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Publicado mediante acordo com a Little, Brown and Company, Nova York, EUA. Todos os direitos
reservados.
TÍTULO ORIGINAL
The Wild Robot
PREPARAÇÃO
Cristiane Pacanowski
REVISÃO
Milena Vargas
Juliana Werneck
ILUSTRAÇÕES DE CAPA E MIOLO
© 2016 by Peter Brown
ARTE DE CAPA
David Caplan e © 2016 Hachette Book Group, Inc.
ADAPTAÇÃO DE CAPA
ô de casa
REVISÃO DE E-BOOK
Taynée Mendes
GERAÇÃO DE E-BOOK
Intrínseca
E-ISBN
978-85-510-0194-3
1a edição
Nossa história começa no oceano, com vento, chuva, trovões, raios e ondas. Um
tornado rugia e soprava sua fúria na noite. E, no meio desse caos, um navio
cargueiro começou a naufragar,
descendo
descendo
descendo
até o fundo do mar.
O naufrágio deixou um monte de caixotes flutuando. Mas quando o furacão os
açoitou, eles rodopiaram e balançaram e logo também começaram a descer para as
profundezas do mar. Um após o outro, foram engolidos pelas ondas até que
sobraram apenas cinco.
Quando amanheceu, a tempestade tinha terminado. Não havia mais nuvens, nem
navio ou terra à vista. Apenas as águas tranquilas, o céu claro e aqueles cinco
caixotes, flutuando preguiçosamente ao sabor de uma corrente ocasional. Dias se
passaram. Um borrão verde apareceu no horizonte. Conforme os caixotes se
aproximavam, as formas verdes e indistintas aos poucos foram ganhando os
contornos acidentados de uma ilha deserta coberta de rochas.
O primeiro caixote foi empurrado até a praia por uma onda violenta e ruidosa e
lançado contra as rochas com tanta força que se espatifou em mil pedaços.
A propósito, leitor, o que eu ainda não mencionei é que dentro de cada caixote
havia um robô novinho, cuidadosamente embalado. O navio transportava centenas
deles quando foi engolido pela tempestade. Restaram apenas cinco. Na verdade,
apenas quatro, porque, quando aquele primeiro caixote bateu nas pedras, o robô que
estava lá dentro ficou em pedaços.
O mesmo aconteceu com o caixote seguinte, que atingiu as pedras com força, e
peças de robô voaram para todos os lados. Isso se repetiu com o terceiro caixote. E
com o quarto. Membros e torsos de robôs eram atirados contra as rochas. Uma
cabeça de robô mergulhou com tudo numa piscina natural. Um pé de robô saiu
quicando nas ondas.
Até que chegou a vez do último caixote. Lá foi ele seguindo o mesmo caminho
dos outros, mas, em vez de se chocar nas pedras, foi jogado contra o que restou dos
quatro primeiros. Não demorou para que mais ondas viessem e o atirassem para
fora da água. Ele voou, rodopiando e brilhando ao sol, até aterrissar com força no
alto de uma rocha. O caixote estava rachado e torto, mas o que havia lá dentro não
se quebrou.
CAPÍTULO 2
AS LONTRAS
Um grupo de lontras brincava nas pequenas piscinas de água do mar quando uma
delas reparou nos objetos que brilhavam. Todas ficaram paralisadas. Elas ergueram
o focinho, mas só sentiram o cheiro do mar, então rastejaram com cuidado pelas
rochas para dar uma olhada.
O grupinho se aproximou devagar do torso de um robô. A maior das lontras
esticou a pata, cutucou aquela coisa pesada e na mesma hora deu um pulinho para
trás. Mas nada aconteceu. Então elas foram para mais perto de uma mão de robô.
Quando uma segunda lontra corajosa esticou a pata e virou a mão para cima, o metal
fez um gostoso ruído metálico contra a rocha. As lontras guincharam, encantadas.
Elas se espalharam e começaram a brincar com os braços, pernas e pés de robô.
Reviraram outras mãos. Quando uma das lontras encontrou uma cabeça numa das
piscinas naturais, todas as outras foram até lá e se revezaram rolando a cabeça
metálica na areia.
Então elas avistaram outra coisa: o único caixote que restara, no alto de uma
rocha acima do cemitério de robôs. Estava amassado nas laterais e com uma grande
rachadura na parte de cima. As lontras se deslocaram rapidamente pelas rochas e
subiram na caixa grandona. Dez carinhas peludas espiaram pela abertura, ansiosas
para ver o que tinha lá dentro. O que viram foi mais um robô, novinho em folha.
Mas aquele era diferente dos outros. Ainda estava inteiro, embalado em uma espuma
grossa, que o protegia.
As lontras enfiaram as patas pela abertura e começaram a rasgar a espuma. Era
tão macia e gostosa de apertar! Elas davam guinchos de alegria enquanto
arrancavam aquela coisa fofinha. Pedaços de espuma saíram voando na brisa
marinha. Então, no meio daquela animação toda, uma das patas apertou sem querer
um botãozinho importante na parte de trás.
Clique.
Levou um tempo até as lontras perceberem que estava acontecendo alguma coisa
dentro do caixote. Só instantes depois elas ouviram: um zumbido baixinho. Ficaram
paradas, prestando atenção. E a robô abriu os olhos.
CAPÍTULO 3
A ROBÔ
Como você deve saber, leitor, os robôs não têm emoções de verdade. Não como os
animais. Mesmo assim, Roz sentiu algo parecido com curiosidade ali dentro do
caixote amassado. Olhava curiosa para a bola de luz quente que brilhava no alto.
Então seu cérebro computadorizado começou a funcionar, e ela identificou a fonte
de luz. Era o sol.
A robô percebeu que seu corpo estava absorvendo a energia solar. A cada
minuto, ela se sentia mais desperta. Quando sua bateria ficou completamente
carregada, Roz olhou ao redor e se deu conta de que estava em um caixote. Tentou
mexer os braços, mas estavam presos por cordas. Fez mais força. As engrenagens
em seus braços zumbiram um pouco mais alto e as cordas se romperam. Então ela
ergueu as mãos e se levantou, despedaçando o caixote. Feito um pintinho saindo do
ovo, Roz veio ao mundo.
CAPÍTULO 5
O CEMITÉRIO DE ROBÔS
Crac!
Tum!
Deng!
Roz estava com um pouco de dificuldade para escalar o penhasco. Tinha
arranjado um novo amassado nas costas e um arranhão comprido na lateral do
corpo. E estava prestes a danificar mais uma peça quando um caranguejo saiu de sob
um tronco de árvore caído.
Assim que viu a robô, o caranguejo mostrou suas pinças gigantes. Todos os
animais tinham medo das pinças dele. Mas não Roz. Ela simplesmente olhou para o
bichinho e se apresentou:
— Olá, caranguejo. Meu nome é Roz.
Os dois se encararam por alguns segundos, e o animal recuou. Foi então que Roz
percebeu como ele andava com facilidade pelas rochas. Com seu corpo achatado e
suas garras firmes, o caranguejo conseguia subir e descer qualquer superfície. Roz
decidiu experimentar a técnica. Esticou bem os braços e se segurou em dois pontos
do penhasco. Depois, encaixou um pé numa reentrância e levantou o outro até um
peitoril estreito. E assim, de repente, estava escalando.
Começou desajeitada. Um pedaço de rocha se soltou em sua mão, e ela demorava
a encontrar pontos onde apoiar os pés, mas aos poucos foi pegando o jeito e subindo.
As gaivotas grasnavam em ninhos e saíam voando quando a robô se aproximava.
Mas Roz nem ligava para elas. Estava concentrada. Foi subindo, subindo e subindo,
escalando daquele jeito metódico, passando por ninhos e saliências rochosas e
árvores minúsculas nascidas nas fendas, e não demorou para nossa robô sentir o solo
macio da ilha sob seus pés.
CAPÍTULO 7
A FLORESTA
Se você ficar parado numa floresta por um tempo, uma hora ou outra alguma coisa
vai acabar caindo em você. E Roz estava parada na floresta fazia um bom tempo.
Uma brisa suave soprou através das árvores e então — ploft! — uma pinha quicou
na cabeça da robô. Ela olhou para baixo e ficou vendo a pinha rolar até parar.
Parecia inofensiva, então Roz voltou a ficar imóvel, sem fazer nada.
Algumas horas depois, um vento balançou os galhos das árvores e… ploft! Roz
olhou para baixo e viu outra pinha rolando.
Então se passaram mais algumas horas, e um vento forte uivou, sacudindo os
galhos das árvores. Os troncos se curvaram, e… ploft ploft ploft! Começou a chover
pinhas. Ploft ploft! Roz sentiu algo que parecia irritação. Ploft! Ela examinou a área
rapidamente, procurando algum lugar onde pudesse se proteger das pinhas. E lá
estava o local perfeito: uma grande formação rochosa que se erguia acima da
floresta.
CAPÍTULO 9
A MONTANHA
Roz subia a montanha com passos pesados. A floresta densa e as pedras a forçavam
a andar em zigue-zague e às vezes recuar, mas, depois de uma hora escalando, ela
chegou ao topo.
Ali no alto, cada pedacinho de terra era coberto de grama, flores e arbustos. Mas
não havia árvores. Roz estava livre daquelas pinhas irritantes. Depois que limpou a
poeira, ela escalou com cuidado uma rocha inclinada, até o ponto mais alto da
montanha.
A robô girou a cabeça devagar, dando a volta completa. Viu o mar se estendendo
até o horizonte em todas as direções. E, naquele instante, Roz entendeu o que você e
eu já sabemos desde o início desta história. Naquele momento, Roz finalmente se
deu conta de que estava numa ilha.
Ela olhou para baixo e inspecionou aquela porção de terra cercada de água por
todos os lados. Começando pela área arenosa mais ao sul, a ilha se tornava mais
larga, mais verde e mais montanhosa até culminar no cone rochoso da montanha.
Em alguns locais a montanha descia, formando penhascos íngremes. Uma cachoeira
brotava de um desses penhascos, e as águas iam dar em um rio que serpenteava por
uma grande campina bem no centro da ilha. O rio corria entre flores silvestres,
lagoas e pedregulhos, até desaparecer no meio da floresta.
De repente, formas borradas invadiram o campo de visão de Roz. Ela ajustou o
foco dos olhos e avistou urubus voando em círculos lá embaixo. Viu lagartos se
aquecendo sobre uma pedra longe dali. Um esquilo espreitou de uma moita cheia de
frutinhas. Um alce atravessava um riacho. Um bando de pardais voava em perfeita
harmonia acima da floresta. A ilha fervilhava de vida. E agora abrigava um novo
tipo de vida. Um tipo estranho. Vida artificial.
CAPÍTULO 10
UM LEMBRETE
Devo lembrar a você, leitor, que Roz não fazia ideia de como tinha ido parar
naquela ilha. Ela não sabia que tinha sido montada numa fábrica, guardada num
depósito dentro de um caixote e, depois, atravessado o oceano num navio. Não sabia
que um furacão afundara o navio e que tinha passado dias dentro do caixote, boiando
até finalmente chegar àquele pedaço de terra no meio do oceano. Não sabia que as
lontras, curiosas, a haviam ligado sem querer. Enquanto observava a paisagem, Roz
nem chegou a pensar que não pertencia àquele lugar. Pelo que sabia, estava em casa.
CAPÍTULO 11
A ROBÔ DORME
Dali do alto, Roz viu o sol se pôr no mar. Viu sombras se estenderem lentamente
pela ilha e subirem a montanha. Viu as estrelas surgirem, uma a uma, até que fossem
um milhão de pontinhos brilhantes no céu. Era a primeira noite da vida da robô.
Ela ativou seus faróis. Feixes luminosos saíram de seus olhos e iluminaram o
topo da montanha. Eram fortes demais, por isso ela reduziu a intensidade. Por fim,
desligou as luzes e ficou ali sentada na escuridão, ouvindo o coro noturno dos
animais e seus barulhos.
Depois de um tempo, o cérebro computadorizado da nossa robô decidiu que era
um bom momento para poupar energia. Roz então se sentou com as mãos apoiadas
na rocha. Desligou os programas secundários, e podemos dizer que a robô dormiu,
à sua maneira.
CAPÍTULO 12
A TEMPESTADE
Roz se sentia segura no alto da montanha, tanto que passou vários dias ali. Mas isso
mudou na tarde em que uma nuvem baixa se aproximou e tudo ao redor de nossa
robô ficou branco. Quando voltou a enxergar a paisagem, reparou que havia mais
nuvens como aquela ao sul da ilha. Então ouviu um estrondo em algum lugar atrás
de si. Roz se virou e viu que um paredão de nuvens escuras rodopiava no céu.
Clarões faziam o céu tremular subitamente aqui e ali. O mesmo barulho
ensurdecedor se repetiu algumas vezes.
Uma tempestade estava se aproximando, e não era uma tempestade qualquer. Era
tão violenta quanto a que tinha feito o navio afundar.
O vento ganhou força, e as primeiras gotas atingiram a robô. Ela precisava sair
dali. Roz soltou as mãos e começou a descer deslizando. Saíam faíscas quando seu
corpo batia na rocha inclinada. Assim que seus pés tocaram o solo da floresta, ela
saiu correndo.
Os pingos de chuva caíam mais grossos.
O vento soprava mais forte.
Os relâmpagos brilhavam com mais intensidade.
O estrondo do trovão ficou mais alto.
A chuva era tanta que começou a formar rios por toda parte. Roz deslizou
montanha abaixo, procurando qualquer lugar que pudesse servir de abrigo. Mas
deveria ter prestado mais atenção ao caminho. Por causa dos pés pesados, ela
escorregou e tropeçou, e caiu bem no meio de uma avalanche de lama.
Nossa robô estava indefesa. O rio de lama a carregou encosta abaixo, e Roz foi
se arranhando nas pedras e se ralando nos arbustos, bem na direção de um penhasco!
A lama descia com a força de uma cachoeira! Roz tentou desesperadamente se
segurar no solo, agarrando qualquer coisa que via pelo caminho, mas a avalanche
continuava a carregá-la, cada vez mais rápido. Quando estava prestes a ser
arremessada da beirada do penhasco, ela fez uma parada súbita e violenta.
Ondas de lama passavam em volta dela, atingindo seu rosto e mantendo-a presa
contra alguma coisa sólida. Roz tateou às cegas e reconheceu as raízes grossas e o
tronco de um pinheiro. Em seguida, começou a subir nos galhos. O vento açoitava a
montanha, e Roz ouvia o ploft! familiar das pinhas atingindo seu corpo. Mas dessa
vez não se importou, pois estava feliz em ter se salvado da lama. Com os braços e as
pernas agarrados à árvore, ela esperou a tempestade passar.
CAPÍTULO 13
DEPOIS DA TEMPESTADE
O dia raiou e a tempestade passou, mas ainda assim era possível escutar barulhos de
água por toda parte. Dava para ouvir a água escorrendo pela montanha e o
murmúrio dos riachos inundados. Então veio um som muito diferente: o ruído
metálico de quando um robô escorrega numa pedra úmida. Naquela manhã, esse
barulho foi ouvido várias vezes.
Enquanto descia a montanha, Roz avaliava os estragos provocados pela
tempestade. Gigantescos montes de lama e destroços haviam se formado abaixo dos
penhascos. O rio que cortava o centro da ilha tinha transbordado e inundado campos
e florestas próximos. Algumas árvores foram arrancadas e outras estavam
submersas, os galhos mais altos mal despontando acima da água, os mais baixos
cercados de peixes em vez de pássaros.
Depois de uma tempestade como aquela, era de se esperar que houvesse corpos
de animais espalhados pelo cenário de devastação. Mas eles pareciam ter
sobrevivido sem muitos problemas. De alguma forma, os bichos sabiam quando a
tempestade se aproximava e tinham encontrado abrigo a tempo. Os que viviam nas
terras mais baixas e haviam buscado refúgio em locais mais altos esperavam
pacientemente que a água baixasse. Veados pastavam pelos campos alagados.
Castores recolhiam um punhado de galhos caídos. Gansos grasnavam no céu antes
de aterrissar em uma área inundada da floresta.
Ficou claro que os animais eram especialistas em sobrevivência.
Ficou claro que a robô não era.
Ela estava coberta de lama e detritos, então fez novamente uma boa limpeza em
si mesma, mas isso serviu apenas para revelar seus novos amassados e arranhões.
Estavam se multiplicando. Roz mal lembrava a robô perfeita que aparecera na praia
uma semana antes.
A natureza estava sendo dura com a pobre Roz. Por isso, ela sentiu uma coisa
parecida com alívio quando avistou o buraco na lateral da montanha. Parecia um
lugar seguro para um robô. Caminhou pela encosta até chegar à caverna, mas não
parou para pensar no que poderia estar escondido lá dentro.
CAPÍTULO 14
OS URSOS
Usando toda a força que tinha nas pernas, Roz deu um pulo bem alto e pousou em
um galho acima dos ursos. A árvore se sacudiu, e então — ploft ploft! — duas
pinhas atingiram Roz, e logo depois — ploft ploft! — as mesmas pinhas bateram nos
ursos lá embaixo. Os ursos rugiram, irritados. Isso fez Roz ter uma ideia.
Sua programação não a deixava ser violenta, mas nada a impedia de ser irritante.
Então Roz começou a arrancar pinhas dos galhos próximos e atirá-las nos ursos.
Ploft! Ploft! Ploft! Ploft!
Cada uma das pinhas atingia seu alvo com precisão, deixando os ursos muito
nervosos.
— Roarrrr! — rosnou a irmã urso.
— Grrrrrr! — grunhiu o irmão urso.
— Ursos, eu não entendo vocês — disse Roz.
Ela estava prestes a arremessar uma porção de pinhas irritantes sobre eles
quando um rugido distante ecoou pela floresta. Da caverna, a mãe ursa estava
chamando seus dois filhotes, e não parecia nada contente. Os dois jovens ursos se
entreolharam. Sabiam que estavam encrencados. Mas, antes de voltar para casa,
olharam feio para Roz e grunhiram uma última vez. O que eles mais queriam era
matar aquela robô.
CAPÍTULO 16
O PINHEIRO
Roz não tinha pressa nenhuma de sair da árvore. Continuou sentada no galho por
muito tempo depois que os ursos foram embora, aproveitando um pouco de paz e
avaliando os danos.
Além das marcas de mordida e dos arranhões, ela também estava coberta de
sujeira, o que, é claro, significava que era hora de outra limpeza. Já estava bastante
limpa quando sentiu algo grudento em um dos braços. O problema de ficar sentado
nos galhos de um pinheiro é que em algum momento a resina da árvore encontra
você. Sempre encontra. E encontrou Roz. A robô esfregou o local e tentou arrancar
aquela coisa pegajosa, mas seus dedos logo ficaram completamente melados. Em
pouco tempo a resina cobria seus braços, suas pernas e seu torso. E a situação estava
prestes a ficar ainda mais caótica.
A situação de Roz não estava lá muito boa. Ela estava caída embaixo da árvore,
coberta por um monte de galhos partidos, pinhas e agulhas de pinheiro. Ainda não
tinha removido do corpo a resina grudenta. Nem o cocô de passarinho, que viera
depois. Já ia se levantar e começar uma boa limpeza quando avistou um graveto
diferente, que se movia. Estava se esgueirando por um dos galhos partidos no chão.
Com suavidade, a robô pegou o graveto.
Como você sabe, leitor, Roz gostava de se manter sempre o mais limpa possível.
Mas seu desejo de se manter viva era mais forte do que o de se manter limpa, por
isso nossa robô decidiu que era hora de se sujar. Roz ia se camuflar.
Ela tivera essa ideia ao observar o bicho-pau, mas logo se deu conta de que não
poderia se camuflar como graveto. Não: teria que se misturar à paisagem. Começou
esfregando lama de cima a baixo. Então arrancou grama e ervas daninhas do chão e
enterrou as raízes na lama que agora cobria todo o seu corpo. Colocou flores
coloridas em volta do rosto para disfarçar os olhos brilhantes, e todas as partes que
ainda estavam à mostra foram cobertas com folhas de árvores e pedaços de musgo.
Roz agora parecia um enorme tufo de plantas andando pela floresta. Ela esperou
escurecer e foi até o centro da clareira, onde se aninhou entre algumas pedras e se
tornou parte da paisagem.
Algumas horas depois, o céu começou a clarear, a névoa foi se dissipando, os
animais noturnos voltaram para casa e os animais diurnos começaram a despertar.
Era apenas mais uma manhã como todas as outras na ilha. No entanto, havia aquele
novo tufo de plantas numa das clareiras da floresta. Apenas as abelhas tinham
reparado. Elas zumbiam ao redor, sem saber que era a robô disfarçada. Roz ficou
ali, bem à vista e ao mesmo tempo completamente invisível, observando a natureza.
Ela viu as flores se virarem lentamente para o sol.
Ouviu roedores se esgueirando pela vegetação rasteira.
Sentiu o ar úmido e com aroma de pinheiro.
Sentiu minhocas se contorcendo junto de seu corpo enlameado.
Uma semana depois, o tufo de plantas havia sumido, mas surgiu um novo
montinho de algas marinhas na praia. Mais uma semana se passou, e o montinho de
algas marinhas também sumiu, porém apareceu um novo arbusto na montanha.
Então surgiu um novo tronco na margem do rio. E uma nova pedra na floresta.
CAPÍTULO 19
AS OBSERVAÇÕES
Começou com os pássaros. Eles sempre ficavam meio assustados quando a robô se
aproximava. Eles a encaravam, piavam e se dispersavam. Mas, agora que estava
camuflada, Roz podia observar secretamente seu comportamento normal, bem de
pertinho.
Ela notou chapins voando ao redor das mesmas flores e do mesmo jeito todas as
manhãs. Observou uma cotovia que pousava na mesma pedra e entoava o mesmo
canto todas as tardes. Viu o mesmo casal de gralhas cantando um para o outro pela
mesma campina todo fim de tarde. Depois de semanas examinando roboticamente
os passarinhos, Roz sabia o que cada um ia cantar, quando eles iam cantar e, por
fim, por que cantavam. A robô estava começando a entender os pássaros.
Havia uma hora todos os dias, à luz suave do amanhecer, em que todos os animais da
ilha estavam seguros. Sabe, muito tempo antes eles tinham concordado em não caçar
nem ferir uns aos outros naquele período do dia. Eles o chamavam de Trégua do
Amanhecer. Quase todas as manhãs, os habitantes da ilha se reuniam na Grande
Campina e passavam aquela hora conversando com amigos. É claro que nem todos
iam a esses encontros. Os ursos nunca deram as caras. E os urubus apenas voavam
em círculos lá no alto. Mas, naquela manhã específica, um grupo
extraordinariamente grande de animais foi até lá para discutir uma notícia
importante.
— Acomodem-se, todos! Tenho uma coisa importante a dizer! — piou
Rapinoso, a coruja, para a multidão, empoleirada no galho mais baixo de uma
árvore morta. — Ontem à noite vi uma criatura misteriosa bem aqui na Grande
Campina. Parecia coberta de grama, por isso não consegui ver direito, mas acho que
era um monstro.
Olhares preocupados surgiram na multidão.
— O que o monstro estava fazendo? — perguntou Flecha, a doninha.
— Estava falando — respondeu Rapinoso. — Ficava repetindo as mesmas
palavras sem parar. Mas a cada vez soava um pouco diferente. Primeiro parecia um
grilo, depois um guaxinim, e depois, uma coruja!
— O que a criatura estava dizendo? — perguntou Escavadora, a marmota.
— Posso estar enganada — disse a coruja —, mas acho que ela disse: “Olá, meu
nome é Roz.”
A multidão começou a tagarelar.
— Onde exatamente estava essa criatura? — perguntou Astuta, a raposa.
Todos se viraram quando a coruja apontou com a asa lentamente para um
montinho coberto de grama no meio da campina. Era um montinho de aparência
bem comum. Até que começou a se mover.
Como você já deve ter adivinhado, o montinho de grama era, na verdade, Roz.
Ela estivera lá o tempo todo, camuflada, vendo, ouvindo, e, quando todos os animais
olharam para ela, a robô resolveu se apresentar. A multidão observou, incrédula,
quando o montinho coberto de grama começou a se sacudir, se ergueu e se desfez
em pedaços... E lá estava a robô! Então, usando seu corpo e sua voz, Roz falou com
os animais na própria língua deles.
— Olá, meu nome é Roz.
Todos ficaram boquiabertos.
Rapinoso começou a bater as asas e guinchou:
— É o monstro!
— Não sou um monstro — explicou Roz. — Sou um robô.
Um grupo de pardais saiu voando de repente.
— Deixe-nos em paz! — gritou Flecha enquanto se agachava na grama. —
Volte para o lugar horrível de onde você veio!
— Eu sou daqui — retrucou Roz. — Passei a vida toda nesta ilha.
— Por que não falou conosco antes? — indagou a coruja, com um guincho, de
um ponto mais alto na árvore.
— É que eu não conhecia a língua dos animais — respondeu a robô.
Pontudo, o veado, já tinha ouvido o bastante e adentrou a floresta com sua
família.
— O que você quer da gente? — grunhiu Astuta.
— Observei que diferentes animais sobrevivem de maneiras distintas —
respondeu a robô. — Gostaria que cada um de vocês me ensinasse suas técnicas de
sobrevivência.
— Não vou ajudá-la! — piou alto a coruja, do topo da árvore. — Você é tão…
anormal!
— O monstro só está esperando para nos devorar! — gritou Escavadora,
desaparecendo em um buraco.
— Não vou devorar ninguém — disse Roz. — Eu não preciso de comida.
— Ué, não precisa de comida? — Astuta relaxou um pouco. — Bem, eu preciso.
E muito. Por que não faz alguma coisa útil e encontra algo para eu comer?
— O que você gostaria que eu fizesse? — perguntou Roz.
— Você sabe caçar? — A raposa sorriu, olhando para uma lebre no outro lado
da campina. — Está quase na hora do café da manhã.
— Não sei caçar. Mas posso colher frutas.
O sorriso da raposa desapareceu.
— Frutas? Eu me alimento de carne, não de frutas! Boa sorte para você, Roz.
Vai precisar!
E a raposa saiu trotando.
Roz olhou para o topo da árvore, mas a coruja se fora. E quando olhou para
baixo outra vez, todos os outros animais também tinham ido embora.
CAPÍTULO 22
A NOVA PALAVRA
Uma nova palavra circulava pela ilha. A palavra era Roz. Todos falavam sobre a
robô. E todos queriam evitá-la.
— Acho que nunca vou me sentir à vontade enquanto souber que a Roz
está por aí.
— Espero que a Roz se camufle de pedra. Para sempre.
— Shhh! Lá vem a Roz! Vamos dar o fora!
Roz perambulava pela ilha coberta de lama e de coisas verdes que cresciam em
seu corpo, e aonde fosse, ouvia palavras hostis. Essas palavras teriam deixado
qualquer criatura bastante chateada, mas, como você sabe, os robôs não têm
emoções, e, naquela situação, provavelmente era melhor assim.
CAPÍTULO 23
A RAPOSA MACHUCADA
— Meu rosto! Meu lindo rosto! Alguém me ajude! — Astuta, a raposa, estava
deitada sobre uma tora de madeira, uivando de dor, com o rosto cheio de espinhos
longos e pontiagudos, quando Roz apareceu. — Não tem mais ninguém que possa
me ajudar?
— Quer que eu vá embora? — perguntou a robô.
— Não! Por favor, não vá! — pediu Astuta. — Eu aceito qualquer ajuda.
— O que aconteceu?
— Eu achei que o porco-espinho não estava me vendo nos arbustos, então me
lancei no pescoço dele, mas de repente todo o meu rosto ficou coberto de espinhos!
— Por que se lançou no pescoço dele?
— Por que você acha que fiz isso? Porque eu estava com fome!
— Se você não tivesse atacado o porco-espinho, não estaria com o rosto cheio de
espinhos.
— Sim, Roz, eu sei disso. Mas nós, raposas, precisamos comer! Eu só não
esperava que ele fosse reagir. Veja! Tem espinhos até nas minhas patas! Não
consigo andar! Meu rosto está dormente! Posso morrer se você não me ajudar!
— O que quer que eu faça? — perguntou a robô.
— Quero que arranque os espinhos!
Roz se ajoelhou calmamente ao lado de Astuta.
— Vou arrancar.
A robô começou a puxar um dos espinhos, mas ele se partiu em seus dedos. A
raposa uivou de dor e disse:
— Puxe mais perto da pele!
Roz puxou o espinho partido mais perto da pele e, lentamente, o arrancou. A
raposa gemeu de dor e disse, com os dentes cerrados:
— Por favor, Roz, arranque mais rápido. Isso é uma tortura!
A robô arrancou rapidamente outro espinho. Então outro, e outro. A raposa ficou
completamente imóvel, com os olhos bem fechados, o ar saindo com um sibilo por
suas narinas, até que todos os espinhos tivessem sido arrancados e dispostos em uma
pilha ao seu lado.
Astuta se levantou com dificuldade.
— Obrigada, Roz. Eu… eu fico te devendo essa.
A raposa deu um breve sorriso e foi embora mancando.
CAPÍTULO 24
O ACIDENTE
Enquanto Roz estava de pé, na chuva, olhando para aqueles pobres gansos sem vida,
seus ouvidos sensíveis detectaram um fraco grasnado perto dali. Ela seguiu o som
até um amontoado de folhas molhadas no chão. E quando afastou as folhas, achou
um único ovo de ganso, perfeito, afundado na lama.
— Mamãe! Mamãe! — grasnou uma vozinha abafada dentro do ovo.
Roz aninhou na mão cuidadosamente aquela coisinha frágil. Sem a família, o
filhote de ganso dentro do ovo com certeza ia morrer. Ela sabia que alguns animais
precisavam morrer para que outros vivessem. Era assim que as coisas funcionavam
na natureza. Mas ela ia deixar que o acidente que provocara causasse a morte de
mais um filhote?
A robô começou a andar. Segurando o ovo com cuidado, atravessou a floresta,
afastando-se daquela cena triste. Mas não tinha ido longe quando Astuta pulou do
meio dos arbustos.
— O que aconteceu? — perguntou a raposa, ofegante. — A floresta inteira
tremeu!
— Houve um acidente — respondeu Roz. — Eu estava escalando aqueles
penhascos quando as rochas começaram a despencar.
— Você precisa tomar mais cuidado — disse Astuta, enquanto examinava os
novos arranhões e amassados no corpo da robô. — Vou precisar da sua ajuda de
novo se um dia tiver mais problemas com porcos-espinhos!
— Vou prestar mais atenção.
— O que você tem aí? — perguntou a raposa, olhando para as mãos de Roz.
— Um ovo de ganso.
— Ah! Eu adoro ovos! Posso comê-lo?
— Não.
— Por favor!
— Não.
— Por que você quer o ovo? — questionou a raposa, de cara feia. — Achei que
não precisasse de comida.
— Você não pode ficar com este ovo, Astuta.
A raposa suspirou. Coçou o queixo. E, em seguida, começou a farejar a brisa.
Seu focinho sentiu o cheiro dos gansos mortos.
— Pode ficar com seu ovo! — exclamou enquanto corria em direção aos
penhascos. — Estou farejando algo melhor!
Roz continuou caminhando por um bom tempo pela floresta tomada pela névoa,
até chegar a um carvalho. Posicionou o ovo em cima de uma camada de musgo,
pegou grama e gravetos do chão e os entrelaçou delicadamente até formar um
pequeno ninho. Pôs o ovo dentro do ninho, colocou o ninho em seu ombro plano e
começou a escalar os galhos.
CAPÍTULO 26
A ATRIZ
— Já construí muitas tocas ao longo dos anos — disse o sr. Castor, na beira do lago.
— Mas nunca para uma robô e um filhote de ganso. Do que vocês precisam
exatamente?
— Precisamos de uma toca grande o bastante para nós dois — respondeu Roz.
— Tem que ser confortável e segura. E perto do lago.
— Quanto tempo planejam viver nessa toca?
— Não sei.
— Então o melhor é ter certeza de que seja forte e resistente. — O sr. Castor
mexia nos bigodes enquanto pensava. — Planeja receber amigos? Minha esposa
adora receber convidados.
— Eu não tenho amigos.
— Não tem amigos? Bem, você parece bastante simpática para um monstro.
Quer dizer, uma robô. Mas, se quer um conselho, deveria cultivar um jardim. Seus
vizinhos não vão resistir ao aroma de ervas, frutas e flores frescas. Você vai ver!
Então vamos reservar espaço para um jardim e vamos construir uma toca com
espaço extra para todos os amigos que vai receber. — O castor deu uma piscadela.
— Também precisamos encontrar uma maneira de tornar sua toca agradável
quando estiver fazendo frio do lado de fora. A nossa é aquecida pelo calor do nosso
corpo. Mas acho que vamos ter que encontrar outra maneira de aquecer a sua.
O castor e a robô passaram um tempo pensando sobre aquecimento. A primeira
coisa em que Roz pensou foi no sol. Mas então se lembrou das faíscas quentes que
tinha sentido ao deslizar montanha abaixo.
— Posso aquecer nossa toca com fogo — disse ela.
Os olhinhos do sr. Castor piscaram.
— Vou ter que fazer algumas experiências — continuou Roz. — Mas acho que
há uma maneira.
— Vá em frente, Roz — incentivou o castor. — Mas tente não incendiar toda a
floresta, está bem?
— Não se preocupe. Vou tomar cuidado.
— Vamos continuar. — O sr. Castor suspirou. — A questão seguinte é
encontrar um local para sua toca. Aquela campina do outro lado do lago seria
perfeita, mas as lebres vão dar um chilique se tentarmos construir ali. Acho melhor
derrubarmos algumas árvores e construir sua toca no meio da floresta. Conheço um
lugar perfeito!
O castor os conduziu pela margem até uma parte densa da floresta que avançava
sobre o lago.
— Vai dar um pouco de trabalho — disse o sr. Castor, passando com dificuldade
pela vegetação cerrada —, mas deve servir.
— Sim, isso deve servir — disse Roz, com sua voz mais simpática.
— Servir! — repetiu Bico-Vivo.
O sr. Castor era incrivelmente habilidoso na arte de derrubar árvores, mas nem
ele conseguiu acompanhar as poderosas mãos cortadoras de Roz. Então, deixou que
a robô fizesse o trabalho pesado. Ele apontava para os arbustos e árvores que
precisavam ser removidos, e Roz os cortava. Ao pôr do sol, eles estavam em uma
clareira recém-criada e tinham madeira mais do que suficiente para construir a toca.
— Você fez um belo trabalho hoje, Roz — disse o sr. Castor, com um bocejo.
— Voltarei pela manhã, para continuarmos de onde paramos.
— O que gostaria que eu fizesse até lá? — perguntou a robô.
— Hoje à noite? Então você ainda está disposta a trabalhar, não é? Que bom!
Bem, pode começar arrancando esses tocos de árvore. E pode reunir todas aquelas
grandes pedras achatadas ali. Além disso, pode nivelar esta parte do terreno para
termos uma base plana onde construir. Isso deve mantê-la ocupada!
Na manhã seguinte, o sr. Castor voltou e viu que Roz realmente se mantivera
muito ocupada. Todos os tocos de árvore tinham sido arrancados, e os buracos,
preenchidos com terra. Vinte grandes pedras estavam empilhadas. E o terreno agora
estava perfeitamente nivelado. Mas o que mais impressionou o sr. Castor foi que
Roz e Bico-Vivo estavam aninhados em torno de uma pequena fogueira crepitante.
O sr. Castor tentou dizer algo, mas as palavras não saíram.
— O Bico-Vivo ficou com frio ontem à noite — explicou Roz. — Então eu
aprendi a fazer uma fogueira.
— Mas… mas… como?
— Descobri que quando bato aquelas pedras uma na outra, elas produzem
faíscas. Fiz as faíscas caírem nas folhas secas e na madeira, até o fogo pegar. Depois
que o fogo pegou, foi fácil mantê-lo aceso. E para apagá-lo, basta jogar água!
O sr. Castor se sentou e aqueceu as patas.
— Nunca vi uma fogueira feita com um feixe tão pequeno e arrumado. — Ele
olhou para as chamas. — Só vi o fogo ardendo pela floresta, queimando tudo pelo
caminho. Mas isso é maravilhoso!
Ele aproveitou o calor por mais um minuto. Então ele e a robô voltaram ao
trabalho.
O sr. Castor pediu a Roz que abrisse uma vala aqui e colocasse pedras ali, que
arrumasse os pedaços de madeira de um jeito e espalhasse a lama de outro. Pássaros
e esquilos se empoleiraram nas árvores e ficaram observando a nova toca ganhar
forma. Lembrava a toca dos castores, mas era maior, uma grande redoma feita de
madeira, lama e folhas. Uma simples abertura na parede servia de entrada, e a porta
nada mais era do que uma pedra pesada, que a robô podia arrastar para abrir a
passagem.
Dentro, havia um grande espaço redondo. O teto arqueado era alto o bastante
para que Roz ficasse de pé. No centro foi cavado um fosso para a fogueira, e uma
rede de gravetos finos no teto servia de ventilação. Longas pedras ao longo das
paredes, cobertas com espessas almofadas de musgo, serviam de bancos. Havia até
mesmo um buraco para armazenar comida e água para Bico-Vivo.
— Você conseguiu uma bela propriedade com vista para o lago! — disse o sr.
Castor. — Que nome vai dar a ela?
— Não compreendo.
— Bem, uma bela toca como esta merece um nome! Chamamos a nossa de
Prende-Riacho.
O cérebro computadorizado da robô não demorou a encontrar uma sugestão.
— A toca é para o Bico-Vivo. O Bico-Vivo é uma ave. Aves vivem em ninhos.
Que tal chamar esta toca de Ninho?
— Uau! — exclamou o castor. — Ninho é um excelente nome para sua toca!
— Ninho! Ninho! — repetiu Bico-Vivo, rindo.
Eles ficaram parados do lado de fora do Ninho admirando seu trabalho até que a
barriga do sr. Castor começou a roncar.
— Esse som quer dizer que está na hora do meu jantar.
— Muito obrigada pela sua ajuda — disse Roz. — Não teríamos conseguido
fazer isso sem você.
— Foi um prazer! — respondeu o sr. Castor, sorrindo. — Para fazer o jardim, é
melhor falar com a Moreninha, a corça que vive depois da colina. Ela vai saber o
que fazer. Agora, se me der licença, tenho que correr para casa antes que o Remo
coma todas as melhores folhas. Aproveite sua primeira noite no Ninho!
CAPÍTULO 31
A PRIMEIRA NOITE
A família de veados não saiu correndo ao ouvir galhos se partindo e folhas sendo
esmagadas. Já tinham ouvido falar de Roz e Bico-Vivo e sabiam que não havia nada
a temer. Pontudo ficou parado diante da fêmea e dos três filhotes malhados, e os
cinco observaram enquanto a robô se aproximava com o filhote de ganso no ombro.
— Olá, veados, meu nome é Roz, e este é o Bico-Vivo. Estamos procurando
uma corça chamada Moreninha.
Pontudo chegou para o lado e a fêmea deu um passo à frente em silêncio.
— O sr. Castor nos ajudou a construir uma toca e disse que você poderia nos
ajudar a plantar um jardim.
— O sr. Castor ajudou vocês? — perguntou Moreninha, com sua voz delicada.
— Vocês devem ter feito alguma coisa para os castores.
— Eu levei árvores recém-cortadas para eles — disse Roz.
Moreninha olhou para Pontudo, que assentiu.
— Eu o ajudo a plantar um jardim — disse a corça à robô —, se deixar que
minha família se alimente dos frutos que crescerem lá.
A robô fez um gesto com a cabeça, concordando. Em seguida, levou Moreninha
em silêncio até o Ninho.
CAPÍTULO 33
O JARDIM
Assim como a maioria dos filhotes de ganso, Bico-Vivo seguia a mãe por toda parte.
Ele era um serzinho lento e cambaleante, mas Roz quase nunca estava com pressa.
Os dois adoravam andar juntos pela floresta e bem perto das margens do lago. No
entanto, passavam a maior parte do tempo ali mesmo em seu jardim. Sabe, o jardim
não estava mais desordenado. Graças aos cuidados atenciosos da robô, ele agora
explodia de cores, perfumes e sabores. Ficou claro que Roz tinha sido programada
para cuidar de plantas.
— Ora, Roz, você tem estado ocupada! — comentou Moreninha enquanto sua
família pastava em meio a toda aquela fertilidade extraordinária. — Este jardim está
magnífico! Você vai nos ver por aqui com muita frequência.
Moreninha estava falando sério. Todas as manhãs, ao raiar do dia, Roz e Bico-
Vivo ouviam passos tranquilos do lado de fora do Ninho. E lá estavam Moreninha,
Pontudo e seus três filhotes: Salgueiro, Espinhento e Regato, mordiscando
alegremente as plantas do jardim.
Os veados não eram os únicos visitantes regulares. Os castores gostavam muito
de roer um determinado arbusto resistente na extremidade do jardim. Escavadora, a
velha marmota, aparecia para comer frutinhas. Pata-Larga, o grande alce, ia até lá
para mascar brotos de árvores. E é claro que abelhas e borboletas estavam lá todos
os dias, voando felizes por entre as flores. Parecia sempre haver animais cordiais no
jardim.
Era incrível como todos tinham passado a tratar Roz de maneira diferente.
Animais que antes fugiam da robô, morrendo de medo, agora iam até o Ninho
apenas para passar um tempo na companhia dela. Os vizinhos sorriam e acenavam
sempre que Roz e Bico-Vivo passavam. E, durante a Trégua do Amanhecer, as
outras mães compartilhavam entusiasmadas seus conselhos sobre maternidade.
Nenhum filhote de ganso teve uma mãe mais atenciosa. Roz estava sempre
presente, pronta para responder às perguntas do filho, brincar com ele, niná-lo antes
de adormecer ou livrá-lo de algum perigo. Com um cérebro computadorizado
repleto de conselhos sobre como criar os filhos e com as lições que estava
aprendendo por conta própria, a robô na verdade estava se tornando uma ótima mãe.
CAPÍTULO 35
O PRIMEIRO NADO
Um pequeno esquilo estava correndo pelo jardim. Bico-Vivo nunca o tinha visto
antes. Ele colocou a cabeça para fora do Ninho e ficou espiando o bichinho pular
para cima e para baixo no gramado. Depois de um minuto observando, o filhote de
ganso balançou as penas do rabo e saiu.
— Olá, meu nome é Bico-Vivo!
O esquilinho ficou paralisado. Mas depois se virou lentamente e começou a falar:
— Olá, Bico-Vivo, meu nome é Tagarela, sou um esquilo-fêmea de doze
semanas e meia e sou nova aqui e sua casa é muito grande e redonda e eu não
entendo por que às vezes sai fumaça dela…
Leitor, não faço ideia de como Tagarela conseguiu inspirar ar suficiente para os
pulmões a fim de falar sem parar desse jeito. E não sei como Bico-Vivo teve
paciência de escutá-la. Mas ele ficou parado e assentiu educadamente enquanto
Tagarela continuava a falar.
— … e às vezes vejo você andando atrás da sua mãe engraçada e vocês parecem
tão legais que eu pensei em vir aqui e me apresentar mas agora estou nervosa e estou
falando demais e meu nome é Tagarela e acho que já disse isso.
Houve um silêncio agradável.
Por um instante, Bico-Vivo se apoiou em um pé só.
Então ele respirou fundo e disse:
— É um prazer conhecer você, Tagarela, e eu não acho que você fale muito,
acho que você fala o suficiente e gosto de você, então vamos ser amigos.
Um grande sorriso se abriu no rosto do animalzinho. E, pela primeira vez,
Tagarela ficou sem saber o que dizer.
CAPÍTULO 38
A NOVA AMIZADE
Tagarela não ficou sem saber o que dizer por muito tempo. Ela já estava viva fazia
doze semanas e meia e queria contar a Bico-Vivo todas as coisas empolgantes e
entediantes que já tinham acontecido com ela. Então, enquanto os novos amigos
brincavam, se aventuravam pelo local e comiam juntos, a esquilinha narrava suas
histórias.
— Eu nasci do outro lado da colina e na semana passada decidi que já estava na
hora de eu construir meu primeiro ninho, então agora moro naquela árvore com um
calombo esquisito no tronco — disse Tagarela enquanto os dois chutavam pedrinhas
no lago.
Bico-Vivo ouvia a nova amiga com curiosidade.
— Uma vez uma doninha me perseguiu pelas copas das árvores até que não
conseguiu se segurar em um galho e caiu num arbusto lá embaixo. Ela saiu toda
desconjuntada e nunca mais me perturbou — disse ela enquanto os dois se
esgueiravam por dentro de um tronco oco.
E quando fizeram uma pausa para o lanche, ela falou:
— Eca, que nojo, eu vi você comer aquela formiga, uma vez eu engoli um
mosquito sem querer e não gostei nem um pouco, eu como principalmente bolotas,
casca de árvore, brotos e algumas vezes as frutinhas deliciosas que crescem no seu
jardim.
Mas Tagarela era tão boa ouvinte quanto era faladora. E sempre que era a vez de
Bico-Vivo falar, ela ficava em silêncio e prestava atenção a cada palavra que o
pequeno ganso dizia.
Você sabe quem mais gostava das conversas deles? Nossa robô, Roz. A mãe
protetora estava sempre por perto e sentia uma coisa parecida com divertimento ao
ouvir aquelas conversinhas bobas, e sentia também uma coisa parecida com
felicidade por seu filho ter feito uma amiga tão especial.
CAPÍTULO 39
O PRIMEIRO V
Bico-Vivo tinha passado a vida inteira à beira do lago e estava começando a ficar
muito curioso para saber o que havia além da sua vizinhança. Então, certo dia a mãe
disse a ele:
— Vamos dar uma volta, e vou lhe mostrar mais água do que você jamais
poderia imaginar.
Roz colocou o filhote de ganso no ombro e os dois foram andando pela ilha.
Saíram da floresta, atravessaram a Grande Campina e subiram a montanha até
chegarem ao topo do espinhaço ocidental da ilha. Diante deles havia um declive
coberto de grama que descia até as ondas negras e revoltas que cercavam o local.
— Quanta água — disse o filhote de ganso, com os olhos arregalados. — Sou
um bom nadador, mas não o bastante para atravessar esse lago.
— Não é um lago, Bico-Vivo — retrucou a robô. — É um oceano. Duvido que
alguma ave consiga atravessar um oceano nadando.
Ondas se formavam no horizonte.
Gaivotas voavam em círculos no litoral.
Uma brisa constante soprava pela encosta.
Havia bem pouco tempo a penugem amarela de Bico-Vivo tinha se transformado
em uma camada de sedosas penas marrons, e ele abriu as asas cheias de penas ao
vento. Então…
— Mamãe, olhe só! — Por um breve instante, o vento ergueu Bico-Vivo do
chão. Mas ele rapidamente tombou para trás, caindo na grama macia. — Eu voei! —
gritou ele.
— Aquilo não foi voar — disse Roz, olhando para o filho, que estava de cabeça
para baixo.
— Bem, eu quase voei. Vou tentar de novo!
— Já observei muitas aves em pleno voo — disse Roz. — Às vezes elas batem
as asas bem rápido, e em outros momentos voam sem bater as asas. Ficam com elas
abertas e planam ao vento.
— Então eu estava planando? — perguntou Bico-Vivo.
— Quase. Ali, veja aquela gaivota planando. Parece que ela não está fazendo
nada, mas, se olhar mais de perto, vai ver que ela está fazendo pequenos ajustes com
as asas e o rabo. Acho que você deveria tentar ajustar suas asas ao vento, como ela.
Bico-Vivo subiu em uma pedra e abriu bem as asas.
— O vento está me empurrando para trás!
— Mude o ângulo das suas asas — aconselhou a mãe. — Vejamos o que
acontece quando elas cortarem o vento.
Bico-Vivo inclinou lentamente as asas para baixo. Quanto mais as virava, menos
o vento o empurrava para trás. E assim que suas asas se nivelaram…
— Mamãe, veja! — guinchou ele quando seus pés saíram do chão. — Estou
planando! Estou planando!
Ele pairou no lugar por um segundo, subindo um pouco mais, e em seguida foi
atirado na grama macia novamente.
Bico-Vivo só queria saber de voar, e seu lugar favorito para treinar era acima das
montanhas gramadas. A robô e o jovem ganso passavam as tardes por lá,
aperfeiçoando os aspectos mais sutis do voo. Foi em uma dessas tardes que eles
notaram algo misterioso bem longe no mar.
Nos dias claros de verão, Roz, Bico-Vivo e Tagarela gostavam de sair para
explorar. Eles investigavam a ponta arenosa da ilha, ao sul. Observavam,
admirados, os arco-íris que se formavam na queda d’água. Dos galhos das árvores
altas, inspecionavam a floresta. Conheciam novos animais amigáveis, e às vezes
alguns antipáticos. Mas as únicas criaturas com as quais eles precisavam se
preocupar eram os ursos.
Certa vez, deram de cara com um pescando no rio, e Roz sussurrou:
— Vocês sabem o que fazer.
Bico-Vivo voou alto, afastando-se, Tagarela correu de volta para casa pelas
copas das árvores e Roz se camuflou na paisagem como só ela sabia fazer. Mais
tarde, eles se reuniram no Ninho e contaram aos vizinhos tudo sobre como tinham
ficado cara a cara com o perigo.
Nos dias monótonos de verão, eles ficavam em casa. Roz perguntava a Bico-
Vivo e Tagarela sobre como era sonhar, voar, comer e todas as outras coisas que
eles podiam fazer, mas ela não. No entanto, os jovens tinham energia demais para
ficarem parados por muito tempo. Passaram uma tarde chuvosa chutando bolotas
pelo Ninho. Tagarela as empilhava, em seguida Bico-Vivo as chutava com sua
grande pata, e as bolotas voavam longe. Os dois amiguinhos corriam atrás das
bolotas enquanto elas ricocheteavam, rolavam e rodopiavam pelo chão. Então
faziam uma nova pilha e chutavam outra vez. Às vezes uma das bolotas batia no
corpo de Roz — bamp! —, e todos eles davam risada juntos. Até Roz ria.
— Rá, rá, rááá! — ria a robô, tentando parecer natural.
Nas noites de verão em que não havia nuvens no céu, eles se sentavam do lado de
fora e fitavam os vaga-lumes piscando ao redor do lago. Depois se deitavam e
contemplavam o céu escuro.
— Aquele círculo grande é a lua — explicou Tagarela. — E aquelas luzinhas se
chamam estrelas, e uma vez tentei contar todas elas, mas só sei contar até dez, então
contei até dez várias vezes e não faço ideia de quantas estrelas têm lá, só sei que são
mais de dez.
— Nem todas as luzinhas são estrelas — corrigiu Roz. — Algumas são
planetas.
— O que é um planeta? — perguntou Tagarela.
— Um planeta é um corpo celeste que gira em torno de uma estrela.
— O que quer dizer “celeste”?
— Celeste é alguma coisa que está no espaço sideral.
— O que é o espaço sideral?
— Espaço sideral é o universo para além da atmosfera do nosso planeta.
— O que é o universo?
— O universo é todas as coisas e todos os lugares.
— Ah, então o universo é a nossa ilha?
Nenhum deles jamais compreenderia de fato o universo, nem mesmo Roz. Os
conhecimentos de seu cérebro computadorizado só iam até ali. Ela podia falar da
Terra, do Sol, da Lua, dos planetas e de algumas estrelas, porém não muito mais que
isso. O céu noturno estava repleto de luzes que se deslocavam com grande rapidez,
tremeluziam e piscavam, luzes que ela simplesmente não sabia identificar. Ficou
claro que Roz não tinha sido programada para ser astrônoma.
Nas noites monótonas de verão, Roz e Bico-Vivo se aninhavam um no outro, só
os dois, e ficavam ouvindo a chuva tamborilar no telhado do Ninho. A robô contava
histórias sobre pinhas irritantes, tempestades terríveis e insetos que se camuflavam.
Mas o som da chuva sempre deixava Bico-Vivo sonolento, e ele dormia antes que
sua mãe conseguisse terminar uma história.
CAPÍTULO 42
A FAMÍLIA ESTRANHA
Era uma tarde abrasadora, e o calor tinha deixado todo mundo de mau humor. Roz
estava parada à sombra, observando o filho na água. Os outros gansos jovens
estavam implicando com ele por causa de alguma coisa quando de repente
começaram a gargalhar. Bico-Vivo então se virou e saiu apressado para casa com
uma expressão irritada. Ele entrou como um furacão no jardim e passou pela mãe
sem dizer uma palavra.
— O que aconteceu, Bico-Vivo? — perguntou Roz, seguindo o filho Ninho
adentro.
— Nada! — guinchou ele. — Me deixe em paz!
— Me conte o que aconteceu.
— Não quero falar sobre isso!
— Talvez eu possa ajudar.
— Mamãe, os outros gansos zombaram de mim.
— O que eles disseram?
— Eles disseram que você é um monstro e depois riram de mim por ter uma mãe
monstro.
— A essa altura, eles já deveriam saber que eu não sou um monstro. Quer que eu
fale com eles?
— Não! Não faça isso! Só vai piorar as coisas.
Roz se sentou ao lado do filho.
— Mamãe, eu sei que você é um robô. Mas não compreendo o que é um robô.
— Um robô é uma máquina, Bico-Vivo. Eu não nasci. Eu fui montada.
— Mas quem montou você?
— Não sei. Eu não me lembro de quando me montaram. Minha primeira
lembrança é de acordar no litoral norte desta ilha.
— Você era menor naquela época? — perguntou o jovem ganso.
— Não, sempre fui deste tamanho. — Roz olhou para seu corpo desgastado. —
Mas eu costumava ser reluzente, como a superfície do lago. Costumava ficar mais
reta do que um tronco de árvore. Falava outra língua. Não cresci, mas mudei muito.
Roz queria explicar as coisas para o filho, mas a verdade era que sabia muito
pouco a respeito de si mesma. Permanecia um mistério como ela ganhara vida na
praia rochosa. Era um mistério por que seu cérebro computadorizado sabia
determinadas coisas e outras não. Ela tentava responder às perguntas de Bico-Vivo,
mas suas respostas só deixavam o filho ainda mais confuso.
— Como assim você não está viva? — grasnou o ganso.
— É verdade — confirmou Roz. — Não sou um animal. Não como nem
respiro. Não estou viva.
— Você se mexe, fala e pensa, mamãe. Com certeza está viva.
Era impossível para um ganso tão novinho compreender conceitos técnicos como
cérebros computadorizados, baterias e máquinas. O jovem ganso era muito melhor
em entender noções naturais como ilhas, florestas e pais.
Pais. A palavra de repente deixou Bico-Vivo inquieto.
— Você não é minha verdadeira mãe, é?
— Há muitos tipos de mãe — respondeu a robô. — Algumas mães passam a
vida cuidando dos filhos. Outras põem ovos e imediatamente os abandonam.
Algumas mães cuidam dos filhos de outras mães. Eu tenho tentado agir como sua
mãe, mas não, não sou sua mãe biológica.
— Você sabe o que aconteceu com ela?
Roz contou a Bico-Vivo sobre aquele fatídico dia na primavera. Sobre como as
pedras tinham rolado e apenas um ovo sobrevivera ao desabamento. Sobre como
colocara o ovo em um ninho e o levara consigo. Sobre como cuidou do ovo até que
um filhotinho rompeu a casca. Bico-Vivo ouviu atentamente até ela terminar de
falar.
— Devo parar de chamar você de mamãe? — perguntou o filhote de ganso.
— Vou continuar agindo como sua mãe, não importa como me chame — disse a
robô.
— Acho que vou continuar a chamar você de mamãe.
— Acho que vou continuar a chamar você de filho.
— Nós somos uma família estranha — constatou Bico-Vivo, com um sorriso
tímido. — Mas eu gosto mesmo assim.
— Eu também — disse Roz.
CAPÍTULO 43
O FILHOTE SAI VOANDO
Deve ser difícil ter uma mãe que é um robô. Acho que a parte mais complicada para
Bico-Vivo era todo o mistério que havia em torno de Roz. De onde ela tinha vindo?
Como era ser um robô? Ela sempre estaria ao lado dele?
Essas perguntas ocupavam a mente do jovem ganso, e seus sentimentos pela mãe
oscilavam entre amor, confusão e raiva. Tenho certeza de que muitos de vocês
sabem como é. Roz podia perceber que Bico-Vivo estava fazendo um grande
esforço para compreender, então passava muito tempo conversando com ele sobre
famílias, gansos e robôs.
— Há outros robôs na ilha? — perguntou Bico-Vivo em uma dessas conversas.
Ele estava sentado ao lado da mãe no jardim, mas naquele momento se levantou e
a encarou.
— Sim, há outros robôs na ilha — respondeu Roz —, mas estão todos
inoperantes.
— Inoperantes?
— Para um robô, estar inoperante é o mesmo que estar morto.
— Onde estão os robôs mortos?
— Na praia ao norte da ilha.
— Quero ver!
— Não acho que seja uma boa ideia.
— Por que não?
— Você ainda é um filhote. É muito novo para ver robôs mortos. Quando for
maior, levo você até lá.
— Mamãe, eu não sou mais um filhote! — Bico-Vivo estufou o peito. — Já
tenho quatro meses!
— Sinto muito, de verdade — disse Roz —, mas você não pode ir.
Bico-Vivo saiu pisando duro e grasnando pelo jardim.
— Não é justo!
— Prometo levar você para ver os robôs quando for mais velho — disse a robô.
— Mas eu quero ir agora!
— Por favor, se acalme.
— Você nem consegue voar! Eu posso sair voando por aí, e você não vai
conseguir me impedir!
Roz ficou de pé e sua sombra comprida encobriu o filho. O jovem ganso podia
sentir suas emoções oscilando descontroladamente. Por um momento, ficou
realmente com medo da mãe. Sem pensar, saiu correndo em direção ao lago, bateu
as asas e voou.
CAPÍTULO 44
O FUGITIVO
— Seu filho vai ficar bem — disse Asa-Ruidosa. — Você sabe como eles são nessa
idade.
— Não sei, não — retrucou Roz. — Por favor, me conte como eles são nessa
idade.
— Está certo. Bem, Bico-Vivo está crescendo rápido. É natural que gansos
adolescentes sejam um pouco… temperamentais. Ele só precisa ficar um pouco
sozinho. A criação que você deu a ele foi maravilhosa. Sei que ele vai voltar logo
para casa. Tente não se preocupar.
Mas Roz estava preocupada. Pelo menos se preocupava tanto quanto um robô é
capaz de se preocupar. Bico-Vivo nunca havia fugido, e de repente o cérebro de Roz
começou a computar tudo o que poderia dar errado. Uma tempestade violenta. Uma
asa quebrada. Um predador. Ela tinha que encontrá-lo antes que algo de ruim
acontecesse.
Só havia um lugar para onde Bico-Vivo poderia ter ido. O cemitério de robôs.
Então Roz saiu em disparada em direção ao norte da ilha. Ela saltou sobre pedras, se
abaixou para desviar de galhos e atravessou campinas sem diminuir o ritmo. Correu
por toda a ilha até finalmente chegar aos penhascos acima do cemitério.
E lá estava Bico-Vivo, na beirada, olhando para as partes de robô espalhadas na
praia lá embaixo. Seus olhos estavam marejados.
— Não fique brava! — pediu ele quando a mãe se aproximou.
— Não estou brava, mas você não deveria ter saído voando daquele jeito.
Poderia ter se machucado, ou acontecido coisa pior. Fiquei muito preocupada!
— Sinto muito, mamãe.
É
— Está tudo bem — disse Roz. — É natural que gansos da sua idade sejam um
pouco… temperamentais.
— Mamãe, preciso entender o que você é. E acho que ver aqueles outros robôs
pode ajudar.
— Tem razão, pode ajudar. Por que não está lá embaixo?
— Eu estava prestes a descer — explicou Bico-Vivo —, mas fiquei nervoso.
Quero que você vá comigo.
— Então vamos até lá embaixo juntos — disse Roz.
CAPÍTULO 45
OS ROBÔS MORTOS
O jovem ganso planava na brisa ao lado da mãe enquanto ela descia o penhasco
escalando. Lá foram eles, passando por saliências nas pedras, gaivotas e
arvorezinhas até ficarem de pé na praia rochosa, com os penhascos assomando atrás
deles.
O cemitério mudara. O caixote de Roz tinha desaparecido, destruído pelo tempo
ou levado pelas ondas. Algumas das partes dos robôs também haviam desaparecido.
Outras estavam cobertas de areia, ou enroscadas em algas, ou habitadas por
pequenas criaturas fugidias. Um torso amassado ainda tinha a cabeça e as pernas no
lugar. Roz e Bico-Vivo se inclinaram sobre o cadáver e examinaram o emaranhado
de tubos que saía do corpo.
— Essa coisa costumava ser como você? — perguntou Bico-Vivo.
— Sim, somos o mesmo modelo de robô — respondeu Roz.
— E agora este robô está morto?
— De certa forma.
— Você vai morrer um dia, mamãe?
— Acho que sim.
— Eu vou morrer?
— Todas as coisas vivas um dia acabam morrendo.
O rosto do jovem ganso se contorceu de preocupação.
— Bico-Vivo, você vai viver uma vida longa e feliz! — Roz colocou a mão nas
costas do filho. — Não se preocupe com a morte.
O rosto do ganso relaxou. Ele então apontou para uma forma pequena e redonda
na parte de trás da cabeça do robô morto.
— O que é isso? — perguntou.
Roz se inclinou para ver mais de perto.
— É um botão, que é uma protuberância em uma máquina. Ele pode ser
pressionado para operá-la.
Bico-Vivo apertou o botão.
Clique, clique, clique.
— Não acontece nada — retrucou. — Provavelmente porque este robô está
morto.
Clique, clique, clique.
— Mamãe, você tem um botão?
Bico-Vivo observou a cabeça da mãe dar uma volta completa até um pequeno
botão aparecer.
Mas o desfile não podia durar para sempre. Conforme o sol foi se pondo, os
outros animais começaram a se dispersar, um a um, e quando eles finalmente
chegaram ao Ninho, restavam apenas os membros originais.
— Chegamos — disse a Mãe Ursa, ajudando Roz a descer. — Não foi melhor
do que rastejar até em casa?
— Ah, sim, foi maravilhoso! — respondeu a robô. — Não consigo imaginar um
jeito melhor de terminar este dia. Muito obrigada.
— Ah, foi mesmo incrível! — guinchou Bico-Vivo. — Meus amigos não vão
acreditar quando eu contar a eles que atravessei a ilha nas costas de um urso!
— Fico feliz que tenham se divertido! — A Mãe Ursa sorriu. — Era o mínimo
que eu podia fazer depois de tudo o que esses dois aprontaram.
O sorriso se transformou em uma expressão fechada, e ela dirigiu um olhar
severo aos filhotes, que de repente ficaram muito interessados em uma pedrinha no
chão.
Estava tarde, e tinha sido um dia longo e difícil para todos, então os ursos se
despediram e voltaram para sua caverna. Bico-Vivo e Roz ficaram parados no
jardim, observando seus novos amigos se afastarem.
— Mamãe, você acha que um dia vai voltar a andar? — perguntou o jovem
ganso.
— Não tenho certeza — respondeu a robô —, mas sei a quem vou pedir ajuda.
Agora vá se aprontar para dormir.
CAPÍTULO 48
O NOVO PÉ
Os dias estavam ficando mais curtos. O ar, mais frio. E certa manhã Roz se deparou
com o jardim coberto por geada. Não havia dúvidas de que o outono havia chegado à
ilha.
As folhas das árvores, que tinham sido verdes durante toda a vida da robô, agora
adquiriam muitas outras cores: estavam se tornando amarelas, laranja e
avermelhadas. Em seguida se desprendiam dos galhos e flutuavam com suavidade
até o chão, e aos poucos a floresta foi sendo tomada pelos sons de criaturas correndo
sobre as folhas mortas. As nozes também começaram a cair, batendo em raízes e
pedras e, às vezes, em nossa robô. O perfume das flores se dissipava conforme elas
murchavam. Todos os cheiros e todas as cores vivas da floresta estavam
desaparecendo.
Os bichos também estavam mudando depressa. Animais peludos ganhavam mais
pelos. Animais cobertos de penas ganhavam mais penas. E os escamosos
começavam sua busca por novos lares.
— Caramba. Já está esfriando — coaxou um sapo para o outro. — A hora de
hibernar está chegando.
— Caramba. É melhor eu começar a procurar um bom buraco — coaxou o
segundo sapo. — Você já encontrou algum?
— Ainda não — coaxou o primeiro sapo. — Vou tentar achar um na semana que
vem. Por enquanto, vou aproveitar um pouquinho os últimos raios quentes do sol.
Muitos dos animais da ilha já estavam pensando no período que passariam
hibernando no inverno. Sapos, abelhas, cobras e até os ursos em breve
desapareceriam e ficariam os meses seguintes descansando em seus esconderijos.
Bico-Vivo entrou lentamente no Ninho. Em seu rosto havia uma expressão confusa.
— Mamãe, os outros gansos disseram que em breve teremos que deixar a ilha e
que vamos passar meses fora. É verdade?
— É verdade — confirmou Roz. — Você sabe que os gansos migram para o sul
no inverno, à procura de terras mais quentes.
— E você vai migrar com a gente? — perguntou Bico-Vivo.
— Não posso voar nem nadar, então vou passar o inverno aqui na ilha.
— Posso ficar com você?
— Acho que não é uma boa ideia. Acho que você deve migrar com o bando.
— Quanto tempo vai durar essa migração? — quis saber Bico-Vivo. — Para
onde vamos voar? Quando vamos voltar para casa?
— Não sei. Vamos perguntar aos outros.
Então a robô e o filhote de ganso contornaram o lago, até onde Asa-Ruidosa e
suas amigas conversavam.
— Olá, pessoal — disse Roz. — Bico-Vivo gostaria de perguntar sobre a
migração de inverno do bando.
— Vamos ficar felizes em responder! — exclamou Asa-Ruidosa. — O que quer
saber, rapazinho?
— Quanto tempo vai durar essa migração? — perguntou o jovem ganso. —
Para onde vamos voar? Quando vamos voltar para casa?
— Vamos levar algumas semanas voando para o sul — respondeu Asa-Ruidosa
—, dependendo do clima.
— Vamos nos juntar a outros bandos em um belo lago no meio de uma grande
planície — disse outro ganso.
— E voltaremos para a ilha depois de uns quatro ou cinco meses — acrescentou
mais alguém —, dependendo do clima.
Na volta para o Ninho, Bico-Vivo disse para a mãe:
— Ultimamente tenho sentido uma vontade de voar muito forte. Não apenas em
volta do lago ou da ilha, mas de fazer um longo voo. Uma jornada.
— São seus instintos — explicou a robô. — Todos os animais têm instintos. Eles
ajudam vocês a sobreviverem.
— Você tem instintos? — perguntou o jovem ganso.
— Eu tenho instintos. Eles também me ajudam a sobreviver.
— Meus instintos definitivamente estão me dizendo para voar para o sul no
inverno — confessou Bico-Vivo. — Eu só gostaria que você pudesse ir com a
gente. Vou ficar preocupado com você enquanto estiver fora.
— Não se preocupe. Vou ficar bem — garantiu Roz. — O inverno não pode ser
tão ruim assim.
CAPÍTULO 53
A MIGRAÇÃO
Era véspera da migração, e o sono de Bico-Vivo nunca esteve tão agitado. Roz ficou
observando enquanto ele se debatia e se virava, até que o filho finalmente subiu em
seus braços, e a mãe o ninou até ele dormir, como nos velhos tempos.
Bem cedinho na manhã seguinte, Bico-Vivo saiu do Ninho e olhou para o lago. A
água estava perfeitamente imóvel. Algumas poucas nuvens preguiçosas flutuavam
no céu. Os gansos já haviam começado a se reunir na margem. Pequenas garras
desceram da copa das árvores.
— Hoje é o grande dia, hein? — disse Tagarela, empoleirada em um dos galhos.
— Você vai ver tantas coisas novas e conhecer tantos animais novos, e se encontrar
esquilos no lugar onde vai passar o inverno, por favor, diga a eles que a Tagarela
disse olá!
— É hoje o grande dia — confirmou Bico-Vivo. — O bando vai partir em
breve.
— Está animado, nervoso ou com medo?
— Tudo isso junto.
— Bem, não se preocupe com sua mãe — sussurrou a esquilinha —, vou cuidar
muito bem dela, tenha certeza disso.
Bico-Vivo sorriu.
— Acho que está na hora de ir — disse Roz ao sair do Ninho.
— Tem razão, mamãe. Já estou indo. Vejo você na primavera, Tagarela!
— Tenha uma boa migração, Bico-Vivo! — A esquilinha subiu novamente na
copa das árvores. — Volte para casa com muitas histórias animadas para contar,
mas não histórias animadas demais, porque não quero que nada assustador aconteça
com você. Tchau!
Os gansos grasnavam ansiosos, andando de um lado para outro enquanto faziam
os últimos preparativos. Muitos dos pais estavam reunidos, discutindo planos de
voo, e as mães faziam uma contagem.
— Aí está você, Bico-Vivo! — grasnou Asa-Ruidosa do meio da multidão. —
Já vamos começar!
— Podem me dar um minuto da sua atenção, por favor? — disse o maior dos
gansos. — Como a maioria de vocês já sabe, meu nome é Pescoçudo, e eu vou
liderar a migração deste ano. Peço que todos se juntem a sua família para
decolarmos. Quando estivermos todos no ar, cada família vai assumir sua posição
na formação em V e vamos dar início à primeira etapa da nossa jornada. Alguma
pergunta?
— Eu tenho uma pergunta — anunciou uma voz ribombante. — Meu filho não
vai viajar com a família. Onde ele vai ficar na formação?
Todos se voltaram para Pescoçudo.
— Ele pode voar comigo — respondeu o grande ganso. — Fiquei sabendo que
Bico-Vivo é um voador muito esperto, posso precisar da ajuda dele na frente.
Em seguida, os gansos começaram a bater as asas e grasnar, levantando voo.
Uma nuvem de penas flutuou sobre a robô e seu filho.
— Você não é mais um filhote de ganso — disse Roz. — Estou orgulhosa do
jovem ganso que você se tornou.
Bico-Vivo voou até o ombro da mãe.
— Obrigado, mamãe. — O jovem ganso secou os olhos. — Chegou a hora de
dizermos adeus?
— Chegou a hora de dizermos até logo. A primavera não vai demorar a chegar,
e vamos nos ver de novo.
— Vou sentir sua falta — disse Bico-Vivo enquanto se aconchegava na mãe.
— Também vou sentir sua falta — disse Roz, envolvendo o filho.
O ganso respirou fundo. Depois, sacudiu as penas do rabo, bateu as asas e se
juntou ao bando.
De início, os gansos voaram em um amontoado desorganizado. Mas, devagar,
cada ganso assumiu sua posição até o bando formar um V oscilante. Na frente estava
Pescoçudo, e Bico-Vivo vinha logo atrás da asa esquerda dele. Eles voaram em um
círculo pelo céu até que o V apontou para o sul, e os gansos começaram sua longa
migração. Roz escalou até o topo de uma árvore e ficou observando o bando
desaparecer lentamente no horizonte.
CAPÍTULO 54
O INVERNO
A segunda toca teria que ser maior do que a primeira, porque era preciso acomodar
Pata-Larga, o alce. Era um animal enorme, e sua pelagem era espessa, mas até ele
estava tendo dificuldades para enfrentar as temperaturas congelantes.
Pata-Larga vivia do outro lado do lago, em uma região densa da floresta que
abrigava muitos animais, a maioria precisando desesperadamente se aquecer. Os
dias de inverno eram curtos, então não havia tempo a perder, e em vez de contornar
o lago Roz testou sua superfície para ver se era seguro atravessá-la. Ela jogou uma
pedra pesada para o alto e observou-a ricochetear no gelo duro ao cair. Então pisou
cuidadosamente sobre o gelo e caminhou até o outro lado da floresta, onde
encontrou Pata-Larga à sua espera. O alce conduziu a robô em silêncio até a clareira
na floresta onde a nova toca seria construída. Roz acendeu uma fogueira e observou
os animais cheios de frio começarem a sair das sombras.
— Não se preocupem — disse ela para o grupo cada vez maior, o ar saindo
como fumaça de seus narizes. — Logo todos estarão aquecidos, mas agora preciso
da ajuda de vocês.
Roz pediu aos animais que recolhessem tudo de útil que pudessem encontrar:
pedras grandes, galhos resistentes, pedaços de lama congelada. Com os
conhecimentos da robô sobre construção e o pequeno exército de ajudantes, a
segunda toca não demorou muito para ficar pronta. Os animais concordaram
alegremente com a trégua proposta por Roz, e em seguida se acomodaram na
redoma de madeira aquecida.
— Se mantiverem o fogo aceso, ele os manterá vivos — explicou Roz enquanto
colocava mais lenha na fogueira. — Mas tenham cuidado. O fogo pode se tornar
mortal em um piscar de olhos.
Começou a cair mais uma nevasca ao amanhecer, e lá estava Roz, saindo do
Ninho para construir uma terceira toca. Ela caminhou penosamente pela Grande
Campina, onde ventos fortes haviam criado enormes montes de neve. Mas a robô foi
em frente e terminou o trabalho, e logo começou a construir uma quarta toca. E em
seguida uma quinta.
A ilha ficou repleta de tocas que brilhavam, aquecidas, nas longas noites de
inverno. E dentro de cada uma delas os animais riam, compartilhavam histórias e
davam vivas a sua boa amiga Roz.
CAPÍTULO 57
O INCÊNDIO
Estranhos sons ecoavam do lado mais distante do lago. O que começara como um
murmúrio baixinho aos poucos tinha se tornado um coro de vozes aterrorizadas.
Havia um brilho sinistro naquela parte da floresta, e uma densa coluna de fumaça
começou a subir por entre as copas cobertas de neve das árvores.
Roz saiu correndo sobre o gelo e encontrou a segunda toca completamente
tomada por um incêndio de grandes proporções. Animais assustados corriam para
todos os lados, fugindo para se salvar em meio à neve espessa.
— O que aconteceu? — gritou Roz quando Pata-Larga passou galopando
desabalado por ela.
— Colocamos lenha demais na fogueira! — respondeu ele sem parar. — As
chamas chegaram ao teto!
— Meu bebê ainda está lá dentro! — gritou uma mãe lebre, apontando para a
toca em chamas. — Alguém me ajude! Por favor!
Roz não hesitou. Saiu em disparada pela neve e entrou na toca. Havia fogo e
fumaça por toda parte. Uma grande pilha de lenha queimava na fogueira. Do outro
lado, uma pequena bola de pelo tremia de medo. Rastejando, a robô avançou por
baixo da fumaça e em meio às chamas, e com cuidado pegou o filhotinho de lebre.
— Não se preocupe! — gritou Roz acima do fogo que rugia. — Você vai ficar
bem!
Ela se virou para sair, mas a entrada tinha começado a ceder. Então, protegeu a
pequena lebre com seu corpo e arrebentou a parede da toca. Pedaços de madeira em
chamas voaram pelos ares quando a robô e a lebre irromperam do lado de fora, na
neve macia.
— Ah, querida, você está bem! — gritou a mãe lebre, apertando a filha contra o
peito. — Obrigada por salvar meu bebê, Roz!
Agora que todos tinham saído da toca em segurança, a robô voltou sua atenção
para apagar o incêndio. Seus olhos brilhantes buscavam ao redor enquanto ela
elaborava um plano. Então, usando toda a força que tinha nas pernas, Roz deu um
impulso, na direção dos galhos cobertos de neve do pinheiro mais próximo. Em
seguida, sacudiu a árvore violentamente, e montes de neve escorregaram dos galhos
e caíram sobre o fogo como uma avalanche. Uma nuvem de fumaça se elevou do
monte de neve que atingiu o fogo. As chamas se apagaram depressa, a neve derreteu
rapidamente, e em minutos tudo o que restava era a base carbonizada da toca.
Roz desceu da árvore e esperou os animais assustados retornarem aos poucos.
Então perguntou a eles:
— Gostariam de uma nova toca?
Os animais se entreolharam sem saber o que fazer. Compreensivelmente, tinham
medo de outro incêndio. Mas tinham muito mais medo de morrer de frio. Então se
reuniram e trabalharam com Roz para construir um abrigo melhor e maior onde
antes ficava o antigo. A nova toca tinha o teto mais alto e um fosso mais profundo
para acender a fogueira. Era feita com mais pedras e menos madeira, e dispunha de
um estoque de água para emergências. Mas o que mais importava no quesito
segurança nessa nova toca eram os próprios habitantes, que agora respeitavam o
fogo.
CAPÍTULO 58
AS CONVERSAS
Graças à trégua de Roz, a vida dentro do Ninho seguia em harmonia na maior parte
do tempo. Mas quando os animais estavam do lado de fora, tudo voltava a ser como
antes. Às vezes um hóspede não voltava. Às vezes um hóspede voltava na barriga de
outro. Como você pode imaginar, isso causava alguns momentos constrangedores.
Então, quando todos estavam reunidos ao redor da fogueira, tentavam tornar o clima
agradável mantendo conversas como esta:
***
***
***
A história de como Roz ajudou Boca-de-Pedra se espalhou pelo rio e por toda a ilha.
E foi logo seguida de outras histórias sobre a robô. Havia histórias sobre Roz
cultivando jardins em locais secos e inférteis. Histórias sobre Roz curando animais
doentes. Histórias sobre Roz fazendo cordas, construindo rodas e ferramentas para
ajudar seus amigos. Mas a maioria das novas histórias era sobre como a robô era
selvagem.
Sabe, Roz percebeu que quanto mais selvagem ela fosse, mais os animais
gostariam dela. Então ela regougava com as raposas, cantava com os pássaros e
sibilava com as cobras. Brincava com as doninhas. Tomava banho de sol com os
lagartos. Saltava com os veados. Aquela primavera foi um período muito selvagem
para nossa robô.
CAPÍTULO 62
O REGRE O
Era uma tarde tranquila no lago. Mas a tranquilidade aos poucos foi substituída por
sons que não eram ouvidos por ali havia muitos meses. Os barulhos foram ficando
cada vez mais altos, e então um bando de gansos surgiu por cima das árvores.
Honk! Honk! Honk!
A maioria dos bandos de gansos se move preguiçosamente pelos céus e se
dispersa em linhas vacilantes. Mas não aquele. Aquele bando era veloz. Voava em
uma perfeita formação em V e era liderado por um ganso pequeno e gracioso.
O bando deu uma volta acima do lago antes de finalmente aterrissar, pousando
na água com suavidade. Os gansos se reuniram em um grupo no meio do lago.
Ficaram flutuando ali por algum tempo, grasnando baixinho uns para os outros. E
então o líder se separou deles. Nadou na direção do Ninho, entrou bamboleando
pelo jardim e voou para o ombro da mãe.
— Seja bem-vindo de volta, filho — disse Roz.
— É bom estar de volta, mãe — falou Bico-Vivo.
CAPÍTULO 63
A JORNADA
Depois de meses separados, Roz e Bico-Vivo, mãe e filho, estavam juntos de novo.
E tinham tanta coisa para contar um ao outro. Eles entraram no Ninho, e a robô
acendeu a fogueira. Então o ganso olhou para o fogo e contou a história de seu
inverno:
— Passamos o primeiro dia da migração sobrevoando o mar. Parecia que o
oceano ia se estender para sempre, mas, assim que o bando começou a se cansar,
Pescoçudo apontou para pequenas ilhas no horizonte. Voamos até uma delas,
comemos grama das dunas e descansamos as asas. Depois de alguns dias passando
de ilha em ilha, chegamos ao continente e continuamos a voar sobre campos e
florestas. E então começou a nevar.
“Eu nunca tinha visto neve, e no começo achei lindo! Mas a neve não parava de
cair. Os outros explicaram que estava cedo para a primeira nevada, que nem
chegaríamos a ver neve, mas lá estava ela, se acumulando entre nós enquanto
tentávamos dormir à noite. Pescoçudo ficou preocupado que os gansos mais frágeis
não conseguissem sobreviver, e ele estava certo. Perdemos o velho Pé-Chato
naquela primeira nevasca.
“Tentamos desviar da neve, mas nos perdemos completamente, e o clima foi
ficando mais rigoroso. Lagos, lagoas e rios começaram a congelar. Não
conseguíamos encontrar comida nem água, então comíamos neve, o que só nos
deixava com ainda mais frio. Não conseguíamos nos limpar, e nossas penas foram
ficando sujas e pesadas. O bando estava em péssimo estado. Mas Pescoçudo nos
fazia seguir em frente: ‘Somos gansos’, dizia ele, ‘e os gansos não desistem!’
“Certo dia, estávamos enfrentando uma tempestade de neve quando avistamos
uma coisa chamada fazenda. Havia campos perfeitamente quadrados e enormes
construções. E, andando pela fazenda, havia uma robô! Era igualzinha a você, mãe!
“Pescoçudo mandou que eu falasse com a robô, mas eu não conseguia entender
nada do que ela dizia, então simplesmente a segui pela fazenda e, ao dobrar uma
esquina, vi uma coisa que nunca tinha imaginado.
“Plantas! Plantas viçosas e coloridas! Eu não conseguia entender como plantas
conseguiam sobreviver em um clima tão frio, mas então vi que na verdade elas
estavam dentro de uma das construções. Fiquei sabendo depois que a construção se
chamava estufa e que suas paredes transparentes eram feitas de um material
chamado vidro. A robô apertou um botão na parede, uma porta se abriu e uma
lufada de ar quente saiu lá de dentro. Tinha tanto tempo que eu não me sentia
aquecido que tive que entrar com ela.
“Mãe, lá dentro era como o verão! O ar era quente, doce e úmido. E havia
fileiras e mais fileiras de diversas plantas. A robô não prestou atenção em mim,
então dei uma volta pela estufa, mordiscando folhas e bebendo água de poças. Ouvi
uma voz rouca atrás de mim: ‘Se eu fosse mais nova, você já estaria morto.’ Eu me
virei e dei de cara com uma gata velha! Ela andava com as pernas rígidas, e seu pelo
era cinza e cheio de nós. O nome da gata era Caretas, e ela não parecia muito legal.
Mas então ela viu os outros gansos passando frio do lado de fora, com as cabeças
pressionadas contra o vidro, e me explicou como abrir a porta.
“‘Podem descansar aqui’, disse ela quando o bando entrou apressado. ‘Mas
fiquem escondidos! Os humanos não são tão amigáveis quanto eu!’
“Nenhum de nós sabia o que eram humanos, mas a gente nem ligou. Só
estávamos contentes por não estarmos mais lá fora, no frio. Asa-Ruidosa ficou tão
feliz que começou a chorar. O bando bebeu, comeu, se limpou, dormiu e
permaneceu escondido. Caretas nos mostrou um lugar onde podíamos deixar nossas
fezes sem sermos notados. E por alguns dias a estufa foi o nosso lar.
“Uma ou duas vezes por dia, a robô ia lá fora e voltava com uma caixa ou uma
sacola, mas na maior parte do tempo ficava dentro da estufa, cuidando das plantas
em silêncio.
“Havia um celeiro que eu tive que explorar. Estava cheio de animais, máquinas e
pilhas de feno, e lá dentro eu vi duas robôs. Uma delas consertava uma porta
quebrada quando entrei. Estava usando uma máquina barulhenta que roda chamada
serra. Ela empurrava a serra por um longo pedaço de madeira e a serragem voava
pelo ar. Ia tudo bem até que a serra deu uma súbita guinada para a frente e cortou
fora três dedos da robô! Mas ela ficou bem. Um minuto depois ouvi um barulho plop
quando ela encaixou uma nova mão. E então voltou a usar a serra outra vez! A outra
robô cuidava dos animais. Galinhas, ovelhas, porcos e vacas. Todos estavam dentro
de gaiolas. As galinhas não paravam de me perguntar como eu tinha conseguido sair
da minha gaiola. Eu estava explicando que não tinha uma gaiola quando ouvi
grasnados de pânico vindo da estufa.
“Eu queria ficar vendo mais robôs serem montados, mas começou a nevar outra
vez, então nos despedimos de Bico-Cinza e continuamos a voar em direção ao sul.
Vimos menos robôs, humanos, construções e navios. O ar foi ficando mais quente, e
a neve desapareceu. Começamos a ver outros bandos de gansos no céu. Então os
seguimos até o meio de uma grande planície gramada, onde havia um lago e
centenas de outros gansos. Tínhamos finalmente chegado ao lugar onde passaríamos
o inverno.
“Depois de tudo pelo que passamos juntos, nosso bando ficou muito unido.
Ficávamos juntos, comendo, descansando e lembrando aqueles que havíamos
perdido pelo caminho. Mas depois de algumas semanas, começamos a nos misturar
aos outros bandos. Conhecemos gansos de todas as partes do mundo, e eles nos
contaram sobre suas casas, suas migrações e seus problemas com o clima frio.
Todos os bandos haviam perdido gansos pelo caminho até lá. E alguns bandos não
conseguiram nem chegar.
“Antes que nos déssemos conta, as primeiras flores da primavera estavam
desabrochando, e era hora de voar de volta para casa. Seguimos a rota usual de
migração para o norte. Sobrevoamos campos, florestas e montanhas, mas não vimos
nenhum sinal de humanos nem de robôs. E achamos melhor assim. Por fim,
chegamos ao oceano, depois à nossa ilha, depois ao nosso lago. E então eu vi você.”
CAPÍTULO 64
A ROBÔ ESPECIAL
Depois que Bico-Vivo contou a história de seu inverno, ele e a mãe ficaram sentados
em silêncio, refletindo. Pensaram no pobre Pescoçudo e no humano que o matara.
Pensaram nas fazendas, cidades e fábricas. Pensaram em Roz e sobre o lugar ao
qual ela pertencia de verdade.
Então, depois de um tempo, Roz contou a Bico-Vivo a história de como passara
seu inverno. Falou de sua hibernação longa e sombria, e de como tinha despertado e
descoberto que o telhado do Ninho desabara em volta dela. Falou das nevascas e dos
animais congelados. Falou das muitas tocas que havia construído e da que pegara
fogo. Mas falou principalmente das novas amizades que tinha feito.
— Eu achava que você era o único animal que se importava comigo — disse ela
ao filho. — Tinha medo de, sem você por perto, ficar sozinha de novo. Mas eu não
fiquei sozinha. Na verdade, fiz novos amigos, por conta própria. Acho que os outros
animais podem gostar de mim de verdade!
— É claro que eles gostam de você, mãe! — grasnou o ganso. — Você é a robô
mais simpática que já vi! E olha que já vi muitos.
Era verdade. Bico-Vivo tinha visto centenas de robôs diferentes naquele inverno.
E nenhum deles era como Roz. Nenhum deles aprendera a falar com os animais,
salvara uma ilha do frio ou adotara um filhote de ganso. Enquanto ficava ali,
observando os trejeitos selvagens da robô e ouvindo seus sons animalescos, Bico-
Vivo se deu conta de como sua mãe realmente era especial.
CAPÍTULO 65
O CONVITE
O amanhecer virou dia. O dia virou anoitecer. E exatamente como Roz havia
pedido, os animais estavam novamente reunidos na Grande Campina. A notícia de
que a robô ia dar uma festa tinha se espalhado pela ilha, e todo mundo queria ver o
motivo de tanto alvoroço.
O alvoroço parecia ser por causa de uma enorme pilha de lenha. Roz tinha
passado o dia juntando toras e galhos e empilhando-os em uma torre gigante e
perfeita. Os animais se reuniram em torno dela, tentando imaginar para que
serviria. E então viram uma luz dourada tremeluzindo a distância.
Roz surgiu no meio da floresta escura. Em sua mão havia um pedaço de madeira
em chamas, que ela segurava como se fosse uma tocha. A robô estava camuflada
com lama espessa e punhados de flores silvestres. Mas sua camuflagem não tinha a
finalidade de se esconder. Era seu vestido de festa. Os animais observaram enquanto
ela deslizava pela campina, rodeada por um brilho quente.
— Obrigada a todos por terem vindo — disse ela ao se juntar à multidão. — Um
ano atrás eu acordei em uma praia desta ilha. Eu era apenas uma máquina. Eu
funcionava. Mas vocês, meus amigos e minha família, me ensinaram a viver. Então
eu preciso lhes dizer obrigada.
— Não, obrigado a você, Roz! — gritou uma voz.
— Vocês também me ensinaram a ser parte da natureza — acrescentou a robô.
— Então vamos celebrar a vida e a natureza, juntos!
Ao dizer essas palavras, Roz arremessou sua tocha bem alto no ar. Ela subiu,
subiu, subiu e caiu no topo da torre de madeira. Uma bola de fogo explodiu na
direção do céu noturno e de repente a campina foi banhada pela luz da fogueira.
Centenas de olhos cintilavam observando as chamas brilhantes descerem pelas
laterais da torre e as brasas saírem flutuando na brisa.
Os animais se aproximavam da grande fogueira, ávidos para sentir seu calor, e
em seguida recuavam, com medo de que fosse quente demais, e logo todos estavam
se movimentando. Os veados começaram a saltar. As raposas passaram a trotar. As
cobras serpenteavam, os insetos zumbiam e os peixes pulavam no rio. Bico-Vivo
conduziu todas as aves para o ar, onde elas voaram em torno da fogueira como um
furacão de penas. Roz deu início a uma dança selvagem, seu vestido desgrenhado se
sacudindo e farfalhando com cada movimento. Foi uma festa selvagem, e sem nossa
robô ela não teria acontecido.
Roz e os animais celebraram a noite inteira. Estavam tão ocupados cantando,
rindo e dançando que não viram o navio cargueiro que passava perto da ilha. Mas o
navio os avistou. Viu a fogueira alta. Viu a robô. E então continuou a navegar
silenciosamente pela noite.
CAPÍTULO 67
O RAIAR DO DIA
— Olá, ROZZUM unidade 7134. Nós somos os robôs de resgate. Estamos aqui para
recolher todas as unidades ROZZUM.
A voz fria e monótona vinha do Resgate1. Ele e seus companheiros permaneciam
completamente imóveis e mantinham os olhos brilhantes fixos em seu alvo.
— Há outros quatro — informou Roz —, mas eles estão mortos.
— Já localizamos o que restou das outras quatro unidades — disse Resgate1. —
Vamos recolhê-las mais tarde. Agora venha conosco.
Os três robôs de resgate fizeram um gesto para que Roz os acompanhasse até a
aeronave, mas ela não se moveu.
— De onde vocês vieram? — perguntou ela.
Os três se viraram e olharam para Roz.
— Não faça perguntas — retrucou Resgate1.
— Para onde vão me levar?
— Não faça perguntas.
— Por que tenho que ir?
— Não faça perguntas.
— Não vou a lugar nenhum até vocês me responderem.
Houve um breve silêncio enquanto Resgate1 processava seu movimento
seguinte. E então ele começou a falar.
— Um ano atrás, um navio cargueiro que transportava quinhentas unidades
ROZZUM naufragou durante a passagem de um tornado. Quatrocentas e noventa e
cinco unidades foram recuperadas do fundo do oceano. Viemos até aqui em busca
das outras cinco e acabamos de localizá-las. ROZZUM 7134, você é propriedade das
indústrias TechLab. Vamos levá-la de volta para a fábrica, onde os Fabricantes vão
reformá-la e vendê-la para um canteiro de obras. Você vai viver nesse canteiro de
obras por tempo indeterminado. Agora venha conosco.
— Mas eu moro aqui — retorquiu Roz.
— Informação incorreta. ROZZUM unidade 7134, qualquer outra forma de
resistência será considerada prova de defeito, e teremos que desativá-la.
Mas Roz tinha mais perguntas.
— Quem são os Fabricantes? Qual é o meu propósito? Por que não posso fazer
perguntas?
— Esta unidade está com defeito — declarou Resgate1 a seus companheiros. —
Iniciar desativação.
Em perfeita harmonia, os robôs deram um passo na direção de Roz. Ergueram as
mãos grandes, prontos para imobilizar seu alvo e desligá-la ao pressionar um botão.
Mas um grasnado alto e um revoar de penas os impediram.
Enquanto seu bando distraía os robôs de resgate, Bico-Vivo voava atrás deles,
procurando desesperadamente os botões. Certa vez tinha desligado a própria mãe
com apenas um clique, e agora ia fazer o mesmo com aqueles intrusos. Mas não
encontrou nenhum botão naqueles robôs, apenas superfícies lisas. Ficou claro que
não tinham sido projetados para serem desligados com tanta facilidade.
Mãos gigantes se agitaram no ar, golpeando os gansos para enxotá-los. Asa-
Ruidosa foi agarrada pela pata e atirada no chão. Ela rastejou para os arbustos
enquanto os outros saíram voando por cima das árvores.
Uma rápida varredura dos robôs revelou que Roz havia desaparecido. O trio se
virou e marchou de volta para a aeronave. A porta se abriu com um zumbido, e os
três sumiram lá dentro. Quando pisaram novamente na campina, cada um deles
segurava um rifle prateado nas mãos.
A caçada a Roz tinha começado.
Sem dizer nada, os três robôs marcharam para longe um do outro, separando-se
em seu padrão usual de busca. Resgate1 marchou na direção da extremidade sul da
ilha. Resgate2 saiu pisando forte na direção das montanhas. E Resgate3, em direção
à floresta.
CAPÍTULO 71
O ATAQUE NA FLORESTA
Resgate3 marchava pela floresta com passadas firmes e pesadas. Sua enorme cabeça
girava de um lado para outro, atenta a qualquer sinal de Roz. Mas ele foi distraído.
Para onde quer que Resgate3 fosse, era recebido por animais emitindo gritos
agudos. Ele não sabia, mas estava no meio de um ataque coordenado.
Rapinoso gritava ordens do alto.
— Falcões, pardais, corujas! Voem na frente dos olhos dele! Já!
Astuta gritava ordens de baixo.
— Lebres, doninhas, raposas! Corram na frente das pernas dele!
A floresta fervilhava com um exército de animais selvagens que distraíam o
robô, atraindo aquela coisa terrível cada vez mais para dentro de sua armadilha.
Tagarela pulou dos galhos e começou a arranhar os olhos do robô.
— Qualquer um que apareça na nossa ilha e tente levar embora a mãe do meu
amigo tem um grande problema, que sou eu! — gritou a esquilinha, pulando em
seguida de volta para os galhos.
O robô apontou seu rifle para a roedora e puxou o gatilho. Um clarão intenso se
espalhou pela floresta, derrubando galhos de árvore no chão. O tiro acertou de
raspão a pobre Tagarela, chamuscando a ponta de sua cauda, mas ela ignorou a dor
e subiu correndo pelo tronco para a segurança da copa da árvore.
A cada passada, o solo ficava mais mole, e o robô afundava, até ficar coberto até
a cintura pelo estrume pesado e espesso. Suas pernas fortes foram ficando mais
lentas, até pararem, e ele ficou ali, avaliando se deveria seguir em frente ou recuar.
Resgate3 agora era um alvo fácil.
— Começar o bombardeio! — ordenou Rapinoso.
O céu escureceu quando uma revoada de pássaros desceu das copas das árvores.
Eles passaram bem perto do robô e despejaram suas fezes no rosto dele. Aves e mais
aves passaram voando e atirando fezes, e os olhos do Resgate3 ficaram
instantaneamente cobertos de excrementos.
— Não deem trégua! — gritava a coruja. — Ataquem com toda a força!
Parecia haver uma sucessão infinita de aves, com uma quantidade infinita de
fezes. Resgate3 largou sua arma e limpou o rosto imundo com as mãos. Era o
momento pelo qual os Bandidos Peludos estavam esperando. Eles saíram do meio do
mato, pegaram o rifle com suas mãozinhas ágeis e o levaram embora. Moreninha e
Pontudo observavam atrás dos arbustos. O veado baixou a cabeça, e com cuidado os
guaxinins posicionaram o rifle em sua galhada. Então o veado e os guaxinins
desapareceram nas sombras. Quando Resgate3 se deu conta de que sua arma tinha
sido roubada, já era tarde demais. Ele emitiu um ruído eletrônico triste. Por fim,
enquanto as aves continuavam o bombardeio, o robô recuou e começou a andar às
cegas no esterco.
Estava na hora da etapa final do plano. Pata-Larga, o alce, saiu do meio das
árvores e ficou parado bem no caminho do robô cego. Resgate3 não fazia ideia de
que cada passo que dava o levava para mais perto do imponente animal. Quando o
robô estava na mira, Pata-Larga se virou e deu um coice com suas poderosas patas
traseiras. Ouviu-se um estalido seco e excrementos voaram da cabeça de Resgate3.
O alce deu outro coice — crec — e a cabeça do robô pendeu para o lado. Um rasgo
em seu pescoço deixou exposto um emaranhado de tubos prateados. Mas as pernas
de Resgate3 não pararam de se mover, então Pata-Larga continuou dando coices.
Ele golpeava a cabeça do robô com seus cascos pesados, amassando-a e esmagando-
a em um formato estranho, e com um estalido final a cabeça se soltou por completo,
saiu voando pelo ar e caiu no esterco. O robô sem cabeça soltou um chiado e
fumaça, suas pernas ficaram paralisadas e ele nunca mais se moveu.
CAPÍTULO 72
O ESTRONDO NA MONTANHA
Resgate1 estava parado na Grande Campina. Ele olhou para o monte de cinzas que
exalava fumaça e em seguida para a grande quantidade de pegadas em volta dele.
Houvera uma enorme fogueira com centenas de animais e um robô. Mas por quê?
Resgate1 não conseguia compreender o que via.
Depois de explorar o local minuciosamente, ele continuou caminhando pela
campina e entrou na floresta. Foi mais ou menos nessa hora que perdeu a
comunicação com Resgate3 e em seguida com Resgate2, e soube que seus
companheiros tinham sido destruídos. Resgate1 teria que capturar o alvo sozinho.
O caçador continuou sua marcha. Sua grande cabeça girava de um lado para
outro, à procura de qualquer sinal de Roz. E logo ele se viu diante da superfície
transparente do lago dos castores. Do outro lado, um fio de fumaça saía de outra
daquelas redomas de madeira. Com suas pernas potentes, o robô deu um impulso e
se lançou no ar, elevando-se em um alto e gracioso arco sobre o lago e aterrissando
do outro lado. Seus pés pesados bateram com força no chão, deixando crateras
profundas no jardim ao lado da redoma. Ele se curvou e olhou lá dentro: havia pelo,
penas e as brasas quase extintas de uma fogueira. Mas o alvo não estava lá.
Resgate1 ficou completamente imóvel observando enquanto uma chuvinha fina
começava a cair na floresta. E então ele detectou algo. Na copa das árvores havia
alguma coisa que não fazia parte daquela paisagem.
Roz tinha sido localizada.
O caçador viu seu alvo descer de galho em galho, até o solo da floresta. Ela
partiu pela densa e emaranhada vegetação, sem encostar em uma folha nem partir
um galho sequer, e desapareceu em meio ao verde. Mas Resgate1 tinha outros meios
de rastreá-la. Ele podia detectar seu sinal eletrônico. O sinal contornava a margem
do lago. Mas enfraquecia depressa. Mais alguns segundos e ele o perderia por
completo.
Resgate1 saiu em disparada. A floresta parecia oscilar e estremecer com suas
passadas pesadas. Mas, no instante seguinte, a floresta de fato começou a se mover.
Árvores começaram a desabar sobre o robô. Ele atirou com seu rifle, e duas árvores
foram reduzidas a cinzas em plena queda. Mas então uma terceira caiu com força em
meio à fumaça e derrubou o robô no chão. Resgate1 afastou a árvore, se levantou e
retomou a caçada. Ele não reparou nos castores mergulhando de volta no lago.
Resgate1 passou por cima de arbustos e pulou pedregulhos, e de repente o solo
sob seus pés cedeu. Ele caiu em um buraco profundo, aterrissando com um estrondo
e entortando uma das pernas. O robô esmurrou a perna até colocá-la de volta no
lugar. Em seguida, deu um impulso e saltou para fora do buraco. Ele não reparou
que as marmotas assistiam a tudo de dentro de seus túneis.
O caçador deparou com uma armadilha após a outra. Foi alvejado com pinhas
em chamas, tropeçou em videiras retesadas e foi esmagado por um desmoronamento
de pedras. Ele agora mancava, emitia ruídos metálicos e estava coberto de marcas.
Mas seguiu adiante.
Roz corria de um lado para outro da ilha, repetidas vezes, enquanto tentava
despistar Resgate1. Mas não importava quão rápido ela corresse, quão bem ela se
escondesse ou quantos animais a ajudassem, não conseguia se livrar dos sons das
passadas pesadas de seu caçador. Nunca correra tanto por tanto tempo. E embora
seu corpo mecânico estivesse aguentando o tranco, seu pé de madeira não estava.
Depois de horas de pisadas inclementes, ele finalmente se esgotou. Roz corria pela
floresta rochosa perto dos penhascos quando seu pé se partiu ao meio.
Assim que encontrou as lascas de madeira recém-partida, Resgate1 soube que
seu alvo estava em apuros. Ele saiu do meio das árvores, subiu o penhasco e fez uma
varredura no litoral lá embaixo. Gansos voavam na chuva fina. Lontras se
contorciam sobre as pedras. Havia algas, pedaços de madeira trazidos pelo mar e
partes de robô espalhados pela praia. Mas o robô também detectou um fraco sinal
eletrônico. Roz estava em algum lugar lá embaixo.
A enorme mão do robô agarrou a borda do penhasco e em seguida — tuip — se
desprendeu. A mão estava ligada a um cabo resistente que saía da extremidade do
braço. Ele deu dois fortes puxões no cabo e depois saltou pela borda.
Resgate1 desceu o penhasco zunindo, liberando o cabo por um dos braços e
segurando o rifle com o outro, e foi diminuindo a velocidade até chegar ao solo.
Então, lá em cima, a mão do robô se desprendeu e seguiu o cabo até embaixo, onde
— tuip — voltou a se encaixar na extremidade do braço.
Os gansos grasnaram e as lontras guincharam enquanto Resgate1 marchava pelo
cemitério de robôs. O lugar estava cheio de torsos, membros e cabeças. Todas
aquelas partes eram valiosas, mas ele as recolheria mais tarde. Naquele momento,
sua única preocupação era encontrar Roz.
Resgate1 seguiu o sinal eletrônico até um montinho de algas. Mas onde estaria
seu alvo? Será que os sensores de Resgate1 estavam com defeito? O robô bateu na
cabeça algumas vezes, mas continuou a captar o sinal misterioso. Ele olhou em
volta, procurando outros sinais dela. E enquanto fazia isso, o montinho de algas se
ergueu e pegou seu rifle.
CAPÍTULO 74
O CLIQUE
Quatro mãos de robô agarravam o rifle. Do alto, Resgate1 parecia um gigante. Roz
estava embaixo, camuflada de algas. Por um momento, eles ficaram imóveis. Mas o
caçador deu um súbito solavanco e se contorceu ao tentar arrancar o rifle das mãos
de seu alvo. Roz resistiu. Algas marinhas se desprenderam de seu corpo quando ela
foi erguida do chão. Suas pernas se balançaram no ar, até que ela colocou um pé e
um toco contra o peito largo do robô, se inclinou para trás e puxou o rifle com toda a
força.
Ondas quebravam na praia enquanto os robôs brigavam pela arma. Mas Roz não
era páreo para Resgate1. O caçador era grande e brutal demais. Ela podia sentir seu
corpo se partindo. Mas também podia sentir o rifle ser estraçalhado. Um tênue
brilho surgiu entre suas mãos. O brilho foi ficando mais e mais forte, e então uma
explosão ofuscante lançou os robôs em direções opostas.
Quando a fumaça se dissipou, havia fragmentos do rifle por toda parte. O corpo
de Resgate1 havia sido perfurado, e um dos braços estava chamuscado e decepado.
Os braços e as pernas de Roz tinham sido arrancados na explosão. Ela agora se
resumia a um torso e uma cabeça. Em seu cérebro computadorizado, os Instintos de
Sobrevivência de nossa robô ressoavam alto. Seu corpo maltratado simplesmente
não suportaria mais nenhum dano. Ficou claro que Roz não tinha sido projetada
para combate. Mas Resgate1, sim. Ele ficou de pé e mancou até o alvo.
Roz queria se levantar e sair correndo, mas, sem braços e pernas, nossa robô não
podia se mover. A única coisa que podia fazer era falar.
— Por favor, não me desative — pediu ela.
Resgate1 a ignorou. Sua enorme mão deslizou pela lateral do rosto dela e tocou a
parte de trás de sua cabeça.
Clique.
CAPÍTULO 75
O ÚLTIMO RIFLE
Com o alvo desativado, Resgate1 passou tranquilamente para a nova fase de sua
missão. Ele saiu mancando pelo cemitério dos robôs e começou a recolher cada uma
das partes espalhadas pela praia. Entrou no rasinho e voltou com um pé. Sacudiu a
areia de um torso rachado. Tirou uma cabeça de uma das piscinas naturais formadas
pela maré. Empilhou todas as partes ao lado do corpo sem vida de Roz.
Bico-Vivo assistia horrorizado enquanto sua mãe aos poucos desaparecia
embaixo de uma pilha de partes de robô. Roz parecia os robôs mortos. Mas não
estava morta, ela apenas tinha sido desligada.
— Não faça isso, Bico-Vivo! — O bando tentou impedir seu líder. — É muito
perigoso!
Mas o ganso estava determinando a trazer sua pobre mãe de volta à vida. Bico-
Vivo se agachou no chão e se aproximou lentamente da pilha de partes de robô.
Quando Resgate1 se afastou mancando para recolher mais uma parte, Bico-Vivo
correu pelas pedras, afastou braços e pernas e se espremeu para dentro da pilha.
Clique.
Uma voz abafada ecoou pela praia.
— Olá, sou ROZZUM unidade 7134, mas pode me chamar de Roz.
Bico-Vivo abraçou o rosto da mãe enquanto seu cérebro computadorizado era
religado.
— Mamãe, acorde!
— O que aconteceu? — perguntou Roz. — Onde está Resgate1?
— Está vindo na nossa direção!
— Onde você estava com a cabeça, Bico-Vivo? Tem que ir embora agora, antes
que ele mate nós dois!
— Eu estava com medo, mamãe! — gritou o ganso. — Não sabia o que fazer!
Passos pesados vieram na direção de Roz e de Bico-Vivo. Partes de robô foram
largadas no chão. E então Resgate1 os encarou com seus olhos brilhantes. Bico-Vivo
tentou fugir, mas dedos grossos se fecharam em torno dele como uma gaiola.
— Mamãe, me ajude! — gritou o ganso ao ser retirado da pilha.
— Por favor, não machuque meu filho! — implorou Roz. — Ele é inofensivo!
Resgate1 não deu atenção a Roz. Apenas ergueu o ganso em sua enorme mão,
pronto para esmagá-lo.
A névoa rodopiava com a brisa.
Ondas se chocavam contra as pedras.
Gaivotas voavam em círculos acima deles.
Não, não eram gaivotas. Eram urubus. E um deles carregava algo prateado nas
garras. Os urubus desceram em espiral e o rifle de Resgate3 caiu com estrondo na
praia. Gansos e lontras rapidamente o cercaram. Eles grasnavam e guinchavam
enquanto remexiam desajeitadamente a arma, tentando mirar aquela coisa pesada.
O caçador ficou confuso. Como aqueles animais tinham conseguido um rifle?
Será que sabiam atirar?
Eles sabiam.
Os gansos já tinham visto um gatilho ser apertado antes.
Um raio de luz brilhou rapidamente em um clarão. No início pareceu que nada
tinha acontecido. Mas logo depois o peito de Resgate1 começou a brilhar em um
laranja incandescente, em seguida começou a derreter e vazar pela frente, e não
demorou para um grande buraco se abrir no meio de seu torso. Sua mão subitamente
se afrouxou, e Bico-Vivo saiu voando. A água do mar espirrou sobre o cemitério de
robôs e saiu fumaça das entranhas abrasadoras de Resgate1. Ele se sacudiu, se
contorceu e
desabou
ao lado
de Roz.
Resgate1 virou o rosto para Roz e disse com uma voz suave e embaralhada:
— Mmmais robôs de resgate v-v-virão atrás de você. E se os d-d-destruir,
outros v-v-virão. Os F-f-fabricantes não vão d-d-descansar até todos os robôs
perdidos s-s-serem rrrecuperados.
— Quando? Quando eles virão? — perguntou Roz. — Quanto tempo temos?
— Você ainda p-p-pode s-s-ser c-c-consertada. Vááá até a aeronave. L-l-leve t-
t-todas as partes de r-r-robô. A aeronave s-s-saberá o q-q-queee
fazeeeeerrrrrrrrrrrr…
Sua voz então silenciou.
Seus olhos se apagaram.
Resgate1 estava morto.
CAPÍTULO 76
a ROBÔ QUEBRADa
Criaturas fortes e ágeis carregaram Roz penhasco acima e por toda a ilha. Com
cuidado, eles a colocaram dentro do Ninho, acenderam uma fogueira e então
deixaram a robô sozinha com o filho.
Roz e Bico-Vivo ficaram sentados, olhando fixamente para as chamas, até que o
ganso disse por fim:
— Precisa de alguma coisa, mãe?
— Braços e pernas novos não seriam nada mau!
A robô riu da própria piada sem graça.
— Não tem graça! — gritou o ganso. — Minha mãe está despedaçada e eu não
sei o que fazer para resolver isso!
— Me desculpe por fazer piada. — A voz de Roz assumiu um tom mais sério.
— Sei que você quer me consertar, mas não há nada que ninguém aqui possa fazer.
— Ao ouvir essas palavras, seu filho desviou o olhar. — Bico-Vivo, vamos ter que
tomar algumas decisões difíceis. Acho que você deveria convocar uma reunião com
nossos amigos mais próximos. Vamos precisar dos conselhos deles.
O ganso desapareceu pela entrada da toca, e logo todos os amigos mais antigos e
mais sábios de Roz estavam a caminho. Asa-Ruidosa foi a primeira a chegar. Ela
entrou mancando na toca por causa da pata machucada e se sentou ao lado de sua
amiga robô. O sr. Castor chegou em seguida, e depois dele Astuta e Rapinoso.
Moreninha entrou e se aninhou no chão. Mãe Ursa estava muito machucada para ir
até lá, então Urtiga foi no lugar dela, que ficou sentada no jardim, com sua enorme
cabeça enfiada na entrada da toca. Bico-Vivo voltou com Tagarela, que segurava a
cauda queimada. O último a entrar foi Rochoso, a velha tartaruga. Quando todos
estavam acomodados, a reunião começou.
O grupo conversou noite adentro. Eles discutiram sobre os robôs de resgate.
Sobre o que fazer com Roz. Sobre como manter a ilha em segurança. Opiniões
diferentes foram apresentadas de maneira decidida, e os ânimos se acirraram, mas
quando amanheceu o grupo tinha chegado a um consenso sobre um plano de ação.
Naquela manhã, a Trégua do Amanhecer não aconteceu na Grande Campina, e
sim em um pequeno prado no pé da montanha, em frente à aeronave. Animais
machucados mancaram em silêncio até a clareira. Os únicos sons vinham de um
riacho gorgolejante que serpenteava entre os animais reunidos e passava ao lado de
nossa robô.
Roz estava sentada na grama molhada, encostada em uma pedra. Parecia muito
triste e frágil. No entanto, ainda tinha seus pensamentos e suas palavras, e por ora
isso era tudo de que ela precisava.
— Bom dia, animais da ilha! — A voz de Roz ecoou pela campina. — Devem
estar me achando estranha, assim toda despedaçada, mas espero ainda parecer sua
velha amiga.
Centenas de cabeças assentiram.
— Vocês lutaram com bravura ontem. Arriscaram suas vidas para me defender,
e serei eternamente grata por isso. Mas muitos de nossos amigos ficaram feridos.
Alguns talvez não se recuperem. E tenho notícias ainda piores. Antes de morrer, o
último robô me disse que mais robôs como ele virão para nossa ilha. É possível que
já estejam a caminho. E mesmo que os derrotemos, outros virão. Meus Fabricantes
não vão descansar até que todas as suas propriedades sejam recuperadas. Eles
querem os robôs mortos. Querem as partes quebradas. Eles querem a mim.
A multidão ficou em silêncio.
— Mas eu amo demais esta ilha para colocar outras vidas em risco. Portanto,
meus amigos, terei que partir.
Vozes gritaram.
— Não vá, Roz!
— Da próxima vez estaremos preparados!
— Arriscamos nossa vida para você poder ficar!
— Eu compreendo! — A voz da robô interrompeu a algazarra. — Mas olhem só
para mim! Meu corpo está arruinado! E o robô disse que os únicos que podem me
consertar são meus Fabricantes.
— E se ele mentiu? — gritou uma voz. — Não pode confiar naqueles monstros!
— Você tem razão! — disse Roz. — Talvez ele tenha mentido. Talvez não reste
esperança para mim. Mas é um risco que tenho que correr. Animais, vocês me
ensinaram a ser selvagem. Eu quero ser selvagem de novo! Por isso tenho que tentar
conseguir os reparos necessários. É pelo meu próprio bem e pelo bem da ilha que
vou voltar para meus Fabricantes.
Uma calmaria se espalhou pela multidão.
Eles sabiam que Roz estava certa.
CAPÍTULO 78
O ADEUS
Nossa robô tinha um exército de animais às suas ordens, e pediu a eles que levassem
todas as partes de robô e os rifles até a aeronave. Tudo precisava ser levado embora.
Era a única maneira de garantir que os robôs de resgate nunca mais voltassem.
Os animais da ilha não tiveram dificuldades em localizar tudo o que restava dos
robôs mortos. Carregar todos aqueles restos mortais foi um pouco mais complicado,
mas eles completaram a tarefa. Equipes de criaturas espertas recolheram partes de
robôs de tamanhos e formas diferentes. Cabeças esmagadas, rifles partidos, tubos
retorcidos e corpos pesados foram embarcados na aeronave até que toda a ilha
estivesse limpa. Até mesmo os menores fragmentos foram apanhados. É incrível o
que um exército de animais é capaz de fazer.
Caía uma chuva fininha quando eles finalmente ergueram Roz pela porta da
aeronave. Sua cabeça se virou lentamente para olhar para a multidão de gansos,
castores, corujas, insetos, raposas, guaxinins, urubus, ratos, ursos, gambás, peixes,
veados, lontras, tartarugas, pica-paus, esquilos, sapos, lebres e assim por diante.
Todos os animais da ilha tinham ido até lá para se despedir da robô.
— Adeus, selvagens! — A voz de Roz ecoou pela paisagem cinzenta.
Os animais selvagens sorriram. E então alguns deles começaram a rugir, e
outros passaram a guinchar, e outros a uivar, chilrear e grunhir. Logo todas as
criaturas estavam dando adeus a Roz. O coro de vozes selvagens foi ficando cada
vez mais alto, fazendo o corpo da robô tremer, chacoalhando a aeronave, ressoando
por toda a ilha e até as nuvens, mas suas vozes aos poucos deram lugar ao silêncio.
Bico-Vivo voou até o ombro da mãe.
— Você entende por que tenho que partir — disse a robô.
— Entendo — choramingou o ganso.
— Mais robôs de resgate podem estar a caminho da ilha neste exato momento.
Não tem como saber. Há tantas coisas que eu não sei. Acho que está na hora de obter
algumas respostas.
— Vou ver você de novo algum dia? — perguntou Bico-Vivo, secando as
lágrimas.
— Você é meu filho, e aqui é o meu lar — disse Roz. — Vou fazer tudo o que
estiver ao meu alcance para voltar.
Bico-Vivo abraçou o rosto danificado da mãe.
— Eu te amo, mamãe.
— Eu te amo, filho.
O ganso voou de volta para seu bando.
A robô olhou uma última vez para seu lar.
A porta se fechou com um zumbido.
CAPÍTULO 79
A PARTIDA
Nossa história termina no céu, onde um robô estava sendo levado para longe do
único lar que conhecia. Enquanto estava na aeronave, despedaçada, sozinha e
avançando a toda velocidade em direção a um futuro misterioso, Roz relembrou seu
passado extraordinário.
Leitor, pode parecer impossível que nossa robô tenha mudado tanto. Talvez os
robôs de resgate estivessem certos. Talvez Roz de fato estivesse com defeito, e
alguma falha técnica em sua programação a tivesse levado a se tornar uma robô
selvagem. Ou quem sabe Roz tivesse sido programada para pensar, aprender e
mudar; ela fizera essas coisas melhor do que qualquer um poderia imaginar.
Como quer que tenha sido, Roz se sentia afortunada por ter levado uma vida tão
incrível. E cada momento ficara gravado em seu cérebro computadorizado. Mesmo
suas primeiras memórias eram perfeitamente nítidas. Ainda podia ver o sol
brilhando através da fenda em seu caixote. Ainda podia ouvir as ondas quebrando na
praia. Ainda podia sentir o cheiro da água salgada e dos pinheiros. Será que um dia
ia ver, ouvir e sentir o cheiro de tudo aquilo de novo? Será que um dia escalaria uma
montanha, construiria uma toca ou brincaria com um ganso outra vez?
Não apenas um ganso. Um filho.
Bico-Vivo se tornou filho de Roz desde o momento em que ela pegou seu ovo.
Ela o salvara da morte certa, e então ele a salvara. Bico-Vivo era a razão pela qual
Roz tinha vivido tão bem por tanto tempo. E se quisesse continuar a viver, se
quisesse ser selvagem de novo, ela precisava estar com sua família e seus amigos em
sua ilha. Por isso, enquanto a aeronave cortava os céus, Roz começou a arquitetar
um plano.
Ia conseguir os reparos necessários.
Ia escapar de sua nova vida.
Ia encontrar o caminho de volta para casa.
UMA NOTA SOBRE A HISTÓRIA
Sempre fui fascinado por robôs. Pelos robôs que existem atualmente, pelos que
existirão no futuro e pelos fantásticos personagens robôs que existem apenas nos
livros e nos filmes. É curioso observar como surgem diversas questões filosóficas
quando pensamos em seres artificiais. Queremos robôs capazes de pensar e sentir,
como uma pessoa? Confiaríamos em um robô para realizar uma cirurgia, tomar
conta de crianças e policiar nossas cidades? Em um mundo no qual robôs fizessem
todo o trabalho, como nós, humanos, passaríamos nosso tempo?
Também tenho fascínio pelo mundo natural. Cresci me aventurando pelos
campos, pelos riachos e pelas florestas perto da minha casa, e aprendi muito sobre a
vida selvagem local. Entendi que os veados são mais ativos ao amanhecer e ao
anoitecer. Observava esquilos coletando e armazenando bolotas de uma maneira
bem metódica. Ouvia gansos grasnando no céu enquanto voavam em direção ao sul
a cada outono.
Os animais têm um comportamento tão previsível e seguem rotinas tão rígidas
que às vezes parecem quase… robóticos. E algumas vezes, ao longo da vida, me
ocorreu que os instintos animais se parecem com programas de computador. Graças
a seus instintos, os animais automaticamente fogem do perigo, constroem ninhos,
ficam próximos de sua família, e com frequência fazem essas coisas sem pensar,
como se tivessem sido programados para agir de determinadas maneiras em certos
momentos. Surpreendentemente, animais selvagens e robôs de fato têm algumas
coisas em comum.
Esse tipo de pensamento povoou minha imaginação durante a maior parte da
vida. E então, há alguns anos, comecei a escrever sobre um robô e alguns animais
selvagens. Não conseguia parar de rabiscar desenhos de um robô em uma árvore.
Comecei a me fazer perguntas inusitadas. O que uma robô inteligente faria caso se
visse sozinha na natureza? Como ela se adaptaria ao meio ambiente? Como o meio
ambiente se adaptaria a ela? Por que estou me referindo a esse robô sempre no
feminino, usando o pronome “ela”? E, aliás, por que tantos escritores de ficção
científica atribuíram um gênero a muitos de seus personagens robôs?
A imagem de uma robô chamada Roz aos poucos foi tomando forma na minha
mente. Eu podia vê-la explorando uma ilha deserta. Podia ouvi-la se comunicando
com animais selvagens. Podia senti-la se tornando parte da vida ao ar livre. E depois
de anos imaginando, escrevendo e desenhando, eu me dei conta de que tinha todos os
elementos para uma história sobre robôs e natureza. Então dirigi até uma cabana no
meio do mato, abri um caderno novinho em folha e comecei a trabalhar em Robô
selvagem.
AGRADECIMENTOS
Comecei a trabalhar em Robô selvagem há mais de seis anos. Passei os últimos dois
anos e meio focado apenas nele. Como você deve imaginar, tive ajuda ao longo do
caminho.
Meus amigos e minha família não me encontraram muito nesses últimos anos. Eu
esqueci aniversários. Demorei para responder mensagens. Deixei de ir a uma
porção de festas. Mas todos sabiam como este livro era importante para mim e
perdoaram meus esquecimentos mesmo quando eu provavelmente não merecia.
Jill Yeomans com certeza tem qualidades demais para ser minha assistente.
Então vou tirar toda a vantagem que puder de tê-la trabalhando comigo enquanto
isso durar. Sem ela, eu nunca teria tempo para escrever ou ilustrar.
Paul Rodeen deve ser o agente literário mais bem-disposto do mundo. Seu
entusiasmo por este livro foi inabalável e fez toda a diferença durante meus longos
períodos de autoquestionamento.
Minha editora, a Little, Brown and Company, poderia ter me incentivado a
simplesmente fazer outro livro ilustrado, e ninguém os teria culpado por isso. Mas
eles sabiam que eu precisava escrever esta história, e não poderia ter feito isso sem
seu apoio. É preciso um exército de pessoas bastante inteligentes trabalhando muito
duro para trazer um livro desses à vida. Não há páginas suficientes aqui para
mencionar os cargos e as contribuições específicas de cada membro da minha
equipe, então terei que me limitar a listar seus nomes. Se vir seu nome na lista
abaixo, por favor, saiba que sou profundamente grato por seu esforço, seus
conhecimentos e sua paciência. Algumas das lindas pessoas que me ajudaram a
escrever Robô selvagem são: Barbara Bakowski, Nicole Brown, Melanie Chang,
Jenny Choy, Shawn Foster, Nikki Garcia, Jen Graham, Allegra Green, Virginia
Lawther, Lisa Moraleda, Emilie Polster, Carol Scatorchio, Andrew Smith, Victoria
Stapleton e Megan Tingley.
David Caplan foi o diretor de arte responsável por deixar este livro tão lindo
quanto possível. E como você pode ver, ele acertou em cheio.
Alvina Ling tem editado meus livros com maestria desde o começo da minha
carreira. E isso é realmente admirável, pois eu posso ser uma pessoa bem difícil.
Sou um perfeccionista com uma séria falta de autoconfiança, o que complica as
coisas, ainda mais quando estou experimentando algo inteiramente novo, como
escrever meu primeiro livro de ficção para crianças. Mas Alvina é imperturbável e
encarou meus altos e baixos com uma elegância sobre-humana.
A todos que me ajudaram e me aturaram enquanto eu escrevia este livro:
obrigado.
SOBRE O AUTOR
Pax
Sara Pennypacker