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Copyright © 2022 Natasche Costa

O Ministro

FICHA TÉCNICA
Capa: Luiz Gustavo
Revisão: Sheila Mendonça
Ilustração: Nina Cordeiro e Nicah Park
Diagramação: Brenda Alicia

Todos os direitos reservados à autora, desta forma é proibido o


armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa obra, através de
quaisquer meios, tangíveis ou intangíveis, sem o consentimento escrito da
autora. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
que aqui serão descritos, são produto da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Edição Digital Criado no Brasil


Aviso 1
Aviso 2
Nota da Autora
Dedicatória
Epigrafe
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Epílogo
Pós Epílogo
Agradecimentos
Quantos anos você tem? Caso a resposta seja qualquer número inferior a
18, feche agora este e-book e vá procurar algo indicado para a sua idade.
A sua mãe sabe que você está tentando ler um livro erótico?
Ai, ai, ai! Eu já tenho muitos problemas, não me arrume mais um!
Para quem já é maior de idade, siga para a próxima página.
Menor de idade, o que ainda fazes aqui? Não ouviu “O Pequeno Príncipe”
te chamando?
Queriiides!
Este é um livro erótico, destinado ao público maior de 18 anos, com mais
gatilho do que o meu carro de 2002. Sou pobre, menór, não tenho dinheiro
pra pagar tua terapia.
Aqui tem linguagem imprópria, cenas com conteúdo sexual gráfico,
ménage (MFM) e pode desencadear gatilhos emocionais devido aos relatos
de violência doméstica, automutilação, ataques de pânico, agressão,
assassinato, tortura, abuso, bullying, violência psicológica, suicídio e
distúrbios de ansiedade.
Este livro não é um ensaio sobre doenças mentais, apesar de mencionar
algumas, e não tem o objetivo de ser didático sobre o assunto. E se está
buscando um livro de terapia, é melhor procurar outro e-book. Aqui tem
sexo, palavrão, atitudes impulsivas, agressividade e relacionamento tóxico.
Essa é uma história de amor ficcional, elaborada com o objetivo de
entreter.
Não leia se não se sentir confortável.
Antes que você inicie a leitura, preciso avisar: Primeiro, não é meu
objetivo transformar essa narrativa em um documentário sobre doenças
mentais. Não vou parar para explicar cada atitude dos personagens, a cada
parágrafo, com notas do psicólogo, porque a narrativa se tornaria tediosa e
também porque o foco não é esse.
Segundo, ter uma doença não significa que irá apresentar todos os aspectos
dela irrevogavelmente, então, sim, você pode não se cortar e ser um border!
Por isso a terapia é fundamental. Não somos robôs com informações pré-
inseridas, que seguem um programa. Até porque, existem várias formas de
uma pessoa se machucar e causar dano a si mesma. Entendeu?
Um border não reage igual a outro. Parem de colocar as pessoas em
potinhos com etiqueta pronta!
“Ahh, mas eu conheço um border super depressivo.”. Sinto lhe informar
que a pessoa mais desinibida da sua turma de amigos, que se expressa bem,
que acolhe todo mundo, pode ser um border. Não é todo limítrofe que se
corta ou é agressivo, mas todos sofrem e cada um exterioriza a dor emocional
de uma forma diferente.
Eu perdi literalmente meses pesquisando, entrevistando psicólogos e tenho
a minha experiência pessoal sobre o assunto, então leia atentamente esta nota,
por favor.
De forma resumida, um transtorno de personalidade pode ser descrito
como um jeito de ser, sentir, se perceber e se relacionar com os outros que
fogem do padrão “normal” ou “saudável”. Ou seja, causa sofrimento para a
própria pessoa e/ou para outros. Segundo Fernanda Sassi (médica
coordenadora do ensino e assistência do ambulatório integrado de transtornos
de personalidade e do impulso do IPq HC-FMUSP), enquadrar um indivíduo
em uma categoria não é fácil. Cada pessoa é um universo, com características
próprias.
Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) é um distúrbio
caracterizado por instabilidade de humor, relacionamentos e
comportamentos. Além disso, é um dos tipos mais conhecidos de Transtornos
de Personalidade (que engloba outros), sendo chamado também de
Transtorno de Personalidade Limítrofe ou Síndrome de Borderline.
Os borders, como são chamados os que sofrem da Síndrome de Borderline,
vivem relações muito intensas e com tendência à agressividade,
principalmente porque têm uma tolerância menor às situações desagradáveis.
Eles são mais explosivos e não lidam bem com problemas, críticas ou
qualquer tipo de climão.
Alguns sintomas da síndrome são: alterações de humor (a pessoa vai da
euforia à tristeza profunda num mesmo dia), sentimentos constantes de raiva,
desespero e pânico, irritabilidade que pode provocar a agressividade e
impulsividade (o border pode gastar dinheiro sem controle algum, comer
compulsivamente, tender ao vício e pode também ir contra as leis e
regulamentos pela adrenalina).
Os transtornos de personalidade costumam ser divididos em três principais
grupos, ou espectros. Segundo essa classificação, de alguns especialistas, o
borderline está no espectro B, que reúne aqueles sujeitos que costumam ser
chamados de “complicados”, “difíceis”, “dramáticos” ou “imprevisíveis”.
Neste grupo B estão ainda os narcisistas, os histriônicos e os antissociais.
Já a autora Randi Kreger, pesquisadora PhD e coautora do best seller
“Pare de Pisar em Ovos: Como agir quando alguém que você ama tem
transtorno de personalidade borderline”, classificou o transtorno em dois
tipos: Borderline Convencional – também conhecido como borderline de
Funcionamento Baixo, é quando a pessoa tem sintomas mais autodestrutivos.
Além disso, quem sofre com esse tipo pode ter chances de ser internado por
tentativas de automutilação e pensamentos de suicídio.
Borderline Invisível – A pessoa pode levar uma vida comum e, muitas
vezes, esse transtorno passa despercebido por todos. Além disso, a pessoa
pode ter um dia normal no trabalho, estudo e sem comportamentos
autodestrutivos. Mas, nesse caso, o transtorno se manifesta em seus
relacionamentos, no abuso verbal, críticas e até mesmo violência física. Esse
tipo de borderline “desconta” sua raiva nos outros.
Entretanto, o autor Theodore Milton, psicólogo estadunidense que
escreveu numerosos trabalhos populares sobre a personalidade e contribuiu
para o desenvolvimento das primeiras versões do DSM – Manual de
Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais –, criou quatro subtipos
para classificar as diferentes manifestações do Transtorno de Personalidade
Borderline: 1. Borderline Desencorajado – podem ter uma personalidade
esquiva, são do tipo que se isolam e são submissos. Além disso, se sentem
vulneráveis e em constante perigo.
2. Borderline Petulante – já nesse tipo, a pessoa pode ter um
comportamento passivo-agressivo, impaciente, inquieto, teimoso, desafiante,
pessimista e rancoroso. Mas, também, é rapidamente desiludido.
3. Borderline Impulsivo – tendem a ser caprichosos, superficiais,
distraídos, indecisos, frenéticos e sedutores. No entanto, quando são deixados
de lado, se tornam sombrios e irritáveis.
4. Borderline Autodestrutivo – podem ter comportamentos depressivos ou
masoquistas. Sua raiva é autopunitiva. Tendem a ser conformistas, tensos e
mal-humorados.
As principais características, também consideradas critérios de diagnóstico
para o transtorno, apesar de bastante variáveis e imprevisíveis, são: esforços
desesperados para evitar o abandono (real ou imaginado), padrões de
relacionamentos instáveis e intensos, perturbação da identidade ou
instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si
mesmo, impulsividade, ameaças suicidas ou comportamento automutilante,
instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor,
sentimentos crônicos de vazio, raiva intensa e inapropriada, ou dificuldade de
controlá-la, ideação paranoide ou sintomas dissociativos transitórios (não
persiste, acontece e passa).
A interpretação dos atos dos outros modela a imagem que o borderline
constrói para si. Uma rejeição pode se transformar em “sou inútil”, “sou
feio”, “não sou bom o suficiente”... É frequente a pessoa se sentir um
estrangeiro sem lugar no mundo e a saída pode ser virar um camaleão,
moldando-se a alguém. O borderline pode trocar de crenças, valores, carreira
e até visual em curtos espaços de tempo.
A Síndrome de Borderline atinge tanto homens, quanto mulheres, mas
desse total, 75% dos casos são em pessoas do sexo feminino. Dos casos
conhecidos entre as celebridades e pessoas famosas, temos nomes como:
Britney Spears, Angelina Jolie, Lindsay Lohan, Amy Winehouse, Marilyn
Monroe, Lady Day, Kurt Cobain, Woody Allen e Jim Carrey.
Como é o tratamento para Borderline?
O tratamento é feito em grande parte por meio da orientação psicológica,
podendo estar associada a remédios estabilizadores de humor, antidepressivos
e antipsicóticos.
O transtorno de Borderline tem cura?
Tecnicamente, não. Porém, com o tratamento certo, a pessoa que sofre com
isso pode melhorar sua qualidade de vida e relações pessoais. Além disso, os
sintomas costumam melhorar com o passar do tempo. Por volta dos quarenta
anos de idade, os sintomas começam a sumir.
Existem remédios específicos para o border?
Não, mas há certos remédios para controlar alguns sintomas da doença. Os
antidepressivos são usados para reduzir a sensação de vazio, os antipsicóticos
para diminuir os comportamentos impulsivos, os autodestrutivos e os
sintomas dissociativos e os estabilizadores de humor para diminuir a
oscilação emocional.
Vale lembrar que você nunca deve se automedicar e que isso pode ser
muito perigoso. Ou seja, só use remédios com a indicação de um profissional.
Estas informações não substituem a avaliação de um profissional! Caso
tenha se identificado com uma ou mais características, não significa que você
seja um border. Procure ajuda.
Dizer que depressão e outras doenças mentais são “frescura” é o mesmo
que negar a existência de doenças como diabetes, câncer, etc., pois o cérebro,
assim como outros órgãos, também adoece.
O negacionismo é a miopia da sensatez.
Para todos os que foram chamados de diabo por monstros hipócritas
que se julgam santos.
“Quando somos crianças, nos ensinam a distinguir entre um herói e um
vilão, o bem e o mal, um salvador e uma causa perdida. Mas e se a única
diferença real for quem está contando a história?”
Legacies
Para ouvir a playlist, abra o aplicativo do Spotify no seu celular,
selecione buscar, clique na câmera e aponte para a imagem abaixo.

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Khalid Spotify
Khalid

Mais um dia, mais um embate com a merda da cafeteira. Essa porcaria ora
não passa a água, ora não esquenta, e às vezes, para começar o dia cheio de
glória, espirra o pó para todos os lados.
Foi o que aconteceu. A parede levou a pior, mas a bancada também exibia
sinais da batalha: uma lama densa e quente que se movia em direção ao chão
numa mistura de água e pó.
Gritei pela empregada e pedi que limpasse tudo. Ela saiu murmurando algo
que entendi ser pessoa ruim enquanto eu ponderava sobre demiti-la.
Eu sei que você já está me julgando. Sinto o seu ódio crescendo. Está
doidinha para me condenar e carimbar o meu pinto com um selo de
reprovação feminina, mas pode preparar um paninho cor-de-rosa, porque até
o final deste livro irá usá-lo comigo e quando o fizer, estará na minha posição
preferida: de quatro.
Está duvidando?
Hum, eu adoro as céticas!
Para começar, preciso deixar claro que eu não me considero má pessoa. Eu
apenas defendo meus próprios interesses. Ocorre que, às vezes, meus
interesses fodem com a vida de alguém, o que me torna egoísta, admito, mas
ruim é exagero. Vejamos o caso da cagada que fiz na cozinha, por exemplo,
estou pagando um salário exorbitante para que a empregada me ature, logo,
não vou limpar aquela merda e não tô nem aí se são 4h da manhã.
Eu disse que te faria passar pano pra mim e não que te convenceria que eu
não sou um miserável.
Deixa eu me apresentar efetivamente (imagine um árabe muito gostoso,
alto, olhar sensual, maxilar quadrado, cabelo bem cortado, barba sexy e
aquela cara de quem te aguenta foder a noite inteira): eu me chamo Khalid
Bin Tharip Al Sultan, sou o Primeiro-Ministro de Omã, um pequeno país da
Península Arábica, e irmão do sultão.
Para que entenda o meu ponto de vista, esqueça toda a baboseira
estereotipada de mocinho de livro daqueles romances água com açúcar que
você já leu. Um cara que tem paciência sempre, que é fiel, vive apenas para a
sua mulher, dócil com as palavras... (caralho, meu ovo esquerdo até dói só de
pensar em ser tão babaca) não existe. Quem em sã consciência quer ser o
herói de alguém? Aliás, existe uma insanidade fodida nesse termo.
Eu nunca matei ninguém, nunca roubei, só agredi fisicamente poucas
pessoas até hoje, então, tecnicamente, não sou ruim. Em contrapartida, não
faço favores a menos que isso me forneça alguma vantagem no futuro, nunca
namoro e odeio meu pai, mas isso não me coloca no hall dos vilões seculares.
Narcisista? Talvez, mas segundo os médicos eu não tenho doença mental,
o que é um milagre visto que meu pai e irmão são mentalmente deficientes.
Gostou? Chique, né? Na cara deles eu falo doentes mentais, mas só quem
pode criticar a minha família sou eu.
A propósito eu quero foder com a minha cunhada, mas ela é apaixonada
pelo meu irmão.
Está perguntando se eu já tentei? A resposta é não.
Viu?! Não sou tão ruim assim.
O que também não quer dizer que eu não seja um filho da puta.
Isso eu sou.
Mas se você precisa de mais informações antes de me absolver, vamos ter
que voltar quatro anos no tempo, para o dia em que quase fodi com a vida do
meu irmão e com o futuro do meu país.
Khalid – 2018 (Quatro Anos Atrás)

Omã defende reforma religiosa para conter avanço do extremismo


islâmico.
Essa era a manchete que estampava a maioria dos jornais do mundo
naquela manhã. Eu me sentia orgulhoso pelo avanço das reformas iniciadas
há uma década. Minha família, que sempre foi considerada “ocidental
demais”, com ideias modernistas e comportamento pouco convencional,
havia conquistado o apoio popular. Da maioria, pelo menos.
Muitos omanis desfrutam de uma cervejinha no bar de um dos grandes
hotéis ocidentais da capital. Hotéis estes que geraram mais empregos. E se o
povo tem salário, tem capital para fazer a economia girar cada vez mais.
— Hum — emito um gemido enquanto sou chupado vigorosamente pela
prostituta. Sim, estou tentando ter um orgasmo enquanto explico a situação
do meu país para vocês. — Abre mais a boca, querida.
Onde eu estava? Ah, lembrei!
Oficialmente ninguém bebe álcool aqui em Omã (país muçulmano, situado
na Península Arábica, rico em petróleo, dominado pelo sultanato da minha
família), mas aqui não temos polícia religiosa como na Arábia Saudita, ou
nosso vizinho xiita, Irã, logo, ninguém vai te condenar por encher a cara.
Também temos boates infestadas de prostitutas da Ásia, mas não falamos
sobre isso.
Enquanto cabeças são decapitadas pelos fundamentalistas sunitas do
Estado Islâmico e o extremismo impera no Oriente Médio, Omã se destaca
como um oásis de moderação e tolerância religiosa. Aqui se pratica a mais
antiga e moderada corrente do Islã, o ibadismo.
Acha que é fácil manter esse clima pacífico?
Errou!
Diariamente os extremistas tentam comer o meu cu. Não é fácil evitar que
o país descambe para o fundamentalismo ou ultraconservadorismo. Mesmo
dentro da nossa própria família há vozes mais retrógradas, como Tessalah
Kadifir que sempre se opôs ao meu pai (um apreciador da cultura ocidental
declarado).
Este filho de uma puta arregaçada é o neto do antigo sultão e se casou com
a minha tia Aisha Tharip, a irmã do meu pai.
Motivo? Conseguir uma vaga no conselho político do meu país e infernizar
o caralho da minha vida diariamente.
Volto para casa com uma dor de cabeça terrível, todos os dias.
— Isso, mais rápido — incentivo a ruiva que está ajoelhada entre as
minhas pernas, quase se engasgando, e empurro o meu pau até o limiar da sua
garganta. — Você tem uma boca deliciosa!
Sou freguês da Sumali há pouco tempo. Assim como da Amélie, Yasmim,
Dandara... e tantas outras que já nem lembro.
Eu me entedio fácil.
O que esperavam? Eu disse que não namoro, não crio vínculos emocionais,
mas não falei nada sobre ser celibatário.
Além disso, Sumali é especial. A semelhança dela com a Melissa é grande.
Exceto pelos olhos pretos esbugalhados e os lábios finos.
Vai me julgar agora? Ah, para! Nem comecei a te mostrar o quanto sou
imoral. A sujeira que viu até agora é mera superficialidade.
— Deita na cama — ordenei seco. — De bruços! — acrescentei quando
ela abriu um sorriso malicioso.
Não fodo olhando nos olhos. Sei lá, é um limite pra mim.
Demorei a atingir o primeiro orgasmo e respirei fundo pensando se iria
tentar uma segunda foda na mesma noite.
Sei lá. Havia algo naquela magreza e falta de peitos que me frustrava
levemente. Apesar da semelhança com a Melissa, não era o tipo de mulher
que me atraía. Vai entender. Mas eu me forçava a gostar daquilo.
— Tem promoção de anal hoje — ofereceu afastando as nádegas com as
mãos, ajoelhada na cama. Os cabelos vermelhos e lisos estavam
esparramados no lençol verde-claro.
É, pelo visto vou foder a noite toda. Fazer o quê?
Peguei outro preservativo, descartando o usado no chão e caminhei duro
até a gavetinha da cabeceira onde guardava o lubrificante.
— Espero que esteja excitada, querida, porque eu não terei dó.
Ela solta um gemido falso em resposta sem eu nem ter encostado nela e
reviro os olhos.
Na verdade, não sei se é falso, mas imagino que seja. Ela é uma puta, né?!
Acredito que mesmo que eu fosse um merdão ela diria que sou foda, mas não
tenho parâmetro para comparar. Minha vida sempre foi essa. Prostitutas.
Nunca me relacionei com ninguém que eu não estivesse pagando. A única
mulher que já me interessou foi a Melissa.
Eu me posiciono na entrada, lambuzando seu ânus com lubrificante e a
penetro devagar.
— Mais forte — a prostituta de cerca de quarenta anos pediu. — Me fode
com força!
Não posso me queixar. Ela é bonita. A mais atraente da boate. E gosto que
seja experiente.
— Assim? — perguntei após estocar firme até o fundo e a ouvi gritar.
Transamos a noite toda, como de costume.
Estava amanhecendo quando as portas do meu quarto foram escancaradas.
— Chega! Vai se atrasar — Hálim, meu secretário, avisou abrindo meu
armário e escolhendo um terno. — Já tomou banho?
— Sabe que sim.
Eventualmente Hálim participava das minhas fodas e já conhecia o meu
sistema.
— Por que insiste em invadir o meu quarto dessa forma?
— Gosto de uma entrada triunfal. — Ele jogou a cueca na minha direção.
— Além disso, ser o secretário que impõe limites ao chefe ninfomaníaco me
dá uma sensação de poder.
Meneei a cabeça lamentando.
Lunático!
Conheci o safado na Espanha, há nove anos. Era o concierge do hotel de
Barcelona e falava árabe muito bem. O motivo de sua habilidade, mesmo tão
jovem, era a mãe iraquiana.
Ofereci um emprego extra para aquele final de semana: ser meu intérprete
e secretário em uma reunião de estado, uma vez que a minha funcionária
estava enjoada e não dava dois passos sem vomitar nos meus sapatos.
Solícito, proativo, estava claro que tinha futuro, mas não ali.
— Oi, Hálim — Sumali o cumprimentou sensual, exibindo o corpo enxuto.
— Quer aproveitar?
— Tentador, mi reina[1] , mas hoje teremos um dia cheio. Quem sabe no
final de semana?
— Vou marcar na minha agenda — prometeu beijando a boca do
descarado que enfiou a língua em sua garganta sem pudor.
Blerg! Eu gozei naquela boca.
O que é isso que estou sentindo? Seria asco?
— Já vou indo ou minhas meninas ficarão preocupadas.
Acenei com a cabeça enquanto Hálim lhe entregava o dinheiro.
— É sempre um prazer, Ministro. Minha boate está à sua disposição,
sempre — garantiu após contar cada rial[2] em suas mãos e se aproximou para
me ajudar com o nó da gravata.

— Seu pai está forçando o Zaad a se casar pela segunda vez — Hálim
avisou já dentro do carro e eu o encarei erguendo as sobrancelhas.
— Diz pra mim que ele aceitou — pedi e Hálim encolheu os ombros.
Gargalhei alto. — Como ele consegue ser tão burro?
— Achei que a primeira esposa precisasse permitir o segundo casamento
— Hálim comentou mexendo em seu tablet.
— Quando foi que os filhos de um sultão já tiveram vontade própria,
Hálim? Essa palhaçada romântica não se aplica a nós, herdeiros. Por isso que
não acreditei quando Zaad e Melissa disseram que estavam apaixonados.
A cobra peçonhenta do meu irmão caçula contratou uma esposa falsa para
herdar o sultanato e me passou a perna. E para provar que Allah me odeia, a
mulher que ele escolheu foi justa a única por quem já me interessei.
— Talvez seja a sua chance — falou apontando para o outro lado da rua.
— Vou descer aqui e entregar aquele documento que pediu.
Hálim desembarcou e eu segui meu caminho. Vinte minutos depois
estacionei o carro na minha vaga, no pátio do Conselho Estatal.
Estaria atolado de trabalho durante todo aquele dia e a minha cabeça estava
longe. Desci do carro e acionei o alarme para trancar as portas perdido em
minhas lamentações quando esbarrei com ela.
A desgraçada ficava perfeita até dentro daquele abaya medonho.
— Olá, cunhadinha. O que está...
— Você me odeia, eu sei disso — Melissa me cortou nervosa, agarrando as
lapelas do meu terno —, mas não tenho tempo. Você pode se livrar de mim
agora mesmo. Basta me ajudar.
Fiquei confuso. Seus olhos estavam vermelhos e inchados, a voz
esganiçada e tremida, parecia com medo.
— Preciso de carona, Khalid. Agora! Cadê o seu carro?
Apontei para o sedan preto e ela correu na direção dele.
— Abra a porta — exigiu puxando a maçaneta.
Acionei o botão da trava e ela se enfiou dentro do meu carro.
Puta que pariu, o que será que aquele desgraçado aprontou?
Entrei no carro depressa, prometendo a mim mesmo que o mataria e a
encontrei agachada entre o banco do carona e o painel, como um animal
acuado.
Caralho, eu vou matar aquele filho da puta!
Senti meu sangue ferver. A falta de ar e a sudorese vieram em seguida.
Meu coração batia acelerado e precisei segurar o volante com força para
controlar as lembranças que me sufocaram, voltando todas ao mesmo tempo,
sobrepondo-se à realidade.
Eu quase podia escutar os gritos da minha mãe, implorando ao meu pai que
não a matasse, que parasse de bater, gemendo de dor.
— O que está acontecendo? — consegui perguntar apesar do maxilar
trincado.
— Me tira daqui agora que eu conto tudo.
Hesitei. Minha vontade era invadir o gabinete do Zaad e socá-lo. Apertar o
pescoço do infeliz e acabar com todos os meus problemas de uma só vez.
— Por favor — implorou com voz de choro e alguma coisa dentro de mim
fez uma espécie de click.
Acionei a ignição como uma marionete disposta a seguir qualquer ordem
daquela mulher, mesmo que fosse para me atirar de um precipício. Manobrei,
saindo do estacionamento devagar, e vi Zaad pelo retrovisor. Ele correu
olhando para todos os lados, como se procurasse algo.
Ela está fugindo dele.
Não perguntei mais nada. Dirigi em silêncio. Quando nos distanciamos,
Melissa se acomodou no banco do carona. Tentei ser paciente, mas ficar
rodando pela cidade não a ajudaria, então perguntei: — Para onde vamos?
— Para o aeroporto.
Fiquei esperando por uma explicação e como não veio, a encarei feio. Ela
suspirou rendida.
— A Radija é de alguma família importante aqui em Omã? — perguntou
com a voz fanha e compreendi tudo.
Radija era a mulher que Gibrail, nosso pai, estava forçando Zaad a se
casar. Em nossa cultura, um homem pode se casar mais de uma vez.
— Ela é sobrinha-neta do antigo sultão — respondi da forma mais direta
que poderia.
— É sua parente então?
— Não. O sultanato não admite mulheres. O antepenúltimo sultão era
amigo do meu avô, mas não teve herdeiros homens, então quando morreu,
nomeou o meu avô como sucessor e manteve em segredo de Estado até a sua
morte. A família do antigo não ficou nada feliz, mas nada podiam fazer. A
hereditariedade está na minha família desde então, mas o sultão tem o poder
de escolher quem ele quiser para sucedê-lo.
— Isso explica algumas coisas.
O rosto de Melissa se contraiu. Estava segurando o choro.
— Zaad te contou sobre o segundo casamento? — perguntei curioso, mas
só serviu para deixá-la mais sensível.
— Na verdade, foi a própria Radija.
Puta merda!
— E você fez um escândalo, aposto.
— Não. Eu só falei que não seria uma das esposas de homem nenhum.
Encarei-a, desconfiado.
O meu irmão tem muitas qualidades, porém seus defeitos superam
qualquer fofura e olha que o babaca é do tipo flores, chocolate, cinema,
jantar, aliança e pedido de casamento ajoelhado ao fim do primeiro encontro.
Ai, que dor no ovo!
— Zaad aceitou?
O suspiro dela foi longo e dolorido, como se estivesse cansada demais para
discutir, lutar ou mesmo se manter respirando. Aquilo me causou uma
ansiedade desconfortável que há muito eu não sentia.
— Você nunca me aceitou, Khalid. Por que está preocupado?
Porque eu te queria pra mim e não como cunhada.
Segurei o volante com força e fixei o olhar no trânsito.
— Ele não vai deixar. Esquece. Zaad nunca vai desistir de você. Ele vai te
caçar até o inferno e vai te arrastar para Omã e te forçar a aceitar tudo o que
ele quiser fazer com você. Eu avisei, Melissa. Avisei que ele era doente, mas
você não me ouviu. Nem a mim e nem ao seu irmão ridículo.
Ela chorou.
Merda!
Cada lágrima que rolava pelo seu rosto era uma facada em meu coração.
Eu não aguentava ver uma mulher chorando. Não aguentava porque vi a
minha mãe naquela situação muitas vezes.
Najila foi vítima de violência doméstica. O nosso pai era o sultão de Omã.
Não existiam leis contra um homem bater em sua mulher naquela época e não
havia para quem ligar. Nenhum policial entraria em nossa casa e levaria o
sultão preso, então ela fez a única coisa que poderia: se matou.
— Eu prefiro a morte do que uma vida dessas — Melissa gritou me
arrancando das lembranças e me jogando em um poço de culpa.
Podia sentir a água gelada e a escuridão me engolindo, puxando-me pelos
pés para o fundo. Podia ver o rosto da Najila me acusando de omissão. Mais
uma vez.
Brequei o carro, jogando-o no acostamento.
Eu só conseguia pensar na minha mãe. Eu havia prometido a ela que
nenhuma outra mulher sofreria na mão de um Tharip ou de qualquer homem
em Omã. Joguei a minha vida e qualquer merda de sonho que eu pudesse ter
no lixo e me tornei político apenas para mudar as leis do meu país. Lutei e
ainda lutava para que as mulheres tivessem seus direitos garantidos,
defendidos, contra homens doentes como o meu pai, e agora, meu próprio
irmão havia se tornado o monstro.
Eu sempre soube que ele era uma cobra.
Senti as minhas mãos suarem. Abri e fechei sentindo o inchaço se
alastrando, como veneno em minhas veias.
— Droga! Eu falei que o resultado seria esse.
Passei a mão pelo rosto com força. Estava calor demais, mesmo com o ar-
condicionado no máximo. Meu coração estava acelerado, minhas mãos
suavam, minha visão estava fora de foco.
Esse carro sempre foi pequeno desse jeito?
Firmei a vista num esforço de dominar aquela sensação horrível, ainda que
meu coração esmurrasse o meu peito.
De repente o carro parecia apertado, sufocante.
Respirei fundo várias vezes até me sentir menos desconfortável.
— Eu te levo até o aeroporto — ofereci —, mas você precisa sumir. Não
volte para sua casa, não ligue para a sua família, todos precisam acreditar que
você desapareceu do mapa.
Melissa soluçou e assentiu com a cabeça.
Desculpe, querida, mas é para o seu próprio bem. Não vou assistir outra
mulher definhar até a morte sem fazer nada. Dessa vez eu irei impedir.
— Eu vou te ajudar se é isso o que quer — prometi.
Dirigi até o aeroporto e no caminho liguei para o piloto, para o meu
segurança pessoal e para um monte de gente que eu precisaria calar se
quisesse mantê-la incógnita. Cobrei alguns favores e fiquei devendo outros,
mas não permitiria que Melissa passasse pelo inferno que a minha mãe
passou.
Parei diante da porta da aeronave para me despedir e segurei a sua mão.
Quente, pequena, o breve contato fez o meu coração disparar.
— Ninguém vai te questionar dentro do meu avião. Todos já estão cientes
de que não devem fazer perguntas. Não use o seu nome. Zaad vai fazer os
agentes te rastrearem facilmente.
— Obrigada, Khalid.
Após a porta do avião ser fechada pela aeromoça eu me senti mais
aliviado. A fúria do Zaad, entretanto, seria algo com o que eu precisaria lidar.
Meu irmão já havia tentado o suicídio antes, quando nossa mãe morreu. Ele
não absorvia bem a perda. Nenhum borderline absorve. O medo de ser
abandonado é latente e insuportável, mas foda-se.
Não deixaria que a doença mental do meu irmão acabasse com a vida de
outra mulher.
Khalid — 2020 (Dois Anos Depois)

— Você não tinha o direito de se meter — reclamou pela milésima vez em


uma das minhas visitas ao apartamento da Melissa no Brasil.
— Eu avisei, Zaad. Não fiz nada pelas suas costas. Eu disse no dia do seu
casamento que não permitiria que outra mulher sofresse na mão da nossa
família.
— Isso acaba aqui — tentou me ameaçar, aproximando o rosto até estar a
centímetros do meu e, francamente, era tão ridículo que dava pena.
Eu adoraria dizer que o meu plano magnífico de esconder a esposa do meu
irmão havia dado certo e que após alguns meses ela o esqueceu e se casou
comigo. Seria o fim dessa história. Eu seria um filho da puta que ficou com a
cunhada, mas foda-se.
O problema é que, não sei se eu já disse, mas eu não tenho sorte.
Melissa fugiu grávida e o seu pacotinho de amor, quando nasceu, jogou
cimento nos meus planos.
Zaad reatou com a esposa.
Está rindo da minha cara, não é? Não disfarça não. Eu sei que me odeia.
Não vou te contar os pormenores da história do bobalhão do Zaad com a
Melissa porque esse livro é meu e não dele. O fato é que se passaram dois
anos e tudo o que eu consegui foi me tornar amigo da Melissa. O que não
quer dizer que eu tenha desistido de transar com ela.
Eu não diria que estou apaixonado. Não é por aí. Revelei que eu quero
foder com ela. Tenho um tesão enorme, gosto da companhia, admiro sua
personalidade forte e desbocada e talvez seja isso o que mais me deixa
fixado.
Melissa não é submissa. Não é como uma prostituta que fala “sim, senhor”
para tudo ou como as princesas árabes que são criadas para abaixar a cabeça
quando o marido está falando.
Eu jamais me sentiria atraído por uma mulher dessas.
— Zaad — cantarolei bem sacana —, até onde eu sei, fui eu que salvei o
seu casamento. Em um piscar de olhos a Melissa sumiria no mundo. Dei
apoio, dei dinheiro e principalmente, o que ela mais precisava, tempo para
digerir as suas merdas.
Ele passou a mão pelo rosto sem acreditar e quase gargalhei, mas respirei
fundo. Não abriria mão daquele papel quando a minha simples presença
dentro da sua casa o deixava naquele estado patético.
— Você é uma cobra venenosa, Khalid. Espero que um dia ela te enxergue
como eu enxergo.
Um dia ela estará sentada no meu pau. É isso que você verá.
— Você está sendo emocional — reprovei amável, desenhando pequenos
círculos no assento do sofá com a ponta dos dedos. — A mulher que você
ama agora tem certeza do que sente. Eu ajudei você. Ainda não admite, mas
no futuro vai me agradecer! Não havia como serem felizes debaixo de tanta
mentira. Uma casa não pode ser construída sobre a lama, Zaad. E uma mulher
como a Melissa merece uma vida de rainha.
— Não gosto do seu tom.
— Estou dizendo que ela é uma mulher especial. Tem fibra. Cuidou de
tudo sozinha e prosperou. Eu entendo a sua obsessão, Zaad. Melissa é uma
mulher que não se encontra em cada esquina. Não em Omã, pelo menos.
Melissa entrou na sala com seu filho Dominic no colo e eu me levantei
para abraçá-la, fingindo ser o cãozinho castrado que ela pensa que sou.
— Como vai, minha amiga? — Deixei o substantivo ralentar em minha
boca de propósito. Afinal, não tem a menor graça se ele não perceber que
desejo comer a boceta apertadinha da sua mulher.
— Feliz em te ver.
Zaad se contorce e não me lembro de já ter sido tão feliz quanto neste
momento.
— Como está a coluna? — Melissa quis saber enquanto passava Dominic
para meu colo.
— Melhorou muito. O remédio realmente funcionou.
Traduzindo: dei um tempo de foder duas prostitutas ao mesmo tempo
porque estava acabando com a minha coluna. Uma delas é ruivinha igual a
você e grita alto quando meto no cu dela.
Seguimos para a cozinha ignorando o Zaad que se desesperou na sala.
Sei que meu irmão está prestes a surtar, mesmo com toda a terapia, mesmo
entupido de remédios e eu estava realmente satisfeito, mas quando o Dominic
me chamou de akhw alaam[3], tudo ao meu redor pareceu desacelerar.
Por um segundo eu me vi de fora, como se aquele não fosse eu.
Isso é real? Estou mesmo aqui?
Meu coração disparou. Fiquei tonto e enjoado, então me apoiei na bancada,
respirando mais fundo.
Merda! Essa criança não pode se apegar a mim.
Melissa estava de costas, amassando uma banana com um garfo.
— O que a sua mãe diria?
A pergunta me assustou.
— O que disse?
— A sua mãe — Melissa se virou na minha direção, com um sorriso doce
no rosto. — Acho que ela sentiria muito orgulho de te ver com o sobrinho no
colo. Finalmente somos uma família.
Do emaranhado de frases que pipocavam na minha mente, imaginar o que
minha mãe diria é tudo o que eu não queria pensar. Com algum esforço e
ainda aéreo caminhei até a sala e Melissa me seguiu com o pratinho e uma
colher em mãos.
— Dominic, eu vou te ensinar uma palavra nova, quer aprender?
O pequeno fez que sim com a cabeça.
— Abi. Repete comigo.
— Abi!
Zaad se levantou rápido quando percebeu o que eu fazia.
— Sabe o que significa, Dominic? — Encarei o babaca do meu irmão
enquanto explicava. — Significa papai. Esse homem aqui na sua frente, esse
alto como uma girafa, é o seu pai.
Melissa ainda não tinha explicado para o menino quem Zaad era. Eles
reataram, meu irmão se descobriu pai, mas ninguém pensou em explicar nada
ao pequeno.
— Tatai? É tatai?
Melissa apenas sacode a cabeça, freneticamente, assentindo. As lágrimas
escorrem pelo rosto enquanto sinto uma satisfação mísera, pequena demais
diante de outros sentimentos que me rasgam.
Eu os manipulei. Isso é o que importa. Dei mais um passo rumo ao meu
objetivo.
— Tatai — Dominic repete.
Passei o pirralho para o colo do Zaad.
— Sei admitir quando perdi uma batalha — falei sem a menor convicção,
assim como outras bobagens.
Estava ansioso para sair dali.
Antes de ir embora dei uma última olhada na cena. Os três juntos como
uma família feliz, abraçados, e novamente senti um incômodo.
Na infância, Zaad era o preferido da nossa mãe. Najila derretia-se com a
sensibilidade do caçula. Todo o seu carinho era destinado a ele. Até no
momento em que se suicidou, me privando do seu amor para sempre, estava
pensando somente nele.
Caminhei apressado até o carro, balançando as chaves na mão sem parar, a
mente trabalhando rápido.
O que a minha mãe diria?
A pergunta ficou rodopiando na minha cabeça.
Khalid — 2022 – Dias Atuais

— Eu te arranjei um casamento — Gibrail avisou sem preâmbulos. — A


cerimônia acontecerá daqui a um mês.
Demorei a processar a informação. Dei uma boa olhada ao redor,
absorvendo as palavras. Dois seguranças pessoais do Zaad estavam
posicionados nos cantos da sala, olhando para o nada, fingindo não ouvir.
— Olá para você também, papai. — Pigarrei e afrouxei a gravata enquanto
me sentava. — Não lembro de ter manifestado intenção de me casar.
— Cabe a mim a decisão sobre a sua descendência, Khalid. Após debater
com seu irmão, conversei com algumas famílias e, inesperadamente, algumas
se mostraram interessadas no acordo.
Inesperadamente. Nossa! Sou um filho da puta de sorte ou não?
Respirei fundo e prensei os lábios antes que as palavras casamento é o meu
caralho escapassem da minha boca.
Entenderam o que está acontecendo aqui? Sim, é isso mesmo que vocês
estão pensando. O meu pai negociou o meu casamento como se eu fosse uma
mercadoria.
Quer saber se eu quero casar? Não, nunca, jamais, nem fodendo! Mas o
meu pai sempre foi o meu juiz e carrasco. Ele decide e executa a sentença
sem a menor coceirinha mental de culpa. Aliás, eu duvido muito que ele
conheça o significado dessa palavra. Meu pai, Gibrail Bin Tharip Al Sultan,
não sente remorso.
Eu mal havia sentado na cadeira que ficava de frente para a mesa de
madeira e aquela bosta toda foi jogada em cima de mim.
Ao seu lado, Zaad exibia um sorriso contido.
Desgraçado!
Quando os dois me convocaram para uma reunião no gabinete ministerial
eu pensei que trataríamos de assuntos políticos. Caso contrário eu teria me
negado a ir, como venho fazendo nos últimos anos.
Ocorre que minhas constantes investidas em minha cunhada se mostraram
infrutíferas e eu comecei a pegar pesado.
Desespero? Talvez.
O problema é que o Zaad quer fazer comigo o que eu quero fazer com a
mulher dele. Entendeu? Esse filho da puta está me fodendo e nem cuspiu
antes.
Limpo a garganta e cruzo as pernas calmamente.
— Eu já comentei que é sempre um prazer conversar com a minha família?
Não faço ideia do porquê não fazemos isso mais vezes.
— Também não é agradável para mim! — Gibrail bateu a mão na mesa e
eu torci para que tivesse doído bastante. — Posso não ser mais o sultão de
Omã, mas você ainda me deve respeito.
— Claro. — O velho retirou o sultanato de mim e deu para o meu irmão
mais novo, por que eu não o respeitaria, né? — Aliás, eu teria cuidado com
demonstrações de força na sua idade. Sabe, ossos frágeis, deficiência de
cálcio... eu me preocupo com o seu bem-estar.
Ele ergueu o queixo trincando o maxilar e me olhou de cima.
Será que exagerei no deboche? Nãããn.
— Você perdeu o direito da primogenitura porque é um arrogante,
desrespeitoso, e por causa dessa teima em não se casar. Eu fui muito claro
quanto as minhas condições.
Respirei fundo e dei uma boa olhada na cara traiçoeira do meu irmão, que
se mantinha calado. Meu pai havia criado uma regra ridícula há quase uma
década para a escolha do sucessor. O primeiro filho a se casar herdaria o
trono. Achei que meu irmão, sabendo da minha opinião, não seria tão baixo a
ponto de se valer desse artifício.
Errei feio.
— O Zaad é sultão hoje porque o ridículo do Malik conspirou a favor dele
e ofereceu a própria irmã em uma bandeja.
— A esposa do seu irmão era destino dele! Os dois foram prometidos
ainda crianças e tudo o que aconteceu depois foi apenas Allah consertando os
desatinos de uma mãe tresloucada.
— Você nunca teve a intenção de casar, Khalid — Zaad pontuou obtendo a
minha total e raivosa atenção. — Estava disposto a deixar o sultanato sem
herdeiros. O que esperava?
— Casamento era uma condição para o sultanato e o seu irmão cumpriu. Já
você, Khalid, nunca me apresentou uma mulher.
— Eu poderia — falei encarando os olhos de serpente do meu irmão —,
mas infelizmente cheguei atrasado.
Observei o rosto do babaca avermelhar e uma veia engrossar rápido em sua
têmpora.
Muito fácil!
— Agora já resolvi — meu pai sentenciou.
Gibrail sentou-se na cadeira soltando um longo suspiro. Aquela situação
me irritava, era como voltar a ser um menino sob os desígnios de um pai
borderline, que poderia se tornar um cão raivoso a qualquer momento. A
resposta mais simples, qualquer palavra que saísse da minha boca, poderia
despertar um ódio irrefreável.
Síndrome de personalidade limítrofe. O meu pai foi diagnosticado quando
já éramos nascidos. Anos depois, descobrimos que o Zaad herdara a doença,
mas ao invés de descontar sua raiva nos outros como o Gibrail, ele feria
apenas a si mesmo.
Borderline não é uma receita de bolo, é uma doença mental. Não se
manifesta da mesma forma em todos os seres humanos e assisti isso de
camarote, durante toda a minha vida, pisando em ovos ao lidar com eles.
Duas pessoas, a mesma doença, reações diferentes.
Depois que a minha mãe morreu, Zaad tentou suicídio e foi internado.
Vendo o filho naquele estado, Gibrail buscou tratamento, mas ele foi
inconstante por muito tempo e só melhorou mesmo quando eu já estava na
faculdade.
Terapia dá resultado, mas o paciente precisa levar a sério, precisa querer
ser ajudado.
Encarei o velho enrugado que doou sêmen para o meu nascimento e algo
borbulhou em meu estômago.
— E se eu me negar? — perguntei sustentando o olhar assassino do meu
pai.
Ele respirou fundo e entrelaçou as mãos em cima da mesa, debruçando-se
nela.
— Nesse caso, nomearei Tessalah Kadifir como Primeiro-Ministro de Omã
e sucessor do sultanato, visto que Dominic é novo demais.
Senti minhas veias vibrarem de ódio e precisei respirar mais vezes do que
de costume para me acalmar e tentar convencê-lo.
— Tessalah é um opositor da ciência, pai. Tem ideia do que acontecerá
com esse país caso o sultanato fique nas mãos dele?
— É por isso que arranjei o seu casamento. Uma aliança desse porte
apaziguará as questões religiosas e políticas do nosso país.
Massageei a barba indignado, engolindo todos os palavrões que desejava
gritar naquela sala.
Nosso pai pode ser um doente, mas sempre governou o país com justiça e
liberalismo. Ideias que não eram compartilhadas por todos os políticos do
conselho e Tessalah era o pior deles.
Não existe voto em Omã. A sucessão é hereditária, mas o sultão em
exercício pode escolher quem ele quiser para sucedê-lo. Caso ele escolhesse o
Tessalah como herdeiro, a família Tharip jamais retornaria ao trono.
Respirei fundo angustiado pelo misto de sentimentos que açoitavam a
minha alma.
— Case-se e mantenha seu cargo — pressionou tamborilando os dedos na
madeira escura da mesa. — Você precisa de uma boa mulher para tomar
conta do seu lar e apoiar a sua carreira política.
— Eu já tenho uma empregada.
— Não seja impertinente — ralhou como se eu ainda tivesse 11 anos. —
Você vai se casar dentro de um mês — repetiu com o dedo em riste.
Engoli o nó que apertava a minha garganta e sufoquei a vontade de gritar e
socar a cara dos dois.
— Prefere jogar o país no fundo de um abismo a me permitir continuar
solteiro?
— Claro que não! Tessalah provavelmente destruirá tudo o que levei anos
para construir. Teatro, hotéis, acordos de comércio que nos garantem mais
empregos e mergulhará nosso país na fome quando nos enfiar na guerra que
ele tanto defende. Mas você pode evitar tudo isso e fortalecer o sultanato
formando uma família.
— ISSO É CHANTAGEM! — exaspero indignado.
— Não, Khalid. Isso é responsabilidade! E a sua hora de entender e honrar
o legado da sua família chegou.
Velho ardiloso, maldito!
Esse é o problema de ser um filho da puta com consciência. Essa merda
atrapalha meus planos de ser apenas um sádico. Respirando fundo, afastei o
desejo de socar a cara do Gibrail por um minuto.
Eu me importo com a porra do meu país e só por isso tento me controlar.
Fechei os olhos e esfreguei o rosto com força. Uma, duas, três vezes.
Aquilo só podia ser um pesadelo.
— O senhor sabe que eu prometi a ela que jamais me casaria. Eu não
posso quebrar...
— Deixe de besteira, Khalid. Você é um homem agora e não um menino.
As coisas de menino passaram. Zaad tem um casamento feliz, mesmo com a
doença dele e você, que não tem problema nenhum, fica inventando. Cresça,
meu filho! Você é o mais velho, mas não amadureceu seus sentimentos. Até
quando vai se comportar como uma criança mimada que perdeu o brinquedo?
Senti o ódio marejar meus olhos, mas eu não daria esse prazer a eles.
Segurei os braços da cadeira com tanta força que os ossos dos meus dedos
doeram.
Brinquedo... era dessa forma que o desgraçado se referia à minha mãe.
Como se a morte dela não fosse nada.
— E se eu arranjar a minha própria noiva?
Joguei minha última carta na mesa como um porco se debatendo diante do
machado inevitável e Gibrail forçou uma risada.
— Eu aceito se ela estiver aqui na próxima semana. Não posso avisar à
família da noiva sobre um destrato no dia anterior da cerimônia.
— Quem é essa mulher? Posso saber pelo menos?
— Hanna Kadifir, a filha do Tessalah.
Não!
— Seu... — filho da puta!
Eu não socaria a cara do meu pai, mas podia liberar meu ódio no focinho
do abutre do meu irmão. Levantei da cadeira tão rápido que os seguranças me
encararam.
— Você concordou com tudo isso porque tem medo que eu coma a sua
esposa ou porque tem certeza de que ela vai gostar mais do meu pau do que
do seu?
O doente não levou nem dois segundos para processar as minhas palavras e
avançou furioso por cima da mesa tentando me puxar pela gravata. Dei um
pulo para trás rindo e com raiva ao mesmo tempo.
Era incrível como qualquer menção à Melissa o desestabilizava.
Ridículo!
Tudo foi ao chão enquanto Gibrail e os dois seguranças tentavam contê-lo.
O mesmo sultão que preside conselhos de guerra, administra a economia e
coloca chefes de outros estados no bolso se transforma em um demônio
irracional, de um segundo para o outro, quando ameaçam o seu casamento.
Meu país está fodido na mão desse desequilibrado!
Ajeito o terno com um puxão para frente.
— Era só isso? — cuspo a pergunta arrumando a gravata.
— Uma semana! Depois disso se casará com Hanna. Eu terei uma nora e
netos, Khalid. Você querendo ou não — o velho gritou enquanto os
seguranças prendiam Zaad contra a parede.
Virei as costas sem responder e saí a passos largos, sem ver nada realmente
a minha frente enquanto caminhava, tomado de ódio.
Cobras peçonhentas, covardes!
Bati repetidas vezes no volante assim que entrei no carro e fechei a porta.
Bati até que os metacarpos rangessem, até que meu ódio sentisse dor.
Malditos! Infelizes, miseráveis! Um dia terei minha vingança.
Khalid

Como se arruma a porra de uma noiva em uma semana?


Não arruma!
Uma prostituta é fácil de contratar, mas alguém que não me causaria
constrangimentos, fornecendo material para que a oposição me massacre, é
difícil. Além disso, eu morreria se tivesse que aturar uma mulher frouxa ou
contrária às minhas ideias. A filha do Ministro da Cultura quase se urinou
quando dei a minha opinião sobre instituir uma polícia do véu.
Imagina o absurdo?! Os países evoluindo e a alienada querendo retroceder.
Claro que havia moças de boa família, ansiosas por conceber dúzias de
filhos, todas querendo um relacionamento, mas prefiro alguém que se
contente com fodas esporádicas e não me irrite 24h por dia.
Estudei em Oxford, em Londres, e morei na Europa até concluir a
faculdade. Precisava de alguém que tivesse a mesma visão ocidentalista que
eu.
Peguei o celular e digitei o número dela. A única pessoa que me
entenderia.
— Imaginei quanto tempo demoraria até que pedisse arrego — disparou
assim que atendeu. — Você não me ouviu quando te alertei, Khalid. Nunca
ouve. Quase quarenta anos, mas se comporta como um adolescente rebelde.
Quando vai ter juízo?
— Preciso da sua ajuda, Melissa! Não posso me casar com a filha do
Tessalah.
Ela estalou a língua e soltou uma lufada de ar que produziu um chiado alto
na ligação.
— Foi uma semana tão cansativa, Khalid. Não faz ideia.
— Sinto muito, mas preciso da sua ajuda para encontrar uma noiva que
aceite viver um relacionamento de conveniência, como você fez com o Zaad.
Eu pago dez milhões.
Ela ficou em silêncio e eu esperei até perder a paciência.
— Por favor!
— Estou pensando, porra! — gritou de volta e ouvi o barulho de papel,
como se páginas de um caderno estivessem sendo viradas e um longo suspiro
na sequência.
— Eu não estaria pedindo ajuda se não estivesse desesperado —
acrescentei. — Quem sabe uma secretária do tempo em que você era sócia da
Holding ou até mesmo uma de suas costureiras. Só preciso de alguém que
saiba se comportar entre políticos, entenda como funcionam os jornalistas
para não nos meter em encrencas e...
— Ai, pelo amor de Deus! — cortou impaciente. — Até parece que você
fez uma lista! O que mais ela precisa? Quadris largos de parideira? Assistiu
a segunda temporada dos Bridgertons ou o quê?
— Não dá para separar o homem do político e você sabe disso. As
exigências não são minhas, e sim do país. Além disso, prefiro os livros aos
seriados e Júlia Quinn é para adolescentes românticas. O Marquês de Sade
faz mais o meu estilo.
— Você não está em posição de ser muito exigente. — Ouvi o barulho de
uma porta sendo fechada. — Conheço alguém. Ela é astuta, tem boa
formação, presença... Mas vou logo te avisando que ela é um dragão. E
cospe fogo!
Isabela Siqueira

A droga da Coca-Cola estava quente. Fazia calor digno do buraco mais


quente do inferno, aquele em que o capeta senta o rabo durante todo o dia, e
a lanchonete me vende um refrigerante quente.
Minha blusa de seda verde estava completamente molhada. O suor escorria
por baixo dos meus seios, passeando pela barriga até se acumular no cós da
saia. A bermuda de lycra que eu usava por baixo, para não roçar uma coxa na
outra, estava encharcada também e tudo o que eu queria era uma bebida
gelada.
Joguei os cinco reais em cima do balcão xexelento e despejei o restante do
líquido no copo. A coquinha que devia ser minha única alegria naquele dia
miserável tornou-se o insulto final.
O universo constantemente me enviava sinais de que eu não era a filha
predileta do Criador.
Será que joguei pedra na cruz na encarnação passada?
Desfrutei de cada gole antes de voltar para o sol escaldante do Centro do
Rio de Janeiro. Estava cansada e com bolhas nos pés depois de andar a
manhã inteira distribuindo currículos.
A Avenida Presidente Vargas é enorme e no verão o asfalto toma ares de
churrasqueira, fritando os transeuntes desafortunados que tentam atravessar
as pistas largas.
O semáforo piscou informando que eu precisaria apressar o passo se não
quisesse ficar debaixo de sol esperando um caralhão de tempo até o sinal
fechar novamente. Dei uma corridinha sôfrega por conta dos saltinhos do
scarpin e, miseravelmente, pisei em falso.
Tropecei.
Porém, não foi uma simples queda e pronto. Daquelas em que você levanta
num salto e joga o cabelo por cima do ombro, ao estilo Guerreira Xena da
Uruguaiana.
Não!
Foi um estabaco feio mesmo, catando cavaca. Dei alguns passos à frente,
totalmente desconjuntada, tentando reaver o meu equilíbrio, o que não deu
certo, óbvio, e caí de quatro no chão. A minha bunda para o alto, as mãos e
joelhos no asfalto e os currículos para frente. Um vento tratou de espalhar os
papéis por toda a avenida levando embora o resto da minha dignidade.
Fala sério!
Meus pertences saíram rolando de dentro da minha bolsa enquanto dois
adolescentes riam e me apontavam.
Levantei o mais rápido que pude, catei o que importava depressa porque os
carros já buzinavam (carioca não tem um pingo de piedade, o coração é
peludo mesmo), e manquei até a calçada sentindo as mãos e joelhos arderem.
O ponto de ônibus estava lotado. Uma senhora que viu o tombo de
camarote perguntou se eu estava bem e eu sorri fazendo que sim com a
cabeça, mas a minha alma estava encolhida dentro de mim, num cantinho
escuro, se balançando para frente e para trás.
Esperei quarenta minutos pelo ônibus e quase não consigo subir o degrau
com a saia justa. Minha bunda passou atochada pela roleta feita sob medida
para uma Barbie anoréxica (como se os cariocas fossem todos fitness né,
dono da empresa?) e fui me espremendo até o fundo da condução lotada.
A viagem foi a maravilha de sempre: suando em bicas, espremida dentro
da lotação com poucas janelas abertas e sem ar-condicionado.
Não bastasse o sacolejo, o sujeito ao meu lado usava um perfume doce
falsificado, daqueles que vendem no camelô da Central escrito Tchu uan
Tchu, versão Cleitin do Grau.
Meu estômago repudiou a agressão olfativa e cheguei a sentir a coquinha
subindo pelo encanamento da garganta. Prendi a respiração, segurando a
danada.
Vomitar no ônibus não, Deus. Por favor!
Desci um ponto antes do meu. Preferia andar mais do que vomitar no colo
de alguém. Carioca diz que é católico, mas roga praga e mete o nome dos
outros na encruzilhada por qualquer coisinha.
Essa era a minha vida. Além de pobre sou azarada.
O sobradinho na entrada da comunidade Camarista Méier, no Engenho de
Dentro, era o meu oásis. Minha mãe e meu pai compraram antes dela morrer
de câncer. As infiltrações estavam por toda a parte e o telhado caindo, mas
era tudo o que eu tinha. E se eu não conseguisse um emprego logo, desabaria
na minha cabeça.
Eu estava falida.
Nem sempre estive na dureza. Eu já tive um carrinho popular, mudei para
um apartamento bacana na Tijuca e juntava uma merreca na poupança, mas
depois que mandei minha última chefe enfiar o emprego na buceta e se
masturbar com ele, ficou muito difícil pra mim.
Na hora eu me senti o máximo. Virei as costas e bati os saltos contra o
assoalho caro da firma de Holding me sentindo poderosa.
Não recebi seguro-desemprego, nem fundo de garantia e com certeza
nenhuma recomendação.
Distribuí currículos, fiz entrevistas, mas as minhas referências eram ruins e
ninguém queria me empregar.
Oito meses se passaram e veio uma pandemia. Ninguém estava
contratando, empresas fecharam as portas e tive que vender o carro para
pagar as contas porque a aposentadoria do meu pai não era o suficiente para
nos sustentar. Torrei todos os centavos da poupança, mas quando meu pai
adoeceu, voltamos para a casinha na comunidade.
Para não passar fome, eu fazia uns bicos.
— Bom dia, Isabela — a vizinha cumprimentou quando me viu.
— Bom dia, Dona Lúcia.
— Cortaram a sua luz, né?
A fofoqueira não perde a oportunidade.
Ignorei a idosa e fechei o portão de cara amarrada.
A sala que já tinha sido o lugar mais aconchegante da casa agora estava tão
vazia que meus saltos faziam eco.
Um sofá velho e solitário permanecia encostado na parede. O restante dos
móveis eu vendi.
Sentei, ainda agarrada à bolsa, como se fosse uma tábua de salvação,
refletindo sobre meus erros.
Já fiz muita faxina para bancar meus cursos de línguas e a faculdade. Meus
pais eram humildes, me ajudavam, mas não era o suficiente. Não tenho
vergonha, é só que... eu tinha sonhos. Não quero fazer isso para o resto da
vida.
Fazem ideia do quanto é difícil trabalhar e estudar ao mesmo tempo?
Investir tanto em educação para voltar à estaca zero é revoltante.
Cheguei a distribuir currículos em Shoppings Centers, mas ouvi as mais
variadas desculpas: “Você não tem experiência no ramo.”, “Estou procurando
alguém que more mais perto.” e o recorrente “Você não tem o ‘perfil da
empresa’.”.
Quando o celular tocou, tive um lampejo de esperança e atendi sentindo o
meu coração disparar de ansiedade.
— Alô?
— Oi, Isabela. — Um arrepio percorreu todo o meu corpo ao reconhecer a
voz. — Eu sei que sou a última pessoa no mundo com quem gostaria de
falar, mas tenho uma oferta para te fazer.
Meu sangue borbulhou, mas respirei fundo.
— Boa tarde, Melissa. Como vai? — Eu queria xingá-la, mas não estava
em condições e isso me destruiu. — Fiquei sabendo que expandiu a Holding
para outros países.
— Pois é. Ainda bem que tem gente incompetente, que afunda suas
próprias empresas por má administração em toda a parte do mundo.
— Pensei ter lido seu nome em uma capa de revista, no vestido de noiva de
uma celebridade que mais parecia uma nave espacial. Abraçando o mundo
com as pernas?
— Não tenho problema em ser versátil em meus negócios. Não vou me
restringir só porque os incompetentes não têm capacidade. Vini, Vidi, Vince,
meu bem.
Rolei os olhos sem a menor paciência. Melissa era uma narcisista do
caralho.
— Minha nossa, quase me esqueci do tamanho do seu ego. O que você
quer, grande empresária?
— Falar com uma velha amiga, ué. Como você está?
Forcei uma risada.
— Desde quando somos amigas, Melissa?
— Tá certo. Eu quero um favor. O meu cunhado precisa de uma
funcionária bilíngue.
Deus é pai!
Respirei até com dificuldade. Era tudo o que eu precisava. Mesmo vindo
daquela vaca terrorista.
— Estou disponível. — Fiz um esforço para não soar desesperada. —
Quanto é o salário?
Melissa hesitou.
— O trabalho é aqui onde estou. Um país árabe, mas tem muito dinheiro
envolvido.
— Isso é mais complicado. Ele vai precisar arcar com as despesas de
viagem, moradia, vestimentas... da última vez que fui ao Egito tive que usar
tanto pano que achei que fosse derreter.
— Ele vai custear tudo. — Melissa respirou fundo e ouvi o barulho de um
móvel sendo arrastado, talvez uma cadeira. — Meu cunhado precisa de uma
esposa, Isabela. Eu sei que não é usual, que deveria estar conversando
contigo pessoalmente, mas não tenho tempo. Será um casamento arranjado,
você só precisa cumprir alguns compromissos políticos e fingir que está feliz.
Em troca ele vai te pagar muito bem.
Demorei um tempo para entender. Pensei em desligar o telefone, em rir na
cara dela, xingá-la, mas a porra da necessidade é uma merda.
Engoli em seco. Saliva, orgulho, irritação, tudo em um grande bolo que
passou arranhando a minha garganta de desempregada.
— Você me liga depois de todos esses anos para...
— São dez milhões de reais — a safada me cortou de novo e meu coração
disparou.
Era muita ousadia me oferecer aquilo. Era cruel porque eu não poderia
recusar. Senti uma lágrima se formar no canto do meu olho e escorrer pelo
meu rosto junto com a minha dignidade até atingir o chão frio.
— Você sabia muito bem para quem estava ligando, não é? — inquiri
baixo, ríspida, insultada. Melissa teve a decência de se calar. — Quem te
contou? Foi a Cláudia?
— Não importa. Aliás, eu lamento pelo seu pai. — A voz fria apunhalou
meu peito. — Sei que depois da pandemia ficou muito difícil no Brasil e... me
contaram que você não conseguiu recolocação no mercado.
Soltei uma risada amarga e encarei o chão, as lágrimas pesavam como
chumbo e já corriam livres pela minha face.
Troquei o celular de orelha.
— Por que ligou para mim, Melissa?
— Sinceramente? — perguntou, mas eu não respondi. Ela bufou e
prosseguiu mesmo assim. — Você é competente e, apesar de misturar o lado
emocional com o profissional, acho que vai conseguir descascar o abacaxi
em que meu cunhado se meteu.
— Um elogio e um puxão de orelha. Nossa! — Não dosei a amargura em
minha voz. — Tem certeza que não entrou pra política?
— Foi por causa de comentários assim que você foi demitida — lembrou e
eu senti a raiva pulsando em minhas veias. — Precisa controlar a sua língua,
Isabela. Achei que já tivesse aprendido a lição. Essa é uma oportunidade que
não vai aparecer novamente. Não estou te oferecendo dez mil reais, são dez
milhões.
— A esposa de um sheik das arábias arranjando o casamento do cunhado.
Isso não é conflito de interesses?
— Corta o ranço, Isabela! Estou te oferecendo uma chance de ficar rica e
nunca mais precisar pedir nada a ninguém. Pagar suas contas, uma clínica
boa para cuidar do seu pai, sair desse país sofrido. Ou vai me dizer que a
vida está te sorrindo com esse governo que só favorece aos empresários?
Passei a mão pela testa suada e olhei para o teto. O ventilador velho estava
parado, a luz cortada, meu pai internado em um hospital público sem receber
o tratamento que precisava e eu não tinha mais nada em casa para comer.
Fechei os olhos com força.
— No que você está me metendo, Melissa? Não é bom ou não ligaria para
mim.
— Não vou te dizer que será fácil. Talvez o choque cultural seja o seu
maior problema, mas o Khalid é uma pessoa boa e vai te respeitar. De
qualquer forma, é melhor conversarmos pessoalmente.
— Não vou a lugar nenhum pelo resto da semana — informei em tom de
derrota.
— Precisa vir aqui e ter uma noção do todo, Isabela. Conhecer o noivo,
assimilar a cultura do país e outras coisas que te passarei pessoalmente.
— É justo. Mas sem compromisso. Compre uma passagem de ida e outra
de volta, por garantia.
— Como quiser. Esteja pronta para viajar em dois dias. Vou te mandar
todas as informações por mensagem.
Quando encerrei a chamada estava anestesiada. A ficha não caía. Eu faria
isso mesmo? Qual a opção?
Houve uma época em que fui o braço direito da Melissa na Holding. Ela
me chamava de Café Requentado porque eu costumo ser alegre pela manhã e
ela odiava isso. Mas um dia cometi um erro de julgamento e a convenci a
comprar uma empresa. Estava falida. Os números eram falsos e sumiram com
o dinheiro do investimento.
A única saída para amenizar o prejuízo era demitir trezentos funcionários e
eu discordei. Tracei um plano para recuperarmos o investimento ao longo de
dois anos, mas precisaríamos injetar muito mais capital na empresa e ela não
aceitou.
Tracei outros planos, pedi mais tempo, implorei, na verdade. Ela ficou no
meu pé, me forçando, dizendo que sacrifícios são necessários, que eu
precisava aprender a lição. Entreguei mais de 15 opções para ela ao longo de
três fuking meses, porém todos dependiam de mais investimento em um
negócio falido e foram rejeitados.
No final, Melissa me mandou fazer as demissões pessoalmente para
aprender com meu erro e passou a me tratar com muito mais rigor. Cálculos,
relatórios, ela me mandava refazer tudo de três a quatro vezes até dizer que
estava razoável.
Não aguentei a pressão.
Agora eu estava desempregada há quase dois anos. Busquei ajuda da
minha família e ninguém me estendeu a mão. Meu pai mal recebia os
medicamentos necessários e eu não tinha condições de comprar uma dipirona
se precisasse.
Desde que descobrimos o Alzheimer há quatro anos, a doença avançou
rápido. A degeneração cognitiva passou a limitar funções rotineiras, como se
vestir e cuidar da própria higiene.
Nossa casa não era adaptada e quando ele caiu no banheiro e fraturou o
fêmur, não saiu mais do hospital.
A internação tornou-se indispensável. Ele precisava de atenção 24h por dia
e sozinha eu não teria como fornecer.
Ver meu pai naquele hospital público, com pacientes em macas nos
corredores, alguns em camas improvisadas no chão, sangrava o meu coração.
Dizer que eu tinha escolha era falta de humanidade porque quando a saúde
da nossa família está em jogo, nos curvamos até o ponto de quebrar se for
preciso.
É fácil criticar para quem está com todas as contas pagas. Os ricos arrotam
moral, ética, caráter... e o pobre além de sem oportunidade, sai de cena como
se também não tivesse boa índole.
Na vida real, quando a necessidade aperta, a gente engole o escrúpulo.
Havia um livro que eu amava, sobretudo, em minha vida. Ele ficava na
cabeceira da minha cama e já estava todo marcado do uso. Era um calhamaço
chamado Jane Eyre, da Charlote Brontë. Um dos trechos que mais gosto
dizia: “Acha que, só por ser pobre, obscura, feiosa e pequena, sou uma pessoa
sem alma e sem coração?”
Nunca me identifiquei tanto com a Jane como naquele momento.
Isabela

Precisava me despedir do meu pai antes de viajar.


E lá estava eu, no horário de visita, enfiada dentro de uma calça de
ginástica, uma blusa de malha e tênis observando o rosto recortado pelas
rugas. Os olhos azuis que eu herdei brilhavam por conta das lágrimas.
— O trabalho é bom, pai. Vai tirar você daqui desse lugar — falei baixo,
pois o quarto da enfermaria era dividido com outros quatro pacientes.
Não podia revelar que iria me casar por dinheiro.
— Mas e a faculdade, filha? — A expressão confusa partiu meu coração.
Reinaldo Siqueira, meu pai, estava entrando no segundo estágio do
Alzheimer, onde a perda da memória recente fica mais acentuada e tinha dias
que ele nem me reconhecia.
— Eu já terminei a faculdade pai.
— Terminou? — A confusão em seu rosto era de partir o coração. — Não!
— insistiu irritado. — Você acabou de começar.
— Tá certo, você tem razão. — Não era bom teimar. Ele podia ficar
agressivo por conta da desorientação. — O importante é que eu vou te
colocar num hospital muito bom.
— Não tem que gastar dinheiro comigo, filha! Eu já tô velho. Daqui a
pouco Jesus me leva.
— Não fala assim, pai! Vai me deixar sozinha nesse mundo?
Ele estalou a língua fazendo careta.
— Estou cansado, Isa. Tenho saudade da sua mãe.
— Mas aí eu fico sozinha, com saudade dos dois.
Ele acariciou a mão que coloquei sobre a dele, abrindo um sorriso que
repuxou a pele recortada pela idade. Os olhos azuis brilharam refletindo a luz
do sol que entrava pela janela.
— Eu criei uma mulher independente e forte. Vai se sair bem.
Abaixei os olhos sorrindo porque era a primeira vez que ele se referia a
mim como mulher, nos últimos três anos. Na maioria do tempo, ele se
esquecia que eu cresci e esperava ver uma adolescente, ou uma criança, e
doía quando perguntava onde estava a sua filhinha, ou a esposa falecida há 11
anos.
Esses momentos de lucidez estavam se tornando cada vez mais raros e isso
me machucava de tantas formas que eu preferia não pensar.
— Às vezes eu me sinto uma adolescente de 25 anos, sabia? A gente
cresce, descobre o quanto é horrível e quer voltar no tempo. Outro dia eu
acordei cantando bem alto, como eu fazia quando era pirralha. A vizinha
jogou uma manga na minha janela e me mandou calar a boca — confessei
arrancando uma gargalhada sua. — Isso não acontecia quando eu tinha 17
anos.
— Lembro das músicas horríveis que você escutava. E cantava a plenos
pulmões.
Fiz um drama, levando a mão ao peito.
— Como assim horríveis? Fifth Harmony foi a melhor banda feminina que
já existiu!
Meu pai se remexeu em cima da cama de hospital, empolgado.
— É um crime chamar aquilo de música. E ainda cantava como um javali
raivoso. — Ele passou a mão trêmula pelo rosto. — Deus, você tinha uma
voz terrível!
— Ainda tenho — admiti rindo. — Parecem gatos no cio brigando.
Ele riu novamente.
— Tentei colocar você em um curso de canto só para não ter que te dizer
isso.
— Eu não queria aprender a cantar, eu só queria curtir o som. — Dei de
ombros. — E me vestir como elas, mas aparentemente o senhor não estava
preparado para as minhas tesouradas nos jeans e me levou no psicólogo.
— A sua mãe fez uma falta danada nessa época. Já contei para você a
história de como nos conhecemos?
Abri um sorriso, mas os meus olhos se encheram d’água. Ele sempre
contava a mesma história. Era como um loop infinito dentro da cabeça dele e
tinha a impressão de que essa lembrança era a que sustentava todas as outras
e só por isso ele ainda se lembrava de mim.
Ouvi atenta, pela milionésima vez.
Quando o horário de visitas terminou eu estava nostálgica.
Voltei pra casa com o som do celular explodindo meus tímpanos. E se um
dia eu já fui fã das músicas alegres da banda de cinco meninas, hoje eu estava
muito mais para um solo da Demi Lovato.
Skyscraper embalava minha tristeza, no fundo do ônibus.
Eu não costumo ser essa pessoa deprimida, mas estava passando por um
período péssimo.
Sem emprego, recorrendo a bicos que eu odiava para sobreviver e
contando os centavos para andar de ônibus. Quando eu fazia faxina em
casarões que tinham uma cafeteira toda bacana, ficava babando naquele
negócio. Meu sonho era tomar um café expresso dessas máquinas legais.
Suspirei triste.
Dez milhões.
Eu ganharia uma fortuna para me casar com um árabe excêntrico que não
tinha a capacidade de arrumar uma mulher.
Deve ser um velhote. Daqueles carrancudos que vivem para o trabalho. Ou
talvez, só um magricelo de cabelo esquisito e bigode xexelento, tímido
demais para cantar alguém.
Oh, Deus!
Eu nem podia pesquisar o nome do infeliz na internet porque não tinha
grana para alimentar meu pacote de dados.
O ônibus parou num ponto de frente para um botequim e fiquei namorando
o copo de cerveja em cima da mesinha. Um casal conversava animado e o
pagodinho rolava solto em plena terça-feira.
Espero não me arrepender muito.
Isabela

— Finalmente! — Melissa me encarou azeda como sempre quando entrei


no escritório. — O seu voo atrasou mais de cinco horas.
Respirei devagar. Não era fácil estar diante dela novamente. Nossa
experiência de trabalho foi conturbada. Ela era exigente, inflexível,
impaciente e arrogante. O tipo de chefe que você deseja para os seus
inimigos.
— Por que o atraso?
— Um passageiro estava com sintomas de gripe e toda a tripulação
precisou ser testada antes de liberarem o voo.
A ruiva de farmácia ergueu uma sobrancelha, recostando-se na cadeira
presidente e me olhou de cima a baixo.
— Está linda, Isabela.
— Não me adule.
— Sempre na defensiva. — Meneou a cabeça e apontou para a cadeira à
sua frente. — Quando receber um elogio, apenas agradeça.
Larguei a mala pequena onde estava, sem a menor paciência para sua
maternalidade.
— Não sou mais sua funcionária. — Aproveitei para dar uma rápida
olhada ao redor, evitando seu escrutínio.
— É um conselho, como amiga.
— A viagem foi longa, estou cansada e você odeia joguinhos, então vá
direto ao assunto.
Melissa tirou os óculos de grau, largando-os sobre a mesa.
— Meu cunhado já está vindo, mas vou te adiantar a situação: Khalid é o
Primeiro-Ministro de Omã e irmão do meu marido, o atual sultão. Precisa
casar por conta da política e da cultura do seu país, mas ele não é de se
relacionar.
— Gay?
— Não.
— Feio, escroto, maldotado?
— Não, talvez um pouco e... não sei dizer.
Era um alívio saber que ele não era feio, mas escroto, eu já imaginava.
Ninguém oferece dez milhões sem um motivo, né?
— Khalid é uma pessoa boa. — Prensou os lábios parecendo escolher as
palavras. — Você só tem a ganhar, eu prometo.
— Fala como se eu estivesse comprando um carro e não vendendo a minha
vida.
— Veio até aqui só para desistir?
— Não é isso, é que... — respirei fundo esfregando as mãos. — Ok, talvez
seja insegurança, mas não pode me culpar. Estava firme até pisar neste país e
ver tantas mulheres vestidas dos pés à cabeça e... Ei! Por que não está usando
lenço?
— Só as religiosas precisam usar hijab em Omã. Estrangeiras podem usar
apenas um véu chamado de shayla, mas só quando saem na rua.
O incômodo não melhorou ouvindo aquilo.
— E o vestido imenso? — perguntei apontando para ela que deu de
ombros.
— Eu respeito a cultura deles, além disso, sou a esposa do sultão.
— Claro, a esposa que não pode chamar a atenção para si com roupas
extravagantes. — Olhei dentro dos olhos verdes que se estreitaram. — A
mesma que usava vestidos com decotes que terminavam pouco antes do
umbigo no Brasil. Eu me lembro de uma Melissa bem diferente, que dizia
que jamais cederia aos caprichos de homem algum porque ninguém mandaria
em sua vida.
— Essa é a questão — rebateu com um tom de voz monótono. — Ele não
me pede nada disso. Zaad já enfrenta muitos problemas por conta da sua
política liberal, não vou atrapalhar o progresso dele com atitudes egoístas.
— Olha só você, tão adaptável e digna de palmas. — Bati duas lentamente.
— Limpa o cantinho do lábio, querida. Está escorrendo um pouco de
hipocrisia.
Ela abriu um meio sorriso.
— Cresci num orfanato, Isabela. Precisei me adaptar a muita coisa na
minha vida. Talvez isso tenha me tornado insensível, mas estou pouco me
fodendo para o que os outros pensam. Eu não gosto de drama. Sou prática.
Eu ia debochar, mas fomos interrompidas pela secretária franzina que abriu
a porta esbaforida.
— Senhora Haya, o Ministro... — começou a dizer, mas o homem passou
por ela sem se dar ao trabalho de esperar — chegou. — A moça murchou ao
dizer a última palavra.
Haya?
— Tudo bem, Jaiene. — Melissa acenou para a mocinha que pedia
desculpas com o olhar.
Mal entrou na sala, o árabe bem vestido cravou seus olhos em mim e me
levantei, como se um puxão tivesse me posto de pé.
O cara não era feio. Na verdade, era um “putaqueopariu, me coma” com
todas as letras e entonação de narrador de futebol.
Ele desceu os olhos pelo meu corpo e subiu novamente, de volta aos meus
olhos azuis.
As sobrancelhas baixaram levemente, unindo-se no centro do rosto, e
alguma coisa me dizia que aquilo não era bom.
Esfreguei as mãos suadas em meus quadris e seus olhos capturaram o
movimento como um predador atento à presa.
Oh, merda!
Forcei um sorriso, mas a expressão dele era um misto de puto da vida com
“quem você pensa que é?” Então, desfiz a tentativa de ser amigável e empinei
o nariz.
O vai se foder estava prontinho, na ponta da minha língua.
Mas ele só enfiou as mãos dentro dos bolsos e respirou fundo desviando o
olhar de mim para a Melissa. Havia uma atmosfera ao redor daquele homem.
Algo massivo, denso como névoa, que me fez prender a respiração.
— É essa? — grunhiu a pergunta à Melissa que assentiu se levantando. Ela
contornou a mesa branca. — Você me enganou! Não disse que ela era...
assim.
Pela expressão dele, não era um assim no bom sentido.
Imediatamente senti minhas bochechas arderem e o constrangimento
apertou a minha garganta.
Puxei o ar lentamente. Uma interminável aspiração a fim de controlar
minhas emoções. E quando ele me olhou novamente, meus joelhos
fraquejaram.
— Não, não, não! Foi você quem fez deduções. — Melissa trocou dois
beijinhos no rosto com ele. — Gostei do que fez com o cabelo. Esse estilo
bem curto combina mais com você.
— Gostou? — Ele abriu um sorriso enorme para ela e passou a mão pela
cabeça, da nuca até a frente e depois de volta.
Hum, que sorriso grande para um elogio tão básico.
— Sim. — Melissa sorriu, mas sem o entusiasmo dele. — Já os músculos...
acho que está exagerando.
Uh, eu discordo!
O homem se olhou pensativo por alguns segundos e então deu de ombros.
— Ajuda a compor o meu papel de assustador — explicou tornando a
enfiar a mão no bolso, como se não soubesse o que fazer com elas.
Melissa virou-se na minha direção e gesticulou nos apresentando.
— Isabela, esse é o meu cunhado, Khalid.
Ele tornou a me encarar com um olhar intimidador e eu refleti sua
expressão, erguendo o meu rosto para cima e esticando a coluna, já que ele
era bem mais alto do que eu. As sobrancelhas grossas se uniram sobre os
profundos olhos pretos de demônio irritado, formando um pequeno V no
meio da testa.
Pela careta dele, fui reprovada, com certeza.
— Vou deixar vocês conversando. — Melissa pegou uma bolsa azul de
dentro de uma portinhola na estante. — Isabela, ainda preciso falar com você.
Passa na minha loja quando puder.
Não tive tempo de me pronunciar, pois ela bateu a porta me deixando
sozinha naquela situação absurda.
Khalid sentou-se na cadeira presidente muito à vontade e pegou papel e
caneta.
— Sente-se. — A voz soou como se pedisse, mas seu olhar ordenava.
Espremi as mãos uma na outra, sentindo a rebeldia latejar, mas sentei.
Sim, eu tinha um problema com autoridade. Odiava receber ordens, o que
era ruim pra minha carreira, já que não nasci herdeira.
— Desculpe — tentei soar meiga —, você disse que eu era “assim” —
desenhei as aspas com os dedos. — O que significa?
Ele trincou o maxilar, evidenciando ainda mais os ângulos do rosto
quadrado e cravou os olhos nos meus.
Não vou mentir, Khalid era um homem de tirar o fôlego. Aparentava ser
daqueles que arrebentam a calcinha com um puxão seco e te fodem com os
dedos primeiro, sem pressa. Mas era uma beleza fria que emanava ondas de
crueldade, como um aviso para manter distância.
O cabelo castanho-escuro era cortado bem rente nas laterais da cabeça,
estilo militar. Os fios sedosos e lisos formavam um tapete aveludado. Os
lábios eram cheios, emoldurados por uma barba cerrada, mas curta, muito
bem desenhada e sexy.
Lindo, apesar das orelhas grandes.
— Você não é bem o que eu esperava — declarou plácido.
Pisquei algumas vezes sentindo o coração acelerar e antes que eu
conseguisse formular uma frase ele tirou um papel do bolso e começou a ler
em voz alta.
— Fluente em árabe e inglês, formada em administração com ênfase em
comércio exterior, alguns cursos inúteis à distância... — falou em tom
monótono e me dei conta de que ele estava lendo o meu currículo. —
Trabalhou apenas em um lugar em toda a sua vida? Não é muito promissor.
Não me admira que esteja desempregada há tanto tempo.
Senti meu rosto queimar. Já era uma situação humilhante o suficiente para
que ele ainda desdenhasse da minha formação.
O que ele esperava? A Barbie Malibu com curso superior em pole dance?
— Khalid, né? Olha só...
— Não aparenta ter 25 anos — acrescentou me cortando. — Quanto você
veste?
Dessa vez eu fechei os olhos sentindo um pulso de ódio e precisei respirar
fundo algumas vezes para não falar algo do que me arrependesse.
Ouvi gracinhas sobre o meu peso a vida inteira e isso mexia comigo.
Mesmo quando me elogiavam, sempre havia um “mas se você emagrecesse
ficaria linda”.
Gosto do meu corpo, não sou insegura, mas sou traumatizada.
— Não é da sua conta — rosnei com ódio, sentindo os dentes rangerem. —
Não me informaram que você buscava uma modelo. Teria me poupado o
desperdício de tempo vindo aqui.
— Não estou.
— Não está o quê?
— Buscando uma modelo. Na verdade, pouco me importo com o tamanho
da sua bunda, só preciso passar para o meu secretário porque ele fará
compras para você.
Prensei os lábios, sem graça.
— Você deveria ter explicado melhor se não quer...
Fui cortada pela sua gargalhada.
— Eu? Me explicar para você? — Ele riu mais alto e depois me encarou
com um deboche que acendeu a ira até das minhas antepassadas. — Eu não
devo nada. Não tenho que me explicar. — Ele largou a caneta e suspirou. —
Entenda: eu não sou delicado, não meço palavras, meus funcionários me
odeiam e com razão. Prefiro que veja o meu pior logo de cara para saber
exatamente onde está se metendo. Serei o pior patrão que já teve em sua
vida, então é melhor se acostumar ao meu temperamento.
Sustentei o seu olhar e se ele esperava me ver chorando, abaixando a
cabeça ou pedindo desculpas, se decepcionou. Empinei o nariz em vez de
abaixar a cabeça e ele estreitou os olhos.
— O posto de vadia arrombada das chefes já tem dona. Vai ter que se
esforçar um pouco mais para arrancar o troféu da mão da minha última
patroa. E não pense que vai falar o que quiser sem me ouvir retrucar porque
não tenho medo de cara feia, muito menos de homens convencidos e
arrogantes com orelhas de abano como você.
Ok, provavelmente perdi a oportunidade de ficar rica aqui, mas eu forcei
um sorriso. Já é um começo, né?
Khalid nem piscou. Sustentou meu olhar com uma frieza de trincar os
ossos. Tão cruel e sombrio que me encolhi devagar.
— Eu me esforçarei, Isabela — disse com voz baixa e tão rouca que minha
boca se encheu de água.
Voltou a rabiscar o papel me deixando ansiosa e angustiada.
Você não devia ter vindo. Repreendeu minha consciência feminista. O que
deu na sua cabeça para aceitar um absurdo desses? Achou que encontraria
um lorde inglês? Se ele fosse boa coisa teria mil namoradas a quem pedir em
casamento.
— Tem filhos? — inquiriu de repente e me assustei com sua voz grossa.
— Não.
Ele riscou o item de sua lista.
— Já foi casada?
— Não.
— Preciso que responda honestamente para que eu possa resolver rápido
qualquer problema.
— Solteira — repeti. — E sem namorado no momento.
Ele tornou a levantar a sobrancelha.
Merda, que sexy essa porra!
— Já foi presa por algum motivo?
A risadinha me escapuliu, mas endireitei a postura e limpei a garganta.
— Sem ficha criminal.
— Ok. Para sua informação, estou casando por exigência da minha família
para manter o meu cargo de ministro, mas deve me encarar como seu chefe e
não como marido. Afinal, estou te pagando. Não tenho a intenção de ter um
relacionamento de verdade. Pode ficar tranquila quanto a isso. Tentarei criar
uma espécie de questionário para que possamos nos conhecer um pouco e
responder eventuais perguntas que surjam, sejam de repórteres ou de
políticos, mas teremos tempo para elaborar essa lista. Alguma pergunta?
— Sim — pisquei tentando raciocinar. — O que está incluído nesse
casamento? Quantas aparições em público e onde precisarei morar?
— Vai morar na minha casa, mas terá um quarto só seu. As aparições em
público serão poucas, oito ou nove nos primeiros meses, apenas para que a
imprensa tenha sobre o que falar, e com o tempo, no máximo cinco eventos
anuais.
— Minhas despesas serão todas pagas por você?
— Sim, de forma vitalícia.
Não me entendam mal. Era uma situação absurda e meu coração estava a
mil por hora, principalmente porque não fui muito com a cara do dito-cujo,
mas eu precisava do dinheiro, então respirei fundo.
— Iremos nos divorciar algum dia?
Khalid ergueu os olhos do papel por um momento.
— Não. Seria um escândalo e a sociedade é muito... — respirou fundo,
voltando sua atenção para o papel. — Resumindo, por motivos religiosos,
nunca. Ainda mais por causa dos filhos.
Arregalei os olhos.
— Oi?
— O sexo não precisa ser frequente. Eu manterei as prostitutas habituais e
você pode ter quantos amantes quiser, contanto que seja discreta.
Prostitutas? Sexo frequente? Amantes?
Meu estômago revirou e fiz uma careta.
— Não transo com meus patrões. — Foi o que eu consegui balbuciar
chocada.
— Já teve um patrão gostoso como eu?
— Não é tão gostoso assim, Senhor Khalid, e não vou transar.
— Vou ter que pagar mais caro por isso?
— Com dez milhões no bolso, dificilmente eu aceitarei trocados por cinco
minutos da sua alegria.
— Mas está aberta a negociações?
— Não vendo o meu corpo!
— Eu discordo. — Sorriu massageando a barba. — Acho que tudo tem um
preço. Eu só preciso saber qual é o seu.
— Talvez você não possa pagar o meu preço.
Seus olhos brilharam maldosos.
— Não quero um relacionamento — repetiu. — Seria apenas sexo
eventual, sem apego. O casamento vai demandar um longo tempo de
convívio.
— Eu compreendo. Por isso estou te dizendo que não poderá pagar o meu
preço. Não sou um orifício oco disposto a receptar seu esperma. Eu me
envolvo emocionalmente com as minhas fodas e como deixou claro que
pensa diferente, estou informando que sexo está fora de questão.
Ele hesitou. Largou a caneta sobre a mesa e apoiou os cotovelos no
encosto da cadeira.
— Entendi. A questão é que preciso de um filho.
Foi a minha vez de rir, mas de puro nervoso.
Só podia ser brincadeira.
Aos poucos a risada foi tomando força dentro de mim, unindo-se ao
desespero, à humilhação, e quando percebi estava gargalhando tanto que
perdi até o fôlego.
Ele esperou paciente, sem emitir som algum.
— Filho — repeti secando uma lágrima. — Não pode estar falando sério!
— Estou tão empolgado para fodê-la quanto um boi para virar churrasco,
mas a minha família exige herdeiros, então, se não acontecer do jeito antigo,
terá de ser por inseminação artificial.
Abri a boca meio chocada, meio vermelha, meio irritada. Abri e fechei,
sem conseguir formular uma resposta inteligente.
— Seria mais fácil com sexo casual — reiterou.
Esse cara é um cretino total!
— Isso é mais envolvimento do que estou disposta a ter — expliquei
devagar.
— Então precisamos pensar em como teremos filhos.
— Você tá de sacanagem?
— Não. Você deixou bem claro que a sacanagem não está incluída em
nosso acordo.
Como pode ser tão escroto?
Pisquei algumas vezes, pensativa. Eu devia saber que não seria tão fácil.
Eu não aguentaria aquele arrogante nem por uma semana o que dirá para o
resto da vida.
— Não vai dar certo — decretei me levantando. — Eu mal te conheço e já
não te suporto. Desculpe tomar o seu tempo, mas é melhor procurar outra
pessoa.
Se achei que seu olhar era demoníaco antes, era porque ainda não o tinha
visto contrariado. Khalid era alto, com ombros largos e quando se levantou
apoiando os dois punhos fechados na mesa debruçando-se na minha direção,
meu estômago flutuou apavorado.
— Senta — ordenou com um rosnado. — Vou te pagar o suficiente para
que eu não precise fingir que me importo, então não ache que pode impor
condições aqui. Você é apenas uma funcionária, nada mais. Vai me obedecer
como faria com qualquer patrão no seu país miserável e subdesenvolvido.
Estanquei onde estava sentindo o impacto de suas palavras.
— Pelo que eu sei, você precisa mais de mim do que...
— Posso pagar dez milhões para qualquer puta mais magra do que você,
então cale a boca e pense bem se está em condições de dispensar o meu
dinheiro. Acha que o seu pai doente vai levantar da cama e te ajudar? Acha
que seu currículo medíocre vai te arranjar um emprego dos sonhos? Sou a sua
salvação tanto quanto você é a minha.
Senti minha garganta contrair, mas engoli a verdade cuspida na minha
cara.
Meus olhos marejaram e precisei encarar o teto focando na raiva e não na
vergonha, senão eu choraria e aquele babaca não merecia me ver derramando
nenhuma lágrima.
Necessidade. Essa é a palavra que estrangula o orgulho.
Devagar, eu me sentei e cruzei as pernas de forma elegante, mastigando
palavrões, organizando insultos dentro da minha mente.
Morar na periferia não impediu meus pais de me darem uma boa educação
e eu sabia me portar... quando eu queria.
— Verdade. Você pode contratar quem quiser. Eu, por outro lado, apesar
de precisar, sou incapaz de me submeter. — Fiz uma pausa avaliando sua
expressão madura, de quem já havia me decifrado. — Por que está
insistindo?
Khalid sorriu como se fosse o próprio diabo.
— Porque você é exatamente o que estou procurando. Pago o dobro para
que tenha um filho. Podemos fazer uma inseminação.
Hesitei, remoendo a raiva, mas precisava do dinheiro.
Merda! Era muita grana.
Um dia cheguei a pedir a Deus, em uma das minhas orações mais doidas,
um namorado que também amasse ler Charlotte Brontë.
Minha nossa, como eu me iludi!
— Não quero filho... por agora. Meu pai está doente e precisa de
atendimento hospitalar de qualidade — falei engolindo todo o ódio.
— Posso esperar um ano pelo filho, nada mais. Providenciarei a melhor
clínica e enfermeiras particulares. Terá acesso ao melhor tratamento. Algo
mais que deseje acrescentar no acordo?
— Eu ainda não aceitei.
— Mas vai — afirmou dobrando o papel e guardando no paletó. —
Enviarei os termos para o advogado para que redija o rascunho de um
contrato. Enquanto isso vou te levar para conhecer sua nova casa.
Ele se levantou e caminhou em direção à porta.
— Acha que vale a pena? — questionei ainda sentada, sentindo uma
desolação profunda. Ele se virou para me encarar, arqueando uma das grossas
sobrancelhas. — Está claro que somos incompatíveis.
— Foi demitida pela Melissa, não foi? Soube que você a xingou na frente
de toda a empresa. Deve ter se sentido bem. Valeu a pena?
Desviei o olhar para as poltronas brancas na lateral da sala ampla. Havia
três delas e na parede, logo acima, alguns quadros abstratos, de colorido
insosso, que harmonizavam com o ambiente.
Asséptico como a Melissa.
— Na hora eu me senti realizada, mas com o tempo, percebi que o dinheiro
é mais importante do que o orgulho.
— Então já tem sua resposta.
Isabela

Assim que chegamos, Khalid me mostrou toda a propriedade que incluía a


casa principal e mais duas, na parte de trás, onde ficava o alojamento dos
funcionários.
Havia um imenso jardim na frente da casa e uma piscina nos fundos, com
coqueiros, espreguiçadeiras, sombreiros e um deque lindo de madeira, do
jeitinho que eu imaginei que um político teria.
— Este será o seu quarto — disse ao abrir a porta de um cômodo no
segundo andar que tinha quase o mesmo tamanho de toda a minha casa no
Brasil. — Tudo o que precisar peça para as empregadas. Durante o dia estarei
trabalhando no ministério ou no conselho, em dias diferentes, isso te dará um
pouco mais de privacidade. Chego em casa geralmente após 18h. Nesse
momento prefiro não ser aborrecido.
Admirei a decoração moderna e neutra. As paredes eram brancas, exceto
uma, onde a enorme cama de casal estava encostada. O papel de parede tinha
um aspecto marmorizado que contrastava com os móveis de madeira clara. A
roupa de cama era rosa, marfim e cinza, assim como as cinco almofadas que
alternavam as cores.
— Esse quarto é só meu? — questionei pensando na cama de casal, mas
fui ignorada.
— Quando estiver em público comigo cubra o cabelo e os braços, mesmo
não sendo muçulmana. Caso fosse apenas uma estrangeira, ninguém te
aborreceria com isso, mas será a esposa do ministro e isso torna tudo mais
complicado.
Assenti como um robô faria, mas por dentro era cada palavrão que deixaria
a prostituta mais velha da Lapa de bochechas coradas.
O acordo é bom. Eu repetia mentalmente. Preciso do dinheiro. Não é por
mim.
Respirei fundo tentando acalmar a irritação.
— O que acontece se eu não me vestir como está dizendo? — questionei e
levei uma olhada torta.
— As pessoas associarão o meu trabalho à sua má conduta, dizendo que se
não consigo dominar a minha esposa, então não tenho competência para ser o
Primeiro-Ministro de um país.
— Que absurdo — murmurei baixo e reparei que ele ergueu uma
sobrancelha.
Por um segundo a vagabunda que habita em mim achou aquela expressão
tão sexy que enviou ondas de calor para abaixo do meu ventre.
— Isabela?
— Khalid — respondi firme, como se o nome dele fosse uma ameaça em
meus lábios.
Ele abriu a boca meio... desnorteado? Seus olhos escureceram tão rápido
quanto o céu numa tempestade de verão.
A reação dele me deixou confusa e me aproximei para perguntar o que
havia de errado, mas ele deu um passo para trás e fechou-se na escuridão que
o cercava.
— Não saia de casa sem me avisar.
— Claro — respondi mais suave do que pretendia. — Só não esqueça que
ainda estamos negociando.
Vi sua garganta subir e descer e me dei conta do quanto era robusto o
pescoço daquele homem.
Não sou de ter fetiches, mas a vagabunda que habita em mim tem vários. A
safada tratou de se imaginar lambendo aquele ponto protuberante da garganta
até chegar à boca.
Fechei os olhos sentindo outro arrepio elétrico e quando os abri, enxerguei
um Khalid impaciente.
— Desculpe — pedi me recompondo. — São muitas informações. Estou
memorizando.
Ele assentiu movendo a cabeça.
— Hálim, meu secretário, vai te dar as outras instruções — disse baixo,
com voz grave e sonoramente sexy.
Entreabri a boca e puxei o ar que chiou ao passar pelos meus lábios. Estava
quente demais. A blusa de malha branca grudava em meu corpo e meu jeans
parecia em brasas. Passei a mão pela testa e a encarei.
— Nossa, estou molhada.
— O que disse?
— Estou molhada de suor — repeti lhe mostrando a mão e ele a encarou.
— Ah! — Ele caminhou pelo quarto amplo e abriu a gavetinha da cômoda
ao lado da cama alta de princesa. — Esqueci de ligar o ar-condicionado.
Temos temperaturas bem altas em Omã. Até que se acostume, tem permissão
para regular o ar da casa como bem te aprouver.
Uma risadinha me escapuliu e recebi outro dos seus olhares de censura.
— Desculpe, é que aprouver me lembra um professor da faculdade. Ele era
bem velhinho e... — Calei a boca assim que me dei conta do que ia dizer. —
Deixa pra lá.
Khalid continuou me olhando, como se fosse dizer alguma coisa, mas
desistiu.
Havia um pedaço de linha presa em sua gravata vermelha e eu me
aproximei absorta. Segurei-a em minhas mãos e retirei a sujeira, esquecendo
de pedir licença. Só percebi que estava próxima demais quando ergui os
olhos e reparei seu rosto a centímetros do meu. Fiquei tão envergonhada que
congelei no mesmo lugar, sorrindo. Khalid me olhava com uma sobrancelha
erguida, estranhando minha atitude.
— Estava sujo — expliquei olhando dentro dos seus olhos.
Foi invasivo da minha parte, eu sei.
O que eu estava pensando?
— Desculpe — pedi e Khalid desceu os olhos para a minha boca, como se
quisesse acompanhar os meus lábios se movendo. Um gesto que esquentou as
minhas bochechas porque eu também olhei para a sua boca e vi que ele
umedeceu os lábios e engoliu em seco.
Tudo ao nosso redor parou. Talvez até a Terra tenha interrompido seus
movimentos.
O problema é que o meu emocional é desregulado e tenho vontade de rir
em situações de nervoso. A minha boca se espichou num sorriso que eu tentei
reprimir e ele me encarou muito confuso o que só me deu mais vontade de
rir.
Meu Deus, ele deve estar pensando que sou uma tarada louca!
— Com licença. — Um homem caucasiano nos interrompeu e dei graças,
me afastando rápido. Ele estava parado na porta nos observando com
curiosidade. — Você me pediu para vir rápido e aqui estou.
— Hálim, essa é Isabela, minha noiva — falou ajeitando a gravata. —
Casaremos em duas semanas e preciso que cuide da agenda dela com o
mesmo rigor com que cuida da minha — instruiu como um militar rígido e
cruzou as mãos atrás do corpo, evidenciando o peitoral largo. — Isabela, esse
é Hálim Gonzáles, meu secretário e homem de confiança.
Pensei em apenas acenar, mas o homem veio em minha direção. Os
cabelos pretos e ondulados foram arrumados com uma passada de mão. Ele
tinha olhos pequenos e caídos que me lembravam um cãozinho fofo e o
sorriso era enorme, em lábios grossos. Bonito e simpático, mas longe de ser
atraente e impactante como o ogro atrás dele.
— Esta és la mujer más hermosa que he visto em mi vida[4] — balbuciou
ao apertar a minha mão e eu acabei sorrindo.
Nossa, que galanteador!
A cara dele de pasmo era ainda melhor. Depois da frustração de não ser o
que o Khalid esperava, ouvir aquele elogio alegrou o meu dia.
— Gracias[5] — agradeci também em espanhol e o homem ficou vermelho.
— Usted es muy gentil[6].
— Espanha? — perguntou animado, deixando o sotaque se apoderar de
suas palavras.
— Não, Brasil.
Khalid me encarou com uma expressão difícil de classificar e Hálim se
virou para ele, como se lembrasse da sua presença.
— Não me avisou que sua noiva falava espanhol, amigo.
— Fui informado apenas do árabe e do inglês.
Isso foi irritação no tom dele?
— Tuve mucho tiempo libre durante la pandemia y tomé un curso en
línea[7]. — Eu estava conscientemente ignorando o homem das cavernas atrás
de Hálim.
— Poderiam manter a conversa em algum idioma que eu entenda? — Não
foi um pedido inconveniente. A grosseria estava no tom de reprimenda e
deboche que usou.
— Ela disse que fez um curso online durante a pandemia — traduziu sem
desviar os olhos dos meus e senti meu rosto esquentar. — Sua pronúncia está
muito boa — elogiou o secretário.
Sorri e foi tão bom, tão leve, pela primeira vez naquele dia de merda eu me
senti bem.
Hálim desviou o rosto sorridente de mim para o chefe, aguardando ordens,
e ambos encaramos Khalid que nos observava pensativo.
O silêncio constrangedor me fez desviar o olhar, mas sentia o escuro
demoníaco daqueles olhos profundos queimando em mim.
— Ela precisa de roupas e acessórios — narrou finalmente e caminhou
para fora do quarto enquanto falava. — Lenços, abayas, nada exagerado. O
suficiente para que possa ir a qualquer lugar.
Tivemos que seguir Khalid que nem se deu ao trabalho de pedir enquanto
ditava a lista descendo pelas escadas de madeira.
— Sim, senhor. — Hálim sacou o telefone e passou a tomar nota.
— Amanhã agende um horário na loja da Melissa. Providencie algo
elegante para a viagem à Franca e peças formais para os eventos de Omã após
o casamento.
Hálim assentiu espichando o olhar para mim.
— Tudo bem para a señorita?
— Por supuesto — provoquei lançando um sorriso para Hálim. — Claro
— Traduzi me virando para Khalid e lhe oferecendo uma expressão fria.
O secretário riu e bateu palmas. O sorriso dele era amplo e formava
dobrinhas no canto da boca, iluminando todo o rosto bem barbeado.
Fofo!
Parecia ter bastante intimidade com o chefe, pois estava claramente
debochando dele.
— Então será um prazer, señorita. Conte comigo para o que precisar.
Sua amabilidade era contagiante. Fazia tanto tempo que ninguém era gentil
comigo daquela forma que eu quase derreti com sua delicadeza.
Khalid permanecia com a expressão de sempre. Testa franzida, olhos
desconfiados... não dava para saber o que estava pensando.
— Preciso de tudo isso para ontem.
— Imediatamente. — Hálim me cumprimentou com a cabeça, antes de se
retirar.
Uma graça de pessoa.
Khalid abriu uma pasta em cima da mesa, remexendo em alguns papéis
então caminhei pela sala na direção de um sofá vermelho de três lugares.
Aquela cor não combinava com o restante dos móveis. Na verdade, estava até
mais afastado dos demais. Era um borrão vermelho vivo no meio de tanto
branco e me atraiu para ele como se cantarolasse meu nome.
Não resisti.
Nem tentei, na verdade.
Eu me sentei nele e alisei o tecido suave que deslizou sob meus dedos.
— Gostou do sofá?
A pergunta foi amena, quase como se fôssemos amigos.
— Muito. — Quiquei no assento. — Bem confortável também.
Ele assentiu e continuou me observando. Sério, mas não irritado. Apenas
compenetrado.
Durou poucos segundos.
— O que Hálim te disse na língua dele? — inquiriu voltando a atenção
para papéis dentro de uma maleta.
— Que sou a mulher mais bonita que ele já viu na vida. Foi você quem
escolheu a cor?
Uma batida seca me assustou. Khalid tinha fechado a maleta com força.
— Desculpe, escapuliu da minha mão. — Ele separou os papéis em duas
pilhas ainda concentrado no que estava fazendo. — Foi a minha mãe. Ela
gostava de vermelho.
Gostava.
— Eu sinto muito.
Sem dizer nada ele juntou os papéis e saiu da sala.
Khalid

Digitei a resposta ao Ministro das Relações Exteriores de Omã sobre a


trégua de dois meses com o Iêmen pela oitava vez. Não conseguia me
concentrar. Precisava ser direto e conciso, mas cada vez que lia o documento
percebia que estava dando voltas em assuntos que não vinham ao caso.
Ainda precisava responder ao Presidente do Irã sobre o aumento do
volume de investimentos e intercâmbios comerciais entre nossos países, mas
estava disperso porque a porra da minha cunhada arrumou o caralho de uma
gostosa pra ser minha noiva.
Os olhos azuis e desafiadores dela não saiam da minha cabeça.
Três batidas na porta me despertaram das minhas divagações.
— Entra — rosnei imaginando qual seria a perturbação que Isabela me
traria, mas para a minha surpresa, era Hálim na porta.
Estalei a língua.
— Decepcionado? — perguntou assim que entrou.
— Por que estaria?
Ele soltou uma risada e esfregou o lábio com os dedos.
— Parece frustrado em me ver.
— O que diabos veio fazer aqui?
— Já providenciei o que me pediu. Só faltam as roupas para os eventos
sociais.
Ergui uma sobrancelha.
— Tão rápido?
— Estou na rua há mais de quatro horas. O que estava fazendo de tão
interessante que não percebeu? — Ele se debruçou por trás de mim e correu
os olhos pela tela do meu computador.
Olhei para o relógio maldizendo a minha distração.
Merda!
Passei a mão pelo rosto e suspirei. Meu secretário se afastou meneando a
cabeça, mas permaneceu de pé, com uma das mãos apoiada na minha cadeira
e a outra na escrivaninha, esperando sei lá o que de mim.
— A presença dessa moça te abalou de verdade.
— Está vendo coisas onde não existe. Não me importo com ela. Sabe o que
penso sobre me envolver.
Sua gargalhada falsa tinha o objetivo único de me provocar, mas não movi
um músculo.
— Precisa concordar que ela é fascinante. Aqueles olhos azuis parecem
pintados à mão. Reparou na curva do quadril dela? Nem sabia que alguém
podia ter tanta bunda e uma cintura daquelas.
Fechei a cara. Ele era o mais próximo que eu tinha de um amigo. Sabia
tudo sobre mim, até mesmo os segredos mais obscuros.
— Amor à primeira vista, Hálim? Não estou te reconhecendo.
— Só estou preocupado com o futuro dessa moça. Pretende torná-la sua
esposa de verdade ou vai condená-la a uma vida de celibato?
— Ela pode ter o amante que quiser.
— Ótimo! Eu me candidato — falou com uma firmeza que me incomodou.
— Fora de cogitação.
— Ué! Não entendi. Ela pode ou não ter amantes?
— Fica fora disso, Hálim.
O espanhol estreitou os olhos me encarando.
— Isso é medo de uma concorrência ou pretende descontar as suas
frustrações amorosas na pobre moça? Tipo fazendo ela se apaixonar só para
desprezá-la como a Melissa faz com você?!
Bufei irritado.
— Nem uma coisa e nem outra. Não tenho interesse nenhum na Isabela.
Ela é só uma funcionária pra mim.
— Então por que não posso ficar com ela?
— Porque eu disse que não.
Ele continuou me encarando sério e pensativo, estuporando a minha
concentração de vez.
— Já pode ir. — Apontei para a porta.
— Poderíamos fazer uma aposta — insistiu. — Quem levar a garota pra
cama primeiro, fica com ela.
— Isabela — falei baixo, mas firme — é minha noiva. Ensine como ela
deve se portar, mostre a cidade para ela e evite que me aborreça. Nada mais!
— Você está apaixonado pela Melissa, por que fazer tanto drama em cima
de uma esposa de conveniência? Eu gostei dela, de verdade.
Nada havia me irritado tanto naquela conversa quanto ouvi-lo dizer que
havia gostado dela de verdade.
— Acho melhor controlar a sua empolgação. — Elevei a voz. — Isabela
não é como as prostitutas que fodemos juntos nos fins de semana. Você está
deslumbrado com a beleza dela e vou tolerar seu comportamento dessa vez.
Entendeu?
Hálim assentiu exibindo o sorriso de quem sabe mais do que devia. Era
como se eu tivesse uma mão ruim no pôquer enquanto ele escondia um Royal
Flush.
— Quer me contar alguma coisa?
Ele meneou a cabeça, misterioso.
— Perderia toda a graça. — O espanhol caminhou pela sala, mas ao invés
de sair me encarou com uma expressão divertida. — Consegui um horário
com o sultão amanhã cedo. Ele solicitou a presença da sua noiva.
Minha garganta se comprimiu. Sentia ódio do Zaad há tanto tempo que
pensar em confrontá-lo me causava um estresse exaustivo.
— Estarei lá — grunhi voltando os olhos para o documento.
— Avisarei a Isabela — pronunciou apenas o nome dela com sotaque
espanhol e senti outro incômodo.
O que estava acontecendo comigo?
— Peça para alguém me trazer os remédios — instruí sem encará-lo. — E
um copo de água.
— Está tudo bem?
— Nada está bem na minha vida desde a morte da minha mãe.
— Mas fazia tempo que não precisava de remédios.
— Sou ansioso e tenho problemas de estômago. Qual a novidade?
Hálim me encarou por algum tempo e precisei fazer um gesto para que me
deixasse só.
Não consegui me concentrar no trabalho. Estava distraído e quanto mais eu
tentava, mais irritado eu ficava. Hálim voltou em minutos, trazendo os
remédios e um copo de água.
— Obrigado.
— Não por isso, chefe — brincou e fiz uma careta. — Onde foi parar o seu
senso de humor? Cadê as ironias ácidas, as piadas de duplo sentido? Não
estou te reconhecendo.
Soltei um longo suspiro me afundando na cadeira.
— Sabe que eu não processo muito bem as mudanças.
Hálim contornou a mesa e pousou a mão sobre o meu ombro.
— Miguel de Cervantes era um escritor espanhol que ficou famoso por
criar Dom Quixote de la Mancha: um homem de meia-idade que resolveu se
tornar cavaleiro andante depois de ler muitos romances de cavalaria. Ele
resolve lutar pelo amor de Dulcineia Toboso. O problema é que essa mulher
era imaginária. Percebe a ironia?
Ele me deu dois tapinhas no ombro e foi embora sem explicar o motivo da
besteira.
Qual era a merda da relação?
Espanhol de merda!
Digitei dois parágrafos e apaguei de novo. A maldita ansiedade não
passava.
Hálim deve estar jogando charme para a minha noiva neste momento.
Não consegui me conter. Abri a porta bem devagar e fui até o corredor a
fim de ouvir a conversa deles.
Isabela

A casa era imensa. Meu quarto tinha um banheiro no qual eu moraria sem
problemas. Havia um sofá de dois lugares dentro dele e até uma mesinha de
centro.
Quem coloca sofá dentro de um banheiro?
O que me preocupava mais era o motivo daquilo. Será que alguém bate um
papo enquanto está sentado no trono? Credo!
Não sou deslumbrada. Tive acesso a quartos de hotéis luxuosos e fiz
muitas viagens enquanto trabalhava na Holding, mesmo assim, pensar em
morar ali me deixava tensa.
O luxo escorria pelas paredes, caía do teto em lustres tilintantes de cristal e
se oferecia em forma de assento macio. Tudo era bom, confortável, bonito. O
tipo de coisa que uma assalariada como eu jamais teria acesso.
O closet era repleto de gavetas e compartimentos para joias que se abriam
com um clique seco ao serem apertadas. As intermináveis araras para cabides
tomavam toda uma parede. Na lateral mais estreita tinha prateleiras do chão
acarpetado até o teto branco, com luzes de led amarelas que apontavam para
dentro. Imaginei que ali ficariam os sapatos.
Arrumei a minha pouca bagagem dentro do closet imenso. Era estranho,
apesar de confiar na minha motivação, uma parte da minha consciência ainda
palestrava contra a ambição e necessidade.
Sentei na cama me sentindo fraca.
Não trabalhei arduamente naquele dia, mas a exaustão me atingiu com
força. Arriscar é cansativo. Medo, angústia e ansiedade agem em nosso corpo
como doenças.
Deitei na Queen Size reprimindo qualquer pensamento. Eu só queria fingir
que estava tudo bem, que não precisaria aguentar o otário grosseiro como
patrão pelo resto da vida.
Nunca será amada. Nunca saberá o que é ser feliz ao lado do amor da sua
vida. É isso que você quer, Isabela?
A militante dentro de mim começou a gritar mais alto.
Vai passar o resto dos seus dias usando um vibrador se quiser ter um
orgasmo?
Eu tinha duas consciências com personalidades opostas dentro de mim.
Uma delas era a feminista prolixa, versada em filosofia e panfleteira de
Simone de Beauvoir. Ansiosa por mudar o mundo e derrubar o patriarcado
nem que fosse à base de pancada. A outra era a vagabunda pobre e realista.
Essa usava o português coloquial, rebolava ao som de funk e xingava como
um estivador do cais do porto.
As duas frequentemente divergiam.
Cala boca, sua chata do caralho! Vamos nos prostituir pra pagar as
contas? Não temos nem corpo para isso. Hoje em dia o mercado tá puxado,
exigente. Tem que ser modelo e ter book rosa pra usar o xerecard. Precisa
estar em dia com a academia, mas tu é preguiçosa e gosta de pizza.
Suspirei desolada.
Sim, a minha sanidade mental está ok, não se preocupem.
Puxei o celular do bolso da calça jeans e abri um joguinho bobo. Nada
melhor para esvaziar a mente e calar discussões esquizofrênicas comigo
mesma.
Cochilei e o bendito do aparelho caiu na minha cara. Virei de lado
fechando os olhos, implorando para a escuridão da inconsciência me engolir
e... engoliu.
Dormi profundamente até ouvir batidas na porta.
Ignorei, mas a pessoa era persistente.
— Vá embora!
— Desculpe, señorita — pediu misturando árabe com espanhol e acabei
sorrindo. — Posso entrar?
Levantei esfregando os olhos, me sentindo inchada e alonguei os ossos que
estalaram.
— Pode.
A figura simpática enfiou a cabeça entre a porta e o alicerce, abrindo um
belo sorriso ao me ver.
— Como está?
— Meio perdida, sentindo a mudança de fuso horário, mas vou ficar bem.
Ele entrou deixando a porta aberta.
— Khalid me contou que vocês fizeram um acordo de trabalho.
— Foi assim que ele chamou? — Ri tirando uma sujeira imaginária da
calça. — Achei que fosse um casamento.
— Ele não gosta dessa palavra.
Encarei-o erguendo a sobrancelha.
— Tomou galho da ex-namorada?
— Não. O problema foi com os pais dele.
Hálim olhou para trás como se estivesse preocupado em ser ouvido e
baixou a voz.
— Olha, o Khalid não é um monstro, eu garanto, mas vai tentar te
convencer que é. Só não acredite nisso, por favor.
Tarde demais, amiguinho.
Concordei com a cabeça apenas para reconfortá-lo.
— Espera. — Ele foi até o corredor e voltou com um monte de sacolas. —
Amanhã você tem uma audiência com o sultão. Trouxe algumas coisas úteis
para que saia na rua.
— Hum. — Olhar para aquele monte de sacolas sabendo que eram panos
para me esconder, tirava a alegria de receber presentes. — Obrigada.
Peguei um dos vestidos do montante. Um azul-escuro de cetim brilhoso.
Acariciei sentindo a maciez.
Quando, em situações normais, eu teria uma roupa daquelas?
— Não gostou?
— Ééé... — Nós rimos. — Em parte, sim. É tudo muito lindo e os tecidos
são maravilhosos, mas ainda prefiro um short, calças, blusas, saias...
— Acho que ficará belíssima com seda pura e muitas joias. — Hálim se
aproximou com olhos fixos nos meus e engoli em seco. — A sua beleza é
perturbadora, señorita.
— Obrigada — falei rindo, mas dei um passo para trás, largando o vestido
que estava em minhas mãos sobre a cama.
— No início, quando me mudei para cá, eu também senti um desconforto,
mas garanto que não é tão ruim. As pessoas aqui são amistosas e toleram bem
os estrangeiros. Temos muito do Ocidente em Omã. Posso te levar para
conhecer.
Ele se aproximou novamente, pegando a minha mão e depositou um beijo
no dorso.
— Seria bom — eu me ouvi dizer, mas estava reticente.
Hálim era charmoso, estava obviamente flertando comigo, mas não me
senti confortável.
— Amanhã de tarde preciso que me acompanhe até algumas lojas para
providenciar as outras roupas que usará por baixo.
— Precisa? Vou ficar escondida embaixo disso tudo mesmo. Eu poderia ir
pelada que ninguém perceberia a diferença.
— Eu perceberia. — A voz grossa invadiu o quarto fazendo o meu coração
correr despinguelado. — Pode nos dar licença?
— Claro. — Hálim deitou outro beijo na minha mão enquanto os olhos
ásperos de Khalid observavam o gesto com uma pontada de desprezo. — Boa
noite, Bela.
Meu chefe rolou os olhos e precisei prensar os lábios para não rir.
Ele permaneceu em silêncio após o secretário sair, medindo-me, até que se
aproximou da cama e pegou um dos vestidos e um lenço.
— Este aqui — jogou para mim. — Vista sobre a roupa.
Eu respirei fundo, sem a menor paciência e me enfiei dentro do vestido de
qualquer jeito. Khalid se aproximou e ajeitou a roupa.
— Isso é um abaya simples. Uma espécie de roupão muçulmano. Pode ser
usado solto, por cima da roupa quando quiser sair. Outros, como aqueles ali
— apontou para as peças em cima da cama — são usados como vestido
mesmo.
Ele pegou um lenço cor de areia e envolveu meus cabelos com delicadeza.
Estava compenetrado enquanto amarrava, tão próximo que pude sentir seu
perfume de novo.
Khalid tinha cheiro de homem caro. Daqueles que usam gravata de seda
pura e fumam charutos cubanos. Era um odor refrescante e sedutor.
— Não precisa usar nada disso em casa. — Suas palavras fizeram cócegas
na minha boca de tão próximos que estávamos. — Nem em pontos turísticos
da cidade.
Lambi os lábios. Foi um gesto inconsciente, automático, mas não passou
despercebido. Khalid segurou o meu queixo e passou o polegar pela minha
boca capturando a umidade da minha saliva.
— Não me distraia, Isabela.
As palavras soaram como lixa. Ásperas, graves demais.
Ele chupou o próprio dedo e trouxe a boca até minha orelha.
— Você não quer sexo casual e eu não quero me envolver, então não
umedeça esses lábios na minha frente porque senão vou fodê-la com força até
que goze no meu pau.
Todo o meu corpo estremeceu. Disfarcei o início de um gemido limpando
a garganta.
— Deveria ser imune a mim — balbuciei —, já que não sou o que você
esperava.
Senti o seu riso no lóbulo da orelha que ele mordiscou, fazendo meu corpo
incendiar.
— E não é! Pela descrição da Melissa, eu esperava uma moleca feiosa,
insossa, inexperiente e irritante com seus dilemas fúteis, mas o que recebi?
Uma mulher que... — Khalid agarrou a minha nuca, com seus dedos
compridos. O polegar pressionou a minha laringe, como um aviso silencioso
do quão letal poderia ser, e desceu os olhos pelo meu corpo.
Arfei e ele se afastou.
Foi tão frustrante, tão... irritante! Fui do tesão ao ódio em segundos.
— Tenha em mente que está lidando com um homem, e não com um
moleque, Isabela.
Senti meu sangue ferver de raiva.
— Um homem apto a viver em sociedade ou um homem das cavernas?
Porque a diferença é gritante.
Ele estreitou os olhos sem entender.
— Que espécie de pergunta é essa?
— Um homem das cavernas acha que a mulher deve se comportar de
forma que não o provoque, pois a sua virilidade é incontrolável. São os
mesmos que dizem que a minha calça justa é um convite e a minha saia curta
um sinal verde. Sua mãe não te ensinou a respeitar as mulheres? A ter
domínio próprio e controlar seus instintos ao invés de culpar o meu gesto?
O rosto dele se fechou. Os olhos pretos e maus perderam qualquer sinal de
humanidade e pude sentir a frieza e crueldade da sua alma.
— Ela não teve tempo de me ensinar esse tipo de coisa — grunhiu baixo,
articulando cada palavra com perfeição. — Ela se suicidou quando eu tinha
14 anos.
Fechei os olhos com tanta força que vi borrões coloridos quando os abri.
— Khalid, eu...
— Arrume-se! Hálim vai te mostrar a cidade — rosnou antes de sair sem
permitir que eu me desculpasse.
Khalid

Claro que o estrupício do Hálim estava me esperando no corredor quando


saí do quarto. Ele nem se deu ao trabalho de esconder o sorriso.
Quer me desafiar, menina? Então se vire com os lobos!
— Ela é toda sua! — rosnei sentindo o ódio me consumir. — Seja o
amante dela se quiser. Ligue para Sumali e mande que vá direto para o meu
quarto hoje.
Hálim assentiu, mas o sorriso que esboçou pareceu menos feliz.
— Como quiser — disse antes de se virar e seguir pelo corredor na direção
oposta.
Merda! Por que aquela mulher me irritava tanto?
Isabela era o tipo de coisa nova com a qual eu ainda não sabia lidar. Nunca
tive namoradas e as prostitutas não precisam de nenhuma adulação ou
jeitinho com as palavras.
Precisava me concentrar para tratar a Isabela da mesma forma que eu
tratava a Melissa: com falsidade e fingimento.
Merda!
Passei a mão pelo rosto com força.
Estava cedo. Nem 15h da tarde e eu já estava ansioso para que voltassem.
Isabela

— Tem certeza que não preciso usar lenço na cabeça aqui?


Hálim soltou uma risadinha gostosa. Passeávamos pela orla de Mascate,
após uma caminhada no mercado.
O que mais me chamou a atenção em Mascate, a capital de Omã, foi a
arquitetura. As casas e os edifícios parecem pequenos castelinhos com suas
portas e janelas arcadas e sacadas com complexos desenhos geométricos que
mais pareciam rendas tecidas no concreto. Descobri que o antigo sultão havia
promulgado uma lei que proibia a construção de imóveis com mais de seis
andares e que as casas só podem ser pintadas de branco ou bege.
— Não, señorita. Apenas quando estiver perto das mesquitas, ou quando
for entrar em algumas lojas. Recebemos muitos turistas aqui na capital, já nos
outros vilaietes, os omanis são mais provincianos e eu recomendo que use a
shayla — explicou apontando para o lenço nas minhas mãos —, mas ao lado
do Ministro deve usar sempre.
— Tem outros tipos de lenço, não é?
— Uns cinco ou seis. O que muda é a amarração e o tamanho. Alguns
precisam de um aparato por baixo para que nem a orelha, pescoço ou queixo
fiquem à mostra. Outros cobrem até abaixo dos ombros. Dependendo da
região da Península Arábica, as mulheres só usam o lenço se forem
religiosas. Em Dubai, por exemplo, devido à quantidade de turistas, você
pode circular com suas roupas ocidentais sem problemas.
— Olha só, que legal. Estamos evoluindo.
Ele fez uma careta.
— Não exatamente. Não se iluda com Dubai, é um lugar perigoso para
mulheres desacompanhadas, aliás, qualquer país árabe é, mas aqui em Omã, o
Khalid e o Zaad mudaram muita coisa nesses últimos anos. Lutaram com os
conselheiros para implementar suas ideias e isso rendeu alguns inimigos
também.
— Religiosos, eu presumo.
— Fanáticos! E não hesitariam em assassinar toda a família Tharip.
Senti um arrepio frio atravessar meu corpo.
— Por isso o Khalid precisa se casar?
Hálim girou a cabeça de lado, como se não fosse tão simples.
— O Ministro precisa mais da señorita do que ele mesmo imagina.
Não sei se entendi, mas suspirei sem vontade de desvendar.
— Vai ter que me chamar de senhora daqui a uma semana — brinquei e o
vi morder o lábio inferior, como se achasse a perspectiva ainda mais
instigante.
O espanhol sorriu malicioso.
— Será sempre señorita para mim.
— O seu patrão não vai gostar de ouvir isso.
Hálim franziu o cenho.
— Khalid? Não. O chefe não é ciumento. Ele não se apega a mulheres.
Tem coração fechado.
— O que quer dizer com isso?
O espanhol hesitou. Continuou caminhando ao meu lado pela areia,
pensativo, até que soltou um suspiro.
— Vou te contar porque mais cedo ou mais tarde vai acabar vendo. — Ele
parou de andar e me encarou. — O Khalid costuma receber visitas íntimas.
— Prostitutas — completei neutra, como se para mim estivesse de boa. —
Ele comentou, mas coração fechado é muito forte. Não quer dizer que ele não
possa vir a se apaixonar por alguém.
Hálim meneou a cabeça.
— Ele já se apaixonou. Por isso todas as outras são apenas sexo.
— Ah!
Senti uma pontada de frustração. Foi mínima. Um pequeno incômodo só.
Eu tinha acabado de conhecê-lo, não me importava.
— E por que ele não se casa com a tal mulher?
Hálim negou com a cabeça e um sorriso no canto do lábio.
— Ela já é casada e... proibida para ele. Mas Khalid encontrou um jeito de
saciar seus desejos secretos.
— Proibida?
Engoli em seco. Um amor platônico é o pior de curar.
— Ficou triste?
— O quê? Não! Por que a pergunta?
— Seus olhos são muito expressivos, cariño. Um azul lindo e honesto —
disse segurando o meu queixo e o levantou. — Belíssima!
Hálim se aproximou, mirando a minha boca e eu me afastei.
Ele era delicioso, gentil, me deixou à vontade e me fez esquecer da
situação bizarra em que me enfiei, mas... não parecia certo.
— Desculpe. Sei que o casamento é de fachada, que o Khalid está
apaixonado por outra mulher, mas acho melhor não fazermos isso. Além do
mais, acabamos de nos conhecer.
Hálim sorriu concordando.
— Eu entendo, me desculpe. Fiquei deslumbrado com a sua beleza e
acabei me empolgando. — Riu um pouco envergonhado e coçou o queixo. —
Venha, vou te levar para jantar e assim podemos nos conhecer melhor.
— Esse é o seu jeito de dizer que não vai desistir?
— Exatamente, señorita!

— O jantar estava ótimo, Hálim. Obrigada — agradeci quando ele me


deixou em frente ao portão da casa de Khalid.
— Eu que agradeço pela belíssima companhia. Fazia tempo que não me
divertia tanto.
— Digo o mesmo.
Ele abriu um lindo sorriso.
— Não se esqueça que amanhã tem um compromisso logo cedo com o
sultão e na parte da tarde faremos compras.
— Verdade, você é meu secretário por enquanto.
— E você é a minha chefe.
O safado caprichou no tom sedutor e acabei gargalhando.
— Até amanhã — falei já me virando para entrar.
Os seguranças haviam aberto o portão assim que viram o carro do Hálim e
depois que entrei, tornaram a fechá-lo.
Atravessei o jardim até a porta principal imensa e branca sob o olhar atento
de todos eles. Tentei não me sentir esquisita, mas foi impossível. Era a casa
de um estranho que havia me comprado para ser a sua esposa.
Mas não era de verdade. Não estava fazendo nada errado saindo com
Hálim. Foi ele mesmo quem me mandou sair com o secretário, não foi? E
disse que eu poderia ter amantes porque ele já tinha suas prostitutas.
Então por que eu estava me sentindo tão mal?
Subi as escadas perdida em pensamentos e não percebi que ele estava
parado no corredor em frente à sua porta aberta até que falou comigo: —
Como foi a sua noite?
— Ai, que susto!
Ele continuou lá parado, me encarando. Não parecia irritado nem alegre.
— Foi boa — respondi nervosa. — Hálim me mostrou a cidade, a praia e
depois me levou para jantar.
— Gostou?
— Sim. A comida estava ótima.
— Eu me referi à companhia.
Hesitei.
Onde ele queria chegar com aquela pergunta?
Respirei fundo tentando não ser ríspida.
— Foi você quem mandou que ele me levasse para conhecer a cidade.
Poderia ter feito isso você mesmo, então...
— Por que está se defendendo? Não te acusei de nada. Minha pergunta foi
simples. Gostou da companhia?
Não respondi de imediato. Parecia um daqueles testes psicológicos em que
não importa a resposta, você já se ferrou.
— Hálim é uma pessoa muito agradável.
Khalid esticou o canto da boca no que deveria parecer um sorriso, mas
claramente não era.
— Ele fode muito bem, caso queira saber.
Oi?
Pisquei estarrecida.
— Ah! Claro. Por que não? Ele é um gato, muito gentil, e já que você disse
que ele fode bem, uau! Agora estou superinteressada! — debochei e vi sua
expressão indiferente se fechar.
As sobrancelhas quase retas se uniram no centro do rosto formando um
vinco e seu tórax passou a se mover conforme respirava mais fundo e pesado.
— Eu já disse que não me importo que tenha amantes — acrescentou entre
os dentes, fazendo muito esforço para soar neutro. — E se gostou do Hálim,
eu aprovo. Ele é discreto.
— Para! — Ergui as duas mãos fechando os olhos, cansada demais para
aquele papo tosco. — Não aconteceu nada entre nós, se é o que quer saber, e
nem vai. Já disse que não faço sexo sem compromisso.
Ele balançou a cabeça, como se avaliasse a minha resposta.
— Tudo bem, mas se mudar de ideia, prefiro aprovar seus parceiros
sexuais.
Minha cara de chocada deve ter sido engraçada, porque dessa vez, ele riu
de verdade.
— Eu só quero te proteger de babacas — completou passando um dedo
pelo canto do lábio.
— Olha — suspirei me aproximando —, você insistiu para que eu te
encarasse como chefe. Ok. Eu entendo. Mas não vem com essa de proteção
de repente porque não combina. Ou você é meu amigo, ou é meu chefe e,
pela conversa que tivemos, você já escolheu o papel de patrão escroto.
Khalid havia se encostado na lateral da porta aberta e cruzado os braços,
me olhando bem fixo. Ainda estava de terno, mas sem a gravata. Alto, forte,
com cara de malvado que fode com força.
— E se eu quiser mudar meu papel?
— Precisa parar de ser enigmático porque essa porra é chata pra cacete!
Um sorrisinho safado escapuliu pelo canto da sua boca rosada.
— Porra e cacete na mesma frase? — comentou mordendo o lábio inferior
e riu. Segundos depois ele descruzou os braços e fechou a cara. — Temos um
compromisso amanhã cedo. Melhor ir descansar.
Bipolar do inferno! Esse homem muda de humor como quem muda de
roupa. Vai me deixar doida.
— Sim, senhor — falei com voz de deboche e dei as costas para ele
murmurando insultos bem baixinho. — Escroto presunçoso do caralho!
— Isabela!
— Sim?! — Eu me virei encarando seus olhos escuros.
— Boa noite.
Seu olhar fulminante me deixou sem ar. Olhava-me de cima, com uma
intensidade tão feroz que senti vontade de me ajoelhar aos seus pés.
Ficamos nos encarando no corredor até que vi uma ruiva atrás dele,
totalmente nua.
— Estou ponta, Ministro.
Ele olhou por cima do ombro e abriu um sorriso perverso enquanto
fechava a porta.
Difícil descrever o que senti. Frustração talvez chegasse perto.
Khalid

O olhar decepcionado da Isabela me perseguiu por toda a noite. Só não foi


pior do que o incômodo que senti quando elogiou o Hálim.
Gentil? Um gato?
Mas que porra!
Meu sangue atingiu o ponto de ebulição em velocidade recorde e o alívio
que senti quando ela desmentiu sua provocação foi ainda mais assustador. Eu
ri de tanto nervoso.
Massageei o rosto me lembrando da sua expressão ao ver a Sumali. Uma
parte de mim gostou de vê-la decepcionada.
Esse sou eu, garotinha. Um fodido. Um monstro.
É melhor que me odeie mesmo.
Mal consegui foder a ruiva.
Sumali bem que se esforçou, mas eu estava desconcentrado. Depois de
demorar horas para conseguir o primeiro orgasmo, eu a mandei embora
ignorando a sua cara de surpresa.
Também não dormi.
Revirei na cama até as 4h e desisti. Às cinco da manhã eu costumava me
levantar para correr e malhar, então decidi que começaria mais cedo naquele
dia.
Fui até a cozinha para fazer um café, mas quando cheguei lá, Isabela estava
sentada numa das banquetas altas, segurando uma xícara como se fosse algo
precioso.
Merda! Está cedo demais para ver essa mulher dentro de uma camisola
minúscula.
— Bom dia — cumprimentei azedo. — Conseguiu usar a cafeteira?
Ela subiu e desceu os ombros.
— Claro, por que, não podia?
— Não, é claro que pode.
Ela suspirou aliviada e tomou um gole longo com uma espécie de sorriso
de satisfação nos lábios. Olhei para a cafeteira com desgosto. Parecia que até
meus eletrodomésticos se negavam a me obedecer.
— Fiz o bastante para nós dois — disse pacífica apontando para a bancada
e desconfiei.
— O que deu em você?
— Como assim?
— Estava me xingando de escroto presunçoso ontem e agora faz café pra
mim?
— Ah! Você ouviu? — Ela bebeu outro gole, escondendo o rosto na
xícara, mas vi suas bochechas corarem.
— Ouvi e não me importo, mas por que está tão boazinha?
— Ah, me desculpe se o meu bom humor matinal irrita você, vovozinho!
O que houve? A ruiva parecida com a Melissa não deu conta do recado?
Congelei. Não sabia o que responder e fiz menção de negar, mas era
melhor que ela soubesse logo a verdade.
— Achou que eu não perceberia? — Ela mantinha um ar de sabe-tudo
irritante.
— Agora parece você.
Ela estreitou os olhos azuis em formato de amêndoa.
— Ainda não me conhece o suficiente para dizer esse tipo de coisa. Qual é
a história? — perguntou dando de ombros. — Pode dizer, não vou contar
nada para ela. Não somos amigas.
Servi café na minha xícara e me sentei ao seu lado.
— Eu me apaixonei por ela assim que a vi em um baile, mas o meu irmão
chegou primeiro.
— Amor à primeira vista? — Ela bufou meneando a cabeça. — Achei que
não existisse.
— Eu nunca acreditei em amor. Estou apaixonado, é diferente. Sinto
atração, desejo, gostaria de transar com ela, mas amor? — Balancei a cabeça
fazendo uma careta. — Acho que não.
Isabela me lançou um olhar atento. Seus cabelos compridos estavam presos
em um coque no alto da cabeça, com alguns fios rebeldes caídos sobre os
ombros estreitos.
— Desculpe pelo que eu disse ontem sobre a sua mãe não ter te ensinado
sobre mulheres. Eu sinto muito.
Sacudi a cabeça como se não fosse nada.
— Você não sabia. Não precisa se desculpar. A minha atitude não foi...
respeitosa. Eu que peço desculpas.
Ela deu outro gole no café e me lançou um olhar curioso.
— O seu irmão sabe?
— Eu quero que ele se foda!
Isabela tentou reprimir uma risada e quase se engasgou com o café, o que a
fez gargalhar de verdade e eu acabei rindo junto. Era um som delicioso e
contagiante.
— Algum dia vai me contar o motivo desse ódio todo?
Encarei-a tentado, mas preferi mudar de assunto.
— A Melissa deve ter contado para o meu irmão sobre nosso acordo, então
não precisaremos fingir nada no encontro de hoje.
— O encontro com seu irmão, o sultão?
— Isso. Nervosa?
Isabela deu de ombros tomando outro gole de café. Os lábios grossos se
entreabriram beijando a xícara e a minha imaginação voou.
Como ela ficaria linda de joelhos recebendo o meu pau naquela boca
deliciosa.
Precisei fechar meus olhos e me concentrar para conter a fúria do meu pau
dentro da bermuda.
O que está havendo comigo? Sou a porra de um adolescente agora?
— O que foi?
— Nada.
— Você fez uma careta de dor.
— Fiz? — É o meu ovo que está doendo por sua causa! — Impressão sua.
Uma única foda não era o suficiente para aplacar o meu tesão. Eu
costumava foder de quatro a cinco vezes em uma noite e o único orgasmo
raso que tive naquela madrugada não chegou nem perto de me suprir.
Distraído, dei uma golada no café e quase me engasguei. Cuspi tudo.
Estava quente, amargo demais e me esqueci de adoçar.
— Porra! — ela gritou se levantando e o café escorreu pela camisola azul-
clara. — Por que cuspiu em mim?
— Desculpe, foi automático! Eu esqueci de adoçar.
— Mas que inferno! Está tudo sujo agora!
— Vou chamar a empregada para limpar.
— O quê? Tá doido? São 4h da manhã.
— E daí?
— A coitada deve estar dormindo, Khalid!
— Foda-se!
Isabela respirou fundo e foi até a pia da cozinha, abrindo e fechando
gavetas até que achou um pano.
— Eu limpo. Não precisa incomodar a coitada.
— Ela é paga pra isso.
— Não, ela é paga para cumprir uma jornada de trabalho e não para ser
importunada por um mimado que precisa de babá 24h por dia — palestrou
enquanto passava o pano pela bancada, mas eu o tomei dela e joguei no chão.
— Mimado, eu? Você não sabe o que está falando.
— Sei das suas atitudes desde que cheguei aqui! É um arrogante, egoísta e
grosseiro.
— Você se esquece de quem eu sou — rosnei a centímetros dela, com
dedo apontado para seu nariz.
— Ah, claro, o Ministro da arrogância. Você precisa plantar umas batatas
debaixo de sol para aprender a ter humildade.
— Você é impossível! Não consegue ter uma conversa sem brigar. Qual é
o seu problema?
— Foi você quem cuspiu o café todo em mim.
— EU JÁ PEDI DESCULPAS!
— Pois eu NÃO ACEITO!
Nós nos encarávamos furiosos, rostos quase colados quando mirei sua boca
e um fio de eletricidade me percorreu.
Essa filha da puta é tão linda!
Quis agarrá-la pelos cabelos e beijá-la à força. Eu quis, mas jamais faria
isso. Vendo minha fúria murchar ela me deu as costas. Pegou o pano do chão
e foi até a pia lavar.
— Eu faço isso — impus puxando o pano dela. — Fui eu quem fez a
bagunça.
— Não precisa, Khalid.
— Já disse que te ajudo.
— Soltaaa! — ela exigiu puxando o pano de volta da minha mão e
esbarrou na torneira ajustável que virou molhando nós dois.
— Fecha essa torneira!
— O que acha que estou tentando fazer?
Quando finalmente fechou a torneira, havia água para todo canto e
estávamos ensopados.
— Você é um desastre ambulante, menina!
— Foi você quem imitou a garotinha do Exorcista cuspindo café em mim e
eu sou o desastre? Estava limpando sua bagunça quando tentou tirar o pano
da minha mão.
— Ok, Dona da Verdade. Você não desiste, né?
— Nunca, Senhor Sempre Certo.
Tirei a camisa de malha encharcada e joguei dentro da pia.
— Vamos, vou te levar até o quarto. Vai acabar doente se continuar toda
molhada com o ar-condicionado cuspindo neve do jeito que está.
Estendi a mão para ela, pois o chão estava molhado e escorregadio e ela
segurou a minha mão hesitante. Subimos as escadas de madeira com cuidado,
deixando um rastro que mataria a empregada do coração.
Agora ela me chamaria de algo pior do que coisa ruim.
Levei Isabela até dentro do seu banheiro. Entrei no seu closet para pegar
uma toalha limpa e uma muda de roupa que entreguei a ela.
Seu rosto estava diferente quando a encarei. Séria, quase assustada.
— O quê foi?
— Posso te fazer uma pergunta?
— Já fez.
— Duas então — corrigiu e assenti revirando os olhos. — O que fez essas
cicatrizes em suas costas?
Desviei o rosto para a pia comprida.
— Chicotadas.
Ela arfou e eu estalei a língua incomodado.
— Como... por quê?
Não a encarei.
— Se precisar de mais alguma coisa me grita. Deixarei a porta do meu
quarto aberta.
Khalid – 25 Anos Atrás

— Você é um fraco — Gibrail gritou esbofeteando Zaad no rosto pela


terceira vez. — Chora por tudo.
— Não, por favor — choramingou tentando se proteger, o que apenas
acirrou a ira do nosso pai.
Os olhos de Gibrail se arregalaram e, comprimindo os lábios, ele encarou
Zaad com um olhar que me deu arrepios.
— TIRA A MÃO DA FRENTE! Apanhe como um homem!
Eu me sentia impotente e aterrorizado. Queria defender meu irmão, porém
não tinha coragem o suficiente para enfrentar a ira do nosso pai.
Quando Gibrail saiu da sala andando rápido eu sabia que voltaria com
algum acessório. Qualquer coisa que ferisse Zaad ainda mais do que suas
mãos nuas.
Não pensei muito. Segurei o pulso do meu irmão de 9 anos, e o arrastei
para fora de casa. Corremos pelos jardins como se o próprio demônio
estivesse atrás de nós e demos a volta por fora, contornando toda a ala Sul até
o corredor Norte, por onde entramos de novo no palácio e corremos até a
cozinha. Nós nos escondemos em um armário, sob o olhar piedoso da
empregada que não nos impediu.
Todos conheciam os ataques de fúria do papai.
Nós nos encolhemos, arfando pesado, o coração batia forte e rápido. O
rosto do Zaad estava vermelho dos tapas. Dava para ver os dedos impressos
em seu rosto.
— Para de chorar ou ele vai nos achar.
— Eu nã — fungou — ão — esfregou o nariz e quanto mais ele prendia a
respiração para reprimir o choro, mais soluçava — nã-ão con—ic-sigo.
Dessa vez o soluço entre as palavras saiu ainda mais alto do que o anterior
e quando ouvi os berros do velho eu mesmo tapei a boca do meu irmãozinho.
— Apareça, covardezinho! Eu vou te ensinar a ser HOMEM! O filho de
um sultão tem que aprender a ser forte!
Meu coração batia tão alto que fechei os olhos com medo de ser
descoberto.
Allah, me ajude, por favor! Não deixe meu pai nos achar!
O armário foi aberto com violência e me joguei sobre o meu irmão
instintivamente.
A chibata acertou minhas costas e eu gritei de dor.
Urrei o mais alto que pude na tentativa de afastar aquela ardência
lancinante e tive força apenas para empurrar o Zaad para longe dele. Sabia
que depois que cansasse de me bater, ele se acalmaria e não descontaria no
pequeno.
Zaad correu para fora da cozinha, mas eu não tive a mesma sorte. Allah
não me protegeu naquele dia.
O chicote chiou antes de estalar em minhas costas mais uma vez. As
pupilas dilatadas e as narinas abrindo e fechando eram indícios de que a sua
raiva estava longe de ser aplacada. A cada chibatada, enquanto eu reprimia os
gritos para não o irritar ainda mais, ouvia o couro zunir. Sabia que quanto
mais forte o ódio, mais rápido ele se cansaria, como um balão se esvaziando.
No oitavo açoite, ele abaixou o chicote que usávamos nos cavalos, arfando.
Não falou nada, mesmo percebendo que eu não era o Zaad e que tinha me
batido sem motivo algum. Apenas deixou o pedaço de couro escorregar por
entre seus dedos até o chão e saiu da cozinha caminhando lentamente.
Mamãe apareceu correndo e deu ordens às empregadas para que
trouxessem remédios e toalhas. Ela me abraçou com cuidado, chorando
muito.
— Desculpe meu filho, por favor, me desculpe por isso!
— Não foi culpa sua mãe, foi do Zaad!
— Não querido, seu irmão também não tem culpa do seu pai ser assim.
— Mas ele fica chorando, mãe. Ele sabe que o pai não gosta. E dessa vez
foi só de susto. O papai gritou e ele já começou a chorar.
Mamãe balançou a cabeça discordante.
— Seu irmão é mais sensível, só isso. As pessoas são diferentes, Khalid.
Precisamos entender e respeitar as diferenças.
Zaad surgiu na cozinha, soluçando, com um chumaço de gaze em uma mão
e arnica na outra.
— Eu queria ser forte como você — balbuciou encarando o chão.
As minhas lágrimas escorriam contra a minha vontade. Passei a mão pelo
rosto com raiva antes de tirar a camisa e sentir uma ardência horrível.
— Allah! — minha mãe exclamou pondo o tecido cheio de sangue de lado.
— Vai passar, meu menino corajoso. Vai passar!
Não entendia o motivo de tanto ódio. Não entendia porque ele só
conseguia se acalmar depois de bater na gente, mas desisti de tentar
compreender algum tempo depois.
Durante toda aquela semana Zaad fez curativos em mim, pedindo
desculpas e chorando baixinho enquanto limpava as feridas abertas com seus
dedos trêmulos.
Doía, mas era a minha alma que se rasgava cada vez que ele perguntava
por que Deus não nos ajudava, cogitando que não éramos bons o bastante
para que nossas preces fossem atendidas.
Nunca soube o que responder.
Com o tempo, desisti de orar.
Khalid — Dias Atuais

— Esses homens todos vão conosco? — perguntou brigando com o lenço,


tentando colocá-lo para trás, enquanto cortávamos os jardins em direção à
saída principal, para esperar o carro blindado.
— Sim. Dois em nosso carro e os outros no carro detrás.
Abri a porta traseira para ela e dei a volta, sentando ao seu lado. O
motorista também era segurança e ao lado dele, no banco carona, estava o
chefe da minha guarda pessoal.
— Você anda sempre assim, cercado de gente armada?
— É o procedimento normal. O presidente do seu país não tem
seguranças?
— Sim, porque o meu país é violento, mas aqui — ela olhou ao redor —
não parece tão perigoso.
— Omã não é tão violenta internamente, mas os países vizinhos não são
pacíficos. Um ataque é sempre uma possibilidade. O Iêmen, país que faz
fronteira com Omã, está em guerra civil desde 2014. Sabe o que significa por
acaso?
Ela ergueu as sobrancelhas e me encarou parecendo surpresa.
Bufei.
Certamente não devia saber nem o que significava o termo.
— Guerra Civil — ela repetiu e prensou os lábios como se escondesse o
riso. — Deixa eu adivinhar: problemas religiosos?
— Disputas por território e poder entre os xiitas[8], liderados pelo Irã, e os
sunitas[9], liderados pela Arábia Saudita.
Encarei-a esperando que perguntasse o que é xiita e quase ri.
— Não lembro de ter ouvido sobre essa guerra na imprensa — falou
meneando a cabeça.
— E nem vai ouvir. Não quando outros países não querem assumir que
financiam a guerra com armas e munição que causam o extermínio de civis.
Só em fevereiro de 2022 foram mais de 700 ataques aéreos na região[10].
— Achei que apenas os grupos terroristas se aproveitassem dessas guerras
nos países árabes.
Balancei a cabeça, desapontado.
— Grupos terroristas promovem atentados que, na maioria das vezes,
atingem civis, mas ninguém pergunta como armas de uso exclusivo do
exército americano, francês e até russo foram parar nas mãos de xiitas e
sunitas do Iêmen.
Isabela suspirou parecendo entediada.
— Ainda não entendi como isso afeta Omã, já que, segundo você, esse país
é como uma Suíça do Oriente Médio.
Massageei a minha têmpora sem a menor paciência.
— Omã tem economia baseada no petróleo e gás natural — resumi
irritado. — Não é óbvio? Além disso, tem o lucro que uma guerra traz.
— Lucro?!
— Sim, lucro. Só as empresas britânicas[11] já lucraram cerca de 27 bilhões
com vendas de armas à Arábia Saudita.
Isabela permaneceu em silêncio, me encarando, por vários minutos, o que
me deixou ansioso e bravo. Desviei o olhar para a janela do carro, mas não
consegui bloquear a sensação de seus olhos especulativos. Podia senti-los me
espetando, como se eu fosse um animal exposto em uma vitrine. Olhos de um
azul profundo, em formato de amêndoa, que lembravam os de uma raposa
esperta.
— Eu não sou ignorante — disse depois de algum tempo, baixo e devagar,
quebrando o silêncio constrangedor.
Encarei a pequena ardilosa com olhos estreitos. Ela tentava esconder um
sorriso debochado.
— Certeza? — inquiri permitindo que o tom ácido cobrisse as minhas
palavras como calda quente.
O sorriso dela se expandiu.
— Sei que o Iêmen fica no estreito Babelmândebe por onde fluem milhões
de barris de petróleo por dia e que é considerado muito importante para a
segurança alimentar global. Também sei que as disputas políticas que
acontecem há anos ao entorno do estreito têm motivações gananciosas e que
países como os Estados Unidos, China e Rússia têm financiado guerras e
tentado mascarar seu interesse. Controlar o estreito é ter o mundo nas mãos e
o Iêmen está no meio do tiroteio entre os cachorros grandes. Não sou burra,
Khalid! Sou formada em administração com ênfase em comércio exterior,
lembra? Estava no meu currículo, mas acho que você estava bêbado demais
de sua própria arrogância para imaginar que uma mulher pudesse estar ciente
dessas coisas. Uma informação, Ministro, garotas também entendem de
política.
Primeiro fiquei atordoado com o tanto que falou, com segurança,
mantendo um tom ameno. Depois, quando a minha ficha caiu, prensei os
lábios mastigando um palavrão e respirei fundo.
Um dos seguranças tossiu claramente disfarçando o riso no banco da frente
e senti meu rosto esquentar. Passei a mão pelo cabelo e aproveitei para fechar
os olhos com muita força, respirando fundo.
Merda! O que eu estava pensando?
Aquela mulher me levava a cometer erros infantis e a me comportar como
um adolescente exibicionista, como se esse período não tivesse passado há
mais de duas décadas.
— Eu tenho uma dúvida — falou com o riso dançando na voz —, se eu
fizer outra pergunta, vai me responder direito ou preciso coçar o meu saco
para que me respeite?
Fechei os olhos e respirei fundo pela décima vez. A minha paciência
derretia como sorvete no deserto.
— O que você quer saber? — perguntei entre os dentes e não precisei
encará-la para saber que estava sorrindo.
— Quantos funcionários você tem ao todo?
— Por que quer saber?
— Estarei dentro da sua casa, convivendo com eles. Acho pertinente.
— Oitenta e dois, contando com o Hálim — respondi de má vontade. —
Setenta e dois seguranças que se revezam em escalas de 24 horas de trabalho
por 48h de folga, quatro cozinheiras e seis faxineiras que revezam dia sim,
dia não, mais um jardineiro.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Tudo isso custeado com o dinheiro do povo.
Notei uma pontada de crítica em sua afirmação e um arrepio de ódio
escalou a minha coluna. Olhei para ela com tanta raiva que senti meu coração
dar solavancos dentro do meu peito.
— Está me censurando por ter muitos funcionários?
— É um gasto absurdo — falou com tanta calma que eu quase enfartei.
— Não temos setenta mil políticos em nosso país como em sua
maravilhosa democracia, Isabela. Só no seu Congresso Nacional o gasto é de
1,16 milhão por HORA. Mas olhe bem para as nossas ruas e veja se encontra
buracos no asfalto, lixo pela rua, mendigos ou casas caindo aos pedaços, isso
sem falar nos hospitais e escolas. Não há desemprego em Omã, sabia?[12] Mas
você faz alguma ideia do que aconteceria com o meu país caso a minha
família deixasse de governar? O povo iria sofrer com a corrupção novamente
e com líderes que só se importam com eles mesmos enquanto os doentes
morrem nas filas de hospitais sucateados.
A calma dela incitava a minha ira. Isabela mantinha um sorriso contido no
rosto e me perfurava com seu olhar enigmático.
— Você defende mesmo o seu país, não é?
A pergunta me puxou para baixo, fazendo o chão sob meus pés
desaparecer. Era estranha a forma como ela me olhava e aquilo me
incomodou.
— Por que se importa? — insistiu.
— É o meu dever.
Ela repuxou a boca, pensativa.
— Fala com tanta emoção, inflamado... Mesmo assim, exige que mulheres
andem cobertas. É difícil entender quem você é, Khalid.
— A vestimenta delas é um aparato religioso. Nenhuma mulher é obrigada
a se cobrir porque é árabe. Elas escolheram a religião e eu não tenho o direito
de intervir.
— Não sou religiosa, então por que tenho que usar esse lenço?
— Porque é noiva do Primeiro-Ministro e deve mostrar respeito.
Seus olhos se estreitaram, felinos.
— Está dizendo que hoje, em seu país, se uma mulher simples quiser
trabalhar e morar sozinha ela pode?
— No meu país pode! E servir ao exército também. Temos um conselho
igualitário e metade dos políticos são mulheres.
Isabela meneou a cabeça, mantendo o sorriso dúbio.
— Fala como se o seu país fosse melhor do que o meu, mas no Brasil eu
posso vestir um short ou uma calça justa e não serei julgada.
— As muçulmanas do seu país podem dizer o mesmo quando usam um
hijab em público? E as pessoas de religião afrodescendente, como o
candomblé, podem transitar nas ruas vestidos caracteristicamente sem
sofrerem discriminação? Ou no Brasil aceita-se apenas quem está de acordo
com a normalidade cristã?
— O que você quer que eu responda? — inquiriu mantendo a falsa calma.
— Quer que eu diga que alguns cristãos do meu país são fanáticos e
covardes? Sim, alguns são. Mas pelo menos no meu país o homossexualismo
não é crime como nos países árabes.
— Pare de se enganar, Isabela! Seus religiosos são tão intolerantes quanto
os meus. Xenofobia e racismo são proferidos como se estivesse na moda.
Todos os dias pessoas sofrem preconceitos e são mortas no seu país e você
quer apontar os defeitos do meu? Temos defeitos, sim, mas estou trabalhando
para melhorar isso.
Ela repuxou a boca, mexendo a cabeça como se concordasse, mas a sua
expressão era claramente de discordância.
— Você fala bem — elogiou seca.
Faço outras coisas bem também. Respondi mentalmente e acabei rindo
pela inconveniência do pensamento.
— O quê?
— Nada.
— Está sorrindo. O que foi?
— Nada — declarei sem conseguir segurar o riso e ela riu também,
influenciada.
A boca comprida, de lábios grossos se esticou e as bochechas pressionaram
os olhos, assumindo um tom rosado. Todo o rosto dela pareceu se iluminar e
eu perdi o fôlego.
Como pode ser tão linda?
Seu olhar desceu para os meus lábios e aos poucos o riso dela foi morrendo
também.
Umedeceu os lábios antes de falar e meu cérebro parou naquele
movimento.
— Acho que finalmente entendi porque você aceitou se casar mesmo não
querendo. — A voz dela saiu como um sussurro, repleto de algum sentimento
que não identifiquei. — Não é pela sua família. É pelo seu país.
Respirei com dificuldade. O ar parecia mais pesado de repente.
— Admiro a sua devoção — completou.
Fiquei surpreso, mas disfarcei. Meu coração acelerou sem motivo e
comecei a suar.
Virei o rosto para a janela, encarando a calçada quando paramos em um
semáforo.
Admiro. Coisa estranha de se dizer.
— Um gatinho! — gritou de repente e quase que meu coração explode.
Demorei a entender o que estava acontecendo e Isabela se debruçou sobre
mim para olhar pela janela. — Ahhh, que fofo!
— Um gato? Esse escândalo todo é por causa de um gato?
— Eu amo gatos! Olha! — Apontou. — Ele tá machucado. Não
podemos?...
— NÃO!
— Por quê?
— Primeiro, estamos indo para uma reunião importante, segundo, eu tenho
alergia a essa criatura do inferno.
Ela me lançou um olhar descrente e eu fiz um sinal para que o motorista
arrancasse.
— Você não tem coração, Khalid Tharip! Uma pessoa que não gosta de
gatos não é uma boa pessoa.
Olhei para ela com a cara mais debochada possível.
— Achei que eu mesmo já tivesse deixado isso bem claro.
Isabela cruzou os braços emburrada e eu suspirei. Como alguém poderia
ter duas facetas completamente opostas? Num minuto parecia tão madura e
no seguinte uma criança birrenta.
Ficamos em silêncio pelo resto da viagem.
Quando o motorista estacionou em frente ao Palácio Al Alam, ela desceu
do carro sem esperar que eu abrisse a sua porta, mas parou diante da
estrutura, boquiaberta.
O palácio era considerado um dos lugares mais lindos do mundo. A
fachada com detalhes em ouro e azul é circundada pelos fortes Al-Jalali e Al-
Mirani construídos no século XVI, pelos portugueses.
Uma relíquia arquitetônica.
— O que achou?
Ela me encarou sem palavras.
Sorri com sua expressão deslumbrada. Foi o suficiente para me deixar
feliz, assim, do nada. Mesmo com toda a ansiedade que confrontar o Zaad me
causava.
— Esqueci de dizer que o advogado preparou o contrato. — Puxei o
documento dobrado de dentro do bolso interno do paletó e entreguei para ela
que piscou algumas vezes encarando o documento. — Só precisa assinar.
Ela fechou os olhos e respirou fundo. Uma, duas, três vezes.
— Uma vida sem amor, aí vou eu.
— Amor não existe, Isabela. É só uma palavra que inventamos para
amenizar nosso medo da solidão.
Sua expressão contraiu quase como se eu tivesse lhe acertado um tapa.
— Amor existe, Khalid. Só que nem todos estão dispostos a pagar o preço.
— Tolice de jovens — retruquei revirando os olhos e ofereci o meu braço
para ela. — Vamos?
Ela deslizou a mão suavemente, enganchando-se em mim e um arrepio
percorreu meu corpo.
Trinquei os dentes.
— Khalid — sussurrou o meu nome causando um entrecorte em minha
respiração. — Sei que a gente não se deu muito bem de início, mas obrigada.
Eu realmente preciso do dinheiro.
Um misto de emoção fez o meu coração se contrair desconfortavelmente
enquanto caminhávamos. Pensar no tipo de necessidade que ela estava
passando me deixou emotivo.
— Enquanto eu viver, você nunca mais precisará de nada, Isabela —
prometi observando um sorriso tímido repuxar os lábios carnudos.
— Podemos ser amigos, de agora em diante? — Ela ergueu a sobrancelha
esquerda como se me desafiasse.
— Amigos — testei a palavra. — Claro, mas isso depende da sua ideia de
amizade.
— Platão define amizade como uma vontade entre duas pessoas de
colaborar com a felicidade um do outro — explicou me pegando de surpresa.
Ela deu de ombros. — Não foi com essas palavras, mas é isso. Eu te conto
meus segredos, você me conta os seus e nos ajudamos.
— Platão? — Abafei uma risada. Que tipo de mulher lia Platão? —
Entendi. Quer saber dos meus segredos? Isso pode custar a sua vida —
brinquei me divertindo com sua proposta.
— Meus segredos podem rasgar a sua alma.
— Tarde demais, garotinha. Minha alma já está rasgada.
— Não tanto quanto a minha — insistiu. — Você nem sabe da minha
história.
Verdade. De repente fiquei curioso para saber tudo sobre ela.
— Ok. Aonde quer chegar com isso?
— Uma noite por semana abriremos uma garrafa de vinho e colocaremos o
nosso pior para fora. As confissões mais horrendas e obscuras desentaladas à
base de álcool.
— Não vejo objetivo nisso.
— Claro que tem! — Ela me deu um tapa no ombro e eu ri. — Assim nos
conhecemos melhor e ainda matamos o tédio.
Meneei a cabeça hesitante e ao olhar para frente me dei conta de que já
estava a poucos passos da sala de reuniões do palácio.
A ansiedade se alastrou como um pulso elétrico.
— Ok — falei apenas para finalizar o assunto, mas senti quando ela
apertou o meu braço, satisfeita.
Zaad e Gibrail já estavam sentados no sofá comprido de seis lugares
quando entramos.
Meu irmão apontou para a tela do lap top em seu colo, e explicou algo para
meu pai que o deixou mais enrugado do que já era.
Tive um pressentimento ruim.
— Aqui está ela — anunciei forçando-os a me olhar. — Isabela Siqueira,
este é o meu pai e aquele ali meu irmão.
— Já não era sem tempo — Gibrail disparou fixando seus olhos na mulher
ao meu lado e se levantou contornando a mesinha de centro. — Olá,
mocinha. Seja bem-vinda! Você vai mesmo se casar com ele?
O velho estendeu a mão para Isabela que a segurou de pronto.
— Sim — respondeu firme arrancando um sorriso amplo do velhote.
— Allah finalmente atendeu às minhas preces.
— Não se iluda com esse sorriso falso — avisei seco. — Ele só se
preocupa em proteger seus próprios interesses.
— Eu quero que meus filhos se casem e me deem netos. Sou egoísta por
isso?
— Muito! Eu não quero me casar e está me obrigando.
— Não fale assim na frente da moça — repreendeu me lançando um olhar
patético, como se já tivesse se comportado como um pai de verdade antes. —
Não desanime, senhorita.
— Não irei — respondeu amável. — Não se preocupe, eu sou imune ao
mau humor dele.
Gibrail soltou uma risada autêntica e revirei os olhos.
Era só o que me faltava! A doida gosta de velhos.
— Eu só quero que ele seja feliz, minha jovem. É só isso.
— Certamente isso não acontecerá com um casamento forçado! — Estava
ciente da amargura na minha voz e de que parecia uma criança mimada, mas
não pude evitar.
Estava tão puto com toda aquela encenação que nem vi quando meu irmão
se levantou. Foi a sua voz que chamou a minha atenção. Ele usou o mesmo
timbre que usava para manipular a Melissa.
— Desculpe pelas circunstâncias. Sou Zaad, irmão do Khalid. — Ele
apertou a mão dela com um sorrisinho exagerado e vi os olhos azuis da
mulher que deveria ser minha amiga brilharem. — Melissa falou muito a seu
respeito, Isabela.
— Espero que ela não tenha destruído a minha imagem com suas
informações privilegiadas — rebateu colocando uma mecha do cabelo atrás
da orelha e Zaad girou a cabeça de lado, mostrando todos os dentes em um
sorriso amplo.
— Ouvi que você é inteligente, decidida, geniosa... os mesmos adjetivos
que fizeram eu me apaixonar pela minha esposa.
Mas que porra é essa?
— Não jogue charme para a minha noiva — avisei e Zaad me encarou
surpreso.
— Estou apenas sendo educado — frisou estreitando os olhos.
Ele não precisava completar a frase porque toda insinuação não dita estava
bem clara.
Maldito!
— Terminamos a inspeção? — perguntei impaciente. — Preparem as
festividades e documentos logo. Quero resolver isso em no máximo uma
semana.
— Darei entrada nos documentos necessários, fique tranquilo, mas antes,
temos alguns assuntos importantes para tratar a respeito do Iêmen. Sente-se.
— Zaad apontou para uma das poltronas da sala imensa do Palácio Al Alam,
mas eu não me sentei. — Isabela, fui informado pelo seu secretário de que
tem compromissos na cidade com ele, correto?
— Sim, na parte da tarde.
— Khalid, poderia pedir que o Hálim adiantasse a agenda dela para que
possamos conversar?
Encarei Zaad tentando não transparecer o incômodo que senti. Deixá-la nas
mãos daquele espanhol abusado não parecia uma boa ideia, mas puxei o
celular do bolso e digitei uma mensagem.
— Em vinte minutos ele estará aqui. Vou levá-la até a entrada — avisei já
pousando a mão em sua cintura e a conduzindo para fora.
— Posso pedir para Amira...
— Não! — cortei Zaad no meio da frase. — Já volto.
Caminhamos em silêncio pelo corredor interminável daquela casa que
ainda me causava arrepios por ressuscitar as piores lembranças da minha
vida.
A minha mão em suas costas, repousada na curva da sua lombar, deixou
todo o meu corpo consciente do seu calor corporal e da maneira como o seu
quadril rebolava ao se deslocar.
Ainda assim, preferia estar de pau duro a angustiado pelas lembranças.
O silêncio perdurou por todo o caminho e quando chegamos à entrada
principal, eu a puxei para mim.
— Me ligue se precisar de qualquer coisa.
— Não tenho seu número — sussurrou suave, me olhando de baixo para
cima.
— Peça ao Hálim — ordenei olhando dentro de seus olhos que
escorregaram pelo meu rosto até a minha boca.
Foram míseros segundos, mas o suficiente para me deixarem consciente do
que ela queria e meu corpo ardeu em chamas como se fosse um amontoado
de feno seco recebendo uma fagulha.
Mirei os lábios generosos e rosados sentindo minha boca se encher de água
de repente. Não sei direito o que eu estava pensando.
Não estava.
Inclinei o meu rosto sobre o dela num impulso desvairado quando
umedeceu os lábios, mas fomos interrompidos pela buzina do carro que
estacionou de repente, bem a nossa frente.
Inferno!
— Interrompi alguma coisa, chefe?
O infeliz saiu do carro rápido e abriu a porta do carona para Isabela, que
passou a mão pelos cabelos envoltos pela shayla e respirou fundo.
— Te vejo em casa mais tarde — falei baixo. Não foi uma pergunta, mas
aguardei uma confirmação, segurando-a pelo cotovelo.
— Claro.
Ela se aproximou e colou os lábios na minha bochecha.
Fechei os olhos absorvendo o calor, a demora, a força que imprimiu no
gesto.
Um beijo no rosto.
Foi só isso, mas para a ereção dolorosa entre as minhas pernas foi um
chamado visceral, que realinhou até os ossos do meu corpo.
Observei-a entrar no carro. Hálim fechou a porta logo após e piscou para
mim com um sorriso maldoso enquanto dava a volta.
— Sobre ela ser sua — falei rápido, relanceando o vidro fechado. —
Esquece! Mudei de ideia, entendeu?
Ele se debruçou sobre o teto do carro e sussurrou: — Nada disso! Você
desistiu. Mas podemos fazer uma aposta. O primeiro a transar com ela ganha.
Pelo que vi, ainda está no zero a zero, assim como eu.
— Ela é minha noiva!
— Fala sério, Khalid! Você conheceu essa mulher há dois dias. Esposa,
noiva, é só uma palavra. E se continuar desse jeito, estarão num
relacionamento antes que enfie um anel no dedo dela.
Uma sensação de aperto me fez massagear o tórax. O malandro escorregou
para dentro do carro e saiu cantando os pneus. Passei a mão pelo rosto
limpando o suor. Estava quente e o terno não ajudava. Peguei o telefone do
bolso e enviei uma mensagem:
Merda! O que está acontecendo comigo?
Khalid

— Os ataques na fronteira de Omã com o Iêmen pelo terceiro dia


consecutivo não são um fato isolado, Zaad. Isso pede uma resposta militar
organizada e dez vezes mais forte. É um teste, acredite.
Estávamos discutindo há horas e Gibrail já tinha se retirado para descansar.
Como a múmia velha que é, não suportava longas discussões, por isso
renunciou ao sultanato e coroou Zaad.
Mesmo doente, o desgraçado não morria. É tão ruim que nem ash-
Shaitan[13] o quer no Jahannam[14].
— Não temos como ter certeza até que alguma organização terrorista se
manifeste, Khalid. Pode ser obra dos grupos separatistas do Iêmen e não vou
me envolver nessa guerra. O custo para a população será muito alto.
— A população já está pagando um preço alto. Os ataques aos vilaietes
estão deixando mortos e feridos. O Estado Islâmico já nos ameaçou antes.
— Eles não escondem suas intenções e isso me faz pensar que não foram
eles porque não assumiram a autoria. Não houve nenhum comunicado,
nenhuma exigência ou ameaça.
Bufei indignado.
— Cinquenta mortos, trinta omanis desaparecidos e não faremos nada?
— Até saber quem fez isso e o que pretendem, não. — Zaad passou a mão
pelo rosto parecendo cansado. — O serviço de espionagem precisa de mais
tempo e informações. Temos muitos inimigos e uma atitude impensada pode
decretar a morte dos reféns.
— Sabe o que penso sobre isso. Quando matam dez dos nossos, matamos
cinquenta deles. Essa é a resposta que manterá nosso povo seguro.
— Antes de chegarmos a isso, tentaremos negociar — declarou calmo e
afundei na cadeira, inconformado. Negociar quando já derramaram o sangue
do nosso povo é declarar covardia e medo. — Enviarei diplomatas para
negociar uma ajuda humanitária ao Iêmen em troca dos reféns. Como anda o
seu francês?
— Razoável.
— Ótimo. Consegui uma audiência com o chanceler para daqui a alguns
dias. Precisa negociar medidas mais efetivas no controle de vendas de armas
para os sauditas.
— Posso tentar, mas se não amarrarmos a Inglaterra nesse acordo, será
inútil.
— Viajo para lá amanhã. Quando eu voltar, você vai para a França. Não
quero deixar o país com líderes que não sejam da nossa família.
Balancei a cabeça assentindo.
— Está desconfiado de alguém do conselho?
Zaad estava sério e não me respondeu de pronto.
— Tenho algumas suspeitas, mas nada concreto. — Ele soltou uma lufada
de ar e entrelaçou os dedos das mãos em seu colo. — Já informei ao Tessalah
que não vai se casar com a filha dele.
Dei de ombros. Aquele assunto sempre me deixava puto.
— Seria burrice da parte dele se já não tivesse imaginado.
— Ele não gostou.
— Foda-se! Aquele infeliz está de olho no sultanato há muito tempo. Já
tivemos muita paciência com suas conspirações dentro do conselho.
— Tessalah é só um velho rabugento. Um fanático religioso que odeia o
progresso, mas é inofensivo.
Forcei uma risada sarcástica.
— Você sempre subestima seus adversários. E no final das contas sou eu
que levo nas costas.
Levantei rápido. Aquela conversa já estava terminada e eu não tinha mais
estômago para ficar ali.
— Não foi culpa minha, eu já disse.
— Já conversamos sobre isso, Zaad. Minha opinião continua a mesma —
gritei já distante.
Andar por aqueles corredores me causava dores no estômago. O Palácio Al
Alam foi a nossa casa desde sempre. Aqui nascemos, fomos criados por um
homem com transtorno de personalidade em uma época em que a terapia não
era bem-vista e com fanáticos religiosos que diziam que bastava se ajoelhar e
orar que Allah curaria qualquer doença.
Uma combinação de fatores que levaram tanto o meu pai quanto o meu
irmão para a beira de um precipício, mas quem se jogou foi a minha mãe.
Quase três décadas depois, já acreditando na ciência e medicina, eles têm
uma vida quase normal.
Às vezes eu sinto que fui o único a ficar com marcas.
Sempre que vejo o meu irmão com sua família, brincando com o filho no
jardim, sinto um nó na garganta.
Eu tento não me sentir invejoso e amargo, mas é difícil.
Zaad é o que se chama de um Borderline Convencional. Tanto ele quanto a
Melissa fazem tratamento porque não é só quem sofre pelo transtorno que
precisa de ajuda. Quem se relaciona com essa pessoa também.
Isabela

Ainda estava com o sabor da loção do Khalid nos meus lábios e percebi
com minha visão periférica que Hálim sorriu ao me ver tocá-los.
Disfarcei, coçando a boca.
O celular dele emitia bips constantes de notificação que ele ignorou.
— Onde estão os seguranças?
— Eu sou o seu segurança hoje, minha Bela. — Hálim abriu o paletó e
mostrou a arma em sua cintura. — Pode confiar. Sou excelente atirador.
Ergui as sobrancelhas.
— O Khalid vai ter um treco — comentei imaginando que aqueles milhões
de mensagens chegando ao celular deviam ser do nosso chefe.
Hálim sorriu enquanto fazia uma curva suave.
— Gosto de quebrar a rotina dele.
— Você é doido! Então, para onde vamos?
— Fazer compras em Ruwi, o centro comercial de Mascate. — Ele olhou
para o retrovisor enquanto mudava de pista. — Estou animado para vê-la
experimentando todos aqueles vestidos.
— Sou seu experimento pessoal, não é?
— Quase um pet. — As provocações do Hálim nunca soavam grosseiras.
Tudo desde o seu tom ao sorriso contagiante deixavam evidente sua
personalidade espirituosa.
O descarado provavelmente tentaria me espiar dentro do provador se eu
deixasse e por alguns segundos a ideia me atiçou.
A Isabela Vagabunda não vencerá hoje. Avisei-a mentalmente e quase
pude ouvir seu muxoxo.
— Está muito calor — comentei me abanando. — É sempre assim por
aqui?
— Sempre. O verão propriamente dito vai de abril a outubro e chega a
50°C, mas a señorita tem uma piscina em casa. Podemos tomar um banho na
volta, que tal?
Gargalhei quando ele ergueu as sobrancelhas, sugestivo.
— Você não perde uma oportunidade. — Balancei a cabeça reprovando
seus esforços, mas achando divertido ao mesmo tempo.
— Gosto de manter o sonho vivo.
Apesar do clima descontraído, percebi que Hálim estava aumentando a
velocidade cada vez mais e quando o carro cantou os pneus em uma curva,
me preocupei.
— Melhor ir devagar, piloto!
O espanhol prensou os lábios e meneou a cabeça. Sua expressão se
inundou de uma preocupação que ele não conseguia mais disfarçar.
— Não se assuste, cariño, mas estamos sendo seguidos.
A coisa mais inútil de se dizer é não se assuste, porque o efeito é
totalmente contrário.
— Segure-se! — A ordem foi rápida e ele acelerou na curva. — Vou pegar
um atalho.
Meu coração já batucava como um louco quando Hálim atravessou três
pistas de uma só vez, pegando a última saída à direta enquanto eu gritava
como uma garotinha.
O carro que estava atrás de nós passou direto pela saída, mas freou
bruscamente fazendo os pneus cantarem alto. Hálim acelerou dobrando à
direita e depois à esquerda e se enfiou em um vilarejo de ruas estreitas.
— Vou chamar a polícia. — Peguei o aparelho, mas uma manobra
repentina o fez voar da minha mão, escorregando para baixo do banco. —
Merda!
Eu me tremia inteira de tanto nervoso.
— Fica calma, eu já despistei.
— Como eu posso ficar calma? Por que alguém estaria nos seguindo?
— Você vai casar com um político que combate o extremismo religioso
num país árabe, gatinha. A família Tharip já foi jurada de morte pelo Estado
Islâmico. O que pensou?
— Eu sei lá, PORRA! — A verdade é que não pensei. Eu me concentrei no
dinheiro, na saúde debilitada do meu pai e na minha necessidade de ter um
teto sobre a minha cabeça. — Meu Deus, perdoa as minhas putarias! Eu me
masturbava pra não fornicar com homens escrotos. Era por um bom motivo!
Fiz o sinal da cruz três vezes e uni as mãos.
— O que está fazendo?
— Rezando. Se chegou o meu fim, eu quero pelo menos tentar não ir
direto pro inferno. Minha Nossa Senhora das Vagabundas que Não Cobram,
se eu sair viva dessa vou à missa no domingo.
— Essa promessa não vai adiantar — Hálim avisou pouco antes de uma
banquinha de frutas ser atropelada quando ele subiu a calçada para desviar de
um carro. — Não tem igreja católica em Omã.
Tínhamos tomado uma dianteira grande e o carro que nos seguia sumiu do
retrovisor. Muitos quarteirões depois, seguimos por uma estrada de terra.
Ele dirigiu por quase vinte minutos em silêncio até que soltou todo o ar dos
pulmões quando chegamos à Corniche, rua que beirava a praia.
— Eu juro que isso não acontece sempre. — Seu tom foi como se pedisse
desculpas. Ele apertou o meu joelho carinhosamente quando estacionou em
frente a uma loja chique. — Estou impressionado. Você se controlou muito
bem.
Olhei para ele ainda abalada.
— Estou toda me tremendo, Hálim. — Mostrei as mãos com dedos abertos
e ele segurou ambas e beijou os meus dedos, repetidas vezes.
— Relaxa, está tudo bem. Vamos comprar algumas roupas e deixamos a
visita à loja da Melissa para outro dia. Fiquei sabendo que você não é muita
fã dela.
Continuei encarando o painel do carro, meio aérea. Meu coração ainda
batia forte.
Hálim me puxou para um abraço e beijou o topo da minha cabeça.
— Está tudo bem, eu prometo. Vou ligar para o chefe da segurança e em
alguns minutos teremos um carro extra aqui para te proteger — garantiu
acariciando as minhas costas e eu assenti me ajeitando novamente no banco
do carona enquanto ele enviava mensagens no celular.
Hálim ainda estava digitando quando o celular dele tocou.
— Oi, chefe.
A voz do Khalid soou estridente através do aparelho.
— Quem foi? Viu a placa?
— Não tinha placa. Era um sedan branco, filmado. Não consegui ver nada
— informou e Khalid falou alguma outra coisa, mais baixo dessa vez. —
Estamos em frente a uma loja aqui em Ruwi.
Ele me lançou uma olhada e piscou para mim.
— Ela está bem. Não, já disse, está bem.
Nos minutos seguintes ele apenas ouviu calado. Hálim passou o nome da
rua e número da loja antes de desligar.
— Vamos entrar. Os seguranças já estão chegando.
Descemos do carro e eu tive dificuldade de ficar em pé porque minhas
pernas estavam bambas, então me apoiei no carro preto e respirei fundo.
Hálim passou a mão pela minha cintura e sustentou o meu corpo, me
puxando para ele.
— Acho que...
— Tudo bem — me cortou e plantou um beijo no meu pescoço.
O arrepio me fez rir.
— Madre de Dios! Eres muy fragrante[15] — disse com um sorriso
obsceno.
— Não sou tão cheirosa assim. — Eu o empurrei de leve. — Vamos entrar
logo.
A loja era ampla. Nos fundos havia uma única cabine de frente para um
conjunto de sofás cor de areia e um espelho enorme.
Hálim sentou-se em um deles, de dois lugares, abrindo os botões do terno
cinza elegante e cruzou as pernas. Sua expressão de ansiedade, como se
estivesse prestes a assistir a algum show, me fez relaxar.
A vendedora muito simpática tomou nota de tudo o que ele pediu e
retornou com um copo de água que bebi quase todo.
— Você é quem vai escolher as minhas roupas?
— Apenas as formais que precisará usar em Omã para solenidades e
passeios — respondeu muito seguro de si. — Na loja da Melissa veremos o
vestido de casamento e outras peças que poderá usar no Ocidente.
— Pensei que ela só fizesse vestidos de noiva.
— A loja expandiu esse ano e tem feito muito sucesso entre as
celebridades e princesas árabes. Até nosso turismo aumentou com tantas
mulheres vindo aqui só para comprar na boutique Haya.
Eu já tinha ouvido esse nome no escritório da Melissa.
A vendedora voltou com algumas peças e me puxou para a cabine
perguntando quanto eu calçava e que tipo de salto preferia.
O primeiro vestido era um tomara que caia dourado velho, longo até a
altura do meu tornozelo e justo no corpo, com uma fenda curta atrás, apenas
para a movimentação das pernas. Havia uma sobreposição quadrada para ser
amarrada no pescoço que cobria toda a extensão dos braços.
Infelizmente o espelho ficava fora da cabine e não tive escolha.
A vendedora estava do lado de fora e sorriu erguendo um par de saltos
altíssimos, da cor do vestido.
Hálim se levantou e desamarrou a sobreposição.
— Quando não estiver em Omã, pode usá-lo sem isso.
— Tem certeza?
— Acha que um americano ou francês irá notar seus ombros à mostra?
Suspirei alisando o quadril marcado pelo vestido.
Fiquei tão focada no que não poderia usar que me esqueci de tudo o que
me seria permitido.
— Separe este junto com os sapatos que iremos levar — Hálim informou
para a vendedora e invadiu a cabine. — Esse aqui é o próximo.
— Acho que você está mais empolgado do que eu.
— Certamente, señorita. É uma experiência nova.
O vestido que ele separou era um longo vermelho vivo. A manga esquerda
era solta enquanto a outra era colada, de tecido fino com pedrarias cor de
prata desde a gola alta, abraçando o ombro e braço direito até o pulso.
Acinturado, mas a saia se abria bem solta até os pés. Um caimento ótimo e
levinho.
— Gostei — falei assim que saí da cabine e Hálim me encarou som um
sorriso melancólico. — Achei elegante e não é tão quente.
— É perfeito! Leve este para a França, por favor — pediu fazendo uma
reverência.
Ainda estava admirando o vestido quando vi o par de olhos demoníacos
pelo espelho.
Meu coração escorregou para o estômago de susto.
Khalid se aproximou com uma das mãos dentro do bolso da calça social, o
paletó aberto e colete fechado. Pegou a ponta da manga testando a maciez do
tecido entre seus dedos com uma expressão muito séria que me fez engolir
em seco.
— Esta cor fica ótima em você.
— Ah! — Deus do céu, como esse homem me deixa tensa. — Que bom.
— Você está bem?
Sacudi a cabeça freneticamente me lembrando que o tinha beijado na
bochecha como uma adolescente apaixonada que esgotou as tentativas de
mostrar para o crush que estava prontinha pra ser agarrada, horas antes.
Merda! Este país está me fazendo regredir.
— Vai precisar de ajuda com o fecho — disse deslizando a mão da base da
minha coluna até a nuca.
Mesmo por cima do tecido, senti a minha pele queimar como se brasas a
estivessem percorrendo.
— Verdade — minha voz soou tão ridícula e carente que a feminista que
habita em mim ameaçou tacar o livro da Clarissa Pinkola Estés na minha
cara. Limpei a garganta e ajeitei a coluna —, mas acho que posso me virar.
Khalid fechou a mão que estava na minha nuca, me conduzindo para
dentro da cabine, e deu um puxão na cortina.
— Descobri que existem muitos tipos de amizade no seu país, Isabela —
disse esfregando a boca na minha bochecha até a orelha. A barba espetando-
me provocativa arrepiou todo meu corpo. — Colaborar com a felicidade do
outro pode ter muitas vertentes. Posso tornar isso muito prazeroso se quiser.
Um arrepio quente escalou a minha espinha reverberando pelos meus
braços. Aquele homem falando grave, cuspindo ameaças sensuais mexia com
minha fisiologia.
Khalid me imprensou contra a parede, mantendo meu pescoço refém da
sua mão larga e com a livre, acariciou a minha cintura. Passou da carícia para
um aperto, lentamente, deixando clara a sua medida de força, como se
quisesse me mostrar o quão delicioso conseguia ser. O rosto a centímetros do
meu esperava alguma espécie de sinal verde.
É impressionante como a adrenalina nos faz pensar rápido. Ao mesmo
tempo que me imaginei pulando em seu colo e abrindo as pernas, calculei os
danos que isso causaria em nossa relação esquisita.
— Não foi a esse tipo de amizade que me referi — tratei de deixar claro.
— Você entendeu errado!
— Entendi? Então não beije o meu rosto como se quisesse chupar o meu
pau — grunhiu com a boca a centímetros da minha, soprando o hálito de
hortelã no meu rosto.
— Não pensei — me interrompi absorvendo o cheiro dele, tentando
imaginar seu gosto e meus olhos se fixaram nos lábios entreabertos — no seu
pau.
— Então no que pensou? Na minha boca? Quer um beijo para matar a sua
curiosidade?
Não consegui raciocinar. Ele me encarava como um animal prestes a
perder o controle, mantendo-me presa pelo pescoço e com o peso do seu
corpo me apertando contra a parede. Empurrou o quadril contra a minha
barriga lentamente, me fazendo sentir sua ereção. Todas as minhas células
gritaram sim, apesar de saber que deveria negar. Não tive forças para negar e
ele tomou o meu silêncio como resposta.
Sua boca cobriu a minha com uma fúria alucinante. Firme e molhada,
típica de animal sedento. A língua quente invadiu a minha boca com fome,
tocando o palato, chocando seus dentes com os meus, enquanto as mãos
percorriam todo o meu corpo, frenéticas.
— Hum... — gememos juntos, um engolindo o tesão do outro.
Buscávamos mais contato, mais calor, num duelo agressivo e eu queria
mais. Queria senti-lo por inteiro. Era como se aquele homem tivesse sido
criado para me completar porque no momento que provei seu gosto a reação
química se alastrou por todas as minhas células.
Khalid chupou meu lábio com tanta força que o feriu e fiz o mesmo nele,
tão feroz quanto, tão excitada como jamais estive.
Suas mãos ampararam meus seios, segurando-os como taças, e ele roçou o
polegar no bico rígido espalhando uma quentura que atingiu meu baixo
ventre.
Sua ereção contra a minha barriga mostrava o quanto me desejava, mas ele
se afastou.
Arfei sentindo meu corpo reclamar. Minha entrada pulsava de excitação
enquanto ele me encarava com o rosto contorcido, como se estivesse lutando
contra si mesmo.
— Espero que tenha matado a sua curiosidade, Isabela — disse ajeitando a
gravata e olhou para si mesmo. Estava completamente bagunçado e só então
percebi que o toquei com tanta ansiedade quanto ele. — Acho que é você
quem precisa decidir qual papel terá nessa amizade. — Riu desafivelando o
cinto.
Meu coração disparou diante da sua arrogância. Odiava me sentir daquele
jeito.
Ele desabotoou a calça e puxou a camisa de volta ao lugar, se arrumando
lentamente enquanto me lançava um olhar debochado.
Prensei os lábios e senti o gosto de sangue junto com a fisgada.
Passei a mão pelo rosto e bufei irônica.
— Precisava me babar inteira? Os adolescentes do meu país fazem menos
bagunça com um beijo.
Ele parou o movimento refletindo sobre as minhas palavras e estreitou os
olhos.
— Não finja que não gostou.
— Gostar? — Revirei os olhos. — Quem disse que eu queria beijar você,
pra começo de conversa? Você deduziu isso sozinho. Mas tudo bem, já
entendi. Não serei gentil ou amigável novamente para evitar mal-entendidos.
Ouvi seus dentes rangerem, mas ele ergueu o queixo, ainda mais orgulhoso
do que eu.
— Vira — mandou enquanto terminava de afivelar o cinto.
— O quê?
— Vou abrir o seu vestido, Isabela.
— Eu não vou...
— Fica calma — ordenou baixo aproximando a boca do meu pescoço e me
arrepiei inteira de novo. Khalid deu um puxão no meu braço e me fez girar,
ficando de costas para ele. Arfei. — Não vou te foder ainda. Por enquanto,
serei o que você quer...
Delicadamente ele deslizou o zíper até a base da minha coluna e acariciou
o caminho de volta com a ponta dos dedos.
Respirei tão fundo que meus pulmões queimaram.
— ...um amigo — completou a frase suspensa.
Demônio!
— Experimente o rosa — pediu com o riso dançando na voz grave antes de
sair do provador. — Combina com seu tom de pele.
Eu estava perdida. Aquilo jamais daria certo. Já havia tantos problemas
envolvidos naquele casamento de conveniência e Khalid querendo sexo
casual me afligia de formas que eram impossíveis de explicar.
Eu não podia voltar àquele comportamento destrutivo, esmolando carinho
de alguém que só queria gozar em mim e virar as costas. Minha sanidade
mental não suportaria. E como se não bastasse, em oposição ao ogro, tinha
Hálim e suas investidas galanteadoras que me faziam derreter.
Demorei um bom tempo dentro do provador respirando fundo até recobrar
algum mísero equilíbrio e continuar experimentando as roupas que Hálim
escolheu.
Quando saí da cabine, Khalid já tinha separado mais um tanto de
combinações que jogou na cabine e sentou-se confortavelmente me
encarando com olhos de águia.
Hálim sorria sem tirar os olhos de mim e decidi que fingir que estava tudo
bem, que nada havia acontecido, era o caminho menos enlouquecedor.
Perdemos horas naquela loja. Experimentei uma infinidade de outras
roupas, lenços e sapatos. A vendedora me ensinou a prender os malditos
panos na cabeça com prendedores bem fininhos e quando saímos da loja,
estava levando quase toda a coleção.
Havia mais de dez seguranças na porta da loja e isso me causou aflição,
mas Khalid deslizou a sua mão pela minha e apertou forte, como se quisesse
me dizer que estava tudo bem.
Senti uma coisa estranha na boca do meu estômago. Era como se mil
borboletas batessem asas naquele pequeno espaço.
Não viaja, Isabela! Esse homem está apaixonado pela cunhada. Uma
mulher que não tem absolutamente nada a ver com você. Tudo o que ele quer
é sexo e vai te descartar logo depois. Não caia nessa, sua trouxa!
Quando vi a prostituta ruiva e baixinha, tão parecida com a Melissa,
lembrei das palavras do Hálim sobre a mulher que Khalid amava ser casada e
proibida para ele. Não foi difícil deduzir o resto e quando joguei verde e ele
admitiu, senti um nó em minha garganta.
Mas quando ele tirou a camisa molhada na cozinha e vi tantos músculos e
um abdômen engomado à perfeição, simplesmente me esqueci do buraco
profundo em que estava me atirando.
A visão me perturbou, mas não tanto quanto as cicatrizes em suas costas.
Revirei na cama a noite inteira, me perguntando quem teria feito aquilo e
por quê.
— Ei — falei estancando em frente a uma perfumaria, na mesma calçada
da loja que havíamos saído. Na vitrine, um perfume francês caro me chamou
a atenção. — Posso comprar uma coisa antes de irmos embora?
Khalid franziu as sobrancelhas daquele jeito sexy que o deixava com cara
de bravo.
— Claro. — Ele entrou na loja comigo, olhando ao redor. — O que você
quer?
— Deixa comigo. — Puxei minha carteira sentindo o meu coração
disparar. Era estranho e até constrangedor usar o dinheiro que ele tinha
depositado na minha conta, mas respirei fundo. — Por favor, eu queria aquele
que está na vitrine — pedi para a vendedora que ainda estava assustada,
encarando o Khalid e ela assentiu meio trêmula.
Ele se afastou, nos deixando à vontade e foi olhar as prateleiras. Havia
arranjos com perfumes, loções e outros itens organizados em caixas bonitas,
como sugestão de presente.
Meu coração batia rápido, tão besta, só porque eu finalmente compraria um
perfume daquele para meu uso pessoal. Sempre adorei a fragrância, mas
nunca imaginei que algum dia eu gastaria tanto dinheiro em algo tão
supérfluo.
Burguesa safada! Recriminou a minha consciência feminista e assalariada.
Olhei ao redor esperando a moça embrulhar meu item caríssimo e vi um
ursinho de pelúcia grande, bege-claro, tão fofo que suspirei.
Imagina ser tão sortuda um dia a ponto de ganhar um negócio desses de
presente?
— Gostou? — Khalid me assustou com a pergunta. Fiquei sem graça e
apenas assenti. — Eu vou levar esse aqui — informou à vendedora que não
poderia ter os olhos mais arregalados.
— O quê? Não! — Eu me embolei em minha própria negação, mas fui
ignorada.
— Posso colocar na mesma nota, Ministro? — A voz da jovem era um
fiapo.
Mas, gente? Será que a coitada precisa da venda ou está impressionada
com ele?
— Não. Esse aqui eu mesmo vou pagar.
A vendedora esboçou um sorriso mais apavorado do que outra coisa e
tratou de embrulhar o bicho de pelúcia.
— Você não precisava fazer isso — comentei torcendo a mão uma na
outra.
Mas que droga, Isabela! Por que está tão afetada?
Endireitei a coluna e respirei fundo disposta a recusar, mas antes que eu
pudesse fazer alguma grosseria, a moça voltou com as duas sacolas e
entregou uma para mim e outra para o Khalid. Agradecemos e saímos da loja
em silêncio, exceto pelo meu coração que fazia um estardalhaço dentro do
meu peito.
Khalid abriu a porta do carro para que eu entrasse e sentou-se ao meu lado
no banco de trás enquanto Hálim assumia a direção e um segurança ocupava
o lugar do carona.
— Aqui — falou baixo e sério me entregando a sacola. — Meu primeiro
presente para você. — Ele aproximou o rosto do meu para falar ao meu
ouvido. — Quando eu te irritar, e saiba que eu vou, tem permissão para
descontar nele.
Prensei os lábios tentando não sorrir, mas foi inútil.
— Obrigada. — Olhei dentro dos olhos escuros quando ele se afastou. —
Farei isso.
— Algum compromisso na agenda da minha noiva para hoje?
— Não, senhor.
— Então vamos para casa.
Khalid

— Não ligo para a opinião do Zaad — rosnei pela segunda vez. — Aquele
babaca não faz o que é preciso e alguém tem que sujar as mãos, Hálim.
Ele passou a mão pelo rosto andando em círculos dentro do meu quarto. Eu
estava cansado. Tinha ido à França e voltado no mesmo dia com meia dúzia
de promessas, o que não resolvia nossos problemas.
— Eu só falei que ele está certo em esperar. Precisamos saber se essa
empreitada é pessoal ou contra o sultanato. Eu já avisei o serviço de
inteligência e reforcei a segurança, mas vai levar algum tempo até
conseguirmos informações relevantes.
Aquela situação era muito frustrante.
— Alguém está tentando te mandar um recado — Hálim acrescentou. —
Quem você acha que poderia ser?
— Tessalah, é lógico! Ele sempre me perseguiu.
— Só uma desconfiança não convencerá o conselho. Precisamos reunir
provas.
Encarei-o pensativo.
— O que está sugerindo?
Hálim parou de fazer os círculos que já estavam me enlouquecendo e
sentou-se na cadeira.
— Provocá-lo. Sabe que ele odeia suas ideias modernistas e seu
comportamento ocidental, então, vamos dar a ele um combo de tudo o que ele
tanto despreza.
— Creio que o meu casamento com uma brasileira pobre já esteja
constipando o suficiente aqueles intestinos.
— Precisa estampar os jornais de Omã e do mundo com o amor de vocês.
Vamos encomendar notícias sobre o seu casamento — aconselhou, mas o
meu pensamento foi um pouco mais longe.
Não costumo ir à boate de Omã para não levantar falatório. A população,
por mais simpática à minha política, ainda é moralista. Não importa se todos
os homens da cidade frequentem o mesmo lugar, o Primeiro-Ministro colocar
os pés ali era um absurdo. Por outro lado, ir com a minha noiva era outra
história.
— E se eu for com a Isabela na boate da Sumali?
O espanhol batucou os dedos sobre a mesa nervosamente.
— Não. — Sacudiu a cabeça, enfático. — Ali não.
— Não preciso da sua aprovação. Ela é minha noiva.
— É muito perigoso. Pode não se importar com ela, mas eu me importo.
— Apaixonado, Hálim?
— Talvez.
Senti uma pontada incômoda e massageei o peito sem acreditar.
— Pelo que sei ela te rejeitou.
— Não foi bem assim. Ela estava com a consciência pesada por sua causa,
mas expliquei que você estava apaixonado por outra.
Filho da puta!
— Foi você?! — Soquei a mesa num rompante. — Não tinha o direito de
contar nada. Está passando dos limites, Hálim.
— Eu só falei a verdade. Ela merece saber antes de criar fantasias contigo.
Forcei uma gargalhada e ele ergueu as sobrancelhas.
— Já a beijou? — provoquei mesquinho, sentindo uma raiva irracional. —
Não! Mas eu sim. Mesmo sabendo de tudo ela ainda se derreteu nos meus
braços.
— Isso você nem precisava me contar. Todo mundo dentro daquela loja
ouviu os gemidos de vocês. Sabia que a coitada da vendedora quase teve uma
síncope? — Hálim passou a mão pelos cabelos quase alegre em compartilhar
a informação. — Não sou ciumento, Khalid. Pode beijar, chupar, foder, e
mesmo assim ainda vou querer a garota.
— Então nós temos um problema.
O desgraçado abriu um sorriso genuíno, olhando para meus punhos
fechados sobre a mesa do escritório. Não tinha percebido que eu havia me
inclinado sobre o tampo de madeira, nem que meus músculos estavam tão
rígidos.
Retrocedi confuso enquanto ele ria e massageei a têmpora.
— Por que temos um problema, Khalid? — inquiriu cruzando os braços,
ainda com aquele sorriso irritante no rosto. — Está claro que não quer
compartilhar a moça, mas qual é o motivo?
— Porque ela será a minha esposa, só isso. Conhece a história. Minha mãe
fazia mil recomendações pra mim e para o Zaad sobre como ser um bom
marido, implorando para que não fôssemos como o Gibrail e deixar meu
amigo foder a minha esposa definitivamente não é o modo certo de ser um.
Desabei na cadeira desabotoando o terno sob seu olhar incrédulo. Estava
cansado, com fome e irritado.
Tirei a gravata e a joguei em cima da mesa para então me livrar do colete.
— Ela beija bem?
Meu pau latejou só de lembrar.
— Não é da sua conta. — Passei a mão pelo rosto com força. — Até
quando vai insistir nisso, Hálim? Já disse que não quero que chegue perto
dela.
— Vou insistir até que me dê um motivo justo porque só o fato de
assinarem um documento não a torna sua. Quando me disser que está
apaixonado eu vou respeitar seus sentimentos. Até lá, vou tentar de tudo para
roubar o coração da señorita.
— É isso então? — inquiri debochado, sentindo a minha garganta se
fechar. — Quer saber se gosto dela? Não gosto. É só... territorialismo. Ela vai
ser a minha esposa e não quero ninguém comendo no meu prato.
Hálim meneou a cabeça prensando o sorriso dos lábios.
— No me jodas[16], Khalid! Não caio nessa. Você nunca agiu assim com
mulher nenhuma.
O que esse espanhol de merda queria? Encher o caralho do meu saco?
Estava conseguindo.
— HÁLIM — gritei sem paciência —, você precisa foder uma prostituta
pra sair de cima da minha mulher. Agora chega desse assunto e vamos jantar.
Desça e mande a empregada servir mais um lugar à mesa. Vou chamar a
Isabela.
Hálim se levantou junto comigo.
— Posso te fazer uma pergunta que não tem muito a ver com nosso último
assunto?
Encarei-o curioso.
— Tenho escolha?
— Por que você odeia tanto o Tessalah?
Senti as sombras ao meu redor trepidarem. Ou talvez fosse apenas o meu
ódio que vibrava por todo o escritório.
— Aquele homem é o diabo travestido de religioso. Ele sempre sentiu
prazer em ver o sofrimento dos outros. — Mais especificamente, o meu. —
Acredite em mim, Hálim. O Tessalah odeia a minha família há muitos anos.
Khalid – 24 Anos Atrás

— O que você tem, Khal?


Zaad sentou-se ao meu lado no jardim do palácio. Eu abraçava minhas
pernas e apoiava o queixo nos joelhos.
— Nada.
— Mas tem um tempão que está fazendo nada — disse esfregando os
olhos. — Não posso ficar com a mamãe e você não quer brincar. Daqui a
pouco o pai chega e vamos ficar trancados no quarto até amanhã. Tá chato!
O pirralho me azucrinava com suas carências. Tínhamos quase cinco anos
de diferença, mas se levasse em consideração a sua imaturidade, pareciam
dez.
— Vamos jogar bola — insistiu com uma vozinha de choro e eu revirei os
olhos. — A tia Aisha colocou uma cesta de basquete na quadra.
A irmã do nosso pai era legal. Sempre trazia presentes e fazia visitas que
ficaram escassas depois que ela casou. O marido dela era meio fanático e
minha mãe não o suportava. Certa vez, quando ele a mandou se calar durante
um jantar em que conversavam sobre o papel da mulher, minha mãe se
levantou e o expulsou da nossa casa. Tessalah proibiu tia Aisha de nos visitar
depois disso. Agora, quando ela vinha, era sempre escondido e muito raro.
Eu gostava dela.
Zaad bateu a bola ao meu lado e eu acabei cedendo ao seu humor
esportista daquele dia. Não era frequente ele estar animado e tudo podia
mudar de repente.
— Tá bom, seu chatinho.
Os olhinhos pretos e caídos se iluminaram e acabei rindo. Meu irmão me
abraçou agradecido e eu baguncei seu cabelo.
No fim das contas, eu me sentia útil por causa dele.
Jogamos bola por alguns minutos. A cesta não estava muito firme e
balançou de uma forma perigosa quando Zaad acertou o aro.
— É melhor pararmos — aconselhei vendo o poste de metal oscilar. —
Acho que esse negócio vai cair.
— Mas a gente mal começou.
— Vamos achar outra coisa pra fazer.
Zaad, teimoso, quando ficava obcecado com uma coisa não desistia dela
até se machucar ou causar uma grande confusão. Ele lançou a bola decidido a
fazer pelo menos uma cesta e o poste, com tabela e tudo, caiu para frente
atingindo Zaad em cheio.
Corri desesperado em sua direção gritando por ajuda. Sacudi seus ombros,
mas ele não acordava. Mamãe veio correndo e contei o que havia acontecido.
— Isso é tudo culpa minha — tia Aisha choramingou. — Jurava que estava
bem preso.
— Foi um acidente, cunhada. Não se culpe.
Minha mãe sempre foi uma apaziguadora. Tinha jeito com as palavras e
Zaad havia puxado isso dela. Sua voz era muito ouvida no conselho
consultivo Majlis ash-Shura, que foi instituído no início dos anos 90.
Os membros desse conselho foram eleitos e depois que minha tia se casou,
o marido dela, antes desconhecido, atingiu tanto prestígio com suas ideias
conservadoras que conseguiu uma cadeira.
Tessalah era um grande opositor da minha mãe e semeava a ideia de um
conselho mais parecido com o do Iraque, o Majlis A’Dawla, conhecido por
seu apoio político vir da comunidade muçulmana xiita do Iraque. Com o
tempo, ele conseguiu que um segundo conselho fosse criado, mas não pode
extinguir o primeiro.
Eu me escondia no corredor da ala leste quando estavam reunidos no
palácio. Diversas vezes ouvi minha mãe o chamar de sádico religioso e falso
moralista.
Eu não entendia muito bem o significado daquilo na época.
Infelizmente, Tessalah adulava meu pai e conquistou sua simpatia, o que
dificultou ainda mais a vida da minha mãe.
Levamos Zaad para dentro de casa e o médico da família, após o examinar
demoradamente, disse que ele ficaria bem.
— Você está com um galo horrível — falei assim que ele acordou. Estava
ali há horas, esperando que acordasse. — Tia Aisha levou aquele troço
embora. Acho que acabou o basquete para nós.
— Que droga! — reclamou se levantando e tocou o inchaço da testa.
Estava muito vermelho. — Não dói tanto.
Eu sempre me assustava com a resistência do Zaad para a dor. Às vezes eu
pensava que ele se sentia melhor quando estava machucado.
Uma discussão exaltada vinda do corredor me chamou atenção e corri para
entreabrir a porta.
— Foi ideia do pequeno, eu já disse. Minha esposa só atendeu aos
caprichos desse menino! — Tessalah gritava.
O que ele estava fazendo aqui?
— Você pediu pra tia trazer aquele negócio? — perguntei cochichando
para Zaad que negou fazendo careta.
Estava falando a verdade. Eu sempre sabia quando ele mentia. Enfiei a
cabeça um pouco mais para fora para ouvir melhor.
— Mesmo que isso fosse verdade, eles são crianças e têm o direito de
brincar, já você, Tessalah, não deveria estar se intrometendo no que acontece
dentro da minha casa. Já te expulsei daqui uma vez pelo mesmo motivo.
— Primeiro, eu vim atrás da minha esposa que vive enfiada aqui. Segundo,
é um absurdo que uma mulher fale assim com um membro do conselho de
Omã. Você não conhece o seu lugar!
— Fui eleita ao conselho, assim como você — minha mãe gritou de volta
—, e muito antes até. Quem não conhece os limites e nem seu lugar é você.
A gargalhada que ele forçou era carregada de ódio e veneno.
— O que uma mulher deve saber sobre reinar é cuidar de seus filhos e
cozinhar direito e nada disso você faz. Ao invés disso fica brincando de dar
opiniões em um conselho no qual nem sequer deveria pôr os pés. Precisa de
um homem de verdade que te ensine qual é o seu lugar.
— Este homem jamais seria você, uma aberração que não tem uma gota de
sangue real correndo nas veias e mesmo assim se coloca em um trono. Sou a
filha de Faisal bin Abdulaziz Al Saud, rei da Arábia Saudita, e fui criada para
ser a esposa de um soberano. Você não é ninguém e pensa que todos ao seu
redor devem servi-lo. Gibrail, com todos os erros, ainda é muito mais homem
do que você jamais será.
— Por que não bato na sua cara, Najila? Posso te humilhar ainda mais do
que ele, se é o que gosta.
Ouvi o som de um estalo seco e Tessalah gritou raivoso.
— Sua vagabunda, como ousa me bater?
Em seguida ouvimos o som de um corpo caindo no chão e soube que ele
tinha agredido a minha mãe.
Corri pelo corredor e peguei um vaso estreito, porém comprido, que estava
no caminho. Estava atordoado de ódio. Acertei a sua cabeça com tanta força
que ele caiu.
— NÃO TOCA NELA! — gritei sentindo a minha garganta arder. — Saia
daqui!
Apontei para o corredor que levava à saída. Ele me encarou transtornado,
levantando-se devagar. Tocou a própria cabeça e viu o sangue em seus dedos.
A promessa de tantas maldades emanava de seus olhos quando me encarou,
que estremeci. Não cedi à ameaça silenciosa.
— Não tenho medo de você — acrescentei.
— Pois deveria — silvou como uma cascavel.
Saiu meio cambaleante e minha mãe me abraçou forte.
— Deixa a mamãe olhar para você. — Ela se agachou e acariciou meu
rosto. Seus olhos brilhavam. — Estou orgulhosa, meu menino.
Senti um alívio e um impulso para cima. Não foi externo. Acontecia dentro
de mim. Era como se a minha vida fizesse sentido pela primeira vez.
Nunca mais me esqueci daquela sensação. Finalmente tive coragem de
defendê-la. Finalmente fiz alguma coisa.
Isabela — Dias Atuais

Khalid ignorou a minha presença durante o jantar.


Hálim, em contrapartida, era só elogios e gentileza enquanto meu noivo
parecia azedar a cada risada nossa. Quando tentei suavizar o clima, ele pediu
licença e se retirou.
Foi difícil não transparecer a minha chateação.
Tudo bem ignorar o beijo. Foi um erro mesmo, mas ignorar a minha
presença e ser rude era demais.
— Hei, não fique assim. Eu te disse, ele não é ruim. Só está perdido. Já
tentei conversar com ele, mas está preso em suas próprias fantasias.
Construiu um castelo falso e se aprisionou lá dentro. Agora qualquer um que
tente ajudar, ele transforma em inimigo.
— O Cavaleiro da Fraca Figura — divaguei me lembrando de um famoso
personagem. — E quem é você nessa história, Hálim? Porque me parece
esclarecido demais para um Sancho Pança.
O espanhol sorriu.
— Já leu Dom Quixote?
— Desculpe-me se eu duvidar das suas intenções de servo fiel — avisei e
ele deu de ombros. — Por que o defende tanto e flerta comigo ao mesmo
tempo, sabendo que o irrita?
Antes de me responder ele escondeu o riso dentro da taça de água e sorveu
um gole longo.
— Já teve um amigo que passou pelo diabo, señorita? Alguém que você
sabe que merece ao menos uma coisa boa da vida?
Encarei-o atenta, esperando que se abrisse. Hálim parecia emotivo ao falar
do Khalid.
— Não — respondi sincera —, mas sei onde fica o inferno. Já estive lá.
Seus olhos se demoraram nos meus, reflexivos.
— Então sabe como é sentir que as flores morrem por onde você passa
como se todo o seu legado fosse destruição.
Eu lhe ofereci um sorriso irônico e solidário ao mesmo tempo.
— Sei — peguei a garrafa de vinho que estava na metade e enchi apenas a
minha taça porque o espanhol recusou —, mas com o peso de não ter
dinheiro para minimizar as minhas dores.
— O dinheiro não amenizou as dores do Khalid. Acredite.
Um silêncio preencheu a sala de jantar ampla. Deixei meus olhos vagarem
pelo cômodo, como se pudesse buscar mais da alma do meu noivo em sua
decoração que, definitivamente, não era o que eu imaginava para a casa de
um político árabe. As cortinas cinza acetinadas refletiam o brilho prateado do
lustre.
Elegante.
A casa do Khalid não era decorada para ser apenas bonita, ela tinha
personalidade e requinte. E a mesa longa com dez lugares me fez pensar que
ele recebia muitas pessoas ali.
— Ele costuma receber muitos convidados?
Hálim soltou uma lufada de ar misturada a um sorriso triste.
— Não. Sou seu único amigo.
Senti um aperto no coração ao ouvir aquilo.
— Nem a família dele vem aqui — acrescentou após esvaziar a sua taça de
água com um só gole. — Ele tem problemas com o pai e com o irmão,
então... Melissa é a única que o visita com o sobrinho e janta com ele em
alguns feriados.
Nossa, que merda!
— Está me dizendo que a única pessoa da família com quem o Khalid tem
uma boa relação é a cunhada? — Era difícil imaginar uma situação daquelas
uma vez que meus pais foram tudo na minha vida. Eu literalmente não estaria
ali se não fosse pelo meu pai.
Imaginei o quão solitário um homem precisa estar para se apaixonar pela
única pessoa que demonstra afeição por ele.
— É como eu disse, Khalid não é má pessoa. Ele só...
— Tem uma vida fodida — completei abandonando a taça, agora vazia,
sobre a mesa.
— O pai dele me pareceu tão sincero, falando sobre querer netos e uma
família. Achei que fosse coisa de filho turrão quando ele me disse que o
velho só visava seus interesses.
Hálim se levantou e contornou a mesa, vindo sentar-se ao meu lado.
— Não se engane. Gibrail foi um pai terrível, mas parece que com o
Khalid ele conseguiu ser ainda pior. Não significa que ele não tenha mudado,
mas tem coisa que não se perdoa.
— Como chicotadas? — A expressão surpresa dele entregou toda a
verdade, mesmo que ele tenha permanecido em silêncio, bebericando de sua
água. — Eu vi as costas do Khalid.
Que tipo de animal faria isso com o próprio filho?
— Aos 14 anos a mãe deles se suicidou. Curiosamente, foi com a morte da
esposa que Gibrail caiu em si. Todos esperavam que o velho surtasse, mas ele
buscou ajuda, se dedicou à terapia e sentiu-se mais próximo do filho mais
novo por conta de uma doença que os dois compartilham, o que não ajudou
muito o Khalid. Na verdade, acho que a partir dali ele ficou ainda mais
sozinho.
— Eu não fazia ideia. — Minha voz saiu fraca e precisei respirar fundo
para não chorar. Sentia como se a dor dele fosse minha. — Não me admira
que ele esteja confuso com o que sente pela cunhada — comentei e recebi um
olhar cúmplice do Hálim.
— Às vezes penso que ele só precisa de um empurrão — disse enchendo a
minha taça com o que havia restado de vinho. — Eu só tenho medo que ao
invés de cair na realidade ele afunde no abismo.
— Mas e o irmão dele? Zaad me pareceu uma pessoa amável.
Hálim balançou a cabeça com pesar, negando e ao mesmo tempo deixando
no ar que não era tão simples.
Suspirei pegando a taça da mesa. Um Pinot Noir sempre ajudava a digerir
melhor as frustrações.
— Triste.
— Ele já fez muito por mim e pela minha família. Eu o entendo, não julgo.
Realmente admiro o profissional e o homem que é. Já o vi ser duro, irascível,
mas também já presenciei sua bondade e justiça incontáveis vezes.
— Fico feliz que ele tenha um amigo como você.
Hálim me encarou com um sentimento novo em seu rosto.
— É bom conversar com alguém. — Ele pousou a mão no meu joelho. O
sorriso voltando aos lábios, terno e gentil. — Tenho assistido de fora há anos
e nunca pude compartilhar minhas observações.
Coloquei a minha mão sobre a dele e apertei de leve.
— Um brinde — propôs enchendo sua taça de água e aproximou da minha.
Ele me encarou com seus olhos caídos de cachorrinho fofo — aos que já
caminharam pelo inferno!
Bati a minha taça na dele que tilintou e bebemos nos encarando.
— Cuidado — provoquei me sentindo alegrinha —, vai se embebedar com
tanta água.
Ele soltou uma risada alta.
— Não posso mais ingerir álcool. — Deu de ombros. — Não sinto falta.
— Ainda bem que você é desinibido — comentei rindo e ele mordeu o
lábio inferior.
— Preciso dizer que estou completamente encantado pela señorita.
A confissão não me constrangeu.
— Você é um amor, Hálim! — Bebi o restante do vinho tinto da minha
taça. — E saiba que eu te acho — respirei fundo — uma delícia de homem e
sentaria em você sem o menor pudor, mas acontece...
O rosto dele se iluminou de uma forma que não pude conter a gargalhada e
ele mordeu o lábio inferior respirando fundo.
— A señorita está apaixonada pelo chefe.
— Não, claro que não. É cedo demais para coisas assim. Mas, sabe,
casamento deveria ser algo sagrado. Eu me sinto na obrigação...
— É possível querer mais de uma pessoa ao mesmo tempo, sabia?
Havia um mistério em seu tom. Quase como se ele quisesse muito
compartilhar um segredo. E se tinha algo que me instigava era a perspectiva
de descobrir o que ninguém mais sabe.
Não posso negar, sou uma fofoqueira convicta! Do tipo que finge que está
varrendo a calçada só para escutar a briga dos vizinhos.
— Espere — pediu se levantando e voltou com outro vinho já aberto,
tornando a encher a minha taça.
— O que está tentando fazer, espanhol?
— Afastar as suas inibições, Bela.
Mordi o lábio, tentada.
— O que tem a perder? — insistiu.
Hesitei, mas o sorrisinho lateral de menino travesso fez um fogo se alastrar
em mim, então aceitei a bebida e esvaziei o copo em poucos segundos
colocando-a sobre a mesa como se o desafiasse.
Hálim apoiou as mãos no encosto da minha cadeira, me cercando, e se
debruçou, parando a centímetros da minha boca.
— Está brincando com fogo — avisei.
— Às vezes, para provar algo, precisamos nos queimar.
Sua boca desceu sobre a minha sem pressa. Os lábios macios chuparam os
meus, ternos e sensuais, causando um arrepio por toda a minha pele. A língua
quente pediu passagem deslizando pelo meu lábio inferior e a provei
delicadamente.
— Quis beijá-la desde o instante em que a vi — confessou com um
sussurro, deitando pequenos beijos nos cantos da minha boca. Tão sensual
que senti minha temperatura subir.
Sua mão desceu pelo meu ombro, acariciou o braço direito e alcançou o
meu seio, tocando de leve.
Arfei em sua boca.
— Deliciosa — balbuciou e logo meus dois seios estavam sendo
massageados com tanta delicadeza que derreti.
Sua boca engoliu a minha aprofundando o beijo. Sensual, devagar, Hálim
era hábil com a língua.
Fiquei úmida e latejante em minutos, ansiosa por mais quando ele se
afastou só um pouco, o suficiente para me encarar.
— Estou tão duro que vou precisar de cinco punhetas para me aliviar.
Gargalhei me sentindo leve. Talvez fosse o álcool, mas talvez fosse apenas
a companhia bem-humorada.
— Hálim! — A voz ríspida do Khalid me fez pular. Puta que pariu! — Já
está tarde. Melhor ir embora.
Arregalei os olhos sem entender o sorriso escrachado na cara do sem-
vergonha que sequer desviou o olhar do meu. Hálim me deu mais um beijo
suave e mordiscou meu lábio inferior.
— Obrigado, Bela. Pensarei na señorita a noite toda.
Prensei os lábios, nervosa, e não ousei encarar Khalid. Conseguia ouvir a
sua respiração pesada de onde eu estava, mas se era para eu me sentir
culpada, ele poderia desistir.
— Achei que tivesse sido muito claro — rosnou para o secretário que
apenas ergueu o dedo do meio.
— Com todo respeito, chefe, no me toques los cojones[17]!
Ouvi a batida da porta principal e me levantei calmamente para recolher as
taças. Desviei dele que ainda estava plantado no corredor que levava à
cozinha e fiz meu caminho para lavar os copos e descartar a garrafa vazia.
Quando terminei e tentei sair dali, Khalid me impediu posicionando-se no
caminho.
Cruzei os braços esperando pelo que diria. Aquele homem me deixou ver a
prostituta que iria comer de propósito, além de estar apaixonado pela
cunhada.
— Por que deixou Hálim te beijar? — grunhiu a pergunta imitando meu
gesto e a camisa de malha branca se esticou sob a pressão dos músculos do
seu braço.
Estava tão bravo que podia sentir sua raiva ao meu redor, me
contaminando com sua força opressora.
— Por que ele é gentil, charmoso, está sempre flertando comigo e não sei o
que é ser tratada assim há muito tempo. O último patife com quem saí foi
repulsivo, mas Hálim me cobre de elogios. E também porque você falou que
não se importava que eu tivesse um amante. Até me disse que ele fodia bem.
— Eu me lembro do que eu disse — me cortou caminhando firme na
minha direção e recuei até sentir a bancada da pia contra a minha bunda. Meu
coração bateu descompassado quando ele se aproximou até colar o corpo no
meu. Os olhos escuros e recriminadores estavam cravados em minha boca. —
Como foi?
— Como foi o quê?
— O beijo.
— Quer saber como foi... — toquei meus lábios — beijar o Hálim ou
beijar você?
Ele não respondeu, mas o vinho soltou a minha língua.
— Beijar o Hálim foi leve, gostoso, excitante, mas beijar você foi —
deliciosamente depravado. Dei uma pausa soltando um suspiro longo —,
diferente.
Vi suas feições contraírem, como se mergulhassem na escuridão. Seus
olhos pareciam duas poças de ódio.
— Viajaremos para o Brasil amanhã — rugiu seco. — Esteja pronta às 7h.
Ele saiu da cozinha antes que eu pudesse fazer qualquer objeção e ouvi a
sua porta bater com tanta força que não sei como não se partiu ao meio.
Khalid

Desembarcamos no meio da tarde e fomos direto para o hotel. Reservei um


quarto amplo com uma cama sobressalente no anexo.
Assim que Isabela organizou sua bagagem veio até o anexo e parou de
braços cruzados na soleira da porta.
Continuei editando minha agenda no tablet, adicionando comentários nos
eventos que Hálim marcou, esperando que ela se manifestasse ou desistisse
de me encarar até que perdi a paciência.
— O que foi?
— Você ainda não me disse o que viemos fazer aqui. — A calma em sua
voz era impressionante levando em consideração que seu rosto estava
avermelhado, exibindo um V entre as sobrancelhas. — Até quando irá me
ignorar?
Gostava da sua capacidade de manter a voz neutra mesmo irritada.
— Até quando eu quiser, afinal, você é paga para me acompanhar.
Isabela me devolveu um sorriso mordaz.
Era divertido vê-la se contorcer, mordendo a língua para não me xingar.
Sem dizer nada, me deu as costas e bateu a porta do quarto. Queria
atormentá-la tanto quanto a imagem do seu beijo em Hálim estava me
assombrando desde a noite passada. O misto de sentimentos que a cena me
causou disparava o meu coração de forma incômoda.
Primeiro me senti traído. O ódio percorreu minhas veias pulsando
incontrolável e precisei fincar as unhas na palma das mãos para não
estrangular Hálim até quebrar cada ossinho do seu pescoço, mas não
consegui desviar os olhos.
A língua dele entrando na boca dela maltratava algum pedaço de mim tanto
quanto alimentava outro. Queria saber o quanto ficou excitada.
Era como se o ciúme e a excitação brigassem por espaço.
Passei a mão pelo rosto quando terminei as minhas considerações e enviei
um novo e-mail para Hálim que ousou me enviar uma mensagem de texto:

Ignorei.
— Se vista — ordenei girando na cadeira de rodinhas, me virando na
direção do quarto. Sabia que ela não me obedeceria e provavelmente estava
revirando os olhos, o que me fez sorrir ao dizer: — Vamos até o hospital em
que seu pai está internado.

A viagem foi longa. Não pela distância, mas pelo trânsito infernal.
Hálim já havia providenciado toda a documentação necessária e contratado
a enfermeira que viajara conosco no avião, sem que Isabela desconfiasse.
A situação do hospital era precária. A quantidade de pacientes era superior
ao suportado e por todo o lado que andávamos havia pacientes pelos
corredores.
No mesmo quarto do pai dela, havia outro senhor que nos encarou com um
brilho no olhar e perguntou alguma coisa em português que Isabela
respondeu de voz embargada, negando com a cabeça. A enfermeira veio
rápido para distrair o idoso.
Ela balançou a cabeça, como se quisesse se livrar daquela cena e deu
passos duros até o pai que a encarava de testa franzida também.
Infelizmente meu português era precário e não entendi todas as palavras,
mas o suficiente para saber que o pai não a reconheceu. E talvez fosse o caso
do idoso que dividia o quarto de enfermaria.
Deduzi que todos ali sofriam com a mesma doença. Todos tinham o
mesmo olhar perdido no horizonte, com um brilho opaco.
Isabela espremeu a boca, mas ergueu a cabeça.
Apesar de toda a papelada encaminhada com antecedência, a burocracia
nos prendeu ali por mais tempo do que gostaria e já era noite quando
conseguimos colocar o Senhor Reinaldo dentro do jatinho com a equipe
médica.
— Eu preciso ir com ele.
— Não vai adiantar, Isabela. Ele nem te reconhece. — Tentei não soar
rude, mas seus ombros caíram. Ela mudou o peso do corpo de um lado para o
outro enquanto me ouvia, mas o olhar estava fixo no chão. — Ele está à
vontade com a equipe e já foi sedado. Temos compromissos aqui e depois
voltamos para Omã. Não passará de três dias, garanto.
Ela não se opôs. Nem me respondeu, na verdade.
Suspirei sentindo a ansiedade me consumir.
— Preciso da sua ajuda amanhã como intérprete. Meu português é
imprestável. Acha que consegue?
Seus olhos encontraram os meus repletos de dúvida, como se estivesse se
esforçando muito para entender o que eu pedia.
— Intérprete? — Piscou algumas vezes e então ergueu as sobrancelhas. —
Claro. Eu posso. Evidente que posso!
— Seu pai está em boas mãos, Isabela.
— Tudo isso — apontou de mim para ela, depois para a cabine privativa
onde seu pai estava acomodado dormindo — é só por causa dele e se eu não
puder...
— Mas vai — cortei pegando a sua mão e a trouxe para o meu peito. —
Vocês estarão juntos em casa. Equipei o quarto do primeiro andar para ele e
contratei uma enfermeira especializada. Hálim ficou em Omã para garantir
que seu pai tenha todo o conforto, não era o que queria?
Seus olhos foram ficando grandes e brilhantes enquanto me ouvia. Quando
ela engoliu em seco, fazendo um esforço imenso para não chorar, não resisti.
Aproximei o rosto do seu e beijei o topo da sua cabeça, aspirando o cheiro
de xampu e me surpreendi quando ela me abraçou forte.
— Obrigada — murmurou baixinho, mas ouvi. — Khalid — a voz
trepidou —, nunca vou conseguir agradecer o suficiente.
Eu a envolvi, puxando seu corpo o máximo que pude contra o meu e
afundei o rosto em seu pescoço, me deliciando com seu cheiro.
Uma droga de perfume viciante invadiu meus pulmões e tive consciência
de que jamais conseguiria ter calma novamente se não sentisse aquela
fragrância todos os dias.
— Não precisa. Você é minha noiva agora e vou cuidar de você.
Ela ergueu a cabeça que havia afundado em meu peito e me encarou com
uma intensidade que me atingiu como um tapa. A expressão de surpresa e
medo parecia me indagar coisas que eu nem saberia como responder.
Meu coração saltou do peito e mergulhou no abismo azul desfazendo todas
as camadas que construí para protegê-lo. Insano, inconsequente, um coração
despreparado para o que se escondia atrás daquela íris.
Fiquei vulnerável.
Ela umedeceu os lábios encarando a minha boca e não pensei em mais
nada além de sentir seu gosto.
— Ministro? — A voz da aeromoça era do tipo medrosa e irritante. —
Precisamos decolar. O senhor voltará para Omã conosco?
Isabela se afastou e pegou a bolsa da poltrona.
— Não. — Soltei o ar dos pulmões. — Já estamos de saída.
Espalmei a mão na base de suas costas, guiando-a para fora e atravessamos
para longe da pista.
Por que aquela merda de contato tão insignificante, tão básico, me deixava
ofegante?
O carro estava estacionado perto e o motorista se adiantou para abrir a
porta enquanto os seguranças nos escoltavam de volta ao hotel.
O silêncio foi brusco durante toda a viagem e com o elevador cheio de
seguranças ela se retraiu ainda mais.
Todo aquele andar foi reservado para a nossa comitiva, mas quando
entramos no quarto, vi seus ombros relaxarem e seu peito esvaziar,
modificando a sua postura.
— Amanhã iremos até a sua casa para buscar seus pertences.
Ela me encarou surpresa, mas não pareceu feliz.
— Não precisa. Posso ir sozinha.
— Tire essas ideias de fazer alguma coisa sozinha da sua cabeça, Isabela.
Essa fase da sua vida acabou.
Ela prensou os lábios e largou a bolsa em cima de uma poltrona.
— Obrigada.
— Não estou fazendo isso de graça, lembra? Não tem que me agradecer.
Só estou cumprindo com a minha parte do combinado. Agora tome um banho
e vá descansar.
Ela cruzou os braços me encarando.
— Ainda nem casamos e você já está me dando ordens — zombou com
um meio sorriso. — Você é mandão mesmo ou isso aflora comigo?
— Talvez seja a sua incapacidade de obedecer que desperte o meu lado
dominador — falei entrando no anexo e esvaziei os bolsos sobre a cama.
Isabela me seguiu destilando seu deboche.
— Lado? Você tem outro então?
— Posso te perguntar o mesmo. Tem algo mais em você além de uma
menina birrenta incapaz de atender ao que se pede?
— Olha aqui — Isabela apontou o dedo para o meu rosto, mas respirou
fundo, interrompendo-se — não sou birrenta, mas tem razão, não nos
conhecemos o suficiente para nos ofendermos assim.
— O que te irrita tanto em mim, Isabela? — Eu me aproximei com cautela.
— O fato de precisar de mim ou o de eu tentar cuidar de você?
— Nem uma coisa e nem outra. Eu só não te conheço o suficiente para
achar isso normal.
— Então precisamos consertar isso.
— Eu propus um jogo, lembra? Mas você não se interessou.
Ergui as sobrancelhas.
— Não disse que seria um jogo. Disse que me contaria os seus segredos de
rasgar a alma e eu deveria te contar os meus.
— Um jogo tira o clima de interrogatório. A gente faz perguntas um sobre
o outro, se eu responder uma pergunta você tem que responder outra ou
então, se recusar, precisa beber um copo de uma bebida. Tipo um verdade ou
consequência.
Aquilo tinha todo o aspecto de brincadeirinha de faculdade e eu quase ri.
Isabela tinha nuances de personalidade. Era inteligente, eu já tinha percebido.
Dominava assuntos que a maioria dos jovens da sua idade nem sequer se
interessariam e assumia uma aura profissional quando queria, mas no seu
íntimo ainda era uma menina brincalhona que não teve um gatinho quando
era criança, sabe-se lá por qual motivo.
A empolgação dela era deliciosa de se observar.
— Prefiro rum — declarei observando o sorriso se espichar iluminando
todo o rosto.
— Sim! — Ela soltou um gritinho empolgado que me arrancou uma risada.
— Tá, mas eu bebo vinho.
— Por que não o rum?
— Sou fraca para bebida.
Fiz uma anotação mental enquanto afrouxava a gravata e me livrei do
terno.
— Não temos nenhum compromisso hoje mesmo — murmurei tentando
me convencer de que era uma boa ideia.
Ela correu para o frigobar.
— Tem uma garrafinha de rum, duas de vodca, várias de uísque e uma de
tequila.
— Acho que é o suficiente — falei me sentando no sofá. — Não planejo te
contar a minha vida inteira de uma vez só.
— Não achei vinho. — Exalou um bocado de ar e sentou ao meu lado,
colocando as garrafinhas de pé na mesinha quadrada.
— É só pedir ao serviço de quarto. Prefere tinto ou branco? — perguntei já
me levantando.
— Tinto — respondeu enquanto tirava o tênis.
Desabotoei o colete e joguei-o sobre a cama enquanto ligava para a
recepção.
A suíte era como um apartamento. Tinha um quarto grande, uma sala,
banheiro extravagante, sacada ampla e um quarto anexo.
Depois que as bebidas chegaram, sentamos no sofá.
— Então — enchi sua taça —, como é esse jogo?
Isabela

Khalid derramou a bebida em seu copo quadrado, pensativo.


— E se eu não quiser responder?
— Então você bebe o copo inteiro — expliquei divertida —, mas não pode
fazer isso três vezes seguidas.
Ele chutou os sapatos sociais, que deveriam valer o preço de um carro
popular, para baixo da mesinha e desabotoou os três botões de cima da
camisa.
— Eu começo — avisei me ajeitando de frente para ele. As pernas
cruzadas em posição de lótus. — Quantas namoradas já teve?
— Nenhuma — respondeu frio como a neve e arregalei os olhos. —
Quantos namorados você já teve?
— Uns cinco ou seis — falei sem culpa. Ele era bem mais velho do que eu,
como assim não teve namoradas? — Por que nunca namorou?
Ele hesitou. A sobrancelha esquerda erguida lhe conferia um ar esperto, de
homem vivido. Isso aguçou a minha curiosidade.
— Prometi para a minha mãe, antes dela morrer, que jamais faria nenhuma
mulher sofrer.
— Mas o que isso tem a ver com namorar? — perguntei ansiosa, mas ele
fez que não com a cabeça.
— Tsi, tsi, tsi! Agora é a minha vez. Disse que o meu beijo foi diferente do
Hálim. Diferente como?
Puta merda!
A seriedade dele me deixava ainda mais nervosa.
Responder aquilo poderia dar a ele a ideia de que estava rendida e isso não
seria bom. Peguei a taça de vinho da mesa, decidindo que era melhor não
piorar nosso relacionamento. Estávamos indo tão bem como amigos, pra que
estragar?
Bebi todo o líquido sentindo meu estômago reclamar. Não tínhamos
comido nada desde que chegamos de viagem.
— Vou ter uma azia ferrada depois disso — reclamei largando a taça na
mesinha enquanto Khalid estreitava os olhos.
Ele alcançou a garrafa e tornou a encher a minha taça, depois pegou o
celular do bolso e digitou por alguns minutos, largando o aparelho sobre a
mesa em seguida.
— Faça a pergunta. — A voz macia me causou um frio na barriga.
Acho que isso não foi uma boa ideia.
Suspirei.
— O que a sua promessa tem a ver com nunca ter namorado?
Dessa vez Khalid se ajeitou de lado no sofá, inclinando-se um pouco mais
na minha direção. Ele dobrou uma de suas pernas que estava sobre o assento.
— Meu pai tem um transtorno de personalidade. É um borderline, assim
como o meu irmão, mas eles não são iguais. As emoções deles são intensas e
eles perdem o controle. Quando algum gatilho era acionado, meu pai
descontava a raiva na minha mãe ou nos filhos. A resposta dele aos gatilhos
era a violência. A resposta do meu irmão é a automutilação. Tive medo de
ficar como eles e prometi que jamais me relacionaria para não submeter
mulher alguma ao meu temperamento.
Engoli em seco. Várias perguntas se formaram na minha cabeça e eu nem
sabia por onde começar.
— Minha vez — avisou estreitando os olhos. — Meu beijo foi pior do que
o do Hálim?
Prensei os lábios. Ele estava determinado. Provavelmente o seu ego não
sobreviveria a esta noite sem saber a resposta.
— Não — falei subindo e descendo os ombros. — Você tem essa doença?
— A princípio, não. Durante os anos que fiz terapia, não fui diagnosticado
como border, mas tenho ansiedade. — Khalid me encarou fixo por alguns
segundos. — Você sente tesão em mim?
Tanto os meus olhos quanto a minha boca se abriram.
— Não!
— Qual é a penalidade do jogo para mentira?
— Não estou mentindo!
— Sério? — Khalid agarrou meu pulso.
— Ei! O que está fazendo?
Com um movimento rápido ele se debruçou sobre mim e roçou a barba
desde o meu ombro até o queixo, passando por toda a clavícula, arranhando a
pele e me arrepiando toda. Ele era pesado e firme como rocha. Arfei quando
ele deixou um beijo molhado atrás da minha orelha sentido algo derreter entre
as minhas pernas.
Minha vagina palpitou.
— Tudo bem. — Afastou-se de repente, me deixando molenga e excitada.
— Já que não está mentindo, aceito a sua resposta. Sua vez.
O imbecil esticou o canto do lábio para cima, vitorioso.
Franzi a testa levemente frustrada, tentando me concentrar, mas não me
lembrava de nenhuma pergunta. Meu rosto estava pegando fogo.
— Sua vez — repetiu ampliando o sorrisinho diabólico.
Prensei os lábios me lembrando dele sem camisa.
Merda! Isso é hora de pensar nisso?
Precisava levar aquele jogo para um tema mais ameno.
— Qual... qual a sua... cor favorita?
Ele riu baixinho, umedecendo os lábios.
— Vermelho. — Khalid desviou o olhar do meu, parecendo se lembrar de
alguma coisa e já não estava mais tão empolgado quando me encarou
novamente. — Para onde gostaria de ir se pudesse fugir e largar tudo para
trás?
Respirei um pouco aliviada. Aquela era fácil.
— Yvoire — respondi quase suspirante e uma ruga se formou no meio de
suas sobrancelhas grossas. — É uma aldeia medieval francesa. Fica na beira
do Lago Léman. Minha mãe sempre dizia que queria conhecer um dia. Ela
tinha loucura pela França.
Fiquei emotiva. Tinha sido um dia complicado e não ser reconhecida pelo
meu pai, ouvi-lo perguntando onde estava a minha mãe, mexeu comigo.
Limpei a garganta disposta a tornar o clima entre nós mais leve. As
circunstâncias nos uniram em um relacionamento esquisito. Eu não queria
odiá-lo o tempo todo.
— Qual o seu filme favorito?
— Filme? — Sua voz entediada me deixou ansiosa. Eu não estava sabendo
conduzir a brincadeira. — Não assisto muitos filmes. Acho um desperdício
de tempo. Prefiro ler um livro.
— Tá — provavelmente algum sobre política, nossa que previsível —, e
qual seu livro preferido?
Ele meditou por um ou dois minutos antes de me responder.
— Jane Eyre.
Arregalei os olhos sentindo o meu coração disparar.
Não é possível!
— Está mentindo! Não pode ter lido Charlotte Brontë!
Ele girou a cabeça de lado confuso.
— Por que não? Tem uma crítica social e moral forte, além das questões de
sexualidade, gênero e classe que, naquela época, eram impensáveis de serem
discutidas. A Jane é uma mulher incrível.
— Charlotte era uma mulher incrível — defendi orgulhosa. — Graças ao
pai que ensinou literatura para as filhas.
— Mas é claro que não! — As palavras de Khalid se tornaram cortantes.
— O pai era reitor e pastor, estava tão empenhado com sua paróquia que as
meninas ficavam largadas na igreja, por acaso, com acesso aos clássicos da
literatura e artigos contemporâneos publicados. A mãe era quem as entretinha
com os recursos que tinha à sua disposição. Passavam seu tempo lendo e
compondo dentro da casa paroquial, por isso o talento para a literatura.
Quando a mãe morreu de câncer, o pai delas permitiu que a tia as enviasse
para um colégio interno onde passaram frio, fome e sofreram torturas. Das
cinco irmãs, duas morreram lá. Foi só depois disso que o pai as trouxe de
volta para casa.
Era nítida a sua raiva ao destrinchar a história, impondo sua percepção.
— Talvez ele só estivesse pensando no melhor para as filhas.
Sua risada foi quase ferina.
— Ele se omitiu, Isabela! — O tom dele se tornou apaixonado, defendendo
sua tese. — Estava mais preocupado com a igreja do que com a sua família.
Acontece muito. Homens que se preocupam com a imagem, que dissertam
sobre moral e bons costumes, mas fodem com a vida dos próprios filhos sem
pestanejar.
Havia tanto ressentimento em sua voz que meus olhos se encheram de
lágrimas e precisei respirar fundo.
Com cuidado, coloquei a minha mão sobre a sua perna, dobrada entre nós,
e falei o mais ameno que pude.
— Está falando sobre a família Brontë ou sobre a sua?
Vi sua garganta subir e descer. A expressão combativa deu lugar à neutra e
percebendo que tinha se exposto, desceu sobre si um véu de frieza,
escondendo-se novamente atrás do artifício.
— Sobre os Brontë, é claro — insistiu seco. — Faça uma pesquisa sobre a
história da família e aplique o senso crítico. Quando as meninas voltaram
para casa, a figura mais amorosa que encontraram foi uma empregada que foi
homenageada com a personagem Nelly Dean no livro da Emily, “O Morro
dos Ventos Uivantes”.
— Entendo. — Foi tudo o que consegui responder.
Não adiantaria dizer que li o mesmo artigo sobre a família, mas que não
enxerguei um pai omisso, porque nenhuma biografia foi tão fundo. Poderia
argumentar que para a sociedade da época, era costume o pai se manter
distante dos filhos, ser mais dedicado ao trabalho porque eram outros tempos
menos amorosos e mais machistas, mas não acho que o demoveria da sua
ideia fixa.
Khalid tinha construído um juízo sobre aquele assunto e, sem querer, tinha
deixado meu livro preferido um pouco mais triste.
— Jane Eyre também é meu livro preferido — falei baixinho enquanto me
remexia no assento, fingindo me ajeitar. — Num dos trechos que gosto, e são
muitos, ela diz: “A vida é muito curta para ser gasta nutrindo animosidade ou
registrando erros.”.
Khalid baixou as sobrancelhas me encarando.
Ele empalideceu ou era só impressão minha?
Felizmente a campainha do quarto tocou nos arrancando daquele silêncio
constrangedor.
— Eu pedi comida — avisou se levantando.
Jantamos em silêncio. Havia uma infinidade de comida e Khalid explicou
que não sabia o que eu gostava, então pediu vários pratos.
Não foi a noite suave que pensei que seria quando propus o jogo, mas acho
que descobri muito mais do Khalid sem que precisasse fazer uma pergunta
específica.
Quando terminamos de jantar eu puxei assunto.
— Não gosto de comida japonesa — falei aleatória. — Na verdade, não
como nada cru. Amo todo o tipo de carne, menos fígado e dobradinha.
— Não sei o que é dobradinha.
— Estômago de boi.
— Ah! Também não gosto. — Ele pensou um pouco, olhando para cima.
— Não gosto de quiabo e nem de salsicha.
— Salsicha? Sério? Eu amo salsicha!
— Tenho uma alimentação muito regrada por conta dos exercícios —
explicou e eu quase suspirei. Khalid tinha um corpo perfeito. — Pela manhã
eu só consigo beber um café bem doce. É a única porção de açúcar que eu
consumo o dia todo.
— Admiro sua dedicação, mas sou inimiga da dieta. Eu adoro pizza e
chocolate.
Ele tentou esconder o riso, mas não conseguiu.
— O que gosta de comer no café da manhã?
— Pão francês com manteiga, suco de laranja e café preto. Fico feliz só
com o pão e o café, mas tendo suco, ahhhh, eu amo! E não importa a hora, eu
preciso tomar café antes de almoçar.
A expressão dele era deliciosa. Um meio sorriso, prestando realmente
atenção ao que eu falava.
— Pão francês? — perguntou de cenho franzido.
— Na verdade, ele não é francês, chamamos assim no Rio de Janeiro, mas
no Sul do Brasil e em Portugal chamam de cacetinho. É um... tipo de pão.
Ele continuou me encarando interessado. A conversa migrou para esportes
e depois política e foi morrendo naturalmente.
Khalid pediu licença quando o silêncio se prolongou e foi tomar banho
enquanto eu zapeava pelos canais da TV aguardando a minha vez no
banheiro.
Quando finalmente veio pra sala secando o cabelo com a toalha, eu não
estava preparada psicologicamente para ver o corpo escultural com apenas
um short de pijama molinho.
Prendi a respiração tentando me concentrar em seu rosto.
— Já terminei no banheiro. Se quiser...
— Claro — respondi me levantando imediatamente, mas Khalid me
segurou pelo braço.
— Tudo bem? — Pareceu preocupado.
— Sim.
Ele me soltou assentindo.
— Amanhã acordaremos cedo.
Era sua forma de me dizer boa-noite? Não gostei da distância que colocou
entre nós, mas não tive coragem de me aproximar e beijá-lo no rosto. Da
última vez ele praticamente me advertiu que se eu fizesse aquilo acabaria de
bruços na sua cama sendo fodida por trás.
Fechei os olhos por meio segundo me refazendo da imagem que projetei
dentro da minha cabeça.
Merda! Minha imaginação é minha maior inimiga.
— Boa noite — desejei rápido e quase corri para o quarto fechando a porta
atrás de mim.
O que você quer, Isabela? Minha personalidade feminista sussurrou a
pergunta. Precisa organizar suas ideias rápido ou será traída pelos seus
desejos.
Nossos, né, querida? Rebati indo abrir o armário e escolhendo uma roupa
frouxa, nada sensual, que tive o cuidado de separar para a viagem.
Ele vai te comer e cuspir, igual ao bombadinho de academia com quem
trepou há dois anos depois de um período de baixa autoestima.
Lembrar do Rafael era golpe baixo da palestrinha. O maldito gozou rápido
e depois que me neguei a fazer sexo anal se vestiu reclamando e me
chamando de desperdício de tempo. Irritado, revelou que só saiu com uma
gordinha porque achou que comeria um cu.
Senti tanto ódio e vergonha misturados que nunca mais pisei naquela
academia.
E depois ainda teve a fase do aplicativo de relacionamento.
Claro que ela me lembraria daquilo. Era humilhante como os meus
encontros se resumiam a sexo e bloqueio no dia seguinte. Gostaria muito de
ser a garota desprendida que não precisava de qualquer tipo de ligação com o
sexo oposto além de um orgasmo, mas eu era sentimental.
Eu me sentia um lixo quando era rejeitada.
Acha mesmo que um ministro, rico, lindo, que sempre se relacionou com
prostitutas e comprou você para fingir ser a esposa dele porque não quer ter
um relacionamento de verdade, vai se apaixonar de repente?
Odiava essa entidade feminista que alugava um quartinho na minha cabeça
porque a filha da puta sabia argumentar.
Tomei um banho demorado. Cada vez que tocava meus seios lembrava do
Hálim os estimulando e de Khalid deslizando o polegar pelo bico rígido.
O pessimismo dela não impede que a gente se divirta. A segunda entidade
que habita a minha cabecinha perturbada me incendiou com suas ideias
safadas.
Rapidamente as lembranças deram asas à minha imaginação e me toquei
debaixo da água quente, imaginando serem línguas em vez de dedos. Duas,
não uma. Talvez, em determinado momento, uma das bocas abandonasse o
ponto entre as minhas pernas e se concentrasse em um dos meus seios,
chupando forte, me impulsionando para o alto de um desfiladeiro de onde eu
despencaria sentindo toda a adrenalina percorrer minhas veias.
Ali naquele banheiro, eu não precisava ter pudor. Podia imaginar aqueles
dois homens me satisfazendo.
Imaginei Khalid me penetrando enquanto Hálim me masturbava e fiquei
bem próxima de um orgasmo.
Deslizei o dedo para dentro de mim, vencendo o aperto da vagina que
palpitava. Gemi sentindo meu clitóris inchado e sensível enquanto rodava o
bico do meu seio com a mão livre.
Dois anos sem transar. A pandemia piorou muitos aspectos da minha vida.
Friccionei o polegar no ponto sensível enquanto me estocava com o dedo
médio. Era muito menos do que eu precisava para me sentir preenchida, mas
quando imaginei Khalid e Hálim gozando juntos em cima da minha barriga, o
orgasmo veio em uma explosão.
Acho que gritei extasiada com a sensação poderosa.
Deixei a água cair sobre mim enquanto arfava.
Talvez eu conseguisse me conter no dia seguinte sem fazer uma besteira
que colocaria tudo a perder.
Khalid

Por que, dentre tantos livros no mundo ela tinha que gostar justo daquele?
Charlotte Brontë não é uma unanimidade entre os jovens. A leitura pode ser
maçante, são muitas páginas, a linguagem é rebuscada, mas que inferno!
Quantos livros existem no mundo? Bilhões?
Bati algumas vezes na porta do quarto irritado, mas Isabela não respondeu.
Ela decorou um trecho do livro.
Bati mais forte na porta perdendo a paciência.
Qualquer papagaio pode decorar um trecho de livro, isso não a torna mais
inteligente.
— ISABELA — Além de chata não me escuta. — Eu quero escovar os
dentes. Posso entrar?
Tomei banho tão distraído que me esqueci de escovar os dentes e o único
banheiro ficava dentro da suíte dela.
Deve estar dormindo.
Abri a porta devagar. Percebi que ela ainda estava no banho pelo barulho
de água e cheguei a dar meia-volta, mas quando ouvi seus gemidos, congelei
no mesmo lugar.
Era o som mais fascinante que já tinha ouvido. Lamúrias roucas, graves,
que arrepiaram todo o meu corpo como um impulso elétrico.
Não era nada parecido com o que ouvia das prostitutas.
A curiosidade foi mais forte do que toda a educação que tive em Londres.
Pro inferno com Oxford!
Precisava ouvir aquilo.
Eu me aproximei do banheiro com cuidado. A porta estava entreaberta. Os
gemidos tinham se tornado mais lânguidos e sôfregos.
Meu pau contraiu com tanta força que precisei segurá-lo e senti a pulsação
do meu coração nele.
O que estou fazendo? Espiar minha noiva tomando banho é o fundo do
poço.
Outro gemido e dessa vez minhas bolas doeram.
Puta merda!
Tirei o pau pra fora do short e massageei da base até a cabeça.
— Ah, isso... me fode — gemeu e se eu não tivesse plena certeza de que
não havia mais ninguém com ela, já teria invadido aquele banheiro e matado
alguém.
Olhei pela fresta e vi seu reflexo no espelho. Completamente molhada,
encostada na parede de azulejos, de frente para o blindex embaçado,
masturbando-se enquanto estimulava o seio. O som que ela produzia ao se
tocar era preguiçoso, carregado de sensualidade. Um lamento doce que
invadiu a minha mente e enroscou seus dedos longos em meu cérebro,
tomando posse da minha sanidade. Gemeu mais alto e descompassou meu
batimento cardíaco, ditando um novo ritmo.
Movimentei a pélvis para frente, fodendo a minha própria mão,
hipnotizado pelo seu cântico de sereia. Queria engolir cada murmúrio, chupar
o seio que ela estimulava, me banquetear em sua boceta lisinha, mas foi
quando ela gritou o meu nome enquanto gozava que algo muito errado
aconteceu.
Gozei junto com ela.
Submisso, respondi a um comando sem que ela precisasse sequer dizer as
palavras e a porra se espalhou pelo chão do quarto enquanto eu me tremia
inteiro. Todos os meus músculos estavam se contraindo numa explosão de
sêmen que sujou todo o chão.
Acho que nunca ejaculei tanto nem fodendo, menos ainda batendo uma
punheta.
Olhei para o chão em desespero quando ela desligou o chuveiro e não tive
muita opção.
Tirei o short e limpei o chão o mais rápido que pude e saí correndo nu do
quarto.
Quando já estava no anexo, joguei a porra no lixo.
Literalmente.
Vesti outro short, mas fiquei inquieto. A minha vontade era ir até lá e
reivindicar seu corpo, foder a sua boceta até que gritasse pelo meu nome mil
vezes, mas Isabela queria algo que custaria a minha alma.
Andei de um lado para o outro até que ela saiu do quarto de robe e com
uma toalha enrolada na cabeça.
— Posso usar o banheiro? — disparei me sentindo tenso em sua presença.
Ainda queria abrir suas pernas e chupar aquela boceta masturbada até que o
meu maxilar quebrasse.
— Claro — respondeu abrindo o frigobar e pegando um chocolate.
Gosta de comer doce depois que goza, Isabela?
Ir até o banheiro escovar os dentes foi um erro porque fiquei duro no
momento em que encarei o espelho e me lembrei dela se masturbando.
Relacionamento... Isabela queria um relacionamento.
Que ideia ridícula!
O que diabos se faz em um relacionamento?

— Você está com uma cara péssima, Khalid. O que houve?


— Não dormi direito — grunhi revendo a agenda pela quinta vez, sem
conseguir me concentrar. A verdade é que eu nunca dormia direito por causa
da merda dos pesadelos —, mas você dormiu. Ouvi seus roncos quando fui
beber água.
— Eu não ronco!
Olhei para ela tentando não rir.
Ronca sim!
O carro pulou quando passou pelo décimo buraco e eu nem sei quantas
vezes já tinha xingado mentalmente o prefeito do Rio de Janeiro. As ruas
daquela parte da cidade eram uma vergonha.
Estacionamos em frente a um sobrado de pintura desbotada. A primeira
casa de uma viela com diversas outras apinhadas umas nas outras, a maioria
sem reboco.
— É aqui. — A voz da Isabela saiu tensa. — Vou ser rápida.
— Eu vou com você.
— Não precisa — tentou me impedir, mas agarrei o seu pulso e plantei um
beijo em seu pescoço. — Será mais rápido se eu te ajudar.
Foi um toque simples, só de provocação, mas o meu coração tropeçou na
beira do precipício e despencou.
A sensação de vácuo cresceu dentro da minha barriga enquanto encarava
os olhos azuis de raposa esperta.
— Melhor irmos logo então — disse cautelosa, afastando-se de mim e
concordei.
Quando ela abriu a porta, eu estranhei a falta de móveis na casa. A sala
pequena tinha apenas um sofá velho. Havia algumas poças de água pelo chão
e quando olhei para cima entendi o motivo: goteiras. As telhas estavam
quebradas.
Ela ficou sem jeito, esfregando as mãos na calça e foi em direção ao
quarto. Caminhei devagar, observando as manchas na parede. Havia uma
rachadura em uma delas. Passei por um cômodo estreito à direita que percebi
ser a cozinha. Não tinha armários e nem geladeira. A louça limpa estava
empilhada em um canto da pia e o fogão era do tipo que se usa em
acampamentos.
Precisei de poucos passos até chegar ao quarto. A roupa de cama estava
dobrada sobre um colchão fino e duas caixas de papelão faziam o serviço de
armário.
Isabela se abaixou para mexer em uma das caixas e falou sem me encarar:
— Eu disse que seria rápido porque não tenho muita coisa.
— Você adiantou a mudança antes de viajar?
— Não. — Ela ergueu o queixo após uma respirada curta. — Eu vendi
todos os móveis para sobreviver. Pagar a conta de luz, água, comprar
remédios e comida não é fácil sem um emprego. Além disso, o custo de vida
no Brasil subiu muito durante a pandemia.
Engoli um bolo que se formou em minha garganta.
— Eu só preciso de algumas coisas — avisou separando um álbum de
fotos. — O resto pode ficar para trás.
Primeiro eu fiquei chocado. Aquele lugar não oferecia condições mínimas
para um ser humano viver. Depois, me lembrei de tudo o que falei para ela
assim que nos conhecemos e fechei os olhos com força, odiando a mim
mesmo e minha boca maldita.
É fácil julgar quando não conhecemos a realidade do outro. Eu me abaixei
até estar de cócoras ao seu lado.
— Sinto muito, Isabela.
O olhar endurecido que ela me dirigiu atingiu meu peito.
— Não fique sensível. Eu sou apenas uma dos milhares de pessoas que
vivem essa realidade. Pega aquela sacola pendurada atrás da porta, por favor.
Levantei devagar pensando mil coisas, mas não retruquei.
Juntamos os seus pertences e despachamos para Omã com um dos
seguranças num voo comercial e quando a barriga dela roncou, pedi ao
motorista que nos levasse de volta ao hotel onde almoçamos no restaurante.
Empurrei o prato vazio para frente e abri a agenda no tablet, conferindo os
próximos compromissos.
Isabela garfava seu último pedaço de torta de morango quando apontei
para o aparelho, chamando sua atenção.
— Temos uma reunião com dois ministros no fim da tarde de hoje —
comecei a explicar, afastando o copo de suco para dar espaço para a
caderneta que levava sempre comigo no bolso. — Anotei alguns pontos que
preciso abordar para que encaminhe a conversa. Não deixe que eles fujam
muito do assunto.
Ela pegou a caderneta lendo todos os meus adendos e o objetivo da
reunião.
— Sem problemas. Fiz muitos acordos desse tipo na Holding.
— Só preciso que entenda que dessa vez eu estarei negociando então
espere as minhas instruções. Vai traduzir minhas falas e me passar o ponto de
vista deles. Além disso... — fiz uma pausa e Isabela ergueu as sobrancelhas
— será a primeira vez que nos apresentamos como um casal. Alguns
repórteres já entraram em contato e estarão autorizados a fotografar o
encontro. Teremos que sustentar a imagem de apaixonados que se casarão em
menos de uma semana.
— Sim, senhor — respondeu desviando os olhos para as minhas
considerações no papel. — Vou precisar me arrumar, então já vou indo pro
salão. Te encontro no quarto daqui a duas horas.
Ela pegou o celular de cima da mesa e jogou dentro da bolsa pequena já se
levantando.
— Posso levar isso? — Apontou para a caderneta e consenti. — Ótimo.
Vou estudar seu roteiro enquanto arrumo o cabelo.
Como se fosse algo normal em nossa rotina, ela se debruçou sobre mim e
selou meus lábios com os seus antes de sair do restaurante fazendo alguns
homens virarem o pescoço em sua direção.
Eu tinha um problema enorme. Queria transar, mas sem mudar o status da
nossa relação.
Precisava convencer Isabela a deixar sua exigência de relacionamento de
lado. Não tinha nado de errado nisso, afinal, ela me queria.
Uma noite de sexo sem compromisso mataria a minha curiosidade e eu
deixaria de ficar tão excitado com a merda de um beijinho na boca. Isso
colocaria a minha cabeça de volta no lugar, com certeza.
Depois disso, ela voltaria a ser apenas mais uma funcionária.
Sorri para o nada, satisfeito com meu plano.

No horário marcado eu já estava pronto, sentado no sofá amplo quando ela


abriu a porta.
— Já estava na hora! — Era uma reclamação pelo seu atraso de uma hora e
iria proferir outras mil se não a tivesse visto.
Fechei a boca sem palavras.
— Gostou? — Rodopiou pelo quarto.
O cabelo natural, cacheado, tinha encolhido alguns centímetros e ganhado
volume. A calça social justa no quadril marcava a cintura e alongava as
pernas compridas. Uma blusa justa e decotada deixava o vão entre os seios
exposto, provocante, mas o terno suavizava sua composição dando um toque
de elegância.
Engoli em seco.
— Não está muito ousado para o momento, está?
Fiz que não com a cabeça. Estava pouco me fodendo para a opinião de
políticos hipócritas, sujos até a alma de tão corruptos. A minha mulher se
vestiria como ela quisesse e ai de quem falasse alguma coisa. Eu mataria o
infeliz com minhas próprias mãos.
— Diz alguma coisa, Khalid!
— Eu... — engoli em seco me aproximando — acho que está perfeita.
Isabela

A negociação com os ministros foi tranquila, mas demorou. Eles realmente


fugiam do assunto e tentaram se esquivar diversas vezes. Cada vez que
percebia que eu estava me irritando, Khalid pousava a mão na minha coxa,
acariciando minha perna discretamente.
Tínhamos desenvolvido uma conexão tão fluída que parecíamos realmente
um casal.
O diplomata de Omã no Brasil havia usado o nosso casamento para
pressionar o Ministério do Turismo. Khalid me contou que desde o
casamento do Zaad, alguns acordos foram fechados, mas foram jogados para
escanteio algum tempo depois. A reunião de hoje tinha o objetivo de
pressionar o governo brasileiro a cumprir esses acordos. Por isso ele solicitou
a presença da imprensa.
Após a reunião, os fotógrafos nos esperavam ansiosos e a chuva de flashes
ofuscou a minha vista. Não consegui enxergar para onde íamos até sentir
minha cintura enlaçada e fui puxada lentamente para junto do seu corpo
firme.
— Por aqui — falou pousando a mão na base da minha coluna e minha
pele se arrepiou. — Os repórteres querem tirar uma foto nossa.
Ergui o rosto, fiz uma pose casual tentando ignorar o tremor pelo meu
corpo e fingir que a loucura de repórteres em cima de nós era algo normal.
— Basta olhar nos meus olhos e fingir que sente alguma coisa por mim —
sussurrou baixinho e o seu olhar intenso me deixou sem ar. — Fiquei
sabendo que aqui no seu país é comum que os casais se beijem bem
intimamente.
Fiz que sim com a cabeça.
— Preciso de uma foto escandalosa. — Ele estreitou o olhar. — Quero
toda a imprensa falando sobre como o Ministro de Omã é gostoso, o quanto a
sua noiva é sortuda e fazendo perguntas inconvenientes para que o governo
pare de me enrolar.
— Khalid — balbuciei pedindo e recusando ao mesmo tempo. Confusa
entre desejo e medo de me quebrar.
Ele umedeceu os lábios sorrindo, mas ofegou quando mirou a minha boca.
Um pequeno descompasso na respiração que me revelou o quanto suas
emoções estavam descontroladas. O meu coração bateu apavorado e ansioso,
amando e detestando aquele homem que resolveu a minha vida com um passe
de mágicas, mas a complicou de tantas outras formas.
A sua boca desceu sobre a minha em um beijo terno e sua língua pediu
permissão para entrar, acariciando meu lábio.
Respiramos fundo juntos, mergulhando naquele abismo de sensações. Sua
mão desceu para a base da minha coluna me mantendo firme enquanto fazia
amor com a minha boca.
Não poderia descrever de outra forma.
A língua se enroscava sensual na minha. Os lábios deslizavam sobre os
meus, buscando um ângulo melhor, degustando o momento.
Meus joelhos tremeram sobre os saltos altíssimos.
— Quero você — revelou em um sussurro grave, baixo, esfregando o nariz
arrebitado no meu.
Espalmei a mão em seu peito num gesto defensivo automático e senti seu
coração. Batia tão apressado, tão forte que o encarei de olhos arregalados.
Khalid segurou a minha mão e virou-se sorrindo para as câmeras, me
deixando confusa.
Foi de verdade, ou apenas uma atuação para os repórteres?
Acenando como se fosse uma celebridade, ele me conduziu para o carro e
cochichou alguma coisa no ouvido do segurança que veio conosco no carro.
— Entra — ordenou rápido abrindo a porta pra mim e sentou do meu lado
no banco de trás.
Khalid cravou a mão em minha perna, acariciando a minha coxa e se
debruçou sobre mim, beijando o pescoço.
— Espera — protestei sentindo o arrepio quente umedecer minha entrada.
— O que está fazendo?
— Quero você, Isabela. Vamos negociar suas restrições. — A mão larga
acariciou o meu quadril enquanto sua boca explorava a curva do meu
pescoço. — Apenas uma noite — implorou mordiscando meu ombro — e
tudo volta ao normal no dia seguinte.
Gemi baixinho quando ele chupou o lóbulo da minha orelha.
— Esse é o problema — forcei as palavras para fora da minha boca, mas o
tesão embargou minha voz. Era difícil raciocinar com sua língua estimulando
meus pontos sensíveis. — Não quero ser ignorada no dia seguinte. Não quero
transar com alguém que fingirá que nada aconteceu.
Espalmei seu peitoral sentindo a firmeza dos músculos.
— Diga que não sente atração por mim — exigiu escorando a testa na
minha.
— Khalid... eu não — tentei mentir, mas ele tomou a minha boca
novamente.
Retribuí seu beijo cada vez mais excitada, sentindo seu corpo quente me
imprensar contra o banco do carro. Subiu a minha blusa, enfiando a mão por
baixo do tecido e tocou meu seio, posicionando-se à minha frente, usando o
corpo massivo para me ocultar da visão do motorista.
Arfei e ele emitiu um som grave que mais parecia um rosnado.
— Gosta quando toco os seus seios? — inquiriu num sussurro erótico. —
E se eu colocasse a boca neles? — Afastou a blusa e lambeu o bico olhando
dentro dos meus olhos, tão obsceno que precisei trincar o maxilar para não
gemer.
— Khalid — supliquei num cochicho —, não estamos sozinhos!
Com um sorriso maligno ele me fez entender que faria muito pior agora
que eu havia mencionado e abocanhou o seio chupando com força.
Joguei minha cabeça para trás absorvendo as sensações.
Quente. Molhado. O frio do ar-condicionado do carro me arrepiando
quando a sua boca me abandonou.
A carência ampliou meus sentidos.
As contrações da minha vagina aumentaram quando ele engoliu o seio
novamente e mostrou os dentes, arrastando-os até a ponta sensível para
massageá-los com a ponta da língua.
Enfiou a mão entre as minhas pernas, por cima do tecido da calça e
massageou meu clitóris me fazendo estremecer. Mordi os lábios para não
gemer. A medida de força que imprimia contra a minha pele, naquele ponto
sensível, era tão precisa que me ergueu depressa até um ponto de excitação
perigosa, daquelas que te fazem ignorar os riscos.
Tateei seu corpo precisando sentir sua pele e puxei a camisa social para
fora da calça, deslizando a mão por baixo do seu colete. Ele me ajudou
desabotoando a calça e abriu o zíper. Minha mão tinha vontade própria e
precisava senti-lo.
Puta merda!
Foi um erro. Khalid era tudo o que prometia. Mesmo por cima da cueca
pude sentir a quentura do seu pênis duro, tão grosso e comprido que me
assustei.
— Fica calma — rugiu no meu ouvido. — Cabe direitinho. — Rebolou a
pélvis contra a minha mão.
O desejo dele estabeleceu uma ligação rápida com o meu. Consumiu a
pouca racionalidade que me restava e tudo em mim se transformou em uma
única ambição: ser penetrada por ele.
Rápido. Bruto. Cru. Eu desejei o seu pior.
Queimei por dentro, obcecada.
— Espera — sussurrei com um último fio de força — até chegarmos ao
quarto.
Ele abriu um sorriso vitorioso e se ajeitou fechando o zíper, mas nem se
deu ao trabalho de abotoar a calça. Passou a me beijar com uma precisão e
encaixe perfeito.
Poucos beijos que recebi foram realmente bons, mas Khalid era perfeito. O
encaixe, a medida de força, o uso da língua desferindo círculos, era como se
nossas bocas reproduzissem uma coreografia ensaiada há séculos.
Ele parou por um segundo e olhou dentro dos meus olhos, talvez
reconhecendo a singularidade daquele toque, e engoliu em seco.
Assim que estacionamos, Khalid ajeitou a minha blusa e praticamente me
arrastou pela recepção, voltando a me assaltar com seus beijos dentro do
elevador e por todo o caminho até o apartamento luxuoso. Abriu a porta com
dificuldade enquanto apertava a minha bunda e lambia meu colo e assim que
entramos, ele me imprensou contra a parede. Sugou meu lábio inferior,
mantendo entre seus lábios como se degustasse. Uma mordida sem dor.
Lenta. Soltou devagar olhando dentro dos meus olhos com uma intensidade
que abalou as minhas estruturas.
Durou um milésimo de segundo e tudo ficou caótico.
Consegui tirar o blazer preto enquanto ele se livrava do terno e do colete
esfregando o pau duro como rocha, contra a minha barriga. Ajudei a
desabotoar a camisa e ele puxou a minha blusa de uma vez, libertando meus
seios.
Enfiou um deles o máximo que pode dentro da sua boca me deixando
quente.
Tremores, arrepios, suor entre as minhas pernas, Khalid me causava muitas
sensações e todas eram deliciosas.
Ele desceu as calças junto com a cueca e a ereção pulou.
Lindo!
A visão da sua nudez roubou meu fôlego. Os braços e coxas musculosos
tinham algumas veias grossas saltadas. Meus olhos escorregaram do
abdômen trincado para sua pélvis reta com um V suave. A pele cor de
caramelo era tão lustrosa que salivei.
Ele se aproximou devagar, olhos colados nos meus, e desabotoou a minha
calça enquanto eu lutava para respirar, ansiosa. Puxou para baixo com
delicadeza, deixando a calcinha e me causando arrepios.
Fechei os olhos e aspirei seu perfume.
Cítrico.
Cheiro de limão e flores. Cheiro de poder e crueldade.
— Você é linda — sussurrou no meu ouvido e fechei os olhos sentindo
seus dedos acariciarem a minha barriguinha saliente.
Eu conhecia meu corpo. Não tinha um abdômen chapado como o dele.
Sabia o que havia ali onde ele tocava com tanta delicadeza.
Senti sua boca encostar no meu ventre, desferindo beijos e o encarei
surpresa. Khalid havia se abaixado para beijar aquele ponto que me deixava
tão insegura, fritando meu cérebro.
Desceu a boca a cada beijo, em direção à minha intimidade. Os lábios
grossos espalhavam seu calor, cada vez mais baixo, até atingir o centro do
meu prazer.
Minha calcinha já estava encharcada quando ele lambeu o traço de renda
que cobria meu sexo.
— Ahhh — pude gemer apropriadamente, tão alto e lascivo quanto a
minha alma exigia.
Lambeu de novo, por cima da minha calcinha, e o incentivei com
movimentos contrários a seu ir e vir.
Delicioso.
A barba roçava entre minhas coxas, arranhando a pele sensível.
— Abre — pediu abraçando as minhas coxas por trás e obedeci, afastando-
as o suficiente para que encaixasse melhor o seu rosto.
Khalid puxou a renda para o lado e, ali, ajoelhado entre as minhas pernas,
afundou a boca em mim, num beijo longo. A forma como ele não dosa a sua
força, comprimindo aquele ponto delicado, me fez gemer e gritar seu nome.
Beijava a minha boceta como se fosse a boca, afundando a língua em meus
lábios, os grandes e pequenos, arrastando a barba em meu clitóris e chupando
com gosto.
Bruto.
Faminto.
— Espera — pedi ofegante, segurando a sua cabeça com o desejo prestes a
explodir. Os cabelos curtos não me permitiam agarrá-lo. — Se fizer assim
vou gozar muito rápido.
Ele afastou a boca e me encarou.
Ver aquele homem enorme pelado, ajoelhado entre as minhas pernas, foi
arrebatador. A intensidade do seu olhar por baixo dos cílios longos e pretos,
os olhos de demônio reivindicando a minha alma e o sorriso obsceno que
abriu me levaram ao limite.
Como se soubesse o estado em que meu corpo estava, ele apenas soprou
devagar em meu clitóris, me olhando nos olhos, e eu gozei.
Sem penetração, sem toque, um sopro e me desfiz, me contorcendo como
se fosse uma adolescente virgem que experimentou contato físico pela
primeira vez. Soprou outras duas vezes enquanto eu me apoiava em seus
ombros.
— Filho da puta — xinguei ainda sentindo os espasmos.
Ele se levantou alisando o próprio pau quando meu corpo parou de se
contorcer. Não disse nada, mas o sorriso sim. Vangloriava-se do meu
absoluto descontrole.
— Vira — ordenou com sua voz sexy. — Apoie as mãos na parede e
empine esse rabo pra mim.
Obedeci, trêmula, me livrando da calcinha e ele espalmou o meu ventre me
forçando para cima. Com a outra mão ele acariciou minha entrada,
espalhando a lubrificação.
Senti meu corpo esquentar de novo, mas quando ele brincou com meu
ânus, circulando o orifício com o dedo melado, eu levei um susto e me retraí.
— Não!
Toda a sensação de ser usada por homens que só queriam uma foda
diferente comigo, me invadiu de repente.
— Calma! — pediu acariciando a minha bunda com delicadeza. — Eu só
quero te dar um beijo aqui. Nada mais. Prometo que não vou colocar meu pau
nele hoje.
— Promete?
Ele não confirmou ou esperou pelo meu consentimento. Simplesmente
deslizou a língua por entre a fenda, de baixo para cima e eu arfei de vergonha
e susto.
Oh, minha nossa, como isso é bom!
— É só isso! — explicou ofegante. — Só um beijo. — A voz dele soou
áspera e novamente ele acariciou aquele ponto. — Eu só quero te dar todo o
prazer que você merece.
Arfei quando a sua língua deslizou novamente, me fazendo experimentar
sensações que eu desconhecia, atiçando a minha imaginação.
— Khalid — falei sem saber o que eu realmente queria, pois a sensação era
deliciosa.
A minha cabeça dizia não, mas o meu corpo implorava por mais.
Ele lambeu toda a orla do ânus.
Primeiro senti o calor da língua. Depois a sensação de estar molhada.
Então, os arrepios elétricos se conectaram, sabe-se lá como, com a minha
vagina que palpitou, derretendo o meu senso sobre o certo e o errado,
invadindo as divisas da minha moralidade.
Senti a saliva dele se misturar com a minha lubrificação que escorria pela
minha coxa. Um tesão cru e poderoso cresceu em mim a ponto de me fazer
rebolar na sua cara. Ele lambeu com mais força e penetrou a minha vagina
com um dedo, me levando à loucura.
A paciência dele precisava ser canonizada. Os movimentos contínuos entre
os dedos dentro de mim e a língua naquele ponto proibido me deixaram
excitada como jamais estive na vida.
Lento.
Contínuo.
Incansável.
Nunca imaginei que alguém pudesse mexer tanto com o meu desejo.
Sempre fiz sexo focada em dar prazer ao meu parceiro. A satisfação às vezes
vinha, mas era consequência e não o foco. Eu gozava baixo. Sentia tesão
ameno. Tive sexo normal e confortável por toda a vida, por isso quando abri
a boca e gemi, não foi apenas prazer, mas um protesto.
— Ahhhhh, Khalid! Não para — implorei latejando, mas ele se afastou.
— Já, querida? — perguntou e eu arfei frustrada.
Ele caminhou até a sua roupa caída no chão e pegou um preservativo do
bolso. Ouvi o pacote sendo rasgado com meu coração aos solavancos. Ele
deslizou a camisinha pelo membro ereto e acariciou a minha bunda.
— Empina — rugiu grave.
Obedeci sentindo meus joelhos tremerem. Ele se posicionou na entrada da
minha vagina, lambuzando a ponta do membro com minha excitação e
pousou a mão em minha cintura.
A minha pele estava quente. Encarei a parede branca à minha frente
esperando pela sensação de ser invadida e recebi um tapa na vulva.
Gritei, de susto e de tesão.
— Gosta?
Era uma surpresa pra mim, mas a sensação foi deliciosa. Fiz que sim e ele
acertou outro, um pouco mais forte, massageando o clitóris logo em seguida.
— Assim — gritei perdendo toda a sensatez. — Mais forte.
— Eu vou te fazer gozar bem gostoso — avisou forçando a cabeça do pau
para dentro de mim.
A glande larga entrou com dificuldade. Ele parou na metade e se debruçou
sobre mim, colando a boca no meu ouvido.
— Ohhhhh! — Khalid gemeu rouco enquanto me penetrava.
Eu não sabia que poderia ser tão satisfatório até ouvi-lo. Ele me deu aquele
som de presente. Um grunhido selvagem e profano.
A voz áspera e sexy ecoou pelo quarto enquanto ele se empurrava para
dentro de mim até o fundo.
Todo o meu corpo se arrepiou. Foi tão delicioso que a minha vagina
contraiu absurdos de tanta excitação.
— Puta merda! Você ainda tá muito apertada. Há quanto tempo essa
bocetinha gostosa não engole um pau?
— Você é um depravado!
— Está me esmagando, Isabela. Isso tudo é tesão? — perguntou rindo e
saiu de dentro de mim devagar para entrar com tudo numa estocada firme até
o fundo que me fez gritar. — Não falei que cabia?
A voz dele assumiu um tom ainda mais grave que reverberou por todo meu
corpo. A sensação de preenchimento foi intensa.
— Puta que pariu — xinguei alto. — Espera — pedi sentindo minha
vagina latejar se acostumando com sua grossura.
— Calma, querida. — Acariciou o ponto inchado, me fazendo gemer ainda
mais, ansiosa pela libertação que se formava em meu ventre. — Ainda nem
comecei.
O cretino estapeava meu clitóris quando saía inteiro de dentro de mim, e
voltava com tudo, de uma só vez. Outro tapa estalou alto e molhado.
— Vou gozar — avisei sôfrega e ele diminuiu o ritmo, passando a me
estocar muito devagar. — Não, por favor!
Ele se retirou de dentro de mim e deu um tapa ainda mais forte na minha
boceta. Estremeci sentindo os primeiros espasmos.
— Por favor — repeti o pedido.
— Por favor o quê?
— Me deixa gozar. — Minha voz saiu como um miado, e ele virou o meu
rosto para ele bruscamente. Os dedos estavam melados da minha excitação.
Ele me beijou duro, como o depravado que era.
— Diga: me fode com força, Khalid — ordenou seco.
Senti meu rosto esquentar.
— Não.
Ele me curvou ainda mais, empinando a minha bunda e estocou de uma só
vez, bruto, gemendo junto comigo.
— Se não me obedecer vou ficar aqui parado.
Minha vagina pulsava com ele enfiado dentro de mim. O tesão era demais
para resistir.
— Me fode com força, Khalid — pedi com um fio de voz, quase gozando.
Ele cuspiu na própria mão e circulou meu ânus, usando a saliva pra
lubrificar e empurrou o dedo para dentro sem aviso.
Gritei sentindo um misto de dor e tesão.
— Relaxa. Deixa o corpo se acostumar — orientou esfregando meu clitóris
com a outra mão. — Confia em mim, querida. Sei o que estou fazendo.
Foram muitas sensações misturadas. Eu me sentia completamente
preenchida e, de fato, meu corpo se acostumou a ponto de querer mais.
Quando rebolei com seu pau dentro de mim, ele rosnou estocando-me sem
piedade e me arrancou tantos gemidos que precisei forçar as mãos contra a
parede.
Cada vez que ele investia contra mim sentia o orgasmo se aproximar
poderoso.
— Isso, me aperta com essa boceta. — O som da sua pélvis batendo contra
a minha bunda melada de excitação era delicioso. — Está sentindo o meu
latejar dentro de você, Isabela? Sabe o que vai acontecer agora, não é?
Meus músculos se retesaram novamente e os espasmos me sacudiram com
violência. Tudo em mim se contraiu recebendo pequenas descargas elétricas.
Khalid inchou dentro de mim, comprimindo ainda mais a minha vagina já
no limite da elasticidade, e veio comigo, gritando o meu nome enquanto
ejaculava.
Meus joelhos cederam, mas ele me segurou antes que eu caísse.
Tirou os cabelos do meu rosto e o segurou me puxando para um beijo
suave.
Ficamos parados por alguns segundos. As bocas coladas, a respiração
ofegante e o coração a mil.
Ele se retirou de mim com cuidado enquanto eu me esticava sentindo
minha coluna sedentária reclamar. Quando o encarei ele estava com uma
expressão indecifrável olhando para o próprio pau que ainda estava ereto.
— O que foi?
— A camisinha rasgou.
Khalid

Risco de gravidez não era um problema pra mim, mas a Isabela entrou em
pânico.
Xingou em sua língua repetidas vezes.
— Fica calma! A gente compra uma pílula do dia seguinte — tentei
acalmá-la com um abraço. — Seria tão ruim assim ter um filho comigo?
Estava rígida enquanto eu acariciava suas costas.
— Não estou preparada pra isso. Está... tudo indo muito rápido.
— Tudo bem, fica calma. — Penteei seu cabelo com meus dedos,
pressionando o couro cabeludo. Era como a minha mãe nos acalmava. —
Vamos fazer no seu tempo.
— Eu não tomo pílula. Não estava usando nenhum método de prevenção,
Khalid.
— Calma — pedi achando graça do seu desespero e ela bufou tentando se
afastar, mas a puxei. — Vamos pedir o remédio na farmácia. — Calei-a com
um beijo quando tentou retrucar.
Ela assentiu, sacudindo a cabeça e beijei sua testa.
Peguei o terno do chão e vasculhei os bolsos atrás do aparelho celular.
Isabela recolheu suas roupas espalhadas, mas tomei a calcinha vermelha da
sua mão.
— Isso é meu — avisei recebendo um olhar indignado.
— Ei! Devolve a minha calcinha — pediu estendendo a mão e a encarei
muito sério.
— Não é mais sua.
— Se quer usar minha lingerie, pegue uma limpa pelo menos!
— Essa está encharcada com a sua excitação e o mérito é todo meu, então
me pertence.
— Vai guardar a minha calcinha suja? Que nojo!
— Sentir o cheiro do seu sexo não é nenhum nojo. — Liguei para a
recepção do hotel pedindo o telefone da farmácia mais próxima. — Só um
minuto — pedi em inglês indo até a mesinha de centro onde tinha papel e
caneta e anotei o número, agradecendo antes de desligar.
— Peça o remédio. — Passei o meu celular para Isabela. — Não falo
português.
Todos na recepção do Copacabana Palace falavam inglês, uma das línguas
que domino, mas fora dali era complicado me comunicar no Brasil.
— Disseram que chega em vinte minutos.
— Ótimo! O tempo de tomarmos banho.
Puxei Isabela para o banheiro afundando o rosto em seus cabelos e respirei
fundo.
— O que está fazendo? — Riu ao perguntar.
— Você tem um cheiro tão bom.
Queria registar na minha memória para não esquecer.
— A Giorgio agradece a preferência. Comprei com os milhões que você
me pagou.
Tomei sua boca gostosa abrindo o chuveiro sobre nós. Isabela
correspondeu mais solta, dando passagem para a minha língua e demoramos
naquela adoração mútua.
Não, eu não tomava banho com minhas fodas. Mas eu me casaria com
aquela mulher, então, por que não experimentar tudo o que nunca me permiti
viver?
Esfreguei seu corpo com o sabonete e fiquei duro novamente.
Isabela era tão linda, mas percebi que ficava tímida quando eu tocava os
detalhes únicos da sua pele. Tinha volume nas coxas e seios e a barriga era
natural, com pequenas fissuras na pele. Acariciei querendo decorar cada
detalhe seu e ela se virou de costas, me negando aquele prazer tão pequeno.
Suspirei desapontado.
— Por que está se escondendo de mim?
— Eu não sou nenhuma modelo, Khalid.
— E daí?
— Tenho imperfeições, ok? — Ela parecia brava e não consegui entender
o motivo. — Não precisa fingir que acha bonito.
Segurei seus pulsos e a forcei a se virar para mim.
— Eu sei o que me atrai e se o meu gosto é diferente do que você julga ser
o correto eu sinto muito. Quer me chamar de doente? Vá em frente! Não ligo.
Mas não vai me negar a visão do seu corpo nunca mais — exigi resoluto e a
vi engolir em seco. — Já tenho idade o suficiente para não precisar fingir que
gosto de alguma coisa. Então, se eu disser que você é linda, é porque pra
mim é a verdade e o resto que se foda.
Isabela prensou os lábios.
— A farmácia já vai chegar — lembrou tentando escapar.
— Não estou saciado ainda.
— Você disse que tudo voltaria ao normal depois.
— No dia seguinte — expliquei escorregando a mão pela fenda da bunda,
sentindo meu pau implorar por mais. — A noite mal começou.
— Achei que só quisesse matar uma curiosidade.
Puxei seu corpo para junto do meu, debaixo da água morna.
— É o que estou tentando fazer. — Mordisquei o ponto sensível do seu
pescoço, subi até o queixo e então capturei sua boca.
Isabela arfou abrindo passagem para a minha língua, explorando a minha
boca com a sua. Colei minha pélvis na sua barriga e me esfreguei nela para
mostrar o tamanho da minha excitação.
— Diga que já está satisfeita e deixo você em paz — desafiei brincando
com o bico do seio rígido. Sabia que seu corpo responderia ao meu toque.
— Não posso.
A confissão me encheu de um sentimento poderoso, quente e acolhedor,
inflando o meu ego.
Tínhamos uma química poderosa, eu já tinha percebido antes de foder
aquela bocetinha apertada, mas agora, eu me sentia arder por ela.
— Vamos receber o remédio — decidi taxativo, admirando a íris azul. O
vapor já tomava o boxe. — Depois, você é só minha.
Isabela

Fiquei mais tranquila quando tomei o remédio.


Khalid me concedeu uns vinte minutos antes de começar a me provocar
com seus beijos.
A vontade de tê-lo dentro de mim era quase dolorosa e quando me virou de
quatro, penetrando-me duro, desconfiei que tivesse me metido numa grande
encrenca, mas não quis pensar.
Não quando ele me fazia sentir tão poderosa gemendo o meu nome e
mostrando o quanto me desejava. Nem quando me enchia de carinho e
cuidado, amenizando a brutalidade, e fazia meu coração derreter.
— Isso, gostosa! Rebola no meu pau. — Segurou meus quadris, guiando-
me. Bruto na hora certa. Pervertido em cada palavra.
— Porra! — exclamei em português atingindo o clímax. Era difícil
raciocinar em outra língua o tempo todo. — Árabe safado!
Senti que o tapa na minha bunda foi punitivo.
— Quero todos os seus gemidos, entendeu? São meus porque é o meu pau
que arranca eles de você — rosnou estocando com mais força. — Então fale
sempre na minha língua quando estivermos fodendo.
— E se eu não te obedecer? — Sabia que estava sendo ousada e já tinha
sentido o peso da mão do Khalid.
— Vou te punir com um tapa nesse rabo enorme.
Ouvir aquilo só me deixou mais excitada. Gostava de certa violência, o que
jamais admiti. Tinha medo de ser mal interpretada.
Homens tendem a distorcer as palavras de mulheres e alguns abusam da
superioridade física para oprimir, mas Khalid me inspirava uma confiança
que jamais senti em ninguém.
Meu coração acelerou antes de provocá-lo: — Vai ficar com a mão doendo
de tanto me bater.
O tapa estalou antes de eu pronunciar a última sílaba. A ardência
reverberou por todo o meu corpo, mas principalmente em minha vagina que
latejou.
— Não precisa me provocar para ganhar uma palmada, Isabela. Acha que
não sinto essa bocetinha esmagando o meu pau quando faço isso? — Khalid
acariciou minhas nádegas antes de bater com ainda mais força.
Gritei alto e minha vagina palpitou errática.
— Ahhh, mulher! — gemeu sofrido, retirando-se de dentro de mim. — Vai
me fazer gozar antes do que pretendo.
Pegou meu rosto com força e virou para ele, me beijando por cima do
ombro.
— Deixa eu tirar a camisinha?
— O quê? Não!
— Já rasgamos uma hoje e você tomou o remédio. — A voz dele parecia
sôfrega. — Usei preservativo a vida inteira. Não quero fazer isso com minha
noiva.
Acho que a informação de que o Khalid nunca teve um relacionamento
normal não tinha entrado na minha cabeça até o momento. Ele só havia
transado com prostitutas e isso era tão esquisito como pesado.
Envolvida, afastei o pensamento de que ele estava curtindo demais a ideia
do casamento de conveniência e consenti.
Khalid abriu um sorriso genuíno e retirou a camisinha. Entrou lento,
deliciando-se com a sensação.
Ignorei os avisos.
Os gritos desesperados da minha consciência foram abafados pelo meu
desejo. O instinto primitivo se sobrepôs à razão.
Khalid me quebraria. Eu sabia que meu coração seria partido em breve,
mas naquele momento, não me importei.
— Isabela — chamou após uma estocada profunda —, está sentindo isso?
— inquiriu estimulando o meu clitóris enquanto me fodia de quatro em cima
da cama.
Lento, mas constante. Entrando e saindo de músculos retesados,
controlando o orgasmo próximo.
— Estou — respondi sentindo a tensão se acumular.
— Quero te encher de porra — grunhiu retesando o corpo.
— Então goza comigo, Khalid — pedi e o senti pulsar dentro de mim. —
Goza!
Foi uma exigência. Saiu rude da minha boca, como uma ordem, mas ele
obedeceu. Ou, talvez, tenha apenas atingido seu limite.
Gozamos juntos, urrando o nome um do outro. Khalid debateu-se,
sacudido pelos espasmos.
O líquido quente encheu meu canal. Tanto, que escorreu para fora,
descendo pela parte interna da minha coxa, pingando no lençol.
Eu o senti se afastar e depois a sua mão esfregou minha entrada,
espalhando o sêmen, acariciando minha boceta como se quisesse marcá-la
como dele.
— Não faz ideia do que isso significa pra mim — balbuciou parecendo o
tipo de confissão que se faz mais pra si mesmo do que para o outro.
Meu coração acelerou. Ordenei que se aquietasse mentalmente, exigi que
se mantivesse frio porque era só uma transa.
Não pira, Isabela.
Desabei sobre a cama, trêmula, e Khalid deitou ao meu lado.
Um metro e oitenta e cinco centímetros de homem. Nu em pelo. Repleto de
músculos bem definidos e um rosto perfeito de árabe malvado.
— Vem! — Ele me puxou pela mão enquanto se levantava
preguiçosamente. — Vamos tomar um banho.
Abri um sorriso admirando o seu entusiasmo.
Amanhã voltaríamos ao relacionamento de fachada, casamento de
conveniência, mas agora, eu só queria fingir que éramos um casal de verdade.
Pareceu, pelo menos para mim, que ele pensava como eu.
Tomamos banho discutindo sobre o aquecimento global, escovei os dentes
implicando com seu tamanho que tomava todo o espaço da bancada, tentei
chutá-lo pra fora da cama porque fez uma piadinha irritante sobre o filme que
passava na TV e transamos mais duas vezes antes de aceitar o cansaço.
— Tem problema se eu dormir aqui com você? — perguntou sonolento.
— Claro que não. A cama é grande.
Ele se ajeitou me abraçando. Estiquei o braço e desliguei o abajur,
deixando a escuridão nos envolver.
Adormeci rápido, me envolvendo em sonhos amenos.
Não sei que horas eram quando senti a cama sacudir. Khalid se debatia e
rangia os dentes. Murmurava alguma coisa sobre a mãe que não compreendi.
Toquei sua testa e vi que estava suando frio.
Acendi o abajur sem saber o que fazer. Ele estava claramente sofrendo
muito, emitindo um ganido baixo. Lágrimas escorriam pelo seu rosto. Tentei
chamá-lo, mas ele dormia profundamente, dragado por aquele pesadelo.
Lembrei que ele nunca dormia bem. Sempre acordava cedo demais e me
perguntei se os pesadelos eram recorrentes.
Ao invés de sacudi-lo até acordar e talvez o deixar envergonhado, preferi
abraçá-lo, puxando sua cabeça para o meu colo. Deslizei a ponta dos dedos
pela sua cabeça, na esperança de provocar algum relaxamento.
Fiz isso por alguns minutos e o senti abrandar gradativamente.
Não foi rápido, mas deu certo.
O sono dele se tranquilizou, mas passei o resto da noite me questionando
sobre o que faria um homem como ele tremer daquela forma.
Khalid

Acordei aninhado ao peito de Isabela.


O sol já estava alto no céu.
Não me lembrava de acordar tão tarde desde... sei lá. Muito tempo.
Tomei banho e vesti uma roupa pensando em como seria aquele dia. Havia
prometido a ela que tudo voltaria ao normal e cumpriria.
Liguei o tablet para ver a agenda. Tínhamos que voltar para Omã na parte
da tarde, o que significava uma manhã livre.
Aproveitei para agilizar alguns documentos, enviei e-mails, escrevi um
relatório sobre a reunião com os ministros brasileiros e já estava prestes a
encaminhá-lo para o Zaad quando meu celular vibrou.
Abri o aplicativo e vi dezenas de mensagens do Hálim querendo saber se
tínhamos transado.

— Já tomou café? — A pergunta me pegou desprevenido e acabei me


assustando. Isabela estava parada diante de mim, de short curto desfiado e
blusa decotada.
— Não — expliquei me ajeitando. — Estava te esperando.
Por que caralhos eu me ajeitei?
— Então vamos — disse sorrindo. — Ainda não arrumei a minha bagagem
e pretendo fazer isso depois de comer alguma coisa.
Assenti guardando o celular no bolso.
Descemos de elevador. Isabela se manteve afastada, olhando fixo para a
porta. Lutei contra meus olhos que teimavam em descer por todo o seu corpo.
A cada pedaço de pele que eu via, flashes da nossa noite invadiam a minha
cabeça.
Não sei se contaram para vocês, mas o homem tem um dedo-duro no meio
das pernas. Um delator inconveniente que não se intimida nem quando uma
família inteira, com duas criancinhas a tiracolo, entra na porra do elevador em
que você está sendo acometido por lembranças de uma foda fantástica.
Merda!
Eu me escondi atrás dela, tentando me concentrar em alguma coisa
brochante, mas Isabela deu um passo para trás quando mais um casal entrou
no elevador.
Esta porra não tem limite de pessoas?
A bunda estava a centímetros do meu pau e a ereção latejou forte.
Quando as portas se abriram e todos saíram, eu me virei apertando o botão
do terraço novamente.
— Esqueci uma coisa. Vou pegar e já volto.
Ela ficou me encarando confusa enquanto as portas se fechavam.
Merda! Não acredito que vou ter que bater uma punheta só para não ficar

de pau duro do lado dessa mulher


O voo para Omã foi absurdamente longo, como sempre.
Assim que pisei em Mascate, fui sobrecarregado de informações por Hálim
que me aguardava ansioso.
Os ataques à nossa fronteira haviam se intensificado. O número de
desaparecidos havia crescido, assim como os rumores de descontentamento
com o sultanato e Zaad estava em uma reunião de emergência.
Conhecendo as limitações do meu irmão, sabia que isso era ruim.
Deixei Isabela em casa e fui direto para o conselho.
Não me surpreendia aqueles abutres o terem arrastado para o conselho
pelas minhas costas, por isso cheguei de mansinho.
— Seu pai já teria enviado tropas até a fronteira — berrou um dos
apoiadores do Tessalah. — Precisa demonstrar força ou então...
— Ou então o quê? — inquiri da porta, pegando-o de surpresa. O velho
engoliu em seco, mas não escondeu a insatisfação. — Acho que estão se
esquecendo de que são conselheiros aqui. Não estão em uma democracia.
Devem respeito ao sultão.
— Estamos apenas aconselhando o sultão sobre a possibilidade de uma
guerra — Tessalah interveio usando um tom paternalista. — Ele é... como
posso dizer? Dócil. Mas a situação pede medidas drásticas.
Não era um elogio. Aquele miserável estava manipulando o conselho há
tempos. Tentava implantar a ideia de que Zaad era frouxo e, de certa forma,
eu sabia que era.
Meu irmão usava ansiolíticos e estabilizadores de humor. Vivia uma eterna
luta para não ruir, então se controlava até quando não deveria. Era um ótimo
diplomata, mas um líder não pode ser cordeirinho o tempo todo. Para um
governo eficaz, precisa-se de um psicopata, então, tínhamos um acordo. Eu
era o seu cão do inferno e ele fingia não saber da existência de um prostíbulo
em Omã e não me dava lições de moral sobre meu comportamento devasso.
— Vou facilitar a sua vida, Tessalah. Insinue que o sultão é incapaz
novamente e será executado por traição.
— Ora, vamos! Não distorça as minhas palavras. Além disso, você não
chegaria a tanto.
Ele forçou uma gargalhada debochada que explodiu a minha paciência. Dei
quatro passos longos e bati forte na mesa. O som reverberou fazendo todos se
encolherem.
— Experimente!
Zaad encarou o próprio pulso, deprimido. Sabia o quanto aquelas reuniões
eram desgastantes para ele.
— Está insatisfeito — continuei. — Pegue toda a sua família e saia de
Omã.
O rosto de Tessalah assumiu um tom avermelhado.
— Isso é exílio! O objetivo desse conselho é orientar o sultão, trazendo as
demandas do povo. É inadmissível que não possamos fazer o nosso trabalho.
— Inadmissível é não arcar com as consequências dos seus atos — falei
recebendo um olhar de dúvida e curiosidade daquele verme. — Não confunda
a bondade do sultão com inércia.
— Majestade, perdoe se foi o que entendeu. Não era a minha intenção, mas
eu peço perdão mesmo assim.
Manipulador miserável!
— Estamos investigando o paradeiro dos desaparecidos na fronteira de
Omã. — Zaad nos cortou com a voz calma, ignorando toda a cena. — Não
acho que tenha relação com terroristas e nem com a guerra do Iêmen.
Ouve um burburinho dentro do conselho.
— O que mais poderia ser? — Tessalah inquiriu fingindo uma
preocupação novelesca de quinta categoria. — A única opção seria algo
pessoal contra o sultanato dos Tharip.
— Eu avisei que o povo estava insatisfeito com a forma como nossa
religião vem sendo jogada de lado! — Said reforçou arrastando outros que
concordaram. — Allah não se agrada com...
— Pense bem nas palavras que vai usar — avisei apontando para o velho
calvo. — Tudo o que este conselho tem são suposições. Estou coordenando
as investigações de perto e não há provas.
— Falta transparência no trabalho do seu ministro — Tessalah se dirigiu a
Zaad me apontando. — No Kuwait, o emir não tem medo de guerras. Achei
que seus anos com a família Abdul tivessem lhe ensinado alguma coisa.
— Ensinou — Zaad respondeu baixo —, por isso estou nomeando Khalid
como meu sucessor direto caso alguma coisa aconteça comigo.
A declaração pegou a todos de surpresa.
Tessalah murmurou alguma coisa tão baixo que não entendi, mesmo
tentando apurar os ouvidos.
— Um homem solteiro — disse depois de todo o burburinho, controlando
o tom —, apesar de ser da família, não é a melhor indicação.
— Eu rejeitei o casamento com a sua filha, não lembra? Não deduziu que
eu já tivesse uma noiva? — Observei seu rosto oleoso se contrair. — Bom, se
está apenas jogando verde para descobrir, eu mato a sua curiosidade. Irei me
casar ainda esse mês.
O sabor de assistir a expressão dele se contrair enojada, mas sem poder
retrucar, foi delicioso.
— Uma esposa omani, espero — Dessa vez quem ranhetou foi Nizah, mais
uma conservadora da base extremista.
— Uma brasileira — informei saboreando suas expressões indignadas.
— Estamos perdendo a nossa essência. Por que não se casa com uma
muçulmana, serva fiel do islamismo? Precisa fazer as pazes com a religião.
— Torçam — rosnei de dentes trincados — para que nada aconteça com
Zaad. Porque se eu assumir o sultanato, cortarei fora a língua de qualquer um
que me contrarie.
Nizah engoliu em seco. Conhecia bem meu temperamento e sabia que não
faria promessas vazias.
— Um casamento pode apaziguar os ânimos — Zíbia, a conselheira mais
idosa, arriscou. — A população verá a família do sultão crescendo. Isso
fortalece um sultanato.
Outros concordaram e Tessalah se remexeu em sua cadeira. A insatisfação
brilhando no rosto oleoso.
— Estou ansioso para conhecer a sua noiva — disse com tanto desprezo
que precisei respirar fundo controlando uma súbita vontade de agredi-lo.
— O casamento será no Palácio. Todos estão convidados — informei antes
de me sentar finalmente. — Eu a levarei para conhecer o hotel de Mascate na
véspera.
Não houve outros comentários de forma que a pauta seguiu para questões
sanitárias dos vilaietes. Quando o conselho foi dispensado e todos foram
embora, Zaad apontou para uma cadeira próxima, mas eu não me sentei.
— Como está o relacionamento com a Isabela?
— O que quer, Zaad? Não somos amigos. Eu defendo o meu país e não
você. Pare de confundir as coisas.
— Achei que amadureceria com um relacionamento de verdade. Cedo
demais?
— Cedo demais — repeti já dando as costas para ele.
Existia uma diferença entre ser egoísta, protegendo meu próprio cargo e a
permanência da minha família no poder, e ser protetor.
Eu era egoísta.
Dirigi para casa me sentindo cansado, pensando no quanto Zaad era
hipócrita em sua tentativa de diálogo quando me obrigou a casar apenas para
me ver longe da sua esposa.
Ridículo!
Assim que entrei em casa, afrouxando a gravata, dei de cara com Hálim e
Isabela sentados no sofá de forma descontraída.
Eles me encararam como se esperassem que eu dissesse alguma coisa, mas
eu não estava a fim.
Passei por eles determinado a me enfiar em meu quarto quando Hálim
começou a falar.
— Tomei a liberdade de passar todas as informações sobre o que está
acontecendo em Omã para Isabela.
Parei no degrau onde estava, segurando o corrimão.
— E por que isso agora?
— Porque pode ser perigoso para ela.
— Não acho que seja perigoso pra mim — Isabela retrucou respirando
fundo. — Acho perigoso para o Zaad. Ele é o sultão.
Aquela frase mostrava o quanto Isabela sabia sobre meu país.
Nada!
— Ninguém tocará nele porque Zaad como sultão não representa ameaça
— falei com preguiça e falta de paciência.
A testa dela se franziu e eu revirei os olhos tornando a subir os degraus,
mas parei de novo quando Hálim concordou comigo.
— Khalid está certo. — Levantou se dirigindo à porta. — O sultão o
nomeou como sucessor, mas o conselho prefere lidar com o irmão bonzinho.
Sabem que esse aqui — apontou para mim —, promoveria uma carnificina.
Afinal, ele é o cão do inferno de Omã.
Hálim foi embora antes que eu o chutasse para fora da minha casa, o que
me poupou o aborrecimento.
— Como foi seu dia? — Isabela me interpelou, parando embaixo da
escada, olhando pra cima com seus olhos felinos.
Ergui as sobrancelhas surpreso com a pergunta.
— Conversaremos amenidades agora?
— Faz parte do pacote. É o que amigos fazem.
Não me pronunciei.
— Como foi? — insistiu.
— Uma merda.
— Hum — ela grunhiu caminhando até a entrada da adega. — Rum?
— Uísque.
Voltou minutos depois com dois copos e depositou a bebida na mesinha de
centro. Encarei o líquido caramelo e o assento do sofá ao seu lado sem muita
vontade.
— Achei que preferisse rum — comentou me olhando com olhos pidões e
eu suspirei descendo as escadas de volta.
— Em dias normais sim, mas quando estou com muito ódio prefiro algo de
gosto horrível.
Ela ergueu as sobrancelhas e repuxou a boca.
— Ok. — Bateu no sofá indicando o local onde eu deveria me sentar e,
sem razão nenhuma, me vi obedecendo.
Isabela deu uma golada longa, quase desafiadora, e fez careta.
— Achei que fosse fraca pra bebida. — Peguei o copo da mesinha e imitei
seu gesto. O álcool queimou todo o trato digestivo, distraindo-me da
ansiedade que a mulher me causava.
— Estou prestes a casar com um total desconhecido. Um porre é bem-
vindo nessas ocasiões.
O olhar atrevido decaiu e percebi que havia mais do que o casamento a
preocupando. Isabela queria realmente conversar e não tinha a ver comigo.
Lembrei que havia um motivo para ela estar ali. O mesmo que a levou a
aceitar a oferta de um estranho.
— Como está seu pai?
— Bem. — A voz semitonou. — Dentro do possível. Disseram que a
doença só vai piorar agora. Vai degenerar tudo nele até não sobrar nada.
Seus olhos brilharam segurando as lágrimas. Entendi que ela havia
recebido alguma notícia ruim dos médicos.
Ela bebeu gole por gole, fazendo caretas horríveis pelo sabor concentrado,
até seu copo esvaziar. Respeitei o silêncio que seguiu. Quando encarou o
copo vazio, como se esperasse respostas do universo, decidi poupá-la da
decepção e fui até a adega buscar a garrafa.
Já esperei respostas para perguntas como: por que eu? O que eu fiz de mal
pra merecer isso? E mais outras autopiedosas que nunca foram respondidas.
Enchi o copo quadrado e entreguei para ela.
— Pensamos na morte como um corte, uma perda, mas às vezes ela é
apenas descanso.
Isabela concordou com um meneio de cabeça.
— Ele era tão alegre — divagou, perdida nas lembranças. — E meu amigo,
sabe? Tudo o que a minha mãe não me deixava fazer, ele dava um jeito de
convencê-la.
Ergui as sobrancelhas, calado. Não, eu não sabia. E aquela conversa estava
me matando.
— Ele — dessa vez a voz embargou e ela fez uma carinha de choro — está
morrendo.
Larguei o copo na mesinha e a puxei para deitar em meu colo.
— Não faço ideia do tamanho do seu sofrimento, Isabela, mas sinto muito
que esteja triste.
Acariciei seus cabelos enquanto se ajeitava sobre minha coxa.
— Eu daria tudo por ele, Khalid. Daria a minha vida por ele.
Definitivamente eu não entendia o sentimento dela.
— Eu ficaria feliz em acertar uma bala no meio da cabeça do meu pai,
então não vou fingir que te entendo.
Ela me direcionou um olhar chocado, mas não falou nada. Apenas me
encarou por alguns segundos. O V em sua testa se desfez aos poucos e
quando exalou um bocado de ar, o cheiro de plátano, típico dos uísques
americanos do Tennessee, atingiu meu nariz. A mistura com seu hálito ficou
doce e respirei fundo tentando guardá-lo na memória.
— Ele te batia muito, né? — perguntou de repente e senti meu corpo
retesar.
— Minha mãe se suicidou por causa daquele merda.
— Mas e o seu irmão? Você fala dele com tanta raiva também. O que ele
te fez?
Demorei a responder. Não tinha decidido ainda se gostaria de tocar
naquele assunto. A traição dele era a que doía mais. Gibrail marcou meu
corpo, mas Zaad rasgou minha alma.
— Ele quebrou uma promessa.
Isabela me lançou um olhar questionador, mas ignorei.
— Vou te levar para o seu quarto. Está tarde.
— Não estou com sono.
— Temos muito que fazer amanhã e prefiro que descanse bem antes de
enfrentar os próximos dois dias.
— Posso te perguntar só mais uma coisa?
Suspirei e ela continuou: — Por que te chamam de cão do inferno?
Cocei a barba, acometido pelas lembranças e sentimentos ruins.
— Eu tinha uns 18 anos e estava andando sozinho pelo mercado. Não
usava seguranças na época. Um homem disse que a minha mãe estava no
inferno porque era uma suicida e eu dei um soco nele. O homem cuspiu em
mim e disse que eu não passava de um cão mal-educado e apontou o dedo
para o meu rosto. Então, eu o mordi. E arranquei seu dedo. Ele ficou caído no
chão me chamando de cão do inferno. Eu senti o sangue dele escorrer pelo
meu queixo, mas não me importei. Continuei andando pelo mercado, todo
sujo, e ninguém nunca mais me desafiou.
Fiz um gesto de tanto faz com os ombros e me levantei.
— Está tarde — avisei, mas Isabela continuou me olhando de um jeito
estranho. — Você também precisa dormir.
— Eu sofri algumas perseguições na escola — revelou fazendo uma pausa
longa enquanto prensava os lábios e desviou os olhos para o chão.
Travei. A palavra perseguições demorou a fazer sentido para mim e por um
momento eu pensei ter ouvido errado.
— Começaram no início do ano junto com a pré-adolescência. Meu corpo
começou a se formar. Seios, quadris, coxas grossas, tudo de uma vez. Eu não
fiquei do tamanho padrão, sabe?! Engordei muito, mas eu tinha olhos azuis e
cabelo comprido e parece que isso ofendia tanto as meninas quanto os
meninos. O colégio era público e não tinha inspetores naquela época. No
início eram só indiretas, depois vieram os apelidos e então tudo piorou.
Prendi a respiração. Milhões de perguntas dispararam ao mesmo tempo
dentro da minha cabeça em um surto silencioso.
— Um dia, três meninos me seguiram até o banheiro e passaram a mão por
todo o meu corpo. Eu gritei, lutei, mas eles eram mais velhos e fortes do que
eu. Por sorte, duas meninas entraram no banheiro na hora e gritaram. Eles se
assustaram e eu consegui correr. Eu não imaginei que elas espalhariam para
todo o colégio. Só que do jeito que elas contaram pareceu que eu permiti. Foi
quando acrescentaram vagabunda aos insultos de sempre.
Puxei o ar lentamente e me sentei ao seu lado de novo, comedindo os meus
movimentos.
Como eu podia me sentir tão culpado sem ter relação alguma com o
ocorrido?
— Contou para a diretora? — perguntei cerrando os punhos.
Isabela me encarou com os olhos grandes e brilhantes.
— Minha mãe estava com câncer. Fase terminal. A diretora chamaria os
meus pais na escola e eles já estavam passando por muita coisa.
Fechei os olhos com força e respirei fundo tentando me acalmar.
— Eles não pararam, não é? — perguntei sentindo o ódio pulsar em
minhas veias e ela balançou a cabeça confirmando. — Puta merda! —
xinguei baixinho.
— As coisas só pioraram. Um dia, eu cheguei atrasada e eles estavam me
esperando, escondidos em uma sala vazia. Eles me arrastaram para dentro.
Tentei lutar, eu juro que tentei.
— Calma, eu acredito em você! — Eu me aproximei, mas ela ergueu a
mão me evitando.
Eu senti um aperto em minha garganta ao ouvi-la puxar o ar com força de
novo.
— Eles levantaram a minha blusa, abaixaram a minha calça e passaram a
mão por todo o meu corpo, me tocando em partes íntimas enquanto os outros
dois me seguravam tapando a minha boca. Foram minutos em que eu senti
terror, ódio e nojo. Eles riam de mim enquanto eu chorava ajeitando a minha
roupa. Depois disso, eu andava com medo pela escola. Sempre que eles
passavam por mim, sussurravam insultos — a voz dela embargou —,
mencionando alguma parte do meu corpo que eles viram e tocaram. Eu caía
no choro na hora enquanto eles riam.
— Eu... sinto muito — falei sem saber direito o que dizer.
Nunca fui muito bom em consolar ninguém.
— Durante meses eu ouvi os insultos deles querendo morrer. Eu evitava ir
ao banheiro sozinha, mas teve uma vez que não consegui segurar. Eu tranquei
a porta quando entrei, mas ao sair, eles me empurraram e invadiram. Fizeram
tudo de novo, mas dessa vez, Flávio, o mais velho, abaixou as próprias calças
e se masturbou enquanto se esfregava em mim. Os três fizeram isso.
— Allah! — exclamei me sentindo o mais impotente dos homens. Meu
Deus, eu vou enfartar. Massageei o peito que batia dolorosamente. —
Ninguém te ouvia? Ninguém entrava nesse banheiro?
— Usaram o meu sutiã como mordaça. O banheiro do térreo estava sempre
quebrado e eu tinha que usar o do segundo andar que ficava no final do
corredor, de frente para três salas que serviam de depósito de cadeiras
quebradas. Eles eram de turmas diferentes, do 8° e 9° ano, e sentavam perto
da porta pra vigiar o corredor. Devem ter visto quando eu passei.
Quanto mais ela contava, mais transtornado eu ficava.
Ninguém a protegeu.
— Eu nunca mais usei o banheiro da escola.
— E como fazia?
— Eu me segurava. Até parei de beber água de manhã para não sentir
vontade.
Isabela fez uma pausa e esfregou as lágrimas do rosto com raiva antes de
continuar.
— Eu aguentei calada por muito tempo, me esgueirando pela escola para
fugir dos abusos. Até que em outubro daquele ano a minha mãe morreu. A
primeira coisa que eu fiz quando cheguei à escola foi correr para a sala da
diretora Joana e contar tudo. Sabe o que ela me disse? — inquiriu com olhos
rígidos e eu balancei a cabeça negando. — Que eu estava tentando chamar a
atenção por conta do meu luto. Falou que os três eram bonitinhos e não
precisavam fazer aquilo com uma menina como eu. Quando eu insisti, ela me
perguntou se eu não incentivei a atitude deles e falou sobre os boatos de eu
ter me agarrado com alguns meninos no banheiro. Expliquei que não foi
consentido e que aquela foi a primeira agressão que eu sofri. Tive que a ouvir
dizer que se fosse verdade eu teria denunciado na época. Não adiantou falar
sobre a situação da minha mãe, ela não acreditava em mim. Eu só tinha 13
anos. Tudo o que pude fazer foi chorar de raiva. No fim, ela enfatizou que
não houve estupro porque, segundo os meus relatos, eles não me penetraram
e disse que iria conversar com eles, mas eu duvido que tenha feito isso.
Fechei os olhos imaginando meus dedos ao redor do pescoço daquela
diretora desgraçada. Quanto mais eu pensava, mais a raiva espalhava o seu
veneno pelas minhas células.
Isabela era só uma menina.
Agora entendia a reação dela quando nos conhecemos. Eu ameacei fodê-la
caso umedecesse os lábios na minha frente de novo.
Merda, eu fui um cretino!
— Sinto muito — consegui falar, mas precisei passar a mão pela minha
testa para limpar o suor. — Essa mulher era uma infeliz. Você não teve culpa
de nada, não fez nada errado.
— Hoje eu sei, mas na hora eu quis morrer. Eu me senti humilhada,
culpada e suja. Eu tinha crises de ansiedade e passei a comer
compulsivamente. Eu odiava me olhar no espelho, odiava vestir minhas
roupas e fazia o caminho até a escola chorando. Quando o ano acabou, eu
pedi para o meu pai me mudar de escola com tanto desespero que ele nem
argumentou. Demorei muito tempo pra me livrar da compulsão alimentar.
Levei anos para conseguir vestir um biquíni e deixar de odiar o meu corpo.
Minha mão estava trêmula. Acho que meu corpo inteiro vibrava de tanto
ódio.
— Eu sinto muito que você tenha passado por tudo isso, Isabela.
— Tudo bem.
— Não. Não está nada bem.
— Já tem tempo. Está no passado. Eu fiz terapia.
— Eu quero os nomes de quem fez isso com você — falei baixo e devagar.
Ela franziu a testa, me encarando por um tempo, sem entender.
— Por quê?
— Eles precisam de uma lição.
Isabela respirou fundo.
— Então preciso te contar o que aconteceu depois. O meu pai desconfiou
do meu desespero e foi à escola antiga conversar com a diretora. Ela contou
tudo para ele do jeito dela, mas o meu pai me conhecia. Sabia que eu não
mentiria sobre uma coisa tão séria. Passaram-se algumas semanas e um belo
dia, papai disse que precisava fazer uma coisa muito importante e eu tinha
que ir com ele. Ainda tínhamos um carro velho na época. Quando chegamos
a uma praça deserta que ficava perto da escola, ele desceu com um pedaço de
madeira na mão e me mandou ficar no carro. Quando vi os meninos lá,
fumando cigarro, eu gelei. Papai já chegou batendo em um deles. Bateu tanto
nos três que eles ficaram lá caídos. Quando voltou para o carro ele só me
abraçou e chorou junto comigo. Papai nunca perguntou o que aconteceu.
Nunca mais tocou no assunto. Ele não tinha muito estudo, não tinha dinheiro,
mas sempre acreditou em mim e do jeito dele fez justiça.
Senti meu nariz arder e as lágrimas caíram sem aviso. Eu mal conseguia
respirar.
— Entende agora porque eu daria a minha vida pelo meu pai?
Isabela

Os dias se passaram e minha convivência com Khalid se tornou mais


tranquila. Estabelecemos uma espécie de rotina. Conversávamos quando ele
voltava do trabalho e, uma vez ou outra, eu conseguia arrancar um sorriso
dele.
Naquele dia, faríamos uma visita ao hotel de Mascate, onde, segundo o
Khalid, tinha uma boate.
A minha primeira reação foi de espanto. Nunca imaginei, mas ele revelou
que não era a única no mundo árabe e que em Beirute, no Líbano, havia uma
ainda mais badalada.
A boate do hotel era pequena, com muitas luzes de neon rosa e azul. As
pessoas se vestiam de forma simples e dançavam alegres, mas os dois
homens ao meu lado se destacavam dos demais.
— Vamos circular para que todos nos vejam — Khalid ditava as ordens em
meu ouvido enquanto nos espremíamos entre as pessoas e isso me irritava.
— Você poderia ter vestido algo menos formal.
— Não quero me misturar, Isabela.
Ele e Hálim estavam agitados, olhando para todos os lados, como se
procurassem alguém. Quando um americano me enlaçou pela cintura, Hálim
se intrometeu entre nós muito gentilmente e me levou para os fundos,
acenando para Khalid.
— O que houve? — gritei a pergunta no ouvido dele.
— Ele foi cumprimentar a dona da boate — apontou para a ruiva baixinha
que eu já tinha visto antes.
Era a prostituta que estava no quarto dele há alguns dias. Magra, baixinha,
o meu total oposto.
Bufei me dando conta de que ele não precisava da Melissa. Não com a
cópia fiel à sua disposição. Observei ela ajeitar a gravata dele, tocando-o com
intimidade e senti raiva apenas de mim mesma porque nada além de
conveniência me foi prometido.
Khalid foi claro até quando me pediu para deixar a exigência de
relacionamento de lado. Ele não queria se envolver.
— Quer dançar, Bela? — Hálim desviou a minha atenção quando
sussurrou em meu ouvido.
Sorri para ele e fui puxada para a pista. A batida sensual era gostosinha de
dançar, mas a sensação de estar sendo observada me deixou tensa.
As mãos de Hálim deslizaram pelo meu quadril, acompanhando meus
movimentos. O espanhol tinha ritmo.
Cinco músicas depois, já estava morta de sede.
— Preciso de uma bebida.
— Vamos até o bar.
Nós nos esprememos entre os corpos suados até alcançarmos o balcão de
mármore preto com duas bartenders simpáticas.
— Poderia fazer uma Margarita de morango?
— Claro.
— Com açúcar na borda, por favor.
— Esse é por conta da casa — a voz feminina avisou atrás de mim e virei
para olhar. — Não tive chance de me apresentar antes. Muito prazer, Sumali.
— Isabela — respondi com educação.
Apertei a mão estendida sem muito entusiasmo. Ela sentou na banqueta
alta de couro ao meu lado e fez um sinal para a garçonete que colocou uma
garrafa de vodca e um copo à sua frente.
— Está fazendo um jogo perigoso, Hálim — disse se debruçando sobre
mim para falar com o espanhol.
— Não sei do que está falando, Lili.
— Estou falando do Ministro, o noivo dela, o homem que mais da metade
de Omã teme, mas você insiste em catucar de vara curta.
O safadinho sorriu sem fingir inocência.
— Não gosto de hipocrisia. — Hálim deu de ombros. — Só acho que
poderíamos dividir sem problemas.
— Ei! — Dei um tapa em seu ombro.
— O quê? Já experimentou pra dizer que não gosta? — Ele aproximou a
boca do meu pescoço. — Já foi penetrada por dois homens ao mesmo tempo,
Isabela?
As palavras dele fizeram meu baixo ventre palpitar.
Tá, eu sou uma safada. Julgue à vontade! Tenho as minhas fantasias
secretas e estavam bem guardadas em um armário moralista até esses dois
arrombarem a porta.
A mão dele acariciou a minha coxa, esquentando a pele e disparando meu
coração, e comentou sem timidez alguma: — É só me dizer onde quer que eu
meta, querida. Na frente, atrás... Sei como fazer sem dor.
Senti a presença dele atrás de mim. O calor, a opressão sombria que ele
causava onde quer que fosse. Não precisava me virar para saber que estava
ali.
Khalid aproximou a boca do meu pescoço, bem no ponto onde a do Hálim
permaneceu.
— Afaste-se da minha noiva.
— Tem certeza? — retrucou com a boca a centímetros dos lábios dele.
Dependendo do ângulo, parecia que estavam se beijando. — Acho que ela é
do tipo que vai gostar do que temos a oferecer juntos.
A minha pele se arrepiou inteira e cheguei a sentir um tremelique quando o
calafrio escalou meu ventre e desenrolou-se pelos meus braços.
— Viu?! — Hálim apontou.
— Toca nela de novo e decepo a sua mão.
— Com licença, cavalheiros! — Senti a mão pequena livrar meu braço e
pescoço daqueles dois. — Acho que estão sendo muito invasivos com a
dama.
Sumali me fez levantar e colocou-se na minha frente.
— Devo lembrá-los que não estão lidando com uma profissional, e sim
com a noiva do Primeiro-Ministro. — Dessa vez ela encarou Hálim com
reprovação. — Mostrarei a boate para a minha nova amiga. Com licença.
Entrelaçando seu braço no meu, ela me guiou para longe.
— Posso te levar até meu escritório? — perguntou no meu ouvido e fiz um
sinal de positivo.
Subimos uma escada guardada por dois seguranças enormes que nos deram
passagem assim que a viram. Sumali tirou uma chave do bolso e abriu uma
porta preta, fazendo um gesto para que eu entrasse.
O ambiente era espaçoso, bem iluminado, com uma imensa janela de
vidro.
— Dá pra ver toda a boate daqui — comentei olhando para baixo,
procurando pelo homem de cabelos raspados nas laterais e barba desenhada
que mexia com todos os meus sentidos.
Como um ímã, nossos olhares se conectaram. Tive a impressão de que, não
fosse o vidro, eu seria transportada até ele.
Até que ponto uma atração dessas é positiva?
Eu me forcei a virar de costas e encarei a baixinha ruiva.
— Obrigada.
— Não precisa agradecer. — Ela se sentou no sofá de veludo roxo e
cruzou as pernas. — Só prometa que o fará feliz.
— Não sou a pessoa mais indicada para curar as feridas dele.
— Ninguém cura ninguém, menina. Só conseguimos ficar doentes. Curar é
para os médicos. Você só precisa estar lá.
— Nesse caso, uma cadeira serviria. — Eu me aproximei, sentando na
poltrona de frente para ela. — Relacionamento demanda equilíbrio. Eu me
preocupo com o quanto irei doar sem receber, porque já fiquei vazia inúmeras
vezes.
— Eu não sou sua concorrente. — Sorriu ao dizer. — Se esta é a sua
preocupação, fique tranquila. Até onde sei, Khalid não tem ninguém que sinta
mais do que compaixão por ele.
— Não é com isso que me preocupo. — Passei a mão pelo cabelo e o
enrolei jogando por cima do ombro. — O territorialismo do Khalid não é
indício de carinho.
— Ele já perdeu muita coisa.
— E será que sobrou algo a oferecer? Preciso de mais do que um pênis,
Sumali. Com todo o respeito.
Seus olhos se estreitaram me avaliando.
— Acha que o Hálim tem mais a te oferecer do que o Khalid — concluiu
balançando a cabeça para os lados, como se ponderasse. — Vou arriscar um
palpite e posso estar errada, mas eu diria que aquele espanhol sem-vergonha
só está tentando fazer o chefe se interessar por você. Não se iluda.
Por um momento eu pude ouvir as engrenagens do meu cérebro se
movimentando.
Eu quero provar um ponto. Foi o que ele disse antes de me beijar a
primeira vez e tudo fez sentido. A fixação repentina por mim, a ousadia em
tentar me conquistar...
— Eles são muito amigos — refleti em voz alta, juntando as peças, me
sentindo burra. — Por isso aquela história de Dom Quixote.
— Querida, nesta vida que eu escolhi, conheci muitos homens. — Sumali
se levantou e foi até a estante atrás da mesa de vidro. Pegou uma garrafa de
vodca e dois copos. — Talvez, pelo meu ofício, tenha visto apenas a escória,
mas aprendi que homens, em sua maioria, se preocupam com outros homens.
Ela me entregou a bebida.
— Vou te contar uma história. — Sumali deu um longo gole e sentou-se
novamente. — Quando chegou aqui em Omã, aquele espanhol era uma ripa
de tão magro. Os olhos esbugalhados pareciam querer saltar do rosto. Estava
sempre muito agitado, suando e a sua paranoia era irritante.
Ergui as sobrancelhas e ela balançou a cabeça como se lesse meus
pensamentos.
Não! Viciado em drogas?
— Khalid o deixou limpo. Salvou a vida daquele merdinha. E uma coisa
dessas, gera uma dívida que a gente faria de tudo para pagar.
A gente?...
Ela havia se incluído na história.
— Não se engane com Hálim. Ele está tentando salvar o chefe e vai
cozinhar você se achar que é preciso. Entre você e o Khalid, aquele espanhol
sempre vai escolher quem salvou a vida dele.
Não posso dizer que estive 100% iludida. No fundo eu sabia que seu
derretimento era meio forçado. Mas fazer ciúme, sério?
— Que babaca — murmurei chateada. Não era como se eu estivesse de
coração partido, só me senti usada.
Sumali fez uma careta concordando, mas agitou a mão no ar.
— Calma, não vou defendê-lo, achei infantil também, mas ele nunca foi
muito criativo. Garanto que a intenção dele é boa.
— Boa pra quem? Ele não está preocupado com o que pode acontecer
comigo.
— Acho que ele não calculou o risco. Como eu disse, falta de imaginação.
— Ela foi até a estante se servir de outra dose. — Além disso, desculpe dizer,
não estou te julgando, mas foi você quem se meteu nisso.
A ruiva voltou com o copo na mão me encarando com curiosidade.
— Eu me meti — repeti irritada, soltando uma risada ácida.
— Aceitou casar com um estranho, querida. — Havia uma pontada de
pena em sua voz, o que me causou desconforto. — E não qualquer pessoa,
mas sim um político.
— Eu precisava.
— É claro que precisava! — Riu alto. — Acha que não reconheço alguém
como eu depois de tantos anos nessa vida? Não — ela ergueu o dedo me
impedindo de retrucar —, prostituição não é apenas sexo. Envolve engolir
sua dignidade em troca de dinheiro e isso, eu sei que precisou fazer.
Fechei os olhos com raiva porque ela estava certa. Eu merecia estar
naquela situação. Escolhi o dinheiro fácil.
Senti seus dedos no meu queixo erguendo-o para cima.
— Não se envergonhe, menina. As pessoas fazem isso todos os dias em
seus empregos. Engolem desaforos, aceitam humilhação do patrão,
desrespeitos dos mais variados, tudo em troca de um salário que, às vezes,
nem quita todas as contas.
— E qual é o seu interesse, Sumali? Pelo que vi todo mundo quer alguma
coisa de mim por aqui.
Ela soltou meu queixo e abriu um sorriso fraco.
— Talvez eu só queira o mesmo que o Hálim. Um destino melhor para o
cara que me ajudou. Porque isso aqui — ela segurou a ponta do cabelo ruivo
— é indigno demais.
Ótimo! Parece que o Khalid ajudou muita gente nessa merda de lugar. O
que ele tem? Afeição por fodidos?
Suspirei me sentindo uma vadia insensível. Talvez fosse todo aquele álcool
que eu não estava acostumada.
— Desculpe, mas não prometi nada a ele além de fingir. Khalid não quer
um relacionamento.
— Ele nunca teve um relacionamento de verdade, Isabela. Como alguém
pode não querer o que nunca experimentou? Mas talvez agora...
— Para — pedi educadamente erguendo a mão e Sumali se calou um
pouco contrariada. — Ele é apaixonado pela cunhada a ponto de contratar
uma prostituta parecida com ela. Essa frase não te perturba? Você
evidentemente pintou o cabelo só pra intensificar a experiência do cara,
desculpe, mas isso é bizarro. Algum de vocês parou pra pensar em como a
Melissa se sentiria se soubesse?
— Querida! — Sorriu afofando o cabelo, como se tivesse orgulho do seu
papel. — Acha mesmo que ela não sabe? Já parou pra pensar em como você
veio parar aqui?
A sensação de tudo estar girando embrulhou meu estômago. Era difícil
raciocinar com aquele mal-estar, mas a Melissa nunca foi burra. Eu mesma
matei a charada rápido demais. Será que ela ainda não tinha sacado a
obsessão do cunhado?
Senti um enjoo. A bebida pesou de repente. Meu coração acelerou além do
normal e eu puxei meu colar como se a culpa do sufocamento fosse dele.
Pelo visto a trouxa do ano era eu.
Melissa, sua vaca manipuladora!
— Obrigada pelo aviso. — Agora tenho certeza do que preciso fazer.
Levantei ajeitando o vestido. — Fui contratada para interpretar um papel e
farei apenas isso.
— Sinto muito se não entendeu o que falei.
— Eu entendi. Você está pensando no seu amigo. Mas quem está pensando
em mim?
Alcancei a porta enquanto ela argumentava.
— Você só tem a ganhar, menina.
— Não sou uma menina. — Virei para falar, encarando seus olhos grandes
e profundos. — E muito menos manipulável.
Khalid

— Você não vai admitir?


— O assunto está encerrado, Hálim.
— Eu já disse que só desisto dela se estiver sentindo algo. Caso contrário,
vou fodê-la. Por trás, pela frente...
Senti meu sangue esquentar dentro das veias.
— Na boca — continuou — e gozar naqueles seios marav...
Enxerguei um borrão. O som alto se transformou em um zunido. Agarrei
meu secretário pelas lapelas do terno e sacudi três vezes, sentindo minha
respiração difícil. O ar queimava meus pulmões e tudo em mim vibrava.
— Khalid! — gritou segurando meu pulso e percebi que meu punho estava
fechado, erguido, prestes a arrebentar a cara do abusado.
Encarei seus olhos esbugalhados me dando conta do que ia fazer e o soltei.
Um estampido seco fez todo mundo gritar.
Hálim refletiu a minha preocupação quando esquadrinhou o salão assim
que as luzes acenderam. Demorei a firmar a vista.
Outros três estampidos e corremos, saltando por entre as pessoas que se
jogavam no chão.
Um dos seguranças da Sumali estava caído na escada que dava acesso ao
escritório, com um tiro no abdômen. O sangue esvaía por entre os dedos que
pressionavam o local, manchando a camisa branca.
— Onde está a garota? — perguntei tentando entender o que ele gaguejava
até que apontou para a saída dos fundos.
Puta merda!
As pessoas corriam no sentido contrário, dificultando a nossa passagem,
até que Hálim sacou sua arma e atirou para cima dispersando a maioria.
Atrás do hotel, uma viela estreita e longa desembocava na rua principal.
Dois homens arrastavam Isabela que se debatia.
Hálim mirou e atirou, acertando um deles na perna. O segundo correu
deixando tanto a Isabela quanto o companheiro para trás.
Corri até ela me colocando na sua frente e atirei contra o carro branco,
atingindo a porta traseira duas vezes.
Fugiram!
Isabela ainda chorava descontrolada.
— Calma — pedi abraçando o corpo trêmulo. — O que aconteceu?
— Alguém me puxou pelo cabelo quando estava descendo a escada. —
Esfregou o nariz. — Eu chutei o cara, mas recebi um tapa desse aí.
Isabela tocou o lábio ferido que ainda sangrava.
O homem caído ao seu lado se contorceu tentando levantar e acertei um
chute na sua cara que o fez girar no chão. Todo o meu corpo pulsava numa
irrefreável onda de violência.
Apoiei o joelho em seu tórax que estalou e soquei a cara dele. Uma, duas,
três e tantas outras vezes até ser contido por Hálim que me puxou para trás
segurando meus braços.
Um dos seguranças da Sumali checou a pulsação do homem e meneou a
cabeça negativamente.
— Ótimo! — meu secretário rugiu. — Agora não temos como arrancar
nenhuma informação dele.
— Pegamos um. — Sumali chegou correndo. — O que atirou no meu
segurança.
— Leve Isabela para casa! — Apontei para Hálim que segurou o braço
dela imediatamente e saiu arrastando para longe.
Eu não confiava em mais ninguém além dele.
Voltei para a boate e um baixinho apontou para o escritório no segundo
andar. Galguei as escadas de dois em dois degraus e abri a porta com ódio.
Um loiro de cabeça raspada e cicatriz no queixo estava no chão, com as mãos
amarradas. O supercílio aberto e uma faca cravada no ombro direito. Ainda
assim, ele abriu um sorriso psicótico quando me viu.
— Pegamos sua noiva, Ministro?
— Não — revelei seco enquanto arrastava a cadeira preta de trás da mesa.
As rodinhas rangeram sobre o piso de madeira. Parei de frente para ele e me
sentei com toda a calma. — Tenho algumas perguntas para fazer e pode
escolher me responder rápido ou não, mas vai responder.
Ele gargalhou cético, mas o sorriso sumiu quando um dos seguranças me
entregou o soco inglês e um alicate.
— Veio atrás de mim, então já deve saber como eu trabalho.
O cretino cuspiu sangue na minha calça.
— Não tenho medo do irmão sádico do sultão.
— Ótimo. Vamos ver até onde a sua coragem vai. Vamos começar por
cada uma das suas unhas. Depois eu vou redecorar a sua cara.
Isabela

Foi uma noite tensa. Hálim ficou comigo o tempo todo e quando vi que era
meia-noite, comecei a entrar em desespero.
— Fica calma — pediu pela décima vez. — Ele não vai sair de lá até
arrancar todas as informações que precisa.
— Manda uma mensagem pra Sumali. Pergunta se ele está bem. — Eu
andava descalça pela sala, de um lado para o outro. — Acho melhor cancelar
o casamento amanhã.
Hálim descruzou as pernas soltando um suspiro, como se aquela situação
fosse a mais normal, o que me preocupou muitíssimo.
— Isso não vai acontecer. Khalid precisa desse casamento.
Engoli em seco me lembrando das palavras da Sumali.
— Claro. Ele pagou caríssimo por mim.
Hálim estreitou os olhos e se aproximou.
— Não sei o que está se passando nessa cabecinha, mas posso te garantir
que você é muito importante para o Khalid.
— Corta essa, Hálim. Eu sou uma puta, só isso!
Ele suspirou e me puxou para sentar com ele no sofá.
— Khalid já salvou a minha vida — confessou soltando um suspiro. —
Devo muito a ele. Somos mais do que amigos, eu amo aquele cara. Não de
um jeito sexual, mas como família. Estou ao lado dele há bastante tempo e
nunca o vi olhar para mulher nenhuma como te olha. Muito menos comprar
um ursinho de pelúcia.
— Era só um ursinho! — Revirei os olhos e ele abriu um sorriso
enigmático.
— Eu já vi ele gritar foda-se para uma mulher que estava com o vestido
rasgado por ele e jogar o dinheiro na cara dela para que se virasse sozinha.
Lembro das exatas palavras dele naquele dia: eu já paguei pela foda, agora
use o dinheiro que ganhou para comprar o que precisa. Essa é a forma como
ele trata uma puta.
Hálim apertou o meu joelho e se levantou ajeitando a roupa.
— Isso é cruel — comentei chocada e o vi subir e descer os ombros.
— Esse é o Khalid. Tome um banho que a ansiedade vai diminuir. Vou
ficar aqui até ele chegar. Estarei no quarto de hóspedes se precisar de mim.
Concordei só porque realmente precisava. Estava acabada. O vestido tinha
descosturado no quadril, a maquiagem estava borrada pelo choro e o
desodorante não tinha resistido bem.
Cada degrau que eu subia sentia uma fisgada na panturrilha e quando
finalmente me enfiei embaixo do chuveiro senti os músculos rígidos
relaxarem. Mesmo assim, ainda precisei tomar um analgésico para a dor de
cabeça e passei uma pomada no lábio inchado.
Vesti um short de pijama e uma blusa de malha confortável, mas não tinha
a menor condição de ir dormir antes do Khalid chegar.
Desci as escadas ouvindo o chinelo estalar na madeira. A casa enorme
estava silenciosa, mas não de um jeito bom. Parei no meio da sala me
sentindo fora do lugar. Ainda demoraria muito para que me sentisse em casa.
Eu pensei em me deitar, mas fui seduzida pela tevê de tela grande.
Adorava dormir com ela ligada.
Sentei no sofá e zapeei pelos canais. Precisava de uma comédia romântica
ou um filme infantil para limpar a minha mente do estresse.
Não me dei conta de que estava dormindo. Não ouvi a porta se abrir nem
ele chegar, mas senti sua mão em meus cabelos, acariciando.
Abri os olhos, sonolenta, e vi o perfil do seu rosto. O nariz, visto do meu
ângulo, parecia ainda mais arrebitado.
— Por que dormiu na sala, Isabela?
— Estava esperando você. — Esfreguei os olhos. — Fiquei preocupada.
Ele me encarou sério, sem dizer nada.
— Vamos para o quarto antes que fique com torcicolo.
Firmei os pés no chão, ainda sonolenta, e ele jogou meu braço ao redor do
seu pescoço, apoiando meu corpo no dele.
Subimos os degraus lentamente.
— O que foi? — perguntou quando me flagrou olhando para ele.
— Você é muito bonito.
Ele deteve o passo e me encarou erguendo uma sobrancelha.
Era sua mania.
— Mesmo com as orelhas de abano?
Não segurei a risada e levei uma olhadinha sexy que me deixou derretida.
— Até com as orelhas de abano.
Ele me deu um sorriso. O mais lindo e doce que eu já tinha visto.
— Você é maravilhosa, Isabela. Fico sem fôlego só de te olhar.
Repuxei a boca.
— Lembro de você ter dito que poderia comprar uma puta mais magra.
— E o que isso tem a ver? — Subiu e desceu os ombros.
— Quer dizer que você preferia uma mulher mais magra, então não sou tão
maravilhosa assim.
Ele suspirou.
— Eu falei aquilo porque no minuto em que eu te vi precisei reunir todo o
meu ódio para não ficar de pau duro. Foi doloroso olhar para você ali naquela
sala e só conseguir pensar em formas de satisfazê-la. Eu queria alguém que
não me perturbasse tanto, mas você, Isabela, é a minha perdição — falou
descendo os olhos pelo meu corpo.
Engoli em seco percebendo que tinha sido um erro fenomenal transar com
o Khalid. Agora meu corpo estava consciente de todo o prazer que o árabe
representava e isso era doloroso de refrear.
Ele entrelaçou sua mão à minha e caminhamos em silêncio pelo corredor
até o meu quarto.
— Durma um pouco. Vamos ter um dia cheio amanhã.
— Você também precisa descansar — falei me sentando na cama.
Ele prensou os lábios concordando e relanceou a cama onde eu estava, mas
não pareceu com sono.
— Deita aqui comigo. — Bati no colchão.
— Melhor não. Eu me remexo muito quando estou cansado.
— Não reclamei da última vez — insisti, mas ele fez que não com a
cabeça. — Prometo que não vou abusar de você.
Ele abriu aquele sorriso lindo e fez meu coração acelerar.
— Você? Abusar de mim? Gostei. Acabou de destravar uma fantasia nova
na minha cabeça.
— Você é muito pervertido! — Ri rolando na cama e levei um tapa na
bunda que estalou alto. — AI!
— Não me provoca. Sabe o que posso fazer com você.
Eu o encarei com raiva e desejo, massageando as nádegas.
— Você tem uma mão pesada, hein? Posso bater na sua bunda também?
Ele ergueu uma das sobrancelhas retas assumindo um ar perigoso.
— Pode tentar.
Khalid despertava algo obscuro dentro de mim e, contra todos os gritos
racionais dentro da minha cabeça, umedeci os lábios. Ignorando seu aviso
para não o fazer, consciente do tesão que despertaria nele.
Seus olhos pretos escureceram tão rápido que minha respiração acelerou.
Sim, eu queria toda a desgraça que ele representava. Mesmo apaixonado
por outra, mesmo com toda a loucura política para a qual me arrastava. Eu
queria ser possuída por ele mais uma vez e não aguentava mais negar para
mim mesma o que já estava tão óbvio.
Khalid

Meu pau latejou dentro da calça.


Depois de um dia de merda, após torturar aquele filho da puta e arrancar
todas as informações que ele tinha, vê-la mordendo o lábio despertou meu
sadismo.
— Você tem restrições, lembra? — tentei alertá-la. Precisava que tivesse
certeza do que estava fazendo para não se iludir comigo. — Eu não me
relaciono, Isabela. Será apenas sexo de novo. Duro, bruto, cruel e só.
Ela se ajoelhou na cama olhando-me analítica.
— E fará com que eu me sinta usada no dia seguinte.
— Usada? — Cocei a barba. — Foi como se sentiu durante cada orgasmo
que te dei? Depois de todo o esforço que eu fiz para te arrancar aqueles
gemidos, parece que está diminuindo a minha capacidade. Com uma puta eu
apenas gozaria, pagaria e iria embora. Não estaríamos nem mesmo tendo essa
conversa agora.
— Do jeito que fala até parece que sente alguma coisa por mim.
— Tesão — admiti seco. — Muito tesão. Não é isso que um casal precisa
sentir pelo outro para continuar trepando com a mesma pessoa?
Isabela mordiscou o lábio inferior e depois o umedeceu com a ponta da
língua. Era deliciosa a forma como ela não conseguia esconder quando estava
excitada.
— Eu quero você, Isabela — acrescentei —, mas não comprarei flores e
nem anéis de diamante só para te adular. Então, se quiser fazer isso será
porque está com tesão igual a mim.
Ela engoliu em seco.
— Então, não me dará flores ou diamantes no dia seguinte? — perguntou
deixando um risinho decepcionado escapar. — Assim, você torna impessoal
o que é muito íntimo.
— Eu não sou do tipo meloso. Não dou flores, dou orgasmos.
Ela não argumentou. Umedeceu os lábios, pensativa, mas nunca fui um
homem paciente.
— E se fosse você a me usar e não o contrário?
Ela estreitou os olhos considerando.
— Eu... te usando? — As sobrancelhas se franziram como se o pensamento
a desafiasse.
— Sim. Você tem desejos, fantasias... não tem? — Ela concordou com um
aceno curto. —Quais são? O que te excita? — Eu me aproximei devagar. —
Pode me usar para realizar as suas fantasias. Até agora você se sentiu usada
porque só pensou na minha vontade de transar. Conta pra mim o que te deixa
molhada, o que você imagina quando está se tocando?
Ela engoliu.
— Está salivando, querida? — provoquei acariciando a minha ereção por
cima da calça e seus olhos grudaram no movimento. — Deve ser uma
fantasia deliciosa. Eu poderia realizar seus sonhos. Quer que eu puxe o seu
cabelo, te enforque enquanto goza, te cause um pouco de dor...
Suas pupilas dilataram. Eu já tinha percebido que ela gostava de um pouco
de dor, mas talvez nem Isabela tivesse consciência de todo o desejo que
reprimia.
— Posso libertar essa safada que você trancafiou no armário — sussurrei e
ela me encarou com aquele olhar atrevido que de vez em quando momentos
me lançava.
— Talvez eu esteja desperdiçando uma boa oportunidade.
Ela puxou a blusa pela barra, revelando a nudez. Estava sem sutiã e os
seios grandes e pesados se arrepiaram.
O ar assobiou entre meus lábios quando o suguei.
— Fico pisando em ovos — explicou afastando os cabelos para trás —,
como se tivéssemos algum tipo de relacionamento, mas a verdade é que não
somos nada um do outro. Não preciso me importar. Né?
Concordei com um leve aceno de cabeça. Temia que um gesto mais brusco
a fizesse mudar de ideia. Queria possuí-la de novo.
Pior que isso, eu precisava.
— Gosto da sua linha de raciocínio — elogiei tenso. — Não se preocupe
em rasgar meus sentimentos. Eu não tenho nenhum.
— Pode lidar com isso, Khalid? Consegue me deixar usar você por uma
noite?
— Sou todo seu, querida! — Abri os braços sorrindo.
Ela ficou de pé na cama. Muito séria, empurrou o shortinho para baixo e
depois se livrou da calcinha expondo a boceta lisinha que acariciou.
Puta merda!
Minhas bolas enrijeceram.
— Tira a roupa — falou baixo, mas firme. — Não tem nenhuma utilidade
pra mim todo vestido.
Abri um sorriso me sentindo estranho, mas obedeci.
Tirei o blazer, gravata, blusa, calça e cueca enquanto ela me observava,
sensual e segura, me deixando arrepiado.
Massageei o pênis e ela ergueu a sobrancelha.
— Para! Não vai se tocar até eu deixar.
Cocei a cabeça começando a entender que ela ia dificultar a coisa toda.
— Agora ajoelha — pediu com um sussurro descendo da cama e parando
de pé com as pernas afastadas. — E me chupa!
Meu pau latejou tão forte que quase bateu na minha barriga.
Respirei fundo e me ajoelhei diante dela, encarando-a de baixo pra cima.
Enfiei o nariz entre seus grandes lábios e respirei fundo. Isabela tinha um
cheiro delicioso que me deixava desesperado.
Cravei meus dedos em seu quadril puxando-a para mim e enfiei a língua
dentro dela, o mais fundo que consegui, ouvindo seu gemido grave, de novo e
de novo. Quanto mais a beijava ali, mais queria consumi-la.
Adorava o som rouco que sua garganta emitia. O gemido baixo que era só
meu. Mérito meu.
Devorei os lábios da sua boceta sugando e enrodilhando o clitóris com a
língua. Chupei com força, engolindo o máximo que conseguia dela, e lambi
toda a sua entrada.
Ela soltou um grunhido agudo e ritmado, um gemido novo que me deixou
dolorido de tão excitado.
Precisava me masturbar. Precisava enfiar meu pau dentro dela.
— Porra, Isabela. Assim eu vou gozar rápido demais — falei segurando a
base do pau e ela arranhou fundo as minhas costas, me fazendo trincar os
dentes.
— Eu mandei não se tocar! — repreendeu segurando a minha cabeça e se
esfregou no meu rosto. — Só eu posso fazer isso. Não quer realizar as minhas
fantasias? Uma delas é ser a dominadora e você meu submisso.
Isabela me forçou a chupá-la com mais força, pressionando a minha cabeça
contra sua pélvis. Agarrei sua bunda gostosa e apertei com força, separando
as nádegas, e bati nas duas ao mesmo tempo.
Ela rebolou jogando a cabeça para trás e enfiei dois dedos dentro dela,
entrando e saindo com força enquanto a estimulava com a ponta da língua.
— Isso! Ahhh, que boca gostosa! — gritou soltando um gemido alto e
gozou.
Precisei ampará-la, tamanha a força dos seus espasmos.
— Agora senta na cama — disse quase sem fôlego. — E coloca as mãos
para trás.
Obedeci, cheio de tesão.
Quando se ajoelhou lambeu o meu pau da base até a cabeça, olhando
dentro dos meus olhos. Ela abocanhou a glande e engoliu até a metade da
minha extensão.
E, modéstia à parte, não sou pequeno. Tenho um pau de respeito.
A boca quente e molhada me arrancou um gemido. Ela engoliu mostrando
os dentes e sugou de volta com os lábios, fazendo pressão.
Soltei um gemido rouco e distorcido. Tirou da boca e tornou a engolir,
dessa vez ainda mais fundo e senti sua garganta.
— Porra, Isabela! — Quase gozei.
Fez mais rápido e encontrou um ritmo acelerado, fodendo meu pau com
sua boca perfeita.
Aquela seria a gozada mais rápida da história se ela não tivesse parado me
deixando louco.
— Vai ter que implorar pelo seu orgasmo.
Eu ri, mas sem achar muita graça. A postura dela não era de quem estava
brincando.
— Isso não vai acontecer, gostosa. Eu não imploro.
— Então eu vou gozar muito essa noite enquanto você vai ficar com as
bolas doendo.
— Não faz isso — avisei com um rosnado quando ela apoiou um pé na
beirada da cama, abrindo as pernas e se exibindo.
— Deita — ordenou apontando para o meu peito.
Estava possuída. Altiva e mandona. Cedi quando ela me abocanhou
novamente me levando a um estado de excitação que abria portas dentro de
mim que tranquei com muitas chaves.
Deixei minhas costas baterem no colchão me entregando a ela. Era como
estar boiando à deriva e pouco me importei com a escuridão que poderia me
dragar.
Isabela era diferente. Tinha algo escuro dentro dela, assim como dentro de
mim e podia sentir nossas trevas tentando se conectar.
Ela subiu na cama. Meu pau estava tão obcecado por aquela mulher que
ficou em riste com uma simples contraída de músculo, pronto para se afundar
nela.
Uma pisada por vez, de cada lado do meu quadril, Isabela ficou de pé em
cima de mim.
— Guarda essa sentada na sua memória, Ministro. — O veneno escorria de
suas palavras e, dizendo isso, desceu sobre mim abrindo os joelhos, me
concedendo a visão perfeita da sua boceta engolindo o meu pau nu.
Quente. Macia. Molhada pra caralho.
Rebolou quando eu já estava todo dentro, esfregando o clitóris na minha
pélvis. Parou de se movimentar e senti seu canal esmagar meu pênis. Soltou
me olhando nos olhos. Sombria e deliciosa. Então apertou de novo e soltei
um palavrão.
— Tá sentindo a minha boceta te apertar? — perguntou equilibrando-se na
ponta dos pés.
Eu não tinha a menor condição de responder. Travava uma batalha interna
entre a vontade de agarrá-la e foder com força até que sua vagina sangrasse e
o instinto de obedecê-la.
Segurei seu quadril, mas ela jogou minhas mãos para longe.
— Nada disso! Hoje sou eu quem vai te foder e você só vai gozar quando
eu mandar.
Havia um brilho perverso no olhar dela. Uma ânsia por crueldade que
atiçava a besta dentro de mim.
— Vou quicar no seu pau — avisou com um rosnado enraivecido —, mas
só eu vou gozar.
Eu teria gozado ali se não tivesse me travado inteiro.
— Está brincando com fogo, Isabela. Não vai gostar de me levar ao limite
porque vou rasgar sua boceta sem dó.
Ela sorriu jogando a cabeça para trás. A boca aberta e a língua passeando
pelos dentes, como uma deusa caótica e perversa.
Essa mulher é a minha perdição.
Ela subiu e desceu rápido, forçando uma estocada dura.
— Devagar — minha voz era um uivo.
— Implora pra gozar.
— Nunca!
Ela quicou, batendo os calcanhares nas nádegas, descendo sobre o meu pau
com violência. O barulho da nossa pele se chocando e o cheiro de sexo pelo
quarto aumentavam o martírio exponencialmente.
Não me lembro de já ter sentido tanto tesão e tive medo de perder minha
racionalidade.
Rosnei alto. Gritei tentando conter o orgasmo, mas estava pendurado na
beira do precipício, seguro por alguns dedos que um a um soltavam a borda.
O rosto dela, distorcido pelo prazer de me torturar, jamais sairia da minha
mente.
Linda.
Isabela era a face do mau fodendo meu pênis e minha mente. Insana como
eu. Poderia tatuar seu nome ali porque jamais sentiria algo parecido
novamente.
Quicou repetidas vezes, gemendo e masturbando o próprio clitóris com
uma das mãos enquanto a outra segurava o cabelo que grudava em seu corpo
suado.
Estava cumprindo a promessa: me usando para ter prazer. E adorei cada
segundo.
— Implora pra gozar e me enche de porra — exigiu obscena e senti os
primeiros espasmos.
— Não — balbuciei trincando os dentes, retesando todo o meu corpo. Meu
abdômen doía de tanta força que estava fazendo.
— Porra, Isabela! Vou gozar!
Ela saiu de cima de mim na hora e quase cometi um crime.
Rolei na cama me contorcendo, segurando a base do pau com força.
— Implora!
— Nããão! — Minha resposta foi um gemido longo.
— Então pede — barganhou desesperada e me levantei pegando ela pelo
pescoço.
Suas costas bateram contra a parede. Estava transtornado de tesão.
Primitivo e bruto, apertei sua jugular.
— Abre as pernas — grunhi selvagem e ela obedeceu. O tapa que dei na
sua boceta reverberou por todo o quarto. — Não posso me masturbar, não
posso gozar, o que vai me deixar fazer, safada?
— Me fode!
Fechei os olhos inspirando todo o ar possível por dois segundos. No
terceiro, arrastei-a de volta pra cama, posicionando-a de bruços. Enfiei a mão
por baixo do seu corpo e massageei o clitóris inchado enquanto me
empurrava para dentro dela de uma só vez.
Suas mãos agarraram o lençol com força, gemendo meu nome. Gritou
quando eu atingi seu ponto mais profundo com meu pau.
— Você é uma safada, não é?
Ela confirmou com a cabeça, abrindo um sorriso pervertido e meti mais
fundo.
— Porra, que delícia! — deixei escapar gemendo junto com ela.
Isabela retesou olhando para frente e acompanhei seu olhar até a porta
aberta.
Hálim estava ali parado, nos observando. Não disse nada, mas também não
foi embora. Estava sem camisa, apenas com a calça social e completamente
duro.
A vagina da Isabela me apertou com tanta força que fui à lua e voltei.
Deliciosa.
Um arrepio eriçou todo o meu corpo.
Sou um pervertido declarado. E nunca fui possessivo com minhas fodas.
Eram prostitutas. Nunca me senti ligado a elas de forma nenhuma, mas com
Isabela aquele instinto aflorava de uma forma arrasadora e ver Hálim me
observando comer a boceta da minha noiva elevou minha excitação a um
nível doentio.
Queria que ele assistisse. Precisava que ele a ouvisse gemer o meu nome,
que testemunhasse meu triunfo pessoal.
Isabela não falou nada, apenas ficou encarando o espanhol que passou a
mão pela ereção, mas não se aproximou.
Hálim era um cão espreitando. Sabia que seria enxotado se tomasse
alguma atitude atrevida, então se manteve imóvel. Na condição de voyeur.
A vagina dela palpitou errática, desmanchando-se de tesão e eu soquei
mais fundo, sem pena, pra machucar. Sabia que ela gostava da dor e estava
quase gozando. Isabela gemeu alto, grave. Não falou nada, mas encarava
Hálim fixamente, com a respiração ofegante.
— Quer que ele veja? — perguntei mesmo já sabendo. Ela não respondeu.
Apenas mordeu o lábio inferior, travada demais para confessar seus desejos
ainda.
Hálim abriu um sorriso. Segurou o pau com força, me encarando e abaixou
a cabeça como se pedisse permissão. Uma atitude que eu aprovei.
Senti todo o meu corpo vibrar de excitação.
Sim, eu queria que ele se tocasse enquanto nos assistia na cama. Queria
exibi-la em seu momento mais poderoso. Então, assenti.
Hálim abriu o zíper e passou a se masturbar em silêncio, observando nosso
ato.
Um cão.
Como eu.
Dominado. Rendido. Extasiado.
Encontramos um ritmo parecido. O meu quadril e a mão dele, mesmo
afastados. O desejo pela mesma mulher nos submetendo a ela. Três gemidos
soaram roucos dentro do quarto.
Obscenos.
Profanos.
Isabela se contorceu num rompante, gozando de repente, arrastando-me
junto e meu corpo sucumbiu.
Uma avalanche elétrica de contrações que me fez curvar sobre ela. Todos
os meus músculos contraíram deliciosamente.
— Carajo![18] — Hálim encheu a própria mão de porra, gozando como um
louco.
A vagina dela pulsou contra meu pau que ainda nem tinha amolecido e tive
a triste certeza de que eu suportaria qualquer coisa só para realizar os desejos
daquela mulher.
Nós três arfávamos arrepiados dentro do quarto. Eu não tinha palavras para
descrever, não havia adjetivo que valesse a pena ser proferido naquele
momento.
Foi Hálim quem conseguiu se recompor primeiro.
— Quando aceitarem uma dupla penetração me chamem que venho
correndo — falou guardando o pênis ainda duro dentro da calça. — Ou se
quiserem que eu só assista, aceito também. Topo tudo.
Ele saiu do quarto rindo, feliz da vida, e fechou a porta.
Isabela desabou na cama. O dia tinha sido longo e louco. Estávamos
cansados, mas eu tinha força para mais uma coisa.
Segurei seu rosto com violência, apertando as bochechas e a beijei.
— Você é só minha, Isabela. Ninguém nunca mais vai foder a sua boceta
nem o seu cu além de mim.
Ela sorriu como se já soubesse.
— E a minha boca?
Estreitei os olhos imaginando a cena.
Safada!
— Não vai usar essa boca em ninguém sem estar comigo.
Isabela

O vestido de noiva era justo até meu quadril. Fios prateados desenhavam
arabescos por toda a manga e na altura da cintura prenderam uma
sobreposição de saia mais volumosa e semitransparente, que disfarçou
minhas curvas de forma elegante.
Melissa explicou que era assim que as princesas árabes usavam.
Rá! Princesa, eu? Que piada!
A mulher que se lambuzava com a batata de Marechal, descia a raba até o
chão nos bailes funks da Mangueira e sobreviveu com o fígado intacto às
caipirinhas da praia de Copacabana, onde os barraqueiros enfiam cachaça
barata na garrafa de vodca pra enganar turista sendo comparada a uma
princesa era a piada do ano.
Observei meu reflexo no espelho enorme do banheiro.
Meu cabelo foi arrumado solto, já que Khalid não quis fazer a cerimônia
na Mesquita e eu não era muçulmana, não precisei usar lenço.
Uma festa íntima, com poucos familiares e alguns políticos.
A cerimônia foi longa, com discurso do sultão e de outros conselheiros.
Um deles, de bochechas murchas, me encarou o tempo inteiro e fiquei
desconfortável.
O pai dele foi o primeiro a me abraçar quando a cerimônia acabou. Em
seguida Zaad e Melissa e depois disso eu já não sabia quem me
cumprimentava. Apenas sorri indiscriminadamente.
Khalid estava vestido tipicamente. Um vestido branco, um turbante que
chamam de Keffiyeh e uma espécie de sobreposição marfim com detalhe em
dourado. Inexplicavelmente ele não ficou ridículo. Estava lindo, na verdade.
Um verdadeiro príncipe.
Senti uma pequena tontura. Apesar do ar-condicionado do palácio. Aquela
roupa estava me matando de calor.
— Preciso ir ao banheiro — avisei para ele que assentiu.
Foi trabalhoso me aliviar e suei como uma porca, demorando horrores para
me recompor. Sequei o rosto, com batidinhas de papel, me livrando do
excesso de maquiagem e suor.
Dei uma última olhada no espelho antes de sair do banheiro.
— Isabela Tharip. — A voz estranha me pegou de surpresa. — Eu sou
Tessalah Kadifir, marido da irmã do Gibrail.
Eu me senti um pouco Nazaré Tedesco, fazendo contas parentais, mas o
tico e teco (meus únicos dois neurônios vivos àquela hora) ainda estavam em
juízo perfeito.
— Então você é tio do Khalid!
— Não! — exclamou taxativo e até grosseiro. — Seu marido não tem o
meu sangue. Sou casado com uma Tharip, mas não sou um deles.
Huuum...
A feminista que habita meu corpo farejou o aroma de tretas de família e eu
sorri fazendo cara de paisagem.
— Entendo. — Juntei as mãos na frente do corpo. — Foi um prazer
conhecê-lo.
Minha intenção era virar as costas, mas o velho me impediu.
— Pensa em ter filhos?
Eu não dou sorte com velhos, cara! Só conheço os sem-noção.
— Um dia, quem sabe? — Forcei o sorriso.
— Não pode ter filhos então?
Arregalei os olhos sem acreditar na falta de critério.
— Acho que tenho plenas condições, mas não quero agora.
Ele ia falar mais alguma coisa, mas vi Khalid vindo na minha direção
como uma flecha.
— Ali vem o meu marido. Por que não pergunta a ele?
O velho olhou na direção que apontei e saiu sem dizer nada.
— Tudo bem? — Khalid pareceu preocupado. — O que ele te disse?
— Fez algumas perguntas sobre filhos, só isso.
— Não saia do meu lado, entendeu? Tenho muitos inimigos aqui e o
Tessalah é o principal deles.
Senti um arrepio escalar a minha coluna.
— Não me disse o que descobriu ontem. — Na verdade, eu me esqueci de
perguntar. — Aquele homem que você interrogou, ele...
— Está morto.
Não sei explicar o que senti. Vivi tanto tempo próxima da violência da
Zona Norte do Rio de Janeiro que talvez tenha ficado amortecida, mas ter
consciência do que ele era capaz de matar me deixou um pouco tensa.
— Se ele vivesse, voltaria para terminar o serviço — explicou segurando o
meu queixo, me obrigando a encará-lo. — Não posso me dar a esse luxo.
Fiquei grudada nele pelo resto da festa, sendo cortês com pessoas estranhas
e sentindo meu maxilar cansado de tanto sorrir.
Permiti que a minha atenção vagasse pela decoração do palácio quando
engataram um assunto político. Paredes como aquelas, repletas de detalhes
ressaltados por lustres que emitiam luzes amarelas pálidas, mereciam ser
apreciadas.
Cada detalhe era impressionante. Os entalhes característicos da cultura
árabe iam do chão ao teto. Com destaque para os lustres de cristal e vasos
magníficos por todo o lugar. Achei curioso, desde a primeira vez que entrei
ali, porque havia muitas mesinhas pequenas, de frente para dezenas de sofás.
Todas de madeira avermelhada e com detalhes em ouro. Um imenso tapete
com desenhos de mandalas cobria o centro da sala suntuosa.
Não percebi que tinha me afastado até esbarrar em um homem muito alto
que me segurou pelos ombros evitando a minha queda.
— A noiva — falou mirando seus enormes olhos verdes em mim. — Uau!
É tão linda quanto a minha irmã falou.
— Desculpe, sua irmã? — Não escondi minha confusão.
— Haya. — Lendo a minha expressão confusa ele riu. A boca grande
exibiu os lindos dentes alinhados. — Melissa.
— Ah! Não sabia que ela tinha irmão.
— Nem ela — disse divertido e acompanhei o sorriso. — Como se meteu
nessa furada?
Ele apontou para Khalid que estava distraído discutindo com um velho.
— Culpa da Melissa.
Ele coçou o queixo, como se avaliasse o meu humor.
— Desculpe, eu nem me apresentei. — Estendeu a mão grande com dedos
abertos e eu a apertei. — Iran Malik Abdul.
— Isabela, antes Siqueira, agora Tharip.
Ele sorriu sincero. Tinha sobrancelhas grossas e olhos muito verdes e
grandes. A mesma pinta na bochecha. Lindo, sem dúvidas. Ainda mais pela
expressão de poder que o acompanhava. Como os mafiosos em filmes de
gangster. Uma vibe muito Al Capone.
— Iran. Gostei. Como o país.
— Prefiro que me chame de Malik, por favor. Não gosto de Iran.
— Sério? Mas é tão lindo. Derrete na boca como chocolate, se me permite
dizer.
Ele gargalhou gostoso. Tinha uma voz macia.
— Contra todas as possibilidades, eu já ouvi isso.
Ergui as sobrancelhas surpresa.
— E eu me sentindo criativa. Ela era bonita?
Sabia que estava sendo invasiva, mas o tédio era meu inimigo e aquela
festa estava repleta de velhos enfadonhos.
Malik apontou para o corredor diante de nós.
— Essa história eu só conto se me acompanhar numa caminhada. Já
conhece o Palácio?
— Não. É a segunda vez que venho e o Khalid parece ficar aflito aqui
dentro.
— Ele tem seus motivos. — Enfiou as mãos no bolso da calça social cinza
e caminhamos pelo corredor de teto arcado. — Respondendo à sua pergunta,
sim. Era linda. Tinha olhos castanhos e pele bronzeada. Cheia de curvas,
como você.
— Ah, quer dizer gordinha.
— Perfeita — corrigiu e o encarei curiosa.
— Gostava dela, não é?
— Muito — ficou sério e soube que o assunto ainda o machucava —, mas
ela me traiu.
— Sinto muito. Você... viu? Desculpa, não é da minha conta! Eu sou uma
fofoqueira curiosa. — Bati na minha própria boca.
— Tudo bem. — Sorriu com educação. — Faz muito tempo. Ela mesma
me contou. Disse que estava apaixonada por outro homem e fugiu com ele.
Nunca mais a vi.
— Diz muito tempo, mas soa como pouco.
Ele parou de caminhar para me encarar com sobrancelhas franzidas.
— Por quê?
— Por conta da mágoa na sua voz.
— Assumi que faz tempo — sorriu malicioso —, não que superei.
Prensei os lábios concordando.
— Quanto?
— Onze anos nessa quarta-feira.
— Uau! — Assobiei. — Você conta os anos.
Ele minimizou com um gesto.
Chegamos aos jardins. Os canteiros estavam repletos de flores.
Ele suspirou parando de andar de repente.
— Gostaria de dizer que te contei tudo isso porque simpatizei com a sua
figura, mas a verdade é que eu só queria te afastar do Khalid para mexer com
ele. Seu marido me odeia.
Fiquei desapontada e ele percebeu pela minha expressão.
— Desculpe — falou emitindo um suspiro.
— Era tudo mentira então?
— Quem me dera. Contei a verdade. Só o meu objetivo que foi egoísta.
Olhei para o corredor que levava de volta ao Palácio. Ele fez um gesto
indicando o caminho, como se me liberasse, mas não me mexi.
— Você é irmão da Melissa e por isso confiei que não era um inimigo.
— Não sou. Pelo menos, não de verdade. Só na cabeça cheia de
conspirações do Khalid. — Deu de ombros. — Mas tenho culpa. Nos
conhecemos desde criança e alimentei o ódio dele com provocações desse
tipo. Sou o melhor amigo do irmão dele.
— Ah, entendi. — Não totalmente, mas conhecia a capacidade humana de
rivalizar por motivos fúteis.
— Existe um motivo concreto ou só implicância mútua?
— Ódio à primeira vista parece definir bem. — Ele riu de forma
contagiante. — Não tenha uma má impressão de mim, por favor. Eu me
divirto de formas sádicas.
Ergui as sobrancelhas, talvez compreendendo um pouco a moça que o
largou. Não é qualquer uma que se adapta a uma personalidade dessas.
— Acho que me colocou em uma enrascada, Senhor Malik — acusei
fingindo estar zangada —, mas preciso confessar que usei o senhor também.
Ele pareceu realmente surpreso.
— Queria fazer ciúme no estressado? Achei que seu casamento fosse de
conveniência.
— Não. Queria me distrair desse ambiente... — Não me lembrei de uma
palavra em árabe que traduzisse o que estava sentindo então fiquei estalando
o dedo, tentando puxar pela memória.
— Inóspito?
Pensei em sacal, na verdade.
— Nauseabundo — lembrei e ouvi sua risada divertida. — Combina com
os olhares de repulsa que recebi desde que cheguei.
— Não ligue pra esses velhos canalhas. São todos abutres que tentam
roubar o sultanato da família Tharip desde que o avô do Zaad ainda era
sultão.
— Um deles veio me perguntar sobre filhos, acredita? Mal casei!
Malik prensou os lábios e desviou o olhar.
— Infelizmente, é o que todos esperam desse casamento. Herdeiros para o
trono. Porque a única coisa certa na vida é a morte. Khalid, Zaad, eu... um dia
todos partiremos e nossos filhos receberão o pesado fardo que hoje está sobre
nossos ombros.
— Soa cruel falando assim.
— E é. Não gosto do seu marido, mas preciso reconhecer que ele já fez
muitos sacrifícios por esse país. O dia de hoje é um deles.
Aspirei um pouco mais de ar do que o normal. Devagar. Depois tomei o
tempo necessário para soltá-lo, ainda mais lentamente.
— Não queria encrencá-la — falou baixo e rápido —, mas pela cara dele...
Estiquei o pescoço para o lado e vi o diabo em pessoa vindo em nossa
direção. As sobrancelhas retas quase formavam um V frio e desalmado no
centro do rosto.
— Ai, fodeu! O homem tá daquele jeito.
Malik tentou conter o riso, mas estava claramente se divertindo.
— Para — repreendi baixinho batendo em seu braço, mas só consegui
fazê-lo gargalhar. O nervosismo me atacou gerando uma crise.
Segurei a barriga sentindo câimbras de tanto rir.
— Que porra que está acontecendo aqui? — A voz do Khalid trepidou ao
gritar.
— Contei uma piada, só isso — Malik explicou passando os dedos pelo
cabelo castanho e liso. — Foi um prazer, Isabela — disse me olhando nos
olhos e se virou para o Khalid. — Tchau, otário!
Ele saiu com um sorrisinho debochado no rosto e eu tapei a boca tentando
me controlar.
Khalid cruzou os braços, furioso. Pareceu contar até dez.
Quando eu consegui respirar novamente, ele estreitou os olhos.
— Que parte do não saia do meu lado você não entendeu?
— Desculpe! Ele disse que era irmão da Melissa e eu vi a semelhança. Não
achei que seria um problema.
Passou a mão pelo rosto com força e depois segurou a própria cintura.
— Qual o seu nível de maturidade, Isabela? Tentaram te sequestrar ontem
e você sai por aí caminhando com um estranho?!
— Ele é irmão da sua cunhada!
— Você não tinha como saber se era verdade!
As pessoas ao redor nos olhavam curiosas. Um deles, o maluco que
perguntou sobre filhos, parecia particularmente interessado.
— Está me envergonhando na frente do conselho — falou baixo cravando
as mãos em meu cotovelo.
Uma onda de quentura fez meu nariz arder. Minha visão ficou turva por
causa das lágrimas e desviei o olhar rápido para que ele não percebesse.
Engoli a acusação me sentindo injustiçada, ferida e tantas outras coisas que
era difícil nomear.
— Não faça drama — acrescentou tomando o meu braço como se tudo
estivesse bem e saiu me puxando de volta ao palácio. — Lembre-se que te
contratei por um motivo.
Suas palavras esfaqueavam o meu peito.
— Sim, senhor — sibilei entre os dentes e ele me olhou estranho.
Tessalah — 24 Anos Atrás

Aquele diabinho iria me pagar caro. Ele e a vadia da mãe.


Senti minha cabeça latejar e toquei o local de novo. Mais sangue quente
melou a ponta dos meus dedos.
Miserável!
Avistei Gibrail de longe e fingi me desequilibrar segurando a cabeça e
soltando uma sequência de gemidos.
— Tessalah? — Correu na minha direção. — O que aconteceu?
— Nada... ele não sabe o que faz, não brigue com o garoto.
— Que garoto?
— Seu filho mais velho — revelei fingindo uma dor excruciante. — Ele...
surtou eu acho, não sei direito. Jogou um vaso na minha cabeça só por causa
de uma cesta de basquete que ele derrubou na cabeça do irmão mais novo.
Os olhos do sultão escureceram. Ele franziu os lábios e, com passadas
furiosas, entrou no palácio. Deixei que entrasse. Esperei ouvir os primeiros
gritos e fui espiar, escondido atrás de uma coluna. O resultado daquela
equação me interessava.
— Khalid! Najila! — Encontrou os dois na sala de reuniões principal. — O
que você fez ao meu conselheiro, garoto?
— Ele mereceu! Bateu na minha mãe.
— Não fale mentiras, Khalid! Quando vai aprender a parar de mentir?
— Mas é verdade! Você nunca... — O moleque foi calado com um tapa tão
forte que o jogou no chão.
Antes que conseguisse explicar, Gibrail já tinha desferido outros tantos
tapas. Najila entrou na frente, tentando defender o filho, mas apanhou junto.
Esse era o homem que ela defendia. O carrasco, seu e de sua descendência.
Cuspi no chão, repleto de asco da cena que presenciei e daquela família
indigna de governar o meu país.
Quando a ira de Gibrail diminuiu e ele os encarou com uma pontada de
terror pelo que tinha feito, saiu da sala às pressas e vi o que eles nunca
presenciaram. A culpa de Gibrail pelo seu descontrole.
O líder supremo do país caiu de joelhos no chão, longe das vistas de sua
família, segurando o rosto enquanto se desfazia em lágrimas. A dor, o
arrependimento, ele sabia que nada daquilo justificava seus atos e isso o
rasgava ainda mais.
Um fraco.
Acusava os filhos de serem exatamente o que ele era. Débil. Frouxo. A
verdade que ninguém conhecia sobre aquele homem, exceto talvez pela
esposa que o suportava, era que Gibrail explodia na mesma proporção que se
remoía. Toda a agressão se transformava em penitência no momento em que
seu humor voltava ao normal.
Aquele doente não merecia governar um país. Não quando se arrependia.
Um rei de verdade não tem arrependimentos. Faz o necessário e fim. O
sofrimento dos outros é um pequeno efeito colateral do peso de ser o líder de
uma nação briosa. Gibrail carecia de fibra. Eu jamais seria acometido por
aqueles sentimentos pequenos.
Um sultão de verdade não sente remorso.
Olhei de volta para a cena patética que se desenrolava no salão do palácio e
tive vontade de me aproximar para rir da cara deles, mas preferi permanecer
incógnito nas sombras.
Eu teria o meu momento.
Seria glorioso. Um sultão melhor. O herói do meu povo. Meu coração
acelerou com o vislumbre da minha vitória. Sentia-me eufórico, vivo, feliz.
Observei o fedelho mais velho atentamente. Khalid chorava, mas não era
dor que atravessava seus olhos quando ergueu o rosto. Assim como o filho
mais novo de Gibrail, a dor não parecia afetá-lo.
Socou o chão repetidas vezes, inflamando o próprio ódio. Esmurrou o chão
até as mãos sangrarem.
Estranho. Que espécie de adolescente era aquele?
— Não fique assim, Khal! — Zaad chegou chorando e abraçou o irmão. —
Um dia você será o sultão e vai nos proteger de tudo isso. Por favor, não se
machuque mais!
— Eu devia matá-lo!
— Não diga isso, meu filho — Najila interviu levantando-se do chão. —
Não estou aqui aguentando tudo isso para que se torne igual ao seu pai.
— Então vou fugir! — gritou angustiado. — Vou pra bem longe onde ele
nunca mais vai me bater.
— Prometeu que nunca me deixaria, Khal — Zaad choramingou. — Você
prometeu, lembra? Juntos para sempre.
Khalid respirou fundo acalmando a própria fúria.
— Que bom que eu tenho você — declarou fungando, abraçando o irmão
menor. — Não sei o que seria de mim sem você, pirralho.
Foi naquele momento que visualizei o futuro. Tão claro e limpo como se
fosse um filme, sendo exibido diante de mim.
Aquele moleque atrevido era forte o suficiente para destruir todos os meus
planos, mas se apoiava emocionalmente no irmão.
Precisava afastá-los.
Saí dali na ponta dos pés. O plano seria muito fácil de executar, na
verdade. Eu só precisaria manipular Gibrail um pouquinho mais.

Demorou semanas para que nos reuníssemos no conselho novamente.


Sempre que perdia o controle de sua raiva, Gibrail caía em uma depressão
profunda e abandonava suas funções.
O sultão de um país. O rei absoluto. Um doente. Ultrajante! Allah
precisava da minha ajuda para corrigir aquele erro.
Sim!
Eu seria o anjo de Allah.
Esperei ansioso para colocar meu plano em ação durante todo o
expediente. Assim que a reunião terminou, os conselheiros foram saindo um
a um.
Najila foi a última a sair depois de falar algo no ouvido de Gibrail que
sorriu para ela.
Sorriu?
Tinha algo diferente no olhar que trocaram. Uma cumplicidade amorosa e
repugnante.
Engoli em seco enojado.
Aquela vagabunda! Depois de todas as agressões que sofrera...
— Cunhado — gritei quando ficamos sozinhos —, parece mais leve,
conseguiu resolver o problema com seu filho?
Gibrail soltou um suspiro longo.
— A culpa é toda minha, Tessalah. Tudo o que a minha família sofre é
resultado de eu ter me afundado em fanatismo religioso e ter virado as costas
para a ciência. Deus não está no facciosismo[19]. Decidi ouvir minha esposa e
buscar ajuda profissional. Sem desistências dessa vez.
Não!
Senti meu coração disparar. Aquilo não podia acontecer.
— A culpa não é sua, amigo. Os filhos nos desestabilizam. O que precisa é
encaminhá-los para que sejam educados de forma satisfatória, longe um do
outro. Fiquei sabendo que o filho do Hassam vai para os Estados Unidos
daqui a uma semana. Poderia mandar o Zaad junto, isso o deixaria mais
maduro.
Gibrail fez que não com a cabeça.
— Najila jamais concordaria. Ela quer que os dois estudem sempre juntos.
Acredita que um daria força ao outro e concordo. Precisamos de uma família
unida.
Desgraçada, vagabunda, infeliz! Sempre no meu caminho.
Abri um sorriso forçado.
— Ora, vamos! Não é isso que a Sharia diz sobre a educação das crianças.
A palavra do profeta diz que o homem é o cabeça da família. Ele quem
decide e as mulheres devem apenas ser obedientes.
Gibrail coçou a barba concordando, mas não estava seguro.
— O profeta também fala sobre cuidar da sua família e fazê-la feliz. Najila
já me perdoou tantas vezes, Tessalah. Acho que minhas chances de fazer o
certo já se esgotaram.
Ele deu dois tapinhas no meu ombro, indicando o encerramento do assunto
e saiu da sala.
Fechei os olhos com ódio. Não posso desistir. Minhas intenções são boas.
Claro que são boas!
O sultão agredia a esposa e os filhos. Amava as ideias ocidentais e estava
pervertendo as leis do profeta, abandonando a religião para ouvir a mulher.
Eu só queria livrar a todos daquele abutre.
Eu seria um sultão muito melhor.
Faria de Najila a minha segunda esposa e ensinaria a se comportar na
frente de um bom homem.
Eu seria um herói.
Alguns dias depois, após mais uma briga do Gibrail com os filhos, algo
sobre o mais jovem ter dormido no colo da mãe, resolvi que seria um bom
momento para ir até o palácio e salpicar um pouco de sal na ferida.
Andei pelos corredores procurando Gibrail, mas acabei encontrando o
corredor para o quarto principal e Najila estava bem ali, de pé, em frente ao
espelho, penteando os cabelos.
Ela me viu espiando.
— O que faz aqui?
Pensei em mentir, mas senti que Allah estava do meu lado. Eu era um
homem honrado. Minhas intenções eram boas. Allah me protegia e me
guiava. O que poderia dar errado?
— Saia da minha casa agora, seu abutre!
Não pensei. Apenas a empurrei com força. Ela bateu a cabeça na quina de
um móvel e caiu desacordada.
Eu me apavorei por um segundo, então fui tomado pela fúria.
Aquela vadia! Sempre no meu caminho, atrapalhando.
Colocaria todos contra mim quando acordasse. Ela só teria alguma
serventia morta!
A ideia surgiu como um sussurro de Deus. Era perfeito.
Arrastei-a para dentro do quarto e tranquei a porta. Limpei o sangue do
chão com uma toalha e a posicionei perto da escrivaninha, como se tivesse
caído da cadeira. Vasculhei todas as gavetas e encontrei remédios controlados
com o nome do Gibrail.
O maldito doente!
Espalhei pelo local, coloquei alguns dentro da boca de Najila e enfiei a
maioria dentro do meu bolso. Deixei o pote vazio na mão dela que começava
a acordar. Tapei a sua boca para que não gritasse.
Não era burra a vadia. Ao perceber o que eu faria, arregalou os olhos se
debatendo.
Apertei com mais força, tapando o nariz também.
Ela ficou pálida. Cravou as unhas em mim, esperneou, mas foi perdendo a
força.
— Esse é o meu lugar, vagabunda! — sussurrei enquanto seus olhos
perdiam a vida. — E ninguém, nem você e nem seus filhos vão tomar o que
me pertence.
Pouco a pouco seu corpo amoleceu, mas segurei até bem depois que já
estava estática.
O alívio me percorreu. Senti que estava duro de excitação.
Minha vitória estava próxima.
Gibrail estaria acabado. A doença e a obsessão pela esposa garantiriam
minha ascensão ao trono. Ele se culparia eternamente e desistiria do sultanato
quando descobrisse o suicídio. A reputação do sultão seria arruinada. A
oposição ganharia força.
Talvez ele se matasse.
Os filhos não tinham idade e como marido da irmã de Gibrail, eu me
tornaria o sultão.
Era perfeito.
Allah tinha me ajudado.
Saí do quarto sem ser visto. Não havia guardas dentro do castelo, apenas
do lado de fora. E como conselheiro não tinha problema para circular por ali
sem ser questionado pelos empregados. Tinha livre acesso ao palácio.
Meu plano era irretocável.
Agora eu só precisava me livrar dos filhos da vadia.
Khalid – 24 Anos Atrás

Sentei no alto da escadaria, distante o suficiente para não ouvir as preces,


mas ainda podia ver todo o salão principal que estava mais cheio do que
esperávamos.
O céu de Omã estava cinza e uma chuva fina molhou todo o jardim
formando grandes poças de água. Os guardas me mandaram entrar para não
molhar minhas sandálias e nem a barra do vestido branco da cerimônia.
O cheiro dos cravos estava me enjoando e não entendia porque havia
tantos ali, já que minha mãe os odiava.
Flores insossas de defunto, ela dizia.
Minha mãe gostava de peônias e hortênsias, das coloridas. Amava cores
fortes. Vermelho era a sua preferida. Tinha até um sofá dessa cor em seu
quarto, que ela fez questão de trazer da casa dos seus pais.
Prensei os lábios quando reconheci o pequeno tolo do meu irmão
engatinhando por debaixo das mesas do salão, fugindo de uma para outra
próxima.
Por isso não achei o bobalhão!
Zaad ajeitou a toalha comprida com sua mãozinha pequena. Era melhor
mesmo ele se cuidar sozinho porque eu não teria forças.
Não hoje.
Um dos homens do conselho veio entrando com mais uma caixa cheia de
cravos brancos, dando ordens aos nossos empregados para que os colocassem
em vasos e distribuíssem pelo salão. O rosto estava oculto pelas flores.
Por que ele estava fazendo aquilo?
Meu pai continuava lendo o texto e guiando as orações, sem prestar
atenção no homem.
Desci as escadas correndo para impedir que os empregados fizessem
aquilo, mas quando cheguei ao salão fui puxado com força pelo braço.
— Não pode correr aqui!
— Leve essas flores embora! Minha mãe odiava elas.
Senti o aperto no meu braço aumentar e olhei para cima, encarando o
homem nos olhos com fúria e percebi que ele sorria.
Tessalah!
— Verdade. Ela não gostava. Acho que me esqueci desse detalhe, mas
agora eu já as trouxe e seria pecado desperdiçar.
— Leve embora! — ordenei com um grito e algumas pessoas saíram da
imersão das preces para nos encarar. — Tire elas daqui!
Ele apertou meu braço com força e me arrastou para fora do salão até os
jardins do palácio.
— Pare de fazer escândalo — rugiu com desprezo, o lábio superior
repuxado. — São flores de defunto e é isso que a sua mãe é agora.
As lágrimas que segurei durante todo o dia vieram à tona. Quentes como
lava, elas queimaram o meu rosto com tanta dor como se fogo escorressem
dos meus olhos.
— NÃO! — gritei mais alto, como se pudesse espantar a realidade. — Não
fale assim dela!
A repulsa de Tessalah se transformou em ódio. Ele prensou os lábios
olhando ao redor e vendo que não havia ninguém por perto naquele
momento, pareceu se encher de coragem.
— Sabe por que sua mãe está sendo velada aqui no palácio, moleque? —
perguntou baixinho, tão próximo que pude ver as marcas da idade em seu
rosto. Não eram muitas e poucos fios brancos despontavam nos cabelos
pretos. A pele oleosa da bochecha brilhava mesmo sob o céu cinzento. — O
Imã[20] se recusou a orar pela sua mãe na mesquita por que era uma suicida.
Ela não vai entrar no paraíso, sabia?
Não!
Meus joelhos fraquejaram.
Minha mãe era uma pessoa boa. Não era justo!
Tentei socar o rosto daquele homem muito maior do que eu, mas ele se
defendeu erguendo os punhos fechados e riu de mim. A tristeza drenava as
minhas forças.
— Um moleque de 14 anos já e ainda bate como uma garotinha. Isso é
tudo o que consegue fazer? — Ele acertou um tapa no meu rosto que estalou
alto. — O país estaria perdido se dependesse de você. Nunca será um bom
sultão. Tire essa ideia da cabeça.
— Eu sou o mais velho — gritei com ódio, sentindo o rosto arder pelo tapa
e a alma queimar de tristeza pela minha mãe —, eu serei o sultão um dia e
vou mandar exilarem você!
O homem me agarrou pelo colarinho e com um puxão quase colou nossos
rostos. O nojo escorria de suas palavras.
— O seu pai está acabado, garoto. A morte da sua mãe vai empurrar o
velho doente para o buraco e antes que você aprenda a bater como um
homem de verdade, eu já serei o novo sultão.
Ele me soltou com um empurrão e caí sentado dentro de uma poça de
lama. A chuva fina aumentou escondendo as minhas lágrimas, mas não a
minha humilhação e chorei mais alto.
— Você não passa de um pirralho chorão.
— Tessalah? — A voz do meu pai me fez erguer o rosto. — O que
aconteceu?
O demônio ardiloso contraiu o rosto e balançou a cabeça como se estivesse
desolado.
— Tentei dar uma palavra de consolo ao seu filho, cunhado, mas ele está
possuído pelo espírito da cólera. É muito triste ter que dizer isso, mas seu
primogênito não tem muita firmeza. Olha o estado dele!
Eu me levantei num salto, sentindo a lama escorrer pela túnica, indignado
pela sua dissimulação.
— É mentira! Ele me empurrou! Chamou a minha mãe de suicida e disse
que ela não entrará no paraíso — gritei apontando para o infeliz que fingia
tristeza.
Observei o rosto do meu pai endurecer e seus olhos nublarem, repletos de
um sentimento viscoso e doentio.
— Essa é apenas a verdade, Khalid — sibilou repuxando o lábio. — Sua
mãe nos envergonhou. Manchou o nome da nossa família para sempre e você
precisa aceitar isso como um HOMEM!
Eu me encolhi quando gritou a última palavra.
Todos me encaravam. Distingui diversos sentimentos refletidos nas
expressões. Pena, escárnio, preocupação...
Meu pai me virou as costas e pouco a pouco todos o seguiram.
Estava frio e a chuva só aumentava. Meu corpo tremia por motivos físicos
e emocionais e nunca me senti tão sozinho até que dois braços finos me
cercaram em um abraço.
— Não fica assim, irmão — Zaad implorou com a vozinha chorosa e eu o
abracei forte me entregando ao pranto.
Senti os tremores se misturarem aos soluços desesperados. Havia perdido
toda a esperança. Nosso único fio de luz tinha se apagado e a perspectiva de
vida sem a nossa mãe não era só dolorosa, mas cruel.
— Desculpe, irmãozinho — pedi dilacerado. — Você é tudo o que me
restou agora. Só temos um ao outro, Zaad. Por favor, não me abandone
também.
— Eu não vou, Khal. É uma promessa.
Khalid — Dias Atuais

Duas semanas haviam se passado desde o casamento. Duas semanas de


merda, em que Isabela resolveu me ignorar, a rancorosa.
O que eu não esperava era ficar incomodado.
Sentia falta de nossas conversas e das bobeiras que falava. Mesmo os
assuntos mais aleatórios dela conseguiam suavizar os meus dias infernais.
— Bom dia — arrisquei entrando na cozinha de manhã cedo, após o treino
pesado de musculação, e ela se levantou. — Não vai falar comigo?
— Foda-se! — gritou já longe.
A calça de ginástica preta marcava suas curvas. A bunda estava desenhada
e meu pau teria saltado pra fora da calça e ido atrás da safada se pudesse.
Hálim, que estava sentado de frente para a bancada, fez um barulho
irritante com a língua.
— O quê?
— Peça desculpas.
— Eu não falei nada demais.
Ele deu de ombros.
— Ainda consegue andar?
— Não seja ridículo!
— Eu já estaria com câimbras no saco se fosse você, mas felizmente
Sumali ainda supre as minhas carências. — O espanhol ridículo cruzou as
perninhas como se fosse a porra de uma lady e ainda ergueu o dedo mindinho
ao levantar a xícara e dar um gole no café me encarando. Um debochado
ridículo! — Ela disse que você não contrata os serviços de suas donzelas há
quase um mês.
O filho da puta fez uma carinha triste.
— Donzelas?
Ele atirou um dos livros da minha biblioteca particular sobre a mesa.
— Tirei dessas merdas que você vive lendo.
Fechei os olhos puto.
— Está mexendo no meu quarto de novo?
— Romances de época são divertidos, reconheço. Eu ri demais durante a
leitura desse aí. Tem algum com final triste?
— Nunca. — Peguei o livro antes que alguém visse. — Não leio essa
merda pra ficar frustrado.
— Claro que não! — exagerou no tom de deboche e esticou a coluna. —
Vossa graça lê para aplacar a necessidade urgente de romance.
— Vai se foder!
— É chiclete o jeito como as personagens falam. Dá vontade de sair por aí
falando assim.
— Vou tomar um banho e saímos — avisei sem paciência.
— Não se esqueça de bater uma punheta bem demorada, porque odeio
você quando está de mau humor — gritou enquanto eu subia as escadas. — E
ela não vai liberar o parquinho tão cedo.
Era isso que eu evitava quando optei por não me relacionar. Lidar com os
sentimentos frágeis de alguém.
Pisei em ovos a vida toda por conta da personalidade do meu pai e irmão.
Hoje em dia eu nunca media as palavras.
Aparentemente, Isabela estava naquela fase de oscilação hormonal.
Qualquer palavrinha minha e começava a chorar, mas nos últimos dois dias,
passou da melancolia para a agressividade.
O casamento mal começou e já está um inferno.
Pensei duas vezes antes de entrar no banheiro.
Hálim tinha razão. Eu precisava me aliviar. Abri a gaveta do armário e
peguei a calcinha dela. Não importava se a peça tivesse seguido para a
lavanderia dentro do bolso do meu paletó e agora cheirasse a amaciante.
Ainda era o meu troféu, ainda era a calcinha dela e me excitava pela
lembrança que carregava. Seus gemidos, a lubrificação que escorria pela
coxa...
Puta merda!
Segurei o pau e me masturbei com raiva enquanto afundava o nariz na peça
de renda, lembrando do gosto da boceta melada.
Queria afundar a minha boca nela, lamber a lubrificação, beber seu gozo.
Isabela era tão deliciosa que a minha mente ficava em branco perto dela.
Foi a punheta mais rápida da minha vida.
Inferno de mulher!
Quando desci arrumado, Hálim me encarava com um sorrisinho cínico.
— Uma palavra e te jogo do carro em movimento.

A reunião de hoje tinha o objetivo de analisar uma proposta absurda, que


tentava derrubar um dos meus projetos de lei mais antigos.
Em Omã tínhamos muitos estrangeiros que fixaram residência. E nada
mais justo do que proteger os direitos dos não religiosos. Depois da lei de
sharia dual, que visa não punir aqueles que não querem seguir religião
nenhuma, muitos omanis se libertaram da obrigação familiar de seguir o
ibadismo.
— Não podemos ter uma sharia dual.
— Temos que impor o islamismo em nosso país!
Gritavam os conselheiros desordenadamente enquanto Zaad os observava
calado.
Era impressão minha ou o tom extremista daqueles velhos havia
aumentado?
— Muitos dos países islâmicos já usam a sharia dual — argumentei. — Os
governos são oficialmente seculares, mas mantém um tribunal especial para
julgar unicamente muçulmanos. Os não muçulmanos não podem ser
submetidos a mesma legislação, mas sim a prevista pelo governo secularista.
— Mas este ainda é um país muçulmano! — Tessalah bateu na mesa e se
levantou bruscamente incitando outros conselheiros que também se ergueram
exaltados.
Era a primeira vez que Tessalah tinha tanto apoio e chegava a quase
metade daquele conselho, desde que ocupei a cadeira da minha mãe, dando
continuidade ao trabalho dela.
O conselho estatal era responsável por aprovar ou alterar projetos de lei
antes de submetê-lo ao sultão, que era a voz decisiva.
Fale alguma coisa, seu imbecil! Pensei encarando Zaad.
Ele era o soberano e poderia cortar aquele foco de incêndio de uma só vez,
mas como o pirracento que era, não se manifestou.
Aquilo era um erro.
Desde que assumiu o sultanato, os conselheiros testavam a autoridade de
Zaad. E como ele era democrático, por assim dizer, permitindo que
opinassem livremente, as bestas já tinham mostrado as garras.
Passei a mão pelo rosto com força. Era inútil tentar ensiná-lo que sultanato
não era presidencialismo.
Levantei irritado e deixei a reunião.
Estava no meio do corredor quando ele me gritou.
— Khalid!
— Não vou voltar para aquela inutilidade — gritei de onde estava. —
Você precisa impor as suas ideias. Precisa mandar que se calem, ameaçar se
for preciso. É como educar crianças, Zaad! Porra!
— Não é assim que trabalho. Não vou ser mais um...
— Então não será nada — cortei-o puto da vida, farto da sua passividade,
seu medo de se indispor e falta de visão. — Eles querem obrigar a sua mulher
a usar véu, a frequentar a Mesquita, querem apedrejá-la por trabalhar, é isso o
que eles querem. Acha mesmo que é apenas um movimento em defesa da
religião e cultura de Omã? No Irã a polícia do véu matou uma mulher porque
o hijab estava mal colocado em seu rosto. Vai deixar isso acontecer aqui?
Ele franziu a testa.
— Acorda, Zaad! Aquele filho da puta comprou metade do conselho e vai
comprar o restante para te derrubar.
— Não pode provar isso, Khalid. Está sendo irracional. Sempre implicou
com Tessalah e vê conspirações onde não existem.
Puta que pariiiiu!
Passei a mão pelos cabelos e segurei a cabeça dando meia-volta e parando
no mesmo lugar. Era angustiante. Ninguém mais via a verdade e era
desesperador tentar mostrar a eles.
— Você é um fodido! — falei apontando para a cara dele. — Odeio você,
mas é bom para o país e só por isso ainda não te derrubei.
Ele aspirou um pouco de ar e prensou os lábios meditando em minhas
palavras.
— Eu sei que me odeia, mas por que acha que sou bom para esse país?
— Porque o povo gosta dessa sua cara de trouxa. — Fiz uma pausa
prensando os lábios. — E também porque não aprova leis bizarras e
retrógradas, mas sua passividade está fomentando um golpe. Precisa deixar
de ser medroso e fazer o que é preciso.
— Claro. Falou o diplomata nato! Acha que derramar sangue, prender e
exilar os que se opõem promove um bom governo?
Meneei a cabeça encarando o chão.
Caralho! Como eu odeio esse merda.
— Pessoas são como crianças, Zaad. Existe o momento de ser flexível e o
de reprimir, ensinar limites. Isso aqui não é a porra de uma democracia e você
jamais seria eleito se fosse. As pessoas desse país precisam ser cuidadas,
mesmo que à força.
— Acabou? — perguntou e revirei os olhos. — Você poderia ter assumido
o sultanato quando me internaram há quatro anos. Por que não fez?
Encarei-o sem uma resposta simples.
Quando ele tentou suicídio fiquei quase satisfeito. Ele morreria. Melissa
seria minha e o sultanato também. Eu devia ter ficado feliz, mas um segundo
após receber a notícia, eu me vi diante da sombra do garotinho que já foi meu
alicerce. Ainda era difícil vê-lo sofrer.
— Já fomos amigos, Khalid — insistiu quando não respondi. — Por que
me odeia tanto?
— Já tivemos essa conversa.
— E em todas as vezes eu te disse a mesma coisa: fui obrigado!
— Você me deixou SOZINHO! — As palavras rasgaram a minha
garganta. — Você preferiu aquele infeliz do Iran Malik a seu irmão. A nossa
mãe tinha acabado de morrer e você foi covarde mais uma vez.
— Gibrail me obrigou a ir morar com a família Abdul. Eu tinha 11 anos, o
que esperava?
— Que tivesse CULHÃO! — gritei socando a parede do corredor. —
Fiquei sozinho naquele palácio. Apanhei todos os dias, por muito tempo, só
por estar vivo, enquanto você tinha um novo amigo e uma família amável.
— Eu tentei voltar várias vezes. Tentei falar com ele para deixar você
comigo, mas Gibrail foi irredutível. Ele estava em depressão e parou de tomar
os remédios, ficou mais instável. Não havia nada que uma criança pudesse
falar com ele. Seja sensato. Eu tinha...
— Onze anos — cortei entediado. — Você sempre fala essa merda. E
como se não bastasse me obrigou a casar pra satisfazer o velho. Você faz
ideia do nojo que sinto de você por isso?
— Não foi por isso, Khalid. E a ideia também não foi do Gibrail e nem
minha.
Ri na cara dele. Era muita covardia tentar jogar aquela merda pra cima de
outra pessoa.
— Ahhh, não diga? — Bati palmas. — E foi de quem então?
— Minha!
A voz me cortou ao meio. O timbre, a decisão em cada sílaba, não
precisava olhar para trás para saber quem era.
— Não. Você não! — Não foi uma negativa, mas sim um pedido. A
segunda pessoa, num universo de dois, em quem eu confiava não poderia ter
arquitetado algo tão baixo.
Eu me virei devagar, esperando ver outra pessoa ali parada no corredor,
atrás de mim. Porém, lá estava Melissa.
— Você não me deixou escolha, Khalid. A sua insistência se tornou
irritante. Além disso, o sultanato precisa de herdeiros e francamente não
quero o meu filho envolvido nisso.
Engoli um nó tão apertado que desceu rasgando minhas cordas vocais. Ela
tinha me entregado às cobras por puro egoísmo.
— Por que não conversou comigo?
— Você teria entendido? Teria deixado de lado essa birra que tem com seu
irmão? Por que se acha que eu acredito que simplesmente se apaixonou por
mim, está enganado.
— Agora invalida meus sentimentos. — Passei a mão pelo rosto sem
acreditar.
— Pensei no seu bem, Khalid. Precisa de uma família. Eu vejo o quanto
fica perturbado, trancafiado no mausoléu que chama de casa.
Minha garganta queimava de um jeito diferente. Já senti ódio antes e não
doeu tanto.
— Esse assunto não é seu. Não tinha o direito de se meter.
— Tenho sim! Desde que entrei para essa família tenho todo o direito.
Poderíamos ser muito mais fortes juntos e o único impedimento é você.
Tentei te inserir na nossa vida, mas você está focado em magoar o Zaad e me
usa pra isso. Esqueça o passado. Sua mãe está morta, você não!
Segurei minha cabeça com força. Não queria ouvir aquilo.
— Você — rosnei sentindo muito, sentindo tudo, sem freio, e me calei
prensando os lábios, tentando trancar tudo de volta. — Não!
— Está fugindo de novo, Khalid — Melissa gritou enquanto eu caminhava
rápido para fora. — Sempre foge quando tentamos resolver algo importante.
Virei apenas para gritar a pergunta: — Isabela está metida nisso?
— Não. Pensei em contar, mas achei melhor deixar as coisas seguirem o
seu rumo.
— Que rumo? — exasperei juntando as mãos. — Parem de romantizar a
porra da minha vida! Eu sou um filho da puta e gosto da merda da minha vida
do jeito que é. Fodida! Igual a mim.
Um pedaço da minha alma ficou naquele corredor quando dei as costas.
Queria demolir um prédio com socos. Queria bater em alguém.
Senti um vazio imenso, do tamanho de uma bola de basquete, se
expandindo dentro do meu peito. Uma supernova disposta a queimar o
planeta inteiro crescia sem parar, me engolindo.
Eu coloquei aquela mulher num pedestal e agora me sentia ridículo.
Por um lado, me sentia esmagado, mas por outro livre.
Isabela

É engraçado como a convivência nos permite conhecer alguém a ponto de


uma batida de porta dizer mais do que muitas palavras.
Eu tinha acabado de pegar um livro na biblioteca por indicação do Hálim e
me sentei na sala depois de ter passado a manhã inteira com meu pai no
jardim. Iria aproveitar o cochilo dele da tarde para me distrair com a leitura,
mas pelo visto era melhor eu me enfiar em algum buraco antes que sobrasse
pra mim.
— Arrume suas malas — gritou antes que eu escapulisse pela porta dos
fundos. — Tenho um compromisso em Dubai e você vai junto.
Não sou a pessoa mais perspicaz do mundo, aliás, me acho bem obtusa,
mas tenho uma intuição de fazer inveja ao povo que escreve horóscopo. E
algo me dizia que o Khalid teve um dia de merda e queria me usar como o
seu saco de pancada psicológico.
Coloquei as mãos na cintura sentindo o sangue ferver.
— Pretende me torturar com a grosseria que chama de temperamento
ruim?
— Não interessa. Eu te contratei e você tem um trabalho a cumprir. Se eu
quiser que fique de pé no quarto enquanto fodo uma prostituta, vai fazer o
que mando e acabou.
Respirei fundo mordendo o lábio inferior pra não mandá-lo à merda, mas
estava menstruada, sem paciência e com tesão acumulado. Por isso, quando
ele começou a tagarelar arrogante eu ergui o dedo do meio e mostrei pra ele.
— Como é que é?
— Precisa que eu traduza? Bem, vejamos, pode ter muitos significados,
mas o principal é foda-se, ou vai chupar um pau, vai tomar no olho do seu cu
também serve e, claro, tem o clássico, toma aqui um piru pra você chupar!
As sobrancelhas iam se erguendo conforme eu falava, sem acreditar no que
saía da minha boca.
Podem me julgar à vontade. Falar que sou baixa, barraqueira, suburbana,
mas tudo tem limite na vida.
Joguei o livro no sofá e fui saindo enquanto ele respirava fundo, como se
fosse explodir.
— Vem aqui agora — rugiu a ordem a plenos pulmões.
— Não! — falei enquanto subia os degraus da escada como se fosse a
Lady Die. — E espero que prenda o pau no zíper pra deixar de ser escroto.
Quando ouvi seus pés baterem forte contra o assoalho, deduzi que estava
correndo atrás de mim e soltei um grito, subindo mais rápido os degraus.
Meus músculos queimaram. Meu coração batia tão rápido que ficou difícil
respirar.
Merda! Eu tinha que ser bocuda!
A porta do meu quarto estava aberta. Eu me trancaria lá dentro. Melhor
ainda, eu me trancaria dentro do banheiro para o caso dele derrubar a porta do
quarto.
Estava quase alcançando a bendita quando ele me puxou pelos cabelos
com tanta força que achei que seria escalpelada.
Gritei alto com força, com raiva, mas ele me imprensou contra a parede.
Acertei um tapa forte que chegou a virar seu rosto para o lado, mas só o fez
soltar um grunhido alto. Ele segurou meus pulsos com brutalidade e afundou
a boca em meu pescoço e mordeu.
Meu corpo se incendiou. Como se já conhecesse o seu toque, a minha
vagina se apertou forte, ansiosa.
— O que pensa que está fazendo? — perguntei tentando me livrar dele.
— Tomando o que é meu. — Forçou um beijo contra a minha boca. Tentei
resistir, tirando o rosto para os lados, mas ele segurou minha cabeça, usando
o corpo pesado para me manter no lugar. — Deixa eu te beijar!
A voz miúda estilhaçou meu juízo.
Cedi.
A língua me invadiu exigente, enroscando-se na minha, como se quisesse
me devorar. Os lábios famintos chuparam os meus. Meu quadril ganhou vida,
impulsionando-se contra ele que enfiou um joelho entre as minhas pernas, me
forçando a abri-las.
Khalid me tocava com uma ansiedade que não experimentei antes.
Arrastando a mão áspera pelo meu corpo, abusando da sua força física para
me manter presa, como se tivesse medo que eu fugisse. Arfava entre os beijos
num misto de desejo tresloucado e saudade reprimida.
— Chupa o meu pau, Isabela — rosnou desafivelando a calça no meio do
corredor do segundo andar.
O tesão que senti ao ouvi-lo não era normal.
Era tóxico. Sufocante.
Escorreguei pela parede até meus joelhos baterem no chão e o enfiei na
boca antes que conseguisse se livrar das roupas direito. Quente. Gordo. Ele
preencheu todo o espaço forçando a minha mandíbula.
Tomei fôlego.
Khalid se empurrou para dentro, forçando minha garganta enquanto
desabotoava a camisa que jogou no chão do corredor junto com o resto até
ficar maravilhosamente nu.
Engasguei algumas vezes e vi seu olhar escurecer.
— Eu vou foder essa boca suja até que esteja cheia da minha porra.
Senti o líquido pré-ejaculatório na minha língua e engoli mais fundo. As
veias saltadas, duro como rocha, se forçando contra a minha boca, eram como
uma droga e eu já estava viciada.
O meu ventre pulsou angustiado. Precisava sentir a pressão dele me
invadindo, escorregando para dentro de mim.
A visão que eu tinha dele de onde eu estava era fabulosa. Coxas grossas e
torneadas, abdômen engomado, peitoral largo e o rosto anguloso desenhado
por uma barba erótica. Khalid era a versão árabe de um deus grego.
A pele caramelo brilhava de tão sedosa. Espichei a mão e acariciei o púbis
depilado.
Delicioso.
Ele não aliviou. Fodeu minha boca violento. Empurrando-se até o limite,
ultrapassando às vezes, e conforme eu engasgava e buscava ar, ele grunhia
mais perto do orgasmo.
Inchou dentro da minha boca e puxou meu cabelo me forçando a encará-lo.
— Quero gozar olhando nos seus olhos — avisou com a voz grave e senti
um arrepio escalar a minha coluna. Parecia o tipo de pedido que ele jamais
faria.
Meu coração disparou impulsionado pela intensidade de suas palavras,
urgentes e ofegantes.
Suguei com força e ele encheu a minha boca de sêmen. Gemeu tão
gostoso, com seus olhos pretos de demônio devorando a minha alma, que
precisei apertar as pernas.
Minha vagina palpitava desesperada.
Khalid não teve pressa. Esperou que eu bebesse cada gota dele, arqueando
as costas e jogando a cabeça para trás. Não consegui engolir tudo e boa parte
escorreu pelo meu queixo.
Quando saciado, ele me puxou para cima, ajudando-me a ficar de pé e
tomou a minha boca num beijo profundo, experimentando do próprio gosto
que ainda estava em mim.
Lambeu meu queixo, adorando o sabor. Pervertido e sádico.
— Você está quebrando todas as minhas regras, Isabela — ele me advertiu
deslizando a mão por entre as minhas pernas, por baixo da saia jeans, mas a
segurei.
— Não dá. Estou... naqueles dias.
Ele tateou minha entrada, por dentro da calcinha, como se estivesse
conferindo, e achou a cordinha do absorvente.
— Interno? — questionou e fiz que sim com a cabeça. Ele sorriu diabólico.
— Vamos pro meu quarto.
Ele me puxou sem esperar por resposta e trancou a porta assim que entrei.
— No banheiro tenho tudo o que preciso — informou beijando meu
pescoço, mordiscando a minha pele enquanto massageava meu seio. —
Preciso saber se tem restrições em fazer sexo menstruada.
Meu coração acelerou de vergonha.
— Nunca fiz isso, Khalid. Não sei se me sinto à vontade.
Apalpou minha bunda por baixo da saia, me puxando para cima, contra ele.
Estava duro de novo. A ereção pulsando entre nós.
— Também nunca fiz isso, mas não me incomodo.
— Você nem sabe se vai te dar nervoso — argumentei insegura. Era
estanho ter aquela conversa. — Eu vou te sujar.
Em qualquer outra situação eu já teria descartado a possibilidade, mas
estava com muito tesão. Meu corpo enlouquecia perto do Khalid.
— Não tenho problema algum com sangue, acredite. E não vai me sujar,
não vejo dessa forma.
— Está dizendo isso porque está excitado.
— Exatamente! — Enrolou meu cabelo na mão e puxou para trás, me
forçando a erguer a cabeça. — E pensar que vou ter algo de você que
ninguém nunca teve me deixa louco.
Khalid mordeu meu queixo e passeou com a boca por todo o meu colo.
Tirou minha roupa lento, bebendo a visão da minha nudez e respirou fundo.
A língua deliciosa e quente tomou posse do meu seio, sugando-o com
veneração, soltando pequenos grunhidos de prazer.
Senti meu corpo ficando mais quente e arrepios sendo enviados para todas
as minhas terminações nervosas.
Sorriu se afastando, foi até a mesinha ao lado da sua cama pegar alguns
frascos e tornou a me beijar com eles na mão. Foi me levando, passo por
passo, para dentro do banheiro que era ainda maior do que o meu.
— Preciso que relaxe — informou beijando meu pescoço. Os lábios
grossos comprimiam a minha pele, a língua quente provocava com lambidas
curtas e os dentes mordiscavam aqui e ali, tramando contra a minha sanidade.
— Queria muito foder sua boceta, Isabela, mas se não se sente à vontade, eu
respeito.
Fiquei confusa.
Não transaríamos então?
Ele massageou minha entrada, estimulando o clitóris e eu me senti fraca.
— Quer gozar?
— Quero — admiti e ele sorriu obsceno.
Ele abriu o blindex, colocou os frascos no recuo da parede que servia como
prateleira e ligou o chuveiro regulando a água. A visão do seu corpo molhado
foi quase uma miragem. Khalid era uma delícia de homem.
— Vem — estendeu a mão me chamando.
Meu coração disparou quando entrei e ele deslizou a porta de vidro, nos
fechando ali. Eu sabia o que precisava fazer, mas estava sem graça de puxar o
absorvente interno na frente dele.
Não seria uma cena bonita.
Sem hesitar, ele pegou um óleo de banho e espalhou por todo o meu corpo.
Não voltou a entrar no assunto, apenas massageou todo o meu corpo
lentamente, estimulando pontos específicos.
Primeiro eu relaxei. Depois gemi várias vezes. Mais alto quando ele
estimulou o bico dos meus seios com a palma da mão.
Quando acariciou minha vagina novamente, seus dedos estavam
deliciosamente escorregadios. Ele me virou devagar, de costas para ele e de
frente para a parede de azulejos decorados com arabesco. Tocou meu ânus
com a ponta do dedo e circulou aquele ponto.
Um arrepio eriçou minha pele. A sensação se acumulando em meu baixo
ventre causou palpitações.
— Posso? — Insinuou a ponta do dedo para dentro e senti um arrepio.
— Pode. — Minha voz saiu pequena, ansiosa.
— Relaxa — pediu beijando meu pescoço. — Não fica tímida.
O dedo deslizou fácil para dentro por conta do óleo e gemi alto porque foi
delicioso. Senti sua ereção na minha bunda, pulsando duro, e quis mais.
— Relaxa, Isabela. Ainda está comprimindo meu dedo — balbuciou no
meu pescoço. — Isso — elogiou quando obedeci. — Desse jeito vai ser mais
gostoso.
Conforme eu me acostumava com aquela invasão a vontade aumentava. O
dedo deslizou fácil no meio da minha bunda, indo e voltando, enquanto
acariciava a minha vulva com a outra mão.
Ele me lambuzou com mais óleo e enfiou dois dedos dessa vez, me
fazendo gemer alto com a dor que senti. Uma resistência que passou logo
quando ele se manteve quieto dentro de mim. Vendo que meu corpo cedeu, se
acostumando ao volume, tirou os dedos e quase implorei por mais.
Não acredito que eu quero isso.
Nunca imaginei que pudesse sentir prazer naquela parte do meu corpo. E
conforme ele lambuzava de óleo aquela entrada, senti as tábuas da minha
moralidade despencando da parede. Uma a uma, foram ao chão porque meu
desejo ardia mais forte. Eu queria aquele homem todo dentro de mim.
Khalid pegou um frasco pequeno e borrifou na orla do ânus, espalhando
com o dedo e empurrando um pouco para dentro. Senti um amortecimento
imediato. O barulho de invólucro sendo rasgado fez meu coração disparar.
— Você sabe o que farei agora? — perguntou e eu balancei a cabeça
freneticamente. — Preciso que me diga com todas as palavras, Isabela. Você
quer?
Meu rosto esquentou.
Confessar meus desejos eróticos em voz alta parecia mais pervertido que o
ato em si.
— Quero. — O verbo gemido escorregou pela minha boca traduzindo meu
estado de excitação.
— Relaxa — pediu com a voz abafada e pressionou o pênis gordo entre as
minhas nádegas. Começou a me abrir devagar e entrou queimando apesar do
anestésico. De repente, empurrou com força me fazendo gritar.
— Relaxa, mais — grunhiu e respirei fundo. Quando soltei o ar, forcei
meu corpo a descontrair todos os músculos e ele se afundou em mim, abrindo
meu ânus por inteiro.
Resfoleguei.
Ele enrodilhou meu clitóris devagar, estimulando pouco, mas forte e
preciso. Sabia que se fosse mais rápido eu gozaria.
— Você tá esmagando o meu pau com esse rabo gostoso — murmurou,
quase sem voz.
Ficou parado dentro de mim por algum tempo e somente quando eu
comecei a me mexer, buscando algum atrito, foi que ele se movimentou para
fora e voltou com cuidado.
Passou a estocar lento, friccionando meu ponto sensível e me levando à
loucura. Eu queria mais daquela sensação que se tornava cada vez mais
prazerosa. Conforme entrava e saía, um fogo parecia se alastrar pelo meu
corpo, queimando a minha alma, explodindo a minha sanidade e me fazendo
pedir mais do que eu jamais pensei que fosse experimentar.
— Ahhh, Khalid! — Não tive coragem de admitir o quanto gostei daquilo.
Saiu um pouco e entrou de novo, aumentando o ritmo sensivelmente.
Estocava firme, mas não até o fundo. A respiração ofegante batia em meu
pescoço, eriçando os pelos da minha nuca e me deixando consciente de que
estava tão excitado quanto eu.
Khalid pegou mais óleo e derramou sobre a minha bunda, deixando
escorrer pelo seu pau enquanto entrava e saía.
Deslizou ainda mais fácil para dentro e quase não creditei no quanto foi
delicioso.
— Isso — incentivei delirando de prazer. — Se afunda em mim, árabe
gostoso!
— Porra, Isabela! — Ele puxou meu cabelo com força.
Foram muitas sensações emboladas, acontecendo ao mesmo tempo. Havia
uma pontada de dor, mas era deliciosa. A excitação primitiva e poderosa me
empurrava cada vez mais para cima daquela pista de onde despencamos em
voo livre quando gozamos. Empurrei a bunda contra seu pau, querendo mais
dele.
— Devagar — ordenou trincando os dentes. — Quero saborear você. Não
podemos fazer isso sempre, amor.
Senti meu coração pular. Correu desembestado.
Ele não quis dizer isso. Avisei pra mim mesma me negando a pensar sobre
aquilo. Foquei nas sensações, na excitação, no momento.
Rebolei de novo e Khalid soltou um palavrão.
— Não faz — pediu com um fio de voz e me empurrei contra ele,
alternando entre rebolada e empinada. — Safada! Gosta de anal, não é? Eu
sabia que a minha garota ia aguentar meu pau nesse cu gostoso.
Ele grunhiu tão alto que fez eco dentro do banheiro esfumaçado.
— Vou gozar — avisei quando dedilhou meu clitóris mais rápido. — Filho
da puta de árabe gostoso!
— Fala meu nome — exigiu firme. — Quem vai te fazer gozar?
No meio da pergunta eu já estava explodindo em êxtase.
— Você, Khalid. Você!
Ele se juntou a mim, me abraçando com força. O corpo totalmente colado
às minhas costas, se afundando dentro de mim em estocadas fundas.
Ficamos imóveis minutos depois, ofegando enquanto a água caía morna
sobre nós.
— Você está bem? — Khalid quebrou o silêncio com uma voz terna e
baixa.
Fiz que sim com a cabeça, sem conseguir emitir som algum, e ele saiu de
mim com cuidado. Deu um nó no preservativo cheio e abriu o blindex indo
descartá-lo na lixeirinha de metal cromado.
— Precisa de alguma coisa do seu banheiro? — perguntou voltando para
dentro do boxe.
— Talvez.
Ok, não tínhamos essa intimidade toda ainda. Não para que eu pedisse para
pegar um absorvente, ou pior, puxar meu tampão com ele ali todo curioso.
Era só o que me faltava!
Estava no finalzinho do ciclo, talvez se arrastasse por mais um dia, mesmo
assim, ainda estava ali.
— Tudo bem, já entendi — disse tranquilo.
Ele se lavou rápido. Pegou uma toalha que enrolou na cintura e saiu, me
deixando sozinha.
Deixei a água morna relaxar meu corpo, mas os pensamentos estavam
frenéticos.
Sei que palavras são apenas amontoados de letras. Não significam muito
sem atitudes que as embasem. Mesmo assim, ainda é cruel usá-las sem
responsabilidade.
Meu amor, ele disse, e tudo ficou caótico.
Não se iluda. Gritou a feminista dentro de mim e confiei nela. Era a minha
metade erudita, sábia e focada.
Parece ridículo falar assim, como se eu fosse duas ao mesmo tempo, mas
se ilude quem se define como um único ser. Precisamos de vários pedaços,
com habilidades distintas, para suportar as cargas emocionais da vida.
Sou muitas. Acho que todos somos. Uma multidão dentro de um corpo. A
cruel, a sábia, a egoísta... todas lutando para assumir o controle. Mas gosto de
focar em apenas duas personalidades para não me sentir muito louca.
Tarde demais! Gritou a realista e suspirei.
Sentia falta de ter alguém real para conversar. Era o meu pai quem havia
assumido a tarefa quando a minha mãe morreu e agora, ele mal me
reconhecia.
Demorei no banho. Lavei o cabelo devagar, tirei todo o óleo do corpo e
fiquei um tempo encarando a porta fechada, enrolada na toalha que ele havia
deixado para mim na bancada.
Quando tomei coragem para sair dali, Khalid me esperava no quarto,
sentado em sua cama, com o celular na mão. Apontou para uma muda de
roupas e uma sacola de farmácia.
Eu me aproximei curiosa e, para a minha surpresa, dentro tinha vários
pacotes de absorventes tradicionais.
— Não sabia qual você prefere — defendeu-se quando o encarei. — Li
num site que não é bom ficar usando o tipo interno com frequência. —
Mostrou a tela do celular e eu pressionei a ponte do nariz respirando fundo.
— O que está fazendo, Khalid?
— Como assim?
— Não pode ser fofo comigo.
— Estou sendo?
— Muito.
— Desculpa — pediu sério.
— Ok. Não faça de novo.
Ele franziu a testa, repuxando a boca por alguns segundos.
— O que exatamente eu não posso fazer?
— Não pode comprar absorventes pra mim ou ficar preocupado com a
minha saúde.
Ele ergueu as sobrancelhas e largou o celular na cama.
— E por que não?
— Porque não temos um relacionamento lembra? Você queria sexo casual.
— Verdade. — Khalid ainda me encarava com uma expressão confusa. —
E você está bem com isso?
— Mais do que eu pensei que ficaria — menti deslavada, tresloucada,
descaradamente. — É confortável.
— Ok — concordou baixo.
— Ok.
Ficamos nos encarando como se tudo estivesse errado.
Odiei aquela conversa.
Odiei sua falta de argumento e não ter tentado me convencer do contrário.
Eu poderia...
Rasteje otária! A feminista em mim gargalhou debochada e prensei os
lábios erguendo o queixo.
— Obrigada. — Peguei a sacola, as roupas e saí dali o mais rápido que
pude.
Tessalah — 24 Anos Atrás

Meses se passaram e Gibrail ainda estava de pé. Oscilava entre a depressão


e a violência, cada vez mais instável, porém, sem abrir mão do sultanato.
Era enlouquecedor. Definhei de ansiedade por dias que se tornaram
semanas e depois meses.
Precisava forçá-lo um pouco mais.
Os filhos, entretanto, se mostraram ser um problema maior, cada vez mais
unidos. O mais velho era potencialmente problemático pra mim.
— Gibrail, amigo, não pode deixar que os dois continuem destruindo o
palácio desse jeito. Mais um vaso inestimável quebrado? O prejuízo é
incalculável!
— Não fui eu, pai! Juro!
— Pare de mentir, Zaad! — Gibrail gritou perdendo a paciência e o
menino chorou. — Não tinha mais ninguém aqui.
— Eu juro, pai! Por favor, não me bate — implorou quando o velho
levantou a mão.
— Vá para o seu quarto.
O garoto saiu correndo desembestado.
— Ele está sendo influenciado pelo irmão. Khalid coloca coisas na cabeça
dele. Precisa separá-los, Gibrail. Fale com Hassam. Tenho certeza que ele
aceitará ficar com o garoto. Ainda mais agora que a Najila se suicidou.
O rosto dele se contraiu.
— Não entendo, Tessalah. Por que ela fez aquilo?
— Talvez tivesse um amante, como eu falei pra você tantas vezes.
Mulheres traem, Gibrail. Ela não deve ter suportado manter a mentira e tirou
a própria vida.
O doente esforçou-se para não chorar. Ainda bem. Teria sido vergonhoso
de assistir. Um homem daquela idade chorando por uma mulher era
deprimente.
— Não consigo mais fazer isso. Criar os meninos e... sofrer. Está tão
difícil.
— Pode abdicar do sultanato. Eu teria prazer...
— Não! — cortou taxativo. — Isso eu jamais faria.
Meu coração congelou depressa. Por um segundo. Depois expulsou o
sangue com violência tamanha que o ar me faltou.
Engoli o restante da minha frase com ódio.
— Claro.
Havia dois guardas no salão do conselho. Eu poderia matá-lo se não
estivesse sempre protegido desde a morte da esposa.
— Afaste as crianças — orientei seco. — Vai acabar ferindo um deles
gravemente e o povo não te perdoará.
Gibrail me encarou aterrorizado. As bochechas brancas assumiram um tom
rosado e ele limpou a garganta.
— Vou mandar Zaad para morar um tempo com Hassam, no Kuwait.
— Khalid ficará para aprender o ofício.
Fechei o punho com força.
— Ele não serve para...
— Vai servir quando eu o ensinar — cortou-me de novo e meu sangue
ferveu. — Khalid será meu sucessor, Tessalah. Nasceu pra isso. O menino só
precisa ficar mais cruel e isso eu sei ensinar.
— O seu garoto disse que jamais se casará. Anda espalhando isso pelos
cantos, fala mal da sua pessoa, dizendo que não quer ser igual ao pai. O
responsabiliza pelo suicídio da mãe! — Ergui as mãos para o céu, dramático.
— Não pode conduzir um jovem como esse ao trono.
— Tessalah, cunhado, não estou pedindo autorização. Meu filho será o
sultão um dia.
Aquilo seria um problema. Precisava tirar aquela ideia da cabeça do velho
de qualquer jeito.
— Com todo respeito, mas não acha que Zaad tem mais afinidade?
Gibrail franziu o cenho.
— Não.
— Não tenha pressa, amigo. Ainda falta muito, mas pense bem. O mais
jovem sempre foi mais maleável e vai te obedecer enquanto Khalid contesta
tudo o que vossa majestade diz.
Ele me ouviu. Ponderou de verdade.
— Arrumarei um jeito de decidir quem será o novo sultão, mas um deles se
assentará no trono.
— Claro — confirmei dócil.
Nada saiu como planejei. A morte da Najila não me serviu muito, mas eu
faria todo o possível para que Khalid jamais se assentasse naquele trono.
Khalid — Dias Atuais

O que estava acontecendo comigo?


Fiquei encarando a porta do quarto por onde Isabela passou, refletindo
sobre nossa conversa.
Ela estava certa. Eu não queria um relacionamento. Não queria nem casar.
Fui forçado. Mas ali estávamos nós três: eu, Isabela e a merda de uma atração
física que doía nos ossos.
Isabela me lembrou que era apenas sexo e isso me incomodou.
Por que me incomodou?
Também entendi que ela não se sentia confortável em ter relações durante
a regra, o que era uma pena porque só de imaginar meu pau sujo com o seu
sangue fiquei duro como rocha.
Ok, sou um pervertido sádico, já chegamos a esse consenso.
Mas eu devia estar sofrendo, não devia? Melissa traiu minha confiança... se
é que posso classificar assim. Aquilo colocava um fim em expectativas que
acalentei por um punhado de anos.
Doeu. Na hora foi como uma facada, mas por que diabos parou de
incomodar tão rápido?
Fiquei encarando nada em específico, vasculhando meus sentimentos.
Quase me esforcei para sentir raiva e nada. Estava desconectado da minha
própria realidade. Amortecido de sentimentos, mas ainda excitado.
Foder a Isabela era como beber um pequeno gole de água morrendo de
sede. Eu sempre queria mais.
Olhei para o relógio em meu pulso. Faltavam cinco horas para o voo ainda
e eu precisava me livrar de todo o estresse e tesão acumulados.
Fechei a mão no meu pau, subindo e descendo.
Eu não desfilaria de pau duro até o aeroporto.
Fiz o mesmo que fazia há quatro anos. Visualizei a Melissa. Já tinha muito
tempo desde a última vez que fantasiei com ela.
Fechei os olhos visualizando a boca dela. Imaginei-a de quatro, me
chupando, e alisei o pau.
Senti minha ereção diminuir e acelerei os movimentos.
Melissa, ruiva, ajoelhada, se tocando, se abrindo pra mim...
Não era tão excitante.
Os seios pequenos, o corpo delgado... Porra, Isabela é tão linda! Os seios
enormes e pesados são perfeitos de chupar e ela sempre se arrepia quando eu
mordo o bico rosado.
Meu pau inchou de novo.
Porra, não!
Melissa. Tentei me concentrar. Foquei na imagem da mulher filha da puta
que me desprezava. Ela arquitetou esse casamento de merda. Ela. Não o
Zaad.
Brochei.
Continuei ali sentado por algum tempo. Sem pensar em nada.
Pensei que poderia lidar com todas as minhas merdas sozinho, mas não
consegui. Talvez fosse a hora de buscar ajuda de novo.
Peguei o celular e mandei uma mensagem para Hálim:

Levantei e vesti uma roupa, decidido a me ocupar na organização da mala


e o celular tilintou. Era um aviso de mensagem recebida.

Depois de organizar tudo fui até o quarto da Isabela me certificar de que


ela estava fazendo o mesmo.
— Já arrumou as malas?
Ela tirou os olhos do livro que estava lendo sobre a cama e piscou algumas
vezes. As bochechas estavam avermelhadas e a testa franzida. Abriu a boca
como se fosse perguntar algo, mas fechou e sacudiu a cabeça.
— Vamos mesmo para Dubai?
— Vamos, Isabela. — Entrei no seu closet e separei alguns vestidos. —
Não há restrições sobre o uso de roupas em Dubai, então poderá se vestir
normalmente, desde que esteja sempre acompanhada.
Joguei as roupas sobre a cama e voltei para buscar suas malas.
— Escolha alguns sapatos e... — olhei para o que eu separei — roupas de
dormir e objetos pessoais.
Ela escondeu o livro embaixo do travesseiro.
— Tá. Claro.
— O que está lendo?
— Ah, é... um romance levinho. — Pôs uma mecha de cabelo atrás da
orelha, sem me encarar. — Coisa boba.
— Posso ver a capa?
Ela prensou os lábios e as bochechas ganharam cor novamente. Tropeçou
nas palavras enquanto tentava arrumar uma desculpa plausível para não me
mostrar.
— Tudo bem. — Disfarcei o riso. — Não temos tempo.
Terminamos de arrumar tudo antes do Hálim chegar.
Aguardávamos na sala quando ele chegou já despejando os compromissos,
como sempre.
— Temos uma reunião às 14h e uma recepção à noite — avisou enquanto
colocava as malas no carro oficial. — Alguns investidores que já
demonstraram interesse em Omã estarão lá. Separei o perfil das empresas
para você analisar durante a viagem.
— As reservas do hotel estão com você?
O abusado revirou os olhos.
— Me respeita, homem!
Isabela riu e a censurei com o olhar enquanto abria a porta do carro. Hálim
sentou na frente, como de costume, e o motorista aguardou que os outros dois
carros com os demais seguranças se posicionassem para sairmos.
Isabela esfregou as mãos, parecendo desconfortável e toquei seu joelho.
— Ainda não se acostumou?
— É tumultuado isso de ter tanta gente em volta — explicou secando as
mãos no vestido preto. — Acho que desde aquele dia, fiquei ansiosa.
— Não vai mais acontecer, garanto. — Ela se virou pra mim, sentando-se
de lado no banco traseiro do carro e eu fiz que não com a cabeça. — Não
significa que possa ignorar as regras.
Puxei o cinto de segurança e afivelei, forçando-a a se sentar direito. Ouvi
sua respiração acelerar e a encarei curioso.
— O quê?
— Está fazendo de novo.
Franzi a testa tentando entender e me lembrei da nossa conversa.
— Ah!
Voltei para meu lugar e puxei meu cinto.
Hálim enfiou a cara entre os bancos, olhando para nós com um sorrisinho
irritante.
— Gostando do livro, señorita?
Olhei para ela depressa, ansioso por sua resposta. As bochechas assumiram
um tom escarlate e tive que morder o lábio inferior porque achei delicioso.
— Não imaginei o rumo que a história tomaria.
— Creio que nem a Lady Aisley de Laci imaginou. — Hálim riu com
gosto. — O Barão Montmorency, apesar de não querer uma esposa, não
podia desafiar a ordem do rei e isso foi o que mais me cativou na história,
porque pensei que ele a expulsaria do castelo.
— Deveria — Isabela foi veemente. — Ela se enrolou bastante na própria
teia de mentiras.
Hálim estalou a língua.
— Não a julgue tão rápido. Aisley só queria continuar cuidando da sua
propriedade em Belvry. Foi o rei quem a obrigou a se casar.
À medida que Hálim discutia o enredo do livro, Isabela ficava cada vez
mais constrangida.
— Prevejo um final trágico.
— Sério? Por quê?
— Ele é um herói de guerra amargurado. Não quer uma esposa. Estava
recluso, afastado de tudo e todos porque é intratável e optou por viver assim.
Aisley só o indicou como marido porque pensou que o rei não permitiria, por
causa dos boatos dele ser um demônio. Não deveria ter escolhido o Piers
como marido.
— Mas escolheu. E ele, por sua vez, a recebeu de bom grado. Poderia ter
complicado a vida da moça, mas não o fez.
— É isso que eu não entendo! — Isabela exasperou. — Por que ele não a
deixou ir embora? Sabia que ela só estava ali porque não tinha opção. Poderia
ter ajudado a moça, mas nãaao! Forçou ela a cantar pra ele como se fosse um
pardal amestrado, jantar na mais completa escuridão e se comportava como
um monstro.
— Talvez ele se ache um monstro — eu me intrometi. — Talvez tenha
marcas tão profundas que o façam acreditar que nenhuma mulher seria capaz
de amá-lo.
Isabela me encarou com seus olhos profundamente azuis, empinando o
nariz em minha direção.
— Acho que ele está punindo a coitada.
— Não leu o livro todo, certo?
— Ainda não.
— Parou em que parte? — perguntei, mesmo que já imaginasse, e ela ficou
sem jeito. Como não respondeu, eu complementei a pergunta. — Está na
parte em que Piers sente ciúme do vassalo e finalmente a possui, avisando
que pertencia a ele daquele momento em diante?
Isabela prensou os lábios e se remexeu no assento, fechando as pernas.
Porra! Meu pau ficou duro na hora, imaginando o quanto estava excitada
só de ter lido a descrição da cena.
— Isso — respondeu virando o rosto para o outro lado, mas logo se deu
conta do óbvio e me encarou cheia de censura no olhar. — Você já leu esse
livro?
O maldito espanhol gargalhou lá da frente.
— É um dos preferidos dele.
— Acha que contraiu bodas de fogo ao se casar comigo, Isabela? —
sussurrei a pergunta curioso, analisando a garganta que engolia em seco,
vendo as coxas apertarem a boceta, na esperança de algum alívio.
Certamente nossos corpos tinham uma química absurda. Incendiavam-se
quando estavam próximos um do outro.
Isabela limpou a garganta e passou a mão pelo pescoço, espalhando o suor.
— Não imaginei que lesse romance de época.
— Não é fabuloso? — Hálim provocou. — Até parece que tem um coração
embaixo desse amontoado de músculos.
Ela espiou meu corpo, desviando rápido ao ser flagrada. Lembrei da cobiça
com que me encarava sempre que estávamos nus e sorri satisfeito.
— Avise-me quando chegar ao capítulo 12. É quando a mocinha descobre
o segredo do Cavaleiro Vermelho.
Isabela engoliu em seco e ficou calada durante todo o resto da viagem.

Chegamos a Dubai no final da tarde.


Nós nos instalamos em um dos hotéis exagerados, que ostentavam poder e
riqueza e fomos comer alguma coisa.
Hálim discorreu sobre a nossa agenda e senti os olhos de Isabela em mim
durante todo o tempo, mas sempre que eu a encarava de volta ela disfarçava.
— Encontro vocês na recepção do hotel daqui a uma hora — Hálim avisou
já se levantando da mesa. — Vista algo impressionante, señorita, vou
precisar que distraia o xeque.
— Ignore isso — rebati firme. — Não importa o que esse imprudente diga,
não faça contato visual com o xeque. Entendeu?
Ela me encarou curiosa enquanto Hálim se afastava rindo.
— O que foi? Tem medo que algum árabe me ofereça mais dinheiro para
casar com ele?
— Não estou brincando, Isabela. Mulheres desaparecem em países árabes
quase todos os dias. Sabe por que estou aqui hoje?
Ela fez que não com a cabeça, percebendo a minha tensão.
— Um casal omani veio para Dubai passar as férias. A esposa se afastou
dele por alguns minutos na rua. Alguns minutos. Ele nunca mais a viu. Há
meses ele a procura e eu vim interceder junto ao xeque.
Sua boca se abriu ao mesmo tempo que as sobrancelhas baixaram.
— Isso é... um absurdo!
— Acha que o meu trabalho é fácil? Dubai não é como a mídia retrata.
Aqui não há justiça para mulheres e os governantes não se importam. Nem
mesmo as filhas do xeque escapam dessa realidade. Algumas já tentaram
fugir diversas vezes.
— Pensei que aqui fosse como Omã.
— Não. — Balancei a cabeça, enfático. — Aqui as mulheres têm que ser
obedientes aos seus maridos. Os homens podem bater nas suas esposas e
filhas como forma de educá-las. Isso está na lei dos Emirados Árabes Unidos.
Caso algum marido ache o comportamento da sua esposa inadequado, ele
pode puni-la e confiná-la dentro de casa.
— Uau! — falou exalando o ar com força. — Perdi totalmente a vontade
de passear por aqui.
Isabela me encarou prensando os lábios, como se tivesse algo a dizer, mas
desistiu. Seus olhos percorreram meu rosto com demora e meu coração
acelerou sem um motivo plausível.
Era estranho. A forma como ela me encarava às vezes era desconcertante e
mexia comigo de um jeito difícil de compreender.
— Está tudo bem?
— Sim — respondeu despertando do transe. — Eu só... preciso me
arrumar.
Concordei com um aceno.
Tínhamos pouco tempo e odiaria ter que apressá-la.
Voltamos ao hotel e nos entretemos em funções diferentes.
Enquanto me arrumava foi difícil não olhar para a única cama do quarto
com ansiedade.
Já tínhamos transado algumas vezes, mas era sempre angustiante pensar se
aconteceria de novo. Não éramos exatamente um casal e aquilo começava a
me irritar.

A reunião correu bem. Consegui fechar um único contrato para meu país,
mas os benefícios compensariam a curto prazo.
— Belíssima sua esposa, Ministro. — Os olhos gananciosos do xeque
sobre Isabela despertaram um lado meu que preferia manter trancafiado. —
Volumosa, não é?
Fechei o punho com força quando ele mirou a bunda dela que estava de
costas para nós conversando com a segunda esposa do infeliz.
— Controle-se — Hálim cochichou segurando meu pulso com força.
— Tire a Isabela das vistas desse anormal antes que eu arranque a cabeça
dele do corpo.
Meu secretário se moveu rápido e deu desculpas que não consegui ouvir
direito porque meu ouvido zunia. O ribombar do meu coração ecoava mais
alto do que o falatório dentro daquele salão.
— Com licença — pedi áspero, mas forcei um sorriso.
— Está tudo bem, Ministro?
— Claro, xeque — menti sentindo a veia do meu pescoço engrossar. —
Vou ao banheiro.
O homem fez uma careta olhando para todos os drinks em cima da mesa e
riu consentindo.
De fato, eu precisava mesmo me aliviar. Aproveitei para jogar um pouco
de água no rosto. Estava cansado. Não dormia bem por causa dos pesadelos
constantes.
Quando saí, esbarrei em uma loira alta.
— Desculpe!
Ela me olhou de baixo para cima, demoradamente.
— Eu que preciso me desculpar. Sou Dara Philips. — Estendeu a mão. —
Acho que não fomos apresentados.
— Khalid Tharip.
Ela ergueu uma sobrancelha como se reconhecesse o nome e pousou a mão
sobre o meu braço.
— O ministro de Omã — observou com um sorriso de canto de boca e
enlaçou o meu braço com o seu. — Podemos conversar mais à vontade em
minha suíte.
Eu sorri de volta, mas tirei a sua mão de mim.
— Desculpe, Dara. Sou casado.
Ela me olhou novamente, aborrecida.
— Uma pena. — Jogou os cabelos loiros prateados por cima do ombro
esguio e suspirou. — Por acaso é a morena que está nos encarando do outro
lado do salão com olhar assassino?
Eu me virei e vi os olhos de Isabela focados em mim. Dois vincos
recortavam a sua testa, entre as sobrancelhas.
Eu sorri.
Meu Deus, eu sorri?
A onda de fúria que emanava dela me atingiu com força, acariciando o
meu ego e algo mais que me neguei a admitir.
— Pelo visto ela é ciumenta — Dara acrescentou. — Faz bem.
Ciumenta?
O que uma pequena palavra é capaz de fazer em nossa mente?
Criar uma revolução abrasadora que consome a nossa sanidade.
Isabela estava com ciúme e isso arrastava uma gama de significado para o
nosso relacionamento.
Naquele momento, dentro de mim, uma alegria miserável se espreguiçou.
Disposta como quem acorda em uma manhã ensolarada, depois de dormir
demais, e estala cada ossinho do corpo ocioso para receber o novo dia com
alegria.
O sentimento se instalou no meu peito, dizendo: “Oi. Eu existo. E não vou
embora.”.
Isabela era meu presente.
Agora eu via.
Um presente que eu estava disposto, não só a receber, como Piers, mas a
manter na minha vida, derramando o sangue que fosse necessário pelo
caminho.
Isabela

Passei o restante da noite irritada.


Khalid estava conversando com outra mulher. E daí? Não somos nada. Um
casamento de conveniência é o que temos. Um acordo que resultou em
milhões na minha conta e qualidade de vida para o meu pai.
Eu não podia reclamar. Não tinha esse direito, na verdade.
Ele nunca me iludiu.
Precisava me lembrar ainda que ele era apaixonado pela cunhada. Melissa,
Haya, sei lá quantos nomes aquela mulher tem.
Virei o copo de bebida que eu peguei de cima de uma mesa, e que eu nem
sabia o que era, e senti o líquido descer queimando.
— Credo!
— Uísque sem gelo não é para amadores — Hálim me repreendeu. — O
que você tem?
— Nada. Estou entediada, só isso.
— Posso animar a noite de vocês. Conhece a minha oferta, ainda está de
pé.
— Você só pensa nisso, né?
Ele riu, mas me encarou solidário.
— Khalid é mais do que meu chefe e já deve ter percebido isso. Não é
qualquer um que tem a intimidade que eu tenho com ele.
— Ele é seu amigo, entendo isso. Já me contou que compartilhavam
mulheres também.
Hálim olhou ao redor antes de continuar.
— É diferente com você. — Apontou para mim. — Acho que...
— Ele não está apaixonado — cortei rude.
Eu não precisava que ninguém me iludisse. Não colocaria falsas
expectativas onde obviamente não havia nada.
— Tem certeza?
— Absoluta!
Hálim retorceu a boca, estreitou os olhos e depois deu de ombros.
— Talvez ele precise de mais um empurrão — murmurou mais para si
mesmo do que pra mim. — Aquele teimoso cabeçudo.
— Por que está tão interessado na minha relação com Khalid? — Cruzei os
braços na frente do corpo. — Fica me empurrando para ele, tentando fazer
ciúme... eu já saquei a sua. Eu não sou isso tudo, então pode parar de fingir!
Hálim riu como se eu tivesse contado uma piada.
— Eu realmente te acho muito atraente, Bela. Não foi só armação o tempo
todo. No começo talvez, quando sugeri a aposta, mas depois...
Minha expressão foi se contraindo lentamente, à medida que a palavra
aposta piscava como neon.
Dando-se conta do que tinha dito, Hálim ficou pálido.
— Não foi assim como está pensando. Merda!
— Aposta. Vocês apostaram o que exatamente?
— Foi só uma brincadeira e ele nem aceitou. — Abriu os braços em um
gesto amigável. — Esqueça isso, ok?
— Apostaram o quê? — insisti trincando os dentes.
Ele coçou o nariz e prensou os lábios.
— Vou perguntar diretamente a ele então — avisei e ele ergueu as mãos.
— Transar com você primeiro. Fui eu quem sugeri, brincando, mas ele me
mandou ficar longe. Foi aí que pensei que talvez ele gostasse de você mais do
que conseguia admitir.
— Vocês são dois porcos. Fiquem longe de mim — avisei dando as costas
para ele.
Peguei algumas bebidas virando copo após copo e circulei pela festa me
sentindo uma vadia cara.
Como pude ser tão burra?
Na primeira oportunidade abri as pernas sem pudor.
— Parece triste, Senhora Tharip. — O comentário do xeque de Dubai me
pegou de surpresa.
— Não, é apenas cansaço. — Sorri educada.
— Permita-me um comentário — pediu com o sorriso de quem já estava
alcoolizado o suficiente para falar besteiras comprometedoras. — Você é a
mulher mais linda dessa festa.
Ah, lá vem!
Homens bêbados e seu tesão por uma bunda tamanho GG. Tesão esse que
passa junto com o efeito do álcool.
A quantidade de vezes que já tinha ouvido isso me embrulhava o estômago
e, acordem mulheres, isso não é um elogio. Sempre que querem transar com
um espécime novo, variar o cardápio, eles metem essa cantada do “nossa, que
rabão”.
Não é uma cantada decente. Não é nem elogio!
Não significa que você é belíssima, mas sim que eles te comeriam sem dó
e depois fingiriam que não te conhecem. Esse tipo de canalha é o que desfila
com modelos e mantém a gordinha como amante, bem escondida dos olhos
julgadores da sociedade, só para foder de quatro quando não tiver nada
melhor para fazer. O tipo que já me magoou o suficiente.
— Eu? Jura? — Quase revirei os olhos ao respondê-lo.
Ele confirmou muito sério.
— Desculpe discordar, mas acho que qualquer homem aqui consideraria
aquela mulher ali a mais deslumbrante do recinto. — Apontei para a loira
estonteante. — Talvez, de toda a cidade.
Amin, o xeque, olhou para a mulher e sorriu.
— Ela será minha sexta esposa em breve.
Meu estômago revirou.
— Sexta? Uau! — Meu Deus, coitada!
— Eu aceitaria uma sétima se fosse você.
Ergui as sobrancelhas sem saber o que responder. Lembrei da advertência
de Khalid para não fazer contato visual, tarde demais e dei um passo para trás
instintivamente.
Bati em algo firme. O perfume cítrico que arrepiava a minha pele toda vez
que ele se aproximava fez seu trabalho direitinho.
Fechei os olhos prevendo o desastre.
— Ela é bonita, não é? — Khalid manteve a voz baixa e cortante. — Pena
que seja tão desobediente.
— Podemos fazer negócio — o xeque ofereceu e senti meu coração
disparar. Não termine essa frase, seu jumento! — Você fica com a Dara e me
dá sua esposa, além de mais algum dinheiro, claro. O que acha de dois
milhões?
Filho de uma égua arrombada!
— Espera — falei sentindo meu sangue ferver —, além de negociar meu
valor como se eu fosse uma vaca, você ainda tem a audácia de insinuar que
eu valho menos do que aquela magrela? Ahhh, você só pode estar de saca...
Khalid tapou a minha boca com a mão larga e me arrastou para longe,
falando alguma coisa para o infeliz, que provavelmente era um pedido de
desculpas, o que me irritou ainda mais.
Eu estava possessa.
Gesticulava e lutava contra o corpanzil de Khalid, o que não resultou em
nada além de energia gasta.
Quando finalmente me empurrou para uma sala vazia, eu comecei a gritar
insultos.
Ele me encarava com as mãos na cintura, fazendo cara de tédio.
— Aquele arrombado queria me trocar! Eu devia ter arranhado cara dele.
— Você não devia ter feito contato visual com aquele infeliz, como eu
mandei.
— Eu estava no meu canto. Ele que veio me assediar!
— Achei que você fosse mais inteligente que isso.
— Achei que você não me deixaria tanto tempo sozinha.
— Eu estava conversando com uma pessoa.
— Ah, claro. Eu vi — ironizei.
Khalid respirou fundo.
— Você tem sorte de estar menstruada e eu respeitar suas restrições sobre
fazer sexo nesse período, ou eu te colocaria de quatro sobre uma dessas
mesas e te foderia até que desmaiasse.
Senti minha pele queimar. Meu coração acelerou diante da ameaça e
derreteu quando a sua boca atacou a minha com fome.
Foi um beijo desesperado. Exigente, quente, úmido, delicioso.
As mãos percorreram meu corpo, me puxando contra ele como se
pudéssemos nos fundir em um só.
A cada toque eu percebia o quão fodida eu estava, mas como quem acende
uma lanterna no meio da floresta, lembrei da maldita história da aposta e o
afastei.
— Não dessa vez, Ministro. Vai ter que me implorar de joelhos da próxima
vez que quiser me foder.
Khalid me encarou confuso.
— Implorar? Porra, de novo isso?
— Hálim me contou da aposta que fizeram.
A expressão dele se fechou. Passou a mão pelo rosto com força, pensativo,
e então coçou a barba.
— Não sei por que ainda não demiti aquele espanhol.
— Sendo assim, como eu sei que se acha muito importante, vai ter que
implorar antes de encostar suas mãos em mim de novo.
— Não vou implorar, Isabela.
— Você vai, Khalid. E vai me lamber com força e chupar com raiva até me
arrancar gemidos.
Ouvi o rangido dos seus dentes trincados. A calça social não era larga o
suficiente para disfarçar sua excitação.
— É mais fácil o inferno congelar do que me ouvir implorando.
— Quer apostar?
A expressão desafiadora em seu rosto tomou ares de raiva e crescia.
— Talvez eu te faça implorar primeiro.
Forcei uma gargalhada.
— Tenho dois dedos que podem substituir seu pau com louvor.
Ele estreitou os olhos e acariciou a ereção, gabando-se.
— Certeza? Lembro que ficou assustada, achando que não iria caber. E
que gozou com apenas um sopro meu.
Fiquei frouxa com a lembrança, mas empinei o nariz disposta a ir até o
fim.
— Vamos ver quem ajoelha primeiro.
Khalid

Quando voltamos ao hotel o clima estava abaixo de zero entre nós. Isabela
tomou banho enquanto eu enviava uma mensagem com todos os xingamentos
possíveis para Hálim que teve a decência de desaparecer da festa.
Quando ela abriu a porta do banheiro eu me levantei, mas quase caí
sentado de novo. A diaba usava apenas uma calcinha e toalha enrolada no
cabelo.
Abriu a mala em cima da cama e pegou um pote de hidratante.
— É assim que vai jogar? — perguntei me aproximando.
— Já viu meu corpo antes. Nada aqui é novidade, então, pra que esconder?
— Tem razão — concordei desabotoando a blusa. — Por que fingir que eu
não comi a sua bunda quando foi uma delícia?
Ela desviou o olhar do meu e respirou fundo.
Tirei toda a roupa devagar. Deixando peça por peça cair diante dos seus
olhos descrentes.
Ah, criança, achou mesmo que eu ficaria apenas te olhando?
— Vou deixar a porta do banheiro aberta, Isabela. Pode participar se
quiser. Já sabe o que estarei fazendo ali dentro — acariciei minha ereção e
seus olhos desceram lentamente pelo meu abdômen. Vi quando engoliu a
saliva. — Vou me masturbar imaginando o meu pau sujo com o seu sangue,
se quer saber. Deve ser escorregadio, muito mais do que a sua lubrificação
natural.
— Para de fantasiar com a minha regra, seu pervertido!
— Vou parar quando você me deixar provar. Que tal? Uma metidinha só.
— Pisquei para ela.
— Ah, claro! Igual a só vou pôr a cabecinha? Quantos anos acha que eu
tenho para cair nessa?
Mordi o lábio inferior enquanto acelerava o movimento.
— O suficiente para estar com a boceta piscando agora.
— Quer muito isso, não é?
Fiz que sim com a cabeça e ela abriu as pernas. A calcinha de algodão
marcava o volume do absorvente.
— Implora.
— Pff! — Deixei o ar escapar entre os lábios. — Não imploro a ninguém.
Já deixei bem claro.
— Veremos! — Fechou as pernas como quem acaba com a brincadeira e
senti meu sangue esquentar.
Inferno!
— Vou deixar a porta aberta — falei ciente de que tinha perdido aquele
embate.
— Vai pegar um resfriado. — Lambuzou a mão de hidratante e começou a
passar pelo corpo, ignorando a minha ereção. Ignorando o poder que exercia
sobre mim, como fases da Lua incidem nas marés.
Levei meu tesão para o banheiro e cumpri minha promessa. Eu me
masturbei pensando nela. Imaginando-a submissa, entregue, melada, e gozei
relativamente rápido, mas estava longe de estar saciado.
Quando saí do banho, ela já estava ajeitada do seu lado da cama. Vesti uma
cueca e me enfiei debaixo das cobertas puxando o seu corpo contra o meu.
— O que está fazendo? — murmurou a pergunta, mas não se afastou.
— Deitando ao lado da minha mulher para dormir.
Levou alguns segundos para que cedesse. Empinou a bunda na direção do
meu pau, ajustando as costas ao meu torso e eu a recebi.
— Quer dormir de conchinha, Ministro? Tudo bem. Mas não reclame do
meu cabelo na sua cara, do braço dormente embaixo da minha cabeça e nem
do pau duro por causa da minha bunda.
Abri um sorriso e afundei o rosto em seu pescoço, sentindo o cheiro do seu
cabelo.
— Você tem um cheiro delicioso, sabia? É estranho porque parece que eu
conheço.
— Deve ser o alecrim. Eu misturo no xampu.
— É bom. — Afundei o rosto em seus cabelos. — Combina com você.
— Minha mãe dizia que fortalecia os fios e evitava queda de cabelo. —
Senti seu corpo encolher dentro do meu abraço. — Quando ela começou a
fazer quimioterapia e perdeu o cabelo, acho que fiquei impressionada. Eu sei
que é besteira, mas vê-la perder o cabelo, dia a dia, foi um impacto.
Segurei seu rosto e o virei para mim, encaixando a boca na minha.
Não tive pressa.
Nossos lábios não brigaram. Na verdade, convergiram. Doce e mentolado,
com gosto de pasta de dente, foi o beijo mais saboroso da minha vida e me
fez questionar do que mais eu me privei.
— Boa noite, esposa.
Isabela pareceu prender a respiração.
— Boa noite... marido.
Khalid

Estava frio.
Sempre estava.
Senti meu corpo tremer assim que olhei ao redor e vi o cemitério.
Caminhei sobre a grama rasteira.
O céu estava cinzento.
Não havia ninguém em parte alguma e eu caminhei pelo que me
pareceram horas até avistar o túmulo frio. Uma lápide de granito preta em
frente a uma cova aberta, escavada a sete palmos do chão, era tudo o que
havia naquele lugar.
Eu me aproximei ouvindo alguém chamar o meu nome e precisei me
inclinar sobre o buraco escuro.
Minha mãe se contorcia lá dentro, segurando a garganta. Convulsionava
por causa dos remédios que ingeriu.
Eu gritei, mas ninguém veio ajudar.
Soquei o ar que me impedia de chegar até ela. Era como se um vidro
transparente estivesse entre nós.
Caí de joelhos na grama, assistindo ela sufocar e de repente eram as
minhas mãos que estavam apertando o seu pescoço. Seus olhos arregalados
me suplicavam piedade, mas eu não conseguia parar.
— Por favor — gritei. — Eu não quero matá-la!
Minhas mãos não me obedeciam. Meus dedos grossos em volta do pescoço
delicado continuavam forçando a carne enquanto seus olhos se dividiam
entre a decepção e o pavor.
— Mãe, por favor, não morra! Me perdoe!
Ela gritou meu nome.
— Khalid!
— Eu não quero te matar — um soluço escapou dos meus lábios.
— Khalid, acorda!
Meu corpo foi sacudido. Abri os olhos devagar, piscando por conta da
claridade. Meu coração estava disparado. Quando a lucidez retornou, vi que
estava montado sobre Isabela, com as duas mãos ao redor do seu pescoço. Ela
me olhava assustava, segurando meus dedos na tentativa de se livrar do meu
aperto.
— Allah! — Dei um pulo para trás soltando ela e me afastando.
— Foi só um pesadelo — murmurou com voz tremida, massageando o
próprio pescoço.
— Eu te machuquei?
— Não! — respondeu depressa. — Claro que não.
Soltei o ar aliviado, mas investiguei sua pele procurando qualquer marca.
— Eu sinto muito, me desculpe, eu não queria te machucar.
— Há quanto tempo?
Hesitei. Não havia contado sobre os pesadelos para ninguém, mas queria
compartilhar isso com ela. Na verdade, eu lhe devia isso depois de quase
enforcá-la.
— Começou algum tempo depois da morte da minha mãe.
Ela prensou os lábios, olhando tão dentro dos meus olhos que poderia
mergulhar dentro de mim.
— Usa algum remédio?
— Vários, mas não sou constante. Eu tento viver sem eles e fracasso toda
vez.
Ela saiu de cima do meu abdômen e sentou-se ao meu lado.
— Sinto muito. Ela te faz falta, né?
— No início, muita. Hoje em dia é só um vazio.
— Já fez terapia? Ajuda muito quando...
— Por um tempo — interrompi impaciente. — O que vai querer de café da
manhã?
Eu me remexi na cama segurando firme as cobertas em minha cintura.
— Não estou com fome.
— Infelizmente eu estou com muita.
Seus olhos percorreram meu abdômen. Podia sentir as faíscas entre nós.
Vibrando. Ansiosas para nos consumir.
— Tenho um compromisso agora cedo — avisei antes que ela me tocasse,
porque eu não seria capaz de me refrear.
— Ah. É. Sim.
Isabela fez menção de se afastar, mas segurei seu pulso.
— Desculpe pela história da aposta. Não foi como pensa.
— Quanto você ganhou?
— Não apostamos dinheiro. Foi só bobeira daquele espanhol de merda. Ele
queria o direito de ficar com você e eu não permiti. Olhe as mensagens no
meu celular e vai entender.
Peguei o aparelho da mesinha de cabeceira e joguei para ela.
— Adianta eu vasculhar isso? — perguntou erguendo o aparelho. — Já
transamos, não foi?!
— Está questionando a minha motivação para me afundar no meio das
suas pernas, querida, e isso eu não admito. Acha mesmo que se fosse apenas
uma aposta eu estaria me masturbando pelos cantos como se fosse um
adolescente cheio de hormônios?
Empurrei a coberta para o chão mostrando para ela como estava duro e vi
suas pupilas dilatarem. Mas Isabela pulou da cama quando fui em sua
direção.
— Tem um compromisso, lembra?
— Foda-se!
— Você não implorou. — Ela correu rindo de mim. — Além do mais,
teremos tempo para essa discussão mais tarde.
Encarei-a lembrando do sonho e prensei os lábios.
Como explicar que, na minha cabeça, meu tempo era curto?
Eu vivia com o espectro da perda me assombrando e, como um sexto
sentido filho da puta, a sensação de que tudo de bom seria arrancado de mim
a qualquer momento me aterrorizava.
— Claro.
Eu me troquei rápido. Ela me deu um beijo modesto e eu permaneci
parado, admirando sua beleza. Olhos tão lindos como aqueles mereciam mais
atenção. Ela sorriu tímida e beijei sua boca.
Desejei morar naquele momento. A língua quente abraçou a minha,
valsando suave. Deslizamos os lábios um no outro.
— Eu já volto — prometi sem querer deixá-la.
— Tá. Vou aproveitar para terminar a leitura daquele livro.
Continuei ali parado. As mãos em sua cintura. Preso.
— Não vou fugir, Khalid — acrescentou a promessa. — Vai lá antes que
se atrase.
Suspirei.
— Tá.
Hálim me esperava no corredor, receoso, e com razão.
— Você é um filho da puta! — Apontei o dedo para a cara de cachorro
abandonado dele.
— Em minha defesa, foi totalmente sem querer.
Passei por ele a passos apressados.
Somente duas horas depois a reunião terminou e pude afrouxar a gravata.
Precisava de uma bebida forte.
Política é uma merda. Uma mistura de rosnar e abanar o rabo para infelizes
que se julgam deuses entre mortais. Mostramos os dentes reforçando
exércitos e adquirindo armas de destruição em massa para manter a paz e
depois apertamos as mãos como se não quiséssemos explodir uns aos outros.
Quem aperta a minha mão hoje pode estar me espionando, sabotando e
tentando influenciar meu país com suas ideologias controversas, por isso
essas reuniões me deixam tão exausto e quando terminou eu saí dali o mais
rápido que pude.
Havia um conglomerado de lojas na mesma calçada do hotel e quando
saímos, Hálim parou de frente para um pet shop.
— Preciso de uma guia nova para o Di Caprio — referia-se ao seu
cachorro. — Ele destruiu a antiga.
Fiz um gesto para que ele entrasse e esperei ali mesmo, olhando a vitrine.
A loja ao lado era de joias e um colar me chamou a atenção.
Era simples. Ouro branco com um pingente longo cravejado de diamantes
e uma safira azul em formato de flor na ponta.
Imediatamente a imaginei no pescoço de Isabela.
Simples e lindo.
— Acha que ela vai gostar? — Ouvi Hálim perguntar atrás de mim. — É
da cor dos olhos dela — lembrou espremendo a vista através do vidro e a
vendedora acenou para nós. — Pelo sorriso não deve ser barato.
Dei de ombros.
— Desde quando eu pergunto o preço de alguma coisa? Entre lá e mande
embrulhar pra presente.
Enquanto Hálim apresentava meu cartão caminhei pela loja. Fui atraído
para um balcão com pedras da mesma cor do colar. Um anel. Parecia perfeito
para um conjunto.
— É exclusivo — disse a vendedora acompanhando o meu olhar. — Ouro
branco, com pequenas flores incrustadas de diamantes ao redor e uma safira
azul no meio.
— Vou levar.
— Ela vai adorar! Sabe o tamanho?
— Sim — abri minha carteira e peguei um papel onde havia anotado essa
informação antes do casamento, quando encomendei as alianças. — Aqui.
Ela embrulhou tudo em caixas de veludo e colocou em sacolas de papel
enquanto Hálim me olhava com um sorriso irritante no canto da boca.
— O que foi, estrupício?
— Já contou pra ela?
— Não sei do que está falando.
— Claro que sabe. — Ele não me encarou. Continuou andando pela
calçada, mirando o carro que nos aguardava. — Sobre o que sente.
Não respondi. Entrei no carro e segui calado por todo o caminho de volta.
Acho que não contei nem pra mim mesmo.
Khalid

— Este é nosso último compromisso em Dubai — avisei enquanto


colocava o colar em seu pescoço. Isabela encarava o anel em seu dedo. —
Será um baile beneficente com muitos políticos de todo o mundo. É um
evento muito aguardado, então espere por muitos repórteres.
Estava linda. O vestido vermelho e prata era perfeito para a ocasião.
— Flores e diamantes — falou olhando para o anel e senti um frio na
barriga. — Eu já disse o quanto gostei?
— Várias vezes. — Sorri angustiado, virando-a para mim. — São apenas
para te deixar com a aparência correta. Não posso aparecer diante de todos os
políticos do mundo te apresentando como minha esposa e sem nenhuma joia.
O sorriso dela murchou.
— Preciso — falei devagar, olhando dentro dos seus olhos —, que evite
confrontar o xeque esta noite. O ideal seria baixar os olhos e não falar em sua
presença.
— Eu já entendi. Esse país é um antro de tarados que tratam as mulheres
como mercadoria.
— É exatamente isso.
— Ok, mas é um absurdo.
— Concordo e devo te avisar que o xeque é ainda pior. Entenda, Isabela,
árabes adoram brasileiras. Por aqui vocês têm a fama de que trepam
loucamente e topam tudo. E isso é um perigo — alertei. — E se ele encostar
um dedo em você terei de arrancar o braço do nojento fora.
Ela batucou o pé no assoalho e eu suspirei.
— Vamos terminar decapitados, querida. Colabore.
Ela repuxou a boca, mas concordou, o que considerei um avanço.
O salão estava cheio de políticos de todas as partes do mundo. A maioria
deles do Ocidente. Circulamos fazendo a árdua tarefa social de sorrir e ser
amáveis com pessoas odiosas. Uma vez ou outra um assunto de cunho
político era abordado e Isabela me socorreu em diversas ocasiões, traduzindo
as conversas que surgiam em espanhol e português, pois definitivamente eu
não tinha intimidade com elas. O que não acontecia com o francês, inglês ou
alemão.
— Preciso ir ao banheiro — sussurrou no meu ouvido e assenti, pedindo
licença ao diplomata da Alemanha.
— Vou te esperar aqui — avisei a uma distância segura do corredor que
levava ao toalete.
Esperei alguns minutos, olhando para a pista de dança. Nunca fui muito fã,
mas senti vontade. Minha mãe nos ensinava com entusiasmo. Vivia dizendo
que mulheres admiravam homens que sabiam conduzir uma dama.
— Se divertindo? — A voz asquerosa me causou um calafrio.
— Tessalah. — Fechei a mão em punho. Minha reação ao encontrá-lo em
público sempre era olhar ao redor, imaginando o estrago que ele poderia
causar em minha imagem. — O que quer?
Querendo ou não, minha imagem refletia em meu país e se ignorasse isso,
não seria digno do meu cargo.
— Estou aqui para garantir que não manche a imagem de Omã com sua
esposa promíscua.
Senti meu sangue ferver.
— Dobre a língua para falar da minha mulher — rosnei a centímetros do
seu rosto e ele abriu um sorriso vitorioso.
— Quem diria — cantarolou afastando-se porque no fundo ele era um
covarde. — Na verdade, era de se esperar. Afinal, lixo atrai moscas. É até
tocante que tenha encontrado alguém tão pérfido quanto você. A metade da
sua... latrina.
— Não vou te responder como merece. Não aqui — prometi sentindo
minhas veias pulsarem, clamando pelo sangue dele —, mas ainda vou te fazer
engolir dente por dente, Tessalah, eu juro.
Ele colocou a mão sobre o peito, dramático.
— Estou morrendo de medo. — Sua expressão se fechou lentamente. —
Vai se arrepender de não ter se casado com a minha filha, Tharip.
— Prefiro cortar meu pau fora.
Ele repuxou o lábio superior.
— Fiquei sabendo que está sustentando o pai inválido da sua esposa. Está
gostando de ter um estrangeiro cagão perambulando pela sua casa?
Um vulto passou por mim tão rápido que levei alguns segundos para
entender. Isabela empurrou o velho tão forte que ele caiu no chão.
— Ah, meu Deus! — ela gritou parecendo aflita. — Ajudem aqui. Este
senhor caiu no chão sozinho! Coitado! Se machucou, querido? Precisa olhar
por onde anda.
— Sua... — Tessalah engoliu o restante da frase quando Isabela chutou os
saltos para o lado e prendeu o cabelo em um coque.
— O que pensa que vai fazer? — Segurei-a pelo braço.
— Eu vou dar uma surra nele!
— Calça esses sapatos agora — grunhi baixo, já puxando ela que
continuou gritando, fingindo consternação.
— Deixa eu te ajudar, vovozinho! Eu cuido de você direitinho. Vamos ali
pra aquela salinha. Vem! Vem aqui, vem!
As pessoas não entendiam direito o que estava acontecendo e Tessalah se
levantou espumando.
— Ele precisa de ajuda, por favor! — Apontou para ele, aos berros. —
Está muito idoso e caiu sozinho.
— Vamos embora, Isabela.
— Me larga! Eu vou ensinar a esse filho da puta quem é o velho cagão.
— Isabela, se controla! Não podemos agir assim em público.
— Vai matar ele? — perguntou baixo, com um brilho sinistro nos olhos.
— Porque se quiser eu ajudo.
— Você está fora de si.
— Fora de si é o caralho! Você ainda não me viu fora de mim.
Arrastei-a para longe, em direção às escadas que levavam ao
estacionamento do subsolo, enquanto Hálim pegava os saltos do meio do
salão, rindo como a hiena que era.
— Eu amo uma mulher latina!
— Não a incentive!
Ele ergueu as mãos mordendo o riso.
— Aquele velho filho de uma piranha arregaçada! Como ele ousa falar do
meu pai? Eu vou mostrar pra ele.
Ela espichava as unhas no ar enquanto eu a arrastava até as escadas de
incêndio.
— CHEGA! — gritei e ela bufou.
Isabela me olhou com uma expressão de ira e não mediu suas palavras.
— Odeio homem bundão — disse baixo e devagar. — E você nunca me
pareceu um... até agora.
Agarrei-a pelo pescoço e imprensei contra a pilastra, fazendo seu corpo
bater com força. Ela segurou meu pulso com as duas mãos, mas ergueu o
queixo com ódio no olhar.
— Acha mesmo que não o mataria se pudesse? Você não sabe de nada! Eu
tenho planos muito maiores para ele. — Apertei um pouco mais forte. O
suficiente para que ela mudasse de cor. — E um dia eu vou assassinar aquele
filho da puta com toda a crueldade que ele merece.
Soltei-a e ela respirou fundo, tossindo algumas vezes.
— Qual seu problema? — perguntou massageando onde apertei.
Ajeitei o paletó, enquanto Hálim se aproximava para examinar seu
pescoço.
— Não vai ficar marcado — garantiu depositando um beijo na garganta
dela. — Sinto muito, cariño. Khalid tem assuntos antigos com aquele velho.
Ele se abaixou e calçou os saltos em seus pés, acariciando o tornozelo da
minha mulher. Quando se levantou, arrastou a mão deliberadamente por sua
perna e meu pau latejou dentro da calça.
— Posso ser tão carinhoso que você derreteria em minhas mãos, señorita.
Consegue imaginar? Um ogro filho da puta e um amante delicado —
sussurrou acariciando a cintura dela que engoliu em seco.
Seus olhos brilharam.
Sim, ela já tinha imaginado.
Ter consciência que seus desejos eram tão despudorados quanto os meus
me deixaram à beira da loucura. Segurei minha ereção com força e como se
atraída pelo meu tesão, ela mirou o volume entre as minhas pernas. O
pequeno pontinho preto em seus olhos dilatou, engolindo a imensidão azul de
sua íris. Ela arfou tão deliciosamente que por pouco não a fodi ali naquelas
escadas.
Hálim pensou o mesmo, pois olhou para a porta pesada corta-fogo e depois
para mim, umedecendo os lábios.
— Acho que precisa de um beijo pra se acalmar, cariño. — Hálim segurou
sua nuca com uma mão, espalmou a bochecha dela com a outra, e com a
respiração entrecortada, beijou seus lábios.
Foi delicado com ela e eu grunhi sentindo meu pau latejar.
Ergui seu vestido e enfiei a mão entre suas pernas. Não estava de
absorvente nem externo nem interno. A regra tinha acabado.
Perfeito!
Acariciei o clitóris inchado por cima da calcinha enquanto ela se perdia no
beijo do Hálim.
— Está molhadinha, sua safada — murmurei em seu ouvido e a boceta
palpitou em minha mão. — Quer ser comida por seus dois homens, não quer?
A pélvis se lançou contra meus dedos enquanto Hálim intensificava o
beijo. Lambi sua clavícula, mordendo o pescoço e ela gemeu. Dei um tapa
forte em sua boceta e depois acariciei para amenizar a ardência, deixando que
ela absorvesse a sensação.
Meu pau se debatia dolorido dentro da calça e precisei respirar muito
fundo.
Hálim esfregou a ereção nela, sem deixar de beijá-la num ritmo lento, e
desceu a mão para a boceta, tocando-a junto comigo.
— Não se iniba, querida. Liberte a sua mente — ele pediu com a voz
sussurrada em seu ouvido.
Deslizei dois dedos para dentro dela e Hálim juntou mais dois aos meus.
Ela gemeu sôfrega. A lubrificação escorria por nossos dedos. Deslizei a outra
mão pela sua bunda, cravando os dedos em sua carne.
— Assim está bom, cariño? — Hálim perguntou descendo a boca para seu
pescoço. — Eu quero tanto provar essa bocetinha.
Isabela estremeceu, rebolando em nossas mãos freneticamente,
deliciosamente rendida, e quando o espanhol se abaixou e lambeu o clitóris
sem tirar os dedos dela, sentimos seu corpo estremecer.
— Eu avisei que ele fode bem — grunhi no seu ouvido e tornei a observar
o quanto ele a chupava com vontade. — Goza pra gente, querida!
Obediente, ela gemeu contorcendo-se, e me puxou para um beijo enquanto
gozava na escadaria do hotel.
Lasciva. Depravada.
Igual a mim.
Tirei meus dedos de dentro dela e os lambi com vontade vendo Hálim
fazer o mesmo.
Porra, que delícia.
— Vamos — ordenei rouco. — Antes que alguém nos veja.
Isabela

Foi uma delícia, mas quando o tesão apaziguou eu me senti um pouco


constrangida. Minhas bochechas queimaram durante toda a viagem dentro do
carro. Hálim trocou um olhar confidente com Khalid, mas não disseram nada.
Quando chegamos ao hotel, Khalid deixou claro que a noite seria apenas
dele e eu fiquei aliviada.
Hálim sorriu para mim.
— Você não é obrigada a nada, cariño. O que aconteceu naquelas escadas
não te obriga a fazer nada. Não sou esse tipo de pessoa. — Depositou um
beijo em minha testa e sorriu pra mim. — Até amanhã, Bela.
Quando entramos no quarto, no entanto, Khalid me agarrou pela cintura.
— Sabe o que eu quero, Isabela? Comer essa bocetinha encharcada que é
só minha.
Mordi o lábio tentando esconder o sorriso.
— Você é um pervertido, mas ainda vai ter que implorar.
— Jamais! Deixa essa merda para outro dia. Hoje eu vou te foder e você
vai deixar.
O tom incisivo e autoritário fez um arrepio escalar a minha coluna até a
nuca. Engoli em seco concordando porque se ele exigisse que eu implorasse,
eu me ajoelharia aos seus pés no mesmo instante.
Então, deixei baixo, como diz a música.
Ele se livrou rápido de toda a roupa e me puxou, completamente nu. Abriu
meu vestido e o fecho do sutiã, me deixando só de calcinha.
— Khalid — sussurrei, mas fui calada por um beijo que aprisionou a
minha alma.
Sua língua tocou a minha tão deliciosamente cálida que suspirei em seus
lábios.
Foi doce.
Khalid tinha várias facetas e eu idolatrei cada uma delas. Sua mão
acariciou a minha cintura com força, marcando seu território.
— Você é minha, Isabela — declarou confirmando a minha suspeita. —
Quero imprimir o meu nome em cada pedacinho seu. Hoje não vamos foder.
Eu vou entrar contigo naquele banheiro e faremos sexo de um jeito diferente,
bem devagar.
A frase me abalou. Senti meus olhos arderem e o beijei para que não visse
a lágrima que escorreu pelo meu rosto.
Não de tristeza, mas de satisfação.
Khalid era perfeito até em seus defeitos.
Ele me conduziu com a mão em minhas costas. Ligou o chuveiro e tirou a
minha calcinha, jogando-a de lado. Então, me fez encostar no azulejo do
banheiro, erguendo uma das minhas pernas e apoiando em sua cintura.
— Quero fazer isso bem devagar, sem pressa — avisou e posicionou-se em
minha entrada. Fui invadida por ele vagarosamente. Sem proteção, sem
barreiras, marido e mulher.
Khalid se empurrou para dentro sem parar de me beijar, suspirando na
minha boca. Colocou-se inteiro dentro de mim e senti a vagina latejar,
tentando acomodar sua grossura.
Ele esperou. Calmo. A respiração entrecortada, tão cheio de tesão que
parecia sofrer.
— Você é perfeita, Isabela. Tão linda. — Moveu-se para trás e para frente
me fazendo gemer.
— Khalid — balbuciei como se o nome dele fosse o maior elogio do
mundo. A poesia mais inspiradora. — Mais rápido, por favor.
— Quer mais, Isabela? Vou te dar. — Afundou-se dentro de mim como
nunca achei que aguentaria, arremetendo com toda a força, me imprensando
contra o azulejo frio. — Está bom assim?
Cravei as unhas em suas costas gemendo alto. Rebolei contra sua ereção,
batendo a minha pélvis contra a dele. O som dos nossos corpos molhados
pela água do chuveiro promovia uma sinfonia.
Ele acariciou as estrias na minha barriga com a ponta dos dedos, com um
olhar diferente de todos que eu já tinha recebido.
— Você é tão linda! — Ele saiu e entrou, agora trêmulo, controlando sua
brutalidade. — Eu... Ah! — Soltou um lamento alto, com o rosto contorcido.
— Mais rápido, por favor.
Ele obedeceu soltando um rosnado e parou.
— Não consigo. Vou gozar se continuar assim.
Eu o senti latejar dentro de mim. Khalid rebolou roçando a pélvis no meu
clitóris e passou a deferir círculos contra mim, com o pau inchado, pulsante.
Era óbvio que estava se controlando ao extremo.
Ele abocanhou meu seio. Sugou carinhoso, lambendo o bico em seguida.
— Precisa me ajudar, querida.
— Você goza muito rápido, Khalid.
— Acredite, amor. É só com você que isso acontece.
De novo aquela palavra. Meu coração doeu quando acelerou além do que
já corria.
— Não... diga essas coisas.
Ele abriu um sorriso lindo. Cheio de dentes alinhados e brancos que
mordiscaram o bico do meu seio.
— Já volto — avisou saindo de dentro de mim e foi até o quarto.
Voltou com uma coisa de metal, em formato de gota com uma parte mais
fina e uma base chata. Ele deixou a água morna cair sobre a coisa e depois a
lambuzou com óleo.
Senti a minha adrenalina disparar.
— Isso é um plugue?
Ele sorriu perverso.
— Posso?
Minha libido gritou furiosa e eu não hesitei ao concordar com a cabeça.
— Vira — pediu e eu obedeci prontamente, sentindo a coisa ser
introduzida em meu ânus, alargando, mas não tanto quanto seu pau fez
comigo.
Gemi alto quando entrou, ficando apenas uma ponta para fora. Escorregou
deliciosamente me fazendo arquear as costas, desejando que fosse
movimentado dentro de mim.
Khalid me virou rápido, arfando.
— Isso vai te ajudar a gozar mais rápido, mas vou tentar ir com calma.
Quero adorar a sua boceta o tanto que ela merece.
Assim ele fez. Parando algumas vezes para se concentrar. E tornava a me
torturar com metidas lentas, até o fundo.
O orgasmo me assaltou.
Rasgou meus músculos ao meio. Voraz. Consumiu toda a minha força,
desembainhando sentimentos que me deixaram exposta.
Khalid beijou a minha boca como se pudesse beber daqueles sentimentos
que me atordoavam.
Não demorou para que seu corpo gigantesco estremecesse contra o meu,
gemendo rouco, enevoado pelo orgasmo.
Firmou uma mão na parede, como apoio e investiu contra mim
derramando-se convulsivo, me dando tudo dele. Os olhos cravaram-se nos
meus enquanto se desfazia, com a alma nua e assustado pela intensidade
daquilo.
Khalid

As semanas passaram tão rápido depois da viagem a Dubai que me perdi


no tempo. Pulei da cama pensando estar atrasado naquela manhã e me enfiei
dentro de uma cueca só para pegar o celular e descobrir que era domingo.
Isabela não estava no quarto.
Desci as escadas à sua procura e a encontrei na cozinha. Os cabelos
estavam um caos. Presos em um coque com vários fios soltos.
Ela estava limpando a cozinha?
O fone de ouvido bluetooth nas orelhas, rebolando e cantarolando algo em
sua língua que não entendi, mas os movimentos com o quadril eram
hipnotizantes.
Cruzei os braços e me encostei na porta admirando sua dança. A felicidade
daquela mulher pela manhã era deliciosa.
Não aguentei.
Fui até ela e me encaixei, esfregando a ereção na bunda gostosa.
— Ai, que susto! — gritou tirando os fones de ouvido. — Vai me matar do
coração.
Eu ri um bocado.
— O que está fazendo?
— Limpando, ué!
— Onde estão as empregadas? Chame elas para fazerem o serviço.
— É claro que não! — Bufou irritada. — Como consegue ser tão escroto
com as coitadas? Hoje é domingo!
— Coitadas? — Passei a mão pela barba achando graça. — Elas são muito
bem pagas.
— Não é questão disso, Khalid. São pessoas e não robôs. Do que adianta
um salário tão alto se elas não conseguem desfrutar? Empregada também tem
família.
— Elas têm folga.
— Sério? Quando? O que fiquei sabendo é que elas recebem em dobro se
trabalharem nas folgas. Você sabia que tem um rodízio imenso de
funcionárias nessa casa? As suas empregadas não aguentam e se demitem.
Apenas uma delas está aqui há mais de um ano.
— Não paro em casa tempo suficiente para perceber.
Isabela arregalou os olhos.
— Elas são as pessoas que trabalham diretamente com você, Khalid! A sua
vida está praticamente na mão delas que cozinham e limpam a sua casa.
Suspirei cansado.
— O que decidiu fazer? — Cruzei os braços já sabendo a resposta. —
Porque você com certeza já decidiu e nem ao menos me consultou.
Ela me encarou como se fosse óbvio.
— Dei folga para elas.
Respirei fundo.
— E quem vai fazer o que é preciso?
— Nós!
Gargalhei alto e ela me encarou ofendida.
— Já fiz muita faxina, sabia? Eu não tenho medo de trabalho pesado.
— Eu acredito! — garanti envolvendo-a num abraço. — Mas não precisa
mais disso. Podemos estudar um meio de dar as folgas que tanto quer dar aos
empregados, ok? Deixa essa louça aí.
— Eu vou lavar — afirmou elevando a voz e se afastou de mim. — Você
precisa ter mais respeito pelos seus funcionários. Não entendo como pode
lutar pelo direito deles e não entender que as pessoas ao seu redor precisam
de um mínimo de empatia.
Cruzei os braços começando a me aborrecer.
— Eu pago quatro vezes o valor de um salário normal.
— E mesmo assim eles se demitem em menos de um ano.
— O que está insinuando, Isabela?
— Estou dizendo — subiu o tom —, porque não sou mulher de indiretas,
que você está fornecendo aos seus empregados o mesmo ambiente horrível
que o seu pai te impôs a vida toda. E isso não é justo!
Senti a raiva borbulhar dentro de mim.
— Não sabe o que está falando.
Virei as costas puto. Fui até os fundos da casa e o jardineiro quase caiu na
piscina. Saiu praticamente correndo, com uma tesoura de poda nas mãos.
Mas que porra!
Uns exagerados, isso sim. Pessoas dramáticas. Hálim só contratava os mais
sensíveis. A culpa era toda dele!
Voltei para o quarto sem tomar café.
Peguei um livro para ler, na tentativa de me acalmar.
Horas depois, estava distraído, sem conseguir me prender à leitura e resolvi
agilizar alguns relatórios, mas a angústia me bateu com força.
Por que infernos estou me sentindo assim?
— Khalid — Isabela chamou da porta e me sobressaltei. — Vamos
almoçar.
Caminhei até ela com pressa e a tomei em meus braços, beijando a sua
boca com uma ansiedade anormal.
— O que te deu, homem?
— Prometa que não vai mais brigar comigo.
— Não foi uma briga. — Enlaçou meu pescoço. Um sorrisinho esticava o
canto da sua boca. — Não vamos concordar sempre. Isso é normal, sabe.
Numa... amizade.
— Amizade? Amigos se fodem?
O sorriso dela esfriou dando lugar a uma expressão insegura.
— Combinamos que seríamos amigos. Não somos?
— Achei que fôssemos mais do que isso.
— O que somos então?
De repente fui atacado por um medo irracional. Ela queria que eu dissesse
as palavras e eu me apavorei. Já tinha demonstrado, dado a entender, mas
dizer... era outra coisa.
De repente eu senti o frio daquele dia chuvoso. Era como estar no funeral
da minha mãe novamente, perdendo a pessoa que eu mais amava no mundo.
Tive medo de nomear o nosso relacionamento. Medo de nomear o que eu
estava sentindo. Parecia mais seguro deixar tudo guardado dentro de mim.
Porque ninguém poderia me tomar o que não sabiam que existia.
— O que sente por mim, Khalid? — Isabela insistiu. Os olhos grandes e
brilhantes. Esperou por minutos que se tornaram constrangedores e então
forçou um sorriso e respondeu à própria pergunta. — Amizade. Você sente
amizade por mim, como eu sinto por você. Viu? Eu tenho razão afinal.
Ela ainda esperou que eu a desmentisse por alguns segundos, mas
permaneci congelado.
— Vamos almoçar — pediu com delicadeza. — Já servi a mesa, amigo.

O almoço foi regado a silêncio e clima pesado. Eu me ofereci para lavar a


louça e ela só assentiu.
Trancou-se no quarto pelo resto do dia e não a incomodei até porque eu
nem saberia o que dizer.
Eu estava na biblioteca, tarde da noite, terminando uma leitura quando ela
entrou.
— Desculpa. Não sabia que estava aqui.
— Tudo bem.
Ela devolveu o livro à estante.
— Terminou de ler?
— Sim.
— Pedi para que me avisasse quando chegasse ao capítulo 12. Descobriu o
segredo do Cavaleiro Vermelho?
— Esqueci — mentiu. — Eu já imaginava qual era o segredo, na verdade.
Olhei-a atentamente. Vestia uma roupa confortável.
— Como soube?
— Porque ele sempre permanecia no escuro. É comum que alguém
deficiente, para se proteger, tente impor sua fraqueza aos outros.
A sua resposta foi dúbia. Isabela não se referia apenas ao Barão do livro,
mas a mim.
Levantei e ela deu um passo atrás.
— Está tarde — disse apesar de eu não ter perguntado. — Amanhã tenho
compromissos logo cedo. Hálim me enviou a agenda e está lotada.
— Eu só ia te recomendar outra leitura.
Ela umedeceu os lábios quando me aproximei. Arrastei a escada para a
direita e subi três degraus. Não deixava meus livros preferidos expostos nas
prateleiras mais baixas.
Peguei o exemplar e entreguei para ela.
Isabela investigou a capa, leu o título e me lançou um olhar curioso.
— Por que lê esse tipo de romance?
— Além de obviamente conterem as idealizações femininas sobre uma
relação? — Eu fiz uma pausa dramática e ela ergueu as sobrancelhas. — É
claramente um guia de como fazer uma mulher feliz.
— Não está lendo direito.
Fiz uma careta de dor.
— Eu mereci essa. Mas a verdade é que eu nunca quis um relacionamento.
Eu me contento em viver essa experiência através dos personagens.
Isabela repuxou a boca, folheando o livro.
— E escolheu um gênero que retrata mocinhas virgens e castradas por uma
sociedade hipócrita e machista. Uau! Devo corar sempre que olhar para
mim?
Estreitei os olhos.
— A maioria das mulheres retratadas nesses livros é à frente da sua época.
Eu diria que é mais sobre o desabrochar do empoderamento feminino do que
outra coisa. Veja Jane Eyre, por exemplo. Ela diz ao Senhor Rochester: Eu
não sou nenhum pássaro e nenhuma rede me prende. Eu sou um ser humano
livre, com uma vontade independente.
Isabela mantinha um sorriso cético.
— Sabe o que eu acho? Que você reservou seu romantismo todo para as
folhas de papel. O que sobrou para a vida real, você entregou para a Melissa.
— Ela fechou o livro e se virou pra sair, mas a impedi.
— Espera, não vai — pedi segurando o seu braço e quando não resistiu,
deslizei a mão até sua nuca e a puxei para um beijo. — Eu não sinto mais
absolutamente nada pela Melissa — confessei contra sua boca.
Os lábios cheios pressionaram os meus sem muita vontade, mas eu estava
faminto. Cheio de uma saudade insensata, uma vez que tínhamos passado a
noite juntos.
— Podemos pelo menos voltar ao ponto onde éramos amigos e você
conversava comigo, Isabela?
— Por que faz tanta questão?
— Porque... moramos sob o mesmo teto!?
Seus olhos brilharam tristes.
— Não fique assim por minha causa — pedi com suavidade. Ergui seu
queixo e a beijei com carinho redobrado. — Você tinha me prometido que
contaríamos segredos um sobre o outro para nos conhecermos melhor.
Ela soltou uma risadinha amargurada.
— Vem. — Puxei-a pela mão para que sentasse no sofá da biblioteca. —
Eu começo. — Suspirei vendo-a afundar no assento. — Às vezes, quando
estou com raiva, desconto nas pessoas mais próximas, mas depois me
arrependo. Eu sinto vergonha do que fiz e não consigo me desculpar porque
sei que farei de novo, então acho melhor ser sempre um filho da puta.
Ela abraçou a si mesma.
— Você tem um ponto de vista, reconheço, mas não te absolve de ser um
cretino.
— Eu disse que te contaria um segredo e não que mudaria minha atitude.
Isabela quase sorriu, mas repuxou a boca desviando o olhar.
— Eu namorei um cara por dois anos. — Prensou os lábios insegura. —
Aprendi muito com aquele relacionamento. Era sempre eu que mandava
mensagem, que pedia para nos vermos, que falava eu te amo. Gustavo era o
cara do hoje não dá, fiquei ocupado e eu também. No dia do meu aniversário,
ele terminou comigo. Sabe o que é mais engraçado? Seis meses depois eu dei
o azar de estar no mesmo restaurante em que ele pediu a namorada em
casamento, de joelhos.
Senti o vácuo dentro do meu peito aumentar. Um desconforto irritante que
eu já tinha sentido antes.
— Como pode ter aprendido com um relacionamento desses?
— O Gustavo não me amava, mas ele se apaixonou pela mulher a quem
teve a coragem de pedir em casamento. Ele até se ajoelhou para ela. Eu
queria ter visto alguém de joelhos por mim ao menos uma vez. — Seus olhos
tremularam enchendo-se de água e sua garganta subiu e desceu engolindo um
bolo. — Acho que é por isso que eu te peço para implorar. Para satisfazer o
meu ego sonhador. Eu já tive pessoas como você na minha vida, Khalid.
Incapazes de entender as necessidades emocionais do outro. Você é um
grande cara. Luta por saúde e educação para o seu povo, paga bem os
funcionários, mas não consegue entender que, às vezes, prover só o físico não
basta.
— O que você quer de mim, Isabela? Eu não exponho os meus sentimentos
e isso não vai mudar. Mesmo assim, eu fui mais longe por você do que já fui
por qualquer outra pessoa do mundo. O que mais você quer?
— Sei lá, Khalid. Cartas de amor com a letra de uma música que você
ouviu e te fez lembrar de mim... ou só algumas palavras sinceras. O que eu
quero vai depender do que você acha que eu mereço.
Alisei a testa soltando um riso engasgado.
— Eu não sou esse cara. Eu não faço esse tipo de coisa. É ridículo!
Isabela se levantou e me encarou de cima.
— Claro que faz. Quando realmente estiver amando alguém, vai fazer.
Fiquei inerte, vendo-a sair da biblioteca. Não queria que ela fosse embora.
Eu não queria ficar sozinho de novo, mas não podia forçá-la e nem dar o que
merecia.
Ainda sou um miserável.
Isabela

Chorei agarrada ao travesseiro. Meu corpo queria estar na cama dele, como
em todas as outras noites da semana, mas a minha mente gritava que eu
precisava estabelecer um limite.
Tive amores líquidos o suficiente na minha vida. Escorrendo por entre
meus dedos, enquanto eu lutava sozinha para solidificá-los.
Aprender a lição significa não cometer o mesmo erro, né?
Então, eu chorei, porque fui burra. Eu me apaixonei perdidamente por
aquele árabe safado e insensível.
Não lembro que horas fui dormir. Só me lembro do cansaço.
Acordei com olhos inchados e precisei carregar na maquiagem antes de
sair de casa.
Para me deixar ainda mais triste, Khalid já tinha saído quando acordei.
Enfiei os óculos escuros no rosto antes de entrar no carro do Hálim.
— Onde está o motorista?
— Com o chefe. — Hálim abriu a porta de trás. — Ele precisou sair cedo
para resolver um problema.
Um segurança sentou na frente e outro ao meu lado e eu suspirei me
sentindo sufocada.
Seguimos para a cidade de Ruwi onde acontecia a inauguração de um
centro de atendimento à mulher. Um dos projetos do Khalid.
Durou pouco mais de duas horas. Fui cumprimentada por uma imensidão
de mulheres, aparentemente satisfeitas. Dali, partimos para um orfanato e
dessa vez o evento foi longo.
Hálim me orientou a ter cuidado com tudo o que eu diria. Dar respostas
evasivas sempre, mesmo diante da mais inocente das perguntas, porque
poderiam distorcer as minhas palavras. Eu representava o Primeiro-Ministro e
o nervosismo me deixou trêmula.
A parte boa foi as crianças.
— Tente não levar nenhuma delas para casa — Hálim provocou ao me ver
com um bebê no colo. — Não antes de fazer um herdeiro pro sultanato,
depois pode inaugurar sua própria creche se quiser.
— Não sei se estou preparada para ser mãe.
— Acho que o bebê que está dormindo no seu ombro tem outra opinião.
Fiquei envaidecida, confesso. Gosto de crianças, mas a responsabilidade de
ter uma vida em minhas mãos me assustava e por isso corri para devolver o
bebê para a funcionária.
A solenidade prosseguiu e me senti estranha durante o resto do evento.
— Será uma boa mãe, não se preocupe. — Hálim se posicionou atrás de
mim enquanto a diretora do orfanato discursava.
Ouvi em silêncio, atenta aos fotógrafos autorizados pelo sultanato. A
imprensa não tinha liberdade em Omã. Por ser um sultanato, entendi que, em
diversos aspectos, era como uma ditadura.
Um rosto na multidão me pareceu familiar e senti um calafrio escalar a
minha coluna.
— Outros políticos estão aqui?
— Não que eu saiba. Quem você viu?
— Tessalah.
Hálim pegou o celular do bolso e começou a digitar.
— Merda! Não tem sinal aqui. Não saia desse palco, ouviu? — Ele se
afastou com o aparelho na mão.
A cerimônia terminou logo depois. Dois seguranças me conduziram de
volta ao carro, mas o meu estômago estava sobrecarregado com as pressões
daquele dia.
— Estou enjoada — avisei espalmando as mãos na porta do carro.
De repente ouvi tiros e não tive reação.
O pânico se apoderou de mim arrancando minha voz quando alguém me
agarrou e enfiou um capuz na minha cabeça.
Não consegui gritar.
Fui jogada dentro de algo que me pareceu um carro. Vozes estranhas e
familiares gritavam ao mesmo tempo coisas diferentes que eu não consegui
decifrar e senti o empuxo da velocidade quando o carro arrancou cantando os
pneus comigo dentro.
Khalid

Recebemos um alerta sobre o cativeiro dos desaparecidos no ataque à


nossa fronteira de um mês e meio atrás. Eu e Zaad fomos pessoalmente e
encontramos umas 24 pessoas em estado crítico.
Com fome, sede, doentes, quatro deles estavam mortos há mais de uma
semana em um dos quartos e o cheiro era insuportável. Outras duas mulheres
tinham morrido pouco antes de chegarmos. Os corpos ainda estavam quentes.
Consegui ambulâncias de todos os hospitais e elas chegavam sem parar
quando Hálim me ligou.
— Não tenho tempo agora — rugi ao atender.
— Então arrume — gritou e meus alertas dispararam. — Os reféns foram
apenas distração. Eles sequestraram a Isabela.
Poucas vezes em minha vida eu senti medo de verdade. O profundo, que
revira as entranhas e separa o espírito do corpo por alguns segundos.
Meu ouvido estalou junto a um desconforto no tórax. Não era uma dor a
qual estava acostumado. A sensação de engasgo veio concomitante à
vertigem. A agitação se tornando aguda à medida que dedos invisíveis
estrangulavam a minha garganta roubando todo o meu ar. Tentei respirar,
mas o ar não chegava aos pulmões.
Zaad me segurou quando eu aparentemente comecei a cair.
— Khalid! — Ele tomou o celular da minha mão e começou a discutir com
Hálim, mas eu não ouvia mais.
— Não, não, não — repeti a esmo, para ninguém específico.
— Khalid você está tremendo. Precisa respirar.
Sacudi a cabeça negando sem conseguir explicar.
— Reage! — Zaad me sacudiu, agarrando meus braços com força. — Não
tem nada te impedindo de respirar. É a sua mente que está dominando o seu
corpo. Agora, se concentra na minha respiração.
Ele inspirou fundo e eu tossi ainda estrangulado. Soltou o ar, sugando-o de
novo e eu me contorci.
— Alguém me traz um copo de água — gritou para os seguranças e puxou
um frasco do bolso. — Precisamos de você agora, entendeu? Sua esposa está
bem. Seja quem for que fez isso, tem um objetivo e eles não farão mal a ela
até pedirem o resgate. Agora respira.
Tentei de novo sem sucesso e meus joelhos cederam. Meu corpo trêmulo
não suportava mais aquela pressão.
— Merda, Khalid! Me escuta uma vez na vida! — Zaad apertou meu pulso
com tanta força que me concentrei naquela dor. — Respira!
Obedeci sugando o ar como um asmático. Ele despejou várias gotas no
copo e forçou a água na minha boca que escorreu pelo meu queixo, mais da
metade, molhando meu terno.
Tirou uma espécie de gilete do bolso interno e puxou o punho do meu
blazer para cima. Quis perguntar o que iria fazer, mas as palavras não saíam.
Eu só sentia frio. O mais cruel e pavoroso que já senti.
— Desculpa por isso — pediu e pressionou a lâmina, por cima da camisa,
contra o braço, e não tive força para lutar contra. Ele cortou tecido e pele ao
mesmo tempo, me causando uma dor terrível e ao mesmo tempo
tranquilizadora. — Isso é real! — Zaad apertou o ferimento e finalmente
gritei. — Concentre-se nisso. Todo o resto é produto da sua mente.
Aos poucos a minha respiração voltou ao normal.
— O que me deu? — consegui balbuciar, sentindo a voz grossa tropeçando
na língua.
— Um ansiolítico de efeito rápido. — Ele me puxou pra cima. Meu irmão
mais novo era bem mais alto que eu, uns dez centímetros. — Precisamos ir.
Meu corpo ainda tremia e suor escorria pelo meu rosto apesar de não estar
com calor.
— Faruqh — Zaad chamou o seu chefe de segurança que veio rápido. —
Reforce a escolta da Melissa e me encontre em Ruwi.
Ele me arrastou para o carro, segurando meu braço como se eu fosse uma
criança. Não falou nada enquanto assumia a direção.
O relaxamento chegou mais rápido do que eu esperava. Junto a uma leve
sonolência.
Senti um cutucão no braço.
— Não durma. Precisa me dizer para onde a levariam.
— Não faço ideia.
— Anda, se esforça. Essa não é uma garota qualquer, não é? Você gosta
dela. E se eu percebi isso, os seus inimigos também.
Remoí aquele comentário.
— Por que está me ajudando? Qual o seu interesse?
— Não sou o monstro que você idealizou, Khal. Enfiou na sua cabeça que
precisa disputar comigo, mas não tem que ser assim.
— Você roubou o sultanato de mim.
— Você não queria se casar. O que acha que aconteceria com o sultanato
se eu não tivesse assumido? Tessalah preparava o terreno para a posse, se
aproximando do Gibrail, plantando dúvidas na cabeça dele.
— Aquele velho estúpido poderia muito bem ter nomeado um sultão
solteiro. Essa exigência nunca existiu antes.
O balanço do carro parecia uma canção de ninar. A merda do sono me
abraçava como uma doença.
— Talvez alguém o tenha convencido disso também. Descobri uma coisa
hoje de manhã — Zaad fez uma curva fechada e precisei me segurar —,
numa conversa com nosso pai. Segundo ele, a ideia de me enviar para o
Kuwait, depois que nossa mãe morreu, foi do Tessalah.
O meu raciocínio estava lento. O que a criatura das trevas ganharia
afastando Zaad de mim?
— Nossa inimizade — respondeu à pergunta que não verbalizei. — Pensa
bem. A gente se apoiava. Nosso sultanato seria imbatível porque nos
completávamos. Meus defeitos são o seu potencial e vice-versa, mas desde
que éramos crianças, Tessalah insistia que você era má influência pra mim.
— Afastar você apenas me reafirmaria como herdeiro.
— Mas não foi o que aconteceu, foi? Ele te conhecia. Sabia que longe de
mim ficaria instável.
— Está sendo arrogante. — Juro que tentei entender a linha de raciocínio
dele. Eu me esforcei, talvez fosse o remédio, mas não vi lógica alguma. —
Não faz sentido porque ninguém imaginava que você seria escolhido como
sultão.
— Será? E se fosse o plano do Tessalah o tempo todo? Você se tornou
instável, Khalid. Abraçou viagens que um diplomata comum poderia fazer e
se mantinha sempre longe. Eram raras as ocasiões onde participava do
conselho e só demonstrou interesse novamente quando me casei com a
Melissa. Talvez, eu ter sido indicado como novo sultão, tenha sido o plano do
Tessalah o tempo todo e eu só percebi isso quando você conheceu a Isabela.
Bufei indignado. Por mais dopado que eu estivesse, a linha de raciocínio
dele era absurda.
— Você está delirando. Isabela não tem nada a ver com...
— Sério? Não percebeu como está menos agressivo? Você até me
defendeu como sultão no último conselho. Coisa que não fazia desde que
éramos crianças.
— Isso é ridículo. Eu não fiz isso.
Zaad abaixou as sobrancelhas em minha direção. Virei o rosto pensativo.
Eu não tinha mudado. Continuava o mesmo.
— Não foi desse jeito — resmunguei seco, me ajeitando no banco. — Pode
até ser que ele tenha incentivado o Gibrail a te escolher. Isso faz sentido,
afinal, você é muito mais fácil de manipular, mas quanto a Isabela... — refleti
pressionando a têmpora. — É mais provável ser apenas vingança porque não
me casei com sua filha. Além disso, ela empurrou o infeliz no evento de
Dubai.
Zaad meneou a cabeça como se eu fosse teimoso ou estúpido demais para
entender.
Quando estacionou em Ruwi, saímos rápido do carro. Hálim veio ao nosso
encontro depressa.
— Vocês demoraram muito.
— Como isso aconteceu? Por que não protegeu ela? — interpelei
agarrando-o pelas lapelas, mas Zaad se enfiou entre nós. — Eu te dei uma
única ordem, Hálim!
— Isabela viu Tessalah na plateia e eu fui atrás dele.
Passei a mão pelos cabelos sem acreditar.
— Foi ele!
— Não tem como! Ele estava comigo no momento em que o segurança me
avisou que tinham levado ela. Cheguei a correr atrás do carro.
— Viu a placa pelo menos? — Zaad ainda me segurava pelo braço.
— Vi e já passei para o Faruqh.
— Quero ver as câmeras de segurança — falei puxando o braço do aperto
dele e invadi o orfanato.
Isabela

Minha boca estava seca quando acordei. Dei uma olhada rápida,
espremendo os olhos através da pouca claridade e identifiquei o colchonete
sujo em que estava deitada. Um basculante próximo ao teto era a única fonte
de luz.
Minha cabeça latejava.
Eu me ergui vacilante. Minhas pernas estavam dormentes. Percorri todo o
espaço, mas não tinha muito que vasculhar. Era um porão vazio e
empoeirado, com uma escada velha de madeira que subia até uma porta
trancada.
Lá fora, ainda era dia.
Tentei alcançar o basculante sem sucesso. Tentei escalar a parede, mas era
lisa. Escorreguei várias vezes, pulei outras tantas. Chutei a porta algumas
vezes e gritei até ficar sem voz.
O tempo se arrastou.
Quando finalmente ouvi um barulho de carro eu gritei a plenos pulmões,
rouca, tossindo, até que a porta se abriu e meu coração foi parar na garganta.
— A puta do Ministro! — Empostou a voz fazendo-a ecoar como um eco
sombrio. — Estou te devendo uma coisa.
Ele se aproximou devagar e eu fui andando para trás até bater as costas na
parede imunda. O tapa estalou alto e seco me jogando no chão. Toquei o
local que ardia. Ele cuspiu em mim antes de jogar uma pasta aberta no chão à
minha frente que esparramou fotos. Puxei uma delas e tive vontade de chorar.
— Uma puta compartilhada, pelo visto. Você me enoja!
Continuei pegando as fotos ampliadas, do tamanho de uma folha A4. Eu,
Khalid e Hálim em Dubai, nas escadarias.
Comecei a rasgar todas num rompante, chorando de ódio. Eu nunca me
senti suja antes. Nunca me senti culpada e nem deveria. Era o meu corpo.
Quantos homens eu tinha em minha cama não era da conta de ninguém.
A gargalhada cruel e maliciosa reverberou e tapei meus ouvidos como uma
criança, como se pudesse negar sua presença.
— Tenho várias cópias. — Ele se agachou na minha frente e o encarei com
ódio, sentido as lágrimas rolarem pela minha bochecha. — O trato é o
seguinte: você vai me passar todas as informações que eu precisar sobre o
Khalid e a maldita família Tharip. Vai fazer tudo o que eu te mandar fazer se
não quiser ver essas fotos nos jornais de todo o mundo. Não haverá um país
de merda em que possa se esconder sem ser reconhecida como a vagabunda
que é.
— Pode publicar essa merda aonde quiser. Eu não tenho vergonha.
— Acha que o Ministro de um país árabe será respeitado depois disso
vazar? Apesar daquela família de merda, promíscua e herege, ainda temos um
código de moral e bons costumes a zelar.
— Por que não divulgou as fotos então? Poderia ter nos destruído, mas está
aqui blefando.
Sua mão pesada acertou meu rosto novamente e dessa vez, ele não se
conteve. Chutou minhas costelas uma, duas vezes, e me revirei no chão.
O ar abandonou meus pulmões quando ele me acertou um terceiro chute,
no estômago. Tudo o que eu tinha lá dentro saiu num vômito convulso.
Tossi, tentando respirar.
A dor queimou até a minha alma.
Quando finalmente consegui respirar senti meu couro cabeludo
queimando. Ele me puxou pelos cabelos e me arrastou até a parede, batendo a
minha cabeça contra a parede.
O velho arfou, satisfeito.
Um filete de líquido quente escorreu por cima do meu olho. Tentei limpar,
mas parei o movimento quando a dor lancinante me atravessou. Eu não
conseguia me mexer sem que algo me rasgasse por dentro.
— Ainda acha que é blefe? É melhor você me obedecer direitinho porque
ninguém vai te proteger, assim como ninguém evitou que eu pusesse as mãos
em você. Não vai contar para o Khalid que te ameacei, não falará meu nome,
ou sobre as fotos. Quando eu te ligar, vai fazer o que eu mandar, ou farei algo
muito pior da próxima vez.
— Ele vai saber, mesmo sem eu contar. — Tossi com minhas próprias
palavras arranhando a garganta. — Vai saber que foi você.
— Claro que vai. — Abaixou-se para me olhar nos olhos. — E sendo o
infeliz que eu sei que ele é, vai ficar descontrolado. Vai cometer todos os
erros que preciso que cometa e terá medo, porque você, queridinha, é o ponto
fraco dele.
Tessalah fez um gesto com a mão e dois brutamontes me pegaram pelos
braços e me arrastaram escada acima. Eu gritei alto ouvindo alguma coisa
estalar dentro de mim.
Jogaram-me em um sofá velho e um dos homens pegou o celular do bolso.
Digitou um número e o pôs no ouvido.
— Ministro — falou e olhei para ele alarmada. O maldito era um dos
seguranças do Khalid. Encarei o infeliz com ódio enquanto ele passava o
dedo indicador pelo pescoço e apontava pra mim. — Achei ela. Vou te
mandar a localização pelo celular.
Ele desligou e digitou a mensagem. O outro brutamonte sentou ao meu
lado no sofá e piscou.
— Como podem?...
— O tempo da família Tharip no poder já passou.
— Vocês são dois porcos — balbuciei através da dor.
O ruivo no sofá cuspiu em mim.
— Cala a sua boca, prostituta! Vocês vão arder no inferno!
Limpei o rosto com a mão, bem devagar, olhando dentro dos seus olhos.
— Acha que vai para um lugar diferente?
— Eu serei recebido com honras por Allah. Estou limpando o meu país da
escória.
Senti a revolta se elevar dentro de mim. Quanto mais me dava conta da
minha impotência, mais revoltada ficava. Queria matá-los, todos eles, com
minhas próprias mãos.
— Espero que morra gritando antes disso.
O tapa do ruivo acertou o meu lábio já aberto e dessa vez o sangue
escorreu mais espesso e ardido.
— Nem pense em contar nada para o Khalid porque saberei — Tessalah
avisou. — Tenho olhos e ouvidos dentro da sua casa.
— Então por que precisa de mim?
— Vai saber quando o momento chegar. E nem pense em não atender a
minha ligação. — Sorriu amplamente antes de sair da casa me deixando
sozinha com os dois seguranças vendidos.
Tudo em mim doía, mas eu tentava decidir o que fazer.
Aquelas fotos poderiam arruinar a carreira do Khalid.
Chorei em silêncio, me encolhendo no sofá.
Demorou para que o Khalid chegasse. Não sei quanto tempo. Não consegui
mensurar. Ele abriu a porta desesperado e estancou ao me ver naquele sofá
fétido.
— Quem? — Foi a única pergunta que fez, de maxilar trincado, movendo
os lábios apenas o suficiente para se fazer entender. Os olhos pretos de
demônio fixos nos meus, como se pudessem invadir meus pensamentos.
Minha reação foi chorar mais. Alegria, dor, tristeza, tudo resumido em
lágrimas grossas que contorciam o meu rosto já inchado.
Hálim e Zaad entraram logo depois dele além de mais cinco homens que
eu não conhecia.
Os dois seguranças se puseram de pé, inventando uma história de como me
acharam, mas quando um deles esticou a mão para me ajudar a levantar, a
minha reação involuntária foi me encolher e Khalid respirou fundo, inflando
o tórax largo.
— Entendi — rosnou com um leve trepidar da sua voz. — Vou dar uma
chance de me contarem a verdade e continuarem vivos.
— Já dissemos, senhor — respondeu o ruivo numa atuação digna de Oscar.
— Essa é a verdade.
Zaad se aproximou de mim e me ajudou a levantar, mas era doloroso
demais. Parecia que algo me perfurava internamente quando eu me erguia.
Khalid mantinha os punhos fechados ao longo do corpo. A expressão em
seu rosto era terrível e ninguém ousava se intrometer em seu interrogatório.
— Como pensaram em procurar justo aqui?
— Seguimos a pista de uma denúncia anônima que o serviço de
inteligência recebeu — explicou o outro segurança corrupto, que aparentava
ser ex-militar. — Ela deu uma boa descrição do local e a gente rodou a
manhã toda pela vizinhança. Encontramos ela aqui sozinha e muito
machucada. Não é mesmo, senhora?
O desgraçado olhou para mim esperando que eu confirmasse, mas só
consegui encará-lo com raiva e medo.
— Por que não me passaram a informação antes?
— Havia uma chance de ser uma pista falsa e não queríamos desviar sua
atenção para algo que poderia ser apenas um trote.
Khalid olhou para mim incisivo e eu abaixei os olhos, me agarrando a
roupa do seu irmão para não cair.
A sirene da ambulância soava cada vez mais alta do lado de fora,
indicando sua aproximação e Hálim apoiou meu corpo no dele.
— Precisa nos dizer alguma coisa, Bela, ou tomaremos o seu silêncio
como resposta — cochichou baixinho, mas não o suficiente para não ser
ouvido por um Khalid curioso que estreitou os olhos para mim.
Tive medo.
Meu coração acelerou pensando em todas as ameaças, mas o meu ódio
também lutava dentro de mim. Era uma decisão perigosa a tomar. Submeter a
minha vida e a de meu marido àquele doente ou me vingar e sofrer todas as
consequências?
Antes que eu negasse ou dissesse nomes, Khalid já tinha lido a verdade
dentro da minha alma.
O primeiro soco foi um movimento violento, tão rápido e com tanta força,
que o brutamonte ruivo, que estava mais próximo dele, foi ao chão
nocauteado.
O loiro com jeitão de militar puxou a arma, mas foi dominado pelos
homens atrás dele.
Khalid continuou batendo no homem caído, um joelho apoiado no tórax, e
o punho erguido, socando sem parar.
Ninguém ousou interrompê-lo.
Voltou-se arfando para o segundo segurança que se debatia.
— Vocês, Tharip, são a escória de Omã!
Acertou um soco no estômago dele e eu gostei de assistir o infeliz se
dobrar e cuspir sangue no chão.
— Gosta de machucar mulheres? O que acha disso agora? — Chutou as
costelas do homem com tamanha força que, mesmo musculoso, rolou pelo
chão gemendo. — Quem te mandou fazer isso?
O homem grunhiu.
— Não... vou...
— Ah, não vai?
— Khalid! — Zaad chamou a atenção dele que o encarou parecendo o
demônio em pessoa. — Sua esposa precisa de cuidados e esse homem precisa
ser interrogado. Matá-lo agora não nos ajuda.
Khalid passou a mão pelo rosto transtornado, limpando respingos de
sangue, sem dizer nada. Os médicos entraram receosos enquanto o loiro era
arrastado para fora da casa.
Dois deles me atenderam e outro se debruçou sobre o homem caído.
— Está morto.
— Ótimo! — Khalid rosnou. — Quero a morte dele noticiada em toda a
imprensa para que saibam o que acontece com quem encosta um dedo na
esposa de um Tharip.
O sultão não contestou o irmão em momento algum e quando o encararam,
aguardando seu posicionamento, ele assentiu.
Fui posta em uma maca, com um colar cervical, e administraram um
remédio em minha veia que me deixou sonolenta. Minhas pálpebras pesaram,
mas a forcei a se abrir no instante que senti a mão larga em minha bochecha.
— Nunca mais vou sair do seu lado. — A promessa dele me causou
desconforto.
Foi a última coisa que ouvi. A escuridão me abraçou sem afastar a
sensação de que eu era uma traidora covarde e não merecia uma gota da
gentileza daquele homem.
Khalid

— Como ela está, doutor?


O médico retirou os óculos de armação fina e dourada e esfregou os olhos.
— Bem ruim. Duas costelas fraturadas, hemorragia interna e uma fissura
no baço. Infelizmente, ela perdeu o bebê.
Aquele foi o último golpe na minha alma.
— Impossível! Ela menstruou há pouco mais de uma semana.
— É raro, mas pode acontecer, principalmente nos primeiros meses.
Entenda, quando o saco gestacional ainda está com dimensões pequenas e
não ocupa todo o útero, uma parte fica revestida pelo endométrio. Esse pode
responder as oscilações hormonais e a menstruação acontece. Fora outros
problemas como inserção baixa de placenta, quando ela é implantada muito
próxima ao colo do útero. Como o colo está bastante vascularizado, qualquer
movimento intenso que a mulher faça pode causar sangramentos, que podem
ser grandes ou só escapes, parecendo menstruação. De qualquer forma, agora
não importa mais.
Trinquei os dentes para não gritar. Finquei as unhas na palma da mão e,
apesar de curtas, elas cumpriram seu propósito. Distraíram a dor maior. Uma
troca justa. Um pouco de dor física pela minha alma sendo rasgada ao meio.
Quantas outras pessoas morreriam por estarem perto de mim?
E se eu não fosse tão egoísta, deixaria Isabela ir embora antes que o pior
acontecesse.
Ela não estava segura em minha casa.
Precisaria demitir todos os meus funcionários e nada me garantia que os
recentes não seriam lacaios do Tessalah e sua filosofia idólatra.
Esfreguei o rosto, disperso das informações que o médico me passava.
Estava exausto.
Isabela precisaria de um longo tempo se recuperando e eu ainda não tinha
provas o suficiente para condenar Tessalah e extirpar sua família e seguidores
do meu país.
Eu poderia matá-lo, mas a semente dele proliferaria. Os conselheiros
remanescentes defenderiam suas ideias e nunca teríamos paz.
— Ministro?
— Sim — respondi tentando me concentrar.
Ele suspirou.
— Precisa descansar. Vou receitar alguns remédios para a sua ansiedade.
— Apontou a caneta na direção da minha perna que balançava indócil. —
Costuma tomar ansiolíticos?
— Sim. Os de longo prazo.
— Vou receitar um de efeito imediato. O seu irmão relatou um episódio de
ataque de pânico e disse que você abandonou a terapia. Sugiro que dê
continuidade a ela o mais rápido possível.
Baixei os olhos para as minhas mãos devidamente enfaixadas.
— É possível que eu seja... — comecei a perguntar e ele ergueu as
sobrancelhas — deixa.
Ele se empertigou na cadeira, analisando meu estado.
— É normal se exceder em situações estressantes, mas confesso que
devido ao seu histórico familiar, eu não descartaria nenhuma hipótese, por
mais que tenha se mantido invisível durante toda a sua vida.
Entendi o recado. Fiz um movimento curto com a cabeça, assentindo para
encerrar o assunto e ele voltou a rascunhar a receita. Carimbou o papel e
rubricou, me entregando em seguida.
Vaguei pelo hospital. Os seguranças de Zaad estavam espalhados por toda
a ala, o que só me fez sentir impotente, mas eu não podia voltar para casa
ainda. Não com meus funcionários me traindo e sequestrando a minha
esposa. Precisava reestruturar toda a minha segurança e isso levaria tempo.
Sentei na cadeira de frente para a cama de hospital onde Isabela dormia.
Seu rosto estava repleto de hematomas e cortes remendados por curativos.
Ela não queria um filho.
Engoli em seco.
Será que ficaria triste ao saber que havia perdido o nosso? Será que me
culparia por tudo o que passou?
Eu me puni com pensamentos pessimistas por toda a tarde. Sedada, Isabela
não acordou até o outro dia.
Acordou de manhã assustada e eu a tranquilizei, escondendo minha própria
insegurança. Quando reuni coragem, dei a notícia sobre o bebê e a vi chorar
silenciosamente.
Abracei-a e assim ficamos.
Não tocamos no assunto novamente.
Foi um longo período no hospital. Duas semanas inteiras. Isabela estava
quase recuperada, mas ainda não tínhamos voltado para casa. Nesse meio
tempo, mudei quase toda a equipe, mantendo apenas alguns seguranças e a
enfermeira do Reinaldo, pai de Isabela.
Passava a maior parte do meu tempo no hospital, despachando pelo
computador.
O serviço de inteligência de Omã tinha grampeado todos os conselheiros e
vigiava a família do Tessalah, mas o desgraçado era escorregadio.
Rastreamos todos os funcionários que já tinham trabalhado para mim,
devassando suas contas bancárias e chegamos ao absurdo número de 17
abominações traidoras.
Estava tão absorvido pela investigação que tomou proporções gigantescas
que acabei me ausentando do conselho e, aparentemente irritado, Zaad foi
pessoalmente ao hospital me cobrar.
— Fico feliz que esteja melhor, Isabela.
Ela esboçou um sorriso fraco.
— Obrigada.
— Khalid, podemos conversar lá fora?
— Não me venha com...
— Khalid — Isabela me cortou —, ouça o seu irmão, por favor.
Engoli a raiva obediente e saí do quarto.
— Fala rápido.
— Preciso de você no conselho, Khalid. Entendo o que está passando, mas
a voz do Tessalah tem se tornado cada vez mais ouvida desde que o nosso pai
foi hospitalizado.
— Primeiro: quero que o Gibrail morra. Segundo: você é o sultão Zaad.
Degole algumas cabeças e os obrigue a te obedecer.
Ele suspirou aborrecido e sentou-se em uma das cadeiras.
— Não está sendo racional.
Estalei a minha língua. No fundo, eu tinha medo de deixar a Isabela
sozinha, mas não iria admitir isso. Da última vez quase a perdi. Não delegaria
a minha obrigação a mais ninguém.
Olhei para os lados maldizendo a minha situação. Eu me sentia preso,
amarrado como um cervo, com as patas para cima sobre uma fogueira que
consumia a minha carne.
— Conheço minhas obrigações. Tenho vivido apenas para isso, mas deixar
Isabela sozinha nesse momento é um erro.
— Ela ficará bem — Zaad garantiu. — Sei que não gosta do Malik, mas...
Antes que ele completasse a frase as portas do elevador se abriram e dentro
estava o maldito emir do Kuwait e vários dos seus guardas pessoais (quando
eu digo guardas quero dizer assassinos).
— Nem fodendo!
— Precisamos dele, Khalid! — Zaad me lançou um olhar incisivo. —
Fazemos alianças para termos vantagem militar e o Malik é exatamente isso.
Não o veja apenas como meu amigo ou cunhado.
— Iran Malik é um sádico inconsequente. Vejo muitos problemas nessa
aliança. — Além de um galinha filho da puta que flerta com qualquer coisa
que tenha uma xereca.
O desgraçado abriu um sorriso debochado sem tirar as mãos dos bolsos.
— Seja racional.
— Olha quem fala — rebati e ele suspirou.
— Por isso mesmo! Preciso de você no conselho. Malik não pode te
substituir lá, mas aqui ele é um oponente que nem Tessalah nem ninguém
ousaria provocar.
Mordi o lábio com raiva o medindo dos pés à cabeça e ele revirou os olhos
para mim.
— Mantenha seu pau dentro das calças — avisei seco, apontando para o
meio das suas pernas. — Se importunar a minha mulher eu corto essa merda
fora.
— Ui, que medo! Vai ter que arranjar um facão enorme, babaca.
— Eu juro que...
— Khal — Zaad me segurou, empurrando-me para longe. — Ele só está te
provocando, conhece ele.
— Não tem muita escolha. — Malik elevou a voz acima da nossa e
apontou para cada um dos lados do corredor, sem precisar dar instruções.
Quatro dos seus guardas marcharam para as posições, fortemente armados.
— O meu exército é maior do que o seu.
Ele abriu um sorrisinho sacana e precisei respirar fundo.
Odeio esse cara!
Entrei no quarto para falar com a Isabela e os dois me seguiram.
— Preciso ir a uma reunião do conselho — falei pegando meu blazer. —
Não sei se lembra dele. — Apontei. — Esse é o Malik, irmão da Melissa. Ele
vai ficar aqui com você até eu voltar.
— Lembro sim. Como vai?
— Melhor agora que estou em sua presença.
— Quer saber...
— Khalid! Eu vou ficar bem. Vai lá.
Quem disse que essa merda de gostar de alguém é boa? É um inferno!
Uma maldição que lançaram sobre mim para que eu pague pelos meus
pecados.
Eu me debrucei sobre a cama e lhe dei um beijo de despedida.
— Até logo, amor.
Isabela

E lá estava ele novamente no fim de uma frase. O bendito mau uso da


palavra amor, fazendo as vezes de pronome de tratamento ao invés de verbo.
E fez meu coração desembestar como manada de elefantes pisoteando o meu
peito.
Ele entrelaçou o dedo mindinho no meu e puxou minha mão esquerda para
a sua boca, plantando um beijo em cima da nossa aliança de casamento.
Um gesto que me fez engolir em seco porque dizia tudo o que ele não
conseguia colocar em palavras.
Percebi que o Khalid só tinha dificuldade com as três palavras juntas. Ele
não conseguia dizer “eu te amo”, mas não tinha entraves para me chamar de
amor.
Será que só eu achava isso problemático? Será que eu estava criando
dificuldades que não existiam? Eu poderia aceitar o pronome de tratamento
como declaração. Poderia facilitar as coisas para ele e deixar de ser tão chata
e implicante. Mas o que isso diria sobre a relação que estávamos iniciando?
E de onde vinha tanta facilidade em me chamar de amor e uma porra de
uma trava gigantesca para assumir que estava amando?
Malik me encarava com atenção como se lesse a tempestade que se
desenrolava dentro da minha cabeça e eu sorri pedindo para ele pegar o
controle da televisão. Escolhi um filme e deixei as vozes preencherem o
silêncio constrangedor do quarto, me afundando em questionamentos.
Khalid perdeu a mãe cedo e foi criado por um pai descompensado que só
sabia expressar a sua violência. Não foi ensinado a amar e eu não podia
cobrar isso dele.
Mas onde eu encaixaria o que eu preciso para que a minha sanidade não
desmorone, ou para que também pudesse me sentir feliz?
Será que é certo enterrar o que eu preciso só para que ele se sinta bem?
Para o Khalid, sua expressão de amor era o “serviço” que prestava. Ele
fazia algo por mim e eu deveria me sentir amada com isso, mas a minha
forma de amor eram as palavras.
Desejei ouvir “eu te amo” por toda a minha vida e foda-se quem fala que
qualquer um diz isso ou que fazem uso dessa frase como se fosse bom-dia,
porque não ouvi isso de nenhum dos meus namorados e me fez falta. Ainda
faz.
Sou sentimental.
Talvez eu seja o pau no cu dessa história.
Tessalah tinha certeza do amor do Khalid por mim. Tanto que estava me
chantageando.
Eu precisava tomar uma atitude. Naquele momento, eu precisava não de
uma amiga para me aconselhar, mas de uma vaca facínora sem coração que
me ajudasse a pensar no melhor caminho a seguir.
— Malik, poderia ligar para a sua irmã, por favor?
— Não precisa. — Melissa abriu a porta do quarto de repente e fez um
gesto com a cabeça para que o irmão nos deixasse a sós. — Precisamos
conversar.
Ela sentou na cadeira ao lado da cama e suspirou.
— Boa sorte! — Malik desejou antes de fechar a porta.
— Eu queria... — comecei a falar, mas fui interrompida.
— Primeiro eu preciso te explicar o motivo de ter escolhido você.
Senti meu estômago afundar.
— Você sempre teve muita ética — explicou me olhando séria e cruzou as
pernas se inclinando na minha direção. — Enxerga a alma das pessoas e se
preocupa de verdade. Não era bom para o nosso trabalho, mas era exatamente
do que o Khalid precisava. Alguém com muito coração, empatia, tudo o que
falta ao meu cunhado. Eu sabia que ele seria bom pra você também, então
não me olhe com essa cara de acusação. Ninguém usou ninguém aqui. Vocês
precisavam um do outro.
A minha voz quase não saiu quando eu falei: — Você fez da minha vida
um inferno por causa de um erro, Melissa.
— Porque eu acreditava em você. Tinha potencial, mas precisava ser
lapidada. Um erro custa caro, Isabela. Ninguém terá piedade dos seus
olhinhos azuis. Pessoas, inimigos, concorrentes... eles meterão no seu cu sem
lubrificante se vacilar. Você precisava aprender a lição. Agora é a esposa de
um político e suas ações podem ter consequências sobre todo o país e as
gerações que ainda virão. Consegue entender o tamanho dessa
responsabilidade?
Engoli em seco.
— Entendo sim, mas talvez eu tenha cometido um erro muito pior dessa
vez.
Ela me encarou séria por alguns segundos e então exalou um bocado de ar.
— Lembra dos trezentos funcionários que mandei você demitir? —
perguntou com aquele olhar afiado que me irritava e eu abaixei a cabeça. Não
gostava nem de lembrar. — Você teve que olhar para cada rosto e dar a
notícia da demissão. Passou quase um mês fazendo aquilo. Eu sei que
chorava todos os dias trancada no banheiro do quinto andar.
— Eles tinham família. Dependiam daquele emprego.
— Você também. No fim das contas é sobre isso, Isabela. Lutar por si
mesma. Não dá para ajudar todo mundo e, às vezes, a única saída é a pior de
todas. E você precisa ter estômago para aguentar a pressão.
— Falando em pressão — respirei fundo —, preciso de um conselho.
Tessalah tem fotos comprometedoras minhas.
— Comprometedoras quanto?
Engoli um nó e não a encarei enquanto falava.
— Eu, Khalid e Hálim — foi tudo o que eu consegui dizer e quando olhei
para ela, estava muito séria.

Malik passou a semana inteira comigo e era muito divertido, mas eu sentia
falta do Khalid. Meu coração pesava cada vez que ele saía e quase fugia pela
minha boca quando retornava.
No domingo, ele arrumou tudo para voltarmos pra casa. Sabia que tinha
demitido a maioria dos funcionários, mas ainda fiquei apreensiva.
Fui direto ao quarto do meu pai que estava em sua cama. Ele já não
conseguia mais sair dela.
— Bom dia. — Minha voz falhou embargada pelas lágrimas. — Como
está?
Ele girou a cabeça de lado, como se não tivesse muita certeza do que
ouviu.
— Bem. E você, moça bonita?
Eu segurei sua mão com o coração pequenininho no peito.
— Estou melhor do que eu mereço.
Ele espremeu os olhos azuis franzindo o nariz enrugado.
— Eu sinto que eu te conheço — meu pai disse e eu me emocionei —, mas
não consigo lembrar...
— Tudo bem — amenizei secando as lágrimas que despencaram rápido.
— A memória é o que somos, querida. Quando a perdemos não resta mais
nada de nós nessa vida. — Ele meneou a cabeça com desgosto. — Estou tão
cansado.
— Vamos tomar a medicação — a enfermeira avisou em um português
cheio de sotaque e em seguida fez sinal para que eu a seguisse até o corredor.
— Como ele está? — perguntei e ela sorriu fraco.
— O Alzheimer avançou. Tem dias que ele engole a comida com muita
dificuldade e tem infecções recorrentes. Essa última, urinária, o deixou muito
debilitado.
Exalei um bocado de ar. O homem que se dedicou tanto à família, amável
e protetor, agora agonizava em uma cama.
A vida é tão injusta!
— Obrigada por cuidar dele — falei tocando o ombro da moça magrinha.
— Vou organizar algumas coisas e volto para ficar com ele.
Eu me afastei me sentindo inútil. Eu só queria tomar um banho e me sentar
no sol por alguns minutos.
Meu celular vibrou dentro do meu bolso enquanto eu subia os degraus.
Parei no terceiro para atender a chamada que não teve o número identificado.
— Alô?
— Como vai, Isabela? — A voz asquerosa me causou um tremor por todo
o corpo e precisei segurar o corrimão de madeira com força. — Um
passarinho me contou que você já saiu do hospital. Parabéns!
Segurei o telefone com mais firmeza, olhando para todos os lados, como se
ele fosse surgir de algum canto da casa.
— O que você quer seu desgraçado?
— Você foi uma menina má e me fez perder muitos colaboradores, mas eu
vou deixar passar essa desde que cumpra a sua missão. Amanhã é segunda e
tenho planos para o conselho. Você vai dizer para o seu maridinho que está
passando mal e que precisa dele em casa.
— Não vou fazer o seu jogo.
— Você já sabe o que acontece se não obedecer. — Baixou o tom até
atingir um grave sinistro que gelou meu sangue. — Não teste a minha
paciência.
Ele encerrou a chamada e senti o pavor se apoderar de mim. A dor dos
meus ossos sendo chutados, o desespero de não saber o que iria acontecer,
minha mente mergulhou fundo nas sensações que tentei enterrar nesse último
mês.
— Isabela? — Khalid estava diante de mim e não deu tempo de esconder
as lágrimas. — O que houve?
Limpei o rosto com as mãos.
— Não. — Deixei um soluço escapar e ele me puxou para um abraço.
Segurei firme em sua camisa de malha, sabendo que não podia mais esconder
a verdade. — Preciso te contar uma coisa.
Eu me afastei dele a custo e desci os degraus, cambaleante. Ele me seguiu
confuso e quando eu deixei meu corpo cair no sofá ele se sentou paciente ao
meu lado.
— Foi o Tessalah — falei rápido e seus olhos escureceram. — Ele estava
naquela casa quando acordei. Era o mandante de tudo. Foi ele quem me bateu
e me ameaçou.
— Isabela...
— Espera! Eu remoí isso por todo esse tempo, sem saber se devia te contar
porque não quero que faça uma besteira. — Pausei, tomando fôlego. — Ele
me mostrou fotos, Khalid, de nós... três.
As sobrancelhas grossas e escuras baixaram, enrugando a testa larga.
Talvez estivesse se fazendo as mesmas perguntas que eu fiz.
— Em Dubai. Eu, você e o Hálim. Khalid segurou as têmporas com as
mãos, apoiando os cotovelos sobre os joelhos, e encarou o piso de
porcelanato.
Naquele momento entendi o que Melissa havia dito quando conversamos
no hospital: sim, tem problema. Esse é um país onde os casais não se beijam
na rua para não causar escândalo.
— Eu vou resolver isso.
— Não, não vai. Ele está me ameaçando, Khalid. — Mostrei o celular para
ele, com a última chamada. — Ele me ligou agora. Quer que eu te faça ficar
em casa amanhã ou vai divulgar as fotos.
Khalid fechou os olhos com força. Levantou do sofá, andando de um lado
para o outro e de repente veio até mim como uma tempestade de raios, tomou
o celular da minha mão com violência e o jogou na parede.
Eu me encolhi.
Pedaços do aparelho voaram para todos os lados.
— Nunca mais atenda esse filho da puta! A responsabilidade não é sua, de
nada disso. A culpa é toda minha, eu devia ter te protegido. Não tem que ter
vergonha de nada do que fizemos.
Khalid segurou meu rosto com ambas as mãos e me beijou. Os lábios
grossos comprimindo os meus com delicadeza. A sua língua deslizou suave
para dentro da minha boca, movimentando-se devagar.
Não foi um beijo excitante, apesar de não transarmos há mais de um mês.
Foi algo novo, mais sólido.
— O que você vai fazer?
— Conversar com o Zaad. — Khalid puxou o seu telefone do bolso. —
Vai dar tudo certo, não se preocupe.
Khalid

Não eram mais desconfianças minhas. Zaad não podia mais tratar minha
denúncia como implicância. Agora eu tinha o testemunho da Isabela.
Aquela noite foi longa.
Zaad e alguns ministros vieram à minha casa tomar o depoimento da
Isabela que chorou algumas vezes, muito nervosa, mas contou tudo para eles.
— Precisamos investigar quantos estão envolvidos com Tessalah — Zaad
explicou, lanceando o olhar para Faruqh, o chefe da sua segurança e braço
direito dele na inteligência omanita. — Rastrear o dinheiro que foi pago aos
seguranças corruptos apontou para algumas contas e duas delas eram de
familiares de conselheiros, mas duvido que sejam os únicos envolvidos no
golpe.
Um dos ministros exibia uma expressão sisuda que me deixava ansioso.
Era como ter dez anos de novo e estar na diretoria do colégio, prestes a ser
expulso.
— Não podemos ignorar a situação do Ministro Khalid — falou com
respeito fingido e nojo evidente. — Ele mancha o nome deste conselho.
Zaad se manteve calado.
— Infelizmente, ele perderá sua cadeira no conselho pelos seus atos... — o
velho pausou repuxando o lábio e talvez tentando encontrar um adjetivo
adequado — libidinosos.
Claro. A moralidade hipócrita dos idosos andava de mãos dadas à culpa
religiosa.
Fechei as mãos com força, sentindo meus músculos repuxarem.
— Talvez fosse melhor tirar dele o Ministério também — o outro
acrescentou. — O Primeiro-Ministro de um país não pode...
— Não — Zaad cortou e o abutre parou seu gesto, ficando com a mão
estendida no ar.
— Majestade, com todo o respeito, se essas fotos vierem a público a
população pode pressionar.
— Já concordei com a exclusão dele do conselho, mas o ministério é dele
por direito sanguíneo. Quanto ao Tessalah, quero ele preso ainda hoje.
Um copo caiu na cozinha e Isabela se sobressaltou. Os seguranças foram
rápidos em trazer a enfermeira até a sala, pelo braço.
— Desculpe eu vim pegar água para os remédios — desculpou-se
apavorada e fiz um gesto para que a deixassem ir.
— Devíamos ter usado o escritório — lamentei estalando a língua. —
Odeio me sentir vigiado dentro da minha própria casa.
Caminhei pela sala, segurando a cintura. Estava bravo comigo mesmo.
Odiei o fato de perder a cadeira que pertenceu à minha mãe no conselho. E
temia ser questão de tempo até me tomarem o cargo de ministro.
Porra!
Minha vida estava desmoronando. Tudo o que fiz, tudo pelo que lutei, teria
sido em vão se eu perdesse o meu cargo.
— Faruqh — Zaad chamou —, sabe o que fazer. Quero Tessalah e
qualquer membro do conselho que tenha indícios de estar ligado a ele presos
hoje.
Naquela noite os conselheiros foram presos, mas Tessalah não foi
encontrado.
Os dias a seguir foram tensos. Após um interrogatório exaustivo e muita
investigação, conseguimos provas contra outros conselheiros, mas depois de
quase um mês, Tessalah ainda não tinha sido capturado.
A família dele foi exilada. Expulsos do país.
Eu perdi minha posição no conselho e fui publicamente humilhado quando
as fotos vieram à tona. Só não fui condenado por comportamento sexual
ilícito graças à minha própria lei. Como não sou religioso, não fui julgado
pela sharia, logo, não me foi imposto nenhum hudud[21].
Isabela e Hálim também não seriam indiciados, pois não eram nem omanis.
Isso fez me lembrar da ocasião em que Tessalah tentou derrubar a minha
lei a todo custo. Aquele verme já planejava nos eliminar com aval do
conselho.
Mesmo assim, tudo pelo que lutei durante toda a minha vida foi pisoteado
pela língua dos hipócritas e doeu muito perceber a ingratidão do povo.
Pessoas esquecem muito fácil o que receberam de bom.
Isabela

— Não quero levantar — Khalid resmungou com o rosto enfiado no meu


pescoço. — Quero ficar aqui com você.
Sorri sentindo a ereção matinal na minha bunda. A mão dele escorregou
para a minha barriga causando um arrepio já conhecido.
— Khal — miei baixinho enfiando o rosto no travesseiro enquanto
empinava a bunda. — Hálim vai invadir nosso quarto em alguns minutos.
— Ele não verá nada que já não esteja acostumado.
— Não sou rápida pela manhã. Sabe que demoro e você precisa ir
trabalhar.
Ele me girou na cama e se enfiou entre as minhas pernas que cruzei em sua
cintura. Estava nu, e eu, só de camisola, sem calcinha.
Ele sempre a arrancava de madrugada.
— Quero fazer amor com a minha esposa — avisou já posicionando a
glande na minha entrada enquanto estimulava o meu clitóris. — Demore o
tempo que quiser.
— Você é tão perverso. — Minha voz estava arrastada e baixa. A pressão
da sua cabeça ali, sem entrar, esperando a minha lubrificação enquanto me
estimulava me deixou quente.
Quando eu já estava úmida ele arrastou a glande pela minha entrada e me
penetrou devagar, olhando dentro dos meus olhos. Cruzei as pernas em sua
cintura. A sensação de preenchimento entorpecia meus sentidos. O barulho
da sua pélvis conta a minha, batendo, alcançando o fundo, me excitava mais e
mais.
Quando fechei os olhos me concentrando na sensação que crescia em meu
ventre, ele resmungou: — Deixa eu ver. Mostra a sua alma pra mim, Isabela.
Meu corpo acatou seu comando como um servo fiel. Gozei presa em seu
olhar escurecido pelo desejo e não demorou mais do que três ou quatro
segundos para que ele se desfizesse também. Os nossos gemidos se
misturaram roucos, arrulhando nosso êxtase.
Poderia dizer que foi mágico. Eu tinha certeza dos meus sentimentos e
aquele era o momento perfeito para dizer a ele.
— Eu te amo! — declarei tão emocionada que a minha voz esmaeceu.
Khalid me olhou atento, claramente embevecido, e beijou a minha testa
ternamente, encostando a sua na minha enquanto acalmava a respiração.
— Preciso ir — disse baixo e deu um beijo casto em meus lábios, me
deixando confusa.
Observei ele se levantar da cama e sair do meu quarto em direção ao dele.
Ele não disse nada.
Parei para refletir sobre o que tinha acontecido.
Recebi os sinais errados? Ele não me ama? Era cedo demais?
Eram só três palavras, mas eu queria ouvi-las porque ninguém além dos
meus pais haviam dito para mim. Era fútil, pequeno, mas era a minha
necessidade e quando ele não se declarou para mim, partiu o meu coração.
Novamente eu me senti pequena e feia. A iludida que deseja o amor de um
homem, mas nunca o terá.
Doeu.
Machucou meus sonhos e isso era difícil de suportar.
Hálim chegou no horário de sempre, com sua alegria espanhola e bateu na
minha porta antes de entrar, mas não esperou pela permissão.
— Olá, Bela!
— Oi — respondi escondendo a tristeza. — O dia será puxado?
— Muito. A agenda do chefe está cheia e a sua também.
— A minha?
— Desculpe, querida. Dois eventos surgiram de última hora hoje cedo.
Inauguração de um hospital em Borca e uma escola em Nizua. Tarefas sociais
que você tira de letra, cariño.
— Sabe a tortura que é comparecer a esses eventos e receber os olhares
atravessados das mulheres machistas e conservadoras desse país? Sem falar
no sorrisinho safado dos homens.
— Eu sinto muito, Bela, mas vai precisar engolir todos eles mais uma vez.
Quanto mais eventos desse tipo, mais as pessoas serão forçadas a esquecer
desse escândalo.
— Khalid perdeu seu lugar no conselho pela sua promiscuidade e você
acha mesmo que sorrir e cortar fitas de inauguração fará diferença?
Hálim suspirou.
— É por isso que o nosso trabalho não pode parar. Ainda há um longo
caminho a percorrer.
Bufei jogando o travesseiro longe.
— Sinto muito, Bela. Ah, antes que eu me esqueça, use uma maquiagem
discreta, por favor. Queremos passar uma impressão bucólica ao povo.
Revirei os olhos mostrando o dedo do meio para ele.

A inauguração do hospital demorou tanto que meus pés ficaram doloridos.


Quando finalmente entramos no carro, tirei o salto e massageei os dedos.
— Temos tempo para um almoço rápido — Hálim me avisou enquanto
dirigia. — Vamos ao Turkish House?
Fiz careta.
— Que tal comida indiana hoje? O Kurkum é mais a minha vibe. Não tem
tanta frescura, sabe?
— Você é quem manda.
Com a dispensa de tantos funcionários, em sua maioria seguranças, Hálim
acabou assumindo a minha agenda e segurança pessoal, apesar de ainda
supervisionar a agenda do Khalid que contratou uma secretária que se tremia
inteira quando ele gritava.
Eu morria de pena da pobre e cheguei a sugerir uma troca pelo bem-estar
psicológico da moça, mas o desaparecimento do Tessalah deixava Khalid
ansioso. Hálim não era apenas um secretário. Ele andava armado, sabia atirar
e Khalid confiava nele.
Era difícil confiar em estranhos por enquanto.
Tudo levava a crer que o desparecimento das pessoas em Omã não tinha
relação com a guerra do Iêmen e os terroristas, mas com um esforço de
Tessalah para desestabilizar o governo.
— Por que essa carinha triste? — Hálim afastou seu prato e apoiou o
cotovelo sobre a mesa. Algo que não faríamos no Turkish sem recebermos
olhares enviesados por conta da etiqueta social.
Em restaurantes chiques não se deve colocar nem os punhos sobre a mesa
o que dirá cotovelos. A postura deve ser sempre ereta e precisa saber utilizar
os talheres e copos certos.
Revire os olhos junto comigo, eu sei que você quer.
— Não gosto de ser a garota-propaganda do Khalid. Isso de sorrir e acenar,
inaugurar obras... no fim do dia me sinto tão inútil.
— Faz parte do seu trabalho. Na verdade, você foi contratada para isso. A
esposa de um político tem obrigações.
— Estou de saco cheio disso. Queria fazer algo importante, sentir orgulho
de mim mesma, ou pelo menos usar meu conhecimento para alguma coisa.
Hálim ficou pensativo. Tínhamos nos tornado amigos próximos. Daqueles
raros, que apoiam o outro incondicionalmente. Era reconfortante ter alguém
que não me causasse o caos de sentimentos que o Khalid me infligia.
— Você tem dez milhões na conta, Isabela. Já pensou em investir na sua
própria empresa?
— Algumas vezes. Só não consigo decidir o ramo. Não me vejo abrindo
uma firma de administração e falar muitas línguas não ajuda muito. Poderia
abrir um curso de idiomas, mas não tenho paciência para lecionar.
— Não se julga boa administradora? É sua área de formação.
— Eu sei. Só acho que fiquei traumatizada por não conseguir emprego no
Brasil na minha área.
— Talvez Omã tenha mais a lhe oferecer do que o Brasil.
Repuxei a boca, avaliando.
— Sei lá. Preciso amadurecer essa ideia.
Do restaurante, partimos para o próximo evento e já era noite quando
voltamos para casa. Meu coração disparou quando vi uma ambulância
estacionada no jardim.
Saí correndo do carro, largando meus pertences lá dentro e procurei pelo
rosto zangado de sobrancelhas grossas. Havia uma maca no meio do jardim,
com alguns médicos em volta, mas o corpo estava coberto por um lençol.
Tive medo de perguntar.
Tapei minha boca, sentindo as lágrimas escorrerem tão velozes, tão
desesperadas quanto às projeções trágicas em minha mente.
— NÃO! — gritei para a médica que se aproximou querendo falar, porque
eu não queria ouvir. — Por favor, não!
Tanta coisa se passou em minha mente até ver Khalid se aproximar de mim
que eu quase não acreditei que ele estava vivo.
Mas, se não era ele...
— Sinto muito, Isabela. O seu pai não resistiu.
Não!
A dor me perfurou. Não havia me restado nada. Eu não tinha mais família.
Tudo foi arrancado de mim e doía tanto.
Gritei. Com força. Chorando alto. Jogando para o céu a minha dor e
revolta por ter perdido meu porto seguro.
Deixou de existir a pessoa que me ensinou a andar de bicicleta. O homem
que via filmes bobos que uma menina gosta, porque eu precisava de
companhia. Aquele que trabalhou a vida toda para custear meus estudos,
suprir nossas necessidades, mas nunca usou a desculpa de estar cansado
demais para mim.
O mesmo homem que acordava duas horas antes do seu horário de trabalho
para fazer meu café e me levar à faculdade porque não queria perder
nenhuma etapa da minha vida. Um homem que adorava ler Paulo Freire e não
se sentia frágil sobre a sua masculinidade ao assistir o balé na televisão antiga
de 29 polegadas só para me fazer companhia.
Não teve pobreza ou dificuldade que fosse intolerável ao lado dele, porque
meu pai não reclamava de nada. Via sempre o lado bom da vida. Era grato
por tudo sem precisar de uma religião para forçá-lo a isso.
Meu pai.
Chorei. Alto e alto, o mais forte, mais intensamente que a minha
humanidade me permita sentir todo o impacto daquela perda.
— Vamos entrar. — Khalid tentou me levar para dentro, mas eu não
queria. — Não pode ficar aqui.
— POR QUE NÃO? — Estava irritada, machucada. — Você não teve
nada de bom na sua vida, mas eu sim.
Sabia que estava sendo cruel e pouco me importei.
— Está fazendo uma cena, Isabela.
Olhei para ele percebendo que jamais entenderia. Khalid tinha bons
propósitos, mas faltava a ele uma alma. Sua motivação era vazia. Um par de
objetivos éticos, mas sem amor.
Construiria mil hospitais e ainda assim, continuaria doente.
Khalid não tinha amor nem para ele mesmo. Como ele me daria algo que
não tinha?
Sequei minhas mãos molhadas de lágrimas que esfreguei pelo rosto na saia
do vestido e caminhei em transe até a sala imensa daquela casa. Parei no
meio dela, olhando as paredes brancas e móveis de madeira clara.
Como não reparei nisso antes?
Tudo era tão organizado e frio. Tão sem afeto. A decoração saída de uma
revista, obedecendo uma paleta de cores que nunca daria a sensação de lar.
Vi a enfermeira parada no canto da sala, com olhos tristes e avermelhados.
— Como aconteceu? — Eu sabia que ele estava doente, piorando a cada
dia, imaginava que uma hora aconteceria, mas era difícil de aceitar.
— Veneno — murmurou com uma expressão de culpa.
Meu cérebro demorou a processar a informação.
— Tessalah mandou dizer que avisou. Disse que é melhor atender a
ligação dele quando seu telefone tocar ou vai sofrer consequências ainda
piores. Desculpa — sussurrou chorosa. — Ele me obrigou. Pedia informações
sobre as conversas de vocês. Eu era obrigada a contar tudo para ele o tempo
todo.
Soltei todo o ar preso com surpresa e desespero.
— Foi você quem avisou que ele seria preso.
— Você ainda tem o seu dinheiro. — Tentou minimizar.
— O que você ganhou matando o meu pai? — Minha voz saiu engasgada,
repleta de desgosto.
— Eu tenho filhos. — Pegou uma foto do bolso com as mãos trêmulas e
mostrou. — Ele disse que só iria me devolver o mais novo quando eu fizesse
o que mandou.
Um soluço escapou de seus lábios.
— Saia daqui — rosnei de maxilar trincado e ela correu porta afora.
O meu celular tocou e atendi sentindo toda a angústia me invadir porque já
imaginava quem era.
— O que você quer?
A gargalhada que ele soltou revirou meu estômago.
— Sabe muito bem. Você foi desobediente e eu avisei o que aconteceria.
Agora, termine o casamento e vá embora.
— Khalid não vai permitir.
— Vai se fizer isso direito. O seu pai morreu por causa dele. Estava
doente, mas poderia ter mais alguns anos de vida facilmente. Use isso.
— O que ganha? Eu não entendo!
— FUI EXILADO DO MEU PAÍS — gritou me fazendo tremer. — Minha
família foi expulsa do lugar onde nasceu por causa da Minha Luta[22] por um
país limpo, livre dos malditos ocidentais. Eu sou um defensor do bem.
Defendo a família. Vocês não merecem ser tratados como pessoas normais.
— Não vou te obedecer.
— Então vai assistir ao assassinato do seu marido bem na sua frente.
Porque ou me obedece, ou terá o sangue dele nas suas mãos.
A ligação foi encerrada e eu fiquei ali, encarando o celular, sabendo que só
tinha uma decisão a tomar porque em todas as vezes que enfrentei Tessalah,
eu perdi.
Meu pai estava morto.
O quanto mais aquele monstro arrancaria de mim?
Khalid

Isabela encarava a tela do celular quando entrei em casa arrastando a


enfermeira chorosa pelo braço.
Hálim estava logo atrás de mim.
— Tiesca me contou tudo — falei baixo, repleto de culpa. Não fosse a
minha arrogância, Isabela não teria perdido o pai. Eu me sentia tão inútil
diante dela, tão envergonhado. Ela confiou a segurança do pai a mim e eu
falhei. — Eu sinto muito.
Ela fechou os olhos com força. Os cílios molhados pelas lágrimas estavam
grudados e o rímel escorria pelo rosto. As escleras estavam avermelhadas de
tanto chorar e o azul límpido de sua íris havia se tornado um espelho d’água.
Senti um frio incômodo na barriga.
— Eu só quero meu filho de volta — Tiesca choramingou fungando como
um bichinho acuado.
Isabela a encarou feroz.
— Tire essa mulher daqui — sibilou e Hálim a obedeceu de pronto,
levando a enfermeira para algum cômodo da casa, sumindo pelo corredor que
levava ao alojamento dos funcionários.
Dei um passo à frente para abraçá-la, apesar da insegurança, e ela recuou
fazendo meu coração disparar.
Havia uma determinação em seus olhos. Algo pesado que tornou densa a
atmosfera da sala.
Aspirei o ar, como um exercício de coragem.
— Isabela, eu...
— Acabou — disse seca e congelei.
Não! Eu entendi errado, com certeza.
Abri e fechei as mãos, forçando o sangue a circular.
— Do que está falando?
— Nós. Isso. — Fez um gesto amplo a partir dela. — Aceitei essa loucura
para dar conforto ao meu pai e olha só o que aconteceu. Não faz mais sentido.
O ar pareceu rarefeito. Pensei no que dizer, mas nada de útil me veio à
mente. O coração batia furioso, socando o meu peito como um lutador de
boxe.
Massageei o local, tomando coragem para perguntar, puxando mais ar,
tentando organizar o pensamento que estava a mil por hora.
— Você quer ir embora?
— Quero — respondeu fria dando um novo sentido à palavra desespero.
Uma dor atravessou o meu tórax e eu me senti repentinamente enjoado. —
Não há mais nada aqui pra mim.
A punhalada foi certeira. Doeu tão fundo que baixei os olhos para meu
corpo. Não estava sangrando, mas sentia algo se esvaindo de mim. A
felicidade, a vida e a vontade iam embora sugadas por um funil de vento que
rodopiava dentro do meu estômago, arremessando tudo para longe, deixando
apenas o vazio gélido ao qual sempre pertenci.
Ela passou por mim, mas segurei seu braço. Puxei o ar com mais força.
Estava difícil de respirar. Os sons pareciam zunidos. Precisei me esforçar
para falar e acabei cambaleando.
— Não — a minha mente estava um caos porque no fundo eu sabia que ela
tinha motivos para se afastar, mas arrisquei —, se é porque eu não consegui
dizer as palavras, me desculpa, eu jurava que já tivesse entendido o quanto é
difícil pra mim.
— Não importa mais, Khalid. Acabou. — Puxou o braço, mas não a
libertei. — Solta, por favor.
Foi como se o chão sob meus pés desaparecesse. A sensação era de
despencar do alto de um prédio de dez andares em queda livre sem sair do
lugar. Meu nariz ardeu de forma estranha e a visão nublou, se enchendo de
água.
Merda, agora não!
Engoli em seco e limpei a garganta, mas era tarde demais. As gotas
pesadas caíram contra a minha vontade deixando claro o desespero que se
apoderava de mim como maremoto. Devastador, furioso, arrancando árvores
pela raiz e me afogando no abismo profundo.
Eu não conseguia respirar. Estava sufocando de novo. Lembrei das
palavras do Zaad sobre não ter nada me impedindo de respirar e cravei as
unhas em minha própria mão, até feri-las. Isabela franziu a testa ao me ver
puxar o ar várias vezes.
— Khalid?
— Eu te amo — murmurei puxando-a pra mim. Beijei seus cabelos, seu
rosto, segurei o queixo estreito com a mão trêmula, apavorado. — Eu te dei a
minha alma, Isabela. Você é meu Norte, minha gravidade, meu Sol. Não
existe vida em mim sem você.
— Não dá mais — falou baixo, quase respeitosa. A ausência de emoção
era cortante. — É o fim.
Beijei sua boca, mas ela permaneceu rígida e eu soube, naquele momento,
que havia perdido o amor da minha vida.
Todo o caos que mantive disciplinado dentro de mim durante anos emergiu
e eu chorei. Tão patético quanto dolorido, eu chorei, porque me senti
devastado e não sabia como controlar a enxurrada de desolação. Meu corpo
sacudia a cada soluço, a cada onda de lágrimas, e escorreguei para o chão.
Fiquei de joelhos diante dela.
Isabela caminhou para a saída, mas a impedi novamente.
— Não, não, não, por favor — balbuciei me agarrando aos seus tornozelos
e ela chorou junto comigo —, se for embora vai levar a minha sanidade junto
com você, Isabela. Porque sou um cretino filho da puta, um egoísta de merda,
mas cada célula do meu corpo te ama, eu juro!
Os olhos avermelhados encararam os meus, grandes e tristes sob as
sobrancelhas contritas. O meu coração quase parou. Os lábios estavam
prensados, mas ela negou com a cabeça.
— Foi um erro. Eu não amo você.
A declaração caiu sobre a minha cabeça, sugando meu ar.
Um túnel foi escavado dentro do meu peito e picaretas vorazes golpearam
a minha carne. Foi o que senti, mas eram apenas as palavras da Isabela me
dilacerando.
— Não é verdade. Você não pode...
— Está se humilhando à toa, Khalid. — Respirou fundo. — Precisa aceitar
a minha decisão.
— Eu imploro — falei baixo, quase envergonhado, e ela fechou os olhos.
Sabia o quanto significava pra mim dizer aquilo. — Imploro, Isabela, fica
comigo.
Ela se desvencilhou de mim.
— Estou de joelhos — gritei entre os soluços desesperados e ela estancou
cerrando os punhos, mas não se virou para mim. — ESTOU DE JOELHOS!
TE IMPLORANDO. Por favor, Isabela, não me deixa.
Ouvi os saltos contra o piso, a ignição do carro e urrei socando o chão.
Esmurrei até meus dedos marcarem o tapete da sala com sangue, mas a dor
não aliviou meu sofrimento.
— AAAH! — gritei com força, até minha garganta doer, até minhas cordas
vocais distenderem distorcendo minha voz.
Allah, por favor, tira essa dor de mim. Implorei desejando a morte. A dor
era insuportável.
Agora entendia porque dizem que o amor machuca.
Isabela

Entrei no carro que Hálim abandonou na entrada. A minha bolsa ainda


estava sobre o banco carona e as chaves na ignição.
Ouvi seu urro dolorido enquanto ligava o carro e saí rápido porque de outra
forma eu desistiria.
Ninguém me impediu.
Vaguei pela cidade, chorando copiosamente. Precisava pensar no que eu ia
fazer.
A parte mais bonita e trágica da minha vida ficava para trás e havia tanta
dor dentro de mim que eu mal conseguia respirar.
Eu não podia arriscar a vida dele.
Estacionei na Orla de Mascate. Precisava parar e pensar. Absorver o que
tinha acabado de acontecer e conforme eu me lembrava, meu coração se
despedaçava.
Meu pai está morto. Meu paizinho, Deus, meu pai!
— NÃÃÃO! — gritei alto estapeando o volante, quicando no assento, de
raiva, de desespero, de dor. — AHHH! Por que, Deus, por quê?
Fiz tanto esforço para não me desesperar na frente do Khalid que os
músculos do meu pescoço estavam travados e toda extensão dos meus
ombros doía. Eu me debrucei sobre o volante deixando toda a tristeza tomar
conta de mim. Chorei e gritei ao mesmo tempo.
Eu perdi tudo. Tudo o que eu amava... foi tomado de mim.
Esperei muito tempo pela sua rendição e quando finalmente aconteceu, eu
dei as costas para ele. Eu o deixei chorar sozinho, o fiz implorar e o
abandonei.
Khalid jamais me perdoaria.
Não pude demonstrar o quanto eu amava até mesmo a grosseria que ele
usava como armadura porque foi tão machucado que não sabia lidar com as
pessoas de outra forma.
Chorei até secar por dentro. Até meu rosto estar tão inchado que mal
enxergava o brilho da Lua.
Passou-se muito tempo até que alguém bateu em meu vidro e eu me
assustei.
Hálim estava parado do lado de fora com uma seriedade que jamais vi
nele.
— Vai morar dentro de um carro agora?
Abri a porta e saí cambaleante.
— Como me achou?
— Meu carro tem rastreador. — Ele mostrou o pontinho vermelho
piscando no mapa do GPS em sua mão. — Não falei nada com o Khalid
ainda, mas que porra está fazendo?
— Não vou voltar.
— Eu pedi isso, por acaso? Perguntei o que está acontecendo porque
diferente do meu amigo, eu sei que você o ama.
— Tessalah ameaçou matá-lo, como fez com meu pai. — A minha voz
vacilou. — Não sei como, mas aquele homem parece estar em todo lugar,
tem acesso a tudo, a todos. Eu não tive escolha.
Hálim guardou o aparelho no bolso e cruzou os braços, desviando o olhar
para o chão. A luz amarela dos postes incidia sobre o asfalto escuro das ruas
vazias e silenciosas.
— Também acho que ele cumpriria a promessa — concordou de repente.
— Vamos, pegue sua bolsa. — Ele tirou as chaves da ignição do Chery Tiggo
que roubei dele e bateu a porta. — Você não pode ficar na rua, Isabela.
— E para onde vai me levar?
Hálim abriu a porta do sedan preto e me lançou um olhar impaciente.
— Para a minha casa, óbvio.

A primeira coisa que Hálim fez foi me dar um copo grande de água com
açúcar. Fiquei sentada na sala dele por longos minutos até me acalmar.
O apartamento era pequeno. Um quarto e sala com dormitório de
empregada há poucas quadras da casa do Khalid.
Um buldogue simpático me encarava paciente.
— Esse é o Di Caprio — apresentou fazendo carinho na cabeçorra
quadrada. — Ele é meu suporte emocional.
Ergui as sobrancelhas surpresa, mas não teci comentários. Sabia que Hálim
já tinha sido usuário de drogas, mas foi através de uma fofoca da Sumali e
não achei educado falar sobre isso sem que ele mesmo tivesse contado.
— Posso?
— Vá em frente! — Hálim apontou para o cão. — Ele é um banana.
Eu me agachei para afagar o corpo rechonchudo.
— Oi, Di Caprio? — O cachorro se revirou mostrando a barriga. — Eu já
tenho 25 anos, garotão. Não sou mais o seu tipo.
Um doce!
Di Caprio me arrancou um sorriso. Era quase todo branco, com manchas
cor de caramelo.
— Quantos anos ele tem?
— Três. Foi a Melissa que me deu de presente e já veio com o nome. Disse
que era por causa do Titanic. Ela tem uma fissura por filmes. E cavalo dado...
sabe, né?
— Acho melhor voltar para o Brasil — comentei me levantando.
— Vai deixar o Khalid de vez, tem certeza?
Não. Eu não queria isso. No fundo ainda tinha esperança de um dia
conseguir voltar para ele.
— Eu vou resolver isso, cariño. — Hálim segurou meu rosto entre as suas
mãos e beijou a minha testa. — Tenho homens de confiança procurando
Tessalah por toda a Península Árabe.
Assenti, reprimindo o choro, sentindo um fio de alegria com aquela
informação.
— Tem certeza que é seguro aqui? — perguntei me referindo à
proximidade da casa do Khalid. Eram apenas cinco quarteirões.
— Sou eu que vou à montanha, não o contrário — explicou se referindo ao
provérbio. — Pode dormir no meu quarto.
— De jeito nenhum!
— Para com isso, mulher. Não estou te pedindo. Eu fico no quarto de
empregada. Só preciso de uma cama. Pelo visto não passarei muitas noites
aqui — falou pegando o celular do bolso e atendeu uma ligação. — Oi,
Khalid. Já estou voltando, fique tranquilo.
Senti um nó na garganta.
Ele desligou voltando com o parelho para o bolso e me encarou.
— Vou ficar bem — menti cruzando os braços. — Di Caprio me fará
companhia.

Hálim providenciou tudo para o enterro do meu pai, dois dias depois. Eu
acompanhei a cerimônia de longe.
O cemitério parecia um grande deserto. Não havia muitos ornamentos nas
sepultaras e tudo era muito simples, de acordo com a religião muçulmana.
Não havia mausoléus ou monumentos de forma que não tinha como me
esconder.
Eu me mantive distante, mas foi impossível não ser vista.
Khalid estava lá. De óculos escuros, mas eu sabia que estava me olhando,
apesar de estar longe. Sentia seus olhos em mim como brasa, mas não tentou
se aproximar nem falar comigo.
Quando a cerimônia terminou, ele se afastou e eu me aproximei para
deixar as minhas flores sobre a sepultura.
Foi a última vez que vi meu árabe.
Khalid

A semana se arrastou. Eu passava o dia enfiado em trabalho e a noite em


lamentações que eu tentava afogar com ajuda do uísque.
O quarto da Isabela havia se tornado o meu.
— Sabe que eu não posso beber — Hálim me lembrou quando ofereci um
copo pela décima vez.
Claro. Abaixei a mão e o líquido respingou no chão.
Ele suspirou.
Hálim não consumia álcool para evitar recaídas. Eu sabia disso, mas
esqueci. Minha mente embaralhava as informações quando eu bebia muito.
— O que é essa coisa ridícula na cama? — Ele se referia ao ursinho
vestido com a calcinha que tomei da Isabela.
— Esse — apontei para o bicho de pelúcia — é o meu suporte emocional.
Tem o cheiro dela, sabia?
Hálim respirou fundo.
— Caralho, homem!
Ele estava sentado na beirada da cama e apoiou o rosto nas mãos por
alguns segundos, esfregando forte em seguida.
— Amanhã eu viajo para a França — avisei. — Preciso que vá comigo.
— Tudo bem. Só preciso passar em casa para pegar algumas coisas.
— Eu vou com você — levantei cambaleante.
— Não!
Encarei o espanhol achando estranha a forma como ele negou.
— Calma. Eu disse que iria com você e não que digiria... dirigi... diri... —
Eu me embolei com a última palavra. — Você entendeu.
Larguei o copo na mesinha de cabeceira e me levantei a custo. O quarto
rodopiou. Hálim passou a mão pelo rosto de novo e pegou o celular do bolso.
Começou a digitar freneticamente. As mensagens de resposta pipocavam
enquanto ele franzia mais a testa.
— Quem é?
— Uma amiga. Marcamos um café amanhã e estou cancelando.
— Hum.
Desci as escadas quase debruçado no corrimão e entrei no carro
espalhafatoso dele com dificuldade. Fechei a porta aguardando enquanto ele
sentava no banco do motorista suspirando pesado.
Era tarde. Por volta das duas horas da manhã e mesmo bêbado fiquei
pensando que tipo de amiga falaria com ele àquela hora.
Será que ele está namorando?
— Vê se não vomita no meu carro — resmungou dando a partida
finalmente e dirigiu como uma tartaruga.
Estacionou na calçada em frente ao prédio de três andares.
— Vou te esperar aqui — falei me lembrando do cachorro dele que tinha a
mania de lamber todo mundo e Hálim saiu rápido do carro.
O problema foi a vontade de mijar que me deu de repente. A bebida
pareceu querer sair toda de uma vez, então acabei indo atrás do espanhol.
Toquei a campainha e a porta foi aberta rápido, mas ele pareceu surpreso.
— Não ia ficar no carro?
— Eu quero ir ao banheiro.
— Você é um pé no saco bêbado — falou me puxando para dentro e olhou
o corredor.
Espirrei assim que entrei no apartamento.
— Saúde! Agora vai logo.
Eu fui. Estava apertado. Foi um alívio. Dei descarga, lavei as mãos e
joguei um pouco de água no rosto. Minha cabeça estava rodando. Encarei o
espelho sentindo algo de familiar que eu não conseguia saber o que era até
bater o olho no perfume em cima da pia.
A mesma marca. Feminino. Um gatilho filho da puta.
A adrenalina correu pelas minhas veias diminuindo o efeito do álcool
sensivelmente. Um turbilhão girou dentro de mim e me fez rodopiar. Girando
e girando, com lembranças de toques e beijos. Eu flutuei sem sair do lugar.
Aquele cheiro me despertou um gatilho cruel.
Saí dali perturbado, mas não falei nada. Era difícil raciocinar através do
torpor e quanto mais eu tentava, mais enjoo eu sentia.
— Vou voltar para o carro — falei passando por Hálim e desci as escadas,
rápido.
Cheguei à rua tonto e me apoiei no teto do carro para respirar.
O cheiro ainda estava ali.
Olhei ao redor buscando por ela, mas a rua estava vazia.
Estou enlouquecendo.
Não impedi Isabela de ir embora. Eu poderia ter mandado os seguranças
atrás dela, mas não quis ser esse tipo de homem.
Agora eu não sabia onde ela estava. Imaginava que tivesse voltado ao
Brasil. Por que ela ficaria em Omã?
Pensei no perfume no banheiro de Hálim e talvez ele estivesse fazendo o
mesmo que eu, comprando o perfume dela para borrifar no travesseiro e
conseguir dormir.
Talvez ele também a amasse afinal.
A maldita mulher tinha enfeitiçado a todos nós.
Isabela

O bom humor do Hálim sempre foi sua marca registrada, mas havia se
tornado obscuro ultimamente. Ele quase não voltava mais para casa e quando
aparecia para trocar de roupa e tomar banho, estava sempre abatido e
silencioso.
Dormir tarde se tornou um hábito. Não importava o quanto eu estivesse
cansada, o sono demorava a chegar. Por isso eu estava assistindo um filme de
madrugada quando meu celular vibrou recebendo uma mensagem e eu quase
cuspi o coração fora.
Khalid estava vindo com Hálim para casa.
Escondi todas as minhas coisas de baixo da cama, passei pela sala
vasculhando as evidências da minha estadia ali. Vesti um casaco e saí de casa
apenas com a chave da porta na mão.
Quando os faróis brilharam no início da rua eu me escondi atrás de uma
árvore.
Hálim desceu sozinho e entrou no prédio, mas logo depois Khalid saiu do
carro e foi atrás do secretário.
Foi um choque vê-lo novamente. Eu me tremi inteira.
A barba tinha crescido demais, assim como o cabelo, e havia olheiras
fundas abaixo dos olhos. Ele era uma sombra do que já foi.
Eu não estava preparada para o impacto. Segurei a árvore como se eu fosse
cair. Ouvindo todas as notas sôfregas do meu coração que batia pesado como
um rock antigo.
Quando ele voltou, se apoiou no carro e tudo o que eu queria era correr
para ele e o abraçar apertado.
Parecia tão triste e perdido. Olhou em volta, como se visse fantasmas, e ali,
no meio da rua, no desalento da noite, ele segurou o rosto entre as mãos e
chorou.
Tapei a minha própria boca. Prendi a respiração, mas não pude evitar que
as minhas lágrimas o acompanhassem. Escorreram quentes pelos meus dedos,
com sabor de desesperança.
Hálim apareceu e o consolou. Puxou o amigo de volta para o carro e saiu
cantando os pneus.
Khalid

Minha cabeça doía. Nem mesmo dois remédios aliviaram a ressaca


monstruosa e dez minutos após o início da reunião eu já não estava mais
atento ao assunto.
Eu tinha consciência de que havia me tornado um político medíocre. Quase
não abri a boca para levantar as questões necessárias e não me importei.
Hálim não falou nada, apesar do semblante desapontado.
— Ministro — a diplomata britânica cumprimentou no final da reunião —
parece doente. Está tudo bem?
— É só uma cefaleia insistente.
Ela forçou um sorriso educado.
— Onde está sua esposa?
Ergui as sobrancelhas surpreso pela pergunta.
Também gostaria de saber.
— Em casa. Indisposta.
— Ah! Será que temos um bebê a caminho?
— Um discurso maravilhoso e apaixonado — Hálim cortou me salvando e
levou a diplomata para longe.
Continuei lá parado encarando o chão.
Um bebê.
Antes de a Isabela ter filhos era sobre dar herdeiros ao trono, um número.
E de repente, como se a minha vida fosse virada de ponta-cabeça, nada me
faria mais feliz do que plantar a minha semente dentro dela.
Eu. Isabela. Um filho.
Será que um dia voltarei a sonhar sem que doesse tanto?
Voltamos para Omã dois dias depois, mas desta vez, ao olhar para a minha
casa, não tive vontade de entrar.
— Preciso ir — Hálim avisou enquanto retirava sua mala pequena de
dentro do meu carro.
A atitude dele tinha mudado bastante.
Não sei por que motivo, lembrei de ter visto o perfume da Isabela em seu
apartamento.
E se...
O celular dele vibrou e ele largou a mala imediatamente. Pegou o aparelho
do bolso e sorriu ao olhar para a tela.
— Claro — concordei e ele me olhou assustado. — Tem alguma coisa pra
me contar, Hálim?
Ele piscou algumas vezes.
— Sinceramente? Você não vai querer saber.
— Ah, eu vou sim!
O segurança trouxe o carro dele para a entrada e o safado jogou a mala no
banco de trás de qualquer maneira.
— Desculpe, chefe. Estou atrasado para o jantar.
Observei ele manobrar o carro e sair rápido com uma desconfiança terrível
que fez meu coração acelerar.
Cinco quarteirões, eu pensei. Dá para ir correndo. Entrei em casa sentindo
o coração sacudir dentro peito. Troquei de roupa rápido. Um tênis, calça de
moletom, blusa de malha e boné.
Eu precisava mesmo pôr meus exercícios em dia.
O apartamento do Hálim era de frente, no primeiro andar, e com as janelas
abertas, dava para ouvir tudo o que acontecia lá dentro.
Parei na calçada do outro lado da rua pegando fôlego e a voz doce me
atingiu.
— Fiz sua comida favorita. — Havia barulho de pratos e talheres. — Pega
uma colher de servir, por favor.
— Perfeito. Estou morrendo de fome.
— Eu imaginei. Como ele está?
Congelei ao ouvir a pergunta.
— Péssimo. Quando vai contar para ele?
— Não sei se eu consigo.
— Precisa resolver logo isso, cariño.
O que restava do meu coração se partiu em minúsculos pedaços, como se
fosse um vidro imenso recebendo um projétil. A explosão de cacos caindo em
cascata e o barulho tilintante dos pedaços pequeninos quicando no chão
definiam o estado dos meus sentimentos.
Isabela estava morando com Hálim?
Minha mente disparou.
Por isso o frasco de perfume estava no banheiro dele.
Num segundo a minha mente vislumbrou o real motivo para ela ter ido
embora. Estava apaixonada pelo meu secretário.
Dei voltas em círculos naquela calçada estreita, pensando no que poderia
fazer. Poderia subir lá e matar o desgraçado a pancadas, mostrar para Isabela
que eu poderia ser melhor do que ele.
O que ela tinha visto naquele espanhol cretino?
Puxei meus cabelos com força para cima, andando de um lado para o
outro.
Não podia ser real.
Hálim tinha me traído?
A culpa era minha. Não devia ter sido tão promíscuo com ela. Devia ter
protegido meu relacionamento desde o início, mas a minha depravação tinha
entregado a única mulher que já amei para outro.
Olhei para cima novamente, encarando o apartamento e ouvindo o som das
vozes deles, distantes demais para compreender o que falavam, e me
desesperei.
Tapei os ouvidos. Não queria ouvi-los tão normais, tão tranquilos enquanto
o meu coração estava esmagado. Precisava me afastar dali.
Caminhei sem rumo, na direção da minha casa, mas aquele não era mais o
meu lugar. Eu não merecia estar ali, cercado de recordações da Isabela.
Isabela

Era terrível ficar em casa sozinha. Apesar de estar envolvida no meu


projeto de abrir um negócio, sentia falta da multidão que transitava na casa do
Khalid. A imensidão de funcionários que eu odiava e até os eventos que eu
achava um porre agora me faziam falta. Eu poderia estar morando sozinha,
mas não queria voltar à solidão deprimente de passar todas as minhas noites
sozinhas. Já era doloroso o suficiente estar sem o Khalid.
Estava distraída com alguns documentos que ainda precisava providenciar
e por isso gritei de susto quando Hálim abriu a porta de repente.
— Ei!
— Desculpe, estou com pressa. Viu minha agenda de telefones?
— Por que não usa a do celular?
— Anotei um número ali e preciso dele.
— Hálim, você está nervoso, o que houve?
Ele segurou a cintura, olhando para o chão pensativo.
— Khalid desapareceu.
Meu primeiro pensamento foi terrível.
— Tessalah?
— Não sei. Os seguranças disseram que ele saiu para correr logo depois de
mim, mas não voltou. Ele dispensou a segurança. — Hálim revirou uma
gaveta jogando tudo no chão. — Achei.
— Espera! — chamei quando ele abriu a porta novamente. — Eu vou com
você.
— Não! Pode não ser obra do Tessalah, mas não podemos arriscar.
Ele não esperou que eu argumentasse.
Fiquei tensa por toda a manhã e tarde. Passavam das 17h quando recebi
uma ligação de um número desconhecido e meu coração disparou.
Não podia ser. Eu tinha feito tudo que ele pediu. Mesmo com o coração em
pedaços, eu não o procurei, não me aproximei do Khalid.
Atendi a chamada no quarto toque, tremendo.
— Isabela? — A voz feminina do outro lado amenizou meu coração que
batia desenfreado. — É a Sumali. Pode vir aqui no meu hotel, por favor?
— Por quê? Melhor dizendo, pra quê?
— Tem alguém aqui desde ontem dizendo que você o traiu, que trocou ele
pelo secretário espanhol e outras coisas que não entendi. Eu ia ligar para o
Hálim, mas do jeito que ele estava furioso mataria o coitado.
— Ai, meu Deus! Já estou indo.
Levei cerca de quarenta minutos para chegar até lá. Khalid estava
dormindo e fedia a bebida.
Pedi a ajuda dos seguranças da boate para colocá-lo dentro do táxi
enquanto Sumali apenas observava.
Peguei o celular e digitei uma mensagem para Hálim. Expliquei o que
estava acontecendo e que dois seguranças dela estavam levando o Khalid
para casa.
— Obrigada Sumali.
Ela segurou a minha mão me impedindo de sair.
— Ele está arrasado. Nunca o vi dessa forma antes.
Meu coração, ou o que restava dele, se apertou.
Fiquei constrangida de perguntar, mas a minha curiosidade era maior.
Prensei os lábios, sem jeito.
— Vocês... sabe?
Ela riu.
— Não. Ele não deixou nenhuma das garotas se aproximar dele, mas bebeu
uma garrafa inteira de uísque e me deixou muito preocupada.
— Obrigada. Por cuidar dele e por me ligar.
Ela subiu e desceu os ombros sorrindo.
— Eu sou prostituta e cafetina, meu bem, mas o meu ofício não turva o
meu caráter. Fanáticos religiosos nunca entenderão o significado disso. Para
eles, sexo livre é um pecado maior do que a maldade que eles carregam no
coração. Eles matam, odeiam, adulteram, e está tudo bem, mas se uma
mulher ousa realizar suas próprias fantasias é escorraçada. Essa é a sociedade
medieval em que homens fingem proteger a família só para dissimular sua
perversidade, mas o Khalid é diferente e ele não merece o que está sofrendo.
Havia uma pontada de adoração na sua última frase.
— Não, ele não merece — concordei com a voz embargada.
— Olha, Isabela — Sumali deu um passo à frente e exalou um bocado de
ar —, eu não sei o que está acontecendo, mas se você não o quer mais, deixe
ele saber disso. Mostre que seguiu em frente. Aquele homem não é do tipo
que desiste fácil, meu bem.
O comentário dela me preocupou.
Uma tentativa de reaproximação do Khalid poderia ser desastrosa. Eu não
tinha mais forças para rejeitá-lo. Estava desesperada de saudade. Vivia
dopada de tanto calmante que eu estava tomando para não sucumbir. Aquele
homem não podia se aproximar de mim de jeito nenhum.
Voltei para o apartamento, apreensiva. Queria muito saber como o Khalid
estava e ao mesmo tempo pensava num jeito de mostrar para ele que eu já o
tinha esquecido.
Mandei várias mensagens para o Hálim, mas nenhuma sequer chegou ao
celular dele e imaginei que estivesse desligado.
O dia se passou sem que eu tivesse nenhuma notícia.
Khalid

— Não estamos juntos, eu já disse. Ela precisava de um lugar para ficar o


que eu devia fazer? Deixar ela na rua?
— Poderia ter me contado!
— E o que você faria? — Elevou a voz acima da minha. — Iria até lá
rastejar, implorando para que ela voltasse pra você?
Doeu.
Sim, eu provavelmente faria isso, então só abaixei a cabeça.
— Eu posso expulsá-la da minha casa. Quer que eu faça isso?
— É claro que não. — Estalei a língua, irritado. — Eu só... queria
entender. Por que ela foi embora?
Hálim prensou os lábios, como se não quisesse ser honesto.
— Dê um tempo a ela. Perder o pai foi um impacto muito grande.
Um tempo?
— Já se passou uma semana inteira!
— Eu vou embora. — Levantou impaciente. — E, por favor, não me siga.
Continuei sentado onde estava por algum tempo. Andei de um lado para o
outro, abracei o ursinho afundando o nariz no perfume doce, mas quando o
sol se pôs eu me arrumei para correr. Era algo que eu sempre fiz antes. Não
poderiam me acusar de perseguição.
Coloquei uma música para tocar e ajustei os fones bluetooth.
Cinco quarteirões depois eu estava sentado no meio-fio, ouvindo música e
olhando para o apartamento deles.
Foi daquele jeito durante toda a semana.
No domingo, eu levei um pedaço de papel e uma caneta. Pensei em
escrever uma carta e deixar na caixa do correio.
Isabela... Eu comecei, mas não sabia como desenvolver.
Encarei o papel em branco por um bom tempo até decidir pela sinceridade,
sem muito floreio.

Isabela, os dias se passam e eu me pergunto se em algum momento vai


parar de doer. Não consigo te arrancar do meu coração e conviver com essa
dor é mais insuportável do que eu pensei que seria.
Eu me achava duro o suficiente para aguentar tudo nessa vida, mas pelo
visto me superestimei.

Estava tarde e a luz fraca da rua não estava ajudando.


Levantei batendo a poeira da bermuda e voltei caminhando para casa, sem
seguranças. Eu quase não andava mais com eles.
No fim das contas, eles não me foram muito úteis. Minha segurança agora
se resumia à pistola 9mm Parabellum na minha cintura.
Ridículo, eu sei.
No dia seguinte, eu segui a minha rotina política. Minha concentração não
melhorou. Voltei para casa quieto e Hálim não ousou me perturbar. Abri a
porta do carro em frente da minha casa e desci em silêncio, sem me despedir.
Quando o Sol se foi, eu fui correr. Eu fazia meus exercícios e depois me
sentava no meio-fio, mas não conseguia pensar em nada para finalizar a carta
que levava no bolso. Nem naquele dia, nem no seguinte e nem no depois.
Depois de outra semana, resolvi ir na direção oposta, realmente focar no
exercício, admirar a paisagem. Corri oito quilômetros, deixando o aplicativo
selecionar as músicas aleatoriamente, e sem perceber estava de volta ao
prédio pequeno e branco.
Diferente dos outros dias havia um carro estacionado no parqueamento e
de lá saiu um jovem alto e magro, de cabelos loiros. Vestia-se como um
turista.
Ele abriu a porta do carona e Isabela desceu.
Meu coração bateu alucinado. Um desespero se misturou à fúria e eu
atravessei a rua como um raio quando ele se inclinou sobre Isabela e beijou
seu rosto.
Agarrei a camisa do sujeito que rasgou ao primeiro puxão e soquei a cara
dele uma, duas, três vezes.
Os gritos dela pareciam distantes porque meu ouvido apitava.
Foi o Hálim quem conseguiu me parar.
— Porra, eu disse que isso iria acontecer. Puta merda, cabrón[23]!
Alguns vizinhos vieram ver o que estava acontecendo. Dois deles
arregalaram os olhos ao me verem com o sangue do rapaz nas mãos e
voltaram correndo para suas casas.
— Por que fez isso? — Isabela gritou.
— Quem é esse homem, porra? O que ele estava fazendo com você?
— Não te interessa! Acabou, Khalid! Será que não entende?
Ela chorava. Muito.
— Vá embora, Khalid. — Hálim me soltou bravo. — Volte pra casa e
deixa que eu resolvo isso.
Minha respiração ainda estava ofegante e eu encarei Isabela que cobria a
boca olhando para o jovem desacordado no chão.
— Isabela — tentei, mas ela ergueu as mãos e se afastou aumentando a
minha fúria. — Do que adianta eu ter tanto poder se é VOCÊ QUEM ME
CONTROLA? — berrei a plenos pulmões apontando para minha própria
cabeça, com o choro distorcendo a minha voz. — É a única na minha mente,
A ÚNICA QUE TEM PODER SOBRE MIM, PORRA! Isabela, por favor...
— Vá embora, por favor. Vá para sua casa.
Não, por favor! Merda!
Segurei minha cabeça desesperado, apertando, arranhando meu próprio
rosto.
Eu tinha passado dos limites. Tinha piorado as coisas e agora não tinha
mais volta.
Virei as costas limpando as lágrimas com raiva. Ela não merecia ver aquela
cena. Peguei os fones que tinham caído do chão e segurei com força enquanto
me afastava, como se fossem meu apoio, uma boia de salvação.
Cada passo que eu dava na direção de casa era mais um para longe dela e o
desespero bateu forte na metade do caminho porque Isabela roubou tudo o
que eu tinha. Todo o meu amor, meu equilíbrio, minha sanidade. Ela levou
tudo embora e me deixou vazio.
Eu sentia saudade até de coisas estáticas como ficar parado olhando para
ela e isso era tão fodido que me enlouquecia.
Coloquei os fones de volta, tentando aplacar aquela falta de ar que iniciava
e me concentrei no que estava ouvindo, respirando fundo.
Um violão... um violino... um homem cantando em inglês. Precisava me
concentrar naquilo para não me deixar dominar pelo pânico outra vez.
Era um dueto.
Demorou um pouco para eu conseguir prestar atenção nas vozes e no que
diziam e quando consegui, a sensação de falta de ar foi passando.
É isso!
Tudo o que eu sentia estava ali, sendo cantado por alguém, tudo o que eu
precisava dizer, mas não sabia como.
Cartas de amor com a letra de uma música que você ouviu e te fez lembrar
de mim. Foi o que ela disse há um tempo atrás.
Peguei o papel e a caneta do bolso, me sentando no meio-fio de uma rua
qualquer, trêmulo, e comecei a escrever, terminando a carta.

Ouvi uma música hoje, em outra língua, e parei no meio da rua para
colocá-la no papel pra você porque diz tudo o que está engasgado na minha
garganta: “Ajude-me, eu fiz de novo.
Eu já estive aqui muitas vezes antes de me machucar novamente hoje.
E a pior parte é que não há mais ninguém para culpar.
Seja minha amiga.
E me segure.
E me envolva.
Desdobre-me.
Eu sou pequeno.
E carente.
Aqueça-me.
E me respire.
Ai, eu me perdi de novo.
E não estou em nenhum outro lugar para ser encontrado.
Sim, eu acho que posso quebrar.
Eu me perdi de novo e me sinto tão inseguro.”
Volte pra mim.
Terminei a carta chorando muito e a dobrei. Não sei quanto tempo fiquei
ali sentado, no meio da rua, olhando para onde eu queria ir, mas de onde
deveria me afastar.
Um trapo. Um lixo. Meus sentimentos tinham rompido uma represa e
devastado tudo que havia em mim sem piedade.
Fui tão duro. Tão frio por tanto tempo. E agora... estava reduzido a um
pedaço imundo e imprestável de gente.
Eu precisava encerrar aquela parte da minha vida. Precisava virar aquela
página para nunca mais ter que olhar para ela.
Caminhei de volta e enfiei a carta na caixa de correio do apartamento do
Hálim, apenas com um para Isabela escrito como destinatário e fui embora
para nunca mais voltar.
Isabela

— Entendo que esteja preocupada com a vida do Khalid, mas ainda não
concordo, Isabela. Flertar com um turista? O que faria com ele depois?
— Ele precisa entender que acabou. Acha justo ele ficar sentado no meio
da rua olhando para esse apartamento, Hálim? Porra, ele é o Primeiro-
Ministro do país, o irmão do sultão e foi reduzido a quê?
Limpei uma lágrima do meu rosto com raiva.
— Concordo que é triste, mas caralho, ele nunca amou ninguém antes,
Isabela!
— Eu sei, MERDA! Por isso que foi necessário. Acha mesmo que eu
gostei? Ou que eu queria me sujeitar a um estranho a troco de nada? O Khalid
não vai desistir até entender que eu não o amo mais e eu preciso fazer ele
acreditar nisso.
Hálim passou a mão pela cabeça como se eu estivesse dizendo uma
loucura.
— Ele não vai desistir. Ele te ama e não dá para desligar um botão dentro
da nossa cabeça para deixar de gostar de alguém. Ainda mais se tratando de
um cara que nunca sentiu isso em 38 anos. Acorda!
Respirei fundo, cansada daquela situação.
— Eu aluguei um apartamento — avisei seca. — Não posso continuar
aqui. O meu escritório vai estar pronto em breve e vou morar perto dele.
O espanhol abaixou a cabeça, mordendo sua decepção junto com o lábio
inferior.
— Vai me abandonar também?
Senti o calor das lágrimas pinicarem o meu nariz e precisei respirar fundo
para controlar a emoção.
— Eu não posso mais ficar aqui. Estou impondo ao Khalid um sofrimento
absurdo e te colocando em uma situação difícil. Também não é justo contigo.
— Passou pela sua cabeça que eu não me importo porque realmente gosto
de você?
Fechei os olhos me sentindo culpada. Já tinha juntado todas as minhas
coisas dentro de uma mochila e precisava me afastar deles.
— Desculpa, mas preciso me afastar por um tempo.
Aquela despedida acabou comigo, mas eu precisava ficar longe até que o
Tessalah fosse preso e não via outra solução. Beijei seus lábios com carinho.
Hálim havia se tornado mais do que um amigo. Poderia dizer seguramente
que eu o amava. Enquanto Khalid era o meu desespero, o motivo para eu
continuar viva, Hálim era minha tranquilidade, minha calma.
Não imaginava a minha vida sem aqueles dois.
— Adeus — falei baixinho e Hálim me puxou de volta para a sua boca.
Ele deslizou a língua por entre meus lábios, segurando a minha nuca e
colou seu corpo no meu enquanto aprofundava o beijo. Durou alguns minutos
até que finalmente ele se afastou.
— Não vai se livrar de mim tão fácil, cariño. Não é adeus, e sim até breve.
Abri um sorriso e prensei meus lábios guardando o seu gosto na minha
memória.
Caminhei até a porta decidida.
— Isabela — Hálim me chamou e parei na porta —, não saia com outro
homem. Não existe divórcio neste país e você pode acabar numa encrenca.
Assenti triste e ele me estendeu um papel dobrado que tirou do bolso.
— Eu achei isso na caixa do correio agora há pouco. Está endereçado a
você.
Segurei o papel amassado sentindo o meu corpo amolecer. As lágrimas
desceram enquanto eu o guardava em meu bolso para ler sozinha porque eu
certamente precisaria de privacidade para gritar muito alto.

Dinheiro é poder. Não há nada que não se consiga rápido se você tiver
dinheiro e isso eu tinha muito.
Abri a porta do apartamento pequeno e larguei a mochila sobre o sofá.
Perambulei pelos cômodos e finalmente me sentei.
O silêncio e a solidão eram minhas companhias de novo, como antes de eu
vir para esse país.
Peguei o papel que eu tinha enfiado no bolso e desdobrei.
Era uma carta do Khalid.
Meus olhos se encheram de água já na primeira frase. Eu havia pedido
aquilo. Uma carta de amor com a letra de uma música que ele ouviu e se
lembrou de mim. E ele me deu.
Chorei enquanto lia, querendo abraçá-lo. Havia tanto sentimento ali, tantas
confissões por trás dos versos que perfuraram o meu coração.
Khalid teve uma infância que deixou marcas profundas na sua
autoimagem. Ele se achava ruim, pequeno, mesquinho, mas não era e eu
estava presa, temendo pela sua vida, impossibilitada de correr para ele e dizer
que ele não era pequeno, que não era errôneo e mesquinho.
A carta do Khalid era um pedido de socorro que eu não podia atender.
Chorei até sentir meus olhos arderem.
Eu me sentia tão fracassada. A vida toda passei lutando. Sempre que eu me
sentia confortável, algo ruim acontecia e me arrancava um pedaço. Khalid
não era fácil. Era agressivo e cheio de falhas, mas eu encontrei paz em sua
violência.
Agora, só me restava o silêncio desconfortável e odioso.
Estava tão insuportavelmente cansada que não quis sequer ir até a cozinha
pegar um copo de água, mesmo com sede.
Deitei no sofá e repousei a minha cabeça sobre a carta.
Eu só queria parar de sentir tanta saudade.
Khalid

— Sente-se — Gibrail ordenou quando eu me levantei para sair do


restaurante ao vê-lo entrar. O mesmo vestido religioso de sempre. Uma
relíquia obsoleta da velha política de Omã. — Vamos conversar como uma
família. — Ele apontou para o meu irmão que estava sentado do outro lado da
mesa.
Gibrail andava mancando, apoiando-se em uma bengala que produzia um
som oco ao se chocar contra o piso de madeira.
— Olha só quem ainda está vivo — debochei ácido. — O museu fica para
o outro lado, papai.
Senti o impacto da bengala contra a minha costela.
— PERDEU O JUÍZO? — Massageei o local sentindo a dor se alastrar. —
Não sou mais uma criança, velho!
— Você arrastou o nome da nossa família na lama! E já que é tão adulto,
por que está fugindo de mim? Tenho te ligado e ido à sua casa faz semanas!
Continua um frouxo, depois de tudo o que eu te ensinei?!
Precisei respirar fundo para não devolver a pancada ou eu desmontaria
aquela carcaça com um tapa. De fato, eu estava evitando o velhote. Depois
que as fotos vieram a público tudo o que eu menos precisava era de um
sermão moralista.
Olhei para o Zaad com ódio.
— É sério isso? Você disse que precisava conversar sobre a Isabela. Até
quando vai ficar me obrigando a participar dessas reuniões ridículas?
Foi o Gibrail quem respondeu enquanto tomava assento em uma das
cadeiras da mesa.
— É o que famílias árabes fazem, Khalid! Reúnem-se para resolver os
problemas. Nós não nos espalhamos pelo mundo. Nós aumentamos o clã,
criamos novas alianças para que nossos exércitos fiquem maiores e possamos
pisotear a cabeça dos nossos inimigos como se fossem cobras que rastejam
no deserto. Quando vai aprender?
— Não tenho tempo e nem paciência para suas baboseiras. Da última vez
exigiu que eu me casasse e já cumpri. Qual é o seu problema agora?
— Ahhh — ele arrastou a vogal balançando a cabeça em um deboche
ridículo e irritante —, tempo você tem sim! Perdeu a cadeira no conselho,
levou um fora da brasileira que você comprou e agora o país está sendo
invadido pelo Tessalah porque você não conseguiu fazer o que era preciso.
Eu e Zaad nos entreolhamos.
— Como assim o país está sendo invadido? — Zaad sussurrou a pergunta
se inclinando sobre a mesa, mas o velho só estalou a língua e soltou um
suspiro ao virar o rosto para o lado, com ambas as mãos apoiadas sobre a
bengala. — Acho melhor irmos para o prédio do conselho para conversarmos
sobre isso.
— Acha que eu sou um tolo como vocês? Olhe ao redor. Eu mandei fechar
o restaurante. A guarda real está de prontidão lá fora. Ao contrário de vocês,
eu sei o que estou fazendo.
Olhei ao redor conferindo. Até os garçons tinham desaparecido e eu não
me dei conta.
Passei a mão pelo rosto e respirei fundo antes de me sentar novamente.
— Acham que eu não desconfiei do Tessalah? — A pergunta do Gibrail foi
retórica. — Por que pensam que minha irmã se casou com aquele bufão
adulador?
— Deveria ter arrancado a cabeça dele do corpo!
— Não seja inocente, Khalid! Dessa forma eu jamais saberia onde estão
meus inimigos.
— Dessa forma você não teria inimigos!
— Não aprendeu nada mesmo, não é? Não adianta sair por aí ameaçando
todo mundo e sendo ignorante com todos porque só vai conquistar antipatia e
ainda mais inimigos. Ser um líder envolve estratégia e diplomacia.
— Eu não tenho paciência pra isso.
— Lógico que não! Por isso o Zaad é o sultão e não você. Acha mesmo
que tomei essa decisão baseado apenas em um casamento? O seu irmão pode
não ser feroz, mas sabe ouvir e o mais importante, meu filho, ele sabe pedir.
Puxei um remédio para dor de cabeça do bolso e engoli com a água que
estava no copo. Ainda não eram nem 10h da manhã e eu já queria que a
minha vida acabasse.
— Estou realmente exausto, será que não poderia ir direto ao assunto? Por
que disse que estamos sendo atacados?
— Eu já cuidei disso — falou como se tivesse lavado a louça.
— Pai — Zaad usou aquele tom condescendente que eu odiava —, por que
não nos contou?
— Achei que vocês dariam conta. Achei mesmo — a decepção no tom
dele ainda me causava uma ansiedade angustiante —, mas obviamente eu
errei. Não criei vocês direito e a culpa é toda minha.
Eu queria amarrar o Gibrail em uma cadeira e chicoteá-lo até atravessar
suas vísceras. Pensei diversas vezes em fazer isso, mas bastava um olhar seu
e alguma coisa dentro de mim travava. Aquele verme ainda era o meu pai.
Mesmo assim eu jamais o trataria como se nada tivesse acontecido, como o
Zaad faz. Aceitando o seu jeito distorcido de agir como pai e recebendo as
migalhas que ele chama de amor.
A forma como ele se submete me dá nojo!
— Francamente! — Gibrail balançou a cabeça com os olhos estreitos e
lábio repuxado. — O que fez para aquela mulher te abandonar, Khalid? Além
de tê-la oferecido ao seu secretário?
Fechei os olhos erguendo a cabeça e me recostei na cadeira.
— Não é como está imaginando.
— Você é um pervertido! Trata sua esposa como se fosse uma das
prostitutas com quem se relaciona. Por isso ela te abandonou.
— Pai! — Zaad falou alto.
— O quê?
— Ele gosta dela.
— Gosta nada!
Continuei calado enquanto Gibrail olhava do Zaad para mim e mantive a
cabeça baixa, sem querer fazer contato visual, mas sabia que estava me
encarando pela visão periférica.
O velho suspirou.
Eles fizeram silêncio por longos e torturantes minutos.
— Nunca ficará mais fácil — falou baixo. — Você ainda fará coisas das
quais se arrependerá amargamente e a culpa te perseguirá todos os dias. Acha
que eu não me arrependia todas as vezes?
Encarei seus olhos baços, confuso.
— Eu me afastava de vocês depois que eu perdia o controle porque sempre
achei indigno chorar na frente da minha família, mas hoje eu penso que
deveria ter me ajoelhado e chorado com vocês todas as vezes. Eu errei tanto
— disse balançando a cabeça e as lágrimas escorreram pela bochecha
repuxada. — Mas o pior foi nunca ter pedido desculpas. Eu desisti antes
mesmo de tentar. Não cometa o mesmo erro, Khalid.
Engoli um nó que passou pela minha garganta queimando.
Nunca achei que ouviria ele falar aquele tipo de coisa, mas isso não o
desculpava por tudo o que fez. Ouvir aquilo só atiçou a mágoa que eu
guardava.
— Eu sei — ele continuou — que isso não é suficiente. Eu carrego o fardo
da culpa.
— Acha que é pesado? — rosnei com desprezo. — Acha que me comove
porque chorou? Eu sangrei! Vi a minha mãe apanhar sem poder fazer nada e
me culpei a vida toda por não ter protegido ela de você. Acha que vou para a
academia todos os dias cheio de vaidade? Cada peso que eu levanto é
pensando que um dia eu precisarei proteger alguém e não quero me sentir um
inútil de novo. Você vem aqui, depois de todos esses anos, para falar sobre
família e acha que estará tudo resolvido? Você é ridículo!
Gibrail esperou que eu terminasse e continuou me encarando com a
expressão de pesar. Quando o silêncio ficou constrangedor ele falou: — Sua
mãe era o meu gatilho. Eu nunca amei nada na minha vida como eu amei a
Najila e quando ela se foi, eu me senti traído. Fiquei furioso. A minha época
não foi amiga da ciência como a sua. Demorei a me tratar, mas eu não sou
um velho retrógrado como você diz. Eu me tratei, busquei entendimento e
mudei.
— Você escolheu descontar em mim. Mandou o Zaad para longe, nunca
pensou em como eu estava me sentindo!
— O Tessalah me disse para separar vocês dois quando eram jovens. Eu
achei que fosse um bom conselho porque eu não aguentava ver o sofrimento
do Zaad. Os cortes, a depressão... eu não conseguia lidar com tudo aquilo na
época. O meu tratamento foi longo, mas deu resultado. Por isso eu os
obriguei a voltarem para casa depois da faculdade.
— Não fez a menor diferença — rebati ríspido. — A minha mãe já estava
morta.
Gibrail assentiu como se já soubesse o que eu diria.
— Essa conversa não resolverá nada. — Zaad soltou uma lufada de ar
longa. — Nem tudo se resolve com um pedido de desculpas, pai. Um copo
quebrado continuará quebrado mesmo que você implore.
— Achei que vocês mereciam saber.
Zaad balançou a cabeça negando e me poupou de ter que dizer o óbvio.
— Eu só queria entender por que Tessalah demorou tanto tempo para agir
contra nós.
— O Tessalah esperou a vida toda pelo momento perfeito para nos atacar e
o Khalid — Gibrail me lançou um olhar cheio de censura — forneceu o
melhor cenário nesse último mês. Ele se aproveitou da distração, embriaguez
e afastamento de suas responsabilidades para aprovar leis que prejudicam o
povo de Omã.
— Como é que é? — Zaad e eu falamos juntos e Gibrail puxou o celular e
abriu a foto de um documento.
— Essa foi a última proposta aprovada pelo sultão. Está em nome do
Khalid e não passou pelo conselho. Foi direto para a mesa do sultão. O início
fala de hospitais e creches, mas no meio está recheado de absurdos.
Olhei para o Zaad puto.
Ele tomou o aparelho em suas mãos e então respirou fundo.
— Tessalah nunca teve apoio popular, mas com isso aqui... — Zaad largou
o celular sobre a mesa e eu o peguei.
— Como você não viu isso?
— Eu sempre aprovei as suas propostas, seu INGRATO MALDITO!
— Porra nenhuma! Você tinha que ter feito o seu trabalho direito!
— E onde você estava? Enfiado em um prostíbulo, caindo de bêbado!
— Vá se foder seu hipócrita! Quando a Melissa te abandonou você tentou
suicídio, então não venha com esse discurso pra cima de mim.
— PAREM COM ISSO! — Gibrail gritou batendo a bengala no chão. —
Está claro que o conflito para desestabilizar o Zaad há alguns anos foi obra
dele também. Mas o Khalid assumiu o governo e contornou a crise. Foi
quando Tessalah soube a quem deveria atacar. Agora precisam lidar com as
consequências e reverter o que for possível.
Senti a viscosidade do ódio se espalhando pela minha pele, como um óleo
pegajoso e nojento. Meu coração acelerava conforme eu lia a súmula.
Tessalah foi muito esperto. Ele nos observou por anos, sabia que o Zaad
aprovava minhas propostas sem relutância. O canalha só precisava me deixar
fora de combate. Toda a perseguição a Isabela foi uma distração. Até mesmo
a fuga dele fazia parte do plano. Enquanto eu o procurava o canalha estava
agindo debaixo do nosso nariz. Fizemos tudo o que ele queria. Fantoches.
Marionetes se movendo conforme ele puxava os cordões.
— Aumento de impostos, retenção de salários, demissões em massa, fim
da sharia dual... Ele instaurou o caos. — Empurrei o celular de volta para o
Zaad. — Levaremos pelo menos uma semana até reverter tudo isso.
— É o tempo que ele precisa para manipular a população contra nós. —
Gibrail pegou um lenço do bolso do vestido para secar o rosto. — Políticos
sujos sempre usaram mentiras para manipular o povo. Imagine o que podem
fazer com verdades distorcidas?
Verdades distorcidas... Merda!
A Isabela pode estar sendo manipulada pelo Tessalah.
Mas como eu poderia ter certeza?
Preciso de um plano para descobrir a verdade.
— Mesmo que todos os omanis estivessem a seu favor — Zaad contrapôs
—, ele ainda precisaria de um exército.
— Ele conseguiu o apoio do Talibã[24]. — Gibrail me encarou lendo a
pergunta em meus olhos: como? — Quando aquelas fotos viraram manchete,
imagino que não tenha sido muito difícil para um homem como o Tessalah
agitar os ortodoxos. Mesmo quem não é conservador ficou chocado.
Fechei os olhos desejando que tudo aquilo fosse um pesadelo.
— O Talibã quer nosso petróleo — Zaad acrescentou jogando o
guardanapo que estava em seu colo sobre a mesa. — Como vamos resistir a
um ataque desse porte?
— Com o apoio de nossos aliados. Sua mãe era uma princesa da Arábia
Saudita, o Zaad se casou com a filha do Emir do Kuwait, temos um tratado
com a Rússia, Síria e outros países a quem eu cobrei favores nas últimas
semanas. Acha que eu estava fora esse tempo todo por quê? Eu precisava agir
em sigilo para que o Tessalah não desconfiasse.
— Por que não matou o desgraçado e pronto?
— Khalid, você me decepciona! Ninguém trama um atentado para destituir
um governo sem que tenha muitos aliados. Eu precisava descobrir quem eram
os nossos inimigos. Tessalah não está agindo sozinho. Empresários doaram
dinheiro para as armas e para a contratação de mercenários, políticos o
apoiaram em troca de benefícios, até sacerdotes estão envolvidos. Eu forcei
empresas a contratarem funcionários para que nosso país não tivesse
desempregados. Achou mesmo que todos veriam beleza nisso? Acredita que
o dono dos meios de produção está satisfeito em ter seu lucro diminuído para
que centenas de famílias não passem fome? Acorde, criança! Religião pode
ser a motivação do Tessalah, mas o que move todos os outros é dinheiro e
poder.
Claro.
Fechei os olhos com força me sentindo um tolo.
Para que toda a população tivesse emprego, tivemos que obrigar empresas
privadas a criarem mais vagas. As grandes fortunas também eram
sobretaxadas para que os mais humildes fossem poupados dos impostos.
Como pude ser tão inocente a ponto de pensar que ricos e poderosos estariam
de acordo com o preço que estavam pagando por isso?
Ninguém assume que prefere que milhares morram de fome para que eles
lucrem 124% a mais em relação ao ano anterior.
Nããão!
É muito mais bonito dizer que estão defendendo os valores éticos e morais
e que nós estamos pervertendo os princípios islâmicos.
Encarei Gibrail com uma certeza: ele sabia de tudo isso há algum tempo.
— Você tem um espião, isso está claro. Quem é ele?
Gibrail abriu um sorriso convencido.
— Por que você acha que a sua tia está casada com aquele miserável,
Khalid? Estratégia e sacrifício. É assim que uma família fica tanto tempo no
poder.

Tivemos uma semana de caos completo. Além dos ataques na fronteira


tivemos protestos na capital do país. Aviões foram abatidos e navios
afundados pelos nossos aliados, mas apenas quando as tropas do Malik
avançaram em direção ao Iraque, o Talibã anunciou sua retirada.
Infelizmente Tessalah conseguiu fugir mais uma vez.
Isabela – Duas Semanas Depois

— Alia, mande o relatório da companhia Kebec para o meu e-mail, por


favor — pedi para a secretária antes de sair do escritório de administração.
— Claro, Isa! — A baixinha simpática me ofereceu um sorriso. — Tenha
um bom final de semana.
— Deus te ouça!
Eu estava animada com meu novo cliente. O meu escritório fornecia gestão
financeira para empresas e eu já tinha cinco clientes. Organizar finanças,
analisar os números e melhorar os resultados era a minha missão. Algo
parecido com o que eu fazia na Holding da Melissa. Eu tinha experiência
nisso e mergulhei na empreitada.
No início foi difícil, a minha reputação não era das melhores em Omã
depois que o Tessalah divulgou as minhas fotos.
Quando o Zaad promulgou o decreto que tornava crime divulgar imagens
de mulheres em qualquer circunstância sexual, com pena de até cem
chibatadas, os olhares reprovadores diminuíram, mas as mulheres ainda se
levantavam de suas mesas e esvaziavam os restaurantes quando eu entrava.
Eu chorava sempre que acontecia.
Não fui correndo até o sultão reclamar e não sei de que forma ele ficou
sabendo, mas promulgou outro decreto, semanas depois, que proibia
comentários ofensivos e uma grande lista de atitudes reprováveis prometendo
punição física em locais públicos.
Essa era a forma dele reeducar o povo. Achei ditatorial da parte dele, por
melhor que fossem as intenções do meu cunhado, mas aqui era Omã, e não o
Brasil. Minha régua não servia para medir as atitudes dele.
Por aqui as leis eram cumpridas à risca e a guarda do sultão fazia valer a
vontade do seu monarca.
É como funciona na maioria dos países árabes. As pessoas são castigadas
com surras ou simplesmente mortas quando infringem a lei. Você pode largar
a sua bolsa e pertences em cima das mesas nos shoppings e ninguém tocará
em nada seu porque a pena para roubo é a morte ou ter a mão decepada.
Quando vou pagar uma conta no restaurante, eu entrego o meu cartão e a
senha para o garçom que leva tudo anotado para o caixa e depois me devolve
junto com a nota fiscal.
Por outro lado, as mulheres são tratadas como uma mercadoria descartável.
O tráfico de mulheres é assustador e nenhum homem dá a mínima.
Tudo no Oriente é lindo até a página dois, mas Omã era diferente. Zaad e
Khalid tinham uma visão peculiar, diferente da maioria, e a consequência era
a perseguição de alguns extremistas.
Não é fácil se opor a um sistema.
Confesso que morri de medo quando o aviso de ataque terrorista apareceu
em toda a imprensa. O Hálim me obrigou a trabalhar de casa mesmo na
semana depois de tudo ter se acalmado. O país ficou uma loucura. Ele me
avisou que enviaria seguranças para a minha porta e que eles só iriam embora
depois que a guerra terminasse.
Mesmo com tudo isso eu não quis voltar ao Brasil. Por milhões de
motivos, começando pelo Khalid, em primeiro lugar da lista, piscando como
neon de boate.
Caminhei até o meu carro que estava estacionado no parqueamento da rua,
de frente para uma loja de roupas masculina.
Eu sempre o deixava ali porque meu escritório não tinha garagem. Não era
falta de dinheiro, e sim de local adequado.
Omã era praticamente um ovo. A maior parte do país era deserta e os
vilaietes habitados eram pequenos. A quantidade de apartamentos e lojas para
alugar era mínima, o que não me deu muita opção. Também não era difícil
esbarrar com as mesmas pessoas todos os dias.
Eu já havia encontrado o Khalid duas vezes.
A primeira foi na saída de uma sorveteria. Ele saindo, eu entrando.
Ficamos parados na porta nos encarando.
Eu prendi a respiração e ele pareceu fazer o mesmo até que abaixei a
cabeça e desviei dele. Fui na direção da fila e finquei os pés ali.
Havia um espelho atrás do balconista e por aquele reflexo pude ver que o
Khalid se virou para continuar me olhando. Chorei em silêncio, fingindo
ignorar a presença dele, como se as minhas pernas não estivessem trêmulas.
A expressão dele me partiu quando eu pensei que não tinha mais partes
inteiras.
Foram minutos que pareceram horas e ele finalmente foi embora. Eu fiz a
compra, mesmo com estômago embrulhado e me sentei num cantinho, nos
fundos da sorveteria.
Lambi meu sorvete aos prantos.
Achei que não passaria por aquela experiência horrível de novo quando
nos encontramos pela segunda vez. Ele estava parado no sinal do outro lado
da rua e... acompanhado de uma mulher.
Ele me olhou fixo por alguns segundos e foi como ser atingida por uma
tonelada de pedras. Respirei fundo, inflando os pulmões, e esvaziei devagar.
Era dia claro, horário de almoço, mas eu estava sem óculos escuros e não
pude evitar a expressão de choque. Khalid cravou os olhos em mim. Fixo e
direto.
A mulher era bonita. Alta, magra e bem maquiada.
Senti um aperto no peito, uma tristeza profunda. Minha vontade era sair
correndo e me esconder num cantinho escuro. Khalid me encarava firme, sem
desviar os olhos e apesar da distância pude ver quando franziu a testa, mas o
sinal abriu e ele seguiu seu caminho, ao lado da moça bonita e indiferente a
mim.
Corri para casa e chorei a noite toda.
Isso foi há quatro dias e depois disso eu não o vi mais. Era impressionante
como eu conseguia continuar vivendo quando a simples menção do nome
dele me devolvia para o fundo do poço numa rapidez incalculável.
Pouco mais de um mês havia se passado desde que dei as costas para ele
no dia em que meu pai morreu e o meu coração ainda pertencia a ele.
Uma mensagem fez meu celular tilintar e eu o tirei do bolso, já na porta de
casa:

Olhei ao redor com a impressão de que estava sendo observada, mas não vi
ninguém. Digitei a resposta rápido.
Tirei os sapatos assim que entrei em casa e joguei as chaves em cima da
mesinha de vidro. Deixei a gravidade me puxar para cima do sofá com toda a
força e encarei o vazio da minha sala.
Vazio.
Ninguém perguntaria como foi o meu dia. Ninguém me daria um beijo.
Ninguém me abraçaria quando a primeira lágrima daquela noite começasse a
rolar. Ninguém. Esse era o resumo da minha vida ultimamente. Uma solidão
que sentava ao meu lado na mesa de jantar e se deitava junto comigo na
cama, deixando a cama ainda mais fria.
Todos os dias na minha sala era a mesmice de sempre, mas hoje a caixa
vermelha havia roubado o protagonismo mórbido daquele cômodo. Ela
permanecia jogada no canto desde que a recebi do correio.
Sumali me enviou há cinco dias depois que Hálim me pediu autorização
para compartilhar meu endereço com ela. Dentro havia um convite e uma
máscara preta com penas azuis. A festa à fantasia aconteceria em sua boate,
vulgo prostíbulo, e eu até me animei de ir quando ela falou que nenhum
político havia sido convidado.
A boate estaria cheia.
Talvez eu precisasse apenas estar no meio de outras pessoas, felizes com
suas vidas, para me sentir melhor. Usufruir da energia feliz que eles
emanariam enquanto dançavam.
Aquela ideia me animou.
Olhei para o lado como se alguém fosse me responder e a solidão me
encarou de volta. Fria. Insensível. Ensurdecedora.
Abracei a mim mesma, puxando as pernas para junto do corpo e meu olhar
vagueou pelo cômodo até repousar na mesinha, onde larguei o convite. As
letras brilharam prateadas.
O que eu tenho a perder?
Suspirei decidindo ir e separei a minha melhor roupa. Caprichei na
maquiagem dos olhos. Escolhi um vestido preto e simples. Longo, é claro, e
saí de casa com muitas expectativas.

O hotel estava cheio. Deixei a chave do meu carrinho novo com o


manobrista e entrei disposta a me divertir.
Aquela seria a minha noite de estreia, emergindo da escuridão, por que eu
precisava abandonar aquele luto.
Algumas músicas tocaram e eu até dancei, embalada pelo álcool.
Havia muitos turistas, como sempre, e a boate estava lotada.
A sensação começou como um incômodo. Olhei para os lados, procurando
a causa daquela inquietação, mas todos estavam mascarados.
Um arrepio escalou a minha pele quando alguém passou perto demais,
esbarrando em mim.
Fiquei alerta quando senti o perfume do Khalid.
Não pode ser!
Olhei para os lados, mas não o vi.
Devo estar com tanta saudade que já estou alucinando.
Continuei dançando, mas agora meio paranoica. Uma sensação sufocante
se apoderou de mim, como se eu estivesse em perigo e eu me afastei do salão,
encostei em uma parede com o coração a mil por hora, observando a
multidão, mas não vi nada de errado.
Fui até o bar e pedi um drink que me foi entregue rápido. Eu precisava
relaxar.
Virei toda a bebida e pedi outra. Quando o meu corpo entrou no estágio de
alegria, eu voltei para a pista e me soltei, sentindo a vibração do grave pulsar
em minhas veias. Rebolei até me sentir ridícula.
Novamente um arrepio me estremeceu quando alguém passou atrás de
mim. Senti nitidamente dedos roçarem na minha cintura e soltei um grito que
foi abafado pelo som alto.
Olhei em volta e cada um estava perdido em seu próprio momento. Casais
que se embolavam em beijos indecentes, homens bêbados movendo o corpo
aleatoriamente, ninguém ali estava me vendo de verdade. Eu era invisível. A
minha dor pouco importava para eles e estar no meio de uma multidão não
diminuiu o meu vazio.
Ninguém estava ali para me abraçar e apoiar meu corpo. Ninguém para eu
provocar com a minha bunda enquanto eu rebolava. Nenhum ogro ciumento.
Apenas a solidão patética de sempre.
Cambaleei até uma das mesas com o choro entalado na garganta.
Estava disposta a ir embora quando um homem se aproximou. O meu
corpo reagiu à sua presença de imediato. O perfume dele abraçou meus
sentidos de uma forma perturbadora e meu coração saltou livre.
Um voo insano e, de certa forma, libertador.
Toquei meu peito como se pudesse contê-lo, apertando forte.
Ele sentou na minha frente sem pedir licença e pôs outro drink sobre a
mesa.
O mesmo que eu estava bebendo.
Senti um impacto. Um medo latejante e a ansiedade que o perigo causa em
quem já passou por situações de risco antes.
— Obrigada — balbuciei sem conseguir elevar a voz acima da música —,
mas eu já estou de saída.
Ele empurrou o copo pela mesa lentamente, com os olhos fixos nos meus,
até que estivesse bem perto de mim. Uma máscara branca e dourada cobria
todo o seu rosto e eu não podia ver sua fisionomia, nem ler a expressão, mas
de alguma forma, a mera presença dele agitou a minha alma que se debateu
dentro de mim, como se pudesse rasgar a minha carne, despir-se da forma
humana e seguir seu próprio rumo.
Eu conhecia aqueles olhos pretos de demônio.
Khalid.
A sua presença era tão massiva que eu podia sentir em meus ossos.
Ficamos nos encarando por uma eternidade, tão fixo e sem constrangimento
que precisei abrir a boca e sugar mais ar.
Aqueles olhos me acariciavam como a morte consome um moribundo.
Pretos e brilhantes.
Ele se levantou de repente, contornou a mesa e sentou do meu lado. Eu
quis fugir, mas as minhas pernas se negavam a me obedecer.
— A festa acabou de começar — cochichou em meu ouvido e a voz grave
me atingiu como lava de vulcão. Toda a minha carne queimou de dentro para
fora, incinerada, explodindo em chamas enquanto por fora eu petrificava. —
Por favor. — Ele respirou fundo no meio da frase. — Não vai.
Olhei para os lados, aflita. Todos estavam de máscara, entretidos.
— Não podemos ser vistos juntos — murmurei angustiada, tão próxima da
sua orelha que a minha boca se encheu de água. A tensão era quase
impossível de ser reprimida agora que ele estava tão perto.
— Por que não? Ainda sou o seu marido.
O meu coração havia se graduado em paraquedismo a essa altura.
Especialista em saltar do meu peito.
Ele cobriu a minha mão trêmula com a sua e apertou, acelerando a minha
respiração. Um toque tão mínimo e todo o meu corpo acendeu.
— Meu Deus, meu Deus, meu Deus — repeti aleatória como se fosse um
mantra, sem parar.
— Por que está nervosa, Isabela? Você disse que não me amava.
— Por favor, Khalid — implorei. A minha voz estava aguda e embargada.
Um miado fanho. — Eu não posso.
— Não pode — repetiu. A voz grossa foi sussurrada em meu ouvido,
arrepiando a minha pele que ele fez questão de tocar para deixar claro que
estava vendo os efeitos da sua presença em meu corpo. — As suas mentiras
se tornam cada vez mais nítidas agora.
— Khalid, por favor!
Olhei ao redor novamente, preocupada em ser reconhecida e me encolhi.
Khalid me envolveu com seu braço forte me puxando para ele, colando
nossos corpos.
— Você está com medo de mim? — A voz dele saiu ainda mais rouca e eu
neguei com a cabeça. — Boa, menina! Você está tão quente, tão cheirosa...
Senti seu abraço ficar mais apertado. Ele acariciou meus braços com dedos
famintos, que se arrastavam contra a minha pele, descendo pela lateral do
meu corpo, roçando em meu seio.
Meu desejo se alastrou. Desenrolou-se para além do meu ventre,
espichando-se rápido pelo tronco, espiralando para os lados, emergindo pelos
meus poros. Agarrei sua blusa com força, apertando o tecido entre os meus
dedos, mas não era o suficiente. Eu precisava da sua boca, de seus dedos em
mim, sentir seu corpo pesado me comprimindo.
— Você não vai desistir nunca, não é? — perguntei encostando os lábios
em sua orelha.
— Pensei em fazer isso várias vezes, mas tinha uma pergunta que eu
sempre me fazia.
Abaixei o rosto, evitando seus olhos. Eu não podia desistir. Era a vida do
Khalid que estava em jogo.
— Por que não voltou para o Brasil, Isabela?
Balancei a cabeça negando, lutando para que a verdade não saísse da
minha boca porque se ela escapasse eu desmoronaria. Havia um limite do que
eu era capaz de aguentar.
— Você não entende? — choraminguei. — É perigoso!
— Ah, Isabela — suspirou descansando a testa na curva do meu pescoço.
— O sofrimento que você está me causando é muito pior do que a morte. Eu
prefiro ser assassinado a continuar vivendo essa tortura.
Meus lábios tremeram quando uma lágrima escorreu pelo meu rosto.
— Mas eu não suportaria, Khalid. Eu não posso perder você também. Não
entende? Eu já perdi tudo. Só tenho você.
Houve um tempo de silêncio. Não sei quanto. Ele me manteve em seu
abraço, acariciando a minha pele com o polegar.
— Entendo o que quer dizer — declarou finalmente e afrouxou o peito.
Afastou o braço que me mantinha presa a ele e se ajeitou na cadeira.
A proximidade dele me causava um cansaço imenso pela intensidade de
sentimentos que desencadeava dentro de mim. Ele pegou o meu drink e
remexeu, como se fosse uma experiência interessante.
— Posso te pedir só uma coisa, Isabela?
Olhei para ele sem responder, prensando os lábios.
— Hoje é meu aniversário e eu gostaria de passar essa noite com você.
Uma única noite. Só isso.
Respirei lentamente, tentando não transparecer o quanto a sua proposta
havia me desestabilizado.
— Cinco de novembro — comentei e bebi um gole do drink. — Escorpião,
jura? Eu não imaginava.
— Não acredito nessas coisas.
Soltei uma risadinha.
— Escorpianos tendem a ser possessivos e obsessivos.
— É uma bela coincidência.
Acabei rindo porque não dava para ver a sua expressão, mas imaginei que
ele estava surpreso.
Khalid empurrou uma chave para mim.
— Uma noite só. Amanhã eu desapareço. Prometo que vou te deixar em
paz depois disso.
— Você vai? — perguntei e ele assentiu uma vez com a cabeça, bem lento.
— De vez?
— Até quando você quiser. Mas estarei te esperando para sempre.
Meu coração tropeçou no meu peito.
— Para sempre é muito tempo para se esperar por alguém.
Ele se levantou da mesa. A camisa social colada no corpo, marcando os
músculos dos braços e abdômen, atraiu meus olhos como ímã. Parou ao meu
lado. O quadril estreito e maravilhoso dentro da calça justa ficou próximo do
meu rosto. Ele se abaixou para falar no meu ouvido.
— Um cão nunca desiste de esperar pela sua dona.
Foi um sussurro grave, rouco. Os lábios dele roçaram na minha orelha,
sensuais, arrepiando minha nuca, atiçando a minha memória.
Existe um problema enorme quando uma floresta fica muito tempo sem
receber chuva. Ela resseca. A ponto de incendiar com a menor das brasas. No
momento eu era toda a Amazônia ardendo em chamas porque o Khalid havia
jogado uma pequena faísca em mim. O suficiente para me fazer queimar.
Acabei rindo de nervoso e passei a mão pelo cabelo, acompanhando sua
bunda redonda desfilar para longe de mim.
Foi uma cilada o tempo todo.
Sumali tramou para nos aproximar.
Durante quase dois meses eu o mantive seguro e agora estava prestes a
jogar tudo fora por uma noite.
Fiquei indócil, batendo o pé no piso escuro.
Uma noite. Só uma.
Levantei rápido e fui até os elevadores. Não havia botão para o terraço.
Apenas um espaço para encaixar a chave no painel.
Assim que a girei o elevador começou a subir e quando as portas se
abriram já estava dentro da suíte.
Retirei a chave e as portas do elevador se fecharam.
Não tinha mais volta.
Havia apenas uma penumbra no cômodo. Caminhei até o meio da sala
grande, ouvindo o barulho dos meus saltos contra o assoalho. Meu coração
batia forte e rápido.
Uma luz bruxuleante vinha do quarto. Segui para ela como um inseto para
a armadilha. Algumas velas acesas forneciam luz o suficiente para que o
visse.
Khalid estava sentado na cama, me esperando. A máscara não estava mais
em seu rosto, então tirei a minha e a deixei cair no chão.
Mesmo com pouca luz eu conseguia ver a intensidade do seu olhar.
Eu me aproximei emocionada.
— Eu não tenho — pausei respirando forte — mais forças... para resistir.
Foi um desabafo. Khalid me puxou pela cintura e acariciei o seu cabelo,
envolvendo a sua cabeça com minhas mãos. Ele beijou a minha barriga com
ternura e me abraçou soltando a respiração presa.
Absorvi sua presença com um alívio dolorido, com o choro entalado na
garganta. Beijei o topo da sua cabeça aspirando o cheiro cítrico que
despertava tantas lembranças. Parecia um sonho e eu tinha medo de acordar.
Khalid permaneceu sentado e enlaçou a minha cintura, desferindo vários
beijos na minha barriga.
Eu ofeguei. Tentei manter a emoção sob controle, mas estava sem fôlego.
Meu coração batia forte. Era como subir escadas. O esforço me roubava o ar
a cada lance.
Tive medo.
Khalid estava magoado e comecei a pensar se tudo aquilo não tinha sido
planejado apenas para sua vingança.
Será que ele me humilharia e me daria as costas?
A cada pensamento intrusivo meu coração corria mais rápido, acelerando e
roubando minhas forças.
Engoli um bocado de saliva, ansiosa para ser despedaçada logo. Afinal, eu
merecia.
Khalid se levantou e me envolveu num abraço forte. O corpo enorme se
colou ao meu e as mãos tomaram meu rosto com suavidade, conduzindo-me
para a sua boca.
Não trocamos nenhuma palavra.
Éramos apenas saudade, alívio, lábios e línguas em um duelo que começou
lento, mas se tornou insano no momento em que provamos o gosto um do
outro.
Seus dedos deslizaram pelos meus contornos, castigando a minha pele com
sua pressão. Ele apertou a minha cintura com ambas as mãos, puxando contra
sua virilha.
Por favor, não seja um sonho!
Ele me despiu. Lentamente. Acariciou minha barriga com a ponta dos
dedos e tocou meus seios como se fossem preciosos. Vestido, sutiã, calcinha,
tudo foi ao chão sem pressa, sem que qualquer palavra fosse dita e eu espremi
os meus lábios porque temia que tudo se tornasse caótico quando
começássemos a falar.
Desabotoei sua camisa com dedos trêmulos e ele se desfez de toda a roupa,
exibindo o corpo definido que eu me afastei para admirar.
Khalid abriu os braços num gesto de entrega e eu o abracei, sentindo sua
pele quente contra a minha.
Beijamo-nos.
Havia tanto amor e desespero em nossos lábios que nossos dentes se
chocaram por duas vezes. A ereção dele pulsou e eu toquei sua intimidade. A
pele macia como seda deslizou entre meus dedos. Grosso. Forte.
Ele gemeu na minha boca.
Oh, deus, como eu senti falta daquele som.
Khalid sentou na cama me puxando para cima dele e nos encaixamos.
Apenas um beijo intenso como preliminar e toda a nossa saudade. Posicionou
a cabeça larga na minha entrada e foi me penetrando devagar, abrindo a
minha carne pouco a pouco, tão grosso e latejante dentro de mim que senti
meus músculos retesarem.
— Ohhh! — Quebrei o silêncio com um gemido que era quase um lamento
doloroso. — Isso... é tão... bom!
Deslizei para frente engolindo toda a extensão, forçando ele a se afundar
em mim, e senti o frenesi da luxúria me possuindo.
— Devagar — rosnou de dentes trincados.
— Eu não... — Quiquei nele, subindo e descendo rápido, mas ele deteve o
meu quadril. — Por favor — pedi sofrida.
Ele fechou os olhos e respirou profundamente. Podia ver a brutalidade dele
aflorando. Os olhos de demônio escurecendo mais e mais, e eu desceria até o
inferno com ele. Sentaria em seu trono e foderia como louca para uma plateia
de anjos caídos se quisesse.
Soltou um gemido que mais pareceu um urro ao me encaixar de volta nele,
envolvendo-me em seus braços.
— Estou — minha voz tremeu — com muita vontade, Khalid.
Foi uma explicação e um pedido.
— Tem muito tempo — concordou ofegante.
Eu rebolei, sentindo-o pulsar dentro de mim. Meu canal palpitava também,
refletindo a mesma excitação absurda, o desejo feroz pela libertação que
chegaria cedo demais para nós dois.
Seus braços cederam.
— Vem — murmurou grave e meu corpo reagiu por conta própria. —
Pode me usar como quiser.
Perdi o controle naquela frase. Impulsionei o quadril para frente e para trás
com força, me apoiando em seus ombros largos, sentando nele até bater em
sua pélvis. Deslizei sobre sua rigidez chocando o meu corpo contra o seu e
atingi o orgasmo rápido demais, sendo amparada por ele.
Durou alguns segundos. Pareceu tão pouco.
Khalid esperou eu me saciar, então me segurou firme e girou comigo na
cama, se afundando dentro de mim, buscando o seu alívio que chegou
segundos depois.
Permanecemos ali parados, o corpo pesando sobre o meu até nossas
respirações se normalizarem.
Khalid se retirou de mim e sentou-se na cama. O olhar dele esfriou dezenas
de graus.
— Você tem outro homem, Isabela?
A pergunta me fez arregalar os olhos.
— O quê? Não! Aquilo foi só... eu não me relacionei com mais ninguém
depois de você.
Ele respirou fundo, como se estivesse aliviado por escutar aquilo.
— Você é minha mulher. Minha esposa. Não vai desfazer esse laço nunca,
entendeu? O que temos não vai acabar nunca.
Engoli em seco sem entender direito o motivo daquilo.
— Você me abandonou — prosseguiu no mesmo tom duro. — Tudo bem.
Está livre para se afastar de mim se quiser, mas entenda que terá de ficar
sozinha para sempre.
Demorei a entender e soltei uma risada ácida.
— Você não pode me obrigar a...
— Posso — cortou seco. — E vou. Quando quiser foder estou à sua
disposição. Quando quiser beijar na boca, não importa a hora ou lugar, eu
estarei SEMPRE disponível para você, mas não ouse chegar perto de outro
homem.
— Está me assustando, Khalid.
— Ótimo! Então está começando a entender a merda em que se meteu.
— Não pode falar assim.
— Não? — O sarcasmo em sua voz me atingiu. Senti uma vontade imensa
de chorar, mas respirei fundo. — Quem disse que não?
Um vácuo se abriu na minha barriga.
— Está me ameaçando?
— A você? Nããão. — Ele estalou a língua meneando a cabeça. Os olhos
gelados e cruéis. — Estou te alertando sobre o meu modo de agir daqui para
frente. Não se aproxime de nenhum outro homem, nunca mais, ou matarei
todos eles.
Todo o meu sangue pareceu congelar e estremeci de frio. Foi como receber
um abraço lento da morte.
— Achei que você gostasse de mim — tentei argumentar, mas quando ele
abaixou as sobrancelhas estreitando o olhar, e aproximou o rosto do meu,
engoli em seco.
— Eu te amo, Isabela. Não era isso que queria? Pediu pelo meu amor, quis
saber se eu estava apaixonado... Eu estou. Você conseguiu. Esse sou eu te
amando. Transformo esse país em um rio de sangue se alguém encostar um
dedo em você sem a minha permissão.
Khalid

Isabela arregalou os olhos entendendo finalmente quem eu era.


No fundo eu sempre soube que isso acabaria acontecendo. Toda a loucura
da minha família maldita aflorando e destruindo a vida de alguma mulher
indefesa.
Somos doentes.
Finalmente eu me incluía nessa merda, assumindo minha herança infeliz,
aceitando o desajuste que eu sou.
Não adiantava lutar. Eu era caos e desejo insano e apenas veneno fluía em
minhas veias.
Isabela me encarou amedrontada e quando engoliu em seco eu percebi que
havia me tornado o meu maior pesadelo.
Levantei da cama bruscamente. Precisava tomar um banho. Aplacar a fúria
que ainda pulsava dentro de mim.
Liguei o chuveiro e deixei a água gelada cair sobre a minha cabeça. Apoiei
as mãos no azulejo, deixando as costas inclinadas para que a água escorresse
até a minha lombar e quando a porta de vidro deslizou, olhei para ela por
baixo do braço esticado.
— Eu não queria te deixar, Khalid.
— Isso ficou óbvio pra mim há duas semanas, quando nos encontramos na
rua e você quase chorou porque me viu com outra mulher. — Sim, eu fui
cruel. Foda-se! Ela merecia. — Mas o que estupra a minha mente é pensar
que você poderia ter me contado.
— Ah, claro! Porque você é o carinha mais compreensivo do mundo e
aceitaria de boa que eu me afastasse de você para evitar que tomasse UM
TIRO NA CARA!
Ela se estressou e eu a encarei sem entender.
— Por que está gritando? Sou eu quem deveria estar gritando.
— Caralho, homem, não entende mesmo, não é? Essa porra de teimosia
sua foi o que me obrigou a ficar calada. Todas as vezes que o Tessalah nos
ameaçou eu te contei tudo e acabei me fodendo. Meu. Pai. Morreu! —
Pausou entre as palavras. Os seus olhos estavam injetados, com muita raiva.
— Consegue entender isso? Aquele desgraçado me puniu porque eu não
obedeci a ele.
— Eu daria um jeito.
— Como deu com meu pai? Como evitou que eu fosse sequestrada? —
Jogou na minha cara e engoli em seco, puto. — Acorda, Khalid, você é mau,
mas não tem superpoderes.
— E você tem?! Devo te agradecer por ter salvado a minha vida e fodido a
minha sanidade mental?
Ela debochou, soltando uma risadinha de escárnio.
— Como se você fosse o grande Buda antes de tudo isso. O fodão da
sensatez!
— Pelo menos eu nunca menti pra você — rosnei seco, a centímetros do
seu rosto.
— Eu só queria te proteger.
— ESSE NÃO É O SEU PAPEL!
Ela se afastou rápido, cobrindo o rosto com o braço, como se eu fosse bater
nela, e aquilo me magoou.
Respirei fundo, sentindo a minha garganta queimar.
— Eu jamais encostaria um dedo em você. Dá pra ver que não me conhece
ainda.
Peguei a toalha e saí do banheiro.
— Aonde vai? — perguntou quando comecei a me vestir.
— Embora. Obviamente todo esse circo que armei foi uma péssima ideia.
— Está sendo covarde!
Joguei a calça no chão com ódio e a encarei de volta. A infeliz empinou o
nariz.
— Explica — rugi. — Por que estou sendo covarde?
— Porque não está dialogando. Prefere ficar com raiva ao invés de ouvir o
meu lado da história, como se apenas a sua visão importasse. Nem tudo é
plano, Khalid. A realidade é tridimensional, entende?
— Vai usar a geometria agora? Como você é adulta!
— Não, eu não sou tão adulta ou velha como você, mas pelo menos não
sou babaca.
Respirei fundo.
— Você está me irritando.
— Ah, maravilha! Objetivo alcançado então. Porque essa era a minha meta
de vida, aborrecer o Ministro de Omã. Vai se foder, Khalid! Acha que um
relacionamento vai ser apenas beijinho no rosto e pirocada? Bem-vindo ao
mundo real! As pessoas brigam, discutem, divergem em opiniões porque é
assim que a gente tenta se entender.
— Ah, se entender? Que legal! Achei que você só estivesse tentando me
ofender.
— Não, seu arrogante de merda! Eu estou me defendendo das suas
acusações e tentando explicar a minha atitude, mas você só se importa com o
que você acha.
Falávamos rápido e alto demais, o que inflamava a minha ira. Quanto mais
ela me rebatia, com mais ódio eu ficava.
— Você estava se encolhendo no banheiro. — Gesticulei apontando para a
porta aberta. — Achou que eu iria te bater. Como pôde pensar isso?
— Foi mal, tá? Foi um reflexo e isso não é exatamente sobre você, mas
sobre mim, então não fala como se me conhecesse completamente porque
não conhece.
— E como eu poderia? Você me abandonou, Isabela! Não me deu
nenhuma chance.
— A culpa não foi minha! Foi da merda desse homem dos infernos que me
chantageou e ameaçou te matar. E se eu não obedecesse, talvez não
estivéssemos tendo essa conversa.
— Você foi uma covarde. Escolheu o caminho mais fácil.
O tapa estalou no meu rosto. Alto, seco, dolorido. A mão espalmada se
chocou contra a minha face tão rápido que demorei alguns segundos para
acreditar que ela tinha feito aquilo.
Encarei-a tremendo de raiva e não havia um grama de arrependimento em
seus olhos.
Minha mão voou no seu pescoço e com dois passos eu a empurrei para trás
até que suas costas batessem contra a parede. A minha respiração estava
descompassada e meu coração dava solavancos.
— Nunca. Mais. Faça. Isso.
Ela soltou um gemido, fechando os olhos e um arrepio obsceno estremeceu
o meu corpo.
— Está cometendo um erro, Isabela — avisei colando a boca em sua
orelha. — Não quer ver essa parte de mim, então não a provoque.
— Como sabe? — O tom desafiador acariciou meu pescoço, enviando
arrepios que se espalharam pelos meus braços.
Ela me tocou com a ponta dos dedos, me fazendo perceber que estava
duro.
— O que está fazendo? — perguntei um pouco chocado.
— Você está excitado. Eu também.
— Não. Eu posso te machucar.
— Talvez eu queira ser machucada — confessou com a voz distorcida
enquanto me masturbava.
Apertei o seu pescoço irritado por estar com tanto tesão e ela gemeu, me
deixando confuso.
— Para — pedi com um grunhido, incapaz de me afastar, e a sua mão
apertou meu pau com mais firmeza, subindo e descendo. As minhas emoções
estavam desenfreadas. Eu não conseguia me acalmar e não conseguia
dominar a excitação que crescia.
Ela bateu no meu rosto de novo, mais forte, e eu puxei uma das suas
pernas, segurando por trás do joelho e me enfiei dentro dela de uma só vez, a
fodendo com violência.
Meus dentes rangiam, trincados, com ódio e tesão.
Isabela gemeu cravando as unhas em meus braços, empurrando seu quadril
contra a minha pélvis. A pele dela estava arrepiada e os gritos mais roucos.
Tão linda. Tão louca. Tão minha.
Sua mão atingiu meu rosto novamente e meu pau pulsou dentro dela.
Rosnei liberando meu pior. Sádico, eu apertei seu pescoço restringindo o seu
ar e ela sorriu sombria e feroz enviando um arrepio para a minha cervical que
estremeceu o meu corpo todo quando se desenrolou por completo.
Meu tudo.
Eu amava aquela mulher. Talvez, se fizessem um exame, descobririam o
nome dela no meu DNA. E se não estivesse eu tatuaria.
Isabela cravou as unhas em meus ombros, ferindo a carne e eu gemi
sentindo os músculos do abdômen retesarem. Precisei contrair a pélvis para
não gozar.
Engoli em seco, estocando mais forte. Estava comendo ela com uma
brutalidade que nunca me permiti com mulher alguma.
— Me bate! — pediu e eu estremeci.
— Não.
— Bate, porra!
— Você está louca.
Ela me acertou de novo e quase perdi o controle da ejaculação.
Merda! Essa mulher está fodendo a minha cabeça.
Bati em seu rosto de leve e ela riu.
— Está fazendo quantos anos? Trinta e nove ou 14?
Exalei todo o ar de meus pulmões, jogando a cabeça para trás, tentando me
concentrar na medida de força que ela precisava. Isabela queria sentir dor e
eu tinha medo de fazer isso.
— Você quer meu caos? Quer o pior de mim? — Apertei seu pescoço um
pouco mais e então soltei acertando um tapa mais forte que fez sua vagina
contrair apertando meu pau.
— Eu quero o que você é! Sem máscaras, sem freios, caótico ou não, eu
quero!
Porra!
Respirei fundo.
Aquilo fodia comigo de várias formas. E sem a menor explicação
plausível, pelo menos para mim, me excitava no mesmo nível.
Meti ainda mais bruto e acertei outro tapa em seu rosto, agora na outra
face.
Ela gemeu. O canal piscando. Contraía e soltava, esmagando o meu pau de
tanto tesão.
— Não para, Khalid. Eu vou gozar — avisou me levando à loucura.
Quando bati de novo, segurei seu pescoço com as duas mãos, a enforcando
enquanto gozávamos juntos.
Minha mente explodiu junto com meu corpo. Podia sentir o esperma
jateando forte dentro dela.
Havia quebrado todas as minhas regras. Fiz o que prometi a minha mãe
que jamais faria: fui violento com uma mulher. Sei que o contexto era
diferente, mas ainda assim, era perturbador demais para a minha mente
caótica.
— Você arrancou de mim o que reprimi a vida inteira — sussurrei sem
fôlego. — Vai me mandar direto para o inferno, Isabela.
— Iremos juntos, meu amor. — Beijou meus lábios, sedutora, passeando
com a língua entre eles. — Como eu disse, não me conhece tão bem quanto
pensa.
Saí de dentro dela ainda duro e meu sêmen escorreu pelas suas pernas.
— Essa era a visão que eu queria ter todos os dias. A minha porra
escorrendo de dentro de você.
Isabela passou a mão pelo líquido e esfregou em sua entrada, subindo pelo
próprio ventre para então lamber os dedos.
Fechei os olhos e respirei fundo.
— O que está querendo, menina? Acabar comigo?
Ela riu. Eu estava duro de novo e ela rindo.
Não, eu não sou uma máquina, mas dois meses sem transar causam
consequências em um homem.
Estiquei a mão para ela.
— Vem. Eu vou te dar banho.
Ela riu, mas aceitou a minha mão.
— É seu aniversário — disse olhando dentro dos meus olhos. — Acho que
ainda não te dei os parabéns apropriadamente.
— A noite está só começando, meu amor.
Isabela

Eu deveria me surpreender por Khalid ter solicitado café da manhã pelo


serviço de quarto do hotel, no dia seguinte?
É claro que não.
Pão com manteiga, café e suco de laranja.
A vontade de chorar que eu senti só de olhar para a mesa posta e saber que
ele tinha se lembrado foi sufocante.
Respirei fundo e engoli minha emoção em respeito a dele.
Tomamos o café em silêncio. Foi lento e doloroso.
— Vai voltar para casa comigo? — perguntou finalmente quando já
estávamos nos vestindo. Sua voz soou baixa e calma, mas eu sabia que era só
fachada.
— Sinto muito, mas eu não vou deixar aquele maníaco te fazer mal,
Khalid. Não vou levar essa culpa na minha consciência.
O canto da boca dele se repuxou em um sorriso sem humor.
— Tessalah sabia bem o que estava fazendo comigo. — Parou de amarrar
o cadarço do sapato social e me encarou. — Não é a primeira vez que eu sou
abandonado. O meu irmão Zaad era tudo o que me restava quando minha
mãe morreu, mas o meu pai mandou ele para o Kuwait, para morar com a
família do Malik e eu fiquei devastado. No início eu tentei entender, mas
meses depois, quando eu fui visitá-lo, percebi que tinha me substituído pelo
novo amigo.
Aquilo explicava muita coisa. O ódio pelo irmão da Melissa e o olhar
decepcionado que sempre dirigia ao Zaad.
Eu quis abraçá-lo e passar o resto da minha vida repetindo o quanto o
amava e que nunca mais o deixaria sozinho.
Foi meu inferno particular resistir àquele impulso.
— Acha que o Tessalah queria que você revivesse o trauma?
— Ele é astuto. Tem muita prática em terror psicológico.
— Por que a fissura dele em te destruir?
Khalid suspirou levantando-se da cama e vestiu a blusa preta de botões.
— Tessalah é um narcisista. Tem uma opinião muito elevada sobre si
mesmo, uma necessidade de ser admirado, e acha que todo o resto do mundo
é inferior a ele. Especialmente a minha família.
— O pior tipo de pessoa. — Suspirei dando o assunto por encerrado. A
conversa só estava me deixando mais ansiosa.
Prendi os cabelos compridos em um rabo de cavalo e me virei de costas
para ele, mostrando o fecho do vestido.
— Pode fazer o favor?
Ele deslizou o zíper para cima.
— Como conseguiu fechar ele sozinha?
— Com muito malabarismo.
Ele me fez virar de frente para ele e me enlaçou pela cintura.
— Não minta — pediu calmo.
— Deixa de paranoia! Aliás — cruzei o braço —, quem era a mulher que
estava com você?
— Minha nova secretária.
— Mas e o Hálim?
— Está em Bahrein investigando uma pista do Tessalah. Eu precisava de
alguém para substituí-lo por duas semanas.
A calma dele se mantinha em cada sílaba. Quase entediado.
— E onde foi parar a última pobre coitada que se tremia toda?
— Pediu demissão depois de me xingar.
— Ah! — Prensei os lábios encarando meus saltos.
— Quer me dizer alguma coisa?
— Não gostei dela, só isso.
— Então eu a demito. Simples.
Encarei-o, repuxando a boca.
— Fácil assim?
Ele deu de ombros.
— Sim. Muito fácil. Foda-se ela.
Senti uma pontada de pena da mulher que eu nem conhecia. Não me
pareceu justo.
— Não — falei me sentindo mal —, desculpa. Não precisa fazer isso. É
muito tóxico da minha parte. Ela não fez nada de errado. Eu que estou sendo
uma babaca.
Khalid beijou a ponta do meu nariz.
— Não vou alimentar a sua insegurança. Nunca. — Ele segurou meu rosto
entre as suas mãos. — Não tenho mais idade para joguinhos.
— Você é tão fofo — comentei triste e ele sorriu, mas seus olhos não
traduziam o mesmo sentimento.
— Estou pouco me fodendo para o resto do mundo, Isabela. Eu só me
importo com você. — Khalid entrelaçou os dedos nos meus e me entregou a
máscara preta que pegou do chão. — Vamos, eu vou te tirar daqui.
Khalid

— Infelizmente, isso não pode se repetir — Isabela falou triste. — Não é


seguro, Khalid. Preciso que... — Balançou a cabeça confusa e eu a beijei.
— Eu já entendi.
Isabela deu partida e saiu lentamente da garagem que ficava no subsolo do
hotel.
Vê-la partir só me deixou mais bravo, mas eu não a procuraria novamente.
Não enquanto Tessalah estivesse foragido e pudesse machucá-la para me
atingir. Era melhor que todos pensassem que ainda estávamos separados.
Dessa vez seria eu a protegê-la, e não o contrário.
Talvez fosse melhor ordenar que ela retornasse ao Brasil.
Tessalah não desistiria do seu golpe e tentaria tomar o sultanato a qualquer
custo. Eu precisava convencer todo o país que não sentia mais nada pela
Isabela. O único alvo daquele maníaco deveria ser eu.
Eu não me importo com a minha vida. Eu morreria dez vezes se fosse
necessário. Mergulharia de um penhasco, atearia fogo ao meu próprio corpo,
ou me afogaria voluntariamente se eu pudesse salvar a mulher que eu amo.
Liguei o carro e peguei a estrada principal. Estava cedo ainda e no
domingo as ruas ficavam vazias. Acelerei perdido em minhas lembranças e
na satisfação de saber que Isabela me amava. Era uma sensação boa e me
deixava empolgado.
Liguei para o Hálim, mas caiu na caixa postal. Eu precisava que ele
reforçasse a segurança da Isabela com o máximo de discrição.
Liguei de novo.
— Droga, Hálim! Atende a porra do celular! — gritei para a sua caixa
postal.
Estava há 140 km por hora, distraído e mexendo no celular. Não vi o carro
atrás de mim.
A pancada tirou meu carro da estrada e capotei no deserto. Tudo girou tão
rápido que parecia um borrão de cores. Rodopiei inerte, batendo a cabeça no
teto e no volante, várias vezes. Os vidros explodiram no meu rosto e senti
algo entrar no meu ombro esquerdo, rasgando a minha carne. Provavelmente
alguma ferragem do carro.
Durou alguns segundos.
Quando o carro parou de capotar eu sentia tanta dor que mal conseguia me
mover. Tateei até achar o cinto de segurança e o soltei com muita dificuldade.
Tirei o celular do bolso, sentindo a dor pungente. Disquei o número da
discagem rápida e joguei o aparelho embaixo do banco. Alcancei o pequeno
dispositivo no painel e enfiei na boca o mais rápido que pude.
Tentei abrir a porta, mas não consegui. A minha mão tremia e o sangue já
ensopava a minha blusa.
Eu precisava sair dali.
Ouvi o metal do carro ranger e a porta foi aberta. Alguém me arrastou para
fora.
— Tira ele daqui — o homem gritou para o outro ao seu lado. Não eram
civis. Calçavam coturnos militares. — Avisa ao Kadifir que estamos com os
dois Tharips.
Não!
Tentei rastejar para longe, mas fui contido.
Um soco me desacordou.
Tessalah

— Não importa quanto tempo passe, êêê — cantarolei amolando a faca —,


sentiremos a sua falta nesse lugar. Conhecemos o engano da liberdade...
Galbeek Ween, do cantor Hassan El Shafei, era uma música popular em
todos os países árabes. Alegre e moderna demais para o meu gosto, mas eu
queria torturar aqueles dois.
Depois de tantos anos lutando pelo bem do meu país, finalmente eu seria
honrado apropriadamente.
Ouvi os rosnados dele, debatendo-se na cadeira, e gargalhei. Mesmo com
um pedaço de ferro cravado no ombro o maldito ainda lutava.
Eu me virei para os dois homens amarrados e amordaçados atrás de mim e
sorri.
— Já decidiram quem será o primeiro?
O irmão mais velho dos Tharip rosnou alguma coisa ininteligível por conta
do pano em sua boca. Ele continuava repuxando as mãos com força. Dava
solavancos como se fosse forte o suficiente para arrebentar as várias camadas
de fita Silver Tape.
Já o irmão mais novo e frouxo, apenas me acompanhava com o olhar frio.
— Vocês dois são muito irritantes. Eu não queria ter que fazer isso.
Sequestrar e matar vocês dois não estava nos meus planos, mas quando o
Talibã desistiu eu fiquei — respirei fundo sentindo a raiva me corroer
novamente — frustrado! Queria que a população me aclamasse. Eu tinha
planejado tudo direitinho. O país destruído pelo terrorismo, devastado por
líderes fracos e hereges, seria reconstruído por mim.
Eu entrei em desespero quando o primeiro míssil atingiu o comboio do
Talibã. Estávamos nos deslocando em direção à fronteira ainda, não tinha
como eles saberem. Depois vi o tamanho absurdo do exército que nos
aguardava e gritei de ódio no meio do deserto. Meu carro foi atingido, mas
consegui fugir.
Meu plano perfeito foi arruinado.
Soquei o estômago do brutamonte com ódio e ele se curvou tossindo e
gemendo de dor.
Abominação!
— Eu já tinha até um discurso — falei arrumando o cabelo de volta ao
lugar. — Seria lindo. As pessoas me veriam como um messias.
Khalid sacudiu o corpo e puxou as mãos, tentando se libertar, mas era
inútil.
Olhei para eles admirando a cena. O sangue em suas roupas, as
escoriações, aquele era o meu momento. Bebi daquela visão me sentindo
feliz. Não era o que eu tinha planejado, mas eu tinha ficado sem opções.
— Preciso dizer que você facilitou muito o meu trabalho ao ser coroado
como sultão. — Apontei para Zaad. — Eu realmente achei que teria que lidar
com o seu irmão quando matei a mãe de vocês.
Os dois franziram o cenho, atentos. Até mesmo o que era metido a forte
parou de grunhir para prestar atenção.
— Ahhh, essa cara de vocês é tão maravilhosa que eu não consigo
expressar em palavras a minha satisfação depois de tantos anos guardando
esse segredo.
Saboreei o momento. Dava para ver o peito do Khalid subindo e descendo
com a respiração alterada.
— Vocês acharam esse tempo todo que a Najila tinha se suicidado, mas fui
eu que a sufoquei — imitei o gesto com a mão livre —, até a morte. E fiquei
olhando em seus olhos até que ela deixasse de respirar.
Dessa vez o mais novo que se debateu, grunhindo alguma espécie de
lamento e ódio que serviu de combustível para a minha alegria.
Que vitória gloriosa, Allah! Obrigado!
— Quem desconfiaria do cunhado do sultão, quando ele mesmo me deixou
entrar em sua casa?
Eu ri com gosto porque era muito engraçado. Tão irônico!
O olhar de ódio deles me fez gargalhar ainda mais alto porque não podiam
fazer nada.
— Espera — recuperei o fôlego e sequei uma lágrima —, tem mais.
Depois que estava morta eu enfiei alguns remédios na boca dela e ninguém
desconfiou de nada porque o pai de vocês batia na esposa e nos filhos. O
suicídio era até esperado!
O mais novo gritou uma pergunta e me esforcei para entender.
— Por quê? Quer saber o por quê? Ah, sim, veja bem, eu não planejava
matar a Najila, na verdade eu tinha outros planos. A sua mãe era bonita e
bem-nascida. Serviria bem como segunda esposa. Na verdade, eu a desejava
muito — confessei sentindo a minha boca aguar —, mas a vagabunda nunca
me aceitou. Não me tolerava e tinha a ousadia de deixar isso claro. Diferente
de vocês eu sou homem de verdade e não deixo mulher nenhuma ficar no
meu caminho. O lugar delas é na cozinha e não dando opiniões por aí.
Agora os dois davam solavancos na cadeira me divertindo sobremaneira.
Satisfatório. Muito satisfatório!
— Desistam — aconselhei em tom amável. — Não são poderosos como
acham. Vão morrer aqui e serão enterrados no deserto. — Fiz um sinal de
silêncio, levando o dedo indicador aos lábios. — Será nosso segredinho.
Igual foi com a mamãezinha de vocês. É até romântico se pensarem bem.
Eles rosnaram algumas coisas. Eu entendi um palavrão do boca-suja mais
velho, e o outro fazia perguntas, ainda mais inquieto.
Eu me sentia tão benevolente que me aproximei para tentar entender,
afinal, ele ainda era o sultão.
— Quer saber por quê? Ora, porque... Eu que te pergunto, por que insiste
tanto em perguntar por quê? Não vê o mal que você e seu pai causaram a esse
país? Mulheres na política, trabalhando fora de casa, estudando, sem usar o
hijab na rua. É uma vergonha! Vocês querem desvirtuar as nossas crianças.
Fazem lavagem cerebral nas faculdades, ensinando teorias ocidentais,
destruindo a nossa cultura. Eu só quero a preservação da nossa moral e bons
costumes.
Puxei uma cadeira e me sentei bem próximo a eles.
— Chega de prostitutas e bebidas. O povo está sendo desvirtuado,
sucumbindo ao vício! Nossas mulheres estão deixando de lado as leis da
Sharia, sendo corrompidas pela internet. Não veem que eu sou o salvador de
Omã? Vocês Tharip são o inimigo.
Aproximei o meu rosto do Khalid. Queria dizer aquelas palavras olhando
dentro dos seus olhos.
— Eu sou o herói nessa história. Eu sou o que defende os valores
verdadeiros. — Respirei fundo com orgulho, me sentindo realizado. — Eu
sou o salvador.
O impacto atingiu meu nariz e eu caí da cadeira, demorando a entender o
que tinha acontecido. A testa do Khalid exibia uma mancha de sangue.
Toquei meu nariz assustado.
Estava melado.
Encarei meus dedos e vi o sangue.
— Você quebrou o meu nariz? Seu desgraçado!
O infeliz tinha me dado uma cabeçada.
Levantei me segurando na cadeira caída e fui até a mesa comprida de metal
frio, um pouco tonto. O meu nariz latejava.
Peguei a faca mais pontiaguda. Eu tinha planos de torturar o Khalid um
pouco antes de matá-lo. Ele assassinou meus dois melhores homens com
socos, como um animal.
Eu não deixaria a morte deles impune.
Voltei com ódio e finquei a faca em sua perna o fazendo gritar alto, mesmo
amordaçado. O irmão se debateu junto, forçando os pulsos presos ao braço da
cadeira. Uma atitude inútil, pois seus pés também estavam presos com fita.
O galpão era usado para esfolar camelos antigamente. As peles retiradas
curtiam no chão do deserto ao redor, mas tudo foi abandonado quando a
exploração de peles deixou de ser lucrativa.
O local vazio era perfeito. Havia uma infinidade de instrumentos que me
serviriam para tortura e meus homens estavam do lado de fora vigiando.
Fiquei olhando o canalha se debater. O sangue escorria do seu ombro e
agora da perna. Morreria de hemorragia em algumas horas.
Puxei a mordaça dele com força e ele xingou livremente.
— DESGRAÇADO! — berrou a plenos pulmões. — Eu vou te matar, seu
filho da puta!
— Claro que vai — debochei e a minha voz saiu fanha.
Maldito!
Eu me afastei cambaleando, sentindo o cheiro metálico me nausear.
Precisava de um pedaço de pano. Abri uma torneira e lavei o rosto. Ardeu
muito e eu amaldiçoei o demônio mais uma vez.
Eu odiava sentir dor.
Peguei um pedaço de gaze de um armário de vidro que parecia alguma
espécie de farmácia, cheio de vidros cor de âmbar, seringas e remédios
variados.
Peguei um vidro de álcool.
— Achei algo para você, diabo. Com isso aqui você terá um vislumbre do
inferno.
O vidro caiu da minha mão quando ouvi tiros.
Não!
O barulho de motores e pneus deslizando na areia denunciava a quantidade
de veículos do lado de fora.
— Allah, me ajude! — sussurrei a oração, buscando forças em minha fé.
— Não me abandone agora. Essa guerra é sua, grandioso. Venha em meu
socorro!
— Tessalah — um dos seguranças entrou gritando. — O lugar está
cercado. O exército está lá fora.
— Como isso aconteceu? Eu contratei um bando de INCOMPETENTES
— gritei arrastando as mãos pela mesa de metal e todas as ferramentas foram
ao chão.
Do lado de fora uma guerra estava sendo travada.
— Eles devem ter sido rastreados.
— E você não verificou se eles tinham algum transmissor, seu inútil? Mas
em que merda de ano vocês pensam que estão? Na era das cavernas? Sem
tecnologia?
— Precisamos fugir agora, senão...
O soldado que falava comigo guinchou enquanto um jato de sangue
espirrava de sua garganta. Ele levou a mão ao pescoço e caiu lento, de
joelhos. Tentou parar o sangramento, mas tombou para o lado.
De pé, atrás do corpo, estava Khalid e me perguntei como ao mesmo tempo
que era tomado pelo pânico.
Seus olhos injetados me perfuravam irradiando gelo por todo o meu corpo.
Meus ouvidos bloquearam o som externo assim que a adrenalina me
percorreu.
Ele cuspiu um dispositivo pequeno no chão. O objeto quicou algumas
vezes e rolou até bater em meus sapatos.
Um rastreador.
Engoli em seco quando ele deu um passo na minha direção, mancando.
— Você cravou a faca perto demais da minha mão. Usou uma lâmina
muito comprida, de cabo grosso. — Exibiu a arma que usei para feri-lo. —
Facilitou muito o meu trabalho.
Ele veio na minha direção e eu peguei um facão que estava pendurado em
um dos ganchos na parede.
Defendi a primeira punhalada. Ele se afastou rápido e voltou com tudo,
mas consegui esquivar. Chutei sua perna machucada e ele caiu gritando.
Aproveitei a vantagem para tentar esfaqueá-lo, mas ele rolou pelo chão se
livrando do golpe e me acertou nas costas.
— Ahhh — gritei sentindo a queimação. — Desgraçado... eu — o ar me
faltou. Não consegui terminar a frase.
A faca ficou cravada, além do meu alcance. Tentei puxá-la, mas só
conseguia roçar os dedos pela lâmina e a cada vez que eu me mexia ela
parecia cortar mais, tornando a minha respiração mais estranha.
A sensação de afogamento fez meus joelhos cederem e precisei apoiar um
joelho no chão.
Khalid caminhou devagar entre as ferramentas espalhadas pelo chão, e
pegou algo que se parecia com um espeto.
O aço brilhou em sua mão, refletindo os últimos raios de luz solar que
entravam pelas janelas.
— Isso aqui é usado para furar o couro. — Ele aproximou e com um único
golpe cravou o objeto na minha perna que estava apoiada no chão.
Gritei me segurando nele, mas sem forças para revidar. Eu tentava respirar,
mas a sensação era de que água ao invés de ar entrava em meu pulmão.
Ele me segurou pelo colarinho, forçando o meu corpo para cima junto com
o dele e também gritou de dor ao fazer o esforço.
— Vo-cê... vo... cê... não po-de — tentei dizer. O sangue começou a vazar
pela minha boca e eu tossi engasgando, tentando puxar o ar para dentro dos
meus pulmões que ardiam.
Senti frio e medo. Eu não queria morrer.
Khalid me arrastou até um dos ganchos. Quis perguntar o que faria, mas
não conseguia mais falar. Ele enlaçou o meu pescoço com fios que pegou do
chão. Ele me pendurou como se eu fosse um animal.
Eu me debati, já sem ar. Meu corpo estremeceu com espasmos
involuntários e senti um líquido quente escorrer pelas minhas pernas.
— Está se mijando — avisou enquanto eu ainda estremecia.
Pegou outro objeto do chão e veio na minha direção. Eu não tinha mais
forças e o covarde me esfaqueou.
Eu senti a lâmina entrar e sair várias vezes. Meu cérebro registrou a dor,
mas eu não conseguia mais gritar ou revidar. Nem respirar. A minha visão
estava escurecendo.
— Eu vou — disse entre um golpe e outro — olhar em seus olhos —
apunhalou mais fundo — até que deixe de respirar.
Khalid estava inteiro vermelho.
Lavado de sangue. O meu sangue.
Era o próprio diabo. E me levou para o inferno.
Khalid

Quando o exército invadiu o galpão eu já não tinha mais forças para ficar
de pé.
Alguém me apoiou antes que eu caísse no chão.
— Você precisa de um médico. — Reconheci a voz do meu irmão.
Um dos soldados fez um torniquete na minha perna para estancar o
sangramento. Alguém, com mãos pequenas, cortou a minha calça e começou
a enfiar uma agulha na minha pele, a seco.
— Aguenta firme, Ministro. Eu sou boa em costura — a mulher avisou.
Em sua farda havia uma divisa de oficial. — Preciso fechar esse corte.
Senti muito sono e fechei os olhos.
— Ei, ei, não dorme não — ela bateu em meu rosto e eu a encarei. —
Sabia que eu tenho uma condecoração por bravura? Eu nem poderia ser
militar hoje se o senhor não tivesse possibilitado isso. Não vai morrer agora,
né?
— Estou cansado — murmurei com esforço.
— Ele precisa de uma transfusão de sangue — gritou para alguém.
— Khalid — Zaad me chamou. Estava segurando o meu rosto, mas eu não
sentia a mão dele. — Não faz isso comigo! Não me abandona.
— Você me abandonou bem antes, irmãozinho.
— Sinto muito! Por favor, me perdoa!
Ele segurou a minha mão contra o seu peito e pareceu apertar, mas eu
também não senti aquilo.
Estava anestesiado. Sem dor. Sem preocupação. E era bom.
Isabela

O perfume do Khalid estava grudado em mim há dois dias.


O final de semana foi uma bosta. Estava vivendo de lembranças e quando
acordei naquele dia, não quis levantar.
Minha janela fornecia uma bela visão do céu e eu fiquei ali deitada,
encarando o azul profundo com uma sensação esquisita no peito. Relembrava
cada palavra e meditava sobre a exaustão que o relacionamento com Khalid
havia me causado até agora.
Ele me oferecia um amor violento, uma paixão avassaladora, mas até que
ponto era saudável permanecer em um relacionamento tão intenso?
Descobri com ele que coisas estranhas e perversas me excitavam.
Pensando bem, um amor tranquilo nunca foi a minha meta de vida. Talvez
eu fosse realmente imatura, como ele sugeriu tantas vezes. Porque apesar de
saber que era irresponsável, eu queria toda a loucura daquele árabe.
Era segunda e eu avisei para a secretária que não iria trabalhar. Molenguei
me arrastando pela casa. Passava das 16h e uma angústia chata apertava meu
peito. Troquei de roupa disposta a ir caminhar, mas acabei sentada de frente
para a televisão postergando meus exercícios.
Não sou atlética.
Eu controlava meu peso apenas por conta da saúde, mas nunca fui
obcecada por ser magrinha.
Aquele foi um dia tedioso que demorou a passar e me arrependi de não ter
ido para o trabalho. Já era noite quando meu celular tocou dentro da bolsa e
eu revirei os olhos preguiçosa quando vi que era a Melissa.
— Alô!
— Isabela. — A voz abafada tinha um tom dramático. — O Khalid está no
hospital. Acho melhor vir aqui.
Meu coração deu um solavanco. Não esperei para ouvir nada além do
endereço e saí de casa o mais rápido que pude.
Quando cheguei, Hálim estava na porta conversando com Zaad e Gibrail.
Assim que me viu, veio ao meu encontro e me deu um abraço forte.
— Fica calma, ele está bem. Só precisa se recuperar. Passou por muita
coisa.
— Oi, Isabela. — Zaad me abraçou também e logo depois o pai dele me
cumprimentou. — Meu irmão acordou e pediu para te chamar.
— O que aconteceu?
— Tessalah tentou nos matar.
Senti todo o meu sangue congelar ao ouvir aquele nome e percebendo meu
desespero, Zaad resumiu o que havia acontecido.
Entrei no quarto de hospital e minha reação foi tapar a boca para não
chorar. Ele estava muito machucado.
— Oi — falou baixo.
Eu me aproximei devagar e segurei a sua mão.
— Eu sinto muito.
— Não é culpa sua. Esse homem perseguia a minha família há muito
tempo.
— Eu vou cuidar de você — prometi emocionada. — Não vou mais sair do
seu lado.
Seus olhos marejaram, mas ele prensou os lábios e respirou fundo, me
negando a visão da sua fragilidade.
— Eu... — limpou a garganta — vinguei o seu pai, Isabela. Aquele — ele
engoliu com dificuldade, respirando mais forte —, maldito, nunca mais vai te
ameaçar de novo.
Apertei a sua mão com força.
— Por que não deixou eles me avisarem antes?
— Desculpa. Eu não queria que se preocupasse.
— Nem acredito que não preciso mais ficar longe de você —
choraminguei emocionada.
Ele se remexeu na cama, mas não largou a minha mão.
— Era sobre isso que eu queria falar. Você foi embora, Isabela. Meu
coração foi partido e você me deixou chorando no chão. Todos os dias eu
esperava que entrasse de repente pela porta, mas você não voltou. Você
mentiu pra mim. Disse que me amava, mas não agiu dessa forma. E eu me
culpei tantas vezes pela morte do seu pai — a voz dele embargou. — Queria
te odiar, mas não consigo. Eu não posso. Sou incapaz de amar outra pessoa.
As lágrimas escorreram pelo seu rosto ferido e eu já estava soluçando a
essa altura.
— Por favor, Khalid, me perdoa — supliquei engolindo o meu orgulho. —
Eu te amo! Só tentei te proteger.
Ele apertou a minha mão e a puxou para a sua boca, beijando
demoradamente a minha aliança.
— Eu sei que não começamos da forma certa — falou mexendo nas joias
em meu dedo. Ao lado da aliança estava o anel que ele me deu e eu nunca
tirava —, mas eu queria você de verdade. Eu te dei isso porque você falou
sobre flores e diamantes, lembra?
Assenti chacoalhando a cabeça.
— Lembro de você dizer que não era meloso.
— É difícil assumir novos hábitos. Eu queria muito ser esse cara. Mas você
criou um gatilho dentro de mim.
— Gatilho? — Eu ri.
— Estou falando sério. Você foi embora e eu sou um cara fodido, minha
cabeça é uma merda. Agora vou ficar preocupado a cada vez que você sair e
quando demorar a voltar. Vou enlouquecer achando que me abandonou de
novo. Entende toda a merda que eu vou te fazer passar, Isabela?
Engoli em seco realmente me dedicando a pensar sob o ponto de vista dele.
É muito fácil ver apenas o próprio lado e talvez eu tenha sido esse
monstrinho feio que só olha para o próprio umbigo.
Khalid estava cobrando a minha responsabilidade afetiva e tinha toda a
razão de fazê-lo.
— Eu não te abandonei porque eu queria — tentei me defender, mas ele
negou com a cabeça.
— E se aparecer outro problema e você achar que a forma mais fácil de
resolver é indo embora? Como eu vou ficar? Não tenho mais partes para
serem quebradas.
— Eu não farei isso de novo.
— Não sei se consigo aguentar as emoções conflituosas que você me
causa, Isabela. Eu te quero, mas ficarmos juntos não é o mais saudável para a
gente.
Oi?
— Eu não estou entendendo aonde você quer chegar. Achei que estávamos
nos resolvendo.
— Cada vez que você sair de casa eu ficarei ansioso. Independente de
estarmos bem. Eu não quero que você vá embora, mas não posso te deixar
ficar sabendo que te causarei esse problema todo e que vou me tornar uma
bomba-relógio prestes a explodir.
— O que está querendo dizer? Está me mandando ir embora?
— Acho que é o melhor para você.
O ar me faltou e minha barriga começou a borbulhar. Eu encarava o rosto
sisudo sem acreditar.
— Não!
— A teimosia não vai resolver.
Eu gargalhei nervosa. Não estava acreditando naquilo.
— Você está deixando o Tessalah vencer. No final, ele ainda está nos
assombrando.
— Talvez o que ele tenha feito seja irreversível.
Toda a minha calma começou a se tornar raiva e acabei chorando.
— Quer que eu implore? Tudo bem. — Eu me ajoelhei ao lado da cama.
— Eu sinto muito, tá? Mas não é justo!
— Injusto é impor meu desespero a você. Estou fazendo o que é certo, não
entende?
— NÃO! EU NÃO ENTENDO!
Meu choro ficou mais indignado, as lágrimas mais compridas e os soluços
mais altos.
— Isabela, por favor...
— Não! — Funguei alto. — Que inferno! Por que está dificultando as
coisas? É vingança?
Ele me puxou para um abraço e enfiou o rosto em meu pescoço.
— Tudo bem — falou acariciando meus cabelos com delicadeza. — Fica
calma, está tudo bem.
— Não pode fazer essas coisas quando eu penso que a nossa vida foi
resolvida.
— Eu só queria fazer o certo. — Khalid suspirou como se estivesse
aliviado. — Eu tentei, Isabela. Lembre-se disso. Eu tentei fazer o certo, eu
tentei — repetiu várias vezes, trêmulo. — Foi você quem quis ficar.
Ficamos abraçados naquela cama de hospital por algum tempo. Segurando
firme um no outro, com medo de largar.
Khalid – Um Mês Depois

— Eu odeio essas reuniões! — resmunguei enquanto nos arrumávamos.


— Para de ser ogro, Khalid. É a festa de aniversário do seu sobrinho.
— Ninguém me quer lá, acredite. E também não estou a fim de olhar pra
cara do Zaad.
— Não entendo porque não consegue deixar de ser escroto com o seu
irmão. — Ela ajeitou a barra da blusa de malha. — Achei que depois de tudo
o que passaram, daria uma chance para a sua família.
— Força do hábito — argumentei sem querer dizer que tem certas coisas
que não se conserta.
Passaram décadas desde que fomos amigos e não é possível voltar no
tempo e subscrever a história.
Ela bufou. Andava muito irritadinha e eu já imaginava o que fosse. Entrei
no banheiro e peguei o remédio para cólicas no armário, junto com um
absorvente.
Isabela era relapsa com sua regra. Não tomava conta da data e
frequentemente sofria acidentes na rua. Também não percebia como o seu
humor mudava. Na cabeça dela era normal gritar a plenos pulmões porque
tinha uma toalha molhada na cama, ou porque meu chinelo estava no meio do
seu caminho.
Não era normal porque quando não estava na TPM ela não se importava
com nada disso.
Suspirei.
— Amor, qual a bolsa que vai levar?
— A branca.
Fui até o closet e coloquei as coisas lá dentro. Eu poderia ter apenas
lembrado a ela, mas não queria que ficasse chateada. Era o terceiro mês que
tentávamos ter um filho e sempre que a menstruação dela descia, ficava triste.
Tentei confortá-la várias vezes, dizendo que não tinha pressa, mas não
adiantava, então decidi que era melhor não dizer nada.

Dirigi devagar de propósito e chegamos tarde à festa. Resmunguei por todo


o caminho. Desde o estacionamento até chegar aos jardins exageradamente
enfeitados.
— Tio, Khaaaal — Dominic correu para me abraçar assim que me viu
chegando.
— E aí, pirralho? Tá grandão, hein? Daqui a pouco vai ficar mais velho
que eu!
Ele gargalhou segurando o meu rosto entre as mãozinhas pequenas.
— Que bom que vieram — Melissa pegou o filho de volta do meu colo e
deu um beijo no rosto da Isabela enquanto eu me afastava.
Desde que ela revelou que o meu casamento de conveniência tinha sido
ideia dela, alguma coisa dentro de mim esfriou.
Sim, eu sou rancoroso. Sou um filho da puta egoísta, vingativo, depravado,
sádico, assassino, agressivo e mais o que você quiser acrescentar nessa lista
que só cresce.
Isabela apertou a minha mão me repreendendo e eu a encarei erguendo as
sobrancelhas.
— Estamos felizes em estar aqui, Melissa — Isabela disse tentando ser
agradável.
— Mentira — falei sério. — Ela te odeia porque diz que você era uma
vaca como chefe e eu não queria vir.
Melissa sorriu contida enquanto Isabela me estapeava.
— Você é um escroto, babaca, ogro! — Suspirou. — Desculpa, Melissa.
Ela saiu bufando na direção do Malik e deu um abraço apertado no galinha
que retribuiu com gosto, jogando uma piscadinha de olho para mim por cima
do ombro dela.
A danada sabia como revidar.
— Bem que o Zaad me avisou que você guardava rancor.
— O que você quer, Melissa? — Encarei-a sem paciência. — Não é o tipo
de mulher que precisa do perdão de ninguém.
— Talvez eu só queira uma família, Khalid. Não uma bolha amorfa, com
um cunhado tarado em mim e que odeia o próprio irmão, mas uma família
que se ama.
— Eu não... odeio o Zaad. E com certeza não sou mais tarado em você. —
Fiz uma careta de nojo. — Eu amo a minha esposa e sou grato a você por
isso.
Ela sorriu satisfeita em ouvir aquilo e eu fiz um bom esforço para reprimir
o asco que passei a sentir dela.
— Mas você não acha realmente que merece perdão, né? — acrescentei e o
sorriso dela perdeu a intensidade, tomando ares de reprovação. — Você
desconfiou que eu fosse borderline e me deu um vício. Usou a Isabela como
ópio para me tirar do caminho. Não foi um teste. Você tinha certeza que eu
me afeiçoaria à primeira mulher com quem me envolvesse porque minhas
emoções são intensas e tenho medo de ser abandonado. Agiu como um
traficante que oferece heroína em uma bala para uma criancinha.
— Ah, por favor! Traficante? Não acha que está exagerando?
— Esse é o ponto. Eu SOU limítrofe. Exagerar é o que faço, mas posso
fingir que sou um cão castrado quando estiver perto de você. Tenho prática.
Tudo o que me forcei a pensar sobre a Melissa, todo o sentimento falso que
produzi na minha cabeça doente só para preencher minha necessidade de me
apaixonar por alguém, causou uma ferida putrefaz na imagem que eu tinha
dela.
Nós nos encaramos de forma nada amigável e Hálim, que se aproximava,
interveio.
— Hola, mi amiga![25] — ele a cumprimentou me dando a chance de me
afastar.
Eu agradeceria a ele mais tarde.
A festa tinha poucas crianças e muitos adultos e jovens. Toda a família da
Melissa estava lá, incluindo seus outros dois irmãos, tão engraçadinhos
quanto o Malik.
As pessoas espalhadas pelo gramado eram uma visão que a minha mãe
teria adorado. Havia mesas espalhadas e uma música ocidental tocando.
Risos, conversa, tudo o que jamais tivemos quando éramos crianças.
Fiquei ali parado observando as pessoas alegres e me senti deslocado. Já
tinha dado bastante tempo para Isabela ser social, então caminhei irritado até
ela.
— Já acabou de cantar a minha esposa? — perguntei para o arrombado que
se derretia para a Isabela.
— Já acabou de cantar a minha irmã? — rebateu putinho.
— Há meses! — gritei puxando-a.
— Desculpa, Malik! — Isabela pediu de longe e me deu um tapa no braço.
— Precisa ser tão desagradável o tempo todo?
— Vou descontar todos esses tapas que está me dando à noite — avisei
mordendo o seu dedo e ela riu. — Vai poder viajar comigo na semana que
vem?
— Vou. Consegui adiantar meu trabalho e posso fazer home office
enquanto estivermos em Londres.
— Ótimo. — Beijei o topo de sua cabeça.
Uma música lenta começou a tocar e quando o Zaad puxou a Melissa para
o meio do gramado, outros casais se animaram e foram dançar.
— Nossa, o seu irmão dança bem.
— Minha mãe nos ensinou — revelei cruzando os braços e ela me olhou
surpresa. — Está duvidando?
— Estou sim! Você não sabe dançar!
Ergui as sobrancelhas e estendi a mão para ela.
— Adoro quando me desafia, Isabela.
Deslizei a mão pela sua cintura, conduzindo seus passos. O sorriso que ela
abriu foi lindo. Peguei sua mão e dei um passo para trás, fazendo-a rodopiar e
puxei-a de volta rápido, fazendo com que seu corpo se chocasse no meu.
Ela sorriu derretida.
Nós nos movemos no ritmo da música, deslizando pelo gramado.
— Precisamos fazer isso mais vezes, Khal.
— Por você eu faço. Passo qualquer vergonha que for preciso para colocar
um sorriso no seu rosto.
Os dedos finos deslizaram pela minha bochecha em direção à nuca e eu me
abaixei para beijá-la. Suave, doce, nossas bocas sempre se encaixavam com
perfeição. A língua quente brincou entre meus lábios antes de entrar em
minha boca e as pessoas assobiaram ao nosso redor.
Isabela riu escondendo o rosto no meu peito.
A família da Melissa era diferente da minha. Éramos rígidos, sérios e frios.
Malik e seus irmãos eram descarados, debochados e brincalhões. Muito
parecidos os três. Eles se provocavam e riam o tempo inteiro.
Olhar para o Zaad à vontade entre eles quase me fazia entender o motivo
de ter se encantado pelos Abdul quando foi morar no Kuwait. Ele teve a
oportunidade de ter uma vida mais leve e criar vínculos.
— Como é Zaad? — gritou um dos Abdul. — Cadê a ninhada? Não vai
encher a barriga da nossa irmã de novo não?
— Era exatamente isso que eu estava dizendo agora! — comentou o mais
jovem. — Queremos sobrinhos, cara. Nossa família sempre foi grande, não
vem com essa de um filho só não.
— Pode parar com a palhaçada que eu não sou parideira. — Melissa
ergueu a mão aborrecida. — Eu, hein! E o casamento de vocês três? Para
quando é?
Um deles tossiu, engasgando-se e os outros dois, incluindo Malik, saíram
de perto dela que viu o pai Hassam somando-se ao coro de que deveriam se
casar depressa.
Gibrail ria, sentado em uma cadeira, velho demais para continuar de pé.
Ele parecia satisfeito só em nos ver todos ali.
— Vamos comer alguma coisa? — Isabela me chamou e eu fui alimentar a
minha esposa.
O amor da minha vida.
A razão da minha felicidade.
— Eu já disse o quanto você está linda hoje? — perguntei baixinho no seu
ouvido e ela sorriu.
— Ainda não. — Plantou um beijo rápido em minha boca. — Mas você
está simplesmente fabuloso, meu amor.
— Sério? Não acha que tenho orelhas de abano?
Ela sacudiu a cabeça mordendo o lábio, numa tentativa falha de esconder o
riso.
— Amo cada parte do seu corpo e as suas orelhas são perfeitas.
Gargalhei jogando a cabeça para trás porque sabia que estava mentindo
descaradamente.
— Sua mentirosinha safada — repreendi e foi a vez de ela gargalhar com
gosto.
Senti meu cérebro derreter admirando aquele som. As notas harmoniosas
de uma sinfonia de amor perderiam feio para o riso de felicidade da mulher
que eu amo.
Minha nossa, quando eu fiquei tão piegas?
— Podemos continuar assistindo aquele seriado hoje?
Suspirei ao ouvir sua pergunta, porque não gostava muito de fantasia e o
seriado a que se referia me deu sono por diversas vezes. Desconfiei que não
era na história que estava interessada ao vê-la suspirar pelo ator.
— Que tal a gente trepar loucamente ao invés disso?
— Khalid!
— Eu sempre prefiro ser feliz do que ser digno!
— Ahhh, jura?! Fala sério! — debochou revirando os olhos. — Você é tão
pedante citando Charlotte Brontë!
— E você adora porque fica molhadinha toda vez que eu faço isso.
Isabela estreitou os olhos e mordeu o lábio.
— Isso é golpe baixo, Ministro Tharip. Golpe baixíssimo!
— Eu sou mais velho e você tem que me obedecer — provoquei.
— Não creio, senhor, que tenha o direito de me dar ordens; apenas por
ser mais velho que eu, ou porque viu mais do mundo do que eu. Sua
reivindicação à superioridade depende do uso que fez de seu tempo e
experiência.
Aproximei a boca da sua, olhando dentro dos seus olhos, repleto de
orgulho, admiração e amor. Primeiro ela sorriu, então colou os lábios nos
meus atendendo ao pedido silencioso.
Tão perfeita!
— Você é terrível, seu árabe safado.
— E você é o amor da minha vida, brasileira gostosa!
Khalid

Dias depois havíamos decidido viajar para fugir do Natal em família. Era
uma época que deixaria a Isabela muito infeliz, pois era o primeiro que
passaria sem o pai.
— Achei que não voltariam nunca dessa terapia! — Hálim resmungou com
as malas prontas. — O voo sai daqui a uma hora.
— Isabela me fez parar o carro para correr atrás de um gato no meio da
rua, essa inconsequente!
— Ele estava assustado! Com certeza algum filho da puta abandonou o
bichinho na rua.
— Não pode trazer um gato pra casa! Eu tenho alergia, porra!
— Isso é um problema seu, e não do pobre do gatinho.
Hálim revirou os olhos e saiu por um momento. Quando voltou, jogou uma
cartela de remédio para mim que eu peguei no ar.
Um dos motivos de eu manter esse abusado como meu faz-tudo era sua
perspicácia de estar sempre pronto a resolver todos os meus problemas. Não
havia nada que ele não soubesse ou que não estivesse preparado para
remediar.
Espirrei mais duas vezes antes de engolir o caralho do antialérgico.
Que merda!
Isabela estava o cão nos últimos dias e a porra da menstruação não descia.
Esperava que a regra dela viesse logo para sair do inferno que seus
hormônios causavam na minha vida.
Conseguimos chegar ao aeroporto em cima da hora e cochilei diversas
vezes até chegarmos na França.
Aquela semana estava sendo terrível. Quase acreditei na teoria de inferno
astral que Isabela tanto repetia. Tudo estava dando errado pra mim e a Isabela
já estava me negando fogo há uma semana. Como se não bastasse, quando
chegamos ao hotel, a quantidade de quartos separados era insuficiente.
— Como assim teremos que dividir o mesmo quarto? — Hálim instou com
a gerente do hotel. — Isso é um absurdo!
— Desculpe, senhor, houve um erro no nosso sistema. Infelizmente a sua
reserva foi disponibilizada para outro hóspede e nessa época do ano ficamos
lotados. Não tenho nenhuma outra suíte disponível no momento.
Hálim esfregou o rosto com as duas mãos.
— Amanhã eu posso tentar conseguir uma cama extra para a suíte, mas a
essa hora não há muito o que fazer.
Não viajamos com os seguranças em respeito à data festiva. Isabela
comeria o meu rim se eu os forçasse a largar as suas famílias naquela data só
para nos acompanhar. Mas Hálim não só se ofereceu para ir como insistiu.
Disse que faria a nossa segurança enquanto eu estivesse babando pela minha
esposa.
Tenho esse defeito.
Ligamos para todos os hotéis daquela cidade sem êxito e tivemos que nos
conformar.
Quando entramos no quarto, para desespero do espanhol, só havia uma
cama.
— Era só o que me faltava! — Isabela esbravejou. — Uma cama para três?
É isso mesmo?
Não havia sequer um sofá naquela pocilga de suíte.
— Como isso foi acontecer, Hálim?
— Não me culpe! Você me avisou da viagem ontem, em cima da hora.
Óbvio que tinha tudo para dar errado! Quem decide ir a Paris no Natal?
Todos os hotéis estão lotados e isso foi o melhor que eu pude fazer.
— Agora não adianta reclamar! — Isabela arrastou a sua mala até o
armário e começou a desfazer a bagagem. — Estou cansada. Esse dia foi
estressante e meus pés estão me matando.
Contrariados, eu e Hálim fizemos o mesmo, dividindo o armário.
Quando ela se enfiou no banheiro para tomar banho, Hálim apontou o dedo
para a minha cara.
— Nem pense em transar com ela hoje, porque dessa vez eu não vou ficar
só olhando!
Bufei tirando os sapatos.
— Fica tranquilo. Essa mulher anda com um cadeado na boceta há mais de
uma semana.
Hálim me encarou surpreso.
— Sério? Vocês sempre foram como coelhos... sabe o motivo?
— Uma menstruação que não desce e uma TPM infernal.
Ele ergueu as sobrancelhas arregalando os olhos.
— Grávida?
— Não. Ela fez um exame e deu negativo. A médica falou que pode ser
ansiedade.
O espanhol deu de ombros.
— Só me deixem de fora das briguinhas de vocês. Nunca vi um casal tão
implicante um com o outro. Essa terapia de vocês não está ajudando. Já
pensou em mudar de terapeuta?
— Várias vezes. Para mim aquela mulher está querendo roubar a minha
esposa.
A gargalhada do Hálim preencheu o quarto e acabei rindo junto.
— A sua opinião não é muito confiável, amigo. Você tem ciúme até da
sombra dela.
Subi e desci os ombros pouco me importando. O problema era esse. Eu não
estava nem um pouco a fim de mudar esse aspecto da minha personalidade.
Aliás, não estava a fim de mudar nada. Eu apenas seguia Isabela e obedecia.
Ela respirava e eu imitava. Ela dizia quero e eu prontamente lhe entregava.
Sem culpa, sem medo, sem drama de consciência porque não era meu
objetivo ser uma pessoa melhor. Eu só me importava em ser o que ela
precisasse.
Por mim o resto da humanidade poderia ir se foder. Isabela era o meu tudo
e era suficiente.
Tóxico, eu? Tô nem aí.
Nós nos revezamos no uso do banheiro, conversamos sobre os planos do
dia seguinte e nos ajeitamos como pudemos na cama. Era bem larga e
espaçosa, mesmo assim, ficamos quase amontoados com ela no meio se
remexendo.
Isabela ligou a televisão e deixou baixinha porque tinha a mania de dormir
com ela ligada.
Cheguei a cochilar algumas vezes, mas a bunda redonda e perfeita roçando
no meu pau me fez latejar.
Virei de barriga para cima inquieto e respirei fundo.
— Sem sono, amor? — Isabela perguntou num sussurro rouco que me
arrepiou.
— Sabe que sim.
Ela deslizou a mão pelo meu abdômen, ajeitando-se de lado, na minha
direção. A bunda enorme ficou apontada para Hálim que ergueu o lençol para
admirá-la, sem dizer nada.
Minha respiração acelerou quando ela deslizou os dedos para dentro da
minha bermuda, tocando a minha ereção.
Safada!
Massageou para cima e para baixo toda a minha extensão e espichou a
outra mão para o membro do Hálim, acariciando por cima do tecido.
Eu conhecia bem as fantasias da minha esposa. Sabia que ela reivindicaria
o meu juízo cedo ou tarde para satisfazê-las, mas Hálim já não me causava
ciúme há um bom tempo. Confesso que tive algumas ereções imaginando
como seria.
Grunhi excitado quando ela tirou o pau dele para fora da bermuda e passou
a masturbá-lo também, no mesmo ritmo. O gemido dele me deixou ainda
mais duro.
— Eu quero os dois — confessou num sussurro miado, nos estimulando ao
mesmo tempo e me debrucei sobre ela, tomando a sua boca enquanto Hálim
se despia.
Nosso beijo frenético enviava ondas elétricas por todo o meu corpo.
Isabela se levantou e tirou toda a roupa.
Completamente eufórico, fiquei de joelhos na cama, oferecendo meu pau
para que ela chupasse. Deslizei pela boca quente sentindo o frisson do desejo
aumentar.
Deliciosa!
Hálim se masturbava enquanto ela se dedicava ao boquete, apalpando as
minhas bolas, bebendo a minha lubrificação.
Ele se ajoelhou ao meu lado e ela alternou entre chupar o pau dele e o meu,
massageando o outro enquanto a boca estava ocupada.
— Safada! — incentivei enfiando duro até sua garganta.
Hálim segurou a base do pau com força, gemendo. As veias saltadas, o
membro pulsando, indicando o tamanho do seu tesão.
— Deita, querida — ele pediu e ela obedeceu.
A boceta lisinha e rosada pulsava de ansiedade e quando ele enfiou a boca
em seu sexo, chupando sem parar, ela não demorou a gozar.
Tão linda. Tão entregue. As bochechas rosadas, o cabelo comprido e
castanho esparramado na cama. Isabela ficava linda gozando.
— Isso querida — elogiei acariciando o seio, puxando o bico com
delicadeza.
Hálim bebeu seu gozo todo, enfiando a língua dentro dela com gosto.
Adorando a boceta da minha mulher.
— Respira, meu amor. Estamos longe de acabar — avisei vendo um
sorriso diabólico se esticar preguiçosamente em seu rosto lindo.
Eu a ajeitei de lado na cama, de frente para mim, erguendo sua perna.
Hálim deitou atrás dela e deslizou a mão até a sua boceta, esfregando o ponto
inchado, fazendo-a gemer.
— Sem pressa, minha paixão — ele a tranquilizou. — Vou te deixar
excitada de novo.
Enfiei um dedo dentro dela, saindo e entrando rápido.
— Hum, tão meladinha! — constatei e enfiei mais um dedo.
Abocanhei o seio, chupando devagar porque sabia que estava sensível.
Hálim juntou um dedo ao meu e a estocamos juntos.
— Isso! Ahhh — gemeu alto, rebolando em nossas mãos.
— Onde me quer, cariño?
— Atrás — respondeu de pronto, empinando a bunda e meu pau latejou
forte. — Quero os dois ao mesmo tempo.
— Gulosa! — ele a repreendeu sorrindo.
Eu abandonei a sua boca para beijar seus outros lábios. Precisava que
estivesse muito excitada para aquilo.
Sustentei a perna erguida enquanto Hálim esfregava o dedo na orla do seu
ânus e abocanhei toda a vulva. O clitóris pulsou na minha língua. Os gritos se
tornando mais sofridos, mas eu não parei.
Hálim se levantou e voltou com o spray dessensibilizante. Eu me afastei
para que ele a preparasse. Borrifou só um pouco, espalhando para aliviar o
desconforto que viria. Depois aplicou uma generosa camada de lubrificante e
vestiu o preservativo. Lambuzou toda a bunda dela, enfiando o gel para
dentro do seu cu com um dedo enquanto ela gemia empurrando a bunda
gulosa contra sua mão.
Ela já estava perto de gozar, então parei de chupá-la e ouvi um puta que
pariu bem alto.
Hálim se posicionou atrás dela. A cabeça do pau avermelhado, menos
grosso do que o meu, foi empurrada para dentro devagar.
— Ahhhh, caralho! — O espanhol gemeu atordoado e a penetrou um
pouco mais. — Muito apertada!
Masturbei seu clitóris com cuidado. O suficiente para que continuasse
muito excitada, mas sem gozar. Dei pequenas batidinhas na boceta inchada,
bem em cima do seu ponto de prazer e ela gritou palavrões em sua língua.
Hálim ergueu mais a perna dela, rebolando à medida que entrava, para que
a orla do seu ânus não fissurasse com algum repuxo da pele, abrindo as
nádegas com a mão livre.
O filho da puta sabia foder um cu.
Eu sentia tanto tesão que meu pau expelia líquido pré-ejaculatório sem
parar. Olhar os dois transando era tão excitante e depravado que eu precisava
foder logo a sua boceta ou gozaria só de olhar.
— Está preparada, Isabela? — perguntei posicionando o pau na entrada da
sua vagina. — Vai ser fodida por dois ao mesmo tempo. Precisa avisar se em
algum momento não aguentar, querida. Não quero te machucar.
Ela apenas moveu a cabeça concordando, incapaz de falar e eu comecei a
invadi-la. Gritou imóvel, recebendo o meu pênis.
Quente.
Melada.
Deliciosa!
Deslizei oprimido até o fundo e parei, deixando que seu corpo se
acostumasse ao preenchimento. Senti cada palpitação da sua vagina em meu
pênis como ondas de choque.
— Assim eu vou gozar, cariño! — Hálim reclamou com a respiração
alterada. — Relaxa esse cuzinho, por favor.
Ele estava tão vermelho que parecia um pimentão, mas socava dentro dela
com vontade.
Comecei a entrar e sair mais rápido até estar fodendo a boceta gostosa com
força, no mesmo ritmo que o Hálim comia o seu cu.
— Ah, que delícia — gemeu enlouquecida.
Fodíamos ela de lado. A cama estalava a cada metida vigorosa. Hálim me
ajudava a sustentar a perna erguida para facilitar a nossa entrada enquanto ela
gemia e mordia o lábio inferior.
Meu coração batia acelerado com a visão dele satisfazendo a minha
mulher. Não havia ciúme, apenas um tesão bruto e cruel.
Sempre tivemos uma relação muito íntima e louca, mas Hálim sempre foi
leal a mim. Não era a primeira vez que fodíamos a mesma mulher, mas nunca
foi tão delicioso, tão excitante.
Meti gostoso, entrando e saindo ao mesmo tempo que ele. Nós nos
chocávamos contra o seu corpo de forma que ela permanecia imóvel, apenas
gemendo de prazer.
O tesão foi se acumulando em mim. Pelos gemidos, Hálim e Isabela
também estavam próximos do êxtase.
— Sonhei tantas vezes com esse momento — ele confessou com um
sussurro rouco em seu ouvido. — Quase não estou acreditando que está
acontecendo, Bela. — Estocou firme em seu rabo. — Espero que esteja perto
de gozar porque eu vou.
— Isso, me fode com força — Isabela suplicou com desespero e a vagina
apertou me arrastando para o orgasmo. Ela me seguiu, se tremendo toda,
gritando sua satisfação sem pudor.
Hálim urrou se libertando também e nós três, um embolado de corpos,
gozamos juntos.
Todos os meus músculos se contraíram ejaculando forte dentro dela. Sentia
a porra sendo lançada em sua vagina em jatos quentes e a sensação era
maravilhosa.
Beijei a sua boca com adoração. A língua ávida me tomou, algemando a
minha alma, me dominando, marcando meu coração a ferro quente.
Hálim se retirou dela com cuidado e puxou a boca da Isabela para ele. As
línguas deles se enroscaram, duelando, esfregando-se uma na outra.
Ele a encarou sorrindo largo.
— Quero deixar claro que sempre que quiserem fazer algo divertido assim,
eu me coloco à disposição. Serei um criado obediente.
— Você é um cachorro tarado — repreendi acariciando o seio da minha
esposa.
— Nunca nego a verdade, chefinho. — Deitou-se feliz, colocando as mãos
atrás da cabeça e encarando o teto. — E sei que vocês me amam também.
Beijei a boca da Isabela com carinho.
— Sabe que um orgasmo só nunca é suficiente pra mim — lembrei-a e
recebi um sorriso safado.
Perfeita!
Meu coração se alegrou de uma forma que jamais achei que alcançaria.
Calmo. Feliz. Satisfeito.
— A noite está só começando — falou baixinho e manhosa. — Você ainda
tem fôlego para mais, Hálim?
— A noite toda, cariño. Mas agora é a minha vez de comer essa boceta.
Isabela — Um Ano Depois

— Eu disse que não era para você comer aquele bolinho — Khalid
segurava os meus cabelos, ajoelhado ao meu lado no vaso sanitário enquanto
eu colocava tudo o que tinha e não tinha no meu estômago para fora.
A contração veio forte me fazendo expelir um líquido amarelo.
— Porra, Isabela! Estou preocupado. Vamos ao médico.
Vomitei mais uma vez buscando pelo ar em seguida, sentindo minha
garganta arder. O gosto azedo queimava a minha boca.
Arfei chorando.
Odiava vomitar.
— Será que pode... — cuspi a saliva azeda no vaso — me esperar acabar
aqui?
Ele sacudiu a cabeça concordando. Os olhos arregalados me diziam que
não estava lidando bem com a minha doença.
Quando meu estômago sossegou eu tomei um banho e escovei os dentes
devagar para não causar mais convulsões de vômito.
Saímos de casa correndo porque o Khalid parecia desesperado e me
apressava a cada cinco segundos. Chegamos rápido ao hospital que estava
vazio e fomos atendidos depressa. O médico fez inúmeras perguntas e me
passou alguns exames que me deixaram apreensiva.
Esperamos algumas horas pelo resultado de alguns testes e quando
voltamos ao consultório, Khalid estava apavorado.
— Doutor, a mãe dela morreu de câncer. — Ele engoliu em seco. — Acha
que...
— Não é uma doença o que a sua esposa tem, Ministro.
— Não? — perguntamos juntos e o velhinho riu com gosto.
— Vocês estão grávidos.
Khalid ficou pálido inicialmente. Achei que ele desmaiaria e meu
estômago se contraiu mais uma vez, me causando um enjoo forte, mas logo
ele abriu um sorriso enorme e me abraçou com tanta força que precisei
reclamar.
Tentamos por mais de um ano e chegamos a desistir. A ideia de que eu não
engravidaria de novo me incomodou por algum tempo e depois simplesmente
parei de pensar nisso.
Estávamos felizes e isso era o que importava.
— Parabéns — o médico acrescentou já puxando um bloquinho de folhas e
começou a escrever. — Você está um pouco anêmica e vai precisar de
reposição de ferro. Vou receitar algumas vitaminas e pedir outros exames de
sangue.
Eu estava aérea. Era como estar vivendo uma realidade que não era minha.
Saímos do consultório discutindo bobagens desnecessárias sobre o sexo do
bebê, onde seria o quarto, o que precisávamos comprar e outras ansiedades de
pais novatos.
Khalid mandou uma mensagem para Hálim assim que entramos no carro e
sorriu para o telefone com alguma coisa que o espanhol safado disse.
Ele estava de férias na Espanha, visitando os pais.
— Hálim disse que como padrinho quer escolher o nome.
— Aquele abusado se ofereceu na cara dura?
— Não seria o Hálim se não fizesse isso.
Foi um dia corrido.
Aisha, a viúva do Tessalah e irmã do sultão, foi a primeira a me ligar para
dar os parabéns depois que eu avisei o Zaad da minha gravidez.
Ela tinha retornado para Omã após a morte do Tessalah.
Quase chorei quando ela reencontrou os sobrinhos. Dava para ver que ela
os amava de verdade.
De tarde, eu fui até o cemitério visitar o túmulo do meu pai.
Fazia tempo que eu não colocava flores na lápide. Por muito tempo eu me
senti culpada. A morte dele foi culpa da minha ambição e me sentia
envergonhada de visitá-lo.
Era como se a minha felicidade fosse uma afronta, mas agora eu me sentia
na obrigação de dar a notícia a ele, mesmo sabendo que não havia ninguém
ali, que nunca ouviria minhas desculpas, ou conheceria o neto.
Sentei na grama baixinha, cruzando as pernas e encarei a lápide cinza,
precisando respirar fundo algumas vezes.
— É tão difícil estar aqui — comecei sem jeito. — Desculpa, papai, mas
estou muito feliz. Finalmente eu me sinto em casa, pertencendo a um lugar.
Quando deixei o Khalid eu não quis voltar ao Brasil. Por um tempo eu me
senti uma traidora por esse sentimento, mas depois entendi que o meu lugar, a
minha casa seria sempre onde ele estivesse. O meu coração é dele, papai.
Limpei as lágrimas que escorriam pelo meu rosto.
— Estar grávida é terrível — confessei soltando uma risada. — Eu vomito
cinco vezes por dia e sinto azias infernais.
A alegria me abandonou de repente e eu chorei de novo.
— Queria tanto que estivesse aqui, junto com a mamãe. Espero que
cuidem de mim aí do céu.
Olhei para cima como se pudesse de fato vê-los. Não que eu acreditasse de
verdade que eles estivessem em algum lugar, mas decidi que esse
pensamento era mais reconfortante.
— Sim — suspirei satisfeita. — Dessa forma é muito mais leve.
Fiquei ali mais um tempo, tentando ouvir algum sussurro, alguma
indicação de que eles me ouviam, mas nem a brisa soprou.
Suspirei depois de algum tempo e me levantei devagar, limpando a grama
do vestido.
Arrumei as flores e beijei a ponta dos dedos encostando-os na lápide em
seguida.
— Até breve, papai. Um dia eu estarei com você.
Caminhei mais leve, na direção do homem da minha vida que me
aguardava encostado no carro.
Ele sorriu me reconfortando de longe e eu toquei minha própria barriga,
satisfeita.
Abracei o meu marido e recebi um beijo carinhoso.
Khalid não era perfeito. Muitas vezes senti vontade de esganá-lo, mas ele
era o que eu precisava e eu o amava com toda minha alma.
A gestação foi tranquila. Minha barriga cresceu na medida do desespero do
meu marido pela minha saúde.
Tivemos um menino. Benjamin. Fui eu que escolhi o nome, é claro.
Significava filho da felicidade.
Ele seria um amiguinho para Dominic.
Eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que fossem amigos para
sempre. Como deveria ter sido com Zaad e Khalid.
Cresceriam juntos e unidos, para governar esse país com sabedoria e
justiça, assim como os pais.
E seriam tão felizes quanto nós somos.
Khalid

— Tudo o que ele precisa está na bolsa?


— Eu já disse que sim — Isabela respondeu ríspida e puxou muito ar,
soltando de uma vez só junto com um rosnado. — Você está me irritando!
Coloquei meu filho na cadeirinha de bebê e conferi o cinto de segurança.
— Tem certeza que é uma boa ideia levá-lo na praia? Ele só tem sete
meses de vida.
Isabela me lançou um olhar assassino e eu resmunguei mentalmente,
engolindo a minha insatisfação. Ela já estava irritadíssima com o burquíni[26].
— Você não vai me fazer desistir.
Dirigi contrariado até a praia. Não era verão ainda, mas já estava muito
calor em Mascate, capital de Omã.
Cadeiras, bolsas, guarda-sol e mais um monte de tralhas foram espalhados
ao nosso redor pela areia, para dar suporte, mas quando Isabela caminhou
com meu filho nos braços em direção ao mar eu não aguentei.
— Ei, ei, ei! Aonde pensa que vai?
Ela me encarou sem entender a minha pergunta.
— Não é óbvio?
— Não pode entrar com ele na água!
A gargalhada forçada atingiu meu nervo.
— Você não vai me dizer o que fazer com meu filho!
Hálim que vinha chegando abriu um sorriso antes de se jogar em uma das
cadeiras de praia, divertindo-se com meu desespero.
— Já falei o quanto amo passar os dias de folga com vocês dois?
— Ela quer levar o Benji na água! — reclamei apontando para o mar.
— Não chama o meu filho de Benji! Já falei que isso é nome de cachorro!
Além disso, não tem nem onda aqui! Qual é o seu problema?
Isabela saiu andando em direção ao mar e eu fiquei sem saber o que fazer.
— Calma, Khalid! — Hálim pareceu preocupado. — Precisa relaxar com
essa obsessão pela segurança do menino. Não está me parecendo saudável.
Passei a mão pelo cabelo curto e respirei fundo.
— Eu quero ver quando for o seu filho.
Hálim sorriu e empurrou os óculos escuros sobre a ponte do nariz.
— Ele é o nosso filho, amigo. Esqueceu que eu sou o padrinho?
Bufei porque ele sabia exatamente do que eu estava falando.
— Além disso — continuou —, eu jamais cometerei o deslize de
repreender a mãe do meu bebê. Isso é tolice!
— Então eu devo sentar aqui e assistir ela arriscando a vida do meu filho?
— Não acha que está exagerando? Ora, vamos lá, raciocine comigo. Acha
que Isabela arriscaria a vida do seu filho ou só está sendo paranoico?
Respirei fundo tentando me acalmar. Benjamin era pesado, poderia
escorregar da mão dela. Alguém poderia esbarrar neles. Alguém poderia
roubar meu filho dela!
— Mais uma vez — Hálim pediu me encarando atentamente e eu obedeci
mesmo a contragosto. — Bom garoto!
O safado riu enquanto eu hiperventilava.
— Lembra do motivo pelo qual você morreria por ela? — Hálim adicionou
a pergunta mantendo o mesmo sorriso no canto esquerdo da boca. — Ou isso
já passou?
Balancei a cabeça negando. O desgraçado sabia ativar meus gatilhos.
— Ela tem poder sobre mim — admiti soltando um suspiro profundo. —
Tudo o que eu amo está naqueles olhos.
— Você precisa parar de ouvir música americana. Agora vai lá e desfrute
do primeiro dia na praia com seu filho e esposa e me deixe paquerar as
turistas.
Mirei o oceano. O mar parecia se unir com o céu no horizonte,
promovendo um intenso dégradé. A areia branquíssima fazia o mesmo com a
espuma que se tornava translúcida, embolando-se com a marola.
Caminhei até ela em silêncio e sofri calado a cada movimento lento que o
mar fazia, tendo colapsos nervosos ao olhar para os lados e ver tantos
banhistas. A água não passou do seu quadril e mesmo assim eu quase gritei
de alívio quando ela se cansou e saiu da água.
Uma tortura!
Isabela ajeitou nosso filho sobre a toalha de praia, embaixo do guarda-sol,
e sentou em uma das cadeiras. Ocupei a cadeira ao seu lado, em silêncio.
— Isso vai ser muito melhor quando estivermos no Rio de Janeiro, nas
férias.
— Você gosta de fritar meu cérebro, esposa?
Ela me encarou atenta.
— Quero saber se você vai dar conta, Khalid.
Senti as minhas sobrancelhas se unirem automaticamente, no centro da
minha testa.
— De você ou do nosso filho? Porque de você eu...
— Quero outro — disse alto, me cortando e senti meu coração acelerar.
— Você... quer?
— Já vou avisando que vou precisar de um ajudante — Hálim se
intrometeu, mas a minha atenção era toda dela. — Meu irmão mais novo é
bem esperto e precisa de um emprego.
— Contrate a sua família inteira se precisar — falei sem conter a minha
felicidade. — Para quando, Isabela?
Não era uma suspeita. Estava mais para uma esperança que surgiu no
fundo da minha alma.
— Para daqui a oito meses — confirmou.
— Olha só! Parabéns, papais! Transando igual a coelhos, eu me admiro de
ter demorado tanto.
— Hálim! — ela o repreendeu, mas eu me levantei bruscamente, a tomei
em meus braços e a beijei profundamente.
Isabela tinha gosto de água salgada e todos os meus sonhos.
— Mais um filho — murmurei sentindo uma euforia se alastrar pelas
minhas veias. — Eu acho que não mereço tanta felicidade.
— Nós merecemos, meu amor. Merecemos.
Esse é aquele momento em que eu te ofereço um sorriso desconcertado e
passo a mão pela minha nuca, completamente sem graça.
Ok, eu admito. Virei um babaca de doer o ovo esquerdo. O tipo fiel, que
baba pela esposa, rosna para qualquer um que se aproxime dela e enfia o
rabinho estre as pernas quando ela fica puta da vida.
Puta merda, eu acabei de descrever um cachorro.
Tá feliz agora?
Talvez eu não tenha entrado para a sua lista de mocinhos preferidos porque
continuo sendo um filho da puta com o resto do mundo, mas você não
esperava de verdade que eu fizesse as pazes com meu irmão e perdoasse o
meu pai, né? Eu achei que tivesse deixado claro que essa não era a jornada do
herói.
Guarda essa porra de redenção para outro.
Entretanto, tenho certeza que você usou aquele paninho rosa. Confessa,
vai! Eu sofri o cão, mereço um paninho nem que seja verde, a cor que eu
menos gosto.
A minha lista de pecados cresceu, é verdade. Matei algumas pessoas, mas
veja pelo lado positivo: o mundo ficou mais seguro.
Sim, eu continuo um babaca egoísta.
Foda-se!
Ficou chocada? Huuum, que delícia! Pena que eu seja fiel, senão te
comeria de quatro até que gritasse o meu nome enquanto goza.
Pode me repreender enquanto dá esse sorrisinho sem-vergonha, mas
cuidado! Todo mundo ao seu redor está vendo o quanto as suas bochechas
estão rosadas.
Dá uma disfarçada. Isso. Comprime os lábios, respira fundo...
Nossa, que sexy!
Ah, não faz essa cara! Você gosta de imaginar a minha voz grave e
profunda no seu ouvido, ditando o que deve fazer.
— Ai, Khalid, para! — você diz com o tesão evidente e eu respiro fundo
controlando meu corpo viril.
Imaginou, né?
Tudo bem, pode me xingar. Estou acostumado.
Voltemos ao meu final. Eu superei a minha fixação pela minha cunhada.
Pode ser que eu tenha substituído o tesão que eu sentia por ela por uma
tremenda repulsa, mas e daí?
O Hálim e a psicóloga que sorri demais para a minha mulher têm razão. Eu
projetei minha carência na Melissa. Os romances de época não supriram a
minha necessidade de segurar na mão de alguém e acariciar os seus cabelos.
Nem de afundar o meu nariz no pescoço longo e ouvi-la suspirar.
Refletindo friamente, acho que o instante exato em que me apaixonei foi
quando ela me olhou com admiração pela primeira vez.
“Acho que finalmente entendi porque você aceitou se casar mesmo não
querendo. Não é pela sua família. É pelo seu país. Admiro a sua devoção.”
Sua observação me destruiu.
Foi como se a armadura que construí para me proteger fosse de papel fino
e velho. Isabela a rasgou com facilidade.
Depois teve nossa primeira foda e, uau, que porra foi aquela? Descobri que
tínhamos mais química do que a fábrica daquele refrigerante escuro que todo
mundo adora.
Isabela era veneno puro e eu sorvi até a última gota. Fui empurrado para
dentro do tonel tóxico. Nadei permitindo que sua letalidade penetrasse pelos
meus poros e me afoguei, mas renasci.
Um filho foi o fechamento do meu caixão.
Eu me tornei um pai obcecado.
Para quem fugia de casamento, porque não queria se envolver com
ninguém, hoje eu admito que não havia a menor possibilidade de ser feliz
sem a minha esposa e filhos.
Benjamim é tão impaciente quanto eu, mas tem os olhos da Isabela.
O garoto deu sorte. Vai roubar o coração de todas as menininhas quando
estiver na adolescência. E a minha menininha que ainda está na barriga dela
será a dona do mundo se depender de mim. Tenho pena do infeliz que tentar
chegar perto dela.
Hálim sempre foi como um irmão e hoje entendo o quanto ele torcia por
mim.
O nosso ménage foi uma experiência única. Não repetimos a dose.
Acho que entendemos que nos amamos, mas não dessa forma.
Sim, eu sei que o Hálim ama a Isabela e isso não me incomoda. Eu
também o amo. Fraternalmente. Torço para que um dia ele encontre alguém
que o faça perder as estribeiras do mesmo jeito que perdi. Quero muito ver
esse dia chegar porque vou rir muito da cara dele, assim como ele fez
comigo.
Ele se declara um espírito livre e pervertido, mas eu já li muitos livros e sei
que no final, caras assim acabam em uma coleira. Eu acabei.
Continuo sendo um cara mal-humorado. Um pau no cu para quem trabalha
e convive comigo, mas hoje sou feliz pra caralho.
Estou muito feliz por trazer um pouquinho da história de Omã nesses dois
primeiros livros da série. O Contrato, livro anterior a esse, surgiu na minha
cabeça por conta da matéria da Revista L’officiel que noticiava a fuga da
Princesa Haya Bint Al-Hussein do seu marido, o emir de Dubai, em 2019.
Khalid e Zaad surgiam ali. Príncipes. Mas suas vozes não eram iguais aos
meus outros personagens. Eles eram mais densos e quebrados.
Pesquisei vários países árabes para sediar essa história e quando descobri
que Omã já foi colônia de Portugal (de 1508 até 1656), pensei: esse é o país
onde se passará a história do Zaad e do Khalid.
Eu me encantei pelo governo do sultão Qaboos, um homem simpático e
progressista que foi educado na Índia e passou um ano com o exército
britânico na Alemanha. Ao retornar a Omã, seu pai mandou prendê-lo, com
medo de suas ideias de modernização. Com a ajuda dos oficiais britânicos
que treinavam o exército omani, Qaboos derrubou o pai, que foi enviado para
Londres, começando assim o que foi chamado de renascimento de Omã.
O Sultão Qaboos bin Said Al Said ficou 44 anos no poder. Ele buscou
transformar o sultanato, até então completamente fechado ao mundo e
submetido a um rígido controle religioso em um país neutro. Distribuiu
empregos, construiu um Teatro Ópera (era um amante declarado do
ocidentalismo), investiu em turismo e reverteu o extremismo da religião em
uma corrente mais tênue chamada ibadismo. Foi um dos líderes árabes a ficar
mais tempo no poder. Além de chefe de estado, era Primeiro-Ministro
supremo, comandante das Forças Armadas, ministro das Finanças, da Defesa
e das Relações Exteriores. Era considerado o pai dos órfãos, dos pobres e dos
oprimidos.
Sou muito grata a todos os leitores pelo carinho e apoio. Eu amo receber
suas mensagens. Sério!
Deixo aqui o meu carinho especial para as minhas betas Erica de Oliveira,
Jacqueline Torres, Eline Sato e especialmente a Lara Madeira. Incansáveis,
maravilhosas e pacientes porque leram milhares de versões desse livro até
que eu chegasse ao conteúdo final. Eu nem sei se teria terminado se não fosse
vocês porque o bloqueio me pegou com força. Obrigada!
Agradeço também ao meu parceiro e amor da minha vida que me apoiou
sobremaneira. Foi ele quem acreditou em mim a ponto de me incentivar a
deixar meu emprego estável de professora e me dedicar exclusivamente a
escrever. Sim, meus amores, agora eu sou única e exclusivamente escritora.
Por favor, me ajudem a não ir à falência kkkkk. Não deixem de avaliar
essa obra conforme sentirem em seus corações porque não é fácil viver de
literatura nesse país.
Agradeço a todos os bookstans, booktoks e qualquer outro meio digital
literário, que trabalham incansavelmente na divulgação de nacionais. Deixo
aqui todo o meu respeito e admiração ao trabalho de vocês.
Peço desculpas se enfiei muita política neste volume. Prometo que o
próximo livro será mais levinho.
Sim, o nosso debochado maior, Iran Malik Abdul, terá um livro todinho só
para ele.
Para todos que acreditam no meu trabalho, o meu mais humilde e sincero
obrigada!
LEIA O PRIMEIRO LIVRO DESSA SÉRIE
“PRÍNCIPES QUEBRADOS” E SAIBA ONDE
TUDO COMEÇOU.

O Contrato
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[1]
Minha rainha.
[2]
Moeda corrente omanense.
[3]
Tio.
[4]
Essa é a mulher mais linda que eu já vi na minha vida.
[5]
Obrigada.
[6]
Você é muito gentil.
[7]
Tive muito tempo livre durante a pandemia e fiz um curso online.
[8]
Partidário das convicções religiosas e políticas do xiismo. Acreditam que a liderança da nação
muçulmana deveria continuar entre a família do profeta Maomé, de forma que Ali, seu genro, deveria
se tornar o novo líder.
[9]
Muçulmanos ortodoxos que reconhecem a autoridade dos quatro primeiros califas, mas acreditam
que o povo muçulmano deveria eleger seu novo líder.
[10]
Levantamento realizado pela BBC.
[11]
Segundo a pesquisa da ONG War Child UK.
[12]
Segundo matéria do jornal O Globo, o sultão Qaboos bin Said Al Said, que ficou 44 anos no poder,
distribuiu empregos, cerca de sessenta mil, e obrigou empresas a criarem cem mil postos de trabalho.
[13]
Equivalente a diabo no islamismo.
[14]
Equivalente a inferno no islamismo.
[15]
Mãe de Deus! Você é muito cheirosa.
[16]
Não me fode.
[17]
Não enche o meu saco.
[18]
Porra!
[19]
Excesso de paixão ou de admiração por segmentos partidários.
[20]
Sacerdote encarregado de dirigir as preces na mesquita
[21]
Punições mais duras da sharia muçulmana para pecados como o adultério, estupro, roubo,
assassinato, etc.
[22]
Hitler escreveu um livro que se tornou o guia ideológico do nazismo, a tradução em português é
minha luta.
[23]
Desgraçado.
[24]
Organização fundamentalista islâmica que atua no Afeganistão e Paquistão e tem como objetivo
implementar a sharia e recuperar o controle dos territórios, com ofensivas contra a OTAN.
[25]
Oi, minha amiga!
[26]
Um tipo de traje de banho para mulheres. O traje cobre o corpo inteiro exceto rosto, mãos e pés,
embora seja leve o bastante para permitir a natação.

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