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O Ministro
FICHA TÉCNICA
Capa: Luiz Gustavo
Revisão: Sheila Mendonça
Ilustração: Nina Cordeiro e Nicah Park
Diagramação: Brenda Alicia
Mais um dia, mais um embate com a merda da cafeteira. Essa porcaria ora
não passa a água, ora não esquenta, e às vezes, para começar o dia cheio de
glória, espirra o pó para todos os lados.
Foi o que aconteceu. A parede levou a pior, mas a bancada também exibia
sinais da batalha: uma lama densa e quente que se movia em direção ao chão
numa mistura de água e pó.
Gritei pela empregada e pedi que limpasse tudo. Ela saiu murmurando algo
que entendi ser pessoa ruim enquanto eu ponderava sobre demiti-la.
Eu sei que você já está me julgando. Sinto o seu ódio crescendo. Está
doidinha para me condenar e carimbar o meu pinto com um selo de
reprovação feminina, mas pode preparar um paninho cor-de-rosa, porque até
o final deste livro irá usá-lo comigo e quando o fizer, estará na minha posição
preferida: de quatro.
Está duvidando?
Hum, eu adoro as céticas!
Para começar, preciso deixar claro que eu não me considero má pessoa. Eu
apenas defendo meus próprios interesses. Ocorre que, às vezes, meus
interesses fodem com a vida de alguém, o que me torna egoísta, admito, mas
ruim é exagero. Vejamos o caso da cagada que fiz na cozinha, por exemplo,
estou pagando um salário exorbitante para que a empregada me ature, logo,
não vou limpar aquela merda e não tô nem aí se são 4h da manhã.
Eu disse que te faria passar pano pra mim e não que te convenceria que eu
não sou um miserável.
Deixa eu me apresentar efetivamente (imagine um árabe muito gostoso,
alto, olhar sensual, maxilar quadrado, cabelo bem cortado, barba sexy e
aquela cara de quem te aguenta foder a noite inteira): eu me chamo Khalid
Bin Tharip Al Sultan, sou o Primeiro-Ministro de Omã, um pequeno país da
Península Arábica, e irmão do sultão.
Para que entenda o meu ponto de vista, esqueça toda a baboseira
estereotipada de mocinho de livro daqueles romances água com açúcar que
você já leu. Um cara que tem paciência sempre, que é fiel, vive apenas para a
sua mulher, dócil com as palavras... (caralho, meu ovo esquerdo até dói só de
pensar em ser tão babaca) não existe. Quem em sã consciência quer ser o
herói de alguém? Aliás, existe uma insanidade fodida nesse termo.
Eu nunca matei ninguém, nunca roubei, só agredi fisicamente poucas
pessoas até hoje, então, tecnicamente, não sou ruim. Em contrapartida, não
faço favores a menos que isso me forneça alguma vantagem no futuro, nunca
namoro e odeio meu pai, mas isso não me coloca no hall dos vilões seculares.
Narcisista? Talvez, mas segundo os médicos eu não tenho doença mental,
o que é um milagre visto que meu pai e irmão são mentalmente deficientes.
Gostou? Chique, né? Na cara deles eu falo doentes mentais, mas só quem
pode criticar a minha família sou eu.
A propósito eu quero foder com a minha cunhada, mas ela é apaixonada
pelo meu irmão.
Está perguntando se eu já tentei? A resposta é não.
Viu?! Não sou tão ruim assim.
O que também não quer dizer que eu não seja um filho da puta.
Isso eu sou.
Mas se você precisa de mais informações antes de me absolver, vamos ter
que voltar quatro anos no tempo, para o dia em que quase fodi com a vida do
meu irmão e com o futuro do meu país.
Khalid – 2018 (Quatro Anos Atrás)
— Seu pai está forçando o Zaad a se casar pela segunda vez — Hálim
avisou já dentro do carro e eu o encarei erguendo as sobrancelhas.
— Diz pra mim que ele aceitou — pedi e Hálim encolheu os ombros.
Gargalhei alto. — Como ele consegue ser tão burro?
— Achei que a primeira esposa precisasse permitir o segundo casamento
— Hálim comentou mexendo em seu tablet.
— Quando foi que os filhos de um sultão já tiveram vontade própria,
Hálim? Essa palhaçada romântica não se aplica a nós, herdeiros. Por isso que
não acreditei quando Zaad e Melissa disseram que estavam apaixonados.
A cobra peçonhenta do meu irmão caçula contratou uma esposa falsa para
herdar o sultanato e me passou a perna. E para provar que Allah me odeia, a
mulher que ele escolheu foi justa a única por quem já me interessei.
— Talvez seja a sua chance — falou apontando para o outro lado da rua.
— Vou descer aqui e entregar aquele documento que pediu.
Hálim desembarcou e eu segui meu caminho. Vinte minutos depois
estacionei o carro na minha vaga, no pátio do Conselho Estatal.
Estaria atolado de trabalho durante todo aquele dia e a minha cabeça estava
longe. Desci do carro e acionei o alarme para trancar as portas perdido em
minhas lamentações quando esbarrei com ela.
A desgraçada ficava perfeita até dentro daquele abaya medonho.
— Olá, cunhadinha. O que está...
— Você me odeia, eu sei disso — Melissa me cortou nervosa, agarrando as
lapelas do meu terno —, mas não tenho tempo. Você pode se livrar de mim
agora mesmo. Basta me ajudar.
Fiquei confuso. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, a voz
esganiçada e tremida, parecia com medo.
— Preciso de carona, Khalid. Agora! Cadê o seu carro?
Apontei para o sedan preto e ela correu na direção dele.
— Abra a porta — exigiu puxando a maçaneta.
Acionei o botão da trava e ela se enfiou dentro do meu carro.
Puta que pariu, o que será que aquele desgraçado aprontou?
Entrei no carro depressa, prometendo a mim mesmo que o mataria e a
encontrei agachada entre o banco do carona e o painel, como um animal
acuado.
Caralho, eu vou matar aquele filho da puta!
Senti meu sangue ferver. A falta de ar e a sudorese vieram em seguida.
Meu coração batia acelerado e precisei segurar o volante com força para
controlar as lembranças que me sufocaram, voltando todas ao mesmo tempo,
sobrepondo-se à realidade.
Eu quase podia escutar os gritos da minha mãe, implorando ao meu pai que
não a matasse, que parasse de bater, gemendo de dor.
— O que está acontecendo? — consegui perguntar apesar do maxilar
trincado.
— Me tira daqui agora que eu conto tudo.
Hesitei. Minha vontade era invadir o gabinete do Zaad e socá-lo. Apertar o
pescoço do infeliz e acabar com todos os meus problemas de uma só vez.
— Por favor — implorou com voz de choro e alguma coisa dentro de mim
fez uma espécie de click.
Acionei a ignição como uma marionete disposta a seguir qualquer ordem
daquela mulher, mesmo que fosse para me atirar de um precipício. Manobrei,
saindo do estacionamento devagar, e vi Zaad pelo retrovisor. Ele correu
olhando para todos os lados, como se procurasse algo.
Ela está fugindo dele.
Não perguntei mais nada. Dirigi em silêncio. Quando nos distanciamos,
Melissa se acomodou no banco do carona. Tentei ser paciente, mas ficar
rodando pela cidade não a ajudaria, então perguntei: — Para onde vamos?
— Para o aeroporto.
Fiquei esperando por uma explicação e como não veio, a encarei feio. Ela
suspirou rendida.
— A Radija é de alguma família importante aqui em Omã? — perguntou
com a voz fanha e compreendi tudo.
Radija era a mulher que Gibrail, nosso pai, estava forçando Zaad a se
casar. Em nossa cultura, um homem pode se casar mais de uma vez.
— Ela é sobrinha-neta do antigo sultão — respondi da forma mais direta
que poderia.
— É sua parente então?
— Não. O sultanato não admite mulheres. O antepenúltimo sultão era
amigo do meu avô, mas não teve herdeiros homens, então quando morreu,
nomeou o meu avô como sucessor e manteve em segredo de Estado até a sua
morte. A família do antigo não ficou nada feliz, mas nada podiam fazer. A
hereditariedade está na minha família desde então, mas o sultão tem o poder
de escolher quem ele quiser para sucedê-lo.
— Isso explica algumas coisas.
O rosto de Melissa se contraiu. Estava segurando o choro.
— Zaad te contou sobre o segundo casamento? — perguntei curioso, mas
só serviu para deixá-la mais sensível.
— Na verdade, foi a própria Radija.
Puta merda!
— E você fez um escândalo, aposto.
— Não. Eu só falei que não seria uma das esposas de homem nenhum.
Encarei-a, desconfiado.
O meu irmão tem muitas qualidades, porém seus defeitos superam
qualquer fofura e olha que o babaca é do tipo flores, chocolate, cinema,
jantar, aliança e pedido de casamento ajoelhado ao fim do primeiro encontro.
Ai, que dor no ovo!
— Zaad aceitou?
O suspiro dela foi longo e dolorido, como se estivesse cansada demais para
discutir, lutar ou mesmo se manter respirando. Aquilo me causou uma
ansiedade desconfortável que há muito eu não sentia.
— Você nunca me aceitou, Khalid. Por que está preocupado?
Porque eu te queria pra mim e não como cunhada.
Segurei o volante com força e fixei o olhar no trânsito.
— Ele não vai deixar. Esquece. Zaad nunca vai desistir de você. Ele vai te
caçar até o inferno e vai te arrastar para Omã e te forçar a aceitar tudo o que
ele quiser fazer com você. Eu avisei, Melissa. Avisei que ele era doente, mas
você não me ouviu. Nem a mim e nem ao seu irmão ridículo.
Ela chorou.
Merda!
Cada lágrima que rolava pelo seu rosto era uma facada em meu coração.
Eu não aguentava ver uma mulher chorando. Não aguentava porque vi a
minha mãe naquela situação muitas vezes.
Najila foi vítima de violência doméstica. O nosso pai era o sultão de Omã.
Não existiam leis contra um homem bater em sua mulher naquela época e não
havia para quem ligar. Nenhum policial entraria em nossa casa e levaria o
sultão preso, então ela fez a única coisa que poderia: se matou.
— Eu prefiro a morte do que uma vida dessas — Melissa gritou me
arrancando das lembranças e me jogando em um poço de culpa.
Podia sentir a água gelada e a escuridão me engolindo, puxando-me pelos
pés para o fundo. Podia ver o rosto da Najila me acusando de omissão. Mais
uma vez.
Brequei o carro, jogando-o no acostamento.
Eu só conseguia pensar na minha mãe. Eu havia prometido a ela que
nenhuma outra mulher sofreria na mão de um Tharip ou de qualquer homem
em Omã. Joguei a minha vida e qualquer merda de sonho que eu pudesse ter
no lixo e me tornei político apenas para mudar as leis do meu país. Lutei e
ainda lutava para que as mulheres tivessem seus direitos garantidos,
defendidos, contra homens doentes como o meu pai, e agora, meu próprio
irmão havia se tornado o monstro.
Eu sempre soube que ele era uma cobra.
Senti as minhas mãos suarem. Abri e fechei sentindo o inchaço se
alastrando, como veneno em minhas veias.
— Droga! Eu falei que o resultado seria esse.
Passei a mão pelo rosto com força. Estava calor demais, mesmo com o ar-
condicionado no máximo. Meu coração estava acelerado, minhas mãos
suavam, minha visão estava fora de foco.
Esse carro sempre foi pequeno desse jeito?
Firmei a vista num esforço de dominar aquela sensação horrível, ainda que
meu coração esmurrasse o meu peito.
De repente o carro parecia apertado, sufocante.
Respirei fundo várias vezes até me sentir menos desconfortável.
— Eu te levo até o aeroporto — ofereci —, mas você precisa sumir. Não
volte para sua casa, não ligue para a sua família, todos precisam acreditar que
você desapareceu do mapa.
Melissa soluçou e assentiu com a cabeça.
Desculpe, querida, mas é para o seu próprio bem. Não vou assistir outra
mulher definhar até a morte sem fazer nada. Dessa vez eu irei impedir.
— Eu vou te ajudar se é isso o que quer — prometi.
Dirigi até o aeroporto e no caminho liguei para o piloto, para o meu
segurança pessoal e para um monte de gente que eu precisaria calar se
quisesse mantê-la incógnita. Cobrei alguns favores e fiquei devendo outros,
mas não permitiria que Melissa passasse pelo inferno que a minha mãe
passou.
Parei diante da porta da aeronave para me despedir e segurei a sua mão.
Quente, pequena, o breve contato fez o meu coração disparar.
— Ninguém vai te questionar dentro do meu avião. Todos já estão cientes
de que não devem fazer perguntas. Não use o seu nome. Zaad vai fazer os
agentes te rastrearem facilmente.
— Obrigada, Khalid.
Após a porta do avião ser fechada pela aeromoça eu me senti mais
aliviado. A fúria do Zaad, entretanto, seria algo com o que eu precisaria lidar.
Meu irmão já havia tentado o suicídio antes, quando nossa mãe morreu. Ele
não absorvia bem a perda. Nenhum borderline absorve. O medo de ser
abandonado é latente e insuportável, mas foda-se.
Não deixaria que a doença mental do meu irmão acabasse com a vida de
outra mulher.
Khalid — 2020 (Dois Anos Depois)
A casa era imensa. Meu quarto tinha um banheiro no qual eu moraria sem
problemas. Havia um sofá de dois lugares dentro dele e até uma mesinha de
centro.
Quem coloca sofá dentro de um banheiro?
O que me preocupava mais era o motivo daquilo. Será que alguém bate um
papo enquanto está sentado no trono? Credo!
Não sou deslumbrada. Tive acesso a quartos de hotéis luxuosos e fiz
muitas viagens enquanto trabalhava na Holding, mesmo assim, pensar em
morar ali me deixava tensa.
O luxo escorria pelas paredes, caía do teto em lustres tilintantes de cristal e
se oferecia em forma de assento macio. Tudo era bom, confortável, bonito. O
tipo de coisa que uma assalariada como eu jamais teria acesso.
O closet era repleto de gavetas e compartimentos para joias que se abriam
com um clique seco ao serem apertadas. As intermináveis araras para cabides
tomavam toda uma parede. Na lateral mais estreita tinha prateleiras do chão
acarpetado até o teto branco, com luzes de led amarelas que apontavam para
dentro. Imaginei que ali ficariam os sapatos.
Arrumei a minha pouca bagagem dentro do closet imenso. Era estranho,
apesar de confiar na minha motivação, uma parte da minha consciência ainda
palestrava contra a ambição e necessidade.
Sentei na cama me sentindo fraca.
Não trabalhei arduamente naquele dia, mas a exaustão me atingiu com
força. Arriscar é cansativo. Medo, angústia e ansiedade agem em nosso corpo
como doenças.
Deitei na Queen Size reprimindo qualquer pensamento. Eu só queria fingir
que estava tudo bem, que não precisaria aguentar o otário grosseiro como
patrão pelo resto da vida.
Nunca será amada. Nunca saberá o que é ser feliz ao lado do amor da sua
vida. É isso que você quer, Isabela?
A militante dentro de mim começou a gritar mais alto.
Vai passar o resto dos seus dias usando um vibrador se quiser ter um
orgasmo?
Eu tinha duas consciências com personalidades opostas dentro de mim.
Uma delas era a feminista prolixa, versada em filosofia e panfleteira de
Simone de Beauvoir. Ansiosa por mudar o mundo e derrubar o patriarcado
nem que fosse à base de pancada. A outra era a vagabunda pobre e realista.
Essa usava o português coloquial, rebolava ao som de funk e xingava como
um estivador do cais do porto.
As duas frequentemente divergiam.
Cala boca, sua chata do caralho! Vamos nos prostituir pra pagar as
contas? Não temos nem corpo para isso. Hoje em dia o mercado tá puxado,
exigente. Tem que ser modelo e ter book rosa pra usar o xerecard. Precisa
estar em dia com a academia, mas tu é preguiçosa e gosta de pizza.
Suspirei desolada.
Sim, a minha sanidade mental está ok, não se preocupem.
Puxei o celular do bolso da calça jeans e abri um joguinho bobo. Nada
melhor para esvaziar a mente e calar discussões esquizofrênicas comigo
mesma.
Cochilei e o bendito do aparelho caiu na minha cara. Virei de lado
fechando os olhos, implorando para a escuridão da inconsciência me engolir
e... engoliu.
Dormi profundamente até ouvir batidas na porta.
Ignorei, mas a pessoa era persistente.
— Vá embora!
— Desculpe, señorita — pediu misturando árabe com espanhol e acabei
sorrindo. — Posso entrar?
Levantei esfregando os olhos, me sentindo inchada e alonguei os ossos que
estalaram.
— Pode.
A figura simpática enfiou a cabeça entre a porta e o alicerce, abrindo um
belo sorriso ao me ver.
— Como está?
— Meio perdida, sentindo a mudança de fuso horário, mas vou ficar bem.
Ele entrou deixando a porta aberta.
— Khalid me contou que vocês fizeram um acordo de trabalho.
— Foi assim que ele chamou? — Ri tirando uma sujeira imaginária da
calça. — Achei que fosse um casamento.
— Ele não gosta dessa palavra.
Encarei-o erguendo a sobrancelha.
— Tomou galho da ex-namorada?
— Não. O problema foi com os pais dele.
Hálim olhou para trás como se estivesse preocupado em ser ouvido e
baixou a voz.
— Olha, o Khalid não é um monstro, eu garanto, mas vai tentar te
convencer que é. Só não acredite nisso, por favor.
Tarde demais, amiguinho.
Concordei com a cabeça apenas para reconfortá-lo.
— Espera. — Ele foi até o corredor e voltou com um monte de sacolas. —
Amanhã você tem uma audiência com o sultão. Trouxe algumas coisas úteis
para que saia na rua.
— Hum. — Olhar para aquele monte de sacolas sabendo que eram panos
para me esconder, tirava a alegria de receber presentes. — Obrigada.
Peguei um dos vestidos do montante. Um azul-escuro de cetim brilhoso.
Acariciei sentindo a maciez.
Quando, em situações normais, eu teria uma roupa daquelas?
— Não gostou?
— Ééé... — Nós rimos. — Em parte, sim. É tudo muito lindo e os tecidos
são maravilhosos, mas ainda prefiro um short, calças, blusas, saias...
— Acho que ficará belíssima com seda pura e muitas joias. — Hálim se
aproximou com olhos fixos nos meus e engoli em seco. — A sua beleza é
perturbadora, señorita.
— Obrigada — falei rindo, mas dei um passo para trás, largando o vestido
que estava em minhas mãos sobre a cama.
— No início, quando me mudei para cá, eu também senti um desconforto,
mas garanto que não é tão ruim. As pessoas aqui são amistosas e toleram bem
os estrangeiros. Temos muito do Ocidente em Omã. Posso te levar para
conhecer.
Ele se aproximou novamente, pegando a minha mão e depositou um beijo
no dorso.
— Seria bom — eu me ouvi dizer, mas estava reticente.
Hálim era charmoso, estava obviamente flertando comigo, mas não me
senti confortável.
— Amanhã de tarde preciso que me acompanhe até algumas lojas para
providenciar as outras roupas que usará por baixo.
— Precisa? Vou ficar escondida embaixo disso tudo mesmo. Eu poderia ir
pelada que ninguém perceberia a diferença.
— Eu perceberia. — A voz grossa invadiu o quarto fazendo o meu coração
correr despinguelado. — Pode nos dar licença?
— Claro. — Hálim deitou outro beijo na minha mão enquanto os olhos
ásperos de Khalid observavam o gesto com uma pontada de desprezo. — Boa
noite, Bela.
Meu chefe rolou os olhos e precisei prensar os lábios para não rir.
Ele permaneceu em silêncio após o secretário sair, medindo-me, até que se
aproximou da cama e pegou um dos vestidos e um lenço.
— Este aqui — jogou para mim. — Vista sobre a roupa.
Eu respirei fundo, sem a menor paciência e me enfiei dentro do vestido de
qualquer jeito. Khalid se aproximou e ajeitou a roupa.
— Isso é um abaya simples. Uma espécie de roupão muçulmano. Pode ser
usado solto, por cima da roupa quando quiser sair. Outros, como aqueles ali
— apontou para as peças em cima da cama — são usados como vestido
mesmo.
Ele pegou um lenço cor de areia e envolveu meus cabelos com delicadeza.
Estava compenetrado enquanto amarrava, tão próximo que pude sentir seu
perfume de novo.
Khalid tinha cheiro de homem caro. Daqueles que usam gravata de seda
pura e fumam charutos cubanos. Era um odor refrescante e sedutor.
— Não precisa usar nada disso em casa. — Suas palavras fizeram cócegas
na minha boca de tão próximos que estávamos. — Nem em pontos turísticos
da cidade.
Lambi os lábios. Foi um gesto inconsciente, automático, mas não passou
despercebido. Khalid segurou o meu queixo e passou o polegar pela minha
boca capturando a umidade da minha saliva.
— Não me distraia, Isabela.
As palavras soaram como lixa. Ásperas, graves demais.
Ele chupou o próprio dedo e trouxe a boca até minha orelha.
— Você não quer sexo casual e eu não quero me envolver, então não
umedeça esses lábios na minha frente porque senão vou fodê-la com força até
que goze no meu pau.
Todo o meu corpo estremeceu. Disfarcei o início de um gemido limpando
a garganta.
— Deveria ser imune a mim — balbuciei —, já que não sou o que você
esperava.
Senti o seu riso no lóbulo da orelha que ele mordiscou, fazendo meu corpo
incendiar.
— E não é! Pela descrição da Melissa, eu esperava uma moleca feiosa,
insossa, inexperiente e irritante com seus dilemas fúteis, mas o que recebi?
Uma mulher que... — Khalid agarrou a minha nuca, com seus dedos
compridos. O polegar pressionou a minha laringe, como um aviso silencioso
do quão letal poderia ser, e desceu os olhos pelo meu corpo.
Arfei e ele se afastou.
Foi tão frustrante, tão... irritante! Fui do tesão ao ódio em segundos.
— Tenha em mente que está lidando com um homem, e não com um
moleque, Isabela.
Senti meu sangue ferver de raiva.
— Um homem apto a viver em sociedade ou um homem das cavernas?
Porque a diferença é gritante.
Ele estreitou os olhos sem entender.
— Que espécie de pergunta é essa?
— Um homem das cavernas acha que a mulher deve se comportar de
forma que não o provoque, pois a sua virilidade é incontrolável. São os
mesmos que dizem que a minha calça justa é um convite e a minha saia curta
um sinal verde. Sua mãe não te ensinou a respeitar as mulheres? A ter
domínio próprio e controlar seus instintos ao invés de culpar o meu gesto?
O rosto dele se fechou. Os olhos pretos e maus perderam qualquer sinal de
humanidade e pude sentir a frieza e crueldade da sua alma.
— Ela não teve tempo de me ensinar esse tipo de coisa — grunhiu baixo,
articulando cada palavra com perfeição. — Ela se suicidou quando eu tinha
14 anos.
Fechei os olhos com tanta força que vi borrões coloridos quando os abri.
— Khalid, eu...
— Arrume-se! Hálim vai te mostrar a cidade — rosnou antes de sair sem
permitir que eu me desculpasse.
Khalid
Ainda estava com o sabor da loção do Khalid nos meus lábios e percebi
com minha visão periférica que Hálim sorriu ao me ver tocá-los.
Disfarcei, coçando a boca.
O celular dele emitia bips constantes de notificação que ele ignorou.
— Onde estão os seguranças?
— Eu sou o seu segurança hoje, minha Bela. — Hálim abriu o paletó e
mostrou a arma em sua cintura. — Pode confiar. Sou excelente atirador.
Ergui as sobrancelhas.
— O Khalid vai ter um treco — comentei imaginando que aqueles milhões
de mensagens chegando ao celular deviam ser do nosso chefe.
Hálim sorriu enquanto fazia uma curva suave.
— Gosto de quebrar a rotina dele.
— Você é doido! Então, para onde vamos?
— Fazer compras em Ruwi, o centro comercial de Mascate. — Ele olhou
para o retrovisor enquanto mudava de pista. — Estou animado para vê-la
experimentando todos aqueles vestidos.
— Sou seu experimento pessoal, não é?
— Quase um pet. — As provocações do Hálim nunca soavam grosseiras.
Tudo desde o seu tom ao sorriso contagiante deixavam evidente sua
personalidade espirituosa.
O descarado provavelmente tentaria me espiar dentro do provador se eu
deixasse e por alguns segundos a ideia me atiçou.
A Isabela Vagabunda não vencerá hoje. Avisei-a mentalmente e quase
pude ouvir seu muxoxo.
— Está muito calor — comentei me abanando. — É sempre assim por
aqui?
— Sempre. O verão propriamente dito vai de abril a outubro e chega a
50°C, mas a señorita tem uma piscina em casa. Podemos tomar um banho na
volta, que tal?
Gargalhei quando ele ergueu as sobrancelhas, sugestivo.
— Você não perde uma oportunidade. — Balancei a cabeça reprovando
seus esforços, mas achando divertido ao mesmo tempo.
— Gosto de manter o sonho vivo.
Apesar do clima descontraído, percebi que Hálim estava aumentando a
velocidade cada vez mais e quando o carro cantou os pneus em uma curva,
me preocupei.
— Melhor ir devagar, piloto!
O espanhol prensou os lábios e meneou a cabeça. Sua expressão se
inundou de uma preocupação que ele não conseguia mais disfarçar.
— Não se assuste, cariño, mas estamos sendo seguidos.
A coisa mais inútil de se dizer é não se assuste, porque o efeito é
totalmente contrário.
— Segure-se! — A ordem foi rápida e ele acelerou na curva. — Vou pegar
um atalho.
Meu coração já batucava como um louco quando Hálim atravessou três
pistas de uma só vez, pegando a última saída à direta enquanto eu gritava
como uma garotinha.
O carro que estava atrás de nós passou direto pela saída, mas freou
bruscamente fazendo os pneus cantarem alto. Hálim acelerou dobrando à
direita e depois à esquerda e se enfiou em um vilarejo de ruas estreitas.
— Vou chamar a polícia. — Peguei o aparelho, mas uma manobra
repentina o fez voar da minha mão, escorregando para baixo do banco. —
Merda!
Eu me tremia inteira de tanto nervoso.
— Fica calma, eu já despistei.
— Como eu posso ficar calma? Por que alguém estaria nos seguindo?
— Você vai casar com um político que combate o extremismo religioso
num país árabe, gatinha. A família Tharip já foi jurada de morte pelo Estado
Islâmico. O que pensou?
— Eu sei lá, PORRA! — A verdade é que não pensei. Eu me concentrei no
dinheiro, na saúde debilitada do meu pai e na minha necessidade de ter um
teto sobre a minha cabeça. — Meu Deus, perdoa as minhas putarias! Eu me
masturbava pra não fornicar com homens escrotos. Era por um bom motivo!
Fiz o sinal da cruz três vezes e uni as mãos.
— O que está fazendo?
— Rezando. Se chegou o meu fim, eu quero pelo menos tentar não ir
direto pro inferno. Minha Nossa Senhora das Vagabundas que Não Cobram,
se eu sair viva dessa vou à missa no domingo.
— Essa promessa não vai adiantar — Hálim avisou pouco antes de uma
banquinha de frutas ser atropelada quando ele subiu a calçada para desviar de
um carro. — Não tem igreja católica em Omã.
Tínhamos tomado uma dianteira grande e o carro que nos seguia sumiu do
retrovisor. Muitos quarteirões depois, seguimos por uma estrada de terra.
Ele dirigiu por quase vinte minutos em silêncio até que soltou todo o ar dos
pulmões quando chegamos à Corniche, rua que beirava a praia.
— Eu juro que isso não acontece sempre. — Seu tom foi como se pedisse
desculpas. Ele apertou o meu joelho carinhosamente quando estacionou em
frente a uma loja chique. — Estou impressionado. Você se controlou muito
bem.
Olhei para ele ainda abalada.
— Estou toda me tremendo, Hálim. — Mostrei as mãos com dedos abertos
e ele segurou ambas e beijou os meus dedos, repetidas vezes.
— Relaxa, está tudo bem. Vamos comprar algumas roupas e deixamos a
visita à loja da Melissa para outro dia. Fiquei sabendo que você não é muita
fã dela.
Continuei encarando o painel do carro, meio aérea. Meu coração ainda
batia forte.
Hálim me puxou para um abraço e beijou o topo da minha cabeça.
— Está tudo bem, eu prometo. Vou ligar para o chefe da segurança e em
alguns minutos teremos um carro extra aqui para te proteger — garantiu
acariciando as minhas costas e eu assenti me ajeitando novamente no banco
do carona enquanto ele enviava mensagens no celular.
Hálim ainda estava digitando quando o celular dele tocou.
— Oi, chefe.
A voz do Khalid soou estridente através do aparelho.
— Quem foi? Viu a placa?
— Não tinha placa. Era um sedan branco, filmado. Não consegui ver nada
— informou e Khalid falou alguma outra coisa, mais baixo dessa vez. —
Estamos em frente a uma loja aqui em Ruwi.
Ele me lançou uma olhada e piscou para mim.
— Ela está bem. Não, já disse, está bem.
Nos minutos seguintes ele apenas ouviu calado. Hálim passou o nome da
rua e número da loja antes de desligar.
— Vamos entrar. Os seguranças já estão chegando.
Descemos do carro e eu tive dificuldade de ficar em pé porque minhas
pernas estavam bambas, então me apoiei no carro preto e respirei fundo.
Hálim passou a mão pela minha cintura e sustentou o meu corpo, me
puxando para ele.
— Acho que...
— Tudo bem — me cortou e plantou um beijo no meu pescoço.
O arrepio me fez rir.
— Madre de Dios! Eres muy fragrante[15] — disse com um sorriso
obsceno.
— Não sou tão cheirosa assim. — Eu o empurrei de leve. — Vamos entrar
logo.
A loja era ampla. Nos fundos havia uma única cabine de frente para um
conjunto de sofás cor de areia e um espelho enorme.
Hálim sentou-se em um deles, de dois lugares, abrindo os botões do terno
cinza elegante e cruzou as pernas. Sua expressão de ansiedade, como se
estivesse prestes a assistir a algum show, me fez relaxar.
A vendedora muito simpática tomou nota de tudo o que ele pediu e
retornou com um copo de água que bebi quase todo.
— Você é quem vai escolher as minhas roupas?
— Apenas as formais que precisará usar em Omã para solenidades e
passeios — respondeu muito seguro de si. — Na loja da Melissa veremos o
vestido de casamento e outras peças que poderá usar no Ocidente.
— Pensei que ela só fizesse vestidos de noiva.
— A loja expandiu esse ano e tem feito muito sucesso entre as
celebridades e princesas árabes. Até nosso turismo aumentou com tantas
mulheres vindo aqui só para comprar na boutique Haya.
Eu já tinha ouvido esse nome no escritório da Melissa.
A vendedora voltou com algumas peças e me puxou para a cabine
perguntando quanto eu calçava e que tipo de salto preferia.
O primeiro vestido era um tomara que caia dourado velho, longo até a
altura do meu tornozelo e justo no corpo, com uma fenda curta atrás, apenas
para a movimentação das pernas. Havia uma sobreposição quadrada para ser
amarrada no pescoço que cobria toda a extensão dos braços.
Infelizmente o espelho ficava fora da cabine e não tive escolha.
A vendedora estava do lado de fora e sorriu erguendo um par de saltos
altíssimos, da cor do vestido.
Hálim se levantou e desamarrou a sobreposição.
— Quando não estiver em Omã, pode usá-lo sem isso.
— Tem certeza?
— Acha que um americano ou francês irá notar seus ombros à mostra?
Suspirei alisando o quadril marcado pelo vestido.
Fiquei tão focada no que não poderia usar que me esqueci de tudo o que
me seria permitido.
— Separe este junto com os sapatos que iremos levar — Hálim informou
para a vendedora e invadiu a cabine. — Esse aqui é o próximo.
— Acho que você está mais empolgado do que eu.
— Certamente, señorita. É uma experiência nova.
O vestido que ele separou era um longo vermelho vivo. A manga esquerda
era solta enquanto a outra era colada, de tecido fino com pedrarias cor de
prata desde a gola alta, abraçando o ombro e braço direito até o pulso.
Acinturado, mas a saia se abria bem solta até os pés. Um caimento ótimo e
levinho.
— Gostei — falei assim que saí da cabine e Hálim me encarou som um
sorriso melancólico. — Achei elegante e não é tão quente.
— É perfeito! Leve este para a França, por favor — pediu fazendo uma
reverência.
Ainda estava admirando o vestido quando vi o par de olhos demoníacos
pelo espelho.
Meu coração escorregou para o estômago de susto.
Khalid se aproximou com uma das mãos dentro do bolso da calça social, o
paletó aberto e colete fechado. Pegou a ponta da manga testando a maciez do
tecido entre seus dedos com uma expressão muito séria que me fez engolir
em seco.
— Esta cor fica ótima em você.
— Ah! — Deus do céu, como esse homem me deixa tensa. — Que bom.
— Você está bem?
Sacudi a cabeça freneticamente me lembrando que o tinha beijado na
bochecha como uma adolescente apaixonada que esgotou as tentativas de
mostrar para o crush que estava prontinha pra ser agarrada, horas antes.
Merda! Este país está me fazendo regredir.
— Vai precisar de ajuda com o fecho — disse deslizando a mão da base da
minha coluna até a nuca.
Mesmo por cima do tecido, senti a minha pele queimar como se brasas a
estivessem percorrendo.
— Verdade — minha voz soou tão ridícula e carente que a feminista que
habita em mim ameaçou tacar o livro da Clarissa Pinkola Estés na minha
cara. Limpei a garganta e ajeitei a coluna —, mas acho que posso me virar.
Khalid fechou a mão que estava na minha nuca, me conduzindo para
dentro da cabine, e deu um puxão na cortina.
— Descobri que existem muitos tipos de amizade no seu país, Isabela —
disse esfregando a boca na minha bochecha até a orelha. A barba espetando-
me provocativa arrepiou todo meu corpo. — Colaborar com a felicidade do
outro pode ter muitas vertentes. Posso tornar isso muito prazeroso se quiser.
Um arrepio quente escalou a minha espinha reverberando pelos meus
braços. Aquele homem falando grave, cuspindo ameaças sensuais mexia com
minha fisiologia.
Khalid me imprensou contra a parede, mantendo meu pescoço refém da
sua mão larga e com a livre, acariciou a minha cintura. Passou da carícia para
um aperto, lentamente, deixando clara a sua medida de força, como se
quisesse me mostrar o quão delicioso conseguia ser. O rosto a centímetros do
meu esperava alguma espécie de sinal verde.
É impressionante como a adrenalina nos faz pensar rápido. Ao mesmo
tempo que me imaginei pulando em seu colo e abrindo as pernas, calculei os
danos que isso causaria em nossa relação esquisita.
— Não foi a esse tipo de amizade que me referi — tratei de deixar claro.
— Você entendeu errado!
— Entendi? Então não beije o meu rosto como se quisesse chupar o meu
pau — grunhiu com a boca a centímetros da minha, soprando o hálito de
hortelã no meu rosto.
— Não pensei — me interrompi absorvendo o cheiro dele, tentando
imaginar seu gosto e meus olhos se fixaram nos lábios entreabertos — no seu
pau.
— Então no que pensou? Na minha boca? Quer um beijo para matar a sua
curiosidade?
Não consegui raciocinar. Ele me encarava como um animal prestes a
perder o controle, mantendo-me presa pelo pescoço e com o peso do seu
corpo me apertando contra a parede. Empurrou o quadril contra a minha
barriga lentamente, me fazendo sentir sua ereção. Todas as minhas células
gritaram sim, apesar de saber que deveria negar. Não tive forças para negar e
ele tomou o meu silêncio como resposta.
Sua boca cobriu a minha com uma fúria alucinante. Firme e molhada,
típica de animal sedento. A língua quente invadiu a minha boca com fome,
tocando o palato, chocando seus dentes com os meus, enquanto as mãos
percorriam todo o meu corpo, frenéticas.
— Hum... — gememos juntos, um engolindo o tesão do outro.
Buscávamos mais contato, mais calor, num duelo agressivo e eu queria
mais. Queria senti-lo por inteiro. Era como se aquele homem tivesse sido
criado para me completar porque no momento que provei seu gosto a reação
química se alastrou por todas as minhas células.
Khalid chupou meu lábio com tanta força que o feriu e fiz o mesmo nele,
tão feroz quanto, tão excitada como jamais estive.
Suas mãos ampararam meus seios, segurando-os como taças, e ele roçou o
polegar no bico rígido espalhando uma quentura que atingiu meu baixo
ventre.
Sua ereção contra a minha barriga mostrava o quanto me desejava, mas ele
se afastou.
Arfei sentindo meu corpo reclamar. Minha entrada pulsava de excitação
enquanto ele me encarava com o rosto contorcido, como se estivesse lutando
contra si mesmo.
— Espero que tenha matado a sua curiosidade, Isabela — disse ajeitando a
gravata e olhou para si mesmo. Estava completamente bagunçado e só então
percebi que o toquei com tanta ansiedade quanto ele. — Acho que é você
quem precisa decidir qual papel terá nessa amizade. — Riu desafivelando o
cinto.
Meu coração disparou diante da sua arrogância. Odiava me sentir daquele
jeito.
Ele desabotoou a calça e puxou a camisa de volta ao lugar, se arrumando
lentamente enquanto me lançava um olhar debochado.
Prensei os lábios e senti o gosto de sangue junto com a fisgada.
Passei a mão pelo rosto e bufei irônica.
— Precisava me babar inteira? Os adolescentes do meu país fazem menos
bagunça com um beijo.
Ele parou o movimento refletindo sobre as minhas palavras e estreitou os
olhos.
— Não finja que não gostou.
— Gostar? — Revirei os olhos. — Quem disse que eu queria beijar você,
pra começo de conversa? Você deduziu isso sozinho. Mas tudo bem, já
entendi. Não serei gentil ou amigável novamente para evitar mal-entendidos.
Ouvi seus dentes rangerem, mas ele ergueu o queixo, ainda mais orgulhoso
do que eu.
— Vira — mandou enquanto terminava de afivelar o cinto.
— O quê?
— Vou abrir o seu vestido, Isabela.
— Eu não vou...
— Fica calma — ordenou baixo aproximando a boca do meu pescoço e me
arrepiei inteira de novo. Khalid deu um puxão no meu braço e me fez girar,
ficando de costas para ele. Arfei. — Não vou te foder ainda. Por enquanto,
serei o que você quer...
Delicadamente ele deslizou o zíper até a base da minha coluna e acariciou
o caminho de volta com a ponta dos dedos.
Respirei tão fundo que meus pulmões queimaram.
— ...um amigo — completou a frase suspensa.
Demônio!
— Experimente o rosa — pediu com o riso dançando na voz grave antes de
sair do provador. — Combina com seu tom de pele.
Eu estava perdida. Aquilo jamais daria certo. Já havia tantos problemas
envolvidos naquele casamento de conveniência e Khalid querendo sexo
casual me afligia de formas que eram impossíveis de explicar.
Eu não podia voltar àquele comportamento destrutivo, esmolando carinho
de alguém que só queria gozar em mim e virar as costas. Minha sanidade
mental não suportaria. E como se não bastasse, em oposição ao ogro, tinha
Hálim e suas investidas galanteadoras que me faziam derreter.
Demorei um bom tempo dentro do provador respirando fundo até recobrar
algum mísero equilíbrio e continuar experimentando as roupas que Hálim
escolheu.
Quando saí da cabine, Khalid já tinha separado mais um tanto de
combinações que jogou na cabine e sentou-se confortavelmente me
encarando com olhos de águia.
Hálim sorria sem tirar os olhos de mim e decidi que fingir que estava tudo
bem, que nada havia acontecido, era o caminho menos enlouquecedor.
Perdemos horas naquela loja. Experimentei uma infinidade de outras
roupas, lenços e sapatos. A vendedora me ensinou a prender os malditos
panos na cabeça com prendedores bem fininhos e quando saímos da loja,
estava levando quase toda a coleção.
Havia mais de dez seguranças na porta da loja e isso me causou aflição,
mas Khalid deslizou a sua mão pela minha e apertou forte, como se quisesse
me dizer que estava tudo bem.
Senti uma coisa estranha na boca do meu estômago. Era como se mil
borboletas batessem asas naquele pequeno espaço.
Não viaja, Isabela! Esse homem está apaixonado pela cunhada. Uma
mulher que não tem absolutamente nada a ver com você. Tudo o que ele quer
é sexo e vai te descartar logo depois. Não caia nessa, sua trouxa!
Quando vi a prostituta ruiva e baixinha, tão parecida com a Melissa,
lembrei das palavras do Hálim sobre a mulher que Khalid amava ser casada e
proibida para ele. Não foi difícil deduzir o resto e quando joguei verde e ele
admitiu, senti um nó em minha garganta.
Mas quando ele tirou a camisa molhada na cozinha e vi tantos músculos e
um abdômen engomado à perfeição, simplesmente me esqueci do buraco
profundo em que estava me atirando.
A visão me perturbou, mas não tanto quanto as cicatrizes em suas costas.
Revirei na cama a noite inteira, me perguntando quem teria feito aquilo e
por quê.
— Ei — falei estancando em frente a uma perfumaria, na mesma calçada
da loja que havíamos saído. Na vitrine, um perfume francês caro me chamou
a atenção. — Posso comprar uma coisa antes de irmos embora?
Khalid franziu as sobrancelhas daquele jeito sexy que o deixava com cara
de bravo.
— Claro. — Ele entrou na loja comigo, olhando ao redor. — O que você
quer?
— Deixa comigo. — Puxei minha carteira sentindo o meu coração
disparar. Era estranho e até constrangedor usar o dinheiro que ele tinha
depositado na minha conta, mas respirei fundo. — Por favor, eu queria aquele
que está na vitrine — pedi para a vendedora que ainda estava assustada,
encarando o Khalid e ela assentiu meio trêmula.
Ele se afastou, nos deixando à vontade e foi olhar as prateleiras. Havia
arranjos com perfumes, loções e outros itens organizados em caixas bonitas,
como sugestão de presente.
Meu coração batia rápido, tão besta, só porque eu finalmente compraria um
perfume daquele para meu uso pessoal. Sempre adorei a fragrância, mas
nunca imaginei que algum dia eu gastaria tanto dinheiro em algo tão
supérfluo.
Burguesa safada! Recriminou a minha consciência feminista e assalariada.
Olhei ao redor esperando a moça embrulhar meu item caríssimo e vi um
ursinho de pelúcia grande, bege-claro, tão fofo que suspirei.
Imagina ser tão sortuda um dia a ponto de ganhar um negócio desses de
presente?
— Gostou? — Khalid me assustou com a pergunta. Fiquei sem graça e
apenas assenti. — Eu vou levar esse aqui — informou à vendedora que não
poderia ter os olhos mais arregalados.
— O quê? Não! — Eu me embolei em minha própria negação, mas fui
ignorada.
— Posso colocar na mesma nota, Ministro? — A voz da jovem era um
fiapo.
Mas, gente? Será que a coitada precisa da venda ou está impressionada
com ele?
— Não. Esse aqui eu mesmo vou pagar.
A vendedora esboçou um sorriso mais apavorado do que outra coisa e
tratou de embrulhar o bicho de pelúcia.
— Você não precisava fazer isso — comentei torcendo a mão uma na
outra.
Mas que droga, Isabela! Por que está tão afetada?
Endireitei a coluna e respirei fundo disposta a recusar, mas antes que eu
pudesse fazer alguma grosseria, a moça voltou com as duas sacolas e
entregou uma para mim e outra para o Khalid. Agradecemos e saímos da loja
em silêncio, exceto pelo meu coração que fazia um estardalhaço dentro do
meu peito.
Khalid abriu a porta do carro para que eu entrasse e sentou-se ao meu lado
no banco de trás enquanto Hálim assumia a direção e um segurança ocupava
o lugar do carona.
— Aqui — falou baixo e sério me entregando a sacola. — Meu primeiro
presente para você. — Ele aproximou o rosto do meu para falar ao meu
ouvido. — Quando eu te irritar, e saiba que eu vou, tem permissão para
descontar nele.
Prensei os lábios tentando não sorrir, mas foi inútil.
— Obrigada. — Olhei dentro dos olhos escuros quando ele se afastou. —
Farei isso.
— Algum compromisso na agenda da minha noiva para hoje?
— Não, senhor.
— Então vamos para casa.
Khalid
— Não ligo para a opinião do Zaad — rosnei pela segunda vez. — Aquele
babaca não faz o que é preciso e alguém tem que sujar as mãos, Hálim.
Ele passou a mão pelo rosto andando em círculos dentro do meu quarto. Eu
estava cansado. Tinha ido à França e voltado no mesmo dia com meia dúzia
de promessas, o que não resolvia nossos problemas.
— Eu só falei que ele está certo em esperar. Precisamos saber se essa
empreitada é pessoal ou contra o sultanato. Eu já avisei o serviço de
inteligência e reforcei a segurança, mas vai levar algum tempo até
conseguirmos informações relevantes.
Aquela situação era muito frustrante.
— Alguém está tentando te mandar um recado — Hálim acrescentou. —
Quem você acha que poderia ser?
— Tessalah, é lógico! Ele sempre me perseguiu.
— Só uma desconfiança não convencerá o conselho. Precisamos reunir
provas.
Encarei-o pensativo.
— O que está sugerindo?
Hálim parou de fazer os círculos que já estavam me enlouquecendo e
sentou-se na cadeira.
— Provocá-lo. Sabe que ele odeia suas ideias modernistas e seu
comportamento ocidental, então, vamos dar a ele um combo de tudo o que ele
tanto despreza.
— Creio que o meu casamento com uma brasileira pobre já esteja
constipando o suficiente aqueles intestinos.
— Precisa estampar os jornais de Omã e do mundo com o amor de vocês.
Vamos encomendar notícias sobre o seu casamento — aconselhou, mas o
meu pensamento foi um pouco mais longe.
Não costumo ir à boate de Omã para não levantar falatório. A população,
por mais simpática à minha política, ainda é moralista. Não importa se todos
os homens da cidade frequentem o mesmo lugar, o Primeiro-Ministro colocar
os pés ali era um absurdo. Por outro lado, ir com a minha noiva era outra
história.
— E se eu for com a Isabela na boate da Sumali?
O espanhol batucou os dedos sobre a mesa nervosamente.
— Não. — Sacudiu a cabeça, enfático. — Ali não.
— Não preciso da sua aprovação. Ela é minha noiva.
— É muito perigoso. Pode não se importar com ela, mas eu me importo.
— Apaixonado, Hálim?
— Talvez.
Senti uma pontada incômoda e massageei o peito sem acreditar.
— Pelo que sei ela te rejeitou.
— Não foi bem assim. Ela estava com a consciência pesada por sua causa,
mas expliquei que você estava apaixonado por outra.
Filho da puta!
— Foi você?! — Soquei a mesa num rompante. — Não tinha o direito de
contar nada. Está passando dos limites, Hálim.
— Eu só falei a verdade. Ela merece saber antes de criar fantasias contigo.
Forcei uma gargalhada e ele ergueu as sobrancelhas.
— Já a beijou? — provoquei mesquinho, sentindo uma raiva irracional. —
Não! Mas eu sim. Mesmo sabendo de tudo ela ainda se derreteu nos meus
braços.
— Isso você nem precisava me contar. Todo mundo dentro daquela loja
ouviu os gemidos de vocês. Sabia que a coitada da vendedora quase teve uma
síncope? — Hálim passou a mão pelos cabelos quase alegre em compartilhar
a informação. — Não sou ciumento, Khalid. Pode beijar, chupar, foder, e
mesmo assim ainda vou querer a garota.
— Então nós temos um problema.
O desgraçado abriu um sorriso genuíno, olhando para meus punhos
fechados sobre a mesa do escritório. Não tinha percebido que eu havia me
inclinado sobre o tampo de madeira, nem que meus músculos estavam tão
rígidos.
Retrocedi confuso enquanto ele ria e massageei a têmpora.
— Por que temos um problema, Khalid? — inquiriu cruzando os braços,
ainda com aquele sorriso irritante no rosto. — Está claro que não quer
compartilhar a moça, mas qual é o motivo?
— Porque ela será a minha esposa, só isso. Conhece a história. Minha mãe
fazia mil recomendações pra mim e para o Zaad sobre como ser um bom
marido, implorando para que não fôssemos como o Gibrail e deixar meu
amigo foder a minha esposa definitivamente não é o modo certo de ser um.
Desabei na cadeira desabotoando o terno sob seu olhar incrédulo. Estava
cansado, com fome e irritado.
Tirei a gravata e a joguei em cima da mesa para então me livrar do colete.
— Ela beija bem?
Meu pau latejou só de lembrar.
— Não é da sua conta. — Passei a mão pelo rosto com força. — Até
quando vai insistir nisso, Hálim? Já disse que não quero que chegue perto
dela.
— Vou insistir até que me dê um motivo justo porque só o fato de
assinarem um documento não a torna sua. Quando me disser que está
apaixonado eu vou respeitar seus sentimentos. Até lá, vou tentar de tudo para
roubar o coração da señorita.
— É isso então? — inquiri debochado, sentindo a minha garganta se
fechar. — Quer saber se gosto dela? Não gosto. É só... territorialismo. Ela vai
ser a minha esposa e não quero ninguém comendo no meu prato.
Hálim meneou a cabeça prensando o sorriso dos lábios.
— No me jodas[16], Khalid! Não caio nessa. Você nunca agiu assim com
mulher nenhuma.
O que esse espanhol de merda queria? Encher o caralho do meu saco?
Estava conseguindo.
— HÁLIM — gritei sem paciência —, você precisa foder uma prostituta
pra sair de cima da minha mulher. Agora chega desse assunto e vamos jantar.
Desça e mande a empregada servir mais um lugar à mesa. Vou chamar a
Isabela.
Hálim se levantou junto comigo.
— Posso te fazer uma pergunta que não tem muito a ver com nosso último
assunto?
Encarei-o curioso.
— Tenho escolha?
— Por que você odeia tanto o Tessalah?
Senti as sombras ao meu redor trepidarem. Ou talvez fosse apenas o meu
ódio que vibrava por todo o escritório.
— Aquele homem é o diabo travestido de religioso. Ele sempre sentiu
prazer em ver o sofrimento dos outros. — Mais especificamente, o meu. —
Acredite em mim, Hálim. O Tessalah odeia a minha família há muitos anos.
Khalid – 24 Anos Atrás
Ignorei.
— Se vista — ordenei girando na cadeira de rodinhas, me virando na
direção do quarto. Sabia que ela não me obedeceria e provavelmente estava
revirando os olhos, o que me fez sorrir ao dizer: — Vamos até o hospital em
que seu pai está internado.
A viagem foi longa. Não pela distância, mas pelo trânsito infernal.
Hálim já havia providenciado toda a documentação necessária e contratado
a enfermeira que viajara conosco no avião, sem que Isabela desconfiasse.
A situação do hospital era precária. A quantidade de pacientes era superior
ao suportado e por todo o lado que andávamos havia pacientes pelos
corredores.
No mesmo quarto do pai dela, havia outro senhor que nos encarou com um
brilho no olhar e perguntou alguma coisa em português que Isabela
respondeu de voz embargada, negando com a cabeça. A enfermeira veio
rápido para distrair o idoso.
Ela balançou a cabeça, como se quisesse se livrar daquela cena e deu
passos duros até o pai que a encarava de testa franzida também.
Infelizmente meu português era precário e não entendi todas as palavras,
mas o suficiente para saber que o pai não a reconheceu. E talvez fosse o caso
do idoso que dividia o quarto de enfermaria.
Deduzi que todos ali sofriam com a mesma doença. Todos tinham o
mesmo olhar perdido no horizonte, com um brilho opaco.
Isabela espremeu a boca, mas ergueu a cabeça.
Apesar de toda a papelada encaminhada com antecedência, a burocracia
nos prendeu ali por mais tempo do que gostaria e já era noite quando
conseguimos colocar o Senhor Reinaldo dentro do jatinho com a equipe
médica.
— Eu preciso ir com ele.
— Não vai adiantar, Isabela. Ele nem te reconhece. — Tentei não soar
rude, mas seus ombros caíram. Ela mudou o peso do corpo de um lado para o
outro enquanto me ouvia, mas o olhar estava fixo no chão. — Ele está à
vontade com a equipe e já foi sedado. Temos compromissos aqui e depois
voltamos para Omã. Não passará de três dias, garanto.
Ela não se opôs. Nem me respondeu, na verdade.
Suspirei sentindo a ansiedade me consumir.
— Preciso da sua ajuda amanhã como intérprete. Meu português é
imprestável. Acha que consegue?
Seus olhos encontraram os meus repletos de dúvida, como se estivesse se
esforçando muito para entender o que eu pedia.
— Intérprete? — Piscou algumas vezes e então ergueu as sobrancelhas. —
Claro. Eu posso. Evidente que posso!
— Seu pai está em boas mãos, Isabela.
— Tudo isso — apontou de mim para ela, depois para a cabine privativa
onde seu pai estava acomodado dormindo — é só por causa dele e se eu não
puder...
— Mas vai — cortei pegando a sua mão e a trouxe para o meu peito. —
Vocês estarão juntos em casa. Equipei o quarto do primeiro andar para ele e
contratei uma enfermeira especializada. Hálim ficou em Omã para garantir
que seu pai tenha todo o conforto, não era o que queria?
Seus olhos foram ficando grandes e brilhantes enquanto me ouvia. Quando
ela engoliu em seco, fazendo um esforço imenso para não chorar, não resisti.
Aproximei o rosto do seu e beijei o topo da sua cabeça, aspirando o cheiro
de xampu e me surpreendi quando ela me abraçou forte.
— Obrigada — murmurou baixinho, mas ouvi. — Khalid — a voz
trepidou —, nunca vou conseguir agradecer o suficiente.
Eu a envolvi, puxando seu corpo o máximo que pude contra o meu e
afundei o rosto em seu pescoço, me deliciando com seu cheiro.
Uma droga de perfume viciante invadiu meus pulmões e tive consciência
de que jamais conseguiria ter calma novamente se não sentisse aquela
fragrância todos os dias.
— Não precisa. Você é minha noiva agora e vou cuidar de você.
Ela ergueu a cabeça que havia afundado em meu peito e me encarou com
uma intensidade que me atingiu como um tapa. A expressão de surpresa e
medo parecia me indagar coisas que eu nem saberia como responder.
Meu coração saltou do peito e mergulhou no abismo azul desfazendo todas
as camadas que construí para protegê-lo. Insano, inconsequente, um coração
despreparado para o que se escondia atrás daquela íris.
Fiquei vulnerável.
Ela umedeceu os lábios encarando a minha boca e não pensei em mais
nada além de sentir seu gosto.
— Ministro? — A voz da aeromoça era do tipo medrosa e irritante. —
Precisamos decolar. O senhor voltará para Omã conosco?
Isabela se afastou e pegou a bolsa da poltrona.
— Não. — Soltei o ar dos pulmões. — Já estamos de saída.
Espalmei a mão na base de suas costas, guiando-a para fora e atravessamos
para longe da pista.
Por que aquela merda de contato tão insignificante, tão básico, me deixava
ofegante?
O carro estava estacionado perto e o motorista se adiantou para abrir a
porta enquanto os seguranças nos escoltavam de volta ao hotel.
O silêncio foi brusco durante toda a viagem e com o elevador cheio de
seguranças ela se retraiu ainda mais.
Todo aquele andar foi reservado para a nossa comitiva, mas quando
entramos no quarto, vi seus ombros relaxarem e seu peito esvaziar,
modificando a sua postura.
— Amanhã iremos até a sua casa para buscar seus pertences.
Ela me encarou surpresa, mas não pareceu feliz.
— Não precisa. Posso ir sozinha.
— Tire essas ideias de fazer alguma coisa sozinha da sua cabeça, Isabela.
Essa fase da sua vida acabou.
Ela prensou os lábios e largou a bolsa em cima de uma poltrona.
— Obrigada.
— Não estou fazendo isso de graça, lembra? Não tem que me agradecer.
Só estou cumprindo com a minha parte do combinado. Agora tome um banho
e vá descansar.
Ela cruzou os braços me encarando.
— Ainda nem casamos e você já está me dando ordens — zombou com
um meio sorriso. — Você é mandão mesmo ou isso aflora comigo?
— Talvez seja a sua incapacidade de obedecer que desperte o meu lado
dominador — falei entrando no anexo e esvaziei os bolsos sobre a cama.
Isabela me seguiu destilando seu deboche.
— Lado? Você tem outro então?
— Posso te perguntar o mesmo. Tem algo mais em você além de uma
menina birrenta incapaz de atender ao que se pede?
— Olha aqui — Isabela apontou o dedo para o meu rosto, mas respirou
fundo, interrompendo-se — não sou birrenta, mas tem razão, não nos
conhecemos o suficiente para nos ofendermos assim.
— O que te irrita tanto em mim, Isabela? — Eu me aproximei com cautela.
— O fato de precisar de mim ou o de eu tentar cuidar de você?
— Nem uma coisa e nem outra. Eu só não te conheço o suficiente para
achar isso normal.
— Então precisamos consertar isso.
— Eu propus um jogo, lembra? Mas você não se interessou.
Ergui as sobrancelhas.
— Não disse que seria um jogo. Disse que me contaria os seus segredos de
rasgar a alma e eu deveria te contar os meus.
— Um jogo tira o clima de interrogatório. A gente faz perguntas um sobre
o outro, se eu responder uma pergunta você tem que responder outra ou
então, se recusar, precisa beber um copo de uma bebida. Tipo um verdade ou
consequência.
Aquilo tinha todo o aspecto de brincadeirinha de faculdade e eu quase ri.
Isabela tinha nuances de personalidade. Era inteligente, eu já tinha percebido.
Dominava assuntos que a maioria dos jovens da sua idade nem sequer se
interessariam e assumia uma aura profissional quando queria, mas no seu
íntimo ainda era uma menina brincalhona que não teve um gatinho quando
era criança, sabe-se lá por qual motivo.
A empolgação dela era deliciosa de se observar.
— Prefiro rum — declarei observando o sorriso se espichar iluminando
todo o rosto.
— Sim! — Ela soltou um gritinho empolgado que me arrancou uma risada.
— Tá, mas eu bebo vinho.
— Por que não o rum?
— Sou fraca para bebida.
Fiz uma anotação mental enquanto afrouxava a gravata e me livrei do
terno.
— Não temos nenhum compromisso hoje mesmo — murmurei tentando
me convencer de que era uma boa ideia.
Ela correu para o frigobar.
— Tem uma garrafinha de rum, duas de vodca, várias de uísque e uma de
tequila.
— Acho que é o suficiente — falei me sentando no sofá. — Não planejo te
contar a minha vida inteira de uma vez só.
— Não achei vinho. — Exalou um bocado de ar e sentou ao meu lado,
colocando as garrafinhas de pé na mesinha quadrada.
— É só pedir ao serviço de quarto. Prefere tinto ou branco? — perguntei já
me levantando.
— Tinto — respondeu enquanto tirava o tênis.
Desabotoei o colete e joguei-o sobre a cama enquanto ligava para a
recepção.
A suíte era como um apartamento. Tinha um quarto grande, uma sala,
banheiro extravagante, sacada ampla e um quarto anexo.
Depois que as bebidas chegaram, sentamos no sofá.
— Então — enchi sua taça —, como é esse jogo?
Isabela
Por que, dentre tantos livros no mundo ela tinha que gostar justo daquele?
Charlotte Brontë não é uma unanimidade entre os jovens. A leitura pode ser
maçante, são muitas páginas, a linguagem é rebuscada, mas que inferno!
Quantos livros existem no mundo? Bilhões?
Bati algumas vezes na porta do quarto irritado, mas Isabela não respondeu.
Ela decorou um trecho do livro.
Bati mais forte na porta perdendo a paciência.
Qualquer papagaio pode decorar um trecho de livro, isso não a torna mais
inteligente.
— ISABELA — Além de chata não me escuta. — Eu quero escovar os
dentes. Posso entrar?
Tomei banho tão distraído que me esqueci de escovar os dentes e o único
banheiro ficava dentro da suíte dela.
Deve estar dormindo.
Abri a porta devagar. Percebi que ela ainda estava no banho pelo barulho
de água e cheguei a dar meia-volta, mas quando ouvi seus gemidos, congelei
no mesmo lugar.
Era o som mais fascinante que já tinha ouvido. Lamúrias roucas, graves,
que arrepiaram todo o meu corpo como um impulso elétrico.
Não era nada parecido com o que ouvia das prostitutas.
A curiosidade foi mais forte do que toda a educação que tive em Londres.
Pro inferno com Oxford!
Precisava ouvir aquilo.
Eu me aproximei do banheiro com cuidado. A porta estava entreaberta. Os
gemidos tinham se tornado mais lânguidos e sôfregos.
Meu pau contraiu com tanta força que precisei segurá-lo e senti a pulsação
do meu coração nele.
O que estou fazendo? Espiar minha noiva tomando banho é o fundo do
poço.
Outro gemido e dessa vez minhas bolas doeram.
Puta merda!
Tirei o pau pra fora do short e massageei da base até a cabeça.
— Ah, isso... me fode — gemeu e se eu não tivesse plena certeza de que
não havia mais ninguém com ela, já teria invadido aquele banheiro e matado
alguém.
Olhei pela fresta e vi seu reflexo no espelho. Completamente molhada,
encostada na parede de azulejos, de frente para o blindex embaçado,
masturbando-se enquanto estimulava o seio. O som que ela produzia ao se
tocar era preguiçoso, carregado de sensualidade. Um lamento doce que
invadiu a minha mente e enroscou seus dedos longos em meu cérebro,
tomando posse da minha sanidade. Gemeu mais alto e descompassou meu
batimento cardíaco, ditando um novo ritmo.
Movimentei a pélvis para frente, fodendo a minha própria mão,
hipnotizado pelo seu cântico de sereia. Queria engolir cada murmúrio, chupar
o seio que ela estimulava, me banquetear em sua boceta lisinha, mas foi
quando ela gritou o meu nome enquanto gozava que algo muito errado
aconteceu.
Gozei junto com ela.
Submisso, respondi a um comando sem que ela precisasse sequer dizer as
palavras e a porra se espalhou pelo chão do quarto enquanto eu me tremia
inteiro. Todos os meus músculos estavam se contraindo numa explosão de
sêmen que sujou todo o chão.
Acho que nunca ejaculei tanto nem fodendo, menos ainda batendo uma
punheta.
Olhei para o chão em desespero quando ela desligou o chuveiro e não tive
muita opção.
Tirei o short e limpei o chão o mais rápido que pude e saí correndo nu do
quarto.
Quando já estava no anexo, joguei a porra no lixo.
Literalmente.
Vesti outro short, mas fiquei inquieto. A minha vontade era ir até lá e
reivindicar seu corpo, foder a sua boceta até que gritasse pelo meu nome mil
vezes, mas Isabela queria algo que custaria a minha alma.
Andei de um lado para o outro até que ela saiu do quarto de robe e com
uma toalha enrolada na cabeça.
— Posso usar o banheiro? — disparei me sentindo tenso em sua presença.
Ainda queria abrir suas pernas e chupar aquela boceta masturbada até que o
meu maxilar quebrasse.
— Claro — respondeu abrindo o frigobar e pegando um chocolate.
Gosta de comer doce depois que goza, Isabela?
Ir até o banheiro escovar os dentes foi um erro porque fiquei duro no
momento em que encarei o espelho e me lembrei dela se masturbando.
Relacionamento... Isabela queria um relacionamento.
Que ideia ridícula!
O que diabos se faz em um relacionamento?
Risco de gravidez não era um problema pra mim, mas a Isabela entrou em
pânico.
Xingou em sua língua repetidas vezes.
— Fica calma! A gente compra uma pílula do dia seguinte — tentei
acalmá-la com um abraço. — Seria tão ruim assim ter um filho comigo?
Estava rígida enquanto eu acariciava suas costas.
— Não estou preparada pra isso. Está... tudo indo muito rápido.
— Tudo bem, fica calma. — Penteei seu cabelo com meus dedos,
pressionando o couro cabeludo. Era como a minha mãe nos acalmava. —
Vamos fazer no seu tempo.
— Eu não tomo pílula. Não estava usando nenhum método de prevenção,
Khalid.
— Calma — pedi achando graça do seu desespero e ela bufou tentando se
afastar, mas a puxei. — Vamos pedir o remédio na farmácia. — Calei-a com
um beijo quando tentou retrucar.
Ela assentiu, sacudindo a cabeça e beijei sua testa.
Peguei o terno do chão e vasculhei os bolsos atrás do aparelho celular.
Isabela recolheu suas roupas espalhadas, mas tomei a calcinha vermelha da
sua mão.
— Isso é meu — avisei recebendo um olhar indignado.
— Ei! Devolve a minha calcinha — pediu estendendo a mão e a encarei
muito sério.
— Não é mais sua.
— Se quer usar minha lingerie, pegue uma limpa pelo menos!
— Essa está encharcada com a sua excitação e o mérito é todo meu, então
me pertence.
— Vai guardar a minha calcinha suja? Que nojo!
— Sentir o cheiro do seu sexo não é nenhum nojo. — Liguei para a
recepção do hotel pedindo o telefone da farmácia mais próxima. — Só um
minuto — pedi em inglês indo até a mesinha de centro onde tinha papel e
caneta e anotei o número, agradecendo antes de desligar.
— Peça o remédio. — Passei o meu celular para Isabela. — Não falo
português.
Todos na recepção do Copacabana Palace falavam inglês, uma das línguas
que domino, mas fora dali era complicado me comunicar no Brasil.
— Disseram que chega em vinte minutos.
— Ótimo! O tempo de tomarmos banho.
Puxei Isabela para o banheiro afundando o rosto em seus cabelos e respirei
fundo.
— O que está fazendo? — Riu ao perguntar.
— Você tem um cheiro tão bom.
Queria registar na minha memória para não esquecer.
— A Giorgio agradece a preferência. Comprei com os milhões que você
me pagou.
Tomei sua boca gostosa abrindo o chuveiro sobre nós. Isabela
correspondeu mais solta, dando passagem para a minha língua e demoramos
naquela adoração mútua.
Não, eu não tomava banho com minhas fodas. Mas eu me casaria com
aquela mulher, então, por que não experimentar tudo o que nunca me permiti
viver?
Esfreguei seu corpo com o sabonete e fiquei duro novamente.
Isabela era tão linda, mas percebi que ficava tímida quando eu tocava os
detalhes únicos da sua pele. Tinha volume nas coxas e seios e a barriga era
natural, com pequenas fissuras na pele. Acariciei querendo decorar cada
detalhe seu e ela se virou de costas, me negando aquele prazer tão pequeno.
Suspirei desapontado.
— Por que está se escondendo de mim?
— Eu não sou nenhuma modelo, Khalid.
— E daí?
— Tenho imperfeições, ok? — Ela parecia brava e não consegui entender
o motivo. — Não precisa fingir que acha bonito.
Segurei seus pulsos e a forcei a se virar para mim.
— Eu sei o que me atrai e se o meu gosto é diferente do que você julga ser
o correto eu sinto muito. Quer me chamar de doente? Vá em frente! Não ligo.
Mas não vai me negar a visão do seu corpo nunca mais — exigi resoluto e a
vi engolir em seco. — Já tenho idade o suficiente para não precisar fingir que
gosto de alguma coisa. Então, se eu disser que você é linda, é porque pra
mim é a verdade e o resto que se foda.
Isabela prensou os lábios.
— A farmácia já vai chegar — lembrou tentando escapar.
— Não estou saciado ainda.
— Você disse que tudo voltaria ao normal depois.
— No dia seguinte — expliquei escorregando a mão pela fenda da bunda,
sentindo meu pau implorar por mais. — A noite mal começou.
— Achei que só quisesse matar uma curiosidade.
Puxei seu corpo para junto do meu, debaixo da água morna.
— É o que estou tentando fazer. — Mordisquei o ponto sensível do seu
pescoço, subi até o queixo e então capturei sua boca.
Isabela arfou abrindo passagem para a minha língua, explorando a minha
boca com a sua. Colei minha pélvis na sua barriga e me esfreguei nela para
mostrar o tamanho da minha excitação.
— Diga que já está satisfeita e deixo você em paz — desafiei brincando
com o bico do seio rígido. Sabia que seu corpo responderia ao meu toque.
— Não posso.
A confissão me encheu de um sentimento poderoso, quente e acolhedor,
inflando o meu ego.
Tínhamos uma química poderosa, eu já tinha percebido antes de foder
aquela bocetinha apertada, mas agora, eu me sentia arder por ela.
— Vamos receber o remédio — decidi taxativo, admirando a íris azul. O
vapor já tomava o boxe. — Depois, você é só minha.
Isabela
Foi uma noite tensa. Hálim ficou comigo o tempo todo e quando vi que era
meia-noite, comecei a entrar em desespero.
— Fica calma — pediu pela décima vez. — Ele não vai sair de lá até
arrancar todas as informações que precisa.
— Manda uma mensagem pra Sumali. Pergunta se ele está bem. — Eu
andava descalça pela sala, de um lado para o outro. — Acho melhor cancelar
o casamento amanhã.
Hálim descruzou as pernas soltando um suspiro, como se aquela situação
fosse a mais normal, o que me preocupou muitíssimo.
— Isso não vai acontecer. Khalid precisa desse casamento.
Engoli em seco me lembrando das palavras da Sumali.
— Claro. Ele pagou caríssimo por mim.
Hálim estreitou os olhos e se aproximou.
— Não sei o que está se passando nessa cabecinha, mas posso te garantir
que você é muito importante para o Khalid.
— Corta essa, Hálim. Eu sou uma puta, só isso!
Ele suspirou e me puxou para sentar com ele no sofá.
— Khalid já salvou a minha vida — confessou soltando um suspiro. —
Devo muito a ele. Somos mais do que amigos, eu amo aquele cara. Não de
um jeito sexual, mas como família. Estou ao lado dele há bastante tempo e
nunca o vi olhar para mulher nenhuma como te olha. Muito menos comprar
um ursinho de pelúcia.
— Era só um ursinho! — Revirei os olhos e ele abriu um sorriso
enigmático.
— Eu já vi ele gritar foda-se para uma mulher que estava com o vestido
rasgado por ele e jogar o dinheiro na cara dela para que se virasse sozinha.
Lembro das exatas palavras dele naquele dia: eu já paguei pela foda, agora
use o dinheiro que ganhou para comprar o que precisa. Essa é a forma como
ele trata uma puta.
Hálim apertou o meu joelho e se levantou ajeitando a roupa.
— Isso é cruel — comentei chocada e o vi subir e descer os ombros.
— Esse é o Khalid. Tome um banho que a ansiedade vai diminuir. Vou
ficar aqui até ele chegar. Estarei no quarto de hóspedes se precisar de mim.
Concordei só porque realmente precisava. Estava acabada. O vestido tinha
descosturado no quadril, a maquiagem estava borrada pelo choro e o
desodorante não tinha resistido bem.
Cada degrau que eu subia sentia uma fisgada na panturrilha e quando
finalmente me enfiei embaixo do chuveiro senti os músculos rígidos
relaxarem. Mesmo assim, ainda precisei tomar um analgésico para a dor de
cabeça e passei uma pomada no lábio inchado.
Vesti um short de pijama e uma blusa de malha confortável, mas não tinha
a menor condição de ir dormir antes do Khalid chegar.
Desci as escadas ouvindo o chinelo estalar na madeira. A casa enorme
estava silenciosa, mas não de um jeito bom. Parei no meio da sala me
sentindo fora do lugar. Ainda demoraria muito para que me sentisse em casa.
Eu pensei em me deitar, mas fui seduzida pela tevê de tela grande.
Adorava dormir com ela ligada.
Sentei no sofá e zapeei pelos canais. Precisava de uma comédia romântica
ou um filme infantil para limpar a minha mente do estresse.
Não me dei conta de que estava dormindo. Não ouvi a porta se abrir nem
ele chegar, mas senti sua mão em meus cabelos, acariciando.
Abri os olhos, sonolenta, e vi o perfil do seu rosto. O nariz, visto do meu
ângulo, parecia ainda mais arrebitado.
— Por que dormiu na sala, Isabela?
— Estava esperando você. — Esfreguei os olhos. — Fiquei preocupada.
Ele me encarou sério, sem dizer nada.
— Vamos para o quarto antes que fique com torcicolo.
Firmei os pés no chão, ainda sonolenta, e ele jogou meu braço ao redor do
seu pescoço, apoiando meu corpo no dele.
Subimos os degraus lentamente.
— O que foi? — perguntou quando me flagrou olhando para ele.
— Você é muito bonito.
Ele deteve o passo e me encarou erguendo uma sobrancelha.
Era sua mania.
— Mesmo com as orelhas de abano?
Não segurei a risada e levei uma olhadinha sexy que me deixou derretida.
— Até com as orelhas de abano.
Ele me deu um sorriso. O mais lindo e doce que eu já tinha visto.
— Você é maravilhosa, Isabela. Fico sem fôlego só de te olhar.
Repuxei a boca.
— Lembro de você ter dito que poderia comprar uma puta mais magra.
— E o que isso tem a ver? — Subiu e desceu os ombros.
— Quer dizer que você preferia uma mulher mais magra, então não sou tão
maravilhosa assim.
Ele suspirou.
— Eu falei aquilo porque no minuto em que eu te vi precisei reunir todo o
meu ódio para não ficar de pau duro. Foi doloroso olhar para você ali naquela
sala e só conseguir pensar em formas de satisfazê-la. Eu queria alguém que
não me perturbasse tanto, mas você, Isabela, é a minha perdição — falou
descendo os olhos pelo meu corpo.
Engoli em seco percebendo que tinha sido um erro fenomenal transar com
o Khalid. Agora meu corpo estava consciente de todo o prazer que o árabe
representava e isso era doloroso de refrear.
Ele entrelaçou sua mão à minha e caminhamos em silêncio pelo corredor
até o meu quarto.
— Durma um pouco. Vamos ter um dia cheio amanhã.
— Você também precisa descansar — falei me sentando na cama.
Ele prensou os lábios concordando e relanceou a cama onde eu estava, mas
não pareceu com sono.
— Deita aqui comigo. — Bati no colchão.
— Melhor não. Eu me remexo muito quando estou cansado.
— Não reclamei da última vez — insisti, mas ele fez que não com a
cabeça. — Prometo que não vou abusar de você.
Ele abriu aquele sorriso lindo e fez meu coração acelerar.
— Você? Abusar de mim? Gostei. Acabou de destravar uma fantasia nova
na minha cabeça.
— Você é muito pervertido! — Ri rolando na cama e levei um tapa na
bunda que estalou alto. — AI!
— Não me provoca. Sabe o que posso fazer com você.
Eu o encarei com raiva e desejo, massageando as nádegas.
— Você tem uma mão pesada, hein? Posso bater na sua bunda também?
Ele ergueu uma das sobrancelhas retas assumindo um ar perigoso.
— Pode tentar.
Khalid despertava algo obscuro dentro de mim e, contra todos os gritos
racionais dentro da minha cabeça, umedeci os lábios. Ignorando seu aviso
para não o fazer, consciente do tesão que despertaria nele.
Seus olhos pretos escureceram tão rápido que minha respiração acelerou.
Sim, eu queria toda a desgraça que ele representava. Mesmo apaixonado
por outra, mesmo com toda a loucura política para a qual me arrastava. Eu
queria ser possuída por ele mais uma vez e não aguentava mais negar para
mim mesma o que já estava tão óbvio.
Khalid
O vestido de noiva era justo até meu quadril. Fios prateados desenhavam
arabescos por toda a manga e na altura da cintura prenderam uma
sobreposição de saia mais volumosa e semitransparente, que disfarçou
minhas curvas de forma elegante.
Melissa explicou que era assim que as princesas árabes usavam.
Rá! Princesa, eu? Que piada!
A mulher que se lambuzava com a batata de Marechal, descia a raba até o
chão nos bailes funks da Mangueira e sobreviveu com o fígado intacto às
caipirinhas da praia de Copacabana, onde os barraqueiros enfiam cachaça
barata na garrafa de vodca pra enganar turista sendo comparada a uma
princesa era a piada do ano.
Observei meu reflexo no espelho enorme do banheiro.
Meu cabelo foi arrumado solto, já que Khalid não quis fazer a cerimônia
na Mesquita e eu não era muçulmana, não precisei usar lenço.
Uma festa íntima, com poucos familiares e alguns políticos.
A cerimônia foi longa, com discurso do sultão e de outros conselheiros.
Um deles, de bochechas murchas, me encarou o tempo inteiro e fiquei
desconfortável.
O pai dele foi o primeiro a me abraçar quando a cerimônia acabou. Em
seguida Zaad e Melissa e depois disso eu já não sabia quem me
cumprimentava. Apenas sorri indiscriminadamente.
Khalid estava vestido tipicamente. Um vestido branco, um turbante que
chamam de Keffiyeh e uma espécie de sobreposição marfim com detalhe em
dourado. Inexplicavelmente ele não ficou ridículo. Estava lindo, na verdade.
Um verdadeiro príncipe.
Senti uma pequena tontura. Apesar do ar-condicionado do palácio. Aquela
roupa estava me matando de calor.
— Preciso ir ao banheiro — avisei para ele que assentiu.
Foi trabalhoso me aliviar e suei como uma porca, demorando horrores para
me recompor. Sequei o rosto, com batidinhas de papel, me livrando do
excesso de maquiagem e suor.
Dei uma última olhada no espelho antes de sair do banheiro.
— Isabela Tharip. — A voz estranha me pegou de surpresa. — Eu sou
Tessalah Kadifir, marido da irmã do Gibrail.
Eu me senti um pouco Nazaré Tedesco, fazendo contas parentais, mas o
tico e teco (meus únicos dois neurônios vivos àquela hora) ainda estavam em
juízo perfeito.
— Então você é tio do Khalid!
— Não! — exclamou taxativo e até grosseiro. — Seu marido não tem o
meu sangue. Sou casado com uma Tharip, mas não sou um deles.
Huuum...
A feminista que habita meu corpo farejou o aroma de tretas de família e eu
sorri fazendo cara de paisagem.
— Entendo. — Juntei as mãos na frente do corpo. — Foi um prazer
conhecê-lo.
Minha intenção era virar as costas, mas o velho me impediu.
— Pensa em ter filhos?
Eu não dou sorte com velhos, cara! Só conheço os sem-noção.
— Um dia, quem sabe? — Forcei o sorriso.
— Não pode ter filhos então?
Arregalei os olhos sem acreditar na falta de critério.
— Acho que tenho plenas condições, mas não quero agora.
Ele ia falar mais alguma coisa, mas vi Khalid vindo na minha direção
como uma flecha.
— Ali vem o meu marido. Por que não pergunta a ele?
O velho olhou na direção que apontei e saiu sem dizer nada.
— Tudo bem? — Khalid pareceu preocupado. — O que ele te disse?
— Fez algumas perguntas sobre filhos, só isso.
— Não saia do meu lado, entendeu? Tenho muitos inimigos aqui e o
Tessalah é o principal deles.
Senti um arrepio escalar a minha coluna.
— Não me disse o que descobriu ontem. — Na verdade, eu me esqueci de
perguntar. — Aquele homem que você interrogou, ele...
— Está morto.
Não sei explicar o que senti. Vivi tanto tempo próxima da violência da
Zona Norte do Rio de Janeiro que talvez tenha ficado amortecida, mas ter
consciência do que ele era capaz de matar me deixou um pouco tensa.
— Se ele vivesse, voltaria para terminar o serviço — explicou segurando o
meu queixo, me obrigando a encará-lo. — Não posso me dar a esse luxo.
Fiquei grudada nele pelo resto da festa, sendo cortês com pessoas estranhas
e sentindo meu maxilar cansado de tanto sorrir.
Permiti que a minha atenção vagasse pela decoração do palácio quando
engataram um assunto político. Paredes como aquelas, repletas de detalhes
ressaltados por lustres que emitiam luzes amarelas pálidas, mereciam ser
apreciadas.
Cada detalhe era impressionante. Os entalhes característicos da cultura
árabe iam do chão ao teto. Com destaque para os lustres de cristal e vasos
magníficos por todo o lugar. Achei curioso, desde a primeira vez que entrei
ali, porque havia muitas mesinhas pequenas, de frente para dezenas de sofás.
Todas de madeira avermelhada e com detalhes em ouro. Um imenso tapete
com desenhos de mandalas cobria o centro da sala suntuosa.
Não percebi que tinha me afastado até esbarrar em um homem muito alto
que me segurou pelos ombros evitando a minha queda.
— A noiva — falou mirando seus enormes olhos verdes em mim. — Uau!
É tão linda quanto a minha irmã falou.
— Desculpe, sua irmã? — Não escondi minha confusão.
— Haya. — Lendo a minha expressão confusa ele riu. A boca grande
exibiu os lindos dentes alinhados. — Melissa.
— Ah! Não sabia que ela tinha irmão.
— Nem ela — disse divertido e acompanhei o sorriso. — Como se meteu
nessa furada?
Ele apontou para Khalid que estava distraído discutindo com um velho.
— Culpa da Melissa.
Ele coçou o queixo, como se avaliasse o meu humor.
— Desculpe, eu nem me apresentei. — Estendeu a mão grande com dedos
abertos e eu a apertei. — Iran Malik Abdul.
— Isabela, antes Siqueira, agora Tharip.
Ele sorriu sincero. Tinha sobrancelhas grossas e olhos muito verdes e
grandes. A mesma pinta na bochecha. Lindo, sem dúvidas. Ainda mais pela
expressão de poder que o acompanhava. Como os mafiosos em filmes de
gangster. Uma vibe muito Al Capone.
— Iran. Gostei. Como o país.
— Prefiro que me chame de Malik, por favor. Não gosto de Iran.
— Sério? Mas é tão lindo. Derrete na boca como chocolate, se me permite
dizer.
Ele gargalhou gostoso. Tinha uma voz macia.
— Contra todas as possibilidades, eu já ouvi isso.
Ergui as sobrancelhas surpresa.
— E eu me sentindo criativa. Ela era bonita?
Sabia que estava sendo invasiva, mas o tédio era meu inimigo e aquela
festa estava repleta de velhos enfadonhos.
Malik apontou para o corredor diante de nós.
— Essa história eu só conto se me acompanhar numa caminhada. Já
conhece o Palácio?
— Não. É a segunda vez que venho e o Khalid parece ficar aflito aqui
dentro.
— Ele tem seus motivos. — Enfiou as mãos no bolso da calça social cinza
e caminhamos pelo corredor de teto arcado. — Respondendo à sua pergunta,
sim. Era linda. Tinha olhos castanhos e pele bronzeada. Cheia de curvas,
como você.
— Ah, quer dizer gordinha.
— Perfeita — corrigiu e o encarei curiosa.
— Gostava dela, não é?
— Muito — ficou sério e soube que o assunto ainda o machucava —, mas
ela me traiu.
— Sinto muito. Você... viu? Desculpa, não é da minha conta! Eu sou uma
fofoqueira curiosa. — Bati na minha própria boca.
— Tudo bem. — Sorriu com educação. — Faz muito tempo. Ela mesma
me contou. Disse que estava apaixonada por outro homem e fugiu com ele.
Nunca mais a vi.
— Diz muito tempo, mas soa como pouco.
Ele parou de caminhar para me encarar com sobrancelhas franzidas.
— Por quê?
— Por conta da mágoa na sua voz.
— Assumi que faz tempo — sorriu malicioso —, não que superei.
Prensei os lábios concordando.
— Quanto?
— Onze anos nessa quarta-feira.
— Uau! — Assobiei. — Você conta os anos.
Ele minimizou com um gesto.
Chegamos aos jardins. Os canteiros estavam repletos de flores.
Ele suspirou parando de andar de repente.
— Gostaria de dizer que te contei tudo isso porque simpatizei com a sua
figura, mas a verdade é que eu só queria te afastar do Khalid para mexer com
ele. Seu marido me odeia.
Fiquei desapontada e ele percebeu pela minha expressão.
— Desculpe — falou emitindo um suspiro.
— Era tudo mentira então?
— Quem me dera. Contei a verdade. Só o meu objetivo que foi egoísta.
Olhei para o corredor que levava de volta ao Palácio. Ele fez um gesto
indicando o caminho, como se me liberasse, mas não me mexi.
— Você é irmão da Melissa e por isso confiei que não era um inimigo.
— Não sou. Pelo menos, não de verdade. Só na cabeça cheia de
conspirações do Khalid. — Deu de ombros. — Mas tenho culpa. Nos
conhecemos desde criança e alimentei o ódio dele com provocações desse
tipo. Sou o melhor amigo do irmão dele.
— Ah, entendi. — Não totalmente, mas conhecia a capacidade humana de
rivalizar por motivos fúteis.
— Existe um motivo concreto ou só implicância mútua?
— Ódio à primeira vista parece definir bem. — Ele riu de forma
contagiante. — Não tenha uma má impressão de mim, por favor. Eu me
divirto de formas sádicas.
Ergui as sobrancelhas, talvez compreendendo um pouco a moça que o
largou. Não é qualquer uma que se adapta a uma personalidade dessas.
— Acho que me colocou em uma enrascada, Senhor Malik — acusei
fingindo estar zangada —, mas preciso confessar que usei o senhor também.
Ele pareceu realmente surpreso.
— Queria fazer ciúme no estressado? Achei que seu casamento fosse de
conveniência.
— Não. Queria me distrair desse ambiente... — Não me lembrei de uma
palavra em árabe que traduzisse o que estava sentindo então fiquei estalando
o dedo, tentando puxar pela memória.
— Inóspito?
Pensei em sacal, na verdade.
— Nauseabundo — lembrei e ouvi sua risada divertida. — Combina com
os olhares de repulsa que recebi desde que cheguei.
— Não ligue pra esses velhos canalhas. São todos abutres que tentam
roubar o sultanato da família Tharip desde que o avô do Zaad ainda era
sultão.
— Um deles veio me perguntar sobre filhos, acredita? Mal casei!
Malik prensou os lábios e desviou o olhar.
— Infelizmente, é o que todos esperam desse casamento. Herdeiros para o
trono. Porque a única coisa certa na vida é a morte. Khalid, Zaad, eu... um dia
todos partiremos e nossos filhos receberão o pesado fardo que hoje está sobre
nossos ombros.
— Soa cruel falando assim.
— E é. Não gosto do seu marido, mas preciso reconhecer que ele já fez
muitos sacrifícios por esse país. O dia de hoje é um deles.
Aspirei um pouco mais de ar do que o normal. Devagar. Depois tomei o
tempo necessário para soltá-lo, ainda mais lentamente.
— Não queria encrencá-la — falou baixo e rápido —, mas pela cara dele...
Estiquei o pescoço para o lado e vi o diabo em pessoa vindo em nossa
direção. As sobrancelhas retas quase formavam um V frio e desalmado no
centro do rosto.
— Ai, fodeu! O homem tá daquele jeito.
Malik tentou conter o riso, mas estava claramente se divertindo.
— Para — repreendi baixinho batendo em seu braço, mas só consegui
fazê-lo gargalhar. O nervosismo me atacou gerando uma crise.
Segurei a barriga sentindo câimbras de tanto rir.
— Que porra que está acontecendo aqui? — A voz do Khalid trepidou ao
gritar.
— Contei uma piada, só isso — Malik explicou passando os dedos pelo
cabelo castanho e liso. — Foi um prazer, Isabela — disse me olhando nos
olhos e se virou para o Khalid. — Tchau, otário!
Ele saiu com um sorrisinho debochado no rosto e eu tapei a boca tentando
me controlar.
Khalid cruzou os braços, furioso. Pareceu contar até dez.
Quando eu consegui respirar novamente, ele estreitou os olhos.
— Que parte do não saia do meu lado você não entendeu?
— Desculpe! Ele disse que era irmão da Melissa e eu vi a semelhança. Não
achei que seria um problema.
Passou a mão pelo rosto com força e depois segurou a própria cintura.
— Qual o seu nível de maturidade, Isabela? Tentaram te sequestrar ontem
e você sai por aí caminhando com um estranho?!
— Ele é irmão da sua cunhada!
— Você não tinha como saber se era verdade!
As pessoas ao redor nos olhavam curiosas. Um deles, o maluco que
perguntou sobre filhos, parecia particularmente interessado.
— Está me envergonhando na frente do conselho — falou baixo cravando
as mãos em meu cotovelo.
Uma onda de quentura fez meu nariz arder. Minha visão ficou turva por
causa das lágrimas e desviei o olhar rápido para que ele não percebesse.
Engoli a acusação me sentindo injustiçada, ferida e tantas outras coisas que
era difícil nomear.
— Não faça drama — acrescentou tomando o meu braço como se tudo
estivesse bem e saiu me puxando de volta ao palácio. — Lembre-se que te
contratei por um motivo.
Suas palavras esfaqueavam o meu peito.
— Sim, senhor — sibilei entre os dentes e ele me olhou estranho.
Tessalah — 24 Anos Atrás
A reunião correu bem. Consegui fechar um único contrato para meu país,
mas os benefícios compensariam a curto prazo.
— Belíssima sua esposa, Ministro. — Os olhos gananciosos do xeque
sobre Isabela despertaram um lado meu que preferia manter trancafiado. —
Volumosa, não é?
Fechei o punho com força quando ele mirou a bunda dela que estava de
costas para nós conversando com a segunda esposa do infeliz.
— Controle-se — Hálim cochichou segurando meu pulso com força.
— Tire a Isabela das vistas desse anormal antes que eu arranque a cabeça
dele do corpo.
Meu secretário se moveu rápido e deu desculpas que não consegui ouvir
direito porque meu ouvido zunia. O ribombar do meu coração ecoava mais
alto do que o falatório dentro daquele salão.
— Com licença — pedi áspero, mas forcei um sorriso.
— Está tudo bem, Ministro?
— Claro, xeque — menti sentindo a veia do meu pescoço engrossar. —
Vou ao banheiro.
O homem fez uma careta olhando para todos os drinks em cima da mesa e
riu consentindo.
De fato, eu precisava mesmo me aliviar. Aproveitei para jogar um pouco
de água no rosto. Estava cansado. Não dormia bem por causa dos pesadelos
constantes.
Quando saí, esbarrei em uma loira alta.
— Desculpe!
Ela me olhou de baixo para cima, demoradamente.
— Eu que preciso me desculpar. Sou Dara Philips. — Estendeu a mão. —
Acho que não fomos apresentados.
— Khalid Tharip.
Ela ergueu uma sobrancelha como se reconhecesse o nome e pousou a mão
sobre o meu braço.
— O ministro de Omã — observou com um sorriso de canto de boca e
enlaçou o meu braço com o seu. — Podemos conversar mais à vontade em
minha suíte.
Eu sorri de volta, mas tirei a sua mão de mim.
— Desculpe, Dara. Sou casado.
Ela me olhou novamente, aborrecida.
— Uma pena. — Jogou os cabelos loiros prateados por cima do ombro
esguio e suspirou. — Por acaso é a morena que está nos encarando do outro
lado do salão com olhar assassino?
Eu me virei e vi os olhos de Isabela focados em mim. Dois vincos
recortavam a sua testa, entre as sobrancelhas.
Eu sorri.
Meu Deus, eu sorri?
A onda de fúria que emanava dela me atingiu com força, acariciando o
meu ego e algo mais que me neguei a admitir.
— Pelo visto ela é ciumenta — Dara acrescentou. — Faz bem.
Ciumenta?
O que uma pequena palavra é capaz de fazer em nossa mente?
Criar uma revolução abrasadora que consome a nossa sanidade.
Isabela estava com ciúme e isso arrastava uma gama de significado para o
nosso relacionamento.
Naquele momento, dentro de mim, uma alegria miserável se espreguiçou.
Disposta como quem acorda em uma manhã ensolarada, depois de dormir
demais, e estala cada ossinho do corpo ocioso para receber o novo dia com
alegria.
O sentimento se instalou no meu peito, dizendo: “Oi. Eu existo. E não vou
embora.”.
Isabela era meu presente.
Agora eu via.
Um presente que eu estava disposto, não só a receber, como Piers, mas a
manter na minha vida, derramando o sangue que fosse necessário pelo
caminho.
Isabela
Quando voltamos ao hotel o clima estava abaixo de zero entre nós. Isabela
tomou banho enquanto eu enviava uma mensagem com todos os xingamentos
possíveis para Hálim que teve a decência de desaparecer da festa.
Quando ela abriu a porta do banheiro eu me levantei, mas quase caí
sentado de novo. A diaba usava apenas uma calcinha e toalha enrolada no
cabelo.
Abriu a mala em cima da cama e pegou um pote de hidratante.
— É assim que vai jogar? — perguntei me aproximando.
— Já viu meu corpo antes. Nada aqui é novidade, então, pra que esconder?
— Tem razão — concordei desabotoando a blusa. — Por que fingir que eu
não comi a sua bunda quando foi uma delícia?
Ela desviou o olhar do meu e respirou fundo.
Tirei toda a roupa devagar. Deixando peça por peça cair diante dos seus
olhos descrentes.
Ah, criança, achou mesmo que eu ficaria apenas te olhando?
— Vou deixar a porta do banheiro aberta, Isabela. Pode participar se
quiser. Já sabe o que estarei fazendo ali dentro — acariciei minha ereção e
seus olhos desceram lentamente pelo meu abdômen. Vi quando engoliu a
saliva. — Vou me masturbar imaginando o meu pau sujo com o seu sangue,
se quer saber. Deve ser escorregadio, muito mais do que a sua lubrificação
natural.
— Para de fantasiar com a minha regra, seu pervertido!
— Vou parar quando você me deixar provar. Que tal? Uma metidinha só.
— Pisquei para ela.
— Ah, claro! Igual a só vou pôr a cabecinha? Quantos anos acha que eu
tenho para cair nessa?
Mordi o lábio inferior enquanto acelerava o movimento.
— O suficiente para estar com a boceta piscando agora.
— Quer muito isso, não é?
Fiz que sim com a cabeça e ela abriu as pernas. A calcinha de algodão
marcava o volume do absorvente.
— Implora.
— Pff! — Deixei o ar escapar entre os lábios. — Não imploro a ninguém.
Já deixei bem claro.
— Veremos! — Fechou as pernas como quem acaba com a brincadeira e
senti meu sangue esquentar.
Inferno!
— Vou deixar a porta aberta — falei ciente de que tinha perdido aquele
embate.
— Vai pegar um resfriado. — Lambuzou a mão de hidratante e começou a
passar pelo corpo, ignorando a minha ereção. Ignorando o poder que exercia
sobre mim, como fases da Lua incidem nas marés.
Levei meu tesão para o banheiro e cumpri minha promessa. Eu me
masturbei pensando nela. Imaginando-a submissa, entregue, melada, e gozei
relativamente rápido, mas estava longe de estar saciado.
Quando saí do banho, ela já estava ajeitada do seu lado da cama. Vesti uma
cueca e me enfiei debaixo das cobertas puxando o seu corpo contra o meu.
— O que está fazendo? — murmurou a pergunta, mas não se afastou.
— Deitando ao lado da minha mulher para dormir.
Levou alguns segundos para que cedesse. Empinou a bunda na direção do
meu pau, ajustando as costas ao meu torso e eu a recebi.
— Quer dormir de conchinha, Ministro? Tudo bem. Mas não reclame do
meu cabelo na sua cara, do braço dormente embaixo da minha cabeça e nem
do pau duro por causa da minha bunda.
Abri um sorriso e afundei o rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro do seu
cabelo.
— Você tem um cheiro delicioso, sabia? É estranho porque parece que eu
conheço.
— Deve ser o alecrim. Eu misturo no xampu.
— É bom. — Afundei o rosto em seus cabelos. — Combina com você.
— Minha mãe dizia que fortalecia os fios e evitava queda de cabelo. —
Senti seu corpo encolher dentro do meu abraço. — Quando ela começou a
fazer quimioterapia e perdeu o cabelo, acho que fiquei impressionada. Eu sei
que é besteira, mas vê-la perder o cabelo, dia a dia, foi um impacto.
Segurei seu rosto e o virei para mim, encaixando a boca na minha.
Não tive pressa.
Nossos lábios não brigaram. Na verdade, convergiram. Doce e mentolado,
com gosto de pasta de dente, foi o beijo mais saboroso da minha vida e me
fez questionar do que mais eu me privei.
— Boa noite, esposa.
Isabela pareceu prender a respiração.
— Boa noite... marido.
Khalid
Estava frio.
Sempre estava.
Senti meu corpo tremer assim que olhei ao redor e vi o cemitério.
Caminhei sobre a grama rasteira.
O céu estava cinzento.
Não havia ninguém em parte alguma e eu caminhei pelo que me
pareceram horas até avistar o túmulo frio. Uma lápide de granito preta em
frente a uma cova aberta, escavada a sete palmos do chão, era tudo o que
havia naquele lugar.
Eu me aproximei ouvindo alguém chamar o meu nome e precisei me
inclinar sobre o buraco escuro.
Minha mãe se contorcia lá dentro, segurando a garganta. Convulsionava
por causa dos remédios que ingeriu.
Eu gritei, mas ninguém veio ajudar.
Soquei o ar que me impedia de chegar até ela. Era como se um vidro
transparente estivesse entre nós.
Caí de joelhos na grama, assistindo ela sufocar e de repente eram as
minhas mãos que estavam apertando o seu pescoço. Seus olhos arregalados
me suplicavam piedade, mas eu não conseguia parar.
— Por favor — gritei. — Eu não quero matá-la!
Minhas mãos não me obedeciam. Meus dedos grossos em volta do pescoço
delicado continuavam forçando a carne enquanto seus olhos se dividiam
entre a decepção e o pavor.
— Mãe, por favor, não morra! Me perdoe!
Ela gritou meu nome.
— Khalid!
— Eu não quero te matar — um soluço escapou dos meus lábios.
— Khalid, acorda!
Meu corpo foi sacudido. Abri os olhos devagar, piscando por conta da
claridade. Meu coração estava disparado. Quando a lucidez retornou, vi que
estava montado sobre Isabela, com as duas mãos ao redor do seu pescoço. Ela
me olhava assustava, segurando meus dedos na tentativa de se livrar do meu
aperto.
— Allah! — Dei um pulo para trás soltando ela e me afastando.
— Foi só um pesadelo — murmurou com voz tremida, massageando o
próprio pescoço.
— Eu te machuquei?
— Não! — respondeu depressa. — Claro que não.
Soltei o ar aliviado, mas investiguei sua pele procurando qualquer marca.
— Eu sinto muito, me desculpe, eu não queria te machucar.
— Há quanto tempo?
Hesitei. Não havia contado sobre os pesadelos para ninguém, mas queria
compartilhar isso com ela. Na verdade, eu lhe devia isso depois de quase
enforcá-la.
— Começou algum tempo depois da morte da minha mãe.
Ela prensou os lábios, olhando tão dentro dos meus olhos que poderia
mergulhar dentro de mim.
— Usa algum remédio?
— Vários, mas não sou constante. Eu tento viver sem eles e fracasso toda
vez.
Ela saiu de cima do meu abdômen e sentou-se ao meu lado.
— Sinto muito. Ela te faz falta, né?
— No início, muita. Hoje em dia é só um vazio.
— Já fez terapia? Ajuda muito quando...
— Por um tempo — interrompi impaciente. — O que vai querer de café da
manhã?
Eu me remexi na cama segurando firme as cobertas em minha cintura.
— Não estou com fome.
— Infelizmente eu estou com muita.
Seus olhos percorreram meu abdômen. Podia sentir as faíscas entre nós.
Vibrando. Ansiosas para nos consumir.
— Tenho um compromisso agora cedo — avisei antes que ela me tocasse,
porque eu não seria capaz de me refrear.
— Ah. É. Sim.
Isabela fez menção de se afastar, mas segurei seu pulso.
— Desculpe pela história da aposta. Não foi como pensa.
— Quanto você ganhou?
— Não apostamos dinheiro. Foi só bobeira daquele espanhol de merda. Ele
queria o direito de ficar com você e eu não permiti. Olhe as mensagens no
meu celular e vai entender.
Peguei o aparelho da mesinha de cabeceira e joguei para ela.
— Adianta eu vasculhar isso? — perguntou erguendo o aparelho. — Já
transamos, não foi?!
— Está questionando a minha motivação para me afundar no meio das
suas pernas, querida, e isso eu não admito. Acha mesmo que se fosse apenas
uma aposta eu estaria me masturbando pelos cantos como se fosse um
adolescente cheio de hormônios?
Empurrei a coberta para o chão mostrando para ela como estava duro e vi
suas pupilas dilatarem. Mas Isabela pulou da cama quando fui em sua
direção.
— Tem um compromisso, lembra?
— Foda-se!
— Você não implorou. — Ela correu rindo de mim. — Além do mais,
teremos tempo para essa discussão mais tarde.
Encarei-a lembrando do sonho e prensei os lábios.
Como explicar que, na minha cabeça, meu tempo era curto?
Eu vivia com o espectro da perda me assombrando e, como um sexto
sentido filho da puta, a sensação de que tudo de bom seria arrancado de mim
a qualquer momento me aterrorizava.
— Claro.
Eu me troquei rápido. Ela me deu um beijo modesto e eu permaneci
parado, admirando sua beleza. Olhos tão lindos como aqueles mereciam mais
atenção. Ela sorriu tímida e beijei sua boca.
Desejei morar naquele momento. A língua quente abraçou a minha,
valsando suave. Deslizamos os lábios um no outro.
— Eu já volto — prometi sem querer deixá-la.
— Tá. Vou aproveitar para terminar a leitura daquele livro.
Continuei ali parado. As mãos em sua cintura. Preso.
— Não vou fugir, Khalid — acrescentou a promessa. — Vai lá antes que
se atrase.
Suspirei.
— Tá.
Hálim me esperava no corredor, receoso, e com razão.
— Você é um filho da puta! — Apontei o dedo para a cara de cachorro
abandonado dele.
— Em minha defesa, foi totalmente sem querer.
Passei por ele a passos apressados.
Somente duas horas depois a reunião terminou e pude afrouxar a gravata.
Precisava de uma bebida forte.
Política é uma merda. Uma mistura de rosnar e abanar o rabo para infelizes
que se julgam deuses entre mortais. Mostramos os dentes reforçando
exércitos e adquirindo armas de destruição em massa para manter a paz e
depois apertamos as mãos como se não quiséssemos explodir uns aos outros.
Quem aperta a minha mão hoje pode estar me espionando, sabotando e
tentando influenciar meu país com suas ideologias controversas, por isso
essas reuniões me deixam tão exausto e quando terminou eu saí dali o mais
rápido que pude.
Havia um conglomerado de lojas na mesma calçada do hotel e quando
saímos, Hálim parou de frente para um pet shop.
— Preciso de uma guia nova para o Di Caprio — referia-se ao seu
cachorro. — Ele destruiu a antiga.
Fiz um gesto para que ele entrasse e esperei ali mesmo, olhando a vitrine.
A loja ao lado era de joias e um colar me chamou a atenção.
Era simples. Ouro branco com um pingente longo cravejado de diamantes
e uma safira azul em formato de flor na ponta.
Imediatamente a imaginei no pescoço de Isabela.
Simples e lindo.
— Acha que ela vai gostar? — Ouvi Hálim perguntar atrás de mim. — É
da cor dos olhos dela — lembrou espremendo a vista através do vidro e a
vendedora acenou para nós. — Pelo sorriso não deve ser barato.
Dei de ombros.
— Desde quando eu pergunto o preço de alguma coisa? Entre lá e mande
embrulhar pra presente.
Enquanto Hálim apresentava meu cartão caminhei pela loja. Fui atraído
para um balcão com pedras da mesma cor do colar. Um anel. Parecia perfeito
para um conjunto.
— É exclusivo — disse a vendedora acompanhando o meu olhar. — Ouro
branco, com pequenas flores incrustadas de diamantes ao redor e uma safira
azul no meio.
— Vou levar.
— Ela vai adorar! Sabe o tamanho?
— Sim — abri minha carteira e peguei um papel onde havia anotado essa
informação antes do casamento, quando encomendei as alianças. — Aqui.
Ela embrulhou tudo em caixas de veludo e colocou em sacolas de papel
enquanto Hálim me olhava com um sorriso irritante no canto da boca.
— O que foi, estrupício?
— Já contou pra ela?
— Não sei do que está falando.
— Claro que sabe. — Ele não me encarou. Continuou andando pela
calçada, mirando o carro que nos aguardava. — Sobre o que sente.
Não respondi. Entrei no carro e segui calado por todo o caminho de volta.
Acho que não contei nem pra mim mesmo.
Khalid
Chorei agarrada ao travesseiro. Meu corpo queria estar na cama dele, como
em todas as outras noites da semana, mas a minha mente gritava que eu
precisava estabelecer um limite.
Tive amores líquidos o suficiente na minha vida. Escorrendo por entre
meus dedos, enquanto eu lutava sozinha para solidificá-los.
Aprender a lição significa não cometer o mesmo erro, né?
Então, eu chorei, porque fui burra. Eu me apaixonei perdidamente por
aquele árabe safado e insensível.
Não lembro que horas fui dormir. Só me lembro do cansaço.
Acordei com olhos inchados e precisei carregar na maquiagem antes de
sair de casa.
Para me deixar ainda mais triste, Khalid já tinha saído quando acordei.
Enfiei os óculos escuros no rosto antes de entrar no carro do Hálim.
— Onde está o motorista?
— Com o chefe. — Hálim abriu a porta de trás. — Ele precisou sair cedo
para resolver um problema.
Um segurança sentou na frente e outro ao meu lado e eu suspirei me
sentindo sufocada.
Seguimos para a cidade de Ruwi onde acontecia a inauguração de um
centro de atendimento à mulher. Um dos projetos do Khalid.
Durou pouco mais de duas horas. Fui cumprimentada por uma imensidão
de mulheres, aparentemente satisfeitas. Dali, partimos para um orfanato e
dessa vez o evento foi longo.
Hálim me orientou a ter cuidado com tudo o que eu diria. Dar respostas
evasivas sempre, mesmo diante da mais inocente das perguntas, porque
poderiam distorcer as minhas palavras. Eu representava o Primeiro-Ministro e
o nervosismo me deixou trêmula.
A parte boa foi as crianças.
— Tente não levar nenhuma delas para casa — Hálim provocou ao me ver
com um bebê no colo. — Não antes de fazer um herdeiro pro sultanato,
depois pode inaugurar sua própria creche se quiser.
— Não sei se estou preparada para ser mãe.
— Acho que o bebê que está dormindo no seu ombro tem outra opinião.
Fiquei envaidecida, confesso. Gosto de crianças, mas a responsabilidade de
ter uma vida em minhas mãos me assustava e por isso corri para devolver o
bebê para a funcionária.
A solenidade prosseguiu e me senti estranha durante o resto do evento.
— Será uma boa mãe, não se preocupe. — Hálim se posicionou atrás de
mim enquanto a diretora do orfanato discursava.
Ouvi em silêncio, atenta aos fotógrafos autorizados pelo sultanato. A
imprensa não tinha liberdade em Omã. Por ser um sultanato, entendi que, em
diversos aspectos, era como uma ditadura.
Um rosto na multidão me pareceu familiar e senti um calafrio escalar a
minha coluna.
— Outros políticos estão aqui?
— Não que eu saiba. Quem você viu?
— Tessalah.
Hálim pegou o celular do bolso e começou a digitar.
— Merda! Não tem sinal aqui. Não saia desse palco, ouviu? — Ele se
afastou com o aparelho na mão.
A cerimônia terminou logo depois. Dois seguranças me conduziram de
volta ao carro, mas o meu estômago estava sobrecarregado com as pressões
daquele dia.
— Estou enjoada — avisei espalmando as mãos na porta do carro.
De repente ouvi tiros e não tive reação.
O pânico se apoderou de mim arrancando minha voz quando alguém me
agarrou e enfiou um capuz na minha cabeça.
Não consegui gritar.
Fui jogada dentro de algo que me pareceu um carro. Vozes estranhas e
familiares gritavam ao mesmo tempo coisas diferentes que eu não consegui
decifrar e senti o empuxo da velocidade quando o carro arrancou cantando os
pneus comigo dentro.
Khalid
Minha boca estava seca quando acordei. Dei uma olhada rápida,
espremendo os olhos através da pouca claridade e identifiquei o colchonete
sujo em que estava deitada. Um basculante próximo ao teto era a única fonte
de luz.
Minha cabeça latejava.
Eu me ergui vacilante. Minhas pernas estavam dormentes. Percorri todo o
espaço, mas não tinha muito que vasculhar. Era um porão vazio e
empoeirado, com uma escada velha de madeira que subia até uma porta
trancada.
Lá fora, ainda era dia.
Tentei alcançar o basculante sem sucesso. Tentei escalar a parede, mas era
lisa. Escorreguei várias vezes, pulei outras tantas. Chutei a porta algumas
vezes e gritei até ficar sem voz.
O tempo se arrastou.
Quando finalmente ouvi um barulho de carro eu gritei a plenos pulmões,
rouca, tossindo, até que a porta se abriu e meu coração foi parar na garganta.
— A puta do Ministro! — Empostou a voz fazendo-a ecoar como um eco
sombrio. — Estou te devendo uma coisa.
Ele se aproximou devagar e eu fui andando para trás até bater as costas na
parede imunda. O tapa estalou alto e seco me jogando no chão. Toquei o
local que ardia. Ele cuspiu em mim antes de jogar uma pasta aberta no chão à
minha frente que esparramou fotos. Puxei uma delas e tive vontade de chorar.
— Uma puta compartilhada, pelo visto. Você me enoja!
Continuei pegando as fotos ampliadas, do tamanho de uma folha A4. Eu,
Khalid e Hálim em Dubai, nas escadarias.
Comecei a rasgar todas num rompante, chorando de ódio. Eu nunca me
senti suja antes. Nunca me senti culpada e nem deveria. Era o meu corpo.
Quantos homens eu tinha em minha cama não era da conta de ninguém.
A gargalhada cruel e maliciosa reverberou e tapei meus ouvidos como uma
criança, como se pudesse negar sua presença.
— Tenho várias cópias. — Ele se agachou na minha frente e o encarei com
ódio, sentido as lágrimas rolarem pela minha bochecha. — O trato é o
seguinte: você vai me passar todas as informações que eu precisar sobre o
Khalid e a maldita família Tharip. Vai fazer tudo o que eu te mandar fazer se
não quiser ver essas fotos nos jornais de todo o mundo. Não haverá um país
de merda em que possa se esconder sem ser reconhecida como a vagabunda
que é.
— Pode publicar essa merda aonde quiser. Eu não tenho vergonha.
— Acha que o Ministro de um país árabe será respeitado depois disso
vazar? Apesar daquela família de merda, promíscua e herege, ainda temos um
código de moral e bons costumes a zelar.
— Por que não divulgou as fotos então? Poderia ter nos destruído, mas está
aqui blefando.
Sua mão pesada acertou meu rosto novamente e dessa vez, ele não se
conteve. Chutou minhas costelas uma, duas vezes, e me revirei no chão.
O ar abandonou meus pulmões quando ele me acertou um terceiro chute,
no estômago. Tudo o que eu tinha lá dentro saiu num vômito convulso.
Tossi, tentando respirar.
A dor queimou até a minha alma.
Quando finalmente consegui respirar senti meu couro cabeludo
queimando. Ele me puxou pelos cabelos e me arrastou até a parede, batendo a
minha cabeça contra a parede.
O velho arfou, satisfeito.
Um filete de líquido quente escorreu por cima do meu olho. Tentei limpar,
mas parei o movimento quando a dor lancinante me atravessou. Eu não
conseguia me mexer sem que algo me rasgasse por dentro.
— Ainda acha que é blefe? É melhor você me obedecer direitinho porque
ninguém vai te proteger, assim como ninguém evitou que eu pusesse as mãos
em você. Não vai contar para o Khalid que te ameacei, não falará meu nome,
ou sobre as fotos. Quando eu te ligar, vai fazer o que eu mandar, ou farei algo
muito pior da próxima vez.
— Ele vai saber, mesmo sem eu contar. — Tossi com minhas próprias
palavras arranhando a garganta. — Vai saber que foi você.
— Claro que vai. — Abaixou-se para me olhar nos olhos. — E sendo o
infeliz que eu sei que ele é, vai ficar descontrolado. Vai cometer todos os
erros que preciso que cometa e terá medo, porque você, queridinha, é o ponto
fraco dele.
Tessalah fez um gesto com a mão e dois brutamontes me pegaram pelos
braços e me arrastaram escada acima. Eu gritei alto ouvindo alguma coisa
estalar dentro de mim.
Jogaram-me em um sofá velho e um dos homens pegou o celular do bolso.
Digitou um número e o pôs no ouvido.
— Ministro — falou e olhei para ele alarmada. O maldito era um dos
seguranças do Khalid. Encarei o infeliz com ódio enquanto ele passava o
dedo indicador pelo pescoço e apontava pra mim. — Achei ela. Vou te
mandar a localização pelo celular.
Ele desligou e digitou a mensagem. O outro brutamonte sentou ao meu
lado no sofá e piscou.
— Como podem?...
— O tempo da família Tharip no poder já passou.
— Vocês são dois porcos — balbuciei através da dor.
O ruivo no sofá cuspiu em mim.
— Cala a sua boca, prostituta! Vocês vão arder no inferno!
Limpei o rosto com a mão, bem devagar, olhando dentro dos seus olhos.
— Acha que vai para um lugar diferente?
— Eu serei recebido com honras por Allah. Estou limpando o meu país da
escória.
Senti a revolta se elevar dentro de mim. Quanto mais me dava conta da
minha impotência, mais revoltada ficava. Queria matá-los, todos eles, com
minhas próprias mãos.
— Espero que morra gritando antes disso.
O tapa do ruivo acertou o meu lábio já aberto e dessa vez o sangue
escorreu mais espesso e ardido.
— Nem pense em contar nada para o Khalid porque saberei — Tessalah
avisou. — Tenho olhos e ouvidos dentro da sua casa.
— Então por que precisa de mim?
— Vai saber quando o momento chegar. E nem pense em não atender a
minha ligação. — Sorriu amplamente antes de sair da casa me deixando
sozinha com os dois seguranças vendidos.
Tudo em mim doía, mas eu tentava decidir o que fazer.
Aquelas fotos poderiam arruinar a carreira do Khalid.
Chorei em silêncio, me encolhendo no sofá.
Demorou para que o Khalid chegasse. Não sei quanto tempo. Não consegui
mensurar. Ele abriu a porta desesperado e estancou ao me ver naquele sofá
fétido.
— Quem? — Foi a única pergunta que fez, de maxilar trincado, movendo
os lábios apenas o suficiente para se fazer entender. Os olhos pretos de
demônio fixos nos meus, como se pudessem invadir meus pensamentos.
Minha reação foi chorar mais. Alegria, dor, tristeza, tudo resumido em
lágrimas grossas que contorciam o meu rosto já inchado.
Hálim e Zaad entraram logo depois dele além de mais cinco homens que
eu não conhecia.
Os dois seguranças se puseram de pé, inventando uma história de como me
acharam, mas quando um deles esticou a mão para me ajudar a levantar, a
minha reação involuntária foi me encolher e Khalid respirou fundo, inflando
o tórax largo.
— Entendi — rosnou com um leve trepidar da sua voz. — Vou dar uma
chance de me contarem a verdade e continuarem vivos.
— Já dissemos, senhor — respondeu o ruivo numa atuação digna de Oscar.
— Essa é a verdade.
Zaad se aproximou de mim e me ajudou a levantar, mas era doloroso
demais. Parecia que algo me perfurava internamente quando eu me erguia.
Khalid mantinha os punhos fechados ao longo do corpo. A expressão em
seu rosto era terrível e ninguém ousava se intrometer em seu interrogatório.
— Como pensaram em procurar justo aqui?
— Seguimos a pista de uma denúncia anônima que o serviço de
inteligência recebeu — explicou o outro segurança corrupto, que aparentava
ser ex-militar. — Ela deu uma boa descrição do local e a gente rodou a
manhã toda pela vizinhança. Encontramos ela aqui sozinha e muito
machucada. Não é mesmo, senhora?
O desgraçado olhou para mim esperando que eu confirmasse, mas só
consegui encará-lo com raiva e medo.
— Por que não me passaram a informação antes?
— Havia uma chance de ser uma pista falsa e não queríamos desviar sua
atenção para algo que poderia ser apenas um trote.
Khalid olhou para mim incisivo e eu abaixei os olhos, me agarrando a
roupa do seu irmão para não cair.
A sirene da ambulância soava cada vez mais alta do lado de fora,
indicando sua aproximação e Hálim apoiou meu corpo no dele.
— Precisa nos dizer alguma coisa, Bela, ou tomaremos o seu silêncio
como resposta — cochichou baixinho, mas não o suficiente para não ser
ouvido por um Khalid curioso que estreitou os olhos para mim.
Tive medo.
Meu coração acelerou pensando em todas as ameaças, mas o meu ódio
também lutava dentro de mim. Era uma decisão perigosa a tomar. Submeter a
minha vida e a de meu marido àquele doente ou me vingar e sofrer todas as
consequências?
Antes que eu negasse ou dissesse nomes, Khalid já tinha lido a verdade
dentro da minha alma.
O primeiro soco foi um movimento violento, tão rápido e com tanta força,
que o brutamonte ruivo, que estava mais próximo dele, foi ao chão
nocauteado.
O loiro com jeitão de militar puxou a arma, mas foi dominado pelos
homens atrás dele.
Khalid continuou batendo no homem caído, um joelho apoiado no tórax, e
o punho erguido, socando sem parar.
Ninguém ousou interrompê-lo.
Voltou-se arfando para o segundo segurança que se debatia.
— Vocês, Tharip, são a escória de Omã!
Acertou um soco no estômago dele e eu gostei de assistir o infeliz se
dobrar e cuspir sangue no chão.
— Gosta de machucar mulheres? O que acha disso agora? — Chutou as
costelas do homem com tamanha força que, mesmo musculoso, rolou pelo
chão gemendo. — Quem te mandou fazer isso?
O homem grunhiu.
— Não... vou...
— Ah, não vai?
— Khalid! — Zaad chamou a atenção dele que o encarou parecendo o
demônio em pessoa. — Sua esposa precisa de cuidados e esse homem precisa
ser interrogado. Matá-lo agora não nos ajuda.
Khalid passou a mão pelo rosto transtornado, limpando respingos de
sangue, sem dizer nada. Os médicos entraram receosos enquanto o loiro era
arrastado para fora da casa.
Dois deles me atenderam e outro se debruçou sobre o homem caído.
— Está morto.
— Ótimo! — Khalid rosnou. — Quero a morte dele noticiada em toda a
imprensa para que saibam o que acontece com quem encosta um dedo na
esposa de um Tharip.
O sultão não contestou o irmão em momento algum e quando o encararam,
aguardando seu posicionamento, ele assentiu.
Fui posta em uma maca, com um colar cervical, e administraram um
remédio em minha veia que me deixou sonolenta. Minhas pálpebras pesaram,
mas a forcei a se abrir no instante que senti a mão larga em minha bochecha.
— Nunca mais vou sair do seu lado. — A promessa dele me causou
desconforto.
Foi a última coisa que ouvi. A escuridão me abraçou sem afastar a
sensação de que eu era uma traidora covarde e não merecia uma gota da
gentileza daquele homem.
Khalid
Malik passou a semana inteira comigo e era muito divertido, mas eu sentia
falta do Khalid. Meu coração pesava cada vez que ele saía e quase fugia pela
minha boca quando retornava.
No domingo, ele arrumou tudo para voltarmos pra casa. Sabia que tinha
demitido a maioria dos funcionários, mas ainda fiquei apreensiva.
Fui direto ao quarto do meu pai que estava em sua cama. Ele já não
conseguia mais sair dela.
— Bom dia. — Minha voz falhou embargada pelas lágrimas. — Como
está?
Ele girou a cabeça de lado, como se não tivesse muita certeza do que
ouviu.
— Bem. E você, moça bonita?
Eu segurei sua mão com o coração pequenininho no peito.
— Estou melhor do que eu mereço.
Ele espremeu os olhos azuis franzindo o nariz enrugado.
— Eu sinto que eu te conheço — meu pai disse e eu me emocionei —, mas
não consigo lembrar...
— Tudo bem — amenizei secando as lágrimas que despencaram rápido.
— A memória é o que somos, querida. Quando a perdemos não resta mais
nada de nós nessa vida. — Ele meneou a cabeça com desgosto. — Estou tão
cansado.
— Vamos tomar a medicação — a enfermeira avisou em um português
cheio de sotaque e em seguida fez sinal para que eu a seguisse até o corredor.
— Como ele está? — perguntei e ela sorriu fraco.
— O Alzheimer avançou. Tem dias que ele engole a comida com muita
dificuldade e tem infecções recorrentes. Essa última, urinária, o deixou muito
debilitado.
Exalei um bocado de ar. O homem que se dedicou tanto à família, amável
e protetor, agora agonizava em uma cama.
A vida é tão injusta!
— Obrigada por cuidar dele — falei tocando o ombro da moça magrinha.
— Vou organizar algumas coisas e volto para ficar com ele.
Eu me afastei me sentindo inútil. Eu só queria tomar um banho e me sentar
no sol por alguns minutos.
Meu celular vibrou dentro do meu bolso enquanto eu subia os degraus.
Parei no terceiro para atender a chamada que não teve o número identificado.
— Alô?
— Como vai, Isabela? — A voz asquerosa me causou um tremor por todo
o corpo e precisei segurar o corrimão de madeira com força. — Um
passarinho me contou que você já saiu do hospital. Parabéns!
Segurei o telefone com mais firmeza, olhando para todos os lados, como se
ele fosse surgir de algum canto da casa.
— O que você quer seu desgraçado?
— Você foi uma menina má e me fez perder muitos colaboradores, mas eu
vou deixar passar essa desde que cumpra a sua missão. Amanhã é segunda e
tenho planos para o conselho. Você vai dizer para o seu maridinho que está
passando mal e que precisa dele em casa.
— Não vou fazer o seu jogo.
— Você já sabe o que acontece se não obedecer. — Baixou o tom até
atingir um grave sinistro que gelou meu sangue. — Não teste a minha
paciência.
Ele encerrou a chamada e senti o pavor se apoderar de mim. A dor dos
meus ossos sendo chutados, o desespero de não saber o que iria acontecer,
minha mente mergulhou fundo nas sensações que tentei enterrar nesse último
mês.
— Isabela? — Khalid estava diante de mim e não deu tempo de esconder
as lágrimas. — O que houve?
Limpei o rosto com as mãos.
— Não. — Deixei um soluço escapar e ele me puxou para um abraço.
Segurei firme em sua camisa de malha, sabendo que não podia mais esconder
a verdade. — Preciso te contar uma coisa.
Eu me afastei dele a custo e desci os degraus, cambaleante. Ele me seguiu
confuso e quando eu deixei meu corpo cair no sofá ele se sentou paciente ao
meu lado.
— Foi o Tessalah — falei rápido e seus olhos escureceram. — Ele estava
naquela casa quando acordei. Era o mandante de tudo. Foi ele quem me bateu
e me ameaçou.
— Isabela...
— Espera! Eu remoí isso por todo esse tempo, sem saber se devia te contar
porque não quero que faça uma besteira. — Pausei, tomando fôlego. — Ele
me mostrou fotos, Khalid, de nós... três.
As sobrancelhas grossas e escuras baixaram, enrugando a testa larga.
Talvez estivesse se fazendo as mesmas perguntas que eu fiz.
— Em Dubai. Eu, você e o Hálim. Khalid segurou as têmporas com as
mãos, apoiando os cotovelos sobre os joelhos, e encarou o piso de
porcelanato.
Naquele momento entendi o que Melissa havia dito quando conversamos
no hospital: sim, tem problema. Esse é um país onde os casais não se beijam
na rua para não causar escândalo.
— Eu vou resolver isso.
— Não, não vai. Ele está me ameaçando, Khalid. — Mostrei o celular para
ele, com a última chamada. — Ele me ligou agora. Quer que eu te faça ficar
em casa amanhã ou vai divulgar as fotos.
Khalid fechou os olhos com força. Levantou do sofá, andando de um lado
para o outro e de repente veio até mim como uma tempestade de raios, tomou
o celular da minha mão com violência e o jogou na parede.
Eu me encolhi.
Pedaços do aparelho voaram para todos os lados.
— Nunca mais atenda esse filho da puta! A responsabilidade não é sua, de
nada disso. A culpa é toda minha, eu devia ter te protegido. Não tem que ter
vergonha de nada do que fizemos.
Khalid segurou meu rosto com ambas as mãos e me beijou. Os lábios
grossos comprimindo os meus com delicadeza. A sua língua deslizou suave
para dentro da minha boca, movimentando-se devagar.
Não foi um beijo excitante, apesar de não transarmos há mais de um mês.
Foi algo novo, mais sólido.
— O que você vai fazer?
— Conversar com o Zaad. — Khalid puxou o seu telefone do bolso. —
Vai dar tudo certo, não se preocupe.
Khalid
Não eram mais desconfianças minhas. Zaad não podia mais tratar minha
denúncia como implicância. Agora eu tinha o testemunho da Isabela.
Aquela noite foi longa.
Zaad e alguns ministros vieram à minha casa tomar o depoimento da
Isabela que chorou algumas vezes, muito nervosa, mas contou tudo para eles.
— Precisamos investigar quantos estão envolvidos com Tessalah — Zaad
explicou, lanceando o olhar para Faruqh, o chefe da sua segurança e braço
direito dele na inteligência omanita. — Rastrear o dinheiro que foi pago aos
seguranças corruptos apontou para algumas contas e duas delas eram de
familiares de conselheiros, mas duvido que sejam os únicos envolvidos no
golpe.
Um dos ministros exibia uma expressão sisuda que me deixava ansioso.
Era como ter dez anos de novo e estar na diretoria do colégio, prestes a ser
expulso.
— Não podemos ignorar a situação do Ministro Khalid — falou com
respeito fingido e nojo evidente. — Ele mancha o nome deste conselho.
Zaad se manteve calado.
— Infelizmente, ele perderá sua cadeira no conselho pelos seus atos... — o
velho pausou repuxando o lábio e talvez tentando encontrar um adjetivo
adequado — libidinosos.
Claro. A moralidade hipócrita dos idosos andava de mãos dadas à culpa
religiosa.
Fechei as mãos com força, sentindo meus músculos repuxarem.
— Talvez fosse melhor tirar dele o Ministério também — o outro
acrescentou. — O Primeiro-Ministro de um país não pode...
— Não — Zaad cortou e o abutre parou seu gesto, ficando com a mão
estendida no ar.
— Majestade, com todo o respeito, se essas fotos vierem a público a
população pode pressionar.
— Já concordei com a exclusão dele do conselho, mas o ministério é dele
por direito sanguíneo. Quanto ao Tessalah, quero ele preso ainda hoje.
Um copo caiu na cozinha e Isabela se sobressaltou. Os seguranças foram
rápidos em trazer a enfermeira até a sala, pelo braço.
— Desculpe eu vim pegar água para os remédios — desculpou-se
apavorada e fiz um gesto para que a deixassem ir.
— Devíamos ter usado o escritório — lamentei estalando a língua. —
Odeio me sentir vigiado dentro da minha própria casa.
Caminhei pela sala, segurando a cintura. Estava bravo comigo mesmo.
Odiei o fato de perder a cadeira que pertenceu à minha mãe no conselho. E
temia ser questão de tempo até me tomarem o cargo de ministro.
Porra!
Minha vida estava desmoronando. Tudo o que fiz, tudo pelo que lutei, teria
sido em vão se eu perdesse o meu cargo.
— Faruqh — Zaad chamou —, sabe o que fazer. Quero Tessalah e
qualquer membro do conselho que tenha indícios de estar ligado a ele presos
hoje.
Naquela noite os conselheiros foram presos, mas Tessalah não foi
encontrado.
Os dias a seguir foram tensos. Após um interrogatório exaustivo e muita
investigação, conseguimos provas contra outros conselheiros, mas depois de
quase um mês, Tessalah ainda não tinha sido capturado.
A família dele foi exilada. Expulsos do país.
Eu perdi minha posição no conselho e fui publicamente humilhado quando
as fotos vieram à tona. Só não fui condenado por comportamento sexual
ilícito graças à minha própria lei. Como não sou religioso, não fui julgado
pela sharia, logo, não me foi imposto nenhum hudud[21].
Isabela e Hálim também não seriam indiciados, pois não eram nem omanis.
Isso fez me lembrar da ocasião em que Tessalah tentou derrubar a minha
lei a todo custo. Aquele verme já planejava nos eliminar com aval do
conselho.
Mesmo assim, tudo pelo que lutei durante toda a minha vida foi pisoteado
pela língua dos hipócritas e doeu muito perceber a ingratidão do povo.
Pessoas esquecem muito fácil o que receberam de bom.
Isabela
A primeira coisa que Hálim fez foi me dar um copo grande de água com
açúcar. Fiquei sentada na sala dele por longos minutos até me acalmar.
O apartamento era pequeno. Um quarto e sala com dormitório de
empregada há poucas quadras da casa do Khalid.
Um buldogue simpático me encarava paciente.
— Esse é o Di Caprio — apresentou fazendo carinho na cabeçorra
quadrada. — Ele é meu suporte emocional.
Ergui as sobrancelhas surpresa, mas não teci comentários. Sabia que Hálim
já tinha sido usuário de drogas, mas foi através de uma fofoca da Sumali e
não achei educado falar sobre isso sem que ele mesmo tivesse contado.
— Posso?
— Vá em frente! — Hálim apontou para o cão. — Ele é um banana.
Eu me agachei para afagar o corpo rechonchudo.
— Oi, Di Caprio? — O cachorro se revirou mostrando a barriga. — Eu já
tenho 25 anos, garotão. Não sou mais o seu tipo.
Um doce!
Di Caprio me arrancou um sorriso. Era quase todo branco, com manchas
cor de caramelo.
— Quantos anos ele tem?
— Três. Foi a Melissa que me deu de presente e já veio com o nome. Disse
que era por causa do Titanic. Ela tem uma fissura por filmes. E cavalo dado...
sabe, né?
— Acho melhor voltar para o Brasil — comentei me levantando.
— Vai deixar o Khalid de vez, tem certeza?
Não. Eu não queria isso. No fundo ainda tinha esperança de um dia
conseguir voltar para ele.
— Eu vou resolver isso, cariño. — Hálim segurou meu rosto entre as suas
mãos e beijou a minha testa. — Tenho homens de confiança procurando
Tessalah por toda a Península Árabe.
Assenti, reprimindo o choro, sentindo um fio de alegria com aquela
informação.
— Tem certeza que é seguro aqui? — perguntei me referindo à
proximidade da casa do Khalid. Eram apenas cinco quarteirões.
— Sou eu que vou à montanha, não o contrário — explicou se referindo ao
provérbio. — Pode dormir no meu quarto.
— De jeito nenhum!
— Para com isso, mulher. Não estou te pedindo. Eu fico no quarto de
empregada. Só preciso de uma cama. Pelo visto não passarei muitas noites
aqui — falou pegando o celular do bolso e atendeu uma ligação. — Oi,
Khalid. Já estou voltando, fique tranquilo.
Senti um nó na garganta.
Ele desligou voltando com o parelho para o bolso e me encarou.
— Vou ficar bem — menti cruzando os braços. — Di Caprio me fará
companhia.
Hálim providenciou tudo para o enterro do meu pai, dois dias depois. Eu
acompanhei a cerimônia de longe.
O cemitério parecia um grande deserto. Não havia muitos ornamentos nas
sepultaras e tudo era muito simples, de acordo com a religião muçulmana.
Não havia mausoléus ou monumentos de forma que não tinha como me
esconder.
Eu me mantive distante, mas foi impossível não ser vista.
Khalid estava lá. De óculos escuros, mas eu sabia que estava me olhando,
apesar de estar longe. Sentia seus olhos em mim como brasa, mas não tentou
se aproximar nem falar comigo.
Quando a cerimônia terminou, ele se afastou e eu me aproximei para
deixar as minhas flores sobre a sepultura.
Foi a última vez que vi meu árabe.
Khalid
O bom humor do Hálim sempre foi sua marca registrada, mas havia se
tornado obscuro ultimamente. Ele quase não voltava mais para casa e quando
aparecia para trocar de roupa e tomar banho, estava sempre abatido e
silencioso.
Dormir tarde se tornou um hábito. Não importava o quanto eu estivesse
cansada, o sono demorava a chegar. Por isso eu estava assistindo um filme de
madrugada quando meu celular vibrou recebendo uma mensagem e eu quase
cuspi o coração fora.
Khalid estava vindo com Hálim para casa.
Escondi todas as minhas coisas de baixo da cama, passei pela sala
vasculhando as evidências da minha estadia ali. Vesti um casaco e saí de casa
apenas com a chave da porta na mão.
Quando os faróis brilharam no início da rua eu me escondi atrás de uma
árvore.
Hálim desceu sozinho e entrou no prédio, mas logo depois Khalid saiu do
carro e foi atrás do secretário.
Foi um choque vê-lo novamente. Eu me tremi inteira.
A barba tinha crescido demais, assim como o cabelo, e havia olheiras
fundas abaixo dos olhos. Ele era uma sombra do que já foi.
Eu não estava preparada para o impacto. Segurei a árvore como se eu fosse
cair. Ouvindo todas as notas sôfregas do meu coração que batia pesado como
um rock antigo.
Quando ele voltou, se apoiou no carro e tudo o que eu queria era correr
para ele e o abraçar apertado.
Parecia tão triste e perdido. Olhou em volta, como se visse fantasmas, e ali,
no meio da rua, no desalento da noite, ele segurou o rosto entre as mãos e
chorou.
Tapei a minha própria boca. Prendi a respiração, mas não pude evitar que
as minhas lágrimas o acompanhassem. Escorreram quentes pelos meus dedos,
com sabor de desesperança.
Hálim apareceu e o consolou. Puxou o amigo de volta para o carro e saiu
cantando os pneus.
Khalid
Ouvi uma música hoje, em outra língua, e parei no meio da rua para
colocá-la no papel pra você porque diz tudo o que está engasgado na minha
garganta: “Ajude-me, eu fiz de novo.
Eu já estive aqui muitas vezes antes de me machucar novamente hoje.
E a pior parte é que não há mais ninguém para culpar.
Seja minha amiga.
E me segure.
E me envolva.
Desdobre-me.
Eu sou pequeno.
E carente.
Aqueça-me.
E me respire.
Ai, eu me perdi de novo.
E não estou em nenhum outro lugar para ser encontrado.
Sim, eu acho que posso quebrar.
Eu me perdi de novo e me sinto tão inseguro.”
Volte pra mim.
Terminei a carta chorando muito e a dobrei. Não sei quanto tempo fiquei
ali sentado, no meio da rua, olhando para onde eu queria ir, mas de onde
deveria me afastar.
Um trapo. Um lixo. Meus sentimentos tinham rompido uma represa e
devastado tudo que havia em mim sem piedade.
Fui tão duro. Tão frio por tanto tempo. E agora... estava reduzido a um
pedaço imundo e imprestável de gente.
Eu precisava encerrar aquela parte da minha vida. Precisava virar aquela
página para nunca mais ter que olhar para ela.
Caminhei de volta e enfiei a carta na caixa de correio do apartamento do
Hálim, apenas com um para Isabela escrito como destinatário e fui embora
para nunca mais voltar.
Isabela
— Entendo que esteja preocupada com a vida do Khalid, mas ainda não
concordo, Isabela. Flertar com um turista? O que faria com ele depois?
— Ele precisa entender que acabou. Acha justo ele ficar sentado no meio
da rua olhando para esse apartamento, Hálim? Porra, ele é o Primeiro-
Ministro do país, o irmão do sultão e foi reduzido a quê?
Limpei uma lágrima do meu rosto com raiva.
— Concordo que é triste, mas caralho, ele nunca amou ninguém antes,
Isabela!
— Eu sei, MERDA! Por isso que foi necessário. Acha mesmo que eu
gostei? Ou que eu queria me sujeitar a um estranho a troco de nada? O Khalid
não vai desistir até entender que eu não o amo mais e eu preciso fazer ele
acreditar nisso.
Hálim passou a mão pela cabeça como se eu estivesse dizendo uma
loucura.
— Ele não vai desistir. Ele te ama e não dá para desligar um botão dentro
da nossa cabeça para deixar de gostar de alguém. Ainda mais se tratando de
um cara que nunca sentiu isso em 38 anos. Acorda!
Respirei fundo, cansada daquela situação.
— Eu aluguei um apartamento — avisei seca. — Não posso continuar
aqui. O meu escritório vai estar pronto em breve e vou morar perto dele.
O espanhol abaixou a cabeça, mordendo sua decepção junto com o lábio
inferior.
— Vai me abandonar também?
Senti o calor das lágrimas pinicarem o meu nariz e precisei respirar fundo
para controlar a emoção.
— Eu não posso mais ficar aqui. Estou impondo ao Khalid um sofrimento
absurdo e te colocando em uma situação difícil. Também não é justo contigo.
— Passou pela sua cabeça que eu não me importo porque realmente gosto
de você?
Fechei os olhos me sentindo culpada. Já tinha juntado todas as minhas
coisas dentro de uma mochila e precisava me afastar deles.
— Desculpa, mas preciso me afastar por um tempo.
Aquela despedida acabou comigo, mas eu precisava ficar longe até que o
Tessalah fosse preso e não via outra solução. Beijei seus lábios com carinho.
Hálim havia se tornado mais do que um amigo. Poderia dizer seguramente
que eu o amava. Enquanto Khalid era o meu desespero, o motivo para eu
continuar viva, Hálim era minha tranquilidade, minha calma.
Não imaginava a minha vida sem aqueles dois.
— Adeus — falei baixinho e Hálim me puxou de volta para a sua boca.
Ele deslizou a língua por entre meus lábios, segurando a minha nuca e
colou seu corpo no meu enquanto aprofundava o beijo. Durou alguns minutos
até que finalmente ele se afastou.
— Não vai se livrar de mim tão fácil, cariño. Não é adeus, e sim até breve.
Abri um sorriso e prensei meus lábios guardando o seu gosto na minha
memória.
Caminhei até a porta decidida.
— Isabela — Hálim me chamou e parei na porta —, não saia com outro
homem. Não existe divórcio neste país e você pode acabar numa encrenca.
Assenti triste e ele me estendeu um papel dobrado que tirou do bolso.
— Eu achei isso na caixa do correio agora há pouco. Está endereçado a
você.
Segurei o papel amassado sentindo o meu corpo amolecer. As lágrimas
desceram enquanto eu o guardava em meu bolso para ler sozinha porque eu
certamente precisaria de privacidade para gritar muito alto.
Dinheiro é poder. Não há nada que não se consiga rápido se você tiver
dinheiro e isso eu tinha muito.
Abri a porta do apartamento pequeno e larguei a mochila sobre o sofá.
Perambulei pelos cômodos e finalmente me sentei.
O silêncio e a solidão eram minhas companhias de novo, como antes de eu
vir para esse país.
Peguei o papel que eu tinha enfiado no bolso e desdobrei.
Era uma carta do Khalid.
Meus olhos se encheram de água já na primeira frase. Eu havia pedido
aquilo. Uma carta de amor com a letra de uma música que ele ouviu e se
lembrou de mim. E ele me deu.
Chorei enquanto lia, querendo abraçá-lo. Havia tanto sentimento ali, tantas
confissões por trás dos versos que perfuraram o meu coração.
Khalid teve uma infância que deixou marcas profundas na sua
autoimagem. Ele se achava ruim, pequeno, mesquinho, mas não era e eu
estava presa, temendo pela sua vida, impossibilitada de correr para ele e dizer
que ele não era pequeno, que não era errôneo e mesquinho.
A carta do Khalid era um pedido de socorro que eu não podia atender.
Chorei até sentir meus olhos arderem.
Eu me sentia tão fracassada. A vida toda passei lutando. Sempre que eu me
sentia confortável, algo ruim acontecia e me arrancava um pedaço. Khalid
não era fácil. Era agressivo e cheio de falhas, mas eu encontrei paz em sua
violência.
Agora, só me restava o silêncio desconfortável e odioso.
Estava tão insuportavelmente cansada que não quis sequer ir até a cozinha
pegar um copo de água, mesmo com sede.
Deitei no sofá e repousei a minha cabeça sobre a carta.
Eu só queria parar de sentir tanta saudade.
Khalid
Olhei ao redor com a impressão de que estava sendo observada, mas não vi
ninguém. Digitei a resposta rápido.
Tirei os sapatos assim que entrei em casa e joguei as chaves em cima da
mesinha de vidro. Deixei a gravidade me puxar para cima do sofá com toda a
força e encarei o vazio da minha sala.
Vazio.
Ninguém perguntaria como foi o meu dia. Ninguém me daria um beijo.
Ninguém me abraçaria quando a primeira lágrima daquela noite começasse a
rolar. Ninguém. Esse era o resumo da minha vida ultimamente. Uma solidão
que sentava ao meu lado na mesa de jantar e se deitava junto comigo na
cama, deixando a cama ainda mais fria.
Todos os dias na minha sala era a mesmice de sempre, mas hoje a caixa
vermelha havia roubado o protagonismo mórbido daquele cômodo. Ela
permanecia jogada no canto desde que a recebi do correio.
Sumali me enviou há cinco dias depois que Hálim me pediu autorização
para compartilhar meu endereço com ela. Dentro havia um convite e uma
máscara preta com penas azuis. A festa à fantasia aconteceria em sua boate,
vulgo prostíbulo, e eu até me animei de ir quando ela falou que nenhum
político havia sido convidado.
A boate estaria cheia.
Talvez eu precisasse apenas estar no meio de outras pessoas, felizes com
suas vidas, para me sentir melhor. Usufruir da energia feliz que eles
emanariam enquanto dançavam.
Aquela ideia me animou.
Olhei para o lado como se alguém fosse me responder e a solidão me
encarou de volta. Fria. Insensível. Ensurdecedora.
Abracei a mim mesma, puxando as pernas para junto do corpo e meu olhar
vagueou pelo cômodo até repousar na mesinha, onde larguei o convite. As
letras brilharam prateadas.
O que eu tenho a perder?
Suspirei decidindo ir e separei a minha melhor roupa. Caprichei na
maquiagem dos olhos. Escolhi um vestido preto e simples. Longo, é claro, e
saí de casa com muitas expectativas.
Quando o exército invadiu o galpão eu já não tinha mais forças para ficar
de pé.
Alguém me apoiou antes que eu caísse no chão.
— Você precisa de um médico. — Reconheci a voz do meu irmão.
Um dos soldados fez um torniquete na minha perna para estancar o
sangramento. Alguém, com mãos pequenas, cortou a minha calça e começou
a enfiar uma agulha na minha pele, a seco.
— Aguenta firme, Ministro. Eu sou boa em costura — a mulher avisou.
Em sua farda havia uma divisa de oficial. — Preciso fechar esse corte.
Senti muito sono e fechei os olhos.
— Ei, ei, não dorme não — ela bateu em meu rosto e eu a encarei. —
Sabia que eu tenho uma condecoração por bravura? Eu nem poderia ser
militar hoje se o senhor não tivesse possibilitado isso. Não vai morrer agora,
né?
— Estou cansado — murmurei com esforço.
— Ele precisa de uma transfusão de sangue — gritou para alguém.
— Khalid — Zaad me chamou. Estava segurando o meu rosto, mas eu não
sentia a mão dele. — Não faz isso comigo! Não me abandona.
— Você me abandonou bem antes, irmãozinho.
— Sinto muito! Por favor, me perdoa!
Ele segurou a minha mão contra o seu peito e pareceu apertar, mas eu
também não senti aquilo.
Estava anestesiado. Sem dor. Sem preocupação. E era bom.
Isabela
Dias depois havíamos decidido viajar para fugir do Natal em família. Era
uma época que deixaria a Isabela muito infeliz, pois era o primeiro que
passaria sem o pai.
— Achei que não voltariam nunca dessa terapia! — Hálim resmungou com
as malas prontas. — O voo sai daqui a uma hora.
— Isabela me fez parar o carro para correr atrás de um gato no meio da
rua, essa inconsequente!
— Ele estava assustado! Com certeza algum filho da puta abandonou o
bichinho na rua.
— Não pode trazer um gato pra casa! Eu tenho alergia, porra!
— Isso é um problema seu, e não do pobre do gatinho.
Hálim revirou os olhos e saiu por um momento. Quando voltou, jogou uma
cartela de remédio para mim que eu peguei no ar.
Um dos motivos de eu manter esse abusado como meu faz-tudo era sua
perspicácia de estar sempre pronto a resolver todos os meus problemas. Não
havia nada que ele não soubesse ou que não estivesse preparado para
remediar.
Espirrei mais duas vezes antes de engolir o caralho do antialérgico.
Que merda!
Isabela estava o cão nos últimos dias e a porra da menstruação não descia.
Esperava que a regra dela viesse logo para sair do inferno que seus
hormônios causavam na minha vida.
Conseguimos chegar ao aeroporto em cima da hora e cochilei diversas
vezes até chegarmos na França.
Aquela semana estava sendo terrível. Quase acreditei na teoria de inferno
astral que Isabela tanto repetia. Tudo estava dando errado pra mim e a Isabela
já estava me negando fogo há uma semana. Como se não bastasse, quando
chegamos ao hotel, a quantidade de quartos separados era insuficiente.
— Como assim teremos que dividir o mesmo quarto? — Hálim instou com
a gerente do hotel. — Isso é um absurdo!
— Desculpe, senhor, houve um erro no nosso sistema. Infelizmente a sua
reserva foi disponibilizada para outro hóspede e nessa época do ano ficamos
lotados. Não tenho nenhuma outra suíte disponível no momento.
Hálim esfregou o rosto com as duas mãos.
— Amanhã eu posso tentar conseguir uma cama extra para a suíte, mas a
essa hora não há muito o que fazer.
Não viajamos com os seguranças em respeito à data festiva. Isabela
comeria o meu rim se eu os forçasse a largar as suas famílias naquela data só
para nos acompanhar. Mas Hálim não só se ofereceu para ir como insistiu.
Disse que faria a nossa segurança enquanto eu estivesse babando pela minha
esposa.
Tenho esse defeito.
Ligamos para todos os hotéis daquela cidade sem êxito e tivemos que nos
conformar.
Quando entramos no quarto, para desespero do espanhol, só havia uma
cama.
— Era só o que me faltava! — Isabela esbravejou. — Uma cama para três?
É isso mesmo?
Não havia sequer um sofá naquela pocilga de suíte.
— Como isso foi acontecer, Hálim?
— Não me culpe! Você me avisou da viagem ontem, em cima da hora.
Óbvio que tinha tudo para dar errado! Quem decide ir a Paris no Natal?
Todos os hotéis estão lotados e isso foi o melhor que eu pude fazer.
— Agora não adianta reclamar! — Isabela arrastou a sua mala até o
armário e começou a desfazer a bagagem. — Estou cansada. Esse dia foi
estressante e meus pés estão me matando.
Contrariados, eu e Hálim fizemos o mesmo, dividindo o armário.
Quando ela se enfiou no banheiro para tomar banho, Hálim apontou o dedo
para a minha cara.
— Nem pense em transar com ela hoje, porque dessa vez eu não vou ficar
só olhando!
Bufei tirando os sapatos.
— Fica tranquilo. Essa mulher anda com um cadeado na boceta há mais de
uma semana.
Hálim me encarou surpreso.
— Sério? Vocês sempre foram como coelhos... sabe o motivo?
— Uma menstruação que não desce e uma TPM infernal.
Ele ergueu as sobrancelhas arregalando os olhos.
— Grávida?
— Não. Ela fez um exame e deu negativo. A médica falou que pode ser
ansiedade.
O espanhol deu de ombros.
— Só me deixem de fora das briguinhas de vocês. Nunca vi um casal tão
implicante um com o outro. Essa terapia de vocês não está ajudando. Já
pensou em mudar de terapeuta?
— Várias vezes. Para mim aquela mulher está querendo roubar a minha
esposa.
A gargalhada do Hálim preencheu o quarto e acabei rindo junto.
— A sua opinião não é muito confiável, amigo. Você tem ciúme até da
sombra dela.
Subi e desci os ombros pouco me importando. O problema era esse. Eu não
estava nem um pouco a fim de mudar esse aspecto da minha personalidade.
Aliás, não estava a fim de mudar nada. Eu apenas seguia Isabela e obedecia.
Ela respirava e eu imitava. Ela dizia quero e eu prontamente lhe entregava.
Sem culpa, sem medo, sem drama de consciência porque não era meu
objetivo ser uma pessoa melhor. Eu só me importava em ser o que ela
precisasse.
Por mim o resto da humanidade poderia ir se foder. Isabela era o meu tudo
e era suficiente.
Tóxico, eu? Tô nem aí.
Nós nos revezamos no uso do banheiro, conversamos sobre os planos do
dia seguinte e nos ajeitamos como pudemos na cama. Era bem larga e
espaçosa, mesmo assim, ficamos quase amontoados com ela no meio se
remexendo.
Isabela ligou a televisão e deixou baixinha porque tinha a mania de dormir
com ela ligada.
Cheguei a cochilar algumas vezes, mas a bunda redonda e perfeita roçando
no meu pau me fez latejar.
Virei de barriga para cima inquieto e respirei fundo.
— Sem sono, amor? — Isabela perguntou num sussurro rouco que me
arrepiou.
— Sabe que sim.
Ela deslizou a mão pelo meu abdômen, ajeitando-se de lado, na minha
direção. A bunda enorme ficou apontada para Hálim que ergueu o lençol para
admirá-la, sem dizer nada.
Minha respiração acelerou quando ela deslizou os dedos para dentro da
minha bermuda, tocando a minha ereção.
Safada!
Massageou para cima e para baixo toda a minha extensão e espichou a
outra mão para o membro do Hálim, acariciando por cima do tecido.
Eu conhecia bem as fantasias da minha esposa. Sabia que ela reivindicaria
o meu juízo cedo ou tarde para satisfazê-las, mas Hálim já não me causava
ciúme há um bom tempo. Confesso que tive algumas ereções imaginando
como seria.
Grunhi excitado quando ela tirou o pau dele para fora da bermuda e passou
a masturbá-lo também, no mesmo ritmo. O gemido dele me deixou ainda
mais duro.
— Eu quero os dois — confessou num sussurro miado, nos estimulando ao
mesmo tempo e me debrucei sobre ela, tomando a sua boca enquanto Hálim
se despia.
Nosso beijo frenético enviava ondas elétricas por todo o meu corpo.
Isabela se levantou e tirou toda a roupa.
Completamente eufórico, fiquei de joelhos na cama, oferecendo meu pau
para que ela chupasse. Deslizei pela boca quente sentindo o frisson do desejo
aumentar.
Deliciosa!
Hálim se masturbava enquanto ela se dedicava ao boquete, apalpando as
minhas bolas, bebendo a minha lubrificação.
Ele se ajoelhou ao meu lado e ela alternou entre chupar o pau dele e o meu,
massageando o outro enquanto a boca estava ocupada.
— Safada! — incentivei enfiando duro até sua garganta.
Hálim segurou a base do pau com força, gemendo. As veias saltadas, o
membro pulsando, indicando o tamanho do seu tesão.
— Deita, querida — ele pediu e ela obedeceu.
A boceta lisinha e rosada pulsava de ansiedade e quando ele enfiou a boca
em seu sexo, chupando sem parar, ela não demorou a gozar.
Tão linda. Tão entregue. As bochechas rosadas, o cabelo comprido e
castanho esparramado na cama. Isabela ficava linda gozando.
— Isso querida — elogiei acariciando o seio, puxando o bico com
delicadeza.
Hálim bebeu seu gozo todo, enfiando a língua dentro dela com gosto.
Adorando a boceta da minha mulher.
— Respira, meu amor. Estamos longe de acabar — avisei vendo um
sorriso diabólico se esticar preguiçosamente em seu rosto lindo.
Eu a ajeitei de lado na cama, de frente para mim, erguendo sua perna.
Hálim deitou atrás dela e deslizou a mão até a sua boceta, esfregando o ponto
inchado, fazendo-a gemer.
— Sem pressa, minha paixão — ele a tranquilizou. — Vou te deixar
excitada de novo.
Enfiei um dedo dentro dela, saindo e entrando rápido.
— Hum, tão meladinha! — constatei e enfiei mais um dedo.
Abocanhei o seio, chupando devagar porque sabia que estava sensível.
Hálim juntou um dedo ao meu e a estocamos juntos.
— Isso! Ahhh — gemeu alto, rebolando em nossas mãos.
— Onde me quer, cariño?
— Atrás — respondeu de pronto, empinando a bunda e meu pau latejou
forte. — Quero os dois ao mesmo tempo.
— Gulosa! — ele a repreendeu sorrindo.
Eu abandonei a sua boca para beijar seus outros lábios. Precisava que
estivesse muito excitada para aquilo.
Sustentei a perna erguida enquanto Hálim esfregava o dedo na orla do seu
ânus e abocanhei toda a vulva. O clitóris pulsou na minha língua. Os gritos se
tornando mais sofridos, mas eu não parei.
Hálim se levantou e voltou com o spray dessensibilizante. Eu me afastei
para que ele a preparasse. Borrifou só um pouco, espalhando para aliviar o
desconforto que viria. Depois aplicou uma generosa camada de lubrificante e
vestiu o preservativo. Lambuzou toda a bunda dela, enfiando o gel para
dentro do seu cu com um dedo enquanto ela gemia empurrando a bunda
gulosa contra sua mão.
Ela já estava perto de gozar, então parei de chupá-la e ouvi um puta que
pariu bem alto.
Hálim se posicionou atrás dela. A cabeça do pau avermelhado, menos
grosso do que o meu, foi empurrada para dentro devagar.
— Ahhhh, caralho! — O espanhol gemeu atordoado e a penetrou um
pouco mais. — Muito apertada!
Masturbei seu clitóris com cuidado. O suficiente para que continuasse
muito excitada, mas sem gozar. Dei pequenas batidinhas na boceta inchada,
bem em cima do seu ponto de prazer e ela gritou palavrões em sua língua.
Hálim ergueu mais a perna dela, rebolando à medida que entrava, para que
a orla do seu ânus não fissurasse com algum repuxo da pele, abrindo as
nádegas com a mão livre.
O filho da puta sabia foder um cu.
Eu sentia tanto tesão que meu pau expelia líquido pré-ejaculatório sem
parar. Olhar os dois transando era tão excitante e depravado que eu precisava
foder logo a sua boceta ou gozaria só de olhar.
— Está preparada, Isabela? — perguntei posicionando o pau na entrada da
sua vagina. — Vai ser fodida por dois ao mesmo tempo. Precisa avisar se em
algum momento não aguentar, querida. Não quero te machucar.
Ela apenas moveu a cabeça concordando, incapaz de falar e eu comecei a
invadi-la. Gritou imóvel, recebendo o meu pênis.
Quente.
Melada.
Deliciosa!
Deslizei oprimido até o fundo e parei, deixando que seu corpo se
acostumasse ao preenchimento. Senti cada palpitação da sua vagina em meu
pênis como ondas de choque.
— Assim eu vou gozar, cariño! — Hálim reclamou com a respiração
alterada. — Relaxa esse cuzinho, por favor.
Ele estava tão vermelho que parecia um pimentão, mas socava dentro dela
com vontade.
Comecei a entrar e sair mais rápido até estar fodendo a boceta gostosa com
força, no mesmo ritmo que o Hálim comia o seu cu.
— Ah, que delícia — gemeu enlouquecida.
Fodíamos ela de lado. A cama estalava a cada metida vigorosa. Hálim me
ajudava a sustentar a perna erguida para facilitar a nossa entrada enquanto ela
gemia e mordia o lábio inferior.
Meu coração batia acelerado com a visão dele satisfazendo a minha
mulher. Não havia ciúme, apenas um tesão bruto e cruel.
Sempre tivemos uma relação muito íntima e louca, mas Hálim sempre foi
leal a mim. Não era a primeira vez que fodíamos a mesma mulher, mas nunca
foi tão delicioso, tão excitante.
Meti gostoso, entrando e saindo ao mesmo tempo que ele. Nós nos
chocávamos contra o seu corpo de forma que ela permanecia imóvel, apenas
gemendo de prazer.
O tesão foi se acumulando em mim. Pelos gemidos, Hálim e Isabela
também estavam próximos do êxtase.
— Sonhei tantas vezes com esse momento — ele confessou com um
sussurro rouco em seu ouvido. — Quase não estou acreditando que está
acontecendo, Bela. — Estocou firme em seu rabo. — Espero que esteja perto
de gozar porque eu vou.
— Isso, me fode com força — Isabela suplicou com desespero e a vagina
apertou me arrastando para o orgasmo. Ela me seguiu, se tremendo toda,
gritando sua satisfação sem pudor.
Hálim urrou se libertando também e nós três, um embolado de corpos,
gozamos juntos.
Todos os meus músculos se contraíram ejaculando forte dentro dela. Sentia
a porra sendo lançada em sua vagina em jatos quentes e a sensação era
maravilhosa.
Beijei a sua boca com adoração. A língua ávida me tomou, algemando a
minha alma, me dominando, marcando meu coração a ferro quente.
Hálim se retirou dela com cuidado e puxou a boca da Isabela para ele. As
línguas deles se enroscaram, duelando, esfregando-se uma na outra.
Ele a encarou sorrindo largo.
— Quero deixar claro que sempre que quiserem fazer algo divertido assim,
eu me coloco à disposição. Serei um criado obediente.
— Você é um cachorro tarado — repreendi acariciando o seio da minha
esposa.
— Nunca nego a verdade, chefinho. — Deitou-se feliz, colocando as mãos
atrás da cabeça e encarando o teto. — E sei que vocês me amam também.
Beijei a boca da Isabela com carinho.
— Sabe que um orgasmo só nunca é suficiente pra mim — lembrei-a e
recebi um sorriso safado.
Perfeita!
Meu coração se alegrou de uma forma que jamais achei que alcançaria.
Calmo. Feliz. Satisfeito.
— A noite está só começando — falou baixinho e manhosa. — Você ainda
tem fôlego para mais, Hálim?
— A noite toda, cariño. Mas agora é a minha vez de comer essa boceta.
Isabela — Um Ano Depois
— Eu disse que não era para você comer aquele bolinho — Khalid
segurava os meus cabelos, ajoelhado ao meu lado no vaso sanitário enquanto
eu colocava tudo o que tinha e não tinha no meu estômago para fora.
A contração veio forte me fazendo expelir um líquido amarelo.
— Porra, Isabela! Estou preocupado. Vamos ao médico.
Vomitei mais uma vez buscando pelo ar em seguida, sentindo minha
garganta arder. O gosto azedo queimava a minha boca.
Arfei chorando.
Odiava vomitar.
— Será que pode... — cuspi a saliva azeda no vaso — me esperar acabar
aqui?
Ele sacudiu a cabeça concordando. Os olhos arregalados me diziam que
não estava lidando bem com a minha doença.
Quando meu estômago sossegou eu tomei um banho e escovei os dentes
devagar para não causar mais convulsões de vômito.
Saímos de casa correndo porque o Khalid parecia desesperado e me
apressava a cada cinco segundos. Chegamos rápido ao hospital que estava
vazio e fomos atendidos depressa. O médico fez inúmeras perguntas e me
passou alguns exames que me deixaram apreensiva.
Esperamos algumas horas pelo resultado de alguns testes e quando
voltamos ao consultório, Khalid estava apavorado.
— Doutor, a mãe dela morreu de câncer. — Ele engoliu em seco. — Acha
que...
— Não é uma doença o que a sua esposa tem, Ministro.
— Não? — perguntamos juntos e o velhinho riu com gosto.
— Vocês estão grávidos.
Khalid ficou pálido inicialmente. Achei que ele desmaiaria e meu
estômago se contraiu mais uma vez, me causando um enjoo forte, mas logo
ele abriu um sorriso enorme e me abraçou com tanta força que precisei
reclamar.
Tentamos por mais de um ano e chegamos a desistir. A ideia de que eu não
engravidaria de novo me incomodou por algum tempo e depois simplesmente
parei de pensar nisso.
Estávamos felizes e isso era o que importava.
— Parabéns — o médico acrescentou já puxando um bloquinho de folhas e
começou a escrever. — Você está um pouco anêmica e vai precisar de
reposição de ferro. Vou receitar algumas vitaminas e pedir outros exames de
sangue.
Eu estava aérea. Era como estar vivendo uma realidade que não era minha.
Saímos do consultório discutindo bobagens desnecessárias sobre o sexo do
bebê, onde seria o quarto, o que precisávamos comprar e outras ansiedades de
pais novatos.
Khalid mandou uma mensagem para Hálim assim que entramos no carro e
sorriu para o telefone com alguma coisa que o espanhol safado disse.
Ele estava de férias na Espanha, visitando os pais.
— Hálim disse que como padrinho quer escolher o nome.
— Aquele abusado se ofereceu na cara dura?
— Não seria o Hálim se não fizesse isso.
Foi um dia corrido.
Aisha, a viúva do Tessalah e irmã do sultão, foi a primeira a me ligar para
dar os parabéns depois que eu avisei o Zaad da minha gravidez.
Ela tinha retornado para Omã após a morte do Tessalah.
Quase chorei quando ela reencontrou os sobrinhos. Dava para ver que ela
os amava de verdade.
De tarde, eu fui até o cemitério visitar o túmulo do meu pai.
Fazia tempo que eu não colocava flores na lápide. Por muito tempo eu me
senti culpada. A morte dele foi culpa da minha ambição e me sentia
envergonhada de visitá-lo.
Era como se a minha felicidade fosse uma afronta, mas agora eu me sentia
na obrigação de dar a notícia a ele, mesmo sabendo que não havia ninguém
ali, que nunca ouviria minhas desculpas, ou conheceria o neto.
Sentei na grama baixinha, cruzando as pernas e encarei a lápide cinza,
precisando respirar fundo algumas vezes.
— É tão difícil estar aqui — comecei sem jeito. — Desculpa, papai, mas
estou muito feliz. Finalmente eu me sinto em casa, pertencendo a um lugar.
Quando deixei o Khalid eu não quis voltar ao Brasil. Por um tempo eu me
senti uma traidora por esse sentimento, mas depois entendi que o meu lugar, a
minha casa seria sempre onde ele estivesse. O meu coração é dele, papai.
Limpei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
— Estar grávida é terrível — confessei soltando uma risada. — Eu vomito
cinco vezes por dia e sinto azias infernais.
A alegria me abandonou de repente e eu chorei de novo.
— Queria tanto que estivesse aqui, junto com a mamãe. Espero que
cuidem de mim aí do céu.
Olhei para cima como se pudesse de fato vê-los. Não que eu acreditasse de
verdade que eles estivessem em algum lugar, mas decidi que esse
pensamento era mais reconfortante.
— Sim — suspirei satisfeita. — Dessa forma é muito mais leve.
Fiquei ali mais um tempo, tentando ouvir algum sussurro, alguma
indicação de que eles me ouviam, mas nem a brisa soprou.
Suspirei depois de algum tempo e me levantei devagar, limpando a grama
do vestido.
Arrumei as flores e beijei a ponta dos dedos encostando-os na lápide em
seguida.
— Até breve, papai. Um dia eu estarei com você.
Caminhei mais leve, na direção do homem da minha vida que me
aguardava encostado no carro.
Ele sorriu me reconfortando de longe e eu toquei minha própria barriga,
satisfeita.
Abracei o meu marido e recebi um beijo carinhoso.
Khalid não era perfeito. Muitas vezes senti vontade de esganá-lo, mas ele
era o que eu precisava e eu o amava com toda minha alma.
A gestação foi tranquila. Minha barriga cresceu na medida do desespero do
meu marido pela minha saúde.
Tivemos um menino. Benjamin. Fui eu que escolhi o nome, é claro.
Significava filho da felicidade.
Ele seria um amiguinho para Dominic.
Eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que fossem amigos para
sempre. Como deveria ter sido com Zaad e Khalid.
Cresceriam juntos e unidos, para governar esse país com sabedoria e
justiça, assim como os pais.
E seriam tão felizes quanto nós somos.
Khalid
O Contrato
SIGA AS REDES SOCIAIS DA AUTORA
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Skoob
[1]
Minha rainha.
[2]
Moeda corrente omanense.
[3]
Tio.
[4]
Essa é a mulher mais linda que eu já vi na minha vida.
[5]
Obrigada.
[6]
Você é muito gentil.
[7]
Tive muito tempo livre durante a pandemia e fiz um curso online.
[8]
Partidário das convicções religiosas e políticas do xiismo. Acreditam que a liderança da nação
muçulmana deveria continuar entre a família do profeta Maomé, de forma que Ali, seu genro, deveria
se tornar o novo líder.
[9]
Muçulmanos ortodoxos que reconhecem a autoridade dos quatro primeiros califas, mas acreditam
que o povo muçulmano deveria eleger seu novo líder.
[10]
Levantamento realizado pela BBC.
[11]
Segundo a pesquisa da ONG War Child UK.
[12]
Segundo matéria do jornal O Globo, o sultão Qaboos bin Said Al Said, que ficou 44 anos no poder,
distribuiu empregos, cerca de sessenta mil, e obrigou empresas a criarem cem mil postos de trabalho.
[13]
Equivalente a diabo no islamismo.
[14]
Equivalente a inferno no islamismo.
[15]
Mãe de Deus! Você é muito cheirosa.
[16]
Não me fode.
[17]
Não enche o meu saco.
[18]
Porra!
[19]
Excesso de paixão ou de admiração por segmentos partidários.
[20]
Sacerdote encarregado de dirigir as preces na mesquita
[21]
Punições mais duras da sharia muçulmana para pecados como o adultério, estupro, roubo,
assassinato, etc.
[22]
Hitler escreveu um livro que se tornou o guia ideológico do nazismo, a tradução em português é
minha luta.
[23]
Desgraçado.
[24]
Organização fundamentalista islâmica que atua no Afeganistão e Paquistão e tem como objetivo
implementar a sharia e recuperar o controle dos territórios, com ofensivas contra a OTAN.
[25]
Oi, minha amiga!
[26]
Um tipo de traje de banho para mulheres. O traje cobre o corpo inteiro exceto rosto, mãos e pés,
embora seja leve o bastante para permitir a natação.