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Copyright © Nathalia Marvin 2020

Todos os direitos reservados.

Os personagens e eventos retratados


neste livro são fictícios. Qualquer
semelhança com pessoas reais, vivas ou
falecidas, é coincidência e não é
intencional por parte da autora.

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de qualquer forma ou por qualquer meio,
sem a permissão expressa por escrito da
autora.
À Sombra do Amor
NATHALIA MARVIN
Capítulo 1

Eu jogo a panela dentro da pia e


dou um grito. Minha mão queimada é
tudo que eu não estava precisando. É o
meu primeiro dia, vamos lá! Não posso
parecer incompetente.
Sim, porque é tudo que não se
espera de mim. Eu fiz o meu currículo
para Jolie Smith. A vida fez, para ser
mais honesta. De forma que ela viu que
eu estava sendo inútil trabalhando no
OpenBusiness – o prédio que abriga os
mais renomados empresários de Nova
Iorque. Dentre eles, seu pai e seu irmão.
Bem, ela não viu exatamente que eu
estava sendo inútil. Seu marido, Aaron,
contou a ela. Mas isso é outra história.
O que importa é que, como a boa
mulher que é, Jolie – Lili para os mais
chegados – me arrumou um outro
emprego. Com menos lugares para
limpar e que não haja competição, como
acontecia no Open. Os funcionários
realmente competiam entre si, odiando
uns aos outros. Era um lugar deprimente.
Pois bem, aqui estou eu, na casa
enorme geminada do irmão Smith mais
velho. Santiago Smith. Ele precisava de
uma empregada confiável porque,
segundo Jolie, o medo da morte não há,
mas de ser roubado, sim; então ela me
recomendou e, ainda bem, ele me
aceitou para o cargo.
É o meu primeiro dia e agora que
consegui finalmente deixar aquele quarto
dele. O cômodo facilmente abrigaria
uma família. Parece uma casa. Foi muito
demorado para limpar. Mas o bom é que
não tem ninguém enchendo o meu saco e
até pude colocar a Alexa para tocar uma
musiquinha.
Minha tarefa agora é fazer meu
próprio almoço, coisa que eu
conseguiria se soubesse cozinhar. É uma
vergonha, eu sei. Mas realmente não
tenho a prática da cozinha. E não é por
falta de tentativa, apenas que não existe
paladar em minhas mãos.
O telefone tocando me faz parar de
sacudir a mão no ar e corro para
atender. Devo estar mais feia que o
normal com os cabelos arrepiados e um
avental meio corpo.
— Residência do senhor Smith,
boa tarde — atendo, assoprando a mão
em seguida e balançando-a de novo.
Não tenho resposta.
— Alô-ô? — insisto.
— Olá, Celeste.
Minha mão para no ar e meu olhar
congela.
Quê… Azar.
— É o senhor Smith — o homem
no telefone continua a falar, a rouquidão
no fundo da sua voz sendo nada mais
que... notável. — Já conseguiu se
acomodar?
Volto a balançar a mão enquanto
olho para a pia.
— Oi, senhor Smith. É, hm, eu
estou bem — dou um sorriso para mim
mesma. — Acomodada.
— Suponho que tenha visto a lista
de tarefas que deixei no quarto de
hóspedes?
Estreito o olhar. Não vi, não.
— Sim, eu vi — tusso de repente,
me sentindo horrível por mentir na cara
dura e descaradamente. Mas não posso
ficar desempregada. — Não garanto que
vai ser possível fazer tudo hoje.
— Imagino que não. É a lista para
a semana toda.
— Ah! — Ah, merda.
O suspiro do outro lado da linha é
interessante.
— E o que você está fazendo
agora?
— Falando com você — respondo
o óbvio, colocando o telefone entre o
ombro e o rosto para averiguar minha
mão mais de perto. Vai ficar um horror.
— Antes de falar comigo, Celeste.
O que estava fazendo antes de falar
comigo — o tom fica mais gélido, mais
potente.
— Estava… — penso rápido. —
Aspirando o chão da sala de TV.
— Então você deve estar na casa
errada, porque eu não tenho uma sala
de TV.
Eu paro no ato de observar minha
horrível queimadura para arregalar os
olhos. O silêncio se instala até o tuuu-
tuuu da ligação encerrada ser ouvida.
— Ah, merda — puxo o telefone e
coloco na bancada de granito, em uma
lamentação profunda.
— Que curioso a minha irmã
confiar em você.
A voz. Atrás de mim.
Prendo a respiração antes de me
virar e me deparar com Santiago de pé,
ao outro lado da bancada. Estou
assustada. Estou pra valer. Como ele
entrou?
— Como quê… — eu começo, mas
não termino.
Não termino porque minha cabeça
começa a considerar que poderia ser
qualquer um. Definitivamente qualquer
outra pessoa poderia ter entrado aqui,
chegado sem eu notar, e ter feito
qualquer coisa comigo.
Meu corpo gela com essa
possibilidade.
— Como que entrei em minha
casa? — ele completa minha frase, a
sombra de um sorriso se formando no
canto da sua boca. Não é muito visível,
porque ele sempre está com esse chapéu
que faz suas expressões serem um
enigma.
— Pergunto porque não o ouvi
chegando… — tento explicar.
— Você estava ocupada gritando e
jogando panelas — sua voz grossa não
me deixa entender se ele está fazendo
uma crítica ou apenas comentando que
me viu em um episódio digno de
demissão. Incompetência clara.
— Está aqui desde que me
queimei? — questiono.
— Estou — ele afirma somente. —
Fui ao quarto de hóspedes buscar a lista
que você não leu e pensei que poderia
testar de sua honestidade incontestável
da qual Jolie me falou.
Balanço a mão no ar, a ardência e
dor me lembrando que estão ali.
Tento sorrir.
— Eu li a lista — digo. Minha voz
sai um pouco afinada, sinal de que está
sendo difícil andar numa onda de
mentiras agora. Cara a cara.
— Tenho certeza que não leu.
— Por que afirma com tanta
firmeza? — rebato.
Ele dá um passo a frente e desliza
um papel sobre o granito. Eu estendo o
braço com a mão boa para pegar. É um
pequeno papel quadrado, que possui
apenas três itens.
Termino de ler no exato momento
em que Alexa começa a tocar Con te
partirò, do Andrea Bocelli, e todo o
cenário de tensão fica pior.
Azar. Ele existe e me foi duplo.
Capítulo 2

A irritação deveria estar me


consumindo. Eu poderia colocar Celeste
para fora da minha casa agora mesmo, a
acusando de engano. Poderia dizer a Lili
que sua amiga mente deliberadamente
sem nem tremer a voz.
Mas aquele grito de dor me fez
esquecer qualquer possibilidade dessas.
Não estava em meus planos ter que
vir em casa à tarde, mas me esqueci de
levar o notebook para o escritório e não
tive outra escolha que não eu mesmo vir
buscar, já que confiança não é uma coisa
que se encontra em uma esquina, ou mais
precisamente em um escritório, então fui
incapaz de pedir que alguém viesse
buscar para mim.
Mas a minha recepção em casa não
foi com uma empregada silenciosa e
discreta, como qualquer outra que já
tenha passado aqui. Não, muito pelo
contrário, fui recepcionado por Head &
Heart, do Joel Corry tocando altíssimo.
Foi surpreendente, de uma
forma completamente negativa.
E agora… Olhando Celeste, com as
bochechas rosadas, sacudindo a mão
levemente, usando um avental verde que
a faz parecer um duende, quero ajudá-la.
— Sr Smith, eu… — seu olhar
levanta do papel de afazeres para mim.
Ela tem olhos ordinariamente claros. É
como uma luz. — Confesso que não li,
mas — tem, depressa, a audácia de
tentar se justificar — como vou limpar
seu quarto se não posso entrar lá?
— Você não vai — caminho,
rodeando a bancada para me aproximar
dela. Seu passo em retrocesso é
instantâneo. Ela me encara com
apreensão. — O que foi?
— O que está fazendo? — rebate.
— Me deixe ver — aponto sua
mão.
— Eu estou bem.
— Que bom, mas não é isso que
quero saber — estendo a palma da
minha mão para cima. — Me dê sua
mão.
— Não — sua recusa é taxativa
quando ela se esgueira para trás. — Não
precisa, obrigada.
Não insistindo, vou até a pia. Vejo
a caçarola vazia dentro. Olho Celeste
outra vez. Seu semblante mudou e, de
confiante, ela passou para receosa.
— Como exatamente você
conseguiu se queimar? — pergunto.
Ela suspira, baixando os ombros
em um acuamento involuntário.
— A água estava fervendo a ponto
de cair no fogão. Eu fui tirar com a
ajuda do pano, mas ele acabou
molhando também, aí eu joguei pra lá e
fui pegar sem ele, só que respingos de
água quente caíram na minha mão e, com
o susto, bati os dedos na panela quente
— ela solta um som que parece mais um
gemido e eu me recuso a observar isso.
— Aí, né, eu já estava com a panela em
mãos mesmo e fui até a pia. Foi quando
mais água respingou na minha pele e
aumentou a queimadura.
— Incrível. Uma mulher cheia de
agilidades — volto a me aproximar dela
— Foi assim que Lili te descreveu.
— Eu só não sei cozinhar — se
defende enquanto dá pequenos passos
para trás.
— Como não?
— Minhas comidas não têm gosto
— ela nos distancia, indo para o outro
lado da bancada. — Não sei o que
acontece.
— Muito ruins?
— Sim, muito — ela afirma,
sacudindo a mão agora freneticamente.
— Venha aqui — a chamo,
voltando à pia e tirando a panela de
dentro. Ligo a torneira e me viro para
ver que Celeste não se moveu e nem
parece querer fazê-lo. — Venha colocar
sua mão na água. Acho que,
possivelmente, tenho algum creme para
queimaduras. Preciso verificar. Já volto.
Deixo-a para ir ao banheiro no
quarto de hóspedes do primeiro
corredor, onde guardo tudo que eu não
uso com costume.
Abro as gavetas e vasculho por
alguma pomada, mas só encontro uma
lingerie. Provavelmente a última mulher
que eu trouxe aqui a deixou
propositalmente para que me lembrasse
dela. Jogo errado, porque não faço
questão e pego a peça para jogar no
lixo. Quando não encontro nada que
possa ajudar a mão queimada de
Celeste, volto ao seu encontro.
Ela está com a mão enfiada no
freezer e quase a cabeça também, como
se quisesse entrar lá, e talvez o que eu
ouço seja mais esquisito que a cena.
— Não subirá à minha mente, não
subirá à minha mente, não subirá à
minha mente, não...
— Subirá à sua mente, já entendi
— completo, o que a faz virar somente a
cabeça um pouco, me olhando de forma
igualmente esquisita. — O que não vai
subir à sua mente?
Celeste aperta os lábios, ainda me
encarando. Seus olhos são
verdadeiramente claros, como faróis de
carro. Um pouco exagerado,
provavelmente, mas o mais perto do
explicativo.
— Nada — seu sorriso é curto.
— Diga, eu quero saber.
— Não tenho nada para dizer —
ela volta o olhar para dentro do freezer.
— Eu só estava meditando…
— Meditando?
— Sim — sua resposta sai baixa,
como um ruído. — Já estou melhorando.
— Meditando… — me debruço
sobre o mármore da bancada, apoiando
os braços. — E você medita sempre?
— Quando necessário — ela não
faz caso, me dando uma resposta pontual
e enfática.
— Hm — tamborilo os dedos na
bancada. — Eu não acredito em
meditação, menos ainda no que você me
diz. Acho que não estava meditando,
mas eu não me importo.
— Então por que ainda está aqui?
A pergunta me deixa surpreendido,
de novo. O modo como ela fala. A
maneira que sua voz sai esmagadora. A
falta de educação. É a minha casa. E
não é uma empregada que vai usar desse
tom comigo.
— O que disse? — me endireito ao
fazer a pergunta e, em passos
calculados, caminho até estar atrás dela.
O suficiente para que a minha própria
voz seja ameaçadora.
— Eu perguntei por que ainda está
aqui — ela repete, mais respiração que
a voz dessa vez. Está tensa, eu posso
sentir.
— Se eu fosse você, Celeste,
repensaria sobre a forma que fala
comigo, porque não é difícil despejar
você da minha casa — aconselho.
Ela ri e seus olhos me procuram.
Eu vejo tudo, menos o temor.
— Me despejar? — sua língua
serpenteia o lábio superior e se enfia na
boca de volta. — Não faz sentido. Você
só poderia me despejar se eu morasse
aqui, e não moro. Só estou limpando a
sua casa.
— Te colocar no olho da rua,
então.
Celeste estreita os olhos.
— No olho da rua é mais fácil de
entender — ela volta para o freezer. —
Mas vai ser uma pena, porque os três
lados vão perder.
— Que três lados? — quero virá-la
de frente para mim e fazê-la me encarar.
Mas tudo que tenho é a visão de suas
costas.
— O seu, o meu e da Lili —
Celeste responde. — Pois claro que ela
não ficaria muito feliz ao saber que você
me demitiu só porque eu não achei uma
lista que limita meus movimentos pela
sua casa. Eu só quis fazer o meu melhor,
senhor Smith, e você se irritou porque
não gosta de ser desobedecido.
Não sei se sua audácia a torna
confiante ou apenas a mais insuportável
das empregadas que já tive. De toda
forma, o meu horário curto não me
permite descobrir.
Eu deixo Celeste enfiada no freezer
para poder voltar ao trabalho, antes indo
conferir meu cofre que fica escondido na
parede em meu quarto.
Capítulo 3

Eu tiro a mão do freezer e olho


para trás. O ar volta para os meus
pulmões quando me vejo sozinha, e
começo a caminhar para um lado e
outro.
Estou maluca? Provavelmente.
Como vou conseguir juntar dinheiro para
morar sozinha se não puder me segurar
em nenhum trabalho?
Mas eu fiquei com medo. Esse
homem é esquisito. Ele é todo tudo e
magnetismo. Que aroma delicioso é
aquele que irradia dele? Eu me senti
arrebatada, porque ele é realmente
cheiroso. Ficar perto não era uma
opção, e eu tive que me afastar. De todo
jeito e de toda forma.
Banquei a maluca? Banquei. Mas
foi melhor que dar na cara que eu estava
completamente hipnotizada. Facilmente
eu ficaria de boca aberta observando-o
ir para qualquer lado com seu terno
preto.
Respiro fundo, me escorando na
bancada. Estou ferrada.
Mas que bom que Santiago Smith
não fica em casa na maior parte dos seus
dias. E eu não vou estar mais aqui
quando ele chegar. Isso é bom, com
certeza, mas… Eu quero ver seu rosto
de novo. Já nem me lembro mais como
é. Aquele chapéu atrapalha tudo.
Por que será que ele o usa? Por
gostar ou por outro motivo? Não posso
perguntar, não cabe a mim saber. Eu sou
a empregada e só.
Alexa começa a tocar Your Song do
Elton John e eu me viro para a entrada
da porta da cozinha. Há caminhos e
caminhos pela casa do sr Smith, o que
significa que ele ainda pode estar por
qualquer cômodo.
Ele parece ser bem chato e fresco,
mas pelo menos não reclamou de eu
estar ouvindo música. Achei que teria
permissão, afinal, a Alexa está bem à
vista no corredor principal da sala de
estar. Mas depois de ver a lista, não sei
mais.
Minha mão volta a arder e eu olho
para a queimadura. A minha pele está
um pouco vermelha e não parece ser
nada grave, embora eu tenha minhas
dúvidas se logo vai passar. A
vermelhidão e o ardor.
— Você sabe que uma das piores
formas de morrer é sendo queimado? —
Santiago volta, a sua voz volta, ele
volta.
Não sei porque meus olhos se
arregalam, pois eu já estava olhando
para a porta antes. Mas mesmo assim,
deixe eu diga, não há preparo. Ele é
esquisito e perturbador. Alto demais.
Bem vestido demais. Eu quero admirá-
lo calada.
Tenho muito elogios para ele, sim,
mas mais críticas. Como, por exemplo,
esse chapéu. Quero jogá-lo na rua.
— O que está olhando? — ele faz
outra pergunta.
Essa é a que me faz ajeitar a
postura e abrir um sorriso nervoso.
Gesticulo, brandamente.
Não vou correr o risco de abanar
as mãos freneticamente, pois já tive uma
patroa que me condenou por isso.
Aquela lambisgoia era insuportável, e
fui bem perto de dizer isso para ela, mas
o meu gesto de mãos pareceu ofensivo o
suficiente para ela me querer fora de sua
casa antes que eu pudesse abrir muito a
boca.
— Desculpe, eu não ouvi a sua
pergunta — minto, de novo. Tenho que
parar imediatamente com isso.
— Perguntei o que está olhando.
Coitado. Ele realmente acha que
não ouvi.
— Não essa pergunta — explico
—, a anterior.
Santiago tira o chapéu. Ele. tira. o.
chapéu. Obviamente não porque quer
me deixar ver seu rosto, isso parece
mais um gesto de impaciência. Ele tira o
acessório da cabeça sempre que se sente
irritado?
Não tenho tempo de buscar uma
resposta.
— Celeste — ele diz meu nome
outra vez, e devo dizer que combina
muito em sua boca —, eu vou relevar o
que fez hoje. Tem razão quando diz que
minha irmã não gostaria da sua
demissão. Lili está grávida e não quero
que ela tenha qualquer tipo de irritação,
mas, em um próximo deslize, eu não vou
precisar me dirigir a você. Isso
consegue estar claro em sua cabeça?
— O único deslize que houve foi
da panela na minha mão — rebato, não
entendendo bem do que ele está falando.
Ele ficou com raiva por eu ter tentado
fazer meu trabalho com excelência? Que
piada!
— Estou de saída — Santiago me
ignora com louvor. — Chego às seis,
então, por favor.
Sua frase se finda ali e ele põe de
novo o chapéu, se virando para sair.
Fico tomada de emoções ao pé da
bancada.
Eu o vi sem chapéu. Nem tão perto,
mas ainda assim mais próximo do que na
vez em que me sujei de tinta e fui levada
até a sala de Logan, onde Santiago
também estava.
Embora isso me deixe radiante,
também fico preocupada, porque aos
seus olhos eu já fiz um monte de coisas
erradas. Ele está levando a sério me
demitir. E é como eu disse, não posso
morar sozinha se não tiver dinheiro.
Como vou ter dinheiro se não trabalhar?
E seis horas? Ele chega tão cedo
assim? Queria ficar aqui por mais
tempo. Quanto menos eu estiver em
minha casa, melhor. Bem melhor será.
Volto para meus afazeres, agoniada
e um pouco triste pelos acontecimentos.
Lavo a panela e seco, guardando no
armário. Não vou preparar nada. Devo
não ser proibida de comer um lanche.
Tem tanta comida por aqui que, mesmo
que eu passasse o dia comendo,
Santiago não notaria a diferença.
A campainha toca quando estou
terminando de limpar a bancada da ilha,
o que me faz estranhar. Ele está
esperando alguém? Mas nem me disse
nada.
Tenho minhas dúvidas sobre ir
atender a porta, mas que opção eu
tenho?
Deixo a cozinha para seguir o
corredor até estar no hall de entrada.
Espio no olho mágico, vendo um jovem
com algum tipo de uniforme em cores
neutras.
Giro a chave e abro a porta.
— Pois não?
— Entrega para este endereço —
ele me estende uma sacolinha, que eu
aceito. — Boa tarde, senhora.
Com um aceno de cabeça, o rapaz
me deixa com a sacola em mãos.
Eu abro depressa, curiosa, vendo
uma caixinha pequena. Pego de dentro,
meu sorriso se abrindo quando leio as
duas indicações na frente: ferimentos e
queimaduras.
É uma pomada para minha
mão? Talvez Santiago não seja tão ruim
assim.
Capítulo 4

Estou trancando a porta do


escritório para ir embora. São quase
oito da noite e isso é raro. Ter que sair
tarde do trabalho, quero dizer.
Normalmente eu sou bem organizado
com a minha rotina, de forma que
consigo me enquadrar nos horários que
me auto demando.
Foi dessa forma que consegui me
afastar de tudo que dizia respeito ao
senhor meu pai. Um homem frívolo,
arrogante, mesquinho, incapaz de sentir
algo que não amor pelo dinheiro. Um ser
humano que quero perto, bem perto do
inferno.
Não o odeio, desde que ele esteja
longe de mim. Sou a favor da fé de que,
o que os olhos não vêem, o coração não
sente. O que meus olhos não vêem, não
me trazem lembranças. Lembranças
essas que odeio ter, mas tive que
aprender a lidar. Ou eu seria tudo, ou
não seria nada por causa delas.
Imagens do meu pai sendo ele
mesmo. Toda vez que algo dava errado
em seu trabalho, ele chegava uma fera
em casa. De maneira que a minha mãe
tinha que ficar o mais longe possível.
Mas não surtia muito efeito. Lembro-me
de vê-la se trancando no quarto, mas
meu pai tinha sua própria chave. Sobre o
que acontecia lá dentro, eu nunca soube
ao certo, mas do corredor, conseguia
ouvir gritos, choro e uma sucessão de
pedidos para que ele parasse.
E depois, no dia seguinte ou apenas
mais tarde, os dois estavam juntos, como
um doce e admirável casal. O que não
tinha qualquer explicação, porque a
parte ruim, aquela maldita parte, se
repetia vez após vez. Dia por dia. Nisso,
se somando em anos. Abomináveis
anos. Amaldiçoado tempo.
Como se não bastasse ser o tipo de
marido escroto que demonstrou ser, o
meu pai também me batia. Com a força
da sua raiva, sua mão alcançava onde
fosse. Certa vez fiquei com a cabeça
dolorida do segmento de puxões de
cabelo que ganhei. E esse foi o motivo
que me fez cortar o cabelo para ficar o
menor possível, para que não tivesse
onde ele puxar.
Quando cheguei perto da
maioridade, fui submetido a trabalhar
com ele. Se eu o achava ruim como pai,
quanto mais quando descobri seu lado
de poder mandar porque podia. Foi a
pior época da minha vida ter que lidar
diretamente, dia a dia, com o meu pai.
Mas sou, indiretamente, grato no
fim das contas. Se assim não fosse, eu
não teria tido oportunidade de me
colocar no lugar onde estou. De uma
loja de roupas, para uma franquia. E não
apenas, como também tomando posse de
demais setores. Todos dos quais foram
de meu desejo. Desde supermercados
até o ramo da tecnologia.
O dinheiro não para de me alcançar
e isso é a coisa que me dá mais glória
nesta vida que vivo. Eu amo a vida, me
alegro com ela, mas sei que meu único
objetivo em meus dias é ficar
abundantemente rico. A cada dia mais.
Mais rico do que o meu pai. Com
mais poder do que ele. Para que ele veja
com seus próprios olhos que não tem
algo que eu não possa alcançar mais do
que ele. E que o seu poder já não faz
mais efeito em minha vida.
Já em meu carro, dirigindo pela
noite pouco movimentada de automóveis
em Nova York, recebo o barulho de
notificação do meu celular. Enfio a mão
no interior do terno e o pego para
colocar no suporte do painel.
Ligo a tela rapidamente e vejo se
tratar de mensagens de alguma mulher
que não lembro o nome. Ignoro, porque
é no instante em que prefiro checar as
filmagens das câmeras de segurança que
instalei em casa.
Elas já existiam antes de Celeste.
Já existiam para a minha própria
segurança.
Deixo as imagens rodando,
intercalando a vista entre o celular e a
pista.
Tudo parece ter acontecido normal
durante o dia de Celeste vagueando pela
minha casa. Com ressalto das vezes em
que ela para para cantar no cabo de
vassoura e dança como uma
desengonçada rodando panos no ar e
agitando os braços, depois fingindo
estar tocando uma guitarra invisível.
Isso me faz respirar fundo, em
impaciência e reprovação.
Não gosto que misturem diversão
com o trabalho. Uma coisa não tem,
absolutamente, nada a ver com a outra.
O ambiente de trabalho sempre deve ser
com um foco, com centralidade em um
único objetivo. No caso dela, limpar a
minha casa, e não ficar fazendo cena
como uma doida.
Eu, para ser honesto, já não
esperava muito de Celeste desde o dia
em que a vi pela primeira vez: na sala
do meu irmão, coberta de tinta e com um
olhar atordoado que dizia em tudo que
ela não sabia o que estava fazendo da
própria vida.
E estou acostumado a encontrar
isso. Pessoas que não sabem nem para
que vivem. Elas não tem algo a alcançar,
diferente de mim. Não sei se foi sorte,
mas encontrei o meu alcance e, a partir
disso, vivo meus dias de maneira muito
mais gratificante.
Seja como for, ainda me encontro
no olho do furacão. Eu não pude recusar
o pedido da minha irmã caçula grávida
quando suplicou que eu concedesse o
emprego para sua amiga. Ela é uma boa
mulher e muito competente, Lili
disse. Claro que é.
Para dispensar Celeste, eu tenho
que ter motivo. Um sério e justificável
motivo suficiente para não entristecer
Lili.
Desligo a tela do celular, cansado
de ver imagens ridículas, e dirijo para
casa no meu próprio, e costumeiro,
silêncio.

***

Estou indo para a cozinha beber um


copo de água depois de malhar um
pouco, quando ouço a campainha tocar.
Estranho totalmente, porque não passa
das cinco da manhã.
Desvio do meu caminho de destino
em direção ao hall de entrada.
Conferindo o olho mágico da porta, me
faço de cego para não tentar encontrar
um motivo por estar vendo Celeste já em
minha casa.
Giro a chave e a maçaneta, sem
muito pensar.
— O que está fazendo aqui a essa
hora? — É a minha primeira e única
pergunta.
Olhos muito claros se arregalam
diante de mim, mas logo lábios sem vida
abrem um sorriso. Celeste agarra a alça
da bolsa e aponta.
— Posso entrar? — rebate. — Eu
vim trabalhar.
— Não está no seu horário. Ainda
não são oito horas.
— Bom, eu... — ela sorri, olhando
para trás rapidamente, como se estivesse
com medo de algo. Como esperando
alguém. - Hm, se você me deixar entrar,
eu posso explicar porque madruguei.
— Não estou interessado em saber
— saio da porta, deixando-a aberta.
Refaço o meu caminho, indo para a
cozinha. Sigo diretamente para o filtro,
enchendo um copo de água em
temperatura natural. O líquido queima
minha garganta enquanto desce, até eu
sentir que alguém se junta a mim.
Devolvo o copo para a bancada e
deixo meus olhos se perderem no claro
olhar que me encara.
Celeste não diz nada, e eu também
não. Por um longo momento, tudo é
silêncio e olhos nos olhos. Até ela
suspirar e desviar primeiro. Em um
nonassegundo, tempo suficiente para que
eu observe seu corpo muito pequeno, em
relação ao meu, vestido em uma calça
jeans e um casaco rosa, com a cor já
muito clara provavelmente pelo tempo
de uso da peça.
Ela balança a cabeça, voltando a
me olhar.
— Você está sem — ela gesticula
— o seu chapéu. E está — continua os
movimentos — com uma roupa
diferente. É estranho te ver assim.
Parece até outro homem.
— Devo agradecer?
Ela sorri. Um sorriso curto e muito
agradável de se ver. Mas claro que isso
é uma percepção rápida, e somente
porque não sou acostumado a ver
sorrisos em meus dias.
— Pode ser — responde. — Foi
mesmo um elogio. Pensa que você fica
parecendo muito... Inalcançável com
aquele chapéu. Eu realmente tive medo
de você quando te vi a primeira vez.
Devo usar o termo senhor antes do seu
nome? Acho que te faria parecer velho,
coisa que você não é.
Respiro fundo.
Mas uma coisa, em específico,
chamou a minha atenção, eu admito. E
preciso perguntar:
— Por que teve medo de mim?
— Eu não sei — Celeste descansa
em uma perna, soltando um suspiro
desanimado. — Acho que você tem esse
ar que faz todo mundo ter medo, sabe?
— Sei não — nego. — A única
coisa que sei, é que você está parecendo
um pouco agitada para cinco da manhã.
O que bebeu?
— Café e energético — ela
responde, sem culpa. — Eu estava super
cansada, mas não queria dormir.
— E por que diabos você não
queria dormir?
— Aí é que está — Celeste solta
uma risadinha atravessada. — Eu teria
que me matar se te contasse.
— Algum namorado maníaco te
perseguindo?
Ela abre a boca, mas fecha. Seus
olhos se estreitam e seu rosto demonstra
confusão, até ela manear a cabeça.
— Eu nunca namorei — rebate. —
Não tive a oportunidade.
— O que isso significa? — Não
que eu me importe por essa mulher
nunca ter namorado. Ela parece um
pouco desmiolada, afinal. Namoros com
mulheres assim devem não funcionar e
não posso culpar quem não quis arriscar.
— Que eu nunca namorei — ela me
olha como se dissesse, "não é óbvio?".
— E do que estava com medo? —
quero saber.
— Eu não estava com medo —
nega.
Ela estava. E está mais ainda agora
por eu ter notado. Mas não é da minha
conta. Se nenhum louco maníaco vai
invadir a minha casa atrás dela, tudo
bem.
— Vou tomar um banho — aviso,
saindo da cozinha pela porta lateral.
Essa conversa foi muito, mas muito
desnecessária. Quanto mais com essa
mulher estranha.
Capítulo 5

Finalmente posso trazer ar para os


meus pulmões novamente.
O quê? O que foi mesmo aquilo de
ver Santiago Smith sem camisa? Ele
estava mesmo só de shorts e tênis, com
uma toalha por trás do pescoço. Eu olhei
aquilo como uma pessoa normal, mas
por dentro eu estava torcendo era para
ele sair de perto de mim.
Ele estava parecendo um
homem alcançável, como mencionei. E
isso me fez falar pelos cotovelos. Eu
definitivamente falei demais, como de
igual para igual. Mostrei demais. Pareci
com medo, coisa que tenho que
disfarçar.
Eu estava conseguindo, mas esse
homem parece ser muito observador e
curioso. Diria que fofoqueiro. Não é da
conta dele, não tem que perguntar
demais.
Originalmente, o meu plano seria ir
para a padaria Chase, que é do meu
amigo Aaron, e ficar lá até o horário de
vir trabalhar. Mas quando cheguei ao
ponto de ônibus, vi que meu pai estava
vindo atrás de mim, parecendo
imparável.
Não pensei, peguei o primeiro táxi
rumo a fortaleza de Santiago. Porque ele
sim mora em um lugar, aparente e
humanamente, seguro. Se Lili não
tivesse me trazido no meu primeiro dia,
eu nunca acharia a casa. Saindo do táxi
agora a pouco, depois de passar pelos
portões com identificador digital, ainda
andei quase dois minutos. Com a ajuda
da lanterna do celular, é claro.
Como eu disse, uma fortaleza.
A caminho do quarto de empregada
para buscar meu avental limpo que
deixei lá, eu paro antes de dobrar o
corredor e chegar em meu objetivo, o
pior e inimaginável imprevisto
acontecendo.
Quase nos fundos da casa, onde me
encontro, fica também a sala de
ginástica. E Santiago está lá dentro,
fazendo algo que não sei o motivo.
Talvez eu saiba. Ele está em sua casa e é
seu direito estar se despindo.
Definitivamente eu não acredito no
que meus olhos vêem, mas ele realmente
tira o shorts, ficando somente de boxer
preta. Mas a peça não fica dois
segundos em seu corpo antes de ser
descartada.
Eu deveria, está claro como o sol,
me virar e sair daqui. Mas não saio. E
sei o que vou ver quando ele se
endireita.
E vejo. Parecendo um tronco de
árvore, seu pênis aponta para a frente,
reto como se estivesse com um apoio. É
perfeito, é instigante. Grosso e longo. É
belo, é uma obra. Com certeza Santiago
se encaixaria em uma daquelas
esculturas de gesso nuas e artísticas para
ser feito. A beleza de seu corpo é
artística. Deslumbrante. Dá vontade de
pegar para testar se é real, e até mexo as
mãos.
Estou de boca aberta, que
impactante, e não consigo mudar isso.
Ele puxa a toalha do pescoço e
seca o rosto, despreocupado. Eu suspiro
onde estou.
Moreno, esculpido. Pernas longas e
torneadas, barriga sarada com alguns
pêlos no segmento de gominhos. Estou
fascinada, completamente
magnetizada. Que homem lindo.
Ele leva o pano para secar a nuca e
se vira para ir deixar a toalha na
bicicleta. De costas ele é tão bonito
quanto de frente. Quero só admirar. Eu
me contento em só olhar. É como dizem,
olhar não tira pedaço e satisfaz a alma.
Quando vejo que vai se virar para
sair da sala, eu me esgueiro no corredor
para que não me veja. Ao ouvir o baque
baixo da porta de vidro se fechando, eu
espio de fininho, bem no exato momento
em que ele mergulha na piscina.
Esse foi o banho do qual ele tinha
dito? E é bom que eu esteja vendo essa
cena linda, para sempre me lembrar de
não entrar na piscina de Santiago como
já havia considerado fazer.
Eu o deixo em sua privacidade
para ir buscar meu avental, com uma
única certeza em minha cabeça: nunca
mais vou vê-lo com os mesmos olhos.

Estou limpando a bancada da


cozinha que já estava limpa. Eu acho
que não há a necessidade de eu estar
aqui diariamente. Esse homem parece
que nem usa toda a casa, porque, como
já conferi nos cômodos, tudo está do
mesmo jeito que deixei.
Não fui no corredor onde fica o seu
quarto, é claro. Vai que ele aparecia
pelado na minha frente. Seria bem
constrangedor. Para mim, porque
certamente ele não se importa de ser
visto nu. E dou toda a razão, porque ele
é lindo demais.
Suspiro profundamente com a
imagem vívida de vê-lo andando pelado.
Eu achava que jamais, em minha
existência, ficaria hipnotizada ao ver um
homem sem roupas.
Até porque isso só quase aconteceu
uma vez. E nem era um homem formado,
era um adolescente. Ele nem precisou
ficar pelado para tirar minha virgindade,
somente abaixou a calça. Não diria que
me arrependo de ter tido isso, tenho é
vergonha. Foi embaraçoso e ele nunca
mais falou comigo depois do ocorrido.
Não sei se porque também estava
envergonhado da nossa péssima mútua
performance, ou porque reclamei demais
durante o ato. Reclamei mesmo, ele era
pesado demais para ficar em cima do
meu corpo tão à vontade e tinha quase o
dobro da minha altura.
Balanço a cabeça, me dando conta
de que preciso urgentemente, que
atrocidade, substituir essa lembrança
por outra.
— Tudo bem, olhe tudo por mim.
Eu vou verificar isso de casa hoje —
Santiago entra na cozinha, falando ao
telefone. — Não, não tenho interesse em
meu pai ter deixado recado. Ignore as
chamadas dele da minha lista telefônica
— ele se dirige à geladeira. —
Obrigado, isso é tudo.
Só então percebo que meus olhos o
acompanharam, como eu sendo uma
péssima profissional. E me sinto super
errada por me entristecer ao vê-lo
vestido, embora grata que ele ainda
esteja sem o chapéu. Mesmo assim, seu
corpo foi coberto por um shorts branco e
uma camisa azul escuta.
Jogando o celular por sobre a
bancada, ele fecha a geladeira e vem em
minha direção com um punhado de frutas
na mão. Ele fica ao meu lado, seu cheiro
de sabonete e homem limpo me
atingindo enquanto coloca as frutas em
cima da bancada, o que me faz supor que
ele saiu da piscina e andou pelado até
seu banheiro para tomar um banho de
verdade.
Ele me olha e estreita os olhos.
— O que foi? — pergunta.
— Nada — sussurro.
Não estou tendo um pingo de
vergonha e bom senso. Mas é
impossível, que fique claro, impossível
reagir normalmente depois de vê-lo da
forma que vi.
— Por que está me olhando com
essa cara?
— Que cara? — me afasto devagar,
me censurando. Tenho que parar de
olhá-lo porque realmente não sei que
cara é essa que estou fazendo.
— Como se estivesse vendo algo
errado em mim — Santiago explica.
Antes fosse. Só vejo coisas certas.
Bom, nem todas. Mas o que tenho na
cabeça é uma coisa certa. Isso é errado.
— Desculpe — me viro
imediatamente para ir arrumar o que
fazer. Vejo uma único copo sujo perto da
pia, então corro para lavar e guardar.
Essa tarefa simples e rápida leva
muito do meu tempo, até eu ouvir um
barulho. Viro a cabeça só um pouco,
vendo Santiago na outra extremidade,
batendo as frutas no liquidificador. Ele
está de costas para mim e parece tão
alto, de ombros tão largos.
Engulo em seco e solto o ar pela
boca.
Tenho que parar imediatamente
com isso mesmo, porque não estou
louca.
— Hoje eu vou ficar em casa —
ele desliga o aparelho e se vira para
mim, tirando a tampa e bebendo um
pouco da vitamina no próprio recipiente.
— Isso significa que vou almoçar aqui.
Você já aprendeu a cozinhar?
Eu rio, de nervoso.
— Ahn… — pigarreio,
desconcertada. — É um período muito
curto de aprendizado de ontem para
hoje.
— Talvez se tivesse ficado em sua
casa praticando, e não tivesse querendo
chegar mais cedo para me impressionar,
já estivesse sabendo ao menos cozinhar
um legume.
Agora meus olhos se estreitam e
dou um sorriso curto.
— Não cheguei mais cedo para te
impressionar. É que a padaria do Aaron
estava fechada e…
Eu me calo, porque Santiago ergue
a mão livre, como para eu parar.
— Na segunda gaveta atrás de
você, tem um livro de receitas — ele
informa. — Escolha a mais fácil, porque
quero almoçar em casa hoje.
Dizendo isso, ele sai da cozinha
com o liquidificador em mãos, me
deixando aterrorizada, porque eu
realmente não sei cozinhar nem com a
receita.
Capítulo 6

Estou conferindo se o valor recém


depositado em minha conta confere com
a mesma quantia que eu deveria receber
quando uma batida na porta me faz
levantar os olhos.
Celeste está no batente, os cabelos
agora presos para o lado e um sorriso
amarelo nos lábios. Ela é uma mulher
bonita, não posso deixar de notar, mas
está quase muito amarela.
Aguardo com que fale, o que não
acontece imediatamente. Ela agarra o
babado do avental com as mãos e
respira fundo.
— Eu só queria saber se existe
alguma diferença entre usar o forno
elétrico ou o forno normal. Sabe, sobre
a potência — diz baixinho. — Estou
fazendo uma lasanha de carne.
Faço uma careta. Vai ficar
deliciosa, já posso sentir o gosto e o
meu apetite se alastrando.
— Eu disse para você procurar
uma receita fácil, Celeste, uma coisa
simples — me levanto, indo até ela, que
imediatamente retrocede três passos, me
dando espaço ou se afastando de mim.
— Vamos à cozinha.
Saio na frente, seguindo ao
cômodo. Não sinto aroma algum de
comida quando chego, mas também não
há nada desorganizado, o que é um ponto
positivo para ela. Há apenas um pote de
vidro com molho de tomate e uma
travessa ao lado com o que parece ser a
tal lasanha.
Me aproximo para ver, não
gostando da imagem. Está tudo tão
pálido quanto ela.
— Você colocou a carne aqui? —
pergunto, olhando-a. Celeste parou do
outro lado da ilha, e me encara ansiosa.
— A receita não estava
especificando, então eu vou primeiro
cozinhar a massa no forno e depois
montar a lasanha. Eu já fiz o molho, está
na panela — ela aponta atrás de mim.
— Essa massa é semi pronta, já
pode ir ao forno com a lasanha montada
— vou até o fogão e tiro a tampa da
panela, vendo vários pontinhos pretos
flutuando pelo molho que está sem
qualquer grossura. Pego um para provar,
imaginando ser a carne que ela cortou
muito pequena, mas não passa de cebola
queimada. — Você escolheu uma receita
difícil.
— Não parecia tão difícil no modo
de preparo — se defende.
Me viro para ela de novo,
percebendo-a agora preocupada.
— Você nunca precisou cozinhar?
— quero saber.
— Não, nunca. Eu sempre como
fora ou compro comidas prontas para
levar para casa.
— Impressionante — ironizo. Não
é algo admirável. — Vou te ensinar a
preparar uma lasanha, então pelo menos
isso você vai saber fazer.
— Sério? — ela parece
impressionada.
— Sim — vou até a pia lavar as
mãos. — Primeiro de tudo, vamos
começar com a carne. Você pega os
ingredientes para mim?
— Mas claro — se põe ao meu
lado em segundos, o que quase me faz
rir. — Do que precisa?
— No congelador, tem carne já
moída. Preciso dela.
Celeste vai depressa até a
geladeira, sumindo da minha vista. Uso
o tempo de espera para pegar uma bacia
de vidro no armário de baixo,
aguardando-a voltar.
Ela traz depressa o saco com a
carne até mim.
— Você não vai ter muito trabalho
quanto a descongelar as carnes. Tem
duas opções, ou pode colocá-las no
micro-ondas, ou tirar do congelador
quando chega, e até o horário do almoço
já vai estar no ponto de preparo.
— Entendi — ela acena com a
cabeça, olhando para os meus
movimentos de molhar a sacola debaixo
da torneira até a carne congelada cair
dentro da pia. Então a pego e coloco na
tigela de vidro.
— Agora é só levar ao micro-
ondas — me direciono ao aparelho,
sendo acompanhado por Celeste. —
Aqui tem a opção, está vendo?
— Ah, sim, descongelar — ela
assente. — É só esperar?
— Sim, só. Enquanto isso nós
faremos o molho de tomate para colocar
a carne, e o molho branco para a outra
camada da lasanha.
— Dois molhos? — Celeste
arregala os olhos, surpresa. — Na
receita só tinha um molho, o de carne.
— Você quer dizer o molho de
cebola queimada flutuando naquela água
branca?
Ela se encolhe, e quase me
arrependo do que disse.
— Eu segui o passo a passo, mas
acho que o nervosismo me fez errar —
se justifica. — Você vai querer almoçar
todos os dias em casa?
— Você aprender a cozinhar não é
só porque eu quero comer, Celeste, mas
também porque vai te beneficiar. Você
tambem precisa comer quando estiver
aqui e esse trabalho não é para sempre
em seu currículo, é sempre bom
aprender novas coisas.
Ela desvia o olhar, pensativa.
— Mesmo assim — pigarreia —,
você tem dias para ficar em casa e
almoçar? Eu vou praticar a partir de
hoje, prometo.
— Não tenho. Isso raramente
acontece. Não gosto de estar em casa,
para ser mais exato. Gosto de manter a
minha cabeça ocupada em outro
ambiente.
— Não gosta de estar em sua casa?
— ela parece achar estranho. — Mas
aqui é tão confortável e traz uma paz tão
grande.
Isso deveria ser irrelevante, mas
não, porque não faz sentido. Como uma
pessoa desconhecida sente paz em minha
casa e eu, que sou o próprio dono, não
sinto o mesmo? Não me é como um lar.
Estar em casa, com a mente
ocupada ou não, é como uma tortura. Por
isso eu sempre saio cedo e, geralmente,
na hora de vir embora, trago alguma
companhia comigo. Fico ocupado o
máximo de tempo possível na cama e
depois eu durmo, e somente acordo de
novo na hora de sair.
E de que diferente é ter decidido
ficar aqui hoje. Não era necessário, mas
fiquei. Talvez por conta da curiosidade
de saber que Celeste se encheu de café e
energético para não dormir, e chegou
três horas mais cedo do que era devido,
com um semblante que aparentava temor,
então ficou nervosa por não saber se
explicar. Ela de fato estava muito, mas
muito nervosa.
Não tinha como não estar curioso.
Eu a olho, ao meu lado, aguardando
uma resposta.
— Coloque os mesmos
ingredientes que você usou em cima da
ilha. Tenho que fazer algo antes de
continuarmos — declaro.
Ela concorda depressa, me
deixando para voltar à geladeira. E eu
saio para o meu escritório, com a única
intenção de ligar para Lili e perguntar
mais sobre a sua misteriosa amiga
Celeste.
Capítulo 7

Eu estou desconcertada desde que


Santiago tirou a lasanha do forno. Não
tinha em nada a ver com o preparo que
imaginei. Ficamos aqui o quê? Umas
duas horas. É demorado, com certeza,
pra caramba. Ele tinha razão, eu escolhi
algo difícil para fazer.
E agora, depois de eu acabar de
comer, sozinha, porque ele não quis e
preferiu comer um filé feito no grill com
batatas coradas, o que levou meia hora
de preparo, vou lavar o meu prato,
porque tudo que sujamos foi limpo
durante o preparo.
O que só me fez concluir que
Santiago é um homem que não gosta de
coisas fora do lugar, o que deve
justificar eu ser contratada para estar
aqui todos os dias. Não que eu esteja
reclamando, porque é melhor estar aqui
limpando o que já está limpo, do que em
casa.
Estou terminando de colocar o
prato no lugar quando ouço passos
chegando. Me viro para a porta, vendo
Santiago parado a alguns passos da
entrada.
Ele me analisa, então começa a
mexer o maxilar antes de seu lábio
inferior desaparecer por entre os
dentes. Esquisito.
— Algum problema? — me vejo na
necessidade de perguntar.
— Não — ele balança a cabeça em
negação e eu evito reparar, pela sabe-se
lá que vez, que a sua beleza é
extraordinária. Me admira que não seja
casado. Homens bonitos assim não
ficam muito tempo no mercado de
solteiros, são todos pescados
rapidamente.
— Eu vou limpar a sala de estar —
passo, nervosamente, as mãos no
avental. — Com licença.
Posso sentir algum tipo de
magnetismo, dessa vez real e não só na
minha cabeça, quando passo ao seu
lado. Pode ser que seja pela sua altura
ou pelo seu corpanzil superior ao meu.
Seja como for, é esquisito.
Passo na área de serviço para
pegar os materiais de limpeza e sigo
para a sala de estar. Vou tirar o pó dos
móveis e do chão, o que inclui esse
tapete creme de tamanho exorbitante.
Ajusto o meu coque na cabeça para
que não se solte e pego o espanador,
seguindo para a primeira estante de
enfeite. Porque, sim, é uma estante feita
de vários quadrados desocupados, com
apenas alguns objetos pequenos de vidro
em três deles.
E o silêncio é desmotivante. Se
Santiago não estivesse em casa, eu
poderia colocar uma música e assim
seria mais fácil passar o dia
trabalhando. Mas hoje não vou poder e
lamento amargamente.
Saio da estante para ir pegar o
aspirador, intencionada a aspirar o chão,
mas sinto quando ele chega no recinto.
Ele quer me dar alguma ordem
específica, mas não sabe como?
— Quer que eu leve alguma roupa
para a tinturaria ou algo assim? —
pergunto levantando meus olhos para
ele.
Mas imediatamente me sinto uma
tola, porque Santiago Smith não saber
dar uma ordem para a empregada? Só
mesmo na minha cabeça.
— Não — ele nega, mas pelo
menos está parecendo menos misterioso.
— Por que a Lili quis que você
trabalhasse aqui?
A pergunta me faz estreitar os
olhos. Ele está querendo me demitir?
Isso faz mais sentido. Depois da minha
performance em não saber preparar uma
lasanha, ou qualquer comida, eu também
repensaria minha contratação. Mesmo
que eu tenha vindo para limpar, continuo
sendo empregada e tenho que obedecer
as ordens do chefe. Se ele quer almoçar,
eu tenho que saber cozinhar.
Fico tensa na hora.
— O Aaron me indicou quando
soube que você estava procurando
alguém para cuidar da sua casa —
engulo em seco, certamente, temerosa.
— O Open é um lugar ruim de se
trabalhar e ele sabia disso.
— Ele queria te tirar de lá de
alguma forma — Santiago entende o
raciocínio, ao que afirmo. — E por que
ele não te colocou na padaria dele?
Dou um riso nervoso.
— Eu não seria útil lá. Só sei
limpar e isso o próprio Aaron faz, ao
que parece.
— Entendi.
— Prometo que vou praticar na
cozinha — digo, depressa. — Vou pegar
o jeito. Eu aprendo rápido as coisas,
decoro fácil. Não vai ser algo penoso
para aprender.
— Por que você chegou aqui às
cinco da manhã?
Ah! Quero abrir um buraco e me
enfiar dentro. Tudo para fugir dessa
pergunta. Mais cedo eu não precisei
responder porque não quis, mas agora
estou em débito com ele. Eu não sei
cozinhar e ele não me demitiu, ainda.
Mas pode fazer se eu me recusar a
responder. Angustiante.
— De quem você estava fugindo?
— Santiago emenda outra pergunta.
É isso que o está fazendo parecer
esquisito e ficar aparecendo do nada?
Ele quer uma resposta por eu surgir em
sua casa antes do meu horário de
trabalho? A não ser que...
— Você não precisa me pagar as
três horas trabalhadas a mais, tá? —
esclareço, porque Lili me disse o quanto
ele é apegado ao seu dinheiro. — Eu
não vim para impressionar ou querer
ganhar mais.
— Eu sei — ele dá a volta no sofá,
sentando em um dos espaços vazios.
Seus olhos voltam para mim e uma
mecha do seu cabelo liso cai na testa,
Santiago tirando por reflexo. — Não iria
pagar, mas quero saber mesmo assim,
afinal você veio bater em minha porta.
Soberbo. Não estou impressionada.
No fim de tudo, ele tem razão. Bati em
sua porta e ele me deixou entrar. Estava
no seu direito recusar, e não quero
pensar o que eu teria feito se ele batesse
a porta em minha cara. Provavelmente
ficaria esperando na porta.
— Só… — eu começo a responder,
primeiro puxando todo o ar da sala.
Qualquer encanto que eu pudesse ter
vindo a sentir por ele, é substituído
imediatamente pelo amargor de me ver
obrigada a ter que explanar o que não
quero. — Eu não gosto de ficar em casa.
Lá é um ambiente ruim para se estar, não
tem paz — explico a verdade, mas não
completa.
— Não tem paz ao ponto de você
não querer dormir? — Há algo além de
curiosidade em seu olhar, mas não
consigo descobrir o que é porque desvio
minha vista para o aspirador.
— Sim, é — confirmo. — Eu
prefiro estar acordada, porque fico mais
ciente das coisas.
— Das coisas… — ele repete,
como se entendesse ou tentasse entender.
— Com quem você mora?
— Para que quer saber? — volto a
olhá-lo. Está perguntando demais, não
tem necessidade disso.
— É uma pergunta simples.
— É uma pergunta que vai fazer
você criar coisas em sua cabeça e achar
o que não sabe.
— Bem, eu realmente não sei, por
isso espero que você me conte.
— Não vou contar nada — declaro,
definitiva.
Ele maneia a cabeça, de acordo.
Muito fácil. Fácil demais. E Santiago
não parece o tipo de homem fácil, se
quer saber.
— Como foi parar na casa da
minha tia Margot naquele almoço? —
ele faz outra pergunta, mais tranquila
dessa vez. Porque não vou precisar
mentir.
— Eu sou cadastrada em um
aplicativo de empregos que oferece
extras apenas nos fins de semana. Fui a
primeira a ver o anúncio da sua tia e ela
me contratou — explico. — Acho que
ela não parecia a mais paciente para ver
outros candidatos a vaga.
— Ela te pagou depois do
incidente?
— Você quer dizer depois de… —
Seu pai ter esbarrado em mim e me fazer
derrubar a tigela de carne logo antes de
te agredir na frente da sua família? — A
carne cair na mesa?
Ele afirma, mais sério que antes.
Parece ler meus pensamentos e estar
lembrando do inusitado ato do seu pai
insuportável.
— Ela pagou e me deixou levar
marmitas para casa já que vocês não
comeram — dou um sorriso. Ela também
disse que seu pai é um homem arrogante
e não gosta de sentimentos.
Mas nunca diria isso para Santiago,
então só penso.
— Então você trabalha todos os
dias para ficar o menos possível em
casa? — ele conclui.
É exatamente isso. Quanto menos
tempo presencio o meu pai mantendo a
minha mãe em um tipo de relação que eu
abomino, melhor para mim.
— Sim, é isso — confirmo.
— Então sabe exatamente como me
sinto, não deveria ter ficado tão surpresa
quanto a mim.
Deveria. Ele mora sozinho. Sua
casa é enorme e tem coisas até que não
são necessárias. Tem riqueza, tem paz e
tem luxo. Eu tenho que ficar surpresa.
— Você tem razão — minto. — Eu
não deveria.
— É por isso que você medita?
Para suportar o trabalho porque também
não suporta estar em sua casa?
Faço uma careta. É algum tipo de
entrevista de intromissão?
— Sim, isso mesmo — minto de
novo.
— Entendi — ele se levanta,
parecendo ter encontrado, finalmente,
suas respostas. — Estou em meu
escritório.
Eu ligo o aspirador assim que ele
termina de falar, então dou um sorriso
polido antes de começar minha tarefa
menos pesarosa que ter de abrir a boca.
Capítulo 8

Nós não sabemos muito sobre ela,


foi o que Lili me disse. Que tipo de
pessoa tem uma amiga que não sabe
nada sobre? É perturbador. Eu tenho
poucos amigos, mas os que tenho, sei
falar sobre suas características, gostos
e, principalmente, sobre suas vidas.
Celeste é um mistério. E por que
ela mente tanto? Acho que ainda não
percebeu que toda vez que está contando
uma mentira, seus olhos piscam
repetidas vezes, dedurando-a. Eu
contaria isso a ela, mas não quero
estragar a minha chance de descobrir o
que se passa em sua vida a ponto de
deixá-la atordoada por quase todo o seu
tempo.
Não que isso seja importante. É a
sua vida, no fim de tudo, e se fosse algo
que a trouxesse incômodo, ela daria um
jeito de mudar. Mesmo assim, isso não
anula a minha curiosidade e o meu
interesse.
Interesse esse que inclui saber se
ela é realmente uma pessoa de confiança
como Lili me disse. Tendo em vista que
minha irmã não sabe nada sobre a vida
dela, eu estou no meu direito de ter
receio. Não me impressionaria se ela
fosse uma fugitiva do hospício que finge
ser a boa moça como já relatado em
alguns filmes. Isso pode acontecer.
Mas preciso deixar isso de lado um
pouco enquanto me concentro no meu
trabalho. Depois de muita insistência de
Logan, resolvi aceitar ajudá-lo na sua
falida sociedade com Sean – esse que
era ex-noivo de minha irmã e se
suicidou.
Meu irmão decidiu seguir outro
ramo, mais exigente e delicado, que
requer muito mais cuidado e dedicação:
os vinhos. Logan definitivamente está
apostando em algo grande e o retorno
deve vir de imediato mas, como eu
disse, isso requer muito mais cuidado e
vai precisar de, também, muito do seu
tempo. Coisa que não sei se ele vai ter,
considerando que ainda está trabalhando
para o nosso pai. Se não souber driblar
o velho, não vai conseguir dar atenção
ao outro trabalho.
Eu vou ajudá-lo o quanto posso,
mas não ficarei com as rédeas. Não
dessa vez.
Assim sendo, pego meu celular
para ligar para ele e agendar um último
encontro antes de viajarmos até a Itália,
onde ficará sua fábrica de vinhos.

Estou indo ao meu quarto tomar um


banho e trocar de roupa para ir a um
encontro quando, chegando ao corredor,
me deparo com Celeste de joelhos no
chão. Levemente inclinada para a frente,
ela esfrega o piso de maneira ritmada.
— O que está fazendo? — indago,
imediatamente perturbado.
Ela para no ato, levantando a
cabeça para me olhar. Eu diria que seu
semblante, a essa hora, está bem
diferente do que vi pela manhã. Celeste
agora parece mais apagada.
— Estou limpando aqui — ela
responde, também sem o ânimo e
espírito de antes.
— Você não precisa se abaixar
para limpar o chão, pode usar a
vassoura. Não é para isso que ela serve?
— Minhas costas estavam doendo
— ela expira, enfiando o pano em mãos
no balde. Se levantando, ela volta a me
olhar. — Nessa posição de agachar, as
costas doem menos, entende?
— Não entendo. Você já pode ir
embora. Vou sair e não quero que esteja
aqui quando eu voltar.
— Mas ainda não deu meu horário
— ela parece apressada em rebater.
Não tem paz em casa. Exatamente
isso, essas palavras das quais me
lembro de tê-la ouvido falar, é que me
fazem repensar. Porque é a pior
sensação se estar em um lugar não
agradável.
Eu encontrei meu escape, posso ter
companhias que sustentam minha
atenção por tanto tempo que me esqueço
do mero fato de não gostar de estar em
minha casa. Mas Celeste não, ela ainda
não tem um motivo suportável para
querer ir embora.
E não que eu me importe com ela,
mas me importo com a sensação que
isso causa. Com o entender da dor
alheia e fingir cruzar os braços e pôr
uma venda. Eu seria incapaz.
Sou incapaz de fazer isso. Porque
estou vendo nos olhos dela, que
mandaram o cansaço embora tão
urgentemente e estão opacos de
desespero, que não há uma mínima
vontade de se apressar e ir para a sua
casa. É tão tal que ela prefere estar aqui,
limpando com dor nas costas, do que ir
embora. Ela prefere chegar antes do seu
horário e não ser paga por isso.
Ela não tem onde recarregar suas
forças para um novo dia de trabalho.
Está sem dormir já que chegou aqui às
cinco a base de café e energético.
Celeste não se permite descansar, e eu
nem sei o porquê.
Mesmo que eu queira saber, não
está no meu direito. É a sua privacidade,
são os seus motivos e digo para mim
mesmo que não vou tentar
vasculhar. Porque eu entendo a dor de
não ter paz.
— Já passou do seu horário. Você
deveria sair às seis.
— É, mas eu fiz a lasanha errada,
lembra? — suas mãos gesticulam. —
Isso quer dizer que desperdicei três
horas do meu tempo, ou seja, tenho
que…
Balanço a cabeça, interrompendo-
a.
— Você não pode ficar aqui e sabe
disso — esclareço, o que a faz murchar
no lugar. Seus ombros caem de forma
pesada e ela suspira, entristecida.
— Qualquer patrão ficaria feliz em
ver um empregado querendo trabalhar
horas a mais sem exigir remuneração —
murmura.
— Eu não gosto muito de injustiça,
Celeste.
— Não gosta muito? — ela rebate.
— Então, em nome do pouco que gosta,
eu posso ficar mais um tempo?
Não. Porque o pouco da injustiça
que gosto não diz respeito ao trabalho. E
minha mente é cruel em criar imagens de
olhos azuis reluzentes me encarando
enquanto lábios finos projetam gemidos
baixos e suspiros entregues. Celeste em
minha cama, em meus braços, ao meu
toque. Ela seria tão fácil de dobrar à
minha vontade…
— Não — pigarreio, ajeitando a
voz dada a mudança repentina. Eu
poderia fazê-la implorar por mais
quando chegássemos ao fim, e isso não
seria difícil. Ela se renderia para mim
como todas, como sempre acontece. —
Eu quero que esteja fora da minha vista
quando eu voltar.
Lhe dou as costas, porque alguém
que já estava esperto, despertou muito
mais. Ouço os passos dela me seguindo,
apressada, mas entro em meu quarto e
me viro para fechar a porta, onde ela
parou e me encara com os seus olhos
azuis brilhantes.
— Longe da sua vista quer dizer
que se você não me ver, tudo bem eu
ficar? — ela questiona.
Quase sorrio. Ela é sagaz, pensa
rápido.
— Boa noite, Celeste — fecho a
porta a tempo de ver suas mãos se
abanando em agonia.
Então me permito sorrir, enquanto
me desfaço das roupas em meu corpo e
sigo ao banheiro.
Capítulo 9

Eu não entendi, aquilo foi um sim,


ou um não? Mas já faço essa pergunta
deitada na cama do quarto de empregada
enquanto encaro o teto.
Não sinto minhas pernas, só o peso
nelas. Minhas costas melhoraram um
pouco agora que me deitei depois de ter
tomado banho. E levanto a mão a altura
dos olhos, vendo, com a ajuda da luz do
abajur, a queimadura mais uniforme,
quase a pele sarada. Eu nem agradeci ao
Santiago pela pomada.
Nem por me deixar entrar, e nem
por não me expulsar...
Penso que não fiz muitas coisas, e
as que fiz foram erradas.
Meus olhos voam para a porta do
quarto, onde eu vejo o reflexo de luz por
baixo da madeira. São as luzes do
exterior da casa e fico me perguntando
se ele já chegou de novo. Decerto não
posso deixar esse quarto até que o
relógio bata oito horas da manhã, então
vou sair de fininho para conferir se ele
já se foi.
Sinto uma sensação estranha ao
pensar nisso. Se ele já se foi. O que
significa que não estará mais em casa.
É que gostei tanto de saber que ele
estava presente aqui hoje, mesmo que eu
não tenha podido ligar a Alexa. O
Santiago estava aqui. Qualquer coisa,
eu poderia ir ao seu escritório. Ele
mesmo deixou claro quando me disse
onde estava.
Isso nunca ocorreu comigo antes.
Nunca alguém disse, "estou em tal
lugar", dando a entender onde eu
poderia recorrer se me encontrasse em
dúvidas ou precisando de ajuda. Claro
que Santiago estava se disponibilizando
para me ajudar em questões sobre a sua
casa, mas mesmo assim, foi altruísta,
porque ele poderia muito bem soltar um
"se vira" como meu pai me acostumou a
ouvir.
Mas tenho plena consciência de
que meu pai, aquela pessoa que se
sustenta pela infelicidade alheia, não é o
homem mais exemplar do mundo. Na
verdade, ele não é nem um pouco
exemplar. E o que mais me dói e magoa,
é ele ser aceito em casa.
Há cinco anos, quando eu tinha
quinze anos, ele começou a bater em
minha mãe. Não havia a preocupação em
esconder ou disfarçar, ele apenas descia
o braço nela. Na minha frente. Na
primeira vez, achei que ele estava
bêbado; até descobrir, pela minha
própria mãe, que isso já acontecia fazia
um tempo.
E tudo foi se encaixando. Os
cachecóis ao redor do pescoço dela sem
ser dias frios, os óculos escuros em
casa, o descuido consigo mesma, as
conversas poucas que viemos a ter. Ela
estava me acostumando aos poucos. Me
acostumando a entender que aquilo não
acabaria, porque ela não faria nada para
mudar.
Quantas vezes eu não chorei,
implorando, para que ela fosse à
delegacia. Que me deixasse ir. Que me
permitisse tomar as suas dores. Mas eu
o amo muito e ele me prometeu mudar;
dessa vez ele vai mudar. Mudança essa
que nunca veio e nunca virá. E ela se
engana. Se engana e se engana. Vez
após vez. Todos os dias.
Então, o que posso fazer?
Denunciá-lo escondida? A minha mãe
nunca mais falaria comigo e isso eu
seria incapaz de suportar. Vou para
casa? Não. Também sou incapaz de
chegar lá e vê-los perto um do outro,
sorrindo, para depois ver minha mãe
chorando enquanto meu pai destila socos
e chutes nela – o que acontece quase
toda noite ou madrugada.
Se eu tentei defendê-la, que vão
foi. Não funcionou e não funciona. Não
quero mais ser machucada à toa com
empurrões e também socos para me
parar. Não aceito ser, e se minha mãe
quer sua vida nessa catástrofe, não tenho
mesmo o que fazer a não ser evitar.
Evitar o ambiente. Evitar vê-los.
Que cada um carregue sua cruz, porque
já me deram muitas coisas para lidar
sozinha em minha cabeça.
Um barulho me faz tirar a vista do
teto para olhar a porta. Vejo uma sombra
se projetando, se aproximando, a ponto
de apagar toda a luz, e então o som ecoa.
A maçaneta gira e logo a batida.
Merda.
Eu abro ou não? Santiago deixou a
pergunta que fiz no ar, então não sou
culpada por achar que estava certa.
Posso fingir estar dormindo, mas acho
que não consigo ser tão dissimulada.
Respiro fundo e me levanto da
cama. Ele vai ter que me perdoar e
espero não ser expulsa. Deve já beirar
as onze e não estou muito a fim de
marchar até o ponto de táxis. Nem um
pouco a fim.
Fecho os olhos enquanto giro a
chave devagar, e os abro junto com a
porta, me deparando com o homem mais
impossivelmente lindo que meus olhos
já tiveram o prazer de contemplar.
Ele está vestido todo de preto, em
seu terno completo, os olhos escuros sob
a sombra do chapéu. Mas ainda
assim, ainda assim para a minha sorte,
vejo quando ele sorri. Não muito longo
e não muito perceptível, mas o canto do
seu lábio direito se puxa para o lado, me
fazendo respirar fundo outra vez.
E dou graças pelas luzes externas,
que me permitem ver essa obra de arte.
— Oi — digo, envergonhada e com
o rabo entre as pernas.
Não sei se é mais vergonhoso eu
estar aqui achando que estou escondida
dele; ou não querer ir para casa porque
fujo da minha realidade.
— Por que não estou surpreso? —
ele rebate, erguendo a mão para levar à
cabeça e tirar, lentamente, o chapéu.
Eu suspiro, me apoiando na porta.
Imagino que ele não esteja surpreso
porque sabia que eu ficaria aqui. Mas
não digo isso, pois seria grosseria, o
que implicaria em me colocar em uma
posição de abuso. E não estou sendo
abusada, só me sinto grata e serei mais
ainda se ele não me expulsar. Porque, de
novo, Santiago tem todos os motivos.
— Eu não ia sair daqui até que
você fosse trabalhar — explico, a voz
baixa de vergonha. — Juro que não ia
nem beber água.
Sua cabeça se inclina para o lado e
ele me avalia com olhos estreitos.
Minha respiração começa a ficar
difícil, tendo em vista que estou sendo
analisada tão prontamente.
— Qual seria o problema de ir
beber água se te desse sede? — ele
pergunta. — Se já ficou aqui mesmo,
qual seria a diferença entre intrusão e…
intrusão?
Engulo em seco. Ele tem razão,
pois estou sendo intrusa. Mas ele
também foi, em minha defesa. Querendo
perguntar demais, e saber demais
também. Estamos ambos errados? A
balança continua equilibrada até aqui?
Acho que não. Ele está mais certo
que eu.
— Não me daria sede, porque
depois que durmo, vou direto —
respondo, desviando a vista para o lado,
encarando as leds refletidas sobre a
superfície da piscina.
— Olhe para mim.
O comando me faz levantar os
olhos imediatamente para Santiago e o
encontro em sua expressão costumeira,
que atinge seriedade e demais coisas
que não consigo ler.
— Vamos até a cozinha — ele me
chama. — Eu trouxe crepes recheados.
Quase não posso acreditar no que
ouvi e imagino se estou dormindo.
Capítulo 10

Celeste continua a encarar seu


prato com o crepe. Como está fazendo
há mais ou menos dois minutos.
Eu termino de secar as mãos e vou
à geladeira pegar uma garrafa de suco
puro de uva. A caminho, capturo duas
taças na cristaleira e vou me juntar a ela
na bancada da ilha.
Coloco as taças sobre o mármore e
despejo o suco. Dou um gole,
experimentando o sabor, então outro. O
calor do suco mesmo gelado queima
minha garganta, me tirando um
grunhido. Muito bom.
— Eu não bebo, obrigada —
Celeste me olha enquanto empurra a taça
para longe, me oferecendo um sorrisinho
curto.
— É suco de uva — explico,
empurrando a taça de volta para ela.
— Oh, é tão escuro… Parece
vinho.
Sorrio. Presumo que ela esteja
fazendo graça.
Corto um pedaço do meu crepe de
nutella com morangos enquanto Celeste
ainda não tocou no seu. Com um pedaço
na boca, eu a olho.
— Não está com fome? —
questiono.
— Crepe é doce ou salgado? Eu
não gosto muito de salgado…
— Esses são doces — meus olhos
descem até onde podem alcançar, até a
cintura coberta por uma blusa cinza. Era
a roupa da antiga empregada, que teve
que ir embora para cuidar da filha em
tempo integral. — Onde encontrou
roupas?
Eu sei onde. O que quase, mas
quase, me faz indagar se ela está sem as
roupas de baixo. Tenho certeza que ela
não está usando nenhuma.
E devo me censurar por isso. Não
convém saber. Acontece que é difícil
conciliar o pensamento da cabeça de
cima quando a cabeça de baixo não pede
permissão para tomar a vez. Meu
encontro planejado foi um fiasco e não
me lembrava de Elisha, minha quase
namorada de antigamente, ter se tornado
insuportável.
Eu só queria sair daquele
restaurante e parar de ouvir sua voz,
igualmente, insuportável. Ela falou sem
parar sobre assuntos dos quais não me
lembro, mas não me causou o menor
interesse.
— Diferente de mim, né? —
Celeste pergunta, com uma risadinha.
Estreito o olhar, desentendido e
perturbado.
— Diferente de você o quê?
— Não — ela gesticula —, estou
só falando. Quer dizer, você já deve ter
feito e comido vários crepes na sua
vida, diferente de mim — enfatiza. —
Uma vez, eu comi panquecas com creme
de queijo — faz uma careta graciosa. —
Não eram das melhores.
— Eu prefiro comprar os crepes
nessa loja especializada — me viro no
banco, ficando de frente para o seu
corpo. Ela parece tão encolhida em seu
próprio assento, mas seja apenas talvez
a diferença grande em estatura. — São
mais gostosos, mais bem feitos. A
diferença entre o crepe e a panqueca, é
apenas a grossura.
Celeste franze o cenho.
— Sério?
— Sério.
— Pois então podemos chamar o
crepe de panqueca, porque a grossura
não importa — ela conclui.
— A grossura não importa?
— Acho que não — ela corta um
pedaço do crepe em seu prato, que tem o
recheio de banana com canela. Provando
um pedaço, dá um sorriso de boca cheia,
me olhando ao engolir. — Eu facilmente
comeria um crepe achando que era
panqueca.
Sorrio de volta, devolvendo a
atenção ao meu próprio prato.
— Você realmente acha que a
grossura não importa? — a pergunta
escapa dos meus lábios, mas não sinto
arrependimento.
— Nesse caso, não.
— E quando importa?
— A grossura? — Celeste parece
confusa. — Não sei, eu não sou
cozinheira.
Meus olhos voltam para ela, a fim
de achar a verdade. Ela não está
brincando, só não entendeu. Diante
disso, assumo o pressuposto de que ou
ela é inocente, ou apenas lerda.
— Você sempre morou por aqui?
— mudo o rumo da conversa.
— Nasci em Nova Jersey, mas
meus pais logo se mudaram para o
Queens, para uma casa de aluguel que
era maior que a nossa própria.
— Queens?
— Eu sei, seu cunhado mora lá —
ela sorri. — Nossas casas são distantes
uma da outra. Cheguei a ir na dele com a
Lili.
— Entendi — bebo outro gole de
suco, adorando mais um pouco o gosto
forte. — Então você mora com seus
pais.
Celeste arregala os olhos para
mim, parecendo mesmo assustada.
— Não tem irmãos? — quero
saber, ignorando seu estado
desnecessário. Eu não me importo com
quem ela mora, só quero saber o que
acontece em sua casa.
— Sou filha única — ela volta os
olhos para a bancada, e se agarra a base
da taça, passando o polegar ali em todo
o comprimento.
Meus olhos são traiçoeiros em
trazer à minha mente pensamentos onde
esse toque suave e calmo seria melhor
bem-vindo, melhor recebido. De fato,
muito melhor.
— Antes de ir para o Open, eu
trabalhava como vendedora em uma loja
de roupas — Celeste suspira, levada
pelos próprios pensamentos. — Então
eu fui despedida porque colocaram uma
menina mais nova que eu. Foi o que o
gerente me disse, depois eu fiquei
sabendo que era sobrinha dele — ela
sorri.
— Então você ficou sem trabalho?
— Não por muito tempo. Fui
chamada para a entrevista e contratada
— seus olhos se voltam para mim. — Eu
falo demais às vezes e os funcionários
do Open não gostam muito disso. Não
fui bem-vinda lá e foi pior quando não
tinha sequer o Aaron.
— Foi quando você decidiu sair?
— Eu preferi, claro, assim que a
Lili me disse sobre a sua proposta.
— Entendi. E quando não está
trabalhando, o que você faz?
Celeste dá um riso espontâneo,
balançando a cabeça em negativa. Ela
deixa de tocar a taça para cruzar os
braços, mas logo os descruza. Parece
nervosa de repente, o que é intrigante.
Seu suspiro profundo me cobre de
mais curiosidade.
— Eu medito — ela sorri para o
mármore. — Mas geralmente estou
trabalhando. Na realidade, se quer
mesmo saber, eu sou sempre aquela que
fica atrás das cortinas, saindo delas
apenas quando ocorre um equívoco.
— Isso em se tratando do trabalho?
— E da vida, de tudo — seus
ombros se erguem, baixando logo após.
Ela está desconfortável e pega a taça
para beber um grande gole de suco.
— Aqui é cabível dizer que a
grama do vizinho sempre é mais verde?
Celeste sorri, me olhando de um
jeito doce. Seus olhos brilham, mas não
é de contentamento.
Capítulo 11

Santiago está no segundo crepe


enquanto estou acabando o primeiro.
Não é ruim, mas, sinceramente, não
gostei de como ele puxou a aba de saber
mais sobre mim de forma indireta. Quer
dizer, ele conseguiu que eu falasse sem
nem fazer esforço.
No entanto, não é minha culpa
também ter aberto a matraca. É difícil
não estar mole e sem graça com ele
comendo confortável ao meu
lado. Intrusão e intrusão. Como ele
mesmo disse. E eu concordo. Estou
sendo uma intrusa, que está atrapalhando
seu lanche da noite.
— Por que você não vende essa
casa já que não gosta dela? — pergunto,
curiosa.
Ele não responde logo, mas
responde.
— Foi a primeira casa que comprei
desde que me tornei o meu próprio
chefe. Não quero me desfazer dela.
— Ah, é um lance emocional…
Santiago me olha, os olhos
estreitos, então sorri.
— Você acha?
— Acho — assinto. — Tem um
valor especial porque significa algo
importante para você, pois marca um
momento significativo da sua vida. Isso
é bom de se ter.
— Se você diz…
Ele não parece se importar muito
sobre isso, porque pega sua taça e sorve
um grande gole de suco, largando-a
depois sobre o mármore de forma
desdenhosa.
É então que vejo a minha chance.
De ser mais intrometida do que sou.
— Seu pai te pediu desculpas pelo
que fez com você?
Santiago volta o olhar para mim.
Dessa vez, duro e vazio. Não há uma
emoção amena. É só vazio e frio.
— Por que quer saber? — ele
rebate.
— Porque aquilo não se faz, bater
no próprio filho…
Não se faz. Eu o vi caindo por
cima da cadeira e indo parar no chão
com o soco que ganhou do seu pai.
Aquele homem estava mesmo furioso e
por quê? Por um motivo banal. São
ricos, mas inventam qualquer motivo
para sofrer sem a menor
necessidade. Quem entende?
— Meu exímio pai não está muito
interessado em o que se faz ou não —
Santiago me analisa antes de continuar.
— Não houve um pedido de desculpas.
Para ele, o tempo resolve tudo. Nós só
nos vimos de novo quando Lili estava no
hospital. Ele tentou iniciar uma conversa
corriqueira, como se o tempo tivesse me
feito esquecer.
— Oh, nossa — estou triste. Por
Santiago. Parece que seu pai também é
um homem muito inclemente, assim
como o meu. — Esse, com certeza, é o
pior tipo de pessoa a existir, porque o
tempo não faz esquecer tudo. E o que
não é esquecido ou perdoado, não é
curado.
— Não tenho nada para ser curado
e, mesmo que meu pai se ajoelhasse aos
meus pés, implorando perdão, eu não o
perdoaria.
Ele enche sua taça de mais suco,
enquanto eu estou impressionada.
Porque isso é uma coisa errada. Se seu
pai implorasse perdão, ele não
perdoaria? Isso não o qualifica como
arrogante?
Pigarreio, me remexendo no banco,
sentindo o frio da madeira contra metade
da minha bunda. O armário de
empregada não tinha sequer um shorts,
só blusas grandes – o que foi bom, ou eu
não estaria aqui comendo crepes,
bebendo suco de uva e levando um papo
com Santiago.
— Eu acho que é um extremo,
sabe? — digo. Sei que essa minha linha
de raciocínio tem um caminho perigoso.
Provavelmente Santiago vai se levantar
daqui a qualquer segundo, porque
obviamente o assunto "pai" não é o mais
confortável para ele. — O meu pai não é
o maior exemplo do mundo, mas
supondo que ele esteja prestes a morrer
e peça o meu perdão, eu vou perdoá-lo.
— Vai perdoar apenas porque ele
está morrendo.
Não é uma pergunta e sim uma
análise, e Santiago não está me olhando
e sim se servindo de mais crepe.
— Sim, mas iria — afirmo. —
Seria pela paz em sua morte, e para a
minha paz em vida.
Ele balança a cabeça. Não está de
acordo.
— Acho que seria muito fácil se
arrepender só no leito de morte pelo
medo de ir para o inferno — seus olhos
se voltam para mim, certeiros e ainda
vazios. — Isso seria só mais um motivo
para eu não perdoar o meu honorável
pai.
— Você quer que ele vá para o
inferno? — disparo.
— Foi o que ele fez da minha vida:
um inferno.
Meus olhos se arregalam. Estou
dividida em o que de tão grave o pai
Smith fez com ele; e se é tão grave a
ponto de Santiago desejar que ele vá
para o inferno.
— Isso é cruel — despejo. — Se
ele foi tão mau assim, não perdoá-lo
para que vá para o inferno não te torna
igual ou pior que ele? Afinal, ele errou,
mas você tem o poder de não fazer o
mesmo. Isso de não suavizar o ódio em
você não seria comparado a vingança?
— Por que isso te interessa
mesmo? — seu tom de voz muda
completamente. Estava ameno e suave, e
agora parece que Santiago tem areia na
língua.
Eu sinto a raiva daqui. A raiva do
que tem que se lembrar quando fala do
pai. Sinto porque sei do que se trata.
Sei o que é a luta interior para tentar
fazer o certo mesmo no centro do erro.
Fazer o bem em meio ao mal. É
desgastante, e então eu o entendo.
Santiago está tentando lutar contra
seu instinto de fazer o certo. Ele
perdoaria o pai, mas não vai fazê-lo
porque não acha justo. Não seria, de
fato. Mas o mundo é injusto e ele não
pode definhar sua vida por causa de
alguém que não sabe a diferença entre
tempo e cura.
— Você tem razão, não me
interessa — eu digo, compreensiva. Ele
usa a raiva para se defender das
emoções? Eu uso a distração. — Só
queria dizer que não vale a pena se
vingar de quem considera a sua
existência insignificante.
— A minha existência não é
insignificante — ele ralha, me olhando
como se eu tivesse duas cabeças.
— Não, não é — impensavelmente,
eu ergo minha mão do colo e levo até
sua, que descansa sobre o mármore ao
lado do prato, e cubro-a como consigo.
— Mas para o seu pai, você é um filho,
e está abaixo dele. Tudo o que ele fizer,
na cabeça dele, não tem importância.
Para ele, a sua mágoa, a sua dor, são
insignificantes. Isso te torna
insignificante para ele, porque não
precisa se preocupar com o que você
sente e nem com o que faz com, e para,
você.
Santiago me encara e estuda,
parecendo fechar mais o semblante a
cada segundo. Sua mão treme sob a
minha, até que ele a puxa, desfazendo o
contato.
Então sim ele se levanta, me
fazendo morder o lábio.
Acho que fui muito além do que
podia.
— Estou indo dormir — ele avisa,
deixando a cozinha pela porta lateral.
Eu fico desconcertada no banco,
juntando minhas próprias mãos,
buscando o meu fôlego porque, apesar
dos pesares, eu o toquei. E foi a
primeira vez.
Não posso deixar de sentir a
sensação da sua mão grande contra a
minha, mas estou preocupada.
Ultrapassei a linha do bom senso e da
curiosidade.
Decido ficar mais um tempo na
cozinha, para desfrutar dos meus últimos
momentos desse lugar esplêndido.
Porque algo é certo: a minha
demissão.
Capítulo 12

Observo enquanto Logan conversa


pelo celular com o seu advogado na
cadeira ao outro lado da minha mesa.
Ele está acertando os últimos ajustes
antes de ir, pessoalmente, assinar os
papéis de posse da fábrica. Nunca vi
meu irmão tão feliz com algo. Nem as
mulheres conseguiram deixá-lo alegre
assim.
— Tudo bem. Sexta estarei aí —
ele encerra a ligação, me olhando com
as sobrancelhas erguidas. — Quem é o
rei do vinho agora, hein?
— Você que não. Ainda não
produziu nem a primeira garrafa e já
está se elevando ao topo assim? —
contraponho. — Segura a onda que é
melhor.
— Não vem com essa — ele me
censura. — Eu estou bem certo do que
posso e vou fazer. E quem é você para
me falar pra segurar a onda, Santiago?
Deixa de ser um hipócrita do caralho.
Balanço a cabeça. Logan se atinge
muito fácil.
— Enfim — ele relaxa na cadeira
—, tudo certo para sexta? Você ir
comigo?
— Tudo — volto a atenção ao
notebook, que me dá imagens das
câmeras da minha casa. Celeste está no
corredor que divide os quartos,
limpando o chão de joelhos. — Já falei
para ela não fazer isso!
— Ela quem? Fazer o quê?
Meus olhos se voltam para Logan,
que me encara com curiosidade.
— Nada — desdenho, voltando a
olhar a filmagem.
Ela ainda demora um tempo
considerável até se levantar, alongar as
costas, pegar o balde e sair andando. Eu
acompanho pela outra câmera quando
chega ao terceiro corredor, que tem meu
quarto, o escritório e a sala de descanso.
Seu olhar se volta diretamente para onde
ela sabe que não deve entrar.
Ela não vai fazer isso. Celeste
sabe que não pode. Eu deixei a ordem
muito clara.
Mas a minha certeza de que ela não
entrará em meu quarto cai por terra
quando o balde é posto no chão e ela
caminha para a porta. Ainda parecendo
em resistência, ela encara a madeira, só
depois de instantes pondo a mão na
maçaneta.
Eu não acredito nisso.
Minha cabeça está balançando
negativamente quando mudo meus olhos
para a tela de baixo, onde ela acaba de
alongar o pescoço, como conferindo se
não estou mesmo no quarto.
Quando confirma, a porta se abre
mais e ela dá um sorriso. Ela realmente
está sorrindo, como se fosse uma ideia
brilhante entrar em meu quarto eu não
estando em casa. É uma péssima
jogada, garota.
Celeste dá alguns passos até chegar
perto da cama, tocando o edredom com
uma mão, como testando a textura. Mas
logo outra coisa chama sua atenção, ela
se deslocando até a porta do meu closet.
Eu não tenho uma câmera ali, pois não
tem nada de valor, então só espero que
ela saia de volta.
Isso demora 1 minuto e 44
segundos, seu sorriso rasgando os cantos
da boca quando volta a aparecer.
Celeste fica parada perto da porta do
closet, olhando ao redor. Parece em
dúvida.
Em dúvida do quê? Do que
roubar? Foi isso que ela quis dizer
quando falou que seu pai não é o homem
mais exemplar do mundo, porque ele é
ladrão? Ela aprendeu a roubar com ele?
Eu aguardo que ela se decida. Não
consigo desviar o olhar da tela. Estou
puto, agoniado, mas também
curioso. Por que ela desobedeceu? Por
que ela foi ao meu quarto quando eu
deixei explícito que não era permitido?
Celeste de repente segue até a
parede da TV e meu sangue gela. Na
parte debaixo, a parede do cofre é
camuflada como parede normal. Se
apertar um botão atrás da televisão, a
parede se abre. É um armário embutido,
por assim dizer. Sempre foi seguro, pois
todos pensam que meu dinheiro está
sempre em movimento de investimento e
não em minhas mãos.
Ela analisa a TV, mas desiste, para
o meu alívio. Se voltando para a cama,
ela caminha para lá e se senta na borda,
olhando para o nada por um tempo, até
cair para trás, de braços abertos. Então,
muito do nada, ela se vira, ficando de
bruços com o rosto contra o edredom,
ainda de braços abertos.
— Quem é essa aí? — a voz de
Logan me faz perceber que ele está atrás
de mim, falando por cima do meu
ombro. — Que roupa feia para caralho
que ela está usando. Você, dono de lojas,
não deu umas roupas pra mina?
— Ela é minha empregada —
respondo com uma lufada de ar.
Celeste se vira de novo de barriga
para cima, um sorriso no rosto.
— Que porra… — Logan aproxima
mais o rosto da tela. — É aquela mulher
da tinta? A amiga da Lili?
— Celeste — respondo. — O nome
dela é Celeste.
Meu irmão assobia, se afastando de
novo com um balançar de cabeça.
— Não gosto dela. Muito chata.
— Eu não acho isso, ela só fala
demais — o olho. — Cada pessoa tem
um jeito, e o dela é esse. E, bom, ela não
tem que agradar a você e nem a mim, só
precisa fazer o trabalho dela bem feito.
— É assim que ela faz o trabalho
bem feito? — Logan aponta o monitor.
— Deitando na sua cama como se fosse
sua namorada?
A pergunta me tira uma careta e
decido mover o mouse, colocando a tela
na área de trabalho.
— Acho que ela está descansando
— explico, não sei porquê. Ela está
errada, e eu sei disso. E justificar o
erro dela para o meu irmão não é mesmo
explicável. — Vou chamar a atenção
dela amanhã.
— É bom mesmo — Logan volta
para a sua cadeira. — Porque senão, já
viu…
— Não entendi, vi o quê?
— Ela vai se sentir a dona da casa,
e o próximo passo é ela realmente ser.
— Vou me fingir de surdo —
grunho. — Vamos ao que realmente
interessa, a sua fábrica.
O que interessa é Celeste ter
desobedecido a minha ordem, mas isso
não cabe ao meu irmão saber.
Capítulo 13

Eu termino de fechar a bolsa e


coloco a alça atravessada em meu peito,
apertando o coque na cabeça antes de
deixar o quarto de empregada, já de
banho tomado e arrumada.
Passei, novamente, alguns minutos
do meu horário, mas creio que Santiago
não tenha chegado exatamente às seis
horas, quando eu ainda estava no banho.
Eu deixo o quarto com uma vontade
imensa, só que não. Arrasto os pés pelo
segundo corredor até chegar ao
principal, que vai me levar ao hall de
entrada. Mas eu paro antes de ter o
alcance da porta, vendo-o de pé, braços
cruzados e com as costas apoiadas na
parede, como me esperando.
Seus olhos se voltam para mim e eu
engulo em seco.
É agora. Chegou a hora da minha
demissão. Eu tentei evitar, mas…
— Boa noite — eu o cumprimento,
acenando com a cabeça. — Já estou
indo para casa — agarro a alça da
bolsa, como se fosse me segurar, como
um apoio.
— Por que estava em meu quarto?
— ele questiona de uma vez, seco.
Meus olhos se abrem mais, então
fica difícil respirar. O temor me captura.
Mas se eu já iria ser demitida, isso não
vai fazer diferença.
— E-eu… — gaguejo. Estou
incrédula, mas também perturbada.
Como ele sabe? — Fui apenas…
— Deixei claro que você não
poderia entrar lá sob qualquer
circunstância e você me desobedeceu!
Por quê? Você tem dificuldade em
obedecer ordens?
Não. Na verdade, eu fiquei curiosa
sobre o seu cheiro. Quando pus minha
mão na sua ontem e cheguei ao quarto,
percebi que o seu perfume tinha ficado
em mim. Eu realmente havia tocado
apenas sua mão e o cheiro de Santiago
ficou na minha, como o mais verdadeiro
e melhor bálsamo.
Foi delirante. Era um cheiro forte,
mas doce. Completamente agradável e
exótico. Sexy a ponto de eu inspirar e
fechar os olhos. Dormi praticamente
com o nariz na mão.
Então não, eu não tive dificuldade
em obedecer sobre não ir ao seu quarto,
mas me vi na necessidade de sentir mais
daquele cheiro maravilhoso. Fiquei
envergonhada sobre perguntar qual era o
seu perfume, então achei melhor eu
mesma ir procurar o nome.
Mas aquela cama… Ela estava
completamente cheia do cheiro dele por
todo o edredom. Eu quis dormir
cheirando ali, mas não poderia. Nunca.
Então apenas um pouco mais… Eu só
queria um pouco mais do seu cheiro
delicioso.
E isso me trouxe problemas. Se eu
tentasse explicar, Santiago não
entenderia. Interpretaria errado. Acharia
que o estou desejando. O que não estou
– mais. Só que seu perfume me instigou,
e só.
— Eu não tenho dificuldade de
obedecer, m…
— Ah, você tem! — ele me
interrompe, se desapoiando da parede
para seguir em minha direção, parando a
alguns metros. — Você tem uma
dificuldade enorme! Eu fui claro na
ordem, e você até mesmo se deitou na
minha cama, Celeste!
Desvio o olhar.
— Desculpe.
Não sei mais o que posso dizer.
Não estou realmente arrependida, já que
satisfiz minha vontade; mas também, não
estou feliz por tê-lo irritado. Por que
tanto ciúme de um quarto? Não tem nada
demais lá. Tirando a sua TV enorme,
não tem nada de diferente do quarto de
outras casas.
— Eu não vou desculpar de novo,
não mais! — ele grunhe. — Eu avisei a
você, Celeste... Preciso te demitir.
Engulo em seco, voltando
imediatamente meus olhos para os seus.
— Não posso permitir que me
desobedeçam dessa forma — ele
explica, mais suave dessa vez. — Eu
sinto muito, mas a culpa é sua.
Maneio a cabeça, de acordo. Ele
tem razão, a culpa é completamente
minha. Só que eu não sabia que havia
uma câmera escondida em seu quarto.
Quando ele percebeu que eu não havia
seguido as ordens da sua listinha no
primeiro dia, achei que ele tinha visto
pessoalmente, já que rodou pela casa
sem eu vê-lo. Jamais supus sobre uma
câmera, e é o que parece que existe lá.
— Como vai ser o meu pagamento
dos dias trabalhados? — quero saber.
— Você deposita?
Santiago não responde, apenas
enfia a mão no interior do terno,
pegando a carteira. Ele se aproxima
para me dar seis notas de cem, meus
olhos se erguendo para ele.
— É muito mais do que…
— Isso é tudo — ele me corta, se
afastando para o lado, dando a entender
que o espaço é o caminho que devo
seguir até a porta.
— Obrigada — o olho uma última
vez, antes de seguir os passos.
Chegar até a porta nunca foi tão
demorado, e assim que saio, ouço o
barulho da tranca, a chave sendo virada
por dentro.
Guardo o dinheiro na minha
bolsinha de dinheiro dentro da bolsa
maior e pego meu celular, ligando a
lanterna para seguir o caminho até o
ponto de táxi, que vai me deixar no
ponto de ônibus, que é uma viagem
muito mais barata.
Nem ferrando vou gastar o meu
ganho com táxi até em casa. São quase
três horas de viagem e os motoristas
sacam nossos bolsos. Esse luxo ainda
não posso ter.
Preciso dar uma olhada no dinheiro
que estou juntando. Minha tentativa de
chegar a dez mil nunca é alcançada,
pareço não sair dos quatro. Quero poder
comprar móveis e eletrodomésticos.
Mas não consigo me concentrar só em
organizar a minha vida se ainda tenho a
vida dos meus pais em jogo. Se não
pagar o aluguel, onde eles vão morar?
Se não levar comida para casa, o que
eles vão comer?
Deixo o ar escapar dos meus
pulmões quando chego ao ponto do táxi,
entrando no primeiro que está livre.
Preciso iniciar imediatamente a
busca por outro emprego.

***
Quando chego em casa, conto até
três para tomar forças e abrir a porta.
Sei o que vou encontrar, um cenário
simples como de qualquer família
normal: pais assistindo TV na sala.
Como se enganasse alguém...
Ao girar a chave, já fico tensa.
Abrindo a porta, isso só aumenta. Mas
não os vejo no sofá, mas ouço um
assobio aparentemente alegre.
Entro devagar, deixo minhas
sapatilhas onde ficam os sapatos, ao
lado da porta, e me viro para trancá-la.
O assobio vem da varanda, onde,
esticando o pescoço, consigo ver meu
pai em sua espreguiçadeira, assobiando
enquanto lê um jornal.
Fico mais aliviada em não ter que
dar boa noite a ele, então vou à procura
da minha mãe, para ela saber que estou
bem e só dormi fora de casa.
Eu não encontro-a na cozinha, então
subo os degraus da escada, indo
procurar em seu quarto. Bato antes de
abrir a porta, mas também ela não está
lá. Vou ao meu próprio quarto, mas não a
encontro. Meu coração acelera.
Desço de novo, indo ao único
banheiro da casa, a porta estando
destrancada e o cômodo vazio. Estou
querendo me desesperar, mas não vou
fazer isso. Puxo minha bolsa para pegar
o celular e ligar para ela, mas o toque
do seu vem da sala. Ela não está com
ele.
Eu sigo para a varanda a passos
largos, a garganta seca.
— Onde está a minha mãe? —
pergunto, segurando na porta tanto pelas
mãos trêmulas, como pelas pernas
fracas.
O meu pai não tem sequer a
decência de me olhar, continuando a
assobiar, aparentemente despreocupado.
Várias possibilidades começam a
passar pela minha cabeça. Ela sozinha
com ele. Meu pai sabendo estar sozinho
com ela pela madrugada.
Engulo em seco.
— Pai… — tento ser suave, não
querendo irritá-lo. Ainda isso, tem que
falar manso porque qualquer coisa ele
joga algo no chão e berra, se irritando e
querendo quebrar algo ou alguém,
especificamente a minha mãe. — Onde a
mamãe está?
— Ela saiu — ele responde, muito
calmo.
— Para… onde?
— Não sei, ela não me disse — a
folha do jornal é passada para o lado e
ele me olha com um sorriso. — A sua
mãe é uma mulher livre, filha.
Minha respiração já está
desequilibrada quando me viro para
voltar e calçar minhas sapatilhas, saindo
de volta à rua, dessa vez para procurar a
minha mãe.
Capítulo 14

Sigo a passos pesados para a


padaria Chase. Não encontrei a minha
mãe em lugar nenhum. Ao menos, não
nos lugares que procurei. Agora, já são
oito da manhã e estou com muita fome,
então decido parar alguns minutos para
comer algo.
Para o meu alívio, está aberta, com
um movimento intenso. Esbarro em
algumas pessoas que saem para poder ir
para a fila de compra, esperando
enquanto tento ter pensamentos bons.
Não subirá à minha mente, não
subirá à minha mente, não subirá à
minha mente nenhuma coisa ruim…
Não subirá à minha mente nenhuma
lembrança desastrosa…
Continuo em meu mantra pessoal
enquanto a fila anda. Tento e me esforço
para não deixar os possíveis prováveis
acontecimentos invadirem a minha
cabeça. Meu pai jamais seria capaz de
matar a minha mãe. Ele a machuca, mas
é só. Ele não tiraria a sua vida.
Vou acreditar nisso. Quero
acreditar nisso.
Minha respiração começa a ficar
difícil. Tento controlar isso também,
inspirando pelo nariz e soltando pela
boca. Devagar, nada de pressa. Bem
devagar para obter o controle de mim
mesma.
— Bom dia! O que deseja? — a
voz saudosa da atendente me faz ver que
chegou a minha vez.
— Bom dia, eu quero um Lili, por
favor, e… vocês tem café?
— Normal, expresso, com leite e
creme.
— Extra forte? — sorrio.
Ela maneia a cabeça.
— Posso providenciar. Mais
alguma coisa?
— Só isso mesmo. E, ah, é para a
viagem.
— Tudo bem.
A atendente bate o meu pedido na
sua máquina e sai para buscar.
Eu aguardo até que volte, o que
leva no máximo cinco minutos. Ela me
entrega a sacola e a nota, pedindo que eu
me direcione para a fila do caixa para o
pagamento. Depois de agradecer e
desejar bom dia a ela também, sigo ao
meu destino.
E é quando o vejo. Parado na porta
do escritório. Mais a frente, nem um
pouco discreto, está Santiago. Com seu
chapéu costumeiro e seus braços
cruzados, ele me encara sem o menor
pudor e constrangimento.
Tenho um momento de receio que
ele venha me perguntar algo. Não quero
ter que responder e nem mesmo que
mentir.
Desvio os olhos dos seus, fazendo
uma prece mental de que a fila caminhe
mais depressa. Agora eu não devo mais
alguma explicação a ele, mas mesmo
assim é intrigante ter seu olhar em mim.
Por isso, tento ignorá-lo até o
momento da minha vez. Tiro o dinheiro
da bolsa, entrego a notinha, espero meu
troco, agradeço e me viro para sair.
Estou já na rua quando de repente
alguém me acompanha. Não alguém, é
Santiago e sei tanto pela sombra alta do
seu magnetismo como pelo seu cheiro
que identifico na hora. Eu paro e me
viro. Ele também para e se vira para me
olhar frente a frente.
Contra o sol mas com a luz do dia a
favor, seus olhos têm a cor do mais
claro e puro mel. É lindo olhá-lo assim,
tão cedo, tão visível, tão perto do meu
olhar.
— Bom dia — o cumprimento,
tentando um sorriso alegre.
Mas ele não sorri, embora tire o
chapéu, que fica segurando na outra
mão. Assim, seus olhos ficam
impossivelmente mais claros e seu rosto
se ilumina. Ele tem cílios longos e que
ficam pesados sob as sobrancelhas
cheias.
— Bom dia — me devolve o
cumprimento. — Veio deixar seu
currículo?
— Não — sorrio, nervosa. Ele não
precisa me lembrar que fui demitida
agora. — Vim comprar um Lili e pegar
um café.
— Humm… — ele olha para a
sacola em minhas mãos antes de voltar
aos meus olhos. — A Lili está ali, no
escritório, não quer falar com ela?
— Diga que mandei um oi e
saudades, mas estou mesmo com pressa
e não posso ficar — me desculpo. —
Ela está bem?
— Sim — ele parece desconfiado.
— Ela está bem contente com a
gravidez. Mas, por que tanta pressa?
Não quer tomar o seu café no escritório?
— Não, obrigada, eu vou comer no
caminho — já explico me afastando,
porque de jeito nenhum vou encará-lo
frente a frente questionando o que não é
e nunca foi de sua conta. — Obrigada,
Santiago. A gente se vê por aí logo mais.
As últimas palavras saem só por
educação, porque não pretendo vê-lo
logo mais e nem tão cedo.
Abro a sacola, pego o pãozinho e
começo a comer enquanto prossigo em
minha busca.
Se não encontrá-la, vou ter que
recorrer à polícia.
Capítulo 15

Deixo que dois Diretores e mais


um dono de uma das franquias debatam
entre si na reunião que fiz para avaliar a
liderança do trio. Eles pensam estarem
aqui porque estou admirado pelo
trabalho deles, mas foi apenas jogar a
questão de o que fariam se o lucro
diminuísse em 0,9%, o que diminuiu em
somatória das três lojas em que eles
possuem o poder.
E claro que a culpa está sobre eles.
Se uma empresa tem efeitos contrários
ao que se espera, a culpa é total e
inteiramente da regência, que tem como
a única função manter o lugar em
funcionamento certo, isto é, gerando
lucros. Se não estiverem conseguindo
isso, estão sendo inúteis, e de
inutilidade eu apenas me livro, não
debato.
William, o que não conseguiu se
segurar no cargo de direção de uma
filial em Washington nem por um ano,
me olha de um jeito perturbador.
Nitidamente, ele espera que eu diga algo
enquanto os três expõem pontos
desnecessários, e impõe culpa nos
pensamentos errados uns dos outros –
quando, tristemente, todos estão errados.
— Você não vai dizer quem está
certo? — ele pergunta. — Não acha
também que a minha ideia de
reestruturação seria a melhor?
Me limito a balançar a cabeça.
Eles se perderam no poder, e foi isso
que trouxe o cair. É algo perigoso
colocar poder nas mãos de quem não
sabe impor limite a si próprio. A sede
de mandar os fez diminuir, ao invés de
crescer. É triste, mas posso apenas
assistir de braços cruzados, porque a
minha decisão já foi tomada.
— O que significa isso? —
William insiste, rude. — Você balança a
cabeça e espera que saibamos o que
quer dizer? Não estamos em um show de
"leia mentes", senhor Smith.
Isso é o limite, e isso é tudo. Como
eu disse, não entregue o poder nas mãos
de quem não entende sobre o limite
próprio.
Me levanto e olhos em expectativa
me seguem. Estão querendo mais poder
em saber quem teria a melhor solução.
— Estão demitidos — aviso. —
Todos vocês. Se juntarmos as três
lideranças, teremos um prejuízo
inaceitável em apenas um trimestre em
contrapartida ao lucro costumeiro. Vocês
não estão prontos para o que ganharam
em mãos. Deixem suas salas em até dois
dias.
— Como assim!? — William
parece perdido, me acompanhando
quando saio da sala. — Não pode me
demitir! Eu estou indo bem!
— Já dei a minha ordem.
Ele continua a me seguir enquanto
caminho até o elevador e entro, com
destino ao estacionamento no subsolo.
Posso ouvir sua respiração pesada, alta,
estrondosa. Ele está irado e não tiro a
sua razão. Eu também ficaria. Mas se
não queria ser demitido, que tivesse
feito por onde.
As portas se abrem e enfio a mão
no bolso da calça, para tirar a chave do
carro. E de repente uma mão em meu
ombro me faz parar, William se
materializando em minha frente.
— Você não pode estar falando
sério — ele me fuzila com os olhos, ao
que me mostro desentendido.
— Está tendo alguma dificuldade
para aceitar a realidade? — rebato.
— Eu não faria isso se fosse você,
Smith — seu tom me soa como um
alerta. — Deve repensar sobre isso.
Nego.
— Não tenho o que repensar,
William — deixo claro. — Você
desperdiçou a sua chance e não posso
mesmo voltar atrás com a minha
decisão, nem se quisesse.
— Por que não?
— Porque você é incompetente. Eu
poderia te dar mil chances, mas você
desperdiçaria todas elas. Há uns
momentos atrás, eu poderia estar em
dúvida disso, mas agora com você me
seguindo e insistindo que estou errado,
tenho certeza que o seu trabalho nunca
vai valer a pena para mim. Talvez para
você mesmo, mas não em meus
negócios. Sinto muito, mas a vida é
assim mesmo — eu selo os dizeres
apertando o seu ombro, então sigo o meu
caminho.
É só mais um no clube de pessoas
que me odeiam. Eu sei lidar com isso.
Não importa o que achem, a certeza da
minha decisão está consciente. Se
minhas decisões não fossem certas,
consequentemente eu não teria
alcançado o topo.
Mas alcancei, e vai ser difícil
alguém me tirar daqui.
***

Cheguei ao meu escritório e não


tive tempo de almoçar. Tenho que ler
alguns contratos – o que gosto de fazer
sozinho, e depois com meu advogado.
Com a demissão dos três funcionários,
também preciso avaliar pessoal para
substituí-los. Desta vez, farei isso com
um pente mais fino e um olhar mais a
atento e crítico. Vou apostar em pessoas
que saibam que o baixo é o nível mais
necessário. É o essencial. Onde tudo se
inicia*.
Meu telefone toca e atendo para ser
informado que Lili quer falar comigo.
Libero sua entrada. Sem tirar os olhos
da folha na cláusula IV, ouço a porta se
abrir com a sua chegada.
— Por que estou sabendo que
Celeste não está mais trabalhando em
sua casa, Santiago?
A sua pergunta vem isenta de um
cumprimento, mas ela precisa aguardar
alguns instantes até que eu termine de ler
e possa lhe dar minha atenção.
— Desculpe, o que disse? —
levanto meus olhos para ela, que
acaricia a barriga inexistente.
— Celeste não está mais
trabalhando para você por quê? —
minha irmã tem uma cara de poucos
amigos, e eu não estou em um clima
adequado para um bate-boca familiar
neste momento.
— Ela desobedeceu as minhas
ordens, tive que demiti-la — explico.
— Que ordens, Santiago? — Lili
parece desentendida. — Não era só
limpar a sua casa e acabou?
Resolvo cortar o mal antes que crie
raiz.
— Deixei claro que ela não
poderia entrar em meu quarto, mas ela o
fez. E, para completar o pacote, se
deitou em minha cama. Isso é
desobedecer uma ordem de uma
autoridade superior e não espero que
você entenda isso, já que nunca
trabalhou para alguém em sua vida.
Sua boca se abre, mas por tão
pouco tempo que tenho dúvidas se ela se
encontrou chocada mesmo ao me ouvir.
— Você percebe que a cada dia que
passa, fica mais parecido com o nosso
pai? — questiona. — Ela é minha amiga
e precisa de um trabalho.
— Seu marido tem uma padaria,
empregue-a lá — sugiro.
— Não estamos precisando de
mais funcionários, Santiago, você sabe
disso.
— Se a considerasse mesmo uma
amiga, arranjaria uma vaga para ela nem
que fosse para contar o número de
clientes — pondero. — Talvez a palavra
amizade tenha perdido um pouco de
solidez em seu vocabulário, Jolie.
Minha irmã está balançando a
cabeça negativamente.
— Não te pedi um bicho de sete-
cabeças. Só para você deixá-la em sua
casa, que é um ambiente tranquilo. Mas
você prefere me submeter a essa
condição de amiga falsa, como para tirar
o seu da reta — ela bufa. — Mas não faz
mal, Santiago. Eu conheço o Logan e
com certeza ele vai se interessar pelo
meu pedido.
— Ledo engano — a corto. — O
Logan não gosta muito da Celeste. A
depender dele, ela vai continuar sem um
emprego. Coloca ela como sua
assistente na sua clínica. Aposto que ela
vai ser bem útil.
— Estou decepcionada com você
— Lili murcha o semblante. — Eu vou
falar com o meu pai, e vê se ele tem uma
vaga em alguma empresa. Não vou
permitir que Celeste volte para o Open,
não vou deixar que ela se sinta sufocada
por ter que ir trabalhar, porque é o pior
sentimento que existe e você bem sabe
disso.
— É assim que é viver, Lili —
grunho. — Nem tudo é bom, e trabalhar
muito menos. Agora, se me permite, eu
tenho coisas mais importantes para
resolver.
— Está bem — ela destila.
Antes que saia, no entanto, eu
opino:
— Se eu fosse você, não procurava
a ajuda do nosso honrado pai. Sabe que
ele odeia quem seja inferior a ele.
— Não faz mal — ela ergue um
ombro. — Contanto que ele tenha um
salário para Celeste em alguma loja que
não fique presente, tudo está bem.
Eu a vejo sair e bater a porta,
enquanto fico me perguntando se ela está
com a razão. Mas acho que não e
trabalhar para o meu pai seria o pior
pesadelo de Celeste.
Capítulo 16

É como se diz, nada está tão ruim


que não possa piorar. Depois de dois
dias procurando por minha mãe pelas
ruas, tentei implorar, com suavidade e
persuasão amável, para que meu pai me
dissesse alguma coisa. Ele obviamente
estava sabendo de algo que eu não. Eu
tinha certeza disso.
Mas, mesmo depois de toda a
minha insistência, ele não disse
nada. Não fiquei sabendo de nada. Pela
forma que ele parou de demonstrar a sua
felicidade com os seus assobios e
sorrisos para o vento, eu premeditei que
também começasse a se preocupar.
Ela nunca fez isso, e nem teria
coragem para tal. Sumir ou sair de casa.
Há medo na minha mãe, além do amor
que ela diz sentir. Mas se fosse amor
mesmo, ela não teria medo e sim
confiança. Mesmo que eu não conheça o
sentimento do amor, tenho certeza que
não implica em sofrimento e vivência
em constante desespero.
Termino de calçar meus tênis e
ponho a bolsa no ombro. O barulho de
passos me diz que meu pai está vindo da
escada ao meu encontro.
Já de pé, o olho vestido em seu
calção listrado parado perto de mim.
Seus olhos estão super inchados, porque
sem minha mãe aqui, ele só faz dormir, o
que não pesa muito em sua
inutilidade. Melhor dormindo mesmo.
Não é agradável o desconforto que sinto
sempre que ele está próximo. Quanto
mais com o ar frio da casa.
Sei que não é certo. É o meu pai e
devia haver sentimentos de carinho,
amor e respeito. Mas tudo que quero é
não vê-lo e nem trocar palavras com ele.
Não quero que se aproxime de minha
mãe também. Só desejo que ele suma de
nossas vidas. É essa a minha prece de
todos os dias.
— Vai procurá-la de novo? — ele
pergunta, mal-humorado.
— Não — minto. Vou à polícia,
mas ele não precisa saber. — Estou indo
colocar currículos, por quê?
— Já não está trabalhando?
— Estou, mas não gosto de lá, vou
procurar um emprego melhor.
— Hum — ele torce a boca. —
Acabou o café e o leite, e o dinheiro que
você colocou na conta da sua mãe
também já zerou.
Estranho totalmente ouvir isso,
porque ela me prometeu que não
contaria a ele dos depósitos que eu faço
mensalmente em sua conta, para ela
comprar as próprias coisas que precisa.
Engulo em seco a minha revolta e
descrença, então apenas maneio a
cabeça.
— Eu trago o café e o leite da rua
quando voltar — digo, fingindo um
controle que não tenho. Estou
explodindo por dentro. — Tenho que ir.
Não me despeço, apenas saio o
mais rápido que consigo.
Estou com o meu corpo pesando
uma tonelada de tanta raiva. Quero
arrancar meus cabelos e chutar os jarros
de plantas da varanda. Eu poderia
também gritar para tentar extravasar isso
que me invade. Só quero tudo ao mesmo
tempo, mas não faço nada.
Maldito seja o dia em que nasci e
vim ao mundo.
No ponto de ônibus, esperando o
que vai me levar até a delegacia mais
próxima, observo quando Logan surge. É
mesmo o irmão de Lili se deslocando
pelo caminho inverso, que parece
perdido enquanto tem um papel em
mãos. Ele para uma senhora para
questionar algo a ela, que aponta para a
direção em que estou e Logan concorda
com cabeça.
Ele está marchando pelo caminho
indicado quando se aproxima do ponto.
Pela sua visão observadora que passeia
por todos os lados, ele me vê. Então
cessando o caminhar, seus olhos se
estreitam e ele guarda o papel no bolso
da calça.
Eu o vejo vir em minha
direção. Infelizmente, não tive essa
sorte. Lili e seus irmãos são as
chamadas pessoas nascidas em berço de
ouro e com a bunda para a Lua. Eles são
lindos, ricos, têm peles perfeitas, sabem
e podem se vestir bem, também
demonstram dominar tudo e qualquer
coisa apenas com o falar. E acho que
eles dominam mesmo.
Queria ter tido um por cento que
fosse dessa sorte no mundo.
— Celeste, não é? — Logan aponta
para mim, se aproximando a uma
distância de um braço estendido.
Preciso levantar a cabeça para
olhá-lo no rosto. Seus olhos são mais
claros que os de Santiago, e ele tem
cabelos cacheados e curtos, diferente
dos do irmão, que são grandinhos e
lisos.
— Está procurando a padaria do
Aaron e se perdeu? — questiono.
Ele estreita os olhos e dá um
sorriso rápido.
— Eu não me perdi, lindinha —
murmura. — Estou procurando por você.
Estava indo até a sua casa, que a minha
irmã me deu o endereço.
Me levanto do banco em que estou
sentada, não entendendo o desenrolar.
— Por que Lili deu meu endereço a
você?
— Ela disse que você está
precisando de um emprego e eu tenho
uma oferta. Não te quero em minha casa,
Deus me livre — ele dá uma risada para
abrandar a sinceridade. — Mas estou
prestes a abrir uma fábrica de vinhos na
Itália e estou precisando de funcionários
para operar as máquinas.
Devo estar com um semblante
esquisito, assim como ouvir isso se
parece em minha cabeça.
— Você aceitando — Logan
continua —, posso pagar a sua moradia
na Itália e as despesas por lá. Vai poder
ter o salário integral para usar. Vai ser
uma ajuda e tanto para mim, para você e
também para Lili, que está louca para
que você seja posta em algum cargo de
novo. Todos ganham, todos felizes, tudo
certinho! O que me diz?
Isso me parece uma
proposta muito boa para ser verdade.
Logan tem algum tipo de lance proibido
e fora da lei? Ele quer me mandar para
trabalhar para si em outro país e arcar
com as minhas despesas? Isso não soa
muito bom para ser verdade?
Soa. É justamente por isso que
quero saber:
— Por quê?
— Eu não tenho muito tempo para
escolher contratação, nem mesmo ainda
tenho um gerente — sua resposta é fácil,
como na ponta da língua. — Preciso me
estabilizar antes de focar totalmente na
fábrica, e você é uma pessoa de
confiança pelo que minha irmã diz. Seria
perfeito, e se puder recomendar uns
amigos também que aceitem, eu vou ser
o cara mais feliz do mundo.
Seria perfeito, exceto porque tenho
uma vida aqui. Eu poderia ir, mas não
deixaria a minha mãe. Haveria um jeito
de levá-la comigo? Meu pai seria
incapaz de nos alcançar na Itália.
Meus olhos brilham pela
possibilidade e Logan sorri,
provavelmente percebendo o meu súbito
entusiasmo.
— Eu poderia levar a minha mãe
comigo?
— Claro! — ele está de acordo de
bom grado, abrindo os braços, e eu me
jogo nele, o abraçando pela cintura. Ele
é mais alto que Santiago ao que parece,
e por um momento acho que sua intenção
não era receber um abraço, já que
continua imóvel.
Eu me afasto, devagar e acanhada.
— Desculpe — respiro fundo de
vergonha. — Me empolguei.
Logan está com uma sobrancelha
erguida e um sorriso na boca.
— Percebi. Por que tão feliz? Você
e sua mãe tem o sonho de morar fora
daqui?
— Nós temos, bem longe daqui —
assinto. — Essa é uma ótima
oportunidade, muito obrigada.
Meus olhos começam a umedecer
depressa enquanto penso que vamos
poder ir para bem longe mesmo, mas
que primeiro preciso encontrá-la.
Levo as mãos aos olhos, me
virando para secar as lágrimas.
Justamente quando surge a oportunidade,
isso acontece...
— Ei, o que houve? — Logan toca
meu braço, sua voz estando mais
próxima.
Não quero dizer para ninguém, mas
acho que se guardar isso só para mim
mesma por mais um dia, posso explodir
de verdade.
— É que estou indo à delegacia,
sabe? — fungo, horrivelmente abalada
pelas emoções. Odeio perder as rédeas,
odeio que tirem o controle de minhas
mãos.
— Por quê? — Logan está
surpreso. — Você presenciou algum
crime?
— Não — balanço a cabeça e o
olho de lado. — A minha mãe sumiu há
dois dias, e não consegui encontrá-la —
o motivo eu não digo, claro.
— Meu Deus, dois dias? — agora
ele está horrorizado. — Por que não foi
à polícia antes?
Por medo e precaução.
— Achei que ela fosse aparecer,
mas isso não aconteceu.
— Ela está com o celular? Nós
podemos rastrear.
— Não — encolho os ombros. -
Ela o deixou em casa.
— Algum parente ou amigo em que
ela possa ter ido na casa?
— Ela só tinha um irmão, mas ele
morreu numa briga há dois anos. Sem
amigos.
Agora Logan faz uma careta.
— Sua mãe não tem uma vida muito
badalada, então.
— Não tem — eu concordo. Se
estivermos falando sobre viver como
qualquer pessoa comum, não, não há
badalação em sua vida.
Logan pega o celular no bolso do
terno e o guarda tão rápido quanto
pegou. Ele me olha e hesita, antes de
falar.
— Eu tenho uns amigos que são
policiais. Posso te levar para a
delegacia e você vai ter uma atenção
toda especial — ele oferece. — Não
imagino o quão agonizante e triste pode
ser esperar que a mãe volte sem saber
para onde ela possa ter ido.
— Sério? — minha voz quase não
sai. Como eu disse, esses irmãos podem
dominar tudo com o falar. — Eu ficaria
infinitamente grata.
— Não precisa babar meu ovo,
minhas mil namoradas já fazem isso —
ele sorri, estendendo o braço por meu
ombro e me incentivando a começar a
andar com ele. — Vamos de carro,
ônibus não.
Eu o olho, desconfiada. Muita
intimidade para um
desconhecido. Acho que Logan percebe
isso, porque retira o braço.
— Me desculpe — murmura,
enfiando as mãos nos bolsos da calça.
— É o hábito.
— Por isso tem mil namoradas?
— Provavelmente — ele ri. — Vou
manter as mãos longe de você, eu
prometo.
Se ele me ajudar a achar minha
mãe, pode colocar as mãos até nos meus
ouvidos que não vou me importar.
Mas não digo isso, apenas penso.
Capítulo 17

Depois que Logan me levou à


delegacia, seu amigo, que já tinha por
volta dos cinquenta anos, nos recebeu e,
como eu não esperava, pôde e conseguiu
sim me ajudar. Jogando alguns dados de
minha mãe em seu computador, como
número do cartão de crédito, ele
conseguiu localizá-la.
Estava em uma lanchonete de Nova
Jersey, trabalhando com um péssimo
disfarce. Não acreditei, a princípio,
quando passei pelas portas do
estabelecimento e procurei por ela,
encontrando-a atendendo um cliente com
seus cabelos cortados acima dos ombros
e com uma tintura violeta.
Foi um péssimo disfarce pois era
uma cor que chamava muito a atenção e
se sua intenção era ser discreta, não
conseguiu. Se meu pai batesse os olhos
nela, a reconheceria na hora. E tenho
certeza que ele já vai começar a
procurá-la.
Meu maior alívio foi vê-la viva e
bem, sem qualquer roxo nos olhos ou
vermelho nos braços. E agora, quando
pediu seu tempo de almoço adiantado
para me dar atenção, ainda continuo sem
falar ao encará-la.
A preocupação se desmanchou em
alívio, mas mesmo assim ainda não me
situei. Foi uma manhã intensa. Dias de
preocupação e receio. Horas de
tribulação. Momentos em que eu só quis
perder as forças e aceitar que algo ruim
pudesse ter acontecido de fato.
— Você está namorando, ursinha?
— ela pergunta, usando meu apelido
carinhoso.
Meu sorriso é imediato e se
transforma em uma riso.
Minha vista voa para um dos
bancos do balcão, onde Logan está
sentado comendo um hambúrguer e
bebendo coca, enquanto assiste a TV.
Ele parece bem à vontade, como se
estivesse em casa.
— Não — volto os olhos para
minha mãe. — Esse foi alguém que se
mostrou um amigo quando eu pensei que
era apenas um playboy mimado
insuportável.
— Desde quando você faz
amizades com playboys mimados? —
minha mãe dá um sorriso e alcança
minha mão em cima da mesa, fazendo
uma carícia. — Estou feliz que esteja
fazendo amigos, minha filha. É bom para
você.
Meus olhos enchem de lágrimas de
novo e eu fungo para poupá-las.
— A senhora podia ter deixado
uma carta ou me mandado uma
mensagem pelo celular de alguém —
minha voz está entrecortada quando
reclamo sem querer. — Eu morri de
preocupação. Achei até que estivesse…
Eu não completo. Seu olhar me diz
que ela entende.
— Você não foi para casa aquela
noite e eu fiquei pensando que tinha
desistido, que tinha me abandonado e
seguido seu rumo, minha filha — ela
aperta um pouco minha mão. — Deus
sabe que isso seria o certo, mas eu não
aguentei, ao mesmo tempo que ganhei
forças. Se você conseguiu sair, eu
também conseguiria. Jamais poderia me
imaginar aguentar a minha vida sem
você, Celeste. Tive que sair.
— A senhora pensou que eu não
voltaria? — estou surpresa. Eu seria
incapaz de fazer isso.
— Pensei, e não a culparia jamais.
— Eu dormi no trabalho aquela
noite — explico, agora me sentindo
culpada. Só pensei em mim, e não na
minha mãe. Fui uma egoísta. —
Desculpe não ter avisado.
— Não faz mal, meu amor — sua
mão livre vai ao peito, onde ela bate de
leve. — Aqui já estava doendo por me
sentir de mãos atadas, por ver você
carregando fardos que não te pertencem.
Por ver você engolindo os meus
problemas...
Dou um sorriso, que diz em tudo
que estou bem agora. Com a sua decisão
e atitude. Apesar de ter me sentido em
frangalhos por não saber sobre ela por
quase três tortuosos dias.
— A senhora fugiu? — quero
saber.
— Ele chegou bêbado demais e
caiu no chão. Foi o fim para mim. Vi
aquilo e me deu uma coisa muito ruim
por dentro — minha mãe desabafa sobre
o sentimento que entendo bem. —
Peguei minha bolsa e saí.
— Sem dinheiro e sem roupas,
mãe? — Não deveria usar esse tom. Ela
usou da oportunidade para um bem
maior. O seu bem maior.
— Sim, filha. Caminhei até
conseguir uma carona. Uma mulher que
estava vindo a caminho de Nova Jersey
me aceitou. Nós conversamos um pouco
e foi a primeira vez que me abri tão
livremente com alguém depois de tanto
tempo — ela solta o ar, estando
aliviada. — Nós paramos aqui para
lanchar e foi quando ela me disse que
essa lanchonete era dela, e que podia me
empregar.
— Isso foi milagroso — minhas
sobrancelhas se erguem. — Ela está
aqui? Preciso agradecê-la.
Minha mãe sorri.
— Não, ela foi embora. Mora em
Londres, só veio ver como estavam os
negócios que tem por aqui — explica.
— Eu já me sinto outra pessoa, sabe,
filha. É bom poder respirar com vontade
outra vez, por se querer… — seus olhos
se estreitam e ela suspira. — Considerei
não respirar em alguns dias.
Eu me levanto de imediato, saindo
do meu lugar para ir me sentar no banco
ao seu lado, dando um abraço forte nela,
capaz de nos deixar sem ar.
— Não diga essas coisas, mãe —
peço, fechando os olhos. Eu pensei
nessa possibilidade e isso me deixa sem
chão só de pensar.
— Você foi a minha força para não
fazer uma besteira comigo mesma,
Celeste — seus braços rodeiam minha
cintura e ficamos assim, abraçadas no
banco da lanchonete, nos entendendo por
igual. — Eu te amo, filha, mas não acho
que tenha sido uma boa ideia que tenha
me encontrado.
— Como assim? — eu me afasto
para olhá-la, alarmada. — Está
brincando comigo, mãe?
— Seu pai pode ter te seguido e se
ele me encontrar — ela faz uma pausa
—, não sei o que pode acontecer…
— Ele não me seguiu porque eu
disse que estava indo procurar um novo
emprego e, segundo, Logan me levou à
delegacia em seu carro blindado e todo
preto.
Não sei porque descrevo o carro
de Logan, já que é irrelevante. E meu
pai jamais teria uma arma em casa,
porque ele sequer tem dinheiro para
comprar uma, então não haveria a
possibilidade de me seguir e disparar.
Balanço a cabeça. Por que estou
pensando essas coisas? Talvez eu
devesse procurar um psicólogo.
— Por que você estaria indo
procurar um novo emprego? — minha
mãe parece desentendida.
— Fui demitida porque desobedeci
a ordem do chefe — ergo um ombro, em
lamento. — Mas tudo bem, o irmão dele
me ofereceu um emprego.
— Irmão dele?
— Do meu ex-chefe. Ele é irmão
do Logan — gesticulo. — O playboy
mimado que me ajudou a achar a
senhora — sorrio.
— Como o irmão do seu ex-chefe
pode ser seu amigo? — ela agora está
confusa.
Eu respiro fundo para começar um
relatório atualizado de tudo que
aconteceu em minha vida nos últimos
meses, tempo esse que nós duas não
tivemos a oportunidade de conversar
por causa de nossa vida limitada.
E espero que quando chegar na
parte em que conto sobre a oferta de
Logan, ela possa aceitar. Porque isso é
tudo que mais quero, e será o melhor
para nós.
Capítulo 18

— Desculpa a demora! — Logan


entra em meu carro apressado e coloca o
cinto. — Eu estava no banho.
— Se o piloto for embora, eu não
peço para ele voltar — dou partida no
veículo, nos levando para a pista. É
sexta-feira e estamos a caminho para
partir para a Itália. — Pensei que tinha
acertado tudo de horário com o seu
chefe, e então você me deixa esperando
mais de quarenta minutos!
— Não vem foder a minha cabeça,
não, Santiago — ele não faz caso com a
sua falta de palavra. — Eu falei para
você entrar e me esperar em casa.
— Eu não marquei para entrar na
sua casa, e sim para te levar até o jato!
Você mesmo dá um jeito de foder tudo
antes de sequer acontecer.
Meu irmão bufa, resmungando
palavras indecifráveis.
— Já pedi desculpas.
— Desculpas não resolvem a sua
falta de palavra!
— Mas você também, hein — ele
me olha. — Tem dias que tá chato pra
porra, mas outros insuportável! O piloto
tem a obrigação de nos esperar. Se ele
não estiver lá, você o demite e contrata
outro!
Ele tem razão. Seria o certo e o
piloto não é mesmo a minha
preocupação. Além de Logan não ter
cumprido com o horário que
combinamos, ainda estou procurando um
diretor para substituir William na filial
de Washington. O que é pior, é que
desde que o demiti, recebo e-mails seus,
pedindo que eu repense.
Mas a decisão tomada não pode ser
refeita e falhas passadas não podem ser
consertadas. Eu o tenho ignorado, pois
não quero esquentar minha cabeça com
isso, mas confesso que está sendo difícil
achar alguém para substituí-lo. E isso
tem me esmagado no quesito paciência
ao passar da semana.
— A sua secretária não me enviou
os currículos que você prometeu —
Logan informa, depois de longo silêncio,
que eu não debato sobre sua reclamação.
— Me esqueci de pedir. Por que
você não dá uma olhada nos currículos
que chegam para o Open?
— Não, não — ele nega de
imediato. — Não quero ter que chegar
no RH e pedir esse favor. Com certeza
nosso pai desconfiaria.
— Ele não desconfiaria se não
soubesse.
— Mas ele sabe de tudo naquela
porra — Logan retruca, o que é,
definitivamente, uma verdade. E mais
um dos motivos por meu pai ser para
mim apenas um homem imprestável. Ele
abusa medíocre e covardemente de seu
poder. — Eu já tenho três funcionários
certos.
— Não eram dois? — buzino para
um carro que entrou por uma transversal
sem ligar o sinalizador.
— Encontrei mais um. A Celeste.
Lili que me indicou ela depois que você
a demitiu.
Meus olhos se voltam para ele um
segundo. Não estou muito certo do que
ouvi.
— Celeste?
— Sim — ele confirma.
— Mas você disse não gostar dela
— Não estou entendendo.
— Eu não gostava, mas, vai, ela é
suportável — Logan tem um tom de
quem está sorrindo. — Estava indo até
a casa dela oferecer o trabalho, mas a
encontrei em um ponto de ônibus. Ela
estava indo para a delegacia.
— Delegacia? Por quê? Ela
roubou?
— Sim, Santiago. Ela roubou e foi
se entregar — ele bufa. — A mãe dela
estava sumida há dois dias, ela estava
desesperada. Me ofereci até para ajudar.
Mãe perdida deve ser foda.
— Vocês a acharam?
— Achamos. Estranhamente, ela
saiu de casa sem avisar para trabalhar
em Nova Jersey — sinto o olhar de
Logan em mim. — Achei uma história
muito estranha. E olha que nem perguntei
nada, porque não queria ser
inconveniente. Mas, sei lá, as duas
mulheres pareciam ter olhares tristes e
mesmo quando se encontraram sorrindo,
não parecia felicidade genuína.
— Por que acha isso? — Estou
ligeiramente intrigado. Celeste não
parecia triste para mim. Só um pouco
atrapalhada, desobediente e com uma
língua bem solta. Ela adora cantar e
dançar, e nisso não se inclui tristeza.
— Acho que pode ser porque elas
foram despejadas da casa — meu irmão
responde com ar pensativo. — Celeste
disse que o dono da casa pediu que elas
saíssem porque iria hospedar algum
familiar.
Estreito os olhos, porque me
lembro dela ter me contado algo
parecido. Sobre a sua demissão na loja
em que trabalhou e foi substituída pela
sobrinha do gerente. Mas não foi uma
mentira, porque ela não piscou os olhos
repetidas vezes.
Logan não a conhece assim, então
não teria como saber se Celeste estaria
mentindo ou não. Mas provavelmente
ela estava.
— Há algo de muito estranho ou
misterioso nela — digo. — Ela não fala
muito sobre si.
— Algumas mulheres fazem isso
para se proteger da gente.
— Da gente?
— De nós homens — Logan dá de
ombros. — Sei lá, não acho que
funciona, mas enfim. A Celeste me
pareceu só triste mesmo. Por que você a
demitiu?
— Porque ela me desobedeceu.
É a minha resposta mas, no fundo,
minha mente rebate sobre isso. A
verdade é que ela mexeu onde não
podia. E não estou me referindo ao meu
quarto, e sim ao quesito perdão. O que
mesmo isso tinha a ver com ela? Desde
aquela conversa, não consigo pensar em
mais nada direito.
Ou talvez tenha começado a pensar
demais. Perdoar para ter paz em
vida? Foi o que ela disse. Eu tenho paz.
Já tenho. Não preciso liberar um perdão
para buscar algo que já tenho posse.
Se tenho tanta certeza sobre isso,
não sei por que estou repensando tanto.
Pode ser que eu esteja arrependido de
tê-la aceito em minha casa. Ela falou
demais.
— Entendi — Logan não parece
interessado que eu explique sobre a
desobediência. — Eu pegaria ela, mas
acho que a faria sofrer mais.
— Do que está falando?
— Ela é muito cheirosa e
carinhosa. Até ganhei um abraço — ele
ri. — Quer dizer, dois. Porque ela me
deu outro depois que eu estava indo
embora. Eu pegaria fácil! Mas não vou
fazer isso, prometi a ela.
— Chega desse assunto — o corto,
estendendo o braço para ligar o som.
Joel Corry começa a
retumbar Head & Heart pelo carro e
deixo a música tocar.

***

Saio do banheiro do hotel com uma


toalha enrolada na cintura e uma de
rosto em mãos enquanto seco o cabelo.
Está uma madrugada deliciosa em
questão de clima. Muito ameno e o vento
que passa pelas janelas abertas da
varanda, é muito agradável.
Tem tudo para ser uma madrugada
perfeita, se não fosse algo como… se
sentir só. Solidão? Acho que todo
mundo sente um pouco disso quando se
está sozinho. E em um lugar tão rústico e
lindo, neste quarto confortável e
acolhedor, é um pecado não ter uma
companhia e sentir assim.
Considero comer fora para
satisfazer o meu desejo e acabar com a
solidão, mas meu celular notificando
mensagem me chama até o criado-mudo.
Pego-o para checar.
Logan: você tem lojas aqui?
SmithSant: tenho, em Tornabuone
Logan: ótimo (:
SmithSant: por que?
Logan: Celeste e a mãe precisam
renovar o guarda-roupas. Vou dormir,
to cansadão boa noite
Fico olhando para o aparelho em
mão, sem entender. Não acredito que ele
está considerando ter más intenções com
Celeste.
Balanço a cabeça e vou para a
agenda do celular, procurando pelo
número dela.
Faço a chamada enquanto jogo a
toalha de rosto no chão e, já com a mão
livre, puxo a toalha da cintura e
descarto-a também. Deito pelado na
cama, como sempre prefiro estar.
Acredito na teoria de que se nascemos
pelados, assim deveríamos ficar sempre.
Uma pena ser crime se estar quando fora
de casa.
No quarto toque, eu sou atendido.
— A-alô? — Celeste tem a voz
embolada e rouca.
— Está dormindo? — Não deve
passar das dez em Nova Iorque. Ainda é
hora de estar na ativa.
— Se estivesse dormindo, não
estaria falando com você — ela solta
um som longo e grave, e deduzo que está
se espreguiçando. — Mas, sim, eu
estava já quase dormindo.
— Então você dorme muito cedo
— concluo. Nem há tempo de ela
aproveitar um pouco a noite e pela
manhã também não faz isso, já que está
trabalhando.
— Foi uma semana longa, estou
muito cansada — Ela não está
empolgada como de costume. — Hoje,
enfim, vou poder ter uma noite de sono
tranquila e em paz.
— Fico feliz que tenha encontrado
sua mãe — eu digo, e isso faz a linha
ficar muda por um tempo. — Onde está
dormindo se foi despejada de casa?
Eu não precisaria perguntar tantas
coisas, se só quero alertá-la sobre
Logan. Mas não faz mal matar a minha
curiosidade se já estou no embalo da
coisa.
— Seu irmão me ajudou a
encontrar minha mãe — ela fala por
fim. — E também nos ofereceu um dos
apartamentos que ele tem para alugar
para ficarmos até semana que vem,
quando viajamos para a Itália. Eu vou
trabalhar na fábrica de vinhos dele.
— Você não acha que isso foi muita
bondade vinda de um ser humano? — a
pergunta rasga minha garganta. Logan
não está intencionado a só ajudá-la.
Conheço o irmão que tenho.
— Acho — Celeste não discorda.
— Mas eu só recebo desgraça da vida,
então, se uma bondade dessas aparece,
não vou me sentir inclinada a recusar.
— Então você entende que é um
risco muito grande que corre? — Por
que não calo a boca e desligo? Isso é da
minha conta em que sentido? Ah, claro,
não quero vê-la caindo na rede de
Logan.
— Santiago — a voz dela está
cansada, mas ainda assim tem algo em
ouvir meu nome em seus lábios
—, todos corremos um risco muito
grande desde que abrimos os olhos
pela manhã e saímos de casa para
trabalhar. O risco é uma constante em
nossos dias.
Ela não está errada, e isso me
deixa com dificuldade para chegar ao
ponto que quero, que é meu irmão. Ele
mudou de ideia muito rápido sobre
Celeste e ganhou dois abraços, o que o
fez descobrir que ela é cheirosa e
carinhosa. Esse é o risco mais grave que
ela corre.
— Então você está bem sobre
trabalhar com Logan?
— Problema nenhum — responde
prontamente. — Ele nem vai ficar na
fábrica, vai designar alguém para
gerenciar, então nem vou vê-lo. Isso vai
evitar que eu o decepcione como fiz
com você.
Expiro com força. Não sei o que
dizer diante disso. Ela não me
decepcionou pelo trabalho ou pela sua
incompetência em se tratando de
obedecer ou preparar uma refeição; mas
sim por opinar demais.
— Desejo que tenha um novo
trabalho mais feliz, então.
Celeste dá uma risadinha.
— Sim, eu espero conhecer a
felicidade — pondera. — Preciso
dormir agora. Tchau.
Ela desliga antes que eu me
despeça, e deixo o celular cair na cama.
Juntando as mãos atrás da cabeça como
apoio, observo as cortinas da janela da
varanda balançarem, trazendo o vento
enquanto, perturbadoramente, a voz de
Celeste permanece em minha cabeça.
Ela espera conhecer a felicidade,
mas o que isso significa? Logan está
ajudando-a nisso?
Capítulo 19

É isso, finalmente chegou a quarta-


feira, dia esse que Logan nos levará
para a Itália. Como uma forma de não
passar vergonha e deixar nada suspeito,
eu comprei duas mochilas e algumas
peças de roupa para enfiar dentro, como
desculpa de que pegamos nossas roupas
em casa, e não teríamos que nos
preocupar com móveis porque o local
que morávamos era mobiliado pelo
próprio dono.
Logan deve acreditar nisso.
Baseada nessa certeza, minha mãe
e eu o aguardamos no estacionamento do
condomínio.
— Acha que ele vai cobrar horas a
mais de você trabalhando para
compensar o aluguel desse apartamento
em que ficamos, Celeste? — minha mãe
tem um quê de preocupação em sua voz.
— Acho que não, mas não seria
errado ele fazer isso — sorrio. — Foi o
segundo melhor lugar que já fiquei em
minha vida.
— Qual foi o primeiro?
— A casa do irmão dele, onde
dormi — relembro, sonhadora. Do fundo
do meu coração, eu lamento que as
coisas em relação a trabalhar para
Santiago tenham terminado da forma que
foram. É mesmo um lamento.
— Esse seu antigo patrão também é
gentil como o irmão? — ela demonstra
interesse.
— Ele é — Não penso duas vezes
para responder. — Eu queimei a mão e
ele me comprou uma pomada. Logo no
primeiro dia. Ah, e a irmã deles é do
mesmo jeito. Ela não sossegou até que
eu estivesse empregada de novo. Eles
são prestativos.
A minha conclusão me deixa meio
desgostosa. Se tinha a ver com
prestatividade o comportamento de
Santiago comigo, significa que ele não
me chamou para comer crepe porque
queria conversar, e nem me ligou de
noite na semana passada porque estava
pensando em me recontratar.
Balanço a cabeça. Por que isso é
mesmo da minha conta?
Eu saio dos meus pensamentos
quando um carro vem em nossa direção,
piscando os faróis. Sei que é Logan e um
frio gigantesco começa na minha
barriga, de adrenalina pelo novo. Meu
coração começa a bater mais rápido e
me vejo na necessidade de abrir a boca,
para expirar o ar que se acumulou
depressa em meus pulmões.
Minha mãe segura minha mão,
talvez percebendo o meu estado. O carro
chega mais perto, faz uma manobra e
finalmente para. Eu o aguardo.
Respirando como um gato depois
de brincar por longo tempo em um dia
de calor, estou quase pondo a língua
para fora para me auxiliar, quando
Santiago surge de dentro do veículo.
Minha boca se abre, em choque.
Meus olhos piscam repetidas vezes
enquanto ele vem para perto de nós,
abrindo um sorriso que faria meus
joelhos tremerem, se eu não estivesse
tão absorta pelo momento.
— Olá — ele olha diretamente
para a minha mãe. — A senhora deve
ser a mãe da Celeste — se inclina para
deixar um beijo em seu rosto. — Sou
Santiago, é um grande prazer conhecê-
la.
Estou com palpitação e calafrios.
— Oh — minha mãe dá uma
risadinha longa, totalmente atingida pelo
charme dele e eu não posso culpá-la. —
O prazer é meu, senhor. Eu me chamo
Claudia.
— Me chame de Santiago, Claudia
— ele sorri mais de canto agora,
voltando os olhos para mim, que me
tornei um peso morto de respiração
instável. — Olá, Celeste.
— Olá — devolvo. — Onde está o
Logan?
— Ele não pôde vir, não encontrou
tempo, então me pediu para buscá-las —
seus olhos se estreitam, e entendo isso
como um desafio a eu abrir a boca para
debater algo. — Parece que estamos
entendidos. Onde estão suas malas?
Gesticulo para trás, querendo
indicar a mochila nas costas.
— Só são as mochilas — explico.
— Não tem mais?
— Não.
Santiago continua a me encarar, até
eu achar que não acreditou em mim, mas
seu sorriso se abre e ele assente.
— Vamos indo — ele se vira para
abrir a porta de trás, segurando-a e
olhando para a mamãe. — Primeiro as
damas, por favor.
O sorriso que oferece a ela é
incrível e sincero, e gosto muito de ver
que minha mãe retribui o gesto também
de forma sincera e empolgada. Acho que
ela nunca se sentiu bem tratada assim
por um homem. Mesmo em se tratando
de educação. Logan e Santiago lhe
mostraram um outro lado do tratamento
que ela está acostumada.
Ele volta os olhos para mim depois
de fechar a porta com a minha mãe já
dentro do carro. E então seu semblante
se fecha, como se eu tivesse feito algo
errado.
— Quando chegarmos na Itália,
vamos bater um papo — Santiago se
aproxima e paira o rosto por cima do
meu. — Porque nenhuma palavra que
saiu de sua boca foi a verdade.
Engulo em seco, atordoada.
— Do que está falando? —
pergunto. — Eu quase nem falei.
— Para mim não, mas para o meu
irmão você falou como um papagaio —
ele abre a porta do carona. — Entre.
Não sei o que pensar, mas entro,
temendo que Santiago estrague meu novo
emprego.

***

Morta de cansada. Achei que


soubesse o significado disso, mas não.
Atualmente, exatamente agora, sei o que
significa. Se eu parar por um segundo,
vou cair onde estiver.
Mas, infelizmente, não posso.
Chegamos há umas três horas na
Itália. Não tivemos um emaranhado de
enrolação, como premeditei. Assim que
saímos do jato, Santiago pegou um carro
que já o aguardava e nos trouxe para o
hotel. Minha mãe ficou em um quarto
separado só para ela, e eu também. Mas
é estranho aqui, no meu próprio quarto,
porque estou sentindo o cheiro de
Santiago pelos ares.
E talvez isso seja só porque não
consigo parar de pensar que
ele decretou que teríamos um jantar às
nove da noite. Um jantar? Ele gosta de
me convidar para comer, o que é bom;
mas sinto que isso não se trata apenas de
alimento. Vamos bater um papo. Ele vai
fazer um questionário.
Exatamente isso está me deixando
agoniada. Logan não é tão curioso como
ele, e por isso eu preferiria que ele
tivesse ido nos buscar, afinal o trabalho
da Itália não tem mais a ver com
Santiago.
De toda forma, eu disse que tudo
bem sobre o jantar. Quero ser o mais
natural possível, embora tenha a
obrigação de ser polida. Estamos aqui
para uma nova vida. O passado ficou em
Nova Iorque, e ponto-final.
Olhando para as peças de roupa
que tirei da mochila e despejei na cama
– muito bem arrumada, por sinal, com
lençóis dourados e brancos –, escolho
um vestido lilás de verão que comprei.
Não pude prestar muita atenção no
cenário do local em que estamos,
lamentavelmente, porque assim que saí
do jatinho, eu estava perturbadoramente
enjoada. Não consegui prestar atenção
em nada, só em não pôr os rins para
fora. Não falei para ninguém, apenas
vim calada. O sorriso da minha mãe me
ajudou a suportar.
Puxo a peça de roupa da cama e
enfio no corpo. Passo as mãos nos
cabelos e vou calçar minhas sapatilhas.
Já devidamente apresentável, estou
prestes a sair do quarto quando meu
celular toca.
Vou buscá-lo em cima do sofá perto
das janelas, vendo se tratar de uma
mensagem de Santiago. Ele está no
corredor, me esperando perto do
elevador.
Respiro fundo, buscando coragem
para o que sei que vou enfrentar e um
pouco de paciência. Só queria me deitar
e dormir um pouco – não é muita coisa.
Deixo o celular no quarto e vou ao
seu encontro. O corredor do hotel é
longo, rústico e um pouco assustador,
visto que as luzes vão se acendendo
conforme eu me caminho. Sei que é
normal, mas não estou acostumada com
isso. Então sim, me sinto estranha
enquanto prossigo em passos.
Lá no fim, parado de pé ao lado
das portas marrons, eu vejo Santiago.
Ele está com o chapéu e uma roupa
casual, o que o deixa mais acessível,
como me senti ao vê-lo sem o chapéu em
sua casa.
A lembrança me faz suspirar,
porque consequentemente me lembro de
vê-lo na sala de ginástica. Que boa
visão. Eu gostaria que ele soubesse que
tem um corpo inigualável. Gostaria que
ele soubesse por mim, e não sei o
porquê disso. Mas queria.
— Se sente melhor? — ele
pergunta quando me aproximo.
— Me sinto melhor? — demonstro
meu desentendimento.
— Você estava pálida durante a
viagem. Mais que o normal — ele se
desapoia da parede para apertar o botão
do elevador. — Estava enjoada?
— Um pouco — dou um sorriso
cativante, a fim de mostrar que isso é
uma coisa irrelevante. O meu enjoo.
— Vamos — ele gesticula o
elevador quando as portas se abrem.
Eu entro, me encolhendo,
involuntariamente, ao fundo de braços
cruzados. Ainda estou um pouco
enjoada, mas tomei banho naquele
banheiro fenomenal e já me sinto bem
melhor que antes. Mas acho que isso
também é um pouco de adrenalina... por
tantos acontecimentos repentinos.
Santiago fica ao meu lado, com sua
altura esplendorosa que me faz sentir
uma barata. Então ele solta um som
como uma risada, de descrença.
Eu o olho de soslaio, no exato
momento em que ele também vira os
olhos para mim.
— Vai trabalhar para o Logan?
Não entendo o que ele quer dizer
com isso, mas aceno positivamente com
a cabeça.
— Por quê? — quer saber.
— Porque eu preciso trabalhar, e
fazer isso em outro país é como um
milagre — digo a verdade. — O seu
irmão deve ser um ótimo patrão. Ele
rapidamente resolveu nossas
documentações em questão de viagem
para o exterior. Se isso não é querer um
funcionário em excelência vontade,
então não sei.
Santiago estreita o olhar, de forma
que o castanho claro de seus olhos se
intensificam. Ele fica assim, me olhando
um bom tempo antes de perguntar:
— Por que outro país?
— Porque sim, é uma aventura —
sorrio, nervosa. Desvio o olhar para as
portas que se abrem e saio na frente.
Santiago me segue em passos
pesados e sou puxada de repente. Minha
cabeça esbarra em seu peito, e eu volto
para trás, zonza do impacto.
— É por aqui — ele indica ao
estender um braço enquanto o outro está
me mantendo perto de si. — O que foi?
Estou esfregando o lado da cabeça,
agora sentindo ela pesar cem quilos.
— Nada, só esbarrei em você.
Ele não diz nada, mas seu braço na
curva da minha cintura me conduz para a
frente, até chegarmos à porta de seu
quarto, em que põe o cartão para abrir e
me deixa entrar na frente.
Fico de pé perto da entrada,
aguardando-o me instruir onde sentar,
ainda massageando a cabeça e sentindo
a área onde sua mão pousou ficar
quente.
Ele tira o chapéu e seus cabelos
desalinham de forma charmosa, e eu fico
me perguntando se há alguma
imperfeição física nele. Aparentemente
não.
— Aceita algo para beber? — ele
pergunta, passando por mim e seguindo
ao interior do quarto.
Me permito virar para olhar, e se
achei que meu quarto era grande, coitada
de mim. Este lugar é enorme e tem quase
o tamanho do que seria uma casa para
uma família pequena.
Tiro a mão da cabeça e deixo meu
braço cair ao lado do corpo enquanto
olho ao redor. Tem uma janela enorme
que dá para uma varanda que mostra os
pontos de luzes dos edifícios e também
o céu escuro.
— Vinho? — Santiago está à minha
frente com uma taça na mão.
— Eu não bebo — o lembro, ao
que ele sorri.
— É suco de uva, ainda não
fermentado.
Eu aceito a taça fina e sorvo um
grande gole do suco quente. Minha
garganta arde a ponto de eu me abanar.
— Bom? — ele pergunta.
— Acidificou minha garganta, mas
ótimo — sorrio. — Estava precisando
de alto forte mesmo, obrigada.
Santiago maneia a cabeça antes de
me deixar para buscar uma taça para si.
Estranhamente, não estou me
sentindo pressionada. Quer dizer, ele
não está me encurralando ainda e esse
quarto traz muito conforto e paz. Eu
estou me sentindo muito melhor que há
um minuto.
— Não quer sentar? — ele indica a
poltrona de couro alaranjada e
amarelada, que estou de pé ao lado.
— Sim, obrigada — eu me sento
com a taça em mão, soltando um suspiro
relaxado. Que confortável. Me sinto em
um sonho.
— Mas então — ele senta no sofá
de dois lugares que também fica perto
da janela, assim como em meu quarto.
Seu olhar está no meu, me desafiando a
desviar.
— Mas então o quê? — questiono.
— Por que vocês saíram de casa?
— Fomos despejadas. — Não é
uma mentira, embora não seja toda a
verdade.
Santiago balança a cabeça.
— A verdade, Celeste — ele pede.
— Eu só quero a verdade, e não ouse
mentir para mim.
Eu tusso um pouco por causa do
suco, e lamento, mas não tenho outra
opção que não ousar mentir para ele, ou
para qualquer um.
Capítulo 20

— Mas nós realmente fomos


despejadas — Celeste responde,
gesticulando com a mão livre. — Não é
mentira.
Não é uma mentira, mas não é
apenas isso, de outra forma ela não teria
desviado o olhar para o lado e então
para baixo, e bebido um gole
extravagante de suco.
— Por que o despejo? — indago.
— O dono da casa precisava
abrigar os parentes — ela pisca os olhos
três vezes seguidas e bebe mais suco, se
remexendo no assento.
Enfim chegamos onde eu queria.
— Não acredito em você —
declaro. — Vocês foram despejadas de
casa, mas não acredito que pelo dono.
Foi o seu pai?
Me lembro nitidamente de Celeste
dizendo que ele não é o homem mais
exemplar do mundo. O seu incômodo
sobre falar de si mesma. O
assunto perdão. Ela o perdoaria. Pelo
quê?
Seus olhos tão claros ficam
encarando o chão por um tempo
considerável, até que, muito do nada, ela
sorri.
Voltando-os para mim, seu sorriso
persiste e seus ombros se erguem.
— Eu tenho uma condição,
Santiago — ela diz, sem o ânimo
frequente mesmo que ainda sorrindo.
— Condição do quê?
— Conto os detalhes da verdade se
você me disser por que odeia tanto o seu
pai, e por que ele te agrediu na frente do
resto de sua família em um
almoço familiar.
— Eu não tenho que te explicar
nada.
— Ótimo — seu sorriso agora é
convencido e ela cruza as pernas,
relaxando na poltrona como uma deusa
intocável. Me sinto fraco perante a cena.
Ela está linda, ainda que muito pálida.
Sua beleza é natural e se expande em
meio ao roxo do vestido. — Eu também
não tenho que te explicar nada, já que
foi o seu irmão que me empregou.
Maneio a cabeça, em negativa.
— Você não está com o Logan
agora — pondero.
— Não, mas com certeza seria
melhor. Ele não é tão bisbilhoteiro como
você.
— Eu não sou bisbilhoteiro — me
defendo, quase indignado. Um pouco
curioso, mas nada além disso. — E só
quero entender o que te fez vir para
outro país com a sua mãe que fugiu de
casa. Tenho certeza que há algo muito
errado.
— E pra que você quer saber? —
ela pergunta e bebe o resto do suco antes
de descansar a taça na mesinha ao lado
da poltrona. Suas mãos se agitam, em um
gesticular nervoso. — Vai matar a sua
curiosidade, ou vai apenas ser um
fofoqueiro que quer uma resposta para ir
pôr nos ouvidos do seu irmão e me fazer
ser demitida antes de começar?
— Perdão? — rebato
imediatamente. — Acha que quero saber
da verdade para ter um meio de fazer
Logan te demitir?
— Eu não sei! — ela ergue as
mãos. — Estou completamente ao léu
nessa, Santiago. Do nada, você aparece
de novo e começa um interrogatório.
Achei que tinha me demitido para nunca
mais me ver e então estou aqui, no seu
quarto, sendo questionada sobre a minha
vida pessoal, que com certeza não
deveria ser relevante no trabalho.
Ela se irritou. Mesmo não
demonstrando tanto, eu consigo captar a
raiva da pequena explosão.
Um silêncio perturbador se instala.
Celeste olha para a sua taça vazia com
um olhar nublado. Sua boca já perdeu o
sorriso e eu me sinto mal por um
momento, porque a deixei mal.
— O meu pai me batia quando eu
era pequeno — digo, o que
imediatamente atrai seu olhar para mim.
— Sempre que dava algo errado em seu
trabalho, e isso se mostrou ser muito
frequente, ele chegava em casa pronto
para me bater. Acho que fazia isso com
a minha mãe também, mas não tenho
muita certeza porque ele trancava a
porta do quarto. Eu só a ouvia pedir que
ele parasse.
Celeste sustenta o olhar sobre o
meu, a forma que o brilho do seu se
esvai tão repentinamente me fazendo
olhar para a sua taça vazia.
— Ele gostava bastante de puxar os
meus cabelos — continuo. — Acho que
não tinha ideia da sua força em relação
ao meu tamanho. Por vezes eu ficava
com a cabeça dolorida a ponto de não
conseguir usar o xampu — ajeito o
chapéu, de um jeito inconsciente. — Lili
e Logan sofriam apenas de forma
psicológica. Meu irmão apanhou
algumas vezes, porque tirou algumas
notas baixas, mas graças a Deus ele
nunca tocou em um fio de cabelo da Lili.
Por isso acho que ela ainda consegue
olhar nos olhos dele.
— Eu sinto muito — Celeste diz
baixinho, me fazendo olhá-la. Ela
realmente parece sentir muito.
— Ele foi um péssimo pai e um
péssimo chefe. Ele é um péssimo homem
e, se quer saber por que eu jamais o
perdoaria, é por isso. Apesar de todo o
seu erro, ele ainda acredita que está
certo e que suas ações foram para nada
mais que o bem — meus dentes rangem,
em um ódio inevitável. — Ele está no
topo e suas injustiças têm que ser aceitas
porque vêm dele. Eu o odeio por ser um
homem inútil e cheio de si. Eu quero que
vá para o inferno porque não merecia a
honra da paternidade. Quero que ele não
cruze o meu caminho e nem precise de
mim porque eu o abomino com todas as
minhas forças e de todo o meu coração.
Eu realmente não me importo que ele
morra hoje ou amanhã, e não me
culparia se quisesse aplaudir o
acontecido.
Celeste vai arregalando os olhos
até não poder mais, então demonstra
temor.
— Vou pegar mais suco para você
— me levanto e capturo sua taça da
mesa, voltando para onde deixei a
garrafa.
Percebo minhas mãos trêmulas de
raiva e a fúria me esquenta por dentro.
Eu não devia ter sido tão curioso com
relação a ela, isso me fez falar demais.
Capítulo 21

Estou atônita. Se achei que


Santiago estava irritado por saber que
eu tinha entrado em seu quarto e deitado
em sua cama, estava enganada. Isso é a
irritação personificada. Ele ficou
vermelho de ódio e achei que pudesse
até explodir comigo e me xingar – o que
não seria uma novidade dentro da minha
realidade.
Mas ele se levantou e pegou a
minha taça para trazer mais suco, coisa
essa que estou realmente precisando.
Acho que fiquei irritada por ele, pelo
seu pai.
É por isso que ele usa esse chapéu
então. Uma forma de guardar a cabeça
do trauma causado pelo pai. Embora ele
não precise mais, ainda assim existe a
memória dentro dele.
Quero abraçá-lo forte e dizer
algumas palavras de conforto, mas não
posso fazer isso. Acho que seria
arremessada pelos ares.
— Aqui está — a taça cheia dança
em frente aos meus olhos antes de eu
capturá-la. Santiago volta para o sofá,
sentando de um jeito despreocupado.
Ele me olha, seus lindos olhos estreitos.
— Por que está me olhando com essa
cara?
Pigarreio e trato de beber um
pouco de suco. Sorrio então, tentando
soar normalidade.
— Não é nada — finjo descaso. —
Obrigada por me contar sobre… o seu
pai.
— Está agradecendo pelo quê? —
ele se inclina para a frente, colocando
os cotovelos sobre os joelhos, ficando
impossivelmente ilegível em sua
expressão. — Não tem que me
agradecer por saber de toda essa merda.
Engulo em seco. Ele tem ódio e
revolta.
Desvio o olhar para baixo, me
perdendo em observar a cor vinho
escuro. Não sei se equiparar minha
situação com a de Santiago é certo.
Acho que ambos estamos
emocionalmente conturbados no que diz
respeito aos nossos pais, mas acho que o
caso dele é mais grave, já que ele
próprio apanhava sem motivos.
Pigarreio, ainda olhando dentro da
taça.
— Quase toda noite ou madrugada,
dependendo do humor dele, meu pai bate
na minha mãe — conto enfim. — Ele a
espanca se ela reclama ou se eu tento
impedir. Sou jogada para longe quando
tento fazê-lo parar…
Prefiro voltar a taça para a
mesinha, temendo apertar o vidro
demais. Ponho as mãos livres sobre as
pernas e respiro fundo. Ainda não
consigo olhar Santiago, mas quero dizer
a verdade agora.
— O que mais me frustrava, é que
ela não fazia nada, sabe? — continuo.
— Minha mãe aceitava tudo aquilo
porque dizia amá-lo. Ela acreditava
quando ele se desculpava pela manhã e
dizia estar arrependido, que ia mudar de
atitude… Mas de noite, de novo, ele
estava lá, destilando socos e chutes
nela…
Minha respiração sai tão funda que
eu acho que vou rachar em vários
lugares.
— Eu implorava para denunciá-lo,
mas ela implorava de volta para eu não
fazê-lo — balanço a cabeça, soltando
um som descrente enquanto encaro o
chão. Contar isso para alguém parece
mais uma piada do que uma realidade.
— Então meu pai ficava bem com isso.
Por fazer e repetir, porque sabia que
nada aconteceria. E não aconteceu
mesmo, ele continua lá, bem vivendo na
sua vida macabra.
O silêncio que se segue é bem-
vindo. Não acho que espero que
Santiago diga sua opinião. Eu sei qual é
a opinião da maioria. Por que eu ficava
junto então? Por que eu não saía de
casa?
— Era a minha mãe, no fim das
contas. Eu a amo mais que tudo e
continuaria protegendo-a do jeito que
desse, do meu jeito — complemento. —
Apesar de suas más escolhas em aceitar
viver daquela forma, ainda era a minha
mãe. Cega e movida a um amor
inexistente. Movida a um sentimento de
comodismo. Dependência emocional de
um homem que sabia do poder que
exercia sobre ela... Isso me destruía.
Me tirando do meu despejar
incessante sobre meus sentimentos,
Santiago se levanta do sofá. Meus olhos
desviam para presenciar isso. E sem
dizer uma palavra, ele se move em
direção às janelas, chegando à varanda e
se debruçando no parapeito.
Eu o aguardo, inquieta na poltrona.
Mas ele não volta, o que eu entendo
como um convite. Posso estar errada,
mas a minha situação de fúria interior
pelo meu desabafo, não me permite
pensar muito sobre isso.
Me levanto também, bebo todo o
suco da taça e vou ao seu encontro.
O vento da noite atinge meu rosto
em cheio, me fazendo fechar os olhos
por um instante. Respiro paz agora e
tranquilidade. É muito melhor.
Me junto a ele, ficando ao seu lado
com as mãos no corrimão. É uma vista
linda para uma rua deserta e de
paralelepípedos. Os pontos de luzes
vindos dos edifícios e comércios ainda
abertos, são magníficos. O céu não tão
mais escuro, nos oferece a luz da Lua
brilhando a toda. É perfeito.
Por extenso tempo, o silêncio é
tudo que nos une.
— Por isso você nunca teve
alguém? — sua pergunta corta o ar. Sua
voz está incrivelmente grave, mas
acolhedora.
— Não tive alguém?
— Nunca namorou — ele
especifica.
— É, acho que sim — rio, nervosa
agora. Talvez haja um pouco de
vergonha em mim também a respeito de
nunca ter tido coragem de me relacionar
com alguém.
— Entendo.
Mais silêncio, até eu querer dizer:
— Achei que ia namorar uma vez.
Eu tinha quinze anos, foi pouco antes de
eu saber que minha mãe apanhava.
Santiago não diz nada, mas me
sinto impelida a falar. Caso não queira
ouvir, sei que vai dar um jeito de me
silenciar, como faz quando me corta no
meio de uma frase.
— Eu estava apaixonada, sabe? O
garoto soube e marcou um encontro
comigo — faço uma careta, porque eu
fui muito boba naquela época. — Assim
que nos vimos sozinhos, ele me beijou e
perguntou se podíamos ir para a sua
casa. Eu fui, então ele perguntou se eu
estava mesmo apaixonada. Falei que
sim, e ele falou que eu tinha que tirar a
roupa para provar se era verdade.
Agora eu rio, porque foi o cúmulo
da ingenuidade.
— Fiquei me sentindo bem feliz
quando ele me elogiou pelada —
emendo. — E foi assim que perdi a
virgindade. Mas pelo menos ele já sabia
usar a camisinha.
Respiro fundo, também me
debruçando no parapeito como Santiago.
Observo, quieta, a noite. Acho que vou
gostar de morar na Itália. Vai demorar eu
me acostumar, mas não há repetição que
não se torne costume.
— E depois?
Eu o olho diante da pergunta, mas
não sou retribuída.
— Depois do quê? — quero saber.
— Do acontecido. Achou que ia ser
pedida em namoro?
Rio de novo, voltando o olhar para
a rua calma.
— Achei, mas a gente nem se falou
mais. Foi tão, mas tão ruim que acho que
nós dois ficamos envergonhados. Foi
uma coisa que aconteceu para nunca
mais ser lembrada — admito.
— Entendi.
Inspiro fundo o ar puro, me
sentindo mais leve do que em todo o dia.
— Por isso sei que escolher o meu
mundo sempre é a melhor opção — tiro
as mãos do parapeito, para poder cruzar
os braços. O vento frio sopra agora em
meu rosto, me fazendo tremer os lábios.
— E por quê? — Santiago
pergunta, um sussurro rouco.
— Porque é mais seguro —
balanço a cabeça afirmativamente, como
para me auto convencer. — Nele
ninguém me machuca. Ninguém me
engana. É mais seguro, sem dúvidas.
Sou eu e mais ninguém. Eu consigo ter
um pouco de paz. Ainda que muito
pouca, é melhor que nenhuma.
— Isso parece reconfortante.
— É mesmo — levanto meus olhos
para olhá-lo. O frio não o perturba, ele
continua impecável. — Eu não me
machuco. Eu quero o meu bem.
Santiago respira fundo. E talvez a
noite me faça ter ideias distorcidas, mas
tenho a impressão de vê-lo se
aproximar. Um passo e outro. Então
estando perto o suficiente para erguer a
mão e segurar meu rosto.
— Eu também — ele diz, mais
movendo só os lábios do que o som em
si. — Eu também quero o seu bem,
Celeste.
E com essas palavras, que são
levadas pelo vento e trazidas para mim,
seus lábios tocam os meus. É exatamente
quando o chão se puxa de sob meus pés
e me sinto flutuar.
Capítulo 22

A princípio, eu não sabia o que


fazer que não tentar entender os
movimentos da boca na minha. Mas
quando senti o braço longo passar pela
minha cintura e a mão colar em minha
nuca, amoleci.
Santiago tomou a posse dos meus
lábios. Soube disso porque ele persistiu
com as carícias suaves e, em um
momento de súbito escape da realidade,
senti sua língua pedir passagem.
Assim meus lábios se abriram,
recebendo o contato aveludado,
deixando-o rodeá-la no interior da
minha boca antes de morder meu lábio
inferior.
O suspiro que escapa, então, de
minha boca por essa última ação, o faz
soltar um gemido grave. Eu gosto muito
do som e permaneço de olhos fechados,
me sentindo inebriar. Pelo beijo, pelo
braço que me circunda, pelos dedos
fazendo uma pressão gostosa em meu
pescoço. Quero só sentir, e mais nada.
— Abra os olhos — ele pede.
Eu obedeço imediatamente,
entreabrindo os lábios quando me
deparo os seus olhos. Estão escuros e
brilhantes. Seus próprios lábios estão
inchados e molhados do nosso beijo.
Minhas pernas enfraquecem, mas agora
não é por cansaço.
— O que está sentindo? — sua
pergunta me deixa perdida.
— O que eu sinto? —
rebato. Nada, mas tudo. Quero que me
beije de novo. Quero sentir nada e tudo,
sempre.
— Sim, o que você sente — sua
mão em minha nuca se mexe, fazendo
uma carícia suave ali na pele e
relaxando meus músculos.
Respiro fundo, abalada de um jeito
tão quente. Nunca, jamais, me senti
assim, em toda a minha vida. Foi um
mínimo toque e estou mole – e não tenho
vergonha de admitir.
— Me sinto… como uma pluma —
confesso.
Minha resposta o faz sorrir e
Santiago aproxima a boca de novo, mas
dessa vez para beijar minha bochecha e
arrastar os lábios mais para o lado,
beijando abaixo da minha orelha.
Sinto um arrepio mais forte, que
termina entre as minhas pernas. Isso
sim me envergonha, porque acho que sua
intenção é apenas se distrair do assunto
que o perturba e não me levar para a sua
cama.
Coisa que eu não reclamaria,
sinceramente, mas não estou preparada
para isso. Não estou repleta de creme
corporal e nem estou usando uma
calcinha bonitinha. Na minha primeira
vez, eu estava preparada para um
encontro; mas hoje, não. Estou só
vestida normal, como em qualquer dia.
Isso seria frustrante para ambos.
— Quer saber como me sinto? —
ele pergunta, a voz sedutora e, ao mesmo
tempo, suave.
— Sim, quero — preciso me
segurar em alguma lugar e só encontro
seus braços.
Consigo, imediatamente, sentir o
calor que emana do seu corpo. E eu
aperto um pouco o toque, como
querendo testar se não é um sonho e que
não estou delirando. Santiago é duro e
macio, e eu me vicio, logo, na sensação
de tocá-lo. Se pensei que apenas vê-lo
era de me deixar sem fala, quanto mais
sentir.
— Me sinto perdendo o controle —
ele responde e seu braço por trás de
mim me puxa com força e imediatismo
para colar em seu peito. Meus olhos se
abrem, se arregalando pelo impacto. —
Mas não posso.
— O que você não pode? —
sussurro.
— Perder o controle com você.
— Por que não? — Não acho que
ele deve mesmo perder o controle ou
meu trabalho pode ir por água abaixo;
mas por que ele acha que não pode?
— Porque se eu perco o controle,
só significa uma coisa.
— O quê? — Estou curiosa, mas
também nervosa. O seu cheiro está
chegando, pouco a pouco, até mim e sei
que posso me perder por isso. Não
duvido que eu o beije de novo.
— Que não te verei mais — sua
resposta é um fio enquanto ele olha em
meus olhos. — Só perco o controle para
extravasar o que não consigo resolver.
Não quero colocar você no meio disso,
porque vou ter que te ver de novo e de
novo. Não quero que exista isso entre
nós.
— Isso você quer dizer…
— O sexo — ele responde, no alvo
que eu não consegui explanar.
Dou um sorriso nervoso, me
sentindo incomodada de algum jeito. Eu
realmente não esperava ir parar em sua
cama, mas também não gostaria de ouvi-
lo pronunciando as palavras tão
enfaticamente.
— Então… — eu concluo, ainda
olhando para o seu rosto bonito. — Se
eu fosse para a sua cama, não te veria
mais?
— Provavelmente não, mas
teremos que nos ver de novo por causa
do seu trabalho na fábrica. Sendo assim,
precisamos ser racionais para impedir
qualquer desagrado.
Desvio o olhar e depois saio do
seu toque, me esquivando e dando a
entender que quero me afastar.
Santiago entende, tirando as mãos
de mim.
Não estou magoada, mas
decepcionada por ele ter aberto a boca.
Poderia ter continuado só com o beijo,
estava suficiente. Eu me contentaria.
— O que tem a ver você transar
para extravasar as frustrações? — quero
saber. — Isso não significa que você
tem que se proibir de ver as mulheres
outras vezes. É um pensamento patético.
— Patético é o que faço — ele não
parece incomodado por minha fala. —
Eu faço sexo com mulheres que não
gosto e nem lembro o nome só para um
benefício meu. É egoísta, e sei disso.
Santiago volta a se apoiar no
corrimão e eu fico observando o seu
perfil, me sentindo sem ação. De repente
tenho um beijo, e do nada estou sem
nada. Causa um desconforto.
— Você já namorou? — pergunto.
— Quase — ele responde logo
quando fecho a boca. — Mas acho que
namoro é algo que não estou a fim de
arriscar. Tenho outras preocupações.
— Tipo quais?
— Trabalho — sua resposta vem
mais baixa dessa vez.
— Eu também não estou
interessada em namorar — minto. Não
quero mais olhar a rua, nem o céu, não
quero mais aproveitar o vento batendo
em meu rosto e cabelos, nem quero
prestar atenção no cheiro da noite
fresca.
Me sinto, estranhamente,
desanimada.
— Vou voltar para o meu quarto —
informo, o que faz Santiago me olhar.
— Nosso jantar vai ser trazido às
dez. Eu pedi costelas assadas, um prato
muito gostoso que é especialidade do
chef daqui.
Balanço a cabeça em negação.
— Não estou com fome, obrigada
— me afasto devagar, talvez pensando
que vou ser puxada de volta.
Mas isso não acontece.
— Boa noite — aceno antes de me
virar e seguir em direção à porta.
Saio do quarto sem saber que
emoção me domina.
Capítulo 23

— Você foi um filho da puta —


Logan reclama. — Foi me pedir para
levar elas e do nada abandona as duas
na Itália!
— Eu não as abandonei — estou
sendo paciente, porque agora é
preciso. Mais que nunca. — Avisei que
voltaria e deixei o cartão com a Celeste.
Ela vai poder usar onde estiver e, além
disso, pedi para levá-las, nada a mais.
— Por que você pediu isso
mesmo? — meu irmão para de usar seu
tom explosivo para substituir por sua
curiosidade.
Porque eu precisava vê-la. Depois
de saber de todas as coisas… que ela
contou a ele e não para mim, precisava
vê-la. Me senti mal por tê-la demitido.
Eu nem a esperei responder o porque
tinha feito aquilo. Apenas usei da minha
revolta para amaciar o meu ego de
poder. Eu podia demiti-la e estava em
meu direito, mas sequer ouvi sua
explicação. Devia haver uma.
E então ela foi todo abraços com
Logan e dizendo verdades que sequer
me contou. Eu perguntei o motivo de ela
estar apressada na padaria, e Celeste
não respondeu, só se afastou. Como
ontem, quando me deu boa noite. Aquilo
foi a despedida mais dolorosa que vivi.
Embora não tenha vivido muitas,
porque não me despeço de ninguém,
assim me impeço de sentir qualquer
coisa. Mas ela… disse que estava indo e
eu ouvi o click da porta se fechando, e
aquilo me tirou a paz que eu havia
certeza que tinha.
O motivo de isso me tirar tanto do
meu juízo, nunca vou saber. Mas Celeste
sendo sincera comigo naquela poltrona,
me contando suas aflições, como se eu
pudesse [e pude] entender absolutamente
tudo que ela dizia, fez algo em mim se
abrir. Eu não sei explicar, mas algo em
mim se abriu como nunca antes e eu quis
tanto beijá-la loucamente que apenas
tive que sair.
Mas ela não foi a mais sábia. Me
acompanhou e me disse algumas coisas
mais da sua vida, e eu perdi a chance de
ganhar nessa. Perdi a chance de ter o
controle sobre a minha vontade naquela
hora. Eu queria beijar seus lábios
esbranquiçados, que ganharam um
vermelho discreto após o beijo. Foi
impossível não perceber, ela estava em
meus braços.
Seria tão fácil. Seria um beijo a
mais e estaríamos na cama, em carícias
incessantes. Ela é muito receptiva,
apesar de hesitante. Eu a queria, mais
que qualquer coisa. Queria seu corpo
moldado no meu, e em meus braços.
Justamente por isso, precisei me afastar.
E, mesmo depois de tantas horas,
eu ainda sinto como se a estivesse
tocando. Ainda a sinto em meus braços.
Ainda estou frustrado. Por deixá-la
ir. Por fazê-la ir.
— Eu queria ver como estava
minha loja na Itália — minto, a vista no
notebook, onde está na área de trabalho.
Minha mente não consegue sair do que
me ocorreu, e eu quero
desesperadamente voltar para me
desculpar e tentar outra vez.
— Mentira, você fez isso na sexta
em que fomos lá.
Eu levanto meu olhar para ele,
indicando que não estou a fim de ter
essa conversa. E nem uma outra.
Preciso aliviar isso que está me
incomodando e se chama excitação.
— Quer saber, cara? Foda-se —
Logan indica que não vai persistir para
descobrir alguma coisa. — Eu vou pegar
um vôo pra lá em três horas. Depois de
amanhã é o pré-início da fábrica, então
tenho que estar preparado para o
pessoal.
— Você conseguiu a folga com
nosso honorável pai?
— É — ele ri —, na base da
mentira, mas consegui. Espero que ele
não me coma vivo quando souber.
— Ainda não está seguro o
suficiente para se desprender dele de
vez?
— É complicado, sei lá. Eu gosto
de gerenciar para ele, faço pela pura
satisfação essa parte, gosto do lucro e
do trabalho. Fico só puto que a minha
porcentagem como salário é bem
inferior ao que é devido pelo meu
trabalho, mas vou sentir falta — ele
expira. — Quando os vinhos renderem e
eu der no pé, vou sentir falta do Open.
Por isso, vou sair quando estiver tudo
mais que certo, para não ter nenhum
risco ou erro.
— Entendo. — Mas não entendo.
Eu saí às portas do incerto. Todos não
são iguais, no entanto.
— A gente vai se falando — Logan
pela sua maleta de cima da minha mesa.
— Espero que Celeste e Claudia
estejam bem.
— Por que não estariam?
Mas Logan não responde, apenas se
vai.
Eu relaxo na cadeira, todo o meu
corpo desconfortável. Necessitado.
Horrível sensação.
Meu celular vibra na mesa,
indicando nova mensagem. Por algum
motivo, eu pego de forma ansiosa,
alguma esperança irracional dentro de
mim. Poderia ser ela? Me xingando, que
fosse.
Mas não é, e sim William, o cara
que demiti, ainda enchendo a porra do
meu saco. Eu nem leio o SMS, apenas o
ignoro enquanto volto a atenção para o
que importa.
O meu trabalho. E só o trabalho.
Estou no estacionamento, seguindo
para o carro. Decidi que não consegui
me concentrar. Não estava mesmo
conseguindo. Então marquei um encontro
com Elisha, que prontamente aceitou.
Ela disse que eu tinha mesmo que me
desculpar pelo nosso último encontro.
Para completar, o motivo de eu ter
deixado-a também foi Celeste.
Essa mulher tem sido motivo de
muitas coisas ultimamente.
Entro no carro e me acomodo no
banco. Não é a minha maior vontade
encontrar Elisha, mas é a única opção. A
única opção que vai resolver esse
problema. Se eu estiver de saco vazio,
consigo pensar melhor.
Estou prestes a ligar o carro
quando alguém bate no vidro da janela.
Viro a cabeça para ver um corpo
masculino de pé, no aguardo.
Não vejo o rosto, pois o homem é
muito alto. Deve ser alguém do Open
querendo carona, deduzo isso pelo terno
em que está vestido.
Abaixo o vidro.
— Posso ajudar? — pergunto.
Então o rosto aparece, encapuzado,
e só tenho tempo de ver a sombra em
minha direção e, após, sinto o impacto
em algum lugar do rosto.
Capítulo 24

Zach, o que vai ser o meu


companheiro de trabalho pelos dias
vindouros, está me ensinando como é ter
vista sensível para ver uma uva
defeituosa antes que a máquina de rolar
a leve para a outra fase. Nossa tarefa é a
mais importante, segundo ele, porque se
deixarmos uma uva ruim passar, o vinho
ficará horrível.
Eu observo com atenção seus
dedos longos de sua mão grande, o que é
um grande benefício para ele, cobertos
por luvas brancas, mexerem nos cachos
de uvas espalhados pela esteira de
metal.
— Está vendo? — ele puxa uma
bolinha de uva rapidamente e a coloca
em frente aos meus olhos. — Essa já
está murcha.
— Estou vendo, sim — concordo.
Não acho que vai ser uma tarefa fácil,
depois de algum tempo, perceber uma
uva ruim. Terei que pegar muita prática.
Logan me disse que depois eu
posso mudar de cargo. Há máquinas
maiores que precisam de um toque
humano, mas essas são para quem já
entende alguma coisa de vinho.
Mas a verdade é que eu acho essa
uma ótima posição, e não me sinto mal
por saber que vou separar uvas por oito
horas. Me sinto mal por ter sido beijada
por Santiago e não ter esquecido
isso. Ele nem devia ter me beijado, para
começar.
Está bem que para ele deve ser uma
coisa muito fácil. Seduzir as mulheres e
beijá-las afoitamente com toques e
sussurros roucos. Mas, para mim, foi
diferente. Eu não estava acostumada
com aquilo. Ainda posso sentir tudo em
mim. E me censuro também, porque
tenho que parar de ser tão boba. Um
beijo é só um beijo.
Mesmo que tenha sido de Santiago
Smith, o homem mais devastadoramente
lindo que já vi.
Mas não é só sua beleza, é o jeito
dele também. Eu não sei, parece ser um
homem centrado mas muito curioso
sobre a vida alheia; ao mesmo tempo
que é calado e cheio de ódio que
esconde muito bem até se lembrar das
próprias lembranças. É um mistério
entendê-lo, principalmente depois de ter
sido beijada e ouvido-o dizer que não
haveria sexo entre nós porque nos
veríamos mais vezes.
O que tem a ver uma coisa com a
outra!? Ainda não entendi.
Suspiro, amargurada.
— Olhe este — Zack coloca um
cacho de uva de frente para o meu rosto
—, está completamente inútil — ele
descarta para o lixo que fica abaixo da
esteira, apenas no canto e tem a mesma
largura, só precisamos empurrar as uvas
descartáveis com a mão. — Alguns
cachos vão estar completamente inúteis
em seu todo.
— Ah, certo — eu assinto.
O enólogo, um homem maduro e
italiano, está chegando perto de nós. Ele
está aqui para verificar as dependências
do vinho. Ele é o especialista de toda a
coisa, desde a observação das uvas
prontas para a colheita até irem para as
garrafas. Ele está com os seus olhos
escuros em todo canto, percebendo e
notando, enquanto se veste casualmente
com seu suéter cinza e sua calça jeans
simples. É bem apresentável.
— Como estamos por aqui com o
treino? — ele questiona, com um sorriso
largo.
Eu sorrio de volta, mas espero
Zach responder, o que ele não faz,
apenas continua prestando atenção nas
uvas.
— Estamos indo bem — é o que
escolho dizer, visto que o enólogo
espera uma resposta. E ele se mostra
satisfeito com a minha.
— Olhos clínicos é a chave de
nosso negócio — ele diz, ao que
concordo. — Você é italiana?
Dou um sorriso mais largo.
— Não.
— Logan Smith contratou todos os
funcionários de países distintos. Isso
pode nos complicar — Não sei se ele
está pensando alto ou quer mesmo que
eu ouça.
De toda forma, fico mais aliviada
da pressão do outro patamar de chefe
quando vejo Logan surgindo de por
detrás de uma das portas longas
fechadas, que dão para as outras alas
por onde o vinho estará. Ele não está
sorrindo e nem com o seu semblante
costumeiro, que é fácil de notar a
tranquilidade.
Ele parece, eu não sei, cheio, de
alguma forma.
Vindo ao encontro do enólogo
italiano, ele demonstra estar mais
agoniado.
— Vou precisar voltar para Nova
Iorque agora — diz, apressado. — Meu
irmão sumiu e ninguém sabe dele. Você
pode liberar o pessoal para mim ao fim
do dia?
O segundo homem parece
satisfeito, maneando a cabeça que sim.
Mas eu estou, imediatamente, confusa e
perturbada. Santiago sumiu como assim?
— Logan — Eu o chamo, não
percebendo que estou sendo mal
educada em não pedir licença —, o que
houve?
Ele balança a cabeça.
— Não sei, Celeste. A secretária
do Santiago não sabe dele, ele não
apareceu para trabalhar. Minha mãe foi
até a sua casa, mas não o encontrou, e o
carro que ele usa está no estacionamento
do prédio em que ele trabalha — Logan
está com um semblante preocupado, que
jamais presenciei em seu rosto. —
Ninguém sabe dele.
De alguma forma, sinto um gelo na
espinha. Como ninguém sabe
dele? Alguém tem que saber. Uma
pessoa não desaparece assim, do nada.
Ele pode ter ido tirar umas férias. Por
que Santiago é tão fechado de todos a
ponto de não contar para onde vai?
Em meio aos meus pensamentos,
percebo Logan nos deixar. Não
caminhando rápido ou algo assim, ele
sai correndo, como não tendo tempo a
perder.
E eu só posso me sentir nervosa
e… muito preocupada. Estávamos nos
beijando há dois dias, como ele pode ter
sumido? Como posso prestar atenção em
algo agora depois de saber disso?
Capítulo 25

Já faz três dias. Desde que Logan


saiu daqui e não voltou. Eu não recebi
um recado ou algo assim. Também,
como receberia? Não sou parte da
família, nem dos amigos. Eu não sou
nada para eles.
Me agonio na cama, me virando
para o lado.
Minha mãe e eu ainda estamos no
hotel, porque justamente quando Logan
ia nos levar para a "nossa" casa aqui,
aconteceu aquilo com Santiago. E, desde
então, não consigo parar de pensar. O
que houve? O que pode ter acontecido?
Qual é a possibilidade de alguém sumir
assim? Crianças somem, adolescentes,
mas não homens adultos e poderosos.
Pelo menos, eu não acho que seja a
mesma frequência.
Meu suspiro cansado indica que
estou por um tris. De
preocupação? Não. Está além.
Eu me levanto para ir buscar meu
celular na bolsa, e volto para a cama,
respirando fundo antes de achar o
contato de Aaron. É mais coerente que
eu fale com ele que com Lili.
Celeste: Aaron, alguém já
encontrou o Santiago? ps. Mt
preocupada
Eu espero ser respondida logo, mas
tenho que aguardar treze minutos antes
de meu celular vibrar com a resposta.
Aaron-trabs: ainda não, Celeste.
Estão todos muito preocupados, mas
sem saber o que fazer
Eu mordo a unha e tiro fora um
grande pedaço, de agonia e nervoso.
Como um pessoal tão rico não sabe o
que fazer? É incabível para mim. Não
duvido que o seu pai esteja movendo
exatamente nenhum dedo em prol do
filho.
Celeste: Se puder me avisar de
novidades, eu agradeço
Aaron-trabs: eu aviso, fique
tranquila
Descarto o celular para o lado, me
deitando de novo e me questionando
como vou ficar tranquila diante disso.

Eu não consegui encontrar uma


resposta, então, quando fui até o quarto
da minha mãe com a minha mochila nas
costas, não sabia como explicar a ela.
"Estou indo para Nova Iorque e volto
amanhã, mãe" falei com a maior
normalidade possível.
Ela já estava sabendo sobre
Santiago porque contei para ela, mas a
informação de eu sair a fez murchar no
lugar e eu me senti horrível por isso. Eu
entendo a sua preocupação. Ela teve
medo de ele me ver e questionar. E por
medo, de repente, eu contasse a verdade
sobre nossa nova vida. Mas eu jamais
faria isso.
No entanto, já no aeroporto,
esperando o horário do meu vôo, com
passagem essa que comprei com o
cartão que Santiago me deu antes de ir
embora com uma carranca; me
sinto muito errada. Não é justo.
Não parece ser. Trocar o que está
nos dando uma esperança para uma nova
vida por um homem que eu não tenho
nenhum tipo de obrigação em estar
preocupada. Ao mesmo tempo, faz muito
sentido para mim. Não vou conseguir
sossegar se não encontrar… um jeito de
saber sobre ele.
Mas então meu celular toca,
indicando uma chamada.
Apressada e com o coração
acelerado, esperando boas notícias, eu
enfio a mão na mochila e pego o
aparelho, atendendo o número
desconhecido.
— Logan? — minha voz está
trêmula por necessidade de notícias.
— Celeste, sou eu.
Sou eu. Isso é suficiente para eu
petrificar e sentir como se as batidas do
meu coração diminuíssem.
É ele.
— Santiago? — quase não consigo
pronunciar. — Onde você está? Estão
todos muito preocupados e…
— Me escute — sua voz ainda está
com a mesma potência de costume, mas
mais baixa e com certeza sua respiração
desregulada é audível para mim
—, preciso que me faça um favor.
— Favor? Você não vai voltar para
a sua casa?
— Fala logo, seu imbecil! — uma
segunda voz masculina se faz ouvir ao
fundo e logo depois um barulho alto. É
um som de dor. Santiago volta a falar,
mais fraco agora. — Preciso que você
vá até a minha casa.
— Onde você está? — a essa
altura, já me levantei da cadeira de
espera e estou andando sem rumo no
aeroporto.
— Vá até minha casa.
— Eu estou na Itália! — protesto,
sentindo meus olhos umedecerem. O que
está acontecendo? — Quer que eu peça
para o Logan?
— Não — ele dispara. — Não
pode ser alguém da minha família…
Ele grunhe de repente, o que me
deixa sem chão.
— Escuta aqui, sua vadia — a
segunda voz masculina toma conta do
celular, irritada —, se alguém da
família desse miserável aparecer para
mim, vai tomar um tiro no meio da
testa, tá entendendo? Ouve o que ele
vai te dizer se não quiser morrer
também. Ah! — ele ri. — Antes que
pense em recusar o que ele vai te pedir,
é melhor pensar em como seria estando
no velório dele.
Estou parada no meio do fluxo de
pessoas, sem ação.
— Celeste — é o Santiago de novo
—, não tenha medo. Eu estou bem e
tudo vai ficar também. Consegue me
ouvir?
— Si-im — seguro meu pingente
do colar no pescoço. — Estou muito
preocupada, Santiago...
— Escute — ele suspira, como em
lamento —, preciso que vá até a minha
casa e pegue algo para mim. Há uma
caixa atrás da TV em meu quarto.
Preciso do valor em dinheiro que está
lá.
— Dinheiro? Eu posso falar com o
seu irmão, ele vai saber o que fazer.
— Porque eu não sei. Agora a minha
preocupação se misturou com o mais
puro medo. Ele foi sequestrado.
— Você confia em mim, Celeste?
Essa pergunta. Sim? Meu Deus. Eu
não sei. Confio nele? Acho que não.
Estou preocupada, mas não confio nele.
Mas acho que confio agora, que ele está
sendo, aparentemente, espancado por
alguém que quer seu dinheiro.
— Confio — respondo, o ar que
escapa da minha boca em exaustão.
Estou tendo dificuldade para
desacelerar minha respiração.
— Ótimo, Celeste — sua voz fica
mais aveludada e me transmitindo
calma. — Vá até a minha casa e pegue
esse dinheiro. Você lembra o que eu
falei? Onde está guardado.
— Atrás da TV, em uma caixa.
— Boa menina — ele elogia.
— Coloque o valor em uma das minhas
malas que ficam no closet do segundo
quarto, ao lado do meu. Leve-a para os
fundos da minha casa e a deixe lá,
então vá embora. Você me entendeu,
Celeste? Lá é o único lugar da casa em
que não tem câmeras. Vá embora
depois disso — ele enfatiza.
Meu coração já está batendo tão
rápido que começo a tremer. Para valer.
— Estou com medo por você —
digo, ruidosa. — Vou fazer isso. Já estou
no aeroporto. Você vai ficar...
O celular faz um ruído e então a
segunda voz volta a tomar o celular.
— É bom que até o fim de
amanhã, esta mala esteja onde quero,
ou senão — o homem ri — era uma vez
um filho da puta chamado Santiago
Smith. E não pense em abrir a boca
para alguém, sua cadela, ou eu mesmo
meto uma bala no seu coração.
A ligação é encerrada e eu só sei
que preciso voltar para Nova Iorque.
Capítulo 26

Depois de horas, que se passaram


para mim como um relâmpago de tão
rápido – porque de repente eu peguei o
avião e estava de volta em Nova York, e
então dentro de um uber, a caminho da
casa de Santiago –, enfim me encontro
defronte para a porta preta enorme de
duas folhas e com janelas em suas
laterais. O portão estava aberto, o que
não é incomum. Santiago o deixava
aberto antes, mas a porta da casa, que
fica mais afastada do portão, está
trancada.
E eu não sei como vou abri-la e
buscar a caixa com o dinheiro. Então
aguardo, olhando para o celular vez ou
outra, receber uma ligação e esperar que
ele me diga uma forma de abrir a sua
porta.
Mas acho que não tenho esse
tempo, porque já está chegando a tarde.
Em pura agonia, e também com
desespero de algum familiar de Santiago
chegar em sua procura, eu começo a
vasculhar pela área da entrada da casa.
Procuro pelo chão, tateando as
pedras, os arbustos antes da escada, os
jarros de flores longos e bem
desenhados. Minhas mãos estão tocando
tudo, ora eu de pé; ora me agachando. A
grama machuca minhas palmas em
alguns lugares, mas eu ignoro.
Até ouvir o celular.
Tiro do bolso da calça
imediatamente, atendendo. Estou
ofegante.
— Oi?
— Você já chegou? — É o
Santiago e sua voz está arrastada e
cansada. Ele quase nem consegue falar.
— Sim, sim — digo, engolindo em
seco. — Cheguei, mas a porta está
trancada. Não consigo entrar.
Ele respira fundo, como se
buscasse forças.
— Há uma parte mais escura no
batente da porta. Veja se consegue
achar.
Eu me levanto do chão e subo a
escada, procurando essa tal parte.
Realmente vejo um tipo de marrom
mais evidente perto da maçaneta e
percebo que é um encaixe. Fazendo uma
leve pressão, uma pequena portinha se
abre, escondendo algum tipo de
controle.
— Achei, Santiago. Qual a senha?
— 4342 — ele faz uma pausa.
— Não abre a porta principal, e sim a
garagem. Mas você consegue entrar na
casa uma vez lá dentro.
Meu Deus, que frustração! Que
tanto ziguezague! Precisava tudo isso
para se proteger? Não funcionou, porque
ele acabou sendo levado de todo jeito!
Me condeno imediatamente por ser
uma mesquinha insensível.
— Ok, garagem — digito o código,
aperto o botão verde e saio correndo
para procurar a garagem. — Não
desligue, por favor. Você está bem?
Não sei por que pergunto. Óbvio
que ele não está bem. Ele está com
alguém que quer seu dinheiro e também
matá-lo. E sua família não sabe dele.
Isso não implica em se estar bem.
Achando a porta levantada da
garagem na lateral direita da casa, entro.
Há mesmo uma outra porta ali perto do
último dos cinco carros. Me direciono
até ela, abrindo-a, e realmente está
destrancada.
Saio diretamente em um lugar cheio
de folhas e, ultrapassando-as, vejo que
estou nos fundos da casa pelo lado de
dentro. Na área em fica a piscina, um
quarto de hóspedes e o de empregada.
— Santiago? — o chamo enquanto
corro a caminho de seu quarto. — Já
consegui entrar, tá bom? Logo vou estar
com você.
Não sei por que digo isso, pois não
vou estar com ele. Ele vai estar com a
família, e não comigo. Eu nem teria que
estar aqui, me metendo no que não me
diz respeito. Mas ele me ligou, certo?
Ele pensou em mim para ajudar. Ele
confiou em mim.
Chego à porta de seu quarto,
abrindo-a. Dessa vez, tenho permissão.
Me dirijo diretamente até a parede em
que está a TV e procuro uma portinha
semelhante a que estava no batente lá
fora.
— Não estou achando a caixa,
Santiago — digo, tateando a parede.
— Atrás da TV — enfim ouço sua
voz de novo, cheia de ar — há um
botão. Veja se encontra.
Eu me esgueiro e enfio a mão por
trás da televisão, achando realmente um
botão na parede. Aperto e chego para
trás quando toda a parede abaixo da TV
se abre, revelando uma caixa alta e
larga. É metal? Parece ser.
Ponho o celular no viva voz e o
deixo no chão enquanto me ponho a
tentar puxar a caixa para fora. É mais
demorado do que espero e, para a
minha não surpresa, há mais botões para
digitar códigos.
— Santiago, qual a numeração para
abrir? — pergunto, me ajoelhando em
frente ao painel pequeno.
— 21039 — ele responde, tão
baixo que fica difícil entender.
Mas entendi e os digito depressa, a
caixa abrindo em cima. O que me faz
ficar de pé de novo, então tiro a tampa e
quase me assusto por tanto dinheiro que
encontro. São muitas notas. Muitas
mesmo. Nunca vi tanto dinheiro em
minha vida, e acho que nem verei de
novo.
— Tudo bem, eu consegui — digo
para o celular. — Vou só buscar a mala
e…
— Você me deixou animado pela
rapidez — a voz odiosa o substitui.
— Gostei muito da sua atitude de ser
rápida e não hesitar ou desobedecer.
Estou até pensando em poupar a sua
vida.
— Não o machuque! — Não sei
por que não estou preocupada com
minha própria vida. Acho que ainda não
estou raciocinando direito. — Estou
indo levar seu dinheiro, deixe Santiago
em paz, por favor.
— Oh, pobrezinha, você está com
pena dele? — o homem caçoa. — Deve
não conhecê-lo bem, deve não saber do
que ele é capaz por conta de perder
alguns trocados.
Eu sei que ele tem amor pelo
dinheiro, mas não sei do que ele é capaz
por isso. O máximo que sei sobre
Santiago no que diz respeito ao seu jeito
de ser, é que ele odeia o pai, não gosta
que o desobedeçam e também não
namora.
— Sei do que ele é capaz — minto,
parecendo estar calma —, mas não o
machuque, por favor. Vou levar seu
dinheiro. Um minuto só.
Eu saio correndo do quarto para ir
em busca da maior mala. Pego duas
grandes, porque uma não vai caber.
Volto ao quarto e o celular está silêncio,
mas ainda a chamada está ativa.
Começo a guardar as notas na
primeira mala, e de fato tenho que
dividir o restante com a outra. Fecho a
caixa, guardo de volta na parede e
aperto o botão. Pego as duas malas
fechadas nas alças e aviso:
— Estou indo colocar as malas
onde você pediu — informo. — Tudo
bem? Aí você vai deixar o Santiago
livre?
— Faz o que te foi pedido.
A ligação é encerrada, mas não me
dou tempo de ficar alarmada ou em
dúvida sobre o que vai acontecer.
Somente obedeço, levando as
malas para fora casa pela porta da
garagem. Deixo-as perto de uma das
árvores do extenso espaço livre, mas, ao
invés de ir embora, volto para a
garagem.
Procuro pelo botão que baixa a
porta de novo e vou para o quarto de
Santiago, lugar esse em que parece ser o
único da casa que tem uma janela que
dá, diretamente, para ver os fundos da
casa.
E vai ser por onde ele vai chegar.
Capítulo 27

Já são nove horas da noite e nada.


Sinceramente, estou com as minhas
pernas cansando. Estou de pé aqui desde
a hora que levei as malas e… nada do
Santiago e nem do homem que o pegou –
seja lá quem for. Não sei o que achar.
E, na verdade mesmo, não quero
me permitir pensar. Se isso acontecer,
posso concluir coisas ruins. Isso não
seria bom. Pensar coisas ruins nunca faz
bem.
As luzes exteriores automáticas que
rodeiam toda a casa estão acesas, me
dando uma boa visão da área em que
estão as malas. Ainda lá, intocadas.
A essa altura, não sei mais o que
sinto. É medo, preocupação,
nervosismo… Tudo junto, mas acho que
mais preocupação. Ele estará
bem? Muito ferido? Por que fizeram
isso? O que ele fez? Tão cruel assim a
ponto de odiarem até mesmo sua
família?
Eu não sei. Sou toda perguntas,
mas nenhuma resposta. Nem uma mísera.
Mesmo assim, ainda me seguro
mais um pouco na minha espera. Estou
com a garganta seca e os pés pesados. O
pensamento de que, talvez, eu seja
odiada pela família Smith depois que
eles souberem do acontecido, passa por
um segundo pela minha mente. Eu não
avisei a eles. Mas apenas porque não
posso.
Sou resgatada dessa junção de
conclusão com sentido quando uma
sombra se projeta aos fundos da área
verde. E, aparecendo de por entre
algumas árvores, onde se ergue um dos
muros enormes de pedra que guardam a
fortaleza de Santiago, vejo um homem.
Ele tem cabelos escuros e lisos, e
parece olhar em volta antes de se
aproximar das malas. Meu coração bate
forte. Se abaixando, ele abre uma delas
e tira um dos bolos de dinheiro,
folheando-o como se fosse um caderno,
então o guarda de novo; somente para
abrir a outra mala e fazer o mesmo.
Parecendo satisfeito, volta a se
levantar, pegando as malas pelas alças e
sumindo por onde veio.
Eu aguardo mais um pouco,
esperando ver Santiago ser jogado no
meio do chão ou sei lá. Só quero vê-lo.
Mas não. Cinco, dez ou mais
minutos se passam, e nada dele. Então é
quando perco a minha
paciência. Preciso contar para alguém.
Acho que aquele homem que pegou as
malas não mataria alguém. Ele não fazia
o tipo violento, como se fosse forte e
tudo o mais.
Eu me movo então, para ir à porta e
depois sair da casa, onde vou pegar um
táxi e ir direto para a padaria Chase,
falar com Lili ou Aaron, ou quem eu
encontrar. Já estou com o celular na mão
para discar o número da polícia quando
um barulho me faz retroceder os passos
em uma quase corrida, para me esconder
no corredor de quartos principais.
— Que bela casa! — eu ouço a voz
detestável do telefone. — Você é um
filho da puta de sorte, não é, Santiago?
Puta merda. O cara está aqui com
Santiago? O que ele quer? Não era só o
dinheiro? Ele entrou pela porta principal
por quê? Por que não veio buscar o
dinheiro então se podia entrar?
Estou perdida.
— Você já tem o que queria,
William — Santiago diz, a voz estranha,
tanto que me assusta. Preciso ver o
motivo disso, então prendo o ar para
espiar. — Vai embora e eu me esqueço
de tudo que me fez.
Estou sem fala ao vê-lo.
— Você não consegue ser mais
desgraçado, Santiago? — o tal William
ri. — Está no olho do furacão e acha que
vai me dar ordens?
Minha fala realmente morre quando
percebo Santiago todo vermelho de
sangue seco, no rosto e nas roupas, e o
homem com uma pistola na mão,
rodando-a como se fosse um brinquedo.
Eles não estão sozinhos, há mais dois
homens, com o quádruplo da minha
altura, de pé como cães de guarda. Eles
são carecas, com caras de mau e usam
tatuagens por todo os braços.
Engulo em seco. Que merda.
Qual a minha chance com esses
caras?
— Não estou te dando ordens —
Santiago tosse. — Só estou pedindo, em
nome da nossa… amizade.
Amizade. Céus, que amigo? Esse
homem é amigo dele? É por isso que sua
moradia se parece com uma casa forte!
O que dirá que seus inimigos são
capazes de fazer?
— Amizade? — William gargalha,
parecendo se divertir com a palavra
mencionada. — Nunca fomos
amigos, Santlixo! Eu acho injusto que
você tenha um império se não sabe ser
rei.
— Você precisa superar que te
demiti, Wi... — Santiago não termina a
frase, porque é esbofeteado no rosto.
Ele se cala com um grunhido.
— Procurem o que for de valor —
William ordena, provavelmente aos seus
homens em posição. — Não deixem
nada que custe muito. Parece, Santiago,
que a sua namoradinha é um pouco
burra.
Quem é a namoradinha de
Santiago? Ele disse que não namorava.
De toda forma, eu não tenho tempo
de descobrir, porque preciso dar o fora
daqui. Então saio a passos lentos para o
corredor dos fundos e me enfio no
quarto de empregada. Não tranco a porta
porque daria muito na telha, mas entro
no banheiro e fico atrás da porta, que
tem um espaçamento satisfatório para
caber meu corpo e eu ficar escondida
mesmo se a porta for aberta. Aqui não
tem nada de valor, eles não entrarão
além do quarto. É o que espero.
Com o celular nas mãos trêmulas,
disco o número da polícia.
William também não parece ser o
mais inteligente se achou que poderia
vir aqui e mostrar a cara.

Eu não ouço o barulho das sirenes,


mas ouço o estrondo e os sons de muitas
vozes. São comandos? Parecem ser. São
bem altos, porque consigo ouvir daqui, e
estão vindo de dentro da casa.
O nome Santiago pronunciado,
praticamente gritado, por uma voz
feminina, é o que me faz ficar tranquila e
acalma o meu coração. Não importa
quem seja, eu tenho certeza que a
polícia está aqui. E demoraram, porque
meu cronômetro do celular marca seis
minutos e cinquenta e dois segundos.
Posso me permitir deslizar as
costas pela parede, então fico sentada no
chão algum tempo, olhando para o piso
muito limpo e brilhante; então resolvo
fechar os olhos – por um segundo que
seja –, até reencontrar as minhas forças,
que se perderam ao presenciar Santiago
naquele estado.
E só me permito levantar outra vez,
quando estou ciente de que consigo
alcançar a porta e sair pelo corredor.
Não estou com medo, mas não é como se
estivesse conseguindo sentir cem por
cento as minhas pernas.
Chego ao corredor principal e
encontro com um policial. Ele aponta a
arma para mim imediatamente, em um
gesto bem treinado, ao que eu levanto as
mãos, engolindo em seco.
— Sou Celeste — me identifico. —
Eu que liguei para a polícia.
— Celeste? — a voz é de Logan e
ele surge de detrás do policial, vindo da
sala de estar. — Caralho!
Ele vem ao meu encontro e me
agarra em seus braços, onde não consigo
dizer mais nada, apenas me deixo ser
abraçada.
Capítulo 28

— O que aconteceu? — É a
primeira pergunta que faço ao abrir os
olhos e me deparar com o teto branco.
Pelos bips, estou em um hospital e odeio
muito isso. William filho de uma puta e
arrombado do caralho.
— A Bela Adormecida resolveu
dar o ar da graça — Logan preenche
meu campo de visão, esticando o
pescoço para que meus olhos possam
vê-lo sem que eu precise mover a
cabeça – que está desorientada. —
Nossa mãe achou que você ia morrer,
mas eu falei pra ela ficar tranquila que
vaso ruim não quebra cedo.
— Sei, claro. Experiência própria
— bufo, me mexendo para sentar na
cama. Estou incomodado por estar
deitado.
— Vai com calma. Seu corpo está
recebendo soro. Você ficou sem comer
por quase cinco dias, está muito fraco.
— Eu não me sinto fraco — digo,
Logan vindo ajeitar os travesseiros atrás
das minhas costas para me dar apoio. —
Por que estou em um hospital? Só fiquei
sem comer.
— E foi espancado. Admirável que
ainda enxergue do olho direito, disse o
médico que te atendeu — meu irmão
parece ficar tenso. — Tenta não levar
isso muito no desdém, porque nossa mãe
está preocupada. Ela ainda nem se
recuperou do aconteceu com a Lili, e aí
rola isso com você.
Respiro fundo, trazendo a mão à
cabeça, que percebo o pulso estar
enfaixado.
— O que é isso? — fico olhando a
atadura.
— Quiseram quebrar sua mão
porque você tentou lutar contra o
William — Logan ergue as
sobrancelhas. — Se eu fosse você,
entrava em umas aulas de autodefesa,
porque tá precisando.
— Ah, claro — as lembranças vêm
aos poucos e, quando isso acontece,
olho para as poltronas da sala
destinadas as visitas. Mas estão vazias e
só Logan está comigo. Volto a olhá-lo.
— Celeste está bem?
Meu irmão abre um sorriso imenso,
digno de fazer seus olhos brilharem.
— Está. Pelo menos, pareceu. Ela
voltou para a Itália. Nós viemos para o
hospital e ela foi para o aeroporto.
As palavras e o saber não fazem
sentido para mim. Por que ela não está
aqui?
— Por que ela foi para a Itália de
novo? — É mais certo perguntar.
— Ela prometeu para a mãe que
voltaria no dia seguinte. Mas, na real,
percebi que ela estava desconfortável
depois que chegamos na sua casa e tudo
o mais. Quando me explicou o que tinha
acontecido, tinha muita apreensão nos
olhos dela. Acho que ela estava com
medo de ser culpada por não ter avisado
nada.
Balanço a cabeça.
— É impossível que ela ache que
tem culpa de alguma coisa que não por
eu estar vivo.
— Ela chamou a polícia e ficou
escondida no banheiro de empregada —
Logan fica pensativo. — Por que você
ligou para ela e não para a Elisha?
— Porque confio nela — a
confissão parece surpreender meu
irmão, mas não mais que eu, que
experimento dizer a realidade em voz
alta pela primeira vez. — Confiei, pelo
menos.
— Sei… — ele estreita os olhos.
— Com certeza confia. Fazer a mina vir
lá do caralho para te salvar, é uma
confiança foda mesmo. Espero que
ninguém confie em mim ao ponto,
porque não tenho muito essa de me
deslocar dos lugares pra salvar alguém.
— Você também estava na Itália —
corto a sua graça de sujeito inabalável,
o que faz rir. — Achei que ela estaria
junto, aqui, para eu poder agradecer a
sua solicitude.
Tenho frustração em minha voz, por
causa do que fiquei sabendo. Mas claro,
Celeste tem a sua mãe que precisa dela;
e eu já fui muito ousado e ridículo em
pedir que as duas se separassem por
causa das minhas consequências.
— O que houve com o William? —
volto os olhos para Logan depois de
fitar por um bom tempo os assentos de
visitas vazios.
— Está preso. Os caras que o
ajudavam eram foragidos. Agora, você
pensa só, cheio da grana e o cara de
presta ao papel de vingança porque se
sentiu injustiçado, feriu o egozinho dele
— Logan ri. — Ele tinha a intenção de
te matar, caso você não saiba.
— Sei disso desde que acordei
naquela casa velha — expiro, fazendo
uma careta. Ao menos vou ter uma outra
lembrança ruim para pensar além das do
monstro que chamo de pai. — Por que
você está aqui sozinho?
— Todos estavam aqui, mas foram
para casa onze horas, porque eu disse
que passaria a noite com você. Deve ser
duas da madruga — meu irmão senta na
borda da cama e fica me encarando.
— O que foi? — quero saber,
começando a sentir algum incômodo no
olho direito, como um peso doloroso.
— Não sei, estou aqui pensando
uma coisa…
— Que coisa?
— Você e a Celeste já…
tiveram algo?
Faço uma careta imediata.
— Algo? Que algo?
— Sei lá — ele sorri. — Não entra
na minha cabeça essa confiança mera.
Além do mais, eu vi ela deitada na sua
cama naquela câmera e você ficou, tipo,
nem aí, usando desculpas para justificar
que aquilo não era um erro. E eu te
conheço, você é meu irmão,
normalmente você teria ligado — ele faz
um gesto de ligação com a mão na
orelha — para a sua casa e demitido ela
na hora. Mas você relevou.
Continuo olhando-o, sem dizer
nada.
— Certo que você a demitiu de
qualquer jeito, mas não foi na hora,
como seria o seu normal — Logan
continua. — E teve aquilo de você me
pedir para levar ela e a mãe para a
Itália. Você queria se desculpar pela
demissão? E, então agora, quando você
confiou nela. Confiou sua vida a ela.
Por quê? — agora ele parece estranhar a
falta de sentido em tudo que despejou.
— Só posso supor que você ganhou um
chá, e não foi de plantas.
Desvio o olhar e solto a respiração
que não notei estar prendendo. Tem
algum incômodo nos músculos do meu
corpo, mas nada que me tire dores como
as que senti no rosto ao levar socos.
— Não — nego. — Não tivemos
nada. — Eu só a beijei, e foi de longe o
melhor beijo da minha vida. — Ela é
uma boa mulher, só isso. — Ela é
maravilhosa e prestativa. — Confiei
nela porque sei que tem um bom
coração. — Muito bom, que a faz
merecedora de todas as glórias do
mundo. — Eu sabia que ela me ajudaria,
porque faz parte dela querer fazer o
bem. — Ela é a pessoa mais bondosa
que já conheci. — Celeste é alguém se
pode contar, só isso.
Não é só isso, minha mente me
lembra. Não, não é só. É além. Eu quero
agradecê-la, com ela de novo em meus
braços, moldando os lábios nos meus e
soltando aqueles gemidos baixinhos e
que me deixaram louco. Quero-a falando
como uma matraca e me dando respostas
a altura de minhas perguntas
inconvenientes. Desejo tê-la me
explicando como funciona o mundo em
contrapartida com as minhas emoções
decisivas. Daria qualquer coisa para vê-
la aqui agora, tentando me ensinar sobre
qualquer coisa que fosse. Até sobre o
perdão.
Só queria ter aberto os olhos
depois de tudo e a visto. Eu tinha certeza
que ela estaria por perto depois que eu
fosse encontrado.
Eu estava certo que seria
encontrado, pois o código que dei para
que ela abrisse a caixa de dinheiro,
ativava o alerta de emergência
diretamente para o meu contador, que
chamaria a polícia. Mas ele não fez
isso. E isso só me fez enxergar mais
alguém que fingia estar do meu lado.
Celeste pode estar sendo motivo de
muitas coisas em minha vida, mas acho
que, principalmente, de me mostrar que
nem sempre estou certo. E isso é duro de
saber.
Por isso, e por muito mais, preciso
vê-la. Para agradecer. Porque, do meu
lado, eu preciso entender: mesmo que
tenha sido um ótimo beijo e os meus
lábios anelem pelos seus mais uma vez,
não vai passar disso.
Ela é boa demais para ter alguém
como eu, que sou um homem rancoroso e
cheio de ódio que nunca vai se esvair.
— Fechou, então — Logan se
levanta. — Vou atrás do médico pra
avisar que você voltou da terra dos
ossos.
Capítulo 29

Finalizei mais um dia de trabalho.


É a minha primeira semana completa na
fábrica depois do treinamento. Logan
ainda não voltou para oficializar a
abertura, mas nós já estamos na
fabricação. A primeira remessa de
vinhos já foi entregue ao primeiro
cliente, um restaurante daqui em que as
pessoas apenas almoçam e fazem seus
lanches, porque fecha ao pôr do Sol.
Nada sofisticado como a promessa do
alavancar conforme a produção se
expande.
Pouco a pouco, hora a hora, estou
me acostumando com o caminho que vou
ter que fazer todo dia. O hotel, em que
ainda estamos, fica perto da fábrica.
Estou usando o cartão que Santiago me
deu para pagar a estadia, porque ele me
autorizou a usá-lo para todas as
necessidades. Mas estou com medo de
que a qualquer momento eu ultrapasse o
limite do cartão.
Antes, aliás, fosse só disso que eu
estivesse com medo. Também estou com
medo de não poder vê-lo mais. Não que
isso importe, mas, de alguma forma e
por alguma causa, estou com saudades.
Muita saudade.
Quero dar um abraço nele e saber
se está tudo bem, se ele ficou bem.
Porque não sei. Não sei como ele está.
Perguntei ao Aaron se já tinha voltado
do hospital e ele disse que sim, que
fazia dois dias que Santiago recebera
alta e estava em casa, se recuperando.
Acho que fui muito tola em pensar
que ele me ligaria. Não para agradecer,
porque ele não precisa, eu o ajudei pois
é o que as pessoas fazem umas com as
outras: se ajudam; mas achei que ele me
ligaria para dizer se estava bem ou não.
Meu suspiro é de desgosto agora
enquanto saio do elevador e sigo pelo
corredor a caminho do meu quarto. Não
vou ver minha mãe a essa hora, porque
ela provavelmente já está dormindo.
Puxo o cartão chave do bolso traseiro da
calça para abrir a porta, mas, antes que
eu entre, as luzes mais a frente do
corredor se acendem.
Isso indica que alguém está ali,
embora não seja da minha conta.
Dou de ombros para entrar, porque
só quero um banho e a cama magnífica
que esse hotel tem. Nunca me esquecerei
dessa maciez e de como é bom e
revigorante acordar em cima dela por
todas as manhãs.
Bato a porta atrás de mim e sigo em
direção ao banheiro, deixando minha
bolsa na cômoda larga perto da porta.
Me desfaço das roupas e as deixo
cair no chão, então solto os cabelos e
vou para o box, abrindo o chuveiro e
deixando que a água leve o cansaço do
dia e também a minha tristeza.
Acho que demoro mais de meia
hora embaixo do chuveiro. Estou me
condenando com motivos. Do que estou
reclamando? Minha mãe e eu
estamos livres e ela está muito feliz. Até
está se cuidando de novo e sorrindo
sempre, o que é um excelente sinal.
Então eu realmente não tenho do que
reclamar. A família Smith foi o melhor
acontecimento da minha vida.
Exceto por essa sensação de
incômodo que sinto por não saber sobre
Santiago - outra coisa que não faz
sentido. O homem não me deve
satisfações, pelo amor de Deus.
E estou tentando repetir isso para
mim mesma enquanto penteio meus
cabelos em frente ao espelho,
desembaraçando-os sem o cuidado
necessário.
É quando eu vejo a sombra se
projetando dentro do quarto, indo para o
lado rapidamente, sumindo da minha
visão. Consigo ver pelo espelho, mas
ela não aparece de novo, o que me faz
soltar a escova e virar imediatamente, já
com a respiração acelerada.
Alguém veio me sequestrar
também? Mas eu não tenho nada! Mas
ajudei Santiago e chamei a polícia.
Oh, droga...
Corro para o gancho onde fica a
toalha e me cubro depressa, pegando um
dos potes de vidro com sabonete líquido
de cima da pedra de granito da bancada,
então, com a respiração difícil, caminho
devagar até o batente da porta,
espreitando para procurar a tal sombra.
E de repente me sinto uma idiota,
quando percebo que pode ser minha
mãe. Mas ela não faria isso, de não
aparecer. E ela nem conseguiria entrar
no quarto!
Me permito ficar com medo de
novo, mas, quando olho no quarto, não
tem ninguém.
Saio do banheiro com o vidro de
sabonete na mão, olhando em volta e me
sentindo ridícula.
— Devo estar ficando louca — rio
de mim mesma. Não me surpreenderia.
Me viro para voltar ao banheiro e
guardar o vidro com sabonete quando
ouço um barulho. São passos. Fico
estática.
— Olá, Celeste.
Essa voz. Fazendo meu coração
bater a mil ao mesmo tempo que uma
calma súbita me invade, volto a me virar
para encontrar Santiago de pé na entrada
da varanda do meu quarto.
Ele está aqui, e não estou ficando
louca.
Preciso abrir a boca para colher
um pouco de ar, então respiro fundo,
acho que dando muito na telha que estou
abalada. Inteiramente.
Quero correr e abraçá-lo tão forte a
ponto de esmagar, mas não devo, com
certeza, porque ele é um homem
imprevisível. Senti tanta saudade.
— Santiago? — Ao invés de
minhas vontades, escolho um tom casual.
— Como você entrou em meu quarto?
Ele tira uma mão do bolso da
calça, que traz um cartão igual ao meu.
Estou confusa.
— Peguei uma cópia na recepção
— explica.
— Isso é proibido — rebato. —
Poderia haver um processo em cima
deles, sabia?
Ele sorri, mas quase não consigo
ver. A pouca luz que o cobre na varanda
ainda não me permite prestigiar sua bela
feição.
— Não é engraçado — digo.
Santiago, então, caminha. Para fora
das sombras e chegando ao quarto.
Consigo vê-lo completamente agora,
com expressão e tudo. Está usando o seu
chapéu e vestido impecavelmente, como
sempre, em um de seus ternos pretos,
bem bonitos à vista. Muita saudade.
— Desculpe — ele disse. — Eu
não devia mesmo ter pedido uma chave
ao gerente.
— Bem, o gerente não devia ter te
dado a chave — ergo as mãos, tentando
explicar como é descabido.
— Ele até tentou recusar, mas sou
persuasivo quando quero — Santiago
caminha mais uns passos, parando a um
metro de mim mais ou menos. — Eu
precisava te ver, Celeste.
Engulo em seco.
— Precisava? — Acho que gostei
de ouvir isso. — Para quê?
Eu sei para quê, mas não consigo
ter o raciocínio completo diante da
surpresa de ver Santiago em meu quarto.
— Por tudo que fez por mim — sua
resposta me faz entreabrir os lábios. —
Por tudo mesmo.
— Não fiz muita coisa —
contraponho. — Só fiz o que você me
pediu. E eu já estava voltando para
Nova Iorque, de qualquer jeito. Já
estava no aeroporto, então foi...
— Você salvou a minha vida — ele
me interrompe, se aproximando mais de
mim. Seu perfume, o cheiro tão
característico dele, me atinge como uma
onda e eu engulo em seco de novo, em
uma mistura de sensações que me
atingem. — Obrigado.
— De nada — abro um sorriso
nervoso. Não está me deixando muito
certa das pernas ele tão próximo, então
dou um passo para trás. — Você não
precisa nem agradecer, porque qualquer
um faria isso por você, então...
Eu me calo quando sinto a palma
quente de sua mão tocar meu rosto,
capturando minhas palavras. Fico
olhando-o, me perdendo em seus olhos e
em seus lábios cheios, que sem querer
também encaro.
Por um momento, não é nada,
apenas o toque e olhos nos olhos.
— Me perdoe, por tudo — seu
rosto se inclina e noto seu olhar desviar
do meu para se dirigir a minha boca. —
Me perdoe também por isso.
E não preciso que ele
explique isso quando seus lábios
encontram os meus. Não havendo uma
calma como da primeira vez, sua boca
se choca na minha com uma urgência
impensável.
Santiago passa o braço livre por
trás de mim, me puxando para o seu
corpo. E eu vou, me chocando contra ele
e recebendo o mais perfeito e gostoso
gemido grave. Estou sem fala.
Nem que quisesse, conseguiria
falar.
Deixo minhas mãos se guiarem
sozinhas, e elas vão parar em seu
pescoço, onde seguro enquanto me deixo
ser beijada. Atacada pelos lábios
deliciosos e apressados. Me sinto nas
nuvens outra vez.
Agora quase que realmente, porque
meus pés deixam o chão, me fazendo
gritar.
Me agarro aos ombros de Santiago
e sou jogada na cama, o seu corpo
cobrindo o meu no mesmo instante, não
me deixando brechas para pensar
quando sua língua invade minha boca.
Capítulo 30

Eu quase, quase, sou afogada pelo


mar de desejo, mas então as palavras
que ouvi da boca do homem que o
capturou voltam à minha mente.
Preciso me remexer para afastar
Santiago pelos ombros, o que o faz
soltar um grunhido de desagrado. Eu
entendo, mas não podemos continuar se
for verdade.
— Você tem namorada? —
pergunto, meus olhos cravando nos seus,
que estão completamente escuros.
A princípio, ele parece não ter
ouvido, mas depois franze as
sobrancelhas.
— Não tenho — responde, a voz
pesada em rouquidão. — Eu sou
solteiro, já falei isso.
— É, mas aquele chamado William
chamou a sua namoradinha de burra.
Ouvi muito bem, porque estava
escondida no corredor.
Santiago fica me olhando, até seus
lábios se mexerem, então ele ri. Tanto, a
ponto de fechar os olhos. Acho que ele
achou mesmo engraçado. E eu quase fico
perdida em presenciá-lo rindo assim,
tão abertamente. Ele fica ainda mais
lindo.
— É uma piada interna entre
vocês? — questiono. — Você o chamou
de amigo.
Ele deixa de rir para apenas sorrir,
ainda me olhando em deleite.
— William estava falando de você,
Celeste — sinto sua mão em minha coxa,
em um toque amplo, que parece tomar
toda a minha pele. Estou arrepiada
desde que o vi, e isso só piora [em
melhorar] a cada segundo. — Ele é um
babaca.
Faço uma careta.
— Ele estava falando de mim? —
retruco, indignada. — Bem, ele é um
idiota por pensar que entraria na sua
fortaleza cheia de câmeras e não
aconteceria nada. Ele já foi burro pelo
mundo inteiro em mexer com você.
— É mesmo? — Santiago sussurra
perto dos meus lábios.
— É mesmo — abro mais as
pernas para sentir a fricção gostosa que
ele está me causando enquanto se
acomoda sobre mim. — Ele devia saber
que não pode mexer com alguém tão
poderoso e sair impune.
— Essas palavras também servem
para você? — sua mão em minha coxa
sobe mais, levantando propositalmente a
enorme toalha felpuda que me veste. —
Porque você também mexeu comigo e…
— sua boca encontra a curva do meu
pescoço, seus lábios fazendo uma
pressão que me faz remexer e fechar os
olhos. — Não espera sair impune,
espera?
Abro um sorriso.
— Não pensei ao meu respeito, só
do seu inimigo — confesso.
Isso o faz soltar um grunhido
baixinho, sua boca subindo mais até
encontrar minha orelha e então se
arrastar para o lado, encontrando de
novo meus lábios.
Solto um suspiro satisfeito, minhas
pernas ganhando vida própria para se
enlaçarem em sua cintura. O que parece
deixar Santiago mais ligado, já que o
sinto impulsionar os quadris para frente,
a dureza ficando evidente enquanto sua
mão cobre e aperta minha bunda.
À cores, as imagens voltam para a
minha mente. Vê-lo pelado em sua sala
de ginástica. Exuberante e másculo.
Total e inteiramente gostoso. Os meus
olhos seriam incapazes de desviar e
ainda sou incapaz de superar aquela
visão.
— Quero ver você pelado — as
palavras escapam da minha boca, o que
imediatamente o faz levantar a cabeça e
procurar meu olhar.
Seus olhos se estreitam.
— Quer me ver pelado?
— Quero. — De novo.
— Está bem — ele sorri.
Pegando impulso nos próprios
braços para se levantar, ele fica de pé
em frente a cama. Trago um dedo à boca
para morder a unha, observando-o em
sua altura e esplendor.
Santiago não diz nada, mas suas
mãos já trabalham para livrá-lo do terno
e partir para os botões da camisa social.
Pouco a pouco, seu peito vai
aparecendo, me fazendo respirar fundo e
alto.
Ele ergue as sobrancelhas,
parecendo surpreso com a minha reação.
Só pode estar brincando, o corpo dele
tira o fôlego de qualquer uma.
As bandas da blusa se separam,
evidenciando o peitoral com os
quadradinhos, muito esculpidos. Eu me
sento, encantada.
— Posso tocar? — ergo uma mão,
meus lábios já estando secos.
— Você pode tudo — sua mão se
abaixa e seus dedos acariciam meus
cabelos. Ele se aproxima mais, a ponto
de estar perto o suficiente para o meu
toque fácil.
Deixo minha respiração presa
escapar e levo os dedos para tocar no
seu abdômen, que comprovo ser de uma
dureza macia sem igual. Sua pele está
morna, adorável ao toque, e ele começa
a respirar com dificuldade.
Levanto meus olhos para os seus,
testificando a mais bonita expressão no
rosto de Santiago desde que o conheci.
Seus lábios estão abertos e seus
olhos pesados, mas brilhantes. Ele me
olha com atenção enquanto me permito
deslizar as pontas dos dedos por sua
barriga.
— Você é muito bonito — sussurro.
— Nem acredito que estou te tocando.
— Porra, assim você não facilita
— sua mão em meus cabelos faz uma
pressão para trás a ponto de me fazer
erguer os lábios. Ganho um beijo doce,
que termina com uma mordida no meu
lábio inferior, Santiago chupando-o um
pouco. — Não seja tão irresistível.
— Eu não sou — sorrio e ele raspa
os lábios por cima dos meus, voltando a
posição anterior. — Como consegue
esse corpo?
Ele ri.
— Não foi exatamente uma
pergunta — trato de emendar. — Só
estou pensando alto.
E acho que estou sendo conduzida
sozinha por meus instintos, porque logo
inclino minha cabeça para a frente e
beijo o meio de sua barriga. O toque em
meus lábios é macio e poderoso, me
fazendo arrastar as duas mãos até seu
peitoral também.
Santiago solta a respiração, e
percebo que está tendo dificuldade. De
ficar parado e me deixar acariciá-lo.
Mas o que posso fazer? Tenho que
aproveitar. Não sei se um episódio
assim vai se repetir dada a sua
realidade: significa que não nos
veremos mais.
Afasto esse pensamento doloroso
da cabeça enquanto raspo minhas unhas
nos quadradinhos perfeitos de seu
abdômen, então passo a língua de novo e
deixo as palmas das minhas mãos
trabalharem em tocá-lo onde consigo.
Até encontrar a barra da calça,
meus dedos esbarrando no cinto.
Meus olhos fitam o adereço e
desviam para cima, encontrando o olhar
nublado de Santiago. Ele não diz nada,
apenas sustenta meu olhar.
Abro um sorriso curto e ponho as
mãos para trabalharem. Desafivelo seu
cinto e baixo o zíper, então seguro as
bordas da calça, abaixando-a e sentindo
seu pau bater em minha bochecha
quando a cueca é tirada do seu lugar.
— Nossa — dou um risinho
encabulado e fico estática ao encarar,
frente a frente, finalmente, o seu tronco
de carne. — Incrível. Eu posso? — ergo
a mão.
— Não precisa perguntar — sua
voz está um fio grave.
— É o hábito.
Acho que Santiago vai dizer
alguma coisa, mas suas palavras morrem
quando minha mão envolve seu pau.
Quente, duro e macio, sinto-o pulsar
com vigor. É uma sensação arrebatadora
e preciso buscar seus olhos.
Estou, provavelmente, com um
olhar chocado. É fabuloso. Se eu achei
que só vê-lo deveria me contentar,
estava completamente enganada.
— Por que está me torturando? —
ele pergunta. Não parece haver sombra
de brincadeira, ele realmente acha que o
estou torturando.
— Não, estou explorando.
Começo a massageá-lo em minha
mão, adorando a novidade. Tanto que me
ajeito na cama para conseguir fazer
melhores movimentos com a mão.
Levanto seu pau para que eu possa testar
de vários jeitos ao toque. Ele é
realmente todo bonito. Como pode ser
tão duro? Eu estou realmente chocada
em vislumbre.
— Celeste... — ele me chama, e
parece um aviso.
— Enooorme! — eu o olho, com
um sorriso mais afoito. Acho que é
nervoso, já que estou borbulhando por
baixo da toalha. — Deve ser…
Eu não termino de falar, porque me
vejo de volta deitada na cama. Meus
olhos muito abertos o observam se
livrar rapidamente da camisa e então se
inclinar por cima de mim outra vez.
Seus lábios encontram os meus e
sua língua invade minha boca um pouco,
antes de eu ser beijada avidamente, com
desejo vívido e poder carnal. Estou
pegando fogo.
Quanto mais quando sinto a toalha
ser aberta. Santiago é sutil nisso. Ele
não a arranca de uma vez. Não. Ele a
abre devagar, o que faz meu corpo todo
se arrepiar pelo frio do quarto e,
imediatamente, por sua mão quente, que
cobre minha barriga.
Seguro seu pescoço enquanto me
mexo embaixo do seu toque. Ele não
tem pressa, o que é notável. Jurei que
ele estava sem paciência, quanto mais
ao me jogar na cama. Mas está
controlado.
O que, percebo, talvez, que seja
uma das coisas que ele consegue
conduzir bem. O controle sobre si
próprio.
Quando o seu toque desce, sou
incapaz de ficar pensando mais. Sua
boca desacelera o beijo e tudo é a sua
respiração em meus lábios sedentos.
— Acho que escolhi uma ótima
hora para chegar — sua voz vibra, me
fazendo abrir os olhos e o encontrar me
encarando.
O suspense do toque está me
fazendo respirar pesadamente. Santiago
abre um sorriso que só mexe os cantos
dos lábios. Não sei do que ele está
sorrindo, porque daqui a pouco eu vou
precisar de respiração boca a boca.
— É, hm — digo —, você sabe que
é muito difícil ter que esperar?
Ele ri, baixando a cabeça para
preencher meus lábios com os seus de
novo. E dessa vez é um beijo diferente.
É calmo, mas com algo mais que desejo.
Não é rápido, mas também não é lento.
É tão bom que me deixa confusa.
Mas não tenho tempo de reparar
muito nisso quando sinto seus dedos em
meu sexo, me arrancando o fôlego e me
fazendo desviar a boca da sua.
Ele beija meu pescoço exposto,
aproveitando para tocar entre minhas
pernas abertas sem qualquer
impedimento.
Preciso apertar os olhos enquanto
tento segurar em seu peito, mas só me
resta arranhar, descontando tudo que
está acontecendo dentro de mim. Meu
coração está batendo acelerado, como
se quisesse explodir. Mas é de desejo
que não se cabe em quietude.
— Você está muito molhada —
Santiago morde o espaço entre meu
ombro e pescoço, antes de levantar a
cabeça. — Me deseja tanto assim?
— Meu Deus — ofego. — Como
não te desejar?
Ele não diz nada, mas me dá um
outro beijo antes de se arrastar para
baixo. Já perdi nessa de tentar controlar
a respiração, então só sinto falta do seu
corpo quente quando me vejo sem ele.
Mas o beijo no interior da coxa me faz
ficar mais calma.
Só que não deveria, porque
Santiago joga minha perna direita por
cima do seu ombro e me envolve entre
as pernas com a sua boca, sem qualquer
hesitação.
Eu grito. Ele grunhe.
Estou imediatamente trêmula, me
remexendo sobre o colchão. Seus lábios
se prendem em ponto que me faz revirar
os olhos e, quando sua língua se arrasta
por ali, em toda extensão do meu sexo,
eu preciso de algo para segurar. E
minhas mãos vão parar em sua cabeça,
onde agarro seus cabelos e puxo com a
força do meu desejo.
Isso me deixa imediatamente sem
qualquer toque.
Tão de repente que arregalo os
olhos para o teto, antes de olhá-lo. Ele
já está de pé em frente a cama, pegando
algo na calça. Eu não entendo. Nem
pude sentir sua boca direito.
Mas não tenho tempo de raciocinar
quando o vejo colocar a camisinha e
então sim me olhar. Ele está com a
mesma expressão de sempre, que não me
deixa entender o que sente.
Tenho receio de perguntar, mas
Santiago se inclina para me beijar de
novo. E encontro paz em seu beijo, me
agarrando nele, o abraçando pelo
pescoço, deixando que tome posse dos
meus lábios e também do meu corpo.
Sinto-o se esfregar em mim e a
sensação do seu pau em minha carne
sensível é de outro mundo. Eu me afloro
inteira, e me amoleço toda. É tão
espetacularmente bom.
Então ele se direciona para se
encaixar em mim. Sinto a ponta se
incitar em minha entrada úmida. Ele é
grosso, o que o faz ter algumas tentativas
antes de conseguir algum encaixe.
Sua respiração sopra pesada antes
de ele desviar os lábios dos meus e
imediatamente levá-los aos meus seios,
chupando e lambendo; sugando e
mordiscando os meus mamilos.
— Por favor... — me agarro aos
seus cabelos, o que o faz, em um
movimento repentino, me penetrar de
uma vez.
Eu me arqueio toda de olhos
arregalados, não processando o seu
rosnado direito.
— Meu Deus! — Estou sem fôlego
e suas mãos agarram meus pulsos,
prendendo-os na cama e me fazendo
soltar seus cabelos. — Santiago…
Ele respira em cima de mim com
dificuldade, e estou sentindo-o latejar
dentro do meu corpo. É uma sensação
deliciosa e inenarrável, apesar da
ardência em conjunto.
Sua boca se mexe e acho que ele
vai me dizer alguma coisa, mas não. Ele
não diz nada.
Eu me agito inteira, começando a
pulsar ao seu redor. Acho que Santiago
sente isso porque se puxa para fora, em
um movimento fluído. É suave, mas meu
corpo o prende em sincronia, o que faz
sua quase saída ser torturante.
— Quero te tocar — mexo as mãos,
engasgando quando ele impulsiona em
retorno, se enfiando até bem fundo em
mim. — Santiago, não é justo!
Estou choramingando com motivos.
O meu corpo não está acostumado
a tantas boas sensações. Porque consigo
sentir tudo. Tudo mesmo. O peso nos
seios, a tensão presa nos bicos rijos, a
pele arrepiada, o coração batendo
rápido, minha respiração irregular, o
suor começando a surgir e o acúmulo de
desejo em meu sexo, que mais parece
estar imerso em uma cachoeira de fogo.
Totalmente entregue à sua mercê e
mercê de seu toque imprevisível. Sinto
que isso não vai ser bom se não
pudermos mais nos ver sem haver um
atrito.
— Deixa eu te tocar — suplico.
Minha resposta é o início das suas
estocadas. Ótimo, ele cansou de me dar
tempo.
O meu corpo o abraça e o prende
dentro de mim, deixando ser difícil o
seu retirar. Mas só por um tempo
porque, quando fecho os olhos, a
sensação me deixando mais relaxada
que jamais fiquei na vida, começo a
recebê-lo com ímpeto.
Ele desliza facilmente, indo até o
máximo que consegue, fazendo uma
investida já tão dentro, ondulando um
pouco e me fazendo gemer sem
vergonha. Não tenho escolha, isso está
indizivelmente incrível, e os sons se
projetam sozinhos da minha boca.
E da dele também.
Eu abro os olhos para vê-lo no
meio disso, que parece tão íntimo e que
me faz sentir tão… liberta. É um
momento tão incrível que jamais pensei
que pudesse acontecer comigo. Estava
certa dos acontecimentos mornos e
diários da minha vida. Do roteiro já
conhecido por mim. Eu não esperava
nunca ter uma noite dessas. Com um
homem assim. Com alguém que não
fosse me olhar com olhos vazios ou sem
propósito.
Percebo Santiago piscar os olhos
algumas vezes e seu pomo-de-Adão se
move, antes de ele se mexer. Sem nos
desconectar, ele muda para ficar atrás de
mim, soltando minhas mãos, mas não
consigo tocá-lo.
Quero protestar, mas ele segura
minha perna enquanto me invade com o
seu pau louvável. Tenho quase a
impressão de que vou ser desfeita em
duas ou mais partes agora, pela
profundidade que ele alcança. É um
tamanho glorioso e nomear seu membro
como pau nunca fez tanto sentido.
Lembra em muito a grossura dos troncos
de árvore. É louco de tão bom.
Parece que não satisfeito de apenas
me consumir com os movimentos, sua
mão solta minha perna um instante para
virar meu rosto, e seus lábios buscam os
meus. Mas estou sem ar, totalmente
pressionada por esse impacto majestoso,
e beijá-lo me faz soltar um grito.
Ele sorri, sorri, na minha boca e
isso é o que basta. Eu me entrego e
derreto, desfaleço na cama, apertando os
olhos e me deixando à luz dos toques e
beijo de Santiago.
Seu rugido é a coisa mais brutal e
deliciosa que já pude ouvir, e me
captura do meu transe intenso.
Eu abro os olhos pesados, ainda em
frenesi pela sensibilidade, tentando
focá-lo mais rapidamente. Mas Santiago
também parece estar prestes a desmaiar
e, com mais duas estocadas profundas e
calculadas, ele também acha o seu
prazer, chamando o meu nome de forma
reverencial.
Capítulo 31

— Santiago?
A voz dela é como o acalmar da
tempestade, o que me tira do meu
escuro, que costumava ser bem-vindo
quando eu fechava os olhos. Mas não
parece que vai ser mais.
— Sim? — respondo, difícil.
Mesmo que eu já tenha me
levantado para ir ao banheiro e
aproveitado para lavar o rosto, e me
situar diante de tudo que aconteceu,
ainda estou fora de mim. Foi incrível.
— William era mesmo seu amigo?
— ela se mexe para sair de meus braços
e se virar, o que me tira um gemido de
frustração. Estava gostoso ficar
abraçando-a junto ao meu corpo.
— Não, era um funcionário
revoltado.
— Você falou que tinham uma
amizade — Celeste parece confusa. Ela
está toda descabelada e com os lábios
inchados, os olhos em um brilho de
fogo. Perfeitamente linda.
— Tentei investir no lado
emocional dele ao falar aquilo, mas
acho que ele não tinha.
Ela dá uma risadinha, então desvia
o olhar, pensando ao longe.
— Ele ficou revoltado pelo quê?
— quer saber.
— Eu o demiti. Ele era um
incompetente.
— Acho que poucas pessoas são
competentes ao seu ver, Santiago — seu
olhar volta a me focar. — Você é um
homem muito exigente.
— Seus olhos têm cor de safira.
Seu rosto suaviza de imediato, e
seu suspiro é o som mais lindo que já
pude escutar. Ela é magnífica, e não só
como pessoa, também na cama.
— Você quer mudar de assunto —
ela me acusa, desconfiada. — Vamos
fingir estar no jogo das confissões?
Sorrio.
— O que significa?
— Que faremos confissões — ela
pisca para mim, se ajeitando para ficar
de bruços antes de contar: — Eu vi você
pelado no dia em que ficou trabalhando
em casa. Você estava na sala de
ginástica e com uma toalha no pescoço.
Foi muito sexy, eu fiquei bobinha.
— Estava me espionando? — Não
estou incomodado por saber, muito pelo
contrário, me enche de prazer. — Que
feio, Celeste…
— Eu não pude evitar. Foi sem
querer — ela tampa a boca, escondendo
um sorriso. — Estava indo buscar meu
avental e você me seduziu como um
verdadeiro boto.
Dou risada, levando a mão para
suas costas e traçando uma linha com os
dedos desde o seu pescoço até a coluna.
Ela suspira profundamente, deitando a
cabeça no travesseiro.
— Sua vez — diz baixinho.
— Não tenho nada para confessar.
— Nossa, nada? — volta a
levantar a cabeça, parecendo
decepcionada. — Você ficava me
olhando maior estranho, era por quê?
— Eu achava você esquisita,
porque não era muito aberta sobre si.
Não te olhava estranho, olhava curioso
— esclareço.
— Ah, tá! — ela ri. — Eu era
esquisita? Nunca fiz nada demais!
— Cheguei em casa no seu
primeiro dia e você estava ouvindo
Andrea Bocelli no último volume —
ergo as sobrancelhas. — Também mentiu
na minha cara.
— Eu não queria ser demitida —
se justifica. — E é melhor arrumar as
coisas ouvindo música. O que você
queria? A Alexa estava naquela mesinha
do corredor, me chamando!
— Está perdoada — continuo a
carícia em sua pele macia e quente, me
perdendo no contato e me achando em
seus olhos que me encaram sem desviar.
— Por isso você estava me encarando
na cozinha aquele dia? Porque tinha me
visto sem roupa?
— Ma-jestoso! — ela se empolga
com a lembrança, se inclinando para nos
aproximar mais. Gosto especialmente
disso, gostaria de sempre ter isso. Meu
braço a rodeia pelas costas, enquanto
bebo da sua imagem. — Sim, era por
isso. Você tem uma câmera no seu
quarto?
— Na casa toda. Não gosto da
possibilidade de ser roubado — olho
para o lado, me sentindo um idiota. —
Mas acabei sendo, de todo jeito.
— William não conseguiu levar seu
dinheiro…
— Mas conseguiu pôr as mãos no
que estava, aparentemente, intocável —
volto a olhá-la. — Isso foi uma derrota
para mim.
Celeste morde o lábio, maneando a
cabeça.
— Sei bem… Você está bem? Seu
olho está um pouquinho roxo — sua mão
vem ao meu rosto, acariciando perto de
onde deve ter um hematoma.
— Está melhor. — Não dou muita
confiança para as consequências, só
pelo que houve. — Mais alguma
confissão sua?
Um sorriso abre seus lábios
imediatamente, e isso parece ser a
estampa da felicidade. Creio que sim.
Ela parece estar feliz. Depois do que
tivemos, depois do nosso momento, eu
também estou. Parece que nos fizemos
felizes. No entanto, algo ainda remexe
dentro de mim contra esse sentimento. A
verdade.
Ela é bondosa demais. Carinhosa
demais. Incrível demais para mim. Não
sou digno de merecer o que aconteceu e
não sou digno dela. Me censuro por
pensar que podemos repetir isso mais
vezes. Não devemos, seria insano.
— Sabe quando conversamos na
cozinha? — ela questiona, não me
esperando confirmar: — Eu coloquei a
mão na sua, que inclusive foi nosso
primeiro contato, e depois fiquei com o
seu cheiro. Dormi com a mão no nariz,
sentindo o seu perfume.
— Foi tão bom assim? — dou um
riso curto. — Eu fiquei puto com você.
— Ahá! — ela aponta para mim. —
Isso é uma confissão.
— Tem razão — levanto a cabeça
para aproximar o rosto do seu, com
saudade dos seus lábios, então dou um
beijinho neles e nossas respirações se
misturam. — Mas depois eu fiquei
pensando em como seria passar um
tempo com você na minha cama.
— Sério?
— Sério — passo a língua em seu
lábio inferior, pedindo passagem para a
minha língua, mas Celeste dá uma
risadinha, que parece desanimada. Eu
me afasto para olhá-la. — Algum
problema?
— Não — ela nega, ainda sorrindo.
Mas tem algo diferente. Que a fez mudar
de postura repentinamente. O sorriso
não é mais de felicidade, parece
apenas… uma distração.
— É uma outra confissão minha,
não é? Eu tinha algumas, só não percebi.
— Sim, é — ela concorda, se
afastando para sentar, então suas mãos
se apressam em puxar o edredom e
cobrir os seus seios.
O que é, claro, um pecado, então
me sento também. Olho para suas mãos
segurando o edredom, então de novo
para seus olhos. Estão cheios de
preocupação e apagados do brilho
anterior. Isso é doloroso de perceber. E
eu nem sei o porquê.
— O que houve? — pergunto, com
cuidado. — Está arrependida? — a
palavra rasga minha garganta.
— Não — sua voz sai tão falhada
que ela precisa limpar a garganta. — Eu
só vou ali ao banheiro. Já volto.
Sem fala, a observo se levantar,
substituindo, nervosamente, o edredom
pela toalha que estava embolada nos
lençóis da cama, então sair, me deixando
com uma interrogação na cabeça.
Capítulo 32

Eu bato a porta do banheiro e giro


a chave, deixando a toalha cair do meu
corpo. Levanto a cabeça para encarar o
meu reflexo no espelho. Estou
despenteada, com as bochechas e os
lábios muito vermelhos, e também com
uma vermelhidão na curva do pescoço
que dá para ver de longe.
Mas não passou disso. É claro que
eu já sabia e não devo me sentir
surpresa; só que, com aquilo que
Santiago falou ali para mim, que desde o
início pensou em como seria me ter em
sua cama, concluo que o nosso beijo na
varanda não foi sentimental.
Quer dizer, pode ter sido um
devaneio meu, mas realmente achei que
naquela noite em que contamos nossas
situações um para o outro, ele estava me
beijando por causa dos sentimentos.
Sobre me entender, pois eu também o
entendi. Achei que era uma
demonstração do seu sentimental.
E aqui, ele aparecendo em meu
quarto, depois de não termos nos visto
por dias [dolorosos], então termos
transado... pensei que fosse
saudade. Tudo bem, poderia ser uma
forma de me agradecer por tê-lo ajudado
no sequestro, mas não é. E também não
foi saudade. Ele só estava saciando a
vontade do seu pensar sobre me ter em
sua cama. Matando a sua, costumeira,
curiosidade.
Por que estou me sentindo triste se
já sabia o que aconteceria? Ele me
disse. Só que agora pensar que nunca
mais vou vê-lo, me divide em
pedacinhos incontáveis.
Minha garganta dá um nó e preciso
de um tempo para me recompor. Se bem
que não sei se serei capaz de um dia
superar algo tão bom. Esta noite foi um
milagre na minha vida.
A batida na porta me faz desapoiar
dela, então me viro.
— Celeste? — Santiago me chama
do lado de fora. — Você está bem?
Engulo em seco, odiando amar a
sua voz calma. Eu deveria não gostar,
para facilitar o processo do adeus.
— Estou — descaradamente minto.
Estou horrível e triste. Quero me
enroscar nele e não deixá-lo partir.
Quero que passe a noite comigo, mas
não só essa. Pela primeira vez
experimentei o que é ser bem tratada
amorosamente, e não quero que isso se
vá. — Vim fazer xixi.
— Duvido muito. Sua voz está
muito próxima e o sanitário fica do outro
lado.
Eu me afasto da porta e olho em
volta inconscientemente. Não tem
câmeras aqui, é impossível, mas ele está
supondo certo.
— É que já acabei — respiro
fundo, me enrolo na toalha de novo e
giro a chave, me recompondo
obrigatoriamente. Não olho para ele ao
abrir a porta, e vou direto para a cama.
— Esse quarto é muito bonito.
Tenho que parar de ser
idiota. Agora, o quê? Vou ficar sendo
comandada pelos sentimentos que ele
aflorou em mim? Ah, pelo amor de
Deus! Sou uma mulher adulta, que
suportei coisas mais difíceis que lidar
com o adeus de um homem maravilhoso.
Tenho que ter vergonha na cara.
Santiago caminha e fica parado em
frente a cama, o que, inevitavelmente,
faz com que eu o olhe. Fico tensa de
imediato. Ele está ainda mais lindo que
nunca. É um momento íntimo perfeito.
Tenho que me sentir sortuda. Eu dei
muita sorte.
Abro um sorriso, o que o faz
entreabrir os lábios.
— Não faça isso — suas palavras
cortam o espaço entre nós.
— Não fazer o quê? — Estou
desentendida.
— Não crie barreiras entre nós esta
noite.
— Esta noite? — eu digo, sem
querer, então rio em seguida, para
amenizar a melancolia em minha voz. —
Tudo bem, desculpe.
Santiago solta a respiração, em um
gesto de, imagino eu, cansaço.
Já estou olhando para as janelas
abertas da varanda, as cortinas sendo
erguidas por causa do vento. Há muito
mais que tristeza. É também incômodo
por ter me deixado de levar. Eu não
devia, mas, sinceramente, não sabia que
poderia ser tão sensível às carícias de
um homem. A pior parte, eu já devia
supor, vai ficar para mim. O esquecer.
— Você quer que eu vá embora? —
ele pergunta.
E ouvir isso me esmaga de tal
forma que meus olhos esquentam. Mas
não estou fora de mim para fazer isso e
passar tamanha vergonha chorando.
— Você quem sabe — respondo,
casual.
Me arrasto para debaixo do
edredom, deixando a toalha se perder do
meu corpo. Deitar a cabeça no
travesseiro não é confortável como
vinha sendo. Agora parece que tem
espinhos.
Eu fico olhando para a janela
porque, com certeza, olhar Santiago
agora não é uma opção.
Capítulo 33

Quando volto ao quarto depois de


sair do banheiro, já devidamente
vestido, Celeste ainda está deitada. Não
sei o que aconteceu aqui, mas talvez
assim tenha sido melhor. Vai evitar que
eu eu seja um cretino e tenha que
arrumar uma desculpa miserável para ir
embora.
Provavelmente ela ficou desse jeito
porque percebeu o erro que cometeu.
Percebeu que me deixou tocá-la. Eu, um
homem que não a merece e não é digno
da sua entrega, que vem com tanta
paixão. Pode não ser arrependimento,
pois foi maravilhoso o que tivemos, mas
não foi seu maior acerto.
Evitando pensar nessa verdade,
sigo até o criado-mudo ao lado da cama,
onde coloquei o que vim de fato trazer
para ela. Minha intenção não era usar as
camisinhas que tinha no bolso com
Celeste. Não, eu só sabia que depois de
vê-la e saindo de perto, estaria mais
louco de vontade que o normal. Mas,
então, ela apareceu de toalha. Aquilo foi
o meu fim. Uma batalha perdida.
Pego o arco pequeno com as
chaves de cima do móvel, me
permitindo olhar seu rosto. Como previ,
ela está bem acordada, encarando as
janelas. Não consigo ver sua boca,
porque ela cobriu com o edredom. Eu
gostaria de tirá-lo dali para ver seus
lábios e preenchê-los com um beijo.
Mas não posso nada disso, porque
ela nos trouxe à consciência de novo.
— Isso aqui é para você —
balanço as chaves, que fazem um
barulho ao esbarrar umas nas outras,
chamando a sua atenção. Celeste olha o
molho, então para mim. — Vou deixar
aqui — coloco-as sobre o colchão,
temendo o olhar sério que recebo.
— O que é isso? — a voz dela está
rouca, e observo-a se sentar para pegar
as chaves e analisar. Então me olha de
novo, confusa. — Logan que pediu para
você entregar?
Logan? Porra, não. Por que ela
tem que falar dele justo agora? Por que
tem sempre que perguntar sobre ele?
— Não — respondo somente. —
Não quero que entenda isso como um
pagamento pelo que fez, porque seria
impossível pagar. Mas aceite como um
presente de gratidão, de alguém que está
muito grato pela sua vida e por ter
podido contar com você. Obrigado por
me estender o braço e segurar a minha
mão quando mais precisei e não poderia
confiar em ninguém, Celeste.
Ela balança a cabeça, não
entendendo.
— Que chaves são essas? —
sussurra.
— De uma casa, aqui, na Itália.
Para você morar com a sua mãe. É um
imóvel mobiliado e quitado. Vocês
poderão viver em paz e encontrar a
felicidade mais rápido — dizer isso é
difícil, pois eu vi a felicidade há uns
minutos em seu rosto, mas ela se foi tão
rápido quanto chegou.
Embora eu acredite que felicidade
seja um estado permanente e não
momentâneo. Acreditava, depois de hoje
à noite. Estávamos felizes até a
realidade cair sobre nós.
— Fica bem perto da fábrica —
emendo —, vou anotar o endereço.
Minha intenção era levar vocês lá,
mas…
Desvio o olhar, me sentindo um
babaca. Tudo poderia ter ido bem, se eu
tivesse seguido meus planos, mas agora
deixei-a triste e cabisbaixa. Isso é mais
doloroso que saber que ela vai morar na
Itália e não nos veremos mais que não
por acaso.
Respiro fundo ante esse
pensamento.
— Logan já vai nos dar uma casa
— Celeste parece não ter me ouvido,
então empurra o molho de chaves para
longe. — Eu fico grata, mas você não
tem que fazer isso.
— Logan não vai dar uma casa
para vocês, ele vai bancar uma para
morarem — rebato, desconfortável. Ela
não quer o meu presente, mas aceita as
propostas do meu irmão?
— Não sei, ele disse que não
teríamos despesas e eu confio nele. Até
agora, não tivemos nenhum problema —
Celeste volta seus olhos safiras para
mim. — Ele está fazendo tudo conforme
o combinado comigo.
— Ah — rio. — Entendi. Você tem
uma preferência de exclusividade com o
meu irmão, entendi.
Ela estreita os olhos.
— Sim, Santiago, eu tenho uma
preferência de exclusividade porque foi
ele quem conversou comigo, me
ofereceu uma boa proposta de emprego
e de vida, e então está cumprindo com o
prometido — sua voz está neutra. —
Acha que estou errada em dar
preferência para ele? Logan foi uma
ajuda extremamente importante para
mim, eu sou muito grata a ele.
— Não, eu não acho que você está
errada em dar preferência para ele —
rebato. — Mas não está pensando
direito em recusar o meu presente. Só
estou tentando…
— Me pagar — ela suspira,
cansada. — Claro que é um pagamento e
eu não te culpo. Você é o chefe de muitas
coisas, eu entendo, é costume seu pagar
tudo. Mas eu não quero o seu presente,
obrigada. Não vou me sentir bem
aceitando.
— Já falei que não é um pagamento
— a contrario.
— Claro que é! — seus olhos me
fuzilam e ela quase solta o edredom.
Quase, me fazendo engolir em seco, já
com saudades. — Mas eu já disse, não
te culpo, é um costume seu pagar tudo.
Só que não quero e não vou aceitar ser
paga por ter te ajudado.
Mordo o lábio, olhando para as
chaves rejeitadas. Então de novo para
Celeste, que ainda tem um olhar
contrariado e, lá no fundo deles,
percebo decepção.
— Só estou querendo demonstrar
minha gratidão — tento explicar.
— Você já demonstrou — seu olhar
endurece. — Veio de Nova Iorque para
cá me agradecer. Isso já foi suficiente,
foi um gesto, e não preciso que um bem
material me seja dado.
— Sei que está com raiva agora,
mas talvez depois você pense melhor...
— Eu não quero pensar melhor,
droga! — as chaves são arremessadas
ao longe, o que me faz arregalar os
olhos para ela.
Seu peito sobe e desce de maneira
difícil e Celeste fica olhando para onde
as chaves pararam.
— Tudo bem — me viro para ir
buscá-las, guardando-as de novo no
bolso.
Mas no bolso errado, o que faz com
que os outros pacotes de camisinha
caiam no chão.
Celeste solta um riso estrangulado,
e só a olho depois de guardar tudo de
volta. Nunca me senti tão… por fora.
— Você tem uma coleção de
camisinhas nos bolsos e as chaves de
uma casa, e diz que não está tentando me
pagar? Então está tentando me
recompensar? Qual a diferença?
— Está distorcendo tudo, Celeste
— deixo claro. — Eu não tinha a
intenção de usar as camisinhas com
você. O que aconteceu aqui entre nós foi
um deslize de momento.
— Ah, sim, claro — ela sorri, não
sei se para mim ou de mim. — Um
deslize. Acho que é melhor mesmo que
você vá embora, Santiago, já que não
nos veremos mais mesmo por causa
do deslize.
Celeste volta a deitar, se cobrindo
toda e trazendo de volta a distância
dolorosa.
— Eu também ficaria muito grata
se você não entrasse mais escondido no
meu quarto — ela completa, a voz
abafada pelo edredom na boca. —
Quase morri de susto.
— Tudo bem — compreendo,
contragosto. Não está tudo bem. — Me
desculpe, não vai acontecer de novo. E
me desculpe por tudo.
Ela não responde e nem me olha, e
eu entendo que é a minha hora de ir.
Permanentemente.
Capítulo 34

Caminho atrás da minha mãe que,


alegremente, confere a nova coleção de
inverno que chegou na loja. Estamos
fazendo compras já que recebi meu
primeiro salário. Achei que
precisávamos espairecer um pouco fora
de casa.
Depois de Santiago ir embora, há
um mês, eu só foco em tentar esquecer. É
difícil, como tudo na vida, mas não é
impossível. Não acho que seja. Mas
sempre que me ponho a lembrar da
forma que tudo se findou, sinto uma dor
desconfortável. Não é física, mas meus
olhos sempre umedecem.
Meu celular toca enquanto observo
mamãe pegar um suéter e pôr em frente
ao corpo, me olhando como se buscasse
aprovação.
— Perfeito! — abro um sorriso e
confiro a tela do celular, vendo o nome
de Logan. — Já volto, mãe.
Vou procurar um lugar mais
afastado da movimentação para atender
a ligação.
— Oi, Logan.
— E aí, Celeste! Onde você está?
Vim aqui na sua casa, mas ninguém me
atendeu.
— Estamos fazendo compras —
observo o fluxo de pessoas na rua
comercial, ainda me sentindo deslocada.
Não que eu não gostei da Itália, só não
me acostumei que estou morando aqui
ainda. — Algum problema com a
fábrica?
— Não — ele ri. — É a sua folga,
eu sei. Vim convidar vocês para jantar
comigo hoje. Sabe aquele policial que
ajudou a gente?
— Sei — me viro para dar uma
olhada em minha mãe, que agora tem
uma moça da loja ajudando-a. —
Aconteceu algo com ele?
— Ele está aqui na Itália. Eu o
chamei para jantar conosco. Gostaria
que ele conhecesse a sua mãe. Para
saber da pessoa que ajudou, entende?
Estreito os olhos, observando que
minha mãe e a atendente estão rindo aos
montes. Ela está feliz, então não sei se
ver alguém que vai fazê-la lembrar do
que passava lhe fará bem.
— Um jantar? — pergunto.
— Isso — Logan confirma.
— Vamos ao restaurante que está
servindo o nosso vinho, experimentar
essa iguaria.
Dou risada.
— O seu vinho — corrijo. — Está
querendo saber se é bem falado?
— E tô errado? — ele graceja.
— Vai aceitar? Por favor, diz que sim.
Eu já fiz as reservas, seria muita
crueldade você recusar… Maaas, eu
entenderia.
— Você é bem convincente com a
sua voz manhosa, Logan — dou um
sorriso. — Tudo bem, que horas e onde?
— Às 20h. Eu vou buscar vocês,
pode deixar. Você está bem?
— Estou ótima, e você?
— Sei, tá bom — parece não
acreditar em mim. — A gente se
encontra logo mais. Falou, melhor
funcionária!
— Tchau, Logan — encerro a
ligação com um sorriso.
Volto para perto da minha mãe, que
me informa que a atendente foi buscar
um suéter do seu tamanho.
— Nós temos um jantar com o
Logan hoje — aviso.
— Temos? — ela parece estranhar,
ainda olhando as peças da arara.
— Sim… ele vai levar um outro
amigo, a senhora se importa?
— Não, filha — seu sorriso me
acalma. — O Logan é um doce e só nos
trouxe coisas boas. Tenho certeza que
esse amigo é tão maravilhoso quanto
ele. Isso não me incomoda — ela aponta
para o lado. — Vou escolher um desses
vestidos para usar.
Eu respiro fundo, apreensiva. Mas
é melhor que eu não conte tão logo.

***

À noite, enquanto aguardamos


Logan, minha mãe pergunta pela
vigésima vez se está bonita. Eu sorrio
em todas elas e digo que sim. Ela já está
linda por sorrir e não ter a estampa do
sofrimento no rosto. Está iluminada, uma
nova mulher.
Isso me enche de alívio e paz no
coração. Um outro milagre que nos
aconteceu. Estar em outro país e
conhecer pessoas que querem o nosso
bem. Sem ninguém que nos destrua.
— Está maravilhosa, mãe — digo,
me levantando do sofá para ir abraçá-la.
Os paetês do vestido me machucam um
pouco, o que me faz rir. — Linda de
parar o trânsito.
— Você é muito gentil, minha filha.
A depender de você, posso sair como
uma palhaça que vai dizer que estou
linda — seu sorriso é contagiante.
— Não é verdade, eu sou sincera
— pondero, virando para a porta quando
ouço o buzinar de um carro lá fora. —
Nossa carona chegou.
— Estou nervosa — minha mãe
respira fundo. — Nunca fui jantar em um
restaurante antes.
— Somos duas, mãe.
Nós rimos e eu a aguardo ir buscar
a bolsa para que possamos sair ao
encontro de Logan.
Ele nos aguarda em um carro
branco, que é diferenciado dos que já o
vi dirigir sempre que tem que vir à Itália
por causa da fábrica. As janelas estão
abertas, nos permitindo ver seu rosto.
Está bem elegante, vestido em uma
camisa lilás social e uma calça jeans
escura, com os cabelos bem penteados.
Mas isso só noto quando entro no banco
do carona e o vejo de perto. Muito
bonito, quase como o irmão, mas
nunca mais que ele.
— Boa noite, meninas — ele nos
cumprimenta, abaixando o volume do
som. — Estão muito bonitas, até tiraram
o meu fôlego!
Nós rimos. Minha mãe mais que eu,
porque ela está sempre bem humorada
agora, o que eu amo e me deixa muito,
muito, mas muito tranquila.
Logan desvia o olhar do retrovisor
onde repara em minha mãe, para
direcioná-lo a mim. Seu sorriso diminui
e seus olhos baixam até onde
conseguem. Ele volta aos meus olhos,
me fazendo respirar fundo.
— Obrigado por aceitar o meu
convite — ele diz, a voz mais baixa.
Quase muito sussurrada com certa
pressão. — Prometo que vou fazer de
tudo para que seja uma boa noite.
— Eu sei que vai — sorrio.
E não sei por que digo isso, mas
talvez porque sei que ele fez o certo em
me convidar. Eu preciso de uma boa
noite.
Capítulo 35

Como, novamente, eu não previ,


minha mãe está conseguindo ter uma
conversa muito boa com Ulisses, o
policial. Ela levou numa boa o fato de
ele ter sido o homem que descobriu seu
paradeiro. Na verdade, ela se sentiu
surpresa e agradeceu muito. E, desde aí,
dessa descoberta, Logan e eu estamos
sobrando na conversa.
O que não anula completamente a
minha noção de eu ter uma boa noite,
mas achei que a conversa se estenderia a
todos nós – o que não aconteceu,
infelizmente.
Desvio a vista da minha taça com o
vinho quase intocado quando Logan se
inclina sobre a mesa, falando próximo
ao meu rosto:
— Quer sair daqui um pouquinho?
Desvio de seu olhar claro para
minha mãe, que parece contente em sua
conversa com Ulisses e não vejo
problema algum em deixá-la por um
momento.
Maneio a cabeça para Logan e nos
levantamos, avisando que iremos pegar
um ar. Minha mãe não faz caso com isso,
ao contrário, me mostra um olhar
cúmplice, o que prefiro não entender.
Logan estende o braço para que eu
segure, então caminhamos para fora do
restaurante, que fica situado em uma
torre de pedras amareladas e quase
marrons, e tem um espaço vazio, como
uma enorme varanda ou uma cobertura.
O vento nos recebe de bom grado e
eu inspiro profundamente, percebendo,
então, que talvez a massa com molho
não tenha caído muito bem porque sinto
um remexer no estômago. Ou talvez
tenha sido os goles de vinho, já que não
me lembro de ter provado em álcool
antes.
— Vem pra cá — Logan me chama,
e me dou conta de que ele seguiu
sozinho até o grande corrimão feito de
pedras e com a barra principal de vidro.
É rústico e moderno, muito chique com
certeza.
Eu vou ao seu encontro, apoiando o
quadril no alicerce de pedras e
oferecendo-lhe um sorriso antes de
desviar o olhar para a rua movimentada.
Pessoas chegam em seus carros, outras
saem, muitas outras passam sem
propósito de parar no restaurante e
outras escolhem outros estabelecimentos
para entrar.
— Vocês estão gostando da casa?
— Logan quer saber.
— Muito — o olho, vendo-o
distraído com o movimento lá embaixo.
— É muito confortável e ideal para nós.
E também é bem perto do trabalho, o
que é muito bom. Sabe que nunca
poderei te agradecer, não é?
— Você não precisa — ele sorri.
— A sua ajuda também foi essencial, ou
senão como eu iria dar início na fábrica
com um só funcionário na parte
principal?
— Mas você poderia contratar
qualquer pessoa.
— Eu não queria qualquer pessoa
— ele balança a cabeça em negativa. —
É o meu primeiro negócio. Quero que dê
certo, e está dando. Tenho que fazer por
onde isso acontecer, sempre.
— Mesmo assim — suspiro —, eu
sou muito grata. A minha mãe está
procurando um emprego também. Ela
está até vendo umas aulas grátis de
italiano na internet.
Logan sorri, aprovando com a
cabeça.
— Eu amo a sua mãe, ela é sempre
muito amável comigo.
— Não se iluda, ela é assim com
todo mundo — brinco.
Ele ri, me olhando então.
— Mas e você, a Celeste, está
gostando de morar aqui?
— Sim — minha resposta sai
depressa. Depressa demais. E a forma
que minha voz fica aguda, é um desastre.
Isso o faz erguer as sobrancelhas,
desconfiado. — É que estou me
habituando ainda… Não me acostumei,
digamos assim.
— Sente falta da sua casa, imagino.
— Não — nego. — Não sei
exatamente do que sinto falta. Nem sei
se é sentir falta. Eu só ainda não me
acostumei mesmo. Mas é como tudo na
vida, a repetição cria o conformismo.
— O conformismo?
— A aceitação — sorrio. — Me
expressei mal, desculpe.
— Entendi — Logan sorri,
mantendo o olhar em mim. Tanto que,
por isso, desvio para a rua. — Santiago
demitiu você porque deitou na cama
dele, estou certo?
Meus olhos arregalados se voltam
para ele, então a vergonha me cobre.
— Ele te contou?
— Não, eu vi com meus próprios
olhos você se revirando na cama —
Logan ri. — Estava passando na tela do
computador dele a filmagem. Meu irmão
é meio paranoico com tudo, ele tem
câmeras em toda a casa.
— Pena que fiquei sabendo disso
muito tarde — me encolho,
envergonhada mesmo. — Só entrei lá
porque queria sentir mais do perfume
dele — confesso.
— Quê? — Logan gargalha. —
Você tá me zoando?
— É verdade — gesticulo, achando
que dei bobeira em admitir isso visto a
reação dele. — É que nós tínhamos
conversado e eu peguei na mão dele. O
cheiro era muito bom, e eu quis sentir
mais.
— Meu Deus, Celeste — ele ainda
ri aos montes, virando de lado para me
olhar de frente. — Isso é tão jovial.
Aliás — seus olhos se estreitam —, qual
a sua idade?
— 20 — mordo o lábio, com mais
vergonha.
— Ah, que novinha — ele balança
a cabeça. — Bem suscetível a tudo… É
compreensível.
— O que isso significa?
— Nada — Logan para de rir e
volta a observar a rua. — Só que você é
mais fácil de ficar, digamos, fascinada
por qualquer coisa.
— Discordo — rebato,
imediatamente. — Não me fascino por
qualquer coisa. O perfume era realmente
bom.
— Eu acredito em você, mas
apenas sei do que estou falando. Tenho
mais facilidade em conquistar as mais
novas.
— A sua conclusão não é muito
certa…
— Dentro da minha vivência, é.
Você disse isso para ele?
— Dizer o que para quem?
— Disse para o Santiago o motivo
de ter entrado no quarto dele? — Logan
volta a me olhar.
— Não houve tempo. Ele me
demitiu. Mesmo assim, acho que só
reforçaria a minha demissão — dou um
riso nervoso. — "Ei, Santiago, só entrei
em seu quarto para sentir mais do seu
cheiro".
— Ah, a cara dele seria
memorável. Pagaria pra ver — volta a
rir, mas para ao me olhar. — Vocês já
tiveram algo?
Meus olhos se arregalam,
inevitável e indevidamente.
— Algo?
— Você está fazendo a mesma cara
de quando perguntei isso para ele —
sorri. — Uma troca de olhares mais
intensa, um beijo, um toque mais
tempestuoso… isso é o algo — enfatiza.
Solto uma lufada de ar. Já tivemos
algo e mais.
— Bem… Já trocamos olhares
intensos quando ele estava curioso sobre
a minha vida — digo, olhando o céu, as
lembranças voltando. — Ele ficava me
encarando muito, mas depois descobri
que só era curioso.
— Fofoqueiro e
inconveniente pra caralho, você quer
dizer — Logan se aproxima mais de
mim, seu ombro esbarrando no meu.
Sinto o tecido de sua camisa, porque
estou usando um vestido tomara que caia
de paetês que minha mãe me fez
comprar. — Então não tiveram nada
mesmo?
Balanço a cabeça, mas não
respondo.
Não tenho que responder isso,
porque pode ser ruim para mim.
Santiago pode ficar puto de novo
comigo se eu contar, porque se ele
quisesse que Logan soubesse disso, do
nosso encontro, com certeza teria
contado.
— Sabe que eu achava você uma
chata? — ele pergunta, e sua voz está
muito próxima, no limbo do sussurro.
Eu o olho, sentindo seu olhar
queimar minha pele.
— Sério? — Não posso negar que
estou surpresa. — Por quê?
— Não sei, acho que porque não te
conhecia — seus olhos desviam para a
minha boca e Logan morde o lábio
inferior. Fico tensa na hora. — Temo
que foi antipatia imediata, mas isso
passou depois que nos aproximamos
mais.
— Ahn... — olho todo o seu rosto
notando que, sim, ele é lindo para
caramba. E tem algo em seu olhar, como
chamas de fogo. Ele sabe como fazer
isso. Seduzir.
— Eu sou um idiota por ter
pensado que você era insuportável —
seu olhar volta a encontrar o meu e
engulo em seco. — Com certeza fui
idiota por muito tempo, mas não serei
mais. Não quero nunca mais ser um
idiota com você, Celeste.
É muito rápido quando vejo sua
cabeça se inclinar e ele fechar os olhos,
então praticamente pulo para trás, seu
pescoço pendendo para a frente pelo
vazio.
Logan abre os olhos, demonstrando
confusão.
— O que está fazendo? —
pergunto.
— Queria te dar um beijo — ele
não faz cerimônia para responder, e
parece até desentendido por meu
afastamento.
— Eu sei o que você queria, mas
não quero te beijar, Logan — balanço a
cabeça, chocada. — Por que achou que
eu queria?
— Achei que estava em dúvida,
mas poderia tirá-la de você com o meu
beijo.
Trago as mãos à cabeça, sorrindo
de perplexidade.
— Não estava em dúvida nenhuma.
Por favor, não tente mais isso — peço.
— Somos amigos e gostaria que
continuasse assim. Se você quer me
beijar por causa do trabalho e da ca…
— Celeste, não — ele me
interrompe, arregalando os olhos, como
se eu tivesse dito uma maldição pesada.
— Não termine de falar. Não é isso. Eu
só queria te beijar, só isso. Não tem
nada a ver com o que está pensando. Me
desculpe.
— Você disse que iria manter as
mãos longe — o lembro.
Ele parece envergonhado agora,
mas concorda.
— Sim, eu disse, estou
arrependido, me desculpe — respira
fundo. — Realmente não devia ter feito
isso.
— É, Logan, não devia — passo as
mãos no rosto, o que me lembra que
estou maquiada quando sinto os cílios
duros pelo rímel.
Um silêncio desconfortável nos
cobre, o que é bem ruim.
— Você devia dizer a ele — Logan
fala depois de um tempo.
Eu o olho, perdida.
— Dizer o que, a quem?
— Ao Santiago — ele sai de perto
do corrimão de pedras, vindo para me
encontrar. Um olhar compreensivo toma
seu rosto e me deixa mais desnorteada.
— Devia dizer a ele que está
apaixonada.
— O quê?
Logan sorri, estendendo um braço a
frente, como um guia.
— Você entendeu — responde
somente. — Vamos voltar para nossa
mesa?
Ainda fico encarando-o por um
momento antes de me virar para entrar,
estática com a conclusão sem sentido de
Logan Smith.
Capítulo 36

Estou muito concentrado para


perceber quando a porta do meu
escritório se abre sem eu ter sido
avisado. Preciso estar focado no
trabalho, agora mais que nunca, se
quiser manter minha cabeça no lugar.
Saudade é o pior tipo de
sentimento, e já tinha até me esquecido o
que era. Mas então tudo tinha que ter
acontecido.
— Oi, filho.
Levanto a cabeça imediatamente,
me deparando com o meu pai parado em
frente a minha mesa. Ele tem uma
expressão na defensiva, o que deve ter
mesmo.
— O que está fazendo aqui? —
questiono, gélido. — Por que não fui
comunicado da sua chegada?
— A sua secretária não estava na
mesa — ele fala com um semblante de
cachorro largado. — Achei que pudesse
entrar…
— Achou errado. O que quer?
— Posso me sentar um pouco? —
ele gesticula a cadeira de visita.
— Não. O que quer que tenha para
falar, vai ser com a boca. Não precisa se
sentar em lugar nenhum.
Meu amado pai engole em seco,
mas balança a cabeça, como entendendo.
— Eu tenho conversado bastante
com a sua mãe ultimamente.
Ele sabe, ah, sabe mesmo, como
me deixar louco de raiva. Ouvir isso me
faz respirar fundo, mesmo assim não me
trazendo ar o suficiente.
— Não devia nem se aproximar
dela mais — esclareço. — Como pode
ser tão ordinário ao ponto? Sabe muito
bem ao que a submeteu por anos! Por
que não vai arrumar uma namorada,
como sempre, e esquece a minha mãe?
Ele parece sentir dor ao ouvir o
que digo, mas novamente balança a
cabeça, como se entendendo.
Mas ele não entende. Nunca vai
ser possível que entenda os danos que
causou. Que me causou. Para mim não
cola esse semblante de arrependimento e
dor. Eu o conheço. Não há nada de bom
nesse homem.
— Não conversamos muito desde
que você foi embora do Open — ele
escolhe ignorar o que falei, porque sabe
que tenho razão. — O que quero dizer é
que sinto muito, Santiago. Sinto muito
mesmo, e espero que você me desculpe.
Eu rio.
— Isso é algum tipo de palhaçada
sua? — me levanto. — Veio aqui, do
nada, com essa conversinha barata de
perdão? — a palavra final me remete
imediatamente a outra pessoa. Seria
pela paz em sua morte e pela minha paz
em vida. — O que está tentando fazer?
— Eu não vim do nada. Tentei falar
com você e deixar recado com a sua
secretária, mas não consegui. Acho que
você me bloqueou de todas as formas
possíveis dos seus números, então não
foi do nada, filho. Já estava tentando ter
essa conversa com você fazia tempo.
— Conversa? — dou outra risada,
puro escárnio. — Eu não acredito
mesmo nisso — volto a sentar,
indignado. — Sempre acho que você
não pode piorar, mas não canso de estar
errado.
— Você ainda fala como um
garotinho revoltado — ele parece sentir
mais dor, com sua fala triste. — Isso me
destrói, filho.
— Te destrói? Você estragou a
minha vida! — grito, bem perto de sair
do controle. — Eu tenho traumas sobre
situações que nunca vou conseguir
superar! E você acha que vai chegar em
meu escritório, do nada, dizer sinto
muito e esperar que eu te desculpe?
Você é louco!
— Eu sei — sua voz é branda. Está
se comportando como um monge, sendo
muito calmo e sereno. Uma fachada! —
Depois do que aconteceu com a sua
irmã, eu abri os meus olhos.
— Ah, não me diga que vai dizer
que estava cego? — jogo as mãos para o
alto e aponto para ele em seguida. —
Também estava cego quando me batia e
puxava meus cabelos com toda a sua
força? E quando se trancava no quarto
para bater na minha mãe? Foi cegueira,
senhor Smith? Porra! Por que eu não
percebi antes?
Meu pai respira fundo, se
mostrando incomodado.
— Inútil — destaco. — Isso que
você é na minha vida, pai, um inútil.
— Sei disso também. Fui um inútil
para vocês por muito tempo, mas quero
mudar isso enquanto há chance.
— Não me diga que está com uma
doença terminal e prestes a bater as
botas? — rio, incrédulo. — Nesse teatro
não vou cair, porque sei que sua saúde é
como de aço.
— Não, Santiago, não estou doente
— ele expira.
Você iria preferir que ele fosse
para o inferno? A voz dela invade a
minha mente. Sim, eu iria. Eu vou.
— Pode ao menos me ouvir, por
favor?
— Francamente, não estou com
tempo. Se quer perdão, não é aqui que
vai encontrar.
— Não pedi o seu perdão, filho,
somente quero que você me desculpe.
Eu não devia ter feito as coisas que fiz
— ele tem uma melancolia severa na
voz, e isso só me deixa mais irritado. —
Mas fiz, e não posso mudar o passado.
Sabe disso.
— Claro que sei, e você também.
Não pode vir me pedir desculpas com
essa cara de torturado como se
eu devesse te desculpar. Você me deu um
soco no rosto, na frente de toda a
família, em um dia que devia ser
especial para a sua filha — relembro.
— Não se importou com ela, nem com o
namorado dela. Você quase destruiu a
vida deles, seu egoísta!
— Eu sei — ele concorda. — Sei
de tudo isso, filho. Como estou lhe
dizendo, depois do que houve com a
Lili…
— Você se tornou um novo homem
— rio, descrente. — Teve que sua filha
ser quase morta para você cair na real?
Mesmo, pai? Como se sente me
contando isso? Imagino que ache que vai
ajudar.
Ele balança a cabeça, negando.
— Não acho, meu filho. Espero,
somente, que você entenda que isso é
muito difícil para mim — suspira, como
se estando esgotado. — Estou tentando
me desfazer do homem que era,
persistindo em me reconstruir… Quero
o amor de meus filhos, porque me dói
muito imaginar a minha vida sem vocês.
Meu coração parou quando soube que
Lili estava ferida no hospital, então
pensei que se fosse você ou Logan…
— Chorando pelos pecados
imperdoáveis — sorrio. — É muito bom
ver isso.
— Eu o ajudei a se tornar um
homem frívolo…
— Isso você tem razão —
concordo, prontamente. — Toda a razão.
É como você prefere, não é? Sempre ter
toda a razão, até quando não tem.
— Entendo que seja revoltado
comigo, Santiago…
— Não — o censuro. — Você não
entende. Nunca vai entender.
Nunca vai entender que não
consigo ter algum relacionamento
amoroso por ser consumido de ódio e
não saber demonstrar nada que não isso.
Não vai entender que, na troca de
carinhos com alguma mulher, é proibido
tocar em minha cabeça. É incapaz de
entender que tenho nojo do laço
chamado casamento, que faz duas
pessoas permanecerem juntas mesmo
que infelizes. Até que a morte nos
separe? Por isso minha mãe demorou a
criar coragem para se desvincular da
infelicidade e do sofrimento.
Ele é incapaz de entender, porque
ele nunca passou por isso. Seu domínio
é imaculado e ele esteve sempre certo.
Em sua cabeça, seu mundo se ergueu ao
topo para destruir nossas vidas. A minha
vida.
— Eu estava errado — limpa a
garganta. — Reconheço isso e peço
desculpas, é só o que posso fazer. Estou
mais próximo da sua mãe desde o
acidente com Lili, e a convidei para
sair. Gostaria de avisar isso para você,
também. Tem me feito muito bem
conversar com ela. Marie está me
mostrando os pontos em que…
— Fora daqui — o corto, me
levantando. — Se minha mãe é louca o
suficiente para acreditar na sua
mudança, já não é mais problema meu.
Sai da minha sala.
Meu pai fica ainda me olhando de
um jeito alienado antes de assentir e se
virar para ir embora, com passos
hesitantes.
Caio na cadeira de volta, cerrando
os punhos a ponto de meus dedos
doerem. Minha mãe está mesmo louca?
Capítulo 37

Estou tomando um pouco do vinho


feito na fábrica de Logan, que ele me
presenteou com uma garrafa quando
produziu a primeira remessa, enquanto
assisto a TV no canal de culinária. Acho
que aprendi a gostar de ver comidas
aleatórias sendo preparadas com minha
irmã. Ela adora assistir isso.
Mas uma batida na porta e em
seguida a campainha tocando diversas
vezes, uma atrás da outra, me faz
levantar do sofá com as sobrancelhas
franzidas.
Vou até o hall de entrada, a
campainha cessando para ser substituída
pelas pancadas na porta. Me aproximo,
impaciente, e confiro o olho mágico.
Meu irmão está do outro lado e já
vai bater de novo quando resolvo
destrancar a porta para abrir. Encontro
Logan com um sorriso largo.
— Você não estava na Itália? —
grunho.
— Estava, mas já voltei — ele
entra, passando por mim e se dirigindo
diretamente à sala de estar, tomando
assento em um dos sofás. — Tá vendo
canal de receita igual a Lili?
— Ajuda a relaxar — dou de
ombros, trancando a porta para ir me
juntar a ele.
Estão assando um pernil e dando
dicas do que fazer ou não durante o
modo de temperar. Não presto muita
atenção, só nas mãos da cozinheira em
movimentos ágeis.
— O gato comeu sua língua? —
Logan pergunta, o que me faz olhá-lo.
— Como assim?
— Não vai perguntar o que estou
fazendo aqui? — ele explica, como se
fosse óbvio.
— Você só está exercendo a sua
função de ser inconveniente — retorno
meu olhar para ver o pernil sendo
colocado no forno —, então, não, não
vou perguntar o que está fazendo aqui —
continuo a bebericar meu vinho.
— Eu jantei a Celeste.
Meus olhos voam para ele de novo.
— O que disse?
— Jantei com a Celeste — fala
mais alto, deixando um sorriso surgir em
sua boca, me olhando de um jeito que
me faz querer quebrar, pelo menos,
quatro de seus dentes. — Ela está sendo
uma ótima funcionária para mim.
— Por que está jantando com suas
funcionárias?
— A funcionária — alfineta. —
Somos amigos, ela disse. Quase nos
beijamos também.
— Por que isso é da minha conta?
— Não é, mas estou te contando —
ele volta os olhos para a TV, como se
estivesse distraído. — Mas ela não quis.
Se afastou.
— Não quis o quê?
— Por que isso é da sua conta? —
Logan devolve.
Eu o encaro. Não seria de todo
errado destilar um soco em sua cara.
Todos sabem que, às vezes, ele merece.
Quanto mais agora.
— Veio aqui me contar que está
tentando colocar seu plano em ação? —
questiono. — Que está tentando ter algo
com a Celeste?
— Ledo engano, Santiago — seu
sorriso é mais dissimulado. — Eu só
queria contar sobre o prazer que tive em
sentir o hálito doce dela e ver de perto
aqueles lábios bonitos. Celeste devia
estar com o sabor de vinho... Mas, fora
isso, você está sabendo da nova?
— Que nova, seu filho da puta?
— Wow — Logan ri, erguendo as
mãos na defensiva. — Sem chilique,
falou?
Volto os olhos para a TV, querendo
chutar alguma coisa. Não acredito que
ela aceitou jantar com ele. Celeste é
lerda ou o quê? Está claro que um jantar
com meu irmão não é isento de segundas
intenções. Caralho.
— A nova é que — ele emenda
ante meu silêncio — nosso pai está
tentando reconstruir com a nossa mãe.
— Reconstruir o que se eles nunca
tiveram nada sólido? Além de uma casa
com filhos tentando ser obstinados, mas
que não ganhavam nada que não
frustração e rejeição paterna? — indago.
— Você não parece surpreso como
eu fiquei quando soube.
— Nosso estimado pai veio ao meu
escritório hoje mais cedo. Ele queria me
pedir desculpas, por tudo, e informar
que sairia com a nossa mãe — acho que
meu rosto forma um sorriso,
inevitavelmente. — Uma linda história
de superação e de amor.
Logan ri, mas depois para, como se
refletindo.
— Não sei o que pensar — admite.
— Depois do que houve com a Lili, ele
tem tentado, sei lá, se aproximar. É
estranho, porque nem parece o nosso
pai. Por vezes estou concentrado no
trabalho e ele aparece lá na minha sala,
me convidando para um almoço.
— E você vai, eu suponho.
— Vou, ué. Ele tem tentado chegar
em mim pelas brechas, é esquisito —
conclui. — No mais,
é esquisito também.
— Já contou a ele sobre a sua
fábrica?
— Óbvio que não — Logan ri.
— Tem medo — presumo.
— Prudência. Que fique a parte:
desculpa é desculpa; minha vida é minha
vida. Independente de eu estar tentando
enxergar essa mudança nele, não tira a
minha sede por continuar levando a
fábrica para a frente.
— E você está tentando enxergar?
—rio, descrente. — Não sabia que ele
tinha uma oratória tão boa assim.
— Só acho que, sei lá, existe uma
segunda chance pra todo mundo. Sei que
o que ele fez com você parece
imperdoável, mas você o xingou de
vários nomes também.
Meus olhos cravam em Logan, e
não creio que ele disse isso.
— Está tentando jogar alguma
culpa para cima de mim? — estou
incrédulo e prestes a socar realmente a
sua cara. — Tem noção do que está
dizendo?
— Tenho, e é a verdade. Sei que
você achou aquele dia do almoço na
casa da tia Margot que estava indo a
favor da Lili e do que ela tinha
planejado, mas, no fundo, sabemos que
só estava explanando tudo o que tinha
guardado no coração — meu irmão está
sério agora. — Você disse tudo aquilo
não em defesa da nossa irmã, mas em
desconto da própria ira.
— Ah, não me diga! — dou um
sorriso. — Também vai me dizer que
estou errado e que devo perdoar nosso
pai por estragar a minha infância e
adolescência?
— Não acho nada, só que você é
um cara que busca fazer o certo. Sempre
que você diz que não vai ajudar, no fim,
acaba ajudando, porque não sabe não se
inclinar ao certo — Logan pondera. —
Acho que precisamos ver um pouco fora
da bolha que ele nos colocou. Não
dependemos mais dele e isso nos
permite enxergar o todo, Santiago.
— Você só pode estar de
sacanagem com a minha cara.
— Não estou. Você é cego pelo
ódio que tem dele, mas não esquece,
cara, ele continua sendo o nosso pai —
destaca. — Devemos o respeito a ele,
independente de… do que ele tenha
feito.
— Uau — me finjo impressionado.
— Parabéns para você, me deixou
comovido.
— De toda forma — Logan não se
atinge pelo meu gesto —, você gostando
ou não, ele está tentando se reaproximar.
Inclusive da nossa mãe. Seria bom que
você pelo menos não faltasse nas
festividades.
— Festividades?
— Vamos ganhar um sobrinho ou
sobrinha, que vai nascer sabendo que
tem um avô que quer estar próximo e
ponto-final. O bebê, a criança, não vai
precisar de um tio revoltado quando
junto à família, pensa nisso.
Decido ficar quieto, porque nisso
Logan tem razão. Um sobrinho ou
sobrinha não precisa que eu apareça
com uma carranca sempre que meu pai
estiver junto seja lá em que ocasião for.
— Devia pensar também quando
for um filho seu — meu irmão se levanta
e ainda finjo prestar atenção na TV. —
Ela ou ele vai ter um avô querendo estar
presente. Você não permitindo, pode se
tornar o próprio vilão da vida do seu
filho, assim como nosso pai se tornou da
sua.
Eu não quero ter filhos. Mas não
digo isso em volta alta, até porque
minha mente é atingida com a imagem de
uma garotinha de cabelos negros e olhos
azuis como safira, correndo pela casa e
gritando papai depois de ter aprontado
alguma.
Engulo em seco. No que estou
pensando?
— Também vim te avisar que a tia
Margot vai dar um jantar no sábado. Ela
quer apagar a imagem do último
encontro na casa dela — meu irmão
complementa. — Espero te ver lá. Ela
marcou pra 19h. Tenta ir, não seja um
estraga prazer como você-sabe-quem.
Falou, cara, boa noite.
Escuto os passos dele se afastando,
me fazendo perceber a tensão que
continua comigo e não parece que vai ir
tão cedo.
Capítulo 38

Me sinto o maior idiota por estar


fazendo isso. Porque não faz sentido.
Ela já me contou o que fez, então não
preciso ver para comprovar. Sei qual a
provável reação que ela teve, porque vi
com meus próprios olhos quando
permaneceu deitada naquela cama
enquanto eu me despia.
Naquela noite, em que não teve
absolutamente nada de errado, a não ser
pelo que eu disse. E não sei o que foi.
Mas falei algo que a chateou. Que fez
uma lacuna se criar entre nós. Eu daria
todo o meu dinheiro para saber o que
foi. Isso é uma verdade que espanta a
mim mesmo, mas certamente faria.
Porém, a custo de quê? Isso
adiantaria alguma coisa? Eu continuaria
sendo um homem vazio, que não me
contento com nada. Nem ninguém.
Exceto que aquela noite com Celeste, foi
onde tudo pareceu se encaixar. Ainda
que esteja tentando entender o que foi
aquilo que me aconteceu enquanto nos
uníamos; no fim, não importa muito.
Porque eu nunca conseguiria amá-la.
Essa outra verdade, descascando a
minha alma, vem à tona. Não sou o que
Celeste precisa, que é um homem que a
ame e tenha todos os cuidados com os
seus sentimentos. Não sou, porque
sequer sei lidar com os meus. Tenho
amargura e dor incessante dentro de
mim. Não consigo lidar com isso, então
mergulho no trabalho e em meu dinheiro.
Isso me cega, e eu sei.
Me engano, todos os dias e todas as
noites. Com ou sem alguém.
Autossuficiência, ou algo assim. Tenho e
acho que é o que importa. Eu achava
que era. Até Celeste aparecer e, de
algum jeito, me fazer ver que, de
repente, em um talvez, fosse bom
compartilhar as minhas dores com
alguém. Com ela.
Eu o perdoaria pela paz em sua
morte e pela minha paz em vida. Por
que não consigo esquecer isso? O que
ela fez com a minha cabeça? O que
Celeste fez comigo?
A pasta com as gravações está
aberta em meu notebook e clico no
segundo arquivo do início do mês
retrasado.
No alvo. Em alguns minutos
avançados, Celeste chega na casa e eu
me presto ao papel de ver a gravação.
Inteira. Desde ela chegando, olhando a
casa, encontrando a Alexa, sorrindo ao
ouvir a música começar, dançando de
um jeito encantador… Até ir para a
cozinha. Me dou conta de tudo, desde
como foi o acidente com a panela quente
e o seu susto por me ver chegar. As
expressões dela, uma confusão. Ela
sorrindo, se afastando, negando… De
todo jeito, me mantendo longe.
Foi o temor? Provavelmente. Deve
ser uma luta para ela confiar em algum
homem próximo. Assim como é difícil
para mim tentar lidar com as minhas
lembranças. É pesaroso e cansativo. Eu
a entendo.
Estava meditando, ela disse. Não
subirá à minha mente. Não subiria à
mente dela a realidade do próprio
viver? Tenho mais certeza disso do que
nunca.
Procuro a outra gravação, do dia
seguinte, avançando depois da nossa
conversa na cozinha por causa da sua
chegada mais cedo, até vê-la indo ao
corredor. Mas não alcança seu destino,
Celeste realmente para e fica escondida
atrás da parede.
Ela tem reações, se remexendo,
mexendo as mãos, esfregando as pernas,
inclinando mais a cabeça para ver
melhor. Até eu sair e ela também, se
virando para a câmera adjacente com um
sorriso largo, que é bem capturado, e eu
aperto o espaço no teclado, pausando
essa parte.
— Sinto sua falta — digo sozinho,
no silêncio ensurdecedor da minha sala,
da minha casa.
Meus dedos tocam a tela do
notebook, no seu rosto e cabelos, onde
eu queria estar verdadeiramente
tocando. Onde poderia estar tocando.
Se tudo não fosse tão difícil.
Até que… Uma ideia me ocorre.
É arriscada e tem uma enorme
propensão ao erro, mas infeliz acima de
todos é aquele que não tenta. E eu
sempre tentei, faz parte de mim me
arriscar.
Por isso, giro a cadeira, indo em
busca do meu celular na outra
extremidade da mesa.
Preciso falar com Logan.
Capítulo 39

— Confia em mim, você vai gostar.


Logan repete para que eu confie
nele pela trigésima vez, pelo menos,
desde que saímos da minha casa. Não
sei exatamente o que pode ter dado em
minha cabeça para aceitar um
jantar sozinha com ele. No mesmo
restaurante em que viemos da última
vez.
Acho, na verdade, que não me deu
nada e estou apenas querendo curtir
mais a vida. O que tenho a perder,
afinal? Estou em um novo país, com um
ótimo e fixo emprego, uma nova casa,
sendo feliz com a minha mãe –
estamos livres –, podendo dar conforto a
ela, fiz novos amigos no trabalho. Tudo
está bem, é hora de girar a chave.
Passou da hora, aliás.
Eu tento me convencer inteiramente
disso enquanto espero as portas do
elevador se abrirem no andar em que
fica o restaurante, no segundo. Logan
está me olhando fixadamente, mas não
ligo. Sei que não vai colocar as mãos
em mim de novo. Ao menos, não com
segundas intenções. Ele ficou bem
constrangido da última vez. Pareceu, ao
menos.
Dou um passo a frente quando
somos liberados no andar destinado e
estranho de primeiro impacto não ver
ninguém e nem ouvir o peso do
burburinho de vozes. Todas as cadeiras
estão vazias. Todas. E, dando uma
olhada de vista grossa, vejo apenas uma
recepcionista lá ao fundo do salão.
Me viro para falar com Logan, mas
percebo que ele não está atrás de mim
ou ao meu lado. Meu coração
acelera. O elevador fechou as portas
sem que ele saísse.
— Mas que… — a minha fala é
interrompida bruscamente quando de,
por entre as sombras do corrimão de
pedra e vidro, vejo surgir uma silhueta
longa, que logo se revela ser um homem.
E o chapéu… — Santiago?
Não acredito no que eu mesma falo,
mas conforme ele caminha, vindo para
onde tem iluminação, consigo vê-lo
melhor. É definitivamente o Santiago,
vestido em uma roupa casual, o que é um
contraste gritante com o meu vestido
rosa claro justo de festa.
— O que está acontecendo? —
minha pergunta sai um sussurro, mas alto
suficiente para que ele ouça já que não
há sons de muitas vozes. Somos só ele,
eu e a recepcionista na outra
extremidade dentro do salão. — Pediu
para seu irmão me trazer aqui?
— Pedi — ele não parece ter a
menor vergonha ao responder. — Você é
mais amiga dele do que minha.
Entretanto, é mais minha do que jamais
será dele.
Franzo as sobrancelhas. Devo estar
demonstrando a minha confusão com o
meu semblante desorientado.
— Por que o restaurante está
vazio? — olho para as portas de vidro
adentro, onde estão as mesas arrumadas.
— Eu não estou entendendo, Santiago.
Acho que estou falando demais por
causa do meu nervosismo de estar
vendo-o. Depois da forma que nos
despedimos. Logo depois, quando a
verdade caiu em mim: não nos veríamos
mais.
Meus olhos voam para ele de novo,
que está me avaliando com a sua
expressão costumeira. Mandíbula
cerrada, lábios juntos e que se remexem
no cantinho vez ou outra, e os olhos
escuros atenciosos.
— Eu reservei o restaurante para
nós dois — responde, como se fosse
algo muito simples de se fazer. Como
se qualquer um pudesse fazer isso. —
Precisava te ver.
Eu murcho no lugar ao ouvir as
palavras. As mesmas que me disse da
última vez. E o que veio depois delas
desencadeou algo não muito bom: a
nossa separação.
— Precisava te ver porque estava
com saudades — ele complementa,
quase muito rápido já que minha cabeça
ainda está em um nó desde que deixei o
elevador.
Então, quando Santiago dá um
passo a frente e mais outro, tantos até
estar próximo a mim, pairando em minha
frente, não sei o que pensar.
— Isso é estranho e…
Não tenho tempo de terminar o que
ia dizer quando sinto seu braço se
enroscar na curva da minha cintura e me
levar de encontro ao seu corpo. Seu
hálito fresco se abafa sobre meus lábios
enquanto sinto sua mão livre chegar em
minha nuca.
Seu sorriso se abrindo diante de
meus olhos é como um banho fresco em
um dia de calor. Quase tremo inteira
enquanto encaro seu olhar.
— Senti mesmo a sua falta — sua
voz rouca me conforta e relaxo mais
ainda em seus braços, fechando os olhos
para esperar o encaixe dos seus lábios.
Do nosso beijo.
Que não acontece. Do contrário,
Santiago me puxa do chão, me fazendo
enroscar as pernas ao seu redor com um
grito despreparado. Minhas mãos vão
parar em seus ombros, enquanto o olho
com confusão.
Mas ele apenas continua sorrindo e
começa a caminhar comigo no colo, o
que me induz a passar meus braços ao
redor de seu pescoço e me agarrar a ele
com toda firmeza.
E um suspiro de conforto é
inevitável.
Senti tanta falta de tocá-lo, mesmo
que não tenha feito muito isso. Senti
saudade do seu cheiro, do seu jeito, do
seu sorriso raro, da forma que ele me
encurrala quando não sei o que
responder, da sua maneira desafiadora
de se comportar, de como ele abala cada
fibra do meu ser.
— Ai! — dou um gritinho quando
sou sentada na superfície de vidro do
corrimão, que está bem gelada. Santiago
me abraça firme pela cintura com seus
braços longos e fica me olhando. —
Uma ideia maravilhosa a sua, não?
— Não é? Eu também achei.
— Engraçadinho.
Seus olhos desviam para os meus
lábios e, soltando uma lufada de ar, acho
que ele desiste de quase me fazer pedir.
Sua boca se choca na minha com
avidez e o grunhido que ele emite se
espalha pelos ares, me atingindo em
cheio. Amoleço na hora contra seu
corpo, sendo levada para outro mundo
assim que sinto sua boca na minha, como
um presente bem guardado e muito
esperado.
Firme, mas com delicadeza,
Santiago nos conduz em um beijo
inebriante. Minhas pernas ficam bambas
e meus joelhos enfraquecem, mesmo que
eu esteja sentada. Meu coração bate
forte contra o peito, acelerado de
felicidade por tê-lo aqui e agora. Por
vê-lo de novo, finalmente – o que foge,
completamente, ao conformismo que eu
já estava tendo sobre nunca mais nos
vermos.
Santiago afrouxa o abraço para
conseguir deslizar as mãos pelas minhas
costas, alcançando até minha nuca, onde
faz uma pressão que me tira um gemido
longo.
Imediatamente abro os olhos, me
lembrando da mulher no salão.
Ele deve perceber porque morde
meu lábio inferior e o suga, afastando a
cabeça para me encarar. Suas mãos não
param de me tocar, no entanto.
— Podemos estar sendo
observados — sussurro, o que o faz rir.
— Por que aquela moça está ali?
— Ela vai nos atender
quando você decidir me largar para que
possamos jantar — Santiago ergue as
sobrancelhas, dando uma risada longa
em seguida, provavelmente por causa da
minha cara. — Mas ela realmente vai
nos entender.
— Não seria mais fácil você ter
ido até a minha casa? — pergunto,
curiosa. — Sabe que não precisaria
reservar o restaurante inteiro para nós.
— Não precisava, mas eu quis —
ele volta a passar os braços ao meu
redor e me puxa para o seu peito. Sua
cabeça se inclina para que seus lábios
possam começar a distribuir beijos em
meu pescoço e colo. — Esse vestido é
provocante.
— É só um pedaço de pano sem
alças — encaro seu chapéu a frente dos
meus olhos, segurando as mãos para não
jogá-lo longe e agarrar seus cabelos.
Da última vez… Santiago vez de
tudo para que minhas mãos ficassem
longe de seu cabelo. Eu sabia o porquê
do chapéu, mas não imaginei que ele
também tivesse receio do toque em sua
cabeça.
Respiro fundo, decidindo me
agarrar em seus ombros.
Mas isso parece um toque muito
raso e, como se para me certificar de
que isso está de fato acontecendo, que
estou vendo-o e nos encontramos de
novo, deixo as palmas de minhas mãos
deslizarem por seus braços e costas,
acariciando a dureza e maciez dos seus
músculos. A quentura de sua pele emana
pela blusa de algodão, me fazendo
enlaçar Santiago contra mim com as
pernas.
Esse movimento, com o único
intuito de tocá-lo mais, faz com que eu
sinta a dureza se projetando na minha
barriga. Meus olhos se fecham,
adorando o significado disso.
— Meu Deus, que saudade —
Santiago deixa de me beijar para
enterrar o rosto em meu pescoço
enquanto me abraça forte. — Te tocar
não está sendo o suficiente — sua voz
está abafada contra minha pele. —
Quero te levar para o altar.
Meus olhos se estreitam e meu
sorriso, que se alongava conforme o
ouvia se expressar, congela. Também
noto a tensão chegar nele e a forma que
sua respiração desestabiliza.
— Quer dizer… — ele levanta a
cabeça, procurando meu olhar. Parece
agitado, visto que sua respiração se
mostra difícil a tomar pela forma que
seu peito sobe e desce rapidamente. —
Eu queria dizer te levar para casa —
corrige. — Me desculpe.
Abro um sorriso enquanto levo uma
mão ao seu rosto barbeado, o que só
noto então. Acho que fiquei muito
estática por vê-lo depois de tanto tempo
e também perdida nas carícias e em
nossos amassos.
Acaricio-o com cuidado.
— Eu não me importaria se você
tivesse falado sério sobre me levar para
o altar — digo, o que o faz arregalar os
olhos, como surpreso. — Mas sei que
disse só por impulso do nervosismo.
Também estou me sentindo nervosa.
Santiago não diz nada, apenas se
abaixa pouco a pouco, desfazendo o meu
toque, se pondo de joelhos em minha
frente e levantando meu vestido.
Capítulo 40

Eu pulo do corrimão, ficando de pé


em sua frente quando sinto suas mãos em
minhas coxas. Estou olhando para baixo,
para ele, descrente.
Mas o jeito que Santiago me encara
de volta é como uma hipnose, e suas
mãos voltam a se mexer em deslizarem
abertas por minhas coxas. O que me faz
soltar um som baixo, de puro desejo e
adrenalina.
Levanto a cabeça para olhar dentro
do salão, não mais vendo a mulher, que
com certeza ainda está lá, mas não a
vista.
— Você sabia que eu poderia cair
sentada nesse corrimão sem você me
segurando? — pergunto, voltando os
olhos para ele.
Santiago, no entanto, está mais
concentrado em subir meu vestido até a
cintura, soltando um gemido rouco
quando fico somente com a calcinha à
mostra em sua frente.
— Segure — ele pede, esperando
que minhas mãos substituam as suas em
segurar meu vestido. — Você é tão
linda.
— Obrigada, mas estou agoniada
— olho ao redor e para o elevador de
portas fechadas. Não há nem sombra de
movimentos ou ruídos. Somos só nós
dois. Volto a olhá-lo, encontrando olhos
perturbadoramente pedintes. Isso me faz
sorrir. — O que foi?
— Não sei o que fazer com você
— sua mão me faz levantar a perna
esquerda e Santiago a coloca em seu
ombro. — É a primeira vez na minha
vida que não tenho um plano e não sei o
que fazer.
Estou prestes a perguntar o que isso
significa exatamente quando ele baixa a
cabeça para deixar um beijo por cima da
minha calcinha.
Meu corpo inteiro ferve e respiro
fundo, o ar morno da noite não ajudando
no calor que está se alastrando em meu
corpo. Minhas mãos, que agora seguram
meu vestido, estão loucas para tocá-lo.
Mas não dá.
— Me diga — ele pede, seus dedos
serpenteando sobre o tecido fino e
pequeno de renda —, meu irmão não
disse nada a você?
— Não — solto o ar pela boca. —
Ele só me convidou, insistiu um pouco
para que eu aceitasse e foi me buscar.
— Se você tive tido conhecimento
que eu estaria aqui, se por algum motivo
ele tivesse contado, ainda assim viria?
— Claro que sim — minha
resposta imediata o faz segurar a borda
da minha calcinha. Seu hálito está ali,
mas já estou tão quente que só consigo
diferenciar por causa da sua respiração
pesada. É como uma rajada de vento
quente batendo em um mar de fogo. —
Por quê?
— Eu tinha minhas dúvidas — ele
fala baixinho. — Não sabia se você iria
querer me ver depois da nossa última
noite juntos.
— Para começar, nem queria
ter deixado de te ver — o ar do
ambiente bate em minha carne sensível
quando Santiago puxa minha calcinha
para o lado, me expondo à noite e aos
seus olhos. Só vejo de cima o formato
do seu chapéu, me fazendo respirar
fundo. — Mas você disse que se rolasse
o sexo, não nos veríamos mais.
— Você está tão molhada para mim
— ele parece não ter ouvido uma
palavra do que eu disse e preciso
segurar mais firmemente o vestido
quando seus dedos me tocam. — Amo
essa sensação.
— Convenhamos, é impossível não
ficar molhada para você — dou um
sorrisinho, que é retribuído por um
grunhido falhado.
E me preparo para o impacto, sim,
quando o vejo aproximar a cabeça. Mas
Santiago direciona os lábios para o meu
ventre, plantando um beijo demorado ali
enquanto sua mão grande se aperta na
lateral da minha coxa que está por sobre
seu ombro.
A vontade de pôr minhas mãos em
seus cabelos é insana e preciso me
controlar.
Ele deita a cabeça em minha
barriga, seus dedos começando um
trabalho excelente de se moverem lá,
entre minhas pernas. Tanto é que preciso
morder os lábios e apertar os dedos no
vestido.
Pode ser a saudade ou a mistura de
sensações por vê-lo de novo. Por tê-
lo comigo outra vez. Pode ter sido a
confissão dele, que não para de se
repetir sobre a minha mente: senti
mesmo a sua falta. É algo milagroso e se
torna até estranho de ouvir da boca de
Santiago. Mas bom, infinitamente bom.
Nunca esperei que pudesse ouvir
isso. Que ele pudesse sentir a minha
falta. Nosso tempo juntos, desde que nos
conhecemos, não passou de curiosidade
um sobre o outro. Exceto se… nós nos
entendemos. Conseguimos isso por
causa dos históricos dos nossos pais e
talvez isso, essa questão conturbada que
toma completamente a maior parte do
nosso ser, nos tenha feito ficar ligados,
de alguma forma.
Você devia dizer a ele, as palavras
de Logan voltam à minha mente no
mesmo momento em que lágrimas
chegam aos meus olhos. Pode ser tudo
isso que me faz começar a chorar.
Mas então meu fôlego é roubado
quando sinto a pressão bem-vinda para
dentro de mim. Um dos dedos grossos
de Santiago me penetra ao mesmo tempo
que sua língua começa a me lamber.
Minha cabeça pende para a frente,
meus olhos estreitos e minha boca
projetando o mais profundo gemido.
Minhas emoções estão afloradas todas
juntas e experimento o gosto salgado das
lágrimas que chegam à minha boca.
— Santiago… — deixo seu nome
escapar dos meus lábios, mas não é um
chamado. Não, não é. É um pedido.
Sua mão solta minha coxa para
arrancar o chapéu da cabeça, que é
jogado de qualquer jeito para longe. Ele
se apoia melhor entre minhas coxas, me
chupando mais livremente enquanto
aprofunda seu dedo em mim, várias e
várias vezes. É um toque lento, que vai
me abrindo a cada vez mais, me
deixando desejosa e necessitada por
algo mais. Por ele.
— Eu não deveria ter ido embora
— sua voz está mais rouca, me fazendo
arrepiar dos pés à cabeça. Mais do que
já estou.
— Não deveria mesmo —
concordo, a luz da Lua deixando mais
evidente o brilho de seus cabelos. Estou
sendo tentada bruscamente a puxá-los.
— Como eu disse — Santiago
levanta os olhos para mim, mexendo o
dedo em meu interior incansavelmente,
me deixando dopada de desejo —, é a
primeira vez que não sei o que fazer,
Celeste.
Eu também não. Mas a maioria das
vezes eu não soube mesmo. Passei a
minha vida inteira ligada em um
comando automático, em um loop diário
que, tudo bem por mim, nunca acabaria.
Não saber o que fazer faz parte de mim,
mas vejo que no caso de Santiago, isso o
incomoda e perturba.
— Tudo bem — tiro uma mão do
vestido para acariciar o seu rosto. Isso o
faz me olhar, com um mundo
acontecendo dentro dos olhos. — Você
não precisa saber o que fazer a longo
prazo. Nós estamos aqui e agora, basta
que possamos aproveitar isso.
— Mas é onde está problema —
sua voz sai um lamento —, é duro
pensar só no aqui e agora. Não está
sendo fácil como sempre foi.
— Entendo, mas…
— Também está acontecendo com
você? — ele me interrompe, e seu dedo
me deixa, só para voltar com um
segundo. Meu ar é tomado e vibro em
torno do toque.
— Está acontecendo o quê? —
sussurro, a voz estrangulada.
— Esse tipo de… torpor.
O único torpor que estou sentindo é
o que cresce dentro de mim a cada
segundo a ponto de, quando Santiago usa
sua língua de novo para me dar uma e
duas lambidelas, me capturar do meu
estado.
Sou repentinamente atingida por um
choque de calor que me faz gritar, a
sensação deliciosa reverberando por
dentro de mim e se espalhando com tanta
força que preciso soltar o vestido para
segurar no corrimão; então começo a,
involuntariamente, mexer os quadris, me
esfregando na boca de Santiago
enquanto persisto lançada no
redemoinho de prazer absoluto.
Ele grunhe entre minhas pernas,
sem deixar de me lamber, movimentando
os dedos devagar em compreensão à
pulsação em meu sexo.
— Disso que estou falando — ele
diz, beijando meu ventre e mais acima,
levantando pouco a pouco, deixando os
dedos parados dentro de mim até sua
boca encontrar a minha, seus lábios
esbarrando nos meus, me fazendo provar
meu próprio sabor. — Não sei como é
possível pensar em apenas uma noite se
te quero a todo instante.
Não sou capaz de me aprofundar
para entender suas palavras porque sua
boca cobre a minha, em um beijo
tentador.
Capítulo 41

Ela tem um sabor doce por toda a


pele, assim como em seus lábios.
Parecem açucarados, que estão agora
cheios do mais puro mel quando se
relaxam no nosso beijo. O seu gosto é
inebriante, e me faz ficar bêbado,
totalmente dependente, querendo mais e
mais.
Meus dedos correm livres e sem
impedimento dentro dela, colhendo mais
do seu prazer, se empolgando pelos
suspiros abafados em minha boca.
Sempre mais, muito mais.
— Santiago — Celeste desvia a
boca de repente, me fazendo
imediatamente ir beijar seu pescoço.
Estou louco com a cremosidade dentro
dela. Louco. — Acho que não estou me
contentando apenas com os seus dedos.
— Hum? — Devo estar surdo de
desejo.
— Aqui — suas mãos chegam na
frente da minha calça, apalpando de uma
maneira desastrada. — Por
favor, isso aqui.
Abro um sorriso e deixo uma
mordidinha em seu pescoço antes de
afastar a cabeça para voltar os olhos
para onde ela toca. Seus dedos estão se
tropeçando uns nos outros.
Preciso tirar os meus de dentro
dela, soltando um gemido pela forma
que seu corpo me prende.
— Deixa que eu… — Celeste
começa a dizer, mas coloco meus dedos
em sua boca e imediatamente seus lábios
se fecham neles, os chupando, seus
olhos brilhantes me encarando.
— Gostoso? — pergunto,
observando seu sorriso se abrir e ganho
uma mordida nas pontas dos dedos. —
Vou considerar como um sim — tiro os
dedos para trazer à calça e beijo-a
enquanto isso.
Celeste ri do meu beijo
atrapalhado, mas qualquer toque é
melhor que nenhum quando se trata dela.
Enfio a mão dentro da cueca e puxo
meu pau para fora, sendo recepcionado
por mãos ansiosas, que me tocam com
aparente desespero. Nosso beijo se
intensifica e a envolvo com os braços,
acariciando suas costas, apertando-a
contra mim, perdendo o
controle, evidentemente.
— Estava com muita saudade —
ela chupa meu lábio inferior, subindo as
mãos para meu peito, acariciando por
cima da blusa. — Pode tirar a camisa?
— Quer me ver pelado de novo?
— puxo sua perna para se enroscar em
meu quadril, auxiliando meu pau com a
mão para a sua entrada, esfregando um
pouco. Nós dois gememos.
— Quero te tocar — Celeste
sussurra —, mas também quero ver você
pelado. Mas aqui não dá, aquela moça
pode estar nos vendo.
— Ela não está.
— Pode estar. Não quero que fique
pelado na frente dela, só na minha —
sua voz tem um comando que me faz
aprofundar para dentro do seu corpo,
engolindo seu gemido alto com um
beijo.
Deslizando com uma facilidade
maior que da última vez, meu pau é bem
abrigado dentro do corpo quente e
abundantemente molhado. Eu sinto o
calor dela me abraçando, as paredes do
seu sexo me ordenhando. É tão louco de
bom, que me deixa sem fôlego. Estou
sentindo-a pulsar de desejo por mim.
Pela vontade. Pelo fogo que nos
consome. Pela pura paixão. Pelo
sentimento irreconhecível que jamais me
encontrou.
Celeste está puxando a minha
blusa, me beijando com força, então ela
afasta a boca de repente para gritar
quando começo a me mexer. Para fora e
de novo para dentro, em estocadas que
já se iniciam aceleradas. Não teria
como ser de outro jeito.
Seguro sua cintura com a mão
esquerda e sua perna com a direita,
mexendo-a junto comigo para me dar o
mais profundo acesso em seu corpo.
Bem lá no fundo, tão quente, molhada
que escorre até minhas bolas. Eu sinto,
ela sente. Estamos sem fôlego.
Celeste arregala os olhos para mim
e aperto sua bunda, dando um tapa antes
de atacar a sua boca de novo. Nossas
línguas se misturam assim como nossos
corpos. Estou impulsivo, complemente
primitivo. Seus gritos ecoam pela noite
úmida quando ela volta a quebrar nosso
beijo, buscando ar; suas mãos não
sabem onde se agarrar, ela está perdida.
— Santiago!
— Isso — solto sua cintura para
levar minha mão ao seu pescoço,
apertando um pouco os dedos ali
enquanto persisto a me enfiar nela sem
parar. — Isso mesmo. Eu quero que
você sempre me chame na hora do seu
prazer — ondulo os quadris, seu gemido
sofrido me deixando tonto de tesão. —
Quero que seja o meu nome na sua boca
quando você gozar. Entende isso,
Celeste?
— Minha nossa, sim — ela
sussurra, rouca, passando a língua pelos
lábios.
— Quero ser o homem que te leva
à loucura todas as noites, todos os dias,
sempre que você quiser — tiro a mão do
seu pescoço para levar aos seus
cabelos, puxando um punhado deles. —
Quero te ter como minha, e também
quero ser seu.
As palavras só saem da minha
boca, desenfreadas, os gemidos de
Celeste me fazendo puxar mais seus
cabelos. Os nossos sons se espalham, os
de nossos corpos me fazendo fechar os
olhos e apoiar a cabeça em seu pescoço.
Sentir o cheiro de sua pele é
indescritível. Talvez eu consiga
expressar isso em outro momento,
quando não estiver estimulado até o
último fio de cabelo. Mais para frente,
quando não estiver rodeado por Celeste;
por seu gosto em minha boca, pelo som
dela nos meus ouvidos, pelo toque dela
em minhas costas. Em algum momento,
talvez, ela deixe de se tornar tudo o que
me conforta.
Mas a quem estou querendo
enganar? A minha própria mente? Ela
tem sido o conforto. Entendê-la me
confortou. Foi como encontrar um
espelho, só que mais resistente. Apesar
da situação difícil de Celeste, apesar da
sua dor diária e da realidade injusta, ela
não se abalou. Não se deixou cair. Não
se revoltou.
Não. Ao contrário, ela é a pessoa
mais doce que já conheci. Tão paciente
e tolerante. Um pouco agitada e centrada
em desviar a atenção de seus problemas
para que os de fora foquem só em suas
ações. Ela é uma joia, difícil de achar.
Bem rara, que deve ser protegida. Não
só por si mesma, mas por alguém que
quer o seu bem e vê-la feliz.
E eu quero isso, mais do que
jamais quis alguma coisa. Mais do que
já quis a riqueza e o poder. Além do que
já quis proteger o que quer que seja.
— Santiago? — sinto suas mãos em
minha nuca, em um carinho confortável.
— Tudo bem?
Percebo que desacelerei os
movimentos de vai e vem, e estou
deslizando dentro dela com calma,
saboreando o nosso encaixe,
aproveitando o quão bom é. Pensando
demais.
— Vamos gozar? — solto seu
cabelo para passar o braço por trás
dela, amparando seu corpo. Os olhos
dela me queimam ao se encontrar com
os meus.
Percebendo como a deixei
apreensiva, colo meus lábios nos seus,
beijando-a com delicadeza. Seguro sua
perna com mais firmeza em meu quadril
e recomeço as investidas rápidas.
Sedentas. Profundas.
Nossos corpos se chocam, nossos
gemidos são calados pela boca um do
outro, e de repente tudo é sentir. O calor,
a pulsação, o acelerar do coração, os
toques fortes, o prazer: que vem como
uma onda, me fazendo cair com tudo.
Cair com a arrogância, com a
obstinação, com a ira e a fúria
desmedida. Com o ódio pesaroso que,
pela primeira vez na minha vida, é
rebaixado por causa do sentimento que
agora me invade. Semelhante a alívio e
paz.
Mais que isso.
Braços me envolvem, me apertam e
deixam claro uma coisa: que nunca mais
devo partir.
Capítulo 42

— Nós devíamos jantar agora —


palpito quando Santiago para de tremer
dentro de mim, a sensação de
preenchimento [dos dois jeitos] me
enchendo de satisfação. Sua respiração
está pesada em meu pescoço e eu quero
acariciar sua cabeça, mas me controlo
para não fazer tal. — Santiago?
— Hum? — ele ronrona, me
abraçando mais forte. — Por que você
gosta de cortar meu barato? Malvada.
Sorrio, abrindo os olhos e dando
de cara com o salão imenso mais além
de nós. Vazio, bem iluminado e, ao que
parece, mais acolhedor. Não mais que o
homem que estou nos braços.
Você devia dizer a ele. Mordo o
lábio, meu fôlego sendo arrancado
repentinamente quando Santiago se
retira devagar de dentro de mim,
colocando minha calcinha no lugar e
dando batidinhas em cima.
Ele me olha, abrindo um sorriso e
erguendo as sobrancelhas.
— Deixe assim — pede, me
desafiando. — Gosto da ideia de estar
dentro de você.
— Abusado — o acuso, não
percebendo que estou relutando com os
braços nos seus ombros, sem querer me
afastar. Isso o faz me encarar, trazendo
de volta o semblante sério. Acho que
mais que isso: avaliador. — Por que
mudou de ideia?
Não acho mesmo coerente
perguntar algo assim depois do que
acabamos de ter. Depois de toda essa
adrenalina que parece ter sido
duradoura e ao mesmo tempo tão rápida,
já que estou sentindo falta dele mesmo
que esteja presente aqui comigo.
Mordo o lábio de novo, meus olhos
enchendo de lagrimas outra vez.
— Celeste… — sua mão encontra
meu rosto e seu polegar acaricia minha
bochecha. — O que foi, minha jóia?
— Nada — balanço a cabeça,
respiro fundo e tento afastar as lágrimas
dos olhos. — Eu só estou... — sorrio,
nervosa. — Não sei, acho que
emocionada demais por te ver.
— Entendo… — sua voz está
falhada e, a tomar pela forma que sou
observada, acredito que ele entende. —
Mudei de ideia porque senti a sua falta.
Acho que não consigo explicar, mas
realmente senti sua falta. Precisava te
ver e estar com você — seus ombros se
erguem, como se dissesse "não sei como
é possível". — Senti mais isso depois
de ver o Logan.
Santiago tira a mão de mim para
poder ajeita a calça e se arrumar. Fico
olhando, encantada, ele guardar o mastro
sedoso em dureza de volta e ajeitar a
blusa. Sua mão vem segurar a minha, e
ele faz isso com um sorrisinho nos
lábios.
Balanço os quadris para o vestido
cair de volta ao lugar, e dou um auxílio
com a mão livre. Assim, sou incentivada
a caminhar e nós deixamos o ar livre
para entrar no restaurante. Está mais
fresco que ao lado de fora,
completamente confortável e
aconchegante.
Santiago me leva para uma das
mesas, puxando uma cadeira para mim.
Ganho um beijinho na testa quando
sentada, o observando tomar seu
assento.
Ele pega o guardanapo e o abre,
colocando sobre as pernas.
Eu o imito, o que faz erguer as
sobrancelhas de novo, e dou um sorriso.
— Falta de costume — explico.
Santiago ri baixinho, o som me
sendo como a melhor canção.
— Como eu estava dizendo — ele
volta a falar —, Logan conversou
comigo. Disse algo como — suas mãos
gesticulam — vocês quase terem se
beijado. Você não quis, ao que me
lembro ter ouvido. Mas bem, ele disse
mais algo que me tirou completamente
do sério. Se tratava de um almoço que
vai ter na casa da minha tia daqui a dois
dias. Com toda a minha família.
Santiago desvia o olhar e se
silencia, mordendo o lábio como se
estivesse sendo maltratado pelos
próprios pensamentos.
— Acontece que eu fiquei puto —
ele expira. — Mas depois, eu pensei em
você e me acalmei. Isso quase me
assustou, e foi então que percebi que
estava com saudades de você. Acho
que… Não — volta a me olhar. — Não
acho, eu tenho certeza que você me dá
forças. Para suportar essa… merda toda
que eu não consigo assimilar sozinho.
Não que eu pense em estar com você por
causa disso. Mas acho que sim, me
correspondo com você porque você é
capaz de me entender. Faz sentido para
você?
Ele parece confuso e essa
expressão me faz sorrir, porque sim, eu
o entendo. Por isso, resolvo seguir o
conselho de Logan e respiro fundo antes
de dizer com toda a minha coragem que:
— Estou apaixonada por você,
Santiago.
E não sei o que pensar quando vejo
o par de olhos castanhos se arregalarem
diante de mim.
Capítulo 43

Santiago continuou me fitando por


tanto tempo, que eu me senti
desconfortável. Arrependida não, só
meio estranha. Então, quando ele
estreitou os olhos, demonstrando
desentendimento, eu não soube nem um
pouco o que esperar, além do
aparentemente óbvio.
— Não pode estar falando sério,
Celeste — enfim ouço sua voz. — Não
pode ser.
— Não pode por quê?
— Como pode estar apaixonada
por mim se… O que eu fiz para você?
Mordo o lábio e encolho os
ombros, acho que querendo me afastar
dessa pergunta. Porque ele tem razão: o
que me foi feito? Acho que nada. Além
de ter sido me oferecido um trabalho em
sua casa, que ele nem esperava que
fosse eu a ser contratada e só me aceitou
por causa da sua irmã que suplicou,
acho que só rolou a noite do crepe, em
que fui cortada repentinamente por sua
carranca.
Então, nessa, de Santiago perguntar
o que fez para que eu me apaixonasse,
eu não tenho uma resposta. Mas talvez
seja justamente isso: não há uma
resposta para explicar quando o coração
bate mais forte por uma pessoa.
— Bem, — eu começo uma
resposta que não é muito firme dadas as
circunstâncias. Estou sendo encarada
por mares amendoados e uma expressão
de aparente pânico. Encaixe isso em
Santiago e terá um tirar de concentração.
— Acho que essas coisas não têm uma
resposta concreta.
— Essas coisas? — ele une as
sobrancelhas.
— Do coração — explico. —
Essas coisas do coração. Mas você não
precisa ficar empancado nisso, tá bom?
— deixo logo claro, porque é difícil
admitir sentimentos e a pessoa a quem
se refere se mostrar indignada. —
Depois passa. Isso que estou sentindo,
depois passa.
Não acho que vai passar. Pelo
menos, não tão cedo. Mas Santiago
mesmo disse que pensar em mim o
ajudava a assimilar melhor os seus
traumas. Talvez seja isso também o que
acontece comigo. Porém, diferente dele,
deixei mais me levar pelo emocional. O
mais profundo emocional.
Não tenho que estar surpresa pela
sua cara e desinformação quanto ao por
quê. Eu deveria estar amuada e me
desculpando. Mas não foi culpa minha,
então não vou fazer nenhuma das coisas.
Como um anjo, a aparente
recepcionista está chegando em nossa
mesa, vindo com um sorriso amável. Ela
nos deseja boa noite e pergunta se
vamos querer pedir. Sim, quero pedir um
buraco para eu me enfiar e chegar em
casa mais rápido.
Aceito sua recomendação de vinho,
que reconheço ser um dos três tipos já
feitos na fábrica do Logan. Também
pergunto sua sugestão para jantar, o que
é me recomendado, especificamente,
algum tipo carne que, acompanhada com
macarronada, vai me levar ao céu.
Eu acabei de voltar do céu e tive
meus pés bem firmados na Terra após,
moça, mas obrigada mesmo assim.
Aceito a sugestão, agradecendo.
Observo sua atenção se direcionar a
Santiago, que tira os olhos de mim por
um momento para dar sua atenção a ela,
que parece muito mais sorridente para
ele.
Quando com tudo confirmado, ela
sai com um pedido de licença. Fico
olhando-a até se perder pelo corredor
curto e passar pelas portas de vidro que
levam à cozinha.
O toque sobre minha mão me faz
tirar a atenção do lustre logo acima das
portas, então volto a olhar para frente.
Santiago está levemente inclinado na
mesa, com o olhar mais suave. Acho que
o espanto o deixou, finalmente.
— Desculpe — ele sussurra. — Eu
só estou surpreso que você seja capaz
de se… apaixonar — parece ter
dificuldade de dizer a palavra — por
mim. Não acho que isso seja bom para
você.
Fico encarando-o por uns
segundos, até perceber que, sim, ele está
falando sério.
— Estar apaixonada não se trata
disso, de ser bom ou não, mas, por que
isso faz sentido em sua cabeça? —
indago. — Por que acha que não é bom
para mim? Por que você não namora? Eu
sei disso. Não estou pedindo que mude
suas regras, aliás.
Sua mão aperta mais a minha. Acho
que estou soando amargurada. Mas eu
realmente não esperava nada diferente,
só quis explanar sobre meus
sentimentos.
— E, honestamente —
complemento —, não acho que saber
algo assim vai fazer diferença para
você, Santiago. A cada esquina deve ter
uma mulher louca por você, elas devem
se apaixonar diariamente, então não é
como se você não soubesse lidar com as
palavras estou apaixonada por você.
Acho até que você poderia parar de
encarar isso como se fosse uma
novidade.
— Celeste — ele segura minha
mão mais firme quando estou quase
puxando-a para desfazer o nosso toque
—, me perdoe, eu só estou
impressionado. Não fiz nada para
merecer seus sentimentos dessa forma
— seu rosto se franze de repente. — Por
isso você me ajudou? Porque estava
apaixonada?
— Não. Ajudei porque qualquer
um faria isso.
Seu rosto acentua o franzido.
— Mas eu me lembro — ele diz,
como se tivesse algo errado. — Eu me
lembro de você me dizer que já estava
no aeroporto quando te liguei. Você já
estava voltando para Nova Iorque. Por
quê?
Diante da pergunta, fico sem fala
por uns instantes.
— Ia buscar informações sobre seu
paradeiro — confesso. — Ninguém me
avisava nada porque eu não sou nem
conhecida, né? Só da Lili e do Aaron,
mas acho que eles nem pensaram na
possibilidade de eu me importar com
você. O Aaron ainda disse que me
avisaria se tivesse novidades quando
perguntei, mas achei melhor ir para
perto.
— Ir para perto? — Santiago
repete em pergunta. — Celeste, você
iria para onde perto?
É uma boa pergunta. Eu não teria
onde ir já que seria só a empregada em
qualquer canto que fosse saber de
Santiago. A família em peso dele já me
viu como ajudante de mordomo, o que
deve me nomear como uma
insignificante. Por que a empregada
quer saber disso? Não é da conta
dela. Já posso imaginar o cenário.
E, aos poucos, acho que estou
entendendo o que Santiago está me
fazendo enxergar: eu sou uma tola.
Desvio o olhar, me sentindo
incomodada. Eu tinha que abrir a boca
mesmo, que esplêndido.
— Não sei — respondo mesmo
assim. — Acho que não estava
raciocinando. Me deixei comandar pelos
sentimentos. Eu só pensei que estando
em Nova Iorque, por perto, saberia com
mais prioridade. Você sumiu, afinal, do
nada. Seu irmão ficou branco como sal
ao dizer isso e depois de três dias eu
ainda não estava sabendo de nada. As
pessoas se importam com as outras, de
toda forma, Santiago.
— Não esperei esses sentimentos
vindos de você — seu polegar acaricia
por cima da minha mão, em um carinho
suave em contraste com sua voz pesada.
— Não mereço e nem fiz nada para
merecer. Sempre tratei você friamente.
— Mentira — discordo, olhando-o
perplexa. — Não acho você frio, só
quando fala do seu pai. Você é apenas na
sua e muito curioso. Acho que fica com
um jeito meio estranho quando quer
matar a curiosidade e não desiste até
conseguir, mas, tirando isso, não há nada
de tratamento frio em você para comigo.
Logo no meu primeiro dia, você
comprou a pomada para a minha mão
queimada, esqueceu? E você nem brigou
por eu ter ouvido a Alexa.
Seu sorriso imenso se abre, me
fazendo sorrir de volta. Me sinto
grandemente mais leve, porque ele
lembra. Poderia esquecer facilmente
com tanta coisa que deve acontecer em
sua vida. Mas ele se lembra.
— Você é uma atrevida, Celeste
Harper.
Minhas sobrancelhas se erguem.
— Como você sabe meu
sobrenome?
Ele dá de ombros, na defensiva.
— Tive que saber quando te
contratei e… Ok, também quando pedi
para entrar em seu quarto no hotel —
seu olhar desvia do meu, vacilante. —
Eu sou um pouco curioso, fui procurar
sua ficha do Open.
Eu rio, maneando a cabeça.
— Que você é curioso, isso já sei.
— Sim, mas o que quero dizer é
que… — Santiago tem sua fala
interrompida quando o garçom chega até
nós, me fazendo perceber que realmente
não estávamos sozinhos desde o início
da noite.
Capítulo 44

— Eu queria dizer que, apesar de


não entender como foi possível — eu
falo, não me incomodando que o garçom
não acabe o mais rápido que consegue
para nos deixar a sós. Estou com minha
atenção toda em Celeste e não teria
como ser de outra forma —, uma
declaração nunca me deixou tão feliz.
Ela alonga o sorriso, maneando a
cabeça de forma assertiva.
Mas será que entende o que quero
dizer? É lindo e me enche de prazer
saber que ela está apaixonada por mim,
todavia acho que não sou capaz de
demonstrar o mesmo. Por mais que ela
tenha dito que não sou frio, creio que
sou. É como me sinto.
E perceber que é como se minhas
mãos estivessem atadas ou o meu
coração coberto de nós que eu mesmo
coloquei, me faz ficar quase
envergonhado.
Porque nos entendemos. E se isso
acontece, é porque temos situações
semelhantes. Celeste entende como me
sinto e ainda assim, apesar do temor que
ela sempre veio tendo em relação a sua
vida amorosa, ela abriu um espacinho
para mim. Ela me colocou lá, no seu
coração que vive na defensiva. Assim
como eu.
Essa verdade me deixa inquieto.
Tudo se trata disso? Medo de amar?
Puta que pariu, estou muito confuso em
pensar demais. Ela sempre consegue me
fazer pensar além do que eu quero
mostrar.
— Nossa — saio dos pensamentos
quando ela geme. — Santiago,
experimenta que delícia.
Não tenho tempo de pensar do que
se trata quando vejo um garfo vindo em
minha direção com um pedaço de carne
espetada. Eu abro a boca em recepção,
observando os olhos brilhantes de
Celeste em expectativa.
Mastigo devagar, unindo as
sobrancelhas e tendo realmente alguma
reação pelo gosto da carne macia e
suculenta.
— Deliciosa mesmo — concordo.
— Foi uma boa pedida esse
restaurante — ela continua comendo,
provando um pouco da massa. —
Quando vim com o Logan e minha mãe,
ah, e também o policial, não me
ofereceram algo tão bom. Falando nisso
— ela dá uma risadinha, me olhando
como se fosse contar algo sigiloso —,
você não sabe…
— Não sei. O quê?
— A minha mãe, toda noite, recebe
ligação do Ulisses — ergue as
sobrancelhas. — Acho que daqui a
pouco rola alguma coisa entre eles.
Gosto de como ela sempre gargalha nas
ligações, parece que está se
apaixonando de novo.
Começo a morder o lábio inferior,
analisando-a enquanto volta a comer.
— Eu nunca fiz você gargalhar —
comento, o que faz seus olhos se
voltarem para mim de novo. — Só
coloquei você em uma situação de risco
e desmereci a sua presença em quase
todas as vezes que nos vimos. Gostaria
que tivesse se apaixonado por mim com
alguns bons motivos, pela minha boa
forma de se comportar com você, por
ser gentil e atencioso.
Celeste larga os talheres de
repente, estreitando o olhar e me
encarando por um momento, como me
estudando.
— Pera aí — diz. — Deixa eu ver
se entendi direito: você está me dizendo,
de forma fragmentada, que se acha
insuficiente? Quer dizer, você acha que
não merece ser amado?
— Amado?
— Sim, Santiago, amado — ela
frisa, parecendo bem séria. — Foi algo
também que seu pai fez, não foi? Isso de
você se pôr tanto em segurança, não é
por causa do seu dinheiro, e sim por
causa da proteção que você sempre quis
ter por causa das coisas que ele fazia
com você e sua família. Também é um
trauma — seu olhar sobe. — Sei que
não gosta que mexam no seu cabelo por
causa do que passou.
Celeste se silencia e percebo que
estou respirando mais forte e difícil.
— Se resguarda no dinheiro para
se sentir mais forte que seu pai? — seu
olhar volta a encontrar o meu. — Ou
porque gostaria de impressioná-lo pelo
menos uma vez na vida?
Quando não digo nada, ela expira,
como se para tirar um peso dos ombros.
— Por um tempo, eu quis, apesar
de tudo, fazer algo que impresionasse o
meu pai. Quis ter uma atitude que ele
olhasse e falasse algo bom. Que ao
menos notasse — ela volta a pegar os
talheres e corta um pedaço de carne. —
Mas ele nunca repara em nada, só nele
mesmo. Não há uma vontade de mudança
ou algum pingo de carinho naquele ser
humano. Tudo é… sei lá, não preciso
mais entender. Só chamo de pai porque
foi meu genitor.
Um silêncio nos abraça e, de novo,
estou moído em pensamentos. Todos
sendo mastigados com a aparente
realidade que Celeste me fez ver. Ela
tirou a capa que cobria toda a verdade.
Mais uma vez, ela tem razão. Mas não
consigo admitir isso com veemência
para mim mesmo.
— Desculpe, talvez não seja o seu
caso — ela complementa. — Só estou
dizendo que, como é o seu pai mesmo, a
gente sente esse tipo de… necessidade,
usemos esse termo, de sermos notados
positivamente por eles. Por mais que
sejamos tão "foda-se", às vezes bate a
angústia de "poxa, o que eu fiz para
ele?", "por que ele não me ama como os
pais devem amar os seus filhos?", "por
que não foi notada a minha boa ação?".
Nos enchemos de porquês e é justamente
onde o caos começa.
Celeste enfia um pouco de
macarrão na boca e mastiga enquanto
olha para a sua taça cheia de vinho.
O garçom se foi e sequer percebi.
— Então fazemos nossa vida, nossa
trajetória, baseados nisso que eles nos
dão. Nessa falta de apoio, carinho,
compreensão, elogios, amor e sorrisos
— sua voz sai mais baixa e percebo seu
olhar mais apagado. E me detesto por
fazê-la pensar no que tinha. — Nossos
dias são árduos baseados na verdade
que conhecemos, que nos deram. Nos
colocaram num mundo que não nos
queriam. Mas acho que cabe a nós tentar
sair disso.
Seu olhar se ergue decidido para
mim.
— Falo sério — Celeste continua,
me olhando mais serena —, sei que seu
pai foi um desgraçado, mas agora ele
não tem mais poder em sua vida e você
não precisar basear seus dias em
alimentar mais ódio em cima dele. Não
precisa gastar as suas energias com isso.
Faça ao contrário — ela sorri, sugestiva
—, gaste sua energia comigo. Tenho
certeza que vai valer mais a pena. E,
bom, sim, estou apaixonada por você e
vou continuar independente de você
tentar achar motivos para ser
impossível.
Recebo uma piscadinha, ficando
sem fala diante da naturalidade que ela
volta à sua refeição.
Pigarreio, ante a noção que me
invade.
— Você gostaria de me acompanhar
no sábado? — pergunto. — No almoço
da casa da minha tia.
Ela acena que sim, depois traz uma
garfada de massa para eu provar.
E do lado de cá, eu só posso
entender. Não teria como não amar
Celeste.
Capítulo 45

Sinto o olhar de Santiago queimar a


minha pele enquanto caminhamos de
mãos dadas pela imensa estrada do
casarão de sua tia. Mas sou incapaz de
encará-lo de volta porque estou me
sentindo muito… fora do meu lugar.
Quer dizer, a última vez em que
estive aqui, não foi nada confortável.
Causei um acidente ao não equilibrar a
bandeja direito quando o pai de
Santiago esbarrou em meu ombro e
ganhei o esporro. Também atrai alguns
olhares atônitos, como da tia dele. Em
seguida, tudo se findou com uma
confusão só. Não foi mesmo nada
agradável.
Então, de repente estou aqui de
novo, algum tempo depois, vindo de
mãos dadas com ele e não mais como
uma empregada. Se ainda lembrarem de
mim – e me refiro aos seus pais –
acredito que não vou receber o melhor
dos cumprimentos. Sem contar que Lili e
Aaron nem vão entender por que
estamos juntos. Logan é o único que não
vai ligar, porque percebeu que estou
apaixonada.
E esse juntos a que me refiro, nem
eu mesma entendo.
Após jantarmos e ficar um pouco
agarrados, Santiago me levou para a
casa e esteve algum tempo conversando
com a minha mãe enquanto eu fazia
minha mala de viagem. Fomos para o
aeroporto em seguida, com a
compreensão de minha mãe, que
incentivou a viagem mas me lançou um
olhar confuso quando saí.
Dormi na casa de Santiago, nos
braços dele, e passamos algum tempo
juntos da sexta-feira antes e depois de
ele trabalhar. Mas agora, isso, esse
momento parece ter chegado em um
piscar de olhos; ao contrário do
nervosismo, que está comigo desde
ontem.
O que vão pensar? E
perguntar? Nem eu sei o que significa
estarmos assim de mãos dadas. Certo, eu
dou forças a ele. Mas as pessoas não
vão engolir se Santiago disser algo
como "é meu amuleto da sorte e somos
só amigos". Porque, aparentemente, é o
que ele quer que seja. Não ouvi sequer a
suspeita de que ele sinta o mesmo por
mim.
Acho que não sente, é por isso. Seu
coração está muito ocupado com ódio
para pensar em amor. O que é uma pena.
E também, talvez, um devaneio meu.
Achei o quê, que Santiago Smith, dono
de uma fortaleza e de uma riqueza
absurda, com um poder de alugar um
restaurante de renome inteiro só para
ele, na Itália, fosse me querer além do
casual? Entendo, muita pretensão minha.
— Você acha que vão se lembrar
de mim? — pergunto. — Por causa do
acidente com a carne…
— Minha tia deve lembrar. Ela é
bem chata nesse quesito. Não esquece
nada — seu polegar acaricia minha mão
enquanto nos aproximamos da escada
para subir os degraus. A porta de
madeira de dois lados é linda e tão rica.
— Por quê?
— Nada não — finjo descaso.
Santiago não insiste e acho que não
percebe que estou inquieta. Seu braço se
ergue para apertar a campainha e,
instintivamente, quero trazer as mãos ao
rosto para secar o suor que ainda não
surgiu.
Mas ele não solta a minha mão, me
olhando com um olhar questionativo
quando tento acabar com o toque.
Não tenho tempo de explicar a
minha reação porque a porta à frente se
abre e uma risada nos recebe.
A tia dele.
Dou meu melhor sorriso para a
mulher bem vestida, loira e linda à
minha frente. Facilmente eu diria que ela
não passa dos 30 anos. Seu sorriso é
muito sincero, o que me conforta
imensamente. Ela é a dona da casa,
então tudo bem por enquanto.
— Chegou meu sobrinho favorito
— ela se joga em Santiago, estalando
um beijo na bochecha dele, então
sussurra só para nós. — Eu disse isso
para o Logan também — dá um sorriso.
— Legal, tia — Santiago não
demonstra o menor entusiasmo, então
solta minha mão para passar o braço
pelo meu ombro, me puxando para si. —
Essa é a Celeste.
A tia Margot se joga em mim dessa
vez, e ganho dois beijos, um em cada
bochecha.
— Eu conheço a Celeste —
salienta. — Acaso acha que se eu não
lembrasse, já não teria me apresentado?
Mas, venham, entrem, estão todos na
sala de estar. E, Celeste, bem-vinda de
volta! Prometo que dessa vez vamos nos
comportar.
Dou um sorriso.
— Obrigada e é um prazer vê-la de
novo — digo, minha voz rouca de
nervoso.
Recebo um sorrisinho e a seguimos
corredor adentro. É uma casa muito
espaçosa, disso me lembro. Me lembra
muito o colégio de freiras ao qual certa
vez fui ajudante de serviços gerais. Era
enorme e com vários andares. Sempre
me perguntei qual o valor que se pagava
para estar ali.
A tomar pela quantidade de
dinheiro que tinha em uma caixa de
Santiago, imagino que não deve ser nada
para essa família. O que me faz olhar
para mim mesma um instante e me sinto
deslocada com o meu vestido de inverno
e minhas sapatilhas simples.
— Pessoal, olha quem chegou! —
Margot faz questão de gritar quando
dobramos o corredor e nos juntamos aos
demais na sala de estar.
Imediatamente me sinto tensa. Há
mais pessoas que me lembro. Não é só a
família Smith que está presente, também
mais algumas pessoas. E todos estão
sorrindo, bem vestidos e olhando para
nós.
Reconheço somente Logan, porque
Lili e Aaron ainda nem estão presentes.
Respiro fundo e aceno, como se
não tivesse mais nada tão ridículo para
fazer.
Acenar. Sério? Céus…
Santiago aperta minha mão, mas
nem isso me conforta.
— Boa tarde — ele cumprimenta a
ninguém em especial, e então me
incentiva a caminhar até um dos sofás
com espaço.
Sentamos ao lado de uma senhora e
uma moça jovem que deve ter a minha
idade.
— Oi, querido. Quanto tempo — a
senhorinha se vira para Santiago,
olhando diretamente para ele. — Como
tem passado?
— Bem — ele é gélido em seu tom.
— O que a senhora faz aqui? É um
almoço de família.
— Oi, Santzinho! — a jovem se
apoia nas pernas da senhora para
conseguir olhar Santiago, com um
sorriso perfeito de dentes alinhados e
muito brancos, e os cabelos lisos
escorrendo pelos ombros. Ela é perfeita.
— Achei que não viria! — ela acaricia
o braço dele como se fizesse isso
sempre, o que me faz ficar incomodada.
— Eu sou da família, Elisha, claro
que viria — Santiago responde, se
esquivando como consegue do toque. —
O que você e sua avó fazem aqui?
— Não seja grosso — ela
resmunga. — Minha avó é amiga de
negócios da sua tia, você sabe disso. E
nós dois também somos amigos, então
pode parando com a sua grosseria —
seus olhos verdes se voltam para mim.
— Quem é sua amiga, Santiago?
Ele me olha, mas não acho que
estou com a melhor expressão para ser
apresentada. Além de estar me sentindo
em um lugar que não pertenço, agora
quero dar uns socos em alguém.
— Essa é a Celeste — ele diz,
apertando mais o toque de nossas mãos,
mas isso não me relaxa. — Celeste, essa
é Elisha e a avó dela Elizabeth.
— É um prazer — sussurro. Não
por timidez, só por desconforto e raiva
mesmo.
Me sinto ainda uma idiota por as
duas não fazerem caso nem para me
responder, e a senhora Elizabeth sequer
me olha. É muito, muito constrangedor.
— Mas então, Logan me contou que
o vinho está dando certo — Elisha puxa
um papo, fazendo de conta que não estou
junto. — Falei para ele que sabia que
tinha tido sua ajuda. Você é o cara,
Santiago, eu sei muito bem disso — o
sorrisinho dela agora é descarado.
— Eu comprei na sua loja do
shopping outro dia. Você não cansa de
surpreender — Elizabeth diz, dando um
sorriso aparentemente amável para ele.
— Tenho tanto carinho por sua família,
Santiago. Perguntei para Elisha quando é
mesmo que vão se casar.
Eu desvio o olhar para a frente,
desconfortável, então vejo a mãe de
Santiago me encarar do sofá ao outro
lado. Não sei definir sua expressão, mas
não é como se piorasse o meu estado
atual.
Se quis cavar um buraco antes para
sumir, quanto mais agora. Tenho até
receio de olhar para alguém.
Assim sendo, procuro Logan, que
está sentado em uma poltrona escura, e
recebo um sorriso que me faz sentir mais
familiarizada.
Ele levanta as sobrancelhas, então
ergue a mão e gira o dedo indicador na
orelha, como se dissesse "são
loucos". Não são, apenas estamos em
realidades diferentes. Mas entendo que
ele está tentando me confortar.
Respiro fundo, decidindo que
preciso sair daqui. Não está dando certo
já que suportar a risadinha de Elisha
para Santiago está comendo a minha
paciência, e também a forma que a avó
dela puxa o saco dele.
Mesmo que não sejamos nada, ele
está segurando a minha mão. Elisha está
cega? Mesmo que eu esteja sendo sua
companhia só de hoje, cadê a noção? É
comigo que ele está no momento e ela
não tem que ficar querendo ocupar sua
atenção e me excluir da conversa.
Desfaço o toque de nossas mãos, o
que faz o olhar de Santiago saltar para
mim. Ele me encara, desentendido.
— Vou ao toalete — explico.
Elisha e Elizabeth começam a rir
alto, me fazendo olhá-las.
— Ela disse toalete — Elisha
gargalha. — Ai, tadinha.
— Quer falar polida? — Elizabeth
me olha pela primeira vez, não me
deixando dúvidas de que, sim, há o
desprezo. — Tenha cuidado, querida. Se
coloque em seu lugar para não passar
vergonha.
Engulo em seco, horrivelmente
vazia por dentro de um jeito imediato.
— Com licença — me levanto,
percebendo que, por causa das
gargalhadas das duas, todos estão
olhando em nossa direção.
— Com licença o caralho —
Santiago agarra a minha mão antes que
eu consiga dar dois passos. Ele me puxa
para si e levanta meu queixo,
acariciando meus lábios quando percebe
meus olhos aguados.
— Desculpe — sussurro. — Eu
tentei…
— Ah, meu amor — sua cabeça se
inclina e seus lábios encontram os meus,
deixando-os unidos por um tempo, antes
de ele dizer baixinho: — Me perdoe por
isso. São todos uns idiotas.
Começo a chorar ruidosamente,
Santiago me deixando esconder o rosto
em seu peito enquanto afaga meus
cabelos.
Sei que provavelmente estamos
sendo o alvo da atenção de todos por
causa do silêncio que imperou no
ambiente. Mas agora não me sinto
constrangida e sim acolhida.
Infinitamente melhor ao sentir o cheiro
de Santiago, e ser recebida em seus
braços.
— Saia da minha casa, Elizabeth
— ouço a voz de Margot, sem nem um
pingo da simpatia costumeira.
— O quê? — a senhora não parece
entender.
— Você me ouviu. Saia da minha
casa e leve sua neta com você —
Margot enfatiza. — Não há espaço para
gente como vocês em meu lar.
— Tenha cuidado, Margot —
Elizabeth soa ameaçadora.
— Fora daqui! — ela a corta. —
Xô!
Ouço alguns ruídos e em seguida
passos, então fungo quase que sendo
tirada do ambiente pela mente de tão
confortável que estou.
— Essa gente acha que pode se
sentir mandante em minha casa! Odeio o
abuso! — Margot fala, demonstrando
indignação. — É cada uma. Frank, traga
mais bebida, por favor, o pessoal está
com as taças vazias.
Sinto um afagar nas costas um
instante depois, e agora a tia de Santiago
está perto de mim, falando mais baixo
como só para nós dois.
— Desculpe por isso, Celeste.
Estou muito envergonhada, meu bem. Há
um jeito de consertar? — pergunta.
Eu tiro o rosto do peito de
Santiago, dando de cara com uma
expressão que se enche de compreensão.
Margot afaga meu ombro.
— Não é culpa da senhora — digo.
— Não precisa se desculpar e estou
bem, obrigada.
— Senhora? — ela parece
horrorizada, então olha Santiago um
instante antes de voltar os olhos para
mim. — Já estou com rugas? Não, não
me fale. Prefiro não saber. Mas vou me
desculpar, sim. Vou pegar vinho para
você, espere.
Tia Margot nos deixa e abro um
sorriso, meu rosto logo sendo embalado
na mão grande de Santiago. Eu o olho, o
que me faz respirar fundo.
— Sinto muito por ter dado
motivos para sua tia expulsar suas
amigas da casa dela — lamento.
— Não temos amigos, apenas
conhecidos — seu polegar acaricia meu
lábio inferior de novo e ele observa o
movimento. — Eu quero me casar com
você, Celeste.
Minhas sobrancelhas se unem, em
uma confusão tremenda. Posso não ter
ouvido certo ou ele apenas está nervoso
como quando na Itália.
Mas minhas dúvidas vêm abaixo
quando Santiago solta meu rosto para
poder se abaixar, de joelhos, à minha
frente. O burburinho de vozes, que
estava recomeçando, se interrompe outra
vez.
Estou sem fala e de olhos
arregalados.
Minha mão é segurada quando ele
sorri, me dando uma piscadela que faz
minhas pernas virarem gelatina.
— Já que estão todos muitos
curiosos — ele fala, agora mais alto —,
gostaria de deixar explicado quem é
você, Celeste. Além de ser uma mulher
linda, é claro.
Não consigo me importar com mais
nada agora, só com o fato de que
Santiago está ajoelhado em minha frente
depois de dizer que quer se casar
comigo.
— Para os presentes aqui hoje,
apresento a mulher que foi capaz de
me mostrar que os meus olhos estavam
limitados — ele continua. — Celeste,
minha deusa preciosa, eu sou incapaz de
dizer o quanto você fez por mim. Não
sou o mais especialista em palavras e
nem sei dizer muito o que sinto, já que
só dei espaço para coisas ruins em mim
até agora mas, uma certeza tenho, e dela
não me impeço de ver, eu amo você.
— Oh, meu Deus! Eu não acredito!
— uma voz feminina exclama, mas não é
de incredulidade, parece mais emoção.
Meu sorriso se abre, como se eu
estivesse em uma realidade
inacreditável.
— Também sei que não sou muito
bom em demonstrar o que sinto — ele
treme a boca no cantinho — e odeio o
fato de ter um monte de gente nos
olhando, mas que seja, estou apaixonado
por você e todo mundo tem que saber
disso. Tenho vontade de falar para todos
— seu sorriso parece acanhado agora,
me fazendo ter certeza que Santiago
sempre pode ficar mais lindo.
Alguém assobia, e presumo que
seja Logan.
Santiago beija minha mão, sendo
doce até em um simples gesto.
— Celeste Harper — seus olhos
brilham —, você aceita dividir a sua
vida comigo até que a morte nos separe?
Quer se casar comigo, meu amor?
Meu coração bate tão forte que
acho que vou ficar sem ar. Mas encontro
fôlego para responder, invadida por
tremor.
— Sim — respondo em audível e
claro som, coberta de emoção na voz. —
Eu aceito, com toda a certeza do mundo,
me casar com você, meu amor.
Ele sorri, beijando minha mão mais
uma vez e se levantando para me puxar
para um beijo cheio de língua em um
ambiente cheio de aplausos.
Capítulo 46

— Caralhow! — ganho um soco no


ombro, o que me faz soltar os lábios de
Celeste para olhar para o lado,
incomodado. Meu irmão está parado,
nos olhando. — Tô pasmo! Você se
ajoelhou e disse que
estava apaixonado? — ele ri, então me
empurra e estende uma mão para Celeste
apertar. — Parabéns, Celzinha. Você foi
capaz de quebrar essa montanha de
insensibilidade chamada Santiago Smith.
— Logan, seu irmão sempre foi um
doce — ela sorri, deixando-se ser
abraçada por ele, que continua
segurando-a junto a si em um abraço de
lado. — Você que não notou porque não
quis.
— Eu sempre tento ver o lado bom
das coisas e das pessoas, mas não
enxerguei isso no meu irmão. Ele disse
que está apaixonado. Realmente, as
coisas não estão mais como antigamente.
— Chega de toques demais — o
empurro de perto dela e Logan vacila
um passo para trás, dando uma risada.
— Não fica de palhaçada, não, que ela
não está mais solteira.
— Mano — ele abre os braços —,
agora a paranoia vai mudar de alvo? Vai
ser a Celeste? Foi só um abraço — volta
a rir, olhando minha noiva. — Você vai
aguentar esse ciumento mesmo? Pensa
bem, ainda dá tempo de me escolher.
Não tenho ciúmes.
— Aham — Celeste ri. — Ciúmes
todos temos, mas tem que ser razoável.
Excessivo não pode.
— Meu irmão é do tipo excessivo
— Logan fala como se eu não estivesse
presente. — Era por isso que ele não
namorava, não sabe controlar o ciúme.
Minha noiva me olha, com um
sorriso enorme, o que me faz ter
paciência para não socar meu irmão.
Em comando da satisfação que me
invade ao ver seu sorriso, me inclino
para deixar vários beijos em seus lábios
doces, minhas mãos puxando-a para mim
e moldando-se em seu corpo. E Celeste
se entrega, me correspondendo à altura.
— Gente, o que é isso? — ouço a
voz da minha irmã. — É o Santiago e…
Celeste quebra o beijo para olhá-la
e eu faço mesmo, vendo a boca de Lili
se abrir e seu queixo quase alcançar o
chão.
— Mentira?! — minha irmã leva
as mãos à boca, então se abana. —
Celeste e Santiago? Se beijando? Estão
namorando? Verdade mesmo? — as
mãos mudam para o peito.
— Não — Logan nega. — Eles
acabaram de ficar noivos.
— Queridos, que bom que
chegaram — minha tia retorna, dando
olhada ao redor. — Houve mais alguma
coisa enquanto fui buscar o vinho?
— Não, tia — sorrio para ela,
olhando Lili de novo, que já está com
uma barriguinha perceptível. — É, Jolie,
vou me casar com a Celeste. Você pode
ser nossa madrinha porque se quiser.
Minha irmã ainda está descrente ao
lado de Aaron, olhando para todos e
balançando a cabeça.
— É uma pegadinha? — quer
saber.
— Não, estou falando sério. Não
sejam tardios para nos dar os parabéns
porque quero ir embora com a Celeste o
quanto antes — comunico.
Recebo um olhar atravessado da
minha irmã, que não demora a abrir
outro sorriso ao vir em nossa direção.
Celeste é arrancada do meu alcance
e sei que Lili começa a fazer um monte
de perguntas, aos quais não me interesso
em estar perto para responder. Como
assim o que Celeste fez para me
amolecer? Eu só era cego mentalmente,
não rígido.
Logan está me olhando mais a
frente, onde está a mesa com as bebidas.
E vou até ele, porque estou precisando
de um drinque para me recuperar do que
Elisha e sua avó fizeram com a minha
noiva.
— É… — meu irmão começa
enquanto encho uma taça de vinho tinto.
— É o quê? — o olho.
— Nada — ele se finge inocente.
— Só pensando que ontem eu tentei
beijar ela e hoje você a pede em
casamento… Nem precisa dizer, sei que
acho as melhores.
— Por que você não cala a boca?
— sorvo o gole de vinho enquanto me
viro para ver que Celeste está rodeada
agora não só por Lili, mas também por
Aaron e minha tia Margot.
— Falando sério, fico feliz por
você — Logan me olha. — Ela parece te
fazer feliz. Nunca tinha visto por esse
lado, mas vocês combinam muito.
— Ela foi a luz na escuridão que
eram os meus dias, a minha vida —
confesso, dando um sorriso de canto. —
Achei que o peso que tenho nunca ia me
deixar. Não que eu tenha me sentido
livre dele, mas Celeste me fez enxergar
mais. Ela me leva além do ódio, me leva
ao amor.
— Putz, bem estranho mesmo você
falando essas coisas — Logan também
olha na direção da minha noiva sendo
atacada de presenças. — É como se sal
ficasse doce. Bem esquisito e... Fodeu
— ele se interrompe e entendo o por
quê.
Meu pai está vindo na nossa
direção com um semblante apreensivo.
Ele nem deveria se aproximar, para
começo. Imediatamente meu corpo
enrijece, em uma reação imediata.
— Santiago, gostaria de desejar
meus parabéns — ele está junto a nós,
uma mão se estendendo à minha frente.
Olho o gesto e em seguida para o
seu rosto, indagando sobre a sua cara de
pau.
— Obrigado — respondo somente,
voltando os olhos para Celeste no exato
momento em que Lili está abraçando-a
de novo.
— Não sabia que você estava
namorando — meu pai insiste em puxar
assunto.
Dou um riso sarcástico.
— Ele não estava — Logan
responde por mim, acho que
constrangido. — Celeste e ele foram um
amor avassalador à primeira vista.
— Entendi… — meu pai tem a voz
mais baixa. — Você vai permitir que eu
vá ao seu casamento, Santiago?
— Assim como você gostaria de
permitir que a minha mãe fosse ao
casamento de Lili? — o olho, jogando
em sua cara sobre ele querer fazer minha
irmã escolher entre minha mãe e ele em
seu quase casamento. — Vou pensar no
seu caso, pai.
Seu semblante amolece e o vejo
engolir em seco.
— Talvez nós tenhamos que
conversar sobre essas coisas que você
tem contra mim — ele sugere — antes
de você se casar…
— Coisas que tenho contra você?
— rio, me virando para deixar a taça na
mesa, então o olho bem de perto,
deixando uma coisa claro: — Sabe de
uma coisa, pai? A partir de hoje, decido
não ter nada contra você. Estou com uma
mulher que me ama e estou farto de
nutrir o ódio que existe em mim por sua
causa, atingindo outros por causa disso.
Vou deixar que meu coração substitua
isso por amor. Pelo amor que tenho pela
mulher que vou me casar. Escolho, pai,
finalmente ser feliz e não perder o meu
tempo com um tipo de pessoa como
você — decreto. — E agora, se me der
licença, vou para perto do meu porto
seguro.
Eu o deixo com Logan, indo para
perto de Celeste, que me recebe com um
sorriso enorme, nem fazendo ideia que
acabei de tirar uma tonelada de cima das
costas.
Sabendo eu que ainda não estou
totalmente liberto, mas,
milagrosamente, como nunca
antes, mais perto do começo da trilha do
perdão.
Capítulo 47

Santiago me joga na cama quase


assim que entramos em seu quarto, não
me dando muito tempo de nada quando
sua boca parte para o meu pescoço,
beijando e chupando em necessidade
extrema e palpável.
Olho o teto, sorrindo, enquanto
permito minhas mãos dançarem em suas
costas.
— Obrigada por isso — digo, o
que o faz cessar as carícias
imediatamente como se eu tivesse dito
algo errado. Seus olhos da cor de pedras
ao pé do mar me atingem e ele une as
sobrancelhas. — Obrigada pelo dia e
tudo o mais — explico.
— Você não tem que me agradecer
por fazer o que era minha obrigação,
Celeste — ele abaixa a cabeça para
deixar uma mordida perto do meu
ombro. — Eu amo a sua pele.
— E eu amo você — olho para
baixo, vendo sua cabeleira ao alcance
do meu toque. Mordo o lábio para me
controlar.
— Eu sei que ama — Santiago
puxa a barra do meu vestido para cima,
de forma que consiga me tocar por
dentro. Minha pele se sensibiliza ao
toque e suspiro, as batidas do meu
coração acompanhando o gesto. — Por
que você é tão impossivelmente bonita?
Isso acaba comigo.
Dou risada, aproveitando que ele
está dopado disso que o faz ficar me
tocando, então, com um impulso mais
forte, inverto nossas posições e
imediatamente monto em seu colo.
Santiago me olha de baixo,
desentendimento nos olhos e lábios
apertados. Muito selvagem e gostoso,
e meu noivo.
— O que está fazendo? —
pergunta.
— Você me pediu em casamento —
dou um sorriso e aliso seu abdômen com
as palmas das mãos. Isso faz seu peito
encher de ar, que sai lentamente em
seguida. — Fez isso em um momento em
que eu tinha ficado bem triste.
— Odeio ver você triste — sua voz
é extremamente séria e sua expressão
quase se cobre de raiva. — Vou fazer de
tudo para que isso não aconteça. Ao
menos, não com frequência e o menos
possível.
— Bem, sim — concordo,
começando a abrir os botões de sua
blusa. — Eu fico muito agradecida por
isso, mas é que ainda não acredito em
tudo, sabe? Estou muito, muito surpresa.
— Presumo que sim — ele estreita
os olhos. — Está me tentando acima do
normal, querida noiva.
Dou uma risada baixa, que morre
assim que o peitoral dele fica visível
aos meus olhos e alcançável ao meu
toque. Minhas unhas arranham ali
levemente e suspiro baixinho pelo calor
que emana de sua pele morna.
Volto os olhos para os seus, e
Santiago me presenteia com um sorriso.
— Será que sua tia vai ficar com
raiva de mim depois pelo acontecido?
— questiono. — E a sua mãe? Eu achei
que ela me olharia torto, mas só ficou
sempre parecendo que não estava
acreditando em nada do que tinha
acontecido — paro o toque um instante e
apenas fico sentada em cima dele. —
Acho que ela não acredita que você vai
se casar.
— Ninguém acredita, Celeste —
ele olha para baixo, provavelmente para
o meu vestido quase fora do lugar. — Eu
odiava a realidade do casamento que
tinha na mente, até você chegar e me
fazer ver de outra forma. Achei que tinha
deixado isso claro.
Suas mãos se erguem e vêm
diretamente para onde ele olha. Meu
vestido é tentado ser abaixado na frente,
mas Santiago não consegue porque é
preciso abrir atrás.
Ele deixa as mãos caírem de volta
na cama, com um resmungo. Então me
olha, em desalento.
— Você deixou claro, mas nós
vamos nos casar — digo.
— Vamos — ele concorda.
— Sua família vai querer estar
presente.
Seu olhar desvia do meu de novo,
agora para cima, focando o teto outra
vez.
— Meu pai falou com você? —
questiona.
— O quê? — rebato. — Não. Quer
dizer, falou, quando apertou a minha
mão e me deu parabéns. Mas nada mais.
Ele ficou afastado o tempo todo, só
olhando enquanto Lili conversava
comigo.
Os olhos de Santiago me atingem
de novo, mas ele não firma uma
carranca. Está com um semblante,
relativamente, em contrapartida ao
costumeiro, relaxado.
— Ele veio perguntar se poderia ir
ao nosso casamento — me explica.
— Oh… — maneio a cabeça. — E
o que você disse?
— Que iria pensar — murmura,
suas mãos vindo acariciar por cima das
minhas coxas. — Não acho que ele deva
ir, mas vou permitir.
— Vai? — minha apreensão morre
e meus olhos se arregalam.
— Vou — ele me analisa, antes de
continuar. — Fiquei pensando no que
você disse no restaurante, que seu pai
não tentava ao menos mudar. Segundo
Logan, o meu está buscando uma
mudança que está sendo suficiente para
minha mãe acreditar — faz uma careta.
— Não vou estragar o nosso dia
especial com a família incompleta. Vou
permitir que ele vá, nem que seja só
para aparecer nas fotos e depois nossos
filhos terem lembranças do avô.
Meu sorriso se abre. Não pelo pai
dele, mas por ouvi-lo dizer nossos
filhos.
— Bem, você está pensando além
— volto a arranhar seu peito, o que tira
um grunhido baixo seu. — Mas vai estar
confortável com isso? Em vê-lo no
nosso dia?
— É claro que vou estar
confortável — ele responde, quase
ofendido. — Vou estar me casando com
você, Celeste. A menos que caia um
meteoro no meio da cerimônia, nada vai
me deixar abalado. Meu pai vai ser uma
mera figura no meio da multidão.
— Multidão? — repito.
Agora é ele quem sorri largamente.
— Eu tenho conhecidos de
trabalho, conhecidos da família, amigos
aqui e ali. Vou querer convidar todos —
ele aperta minhas coxas. — Quero que
todos nos vejam juntos. Não sei porquê,
mas estou com essa necessidade. Se
você concordar, eu vou fazer isso.
— Concordo — suspiro,
apaixonada porque, pela primeira vez,
estou me deparando com Santiago
empolgado. Eu já o conheci de outras
formas, mas não assim. Isso me enche de
emoção. — Será que é muito cedo para
perguntar onde vamos nos casar?
— Achei que você soubesse — ele
ergue as sobrancelhas. — Presumo que
nossos desejos de local sejam iguais.
Meus olhos se abrem mais.
— É mesmo? — me inclino para a
frente em seu peito, o coração
acelerado. — Você também está
pensando na Itália?
— Claro — Santiago ri,
aproveitando minha posição para
alcançar o zíper atrás do vestido e abri-
lo.
— E posso entrar ao som
de Andrea Bocelli, o que acha? —
mordo seu queixo.
— Acho excelente — sua voz sai
mais pesada quando suas mãos entram
em contato com a minha pele. — Quase
não posso acreditar que vou poder te ter
aqui, comigo, todos os dias — seus
olhos fixam nos meus quando levanto a
cabeça, e ele está bastante sério. — Me
sinto mais que privilegiado, me sinto
abençoado.
Sorrio novamente e acomodo meu
rosto em seu pescoço no exato momento
em que meu celular toca.
Lá do meio do quarto, onde minha
bolsa caiu quando Santiago me pegou.
— Não vou atender — me ajeito
nele.
— Deve atender, Celeste, pode ser
a sua mãe.
Isso é o bastante para eu dar um
pulo da cama e correr até minha bolsa.
Pego meu celular, vendo um número sem
registro. Olho para Santiago, que agora
está sentado na cama com um semblante
surpreso, provavelmente pelo meu
levantar abrupto.
Resolvo atender quando a
segurança de estar com ele me invade.
— Alô?
— Oi, filha.
Solto o ar devagar, as batidas do
meu coração tranquilizando. É a minha
mãe.
— Mãe, por que não me ligou pelo
seu celular?
— Porque estou ligando do
celular do Ulisses — ela explica. — Eu
pedi, porque me sinto mais segura
assim e menos exposta ao perigo.
Mordo o lábio, entendendo
completamente.
— Estou ligando para saber se
está tudo bem, filha — sinto a
apreensão em sua voz. — Você está com
o Santiago? Saiu sozinha? Sei que sabe
se cuidar, mas…
— Eu entendo, mãe — a conforto.
— Na verdade, estou muito bem —
sorrio. — Prefiro contar pessoalmente,
então vou voltar amanhã, tá bem? Para
contar.
— Santiago já pediu você em
casamento?
— O quê? Como a senhora sabe?
Ela dá uma risada sonora.
— Ele falou comigo sobre
enquanto você fazia sua mala —
explica. — Mas não imaginei que fosse
ser tão logo, já que ele disse que
queria fazer isso em Roma. Queria
fazer o pedido de forma memorável
para você.
Meus olhos se voltam para ele, que
está me aguardando já deitado de novo,
os olhos em minha direção.
— Ele pediu, mãe, e foi muito
memorável. Com certeza não precisou
ser em Roma para isso.
Meu lindo noivo ergue as
sobrancelhas e sorrio.
— A senhora está bem? — quero
saber.
— Depois de agora? Melhor
ainda — ela cantarola. — Desligue o
celular, filha. Aproveite o seu noivo,
você merece mais que tudo. A mamãe te
ama, e não precisa voltar logo. Eu
estou muito bem, não precisa se
preocupar. Estou segura aqui, se
lembre disso. Mande um beijo para o
Santiago.
Ela mesma encerra a ligação e olho
o celular por um tempo antes de deixá-lo
no chão em cima da bolsa e correr de
volta para a cama.
Santiago não me deixa ter tempo de
montar de novo em cima dele e me
prende debaixo do seu corpanzil.
Meus olhos estão brilhando, tenho
certeza disso. São lágrimas de
felicidade.
— Eu te amo — repito. — Muito.
— Oh, amor — seus lábios plantam
um beijo nos meus e salpicam vários
beijinhos em todo meu rosto. — Eu
também amo você. Demais. Não chore,
por favor.
— Não estou chorando — nego —,
estou transbordando alegria.
Santiago sorri e o puxo em minha
direção, beijando-o com toda a força do
meu desejo, do meu amor e da minha
gratidão.
Epílogo

O vento frio sopra em meu rosto


enquanto ouço os passos se
aproximando atrás de mim, amassando
as folhas secas espalhadas pelo chão.
Acho que já levei bastante do meu
tempo sozinha e isso deve estar
preocupando Santiago.
Instantes depois, sinto sua mão em
meu ombro, o que me faz respirar fundo.
Ele está ao meu lado então, me dando
um beijo doce e demorado no rosto.
Passo um braço por trás de seu corpo,
mantendo-o perto de mim. Encontrando
o meu conforto, como sempre acontece
quando junto com ele.
— Como está se sentindo? — ele
pergunta baixinho.
— Acho que bem — minha voz
também está baixa, mas não tem o
cuidado da voz de Santiago, e muito
menos a apreensão. — Depois de algum
tempo, vou conseguir assimilar melhor.
— Entendo.
Ele me embala em seus braços,
ficando em silêncio comigo, talvez
também observando o pôr-do-sol no
horizonte. O céu está em uma mistura de
laranja, azul, amarelo e rosa. É belo, é
divino e…
— Lembra vida — eu digo. —
Esse cenário, o Sol se pondo, lembra
vida, o que é irônico já que estamos em
um cemitério.
Seus braços me abraçam mais forte
e ganho um beijo na cabeça.
Há algumas horas, enterraram o
meu pai. Ele foi morto quando arrumou
uma discussão em um bar. Enfiaram uma
garrafa quebrada em seu pescoço. Ele
agonizou até a morte. Meu número era o
único que tinha na agenda de seu celular
e foi para mim que ligaram.
Doeu. Apesar de tudo, apesar dos
pesares, doeu. Receber a notícia que
meu pai tinha morrido. Foi uma dor que
não desejo para ninguém, embora eu
tenha sentido paz. Talvez por isso, por
esse sentimento de paz, a culpa e a
vergonha tenham me feito vir aqui hoje.
Ao seu enterro.
Porque ninguém mais veio. Além
de Santiago e eu, ninguém esteve para
lamentar a sua morte. O que me leva a
crer que sua morte não foi um lamento.
Ele deve ter ferido muitas pessoas na
sua estrada da vida e não regado sequer
uma amizade. Acho que não havia
mesmo nenhum tipo de bondade em meu
pai. É triste, tão triste.
— Esse acontecimento não roubou
a minha felicidade — digo, abraçando
Santiago. — Nem teria como, mas…
Você entende quando digo que me doeu
não ter tido a oportunidade de vê-lo e
dito que o perdoei?
— Não precisava ter dito
pessoalmente para ele saber, Celeste —
Santiago afaga meus cabelos. — Só em
você não ter mandado Ulisses para
prendê-lo, já demonstrou isso. Não se
preocupe porque o destino do seu pai
nunca esteve em suas mãos, só nas dele
mesmo.
— Foi estranho — confesso,
fechando os olhos por dois segundos,
mas abrindo-os para espantar a imagem.
— Foi muito estranho vê-lo sendo
guardado naquela caixa enorme e
colocado em um buraco no chão, então
guardado com muita terra — fungo,
espantando as lágrimas dos olhos. — Eu
nunca quis, apesar de tudo, que seu
destino fosse esse. Ele não estava
perdido, Santiago, é o que mais me dói.
Ele era uma pessoa ruim mesmo, e cheia
de ódio dentro de si. Machucar era a sua
forma de viver.
— Eu entendo, meu amor — suas
mãos grandes agora afagam minhas
costas e eu me sinto mais leve. — Seu
pai só colheu o que plantou,
infelizmente.
— Sim, mas por que ele não
mudou? Por que não se arrependeu em
vida? Poderia ser tudo… tão diferente.
Ele teve que morrer…
— Há apenas uma certeza se
estamos vivos, Celeste — Santiago diz,
bem suave e compreensivo. — Uma
certeza que ninguém pode combater. Isso
é, a morte. Ela vai passar por todos nós
que respiramos, mais cedo ou mais
tarde.
— Não quero que você morra — o
abraço mais forte, sequer conseguindo
pensar nessa possibilidade.
— Não pense nisso — ele me
censura, beijando minha testa e depois
apoiando o rosto nela. — Estou dizendo
que aconteceu com o seu pai o que é
natural. Talvez a morte tenha chegado a
ele de forma mais imediata, porque ele a
buscou mais cedo. Mas, de toda forma,
chegaria nele. E é como eu disse, não se
desespere, o destino dele não dependia
de você.
Respiro fundo, observando o céu
atingir uma cor lilás incrível, algumas
nuvens contrastando e esboçando esse
lindo quadro digno de um retrato ou uma
pintura. O vento forte nos atinge de
novo, e atinge as árvores, fazendo-as
balançar com força e derrubar mais
folhas secas no chão.
— Eu estou triste pela morte dele,
mas feliz porque minha mãe poderá vir
me visitar em Nova Iorque sem ter que
se preocupar.
Santiago me afasta um pouco de seu
corpo para poder me olhar. Seus olhos
estão em um castanho acentuado,
brilhando com algum tipo de emoção.
E de repente ele leva as mãos à
cabeça e segura o chapéu para tirá-lo,
então observo o acessório ser deixado
no ar, o peso leve favorecendo para o
vento levá-lo para cair mais além, perto
de uma lápide.
Volto meus olhos para Santiago,
desentendida.
— Falemos de vida e não ao
contrário — ele segura meus braços
para tirá-los do seu redor, e suas mãos
se abaixam até os meus pulsos, que
Santiago levanta aos poucos. E quase
não posso acreditar quando suas mãos
colocam as minhas em seus cabelos. É a
primeira vez que os sinto com a
sua permissão. — Falemos de novas
chances e de recomeços. Falemos de
restauração, meu amor.
Devo estar com um olhar chocado,
mas ele maneia a cabeça, me
incentivando a tocar.
Meus dedos se mexem nos fios
escuros e macios, e o observo fechar os
olhos, respirando fundo.
— Não vou machucar você —
acaricio seus cabelos, devagar e com
cuidado. — Nunca vou machucar você,
Santiago.
Sua cabeça se inclina um pouco e
aproximo os lábios para deixar um beijo
onde toco, meus olhos enchendo
novamente de lágrimas pela emoção de
sentir o cheiro de seus cabelos pela
primeira vez.
— Não vamos falar de morte — eu
prometo.
— Não, não vamos — sinto suas
mãos chegando em minha barriga. —
Falemos de vida, porque você está
carregando uma.
Meu sorriso se abre, mesmo que
emocionado.
— Vamos falar da Safira — beijo
de novo seus cabelos e Santiago levanta
a cabeça depressa, quase muito rápido,
o que me deixa apreensiva.
— Ela mexeu, amor — seus olhos
estão arregalados, então ele olha para
minha barriga. — Você sentiu? Ela
mexeu quando você disse Safira. Safira?
Filha? — ele se ajoelha, passando as
mãos pela minha barriga e depois pondo
o ouvido. — Amor, fala de novo. Chama
ela de novo.
Meus olhos enchem de mais
lágrimas e seguro de novo em seus
cabelos, passando os dedos neles sem
impedimento enquanto chamo de novo a
nossa filha.
Santiago me disse uma vez que
meus olhos tinham a cor de safira e eu
nunca me esqueci. Achei um lindo nome
para nossa filha, o que o deixou mais
que feliz.
— Ela não quer mexer de novo —
ele deixa um beijo em minha barriga
antes de se levantar de novo, um sorriso
largo nos lábios. — A Safira é
desobediente, eu acho. Vamos ter dor de
cabeça.
— Vai puxar ao pai — sorrio.
Santiago deixa um beijo em meus
lábios e sussurra um eu te amo antes de
se colocar atrás de mim, com os braços
ao meu redor e as mãos em minha
barriga.
Me apoio completamente nele e,
juntos, observamos os últimos raios de
sol desaparecem no horizonte.
E uma certeza eu
tenho. Finalmente conheci a felicidade.
OUTROS LIVROS DA
AUTORA:

Série Os Mackenzies:
Amor em Atração
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Submissão sob Amor
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Falhas de Amor

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