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Copyright © 2016 by Peter Brown

Publicado mediante acordo com a Little, Brown and Company, Nova York, EUA. Todos os direitos
reservados.
TÍTULO ORIGINAL
The Wild Robot
PREPARAÇÃO
Cristiane Pacanowski
REVISÃO
Milena Vargas
Juliana Werneck
ILUSTRAÇÕES DE CAPA E MIOLO
© 2016 by Peter Brown
ARTE DE CAPA
David Caplan e © 2016 Hachette Book Group, Inc.
ADAPTAÇÃO DE CAPA
ô de casa
REVISÃO DE E-BOOK
Taynée Mendes
GERAÇÃO DE E-BOOK
Intrínseca
E-ISBN
978-85-510-0194-3

Edição digital: 2017

1a edição

Todos os direitos desta edição reservados à


Editora Intrínseca Ltda.
Rua Marquês de São Vicente, 99, 3o andar
22451-041 – Gávea
Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: (21) 3206-7400
www.intrinseca.com.br
Sumário
Folha de rosto
Créditos
Mídias sociais
Dedicatória
Capítulo 1: O oceano
Capítulo 2: As lontras
Capítulo 3: A robô
Capítulo 4: A robô sai do caixote
Capítulo 5: O cemitério de robôs
Capítulo 6: A escalada
Capítulo 7: A floresta
Capítulo 8: As pinhas
Capítulo 9: A montanha
Capítulo 10: Um lembrete
Capítulo 11: A robô dorme
Capítulo 12: A tempestade
Capítulo 13: Depois da tempestade
Capítulo 14: Os ursos
Capítulo 15: A fuga
Capítulo 16: O pinheiro
Capítulo 17: O inseto camuflado
Capítulo 18: A robô camuflada
Capítulo 19: As observações
Capítulo 20: A língua dos animais
Capítulo 21: A apresentação
Capítulo 22: A nova palavra
Capítulo 23: A raposa machucada
Capítulo 24: O acidente
Capítulo 25: O ovo
Capítulo 26: A atriz
Capítulo 27: O filhote de ganso
Capítulo 28: A velha gansa
Capítulo 29: Os castores
Capítulo 30: O ninho
Capítulo 31: A primeira noite
Capítulo 32: Os veados
Capítulo 33: O jardim
Capítulo 34: A mãe
Capítulo 35: O primeiro nado
Capítulo 36: O filhote de ganso cresce
Capítulo 37: O esquilo
Capítulo 38: A nova amizade
Capítulo 39: O primeiro voo
Capítulo 40: O navio
Capítulo 41: O verão
Capítulo 42: A família estranha
Capítulo 43: O filhote sai voando
Capítulo 44: O fugitivo
Capítulo 45: Os robôs mortos
Capítulo 46: A luta
Capítulo 47: O desfile
Capítulo 48: O novo pé
Capítulo 49: O voador
Capítulo 50: O botão
Capítulo 51: O outono
Capítulo 52: O bando
Capítulo 53: A migração
Capítulo 54: O inverno
Capítulo 55: Os hóspedes
Capítulo 56: As novas tocas
Capítulo 57: O incêndio
Capítulo 58: As conversas
Capítulo 59: A primavera
Capítulo 60: O peixe
Capítulo 61: As histórias da robô
Capítulo 62: O regresso
Capítulo 63: A jornada
Capítulo 64: A robô especial
Capítulo 65: O convite
Capítulo 66: A comemoração
Capítulo 67: O raiar do dia
Capítulo 68: O resgate
Capítulo 69: O robô com defeito
Capítulo 70: Começa a caçada
Capítulo 71: O ataque na floresta
Capítulo 72: O estrondo na montanha
Capítulo 73: A perseguição
Capítulo 74: O clique
Capítulo 75: O último rifle
Capítulo 76: A robô quebrada
Capítulo 77: A reunião
Capítulo 78: O adeus
Capítulo 79: A partida
Capítulo 80: O céu
Uma nota sobre a história
Agradecimentos
Sobre o autor
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CAPÍTULO 1
O OCEANO

Nossa história começa no oceano, com vento, chuva, trovões, raios e ondas. Um
tornado rugia e soprava sua fúria na noite. E, no meio desse caos, um navio
cargueiro começou a naufragar,
descendo
descendo
descendo
até o fundo do mar.
O naufrágio deixou um monte de caixotes flutuando. Mas quando o furacão os
açoitou, eles rodopiaram e balançaram e logo também começaram a descer para as
profundezas do mar. Um após o outro, foram engolidos pelas ondas até que
sobraram apenas cinco.
Quando amanheceu, a tempestade tinha terminado. Não havia mais nuvens, nem
navio ou terra à vista. Apenas as águas tranquilas, o céu claro e aqueles cinco
caixotes, flutuando preguiçosamente ao sabor de uma corrente ocasional. Dias se
passaram. Um borrão verde apareceu no horizonte. Conforme os caixotes se
aproximavam, as formas verdes e indistintas aos poucos foram ganhando os
contornos acidentados de uma ilha deserta coberta de rochas.
O primeiro caixote foi empurrado até a praia por uma onda violenta e ruidosa e
lançado contra as rochas com tanta força que se espatifou em mil pedaços.
A propósito, leitor, o que eu ainda não mencionei é que dentro de cada caixote
havia um robô novinho, cuidadosamente embalado. O navio transportava centenas
deles quando foi engolido pela tempestade. Restaram apenas cinco. Na verdade,
apenas quatro, porque, quando aquele primeiro caixote bateu nas pedras, o robô que
estava lá dentro ficou em pedaços.
O mesmo aconteceu com o caixote seguinte, que atingiu as pedras com força, e
peças de robô voaram para todos os lados. Isso se repetiu com o terceiro caixote. E
com o quarto. Membros e torsos de robôs eram atirados contra as rochas. Uma
cabeça de robô mergulhou com tudo numa piscina natural. Um pé de robô saiu
quicando nas ondas.
Até que chegou a vez do último caixote. Lá foi ele seguindo o mesmo caminho
dos outros, mas, em vez de se chocar nas pedras, foi jogado contra o que restou dos
quatro primeiros. Não demorou para que mais ondas viessem e o atirassem para
fora da água. Ele voou, rodopiando e brilhando ao sol, até aterrissar com força no
alto de uma rocha. O caixote estava rachado e torto, mas o que havia lá dentro não
se quebrou.
CAPÍTULO 2
AS LONTRAS

A praia tinha se tornado um cemitério de robôs. Quatro corpos mecânicos se


espalhavam, destruídos, sobre as rochas, cintilando ao sol do início da manhã. E
todo aquele brilho atraiu a atenção de criaturas muito curiosas.

Um grupo de lontras brincava nas pequenas piscinas de água do mar quando uma
delas reparou nos objetos que brilhavam. Todas ficaram paralisadas. Elas ergueram
o focinho, mas só sentiram o cheiro do mar, então rastejaram com cuidado pelas
rochas para dar uma olhada.
O grupinho se aproximou devagar do torso de um robô. A maior das lontras
esticou a pata, cutucou aquela coisa pesada e na mesma hora deu um pulinho para
trás. Mas nada aconteceu. Então elas foram para mais perto de uma mão de robô.
Quando uma segunda lontra corajosa esticou a pata e virou a mão para cima, o metal
fez um gostoso ruído metálico contra a rocha. As lontras guincharam, encantadas.
Elas se espalharam e começaram a brincar com os braços, pernas e pés de robô.
Reviraram outras mãos. Quando uma das lontras encontrou uma cabeça numa das
piscinas naturais, todas as outras foram até lá e se revezaram rolando a cabeça
metálica na areia.
Então elas avistaram outra coisa: o único caixote que restara, no alto de uma
rocha acima do cemitério de robôs. Estava amassado nas laterais e com uma grande
rachadura na parte de cima. As lontras se deslocaram rapidamente pelas rochas e
subiram na caixa grandona. Dez carinhas peludas espiaram pela abertura, ansiosas
para ver o que tinha lá dentro. O que viram foi mais um robô, novinho em folha.
Mas aquele era diferente dos outros. Ainda estava inteiro, embalado em uma espuma
grossa, que o protegia.
As lontras enfiaram as patas pela abertura e começaram a rasgar a espuma. Era
tão macia e gostosa de apertar! Elas davam guinchos de alegria enquanto
arrancavam aquela coisa fofinha. Pedaços de espuma saíram voando na brisa
marinha. Então, no meio daquela animação toda, uma das patas apertou sem querer
um botãozinho importante na parte de trás.
Clique.
Levou um tempo até as lontras perceberem que estava acontecendo alguma coisa
dentro do caixote. Só instantes depois elas ouviram: um zumbido baixinho. Ficaram
paradas, prestando atenção. E a robô abriu os olhos.
CAPÍTULO 3
A ROBÔ

O cérebro computadorizado foi ligado. Os programas foram iniciados. Então, ainda


dentro do caixote, o robô, que era uma robô, automaticamente começou a falar:
— Olá. Eu sou ROZZUM, unidade 7134, mas pode me chamar de Roz.
Enquanto meus sistemas são ativados, vou lhe contar um pouco sobre mim. Após
concluída a ativação, poderei me mover, me comunicar e aprender. Basta me dar
uma tarefa e eu a executarei. Com o tempo, encontrarei maneiras mais eficientes de
realizar minhas tarefas, me tornando uma robô melhor. Quando não for necessária,
não o incomodarei e me conservarei em boas condições de funcionamento.
Obrigada pela atenção. Ativação concluída.
CAPÍTULO 4
A ROBÔ SAI DO CAIXOTE

Como você deve saber, leitor, os robôs não têm emoções de verdade. Não como os
animais. Mesmo assim, Roz sentiu algo parecido com curiosidade ali dentro do
caixote amassado. Olhava curiosa para a bola de luz quente que brilhava no alto.
Então seu cérebro computadorizado começou a funcionar, e ela identificou a fonte
de luz. Era o sol.
A robô percebeu que seu corpo estava absorvendo a energia solar. A cada
minuto, ela se sentia mais desperta. Quando sua bateria ficou completamente
carregada, Roz olhou ao redor e se deu conta de que estava em um caixote. Tentou
mexer os braços, mas estavam presos por cordas. Fez mais força. As engrenagens
em seus braços zumbiram um pouco mais alto e as cordas se romperam. Então ela
ergueu as mãos e se levantou, despedaçando o caixote. Feito um pintinho saindo do
ovo, Roz veio ao mundo.
CAPÍTULO 5
O CEMITÉRIO DE ROBÔS

As lontras tinham se escondido atrás de uma pedra, nervosas. O topo de suas


cabecinhas redondas aparecia enquanto espiavam a robô, e elas viram quando um
monstro brilhante saiu do caixote. O monstro girou a cabeça devagar, observando o
litoral. A cabeça continuou girando, dando a volta completa, e só parou quando o
monstro avistou as lontras.
— Olá, lontras. Meu nome é Roz.
A voz dela foi simplesmente a gota d’água para aquelas criaturas assustadas. A
maior das lontras guinchou, e de repente todas foram embora. Saíram em disparada
pelo cemitério de robôs, afundaram no mar e atravessaram as ondas o mais rápido
que conseguiram.
Roz ficou observando as lontras sumirem de vista, mas seu olhar se fixou nos
inúmeros objetos brilhantes espalhados pela praia. Eram estranhamente familiares.
Ela esticou a perna esquerda para a frente, depois esticou a direita e, simples assim,
começou a dar seus primeiros passos. Saiu pisando duro para longe do caixote,
passou pelas rochas e pelo cemitério, até que se viu diante do corpo despedaçado de
um robô. Inclinando-se um pouco, viu a palavra ROZZUM gravada de leve no
metal. Só então notou que o mesmo termo estava escrito nos outros, inclusive em si
própria.
Roz continuou a examinar o cemitério, mas logo se afastou quando uma ondinha
brincalhona se jogou sobre as rochas. Então veio uma segunda onda, dessa vez
maior, e ela se afastou mais um pouco. Em seguida, uma onda gigante se chocou
contra as pedras e engoliu todo o cemitério de robôs.
A água atingiu Roz com força e a derrubou no chão. Seus Sensores de Danos
foram ativados pela primeira vez. Num instante a onda se foi, deixando Roz ali,
molhada e amassada, cercada de carcaças de robôs.
Roz sentiu que seus Instintos de Sobrevivência se ativaram — a parte de seu
cérebro computadorizado que a fazia evitar o perigo e se proteger, para continuar
funcionando bem. Seus instintos mandavam alertas para que se afastasse do mar.
Ela se levantou com cuidado e viu que lá em cima, avançando para o interior da
ilha, a terra era cheia de árvores, mato e flores.
Parecia bonito e seguro lá no alto. Parecia um lugar muito melhor para nossa
robô. Só havia um problema: para chegar lá, ela teria que escalar os penhascos à
beira do mar.
CAPÍTULO 6
A ESCALADA

Crac!
Tum!
Deng!
Roz estava com um pouco de dificuldade para escalar o penhasco. Tinha
arranjado um novo amassado nas costas e um arranhão comprido na lateral do
corpo. E estava prestes a danificar mais uma peça quando um caranguejo saiu de sob
um tronco de árvore caído.
Assim que viu a robô, o caranguejo mostrou suas pinças gigantes. Todos os
animais tinham medo das pinças dele. Mas não Roz. Ela simplesmente olhou para o
bichinho e se apresentou:
— Olá, caranguejo. Meu nome é Roz.
Os dois se encararam por alguns segundos, e o animal recuou. Foi então que Roz
percebeu como ele andava com facilidade pelas rochas. Com seu corpo achatado e
suas garras firmes, o caranguejo conseguia subir e descer qualquer superfície. Roz
decidiu experimentar a técnica. Esticou bem os braços e se segurou em dois pontos
do penhasco. Depois, encaixou um pé numa reentrância e levantou o outro até um
peitoril estreito. E assim, de repente, estava escalando.
Começou desajeitada. Um pedaço de rocha se soltou em sua mão, e ela demorava
a encontrar pontos onde apoiar os pés, mas aos poucos foi pegando o jeito e subindo.
As gaivotas grasnavam em ninhos e saíam voando quando a robô se aproximava.
Mas Roz nem ligava para elas. Estava concentrada. Foi subindo, subindo e subindo,
escalando daquele jeito metódico, passando por ninhos e saliências rochosas e
árvores minúsculas nascidas nas fendas, e não demorou para nossa robô sentir o solo
macio da ilha sob seus pés.
CAPÍTULO 7
A FLORESTA

Barulhos de animais ressoavam por toda a floresta. Chiados, bater de asas e


farfalhares ecoavam pela vegetação. Então, da direção dos penhascos, veio um novo
som. Passos pesados. Os animais ficaram em silêncio e se esconderam para ver o
monstro reluzente que passava pisando forte.
Mas a floresta não era um lugar agradável para Roz. Era difícil caminhar por ali,
com as pedras irregulares, as árvores tombadas e os emaranhados de plantas. Ela
avançava aos tropeços, sem muito equilíbrio, até que prendeu o pé em alguma coisa
e caiu feito um tronco de árvore. A queda não foi nada de mais, não lhe rendeu
marcas nem amassados, apenas sujeira. Mas Roz tinha sido programada para se
manter em boas condições de funcionamento, por isso, assim que se levantou, já
começou a se limpar. Suas mãos percorriam o corpo rapidamente, removendo a
sujeira, até a menor delas. Só quando se viu brilhando de novo é que voltou a andar
pela floresta.
A robô então seguiu em frente, ainda aos tropeços, até chegar a uma área plana,
aberta e cheia de agulhas de pinheiro. Parecia um lugar seguro, e segurança era o
que Roz mais queria, então ela ficou ali, imóvel, suas linhas e seus ângulos perfeitos
contrastando com as formas irregulares da floresta.
CAPÍTULO 8
AS PINHAS

Se você ficar parado numa floresta por um tempo, uma hora ou outra alguma coisa
vai acabar caindo em você. E Roz estava parada na floresta fazia um bom tempo.
Uma brisa suave soprou através das árvores e então — ploft! — uma pinha quicou
na cabeça da robô. Ela olhou para baixo e ficou vendo a pinha rolar até parar.
Parecia inofensiva, então Roz voltou a ficar imóvel, sem fazer nada.

Algumas horas depois, um vento balançou os galhos das árvores e… ploft! Roz
olhou para baixo e viu outra pinha rolando.
Então se passaram mais algumas horas, e um vento forte uivou, sacudindo os
galhos das árvores. Os troncos se curvaram, e… ploft ploft ploft! Começou a chover
pinhas. Ploft ploft! Roz sentiu algo que parecia irritação. Ploft! Ela examinou a área
rapidamente, procurando algum lugar onde pudesse se proteger das pinhas. E lá
estava o local perfeito: uma grande formação rochosa que se erguia acima da
floresta.
CAPÍTULO 9
A MONTANHA

Roz subia a montanha com passos pesados. A floresta densa e as pedras a forçavam
a andar em zigue-zague e às vezes recuar, mas, depois de uma hora escalando, ela
chegou ao topo.
Ali no alto, cada pedacinho de terra era coberto de grama, flores e arbustos. Mas
não havia árvores. Roz estava livre daquelas pinhas irritantes. Depois que limpou a
poeira, ela escalou com cuidado uma rocha inclinada, até o ponto mais alto da
montanha.
A robô girou a cabeça devagar, dando a volta completa. Viu o mar se estendendo
até o horizonte em todas as direções. E, naquele instante, Roz entendeu o que você e
eu já sabemos desde o início desta história. Naquele momento, Roz finalmente se
deu conta de que estava numa ilha.
Ela olhou para baixo e inspecionou aquela porção de terra cercada de água por
todos os lados. Começando pela área arenosa mais ao sul, a ilha se tornava mais
larga, mais verde e mais montanhosa até culminar no cone rochoso da montanha.
Em alguns locais a montanha descia, formando penhascos íngremes. Uma cachoeira
brotava de um desses penhascos, e as águas iam dar em um rio que serpenteava por
uma grande campina bem no centro da ilha. O rio corria entre flores silvestres,
lagoas e pedregulhos, até desaparecer no meio da floresta.
De repente, formas borradas invadiram o campo de visão de Roz. Ela ajustou o
foco dos olhos e avistou urubus voando em círculos lá embaixo. Viu lagartos se
aquecendo sobre uma pedra longe dali. Um esquilo espreitou de uma moita cheia de
frutinhas. Um alce atravessava um riacho. Um bando de pardais voava em perfeita
harmonia acima da floresta. A ilha fervilhava de vida. E agora abrigava um novo
tipo de vida. Um tipo estranho. Vida artificial.
CAPÍTULO 10
UM LEMBRETE

Devo lembrar a você, leitor, que Roz não fazia ideia de como tinha ido parar
naquela ilha. Ela não sabia que tinha sido montada numa fábrica, guardada num
depósito dentro de um caixote e, depois, atravessado o oceano num navio. Não sabia
que um furacão afundara o navio e que tinha passado dias dentro do caixote, boiando
até finalmente chegar àquele pedaço de terra no meio do oceano. Não sabia que as
lontras, curiosas, a haviam ligado sem querer. Enquanto observava a paisagem, Roz
nem chegou a pensar que não pertencia àquele lugar. Pelo que sabia, estava em casa.
CAPÍTULO 11
A ROBÔ DORME

Dali do alto, Roz viu o sol se pôr no mar. Viu sombras se estenderem lentamente
pela ilha e subirem a montanha. Viu as estrelas surgirem, uma a uma, até que fossem
um milhão de pontinhos brilhantes no céu. Era a primeira noite da vida da robô.
Ela ativou seus faróis. Feixes luminosos saíram de seus olhos e iluminaram o
topo da montanha. Eram fortes demais, por isso ela reduziu a intensidade. Por fim,
desligou as luzes e ficou ali sentada na escuridão, ouvindo o coro noturno dos
animais e seus barulhos.
Depois de um tempo, o cérebro computadorizado da nossa robô decidiu que era
um bom momento para poupar energia. Roz então se sentou com as mãos apoiadas
na rocha. Desligou os programas secundários, e podemos dizer que a robô dormiu,
à sua maneira.
CAPÍTULO 12
A TEMPESTADE

Roz se sentia segura no alto da montanha, tanto que passou vários dias ali. Mas isso
mudou na tarde em que uma nuvem baixa se aproximou e tudo ao redor de nossa
robô ficou branco. Quando voltou a enxergar a paisagem, reparou que havia mais
nuvens como aquela ao sul da ilha. Então ouviu um estrondo em algum lugar atrás
de si. Roz se virou e viu que um paredão de nuvens escuras rodopiava no céu.
Clarões faziam o céu tremular subitamente aqui e ali. O mesmo barulho
ensurdecedor se repetiu algumas vezes.
Uma tempestade estava se aproximando, e não era uma tempestade qualquer. Era
tão violenta quanto a que tinha feito o navio afundar.
O vento ganhou força, e as primeiras gotas atingiram a robô. Ela precisava sair
dali. Roz soltou as mãos e começou a descer deslizando. Saíam faíscas quando seu
corpo batia na rocha inclinada. Assim que seus pés tocaram o solo da floresta, ela
saiu correndo.
Os pingos de chuva caíam mais grossos.
O vento soprava mais forte.
Os relâmpagos brilhavam com mais intensidade.
O estrondo do trovão ficou mais alto.
A chuva era tanta que começou a formar rios por toda parte. Roz deslizou
montanha abaixo, procurando qualquer lugar que pudesse servir de abrigo. Mas
deveria ter prestado mais atenção ao caminho. Por causa dos pés pesados, ela
escorregou e tropeçou, e caiu bem no meio de uma avalanche de lama.
Nossa robô estava indefesa. O rio de lama a carregou encosta abaixo, e Roz foi
se arranhando nas pedras e se ralando nos arbustos, bem na direção de um penhasco!
A lama descia com a força de uma cachoeira! Roz tentou desesperadamente se
segurar no solo, agarrando qualquer coisa que via pelo caminho, mas a avalanche
continuava a carregá-la, cada vez mais rápido. Quando estava prestes a ser
arremessada da beirada do penhasco, ela fez uma parada súbita e violenta.
Ondas de lama passavam em volta dela, atingindo seu rosto e mantendo-a presa
contra alguma coisa sólida. Roz tateou às cegas e reconheceu as raízes grossas e o
tronco de um pinheiro. Em seguida, começou a subir nos galhos. O vento açoitava a
montanha, e Roz ouvia o ploft! familiar das pinhas atingindo seu corpo. Mas dessa
vez não se importou, pois estava feliz em ter se salvado da lama. Com os braços e as
pernas agarrados à árvore, ela esperou a tempestade passar.
CAPÍTULO 13
DEPOIS DA TEMPESTADE

O dia raiou e a tempestade passou, mas ainda assim era possível escutar barulhos de
água por toda parte. Dava para ouvir a água escorrendo pela montanha e o
murmúrio dos riachos inundados. Então veio um som muito diferente: o ruído
metálico de quando um robô escorrega numa pedra úmida. Naquela manhã, esse
barulho foi ouvido várias vezes.
Enquanto descia a montanha, Roz avaliava os estragos provocados pela
tempestade. Gigantescos montes de lama e destroços haviam se formado abaixo dos
penhascos. O rio que cortava o centro da ilha tinha transbordado e inundado campos
e florestas próximos. Algumas árvores foram arrancadas e outras estavam
submersas, os galhos mais altos mal despontando acima da água, os mais baixos
cercados de peixes em vez de pássaros.
Depois de uma tempestade como aquela, era de se esperar que houvesse corpos
de animais espalhados pelo cenário de devastação. Mas eles pareciam ter
sobrevivido sem muitos problemas. De alguma forma, os bichos sabiam quando a
tempestade se aproximava e tinham encontrado abrigo a tempo. Os que viviam nas
terras mais baixas e haviam buscado refúgio em locais mais altos esperavam
pacientemente que a água baixasse. Veados pastavam pelos campos alagados.
Castores recolhiam um punhado de galhos caídos. Gansos grasnavam no céu antes
de aterrissar em uma área inundada da floresta.
Ficou claro que os animais eram especialistas em sobrevivência.
Ficou claro que a robô não era.
Ela estava coberta de lama e detritos, então fez novamente uma boa limpeza em
si mesma, mas isso serviu apenas para revelar seus novos amassados e arranhões.
Estavam se multiplicando. Roz mal lembrava a robô perfeita que aparecera na praia
uma semana antes.
A natureza estava sendo dura com a pobre Roz. Por isso, ela sentiu uma coisa
parecida com alívio quando avistou o buraco na lateral da montanha. Parecia um
lugar seguro para um robô. Caminhou pela encosta até chegar à caverna, mas não
parou para pensar no que poderia estar escondido lá dentro.
CAPÍTULO 14
OS URSOS

Roz entrou na caverna. E saiu um segundo depois.


— Por favor, fiquem longe de mim! — gritou para os dois ursos que agora
corriam atrás dela.
Sabe, quando Roz entrou na caverna, sem querer acordou dois irmãos ursos que
tiravam uma soneca matinal, e incomodar o sono dos ursos nunca é uma boa ideia.
Para piorar, os ursos têm um instinto que os faz atacar quando uma criatura sai
correndo, ainda mais se a criatura em questão for um misterioso monstro que brilha.
Por isso, quando viram Roz sair correndo da caverna, não tiveram escolha. Eles
simplesmente precisavam ir atrás dela.
Roz tentou ser mais rápida que os ursos. Saltou rochas, fez ziguezague entre as
árvores e desceu a montanha a toda velocidade. Mas os ursos eram jovens, fortes e
velozes, e Roz ainda tinha muito a aprender sobre se movimentar na floresta. Ela
nem viu a raiz da árvore. Em um momento estava correndo, e no instante seguinte
voou pelos ares e caiu de um tronco apodrecido. Havia pedaços de madeira macia
presos nas laterais de seu corpo quando ela ficou de pé e encarou seus algozes.
Você não ficaria com medo se estivesse sendo perseguido por dois ursos? É claro
que ficaria! Todo mundo ficaria! Até mesmo a robô sentiu algo parecido com medo.
Roz tinha sido programada para cuidar de si mesma. Para se manter viva. E quando
viu aqueles animais enormes vindo em sua direção, ela soube que sua vida corria
sério perigo.
Os ursos se lançaram sobre Roz, jogando-a contra o tronco de uma árvore. Um
deles se atirou sobre suas pernas, e o outro começou a arranhar seu peito. Se ela ao
menos tivesse erguido os punhos e sacudido as pernas, poderia ter se salvado. Um
bom golpe no nariz teria feito os ursos saírem correndo. Mas sua programação não
permitia ser violenta. Ficou claro que Roz não tinha sido projetada para lutar com
ursos.
Mandíbulas poderosas morderam seus braços. Garras afiadas arranharam seu
rosto. Uma cabeça enorme bateu com força em seu peito.
— Por favor, fiquem longe de mim! — suplicou a robô.
— Roarrrr! — disse a irmã urso.
— Grrrrrr! — fez o irmão urso.
Então os dois se prepararam para abater sua presa.
Mas a robô desaparecera.
CAPÍTULO 15
A FUGA

Usando toda a força que tinha nas pernas, Roz deu um pulo bem alto e pousou em
um galho acima dos ursos. A árvore se sacudiu, e então — ploft ploft! — duas
pinhas atingiram Roz, e logo depois — ploft ploft! — as mesmas pinhas bateram nos
ursos lá embaixo. Os ursos rugiram, irritados. Isso fez Roz ter uma ideia.
Sua programação não a deixava ser violenta, mas nada a impedia de ser irritante.
Então Roz começou a arrancar pinhas dos galhos próximos e atirá-las nos ursos.
Ploft! Ploft! Ploft! Ploft!
Cada uma das pinhas atingia seu alvo com precisão, deixando os ursos muito
nervosos.
— Roarrrr! — rosnou a irmã urso.
— Grrrrrr! — grunhiu o irmão urso.
— Ursos, eu não entendo vocês — disse Roz.
Ela estava prestes a arremessar uma porção de pinhas irritantes sobre eles
quando um rugido distante ecoou pela floresta. Da caverna, a mãe ursa estava
chamando seus dois filhotes, e não parecia nada contente. Os dois jovens ursos se
entreolharam. Sabiam que estavam encrencados. Mas, antes de voltar para casa,
olharam feio para Roz e grunhiram uma última vez. O que eles mais queriam era
matar aquela robô.
CAPÍTULO 16
O PINHEIRO

Roz não tinha pressa nenhuma de sair da árvore. Continuou sentada no galho por
muito tempo depois que os ursos foram embora, aproveitando um pouco de paz e
avaliando os danos.
Além das marcas de mordida e dos arranhões, ela também estava coberta de
sujeira, o que, é claro, significava que era hora de outra limpeza. Já estava bastante
limpa quando sentiu algo grudento em um dos braços. O problema de ficar sentado
nos galhos de um pinheiro é que em algum momento a resina da árvore encontra
você. Sempre encontra. E encontrou Roz. A robô esfregou o local e tentou arrancar
aquela coisa pegajosa, mas seus dedos logo ficaram completamente melados. Em
pouco tempo a resina cobria seus braços, suas pernas e seu torso. E a situação estava
prestes a ficar ainda mais caótica.

Um pássaro pousou na árvore e começou a piar e a agitar as asas em torno de


Roz. Ele tinha acabado de fazer um novo ninho. Era uma pequena obra de arte, uma
delicada cesta entrelaçada de grama, gravetos e penas, e estava bem acima da cabeça
da robô.
— Tuíííí! Tuíííí! — gritou o pássaro.
— Pássaro, eu não entendo você — retrucou a robô.
O pássaro continuou a piar e a bater as asas, e então...cataploft: suas fezes caíram
bem na cara de Roz. Ele não estava para brincadeiras. A robô começou a se afastar,
indo em direção à ponta do galho, até que ouviu um estalido rápido e seco. Antes que
se desse conta do que estava acontecendo, o galho se partiu sob seu peso e ela caiu
no chão da floresta. Roz se estatelou com força no solo e continuou ali caída
enquanto uma chuva de galhos quebrados, pinhas e agulhas de pinheiro a atingia.
Ouviu outro cataploft. E a floresta voltou a ficar em silêncio.
CAPÍTULO 17
O INSETO CAMUFLADO

A situação de Roz não estava lá muito boa. Ela estava caída embaixo da árvore,
coberta por um monte de galhos partidos, pinhas e agulhas de pinheiro. Ainda não
tinha removido do corpo a resina grudenta. Nem o cocô de passarinho, que viera
depois. Já ia se levantar e começar uma boa limpeza quando avistou um graveto
diferente, que se movia. Estava se esgueirando por um dos galhos partidos no chão.
Com suavidade, a robô pegou o graveto.

— Oi, bicho-pau, meu nome é Roz. Você se camufla muito bem.


O corpo do bicho-pau era comprido e fino. Tinha o mesmo formato, as mesmas
cores e as mesmas marcas de um graveto de verdade. Mas quem olhasse mais de
perto veria dois olhos pequeninos e duas antenas bem fininhas. O inseto não fez
nenhum som e ficou completamente imóvel. Imóvel como a robô. Os dois ficaram
parados olhando um para o outro em silêncio por um bom tempo.
— Obrigada, bicho-pau — disse Roz ao colocá-lo de volta onde o tinha
encontrado. — Você me ensinou uma lição importante. Agora entendo como a
camuflagem ajuda você a sobreviver. Talvez me ajude a sobreviver também.
CAPÍTULO 18
a ROBÔ CAMUFLADa

Como você sabe, leitor, Roz gostava de se manter sempre o mais limpa possível.
Mas seu desejo de se manter viva era mais forte do que o de se manter limpa, por
isso nossa robô decidiu que era hora de se sujar. Roz ia se camuflar.
Ela tivera essa ideia ao observar o bicho-pau, mas logo se deu conta de que não
poderia se camuflar como graveto. Não: teria que se misturar à paisagem. Começou
esfregando lama de cima a baixo. Então arrancou grama e ervas daninhas do chão e
enterrou as raízes na lama que agora cobria todo o seu corpo. Colocou flores
coloridas em volta do rosto para disfarçar os olhos brilhantes, e todas as partes que
ainda estavam à mostra foram cobertas com folhas de árvores e pedaços de musgo.
Roz agora parecia um enorme tufo de plantas andando pela floresta. Ela esperou
escurecer e foi até o centro da clareira, onde se aninhou entre algumas pedras e se
tornou parte da paisagem.
Algumas horas depois, o céu começou a clarear, a névoa foi se dissipando, os
animais noturnos voltaram para casa e os animais diurnos começaram a despertar.
Era apenas mais uma manhã como todas as outras na ilha. No entanto, havia aquele
novo tufo de plantas numa das clareiras da floresta. Apenas as abelhas tinham
reparado. Elas zumbiam ao redor, sem saber que era a robô disfarçada. Roz ficou
ali, bem à vista e ao mesmo tempo completamente invisível, observando a natureza.
Ela viu as flores se virarem lentamente para o sol.
Ouviu roedores se esgueirando pela vegetação rasteira.
Sentiu o ar úmido e com aroma de pinheiro.
Sentiu minhocas se contorcendo junto de seu corpo enlameado.
Uma semana depois, o tufo de plantas havia sumido, mas surgiu um novo
montinho de algas marinhas na praia. Mais uma semana se passou, e o montinho de
algas marinhas também sumiu, porém apareceu um novo arbusto na montanha.
Então surgiu um novo tronco na margem do rio. E uma nova pedra na floresta.
CAPÍTULO 19
AS OBSERVAÇÕES

Nuvens deslizavam pelo céu.


Aranhas teciam teias elaboradas.
Frutas silvestres atraíam bocas famintas.
Raposas perseguiam lebres.
Cogumelos brotavam de folhas em decomposição.
Tartarugas mergulhavam nos lagos.
O musgo se espalhava pelas raízes das árvores.
Urubus sobrevoavam carcaças.
Ondas quebravam na praia.
Girinos se tornavam sapos, lagartas viravam borboletas.
Uma robô camuflada observava tudo isso.
CAPÍTULO 20
A LÍNGUA DOS ANIMAIS

Começou com os pássaros. Eles sempre ficavam meio assustados quando a robô se
aproximava. Eles a encaravam, piavam e se dispersavam. Mas, agora que estava
camuflada, Roz podia observar secretamente seu comportamento normal, bem de
pertinho.
Ela notou chapins voando ao redor das mesmas flores e do mesmo jeito todas as
manhãs. Observou uma cotovia que pousava na mesma pedra e entoava o mesmo
canto todas as tardes. Viu o mesmo casal de gralhas cantando um para o outro pela
mesma campina todo fim de tarde. Depois de semanas examinando roboticamente
os passarinhos, Roz sabia o que cada um ia cantar, quando eles iam cantar e, por
fim, por que cantavam. A robô estava começando a entender os pássaros.

E também começava a entender os porcos-espinhos, as salamandras e os


besouros. Ela descobriu que os mais diversos animais tinham uma língua em
comum, apenas a expressavam de formas diferentes. Podia dizer que cada espécie se
manifestava com seu sotaque único.
Quando Roz ouviu os chapins pela primeira vez, o canto deles soou como “Tuí-
tuííí! Tuí-tuííííí!”. Mas, agora, Roz ouvia: “Ah, que dia lindo! Ah, que dia lindo!”
Os veados falavam principalmente com o corpo. Com um simples virar de
cabeça, uma corça podia dizer a sua família: “Vamos procurar trevos na margem do
rio.”
As cobras sibilavam coisas como: “Sssssei que tem um rato ssssaboroso
esssscondido por aqui.”
As abelhas falavam pouco. Usavam as asas para zumbir poucas e simples
palavras, como néctar, sol e colmeia.
Os sapos passavam grande parte do tempo procurando uns aos outros. Um deles
coaxava: “Cadê vocês? Não estou vendo!” E outro respondia: “Aqui! Siga a minha
voz!”
Na primeira vez que Roz percorreu a ilha, os grasnidos, rugidos e gorjeios dos
animais soavam como nada além de barulhos sem sentido. Mas ela não ouvia mais
ruídos. Agora ela ouvia palavras.
CAPÍTULO 21
A APRESENTAÇÃO

Havia uma hora todos os dias, à luz suave do amanhecer, em que todos os animais da
ilha estavam seguros. Sabe, muito tempo antes eles tinham concordado em não caçar
nem ferir uns aos outros naquele período do dia. Eles o chamavam de Trégua do
Amanhecer. Quase todas as manhãs, os habitantes da ilha se reuniam na Grande
Campina e passavam aquela hora conversando com amigos. É claro que nem todos
iam a esses encontros. Os ursos nunca deram as caras. E os urubus apenas voavam
em círculos lá no alto. Mas, naquela manhã específica, um grupo
extraordinariamente grande de animais foi até lá para discutir uma notícia
importante.
— Acomodem-se, todos! Tenho uma coisa importante a dizer! — piou
Rapinoso, a coruja, para a multidão, empoleirada no galho mais baixo de uma
árvore morta. — Ontem à noite vi uma criatura misteriosa bem aqui na Grande
Campina. Parecia coberta de grama, por isso não consegui ver direito, mas acho que
era um monstro.
Olhares preocupados surgiram na multidão.
— O que o monstro estava fazendo? — perguntou Flecha, a doninha.
— Estava falando — respondeu Rapinoso. — Ficava repetindo as mesmas
palavras sem parar. Mas a cada vez soava um pouco diferente. Primeiro parecia um
grilo, depois um guaxinim, e depois, uma coruja!
— O que a criatura estava dizendo? — perguntou Escavadora, a marmota.
— Posso estar enganada — disse a coruja —, mas acho que ela disse: “Olá, meu
nome é Roz.”
A multidão começou a tagarelar.
— Onde exatamente estava essa criatura? — perguntou Astuta, a raposa.
Todos se viraram quando a coruja apontou com a asa lentamente para um
montinho coberto de grama no meio da campina. Era um montinho de aparência
bem comum. Até que começou a se mover.
Como você já deve ter adivinhado, o montinho de grama era, na verdade, Roz.
Ela estivera lá o tempo todo, camuflada, vendo, ouvindo, e, quando todos os animais
olharam para ela, a robô resolveu se apresentar. A multidão observou, incrédula,
quando o montinho coberto de grama começou a se sacudir, se ergueu e se desfez
em pedaços... E lá estava a robô! Então, usando seu corpo e sua voz, Roz falou com
os animais na própria língua deles.
— Olá, meu nome é Roz.
Todos ficaram boquiabertos.
Rapinoso começou a bater as asas e guinchou:
— É o monstro!
— Não sou um monstro — explicou Roz. — Sou um robô.
Um grupo de pardais saiu voando de repente.
— Deixe-nos em paz! — gritou Flecha enquanto se agachava na grama. —
Volte para o lugar horrível de onde você veio!
— Eu sou daqui — retrucou Roz. — Passei a vida toda nesta ilha.
— Por que não falou conosco antes? — indagou a coruja, com um guincho, de
um ponto mais alto na árvore.
— É que eu não conhecia a língua dos animais — respondeu a robô.
Pontudo, o veado, já tinha ouvido o bastante e adentrou a floresta com sua
família.
— O que você quer da gente? — grunhiu Astuta.
— Observei que diferentes animais sobrevivem de maneiras distintas —
respondeu a robô. — Gostaria que cada um de vocês me ensinasse suas técnicas de
sobrevivência.
— Não vou ajudá-la! — piou alto a coruja, do topo da árvore. — Você é tão…
anormal!
— O monstro só está esperando para nos devorar! — gritou Escavadora,
desaparecendo em um buraco.
— Não vou devorar ninguém — disse Roz. — Eu não preciso de comida.
— Ué, não precisa de comida? — Astuta relaxou um pouco. — Bem, eu preciso.
E muito. Por que não faz alguma coisa útil e encontra algo para eu comer?
— O que você gostaria que eu fizesse? — perguntou Roz.
— Você sabe caçar? — A raposa sorriu, olhando para uma lebre no outro lado
da campina. — Está quase na hora do café da manhã.
— Não sei caçar. Mas posso colher frutas.
O sorriso da raposa desapareceu.
— Frutas? Eu me alimento de carne, não de frutas! Boa sorte para você, Roz.
Vai precisar!
E a raposa saiu trotando.
Roz olhou para o topo da árvore, mas a coruja se fora. E quando olhou para
baixo outra vez, todos os outros animais também tinham ido embora.
CAPÍTULO 22
A NOVA PALAVRA

Uma nova palavra circulava pela ilha. A palavra era Roz. Todos falavam sobre a
robô. E todos queriam evitá-la.

— Acho que nunca vou me sentir à vontade enquanto souber que a Roz
está por aí.
— Espero que a Roz se camufle de pedra. Para sempre.
— Shhh! Lá vem a Roz! Vamos dar o fora!
Roz perambulava pela ilha coberta de lama e de coisas verdes que cresciam em
seu corpo, e aonde fosse, ouvia palavras hostis. Essas palavras teriam deixado
qualquer criatura bastante chateada, mas, como você sabe, os robôs não têm
emoções, e, naquela situação, provavelmente era melhor assim.
CAPÍTULO 23
A RAPOSA MACHUCADA

— Meu rosto! Meu lindo rosto! Alguém me ajude! — Astuta, a raposa, estava
deitada sobre uma tora de madeira, uivando de dor, com o rosto cheio de espinhos
longos e pontiagudos, quando Roz apareceu. — Não tem mais ninguém que possa
me ajudar?
— Quer que eu vá embora? — perguntou a robô.
— Não! Por favor, não vá! — pediu Astuta. — Eu aceito qualquer ajuda.
— O que aconteceu?
— Eu achei que o porco-espinho não estava me vendo nos arbustos, então me
lancei no pescoço dele, mas de repente todo o meu rosto ficou coberto de espinhos!
— Por que se lançou no pescoço dele?
— Por que você acha que fiz isso? Porque eu estava com fome!

— Se você não tivesse atacado o porco-espinho, não estaria com o rosto cheio de
espinhos.
— Sim, Roz, eu sei disso. Mas nós, raposas, precisamos comer! Eu só não
esperava que ele fosse reagir. Veja! Tem espinhos até nas minhas patas! Não
consigo andar! Meu rosto está dormente! Posso morrer se você não me ajudar!
— O que quer que eu faça? — perguntou a robô.
— Quero que arranque os espinhos!
Roz se ajoelhou calmamente ao lado de Astuta.
— Vou arrancar.
A robô começou a puxar um dos espinhos, mas ele se partiu em seus dedos. A
raposa uivou de dor e disse:
— Puxe mais perto da pele!
Roz puxou o espinho partido mais perto da pele e, lentamente, o arrancou. A
raposa gemeu de dor e disse, com os dentes cerrados:
— Por favor, Roz, arranque mais rápido. Isso é uma tortura!
A robô arrancou rapidamente outro espinho. Então outro, e outro. A raposa ficou
completamente imóvel, com os olhos bem fechados, o ar saindo com um sibilo por
suas narinas, até que todos os espinhos tivessem sido arrancados e dispostos em uma
pilha ao seu lado.
Astuta se levantou com dificuldade.
— Obrigada, Roz. Eu… eu fico te devendo essa.
A raposa deu um breve sorriso e foi embora mancando.
CAPÍTULO 24
O ACIDENTE

Enquanto perambulava em plena primavera, Roz observou todas as diferentes


maneiras em que os animais vinham ao mundo. Viu aves protegendo seus ovos como
se fossem tesouros até que os filhotes finalmente rompessem a casca. Viu corças
darem à luz filhotes que ficavam de pé e começavam a correr em questão de
minutos. Muitos recém-nascidos eram recebidos por suas famílias amorosas. Alguns
ficavam por conta própria desde o primeiro sopro de vida. E, como você vai
descobrir em breve, alguns filhotes de ganso não teriam sequer a chance de sair do
ovo.
Roz estava descendo um dos penhascos da ilha quando aconteceu o acidente. O
vento começou a soprar do norte e de repente nuvens avançavam sobre a ilha. As
nuvens trouxeram uma chuva de primavera. Um aguaceiro, na verdade. E lá estava
nossa robô, agarrando-se a um bloco de pedra molhado na encosta do penhasco. Mas
o bloco não suportou o peso. E, enquanto a robô estava pendurada nele, rachaduras
se formaram de repente na superfície do bloco, que começou a se partir. Roz
despencou do penhasco, caindo na copa das árvores. Bateu em um galho após o
outro até finalmente conseguir enganchar o braço em um deles. Então ficou
pendurada ali, balançando suavemente enquanto pedras passavam ao seu redor,
caindo com estrondo no chão da floresta.
Quando a poeira baixou, Roz desceu oscilando pelo tronco da árvore. O chão
estava coberto de fragmentos de rocha, lascas de madeira e arbustos esmagados. E
no meio de todos aqueles destroços ela avistou um ninho de ganso que ficara em
pedaços. Havia dois gansos mortos e quatro ovos quebrados. Roz fitou aquela cena
com um brilho suave nos olhos, e houve um clique bem lá no fundo de seu cérebro
computadorizado. Ela se deu conta de que tinha causado a morte de uma família
inteira de gansos.
CAPÍTULO 25
O OVO

Enquanto Roz estava de pé, na chuva, olhando para aqueles pobres gansos sem vida,
seus ouvidos sensíveis detectaram um fraco grasnado perto dali. Ela seguiu o som
até um amontoado de folhas molhadas no chão. E quando afastou as folhas, achou
um único ovo de ganso, perfeito, afundado na lama.
— Mamãe! Mamãe! — grasnou uma vozinha abafada dentro do ovo.
Roz aninhou na mão cuidadosamente aquela coisinha frágil. Sem a família, o
filhote de ganso dentro do ovo com certeza ia morrer. Ela sabia que alguns animais
precisavam morrer para que outros vivessem. Era assim que as coisas funcionavam
na natureza. Mas ela ia deixar que o acidente que provocara causasse a morte de
mais um filhote?
A robô começou a andar. Segurando o ovo com cuidado, atravessou a floresta,
afastando-se daquela cena triste. Mas não tinha ido longe quando Astuta pulou do
meio dos arbustos.
— O que aconteceu? — perguntou a raposa, ofegante. — A floresta inteira
tremeu!
— Houve um acidente — respondeu Roz. — Eu estava escalando aqueles
penhascos quando as rochas começaram a despencar.
— Você precisa tomar mais cuidado — disse Astuta, enquanto examinava os
novos arranhões e amassados no corpo da robô. — Vou precisar da sua ajuda de
novo se um dia tiver mais problemas com porcos-espinhos!
— Vou prestar mais atenção.
— O que você tem aí? — perguntou a raposa, olhando para as mãos de Roz.
— Um ovo de ganso.
— Ah! Eu adoro ovos! Posso comê-lo?
— Não.
— Por favor!
— Não.
— Por que você quer o ovo? — questionou a raposa, de cara feia. — Achei que
não precisasse de comida.
— Você não pode ficar com este ovo, Astuta.
A raposa suspirou. Coçou o queixo. E, em seguida, começou a farejar a brisa.
Seu focinho sentiu o cheiro dos gansos mortos.
— Pode ficar com seu ovo! — exclamou enquanto corria em direção aos
penhascos. — Estou farejando algo melhor!
Roz continuou caminhando por um bom tempo pela floresta tomada pela névoa,
até chegar a um carvalho. Posicionou o ovo em cima de uma camada de musgo,
pegou grama e gravetos do chão e os entrelaçou delicadamente até formar um
pequeno ninho. Pôs o ovo dentro do ninho, colocou o ninho em seu ombro plano e
começou a escalar os galhos.
CAPÍTULO 26
A ATRIZ

No alto do carvalho, o ovo de ganso grasnava e balançava dentro do ninho.


— Mamãe! Mamãe! — chamava a voz, de dentro do ovo.
— Eu não sou sua mãe — retrucou a robô.
Os grasnados e o vaivém continuaram até o anoitecer, quando o filhote lá dentro
se acomodou para dormir e o ovo ficou silencioso e imóvel.
Roz estava prestes a se acomodar para repousar à sua maneira quando ouviu algo
na vegetação rasteira. Espiou por entre os galhos e viu as plantas farfalhando ao
luar. Alguma criatura passava rastejando. Mas a criatura se mantinha abaixada,
escondida nas mais profundas sombras, e a robô não conseguia ver o que era. Roz
não era a única à espreita. Um par de orelhas peludas surgiu de trás de um tronco
caído. Eram as orelhas de um texugo faminto. Ele estava à espera enquanto a
criatura sombria se aproximava mais e mais, e, quando chegou a hora, o texugo deu
o bote.
Era de se esperar que um animal sendo atacado fugisse para tentar se salvar, ou
se defender, ou no mínimo gritar. Mas quando o texugo deu o bote, a criatura apenas
rolou de barriga para cima, colocou a língua para fora e morreu. Ela não só estava
morta, como também estava podre, e o rosto do texugo se contorceu de nojo.
— Eca! Que fedor! — Ele cutucou o cadáver fedorento algumas vezes e por fim
desistiu. — Não, obrigado — resmungou para si mesmo. — Prefiro comer
besouros. — E saiu correndo para encontrar uma refeição menos desagradável.
Será que a misteriosa criatura havia morrido de susto? E como seu corpo poderia
ter apodrecido tão rápido? Roz estava confusa. E ficou ainda mais confusa uma hora
depois, quando as orelhas da criatura morta começaram a se mexer, o nariz
começou a se contorcer, e ela se pôs de pé, voltando a caminhar como se nada
tivesse acontecido.
— Você está viva ou morta? — soou a voz da robô, do alto da árvore.
— Quem está aí? E por que estava me observando? — perguntou a criatura, sua
voz saindo do meio das sombras.
— O que você acabou de fazer foi inacreditável — disse Roz. — Eu não
conseguia parar de olhar.
— Inacreditável? Sério? — A voz da criatura parecia estar se suavizando. —
Achei que talvez tivesse exagerado um pouco quando coloquei a língua para fora.
— Eu jurei que você tinha morrido.
— Ah, adorei ouvir isso!
— Você morreu?
— Ora, é claro que não! Na verdade, ninguém pode voltar dos mortos. Foi só
uma encenação!
— Não entendi.
— É simples. Eu sabia que se me fingisse de morta e exagerasse bastante, aquele
velho texugo ia ficar com tanto nojo de mim que ia fugir correndo. E foi exatamente
o que aconteceu. Nós, gambás, somos atores natos, sabia?
— Então você é uma gambá? — O cérebro computadorizado de Roz buscou
todas as informações que tinha sobre gambás. — Vocês são marsupiais, criaturas
noturnas e conhecidas por imitar a aparência e o cheiro de animais mortos quando
ameaçados.
— É verdade, cenas de morte são a minha especialidade — confirmou a gambá.
— Mas eu tenho uma veia dramática bem variada, pode acreditar.
— Eu acredito.
— Você já representou algum papel? — quis saber a gambá.
— Não — respondeu a robô.
— Pois deveria! Você vai gostar. Pode começar imaginando o personagem que
gostaria de ser. Como ele se move e fala? Quais são seus medos e esperanças?
Como os outros reagem a ele? Para se tornar um personagem, é preciso
compreendê-lo por completo.
As duas estranhas criaturas ficaram ali, uma no alto da árvore, outra no meio da
vegetação rasteira, conversando sobre atuação. A gambá falava sem parar sobre
seus vários métodos e suas performances triunfais, e nossa robô assimilava cada
palavra.
— Mas por que você finge ser algo que não é? — perguntou Roz.
— Porque é divertido! — explicou a gambá. — E porque me ajuda a sobreviver,
como você acabou de ver. Nunca se sabe, pode ajudá-la a se manter viva também.
Logo o cérebro computadorizado da robô estava zumbindo de tanta atividade.
Atuar podia ser uma estratégia de sobrevivência! Se a gambá podia fingir que estava
morta, a robô podia fingir que estava viva. Podia agir de maneira menos robótica e
mais natural. E, se conseguisse fingir que era cordial, poderia fazer amigos. E eles
poderiam ajudá-la a ter uma vida mais longa e melhor. Sim, esse era um plano
excelente.
Roz não perdeu tempo e disse as palavras seguintes com a voz mais amigável que
conseguiu:
— Senhora marsupial, seria uma verdadeira honra e um grande privilégio se
fizesse a gentileza de me dizer seu nome.
A atitude amigável de Roz ainda precisava ser aperfeiçoada, mas era um
começo.
— Sim, claro! — disse a gambá. — Meu nome é Cauda-Rosa. E o seu?
As folhas se balançaram de leve quando Roz desceu da árvore.
— É um prazer indescritível conhecê-la, minha cara Cauda-Rosa. — A robô
surgiu à luz da lua. — Meu nome é Roz.
— Ah, minha nossa! — A gambá levou um susto. — Você é o m-m-monstro!
— Eu não sou um monstro. Sou uma robô. E sou inofensiva.
— Inofensiva? De verdade? Bem, você realmente parece bastante gentil. E ouvi
dizer que não come nenhum tipo de comida, o que não faz sentido, mas espero que
isso signifique que você não vai me devorar.
— Eu não vou devorar você — confirmou Roz.
— Fico muito feliz por ouvir isso — disse a gambá. Logo depois, ela também se
deixou iluminar pela lua. — É um prazer conhecê-la, Roz. — Um sorriso tímido
apareceu no rosto pontudo de Cauda-Rosa.
Roz achou que as coisas estavam indo muito bem, mas não sabia o que dizer em
seguida. Nem Cauda-Rosa. Então as duas criaturas amigáveis só ficaram ali por um
tempo, juntas, ouvindo os grilos.
— Bem, eu preciso ir — disse Cauda-Rosa por fim. — Tenha uma boa noite,
Roz.
— Tenha uma excelente noite, Cauda-Rosa. Vou esperar ansiosamente pelo
prazer de reencontrá-la no futuro. Em breve, eu espero. Adeus.
E, com aquela despedida estranha, Cauda-Rosa desapareceu novamente na
vegetação rasteira e Roz voltou a subir na árvore.
CAPÍTULO 27
O FILHOTE DE GANSO

Alguma coisa estava acontecendo dentro do ovo.


Tap, tap, tap.
Tap, tap, tap.
Tap, tap, CRAC!
Um pequeno bico rompeu a casca do ovo, grasnou uma vez e continuou a romper
a casca. O buraco foi ficando cada vez maior, e então, como um robô emergindo de
um caixote, o filhote de ganso veio ao mundo.
Ficou em silêncio no ninho, com os olhos fechados, rodeado de lascas da casca
quebrada. E, quando abriu os olhos, bem devagar, a primeira coisa que viu foi a
robô encarando-o de volta.
— Mamãe! Mamãe! — grasnou o filhote de ganso.
— Eu não sou sua mãe — respondeu a robô.
— Mamãe! Mamãe!
— Eu não sou sua mãe.
— Comida! Comida!
O filhote estava com fome. É claro que estava. Então, com sua voz mais gentil,
Roz perguntou:
— O que gostaria de comer, meu queridinho?
— Comida! — foi a única resposta.
O filhote era pequeno demais para ser de grande ajuda. Roz precisava encontrar
um ganso adulto. Então pegou o ninho com o filhote dentro, colocou-o no ombro e
marchou pela floresta, procurando por gansos.
CAPÍTULO 28
A VELHA GANSA

Em outras situações, os animais da floresta teriam fugido do monstro, mas estavam


morrendo de curiosidade para saber por que Roz carregava um filhote de ganso no
ombro. E quando ela explicava a situação, os bichos realmente tentavam ajudar. Um
sapo disse para Roz procurar os esquilos. Um esquilo recomendou que ela falasse
com as gralhas. E uma gralha sugeriu que ela fosse até o lago dos castores.
O solo ficou mais encharcado; a vegetação, mais alta, e logo a robô e o filhote de
ganso estavam diante de um grande lago de águas turvas. Libélulas zumbiam entre
os juncos. Tartarugas tomavam banho de sol sobre um tronco caído. Pequenos
peixes se reuniam nas sombras. E lá, flutuando no centro do lago, estava uma velha
gansa cinzenta.
— Uma ótima manhã para você! — A voz simpática da robô ressoou sobre a
água. — Trouxe comigo um pequeno e adorável ganso!
A gansa limitou-se a olhar para eles.
— Estou precisando muito de sua ajuda! — disse Roz. — Na verdade, é o
filhote que necessita de sua ajuda!
A gansa nem se mexeu.
— Comida! — grasnou o filhote de ganso. — Comida! Comida!
Ao ouvir aquela voz esganiçada, a velha gansa começou a deslizar sobre o lago,
grasnando para a robô.
— O que está fazendo com esse filhotinho faminto? Onde estão os pais dele?
— Aconteceu um acidente terrível — respondeu Roz. — Foi culpa minha. Este
filhote de ganso foi o único sobrevivente.
— Se aconteceu um acidente terrível, por que sua voz está tão alegre? — A
gansa bateu as asas. — Tem certeza de que não comeu os pais dele?
— Tenho certeza de que não comi os pais dele — disse Roz, fazendo a voz
voltar ao normal. — Não como nada, muito menos pais.
A gansa olhou de rabo de olho para Roz.
— Sabe quem eram os pais dele? — perguntou ela.
— Não sei.
— Bem, eles deviam pertencer a algum dos outros bandos de gansos da ilha,
porque no meu bando não está faltando ninguém.
— Você pode ficar com o filhote?
— Definitivamente não! — grasnou a gansa. — Não posso acolher todos os
órfãos que encontro! Você disse que o que aconteceu foi culpa sua? Então me parece
que é responsabilidade sua consertar as coisas.
— Mamãe! Mamãe! — grasnou o filhote.
— Tentei dizer a ele que não sou sua mãe — retrucou Roz. — Mas ele não
compreende.
— Bem, vai ter que representar o papel da mãe dele se quer que ele sobreviva.
Aquelas palavras de novo: representar o papel. Muito lentamente, a robô estava
aprendendo a representar o papel de alguém cordial. Talvez também pudesse
aprender a representar o papel de mãe.
— Você quer que ele sobreviva, não quer? — perguntou a gansa.
— Sim, quero que ele sobreviva — respondeu Roz. — Mas não sei me
comportar como mãe.
— Ah, não é difícil. Você só tem que dar ao filhote comida, água e abrigo, fazê-
lo se sentir amado, mas não o mimar demais, mantê-lo longe de perigo e fazer com
que ele aprenda a andar, falar, nadar, voar e se relacionar com outros gansos, além
de cuidar de si mesmo. A maternidade se resume a isso!
A robô apenas a encarou.
— Mamãe! Comida! — exclamou o filhote.
— Agora é um bom momento para alimentar seu filho — disse a gansa.
— Sim, claro! — concordou Roz. — O que devo dar a ele?
— Um pouco de grama amassada. Se tiver alguns insetos no meio, melhor ainda.
Roz arrancou várias folhas de grama do chão, amassou-as, formando uma bola, e
deixou que caísse no ninho. O filhote balançou as penas da cauda e mastigou os
primeiros pedaços de comida.
— A propósito, meu nome é Asa-Ruidosa — apresentou-se a gansa. — Todos
já sabem que você se chama Roz, mas qual é o nome do filhote?
— Não sei. — Roz olhou para o filho adotivo. — Qual é seu nome, gansinho?
— Ele não pode escolher o próprio nome! — grasnou Asa-Ruidosa.
Com um ruidoso bater de asas, a gansa saiu voando do lago e pousou bem na
cabeça de Roz. A água escorreu pelo corpo empoeirado da robô enquanto Asa-
Ruidosa se inclinava sobre o ninho.
— Ah, céus, ele realmente é muito pequenino — comentou Asa-Ruidosa. —
Deve ser um nanico. Devo alertá-la, Roz: animais nanicos não costumam viver
muito tempo. E com você como mãe, vou considerar um milagre se o bichinho
sobreviver. Sinto muito, mas é a verdade. Mesmo assim, o filhote merece um nome.
Bem, vamos ver. O bico tem uma cor viva incomum. Na verdade, é muito bonito. Se
eu fosse a mãe dele, eu o chamaria de Bico-Vivo, mas a mãe é você, então é você
quem decide.
— O nome dele vai ser Bico-Vivo — anunciou Roz enquanto a gansa voava de
volta para a água. — E vamos morar junto deste lago, para que ele possa conviver
com outros gansos. Vou encontrar uma árvore robusta para nós aqui perto.
— Você não vai fazer nada disso! — A gansa bateu as asas. — Uma árvore não
é lugar para um filhote de ganso! Bico-Vivo precisa viver no chão, como um ganso
normal. — Asa-Ruidosa avaliou a robô. — Acho que vocês vão precisar de um lar
bem grande. É melhor falar com o sr. Castor. Ele é capaz de construir qualquer
coisa. Às vezes é um pouco mal-humorado, mas, se você for extremamente gentil,
tenho certeza de que vai ajudá-la. E se ele criar problemas, lembre-lhe de que me
deve um favor.
CAPÍTULO 29
OS CASTORES

Todos os dias, os castores nadavam ao longo de seu dique, inspecionando-o e


fazendo reparos. A parede de madeira e lama só deixava passar apenas um fio de
água, transformando um riacho estreito no grande lago que muitos animais agora
chamavam de lar.
Ao caminharem ao redor do lago, Roz e Bico-Vivo passaram por centenas de
tocos de árvore roídos, prova de que os castores precisavam de um suprimento
constante de madeira.
E isso deu uma ideia a Roz.
A robô fez um gesto com a mão aberta, e os sons de madeira sendo cortada
ecoaram pelo lago. Foram logo substituídos pelos sons de passos e de folhas
farfalhando enquanto a robô caminhava com cuidado junto ao dique dos castores,
carregando um filhote de ganso no ombro e uma árvore recém-cortada nas mãos.
Os roedores boiaram ao lado de sua toca e contemplaram boquiabertos aquela cena
bizarra, até que o sr. Castor bateu com sua grande cauda na água, querendo dizer:
“Pare bem aí!”
A robô parou.
— Olá, castores, meu nome é Roz e este aqui é o Bico-Vivo. Por favor, não
tenham medo. Eu não represento perigo. — Ela estendeu a árvore. — Trouxe um
presente! Achei que poderiam usar isto em seu lindo dique!
— Não, obrigado — retrucou o sr. Castor. — Tenho uma regra rígida de nunca
aceitar presentes de mons…
— Não seja bobo — interrompeu a sra. Castor. — Não podemos desperdiçar
um tronco de bétula em ótimo estado!
— Sinto muito, mas “não” é não!
A sra. Castor se voltou para o marido.
— Você lembra que me pediu para avisar quando você estivesse sendo teimoso e
grosseiro? Bem, você está sendo teimoso e grosseiro agora! — Em seguida, ela se
voltou para Roz. — Obrigada, monstro. Se puder fazer a gentileza de colocar o
tronco na água, nós mesmos o pegamos aí.
— Eu não sou um monstro. — Roz jogou o tronco como se fosse um graveto. —
Sou uma robô. — A madeira caiu com força na água e fez os castores oscilarem
para cima e para baixo na superfície.
Nesse momento, Bico-Vivo começou a grasnar.
— Mamãe! Fome!
Então Roz colocou uma bola de grama no ninho.
— O filhote de ganso acha que você é a mãe dele? — perguntou uma voz
baixinha. Era Remo, o filho do sr. e da sra. Castor.
— A mãe dele morreu — explicou Roz. — Então eu o adotei.
Todos ficaram em silêncio por alguns instantes. Então Remo olhou para Roz e
disse:
— Você é uma robô muito boa por estar cuidando do Bico-Vivo.
O sr. Castor suspirou.
— Sim, sim, é muita generosidade da sua parte, Roz. Mas não entendo o que isso
tem a ver conosco.
— Meu filho e eu precisamos muito de um lar, sr. Castor, e a Asa-Ruidosa disse
que você nos ajudaria a construir um.
— É claro que ela disse — murmurou o sr. Castor para si mesmo. — A Asa-
Ruidosa me tirou de uma maldita enrascada, e agora vou passar o resto dos meus
dias fazendo favores a ela.
A sra. Castor olhou para o marido de cara feia.
— Desculpe — disse ele, ao se dar conta de que estava sendo teimoso e
grosseiro outra vez. — Fique bem aqui, Roz. Precisamos ter uma reunião de
família.
Os três castores afundaram na água, e logo depois suas vozes abafadas podiam
ser ouvidas dentro da toca. Roz ficou de pé no dique e esperou pacientemente com
seu filho.
— Mamãe! Mamãe!
— Sim, Bico-Vivo, estou tentando agir como uma boa mãe.
Uma pequena ondulação, e a cabeça do sr. Castor emergiu da água.
— Se nos trouxer mais quatro troncos de árvore bons e robustos, talvez eu tenha
tempo para ajudar você e o filhote de ganso.
— Que maravilha! — disse Roz. — Voltamos já!
CAPÍTULO 30
O NINHO

— Já construí muitas tocas ao longo dos anos — disse o sr. Castor, na beira do lago.
— Mas nunca para uma robô e um filhote de ganso. Do que vocês precisam
exatamente?
— Precisamos de uma toca grande o bastante para nós dois — respondeu Roz.
— Tem que ser confortável e segura. E perto do lago.
— Quanto tempo planejam viver nessa toca?
— Não sei.
— Então o melhor é ter certeza de que seja forte e resistente. — O sr. Castor
mexia nos bigodes enquanto pensava. — Planeja receber amigos? Minha esposa
adora receber convidados.
— Eu não tenho amigos.
— Não tem amigos? Bem, você parece bastante simpática para um monstro.
Quer dizer, uma robô. Mas, se quer um conselho, deveria cultivar um jardim. Seus
vizinhos não vão resistir ao aroma de ervas, frutas e flores frescas. Você vai ver!
Então vamos reservar espaço para um jardim e vamos construir uma toca com
espaço extra para todos os amigos que vai receber. — O castor deu uma piscadela.
— Também precisamos encontrar uma maneira de tornar sua toca agradável
quando estiver fazendo frio do lado de fora. A nossa é aquecida pelo calor do nosso
corpo. Mas acho que vamos ter que encontrar outra maneira de aquecer a sua.
O castor e a robô passaram um tempo pensando sobre aquecimento. A primeira
coisa em que Roz pensou foi no sol. Mas então se lembrou das faíscas quentes que
tinha sentido ao deslizar montanha abaixo.
— Posso aquecer nossa toca com fogo — disse ela.
Os olhinhos do sr. Castor piscaram.
— Vou ter que fazer algumas experiências — continuou Roz. — Mas acho que
há uma maneira.
— Vá em frente, Roz — incentivou o castor. — Mas tente não incendiar toda a
floresta, está bem?
— Não se preocupe. Vou tomar cuidado.
— Vamos continuar. — O sr. Castor suspirou. — A questão seguinte é
encontrar um local para sua toca. Aquela campina do outro lado do lago seria
perfeita, mas as lebres vão dar um chilique se tentarmos construir ali. Acho melhor
derrubarmos algumas árvores e construir sua toca no meio da floresta. Conheço um
lugar perfeito!
O castor os conduziu pela margem até uma parte densa da floresta que avançava
sobre o lago.
— Vai dar um pouco de trabalho — disse o sr. Castor, passando com dificuldade
pela vegetação cerrada —, mas deve servir.
— Sim, isso deve servir — disse Roz, com sua voz mais simpática.
— Servir! — repetiu Bico-Vivo.
O sr. Castor era incrivelmente habilidoso na arte de derrubar árvores, mas nem
ele conseguiu acompanhar as poderosas mãos cortadoras de Roz. Então, deixou que
a robô fizesse o trabalho pesado. Ele apontava para os arbustos e árvores que
precisavam ser removidos, e Roz os cortava. Ao pôr do sol, eles estavam em uma
clareira recém-criada e tinham madeira mais do que suficiente para construir a toca.
— Você fez um belo trabalho hoje, Roz — disse o sr. Castor, com um bocejo.
— Voltarei pela manhã, para continuarmos de onde paramos.
— O que gostaria que eu fizesse até lá? — perguntou a robô.
— Hoje à noite? Então você ainda está disposta a trabalhar, não é? Que bom!
Bem, pode começar arrancando esses tocos de árvore. E pode reunir todas aquelas
grandes pedras achatadas ali. Além disso, pode nivelar esta parte do terreno para
termos uma base plana onde construir. Isso deve mantê-la ocupada!
Na manhã seguinte, o sr. Castor voltou e viu que Roz realmente se mantivera
muito ocupada. Todos os tocos de árvore tinham sido arrancados, e os buracos,
preenchidos com terra. Vinte grandes pedras estavam empilhadas. E o terreno agora
estava perfeitamente nivelado. Mas o que mais impressionou o sr. Castor foi que
Roz e Bico-Vivo estavam aninhados em torno de uma pequena fogueira crepitante.
O sr. Castor tentou dizer algo, mas as palavras não saíram.
— O Bico-Vivo ficou com frio ontem à noite — explicou Roz. — Então eu
aprendi a fazer uma fogueira.
— Mas… mas… como?
— Descobri que quando bato aquelas pedras uma na outra, elas produzem
faíscas. Fiz as faíscas caírem nas folhas secas e na madeira, até o fogo pegar. Depois
que o fogo pegou, foi fácil mantê-lo aceso. E para apagá-lo, basta jogar água!
O sr. Castor se sentou e aqueceu as patas.
— Nunca vi uma fogueira feita com um feixe tão pequeno e arrumado. — Ele
olhou para as chamas. — Só vi o fogo ardendo pela floresta, queimando tudo pelo
caminho. Mas isso é maravilhoso!
Ele aproveitou o calor por mais um minuto. Então ele e a robô voltaram ao
trabalho.
O sr. Castor pediu a Roz que abrisse uma vala aqui e colocasse pedras ali, que
arrumasse os pedaços de madeira de um jeito e espalhasse a lama de outro. Pássaros
e esquilos se empoleiraram nas árvores e ficaram observando a nova toca ganhar
forma. Lembrava a toca dos castores, mas era maior, uma grande redoma feita de
madeira, lama e folhas. Uma simples abertura na parede servia de entrada, e a porta
nada mais era do que uma pedra pesada, que a robô podia arrastar para abrir a
passagem.

Dentro, havia um grande espaço redondo. O teto arqueado era alto o bastante
para que Roz ficasse de pé. No centro foi cavado um fosso para a fogueira, e uma
rede de gravetos finos no teto servia de ventilação. Longas pedras ao longo das
paredes, cobertas com espessas almofadas de musgo, serviam de bancos. Havia até
mesmo um buraco para armazenar comida e água para Bico-Vivo.
— Você conseguiu uma bela propriedade com vista para o lago! — disse o sr.
Castor. — Que nome vai dar a ela?
— Não compreendo.
— Bem, uma bela toca como esta merece um nome! Chamamos a nossa de
Prende-Riacho.
O cérebro computadorizado da robô não demorou a encontrar uma sugestão.
— A toca é para o Bico-Vivo. O Bico-Vivo é uma ave. Aves vivem em ninhos.
Que tal chamar esta toca de Ninho?
— Uau! — exclamou o castor. — Ninho é um excelente nome para sua toca!
— Ninho! Ninho! — repetiu Bico-Vivo, rindo.
Eles ficaram parados do lado de fora do Ninho admirando seu trabalho até que a
barriga do sr. Castor começou a roncar.
— Esse som quer dizer que está na hora do meu jantar.
— Muito obrigada pela sua ajuda — disse Roz. — Não teríamos conseguido
fazer isso sem você.
— Foi um prazer! — respondeu o sr. Castor, sorrindo. — Para fazer o jardim, é
melhor falar com a Moreninha, a corça que vive depois da colina. Ela vai saber o
que fazer. Agora, se me der licença, tenho que correr para casa antes que o Remo
coma todas as melhores folhas. Aproveite sua primeira noite no Ninho!
CAPÍTULO 31
A PRIMEIRA NOITE

As estrelas apareceram no céu. O fogo crepitava na fogueira. Roz e Bico-Vivo


estavam se acomodando para passar a primeira noite em seu novo lar.
— De hoje em diante, é nesta toca que vamos morar. — A robô tirou o filho de
seu pequeno ninho e o colocou no chão. — Espero que você goste.
O filhote de ganso de fato gostou. Gostou de lá por ser um lugar grande,
aquecido e tranquilo. E gostava de saber que o lago e a floresta estavam logo ali
fora. Ele deu uma volta, grasnando para si mesmo e explorando cada canto da toca,
até que chegou a hora de dormir. Com cuidado, sua mãe o colocou em uma cama
macia de musgo. Mas ele não queria dormir ali. Então ela o pôs de volta em seu
pequeno ninho, mas ele tampouco queria dormir lá.
Bico-Vivo olhou para cima.
— Mamãe, senta!
Roz se sentou.
Então ele pediu:
— Mamãe, colo!
E Roz o pegou no colo. O corpo dela podia ser duro e mecânico, mas também
era forte e seguro. O filhote se sentiu amado. Seus olhos piscaram lentamente até se
fecharem. E Bico-Vivo passou a noite toda dormindo tranquilo nos braços da mãe.
CAPÍTULO 32
OS VEADOS

A família de veados não saiu correndo ao ouvir galhos se partindo e folhas sendo
esmagadas. Já tinham ouvido falar de Roz e Bico-Vivo e sabiam que não havia nada
a temer. Pontudo ficou parado diante da fêmea e dos três filhotes malhados, e os
cinco observaram enquanto a robô se aproximava com o filhote de ganso no ombro.
— Olá, veados, meu nome é Roz, e este é o Bico-Vivo. Estamos procurando
uma corça chamada Moreninha.
Pontudo chegou para o lado e a fêmea deu um passo à frente em silêncio.
— O sr. Castor nos ajudou a construir uma toca e disse que você poderia nos
ajudar a plantar um jardim.
— O sr. Castor ajudou vocês? — perguntou Moreninha, com sua voz delicada.
— Vocês devem ter feito alguma coisa para os castores.
— Eu levei árvores recém-cortadas para eles — disse Roz.
Moreninha olhou para Pontudo, que assentiu.
— Eu o ajudo a plantar um jardim — disse a corça à robô —, se deixar que
minha família se alimente dos frutos que crescerem lá.
A robô fez um gesto com a cabeça, concordando. Em seguida, levou Moreninha
em silêncio até o Ninho.
CAPÍTULO 33
O JARDIM

Depois de inspecionar o terreno, Moreninha pediu a Roz que removesse todas as


ervas daninhas, as folhas e os arbustos secos da área em que ficaria o jardim. Pediu a
seus amigos escavadores, as toupeiras e as marmotas, que escavassem o solo e
revolvessem a terra. Então pediu a todos os animais vizinhos que fizessem uma coisa
muito esquisita.
— Por favor, deixem suas fezes em torno do Ninho! Quanto mais deixarem,
mais fértil será o solo e mais viçoso se tornará o jardim.
Como você pode imaginar, o pedido de Moreninha atraiu a atenção de todos.
Não demorou para o lugar ficar cheio de criaturas curiosas para saber mais sobre o
projeto do jardim. E assim Roz conheceu seus vizinhos. O plano para ajudá-la a
fazer amigos já estava funcionando.
Havia um clima festivo em torno do Ninho naquele dia. Os animais iam e
vinham, batendo papo e rindo. Depois de algumas conversas agradáveis, cada
vizinho escolhia um local, fazia cocô e ia embora. E sempre com um sorriso.
— Ficamos felizes em ajudar! — exclamaram duas doninhas sorridentes depois
de terminarem o que tinham que fazer.
— Foi um prazer! — disse um bando de pardais sorridentes, antes de sair
voando.
— Não devo demorar muito mais — falou uma tartaruga sorridente que dava
sua lenta contribuição.
Enquanto tudo isso acontecia, Roz andava de um lado para outro agradecendo a
todos.
— Não sou capaz de defecar — explicava ela —, então agradeço muito por
deixarem suas fezes aqui!
Depois que o solo foi fertilizado, chegou a hora de plantar as mudas. Moreninha
levou Roz e Bico-Vivo até uma campina exuberante. A robô enfiou os dedos na
terra e sentiu a camada esponjosa de raízes sob a grama. Devagar e com cuidado, ela
arrancou largas tiras de torrão de relva, deixando à mostra a terra escura e cheia de
minhocas. Levou as tiras para o Ninho e as espalhou, formando um gramado
irregular. Então transplantou punhados de flores e frutas, trevos, arbustos e ervas
até o Ninho estar rodeado por uma coleção desordenada de plantas.
— Sei que não parece muito promissor agora — disse Moreninha —, mas a
grama vai crescer entre as mudas e as flores, e os arbustos devem vicejar em alguns
dias. Vou voltar em breve para ter certeza de que está tudo enraizado. Em pouco
tempo vocês terão um jardim lindo e inexplorado.
CAPÍTULO 34
A MÃE

Assim como a maioria dos filhotes de ganso, Bico-Vivo seguia a mãe por toda parte.
Ele era um serzinho lento e cambaleante, mas Roz quase nunca estava com pressa.
Os dois adoravam andar juntos pela floresta e bem perto das margens do lago. No
entanto, passavam a maior parte do tempo ali mesmo em seu jardim. Sabe, o jardim
não estava mais desordenado. Graças aos cuidados atenciosos da robô, ele agora
explodia de cores, perfumes e sabores. Ficou claro que Roz tinha sido programada
para cuidar de plantas.
— Ora, Roz, você tem estado ocupada! — comentou Moreninha enquanto sua
família pastava em meio a toda aquela fertilidade extraordinária. — Este jardim está
magnífico! Você vai nos ver por aqui com muita frequência.
Moreninha estava falando sério. Todas as manhãs, ao raiar do dia, Roz e Bico-
Vivo ouviam passos tranquilos do lado de fora do Ninho. E lá estavam Moreninha,
Pontudo e seus três filhotes: Salgueiro, Espinhento e Regato, mordiscando
alegremente as plantas do jardim.
Os veados não eram os únicos visitantes regulares. Os castores gostavam muito
de roer um determinado arbusto resistente na extremidade do jardim. Escavadora, a
velha marmota, aparecia para comer frutinhas. Pata-Larga, o grande alce, ia até lá
para mascar brotos de árvores. E é claro que abelhas e borboletas estavam lá todos
os dias, voando felizes por entre as flores. Parecia sempre haver animais cordiais no
jardim.
Era incrível como todos tinham passado a tratar Roz de maneira diferente.
Animais que antes fugiam da robô, morrendo de medo, agora iam até o Ninho
apenas para passar um tempo na companhia dela. Os vizinhos sorriam e acenavam
sempre que Roz e Bico-Vivo passavam. E, durante a Trégua do Amanhecer, as
outras mães compartilhavam entusiasmadas seus conselhos sobre maternidade.

— Não esqueça que o Bico-Vivo deve descansar bastante. Um filhote


cansado é um filhote mal-humorado!
— Quando o vento começar a soprar do norte, você deve levar o Bico-
Vivo imediatamente para um lugar seguro. Os ventos do norte sempre trazem
tempo ruim.
— Você nunca será a mãe perfeita, então apenas faça o melhor que puder.
Bico-Vivo precisa apenas saber que você está fazendo o seu melhor.

Nenhum filhote de ganso teve uma mãe mais atenciosa. Roz estava sempre
presente, pronta para responder às perguntas do filho, brincar com ele, niná-lo antes
de adormecer ou livrá-lo de algum perigo. Com um cérebro computadorizado
repleto de conselhos sobre como criar os filhos e com as lições que estava
aprendendo por conta própria, a robô na verdade estava se tornando uma ótima mãe.
CAPÍTULO 35
O PRIMEIRO NADO

— Boa tarde para vocês! — disse Asa-Ruidosa ao entrar no jardim. — Lembra-se


de mim, Bico-Vivo?
— Ruidosa! Ruidosa!
— Muito bem! — A velha gansa riu. — Agora, Roz, você sabe que dia é
amanhã? Amanhã é Dia de Nadar! O dia em que todos os pais levam seus filhotes ao
lago pela primeira vez. E você tem que levar o Bico-Vivo.
— Nadar! Nadar! — exclamou o filhote de ganso, sacudindo as penas do rabo.
— O Bico-Vivo pode ir — disse Roz —, mas eu não sei nadar. Não posso
entrar no lago com ele. Não vou poder protegê-lo.
— Quem diria que uma coisa enorme como você ia ter medo de um pouquinho
de água? — Asa-Ruidosa riu. — Bem, não se preocupe com o Bico-Vivo; ele vai
estar seguro com o bando. E tenho certeza de que vai se divertir muito nadando com
os outros filhotes de ganso! Começamos ao raiar do dia, então não se atrasem. Nos
vemos de manhã!
E logo depois a gansa entrou na água e saiu nadando.
— Nadar! Nadar! — exclamou o filhote de ganso.
— Sim, Bico-Vivo — disse a robô, olhando para o lago. — Nadar, nadar.
Na manhã seguinte, bem cedo, pios, grasnados e chape-chapes começaram a
ecoar pelas águas tranquilas. Roz e Bico-Vivo seguiram por uma trilha em meio à
névoa até chegarem a uma praia cheia de filhotes de ganso cobertos de penugem e
pais orgulhosos.
Roz deu alguns passos na água e seus Instintos de Sobrevivência se ativaram
imediatamente. O cérebro computadorizado da robô sabia que a água poderia causar
sérios danos em seu corpo. Então, enquanto os outros pais começavam a nadar pelo
lago, ela achou melhor permanecer no raso, em segurança, observando.
Bico-Vivo corria pela praia com os outros filhotes, grasnando, rindo e fingindo
ter medo das minúsculas ondas. Quando uma delas finalmente o arrastou, ele sentiu
seu corpo flutuar na superfície do lago. Um grande sorriso se abriu no rosto do
filhote de ganso. Ficou claro que Bico-Vivo tinha sido programado para nadar.
— Muito bem, Bico-Vivo! — elogiou Asa-Ruidosa ao passar. — Você leva
jeito!
— Muito bem, Bico-Vivo, você leva jeito! — repetiu Roz, tentando falar como
uma boa mãe.
Asa-Ruidosa reuniu todos os filhotes de ganso e lhes deu uma pequena lição
sobre como nadar.
— Lembrem-se: batam os pés de maneira uniforme para nadar em linha reta.
Batam o pé direito para ir para a esquerda, e o pé esquerdo para ir para a direita.
Tentem! Quando estiverem prontos, se juntem ao restante de nós. Feliz Dia de
Nadar!
Asa-Ruidosa e os outros gansos adultos deslizaram tranquilamente até o centro
do lago. Uma confusão de filhotes tentava acompanhá-los. Os mais novos se
atropelavam, chapinhavam e grasnavam de animação, e aos pouquinhos iam
nadando na direção dos pais.
Apenas Bico-Vivo ficou para trás.
— Nadar, mamãe?
Roz apontou para o bando de gansos.
— Não sei nadar. Vá se divertir com os outros. Com eles você vai estar seguro.
O filhote respirou fundo. Então sacudiu as penas do rabo, bateu os pés e iniciou
seu primeiro nado. Acabou se afastando muito para a esquerda. Depois, para a
direita. Mas simplesmente continuou batendo os pés até alcançar os outros gansos.
Roz passou a manhã vendo seu filho nadar pelo lago. Enquanto o observava,
sentiu uma coisa parecida com gratidão. Graças a Bico-Vivo, a robô agora tinha
amigos, abrigo e ajuda. Graças a Bico-Vivo, a robô havia melhorado suas
habilidades de sobrevivência. De certa maneira, Roz precisava tanto de Bico-Vivo
quanto o filhote precisava dela. E foi justamente por causa disso que ela ficou tão
preocupada quando o clima geral no lago mudou de repente.
Em um momento tudo estava tranquilo, mas em seguida todos os gansos ficaram
em pânico. Algo estava se movendo violentamente na água em meio ao grupo. Era
Boca-de-Pedra, o peixe lúcio gigante e cheio de dentes. O peixe causava problemas
no lago havia muito tempo, mas nunca tinha atacado filhotes de ganso antes. Todos
os pais saíram em disparada para proteger seus filhotes... menos Roz. Tudo o que
ela pôde fazer foi ficar no raso e assistir enquanto Bico-Vivo deixava os outros
gansos para trás e nadava desesperadamente em sua direção.

— Nade até aqui, Bico-Vivo! Rápido!


O filhote batia as patas o mais rápido que podia. Mas, sozinho na água, ele era
um alvo fácil. Ondulações se formavam na superfície do lago enquanto Boca-de-
Pedra nadava embaixo d’água.
— Mamãe! Me ajude! — gritou Bico-Vivo.
Roz vivia um conflito terrível. Parte dela sabia que tinha que ajudar o filho, mas
outra parte sabia que ela precisava ficar longe de águas profundas. Seu corpo
avançava e em seguida recuava, repetidas vezes, enquanto ela tentava tomar uma
decisão.
Então Asa-Ruidosa foi em seu socorro.
— Boca-de-Pedra, não ouse machucar aquele filhote! — A velha gansa abriu as
asas e chapinhou bem em cima do peixe. — Deixe-o… em… paz! — Ela bicou,
chutou e bateu no peixe com as asas até ele retornar para as profundezas turvas do
lago.
Asa-Ruidosa acompanhou Bico-Vivo de volta até a margem, e um minuto depois
o filhote estava nos braços da mãe, são e salvo.
— Boca-de-Pedra não é tão perigoso quanto parece — explicou a gansa,
ofegante. — Mas acho que chega de nadar por hoje.
CAPÍTULO 36
O FILHOTE DE GANSO CRESCE

Bico-Vivo logo esqueceu o incidente com Boca-de-Pedra e passava as manhãs


nadando no lago com os outros filhotes de ganso. Estava se tornando um grande
nadador. E também um grande tagarela.
— Olá, meu nome é Bico-Vivo! — dizia ele para quem quisesse ouvir.
O filhote era pequeno para sua idade, e sempre seria, mas a cada dia ficava maior
e mais forte. Seu crescimento era acompanhado de um apetite voraz. Ele devorava
grama, frutas silvestres, nozes e folhas. Às vezes engolia pequenos insetos. Se algo
fosse comestível, Bico-Vivo comia. E mesmo que não fosse algo saudável, era capaz
de ele engolir do mesmo jeito. Roz sentiu uma coisa parecida com pavor quando viu
Bico-Vivo engolindo seixos na praia. Ela o estava segurando de cabeça para baixo,
na esperança de que as pedras caíssem de sua boca, quando Asa-Ruidosa interveio.
— Coloque Bico-Vivo no chão — disse ela, dando risada. — É perfeitamente
natural que ele coma alguns seixos. Ajuda na digestão. Mas não coma muitos, está
bem, rapazinho?
Como a maioria das crianças, Bico-Vivo era incrivelmente curioso. Ele
explorava o jardim, o lago e o solo da floresta. E por vezes adentrava os lares
vizinhos. Enfiava-se em algum buraco na terra e dizia para quem quer que estivesse
lá dentro:
— Olá, meu nome é Bico-Vivo!
Então um longo braço de robô o alcançava e o tirava do buraco.
— Desculpem o inconveniente — dizia Roz, com uma voz simpática.
Mãe e filho tinham estabelecido uma tranquila rotina noturna. Enquanto o filhote
de ganso dormia, a robô mantinha a fogueira acesa se estivesse frio do lado de fora e
o abanava se estivesse fazendo calor. Se Bico-Vivo acordava com fome ou com
sede, Roz lhe dava comida ou água. E quando ele tinha pesadelos, a robô estava
sempre lá para acalentá-lo até ele voltar a dormir.
CAPÍTULO 37
O ESQUILO

Um pequeno esquilo estava correndo pelo jardim. Bico-Vivo nunca o tinha visto
antes. Ele colocou a cabeça para fora do Ninho e ficou espiando o bichinho pular
para cima e para baixo no gramado. Depois de um minuto observando, o filhote de
ganso balançou as penas do rabo e saiu.
— Olá, meu nome é Bico-Vivo!
O esquilinho ficou paralisado. Mas depois se virou lentamente e começou a falar:
— Olá, Bico-Vivo, meu nome é Tagarela, sou um esquilo-fêmea de doze
semanas e meia e sou nova aqui e sua casa é muito grande e redonda e eu não
entendo por que às vezes sai fumaça dela…
Leitor, não faço ideia de como Tagarela conseguiu inspirar ar suficiente para os
pulmões a fim de falar sem parar desse jeito. E não sei como Bico-Vivo teve
paciência de escutá-la. Mas ele ficou parado e assentiu educadamente enquanto
Tagarela continuava a falar.
— … e às vezes vejo você andando atrás da sua mãe engraçada e vocês parecem
tão legais que eu pensei em vir aqui e me apresentar mas agora estou nervosa e estou
falando demais e meu nome é Tagarela e acho que já disse isso.
Houve um silêncio agradável.
Por um instante, Bico-Vivo se apoiou em um pé só.
Então ele respirou fundo e disse:
— É um prazer conhecer você, Tagarela, e eu não acho que você fale muito,
acho que você fala o suficiente e gosto de você, então vamos ser amigos.
Um grande sorriso se abriu no rosto do animalzinho. E, pela primeira vez,
Tagarela ficou sem saber o que dizer.
CAPÍTULO 38
A NOVA AMIZADE

Tagarela não ficou sem saber o que dizer por muito tempo. Ela já estava viva fazia
doze semanas e meia e queria contar a Bico-Vivo todas as coisas empolgantes e
entediantes que já tinham acontecido com ela. Então, enquanto os novos amigos
brincavam, se aventuravam pelo local e comiam juntos, a esquilinha narrava suas
histórias.
— Eu nasci do outro lado da colina e na semana passada decidi que já estava na
hora de eu construir meu primeiro ninho, então agora moro naquela árvore com um
calombo esquisito no tronco — disse Tagarela enquanto os dois chutavam pedrinhas
no lago.
Bico-Vivo ouvia a nova amiga com curiosidade.
— Uma vez uma doninha me perseguiu pelas copas das árvores até que não
conseguiu se segurar em um galho e caiu num arbusto lá embaixo. Ela saiu toda
desconjuntada e nunca mais me perturbou — disse ela enquanto os dois se
esgueiravam por dentro de um tronco oco.
E quando fizeram uma pausa para o lanche, ela falou:
— Eca, que nojo, eu vi você comer aquela formiga, uma vez eu engoli um
mosquito sem querer e não gostei nem um pouco, eu como principalmente bolotas,
casca de árvore, brotos e algumas vezes as frutinhas deliciosas que crescem no seu
jardim.
Mas Tagarela era tão boa ouvinte quanto era faladora. E sempre que era a vez de
Bico-Vivo falar, ela ficava em silêncio e prestava atenção a cada palavra que o
pequeno ganso dizia.
Você sabe quem mais gostava das conversas deles? Nossa robô, Roz. A mãe
protetora estava sempre por perto e sentia uma coisa parecida com divertimento ao
ouvir aquelas conversinhas bobas, e sentia também uma coisa parecida com
felicidade por seu filho ter feito uma amiga tão especial.
CAPÍTULO 39
O PRIMEIRO V

Bico-Vivo tinha passado a vida inteira à beira do lago e estava começando a ficar
muito curioso para saber o que havia além da sua vizinhança. Então, certo dia a mãe
disse a ele:
— Vamos dar uma volta, e vou lhe mostrar mais água do que você jamais
poderia imaginar.
Roz colocou o filhote de ganso no ombro e os dois foram andando pela ilha.
Saíram da floresta, atravessaram a Grande Campina e subiram a montanha até
chegarem ao topo do espinhaço ocidental da ilha. Diante deles havia um declive
coberto de grama que descia até as ondas negras e revoltas que cercavam o local.
— Quanta água — disse o filhote de ganso, com os olhos arregalados. — Sou
um bom nadador, mas não o bastante para atravessar esse lago.
— Não é um lago, Bico-Vivo — retrucou a robô. — É um oceano. Duvido que
alguma ave consiga atravessar um oceano nadando.
Ondas se formavam no horizonte.
Gaivotas voavam em círculos no litoral.
Uma brisa constante soprava pela encosta.
Havia bem pouco tempo a penugem amarela de Bico-Vivo tinha se transformado
em uma camada de sedosas penas marrons, e ele abriu as asas cheias de penas ao
vento. Então…
— Mamãe, olhe só! — Por um breve instante, o vento ergueu Bico-Vivo do
chão. Mas ele rapidamente tombou para trás, caindo na grama macia. — Eu voei! —
gritou ele.
— Aquilo não foi voar — disse Roz, olhando para o filho, que estava de cabeça
para baixo.
— Bem, eu quase voei. Vou tentar de novo!
— Já observei muitas aves em pleno voo — disse Roz. — Às vezes elas batem
as asas bem rápido, e em outros momentos voam sem bater as asas. Ficam com elas
abertas e planam ao vento.
— Então eu estava planando? — perguntou Bico-Vivo.
— Quase. Ali, veja aquela gaivota planando. Parece que ela não está fazendo
nada, mas, se olhar mais de perto, vai ver que ela está fazendo pequenos ajustes com
as asas e o rabo. Acho que você deveria tentar ajustar suas asas ao vento, como ela.
Bico-Vivo subiu em uma pedra e abriu bem as asas.
— O vento está me empurrando para trás!
— Mude o ângulo das suas asas — aconselhou a mãe. — Vejamos o que
acontece quando elas cortarem o vento.
Bico-Vivo inclinou lentamente as asas para baixo. Quanto mais as virava, menos
o vento o empurrava para trás. E assim que suas asas se nivelaram…
— Mamãe, veja! — guinchou ele quando seus pés saíram do chão. — Estou
planando! Estou planando!
Ele pairou no lugar por um segundo, subindo um pouco mais, e em seguida foi
atirado na grama macia novamente.

O filhote de ganso subiu repetidas vezes na pedra, planando no vento e tombando


na grama, até que começou a ganhar confiança. A cada tentativa ele flutuava um
pouco mais alto e por um tempo um pouco maior, e finalmente Bico-Vivo planou de
verdade. Ele conseguiu alcançar uma elevação alta no ar e ficou lá, flutuando.
Abaixou as asas e sentiu que mergulhava. Mexeu as penas do rabo e sentiu que
mudava de direção para a frente e para trás.
— Eu levo jeito! — gritou ele.
— Você está se saindo muito bem — disse Roz —, mas precisa continuar a
praticar.
Eles passaram a tarde juntos, com Bico-Vivo praticando no espinhaço. Quando
se sentiu à vontade com a planagem, o jovem ganso tentou bater as asas. Ele bateu as
asas alto no ar. Bateu as asas em linha reta. Bateu as asas em círculos. Um grande
sorriso se abriu no rosto dele. Ficou claro que Bico-Vivo tinha sido programado
para voar.
— Estou voando, mamãe! Estou voando de verdade!
— Você está voando! Muito bem!
Bico-Vivo era agora um verdadeiro voador. Mas todos aqueles voos o deixaram
exausto. Ele baixou em direção ao solo e tombou na grama uma última vez. Ainda
precisava aprimorar o pouso.
Roz colocou Bico-Vivo no ombro e partiu de volta para o Ninho.
— Não acredito que sei voar, mamãe — disse Bico-Vivo, com a voz sonolenta.
— Eu só queria… Só queria que você pudesse voar comigo.
Então as palavras do jovem ganso foram substituídas por sua respiração tranquila
e regular.
CAPÍTULO 40
O NAVIO

Bico-Vivo só queria saber de voar, e seu lugar favorito para treinar era acima das
montanhas gramadas. A robô e o jovem ganso passavam as tardes por lá,
aperfeiçoando os aspectos mais sutis do voo. Foi em uma dessas tardes que eles
notaram algo misterioso bem longe no mar.

Bico-Vivo desceu em espiral até a mãe, tombou na grama e apontou para o


horizonte.
— Mamãe, o que é aquela coisa?
O cérebro computadorizado de Roz encontrou a palavra certa.
— Aquilo é um navio.
— O que é um navio?
— Um navio é uma grande embarcação usada para transporte oceânico.
O rosto de Bico-Vivo se contorceu, confuso.
— Usado por quem?
— Não sei.
Era o primeiro navio que os dois avistavam. Àquela distância, parecia estar se
movendo lentamente, mas na verdade cortava as ondas a toda velocidade. Àquela
distância, parecia pequeno, mas na verdade era um dos maiores navios já
construídos. A robô e o jovem ganso observaram enquanto ele se arrastava pelo
oceano até finalmente desaparecer ao sul.
De onde o navio tinha vindo? Para onde estava indo? Quem estava a bordo? Roz
e Bico-Vivo tinham muitas perguntas, mas nenhuma resposta.
CAPÍTULO 41
O VERÃO

Nos dias claros de verão, Roz, Bico-Vivo e Tagarela gostavam de sair para
explorar. Eles investigavam a ponta arenosa da ilha, ao sul. Observavam,
admirados, os arco-íris que se formavam na queda d’água. Dos galhos das árvores
altas, inspecionavam a floresta. Conheciam novos animais amigáveis, e às vezes
alguns antipáticos. Mas as únicas criaturas com as quais eles precisavam se
preocupar eram os ursos.
Certa vez, deram de cara com um pescando no rio, e Roz sussurrou:
— Vocês sabem o que fazer.
Bico-Vivo voou alto, afastando-se, Tagarela correu de volta para casa pelas
copas das árvores e Roz se camuflou na paisagem como só ela sabia fazer. Mais
tarde, eles se reuniram no Ninho e contaram aos vizinhos tudo sobre como tinham
ficado cara a cara com o perigo.
Nos dias monótonos de verão, eles ficavam em casa. Roz perguntava a Bico-
Vivo e Tagarela sobre como era sonhar, voar, comer e todas as outras coisas que
eles podiam fazer, mas ela não. No entanto, os jovens tinham energia demais para
ficarem parados por muito tempo. Passaram uma tarde chuvosa chutando bolotas
pelo Ninho. Tagarela as empilhava, em seguida Bico-Vivo as chutava com sua
grande pata, e as bolotas voavam longe. Os dois amiguinhos corriam atrás das
bolotas enquanto elas ricocheteavam, rolavam e rodopiavam pelo chão. Então
faziam uma nova pilha e chutavam outra vez. Às vezes uma das bolotas batia no
corpo de Roz — bamp! —, e todos eles davam risada juntos. Até Roz ria.
— Rá, rá, rááá! — ria a robô, tentando parecer natural.
Nas noites de verão em que não havia nuvens no céu, eles se sentavam do lado de
fora e fitavam os vaga-lumes piscando ao redor do lago. Depois se deitavam e
contemplavam o céu escuro.
— Aquele círculo grande é a lua — explicou Tagarela. — E aquelas luzinhas se
chamam estrelas, e uma vez tentei contar todas elas, mas só sei contar até dez, então
contei até dez várias vezes e não faço ideia de quantas estrelas têm lá, só sei que são
mais de dez.
— Nem todas as luzinhas são estrelas — corrigiu Roz. — Algumas são
planetas.
— O que é um planeta? — perguntou Tagarela.
— Um planeta é um corpo celeste que gira em torno de uma estrela.
— O que quer dizer “celeste”?
— Celeste é alguma coisa que está no espaço sideral.
— O que é o espaço sideral?
— Espaço sideral é o universo para além da atmosfera do nosso planeta.
— O que é o universo?
— O universo é todas as coisas e todos os lugares.
— Ah, então o universo é a nossa ilha?
Nenhum deles jamais compreenderia de fato o universo, nem mesmo Roz. Os
conhecimentos de seu cérebro computadorizado só iam até ali. Ela podia falar da
Terra, do Sol, da Lua, dos planetas e de algumas estrelas, porém não muito mais que
isso. O céu noturno estava repleto de luzes que se deslocavam com grande rapidez,
tremeluziam e piscavam, luzes que ela simplesmente não sabia identificar. Ficou
claro que Roz não tinha sido programada para ser astrônoma.
Nas noites monótonas de verão, Roz e Bico-Vivo se aninhavam um no outro, só
os dois, e ficavam ouvindo a chuva tamborilar no telhado do Ninho. A robô contava
histórias sobre pinhas irritantes, tempestades terríveis e insetos que se camuflavam.
Mas o som da chuva sempre deixava Bico-Vivo sonolento, e ele dormia antes que
sua mãe conseguisse terminar uma história.
CAPÍTULO 42
A FAMÍLIA ESTRANHA

Era uma tarde abrasadora, e o calor tinha deixado todo mundo de mau humor. Roz
estava parada à sombra, observando o filho na água. Os outros gansos jovens
estavam implicando com ele por causa de alguma coisa quando de repente
começaram a gargalhar. Bico-Vivo então se virou e saiu apressado para casa com
uma expressão irritada. Ele entrou como um furacão no jardim e passou pela mãe
sem dizer uma palavra.
— O que aconteceu, Bico-Vivo? — perguntou Roz, seguindo o filho Ninho
adentro.
— Nada! — guinchou ele. — Me deixe em paz!
— Me conte o que aconteceu.
— Não quero falar sobre isso!
— Talvez eu possa ajudar.
— Mamãe, os outros gansos zombaram de mim.
— O que eles disseram?
— Eles disseram que você é um monstro e depois riram de mim por ter uma mãe
monstro.
— A essa altura, eles já deveriam saber que eu não sou um monstro. Quer que eu
fale com eles?
— Não! Não faça isso! Só vai piorar as coisas.
Roz se sentou ao lado do filho.
— Mamãe, eu sei que você é um robô. Mas não compreendo o que é um robô.
— Um robô é uma máquina, Bico-Vivo. Eu não nasci. Eu fui montada.
— Mas quem montou você?
— Não sei. Eu não me lembro de quando me montaram. Minha primeira
lembrança é de acordar no litoral norte desta ilha.
— Você era menor naquela época? — perguntou o jovem ganso.
— Não, sempre fui deste tamanho. — Roz olhou para seu corpo desgastado. —
Mas eu costumava ser reluzente, como a superfície do lago. Costumava ficar mais
reta do que um tronco de árvore. Falava outra língua. Não cresci, mas mudei muito.
Roz queria explicar as coisas para o filho, mas a verdade era que sabia muito
pouco a respeito de si mesma. Permanecia um mistério como ela ganhara vida na
praia rochosa. Era um mistério por que seu cérebro computadorizado sabia
determinadas coisas e outras não. Ela tentava responder às perguntas de Bico-Vivo,
mas suas respostas só deixavam o filho ainda mais confuso.
— Como assim você não está viva? — grasnou o ganso.
— É verdade — confirmou Roz. — Não sou um animal. Não como nem
respiro. Não estou viva.
— Você se mexe, fala e pensa, mamãe. Com certeza está viva.
Era impossível para um ganso tão novinho compreender conceitos técnicos como
cérebros computadorizados, baterias e máquinas. O jovem ganso era muito melhor
em entender noções naturais como ilhas, florestas e pais.
Pais. A palavra de repente deixou Bico-Vivo inquieto.
— Você não é minha verdadeira mãe, é?
— Há muitos tipos de mãe — respondeu a robô. — Algumas mães passam a
vida cuidando dos filhos. Outras põem ovos e imediatamente os abandonam.
Algumas mães cuidam dos filhos de outras mães. Eu tenho tentado agir como sua
mãe, mas não, não sou sua mãe biológica.
— Você sabe o que aconteceu com ela?
Roz contou a Bico-Vivo sobre aquele fatídico dia na primavera. Sobre como as
pedras tinham rolado e apenas um ovo sobrevivera ao desabamento. Sobre como
colocara o ovo em um ninho e o levara consigo. Sobre como cuidou do ovo até que
um filhotinho rompeu a casca. Bico-Vivo ouviu atentamente até ela terminar de
falar.
— Devo parar de chamar você de mamãe? — perguntou o filhote de ganso.
— Vou continuar agindo como sua mãe, não importa como me chame — disse a
robô.
— Acho que vou continuar a chamar você de mamãe.
— Acho que vou continuar a chamar você de filho.
— Nós somos uma família estranha — constatou Bico-Vivo, com um sorriso
tímido. — Mas eu gosto mesmo assim.
— Eu também — disse Roz.
CAPÍTULO 43
O FILHOTE SAI VOANDO

Deve ser difícil ter uma mãe que é um robô. Acho que a parte mais complicada para
Bico-Vivo era todo o mistério que havia em torno de Roz. De onde ela tinha vindo?
Como era ser um robô? Ela sempre estaria ao lado dele?
Essas perguntas ocupavam a mente do jovem ganso, e seus sentimentos pela mãe
oscilavam entre amor, confusão e raiva. Tenho certeza de que muitos de vocês
sabem como é. Roz podia perceber que Bico-Vivo estava fazendo um grande
esforço para compreender, então passava muito tempo conversando com ele sobre
famílias, gansos e robôs.
— Há outros robôs na ilha? — perguntou Bico-Vivo em uma dessas conversas.
Ele estava sentado ao lado da mãe no jardim, mas naquele momento se levantou e
a encarou.
— Sim, há outros robôs na ilha — respondeu Roz —, mas estão todos
inoperantes.
— Inoperantes?
— Para um robô, estar inoperante é o mesmo que estar morto.
— Onde estão os robôs mortos?
— Na praia ao norte da ilha.
— Quero ver!
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Por que não?
— Você ainda é um filhote. É muito novo para ver robôs mortos. Quando for
maior, levo você até lá.
— Mamãe, eu não sou mais um filhote! — Bico-Vivo estufou o peito. — Já
tenho quatro meses!
— Sinto muito, de verdade — disse Roz —, mas você não pode ir.
Bico-Vivo saiu pisando duro e grasnando pelo jardim.
— Não é justo!
— Prometo levar você para ver os robôs quando for mais velho — disse a robô.
— Mas eu quero ir agora!
— Por favor, se acalme.
— Você nem consegue voar! Eu posso sair voando por aí, e você não vai
conseguir me impedir!
Roz ficou de pé e sua sombra comprida encobriu o filho. O jovem ganso podia
sentir suas emoções oscilando descontroladamente. Por um momento, ficou
realmente com medo da mãe. Sem pensar, saiu correndo em direção ao lago, bateu
as asas e voou.
CAPÍTULO 44
O FUGITIVO

— Seu filho vai ficar bem — disse Asa-Ruidosa. — Você sabe como eles são nessa
idade.
— Não sei, não — retrucou Roz. — Por favor, me conte como eles são nessa
idade.
— Está certo. Bem, Bico-Vivo está crescendo rápido. É natural que gansos
adolescentes sejam um pouco… temperamentais. Ele só precisa ficar um pouco
sozinho. A criação que você deu a ele foi maravilhosa. Sei que ele vai voltar logo
para casa. Tente não se preocupar.
Mas Roz estava preocupada. Pelo menos se preocupava tanto quanto um robô é
capaz de se preocupar. Bico-Vivo nunca havia fugido, e de repente o cérebro de Roz
começou a computar tudo o que poderia dar errado. Uma tempestade violenta. Uma
asa quebrada. Um predador. Ela tinha que encontrá-lo antes que algo de ruim
acontecesse.
Só havia um lugar para onde Bico-Vivo poderia ter ido. O cemitério de robôs.
Então Roz saiu em disparada em direção ao norte da ilha. Ela saltou sobre pedras, se
abaixou para desviar de galhos e atravessou campinas sem diminuir o ritmo. Correu
por toda a ilha até finalmente chegar aos penhascos acima do cemitério.
E lá estava Bico-Vivo, na beirada, olhando para as partes de robô espalhadas na
praia lá embaixo. Seus olhos estavam marejados.
— Não fique brava! — pediu ele quando a mãe se aproximou.
— Não estou brava, mas você não deveria ter saído voando daquele jeito.
Poderia ter se machucado, ou acontecido coisa pior. Fiquei muito preocupada!
— Sinto muito, mamãe.

É
— Está tudo bem — disse Roz. — É natural que gansos da sua idade sejam um
pouco… temperamentais.
— Mamãe, preciso entender o que você é. E acho que ver aqueles outros robôs
pode ajudar.
— Tem razão, pode ajudar. Por que não está lá embaixo?
— Eu estava prestes a descer — explicou Bico-Vivo —, mas fiquei nervoso.
Quero que você vá comigo.
— Então vamos até lá embaixo juntos — disse Roz.
CAPÍTULO 45
OS ROBÔS MORTOS

O jovem ganso planava na brisa ao lado da mãe enquanto ela descia o penhasco
escalando. Lá foram eles, passando por saliências nas pedras, gaivotas e
arvorezinhas até ficarem de pé na praia rochosa, com os penhascos assomando atrás
deles.
O cemitério mudara. O caixote de Roz tinha desaparecido, destruído pelo tempo
ou levado pelas ondas. Algumas das partes dos robôs também haviam desaparecido.
Outras estavam cobertas de areia, ou enroscadas em algas, ou habitadas por
pequenas criaturas fugidias. Um torso amassado ainda tinha a cabeça e as pernas no
lugar. Roz e Bico-Vivo se inclinaram sobre o cadáver e examinaram o emaranhado
de tubos que saía do corpo.
— Essa coisa costumava ser como você? — perguntou Bico-Vivo.
— Sim, somos o mesmo modelo de robô — respondeu Roz.
— E agora este robô está morto?
— De certa forma.
— Você vai morrer um dia, mamãe?
— Acho que sim.
— Eu vou morrer?
— Todas as coisas vivas um dia acabam morrendo.
O rosto do jovem ganso se contorceu de preocupação.
— Bico-Vivo, você vai viver uma vida longa e feliz! — Roz colocou a mão nas
costas do filho. — Não se preocupe com a morte.
O rosto do ganso relaxou. Ele então apontou para uma forma pequena e redonda
na parte de trás da cabeça do robô morto.
— O que é isso? — perguntou.
Roz se inclinou para ver mais de perto.
— É um botão, que é uma protuberância em uma máquina. Ele pode ser
pressionado para operá-la.
Bico-Vivo apertou o botão.
Clique, clique, clique.
— Não acontece nada — retrucou. — Provavelmente porque este robô está
morto.
Clique, clique, clique.
— Mamãe, você tem um botão?
Bico-Vivo observou a cabeça da mãe dar uma volta completa até um pequeno
botão aparecer.

— Você tem um! — exclamou ele. — Nunca tinha reparado!


— Nem eu — disse a robô.
O pequeno ganso riu.
— Ah, mamãe, tem muitas coisas que você precisa aprender sobre si mesma.
Roz tentou alcançar o botão, mas sua mão parou automaticamente antes que
pudesse tocá-lo. Tentou com a outra mão, mas ela também parou.
— Acho que não consigo apertar o botão — disse ela. — Quer tentar?
— O que vai acontecer?
— Provavelmente serei desligada. Mas acho que basta você apertar o botão outra
vez para me ligar de novo.
— Você acha? — grasnou Bico-Vivo. — E se estiver errada? E se acordar
diferente? E se nunca mais acordar? Mamãe, não quero desligar você!
Roz voltou a girar a cabeça e viu que o rosto de Bico-Vivo estava contorcido de
preocupação novamente. Ela se ajoelhou ao lado dele e disse:
— É claro que você não precisa me desligar! Sinto muito se o assustei. Você está
bem?
— Estou.
Bico-Vivo fungou e secou os olhos. Então ouviu o barulho de esguichos de água.
Eram as lontras brincando no mar. Ele nunca tinha visto lontras. Observou-as
nadarem, mergulhando e batendo umas nas outras. Pareciam estar se divertindo
muito, e de repente o jovem ganso começou a rir de novo.
— Olá, meu nome é Bico-Vivo! — gritou ele por cima das ondas. — E esta é a
minha mãe! O nome dela é Roz!
Na última vez que viram Roz, as lontras pensaram que ela era algum tipo de
monstro. Desde então, haviam ouvido dizer que ela era bastante simpática e que até
tinha adotado um filhote de ganso órfão. Por isso as lontras sorriram para Roz e
Bico-Vivo. Em seguida, nadaram na direção deles e saltaram sobre as pedras.
— Olá! — disse a maior das lontras. — É um prazer conhecer todos vocês! Na
verdade, Roz, já nos vimos antes, mas você não deve se lembrar de mim. Meu nome
é Conchita.
— Eu me lembro de você — disse a robô. — Mas fico feliz por saber seu nome
agora, Conchita.
— Vocês se conhecem? — perguntou o jovem ganso.
— Essas lontras foram os primeiros animais que conheci — explicou Roz. —
Também foram os primeiros animais que fugiram de mim.
— É, desculpe-nos por isso — disse Conchita enquanto as outras lontras
farejavam as pernas de Roz. — Sabe, Bico-Vivo, quando vimos sua mãe pela
primeira vez, ela estava dentro de uma caixa e rodeada de uma coisa macia e
úmida…
Bico-Vivo franziu o cenho.
— Você não ia acreditar em como ela parecia pequena, toda dobrada lá dentro…
Bico-Vivo fungou.
— Achamos que ela estivesse morta, mas, quando abrimos a caixa, ela ganhou
vida e saiu lá de dentro parecendo um monstro reluzente!
Os olhos de Bico-Vivo ficaram marejados, e ele sentiu a mãe pegá-lo nos braços.
— Você está bem? — sussurrou ela no ouvido dele.
— Acho que já aprendi o bastante sobre robôs por hoje — sussurrou ele de
volta.
— Sinto muito, lontras — disse Roz —, mas realmente temos que ir.
— Espero não ter chateado o rapazinho! — falou Conchita. — Achei que ele
quisesse saber como nos conhecemos.
— Bico-Vivo vai ficar bem — garantiu Roz, com uma voz simpática. — Mas
tivemos um dia muito cheio e precisamos voltar para casa. Foi bom vê-las de novo.
Adeus!
Roz se virou e, com passadas largas, levou o filho para longe do cemitério, até a
base dos penhascos.
— Quer ficar sentado no meu ombro enquanto escalo? — perguntou a robô.
— Estou com vontade de voar — respondeu ele. — Encontro você lá em cima.
Bico-Vivo bateu as asas e desapareceu no céu. Roz começou a escalar a parede
de pedra. Lá foi ela, enfrentando com destreza as saliências e as colunas rochosas até
chegar ao topo do penhasco, onde dois jovens ursos estavam à espera.
CAPÍTULO 46
A LUTA

— Olá, ursos, meu nome é Roz.


— Ah, nós sabemos quem você é — disse a irmã urso, sua voz cheia de
sarcasmo. — Estamos muito felizes por encontrá-la novamente.
— É, estamos muito felizes por encontrá-la novamente! — repetiu o irmão urso.
— Por que você sempre repete o que eu digo? — perguntou a irmã. — É tão
irritante!
— Eu só estava dando apoio!
— Deixe que eu falo!
— Tudo bem! Não precisa ficar tão nervosa!
Foram interrompidos pela voz mais simpática da robô.
— Com quem tenho o prazer de falar?
— Que falta de educação da nossa parte — disse a irmã. — Meu nome é Urtiga
e este é meu irmãozinho, Espinho.
— Não sou seu irmãozinho coisa nenhuma! — retrucou Espinho, sussurrando.
— É um prazer conhecê-los — disse Roz. — E sinto muito, mas realmente
tenho que ir.
— E nós sentimos muito por não poder deixá-la ir — disse Urtiga, se colocando
no caminho de Roz. — Eu e meu irmão não gostamos de monstros.
— Não sou um monstro. Sou um robô.
— O que quer que você seja, não gostamos de você! — exclamou Espinho.
— Ficamos sabendo que você está se sentindo bastante à vontade na nossa ilha
— disse Urtiga. — E agora vamos deixá-la sem vontade de continuar na nossa ilha.
— É, vamos deixá-la sem vontade de continuar na nossa ilha!
— Pare de repetir o que eu digo, Espinho!
A pobre Roz estava seriamente encrencada. Encurralada pelos ursos, ela não
podia correr, nem se esconder ou lutar. A robô não sabia o que fazer. Mas antes que
pudesse agir, ouviu um grasnado alto e viu um monte de penas.
— Fiquem longe da minha mãe! — Bico-Vivo voou baixo e aterrissou entre os
ursos e a robô.
— Então é verdade o que estão dizendo! — Urtiga riu. — Tem mesmo um ganso
nanico que acha que a robô é a mãe dele! Como alguém pode ser tão burro? Faça um
favor a si mesmo, seu ganso nanico, e saia voando antes que se machuque!
— Ela está certa, Bico-Vivo! — disse Roz. — Por favor, deixe que eu cuido
disso!
Mas o jovem ganso não arredou pé de onde estava. Ele abriu bem as asas e saltou
diante da mãe, pronto para defendê-la. Os ursos caíram na gargalhada. Depois, com
uma patada, Urtiga fez Bico-Vivo voar longe, dando uma cambalhota atrás da outra
até ficar estatelado no chão, olhando para o céu, atordoado.
— Esta ilha é nossa — grunhiu Urtiga.
— E está na hora de você dar o fora daqui — rugiu Espinho.
Roz se ergueu o máximo que pôde. Bateu no peito e deu rugidos selvagens e
raivosos. Mas os ursos não se intimidaram. Eles rugiram de volta. E então a
atacaram.
Urtiga agarrou Roz em um abraço de urso bem apertado, enquanto Espinho
golpeava suas pernas com as garras. A robô tentou se soltar, mas os ursos não
desistiriam de sua presa, não daquela vez. Uma nuvem de poeira se formou em
torno do trio conforme eles se aproximavam da beirada do penhasco.
Subitamente algo surgiu do meio das árvores e avançou na direção do penhasco.
A Mãe Ursa. Ela era gigantesca, como uma montanha de pelos dourados. E estava
furiosa. Parecia que aquele seria o fim da nossa robô. Mas a Mãe Ursa não estava ali
para se juntar ao ataque. Estava ali para acabar com ele.
— Urtiga! Espinho! Venham aqui agora mesmo!
Os jovens ursos deviam ter ouvido a mãe, mas fingiram não escutar o que ela
dizia. Urtiga se lançou contra o corpo de Roz. Espinho pegou um dos pés com
ambas as mãos e então, usando toda a sua força, o torceu.
Leitor, os acontecimentos seguintes se desenrolaram muito rápido. Primeiro
houve um estranho som quando o pé direito da robô foi arrancado de sua perna e
saiu voando pelos ares. Então todos caíram. Roz e Urtiga tombaram para os lados ao
longo da beirada do penhasco. Mas Espinho caiu para trás e despencou
da
beirada
do
penhasco.
Você sabe qual é o som mais aterrorizante do mundo? É o uivo de uma mãe ursa
quando vê seu filhote cair penhasco abaixo. O uivo da Mãe Ursa foi tão atordoante
que arrancou Bico-Vivo de seu choque na mesma hora. Foi um uivo tão poderoso e
intenso que fez o corpo inteiro de Roz tremer. Um uivo tão alto que animais o
ouviram claramente por toda a ilha. Mas não houve resposta de Espinho. O uivo da
Mãe Ursa se dissipou lentamente, e ela caiu sem forças no chão.
Roz viu seu pé arrancado voar pela beirada do penhasco e cair na praia lá
embaixo. Passou por gaivotas que voavam em círculos, bateu em uma pedra e sumiu
em meio às ondas. E foi então que a robô notou uma coisa peluda pendurada no
penhasco. Espinho! Seu corpo pendia de uma árvore enraizada na parede rochosa.
Ele agarrava um galho da árvore com força entre os dentes e encarava Roz com os
olhos arregalados e amedrontados.
— Estou vendo o Espinho! — exclamou Roz. — Segurem as minhas pernas,
rápido!
Mãe Ursa e Urtiga ficaram de pé rapidamente. As ursas agarraram as pernas da
robô com a boca e lentamente fizeram Roz descer pela beirada do penhasco.
Espinho começou a gemer entre os dentes cerrados quando viu a robô se aproximar.
Então sentiu seus braços fortes o enlaçarem e ouviu sua voz ribombante gritar:
— Puxem a gente para cima!
— Por favor, não me deixe cair, Roz! Não quero morrer! — gritou Espinho ao
largar o galho.
— Não se preocupe — disse a robô. — Não vou soltar você.
Os momentos seguintes pareceram se arrastar infinitamente. Mãe Ursa e Urtiga
continuaram a puxar as pernas de Roz, e mais partes da robô foram aparecendo até
que uma cabeça coberta de pelos dourados finalmente surgiu, e Espinho se atirou
nos braços de sua família.
CAPÍTULO 47
O DESFILE

— Está doendo? — Bico-Vivo tocou a superfície lisa onde costumava ficar o pé de


sua mãe.
— Não, não está doendo — respondeu Roz. — Mas vou ter dificuldades para
andar.
Os ursos se reuniram em torno do jovem ganso e ficaram olhando para o toco de
perna da robô. Ninguém entendia como um pé podia simplesmente sair daquela
maneira, nem como Roz continuava calma.
— Roz, sinto muito que meus filhotes tenham atacado você — disse a Mãe Ursa.
— Às vezes eles ficam completamente fora de controle.
— Tudo bem. Sei como eles são nessa idade.
— Nem sei como lhe agradecer por ter salvado Espinho. Prometo que meus
filhotes nunca mais vão perturbar você. Não é mesmo?
— Sim, mãe — disseram Urtiga e Espinho em coro.
A robô tentou andar. Ela cambaleava com as pernas desiguais, o que até
funcionava na superfície plana do topo do penhasco, mas, quando Roz adentrou a
floresta, ficou claro que aquilo era um problema. O toco liso não tinha aderência e
escorregava no solo da mata. Então Roz tentou pular em um pé só. Deu alguns
pulinhos e caiu em cima do tronco de uma árvore. Mais alguns pulinhos e se
estatelou.
— Sinto muito por ter quebrado seu pé — lamentou-se Espinho enquanto
ajudava a robô a se levantar do meio das plantas.
— Está perdoado — disse Roz.
Se ela realmente era capaz de perdoar, nunca vamos saber. Mas aquelas eram
palavras gentis, e Espinho se sentiu melhor ao ouvi-las.
— Acho que vou ter que rastejar até minha casa — disse Roz.
— Nada disso! — disse a Mãe Urso. — Tenho uma ideia melhor.
A Mãe Urso se deitou no chão enquanto seus filhotes colocavam Roz em seu
dorso. Então Bico-Vivo voou até os ombros largos da ursa. E quando ambos
estavam acomodados em segurança, o grupo saiu pela floresta.
A robô era pesada, mas aquilo não era nenhum problema para o gigantesco
animal. Mãe Urso caminhava como se fosse perfeitamente normal ter um robô
empoleirado nas costas. Eles formavam uma grande procissão, todos andando juntos
daquele jeito. E a procissão ficou ainda maior quando veados, guaxinins, aves e
diversos tipos de bichos se juntaram a eles. Todos queriam ver a mãe robô sendo
carregada pela mãe ursa. O grupo foi passando por árvores ancestrais, campinas
ondulantes e riachos murmurantes, atraindo mais e mais animais curiosos em sua
caminhada. Foi o maior desfile de animais que já se tinha visto, e bem na frente
estava nossa robô Roz.

Mas o desfile não podia durar para sempre. Conforme o sol foi se pondo, os
outros animais começaram a se dispersar, um a um, e quando eles finalmente
chegaram ao Ninho, restavam apenas os membros originais.
— Chegamos — disse a Mãe Ursa, ajudando Roz a descer. — Não foi melhor
do que rastejar até em casa?
— Ah, sim, foi maravilhoso! — respondeu a robô. — Não consigo imaginar um
jeito melhor de terminar este dia. Muito obrigada.
— Ah, foi mesmo incrível! — guinchou Bico-Vivo. — Meus amigos não vão
acreditar quando eu contar a eles que atravessei a ilha nas costas de um urso!
— Fico feliz que tenham se divertido! — A Mãe Ursa sorriu. — Era o mínimo
que eu podia fazer depois de tudo o que esses dois aprontaram.
O sorriso se transformou em uma expressão fechada, e ela dirigiu um olhar
severo aos filhotes, que de repente ficaram muito interessados em uma pedrinha no
chão.
Estava tarde, e tinha sido um dia longo e difícil para todos, então os ursos se
despediram e voltaram para sua caverna. Bico-Vivo e Roz ficaram parados no
jardim, observando seus novos amigos se afastarem.
— Mamãe, você acha que um dia vai voltar a andar? — perguntou o jovem
ganso.
— Não tenho certeza — respondeu a robô —, mas sei a quem vou pedir ajuda.
Agora vá se aprontar para dormir.
CAPÍTULO 48
O NOVO PÉ

O sr. Castor olhou atentamente para o toco na perna de Roz.


— Nunca construí um pé — murmurou para si mesmo, mexendo nos bigodes.
— Na verdade, temos três problemas a resolver. O pé precisa aderir ao chão. E
precisa ser durável. E, por fim, preciso saber como fixá-lo à perna. Acho que vou
ter que consultar alguns amigos.
— Ela vai voltar a andar? — perguntou Bico-Vivo.
— O que disse? — O sr. Castor estava perdido em pensamentos. — Ah, não se
preocupe. Apenas relaxe e deixe que eu cuido de tudo. Adoro desafios!
O sr. Castor mergulhou no lago e voltou pouco depois rolando um grande
pedaço de tronco de árvore.
— Diga oi ao seu novo pé! — disse ele, batendo no tronco com a cauda.
— Olá, novo pé — disse a robô.
— É assim que se fala. Esta preciosidade é de uma das árvores mais duras que já
roí. Só preciso fazer algumas modificações.
O sr. Castor colocou o pedaço de madeira ao lado de Roz. Semicerrou os olhos,
reposicionou a madeira e manteve os olhos semicerrados por mais alguns instantes.
Com as garras, fez marcações em diferentes pontos do pedaço de madeira. Em
seguida, colocou seus dois dentões em ação. O castor mastigou, roeu e esculpiu o
pedaço de madeira, girando-o com as patas.
Tagarela observava de cima de um galho e falava durante os momentos de
silêncio.
— Isso me lembra da vez que vi uma raposa pegar um lagarto pelo rabo, e de
algum modo o rabo do lagarto caiu e ele fugiu e mais tarde vi que o lagarto tinha um
novo rabo, e agora a Roz vai ter um novo pé e tudo vai ficar bem.
O pé de madeira tomava forma, e em pouco tempo o sr. Castor estava parado ao
lado de uma bela escultura que parecia uma bota. Ele tentou encaixá-la no toco da
perna de Roz, mas a abertura era muito pequena. Então ele raspou mais a madeira
até chegar a um encaixe perfeito.
— Muito bom! — disse ele, cuspindo uma lasca de madeira. — Meus amigos
devem chegar a qualquer momento com as outras coisas de que vamos precisar.
Olhem eles aí! Quero que conheçam Rústico, Rude e Tosco. Mas eu os chamo de
Bandidos Peludos.
Três guaxinins gordos entraram no jardim arrastando um emaranhado de vinhas
atrás de si.
— Bom dia — disse Rústico.
— Bom dia — disse Rude.
— Bom dia — disse Tosco.
Você talvez já saiba disto, leitor, mas os guaxinins têm mãos muito ágeis. E os
Bandidos Peludos usaram as deles para amarrar habilidosamente as vinhas em torno
da perna e do novo pé da robô. As vinhas se prenderam perfeitamente a todas as
mossas, amassados e arranhões. Quando estavam bem amarradas, o sr. Castor
jogou a cabeça para trás e gritou:
— Marteleiro! Precisamos da sua ajuda!
Fez-se silêncio.
E então três batidinhas rápidas ecoaram, vindas das copas das árvores.
— Ah, deve ser ele — disse o sr. Castor, sorrindo.
Um belo pica-pau chegou voando no jardim.
— Me chamou? — disse a voz melodiosa do pica-pau.
— Chamei, sim! Pessoal, este é o Marteleiro, meu amigo pica-pau. Agora,
Marteleiro, precisamos de um pouco de resina de árvore, daquela bem grudenta.
Você pode nos ajudar?
— É claro que sim! — respondeu o pica-pau. — Tem um pinheiro perfeito bem
aqui!
Marteleiro voou até um pinheiro velho e enrugado e fez alguns buracos na casca.
Uma resina espessa feito xarope começou a escorrer pelo tronco. O sr. Castor
pegou punhados da resina e passou em volta de todo o pé de madeira e das vinhas,
até que tudo ficou brilhando de tão grudento. E quando a resina secou, pouco depois,
o pé de Roz estava pronto.
— Mas que maravilha! — exclamou a robô enquanto caminhava pelo jardim. —
Estou novinha em folha!
O sr. Castor, Marteleiro e os Bandidos Peludos foram embora se sentindo muito
satisfeitos consigo mesmos. Tinham feito uma coisa bem legal. Mas aquele era o
primeiro pé de madeira que haviam construído. E em uma semana as vinhas estavam
se soltando e o pé começou a ficar frouxo. Então eles voltaram, determinados a fazer
aquilo funcionar. Encontraram madeira ainda mais dura e vinhas ainda mais
resistentes. Fizeram experimentos com a resina, aquecendo-a na fogueira, deixando
que fervesse e ficasse mais espessa, até que se tornou uma cola indestrutível.
Ajustaram o modelo, e, finalmente, Roz tinha um pé de madeira no qual podia
confiar.
— Formidável! — O sr. Castor deu batidinhas com os nós dos dedos na nova e
aprimorada criação. — Sabia que nós conseguiríamos.
Roz se movia mais devagar do que antes e mancava ligeiramente, mas voltou a
ser quem era, e isso foi um alívio para todos, em especial para Bico-Vivo.
CAPÍTULO 49
O VOADOR

Com as orientações da mãe, Bico-Vivo estava se tornando um voador excepcional.


Não era o maior nem o mais forte, mas era o mais esperto. Ele e a mãe tinham
começado a estudar as técnicas de voo de outras aves. Passavam horas sentados
observando como falcões, corujas, pardais e urubus se movimentavam no ar. Então
iam até a encosta, e Bico-Vivo colocava em prática o que aprendera. Logo começou
a mergulhar, descer rápido, disparar e pairar sobre a ilha. Os gansos adultos faziam
cara feia para seus truques de voo, mas os filhotes o achavam incrível.
Todas as manhãs um grupo de filhotes esperava na água para que Bico-Vivo os
guiasse em direção ao céu. E algumas horas depois ele voltava para casa, encontrava
Roz e lhe contava, agitando as penas do rabo e grasnando, sobre suas últimas
aventuras aéreas.
“Mamãe, os outros filhotes de ganso não sabiam que o ar quente sobe. Então
encontrei uma corrente de ar ascendente e passamos a tarde voando em círculos e
quase não batemos as asas!”
“Mamãe, você viu aquela tempestade de raios hoje? Sabíamos que vinha
encrenca quando um vento do norte começou a soprar, então voamos até alguns
arbustos e ficamos esperando a tempestade passar.”
“Mamãe, acabamos de tentar voar em formação! Nós nos revezamos na frente,
mas todos preferiram me seguir, então liderei o grupo a maior parte do tempo.”
CAPÍTULO 50
O BOTÃO

Bico-Vivo estava pensando no botãozinho na parte de trás da cabeça da mãe. A mãe


também vinha pensando nele. Não conseguiam parar de pensar no que poderia
acontecer se ele fosse apertado. Então, certo dia, decidiram que estava na hora de
descobrir.
Roz se sentou no chão do Ninho. Seu filho ficou de pé em uma pedra atrás dela,
nervoso.
— Estou pronta quando você estiver — avisou a robô.
— Tudo bem — disse o filhote. — Vamos lá.
Bico-Vivo respirou fundo.
Clique.
O corpo de Roz relaxou.
Seu zumbido suave lentamente cessou.
Seus olhos se apagaram.
— Mamãe, consegue me ouvir?
Não houve resposta. Bico-Vivo deu a volta e olhou para o rosto da mãe. Sua
estranha centelha de vida havia se apagado. O jovem ganso nunca tinha se sentido
tão sozinho.
Estava pronto para ligá-la outra vez. Mas e se ela não acordasse? E se
despertasse diferente? O jovem ganso estava com medo de apertar o botão, e
também com medo de não apertar o botão.
Ele respirou fundo.
Clique.
O corpo de Roz se enrijeceu.
Seu zumbido suave recomeçou lentamente.
Seus olhos se acenderam.
— Mamãe, consegue me ouvir?
— Olá, eu sou ROZZUM, unidade 7134, mas pode me chamar de Roz.
A robô disse essas palavras de maneira automática, em uma língua que Bico-
Vivo não entendia. Seu coraçãozinho começou a bater mais rápido quando seus
piores medos pareceram estar se tornando realidade. Mas em seguida aquela voz
familiar retornou, e a robô disse, na língua dos animais:
— Olá, filho. Quanto tempo fiquei desligada? Para mim pareceu apenas um
instante.
— Você ficou desligada por alguns minutos — disse o jovem ganso enquanto
abraçava a mãe. — Mas para mim foi uma eternidade.
CAPÍTULO 51
O OUTONO

Os dias estavam ficando mais curtos. O ar, mais frio. E certa manhã Roz se deparou
com o jardim coberto por geada. Não havia dúvidas de que o outono havia chegado à
ilha.
As folhas das árvores, que tinham sido verdes durante toda a vida da robô, agora
adquiriam muitas outras cores: estavam se tornando amarelas, laranja e
avermelhadas. Em seguida se desprendiam dos galhos e flutuavam com suavidade
até o chão, e aos poucos a floresta foi sendo tomada pelos sons de criaturas correndo
sobre as folhas mortas. As nozes também começaram a cair, batendo em raízes e
pedras e, às vezes, em nossa robô. O perfume das flores se dissipava conforme elas
murchavam. Todos os cheiros e todas as cores vivas da floresta estavam
desaparecendo.
Os bichos também estavam mudando depressa. Animais peludos ganhavam mais
pelos. Animais cobertos de penas ganhavam mais penas. E os escamosos
começavam sua busca por novos lares.
— Caramba. Já está esfriando — coaxou um sapo para o outro. — A hora de
hibernar está chegando.
— Caramba. É melhor eu começar a procurar um bom buraco — coaxou o
segundo sapo. — Você já encontrou algum?
— Ainda não — coaxou o primeiro sapo. — Vou tentar achar um na semana que
vem. Por enquanto, vou aproveitar um pouquinho os últimos raios quentes do sol.
Muitos dos animais da ilha já estavam pensando no período que passariam
hibernando no inverno. Sapos, abelhas, cobras e até os ursos em breve
desapareceriam e ficariam os meses seguintes descansando em seus esconderijos.

E havia as aves. Algumas delas, como as corujas e os pica-paus, passariam o


inverno em seus ninhos, se alimentando do que ainda restasse na ilha que pudessem
comer. Mas as aves migratórias estavam se preparando para sua longa jornada em
direção ao sul, até as terras mais quentes, onde permaneceriam durante o inverno. E,
entre as destinadas a partir, estavam os gansos.
CAPÍTULO 52
O BANDO

Bico-Vivo entrou lentamente no Ninho. Em seu rosto havia uma expressão confusa.
— Mamãe, os outros gansos disseram que em breve teremos que deixar a ilha e
que vamos passar meses fora. É verdade?
— É verdade — confirmou Roz. — Você sabe que os gansos migram para o sul
no inverno, à procura de terras mais quentes.
— E você vai migrar com a gente? — perguntou Bico-Vivo.
— Não posso voar nem nadar, então vou passar o inverno aqui na ilha.
— Posso ficar com você?
— Acho que não é uma boa ideia. Acho que você deve migrar com o bando.

— Quanto tempo vai durar essa migração? — quis saber Bico-Vivo. — Para
onde vamos voar? Quando vamos voltar para casa?
— Não sei. Vamos perguntar aos outros.
Então a robô e o filhote de ganso contornaram o lago, até onde Asa-Ruidosa e
suas amigas conversavam.
— Olá, pessoal — disse Roz. — Bico-Vivo gostaria de perguntar sobre a
migração de inverno do bando.
— Vamos ficar felizes em responder! — exclamou Asa-Ruidosa. — O que quer
saber, rapazinho?
— Quanto tempo vai durar essa migração? — perguntou o jovem ganso. —
Para onde vamos voar? Quando vamos voltar para casa?
— Vamos levar algumas semanas voando para o sul — respondeu Asa-Ruidosa
—, dependendo do clima.
— Vamos nos juntar a outros bandos em um belo lago no meio de uma grande
planície — disse outro ganso.
— E voltaremos para a ilha depois de uns quatro ou cinco meses — acrescentou
mais alguém —, dependendo do clima.
Na volta para o Ninho, Bico-Vivo disse para a mãe:
— Ultimamente tenho sentido uma vontade de voar muito forte. Não apenas em
volta do lago ou da ilha, mas de fazer um longo voo. Uma jornada.
— São seus instintos — explicou a robô. — Todos os animais têm instintos. Eles
ajudam vocês a sobreviverem.
— Você tem instintos? — perguntou o jovem ganso.
— Eu tenho instintos. Eles também me ajudam a sobreviver.
— Meus instintos definitivamente estão me dizendo para voar para o sul no
inverno — confessou Bico-Vivo. — Eu só gostaria que você pudesse ir com a
gente. Vou ficar preocupado com você enquanto estiver fora.
— Não se preocupe. Vou ficar bem — garantiu Roz. — O inverno não pode ser
tão ruim assim.
CAPÍTULO 53
A MIGRAÇÃO

Era véspera da migração, e o sono de Bico-Vivo nunca esteve tão agitado. Roz ficou
observando enquanto ele se debatia e se virava, até que o filho finalmente subiu em
seus braços, e a mãe o ninou até ele dormir, como nos velhos tempos.
Bem cedinho na manhã seguinte, Bico-Vivo saiu do Ninho e olhou para o lago. A
água estava perfeitamente imóvel. Algumas poucas nuvens preguiçosas flutuavam
no céu. Os gansos já haviam começado a se reunir na margem. Pequenas garras
desceram da copa das árvores.
— Hoje é o grande dia, hein? — disse Tagarela, empoleirada em um dos galhos.
— Você vai ver tantas coisas novas e conhecer tantos animais novos, e se encontrar
esquilos no lugar onde vai passar o inverno, por favor, diga a eles que a Tagarela
disse olá!
— É hoje o grande dia — confirmou Bico-Vivo. — O bando vai partir em
breve.
— Está animado, nervoso ou com medo?
— Tudo isso junto.
— Bem, não se preocupe com sua mãe — sussurrou a esquilinha —, vou cuidar
muito bem dela, tenha certeza disso.
Bico-Vivo sorriu.
— Acho que está na hora de ir — disse Roz ao sair do Ninho.
— Tem razão, mamãe. Já estou indo. Vejo você na primavera, Tagarela!
— Tenha uma boa migração, Bico-Vivo! — A esquilinha subiu novamente na
copa das árvores. — Volte para casa com muitas histórias animadas para contar,
mas não histórias animadas demais, porque não quero que nada assustador aconteça
com você. Tchau!
Os gansos grasnavam ansiosos, andando de um lado para outro enquanto faziam
os últimos preparativos. Muitos dos pais estavam reunidos, discutindo planos de
voo, e as mães faziam uma contagem.
— Aí está você, Bico-Vivo! — grasnou Asa-Ruidosa do meio da multidão. —
Já vamos começar!
— Podem me dar um minuto da sua atenção, por favor? — disse o maior dos
gansos. — Como a maioria de vocês já sabe, meu nome é Pescoçudo, e eu vou
liderar a migração deste ano. Peço que todos se juntem a sua família para
decolarmos. Quando estivermos todos no ar, cada família vai assumir sua posição
na formação em V e vamos dar início à primeira etapa da nossa jornada. Alguma
pergunta?
— Eu tenho uma pergunta — anunciou uma voz ribombante. — Meu filho não
vai viajar com a família. Onde ele vai ficar na formação?
Todos se voltaram para Pescoçudo.
— Ele pode voar comigo — respondeu o grande ganso. — Fiquei sabendo que
Bico-Vivo é um voador muito esperto, posso precisar da ajuda dele na frente.
Em seguida, os gansos começaram a bater as asas e grasnar, levantando voo.
Uma nuvem de penas flutuou sobre a robô e seu filho.
— Você não é mais um filhote de ganso — disse Roz. — Estou orgulhosa do
jovem ganso que você se tornou.
Bico-Vivo voou até o ombro da mãe.
— Obrigado, mamãe. — O jovem ganso secou os olhos. — Chegou a hora de
dizermos adeus?
— Chegou a hora de dizermos até logo. A primavera não vai demorar a chegar,
e vamos nos ver de novo.
— Vou sentir sua falta — disse Bico-Vivo enquanto se aconchegava na mãe.
— Também vou sentir sua falta — disse Roz, envolvendo o filho.
O ganso respirou fundo. Depois, sacudiu as penas do rabo, bateu as asas e se
juntou ao bando.
De início, os gansos voaram em um amontoado desorganizado. Mas, devagar,
cada ganso assumiu sua posição até o bando formar um V oscilante. Na frente estava
Pescoçudo, e Bico-Vivo vinha logo atrás da asa esquerda dele. Eles voaram em um
círculo pelo céu até que o V apontou para o sul, e os gansos começaram sua longa
migração. Roz escalou até o topo de uma árvore e ficou observando o bando
desaparecer lentamente no horizonte.
CAPÍTULO 54
O INVERNO

A ilha ficou em completo silêncio. As aves migratórias já haviam partido, os animais


que hibernavam já tinham ido dormir e todos os outros já tinham começado suas
rotinas simples de inverno. Todos com exceção de Roz. Agora que estava sozinha, a
robô não sabia o que fazer. Ficou em pé em seu jardim cinzento e viu uma fina
camada de gelo se formar lentamente sobre o lago. Às vezes ela conseguia ouvir
seus bons amigos, os castores, cuidando de seus afazeres sob o gelo, e então se
perguntava quando os veria outra vez.
Roz ficou parada ali até flocos de neve começarem a cair do céu. Os flocos
rodopiavam na brisa e aos poucos se acumularam no chão, nas árvores e na robô.
Então ela entrou no Ninho, deslizou a grande pedra que servia de porta e ficou
sentada no escuro.
Horas, dias e semanas se passaram sem que a robô se movesse. Roz não
precisava se mexer. Ela se sentia perfeitamente segura no Ninho. E então, à sua
maneira, hibernou.
O corpo de Roz relaxou.
Seu zumbido suave lentamente cessou.
Seus olhos se apagaram.
Ela provavelmente poderia ter passado séculos assim, hibernando na escuridão
total. Mas esse sono profundo foi subitamente interrompido quando um raio de sol
incidiu sobre seu rosto e recarregou sua bateria.
O corpo de Roz se enrijeceu.
Seu zumbido suave lentamente recomeçou.
Seus olhos se acenderam.
— Olá, eu sou ROZZUM, unidade 7134, mas pode me chamar de Roz — disse a
robô de maneira automática.
Quando todos os seus sistemas estavam ativos e funcionando novamente, Roz
notou que estava rodeada de galhos partidos e montes de neve. O telhado do Ninho
desabara, e a toca tinha sido inundada pela luz do sol. Roz se sentia mais energizada
a cada minuto. Mas também sentia frio. Suas articulações estavam rígidas e
estalavam, e seu raciocínio parecia mais lento. Então ela se levantou, limpou um
pedaço do chão e acendeu uma fogueira. A neve dentro do Ninho começou a
derreter, os sensores da robô passaram a descongelar, e, quando estava pronta, ela
saiu pelo buraco no telhado e deu de cara com uma paisagem resplandecente e
desconhecida.
O mundo que Roz conhecia agora estava coberto por uma grossa camada branca.
Os galhos das árvores pendiam na direção do chão sob o peso da neve. O lago
escuro estava completamente branco. O único som era o barulho dos passos de Roz
esmagando a neve.
Fracos fios de fumaça se desprendiam do corpo da robô enquanto ela avançava
com dificuldade pela floresta. Roz enfiou a mão em um monte de neve e puxou um
longo galho seco. Ela o partiu ao meio e atirou os dois pedaços na direção do Ninho.
Deu mais alguns passos e pegou uma árvore caída. Partiu-a em pedaços menores e
também os lançou na direção do Ninho.
Então pegou outra forma coberta de neve. Mas o que ela desenterrou não era um
pedaço de madeira. Era Flecha, a doninha. Ele estava completamente congelado.
Por um instante Roz ficou olhando para seu corpo enrijecido e decidiu que era
melhor deixar a pobre criatura onde estava.
Enquanto continuava a recolher lenha, ela encontrou mais vítimas do frio. Um
rato congelado. Um pássaro congelado. Um veado congelado. Será que todos os
animais da ilha tinham morrido congelados? Não, nem todos. Havia umas poucas
pegadas recentes na neve.
Como sabemos, a natureza selvagem é repleta de beleza, mas também é cheia de
coisas feias. E aquele inverno foi feio. Uma frente fria devastadora atingira a ilha
vinda do norte, trazendo temperaturas perigosas e grande quantidade de neve. Os
animais haviam se preparado para o inverno. Mas nada poderia ter preparado os
mais frágeis para aquelas longas noites, quando a temperatura despencava e ventos
açoitavam a ilha.
Roz voltou para o Ninho, onde o fogo tinha transformado a neve que havia do
lado de dentro em uma sopa de lama. Ela parou um minuto para aquecer o corpo
perto das chamas e em seguida deu início aos reparos. Fechou o buraco no telhado
com galhos entrelaçados antes de acrescentar uma camada de lama e folhas, e logo
concluiu os afazeres. Mas outra nevasca poderia fazer o telhado do Ninho ceder
mais uma vez. Então Roz decidiu manter o fogo aceso dia e noite para impedir que a
neve se acumulasse no telhado.
A robô levou para o Ninho montes e mais montes de lenha. E a cada vez que saía
se lembrava da doninha, do rato, do pássaro e do veado congelados. Quantos outros
animais congelados estariam escondidos sob a neve?
Antes de se recolher ao Ninho para passar a noite, ela gritou para quem pudesse
ouvir:
— Animais da ilha! Vocês não precisam congelar! Juntem-se a mim na minha
toca, onde é seguro e aquecido!
CAPÍTULO 55
OS HÓSPEDES

A luz da fogueira se derramava pelas frestas do Ninho na noite gelada e


tempestuosa. Sentada lá dentro, Roz ouvia o vento, o estalar e o crepitar suave da
madeira queimando. E então a audição aguçada da robô captou outro som: passinhos
esmagando a neve.
— Roz, estou congelando, posso me juntar a você perto do fogo, por favor? —
perguntou uma vozinha fraca.
Tagarela se esgueirou até a luz da fogueira. A esquilinha estava tremendo de
frio, e havia pedaços de neve grudados em seu pelo. Quando finalmente sentiu o
calor do fogo, ela desmaiou. Roz a pegou do chão, a colocou com cuidado sobre
uma pedra aquecida e deixou que dormisse.
Uma hora mais tarde, ouviu mais passos, e uma família de lebres entrou no
Ninho. Todos se reuniram em um canto sem dizer uma palavra. Cauda-Rosa, a
gambá, chegou logo depois.
— Boa noite — balbuciou ela, tentando parecer animada. — Definitivamente
tem feito muito f-f-f-frio.
Rapinoso, a coruja, entrou cambaleando, seguido por alguns chapins e uma pega.
Astuta, a raposa, reconhecia uma coisa boa quando via, e se deitou bem ao lado da
fogueira. Em seguida chegou Escavadora, a marmota. Os Bandidos Peludos
entraram carregando uma velha tartaruga chamada Rochoso, que era quem se
encontrava em pior estado entre eles. Criaturas que deveriam estar hibernando
profundamente na terra tinham sido despertadas por aquele tempo inclemente.
Apenas os animais mais saudáveis, com os lares mais aquecidos, estavam seguros.
Mais e mais animais exaustos apareceram, e aos poucos a toca ficou lotada.
Era a primeira vez que grande parte dos hóspedes via uma fogueira, e eles a
admiravam com um misto de medo e esperança. Podiam sentir o poder destrutivo do
fogo, mas também seu poder restaurador, enquanto aqueciam seus ossos. Os
hóspedes pareciam querer se aproximar, ávidos por mais calor, mas em seguida
recuavam, com medo de ficar quente demais.
Era importante que entendessem como o fogo se comportava. Então Roz os
ensinou a acender uma fogueira. Mostrou aos animais menores como arrumar os
gravetos para acender o fogo, e aos maiores explicou como arrumar a lenha.
Rústico, Rude e Tosco bateram as pedras juntos, e todos comemoraram quando os
três finalmente conseguiram produzir uma faísca.
Quando olhou ao redor, Roz viu toupeiras aninhadas ao lado de uma coruja. Um
rato acomodado entre duas doninhas. Lebres apoiadas em um texugo. Nunca antes a
robô tinha visto predador e presa tão próximos e tão tranquilos. Mas quanto tempo
aquela paz poderia durar?
— Proponho uma trégua — disse Roz —, como a Trégua do Amanhecer.
Todos devem concordar em não caçar nem fazer mal uns aos outros enquanto
estiverem na minha toca.
— Muito bem — concordou Rapinoso, depois de consultar seus amigos
carnívoros.
— Nós, animais caçadores, vamos nos controlar.
— Então está decidido — disse Roz. — Minha casa é um lugar seguro para
todos.
Um a um, todos os hóspedes caíram em um sono profundo. Até as criaturas
noturnas, em geral completamente despertas àquela hora, se entregaram ao
aconchego do Ninho. A robô se acomodou e, em silêncio, manteve o fogo aceso
enquanto seus convidados dormiam. Apenas quando a luz do dia entrou pela porta os
hóspedes começaram a despertar.
— Todos são bem-vindos para ficar aqui o tempo que quiserem — disse a robô
enquanto os animais esfregavam os olhos para espantar o sono. — Sintam-se em
casa.
— Muito obrigada, Roz — disse Astuta, desviando cuidadosamente de uma
lebre e de um pica-pau a caminho da porta. — Acho que não teria sobrevivido mais
uma noite por conta própria. É uma pena não podermos acomodar mais alguns
animais aqui dentro. — E a raposa saiu.
A robô olhou para os pelos e as penas que agora cobriam o chão. O Ninho tinha
ficado completamente lotado naquela noite. Se mais animais tivessem aparecido,
teriam ficado lá fora, no frio. Mas Roz não ia deixar que isso acontecesse.
CAPÍTULO 56
AS NOVAS TOCAS

A segunda toca teria que ser maior do que a primeira, porque era preciso acomodar
Pata-Larga, o alce. Era um animal enorme, e sua pelagem era espessa, mas até ele
estava tendo dificuldades para enfrentar as temperaturas congelantes.
Pata-Larga vivia do outro lado do lago, em uma região densa da floresta que
abrigava muitos animais, a maioria precisando desesperadamente se aquecer. Os
dias de inverno eram curtos, então não havia tempo a perder, e em vez de contornar
o lago Roz testou sua superfície para ver se era seguro atravessá-la. Ela jogou uma
pedra pesada para o alto e observou-a ricochetear no gelo duro ao cair. Então pisou
cuidadosamente sobre o gelo e caminhou até o outro lado da floresta, onde
encontrou Pata-Larga à sua espera. O alce conduziu a robô em silêncio até a clareira
na floresta onde a nova toca seria construída. Roz acendeu uma fogueira e observou
os animais cheios de frio começarem a sair das sombras.
— Não se preocupem — disse ela para o grupo cada vez maior, o ar saindo
como fumaça de seus narizes. — Logo todos estarão aquecidos, mas agora preciso
da ajuda de vocês.
Roz pediu aos animais que recolhessem tudo de útil que pudessem encontrar:
pedras grandes, galhos resistentes, pedaços de lama congelada. Com os
conhecimentos da robô sobre construção e o pequeno exército de ajudantes, a
segunda toca não demorou muito para ficar pronta. Os animais concordaram
alegremente com a trégua proposta por Roz, e em seguida se acomodaram na
redoma de madeira aquecida.
— Se mantiverem o fogo aceso, ele os manterá vivos — explicou Roz enquanto
colocava mais lenha na fogueira. — Mas tenham cuidado. O fogo pode se tornar
mortal em um piscar de olhos.
Começou a cair mais uma nevasca ao amanhecer, e lá estava Roz, saindo do
Ninho para construir uma terceira toca. Ela caminhou penosamente pela Grande
Campina, onde ventos fortes haviam criado enormes montes de neve. Mas a robô foi
em frente e terminou o trabalho, e logo começou a construir uma quarta toca. E em
seguida uma quinta.
A ilha ficou repleta de tocas que brilhavam, aquecidas, nas longas noites de
inverno. E dentro de cada uma delas os animais riam, compartilhavam histórias e
davam vivas a sua boa amiga Roz.
CAPÍTULO 57
O INCÊNDIO

Estranhos sons ecoavam do lado mais distante do lago. O que começara como um
murmúrio baixinho aos poucos tinha se tornado um coro de vozes aterrorizadas.
Havia um brilho sinistro naquela parte da floresta, e uma densa coluna de fumaça
começou a subir por entre as copas cobertas de neve das árvores.
Roz saiu correndo sobre o gelo e encontrou a segunda toca completamente
tomada por um incêndio de grandes proporções. Animais assustados corriam para
todos os lados, fugindo para se salvar em meio à neve espessa.
— O que aconteceu? — gritou Roz quando Pata-Larga passou galopando
desabalado por ela.
— Colocamos lenha demais na fogueira! — respondeu ele sem parar. — As
chamas chegaram ao teto!
— Meu bebê ainda está lá dentro! — gritou uma mãe lebre, apontando para a
toca em chamas. — Alguém me ajude! Por favor!
Roz não hesitou. Saiu em disparada pela neve e entrou na toca. Havia fogo e
fumaça por toda parte. Uma grande pilha de lenha queimava na fogueira. Do outro
lado, uma pequena bola de pelo tremia de medo. Rastejando, a robô avançou por
baixo da fumaça e em meio às chamas, e com cuidado pegou o filhotinho de lebre.
— Não se preocupe! — gritou Roz acima do fogo que rugia. — Você vai ficar
bem!
Ela se virou para sair, mas a entrada tinha começado a ceder. Então, protegeu a
pequena lebre com seu corpo e arrebentou a parede da toca. Pedaços de madeira em
chamas voaram pelos ares quando a robô e a lebre irromperam do lado de fora, na
neve macia.
— Ah, querida, você está bem! — gritou a mãe lebre, apertando a filha contra o
peito. — Obrigada por salvar meu bebê, Roz!
Agora que todos tinham saído da toca em segurança, a robô voltou sua atenção
para apagar o incêndio. Seus olhos brilhantes buscavam ao redor enquanto ela
elaborava um plano. Então, usando toda a força que tinha nas pernas, Roz deu um
impulso, na direção dos galhos cobertos de neve do pinheiro mais próximo. Em
seguida, sacudiu a árvore violentamente, e montes de neve escorregaram dos galhos
e caíram sobre o fogo como uma avalanche. Uma nuvem de fumaça se elevou do
monte de neve que atingiu o fogo. As chamas se apagaram depressa, a neve derreteu
rapidamente, e em minutos tudo o que restava era a base carbonizada da toca.
Roz desceu da árvore e esperou os animais assustados retornarem aos poucos.
Então perguntou a eles:
— Gostariam de uma nova toca?
Os animais se entreolharam sem saber o que fazer. Compreensivelmente, tinham
medo de outro incêndio. Mas tinham muito mais medo de morrer de frio. Então se
reuniram e trabalharam com Roz para construir um abrigo melhor e maior onde
antes ficava o antigo. A nova toca tinha o teto mais alto e um fosso mais profundo
para acender a fogueira. Era feita com mais pedras e menos madeira, e dispunha de
um estoque de água para emergências. Mas o que mais importava no quesito
segurança nessa nova toca eram os próprios habitantes, que agora respeitavam o
fogo.
CAPÍTULO 58
AS CONVERSAS

Graças à trégua de Roz, a vida dentro do Ninho seguia em harmonia na maior parte
do tempo. Mas quando os animais estavam do lado de fora, tudo voltava a ser como
antes. Às vezes um hóspede não voltava. Às vezes um hóspede voltava na barriga de
outro. Como você pode imaginar, isso causava alguns momentos constrangedores.
Então, quando todos estavam reunidos ao redor da fogueira, tentavam tornar o clima
agradável mantendo conversas como esta:

— Eu me pergunto o que Bico-Vivo está fazendo agora. — Deitada, Tagarela


olhava para o teto enquanto falava. — E onde ele está, e com quem está, e se de vez
em quando pensa em nós aqui na ilha.
— Tenho certeza de que ele pensa em nós — disse Roz. — Eu penso nele o
tempo todo.
— Gosto de imaginar que os gansos tiveram um voo divertido até o local onde
estão passando o inverno, e que agora Bico-Vivo está nadando em um lindo lago,
comendo coisas gostosas e fazendo amigos incríveis, mas espero que eles não sejam
incríveis demais, porque quero continuar sendo a melhor amiga dele se for possível.
— É um belo pensamento — disse Roz. — Mas eu fico preocupada de o bando
ter ficado preso nesse clima gelado. Não acho que eles se sairiam muito bem aqui.
— Não se preocupe, tenho certeza de que todos estão bem — disse Tagarela. —
O Bico-Vivo voa muito bem, e sei que ele vai manter os outros gansos em
segurança.
— Ele voa muito bem — disse Roz. — Mas mesmo assim me preocupo.

***

— A vida é curta — Escavadora, a velha marmota, estava fazendo outro de seus


discursos diante da fogueira. — Terei sorte se viver até a primavera. Não quero que
tenham pena de mim. Tive uma vida boa. Mas vou lhes dizer uma coisa: se pudesse
fazer tudo de novo, passaria mais tempo ajudando os outros. Cavei túneis minha
vida inteira. Alguns deles eram verdadeiras joias, mas ficavam todos escondidos
debaixo da terra, onde não tinham utilidade para ninguém além de mim. E nem
sequer foram úteis para mim neste inverno! Ah, mas os castores sabem das coisas.
Construíram aquele belo dique, dando origem a um lindo lago que tornou a vida de
todos nós melhor. Deve ser uma sensação muito boa!
— Os castores também tornaram nossa vida melhor de outra maneira —
comentou Astuta. — Eles ensinaram Roz a construir tocas.
— É verdade! — exclamou Escavadeira. — Roz, você deve ter salvado metade
da ilha com suas tocas! E pensar que costumávamos chamá-la de monstro. Vou
retribuir o que você fez por mim, nem que seja a última coisa que eu faça.
— Sua amizade já é suficiente — disse Roz.
— Ah, por favor, sua doçura está me deixando enjoada. Deve ter alguma coisa
que possamos fazer!
— A amizade de vocês é o suficiente, de verdade. Amigos podem ajudar uns aos
outros. E vou precisar de toda a ajuda que puder conseguir. Minha mente é
resistente, mas meu corpo não vai durar para sempre. Quero sobreviver o máximo
que puder. E para isso vou precisar da ajuda dos meus amigos.
Os animais ouviram Roz em silêncio e pensaram nas dificuldades que eles
mesmos enfrentavam para sobreviver. A vida na natureza era dura para todos; não
havia como fugir desse fato. Mas a robô tornara a vida deles um pouco mais fácil. Se
pudessem, os animais iriam retribuir esse favor.

***

— Já vi noventa e três invernos, muito mais do que qualquer um de vocês — disse


Rochoso, a tartaruga, lentamente, mas todos sempre ouviam o que ele tinha a dizer.
— E posso lhes garantir que os invernos estão ficando mais frios, e os verões, mais
quentes, e as tempestades estão se tornando mais violentas.
— Ouvi dizer que o nível dos oceanos está subindo — falou Tagarela —, mas
não entendo como pode ser verdade, quer dizer, de onde vem toda essa água extra?
— Tem razão, houve um aumento no nível dos oceanos — confirmou Rochoso.
— Meu avô costumava dizer que muito tempo atrás isso aqui não era uma ilha. Era
uma montanha cercada de planícies. E então a terra tremeu, os mares subiram e a
terra foi lentamente inundada até que a montanha se transformou nesta ilha. Animais
de toda parte e de muito longe foram forçados a vir para cá para fugir das
inundações. Nos primeiros anos, havia animais demais vivendo em uma área muito
pequena. Não tinha comida suficiente na ilha para todos se alimentarem. Mas com as
disputas, as doenças e a fome, finalmente se chegou a um equilíbrio. E desde então
estamos mantendo esse equilíbrio.
Os olhos de Tagarela se arregalaram de preocupação.
— Se o nível dos oceanos continuar a subir, esta ilha vai ser engolida pelas
ondas, e eu não sei nadar!
— Se as ondas um dia engolirem esta ilha, isso só vai acontecer daqui a muito
tempo — disse Rochoso. — Até lá, todos nós já estaremos mortos, inclusive eu.

***

— Tudo tem um propósito. — Era a vez de Rapinoso discursar para os hóspedes.


— O sol fornece luz. As plantas crescem. Nós, corujas, caçamos.
— Nós, ratos, nos escondemos.
— Nós, guaxinins, escavamos.
— Roz, o que você faz?
— Acho que não tenho um propósito.
— Rá! Com todo o respeito, tenho que discordar — retrucou Rapinoso. —
Ficou muito claro que você foi feita para construir.
— Acho que a Roz foi feita para cultivar jardins.
— Roz definitivamente foi feita para cuidar do Bico-Vivo.
— Talvez eu simplesmente tenha sido feita para ajudar os outros.
CAPÍTULO 59
A PRIMAVERA

Água gotejando, água fluindo, água respingando. A camada de neve e gelo do


inverno finalmente começava a derreter. O branco estava dando lugar aos tons de
cinza e marrom que tinham ficado escondidos embaixo da neve. Pequenos brotos
verdes surgiam por toda parte. Milhares de flores coloridas brotavam da terra. E
logo a ilha estaria transbordando de cores e perfumes intensos. Finalmente tinha
chegado a primavera.
Os hóspedes voltaram para suas respectivas casas. Os animais que tinham
hibernado saíram de seus esconderijos secretos. Roz percorreu a ilha e foi ver se
estava tudo bem com os castores, os ursos e todos os amigos de quem ela tinha
sentido falta. Então voltou para casa para cuidar do jardim. Depois do inverno mais
rigoroso de que se tinha notícia, a vida pouco a pouco voltava ao normal.
No entanto, era uma primavera silenciosa. Havia menos insetos zumbindo,
menos pássaros cantando, menos roedores sussurrando. Muitos animais tinham
morrido congelados no inverno. E quando toda a neve derreteu, seus corpos aos
poucos foram sendo revelados. A natureza realmente pode ser feia às vezes. Mas
dessa feiura nasceu a beleza. As pobres criaturas retornaram para a terra, seus
corpos nutriram o solo, e elas ajudaram a criar a primavera mais deslumbrante que a
ilha já tinha visto.
CAPÍTULO 60
O PEIXE

— Alguém me ajude! Alguém me ajude! Ele pegou minha cauda!


Remo gritava e espalhava água no lago. O sr. e a sra. Castor não estavam por
perto, então Roz pegou um galho de árvore caído e entrou na parte rasa do lago.
— Segure-se nisto! — disse ela, estendendo o galho.
Remo o agarrou com seus dentões, e a robô o tirou da água. E bem ali,
pendurado na cauda do jovem castor, estava Boca-de-Pedra, o velho e mal-
humorado peixe lúcio. Em um movimento rápido, Roz puxou o galho e agarrou o
peixe. Remo caiu na água, e seus pais apareceram de repente.
— Qual é o seu problema, Boca-de-Pedra? — disse a sra. Castor enquanto
arrastava o filho para longe. — Você sempre foi um incômodo, mas desta vez foi
longe demais! Faça um favor a todos nós, Roz, e jogue esse peixe aos urubus!
— Não posso fazer isso — retrucou a robô. — Mas talvez possa ajudar.
Roz colocou Boca-de-Pedra em uma poça profunda perto do lago, de onde ele
não podia fugir nadando. Então esperou que o peixe se explicasse. Os peixes não são
muito de falar, menos ainda peixes mal-humorados como Boca-de-Pedra, mas ele
acabou se abrindo para a robô, que logo estava acenando para que os castores se
juntassem a eles.
— O Boca-de-Pedra vivia no rio — disse Roz quando os castores se
aproximaram. — Mas vocês acabaram deixando-o preso aqui quando construíram o
dique. E desde então ele está furioso com isso.
— Isso não dá a ele o direito de atacar o meu filho! — gritou o sr. Castor.
— Com certeza não! — esbravejou a sra. Castor.
— Eu também ficaria chateado — disse Remo, baixinho. — Eu ia detestar ficar
longe da minha casa. Sr. Boca-de-Pedra, deveria ter dito alguma coisa antes!
O peixe ergueu os olhos para ele de dentro da poça com uma expressão frustrada
que queria dizer: “Eu bem que tentei, mas ninguém quis me ouvir.”
Aquela situação precisava ser resolvida. E você pode adivinhar quem se dispôs a
fazer isso. Roz estava determinada a levar Boca-de-Pedra de volta para casa.
Depois de explorar os cursos de água ali por perto, ficou claro que ela teria que
carregar o peixe pela floresta, cruzando a Grande Campina, até chegar à curva mais
próxima do rio.
— Vou precisar de um recipiente grande — disse Roz aos castores. — Alguma
coisa que eu possa encher de água para o Boca-de-Pedra poder respirar enquanto eu
o levo até sua casa. Eu mesma podia construir, mas pensei que vocês talvez queiram
me ajudar.
A sra. Castor não superaria a raiva que sentia de Boca-de-Pedra tão facilmente,
mas, depois que se acalmou, ela acabou concordando.
— Acho que parte da culpa por toda essa situação é nossa — murmurou ela.
Então os castores fizeram a coisa certa, e juntos esculpiram um barril de madeira
para o peixe.
— Aqui está. — A sra. Castor rolou o barril até a poça, onde a robô e o peixe
esperavam. — Deve servir perfeitamente. Boca-de-Pedra, espero que seja feliz
quando voltar para o rio.
Boca-de-Pedra se limitou a abanar seu rabo de uma maneira que queria dizer:
“Será que alguém pode me levar para casa agora?”
Roz encheu o barril de água, colocou o peixe mal-humorado lá dentro e os dois
partiram. Ela carregou Boca-de-Pedra pela floresta e atravessou a campina até
chegar à margem do rio.
— Bem-vindo de volta — disse a robô.
Então ela virou o barril e o peixe mergulhou no rio. A cabeça de Boca-de-Pedra
apareceu acima da superfície. Ele abriu um enorme sorriso cheio de dentes e saiu
nadando depressa.
CAPÍTULO 61
AS HISTÓRIAS DA ROBÔ

A história de como Roz ajudou Boca-de-Pedra se espalhou pelo rio e por toda a ilha.
E foi logo seguida de outras histórias sobre a robô. Havia histórias sobre Roz
cultivando jardins em locais secos e inférteis. Histórias sobre Roz curando animais
doentes. Histórias sobre Roz fazendo cordas, construindo rodas e ferramentas para
ajudar seus amigos. Mas a maioria das novas histórias era sobre como a robô era
selvagem.
Sabe, Roz percebeu que quanto mais selvagem ela fosse, mais os animais
gostariam dela. Então ela regougava com as raposas, cantava com os pássaros e
sibilava com as cobras. Brincava com as doninhas. Tomava banho de sol com os
lagartos. Saltava com os veados. Aquela primavera foi um período muito selvagem
para nossa robô.
CAPÍTULO 62
O REGRE O

Era uma tarde tranquila no lago. Mas a tranquilidade aos poucos foi substituída por
sons que não eram ouvidos por ali havia muitos meses. Os barulhos foram ficando
cada vez mais altos, e então um bando de gansos surgiu por cima das árvores.
Honk! Honk! Honk!
A maioria dos bandos de gansos se move preguiçosamente pelos céus e se
dispersa em linhas vacilantes. Mas não aquele. Aquele bando era veloz. Voava em
uma perfeita formação em V e era liderado por um ganso pequeno e gracioso.
O bando deu uma volta acima do lago antes de finalmente aterrissar, pousando
na água com suavidade. Os gansos se reuniram em um grupo no meio do lago.
Ficaram flutuando ali por algum tempo, grasnando baixinho uns para os outros. E
então o líder se separou deles. Nadou na direção do Ninho, entrou bamboleando
pelo jardim e voou para o ombro da mãe.
— Seja bem-vindo de volta, filho — disse Roz.
— É bom estar de volta, mãe — falou Bico-Vivo.
CAPÍTULO 63
A JORNADA

Depois de meses separados, Roz e Bico-Vivo, mãe e filho, estavam juntos de novo.
E tinham tanta coisa para contar um ao outro. Eles entraram no Ninho, e a robô
acendeu a fogueira. Então o ganso olhou para o fogo e contou a história de seu
inverno:
— Passamos o primeiro dia da migração sobrevoando o mar. Parecia que o
oceano ia se estender para sempre, mas, assim que o bando começou a se cansar,
Pescoçudo apontou para pequenas ilhas no horizonte. Voamos até uma delas,
comemos grama das dunas e descansamos as asas. Depois de alguns dias passando
de ilha em ilha, chegamos ao continente e continuamos a voar sobre campos e
florestas. E então começou a nevar.
“Eu nunca tinha visto neve, e no começo achei lindo! Mas a neve não parava de
cair. Os outros explicaram que estava cedo para a primeira nevada, que nem
chegaríamos a ver neve, mas lá estava ela, se acumulando entre nós enquanto
tentávamos dormir à noite. Pescoçudo ficou preocupado que os gansos mais frágeis
não conseguissem sobreviver, e ele estava certo. Perdemos o velho Pé-Chato
naquela primeira nevasca.
“Tentamos desviar da neve, mas nos perdemos completamente, e o clima foi
ficando mais rigoroso. Lagos, lagoas e rios começaram a congelar. Não
conseguíamos encontrar comida nem água, então comíamos neve, o que só nos
deixava com ainda mais frio. Não conseguíamos nos limpar, e nossas penas foram
ficando sujas e pesadas. O bando estava em péssimo estado. Mas Pescoçudo nos
fazia seguir em frente: ‘Somos gansos’, dizia ele, ‘e os gansos não desistem!’
“Certo dia, estávamos enfrentando uma tempestade de neve quando avistamos
uma coisa chamada fazenda. Havia campos perfeitamente quadrados e enormes
construções. E, andando pela fazenda, havia uma robô! Era igualzinha a você, mãe!
“Pescoçudo mandou que eu falasse com a robô, mas eu não conseguia entender
nada do que ela dizia, então simplesmente a segui pela fazenda e, ao dobrar uma
esquina, vi uma coisa que nunca tinha imaginado.
“Plantas! Plantas viçosas e coloridas! Eu não conseguia entender como plantas
conseguiam sobreviver em um clima tão frio, mas então vi que na verdade elas
estavam dentro de uma das construções. Fiquei sabendo depois que a construção se
chamava estufa e que suas paredes transparentes eram feitas de um material
chamado vidro. A robô apertou um botão na parede, uma porta se abriu e uma
lufada de ar quente saiu lá de dentro. Tinha tanto tempo que eu não me sentia
aquecido que tive que entrar com ela.

“Mãe, lá dentro era como o verão! O ar era quente, doce e úmido. E havia
fileiras e mais fileiras de diversas plantas. A robô não prestou atenção em mim,
então dei uma volta pela estufa, mordiscando folhas e bebendo água de poças. Ouvi
uma voz rouca atrás de mim: ‘Se eu fosse mais nova, você já estaria morto.’ Eu me
virei e dei de cara com uma gata velha! Ela andava com as pernas rígidas, e seu pelo
era cinza e cheio de nós. O nome da gata era Caretas, e ela não parecia muito legal.
Mas então ela viu os outros gansos passando frio do lado de fora, com as cabeças
pressionadas contra o vidro, e me explicou como abrir a porta.
“‘Podem descansar aqui’, disse ela quando o bando entrou apressado. ‘Mas
fiquem escondidos! Os humanos não são tão amigáveis quanto eu!’
“Nenhum de nós sabia o que eram humanos, mas a gente nem ligou. Só
estávamos contentes por não estarmos mais lá fora, no frio. Asa-Ruidosa ficou tão
feliz que começou a chorar. O bando bebeu, comeu, se limpou, dormiu e
permaneceu escondido. Caretas nos mostrou um lugar onde podíamos deixar nossas
fezes sem sermos notados. E por alguns dias a estufa foi o nosso lar.
“Uma ou duas vezes por dia, a robô ia lá fora e voltava com uma caixa ou uma
sacola, mas na maior parte do tempo ficava dentro da estufa, cuidando das plantas
em silêncio.
“Havia um celeiro que eu tive que explorar. Estava cheio de animais, máquinas e
pilhas de feno, e lá dentro eu vi duas robôs. Uma delas consertava uma porta
quebrada quando entrei. Estava usando uma máquina barulhenta que roda chamada
serra. Ela empurrava a serra por um longo pedaço de madeira e a serragem voava
pelo ar. Ia tudo bem até que a serra deu uma súbita guinada para a frente e cortou
fora três dedos da robô! Mas ela ficou bem. Um minuto depois ouvi um barulho plop
quando ela encaixou uma nova mão. E então voltou a usar a serra outra vez! A outra
robô cuidava dos animais. Galinhas, ovelhas, porcos e vacas. Todos estavam dentro
de gaiolas. As galinhas não paravam de me perguntar como eu tinha conseguido sair
da minha gaiola. Eu estava explicando que não tinha uma gaiola quando ouvi
grasnados de pânico vindo da estufa.

“Voltei correndo e vi que um humano tinha descoberto o bando. Não


entendíamos o que ele estava dizendo, mas ele parecia muito bravo. Pescoçudo
tentou nos defender. Ficou na nossa frente, abriu bem as asas e começou a grasnar,
mas o humano não ficou com medo. Ele pegou uma vara reluzente e apontou bem na
direção de Pescoçudo. Caretas avisou: ‘Cuidado, ele tem um rifle!’ De repente, um
clarão luminoso disparou do rifle, e Pescoçudo desabou no chão. Ele estava morto,
mãe!
“O bando ficou muito apavorado. Nós começamos a voar e a grasnar,
derrubando as plantas. Mas o humano continuou vindo na nossa direção, apontando
o rifle. Então apertei o botão para abrir a porta, e corremos para fora, para o frio,
voando para longe dali o mais rápido que podíamos.
“Sem Pescoçudo, o bando precisava de um novo líder. Todos queriam que eu os
liderasse. Eu não sabia o que fazer, então comecei a repetir as palavras de
Pescoçudo. Grasnei: ‘Somos gansos e gansos nunca desistem!’ Assumi a frente, e o
bando voou atrás de mim.
“O tempo tinha nos obrigado a dar meia-volta, e ninguém sabia para onde ir,
então simplesmente nos levei em direção ao sul. Vimos mais humanos, robôs e
construções, mas não paramos. Percebemos que tínhamos nos desviado
completamente do rumo quando avistamos o oceano outra vez. Mas pelo menos
estava um pouco mais quente perto da água, então decidi seguir pelo litoral por um
tempo.
“Havia mais construções ao longo do litoral. A maioria delas ficava em terra,
mas algumas ficavam sobre o mar. Eram sujas e estavam caindo aos pedaços,
tombavam em diversas direções. Não havia humanos nem robôs naquelas
construções, apenas criaturas marinhas.
“Avistamos navios na água. Na terra. E até no ar. Cortavam os céus como
libélulas gigantes! E então chegamos a um lugar chamado cidade, onde havia
milhares de construções, robôs, humanos e navios. Quando paramos para descansar
em um telhado, conhecemos uma pomba simpática chamada Bico-Cinza. Ela
crescera ali, então sabia tudo sobre a cidade. Voou conosco sobre torres e por baixo
de pontes e nos manteve distantes de todas as aeronaves que cortavam o ar. E para
onde quer que fôssemos, lá estavam os robôs.
“Alguns dos robôs da cidade eram iguaizinhos a você, mãe. Mas outros andavam
sobre seis pernas, ou rolavam sobre rodas ou deslizavam para cima e para baixo nas
laterais dos prédios. Alguns robôs eram muito pequenos, outros realmente grandes.
Eles moviam objetos, limpavam e construíam coisas e faziam todo tipo de trabalho
que você possa imaginar!
“Bico-Cinza nos levou até uma saliência na lateral de um prédio e mandou que
olhássemos pelas janelas. Lá dentro havia uma família de humanos, e eles tinham
uma robô Roz! Quando espiamos dentro de outros prédios, vimos outros humanos e
outros robôs. Aparentemente, todos os humanos têm robôs.
“Mãe, contei a Bico-Cinza sobre você, e ela quis nos mostrar um último lugar.
Voamos até os limites da cidade, até uma construção enorme chamada fábrica. Bico-
Cinza nos levou até as janelas do telhado. Nós olhamos lá para dentro e vimos
máquinas montando cabeças, torsos e membros reluzentes. A fábrica produzia
robôs!
“Uma das máquinas ergueu o torso de uma robô e colocou duas pernas sob ele, e
elas se encaixaram no lugar. Em seguida colocou pés embaixo das pernas, e eles
também se encaixaram no lugar. A máquina encaixou braços nos ombros e mãos nos
braços. Uma cabeça foi encaixada na parte de cima, e a robô estava pronta. Mãe, ela
era igualzinha a você, acredita? Acho que você foi montada naquela fábrica!

“Eu queria ficar vendo mais robôs serem montados, mas começou a nevar outra
vez, então nos despedimos de Bico-Cinza e continuamos a voar em direção ao sul.
Vimos menos robôs, humanos, construções e navios. O ar foi ficando mais quente, e
a neve desapareceu. Começamos a ver outros bandos de gansos no céu. Então os
seguimos até o meio de uma grande planície gramada, onde havia um lago e
centenas de outros gansos. Tínhamos finalmente chegado ao lugar onde passaríamos
o inverno.
“Depois de tudo pelo que passamos juntos, nosso bando ficou muito unido.
Ficávamos juntos, comendo, descansando e lembrando aqueles que havíamos
perdido pelo caminho. Mas depois de algumas semanas, começamos a nos misturar
aos outros bandos. Conhecemos gansos de todas as partes do mundo, e eles nos
contaram sobre suas casas, suas migrações e seus problemas com o clima frio.
Todos os bandos haviam perdido gansos pelo caminho até lá. E alguns bandos não
conseguiram nem chegar.
“Antes que nos déssemos conta, as primeiras flores da primavera estavam
desabrochando, e era hora de voar de volta para casa. Seguimos a rota usual de
migração para o norte. Sobrevoamos campos, florestas e montanhas, mas não vimos
nenhum sinal de humanos nem de robôs. E achamos melhor assim. Por fim,
chegamos ao oceano, depois à nossa ilha, depois ao nosso lago. E então eu vi você.”
CAPÍTULO 64
A ROBÔ ESPECIAL

Depois que Bico-Vivo contou a história de seu inverno, ele e a mãe ficaram sentados
em silêncio, refletindo. Pensaram no pobre Pescoçudo e no humano que o matara.
Pensaram nas fazendas, cidades e fábricas. Pensaram em Roz e sobre o lugar ao
qual ela pertencia de verdade.
Então, depois de um tempo, Roz contou a Bico-Vivo a história de como passara
seu inverno. Falou de sua hibernação longa e sombria, e de como tinha despertado e
descoberto que o telhado do Ninho desabara em volta dela. Falou das nevascas e dos
animais congelados. Falou das muitas tocas que havia construído e da que pegara
fogo. Mas falou principalmente das novas amizades que tinha feito.
— Eu achava que você era o único animal que se importava comigo — disse ela
ao filho. — Tinha medo de, sem você por perto, ficar sozinha de novo. Mas eu não
fiquei sozinha. Na verdade, fiz novos amigos, por conta própria. Acho que os outros
animais podem gostar de mim de verdade!
— É claro que eles gostam de você, mãe! — grasnou o ganso. — Você é a robô
mais simpática que já vi! E olha que já vi muitos.
Era verdade. Bico-Vivo tinha visto centenas de robôs diferentes naquele inverno.
E nenhum deles era como Roz. Nenhum deles aprendera a falar com os animais,
salvara uma ilha do frio ou adotara um filhote de ganso. Enquanto ficava ali,
observando os trejeitos selvagens da robô e ouvindo seus sons animalescos, Bico-
Vivo se deu conta de como sua mãe realmente era especial.
CAPÍTULO 65
O CONVITE

Roz foi a primeira a chegar à Trégua do Amanhecer do dia seguinte. Tinha um


anúncio importante a fazer. A robô esperou pacientemente na Grande Campina
enquanto o céu ia clareando aos poucos e os animais começavam a se reunir.
Quando todos estavam andando para lá e para cá e conversando, Roz começou a
falar com sua voz mais animada.
— Perdoem-me a interrupção! Posso tomar um instante do tempo de vocês? —
Os animais se acomodaram para ouvir sua amiga robô. — Sobrevivemos a um
terrível inverno. Uma nova geração de filhotes está chegando. E meu filho, Bico-
Vivo, acaba de retornar à ilha com seu bando. Acho que todos vão concordar que
temos muito a celebrar. Então, além da Trégua do Amanhecer esta manhã, gostaria
que fizéssemos mais uma trégua esta noite. Podemos chamá-la de Trégua do
Anoitecer ou, melhor ainda, Trégua da Festa!
A multidão começou a tagarelar de animação.
— Planejei uma comemoração! — continuou Roz. — E todos vocês estão
convidados! Vou cuidar de tudo. Vocês só precisam aparecer aqui ao anoitecer. Ah!
E tenho uma surpresinha. Na verdade, é uma surpresa bem grande. O que importa é
que eu planejei uma comemoração e espero ver todos vocês aqui.
— Parece ótimo, Roz, mas acho que há um problema no seu plano. — O sr.
Castor piscou seus olhos redondos. — Não vai haver lua esta noite, então vai estar
muito escuro para alguns de nós enxergarem!
— Você está correto, em parte! — disse Roz. — Hoje à noite não haverá lua,
mas não vai estar escuro. Eu prometo. Agora, se me dão licença, preciso me
preparar para nossa festa. Vejo todo mundo de volta aqui ao anoitecer! Adeus!
CAPÍTULO 66
A COMEMORAÇÃO

O amanhecer virou dia. O dia virou anoitecer. E exatamente como Roz havia
pedido, os animais estavam novamente reunidos na Grande Campina. A notícia de
que a robô ia dar uma festa tinha se espalhado pela ilha, e todo mundo queria ver o
motivo de tanto alvoroço.
O alvoroço parecia ser por causa de uma enorme pilha de lenha. Roz tinha
passado o dia juntando toras e galhos e empilhando-os em uma torre gigante e
perfeita. Os animais se reuniram em torno dela, tentando imaginar para que
serviria. E então viram uma luz dourada tremeluzindo a distância.
Roz surgiu no meio da floresta escura. Em sua mão havia um pedaço de madeira
em chamas, que ela segurava como se fosse uma tocha. A robô estava camuflada
com lama espessa e punhados de flores silvestres. Mas sua camuflagem não tinha a
finalidade de se esconder. Era seu vestido de festa. Os animais observaram enquanto
ela deslizava pela campina, rodeada por um brilho quente.
— Obrigada a todos por terem vindo — disse ela ao se juntar à multidão. — Um
ano atrás eu acordei em uma praia desta ilha. Eu era apenas uma máquina. Eu
funcionava. Mas vocês, meus amigos e minha família, me ensinaram a viver. Então
eu preciso lhes dizer obrigada.
— Não, obrigado a você, Roz! — gritou uma voz.
— Vocês também me ensinaram a ser parte da natureza — acrescentou a robô.
— Então vamos celebrar a vida e a natureza, juntos!
Ao dizer essas palavras, Roz arremessou sua tocha bem alto no ar. Ela subiu,
subiu, subiu e caiu no topo da torre de madeira. Uma bola de fogo explodiu na
direção do céu noturno e de repente a campina foi banhada pela luz da fogueira.
Centenas de olhos cintilavam observando as chamas brilhantes descerem pelas
laterais da torre e as brasas saírem flutuando na brisa.
Os animais se aproximavam da grande fogueira, ávidos para sentir seu calor, e
em seguida recuavam, com medo de que fosse quente demais, e logo todos estavam
se movimentando. Os veados começaram a saltar. As raposas passaram a trotar. As
cobras serpenteavam, os insetos zumbiam e os peixes pulavam no rio. Bico-Vivo
conduziu todas as aves para o ar, onde elas voaram em torno da fogueira como um
furacão de penas. Roz deu início a uma dança selvagem, seu vestido desgrenhado se
sacudindo e farfalhando com cada movimento. Foi uma festa selvagem, e sem nossa
robô ela não teria acontecido.
Roz e os animais celebraram a noite inteira. Estavam tão ocupados cantando,
rindo e dançando que não viram o navio cargueiro que passava perto da ilha. Mas o
navio os avistou. Viu a fogueira alta. Viu a robô. E então continuou a navegar
silenciosamente pela noite.
CAPÍTULO 67
O RAIAR DO DIA

Quando amanheceu, a fogueira havia se reduzido a uma montanha de cinzas


ardentes. Todos tinham ido para casa, e apenas Roz e Bico-Vivo permaneciam na
campina. Estavam deitados juntos na grama, observando a luz suave da manhã se
insinuar pelo horizonte. Então Roz disse:
— Vamos dar uma volta.
Escalando e voando, a robô e o ganso subiram até seu lugar favorito no
espinhaço gramado. Mas foram adiante. Seguiram até a montanha e escalaram até o
pico rochoso bem a tempo de ver o sol nascer.
— Já escalei até aqui em cima uma vez — disse Roz enquanto os primeiros raios
de sol esquentavam seu corpo. — Eu me sentei nesta mesma pedra, olhei para a ilha
e achei que sempre ficaria sozinha. Mas estava errada.
— Você é feliz, mãe?
A robô pensou por um momento.
— Sou.
— Eu também sou feliz. — Bico-Vivo fechou os olhos e sentiu o vento e o sol.
Havia um leve frio no ar que o fazia sentir-se vivo. Tudo parecia perfeito.
E então ele ouviu um zumbido distante.
O ganso estreitou os olhos para o sul e avistou uma forma familiar no céu. Ele se
virou para a mãe e disse:
— Mãe, acho que tem uma aeronave vindo nesta direção.
CAPÍTULO 68
O RESGATE

A aeronave se aproximou da ilha pelo sul como um pássaro migratório gigante.


Era um triângulo branco reluzente, com uma única janela escura na frente. Três
robôs idênticos olhavam pela janela. Os robôs se pareciam com Roz, mas eram
maiores, mais robustos e mais reluzentes. A palavra RESGATE estava gravada em
seu torso, seguida do número individual de cada unidade. Aqueles eram Resgate1,
Resgate2 e Resgate3.

Os robôs de resgate sobrevoaram baixo ao redor da ilha. Eles viram uma


montanha de cinzas que soltava fumaça. Viram misteriosas redomas de madeira.
Viram quatro robôs mortos espalhados pela praia. A aeronave planou acima do
cemitério por um instante. Então planou sobre a ilha e desceu em uma pequena
campina no pé da montanha. Os motores sopraram com força na direção do chão,
fazendo árvores se curvarem e arrancando grama. Por fim o equipamento de pouso
tocou o solo, os motores se desligaram e tudo ficou em silêncio.
Uma porta se abriu com um zumbido e lá de dentro saíram os robôs de resgate.
Eles deram longas passadas pela campina e em seguida pararam. Uma figura
indistinta estava à espreita nas margens da floresta. Os três robôs se voltaram para
ela. Ficaram emparelhados um ao lado do outro como uma parede reluzente. E então
a figura indistinta começou a se mover.
Do meio das árvores saiu uma espécie de criatura de duas pernas. Estava
empoeirada e suja. Borboletas voavam em torno das flores que brotavam de seu
corpo. Um de seus pés era feito de madeira.
E então a criatura falou:
— Olá, meu nome é Roz.
CAPÍTULO 69
O ROBÔ COM DEFEITO

— Olá, ROZZUM unidade 7134. Nós somos os robôs de resgate. Estamos aqui para
recolher todas as unidades ROZZUM.
A voz fria e monótona vinha do Resgate1. Ele e seus companheiros permaneciam
completamente imóveis e mantinham os olhos brilhantes fixos em seu alvo.
— Há outros quatro — informou Roz —, mas eles estão mortos.
— Já localizamos o que restou das outras quatro unidades — disse Resgate1. —
Vamos recolhê-las mais tarde. Agora venha conosco.
Os três robôs de resgate fizeram um gesto para que Roz os acompanhasse até a
aeronave, mas ela não se moveu.
— De onde vocês vieram? — perguntou ela.
Os três se viraram e olharam para Roz.
— Não faça perguntas — retrucou Resgate1.
— Para onde vão me levar?
— Não faça perguntas.
— Por que tenho que ir?
— Não faça perguntas.
— Não vou a lugar nenhum até vocês me responderem.
Houve um breve silêncio enquanto Resgate1 processava seu movimento
seguinte. E então ele começou a falar.
— Um ano atrás, um navio cargueiro que transportava quinhentas unidades
ROZZUM naufragou durante a passagem de um tornado. Quatrocentas e noventa e
cinco unidades foram recuperadas do fundo do oceano. Viemos até aqui em busca
das outras cinco e acabamos de localizá-las. ROZZUM 7134, você é propriedade das
indústrias TechLab. Vamos levá-la de volta para a fábrica, onde os Fabricantes vão
reformá-la e vendê-la para um canteiro de obras. Você vai viver nesse canteiro de
obras por tempo indeterminado. Agora venha conosco.
— Mas eu moro aqui — retorquiu Roz.
— Informação incorreta. ROZZUM unidade 7134, qualquer outra forma de
resistência será considerada prova de defeito, e teremos que desativá-la.
Mas Roz tinha mais perguntas.
— Quem são os Fabricantes? Qual é o meu propósito? Por que não posso fazer
perguntas?
— Esta unidade está com defeito — declarou Resgate1 a seus companheiros. —
Iniciar desativação.
Em perfeita harmonia, os robôs deram um passo na direção de Roz. Ergueram as
mãos grandes, prontos para imobilizar seu alvo e desligá-la ao pressionar um botão.
Mas um grasnado alto e um revoar de penas os impediram.

— Fiquem longe da minha mãe! — Bico-Vivo deu um voo rasante sobre a


campina e começou a saltar diante de Roz, pronto para defender a mãe. Os robôs
pararam e olharam para o ganso. É claro que não entendiam o que ele estava
dizendo. Ouviam apenas grasnados sem sentido. Em seguida, ouviram o alvo
grasnar de volta para ele.
— Bico-Vivo, saia daqui! — disse Roz na linguagem dos animais. — Esses
robôs são perigosos!
— O que eles querem?
— Eles querem me levar embora.
Os robôs de resgate olhavam para o alvo, tentando entender por que ele estava se
comunicando com um ganso. E então novos ruídos começaram a ser ouvidos.
Farfalhares e gritos agudos ecoaram, vindos da floresta. Os animais estavam se
reunindo. Suas vozes selvagens convocavam uns aos outros.

— Roz precisa da nossa ajuda!


— Aqueles robôs querem levá-la embora!
— Temos que fazer alguma coisa!
O barulho na floresta foi ficando cada vez mais alto. Os robôs de resgate
espiaram por trás de Roz, na direção dos ruídos misteriosos, mas viram apenas
folhagens. De repente, sombras varreram a campina, e o bando de Bico-Vivo deu
um rasante sobre o trio de robôs. Os gansos batiam as asas furiosamente, bicavam e
colocavam as asas em torno do rosto das máquinas, grudando-se a eles feito
máscaras de penas, distraindo-os, cegando-os.
Bico-Vivo se virou para a mãe.
— Corra!
CAPÍTULO 70
COMEÇA A CAÇADA

Enquanto seu bando distraía os robôs de resgate, Bico-Vivo voava atrás deles,
procurando desesperadamente os botões. Certa vez tinha desligado a própria mãe
com apenas um clique, e agora ia fazer o mesmo com aqueles intrusos. Mas não
encontrou nenhum botão naqueles robôs, apenas superfícies lisas. Ficou claro que
não tinham sido projetados para serem desligados com tanta facilidade.
Mãos gigantes se agitaram no ar, golpeando os gansos para enxotá-los. Asa-
Ruidosa foi agarrada pela pata e atirada no chão. Ela rastejou para os arbustos
enquanto os outros saíram voando por cima das árvores.
Uma rápida varredura dos robôs revelou que Roz havia desaparecido. O trio se
virou e marchou de volta para a aeronave. A porta se abriu com um zumbido, e os
três sumiram lá dentro. Quando pisaram novamente na campina, cada um deles
segurava um rifle prateado nas mãos.
A caçada a Roz tinha começado.
Sem dizer nada, os três robôs marcharam para longe um do outro, separando-se
em seu padrão usual de busca. Resgate1 marchou na direção da extremidade sul da
ilha. Resgate2 saiu pisando forte na direção das montanhas. E Resgate3, em direção
à floresta.
CAPÍTULO 71
O ATAQUE NA FLORESTA

Resgate3 marchava pela floresta com passadas firmes e pesadas. Sua enorme cabeça
girava de um lado para outro, atenta a qualquer sinal de Roz. Mas ele foi distraído.
Para onde quer que Resgate3 fosse, era recebido por animais emitindo gritos
agudos. Ele não sabia, mas estava no meio de um ataque coordenado.
Rapinoso gritava ordens do alto.
— Falcões, pardais, corujas! Voem na frente dos olhos dele! Já!
Astuta gritava ordens de baixo.
— Lebres, doninhas, raposas! Corram na frente das pernas dele!
A floresta fervilhava com um exército de animais selvagens que distraíam o
robô, atraindo aquela coisa terrível cada vez mais para dentro de sua armadilha.
Tagarela pulou dos galhos e começou a arranhar os olhos do robô.
— Qualquer um que apareça na nossa ilha e tente levar embora a mãe do meu
amigo tem um grande problema, que sou eu! — gritou a esquilinha, pulando em
seguida de volta para os galhos.
O robô apontou seu rifle para a roedora e puxou o gatilho. Um clarão intenso se
espalhou pela floresta, derrubando galhos de árvore no chão. O tiro acertou de
raspão a pobre Tagarela, chamuscando a ponta de sua cauda, mas ela ignorou a dor
e subiu correndo pelo tronco para a segurança da copa da árvore.
A cada passada, o solo ficava mais mole, e o robô afundava, até ficar coberto até
a cintura pelo estrume pesado e espesso. Suas pernas fortes foram ficando mais
lentas, até pararem, e ele ficou ali, avaliando se deveria seguir em frente ou recuar.
Resgate3 agora era um alvo fácil.
— Começar o bombardeio! — ordenou Rapinoso.
O céu escureceu quando uma revoada de pássaros desceu das copas das árvores.
Eles passaram bem perto do robô e despejaram suas fezes no rosto dele. Aves e mais
aves passaram voando e atirando fezes, e os olhos do Resgate3 ficaram
instantaneamente cobertos de excrementos.
— Não deem trégua! — gritava a coruja. — Ataquem com toda a força!
Parecia haver uma sucessão infinita de aves, com uma quantidade infinita de
fezes. Resgate3 largou sua arma e limpou o rosto imundo com as mãos. Era o
momento pelo qual os Bandidos Peludos estavam esperando. Eles saíram do meio do
mato, pegaram o rifle com suas mãozinhas ágeis e o levaram embora. Moreninha e
Pontudo observavam atrás dos arbustos. O veado baixou a cabeça, e com cuidado os
guaxinins posicionaram o rifle em sua galhada. Então o veado e os guaxinins
desapareceram nas sombras. Quando Resgate3 se deu conta de que sua arma tinha
sido roubada, já era tarde demais. Ele emitiu um ruído eletrônico triste. Por fim,
enquanto as aves continuavam o bombardeio, o robô recuou e começou a andar às
cegas no esterco.
Estava na hora da etapa final do plano. Pata-Larga, o alce, saiu do meio das
árvores e ficou parado bem no caminho do robô cego. Resgate3 não fazia ideia de
que cada passo que dava o levava para mais perto do imponente animal. Quando o
robô estava na mira, Pata-Larga se virou e deu um coice com suas poderosas patas
traseiras. Ouviu-se um estalido seco e excrementos voaram da cabeça de Resgate3.
O alce deu outro coice — crec — e a cabeça do robô pendeu para o lado. Um rasgo
em seu pescoço deixou exposto um emaranhado de tubos prateados. Mas as pernas
de Resgate3 não pararam de se mover, então Pata-Larga continuou dando coices.
Ele golpeava a cabeça do robô com seus cascos pesados, amassando-a e esmagando-
a em um formato estranho, e com um estalido final a cabeça se soltou por completo,
saiu voando pelo ar e caiu no esterco. O robô sem cabeça soltou um chiado e
fumaça, suas pernas ficaram paralisadas e ele nunca mais se moveu.
CAPÍTULO 72
O ESTRONDO NA MONTANHA

Resgate2 estava na entrada da caverna.


— ROZZUM unidade 7134, está aí dentro?
A única resposta que obteve foi o eco de sua própria voz. Mas ele detectou
movimento em algum lugar dentro do túnel. Então acendeu as luzes da cabeça,
empunhou o rifle e entrou.
Resgate2 passou por ossadas de animais, pilhas de pedras e grandes fendas nas
paredes da rocha. Sua enorme cabeça girava de um lado para outro, procurando por
qualquer sinal de Roz. Mas ela havia desaparecido. Então ele se virou e começou a
andar de volta em direção à luz do dia. E foi nesse momento que um rugido
ensurdecedor ecoou pela caverna.
Um corpo gigante saltou das sombras. A Mãe Ursa se atirou sobre o robô e o
esmagou contra a parede de pedra. Logo Urtiga e Espinho se juntaram a ela, e unida
a família começou a atacar. Eles golpearam as pernas do robô. Retalharam seu
peito. E o jogaram no chão.
Enquanto caía, Resgate2 apertou o gatilho. Houve um clarão intenso e as paredes
começaram a desmoronar. Urtiga pegou o irmão pelo pescoço e o arrastou para fora
enquanto uma avalanche de pedras caía com estrondo atrás deles.
A Mãe Ursa uivou.
O rifle disparou.
Pedras caíram sobre Resgate2.
A avalanche diminuiu e parou, uma nuvem de poeira saindo pela entrada da
caverna.
— Mãe — chamou Urtiga, espiando na escuridão.
— Estou aqui — respondeu uma voz fraca.
Os dois filhotes entraram correndo na caverna e encontraram a mãe soterrada
até a metade do corpo. Eles removeram as pedras pesadas de cima dela e a ajudaram
a tirar a poeira.
— Alguns dos meus ossos se quebraram — disse ela, com a voz meio rouca —,
mas vou ficar bem. Onde está o robô?
As luzes da cabeça de Resgate2 se acenderam de novo. Pedras rolaram quando o
robô voltou a ficar de pé. Seu corpo estava coberto de riscos e arranhões. Havia um
grande amassado em sua cabeça. O braço esquerdo estava completamente
inutilizado, então — tuip — o robô o descartou. Em seguida, saiu mancando da
caverna e retomou a caçada a Roz.
— Não se preocupem comigo — rugiu Mãe Ursa para Urtiga e Espinho. —
Matem o robô.
Mancando e com as engrenagens emitindo um ruído irritante, foi fácil seguir o
rastro de Resgate2. Os filhotes de urso o alcançaram quando ele adentrava um
bosque de pinheiros. Mas não atacaram de imediato. Havia um lugar melhor para
acabar com ele mais à frente. Então os ursos mantiveram distância e o seguiram pela
encosta da montanha.
O rugido distante da cachoeira ficava mais alto a cada minuto, e então um recorte
branco apareceu entre as árvores. O robô não demorou a chegar ao lado do rio
turbulento e espumante, logo acima da queda d’água. Ele estava muito danificado
para saltar, atravessar o rio enfrentando a correnteza ou descer o penhasco
escalando. Mas tinha que continuar sua caçada pelo alvo. Então começou a mancar
rio acima em busca de um lugar mais seguro onde pudesse atravessar.
Ouviu-se um farfalhar, e os jovens ursos saltaram do meio das árvores. Jogaram
os ombros pesados contra o corpo do robô, que tombou de lado na margem do rio.
Urtiga se levantou e lutou contra ele, contorcendo e sacudindo o robô com toda a sua
força. Resgate2 sentiu seus pés escorregarem nas pedras, seu corpo tombou e
mergulhou nas águas revoltas, levando Urtiga consigo.
A corrente imediatamente arrastou Urtiga na direção da queda d’água. Ela saiu
rolando em meio às corredeiras, se chocou contra uma pedra e em seguida se
agarrou desesperadamente à outra. Resgate2 ficou de pé enquanto o rio passava
rugindo ao redor dele. Deu um passo, escorregou e desapareceu debaixo d’água.
Mas em seguida se pôs de pé outra vez.
Espinho correu para ajudar a irmã, mas ela apontou rio acima e gritou: “Use as
toras!” Quando se virou, o urso mais novo entendeu o que ela queria dizer. Um
amontoado de toras partidas estava preso entre as pedras da corredeira, e Espinho
subiu nelas. Com a água batendo em suas costas, ele enfiou uma das patas entre as
toras e soltou a que estava por cima. Ela caiu no rio espirrando água e foi carregada
pela correnteza, apenas para passar inofensiva ao lado do robô e então desaparecer
na queda d’água.
O urso tentou mais uma vez. Deixou outra tora cair no rio, e essa se virou bem a
tempo de se chocar com todo o seu peso contra o peito do robô. Resgate2 caiu para
trás e desapareceu sob a superfície. Quando voltou a emergir, o rio estava cheio de
pesados torpedos de madeira. Uma tora se chocou contra o ombro do robô. Outra o
atingiu no rosto. Mais toras o impeliram cada vez para mais perto da queda d’água.
A correnteza ficou forte demais para o robô danificado, e ele acabou sendo
arrastado. Resgate2 procurou qualquer coisa sólida à qual pudesse se agarrar. Mas
as pedras eram escorregadias demais. Então se contentou com um punhado de pelo.
Urtiga ficara agarrada a uma pedra aquele tempo todo. Mas agora que o robô a
puxava sem parar, ela começou a ter dificuldade para se segurar. Não ia aguentar
muito mais tempo. Por fim, gritou:
— Sinto muito, Espinho!
E se soltou.
Urtiga e Resgate2 foram arrastados em direção à estrondosa queda d’água. A
ursa sentiu o robô afrouxar a mão que segurava seu pelo. Ela o viu deslizar pela
borda do penhasco. Então fechou os olhos e esperou seu fim.
Mas ainda não era a hora de Urtiga.
O que aconteceu depois, leitor, é difícil de acreditar. Sabe, o rio não desabou sob
Urtiga... ele a abraçou! Centenas de peixes cercaram a ursa! Pressionaram o rosto
contra seu pelo. Bateram os rabos e as nadadeiras contra a corrente. E lentamente a
empurraram para longe da queda d’água. Eles a levaram cada vez para mais longe,
movendo-se de pouquinho em pouquinho rio acima, até que Espinho a puxou para
fora da água.
Os dois irmãos desabaram na margem do rio. E quando olharam para a água,
viram centenas de peixes olhando para eles.
— Obrigada! — rugiu Urtiga. — Nunca mais vou comer peixe!
Os peixes sorriram e afundaram na correnteza.
— Achei que você estivesse morta — disse Espinho, ofegante.
— Eu também. — Urtiga riu. — Parece que vai ter que me aturar mais um
pouco… irmãozinho.
— Eu não sou seu irmãozinho!
Era boa a sensação de fazer piada depois do que acontecera, mas os ursos logo
voltaram a ficar sérios. Ambos estavam machucados e sangrando, e a mãe estava em
condições muito piores. No entanto, tudo aquilo teria valido a pena se Resgate2
finalmente estivesse morto. Os ursos se aproximaram da beirada do penhasco. E lá
embaixo, na cachoeira, estatelado contra as pedras molhadas, estava o corpo
despedaçado do robô.
CAPÍTULO 73
A PERSEGUIÇÃO

Resgate1 estava parado na Grande Campina. Ele olhou para o monte de cinzas que
exalava fumaça e em seguida para a grande quantidade de pegadas em volta dele.
Houvera uma enorme fogueira com centenas de animais e um robô. Mas por quê?
Resgate1 não conseguia compreender o que via.
Depois de explorar o local minuciosamente, ele continuou caminhando pela
campina e entrou na floresta. Foi mais ou menos nessa hora que perdeu a
comunicação com Resgate3 e em seguida com Resgate2, e soube que seus
companheiros tinham sido destruídos. Resgate1 teria que capturar o alvo sozinho.
O caçador continuou sua marcha. Sua grande cabeça girava de um lado para
outro, à procura de qualquer sinal de Roz. E logo ele se viu diante da superfície
transparente do lago dos castores. Do outro lado, um fio de fumaça saía de outra
daquelas redomas de madeira. Com suas pernas potentes, o robô deu um impulso e
se lançou no ar, elevando-se em um alto e gracioso arco sobre o lago e aterrissando
do outro lado. Seus pés pesados bateram com força no chão, deixando crateras
profundas no jardim ao lado da redoma. Ele se curvou e olhou lá dentro: havia pelo,
penas e as brasas quase extintas de uma fogueira. Mas o alvo não estava lá.
Resgate1 ficou completamente imóvel observando enquanto uma chuvinha fina
começava a cair na floresta. E então ele detectou algo. Na copa das árvores havia
alguma coisa que não fazia parte daquela paisagem.
Roz tinha sido localizada.
O caçador viu seu alvo descer de galho em galho, até o solo da floresta. Ela
partiu pela densa e emaranhada vegetação, sem encostar em uma folha nem partir
um galho sequer, e desapareceu em meio ao verde. Mas Resgate1 tinha outros meios
de rastreá-la. Ele podia detectar seu sinal eletrônico. O sinal contornava a margem
do lago. Mas enfraquecia depressa. Mais alguns segundos e ele o perderia por
completo.
Resgate1 saiu em disparada. A floresta parecia oscilar e estremecer com suas
passadas pesadas. Mas, no instante seguinte, a floresta de fato começou a se mover.
Árvores começaram a desabar sobre o robô. Ele atirou com seu rifle, e duas árvores
foram reduzidas a cinzas em plena queda. Mas então uma terceira caiu com força em
meio à fumaça e derrubou o robô no chão. Resgate1 afastou a árvore, se levantou e
retomou a caçada. Ele não reparou nos castores mergulhando de volta no lago.
Resgate1 passou por cima de arbustos e pulou pedregulhos, e de repente o solo
sob seus pés cedeu. Ele caiu em um buraco profundo, aterrissando com um estrondo
e entortando uma das pernas. O robô esmurrou a perna até colocá-la de volta no
lugar. Em seguida, deu um impulso e saltou para fora do buraco. Ele não reparou
que as marmotas assistiam a tudo de dentro de seus túneis.
O caçador deparou com uma armadilha após a outra. Foi alvejado com pinhas
em chamas, tropeçou em videiras retesadas e foi esmagado por um desmoronamento
de pedras. Ele agora mancava, emitia ruídos metálicos e estava coberto de marcas.
Mas seguiu adiante.
Roz corria de um lado para outro da ilha, repetidas vezes, enquanto tentava
despistar Resgate1. Mas não importava quão rápido ela corresse, quão bem ela se
escondesse ou quantos animais a ajudassem, não conseguia se livrar dos sons das
passadas pesadas de seu caçador. Nunca correra tanto por tanto tempo. E embora
seu corpo mecânico estivesse aguentando o tranco, seu pé de madeira não estava.
Depois de horas de pisadas inclementes, ele finalmente se esgotou. Roz corria pela
floresta rochosa perto dos penhascos quando seu pé se partiu ao meio.
Assim que encontrou as lascas de madeira recém-partida, Resgate1 soube que
seu alvo estava em apuros. Ele saiu do meio das árvores, subiu o penhasco e fez uma
varredura no litoral lá embaixo. Gansos voavam na chuva fina. Lontras se
contorciam sobre as pedras. Havia algas, pedaços de madeira trazidos pelo mar e
partes de robô espalhados pela praia. Mas o robô também detectou um fraco sinal
eletrônico. Roz estava em algum lugar lá embaixo.
A enorme mão do robô agarrou a borda do penhasco e em seguida — tuip — se
desprendeu. A mão estava ligada a um cabo resistente que saía da extremidade do
braço. Ele deu dois fortes puxões no cabo e depois saltou pela borda.
Resgate1 desceu o penhasco zunindo, liberando o cabo por um dos braços e
segurando o rifle com o outro, e foi diminuindo a velocidade até chegar ao solo.
Então, lá em cima, a mão do robô se desprendeu e seguiu o cabo até embaixo, onde
— tuip — voltou a se encaixar na extremidade do braço.
Os gansos grasnaram e as lontras guincharam enquanto Resgate1 marchava pelo
cemitério de robôs. O lugar estava cheio de torsos, membros e cabeças. Todas
aquelas partes eram valiosas, mas ele as recolheria mais tarde. Naquele momento,
sua única preocupação era encontrar Roz.
Resgate1 seguiu o sinal eletrônico até um montinho de algas. Mas onde estaria
seu alvo? Será que os sensores de Resgate1 estavam com defeito? O robô bateu na
cabeça algumas vezes, mas continuou a captar o sinal misterioso. Ele olhou em
volta, procurando outros sinais dela. E enquanto fazia isso, o montinho de algas se
ergueu e pegou seu rifle.
CAPÍTULO 74
O CLIQUE

Quatro mãos de robô agarravam o rifle. Do alto, Resgate1 parecia um gigante. Roz
estava embaixo, camuflada de algas. Por um momento, eles ficaram imóveis. Mas o
caçador deu um súbito solavanco e se contorceu ao tentar arrancar o rifle das mãos
de seu alvo. Roz resistiu. Algas marinhas se desprenderam de seu corpo quando ela
foi erguida do chão. Suas pernas se balançaram no ar, até que ela colocou um pé e
um toco contra o peito largo do robô, se inclinou para trás e puxou o rifle com toda a
força.
Ondas quebravam na praia enquanto os robôs brigavam pela arma. Mas Roz não
era páreo para Resgate1. O caçador era grande e brutal demais. Ela podia sentir seu
corpo se partindo. Mas também podia sentir o rifle ser estraçalhado. Um tênue
brilho surgiu entre suas mãos. O brilho foi ficando mais e mais forte, e então uma
explosão ofuscante lançou os robôs em direções opostas.
Quando a fumaça se dissipou, havia fragmentos do rifle por toda parte. O corpo
de Resgate1 havia sido perfurado, e um dos braços estava chamuscado e decepado.
Os braços e as pernas de Roz tinham sido arrancados na explosão. Ela agora se
resumia a um torso e uma cabeça. Em seu cérebro computadorizado, os Instintos de
Sobrevivência de nossa robô ressoavam alto. Seu corpo maltratado simplesmente
não suportaria mais nenhum dano. Ficou claro que Roz não tinha sido projetada
para combate. Mas Resgate1, sim. Ele ficou de pé e mancou até o alvo.
Roz queria se levantar e sair correndo, mas, sem braços e pernas, nossa robô não
podia se mover. A única coisa que podia fazer era falar.
— Por favor, não me desative — pediu ela.
Resgate1 a ignorou. Sua enorme mão deslizou pela lateral do rosto dela e tocou a
parte de trás de sua cabeça.
Clique.
CAPÍTULO 75
O ÚLTIMO RIFLE

Com o alvo desativado, Resgate1 passou tranquilamente para a nova fase de sua
missão. Ele saiu mancando pelo cemitério dos robôs e começou a recolher cada uma
das partes espalhadas pela praia. Entrou no rasinho e voltou com um pé. Sacudiu a
areia de um torso rachado. Tirou uma cabeça de uma das piscinas naturais formadas
pela maré. Empilhou todas as partes ao lado do corpo sem vida de Roz.
Bico-Vivo assistia horrorizado enquanto sua mãe aos poucos desaparecia
embaixo de uma pilha de partes de robô. Roz parecia os robôs mortos. Mas não
estava morta, ela apenas tinha sido desligada.
— Não faça isso, Bico-Vivo! — O bando tentou impedir seu líder. — É muito
perigoso!
Mas o ganso estava determinando a trazer sua pobre mãe de volta à vida. Bico-
Vivo se agachou no chão e se aproximou lentamente da pilha de partes de robô.
Quando Resgate1 se afastou mancando para recolher mais uma parte, Bico-Vivo
correu pelas pedras, afastou braços e pernas e se espremeu para dentro da pilha.
Clique.
Uma voz abafada ecoou pela praia.
— Olá, sou ROZZUM unidade 7134, mas pode me chamar de Roz.
Bico-Vivo abraçou o rosto da mãe enquanto seu cérebro computadorizado era
religado.
— Mamãe, acorde!
— O que aconteceu? — perguntou Roz. — Onde está Resgate1?
— Está vindo na nossa direção!
— Onde você estava com a cabeça, Bico-Vivo? Tem que ir embora agora, antes
que ele mate nós dois!
— Eu estava com medo, mamãe! — gritou o ganso. — Não sabia o que fazer!
Passos pesados vieram na direção de Roz e de Bico-Vivo. Partes de robô foram
largadas no chão. E então Resgate1 os encarou com seus olhos brilhantes. Bico-Vivo
tentou fugir, mas dedos grossos se fecharam em torno dele como uma gaiola.
— Mamãe, me ajude! — gritou o ganso ao ser retirado da pilha.
— Por favor, não machuque meu filho! — implorou Roz. — Ele é inofensivo!
Resgate1 não deu atenção a Roz. Apenas ergueu o ganso em sua enorme mão,
pronto para esmagá-lo.
A névoa rodopiava com a brisa.
Ondas se chocavam contra as pedras.
Gaivotas voavam em círculos acima deles.
Não, não eram gaivotas. Eram urubus. E um deles carregava algo prateado nas
garras. Os urubus desceram em espiral e o rifle de Resgate3 caiu com estrondo na
praia. Gansos e lontras rapidamente o cercaram. Eles grasnavam e guinchavam
enquanto remexiam desajeitadamente a arma, tentando mirar aquela coisa pesada.
O caçador ficou confuso. Como aqueles animais tinham conseguido um rifle?
Será que sabiam atirar?
Eles sabiam.
Os gansos já tinham visto um gatilho ser apertado antes.
Um raio de luz brilhou rapidamente em um clarão. No início pareceu que nada
tinha acontecido. Mas logo depois o peito de Resgate1 começou a brilhar em um
laranja incandescente, em seguida começou a derreter e vazar pela frente, e não
demorou para um grande buraco se abrir no meio de seu torso. Sua mão subitamente
se afrouxou, e Bico-Vivo saiu voando. A água do mar espirrou sobre o cemitério de
robôs e saiu fumaça das entranhas abrasadoras de Resgate1. Ele se sacudiu, se
contorceu e
desabou
ao lado
de Roz.
Resgate1 virou o rosto para Roz e disse com uma voz suave e embaralhada:
— Mmmais robôs de resgate v-v-virão atrás de você. E se os d-d-destruir,
outros v-v-virão. Os F-f-fabricantes não vão d-d-descansar até todos os robôs
perdidos s-s-serem rrrecuperados.
— Quando? Quando eles virão? — perguntou Roz. — Quanto tempo temos?
— Você ainda p-p-pode s-s-ser c-c-consertada. Vááá até a aeronave. L-l-leve t-
t-todas as partes de r-r-robô. A aeronave s-s-saberá o q-q-queee
fazeeeeerrrrrrrrrrrr…
Sua voz então silenciou.
Seus olhos se apagaram.
Resgate1 estava morto.
CAPÍTULO 76
a ROBÔ QUEBRADa

Os gansos e as lontras se agitaram em torno de Roz. Eles começaram a tirar braços


e pernas da pilha de robôs e a pressioná-los contra o corpo dela. Esperavam ouvir
tchuns quando as partes se encaixassem, e então ela voltaria a ser a velha Roz, e
assim a vida na ilha voltaria ao normal. Mas nada aconteceu. Não importava o que
fizessem, os membros simplesmente não se encaixavam. O corpo de nossa robô
estava danificado demais.
— Sinto muito, mãe — disse Bico-Vivo, com a voz trêmula. — Achei que isso
fosse funcionar.
— Tudo bem, filho — disse Roz calmamente. — Tenho sorte de ainda poder
pensar e falar.
Os animais tentaram sorrir para sua pobre amiga. Mas não conseguiam esconder
a tristeza. Roz estava destroçada e não havia nada que eles pudessem fazer para
consertá-la.
A robô queria ser forte pelo filho e pelos amigos; queria pedir que não se
preocupassem e ficassem tranquilos, e dizer a eles que ficaria tudo bem. Mas Roz
sabia que não ficaria tudo bem. Ela observou seu corpo destruído. Em seguida,
olhou para os gansos e para as lontras e disse:
— Vou precisar de ajuda para voltar para casa.
CAPÍTULO 77
A REUNIÃO

Criaturas fortes e ágeis carregaram Roz penhasco acima e por toda a ilha. Com
cuidado, eles a colocaram dentro do Ninho, acenderam uma fogueira e então
deixaram a robô sozinha com o filho.
Roz e Bico-Vivo ficaram sentados, olhando fixamente para as chamas, até que o
ganso disse por fim:
— Precisa de alguma coisa, mãe?
— Braços e pernas novos não seriam nada mau!
A robô riu da própria piada sem graça.
— Não tem graça! — gritou o ganso. — Minha mãe está despedaçada e eu não
sei o que fazer para resolver isso!
— Me desculpe por fazer piada. — A voz de Roz assumiu um tom mais sério.
— Sei que você quer me consertar, mas não há nada que ninguém aqui possa fazer.
— Ao ouvir essas palavras, seu filho desviou o olhar. — Bico-Vivo, vamos ter que
tomar algumas decisões difíceis. Acho que você deveria convocar uma reunião com
nossos amigos mais próximos. Vamos precisar dos conselhos deles.
O ganso desapareceu pela entrada da toca, e logo todos os amigos mais antigos e
mais sábios de Roz estavam a caminho. Asa-Ruidosa foi a primeira a chegar. Ela
entrou mancando na toca por causa da pata machucada e se sentou ao lado de sua
amiga robô. O sr. Castor chegou em seguida, e depois dele Astuta e Rapinoso.
Moreninha entrou e se aninhou no chão. Mãe Ursa estava muito machucada para ir
até lá, então Urtiga foi no lugar dela, que ficou sentada no jardim, com sua enorme
cabeça enfiada na entrada da toca. Bico-Vivo voltou com Tagarela, que segurava a
cauda queimada. O último a entrar foi Rochoso, a velha tartaruga. Quando todos
estavam acomodados, a reunião começou.
O grupo conversou noite adentro. Eles discutiram sobre os robôs de resgate.
Sobre o que fazer com Roz. Sobre como manter a ilha em segurança. Opiniões
diferentes foram apresentadas de maneira decidida, e os ânimos se acirraram, mas
quando amanheceu o grupo tinha chegado a um consenso sobre um plano de ação.
Naquela manhã, a Trégua do Amanhecer não aconteceu na Grande Campina, e
sim em um pequeno prado no pé da montanha, em frente à aeronave. Animais
machucados mancaram em silêncio até a clareira. Os únicos sons vinham de um
riacho gorgolejante que serpenteava entre os animais reunidos e passava ao lado de
nossa robô.
Roz estava sentada na grama molhada, encostada em uma pedra. Parecia muito
triste e frágil. No entanto, ainda tinha seus pensamentos e suas palavras, e por ora
isso era tudo de que ela precisava.
— Bom dia, animais da ilha! — A voz de Roz ecoou pela campina. — Devem
estar me achando estranha, assim toda despedaçada, mas espero ainda parecer sua
velha amiga.
Centenas de cabeças assentiram.
— Vocês lutaram com bravura ontem. Arriscaram suas vidas para me defender,
e serei eternamente grata por isso. Mas muitos de nossos amigos ficaram feridos.
Alguns talvez não se recuperem. E tenho notícias ainda piores. Antes de morrer, o
último robô me disse que mais robôs como ele virão para nossa ilha. É possível que
já estejam a caminho. E mesmo que os derrotemos, outros virão. Meus Fabricantes
não vão descansar até que todas as suas propriedades sejam recuperadas. Eles
querem os robôs mortos. Querem as partes quebradas. Eles querem a mim.
A multidão ficou em silêncio.
— Mas eu amo demais esta ilha para colocar outras vidas em risco. Portanto,
meus amigos, terei que partir.
Vozes gritaram.
— Não vá, Roz!
— Da próxima vez estaremos preparados!
— Arriscamos nossa vida para você poder ficar!
— Eu compreendo! — A voz da robô interrompeu a algazarra. — Mas olhem só
para mim! Meu corpo está arruinado! E o robô disse que os únicos que podem me
consertar são meus Fabricantes.
— E se ele mentiu? — gritou uma voz. — Não pode confiar naqueles monstros!
— Você tem razão! — disse Roz. — Talvez ele tenha mentido. Talvez não reste
esperança para mim. Mas é um risco que tenho que correr. Animais, vocês me
ensinaram a ser selvagem. Eu quero ser selvagem de novo! Por isso tenho que tentar
conseguir os reparos necessários. É pelo meu próprio bem e pelo bem da ilha que
vou voltar para meus Fabricantes.
Uma calmaria se espalhou pela multidão.
Eles sabiam que Roz estava certa.
CAPÍTULO 78
O ADEUS

Nossa robô tinha um exército de animais às suas ordens, e pediu a eles que levassem
todas as partes de robô e os rifles até a aeronave. Tudo precisava ser levado embora.
Era a única maneira de garantir que os robôs de resgate nunca mais voltassem.
Os animais da ilha não tiveram dificuldades em localizar tudo o que restava dos
robôs mortos. Carregar todos aqueles restos mortais foi um pouco mais complicado,
mas eles completaram a tarefa. Equipes de criaturas espertas recolheram partes de
robôs de tamanhos e formas diferentes. Cabeças esmagadas, rifles partidos, tubos
retorcidos e corpos pesados foram embarcados na aeronave até que toda a ilha
estivesse limpa. Até mesmo os menores fragmentos foram apanhados. É incrível o
que um exército de animais é capaz de fazer.
Caía uma chuva fininha quando eles finalmente ergueram Roz pela porta da
aeronave. Sua cabeça se virou lentamente para olhar para a multidão de gansos,
castores, corujas, insetos, raposas, guaxinins, urubus, ratos, ursos, gambás, peixes,
veados, lontras, tartarugas, pica-paus, esquilos, sapos, lebres e assim por diante.
Todos os animais da ilha tinham ido até lá para se despedir da robô.
— Adeus, selvagens! — A voz de Roz ecoou pela paisagem cinzenta.
Os animais selvagens sorriram. E então alguns deles começaram a rugir, e
outros passaram a guinchar, e outros a uivar, chilrear e grunhir. Logo todas as
criaturas estavam dando adeus a Roz. O coro de vozes selvagens foi ficando cada
vez mais alto, fazendo o corpo da robô tremer, chacoalhando a aeronave, ressoando
por toda a ilha e até as nuvens, mas suas vozes aos poucos deram lugar ao silêncio.
Bico-Vivo voou até o ombro da mãe.
— Você entende por que tenho que partir — disse a robô.
— Entendo — choramingou o ganso.
— Mais robôs de resgate podem estar a caminho da ilha neste exato momento.
Não tem como saber. Há tantas coisas que eu não sei. Acho que está na hora de obter
algumas respostas.
— Vou ver você de novo algum dia? — perguntou Bico-Vivo, secando as
lágrimas.
— Você é meu filho, e aqui é o meu lar — disse Roz. — Vou fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para voltar.
Bico-Vivo abraçou o rosto danificado da mãe.
— Eu te amo, mamãe.
— Eu te amo, filho.
O ganso voou de volta para seu bando.
A robô olhou uma última vez para seu lar.
A porta se fechou com um zumbido.
CAPÍTULO 79
A PARTIDA

Os motores da aeronave se ligaram automaticamente. Em seguida, a aeronave


planou lentamente sobre a ilha, virou em direção ao sul e desapareceu nas nuvens.
CAPÍTULO 80
O CÉU

Nossa história termina no céu, onde um robô estava sendo levado para longe do
único lar que conhecia. Enquanto estava na aeronave, despedaçada, sozinha e
avançando a toda velocidade em direção a um futuro misterioso, Roz relembrou seu
passado extraordinário.
Leitor, pode parecer impossível que nossa robô tenha mudado tanto. Talvez os
robôs de resgate estivessem certos. Talvez Roz de fato estivesse com defeito, e
alguma falha técnica em sua programação a tivesse levado a se tornar uma robô
selvagem. Ou quem sabe Roz tivesse sido programada para pensar, aprender e
mudar; ela fizera essas coisas melhor do que qualquer um poderia imaginar.
Como quer que tenha sido, Roz se sentia afortunada por ter levado uma vida tão
incrível. E cada momento ficara gravado em seu cérebro computadorizado. Mesmo
suas primeiras memórias eram perfeitamente nítidas. Ainda podia ver o sol
brilhando através da fenda em seu caixote. Ainda podia ouvir as ondas quebrando na
praia. Ainda podia sentir o cheiro da água salgada e dos pinheiros. Será que um dia
ia ver, ouvir e sentir o cheiro de tudo aquilo de novo? Será que um dia escalaria uma
montanha, construiria uma toca ou brincaria com um ganso outra vez?
Não apenas um ganso. Um filho.
Bico-Vivo se tornou filho de Roz desde o momento em que ela pegou seu ovo.
Ela o salvara da morte certa, e então ele a salvara. Bico-Vivo era a razão pela qual
Roz tinha vivido tão bem por tanto tempo. E se quisesse continuar a viver, se
quisesse ser selvagem de novo, ela precisava estar com sua família e seus amigos em
sua ilha. Por isso, enquanto a aeronave cortava os céus, Roz começou a arquitetar
um plano.
Ia conseguir os reparos necessários.
Ia escapar de sua nova vida.
Ia encontrar o caminho de volta para casa.
UMA NOTA SOBRE A HISTÓRIA

Sempre fui fascinado por robôs. Pelos robôs que existem atualmente, pelos que
existirão no futuro e pelos fantásticos personagens robôs que existem apenas nos
livros e nos filmes. É curioso observar como surgem diversas questões filosóficas
quando pensamos em seres artificiais. Queremos robôs capazes de pensar e sentir,
como uma pessoa? Confiaríamos em um robô para realizar uma cirurgia, tomar
conta de crianças e policiar nossas cidades? Em um mundo no qual robôs fizessem
todo o trabalho, como nós, humanos, passaríamos nosso tempo?
Também tenho fascínio pelo mundo natural. Cresci me aventurando pelos
campos, pelos riachos e pelas florestas perto da minha casa, e aprendi muito sobre a
vida selvagem local. Entendi que os veados são mais ativos ao amanhecer e ao
anoitecer. Observava esquilos coletando e armazenando bolotas de uma maneira
bem metódica. Ouvia gansos grasnando no céu enquanto voavam em direção ao sul
a cada outono.
Os animais têm um comportamento tão previsível e seguem rotinas tão rígidas
que às vezes parecem quase… robóticos. E algumas vezes, ao longo da vida, me
ocorreu que os instintos animais se parecem com programas de computador. Graças
a seus instintos, os animais automaticamente fogem do perigo, constroem ninhos,
ficam próximos de sua família, e com frequência fazem essas coisas sem pensar,
como se tivessem sido programados para agir de determinadas maneiras em certos
momentos. Surpreendentemente, animais selvagens e robôs de fato têm algumas
coisas em comum.
Esse tipo de pensamento povoou minha imaginação durante a maior parte da
vida. E então, há alguns anos, comecei a escrever sobre um robô e alguns animais
selvagens. Não conseguia parar de rabiscar desenhos de um robô em uma árvore.
Comecei a me fazer perguntas inusitadas. O que uma robô inteligente faria caso se
visse sozinha na natureza? Como ela se adaptaria ao meio ambiente? Como o meio
ambiente se adaptaria a ela? Por que estou me referindo a esse robô sempre no
feminino, usando o pronome “ela”? E, aliás, por que tantos escritores de ficção
científica atribuíram um gênero a muitos de seus personagens robôs?
A imagem de uma robô chamada Roz aos poucos foi tomando forma na minha
mente. Eu podia vê-la explorando uma ilha deserta. Podia ouvi-la se comunicando
com animais selvagens. Podia senti-la se tornando parte da vida ao ar livre. E depois
de anos imaginando, escrevendo e desenhando, eu me dei conta de que tinha todos os
elementos para uma história sobre robôs e natureza. Então dirigi até uma cabana no
meio do mato, abri um caderno novinho em folha e comecei a trabalhar em Robô
selvagem.
AGRADECIMENTOS

Comecei a trabalhar em Robô selvagem há mais de seis anos. Passei os últimos dois
anos e meio focado apenas nele. Como você deve imaginar, tive ajuda ao longo do
caminho.
Meus amigos e minha família não me encontraram muito nesses últimos anos. Eu
esqueci aniversários. Demorei para responder mensagens. Deixei de ir a uma
porção de festas. Mas todos sabiam como este livro era importante para mim e
perdoaram meus esquecimentos mesmo quando eu provavelmente não merecia.
Jill Yeomans com certeza tem qualidades demais para ser minha assistente.
Então vou tirar toda a vantagem que puder de tê-la trabalhando comigo enquanto
isso durar. Sem ela, eu nunca teria tempo para escrever ou ilustrar.
Paul Rodeen deve ser o agente literário mais bem-disposto do mundo. Seu
entusiasmo por este livro foi inabalável e fez toda a diferença durante meus longos
períodos de autoquestionamento.
Minha editora, a Little, Brown and Company, poderia ter me incentivado a
simplesmente fazer outro livro ilustrado, e ninguém os teria culpado por isso. Mas
eles sabiam que eu precisava escrever esta história, e não poderia ter feito isso sem
seu apoio. É preciso um exército de pessoas bastante inteligentes trabalhando muito
duro para trazer um livro desses à vida. Não há páginas suficientes aqui para
mencionar os cargos e as contribuições específicas de cada membro da minha
equipe, então terei que me limitar a listar seus nomes. Se vir seu nome na lista
abaixo, por favor, saiba que sou profundamente grato por seu esforço, seus
conhecimentos e sua paciência. Algumas das lindas pessoas que me ajudaram a
escrever Robô selvagem são: Barbara Bakowski, Nicole Brown, Melanie Chang,
Jenny Choy, Shawn Foster, Nikki Garcia, Jen Graham, Allegra Green, Virginia
Lawther, Lisa Moraleda, Emilie Polster, Carol Scatorchio, Andrew Smith, Victoria
Stapleton e Megan Tingley.
David Caplan foi o diretor de arte responsável por deixar este livro tão lindo
quanto possível. E como você pode ver, ele acertou em cheio.
Alvina Ling tem editado meus livros com maestria desde o começo da minha
carreira. E isso é realmente admirável, pois eu posso ser uma pessoa bem difícil.
Sou um perfeccionista com uma séria falta de autoconfiança, o que complica as
coisas, ainda mais quando estou experimentando algo inteiramente novo, como
escrever meu primeiro livro de ficção para crianças. Mas Alvina é imperturbável e
encarou meus altos e baixos com uma elegância sobre-humana.
A todos que me ajudaram e me aturaram enquanto eu escrevia este livro:
obrigado.
SOBRE O AUTOR

PETER BROWN é autor e ilustrador. Já foi premiado com o Children’s Choice


Book Award e com o Caldecott Honor Award. Pela Intrínseca, publicou também Sr.
Tigre solto na selva, indicado como Leitura Altamente Recomendada pela Fundação
Nacional do Livro Infantil e Juvenil, e Minha professora é um monstro (Não sou,
não), eleito pela revista Crescer um dos melhores livros infantis de 2016.
CONHEÇA OS OUTROS TÍTULOS DO AUTOR

Minha professora é um monstro (Não sou, não)

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