Você está na página 1de 247

Sob as Estrelas

Copyright © 2018 Amie Knight


Copyright © 2022 Editoria Five
Todos os direitos reservados.
Produção Editorial: Grupo Editorial Five
Arte de Capa: Bia Santana Design
Tradução: Laira Tomaz
Preparação e Revisão: Equipe Infinity
Diagramação: Carol Dias
Nenhuma parte do conteúdo desse livro poderá ser reproduzida
em qualquer meio ou forma — impresso, digital, áudio ou visual —
sem a expressa autorização sob penas criminais e ações civis.
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas ou acontecimentos reais é
mera coincidência.
Sumário
Início
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Sobre a autora
Sobre a editor
DEDICATÓRIA

Para Jackson e Violet. Nunca se esqueçam que, às vezes, as noites


mais escuras produzem as estrelas mais brilhantes. Por isso, olhem
sempre para o alto. Amo vocês daqui até a lua. Melhor ainda, amo
vocês daqui até Plutão.
LIV

Presente

Só na escuridão você consegue ver as estrelas. Eu sabia


disso melhor do que ninguém. Ele também, mas por razões diferentes.
Ele vivia no escuro.
Eu adorava as estrelas.
Que belo casal nós éramos.
Eu as exaltava, iluminada por suas luzes cintilantes.
Ele se escondia delas, envolto pelas sombras da noite.
Eu dançava sob o brilho radiante.
Ele se ocultava na escuridão que as rodeavam.
Um céu de sonhos. Era isso o que elas eram para mim.
Mas ele insistia em dizer que meus sonhos eram apenas
nuvens de gás, hidrogênio e poeira que entravam em colapso em sua
própria força gravitacional. Ele apontava para o céu com seriedade,
seu olhar austero, e me dizia que à medida que as nuvens
desmoronassem, a matéria em seu ponto central começaria a
esquentar. Aconchegada entre suas pernas, nossas costas apoiadas no
chão duro, ele dizia: Uma estrela nasce bem naquele núcleo quente,
no coração de uma nebulosa em colapso, Luna. Aquela nuvem teve
que morrer pelos seus sonhos. Zombava.
Ele diz ciência e eu digo sonhos.
Eu era boba. Apenas uma garota com ideais e desejos
demais, que dependiam de todas aquelas luzes cintilantes para se
tornarem realidade. Ah, como eu amadureci no último ano.
Achava tão lindo sermos como as estrelas. Ele e eu. Nossa
luz e escuridão. Só que agora, percebia o quão triste era para nós dois
termos tanto em comum com as estrelas que eu tanto amava. Como
nos unimos diante das circunstâncias mais extenuantes. Por mais que
tentássemos combatê-las com cuidado, sem pressa, não
conseguíamos. Estávamos conectados, sem defesa, por uma força
mágica e desconhecida. Foi o encaixe perfeito. Quando finalmente
ficamos juntos, não foi uma simples faísca. Foi puro fogo.
Poderíamos ter deixado o mundo em chamas. Sem dúvida deixamos.
Queimamos ardentemente.
Intensamente. Até sermos extinguidos.
Mas como? Eu ainda ardia por ele.
Uma estrela se tornou realidade.
Um sonho nasceu.
No entanto, até mesmo as estrelas e os sonhos morriam.
E, meu Deus, meu coração doía por isso.
Tic-tac. Tic-tac. O relógio na parede mostrava ser três e
vinte cinco da tarde. Cinco minutos e eu estaria livre. Não livre para
ir embora. Ou livre para amar. Ou livre de uma vez por todas. Mas
livre desta aula e de seus olhares. Engoli o nó de emoção em minha
garganta, e a saliva encheu minha boca enquanto meu estômago se
revirava. Estava me sentindo mal. Mas não podia pensar nele aqui.
Não onde as pessoas podiam me ver. Não onde eu tivesse que
compartilhá-lo.
Encarei o calendário próximo ao quadro branco, meu joelho
movia-se inquieto debaixo da carteira e meu coração disparava.
Não chore, Livvy. Sua voz entrou em minha cabeça sem
esforço, com tanta liberdade que poderia ter sido a minha. Mesmo
com minha pulsação diminuindo, meus lábios ainda tremiam. Mesmo
que ele estivesse a quilômetros de distância, sua calma se espalhava
sobre mim como a rebentação.
Quatro dias. Faz quatro dias que estou aqui. Meu inferno
particular. Quatro longos dias desde que o vi. Desde que senti seu
cheiro. Desde que o senti. Fechando os olhos, respiro com calma. As
galáxias por trás das minhas pálpebras fizeram com que eu as abrisse
de novo.
O arrastar de uma cadeira no chão de azulejos chamou
minha atenção e, sem aviso, meu olhar se voltou para a garota ao meu
lado. Seus olhos se arregalaram e eu abaixei minha cabeça quando a
ouvi sussurrar apressadamente para a outra garota.
— O que há de errado com ela?
Tudo estava errado comigo. Com o mundo.
O sinal não tão familiar tocou e, mesmo assim, eu
praticamente corri da sala de aula e do prédio, a sensação de asfixia
me fazendo voar. Meus chinelos batiam com raiva pela rua enquanto
eu atravessava o pátio em direção a entrada do dormitório, onde parei
e olhei para os quatro andares até ver minha janela. Eu odiava aquela
janela, este prédio. Respirei fundo, ansiando pela capacidade de
respirar que nunca se concretizou.
A lembrança da voz sempre contida da minha madrasta me
atingiu.
— É para o seu próprio bem, Livingston. Ele é apenas uma
fase. Vai passar. Você vai ver. — Ela acariciou minha cabeça como se
eu fosse um animal e não uma filha. — Você vai me agradecer depois,
— ela disse naquele exato local. Seu cardigã rosa-claro sendo
soprado pela brisa sobre a blusa branca perfeitamente passada.
Olhei para as pérolas ao redor de seu pescoço, passando
de irritada para enfurecida.
— Se ele é só uma fase que vai passar, então por que raios
eu estou aqui? — Falei com os dentes cerrados.
— Olha como você fala, Livingston. Damas não falam
desta maneira.
Ele não era só uma fase. Ele não era apenas uma coisa
qualquer. Como ele poderia ser algo qualquer quando era tudo?
Mesmo aos dezessete, eu sabia disso. Ele era único — a estrela mais
brilhante no meu céu.
Corri do elevador e das pessoas que eu sabia que iriam
ocupá-lo, e segui em direção à escada. Não aguentaria ser encarada.
Subindo rapidamente os degraus, eu as senti; as lágrimas que segurei
o dia inteiro. Elas atingiram meus olhos como se fossem piscinas,
escorrendo pelo meu rosto e pescoço. Havia lágrimas demais para
serem contadas. Tristeza demais para ser carregada. Levei minha mão
ao peito. Queria poder transpassá-lo, agarrar meu coração e jogá-lo
escada abaixo. Como poderia ser minha fonte de vida e, ainda assim,
me machucar tanto? Abri a porta no topo da escada e corri para o meu
quarto, no quarto andar. Empurrando a porta, um soluço atingiu
minha garganta. Eu não aguentava mais. Ecoava por todo o quarto e
só piorava a dor em meu peito. Aliviada e ao mesmo tempo devastada
por estar sozinha, caí na cama, apertando o travesseiro em meu rosto.
Minhas lágrimas deixaram o tecido encharcado e meu travesseiro
quase não encobria minhas lamúrias.
Pronto. Eu morreria de sofrimento. Era isso o que estava
acontecendo, certo? Nunca tinha vivido algo tão debilitante. Tão
excruciante. Tão horrível. Eu não me sentia assim desde que perdi
meu pai.
Como vou seguir em frente sem ele? Será que ele me
esqueceria? Nos esqueceria? Esqueceria as estrelas? Onde ele estava
agora? Estava bem? Estava tão dilacerado quanto eu? Deitei de lado,
puxei as pernas para o meu peito e as segurei lá, balançando meu
corpo.
E fiz o que tenho feito nos últimos dias. Pensei nele. Em
seus olhos azuis claros, emoldurados pelos cílios mais grossos e
escuros que já vi. Pensei nas pequenas rugas ao redor de seus olhos
quando ele me dava um de seus raros sorrisos. Aqueles sorrisos que
me faziam sentir como se fosse a única garota do mundo. Imaginei
seus lábios cheios e rosados quando ele sorria, aquele dente torto em
sua boca que roubou meu maldito coração há mais de um ano.
Voltei a pensar em Adam Nova e seu jeito bad boy de ser.
Em suas respostas monossilábicas que me deixavam louca. Seu longo
cabelo escuro que eu amava acariciar. Sua maneira de me amar que
não se comparava a nenhuma outra.
Voltei para o nosso espaço e tempo. Para a campina que
separava nossas vidas e nossos corações. Para o começo. Para o
começo do fim.
Fiquei deitada no quarto lembrando de nós dois.
Lembrando de quando eu repousava sob nossas estrelas. Quando eu
vivia sob suas estrelas.
LIV

Passado

— Espere, Liv! — Ouvi alguém chamar atrás de mim, mas


fingi não ter ouvido. Eu estava em uma missão, e essa missão era
ficar o mais longe possível desta escola em um curto período de
tempo. — Liv! Sei que você está me ouvindo.
Ah, pelo amor de Deus, ele não ia desistir. Revirei os olhos.
Braden era idiota, mas, pelo visto, não tão idiota assim. Quem teria
imaginado?!
Coloquei um sorriso artificial no rosto e me virei. Enfiando
os polegares nas alças da mochila que estava em meu ombros,
perguntei:
— E aí?
Na verdade, eu não dava a mínima para o que estava
acontecendo. Só queria que ele largasse do meu pé para que eu
seguisse meu caminho. Depois de um dia inteiro brincando de faz de
conta com meus colegas metidos da escola e mais uma hora de aula
de piano que só suportei por causa da minha madrasta, eu só queria ir
embora daqui. Queria chegar em casa, devorar meu jantar o mais
rápido possível, e me esconder em meu quarto. E em seguida, ver as
estrelas.
Arqueei minha sobrancelha para Braden, expressão que só
poderia ser interpretada como desembucha logo.
Ele se mexia para lá e para cá nervosamente, passava a mão
pelo cabelo loiro, mas eu o conhecia. Sua exibição exagerada não me
enganava. No entanto, suas palavras seguintes me deixaram em
choque.
— Você vai ao baile?
Ele estava me chamando para sair? Ah, caramba, não. Isso
não estava acontecendo. Ele só podia estar brincando. Senti meus
olhos se arregalarem de pânico quando olhei ao redor do pátio em
busca de possíveis rotas de fuga. Eu não iria ao baile. Muito menos
com Braden. Por que ele estava me convidando? Olhei para os meus
tênis brancos que, como nós do sul gostávamos de dizer, calçavam os
pés das pernas mais esguias já vistas, e para o meu uniforme de
colegial com saia plissada azul marinho e camisa polo branca. Sim,
percebi que era um clichê ambulante. Eu me aborrecia comigo
mesma.
Havia um monte de garotas que não tinham esguias
andando por aí. Que não eram tão altas. Tudo o que eu tinha a
oferecer quando o assunto era garotos, eram meus seios grandes e,
bem, eles eram grandes demais. Braden poderia chamar qualquer
garota do Preparatório Saint Ashley. Ou seja, ele poderia muito bem
escolher qualquer garota chique de toda a requintada ilha de Saint
Ashley.
Além do mais, Saint Ashley era tão pequena que todo
mundo se conhecia. Muito bem, se quer saber. Todos estavam sempre
envolvidos na vida dos outros. A dinâmica na ilha era incestuosa
demais para o meu gosto. Saint Ashley ficava bem na costa de
Madison, Carolina do Sul. Eu considerava a ilha mais um resort do
que um lugar para morar. Os nativos eram ridiculamente ricos,
moravam nas monstruosidades que chamavam de mansões e que
pontilhavam a costa leste da ilha, e as crianças eram repugnantes de
tão mimadas. Tínhamos uma escola que ia da alfabetização até os
doze anos. Um mercado. E só Deus sabe como o modesto Piggly
Wiggly que ficava no meio da cidade, ainda estava lá de pé, com uma
elegante cafeteria em seu interior. O mercado era a única coisa
normal em Saint Ashley e, nem era tão normal assim. Basicamente, o
que quero dizer é que Livingston Montgomery pertencia tanto a esta
ilha quanto um peixe pertencia à terra firme.
Eu era um peixe fora d’água ou, pelo menos, era o que
parecia na maioria dos dias. Não me entenda mal. Eu era rica. Cheia
da grana se você perguntasse à minha madrasta, mas sou de origem
humilde. As pessoas desta ilha nasceram ricas. Elas morrerão ricas e
nunca saberão o que é passar por apertos na vida. Elas são o que os
sulistas gostavam de chamar de nascidas em berço de ouro. Eram
respeitadas. Não nasci com dinheiro, seria uma rica emergente aos
vinte um anos quando herdaria a fortuna do meu pai, e ninguém daqui
achava que os emergentes valiam muito. Estava cansada, entediada e
inquieta, vagando pela multidão com Louboutin, Versace e Mercedes.
Essas pessoas se orgulhavam do que possuíam, mas não de quem
eram. Era exatamente por isso que jamais poderia sair com Braden.
Ele era o capitão do time de futebol americano que a ilha
inteira exaltava, mas a verdade é que eles eram ruins. Demais.
Braden conseguiu, de alguma forma, enganar o restante das
garotas da escola com sua atuação recatada, mas ele não me engana.
Esse cara poderia ser um ótimo ator. Nem mesmo sua boa aparência
me seduziria. Como agora, com o jeito tímido e adorável com que
inclinava a cabeça, as mechas loiras cobrindo seus olhos, ou com a
maneira como ele se balançava de um pé para o outro em uma
demonstração de nervosismo, mas eu sabia que Braden não tinha
nada de tímido. Ele agia como se fosse modesto, quase retraído. Mas
eu já vi e ouvi sobre coisas que ele tinha feito. Afinal, ele era o
melhor amigo do meu adorável irmão postiço.
Sem encontrar um modo de sair dessa conversa, eu me virei
e comecei a andar na direção que estava indo.
— Não vai rolar, Braden.
Não estava sendo maldosa, mas de jeito nenhum eu deixaria
Braden me levar a lugar algum. Sem contar que Sebastian perderia a
cabeça. Não que eu me importasse, mas não precisava que ele ficasse
no meu pé mais do que já ficava.
— Espere, Liv. — Uma mão quente pousou sobre o meu
ombro. Soltei um longo e exausto suspiro antes de me virar para
encarar Braden. Eu estava procurando uma desculpa para dizer não;
ele estava me encurralando e isso não me caía bem.
— Sebastian não vai gostar, — joguei essa como se fosse o
arremesso vencedor em uma partida de baseball. Estava jogando sujo,
mas esse era o jogo em Saint Ashley.
O brilho de Braden sumiu e eu quase me senti culpada, até
lembrar de sua conversa que ouvi sobre garotas com meu irmão
postiço. O jeito como eles humilhavam e desrespeitavam todas as
garotas com quem namoravam… Ele passou a mão pelo cabelo em
uma boa demonstração de como seus bíceps se flexionavam. Sentia
como se meus olhos fossem saltar para fora da minha cabeça e a
culpa foi embora junto com minha paciência.
— Posso ir agora? — Meu ombro esbarrou no dele quando
iniciei uma rápida caminhada de vinte minutos para casa.
Ele deu um passo ao meu lado.
— Seb não vai se importar, — sua voz era rude,
determinada, e percebi que isso seria mais difícil do que eu
imaginava. Ele queria mesmo sair comigo. Era cômico. Nós nos
conhecíamos fazia anos, e ele nunca tinha dado em cima de mim. O
que havia mudado?
Uma risada amarga escapou dos meus lábios.
— Sebastian vai matar você, Braden, e você sabe disso. De
qualquer forma, por que você quer sair comigo? A tropa de garotas
bonitas e burras finalmente se deu conta do seu caráter?
Ele fazia todas as garotas da escola caírem aos seus pés.
Babarem por sua boa aparência e seu carrão.
Me alcançando, ele segurou entre seus dedos uma grossa e
longa mecha de cabelo castanho e a esfregou. Inclinei minha cabeça
para trás e acelerei meus passos.
— Sempre gostei de você, Liv.
Balancei a cabeça e senti meu rosto corar de vergonha.
— Não, não gostou.
Ele parou na calçada de repente, me fazendo parar também,
e nossos corpos se tocaram. Eu me encolhi com o contato.
— Não estou nem aí para o que Sebastian disser. Eu quero
você.
Seu olhar me lembrou o olhar de Sebastian, me causando
arrepios, mas eu não era de ficar sem jeito. Aprendi desde os dez anos
— quando meu pai se casou com o demônio em pessoa e nos trouxe
para este fim de mundo — que eu teria que ser firme. Forte. Ou esta
ilha e seus habitantes me arrastariam para as profundezas e, em algum
momento, eu estaria submersa demais para voltar à superfície. Ainda
bem que eu era uma ótima nadadora. Meu pai fez questão de que eu
aprendesse a nadar antes de falecer.
— Não estou interessada. — Segurei minha mochila com
mais firmeza e disparei em uma corrida, deixando Braden comendo
poeira, seu cabelo loiro e boa aparência apenas um pontinho distante
quando tive a chance de olhar para trás.
Caminhei pela rua principal, o mar de um lado e uma fileira
com lindas casas do outro. Você deve pensar que uma garota de
dezesseis anos estaria vivendo um sonho. Pelo contrário, minha vida
parecia um pesadelo do qual não conseguia acordar enquanto
caminhava pela ilha com a sensação de que uma bola de boliche tinha
se instalado em meu estômago. Ir daquela escola até minha casa era
como trocar seis por meia dúzia. Eu odiava os dois, mas tinha só
dezesseis anos. Eu poderia suportar, conseguiria chegar ao meu
aniversário de vinte e um. Até que eu herdasse o dinheiro que meu
pai me deixou. Até que eu pudesse cair fora daqui. Até lá, eu tinha
minhas estrelas e minha campina.
Parei em frente a uma enorme casa de estuque. Faz seis
anos que estou aqui e ainda não me sentia em casa. Agora que meu
pai se foi, sabia que nunca me sentiria. Afinal de contas, este não era
o lugar que ele teria escolhido para viver. Não, esta casa era a cara da
Georgina. Dos tapetes florais até as toalhas rosas penduradas no
banheiro. Era enjoativa e cheia de frescura com um lado imenso de
cafonice. O enorme chafariz no meio de nossa entrada circular de
carros dizia tudo. Sereias de pedra, cupidos, corações e água. Era
ridículo.
O meu olhar disparou para a esquerda e torci o nariz para a
BMW conversível vermelha estacionada na entrada de carros. Ótimo,
Sebastian já estava em casa. Ele geralmente ficava no treino de
futebol ou vagabundeando com os amigos ou, ainda, tirando a
virgindade de alguma desavisada para dar um pé na bunda dela no dia
seguinte, o que me livrava de sua presença detestável. Mas não hoje.
Se não fosse pelo meu golden retriever, Harry, eu
provavelmente teria virado as costas e ido para a praia. Não poderia
deixá-lo sofrer sozinho.
Deixei meus ombros caírem ao subir os degraus e entrar no
grande saguão de mármore. Fechei a porta da frente em silêncio, mas
passos vindos da escada ecoaram, e soube que não conseguiria ir para
o meu quarto sem ser notada.
Sebastian. Ele podia ser atraente para algumas. Na verdade,
sabia que era pelo jeito como as garotas da escola perdiam tempo
com ele. Mas eu não. Tudo o que via era maldade. Aquela maldade
enorme e sombria que vivia em Sebastian desde o momento em que o
conheci anos atrás. Ela transbordava de seus ouvidos e olhos como se
fosse uma névoa pesada que encobria o oceano pela manhã. Maldade.
Era tudo o que eu via.
— Livingston, — a maneira como ele disse meu nome fez
minha boca encher de saliva. Ele disse de forma reverente e obscena.
Sua voz era baixa, carregada com desejo e falsidade. Fiquei arrepiada.
Ele se inclinou contra a parede da grande escadaria, com
todo aquele ar falso de indiferença, me impedindo de ir para o meu
quarto. Sim, eu sabia que para alguns, Sebastian era lindo. Mas já vi
em primeira mão as sombras que se espreitavam nas profundezas da
alma desse garoto sombrio. Seus cachos macios, longos e castanhos, e
seu sorriso branco cintilante não me enganavam. Seus olhos
castanhos e brincalhões não me iludiam. Eu sabia quais tipos de jogos
ele queria jogar. Os do tipo que perturbam.
— Onde está Georgina? — Perguntei estupidamente, como
se ela fosse me salvar. Socorro, era cômico. Aquela mulher só
pensava em uma pessoa; nela mesma.
Uma risada amarga escapou de seus lábios.
— Sei lá. — Ele levantou o copo, tomou um gole e
finalmente desceu a escada em minha direção, como se fosse dono do
lugar. E de muitas maneiras, ele era. — Quem se importa?
Fiquei parada. Não me afastei. Sabia por experiência
própria que no momento que eu demonstrasse fraqueza ele estaria em
cima de mim. Era o medo. Ele o amava. O predador que vivia dentro
dele podia farejá-lo. Ele rolaria nele, mergulharia, e depois sorriria
igual a um maníaco.
Seu mocassim elegante tamborilava no chão de mármore à
minha frente, e eu continuava parada como uma estátua. Ele era
apenas um ano mais velho que eu, mas parecia ser muito mais alto e
infinitamente forte.
Ele se inclinou, seu nariz quase tocava a curva do meu
pescoço, e eu sentia em seu hálito o cheiro do conhaque caro que
Georgina gostava de ter em casa. Fiquei com ânsia de vômito.
Ele respirou fundo, como um homem ávido por ar. Estava
com fome de algo e isso me assustou. Me assustava desde o início. Eu
sempre soube.
— Humm, — sussurrou perto de meu pescoço, e eu
congelei quando seu nariz pairou sobre minha orelha, com cuidado
para não me tocar. Não, Sebastian era tão esperto quanto assustador.
Ele nunca me tocou. Ele se certificava de nunca fazer nada que
pudesse sobrar para ele depois. Era terrivelmente paciente; estava
esperando o momento certo para atacar. Fazia isso há anos, me
mantendo em alerta, sempre com medo, sempre temendo.
Em pânico, mas tentando disfarçar o melhor que pude,
passei por ele, com cuidado para tocá-lo o mínimo possível, e disparei
pela escada para o santuário que era meu quarto e a segurança que o
lugar ainda me oferecia. Ele nunca iria lá. Era o único lugar da casa
que era meu.
— Você está cheirosa, Livingston. Do jeito que eu gosto, —
sua voz acentuada me fez parar nos degraus. Aquilo me atingiu como
um milhão de mãos sujas. Fiquei com enjoo. Ele sempre me chamava
de Livingston. Ele e a madrasta perversa.
Senti o canto direito de minha boca se mover em um
sorriso, mesmo quando estava de costas para ele. Ajeitei minha
postura, pigarreei e me preparei para atingi-lo onde eu sabia que iria
doer. Desgraçado. Hoje eu venceria.
— Braden me chamou para sair hoje. — Subi a escada
correndo como um morcego que acabou de sair do inferno, enxotei
Harry para o quarto, e bati a porta atrás de nós quando ouvi um copo
quebrar lá embaixo.
Sim, o meu irmão postiço, Sebastian Carter West, era ótimo
em fazer jogos doentios, mas Livingston Rose Montgomery estava
ficando ainda melhor nisso, e isso me assustava para caramba.
LIV

Eu tinha treze anos na primeira vez que cruzei a pé a ponte


da ilha de Saint Ashley até o continente. Hoje, estava sozinha, mas
naquela época, não. Nesta noite eu era como uma ladra, que andava
furtivamente, mas que só levava consigo suas memórias.
A mão firme do meu pai envolvia a minha enquanto
fazíamos a travessia anos atrás. O cheiro de Old Spice no nariz, o
gosto de sal em meus lábios, um atípico carro passando por nós.
Tinha sido uma caminhada lenta, quase um passeio. Naquela ocasião,
ele mal podia andar, mas de alguma maneira conseguiu cruzar a
ponte. Ele não falava muito. Não precisava. Éramos muito próximos
um do outro, ele e eu.
Em geral, nos comunicávamos através de pequenos sorrisos
e olhares que lançávamos em direção ao outro. Sim, nós nos
conhecíamos por dentro e por fora. As palavras não eram necessárias
entre nós. Naquela noite, as utilizamos pouco enquanto andávamos
pela calçada da ponte que separava o continente da ilha. Minha mão
estava quente na do meu pai. Eu jamais esqueceria. Seria para sempre
uma daquelas noites que ficaria gravada em minha memória.
Principalmente porque foi a noite em que meu pai disse que partiria
logo. Uma parte de mim já sabia, mas uma parte ainda maior estava
em negação. Ele era tudo o que eu tinha. Minha mãe tinha morrido ao
me dar à luz. Certamente o destino também não tiraria meu pai de
mim.
Terminamos a travessia da ponte e entramos em uma
enorme campina do lado direito da estrada. Adentramos no campo
gramado até que tudo o que podíamos ver era a ponte ao longe e as
estrelas no céu, o oceano à distância, mas perto o bastante para que
ouvíssemos o som das ondas. Ele tirou o cobertor azul que tinha
colocado debaixo do braço esquerdo e o estendeu na grama.
Nesta noite, usei o mesmo cobertor azul, só que em vez de
me deitar ao lado do meu pai com minha mão sobre a dele, deitei
sozinha, como fiz na maioria das noites que consegui escapar para cá.
E fiz o que ele me disse.
— Olhe para as estrelas, Liv. Se você se sentir sozinha. Se
você se sentir triste. Sempre estarei lá. — Ele se virou para mim, seus
olhos verdes solenes me prendendo em seu abraço. — E aqui. —
Tamborilou com os dedos sobre o meu coração e, pensei que naquele
momento, ele fosse simplesmente parar de bater. Eu queria que
parasse. Queria ir com ele. Orei por isso nos meses que se seguiram.
— Não esqueça de olhar para cima, Liv.
Lágrimas encheram meus olhos e escorreram pelas
bochechas de uma quase mulher. Não é justo, eu quis gritar. Como
posso perder minha mãe e você?, quis berrar. Mas não o fiz. Por ele.
Apenas lhe dei um sorriso triste enquanto as lágrimas inundavam
minhas orelhas pequenas e as têmporas sob meu cabelo castanho. Ele
soltou um suspiro aliviado e continuou deitado sobre o cobertor,
apertando minha mão na sua e colocando-a sobre seu peito. Senti as
batidas contra a parte de trás da minha mão. Inspirei a maresia e o
cheiro do meu pai naquela campina sob as estrelas. Seria a última vez
que ficaríamos sozinhos. A última vez que seria apenas nós dois antes
da chegada dos visitantes. A onda de despedidas antes da morfina,
das orações e do desfile interminável de pessoas e enfermeiros.
“Olhe para as estrelas, Liv. Se você se sentir sozinha. Não
esqueça de olhar para cima”. Sempre estive sozinha. Uma estranha
em minha própria companhia. Apenas uma garota cheia de sonhos e
um passado cheio de assombrações. Ainda assim, olhei para as
estrelas e fiz um pedido. Ousei sonhar. Por meu pai, um sonhador por
si só. Por um homem que construiu sua vida do zero. Por minha mãe,
por uma vida melhor. Por amor. E conversei com meus pais enquanto
eles se escondiam entre as estrelas. Contei para eles sobre o meu dia,
e orei para que eles ouvissem. Desejei ver uma estrela cadente. Rezei
pela paz. Não pela paz no mundo, porque mesmo aos dezesseis anos,
eu ainda era totalmente egoísta. Não, rezei pela paz dentro de mim. E
para ter forças para continuar quando sentia que ninguém estava ao
meu lado.
Naquela época eu não compreendia, mas aquela seria a
última vez que meu pai cruzaria aquela ponte de carro ou a pé antes
de sua morte.
Agora, eu sabia. Céus, eu sabia, mas odiava saber.
Por isso, vinha para cá nas noites em que a vida se tornava
difícil demais. Para a minha campina dos sonhos e meu céu de
desejos. Tentei não chorar esta noite. Não tem sido tão ruim.
Sebastian tem sido o que sempre foi. Mas não era com ele que estava
decepcionada; era comigo mesma. Parecia que eu estava ficando
como aquelas pessoas. Me tornando maliciosa e maldosa. Negligente
e egoísta; vingativa. Uma calma que só esta campina poderia me dar,
instalou-se sobre mim. Senti meu pai aqui. Quase consegui imaginá-
lo deitado ao meu lado.
Rolei no cobertor até ficar de lado, olhando da ilha para as
luzes de Madison. Meu pai disse que lá não era seguro para mim; mas
aqui também não era. Madison era linda com seu antigo encanto
sulista, casas de estilo neoclássico, e musgo espanhol. Mas não deste
lado. Este era o lado norte que me mantinha acorrentada a esta ilha e
a esta campina como se fosse uma prisioneira. Eu era medrosa
demais. Não era corajosa ou destemida. Eu havia sido protegida
daquele mal, talvez porque na vida eu já tenha sofrido muito. Eu
ainda era uma criança com uma dose saudável de medo...
Mesmo assim, já tinha me aventurado um pouco para
aqueles lados e sabia que se eu me aproximasse furtivamente do lado
norte da campina, estaria sujo com cigarros, garrafas quebradas e
embalagens de camisinhas velhas. Eu sempre me virava de costas e
retornava para o cobertor azul e para os meus sonhos. Isso porque eu
sabia o que havia do outro lado daquela ponte e da campina ao norte
de Madison.
Vi o suficiente nas vezes que meu pai me levou para
passear. Cruzávamos a ponte na segurança do nosso carro luxuoso e
eu sempre encostava o rosto na janela, quase sem entender o que
estava vendo. Parecia um sonho meio esquisito deixar a linda ilha de
Saint Ashley e, dois minutos depois, entrar naquilo que só poderia ser
descrito como favela, onde pessoas sem-teto, prostituição e drogas
rolavam de forma descontrolada. A divisão demográfica em Madison
era surpreendente, até para os meus jovens olhos. Eu sabia que era
errado. Ao que parecia, Madison tinha duas classes. A muita rica e a
muito pobre.
Disse para mim mesma que eu faria a diferença um dia.
Poderia fazer muito com o dinheiro que meu pai me deixou. Não
ficaria sentada nessa ilha pelo resto da minha vida, vivendo
alegremente sem saber o que estava acontecendo com o mundo. Eu
poderia mudar as coisas. Ajudar.
Dias como o de hoje me fariam pensar o contrário, mas eu
sabia que não era assim. Estava me sentindo estagnada. O confronto
com Sebastian mexeu comigo. Estava cansada daquilo. Exausta. Virei
as costas para o céu, cruzei os tornozelos e fechei os olhos. Era
estranho. O jeito como me sentia mais segura nesta vasta campina sob
as estrelas do que me sentia em casa.
Um farfalhar na grama e o estalo do que parecia ter sido um
galho chamou minha atenção e eu me sentei rapidamente, olhando ao
redor. Geralmente, eu trazia meu golden retriever grande e pateta pela
proteção que ele me oferecia. Ele era doce e não faria mal a uma
mosca, mas pelo menos intimidava um pouco. No entanto, esta noite
fui muito cautelosa para não acordar Sebastian, por isso deixei o
cachorro em casa.
Eu costumava ficar atenta. Sabia por experiência própria
que não era a única que vinha aqui, mas acreditava que este lado da
campina, perto da ponte, era o mais seguro. Estava claro que esse não
era o caso. Não fui cautelosa. Três homens que pareciam ser uns dois
anos mais velhos do que eu rodearam meu cobertor azul e ocultaram
as estrelas com seus corpos altos. Cada pelo do meu corpo se eriçou,
enquanto o pânico tomava meu peito.
— Caramba, pessoal, vejam o que temos aqui, — o cara
alto de cabelo escuro disse à minha frente. Sua calça jeans suja e
camiseta preta desbotada me disseram de que lado da ponte ele era, e
senti uma boa dose de medo.
Eu tinha bom senso suficiente para me mexer e tentar me
levantar do cobertor, mas o líder do grupo, que havia falado antes, foi
rápido como um raio e se agachou ao meu lado. Puxei a bainha do
meu vestido branco de verão para até os meus tornozelos, fazendo
questão de cobrir cada centímetro meu.
Ele colocou uma mão firme sobre o meu ombro.
— Não, meu bem. Está tudo bem. Não precisa se levantar
por nossa causa. — Seus olhos castanhos e indecentes me olhavam de
cima a baixo. Sua mão foi do meu ombro em direção ao meu
tornozelo, todo o meu corpo ficou rígido com o contato, mas tentei ao
máximo não demonstrar.
— Qual é, cara. Deixe ela em paz. — Meu olhar se afastou
do meu tornozelo e disparou para o garoto atrás do cara indecente. O
loiro atrás dele passou a mão pelo cabelo. — Vamos. — Ele olhou
para o homem parado ao seu lado em busca de ajuda, e meus olhos se
voltaram para ele também, esperando por algo. O negócio é que não
parecia haver ajuda por ali.
O cara estava me encarando. Não da maneira que Sebastian
fazia, mas como se estivesse tentando me entender. Como se estivesse
me analisando. Engoli em seco enquanto assimilava seus olhos azuis
congelantes escondidos atrás de suas longas franjas pretas. Mas não,
não foram aqueles olhos que me fizeram parar, que aceleraram minha
pulsação. Ele era coberto por tatuagens. Elas não se escondiam
debaixo das mangas de sua camisa. Não, esse cara as vestia como se
fossem roupas. Elas cobriam seus braços e surgiam pela gola em seu
pescoço. Ele me intimidava. Talvez fossem as tatuagens. Talvez os
frios olhos azuis ou o fato de que ele não estava sorrindo e dava a
impressão de que não me ajudaria em nada. Pelo contrário, ele me
olhava como se quisesse me desembrulhar e analisar todas as partes.
A intensidade era abrasadora, seu olhar inabalável.
Eu estava fodida. E eu não usava essa palavra à toa. Nunca
ninguém se aproximou de mim aqui. Se eu já tinha visto pessoas que
me assustavam? Sim. Mas sempre ia embora antes que elas fizessem
contato. Saía correndo. Nunca havia sido encurralada, muito menos
por três homens, onde dois pareciam querer me comer viva em uma
grande mordida. Engoli o nó em minha garganta que era do tamanho
de uma bola de golfe.
Considerei minhas opções naquele cobertor. Eu me
levantaria e iria embora. Correria. Eles poderiam me alcançar, mas eu
era alta e rápida. Porém, os chinelos em meus pés poderiam me
desacelerar. Eu os deixaria para trás. Correria. Lutaria mesmo que o
medo me fizesse tropeçar.
O cara agachado perto de mim sorriu com presunção.
— O que você está fazendo aqui sozinha, meu bem? — Ele
olhou em direção à Saint Ashley antes de voltar seu olhar para mim.
— Você é da ilha, não é? Veio visitar a ralé hoje? — Seus dedos
rodeavam meu tornozelo e a pele sensível atrás do meu joelho. Temor
atravessou minha garganta. Eu me afastei em um sobressalto,
assustada e irritada, com meu coração batendo tão forte na garganta
que conseguia senti-lo em todo o meu corpo.
— Vamos nessa, Boone. Vamos sair daqui, — o cara loiro
falava e puxava a manga da camisa de Boone. Enquanto isso, o
tatuado me encarava, seu olhar penetrante parecia enxergar o outro
lado da campina através de mim. Eu não fazia ideia se ele queria me
chutar ou me provar. Era insuportável.
Eu não podia acreditar nisso. Quantas vezes por dia uma
garota podia ser assediada? Vim para cá para me distrair. Olhei nos
olhos do loiro e supliquei mentalmente a ele. Meu Deus! Nem mais a
minha campina sob as estrelas era segura. Eu me sentia impotente.
Tentei levantar, mas o homem chamado Boone colocou a mão em
meu joelho e me empurrou, me mantendo sentada. O medo me
atingiu como gelo, e lágrimas invadiram meus olhos. Eu estava
ferrada. Seria estuprada e possivelmente morta na campina do meu
pai. Eu entraria para a estatística. Seria mais uma garota imbecil que
tomou uma decisão estúpida e se tornou um número.
O meu olhar encontrou novamente os olhos azuis do cara
tatuado, e eles desceram até o meu joelho, para o local onde a mão de
Boone estava. Seu olhar se concentrou na mão de Boone e se manteve
fixo lá, me enrijecendo de medo.
Fechei os olhos, orando por alguém, algo, qualquer coisa...
— Já chega.
Minhas pálpebras se abriram e, mais uma vez, meus olhos
se depararam com íris azuis. Notei que neste momento todos os
olhares estavam sobre ele. Sua declaração foi tão clara, inesperada,
tão brutal, que todos ficamos apenas observando e aguardando.
— Agora, — ele concluiu de forma breve, seus lábios
rosados curvando-se lentamente a cada palavra, determinados. Foi um
comando; uma ordem e não um pedido. Sua voz firme como um
trovão no meio do campo tranquilo, sua expressão indecifrável.
Boone revirou os olhos e soltou um suspiro, sua mão se
afastando da minha perna.
— Está bem. Vamos. Ela deve ser virgem de qualquer
maneira. — Ele se levantou rapidamente e limpou a calça, como se
não tivesse me matado de medo e agido como um animal. Olhei para
o cara com as tatuagens, tentando agradecê-lo com o olhar, mas ele
apenas me encarou. Seus olhos azuis entediados. Inexpressivos.
Ele se virou e seguiu em direção ao lado norte de Madison,
sem olhar para trás, o loiro cambaleando atrás dele, lançando olhares
arrependidos sobre os ombros. Foi Boone quem saiu por último
deixando palavras de despedida, seu olhar malicioso deslizando pelo
meu corpo mais uma vez.
— É melhor ter cuidado por aqui durante à noite, meu bem.
É perigoso, sabia?
Era uma ameaça, mas pareceu uma promessa. Eu sabia. E
agora, sabia mais ainda. Lugar algum era seguro.
ADAM

A picada da agulha era boa. Boa demais. Estremeci quando


Raven tocou a pele na base do meu pescoço com a tinta.
Particularmente, eu era sensível ali. Algumas pessoas deviam pensar
que era por isso que vinha até aqui. Porque eu gostava da dor. Porque
eu me satisfazia com ela, mas isso não era verdade. A verdade era que
minhas tatuagens eram o disfarce perfeito. Eu me escondia atrás das
obras de arte que cobriam meu corpo. Cada cor, cada imagem era
uma história que escondia a minha. Eu gostava disso. Quando as
pessoas me olhavam, elas não me enxergavam. Elas viam minhas
tatuagens. Elas não queriam conversar comigo, não queriam me
conhecer. Eu adorava e odiava.
— Quase terminando aqui, — Raven sorriu por trás de seu
nariz furado e cabelo desgrenhado. Éramos amigos desde o primário e
ela praticava sua arte em mim desde que me entendo por gente. No
ensino médio, eu era a tela em branco perfeita e agora, aos dezenove
anos, meu torso, braços e grande parte do meu pescoço estavam quase
completamente cobertos. Escondidos. Do jeito que eu gostava.
— Sem pressa. — Eu não tinha nenhum lugar para ir. Era
um dos raros dias de folga do trabalho. Outro lugar em que podia me
esconder. E eu não estava a fim de ficar perambulando pela rua com
Boone e Grady, me envolvendo sabe-se lá com o quê. Não tinha
muita coisa para fazer neste lado de Madison, na Carolina do Sul. Eu
tinha dezenove anos e era um pobre coitado como o restante das
pessoas deste lado da cidade. Mal conseguia me virar com o salário
do meu emprego de meio-período e trabalhava duro para conseguir
entrar na faculdade da região. A única coisa que tinha a meu favor era
Raven e as tatuagens que ela me dava de graça.
Raven era a salvação de muitas maneiras. Nos conhecíamos
desde o ensino fundamental. Ela se sentou perto de mim no jardim de
infância e o resto é história. Éramos duas crianças desajeitadas que se
aproximaram por causa de sua estranheza. Nunca namoramos. Isso
sempre esteve fora de cogitação, principalmente porque Raven é
lésbica e eu, bem, sou um babaca. Ela conhecia todos os meus
segredos; todos os meus medos e inseguranças. E por mais que
parecesse ser durona com seu cabelo escuro, piercing no nariz e um
monte de tatuagens, ela ainda era a pessoa mais gentil e compreensiva
na minha vida.
— Não vai trabalhar hoje? — Ela perguntou em meio ao
zumbido da pistola de tatuagem, sem tirar o olhar da agulha.
— Não.
Ela arqueou a sobrancelha direita.
— Nem vai dar um rolê com os caras? — Sua voz estava
cheia de sarcasmo e eu quase dei um sorriso. Raven não se importava
muito com Boone e Grady. Eu não a culpava por isso. Ao longo dos
anos eles provaram ser mais encrenqueiros do que deveriam. Boone
parecia estar elevando o nível de babaquice ultimamente.
— Não. — Eu não estava com estômago para eles esta
noite. Assim como Raven, conhecia ele e Grady desde a infância.
Não éramos tão próximos quanto Raven e eu, mas moramos no
mesmo prédio decadente a nossa vida inteira. Parecia que quanto
mais velhos ficávamos, mais louco Boone se tornava. Uma parte de
mim entendia. Ele se sentia estagnado como todos nós. Só que quanto
mais velho Boone ficava e quanto mais ele precisava suportar a nossa
situação, menos ele se importava. Ele estava ficando assustador. E
irritante para caralho.
Em meio ao zumbido e à ardência da agulha, pensei na
garota da campina. Aquela do vestido branco e cabelo escuro de duas
noites atrás. A que Boone colocou as mãos. Senti meus punhos
cerrarem e pude ouvir o estalar dos meus dedos. Aquilo tinha me
irritado de um jeito irracional. Eu era quieto e reservado, e,
geralmente, deixava Boone conduzir as coisas. Por que eu me
importava se ele tinha tocado em uma daquelas vadias ricas da ilha?
Sabia que ele não a machucaria. Talvez a matasse de medo, mas não
era problema meu. Ou nunca tinha sido antes daquilo acontecer. Mas
o medo em seu rosto naquela noite me fez hesitar. Na verdade, tudo
nela me deixou hesitante. Ela tinha uma aparência rara. Suas pernas
eram esguias, seu rosto longo demais. A oposição de sua boca larga e
seu pequeno nariz arrebitado era surpreendente, mas o que realmente
me fez hesitar foram seus olhos. Eles eram escuros, marrom
chocolate, com os cílios mais grossos e fartos que já vi.
Apesar do meu desejo de me afastar e deixar Boone se
divertir, fui incapaz de ignorar aqueles olhos. Aqueles globos tristes e
escuros imploravam por socorro. Garota idiota. Ela não devia estar lá.
Era perigoso. Muitos jovens não entendiam que as regras de sua
preciosa ilha não se aplicavam ao lado norte de Madison. Aqui era
um querendo ferrar o outro. Nós trabalhávamos, roubávamos,
trapaceávamos. Não nos dávamos ao luxo de observar as estrelas por
diversão.
Ainda assim, minha mente não conseguia deixar de pensar
nela de vez em quando, e isso me irritava. Como uma garota deitada
em um campo sob as estrelas me deixava tão irritado? Foi porque eu
me preocupei com ela. E eu não precisava de mais uma preocupação
em minha vida. Já tinha muita coisa na cabeça tendo que cuidar do
meu pai deficiente. Só que eu não conseguia evitar... Não pude deixar
de pensar que ela não teria tanta sorte na próxima vez que
atravessasse aquela ponte. Quantas vezes ela tinha contado com a
sorte? Droga, até onde eu sabia, a garota poderia estar lá neste
momento. O vestido branco esvoaçava ao seu redor. De longe ela
parecia a lua sobre uma cortina de milhares de estrelas no céu. Mas
ao que parecia, ela definitivamente já havia deitado lá em outra
ocasião; estava muito confortável naquele cobertor azul e macio que
empalidecia debaixo dela. Não pude deixar de torcer e orar para que
ela tivesse aprendido a lição naquela noite e ficado longe daquela
campina, na parte segura da ilha que devia ser um mundo
completamente diferente.
— Como está o meu coroa gato? — A voz de Raven
interrompeu meus pensamentos.
Revirei os olhos.
— Ah, porra. Pare de chamar meu pai dessa merda. É
nojento.
Ela deu de ombros.
— E daí? Mesmo sendo lésbica posso admirar homens
hispânicos atraentes, — ela arqueou as sobrancelhas.
Meu pai porto-riquenho causava aquele efeito nas pessoas.
A maioria das mulheres o achava bonito. Mesmo com a perna
deficiente, ele ainda atraía mulheres com frequência. Ele foi
brutalmente assaltado há cinco anos quando voltava para casa de seu
trabalho como mecânico na cidade. Ele se recuperou por completo,
com exceção de sua perna direita que ficou ferrada. Não conseguia
andar para cima e para baixo como costumava fazer. Trabalhar com
carros não era uma opção e sua deficiência custava caro, por isso eu
trabalhava desde os quinze anos de idade. Também era por isso que
eu pressentia que nunca deixaria essa droga de cidade e a situação
ainda pior em que eu vivia.
Observei o rosto de Raven. Meu pai a adorava. E ela o
admirava. Eles tinham um relacionamento saudável e perturbador de
pai e filha, já que o próprio pai de Raven virou as costas para ela e
sua mãe. Eu me perguntava se era por isso que Raven não gostava da
maior parte dos homens. Meu pai e eu éramos os únicos para ela.
— Ele está bem. Me perguntou hoje de manhã quando você
vai lá. Disse que você não tem ido visitá-lo ultimamente.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Não fui convidada.
Balançando a cabeça, disparei:
— Você não precisa ser convidada, idiota.
Ela fez beicinho e sorriu.
— Quanto amor, Nova, — deu uma piscadinha.
Raven era uma paqueradora atrevida. Até mesmo com o
sexo oposto, pelo qual ela não se interessava. Sua última namorada
era mais nova.
— Por falar nisso, o que está acontecendo com você e
Aspen? — A nova namorada de Raven tinha apenas dezessete anos e
eu a estava infernizando por isso. Porque era isso que fazíamos.
Ela revirou os olhos de um jeito dramático.
— Qual é, Nova. Ela ainda era minha namorada na semana
passada, — ela apontou o dedo enluvado para mim. — Além disso,
não é tanto assim. Só dois anos mais nova do que nós dois.
Ela desligou a pistola de tatuagem e limpou minha pele
levemente com uma toalha de papel.
— O que aconteceu?
Ela deu de ombros.
— Você sabe... O de sempre, — ela não me olhava. — Sou
basicamente uma diversão até elas retornarem para seus namorados.
— Seus lábios se contorceram de desgosto.
Várias garotas curtiam viver uma experiência com Raven,
mas não estavam a fim de algo mais sério. Para ela, isso era uma
droga, mas ainda éramos jovens, e eu sabia que ela encontraria a
pessoa certa algum dia.
Eu me sentei, segurando seu braço. Ela olhou para mim e
eu sorri.
— Não se preocupe. Algum dia você vai encontrar alguém
que esteja disposta a aturar suas maluquices.
Comigo já era uma história completamente diferente.
Duvidava que existisse uma pessoa para mim e, se existia, havia
menos de um porcento de chance de eu conhecê-la. Minha vida era
basicamente ficar em casa, ir para a escola e trabalhar. Era raro
quando eu tinha um dia para relaxar e, de qualquer maneira, não era o
melhor em socializar. Como Raven gostava de dizer, eu era um
excluído da sociedade, mesmo quando ela me dizia isso de um jeito
carinhoso.
Eu era reservado. Intimidador. Gostava de ser assim.
E estava claro que não era o melhor em dar palavras de
incentivo. Raven puxou o braço e começou a limpar, ignorando por
completo minhas zombarias.
— Vai sim. Você vai conhecer uma garota bacana um dia,
Rav. E dar um chute na minha bunda. — Eu a cutuquei com o braço
para que ela me olhasse.
Quando me olhou, tentei não afastar o olhar. Eu não
gostava de manter contato visual; achava a situação toda
extremamente difícil.
— Como vou conhecer alguém se continuo passando meu
tempo com essa sua cara fechada e assustadora? — Ela se virou de
costas, escondendo seu sorriso de mim.
— Você está certa. Sou um amigo terrível. Mas poderia ser
pior. Poderia ser o Boone.
Seus lábios se contorceram.
— Aff. Você me conhece, Adam. Aquele asqueroso me
causa arrepios.
Ela estava certa. Boone era um asqueroso. Eu andava com
ele mais por hábito do que por querer. Fiquei imaginando se Boone
causou arrepios à garota da campina. Meu maxilar ficou tenso só de
pensar. Eu não gostava do fato de que odiava pensar que ele a fez se
sentir daquela maneira.
Estava tarde. Talvez eu parasse no caminho de casa para
checar a campina. Ter certeza de que ela não estava deitada lá como
uma presa fácil. Talvez eu fosse conferir se ela estava protegida de
Boone e de qualquer outro que pudesse esbarrar com ela.
Não.
Droga, não.
Não. Eu não podia fazer aquilo. Ela não era minha para eu
tomar conta.
— Em que tanto você está pensando aí? — Raven estava
passando pomada na minha tatuagem, lançando olhares em minha
direção de vez em quando.
— O que faz você pensar que estou pensando em alguma
coisa?
Fazendo uma careta, ela respondeu:
— O fato de que você está sempre pensando em algo. —
Ela apontou para o meio da minha testa. — E você sempre fica com
uma ruga aí quando está estressado.
Levantei a mão e esfreguei minha testa no lugar que ela
apontou e senti o vinco, mas argumentei mesmo assim:
— Não é verdade. E eu não me estresso.
— Verdade e tanto faz. Tive que olhar para sua cara feia a
vida toda. Eu a conheço melhor do que você mesmo.
Alisei a lateral do meu rosto com a mão.
— Algumas garotas acham essa cara muito sexy, Rav.
— Pfttt, elas pensariam diferente se o conhecessem como
eu conheço, — ela riu.
Mas não era engraçado; ela estava certa. Grande parte das
mulheres não vivia ao meu redor. Sim, algumas garotas curtiam o tipo
bad boy e as tatuagens, mas isso perdia o efeito rapidamente quando
percebiam que eu não era o namorado perfeito. Que eu não tinha
tempo para joguinhos e drama.
Raven terminou de fazer o curativo e eu tentei pagá-la, mas,
como sempre, ela recusou.
— Você é minha cobaia, não se esqueça disso.
Provavelmente vou dilacerar você qualquer dia, e isso será
pagamento suficiente.
Assenti e estendi meu punho para cumprimentá-la.
— Passe lá em casa no final de semana para ver meu pai e
eu. Estou de folga no domingo.
— Com certeza.
E então, eu estava jogado ao vento. Só que, nesta noite, não
ventava muito, nem mesmo perto da praia. Parei na calçada para
acender um cigarro. Era setembro e ainda estava quente para
caramba, como acontecia todos os anos nas Carolinas. Pode ser que
haja uma trégua em meados de outubro.
De alguma forma, consegui passar longe da campina no
caminho de casa. Pulei algumas cercas e passei por alguns quintais
para evitá-la, determinado em não checar a garota que parecia a lua,
toda coberta de branco.
Caminhei pela rua de prédios degradados até finalmente
chegar ao meu. O fato de que as garotas não se demoravam aqui por
muito tempo, talvez fosse bom. Não dava para trazê-las de volta a
este lugar. Lixo, bitucas de cigarro e algumas garrafas de cerveja
emporcalhavam a entrada. Passei chutando-as ao entrar, quase
esbarrando em Mona.
Ela me deu um sorriso tímido e senti a ruga em minha testa
aparecer, desta vez de frustração. Merda. Raven estava certa.
Os olhos chapados de Mona me avaliavam enquanto eu
tentava passar por ela e subir os sete andares até o meu apartamento.
O elevador era lerdo para caramba e eu precisava escapar.
— Aonde você vai com tanta pressa, gatinho? Você poderia
entrar e ficar um pouquinho, — sua voz chegou ao lugar em que eu
estava, quase dois andares acima. Você simplesmente não entrava no
apartamento de Mona. Se entrasse, acabaria em sexo. E então, sem
que você soubesse, ela cobraria. E se não fosse paga, não largaria do
seu pé até o cafetão traficante caçar e espancar você, e ainda assim,
ela seria paga. Boone aprendeu da pior maneira. Sorri ao lembrar
disso.
Abri a porta do apartamento e encontrei o lugar em
completo silêncio. Normalmente, meu pai ficava na sala com a
televisão ligada, relaxando em sua velha poltrona surrada. Dei uma
olhada na danificada cozinha estilo anos oitenta e encontrei um
bilhete na bancada dizendo que ele tinha ido para a casa de Julius, no
andar de baixo, jogar cartas.
Peguei um refrigerante na geladeira e andei pelo
apartamento me sentindo inquieto, enquanto olhava a escuridão pela
janela. Pisei sobre o tapete velho várias vezes. O nosso apartamento
era limpo comparado aos dos outros. Só porque meu pai não podia
mais trabalhar como mecânico, não significava que ele não limpava e
cuidava do lugar. Nunca vivemos como a maioria das pessoas do
nosso prédio. Cuidávamos dos nossos escassos pertences. Afinal, eles
eram tudo o que tínhamos.
Sentei no sofá e verifiquei meu celular duas vezes, sem
realmente esperar encontrar alguma chamada perdida. Havia apenas
duas pessoas que me ligavam — uma estava lá embaixo e a outra eu
tinha acabado de ver.
Fui até a cozinha para descartar a lata de refrigerante, e
olhei para fora de novo, decidindo se precisava de outro cigarro.
Peguei meu celular, minha chave e cigarros, e desci as escadas. Fumei
dois cigarros em frente ao prédio até não aguentar mais e, de repente,
comecei a andar na direção que eu não queria. Era como se meus pés
tivessem vontade própria. Quando se tratava daquela garota, era como
se eu fosse uma mariposa sendo atraída pela luz. Caminhei os três
quarteirões até a campina, sentindo que não era eu. Como se eu fosse
outra pessoa; como se fosse um louco.
Não levou muito tempo para que eu a visse ao longe, só que
desta vez ela tinha um cachorro deitado ao seu lado. Parei longe o
suficiente para que ela não me visse, mas eu ainda conseguia vê-la.
Era difícil não enxergá-la deitada sobre aquele grande
cobertor azul com o cão gigante ao seu lado. Por que raios ela tinha
que vir para cá de novo? O que ela tinha na cabeça? Fazia apenas dois
dias desde que Boone a importunou. Ela não tinha nenhum senso de
autopreservação?
Uma enorme parte de mim queria ir até lá, puxá-la pelo
longo cabelo castanho e exigir que ela voltasse para a ilha. Mas havia
uma parte minúscula que só queria observá-la.
Percebi como aquilo era estranho. Ainda assim, pude me
sentir agachando no lugar onde a grama era mais alta e difícil de ser
atravessada, e a assisti falando sozinha. Eu a vi contar as estrelas. Eu
a observei fechar os olhos por minutos a fio; parecia ter adormecido,
mas eu sabia que não tinha porque era óbvio que ela era uma daquelas
pessoas inquietas que se balançavam sobre os pés quando tentavam
ficar paradas.
Inclinei a cabeça e semicerrei os olhos, tentando enxergar
mais do que apenas uma versão borrada à distância. Merda, eu queria
ver mais.
A observei por mais tempo do que deveria, até ela
finalmente se levantar, pegar o cobertor e sacudi-lo, tirando a grama
presa. Eu a vi dobrá-lo e colocá-lo debaixo do braço direito, se virar e
seguir em direção à ponte. E eu a assisti cruzar aquela ponte até não
conseguir mais ver a garota.
Eu realmente deveria me preocupar com o meu
comportamento. Mas tudo o que conseguia pensar enquanto ela
desaparecia, era na próxima vez. Traria um binóculo para poder ver
seu rosto, para ver seu olhar.
LIV

— Cotovelos, Melody Ann! — A senhora Donnelly disse


de seu lugar na extremidade da mesa.
Mel me lançou um olhar, revirou os olhos e, lentamente,
deslizou os cotovelos para fora da mesa de mogno. Peguei o
guardanapo do colo para esconder minha risada.
— Por favor, senhorita Montgomery, sente-se direito. Sua
postura parece a de uma mulher de noventa anos. É intolerável.
Eu queria rir de novo, mas mordi meus lábios. Eu tinha que
concordar; a minha postura era uma merda. Eu era alta, desengonçada
e me esforçava para esconder meus seios grandes, me curvando, mas
minha postura não gostava nenhum pouco da casa da senhora
Donnelly, porque nada, nada era mais intolerável do que a casa dela.
O lugar era coberto por toalhas rendadas e bonecas de
porcelana que ficavam apoiadas nos cantos dos armários. A coisa
toda me dava arrepios.
Por mais que eu odiasse o modo como meus seios se
projetavam para frente quando eu me sentava, coloquei o guardanapo
sobre meu colo e endireitei a postura até que estivesse alinhada à
cadeira de madeira. Mantive minha cabeça erguida e uma expressão
calma no rosto, observando as outras quatro garotas à mesa, todas
parecendo tão miseráveis quanto eu. Era tudo uma farsa. Estávamos
rodeadas por bolos, biscoitos e chá, o que era para ser divertido, mas
era qualquer coisa, menos isso.
Eram aulas de etiqueta e não havia nada de divertido nelas.
— Como se diz, Livingston? — A senhora Donnelly
perguntou bem alto do outro lado da mesa, seu sorriso extremamente
meloso.
— Obrigada, senhora Donnelly. — Dei a ela o sorriso mais
falso que pude antes de desviar meu olhar para Mel e seus olhos
arregalados. Olhos que diziam: Me ajude antes que uma das bonecas
me coma.
Ela mordeu os lábios e levantou sua xícara de chá. Pelo
menos Mel e eu estávamos neste inferno juntas. E que inferno.
Mesmo que Mel tivesse nascido em berço de ouro, ela achava tudo
isso tão ridículo quanto eu. Aulas de etiqueta, aulas de dança, era esse
todo o encanto que acompanhava uma debutante do sul. Era tudo uma
loucura e exagerado e, se meu pai estivesse vivo, eu sabia que ele não
me sujeitaria a isso de jeito nenhum. Mas eu não tinha outra família;
apenas Sebastian e Georgina. Tinha ficado animada quando nos
mudamos para cá anos atrás, apenas algumas horinhas de distância da
Georgia.
Discuti com Georgina por causa disso, mas desde os meus
dezesseis anos ela dizia que já era a hora.
— Nós, sulistas, amamos exaltar nossas mulheres, não só
por sua beleza e graciosidade, mas, principalmente, por sua astúcia,
inteligência e força. Ser uma debutante é sobre isso, Livingston, —
ela anunciou. Aquele pequeno discurso me convenceu a dar uma
chance àquilo tudo. Bem, eu também não queria ouvir Georgina se
queixando sobre o assunto. Mas estava aprendendo rapidamente que
isso era mais sobre um bando de ricos esnobes exibirem suas filhas e
o quão perfeitas elas eram, e menos sobre inteligência e astúcia.
Graciosidade? Bem, todos sabiam que esse não era o meu forte. E
essas aulas eram desprezíveis.
— Certo, senhoritas. Vocês estão liberadas, e espero que
não cheguem atrasadas na próxima terça-feira. — A senhora
Donnelly lançou um olhar sério para mim e para Mel, e eu segurei a
risada. Esperava que a senhora Donnelly estivesse aprendendo que
não deveria esperar muito de nós.
Empurramos nossas cadeiras para trás com educação,
dissemos um adeus sorridente e subordinado à senhora Donnelly, e
nos apressamos em pegar nossas mochilas e sair daquela casa. Adeus
cheiro de aromatizantes!
— Você vai para casa? — Mel perguntou atrás de mim na
entrada de carros.
— Não tenho outro lugar para ir, — dei de ombros.
— Você podia passar um tempo comigo, Seb e Braden.
Franzi o nariz. Não, Deus me livre, eu quis gritar, mas
apenas balancei a cabeça com um sorriso triste.
Mel e eu éramos amigas.
Não éramos melhores amigas, mas ela era uma das poucas
pessoas da ilha em quem eu confiava e podia contar. Mel era uma boa
pessoa apesar de sua família idiota e arrogante. Nos conhecíamos
desde quando me mudei para a ilha com meu pai. Georgina nos
apresentou imediatamente, com a esperança de que seríamos amigas.
A mãe de Mel era a melhor amiga da minha mádrasta. O plano delas
funcionou de alguma forma. Gostei de Mel. Nos demos bem de
imediato. Nós simplesmente nos entendíamos. Mas eu sempre
mantinha em minha cabeça que, antes de tudo, ela era amiga de
Sebastian. Eles se conheciam a vida toda. Ela foi uma das muitas,
muitas garotas com quem Seb e Braden ficaram. Aquilo tinha me
deixado em estado de choque. Mel era uma garota esperta. Por mais
que eu tenha tentado, não consegui convencê-la de fazer o contrário.
— Dispenso. — Joguei minha mochila sobre os ombros e
segui adiante.
Mel me alcançou e me cutucou com o ombro.
— Imaginei, mas eu tinha que perguntar.
Sorri, grata por ela ter perguntado, mesmo que eu preferisse
ter todas as minhas unhas arrancadas com alicate do que sair com
aqueles imbecis.
— E amanhã? Não temos aula de piano, nem de etiqueta.
Vamos levar Harry e Bailey ao parque depois da escola?
Assenti.
— Boa ideia. — E era mesmo. Eu gostava de ficar fora de
casa o máximo que pudesse à noite. Ultimamente, estava ficando
cada vez mais difícil evitar Sebastian. Ele tem passado menos tempo
nos treinos de futebol e festejado ainda mais com os amigos em casa.
Comigo. Eu não era tola para acreditar que ele estava fazendo aquilo
por outro motivo além de mim.
Pelo menos esta noite eu sabia que ele estaria fora.
Mel e eu nos despedimos em frente a casa dela, e andei o
restante do caminho para casa me sentindo mais leve do que me
sentia há dias por saber que Sebastian não estava em casa. Toda a
leveza se esvaiu quando vi o sedã preto na entrada.
Jesus, era como se eu não conseguisse ter um minuto de
paz.
Fui me arrastando até os degraus e entrei na casa pronta
para enfrentar a ira de Georgina. Ela mudou desde que meu pai se foi,
ou talvez estivesse apenas colocando as asinhas de fora. Eu não
ligava para o porquê; só queria que parasse.
Hoje, tive sorte. A casa estava silenciosa quando entrei,
exceto pelos ruídos das unhas de Harry no azulejo.
— Oi, amigão. Estou em casa. — Me inclinei, esfregando
sua cabeça, e ele me lambeu em agradecimento.
Preparei algo para o jantar sem fazer barulho para não
perturbar minha madrasta, caso ela realmente estivesse em casa e
dormindo. Depois de fazer a tarefa escolar por uma hora, coloquei a
coleira em Harry e peguei meu cobertor azul. Eu sabia que era uma
idiota, mas não conseguia me afastar. Não sei o motivo, só sabia que
era lá onde eu pertencia. E por mais que eu soubesse que não era
seguro, especialmente após ter sido encurralada há algumas noites,
não podia deixar de ir até lá. Então, caminhei pela praia, pela rua e,
eventualmente, pela ponte. Fui para o meu lugar de sempre na
campina, atenta para a presença de estranhos. Estava esticando meu
cobertor azul quando o vi.
Estava em uma daquelas garrafas de vidro antigas de Coca-
Cola sobre a grama, a uns sessenta centímetros de mim. Mas não foi
isso que chamou minha atenção. Não, foi o fato de parecer haver um
papel branco dentro dela.
Fui até lá e peguei a garrafa. E com certeza tinha um bilhete
dentro. Sorri, intrigada com a possibilidade de que pudesse ter
encontrado o bilhete de alguém. Talvez fosse um mapa do tesouro.
Ah! Talvez fosse uma carta de amor.
Virando a garrafa, eu a chacoalhei e chacoalhei sem
sucesso, ansiosa e animada para ver o que estava escrito no papel,
caso houvesse algo. Ah, eu torcia para que tivesse. Essa era a coisa
mais entusiasmante que havia acontecido comigo em anos.
Por fim, deslizei meu dedo indicador pelo gargalo da
garrafa e puxei o papel com cuidado para não rasgá-lo, e ele se soltou.
Eu o desdobrei cuidadosamente e, como era de se esperar, havia uma
caligrafia preta. Meu coração acelerou. Que legal.
Mas aí, li as palavras e fiquei confusa. Não era o bilhete
romântico de alguém ou nada que realmente fizesse sentido.
Sentei sobre o cobertor azul com a garrafa e o papel em
meu colo, Harry ao meu lado, tentando entender por que alguém
deixou aquilo na campina, e para quem. Poderia ter sido para mim,
certo? Alguma outra pessoa vinha até aqui olhar para as estrelas ou
alguém escreveu esse bilhete para mim e o colocou nesta garrafa? Eu
o examinei, agora mais confusa do que intrigada.

Hoje é a sua noite de sorte. Olhe para cima como você sempre faz.
Mas, dessa vez, procure por uma estrela brilhante e laranja no céu.

Eu olhei. Olhei para cima, escaneando o céu até encontrá-


la. Assim como dizia no bilhete, e lá estava ela, a estrela quase
vermelha em meio às outras brancas. Olhei novamente o bilhete, meu
coração saindo pela boca a cada batida. Harry choramingou como se
também estivesse ansioso, e colocou a cabeça em meu colo. Eu o
acariciei com a mão trêmula.

É Marte, o “planeta vermelho”. Está mais próximo da Terra do que


esteve em quinze anos e não se aproximará novamente pelos
próximos dezessete, então, deite-se e aproveite enquanto pode.

Virei o papel. Era isso? Levantei a cabeça, observando a


campina, mas não consegui ver muito no escuro.
— Oláááá. Olá! — Chamei, desesperada para que alguém
aparecesse e dissesse que o bilhete era para ele.
Finalmente me levantei, com Harry junto a mim. Caminhei
ao redor do cobertor azul, procurando cuidadosamente. Com certeza
estava errada. Talvez o bilhete da garrafa fosse para outra pessoa; foi
isso o que disse a mim mesma, assustada do jeito que estava. Mas eu
não era boba. Eu sabia. Sabia que era a única que ficava neste lugar.
Era a única que vinha aqui para observar as estrelas. Não, aquilo era
para mim e me deixou aterrorizada. Me deixou empolgada.
Sentei sobre o cobertor, me sentindo nervosa e eufórica ao
mesmo tempo. Olhei novamente ao redor, pensando na noite em que
os homens me cercaram. Boone cercou. Mas e o loiro que tinha me
protegido? Será que ele voltou por mim?
Uma sensação de choque atingiu minha pele. Uma faísca de
algo novo e empolgante.
Tinha que ser isso. O loiro. Mesmo assim, eu não podia
ficar aqui e esperar. Seria burrice. E eu não era burra; era uma
medrosa. Então, fui embora, a garrafa ainda na campina, mas o
bilhete seguro com firmeza em minha mão.
LIV

Eu era uma tola. Super idiota. Boba. Uma jovem tola e


estúpida que não conseguia parar de pensar na garrafa e no bilhete.
Nem se tentasse. E eu tentei. Eu realmente tentei.
— O que você tem aí? — Mel indicou com a cabeça o
pedaço de papel em minha mão.
No flagra. Pega totalmente no flagra. Mas, nesses três dias
desde que encontrei o bilhete, esta não foi a primeira vez que o
examinei. Eu fiz mais do que examinar, na verdade. Estava obcecada.
Procurando por qualquer pista de quem o pudesse ter escrito.
Observei as letras difíceis de serem lidas, escritas por acaso e
rasgadas de um papel de caderno, decidida de que tinha que ser de um
garoto ou de um homem. Apenas um homem escreveria com tamanho
descuido, deliberei. Parecia que eu tinha virado o papel umas mil
vezes. No silêncio do meu quarto. No silêncio das salas de aula.
Quando eu deveria estar prestando atenção às aulas de etiqueta e,
como agora, que deveria estar me preparando para o início da aula de
dança. Eu não conseguia parar. Sempre que minha mente estava
desocupada, ela voltava para o bilhete, tentando descobrir quem o
escreveu.
Dobrando-o rapidamente, eu o coloquei no bolso da minha
calça jeans e sorri.
— Nada.
— Sééério?
— Sim, sério, — respondi nervosa.
Seus lábios rosados se contraíram.
— Papo furado. É um bilhete romântico? — Seus olhos
brilhavam com a perspectiva de um caso amoroso. Minhas bochechas
coraram mesmo sabendo que estava longe daquilo.
Desta vez, eu realmente ri de nervoso.
— Não mesmo. Você sabe que ninguém nesta ilha gosta de
mim, além de você.
Ela arqueou a sobrancelha para mim.
— Papo furado. De novo. E Braden gosta mesmo de você.
— Ela fez uns ruídos de beijo que me deixaram ainda mais corada, e
eu ri.
Balancei a cabeça, desconcertada.
— Eu nem entendo disso.
Ela prendeu seu cabelo loiro em um rabo de cavalo.
— O que você não entende? Você é linda e inteligente.
Ela falou aquilo como se eu sempre tivesse sido linda e
popular, e que todos conheciam. Não era esse o caso. Nunca fui uma
das garotas populares daqui. E ninguém da nossa escola ligava para o
quão estudiosa eu era. Até a semana passada. Agora Braden parecia
ter me notado até demais. Não tinha ideia do porquê ou como isso
estava acontecendo tão de repente. Eu só queria que parasse.
Dei uma cutucada em Mel com o ombro.
— Você também não é ruim. Mas, ainda assim, eu não
entendo. Ele nunca demonstrou interesse em mim, — respondi,
calçando sapatos de saltos.
Ela olhou para os meus seios.
— Eles poderiam ser gêmeos. Parecem ter dado o ar da
graça no último verão.
Olhei para eles. Ela não estava mentindo. Em quatro meses,
fui de quase despeitada para uma Pamela Anderson. Tive um
amadurecimento tardio, mas amadureci. Infelizmente.
Puxei a frente da minha blusa para longe dos meus seios,
tentando abrir espaço para aqueles bad boys e acenei com a cabeça
para Mel.
— Poderiam ser gêmeos mesmo.
— Meninas, — a senhora Donnelly falou do meio da sala
de estar. Toda a mobília havia sido empurrada para os cantos e ela
estava de pé lá no meio, em uma monstruosidade rosa que ela devia
considerar um vestido. Os saltos cor-de-rosa quase me fizeram revirar
os olhos, mas, honestamente, eu estava acostumada. Era a mesma
roupa da semana passada.
— Formem pares! — Seus olhos dispararam em minha
direção e na de Mel. — Vocês duas não. Encontrem outras parceiras.
Pelo amor de Deus! Aquela mulher nos odiava.
Eu me juntei à Olivia Drake. Ela era como um robô
perfeito, eu super me diverti. Só que não.
Após a aula, caminhei sozinha para casa já que a mãe de
Mel a levou para jantar. Estava chateada e não sabia o motivo. Talvez
fosse por causa da conversa sobre Braden. Talvez por causa dos
gêmeos. Ou talvez por causa das aulas de debutante que estavam me
deixando louca. Mas eu sabia que não eram aquelas coisas. Sabia que
era porque eu queria mais do que examinar aquele bilhete. Eu queria
voltar para lá. Para a campina. Para ver se a garrafa de Coca-Cola
ainda estava lá. Era perigoso, mas eu estava curiosa.
A curiosidade matou o gato, Liv, tentei me animar no
caminho de volta para casa. Mais tarde, no meu quarto, deitei na
cama com Harry. Quando as estrelas surgiram no céu, fiquei mais do
que agitada. Tentei não pensar no bilhete na garrafa ou na campina,
por mais que eu a amasse. Foi o último lugar onde passei momentos
importantes com meu pai. Mas eu sabia que não precisava ir até lá
para conversar com ele. Poderia conversar com ele aqui no meu
quarto.
Mesmo assim, peguei meu cobertor e a coleira de Harry, e
saí. Estava praticamente correndo pela rua e pela ponte. Estava úmido
e o suor escorria pela minha testa e se acumulava em minha lombar.
Harry ofegava e fiquei preocupada que ele pudesse ficar quente
demais. Eu não tinha trazido água, por isso desacelerei mesmo
quando a expectativa quase me matava.
Finalmente chegamos à campina e Harry e eu corremos
para o nosso lugar. Não estendi o cobertor, mas levei a mão ao bolso e
senti o bilhete que encontrei na última vez que estive aqui. Sabendo
que ele estava seguro, procurei pela garrafa transparente no local
onde a havia encontrado antes, com um frio na barriga e arrepios em
minha pele.
Se alguma vez eu pensei, mesmo que por um segundo, que
senti frio na barriga, eu estava errada, porque quando vi a garrafa lá
com outro pedaço de papel dentro, não era apenas na barriga. Era no
corpo todo.
Corri adiante, com medo de tocar a velha garrafa de vidro,
mas incapaz de me conter. Eu tinha que saber. Eu a peguei com
cuidado, como se fosse preciosa e não apenas uma garrafa incolor em
uma campina.
Deslizei meu dedo indicador pelo gargalo, a coleira de
Harry esquecida no chão. Mas eu nem me preocupei; ele sempre
ficava comigo. Aquela coleira estava lá mais para o conforto e
tranquilidade dos outros. Meu dedo encostou no papel e senti uma
faísca. Algo maior do que eu. Talvez maior do que as estrelas. Era
mais do que empolgação. Como se estivesse ganhando vida. Era
eletrizante e me iluminou por dentro até que tive a sensação de que
todas as estrelas acima de mim estavam, repentinamente, vivendo em
meu interior.
O bilhete escorregou para minha mão e eu olhei novamente
em volta da campina escura, desesperada para ver quem o tinha
deixado aqui.
Harry deitou aos meus pés enquanto eu desembrulhava o
bilhete. Não sei o que estava esperando, mas não era isso.
Luna,
Está uma noite muito clara, por isso, encontre a estrela mais
brilhante do céu. Essa estrela reluzente, Sirius, é a principal da
constelação Cão Maior. Quase parece um boneco. Consegue ver?

Procurei pela estrela mais brilhante do céu e, é claro que ao


olhar mais para baixo, parecia que havia um corpo com braços e
pernas. Dei um sorriso antes de voltar a olhar para o bilhete.

Cão Maior representa o famoso cão grego, Laelaps. Existem algumas


histórias sobre sua origem, mas a mais comum é a de que ele era tão
rápido que foi elevado aos céus por Zeus. Laelaps também é
considerado um dos cães de caça de Órion e o acompanhava pelo
céu noturno em busca de Touro, assim como seu cachorro
acompanha você.
Até a próxima, quando eu a vir sob as estrelas.

Era só isso? Mais nada? Nem um nome ou uma dica? Era o


mesmo garrancho de antes, no mesmo tipo de papel de caderno. E
agora eu estava completamente convencida de que tinha que ser para
mim. Ele mencionou meu cachorro, pelo amor de Deus. Ele estava
me observando? Mas ele escreveu “Luna”.
Tirei meu celular do bolso, frustrada, a empolgação que
havia sentido se esvaindo. Abri o navegador e pesquisei por Luna.
Luna geralmente faz referência à Lua da Terra —
Luna (deusa), a antiga personificação divina
romana da Lua.

A lua? Uma deusa? Mas o que isso tinha a ver com a lua?
Eu queria respostas.
— Você está aí? — Gritei em meio a escuridão. — Olá! —
Girei em círculos na campina. Que tipo de jogo essa pessoa estava
jogando? Por um segundo pensei que talvez fosse Braden ou
Sebastian, e aquele pensamento causou náuseas. E se tudo isso fosse
apenas uma grande piada às minhas custas? Ou talvez fosse o cara da
outra noite. O que tentou afastar Boone de mim.
Eu meio que esperava que o garoto loiro aparecesse a
qualquer momento na minha frente e dissesse que era alguma
pegadinha, mas isso não aconteceu.
Olhei novamente para a Cão Maior, mas não sorri. Pela
primeira vez, não queria olhar para as malditas estrelas. Queria saber
quem estava fazendo isso. Queria saber onde essa pessoa estava.
Quando ela me deixou aquele bilhete. Eu tinha aproximadamente mil
perguntas e nenhuma resposta. Estava decepcionada. Então peguei
meu cobertor, agarrei a coleira de Harry e saí de lá. Admitia que
estava chateada de um jeito irracional com a pessoa misteriosa que
estava me deixando os bilhetes. Eu queria saber por quê! Como!
Como uma criança malcriada, fui pisando forte o caminho
todo de volta para casa, o que exigiu mais energia do que eu imaginei.
Estava cansada quando cheguei na mansão, por isso não reparei no
carro de polícia na entrada. Quando abri a porta e vi o xerife
Rothchild parado na antessala, parei, espantada. Estava tarde. Por que
ele estava aqui?
— Senhorita Montgomery! — Ele sorriu para mim como se
não fosse dez horas da noite e ele não estivesse dentro da minha casa.
Lhe dei um sorriso fraco.
— Oi, xerife. Aconteceu alguma coisa? — Na minha
opinião, autoridades não apareciam para chamados tarde da noite a
menos que houvesse algo de errado. E eu não vi nada alarmante.
Os saltos de Georgina batiam contra o azulejo quando ela
entrou na antessala e me deu um sorriso meigo demais em meio ao
seu batom vermelho.
— De forma alguma, Livingston. O xerife só deu uma
passada para tratar de negócios comigo. Você sabe que estou
planejando uma campanha de arrecadação de fundos para o
departamento de polícia.
Ela estava com a aparência muito boa para dez da noite.
Seu cabelo loiro oxigenado estava perfeitamente arrumado, e sua
maquiagem, sem defeitos. O vestido tubinho preto não tinha um
amassado que pudesse ser visto.
E eu não dava a mínima para o que ela fazia ou deixava de
fazer em seu tempo livre, especialmente com relação ao departamento
de polícia. Droga, eu nem entendia por que o departamento precisava
arrecadar fundos. O xerife Rothchild era cheio da grana. Todos daqui
eram.
Olhei de volta para o xerife e ele me deu uma piscadela e
um sorriso que me fez lembrar muito de Braden. Isso não deveria me
surpreender já que o xerife Rothchild era pai dele. Eles se pareciam
muito e algumas de suas feições eram tão idênticas que assustavam,
principalmente porque Braden, até onde eu sabia, só ficava com ele
nos finais de semana. Seus pais estavam divorciados há mais tempo
do que eu estava na ilha.
O xerife olhou para mim e para Harry. O cobertor embaixo
do meu braço chamou sua atenção.
— Esteve na rua até tarde em dia de semana. — Seu tom
era ao mesmo tempo acusatório e questionador, mas não dei
confiança. Não era da sua conta o que eu fazia, por isso, apenas sorri.
— Está muito tarde, — Georgina acrescentou. — Espero
que não tenha perdido as aulas desta tarde.
— Não, senhora, — respondi enquanto tirava Harry da
coleira.
Afastando o cabelo dos ombros, ela assentiu.
— Boa garota. Irei acompanhar o xerife até a porta.
Revirei os olhos. Aquela mulher não se importava com o
que eu fazia desde que eu fizesse as coisas que ela queria. Ela não
ligava até que horas eu ficava na rua ou com quem eu saía. Nem eu
ligava. Ou para onde eu ia, contanto que não faltasse às aulas ou
eventos sociais que ela queria que eu fosse. Ela era um ótimo
exemplo de mãe.
— Boa noite, Livingston, — o xerife disse sobre os ombros
enquanto eu seguia para a escada.
Dei um rápido aceno e disparei pelos degraus em direção ao
meu quarto com minha mão já dentro do bolso.
Tirei os bilhetes e os desdobrei, segurando-os em minhas
mãos. Por mais que eu ainda estivesse com raiva da pessoa
misteriosa, jamais esquecerei o que ela me fazia sentir. Ela me
deixava frustrada. Mais do que isso, me assustava. E não pelo fato de
que havia um desconhecido aleatório me deixando bilhetes em uma
garrafa na campina. Isso deveria ter me apavorado, mas não
apavorou, porque a minha vida nesta ilha me amedrontava mais. Não,
aqueles bilhetes pareciam um monte de sonhos em um papel. Mesmo
que fossem apenas direções de para onde olhar no céu para ver a
magia das estrelas. Eles pareciam ser mais. Como se meu pai, quem
havia me dito para olhar para cima, os tivesse deixado lá para eu
encontrar. Sabia que não era esse o caso. Então, só conseguia
acreditar que ele tinha enviado alguém. Alguém que me faria passar
por tudo isso. Alguém que me deu algo tão assustador que fazia
minhas mãos tremerem em volta dos papéis.
Esperança.
ADAM

Caramba, eu estava me transformando na porra de um


stalker, mas mesmo assim, continuei voltando, incapaz de me manter
afastado por um único dia sequer. Eu a observava. Tudo começou
com aquele bilhete na garrafa. Sabia que era uma noite especial. Eu
mesmo estaria olhando para Marte à noite e, por alguma razão idiota,
não podia suportar a ideia de que ela o perdesse. Agora era eu quem
não podia suportar perdê-la de vista.
Às vezes, ela olhava ao longe, ficava irritada e esbravejava.
Eu ria, porque ela era fofa demais. Batia os pés e ia embora, e eu
ficava triste por vê-la ir, mas pelo menos sabia que estava indo para a
proteção de sua casa e não estava deitada na campina implorando por
encrenca.
Em outras noites, ela lia meu bilhete, deitava sob as estrelas
e procurava os planetas ou constelações que eram visíveis naquela
noite. Algumas vezes ficava nublado demais para ver as estrelas,
então eu deixava a garrafa vazia. Às vezes, as estrelas pareciam estar
tão perto que eu pensava que talvez pudesse tocá-las, e deixava na
garrafa, em um pedaço de papel de caderno rasgado, o nome de uma
constelação para ela observar. Sim, as noites variavam dependendo da
visibilidade, mas uma coisa permaneceu a mesma: eu. Eu sempre
vinha e sempre observava. Isso continuou de forma constante por
semanas, eu deixava mais e mais bilhetes, terminando cada um com
minha assinatura: “até a próxima, quando eu a vir sob as estrelas”.
Era cafona e sem graça, mas eu não ligava. Queria ver aquela garota
sorrir pelas lentes do meu binóculo, e eu consegui. Queria ter certeza
de que ela estava segura. Eu me preocupava que ela viesse para cá
sozinha. Ficava aflito por ela vir para cá em vez de ir para casa.
Algo me dizia que essa garota precisava de alguém para
fazê-la sorrir, para cuidar dela, e eu jurei há dez anos que nunca
decepcionaria alguém que precisasse de minha ajuda de novo. Ela
pode até ter se assustado na primeira vez, mas agora, parecia estar
adorando, e eu não me cansava dela. Todas as noites eu corria para
cá. Meu pai chegou a comentar sobre minha ausência mais de uma
vez. Até Raven tinha notado que não estive muito presente
ultimamente. Fiquei com medo do que aquilo dizia sobre mim —
preferir observá-la ao invés de ficar com meus amigos e família.
Luna, eu a chamava como a lua. Porque não conseguia tirar
da cabeça sua imagem de vestido. Ela, branca como leite, usando um
longo vestido branco, deitada na campina, parecendo a lua em meio
às estrelas.
Eu me escondi na grama alta, atrás de uma única árvore a
uns cem metros de distância. A observei enquanto abria meu bilhetes,
um pequeno sorriso no rosto, e a olhei fixamente enquanto ela
observava as estrelas. Ela falava sozinha, com o cachorro, até fechou
os olhos e ficou deitada lá. Eu estava viciado, como um drogado que
prometia ser a última vez e voltava dia após dia, dizendo a mim
mesmo que isso não se repetiria de novo. Sabia que era mentira. Não
conseguia parar. Mas também não era bom com as palavras. Nunca
fui. Sempre fui do tipo quieto e reservado. Esses bilhetes eram a coisa
mais doida e extrovertida que já tinha feito sem que fosse por puro
egoísmo. Não sabia como parar e percebi como aquilo era assustador.
Quanto mais eu a observava, menos eu me importava. Eu só queria
estar perto dela.
ADAM

Eu já tinha feito muitas coisas na vida que não foram


inteligentes. Assaltei lojas de conveniência. Roubei cigarros e bebidas
alcoólicas. Colei nas provas. Matei aula. Usei drogas. Não dei um
beijo em minha mãe antes de ir para a escola no último dia em que a
vi com vida. Fiz tudo isso, mas, por alguma razão, enquanto eu seguia
a garota da campina e atravessava a ponte, tive a sensação de que essa
era a coisa mais estúpida de todas.
De alguma maneira, sabia que estava fora de mim, não
apenas por estar perseguindo alguém. Nem mesmo por saber que o
xerife Rothchild me odiava e estava procurando um motivo para me
jogar na cadeia. Não, não foram essas coisas que me fizeram hesitar
quando finalmente alcancei o lado da ponte que ficava na ilha. Não,
era ela. A garota sem nome que observava as estrelas. Duas semanas
observando-a e eu estava obcecado. O que aconteceria quando eu
descobrisse onde ela morava? Qual era o nome dela? Deus, eu queria
saber. Queria saber tudo. Cores favoritas, comidas que amava, por
que ela ficava deitada na campina. Queria saber como era sua voz.
Quantos anos ela tinha. Droga, ela parecia ser bem jovem. Queria
saber todas aquelas coisas. Era como se meu cérebro pudesse explodir
com tudo o que eu queria perguntar a ela. E aquilo... aquilo era o mais
apavorante. Eu queria demais. Mas sabia que todas aquelas coisas não
eram para mim. Por isso, tinha ficado longe. Até agora, no caso. E foi
por esse motivo que soube que eu era burro para caralho.
Ainda assim, eu a segui até em casa como um otário. Fiz
questão de manter meus olhos abertos por causa do Xerife Babaca e
de ficar longe o suficiente para que ela não pudesse me ver. Passei a
maior parte da minha vida me escondendo, mas os últimos quatorze
dias foram um verdadeiro exercício e eu me sentia um profissional.
Chegamos em sua casa na praia que ficava a dez minutos da ponte.
Quer dizer, alguns poderiam chamar aquilo de casa, mas eu chamava
de mansão. Ela entrou com o cachorro e eu fiquei parado na calçada,
observando. Notei, no caminho até a casa, que gostava do jeito como
ela andava. Não era como se estivesse passeando ou dando uma volta
em um ritmo acelerado. Não, ela caminhava sobre a ponta dos dedos
e quase nunca usava os calcanhares. Era adorável e me lembrava um
salto lento.
Eu sabia que ela era rica. Deu para perceber por suas roupas
e pelo simples fato de que ela era da ilha, mas isso me surpreendeu.
Olhei para os carros caros na entrada, meus pés se aproximando e
entrando no jardim sem que eu me desse conta. Eu estava registrando
cada pequena informação que conseguia — seu endereço e a cor de
sua casa — quando ouvi o ranger da porta se abrindo e soube que
estava fodido. Muito fodido, porque não conseguia me mover. Eu me
sentia colado no chão, esperando, quase que aguardando esse
momento. Era como se eu tivesse vindo até aqui para que isso
acontecesse. E talvez tenha sido isso mesmo. Era como se eu não
pudesse esperar mais um dia para ficar perto dela. Eu era um idiota.
O barulho da coleira do cachorro foi seguido por passos e lá
estava ela, o mais perto que já esteve de mim desde o dia com Boone
e Grady. Lá estava, pernas muito magras, lábios muito cheios e tudo
mais. Estava começando a gostar daquela boca que parecia ter muitos
dentes. Ela usava uma legging preta e uma camiseta larga. Minha
boca ficou seca, passei a mão pelo cabelo, mas não conseguia me
mexer. Meu coração disparou dentro do peito, minha respiração
acelerada.
Ela continuou vindo em minha direção até parar na parte
superior da entrada de carros e eu fiquei na parte de baixo. Estava
descalça e seu cabelo estava solto, movendo-se com a maresia que
vinha do oceano, e seus olhos... eles estavam sobre mim.
Ela me olhou com os olhos semicerrados enquanto o
cachorro se deitava aos seus pés. Ótima proteção que ele era. Eu
continuava olhando, com medo de me mover. Queria vê-la de perto e
sabia a loucura que era, mas não dava a mínima.
Era como se estivéssemos em um tipo de transe estranho e
distorcido até que ela finalmente falou.
— Você. — Isso foi dito em um sopro de descrença e
acusação.
Não foi uma pergunta e eu não costumava falar muito, por
isso, trouxa do jeito que era, fiquei lá, encarando-a.
Ela se aproximou devagar, o cachorro logo atrás, até que
tivesse caminhado toda a extensão da entrada de carros e parou a
menos de trinta centímetros de mim. Meu coração reverberava no
peito. Eu não era um stalker de verdade, mas tive a sensação de que
esta noite poderia ser a primeira vez na história da minha vida que
alguém me chamaria de um.
Ela franziu o cenho ao olhar para mim.
— Você me seguiu da campina até aqui? — Ela mordiscou
o lábio nervosamente. Eu queria tocá-lo com meu dedo, implorá-la
para que não machucasse aquela boca que eu estava começando a
gostar.
Ao invés disso, assenti, sem saber o que dizer, deixando seu
tom profundo, quase sensual, me inundar. Sua voz não era como eu
havia esperado e, ah, como esperei... Pensei nessa garota mais do que
poderia admitir. Então, prestei atenção, esperando por suas próximas
palavras, mas tudo o que conseguia ouvir eram os estrondos do meu
coração.
Isso foi um erro, mas era um que eu não tinha poder para
reparar.
Seus olhos castanhos ficaram vidrados em pensamento e
dispararam de volta para mim.
— Espere. Então você… — Seu dedo apontou em minha
direção. — Você… Ah, meu Deus. Foi você quem me deixou os
bilhetes? — Ela estava incrédula, mas ninguém ficou mais chocado
do que eu com as merdas que fiz nas últimas semanas.
Assenti novamente, erguendo a mão e procurando pela
linha minúscula em minha testa sobre a qual Raven tinha falado.
Pressionei o vinco, irritado. Por que ela estava tão surpresa que fosse
eu? Quem ela pensou que era? Estava irado de um jeito absurdo com
o outro cara que estava stalkeando essa garota, e eu nem sabia o nome
dela. Eu era louco.
Levei a mão ao bolso para pegar um cigarro e o isqueiro,
esperando que a nicotina me acalmasse.
— Mas pensei que fosse… — Sua voz se esvaiu quando
acendi meu cigarro.
Arqueei a sobrancelha, indicando para que ela continuasse e
me dissesse quem ela pensou que estivesse observando-a e deixando
os bilhetes. Eu provavelmente mataria esse cara.
Ao invés disso, ela se afastou e apontou para mim de novo.
— Você está fumando? — Ela torceu o lábio em
desaprovação.
Assenti novamente com a cabeça.
Foi a vez dela de ficar indignada.
— Você fala pelo menos?
Assenti de novo e ela balançou a cabeça, incrédula, antes de
diminuir o espaço entre nós e arrancar o cigarro da minha boca tão
rápido que me pegou de surpresa. Fiquei perplexo. As pessoas não
arrancavam nada de mim. Elas tinham medo. O que não era o caso
dessa garota ousada. Eu deveria saber disso.
— Fumar é nojento, — ela disse baixinho como se não
fosse nada de mais, mas eu sabia que para ela, era.
A garota se abaixou e apagou a ponta do cigarro no chão da
entrada de carros antes de se levantar e colocá-lo no bolso.
Dei um sorriso sarcástico.
— Você vai ficar com isso?
Seus olhos arderam de raiva.
— Não, vou jogar no lixo porque não sou porca.
— Porquinha, — murmurei, balançando a cabeça.
Ela estava sendo adorável. A garota das pernas muito
longas e boca grande, que eu não conseguia tirar da cabeça, também
era fofa demais. Eu estava ferrado.
Queria abrir um sorrisão para sua ternura, mas segurei
minha felicidade dentro do peito. Só Deus sabia que isso sempre tinha
um preço. E eu estava cansado de pagar por isso.
— Você beija sua mãe com essa boca cheia de fumaça? —
Ela perguntou sarcástica, claramente irritada com o meu sorriso.
Baixei minha cabeça e dei um passo para trás, passando a
mão pelo meu cabelo escuro. Queria contar coisas a essa garota.
Coisas que eu não devia contar, como o fato de que eu não beijava
mais a minha mãe. Em vez disso, fiz a pergunta que estava me
atormentando desde que ela pareceu surpresa que era eu quem tinha
deixado os bilhetes.
— Quem você pensou que fosse?
Seu rosto se contorceu em confusão.
— O quê?
Endireitei minha postura e lambi os lábios antes de
responder.
— Quem você achou que estava deixando os bilhetes?
Eu me sentia vulnerável de um jeito estranho naquele
momento, esperando pela resposta que não gostei nem um pouco. Por
que me importava quem escrevia para ela ou não? Ou quem mais a
considerava a coisa mais intrigante do mundo? Pelo amor de Deus,
ela era apenas mais uma vadia rica da ilha. Por que eu me importava
com o que ela estava prestes a dizer?
A garota mordiscou o lábio de novo e eu continuei
querendo estender a mão para soltá-lo de seus dentes. Era um gesto
sedutor, até mesmo inocente, o que a tornava ainda mais atraente.
— Não sei. — Ela franziu o cenho, pensativa, e olhou para
longe, quase como se não quisesse me responder. Mas então seu olhar
retornou para mim. — Pensei que fosse o outro cara…
— Boone? — Interrompi em voz alta.
Uma expressão enojada cruzou seu rosto.
— Meu Deus, não. Ele não. O loiro. O outro cara.
Soltei um longo suspiro acompanhado de uma risada
sarcástica.
— Grady? — O cara não tinha nem terminado o ensino
médio e ela pensava que ele sabia algo de astronomia. Eu teria rido se
a situação toda não tivesse me aborrecido tanto.
Seu olhar se iluminou.
— Esse é o nome dele?
Peguei o maço de cigarro de novo.
— Você gosta dele ou algo do tipo?
— O quê? Não!
Fui para a rua e acendi meu cigarro longe dela. Ela
começou a me seguir.
— Para onde está indo?
— Para casa.
— Mas eu nem sei o seu nome! — Ela gritou e bateu o pé.
Quase sorri de novo.
Eu me virei e comecei a andar de volta para a ponte.
Também não sabia o nome dela e eu queria perguntar, mas só em
saber onde ela morava, como era sua voz e as caretas que fazia
quando estava irritada foi suficiente por hoje.
Pegaria tudo o que descobri e iria embora antes que ela me
fizesse matar um dos meus amigos mais antigos.
— Deixa para a próxima, — respondi, tentando ao máximo
não olhar para trás. Não queria lhe dar o gostinho de saber o que ela
tinha feito comigo. Não quando ela pensava que Grady havia deixado
a droga dos bilhetes. Isso não me surpreendia. Foi ele quem tentou
afastá-la de Boone, mas porra, fui eu quem pôs fim em tudo. Fui eu
quem a observou todas as noites. Fui eu quem lhe contou sobre as
estrelas. Grady é o caralho.
Eu estava revirando os olhos quando a ouvi gritar atrás de
mim.
— Amanhã! Você vai me contar amanhã.
LIV

— Liv, você me ouviu? Liv!


Meus olhos dispararam para Mel e abandonaram a vista do
oceano.
— Desculpe, — falei ofegante ao seu lado, enquanto
corríamos pela praia.
Era fim de semana e tínhamos nos levantado cedo para
correr porque nossos pais insistiram. Nada de estar acima do peso
para sua festa de debutante. Revirei os olhos. Mel falava
repetidamente sobre um cara que conheceu em uma festa outra noite,
mas eu era uma péssima amiga porque tudo o que conseguia pensar
era na noite passada.
E mesmo que estivesse observando o lindo nascer do sol na
praia da Carolina, eu não o notei de verdade. Não, ainda estava presa
à entrada de carros, descalça e com o cara tatuado parado na minha
frente. Imagine o choque. Nunca sonhei nem por um momento que
era ele quem estava deixando os bilhetes. Principalmente porque a
pessoa que os deixava para mim conhecia muito sobre as estrelas,
mas aquele cara? Ele não parecia saber muito sobre nada, com
exceção de como se envolver em encrenca.
Mas era ele. Olhos azuis dolorosamente frios e tudo mais.
Ele ficou lá parado em toda sua beleza no anoitecer. Não sei o que me
possuiu e me fez voltar para fora naquela noite. No fundo, eu já sabia.
Aquelas tatuagens coloridas que se destacavam em sua pele como
pequenos quadros na parede branca de um museu. Seu cabelo negro e
comprido demais, seus olhos me devorando.
Finalmente o conheci, ele me seguiu até em casa e ficou lá,
parado, aparentemente perdido no começo e, de repente, aborrecido.
Comigo foi diferente. Eu me senti segura com ele. Arranquei o
cigarro de sua linda boca e exigi saber seu nome. Sorri ao lembrar
daquele momento. Que ousadia. Fui muito foda.
— O que você está pensando?
— Nada, — ofeguei, limpando o suor da minha testa.
Eu não diria a ninguém sobre o garoto tatuado. Não, ele era
um segredo meu. Além do mais, se Georgina descobrisse sobre ele,
ficaria possessa. Aquelas tatuagens e pose de bad boy não eram bem a
praia dela. Não que eu não quisesse contar para Mel. A questão é que
eu não podia. Eu queria contar tudo. Essa era uma das coisas mais
empolgantes que já aconteceu comigo. É claro que queria
compartilhar com ela, mas sabia que não devia.
Ela parou no meio do caminho e se inclinou, tentando
recuperar o fôlego. Seus olhos azuis brilhavam.
— Você conheceu alguém.
Ri de nervoso e continuei minha corrida como se ela não
tivesse adivinhado tudo.
— O quê? Não! Você está doida.
— Não, não estou, — ela disse, sentando e esticando as
pernas. — Você nunca fica avoada assim. Mas agora eu entendi. Você
sonhou acordada a manhã inteira.
Neguei na cara dura.
— De jeito nenhum. Nunca fiquei com ninguém da ilha.
Você sabe disso.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Ah, então você conheceu alguém que não é da ilha?
Meu rosto ficou em chamas.
— Não. Não há ninguém. Só estava pensando sobre as
coisas da escola, as aulas de etiqueta e o baile de debutante idiota que
está se aproximando. Estou sobrecarregada, não apaixonada, sua
doida!
Ela começou a andar lentamente de volta para casa e eu a
acompanhei.
— Não disse que você estava apaixonada. Disse que você
conheceu alguém.
— Você está errada. — Se era para mentir, você tinha que
se agarrar à mentira.
O olhar que ela me lançou demonstrava que sabia que eu
estava mentindo, por isso apenas sorri e pisquei os olhos docemente.
— Então tá. Não me conte sobre o seu namoradinho.
Contraí os lábios antes de dizer:
— Como você sabe que não é namoradinha? — Lambi os
lábios e ela percebeu o gesto.
Seus olhos ficaram arregalados.
— Minha nossa! É?
Parei na praia para que eu pudesse rir.
— Fala sério, Mel, — eu disse em meio a risadas. — Você
me conhece há anos. Não acha que eu teria falado se fosse lésbica?
Ela jogou as mãos para o alto.
— Como eu poderia saber? Você parece o Fort Knox com
tantos segredos. Você guarda tudo com tanto cuidado.
Seu rosto estava corado e ela cruzou os braços contra o
peito. Eu conhecia Mel tempo suficiente para saber que ela estava
ficando chateada, mas continuei rindo até que ela finalmente se
aproximou, me olhando nos olhos.
— Você é uma idiota, Livingston Montgomery! — Seu
rabo de cavalo balançou quando ela se virou e saiu andando como um
furacão pela praia.
Eu sorri e gritei:
— Não! Mas sim, eu gosto de um pau!
Nunca tive um pau na vida, então não sabia se gostava ou
não, mas não pude perder a oportunidade de atazanar Mel.
Ela parou o tempo suficiente para disparar um olhar em
minha direção enquanto gritava:
— Que engraçado.
Corri para alcançá-la, ainda rindo baixinho. Puxei seu rabo
de cavalo esvoaçante.
— Não fique chateada, Mel. Eu só estava brincando.
Ela me olhou pelo canto do olho e tentou segurar um
sorriso.
— Eu sei. Mas você ainda é uma idiota.
Assenti.
— Eu sou. Você me perdoa?
— Vou pensar no seu caso.
— Ótimo. Não quero que a única pessoa de toda Saint
Ashley que gosta de mim de verdade, fique aborrecida comigo.
Ela revirou os olhos.
— Você é tão dramática. Não sou a única pessoa que gosta
de você.
— É sim, — falei distraída.
— Braden gosta de você.
— Braden gosta de qualquer uma que tenha uma vagina,
Mel. Ele não conta.
Ela cutucou meu ombro.
— Você devia dar uma chance a ele. Ele é um cara bacana,
tem dinheiro e o pai dele é o xerife.
Não disse para Mel que aquelas qualidades não
significavam nada para mim. Não, eu queria um homem que me
achasse extraordinária. Que me amasse. Eu só queria um homem.
Não um garoto que se considerava importante por causa de sua classe
social. O amor não podia ser medido com dinheiro.
Chegamos em minha casa bem a tempo de evitar mais
conversas sobre Braden, então, acenei para Mel e entrei, grata por ser
final de semana, quando as aulas de etiqueta e a escola eram
inexistentes. E apesar de eu não ir à campina nos finais de semana, eu
iria hoje à noite, porque falei para ele “amanhã” e, finalmente, já era
amanhã. Foi uma longa espera a noite toda em minha casa,
imaginando qual seria o nome dele. Imaginando o que ele diria para
mim. Eu mal consegui dormir.
Estava sonhando acordada com o garoto das tatuagens de
novo, quando fui até a geladeira pegar uma garrafa de água gelada.
Me virei, fechei a porta e colidi com um corpo forte.
— Ai! — Minha garrafa de água rolou pelo chão e
Sebastian se abaixou para pegá-la.
Fiquei parada lá, encarando-o enquanto ele bloqueava a
saída da cozinha. Estendi minha mão, esperando ele me devolver a
garrafa mesmo sabendo as merdas que ele costumava fazer.
O idiota não me devolveu; pelo contrário, ele a manteve
firme em sua mão bem ao seu lado.
— Vem pegar, Livingston.
E eu fui. Me estiquei o bastante para não ter que chegar
nem um centímetro perto dele e arranquei a garrafa de sua mão.
— Dá para sair do caminho? — Rebati, minha mão firme
ao redor da garrafa.
Ele assentiu.
— Claro.
Comecei a seguir adiante, mas ele ainda bloqueava minha
passagem, então recuei, decidida a não chegar perto para que ele não
pudesse fazer algo sinistro, como me cheirar ou sussurrar em meu
ouvido. O pensamento me causou arrepios.
Ele sorriu e fiquei enjoada. Ele sempre fazia isso; fingia ser
amigável e depois aplicava o golpe mortal.
— Vou sair. No momento em que me disser onde tem ido
todas as noites.
Engoli em seco. Apavorada que ele soubesse. Com medo de
que ele tivesse me seguido. Pensei que fosse cuidadosa. Sempre fiz
questão de saber se ele estava em casa ou esperava até que todos
estivessem dormindo. Percebi como eu estava errada. Sebastian
estava sempre me observando, sempre esperando por um momento de
fraqueza para atacar. Sempre buscando um jeito de se meter na minha
vida.
Dei de ombros e olhei para o chão. Eu era uma péssima
mentirosa, mas mentiria o quanto pudesse. De jeito nenhum contaria
para Sebastian sobre a campina do meu pai. Sobre os bilhetes. Sobre
o cara tatuado que me esperava lá.
Fiquei desnorteada. Como eu sairia hoje? Será que ele
ficaria observando e aguardando eu sair? Será que me seguiria pela
ponte e arruinaria o único lugar que eu ainda tinha? Arruinaria minha
chance de finalmente conversar com o garoto que tinha acabado de
aparecer?
— Não tenho conseguido dormir. — Dei chutinhos no
azulejo com meu tênis e mais suor se acumulava nas minha costas.
Era como se eu estivesse sob uma lâmpada de aquecimento, e não sob
o olhar atento de Sebastian. — Às vezes vou até a praia. Acho que é
estresse por causa do baile. Por conta de todas as aulas com a senhora
Donnelly.
Olhei para ele de forma breve para ver se tinha acreditado
na mentira. Seus lábios estavam contraídos, como se ele estivesse
pensando, e houve um rápido segundo em que pensei que sairia
impune.
— Sozinha?
Olhei para ele, atordoada com a pergunta. Ele colocava
todos os garotos da escola para correrem. Com quem ele achava que
eu estava indo caminhar?
— Sim. Sozinha, — respondi baixinho, nauseada e cansada
disso. Cansada de ter que me preocupar com Sebastian. Exausta dos
interrogatórios e intimidações. Exausta de me preocupar
constantemente. De pisar em ovos.
— Uhm, — ele resmungou, seus olhos castanhos
pensativos, sua altura, ameaçadora. Sebastian era grande, forte e
inteligente. Podia ser uma combinação mortal quando queria. Mas ele
deve ter decidido me dar uma folga, porque se moveu para o lado e eu
não perdi tempo imaginando o porquê. Corri para o quarto, direto
para o chuveiro.
Tranquei a porta e, enquanto tomava banho, presumi que
ser cuidadosa já não era mais o suficiente. Ele estava no meu
pescoço. Não poderia correr o risco de ele descobrir sobre a campina,
meus bilhetes sobre as estrelas ou meu garoto tatuado. Ele os tiraria
de mim com toda brutalidade possível, e eu não podia correr esse
risco.
Terminei de tomar banho a tempo de me juntar à minha
madrasta e seu filho para o jantar. Comemos em silêncio, mas os
olhos de Sebastian nunca estiveram tão atentos. Eles raramente se
moviam para longe de mim, mesmo enquanto ele cortava o bife.
Soltei um bocejo ao fim do jantar, alegando estar exausta, e
fui para a cama. Harry e eu subimos os degraus, apaguei as luzes e
deslizei para debaixo das cobertas com meu celular, Harry aquecendo
meus pés. No meu celular, assisti vídeos no YouTube até tarde para
ter certeza de que todos estavam dormindo, especialmente o babaca
louco do Sebastian.
Não levei Harry. Fiquei com medo de que os ruídos de suas
unhas contra o chão pudessem acordar alguém, portanto, éramos
apenas eu e meu cobertor azul andando sorrateiramente pela noite.
Orando para que o garoto tatuado ainda estivesse esperando
por mim, corri pela ponte em minha calça preta de yoga e camiseta do
Preparatório Saint Ashley, meus chinelos azuis beliscando meus
dedos. Passei pela grama com a rapidez de um raio, a agitação
servindo de estímulo, quando cheguei ao meu lugar na campina.
Esperei até mais tarde para ter certeza de que todos estavam
dormindo mesmo. Olhei ao redor, procurando pela minha garrafa de
Coca-Cola, mas, o mais importante, procurando o garoto.
Nada. Nada de garrafa de refrigerante. Nada de bilhete.
Nada. As nuvens estavam tão densas esta noite que não havia estrelas.
Eu poderia ter chorado.
— Oláááá, — gritei, mas fui recebida pelo silêncio.
Minha respiração ficou pesada e meu coração parecia dar
pancadas em meu peito. Ai, meu Deus. Era o fim. Ele não estava
aqui. Ele não deixou nenhum bilhete. Estava tudo acabado. Ele se
cansou de mim depois da noite passada. Eu tinha certeza de que uma
crise de pânico era assim. Não entendi por que estava tão devastada.
Tinha acabado de conhecê-lo, mas acho que essa era a razão por eu
estar tão triste. Não cheguei a saber seu nome, por que ele deixou os
bilhetes ou como ele sabia tanto sobre as estrelas.
As lágrimas queimavam meus olhos quando joguei o
cobertor no chão à Deus-dará e me sentei. Estava mais do que
decepcionada. Levei as mãos ao rosto, tentando segurar as lágrimas.
Fui idiota. Por que criei expectativas com um bad boy tatuado? Eu
não era assim. Mas ele me iludiu. Ele me iludiu com as estrelas, com
os bilhetes românticos e a droga da gar…
— Você está atrasada, — uma voz profunda me afastou do
meu tormento.
Olhei para cima através da minha visão embaçada e lá
estava ele, a fonte de toda minha tristeza. Deus, ele era bonito, e não
porque eu estava aliviada em vê-lo. Ele estava parado bem acima de
mim, mas eu ainda conseguia ver os músculos embaixo de sua
camiseta branca apertada que combinava com a calça jeans escura e
apertada. Meus olhos o devoraram como se ele fosse meu lanche
favorito. Movi meu olhar para as botas pretas que pareciam ser
imitações de uma Dr. Martens, e eu estava praticamente desmaiando.
Ele era intimidador, mas Deus, era lindo. Meu olhar percorreu seu
corpo e as tatuagens que surgiam pela gola de sua camiseta, em seu
pescoço. E aquele maxilar. Era firme e quadrado — inflexível. Eu
queria tocá-lo. Então meus olhos encontraram os olhos azuis e
gelados dele. Eles não sorriam. Não eram amigáveis mas, ainda
assim, meu estômago deu uma cambalhota enquanto eu o observava.
Seu cabelo estava bagunçado, como se ele não penteasse há algum
tempo, mas isso não importava. Era perfeito assim.
Ele era o típico bad boy, mas tudo nele era bom demais.
Não conseguia parar de olhar, e foi provavelmente por isso
que ele finalmente perguntou:
— Você vai chegar para lá ou o quê?
— Ah, — murmurei atordoada, chegando para o lado para
abrir espaço no cobertor azul.
Quando ele estava sentando, minha mente de repente voltou
a funcionar.
— Espere! — Exclamei.
De agachado, ele voltou a ficar de pé do meu lado.
— O quê? — Ele parecia alarmado.
Por mais que eu me sentisse fascinada, não deixaria que ele
fosse outra pessoa em minha vida que me controlasse e passasse por
cima de mim.
Olhei para o cobertor azul.
— Você tem que me dizer seu nome antes de se sentar no
cobertor do meu pai, garoto tatuado.
Ele arqueou perigosamente sua sobrancelha em minha
direção.
— Garoto tatuado?
Falei uma palavra em resposta, deixando seus olhos
arregalados. Ele só podia estar brincando. Ele também tinha apelidos
para mim.
— Luna?
Ele assentiu, pensativo, antes de responder.
— Adam. Adam Nova.
Pisquei, sem acreditar.
— Nova?
Como a estrela. A estrela que resplandecia até explodir. Eu
tinha certeza que uma supernova era assim. Parecia impossível que
um cara que conhecia as estrelas tivesse um sobrenome daquele. Ele
devia ser muito convencido.
— Sim, — ele disse, sentando perto de mim como se
fizéssemos isso a vida toda. Como se não fosse uma grande coisa.
Como se eu não estivesse sentindo frio na barriga. Como se não fosse
o acontecimento mais épico da minha adolescência.
— Você está brincando?
— Não.
Sabe o quê? Eu queria saber mais. Como um cara que
conhecia as estrelas tinha o sobrenome Nova?
— Você vai explicar?
— Não, — ele resmungou ao se reclinar para trás,
observando o céu encoberto.
Deitei perto dele. Foi tão esquisito quanto você poderia
imaginar. Eu estava tensa e assustada, apenas uma garota de dezesseis
anos que nunca havia beijado, muito menos deitado com alguém em
um cobertor sob as estrelas.
Então, fiz o que normalmente faço quando me sinto
envergonhada e estranha: falei, porque eu era o tipo de pessoa que
não conseguia evitar.
— Quer saber o meu?
Sua cabeça se moveu lentamente em minha direção e, mais
uma vez, aqueles olhos azuis estavam sobre mim, me causando
arrepios e uma sensação de que estava pegando fogo.
— Quero saber o quê? — Sua voz dava a entender que ele
não ligava para o que eu estava falando, mas aqueles olhos contavam
outra história. Diziam que ele não se cansava em me ouvir.
— Meu nome, — zombei de sua pergunta.
Ele se aproximou de mim.
— Claro.
Ai. Meus. Deus. Será que Adam Nova já teve alguma
conversa normal em sua vida ou elas eram sempre assim: super
complicadas? Caramba, seria incrível se ele pudesse articular um
único pensamento.
— Então por que não perguntou?
Ele deu de ombros.
— Imaginei que você fosse me dizer.
— Quando deixava os bilhetes?
Seu olhar estava de volta para o céu.
— Assim que escurecia aqui fora.
— E depois?
— Depois eu esperava.
— Por quê?
— Não sei, — ele disse para as nuvens.
— E quando eu finalmente chegava aqui? O que você
fazia?
Ele respirou fundo e ficou quieto. Pensei que não fosse
responder, mas sua voz e o que ele disse me surpreendeu.
— Eu observava.
Fiquei estatelada no chão de tão chocada. De queixo caído
enquanto tropeçava em minhas próximas palavras.
— Por quê?
Sua cabeça pareceu virar em câmera lenta e seus olhos
chocaram com os meus como em uma colisão entre dois caminhões.
— Porque eu não conseguia deixar de observar.
Arrepios atingiram minha pele e senti meu peito ficar
apertado. Não poderia descrever o que senti naquele momento. Eu me
senti assustada. Empolgada. Lisonjeada. Ninguém me observava além
de Sebastian. Ninguém se preocupava sem ser ele, por razões que não
eram corretas. E por mais que Adam fosse estranho à sua própria
maneira, algo me dizia que ele era seguro. Fiquei deitada sobre o
cobertor, olhando para o céu com espanto, em choque. Ele me
observava. Colocava bilhetinhos na garrafa e me observava abri-los e
ao deitar naquele mesmo lugar para admirar as estrelas. Por quê?
Porque ele não conseguia deixar de me observar. Eu não estava
acreditando.
— Vai me contar ou não?
Saí de meu deslumbre e voltei a olhar para ele, mas Adam
estava olhando para o céu de novo.
— Contar o quê?
— Seu nome, — ele sussurrou.
Pude sentir o meu sorriso. Ele queria saber, mesmo que não
tivesse perguntado. Eu queria saber um milhão de coisas sobre ele,
mas sabia que ele seria osso duro de roer. Então fiz o que a
adolescente que gostava de um garoto fazia: banquei a difícil. E cara,
estava mesmo fingindo, porque eu já estava na dele.
— Amanhã.
ADAM

Já era amanhã e eu estava animado. Isso provavelmente não


era uma coisa boa. Passei a manhã inteira viajando com os
feromônios que a garota a quem eu chamava de Luna deixou para trás
ontem. Ela era como uma droga. Eu praticamente acordei num pulo
para trabalhar nesta manhã. Era ridículo e eu ainda não conseguia
parar de pensar nela por mais que tentasse. Saí do trabalho, vim para
minhas aulas da tarde, e as aguentei sentado sem ouvir uma única
palavra. Que bom que minhas notas estavam boas porque sabia que
os próximos dias seriam comigo sentado aqui, pensando naquele
momento. O momento em que lhe contei a verdade. A verdade que
não tinha nem admitido para mim mesmo ainda. Porque eu não
consigo deixar de observar.
O que havia de errado comigo? Nunca fiquei tão agitado
por causa de algo ou de alguém. Esse não era eu; era tão diferente de
mim. Não conseguia parar de ir até ela, de vê-la. Eu não queria parar.
Meu Deus, nossos rostos estiveram tão próximos naquela
noite que tudo o que eu teria que fazer era me inclinar para frente e
minha boca teria tocado a dela. Seu olhar liquefeito falava por si só
naqueles segundos após minha confissão, e não diziam as coisas que
pensei que diriam. Ela não estava com raiva ou assustada, ou
chateada.
Surpreso, voltei a me deitar, imaginando se alguma vez
algo chegou a assustar aquela garota destemida.
— Senhor Nova, permaneça aqui depois da aula, — o
professor Johnson interrompeu meus pensamentos.
A aula de inglês tinha terminado, todos estavam levantando
para ir embora e lá estava eu, ainda sonhando acordado com a garota
cujo nome eu não sabia.
A garota ao meu lado passou por mim e fez questão de
passar a mão sobre a tatuagem em meu braço.
— Tatuagens legais, — ela murmurou sedutoramente antes
de me lançar um olhar que dizia “pode me encontrar no meu carro lá
no estacionamento e me possuir no banco de trás”. Eu recebia muito
esses olhares, mas eles não me interessavam. Eu não tinha mais
tempo ou disposição para relacionamentos aleatórios.
Pegando a mochila, me levantei e caminhei pela sala,
ignorando a garota e sabendo que levaria o sermão do século por não
prestar atenção na aula.
— Sente-se, Adam. — Ele apontou para a carteira na frente
da sala e pegou alguns trabalhos em sua mesa.
Curioso para saber o que estava acontecendo, eu me sentei,
observando-o. Ele se virou e colocou algo sobre minha carteira. Com
o cenho franzido, olhei para o papel. Era meu. O mesmo trabalho que
entreguei há alguns dias.
Ele se sentou na carteira ao meu lado e indicou o papel.
— Precisamos conversar sobre esse trabalho.
— Ok, — respondi. Eu sabia como me safar: sendo
indiferente. Vesti minha indiferença como uma armadura. Era o único
jeito de ser que eu conhecia.
— É brilhante. Seu trabalho é incrível. O modo como usou
química e matemática para descrever a evolução das estrelas e dos
planetas…
— Caramba, isso de novo não, professor. Essa é a droga de
uma aula inglês. — Eu me levantei, pronto para vazar de lá, porque
sabia o que estava por vir. Alguns professores não tinham que se
preocupar tanto, mas este se preocupava, e por mais que me fizesse
sentir lisonjeado e alimentasse meu ego, também me irritava porque
ele nunca entendia a minha situação.
Ele se levantou e me seguiu enquanto eu ia em direção à
porta.
— Fala sério, Adam. Você sabe que inglês é bom. E eu sei
que sou apenas um astrônomo amador, mas você, filho, é muito mais
do que isso. Não pertence a essas escolas técnicas insignificantes.
Parei e me virei até ficarmos frente a frente e eu mentir na
cara dura.
— Eu gosto daqui.
Por que ele não me deixava em paz? Eu não tinha escolha.
Frequentava a escola para ter acesso ao ensino básico e esperava que
um dia tivesse dinheiro suficiente para ir para uma universidade perto
daqui.
Ele balançou a cabeça.
— Papo furado, Adam. Seu boletim do ensino médio e suas
notas do ano passado, não indicam que você gosta daqui. Elas
demonstram que você está entediado. Você é extremamente
habilidoso e pertence à uma das melhores escolas de Astronomia e
Astrofísica do país. Não merece ficar apodrecendo aqui. Deixe-me
ajudá-lo.
Ele tentou colocar a mão no meu ombro, mas eu me afastei
e corri para a porta.
— Não estou interessado, professor, — menti de novo. Não
gostava de mentir, mas era muito mais fácil do que a verdade. A
verdade é que eu não poderia deixar meu pai se virando sozinho. Não
com seu mísero salário de aposentadoria por invalidez. Não, ele
precisava do meu salário também. Essa escola técnica insignificante
teria que servir por agora. Merda, que tal alguém me dar alguns
créditos por sequer frequentar a escola?
Por mais que eu guardasse um ressentimento do tamanho de
Júpiter, continuava animado para ir até a campina. Puto com a minha
situação e mais puto ainda com o fato de o professor ter insistido,
caminhei pela grama, exausto após uma manhã de trabalho e escola o
dia inteiro. Tudo parecia tão monótono. Sem fim.
Como sempre, ela estava lá, esperando. Só que dessa vez,
estava procurando por mim.
— Oi, — ela disse baixinho do cobertor, seu cachorro
cochilando no chão ao seu lado.
Agitei a cabeça na direção do cachorro.
— Laelaps.
Ela balançou a cabeça, rindo.
— Não, apenas o bom e velho Harry.
Eu me sentei perto dela, minha coxa coberta pela minha
calça jeans pressionada contra sua coxa desnuda.
— E você?
Ela estendeu a mão e eu não pude fazer nada além de
segurá-la. Nos cumprimentamos.
— Livingston Rose Montgomery, ao seu dispor, — ela
disse com um forte sotaque sulista que quase me fez sorrir.
Mas ao invés disso, deitei sobre o cobertor e olhei para as
estrelas, ainda cansado do dia e de cabeça quente com a aula.
— Nossa, hoje foi uma merda. Odeio as aulas de etiqueta e
tive duas hoje. Duas! Quanta tortura uma garota de dezesseis anos
precisa aguentar? Ser sulista não é fácil, Nova. — Ela cutucou minha
perna e eu resmunguei em reconhecimento sem dizer uma palavra.
Dezesseis. E eu tinha dezenove. Ela era jovem demais para
mim, mas eu estava atraído por ela de um jeito tão justificável que
não pude negar.
Já estava me sentindo melhor só de estar ao lado dela. Era
como se um peso tivesse sido removido dos meus ombros. Como se
estudar na escola técnica e cuidar do meu pai não fosse assim tão
ruim, desde que a garota estivesse aqui.
— O que acha que isso significa, Adam? — Ela estava
observando as estrelas.
— O quê? — Murmurei.
Ela indicou o céu com o queixo.
— Isso.
Meu olhar se moveu para o céu e depois para ela.
— Acho que significa que diante da grandiosidade das
coisas, somos pequenos, insignificantes. Veja como o universo é
enorme, — falei em voz baixa.
Ela se virou para mim devagar, seu rosto sério.
— Mas podemos fazer a diferença diante de coisas tão
pequenas, certo?
Eu não conseguia suportar a esperança em seu olhar.
A pergunta queimava em minha língua.
— É isso o que quer? Fazer a diferença?
Olhando para o céu, ela respondeu:
— Claro.
E foi isso. Uma única palavra que dizia tudo. Não tinha
dúvida de que Livingston mudaria o mundo.
Ela só ficou em silêncio por alguns minutos após nossa
conversa antes de começar a falar sobre as tarefas da escola, seu
cachorro e sua amiga Mel. Eu ouvi tudo sem dizer uma palavra
sequer. Caramba, aquela garota falava. Mas eu não queria saber sobre
aquelas coisas. Queria saber coisas mais pessoais. Mais íntimas.
Quando ela finalmente parou de falar e ficou olhando para
o espaço, perguntei algo que fiquei a noite toda pensando.
— Por que você faz isso?
Ela virou a cabeça para me olhar, seus olhos estavam
arregalados. Com o queixo caído, ela levou a mão ao peito.
— Você, — apontou para o meu rosto, — acabou mesmo de
abrir a boca e movimentá-la enquanto sons saíam dela?
Revirei os olhos e suspirei, deitando minha cabeça, antes de
virá-la para o lado, lhe dando um olhar de pouco caso.
Ela riu.
— O quê? Tudo o que disse foi duas palavras. Estou
chocada neste momento. Poderia cair morta aqui. A terra está se
movendo sob os meus pés. Sinto o céu desabar…
Quase ri de sua palhaçada.
— Isso é uma música, não é?
— Não sei. É? — Ela riu, sendo completamente meiga e me
jogando de volta ao silêncio. Eu não precisava falar. Só Deus sabia
que ela poderia falar o suficiente por nós dois.
— Por que eu faço o quê?
— Fica deitada aqui o tempo todo? Vem para essa campina
quando poderia ficar no conforto de sua casa na ilha? Fala sozinha
como se fosse louca? — Minhas perguntas eram intermináveis
quando o assunto era Livingston Montgomery. Disse a mim mesmo
que era apenas curiosidade. Mentira. Disse a mim mesmo que era
porque ela era intrigante. Mentira. Não, eu não me cansava dela.
Estava obcecado. Queria saber sobre tudo. Queria enxergar as estrelas
através do seu olhar.
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Louca? Nossa. Acho que prefiro você calado. Na
verdade, acho que era melhor quando você só deixava os bilhetes na
garrafa.
Eu apenas encarei, esperando minhas respostas, tentando
não deixar suas palavras me atingirem. Eu era quieto, reservado.
Quem me conhecia diria que era tímido e desajeitado. A maioria das
outras pessoas pensava que eu era um bandido idiota. Não devia ter
feito as perguntas daquela maneira. Não era bom com as palavras,
sentimentos, nem mesmo pessoas, para falar a verdade. Além de tudo
isso, ainda estava mal-humorado para caralho por causa da aula e
descontando sobre ela.
Ela soltou um longo suspiro e engoliu em seco.
— Você não deveria presumir coisas sobre as pessoas,
Adam. Nem tudo é o que parece. — Ela me deu um olhar
desaprovador. — E você não faz ideia de como é a minha vida.
Acredite, não há nada de, — ela fez aspas com os dedos, —
confortável.
Eu apenas a encarei, sem saber o que dizer, principalmente
porque sabia que ela estava certa. Não deveria tirar conclusões
precipitadas sobre as coisas. Uma parte de mim ficou mal por isso,
mas a parte mais lúcida sabia que lá ela estava mais protegida. Na
ilha. Longe de mim. E definitivamente longe deste lado da cidade.
Ela franziu o cenho, seu maxilar contraído.
— O que você está olhando? — Ela grunhiu, levantando-se
e agachando ao lado do cobertor. Ela começou a enrolá-lo até não
conseguir mais, porque eu ainda estava deitado. — Você já pode sair
daí.
— Sei que posso.
Ela puxou o cobertor.
— Saia do meu cobertor, garoto tatuado.
— Que maturidade, — eu disse com indiferença.
Ela puxou o cobertor com força, enquanto seu cachorro
andava de um lado para o outro, nervoso, mas não me movi, nem
tentei. Ela estava sendo fofa demais e eu sorri.
— Não ligo para essa porra de maturidade! Tenho dezesseis
anos. Posso ser imatura se eu quiser, seu babaca! — Ela gritava e meu
sorriso só aumentava.
— Você beija sua mãe com essa boca, mocinha?
Ela hesitou e olhou para mim com os dentes semicerrados,
antes de puxar o cobertor com força e me fazer rolar na grama. Soltei
um palavrão ao cair de cara no chão.
Ela bateu com o cobertor em mim enquanto o enrolava.
— Não, eu não beijo minha mãe, seu babaca idiota,
detestável e preconceituoso. Não a beijo porque meus pais estão
mortos e venho até aqui para conversar com eles. Venho para cá para
encontrar paz. — Ela passou por mim como se eu fosse um pedaço de
merda que devia ser evitado para não grudar em seus sapatos, e se
apressou em direção à ponte que a levaria para casa.
E eu era. Um grande pedaço de merda. Meu Deus, enfiei os
pés pelas mãos. Fiquei me perguntando para quem ela voltaria, se
seus pais estavam mortos. E me senti um mau caráter. Um grande
mau caráter. Não por conta do que conversei com ela ou do que disse.
Fui apenas eu mesmo. Já tinha desistido há muito tempo dos ideais
que as pessoas achavam corretos sobre o que eu deveria fazer ou
dizer. No geral, eu falava o que queria. E na maioria das vezes era
estranho e não era legal, mas era sempre com honestidade. Não, eu
não me sentia mal por nossa conversa. Fiquei mal porque ela tinha
perdido os pais. Mal por ela vir aqui para conversar com bolhas de
gás e calor, e não com pessoas. Fiquei mal por ela sentir, por alguma
razão, que este lugar era mais seguro para ela do que sua casa na ilha.
— Livingston Rose Montgomery! — Gritei, levantando do
chão.
Ela não se virou, mas jurava que vi seu cachorro me olhar
com desprezo. Droga, eu merecia. Não parecia certo ir atrás dela.
Pensei que pudesse assustá-la e essa era a última coisa que queria.
Precisava que ela retornasse do mesmo jeito que necessitava de ar,
mas não a espantaria.
— Livingston! — Gritei ainda mais alto. Ela não olhou para
trás ou fez menção de que havia me escutado, com exceção do lento
movimento de seu dedo do meio erguendo-se sobre sua cabeça
enquanto ela continuava andando, seus quadris se movendo
lentamente, o que me fez perceber que ela tinha uma bunda grande.
Ri baixinho. Ela era fogo. Fiquei surpreso por não ter sido
todo queimado. Já estava contando os segundos para vê-la
novamente.
LIV

Eu poderia ter levado na esportiva. Poderia ter evitado a


campina e deixado Adam se virar. Só que eu não era assim. Não fiz
isso. Não consegui. Percebi que aturar a escola e as aulas de etiqueta
durante o dia não era tão ruim, quando sabia que Adam estaria lá à
noite. E por mais que ele fosse reservado e mal abrisse a boca, eu me
sentia segura. Era como se eu tivesse uma intenção. Subitamente,
Adam era meu propósito. Ele fazia com que os dias fossem muito
mais fáceis. Mas eu não sabia exatamente o que aquilo dizia sobre
mim... Que um garoto que só conheci pessoalmente há uma semana,
me afetava daquela maneira, era tão assustador quanto emocionante.
Às vezes eu vinha para a campina quando dava meia-noite
e fazia questão de ser mais cuidadosa ao sair. Até caminhava na praia
antes de atravessar a ponte para ter certeza de que ninguém estava me
seguindo. Eu não arriscaria Adam; não quando passar tempo com ele
me fez tão feliz nos últimos dias. Ele não era tagarela e eu estava
completamente de boa com isso porque ele era real. Não havia
pretextos ou delicadezas entre nós. Confiava nele completamente
porque ele não tinha nada a ganhar com nossa amizade além de mim.
Ele valorizava a mim e não ao meu dinheiro ou minha herança.
Braden, que ainda insistia em me levar para sair, não tinha
sido capaz de arruinar o meu bom humor. Até Georgina e Sebastian
estavam distantes ultimamente. Era o que eu pensava até ouvir uma
batida na porta do meu quarto enquanto fazia a tarefa de casa. Foi
como se eu os tivesse conjurado.
— Oi, — falei, sem me mexer na cadeira, porque se fosse
Sebastian, eu não abriria aquela porta nem por todo o dinheiro do
mundo.
— Eu gostaria de falar com você por um instante,
Livingston, — Georgina falou suavemente do outro lado da porta.
Revirei os olhos e respirei fundo, tentando me preparar
emocionalmente para a conversa. Eu fazia isso sempre que ela pedia
para conversar, porque nunca era sobre algo importante para mim ou
relativo a alguma coisa que me interessava. Não, a única vez que
Georgina quis conversar foi quando precisou de mim para algo que a
beneficiaria.
Coloquei o sorriso mais falso no rosto e abri um pouco a
porta.
— Sim?
Ela olhou dos meus olhos para o restante da porta antes de
pigarrear e dizer com sarcasmo:
— Posso entrar?
Meu sorriso esquisito ficou ainda maior mesmo quando o
meu cérebro parecia que fosse explodir. Odiava quando eles entravam
no meu quarto. Este era o único lugar que podia chamar de meu além
da campina no outro lado da ponte. Mas andei para trás e abri a porta.
Eu não gostava de tirar Georgina do sério. Depois que meu pai
morreu, ela se transformava em uma louca quando ficava irritada.
Nunca fui muito fã dela. Nem quando eles namoravam, nem quando
meu pai nos trouxe para a ilha por causa dela. Muito menos quando
eles se casaram, mas cheguei a conclusão de que não teria que lidar
com ela pelo resto da vida como ele, que parecia gostar de sua
companhia.
Não ser muito fã dela tinha se tornado praticamente odiá-la
desde a morte do meu pai. Ela mudou muito; deixou de ser uma
esnobe moderada e tornou-se uma doida pirracenta quando não
conseguia as coisas do seu jeito.
— O que houve? — Perguntei em um tom agradável.
Ela estava usando um caro terninho com saia cinza e blusa
rosa-claro por baixo. As pérolas sempre presentes estavam
penduradas em seu pescoço e grandes brincos de diamante
adornavam suas orelhas. Seu cabelo estava arrumado em um coque
solto. Ela estava muito bem vestida para as nove da noite. Mas, desde
que a conheci, nunca vi aquela mulher mal vestida. Nem sei se ela
tinha pijamas.
Georgina sentou na minha cama, as pernas cruzadas nos
tornozelos, com toda sua classe sulista.
— Queria conversar sobre o baile de debutante que está se
aproximando.
Eu estava confusa. O que precisávamos conversar? Eu já
estava fazendo todas as aulas idiotas e já tínhamos encomendado meu
vestido.
— Sim? — Fiquei de pé do outro lado do quarto, me
preparando para o pior, e eu não estava errada.
Ela puxou um fiapo do meu edredom e isso me deixou
extremamente aborrecida.
— Gostaria que você fosse com Braden de acompanhante.
Respirei fundo e antes que pudesse me conter, o pânico
tomou conta de mim e transbordou pela minha boca.
— O quê? Mas por quê?
Suas costas ficaram perfeitamente eretas, sua sobrancelha
loira arqueou e me desafiou a abrir a boca novamente.
Um sorriso meloso se formou em seus lábios e ela ajeitou a
saia. Eu conhecia aquela técnica. Era o jeito de Georgina começar o
papo furado. Era uma tática de paralisação que ela usava até organizar
as ideias e estar pronta para utilizá-las. Já a vi fazer aquilo com meu
pai cinco mil vezes e mais ou menos umas cem comigo.
Revirei os olhos e cruzei meus braços na defensiva. Ela não
iria decidir quem eu levaria ao baile. Essa era uma decisão minha.
— Braden é um bom garoto. Vem de uma boa família. Seu
pai é o xerife e ouvi dizer que ele gosta de você, — ela terminou a
última parte com um tom cantarolado que me fez contrair os lábios e
torcer o nariz. — Ah, pare com as caretas dramáticas, Livingston.
Não é nada de mais. É apenas um baile, pelo amor de Deus.
Eu não podia acreditar. Era ela quem estava sentada aqui
fazendo drama sobre quem eu deveria levar ao meu baile de
apresentação e eu não tinha dito uma palavra. Ainda assim, era eu
quem estava sendo dramática. Nem queria ir ao baile. O absurdo que
era tudo isso quase me levou ao limite.
Não iria bater o pé ou gritar ou chorar como uma
adolescente. Não lhe daria o prazer em me ver sendo dramática.
Então, em vez disso, perguntei com calma:
— Por que eu não posso convidar quem eu quero para o
baile?
Seus olhos se arregalaram em um espanto fingido enquanto
ela analisava as unhas feitas da mão direita.
— Ah, então você tem alguém em mente?
Engoli em seco. Eu tinha alguém em mente, mas ele tinha
tatuagens e em noventa e nove porcento do tempo um mau
comportamento. Tinha certeza de que ele estava na faculdade e eu
ainda não tinha terminado o ensino médio. Georgina o detestaria e o
pensamento me fez sorrir.
— Talvez, — engasguei.
Ela me olhou com frieza. Estava começando a ficar com
cara de louca. Aquela que normalmente resultava em um de seus
épicos colapsos maternais.
— Desembucha.
Meu Deus, eu era cagona demais, então respondi:
— Na verdade, ninguém especial, mas tem alguns garotos
bonitinhos que gostaria de levar.
— Braden também é bonitinho, — ela entoou, se
levantando e vindo em minha direção. — E eu confio nele; é o
melhor amigo de Sebastian. Cuidará bem de você.
Aposto que sim. Sei como ele e Sebastian cuidavam bem
das meninas.
— Está combinado então, sim? — Ela passou por mim
antes que eu pudesse dizer algo. Apertou meu braço com firmeza e
depois saiu. A única evidência de sua presença era o meu edredom
amarrotado e o cheiro de perfume caro no ar.
Estiquei meu edredom de novo e fui até a escrivaninha
batendo o pé. Não vou àquele maldito baile com Braden. Eu sumiria
antes disso; não iria de forma alguma. Na maior parte do tempo, eu
deixava aquela vaca mandar em mim, mas não a deixaria decidir com
quem devo sair. Levaria Adam ao baile nem que fosse a última coisa
que eu fizesse, caso contrário, não haveria baile de debutante algum.
Eu odiava o modo como Georgina me controlava, mas até
que eu fosse adulta e pudesse cair fora daqui, eu não tinha muita
escolha. Para as pessoas da ilha, éramos a família perfeita. Ninguém
suspeitava da bagunça que ficava escondida atrás das portas fechadas.
Ainda estava irada algumas horas depois quando a casa
ficou completamente silenciosa. Tinha ouvido Sebastian ir dormir e,
mesmo que estivesse cansada das várias noites que fiquei até tarde na
rua com Adam, saí de casa com Harry ao meu lado desta vez.
Por mais que eu ficasse sempre animada em ver Adam, esta
noite foi diferente. Deixei as bobagens de Georgina arruinarem meu
humor. Então, quando cheguei à campina e vi que Adam já estava
sentado na grama, não lhe cumprimentei como sempre fazia. Mas
Harry, sim. Ele e Adam tinham se tornado melhores amigos. Eu o vi
tentando sentar seu corpo grande no colo de Adam enquanto eu
estendia o cobertor, sentindo só um pouquinho de ciúmes.
Me deitei sobre o cobertor, soltando um longo suspiro.
Estava feliz por estar fora daquela casa, mas ainda estava mais do que
irritada.
Adam se sentou perto de mim e Harry se acomodou ao lado
dele. Olhei para Harry como se ele fosse um traidor.
— O que foi? — Adam perguntou olhando para mim.
Fiz o melhor que pude para dar de ombros deitada no chão.
— O mesmo de sempre.
— Mentira, Livvy. O que está rolando?
Quase dei um sorriso. Ele me chamou de Livvy, ninguém
nunca havia me chamado assim. Foi tão doce. Tão doce que desejei
poder saborear aquele momento e não apenas senti-lo.
Balancei a cabeça como se não fosse responder, mas
respondi, porque era Adam e eu. E eu não podia negar mesmo se não
quisesse falar sobre aquilo.
— É só a minha madrasta.
— Sua madrasta?
Não tínhamos conversado sobre meus pais desde a noite em
que gritei para ele que vinha para cá conversar com minha mãe e meu
pai já que eles estavam mortos. Ele pareceu entender que eu contaria
mais quando estivesse pronta, por isso não me pressionou. Eu
admirava isso em Adam. Ele não era intrometido ou impaciente. Não,
ele esperava; era como uma pedra.
— Tenho uma madrasta alucinada e esnobe, e um irmão
postiço aterrorizante que tenho certeza que quer afogar o ganso
comigo.
Seu corpo se enrijeceu ao meu lado e a frieza varreu seu
olhar como se fosse uma nevasca.
— O que você disse?
— Disse que tenho uma madrasta aluci…
Ele ergueu a mão.
— Pule essa parte e vá direto para o seu irmão postiço
aterrorizante.
Dei de ombros de novo.
— Acho que ele quer dormir comigo. Ele é pavoroso e
inconveniente.
A raiva cobriu seu rosto. Adam irritado era algo assustador.
— Ele tocou você?
Balancei a cabeça.
— Não, ele é cuidadoso com relação a isso. Só é muito
direto e diz coisas.
Afastei o olhar porque aquilo me envergonhava. Nunca
contei para ninguém e isso não acontecia quando meu pai estava vivo.
Não sei se ele se intimidava, mas assim que meu pai faleceu,
Sebastian começou suas bizarrices. Nunca fomos muito próximos,
mas agora eu o odiava.
— Que tipo de coisas? — Ele se exaltou. A cada segundo
que passava ele ficava ainda mais assustador, mas eu apenas sorria.
Lá no fundo eu sabia que este cara nunca me machucaria. O frio na
barriga falava por si só. Esse nervosismo que eu sentia, era pelo fato
de ele ser tão protetor comigo.
— Coisas idiotas. Não acho que ele faria algo. Ele sabe que
nunca beijei um garoto. Os caras da escola ficam longe de mim. —
Fiquei com vergonha de toda a informação que estava dando. — Não
quero falar sobre isso.
Ele se levantou do cobertor em tempo recorde, colocou a
mão no bolso, tirou o maço de cigarros e um isqueiro. Andou de um
lado para o outro na minha frente, para frente e para trás, acendendo
um cigarro. Deu algumas tragadas antes de parar e levar as mãos aos
olhos, o cigarro pendendo na mão direita.
— Porra. É por isso que você não quer voltar para casa. É
por isso que vem para cá.
Dei um sorriso triste.
— Não totalmente. Meu pai me trazia aqui antes de morrer.
Foi onde ele se despediu. — Senti meu nariz arder, sinal de que as
lágrimas estavam por perto, por isso afastei o olhar e encarei a ponte
ao longe.
Eu o senti se sentar perto dos meus pés e notei o cheiro da
fumaça do cigarro. Tinha um aroma bom. Doce e picante ao mesmo
tempo. Olhei para ele através de minhas pálpebras pesadas e percebi
que o cigarro era marrom.
— O que está fumando?
Ele o tirou da boca e o olhou enquanto soprava anéis de
fumaça. Nunca fui de me sentir atraída por bad boys. Eu gostava de
garotos legais. Gentis. E talvez Adam fosse todas essas coisas
também, mas, naquele momento, ele parecia ser muito, muito mau.
Com seu cabelo escuro desgrenhado e tatuagens, sentado com as
pernas para cima, os cotovelos apoiados sobre os joelhos, um doce e
delicioso cigarro pendurado em sua boca. Isso me causava coisas que
eu não sabia que estava preparada para sentir. Meus mamilos ficaram
rígidos embaixo do sutiã. O lugar entre minhas pernas doía.
— Cravos.
— Uhmm. São cheirosos, — suspirei. Minha nossa! Eu
tinha falado de um jeito sexy, com a voz rouca, e Adam apenas
observou. Ele me olhou de cima a baixo. Lembrei que ele gostava de
me observar, e deixei que o fizesse até se levantar e começar a andar
de um lado para o outro de novo. Sorri, sabendo que ele estava
desconfortável. Algumas pessoas podiam não ser capazes de decifrar
Adam Nova, mas eu não era uma delas. Eu o conhecia há semanas e
sabia que quanto mais ele se afastava, mas desconfortável estava.
Eu o olhei rapidamente quando ele apagou o cigarro com o
pé. Adam pegou a bituca do chão e colocou dentro do bolso antes de
sentar ao meu lado e deitar sua cabeça perto da minha.
— Me conte sobre o seu pai.
Eu queria falar, queria contar tudo para ele naquele
momento. Mas ele tinha escondido muitas coisas de mim. Ainda
estava escondendo e eu queria saber mais sobre ele. Ao que parecia,
tudo o que fazíamos na maior parte do tempo era falar sobre mim,
meus dias e problemas, amores, o que eu gostava e o que odiava.
Então, escolhi um assunto que achava fácil de ser discutido.
— Primeiro me conte sobre suas tatuagens.
Eu estava olhando para o céu, mas podia sentir o seu olhar
em meu rosto. Não houve resposta, só um silêncio que parecia
interminável, mas que devia ter durado apenas um minuto até que ele
falasse.
— Eu gosto delas.
Sorri e o encarei. Meus olhos se arrastaram sobre o tigre em
seu pomo-de-adão.
— Disso eu já sabia, Nova. O que acha de falar sobre o
porquê você gosta delas?
Ele mordeu o lábio inferior e me encarou por um segundo
antes de responder.
— Eu me sinto seguro com elas.
Por instinto, movi minha mão entre nós, para mais perto da
mão dele, até elas se tocarem. Eu queria entrelaçar meus dedos aos
dele. Adam parecia tão vulnerável naquele momento e eu sabia como
deve ter sido difícil. Queria abraçá-lo. Eu queria fazer com que ele se
sentisse seguro.
Queria perguntar por que ele se sentia seguro com elas, mas
tive a sensação de que poderia estar passando dos limites quando ele
já tinha dividido algo tão pessoal.
Na tentativa de deixar a conversa mais leve, e não vou
mentir, era a oportunidade de tocá-lo e eu dificilmente fazia aquilo,
passei o dedo sobre a parte de trás de sua mão onde sabia que havia
um lobo tatuado.
— E quanto a ele? Quem é? — Sorri.
Ele não sorriu de volta, mas seu olhar sim.
— Este é Lupus.
Não pude deixar de sorrir.
— Lupus, hein?
— Sim, lobo em latim e uma das oitenta e oito constelações
da astronomia moderna.
Quem era esse garoto? As coisas que ele sabia... As coisas
que ele dizia… Ele era uma grande contradição da qual eu não
enjoava nunca. Suas tatuagens e atitudes gritavam “bad boy”, mas seu
jeito de pensar? Gritava nerd. Eu adorava.
Indiquei o tigre em seu pescoço com a cabeça.
— E esse cara?
Ele passou a mão sobre o tigre antes de responder.
— Este é o Tigre Branco do Leste. É uma constelação
chinesa e representa o leste e o outono.
Gesticulei em direção ao seu corpo.
— São todas constelações?
— Não todas. Algumas são estrelas. Algumas são planetas.
Galáxias.
— Quem as faz? — Parecia que estávamos progredindo.
Ele estava se abrindo; seus olhos brilhavam como uma criança no
Natal. Seus intensos olhos azuis estavam cheios de paixão.
— Raven, somos melhores amigos, trabalha na Slinging
Ink, no centro.
Olhei para as tatuagens mais uma vez antes de responder.
— Ele é muito talentoso.
Adam me lançou um olhar engraçado antes de assentir e
dizer:
— Sim.
— E como aprendeu tanto sobre as estrelas?
Uma parede se instalou entre nós como a batida de uma
porta. A paixão sumiu. A conexão foi perdida e voltamos à estaca
zero. Fiquei surpresa por ele não ter se levantado para fumar e andar
de um lado para o outro de novo. Não, ele apenas se virou, com a cara
fechada. Ele era uma porta trancada, mas pelo menos me respondeu.
— Minha mãe, — disse baixinho e contra gosto. Como se
fosse doloroso falar sobre isso. — Ela era uma astrônoma. Não de
verdade, mas amadora. Ela estudava as estrelas e planetas por
diversão.
Fui solidária a ele. Ela era. Ela estudava. Tudo no passado.
Ele também tinha perdido alguém que amava. Meu Deus, eu queria
abraçá-lo. Mas estava com medo de que ele se distanciasse de mim
para sempre. Independente do que fosse aquilo, não estava pronta
para que chegasse ao fim.
— Ela o ensinou?
Ele soltou um suspiro desconfortável antes de responder.
— É, acho que sim, — respondeu para o céu como se não
suportasse olhar para mim. Ele estava se escondendo. Sempre se
escondia, e eu me perguntava se era por isso que as tatuagens o
faziam se sentir seguro.
Seus olhos percorreram os meus.
— Agora, fale sobre o seu pai.
E eu falei. Contei para ele que minha mãe morreu ao dar à
luz e que meu pai nunca me culpou. Ele me amava apesar do que a
minha presença fez com que ele perdesse. Contei que era um artista
batalhador, um pintor. Que fomos pobres boa parte da minha vida até
que um dia, ele foi descoberto. E como em um turbilhão, fomos de
pobres coitados à ricaços. Foi surreal. Falei sobre como ele esteve
doente por anos antes de falecer, mas que era um bom pai e que eu
sentia saudade todos os dias.
Em meio a tudo isso, senti as costas da mão de Adam tocar
a minha, até que nossas mãos se sobrepuseram e seus dedos se
juntaram aos meus. Ele os acariciou lentamente, seus dedos sentindo
todas as rugas da minha mão antes de agarrá-la por completo. Eu
imaginava que era assim que ele fazia a maior parte das coisas, com
muita reflexão, metodicamente, devagar, com carinho. Quando ele
finalmente embalou minha mão na sua, aconteceu. Meu coração ficou
quente e inchado no peito, aquele calor se espalhou para fora,
queimando meu corpo inteiro, fazendo com que eu me sentisse quente
por toda parte. Parecia uma febre. Era a minha primeira vez. As mãos
entrelaçadas. Esse calor. Tudo por causa de um simples toque de
mãos. Era a primeira vez que tinha palpitações e não seria a última.
Não enquanto Adam estivesse por perto.
LIV

Encarei a campina vazia à minha frente como se fosse um


lugar desconhecido e, acho que de alguma forma, era. Fazia tanto,
tanto tempo que não ficava aqui sozinha. Fazia um mês que eu saía às
escondidas para ficar junto de Adam sem que ninguém soubesse além
de nós dois. Ele sempre estava aqui, esperando por mim. Com
exceção dos últimos três dias. E que porcaria de dias. Sentia que
enlouqueceria sem ele.
Era o terceiro dia e nem sinal de Adam. Senti o pânico
aumentar. Talvez fosse isso. Estava há semanas com aquela sensação.
Quando eu me aproximava de Adam, ele se afastava. Quase como se
eu o assustasse. Como se ele quisesse ficar só na amizade. Quantas
vezes no último mês eu implorei com o olhar e o coração para que me
beijasse? Para que me abraçasse?
Ele nunca tinha feito mais do que segurar minha mão e isso
já foi muito significativo. Mas nossa, eu queria mais. Queria tudo
dele. Queria todas as fantasias adolescentes que há uma semana
pareciam idiotas. Queria que Adam Nova fosse meu namorado,
droga.
Olhei ao redor da campina de novo em busca de um bilhete
em uma garrafa ou de alguma indicação de que ele esteve aqui. Fiz
aquilo todos os dias nos últimos três dias e, durante o meu trajeto de
hoje até aqui, eu já sabia. Sabia que ele não estaria aqui, por isso não
me surpreendi, fiquei apenas muito desapontada. Passei basicamente
os últimos dias no mundo da lua, preocupada com ele. Preocupada
com nós dois.
Fiquei ali, criticando a mim mesma como fiz ontem e
anteontem por não ter pedido o número dele. Por não exigir que ele
me dissesse como contactá-lo. Mas parecia tão romântico — nós nos
encontrando nesta campina sob as estrelas, e algumas vezes deitando
aqui e conversando por horas. Bem, era eu quem mais falava. Na
maior parte do tempo, Adam ainda era um livro fechado. Mas às
vezes ele se abria e me mostrava uma página, e aqueles dias eram
como joias raras, pedras preciosas. Sim, aqueles dias. Aqueles
momentos íntimos que eu guardava bem no meio do meu coração.
Nossas noites juntos eram agradáveis. Algumas vezes apenas
olhávamos para o céu, em silêncio. Agora eu percebia o erro que foi,
porque não havia nenhuma maneira de entrar em contato com ele.
Nenhuma forma de saber se ele estava bem. Nenhum jeito de saber se
ele estava me ignorando.
Eu nem sabia onde ele morava. Andei de um lado para o
outro na campina, roendo as unhas, pensando que eu deveria ter
trazido Harry. E se alguém se aproximasse de mim já que ele não
estava aqui? Eu estava sozinha.
Pensei em todas as coisas que Adam me contou enquanto
estávamos deitados aqui e percebi que ele não havia dito muito.
Exceto que Raven fez suas tatuagens e trabalhava no Slinging Ink.
Poderia ir até lá e perguntar ao Raven se ele o tinha visto.
Deus, eu era patética. Mas estava preocupada de verdade. Tinha
certeza que se Adam não pudesse comparecer, ele tentaria entrar em
contato comigo. Além disso, se ele estivesse tentando se livrar de
mim, podia fazer a gentileza de falar na minha cara.
Tirei o celular do bolso e abri o aplicativo de mapas,
digitando o nome do estúdio de tatuagem enquanto andava em
direção ao norte de Madison.
Eram só quinze minutos de caminhada. Eu conseguiria; era
uma garota valente e confiante. Estava andando havia apenas cinco
minutos quando me dei conta de que aquilo poderia ser um erro.
Estava escuro, as ruas eram muito mal iluminadas e vi mais
moradores de rua nos últimos cinco minutos do que tinha visto em
toda minha vida. Me pediram cigarro, dinheiro e comida. E se o traje
fosse um indício, tinha certeza de que vi uma prostituta.
Quando cheguei no Slinging Ink, estava tão nervosa que o
ruído de um sino ao abrir a porta quase me matou de susto. Olhei para
cima depois de quase ter caído na soleira da porta e me deparei com o
que parecia ser um cara coberto de tatuagens e piercings no rosto,
sentado atrás do balcão de madeira, sorrindo. Ele aparentava ser só
uns dois anos mais velho do que eu e, por mais que fosse coberto por
desenhos e metal, era lindo de um jeito devastador, com cabelo curto
e loiro bem arrumado, e olhos azuis cintilantes que pareciam estar
cheios de bom humor. Ao que parecia, ele estava curtindo me ver
quase caindo de bunda no chão.
Puxei um pouco a bainha de minha camiseta, tentando
arrumá-la porque me sentia tão fora do lugar e com os nervos à flor
da pele. Pigarrei de uma forma esquisita enquanto me aproximava do
balcão, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, o cara falou.
— Como posso ajudá-la, querida?
Se eu achava que antes estava nervosa... engano meu! Abri
minha boca e a fechei umas cinco mil vezes, afinal, o que uma pessoa
que estava caçando um garoto que ela realmente gostava diria para
um dos homens mais bonitos que ela já tinha visto?
Seus olhos percorreram todo o meu corpo, me fazendo
sentir quente e agitada. Balancei de um lado para o outro e engoli em
seco.
— Vai fazer uma tatuagem? — Ele sorriu com malícia antes
de puxar a argola em seu lábio para dentro da boca e chupá-la. —
Posso fazer em você.
Ah, aposto que sim.
Abanei meu rosto com a mão direita e sorri desajeitada.
— Estou à procura de Raven?
Com isso, seu sorriso se desfez e ele remexeu na argola
com a língua antes de murmurar:
— Claro que está. — Ele balançou a cabeça. — Aquela
vaca tem sorte.
Ele desapareceu rapidamente atrás de uma partição preta
que separava a área de espera do resto do estúdio.
A sensação é de que tive que esperar uma eternidade, mas
no momento que olhei para o celular, vi que só tinham passado
quinze minutos antes de uma mulher deslumbrante de cabelos escuros
aparecer atrás do balcão.
Seus braços claros lindíssimos eram cobertos por tatuagens
de flores coloridas que se estendiam para baixo das mangas de sua
camiseta. O cabelo escuro estava em um estiloso corte pixie,
totalmente raspado em uma das laterais. O outro lado do cabelo
pendia sobre um de seus olhos castanho-esverdeados. Seu rosto era
fino com bochechas proeminentes e ela tinha um dos lábios mais
rechonchudos e convidativos que já tinha visto, mesmo quando
estavam cobertos de batom preto.
Ela usava uma camiseta preta com uma estrela grande no
meio e os dizeres Planetário de Madison.
Ela sorriu para mim enquanto eu a encarava.
— Posso ajudá-la?
— Ah. Ah. Uhm. — Olhei atrás dela, esperando que Raven
fosse aparecer por trás da partição a qualquer momento. — Estou
procurando Raven.
Seu sorriso aumentou e desta vez ela exibiu seus dentes
alinhados e brancos como pérolas, e abriu os braços.
— Eu sou Raven.
Fiquei de boca aberta, mas meus modos sulistas não me
desapontaram e estiquei o braço sobre o balcão para cumprimentá-la.
Soltei sua mão e dei um passo para trás, sem saber o que dizer.
Raven, o melhor amigo de Adam e tatuador, era uma
garota. Uma garota linda pra caramba. Ela não era magricela, muito
menos tinha um corpo de adolescente. Não, ela era uma mulher, com
curvas, graciosidade, e minha nossa, sabia como usar delineador
como uma profissional. Eu não usava nem batom ou máscara de
cílios; eu queria morrer.
— O que posso fazer por você?
— Estou à procura de um amigo.
Suas sobrancelhas se arquearam.
— Ah, é? — Ela deu uma piscadinha e senti meu rosto
corar.
Pigarreei.
— Adam. Você conhece Adam Nova?
Seu olhar se iluminou em reconhecimento. Fiquei aliviada e
aborrecida, imaginando que essa havia sido a coisa mais idiota que já
fiz na vida.
Ela me olhou lentamente desde o topo da minha cabeça até
as pontas dos meus dedos do pé antes de perguntar:
— Você está procurando Adam?
Ela disse “você está” como se fosse a coisa mais
inacreditável do mundo. E acho que só de olhar para mim, ela pôde
ver que eu não era daqui. Que estava fora do lugar. Que Adam e eu
éramos completamente diferentes.
— Sim. Uhm. Temos um compromisso toda semana desde
o último mês, mas não tenho notícias dele há três dias. — Um
compromisso? Que droga havia de errado comigo? Amassei a bainha
da minha camiseta. — Estou preocupada.
Deus, essa mulher linda provavelmente pensava que eu
estava perseguindo seu namorado. Eu era uma adolescente idiota e
deixei um cara me iludir. Com as estrelas, pelo amor de Deus.
Precisava dar o fora daqui antes que me fizesse de boba ainda mais.
— Quer saber? — Eu me virei para ir em direção à porta.
— Esquece. Isso foi um erro.
Raven se apressou para fora do balcão e ficou parada em
frente a porta a qual eu estava prestes a passar e levantou a mão.
— Não, espere, — sua expressão ficou séria. — Espere um
pouco. Vou ligar para ele.
Pegando o celular no bolso de trás da calça, ela me deu um
pequeno sorriso e voltou para trás do balcão, sentando em um banco e
colocando os pés sobre a bancada. Ela me deu outra piscadinha e eu
corei até a alma.
— Eiii, Nova, — Ela falou o nome dele como se já o
tivesse dito mil vezes, de milhares de maneiras diferentes, e senti meu
constrangimento se transformar em raiva.
Escutei, sem conseguir evitar, mas com medo de que ele
dissesse para ela me mandar embora. Que ele estava cansado de mim.
— Você tem guardado segredos de mim, seu babaca, — ela
entoou, sem nunca tirar os olhos de mim.
Raven escutou com atenção, as sobrancelhas arqueadas
como se tivesse achado a coisa toda muito intrigante.
— Tem uma amiga sua aqui procurando por você. —
Houve uma pausa. — Aham. — Foi como um ronronar,
deliberadamente sexy e fofo ao mesmo tempo. Então, com olhos
brilhantes, ela perguntou: — Qual é o seu nome, linda?
— Liv, — sussurrei, mas ela deve ter prestado bastante
atenção, porque não teve problema em dizer meu nome para Adam.
— Bem, é melhor você se apressar. Ry estava de olho nela e
eu, bom, estou com meus dois olhos nela, — Raven concluiu com
uma risada e desligou.
Ela me encarou, seu sorriso havia sumido, seu olhar cheio
de perguntas. Ela me olhava como se eu fosse um quebra-cabeça que
tentava montar.
Com olhos observadores, ela finalmente disse:
— Ele está a caminho. Falou para você esperar aqui.
Um momento de pânico me atingiu como um trem de carga.
Que merda eu estava fazendo aqui? Ele ficaria tão irritado por eu ter
vindo atrás dele. Raven o encontrou com facilidade, então certamente
se ele quisesse, teria ido me ver. Será que ela ficaria aborrecida
quando ele chegasse? Isso foi um grande erro e eu já estava me
sentindo envergonhada.
Raven deve ter visto o medo em meu rosto porque se
levantou, caminhou pela sala e parou em frente a porta enquanto
dizia:
— Opa, opa, opa, linda. Ele disse que era para você não
sair.
Por mais que eu nunca tenha sido beijada, nunca tenha sido
tocada de forma sexual, naquele momento eu sabia que estava fodida.
ADAM

Eu ia matar Livingston Montgomery. Assim que tivesse


certeza de que ela estava viva e ilesa. Esses eram meus pensamentos
enquanto eu corria pelas ruas de Madison. Que diabos ela estava
pensando vindo aqui sozinha? Tinha muita coisa sobre Liv que ainda
não conhecia, mas sabia que ela era esperta. Muito mais esperta do
que estava sendo agora.
Eu estava tão irritado, tão furioso com ela. Não planejava
deixar meu pai sozinho. Ele precisava de mim neste momento, mas
Liv tomou a decisão por mim quando veio me procurar. Eu queria ter
ido até a campina e deixado ao menos um bilhete para ela, mas não
pude. Não tenho nem conseguido ir à escola ou ao trabalho nos
últimos três dias.
O meu coração retumbava enquanto eu passava pelas ruas
enxergando tudo através dos olhos dela. O bairro estava cheio de
sem-tetos carentes e famintos. Prostitutas e lixo. Esta região era um
mundo diferente. Um mundo que eu tinha certeza que ela nunca viu
antes. Ela deve ter ficado apavorada e, quando cheguei ao estúdio de
tatuagem, minha raiva cedeu lugar à preocupação.
Passei apressado pelas portas, quase derrubando Raven no
caminho, os familiares sinos tilintando sobre minha cabeça. E lá
estava ela, de pé em um canto perto de uma planta velha, parecendo
aterrorizada e tão bonita que eu não conseguia recuperar o fôlego. Ela
estava usando o vestido branco com alças que eu amava e não sabia
se deveria beijá-la ou lhe dar umas palmadas. Deus, como eu senti
falta dela. Não parei de pensar nela nos últimos três dias.
Liv parecia deslocada naquele estúdio. Porque aquele era o
meu mundo. Só a tinha visto na ilha ou na campina. Era como se eu a
tivesse inventado, mas vê-la aqui, neste estúdio de tatuagem sombrio
do meu lado da cidade, colocou coisas que eu nunca havia
considerado em perspectiva. Uma delas era o fato de que Livingston
Montgomery não pertencia a este lugar. Não, ela pertencia à sua
mansão na praia, dirigindo carros de luxo e usando coisas caras. À
vida boa.
A realidade disso tudo me atingiu enquanto eu corria na
direção dela e a puxava para os meus braços. Meu Deus, ela era um
colírio para os meus olhos. Eu nunca tinha abraçado Liv e quando a
envolvi em meus braços e a segurei perto do meu peito, percebi que
estava perdendo muita coisa boa.
Eu a abracei com força, grato por ela estar bem e, naquele
momento, tinha total consciência do quanto senti falta dela nos
últimos três dias e aquilo me assustava.
Desfiz nosso abraço e a segurei, minhas mãos sobre seus
ombros.
— Que droga você tinha na cabeça para vir até aqui?
Liv estava sorrindo há dois minutos, mas agora nem tanto.
Sua expressão se fechou, ficou triste num primeiro momento, depois
todo o seu corpo se retesou e seus olhos ficaram cheios de raiva.
— Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito?
— Ela se afastou e empurrou minhas mãos.
Raven riu e eu a olhei sobre o ombro.
— Ah, não me olhe assim. O que há com você, Nova? Tem
escondido as gatinhas de mim, — ela lançou um olhar para Liv que
me deixou extremamente irritado, antes de voltar seus olhos para
mim. Raven semicerrou os olhos, me estudando com aquele tipo de
curiosidade que me deixava nervoso. — Por quê? — Ela perguntou
com seriedade.
Mas eu não conseguia pensar em nada além de tirar Liv
daqui e devolvê-la para o lugar onde pertencia: a ilha.
— Depois, — falei entre os dentes enquanto pegava a mão
de Liv e a puxava em direção à rua. Ela praticamente corria atrás de
mim quando chegamos ao outro quarteirão.
— Me solta, seu bruto! — Ela gritou, tentando puxar sua
mão de mim.
— Não. — Segurei a mão dela com mais firmeza quando
paramos para deixar os carros passarem.
— Não? Para onde está me arrastando? — Ela tentou soltar
a mão mais uma vez, mas continuei segurando-a. — Faz uma hora
que você furou comigo pelo terceiro dia consecutivo e agora não quer
me deixar ir embora?
— Eu não furei com você porra nenhuma, — olhei de
forma afiada. — Não tínhamos um encontro combinado, Liv, e eu
tinha coisas para fazer.
— Ótimo, então deixe-me ir. Agora quem tem coisas para
fazer sou eu.
O comportamento dela só fez minha raiva aumentar. A
garota não se importava com sua segurança. Isso ficou claro para
mim no momento em que ela voltou para a campina depois de Boone
ter colocado as mãos nela. Estava ainda mais claro agora. Como ela
podia se arriscar vindo aqui para me procurar a essa hora da noite?
Parei na calçada, me virando até que estivéssemos cara a
cara.
— Que droga você tinha na cabeça para vir até aqui
sozinha? Você não percebe a burrice que é?
Seus dentes trincaram de raiva.
— Me chame de burra mais uma vez, Nova! Atreva-se! —
Ela gritou na minha cara.
Agarrando sua mão, eu a puxei para a rua novamente, desta
vez na velocidade da luz, arfando de tanta irritação.
— Aonde está me levando? — Ela berrou atrás de mim.
— Para casa, — falei por cima do ombro quando senti um
gota de chuva bater em minha bochecha. Ótimo! Era o que eu
precisava, a porra de um temporal em meio a tempestade de merda
que era minha vida neste momento.
Ela puxou o braço com força, sua mão escapando da minha.
— Não preciso que você me leve para casa, Adam. Sei
como chegar lá sozinha. — Ela entrou em um beco escuro que ficava
entre dois prédios antigos de tijolos. Soltei um suspiro, pedindo
paciência enquanto corria para alcançá-la. De jeito nenhum eu a
deixaria andar por esse bairro sozinha de novo. Eu queria gritar.
— Você não pode ir para casa sozinha, Liv. Não é seguro
aqui. Não devia ter vindo, principalmente à noite.
— Vá embora, Adam! — Sua voz ecoou entre os dois
prédios que nos rodeavam.
— Por quê? — Gritei. Ela estava sendo insensata, agindo
como louca, e eu não conseguia entender o que ela queria que eu
fizesse.
Ela parou na minha frente e vi uma, duas, três gotas de
chuva baterem em seus ombros descobertos.
— Por quê? — Ela parecia incrédula. — Vamos mesmo
fazer isso? Se é para questionarmos as coisas, então tenho perguntas
pra caralho.
Eu me encolhi ao som da palavra “caralho”. Era raro ouvir
Liv xingando, e aquilo doía meus ouvidos. Ela era boa demais para
aquele tipo de palavra. Doce demais, perfeita demais.
— Por que ficou três dias sem ir me ver? — Ela ergueu a
mão, levantando um dedo de cada vez. — Por que não me conta
nada? E o mais importante… — Ela hesitou, como se quisesse causar
um efeito dramático, então fechei a boca como qualquer homem
inteligente faria. — Por que não me contou que Raven era uma
garota, porra?
Apontei meu dedo na cara dela.
— Pare de falar palavrão, cacete, — resmunguei. Meu
Deus, eu era tão contraditório, mas era exatamente isso o que Liv
fazia comigo; me levava à loucura.
Ela soltou uma risada sarcástica, olhando para o céu e,
naquele momento, parecia que estava chamando os deuses da chuva
porque o céu se abriu e enormes gotas caíram sobre nós.
Agarrei a mão dela e corri para uma pequena marquise que
mal nos cobria. Com a parte da frente do meu corpo, eu a empurrei
contra a parede, tentando mantê-la seca, mas foi inútil. Estávamos
encharcados e ficando ainda mais molhados a cada segundo.
Ela me olhou através de seus cílios espessos e ensopados.
— Por que não me contou que Raven era uma garota? Ela é
sua namorada? Por que mentiu para mim?
Caramba, era isso o que ela pensava? Essa garota estava
fora de si. Eu não era capaz de pensar em ninguém além dela desde
que a vi pela primeira vez. Será que ela não entendia? Não conseguia
enxergar?
— Não menti para você. Só não a corrigi quando pensou
que ela era um cara. — Afastei meu cabelo da testa e a encarei,
atenuando minha voz. — Não achei que fosse importante. E nunca
mais falamos sobre ela. Acabei esquecendo.
Seus lábios se contraíram.
— Você esqueceu? Que conveniente. Você também
esqueceu de me encontrar nos últimos três dias?
Usei minha força contra o seu corpo, até que minhas pernas
estivessem entre as dela, meu torso pressionado em seus seios
volumosos que eu não conseguia tirar da cabeça fazia mais de um
mês.
Puta merda, era gostoso ficar assim. Em casa, pressionado
contra ela desta forma, eu, estupidamente, me inclinei e coloquei o
rosto em seu pescoço, apreciando o cheiro da chuva e de minha Luna.
Respirando fundo, ergui a cabeça e encostei a testa na
parede ao lado dela com meus lábios em seus ouvidos.
— Você me conhece, Livvy. Jamais poderia esquecer você.
Nem ontem. Nem hoje. Nem amanhã. Nunca. — Isso era pura
verdade. Passei semanas tentando tirá-la da minha cabeça, mas foi em
vão.
Um arrepio a atingiu com o meu sussurro e seu corpo tenso
se derreteu contra o meu como manteiga. Ela passou os braços ao
redor do meu pescoço e apoiou o rosto na minha camisa molhada
enquanto a chuva nos golpeava. Só então eu me dei conta que por
mais que abraçar Liv tenha sido uma das melhores coisas da vida, não
se comparava de forma alguma com ser abraçado por ela.
Desfrutei daquele abraço como se estivesse sob a luz do sol
e não daquela chuva gelada. Não pude evitar. Levantei as mãos e
segurei a lateral de seu pequeno rosto com formato de coração, e usei
meu polegar para erguer seu queixo, assim poderia ver seus olhos.
Os olhos castanhos emoldurados pelos cílios mais grossos
que já tinha visto me encaravam com tanto sentimento que eu sabia
que seria o meu fim. Esta garota era boa demais para mim.
Encantadora demais. Incrível demais. Ela acabaria comigo. E eu
estava começando a ficar tranquilo com isso. O que eu não estava
gostando era de arruiná-la.
— Por que você se esconde de mim, Adam Nova? — Ela
perguntou com suavidade, seus olhos buscando dentro dos meus as
respostas que eu não conseguiria dar.
Não poderia responder. Não sabia como, por isso, encostei
minha testa na dela, nossos lábios quase se tocando, meu coração a
mil. Porque eu sabia o que estava prestes a acontecer. Eu ansiava por
isso. E estava apavorado.
Com o cabelo castanho colado na cabeça, o vestido branco
encharcado e sua mão sobre minha bochecha, ela perguntou:
— Por que não me deixa entrar na sua vida?
Meu Deus, ela queria entrar na minha vida. Eu também
queria. Mas não sabia como deixar as pessoas se aproximarem. Desde
que perdi minha mãe, mantive uma certa distância das pessoas. Não
podia dar essa abertura para Liv. Não para a Liv de olhar sonhador e
otimismo infalível mesmo quando havia perdido seus pais. Como
poderia deixá-la entrar em minha vida quando ela era pura luz e eu
não era nada além de escuridão?
— Não sei como, — mal consegui falar. Até onde eu
lembrava, era a primeira vez que eu despia minha alma, meu coração.
Tristeza irradiava de seu olhar quando ela ficou na ponta
dos pés, seu rosto intimidador perto do meu, e senti meus olhos se
fecharem diante da perspectiva do que eu sabia que aconteceria. Por
mais que tenha lutado contra isso durante semanas, era o que eu
queria mais do que qualquer coisa.
Sua respiração tocou minha boca.
— Vou ensinar você, — ela murmurou contra os meus
lábios e senti os efeitos do toque suave deles por todo meu corpo.
Seus lábios estavam sobre os meus, beijando meu lábio
inferior de leve e depois chupando o superior. Soltei um grunhido.
Não podia acreditar. Esta garota... Eu não iria beijá-la, mas ela ligou o
foda-se e me beijou assim mesmo.
Ela era destemida, descarada e maravilhosa. E era minha se
eu a quisesse. Eu não a merecia. Aqueles beijinhos foram
inesperados, surpreendentes e incríveis, e antes que me desse conta
do que estava fazendo, eu a puxei para o mais perto possível, e
capturei sua boca, mordendo seu lábio macio. Colocando minha
língua dentro de sua boca de um jeito selvagem. Sonhei em prová-la
por tanto tempo que agora parecia um animal com sua presa, incapaz
de enxergar pela fome e pelo tempo.
Deveria ter pensado no fato de que este era o primeiro beijo
dela, mas a verdade era que também parecia ser o meu, então fui
egoísta. O primeiro toque de nossas línguas, as primeiras mordidinhas
de seus dentes, a primeira sucção de seus lábios. Foi diferente de
qualquer beijo que eu já tinha experimentado e fui transportado de
volta para a campina, sob as estrelas. Cometas rasgaram o céu,
meteoros atingiram a Terra, asteroides explodiram.
Esqueça o papo sobre colocar fogo no mundo. Liv e eu?
Nós destruiríamos o universo.
Minhas mãos estavam em seu cabelo.
Minha boca esmagada contra a sua.
Meus pés firmes na calçada.
Mas meu juízo tinha desaparecido.
Não havia lógica para beijos como esses.
Não, esses beijos eram paixão enlouquecida, insanidade —
loucura.
— Uhm, — ela gemeu em minha boca, e eu absorvi tudo.
Queria tudo dela. Queria minha boca em cada parte do seu corpo.
Então, movi minha boca para o pescoço dela, em direção ao ponto
vazio na base de sua garganta, lambendo e chupando.
Caramba, tudo o que conseguia pensar era nos outros
lugares que queria provar. A cavidade na parte de cima do seu ombro.
O topo e as extremidades dos seus seios. O buraco do seu umbigo. O
lugar macio atrás dos seus joelhos. A saliência em seu tornozelo. A
umidade entre suas pernas.
Eu estava bêbado, embriagado por meus pensamentos e
seus gemidos quando ouvi um ruído próximo que me fez recuar e
olhar ao redor do beco escuro e chuvoso, até finalmente olhar de volta
para Liv, que sorriu.
— Era provavelmente um gato. — Seus olhos inocentes e
redondos me olharam.
Eu a olhei e também sorri.
— Talvez. Mas preciso tirá-la da chuva e levá-la para um
lugar seguro. — Segurei sua mão, mas ela não aceitou.
— De jeito nenhum. Você tem algumas perguntas para
responder antes de me levar com você, Nova.
Meu Deus, essa garota me faria responder todas as suas
perguntas debaixo dessa porra de chuva, no meio da noite. Eu queria
bater minha cabeça na parede atrás dela.
— Mas nos beijamos. Está tudo certo, — falei qualquer
coisa e tentei fazer com que ela esquecesse isso até chegarmos a um
lugar seco e seguro.
— Errado. Eu beijei você, — ela piscou os olhos. — Eu
dou as ordens.
— Certo, anda longo. Está chovendo. — Afastei o cabelo
molhado da testa.
— Raven é sua namorada?
— O quê? Claro que não, — respondi horrorizado.
Ela semicerrou os olhos.
— Ela já foi sua namorada?
Meu Deus. Eu não podia fazer nada além de rir do absurdo
que era esta situação.
— Caramba, você está pirando. Vamos sair da chuva e eu
conto tudo.
— Não, — seu olhar dizia muito sobre sua determinação,
então apenas respondi a pergunta.
— Raven nunca foi minha namorada.
— Você já transou com ela?
— Nunca.
— Já a beijou?
Belisquei meu nariz, me sentindo descontrolado.
— Não.
Sua expressão se encheu de confusão.
— Hã?
— Ah, pelo amor de Deus, o que é agora? — Chovia em
um fluxo constante e a marquise mal nos abrigava.
— Não entendo por quê.
— Por que o quê? — Quase gritei.
— Porque nunca a beijou ou tentou ter alguma coisa com
ela. Raven é linda e parece fazer o seu tipo.
Por que ela não conseguia compreender? O que fazia o meu
tipo era sua loucura em observar as estrelas e ter conversas debaixo
da chuva. Então, me inclinei e segurei seu queixo.
— Nunca fiquei com Raven porque ela não faz o meu tipo,
Liv. Não, o meu tipo é uma pé no saco da ilha que quer discutir por
uma hora na chuva e que ama as estrelas. Esse é o meu tipo, baby.
Ok?
Ela assentiu com um olhar deslumbrado.
— Ok, — murmurou.
Grato por ter finalmente conseguido fazê-la entender, soltei
seu rosto e dei um passo para trás.
— Além do mais, nunca fiquei com Raven porque ela é
lésbica e nunca nos interessamos um pelo outro.
— Ahhh, — ela arfou, o espanto colorindo suas feições.
Assenti com a cabeça.
Ela franziu o cenho e me deu a mão antes de me puxar pelo
beco debaixo da chuva.
— Bem, você devia ter dito isso logo, Nova. Está um frio
do caramba e ficamos conversando na chuva como dois loucos, — ela
parecia irritada. — Eu poderia pegar uma pneumonia.
Não consegui evitar. Inclinei a cabeça para trás e gargalhei.
O som da risada ecoou ao nosso redor e ficamos colados um ao outro
no beco escuro e imundo. Olhei para ela, minhas bochechas doendo
de tanto rir. Ela sorriu para mim e percebi que eu estava feliz. Pela
primeira vez em muito tempo, esta garota me fez sorrir e gargalhar, e
eu estava feliz. Era ao mesmo tempo bom e doloroso, ali na
escuridão, sentindo como se um raio de luz estivesse à espreita. Pois
eu sabia que esse tipo de felicidade custava caro. Sabia que era
temporário. Sabia que duraria pouco. Disse a mim mesmo que tudo o
que podia fazer era aproveitar enquanto fosse possível.
LIV

Eu estava andando pelas ruas escuras com Adam, mas não


enxergava nada porque minha mão segurava a dele como se
pertencesse àquele lugar, pelo amor de Deus. Era grande e cálida, e
pensei que meu coração fosse explodir. Ele tinha me beijado. Fui
beijada. Não foi um simples beijinho. Claro, eu tomei a iniciativa e o
beijei primeiro, mas sentia que estava na hora e que já estava farta de
esperar. Eu só não esperava aquilo. Não esperava a investida de sua
língua ou as mordidinhas de seus dentes. Não esperava uma completa
invasão. E achava que os primeiros beijos não deveriam ser como o
que Adam me deu. Porque não foi um beijo atrapalhado, caótico,
estranho. Não, foi um daqueles para arruinar todos os beijos. Um que
colocaria no chinelo todos os futuros beijos que eu desse. E o gosto
dele… Adam tinha gosto de fumaça adocicada, hortelã e pura
essência masculina. Eu não conseguia parar de pensar nisso. Estava
obcecada. E por mais que tenha passado apenas dez minutos, sabia
que ainda pensaria nisso daqui a dez anos. Era um beijo para ser
recordado. Sim, as palpitações estavam a todo vapor.
Estava divagando na paralisia causada pelo beijo quando
percebi que não estávamos indo em direção à campina ou à ilha.
Caminhávamos por uma rua com prédios antigos, a chuva em uma
constante garoa.
— Para onde estamos indo?
Ao que parecia, eu ainda estava atordoada e ao tocar meus
lábios, percebi que eles ainda estavam inchados e quentes. Tudo o
que conseguia pensar era no quanto eu queria mais beijos de Adam.
Agora. O tempo todo. Em qualquer lugar. Em todos os lugares.
— Para casa.
Larguei sua mão.
— Mas o caminho para minha casa não é este.
— Não, mas para a minha é.
— Ah, — foi tudo o que consegui dizer. Adam estava me
levando para a casa dele. O que estava acontecendo? Tive a sensação
de que estava sonhando. Ele estava me beijando. E segurando minha
mão, e agora me levava para casa. Fiquei imaginando se conheceria a
família dele. Estava quase ficando tonta.
Passamos pelo lado ruim da cidade e, eventualmente,
chegamos a um prédio deteriorado. Mesmo sabendo que Adam não
tinha muito, finalmente entendi o quão humilde ele era.
Meu pai e eu fomos de classe média baixa antes de ele
alcançar o sucesso. E enquanto eu passava pelos corredores e subia as
escadas do edifício, percebi que nunca fomos tão humildes quanto
Adam e sua família. Não, isto era classe baixa. Nossos sapatos
molhados guincharam contra o chão e havia um leve cheiro de mofo
no ar.
— Para onde está indo, gatinho? — Uma voz feminina soou
atrás de nós.
Eu me virei e encontrei o que parecia ser uma garota
debilitada, não muito mais velha do que eu, saindo de seu
apartamento.
Adam lançou-lhe um rápido olhar antes de dizer:
— Vá dormir, Mona.
Os olhos vidrados me analisaram e ela sorriu.
— Quem é que temos aqui?
— Não é da sua conta.
Segui Adam pela escada e deixamos Mona para trás. Eu me
senti mal por ela.
— Que triste, — resmunguei, seguindo Adam.
Ele deu de ombros.
— Todo este lugar é triste, Liv. Por que acha que encontro
você na campina?
Ele não estava me escondendo? Ou me ignorando? Ele
estava me protegendo desse lado de sua vida e aquilo me deixava
ainda mais triste. Desta vez, por Adam.
Com o tilintar de suas chaves, ele abriu a porta do
apartamento e nos dirigimos para um carpete marrom e gasto, e para
um sofá marrom que não era tão melhor, mas o lugar parecia limpo e
cheirava a limpeza. Era um ambiente integrado com uma sala de estar
de tamanho decente anexada a uma pequena área de jantar na lateral e
uma pequena cozinha no canto. Em cada extremidade do cômodo
havia duas portas que eu acreditava que levavam aos quartos.
Foi então que me ocorreu. E se Adam morasse aqui
sozinho? Nunca perguntei a idade dele. Meu Deus do céu, e se ele só
parecesse novo, mas tivesse vinte e três anos? Puta merda, aquilo não
ia colar com a minha madrasta. De qualquer forma, as tatuagens e
cigarros provavelmente seriam suficientes para enlouquecê-la.
— Quantos anos você tem?
Ele sorriu.
— Agora ela pergunta.
Meu peito apertou em pânico porque Adam estava com um
ar muito presunçoso.
— Meu Deus, você tem trinta, não é? Meu Deus do céu! —
Comecei a andar de um lado para o outro da sala.
Adam revirou os olhos e balançou a cabeça devagar.
— Relaxe, doidinha. Tenho só dezenove.
Ufa. Quase tive um infarto.
— Espere um segundo, — ele disse, tirando a camisa
molhada, e achei que meus olhos fossem ficar vesgos. Caramba, ele
era bonito. Quer dizer, ele já era bonito quando estava vestido, mas
ficava ainda mais quando não estava. — Preciso dar uma olhada no
meu pai.
Ah, então o pai dele estava aqui.
— Hijo[1], é você? Quem está com você?
Adam quase sorriu para mim.
— Sim, pai, sou eu. Tem alguém comigo.
— Uma amiga, talvez? Estou escutando uma garota, hijo?
Um sorriso absoluto cobriu os lábios de Adam desta vez,
enquanto ele revirava os olhos para o pai, mas eu mal reparei, porque
os mamilos e o abdômen e, meu Deus, aquela calça abaixo da cintura.
Deus, a pele dele era levemente bronzeada e seu torso era longo e
musculoso. Queria olhar fixamente. Muito. Por isso, foi um pouco
esquisito quando encarei e afastei o olhar e depois encarei e afastei o
olhar de novo. Esperava que ele não tivesse notado, mas, se o calor
em seus olhos fosse algo em que eu pudesse me basear, ele com
certeza tinha percebido.
— Estou indo, pai. Um segundo.
Adam jogou a camisa sobre a bancada da cozinha e se virou
na direção de um quarto escuro fora da sala principal.
— Traga sua amiga também, Adam. Quero vê-la.
Adam olhou para mim, claramente constrangido, antes de
me chamar para segui-lo. Puxei a bainha do meu vestido molhado e
ajeitei o cabelo. Eu conheceria seu pai parecendo um rato molhado.
Ótimo.
Ele acendeu a luz quando entramos no pequeno quarto com
o mesmo carpete marrom. Era pouco decorado. Só havia uma
fotografia das estrelas sobre a cama de casal. Uma cômoda solitária
foi colocada contra a parede oposta. Nada mais ocupava o quarto
além de uma mesinha lateral que ficava perto da cama. E no meio
dela, um grande homem hispânico estava sentado. Um homem de
meia-idade e boa aparência.
Ele tinha uma gaze na testa e deu um enorme sorriso
quando me viu.
Adam foi até a cama enquanto eu fiquei perto da porta,
tentando ser invisível. Eu estava uma pilha de nervos. Nunca tinha
conhecido outros pais.
— Como está se sentindo, pai? Alguma dor? Fome? —
Adam tentou cobri-lo mas o homem corpulento se sentou ainda mais
e afastou suas mãos.
— Saia da frente, filho, saia. Estou tentando conhecer sua
amiga. Chegue mais perto, nena linda[2]. — Ele acenou em minha
direção e eu me movi enquanto Adam se afastava com um sorriso.
Ele me observou e eu o observei. Seus olhos tinham cor de
chocolate e mesmo com seu cabelo comprido demais e rugas que
marcavam os cantos de seus olhos gentis, eu imaginava que aquele
homem havia sido lindo na juventude. Até porque, não era ruim olhar
para ele.
— Meu filho tem bom gosto, não é? – Ele disse, sua
expressão animada e cativante.
Não pude deixar de sorrir de volta, apesar de ter corado até
a alma.
— Qual é o seu nome, niña[3]?
— Livingston.
Para alguém que ainda não sabia, ele foi muito rápido em
responder.
— Um lindo nome para uma linda garota. Entendo por que
meu filho não tem ficado em casa ultimamente. — Ele lançou um
olhar de entendimento para Adam antes de voltar a me olhar. — Sou
José. É um prazer conhecê-la, Livingston. Onde você trabalha?
Frequenta a escola? Onde mora? Quantos anos você tem?
— Ok, ok, pai! Já chega de interrogação por hoje. Você tem
que descansar e eu preciso pegar uma muda de roupa para Liv. Ela
está encharcada da chuva.
— Tudo bem, mas você tem que trazê-la de volta quando eu
estiver me sentindo melhor. Vou preparar a lasanha de sua mãe e ela
poderá me contar tudo.
Adam pegou um pouco de água na jarra sobre a cômoda,
colocou um copo sobre a mesinha ao lado da cama e fez questão de
verificar se seu pai estava coberto.
— Mal posso esperar, — ele resmungou.
Uma saudade explodiu dentro de mim. Ver Adam junto de
seu pai obviamente gentil, fez com que eu sentisse falta do meu.
Adam apagou a luz no caminho para fora do quarto,
enquanto seu pai dizia:
— Foi um prazer conhecê-la, Livingston.
Sorri para José, convicta de que ele era incrível.
— Foi um prazer, senhor Nova.
Ele balançou a cabeça e levou a mão ao peito.
— Assim você me ofende, niña! Não sou velho. Senhor
Nova é o meu pai. Me chame de José, sim?
Eu ri.
— Ok, José.
— Perfecto. — Ele olhou para Adam. — Boa noite, hijo. Te
amo.
Ao sairmos do quarto, Adam respondeu:
— Eu também amo você, pai.
Enquanto o seguia pela sala de estar, não pude deixar de
pensar em como ele tinha sorte por ter um pai tão amoroso. Ele era
excêntrico, com certeza, mas eu apostava que eles se divertiam muito
juntos. Apostava que a gaze na testa de seu pai era a razão pela qual
eu não o via há dias.
— Você esteve cuidando do seu pai, — eu estava afirmando
o óbvio. E quando entramos no quarto de Adam, ele me deu uma
explicação que fez com que eu me sentisse uma merda por pensar que
estivesse me ignorando.
— Sim, ele caiu da escada há alguns dias e bateu a cabeça.
Os malditos elevadores estavam quebrados. Este prédio de merda…
Ele gosta de descer e jogar baralho com os amigos. Ele tem uma
perna ruim e não pode usar a escada, mas eu estava na escola. Mona o
encontrou e chamou uma ambulância. Eles o mantiveram internado
por uns dias e eu não podia deixá-lo. — Seu olhar suave me dizia que
ele pensou em mim enquanto esteve cuidando do pai. Que ele queria
ter me avisado sobre o que estava acontecendo.
— Eu sinto muito. Fico feliz por ele estar bem e em casa.
Adam inclinou a cabeça.
— Sim, eu também.
— E acho que deveríamos ter o número um do outro para
que isso nunca aconteça de novo, — eu ri.
— Como assim? Não gostou de conhecer Raven e ter nossa
primeira discussão em um beco escuro e debaixo da chuva?
O fato de ele ter dito “nossa primeira discussão” me causou
uma sensação boa. Como se realmente existisse um “nós” e que
fôssemos ficar juntos tempo suficiente para brigarmos de novo. Não
havia mais ninguém no mundo com quem eu quisesse discutir além
de Adam. Especialmente se todas as discussões terminassem com o
beijo. A febre.
O quarto de Adam não era muito diferente do de seu pai.
Era minimamente decorado e assim que entramos, ele começou a tirar
o que havia restado de suas roupas. Eu me virei para lhe dar
privacidade e o ouvi dando um riso abafado. Meu rosto queimou.
Queria vê-lo tirar a calça molhada. Queria mesmo, mas achava que
nesta noite, já tive tudo o que poderia suportar com aquele beijo e
aquele abdômen.
O meu coração martelava no peito enquanto eu ouvia o
farfalhar das roupas. Finalmente, Adam apareceu na minha frente
com nada além de uma calça esportiva de cintura baixa, segurando
uma camiseta preta e um short preto de academia. Eu o encarei
porque, meu Deus, tinha fantasiado com este garoto nas duas últimas
semanas. Droga, tinha fantasiado com ele antes mesmo de conhecê-
lo, mas nada se comparava à realidade, e ela era espetacular. Aqueles
mamilos chamavam meu nome; eu queria tocá-los, prová-los.
Caramba, aqueles músculos definidos em V acima de sua calça eram
o melhor tipo de distração.
Adam pigarreou e voltei meu olhar para ele.
— Você vai ficar a noite toda aí parada, encarando? — Ele
riu antes de advertir: — Você deveria tirar essas roupas molhadas
antes que fique doente.
Arqueei a sobrancelha.
— Aposto que você diz isso para todas as garotas. — Mas
ele estava certo. Eu estava praticamente batendo o queixo, mas ficaria
feliz em morrer congelada se pudesse olhar para ele a noite inteira.
Seu rosto estava sério.
— Jamais. Nunca trouxe uma garota aqui em casa além de
Raven.
— Sério? — Eu era a única garota que ele havia trazido
para conhecer seu pai e ver seu quarto? Por quê? Como?
— Sim, agora, troque de roupa.
Ele se virou para me dar privacidade, tirei minhas roupas e
coloquei as dele. Elas cheiravam a Adam e, de repente, senti a
necessidade de me embolar em uma de suas pilhas de roupa. Meu
Deus, ele tinha um aroma sensual. Eu tinha me metido em uma
roubada.
Ele pegou meu vestido do chão e o pendurou nas costas da
cadeira que ficava na mesinha ao lado da cama.
— Você terá problemas por não estar em casa? Está ficando
tarde.
— Não sei nem se eles sabem que não estou lá. — Fazia
tempo que desisti de me preocupar se eles se importavam.
Sua expressão dizia tudo: ele achava aquilo tudo uma
droga. Mas ao invés de dificultar a situação, ele apagou a luz, segurou
minha mão e me levou até a cama. Se deitou e deu um tapinha no
espaço perto dele. Estava tão empolgada por estar em seu quarto e
estar prestes a deitar em sua cama, que quase não percebi. Por pouco
não reparei no brilho das estrelas, planetas e constelações que
cobriam as paredes e o teto na escuridão.
— Ai, meu Deus. Que lindo. — Girei ao redor do quarto,
de braços abertos, sentindo como se flutuasse no espaço. Estava
muito escuro e tudo o que consegui ver eram as estrelas radiantes e
planetas. Era uma das coisas mais legais que já tinha visto.
— Vem. São quase iguais às da campina, — ele disse,
indicando o espaço ao seu lado, e eu o achava louco porque eram
muito melhores.
Engatinhei até ele, o cabelo molhado balançando em meu
rosto. Ele estava deitado no meio da cama e fiquei imaginando onde
queria que eu deitasse se estava tomando conta da porra toda.
— Aqui, — ele indicou, batendo no peito, e senti meu rosto
esquentar. Não deixei a timidez me impedir de escalar seu corpo
como se fosse uma árvore e deitar minha cabeça na curva de seu
pescoço, meu rosto sobre a solidez de seu peito. Ele me envolveu em
seus braços e dobrou uma perna para que a minha ficasse entre ela e
eu estava praticamente montada em sua coxa.
— Uhm, — gemi porque era tão gostoso, não só de um
jeito excitante. Fazia muito tempo desde que alguém me abraçou e
nunca havia sido alguém que não fosse da família.
Senti seu queixo no topo da minha cabeça. Estava feliz e
me aconcheguei ainda mais nele, meu corpo mole como gelatina.
— Amei o seu quarto.
Era o pedacinho de um lindo céu neste prédio disforme. Em
uma parte assustadora da cidade. Era a cara de Adam. O quarto era
como um farol na escuridão. Assim como ele.
— Obrigado. Minha mãe me ajudou a decorá-lo.
Eu queria perguntar como ela havia morrido. O que
aconteceu, mas, ao invés disso, fiz uma pergunta mais fácil de ser
respondida.
— Como ela era?
Sua resposta foi rápida.
— Incrível. O nome dela era Jennifer, mas meu pai sempre
a chamou de Jenny. Ela tinha cabelo loiro comprido e encaracolado, e
olhos azuis.
Isso explicava os olhos azuis deslumbrantes de Adam.
— Ela era vegetariana, amava fazer yoga e estar ao ar livre.
Meu pai costumava brincar chamando-a de hippie, mas ela não se
importava com o que pensavam dela. Minha mãe era calada,
desajeitada e propensa a ter crises de depressão, mas amava as
estrelas e adorava me contar sobre elas.
Eu o abracei.
— Ela devia ser maravilhosa.
— E era, — foi apenas um sussurro, mas consegui ouvi-lo
em alto e bom som. Tive a sensação de que aquele sussurro era um
pedido de ajuda. Um apelo para conversar sobre o que aconteceu. Era
como se ele suplicasse para que eu soubesse e entendesse.
— O que aconteceu? — Murmurei em seu peito.
Pude sentir o seu esforço para encarar a tristeza.
— Ela se suicidou. Com comprimidos. Eu a encontrei um
dia quando cheguei em casa.
O meu corpo se enrijeceu diante da informação. Não. Eu
não conseguia assimilar o fato de Adam ter perdido alguém daquele
jeito e meu coração ficou em pedaços por ele. Não conseguia
imaginar um dos meus pais me deixando por vontade própria. Não
podia nem imaginá-lo encontrando-a. Lágrimas irromperam em meus
olhos e fiquei tão triste que fiz outra pergunta.
— Quantos anos você tinha?
— Nove.
— Meu Deus, Adam. Eu sinto muito, — engasguei, e
pensei ter sentido um beijo no topo da minha cabeça.
— Tudo bem. Foi há muito tempo. Ela sempre lutou contra
a depressão. Ela costumava trabalhar na ilha, sabia? Fazendo faxina.
— Sério?
— Sim. Ela não tinha um diploma nem nada parecido, mas
gostava de cuidar das outras pessoas, então foi uma boa opção. Até
que um de seus patrões abusou dela. Esse foi o começo do fim. Ela
nunca se recuperou.
Eu levantei a cabeça e cravei meu olhar sobre intensos
olhos azul celeste.
— Sexualmente?
— Sim.
— Meu Deus. Isso é horrível.
— Sim. Ela não foi a mesma depois disso. Nunca mais se
recuperou. Nunca mais melhorou. Não importava quantas vezes ela
fosse ao psicólogo. Não importava quantos remédios ela tomasse.
Não importava quantas vezes meu pai tentou protegê-la. Ela parou de
sair de casa até para ver as estrelas. Ela era carinhosa demais, muito
gentil. Sensível demais. Isso acabou com ela.
Deus, parecia que meu peito tinha sido rasgado. Estava
despedaçada por Adam e por seu amável pai. E por sua mãe que
passou por algo tão horrível.
— E a pessoa que fez isso? O que aconteceu?
Adam afastou seu olhar de mim e encarou a parede próxima
a nós, sua expressão dizendo tudo.
— O que normalmente acontece quando alguém da ilha nos
maltrata. Nada.
— Nada? — Eu sentei, me sentindo indignada, com raiva,
dor e incontáveis sentimentos por essa família. — Nada? — Minha
voz foi ficando mais alta.
Hostilidade e injustiça estampavam suas feições.
— Você não entende, Liv? O dinheiro dá poder às pessoas.
Controle. Não temos dinheiro aqui, mas lá vocês estão nadando nele.
Todos vocês têm poder enquanto nós sofremos. Nós pagamos.
Não gostei da maneira como ele me envolveu naquilo, pois
embora eu morasse lá, aquela não havia sido uma escolha minha. Eu
era apenas uma criança. Não era um deles. Era apenas eu mesma.
Livingston Rose Montgomery. Filha única de Daniel Montgomery.
Amante das estrelas. Obcecada por Adam Nova. Eu não me
importava ou tinha conhecimento sobre o que acontecia na ilha e todo
o dinheiro.
Eu me afastei, me sentindo culpada por algum motivo, por
algo que não tinha nada a ver comigo. Mas será que estava me
sentindo culpada por associação? A ponte que separava Adam e eu
seria a mesma que nos afastaria?
— Não. Não faça isso.
— Não fazer o quê? — Perguntei enquanto me sentava e
olhava para ele.
— Se afastar de mim. Não estava falando sobre você,
Livvy. Falava sobre eles. Você não é um deles.
Amoleci, soltando um longo suspiro e voltando a me deitar.
Estava sendo irracional. Era um sentimento incontrolável. Eu era
muito jovem. Não poderia mudar o mundo, muito menos aquela
pequena ilha. Não queria mais falar sobre aquilo. Isso me
transformava em uma egoísta e fazia com que eu me sentisse o oposto
de Adam. Era como se estivéssemos a milhares de quilômetros de
distância e não deitados juntos na cama, por isso, mudei de assunto.
— Me conte como eles se conheceram. — Me aconcheguei,
beijando a parte perfumada de seu pescoço, e soltei um breve gemido.
— Quem? — Ele grunhiu como se estivesse com dor, mas,
pela contração dos músculos de seu abdômen sob minha mão, sabia
que estava excitado com meus beijos.
— Sua mãe e seu pai. — Me acomodei e dei uma folga ao
coitado. Meu palpite era que não seria a primeira vez dele, e eu ainda
não tinha certeza se estava pronta para dar o próximo passo.
Ergui o queixo e o olhei no escuro. Vi a pequena curva de
seus lábios e me dei conta de que estava curtindo ver seus sorrisos
ultimamente. Ao que parecia, ele não fazia muito isso antes de nos
conhecermos, mas agora ele sorria muito para mim. Isso me fazia
bem.
— Meu pai ama contar essa história, — Adam soltou uma
pequena risada que senti por todo meu corpo. — Ele é melhor nisso,
mas vou tentar.
Ele ficou em silêncio e eu o belisquei.
— Bem, não faça suspense, Nova.
— Ok! — Ele exclamou, afastando a mão que usei para
beliscá-lo e colocando-a sobre seu peito, sobre seu coração. — Meu
pai trabalhava com carros antes de se machucar. Minha mãe estava no
meio da estrada com o carro quebrado, não muito longe daqui, então
meu pai parou. Ele gosta de dizer que ela estava curvada sobre o capô
do carro e que já sabia que se casaria com ela porque ela tinha a
bunda mais bonita da Carolina do Sul.
Adam riu e eu o acompanhei.
— Ele consertou o carro dela e pediu seu número. Ela se
recusou educadamente, então ele anotou o nome e o número dele em
um pedaço de papel e o prendeu no console do carro dela. Minha mãe
dizia que não poderia ter deixado de ligar para o lindo homem que a
resgatou. Especialmente alguém com o sobrenome Nova. Uma
estrela. E com seu amor pela astronomia, ela dizia que só podia ser o
destino.
Eu sorria como uma boba em seu peito.
— Isso é tão fofo.
— Aham. Como seus pais se conheceram?
— Não foi assim tão romântico quanto os seus.
— E daí? Me conte.
Eu contei. Conversamos sobre meus pais. Sobre seus
amigos. Sobre a escola e o trabalho deles. Passamos a maior parte da
noite nos braços um do outro até eu cair no sono em algum momento
no meio da nossa conversa sobre bichos de estimação na infância.
Foi uma das noites mais tristes e agradáveis da minha vida.
Uma que eu jamais esqueceria.

[1] Hijo (espanhol) – Filho.


[2] Nena linda (espanhol) – garota linda.
[3] Niña (espanhol) – menina.
ADAM

— Bem, só estou dizendo que se eu fosse a fim de garotas,


com certeza ficaria com você, — Liv disse com naturalidade ao sorrir
para Raven.
Raven sorria radiante e aquilo me fez rir daquelas duas
doidas. Estávamos discutindo a então inexistente vida amorosa de
Raven e sua dificuldade em encontrar uma garota bacana.
— Ficaria? — Raven disse de volta. — Por algum motivo
achei que não fosse o seu tipo.
Liv pareceu surpresa antes de responder:
— Eu tenho um tipo, Raven. Gente do bem. E acho que
você tem muito disso.
Raven me olhou com olhos arregalados por cima das
batatas-fritas e ketchup.
— Ai, meu Deus, — ela colocou a mão sobre o coração. —
Ela é perfeita, — olhou para o teto da lanchonete em que estávamos.
— Por favor, Deus, se existe uma garota perfeita para ele, tem que
existir uma para mim, certo?
Chutei a canela de Raven gentilmente debaixo da mesa e
ela me olhou com uma expressão de raiva, porém, brincalhona.
— O quê? Ela é bonita, divertida, inteligente e rica.
Fiquei mal-humorado com a menção do dinheiro de Liv.
Não gostava de falar sobre isso. Era um assunto controverso para nós
— aquela ilha, o dinheiro dela… Pareciam ser maiores do que a ponte
que separava a ilha de Madison. Não queria pensar sobre o que aquele
dinheiro significaria para nós ou para nosso futuro. O que eu poderia
oferecer para ela?
Liv não notou minha mudança de humor. Ela apenas riu de
Raven antes de dizer:
— Ainda não. Lembre-se, só receberei meu dinheiro
quando tiver vinte e um anos. Até lá, minha madrasta tem todo o
controle.
— Que droga, — Raven estava mastigando o pedaço de
gelo do seu chá quando respondeu.
— É, — Liv deu de ombros como se não fosse grande
coisa. Essa era a reação normal dela com relação a sua família,
mesmo quando eu sabia que eles não eram os mais legais. Ela agia
como uma sonhadora. Isso me deixava perplexo. Depois de tudo o
que ela perdeu e com sua situação atual, ela ainda conseguia sonhar.
Eu tinha desistido disso há muito tempo. Meus sonhos caíram no
esquecimento quando minha mãe decidiu que não tinha mais vontade
de viver, muito menos de sonhar.
— Bem, é melhor irmos andando. — Eu amava estar junto
de Raven e Liv. Desde a noite em minha casa há algumas semanas,
não nos encontrávamos mais só na campina. Na maior parte do
tempo, eu buscava Liv em casa depois que todos iam dormir. Ela me
mandava mensagem quando achava que era seguro e eu ficava feliz
em garantir que ela chegasse à campina em segurança. Em algumas
noites, como a de hoje, conseguíamos encontrar Raven para um jantar
tardio na lanchonete que ficava do outro lado da rua do estúdio de
tatuagem.
— Sim, — Raven se levantou e saiu da cabine. — Está na
hora de voltar ao trabalho. Tenho uma cliente, — ela arqueou as
sobrancelhas repetitivamente.
— Imagino que ela seja gata? — Liv perguntou.
— Aham, — Raven respondeu. — Ela tem uns peitões.
— Meu Jesus, — exclamei, meu rosto ficando quente.
Raven contraiu os lábios.
— Você não se importava em conversar sobre peitos
comigo antes de Liv aparecer.
Meu Deus. Liv deu risada e eu a empurrei para a porta com
minha mão em sua lombar, enquanto Raven gargalhava.
Todo mundo se abraçou. As garotas se abraçaram duas
vezes e Liv e eu iniciamos nossa caminhada de volta à campina, o
cobertor azul embaixo do meu braço, sua mão na minha.
Caminhávamos em silêncio e foi nesse instante que me dei conta do
que estava acontecendo, com sua mão segurando a minha. Nosso
silêncio dizia tudo. Eu tinha uma namorada, porra. Tinha deixado de
ser o cara que observava esta garota como um louco, seguindo-a até
em casa, e agora, olhe para nós. Estávamos andando de mãos dadas
pelo meu bairro. Liv era minha namorada. Passei para ela o cobertor
que estava debaixo do meu braço e levei a mão ao bolso para pegar
um cigarro e isqueiro.
Eu precisava de um maldito cigarro imediatamente. Não
estava chateado ou irritado com a chance de ela ser minha. Eu amava
que ela fosse minha. Aquilo só me deixava com um medo do
caramba.
Liv me lançou um olhar de decepção ao ver o cigarro em
minha boca, mas tempos de desespero exigiam medidas desesperadas.
Ela não falou nada, apenas continuou andando em silêncio e eu fiquei
imaginando se ela sabia. Se sabia como isso era difícil para mim.
Deixá-la entrar em minha vida. E aquilo era mais do que assustador
porque significava que ela já me conhecia muito bem.
Merda. Andei mais rápido de mãos dadas com ela,
soprando a fumaça, esperando aliviar o pânico que irrompia por todo
o meu corpo. Chegamos à campina e ela estendeu o cobertor com
delicadeza até que estivesse esticado e pronto para deitarmos.
Ela se deitou e me observou andar de um lado para o outro,
ainda em silêncio. E, caramba, eu até queria que ela perguntasse o
que estava errado, mas era evidente que Liv já sabia.
Apaguei o cigarro e fiquei de pé diante dela, encarando. Ela
estava olhando para o céu, até que parou e seu olhar encontrou o meu.
Ao invés de questionar o que estava fazendo ali, ela esticou a mão
para mim. Sua mão pequena com unhas rosas. Elas eram bonitas,
delicadas e fofas. Não pude resistir. Sentei sobre o cobertor e me
inclinei para trás. Assim que me acomodei, sua mão segurou a minha.
Ela não foi devagar e carinhosa ao pegá-la. Ela não pediu. Agarrou
minha mão com rapidez e a levou ao peito antes de cobri-la com a
outra.
E foi assim que meu coração desacelerou. Meu desespero
diminuiu e minha pele formigou com uma calidez que me deixava
atordoado. Deus, como ela sabia? Como esta garota sabia o que eu
precisava quando nem eu mesmo fazia ideia?
Olhei para ela, mas seus olhos estavam fechados, então
aproveitei a oportunidade para encará-la. Afinal, quantas vezes na
vida eu pude olhar para uma pessoa tão linda sem que ela soubesse?
Suas bochechas arredondadas estavam coradas da
caminhada e seu cabelo castanho sedoso esvoaçava, tocando
suavemente minha bochecha. Era a coisa mais macia que já tinha
sentido na vida e tinha um perfume tão bom. Eu queria beijar seu
nariz pequeno e redondo. Provar seus lábios carnudos e rosados.
Ela era deslumbrante, de tirar o fôlego, e estava me
transformando em um idiota romântico.
Ela usava uma camiseta cor-de-rosa que não tinha nada
além de uma faixa de tecido ao redor de seu busto. Não havia mangas
e, caramba, ela tinha clavículas e ombros bonitos. E seios generosos
que parecia estar exibindo para mim o máximo possível ultimamente.
Com base em seu decote, esta noite não foi exceção. Eles subiam e
desciam a cada respiração e eram tão tentadores. Ela estava
provocando um homem faminto e não levaria muito tempo até que eu
surtasse e matasse minha fome.
— Feche os olhos, Nova, — suas palavras me tiraram do
delírio induzido pela paixão que ela havia provocado. Seus olhos
ainda estavam fechados, mas seus lábios sorriam.
— Por quê? — Eu queria observá-la. Ela sabia que eu
gostava disso.
Seu sorriso ficou ainda maior com a minha pergunta.
— Porque não se pode sonhar de olhos abertos.
Eu me apoiei sobre o cotovelo para que meu rosto ficasse
bem acima do dela. Eu conseguia sentir o gosto de seu hálito doce.
— Tenho certeza que posso, – sussurrei. Porque os meus
sonhos não se comparavam aos momentos que eu passava com ela.
Ela era o sonho. Ela era a única para mim.
Liv abriu os olhos ao ouvir minhas palavras, seu sorriso
tinha sumido e em seu lugar havia um olhar de surpresa.
— O quê?
Beijei seu nariz como eu queria e sorri para ela.
— Saia comigo.
Ela franziu o cenho, confusa.
— Eu estou saindo com…
Balancei a cabeça.
— Não, Liv. Saia comigo. Eu a busco e nós saímos. Para
um lugar especial. Deixe-me levá-la a um encontro.
— Você quer me levar a um encontro? – Suas palavras
foram um sussurro e tinham um tom de descrença. Como ela não
conseguia enxergar? Eu estava obcecado por ela; viciado em seus
lábios. Meu coração só ficava feliz quando estava com ela.
— Sim.
Ela engoliu em seco antes de responder.
— Tá.
Tá. Fiquei satisfeito. Contente. Voltei a deitar ao lado dela.
Liv olhava fixamente para as estrelas e meus olhos estavam grudados
nela.
— O que você vê quando olha lá para cima?
Ela mordeu o lábio inferior, pensativa, antes de responder.
— Um milhão de possibilidades. Um mundo de sonhos,
esperança, desejos. — Ela olhou para mim. — O que você vê?
Dei de ombros.
— Ciência, — minha resposta foi fácil. Prática.
Ela ficou desapontada.
— Só isso?
Olhei para o céu de novo.
— E escuridão.
Pelo canto do olho, pude vê-la sorrindo para mim. Ela
sentou e aproximou seu rosto do meu.
— Ah, mas não há escuridão onde não há luz, Adam.
Segurando minha mão, Liv voltou a deitar. Ela me fazia
sentir mais leve. Melhor. Maior. Iluminado. Eu sorria como um bobo.
Liv observou as estrelas calada e eu a observei em silêncio por um
tempo.
Ela finalmente olhou para mim e apertou minha mão, me
dando um olhar confuso.
— O que você está fazendo?
Ela sabia o que eu estava fazendo. Sabia que a estava
observando. Mas eu sabia que estava fazendo muito mais do que isso.
Por mais que eu me sentisse constrangido com a verdade, olhei dentro
de seus olhos e lhe contei, porque ela merecia.
— Sonhando.
Seu rosto corou e ela se iluminou por dentro.
— Ah, não. Não pode fazer isso.
— Fazer o quê? — Perguntei, me sentando para encará-la.
Mordendo os lábios, ela respondeu:
— Nem pense em ficar melhor do que já é, Nova. Não acho
que meu coração de dezesseis anos consegue suportar.
Pude ver o reflexo de centenas de estrelas em seus olhos.
Parecia que meu coração ia explodir.
— Você ainda não viu nada, Montgomery, — e a beijei
como se minha vida dependesse disso.
LIV

— Garota, o que tem acontecido com você ultimamente?


Você perdeu duas aulas de etiqueta e chegou atrasada na escola três
vezes nas últimas três semanas. — Olivia Drake, a garota robô, estava
me seguindo pelo corredor da escola e me interrogando.
— Estive ocupada. Nada de mais. — Parei no meu armário
e o abri.
Seus lábios se contraíram.
— A senhora Donnelly não pensou o mesmo. Você deveria
ter visto a cara dela quando não apareceu na aula de dança ontem à
noite.
Quase sorri de tão feliz que fiquei por não ter visto a cara
dela na noite passada. Saí sorrateiramente de casa para ficar com
Raven e Adam. Foi muito melhor do que ser pisada pela garota robô.
— Ela ficou aborrecida e vai pirar se não aparecer hoje. Só
queria deixar você avisada, — ela disse, se afastando do armário e se
juntando a um grupo de garotas que passava pelo corredor.
Soltei um suspiro, grata por ela ter ido embora.
— O que a princesa perfeita queria?
Dei um pulo ao ouvir a voz de Mel, surpresa por vê-la atrás
da porta do meu armário aberto. Eu o fechei e olhei para ela.
— Caramba, que susto!
Coloquei o livro de matemática na mochila e a pendurei em
meu ombro enquanto caminhava pelo corredor.
— Então?
— Então, o quê?
— O que ela queria?
— Ah, me avisar que a senhora Donnelly está irritada
comigo.
Ela riu.
— Está mesmo.
Eu ri.
— Fazer o quê, não é? — E eu realmente me sentia assim.
Daria tudo certo no baile. Não precisava de aulas para ser uma dama
da sociedade sulista. Eu já era uma, droga.
Saímos da escola e fomos para a aula de etiqueta. Não
queria faltar hoje. Não precisava que a senhora Donnelly fosse me
dedurar para a louca da Georgina.
— Então, desembucha. Por onde tem andado ultimamente?
Você nunca falta às aulas e nunca chega atrasada.
Eu sorri; não consegui evitar. Estava tão contente com
Adam. Queria contar para todo mundo. Queria espalhar aos quatro
ventos. E Mel era a coisa mais próxima que eu tinha de uma melhor
amiga. Já havia revelado coisas para ela no passado, como a loucura
de Georgina e as patifarias de Sebastian. Eu não conseguia deixar
para lá... Queria falar sobre Adam.
— É um garoto?
Aquele foi o meu fim. Não pude mais segurar.
— Sim, — dei um gritinho como a boa colegial que eu era.
— Ai, meu Deus! — Ela gritou e pulamos na rua de mãos
dadas.
Quando finalmente nos acalmamos, ela disse:
— Caramba, garota. Agora você vai ter que contar tudo e só
tem quinze minutos antes da aula começar, então, desembucha. Quero
todos os detalhes.
— Bem, tenho um encontro marcado neste fim de semana.
— Eu estava totalmente me gabando, mas, fazer o quê? Estava
morrendo para colocar para fora tudo e qualquer coisa sobre Adam
Nova.
— Quem é ele? Onde ele vai levar você?
— Não sei! Ele diz que é uma surpresa e você não o
conhece. Eu o conheci na cidade.
Seu sorriso enfraqueceu.
— O que você foi fazer lá?
— Não sei. Às vezes vou até lá.
Seus olhos se estreitaram.
— Há quanto tempo está vendo ele? Como sabe que é
seguro?
Ela não parecia feliz por mim. Não, ela não estava nem um
pouco satisfeita.
— Estamos nos vendo há algumas semanas. — Eu estava
sendo vaga de propósito. Não precisava de um sermão dela ou que se
sentisse desapontada por eu não ter contado nada assim que conheci
Adam.
Estávamos quase na porta da senhora Donnelly, então,
quando ela parou de andar, eu também parei.
— Você conhece esse garoto há apenas algumas semanas e
irá a um encontro com ele? Na cidade? E vai ser surpresa? — Ela
balançou a cabeça. — Isso não me parece seguro, Liv.
Segurando sua mão, eu a puxei pelo resto do caminho para
a aula, enquanto dizia:
— Está tudo bem, eu confio no Adam. Ele é um cara muito
bacana e inteligente. Você o adoraria, Mel.
Ela contraiu os lábios e franziu o cenho.
— Adam? Qual é o sobrenome dele caso você desapareça e
a gente precise procurá-la no fundo do oceano?
Revirei os olhos.
— Meu Deus, Mel. Não imaginei que poderia ser tão
dramática. — Contei o suficiente para acalmá-la e tirá-la do meu pé.
— O nome dele é Adam Nova e ele estuda na Madison Tech. Ele é
um nerd que ama astronomia. Duvido muito que me jogue no oceano.
Deixei os cigarros e as tatuagens de lado, além do jeito de
bad boy. O que foi difícil, porque aquelas tatuagens eram inebriantes
e eu queria gritar para o mundo o quanto eu as amava.
— Quando será esse encontro surpresa? — Ela ainda
parecia muito desconfiada.
— Neste final de semana. — E ainda era terça-feira.
Parecia demorar uma eternidade.
— Não sei por que não pode sair com Braden. Ele passa o
tempo todo pensando em você. Ele é da ilha e não é perigoso.
Não disse para ela que me sentia mais segura com Raven e
Adam do que com as pessoas daqui.
— Braden não é para mim, Mel.
Subimos os degraus da senhora Donnelly. Outras três
garotas estavam de pé na varanda, o que nos fez interromper nossa
conversa. Fiquei mais do que aliviada. Estava cansada de discutir
sobre Adam. Eu não pararia de encontrá-lo. E não sairia com Braden.
Assunto encerrado.
— O que estão fazendo aqui fora? — Mel tentou dar uma
olhada na porta da senhora Donnelly.
— Acho que a aula de hoje está cancelada. Tem um aviso
na porta dizendo que ocorreu um imprevisto, — Olivia, a garota robô,
respondeu.
Passei pelo grupo de garotas. Realmente havia um bilhete
na porta que dizia que a aula seria amanhã. Sensacional. Meu coração
disparou. Eu poderia ver Adam. Ele saía da aula por volta das cinco.
Eu poderia encontrá-lo na casa dele.
Peguei o celular e o avisei por mensagem que estava indo
para lá. Mel me olhou com cautela quando coloquei o aparelho na
mochila.
— Vai encontrar o namoradinho?
— Sim, — dei ênfase na palavra, calando a boca dela com
eficácia.
Desci os degraus e segui para a ponte.
— Cuide-se, Liv, — eu a ouvi gritar atrás de mim.
Respondi Mel com um sinal de positivo. Fiquei surpresa
com ela. Mel era sempre tão espontânea e, entre nós duas, era a mais
rebelde. Pensei que fosse apoiar o meu namoro com Adam. Sua
reação foi surpreendente e não gostei nem um pouco.
O sol estava começando a se pôr no momento em que eu
atravessava a ponte. Me sentei por lá e assisti o pôr do sol antes de ir
para a cidade. Quando cheguei à casa de Adam, estava um pouco
mais tarde do que eu imaginava. Ainda não tinha recebido uma
resposta dele, então tentei abrir a porta pelo lado de fora, mas não
consegui. Estava trancada por dentro. Havia um interfone velho na
parte de fora do prédio onde você podia discar os números dos
apartamentos. Apertei o botão para o apartamento de Adam mas nada
aconteceu. Meu palpite era que estava tão destruído quanto o resto do
edifício.
Então, fiquei sentada nos degraus da frente por mais de uma
hora e nada de Adam me responder. Me mantive entretida com o
dever de casa. Estava profundamente imersa nos clássicos da minha
aula de literatura quando alguém sentou ao meu lado, quase me
matando de susto.
— Opa, olha quem está aqui, — Boone sorriu para mim
com seus dentes amarelados e senti minha respiração ficar presa. —
Eu me lembro de você. É a garota da campina. — Seu hálito cheirava
a algum tipo de bebida e eu me afastei, indo em direção ao corrimão
que ficava na lateral do pórtico. Já tive um incidente com esse cara
horroroso. O medo me atingiu de uma maneira cortante por estar
sozinha desta vez.
Ele sorriu maldosamente.
— O que está fazendo aqui? Veio me procurar?
Eu me levantei e tentei descer os degraus, mas ele me
encurralou, me empurrando ainda mais para dentro do pórtico escuro,
sob a pequena marquise.
Minhas costas estavam contra a porta quando tentei
responder com convicção.
— Estou esperando um amigo. — Tentei parecer calma,
mas tinha certeza que a hesitação em minha voz me entregou, porque
ele deu um sorrisinho doentio que me causou arrepios.
— Aposto que veio até aqui para ficar com um dos garotos
da cidade, hein? Tenho certeza que aqueles ricaços babacas da ilha
não dão o que você precisa. — Ele se aproximou até que seu rosto
ficasse a centímetros do meu e meu corpo estivesse colado à parede
atrás de mim.
Pressionei a lateral do meu rosto contra a porta, mas não
adiantou. Ele encostou seu nariz no meu. Adam tinha feito a mesma
coisa numa outra noite, mas isso foi diferente. Eu estava assustada e
sem controle. Senti uma única lágrima escorrer pela minha bochecha.
— Aposto que gostaria que eu fodesse você bem aqui,
contra esta porta, não é, sua piranha? Sei bem do que as garotas da
ilha gostam.
Minha voz ficou presa na garganta. Tentei gritar, chorar,
mas nada aconteceu.
Ele tentou colocar sua perna entre as minhas, mas levantei
meu joelho com o máximo de força que consegui e o atingi no saco.
Ele grunhiu mas ainda me mantinha presa à porta e, por mais que eu o
empurrasse e arranhasse e batesse, era inútil. Ele era grande demais,
forte demais, e eu era pequena e fraca.
— Você vai pagar por isso, sua vagabunda.
Outra lágrima escorreu livremente quando lembrei da noite
em que Adam ficou tão aborrecido comigo por ter ido procurá-lo no
trabalho de Raven. Fazia sentido agora. Ficou tudo muito claro
naquele momento. Ele estava certo. Eu fui burra.
Finalmente, consegui libertar minha voz e um lamento se
espalhou por todos os lados quando a mão de Boone alcançou meus
seios, apertando um deles com força antes de rasgar o tecido da
minha regata com brutalidade. Um dos lados da minha regata estava
rasgado, revelando meu sutiã, e eu gritei de novo. Fechei os olhos e,
com toda a minha força, eu o chutei, gritei, soquei e soquei, lágrimas
jorrando pelo meu rosto, gritos explodindo de minha boca.
De repente, eu estava chutando e socando o ar. Confusa,
abri os olhos e Boone não estava mais lá. Tudo o que conseguia ver
era o borrão de dois corpos na calçada enquanto eu escorregava para
o chão. Meu corpo tremia à medida que a adrenalina era eliminada.
Nunca tive tanto medo na vida.
Os corpos na calçada pararam e de repente meu cérebro
registrou o que eu estava vendo. Adam estava em cima de Boone. Seu
rosto vermelho de raiva. Seu antebraço na garganta dele. O rosto de
Boone estava vermelho e seus olhos arregalados, mas ele já não
lutava mais.
— Vou matar você! — Adam gritou na cara de Boone,
saliva voando de seus lábios.
Eu me arrastei pelos degraus, sem confiar em minhas
pernas vacilantes. Tinha que ajudá-lo. Ele ia fazer algo do qual se
arrependeria. Eu não podia permitir que ele fizesse aquilo; não por
minha causa.
Boone emitiu alguns ruídos, mas Adam estava fora de si.
— Vou acabar com você. Colocou as mãos nela. Você
colocou as mãos nela, caralho! — Ele gritava na cara de Boone.
— Por favor, — chorei, tentando chamar sua atenção, mas
foi apenas um sussurro, quase um suspiro. — Por favor, — tentei de
novo. Desci os degraus o mais rápido que pude e me arrastei até
Adam. Coloquei a mão sobre o seu braço. — Por favor, — falei de
novo.
Ele virou a cabeça para mim, mas seu antebraço continuou
no pescoço de Boone. Seus olhos furiosos pousaram sobre os meus e,
a princípio, pensei que ele não tivesse me visto. Era como se estivesse
em um outro lugar, em um tempo diferente.
Toquei sua bochecha com minha mão trêmula.
— Ei, está tudo bem.
Vi o reconhecimento surgir em seu olhar, mas ele foi
rapidamente substituído por tristeza. Seu rosto desmoronou diante dos
meus olhos e, por mais que eu estivesse vivendo um dos momentos
mais emocionalmente tensos da minha vida, fui solidária a ele.
Seus olhos ficaram cheios de lágrimas que nunca seriam
derramadas. Sua expressão era de pura tortura e devastação.
— Ele tocou você, — ele sussurrou e eu acariciei sua
bochecha com meu polegar.
Lágrimas frescas escorriam pelas minhas bochechas.
— Ele colocou as mãos em você, — grunhiu. Ele olhou
para o meu ombro e para o rasgo na camiseta, e seus olhos ficaram
enlouquecidos, seu corpo retesado de fúria.
Como se ainda fosse possível, ele apertou mais a garganta
de Boone.
— Ele machucou você! — Adam berrou.
— Não, — chorei. — Estou bem. Eu prometo, estou bem,
— tentei acalmá-lo.
Mas ele voltou seu olhar violento para Boone e tive a
sensação de que isso estava longe de terminar. Eu me levantei com as
pernas bambas, preparada para evitar que Adam fizesse o que eu
sabia que ia acontecer, mas não tive a chance de fazer nada.
O xerife Rothchild apareceu do nada.
— Entre no carro, Livingston, — ele ordenou ao meu lado e
então se aproximou de Adam, tirando-o de cima de Boone, com um
braço ao redor do pescoço dele, o outro em sua cintura.
Eu não entrei no carro. Fiquei lá para ter certeza de que
Adam estava seguro.
Boone se mexeu na calçada, tentando desesperadamente
recuperar o fôlego. Ele tossiu, ofegante, e até poderia me sentir mal
por ele, mas sabia, no fundo do meu coração, que esse cara era
perverso e tinha planejado fazer mais do que rasgar minha camiseta e
me assustar.
— Me solta! — Adam gritou para o xerife, mas Rothchild o
ignorou por completo.
— Entre no maldito carro, Livingston! — Ele gritou para
mim ao invés de lidar com Adam.
Olhei ao redor, procurando pelo carro do xerife, e o vi a um
quarteirão de distância, mas não suportava a ideia de deixar Adam
quando ele estava daquele jeito.
— Não posso, — sussurrei despedaçada. — Preciso ter
certeza de que ele está bem.
Enquanto isso, Adam perdia a cabeça.
— Sai de cima de mim, caralho! — Ele gritava para o
xerife. — Tire suas mãos de mim, seu desgraçado!
Boone finalmente se levantou do chão e correu. O xerife
não pareceu se importar com sua fuga. Ele parecia mais focado em
Adam e meu estômago se revirou só de pensar em dar de cara com
Boone de novo. Por que ele não foi atrás de Boone?
O xerife Rothchild jogou Adam no chão, segurando-o.
— Entre no carro, Liv. Estou falando sério. Agora. Eu
cuido dele.
Senti que não tinha escolha, então segui em direção ao
carro, mas não antes de gritar:
— Ele não me machucou! Foi Boone! Boone estava me
machucando. Ele estava me protegendo!
Eu olhava para Adam e o xerife a cada passo que dava. Ele
não parecia o estar machucando, mas também não estavam tendo uma
conversa amigável. O xerife estava em cima dele e o segurava,
ameaçador. Raiva irradiava dos dois quando cheguei à lateral da
viatura de polícia.
Sentei dentro do carro por mais dois minutos, minhas mãos
tremendo enquanto eu assistia a interação entre eles. Nunca me
perdoaria se Adam se envolvesse em problemas por me proteger. Só
quando o xerife o empurrou deixando-o no chão e voltou para o carro,
que eu me perguntei como o xerife Rothchild tinha nos encontrado.
Até onde eu sabia, ninguém tinha chamado a polícia ou visto o que
aconteceu. E ele não havia chegado com a sirene ligada. Eu a teria
visto e escutado. Como ele me encontrou?
Apenas uma pessoa sabia que eu estava vendo Adam. E só
havia contado para ela algumas horas atrás. A raiva queimava dentro
de mim. Não existia ninguém em quem eu pudesse confiar? Não
havia ninguém do meu lado além do meu garoto tatuado da cidade?
Traição me atingiu como a mais quente das chamas. Jurei que não
cometeria um erro tão crucial novamente — ser confiante e
presunçosa.
O xerife Rothchild abriu a porta e entrou no carro. Ele se
sentou soltando um suspiro pesado e esfregou os punhos sobre os
olhos, como se sua noite tivesse sido estressante. É, a minha também
foi, cara. A minha também.
Puxei a parte de cima da minha camiseta que cobria meu
sutiã e a segurei lá enquanto ele dava partida no carro. Ele ficou
quieto por cerca de dois minutos antes de falar. Suas palavras foram
cuidadosas, lentas, calculadas.
— Eu me preocupo com você, Livingston.
Eu não disse nada porque não acreditava que ele se
importasse comigo, mas eu era sulista, e os bons modos que nos eram
ensinados diziam que se não tínhamos nada agradável para falar, era
melhor ficarmos calados. Além do mais, ele evitou que Adam
matasse Boone esta noite, então pensei que estava lhe devendo um
pouco de decoro.
— Georgina se preocupa com você também.
Bufei e ele me lançou um olhar de repreensão antes de
voltar sua atenção para a estrada.
— Você não pertence à cidade. Madison não é segura. Você
não tem nada para fazer aqui.
Minhas costas ficaram rígidas enquanto eu revirava os
olhos. Ele estava certo de muitas maneiras. Aqui não era seguro, mas
nada me afastaria de Adam.
— Não quero mais vê-la aqui novamente. Seu pai também
não teria gostado. Você me ouviu?
Aquilo me enfureceu. Como ele ousava usar meu pai como
um truque para me afastar de Adam? Queria falar que ele não sabia
porra nenhuma sobre o meu pai, mas só olhei pela janela da frente e
fingi que não escutei sua pergunta. Eu estava fervendo de raiva.
E Mel… Eu havia contado para ela hoje, mas pelo visto,
não levou muito tempo para que me delatasse. Eu me sentia nauseada,
devastada e muito triste naquele momento. Não tinha ninguém e
agora, eles tirariam Adam de mim. Eu ficaria sozinha de novo. Eu
não suportaria. Mais lágrimas escorreram pelo meu rosto. Ele ia
contar para Georgina. Ela nunca mais me deixaria sair de casa. Eu era
menor de idade. Não tinha controle nenhum.
— Você me entendeu, Livingston? — Desta vez não foi
uma pergunta. Foi uma ordem. Era como se eu estivesse me
desfazendo em milhões de pedaços. A doçura das últimas semanas
estilhaçada à minha volta enquanto eu soluçava.
Quando atravessamos a ponte e entramos na ilha, tive a
sensação de que meu coração estava de volta à cidade, com Adam. Eu
me perguntei se ele estava bem. Queria abraçá-lo. Queria segurá-lo.
Eu só queria ele.
Ao chegarmos em casa naquela noite, esperava que o xerife
fosse entrar e contar a Georgina o que tinha acontecido. Mas ele não
contou. Apenas me deixou na porta da frente com minha regata
rasgada e tudo mais. Desabei contra a porta da varanda e chorei. Não
por mim, não pela minha camiseta rasgada. Não pela minha inocência
em declínio. Não, chorei por Adam Nova.
ADAM

Quanto alguém poderia odiar a si mesmo? Essa era a


pergunta que eu fazia sempre que me olhava no espelho. Não foi
suficiente ter que encontrar minha mãe morta depois de sofrer um
abuso sexual? Não foi suficiente o fato de eu não ter conseguido
ajudá-la ou protegê-la? Agora eu também tinha que suportar a tortura
que era saber que não poderia proteger a garota que eu amava? Era
isso mesmo. Eu a amava, porra. E não podia fazer nada para mantê-la
em segurança.
Fiquei me encarando no espelho do banheiro. Eu não era
bom para ela. Ela não pertencia a este lugar. E por mais que eu
odiasse o xerife Rothchild, ele estava certo, eu precisava ficar longe
de Liv. Era o melhor para ela. Era o inferno para mim.
Toquei o pequeno corte em meu lábio. Ardeu, mas eu
apostava que não se comparava às feridas que Liv sofreu por dentro.
Toda vez que pensava na noite anterior, eu me sentia enojado, louco,
furioso.
Concluí o meu dia na escola e fiquei no laboratório até
escurecer para fazer um trabalho. Meu celular estava sem bateria.
Ficava aborrecido toda vez que pensava no meu celular sem bateria.
A culpa era minha. Ver as mensagens dela quando finalmente o
recarreguei e o liguei quase acabou comigo. Ela estava lá esperando
por mim. Tinha terminado as aulas mais cedo e queria estar comigo.
E Boone. Aquele filho da puta. Eu ainda queria matá-lo
toda vez que lembrava de chegar aos degraus da varanda do prédio e
ouvir o grito de Liv. Alguma coisa se apossou de mim, algo que
nunca seria capaz de explicar. Selvagem. Essa era a única palavra que
me descrevia.
Eu o arranquei de cima dela, uma fúria incontrolável
queimando dentro de mim. Não lembro de jogá-lo no chão ou de usar
meu braço para estrangulá-lo. Tudo parecia um pesadelo agora. Ver o
rosto de Liv coberto por lágrimas, sua súplica para que eu parasse.
Sua regata rasgada deixou minha alma em pedaços.
Eu não havia protegido minha mãe e também não a protegi.
Se ela continuasse por perto, não levaria muito tempo até que seu
espírito também fosse danificado. Até que este lugar consumisse cada
fragmento de sua bondade e cuspisse seu corpo sem vida, sem restar
nada. Eu não podia deixar aquilo acontecer. Eu tinha que protegê-la.
De Boone. De Madison. De mim.
Ao que parecia, meu celular vibrava na bancada pela
centésima vez e eu o peguei. Ver o nome de Liv piscando na tela não
me surpreendeu. Eu era um babaca. Um verdadeiro otário porque ela
passou a manhã inteira me mandando mensagens e eu não respondi.
Não sabia como contar para ela que isso não podia continuar. Que
tínhamos que pôr um fim no que quer que fosse.
O que quer que fosse. Como se eu não soubesse. Mas eu
podia fingir, droga. Eu era bom nisso. Olhei para o celular de novo e
abri o monte de mensagens de Liv que ignorei o dia todo.

Liv: Me liga.

Liv: Você está bem?

Liv: Podemos conversar?

Liv: Por favor, fale comigo.

A última mensagem fez com que eu quisesse arrancar meu


coração e jogá-lo da ponte que nos separaria para sempre e não
apenas com relação à distância. Pensei sobre o que fazer ao descer a
escada e fumar um cigarro na frente do prédio. A visão do pórtico
revirava meu estômago. Não, não, independente do que eu sentia por
ela, não podia deixá-la voltar aqui. Não podia arriscar.
Peguei o celular e respondi Liv dizendo que a encontraria
em trinta minutos na praia que ficava do outro lado da rua da casa
dela. Mesmo aos dezenove anos, eu não era imaturo ou idiota o
bastante para terminar por telefone. Além disso, eu tinha que vê-la.
Só mais uma vez.
Subi a escada correndo, orando para que eu não encontrasse
Boone andando por aí. Não queria ser preso hoje.
Abri a porta do apartamento, pronto para gritar para o meu
pai que estava saindo quando o vi sentado na cadeira da sala.
— Vou dar uma saidinha, pai.
A gaze tinha sumido de sua testa e ele parecia melhor.
Fiquei aliviado. Ele era tudo o que eu tinha; precisava cuidar dele.
— Está indo ver a Liv?
Assenti e procurei pela chave da porta em cima da mesa.
— O que os pombinhos vão fazer hoje?
Eu tentei sorrir. Tentei mesmo. Não queria preocupá-lo com
isso.
— Só vamos à praia.
Ele assentiu com a cabeça e vi quando seus olhos focaram
em meu lábio.
— O que aconteceu com seu lábio, hijo?
— Nada, pai. Está tudo bem. Só umas besteiras entre mim e
Boone.
Meu pai não deixava passar nada. Ele era um bom pai
apesar da nossa situação de merda.
— Essa coisa entre você e Boone tem a ver com a
Livingston? — Seus olhos eram como uma máquina de raio-x. Às
vezes eu achava que ele conseguia enxergar através de mim.
Olhei em volta da sala, para qualquer lugar que não fosse
ele. Porque se meu pai me perguntasse sobre o que aconteceu entre
mim e Boone, e eu tivesse que contar sobre Liv, perderia o controle.
Choraria como a porra de um bebê. E eu não tinha tempo para chorar
ou para me importar. Precisava cortar relações e seguir com a minha
vida. Era o melhor para todos.
— Vejo que não está pronto para conversar sobre isso. Mas
quando estiver, estou aqui, ok?
Ainda assim, não olhei para ele. Só assenti, peguei a chave
e passei pela porta como o diabo foge da cruz. Tive o cuidado de me
manter longe do xerife Rothchild. Não precisava que ele pegasse no
meu pé mais do que o normal.
Cheguei à praia em tempo recorde. Estava cinco minutos
adiantado, mas não importava porque ela já estava lá. Liv estava
sentada sobre as dunas, olhando o oceano. Fiquei parado e a observei
por alguns minutos, sabendo que esta seria a última vez que eu a
veria. A última vez que poderia observá-la.
O sol estava se pondo sobre o oceano, mas eu mal notei.
Seu lindo cabelo castanho esvoaçava em seu rosto. Ela estava usando
uma camiseta larga e legging preta. Seus pés descalços estavam
pressionados na areia e ela parecia muito triste olhando o mar.
Droga. Aqui vou eu.
Meu All Star levantava a areia enquanto eu caminhava na
direção dela. Percebi o momento em que ela soube que eu estava lá.
Seu corpo se enrijeceu quando virou a cabeça para o lado e me viu
andando em sua direção. Ela se levantou em um pulo e correu como
nunca ao meu encontro.
Antes que eu soubesse o que estava fazendo, ela estava em
meus braços e eu a segurava, minhas mãos em sua cintura. Suas
pernas ao meu redor. Ela me puxou para perto e afundou seu rosto em
meu pescoço. Seu corpo tremia contra o meu. Ela chorava e eu não
conseguia suportar. Vim até aqui para terminar com ela. Para dizer
adeus à minha primeira namorada. À garota que eu achava que
amava. E ao invés disso, minhas mãos percorreram suas costas e eu a
reconfortei.
Sentei nas dunas com ela ainda enrolada em mim como um
cobertor aquecido.
— Shhh. — Afastei o cabelo do seu rosto e sussurrei em
seu ouvido. Eu não podia suportar. Sua dor acabou comigo.
Quando finalmente se acalmou, ela se apoiou em meus
joelhos e me beijou suavemente. Suas mãos seguraram o meu rosto e
acariciavam a barba por fazer em meu maxilar.
— Você está machucado, — ela sussurrou, beijando o
pequeno corte em meu lábio.
Segurando suas mãos, balancei a cabeça.
— Não, estou bem.
— Desculpe, — ela murmurou.
Eu a puxei para perto de novo, abraçando-a com força,
abrigando-a em meus braços.
— Não é culpa sua.
A afastei para que pudesse ver meu rosto. A seriedade.
Assim ela entenderia que o que eu estava dizendo era verdade.
— Foi culpa do Boone. E minha. Eu não a protegi. — Senti
meu maxilar ficar tenso diante do inevitável. O que eu sempre soube
que aconteceria desde o começo.
Estava escuro agora, as estrelas aparecendo para iniciar o
espetáculo.
Eu as olhei fixamente enquanto ela falava.
— Não é culpa sua. Você avisou para eu me cuidar.
— Não importa, — respondi para o céu. — Não podemos
mais continuar com isso. — Pisquei para segurar a emoção que estava
prestes a transbordar.
Ela recuou até ficar de joelhos e sentar sobre minhas
pernas.
— Isso? Não podemos continuar com isso?
Não conseguia encará-la. Eu não faria isso. Destruiria meu
coração que já estava partido.
Mas ela não me deixaria em paz. Segurando meu rosto com
firmeza, Liv me obrigou a olhá-la.
— Isso? Você quer dizer nós? É isso o que você quer dizer
com isso?
Fechei os olhos. Não podia olhar para a mágoa em sua
expressão nem mais um segundo.
— Não, fique de olhos abertos enquanto parte o meu
coração, Adam. É o mínimo.
Abri os olhos lentamente. Seu olhar devastou minha alma.
Eu não sabia o que dizer. Não sabia de nada que pudesse
fazê-la entender. Droga, eu sabia o que tinha que acontecer, mas até
eu tive dificuldade em entender que a vida era injusta para caramba.
Então, entreguei tudo o que tinha, a minha verdade.
— Não posso protegê-la, — as palavras pareciam serragem
em minha boca, densa e seca.
Ela empurrou meu peito.
— Você não precisa.
— Somos de dois mundos diferentes. Isso nunca vai
funcionar. Merda, faz apenas dois meses e já não está funcionando.
— Caramba, eu estava mentindo. Os últimos dois meses foram
incríveis. Abrir mão dela me mataria.
Agora Liv parecia irritada.
— O quê? Por causa do Boone? Você vai terminar comigo
por causa de uma noite com um cara perverso?
Eu precisava fazê-la enxergar. O meu mundo estava cheio
de caras ruins. Agarrei seus braços e a sacudi.
— Você não entende? — Gritei, minha voz falhando. — O
mundo está cheio de pessoas más, Liv. Essas pessoas nunca nos
deixarão em paz.
E ela não sabia nem a metade. Não eram apenas as pessoas
da cidade que poderiam nos separar.
Ela se afastou de mim e se levantou, me olhando como se
não soubesse quem eu era. Foi como se uma flecha em chamas
atingisse minha alma. Fui o primeiro homem que beijou você. O
primeiro homem que a tocou. Sou seu e você é minha, eu quis gritar,
mas não podia. Porque estava acabado.
— É nisso que somos diferentes, Adam. Eu jamais deixaria
alguém me separar de você.
— Isso não é justo. — Me levantei, agora aborrecido.
Ela andou em minha direção e parou, pé com pé. Cabeça
com cabeça. Coração com coração.
— Sabe o que não é justo? Você desistir de mim. De nós.
Isso não é justo.
Ela me feria por toda parte. Eu queria abraçá-la. Queria
sacudi-la. Ela queria que eu lutasse por nós, mas eu não podia porque
estava ocupado demais lutando por ela. Eu preferia passar o resto dos
meus dias em amargura se isso significasse que ela estaria protegida e
feliz.
Engoli como se tivesse areia em minha garganta e olhei
para as estrelas. Elas pareciam diferentes hoje. Não estavam tão
brilhantes. Não estavam tão bonitas.
— Você e eu, Liv? Não fomos escritos nas estrelas, —
engasguei com a mentira. Aquilo deixou um gosto terrível em minha
boca.
Mas ela tinha resposta para tudo.
— Então iremos reescrevê-las.
Tudo era tão fácil para ela. Minha Luna, a sonhadora.
— Não posso, — sussurrei.
— Não pode, o quê? — Seus lindos olhos castanhos
cintilavam de lágrimas enquanto ela me olhava.
— Colocá-la em risco. Estou com medo. Não posso perder
você. — Parecia que eu estava me afogando no mar bem à minha
frente, embora eu estivesse a salvo na areia.
Ela balançou a cabeça lentamente antes de erguer a mão e
acariciar meu maxilar com tanta delicadeza que parecia temer que eu
fosse quebrar.
— Então você vai me jogar fora? Eu não sou ela, Adam.
Não sou ela. Não preciso ser salva. Só preciso de você.
Encostei minha testa na dela e soltei um longo suspiro que
parecia ter segurado por anos. Como ela sabia? Como essa menina-
mulher conseguia verbalizar meus medos? Mas ela estava certa, ela
não era minha mãe.
— Eu sei, — sussurrei em seus lábios.
Por trás de seus cílios, seus olhos gentis me observavam.
Aqueles olhos eram de matar e impossíveis de dizer não. Eles seriam
o nosso fim.
— Ficaremos bem se estivermos juntos, — ela passou a
mão sobre meu cabelo e fechei os olhos. Eu me derreti todo, cacete.
— Somos você e eu, Nova. Você e eu contra o mundo.
Ela não sabia como estava certa. Movi meu nariz sobre o
seu, inalando seu perfume refrescante. Tinha quase certeza que aquele
era o cheiro da inocência, mas não podia confirmar. Nunca estive tão
perto dela.
Eu a queria. Não podia desistir dela, não importava como
eu sabia que era a coisa certa a ser feita.
— Me beije, — ela sussurrou e isso foi tudo. Aquele pedido
foi suficiente.
Minha mão percorreu a parte de trás de seu pescoço até
chegar em seu cabelo solto. Eu o prendi em minhas mãos e virei a
cabeça dela do jeito que eu queria; do jeito que eu precisava.
Pressionando minha boca sobre a dela, eu gemi. Provando-
a, beijando-a como se tivesse esperado uma eternidade. Não escondi
nada. Mordi e chupei seus lábios. Devorei sua boca até beirar a
insanidade. Eu a deitei de costas e me posicionei sobre ela, me
acomodando no ponto sensível entre suas coxas. Liv estava
deliciosamente quente naquele lugar e seu calor envolvia meu corpo
com perfeição.
— Posso? — Sussurrei em seus lábios, meus olhos a
devoravam. Eu não conseguia parar. Estava louco. Não sabia nem o
que estava perguntando. Podia, o quê? Beijá-la? Prová-la? Amá-la?
Ficar com ela?
Meu olhar desviou de sua barriga nua, descoberta pela
camiseta, para o topo de suas coxas flexíveis, passando pelos seus
seios e pela curva suave que ligava o pescoço à sua garganta. Aquele
ponto macio e perfumado onde eu queria enterrar meu rosto para
sentir seu cheiro. Minha boca ficou cheia d’água. Meu corpo a
desejava. Eu estava faminto e só Liv poderia me satisfazer.
Seu torso se arqueou em uma linda curva, seus seios
empurrando meu peito, seu corpo precisando de mim como o meu
precisava do dela.
— Por favor, — ela implorou.
Aquela única palavra e eu estava arruinado. Era provável
que eu fosse um garoto de treze anos de novo. Queria ser ousado,
imaturo. Queria me apressar. Queria tomar, saquear e roubar cada
pedacinho que ela não estaria disposta a me dar. Deus, eu queria ser
egoísta, beijá-la e prová-la como o louco que era. Soltei um suspiro
entrecortado, tentando recuperar um pouco de sanidade, um pouco de
compostura. Lentamente, com cuidado, levantei sua camiseta,
expondo seu sutiã de renda delicado, com um pequeno laço no meio
que me deixou ávido. Eu não era bom para ela. Aquele laço era a
prova disso. Ela era doce. Usava rendas e lacinhos, e eu era coberto
por tinta escura e desespero. Isso era errado, mas parecia tão certo e
tão gostoso.
Meu dedo traçou aquele laço e subiu para a região bem no
meio de dois círculos brancos, leitosos, que imploravam pela minha
boca. Mas não tive pressa. Só seria possível ver seu lindo corpo pela
primeira vez, uma única vez. Eu só poderia vivenciar nossas
primeiras vezes apenas uma vez na vida e não queria esquecer de
nenhuma. Queria guardá-las para o momento que Liv finalmente
percebesse que eu não era digno dela. Que nunca daríamos certo. Eu
do lado errado da ponte, ela do lado certo. Todos contra nós.
Olhando em seus profundos olhos castanhos e seu rosto
carinhoso, não pude deixar de pensar em alguns cenários. E se eu não
morasse do outro lado da ponte? E se ela não vivesse na ilha? E se eu
fosse bom o bastante para ela? E se nossos passados e presentes não
tivessem sofrido o impacto de uma colisão frontal? E se, porra.
Naquele momento, ver seus olhos brilhando de desejo, seu
corpo ruborizado e quente, seus lábios rosados por causa dos meus,
parecia que algo além de uma mera ponte nos separava. Parecia que
éramos de mundos distintos. Universos, inclusive. Ela era linda. E eu
era apenas eu. Adam Nova. Um pobre garoto introvertido, com medo
das pessoas, que temia o sucesso, apavorado com o fracasso,
revoltado com minha condição. O que eu teria para oferecer a esse
anjo? Porra nenhuma, mas isso não me parou. Nada pararia.
Continuei a invasão. Era tudo o que eu sabia fazer. Então,
eu me inclinei, capturando sua boca em um beijo abrasador que fez
minhas bochechas doerem de tão doce que ela era. O beijo foi
simplesmente delicioso. Eu estava fodido.
— Meu Deus, você é tão linda, — gemi, tomando seus
lábios de novo, provando cada canto, cada cavidade de sua boca com
minha língua, e nossa, ela era gostosa. Melhor do que tudo o que já
experimentei. Liv gemeu e eu engoli em seco, desesperado por seus
ruídos. Eu queria tudo. Queria ela. Droga, mas a vida não era justa.
Senti suas mãos cálidas em meu cabelo e na lateral do meu rosto, sua
pele quente contra a minha, antes de deslizar sobre as tatuagens em
meu pescoço. Parei e a observei fixamente, nossos olhares presos um
ao outro como se já tivéssemos feito aquilo milhares de vezes, nossas
almas envolvidas de um jeito irreal.
— Você também é lindo.
Um calor tomava conta do meu rosto à medida que meu
coração disparava. Nunca ninguém me chamou de lindo. O mundo
não podia amar você quando se escondia dele. Mas Liv... ela me
enxergava. Além das minhas tatuagens. Além das minhas
peculiaridades. Além das minhas sombras. Ela não ligava para minha
introversão. Ela me enxergava como ninguém mais. E me achava
bonito, mesmo com todos os meus defeitos.
Apoiei meu rosto na base de seu pescoço, cuidando para
que as emoções que eu sabia que brilhavam em meus olhos, ficassem
escondidas. E ela permitiu que eu as escondesse, porque sabia que eu
precisava. Ela simplesmente sabia. Como sempre.
Eu não iria me apropriar. Eu cederia. Era isso o que ela
merecia. Se eu me apropriasse, ia querer ficar com ela para sempre e
Livingston Montgomery não era alguém que eu podia ter. Ela era um
empréstimo do universo, o meu próprio milagre que anda e fala.
Pisquei para afastar as lágrimas em meus olhos e passei a
língua sobre a cavidade de sua clavícula, lhe causando arrepios. Sorri
em seu ombro antes de me mover e parar bem acima daquele laço.
Lambi a base de seu pescoço com lentidão.
Tê-la me levava aos céus. Saber que não poderia ficar ela
me levava ao inferno.
Eu me acomodei entre suas pernas, deslizando a mão sobre
o cós da sua calça de elastano que envolvia sua bunda com perfeição.
— Sim? — Perguntei, olhando para ela, incerto, ainda
chocado por Liv me querer do mesmo jeito que eu a queria.
Ela fechou os olhos quando um “por favor” escapou de seus
lábios. Quanto a mim? Caí de cabeça no esquecimento. Eu estava
perdido. Seu perfume em meu nariz, sua pele colada à minha, seu
coração batendo contra o meu. Ela era boa demais para ser verdade.
Puxei a alça do seu sutiã enquanto minha outra mão
deslizava para a umidade escondida sob sua calcinha. E meu Deus,
como estava molhada. Tão molhada, pronta para mim. Gemi,
terminando de baixar a alça e expondo seu mamilo rosa escuro, duro
e preparado para minha boca. Eu o capturei, consumindo-o enquanto
meu dedo se aproximava ainda mais do local úmido. Suas mãos
agarraram meu cabelo, ela arqueou o corpo em uma súplica sem
palavras. Encontrei o ponto quente e movimentei meu dedo, testando,
verificando se não a estava machucando; meu pau mais duro do que
nunca contra o zíper da minha calça jeans. Eu queria arrancá-la e
colocá-lo lá, bem no meio dela.
— Deus, por favor. — Ela puxou meu cabelo com mais
força e tentou guiar minha mão. — Por favor, entre em mim. Me
toque. Faça alguma coisa. Qualquer coisa, — ela ofegou.
Qualquer coisa... Eu queria fazer de tudo.
— Shhh, — eu a tranquilizei, murmurando em seu peito,
com medo de que alguém pudesse ouvi-la, mesmo sabendo que este
trecho da praia estava vazio. Mas aqueles ruídos, aquelas palavras,
eram só para mim. Eram minhas. Ela era minha, nem que fosse só por
este momento, apenas neste lugar.
Coloquei meu dedo dentro dela e era tão apertado e quente
que por pouco não gozei. Bem aqui, sob as estrelas, ainda de calça.
Porra, que gostoso.
Me movendo sobre seu corpo, beijei seus seios, seu
maxilar, a ponta do seu nariz, minha mão massageando-a; minhas
emoções à mostra.
Encostei minha testa sobre a dela e deslizei o dedo
completamente, preenchendo o espaço apertado. Quando pressionei o
polegar em seu clitóris, seus olhos se abriram, encontrando os meus
em meio a um arquejo.
— Como se sente? — Sussurrei em seus lábios, fazendo
movimentos circulares enquanto inseria e tirava e meu dedo devagar,
decidido que queria senti-la ao máximo. Não vou mentir, saber que eu
era o único homem que a havia tocado, saber que seria o primeiro que
lhe daria prazer, me deixou louco.
Ela arfou e me agarrou, segurando meu pulso contra ela,
sentando sobre meus dedos.
— Como se sente, Liv? — Passei a língua sobre seus
lábios. — Fale para mim, — pedi. Meus medos e cautela já não
existiam. No lugar deles havia necessidade e desejo.
Ela me olhou com um olhar cheio de cobiça.
— É como voar, — ela ofegou e arqueou as costas. — Meu
Deus, — gemeu, empurrando minha mão ainda mais. — É como se
eu estivesse caindo.
Assisti sua queda. Ela tremeu em meus braços e se contraiu
ao redor da minha mão. Fiz questão de esfregar meu polegar nela,
puxando-a lentamente para baixo, mas com a certeza de que consumi
tudo que pude.
A pele do seu peito brilhava de suor e eu me inclinei,
provando-o.
— Uhmm, — ela gemeu, parecendo satisfeita e, por mais
que eu tivesse acabado de levá-la ao orgasmo, tudo o que conseguia
pensar era em minha boca entre suas pernas, meu pau em minha mão,
lhe dando prazer novamente.
Essa garota.
Ela era o meu fim.
Era meu divisor de águas.
Eu não sabia disso na época. Mas agora, eu tinha certeza.
LIV

Minhas mãos tremiam um pouco enquanto eu passava gloss


em meus lábios. Estava trinta minutos adiantada. Sentei na cama e
coloquei um par de botas marrons. Não fazia ideia de onde Adam me
levaria esta noite. Só sabia que teríamos um encontro e eu estava
super animada. Era meu primeiro encontro de verdade e estava muito
nervosa, mas se fosse como a nossa noite na praia, eu estava animada.
Naquela noite as coisas tinham mudado. Nosso
relacionamento evoluiu, apesar das tentativas de Adam em terminar
comigo. Ele se abriu, confessou seus maiores medos e eu soube,
desde a noite em seu apartamento quando ele me contou sobre sua
mãe, o porquê que ele se escondia. Ele não queria se machucar. Não
queria perder mais ninguém. Você não podia perder as pessoas que
amava se não abrisse o seu coração para elas.
Parei na frente do espelho em meu quarto e puxei a bainha
do meu vestido jeans. Era curto, mas o objetivo era esse, certo? Eu
queria ficar sexy para Adam, especialmente depois da nossa noite nas
dunas. Harry parou ao meu lado, de frente para o espelho.
— Como eu estou, amigão? — Arqueei minhas
sobrancelhas para ele no espelho.
Uma de suas orelhas se ergueu e ele soltou um resmungo.
— Entenderei isso como um elogio, — murmurei mais para
mim mesma do que para o cachorro.
Desde a noite nas dunas que tenho me preocupado com a
possibilidade de Adam terminar comigo. Naquele dia, fiquei tão feliz
em vê-lo bem que me atirei em seus braços, aliviada. E ele me
arrasou, me arrasou com suas palavras. Eu sabia que estava
assustado; eu também estava, mas queria correr o risco. Só podia
torcer para que Adam também quisesse.
As dunas... Meu Deus, nunca me senti daquele jeito. Claro
que eu já tinha me tocado, mas ter alguém que você ama lhe tocando,
era algo completamente diferente.
Eu andava de um lado para o outro do quarto, nervosa.
Parando no meio do caminho, me dei conta dos meus pensamentos.
Ai, meu Deus, eu amava Adam? Ai, meu Deus, sim. Eu o amava e
agora, tudo o que conseguia pensar era nele me tocando de novo.
Ou eu tocando nele. Sim, gostei dessa ideia também. E
tinha que admitir que eu estava bonita hoje. Uma melhora
considerável em relação aos moletons e leggings que usava quando
não estava com o uniforme da escola.
Passei os últimos dois dias matando as aulas de etiqueta e
evitando Mel. Não estava pronta para o confronto inevitável que eu
sabia que teria com ela. O que ela fez foi jogo sujo, eu nunca a teria
dedurado daquele jeito. Uma parte de mim não entendia o porquê de
Mel ter feito aquilo. Tudo o que sabia era que estava mais do que
agradecida por Georgina e Sebastian não estarem em casa neste
momento. Se estivessem, com certeza teríamos uma briga, porque
vou sair com Adam Nova aconteça o que acontecer.
Arrumei meu cabelo em uma grossa trança lateral. Dei uma
mexida nela e verifiquei se minha máscara de cílios não estava
borrada. Não era muito boa em fazer maquiagem ou me arrumar, mas
queria muito estar bonita para o meu primeiro encontro com Adam.
O combinado era que ele me buscasse a qualquer minuto, e
me perguntei onde iríamos e o que faríamos, já que ele disse que
queria fazer surpresa. Eu não sabia de nada além de que ele viria me
buscar. Ele tinha insistido nisso.
A campainha tocou e conferi meus dentes no espelho para
ter certeza de que não estavam manchados de gloss. Peguei minha
bolsa e desci a escada com as pernas bambas, Harry em meu encalço.
Eu estava nervosa para caramba.
Não sei por quê. Já tinha saído com Adam várias vezes,
mas dessa vez parecia algo diferente. Grandioso.
Cambaleei em minhas botas ao atender a porta. O ar úmido
me atingiu quando a abri, mas não foi o calor que tirou meu fôlego.
Lá estava ele. O garoto que estrelava em todas as minhas fantasias.
Só que ele era bem mais bonito do que nos meus sonhos.
Ele claramente penteou o cabelo escuro e usou gel para
colocá-lo para trás e afastá-lo do rosto, assim eu poderia enxergar
seus lindos olhos azuis. Ele me olhou da cabeça aos pés enquanto
meus olhos o devoravam, desde sua jaqueta de couro preta até a
camiseta branca que usava por baixo e sua calça jeans escura que ele
vestia como se fosse uma segunda pele. Fiquei imaginando como ele
havia entrado nela ao mesmo tempo em que pensava sobre como eu
entraria nela. Minhas bochechas coraram com o pensamento enquanto
eu encarava as imitações das botas que ele sempre usava.
— Meu Deus do céu. Você está tentando me matar, — ele
disse como se tivesse lido a minha mente.
Olhei para cima e seus olhos gentis fitavam minhas pernas.
Era como se eles fossem me tocar. Arrepios irromperam em minhas
coxas. Eu sorri.
— Não, gosto muito de você para matá-lo.
— Graças a Deus, — ele disse, dando um passo à frente e
abraçando minha cintura. — Senão eu não poderia fazer isto, —
Adam beijou minha testa, em seguida, o meu nariz, até finalmente
chegar aos meus lábios.
Abri minha boca, ansiosa para sentir seu gosto. Parecia ter
passado dias quando na realidade, eu o tinha beijado na noite anterior
em nosso cantinho sob as estrelas.
Ele interrompeu nosso beijo, sorrindo. Ver Adam sorrir
daquele jeito era como o Paraíso na Terra. Ele mal sorria quando nos
conhecemos. E, nossa, ele tinha um perfume delicioso.
— Você está cheiroso, — murmurei em sua jaqueta. Senti o
perfume do couro e fumaça e alguma colônia maravilhosa na qual
queria me esbaldar. Puxei a gola de sua jaqueta. — Você se arrumou
para mim.
Adam mordeu o lábio e seus olhos flertavam comigo.
Segurando minha mão, ele me puxou pela porta, degraus abaixo, para
onde um carro velho estava estacionado.
— Onde conseguiu um carro?
Adam não dirigia e seu pai também não. Eles usavam o
transporte público para todos os lugares ou então iam andando.
— Peguei emprestado com Raven. — Ele deu batidinhas no
teto do carro e abriu a porta para mim. Entrei, me sentindo nas
alturas. Eu tinha um cara tatuado, sexy, que abria as portas dos carros
para mim e usava perfume. Ele tinha pegado o carro emprestado,
tinha penteado o cabelo e passado gel. Ele gostava de mim. Muito.
Meu estômago deu uma cambalhota quando ele fechou a
porta do carro e deu a volta. Brinquei com a bainha do meu vestido,
nervosa, enquanto ele entrava e dava partida no carro.
Adam me olhou antes de se aproximar lentamente para que
ficássemos cara a cara. Pensei que fosse me beijar até eu perder os
sentidos. Ao invés disso, ele recuou ao passar o cinto de segurança
pelo meu corpo e prendê-lo no lugar.
— Minha carga preciosa, — ele murmurou.
Meu coração se transformou em uma poça grande e
derretida naquele banco.
— Para onde estamos indo? — Perguntei quando saímos da
entrada de carros. Eu estava desorientada. Muito empolgada.
— Já falei. É surpresa.
Dei uma olhada ao redor do carro e notei que era bem
cuidado e limpo até demais.
— Raven deve amar muito você para deixá-lo pegar o carro
dela.
Ele deu de ombros.
— Somos amigos quase a minha vida inteira.
— E Boone?
Seu corpo ficou tenso à menção do nome dele e me senti
uma boba por tê-lo mencionado. Mas tinha escapado. Afinal, eles
estavam juntos naquela noite na campina. Na verdade, foi a primeira
vez que nos conhecemos oficialmente.
— Boone não é um amigo. Ele era mais como um
conhecido. E estará morto quando eu finalmente o encontrar de novo.
Eu me virei no banco e peguei a mão que estava em seu
joelho e a segurei.
— Não quero que você faça nada com ele. Você vai arranjar
problema. Deixe a polícia cuidar disso. Tenho certeza que o xerife
Rothchild está atento a isso.
Adam bufou e deu um olhar raivoso em minha direção
antes de voltar a olhar para a estrada.
— É isso o que pensa, Liv? Sério?
Eu não entendi. Era dever da polícia nos proteger. Por que
ele pensaria o contrário?
— Não entendi.
Paramos em um estacionamento escuro, Adam retirou o
cinto e se virou para mim. Meu queixo estava aconchegado no calor
de sua palma. Ele deslizou o polegar sobre meu lábio.
— Você é um doce, baby. E inocente. Inocente demais.
Afastei o meu queixo de sua mão. Ele fez aquilo parecer
algo ruim; minha doçura.
— O que isso quer dizer, Adam?
— Nada, — ele disse com rispidez, saindo do carro.
Ele deu a volta e abriu a porta para me ajudar a sair. Eu me
apoiei contra a porta fechada, esperando respostas mesmo que elas
custassem o nosso primeiro encontro.
— O que significa? Que sou muito inocente...
Ele se inclinou, beijando a ponta do meu nariz como
costumava fazer.
— Nada. Sinto muito. Você é perfeita do jeito que é. Eu não
mudaria um fio de cabelo da sua cabeça. — Seus olhos ficaram
tristes, por isso não questionei. — Vamos nos divertir nesta noite, ok?
— Ele sussurrou as palavras em meus lábios. Eu estava arrepiada
quando assenti.
Ele deu um passo para trás com um sorriso, mas seu olhar
carregava um cansaço que me preocupava. Abrindo a porta traseira
do carro, ele arqueou as sobrancelhas e esticou o braço, tirando uma
linda cesta de piquenique do banco.
— Vamos fazer um piquenique? — Perguntei enquanto ele
segurava minha mão e me levava na direção do prédio de tijolos com
um domo circular.
— Sim. Um piquenique sob as estrelas.
Adam soltou minha mão, pegou as chaves do bolso e
começou a abrir a porta do edifício.
— Como vamos fazer um piquenique sob as estrelas se
estamos entrando?
Seus olhos estavam mais claros agora, mais calmos.
— Você vai ver.
Foi aí que vi o letreiro do Planetário de Madison.
— Meu Deus! — Segurei sua mão para que parasse de abrir
a porta. — Não podemos entrar aí. Não está aberto, Adam!
Ele terminou de destrancar a porta e segurou o chaveiro no
alto, balançando-o.
— Mas eu tenho a chave, — ele disse, com um sorriso
brincalhão.
Fiquei com medo de termos problemas.
— Como que você tem a chave?
Ele abriu a porta e me conduziu para dentro com uma de
suas mãos em minhas costas e a outra carregando a cesta branca.
— Sabe, é uma coisa meio louca. Às vezes, quando você
trabalha em algum lugar, eles lhe dão uma chave. Assim você pode
entrar e sair.
Parei em uma recepção enorme com pisos de mármore
cintilantes, um balcão de atendimento ao cliente e um planeta gigante
na parede que parecia ser Saturno.
Eu estava maravilhada.
— Você trabalha aqui?
Olhei ao redor, tentando imaginá-lo trabalhando neste lugar
bacana mas totalmente sofisticado. De repente, senti como se não o
conhecesse.
— Sim, desde os quinze anos. Comecei varrendo o chão e
essas coisas. Agora comando as apresentações infantis pela manhã
antes de ir para a escola.
Ele comandava as apresentações infantis? Eu nem achava
que Adam tinha um emprego. Pensava que ele fosse para a escola e
cuidasse do pai.
— Apresentações infantis? — Olhei para ele, todo
relaxado, a cesta pendurada na mão.
— Sim, faço apresentações para grupos escolares pelas
manhãs. Sou o que eles chamam de Ator do Show Estelar.
Ele se mexia de um pé para o outro e olhava ao redor do
lugar como se o que ele havia me dito não tivesse chacoalhado meu
mundo. Como se não fosse a coisa mais louca, inesperada e incrível
que ele já tinha me contado sobre si mesmo.
— Você trabalha aqui? E ensina às crianças sobre as
estrelas? — Perguntei, espantada.
Ele me olhou como se eu fosse maluca.
— Sim?
Sinceramente, não conseguia acreditar. O meu namorado
tatuado, fumante, mal-humorado, que não era de muitas palavras,
trabalhava em um planetário. Ensinando às crianças sobre as estrelas
que ele tanto amava.
Eu estava chocada. E se por um segundo pensei que não
podia adorá-lo ainda mais, estava errada. Completamente. Errada.
Ainda assim, me perguntei se deveríamos estar aqui quando
o lugar estava fechado. Jamais ousaria prejudicar o emprego de
Adam, nem se fosse por um encontro super legal.
Olhei o grande ambiente novamente e fui até o mural de
Saturno.
— Deveríamos estar aqui?
Adam segurou minha mão.
— Está tudo bem, Liv. Eu prometo.
Ele me levou por um corredor que parecia não ter fim antes
de entrarmos em uma sala de cúpula. Olhei ao redor, impressionada
com o tamanho e escuridão.
Ele colocou nossa cesta de piquenique no chão, no meio da
sala. Era como se milhares de cadeiras nos rodeassem em um
anfiteatro. Abrindo a cesta, ele sorriu para mim e tirou um cobertor,
abrindo-o no chão.
— Sente-se, — ele indicou o cobertor.
— Nunca estive em um planetário, — falei com animação.
— Sério? — Ele parecia surpreso.
Assenti ao sentar sobre o cobertor, verificando se meu
vestido cobria minha bunda.
Adam levantou o dedo.
— Já volto.
Ele me deixou na sala escura por alguns minutos. Queria
dar uma espiada na cesta, mas deixei para lá.
O domo que ficava acima da minha cabeça se iluminou em
um céu repleto de estrelas e por pouco não perdi o fôlego. Eu não
tinha ideia do quão real seria. De como seria de perto. Era quase
melhor do que minha campina sob as estrelas.
Adam retornou e o espetáculo começou. As estrelas se
moviam algumas vezes, parecendo vir em nossa direção. Outras
vezes, elas pareciam se afastar. Uma coisa permaneceu a mesma: eu
estava encantada. Adam apontou para o céu, sua voz grave me
inundando enquanto ele contava histórias, lendas e mitos sobre as
estrelas.
Às vezes eu o observava, deslumbrada. Sua paixão, seu
amor por astronomia era maior do que eu pensava. Ele era brilhante,
surpreendente, e eu achava que nunca conheceria outro homem na
vida que chegasse aos pés de Adam Nova. Ele era incrível e eu me
surpreendia com o fato de ele ter se escondido todo esse tempo.
Em algum momento no meio de sua apresentação, ele
pegou um hambúrguer de fast-food na cesta de vime e o entregou a
mim. Destampou uma garrafa de refrigerante antiga de vidro e me
deu. Isso me fez lembrar dos bilhetes na garrafa e sorri feito boba.
Comi e bebi meu refrigerante enquanto milhares de estrelas
dançavam sobre mim ao som da voz de Adam. Foi o encontro mais
perfeito de todos os tempos.
E ficou ainda melhor quando Adam terminou a
apresentação dizendo:
— Até a próxima, quando eu a vir sob as estrelas.
Soltei um riso no meio de um gole de Coca-Cola e o gás
queimou meu nariz.
— Ai, meu Deus. Você diz isso todas as vezes?
— Todas as vezes, — ele sorriu para mim.
Fingi um olhar sério.
— Veja só, pensava que fosse só para mim.
Ele diminuiu o espaço entre nós e levou seus lábios aos
meus.
— Ultimamente parece que tudo o que faço é só para você.
— É? — Sussurrei de volta, lisonjeada.
— Uhm, — ele gemeu em minha boca, me provando.
Empurrou as embalagens e garrafas vazias para longe e se arrastou
sobre mim, e enquanto isso não deixou de me beijar. Não foram como
os beijos na chuva. Esses eram metódicos, apimentados com uma
doçura que parecia ser a antítese habitual de Adam. Ainda assim, eles
não me surpreenderam. Aprendi a não esperar nada de Adam porque
era muito provável que ele provaria que eu estava errada. Algumas
vezes, das melhores maneiras possíveis.
Mas eu queria os beijos apaixonados. Enlouquecidos. Como
aqueles na noite de chuva. Então, pressionei meu peito contra ele e
passei os dedos sobre seu cabelo. Funcionou. Ele grunhiu e me beijou
com força, como eu queria.
De repente, éramos duas estrelas colidindo. Eletrizantes.
Em chamas. Mas como tudo o que Adam fazia, ele foi devagar.
Lambeu o céu da minha boca, mordeu meu lábio inferior e chupou a
sensação de fisgada. Durante todo esse tempo, suas mãos percorreram
a extensão de minhas coxas até seus dedos tocarem as laterais da
minha calcinha. Ele afastou o cabelo da minha testa e se inclinou para
me olhar nos olhos.
— Tudo bem? — Ele perguntou.
Não houve um segundo em que questionei aquilo que ele
estava perguntando.
Assenti e reivindiquei seus lábios de volta, a febre
retornando e queimando dentro de mim como um fogo incontrolável.
As articulações de seus dedos passaram por minha calcinha, bem no
ápice de minhas coxas, e eu gemi.
— Gosto disso, — ele murmurou contra minha boca. —
Amo quando faz esses ruídos, — suas palavras pareciam
entorpecidas, como se ele tivesse bebido demais; mas não, ele estava
embriagado de mim.
Minha pele formigava, minhas mãos tremiam. O ponto
entre as minhas pernas doía. Se ele estava embriagado de mim, então
eu estava chapada dele. Eu o desejava. Suas mãos empurraram meu
vestido para cima até eu sentir o ar frio em minhas coxas. Enquanto
ele tirava minha calcinha, eu levantei os quadris, me sentindo mais
poderosa do que nunca. Tinha a sensação de que flutuaria em direção
ao céu estrelado acima de nós, mas a intensidade de seu olhar me
manteve presa ao chão. Eu desejava. Ansiava.
Precisava que ele me tocasse. Queria senti-lo. Deslizando
minha palma sobre seu peito, continuei com meus olhos colados aos
dele. Nunca havia feito isso; tocado um garoto. Mas com Adam, isso
não importava. Eu sabia que não tinha uma forma errada de fazer
aquilo. Então prossegui, passando por seu abdômen definido, pela
maciez logo abaixo. Devagar, bem devagar porque sabia que era
assim que ele gostaria. Apalpei sua ereção; primeiro com suavidade.
Ele soltou um suspiro pesado que me fez contrair minhas coxas.
Depois, como firmeza, até que estivesse segurando toda o seu
comprimento. Até que ele estivesse gemendo e eu movesse minha
mão para cima e para baixo, segurando-o sobre sua calça jeans e ele
estivesse suando e xingando.
— Porra, — Adam grunhiu, sua testa molhada encostada na
minha. — Caramba, eu quero você. — As palavras saíram rasgando
sua garganta.
— Então me tome, — respondi, me sentindo forte,
convincente, poderosa. Eu não estava apenas chapada, estava voando.
Algumas garotas perdiam a virgindade na parte traseira de uma
caminhonete, em uma estrada empoeirada. Outras perdiam em
pequenas camas de solteiro na casa de seus pais. Mas não, eu perderia
a minha sob as estrelas, com meu garoto favorito do mundo, no
encontro mais romântico de todos. Eu estava pronta.
Fechando os olhos, ele balançou a cabeça, sua testa colada
na minha.
— Não. Sua primeira vez deveria ser especial, deveria…
— Deveria ser com você, — eu o interrompi. — Deveria
ser aqui com você. Porque a minha primeira vez deveria ser
exatamente como eu quero. E eu quero você. — Beijei um de seus
olhos fechados. — Aqui. — Beijei o outro. — Agora.
Ele abriu lentamente os olhos. Afastou sua cabeça da
minha, a pequena ruga no meio em sua testa estava funda de
preocupação.
— Tem certeza?
— Absolutamente. — Movi minha mão pelo seu
comprimento de novo antes de apertá-lo. — Positivamente. —
Minhas mãos estavam sobre ele. Meu vestido estava na cintura. O que
ele achava que estava acontecendo aqui?
— Meu Deus, — ele resmungou. — Eu sabia que você me
mataria hoje quando a vi neste vestido.
— Não é um jeito ruim de morrer, — raciocinei.
E ele sorriu. Isso fez meu coração palpitar. Fez minhas
pernas e meu corpo todo virarem geleia.
Ele beijou a ponta do meu nariz e comecei a entender que
aquela era uma coisa nossa. Gostava de ter algo só nosso com Adam.
Ele se acomodou entre minhas pernas com um olhar de
determinação no rosto. E me beijou. Devagar. Com doçura.
Cuidadosamente. Até estar me tocando. Me acariciando. Puxando a
parte de cima do meu vestido, ele afagou meus seios com beijos leves
e delicados que faziam minha pele irromper em arrepios. Ele
sussurrou no meio do meu peito que eu era linda.
Suas mãos percorreram meu busto e a região sob as alças
do sutiã, puxando-as para os lados enquanto empurrava meu vestido
mais para cima, me expondo.
Adam colocou um mamilo na boca e eu tremi embaixo
dele, sua mão subindo pela minha coxa em direção à minha pelve.
— Ai, meu Deus, — suspirei enquanto ele me chupava e
acariciava, meu coração leve.
Ele beijou todo o caminho até meu seio e girou a ponta do
meu mamilo com a língua, enviando uma onda de eletricidade por
todo meu corpo.
— Por favor, — implorei, sentindo que não era suficiente.
Sentindo que queria tudo. Ele e eu, juntos, quando eu gozasse dessa
vez.
— Shhh, — Adam me acalmou em meio a suas mordidas
que me levavam à loucura. — Preciso deixá-la pronta. Não quero
machucar você. Nunca.
Seus dedos entraram em mim enquanto beijava cada parte
disponível do meu corpo que ele conseguia alcançar com a boca. No
momento que se afastou e pegou a carteira do bolso, eu estava suada,
ofegante e necessitada.
— O que você está fazendo? — Exigi saber, querendo-o de
volta entre minhas pernas, me preenchendo.
Ele tirou um preservativo da carteira e abriu a embalagem
com o dente.
— Cuidando de você, — respondeu, deslizando a mão entre
nós.
Em seguida, voltou a me tocar. Dois dedos deslizaram para
dentro de mim enquanto seu polegar massageava meu clitóris. Era
gostoso demais. Parecia a combinação perfeita entre dor e prazer. Ele
mordeu o lóbulo da minha orelha e sussurrou:
— Goze para mim, Liv.
Não demorou muito para que acontecesse. Foi antes de eu
abrir os olhos. As estrelas poderiam estar tremeluzindo acima de
mim, mas eu estava desmoronando. Com força e rapidez. Antes que
eu atingisse o chão, ele estava lá, bem na minha entrada, empurrando,
seu polegar ainda em meu clitóris, seus lábios nos meus.
Bastou uma investida para que ele me penetrasse, eu
continuava desabando, a sensação deixando a queda ainda mais
próxima.
Ele estava no limite, sua respiração entrecortada, e
completamente imóvel quando me beijou. Adam me beijou como se
eu fosse a única garota que já tivesse beijado. Como se eu fosse a
primeira e a última. Como se eu o possuísse.
Quando afastou sua boca e encostou a bochecha contra a
minha, esperei que fosse me prender ao chão e fazer suas
obscenidades comigo. Eu já tinha visto vídeos. Ouvi rumores. Sabia
como os garotos transavam.
Mas eu deveria ter sido mais esperta.
Porque se tratava de Adam.
— Tudo bem? — Ele sussurrou.
Uma lágrima escorreu sobre o meu rosto antes mesmo que
eu a sentisse.
— Estou mais do que bem, — suspirei, com medo de que
esse garoto tão doce tivesse que lidar com meus soluços
descontrolados na noite mais importante da minha vida. — Estou
ótima.
Sua bochecha deslizou sobre a minha até nossos olhares se
cruzarem. Sua mão acariciou minha bochecha e afastou a lágrima
indesejada com o polegar antes de começar a se mexer dentro de
mim. Ele manteve um ritmo lento e eu observei meu doce e carinhoso
Adam até ele se perder. Até ele investir contra mim uma última vez
com um grunhido de tirar o fôlego.
A primeira vez da maioria das garotas era uma confusão de
mãos, dentes e dor. Mas a minha não. Não, a minha foi uma noite na
qual eu lembraria pelo resto da minha vida como a experiência mais
romântica de todas. Meu namorado tatuado tinha me dado as estrelas.
Isso me fez querer lhe dar o universo.
LIV

— Feliz aniversário! — Ouvi um grito atrás de mim. Olhei


ao redor e encontrei Braden e Mel. Os dois estavam sorrindo, então
também coloquei um sorriso no rosto.
Eu tinha feito um ótimo trabalho evitando Mel
ultimamente. Ainda estava muito irritada com o fato de ela ter me
entregado só Deus sabe para quem. Poderia ter sido minha madrasta.
Poderia ter sido Sebastian. Tudo o que eu sabia era que o xerife
Rothchild sabia onde me encontrar. Todas as vezes que pensei em
contar aquilo para ela, eu me lembrava dela dando com a língua nos
dentes como se tivéssemos seis e não dezesseis anos — dezessete
agora — e ficava com vontade de gritar.
— Valeu, — eu disse para Mel sem um pingo de gratidão,
mas com muita mesquinharia.
Braden caminhou em minha direção e me puxou para um
abraço.
— Feliz aniversário, linda. Tem algum plano para hoje?
Eu tinha. Tinha o mesmo plano de todas as noites. Meu
plano era ir para casa, esperar todos irem dormir e sair escondida para
ver meu namorado.
Adam. Meu Deus. Não conseguia pensar nele sem ficar
com aquele olhar todo apaixonado. Antes ele já me enlouquecia, mas
agora que fizemos amor, algo mudou. Meus sentimentos ficaram mais
intensos. Sentia uma conexão com ele que parecia mais forte do que
antes e bem mais madura. Talvez mais madura do que eu esperava,
porque ele me fazia querer fazer coisas loucas, como esquecer a
escola, essas pessoas falsas, essa ilha idiota e metida, e fugir com ele.
Graças a Deus Adam era bem mais responsável e racional
do que eu.
— Obrigada, Braden. — Recuei de seu abraço e coloquei
um pouco de distância entre nós. Não queria passar a impressão
errada. Porque apesar de seus flertes e investidas, essa porta estava
firmemente fechada. Estava trancada, droga. Mesmo se Adam e eu
não estivéssemos juntos, Braden e eu jamais teríamos chance.
Comecei a acreditar que ele talvez fosse um cara bacana,
mas não fazia o meu tipo. No entanto, ele era paciente e sempre foi
legal comigo quando eu o dispensei. Ele era fácil de lidar; muito
diferente de Sebastian. Ele era um playboy, mas eu não esperava ter
problemas se nunca o namorasse.
— Não, sem planos. Apenas um jantar com Sebastian e
Georgina, e depois, cama. — Caramba, eu estava ficando boa em
mentir. Não sabia se ficava orgulhosa ou envergonhada.
Braden puxou o lábio para dentro da boca e o mordeu antes
de dizer:
— Ou você poderia sair comigo. Prometo que vai ser
divertido.
Ah! Aposto que sim. Aquela mordida no lábio dizia tudo.
— Não, obrigada. Estou cansada hoje e preciso lavar meu
cabelo, — devolvi de brincadeira.
Ele bateu no peito com a mão, agarrando a camiseta sobre o
coração.
— Droga, Liv, você sabe como machucar um cara. — Ele
se virou para Mel. — Ela acabou de usar a velha desculpa sobre ter
que lavar o cabelo?
Mel deu risada.
— Sim.
— Foi o que pensei. Vejo que não há esperança aqui.
Tenham uma boa noite, meninas. — Ele nos saudou de um jeito
zombeteiro e nos deixou sozinhas no corredor.
Eu não sabia o que dizer. Foi estranho para caramba, eu não
estava preparada para uma briga e ela parecia querer dizer algo,
qualquer coisa na verdade.
Puxei minha mochila sobre os ombros e segui em direção à
saída da escola. Não tinha andado nem três metros quando ela disse:
— Por que você está zangada comigo?
— Não estou zangada, — menti, sem olhar para trás.
Continuei andando e não levou muito tempo até eu escutar seus
passos bem atrás de mim.
— Está sim.
Tentei ignorá-la e continuar andando, mas Mel não desistiu
e finalmente segurou meu braço para me fazer parar no pátio da
escola.
— O que foi? — Ela perguntou, como se não soubesse.
Eu estava de saco cheio das palhaçadas dela e, de repente,
fiquei ansiosa por aquele confronto que estive evitando há dias.
— Você me entregou. Contei um segredo para você, Mel.
Algo que não falei para ninguém e você contou.
Ela tirou a mão do meu braço e pude vê-la engolir em seco.
Deu um passo para trás e encarou o chão.
Foi o que pensei. Foi ela mesmo e agora não tinha volta.
Ela não conseguia nem se defender. Isso só me irritou mais.
Me virei e comecei a andar para casa. Era um dos raros dias
em que não tinha que fazer nada depois da escola e era meu
aniversário. Eu não deveria ter que lidar com essa merda.
Os passos atrás de mim eram um sinal de que Mel estava
correndo em minha direção.
— Espere, Liv. Desculpe. Fiquei preocupada com você. —
Ela me alcançou, ofegante. — Não pode ficar chateada por eu ter me
preocupado.
Balancei a cabeça.
— Não, estou chateada comigo mesma. Pensei que você
fosse a única pessoa em quem eu pudesse confiar. Estava errada. Mas
não cometerei o mesmo erro de novo.
Continuei andando mesmo quando ela parou.
— Qual é, Liv. Fala sério! — Ela gritou atrás de mim, mas
foda-se. Eu estava cansada de pessoas assim. Não precisava de mais
negatividade na minha vida do que eu já tinha. E havia muita naquela
casa.
Mas no fundo do meu coração eu sabia que seria por pouco
tempo. Em menos de um ano eu iria para a faculdade. Georgina e este
lugar não me controlariam. E assim que eu tivesse o dinheiro que meu
pai me deixou, não precisaria mais de ajuda. Agradecia a Deus todos
os dias pelo bom-senso do meu pai em ter deixado o dinheiro para
mim e não para Georgina, porque estava claro que aquela mulher
casou com ele por dinheiro. Eu odiava isso. Odiava pensar que meu
pai tinha sido enganado por ela. Ele a amava.
Entrei em casa e dei de cara com um animado Harry.
Apostamos corrida ao subir a escada, larguei a mochila no chão do
meu quarto e peguei os livros para fazer o dever de casa. Fiquei
concentrada naquilo por uma hora quando Georgina me enviou uma
mensagem para dizer que o jantar estava pronto.
Quase revirei os olhos diante de sua frieza. Era meu
aniversário, droga. Pude sentir o cheiro de frango cozido enquanto
descia os degraus, decepcionada. Meu pai sempre me levava para
comer comida mexicana no meu aniversário e Georgina sabia disso.
Não fazíamos mais isso desde que ele morreu. Não fazíamos mais um
monte de coisa desde a morte dele.
A mesa estava posta. Os utensílios de porcelana fina eram
visíveis e os guardanapos rosa-claros dispostos ao lado dos pratos.
Sorri porque meu pai detestava aqueles guardanapos. Ele não gostava
muito de nada rosa ou com estampa floral.
Georgina sorriu por trás de uma taça de vinho na ponta da
mesa e eu me sentei na cadeira à direita.
— Feliz aniversário, Princesa.
Princesa. Ela costumava me chamar assim antes do meu
pai morrer. Quando ela ainda estava fingindo que gostava e se
preocupava comigo. Às vezes eu me perguntava se era tudo uma
encenação ou se a morte do meu pai fez com que ela mudasse. De
qualquer forma, agora, era uma droga.
— Obrigada.
A cozinheira trouxe a refeição: frango assado e salada, e eu
sabia que não teria bolo. Meu Deus, que saudade eu sentia da minha
amada comida mexicana.
Estava na metade de um pedaço de frango quando
Sebastian finalmente decidiu se juntar a nós. Meu ânimo despencou
quando ele se sentou. Quase terminamos a refeição sem ele.
— Sebastian, que legal da sua parte juntar-se a nós. Não
teve treino de futebol hoje?
Até eu conseguia ver que o garoto era puro suor. Georgina
estava ocupada demais bebendo seu vinho e vivendo dentro do seu
próprio mundinho. Quase me senti mal por ele naquele momento,
mas então lembrei o babaca que ele era comigo.
— Acabei de sair do treino. — Um prato de comida foi
colocado na sua frente e ele o devorou em tempo recorde. Colocando
a última garfada de comida na boca, ele me olhou rápido do outro
lado da mesa antes de baixar o olhar. — Feliz aniversário, Livingston.
Foi esquisito, para dizer o mínimo. Não tínhamos o
costume de falar coisas legais para o outro. Antes do meu pai falecer
nos tratávamos com indiferença e, quando ele começou a ficar
sinistro, eu o evitei como uma praga.
— Valeu, Seb, — murmurei, colocando o garfo em meu
prato vazio, desejando que esse jantar terminasse e eu pudesse me
esconder no quarto até a hora de encontrar Adam na campina.
— Então, tenho pensado sobre o baile.
Ah, merda, eu não gostava quando Georgina pensava sobre
alguma coisa. Primeiro, as aulas, depois um vestido louco e
extravagante, e então, Braden. Sem contar o que ela ia propor agora.
Mexi no guardanapo em meu colo.
— Sim?
— Precisamos de um tema. Faltam só duas semanas agora.
Eu ia usar rosa-claro. Mas estou curiosa para saber se você gostaria
de um tema especial para o baile?
— Estrelas, — respondi antes que eu mesma percebesse o
que estava dizendo.
Sebastian ergueu a cabeça depressa e seu olhar encontrou o
meu com uma intensidade que fez meus ossos tremerem.
— Estrelas! Que lindo. É uma ideia brilhante. Tão
romântica, — Georgina exclamou, tomando um grande gole do seu
vinho.
Por mais que eu estivesse olhando para qualquer coisa
menos Sebastian, pude sentir seus olhos sobre mim. Me queimando
com seu olhar raivoso.
Dei um sorriso genuíno para Georgina. Era óbvio que ela
achava uma boa ideia porque dificilmente me elogiava. Apesar de
abominá-la às vezes, eu ainda ansiava por elogios como qualquer
outra jovem.
— Às estrelas! — Georgina brindou sozinha já que
Sebastian e eu não tínhamos taças de vinho. — Será lindo. Mal posso
esperar para vê-la naquele vestido. Ficará encantadora.
Sorri de novo até me lembrar que ela não ficaria tão feliz
quando descobrisse que eu não levaria Braden. Mas fiquei contente
assim mesmo. Este jantar de aniversário foi melhor do que eu
imaginava.
— Posso me retirar? — Sebastian perguntou e senti minhas
sobrancelhas arquearem. Ele nunca pedia permissão. Sempre se
levantava e saía. Todos estavam sendo tão legais hoje. Era estranho.
— Claro. Não pedi para a cozinheira preparar um bolo ou
sobremesa. — Ela concentrou sua atenção em meus seios. — Achei
que deveria cuidar do seu peso.
Meu corpo se contraiu. Eu me encolhi, tentando esconder
meus seios grandes. Ela me pegou de surpresa. Desprevenida. Me
bajulou antes de desferir o golpe. Eu queria chorar.
Sebastian arrastou a cadeira com raiva. Jogou o guardanapo
no prato e praticamente correu para o quarto.
Pedi licença em voz baixa e fiz o mesmo antes que eu
chorasse na frente daquela megera. Normalmente eu me controlava.
Não deixava que ela afetasse minha auto-estima. Eu sabia que era
boa; que eu era bonita. Meu pai sempre fez questão que eu soubesse
disso.
Tinha passado da meia-noite quando desci os degraus e saí
de casa. Estava tarde e, desde que conheci Adam, não estava
passando muito tempo com meu cachorro, por isso peguei a coleira e
meu cobertor, e saímos juntos. O tempo estava mudando. As noites
estavam mais frias, por isso vesti um casaco grosso por cima da
camiseta e da legging antes de sair.
Eu sorria ao atravessar a ponte. Estava longe, mas
conseguia ver Adam à distância. Isso... Isso era o que estava
esperando para o meu aniversário o dia todo. Sabia que ele tinha me
visto, porque ele parou e, de repente, estava correndo pela campina,
assim como Harry e eu.
Larguei a coleira de Harry e o cobertor azul no chão, e pulei
nos braços de Adam, desesperada por seus lábios. Ele não me
decepcionou. Me pegou no colo e envolvi minhas pernas em sua
cintura. Harry saltou sobre nós, empolgado por ver Adam.
— Feliz aniversário, linda.
Respirei fundo, chocada.
— Como sabia?
Ele sorriu com um falso ar de timidez.
— Não sei. Pode ser que eu tenha dado uma olhada nas
suas redes sociais. Por falar nisso, seu Instagram é patético.
Eu não usava muito o Instagram ou Facebook. Apenas o
mínimo possível e mal postava alguma coisa. Gostava de viver o
momento. Só Deus sabia quantos deles ainda restavam.
Eu o abracei bem apertado.
— Obrigada pelos parabéns.
Adam recuou e olhou para mim.
— Foi um bom dia?
Eu me aconcheguei nele de novo.
— Agora é.
Adam estendeu o cobertor sem que eu me soltasse dele. Foi
estranho, engraçado e um entretenimento muito bom vê-lo tentar
esticar o cobertor enquanto eu me agarrava a ele como um macaco.
Ele se sentou, comigo em seu colo, minhas pernas ao seu
redor e se apoiou sobre as mãos.
— Você vai me soltar?
— Nunca, — sussurrei. A febre estava de volta e ele nem
estava me tocando. Naquele momento, eu soube. Não era febre. Era
amor. Meu Deus, eu amava tanto esse garoto que chegava a me
queimar com isso.
— Tenho um presente para você.
Eu me inclinei em seu colo.
— Tem?
Ele sorriu para mim descaradamente. Misericórdia, ele
ficava tão gostoso quando fazia aquilo. Tão lindo que eu queria
transar com ele bem aqui nessa campina.
Ele me levantou do seu colo e me colocou sentada ao seu
lado, sem esforço. Uma brisa gelada atingiu minhas orelhas, então
puxei o capuz sobre a cabeça enquanto Adam tirava uma caixinha do
bolso da sua jaqueta de couro.
Não estava embrulhada. Era uma daquelas caixas douradas
de papel que vinham as jóias. Devo ter parecido surpresa quando
peguei a caixa da sua mão. Eu a olhei fixamente, me sentindo nervosa
de repente. Ninguém tinha me dado um presente hoje. Ninguém me
dava presentes de aniversário desde a morte do meu pai.
Abrir aquela caixa era um momento significativo. Em
tempos normais, eu teria arrancado a tampa igual uma louca. Mas eu
lembrava como Adam segurou minha mão pela primeira vez.
Devagar, com cuidado, delicadamente. Então, levantei a tampa, sem
pressa, puxando o algodão branco que cobria a parte de cima.
E lá, aninhado em meio ao branco, havia um anel dourado.
Eu o tirei da caixa, prendendo a respiração. Era uma faixa fina aberta
na frente. Em uma das extremidades havia uma estrela e, na outra,
uma lua. Eu o olhei, pensando em como era perfeito. Era como se a
estrela e a lua se encontrassem, da mesma forma como Adam e eu
nos conhecemos na campina naquela noite. Adam Nova, a estrela, e
eu, sua Luna, a lua. Era mais que perfeito. Era delicado, simples e eu
o amei de imediato. Meus olhos ardiam de emoção quando o coloquei
em meu dedo. Não pude olhar para ele. Fiquei com vergonha do
quanto tinha amado. De como aquela peça de ouro era importante
para mim. E então, ele elevou ainda mais o nível e me deixou
impressionada.
— Era da minha mãe.
Virei a cabeça para ele.
— O quê? — Ofeguei, mal conseguindo falar. Não. Ele não
deveria me dar algo tão precioso. Eu não merecia. Comecei a tirar o
anel, mas ele segurou minha mão, me interrompendo.
— Não. Ela gostaria que o tivesse. — Ele deitou sobre o
cobertor e me puxou junto dele, até que eu estivesse encostada em seu
peito. — Ela teria amado você e seu amor pelas estrelas.
Não sabia o que dizer. Meu coração poderia ter explodido
no peito de tão imenso que estava. E a febre tinha retornado. Tão
forte. Tão quente. Não consegui me segurar. Uma lágrima escorreu
pelo canto do meu olho sobre a camiseta dele que estava embaixo da
minha cabeça.
— Acho que eu amo você, — sussurrei. Essa sensação era
isso, certo? O calor. Esse sentimento envolvente que parecia controlar
cada decisão, cada pensamento, cada coisa em minha vida.
Seu corpo ficou rígido embaixo do meu antes de erguer o
braço que me abraçava para afastar o cabelo do meu rosto.
— O que você disse?
Pigarreei, nervosa, com medo de ter levado as coisas longe
demais. Apavorada que isso o afastasse de mim. Mas mais apavorada
ainda que ele nunca soubesse, que nunca entendesse o quanto eu me
importava com ele. Então, falei de novo, com mais convicção desta
vez.
— Acho que amo você, Nova. — Eu estava olhando para o
céu. A lua estava grande, redonda e branca. Lua cheia. E as palavras
seguintes saíram com facilidade, porque eu estava falando sério,
muito sério. — Acho que eu o amo daqui até aquela lua.
Ele me envolveu em seus braços com firmeza. Me abraçou
tão apertado que pude ouvir as batidas aceleradas do seu coração. Sua
respiração ficou mais rápida e ele me apertou mais ainda.
Aqueles segundos em que não disse nada e só me abraçou
me deixaram com medo. Não sabia se tinha cometido um grande erro
ou se foi a melhor decisão da minha vida.
Me agarrei a ele, esperando e rezando para que não fosse a
última vez que eu fizesse aquilo, quando ele inclinou a cabeça e
encostou sua boca em meu ouvido.
— Só para deixar claro. Eu não acho que amo você, Livvy.
Eu tenho certeza. Tenho certeza que a amo. Soube que amava você
desde a primeira vez que a vi sob as estrelas. E sei que vou continuar
amando você daqui a cinquenta anos. Droga, não amo você apenas
daqui até aquela lua, baby. Amo você daqui até Plutão, mesmo que
leve dezenove anos para chegar lá.
Eu pensei que fosse morrer. Era como se meu coração
tivesse congelado no peito. Não tinha ideia do que dizer. Só queria
repetir aquelas palavras na minha cabeça até memorizá-las para
sempre. Queria que ele as escrevesse e as colocasse dentro de uma
garrafa e as deixasse aqui para mim todos os dias, para sempre.
Estava surpresa, abalada, e não sabia como lidar com uma
situação madura assim, então, disse a primeira coisa que passou pela
minha cabeça.
— Dezenove anos?
Senti seu peito tremer debaixo de mim com uma risada.
— Sim. Mais ainda do que é necessário para chegar à lua.
— Ele me apertou.
Ai. Meu. Deus. Eu ia desmaiar. Estava surtando. Ele me
amava. Muito.
— Esse é o melhor aniversário de todos, — sussurrei para
ninguém em especial e o peito de Adam tremeu novamente.
— Acho que será difícil superá-lo no ano que vem, hein?
Ano que vem. Ele falava sobre estar comigo no próximo
ano. E ele me amava. Eu o amava e por uma fração de segundos sob
as estrelas, tudo estava perfeito.
Decidi que era o momento de soltar a bomba. Esperei o
máximo que pude e já que falávamos sobre amor, achei que seria
difícil para ele recusar.
— Já que você me ama e eu amo você, faz sentido eu levar
você ao baile de debutantes.
Ele deu uma risada abafada.
— Não acho que combino com bailes de debutantes, Livvy.
— Mas você iria por mim, certo? — Fiz uma cara de
cachorro sem dono.
Ele revirou os olhos enquanto sorria.
— Talvez.
Ficamos lá deitados, nós dois, rodeados pela escuridão, mas
tudo parecia reluzir. Eventualmente, o sol começou a surgir no céu, e
Adam insistiu em me acompanhar de volta para casa.
Ele me beijou no quarteirão anterior — Harry caminhava ao
nosso redor — e me olhou durante todo o caminho até em casa. Eu só
sabia disso porque olhei para trás umas cinco mil vezes, para o
desânimo de Harry. E lá estava ele, me observando com meu cobertor
azul esquecido debaixo do braço. Eu o pegaria de volta outra hora,
disse para mim mesma, apaixonada demais para me importar. Ter
seus olhos sobre mim era a melhor coisa, depois de suas mãos.
Eram cinco e meia da manhã quando Harry e eu finalmente
passamos pela entrada de carros e chegamos à porta. Mas hesitei,
certa de que tinha escutado vozes, segurando Harry pela coleira.
Ainda estava escuro do lado de fora, mas pude ver sombras na
varanda. Puxei Harry para a lateral da casa a fim de nos escondermos.
Ajoelhando, rezei para que ele ficasse quieto, abraçando-o e
sussurrando elogios.
Nesse meio tempo, tive a sensação de que estava em um
outro universo. Não pude acreditar. Georgina estava de pijama e sua
cara cheia de maquiagem. Também não acreditei quando a vi
beijando o xerife Rothchild. Em nossa varanda. Às cinco e meia da
manhã. Fiquei ajoelhada lá, paralisada. Nunca a vi beijar ninguém
além do meu pai. Não que fosse um problema vê-la seguindo em
frente. Mas por que ela estava escondendo isso? Porque era óbvio que
estava. As roupas do xerife estavam amarrotadas. E ela estava usando
um roupão de seda por cima de só Deus sabe o quê. Talvez nada. Eles
não estavam apenas se beijando. Eles estavam dando uns amassos,
caramba.
Por fim, eles se despediram e o xerife andou alguns
quarteirões e entrou em um carro à paisana que imaginei ser seu
veículo pessoal. Espiei para ver se Georgina ficou olhando ele ir
embora como uma boba apaixonada. Depois de ter certeza que ela
tinha entrado, sentei perto de um arbusto com Harry, com a sensação
de que meu mundo tinha sido abalado.
Por que o xerife Rothchild e Georgina estavam se
escondendo? Por que não assumiam que estavam namorando? Não
conseguia pensar em uma única pessoa que fosse se importar. Será
que Sebastian sabia? Braden? Que porra estava acontecendo?
ADAM

— Você está tão bonito, filho. — Havia lágrimas nos olhos


do meu pai. Tentei ignorar a leve ardência nos meus, me olhando no
espelho da cômoda. Quando meu pai ficava emocionado, eu também
ficava. Os Nova eram uma gente sensível.
— Obrigado, pai. — Ajeitei a gravata em meu pescoço,
nervoso. Nunca pensei que veria o dia em que usaria um terno. Para
minha sorte, meu pai tinha um amigo que me deixou pegar
emprestado o de seu filho. Um par de sapatos velhos que ficavam no
armário do meu pai e apertava um pouco meus pés, e estava pronto.
Não fiquei tão mal. O terno cinza de três peças pareceu um
pouco exagerado demais quando o vi pela primeira vez, mas cavalo
dado não se olhava os dentes. Eu o vesti com a esperança de que não
fosse muito escandaloso, mas até que deu certo. Serviu como uma
luva. Sabia que Liv adoraria. Cortei o cabelo, fiz a barba, usei gel e
coloquei o perfume que eu sabia que a deixava louca.
Tinham passado apenas algumas semanas desde a nossa
noite no planetário, mas descobri que gostava de deixá-la louca por
mim sempre que eu podia. Acho que ela gostava tanto quanto eu. Não
tivemos muitas oportunidades de ficarmos sozinhos e eu não podia
levá-la escondida ao planetário a hora que eu quisesse. Não queria
arriscar meu emprego, mas os poucos momentos que tínhamos a sós,
passávamos abraçados, minhas mãos em seu cabelo, meus lábios
sobre os dela. Não enjoávamos um do outro e parecia que a cada dia
eu a amava mais.
Aquela garota me fazia sonhar. Fazia tempo que parei de
pensar que não daríamos certo. O fato de que ela morava em Saint
Ashley e eu em Madison não importava. Não importava se a sua
família não aprovasse. Minha sonhadora me fazia sonhar. Ser capaz
de sonhar novamente me deixava mais feliz do que havia me sentido
há muito tempo. Ela até me convenceu a ir a este baile. Mas quem eu
estava enganando? Preferia morrer do que permitir que alguém
acompanhasse a minha namorada.
Dei um abraço de despedida em meu pai e, com a chave de
Raven na mão, desci os degraus da entrada do prédio onde tinha
parado o carro. Eu estava nervoso por estar prestes a conhecer a
família de Liv, então fiquei do lado de fora do edifício e fumei dois
cigarros. Raven me daria uma surra se eu fumasse em seu carro
impecável.
O trajeto foi tão agonizante quanto eu pude imaginar, mas
quando estacionei na entrada e subi os degraus até a porta, senti a
empolgação que sempre sentia quando sabia que ela estaria por perto.
Toquei a campainha e já precisava de outro cigarro. Não
houve resposta, então toquei mais uma vez, inquieto.
Por fim, a porta foi aberta alguns centímetros e lá estava
uma mulher mais velha com cabelo loiro, maquiagem e vestida com
perfeição.
— Posso ajudá-lo? — Ela perguntou com um sotaque
sulista.
Sorri e puxei o colarinho da minha camisa, nervoso. Não
tenho nada a perder.
— Meu nome é Adam. — Estendi minha mão pela brecha
da porta. — Estou aqui pela Livingston.
A porta se abriu mais e a mulher que eu imaginava ser a
madrasta de Liv, saiu para a varanda e fechou a porta silenciosamente
sem tirar os olhos de mim.
— Tenho certeza de que houve um erro, — ela disse.
Meu maxilar doía com o sorriso forçado em meus lábios,
mas o mantive lá quando respondi:
— Sou o acompanhante da Liv para o baile.
Só de ver o ultraje em seu rosto, entendi por quê Liv não
contou que eu viria. O vestido branco e justo que a mulher usava
ficava ridículo contra a vermelhidão de seu rosto e pescoço. Seus
olhos pareciam querer saltar das órbitas e eu teria rido se não fosse a
necessidade em ter que agradar essa mulher para continuar vendo
minha namorada.
A porta foi aberta de repente atrás da mulher. Ela quase
caiu para trás, mas conseguiu segurar o batente.
Liv passou pela porta e pela mulher para ficar ao meu lado
na varanda. Meu Deus, que visão. Ela estava com um vestido de seda
rosa-claro que deixava sua pele angelical. Era sem alças e revelava a
extensão de seus ombros e o topo de seus seios. Fiquei com água na
boca ao olhar para o busto apertado. A parte de baixo se alargava
como um grande sino. Suas bochechas estavam rosadas e seu cabelo
estava preso em um emaranhado atrás da cabeça. Os cachos
pendurados ao redor de seu rosto sem maquiagem. Parecia uma
princesa.
Ela me deu um olhar cansado ao se virar em direção à
madrasta.
— Georgina, vejo que já conheceu Adam.
Georgina se endireitou e me encarou antes de dizer:
— Não estou entendendo, Livingston. Pensei que Braden
seria seu acompanhante. — Ela puxou o colar de pérolas em seu
pescoço e fiquei grato por não ser a única pessoa desconfortável para
caramba. Eu estava cheio de vergonha. Naquele momento, o que eu
mais queria era ser bom o suficiente para a família de Liv. Não era
sobre posição social ou dinheiro. Eu queria que eles me aprovassem.
Liv não parecia nem um pouco nervosa quando olhou para
Georgina e falou de um jeito simples de entender:
— Eu disse não para Braden. Adam será meu
acompanhante esta noite.
Quanta classe, Liv. Ela não perdeu a calma. Não se
aborreceu.
Georgina engasgou e, de repente, toda aquela coisa sulista
de se fingir de morta não passava de puro estarrecimento.
— Mas não pode. Braden estará aqui a qualquer momento.
Colocando seu braço sobre o meu, Liv disse:
— Você não deveria tê-lo convidado para me acompanhar.
Não é justo com ele. — Vi que ela estava triste por Braden. —
Vamos, Adam. Não quero me atrasar em uma noite tão importante. —
Ela colocou um sorriso no rosto enquanto andávamos pela calçada,
mas pude ver o constrangimento em seus olhos.
— Livingston Rose Montgomery, não ouse entrar neste
carro! — Georgina gritava da varanda.
Liv parou na calçada e olhou para Georgina com um
suspiro que demonstrava seu cansaço com relação a tudo, não apenas
a este momento, mas com todas as bobagens daquela mulher.
— Não a deixarei ir ao baile com este… — Ela hesitou e
olhou fixamente para as tatuagens em meu pescoço que podiam ser
vistas pelo colarinho da camisa. Ela me olhava como se eu fosse uma
merda em seu sapato. Como se eu fosse um pedaço de lixo em seu
quintal. Uma erva daninha em seu jardim. — Gangster! — Georgina
terminou.
O peito de Liv ficou vermelho. Seus olhos a fuzilavam. Ela
parecia pronta para matar.
— Então eu não irei.
Ela segurou minha mão e me puxou para o carro, pisando
firme sobre os calcanhares. Eu tinha certeza que a madrasta dela
havia dito alguma coisa, mas foi difícil de entender em meio ao
farfalhar do seu vestido enquanto nos arrastava para o carro. Abri a
porta para ela; Liv entrou e a fechou antes que eu tivesse chance.
Corri para o outro lado, ansioso para entrar no carro antes que
Georgina viesse atrás de nós.
Entrei no veículo, liguei o motor e dirigi para a rua em
tempo recorde.
A respiração irritada de Liv era o único ruído dentro do
carro silencioso. Dava para perceber que ela queria gritar.
— Sinto muito, Adam. Muito mesmo. Para ser honesta, não
imaginei que ela seria tão desagradável.
Coloquei a mão sobre sua coxa e virei para direita, indo em
direção ao salão onde estava acontecendo o baile.
— Está tudo bem.
Ela balançou a cabeça.
— Não, não está. Eu deveria ter sido franca com ela.
Deveria ter contado que iria com você.
Apertando seu joelho, murmurei:
— Mas daí eu não teria tido o prazer de ser chamado de
gangster, — ri. — Em que porra de ano estamos, afinal? Gangster?
Quem ainda usa essa palavra?
Pelo canto do olho pude vê-la sorrir um pouco antes de se
conter novamente.
— Isso foi maldade, — ela disse as palavras como se a
machucasse. Como se ela não pudesse suportar o fato de alguém ser
maldoso comigo.
— Ei, olhe para mim.
Liv me olhou com seus olhos castanhos delicados que
sempre me deixavam com vontade de beijá-la.
— Já escutei coisa pior na vida. Ok? — Mas não pude
evitar a minha próxima pergunta. — Agora, quem é Braden?
Ela revirou os olhos e se encolheu sobre o banco.
— Apenas um garoto que ela quer que eu namore.
— E ele quer namorar você? — Eu destruiria essa ilha antes
de vê-la envolvida com Braden.
Ela ergueu os ombros levemente e afastou o olhar enquanto
eu observava a estrada. Aquela foi a resposta que eu precisava, mas
não arruinaria esta noite tão importante por causa de ciúmes.
Poderíamos conversar mais tarde. Queria que hoje fosse a noite dela.
Queria que fosse especial.
Movi minha mão até sua coxa, a maciez do vestido sob
minha palma.
— Você está linda. — E eu falava sério. Ela parecia uma
daquelas princesas dos filmes da Disney, só que mais bonita porque
era de verdade.
Ela contraiu os lábios e me olhou com olhos entreabertos.
— Pareço uma grande bomba de creme cor-de-rosa.
Soltei um riso abafado, porque ela estava certa.
— Princesa Bomba de Creme, — murmurei, arqueando as
sobrancelhas. — É melhor nos apressarmos antes que eu estacione só
para comer você.
Suas bochechas ganharam um tom rosado encantador e ela
riu ao estacionarmos no salão. Eu me sentia mais leve. Como se no
fim das contas, esta noite não fosse ser um show de horrores.
Eu não podia estar mais errado.
LIV

Se houvesse uma maneira de rastejar pelo chão do carro de


Raven para me esconder de Adam, eu o teria feito. Já tinha passado
da fase de constrangimento e estava mortificada. Meu Deus, eu não
esperava que Georgina fosse reagir tão mal. Foi culpa minha não ter
avisado, mas para ser bem justa, nunca falei que levaria Braden ao
maldito baile. E depois do dia que tive, estava cansada. Tive que
preparar um discurso que Georgina me contou de última hora e passei
grande parte do dia fazendo o cabelo.
Adam deu a volta no carro e me ajudou a sair, o que não foi
uma tarefa fácil com esse vestido ridículo que Georgina insistiu que
eu vestisse. Ainda estava com raiva, chateada, extremamente irritada.
Eu esperava conseguir sair dessa pelo bem de Adam. Georgina estaria
aqui, assim como uma tonelada de gente da escola. Braden também,
sem dúvida. Senti meu estômago revirar enquanto seguíamos em
direção ao prédio.
— Espere. — Adam parou na calçada e me puxou. Dois
dedos acariciaram meu queixo quando ele me olhou. — Esta noite
será ótima.
Arqueei uma sobrancelha para ele.
— Repita comigo. Esta noite será ótima.
Minha outra sobrancelha também se juntou à diversão.
— Não consigo ouvir você, — ele entoou.
— Que coincidência, porque não disse nada.
— Fala sério, vamos conseguir. Adam Nova e Liv
Montgomery contra o mundo. Você não esqueceu, certo? — Seus
olhos azuis brilhavam como estrelas gêmeas.
Esqueci sim. Por um momento deixei que Georgina me
chateasse e mexesse comigo. Mas as palavras de Adam fizeram meu
coração pular. Ele não me deixou esquecer. O garoto pessimista que
conheci há alguns meses, não existia mais. Em seu lugar havia um
romântico. Se ele podia acreditar que esta noite seria incrível, então
eu também podia.
Sorri para ele. Caramba, ele estava tão gostoso que poderia
ser comido. E não precisou estar vestido igual a uma bomba de creme
como eu. O terno que estava vestindo combinou de um jeito lindo. As
tatuagens que apareciam aqui e ali o deixavam ainda mais bonito. Ele
tinha um perfume maravilhoso.
— Meu Deus, você está cheiroso, — eu disse, me
inclinando e fungando em seu pescoço. Meu nariz o percorreu e ele
soltou um gemido.
— Continue fazendo isso e teremos que largar essa festa
para lá para fazermos uma só nossa.
Dei um passo para trás e o olhei suplicante.
— Podemos? — Eu não estava brincando. Nem um pouco.
Ele me pegou pela mão e começou a me puxar para o local.
— De jeito nenhum. Esta é sua noite especial e também é a
noite em que terei a oportunidade de dizer para todos esses ricaços
babacas que Livingston Montgomery é minha.
Ri atrás dele ao entrarmos no corredor. Se Adam não
tivesse me animado, as decorações teriam. Luzes cintilantes estavam
penduradas pelo salão principal e o lugar estava pouco iluminado.
Um globo gigante pendia no meio do teto que tinha estrelas
recortadas. A luz projetava estrelas pelas paredes e no chão enquanto
girava. Havia estrelas por toda parte. Pelo menos Georgina tinha
acertado e respeitado meus desejos. A pista de dança estava vazia,
mas o salão não. As pessoas estavam espalhadas por todos os lados e
cantos do salão e, o fato de todos terem parado para nos encarar
quando entramos, não passou despercebido. Uma enorme parte de
mim queria sair correndo e ir para a campina. Para nossas estrelas.
Um lugar onde as pessoas não nos julgavam.
Engoli o nó em minha garganta enquanto Adam apertava
minha mão de um jeito tranquilizador, antes de me fazer girar e me
segurar em seus braços.
— Vamos dançar.
A música já estava tocando quando ele me rodopiou e
começou a me guiar prontamente em uma valsa.
Arregalei os olhos à medida que ele me guiava pelo salão
com facilidade, sem esforço. Sorri apesar de estar nervosa.
— Como você sempre consegue me surpreender?
— Ei, você subestima os Nova. Meu pai me ensinou a
dançar assim que comecei a andar, Liv. De que outra forma eu
conquistaria as mulheres? — Ele riu.
Aquilo não me surpreendeu nem um pouco. José Nova era
um paquerador.
E lá estávamos nós, em nosso próprio mundinho. Ele
conseguiu. Eu mal reparei nos sussurros e olhares. Não. Éramos
apenas Adam e eu. Contra o mundo.
Até o momento em que um garoto que eu não conhecia nos
interrompeu depois de três músicas e pediu permissão para dançar
comigo. Adam foi educado e deu um passo para o lado com um
sorriso. Mas ficou nos arredores do salão e bebeu um ponche sem
tirar os olhos de mim enquanto dançava com outros garotos.
Quando ele finalmente interrompeu, fiquei aliviada. Tinha
que ficar conversando sem parar, perdendo meu tempo. Encostei a
cabeça sobre seu ombro, inalando seu cheiro familiar.
— Obrigada, — sussurrei.
Seu peito vibrou com uma risada baixinha.
— Não tem que me agradecer. Se eu tivesse que vê-la
dançar com mais alguém hoje, perderia a cabeça. Este baile é para eu
manter minha sanidade.
Dançamos mais duas músicas em um silêncio abençoado
antes de me dar conta que deveria andar pelo salão e socializar. Foi o
que fiz, com a mão de Adam em minhas costas. Percorremos o salão
e falamos com amigos da família e da escola, mas fiz questão de
evitar o canto em que Georgina e o xerife Rothchild estavam.
Fomos até a mesa pegar umas bebidas, quando Braden
parou na minha frente, bloqueando meu caminho.
— Oi, Liv. — Seu sorriso animado aliviou o receio que eu
sentia de encontrá-lo. Ele não parecia chateado ou deixado de lado
por eu ter recusado sua companhia esta noite.
Ainda assim, disse apenas um pequeno “olá” e tentei passar
por ele. Estranheza era pouco para descrever o que eu estava sentindo
com Adam e ele respirando o mesmo ar.
Ele passou a mão pelo cabelo e a esticou em direção a
Adam.
— Sou Braden Rothchild.
A ruga na testa de Adam apareceu com força total com a
menção do nome de Braden. Esperava que ele fosse perder a cabeça
ou ignorá-lo completamente, mas não contava com a pergunta que
veio em seguida.
— Filho do xerife Rothchild?
A mão de Braden ainda estava estendida, então ele a
recolheu e colocou no bolso.
— Sim, eu mesmo.
— Uhm, — Adam resmungou para Braden e a estranheza
atingiu um nível completamente diferente.
Eu interferi. Meus costumes sulistas não me deixariam
fazer o contrário.
— Braden, este é Adam. Meu acompanhante esta noite e
meu namorado de vez em quando.
Os olhos de Braden ficaram arregalados, mas seu sorriso
não vacilou.
— Legal. É um prazer conhecê-lo, cara.
Adam não tentou nem responder com um igualmente ou vá
se foder. Só ficou parado, enraizado naquele lugar, olhando fixamente
para Braden.
— Bem, estamos indo pegar ponche, com licença.
— Claro, mas guarde uma dança para mim, — ele falou
enquanto passávamos por ele. Senti o corpo de Adam ficar tenso atrás
de mim.
Peguei sua mão e o levei até a tigela de ponche, preocupada
que pudesse haver uma briga no meu baile. Interessante. Briga no
baile.
Peguei um copo de ponche enquanto Adam se apoiava na
mesa, emburrado. Já era aquele papo de que seria uma noite incrível.
— Não gosto daquele cara.
— Que cara?
Ele olhou para mim, irritado.
— Certo, por que você não gosta de Braden? — Tomei um
gole do ponche.
Ele cruzou os braços.
— Por vários motivos, sendo o primeiro o fato de que ele
quer a minha garota.
Sorri. Não pude evitar mesmo sabendo que deveria. Ouvi-lo
me chamar de sua garota e ficar todo na defensiva, aguçaria os
sentidos de qualquer garota de dezessete anos.
— Vem, seu homem das cavernas. Vamos dançar, —
murmurei, colocando minha bebida sobre a mesa.
— Estou falando sério, Liv.
— Eu sei, — assenti.
Ele me envolveu em seus braços e entramos no ritmo da
pista de dança.
— Não confio nele.
Hesitei, chocada.
— Como assim? Braden é inofensivo, Adam.
Ele se inclinou e beijou a ponta do meu nariz, me puxando
para mais perto.
— Só não fique sozinha com ele. Promete?
Faria qualquer coisa por ele. Especialmente quando era tão
importante, por mais que eu não entendesse.
— Ok, — sussurrei.
— Obrigado, — Adam murmurou.
Nós dançamos e eu fiz um discurso agradecendo Georgina
por toda dedicação e pela presença de todos. Fiz questão de que fosse
bem meloso, só para ela. Demos mais uma volta pelo salão, desta vez
cumprimentando Mel e Sebastian. Adam também não ficou nada
impressionado com ele, mas não deixou que isso estragasse nossa
noite.
Era minha festa de apresentação, mas parecia ser mais a
apresentação de nós dois. Agora todos sabiam. E ninguém podia fazer
nada enquanto estivéssemos aqui dançando. Não, nenhuma dessas
pessoas ousaria fazer uma cena e envergonhar a si mesmas ou o nome
de suas famílias.
À medida que a noite caminhava para o fim, fiz questão de
me despedir e agradecer a todos por terem vindo. Não queria que
Georgina ficasse irritada com aquilo também. Levando em conta seus
olhares, sabia que ela já estava morrendo de raiva com o meu
acompanhante desta noite.
Quando todos já tinham ido embora e só quem restou foi a
equipe, eu e Adam, ele me puxou de volta para a pista de dança e me
rodopiou até meu grande vestido bomba de creme flutuar no ar. Soltei
uma risada quando ele me trouxe para perto e me inclinou para trás.
Seus lábios tocaram os meus antes que ele me puxasse de
volta.
— Finalmente tenho você só para mim.
— Ganancioso, — murmurei, beijando-o desta vez.
— Só por você.
Dançamos por mais uma hora sob as luzes cintilantes de
pelo menos mil estrelas de mentira.
Não foi uma noite incrível. Não chegou à minha lista de
cinco noites favoritas com Adam, mas não foi tão ruim quanto eu
esperava.
Suspirei aliviada quando ele me girou uma última vez.
Sobrevivi à parte difícil. Mostrei para todos que eles não poderiam
nos separar.
Juntos, éramos imbatíveis.
Apenas meia hora depois percebi como estava errada.
ADAM

A luz da varanda estava acesa na casa de Liv quando


estacionamos. Estava preocupado com o tipo de castigo que a
madrasta dela lhe daria quando ela entrasse em casa.
— Parece que ela está esperando você, — eu disse do meu
lado no carro, nervoso. Ela também olhou para a casa, ansiosa.
— Bem, é melhor você me dar um beijo de boa sorte. Acho
que vou precisar.
Eu me inclinei sobre o console do carro entre nós e beijei
seu pequeno nariz redondo.
Ela agarrou minha gravata antes que eu pudesse recuar.
— Hã, hã, hã. Vou precisar que me beije de verdade antes
de ir para a batalha.
Foi o que fiz. Enfiei minha língua em sua boca, provando a
doçura natural de Liv, minha Livvy, minha Luna. Pressionei meu
peito contra o dela até que estivesse encostada no banco e a beijei
para caramba.
Desta vez, quando recuei, ela me abraçou e usou os
polegares para acariciar minhas bochechas.
— Eu amo você daqui até a lua, Nova. — A sinceridade em
seu olhar me impressionou e me senti o cara mais sortudo do mundo
inteiro.
— Eu amo você daqui até Plutão, Montgomery, — eu disse,
pressionando meus lábios sobre os dela mais uma vez.
Mais tarde, eu me consolaria com o fato de que as últimas
coisas que dissemos um para o outro foram as mais importantes que
já havíamos dito.
Porque, como em um pesadelo, a porta foi aberta com força
atrás de mim e eu estava no chão. Mal tive tempo para registrar que
dois corpos masculinos me pressionavam contra o asfalto. Um com o
cotovelo na garganta e o outro com o joelho no estômago. Uma
barreira de membros, mãos e partes do corpo me bombardearam, me
deixando desorientado.
Um grito. Liv, pensei, enquanto tentava lutar para sair do
chão, mas foi uma tentativa inútil. Havia dois deles e um de mim.
Eles me pegaram de surpresa. Não levou muito tempo para que eu
fosse arrastado pelo asfalto para a entrada de carros.
Dois grandalhões me seguravam e mantinham meus braços
presos atrás de mim. Outros dois me rodeavam. Braden e Sebastian.
Caramba, que droga estava acontecendo? Mas não consegui me
concentrar neles. Não, só conseguia ouvir os gritos de Liv ao longe.
Pelo canto do olho, vi Georgina sair na varanda. Ela tinha
tirado o vestido extravagante e estava com uma mala marrom na mão.
— Entre no carro, Liv.
— Não! — Eu a ouvi gritar. Ela estava do outro lado do
jardim, mas os capangas que me rodeavam não permitiam que eu a
visse.
— Você procurou por isso. Agora entre nesta porra de
carro! — Georgina gritou.
Tentei lutar contra os dois homens que me seguravam.
Puxei e tentei ao máximo me libertar.
— Segurem ele, pessoal, — Sebastian ordenou, e senti meu
sangue ferver.
— Liv! — Gritei. — Liv!
— Por favor! — Pude ouvi-la gritar quando um outro
homem a empurrou para dentro de um sedã preto. Fiquei enojado.
Isso não podia estar acontecendo.
Georgina jogou a mala dentro do porta-malas do veículo
antes de olhar para mim, da mesma maneira como tinha olhado mais
cedo. De um jeito que me fazia sentir inferior.
— Tirem esse lixo daqui, — ela disse, antes de se sentar no
banco do motorista.
Ela arrancou com o carro no momento em que um punho
golpeou a maçã do meu rosto. Uma explosão de dor me atingiu como
uma bala acertando seu alvo, mas nunca tirei os olhos do carro. A
mão de Liv estava encostada na janela preta, seu rosto histérico
manchado de lágrimas atrás dela.
Nenhum golpe no rosto se comparava a ter que vê-la
daquele jeito, se afastando de mim.
O próximo soco foi no estômago e me mandou direto para o
chão. Os homens que me seguravam deixaram que eu caísse sobre o
asfalto. Perdi Liv e o carro de vista quando levei um chute na boca.
Sangue cobriu meus dentes e gengivas, o gosto de ferro intenso em
minha boca. Tentei levantar. Tinha que chegar ao carro de Raven e
Liv.
— Fique no chão, — Sebastian disse, com uma
tranquilidade mortal em sua voz, e então, levei um chute por trás da
cabeça. Os golpes vieram de todos os lados. A dor irradiava por todo
meu crânio. Minhas costelas gritavam de agonia e, ainda assim, eu
me levantei. Lute, meu cérebro confuso gritava para mim. Lute por
ela. Eu não iria decepcioná-la.
Foi o pontapé doentio em minha testa que acabou comigo.
Sangue jorrava em meus olhos. Sofrimento preenchia cada centímetro
do meu corpo. Eles iam me matar, bem aqui, no jardim de Liv com o
lindo oceano do outro lado da rua. Fiquei pensando se eles jogariam
meu corpo no mar.
Através da cortina de sangue e dor, vi o lampejo de luzes
azuis. A polícia. Graças a Deus. Alívio passou por mim como uma
corrente elétrica.
Todos se afastaram, mas por mais que eu tentasse, não
conseguia me mexer. Rolei no chão, lutando contra a escuridão que
ameaçava tomar conta de mim. Não podia permitir. Obriguei minha
mente a manter-se em alerta. Eu tinha que encontrar Liv.
O arrastar de sapatos no asfalto fez com que eu abrisse os
olhos. A poucos centímetros do meu rosto havia um par de botas
pretas que complementavam o uniforme da polícia. Minha pequena
fração de alívio desapareceu do nada junto com a garota que eu
amava. Estava acabado. Fodido. Totalmente ferrado.
— Cacete, vocês fizeram um estrago nele, — o xerife
Rothchild disse, e fechei os olhos. Era isso. Não sabia o que estava
por vir, mas sabia que não seria nada bom. Não com este homem
envolvido.
Um criminoso.
Um estuprador.
Ele me pegou do chão e eu teria gritado e lutado se pudesse,
mas eles me destruíram. Eu não tinha mais nada. Estava à beira de
perder a consciência.
— Me ajude a colocá-lo no carro, Braden.
Eles me empurraram para o carro, mas não antes de eu
cuspir sangue na cara do xerife Rothchild.
Ele pegou um lenço no bolso e limpou a bochecha enquanto
me encarava deitado no banco traseiro da viatura.
— Garotos, quebrem a janela da parte da frente da casa
pelo lado de fora. Certifiquem-se de que pareça um arrombamento.
Chamaremos isso de legítima defesa. — Ele não tirou os olhos de
mim em nenhum momento.
O xerife bateu a porta, entrou na parte da frente do carro e
deu partida. Não tinha ideia de onde ele estava me levando. Mal
conseguia levantar a cabeça, pensar com lucidez.
— Entendo por quê Livingston gosta tanto de você, Adam.
Tem a boa aparência de sua mãe, com certeza. Aqueles olhos. Eles
também me arruinaram.
Uma náusea me atingiu e engasguei enquanto implorava
pela escuridão. Queria que ela me levasse, porra. Não podia ouvi-lo
falar sobre a minha mãe.
— Mas eu avisei a você. Na última vez que nos vimos, falei
para ficar longe dela. Mas vocês, garotos da cidade, são burros pra
caralho e nunca obedecem. — Ele respirou fundo. — Igual ao idiota
do Boone. Ele deveria vigiar você e seu pai, mas teve que mexer com
Livingston. Não conseguem deixar o pau miserável de vocês dentro
das calças, conseguem? — Ele deu uma risada impiedosa. — Eu
entendo. Sempre quis o que não era meu também.
Lágrimas escorreram de minhas bochechas para o banco de
couro embaixo de mim. Eu queria morrer. Este homem… ele tirou de
mim tudo o que eu amava. Duas vezes.
Não demorou muito para que o carro parasse, mas não
consegui nem levantar a cabeça para ver onde estávamos. Ele me
arrastou para fora do carro.
— Vamos lá, seu saco de merda deplorável. Levante-se.
Eu me apoiei sobre ele, que se aproximou do meu ouvido.
— Não entrará em contato com Liv de novo, entendeu?
Seria uma pena se seu pobre pai fosse atacado novamente, não acha?
Pode ser que dessa vez ele não escape.
Arfei, o choque disparando uma nova onda de dor pelo meu
corpo. Não. Meu pai não. Ele ria, sua maldade ecoando em meus
ouvidos.
— O que foi? Não pensou que aquilo foi aleatório, pensou?
Recuei com toda minha força e cuspi de novo, desta vez,
atingindo seu sapato.
— Seu filho da puta, é melhor tomar cuidado com quem
você mexe.
Ele me arrastou pelo estacionamento, para um prédio que
nunca tinha visto por dentro em todo o tempo que vivi em Madison.
Já dentro do Presídio do Condado de Madison, ele se
aproximou o suficiente para que só eu pudesse ouvir.
— Sua mãe. Ela era única. Eu amei quando ela implorou.
Nas duas vezes.
Fechei os olhos e prendi a respiração, suplicando pela
inconsciência, mas ciente demais sobre o que ele estava dizendo.
— Especialmente na noite em que fui ao seu apartamento.
Ela estava fazendo muito escândalo. Causando problemas para mim.
— Seu mau hálito fez meu lábio ferido se contorcer. — Ela implorou
pela vida. E por você quando enfiei os comprimidos na garganta dela,
com uma arma em sua cabeça.
Balancei a cabeça, atordoado.
— Nããão! — Gritei. A agonia e tristeza me dilaceraram.
Estive tão feliz nos últimos meses. Estava na hora de pagar por isso.
Ele me empurrou para o chão sem um pingo de cuidado.
— Prendam-no. Arrombamento e invasão da casa dos
Montgomery. Lesão corporal grave também. A senhora Montgomery
estará aqui pela manhã para abrir uma ocorrência.
Fiquei deitado lá, sangrando e não só por mim. Mas pela
minha mãe. Meu pai. Por Liv.
— Não se preocupe, Adam. Braden cuidará de Liv, — o
xerife Rothchild disparou ao sair.
Não. Por favor, não. Tristeza corria em minhas veias.
Tormento explodia dentro de mim. Cada osso do meu corpo latejava.
Mas não era apenas dor que queimava dentro de mim enquanto estava
deitado no chão da cadeia.
Não, era algo muito maior.
Vingança.

Continua…
Amie Knight é uma leitora desde que se lembra e uma
amante de romances desde que pôde colocar as mãos nos livros de
sua mãe. Uma esposa e uma mãe dedicada, com muito amor por
música e maquiagem, ela nunca será vista saindo de casa sem suas
sobrancelhas e os cílios feitos.
Quando não está lendo e escrevendo, você pode encontrá-la
cantando no carro com seus filhos ao som de R&B, country e outras
músicas dos anos 90.
Amie se inspira em sua infância em Columbia, Carolina do
Sul, e não consegue se imaginar morando em outro lugar que não seja
no sul.

REDES SOCIAIS
www.instagram.com/amie_knight
www.authoramieknight.com
https://www.grupoeditorialfive.com

https://www.instagram.com/editorafive

https://twitter.com/EditoraFive

Você também pode gostar