse Caíque? Porque ela é a
filha da babá e você deixou claro que me paga para cuidar do seu filho, minha filha é menos
importante? É isso?

Começo a chorar, claro que começo a chorar, que mãe não choraria depois de quase perder
a cria? A Pipoquinha limpa as minhas lágrimas e Caíque também nos abraça. Soluço tão alto e a
aperto tanto... Tanto! Pietro se abaixa e nos abraça também, começo a narrar os fatos de modo
desconexo. Estela não se manca e continua ali como um dois de paus. Pietro, com os olhos
arregalados, suspira, se ajoelhando à minha frente, amparando meu rosto em suas mãos, sussurrando:

— Pelo amor de Deus, Alice! Eu amo a sua filha como se fosse... minha! Moveria céus e
terras pra tê-la de volta, mas ela está aqui... Aqui com você, com a gente! — A voz de Pietro
embarga e eu sei que ele se lembrou de quando disse que pagava a “porra da babá”. Pego Alícia no
colo, mas Pietro me antecede e a pega do meu colo.

— Estela, vá ao jantar com Jing, eu vou ficar aqui... — Ela tenta protestar, mas ele já quase
a empurra para fora do quarto.
Eu nunca havia visto Alice tão vulnerável durante aqueles meses em que a gente estava
juntos na China. Claro que não seria fácil e eu sabia disso, não era criança, além de saber que
assumir uma responsabilidade como namorá-la envolvia muito mais do que tesão. Eu estava
apaixonado por ela.

Quando voltamos a Beijing, Alice estava mais distante ainda. O motorista me ajuda com as
poucas malas até a casa que Jing havia nos emprestado, o local ficava afastado da loucura estressante
da metrópole em um condomínio fechado em uma área verde. A casa, toda em bambu e madeira, era
uma obra-prima, a fachada controlada por câmeras, as grandes peças de pedra que faziam um
caminho perfeitamente geométrico, o bambuzal atrás da casa, o vento soprava e o som acalentador
me embalava numa paz profunda.

O chão da residência em tatame, liso, acarpetado e amplo, minimalista com todos os


móveis necessários para vivermos bem, contudo sem os grandes luxos e exageros de uma mansão
americana.

Alice joga suas coisas no sofá em L, se livrando dos tênis de qualquer jeito, desfazendo o
rabo de cavalo e pegando um livro, a lareira à sua frente, a televisão imensa num aparato ali em cima
e tudo impecavelmente limpo. Com certeza a empregada havia acabado de sair.

— Prietro, tô com fome! — Me surpreendo com Alícia esfregando os olhos com o Harry
Potter capenga em sua mão, Caíque olhando para nós e rindo. A pego no colo, sinto sua testa suada e
a bendita pelúcia quase enfiada na minha cara.

— O que você quer comer? Caíque, o que você quer? Alice? — Ela e ele se entreolham,
mostrando uma propaganda de pizzaria... Alícia coça minha barba, enfia o dedinho no meu ouvido,
olha para a mãe e exclama:

— Ele tem mais pelo que você! — A coloco no chão e posso ver como Alice está em
alerta, cansada e abatida... Eu precisava fazer alguma coisa para que eles ficassem mais à vontade,
mais felizes... E dependia de mim.

Não vou trabalhar no dia seguinte. Saio do meu quarto e ando pé ante pé para não acordar
ninguém. Eu precisava fazer alguma coisa para pedi-la em namoro, real e oficial e com todas as
hashtags possíveis e imagináveis; diminuiria o ritmo de trabalho e assumiria esse namoro da China
ao Brasil, Eu sabia que ela ainda estava chateada e depois de ela pensar que Alícia tinha quase
sumido... Não posso nem imaginar seu desespero, e tudo que ela não precisava era de alguém
dizendo que estava “tudo bem” ou de uma Estela oferecendo brinquedos à sua filha.

Olho pelo corredor iluminado, claro e limpo procurando minhas chaves do carro... isso, eu
iria fazer uma surpresa! Quando vejo Alícia coçando os olhos, arrastando o Harry Potter e olhando
desconfiada para mim, ela cruza os braços, sorrindo:

— Vai pa onde? — Dou a mão para ela, cochichando:

— Eu vou pedir sua mãe em namoro... Quero namorar com ela, você acha que ela aceita?
— Ela anda até mim, me dando a mão e me alertando:

— Ela sempre diz que é bolo, Coca-Cola... E que ninguém faz o que ela gosta. Um dia a tia
Carol levou um homi pra ela conhecer e ela riu dele, porque ele caiu da cadeira... eu ri também e ele
foi embora com vergonha porque eu chamei ele de górdo.

Sorrio pensando na cena...

— E se eu for o namorado dela, você vai gostar?

Eu não acredito que estava com coração martelando, ansioso pela aprovação de uma
garotinha, mas estava... Alícia era o bem mais precioso de Alice, e eu amava as duas, a-ma-va?
Caíque sai de seu quarto:

— A gente achou que vocês já namoravam já... — Alícia concorda, dando de ombros.
Caíque corre para pegar seus óculos, Alícia bate uma mão na outra:

— Eu e o Caíque te ajuda a fazer uma coisa legal pra mamãe...

— Só não se beijem, pai... É melequento...

— Vejo no celular como fazer panqueca, mas sai uma porcaria! Decido pedir em uma
confeitaria... — Claro que peço aos dois que falem a pequena mentirinha, dizendo que a gente havia
feito as panquecas. Eles concordam e já começam a brincar de Harry Potter e Senhor dos Anéis,
dessa vez Alícia havia sido sequestrada por orcs... Como a imaginação desses dois voa.

Fico olhando a brincadeira até chegar meu pedido, me livro das evidências e peço mais
uma vez que se lembrem de não contar que eu havia comprado, até que os ouço... falando em chinês...
Não os interrompo, absorto na interação deles... Caramba, meu filho nunca havia sido tão feliz e, por
um momento, odeio Rafael por abandonar essa garotinha com a mãe e... penso que havia espaço
suficiente para ela em meu coração... Se Alice permitisse.

— Bom dia! — Meu coração acelera, assim que eu a vejo, os cabelos maiores, a pele
fresca pela noite de sono, as roupas largas... Inundado em trabalho, eu vejo que fui negligente, me
aproximo dela lhe dando a mão e mostrando as panquecas:

— A gente que fez... — Lhe dou um selinho e ela, ainda ressabiada, olha para os lados e
chama as crianças para comer. Caíque me puxa pela mão e limpa a garganta:

— Lice, meu pai quer pedir pra você ser namorada dele ou coisa assim...

— E ele falou pra gente te dizer que a panqueca foi a gente que fez!

Coço a cabeça sem graça, tentando emendar:

— Foi a gente que fez, sim... — Alice olha para o relógio:

— Não vai chegar atrasado, Pietro?

Nego com a cabeça, abrindo a geladeira e pegando uma Coca-Cola, falando:

— Eu queria te pedir desculpas... por tudo e sim, quero que seja minha namorada e... bem...
— Seguro a garrafa de Coca na mão, incapaz de encará-la. — Quero dizer que não penso mais em
uma vida sem esse cotidiano, prometo trabalhar menos e... er... bem, ser mais presente, a não ser,
claro, que não aceite... o que eu entendo perfeitamente. — Assim que vou me virar, ela está atrás de
mim com um sorriso imenso... os dentes sujos de calda de chocolate e um beijo me invade a alma.

— Sem melequice, eca! — Briga Caíque, Alícia o imita, mas tudo que eu quero é essa
melequice nos meus lábios, sorver todo o doce dos seus beijos e até suportar os acessos de raiva que
quebram cavaletes.
Capítulo 20: Alice

— Olha, o vovô quer falar com você, filha! — Eu tentava me soltar mais nas aulas de
chinês, já que era certo mais algum tempo por aqui. Não andava tão acuada e conseguia me
comunicar o mínimo para levar as crianças até uma padaria ou dar uma volta.

Mas tudo realmente mudou com aquele café da manhã...

Ou também mais conhecido como o dia fatídico que mudamos status nas redes sociais! Lidi
e Carol também assumiram um relacionamento juntas. Afinal, segundo elas: — Já que você conseguiu
tirar dois namorados da Estela, não tem preconceito no mundo que nos desbanque. —Fiquei feliz por
elas e triste por não saber que estavam apaixonadas, eu queria que elas ficassem mais na minha vida.
Volto a tentar pintar, depois de colocar as crianças para dormir um pouco depois das aulas
e do almoço.

A pincelada vem sem querer, um amarelo forte, quase dourado rasga a linha do horizonte,
basta de eu querer pintar com formas concentradas, retas e pragmáticas. Mais cor... vermelho,
sangue... O parto de Alícia foi normal, ela veio ao mundo antes da cesária! Minha vida, minha
Pipoquinha, mais amarelo, o tormento... Rafael parou de dar notícias e os pais dele me ignoraram
completamente, apenas a irmã dele vez ou outra perguntava dela... preto. Minhas melhores amigas se
afastam... roxo... um coração fragmentado se forma... preciso remendá-lo.

Troco de pincel, perpasso todas as cores: a raiva me toma as mãos, quase perdi Alícia,
quase perdi Pietro... Estela! A geometria começa a se formar num desenho fluido da minha mente, a
escola, os alunos, Caíque... azul, azul claro, azul médio, ele havia dado as mãos à minha filha, um
pouco de rosa... um clarão que foi Pietro e virou de cabeça para baixo todas as minhas certezas... a
cor da paixão e agora... a cor do amor, simbolizada pela tranquilidade, companheirismo, sim... o
vermelho em degradê finalizando minha assinatura.

— EU CONSEGUI! NÃO SOU INFERIOR! — Agacho olhando o mar de tinta à minha


volta, as crianças ainda tiravam suas sonequinhas da tarde e, felizmente, não acordaram com meu
grito. Preciso acordá-las... nem vi o tempo passar!

Olho a pintura e as lágrimas caem no pincel... Era a minha primeira tela acabada e
finalizada! Meu coração pula... até que sou surpreendida por um abraço:

— Você conseguiu, mamãe!

— Uau! —A voz de Caíque é abafada pelo tecido do meu vestido, eu os abraço, os beijo...
Eles miram o quadro e olham para mim, Alícia coloca a mão no meu coração:

— Tá aí, mamãe... Seu coração não tem mais buraquinhos...

Pietro chegou no horário para jantar e eu toda ansiosa, tomando uma lata de Coca-Cola e
com óculos novos o fui receber, até ver Estela e Jing... de mãos dadas!

— Er... oi!

— Pietro! Esse é um dos quadros da sua namorada? — O CEO chinês começa a observar
meu quadro, Pietro não me traduz o resto, o que me deixa com vontade de socar tinta em sua cara,
Estela o observa, depois olha para mim e, em seguida, para as crianças.

— Foi minha mãe que fez! — Alícia se aproxima dele e Caíque pula no colo do pai. Eu me
sinto... realizada! É como se eu tivesse cumprido uma missão, Jing fala rápido e Pietro parece se
esforçar para entender.

Murmuro no ouvido de Pietro:

— Como sabia que eu iria pintar? — Ele me aperta, sorrindo e piscando um olho... ah!
Aquele olhar... aquele bendito olhar. — Sempre soube que iria conseguir...

Calma, Alice, respira, não vá chorar!


O que parecem ser horas se passam e, calada como entrou, Estela saiu muda, enquanto Jing
parecia empolgadíssimo... Sei que tinha a ver com o meu quadro, mas não sabia exatamente o porquê,
até Pietro me rodar em seus braços e sussurrar:

— O que acha de me colorir essa noite?

Que cantada barata, patife, galante e boba!

Até parece que eu cairia naquela, mas caí... E foi a melhor transa de todas.

— Você dá cor à minha vida, Alice... — Ele sussurra em meus lábios, o beijo, me
encaixando em seu abraço apertado:

— E você estrutura a minha, Pietro...


Epílogo Pietro

Depois da noite memorável decidi: iria pedi-la para morar comigo, depois de quase seis
meses na China, voltando uma artista em ascensão com ajuda de Jing e várias exposições, Alice e eu
enfrentávamos o maior obstáculo: o pai dela.

Assim que entramos na casa dele com mala e cuia no guarda-malas de seu José, ficamos
apreensivos. Seguro Alícia por uma mão, Caíque pela outra e entramos sorrateiramente pela casa...
ouvimos uma música?

— Parece a vitrola dele, mãe! — Alícia exclama baixo, aquela menina era esperta que só.
Caíque e Alícia formavam uma dupla dinâmica incrível como se fossem irmãos, realmente.
— Parece mesmo... — Alice concorda e eu sei que música é aquela: Fly me to the moon de
Frank Sinatra.

— Vamos? —Ela sorri, arrumando seus óculos, o cabelo arrumado, as roupas mais novas,
nada... nada mudava sua essência. Alice era Alice em qualquer situação, até em suas exposições
artísticas, sua risada era ouvida, sua empolgação em falar de artistas, seu olhar... para a vida, sim, é
com essa mulher que quero compartilhar minha vid...

— Vem, Pietro! Tá sonhando acordado é?

— Quase! — Sorrio como um bobo enquanto Alícia me puxava pela mão e Caíque ia na
frente, empurrando bem devagar a porta. Ele olha para nós com os olhos arregalados! O que era?

— Vocês não vão acreditar! — Ele diz, arrumando seus óculos! Alícia dá um carreirão e
com ele se abaixa na porta semiaberta, depois Alice e eu... e ah! O quê? Seu Osvaldo e Raquel
estavam dançando colocados um ao outro... dançando!

Todos nós abrimos a boca, incrédulos!

Rachel o abraçava e o conduzia em passos elegantes, senhor Osvaldo cantarolava com o


rosto junto ao dela, sendo guiado pelos passos... Os móveis afastados deixando a sala como um salão
de festas!

E, sim, eles resolveram morar juntos!

— Como estou, senhor Osvaldo?

— É... mal não tá! — O pai de Alice me responde, dando duas batidas amistosas em meus
ombros. Ele estava orgulhoso dando a mão a Alícia e Caíque. Rachel fez mais um de seus
mirabolantes nós de gravatas.

— É a primeira exposição dela no Brasil, não é?

Fiz que sim com a cabeça, depois de pouco menos de três meses, uma superexposição de
Alice preenchia os salões rebuscados do MASP, o famoso e aclamado Museu de Artes de São Paulo
Assis Chateaubriand. Lidiane e Caroline apareceram com outros amigos e o orientador dela, que a
havia aceitado para um doutorado.

Alice apareceu e as palmas a fizeram abrir aquele sorriso... Os lábios pintados de


vermelho, assim como o vestido. Alice e Caíque observavam os quadros dela com o mesmo
semblante que ela olhava a arte, a vida... a mim.

O coquetel começou a ser servido e logo as crianças acharam outras para brincar, e eu
fiquei admirando quadro por quadro, estava atento a tudo: as cores, as formas, as pinceladas. O
trabalho dela havia amadurecido, e eu sinto um orgulho enorme da mulher que me aceitou.

— E pensar que eu fiquei bravo com a Rachel por desviar os currículos... — Falei em voz
alta, assim que senti seu perfume e seu rosto se apoiar em meu ombro.

— Você transformou minhas emoções em cores, Pietro!


Epílogo: Alice

— Mãããeee... O aniversário vai começar, já! — Caíque corre feito um maluco, me


apressando para levá-lo na festa de aniversário de um dos amigos do xadrez!

Ele tinha feito onze anos! Pego a chave do carro, Pietro sai correndo com alguns papéis e
Alícia fazendo uma trança, já estava uma mocinha, mas estava de castigo por ter batido em um
menino na escola que havia implicado com Caíque por usar óculos.

— Ôoo pai, já que eu tô de castigo, pelo menos eu poderia ver um Senhor dos Anéis! —
Ela estava com uma “janelinha”, o que a deixava mais sapequinha ainda. Fazia poucos meses que
Caíque me chamou de “mãe”, pela primeira vez, já Alícia já tinha adotado o “pai” há um bom tempo!
— Vou ficar de babá da Alícia hoje... já que saindo do aniversário, vocês vão para o
estúdio e depois comprar a raquete do Caíque — O ouço atrás da gente, Caíque senta na cadeira,
fechando a porta e eu me arrumo para dar partida.

— Ser babá não é tão ruim... — Ainda olho feio para ela, que sorri sapeca para Caíque.
Ah, sim! Eles agora, além de se chamarem de “irmãos” e esconderem a molecagem da gente, ainda
tinha feito um complô para dar uma lição nos bullyings, até Alícia meter o soco na cara de um deles
e eu ser chamada na direção.

Confesso que fiquei orgulhosa... Ainda mais quando dona Simone me viu! Queria esfregar
na cara dela que o meu ateliê e minhas aulas de artes eram muito bem procuradas, obrigada!

Decidimos por tirar as crianças dessa escola e achar uma mais humana... mais humana e
mais artística!

— Bora, mãe! — Dou um beijo em Pietro, que já sugere à Alícia suas delimitadas opções
do castigo. Começo a esterçar o carro, pegando a marginal e indo para a festinha, trânsito caótico...
mas menos que a China.

— Quando Alícia sai do castigo? — O olho sorrindo, claro que ele iria defender a irmã
com unhas e dentes, por isso a decisão de mudar de escola para uma menos... menos dona Simone.

— Até ela aprender a não resolver as coisas no murro... — Ele sorri, achando o antigo
Harry Potter de Alícia nas profundezas do carro. Ele mostra para mim e eu me emociono. Ah! Aquele
Harry Potter era realmente mágico.

— Ah! Filho, sabia que seu avô e Rachel entraram em um concurso de palavras-cruzadas?
Lá no interior? — Ele arruma os óculos, igualzinho a mim, apoiando o Harry Potter no colo e
olhando a cidade, apoiando a cabeça em sua mão e divagando. Até que olha para mim e diz:

— Aqueles dois não param quietos!

— Olha quem fala! Você e Alícia são duas Pipoquinhas!

Ele ri, dando de ombros, seus olhos marejam... Ele arruma meus óculos, quase bato o carro,
mas acho o gesto tão lindo que não tenho coragem de repreendê-lo.

— Obrigado... por ter sido minha babá...

Saldo do dia: choro como uma condenada, Alícia consegue enrolar Pietro para sair do
castigo, naquele dia Rachel e meu pai perderam o concurso, mas adotaram um cachorrinho votando
para casa.

E Artes continua não caindo mais no vestibular.


Recado da autora

Esse livro foi um desafio e tanto!

A história de Alice e Pietro me envolveu de uma maneira alucinante, ao mesmo tempo que
eu temia não ter o tom alegre e desenvolto que eu almejava.

Meu coração ficou aquecido e a hora de colocá-lo no mundo é a mais difícil! Nós, autores,
escrevemos para vocês, por vocês, então, se chegou até aqui o meu muito obrigada. Se puder avaliar
na Amazon nos ajuda muito!

Um imenso beijo e até a próxima!

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Nos vemos em breve!

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