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Durante todos esses anos, Diana Barker tem habitado meus pensamentos como uma
memória que nunca quis esquecer.
Eu me apeguei à ideia de que, talvez, ela tivesse um bom motivo para ir embora da
forma que foi, sem se despedir ou sequer avisar.
Por anos, esperei, ansiosamente, que retornasse e se explicasse. Que ao menos tivesse a
decência de olhar em meus olhos e dizer que nós dois não passamos de uma diversão, ou sei lá o
que quer tenhamos sido.
Eu a esperei.
Mas Diana não apareceu.
Então, de repente, ela volta.
E ainda age como se nada tivesse acontecido entre nós.
Não que eu tenha colaborado para isso, afinal, minha emoção sempre fala mais alto do
que a minha razão quando a vejo. Não consigo me controlar e sempre acabo soltando alguma
farpa ou provocação na esperança de que se explique.
Queria que ela olhasse em meus olhos e ao menos fosse sincera em dizer que nós não
éramos suficientes. Que eu não era o suficiente.
Às vezes, tenho vontade de fingir que não a conheço, que é apenas mais uma garota que
passou pela minha cama, como tantas outras.
Contudo, não posso.
Não consigo.
Ela sempre foi mais.
Minha vida girava em torno dela.
Era como se Diana fosse o sol e eu orbitasse em torno dela. Eu a venerava com todo o
meu ser.
Patético.
Patético porque eu deveria odiá-la.
No entanto, um pedaço de mim, o mais tolo e idiota, insiste em querer acreditar que há
algo por trás da sua fachada.
E me sinto um idiota por isso, pois desde que chegou a New Haven, Diana não me deu
absolutamente nada.
Nenhum sinal ou explicação.
É como se, naquele dia, ela realmente tivesse decidido que a sua vida não era boa o
suficiente, que nenhum de nós valia a pena e foi embora. Sem um bilhete ou uma despedida.
E, sinceramente, nem entendo o porquê perco meu tempo pensando nela.
Ontem Diana deixou bem claro o quanto sou insignificante para ela, então está na hora
de, talvez, apenas aceitar que a minha ex é apenas uma filha da puta sem responsabilidade
afetiva.
Aliás, era assim que eu deveria pensar desde o primeiro dia em que não a vi
perambulando pela minha casa, ou invadindo meu quarto de manhã.
— Fala, Ky! — a voz alterada de Hector me alcança assim que desço as escadas. Não é
preciso de muito para notar que já bebeu bastante e está feliz demais. — Não entendo essa sua
mania de chegar atrasado nas suas próprias festas.
Reviro os olhos, sorrindo para o meu amigo, que é alguns centímetros mais alto do que
eu.
— Gosto de uma entrada triunfal — brinco, quando, na verdade, só passei tempo demais
divagando no banho. — Sabe se o Bran já chegou?
Encaro a sala de estar do meu apartamento. Lotado, como sempre. As luzes coloridas
explodem por todo o lugar e hoje, por alguma razão que não entendo, me dão dor de cabeça.
Kimberly preferiu ficar na fraternidade dos Panthers[7] com Asher. Ele disse que ela
estava com dor ou algo do tipo ao telefone quando perguntei se viriam, mas aqueles dois
deixaram de me enganar há muito tempo e é meio óbvio que aproveitaram a situação para transar
sem ninguém em casa. O que eu, particularmente, acho nojento pra caralho saber que a minha
irmãzinha e o meu melhor amigo dividem fluidos.
Dois traidores. Podiam muito bem terem me poupado desse martírio.
— Uhum, chegou com a Mia há um tempo. Estão na cozinha. — responde e eu
automaticamente começo a caminhar até lá.
No entanto, sinto o braço de Hector me paralisar. Ele é um cara negro, de pele marrom-
escura, um ano mais novo do que eu, mas tem um condicionamento físico invejável por treinar,
basicamente, em todo o seu tempo livre. Por isso, não me surpreendo que consiga me manter no
lugar sem muito esforço, mas isso me deixa em alerta, porque Hector normalmente é brincalhão
e se está tentando me manter longe da cozinha, deve haver algo de errado.
— O que houve? — pergunto, encarando-o. — Stormi está aqui?
Seus olhos escuros rolam nas órbitas e sua mão livre é espalmada em seu rosto, não sei
se pedindo paciência ou querendo rir. Desde que o conheci, no início do ano, o único assunto que
consegue tirar o seu bom humor é a líder de torcida do time de futebol americano. Não sei a
história completa, pois ele nunca chegou a contar, mas é meio óbvio que já aconteceu algo ruim
o suficiente entre eles para que não consigam ficar na presença um do outro por mais de um
minuto.
— Não, idiota — resmunga. — Diana está.
E é assim que a minha vontade de ficar nessa festa se esvai.
— Você a convidou, porra? — Empurro-o, tirando seu braço dos meus ombros. —
Porra, Hector, eu disse que não a queria aqui!
— Relaxa, Kyle! — esbraveja. — É claro que não a convidei, acha que sou maluco?
Tento respirar fundo, mas é em vão.
Porra.
Eu queria apenas curtir, não ter que lidar com a presença dela na minha casa.
— Seu humor já foi para a casa do caralho, então vou atrás de alguém mais divertido —
diz, se afastando.
— Eu odeio ser seu amigo! — grito para as suas costas, sendo ignorado.
Enquanto caminho até a cozinha, sinto como se estivesse indo em direção ao corredor
da morte. Cogito até mesmo dar meia-volta e ir para qualquer outro canto em que ela não esteja
ou, sei lá, invadir a cozinha e expulsá-la daqui a gritos.
Não a quero na minha casa.
No entanto, assim que meus olhos recaem sobre a iluminação baixa e colorida da
cozinha, tudo se evapora. As pessoas, meus pensamentos, minha raiva, meu ódio.
Tudo se esvai por entre meus dedos.
Ela está ali, no canto da festa, usando um vestido de cetim branco e curto pra caralho
que a deixa uma delícia.
Isso deve ser carma.
Não é justo.
Não é justo que, de todas as garotas nessa festa, ela tenha que parecer a mais bonita.
Não é justo que esse vestido esteja apertando-a dessa forma.
E, definitivamente, não é justo que o meu coração acelere dessa forma apenas por vê-la
enfiar a mão entre os cabelos cacheados, jogando os fios que sempre amei para o lado e sorrindo
como se não fosse a porra do meu purgatório.
Sou obrigado a me mover quando alguém esbarra em mim, quase derrubando bebida na
minha roupa. O que me faz lembrar, mais uma vez, de ontem, quando ela me olhou daquela
forma… Eu quase esqueci o que aconteceu.
Diana me olhou como se eu ainda fosse tudo. Ela não deveria ter feito aquilo. Porque,
por um segundo, eu esqueci. Simplesmente esqueci que ela foi embora, esqueci os pensamentos
que tenho guardado desde então e o buraco que ela deixou na minha alma. Quando lembrei, não
tive muito tempo antes de pensar e comecei uma discussão.
Me aproximo da banqueta em que Brandon está e acabo roubando a sua garrafa de
cerveja sem que ele perceba, está tão hipnotizado que nem mesmo se move quando ocupo o
lugar vago ao seu lado.
— É por isso que a odeio — resmungo.
Seus olhos estão fixos no mesmo lugar que os meus. Enquanto encaro o meu carma,
Brandon falha em tentar não babar na Mia, sua melhor amiga de infância e obviamente a grande
paixão da vida dele.
— De quem está falando? — pergunta devagar e nos encaramos ao mesmo tempo.
Ergo as sobrancelhas, querendo perguntar se está mesmo tentando jogar essa
desculpinha para cima de mim.
Desde que o mundo é mundo, Brandon e Mia foram feitos um para o outro. Deve estar
escrito isso em algum lugar, não é preciso ser um expert para saber disso.
— Não se faça de idiota — resmungo, entornando a cerveja na boca e voltando a
atenção para a frente. Diana está com as mãos nos quadris de Mia, as duas dançando
sensualmente e muito próximas. Consigo sentir o cheiro do ciúme de Brandon de longe e sinto
vontade de rir por isso. Diana é mesmo o diabo encarnado por estar tentando matá-lo assim. —
Sei o que está pensando. Ela está apenas provocando.
— A Mia não… — ele começa, parecendo estar com raiva.
— Não estou falando da Mia. — Meu cenho se franze com a insinuação de que eu
poderia estar olhando para a carrapatinha. Que nojo. Ela é quase uma irmã para mim. — Estou
falando da Diaba.
— Tenho quase certeza de que esse não é o nome dela — Bran brinca, abrindo outra
garrafa de cerveja, já que roubei a dele.
— É claro que não — refuto e ele me olha como se esperasse por mais explicações.
Sei disso porque ele estava comigo e Asher há alguns meses, quando ela e eu nos
esbarramos em uma das festas da fraternidade. O que nos levou a uma briga feia, que acabou
sendo assunto no campus por uma semana inteira. Porém, nunca dei detalhes a eles de quem ela
era e muito menos do que significou para mim, fazendo com que os dois ficassem curiosos a
respeito da garota.
— Se chama Diana. Porém, dá no mesmo, se parar para pensar que os dois são capazes
da mesma coisa.
— De onde a conhece?
Viro a garrafa novamente, enrolando-o.
— Não te interessa — escolho ser grosso ao invés de responder a verdade.
Conheço o coração do Bran, ele provavelmente sente pena de mim e não é isso que
quero.
— Está difícil te entender — resmunga.
Eu sei, Bran.
Está difícil para mim também.
Está difícil com ela por perto.
— Eu sei — respondo, tão baixo que não sei se ele escuta. — Desculpa.
Os últimos meses da minha vida tem se seguido com uma sucessão de erros que está
machucando todos ao meu redor. E estou começando a ter consciência disso, o que me deixa
envergonhado pra caralho. Principalmente pela minha irmã.
A única coisa que parece capaz de me distrair, no entanto, é a mulher à minha frente.
A dor de olhá-la e relembrar todo o nosso passado é esmagadora, mas, de alguma forma,
parece ser o exato castigo que mereço. É por isso que não hesito em encará-la de baixo a cima
até que note a minha atenção nela.
Diana abre um sorriso perverso, percebendo. E não consigo focar em mais nada.
Ela dança com os olhos vidrados em mim.
O balançar dos seus quadris simulam uma cobra prestes a dar o bote.
E, porra, eu quero ser atacado.
Mas não deveria. Não deveria, porque sei o fim dessa história, sei o estrago que ela
consegue fazer em mim.
Seu corpo parece estar solto, admiro a forma como o vestido branco e cintilante
contrasta com a sua pele e os cabelos encaracolados soltos. Os fios castanhos parecem
acompanhar cada movimento, assim como eu, que esqueço do mundo ao meu redor. Esqueço
que a odeio. Esqueço que me deixou. Esqueço tudo.
Porque a única coisa que eu gostaria de fazer agora, seria enfiar minhas mãos entre os
fios que tanto sinto falta e beijá-la até nos faltar ar. Preciso saber se ela ainda se derreteria em
minhas mãos como antes, se os seus cabelos ainda são tão macios quanto consigo me lembrar.
Não seja tolo, Kyle.
Ela te deixou porque quis.
Meu consciente me lembra do óbvio, mas ainda assim, não consigo desviar. Ela também
não. Porque segue me encarando e parece tão sedenta quanto eu, seus olhos demonstram tantas
lembranças quanto os meus.
Diana é a primeira a desviar o olhar. E eu pigarreio por isso.
Que droga, Kyle.
Você não deveria ter dado tanta atenção a ela.
Viro-me para Brandon e vejo que meu amigo encara Mia, ainda parecendo um cachorro
faminto. Meu Deus, que tipo de amizade a Mia mantém com esse cara para deixá-lo numa seca
tão terrível?
— Vai acabar babando — provoco.
Seu cotovelo acerta minha costela com tanta agilidade que nem mesmo consigo conter o
gemido.
— Não finja que não está fazendo o mesmo.
— Pela Mia? — debocho, tombando a cabeça para o lado e fingindo encarar a pequena.
— Oh, sim. Muito gostosa.
— Se eu fosse você, aprenderia a fechar a boca. Não quero ser obrigado a quebrá-la.
Reviro os olhos, mas não contesto, porque sei que quando se trata dela, ele faria mesmo
isso.
— Pare de insinuar que estou babando na Diaba e eu paro.
— É o que parece.
Deixo um riso de escárnio escapar por entre meus lábios antes de tomar mais um gole da
bebida.
— Prefiro beber cianeto puro.
— Faria um favor à humanidade — a voz melodiosa e articulada soa atrás de mim. Nem
mesmo me surpreendo com a sua resposta, Diana sempre teve a língua afiada. — Não faz ideia
do quanto eu agradeceria por não ser obrigada a ver o seu rostinho bonito todos os dias.
Ela está a poucos passos de distância agora. Seus olhos, cobertos por um delineado preto,
me encaram da mesma altura, desta vez por conta dos saltos. Fico preso neles por um segundo,
tentando decifrar se há algo ali, mas não vejo nada. É como se ela tivesse se tornado alguém
completamente irreconhecível para mim agora.
— Pelo menos, tem a decência de admitir que sou bonito — respondo de volta, deixando
crescer um sorriso convencido que sei que ela detesta.
— Não sou cega, embora tenha andado assim por um tempo — seus lábios se
comprimem após dizer isso, mas é falso. Como tudo nela parece ser desde que voltou.
— Engraçado. — Deixo uma pequena risada escapar. — Poderia dizer o mesmo. Estava
tão cego que deixei uma cobra me tentar. Isso te lembra algo, querida?
Os olhos dela se nublam e sei que a minha fala atinge algo nela. Pelo que a conheço, ela
está a um passo de me esganar e essa possibilidade me parece estranhamente atraente.
— Me parece familiar — concorda, balançando a cabeça como se esse diálogo ridículo
entre nós fosse combinado. — Felizmente, a cobra entendeu quais batalhas merecem o seu
tempo.
Tombo a cabeça para o lado e as palavras somem da minha boca quando diz exatamente
o que tenho pensado durante todos esses anos.
Não fui o suficiente para você, não é, minha bússola?
A raiva corrói meu cerne. Eu queria ter sido o suficiente para ela. Eu queria que ela me
permitisse ser.
A tristeza que se apossa no meu coração consegue superar qualquer rancor. Eu juro que
consigo sentir uma dor física. Diana realmente me odeia. E eu não sei o motivo. Contudo, dói.
Dói, porque ela foi o amor da minha vida. Dói, porque ela partiu. Dói, porque não entendi o
motivo antes e muito menos agora. Suas respostas afiadas, quando a provoquei, não eram
nenhuma espécie de proteção. Me evitar pelos corredores como se eu fosse um monstro, muito
menos.
— De qualquer forma, vou nessa, alguns ambientes exalam uma vibe ruim — diz, sem se
importar com a bagunça que me causou, virando-se para Mia e abrindo um sorriso enorme de tão
doce, nem parece a mesma de segundos atrás. — Nos vemos qualquer dia desses, Mia.
Como se não bastasse, ela se vira rapidamente e nossos olhares se cruzam por um
segundo. É o suficiente para fazer meu coração acelerar ainda mais rápido. Diana joga os cabelos
para trás, fazendo os fios baterem propositalmente em meu rosto. O cheiro invade as minhas
narinas e é impossível não ser transportado para o passado, quando eu adorava enfiar meu rosto
entre eles apenas para aproveitar a sensação de conforto que me davam.
E estou me amaldiçoando agora por querer fazer isso.
Que droga!
De relance, sinto os olhares de Brandon e Mia sobre mim, mas faço um esforço
estratosférico e volto a assumir minha postura de quem não está nem aí para nada. Ela sempre
funciona.
— A festa está começando a perder a graça. — E começo a caminhar para longe.
Eu não deveria roubar comida do apartamento da minha ex-namorada, que por sinal me
odeia, mas é exatamente o que faço quando abro a sua geladeira em busca de água e encontro um
prato cheio do doce.
E eu amava o brigadeiro dessa filha da puta.
Por isso, não pensei muito antes de levar o prato para o meu apartamento.
Ela invadiu a minha festa e a estragou totalmente para mim, então é o mínimo que
mereço depois de ser levado ao meu limite.
O problema é que isso me fez ficar ainda pior do que estava quando saí de lá.
Pior, porque assim que passo pela minha porta, desligo o som e grito para que todos
saiam. Ninguém estranha o meu comportamento. Estão todos acostumados a me ver fazendo
isso.
— Ky? — Ergo a cabeça para Mia, que aparece na sala vestindo uma das camisetas que
Brandon deixa por aqui. — Você está bem?
Me forço a sorrir para ela.
— Estou, baixinha.
Ela estreita os olhos.
— Eu te ouvi expulsando todo mundo lá do quarto e você me chamou de baixinha.
É a minha vez de estreitar os olhos.
— O que há nisso?
— Você me chama assim apenas quando está triste.
Respiro fundo.
Eu odeio o dia em que me deixei levar e me tornei amigo dessa carrapata.
— Não conta para a Kimberly — peço, tentando fazer a minha maior expressão de
pedinte.
— Não gosto de esconder as coisas dela — me avisa, chegando mais perto e se sentando
do outro lado do balcão. — Se ela perguntar, eu direi.
Bufo.
— Você se lembra que sou seu amigo antes dela, certo?
A loira dá de ombros com um sorrisinho no rosto.
— O que é isso? — pergunta, apontando para o prato à minha frente. — Parece
esquisito.
Puxo o prato ainda mais na minha direção, me sentindo ofendido pela forma como fala
dele.
— Se chama brigadeiro.
— Se chama como? — Sua expressão é tão confusa que me faz revirar os olhos e rir ao
mesmo tempo.
— É um doce brasileiro — explico.
— E onde conseguiu isso?
— É uma longa história…
— Tenho tempo.
— Cadê o Brandon?
— Dormiu depois do segundo episódio de Friends.
Reviro os olhos.
— Não vai contar para ninguém como consegui — ameaço, praticamente enfiando uma
colherada na boca dela, porque sei que, do jeito que adora um doce, é facilmente comprada
quando há um em jogo.
Mia engole e depois arregala os olhos. A loira lambe os lábios e, descaradamente, tenta
roubar a minha colher. Eu a afasto, erguendo a sobrancelha em ameaça.
— Não conto se me der mais.
Lhe entrego uma colher, vendo-a enfiá-la no chocolate sem nem mesmo me encarar.
— Diana é a minha ex-namorada.
Mia ergue a cabeça devagar.
— Diana? A garota que estava comigo mais cedo?
Assinto.
— Por que não me falou nada? E o que ela tem a ver com esse negócio?
— Resumindo, depois que você e Bran foram se pegar no meu quarto de hóspedes —
alfineto, vendo-a desistir de se defender no instante em que abre a boca. — Eu fui para o terraço,
mas Hector me mandou mensagem dizendo que ela estava bêbada demais e eu meio que a
arrastei para longe daqui e roubei esse brigadeiro da geladeira dela.
Oculto metade das informações, pois, apesar de ter prometido não dizer nada, Mia não
esconde nada de Kimberly. E, bem, não costumava fazer isso também, então não posso julgá-la.
— Está dizendo que sentiu ciúmes e por isso a colocou para fora?
— Eu não disse…
— Nossa! — ela exclama, enfiando mais uma colherada na boca e me interrompendo.
— O Bran precisa provar isso. Não consigo parar de comer.
Reviro os olhos e tiro o prato de perto dela no instante seguinte.
— Em uma outra oportunidade, quem sabe! — respondo, comendo um pouco. — Esse
aqui é apenas meu, já te dei o suficiente.
— Não seja egoísta — ela choraminga e seu biquinho quase me faz entregar o prato
inteiro, mas, porra, não como brigadeiro há anos. Não vai ser um biquinho que vai mudar isso.
— Só mais uma colher.
— Não insista — aviso. — Volte para o seu namoradinho e deixe o meu brigadeiro em
paz.
Ela bufa.
— Digo apenas uma coisa, Kyle — ela diz, dando passos para trás, ainda me olhando e
tentando soar ameaçadora. Eu finjo estar atento, mas nem mesmo levo a sério. É a Mia. E ela é a
coisa mais fofa do mundo. — Guarde bem esse prato.
— Conte com isso — brinco de volta.
A loira não sustenta a postura e ri, me arrancando uma pequena risada.
— Me chame se precisar de algo, ok? — pergunta com apenas um sorrisinho dessa vez.
— Ok. — Assinto, vendo-a sumir pelo corredor.
Quando minha amiga se vai, a pouca felicidade que senti enquanto estava aqui comigo,
tem o mesmo fim. Some pelo corredor.
Eu encaro o prato à minha frente.
E as memórias me tomam.
Do instante em que a vi pela primeira vez ao momento em que me deixou.
Do dia em que voltou, até hoje, horas atrás.
Tudo.
Relembro de tudo.
A textura da sua pele, o gosto da sua boca, a forma como o seu coração batia acelerado
ao meu lado. Lembro de como as nossas mãos ficavam bonitas unidas, da maneira com que eu
adorava enrolar meus dedos em seus cachos e como ela ficava linda de box braids.
E mal percebo quando o sol começa a raiar.
Porque Diana sempre consegue ser o centro de tudo, mesmo quando tento odiá-la.
Mia contou para Kim que coloquei todos para fora, o que resultou em ela e Asher
chegando em casa de manhã cedo e me encontrando com olheiras enormes. Meu amigo estava
com a cara amassada, sonolenta, mas minha irmã parecia muito preocupada, o que me fez sentir
culpa na mesma hora.
Terminei de limpar o apartamento, porque nem mesmo percebi quanto tempo havia
passado e mesmo dizendo que estava tudo bem, que não havia acontecido nada demais, Kim
continuou questionando e andando, literalmente, na minha cola. Ela até mesmo começou a me
dar sermão, que, aliás, é a coisa que mais tem feito nos últimos meses, desde que se mudou para
cá e voltamos a morar juntos.
Agora meu corpo inteiro dói e estou sendo obrigado — por mim mesmo — a beber
meio litro de café puro para me manter de pé durante as aulas e o treino.
Eu sou o meu maior inimigo, e isso tem ficado claro cada vez mais.
O que eu tinha na cabeça para dar uma festa quando sabia que teria aula no dia
seguinte?
E por que ninguém nunca tenta me impedir de fazer essas merdas?
— Não entendo como pode odiar tanto café — minha irmã diz, bebendo sua humilde
xícara como se fosse refrigerante. Ela ao menos conseguiu dormir por algumas horas antes de vir
para cá. — É tipo a melhor coisa do mundo.
Encaro-a com o mau humor escorrendo pelos meus olhos.
Minha vontade agora é de chorar. Chorar.
Kim me alugou por tanto tempo reclamando sobre a noite passada, que nem pude tomar
meu banho de banheira direito, a água nem havia começado a esquentar quando tombei minha
cabeça na porcelana e essa maluca começou a me infernizar dizendo que íamos nos atrasar. Em
algum momento, ela simplesmente começou a jogar na minha cara todas as merdas que fiz
durante toda a minha vida. Pelo amor de Deus, ela reclamou até de quando soprei a vela do
aniversário de um ano da Sophie.
Que era uma boneca. Um ser sem vida, que mais poderia ser considerado um demônio,
já que andou com aquela porra para cima e para baixo até fazer onze anos. Eu odiava aquela
boneca e não entendo por que a minha irmã não consegue compreender que aquele demônio não
iria assoprar a porra de uma vela, mas aquilo fez com que parasse de falar comigo por cinco
horas. Foi horrível e ainda precisei pedir desculpas para a ridícula da Sophie.
Não vou negar que me vinguei. Me orgulho muito de ter sido o responsável por ter dado
um fim nela.
— Não me olhe assim — ela repreende. — Não tenho culpa se você foi inconsequente,
deu uma festa e se arrependeu depois.
Suspiro. Bem fundo. Bem fundo mesmo.
Por que eu tinha que ser tão parecido com ela?
Brandon e Mia, aqueles traidores, saíram tão cedo que nem se deram ao trabalho de me
avisar que estavam de saída. Queria poder dormir, mas estamos no fim do semestre e nas
semifinais para o March Madness[8], o que significa que não posso, sob hipótese alguma, faltar.
Eu sou o meu maior inimigo. Não posso esquecer de dizer isso sempre que possível.
— Por que ainda estão enrolando tanto? — Asher surge do corredor com um humor um
pouco parecido com o meu.
Ele mexe no cabelo, bagunçando os fios castanhos e encaracolados. Seus olhos escuros
e entediados nos encaram como se estivesse decepcionado por estarmos agindo tão devagar.
Asher Dempsey poderia ser comparado facilmente com um pai nesse momento e é
engraçado ver um cara de quase dois metros com duas mochilas sobre o ombro — a minha e a
dele — e a bolsa de Kim pendurada nos braços, isso faz com que um pequeno sorriso cresça em
meu rosto.
— É segunda-feira — minha irmã nos defende. — Todo mundo atrasa na segunda-feira.
— Vocês se atrasam na segunda, mas eu não…
— … gosto de atrasos — Kim e eu falamos junto a ele, que revira os olhos ao mesmo
tempo.
Minha irmã termina de beber o seu café, mas eu decido que não aguento mais um gole
sequer da bebida quente e a deixo na pia, rumando para fora, sem me dar ao trabalho de pegar a
mochila com Asher. A namorada dele é a culpada pelo meu estado, então ele que se vire com
isso.
Quando ouço a porta ser trancada, já estou em frente ao elevador.
E paraliso.
O café não foi o suficiente para me acordar, mas a imagem de Diana encostada em uma
das paredes da caixa de metal esperando as portas se fecharem, acorda.
Porra.
Palavras não bastam, não dá pra entender
E esse medo que cresce e não para
É uma história que se complicou
E eu sei bem o porquê
Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços?
Me entorta as costas e dá um cansaço
A maldade do tempo fez eu me afastar de você
A Noite | Tiê
Eu minto para mim mesma todos os dias ao tentar afirmar que eles ficaram melhor sem
mim.
E continuo mentindo todas as vezes que digo que não me arrependo de ter ido embora
da forma como fui.
Porque é mentira.
Eles não ficaram melhor sem mim.
E eu poderia ter ido embora depois de ao menos uma conversa.
O problema é que eu sei, sei que eles teriam me impedido. Seja me odiando ou me
acolhendo, eles teriam feito com que eu ficasse. E eu não podia. Eu não queria passar nem mais
um segundo perto deles. Não queria arriscar trazê-los para a espiral de tristeza e sofrimento que
eu havia me tornado. Não conseguiria manter o meu silêncio. Não para eles.
Quando fui embora, na primeira hora da manhã, levando apenas uma mala e um coração
dilacerado, eu realmente achei que nunca mais os veria.
Mesmo que, para isso, eu abdicasse do meu sonho que sempre foi Yale. Que eu
desistisse da família que criei raízes. Do meu namorado perfeito. Da minha melhor amiga.
Essa que, nesse momento, me encara como se eu fosse um monstro.
E, talvez, eu seja.
Alguém que some sem explicações, bloqueia em todas as redes possíveis e passa a se
tornar apenas uma lembrança, é, sim, um monstro. Foi isso que me tornei quando dei meu
máximo para não deixar um rastro sequer para que me procurassem.
Eu era alguém que costumava se gabar sobre lealdade e coragem. Gostava de pensar
que, não importava o problema, a minha família sempre seria a minha primeira opção.
Mas a realidade é aquilo que papai sempre dizia e que se tornou uma constante na
minha vida: quem muito fala, pouco é.
Não deveríamos afirmar ser algo quando nossas atitudes provam por si mesmas quem
somos. E, no meu caso, minhas atitudes se tornaram o completo oposto do que me gabei durante
toda a minha vida.
Eu fui covarde quando escolhi dar as costas sem explicações.
Eu fui desleal quando deixei para trás as pessoas que confiaram em mim com as suas
vidas.
E não há como não me sentir exatamente do jeito que sei que ela está pensando agora.
Um monstro.
Porque, mesmo sabendo que não deveria, quando Loren descobriu sobre a verdade, há
dois meses, e me procurou, eu não pensei duas vezes antes de aceitar voltar para cá e transferir
toda a minha vida para um lugar que me machucou profundamente.
Eu nunca fui corajosa, sempre fui impulsiva.
A saudade, naquele momento, falou mais alto. E falou tão alto que nem pensei no
turbilhão de sentimentos que passariam por mim ao retornar e estar frente a frente com eles.
Com o Kyle, foi difícil, mas, de alguma forma, receber o seu ódio foi como um castigo
do qual sei que mereço. Ele detestou a ideia de me ver por perto. Ele disse coisas ruins e eu
concordei com cada uma delas. E para que não achasse que voltei porque ainda podemos ser
algo, eu devolvi cada uma das suas verdades com mentiras e mais mentiras.
Afinal, sei que o sentimento escorre por seus poros. Kyle nunca irá me perdoar. E
sinceramente? Não o julgo. Eu não perdoaria. Não sabendo apenas o que ele sabe.
Com Kyle, eu sei lidar.
Já com Kimberly, não.
Não havia parado para pensar o quão difícil seria encará-la depois de quatro anos sem
notícias. Fiquei tão preocupada em estar aqui e vê-los, nem que fosse de longe como uma forma
egoísta de confortar meu coração e a minha alma arruinada, que não parei para pensar em como
ela reagiria.
Eu percebo o olhar desesperado de Kyle quando anda na frente dela e me vê no
elevador no mesmo instante. E sei que, se não fosse o empurrão que o seu amigo — e namorado
de Kim, fato que descobri recentemente — deu, ele teria dado um jeito de fazê-la esperar apenas
para não me ver.
E isso, sim, faz com que a minha ficha caia junto aos questionamentos que rondam a
minha cabeça.
Por que aceitei voltar?
Por que estou fazendo isso com eles?
Por que fiz aquilo?
Por que fui embora sem me despedir?
Por que aceitei conhecê-los?
Por que os enfiei na minha bolha de destruição?
Eles mereciam um adeus.
Eles mereciam um bilhete dizendo que os amava, mas que precisava ir.
Eles mereciam mais de mim.
— Você é a minha melhor amiga — a voz da garotinha de três anos soa na minha
cabeça.
Agora, estou aqui, parada em frente à mulher que considerei minha irmã por anos.
A única amiga que tive em toda a minha vida.
Minha companheira. Meu alicerce. A razão da minha emoção.
— Nos conhecemos ontem — eu rebati.
É como se nós duas estivéssemos em pausa e o tempo estivesse passando por nós.
Nossos olhos estão conectados.
— E daí? O tempo não significa nada.
Enquanto nos meus, há saudade, nos dela, há dor. Decepção da forma mais crua
possível.
Pego-me pensando em como foram os últimos quatro anos para ela. Se Kim, em algum
momento, mesmo que com raiva, sentiu a minha falta. Se me desejou de volta. Se quis me
encontrar.
A ideia de que ela tenha sentido tudo o que senti, não me conforta.
Não queria que sentisse a minha falta, que me procurasse ou sequer pensasse em mim.
Eu não os merecia. Eu não a merecia.
. Desde o primeiro dia em que os conheci, eu soube que o único amigo que Kimberly
tinha era Kyle e logo percebi que ela não era alguém fácil de lidar. Ela confiava apenas no irmão.
Era uma relação mútua. Era assim que o elo entre os dois funcionava.
No entanto, a conexão entre nós três foi tão grande e inexplicável, que nos tornamos
inseparáveis desde o início. Era como se fôssemos três pessoas destinadas a serem família. Casa.
O tempo foi passando, os dias se tornaram anos e continuávamos sendo apenas nós três.
Em algum momento, entre a infância e a adolescência, Kyle fez novos amigos. Amigos que
gostavam de filmes sangrentos e jogos de corrida, e Kim e eu passávamos mais tempo no
shopping do que em casa.
Tínhamos quatorze.
Aos quinze, depois de muito tempo segurando um sentimento incontrolável, comecei a
namorar Kyle.
E, ainda assim, Kimberly e eu éramos as melhores amigas do mundo.
Não havia espaço para outras amigas. Éramos ela e eu. Sempre foi.
Acho que nunca havia pensado nessa parte. Kyle tinha outras pessoas das quais podia se
apoiar. E ela… ela tinha apenas a mim.
E eu fui embora.
Eu a deixei sozinha.
Isso torna o seu olhar duas vezes mais pesado para mim. É como se colocasse mais
fardos em meus ombros, já calejados. Porque embora queira gritar e contar para eles o que
aconteceu, o que me fez ir assim, sem mais, nem menos, eu não consigo.
Não posso condená-los a conviver com esse acontecimento.
Eu não suportaria fazê-los sofrer por causa disso.
Mas sei que preciso.
E isso é foda.
Eu preciso contar, porém não consigo. Sou egoísta demais para querer fazer isso por
vontade própria.
Desperto dos meus pensamentos quando Asher toca o braço dela, como se quisesse tirá-
la do transe.
Apenas assim percebo que já chegamos e a porta do elevador foi aberta no térreo.
Noto que o silêncio está zunindo em meus ouvidos desde que entrei aqui.
Que a minha respiração se tornou irregular.
Que meu peito bate acelerado.
Que sinto vontade de chorar.
E que ela ainda me encara com a mesma dor. Com a mesma decepção.
— Não vai dizer nada? — sua voz quebra o silêncio.
Mais do que isso, quebra a minha alma.
Eu não me movo. Não respiro. Não digo. Não consigo.
Apenas a encaro de volta.
— Caralho, você é pior do que imaginei — a fala acompanha um riso de escárnio que
termina de fincar a faca no meu peito.
Porra. Dói tanto. Eu queria que ela me odiasse. Seria mais fácil para ela.
Mas não é o que acontece. Porque, apesar disso, Kimberly me olha como se tivesse
esperança. Como se quisesse que eu a contasse o motivo pelo qual parti. Ela me olha como se
dissesse que ainda posso confiar nela.
E isso me corrói de uma forma inexplicável. É uma dor quase palpável.
Os três saem do elevador. E Kyle, que até então eu havia esquecido da presença, me
olha por sobre os ombros enquanto caminha com eles, como se quisesse se certificar de que
agora percebo o que fiz. Ele me encara no exato momento em que as minhas lágrimas vencem e
começam a rolar.
Posso jurar que ele sente pena do ato. Contudo, não ligo.
Apenas fico parada no mesmo lugar quando as portas se fecham, deixando a saudade
tomar conta de mim e as memórias me consumirem. Porque, embora eu tenha os deixado, a
única coisa que me manteve sã durante esses anos enquanto me sentia sozinha por não conseguir
dar a outra pessoa o espaço que a amizade dela sempre ocupou no meu peito, foram as
lembranças.
Ela e eu festejando aniversários de bonecas e brigando com Kyle por sempre tentar
estragá-los.
Ela e eu passando horas no shopping.
Ela e eu perturbando Kyle para nos ensinar a jogar basquete.
Ela e eu assistindo “Qual o seu número?[9]” todos os sábados, sem nunca enjoar.
Tudo.
É como um castigo.
Porque, de alguma forma, sei. Sei que, assim como eu, Kimberly também se apegou às
memórias para aliviar a saudade. Sei que não ter respostas torna tudo ainda pior para ela. Sei que
quando souber o que aconteceu, irei partir ainda mais o seu coração.
Sei que sou a culpada por parte da sua tristeza.
E me pego pensando justamente na ironia das suas palavras, tão inocentes naquela
época.
O tempo significa muita coisa.
E, diferente do que dizem, ele não cura nada.
As cicatrizes do seu amor lembram-me de nós
Elas me deixam pensando que nós quase tivemos tudo
As cicatrizes do seu amor me deixam sem fôlego
Não consigo evitar pensar que
Nós poderíamos ter tido tudo
Rolling The Deep | Adele
— Ele me odeia — exclamo. O rosto, tão parecido com o meu, ergue uma sobrancelha,
confusa. — O Kyle. Ele me odeia mais do que achei que odiaria.
Olho para o telefone, minha mãe fica quieta por um minuto inteiro enquanto me assiste
mexer na comida com o garfo, sem realmente querer comer. Estamos em ligação há minutos e
durante todo esse tempo, apenas jogo a salada de um lado para o outro, sem fome.
— Amor, ele pode estar apenas confuso — ela tenta, seu timbre calmo tentando ser a
voz da minha razão. — Pense bem, você ficou longe por anos…
— Justamente por isso. Eu o conheço. Confie em mim quando digo que ele me odeia.
— Você contou o que aconteceu?
O silêncio se estende entre os dois lados.
Esse sempre foi o elefante na sala da nossa família.
— Não estou pronta — digo antes que tente me convencer do contrário. — E
sinceramente? Acho que nunca estarei.
— Por qual motivo, meu amor?
— A ideia de vê-lo digerir isso me parece cruel.
— Mas ele merece saber — mamãe refuta. — De uma forma ou de outra, é parte da
vida dele. Você era parte da vida dele. E não tente me dizer ou convencer do contrário, porque
eu também convivi com o Kyle, sei como ele pode ser difícil, mas também sei que aquele garoto
arrastaria a lua nas costas por você.
— Ele cresceu, mãe. — Desisto de comer, jogando os restos de comida na lixeira
orgânica. Viro o iPad para a pia, onde começo a lavar a louça. — Nos vimos hoje — solto, de
costas para a câmera, suspirando fundo em uma falha tentativa de aliviar o estresse. — Na
verdade, ele foi até a sala em que estou estagiando. E foi horrível. Kyle me olhou como se eu
fosse um monstro e…
Não consigo concluir minhas palavras. Deixo meus ombros caírem e, por alguns
segundos, apenas encaro a louça suja na pia com as mãos apoiadas no inox, esperando como se
isso fosse me dar as respostas para as perguntas que nem sei quais são.
— E o quê, Diana?
— Foi como me senti. Um monstro. — Fecho meus olhos por um instante. — Um
monstro por ter abandonado ele, Kim e até a Loren. Eu me senti um monstro porque não sou
corajosa o suficiente para dizer o motivo que fui embora…
As palavras parecem se perder na minha boca a cada segundo.
É como se o meu corpo tivesse a consciência de que, ao falar em voz alta, tudo se
tornará real.
— Não foi sua escolha, querida.
Mamãe consegue me confortar. Ela sempre consegue fazer isso, ainda que nem sempre
eu acredite em suas palavras, mamãe sempre consegue me fazer sentir melhor.
Termino de lavar a louça, aproveitando o silêncio confortável entre nós duas. Separadas
a milhares de quilômetros. É impossível não sentir saudades. Mas é necessário. Mamãe diz que
filho se cria para o mundo. E eu sempre tive liberdade de escolher qual caminho seguir quando
chegasse a hora. Eu escolhi New Haven, mamãe escolheu continuar na Ilha dos Milagres.
E, embora seja difícil ter toda essa distância entre nós, é bom saber que isso não me
impede de tê-la ao meu lado. A saudade é grande, mas não é nada que alguns meses de economia
não comprem uma passagem, ou que uma ligue para a outra.
— Eu sei que não foi minha escolha — repito o de sempre. — Mas não consigo deixar
de me sentir culpada. Você precisa ver, mãe. Eu vi a Kim hoje de manhã no elevador e… —
preciso suspirar para segurar as lágrimas. — Eu quis tanto abraçá-la e dizer que senti saudades.
Eu quis tanto apenas… dizer “oi”. Mas ela me olhou com tanta dor, com tanto desprezo, que
senti vontade de sair correndo e me esconder debaixo da cama.
Kimberly foi a minha melhor amiga desde o instante em que a vi pela primeira vez.
Hoje eu a vi rir com outra garota, a Mia, que parece ser a sua amiga, e senti inveja.
Porque queria que ela risse comigo também. Porque queria que ela nunca tivesse deixado de rir
comigo, mas… eu não tive escolhas.
Eu não tive escolhas e agora preciso conviver com o fato de que a minha irmã de alma
me odeia. E acho que essa parte dói mais do que ser desprezada por Kyle. Amores vêm e vão,
mas amizades são laços eternos. E sei que, em partes, estou errada por ter os deixado, mas, por
outro lado, me sinto mal por não conseguir contar o motivo pelo qual precisei fazer isso.
— Por que não conversa com eles, minha filha? — Mamãe faz a mesma pergunta
enquanto coloco o leite condensado na panela.
Tenho certeza de que fiz um pouco de brigadeiro ontem — e por pouco, quero dizer que
usei duas latas de leite condensado —, mas, pela tarde, quando voltei da faculdade, não encontrei
o prato que o deixei. Estou até mesmo me questionando se não foi efeito da bebida de ontem.
— Eles me odiariam se soubessem da verdade.
— Diana — Liane chama, um pouco resignada, um pouco triste. — Pelo que você diz,
eles já o fazem, filha, conta de uma vez e verá que, às vezes, nem tudo é como pensamos. Talvez
você esteja equivo…
Três batidas na porta chamam a minha atenção, me fazendo encará-la.
— Está esperando alguém?
— Hum… não — respondo, ainda encarando a madeira como se ela fosse se abrir
magicamente. — Podemos nos falar depois? Estou um pouco cansada de falar e pensar sobre isso
hoje.
— Como quiser, querida. — Ela assente. — Mas pense no que a mamãe disse.
Conversar não é o fim do mundo.
Eu apenas lhe dou um sorriso contido antes de desligar porque realmente estou farta de
tudo isso, embora essa tenha sido a minha vida nos últimos anos. Entrar em eternos
questionamentos e não chegar a lugar algum quanto a isso.
Caminho em direção à porta, que começa a ser esmurrada, e me arrependo de abri-la no
instante seguinte, porque um furacão toma conta de toda a minha casa quando Kyle a invade.
— Que porra é essa? — pergunto, ainda paralisada.
Kyle está vestindo apenas uma calça de moletom e me pergunto se o nosso embate de
hoje já não foi o suficiente.
— Eu vim aqui te falar algumas coisas.
— Acho que você já disse o suficiente por hoje.
— Oh, querida… tenho quatro anos de coisas para te falar.
— Que tal começar de uma vez para que possa sair e me deixar em paz?
— Eu preciso apenas de um motivo.
Meus ombros caem. Estou verdadeiramente cansada.
— Já falamos sobre isso.
— Falamos porra nenhuma! — Sua voz aumenta. — Você fugiu. Você sempre foge,
porque é covarde.
— Nossa! Que coisa interessante, não é, Kyle? — Ergo uma sobrancelha. — Porque
você acabou de invadir o meu apartamento e provavelmente está bêbado porque pensou que
dessa forma teria coragem.
— Não me insulte, sabe que jamais precisaria disso. Você não pode me chamar de
covarde. Desde a primeira vez que te vi, achei que havia encontrado alguém que sempre assistia
em filmes. Todas as outras garotas perderam o brilho aos meus olhos, nenhuma delas conseguia
ser como você e soube de tudo isso quando tinha cinco anos. E sabe o que você fez com todo
amor que te dei? Me deixou. — Ele solta uma risada amargurada. — Você escolheu me deixar. E
o pior, me deixou depois de ter dito que me amava. Me deixou sem um aviso prévio, você
entende isso? Porque eu acho que não! Então, você, mais do que todos ao meu redor, é a que
menos tem o direito de reclamar sobre a forma como estou tentando lidar com a bagunça que
você deixou. Você não pode me chamar de covarde.
— E por que continua aqui? — questiono, meus olhos começando a arder. Kyle anda
em minha direção e, dessa vez, não recuo. — Por que continua insistindo se sabe que não irei te
dar as respostas que quer?
E então ele quebra.
Uma lágrima escorrega pelo seu rosto e ela consegue fazer as minhas caírem também.
Kyle estende a mão e, com delicadeza, toca meu rosto, fazendo o contato reverberar por todo o
meu corpo no mesmo instante. É como voltar no tempo.
É como recuperar a minha bússola.
— Porque eu não consigo deixar de te amar — sussurra, tão dolorosamente que me faz
querer abraçá-lo. — Porque tentei de todas as formas, mas não consegui. Você parece estar
enraizada na minha alma e isso dói tanto que todas as vezes que te olho, esqueço como se
respira.
Foda-se, eu o beijo.
Não há como explicar a necessidade que toma conta de mim quando isso acontece, mas
eu o beijo. E todo o meu corpo parece incendiar, porque ele devolve o beijo com ânsia, como se
precisasse disso, assim como eu, para respirar. Para viver.
Suas mãos seguram o meu rosto como se quisesse se certificar de que esse momento é
real.
Esquecemos do nosso passado.
Esquecemos que estamos fingindo nos odiar.
Esquecemos do fato de que não significamos mais nada.
Esquecemos de tudo.
No momento, a única coisa que nos envolve é essa vontade incontrolável de nos tocar.
Empurro-o até que caia sentado no sofá e não desgrudo nossas bocas quando me sento
em seu colo. Foda-se tudo o que dissemos um para o outro desde que nos vimos. E ele parece
pensar como eu, pois também não interrompe o contato, apenas retribui como se essa fosse a
primeira vez.
Kyle não parece preocupado com nada enquanto suas mãos se apossam da minha
cintura, apertando-a como se quisesse me punir.
Não é diferente com a sua boca.
Kyle me devora.
Somos uma confusão de línguas e dentes que disputam a cada segundo para ver quem
tem mais poder sobre o outro. Suas mãos parecem me apertar nos lugares certos para me
causarem arrepios e fazer com que eu não consiga pensar em mais nada além desse momento e
na forma com que ainda nos encaixamos tão bem.
— Você não parece me odiar agora.
Eu nunca odiei, lindo.
Ele não parece falar isso para me parar, porque suas mãos continuam me apertando
enquanto seus olhos não se desviam dos meus lábios.
— Eu odeio — sopro, tentando convencer a mim mesma.
— Mostre.
— Cala a boca e me beija.
No entanto, antes que ele o faça, algo acontece.
Um barulho alto ressoa. Algo como… uma explosão.
Porra.
Com a pressa em abrir a porta, não me atentei em prestar atenção na temperatura que
deixei o fogo. Na verdade, eu deveria ter desligado. E tenho certeza disso quando olho para a
minha cozinha e encontro o caos.
Uma panela pequena não deveria causar tanto alvoroço, mas há uma chama alta.
Puta que pariu.
Que merda eu fiz?
É quando a realidade cai sobre mim.
Eu estava mesmo beijando o meu ex-namorado?
O mesmo ex-namorado que abandonei e que agora me odeia?
Minha cozinha… está pegando fogo?
Não acredito nisso.
— Porra! — exclamo, pulando para longe do seu colo e indo em direção ao fogo, mas
não vou muito longe, porque ele me puxa de volta para ele.
Nem mesmo tomo consciência do perigo. Apenas quero me livrar dele e desse fogo para
que eu possa voltar para o meu brigadeiro e fingir que esse momento nunca aconteceu. Que eu
não o beijei. Que as coisas que ele disse não irão tornar tudo ainda mais difícil.
— Ficou maluca? — berra, os olhos arregalados quando se levanta, colocando-me no
chão, mas ainda segurando meu braço. — Sua cozinha está pegando fogo. Temos que sair daqui!
Ele me arrasta para fora do meu apartamento, sem esperar que eu pegue algo além do
meu celular. Seus passos apressados me fazem quase tropeçar em meus próprios pés, pois ele
não para nem quando estamos descendo as escadas.
Não consigo assimilar nada, pois as coisas parecem acontecer em questão de segundos.
Em um momento, estou no seu colo, no outro, a minha cozinha está em chamas, no seguinte,
estou sendo arrastada escada abaixo e, de repente, estou em frente ao prédio e um maluco está
berrando ao telefone com os bombeiros depois de praticamente ordenar ao porteiro que evacue
todo o prédio.
Por uma coisa que poderia ser resolvida com um pouco de água.
— A culpa é toda sua — praticamente grito ao ver que os moradores realmente estão
saindo das suas casas.
Kyle se vira em minha direção, deixando-nos frente a frente.
— Você quem me beijou — aponta.
— Você retribuiu.
Ele esfrega as mãos no rosto, transtornado ao passo que a sirene dos bombeiros começa
a soar.
Não posso acreditar que estou passando essa vergonha.
— Que porra aconteceu? — uma voz conhecida interrompe o momento, chamando a
nossa atenção para ela. — Por que o porteiro ligou para a mamãe dizendo que você pediu para
evacuar todo o prédio, caralho?
Kim está usando um casaco por cima da roupa e só então me dou conta do que estou
vestindo. Uma camisola. Uma camisola nada comportada que me deixa com frio.
— Seu irmão aconteceu — sussurro, cruzando os braços, irritada.
— Ela botou fogo na cozinha — me acusa. — E como se não fosse o bastante, queria
apagá-lo sozinha.
— Você me fez botar fogo na cozinha!
Kimberly tem uma expressão confusa no rosto e se vira em minha direção.
— Você ia colocar fogo no meu irmão?
— Seria uma boa ideia — concordo, no auge da minha raiva. — Mas eu estava só
fazendo brigadeiro.
Ela abre a boca para dizer algo, mas Loren se aproxima e isso faz com que nós três nos
calemos.
— Que merda você fez, Kyle?
— Eu não fiz nada, mãe!
Isso não parece convencê-la.
— Quem mais colocaria fogo em um apartamento se não você?
— Por que sempre jogam a culpa em mim? Que inferno! Foi essa maluca que resolveu
incendiar a porra do prédio e fazer eu perder o meu tempo.
— Primeiro, foi você quem invadiu o meu apartamento! — acuso-o, cada vez mais
irritada com ele por não ter me deixado cuidar do assunto. A essa altura, toda a cobertura deve
estar em chamas. — E depois ainda me distraiu.
— Ah, claro, eu te agarrei enquanto discutíamos.
— Olha os modos, Kyle! — Loren o repreende, colocando os dedos na ponte do nariz. É
nesse momento que um bombeiro se aproxima e ela se vira para ele, perguntando: — O quanto
isso afetou a cobertura?
— Apenas o apartamento em questão, senhora Ballard — o homem diz. — Não foi algo
muito grande, mas encontramos muitas irregularidades na eletricidade do local, então não podem
ficar lá até que isso seja resolvido.
Meus ombros caem.
O que eu vou fazer?
— Não tenho outro lugar para ficar — murmuro baixo, olhando para Loren, mesmo
sabendo que os outros me escutam.
Ela apenas assente.
— E a segunda cobertura?
— Tudo certo, os moradores podem voltar.
Loren olha para Kyle.
— Brandon e Mia ainda estão no quarto de hóspedes?
— Não. O apartamento dela ficou pronto semana passada.
— A Diana irá ocupá-lo a partir de hoje.
— O quê? — os irmãos Ballard exclamam ao mesmo tempo, mas é Kim quem
prossegue:
— Por quê?
— Porque dinheiro não faz mágica e eu não consigo reparar a cobertura dela a tempo.
— Por que você faria isso, mãe? — ela continua, os olhos semicerrados.
— Por que justo no apartamento deles? — pergunto, mudando o foco da conversa.
Afinal, se respondêssemos a pergunta de Kim, seríamos levados a um assunto que não
quero tocar.
— Posso falar com você a sós, Diana? — Loren pergunta e eu assinto, sabendo que não
há nada que posso fazer no momento. — Fique aqui com o seu irmão.
Kim assente e abraça Kyle, sussurrando algo que não consigo ouvir enquanto Loren
segura meu braço com delicadeza e me leva a um canto mais afastado dos bombeiros e das
pessoas que começam a retornar para o prédio.
Loren retira o seu casaco, colocando-o sobre os meus ombros, e eu agradeço, me
sentindo menos desconfortável por toda essa situação humilhante.
— Escute, querida, o que vou fazer, não é por mal — se justifica. — Preciso que você
passe alguns dias na cobertura com os meus filhos enquanto arrumo um jeito de consertar a sua o
mais rápido possível.
— Ele não foi o culpado — esclareço, defendendo-o, mesmo que essa seja a última
coisa que eu deveria fazer nesse momento. — Estávamos discutindo e…
— Não precisa se explicar. — Ela sorri. — Vou conversar com Kyle para que ele pare
de pegar no seu pé, não se preocupe.
— Loren…
— Eu sei o quanto o meu filho pode ser difícil, ainda mais nessas situações, mas todos
os meus imóveis estão alugados e não quero te deixar em um hotel qualquer sem segurança. Eu
te levaria para a minha casa para ficar comigo, mas…
Eu ficaria desconfortável.
— Eu sei.
— Diana — Loren chama a atenção dos meus olhos para ela. — Estou respeitando o
juramento que fiz à sua mãe de cuidar de você e respeitando a sua decisão em não falar, por
enquanto, para os meus filhos sobre aquele assunto, mas preciso que entenda o meu lado. Eles
são meus filhos e sofreram muito com a sua partida. Eu preciso que me dê a sua palavra e me
prometa que, quando estiver pronta, irá falar a verdade e tirá-los desse limbo.
Respiro fundo.
Sei que precisarei contar a verdade uma hora ou outra. Não posso deixar que meu medo
e egoísmo se coloquem acima dos sentimentos deles. É injusto.
— Eu dou a minha palavra — sentencio, sabendo que ela está certa e, mesmo que eu
queira, não irei conseguir fugir disso por muito tempo. — Eu irei contar, mas apenas quando eu
me sentir confortável.
— Eu sei, querida. Sei que isso é exigir muito, mas eles podem te dar o acolhimento que
merece.
— Eles irão me odiar ainda mais.
— Não vão.
— Não tem certeza disso.
— Eles são meus filhos, Diana, eu os conheço como a palma da minha mão.
Eu assinto, porém não coloco tanta fé em suas palavras. Não depois da dor que vi nos
olhos deles.
Kim e Kyle chamam por ela, avisando que irão subir, acredito que esse também é um
chamado velado para me juntar a eles.
Loren me incentiva a sair do lugar e os irmãos Ballard começam a caminhar para dentro,
sendo seguidos por mim a alguns passos de distância. Mas antes de chegar à portaria, ela me
chama.
— Diana.
Viro-me.
— Lembre-se de que me deu a sua palavra.
Flores, flores no cabelo solto de dolores
Todo tolo coração tem suas dores
Dolores | Xamã e Agnes Nunes
Pego meu celular quando saio de um longo banho quente, vestindo uma das camisetas
de Kyle que com certeza irei roubar quando o meu apartamento estiver em plenas condições.
A ligação não demora a ser atendida, mesmo com o fuso horário diferente.
Estamos há quase três horas de diferença. O que significa que na Ilha dos Milagres são
três e meia da manhã, mas não ligo para isso quando o rosto amassado e pouco iluminado de
Liane Valente me encara com preocupação.
— O que aconteceu e por que você está em um quarto que não é seu? — dispara.
— Boa noite, mamãe, como a senhora está? — brinco a fim de fazê-la entender que não
precisa se preocupar. Pelo menos, eu acho que não. — Estou bem, obrigada por perguntar.
— Não estou com humor para brincadeiras, Diana, caso tenha desaprendido a fazer
cálculos, são quase quatro horas da manhã e eu trabalho às oito.
Liane e eu temos dezessete anos de diferença. E acredito que a pouca distância entre as
nossas idades tenha cooperado bastante na nossa relação como mãe e filha. Ela trabalha
atualmente como veterinária junto ao meu tio, Igor[11], e os dois estão bastante empenhados em
projetos sociais para ajudar a ampliar a ilha.
Mesmo que tenha voltado à faculdade apenas quando retornamos ao Brasil, mamãe
ainda está no último período de Medicina Veterinária, mas meio que já atua na área, visto que
aprende algumas coisas na prática com o irmão, que estava sem ajudantes até ela voltar. Digamos
que a ilha seja pequena demais para ter profissionais qualificados. Alguns, infelizmente, nem
mesmo têm a oportunidade de estudar.
— Preciso te atualizar do que aconteceu depois que desliguei.
— Eu mandei mensagem perguntando quem era, mas como não viu, imaginei que fosse
algum namoradinho.
— Mãe!
— O que foi? — questiona, meio rabugenta, meio debochada. — Não passei por essa
fase na sua idade, porque você não queria largar do meu peito mesmo após os dois anos, mas
sei bem como funciona.
— Não é o que a senhora pensou.
— Quem era então? Você tinha acabado de comer, então não era delivery. E não estou
entendendo o porquê de tanto suspense. Fala logo antes que eu desligue na sua cara para voltar
a dormir.
Sempre muito delicada.
— Era o Kyle.
A história de voltar a dormir? Falhou miseravelmente.
No instante em que o nome dele salta dos meus lábios, ela se ergue e, de repente, parece
ser a pessoa mais matinal do mundo.
— Espere um pouco — diz.
Nem mesmo me surpreendo quando acende as luzes da casa.
A acompanho ligar a cafeteira e a torradeira. Mamãe some da minha visão por alguns
segundos e quando reaparece, coloca as torradas em um prato e enche a sua caneca com quase
um litro de café. Puro. Sem açúcar. Isso é simplesmente absurdo, mas não reclamo mais porque
sei que é uma discussão perdida.
— Pode falar.
— Discutimos.
— Para variar — resmunga, rolando os olhos e de boca cheia.
— Nos beijamos.
Dessa vez, ela cospe o café. Literalmente.
— O quê?
— E daí a minha cozinha pegou fogo.
— Diana… — Não deixo que ela termine de falar.
— Saímos correndo.
— Meu Deus…
— Loren chegou.
— Diana, estou perdida.
— E ela meio que me obrigou a vir morar com Kim e Kyle enquanto o meu apartamento
não está nas suas melhores condições, porque encontraram irregularidades lá e Loren não acha
seguro ficar em um hotel.
— Eu… — Mamãe pisca algumas vezes, olhando para algo além do celular. — Filha, eu
não entendi nada.
E eu recomeço.
Palavra por palavra, conto à mamãe tudo o que aconteceu nas últimas quatro horas.
E após isso, já não me sinto tão mal.
Minha mãe consegue me fazer rir até chorar quando comenta em cada pedacinho da
história. E quando olha no relógio, já está atrasada para o trabalho e precisa desligar. Ela diz que
me ama, eu digo de volta e nos despedimos.
Então, voltamos a ser apenas a solidão e eu. Até o sol nascer e eu continuar parada no
mesmo lugar.
Eu continuo tentando deixar você ir
Estou morrendo de vontade de te contar
Como estou progredindo
Eu não chorei quando você foi embora de primeira
Mas agora que você está morto, dói
Dessa vez tenho que saber
Onde meu pai foi?
Eu não estou totalmente aqui
Metade de mim desapareceu
Daddy Issues | The Neighbourhood
Quando a porta de ferro se fecha atrás de mim, um arrepio ruim percorre toda a minha
espinha. É frio desse lado, mesmo que tenha muitas pessoas aglomeradas em um pequeno
espaço.
Antes de caminhar até a cabine doze, eu encaro as demais cabines. Em uma delas, há
uma mulher tocando o vidro que separa a visita dos detentos e o homem do outro lado faz o
mesmo, os dois parecem emocionados demais para repararem ao seu redor.
E, por um momento, penso se não deveria me sentir assim em relação ao meu pai.
Se eu não deveria sentir, ao menos, pena.
No entanto, tudo o que sinto é um enorme e redundante vazio. É como se eu nem
mesmo estivesse aqui.
Quando me sento na cadeira em frente ao vidro, encaro o homem que, durante muito
tempo, foi o meu maior exemplo.
O homem que considerei meu herói.
O advogado implacável que era venerado aos olhos da mídia.
O pai exemplar que eu mostrava a todos.
Olho para o homem que, durante muitos anos, fez a minha mãe não se sentir amada.
Para o homem que me manipulou até que aceitei entrar em um curso do qual não me
identifico nem um pouco.
Para o homem que destruiu os sonhos da minha irmã. Que teve coragem de ameaçá-la.
E eu não consigo dizer nada.
Maxon pega o telefone por onde é o único jeito que podemos nos comunicar através dos
vidros grossos e seguros. Mas eu não faço o mesmo.
Fico apenas encarando a sua expressão fria e insensível.
Não sei se por medo de ouvir a sua voz ou por vontade de gritar sobre o quão
desprezível ele é.
Mas apenas fico o encarando.
Por poucos instantes, me lembro do pequeno Kyle, de apenas sete anos, que olhava para
o seu pai e desejava ser como ele.
Íntegro. Honesto. Bom. Complacente.
Contudo, não é o que vejo à minha frente.
Um ano atrás, eu estava acostumado a ver Maxon Ballard vestido em seus ternos caros,
feitos sob medida. Seu cabelo estava sempre bem-arrumado e o seu rosto impecavelmente
perfeito costumava estampar muitos sites e blogs de Direito.
Ele era referência.
Hoje, o homem que encaro não se parece em nada com aquele.
Esse está vestido em um macacão laranja que parece estar velho demais, como se o
usasse por muitos dias seguidos. Está visivelmente sujo e posso apostar, se não fosse por esse
vidro — bendito seja —, que também está fedendo.
Mas acho que isso, ele sempre esteve. Maxon sempre fedeu à ganância e egoísmo. E
apenas hoje, eu enxergo isso.
Seu rosto está irreconhecível, há hematomas em todo ele. Seus cabelos estão raspados e
sua feição é magra. Quase esquelética.
E ainda assim, não consigo sentir pena dele.
Tenho apenas meia hora aqui e acho que passo dois terços desse tempo apenas o
encarando e sendo encarado de volta.
Meu plano era me sentar e fazer apenas uma pergunta.
Por quê?
Por que jogou a sua família no lixo por causa de uma ambição?
Por que fez a sua filha sofrer tanto?
Por que manipulou a mulher que jurou, diante de Deus e dos homens, amar e proteger
até os seus últimos dias de vida?
Por quê?
Porém, não consigo.
Não consigo porque sou um idiota. Sempre fui. E uma parte de mim não quer aceitar
que Maxon realmente é tudo o que é. Uma parte minha apenas gostaria de acreditar que meu pai
é um homem justo e honesto.
Quando se dá conta de que não irei dizer nada, ou me mover, ele sinaliza para o guarda
que faz a segurança da porta. Provavelmente dizendo que já quer voltar para a sua cela, mas é
nesse segundo que uma injeção de coragem me toma e eu pego o telefone, vendo-o voltar a
prestar atenção em mim quando ouve a minha respiração forte do outro lado da linha.
Contudo, continuo calado.
Dessa vez, é porque estou com raiva demais para dizer ou fazer qualquer coisa que
poderia muito bem me colocar junto a ele numa cela. É a vontade que tenho; quebrar esse vidro
com as minhas próprias mãos, mesmo sabendo que é quase impossível, e fazer com ele muito
mais do que devem ter feito lá dentro.
Meu sangue corre freneticamente em minhas veias.
Sinto que, nesse instante, seria capaz de matá-lo.
Não pelo que fez comigo. Não por ter destruído a imagem imaculada que sempre tive
dele.
Mas por enterrar os sonhos da minha irmã. Por manipular a minha mãe.
Por ser quem ele é.
Ele não é um Ballard.
Um Ballard é leal. Honesto. Valente. Justo.
Já ele é o completo oposto.
Maxon usou o sobrenome da minha mãe para subir na vida e deve se orgulhar achando
que foi ele a destruí-lo. Mas se essa era a sua intenção, estava muito enganado.
Loren Ballard jamais deixaria o seu sobrenome virar cinzas sem lutar por ele.
— Soube que a sua namoradinha está de volta. — Ele é quem quebra o silêncio.
Até a sua voz está diferente agora. Mais grossa, feia.
Mantenho-me indiferente quando as palavras saem de sua boca, sabendo que Maxon
está falando de Diana. Não entendo o porquê, mas ele me olha como se esperasse que esse fosse
o motivo que me fez vir até aqui.
No entanto, deixo isso para trás, porque a última coisa que eu faria, seria dar mais
munição para ele me achar um idiota.
Maxon foi a primeira pessoa que procurei quando não a encontrei em canto algum. Foi
ele quem me abraçou quando desabei ao me dar conta de que ela havia me deixado. Por todos
esses anos, foi ele quem disse que eu deveria seguir em frente.
Mulher e negócios não andam juntos, a não ser que coloque um anel no dedo delas. Era
o que me dizia o tempo inteiro. Todas elas são traiçoeiras. Algumas mais do que outras.
— Por que quis me ver dessa vez? — rebato ao invés de respondê-lo.
É, no mínimo, curioso que, depois de dez visitas recusando a minha presença, Maxon
agora esteja interessado em me ver.
— Preciso de um favor.
Solto um riso nasalado.
É sério?
— Por que eu faria um favor a você?
— Tem uma caixa no almoxarifado da empresa. Está escondida debaixo de uma das
mesas que tem lá. Preciso que a pegue e queime. Não abra e nem tente saber o que há lá.
O quê?
Quem ele está pensando que é para ditar ordens assim, como se eu fosse cumpri-las
como um servo fiel?
— Vamos recapitular — debocho, sorrindo em escárnio. — Por que eu faria um favor
justamente a você?
É a vez dele sorrir. É sombrio. Convencido. Como se soubesse que conseguirá o que
quer.
— Porque se a encontrarem antes de você, sua mamãe estará muito fodida.
E é aqui que as coisas mudam de perspectiva.
— O que tem nessa caixa?
— Eu já disse. Não tente abri-la. É confidencial.
Minha respiração volta a ser a única coisa audível entre nós.
De repente, me vejo fazendo a mesma pergunta que fiz dias atrás para outra pessoa.
— Você ao menos se arrepende de algo?
— Não fiz nada. — Ele dá de ombros. — Sua mãe fez o que fez com a Kim. E sou
inocente em tudo o que ela está tentando me acusar.
— Não acredito em você.
— Não precisa acreditar — diz, rolando os olhos. Ele está escorado na cadeira, como se
estivesse bastante relaxado com a situação. — Apenas faça o que ordenei.
— E se eu não fizer?
— Alguém a encontrará e, eventualmente, a levará até a mídia e Loren Ballard será
resumida a pó — debocha novamente.
No entanto, de alguma forma que não entendo, não confio em suas palavras.
Por que Maxon faria algo para salvar a pele da minha mãe a essa altura? Depois de ter
fodido com tudo. Algo me diz que essa caixa diz respeito a ele. Mas quero saber mais.
— O que tem nela? — repito, perdendo a paciência.
Contudo, antes que ele possa responder, a sirene toca, indicando que os detentos devem
voltar para as suas alas, e Maxon se levanta imediatamente, mas não solta o telefone. Eu
continuo sentado, estático. Não consigo me mover. Meus músculos estão paralisados.
E isso é simplesmente humilhante.
Porque embora esteja do outro lado do vidro, onde assim que der as costas será tratado
como um bicho selvagem, é Maxon quem parece estar no poder. Me olhando de cima. Encarando
o garotinho idiota que veio visitá-lo cheio de esperanças de encontrá-lo arrependido.
— Por que eu? — pergunto, vendo os outros detentos se afastarem. — Por que quer que
justo eu faça isso?
Seu sorriso me machuca.
É como se uma espada estivesse atravessando o meu estômago.
— Meu filho, você nunca percebeu? — Ri com escárnio. — Você é como um fantoche.
Todos te usam para o que bem entendem e depois te descartam. Basta colocar alguém que ama
na jogada, que você seria capaz de segurar o mundo nas mãos para defender.
Fico sem palavras.
Porque mesmo que doa e seja cruel ouvir isso, Maxon nunca esteve tão certo.
— E, sendo bem sincero, essa é a coisa mais decepcionante em ter te dado a vida.
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?
João e Maria | Chico Buarque
O silêncio tortura.
Dilacera.
Me faz questionar inúmeras coisas.
É assim que me encontro agora, em um maldito silêncio que chega a ser ensurdecedor.
Meus pensamentos se calam e não ouço nada. Nem mesmo o sangue quente causado pela raiva
que corre em minhas veias, juntamente à impotência.
Eu fui ingênuo.
Eu deveria ter desconfiado.
Porra.
Diana está encolhida no sofá como uma concha. Seus braços abraçam as pernas e sua
cabeça está entre elas, o cabelo emaranhado e nenhum movimento. É como se... ela não
respirasse. Como se, nesse momento, ela apenas deixasse de existir.
E isso machuca.
Tudo machuca.
Eu não abri o contrato, no entanto, eu imaginava que poderia ser algo desse tipo, mas
me recusava a acreditar. Preferia que ele tivesse oferecido dinheiro para que ela fosse para longe
de mim, ou que estivesse acobertando alguma merda dos nossos pais.
Mas, porra, isso... isso é desumano.
Meu coração bombeia com força contra a minha garganta, sinto como se ele fosse sair
pela minha boca a qualquer momento.
A sensação que tenho é que o mundo está em pausa e nós três somos os únicos em
consciência.
Movo meu olhar para a minha irmã, que continua encarando-a imóvel, com lágrimas
silenciosas rolando pelo seu rosto, sem saber o que fazer. Assim como eu.
— Di... — a voz de Kim preenche o silêncio da nossa cobertura. — Diana, abra os
olhos, por favor.
Diana balança a cabeça em negação, mas o movimento é tão fraco que só consigo
interpretar por ainda me lembrar de cada movimento que seus cachos faziam a qualquer pequena
ação.
— Eu sinto tudo de novo agora… — ouço o seu murmúrio baixinho, fanho. — Consigo
sentir as mãos em mim… nos meus cabelos, na minha boca…
Kimberly me dá um olhar apavorado, destroçado, e a primeira lágrima escorrega pelo
meu rosto.
Uma lágrima de ódio. Um ódio que jamais poderia ser descrito.
Kimberly odeia o nosso pai com todas as forças e, pelo visto, isso acaba de piorar. E sei
que assim que Diana se acalmar, nós dois iremos conversar sobre isso. Não iremos deixar isso
passar batido.
E é melhor que ele se prepare, pois a cadeia com certeza não foi a pior coisa que lhe
aconteceu.
Caminho rapidamente até onde elas estão, caindo de joelhos em frente à Diana. É
simplesmente assustador vê-la desse jeito, presa em sua mente, encolhida dessa forma e
sentindo-se suja.
— Diana… linda — chamo-a, tentando suavizar o máximo que consigo o meu tom,
porém o nó na minha garganta dificulta isso. — Olhe para mim, ok? — sussurro tão baixo que
mal escuto a minha própria voz. — Está tudo bem. Você está aqui, com a gente, e está segura.
Você sempre vai estar segura comigo, amor.
Eu prometo.
Eu sinto.
Eu me quebro.
— Não está… — ela soluça, finalmente levantando o rosto para mim.
Há tanta dor ali que todo o meu coração estilhaça.
Não há fingimento, nós estamos abaixando tudo.
As máscaras.
O ódio.
O desprezo.
Nesse momento, nós somos a verdade mais pura e intrínseca.
— Ele me disse para ficar quieta e eu… eu não… Dói, Ky… Tudo em mim dói ao
lembrar.
Meu peito se aperta.
Queria poder tirar a tristeza e o vazio que seus olhos carregam.
Queria poder tirar qualquer resquício de sofrimento que está enraizado nela.
Queria tudo. Mas não sei como.
— Vou te pegar no colo, tudo bem? — aviso, me levantando. — Aqui nada vai te
machucar.
Estando comigo nada vai te machucar, porque eu não permitirei.
Diana assente lentamente e eu respiro fundo, passando meus braços por debaixo das
suas pernas. Ela esconde o rosto em meu pescoço e, sem pensar, beijo a sua testa.
— Eu vou… — Kim se levanta com uma expressão tão desolada que também faz doer o
meu coração. — Vou ligar para a mamãe.
— E para o Asher — eu digo, segurando Diana com mais força. — Não quero que fique
sozinha enquanto cuido dela.
Kimberly e eu trocamos um olhar significativo.
Ela me conhece, mas eu também a conheço e sei que a sua cabeça está projetando mil
cenários diferentes agora.
— Vou ligar para eles. — Ela assente, amuada. — Me chame se precisar de qualquer
coisa, Ky.
Eu assinto, dando-lhe um pequeno sorriso, tentando dizer através dele que tudo irá ficar
bem. Eu apenas não sei como ou quando. Mas irá.
Caminho com Diana pelo corredor em direção ao meu quarto e não paro até chegar no
meu banheiro, porém, quando ameaço colocá-la no chão, ela me agarra com mais força,
murmurando e balançando a cabeça de um lado para o outro repetidas vezes.
— Não me solte, por favor, não me solte.
— Ei, eu não vou a lugar nenhum, minha bússola — digo, engolindo em seco. — Vou
cuidar de você, Diana. Só preciso de um instante para arrumar tudo, ok? Prometo que não vou
sair de perto.
Diana levanta o rosto e vejo a profundidade dos seus olhos castanhos.
Dor.
Vergonha.
Fragilidade.
É tudo o que vejo neles agora.
Ela foi tão forte sozinha, sem mim, e eu queria estar com ela naquele momento, para ser
seu suporte, eu realmente estaria ao seu lado. Mas, por conta do seu medo, eu não fui confiável.
E constatar isso é como uma estaca sendo fincada lentamente em mim, me perfurando
mais e mais a cada segundo.
Ela concorda com um aceno fraco e eu a coloco de volta no chão, segurando-a por mais
um momento, com medo de que seus joelhos cedessem e ela desabe ainda mais.
— Foi na noite do aniversário da Ballard — diz baixinho enquanto deslizo os dedos
abertos em seu cabelo, desfazendo os nós que se formaram. — Kim, você e eu tínhamos roubado
algumas garrafas de vinho para bebermos no jardim — sua voz vai diminuindo a cada palavra.
— Nós rimos tanto naquela noite…
Sim, eu lembro.
Como poderia esquecer? Diana e Kimberly estavam radiantes de tão alegres – um pouco
influenciadas pelo álcool, mas ainda sim, radiantes, alegres e falando pelos cotovelos.
— Estou ouvindo. — Beijo o seu ombro e volto a abraçá-la, caminhando com ela de
costas até o box.
— Nós nos despedimos no corredor, você lembra? — pergunta baixinho. — Você me
deu um beijo e desejou que eu sonhasse com você.
— Eu lembro — sussurro, sentindo meus olhos arderem pela vontade de chorar. —
Você não precisa continuar, minha bússola. Você não precisa se quebrar mais. Eu estou aqui. Eu
sempre estarei.
Diana suspira, fazendo um barulho estranho soar por causa do nariz entupido.
— Alguns minutos depois que deitei, alguém entrou no meu quarto. — Ela se afasta de
mim, mas não encara os meus olhos enquanto tiro a camiseta e ligo o chuveiro. — Achei que era
você, pensei que não queria dormir sozinho. Eu estava com muito sono e um pouco bêbada… —
Fecha os olhos e sei que a água escorrendo pelas suas bochechas não é do chuveiro, e sim suas
lágrimas. — Mas não era você, Ky… Era o seu pai.
Nos próximos segundos, tudo o que escuto são as nossas respirações e o som das gotas
caindo no chão.
Porque eu não consigo abrir a boca e ela parece estar relembrando a situação. E tudo o
que eu consigo sentir é a impotência de não poder fazer nada a respeito. Não faço ideia de como
consolá-la ou do que fazer daqui em diante para mudar essa circunstância.
— Não precisa continuar…
— Eu senti as mãos dele nas minhas pernas — me interrompeu. Então, mantive meu
foco nela, mostrando que poderia continuar e tinha a minha atenção. — Depois, quando senti o
aperto no meu peito, eu vi que era ele. — Diana começa a chorar novamente e eu a puxo para
mim, não aguentando mais tê-la longe. — Os sons que Maxon fazia enquanto eu me debatia era
como um garfo arranhando uma louça. As mãos dele em mim eram como garras rasgando a
minha pele.
— Bússola…
— Ele colocou a mão na minha boca, disse que se eu ficasse quieta, ele não te contaria
que fui eu quem o provoquei. Maxon tentou tirar o meu pijama, ele me tocou… me tocou lá… e
eu me senti tão suja. Tão idiota.
— Não foi sua culpa, linda.
— Eu ainda lembro dos sons. — Quando as palavras saem de sua boca, todo o seu corpo
treme em agonia. — Ainda consigo lembrar tudo que senti. E é muito ruim não conseguir tirar
isso de vez da minha cabeça. Eu deveria ter trancado a porta, eu deveria ter usado uma outra
roupa naquela noite…
— Diana, não foi sua culpa.
— Se eu não tivesse bebido tanto… — continua divagando, como se nem mesmo
estivesse me ouvindo. — Se eu…
Aperto sua mão duas vezes da forma mais delicada que consigo, fazendo com que se
sobressalte e finalmente seus olhos vermelhos e dolorosos me encaram.
— Não foi sua culpa, entendeu? — Engulo em seco. — E eu vou repetir isso quantas
vezes precisar. Não foi sua culpa. E ele vai pagar por tudo isso.
E então, ela desaba.
Diana chora contra o meu peito, me batendo com os punhos fechados, tentando colocar
para fora tudo o que dói. E eu recebo cada estigma da sua dor.
Eu sinto no fundo da minha alma.
O quanto foi humilhada.
O quanto foi julgada.
O quando se sentiu perdida.
O quanto doeu se afastar de Kim e eu.
Eu sinto o quanto ela perdeu, por todos esses anos.
E penso nas noites que eu passei a odiando. Julgando. Procurando o motivo para ela ter
ido embora, quando ele estava bem debaixo do meu nariz a porra do tempo todo. Respirando o
mesmo ar que eu. Tentando me convencer a seguir uma carreira no Direito, sendo o meu herói.
Eu sinto tudo.
Mas ao mesmo tempo não sinto nada.
Me sinto vazio.
Oco.
É como se eu fosse inútil, imprestável.
Porque eu permiti que ele machucasse a minha mãe.
Permiti que ele machucasse a minha irmã.
Permiti que me manipulasse.
E não vou mais permitir.
O fio de esperança que me ligava a ele acaba de se romper.
Maxon me acha um garoto tolo por proteger quem eu amo, mas, a partir desse segundo,
irei lhe dar plena certeza disso. Ele vai experimentar o gosto amargo de ter feito as três sofrerem.
Ele desejará nunca ter feito o que fez.
Quando percebo que os punhos cerrados dela perderam a força, eu a abraço ainda mais
apertado, paralisando seus movimentos, fazendo com que seu corpo se una ao meu para que,
dessa forma, consiga sentir algo além do que está sentindo.
Sinta que estou aqui.
Sinta que eu estou presente para ela.
Diana balança a cabeça de um lado para o outro, chorando e soluçando, seu peito
subindo e descendo depressa.
Aperto-a contra o meu, beijando a sua têmpora e tentando mantê-la com os olhos
abertos. Respirando fundo e pedindo para que ela repita o movimento, mas é como se ela
simplesmente não estivesse me ouvindo.
A água cai em sua cabeça cabisbaixa, dando-me um aperto quase insuportável.
É a coisa mais triste que já vi.
É como se ela estivesse em derrocada, caindo em queda livre sem nada para ampará-la.
— Diana… — eu a chamo, no entanto, as palavras ficam presas junto ao nó que se
forma em minha garganta. — Do que você precisa?
Sua resposta é certeira e dolorosa.
— De você.
Ao mesmo tempo que meu coração agita dentro da minha caixa torácica, certa culpa me
consome, ao lembrar de como a tenho tratado por todos esses anos — dentro e fora da minha
cabeça.
— Eu… eu disse coisas ruins. Eu… deixei você ir. Eu te magoei.
— Não me importo. Preciso de você.
E então, eu respiro um ar novo.
É um ar de… liberdade.
Ouvi-la falar isso é como se tirasse ao menos um pouco do peso do meu peito.
E aí que me dou conta de que estou dentro do box com Diana. Que estou deixando a
água encharcar a camiseta que ela veste. Que ela está aqui comigo. A minha Diana. Minha
bússola.
Deixo que ela se agarre ao meu corpo com força e colo as nossas testas.
Nesse momento, é como se Diana precisasse me ter por perto para respirar, e se é disso
que precisa, é o que lhe dou. Deixo com que o silêncio seja a única coisa presente entre nós
porque agora, tudo o que sei é que preciso que ela fique bem.
Não faço ideia de quanto tempo se passa enquanto continuamos assim, com a minha
cabeça tombada em direção à sua e minhas mãos segurando a sua cintura, no entanto, tudo dentro
de mim termina de desabar quando ouço o seu fungar e constato que ela ainda está chorando.
Arrasto o meu polegar para cima e para baixo em sua lombar, querendo que ela saiba
que estou aqui. Isso parece fazê-la relaxar, já que a tensão em seus ombros parece diminuir um
pouco à medida que as minhas mãos sobem e descem.
— Sei que me odeia — seu sussurro é capaz de me ferir. — Sei que não sou o que você
desejava que eu fosse — diz baixinho. — Mas… por favor, finja que me ama. Apenas hoje.
Apenas essa noite. Eu preciso disso agora, preciso de você.
É notável o quanto de esforço usa para pronunciar as palavras.
É dilacerante o quanto elas conseguem me fazer sentir.
É como se houvesse uma espada me rasgando de dentro para fora.
Dói.
Machuca.
Porque Diana Barker pode ser tudo, menos algo que eu não deseje com todas as minhas
forças. Um exemplo disso, é que enquanto estivemos juntos, nunca me senti tão feliz. Tia Liane
nunca esteve tão certa quando dizia que eu arrastaria a lua por Diana.
Eu faria qualquer coisa por ela. Moveria a porra dos céus se possível.
— Você sempre foi o meu maior desejo — digo.
— Não precisa dizer nada — replica. — Não precisa justificar ou mentir. Preciso apenas
que fique.
— Não estou mentindo — repito, erguendo o seu queixo com cuidado. — Você sempre
foi a minha bússola, Diana.
Seus olhos se abrem e eu contemplo a tristeza que há neles. Estão escuros, sem brilho,
mas me encaram como se tentasse, com todas as forças, acreditar em minhas palavras.
— Você é tudo o que eu desejava naquela época e é tudo o que eu desejo agora —
repito.
Sua mão se ergue até o meu rosto, a palma delicada cobrindo a minha bochecha. Há
tanta ternura em seu toque e na forma como me encara nesse momento, que apenas então me dou
conta.
Eu deveria ter lutado por ela.
Ainda que o mundo caísse sobre os nossos pés, eu deveria ter insistido e lutado por nós.
De relance, noto o fio vermelho que adorna o seu pulso.
A bússola.
A bússola que eu mesmo fiz e a presenteei depois que me contou as histórias sobre os
piratas pela primeira vez.
Ela ainda a tem. Ainda a usa.
E isso não deveria, mas me deixa feliz. Achei que havia jogado fora, como uma forma
de me esquecer ou se livrar da constante lembrança que a minha presença poderia causar.
Me deixa feliz o fato de saber que não fui o único que pensou em nós durante todo esse
tempo, mesmo que seja um pouco egoísta da minha parte pensar dessa forma. Porém, não me
sinto culpado por isso.
— Vamos sair daqui, sim? — pergunto suavemente.
Ela se inclina na direção oposta, fazendo com que a sua mão saia do meu rosto, e
desliga o chuveiro. Não dou a oportunidade para que se mova e a pego no colo outra vez, saindo
do box e a colocando de pé no tapete, onde não há risco de escorregar e cair.
Abro o botão da minha calça molhada com dificuldade, e assim que me livro dela,
enrolo uma das toalhas na cintura, por cima da cueca. Diana apenas me encara enquanto caminho
até o armário da pia e tiro de lá uma toalha limpa, a entregando.
— Irei pegar roupas limpas, ok? Não vou te deixar sozinha.
Ela apenas assente.
Caminho do banheiro em direção ao closet, tirando a cueca molhada, substituindo-a por
outra e vestindo um conjunto de moletom cinza. Pego uma camiseta para ela, mas no instante em
que passo pela porta do closet, noto que há um par de roupas em cima da cama e imagino que
Kim tenha sido a responsável por isso.
Bato na porta do banheiro e coloco a mão para dentro, entregando-lhe as roupas e me
sentando na cama para esperá-la, que não demora a sair.
Diana para assim que atravessa o batente e me encara, os olhos ainda vermelhos e
inchados, como se não soubesse o que fazer. Tiro o edredom grosso de cima da cama e dou
algumas batidinhas no lugar, em um claro convite para se deitar, o que ela faz sem pensar muito.
— Você pode vir, se quiser — diz quando percebe que continuo apenas sentado,
encarando-a.
E é o que faço.
Me deito ao seu lado oposto, nossos rostos de frente um para o outro demonstrando a
vulnerabilidade desse momento. É quando as suas palavras voltam à minha mente.
Finja que me ama.
Eu não posso, Di.
Não posso fingir te amar porque te amar é a única coisa que sei fazer desde que te vi
pela primeira vez.
Não posso fingir amá-la porque esse é o único acerto da minha vida.
É a minha única certeza: não importa os anos, a distância ou qualquer ódio fingido,
amar Diana sempre será a minha melhor escolha.
Decido não me aproximar muito para não deixá-la desconfortável, por isso me
surpreendo quando ela o faz, jogando uma das pernas por cima da minha barriga e enfiando o
rosto em meu pescoço, respirando profundamente.
Suspiro, um pouco aliviado.
Meus dedos se entranham em seus cabelos com carinho e eu beijo sua testa antes de
começar a acariciar as suas costas.
— O que vai fazer?
— Cuidar de você.
Te amar.
Te proteger.
Te mostrar que nunca mais te deixaria ir para longe de mim, mesmo que para isso, eu
precise enfrentar o inferno.
— Quando você dormir, posso ir para o seu quarto.
— Não — sua voz sonolenta é dita entre as minhas carícias em seus cabelos. — Não vá.
Fique aqui.
E é isso o que eu faço.
Até perceber que finalmente pegou no sono.
Depois disso, eu me levanto da cama sem acordá-la e saio decidido do quarto.
Maxon irá pagar por todo o mal que fez.
E se alguém machucar você, eu quero brigar
Mas minhas mãos foram quebradas muitas vezes
Por isso eu usarei minha voz, serei rude pra caralho
Palavras, elas sempre ganham, mas eu sei que vou perder
Another Love | Tom Odell
— Não quero que brigue com ninguém por minha causa — é a primeira coisa que diz.
Sua voz quebra o silêncio da madrugada quando chegamos ao terraço e ela para à minha
frente, de braços cruzados.
Suspiro.
— O que ouviu?
— Tudo — responde, direta. — Acordei assim que se levantou.
— Estava indo atrás de mim? — brinco, tentando desfazer seu biquinho choroso.
— Sim. — Sua resposta me faz sorrir, ainda que seja um sorriso fraco. — Mas não
gostei de te ver falando daquele jeito com a sua mãe.
— Não tem noção das coisas que eu faria por você, não é?
Diana fica quieta por um tempo, apenas me analisando. Seus olhos se mantêm nos meus
como se procurasse por respostas neles, até que suspira e se vira de costas para mim, mas ainda
se mantendo próxima.
— Até essa manhã, você me odiava.
— Nunca te odiei.
Ela estala a língua.
— Conta outra — rebate e posso apostar que está revirando os olhos nesse momento.
— Não quero discutir.
— Nem eu — diz baixinho. — Estou cansada de brigar.
— Eu sei — concordo, porque não há mais o que discutir. Não há nada que possamos
fazer para mudar o passado. — Eu também.
O silêncio toma conta de nós até que ela o quebra novamente.
— Ky?
— Sim.
— Quero te contar tudo o que aconteceu depois que ele entrou no quarto — diz, seus
ombros tensionando apesar da firmeza em sua voz. — Se quiser ouvir.
— Eu quero — me apresso em dizer. — Quero ouvir tudo o que quiser me contar.
Diana continua com os braços cruzados e seus ombros tremem levemente. Sinto vontade
de abraçá-la, no entanto, sei que não posso fazer isso agora. Esse momento é dela, a tocarei
apenas se e quando ela quiser.
— Eu o mordi quando percebi o que estava acontecendo e ele chiou, me dando um tapa
na coxa. Minha mãe estava passando em frente ao meu quarto naquele momento e entrou por
causa do barulho, porém ele já não estava mais em cima de mim. Ela mal conseguia respirar
quando me viu encolhida, chorando e com medo. Foi quando ele começou a deturpar toda a
história, dizendo que eu o chamei para o quarto e estava tentando seduzi-lo.
“Mamãe não acreditou e o mandou sair do quarto. Ela me acalmou depois e ficamos
acordadas juntas. Eu fiquei paralisada e sentindo muito nojo dele. E de mim também. Passei
metade daquela madrugada debaixo do chuveiro tentando tirar aquela sensação de mim. Mas
parecia que quanto mais eu esfregava, mais revivia aquele momento.
No dia seguinte, antes que minha mãe ou eu pudéssemos falar com Loren e explicar a
situação, Maxon apareceu com o contrato e praticamente nos arrastou para o escritório. Nos
ameaçou sobre o meu pai e… alguns favores que ele o devia antes de morrer e disse que poderia
acabar nos colocando na rua. Ele disse que você jamais acreditaria em mim e… eu acreditei.”
Fecho os olhos com força, deixando que as minhas lágrimas caiam. Penso no quanto era
idiota. No quanto a admiração que eu tinha pelo homem que achava ser íntegro apenas piorou
tudo.
— Você o venerava e falava dele como uma referência de vida e, até ali, ele era. Mamãe
não queria que eu assinasse, porém eu não quis ouvi-la. Assinei sem pensar duas vezes, porque
não queria colocar a minha honra e nem a dos meus pais em risco. Não queria pagar para vê-lo
nos destruir ou para que fizesse você ou Kim pensar que eu realmente quis dormir com ele —
Diana suspira, sua voz vacilando vez ou outra. — Ainda fiquei algumas semanas lá, fazendo o
possível para que vocês não percebessem que havia algo de errado e tentando digerir o que tinha
acontecido, além de lidar com a presença constante dele, que parecia nos vigiar a cada passo,
como se estivesse se certificando de que cumpriríamos o combinado.
“Até que se tornou insuportável. Eu não iria conseguir manter essa sujeira escondida de
vocês. Minha mãe decidiu que era melhor irmos embora e isso me pareceu menos assustador do
que lidar com a realidade. Meu tio Igor comprou as nossas passagens e fomos. Mamãe queria
que eu contasse para vocês, mas eu não podia. Aquele contrato é milionário e o dinheiro que meu
pai nos deixou não cobriria um terço, além disso, meu tio estava fazendo demais por nós para
que nos aproveitássemos dele assim. Eu também não queria arriscar e ver o nojo no rosto de
vocês. Não queria que me vissem suja daquela forma. Mamãe sugeriu que eu, ao menos, me
despedisse, mas não conseguiria fazer isso do jeito certo.”
— Então foi embora sem nos contar — conclui por ela.
— Fui — diz, a voz quebradiça. — E não menti para você quando disse que o meu
único arrependimento era não ter ido embora antes.
O peso das suas palavras desde o instante em que abri a porta e a ouvi contar para Kim,
a forma com que ela ficou no chuveiro, a maneira como conta tudo com riqueza de detalhes…
Dói.
Machuca.
É como se estilhaços de vidro estivessem perfurando a minha pele.
E isso me faz ficar em silêncio por um longo tempo.
Tentando engolir a raiva.
Tentando não fazer besteira.
Tentando controlar o ódio que toma a minha mente.
— Está com raiva — ela deduz, ainda de costas para mim.
— Não de você — respondo, sem desmenti-la. — Estou com raiva de não ter notado os
sinais.
— Não teria como.
— Teria, sim. Eu sempre estive preocupado demais comigo mesmo e esqueci de olhar
nos arredores.
— Não é culpa sua.
— Nem sua — rebate.
Diana dá um passo para trás, colando nossos corpos. Tiro a mão dos bolsos, abraçando-a
com força, como se isso fosse o bastante para mantê-la colada em mim para sempre.
— Eu tive medo.
— De quê?
— Do que você pensaria de mim quando contasse. Não queria que sentisse pena ou
nojo.
— Isso jamais aconteceria. Eu jamais pensaria mal de você.
— Você disse coisas…
— Eu não sabia, amor — digo, envergonhado. — Desculpa por isso, se eu ao menos
fizesse ideia do que aconteceu, nunca teria te tratado da forma como tratei.
— Tudo bem. Não teria como adivinhar.
— O que você fez? — pergunto quando o assunto morre. — O que fez para me
esquecer?
— Não esqueci — diz. — E você?
— Nem tentei — admito.
E é verdade.
Eu nutri ódio e raiva.
Eu nunca entendi o motivo de ela ter ido embora até hoje.
Eu me senti traído.
Mas nunca tentei esquecê-la.
Nunca o fiz porque Diana era e ainda é um pedaço de mim que não desejo me livrar ou
esquecer, mesmo que tivéssemos motivos para nos odiar de verdade.
— Eu amava você — digo, suspirando. — Nunca tentaria te esquecer.
Uma das mãos dela segura meu braço, que está a abraçando, e ela inclina a cabeça para
cima, me olhando com os olhos ainda molhados.
— Não ama mais?
Sinto minhas bochechas esquentarem.
É claro que amo.
É claro que nunca a esqueci.
É claro que nunca deixei de pensar nela.
Mas não acho que seja o momento de dizer isso em voz alta.
Ainda é um momento delicado. Não quero deixá-la confusa.
— Não foi o que eu quis dizer.
Ela volta a olhar para o horizonte, que já começa a raiar o sol.
— Às vezes — ela começa, estremecendo com a rajada de vento que nos atinge e se
aconchega mais em mim. — Eu acho que poderia ter evitado aquela situação.
Suspiro, pesaroso.
— Não foi sua culpa.
— É claro que foi, eu poderia…
— Não foi sua culpa, bússola.
Seus ombros estremecem.
— Repete.
Sei que palavras não são o bastante, mas não tenho problema nenhum em reforçá-las e
prometer a mim mesmo que darei o meu máximo para que ela nunca se sinta culpada por um erro
que não foi dela.
— Não foi sua culpa. — Trago-a para mais perto. — Não foi sua culpa. Ele te tirou
algo, não foi sua culpa. Ele te manipulou. Não foi sua culpa.
— Eu estava vestindo uma roupa muito curta.
— Não foi sua culpa.
Diana se vira em meus braços, ficando de frente para mim e enfiando o rosto em meu
peito para me abraçar com ainda mais força.
Me sinto em casa.
— Obrigada, Ky.
Estava um pouco perdido, mas não estou mais
Estava um pouco magoado, mas não estou mais
Fiquei um pouco de fora, mas não estou mais
Porque as lágrimas caíram, mas elas não caem mais
Estava um pouco confuso, mas não estou mais
Estava um pouco sem sorte, mas não estou mais
Estava um pouco distante, mas não estou mais
Sim, está tudo bem agora, meu bem, eu tenho a cura
The Cure | Little Mix
— Kyle! — o grito me faz olhar para trás na mesma hora e um sorriso brota em meu rosto
quando vejo Diana correndo em minha direção, vestindo a minha camiseta.
— Oi, linda — respondo, me afastando do restante da equipe. — Vai conseguir ficar para
o jogo?
Ela murcha um pouco.
— Não — responde. — Preciso cobrir a outra estagiária, lembra? — Assinto, mesmo a
contragosto. — Mas vou assistir pela transmissão. Vim só te entregar isso.
Diana tira um fio vermelho do bolso, com uma pequena bússola dourada no meio,
chamando a minha atenção, e rapidamente noto que é uma pulseira. No entanto, vejo que a sua
ainda está em seu pulso.
— Onde conseguiu essa?
— Eu fiz para você.
Meu sorriso se estende e posso jurar que ela está corada agora.
— Quando teve tempo para isso?
Diana revira os olhos.
— Quer me ouvir dizer com todas as letras, não é? — pergunta e eu prontamente assinto.
— Estou guardando há uns bons anos.
— Eu sabia — respondo de volta, convencido. — Bom, de qualquer forma, esse é o
momento certo, estou mesmo precisando de sorte.
Estendo a minha mão esquerda para ela, que segura meu pulso, amarrando-o com cuidado.
Diana continua concentrada em amarrar o fio enquanto a minha atenção se detém nela, na forma
delicada com que me toca.
É como se esse pequeno gesto tivesse causado um alvoroço no meu peito.
Como tudo o que ela faz.
— Pronto — diz, mas eu ainda continuo encarando-a. — Ky?
Pisco, voltando à realidade.
— Eu amei. Obrigado, bússola — digo baixinho, engolindo a minha emoção.
Diana fica na ponta dos pés para me abraçar, envolvendo meus ombros enquanto
praticamente a tiro do chão.
— Boa sorte no jogo.
Eu sorrio contra a sua pele.
— Minha sorte é você.
Ela se afasta um pouco para olhar em meus olhos e eu continuo segurando a sua cintura
com firmeza, lhe dando estabilidade. Quando nossos olhares se encontram, uma calmaria se
instala no meu peito e me sinto invencível.
Minha sorte sempre foi ela.
— Kyle — ouço Brandon me chamar. — Vamos!
— Preciso ir — digo, apesar de não querer. — Te vejo em casa?
— Combinei de sair com as meninas, nos vemos amanhã. Provavelmente irei chegar
tarde.
— Mia te falou sobre a ideia de irmos para a casa dela em Baltimore amanhã?
Diana assente.
— Parece que você vai precisar me dar uma carona.
Suspiro dramaticamente.
— O que eu não faço por você?
— Anda logo. — Ela me empurra em direção à quadra.
Ainda estou sorrindo quando me viro e sigo Brandon para ouvirmos o pequeno discurso
que o treinador sempre faz antes dos jogos, o qual já decorei. Não demora até que precisamos
entrar em quadra.
Quando sinto o piso resistente sob os meus tênis e os sons ecoando pela arena, acontece.
O mundo fica em silêncio, embora a arquibancada esteja vibrando pela nossa entrada.
Esqueço da dor, da raiva e do ódio.
Esqueço tudo o que aconteceu até chegar o dia de hoje.
O basquete sempre foi a minha válvula de escape.
Sempre que eu precisava do silêncio e da solidão, era por ele que eu buscava.
Dentro de quadra, tudo o que a minha mente consegue focar, é em vencer.
Kimberly sempre diz que sou um péssimo perdedor, e é verdade. Eu odeio perder. Mais
do que isso, não gosto da sensação de derrota. O basquete é a minha coisa e é por isso que
preciso ser excelente.
— É melhor vocês me entregarem o seu máximo — ouço a voz do treinador ecoar em
minha mente à medida que vamos nos ajeitando em nossas devidas posições.
Estamos na segunda semana do March Madness. São três finais de semana intensos em
que os times universitários colocam o seu talento à prova.
Quem perde, está fora. É simples.
Fomos o time que estreou o campeonato esse ano e parece que disciplina realmente vence
talento porque todo o nosso esforço em jogos anteriores até mostrar que éramos capazes de
estarmos aqui está cooperando para a nossa vitória na semana que vem.
Mal vejo a hora de podermos levantar essa taça e irmos para o Campeonato da NCAA[12].
E é apenas por isso que bloqueio qualquer tipo de pensamento sobre o que vem
acontecendo nas últimas semanas – principalmente na noite anterior –, ainda que seja difícil lutar
contra isso.
Quando fecho os olhos para a minha prece, como faço em todos os jogos, são os olhos da
minha bússola que eu vejo.
É o meu rumo quem sorri e diz que tudo dará certo. É apenas mais um jogo.
Meus olhos focam em uma das câmeras presente na quadra, esperando que ela esteja
realmente assistindo e é apenas o que faço: encaro-a. Porque sei que com ela torcendo por mim,
esse jogo já está ganho.
Mesmo que o resultado seja negativo, com Diana por perto, eu já ganhei tudo o que
queria.
Então, o árbitro sopra o apito e o jogo começa.
Assim que a bola é lançada para o alto para definir quem detém a sua posse, Hector salta,
tentando alcançá-la antes do nosso oponente.
E ele consegue.
Em um piscar de olhos, toda a movimentação do jogo muda quando Hector a lança para
Brandon, que em seguida arremessa para mim, e nossos passes começam. Ergo meu braço,
observando Duke, nosso ala-pivô, o mais próximo de mim, e então lanço a bola em sua direção
antes de começarmos a correr pela quadra, driblando e procurando uma abertura na defesa de
Harvard.
Consigo sentir a adrenalina pulsar em minhas veias conforme nos aproximamos da cesta.
Duke arremessa para Brandon e ele se vira em minha direção, jogando para mim, contudo, antes
que eu possa acertar a cesta, a defesa adversária me intercepta, conseguindo a posse da bola.
Porém, eles não conseguem mantê-la por muito tempo, porque Asher a toma de volta,
arremessando para Duke, o mais rápido entre nós. Ele a joga para Brandon, que passa para
Hector, marcando a nossa primeira cesta de três pontos.
Os gritos em comemoração são audíveis em toda a quadra enquanto o meu peito retumba
com força. E, porra, é emocionante demais sentir que estamos conseguindo.
A defesa do outro time se aproxima quando recebo a bola, tento driblá-los, mas estou
encurralado quando o pivô de Harvard tomba seu ombro no meu com força, me desequilibrando
e quase me levando ao chão. Preciso usar todo o meu autocontrole para não partir para cima dele
quando isso acontece e respiro fundo quando o árbitro sinaliza a falta.
Volto para a minha posição na quadra quando Asher assume o arremesso pela lateral da
quadra[13]. Recebo a bola novamente, quicando-a três vezes no chão antes de arremessar para
Brandon e me movimentar em direção à cesta, vendo a bola ir para Hector agora e então, está em
minhas mãos novamente. Canalizo toda a raiva que venho sentindo nos últimos dias em acertar
aquela cesta bem diante de mim.
O basquete é o meu sonho. Mas também o meu escape. E acho que essa é a coisa mais
foda que há em querer trabalhar com o que se ama. Encontrar nisso um motivo para me expressar
e direcionar tudo o que me atormenta.
É com esse pensamento que salto, lançando a bola com tanta força em direção ao meu
alvo que minhas mãos chegam a formigar enquanto ela voa em sentido à cesta.
E tudo paralisa.
É como se o mundo ficasse em câmera lenta à medida que meus olhos acompanham a
bola girar, girar, e atravessar o aro, fazendo o barulho seco ao bater no chão com força. A
multidão irrompe em aplausos, ecoando os gritos de incentivo pela quadra.
7X2.
O primeiro tempo acaba e minha atenção se volta para o meu pulso e beijo o fio vermelho
em um movimento automático, mal percebendo quando o faço. Ainda estou com raiva de tudo o
que lhe aconteceu, mas quero fazer desse, um bom jogo, porque sei que está me assistindo e isso,
por si só, já é motivo o suficiente para que eu jogue bem.
O segundo período logo começa, um pouco mais difícil dessa vez, porque Harvard
começa a investir mais no ataque. Porém, isso não é o suficiente para nos parar, já que nós cinco
estamos em sincronia e o time adversário não consegue ser bom o suficiente para segurar as
nossas jogadas. Por isso, terminamos mais um tempo na frente com o placar de 22X9.
No terceiro, conseguimos uma vantagem ainda maior, finalizando com 37x15.
E enquanto driblo e me movo pela quadra, junto aos meus companheiros de equipe no
quarto e último período, com o placar a nosso favor, sei que esse é o lugar onde pertenço,
ouvindo as comemorações da nossa vitória quando o árbitro apita e todos festejam o nosso
triunfo.
Porém, tendo a absoluta certeza de que não importa o resultado, os olhos da minha bússola
sempre serão o meu guia.
E eu quero acreditar que foi melhor pra mim
Você vai fingir que os astros têm razão
Talvez nosso crime seja a solidão
Talvez nossa sorte
E se o nosso romance tocasse no rádio?
E se o noticiário falasse de nós?
E se o resto da vida estivesse a um passo daqui?
E se hoje pudesse ser quando eu te encontro?
O começo de tudo
Tenta Acreditar | Anavitória
— Agora Kyle tem me tratado como se eu fosse quebrar a qualquer instante — suspiro,
terminando o meu monólogo enquanto brinco com a borda da minha garrafa de cerveja. — E não
consigo fazê-lo entender que não vou.
Mia usa seus dedos para traçar círculos invisíveis no dorso da minha outra mão, como se
tentasse me acalmar com o ato. Não sei dizer se funciona, mas me dá uma sensação muito boa.
Ela não é exatamente o tipo de garota que eu faria amizade na infância. Mia não se parece
nem um pouco comigo e Kimberly, e acho que isso acaba sendo um ponto positivo e engraçado,
porque enquanto nós duas soltamos um palavrão a cada cinco palavras, a loira é um doce de
pessoa, embora seja mandona e, por vezes, irritante pelo fato de estar sempre certa.
Também não dá para negar o quanto é mimada por todos, tanto por seu namorado quanto
por Kyle, e até mesmo Asher e Kim a tratam como uma princesa. Eu acho que tem algo a ver
com os seus olhos e a forma como eles parecem te convencer a ter tudo o que querem, quando
querem. E isso me faz admirá-la ainda mais.
E, é claro, tem o fato de que, em cinco minutos, a loirinha se torna a pessoa mais confiável
do mundo. Foi por isso que não me senti acuada quando chegamos aqui e eu a contei, mesmo
que brevemente, sobre o que aconteceu no passado.
Foi difícil contar para Kimberly e Kyle porque tinha medo de quais seriam as suas
reações, contudo, não é como se eu tivesse medo ou vergonha de pronunciar as palavras em voz
alta – embora esses momentos existam e aconteçam com mais frequência do que eu gostaria. No
entanto, ainda não superei essa situação em todos os sentidos.
Eu não superei, mas aprendi a conviver com ela. E acho que, no fundo, é assim que os
traumas funcionam.
Não os esquecemos. Apenas aprendemos a lidar com eles de uma forma que não os
deixem tomar conta das nossas vidas.
E foi isso que fiz.
Eu penso naquela noite com frequência, mas não deixo que isso guie a minha vida. Eu me
tornei muito mais forte do que aquilo.
Eu sou forte.
— Eu não preciso que ele me diga para saber que, se você quebrar, ele também quebra,
Di. — A loirinha sorri, mesmo que seus olhos estejam tristes desde que contei para ela. —
Talvez ele só esteja com medo.
Suspiro.
— Eu sei — concordo, levando a garrafa aos lábios antes de continuar. — Mas… sei lá, é
tão estranho perceber que Kyle parece estar pisando em ovos ao meu redor.
— Meu irmão pode não saber demonstrar muito bem o que sente, Di — Kim diz,
concordando com Mia. — Mas, acredite em mim, você sempre foi e continua sendo tudo para
ele, mesmo após todos esses anos.
Um pequeno sorriso brota em meus lábios sem que eu ao menos perceba.
— E, pelo visto, aconteceu o mesmo com você — Mia brinca, empurrando meu ombro
com o seu.
— Isso é apenas fingimento, todos sabem que a Ballard favorita da Diana sou eu.
— O seu ego é realmente impressionante — brinco.
— Não contei nenhuma mentira — Kim continua com um sorriso convencido no rosto.
— E por que não deixamos esses assuntos para depois e experimentamos esses drinks
esquisitos que certamente irão nos derrubar na primeira dose? — a loira pergunta, apontando
para as bebidas dispostas no balcão. — E, Diana, não fique triste, eu darei um jeito.
— Como? — Kim e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Ela estala a língua, dando um gole nada generoso em um drink roxo.
— Vocês precisam ler mais romances.
— Já conheci o meu príncipe encantado, obrigada. — Roubo uma batatinha de Kim. —
Na verdade, ele está mais para o cavalo do príncipe.
— Diana! — Kimberly engasga.
— O quê? — rebato. — Seu irmão é o próprio Shrek quando está inspirado.
— Disso, eu sei. — Ela dá de ombros. — Estou falando sobre as minhas batatas. Peça as
suas.
— Continua egoísta quando se trata de comida — resmungo.
— Ah, você não tem ideia — a loira se intromete. — Brandon e ela vivem em pé de
guerra por causa de chocolates.
— Porque ele tenta roubar a minha comida para você! — Kim se indigna. — E é você
quem briga por torta de maracujá como uma doida.
— Eu não tenho culpa se o meu namorado é muito bom para mim. — Ela bate os cílios,
inocente. — E tortas de maracujá são sagradas para mim e Brandon. Não fale delas se não sabe
apreciá-las.
— Ainda bem que Asher aprendeu a esconder os meus doces muito bem quando compra
para mim — Kim bufa.
— Será mesmo? — Mia sorri.
A expressão de choque da minha amiga é impagável e me arranca uma gargalhada sincera.
Faz muitos anos que eu não ria dessa forma.
Faz muito anos que eu não me sentia bem assim.
Espero que eu nunca mais volte a sentir falta disso.
Faço uma nota mental para nunca mais aceitar as sugestões de Mia sobre como se divertir.
Minha cabeça dói enquanto me ergo na cama ao ouvir batidas na minha porta.
Bebi mais do que deveria.
Em minha defesa, a loira ficou muito pior do que Kimberly e eu, e vomitou nos meus pés
depois da terceira taça de uma daquelas bebidas estranhas.
— Entra — mando, coçando os meus olhos.
Quando a porta se abre, recebo um olhar questionador de Kyle, que está vestindo uma
calça preta e uma camiseta larga do Kiss que irei roubar na primeira oportunidade que eu tiver.
— Por que ainda está deitada?
Gemo lamuriada ao ouvir a sua pergunta, me jogando novamente na cama e me cobrindo
até a cabeça, mas logo ouço o som de passos até que ele se senta do meu lado e tira o lençol da
minha cabeça.
Permaneço com os olhos fechados, tentando arduamente ignorar a sua presença e o fato de
ele me acordar a essa hora, que eu nem sei qual é, mas tenho certeza de que é cedo demais para
mim.
— É sábado, Kyle. — Minha voz se arrasta, querendo muito que ele se deite aqui e tire
mais algumas horas de cochilo comigo. — É o dia da preguiça. Eu achei que era algo importante.
— Todos já foram, Diana, e eu estou há duas horas na sala esperando por você, achando
que estava se arrumando.
E é apenas nesse instante que me lembro de que iríamos para a casa da Mia, e me
pergunto como ela e Kim conseguiram acordar e pegar a estrada depois de ontem.
A loirinha resolveu fazer uma pequena comemoração em sua cidade natal, Baltimore. Seu
aniversário é em abril, no mês que vem, e ela irá viajar com o irmão para a Disney e parece mais
animada do que normalmente é. Lembro-me de quando ela me contou tudo o que envolve a
relação entre os dois e em como é difícil para eles se acostumarem com a ideia de que perderam
boa parte da vida um do outro, por isso decidiram viajar juntos. Provavelmente, essa é a forma
deles criarem novas memórias juntos, além da destruição que a genitora deles causou.
— Não exagera.
— Levanta — manda, me cutucando.
Resmungo de novo.
— Não quero.
— Diana…
— Não tem ninguém em casa — repito suas palavras. — Por que não se deita aqui um
pouco para tirar algumas horas de cochilo?
— O quanto você bebeu ontem, linda?
— O suficiente para querer ficar aqui o dia todo.
Ouço seu riso nasalado.
— O que não irá acontecer.
— Vai, sim.
— Se eu tiver que te arrancar dessa cama, você irá até Baltimore toda despenteada.
Ignoro-o, virando de costas para ele e me cobrindo novamente. Consigo ouvir o riso
maléfico de Kyle atrás de mim quando tira a coberta do meu corpo, lançando-a para longe.
— Eu odeio você — implico. — Por que a Kim fez isso comigo? Ela bem que poderia ter
me oferecido uma carona.
— Não ia querer ficar vendo a pegação dos dois a cada semáforo.
— Então, a Mia poderia ter oferecido.
— Aquela cabecinha loira é muito mais safada do que parece — refuta, se espreguiçando.
Folgado do caralho.
— Deve ser por isso que é sua amiga.
— Sou um cara muito respeitoso.
— Sim — bufo. — Com certeza.
— Por que parece irritada com isso? — pergunta, deitando-se na cama ao me ver levantar.
Para mim, isso soa como um deboche.
Por Deus, como fui me apaixonar por alguém tão irritante?
— Eu quero dormir, mas você não me deixa. Eu preciso de mais motivos do que esse?
— Pode apenas adiantar? — me ignora. — São cinco horas de viagem.
— E que horas são?
— Quase sete da manhã.
— Sete da manhã… — repito, indignada. — Me acordou às sete da manhã?
— Não tenho culpa se achou que o seu fígado era de ferro.
— Eu estava comemorando a sua vitória, não poderia ter levado isso em consideração
antes de me acordar?
— Eu levei — afirma, colocando a mão no peito para parecer solidário, fazendo o que
sabe fazer com maestria: me irritar. — Estava te esperando há meia hora.
— Você disse duas horas.
— Talvez, eu tenha exagerado. — O idiota ri da própria piadinha. — Você saberia se
respeitasse os nossos horários e estivesse na sala na hora que te falei por mensagem.
— Te odeio.
— Cinco horas de viagem, Diana — diz, me apressando. — Vou passar cinco horas
dirigindo.
Meus passos até o closet são duros, pouco me importando se isso me deixa parecendo uma
birrenta. Enfio algumas roupas que há por aqui na mochila – nenhuma minha, vale ressaltar que
isso é por conta do idiota do outro lado da parede que destruiu o meu apartamento –, me troco e
prendo o cabelo em um coque desajeitado, sem condições alguma de fazer algo além disso.
Nunca mais bebo. Ou melhor, nunca mais aceito ir para a casa da Mia às sete da manhã.
Sete. Da. Manhã. Depois de uma noite de bebedeira ainda. Puta que pariu.
Jogo a mochila em cima dele quando saio do closet e Kyle a analisa antes de colocar em
seus ombros, como se não tivesse me apressado para irmos há dois minutos.
— Aposto que está tudo amarrotado aqui dentro — ele brinca.
— Por que não para de reclamar e anda? — pergunto, abrindo a porta do quarto. — Não
era você quem estava reclamando que iria dirigir por cinco horas?
Dou ênfase no tempo para reforçar as suas palavras. Minha cabeça dói pra caralho.
— Estou vendo que serão as cinco horas mais divertidas das nossas vidas.
Gosto assim como tu faz
Quando eu me revolto, tu volta com a paz
Viciado eu volto e sempre quero mais
Quanto mais eu me solto, tu me prende mais
É bom demais
Andressa | Delacruz
Eu durmo durante a maior parte da viagem, acordando apenas quando avistamos a placa
da cidade nos desejando boas-vindas. No entanto, continuo com a cabeça recostada na janela,
ainda sonolenta demais para ter forças para irritá-lo.
— Di? — Kyle me chama, fazendo com que eu leve o meu olhar em sua direção,
percebendo que estamos parados. — Não queria te acordar de novo, mas já estamos chegando e
você não comeu nada antes de sair de casa. Vou pegar um lanche para você, ok?
Suspiro quando percebo que está preocupado, não só porque não me alimentei, mas
também em me acordar novamente. Fica difícil resistir a ele quando faz essas coisas.
— Ok — respondo, esfregando os olhos antes de ser surpreendida com um beijo rápido na
bochecha, que me deixa desconcertada.
Porém, antes que eu reaja, Kyle já fechou a porta do carro, me deixando sozinha, sorrindo
como uma idiota.
— O que fez ontem depois do jogo? — pergunto enquanto ele me entrega o sanduíche
antes de dar partida no carro e retomar o caminho.
— Por quê? — devolve, tirando a atenção do trânsito por alguns segundos, como se
analisasse o motivo da minha pergunta.
— Curiosidade. — Dou de ombros.
— Saí com os caras.
— Para onde?
Kyle me olha de relance mais uma vez.
— É algum tipo de pegadinha?
— Por que seria?
— Não sei, me diga você.
— Que chato! — reclamo, revirando os olhos. — Era apenas uma dúvida.
— Fui em uma boate nova.
— Hum…
— Hum? — repete meu resmungo em um tom indagador. — Só isso?
— É, é só isso — respondo, mas quem parece irritada sou eu.
Kyle ri, fazendo com que o meu biquinho aumente. Queria apenas irritá-lo, mas esqueço
que ele é quem me irrita. E fez isso agora com essas respostas vagas e esse deboche ridículo que
eu amo e odeio ao mesmo tempo, porque sei que está fazendo apenas por provocação. Sei que
não fez nada e se tivesse feito, não diz respeito a mim.
O problema é que ele sabe disso.
— Não fiz nada demais — diz depois de ficarmos em silêncio outra vez. — Bebi duas
cervejas e apenas isso.
— Não pedi explicações — resmungo.
Estou me sentindo uma idiota por parecer tão insegura.
— Eu quis te explicar — me corta e para no sinal vermelho. Kyle me encara e espera que
eu o faça de volta para perguntar: — É um problema?
Mordo o lábio inferior, desviando os olhos dos seus.
— Não.
— Ótimo. — Ele me analisa, rápido. — A verdade é que fiquei pensando em você a noite
toda — confessa, mas dessa vez está focado no trânsito, que voltou a andar.
Minha respiração acelera.
— Kyle?
— O que foi?
— Por que não foi para o meu quarto quando chegou?
— Eu deveria ter ido?
— Não sei.
— Precisa ser mais clara, bússola, não consigo te entender dessa forma.
— Quis dizer apenas que não teria sido uma má ideia.
— Irei lembrar disso essa noite — diz, sorrindo e estacionando o carro.
A casa da Mia é enorme, maior do que a dos Ballard. Os muros altos e beges passam uma
impressão de imponentes, mas basta passarmos pela entrada que isso se mostra apenas o que é:
impressão.
Há um jardim cobrindo todo o espaço. A porta de entrada é cheia de marcações em azul e
roxo nas laterais, imagino que sejam os tamanhos de Brandon e Mia conforme eles cresciam. E
há fotos e recordações por todo canto. É lindo.
— Quanta demora! — Kimberly reclama quando chegamos no fundo da propriedade,
onde ela e Mia estão. — Achei que não viriam mais hoje.
— Diana achou uma boa ideia não aparecer no horário que combinamos — Kyle me
acusa.
— Não combinamos nada — me defendo, revirando os olhos. — Você chegou no quarto
me dando ordens, sem nem me avisar antes.
— Você sabia que viria comigo.
— Sim, mas não sabia que iria me acordar tão cedo.
— Porque combinamos de vir cedo.
— Não combinamos, não.
— Eu te mandei umas duzentas mensagens ontem à noite, depois do jogo.
— Deve ser por isso que não vi.
Kyle bufa, irritado.
— Não me teste — diz em um tom de aviso, falando em português e me surpreendendo
por ainda conseguir pronunciar tão bem.
Ele teve interesse em aprender a minha língua materna desde o primeiro dia em que nos
conhecemos e eu dei o meu melhor para ensiná-lo da forma que aprendi. Kimberly desistiu na
primeira semana, dizendo que era mais difícil do que achava e que mal conseguia pronunciar a
palavra mãe. É por isso que ela sabia apenas palavras que se interessava, o que conta com um
total de quatro. E acho que sequer lembra de todas hoje em dia.
— Vai fazer o que sobre isso?
Ele semicerra os olhos quando me ouve responder na mesma língua. Há uma promessa
velada neles. Uma que eu faria muitas coisas para que acontecesse, mesmo que seja levá-lo ao
limite.
— Estou tentando ser o mais respeitoso possível aqui, preciso da sua cooperação.
— Não quero cooperar — decreto.
— Podem falar em uma língua que eu entenda? — Kim pergunta.
— Entenderia se desse mais atenção às minhas aulas — reclamo.
— Você era uma professora muito chata.
— E eu quem recebia recompensas — Kyle completa, ficando do lado da irmã, que faz
uma cara de nojo.
— Eu não precisava saber disso.
Mia ri, se aproximando.
— Você fala como se não tivesse quebrado a cama dele.
Kyle paralisa.
— O… o quê?
— Mia — Kimberly geme, virando-se para a amiga, que percebe que falou merda e cora,
erguendo a taça de vinho como se essa fosse a sua única desculpa. Como ela consegue estar
bebendo novamente depois de ontem? — Por Deus.
— Você. Quebrou. A. Minha. Cama?
— A culpa é do Asher!
Que, por sinal, está chegando nesse momento com Brandon. Coitado, pela expressão no
rosto de Kyle, aposto que ele seria capaz de destruir o sorriso do lutador com um soco.
— Chegaram, finalmente — Asher diz, sem ter ideia da merda que está acontecendo,
assim como eu.
— Eu diria para você não falar comigo hoje. — Kyle abre um sorriso sombrio e
ameaçador para ele. — Talvez deva se manter distante para sempre.
— E posso saber o porquê?
— Porque acabo de saber que vocês quebraram o caralho da minha cama!
— Mia… — Brandon resmunga, já assumindo que a culpa foi da namorada.
— Ótimo — Kyle resmunga e se vira para mim, a raiva ainda brilhando em seus olhos. —
Você também sabia dessa porra?
Meu cenho se franze.
— Não? Eu não estou entendendo nada. — Aponto o dedo para Asher e Kim. — Vocês…
quebraram mesmo a cama dele?
— Podemos não tocar nesse assunto? — Asher pergunta, parecendo nervoso enquanto
Kim está agindo como se nada tivesse acontecido. — Podemos conversar depois?
— É melhor não conversarmos ou irá acabar com os seus dentes quebrados — Kyle diz,
tentando manter a calma. — Eu mereço. Tudo bem. É carma. A Taylor Swift já tinha me
avisado.
Não consigo segurar o riso que me escapa e Mia me acompanha, porque é simplesmente
surreal que uma situação dessas esteja acontecendo agora. Estávamos conversando sobre o nosso
atraso e, de repente, há uma revelação de cama quebrada e um Kyle muito puto. Porém, a
diversão não dura muito, porque somos interrompidas por olhares reprovadores.
Mia e eu tentamos nos recompor.
— Pode apenas dizer onde irei dormir? — Kyle pergunta à Mia. — Esse dia já está
infernal o suficiente para mim.
— Então, Kyle… — ela diz com um sorriso diabólico no rosto. — Amo tanto você, sabe?
Ele suspira e fecha os olhos. Chego até a ficar com pena.
Mas passa rápido.
— Fala de uma vez, carrapata.
— Não temos quartos suficientes, então vocês dois terão que dividir.
— Eu deveria mesmo ter ficado em casa — resmunga.
— O quarto de vocês fica na última porta do segundo andar — Mia diz com uma risadinha
de quem está se divertindo com a minha cara.
Kyle não espera que alguém diga outra coisa e segue em direção à casa. Estou prestes a
segui-lo quando lembro do assunto anterior e olho para Kimberly, lembrando de algo importante.
— Vai me explicar essa história depois.
Ela apenas sorri, como se seu irmão não estivesse a um passo de esganar o seu namorado
sem dó, e concorda antes de eu me virar para ir atrás do estressadinho, que já está no quarto
tirando tudo da mochila quando chego.
E resmungando.
Deus, resmungando demais.
— Deveria ter ficado em casa? — imito a sua fala, fechando a porta. — O que aconteceu
com o “irei lembrar disso essa noite”?
— Não foi o que eu quis dizer, só estou um pouco irritado com a situação.
— Pareceu exatamente o que quis dizer, na verdade.
Ele suspira, passando as mãos pelo rosto como se estivesse impaciente.
— Podemos discutir isso em outro momento?
— Ótimo — concordo, jogando a camiseta que estava vestindo na cama. Aproveito para
tirar o resto da roupa da mochila e procurar o biquíni para vestir.
Noto quando seus olhos não desgrudam do meu corpo enquanto, apenas por isso, demoro
ainda mais para voltar a me vestir. Kyle analisa cada pequena parte minha, tombando a cabeça
para o lado quando me curvo levemente para frente, vestindo a calcinha do biquíni. Depois me
viro e começo outro lento processo com a parte de cima, adorando como o seu olhar queima na
minha pele.
Sorrio de costas para ele, gostando de saber que ainda sei como deixá-lo dessa maneira.
Hipnotizado.
— Já que as situações são diferentes, acho que talvez deva dormir no sofá. Ele parece
bastante confortável para você — digo, fazendo-o piscar e finalmente olhar nos meus olhos
quando caminho em direção à porta. — E é melhor pensar algumas vezes antes de descontar as
suas frustrações em mim. Não tenho culpa se as coisas não acontecem do jeito que você quer.
Saio do quarto antes de ouvir a sua resposta.
Estou irritada.
Não deveria, mas estou.
Estou, porque Kyle está me tratando como se eu fosse um cristal prestes a quebrar. E,
definitivamente, não é isso que quero. Ele parece estar tentando me dar algum tipo de espaço e
isso é a última coisa que quero dele no momento.
Me deito em uma espreguiçadeira distante dos outros, que me olham estranho por isso,
mas faço um sinal para Kim e ela entende que preciso ficar sozinha.
Suspiro fundo, fechando os olhos e tentando não pensar em nenhuma besteira. Ou em
formas de esganá-lo enquanto dorme. Tento me distrair, afinal, é o que eu queria fazer quando
aceitei a proposta daquela loira diabólica de vir para cá.
Demora um tempo até que eu perceba a sombra em cima de mim e abra os olhos, voltando
a fechá-los quando o vejo.
— Diana…
— Veio dizer que estou estragando o seu dia?
Ele suspira.
— Odeio quando tudo não sai conforme eu planejei.
— Então, talvez, seja melhor parar de planejar.
Kyle resmunga algo baixinho, que não consigo ouvir.
— Posso ficar aqui com você?
— Não tem espaço.
— Por favor.
Abro os olhos, encarando-o com seriedade antes de chamá-lo com a mão. Kyle entende o
recado e se deita em cima de mim, sem colocar o seu peso ao apoiar seu corpo com os cotovelos.
— Não quero ficar no mesmo quarto que você, porque não consigo parar de pensar em te
beijar.
Suas palavras fazem com que boa parte da minha chateação se dissipe.
— E por que ainda não fez isso?
— Você quer que eu faça? — Suas sobrancelhas se erguem, surpreso.
Dou de ombros.
— Saberia se tentasse.
— Não acha rápido demais? — pergunta, parecendo inseguro com suas palavras.
— Por que seria?
— Perdemos quatro anos da vida um do outro — argumenta. — E acho que precisamos
conversar sobre alguns assuntos antes de decidirmos o que fazer de agora em diante, não acha?
Suspiro, sabendo que ele está certo e que não posso apressar tanto as coisas. Seria errado e
poderíamos nos arrepender depois.
— Tem razão — concordo e bufo logo em seguida, segurando seu rosto com as duas
mãos. — Quando foi que você cresceu tanto? — Reviro os olhos exatos dois segundos depois
que as palavras saem da minha boca, quando vejo um sorriso malicioso se formar em seus lábios.
— Eu juro por tudo o que é sagrado que vou te ignorar pelo resto dessa viagem se fizer uma
piadinha sobre o seu pau.
Kyle finge ficar chateado com isso.
— Nem sabe se era isso mesmo o que eu faria.
— Olhe nos meus olhos e diga que não.
Ele bufa, enfiando o rosto no meu pescoço para choramingar.
— Tem razão, eu faria. — Se dá por vencido, levantando o rosto para me encarar. — Eu
quero perguntar uma coisa, mas tenho medo de te deixar chateada.
— Não vai saber se não perguntar.
— Diana. — Ele me olha com repreensão e entendo que seja lá o que quer me perguntar, é
um assunto sério.
— Entendi. — Assinto. — Pode perguntar, irei responder com sinceridade.
— Como você… — ele fecha os olhos e suspira. — Como você conseguiu lidar com o
que o meu pai fez?
Sorrio fraco, segurando suas mãos no meio das minhas e lhe mostrando que está tudo bem
conversarmos sobre aquilo abertamente.
— Eu fiz terapia por dois anos — conto, tranquila em falar sobre isso. — Logo que
chegamos no Brasil, a primeira coisa que mamãe fez foi me colocar na terapia. Foram longos
meses até que eu parasse de ter pesadelos, longos meses chorando até dormir, nos braços da
minha mãe, e até do meu tio, que me acolheu muito bem. Tio Igor deu a segurança que mamãe e
eu precisávamos e, segundo a minha terapeuta, ele foi vital para que eu não tivesse aversão ao
gênero masculino.
— Que bom. — Kyle solta uma respiração aliviada. — Fico feliz por isso, bússola.
— Seu pai destruiu uma parte minha naquela noite, Ky — decido ser ainda mais sincera.
— Maxon tirou a magia que eu achava ver no mundo e se hoje sou mais racional do que
emocional, a culpa é dele. Porém, eu também entendi que, independente do que ele fez, isso não
pode definir o que eu sou hoje. Às vezes, tenho momentos de vulnerabilidade, é verdade. Mas eu
segui a minha vida conforme consegui. Não posso deixar que ele dite os meus passos para
sempre, por algo que aconteceu anos atrás e que não foi uma escolha minha.
— Entendi. — Ele engole em seco.
— Eu fiquei com outras pessoas depois que fui embora — digo com cuidado, porque acho
que esse também é um assunto que devemos discutir. — Mas nunca te esqueci, nem por um dia.
Kyle franze as sobrancelhas e fica em silêncio por um instante, parecendo digerir a
informação. Ele torce os lábios antes de dizer:
— Eu também fiquei com outras pessoas. Me arrependo amargamente de muitas delas
porque fui impulsionado pelo meu egoísmo, na minha tentativa ridícula de te esquecer e
preencher um vazio, coisa que nunca aconteceu. — Ele me olha. — E aí entendi que eu nunca
conseguiria, porque você é minha.
— Pelo visto, prepotência continua sendo uma das suas características predominantes. —
Reviro os olhos de brincadeira, querendo descontrair o clima.
Kyle sorri, canalha.
— Diga que não, bússola.
— Não sei do que está falando.
Ele abaixa o rosto, levando a boca para perto da minha orelha.
— Diga que não é minha — sussurra.
— Vai dormir no sofá… — cantarolo, ignorando o arrepio que percorre a minha pele.
— Não pode estar falando sério! — se indigna, levantando o rosto e me encarando.
— Claro que sim, você está tentando se controlar, lembra?
— Vou me comportar direitinho, eu prometo.
— Você tem péssimos argumentos.
— Ter se vestido na minha frente foi um golpe baixo. Me desconcentrou totalmente.
— Então quer dizer que perde as palavras quando qualquer mulher se veste na sua frente?
— Só quando é a minha.
— Isso foi péssimo — reclamo, rindo. — E eu não confirmo e nem nego isso.
— Você adora as minhas cantadas.
— Elas são péssimas.
Kyle revira os olhos.
— Você continua chata como quando éramos crianças.
— E você continua insuportável.
Ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Éramos felizes — diz baixinho.
— Éramos completos — respondo.
E, quem sabe, um dia a gente volte a ser, penso.
E eu desistiria da eternidade para te tocar
Porque eu sei que de alguma forma você me entende
Você é o mais próximo que estarei do paraíso
E eu não quero ir para casa agora
Iris | The Goo Goo Dolls
É impossível que uma casa desse tamanho tenha apenas três quartos.
Mia é uma mentirosa do caralho, mas confesso que me fez um favor enorme ao colocar
Diana e eu no mesmo quarto, embora ainda pareça tortura, principalmente porque ela não parece
querer cooperar nem um pouco comigo.
Não é como se eu fosse um santo. Não sou. Eu a quero, ela sabe e corresponde.
No entanto, dessa vez, precisamos ir com calma. Não temos mais dezesseis anos e
corações intactos. Agora temos uma coleção de traumas e muito medo de arriscar novamente
sem expor as nossas intenções e os reais sentimentos.
Não quero ultrapassar nenhum tipo de limite que aquele merda causou nela, muito menos
deixá-la desconfortável. Na realidade, nem mesmo sei se dormiu comigo essa noite porque
estava vulnerável ou porque estamos avançando nessa nossa nova “relação”.
— Amarra para mim? — pede a diaba, já de costas para mim e segurando o cabelo.
Meus dedos tocam as tiras finas das costas do vestido, entrelaçando-as com cuidado e
admirando a forma como o tecido rosa fica nela. É um vestido que vai até o meio das suas coxas
e que aperta o seu busto devido à amarração que me parece muito complicada, mas que, de
algum jeito, consegue moldar bem a curva dos seus seios.
Porra de tentação.
— Você ainda será o motivo da minha morte — resmungo para mim mesmo, porém não
me importando nem um pouco com o fato de que ela escuta.
— É apenas um vestido.
— Que você está fazendo parecer uma tormenta.
— Qual o problema dele? — ela pisca teatralmente, fingindo inocência.
Amarro o laço com força sabendo que seu corpo se erguerá para trás, encontrando-se
diretamente com o meu. Diana geme com o puxão exagerado e não deixa de me encarar através
do espelho.
— Não aja como se não soubesse quanta atenção irá chamar com ele.
— Isso é um problema?
— Seria se eu não soubesse o quanto me pertence.
— Sou sua agora?
— Algum dia deixou de ser?
Diana morde o lábio para esconder o sorriso.
— Você é um canalha.
— E você adora me ouvir dizer que me pertence.
Ela dá de ombros, sem desviar os olhos do meu reflexo.
Eu disse. Ela é o meu carma.
— Nunca disse o contrário.
Abraço sua cintura, deixando com que meu rosto se encaixe na curva do seu pescoço.
— Você está linda — elogio, beijando a sua pele.
— E você não está de se jogar fora — brinca, rindo quando eu deixo uma mordida em seu
ombro. — Está lindo, minha bússola.
Sairemos para jantar em um dos restaurantes favoritos de Brandon. Segundo ele, é onde
há a melhor massa que já experimentou, mas Mia o desmentiu, dizendo que, na verdade, é o
único lugar da cidade que aquele fresco do caralho gosta da torta de maracujá.
Já estamos atrasados na verdade.
— Quando voltarmos para casa, vou te levar a um lugar.
— Que tipo de lugar? — indaga, girando sobre os calcanhares para ficar de frente para
mim.
— Não faça perguntas, apenas obedeça.
Diana torce os lábios enquanto finge ajeitar algo na minha gola. Seu olhar sobe para o
meu com uma inocência fingida, uma expressão que adorava usar para pedir o que eu lhe dava de
bom grado.
— Senti falta do seu lado mandão.
— Senti falta de você por inteira.
— Meu irmão vem me buscar na segunda-feira — Mia diz pela milésima vez. — Estou
ansiosa, nunca fui à Disney.
— Meu irmão — resmungo com a voz fininha, imitando-a e revirando os olhos antes de
enfiar uma porção de batatas na boca.
Paro de mastigar quando a atenção de todos se volta para mim e percebo que falei alto
demais. Reviro os olhos quando eles continuam em silêncio, apenas me assistindo.
Não tenho nada contra o cara.
Exceto o fato de que, desde que chegou na vida da loirinha, ele é a única coisa que ela
fala.
Ok. Talvez seja exagero da minha parte colocar as coisas dessa forma, porque eles
passaram muito tempo longe um do outro e, tecnicamente, ainda estão se conhecendo, e eu não
deveria reclamar disso.
— O que foi? — Mia pergunta com um biquinho fofo nos lábios.
— Seu irmão é um chato — resmungo.
Brandon e Asher riem.
— O que foi? — retruco.
— Não acredito que está com ciúmes da Mia — Asher provoca, sorrindo. — Cara, precisa
entender que não pode ter as nossas garotas apenas para você.
— Não tenho ciúmes da carrapata — respondo, embora tenha sim. Connor tem pegado
todo o tempo livre do meu bebê e não sobra nada para mim. — Só acho que ela não tem mais
tempo para nós agora.
— Péssimo mentiroso — Kimberly diz, mastigando seu hambúrguer.
— Não se preocupe, Ky — a loira diz, apertando meu ombro como se eu fosse uma
criança que precisa de consolo. — Quando eu voltar da minha viagem com o meu irmão,
podemos passar um tempo juntos se prometer roubar mais brigadeiro para mim.
Suspiro, lançando-lhe um olhar de aviso.
— Boquinha grande a sua, não acha?
— Não podia apenas pedir ao invés de sair roubando assim? — a diaba começa a reclamar
no meu ouvido. — Eu não teria recusado, sabe? Só não queria ter ficado maluca achando que
tinha algum stalker atrás de mim roubando meus doces.
— Foi apenas uma vez.
— Aposto que não — Asher incita, sabendo que é verdade, não foi apenas uma vez.
Reviro os olhos e o encaro.
— Lembra de quando eu disse para você não falar mais comigo?
Sinto seu chute na minha canela por baixo da mesa e devolvo, mas acabo não calculando
muito bem e é Brandon que geme, me devolvendo duas vezes mais forte.
— Filho da puta!
— Você me acertou primeiro — B se defende e isso faz com que uma confusão comece
quando ele chuta novamente, acertando Diana dessa vez, que devolve um chute em Kim.
Tudo se torna caótico quando começamos a chutar um ao outro aleatoriamente, fazendo
com que as nossas gargalhadas soem altas demais para um ambiente tão sofisticado.
— Shhh!!! — a gerente do lugar reclama, nos fazendo parar subitamente.
Mas apenas para voltarmos a rir baixinho no segundo seguinte.
Coloco meu braço atrás do pescoço de Diana e me aproximo do seu ouvido para que me
ouça melhor quando a conversa paralela volta ao grupo.
— O que está achando da sua nova família?
Ela me olha e sorri.
Não apenas com a boca, mas com os olhos.
É um sorriso genuíno e tão radiante que me leva a sorrir junto.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Um dia, você me prometeu uma família grande e barulhenta. E agora me deu isso.
Meu peito treme em um riso fraco e beijo a sua bochecha com força o suficiente para
ouvi-la resmungar.
— Isso aqui não é nada perto de tudo o que ainda farei por você, minha bússola —
prometo.
O eu te amo para no meio da garganta.
Diana sabe.
Eu sei que sabe.
Tenho certeza disso quando ela assente, ainda sorrindo e me encarando.
E eu torço, internamente, para que isso signifique um “eu também”.
Mas talvez você não entenda
Essa coisa de fazer o mundo acreditar
Que meu amor não será passageiro
Te amarei de janeiro a janeiro
Até o mundo acabar
De Janeiro a Janeiro | Roberta Campos
— Odeio quando não me conta o destino — ela resmunga pela milésima vez ao meu lado.
— É irritante.
— Estamos perto — respondo, também pela milésima vez. — Eu juro.
Diana bufa, mas se aquieta pela primeira vez em quase quarenta minutos.
Ela aumenta o volume da música e relaxa contra o banco, observando a paisagem correr
do lado de fora.
Estou nervoso.
Diana foi a única garota que me esforcei para realmente agradar. Ela foi a minha primeira
e única namorada, além de ser a dona do meu primeiro beijo, da minha primeira vez, do meu
primeiro encontro e do meu coração.
No entanto, saber disso não ameniza o fato de que estou nervoso em levá-la para o mesmo
lugar onde foi o nosso primeiro encontro, aos catorze anos. E isso acaba tornando tudo ainda
mais especial.
Preparei um momento tranquilo para nós porque, na última semana, desde que voltamos,
não conseguimos nenhum momento a sós devido à semana de provas da faculdade e ao seu
estágio.
Além disso, a última semana do torneio precisou ser adiada por problemas técnicos e irá
acontecer daqui a cinco dias, no sábado. E isso tem me deixado ansioso, junto ao fato de que
mamãe segue sem nos dar atualizações sobre Maxon. Esse silêncio tem me deixado sem dormir
direito e, por isso, achei melhor nos afastar, por ao menos uma noite, da loucura que tem sido a
nossa rotina.
Contudo, precisei pensar muito antes de decidir o destino do nosso encontro. Sei que
provavelmente Diana nunca mais colocaria os pés de volta na casa onde crescemos e, sendo
sincero, eu também não tenho mais vontade de voltar lá, sabendo agora de tudo o que aconteceu.
Mesmo assim, eu gostaria de levá-la a algum lugar que nos trouxesse memórias boas. Por isso,
estamos a caminho de Madison[14] nesse momento.
Rumo à nossa casa na árvore.
Rumo ao lugar do nosso primeiro beijo, da nossa primeira briga e reconciliação, rumo ao
lugar onde tudo começou entre nós dois.
Estaciono em frente à propriedade e assim que tiro a chave da ignição, viro o rosto para
Diana, observando o seu olhar emocionado em direção à casa. É lindo. Sua expressão me diz o
quão emocionada está e o sorriso que me oferece aquece o meu coração com a certeza de que
acertei na escolha do lugar.
Saio do veículo, dando a volta nele e abrindo a sua porta, entrelaçando nossos dedos
quando a levo para dentro de casa, com Diana ainda em silêncio enquanto admira o caminho até
os fundos, onde fica a casa na árvore que mamãe projetou quando eu ainda era um bebê.
— Vamos subir — convido-a, ainda segurando a sua mão para que ela vá na frente.
Diana hesita por um segundo ao olhar para as escadas.
Admiro-a enquanto o seu olhar se volta para mim, notando o quanto eles parecem mais
brilhantes nessa noite, a forma com que seu cabelo, mesmo preso, se move em direção à brisa
noturna e o modo como faz meu coração disparar… Deus, eu poderia passar a vida inteira apenas
a olhando.
— Se eu cair, você me segura?
— Nunca te deixaria cair.
— Confio em você. — Mesmo de salto, ela fica na ponta dos pés e beija a minha
bochecha.
Subo alguns degraus, testando se a escada ainda é segura e firme, e quando vejo que sim,
pulo de volta para o chão. Diana começa a subir e não evito olhar para a sua bunda. Ela me
encara sobre os ombros ao sentir meu olhar e me dá um sorriso divertido, rebolando o quadril
nos últimos degraus.
Bufo pela provocação e subo em seguida, encontrando-a parada no meio do espaço,
admirando todos os detalhes que preparei especialmente para nós.
A pequena casa da árvore foi reformada no ano passado. Mamãe não mudou muita coisa,
deixando o lugar como antes, apenas reforçando a estrutura e dando um pouco de modernidade.
Há pequenas luzes adornando a janela de vidro e almofadas por todo lado para dar a
sensação de conforto. Também tem algumas velas aromáticas de morango, que lembro que
Diana adorava no passado, e uma colcha estendida sobre o chão. Os aperitivos que preparei estão
em uma pequena mesa de canto, próximo ao frigobar que também há aqui.
— Eu acho que ainda te odeio — ela diz com um falso pesar.
— Por quê?
— Eu te odeio porque você me faz sentir a sua falta a cada maldito segundo. Eu te odeio
porque você não sai da minha cabeça. Eu te odeio porque não quero que você saia da minha
cabeça. E porque, às vezes, ainda penso que você é meu.
Diana se vira em minha direção, abraçando a minha cintura e colocando a mão livre em
meu rosto, acariciando-o. Levo minhas mãos até a sua cintura, trazendo-a para ainda mais perto
de mim, se é que isso é possível.
— Eu sou seu — sopro para ela como se fosse uma confissão. — Nunca deixei de ser.
Nem quando estava fingindo te odiar. Nem quando ficamos longe. Eu sou seu. E de mais
ninguém.
Ela pisca, os olhos me encarando com lágrimas não derramadas.
— Eu te amo — continuo dizendo o que tem estado preso em minha garganta desde a sua
volta, ainda que ela saiba. — Eu nunca deixei de te amar. Não houve um dia sequer que eu não
tenha pensado em você. Eu te amo até quando te odeio. E não quero que as nossas conversas mal
resolvidas atrapalhem o futuro que podemos ter. Você é a minha bússola, meu rumo, minha
estrela-guia. E eu preciso que esteja comigo. Preciso que seja minha.
— Eu sempre fui — ela diz, sua palma contornando meu rosto enquanto seus olhos não
desviam dos meus. — Eu sempre fui sua, Kyle. Nunca deixei ou deixarei de ser. Eu amo você,
minha bússola. E sou feliz em saber que não importa para onde o vento me leve, você sempre me
guiará para um lugar feliz.
— E qual seria?
— Meu lugar feliz é você.
Seu sorriso radiante é a última coisa que vejo antes da sua boca se chocar contra a minha.
É o topo do mundo.
É perfeito. Diana é perfeita.
Cada instante com ela é único.
Sua mão agarra a minha nuca quando minha língua pede passagem pela linha dos seus
lábios e prontamente ela me dá. Tropeçamos cegamente até a parede mais próxima e a cada
passo que damos é como se estivéssemos caindo, mas não nos importamos com a queda.
Ela é minha.
Eu sempre fui dela.
Mesmo quando fingimos. Mesmo quando não deveríamos.
Eu sempre fui dela.
Quero que a minha bússola entenda isso. Que mesmo que o nosso passado não seja a
nosso favor, eu estou aqui e sempre estarei. Por ela. Por nós.
Impaciente para tê-la, seguro suas pernas e a ergo, fazendo com que seu vestido verde
suba até a sua cintura enquanto ela circula as pernas ao meu redor. Sua mão bagunça meu cabelo
ao passo que caminho sem enxergar nada até a cama improvisada, nunca soltando seus lábios.
Um gemido sai da sua boca quando ela se esfrega na minha ereção, sentindo-a se prender ainda
mais em meu corpo.
— Di…, linda — arfo.
Ela não me responde, apenas continua se esfregando enquanto a coloco com cuidado
sobre a colcha, ajoelhando-me entre as suas pernas, puxando a minha camiseta e observando-a
lamber os lábios ao encarar o meu peitoral desnudo. Suas íris irradiam luxúria e necessidade, e
meu pau endurece ainda mais com a imagem das suas pupilas dilatadas e seus lábios
entreabertos.
Me inclino, tomando seus lábios novamente nos meus e sentindo suas unhas se arrastando
pelas minhas costas, deixando-as marcadas e um novo sorriso toma conta do seu rosto.
Minha mão se apoia ao lado da sua cabeça para segurar o meu peso enquanto ela se
deleita com nosso beijo. Aproveito para puxar o seu vestido para baixo, embolando o tecido na
sua cintura, mas finalmente tenho livre acesso aos seus seios e nem mesmo penso duas vezes
antes de abaixar o meu corpo, distribuindo pequenos beijos e mordidas até chegar nos mamilos,
onde me aproximo, colocando um deles na boca.
Uma das minhas mãos desce até a sua calcinha, afastando-a para o lado e molhando meus
dedos com a sua excitação antes de circular o seu clitóris e observá-la jogar a cabeça para trás,
arqueando-se enquanto minha língua chupa, morde e marca o seu seio.
— Você é tão perfeita — murmuro. — Tão linda e tão minha, Diana.
Em um movimento rápido, deslizo um dedo dentro dela, observando-a se contorcer
debaixo de mim e montá-lo com uma necessidade que faz com que um sorriso convencido cresça
em meu rosto. Meu dedo continua trabalhando em sua entrada e meu polegar escorrega para o
seu clitóris.
O som que ela faz enquanto é fodida pela minha mão é a minha sinfonia favorita.
Quando a sinto prestes a gozar, desacelero meus movimentos, escutando seu lamento e
me afasto, depositando vários beijos em sua barriga e suas pernas. Coloco sua perna direita em
meu ombro antes de me abaixar e arrastar minha língua por toda a extensão da sua boceta,
ouvindo Diana gritar, agarrando meus cabelos e rebolando contra meu rosto.
— Deus, Kyle... p-or favor — gagueja, arqueando as costas.
Sorrio maleficamente antes de dar mais uma longa lambida e ela abre ainda mais as
pernas para mim, me dando mais acesso e aprecio seus gritos a cada vez que minha língua brinca
com seu ponto sensível. Gemendo contra a sua boceta, adiciono dois dedos enquanto a fodo,
intercalando minhas lambidas com as penetradas rápidas. Assopro seu clitóris, mordendo-o de
leve e voltando a chupá-la até que seu abdômen enrijece e ela goza em meus lábios, gritando
pelo meu nome, enquanto admiro seus espasmos involuntários.
— Você é incrível pra caralho, amor — murmuro.
Surpreendendo-me, ela me puxa selando nossos lábios em um beijo urgente e eu me
sento, trazendo-a para o meu colo e me deleitando com a sensação da sua língua dançando contra
a minha. Minhas mãos seguram a barra do seu vestido, tirando-o e ela desce o zíper da minha
calça, segurando meu pau e bombeando-o lentamente. Mordo seu ombro quando suas investidas
se tornam rápidas e, sabendo que não conseguirei durar por muito tempo, me afasto dela,
pegando a carteira no bolso da minha calça e retirando um preservativo de lá.
Tiro o restante da minha roupa, rasgo a embalagem com pressa e arrasto o látex pelo meu
comprimento antes de observar o olhar ansioso da minha garota e puxá-la novamente para o meu
colo. A diaba sorri quando mordo o seu mamilo eriçado ao mesmo tempo que puxo a sua
calcinha para o lado de novo, sentindo-a se sentar em meu pau, gritando de prazer.
Por Deus.
Diana é pura perfeição.
É meu sonho.
Minha bússola.
Meu tudo.
Beijo o caminho entre o seu pescoço e seus seios enquanto seus gemidos vêm
acompanhados de pequenos gritos quando empurro com força dentro dela, espalmando minha
mão na sua bunda e ela cavalga em mim com destreza. Suas mãos espalmam o meu peito, suas
unhas arranham a minha pele e me abaixo quando seu seio se alinha na frente do meu rosto.
— Kyle... Mais rápido. — Pegando seu pescoço e o aproximando do meu rosto, eu sorrio.
— P-por favor.
— Você quer mais, minha bússola? — Mordo seu mamilo, fazendo-a se arquear e me
dando mais acesso em sua boceta. — Você é tão minha, porra.
Dando um tapa em sua bunda, troco as nossas posições, deitando-a de costas na colcha e
cobrindo o seu corpo com o meu, antes de voltar a me enterrar dentro dela. Suas pernas circulam
a minha cintura e suas mãos puxam meu rosto, tomando meus lábios nos seus em um beijo
desleixado e quente.
Sua língua dança contra a minha.
Nós somos perfeitos.
Ela e eu.
Sorrio, tirando meu pau e esfregando-o em sua boceta para cima e para baixo, escutando
as suas súplicas. Com um impulso, estou dentro dela outra vez, empurrando com força e levando
minha mão até a sua, entrelaçando-as acima da sua cabeça enquanto estoco, sentindo meu pau
mover para dentro e para fora.
Me abaixo, depositando um beijo em seu pescoço antes de deixar uma marca arroxeada
em sua pele e morder de leve o seu queixo, voltando a beijá-la no mesmo instante que empurro
dentro dela, mostrando que somos um do outro.
— Kyle, merda! — ela grita, forçando-se contra mim. — Isso é tão bom.
— Eu sei, amor. — Sorrio contra a sua pele. — Nós somos incríveis juntos.
Diana fecha os olhos, joga a cabeça para trás e morde os lábios. Um sorriso toma conta
dos meus lábios e ergo uma das suas pernas, trazendo-a para o meu ombro e indo bem mais
fundo dentro dela. Ela se arqueia, tirando as suas costas da cama e gritando o meu nome de uma
forma que eu perco o controle e entro nela com força, fazendo-a gritar a plenos pulmões.
Apertada, molhada e gostosa pra caralho.
Ela é linda.
Incrível.
Minha respiração fica mais acelerada quando, mais uma vez, acelero meus movimentos e
nossas vozes inundam o lugar com sons obscenos. Eu não consigo me controlar mais, a cada vez
que entro e saio dela, é como provar o paraíso, é saber que o mundo poderia explodir e eu estaria
pouco me fodendo, porque eu a tenho de volta.
Eu tenho a minha bússola.
A mulher que eu amo.
— Eu estou tão perto, Ky…
Mordo meu lábio quando percebo seus seios balançarem a cada vez que empurro dentro
dela e tenho vontade de me abaixar para chupá-los outra vez, mas me limito apenas a contemplar
como ela é perfeita e como o gemido alto que salta dos seus lábios me faz lembrar o quanto esse
sempre foi um dos meus sons favoritos. Como posso passar tempo o suficiente aqui e ainda
acharia pouco.
— Você é tão boa, amor. — Diminuo o movimento por um instante apenas para observá-
la me levar mais fundo, mas logo volto a socar com força. — Tão minha.
— Kyle...
— Sim, porra! — rosno, apertando sua coxa com força.
— Eu estou perto, amor, tão perto — grita.
Tento desacelerar, porém as paredes internas da sua boceta se apertando ao meu redor,
tornam impossível eu me segurar por mais tempo. Os nossos gemidos tomam conta da pequena
casa e, sem conseguir me controlar mais, afundo contra ela uma última vez, me deleitando com a
sensação. Então, a minha respiração trêmula faz com que eu sinta um tsunami de prazer ao
mesmo tempo que nossos nomes saltam dos nossos lábios.
Ainda em cima dela, encosto minha testa na sua, sentindo-me ofegante, mas completo.
Assim que olho para ela, sorrio.
Diana é linda e mesmo com os olhos fechados, respiração ofegante e feições cansadas,
continua sendo a coisa mais deslumbrante em toda face da Terra.
— Eu te amo, minha bússola.
Ela abre os olhos.
Desejo, admiração e amor estão ali.
Tudo o que sempre sonhei.
Não estamos mais fingindo nos odiar.
Estamos jogando um novo jogo agora.
Aquele que não há fingimentos, omissões ou mentiras.
Estamos admitindo o que realmente sentimos e sempre sentiremos um pelo outro.
O mais puro, genuíno e indestrutível amor.
— Eu te amo mais, Ky.
Verdades
Difíceis de lidar são as que doem mais
Eu vi
Prioridades que viraram tanto faz
20 ligações | Baco Exu do Blues
Uma vez li que os ciclos menstruais se alinham através da convivência e achei que essa
era a maior besteira do mundo. Como o corpo de alguém conseguiria se conectar com outro a tal
ponto? Parecia uma verdadeira incógnita para mim.
Até esse momento, quando há três mulheres queimando todos os meus neurônios e a
minha capacidade de raciocinar pelo simples fato de não ter ideia do que fazer para acalmá-las.
Kim não para de chorar. Mia está no modo formiga, comendo todo tipo de doce que
encontrou no nosso apartamento. E Diana… bem, Diana está com um humor sombrio, tirando
todo mundo do sério.
— Pode parar de chorar por um momento? — a diaba questiona, inclinando-se na
direção de Kim.
Não surte efeito porque, no segundo seguinte, minha irmã volta a cair em um choro
muito mais forte, fazendo Asher suspirar ao meu lado.
Já tentamos de tudo.
Kim começou a soluçar quando Asher tentou acalmá-la.
Mia ameaçou Brandon.
E Diana me deu um olhar de repreensão que me fez arrepiar.
Então, entramos em um consenso e todos nós estamos apenas sentados na banqueta do
balcão que divide a sala e a cozinha, apenas observando.
Em silêncio. Como se estivéssemos fazendo fotossíntese.
Nosso único trabalho é desviar o olhar quando uma delas olha em nossa direção, já que
o medo é maior.
— Não consigo — choraminga, fungando e se encolhendo mais no abraço de Mia, que
alisa seus cabelos com carinho. — É triste demais.
A loirinha para o carinho subitamente, olhando para a minha irmã com uma expressão
confusa.
— É um documentário sobre pinguins, Kim — ela diz como se Kimberly fosse uma
criança. — Eles estão apenas migrando para outro lugar mais propício.
— Exatamente! Eles tiveram que deixar os seus iglus, é tão injusto! — o choro dela se
intensifica ainda mais.
— Certo, meu limite é esse. — Mia sorri e a empurra delicadamente para os braços de
Diana. — Agora é com você, parceira.
Minha bússola escolhe justamente esse momento para levantar o seu celular e captar
uma foto de Kim descabelada e com o rímel todo borrado devido ao choro.
É agora.
É agora que a guerra começa.
— Essa vai para o Instagram. — A diaba ri, maléfica.
— Ela não vale nada mesmo, hein — Brandon fala baixo, olhando para ela. —
Kimberly vai surtar.
— Apaga essa foto agora, sua insuportável! — Kimberly esbraveja.
Nos pegando desprevenidos, minha irmã pula em cima dela no sofá e as duas começam
uma disputa tenebrosa atrás do celular de Diana, com direito a muitos gritinhos estridentes,
principalmente da pobre Mia, que está entre as duas, quase chorando por não conseguir sair do
meio.
— Quem irá se sacrificar? — Asher questiona em voz baixa, inclinando na nossa
direção.
— Eu voto no Kyle — Brandon responde de imediato.
— Eu também — ele complementa.
Encaro os dois com todo o meu ódio. Injusto. Sempre sobra para mim.
Reviro os olhos antes de levantar e agarrar Diana pela cintura, a erguendo e trazendo-a
comigo para o outro sofá. Vejo que a loirinha está rindo agora enquanto segura uma Kim
emburrada.
Me jogo contra as almofadas, ainda agarrado à Diana e a fazendo cair sentada em meu
colo, tentando prender o riso e me olhando com uma expressão inocente.
— Nem um pio. — Lhe dou um falso olhar irritado.
A diaba passa os dedos pela boca como se a trancasse e jogasse a chave fora.
De repente, Mia se levanta em um rompante, encarando o celular e abanando o rosto
com uma das mãos.
— O que foi, minha metade? — Bran se assusta, finalmente se aproximando.
— Ah, meu Deus!
— Mia — minha bússola chama, se levantando do meu colo. — Está nos assustando.
— Um desfile! — ela grita, começando a pular e nos deixando ainda mais confusos. —
Jade Allister vai voltar às passarelas. Jade Allister quer um vestido meu para usar no seu retorno!
Um sorriso cresce em meus lábios quando entendo a magnitude disso.
Jade Allister é uma modelo muito famosa que deu uma pausa na carreira há dois anos
para cuidar do filho. Seu nome está no topo quando se trata das passarelas pelo jeito autêntico e
marcante que se consolidou no mercado, quando ainda era uma criança. É quase impossível não
saber quem ela é, porque Kimberly era meio apaixonada pela modelo e as tendências da moda
que ela alavancou.
Nas últimas semanas, surgiram muitas polêmicas sobre o casamento dela com Nicholas
Allister, considerado atualmente uma das ascensões do hóquei. Eles eram o assunto favorito da
mídia e a possibilidade de estarem se separando tem causado um alvoroço, mas, até o momento,
nada foi confirmado.
Nicholas e Dominic Allister são conhecidos como os reis do hóquei. Ninguém consegue
vencê-los. Entretanto, se levarmos em consideração todas as polêmicas e dúvidas que o
sobrenome dos irmãos carregam, pode-se dizer que o reinado deles talvez esteja ameaçado.
— E Safira Montgomery também! — Dá outro gritinho estridente.
— Os boatos sobre ela largar a carreira de modelo são reais? — Diana pergunta,
curiosa. — Será que é o último desfile?
Arrasto meu olhar até Mia, que possui um enorme sorriso no rosto. Não é segredo para
ninguém que Safira Montgomery é uma das maiores modelos da atualidade e que largou o noivo
dias antes do casamento sem ninguém saber o motivo. É tudo o que sei, segundo os sites de
fofoca que, de vez em quando, passam na minha timeline.
— Não sei — Mia responde e volta a nos encarar, animada. — Só sei que os meus
vestidos vão para a Fashion Week!
Saber que a minha amiga vai ser a responsável por vestir duas das modelos mais
importantes do país, me faz sorrir em sua direção.
— Isso é incrível, Mia — Kim comemora, jogando-se em cima dela com força,
parecendo se esquecer do seu pequeno escândalo segundos atrás. — Estou tão feliz por você!
— Vamos fazer brigadeiro para comemorar. — Diana se anima.
Asher abraça as duas, beijando a cabeça de Mia com um sorriso genuíno. Diana faz uma
dancinha em volta deles e então, Bran puxa a loirinha para si, fazendo cara feia para nós, e ela
finalmente começa a chorar emocionada contra o peito dele.
Quando Kim e Bran começam a discutir o porquê ele nunca aceita dividir Mia, eu a
abraço com força, orgulhoso pra caralho do que ela está começando a conquistar. Quando nos
conhecemos, a carrapatinha estava muito receosa. Demorou muito tempo para que confiasse em
mim e em Asher. Brandon sempre foi o seu único amigo e vice-versa, e Asher também não era a
pessoa mais amigável do mundo.
Quando os vi, eu soube. Soube que eles eram a minha nova família. Uma que encontrei.
Que era apenas minha.
Foi difícil no início. Nenhum deles parecia ser fácil, à sua própria maneira.
Asher era arredio. Brandon ciumento. E Mia corava e gaguejava numa frequência que
chegava a ser absurda. No entanto, não demorou muito para que nos tivesse em sua palma. Eu
entendia bem o motivo pelo qual Brandon se apaixonou por ela. A baixinha é encantadora.
Ela é a nossa carrapata.
Eu posso ter juntado essa família, posso tê-los encontrado, mas é Mia quem conseguiu
nos unir. Ela foi a responsável por trazer Diana para o nosso grupo. Por enturmar Kim quando
minha irmã chegou a Yale. Ainda é ela quem insiste em nos unir todos os finais de semana para
assistirmos as suas séries favoritas.
— Estou muito orgulhoso de você, carrapata — digo, bagunçando seus cabelos curtos.
— Eu te amo — sussurro para que só ela ouça.
O sorriso que me lança é contagiante. É feliz.
— Obrigada, Ky. Eu também te amo — agradece e então arregala os olhos. — E preciso
ligar para o meu irmão!
Reviro os olhos, ouvindo seu riso ao ver a minha expressão antes de assisti-la sair
correndo em direção ao corredor. Ainda é possível ouvir os seus gritos enquanto conta a
novidade ao Connor.
Quando chego na cozinha, vejo que Diana e Kim estão de frente ao fogão, colocando a
lata de leite condensado na panela enquanto discutem sobre o melhor jeito de raspa-la, mas não
demora até que a minha irmã se irrite, achando que domina algum talento na cozinha.
— Vá encher o saco do seu namorado e me deixe fazer o meu brigadeiro em paz. —
Kimberly empurra Diana para mim, nos dando as costas e resmungando para o fogão.
Minha bússola revira os olhos, imitando as expressões e resmungos de Kim, como uma
criança pirracenta e eu não consigo evitar a risada, colocando alguns dos seus cachos atrás da
orelha.
— Meu apartamento fica pronto hoje — ela diz, sua mão acariciando a minha nuca.
É a vez de Diana rir quando forço um biquinho triste, que não é forçado.
— Seu apartamento podia ser esse aqui — resmungo, roubando um selinho dela e
colocando-a sentada sobre o balcão de mármore, deixando Kimberly se virar com a panela.
— Não posso ficar aqui para sempre.
— Não? — pergunto, franzindo o cenho. — Por quê?
— Não sei — ela responde com a mesma expressão que a minha. — Mas não posso.
— Aqui tem muito mais espaço para você.
— Lá tem o mesmo tamanho, sabia?
— Isso é um convite?
— Você precisa de um?
— Definitivamente não. — Rio.
Percebo que, desde que alguns pontos foram esclarecidos, eu estou sempre sorrindo
quando estou ao seu redor. E sorrio de uma forma que deixa as minhas bochechas adormecidas,
os meus lábios doloridos e, ainda assim, continuo sorrindo.
— O Hector disse que vai ter uma festa na fraternidade amanhã — ela muda de assunto.
— Por que o Hector mandou isso para você e não para mim?
— Sou mais legal do que você — brinca.
— Isso não é verdade.
— Claro que é.
Quando estou prestes a rebater, escuto um grito de Kim e a encaro, vendo-a pular para o
lado, desligando o fogão rapidamente. Asher aparece como um furacão na cozinha, preocupado
com a minha irmã.
— Acho que algo deu errado, Di — Kimberly diz com o nariz torcido em direção à
panela.
Diana salta da banqueta quando olha naquela direção.
— Puta que pariu! — xinga, observando o conteúdo da panela e se virando para a minha
irmã. — Você queimou o meu brigadeiro!
Kim cai no choro mais uma vez e Asher suspira, a abraçando. Mia aparece na cozinha
quando percebe a movimentação e vê a panela totalmente inutilizável, começando a rir
descontroladamente, o que faz minha irmã chorar mais e Diana continuar a reclamar.
— E lá vamos nós outra vez — resmungo, bufando.
— Não aguento mais — Bran respira fundo, chegando na cozinha.
— Onde fomos nos meter? — Ash diz, resignado.
É irritante.
Um caos.
E mesmo com as reclamações, não viveríamos sem essas três.
Elas fazem parte do nosso elo.
Elas são a nossa família.
Tem tanta coisa pra eu lhe mostrar
Vem descobrir os porquês, os quês, os prós e contras
Eu nunca tive medo, mas
Você parece não ser bem lugar seguro
Eu não quero segredo, mas
Você parece ser bom de guardar no escuro
Então, deixa eu te guardar lá em casa
No Escuro | Ana Gabriela feat. Anavitória
O som da festa fica cada vez mais alto conforme nos aproximamos.
Asher veio dirigindo porque está diminuindo o consumo de álcool nos últimos tempos,
algo sobre o seu irmão estar quase conseguindo convencê-lo a ir atrás de um agente. E Brandon
decidiu não vir dessa vez, já que Mia ainda não voltou da viagem com o irmão.
A fraternidade está lotada quando entramos e precisamos nos espremer entre as pessoas
até chegarmos ao balcão da cozinha. O jogo de luzes, combinado com a batida da música, deixa
tudo tão atraente quanto animador. Kimberly e eu nos olhamos, tendo o mesmo pensamento: a
pista de dança nos verá em breve.
— Meus convidados de honra! — Hector grita, alto demais. Nem mesmo percebi de
onde saiu. Ele parece já estar bêbado quando abraça Kyle com força e beija a sua bochecha. —
Meu amor, que saudade!
Asher revira os olhos sem nem mesmo disfarçar, me arrancando uma risadinha.
— Cuidado, Diana, esse aí é especialista em roubar o coração de pessoas
comprometidas — Asher brinca. — E um grande amigo de noitada do seu namoradinho.
— Não seja tão ciumento — ele brinca, piscando para Asher, que o mostra o dedo do
meio. — Foi você quem nos traiu primeiro com essa aí. — Ele inclina o queixo para frente,
sinalizando Kim, e depois suspira ao me encarar. — E agora, o meu melhor amigo se rendeu
também.
— Quanto drama, Hector — Kim brinca.
— Vocês não me entendem — dramatiza. — Como poderiam? São… — ele para de
falar subitamente, fazendo com que todos olhem para o mesmo lugar que ele, vendo uma ruiva o
encarar fixamente.
— Sua dona te distraiu? — Kimberly provoca, acenando para a garota, que retribui com
um sorriso contido antes de se virar e se misturar em meio à multidão.
— Ela não é mais a minha dona — ele pontua, erguendo as sobrancelhas. — E vocês
ficaram chatos de repente.
Hector revira os olhos, se afastando.
— Quem é a ruivinha? — pergunto.
— A ex dele — Kim diz.
— Ele e Kyle eram um clube — Asher completa.
— Vá se foder — Kyle o responde. — E pare de falar merda.
— Um clube? — pergunto, interessada.
— É — o lutador concorda. — O clube dos corações partidos pelas exs.
Um riso me escapa, mas coloco a mão em frente à boca quando Ky me lança um olhar
de repreensão.
— Você é a minha maior inimiga — resmunga, virando a garrafa de cerveja.
— Desculpa, amor — tento responder de volta, mas ainda estou rindo.
Apesar de parecer a coisa mais ridícula do mundo, essa coisa de “clube dos corações
partidos pelas exs” parece ser exatamente o tipo de ideia idiota que Kyle teria e, pelo pouco que
conheço do Hector, não duvido que nem ao menos pensou antes de entrar na ideia do amigo.
— Uma partida, linda? — Asher convida Kim, inclinando a cabeça para a mesa de
sinuca.
— Voltamos daqui a pouco. — Kimberly aceita a mão do namorado e os dois somem
em meio às pessoas.
— Vou ao banheiro, ok? — Ky diz antes de beijar a minha bochecha. — Não sai daqui.
Assinto, virando-me em direção ao balcão quando ele se afasta.
— Um drink? — Um garoto, que parece ser o barman, me oferece a taça, misturando
vodca com um suco rosa estranho que parece muito gostoso. — Cortesia.
— Vou aceitar. — Sorrio. — Obrigada.
Continuo observando as pessoas animadas no centro da sala, em frente ao DJ calouro
que toca euforicamente. Dou risada quando desvio o olhar e flagro Kim e Asher batendo boca na
mesa de sinuca, como se fossem rivais de longa data.
Eu aposto tudo o que tenho que Kimberly está perdendo.
Balanço a cabeça em negação, pensando no quão irônico é que ela e Kyle sejam tão
parecidos.
Minha bebida parece tão gostosa e mais atrativa que, quando vejo Kyle voltando, não há
mais nada na taça. No entanto, quando me viro para tentar pedir mais um drink, não vejo o cara
que me ofereceu em canto algum, fazendo com que eu bufe em frustração no segundo seguinte.
— Tudo bem? — Kyle pergunta ao se aproximar, afastando meus cabelos para trás ao
notar que a minha nuca está começando a ficar úmida devido ao calor do apartamento.
— Humrum.
Kyle dá a volta no balcão, o que faz com que eu gire na banqueta para acompanhá-lo
com o olhar. Ele pega uma cerveja, abrindo-a com uma das mãos, e se encaixa entre as minhas
pernas, apoiando a outra mão na minha coxa.
— O que iremos fazer na semana que vem? — pergunta, sorrindo, antes de dar um gole.
— Como assim, o que iremos fazer na semana que vem? — rebato, meu cenho se
franzindo.
Kyle revira os olhos.
— Irá fazer um mês que voltamos. Precisamos comemorar.
Um sorriso começa a tomar conta dos meus lábios quando entendo ao que ele está se
referindo e decido brincar um pouco.
— Voltamos, é? — Ergo a sobrancelha. — Não lembro de ter recebido um pedido.
Ele bufa, sua mão subindo pelo meu corpo até parar em meu rosto e se aproxima, me
beijando devagar. Sua língua se entrelaça à minha calmamente enquanto equilibra a cerveja com
uma mão e segura o meu rosto com a outra.
Kyle morde meu lábio inferior antes de me soltar e me encarar novamente.
— Você gosta de atentar o meu juízo, não é, bússola?
Sorrio.
— Não fiz nada demais. — Pisco duas vezes, fingindo inocência.
Ele tenta me beijar outra vez, mas quando Slow Down do Chase Atlantic começa a
tocar, eu sorrio de verdade. E Kyle me acompanha quando o faço. Kim se aproxima nesse
momento e posso notar a sua euforia também.
— Vamos dançar!
Ela não espera por uma resposta, apenas me puxa para o meio das pessoas, mas de uma
forma que ainda ficamos à vista dos meninos.
Kim e eu dançamos muito.
A música embala os nossos sorrisos e não nos importamos nem um pouco no quanto
estamos parecendo espalhafatosas agora enquanto cantamos a plenos pulmões e pulamos como
duas loucas no meio das pessoas.
Somos nós.
Duas melhores amigas.
Irmãs de almas.
Um elo que um dia foi corroído, mas que agora está sendo reconstruído.
Nosso riso parece ecoar por todo canto, mesmo com o volume da música.
Meu peito bate acelerado, feliz.
Estou feliz. Finalmente.
Minha amiga reclama de dor nos pés, por causa dos saltos, mas eu ainda sinto que tenho
disposição para mais vinte músicas e ela decide ficar comigo. Até perco a noção do tempo, mas,
em algum momento, tudo ao meu redor parece ficar um pouco abafado.
Tudo gira rápido demais.
Porém, ainda estou eufórica.
Suada.
Ofegante.
Não demora até que Kim me arraste novamente para perto dos meninos e diz que
precisa ir ao banheiro, ela pergunta se também quero ir, mas nego e Asher a acompanha até lá.
É estranho.
As coisas parecem estar acontecendo tão rápido.
— Acho que já deu de bebida para você hoje, não é, linda? — Kyle pergunta, tirando o
seu copo da minha mão quando o pego.
— Não, ainda estou sóbria. — Tento tirar o copo da mão dele outra vez, mas falho ao
tombar em seu corpo. — O que há de errado em se divertir? — questiono, manhosa.
Kyle encara meus olhos de forma estranha, parecendo muito atento em mim de repente,
e passa a mão pela minha testa suada e pegajosa.
— Você bebeu demais, amor, por que não vamos para casa e assistimos um filme?
— Eu bebi apenas um drink — justifico. — Ainda estou bem, olha.
Tento colocar o pé direito no joelho esquerdo para fazer um quatro e convencê-lo de
que está tudo bem, mas gargalho quando tombo para o lado, quase indo em direção ao chão se
Kyle não me amparasse antes que isso acontecesse.
Ele segura a minha cintura com firmeza e eu murmuro o quanto é um chato.
— Podemos ficar só mais um pouco?
— Não. — Ele é firme e vejo, de canto de olho, quando Asher e Kim se aproximam.
— Já vão? — minha amiga pergunta.
— Não — respondo.
— Sim — Kyle rebate. — Diana está… — Ele para, passando a língua pelo lábio como
se não soubesse o que dizer e encara Asher. — Ela não está bem.
— Gente, eu estou ótima. — Sorrio, vendo os três rostos preocupados virados em minha
direção. — Eu juro.
— Amiga, vamos para casa. — Kim tenta sorrir, mas é em vão. — Estou cansada.
Semicerro os olhos.
— Não está — teimo em rebater, sabendo que eles estão estranhos. — Está mentindo
para mim.
— Amor…
— Vamos ficar apenas mais um pouco, aqui está tão…
A palavra trava na minha garganta, fecho a boca e respiro fundo quando uma náusea
estranha me atinge com força, fazendo meu estômago inteiro revirar.
— Di?
— Acho que… tem alguma coisa errada. Estou enjoada. Estou… — Passo a mão pela
minha testa pegajosa. — Suando. Está muito quente aqui, mas estou com frio.
— Disse que bebeu só um drink, certo? — Kyle me pergunta, preocupado, e eu não
entendo o porquê disso, mas assinto ao concordar. — Quem te entregou?
— O barman — respondo, como se fosse óbvio.
Asher e Kyle trocam olhares.
— O que está acontecendo?
— Vamos sair daqui, ok? — Kyle fala devagar. — Prometo que na próxima ficamos até
amanhecer.
Eu concordo com ele apenas porque parece estar com medo de alguma coisa. E mesmo
que não entenda, sei que há algo estranho acontecendo. Algo que não estou notando.
Pisco devagar quando uma onda de enjoo me atinge e tudo dói.
Minha cabeça gira.
E, de repente, estou vendo duplicado.
Há algo de errado. Muito errado.
— Tem alguma coisa errada — repito, balbuciando dessa vez, mas as palavras parecem
sair embaralhadas.
— Diana? — Asher me chama, segurando o meu rosto.
Não sei para onde olhar, porque há dois dele na minha frente.
— Não estou bem. Você está girando.
— Diana, o que você bebeu?
Porém, não consigo responder.
Porque começo a ouvir zunidos, como um soneto que fica em looping o tempo todo.
Parecem teclas de piano.
O tom sobe.
Sobe.
Sobe.
E sobe.
Então, para.
Kimberly grita, chamando o meu nome.
E eu sinto os braços de Kyle me ampararem antes de tudo escurecer.
Pavor.
Pavor é tudo o que consigo sentir quando Diana cai semiconsciente em meus braços.
Tudo em mim se torna medo em uma fração de segundos.
— Diana! — Kim chama, chorando. — Diana!
— Ela foi drogada — Asher diz, nervoso, analisando as pupilas dilatadas dela. — Não
tenho certeza, mas ela estava eufórica na pista com Kim, está muito suada e disse que estava com
frio… — Ele me olha receoso. — Precisamos levá-la ao hospital, Kyle. Não sabemos o que ela
pode ter ingerido.
Não consigo pronunciar uma palavra sequer. Tudo o que consigo raciocinar é o alerta
em meu cérebro, gritando perigo.
Diana balbucia alguma coisa incoerente e eu a pego no colo rapidamente. Asher e Kim
caminham à nossa frente, abrindo espaço até a saída. Kimberly parece atordoada, com as suas
costas coladas no peito de Ash. Eu me mantenho a um passo atrás, praticamente correndo,
enquanto sinto Diana ficar cada vez mais mole em meus braços.
O caminho até o hospital é um borrão.
Minha bússola convulsiona em meus braços, revirando os olhos e tenho certeza de que o
som dos seus dentes rangendo nunca mais sairá da minha mente. Kimberly grita ao telefone com
a nossa mãe, desesperada, e Asher dirige tão rápido que com certeza acumula algumas multas de
trânsito no trajeto.
Quando chegamos, mal espero que ele estacione para saltar do carro e entro correndo na
emergência, gritando por ajuda. Um enfermeiro e uma médica rapidamente colocam Diana em
uma maca, levando-a para longe, e eu tento acompanhar, mas Asher me segura no lugar.
E só então percebo que estou chorando.
Minhas pernas cedem e meus joelhos vão ao chão.
Não consigo me controlar.
Isso parece a porra de um pesadelo.
Eu preciso acordar.
Diana precisa acordar.
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
Tudo o que eu amo reside naqueles olhos
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
A única que eu conheço, a única em mente
Você tem esse poder sobre mim
Power Over Me | Dermot Kennedy
— O que aconteceu? — pergunto ao vê-lo tão abalado. — Kyle, por que estou no
hospital?
Tento me manter calma enquanto olho ao redor, mas isso se torna impossível quando
percebo a agulha com soro enfiada no meu braço, a roupa que estou vestindo e todos os fios
ligados ao meu peito.
Minha respiração se torna irregular quando as minhas próprias palavras passam pelos
meus ouvidos.
Estou no hospital
Como?
Por quê?
Minha boca está seca e amarga de uma forma que me faz querer vomitar. No entanto, da
forma que estou sentindo o meu estômago revirar, não irá sair nada. Tudo dói. Meu corpo parece
ter corrido uma maratona, enquanto a minha cabeça parece ter batido contra alguma coisa.
— Você foi drogada. — Ele é direto, porém, seu tom é cuidadoso. — Alguém batizou a
sua bebida.
As suas palavras me acertam com um peso inesperado.
Como?
Olho para o soro em meu braço, para o meu corpo e então para Kyle.
— Como?
— Tudo indica que você ingeriu ecstasy[17].
— Mas como? Eu não bebi nada de estranho.
— Bebeu, amor — ele rebate, tentando encontrar a melhor forma de me explicar o que
aconteceu. — Disse que um barman lhe ofereceu a bebida.
— Sim, isso foi logo depois que você foi ao banheiro. Ele estava servindo muitas
pessoas.
— Di — me interrompe, suspirando. — Não tinha nenhum barman na festa. Eu
confirmei com o Hector.
É como um soco no estômago e me dou conta do quão estúpida fui.
Que idiota! Eu nunca deveria ter aceitado bebida nenhuma, principalmente de um
estranho. Essa é, literalmente, a coisa mais importante ao ir a uma festa.
Eu fui tão ingênua.
Arrasto-me na cama até estar sentada com as costas encostadas na cabeceira. Passo a
mão pelo rosto, tentando recuperar mais da minha lucidez.
— Tem algo nesse soro? — pergunto. — Estou me sentindo um pouco sonolenta.
— O médico nos explicou que o seu corpo precisa de um tempo para se recuperar, está
exausto. Fizeram uma lavagem no seu intestino.
— Que horas são?
— Quase cinco da tarde.
— Estou aqui desde ontem?
Kyle assente.
— Quer um pouco de água?
— Sim — aceito, querendo tirar o amargor da minha boca a todo custo.
Eu já bebi até cair antes. Já bebi de formas que me deixaram inexplicavelmente mal e
dolorida no dia seguinte, contudo, nada se compara à sensação que me toma agora.
Além da dor física, sinto vergonha por estar em uma situação dessas. Principalmente
porque não consigo me lembrar de nada além da sensação de enjoo e sufocamento que senti
antes de cair nos braços de Kyle.
Não consigo sequer me lembrar do rosto do homem que me dopou.
E isso me deixa ainda mais envergonhada.
Eu sou uma mulher. Eu tomo cuidado com o que bebo e como na rua. Tomo cuidado até
mesmo com a forma pela qual ando. Não deveria ser assim e todos estão cansados de saber disso,
mas, infelizmente, é a nossa realidade.
Sou esperta e cuidadosa.
E é isso que tem me feito pensar tanto no quanto fui idiota em aceitar aquela bebida
apenas porque o vi servir alguém antes.
— Você dormiu aqui?
— Não cheguei a dormir — responde. — Mas fiquei com você o tempo inteiro.
Isso me deixa um pouco mais tranquila, ao passo que a culpa aumenta mais um pouco.
Ele poderia estar mais confortável se estivesse em casa, poderia não estar aqui, cuidando de uma
imprudente.
— Desculpa te fazer passar por isso — peço, as lágrimas banhando meus olhos. — Não
cogitei que poderia ter algo de errado quando ele me ofereceu a bebida.
— Ei, amor. — Ky passa os polegares pelas minhas bochechas, limpando as lágrimas.
— Não precisa se preocupar. Estávamos em uma festa e é normal beber. Não tem que se
desculpar por nada, porque não é culpa sua.
Eu fungo e assinto, mesmo que ainda vá demorar um pouquinho para acreditar em suas
palavras. Ele está certo. Eu não fiz nada de errado, exceto que a minha mente discorda disso.
Então não há muito o que eu possa fazer para mudar isso, além de me acostumar com a situação.
— Quando irei para casa?
— Provavelmente quando esse soro terminar. A doutora deve aparecer aqui novamente
daqui a uns… — Ele desbloqueia o celular para conferir o horário. — Quinze minutos.
Suspiro, frustrada.
Odeio a ideia de estar aqui. Odeio a ideia de estar vulnerável novamente.
— Pode ficar aqui comigo? — pergunto, abrindo um pouco de espaço na maca para ele.
— É claro, minha bússola — Ky concorda, sentando-se ao meu lado e beijando a minha
testa. — Irei ficar para sempre.
Quando chego ao meu quarto, sinto uma vontade absurda de me jogar na cama e tentar
dormir para esquecer do caos que as últimas horas se tornaram, no entanto, não pude tomar um
banho no hospital e estou me sentindo agoniada por ter passado tanto tempo naquele ambiente.
É por isso que sigo direto para o banheiro, desfazendo-me da camiseta de Kyle e do
short que Kim levou para mim quando foi nos buscar e entro no box. A água morna causa um
efeito instantâneo no meu corpo, relaxando meus músculos e fazendo com que eu aprecie o
momento, apesar de ainda estar pensando sobre tudo.
Odeio a sensação de culpa e humilhação que ainda paira sobre mim, e é isso que me
impede de me sentir melhor. Me faz sentir culpada até mesmo por estar aproveitando esse
momento de banho.
Enrolo a toalha no cabelo depois que fecho o registro e saio do banheiro enrolando o
meu corpo em outra. Entro no closet que ainda não tem muitas coisas minhas e pego uma das
camisetas do Kyle. Visto um short de pijama confortável e meias rosas com pizzas estampadas.
Me olho no espelho antes de sair, notando o quão deplorável ainda pareço mesmo
depois do banho. Meus olhos estão inchados e vermelhos, meu braço está machucado por conta
da agulha e me sinto fraca por não ter comido o suficiente para me sustentar de pé e tirar o
amargor insistente que há em minha boca.
O apartamento está em silêncio, pois Kim disse que passaria a noite com Asher e Loren
foi embora assim que teve certeza de que Kyle e eu estávamos em casa, em segurança. Ela
garantiu que tomaria as medidas cabíveis para que isso fosse resolvido o mais rápido possível e
também se encarregou de ligar para a minha mãe, me prometendo que a acalmaria caso surtasse,
o que sei que irá acontecer.
Mamãe tende a agir primeiro e pensar depois. Não duvido que pegue o primeiro voo até
New Haven apenas para procurar, ela mesma, quem foi o responsável por isso. O que, para mim,
tem sido uma incógnita, mas tenho tentado não dar voz às possibilidades que a minha cabecinha
está pensando.
Kyle está me esperando sentado na cama quando volto para o quarto, já trocado e sem o
cheiro de hospital. Me enfio debaixo das cobertas antes mesmo que diga algo, sentindo frio.
— Trouxe sopa. — Ele aponta para a mesinha de cabeceira. — Como você está?
— Você fez a sopa? — brinco, vendo-o revirar os olhos, sabendo que ele provavelmente
comprou. — Então eu quero.
Ky sorri, me mostrando a língua em provocação. Percebo que seus olhos estão inchados,
provavelmente de sono, e sua postura está abatida, como se ele estivesse cansado demais até
mesmo para caminhar. E mesmo assim, continua aqui, cuidando de mim.
— Não respondeu como está.
— Ah — resmungo, mexendo a colher de um lado para o outro dentro da tigela,
tentando fazê-la esfriar mais rápido. — Ainda estou me sentindo bem merda por ter deixado isso
acontecer e…
— Você não deixou nada acontecer — me interrompe. Kyle respira fundo e se senta à
minha frente, olhando para mim. — Estávamos em uma festa, amor, cheia de bebidas alcoólicas.
Você aceitou uma e aconteceu de estar batizada. Não é normal e nem deveria ser comum, mas
infelizmente é e aconteceu. Você foi uma vítima, como qualquer outra pessoa poderia ter sido.
Poderia ter sido qualquer um de nós.
Suspiro consternada, sabendo que ele está certo, mas não consigo deixar de pensar
assim. O que me faz lembrar que, em breve, precisarei procurar uma nova psicóloga e voltar às
sessões de terapia recorrentes.
— Sei que está certo. Infelizmente, há muitas pessoas mal-intencionadas no mundo e
não há muito o que possamos fazer para consertar isso, porém não consigo parar — digo. — Em
algum momento, eu irei entender isso, mas ainda não é agora. Não consigo processar essa
situação direito, porque parece irreal demais que algo desse tipo tenha acontecido comigo. Não
entendo o porquê.
— Eu sei, linda, o importante é você saber que não tem culpa de nada e que mesmo que
demore para assimilar isso, irá ficar tudo bem.
Eu assinto.
— Estou cansada de ser sempre a vítima — digo baixinho o que vem me atormentando
desde que acordei no hospital. — Já é a segunda vez que acontece na minha vida.
Kyle suspira, mas não esboça surpresa pelo que eu digo. Ele apenas tira a tigela das
minhas mãos, colocando na mesinha de cabeceira, e se senta ao meu lado, me puxando contra o
seu peito.
— Eu sabia que essa cabecinha estava pensando mais do que estava dizendo. — Beija a
minha testa. — Para mim, você é a heroína da história. Da nossa história.
— Eu fui embora, lembra?
— E foi porque você ainda me fazia sentir qualquer coisa, que eu saí daquela banheira
— ele sussurra.
— Kim me contou — confesso depois de alguns segundos absorvendo a informação. —
Quer conversar sobre isso?
— Um dia. — Ele sorri, mas seu sorriso não chega aos olhos.
— Vou voltar à terapia — anuncio.
— Vou parar de enrolar a minha terapeuta e finalmente marcar uma data.
Alguns dias atrás, Kim tinha me contado a história da banheira, disse que Kyle parecia
sobrecarregado demais com a faculdade, os trabalhos e os treinos excessivos focados no
campeonato, tudo isso somado ao que o pai havia feito acabaram fazendo-o ter essa crise.
Isso me deixou assustada pra caralho. Meu coração se apertou de angústia apenas com a
possibilidade de ela não ter chegado a tempo.
Mas Loren o convenceu a começar a terapia e, apesar de não ter se oposto, ele ainda não
havia começado ou mostrado tanto interesse assim. E o fato de saber que agora irá buscar por
essa ajuda, me deixa feliz. Feliz porque, finalmente, iremos buscar a ajuda que precisamos para
nos reerguermos e conseguirmos ajudar um ao outro. A terapia é o primeiro grande passo para
que consigamos fazer isso.
Ouço seu suspiro, mas esse é acompanhado de um pequeno sorriso.
— Vou para o meu quarto, se precisar de algo, é só chamar.
Ky faz menção de se levantar, mas eu o paro, segurando em seu braço para impedi-lo.
Não quero ficar sozinha. Não quero espaço.
— Seria demais pedir para você ficar ao menos essa noite?
Ele sorri, apesar do cansaço.
— Seria demais não pedir para que eu ficasse, minha bússola.
Sorrio ao abrir mais espaço para ele na cama, em meio a tantos travesseiros, e Kyle se
ajeita, ficando confortável, e apenas então que noto meias idênticas às minhas em seus pés.
— Sério? — brinco.
— O que foi? — pergunta, sorrindo debochado. — Está com inveja das minhas meias?
Tiro meus pés debaixo da coberta, mostrando que estamos com os pares iguais e ele ri.
— Certeza que roubou o meu par extra, assim como fez com os meus brigadeiros —
resmungo, engolindo a sopa.
— Não seja boba. As meias, eu peguei emprestado.
Reviro os olhos, mas há um sorriso em meus lábios. Com ele, sempre é assim.
Dou play no primeiro filme que aparece, me aconchegando no seu corpo quentinho,
sabendo que não importa o quanto seja doloroso, o quanto tudo seja um caos, ele ainda está aqui.
Ao meu lado.
Cuidando de mim.
Agora, vá ficar no canto e pensar sobre o que você fez
(Está na hora de uma vingancinha!)
A história começa quando estava calor e era verão e
Eu tinha tudo, ele estava bem onde eu queria
Better Than Revenge | Taylor Swift
Eu menti.
Menti quando disse que Maxon não abusou de mim.
Fiz isso porque Kyle nunca conseguiria conviver com o fato de que foi fruto de um
abuso. E eu jamais condenaria um dos meus bens mais preciosos a conviver com isso. Jamais
deixaria que se culpasse.
Meus filhos são a coisa que mais amo no mundo.
Eu tinha apenas dezessete anos quando meu pai me obrigou a ir a um evento da nossa
empresa. Maxon me encontrou quando tentei me esconder. Nos conhecíamos somente de vista,
as nossas famílias eram amigas e eu já havia conversado com ele algumas vezes, por isso, não
hesitei em aceitar a bebida que me ofereceu.
E depois, lembro-me apenas de acordar nua numa cama de um hotel barato.
Dois meses depois, estava em um vestido de noiva.
Maxon era bonito, falava bem e sabia como me ganhar. Não foi difícil para ele, no
início, conseguir me colocar em volta dos seus dedos e fazer com que eu aceitasse um acordo.
Eu, como uma idiota apaixonada, caí como um patinho.
E foi quando o meu inferno começou.
Quando soube da primeira traição, ele já era outra pessoa. Uma mulher apareceu com
uma menininha na minha porta, se recusando a criá-la, e Maxon disse que daria um fim naquele
bebê.
Mas eu não permiti.
Eu já estava afastada do Direito há um bom tempo e sumi da vista de todos os
conhecidos e meios midiáticos. Eu não tinha nada a perder, então quando aparecemos com uma
menina nos braços e outro bebê no colo, todos acreditaram que eu estava apenas me
resguardando por causa de uma gravidez de risco seguida de outra.
Kimberly foi minha desde o primeiro dia.
Apenas minha.
E foi a minha menina quem me manteve de pé quando Maxon abusou de mim.
Foi ela quem me manteve de pé quando descobri que estava grávida.
Kimberly e Kyle foram as únicas coisas boas que Maxon conseguiu me dar.
Apesar de ambos terem surgido da minha vergonha e humilhação, eu enfrentaria tudo
novamente por eles.
Pelos meus filhos. Pela única causa pela qual sempre pude lutar.
Mas eles não podem saber.
Jamais darei a eles um fardo que não os pertence.
Jamais daria a eles munições para se destruírem.
Minha negligência nos últimos anos, por medo do que Maxon poderia fazer, já foi o
suficiente. O medo de que Kim soubesse sobre o seu passado ou que Kyle soubesse como foi
concebido, era mais alto do que o meu dever de mãe.
Eu os queria em segurança.
E hoje, vejo que poderia ter agido com muito mais agilidade e ter derrubado Maxon
muito mais rápido.
— O que está fazendo aqui? — ele esbraveja assim que o policial aperta o seu ombro
para que permaneça sentado.
— Se recorda de quando eu te disse que poderia fazer o que bem entendesse comigo,
desde que não afetasse os meus filhos?
— Os meus filhos, você quer dizer. — Ele sorri, como se estivesse em posição de algo.
— Lembro bem. Você costumava ser bastante obediente.
Nojo toma conta do meu estômago, mas não deixo que ele perceba.
— Soube que tentou manipular Kyle.
— Você me pinta como um monstro, querida.
— É o que você é.
— E você não é muito diferente. Ou devo te lembrar de como age para defender os seus
clientes?
— Adivinhe com quem eu aprendi.
— O que quer aqui?
Suspiro, enrolando o dedo despretensiosamente no fio do telefone enquanto o encaro,
vendo que está prestes a perder a paciência.
— Você ameaçou os meus filhos. — Maxon continua quieto. — Você tentou e abusou
de várias mulheres. Incluindo, a namorada do seu filho. E imagina a minha surpresa quando
descobri que, há menos de um dia, você foi o responsável por drogá-la?
Não entendo suas motivações. Não entendo porque fazer mal a essa garota dessa forma.
Novamente. E, sendo sincera, não quero me esforçar para entendê-lo ou sequer ouvir
explicações.
Contudo, esse é um fato do qual meus filhos jamais saberão. Eles já têm a plena noção
de que o pai deles não passa de uma pedra no nosso sapato e isso é o suficiente. Não quero nutrir
ainda mais ódio no coração deles por algo que não podem mudar.
Então, eu mesma cuidarei disso.
— Oh, sim, e o que vai fazer em relação a isso? — debocha. — Revidar?
Apoio os cotovelos na mesa e sorrio.
É um sorriso frio.
O sorriso que ele vai lembrar nessa noite.
— Você esquece que sou muito melhor do que você, Maxon — digo. — Não sou uma
mulher de ameaças. Eu vim te dar apenas um aviso e essa será a única chance que você terá de
permanecer aqui.
— Não é como se tivesse o poder de me jogar de uma prisão para outra de forma
simples, querida.
— E quem disse que estou falando de prisões, querido?
Os olhos de Maxon escurecem, sabendo que essa não é uma ameaça em vão. Não é uma
ameaça à sua estabilidade na cadeia. É uma ameaça à sua estabilidade na vida.
— E o que vai fazer? Me matar?
— Exatamente.
— Sabe que essa ligação está sendo monitorada, certo?
— E você se lembra do porquê sempre fui muito melhor do que você em manter a
poeira debaixo do tapete, certo?
— E acha mesmo que acredito em alguma ameaça vinda de você?
Suspiro, fingindo estar decepcionada.
— É melhor não dar sorte ao azar, sendo assim — respondo, lhe lançando o meu melhor
sorriso antes de me dirigir a ele pela última vez: — Aproveite os seus últimos dias, amor. Eu
cuidei para que você fosse muito bem tratado de agora em diante.
Ele tenta esconder, mas vejo o momento em que compreende as minhas palavras e o
pavor toma conta das suas pupilas. Maxon sabe que nunca tive muitos limites quando se trata de
proteger os meus filhos. Ele sabe muito bem qual foi o fim daqueles que tentaram contra a minha
família.
E sabe que não estou blefando.
Coloco o telefone no gancho e levanto-me. Deixo meu olhar correr pelo seu rosto e
corpo, vendo o quão deplorável está. E assim, um sorriso de escárnio cresce em meus lábios.
Mal sabe o que o espera.
E nós que já morremos várias vezes
E já não sentimos nada?
Não sinto nada
…
Silêncio mata
Hiroshima | Agnes Nunes
— Bom dia, minha bússola. — Kyle beija o meu ombro, deitado atrás de mim.
Faz quatro dias desde que fui drogada.
Quatro dias desde que minha mãe ficou sabendo do que aconteceu e surtou, querendo
pegar o primeiro avião para cá, mas, por sorte, Loren conseguiu acalmá-la, prometendo não tirar
o olho de mim.
Quatro dias desde que Asher foi rápido em perceber que fui drogada e, desde então,
virou um bom amigo e ouvinte.
Quatro dias que Brandon assiste a minha série favorita comigo enquanto a sua loirinha
está costurando.
Quatro dias em que Kimberly e Mia juraram nunca soltar a minha mão, independente da
situação.
Quatro dias que eu me senti amada por todos eles. Quatro dias que tive um novo
atentado contra a minha vida, só que, dessa vez, eu me sinto mais acolhida do que nunca.
Eles se tornaram o verdadeiro significado de família para mim.
— Bom dia — resmungo ao me virar para ele e esconder o rosto no travesseiro por
conta da claridade que perpassa pela janela aberta. — Que horas são?
Kyle se estica para pegar o seu celular na mesa de cabeceira e franze o cenho ao
desbloquear a tela. Percebo que, mesmo o aparelho estando no silencioso, parece estar chegando
muitas notificações de uma vez só.
— Quase onze — murmura, parecendo concentrado em alguma coisa no visor.
— Você me deixou dormir demais, de novo.
Ky não me responde e eu estranho a sua feição concentrada se tornando dura
rapidamente. Me inclino na sua direção e espio o seu celular, mas o que leio na tela me faz
ofegar, surpresa.
Acho que paro de respirar por um minuto inteiro após isso.
— Isso é verdade, Ky? — sussurro. — O que está lendo é verdade?
Ele me olha, mas seus olhos estão opacos. Não há nada ali.
Porém, eu sei que esse olhar não é direcionado a mim. Esse olhar não me vê realmente,
ele vê apenas uma coisa:
A destruição de Maxon Ballard.
A queda do homem que destruiu vidas e sonhos por achar que tinha algum tipo de poder
ou controle sobre o corpo de outra pessoa.
— O New York Times anunciou há pouco — Kyle confirma.
Minhas mãos se movem no automático quando pego o meu celular e abro no navegador,
vendo que os principais meios de comunicação só divulgam uma única coisa.
O sobrenome Ballard estampa todas as chamadas.
Maxon foi encontrado morto nesta madrugada.
Os detentos da penitenciária em que estava souberam de toda a exposição envolvendo o
seu nome e o mataram de forma brutal e fria. O mataram com o mesmo sentimento que ele se
aproveitou para violar o corpo e a mente de tantas pessoas.
Seu rosto estava completamente irreconhecível e teve alguns membros decepados, só
puderam confirmar a sua morte depois de um teste de DNA. Segundo a matéria, havia sangue em
toda a cela, e não duvido que tenha vazado alguma imagem da cena, no entanto, esse é um
detalhe que não quero marcar na minha memória.
A única coisa que ficará em mim quando pensar nele e em toda a desgraça que me
causou, será alívio. Alívio porque ele teve o que mereceu.
Ele pagou com o próprio sangue.
E isso me deixa tão tranquila que nem percebo que estou chorando até que sou rodeada
por braços que me trazem conforto e segurança.
Kyle.
Meu protetor.
— Eu me sinto… — soluço, não tentando e nem querendo frear o meu choro. — Tão
aliviada. Isso me faz uma pessoa ruim?
— Nunca — diz baixinho e beija a minha têmpora. — Ele era uma pessoa ruim. Você
só tem bondade no seu coração.
E então, eu caio em um choro ainda mais profundo, deixando que minhas lágrimas
lavem todo resquício de culpa que carreguei após todos esses anos. Deixo o choro levar todo o
terror de passar noites em claro sabendo que ele estava vivo. Deixo o choro levar o medo de que
ele me procurasse, ou de que machucasse mais pessoas. Deixo o choro levar a minha dor. Meu
medo. Minha cicatriz mais profunda.
Depois de alguns minutos, respiro fundo, me recomponho e então, olho para Kyle.
— Como você está se sentindo? — pergunto baixinho, me virando para ficar de frente
para ele. — Ele era…
— Um monstro — ele não hesita ao me interromper.
— Era o seu pai também. — Sorrio, triste. — Eu sinto muito, amor.
Kyle gruda a sua testa na minha, fechando os olhos.
— Como você consegue, bússola? Como consegue ter empatia assim com um homem
que te deixou marcas tão profundas? — pergunta. — Maxon era cruel. Ele nunca foi um pai de
verdade. Era apenas um homem ruim dentro de um lar repleto de amor que minha mãe lutava
todos os dias para construir para minha irmã e eu. Ele era um verme e finalmente encontrou o
seu lugar.
— Não tenho empatia por ele, Ky. Nem mesmo me sinto mal por isso ter acontecido
dessa forma. — Acaricio suas bochechas. — Mas me preocupo com você, com Kim, com a sua
mãe…
— Todos nós vamos ficar muito melhores sem ele. — Kyle beija a minha testa e volta a
me abraçar apertado. — Sempre ficamos melhor sem ele.
Ficamos na cama, abraçados em silêncio por mais algum tempo, ambos perdidos demais
nos próprios pensamentos, até que Kyle decide que precisamos comer alguma coisa para
enfrentar o dia e assim que chegamos na cozinha, encontramos Loren bebendo uma xícara de
café enquanto assiste ao noticiário em seu iPad, com Kim ao seu lado, parecendo concentrada
em cada detalhe da reportagem. Ela também não demonstra nenhum remorso pela morte do pai.
— Bom dia, minhas crianças. — Loren sorri, sem muito humor. — Pelas carinhas, já
ficaram sabendo.
— Bom dia. — Eu caminho até ela, desejando muito o seu abraço de mãe, que é quase
tão apertado e gostoso quanto o da minha. — Obrigada por sempre ter ficado ao meu lado e
acreditado em mim — sussurro, sentindo as lágrimas novamente.
— Faria tudo de novo — ela sussurra de volta e beija a minha cabeça antes de me soltar.
Kyle e Kim sussurram algo um para o outro que não consigo entender e apenas então,
ele se dirige à mãe, beijando o topo da sua cabeça enquanto eu me preocupo em procurar algo
para comer.
— Como a senhora está?
Loren suspira, consternada.
— Nunca fui a um enterro antes — anuncia. — Isso será esquisito.
— Não precisa ir se não quiser. — Kyle a conforta. — Ninguém irá te julgar.
Loren deixa um pequeno riso sair e Kimberly a acompanha, como se soubesse da sua
resposta.
— Ficou louco? — brinca. — Preciso estar lá para comemorar.
— Bem, ninguém irá te julgar por isso também — Kim debocha.
— Fico triste apenas por uma coisa — diz genuinamente, cabisbaixa ao pensar nisso.
— O quê?
— Eu fico péssima de preto.
E se você me machucar
Bem, está tudo bem, querida
Só palavras sangram
Dentro destas páginas, você apenas me abraça
E eu nunca vou te deixar ir
Photograph | Ed Sheeran
FIM.
CINCO ANOS DEPOIS
— Sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco até o bê-a-bá… em todos os
desenhos coloridos vou estar… — A voz doce e melodiosa me guia até o fim do corredor. — A
casa, a montanha, duas nuvens no céu e um sol a sorrir no papel[21].
Minha bússola está segurando Lorena em seu colo enquanto Anthony está deitado em
suas pernas, recebendo carícias em seus cabelos escuros. O quarto está a meia-luz, apenas o
abajur ilumina o ambiente, criando um ar confortável para que durmam logo.
— Mamãe — Anthony a chama baixinho.
— Sim, meu amor.
— O papai vai chegar logo? — ele pergunta e pela voz mansinha, está com sono. —
Não quero dormir hoje sem um beijo de boa-noite dele.
Porra.
O campeonato começou há algumas semanas e os treinos, as entrevistas e tudo o que
envolve o marketing têm estado a todo vapor. Tenho saído de casa muito cedo e voltando muito
tarde, mal estou pegando-os acordados e isso tem partido o meu coração, porque embora ame o
meu trabalho e o basquete, não gosto de estar longe deles.
Anthony, por ser o mais velho, é o que mais tem sentido a minha falta, mas Lorena não
fica muito atrás, visto que eles têm apenas um ano e alguns meses de diferença. Diana é quem
tem me dado todo o apoio sobre isso, me lembrando todos os dias que é o meu trabalho, o que eu
amo fazer, e que não sou um pai ruim por conta disso.
Sem ela, tenho certeza de que estaria perdido e me sentindo imensuravelmente culpado
agora. Meu pilar. Minha bússola.
Hoje mais cedo, ela me encaminhou uma foto de um desenho que Lorena fez na escola e
entre os muitos riscos sem sentidos, entendi que a minha bebê de dois anos de idade havia
desenhado nós dois no balanço que temos no jardim de casa. Por isso, avisei ao meu treinador
que não poderia ficar até o final do dia e vim para casa o mais cedo que consegui.
— Ninguém vai ficar sem beijo hoje. — Entro no quarto, fazendo três pares de olhos
lindos brilharem na minha direção.
— Papai! — Lorena desperta rapidamente, como se não estivesse sendo embalada há
poucos segundos, se desfazendo dos braços da mãe com rapidez e descendo da cama, afoita,
tropeçando nos próprios pés, mas, por sorte, consigo segurá-la a tempo. — Papai! — Ela pula no
meu colo, arregalando os olhos.
— Oi, meu furacão. — Beijo sua bochecha gordinha, a abraçando e acalmando a sua
euforia.
Nosso pequeno furacão é a réplica da mãe. Pele marrom-clara, lindos cachinhos
volumosos, olhos grandes e brilhantes, além de uma boquinha esperta. Graças a Deus, estamos
no fim do Terrible Two[22], que nos deixou de cabelo em pé, já que Anthony era muito calmo na
idade dela.
Lorena teve um desenvolvimento muito rápido, é agitada, dificilmente aceita um não
sem argumentar e consegue até mesmo tirar o pobre Anthony do sério. Mas na maior parte do
tempo, é apenas a nossa garotinha educada, amorosa e que adora dormir em cima de mim desde
que saiu da barriga da mãe. Minha princesinha perfeita.
— Saudade — ela enrola a língua para falar em português e beija minha bochecha.
— Eu te amo, amor da minha vida. — Beijo seus cachinhos, fazendo carinho em suas
costas, e Anthony também desce da cama, mais calmo e aceitando a ajuda de Diana. — Oi,
campeão.
— Oi, papai. — Ele sorri. — Eu também fiquei com saudade.
Entrego Lorena à Diana e aproveito para deixar um beijo na testa da minha esposa antes
de caminhar até ele e o pegar no colo, sentando na cama ao lado delas.
— O papai morre de saudades de vocês quando está fora de casa, amor. — Olho nos
olhos dele para que entenda. — Você, sua mãe e sua irmã são os meus tesouros.
— Eu sou um tesouro? — Ele sorri, colocando a mãozinha no meu rosto e fazendo
carinho.
Quando Anthony nasceu, a nossa vida estava uma loucura. Diana havia acabado de
trocar de emprego e eu estava fazendo o meu nome em um grande time da liga. Foi um susto.
Não planejamos e muito menos esperávamos. Choramos abraçados por duas noites. Felizes, com
medo, apavorados, mas nos sentindo abençoados.
Estive da primeira à última consulta ao seu lado. A ajudei a descobrir qual tipo de parto
gostaria de ter. Segurei sua mão durante as contrações, cortei o cordão umbilical e quando ele
chorou pela primeira vez, nos meus braços, o seu choro acalmou tudo dentro de mim. Meu
menininho de luz. Calmo, atencioso e tímido. Anthony nasceu para nos ensinar a desacelerar.
Diferente da irmã, meu primogênito é uma pequena cópia de mim. Pele clara, olhos
escuros e cabelos lisos, que ele adora que eu bagunce. Sua pessoa favorita no mundo é Diana e
lhe dou total razão. Ela é a minha também.
— O mais precioso que a mamãe e eu temos. — O abraço, mantendo-o bem pertinho.
— Eu te amo, meu campeão.
— Te amo, pai. — Ele sorri, olhando para cima.
— E a mamãe, ninguém ama, não é? — Diana chama a nossa atenção, fazendo uma
expressão de falsa mágoa.
— Eu amo, mamãe — Lorena se apressa em dizer, agarrando-se ainda mais a ela.
— Eu também amo.
Ela é uma mãe foda. Uma esposa incrível. Uma profissional exemplar. A mulher mais
destemida que já conheci. E é toda minha.
— Já que o papai deu o beijo que prometeu — começo com carinho, mas sendo firme
para que entendam que está muito tarde. — O que acham de irem dormir agora?
— Podemos dormir aqui? — Anthony pergunta. — Quero ficar com vocês hoje.
Troco um olhar com Diana e ela assente.
— É claro, campeão — concordo. — Estaremos bem aqui quando acordarem.
Deito-me na nossa cama e meu menino se aconchega em meu peito enquanto Lorena
curte seu agarre em Diana, que também se deita do nosso lado. Minha bússola continua ninando
a nossa caçula ao passo que aliso devagar as costas de Anthony para que pegue no sono.
— Mamãe? — ela a chama em meio a um bocejo.
— Sim, querida?
— Continua cantando…
Consigo ver o sorriso de Diana mesmo com a pouca claridade.
— Sou eu que vou ser seu colega, seus problemas ajudar a resolver. Te acompanhar
nas provas bimestrais, você vai ver. Serei de você confidente fiel, se seu pranto molhar meu
papel.
Quando a canção termina, os dois já estão em um sono profundo e a única coisa que
fazemos é ajeitá-los no meio de nós dois de forma confortável e os cobrir. Após isso, Diana se
deita de lado e eu faço o mesmo, encarando-a com um sorriso no rosto.
Todas as vezes que olho para ela parece a primeira. Eu não me canso de encará-la.
— Kim mandou o convite para o aniversário de Agnes hoje — ela fala baixinho.
— Já comprei o presente — assinto. — Um carro elétrico infantil. Ela vai amar.
— Kyle! — Minha esposa arregala os olhos e sei que se não fosse as crianças entre nós,
estaria gritando comigo. — Asher vai te matar. Ele não deixa que a menina ande de bicicleta por
medo de que se machuque.
— O problema é dele. — Dou de ombros. — Precisava ganhar de Brandon no presente
desse ano e ela já vai fazer seis anos.
— O aniversário de Josh e Sarah também está chegando — ela me lembra, séria. — Não
invente moda ou Mia vai te dar mais um tratamento de silêncio, como no ano passado.
— Ela que é uma mãe muito chata — resmungo.
— Você deu quadriciclos para gêmeos de dois anos de idade, amor.
— E eles amaram! — digo, me exaltando.
Ela ri, desacreditada de mim e eu continuo sorrindo quando seu riso cessa. Di continua
me encarando, os olhos cansados e amorosos me encarando como se, assim como eu, estivesse
passando um filme em sua cabeça de tudo o que passamos para chegarmos até aqui. Até esse
momento.
— Quem diria que estaríamos assim um dia, não é?
— Eu sempre soube — me gabo.
— Não seja prepotente. — Revira os olhos, esticando o braço até mim para acariciar
minha bochecha com carinho, apesar da repreensão.
— Você é o meu guia, amor — digo, beijando a palma da sua mão. — Sempre foi.
Porque embora tenha perdido o controle um dia, por ela, valeu a pena.
Embora tenha brincado com o acaso ao duvidar dele, por ela, valeu a pena.
Fingir odiá-la foi apenas uma das pequenas coisas que o meu coração tentou fazer para
afastá-la. Sem sucesso, obviamente, pois é impossível sentir qualquer coisa que não seja amor
por essa mulher.
Porque ela ainda persegue todos os meus pensamentos.
Ela ainda me irrita, briga comigo por besteira e me faz perder a cabeça.
Por isso, ela é minha esposa agora.
Mãe dos meus filhos.
Minha bússola.
Meu lugar feliz.
Iniciar e finalizar essa trilogia me trouxe um gosto agridoce.
Muita coisa aconteceu em um ano.
Muita coisa foi perdida em um ano.
Muita coisa mudou em um ano.
E agora, estou finalizando um ciclo. Um ciclo repleto de ensinamentos. Um ciclo no
qual aprendi e ganhei incontáveis coisas boas. E, se está lendo isso, provavelmente é uma delas.
Essa trilogia mudou a minha vida de formas que não achei que seria possível.
As páginas desses livros têm mais de mim do que achei possível conseguir colocar no
papel um dia. Eu achei que não conseguiria. Que iria acabar com tudo antes mesmo de começar.
Mas estão aqui.
Alguns dos meus muitos estilhaços.
Meu egoísta.
Meu medo.
Meu sonho.
Curiosamente, a vida imitou a arte muitas vezes durante esse ano.
Meu egoísmo me cegou. Meu medo triplicou. E o meu sonho, em muitos momentos, foi
posto à prova por mim mesma.
Porém, se há algo que aprendi com esses três, é que não importa para onde o vento me
leve, eu continuo de pé. Não porque sou forte e invencível. Não porque sou corajosa e altruísta.
Eu continuo de pé porque não importa para onde o vento me leve, há muitas pessoas aqui,
amparando a minha queda. Juntando os meus pedaços e é a elas que eu gostaria de agradecer
nessa página.
A Deus. Esse Cara… como descrevê-lo? Minha fé foi algo no qual, por muito tempo,
ficou perdida dentro de mim. Eu deixei com que meu medo fosse maior do que a minha coragem
e em algum momento, me escondi em uma caixa escura e fria, onde não parecia haver saída. No
entanto, Ele estava lá. Ainda que eu não visse. Ele está aqui. Ainda que eu não o veja. Ele me
amparou quando precisei, foi o meu alicerce, meu caminho e proveu a paz que meu coração
necessitou durante esse ano. Então, obrigada, meu Deus. Obrigada por me amar.
À mainha. Por todas as vezes que segurou o mundo nas costas para que as minhas não
doessem. Por toda a paciência que tem enquanto passo horas em frente ao computador. Por todas
as vezes que cuida de mim até contra a minha vontade. Por acreditar em mim, no meu sonho e
entender que os meus medos não são bobos. E por não me deixar passar fome quando me
empolgava demais nesse arquivo.
À Annie, por ser a outra metade do meu neurônio. Por me aguentar reclamar do Kyle
por horas e defendê-lo mesmo assim. Obrigada por ser a minha metade. Obrigada por ser a
minha irmã de alma. Às vezes, sinto vontade de te xingar das piores formas possíveis, mas te
amo tanto que nem mesmo a distância consegue superar isso. Obrigada por sempre guiar um
caminho seguro para mim e por consertar o que não quebrou. Amiga, eu não acredito em destino,
mas às vezes acho que ele mandou você para mim. E tenho certeza de que não importa o que
aconteça, nós sempre estaríamos fadadas a nos encontrarmos. E sou tão grata a Deus por isso que
nem sei como descrever aqui. Esse livro não teria acontecido sem a sua ajuda, sem o seu
incentivo, muito menos sem as milhares de horas em call.
À Pigmalateia, que não se cansa de ler o próprio nome nesta página pela sei-lá-quantas-
vezes. Obrigada por ser o meu lado pensante, por ouvir as vozes da minha cabeça e por me ajudar
em cada processo desse livro. Não só nessa, mas em todas as outras milhares de histórias que já
contei, que irei contar e até mesmo aquelas que nunca estarão entre nós (tchau, Gael). Obrigada
por me ajudar em cada passo desse processo apesar dos pesares e por segurar as pontas quando
quis apagar tudo. E obrigada, principalmente, por falar mal do Kyle comigo. Amo você, Pig.
À minha equipe de betas. Dessa vez, eu não deixei elas loucas com capítulos em cima
da hora (olha o avanço). No entanto, seria um crime não mencionar cada uma delas aqui: Ana
Laura Maniá, Bianca Oliveira, Camilla Carneiro, Eduarda Mota, Júlia Barcelos, Karolyne
Aparecida, Larissa Lago, Maria Nayane, Mariana Soares, Marilia Goes, Rayssa Martins, Tan
Wenjun, Thiffany Amarante e Yasmin Vitória.
Cada uma dessas garotas foram essenciais para que essa história nascesse. Sem elas,
esses dois não seriam os mesmos. Eles não seriam eles, e ninguém estaria lendo isso aqui.
Saibam que sou grata a cada uma de vocês por terem surtado por eles e comigo, e por todo o
apoio que me deram em todo esse processo. Eu amo vocês. Obrigada por serem um time
perfeito.
À Tan Wenjun, minha revisora perfeita, que não poupou esforços para me ajudar não só
com a revisão como em toda a construção do livro. Amiga, obrigada por todo o apoio e
dedicação com Kyle e Di. Eu amo você.
À Ariadne Pinheiro, uma das minhas autoras favs, da qual tenho o prazer de dizer que
faz parte da minha equipe hoje em dia; obrigada por arrasar em cada detalhe da identidade visual
desse lançamento, ami, você já sabe o quanto amo você e sou grata demais em te ter na equipe.
À Camille Gomes, minha diva perfeita, que cuidou de cada pedacinho desse lançamento
para que ficasse impecável. Obrigada por tudo, amiga, você é demais e foi crucial para todo o
processo desse livro.
À Ana Laura Maniá, que cuidou do meu grupo de leitoras enquanto eu estava distante
com tanto carinho. Amo você, Ana, prometo que não irei demorar para escrever o seu fav.
À Isamara Gomes. Obrigada por me ajudar a finalizar esse livro com a responsabilidade
necessária.
À Iara Braga, que apesar de ter me perturbado sobre um certo vídeo meu que ninguém
nunca irá ver (isso é uma ameaça para a Iara, Duda e Ana), foi essencial para a construção da Di.
E que também foi um presente muito bem-vindo que ganhei do mundinho literário e que amo
muito.
Às minhas parceiras incríveis, que estão dando o seu melhor na divulgação desses dois.
Obrigada por todo o apoio, carinho e dedicação que vocês estão tendo por esse livro. Saber que
vocês estão tão ansiosas por eles me faz acreditar que tudo isso valeu a pena.
E por último, e não menos importante, a você, leitor. Por ter lido essa trilogia até aqui,
ou até mesmo, por ter começado a trilogia através deles. Obrigada por me proporcionarem os
melhores surtos e sempre apoiarem as minhas leituras.
E antes que eu esqueça;
Se permita perder o controle de vez em quando. Você é jovem. Sempre será e não
importa o quanto tentem te fazer acreditar o contrário: você é o suficiente.
Brinque na chuva. Desafie o destino, ou melhor, crie o seu próprio. Pode estar sozinha
agora, mas você ainda se tem e isso é mais do que incrível.
Por favor, nunca mais finja odiar coisas que gosta por medo, culpa ou qualquer outra
motivação. A vida é curta demais, e a gente só tem essa para aproveitar. Nenhuma a mais.
Seus estilhaços são o que te tornam únicas.
Tenha orgulho deles.
E lembre-se sempre: nem todo fim simboliza uma despedida. Às vezes, ele pode
significar apenas o início de algo muito bom.
Até breve,
Júpiter.
ONDE ME ENCONTRAR
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PLAYLIST
A DERROCADA DA CORTE
PARTE I - SERÁ
01
02
04
05
06
07
08
09
10
PARTE II - CAFUNÉ
11
12
13
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15
16
17
18
19
20
PARTE III - SAUDADE
21
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29
30
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
[1]
Time de basquete fictício que pertence ao Universo da autora.
[2]
New Haven é uma cidade localizada no estado americano do Connecticut, no condado de New Haven.
[3]
LeBron Raymone James é um basquetebolista norte-americano que atua como ala pelo Los Angeles Lakers.
Apelidado de King James, é amplamente reconhecido como um dos maiores jogadores de basquetebol de todos os tempos.
[4]
O Sacramento Kings é um time de basquete profissional americano com sede em Sacramento, Califórnia.
[5]
Ilha fictícia que pertence ao universo da autora. O livro Tinha Que Ser Você, disponível na Amazon e Kindle Unlimited, é
ambientado nessa ilha.
[6]
Empresa de engenharia fictícia que pertence aos pais dos personagens do livro 2 da trilogia: Brincando Com O Acaso, que
está disponível na Amazon.
[7]
Time de basquete fictício do universo da autora.
[8]
O March Madness é o principal torneio do basquete universitário norte-americano. Nele, 68 universidades
disputam a competição em formato de mata-mata até sobrar apenas um, no melhor sentido de: “Perdeu? Tá fora”. O nome não é
à toa, afinal, esse formato é extremamente propício a zebras, os chamados upsets.
[9]
“Qual Seu Número?” é um filme de comédia romântica estrelado por Anna Faris e Chris Evans. É baseado no livro 20 Times
a Lady de Karyn Bosnak. O filme foi lançado no dia 30 de setembro de 2011.
[10]
Ringue clandestino em que Asher (personagem de Perdendo o Controle) luta. Lugar fictício, criado apenas para melhor
ambientação da trilogia.
[11]
Igor Valente é personagem secundário do livro “Tinha Que Ser Você”, disponível na Amazon.
[12]
A Divisão I da NCAA Basketball Championship é um torneio de eliminação simples entre 68 times universitários
dos Estados Unidos da América, organizado pela National Collegiate Athletic Association (NCAA). As semifinais e finais
costumam ser disputadas em estádios com capacidades superiores a 40 mil espectadores em vez de arenas regulares de basquete.
[13]
Essa jogada acontece quando é cometida uma falta que se caracteriza como uma conduta ou contato ilegal contra o
adversário.
[14]
É uma cidade no sudeste do condado de New Haven, Connecticut, EUA, ocupando uma localização central na
costa de Long Island Sound. É uma pequena cidade praiana.
[15]
É a área de estudo que combina elementos da Psicologia e da Pedagogia, visando formular adequadamente
métodos didáticos e pedagógicos.
[16]
Também chamada de Estrela do Norte ou Estrela Polar é a estrela mais brilhante da constelação da Ursa Menor.
[17]
É uma substância psicotrópica usada frequentemente como droga recreativa. Os efeitos recreativos desejados mais
comuns são: aumento da empatia, estado de euforia e sensação de prazer.
[18]
Time fictício que pertence ao universo da autora.
[19]
É uma estatística concedida a um jogador que recupera a bola após uma cesta perdida.
[20]
Distúrbio temporário do sono que pode afetar pessoas que viajam rapidamente em vários fusos horários.
[21]
O Caderno, canção do cantor brasileiro Toquinho.
[22]
Terríveis Dois, em tradução livre. A frase dos dois anos em que normalmente as crianças ficam mais agitadas.