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FINGINDO TE ODIAR

TRILOGIA ESTILHAÇOS — LIVRO TRÊS


COPYRIGHT © 2024 L. JÚPITER
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Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.
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Penal.
Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e situações são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Capa: Larissa Chagas.
Diagramação: L. Júpiter.
Revisão: Tan Wenjun e Camille Gomes.
Leitura Crítica: Pigmalateia.
Leitura Sensível: Isamara Gomes e Iara Braga.
Leitura Beta: Ana Laura Maniá, Bianca Oliveira, Camilla Carneiro, Eduarda Mota, Júlia
Barcelos, Karolyne Aparecida, Larissa Lago, Maria Nayane, Mariana Soares, Marilia Goes,
Rayssa Martins, Tan Wenjun, Thiffany Amarante e Yasmin Vitória.
Ilustração: Sofia Gomes | Ilustraí, Luuh draw, Bruna Garret e Lara Késsia.
Fingindo Te Odiar
[Recurso Digital] /L. Júpiter — 1ª Edição; 2024
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título.
Oi, aqui é a Júpiter.
E eu te desejo boas-vindas ao último livro da trilogia Estilhaços.
Não esperava me despedir tão cedo desses seis personagens que se tornaram a minha
família há um ano. No entanto, esse momento chegou mais cedo do que previ e que pudesse
enrolar (eu tentei fazer isso, mas Kyle é ainda mais insistente).
Esse aqui, é para dar fim a uma Era que me marcou de inúmeras formas. Eu nunca serei
grata o suficiente por todas as coisas boas que esses três casais e o mundinho caótico que veio
com eles me trouxeram. E se você está lendo isso, muito provavelmente é uma delas.
Foram doze meses difíceis, meses que me colocaram à prova e me fizeram questionar se
esse era mesmo o futuro que eu queria para mim. No entanto, como eu disse em outra nota, eles
são pedaços de mim. E ainda que sejam pedaços egoístas e medrosos, também são sonhadores e
não poderiam desistir. Não disso. Nunca disso.
Espero chegar ao fim desse livro com o coração quentinho e a sensação de que fiz tudo o
que foi possível para dar o final feliz que eles merecem desde a primeira vez que falaram
comigo.
Em Perdendo o Controle, te mostrei o que acontece quando se desce do salto e enfrenta a
realidade. Eu te dei a Kimberly, a que era acusada de egoísmo sem nenhum motivo aparente,
apenas porque, em momentos precisos, soube escolher a si mesma.
Em Brincando Com o Acaso, te dei o meu maior medo. Meu medo de ser feliz, de
enfrentar o futuro. Te dei um pedaço reticente e indeciso. Mia representa a minha prisão. O
portão representa o meu passado. E, diferente da minha neném, eu nunca o larguei.
Eu te trouxe o egoísta.
Te mostrei o medroso.
Agora, seja bem-vindo ao meu estilhaço sonhador.
Ele é o meu favorito.
Com amor,
Júpiter.
Este livro contém: uso de drogas lícitas e ilícitas, tentativa de suicídio, tentativa de abuso
sexual, abandono afetivo parental, menção a estupro.
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Ele está no silêncio do meu quarto. Na bagunça dos meus pensamentos. Na minha incessante
procura por calma. Ele está nos meus momentos de solidão, mas principalmente naqueles em que
me sinto acolhida.
Todas As Nossas Escolhas | L. Júpiter
Para o homem que uma vez me disse que eu poderia ser tudo o que eu quisesse.
Obrigada por ter acolhido o meu lado egoísta.
Obrigada por nunca ter me deixado dar voz ao medo quando estava ao seu lado.
Obrigada por sempre ter acreditado nos meus sonhos.
Vovô, de onde estiver, saiba que hoje eu aprendi que nem todos os fins são uma
despedida,
porque o senhor irá viver para sempre no meu coração.
No fundo da minha mente
Eu te matei
E eu nem me arrependo
Não acredito que disse isso
Mas é verdade
Eu te odeio
Romantic Homicide | D4VD

Tudo em meu corpo dói.


Meus pulmões imploram por alívio e sinto como se eles pudessem parar de funcionar a
qualquer instante enquanto estou submerso na água.
Está quente, o que faz meu corpo relaxar. Os sons externos não chegam até mim e tudo
o que sinto é a mais profunda paz.
É tudo silêncio agora.
Não tenho medo de perder o campeonato que se tornou o meu sonho desde muito antes
de acertar a minha primeira cesta.
Não há mais a angústia de quase ter perdido a minha irmã.
Não há a minha mãe escondendo segredos dos quais poderia colocá-la na cadeia.
Muito menos meu pai indo preso porque nos ameaçou. Porque tentou acabar com aquilo
que, por muito tempo, chamei de família.
Aqui, com o meu corpo debaixo d’água, é tudo paz. Ainda que meus pulmões gritem
por ar, que meu corpo queime e minha vida pareça estar por um fio.
A minha cabeça parece em equilíbrio. E isso é o que realmente importa no momento.
Calma. Silêncio.
Tudo o que eu não tenho tido há anos.
Tudo o que não tenho desde o dia em que ela me deixou.
Desde o dia em que me perdi.
Por muito tempo, durante os últimos anos, achei que, de alguma forma, depois de
conseguir remendar o buraco que a falta dela causou no meu coração, eu havia me tornado
invencível.
Antes, Diana costumava ser o motivo da minha felicidade. A razão pela qual eu
acordava todas as manhãs e ansiava pela sua presença. Ansiava por ela, na verdade. Apenas
poder encará-la, independente da distância, fazia o meu dia inteiro valer a pena.
E às vezes eu sentia que havia nascido para aquilo.
Para observá-la. Para beijar o seu corpo, a sua boca. Eu sentia que havia nascido para
enrolar meus dedos em seus cachos perfeitos, os quais ela passava horas em frente ao espelho,
ajeitando-os milimetricamente.
Eu sempre fui obcecado por esses momentos. Adorava quando ela os trançava, até
mesmo quando alisava e contemplava as milhares de versões que ela gostava de ter.
Eu acreditava em almas gêmeas e acreditava que ela poderia ser a minha.
Ela me fazia acreditar que era a minha.
Até que, um dia, não éramos mais.
Ela se foi.
Hoje faz quatro anos, mas ainda sinto como se fosse ontem.
Eu gostaria de dizer que as suas últimas palavras ainda assombram meus pensamentos,
mas seria mentira.
Diana não teve coragem de se despedir.
Ela simplesmente foi.
Como se nada entre nós tivesse valido a pena.
Como se eu fosse um brinquedo.
Como se todas as suas juras de amor fossem apenas uma brincadeira.
Ela foi embora.
Simples assim.
Sem um adeus. Sem, ao menos, dizer que eu não valia a pena.
E, sinceramente, acho que essa última parte deve estar nas entrelinhas.
Eu não valia a pena.
Foi nesse momento que passei a odiá-la. A odeio porque ela me fez acreditar que o
amor, as almas gêmeas, os finais felizes e todas essas baboseiras existiam e quando achei que
tudo isso aconteceria entre nós, ela me deixou.
Na minha cabeça, sempre tão tolo e convencido de que sou intocável, julguei que estava
pronto para novos caminhos, novos recomeços. Para uma nova vida.
Não podia estar mais enganado.
Não é assim que funciona, e eu aprendi do pior jeito.
Durante todo esse tempo, durante toda a minha vida, achei que estava vivendo em um
mundo perfeito.
O amor da minha vida me deixou? Foda-se, a minha família era perfeita. Eu era a
promessa do time. Meus amigos sempre me apoiaram. E aquela que me machucou, estava na
puta que pariu, bem longe de mim.
O casamento dos meus pais era lindo, minha irmã era a minha alma gêmea e não
importava o quão ruim poderiam ser os meus dias, no fim deles, eu sempre teria os três para
tudo.
Na minha cabeça, estava tudo certo.
Até o ano passado.
Quando percebi que não vivia apenas em uma bolha que eu mesmo criei, como também
era um dos culpados pela infelicidade que havia se tornado a vida de uma das pessoas que mais
amo. Kimberly estava infeliz e eu fui um dos maiores culpados disso.
— Kyle? — uma voz distante me chama, mas eu não quero ouvir.
Não agora.
Agora estou gostando da paz que a água me traz.
Eu percebi que Kim era infeliz quando era tarde demais. Percebi apenas quando a vi em
um leito de hospital e, pela primeira vez na vida, tive medo. Medo de perder a minha irmã, que
sempre significou mais do que isso para mim.
Há um ano de diferença entre nós dois, mas isso nunca foi um problema. Brigávamos
em todos os momentos possíveis, sim, mas sabíamos que éramos tudo um para o outro. Ela era o
meu sol. Não importava o quão turbulento fosse o meu dia, eu sempre poderia encontrar refúgio
e acalento em seu abraço.
Até que uma linha foi traçada entre nós. Uma linha que nos levou de inseparáveis a
negligentes.
Uma linha que me transformou em negligente.
Minhas vontades eram colocadas acima das dela por nosso pai, e eu nunca notei. Ou,
talvez, tenha notado e apenas fui egoísta demais para reclamar.
Estive tão preso na redoma da minha dor nos últimos anos, que nem mesmo notei
quando fui o próximo a machucá-la.
Eu gostaria de dizer que tive motivos para dizer as coisas que falei quando descobri, da
pior forma possível, sobre ela e Asher, mas a verdade é que não. Apenas agi por impulso por
achar que estava sendo deixado de lado quando, na verdade, estava impedindo que um amor
bonito acontecesse.
Asher venera a minha irmã do jeito que ela merece, do jeito que sempre desejei para ela.
Kim é feliz com ele. E sou feliz por ela. Talvez eu só não tenha aceitado bem o quão
pertencentes eles eram. Sempre foram.
Minha relação com Kim ainda está abalada. Eu sei que é minha culpa, principalmente
por causa da confiança que sempre houve entre nós e que quebrei.
Eu fui hipócrita. Sei disso hoje.
Crucifiquei a minha irmã por ter feito exatamente a mesma coisa que fiz anos atrás. O
meu erro foi achar que Asher faria com ela o mesmo que Diana fez comigo.
Depois disso, tudo foi por água abaixo.
Descobri que a minha mãe, na verdade, não era a mãe de Kim e que tudo isso envolvia
uma logística que não é nada legal aos olhos da justiça e que poderia fazê-la perder a sua licença
como advogada ou ainda pior, poderia levá-la para cadeia. Que foi o destino que meu pai teve.
Maxon foi condenado. No entanto, isso não me deixa satisfeito.
Sei o mal que ele fez para a minha irmã e para a minha mãe, porém me pergunto como
nunca percebi quem ele era. Eu o tinha como um herói. Sentia que precisava do seu
consentimento e opinião para tudo. Realmente o via como alguém inalcançável. Como alguém
que, no futuro, eu desejava ser.
Hoje, pensar em ser minimamente parecido com ele me dá ânsia, nojo. Porque alguém
que tem coragem de fazer o que fez com a própria filha e a esposa não tem escrúpulos para nada.
— Kyle! — a voz volta a me chamar.
Mas a água parece muito mais relaxante. Calma. Pacífica.
Estou bem agora. Como há muito tempo não sinto. É reconfortante.
— Kyle! — A voz se eleva e posso escutar batidas. É a Kim, eu acho. As batidas
aumentam e, de repente, ouço um barulho maior. Tenho certeza de que a porta foi aberta, porque
escuto passos rápidos se aproximarem. — Meu Deus! Kyle! Kyle!
A voz parece estridente e estranhamente próxima. Próxima de um jeito que perturba a
paz que busco, entretanto, nem isso é capaz de me tirar daqui. A água está calma, quentinha…
tão quente que o meu corpo inteiro está relaxado, mesmo que meus joelhos precisem ficar
flexionados por conta do meu tamanho.
Meus ombros já não parecem carregar o mundo e meus olhos não estão pesados. Minha
cabeça não dói, meu corpo muito menos.
Talvez… talvez eu deva ficar aqui.
Para sempre.
Que diferença faria?
Seria melhor para mim. Melhor para todos.
A realidade começa a cair sobre mim quando mãos finas seguram meus dois braços com
tanta força que unhas se fincam em minha pele, causando uma ardência que me faz puxar o ar e,
merda, quando o faço, tudo por dentro arde, confundindo meus sentidos.
A água adentra meus pulmões como fogo, incinerando tudo o que vê pela frente. Isso
me faz tossir algumas vezes quando já não estou mais na água, tentando colocar para fora o
líquido que acabei de engolir.
— Ficou maluco? — A voz da minha irmã preenche os meus ouvidos. — O que estava
tentando fazer?
O mundo volta a ter som depois disso.
E eu entendo a gravidade da merda que eu estava tentando fazer.
Porra.
O que eu estava pensando?
A realidade recai sobre mim como um soco no estômago. É tão esmagador que não
tenho sequer coragem de abrir os olhos. Toda a minha paz se esvai quando me dou conta que…
eu… estava tentando morrer?
Não.
Eu não quero morrer.
Estava apenas cansado.
Foi apenas isso.
Eu bebi uma cerveja e estava cansado.
Apenas isso.
Mas… se é assim… por que meus olhos se recusam a abrir? Por que eles não querem
enxergar a realidade?
Por que, mesmo sabendo que o que acabou de acontecer não é o certo, o meu corpo
implora para voltarmos à água?
— Kyle, olha para mim — Kim pede. Sua voz está esganiçada, como se houvesse algo
entalado em sua garganta. — Por favor…
Eu balanço a cabeça.
Não.
Não quero.
Não quero te fazer sofrer mais.
Não quero ver a decepção estampada em sua feição.
Não quero ver o que as minhas atitudes refletem nos seus olhos, irmã.
Não quero.
Não.
Não.
— Ky… — Sua voz desce uma oitava enquanto suas mãos se movem pelo meu rosto,
limpando as lágrimas que sequer notei estar derramando. — Está tudo bem agora.
Balanço a cabeça novamente.
Não está.
Nada está bem.
Nada ficará bem.
— Não minta para mim. — Minha voz embarga.
— O que aconteceu? — ela pergunta, mas eu nego. — Vamos sair daqui.
Balanço a cabeça mais uma vez.
— Por favor, Ky… — pede, me quebrando em milhares de pedacinhos.
Meus ombros cedem e sinto como se o meu corpo pesasse toneladas.
Me levanto, sentindo o peso das roupas molhadas em meu corpo. O choque térmico que
isso me dá, causa frio. Meu corpo parece ter sido tomado por gelo. Meus lábios tremem, bem
como meus braços e pernas.
— Não quero que me veja assim — digo para ela.
Ela funga e não responde nada.
Kimberly sofreu demais em prol do meu bem-estar.
Minha irmã foi capaz de abdicar do futuro dos seus sonhos para me proteger.
Ela não merece me ver assim.
Eu não a mereço.
Não sei quanto tempo leva até que eu tenha coragem o suficiente para abrir os olhos. No
entanto, quando o faço, sinto como se o mundo retornasse. A sensação que toma o meu corpo é
agoniante. A angústia toma conta do meu peito e um bolo se forma em minha garganta.
Quero voltar para a água.
Meus músculos agem no automático, levantando os pés e saindo da banheira. Kim me
ajuda a tirar a camiseta e cobre o meu corpo com a toalha.
Não quero olhar para a minha irmã.
Não quero deixá-la triste.
Conhecendo-a como a conheço, Kim sabe que se abrir a boca, vai começar a chorar no
mesmo instante. E isso vai acabar se tornando maior do que é. Ao invés disso, ela sai do
banheiro e ouço o barulho do meu armário abrindo.
Tiro a minha calça jeans e a cueca, terminando de me enxugar com dificuldade.
Minha irmã aparece no meu campo de visão novamente, dessa vez com uma bermuda
em mãos. Visto-a sob o seu olhar escuro e não ouso falar nada. Não vai adiantar.
Ela veste um dos uniformes dos Black Panthers[1] que pertence ao Asher. Kimberly é
apenas alguns centímetros mais baixa do que eu, o que sempre foi motivo das nossas
implicâncias quando éramos crianças. Seus cabelos pretos e ondulados, como os meus, estão
presos em um coque alto e não há maquiagem alguma cobrindo o seu rosto, o que só acontece
nesses momentos, à noite, quando está prestes a dormir, já que minha irmã quase nunca abre mão
de um batom vermelho.
Me pergunto o que a fez vir até aqui a essa hora. E, de certa forma, acho que devo
agradecê-la depois por ter me procurado. Por ter me trazido de volta.
Kim não diz nada, mas é notável, apenas pela sua postura, o quão decepcionada está.
Comigo. E, porra, me sinto ainda mais péssimo por isso. Afinal, de todas as pessoas do mundo,
ver esse sentimento estampado em seus olhos é o que mais me machuca. E eu nem posso julgá-la
por isso.
É o mesmo olhar que me deu quando descobri sobre ela e Asher.
O mesmo olhar que me deu há quatro anos, quando disse que a sua melhor amiga havia
ido embora. Sem se despedir.
É decepção. Dor. Agonia. Impotência.
Caminho até a minha cama em silêncio porque, sinceramente? Nem sei o que dizer. Não
há o que dizer.
Kimberly me conhece bem o suficiente para saber que o que aconteceu não foi um ato
banal. E se for sincero, eu também sei que não foi.
No momento em que estava ali, apenas… apenas pareceu certo me entregar à água.
Pareceu certo deixar meus pensamentos me levarem ao silêncio.
Pareceu certo deixar a água levar o meu cansaço.
Pareceu certo estar ali.
As luzes do quarto se apagam.
Seu corpo quentinho se junta ao meu, completamente frio.
Por dentro e por fora.
Me sinto vazio.
No entanto, de alguma maneira, seu calor próximo ao meu corpo me faz retornar a uma
época em que nós dois éramos crianças. Nosso ponto de conforto e alicerce era estar um com o
outro; nada e nem ninguém nos tirava isso.
Sinto falta dessa época. Éramos inocentes demais para entender certas situações que
ocorriam ao nosso redor.
— O que estava tentando fazer? — sua voz sussurra no silêncio.
— Nada.
— Ky…
— Nada, Kim — repito, meus olhos se fechando sem que eu possa controlar. — Eu
estava apenas cansado.
— Pessoas cansadas não param de respirar.
Param.
Param, sim.
— Eu não posso ficar sem você. — A tristeza no seu tom faz lágrimas chegarem aos
meus olhos. Lágrimas essas que eu não permito derramar. Não com ela por perto. — Não posso,
entendeu? Foda-se que é egoísta da minha parte. Eu. Não. Posso. Ficar. Sem. Você.
Como ela consegue?
Como consegue me amar depois de eu ter dito coisas horríveis a seu respeito?
Como consegue me amar sabendo que precisou sacrificar o seu sonho para que eu
pudesse seguir o meu?
Como?
Como eu poderia ser digno do seu amor, minha irmã?
— Não vou te deixar — garanto, mas não sei até que ponto isso é verdade.
Eu já a deixei.
Falhei com a minha irmã tantas vezes, que seria incapaz de contar nos dedos.
— Você quer conversar?
— Não — respondo. — Estou cansado. Não quero falar sobre isso porque não
aconteceu nada.
Tão cansado.
— Isso tem algo a ver com a Diana ter voltado?
Esse é o meu novo problema. Diana. Bem, na verdade, nem tão novo assim.
Ela voltou para New Haven[2] há alguns meses.
Eu não a encontro com frequência, pois, além de estudarmos em prédios diferentes,
assim como eu, ela também evita passar perto de mim. É bom para evitar discussões, como
aconteceu em uma festa, na primeira vez que a vi logo depois que retornou. E ruim, porque um
lado meu gostaria muito de dizer algumas coisas a ela.
Nos vemos somente em festas e geralmente estou bêbado demais para ter forças para
discutir, ou com alguma mulher em meu encalço para esquecer da sua presença. O que nem
sempre ajuda, pois meu corpo não coopera tanto assim com meu coração e é sempre posto à
prova. Basta ela passar perto de mim e, magicamente, todas as mulheres do mundo parecem
iguais.
Ridículo. É isso que eu sou. Um babaca ridículo.
Ela mais ainda. Aquela filha da puta.
Tantos lugares para estar. Tinha que vir logo para Yale?
A puta que pariu não deve estar tão cheia, porra!
— Não — minto e logo mudo de assunto, porque sei que Kim sabe que estou mentindo
e provavelmente irá querer estender esse assunto. — Pode ir se quiser. Vou ficar bem.
— Eu vou ficar aqui.
— Eu sei.
— E vou contar para a mamãe.
— Eu sei disso também.
— Vou te vigiar vinte e quatro horas por dia.
— Eu já disse que não foi nada.
— E eu disse que não vou te deixar.
Não vou te deixar ir, ela quer dizer.
Suspiro fundo, permitindo que todo o cansaço evapore do meu corpo e seu perfume
tome conta das minhas narinas. Deixo com que a sensação de paz e conforto que apenas a minha
irmã consegue me proporcionar tome conta de mim.
Eu fecho os olhos e seus braços me apertam.
No entanto, quando o sono vem, muito tempo depois, não encontro calmaria.
Encontro os olhos daquela que, um dia, significou o meu mundo, mas que, hoje,
simboliza a minha dor. A minha falta.
Agora, diferente da banheira, são os olhos dela que me acalmam.
Os olhos da minha bússola.
Quando eu era criança e nos escondíamos na minha casa da árvore, Diana contava
histórias sobre piratas com devoção. Eram homens que deixavam absolutamente tudo para trás,
embarcavam em seus navios e tinham apenas uma bússola, era isso que os guiavam.
Diana ainda dizia que, sem as bússolas, eles não sabiam para onde ir. Ficavam perdidos,
à deriva.
Os barcos rodavam em círculos em torno de si.
Não sabiam para onde ir, se era seguro ancorar.
Eles sequer cogitavam a possibilidade de desbravar o oceano, porque sabiam o quão
perigoso era navegar sem direção.
Porque parecia errado.
Incerto.
Eu conheço a sensação. Perdi a minha bússola aos dezesseis anos.
Eu a amei.
Venerei.
Cuidei dela com todo o amor que havia em meu ser.
Dei tudo de mim.
E fui deixado à deriva, no meio do mar aberto.
Perdi a minha direção, a cabeça e a mim mesmo.
Me olhar no espelho era estranho, porque eu me sentia uma criança novamente.
Passei a evitar tudo que a lembrava.
Porque machucava.
Ainda machuca.
A lembrança daquela que um dia foi o meu porto seguro me tirava do eixo.
E odeio que a minha vida sempre parece rodar em torno do que sinto por ela.
Odeio pensar nela.
Odeio lembrar dela.
Odeio procurar qualquer coisa que me lembre ela em outras pessoas.
Odeio não tirá-la da minha cabeça.
Odeio ter a amado.
E, acima disso, odeio o fato de não conseguir, realmente, a odiar.
É dessa forma que sei que, não importa o quanto o meu coração clame por ela, Diana
nunca poderá ter o mesmo poder sobre mim novamente.
Nem que, para isso, eu precise fingir odiá-la.
Eu tô aqui sem rumo, travada e perdida
Hoje me deu medo da vida
Iguaria | Luísa Sonza

É engraçado pensar no quão rápido as coisas podem mudar.


Um piscar de olhos pode modificar todo o rumo de uma vida sem que possamos perceber
ou lutar contra.
O tempo é uma coisa cruel e irreversível.
Ele me tirou tudo.
Há outra coisa engraçada e irônica sobre o tempo: ele não te espera. Não para. Sequer se
importa se estamos prontos ou não para as suas ações.
O tempo, por muitos anos, me corroeu. Posso jurar que ele tem até mesmo um gosto, um
rosto, um cheiro.
É amargo, feio, desagradável.
Ele te deixa perdida. À deriva. Como um marinheiro sem bússola. Sem caminho.
E não há nada que possamos fazer para reverter essa situação ou, ao menos, amenizá-la.
Algumas pessoas – pelo menos a maioria das que conheci ao longo da vida –, dizem que
o tempo cura tudo.
Eu acho isso a maior bobagem.
A verdade é que o tempo não cura nada. E talvez essa seja a coisa mais dolorosa sobre
ele.
— Posso falar com você? — Sra. Fields me tira dos meus devaneios quando estou quase
saindo da sala, junto aos outros alunos. Assinto, ajustando a alça da minha mochila e esperando
que comece a falar. — Sobre o programa de estágio.
Minha atenção é focada nisso no mesmo instante em que ela diz.
Me inscrevi no estágio para a equipe de basquete quando fui transferida para cá, há um
mês, mais ou menos. Estava tentando não pensar tanto sobre a vaga para não me frustrar caso
não fosse aprovada, mas se a professora quer falar comigo sobre isso, é sinal de que são notícias
boas, certo?
Uma das poucas coisas que ainda me dá ânimo, ultimamente, é a faculdade — bem, se eu
conseguir evitar problemas nos corredores e por problemas, lê-se Kyle Ballard — , é tudo do
jeito que sempre quis. As disciplinas são puxadas e, por vezes, cansativas, mas não é nada que
um cochilo e uma meditação não resolvam.
Eu me dedico ao meu curso de Fisioterapia e à saúde física no geral, como não faço com
nenhuma outra coisa. No início, quando concluí o colegial, cogitei cursar Medicina, mas de
alguma forma, meu coração não parecia certo sobre essa decisão. Foi quando comecei a procurar
outras áreas da saúde que me interessasse e acabei parando na Fisioterapia.
Poderia passar horas falando sobre o quão bem a atividade física pode fazer ao nosso
corpo e o quanto isso vai além da estética. A prática de manter o corpo ativo auxilia em todos os
âmbitos de uma vida saudável, e isso envolve forma física, saúde mental e até mesmo sexo.
— Alguma novidade sobre a vaga?
Desde que me inscrevi, procurei saber como poderia contribuir para ter experiência
prática. Gosto de saber a teoria, mas sou alguém que aprende muito melhor e mais rápido na
prática, então por que não tentar dessa forma?
Além disso, eu desejo seguir na área dos esportes, não sou muito fã de hóquei ou
beisebol, mas curto vôlei, futebol e handebol, porém o que mais me atrai é o basquete. Sempre
foi.
Ainda lembro de quando era criança e assisti o meu primeiro jogo. LeBron James[3] fez
história naquele dia, marcando cinquenta e um pontos contra o Sacramento Kings[4]. E, porra, a
sensação que retumbou em meu peito enquanto assistia foi inexplicável.
Naquela época, ainda não entendia a importância que tinha o fato de ter tantos homens
negros representando os maiores nomes do esporte e, ainda assim, eu me sentia nas nuvens. Era
um daqueles momentos em que eu, uma garota preta, entendia que poderia chegar a qualquer
lugar que quisesse e foda-se se alguém achava o contrário.
— Sim, querida, você foi escolhida! — ela anuncia, deixando que um gritinho escape da
minha garganta sem que eu perceba. — Dra. Sabrina, a fisioterapeuta do time, disse que você é
perfeita para a vaga.
— Não acredito! — festejo, tentando conter o tom de voz. — Eu estava tão ansiosa, mas
não queria criar muitas expectativas.
A Sra. Fields sorri para mim.
— Pois deveria ter criado! Você chegou há pouco tempo, mas o seu histórico é invejável
e, além disso, a forma com que conseguiu alcançar a turma, mesmo chegando depois, é incrível,
Diana.
Sinto as minhas bochechas queimarem. Não tenho tanto costume assim em ouvir
elogios, principalmente quando se trata do meu intelecto.
— Obrigada, Sra. Fields.
— Aqui, pegue. — Ela me entrega uma pasta fina com alguns papéis dentro. —
Amanhã, após as aulas, procure por Sabrina e ela irá te instruir sobre tudo. Você começa na
próxima segunda-feira.
Pego a pasta das suas mãos, mas permaneço no lugar, encarando-a como se fosse ouro.
Ouço um pequeno riso vindo dela pelo meu estado de contemplação, mas nem sequer consigo
tirar os olhos dos papéis enquanto ela sai da sala, me deixando sozinha.
Eu vou estagiar no time de basquete!
Meu Deus! Nem mesmo acredito que poderei colocar o meu conhecimento em prática e
logo em um lugar que terá tudo o que gosto.
Parece tão irreal e, ao mesmo tempo, tão real que nem sei como reagir.
É como se um filme passasse em minha mente, do instante em que assisti o primeiro
jogo, a todas as vezes que o meu coração pulou no peito enquanto assistia, até agora. É algo
simbólico, ainda. Vou trabalhar com um time universitário, mas um dia terei a oportunidade de
trabalhar com o profissional, sei que vou, e saber que estou a um passo mais perto de lá, me
deixa em êxtase.
Quando me mudei de Boston para New Haven, ainda na infância, meu amor pelo
basquete se intensificou ainda mais.
Minha mãe é brasileira, nascida e criada na Ilha dos Milagres[5]. Liane é extremamente
apaixonada por futebol. Eu aprendi a gostar do esporte também, mas mamãe meio que não
gostava dessa parte porque eu torcia para o seu rival. Quando ela completou dezoito anos,
conheceu o meu pai, que estava de férias próximo de onde a minha mãe morava. Uma coisa
levou a outra, eles namoraram, meu pai voltou para Boston e minha mãe descobriu que estava
grávida. Ela me contou o quanto foi difícil tentar entrar em contato com alguém de outro país
vinte anos atrás, quando a tecnologia não era tão avançada, mas que nem isso foi o suficiente
para que meu pai largasse tudo e fosse ao seu encontro.
A convivência na ilha não deu muito certo. Meus avós eram extremamente
conservadores e isso acabou afetando o relacionamento dos dois, até que meu pai pediu para a
minha mãe ir para Boston. Ela não pensou muito antes de aceitar. Anthony trabalhava como
engenheiro na GrantDíaz[6] e após algum tempo, a empresa abriu uma filial em New Haven e nós
viemos para cá, pois ele foi transferido. No entanto, não passamos muito tempo juntos. Papai
faleceu em um acidente de carro quando eu completei três anos e isso acabou nos
desestabilizando financeiramente, segundo mamãe.
Alguns meses depois, ela começou a trabalhar como governanta na mansão dos Ballard,
já que Loren Ballard quase não parava em casa e precisava de alguém para cuidar do lar e de
seus filhos em tempo integral quando não estavam na escola ou em suas inúmeras aulas
extracurriculares, e começamos a morar com eles.
Eu gostava de lá, era como um parque de diversões.
Até não ser mais.
Kimberly e Kyle ficavam em casa apenas à noite, quando eu geralmente estava indo
para cama ou evitando encontrá-los. Tinha medo de que eles fossem como as outras crianças. As
más.
Eles iam para uma boa escola e depois faziam um milhão de aulas extras, então não nos
encontrávamos durante algumas semanas, mas eu sabia quem eles eram. A casa era repleta de
fotos por todo canto e mamãe sempre falava sobre os dois, como se tentasse me incentivar a falar
com eles.
Quando Maxon, o pai deles, não estava e eu não estava na escola, minha mãe me levava
para ficar com ela. Mamãe me deixava sentada no balcão enquanto arrumava a cozinha e
ajustava os horários dos milhares de funcionários que haviam naquela mansão.
Um dia, Loren me viu lá e, sendo sincera, eu a achei um pouco louca. Ela disse que eu
parecia uma princesa, era muito bonita e educada, e me perguntou sobre o que eu gostava. Falei
sobre o quanto o basquete era importante para mim e quanta visibilidade o esporte dava para
pessoas como eu, negras, e por muitas vezes, invisíveis para a sociedade. Eu achei que ela não
estava prestando atenção, mas a mulher me perguntou como eu comecei a gostar tanto do esporte
e então ela nunca mais parou de me ouvir.
Um tempo depois, Loren disse que seus filhos adorariam me conhecer. Eu fiz o que a
minha mãe sempre me instruiu a fazer quando seus outros patrões diziam algo parecido:
agradecia, sorria, mas não acreditava. Crianças ricas não costumam gostar de crianças como eu.
Minha vida estava cheia delas.
Eu fiquei calada de repente e tentei me esconder atrás da saia da minha mãe porque não
sabia como responder aquilo. E ainda lembro das palavras de Liane quando percebeu o que eu
estava fazendo.
— Está tudo bem, querida. Kim e Kyle são boas crianças.
Loren não pareceu compreender o que mamãe queria dizer com aquilo, talvez até tenha
se sentido um pouco ofendida. O que ela não entendia é que seus filhos foram criados no luxo,
tendo tudo do melhor que o dinheiro podia oferecer, estudaram nas melhores escolas, tiveram os
melhores materiais escolares, os melhores brinquedos, as melhores roupas e calçados.
E eu era a menina que tinha que suportar olhares e cochichos sobre o meu cabelo, o meu
tom de pele. Era horrível, por isso, me mantinha longe de todas as crianças daquele bairro. Tinha
medo que todas fossem iguais.
Kimberly era alguns meses mais velha do que eu e Kyle alguns meses mais novo, então
não parecia de todo ruim ser amiga deles.
Loren disse que estava tudo bem se eu não quisesse conhecê-los, mas que adoraria que
eu fosse amiga deles, que também gostavam das mesmas coisas que eu. Lembro desse dia como
se fosse hoje, olhei para a minha mãe como se pedisse permissão e ela sorriu, me deixando
escolher.
Eu disse que tudo bem e aceitei a sua mão estendida.
Ela me levou até a quadra onde os dois estavam jogando. Loren chamou a atenção deles
e ambos me encararam automaticamente.
Precisamos de apenas quinze minutos para nos tornarmos melhores amigos.
E onze anos até que eu os deixasse sem olhar para trás.
Balanço a cabeça, tentando dissipar essas lembranças.
Hoje em dia, aposto que nenhum dos dois gostaria de me ver nem que eu estivesse
pintada de ouro.
Eu fui embora.
Eles não sabem o porquê e, sinceramente, acho que nem mesmo importa o motivo.
Respiro fundo e depois de encarar a pasta fechada por algum tempo, saio da sala que em
breve receberá os próximos alunos.
O corredor está começando a encher, já que estamos indo para o último horário, ou seja,
todos estão rumando para as suas respectivas aulas. Por isso, resolvo me apressar entre os alunos,
tentando não me atrasar para a minha aula de anatomia palpatória.
A professora Polina é a mais rígida em questão de horários e tudo o que eu menos quero
é chamar atenção chegando atrasada.
Odeio atrasos.
Meus planos, no entanto, são barrados quando acabo colidindo contra uma parede de
músculos, e como se não bastasse, um líquido gelado é derramado em toda a minha blusa. Minha
blusa branca!
A temperatura arrepia todo o meu corpo e posso jurar que consigo sentir um cubo de
gelo entre os meus peitos.
Porra!
Já estava frio o suficiente antes disso.
— Ficou maluca? — a voz me faz encolher ainda mais. — Não olha para onde anda?
Levanto a cabeça apenas para ter certeza do que pode ser o meu pior pesadelo.
Não esbarrei em uma parede de músculos qualquer, mas sim em Kyle Ballard.
Puta que pariu.
Eu, definitivamente, não estava pronta para ter o meu dia estragado por um dos ataques
de histeria dele.
O que eu fiz para o Senhor, Deus?
Kyle Ballard e toda a sua arrogância me encaram neste momento. Os cabelos pretos
estão jogados para trás, mas ele parece tão irritado, que enfia os dedos por entre eles, os
despenteando.
Perco um pouco de foco nesse momento. Esqueço até que há gelo nos meus peitos. E eu
odeio isso. Odeio que o meu corpo e a minha mente, tão tolos, não conseguem desgrudar os
olhos dos seus.
É como se fossem um espelho.
Minhas lembranças voltam para quatro anos atrás, quando ele costumava ser o meu
tudo.
Na verdade, se eu for sincera e um pouco menos orgulhosa, admitiria que ele ainda é.
Porque o meu coração ainda bate forte por ele, o meu corpo está formigando, quase implorando
para que dê mais um passo à frente e… me abrace.
Eu queria muito que ainda fôssemos como antes apenas para receber um abraço.
Eu queria muito contar para ele o porquê fui embora.
Mas não posso.
Se eu fizer, tudo será ainda pior.
Mas, porra… o olhar de desprezo que ele me lança consegue ser pior do que qualquer
outra coisa que já me aconteceu. E eu não posso mudar isso.
Não posso trazê-lo para o olho do furacão.
Kyle é bom. E contar o que aconteceu… arruinaria a sua alma. E eu jamais seria capaz
disso.
Ele foi o único homem que eu amei. Não queria ser aquela que o machucará.
Meu coração, meus pensamentos e a minha alma clamam por Kyle Ballard.
O problema é que não importa o quanto deseje isso, ele não sente o mesmo.
Sei disso porque, nesse momento, tudo o que vejo nos seus olhos é a mais pura e
cristalina raiva. Como se esse fosse o único sentimento que ele nutriu por mim durante toda a
vida.
Eu sei que não.
No entanto, não deixa de doer menos receber esse olhar e o tratamento dele.
Ah, Ky, se eu pudesse te contar… Se você soubesse…
— Não está escutando, garota? — Sua voz áspera e raivosa é acompanhada por algumas
risadinhas.
Alguns alunos estão parados no corredor observando essa situação e ele… ele está de
mãos dadas com uma garota loira.
Engulo em seco, tentando desfazer o nó que se forma em minha garganta e acalmar a
raiva que começa a florir em meu peito.
Eu sei o que é isso.
Ciúmes.
Nem mesmo tenho direito a esse sentimento sobre ele. No entanto, sinto.
A garota me olha dos pés à cabeça, me analisando milimetricamente. Sua sobrancelha
delineada se ergue, como se desdenhasse de mim, e eu não gosto disso. Não mesmo.
— Foi mal, não te vi por perto — é o que consigo falar segundos depois.
— Fala sério, Diana — ele desdenha e eu arqueio uma sobrancelha, encarando seus
olhos pela primeira vez. — Vai mesmo dizer que não foi de propósito?
Bufo.
Posso contar nos dedos todas as vezes que nos encontramos desde que voltei. E posso
dizer que tem sido mútuo o fato de nos evitarmos em qualquer lugar. Não que isso seja o
suficiente para evitar que Kyle solte as suas farpas.
E, bem, eu nunca fui santa, respondo todas elas.
— Você é mesmo um babaca egocêntrico. — Deixo um sorriso de escárnio crescer em
minha boca e a sua expressão vacila por um segundo. — Acha mesmo que é importante o
suficiente para me fazer perder tempo chamando a sua atenção?
Posso jurar que seus olhos escurecem no exato segundo em que as palavras saem por
minha boca. Não era a minha intenção ser tão grossa, mas em minha defesa, ele pediu por isso.
Foi apenas um esbarrão. Por Deus, ele nem mesmo se sujou e ainda começou a falar com tanta
grosseria, no meio de um corredor lotado.
— A culpa não é minha se você é desastrada.
— Não sou desastrada! — me defendo, começando a ficar mais aborrecida. — Estava
distraída, é diferente.
— Mas derrubou a minha bebida, garota — a loira que está com ele se pronuncia pela
primeira vez, fazendo o meu olhar encontrar com o dela. — E agora, gatinho? Eu queria tanto o
meu refrigerante.
Kyle revira os olhos.
Ela não percebe, porque está um pouco atrás dele, e automaticamente me sensibilizo
pela coitada, é só mais uma das garotas que ele usa como estepe. Mesmo que tenha uma voz
chata e tenha me olhado como se eu fosse um lixo, não merece estar com a pessoa que Kyle se
tornou.
Penso, mas logo me sinto mal.
A pessoa que ele se tornou depois de mim.
— Vamos comprar outro, Eder — ele diz em um tom tedioso. — E você deveria pedir
desculpas por essa ceninha ridícula.
Pisco atônita até entender que está falando comigo.
Isso só pode ser uma brincadeira. É por isso que outro sorriso começa a crescer em meu
rosto e quando menos percebo, estou rindo. Alto. Tão alto que a minha barriga dói e preciso
descruzar os braços para colocá-los na barriga.
Algumas pessoas passam por nós e param para nos encarar, outras passam direto, mas
continuam encarando, como se perguntassem o que diabos aconteceu para que eu esteja rindo
como uma maluca no meio do corredor.
Kyle, porém, continua imperturbável, com a sua postura altiva e me olhando com tédio,
como se realmente estivesse esperando eu parar e pedir desculpas.
Ele quem esbarrou em mim, porra! Ele quem deveria pedir desculpas, não eu!
Ainda me deixou toda suja, molhada e grudenta.
— Não achei a menor graça — ele informa.
Volto a ficar séria, assumindo uma postura hostil que não estava nos meus planos. Não
mesmo. Em momento algum, planejei voltar e tratá-lo de qualquer forma que não fosse
minimamente educada.
Entendo qual o meu lugar nessa história.
Eu fui embora.
Eu o deixei sem explicações.
E estou tentando não levar as coisas que ele diz para o coração. De verdade. Estou
tentando ignorar qualquer tipo de piadinha ou provocação que venha dele, porque não quero
revidar. Infelizmente, a minha mãe estava certa durante todo o tempo, a minha língua não tem
controle. Ela perde toda e qualquer oportunidade de se manter quieta, e essa é uma delas.
Eu ficaria calada. Eu juro.
Aguentaria ouvir.
Mas ele derrubou bebida e gelo em mim. No meio do corredor. Antes de uma aula que
eu provavelmente já estou atrasada. Com uma garota mesquinha a tiracolo e me acusou de
esbarrar nele.
Meu dia estava bom até agora.
Mas porraaaaaaaaaaaa.
— Eu estava distraída — repito devagar, o dedo em riste em seu peito, me aproximando
um passo. — Você esbarrou em mim. Você derrubou essa porra em mim. Tem gelo até nos meus
peitos! Você é quem me deve desculpas.
— Sente e espere — ele debocha. — E preste atenção no caminho da próxima vez que
me ver.
Então, ele simplesmente passa ao meu lado, esbarrando seu ombro em mim, o que me
faz fechar os olhos por um segundo.
O toque dele, por menor que tenha sido, me traz lembranças das quais não saem da
minha cabeça.
Lembranças das quais eu nunca quis que saíssem da minha memória.
Bufo, chateada por chamar atenção desnecessária para mim quando percebo que
algumas pessoas ainda estão me olhando e cochichando. Não era assim que eu gostaria de
finalizar a minha graduação.
Meu plano era passar despercebida, tirar boas notas, conquistar o estágio que sempre
quis e apenas isso.
Aparentemente, não é algo que irá acontecer.
Porque eu tenho um problema chamado Kyle Ballard.
Poderia listar um milhão de motivos para tal, no entanto, nenhum deles seria grande o
bastante quanto o fato de que ele não sai da minha cabeça nem por um maldito segundo.
É como se ele estivesse programado para nunca sair do meu sistema.
Uma memória inconsolável que luto arduamente para esquecer.
É inesquecível.
Permanente.
Constante.
E, ainda assim, continua sendo tudo o que desejo, mas que não deveria.
Kyle não suporta me olhar por mais do que cinco minutos e sendo sincera, ele parece
tão diferente agora, que nem mesmo consigo explicar.
Nossa história é curta e simples. Ela não passa de um enredo cheio de fingimentos, que
foi fadado ao fracasso desde o início.
Ele me amou.
E eu fui embora.
Tive que ir.
Agora, tudo parece estar voltando aos eixos, menos a minha cabeça. Porque,
infelizmente, sou estúpida o suficiente para não conseguir tirá-lo de mim.
É patético, mas consigo lidar com isso, certo?
Preciso apenas evitá-lo.
Eu irei conseguir.
Suspiro, começando a caminhar em direção à saída, já que, com a camiseta suja, não
vou conseguir ficar por muito tempo — o que me fará perder a última aula. No entanto, antes de
chegar na porta, paraliso.
Eu fui aceita no programa de estágio. Para trabalhar com o time de basquete. Para o time
em que Kyle é o capitão.
Estou muito fodida.
Eu amo ele? Eu odeio ele? Acho que são altos e baixos
Se eu tivesse que escolher, eu diria agora mesmo
Quero ter ele de volta
Quero fazer ele sentir muito ciúmes, fazer ele se sentir mal
Oh, quero ter ele de volta
Porque, por outro lado, sinto muita falta dele e isso me deixa muito triste
Oh, quero doce vingança e quero ele de novo
Get Him Back! | Olivia Rodrigo

Durante todos esses anos, Diana Barker tem habitado meus pensamentos como uma
memória que nunca quis esquecer.
Eu me apeguei à ideia de que, talvez, ela tivesse um bom motivo para ir embora da
forma que foi, sem se despedir ou sequer avisar.
Por anos, esperei, ansiosamente, que retornasse e se explicasse. Que ao menos tivesse a
decência de olhar em meus olhos e dizer que nós dois não passamos de uma diversão, ou sei lá o
que quer tenhamos sido.
Eu a esperei.
Mas Diana não apareceu.
Então, de repente, ela volta.
E ainda age como se nada tivesse acontecido entre nós.
Não que eu tenha colaborado para isso, afinal, minha emoção sempre fala mais alto do
que a minha razão quando a vejo. Não consigo me controlar e sempre acabo soltando alguma
farpa ou provocação na esperança de que se explique.
Queria que ela olhasse em meus olhos e ao menos fosse sincera em dizer que nós não
éramos suficientes. Que eu não era o suficiente.
Às vezes, tenho vontade de fingir que não a conheço, que é apenas mais uma garota que
passou pela minha cama, como tantas outras.
Contudo, não posso.
Não consigo.
Ela sempre foi mais.
Minha vida girava em torno dela.
Era como se Diana fosse o sol e eu orbitasse em torno dela. Eu a venerava com todo o
meu ser.
Patético.
Patético porque eu deveria odiá-la.
No entanto, um pedaço de mim, o mais tolo e idiota, insiste em querer acreditar que há
algo por trás da sua fachada.
E me sinto um idiota por isso, pois desde que chegou a New Haven, Diana não me deu
absolutamente nada.
Nenhum sinal ou explicação.
É como se, naquele dia, ela realmente tivesse decidido que a sua vida não era boa o
suficiente, que nenhum de nós valia a pena e foi embora. Sem um bilhete ou uma despedida.
E, sinceramente, nem entendo o porquê perco meu tempo pensando nela.
Ontem Diana deixou bem claro o quanto sou insignificante para ela, então está na hora
de, talvez, apenas aceitar que a minha ex é apenas uma filha da puta sem responsabilidade
afetiva.
Aliás, era assim que eu deveria pensar desde o primeiro dia em que não a vi
perambulando pela minha casa, ou invadindo meu quarto de manhã.
— Fala, Ky! — a voz alterada de Hector me alcança assim que desço as escadas. Não é
preciso de muito para notar que já bebeu bastante e está feliz demais. — Não entendo essa sua
mania de chegar atrasado nas suas próprias festas.
Reviro os olhos, sorrindo para o meu amigo, que é alguns centímetros mais alto do que
eu.
— Gosto de uma entrada triunfal — brinco, quando, na verdade, só passei tempo demais
divagando no banho. — Sabe se o Bran já chegou?
Encaro a sala de estar do meu apartamento. Lotado, como sempre. As luzes coloridas
explodem por todo o lugar e hoje, por alguma razão que não entendo, me dão dor de cabeça.
Kimberly preferiu ficar na fraternidade dos Panthers[7] com Asher. Ele disse que ela
estava com dor ou algo do tipo ao telefone quando perguntei se viriam, mas aqueles dois
deixaram de me enganar há muito tempo e é meio óbvio que aproveitaram a situação para transar
sem ninguém em casa. O que eu, particularmente, acho nojento pra caralho saber que a minha
irmãzinha e o meu melhor amigo dividem fluidos.
Dois traidores. Podiam muito bem terem me poupado desse martírio.
— Uhum, chegou com a Mia há um tempo. Estão na cozinha. — responde e eu
automaticamente começo a caminhar até lá.
No entanto, sinto o braço de Hector me paralisar. Ele é um cara negro, de pele marrom-
escura, um ano mais novo do que eu, mas tem um condicionamento físico invejável por treinar,
basicamente, em todo o seu tempo livre. Por isso, não me surpreendo que consiga me manter no
lugar sem muito esforço, mas isso me deixa em alerta, porque Hector normalmente é brincalhão
e se está tentando me manter longe da cozinha, deve haver algo de errado.
— O que houve? — pergunto, encarando-o. — Stormi está aqui?
Seus olhos escuros rolam nas órbitas e sua mão livre é espalmada em seu rosto, não sei
se pedindo paciência ou querendo rir. Desde que o conheci, no início do ano, o único assunto que
consegue tirar o seu bom humor é a líder de torcida do time de futebol americano. Não sei a
história completa, pois ele nunca chegou a contar, mas é meio óbvio que já aconteceu algo ruim
o suficiente entre eles para que não consigam ficar na presença um do outro por mais de um
minuto.
— Não, idiota — resmunga. — Diana está.
E é assim que a minha vontade de ficar nessa festa se esvai.
— Você a convidou, porra? — Empurro-o, tirando seu braço dos meus ombros. —
Porra, Hector, eu disse que não a queria aqui!
— Relaxa, Kyle! — esbraveja. — É claro que não a convidei, acha que sou maluco?
Tento respirar fundo, mas é em vão.
Porra.
Eu queria apenas curtir, não ter que lidar com a presença dela na minha casa.
— Seu humor já foi para a casa do caralho, então vou atrás de alguém mais divertido —
diz, se afastando.
— Eu odeio ser seu amigo! — grito para as suas costas, sendo ignorado.
Enquanto caminho até a cozinha, sinto como se estivesse indo em direção ao corredor
da morte. Cogito até mesmo dar meia-volta e ir para qualquer outro canto em que ela não esteja
ou, sei lá, invadir a cozinha e expulsá-la daqui a gritos.
Não a quero na minha casa.
No entanto, assim que meus olhos recaem sobre a iluminação baixa e colorida da
cozinha, tudo se evapora. As pessoas, meus pensamentos, minha raiva, meu ódio.
Tudo se esvai por entre meus dedos.
Ela está ali, no canto da festa, usando um vestido de cetim branco e curto pra caralho
que a deixa uma delícia.
Isso deve ser carma.
Não é justo.
Não é justo que, de todas as garotas nessa festa, ela tenha que parecer a mais bonita.
Não é justo que esse vestido esteja apertando-a dessa forma.
E, definitivamente, não é justo que o meu coração acelere dessa forma apenas por vê-la
enfiar a mão entre os cabelos cacheados, jogando os fios que sempre amei para o lado e sorrindo
como se não fosse a porra do meu purgatório.
Sou obrigado a me mover quando alguém esbarra em mim, quase derrubando bebida na
minha roupa. O que me faz lembrar, mais uma vez, de ontem, quando ela me olhou daquela
forma… Eu quase esqueci o que aconteceu.
Diana me olhou como se eu ainda fosse tudo. Ela não deveria ter feito aquilo. Porque,
por um segundo, eu esqueci. Simplesmente esqueci que ela foi embora, esqueci os pensamentos
que tenho guardado desde então e o buraco que ela deixou na minha alma. Quando lembrei, não
tive muito tempo antes de pensar e comecei uma discussão.
Me aproximo da banqueta em que Brandon está e acabo roubando a sua garrafa de
cerveja sem que ele perceba, está tão hipnotizado que nem mesmo se move quando ocupo o
lugar vago ao seu lado.
— É por isso que a odeio — resmungo.
Seus olhos estão fixos no mesmo lugar que os meus. Enquanto encaro o meu carma,
Brandon falha em tentar não babar na Mia, sua melhor amiga de infância e obviamente a grande
paixão da vida dele.
— De quem está falando? — pergunta devagar e nos encaramos ao mesmo tempo.
Ergo as sobrancelhas, querendo perguntar se está mesmo tentando jogar essa
desculpinha para cima de mim.
Desde que o mundo é mundo, Brandon e Mia foram feitos um para o outro. Deve estar
escrito isso em algum lugar, não é preciso ser um expert para saber disso.
— Não se faça de idiota — resmungo, entornando a cerveja na boca e voltando a
atenção para a frente. Diana está com as mãos nos quadris de Mia, as duas dançando
sensualmente e muito próximas. Consigo sentir o cheiro do ciúme de Brandon de longe e sinto
vontade de rir por isso. Diana é mesmo o diabo encarnado por estar tentando matá-lo assim. —
Sei o que está pensando. Ela está apenas provocando.
— A Mia não… — ele começa, parecendo estar com raiva.
— Não estou falando da Mia. — Meu cenho se franze com a insinuação de que eu
poderia estar olhando para a carrapatinha. Que nojo. Ela é quase uma irmã para mim. — Estou
falando da Diaba.
— Tenho quase certeza de que esse não é o nome dela — Bran brinca, abrindo outra
garrafa de cerveja, já que roubei a dele.
— É claro que não — refuto e ele me olha como se esperasse por mais explicações.
Sei disso porque ele estava comigo e Asher há alguns meses, quando ela e eu nos
esbarramos em uma das festas da fraternidade. O que nos levou a uma briga feia, que acabou
sendo assunto no campus por uma semana inteira. Porém, nunca dei detalhes a eles de quem ela
era e muito menos do que significou para mim, fazendo com que os dois ficassem curiosos a
respeito da garota.
— Se chama Diana. Porém, dá no mesmo, se parar para pensar que os dois são capazes
da mesma coisa.
— De onde a conhece?
Viro a garrafa novamente, enrolando-o.
— Não te interessa — escolho ser grosso ao invés de responder a verdade.
Conheço o coração do Bran, ele provavelmente sente pena de mim e não é isso que
quero.
— Está difícil te entender — resmunga.
Eu sei, Bran.
Está difícil para mim também.
Está difícil com ela por perto.
— Eu sei — respondo, tão baixo que não sei se ele escuta. — Desculpa.
Os últimos meses da minha vida tem se seguido com uma sucessão de erros que está
machucando todos ao meu redor. E estou começando a ter consciência disso, o que me deixa
envergonhado pra caralho. Principalmente pela minha irmã.
A única coisa que parece capaz de me distrair, no entanto, é a mulher à minha frente.
A dor de olhá-la e relembrar todo o nosso passado é esmagadora, mas, de alguma forma,
parece ser o exato castigo que mereço. É por isso que não hesito em encará-la de baixo a cima
até que note a minha atenção nela.
Diana abre um sorriso perverso, percebendo. E não consigo focar em mais nada.
Ela dança com os olhos vidrados em mim.
O balançar dos seus quadris simulam uma cobra prestes a dar o bote.
E, porra, eu quero ser atacado.
Mas não deveria. Não deveria, porque sei o fim dessa história, sei o estrago que ela
consegue fazer em mim.
Seu corpo parece estar solto, admiro a forma como o vestido branco e cintilante
contrasta com a sua pele e os cabelos encaracolados soltos. Os fios castanhos parecem
acompanhar cada movimento, assim como eu, que esqueço do mundo ao meu redor. Esqueço
que a odeio. Esqueço que me deixou. Esqueço tudo.
Porque a única coisa que eu gostaria de fazer agora, seria enfiar minhas mãos entre os
fios que tanto sinto falta e beijá-la até nos faltar ar. Preciso saber se ela ainda se derreteria em
minhas mãos como antes, se os seus cabelos ainda são tão macios quanto consigo me lembrar.
Não seja tolo, Kyle.
Ela te deixou porque quis.
Meu consciente me lembra do óbvio, mas ainda assim, não consigo desviar. Ela também
não. Porque segue me encarando e parece tão sedenta quanto eu, seus olhos demonstram tantas
lembranças quanto os meus.
Diana é a primeira a desviar o olhar. E eu pigarreio por isso.
Que droga, Kyle.
Você não deveria ter dado tanta atenção a ela.
Viro-me para Brandon e vejo que meu amigo encara Mia, ainda parecendo um cachorro
faminto. Meu Deus, que tipo de amizade a Mia mantém com esse cara para deixá-lo numa seca
tão terrível?
— Vai acabar babando — provoco.
Seu cotovelo acerta minha costela com tanta agilidade que nem mesmo consigo conter o
gemido.
— Não finja que não está fazendo o mesmo.
— Pela Mia? — debocho, tombando a cabeça para o lado e fingindo encarar a pequena.
— Oh, sim. Muito gostosa.
— Se eu fosse você, aprenderia a fechar a boca. Não quero ser obrigado a quebrá-la.
Reviro os olhos, mas não contesto, porque sei que quando se trata dela, ele faria mesmo
isso.
— Pare de insinuar que estou babando na Diaba e eu paro.
— É o que parece.
Deixo um riso de escárnio escapar por entre meus lábios antes de tomar mais um gole da
bebida.
— Prefiro beber cianeto puro.
— Faria um favor à humanidade — a voz melodiosa e articulada soa atrás de mim. Nem
mesmo me surpreendo com a sua resposta, Diana sempre teve a língua afiada. — Não faz ideia
do quanto eu agradeceria por não ser obrigada a ver o seu rostinho bonito todos os dias.
Ela está a poucos passos de distância agora. Seus olhos, cobertos por um delineado preto,
me encaram da mesma altura, desta vez por conta dos saltos. Fico preso neles por um segundo,
tentando decifrar se há algo ali, mas não vejo nada. É como se ela tivesse se tornado alguém
completamente irreconhecível para mim agora.
— Pelo menos, tem a decência de admitir que sou bonito — respondo de volta, deixando
crescer um sorriso convencido que sei que ela detesta.
— Não sou cega, embora tenha andado assim por um tempo — seus lábios se
comprimem após dizer isso, mas é falso. Como tudo nela parece ser desde que voltou.
— Engraçado. — Deixo uma pequena risada escapar. — Poderia dizer o mesmo. Estava
tão cego que deixei uma cobra me tentar. Isso te lembra algo, querida?
Os olhos dela se nublam e sei que a minha fala atinge algo nela. Pelo que a conheço, ela
está a um passo de me esganar e essa possibilidade me parece estranhamente atraente.
— Me parece familiar — concorda, balançando a cabeça como se esse diálogo ridículo
entre nós fosse combinado. — Felizmente, a cobra entendeu quais batalhas merecem o seu
tempo.
Tombo a cabeça para o lado e as palavras somem da minha boca quando diz exatamente
o que tenho pensado durante todos esses anos.
Não fui o suficiente para você, não é, minha bússola?
A raiva corrói meu cerne. Eu queria ter sido o suficiente para ela. Eu queria que ela me
permitisse ser.
A tristeza que se apossa no meu coração consegue superar qualquer rancor. Eu juro que
consigo sentir uma dor física. Diana realmente me odeia. E eu não sei o motivo. Contudo, dói.
Dói, porque ela foi o amor da minha vida. Dói, porque ela partiu. Dói, porque não entendi o
motivo antes e muito menos agora. Suas respostas afiadas, quando a provoquei, não eram
nenhuma espécie de proteção. Me evitar pelos corredores como se eu fosse um monstro, muito
menos.
— De qualquer forma, vou nessa, alguns ambientes exalam uma vibe ruim — diz, sem se
importar com a bagunça que me causou, virando-se para Mia e abrindo um sorriso enorme de tão
doce, nem parece a mesma de segundos atrás. — Nos vemos qualquer dia desses, Mia.
Como se não bastasse, ela se vira rapidamente e nossos olhares se cruzam por um
segundo. É o suficiente para fazer meu coração acelerar ainda mais rápido. Diana joga os cabelos
para trás, fazendo os fios baterem propositalmente em meu rosto. O cheiro invade as minhas
narinas e é impossível não ser transportado para o passado, quando eu adorava enfiar meu rosto
entre eles apenas para aproveitar a sensação de conforto que me davam.
E estou me amaldiçoando agora por querer fazer isso.
Que droga!
De relance, sinto os olhares de Brandon e Mia sobre mim, mas faço um esforço
estratosférico e volto a assumir minha postura de quem não está nem aí para nada. Ela sempre
funciona.
— A festa está começando a perder a graça. — E começo a caminhar para longe.

Estou no terraço do prédio há três horas.


Estou pensando nas palavras dela há essa mesma quantidade de tempo.
Estou tentando lembrar de algo que eu possa ter feito, ou que eu possa ter dito, para que
ela fosse embora. Para que criasse essa repulsa que nitidamente sente por mim.
Já se passaram todos os tipos de pensamentos em minha cabeça e nenhum deles me
parece coerente o suficiente para chegarmos a esse ponto.
É estranho sentir isso.
Impotência.
Eu quero odiá-la. Tenho motivos para isso. Mas também quero entender porque ela me
odeia. E isso faz com que a minha razão e emoção entrem em conflito.
Talvez seja bom apenas me manter longe dela.
Esquecer que um dia a toquei, beijei ou a fiz minha. Esquecer que um dia já me enfiei
por entre aqueles cachos apenas para sentir paz. Sinto falta daquele cabelo.
itshectorking: Diana está bêbada.
Bufo, irritado. Não acredito que ele está mesmo achando que quero saber dela.
itskyleballard: ???
e o que eu tenho a ver com isso?
itshectorking: estão desafiando-a a mostrar os peitos.
ela está tão bêbada que com certeza irá aceitar.
tem certeza que não tem nada a ver com isso?
Nem o respondo antes de abrir a porta e sair correndo escada abaixo. Filha da puta. Ela
só pode estar querendo me fazer de idiota, porra.
A sala está cheia, do mesmo jeito que estava quando desci do meu quarto. Agora, no
entanto, há uma rodinha ao redor da mesa de centro e Diana está de pé em cima dela, com uma
garrafa de tequila em mãos e sorrindo abertamente para os filhos da puta à sua volta. Hector está
bem à frente dela, discutindo com algum babaca que tenta passar por ele, mas faz um esforço em
vão. Diana tenta afastar meu amigo, como se realmente quisesse fazer o que pedem.
Porra, aposto que bebeu toda a garrafa de tequila sozinha.
— Desce daí! — grito mais alto do que o som, chegando perto dela. — Agora, Diana!
Ela ri.
— Você não manda em mim!
— Desce daí ou eu juro que vou te tirar à força.
Diana bufa e para de pular no móvel. O que me deixa mais tranquilo, já que a última
coisa que quero é um acidente na minha casa.
— É mesmo, Ky? — sua voz soa desafiadora quando se inclina em minha direção. Sua
boca vem parar próxima ao meu ouvido, arrepiando até meu último fio de cabelo. — E o que
você vai fazer sobre isso?
— Não faz isso… — minha voz desce um decibel, quase implorando para ela parar. —
Agora — me recomponho, usando o tom mais duro que consigo.
— Sabia que eu adorava quando falava assim quando estávamos juntos? — sussurra
novamente. — Você ainda se lembra, lindo?
Lembro.
Lembro de cada segundo.
De todas as vezes.
— Não começa — advirto. — Você vai descer daí e eu vou te levar para casa.
Diana sorri, visivelmente bêbada.
— E vai entrar comigo?
— Não.
— Ouch! — Ela solta um muxoxo, largando meus ombros e voltando a bebericar o resto
da tequila. — Então acho que ficarei aqui, com os meus novos amigos!
Suspiro fundo, apertando a ponte do nariz e fechando os olhos.
Eu deveria ir.
Deveria deixá-la aqui sozinha, e ir.
Mas não é o que faço.
Não faço porque, desde sempre, Diana foi um ímã para mim. Seu corpo me chama como
se pertencessem um ao outro. E antes, no passado, realmente se pertenciam.
É por isso que não penso muito antes de jogá-la sobre meus ombros, ajeitando seu
vestido para não deixar a calcinha à mostra para o bando de marmanjos ao nosso redor,
ignorando totalmente o seu ataque e a atenção que a festa toda destina a nós.
— Idiota! Me solta!
Hoje em dia, Diana poderia ser considerada o meu carma pessoal.
Uma diaba na minha vida.
É isso o que ela é.
Ela aparece nos meus sonhos. Dos mais doces aos mais pecaminosos.
Não há um dia em que não a veja pelos corredores ou pelo campus.
Como se Deus, em sua bondade, quisesse me castigar por algo, algo que não sei o que é,
e sempre estivesse colocando-a em minha frente apenas para testar a minha sanidade.
E, porra, é difícil odiar uma pessoa e não conseguir tirá-la da cabeça porque, mesmo
após tantos anos, ela continua sendo a garota mais bonita que já vi.
Continua saindo por aí, com a boca carnuda e macia que eu adorava beijar, os olhos de
amêndoas que me perturbam em sonhos, acordados ou que porra for.
Ontem, quando esbarrou em mim e me fez derrubar o maldito refrigerante de Eder, com
gelo e tudo, bem nos seus peitos, precisei usar de todo o meu autocontrole para não encarar o
lugar, no entanto, por alguns segundos, eu falhei e me senti um idiota.
Eu deveria manter meus olhos longe dela e de qualquer parte do seu corpo que antes, no
passado, eu gostava. Eu me proíbo de olhar para seus cabelos e desejar enfiar meus dedos por
seus cachos, eu me proíbo de encarar seus olhos bonitos como costumava fazer por horas a fio.
Eu me proíbo de respirar perto dela e desejar enfiar meu nariz em seu pescoço, apenas para saber
se ainda usa aquele perfume que eu amava.
Porra.
Eu gostaria de fazer tantas coisas.
Mas não posso.
Não posso porque Diana Barker é uma filha da puta.
Uma filha da puta que me deixou.
Ela me deixou e nem mesmo foi capaz de olhar para trás.
Eu a odeio.
E nem é apenas por isso. Porque Diana não apenas me deixou. Deixou Kim também. A
única amiga que minha irmã tinha.
Ela era a única garota que, tanto eu quanto a minha irmã, consideramos amiga. Porra, a
considerávamos como parte da família. Ela era parte da nossa família. Minha mãe a tratava
como filha e tinha até mesmo um quarto ao lado do nosso.
Minha mãe fez questão de convencer Liane a colocá-la na mesma escola e aulas
extracurriculares que Kim e eu, o que nos tornou inseparáveis na infância.
Passamos cem por cento do tempo juntos. Nós três. Não havia espaço para outras
pessoas, porque nós três sempre fomos tudo uns para os outros.
Até que a adolescência chegou e com ela, os hormônios. Eu já não via mais Diana
apenas como minha amiga, eu a via como alguém que queria comigo o tempo todo. Alguém que
meu corpo e meu coração desejava e ela também sentia o mesmo.
Uma coisa levou a outra e começamos a namorar.
O final disso, obviamente, não foi do jeito que desejei.
Não fomos para a faculdade juntos.
Não concretizamos o nosso futuro.
Eu sequer tive tempo de conversar com sua mãe sobre nós.
Porque Diana provou que não sentia o mesmo do que eu.
Nunca sentiu.
Eu disse que a amava. E ela foi embora no dia seguinte.
Tantas brigas sem necessidade
Quantas vezes nossa vaidade
Tomou conta e falou mais alto do que as verdades?
Talvez te faltou maturidade
Ou, se pá, foi erro da minha parte
Nem sei mais se o nosso santo bate ou a finalidade
Maturidade | Kayblack

A tequila foi criada com o único intuito de me humilhar.


E essa é a constatação que tenho assim que a porta se fecha atrás do meu corpo e o som
da festa é abafado.
Consigo sentir as mãos de Kyle em mim. E isso, definitivamente, não é algo bom para o
meu corpo sustentado por álcool. A mão direita está sobre a parte de trás das minhas coxas
enquanto a outra tenta, debilmente, abaixar o meu vestido. O que deveria ser um crime.
Eu estou incrível nesse vestido.
Kyle me coloca de volta ao chão com cuidado, apesar de eu ter que olhar para a sua
expressão brava quando nos encaramos.
Os orbes escuros e que sempre foram a minha bússola estão vermelhos.
De ódio.
Raiva.
E a mais pura chateação.
Poderia sentir isso emanando do seu corpo a quilômetros de distância.
E me sinto envergonhada por um segundo.
Não gosto de ser refém desse olhar de reprovação. Ele me faz sentir… pequena. Eu
gostava desses olhos quando me encaravam como se eu fosse o sol. Eu me sentia o sol perante
aqueles olhos. Diante dos que me encaram agora, sinto-me apenas mais um alguém. Mais uma
pessoa comum.
No entanto, logo me recordo de que estou diante de Kyle e não posso demonstrar o
quanto ele mexe comigo.
Não mesmo.
Ele precisa me odiar para o próprio bem.
É por isso que visto a minha máscara de confiança de sempre. Eu a visto porque preciso.
Preciso que essa nossa dinâmica continue até a minha graduação acabar. Depois, eu vou embora.
Vou para bem longe. Vou porque não quero bagunçar ainda mais a vida dele. É o melhor para
todos nós.
Apesar disso, também estou com raiva. Fui tirada de uma festa, da qual estava me
divertindo muito por sinal, apenas porque ele resolveu agir como um estúpido.
— Ficou maluco para sair me arrastando dessa forma?
Coloco as mãos na cintura, minhas sobrancelhas franzidas e meu corpo inclinado para
frente, tentando entender que porra deu na cabeça dele.
— Você nem foi convidada para essa festa e estava querendo mostrar os peitos para os
meus amigos, porra!
A raiva aumenta e sinto todo o meu corpo entrar em combustão.
Deveria ser proibido um único homem conseguir tirar a minha paz dessa forma. Um dos
caras realmente propôs que eu fizesse o que ele disse, mas não sou idiota, jamais me deixaria
exposta dessa forma. Não seria um pouco de tequila que me faria perder os meus princípios. No
entanto, Kyle não precisa saber que eu não seria capaz disso.
— E o que você tem a ver com isso? — Estufo o peito, desafiando-o. Esse nem era o
motivo pelo qual estava com raiva dele, mas agora estou e quero brigar porque ele não tem o
direito de se meter na minha vida e ainda agir dessa forma. — Posso fazer o que eu quiser, os
peitos são meus!
— Você está bêbada pra caralho, porra! — replica, muito irritado, dando um passo em
minha direção até que eu praticamente sinta a sua respiração bater em meu rosto. — Acha
mesmo que é divertido agir dessa forma? Como uma… — Ele se cala.
Kyle fecha os olhos, se amaldiçoando e mudando totalmente a sua postura arrogante.
Seus ombros caem e seus lábios se franzem, ele respira fundo, como quem tenta voltar a si.
Eu não acredito que ele iria dizer isso.
Não.
Acredito.
— Como uma o quê, Kyle? — incito, erguendo a cabeça, nossos narizes quase se
tocando. — Continue o que estava dizendo.
— Olha, não foi… — ele começa, bufando. — Não foi o que…
Espero que termine a desculpa esfarrapada sem interrompê-lo, contudo, ele não o faz.
Não foi o que eu quis dizer.
Exceto que era.
Era exatamente o que ele iria e queria dizer.
No entanto, sua reação parece genuinamente arrependida como se tivesse se dado conta
do que diria, ainda assim, não é o suficiente para aplacar a minha raiva.
Kyle não tem o direito de agir assim. De insinuar algo desse tipo apenas por eu estar
curtindo uma festa como a mulher solteira que sou.
Toda a merda que aconteceu no nosso passado não justifica isso. Na verdade, Kyle
sequer deveria falar algo sobre a forma como ajo ou deixo de agir em uma festa. Muito menos a
forma como me visto estando dentro ou fora de uma.
— Desculpa, Diana — diz, abaixando a guarda ao se lembrar que realmente falaria algo
que se arrependeria ainda mais. Eu mesma me encarregaria disso. — Não quis insinuar nada.
— Não foi o que pareceu.
— Sei que não, por isso estou pedindo desculpas. — Espreme os lábios, desviando os
olhos de mim pela primeira vez na noite. Conhecendo-o bem, sei o quão complicado foi para que
deixasse essas palavras saírem. — Satisfeita?
— Poderia estar se saísse do meu caminho e me permitisse voltar à diversão — grunho.
Ele ri, voltando a cruzar os braços e a assumir o ar de arrogância que estou começando a
me acostumar.
Seus olhos me encaram de volta.
— Não vai voltar para a festa.
— Quem irá me impedir? — Solto um riso nasalado, provocando-o. — Você?
— Exatamente, linda. — Sorri com deboche.
O apelido que me desmonta. Ele sabe disso. Porque se aproveita do momento para tirar
as chaves do bolso e agarrar meu braço com força, mas não o suficiente para me machucar,
obrigando meus pés a se moverem em direção ao elevador.
Por alguns instantes, sequer noto para onde está me levando, minha atenção e meu corpo
estão focados em seu toque na minha pele.
Queima.
Mas, ao mesmo tempo, é como se nunca tivessem se desgrudado. É reconfortante.
No entanto, quando a caixa metálica faz seu habitual barulho, tomo consciência de onde
estamos e encaro o painel, notando que ele clicou no botão do térreo. Reviro os olhos, me
inclinando e clicando no botão da cobertura, onde está acontecendo a festa e de onde acabamos
de sair.
A porta se abre novamente e o barulho da festa volta aos meus ouvidos, mas Kyle me
puxa de volta quando tento passar.
— O que está pensando? — indaga, clicando no térreo duas vezes.
Faço o mesmo, clicando na cobertura sem respondê-lo, fazendo a porta abrir e fechar
várias vezes. Não quero mais voltar para a festa, e sim ir para casa, porém fica difícil quando ele
está literalmente tentando me tirar dela.
— Você não vai voltar para a festa, Diana! — Me impede de clicar uma próxima vez,
fazendo a caixa metálica começar a descer.
— Foda-se a festa, Ballard! — esbravejo. — Você já a fez perder toda a graça.
Seu bufar raivoso é audível.
— O que está tentando fazer então, porra? — questiona, clicando o térreo novamente,
como se isso fosse fazê-lo chegar mais rápido.
— Argh! — esbravejo, clicando o andar da cobertura mais uma vez, colocando meu
corpo em frente ao painel com os braços cruzados, para evitar que ele tente me impedir de novo.
— Indo para casa.
— Então, pare de tentar voltar para a cobertura — resmunga, parecendo pensar em
formas de me tirar da frente do painel sem me tocar. — Sai daí, está bêbada demais até para
apertar o botão certo.
— Como acha que irei voltar para casa, idiota? — Viro-me para ele, dando um passo
largo em sua direção. — Preciso clicar no botão para chegar lá! Estou bêbada, não tendo
alucinações.
A expressão de Kyle poderia ser fotografada de tão cômica nesse momento. Suas
sobrancelhas estão erguidas e sua boca levemente aberta enquanto tenta processar o que acabei
de falar.
— Está querendo me dizer que mora na cobertura?
Me enfureço ainda mais.
— Está tentando jogar na minha cara algo sobre as nossas diferenças de classe?
Dessa vez, ele é quem parece ficar ainda mais irritado. Seus olhos ficam escuros e Kyle
imita o meu cruzar de braços.
— Não finja que não me conhece, sabe que jamais insinuaria algo assim, porra.
— Sei mesmo? — pergunto, provocando-o, mas com um fundo de verdade. — Você
não parece em nada com o garoto que conheci e cresci ao lado.
Ele ri, mas o som é tão estranho e esganiçado que me faz retroceder um passo.
É dolorido.
Feio.
Esquecemos que estávamos discutindo por causa de um botão e voltamos ao passado.
Nossos tons de voz sobem, nossas narinas inflam e meu peito dói.
— Quer mesmo falar sobre eu estar diferente? — debocha. — Justo você, de todas as
pessoas?
— O que há nisso?
— Você voltou para a cidade e eu só soube porque te vi em uma maldita festa!
— E qual o problema nisso? Não posso curtir a minha vida?
— Você voltou para a cidade — ele repete, seu tom é mais baixo e contido. No entanto,
dessa forma, parece soar ainda mais irritado. — Depois de quatro malditos anos sem sequer um
sinal de fumaça. E eu descobri em uma festa. Tem noção disso, porra? Você não se deu ao
trabalho de me mandar uma mensagem!
— Por que te mandaria algo? — falo alto. — Nós não temos nada!
Porém, ao invés de replicar como normalmente faria, Kyle pisca e posso ver o exato
segundo em que minhas palavras fazem sentido para ele. E dói em mim. Porque eu sinto a
mesma coisa todas as vezes que me dou conta de que nós realmente não temos mais nada.
— Foi isso que signifiquei para você? Nada?
Por um instante, posso ver a decepção, raiva, mágoa e dor nos olhos dele.
O combo completo.
E me machuca também.
Machuca, porque diferente das minhas palavras, temos, sim, algo. Em mim, pelo menos,
o amor que sempre senti ainda queima em meu peito com uma chama tão forte, que por vezes
parece que irá me incinerar.
Tivemos tudo.
Entretanto, não é a nossa realidade agora. Agora, a realidade é que preciso mantê-lo
longe de mim. O mais distante possível.
Talvez, fingindo odiá-lo seja a melhor forma, mesmo que me machuque.
Ele irá aprender a lidar com isso.
Em algum momento, ele irá até mesmo esquecer que voltei.
É questão de tempo. Eu torço para que seja.
Mas então, percebo suas muralhas começarem a se erguer novamente e lá está a nova
versão do Homem de Lata, só que, dessa vez, esse não quer, nunca mais, ter um coração.
— Por que não para de uma vez com a brincadeirinha idiota e sai da frente do painel?
— Por que eu faria isso?
— Assim eu poderia te levar para casa sem que seja atropelada ou bata a cabeça no
meio da rua, e eu possa voltar para a minha festa.
— Não precisa perder seu tempo — resmungo, desgostosa porque sou hipócrita. E não
gosto de imaginá-lo lá, rodeado de mulheres. — Não estava brincando. Eu preciso apenas que
esse elevador suba mais rápido.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que eu moro na cobertura. Já falei.
— Está brincando comigo — resmunga, mas volta atrás quando nota que a minha
expressão continua a mesma. — Você invadiu a minha festa!
— Você mora naquele apartamento? — pergunto e dessa vez quem está em choque sou
eu.
— É claro que sim! O que pensou?
Puta.
Que.
Pariu.
Isso não pode estar acontecendo.
— Não acredito que somos vizinhos — deixo escapar.
— Não acredito que invadiu a minha festa. — É a vez dele.
— Não invadi festa nenhuma, eu fui convidada — reitero, perdendo a paciência.
— Por quem?
— Pela garrafa de tequila. — Sorrio e meu sorriso só aumenta com o grunhido frustrado
que ele solta a seguir.
A porta do elevador finalmente se abre na cobertura e eu saio dele, um pouco trôpega,
confesso. Bebi dois terços daquela garrafa, o que torna meus sentidos praticamente inúteis.
Há um casal se agarrando no corredor e enquanto caminho até a minha porta, continuo
encarando-os e quase tropeço, rindo até que parem o que estão fazendo para ver o que os
atrapalhou.
Kyle bufa atrás de mim e praticamente me empurra em direção à minha porta, já aberta.
O som ainda está alto, mas agora, depois de meia garrafa de tequila e uma discussão
com Kyle, tudo parece ruim e o barulho faz minha cabeça doer.
— Entra — ele ordena, o braço estendido, mantendo a minha porta aberta e com uma
cara de quem está a um fio de perder a paciência. Não poderia estar mais lindo. Continuo parada.
Ele não manda em mim, oras. — Diana, seja uma boa garota e entre logo, certo?
— Boa garota, é? — pergunto num tom malicioso. A raiva se foi, agora quero apenas
poder provocá-lo um pouquinho. — Lembra que você costumava me chamar assim depois que
nós…
— Diana! — ele ralha entredentes, me repreendendo, contudo, consigo notar o quanto
está se segurando para não cair na minha armadilha e falar ou fazer algo que se arrependa depois.
— Pode apenas entrar, por favor?
A tequila foi criada com o único intuito de me humilhar, relembro.
— Você irá cuidar de mim? — pergunto, um pouco manhosa. — Não me sinto muito
bem, acho que bebi demais, porque… você está girando.
E então, meu corpo pende para frente quando eu perco o equilíbrio, mas os braços fortes
dele me seguram e me colocam de volta no lugar. Kyle suspira e não responde por um tempo.
Pisco algumas vezes na tentativa de que tudo volte ao normal. Mas nada acontece e ele
não se move para tirar seus braços de mim, o que com certeza não me ajuda a voltar ao normal.
Contudo, aprumo minha postura, visto meu orgulho e minha melhor postura de sobriedade.
— Pensando bem, pode voltar para a sua festa, ela estava mais interessante e… preciso
apenas de um banho gelado.
Ouço seu bufo à minha frente.
— Não vou repetir — é o que diz em um tom duro, apontando para dentro.
Idiota.
Reviro os olhos e por mais que não queira dar o braço a torcer e rebater a sua resposta,
não é o que faço.
Porque estou cansada.
Estou cansada de ter que lidar com essa versão dele.
Mesmo que eu o tenha moldado dessa forma.
E por mais divertido que seja irritá-lo com a minha presença, está me machucando e não
é o certo. Ele visivelmente guarda mágoas do que fiz e nem mesmo posso tirar sua razão disso
porque, em seu lugar, eu provavelmente o teria expulsado do meu apartamento aos gritos.
E essa é a diferença entre nós dois.
Kyle nunca teria ido embora. Não da forma que fiz com ele.
E por isso e pelo cansaço em meus ombros, me rendo e entro em casa, desfazendo-me
dos meus saltos e os jogando para o lado. Viro-me em direção à porta novamente para trancá-la,
mas o que vejo me paralisa.
Kyle a fechou.
E está dentro do meu apartamento.
— O que está fazendo?
— Pediu para cuidar de você — responde como se fosse óbvio. — Então vou te esperar
tomar banho e ir deitar.
— Eu estou bêbada, como você mesmo disse, e estava blefando. Não precisa disso.
Pode ir embora.
Ele ignora e ficamos os dois parados. Até que ergue a sobrancelha e inclina a cabeça em
direção ao corredor.
— Não é bem-vindo na minha casa — digo entredentes, mas não é o suficiente para que
vá.
— Não achei que fosse.
Meus passos até meu quarto são duros.
Procuro minha roupa mais surrada e confortável, rumando para o banheiro logo depois.
O banho é frio, tentando tirar o máximo de álcool que possa ter em meu corpo, o problema é que,
junto ao álcool, a vergonha vem e ela, sim, humilha mais do que a tequila.
Tudo o que consigo desejar é que Kyle não esteja no meu apartamento quando eu sair
daqui. Não sei se gosto da ideia de tê-lo aqui por tanto tempo. Estou quase implorando aos céus
para que ele já tenha ido, mas quando saio do banheiro, vestindo a camiseta grande e velha que
normalmente uso para dormir, o encontro sentado de braços cruzados na minha cama.
Porra.
Sinto vontade de me enfiar em um buraco e nunca mais sair.
Nunca mais mesmo.
Porque a primeira coisa que Kyle faz ao notar a minha presença, é sorrir com deboche.
— Para quem parece me odiar… você finge bem mal.
— Não sei do que está falando. — Finjo-me de desentendida.
— Essa camiseta é minha.
— Não tem certeza disso.
— Sabe que tenho.
Eu odeio o tom de convencido em sua voz.
Porque, sim, é uma camiseta dele. Uma que roubei pouco antes de ir e nunca me desfiz
porque… sou egoísta. Gosto de vesti-la para dormir bem, lembrando dele e dos nossos
momentos.
— Não vamos falar sobre isso — alerto, dando a volta na cama e me enfiando debaixo
dos lençóis antes que essa situação se torne ainda mais constrangedora.
— Não vai fazer um coque para dormir?
Pisco atordoada, ainda que não possa ver. Não faço isso há muito tempo. Fico surpresa
por ele lembrar de um costume meu que nem eu mesma recordava.
Olho-o sobre os ombros, notando que está com os cotovelos apoiados nas pernas e a
cabeça nas mãos, parecendo contornar o ambiente com os olhos. Está de costas para mim, mas
sei o que está fazendo, está procurando algo familiar. Algo com uma bússola no meio.
Que ele não irá encontrar.
— Você parece mesmo outra pessoa — ouço sua voz soar baixinho, como se não
quisesse que eu ouvisse.
Exceto que eu ouço.
E, internamente, concordo.
Não sou mais.
Sinto muito, minha bússola.
Nunca mais poderei ser a garota que conheceu.
Não sei quanto tempo se passa até que ele finalmente se levanta para ir embora.
E eu deveria ficar quieta e deixá-lo pensar que estou dormindo.
Porém, não é o que faço.
Porque há algo me consumindo desde que me tirou daquela festa.
— Kyle — chamo quando ouço a maçaneta do quarto girar.
Não tenho uma resposta, mas sei que ouve e está esperando pelo que tenho a dizer.
Dói admitir que sei que ele quer um pedido de desculpas.
Mas isso não virá.
Não sem que eu precise contar o que aconteceu.
E eu não posso contar.
— Eu estava mesmo parecendo uma qualquer com aquele vestido?
É o que ele iria dizer naquela hora.
E embora eu saiba que não foi a sua intenção, não deixou de me machucar.
Não impediu as lembranças.
Acho que não irá me responder, mas ele me surpreende novamente quando suspira e me
faz pegar no sono rapidamente quando sussurra na penumbra do quarto antes de fechar a porta e
ir de uma vez:
— Não, Diana. Você era a garota mais linda da festa.
Quando você está por perto, sinto que é difícil respirar
Vamos, querida, não faça mais isso
Não é como nos dias, nas noites que me senti tão pequeno
Meus nervos, eles me deram um sinal
Me disseram que eu não estou bem
Nervous | The Neighbourhood

Eu não deveria roubar comida do apartamento da minha ex-namorada, que por sinal me
odeia, mas é exatamente o que faço quando abro a sua geladeira em busca de água e encontro um
prato cheio do doce.
E eu amava o brigadeiro dessa filha da puta.
Por isso, não pensei muito antes de levar o prato para o meu apartamento.
Ela invadiu a minha festa e a estragou totalmente para mim, então é o mínimo que
mereço depois de ser levado ao meu limite.
O problema é que isso me fez ficar ainda pior do que estava quando saí de lá.
Pior, porque assim que passo pela minha porta, desligo o som e grito para que todos
saiam. Ninguém estranha o meu comportamento. Estão todos acostumados a me ver fazendo
isso.
— Ky? — Ergo a cabeça para Mia, que aparece na sala vestindo uma das camisetas que
Brandon deixa por aqui. — Você está bem?
Me forço a sorrir para ela.
— Estou, baixinha.
Ela estreita os olhos.
— Eu te ouvi expulsando todo mundo lá do quarto e você me chamou de baixinha.
É a minha vez de estreitar os olhos.
— O que há nisso?
— Você me chama assim apenas quando está triste.
Respiro fundo.
Eu odeio o dia em que me deixei levar e me tornei amigo dessa carrapata.
— Não conta para a Kimberly — peço, tentando fazer a minha maior expressão de
pedinte.
— Não gosto de esconder as coisas dela — me avisa, chegando mais perto e se sentando
do outro lado do balcão. — Se ela perguntar, eu direi.
Bufo.
— Você se lembra que sou seu amigo antes dela, certo?
A loira dá de ombros com um sorrisinho no rosto.
— O que é isso? — pergunta, apontando para o prato à minha frente. — Parece
esquisito.
Puxo o prato ainda mais na minha direção, me sentindo ofendido pela forma como fala
dele.
— Se chama brigadeiro.
— Se chama como? — Sua expressão é tão confusa que me faz revirar os olhos e rir ao
mesmo tempo.
— É um doce brasileiro — explico.
— E onde conseguiu isso?
— É uma longa história…
— Tenho tempo.
— Cadê o Brandon?
— Dormiu depois do segundo episódio de Friends.
Reviro os olhos.
— Não vai contar para ninguém como consegui — ameaço, praticamente enfiando uma
colherada na boca dela, porque sei que, do jeito que adora um doce, é facilmente comprada
quando há um em jogo.
Mia engole e depois arregala os olhos. A loira lambe os lábios e, descaradamente, tenta
roubar a minha colher. Eu a afasto, erguendo a sobrancelha em ameaça.
— Não conto se me der mais.
Lhe entrego uma colher, vendo-a enfiá-la no chocolate sem nem mesmo me encarar.
— Diana é a minha ex-namorada.
Mia ergue a cabeça devagar.
— Diana? A garota que estava comigo mais cedo?
Assinto.
— Por que não me falou nada? E o que ela tem a ver com esse negócio?
— Resumindo, depois que você e Bran foram se pegar no meu quarto de hóspedes —
alfineto, vendo-a desistir de se defender no instante em que abre a boca. — Eu fui para o terraço,
mas Hector me mandou mensagem dizendo que ela estava bêbada demais e eu meio que a
arrastei para longe daqui e roubei esse brigadeiro da geladeira dela.
Oculto metade das informações, pois, apesar de ter prometido não dizer nada, Mia não
esconde nada de Kimberly. E, bem, não costumava fazer isso também, então não posso julgá-la.
— Está dizendo que sentiu ciúmes e por isso a colocou para fora?
— Eu não disse…
— Nossa! — ela exclama, enfiando mais uma colherada na boca e me interrompendo.
— O Bran precisa provar isso. Não consigo parar de comer.
Reviro os olhos e tiro o prato de perto dela no instante seguinte.
— Em uma outra oportunidade, quem sabe! — respondo, comendo um pouco. — Esse
aqui é apenas meu, já te dei o suficiente.
— Não seja egoísta — ela choraminga e seu biquinho quase me faz entregar o prato
inteiro, mas, porra, não como brigadeiro há anos. Não vai ser um biquinho que vai mudar isso.
— Só mais uma colher.
— Não insista — aviso. — Volte para o seu namoradinho e deixe o meu brigadeiro em
paz.
Ela bufa.
— Digo apenas uma coisa, Kyle — ela diz, dando passos para trás, ainda me olhando e
tentando soar ameaçadora. Eu finjo estar atento, mas nem mesmo levo a sério. É a Mia. E ela é a
coisa mais fofa do mundo. — Guarde bem esse prato.
— Conte com isso — brinco de volta.
A loira não sustenta a postura e ri, me arrancando uma pequena risada.
— Me chame se precisar de algo, ok? — pergunta com apenas um sorrisinho dessa vez.
— Ok. — Assinto, vendo-a sumir pelo corredor.
Quando minha amiga se vai, a pouca felicidade que senti enquanto estava aqui comigo,
tem o mesmo fim. Some pelo corredor.
Eu encaro o prato à minha frente.
E as memórias me tomam.
Do instante em que a vi pela primeira vez ao momento em que me deixou.
Do dia em que voltou, até hoje, horas atrás.
Tudo.
Relembro de tudo.
A textura da sua pele, o gosto da sua boca, a forma como o seu coração batia acelerado
ao meu lado. Lembro de como as nossas mãos ficavam bonitas unidas, da maneira com que eu
adorava enrolar meus dedos em seus cachos e como ela ficava linda de box braids.
E mal percebo quando o sol começa a raiar.
Porque Diana sempre consegue ser o centro de tudo, mesmo quando tento odiá-la.

Mia contou para Kim que coloquei todos para fora, o que resultou em ela e Asher
chegando em casa de manhã cedo e me encontrando com olheiras enormes. Meu amigo estava
com a cara amassada, sonolenta, mas minha irmã parecia muito preocupada, o que me fez sentir
culpa na mesma hora.
Terminei de limpar o apartamento, porque nem mesmo percebi quanto tempo havia
passado e mesmo dizendo que estava tudo bem, que não havia acontecido nada demais, Kim
continuou questionando e andando, literalmente, na minha cola. Ela até mesmo começou a me
dar sermão, que, aliás, é a coisa que mais tem feito nos últimos meses, desde que se mudou para
cá e voltamos a morar juntos.
Agora meu corpo inteiro dói e estou sendo obrigado — por mim mesmo — a beber
meio litro de café puro para me manter de pé durante as aulas e o treino.
Eu sou o meu maior inimigo, e isso tem ficado claro cada vez mais.
O que eu tinha na cabeça para dar uma festa quando sabia que teria aula no dia
seguinte?
E por que ninguém nunca tenta me impedir de fazer essas merdas?
— Não entendo como pode odiar tanto café — minha irmã diz, bebendo sua humilde
xícara como se fosse refrigerante. Ela ao menos conseguiu dormir por algumas horas antes de vir
para cá. — É tipo a melhor coisa do mundo.
Encaro-a com o mau humor escorrendo pelos meus olhos.
Minha vontade agora é de chorar. Chorar.
Kim me alugou por tanto tempo reclamando sobre a noite passada, que nem pude tomar
meu banho de banheira direito, a água nem havia começado a esquentar quando tombei minha
cabeça na porcelana e essa maluca começou a me infernizar dizendo que íamos nos atrasar. Em
algum momento, ela simplesmente começou a jogar na minha cara todas as merdas que fiz
durante toda a minha vida. Pelo amor de Deus, ela reclamou até de quando soprei a vela do
aniversário de um ano da Sophie.
Que era uma boneca. Um ser sem vida, que mais poderia ser considerado um demônio,
já que andou com aquela porra para cima e para baixo até fazer onze anos. Eu odiava aquela
boneca e não entendo por que a minha irmã não consegue compreender que aquele demônio não
iria assoprar a porra de uma vela, mas aquilo fez com que parasse de falar comigo por cinco
horas. Foi horrível e ainda precisei pedir desculpas para a ridícula da Sophie.
Não vou negar que me vinguei. Me orgulho muito de ter sido o responsável por ter dado
um fim nela.
— Não me olhe assim — ela repreende. — Não tenho culpa se você foi inconsequente,
deu uma festa e se arrependeu depois.
Suspiro. Bem fundo. Bem fundo mesmo.
Por que eu tinha que ser tão parecido com ela?
Brandon e Mia, aqueles traidores, saíram tão cedo que nem se deram ao trabalho de me
avisar que estavam de saída. Queria poder dormir, mas estamos no fim do semestre e nas
semifinais para o March Madness[8], o que significa que não posso, sob hipótese alguma, faltar.
Eu sou o meu maior inimigo. Não posso esquecer de dizer isso sempre que possível.
— Por que ainda estão enrolando tanto? — Asher surge do corredor com um humor um
pouco parecido com o meu.
Ele mexe no cabelo, bagunçando os fios castanhos e encaracolados. Seus olhos escuros
e entediados nos encaram como se estivesse decepcionado por estarmos agindo tão devagar.
Asher Dempsey poderia ser comparado facilmente com um pai nesse momento e é
engraçado ver um cara de quase dois metros com duas mochilas sobre o ombro — a minha e a
dele — e a bolsa de Kim pendurada nos braços, isso faz com que um pequeno sorriso cresça em
meu rosto.
— É segunda-feira — minha irmã nos defende. — Todo mundo atrasa na segunda-feira.
— Vocês se atrasam na segunda, mas eu não…
— … gosto de atrasos — Kim e eu falamos junto a ele, que revira os olhos ao mesmo
tempo.
Minha irmã termina de beber o seu café, mas eu decido que não aguento mais um gole
sequer da bebida quente e a deixo na pia, rumando para fora, sem me dar ao trabalho de pegar a
mochila com Asher. A namorada dele é a culpada pelo meu estado, então ele que se vire com
isso.
Quando ouço a porta ser trancada, já estou em frente ao elevador.
E paraliso.
O café não foi o suficiente para me acordar, mas a imagem de Diana encostada em uma
das paredes da caixa de metal esperando as portas se fecharem, acorda.
Porra.
Palavras não bastam, não dá pra entender
E esse medo que cresce e não para
É uma história que se complicou
E eu sei bem o porquê
Qual é o peso da culpa que eu carrego nos braços?
Me entorta as costas e dá um cansaço
A maldade do tempo fez eu me afastar de você
A Noite | Tiê

Eu minto para mim mesma todos os dias ao tentar afirmar que eles ficaram melhor sem
mim.
E continuo mentindo todas as vezes que digo que não me arrependo de ter ido embora
da forma como fui.
Porque é mentira.
Eles não ficaram melhor sem mim.
E eu poderia ter ido embora depois de ao menos uma conversa.
O problema é que eu sei, sei que eles teriam me impedido. Seja me odiando ou me
acolhendo, eles teriam feito com que eu ficasse. E eu não podia. Eu não queria passar nem mais
um segundo perto deles. Não queria arriscar trazê-los para a espiral de tristeza e sofrimento que
eu havia me tornado. Não conseguiria manter o meu silêncio. Não para eles.
Quando fui embora, na primeira hora da manhã, levando apenas uma mala e um coração
dilacerado, eu realmente achei que nunca mais os veria.
Mesmo que, para isso, eu abdicasse do meu sonho que sempre foi Yale. Que eu
desistisse da família que criei raízes. Do meu namorado perfeito. Da minha melhor amiga.
Essa que, nesse momento, me encara como se eu fosse um monstro.
E, talvez, eu seja.
Alguém que some sem explicações, bloqueia em todas as redes possíveis e passa a se
tornar apenas uma lembrança, é, sim, um monstro. Foi isso que me tornei quando dei meu
máximo para não deixar um rastro sequer para que me procurassem.
Eu era alguém que costumava se gabar sobre lealdade e coragem. Gostava de pensar
que, não importava o problema, a minha família sempre seria a minha primeira opção.
Mas a realidade é aquilo que papai sempre dizia e que se tornou uma constante na
minha vida: quem muito fala, pouco é.
Não deveríamos afirmar ser algo quando nossas atitudes provam por si mesmas quem
somos. E, no meu caso, minhas atitudes se tornaram o completo oposto do que me gabei durante
toda a minha vida.
Eu fui covarde quando escolhi dar as costas sem explicações.
Eu fui desleal quando deixei para trás as pessoas que confiaram em mim com as suas
vidas.
E não há como não me sentir exatamente do jeito que sei que ela está pensando agora.
Um monstro.
Porque, mesmo sabendo que não deveria, quando Loren descobriu sobre a verdade, há
dois meses, e me procurou, eu não pensei duas vezes antes de aceitar voltar para cá e transferir
toda a minha vida para um lugar que me machucou profundamente.
Eu nunca fui corajosa, sempre fui impulsiva.
A saudade, naquele momento, falou mais alto. E falou tão alto que nem pensei no
turbilhão de sentimentos que passariam por mim ao retornar e estar frente a frente com eles.
Com o Kyle, foi difícil, mas, de alguma forma, receber o seu ódio foi como um castigo
do qual sei que mereço. Ele detestou a ideia de me ver por perto. Ele disse coisas ruins e eu
concordei com cada uma delas. E para que não achasse que voltei porque ainda podemos ser
algo, eu devolvi cada uma das suas verdades com mentiras e mais mentiras.
Afinal, sei que o sentimento escorre por seus poros. Kyle nunca irá me perdoar. E
sinceramente? Não o julgo. Eu não perdoaria. Não sabendo apenas o que ele sabe.
Com Kyle, eu sei lidar.
Já com Kimberly, não.
Não havia parado para pensar o quão difícil seria encará-la depois de quatro anos sem
notícias. Fiquei tão preocupada em estar aqui e vê-los, nem que fosse de longe como uma forma
egoísta de confortar meu coração e a minha alma arruinada, que não parei para pensar em como
ela reagiria.
Eu percebo o olhar desesperado de Kyle quando anda na frente dela e me vê no
elevador no mesmo instante. E sei que, se não fosse o empurrão que o seu amigo — e namorado
de Kim, fato que descobri recentemente — deu, ele teria dado um jeito de fazê-la esperar apenas
para não me ver.
E isso, sim, faz com que a minha ficha caia junto aos questionamentos que rondam a
minha cabeça.
Por que aceitei voltar?
Por que estou fazendo isso com eles?
Por que fiz aquilo?
Por que fui embora sem me despedir?
Por que aceitei conhecê-los?
Por que os enfiei na minha bolha de destruição?
Eles mereciam um adeus.
Eles mereciam um bilhete dizendo que os amava, mas que precisava ir.
Eles mereciam mais de mim.
— Você é a minha melhor amiga — a voz da garotinha de três anos soa na minha
cabeça.
Agora, estou aqui, parada em frente à mulher que considerei minha irmã por anos.
A única amiga que tive em toda a minha vida.
Minha companheira. Meu alicerce. A razão da minha emoção.
— Nos conhecemos ontem — eu rebati.
É como se nós duas estivéssemos em pausa e o tempo estivesse passando por nós.
Nossos olhos estão conectados.
— E daí? O tempo não significa nada.
Enquanto nos meus, há saudade, nos dela, há dor. Decepção da forma mais crua
possível.
Pego-me pensando em como foram os últimos quatro anos para ela. Se Kim, em algum
momento, mesmo que com raiva, sentiu a minha falta. Se me desejou de volta. Se quis me
encontrar.
A ideia de que ela tenha sentido tudo o que senti, não me conforta.
Não queria que sentisse a minha falta, que me procurasse ou sequer pensasse em mim.
Eu não os merecia. Eu não a merecia.
. Desde o primeiro dia em que os conheci, eu soube que o único amigo que Kimberly
tinha era Kyle e logo percebi que ela não era alguém fácil de lidar. Ela confiava apenas no irmão.
Era uma relação mútua. Era assim que o elo entre os dois funcionava.
No entanto, a conexão entre nós três foi tão grande e inexplicável, que nos tornamos
inseparáveis desde o início. Era como se fôssemos três pessoas destinadas a serem família. Casa.
O tempo foi passando, os dias se tornaram anos e continuávamos sendo apenas nós três.
Em algum momento, entre a infância e a adolescência, Kyle fez novos amigos. Amigos que
gostavam de filmes sangrentos e jogos de corrida, e Kim e eu passávamos mais tempo no
shopping do que em casa.
Tínhamos quatorze.
Aos quinze, depois de muito tempo segurando um sentimento incontrolável, comecei a
namorar Kyle.
E, ainda assim, Kimberly e eu éramos as melhores amigas do mundo.
Não havia espaço para outras amigas. Éramos ela e eu. Sempre foi.
Acho que nunca havia pensado nessa parte. Kyle tinha outras pessoas das quais podia se
apoiar. E ela… ela tinha apenas a mim.
E eu fui embora.
Eu a deixei sozinha.
Isso torna o seu olhar duas vezes mais pesado para mim. É como se colocasse mais
fardos em meus ombros, já calejados. Porque embora queira gritar e contar para eles o que
aconteceu, o que me fez ir assim, sem mais, nem menos, eu não consigo.
Não posso condená-los a conviver com esse acontecimento.
Eu não suportaria fazê-los sofrer por causa disso.
Mas sei que preciso.
E isso é foda.
Eu preciso contar, porém não consigo. Sou egoísta demais para querer fazer isso por
vontade própria.
Desperto dos meus pensamentos quando Asher toca o braço dela, como se quisesse tirá-
la do transe.
Apenas assim percebo que já chegamos e a porta do elevador foi aberta no térreo.
Noto que o silêncio está zunindo em meus ouvidos desde que entrei aqui.
Que a minha respiração se tornou irregular.
Que meu peito bate acelerado.
Que sinto vontade de chorar.
E que ela ainda me encara com a mesma dor. Com a mesma decepção.
— Não vai dizer nada? — sua voz quebra o silêncio.
Mais do que isso, quebra a minha alma.
Eu não me movo. Não respiro. Não digo. Não consigo.
Apenas a encaro de volta.
— Caralho, você é pior do que imaginei — a fala acompanha um riso de escárnio que
termina de fincar a faca no meu peito.
Porra. Dói tanto. Eu queria que ela me odiasse. Seria mais fácil para ela.
Mas não é o que acontece. Porque, apesar disso, Kimberly me olha como se tivesse
esperança. Como se quisesse que eu a contasse o motivo pelo qual parti. Ela me olha como se
dissesse que ainda posso confiar nela.
E isso me corrói de uma forma inexplicável. É uma dor quase palpável.
Os três saem do elevador. E Kyle, que até então eu havia esquecido da presença, me
olha por sobre os ombros enquanto caminha com eles, como se quisesse se certificar de que
agora percebo o que fiz. Ele me encara no exato momento em que as minhas lágrimas vencem e
começam a rolar.
Posso jurar que ele sente pena do ato. Contudo, não ligo.
Apenas fico parada no mesmo lugar quando as portas se fecham, deixando a saudade
tomar conta de mim e as memórias me consumirem. Porque, embora eu tenha os deixado, a
única coisa que me manteve sã durante esses anos enquanto me sentia sozinha por não conseguir
dar a outra pessoa o espaço que a amizade dela sempre ocupou no meu peito, foram as
lembranças.
Ela e eu festejando aniversários de bonecas e brigando com Kyle por sempre tentar
estragá-los.
Ela e eu passando horas no shopping.
Ela e eu perturbando Kyle para nos ensinar a jogar basquete.
Ela e eu assistindo “Qual o seu número?[9]” todos os sábados, sem nunca enjoar.
Tudo.
É como um castigo.
Porque, de alguma forma, sei. Sei que, assim como eu, Kimberly também se apegou às
memórias para aliviar a saudade. Sei que não ter respostas torna tudo ainda pior para ela. Sei que
quando souber o que aconteceu, irei partir ainda mais o seu coração.
Sei que sou a culpada por parte da sua tristeza.
E me pego pensando justamente na ironia das suas palavras, tão inocentes naquela
época.
O tempo significa muita coisa.
E, diferente do que dizem, ele não cura nada.
As cicatrizes do seu amor lembram-me de nós
Elas me deixam pensando que nós quase tivemos tudo
As cicatrizes do seu amor me deixam sem fôlego
Não consigo evitar pensar que
Nós poderíamos ter tido tudo
Rolling The Deep | Adele

Quando estamos longe o suficiente, Asher finalmente quebra o silêncio constrangedor


que se formou.
— O que foi isso?
— Nada — Kim responde, baixinho, com a voz esganiçada.
— Achei que ela era apenas alguém que o Kyle não gostou — ele diz, intercalando seu
olhar entre nós dois. — Pelo visto, é alguém que significa mais do que isso, não é?
— Ela não significa nada. — As palavras da minha irmã são frias e raivosas de um jeito
que só ouvi uma vez. Dirigidas a mim.
Meu amigo dá um passo em sua direção, mas sou mais rápido em passar o braço sobre
os ombros dela antes que Asher se aproxime. Sei que quer o melhor para a sua namorada, mas
também sei que ela nunca falou de Diana para ele. E contar a história do início depois desse
encontro desastroso, a faria desabar ainda mais.
— Seu cabelo está muito bonito para subir na moto desse aí — a elogio, o que não
deixa de ser verdade. — Acho que deveria vir comigo.
— O cabelo dela sempre está bonito, idiota.
— Sei disso, ela é minha irmã — me gabo, arrancando uma risadinha dela. — E acho
que você irá sozinho hoje. Eu te ofereceria o banco de trás, mas não sou mais tão fã de caras que
roubam as irmãs dos melhores amigos.
— Supera isso, porra. — Asher revira os olhos, nos acompanhando até o carro e coloca
as mochilas e a bolsa no banco de trás. Ele se vira e deixa um beijo na testa de Kim, abrindo a
porta para ela. — Vejo vocês lá.
— Não vai abrir a minha porta também?
— Vá se foder, Kyle — pragueja, colocando o capacete.
Vejo seu olhar preocupado antes de ele dar partida e não posso evitar o pensamento de
que esse cara, com certeza, é a escolha certa para a minha irmã.
Hoje percebo o quanto fui idiota.
Respiro fundo antes de entrar no carro, encontrando Kimberly balançando as pernas
freneticamente e cutucando as próprias unhas com força, evitando o meu olhar.
— Não ia me contar que ela mora aqui? — é a sua primeira pergunta.
— Eu descobri ontem à noite.
— E não achou que eu merecia saber?
— Eu não sabia como contar. — Dou partida no carro.
O silêncio se estende entre nós dois como se não soubéssemos o que dizer. Nenhum de
nós parece saber como reagir com a ideia de que Diana está por perto depois de tanto tempo. A
verdade é que a presença dela me dá a sensação de estar engolindo estilhaços de vidro.
— Foi por isso que acabou com a festa?
— Sim.
Consigo sentir quando a respiração da minha irmã muda. Eu literalmente consigo ouvi-
la hiperventilar.
— Você tentaria de novo?
Fico calado. Sei que está falando do episódio da banheira e isso me destrói, porque
também sei que ela não irá esquecer isso.
— Você tentaria de novo, Kyle? — repete, um pouco alterada agora. — Seja sincero.
— Eu já disse que foi sem querer — tento.
— Ninguém tenta se matar sem querer.
— Você já tentou — acuso, lembrando de quando me contou sobre o prédio.
— Justamente por isso, eu sei — ela responde, dura, e o peso das suas palavras faz meu
peito doer.
Porra.
A realidade me cobra.
Ela também tentou.
E se…?
E se tivesse ido até o fim?
— Não vou tentar de novo. Dou a minha palavra se der a sua — juro, para que assim ela
tenha a certeza de que estou sendo sincero. — Foi um momento de fraqueza em que me deixei
levar, não irá acontecer de novo.
Ela estende a mão com o mindinho erguido no instante em que estaciono o carro.
Enlaço-o no meu, beijando a junção dos dois como fazíamos na infância, apenas para selar ainda
mais a promessa.
No entanto, quando dou a volta no veículo para abrir a sua porta, Kimberly continua
olhando para frente, o que me faz saber que ela aprontou algo.
— Também dou a minha palavra — afirma, desviando o olhar. — Eu contei para a
mamãe.
— Kimberly! — reclamo, passando as mãos no rosto. Loren vai começar a me perseguir
em breve. — Que porra!
— Ela precisava saber.
— Eu já disse que foi apenas um…
— E se o seu momento de fraqueza durasse mais tempo? — esbraveja, finalmente me
olhando. Seus olhos estão vermelhos, um sinal de que quer chorar. — E se eu não tivesse te
procurando naquela hora, Kyle? Me diga, o que aconteceria?
— Kim…
— Você estava tentando me deixar, Kyle. — Ela me quebra quando deixa a voz falhar.
— E pode ficar bravo comigo por contar à mamãe, mas ela fará de tudo para que você melhore.
Não me importo com o seu ódio, apenas preciso de você vivo.
— Eu não preciso melhorar…
— Há algo de errado com você — me interrompe mais uma vez. — Há algo de errado
que eu não consigo consertar e que você não conta para ninguém. Então é óbvio que precisa
melhorar. E vou me encarregar de que isso aconteça de uma forma ou de outra.
Minha irmã sai do veículo e para na minha frente, apoiando as mãos em meus ombros,
algo que fazia na infância sempre que queria falar algo sério.
Sou eu quem estou hiperventilando agora. Não tinha me dado conta antes, mas agora
estou. Um momento de fraqueza quase me fez deixá-la. Um momento em que me deixei levar
pelos meus pensamentos quase fez com que a minha irmã sofresse ainda mais.
E a ideia… a simples ideia de deixá-la sozinha me aterroriza, faz meu peito doer e
minha respiração travar. Ela ainda teria nossos amigos, seu namorado e a mamãe. Mas eu não
estaria aqui. Minhas mãos tremem e ela desliza as suas pelos meus braços até segurá-las.
— Respire.
Nossas mãos continuam unidas enquanto luto para manter a minha respiração ritmada.
Não me importo que alguém esteja vendo, a minha atenção é focada apenas em Kimberly e no
que estou escondendo dela.
Estou tentando respirar enquanto lembro que estou traindo a minha irmã ao esconder
algo que pode machucá-la quando descobrir.
— Está se sentindo melhor?
— Eu irei melhorar — prometo, balançando a cabeça em concordância. — Por você.
Ela assente.
E me sinto mais culpado.
Ela não vai me perdoar quando souber.
— Eu estou certa, não estou? — pergunta mais baixo. — Há algo que você não está me
contando.
É a minha vez de assentir.
— Mas eu vou — respondo rapidamente. Não quero que se afaste, mesmo sabendo que
o fará quando souber. Ficar distante da minha irmã é doloroso demais. Porém, eu preciso
descobrir o que fazer antes de contar. — Prometo que quando estiver pronto, te contarei tudo.
— Eu confio em você. — Suas palavras me apunhalam.
— Eu não vou te deixar — prometo, mesmo com medo. — Mas tem algo que precisa
saber.
— O quê? — pergunta, alarmada.
— Roubei um prato de brigadeiro ontem à noite.
Um sorriso animado cresce em seus lábios antes de Kim pular em meu pescoço. Ela
também sempre foi apaixonada pelo doce, desde que o provamos pela primeira vez.
— Você é o melhor do mundo! — anuncia, pegando a sua bolsa e a mochila de Asher
no banco, fazendo-me rir. — E eu estou atrasada. Te vejo mais tarde no refeitório.
Eu consigo fazer a façanha de me atrasar para o treino.
— Banco! — o treinador James grita para mim antes mesmo de eu pisar na quadra.
— Foram apenas cinco minutos! — refuto, tentando me justificar, apesar de saber que
não adiantará muito.
— Quanto tempo durou a sua festinha de ontem? — pergunta retoricamente, sabendo
que não posso, e nem irei, discutir sobre isso.
Na real, minhas festas e saídas durante as noites já são assuntos que James Hartford
desistiu de entender. Nós dois nos damos bem na medida do possível. Ele detesta as minhas
festas e eu detesto os seus castigos. No mais, convivemos bem, ele é bom para o time e embora
pegue no meu pé, sabe que nós dois precisamos estar em sincronia.
Jogo-me na arquibancada, sabendo que estarei fora da primeira rodada do treino. Asher
olha para mim, da sua posição, e balança a cabeça, mal-humorado. Deve estar achando uma
merda a escolha do treinador em deixá-lo no time principal, sendo que ele sabe que o meu
melhor amigo não tem pretensão nenhuma em continuar no basquete.
Ele tem talento, é ágil e rápido, mas todos aqui sabem que ele nasceu para lutar. O
Templo da Serpente[10], onde costuma ocorrer as lutas que ele participa, ainda é um assunto
delicado. Nem Brandon, as meninas ou eu concordamos com a ideia de ele continuar lá, ainda
mais agora que o seu irmão finalmente está em liberdade, já que o motivo pelo qual entrava nos
ringues era conseguir pagar a fiança dele.
Estamos tentando convencê-lo a parar e procurar por um agente que o coloque na parte
legal da coisa. E quando digo legal, quero dizer, dentro da lei, onde ele não corre o risco de ser
pego pela polícia ou pelos seus rivais. Mas é difícil fazer isso com alguém que se chama Asher
Dempsey e tem a teimosia que apenas ele é capaz de ter.
— Não pense que vai ficar sentado aí e apenas admirar — James fala depois de ordenar
que o time comece as suas jogadas.
Eu preciso segurar o revirar de olhos que insiste em me tomar, porque, porra, estou
cansado para caralho e nem reclamei tanto assim de ter ficado no banco. Eu deveria ter ficado em
casa e estaria dormindo agora.
— O que quer? — pergunto a contragosto.
— Preciso que vá até a área da enfermaria — ordena. — Hidalgo fez um passe errado
depois de ver a estagiária nova e creio que, por esse mesmo motivo, ainda não retornou à quadra.
Minha sobrancelha se ergue.
— E quer que eu seja babá dele?
— Quero que se preocupe com os colegas do seu time. — Ele sorri, debochado. — Vá
atrás do idiota. Preciso dele no jogo.
— Jogamos na mesma posição e eu estou bem aqui — rebato, puramente por preguiça
de ter que ir até a enfermaria.
Eu detesto esbarrar com qualquer um dos jogadores de hóquei ou futebol americano.
Não tenho paciência para nenhum deles.
— Ele não se atrasou por ter feito uma festa.
Dessa vez, reviro os olhos, sem me importar se veja ou me ache birrento. Eu sou
mesmo. Nunca disse o contrário.
Levanto-me e jogo a minha mochila sobre os ombros, vou buscar o idiota e ir direto
para casa. James vai querer me engolir vivo depois, mas, sendo sincero, estou pouco me fodendo
para isso hoje.
Preciso de um banho quente na minha banheira, com as minhas persianas fechadas, o
meu prato de brigadeiro, uma série aleatória e a minha cama. Apenas. Não é pedir demais.
Além disso, não irei participar do treino mesmo, então não fará diferença alguma para o
time.
Tomo meu tempo entre os corredores da ala de saúde, que fica um pouco afastada da
quadra de basquete, pois fica no centro de todas as quadras esportivas. É uma ala compartilhada
por estudantes de medicina, química, enfermagem e fisioterapia, que é a mais movimentada
devido às lesões que ocorrem a todo momento por aqui.
Atravesso o enorme corredor, cumprimentando um ou outro jogador que conheço —
não é porque não os suporto que preciso ser mal-educado, isso eu guardo apenas para pessoas
específicas — e paro em frente à porta da enfermaria, que está meio aberta.
No entanto, antes que possa bater ou entrar, uma voz me chama atenção.
— Está tudo bem com o seu pé — diz Diana em um tom bastante profissional, mas pelo
que me recordo, parece prestes a perder a paciência. — Foi apenas um tropeço, o desconforto irá
passar logo.
— Tem certeza? — o idiota do Hidalgo questiona. — Está doendo muito, estou
sentindo até na minha perna agora e quando você o massageou, não estava assim. Talvez, se
continuar a massagem um pouco mais para cima…
É o fim.
É o fim para mim.
Não posso acreditar nisso.
— Talvez, se continuar falando, fique sem os dentes.
Diana se assusta um pouco com a minha presença e Hidalgo parece perder a fala. Não
costumo ser grosseiro ou olhar para os meus companheiros de time da forma que estou
encarando agora, a não ser que queira brigar, e isso o faz engolir em seco.
— Eu estava apenas brincando, cara.
— Mas eu não estou. — Deixo bem claro.
Hidalgo finalmente põe os pés para fora da maca e olha entre mim e Diana.
— Foi mal — diz para ela.
— O treinador quer você na quadra agora — digo, apontando para a porta atrás de mim,
porém ele não se move. — Vaza, Hidalgo.
O idiota sai praticamente correndo. Estou com tanta raiva me consumindo nesse
momento, que eu o faria engolir os próprios dentes se ficasse mais um segundo aqui. Quem ele
pensa que é para fazer essas insinuações ridículas?
No entanto, a minha atitude não parece agradar nem um pouco a estressadinha na minha
frente, que me encara com os olhos pegando fogo e com os braços cruzados, como se estivesse
prestes a me matar.
— O que foi agora? — questiona entredentes.
Eu poderia dizer que ela está extremamente bonita e gostosa vestindo esse jaleco branco
com o seu nome bordado, contudo, lembro que agora eu preciso odiá-la. Além disso, ela está
usando uma calça jeans de lavagem escura e uma camiseta rosa-bebê, a sua cor favorita, e posso
apostar que, por dentro dos seus tênis brancos, há meias de estampa duvidosa.
— É assim que me agradece?
Diana ri.
— Qual é o seu problema? — ela pergunta, visivelmente com raiva.
É a minha vez de rir.
— Você é a porra do meu problema — reclamo, terminando de fechar a porta com
força. Cruzo os braços, tentando, genuinamente, me controlar.
— Vai embora — Diana manda, apontando para a porta. Seu tom é contido, baixo, no
entanto, há seriedade ali.
E eu, mais uma vez, me amaldiçoo por estar encantado por ela. Mesmo que não deva.
Ela é a porra de uma pedra no meu sapato, uma na qual não consigo e nem quero me livrar. Acho
que isso me torna um idiota do caralho.
— Não posso simplesmente ir embora, já que isso não te faria sumir — esbravejo. —
Você invade a minha festa. Você vem até os meus amigos. Você está em todos os lugares.
Seus olhos não se desviam dos meus em nenhum momento.
— Acho que compartilhamos do mesmo problema, Kyle. — Ela dá um passo à frente.
— Porque você também é o meu. Você está sempre por perto. — Seu dedo bate em meu peitoral
ao passo que a sua voz sobe um decibel. — Você parece me odiar em um momento, já no outro,
aparece para me defender. Um dia, você me ofende, no outro, me coloca para dormir. Está difícil
te entender.
— Está difícil me entender, Diana? — Uma risada de escárnio salta dos meus lábios. —
Eu que deveria te dizer isso, porque não fui eu quem foi embora, porra.
— Acha que não sei? Você relembra isso a todo segundo. — Bate mais uma vez e não
consigo desviar o olhar. Deus, ela é perfeita. — Você faz isso parecer uma grande coisa. Acha
que não me sinto culpada? Que não tenho consciência do que fiz? Você acha mesmo que isso me
deixa feliz? Você acha que eu não sinto tanto quanto você?
Diana finalmente mostra.
Finalmente mostra alguma coisa além do seu desdém pela situação que ela nos colocou
ao ir embora. Quando a vi chorar, mais cedo no elevador, eu sabia que não era por mim. Era por
Kimberly. Pela amizade das duas. Ficou óbvio que ela não sente um pingo de arrependimento em
ter me deixado, mas sente isso pela minha irmã, sua melhor amiga.
Desde que voltou, tudo o que tem feito é fingir que não se importa comigo.
Fingir que não é a culpada pelo nosso fim. Fingir que não significamos nada.
Quando eu sei que há algo por trás disso tudo, que ela não está contando. Embora esse
fato não anule nada do que vem acontecendo, pois, para mim, não há justificativas para o que
fez, eu quero saber.
— Talvez, apenas talvez, eu faça isso parecer uma grande coisa, porque é, porra! —
Explodo, pouco me fodendo se tiver alguém passando no corredor. Eu preciso apenas colocar
para fora o que está me matando há semanas. Há anos, na verdade. — Você era a minha
namorada. Mais do que isso, era a minha melhor amiga, a pessoa com quem achei que ficaria até
o fim dos meus dias, e então do nada vai embora, sem ao menos ter a decência de se despedir ou
de terminar com o que vivíamos.
— Eu tive os meus motivos! — defende-se no mesmo tom. — Por que não pode apenas
pensar assim?
— Então me conte. — Abaixo o meu tom de voz, forçando uma calma que não tenho.
— Me conte o que pode ter acontecido de tão grave para que abandonasse tudo o que você dizia
amar sem mais, nem menos.
Tento me acalmar ao respirar fundo.
Eu a encaro e espero.
Espero pela resposta que tento ter há quatro anos.
Mas que não vem.
Nunca vem.
E eu tento, de verdade, enxergar em suas feições algo que remeta arrependimento.
Tento sondar em seus olhos se há, mesmo que pouco, o amor avassalador que senti por ela.
Mas não há nada.
Os olhos de Diana, antes tão cheios de vida, parecem me encarar vazios agora.
A sensação que tenho enquanto me encara é que não há nada ali.
Ela me encara como se eu representasse uma ameaça ao muro que ergueu em torno de
si. E talvez eu seja. Porque posso ser um idiota, mas sou um idiota que nunca conseguiu deixar
de amá-la.
E há algo que grita em mim, repetidas vezes, a todo tempo, que eu devo insistir nela.
Que devo me rastejar se precisar para saber o porquê.
Não a quero de volta, embora precise.
Eu só quero entender seus motivos. Quero saber em que momento ela deixou de ser
minha para se tornar essa casca grossa e insensível que está à minha frente.
E que se mantém calada.
— Você se arrepende? — pergunto, porque odeio o seu silêncio. — Ao menos sente
muito? Não digo nem por mim. Se arrepende de ter deixado a Kim sozinha? De ter ganhado a
nossa confiança e depois sair no meio da madrugada como uma fugitiva?
Ela engole em seco. Seus olhos me dizem coisas que não consigo compreender.
— Eu acho melhor você sair daqui.
— Você ao menos tem coragem de olhar nos meus olhos e dizer se aquele “eu te amo”
que dissemos um para o outro antes de me deixar, foi ou não sincero?
— Eu nunca menti — diz, e é apenas então que noto uma rachadura. — Me chame de
qualquer coisa, menos de mentirosa.
— Oh, sim! — Sorrio, debochando. — Manipuladora, irresponsável, desleal, cruel,
fria… Tudo isso está liberado?
— Pode apenas, por favor, sair daqui?
— Responda a minha pergunta, Diana. Você se arrepende?
É quando penso que, talvez, fosse melhor ficar quieto.
— Apenas de não ter ido antes — responde, olhando em meus olhos.
É assim que ela termina de me partir.
É assim que eu tenho certeza que a odeio.
É nesse momento exato que consigo ouvir.
Consigo ouvir o barulho que meu coração faz ao ser ainda mais pisoteado.
— Não entendo o porquê ainda me surpreendo — resmungo, descruzando os braços e
dou um passo para trás, destruído. — Sabe, eu passei todos esses anos mentindo para mim
mesmo, achando que talvez, apenas talvez, Diana, houvesse algum mal-entendido para que tudo
acontecesse da maneira como ocorreu, para eu não ter recebido um bilhete sequer. Tentei me
convencer diversas vezes que não te achava nas redes sociais porque você sumiu do mapa, ou
que, um dia, você voltaria, nem que fosse pela Kim. Eu inventei tantas desculpas. Eu quis
guardar as nossas últimas lembranças como uma forma patética para não te odiar. — Dou-lhe um
sorriso. É frio. Vazio. — Eu realmente achei que você fosse leal.
As palavras saem da minha boca sem controle. Eu as digo, mas não as sinto. Não sinto
nada nesse momento, além da dor fria e cruel que arremete todo o meu corpo quando entendo
que ela apenas foi embora.
Escolheu ir.
E não se arrepende, muito pelo contrário.
— Você queria enxergar coisas que nunca te disse. Eu nunca prometi ficar, Kyle. Nada
que vem de mim, deveria te surpreender. Eu sou tudo o que você tem pensado. Ou, talvez, seja
pior. — Suas palavras rodeiam a minha cabeça. É como se essa conversa fosse algo
completamente irreal de se acontecer um dia. — Acha que vir aqui e dizer todas essas coisas,
como se eu fosse me rastejar aos seus pés e implorar por perdão, surtem algum efeito? — Ela
sorri, é falso, mas não deixa de doer em mim quando me dá as costas e vai em direção à porta. —
Adivinha? Está errado! Você precisa crescer e aprender que a vida não gira em torno de você, e
que nem tudo na vida acontece à sua maneira.
— Eu vivi todos esses anos com uma dúvida cruel — digo, baixinho, e ela para na porta.
— Uma pergunta e uma resposta. Eu deveria te esperar ou te esquecer? — divago. — E decidi
pela errada. Porque eu esperei, mas vejo que deveria ter feito a segunda opção. Deveria ter te
apagado de mim.
Eu rio da minha própria fala.
Tão tolo.
Consigo ouvir a voz do meu pai sussurrando no meu ouvido.
Mulheres são traiçoeiras. Todas elas. São como cobras venenosas, que chegam
devagar, para não chamar atenção, e quando menos se espera, dão o bote e te fazem perder a
cabeça.
Essa garota é uma delas, Kyle.
Uma das garotas que nos fazem perder a cabeça.
Uma daquelas que é bonita de se ter ao lado, mas que não se pode confiar segredos,
muito menos o seu coração.
Ela será a sua ruína.
Mas apenas se você deixar.
Eu não respondi nada quando me falou aquilo. Sempre respeitei Maxon acima de tudo,
mesmo que fosse duro em alguns momentos na minha infância ou com Kim. Mesmo quando não
concordou com as nossas escolhas.
Eu o respeitei, porém sempre me recusei a acreditar nas palavras dele.
Elas sempre pareceram irreais. Até não serem.
— Vejo que meu pai estava certo, você realmente é traiçoeira.
A porta se fecha em um baque que reverbera por todo o meu corpo.
Diana se vai.
E me deixa sozinho.
Vazio.
Mais uma vez.
Não me leve a mal, mas eu não minto
Sempre tô blefando por nós dois
Se eu vacilei, foi por instinto
Deixe o fim do mundo pra depois
Não te quero tanto, mas te sinto
Não me confunda tanto assim
Me desculpe, mas não jogo limpo
Não arranque palavras de mim
Escorpião | Xamã part. Agnes Nunes

— Ele me odeia — exclamo. O rosto, tão parecido com o meu, ergue uma sobrancelha,
confusa. — O Kyle. Ele me odeia mais do que achei que odiaria.
Olho para o telefone, minha mãe fica quieta por um minuto inteiro enquanto me assiste
mexer na comida com o garfo, sem realmente querer comer. Estamos em ligação há minutos e
durante todo esse tempo, apenas jogo a salada de um lado para o outro, sem fome.
— Amor, ele pode estar apenas confuso — ela tenta, seu timbre calmo tentando ser a
voz da minha razão. — Pense bem, você ficou longe por anos…
— Justamente por isso. Eu o conheço. Confie em mim quando digo que ele me odeia.
— Você contou o que aconteceu?
O silêncio se estende entre os dois lados.
Esse sempre foi o elefante na sala da nossa família.
— Não estou pronta — digo antes que tente me convencer do contrário. — E
sinceramente? Acho que nunca estarei.
— Por qual motivo, meu amor?
— A ideia de vê-lo digerir isso me parece cruel.
— Mas ele merece saber — mamãe refuta. — De uma forma ou de outra, é parte da
vida dele. Você era parte da vida dele. E não tente me dizer ou convencer do contrário, porque
eu também convivi com o Kyle, sei como ele pode ser difícil, mas também sei que aquele garoto
arrastaria a lua nas costas por você.
— Ele cresceu, mãe. — Desisto de comer, jogando os restos de comida na lixeira
orgânica. Viro o iPad para a pia, onde começo a lavar a louça. — Nos vimos hoje — solto, de
costas para a câmera, suspirando fundo em uma falha tentativa de aliviar o estresse. — Na
verdade, ele foi até a sala em que estou estagiando. E foi horrível. Kyle me olhou como se eu
fosse um monstro e…
Não consigo concluir minhas palavras. Deixo meus ombros caírem e, por alguns
segundos, apenas encaro a louça suja na pia com as mãos apoiadas no inox, esperando como se
isso fosse me dar as respostas para as perguntas que nem sei quais são.
— E o quê, Diana?
— Foi como me senti. Um monstro. — Fecho meus olhos por um instante. — Um
monstro por ter abandonado ele, Kim e até a Loren. Eu me senti um monstro porque não sou
corajosa o suficiente para dizer o motivo que fui embora…
As palavras parecem se perder na minha boca a cada segundo.
É como se o meu corpo tivesse a consciência de que, ao falar em voz alta, tudo se
tornará real.
— Não foi sua escolha, querida.
Mamãe consegue me confortar. Ela sempre consegue fazer isso, ainda que nem sempre
eu acredite em suas palavras, mamãe sempre consegue me fazer sentir melhor.
Termino de lavar a louça, aproveitando o silêncio confortável entre nós duas. Separadas
a milhares de quilômetros. É impossível não sentir saudades. Mas é necessário. Mamãe diz que
filho se cria para o mundo. E eu sempre tive liberdade de escolher qual caminho seguir quando
chegasse a hora. Eu escolhi New Haven, mamãe escolheu continuar na Ilha dos Milagres.
E, embora seja difícil ter toda essa distância entre nós, é bom saber que isso não me
impede de tê-la ao meu lado. A saudade é grande, mas não é nada que alguns meses de economia
não comprem uma passagem, ou que uma ligue para a outra.
— Eu sei que não foi minha escolha — repito o de sempre. — Mas não consigo deixar
de me sentir culpada. Você precisa ver, mãe. Eu vi a Kim hoje de manhã no elevador e… —
preciso suspirar para segurar as lágrimas. — Eu quis tanto abraçá-la e dizer que senti saudades.
Eu quis tanto apenas… dizer “oi”. Mas ela me olhou com tanta dor, com tanto desprezo, que
senti vontade de sair correndo e me esconder debaixo da cama.
Kimberly foi a minha melhor amiga desde o instante em que a vi pela primeira vez.
Hoje eu a vi rir com outra garota, a Mia, que parece ser a sua amiga, e senti inveja.
Porque queria que ela risse comigo também. Porque queria que ela nunca tivesse deixado de rir
comigo, mas… eu não tive escolhas.
Eu não tive escolhas e agora preciso conviver com o fato de que a minha irmã de alma
me odeia. E acho que essa parte dói mais do que ser desprezada por Kyle. Amores vêm e vão,
mas amizades são laços eternos. E sei que, em partes, estou errada por ter os deixado, mas, por
outro lado, me sinto mal por não conseguir contar o motivo pelo qual precisei fazer isso.
— Por que não conversa com eles, minha filha? — Mamãe faz a mesma pergunta
enquanto coloco o leite condensado na panela.
Tenho certeza de que fiz um pouco de brigadeiro ontem — e por pouco, quero dizer que
usei duas latas de leite condensado —, mas, pela tarde, quando voltei da faculdade, não encontrei
o prato que o deixei. Estou até mesmo me questionando se não foi efeito da bebida de ontem.
— Eles me odiariam se soubessem da verdade.
— Diana — Liane chama, um pouco resignada, um pouco triste. — Pelo que você diz,
eles já o fazem, filha, conta de uma vez e verá que, às vezes, nem tudo é como pensamos. Talvez
você esteja equivo…
Três batidas na porta chamam a minha atenção, me fazendo encará-la.
— Está esperando alguém?
— Hum… não — respondo, ainda encarando a madeira como se ela fosse se abrir
magicamente. — Podemos nos falar depois? Estou um pouco cansada de falar e pensar sobre isso
hoje.
— Como quiser, querida. — Ela assente. — Mas pense no que a mamãe disse.
Conversar não é o fim do mundo.
Eu apenas lhe dou um sorriso contido antes de desligar porque realmente estou farta de
tudo isso, embora essa tenha sido a minha vida nos últimos anos. Entrar em eternos
questionamentos e não chegar a lugar algum quanto a isso.
Caminho em direção à porta, que começa a ser esmurrada, e me arrependo de abri-la no
instante seguinte, porque um furacão toma conta de toda a minha casa quando Kyle a invade.
— Que porra é essa? — pergunto, ainda paralisada.
Kyle está vestindo apenas uma calça de moletom e me pergunto se o nosso embate de
hoje já não foi o suficiente.
— Eu vim aqui te falar algumas coisas.
— Acho que você já disse o suficiente por hoje.
— Oh, querida… tenho quatro anos de coisas para te falar.
— Que tal começar de uma vez para que possa sair e me deixar em paz?
— Eu preciso apenas de um motivo.
Meus ombros caem. Estou verdadeiramente cansada.
— Já falamos sobre isso.
— Falamos porra nenhuma! — Sua voz aumenta. — Você fugiu. Você sempre foge,
porque é covarde.
— Nossa! Que coisa interessante, não é, Kyle? — Ergo uma sobrancelha. — Porque
você acabou de invadir o meu apartamento e provavelmente está bêbado porque pensou que
dessa forma teria coragem.
— Não me insulte, sabe que jamais precisaria disso. Você não pode me chamar de
covarde. Desde a primeira vez que te vi, achei que havia encontrado alguém que sempre assistia
em filmes. Todas as outras garotas perderam o brilho aos meus olhos, nenhuma delas conseguia
ser como você e soube de tudo isso quando tinha cinco anos. E sabe o que você fez com todo
amor que te dei? Me deixou. — Ele solta uma risada amargurada. — Você escolheu me deixar. E
o pior, me deixou depois de ter dito que me amava. Me deixou sem um aviso prévio, você
entende isso? Porque eu acho que não! Então, você, mais do que todos ao meu redor, é a que
menos tem o direito de reclamar sobre a forma como estou tentando lidar com a bagunça que
você deixou. Você não pode me chamar de covarde.
— E por que continua aqui? — questiono, meus olhos começando a arder. Kyle anda
em minha direção e, dessa vez, não recuo. — Por que continua insistindo se sabe que não irei te
dar as respostas que quer?
E então ele quebra.
Uma lágrima escorrega pelo seu rosto e ela consegue fazer as minhas caírem também.
Kyle estende a mão e, com delicadeza, toca meu rosto, fazendo o contato reverberar por todo o
meu corpo no mesmo instante. É como voltar no tempo.
É como recuperar a minha bússola.
— Porque eu não consigo deixar de te amar — sussurra, tão dolorosamente que me faz
querer abraçá-lo. — Porque tentei de todas as formas, mas não consegui. Você parece estar
enraizada na minha alma e isso dói tanto que todas as vezes que te olho, esqueço como se
respira.
Foda-se, eu o beijo.
Não há como explicar a necessidade que toma conta de mim quando isso acontece, mas
eu o beijo. E todo o meu corpo parece incendiar, porque ele devolve o beijo com ânsia, como se
precisasse disso, assim como eu, para respirar. Para viver.
Suas mãos seguram o meu rosto como se quisesse se certificar de que esse momento é
real.
Esquecemos do nosso passado.
Esquecemos que estamos fingindo nos odiar.
Esquecemos do fato de que não significamos mais nada.
Esquecemos de tudo.
No momento, a única coisa que nos envolve é essa vontade incontrolável de nos tocar.
Empurro-o até que caia sentado no sofá e não desgrudo nossas bocas quando me sento
em seu colo. Foda-se tudo o que dissemos um para o outro desde que nos vimos. E ele parece
pensar como eu, pois também não interrompe o contato, apenas retribui como se essa fosse a
primeira vez.
Kyle não parece preocupado com nada enquanto suas mãos se apossam da minha
cintura, apertando-a como se quisesse me punir.
Não é diferente com a sua boca.
Kyle me devora.
Somos uma confusão de línguas e dentes que disputam a cada segundo para ver quem
tem mais poder sobre o outro. Suas mãos parecem me apertar nos lugares certos para me
causarem arrepios e fazer com que eu não consiga pensar em mais nada além desse momento e
na forma com que ainda nos encaixamos tão bem.
— Você não parece me odiar agora.
Eu nunca odiei, lindo.
Ele não parece falar isso para me parar, porque suas mãos continuam me apertando
enquanto seus olhos não se desviam dos meus lábios.
— Eu odeio — sopro, tentando convencer a mim mesma.
— Mostre.
— Cala a boca e me beija.
No entanto, antes que ele o faça, algo acontece.
Um barulho alto ressoa. Algo como… uma explosão.
Porra.
Com a pressa em abrir a porta, não me atentei em prestar atenção na temperatura que
deixei o fogo. Na verdade, eu deveria ter desligado. E tenho certeza disso quando olho para a
minha cozinha e encontro o caos.
Uma panela pequena não deveria causar tanto alvoroço, mas há uma chama alta.
Puta que pariu.
Que merda eu fiz?
É quando a realidade cai sobre mim.
Eu estava mesmo beijando o meu ex-namorado?
O mesmo ex-namorado que abandonei e que agora me odeia?
Minha cozinha… está pegando fogo?
Não acredito nisso.
— Porra! — exclamo, pulando para longe do seu colo e indo em direção ao fogo, mas
não vou muito longe, porque ele me puxa de volta para ele.
Nem mesmo tomo consciência do perigo. Apenas quero me livrar dele e desse fogo para
que eu possa voltar para o meu brigadeiro e fingir que esse momento nunca aconteceu. Que eu
não o beijei. Que as coisas que ele disse não irão tornar tudo ainda mais difícil.
— Ficou maluca? — berra, os olhos arregalados quando se levanta, colocando-me no
chão, mas ainda segurando meu braço. — Sua cozinha está pegando fogo. Temos que sair daqui!
Ele me arrasta para fora do meu apartamento, sem esperar que eu pegue algo além do
meu celular. Seus passos apressados me fazem quase tropeçar em meus próprios pés, pois ele
não para nem quando estamos descendo as escadas.
Não consigo assimilar nada, pois as coisas parecem acontecer em questão de segundos.
Em um momento, estou no seu colo, no outro, a minha cozinha está em chamas, no seguinte,
estou sendo arrastada escada abaixo e, de repente, estou em frente ao prédio e um maluco está
berrando ao telefone com os bombeiros depois de praticamente ordenar ao porteiro que evacue
todo o prédio.
Por uma coisa que poderia ser resolvida com um pouco de água.
— A culpa é toda sua — praticamente grito ao ver que os moradores realmente estão
saindo das suas casas.
Kyle se vira em minha direção, deixando-nos frente a frente.
— Você quem me beijou — aponta.
— Você retribuiu.
Ele esfrega as mãos no rosto, transtornado ao passo que a sirene dos bombeiros começa
a soar.
Não posso acreditar que estou passando essa vergonha.
— Que porra aconteceu? — uma voz conhecida interrompe o momento, chamando a
nossa atenção para ela. — Por que o porteiro ligou para a mamãe dizendo que você pediu para
evacuar todo o prédio, caralho?
Kim está usando um casaco por cima da roupa e só então me dou conta do que estou
vestindo. Uma camisola. Uma camisola nada comportada que me deixa com frio.
— Seu irmão aconteceu — sussurro, cruzando os braços, irritada.
— Ela botou fogo na cozinha — me acusa. — E como se não fosse o bastante, queria
apagá-lo sozinha.
— Você me fez botar fogo na cozinha!
Kimberly tem uma expressão confusa no rosto e se vira em minha direção.
— Você ia colocar fogo no meu irmão?
— Seria uma boa ideia — concordo, no auge da minha raiva. — Mas eu estava só
fazendo brigadeiro.
Ela abre a boca para dizer algo, mas Loren se aproxima e isso faz com que nós três nos
calemos.
— Que merda você fez, Kyle?
— Eu não fiz nada, mãe!
Isso não parece convencê-la.
— Quem mais colocaria fogo em um apartamento se não você?
— Por que sempre jogam a culpa em mim? Que inferno! Foi essa maluca que resolveu
incendiar a porra do prédio e fazer eu perder o meu tempo.
— Primeiro, foi você quem invadiu o meu apartamento! — acuso-o, cada vez mais
irritada com ele por não ter me deixado cuidar do assunto. A essa altura, toda a cobertura deve
estar em chamas. — E depois ainda me distraiu.
— Ah, claro, eu te agarrei enquanto discutíamos.
— Olha os modos, Kyle! — Loren o repreende, colocando os dedos na ponte do nariz. É
nesse momento que um bombeiro se aproxima e ela se vira para ele, perguntando: — O quanto
isso afetou a cobertura?
— Apenas o apartamento em questão, senhora Ballard — o homem diz. — Não foi algo
muito grande, mas encontramos muitas irregularidades na eletricidade do local, então não podem
ficar lá até que isso seja resolvido.
Meus ombros caem.
O que eu vou fazer?
— Não tenho outro lugar para ficar — murmuro baixo, olhando para Loren, mesmo
sabendo que os outros me escutam.
Ela apenas assente.
— E a segunda cobertura?
— Tudo certo, os moradores podem voltar.
Loren olha para Kyle.
— Brandon e Mia ainda estão no quarto de hóspedes?
— Não. O apartamento dela ficou pronto semana passada.
— A Diana irá ocupá-lo a partir de hoje.
— O quê? — os irmãos Ballard exclamam ao mesmo tempo, mas é Kim quem
prossegue:
— Por quê?
— Porque dinheiro não faz mágica e eu não consigo reparar a cobertura dela a tempo.
— Por que você faria isso, mãe? — ela continua, os olhos semicerrados.
— Por que justo no apartamento deles? — pergunto, mudando o foco da conversa.
Afinal, se respondêssemos a pergunta de Kim, seríamos levados a um assunto que não
quero tocar.
— Posso falar com você a sós, Diana? — Loren pergunta e eu assinto, sabendo que não
há nada que posso fazer no momento. — Fique aqui com o seu irmão.
Kim assente e abraça Kyle, sussurrando algo que não consigo ouvir enquanto Loren
segura meu braço com delicadeza e me leva a um canto mais afastado dos bombeiros e das
pessoas que começam a retornar para o prédio.
Loren retira o seu casaco, colocando-o sobre os meus ombros, e eu agradeço, me
sentindo menos desconfortável por toda essa situação humilhante.
— Escute, querida, o que vou fazer, não é por mal — se justifica. — Preciso que você
passe alguns dias na cobertura com os meus filhos enquanto arrumo um jeito de consertar a sua o
mais rápido possível.
— Ele não foi o culpado — esclareço, defendendo-o, mesmo que essa seja a última
coisa que eu deveria fazer nesse momento. — Estávamos discutindo e…
— Não precisa se explicar. — Ela sorri. — Vou conversar com Kyle para que ele pare
de pegar no seu pé, não se preocupe.
— Loren…
— Eu sei o quanto o meu filho pode ser difícil, ainda mais nessas situações, mas todos
os meus imóveis estão alugados e não quero te deixar em um hotel qualquer sem segurança. Eu
te levaria para a minha casa para ficar comigo, mas…
Eu ficaria desconfortável.
— Eu sei.
— Diana — Loren chama a atenção dos meus olhos para ela. — Estou respeitando o
juramento que fiz à sua mãe de cuidar de você e respeitando a sua decisão em não falar, por
enquanto, para os meus filhos sobre aquele assunto, mas preciso que entenda o meu lado. Eles
são meus filhos e sofreram muito com a sua partida. Eu preciso que me dê a sua palavra e me
prometa que, quando estiver pronta, irá falar a verdade e tirá-los desse limbo.
Respiro fundo.
Sei que precisarei contar a verdade uma hora ou outra. Não posso deixar que meu medo
e egoísmo se coloquem acima dos sentimentos deles. É injusto.
— Eu dou a minha palavra — sentencio, sabendo que ela está certa e, mesmo que eu
queira, não irei conseguir fugir disso por muito tempo. — Eu irei contar, mas apenas quando eu
me sentir confortável.
— Eu sei, querida. Sei que isso é exigir muito, mas eles podem te dar o acolhimento que
merece.
— Eles irão me odiar ainda mais.
— Não vão.
— Não tem certeza disso.
— Eles são meus filhos, Diana, eu os conheço como a palma da minha mão.
Eu assinto, porém não coloco tanta fé em suas palavras. Não depois da dor que vi nos
olhos deles.
Kim e Kyle chamam por ela, avisando que irão subir, acredito que esse também é um
chamado velado para me juntar a eles.
Loren me incentiva a sair do lugar e os irmãos Ballard começam a caminhar para dentro,
sendo seguidos por mim a alguns passos de distância. Mas antes de chegar à portaria, ela me
chama.
— Diana.
Viro-me.
— Lembre-se de que me deu a sua palavra.
Flores, flores no cabelo solto de dolores
Todo tolo coração tem suas dores
Dolores | Xamã e Agnes Nunes

O apartamento deles é quase idêntico ao meu. As paredes são cinzas e há um toque


industrial em cada centímetro. Vejo um enorme sofá na sala, uma televisão igualmente grande e
fotografias e croquis espalhados por toda parte. No entanto, a única diferença daqui para o meu,
é que há vida.
Há vida em cada centímetro do local.
No meu, a única decoração é o ímã na geladeira que trouxe da Ilha. De resto, tudo
continua da forma que o encontrei; vazio, sem vida.
— O seu novo quarto é no fim do corredor — Kimberly diz assim que fecho a porta
atrás de mim, ainda analisando a decoração do espaço. — Acredito que não possa entrar no seu
apartamento por um bom tempo, nem mesmo para pegar algo, então devo dizer que no armário
de lá, tem algumas roupas minhas e de Kyle, porque Brandon e Mia geralmente passam algumas
noites aqui e são preguiçosos demais para trazerem as suas próprias. E também tem calcinhas
novas na última gaveta.
Assinto.
É estranho estar aqui. É estranho saber que agora esses dois são independentes e vivem
tão harmonicamente. Sem mim.
— Obrigada.
— Não me agradeça — ela diz, ácida de uma forma que não me surpreende. — Estou
fazendo porque fui obrigada, não porque quero.
— Eu sei — sussurro.
Embora as suas palavras doam, eu a entendo.
Embora pareça que há uma espada atravessando o meu corpo, não consigo me ressentir
dela.
Não consigo me ressentir das palavras de nenhum dos dois.
Porque sei.
Sei que estou errada.
Sei que sou eu quem estou em posição de ser julgada.
Não eles e as suas dores.
Não eles e a forma como lidam com a minha volta depois que os abandonei sem dar
explicações.
Não me ressinto deles. No entanto, também não me ressinto de mim.
Porque eu faria tudo de novo.
Para me proteger, eu faria tudo de novo.
Para defender a honra que restou do meu pai, eu faria tudo de novo.
Para que minha mãe vivesse em paz, eu faria tudo de novo.
Eu faria tudo de novo. Exatamente da forma como fiz.
Porque sei que sou fraca e que se os encarasse e dissesse que precisava ir, teria ficado.
Teria ficado por amor a eles. Pelo amor dele. Pela irmandade dela. Pela felicidade de ter uma
família.
Por isso, sob hipótese alguma, me arrependo de ter feito o que fiz.
E como disse ao Kyle mais cedo: meu único arrependimento foi não ter ido antes.
Às vezes, penso até mesmo que seria melhor se eu nunca tivesse aceitado a proposta de
Loren em conhecer seus filhos. Talvez assim, nenhum de nós três se machucaria no processo.
Bem, na verdade, acho que seria inevitável o meu sofrimento. Mas os dois não teriam
passado anos sem respostas e tendo um presente ainda mais perturbador.
Porque prometi à Loren que contaria o motivo. Quando estivesse pronta.
Mas acho que nunca estarei pronta.
Loren não é exatamente o tipo de mulher da qual se consegue driblar facilmente, mas
confesso que, nos últimos minutos, tenho pensado no que fazer para me livrar dessa e sumir sem
precisar contar.
Eu disse, sou mesmo covarde.
Contudo, não posso fazer isso novamente. Dessa vez, sei que me arrependeria de deixá-
los ainda mais sem respostas. Eu os deixaria com mais ódio e talvez eles fossem atrás de mim. E
encontrariam.
Caminho devagar pelo corredor em direção ao meu novo quarto, contudo, ainda estou
perto o suficiente para ouvir a voz de Kimberly irritada, dizendo:
— Não acredito que a mamãe escolheu nos castigar desse jeito.
Porque é isso que eu significo para eles desde que me viram de volta.
Um castigo.
Uma sentença.
Uma memória inconsolável.
Um enorme questionamento sem respostas.
Abro a porta do quarto e caminho até a cama no automático.
Não encaro as paredes.
Não olho através da janela.
Sequer presto atenção na cor da roupa de cama.
Eu apenas encaro a porta e fico aqui. Pensando. Me culpando.
E se eu contar?
E se não acreditarem em mim?
E se tudo tiver sido em vão?
Também há um outro lado meu sussurrando. Um que quase nunca aparece. O lado que
gosta de pensar nas coisas boas. Nas perspectivas boas. O lado sonhador e brilhante que acha que
o mundo é cor-de-rosa além do meu guarda-roupa.
E se eu contar?
E se eles me acolherem?
E se acreditarem em mim?
E se a minha partida tivesse sido em vão e tudo isso poderia ter sido resolvido com uma
conversa e um exame?
E se…?
E se…?
São tantos questionamentos que me fazem curvar o corpo, apoiando os cotovelos nos
joelhos e enfiando o rosto entre as mãos, como se isso fosse o suficiente para desanuviar o
turbilhão de pensamentos que me tomam nesse instante.
Estou tão perturbada, que a minha cabeça dói.
Estou tão perturbada, que nem mesmo lembro que o meu apê foi incendiado.
Estou tão perturbada, que nem noto quando a porta se abre.
E fico com medo de olhar para quem quer que seja.
Eu sei lidar com o ódio de Kyle, mas não sei lidar com o desprezo de Kim.
— Trouxe cobertores, meias e toalhas limpas. — Para o meu azar, é a voz dela que
ouço. — As que estão aqui, estão usadas.
A escuto dar alguns passos em direção à cama e sequer tenta me tirar do meu momento
ruim. Ela sempre foi assim. Kim dizia que às vezes precisamos do momento ruim. Precisamos de
um momento sem consolo, sem ombro amigo. Precisamos sentir as nossas dores.
Mas eu duvido que esse seja o motivo para isso agora. Agora ela apenas não se importa
o suficiente.
Levanto a cabeça, colocando o queixo em minhas mãos e a encaro andar até a porta para
ir embora.
— Meias?
É a única coisa na qual consigo focar no momento. Kim se vira em minha direção e dá
de ombros, me encarando diretamente.
Essa era a minha coisa. A coisa da Diana do mundo cor-de-rosa.
Meias. Eu comprava as estampas mais malucas para qualquer situação. Kim e Kyle
costumavam rir desse costume, principalmente porque enquanto eu gastava tudo em meias e
tênis, Kim comprava os saltos mais altos que encontrava. Contudo, sempre soube que era
implicância da parte deles, pois nenhum dos dois reclamava quando eu comprava meias
combinando para todos e também me davam muitas de presente.
— Ainda tinha um par seu. Comprei no dia em que foi embora.
Ela nem mesmo espera a minha resposta e começa a caminhar para fora.
Kimberly comprou uma meia para mim que aposto ter outro par guardado para
combinar.
E guardou por todos esses anos.
E isso me perturba.
— Kimberly?
Ela para, mas não se vira.
— Sim?
— Eu tive um motivo.
— Ele é grande o suficiente para não ter dito ao menos um adeus?
— Para mim, sim — justifico. Ao menos, é a minha verdade. — Quando me sentir
pronta e você quiser ouvir, estarei a postos.
— Eu quero — se apressa em dizer. — Eu vou querer ouvir.
Sua resposta me faz suspirar, mas depois volta a me apunhalar:
— Mas isso não significa que te perdoo.

Pego meu celular quando saio de um longo banho quente, vestindo uma das camisetas
de Kyle que com certeza irei roubar quando o meu apartamento estiver em plenas condições.
A ligação não demora a ser atendida, mesmo com o fuso horário diferente.
Estamos há quase três horas de diferença. O que significa que na Ilha dos Milagres são
três e meia da manhã, mas não ligo para isso quando o rosto amassado e pouco iluminado de
Liane Valente me encara com preocupação.
— O que aconteceu e por que você está em um quarto que não é seu? — dispara.
— Boa noite, mamãe, como a senhora está? — brinco a fim de fazê-la entender que não
precisa se preocupar. Pelo menos, eu acho que não. — Estou bem, obrigada por perguntar.
— Não estou com humor para brincadeiras, Diana, caso tenha desaprendido a fazer
cálculos, são quase quatro horas da manhã e eu trabalho às oito.
Liane e eu temos dezessete anos de diferença. E acredito que a pouca distância entre as
nossas idades tenha cooperado bastante na nossa relação como mãe e filha. Ela trabalha
atualmente como veterinária junto ao meu tio, Igor[11], e os dois estão bastante empenhados em
projetos sociais para ajudar a ampliar a ilha.
Mesmo que tenha voltado à faculdade apenas quando retornamos ao Brasil, mamãe
ainda está no último período de Medicina Veterinária, mas meio que já atua na área, visto que
aprende algumas coisas na prática com o irmão, que estava sem ajudantes até ela voltar. Digamos
que a ilha seja pequena demais para ter profissionais qualificados. Alguns, infelizmente, nem
mesmo têm a oportunidade de estudar.
— Preciso te atualizar do que aconteceu depois que desliguei.
— Eu mandei mensagem perguntando quem era, mas como não viu, imaginei que fosse
algum namoradinho.
— Mãe!
— O que foi? — questiona, meio rabugenta, meio debochada. — Não passei por essa
fase na sua idade, porque você não queria largar do meu peito mesmo após os dois anos, mas
sei bem como funciona.
— Não é o que a senhora pensou.
— Quem era então? Você tinha acabado de comer, então não era delivery. E não estou
entendendo o porquê de tanto suspense. Fala logo antes que eu desligue na sua cara para voltar
a dormir.
Sempre muito delicada.
— Era o Kyle.
A história de voltar a dormir? Falhou miseravelmente.
No instante em que o nome dele salta dos meus lábios, ela se ergue e, de repente, parece
ser a pessoa mais matinal do mundo.
— Espere um pouco — diz.
Nem mesmo me surpreendo quando acende as luzes da casa.
A acompanho ligar a cafeteira e a torradeira. Mamãe some da minha visão por alguns
segundos e quando reaparece, coloca as torradas em um prato e enche a sua caneca com quase
um litro de café. Puro. Sem açúcar. Isso é simplesmente absurdo, mas não reclamo mais porque
sei que é uma discussão perdida.
— Pode falar.
— Discutimos.
— Para variar — resmunga, rolando os olhos e de boca cheia.
— Nos beijamos.
Dessa vez, ela cospe o café. Literalmente.
— O quê?
— E daí a minha cozinha pegou fogo.
— Diana… — Não deixo que ela termine de falar.
— Saímos correndo.
— Meu Deus…
— Loren chegou.
— Diana, estou perdida.
— E ela meio que me obrigou a vir morar com Kim e Kyle enquanto o meu apartamento
não está nas suas melhores condições, porque encontraram irregularidades lá e Loren não acha
seguro ficar em um hotel.
— Eu… — Mamãe pisca algumas vezes, olhando para algo além do celular. — Filha, eu
não entendi nada.
E eu recomeço.
Palavra por palavra, conto à mamãe tudo o que aconteceu nas últimas quatro horas.
E após isso, já não me sinto tão mal.
Minha mãe consegue me fazer rir até chorar quando comenta em cada pedacinho da
história. E quando olha no relógio, já está atrasada para o trabalho e precisa desligar. Ela diz que
me ama, eu digo de volta e nos despedimos.
Então, voltamos a ser apenas a solidão e eu. Até o sol nascer e eu continuar parada no
mesmo lugar.
Eu continuo tentando deixar você ir
Estou morrendo de vontade de te contar
Como estou progredindo
Eu não chorei quando você foi embora de primeira
Mas agora que você está morto, dói
Dessa vez tenho que saber
Onde meu pai foi?
Eu não estou totalmente aqui
Metade de mim desapareceu
Daddy Issues | The Neighbourhood

Eu não deveria estar aqui.


É a primeira constatação que tenho quando encaro o outdoor mal feito e velho do
presídio de New Haven.
Eu não deveria estar aqui, esse é o pensamento que tenho todas as vezes que venho.
Porque, sim, essa não é a primeira vez.
E é horrível não ter contado isso para ninguém, porque sei quais serão as suas reações.
Minha mãe ficará ainda mais decepcionada comigo.
Depois de tudo o que falei de Kim e Asher quando descobri sobre os dois, ela e eu
tivemos uma conversa dura e profunda em relação ao que estava acontecendo. E, sendo sincero,
minha mãe estava certa em tantos níveis que chegava a ser irritante.
Loren nunca foi rígida comigo ou Kimberly, mas ela sabia como nos colocar na linha
com poucas palavras. Todas as vezes que nós tínhamos conversas sérias, eu me sentia em um
tribunal e logo entendia o porquê ela tinha noventa e oito por cento de sucesso em seus casos.
E Kimberly… minha irmã se sentirá ainda mais traída por mim.
Sinto como se estivesse traindo a minha irmã e toda a nossa cumplicidade ao vir visitar
Maxon.
Faz quase um ano que ele está preso. E um ano que a minha irmã está livre.
E faz um ano que venho aqui em todo décimo quinto dia do mês e espero. Eu me sento
junto às outras pessoas que desejam visitar os seus entes queridos e espero.
Não por opção.
Não porque quero.
Mas porque, por dez meses seguidos, Maxon recusou a minha visita. E hoje, na minha
décima primeira vez tentando, ele, misteriosamente, aceitou.
Eu encaro as dezenas, talvez centenas, de pessoas aqui presentes, em uma minúscula
sala de espera para fazer a vistoria, e me pergunto como Asher conseguiu passar tantos anos
visitando seu irmão sem enlouquecer.
É triste e deprimente.
Há pessoas de todas as idades. São esposas, maridos e filhos de pessoas ruins, que
cometeram atrocidades para estarem aqui. Alguns podem até mesmo ser inocentes, mas prefiro
não colocar a mão no fogo por ninguém. Eu o fiz pelo meu pai e é aqui que ele se encontra hoje.
Atrás de uma cela.
— Você está nervoso? — ouço uma voz feminina soando ao meu lado.
— Não — respondo, sem muita certeza da minha resposta ao me virar em sua direção.
— E você?
Segundo o adesivo grudado em seu moletom, seu nome é Zoe. Ela balança a cabeça
negativamente. Sua aparência é magra e parece até mesmo um pouco desnutrida, mas o moletom
que veste esconde um pouco da provável fome que está passando. Ela deve ter uns dezessete, no
máximo, mas parece ser uma garota tão sofrida, que me aperta o coração.
— Já estou acostumada — diz, como se não fosse nada. — Quem está vindo visitar?
— Meu pai. E você?
— Meu irmão. Ele foi pego roubando comida.
— Pegou quanto tempo?
— Dois anos.
Meu semblante se franze.
— Por roubar comida? Isso é um absurdo.
— O sistema tem uma paleta de cores — Zoe diz, irritada. — E a do meu irmão, é uma
das favoritas dele.
Solto o ar pelo nariz, compartilhando da sua irritação ao entender que ela está falando
sobre os diferentes níveis de tratamento por conta da cor de pele das pessoas.
— Sinto muito — é a única coisa que consigo dizer.
— Por que está aqui? — Zoe pergunta, mudando de assunto.
— Quero saber o porquê ele fez mal para as pessoas que amo.
Ouço um riso nasalado vindo dela.
— Às vezes, não ter a resposta, também é uma resposta. Existem situações que é melhor
não cavar muito fundo. O cheiro pode ser insuportável.
Algum tempo depois, descubro que deveria ter dado mais valor a esse conselho.

Quando a porta de ferro se fecha atrás de mim, um arrepio ruim percorre toda a minha
espinha. É frio desse lado, mesmo que tenha muitas pessoas aglomeradas em um pequeno
espaço.
Antes de caminhar até a cabine doze, eu encaro as demais cabines. Em uma delas, há
uma mulher tocando o vidro que separa a visita dos detentos e o homem do outro lado faz o
mesmo, os dois parecem emocionados demais para repararem ao seu redor.
E, por um momento, penso se não deveria me sentir assim em relação ao meu pai.
Se eu não deveria sentir, ao menos, pena.
No entanto, tudo o que sinto é um enorme e redundante vazio. É como se eu nem
mesmo estivesse aqui.
Quando me sento na cadeira em frente ao vidro, encaro o homem que, durante muito
tempo, foi o meu maior exemplo.
O homem que considerei meu herói.
O advogado implacável que era venerado aos olhos da mídia.
O pai exemplar que eu mostrava a todos.
Olho para o homem que, durante muitos anos, fez a minha mãe não se sentir amada.
Para o homem que me manipulou até que aceitei entrar em um curso do qual não me
identifico nem um pouco.
Para o homem que destruiu os sonhos da minha irmã. Que teve coragem de ameaçá-la.
E eu não consigo dizer nada.
Maxon pega o telefone por onde é o único jeito que podemos nos comunicar através dos
vidros grossos e seguros. Mas eu não faço o mesmo.
Fico apenas encarando a sua expressão fria e insensível.
Não sei se por medo de ouvir a sua voz ou por vontade de gritar sobre o quão
desprezível ele é.
Mas apenas fico o encarando.
Por poucos instantes, me lembro do pequeno Kyle, de apenas sete anos, que olhava para
o seu pai e desejava ser como ele.
Íntegro. Honesto. Bom. Complacente.
Contudo, não é o que vejo à minha frente.
Um ano atrás, eu estava acostumado a ver Maxon Ballard vestido em seus ternos caros,
feitos sob medida. Seu cabelo estava sempre bem-arrumado e o seu rosto impecavelmente
perfeito costumava estampar muitos sites e blogs de Direito.
Ele era referência.
Hoje, o homem que encaro não se parece em nada com aquele.
Esse está vestido em um macacão laranja que parece estar velho demais, como se o
usasse por muitos dias seguidos. Está visivelmente sujo e posso apostar, se não fosse por esse
vidro — bendito seja —, que também está fedendo.
Mas acho que isso, ele sempre esteve. Maxon sempre fedeu à ganância e egoísmo. E
apenas hoje, eu enxergo isso.
Seu rosto está irreconhecível, há hematomas em todo ele. Seus cabelos estão raspados e
sua feição é magra. Quase esquelética.
E ainda assim, não consigo sentir pena dele.
Tenho apenas meia hora aqui e acho que passo dois terços desse tempo apenas o
encarando e sendo encarado de volta.
Meu plano era me sentar e fazer apenas uma pergunta.
Por quê?
Por que jogou a sua família no lixo por causa de uma ambição?
Por que fez a sua filha sofrer tanto?
Por que manipulou a mulher que jurou, diante de Deus e dos homens, amar e proteger
até os seus últimos dias de vida?
Por quê?
Porém, não consigo.
Não consigo porque sou um idiota. Sempre fui. E uma parte de mim não quer aceitar
que Maxon realmente é tudo o que é. Uma parte minha apenas gostaria de acreditar que meu pai
é um homem justo e honesto.
Quando se dá conta de que não irei dizer nada, ou me mover, ele sinaliza para o guarda
que faz a segurança da porta. Provavelmente dizendo que já quer voltar para a sua cela, mas é
nesse segundo que uma injeção de coragem me toma e eu pego o telefone, vendo-o voltar a
prestar atenção em mim quando ouve a minha respiração forte do outro lado da linha.
Contudo, continuo calado.
Dessa vez, é porque estou com raiva demais para dizer ou fazer qualquer coisa que
poderia muito bem me colocar junto a ele numa cela. É a vontade que tenho; quebrar esse vidro
com as minhas próprias mãos, mesmo sabendo que é quase impossível, e fazer com ele muito
mais do que devem ter feito lá dentro.
Meu sangue corre freneticamente em minhas veias.
Sinto que, nesse instante, seria capaz de matá-lo.
Não pelo que fez comigo. Não por ter destruído a imagem imaculada que sempre tive
dele.
Mas por enterrar os sonhos da minha irmã. Por manipular a minha mãe.
Por ser quem ele é.
Ele não é um Ballard.
Um Ballard é leal. Honesto. Valente. Justo.
Já ele é o completo oposto.
Maxon usou o sobrenome da minha mãe para subir na vida e deve se orgulhar achando
que foi ele a destruí-lo. Mas se essa era a sua intenção, estava muito enganado.
Loren Ballard jamais deixaria o seu sobrenome virar cinzas sem lutar por ele.
— Soube que a sua namoradinha está de volta. — Ele é quem quebra o silêncio.
Até a sua voz está diferente agora. Mais grossa, feia.
Mantenho-me indiferente quando as palavras saem de sua boca, sabendo que Maxon
está falando de Diana. Não entendo o porquê, mas ele me olha como se esperasse que esse fosse
o motivo que me fez vir até aqui.
No entanto, deixo isso para trás, porque a última coisa que eu faria, seria dar mais
munição para ele me achar um idiota.
Maxon foi a primeira pessoa que procurei quando não a encontrei em canto algum. Foi
ele quem me abraçou quando desabei ao me dar conta de que ela havia me deixado. Por todos
esses anos, foi ele quem disse que eu deveria seguir em frente.
Mulher e negócios não andam juntos, a não ser que coloque um anel no dedo delas. Era
o que me dizia o tempo inteiro. Todas elas são traiçoeiras. Algumas mais do que outras.
— Por que quis me ver dessa vez? — rebato ao invés de respondê-lo.
É, no mínimo, curioso que, depois de dez visitas recusando a minha presença, Maxon
agora esteja interessado em me ver.
— Preciso de um favor.
Solto um riso nasalado.
É sério?
— Por que eu faria um favor a você?
— Tem uma caixa no almoxarifado da empresa. Está escondida debaixo de uma das
mesas que tem lá. Preciso que a pegue e queime. Não abra e nem tente saber o que há lá.
O quê?
Quem ele está pensando que é para ditar ordens assim, como se eu fosse cumpri-las
como um servo fiel?
— Vamos recapitular — debocho, sorrindo em escárnio. — Por que eu faria um favor
justamente a você?
É a vez dele sorrir. É sombrio. Convencido. Como se soubesse que conseguirá o que
quer.
— Porque se a encontrarem antes de você, sua mamãe estará muito fodida.
E é aqui que as coisas mudam de perspectiva.
— O que tem nessa caixa?
— Eu já disse. Não tente abri-la. É confidencial.
Minha respiração volta a ser a única coisa audível entre nós.
De repente, me vejo fazendo a mesma pergunta que fiz dias atrás para outra pessoa.
— Você ao menos se arrepende de algo?
— Não fiz nada. — Ele dá de ombros. — Sua mãe fez o que fez com a Kim. E sou
inocente em tudo o que ela está tentando me acusar.
— Não acredito em você.
— Não precisa acreditar — diz, rolando os olhos. Ele está escorado na cadeira, como se
estivesse bastante relaxado com a situação. — Apenas faça o que ordenei.
— E se eu não fizer?
— Alguém a encontrará e, eventualmente, a levará até a mídia e Loren Ballard será
resumida a pó — debocha novamente.
No entanto, de alguma forma que não entendo, não confio em suas palavras.
Por que Maxon faria algo para salvar a pele da minha mãe a essa altura? Depois de ter
fodido com tudo. Algo me diz que essa caixa diz respeito a ele. Mas quero saber mais.
— O que tem nela? — repito, perdendo a paciência.
Contudo, antes que ele possa responder, a sirene toca, indicando que os detentos devem
voltar para as suas alas, e Maxon se levanta imediatamente, mas não solta o telefone. Eu
continuo sentado, estático. Não consigo me mover. Meus músculos estão paralisados.
E isso é simplesmente humilhante.
Porque embora esteja do outro lado do vidro, onde assim que der as costas será tratado
como um bicho selvagem, é Maxon quem parece estar no poder. Me olhando de cima. Encarando
o garotinho idiota que veio visitá-lo cheio de esperanças de encontrá-lo arrependido.
— Por que eu? — pergunto, vendo os outros detentos se afastarem. — Por que quer que
justo eu faça isso?
Seu sorriso me machuca.
É como se uma espada estivesse atravessando o meu estômago.
— Meu filho, você nunca percebeu? — Ri com escárnio. — Você é como um fantoche.
Todos te usam para o que bem entendem e depois te descartam. Basta colocar alguém que ama
na jogada, que você seria capaz de segurar o mundo nas mãos para defender.
Fico sem palavras.
Porque mesmo que doa e seja cruel ouvir isso, Maxon nunca esteve tão certo.
— E, sendo bem sincero, essa é a coisa mais decepcionante em ter te dado a vida.
Agora era fatal
Que o faz-de-conta terminasse assim
Pra lá deste quintal
Era uma noite que não tem mais fim
Pois você sumiu no mundo sem me avisar
E agora eu era um louco a perguntar
O que é que a vida vai fazer de mim?
João e Maria | Chico Buarque

quatro anos atrás


— Amor? — A porta do meu quarto é aberta devagarinho. A voz que a acompanha está
tão baixa quanto. — Está dormindo?
Ela está triste há semanas.
Sei disso porque ela não veste mais as meias que tanto ama antes de dormir e está
sempre buscando uma forma de se isolar em seu quarto.
Diana também parece estar se isolando de mim.
E não sei o que aconteceu para ter chegado a esse ponto. E também não faço ideia do
que fazer para deixá-la feliz.
— Oi, linda — apresso-me em responder, acendendo o abajur ao meu lado. — Está sem
sono? Aconteceu algo?
Com a pouca luz presente no quarto, percebo que está vestindo uma das minhas
camisetas velhas, que está ainda mais surrada devido ao tanto que ela usa.
— Precisava te ver.
Franzo o cenho, observando-a caminhar até a minha cama.
— Me ver?
— Sim. — Sorri. — Trouxe um presente.
Cerro os olhos, mas estou sorrindo porque não há nada em suas mãos.
— Interessante… — divago, minha mão subindo pelas suas coxas à medida em que ela
monta em meu colo. — E qual seria esse presente?
Diana joga os cabelos para trás e acontece a coisa mais magnífica do mundo, que faz
todos os meus dias, desde que a conheci, valerem a pena.
Ela sorri.
E eu não preciso de mais nenhum presente.
Há hesitação em seus movimentos e uma incerteza em seu olhar. Mas conhecendo-a
como a conheço, sei que está digerindo seja lá o que for que esteja deixando-a triste sozinha,
antes de me contar.
É sempre assim.
No entanto, aqui e agora, vendo seus cachos soltos e seu sorriso aberto em minha
direção, absolutamente tudo deixa de importar e a única coisa que sinto é Diana.
Amor é muito pouco para descrever o que sinto por essa mulher. Às vezes acho que o
que sinto por ela, não tem um nome, mas se eu pudesse, o inventaria.
— Um beijo — ela sussurra, sua boca se aproximando cada vez mais da minha. — Vim
te presentear com um beijo.
Sua boca roça na minha com suavidade enquanto nossos olhos se conectam.
O que eles estão tentando me dizer dessa vez?
Eles sempre querem dizer algo.
— Estamos comemorando algo hoje? — pergunto, prolongando ainda mais o nosso
momento ao subir devagar a camiseta que está usando. — Porque eu também posso te
presentear.
— Por favor, faça isso.
Diana morde meu lábio e o puxa devagar. Minhas mãos se infiltram em seu cabelo com
delicadeza quando rolo nossos corpos na cama, ficando por cima dela.
Admirando seu sorriso.
Tocando seu cabelo.
Sentindo seu corpo.
Conseguindo ouvir seu coração ritmado bater em sincronia com o meu.
— Kyle — chama. — Estou esperando você pegar o seu presente.
É a minha vez de sorrir.
Sorrir porque ela é única.
E minha.
Totalmente minha.
— Eu amo você.
— Eu te amo mais — declaro antes de mergulhar em sua boca.
Antes de sentenciar para sempre o nosso fim.
Porque aquele beijo não era um presente.
Era uma despedida.
Eu soube disso quando não a encontrei em canto algum depois que acordei.
Não a encontrei durante quatro malditos anos.
Mas você sabe que quando a verdade é dita
Que você pode conseguir o que quer ou pode apenas envelhecer
Você vai morrer antes mesmo de chegar na metade do caminho
Vienna | Billy Joel

A fachada do prédio da Ballard Advocacy não é mais a mesma de quando eu era um


menino. Antes, a imponência e dureza estampada em cada centímetro, tanto por fora quanto por
dentro, serviam para demonstrar a seriedade e a forma como os profissionais daqui lidavam com
os seus clientes.
Isso, no entanto, mudou no ano passado, quando mamãe finalmente voltou a exercer a
sua função de CEO e advogada.
Acontece que ela não apenas descobriu toda a merda que ele estava fazendo com a Kim,
como também descobriu que, debaixo do seu nariz, o próprio marido usava o seu nome para
lavagem de dinheiro – além de ter milhares de pendências pequenas que acabaram se tornando
um enorme problema durante um tempo.
Ballard foi um sobrenome bastante comentado em New Haven.
Apesar de toda a merda que meu pai fez para afundar o nosso sobrenome na lama,
mamãe era mais esperta, contrariando o que muitos pensavam, ela reergueu o lugar muito mais
rápido do que qualquer um conseguiria, voltando para o topo da pirâmide como a melhor, maior
e mais eficiente empresa do estado. Talvez até mesmo do continente.
Eu jamais seria capaz de tanto. Já Kimberly, sim.
Consigo visualizar o dia em que ela irá pisar aqui como advogada. Consigo ver a minha
irmã brilhando nos tribunais, se tornando assunto em portais e sites famosos de advocacia. Não
por ser uma Ballard, mas por ser a profissional imponente que nunca mede esforços para
defender aquilo que acredita. Consigo ver Loren e ela gerindo esse lugar e o elevando a padrões
cada vez mais altos.
Eu sempre consegui ver isso.
Meu pai, no entanto, não entendia. No início, não me importei muito quando insistiu
para que eu cursasse Direito. Aceitei porque, no fundo, achava que, em algum momento, ele
entenderia que nunca quis essa profissão e para mim, o curso só representava um meio para um
fim. Eu queria o basquete, sempre quis.
Porém, ele não mudou de ideia e continuava insistindo para que eu começasse a
frequentar mais a empresa, assumir um lugar na cadeira administrativa e impusesse o meu
sobrenome apenas porque aquele era o meu lugar. Na cabeça dele.
Meu problema foi não ter enxergado os pormenores a tempo.
Quando Kimberly saiu de Harvard, desistindo do curso de Direito, que até então era o
seu sonho, e voltou para New Haven para cursar Moda em Yale, eu não percebi. E os sinais
estavam na minha cara o tempo todo.
Era óbvio que Kimberly jamais abandonaria o curso no meio do caminho por vontade
própria. Era óbvio demais. E, ainda assim, eu não percebi. Me agarrei à sua desculpa de que não
se identificava com as aulas e que era melhor estar perto da família.
Minha irmã decidiu que seria advogada muito antes de definir vermelho como a sua cor
favorita ou usar saltos altos em qualquer que fosse a situação.
Então, hoje me pergunto como consegui ser tão cego, como não enxerguei a sua
infelicidade ou a manipulação que ele estava fazendo com ela? Como não notei que a pessoa que
mais amo na vida estava se destruindo diante dos meus olhos?
E eu não fiz nada.
Dói para um caralho.
Há noites que não consigo dormir, pensando em tudo o que poderia ter feito para livrar a
minha irmã daquele fardo horrível que Maxon impôs a ela. Poderia ter sido mais incisivo na
minha decisão de seguir com o basquete, poderia ter sido firme em minhas palavras e dito com
todas as letras que não queria cursar Direito.
Eu poderia ter feito muitas coisas para evitar que ele a fizesse mal. Poderia ter evitado
aquele acidente. Poderia nunca ter agido daquela forma quando soube dela e do Asher. Mas,
como sempre, eu nunca escolho a opção certa. Meu egoísmo sempre escolhe machucar os que
amo quando a minha comodidade é colocada em jogo.
— Kyle?
Viro-me em direção à voz, notando que é Victoria, uma das funcionárias mais antigas,
na verdade, a única da qual me lembro, já que está aqui desde quando eu era criança. Os cabelos
loiros escuros estão presos em um coque e ela me encara através dos óculos redondos que
continuam os mesmos, eu diria que é a sua marca registrada. Ela também é uma das sócias
majoritárias daqui e uma grande amiga da minha mãe, apesar de ser um pouco mais velha.
— Oi, linda. — Abro o meu maior sorriso, beijando sua bochecha e a abraçando com
força. — Senti a sua falta.
Ela sorri e acho fofa a forma com que Victoria Lombardi ainda cora ao receber elogios.
— Você continua um bobo — brinca, me abraçando de volta. — Está perdido?
— Bem, na verdade, sim — admito. — Esse lugar está completamente diferente do que
me lembrava. Nem consigo lembrar onde era a antiga sala do meu pai.
— Tudo graças à sua mãe. Ela achou melhor repaginar tudo e a presidência desceu um
andar. Lá em cima ficaram o depósito e os materiais que provavelmente serão incinerados em
breve.
Interessante. É lá que preciso ir.
— E a minha mãe? — pergunto. — Está aqui hoje?
Ela revira os olhos.
— E quando não está? — ironiza. — Precisa convencê-la a tirar alguns dias de folga.
— Acho que não sou capaz de tanto — ironizo, porque é verdade.
Não há mulher mais apaixonada pelo seu trabalho do que Loren Ballard.
— Vou parar de te incomodar e ir perturbá-la um pouco.
— Claro, querido. — Sorri. — Volte mais vezes, é sempre bom te ver.
Retribuo o sorriso, vendo-a se afastar. E então, sigo o caminho contrário ao dela,
parando exatamente em frente à nova sala da minha mãe. Recebi uma mensagem dela nessa
manhã, pedindo para que a encontrasse aqui após as aulas e aqui estou.
O que me leva a outro ponto: a caixa que Maxon pediu para que pegasse.
Não que eu vá fazer o que ele pediu e queimá-la. Sei que há algo dentro dela que pode
enfiá-lo em um buraco ainda mais fundo. Ele pode estar certo em dizer que sou um fantoche e
faço de tudo pelas pessoas que amo. No entanto, Maxon já não é mais uma dessas pessoas e não
irei me importar em ser o responsável por mais uma derrota dele.
A caixa deve conter provas. Provas que o incriminam ainda mais e que podem fazer
com que ele fique ainda mais longe das pessoas que amo.
Lembro da forma como ficou quando mencionou Diana. Ele com certeza não esperava
que ela voltasse. Maxon parecia achar que ela era o motivo para eu estar lá. E isso, sim, acendeu
uma luz de alerta na minha cabeça hoje.
Em todos esses anos, de todas as coisas que pensei que podiam ter acontecido para
Diana ir embora, nunca desconfiei que Maxon poderia estar envolvido. Mas a forma como ele se
portou quando o visitei e o seu histórico ao ameaçar Kim para que terminasse com Asher me fez
pensar se ele não faria o mesmo com Diana.
Porém, não cheguei à conclusão alguma, porque Diana não contou o motivo de ter ido, e
muito menos parece disposta a fazer isso tão cedo.
E faz mais de uma semana que estou tentando ignorar a voz da minha cabeça que insiste
em confrontá-la. Não posso fazer isso agora, não quando ela ainda parece estar andando sobre
ovos ao nosso redor.
Não é como se minha irmã e eu facilitássemos porque, na verdade, nem ficamos tanto
assim em casa. Kim a evita a todo custo, até mesmo passa alguns dias na casa em que crescemos
com Asher, e eu... vou onde me dá na telha.
Passo um tempo no terraço olhando para a imensidão da cidade, visito museus e
restaurantes, e acredito que eu já tenha assistido todos os filmes em cartaz nos cinemas. Tudo
porque não quero ficar perto dela novamente.
Não quero abrir o meu coração de novo.
Não quero ser fraco e dizer que a amo outra vez.
Não quero beijá-la, embora minha mente e meu coração achem que precisam disso para
continuarem a exercer as suas funções.
Não posso achar que ela pode ser minha novamente.
Porque isso irá me confundir ainda mais. E eu não quero isso.
Eu a amo, mas é evidente que já não sou mais correspondido.
No fundo, acho que ainda estou apegado à Diana de quatro anos atrás. À menina que
não media esforços para estar comigo, que ficava ao meu lado independente de qualquer
situação.
Estou apegado à Diana que me amava.
Não a essa que evita a minha presença, que me olha com saudade, mas me diz palavras
cortantes.
Essa Diana não mede esforços para me ver longe.
Essa Diana não sente a minha falta.
Essa Diana não é minha.
E eu sinto tanta falta da minha...
No entanto, não posso fazer nada para que ela volte.
Porque somos passado.
Solto um suspiro resignado antes de bater na porta e abri-la, encontrando minha mãe
sentada atrás da mesa, folheando alguns papéis e fazendo anotações. Os cabelos escuros estão
enrolados em um lápis no topo da sua cabeça, o blazer do terninho, que normalmente usa, está
pendurado no encosto da cadeira e alguns botões da sua camisa estão abertos.
O cansaço pode ser visível em seu rosto se notar as linhas de expressão marcadas em
sua testa enquanto analisa as palavras, no entanto, nem mesmo isso é capaz de ofuscar a beleza e
elegância dela.
— Atrapalho? — pergunto da porta ao notar que ela não percebeu que estou aqui.
Loren levanta o rosto rapidamente e tudo faz sentido. Os olhos dela se iluminam ao me
ver e seu sorriso cresce quase que no mesmo instante. Não me lembro de um dia da minha vida
em que esses olhos não foram a minha esperança, a minha certeza de que, não importa o quão
ruim as coisas estejam, ela sempre dará um jeito de resolver. Sempre.
— Nunca, querido — responde, sorrindo.
Fecho a porta atrás de mim e caminho até ela, abraçando-a apertado até ouvir seu
resmungo e beijo o topo da sua cabeça, dando a volta na mesa e sentando-me à sua frente.
Mamãe suspira e eu continuo quieto.
Seus olhos, de repente, se entristecem.
E isso faz com que eu me sinta um pedaço de merda.
Porque sei exatamente o motivo do seu humor mudar. Sei exatamente o que está
pensando agora.
— O que está acontecendo, filho?
— Não é nada...
— Ninguém tenta se afogar por nada.
— Eu não tentei...
— Kyle — chama, cessando a minha fala no mesmo instante. É como quando eu era um
garotinho e levava bronca. — Eu preciso mesmo fazer aquele discurso de que você é o meu filho
e eu te conheço como a palma da minha mão? Porque, sendo honesta, ele é bem repetitivo para
mim.
Sorrio, mas não há graça alguma no ato.
— Não precisa repetir.
— Você quer me contar o que está acontecendo?
— Estou apenas cansado.
— E por que você parece estar triste?
— Não estou triste.
Pelo menos, não tanto quanto ontem, ou anteontem.
— Kyle.
Relaxo meu corpo na cadeira antes de puxar um suspiro fundo e fechar os olhos. Eu
tento. Tento me recordar em qual momento me deixei levar pelo cansaço. Em qual momento me
perdi no caminho. Tento me recordar como tudo parecia mais fácil quando o mundo não parecia
estar sobre as minhas costas.
Eu tento me recordar em como a vida parecia mais bonita com Diana ao meu lado.
No entanto, acho que isso já não é mais possível.
Fomos inesquecíveis enquanto duramos, mas nem todas as histórias de amor são feitas
para durar para sempre. Nem todas têm um final feliz. E nós fazemos parte dessa estatística.
Embora meu coração ainda queime por ela, ele sabe que já não podemos mais tê-la. E
isso não pode ser outra coisa se não a mais triste que já senti.
A sensação de não pertencer a ela é como estar à deriva em meio ao oceano.
Assim como os piratas das histórias que me contava, estou parado em meio ao oceano,
sem coragem de seguir adiante porque sei o quanto é difícil e perigoso prosseguir sem a sua
bússola.
— Estou muito cansado — repito. — Parece que tudo mudou muito rápido, mas ao
mesmo tempo eu continuo no mesmo lugar. É como se eu estivesse esperando por algo que
nunca mais vou ter, entende?
Mamãe não diz nada por um longo tempo, contudo, apesar dos meus olhos estarem
fechados, posso sentir os seus sobre mim, analisando-me.
— Isso é sobre a Diana? Vocês continuam brigando? — pergunta firme, tentando
entender o que quero dizer. — Eu posso providenciar outro lugar para ela ficar.
— Não — apresso-me em dizer, arrancando um olhar desconfiado de Loren. Mesmo
sabendo que não posso tê-la novamente, não a quero longe. De alguma forma, saber que está a
uma parede de distância me conforta. — Ela não tem nada a ver com isso, é só que…
— O seu pai tem algo a ver com isso, não é?
Não é um chute, ou um palpite, Loren parece segura demais em suas palavras, o que me
faz abrir os olhos rapidamente, me entregando.
— Você sabe?
— Sobre você estar o visitando pelas minhas costas? — pergunta retoricamente,
voltando a folhear alguns papéis. — É claro que sei. Você é meu filho, que tipo de mãe eu seria
se não deixasse alguém na sua cola?
— E o que acha sobre isso? — questiono, mordendo o lábio de forma nervosa. — Te
incomoda?
— Eu mentiria se dissesse que não, mas não posso fazer muito para evitar ou te
convencer do contrário. — Ela desiste dos papéis, deixando-os sobre a mesa e aproximando a
cadeira do móvel para apoiar o rosto nas mãos. — Ele ainda é o seu pai e você sempre o venerou,
Kyle, não me admira que tente procurar formas de acreditar na sua inocência.
— Eu não acredito na inocência dele.
— Então por que vai lá?
Fico sem palavras.
É uma boa pergunta.
Loren ergue uma das sobrancelhas, seu semblante convencido me encarando como se
dissesse que sempre tem razão. Porque ela sempre tem.
— Está me vigiando? — troco de assunto, porque não quero falar sobre ele e o tipo de
coisa que tem me feito pensar ultimamente.
— Estou garantindo a sua segurança.
— Parece o mesmo para mim.
Mamãe suspira, retirando os óculos que estava usando e os dispondo na mesa. Parece
que estou tirando a sua paciência mais do que o habitual, já que ela começa a fazer movimentos
circulares na lateral da cabeça.
— Da última vez que deixei vocês dois sem proteção, a sua irmã quase morreu.
É quando a minha mente liga alguns fatos.
— Diana é um tipo de segurança?
Loren ri.
— Minha filha não me liga chorando às três da manhã para dizer que encontrou o irmão
dela com os lábios roxos e debaixo d’água — debocha, a decepção escorrendo de sua boca. —
Então, sim, é um tipo de proteção.
— Sobre isso... — começo, mesmo que não queira tocar no assunto, sei que é
necessário. Kim e mamãe estão preocupadas comigo e não gosto dessa sensação. Porque estou
bem. A banheira foi apenas um momento de fraqueza. — Eu não estava tentando me matar. Eu
juro, mãe. Eu apenas... eu... — suspiro, controlando as lágrimas. — Eu não sei o que estava
fazendo, mas eu não queria morrer. Eu não quero morrer. Só estava cansado demais. Não queria
machucar vocês.
— Eu sei, querido — consola, parecendo me entender verdadeiramente. — Eu já tive
momentos como esse.
— E o que fez? — pergunto. — O que fez quando estava tão cansada que não queria
nem mesmo existir?
— Procurei ajuda, Kyle. Que é o que você vai fazer.
Meu cenho se franze.
— Vou? — indago, não entendendo o que quer dizer.
— Sua primeira sessão de terapia é na segunda-feira — anuncia. — Irei mandar todas as
informações para você depois.
Continuo estático, encarando-a.
— Mãe...
— Não é por mal, filho — ela suspira e noto quando a sua expressão deixa de ser
severa. — Eu já fracassei muito na vida, Kyle, a última coisa que eu gostaria de perder são os
meus filhos. Isso é apenas uma medida para que você aprenda a lidar com os seus próprios
problemas. E Diana não é apenas uma forma de segurança, vingança, ou seja lá o que se passa
em sua cabeça. Diana é a minha forma de tentar consertar uma das milhares de cagadas que o seu
genitor fez. Ela merece tudo o que tem.
E, de repente, isso é tudo o que preciso para ter certeza.
— Ele está por trás da partida dela, não está? — pergunto, recebendo o silêncio como
resposta. — Eu sei que sim.
— A minha história, você conhece — responde, desviando os olhos dos meus, coisa que
Loren nunca faz. — A história de Diana, apenas ela pode contar.
— Mas se você sabe, por que nos torturar assim?
Loren suspira ainda mais fundo e me encara com uma súplica no olhar.
— Você é meu filho, Kyle, mas Diana também é importante para mim. Eu fiz uma
promessa, e embora doa, e acredite, dói muito saber como você e Kimberly se sentem, essa é
uma história que apenas ela pode contar. Eu, como sua mãe, só gostaria muito que você
respeitasse.
Suspiro resignado, sabendo que ela está certa. Se a história é de Diana, apenas ela tem o
direito de contar. E mesmo que seja torturante imaginar que tudo o que se passa em minha
cabeça pode ser real, irei esperar que ela abra o jogo e conte.
— Eu vou querer fazer alguma merda quando souber?
— Com certeza.
— Você fez?
Loren estala a língua.
— Não me subestime, Kyle Ballard. Antes de ser sua mãe, eu tinha uma outra vida e ela
era mais agitada do que você imagina.
Respiro fundo e me levanto, fingindo ajustar o meu terno inexistente e assumindo a
postura relaxada que sei que a deixará dormir tranquila à noite.
— A senhora anda muito arrogante — brinco.
— Deve ser por isso que somos tão parecidos — ela devolve a brincadeira.
— Tem sorte por eu te amar demais.
— Tem sorte que sou a melhor mãe que você poderia ter.
— Convencida. — Mostro a língua.
— Chato. — Ela faz o mesmo.
E caímos no riso.
Que saudade de vê-la sorrindo assim, de forma tão verdadeira.
— Estou indo — anuncio, rumando em sua direção novamente para deixar um novo
beijo em sua cabeça e um abraço ainda mais apertado. — Não sinta muito a minha falta.
— Isso é quase impossível, querido — responde com um biquinho fofo nos lábios.
Estou com um sorriso bobo quando fecho a porta e caminho até o elevador,
cumprimentando os funcionários que estão por ali. Conversar com mamãe me deixou
estranhamente bem, com um sentimento de que, em breve, tudo irá se acertar.
No entanto, quando as portas metálicas se fecham, percebo que estou sozinho aqui
dentro e lembro das palavras do meu pai.
Encaro o painel à minha frente e aperto o botão do último andar ao invés da garagem.
O elevador sobe.
As portas se abrem outra vez.
Eu caminho até a antiga sala dele.
Abro a porta.
Vasculho os cantos.
E encontro uma caixa debaixo da mesa, exatamente onde tinha dito.
Eu a abro, mesmo que Maxon tenha dito para não o fazer, e sim apenas pegá-la e
colocar fogo. E, bem, não há nada que ele possa fazer para me impedir.
Me surpreendo com as pastas que encontro.
São todos contratos de confidencialidade.
Todas assinadas por mulheres.
Meu estômago está embrulhado e o ar parece denso demais para se respirar.
Devem ser sete ou oito no total, e enquanto verifico os seus nomes, lembro-me de que
conheço algumas delas. Foram funcionárias da nossa casa, aqui da empresa e...
A ânsia me sobe à garganta quando me deparo com o último contrato.
Assinado por Diana.
Eu ando pela rua
E nada mais me surpreende
Eu era melhor no passado
Do que eu sou no presente
Tenho medo de ser só isso
Minha vida daqui pra frente
Porra, eu não quero ser triste pra sempre
Triste Pra Sempre | Jão

Como eu já imaginava, a convivência na casa se tornou desconfortável. Mas não é como


se eu fizesse algo para mudar isso ou tentasse, ao menos, estar próxima deles em algum
momento. Achei que seria melhor ficar distante para evitar desconfortos ou gerar uma nova
confusão.
Evitei, principalmente, estar com ele.
Não sei como encará-lo depois daquele momento de fraqueza que tive e o beijei. Eu não
deveria ter feito aquilo. Não foi o certo. Não foi justo com nenhum de nós, principalmente com
ele.
Não deveria ter o beijado depois de ele ter dito que ainda me ama, que ainda tenta me
esquecer. Eu fui pega de surpresa com as suas palavras e não deveria ter deixado o impulso me
vencer, porque isso serve apenas para nos machucar cada vez mais. E a última coisa que desejo é
que isso aconteça.
Porque embora eu não tenha respondido, eu também continuo o amando. Kyle ainda
continua sendo o único que conseguiu ultrapassar as barreiras do meu coração.
No entanto, ainda que tudo em mim implore para tê-lo por perto, não posso deixar a voz
da minha emoção falar mais alto. Tenho que dar ouvidos à minha razão. Porém, estar com as
duas coisas duelando em minha cabeça não tem sido fácil.
Porque o meu lado egoísta quer o Kyle de volta. Quer reconstruir a minha amizade com
a Kim. Quer voltar a fazer parte de uma família. Mas o meu lado racional sabe que preciso contar
o que aconteceu.
Principalmente depois das palavras de Loren. Porque, no fundo, sei que está certa. É
justo que eles tenham noção do que aconteceu. É justo que eles tenham que sentir isso. E, acho
que parte da minha recusa em contar para eles, se dá ao fato de que em algum lugar em meu
coração, sei que eles irão me acolher. E essa parte minha fica triste em saber que se essa
probabilidade for mesmo real, eu fui a responsável por afastá-los por quatro anos.
Mas independente de qualquer coisa, é isso que farei hoje.
Contarei a verdade porque, estando aqui, perto deles, já não consigo mais sustentar esse
segredo por mais tempo, mesmo que não tenhamos a relação mais amigável do mundo e sabendo
que isso não irá resolver as coisas magicamente.
Isso está entalado em minha garganta. Consome meus pensamentos. E tudo que eu
quero é me livrar disso.
Agora.
Nesse momento.
Mais tarde eu me preocupo em como lidar com as reações deles, com a minha possível
responsabilidade de tê-los afastado.
Minhas mãos tocam a maçaneta da sua porta. E eu paraliso. Como sempre acontece na
última semana. Perdi as contas de quantas vezes isso aconteceu.
E isso está começando a me desgastar, pois sei que eles irão me ouvir. Sei que estão
ansiando por isso, mesmo que em nenhum momento eu tenha dado esperanças ou chances.
Todas as vezes que tento, fico nervosa, dou meia-volta e me enfio debaixo das cobertas,
cobrindo todo o meu corpo e me sentindo uma criança medrosa. Então, acontece.
Eu revivo aquela noite todas as vezes que tento lhes falar, mas meu medo não deixa.
Tudo porque o que projeto em minha mente são os olhos deles enquanto conto. A
reação. A forma como irão me julgar por não ter contado antes. A pena. A raiva.
Não quero lidar com isso.
Mas é como o que está escrito em O Pequeno Príncipe: é preciso que eu suporte duas ou
três larvas se quiser conhecer as borboletas.
Eu preciso encarar essa adversidade e colocar para fora o que está me matando antes
que seja tarde demais. Antes que saibam de outra boca, da pior forma possível.
Minha mente está nublada. É como se tudo estivesse misturado e falando ao mesmo
tempo. Há vozes, gritos e o meu choro controlado. O mesmo choro daquela noite. A mesma
angústia que vem me acompanhando há quatro anos.
Eu preciso contar.
Vai doer, mas preciso me livrar disso. Desse sentimento que está me sufocando.
Queimando. Quebrando.
Encaro a madeira branca como se ela fosse capaz de me dar a coragem que necessito
para enfrentar algo que deveria ter feito há muito tempo.
Meu medo, como sempre, parece me segurar. É como se houvesse algo forte me
puxando para trás, forçando-me a retroceder os meus passos e fingir que nada aconteceu. Esse
sentimento consegue ser tão forte em minha mente que cogito até mesmo entrar na porcaria do
meu apartamento, ainda que não possa, pegar todos os meus bens importantes e sumir mundo
afora. Voltar para a ilha talvez. Ir para algum lugar longe e isolado o suficiente para não
machucá-los ainda mais.
— Diana? — a voz calma e melodiosa de Kim me alcança quando ergo a mão para bater
na porta, desistindo da ideia de abri-la. — Está tudo bem?
Eu levanto os olhos em sua direção e entendo o porquê não consigo.
O coração dela.
Os olhos deles.
Eu vou quebrá-los.
Vou fazer com que eles percam o brilho.
É injusto fazê-los sofrer dessa forma. Como também é injusto não contar e fazê-los
sofrer da mesma forma.
— Não.
Kimberly não diz nada.
Apenas me encara daquela forma que aprendi a detestar nas últimas semanas. Eles me
olham com esperança. E, ainda assim, continuam magoados. Eles me olham com uma súplica:
por favor, diga. Diga o que te atormenta. Me conte aquilo que te machucou. Mostre-me o que
não vi.
Meus olhos se enchem.
O coração dela é bom. Bom demais para viver com um fardo que não é dela. E eu não
quero ser esse fardo, não quero acrescentar à sua história mais um enredo secundário que irá
pensar por dias ou semanas. Talvez ela se lembre do meu motivo para sempre.
E eu não quero isso. Não quero que se machuque. Não por mim. Não pelo meu passado.
Não pela minha dor.
A minha dor é apenas minha. Não quero que Kim tenha que viver com ela também.
Mesmo que seja necessário.
Preciso contar, porque preciso do seu perdão.
Preciso contar, porque ela precisa de respostas.
Preciso contar, porque ela não pode viver no escuro em relação a isso por mais tempo.
Ela não merece. Kyle não merece. E por mais egoísta que seja, eu também não.
Porque estou cansada.
Cansada de carregar esse segredo sozinha. Farta de ter que omitir. Farta de ter que
sustentar o fato de não me arrepender de tê-los deixado. Porque eu precisei.
Não posso voltar no tempo. Não posso mudar o passado. Mas posso consertar o agora.
Posso seguir em frente e me libertar daquela noite de uma vez.
É disso que preciso. Seguir em frente. Com ou sem eles, embora a última opção doa
demais. Preciso esquecer. Preciso me libertar e libertá-los juntos. Preciso dormir em paz, sem
nenhuma culpa na consciência ou pensar que eles não sabem de nada.
— Posso fazer algo por você? — ela pergunta com o jeitinho que sempre teve para lidar
comigo quando eu estava triste.
É como se ela esquecesse que a machuquei. Que fui embora sem olhar para trás, ou dar
explicações. É apenas... Kim sendo Kim, só que, dessa vez, estou lidando com a mulher que se
tornou. Com a versão madura e responsável. A mulher que consegue ultrapassar todos os limites
da sua dor apenas para ajudar o próximo, não importa quem seja.
Uma faísca de orgulho acende em meu peito, apesar de tudo o que sinto nesse momento.
Ela é uma mulher agora. Apesar de tudo o que aconteceu.
— Preciso de um momento — digo, minha voz soando totalmente fragmentada. — E
um pouco de coragem.
Kim sorri, tentando aliviar o clima.
— Está com sorte — responde. — Não há nada que Chris Evans não possa conseguir.
— Qual o seu número? — chuto, um sorriso começando a brotar em meus lábios. —
Você ainda o assiste?
Essa era a nossa coisa. Assistir o mesmo filme todos os sábados, apenas nós duas.
Trancávamos Kyle para fora do quarto, mesmo que um tempo depois, ele desse um jeito de
entrar pela janela, e assistíamos o filme comendo tudo o que havia de doce na geladeira.
E, de alguma forma, saber que assim como eu, ela continua com esse “ritual” mesmo
que não seja como antes, me dá esperanças. Me enche de algo que há muito tempo não tenho;
consolo. É como ser abraçada. E eu gosto. Gosto de voltar a sentir que ainda tenho a minha
amiga. Minha irmã.
— Você não? — rebate, erguendo as sobrancelhas.
Sei o que está fazendo. Está tentando me distrair em um momento ruim para que seja
mais fácil de contar no final. Está tentando me trazer conforto. Porque Kimberly entendeu que eu
preciso disso. Preciso de um pouco de calmaria antes do caos.
Eu vou acabar com ela.
E isso está me assustando, porque eu queria que nada disso tivesse acontecido. Assim,
eu nunca teria ido embora. Nunca teria os deixado. Nunca teria que contar o que contarei hoje.
Nunca teria machucado o seu coração dessa forma.
Não foi culpa sua, Diana, mentalizo o que a minha mãe repete diariamente.
Não foi minha culpa.
Não foi.
Eu sei que não.
Contudo, não consigo deixar de pensar em como tudo poderia ter sido diferente se
aquela noite não tivesse acontecido. É impossível não pensar que eu poderia ter feito ou deixado
de fazer algo para ter evitado. Eu podia ter agido diferente.
Decido dar o meu máximo para deixar esse pensamento de lado, ao menos por algumas
horas, e apenas agir como uma garota normal, algo que não faço há quatro anos, desde que fui
embora e me refugiei nos estudos para não me afundar em qualquer coisa que pudesse me
destruir. Meus pensamentos já faziam isso por mim, eu não precisava de mais lembretes.
Sigo Kimberly até a sala, vendo-a se jogar no sofá e voltar o filme do início. Sento-me
ao seu lado, ainda sem saber exatamente como agir em uma situação como essa, mas
determinada a tentar agir como se nada tivesse mudado.
E então, meus olhos focam no prato em cima da mesinha de centro e meu rosto se vira
na direção de Kimberly com rapidez. Ela sorri, dessa vez, com sinceridade. É o mesmo sorriso
que usava quando queria atrapalhar Kyle em algo, ou sair escondida durante a noite para algum
lugar de procedência duvidosa sem que as nossas mães soubessem.
— Eu comprei três latas de leite condensado apenas essa semana — digo como quem
não quer nada, porém com o tom acusatório em minha voz. — E eu usei todas para fazer
brigadeiro.
— Muito nobre da sua parte — ironiza, tentando transparecer seriedade.
— Eu fiz brigadeiro três vezes essa semana — volto a falar, inconformada. — E não
consegui comer em nenhuma delas.
— É o seu dia de sorte! — se anima, apontando para a mesa de centro. — Quer um
pouco do meu?
— Você roubou o meu brigadeiro!
Kimberly finge estar ultrajada, colocando a mão no peito e arregalando os olhos
dramaticamente. Os cabelos escuros estão amarrados em um coque e, assim como eu, ela veste
uma camiseta do time de basquete dos Black Panthers. Imagino que a dela, pertença ao seu
namorado, já a minha, eu roubei do Kyle quando notei que ele havia saído nessa manhã. Kim não
usa maquiagem alguma e há um par de meias brancas em seus pés, além de almofadas demais no
sofá, o que indica que ela passaria o dia inteiro aqui.
— Estava na minha geladeira, achei que poderia pegar.
Quando ela menos espera, jogo uma das almofadas no seu rosto, sendo correspondida
por uma gargalhada que faz o aperto em meu peito diminuir. Sinto como se voltássemos a ter
quinze anos e a nossa maior diversão era perturbar uma a outra porque sabíamos que não
importava se o mundo estivesse caindo lá fora, nós duas continuaríamos a ser nós. Irmãs de alma
que, de alguma forma, sempre encontravam uma forma de se reerguer junto a outra. Não
importava o tempo ou a situação.
Ninguém, jamais, entenderia a dimensão do amor e da cumplicidade que havia entre
nós.
E ninguém seria capaz de destruir isso. Ninguém, exceto eu.
Meu peito volta a apertar e meu riso é cessado enquanto continuo encarando-a, vendo
sua feição se desfazer devagar, percebendo que não adiantou.
Nada adianta, Kim.
Minha cabeça não é mais a mesma.
Meu coração, muito menos.
Eu me tornei a minha dor.
É a angústia que me consola, me abraça.
É a dor que me faz ficar de pé.
Fragmentei os pedaços do meu coração até que os estilhaços se tornassem armas
cortantes capazes de dilacerar o coração de todos que amo.
Levantei uma barreira de proteção ao meu redor para garantir que ninguém, nunca mais,
voltasse a machucar o pouco que havia restado de mim.
Porque a minha culpa é a minha proteção.
E o meu erro é achar que eles irão entender os meus motivos.
— Di? — ela chama e é o suficiente.
A primeira lágrima escorrega. Ela é a única que me chamava assim.
Você a machucou.
— Estou com medo — admito.
Minhas mãos estão tremendo e sinto isso apenas quando Kim se aproxima, envolvendo
as suas mãos nas minhas. Ela se senta ao meu lado e me encara.
Sinto uma vontade enorme de desviar os olhos dos seus, porque, nesse momento, é a
vergonha que está cara a cara com ela. É o medo. A incerteza. E eu genuinamente esperava
enfrentar esse momento com mais coragem, com a cabeça erguida.
— Respire, Di — ela pede, puxando a primeira inspiração, como uma forma de
incentivo, e me fazendo acompanhá-la. — Eu estou aqui. Independente do que for, você pode me
contar.
O que você irá pensar de mim?
— Está doendo. — Choro, apertando a sua mão de volta com medo de que se afaste. —
Está doendo muito.
— Onde? — Ela avalia o meu corpo, tentando entender o que está acontecendo comigo.
— O que está sentindo?
Minha cabeça.
Minha dor.
Minha vergonha.
Meu coração, Kim. Meu coração vai explodir.
— Tudo dói.
— O que quer dizer com isso, querida? — sua voz soa doce, ainda que eu note o
desespero nela. — Do que precisa? O que posso fazer por você?
— Não consigo respirar. — Forço as palavras a saírem.
— Eu irei te abraçar, okay?
Não.
Não, por favor, vai fazer doer mais.
Vai te machucar mais.
Não quero te machucar mais.
— Não, eu estou… suja.
Estou suja desde aquele dia, Kim.
Minha cabeça está fodida desde aquele dia.
Eu destruí vocês por causa disso.
Não me abrace. Eu te machuquei.
— Não me importo. Te abraçarei assim mesmo.
É o que ela faz.
Seus braços me envolvem com força e eu retribuo com a mesma intensidade. A
sensação de casa me abraça. Família. O meu elo. O elo que foi quebrado, mas agora pode ser
consertado.
— Eu senti a sua falta — sopro baixinho. Não é o que tenho que dizer, mas é o que
precisava falar nesse momento. Preciso que ela saiba que eu senti. Que nós não fomos algo
efêmero. — Todo santo dia, eu senti a sua falta.
Ela sorri, mas é um sorriso triste. Quebrada. Magoada.
Eu causei isso.
— Eu também senti saudade — Kim diz, soprando a última palavra em português, o
mais perfeito que consegue.
Do jeito que eu ensinei. E ela nunca esqueceu.
Então nós duas nos tornamos saudade em sua forma mais pura.
— Estou com medo de contar o motivo.
Kimberly se afasta, mas não me solta. Seus braços continuam apoiados em meus
ombros enquanto seus olhos me encaram com ternura, como se tentasse me encorajar. Como
quem diz que está aqui. Independente do que for. E eu não consigo entender o porquê.
Por que quer saber?
Por que não me odeia?
Por que não para de insistir?
Me deixe, Kim. Me deixe sofrer sozinha.
Estou sem as minhas armaduras agora.
Meu medo é a única coisa que me ampara.
Meu egoísmo é o meu companheiro.
Minha esperança é que ela, apenas, me escute.
— Por quê?
— Não quero que sinta nojo de mim — respondo, vendo a sua expressão ficar ainda
mais confusa. — Nem pena. Quando as palavras saírem da minha boca, eu quero que você pense
em todos os anos que te abandonei. Quero que pense em todos os anos que te deixei sozinha.
Pode fazer isso por mim?
— Por quê?
— Eu preciso disso.
Por favor. Por favor, Kim, me dê isso.
— Tudo bem. Eu estou pronta.
Engulo em seco.
Fecho os olhos.
Afasto seu toque de mim.
Encolho-me no sofá.
E finalmente tomo coragem para deixar as palavras saírem.
— Eu estou com medo de te contar que fui embora porque o seu pai tentou me estuprar.
No mesmo instante, a porta de entrada bate com força, causando um estrondo que
reverbera por todo o apartamento. Eu não preciso levantar o rosto para saber que Kyle ouviu o
que eu disse. Eu sinto a sua presença. Sinto seus olhos em chamas cravados em mim, fazendo
com que a minha vontade de sair correndo daqui aumente ainda mais.
Não era dessa forma que eu queria contar.
Não era assim que gostaria de machucá-los novamente.
No entanto, não consigo fazer nada.
O ar me falta. O aperto aumenta. Meu corpo inteiro parece adormecido e eu mantenho
os olhos fechados enquanto sou engolida pelas memórias.
Memórias das quais não consigo me livrar.
Porém, nada consegue ser maior do que o medo.
Não o medo de como posso ser julgada, porque já aceitei essa realidade.
O medo que sinto agora é novo.
Medo do que Kyle pode fazer a partir de agora.
Beijar em carros e bares no centro
Era tudo o que precisávamos
Você desenhou estrelas ao redor das minhas cicatrizes
Mas agora estou sangrando
cardigan | Taylor Swift

O silêncio tortura.
Dilacera.
Me faz questionar inúmeras coisas.
É assim que me encontro agora, em um maldito silêncio que chega a ser ensurdecedor.
Meus pensamentos se calam e não ouço nada. Nem mesmo o sangue quente causado pela raiva
que corre em minhas veias, juntamente à impotência.
Eu fui ingênuo.
Eu deveria ter desconfiado.
Porra.
Diana está encolhida no sofá como uma concha. Seus braços abraçam as pernas e sua
cabeça está entre elas, o cabelo emaranhado e nenhum movimento. É como se... ela não
respirasse. Como se, nesse momento, ela apenas deixasse de existir.
E isso machuca.
Tudo machuca.
Eu não abri o contrato, no entanto, eu imaginava que poderia ser algo desse tipo, mas
me recusava a acreditar. Preferia que ele tivesse oferecido dinheiro para que ela fosse para longe
de mim, ou que estivesse acobertando alguma merda dos nossos pais.
Mas, porra, isso... isso é desumano.
Meu coração bombeia com força contra a minha garganta, sinto como se ele fosse sair
pela minha boca a qualquer momento.
A sensação que tenho é que o mundo está em pausa e nós três somos os únicos em
consciência.
Movo meu olhar para a minha irmã, que continua encarando-a imóvel, com lágrimas
silenciosas rolando pelo seu rosto, sem saber o que fazer. Assim como eu.
— Di... — a voz de Kim preenche o silêncio da nossa cobertura. — Diana, abra os
olhos, por favor.
Diana balança a cabeça em negação, mas o movimento é tão fraco que só consigo
interpretar por ainda me lembrar de cada movimento que seus cachos faziam a qualquer pequena
ação.
— Eu sinto tudo de novo agora… — ouço o seu murmúrio baixinho, fanho. — Consigo
sentir as mãos em mim… nos meus cabelos, na minha boca…
Kimberly me dá um olhar apavorado, destroçado, e a primeira lágrima escorrega pelo
meu rosto.
Uma lágrima de ódio. Um ódio que jamais poderia ser descrito.
Kimberly odeia o nosso pai com todas as forças e, pelo visto, isso acaba de piorar. E sei
que assim que Diana se acalmar, nós dois iremos conversar sobre isso. Não iremos deixar isso
passar batido.
E é melhor que ele se prepare, pois a cadeia com certeza não foi a pior coisa que lhe
aconteceu.
Caminho rapidamente até onde elas estão, caindo de joelhos em frente à Diana. É
simplesmente assustador vê-la desse jeito, presa em sua mente, encolhida dessa forma e
sentindo-se suja.
— Diana… linda — chamo-a, tentando suavizar o máximo que consigo o meu tom,
porém o nó na minha garganta dificulta isso. — Olhe para mim, ok? — sussurro tão baixo que
mal escuto a minha própria voz. — Está tudo bem. Você está aqui, com a gente, e está segura.
Você sempre vai estar segura comigo, amor.
Eu prometo.
Eu sinto.
Eu me quebro.
— Não está… — ela soluça, finalmente levantando o rosto para mim.
Há tanta dor ali que todo o meu coração estilhaça.
Não há fingimento, nós estamos abaixando tudo.
As máscaras.
O ódio.
O desprezo.
Nesse momento, nós somos a verdade mais pura e intrínseca.
— Ele me disse para ficar quieta e eu… eu não… Dói, Ky… Tudo em mim dói ao
lembrar.
Meu peito se aperta.
Queria poder tirar a tristeza e o vazio que seus olhos carregam.
Queria poder tirar qualquer resquício de sofrimento que está enraizado nela.
Queria tudo. Mas não sei como.
— Vou te pegar no colo, tudo bem? — aviso, me levantando. — Aqui nada vai te
machucar.
Estando comigo nada vai te machucar, porque eu não permitirei.
Diana assente lentamente e eu respiro fundo, passando meus braços por debaixo das
suas pernas. Ela esconde o rosto em meu pescoço e, sem pensar, beijo a sua testa.
— Eu vou… — Kim se levanta com uma expressão tão desolada que também faz doer o
meu coração. — Vou ligar para a mamãe.
— E para o Asher — eu digo, segurando Diana com mais força. — Não quero que fique
sozinha enquanto cuido dela.
Kimberly e eu trocamos um olhar significativo.
Ela me conhece, mas eu também a conheço e sei que a sua cabeça está projetando mil
cenários diferentes agora.
— Vou ligar para eles. — Ela assente, amuada. — Me chame se precisar de qualquer
coisa, Ky.
Eu assinto, dando-lhe um pequeno sorriso, tentando dizer através dele que tudo irá ficar
bem. Eu apenas não sei como ou quando. Mas irá.
Caminho com Diana pelo corredor em direção ao meu quarto e não paro até chegar no
meu banheiro, porém, quando ameaço colocá-la no chão, ela me agarra com mais força,
murmurando e balançando a cabeça de um lado para o outro repetidas vezes.
— Não me solte, por favor, não me solte.
— Ei, eu não vou a lugar nenhum, minha bússola — digo, engolindo em seco. — Vou
cuidar de você, Diana. Só preciso de um instante para arrumar tudo, ok? Prometo que não vou
sair de perto.
Diana levanta o rosto e vejo a profundidade dos seus olhos castanhos.
Dor.
Vergonha.
Fragilidade.
É tudo o que vejo neles agora.
Ela foi tão forte sozinha, sem mim, e eu queria estar com ela naquele momento, para ser
seu suporte, eu realmente estaria ao seu lado. Mas, por conta do seu medo, eu não fui confiável.
E constatar isso é como uma estaca sendo fincada lentamente em mim, me perfurando
mais e mais a cada segundo.
Ela concorda com um aceno fraco e eu a coloco de volta no chão, segurando-a por mais
um momento, com medo de que seus joelhos cedessem e ela desabe ainda mais.
— Foi na noite do aniversário da Ballard — diz baixinho enquanto deslizo os dedos
abertos em seu cabelo, desfazendo os nós que se formaram. — Kim, você e eu tínhamos roubado
algumas garrafas de vinho para bebermos no jardim — sua voz vai diminuindo a cada palavra.
— Nós rimos tanto naquela noite…
Sim, eu lembro.
Como poderia esquecer? Diana e Kimberly estavam radiantes de tão alegres – um pouco
influenciadas pelo álcool, mas ainda sim, radiantes, alegres e falando pelos cotovelos.
— Estou ouvindo. — Beijo o seu ombro e volto a abraçá-la, caminhando com ela de
costas até o box.
— Nós nos despedimos no corredor, você lembra? — pergunta baixinho. — Você me
deu um beijo e desejou que eu sonhasse com você.
— Eu lembro — sussurro, sentindo meus olhos arderem pela vontade de chorar. —
Você não precisa continuar, minha bússola. Você não precisa se quebrar mais. Eu estou aqui. Eu
sempre estarei.
Diana suspira, fazendo um barulho estranho soar por causa do nariz entupido.
— Alguns minutos depois que deitei, alguém entrou no meu quarto. — Ela se afasta de
mim, mas não encara os meus olhos enquanto tiro a camiseta e ligo o chuveiro. — Achei que era
você, pensei que não queria dormir sozinho. Eu estava com muito sono e um pouco bêbada… —
Fecha os olhos e sei que a água escorrendo pelas suas bochechas não é do chuveiro, e sim suas
lágrimas. — Mas não era você, Ky… Era o seu pai.
Nos próximos segundos, tudo o que escuto são as nossas respirações e o som das gotas
caindo no chão.
Porque eu não consigo abrir a boca e ela parece estar relembrando a situação. E tudo o
que eu consigo sentir é a impotência de não poder fazer nada a respeito. Não faço ideia de como
consolá-la ou do que fazer daqui em diante para mudar essa circunstância.
— Não precisa continuar…
— Eu senti as mãos dele nas minhas pernas — me interrompeu. Então, mantive meu
foco nela, mostrando que poderia continuar e tinha a minha atenção. — Depois, quando senti o
aperto no meu peito, eu vi que era ele. — Diana começa a chorar novamente e eu a puxo para
mim, não aguentando mais tê-la longe. — Os sons que Maxon fazia enquanto eu me debatia era
como um garfo arranhando uma louça. As mãos dele em mim eram como garras rasgando a
minha pele.
— Bússola…
— Ele colocou a mão na minha boca, disse que se eu ficasse quieta, ele não te contaria
que fui eu quem o provoquei. Maxon tentou tirar o meu pijama, ele me tocou… me tocou lá… e
eu me senti tão suja. Tão idiota.
— Não foi sua culpa, linda.
— Eu ainda lembro dos sons. — Quando as palavras saem de sua boca, todo o seu corpo
treme em agonia. — Ainda consigo lembrar tudo que senti. E é muito ruim não conseguir tirar
isso de vez da minha cabeça. Eu deveria ter trancado a porta, eu deveria ter usado uma outra
roupa naquela noite…
— Diana, não foi sua culpa.
— Se eu não tivesse bebido tanto… — continua divagando, como se nem mesmo
estivesse me ouvindo. — Se eu…
Aperto sua mão duas vezes da forma mais delicada que consigo, fazendo com que se
sobressalte e finalmente seus olhos vermelhos e dolorosos me encaram.
— Não foi sua culpa, entendeu? — Engulo em seco. — E eu vou repetir isso quantas
vezes precisar. Não foi sua culpa. E ele vai pagar por tudo isso.
E então, ela desaba.
Diana chora contra o meu peito, me batendo com os punhos fechados, tentando colocar
para fora tudo o que dói. E eu recebo cada estigma da sua dor.
Eu sinto no fundo da minha alma.
O quanto foi humilhada.
O quanto foi julgada.
O quando se sentiu perdida.
O quanto doeu se afastar de Kim e eu.
Eu sinto o quanto ela perdeu, por todos esses anos.
E penso nas noites que eu passei a odiando. Julgando. Procurando o motivo para ela ter
ido embora, quando ele estava bem debaixo do meu nariz a porra do tempo todo. Respirando o
mesmo ar que eu. Tentando me convencer a seguir uma carreira no Direito, sendo o meu herói.
Eu sinto tudo.
Mas ao mesmo tempo não sinto nada.
Me sinto vazio.
Oco.
É como se eu fosse inútil, imprestável.
Porque eu permiti que ele machucasse a minha mãe.
Permiti que ele machucasse a minha irmã.
Permiti que me manipulasse.
E não vou mais permitir.
O fio de esperança que me ligava a ele acaba de se romper.
Maxon me acha um garoto tolo por proteger quem eu amo, mas, a partir desse segundo,
irei lhe dar plena certeza disso. Ele vai experimentar o gosto amargo de ter feito as três sofrerem.
Ele desejará nunca ter feito o que fez.
Quando percebo que os punhos cerrados dela perderam a força, eu a abraço ainda mais
apertado, paralisando seus movimentos, fazendo com que seu corpo se una ao meu para que,
dessa forma, consiga sentir algo além do que está sentindo.
Sinta que estou aqui.
Sinta que eu estou presente para ela.
Diana balança a cabeça de um lado para o outro, chorando e soluçando, seu peito
subindo e descendo depressa.
Aperto-a contra o meu, beijando a sua têmpora e tentando mantê-la com os olhos
abertos. Respirando fundo e pedindo para que ela repita o movimento, mas é como se ela
simplesmente não estivesse me ouvindo.
A água cai em sua cabeça cabisbaixa, dando-me um aperto quase insuportável.
É a coisa mais triste que já vi.
É como se ela estivesse em derrocada, caindo em queda livre sem nada para ampará-la.
— Diana… — eu a chamo, no entanto, as palavras ficam presas junto ao nó que se
forma em minha garganta. — Do que você precisa?
Sua resposta é certeira e dolorosa.
— De você.
Ao mesmo tempo que meu coração agita dentro da minha caixa torácica, certa culpa me
consome, ao lembrar de como a tenho tratado por todos esses anos — dentro e fora da minha
cabeça.
— Eu… eu disse coisas ruins. Eu… deixei você ir. Eu te magoei.
— Não me importo. Preciso de você.
E então, eu respiro um ar novo.
É um ar de… liberdade.
Ouvi-la falar isso é como se tirasse ao menos um pouco do peso do meu peito.
E aí que me dou conta de que estou dentro do box com Diana. Que estou deixando a
água encharcar a camiseta que ela veste. Que ela está aqui comigo. A minha Diana. Minha
bússola.
Deixo que ela se agarre ao meu corpo com força e colo as nossas testas.
Nesse momento, é como se Diana precisasse me ter por perto para respirar, e se é disso
que precisa, é o que lhe dou. Deixo com que o silêncio seja a única coisa presente entre nós
porque agora, tudo o que sei é que preciso que ela fique bem.
Não faço ideia de quanto tempo se passa enquanto continuamos assim, com a minha
cabeça tombada em direção à sua e minhas mãos segurando a sua cintura, no entanto, tudo dentro
de mim termina de desabar quando ouço o seu fungar e constato que ela ainda está chorando.
Arrasto o meu polegar para cima e para baixo em sua lombar, querendo que ela saiba
que estou aqui. Isso parece fazê-la relaxar, já que a tensão em seus ombros parece diminuir um
pouco à medida que as minhas mãos sobem e descem.
— Sei que me odeia — seu sussurro é capaz de me ferir. — Sei que não sou o que você
desejava que eu fosse — diz baixinho. — Mas… por favor, finja que me ama. Apenas hoje.
Apenas essa noite. Eu preciso disso agora, preciso de você.
É notável o quanto de esforço usa para pronunciar as palavras.
É dilacerante o quanto elas conseguem me fazer sentir.
É como se houvesse uma espada me rasgando de dentro para fora.
Dói.
Machuca.
Porque Diana Barker pode ser tudo, menos algo que eu não deseje com todas as minhas
forças. Um exemplo disso, é que enquanto estivemos juntos, nunca me senti tão feliz. Tia Liane
nunca esteve tão certa quando dizia que eu arrastaria a lua por Diana.
Eu faria qualquer coisa por ela. Moveria a porra dos céus se possível.
— Você sempre foi o meu maior desejo — digo.
— Não precisa dizer nada — replica. — Não precisa justificar ou mentir. Preciso apenas
que fique.
— Não estou mentindo — repito, erguendo o seu queixo com cuidado. — Você sempre
foi a minha bússola, Diana.
Seus olhos se abrem e eu contemplo a tristeza que há neles. Estão escuros, sem brilho,
mas me encaram como se tentasse, com todas as forças, acreditar em minhas palavras.
— Você é tudo o que eu desejava naquela época e é tudo o que eu desejo agora —
repito.
Sua mão se ergue até o meu rosto, a palma delicada cobrindo a minha bochecha. Há
tanta ternura em seu toque e na forma como me encara nesse momento, que apenas então me dou
conta.
Eu deveria ter lutado por ela.
Ainda que o mundo caísse sobre os nossos pés, eu deveria ter insistido e lutado por nós.
De relance, noto o fio vermelho que adorna o seu pulso.
A bússola.
A bússola que eu mesmo fiz e a presenteei depois que me contou as histórias sobre os
piratas pela primeira vez.
Ela ainda a tem. Ainda a usa.
E isso não deveria, mas me deixa feliz. Achei que havia jogado fora, como uma forma
de me esquecer ou se livrar da constante lembrança que a minha presença poderia causar.
Me deixa feliz o fato de saber que não fui o único que pensou em nós durante todo esse
tempo, mesmo que seja um pouco egoísta da minha parte pensar dessa forma. Porém, não me
sinto culpado por isso.
— Vamos sair daqui, sim? — pergunto suavemente.
Ela se inclina na direção oposta, fazendo com que a sua mão saia do meu rosto, e
desliga o chuveiro. Não dou a oportunidade para que se mova e a pego no colo outra vez, saindo
do box e a colocando de pé no tapete, onde não há risco de escorregar e cair.
Abro o botão da minha calça molhada com dificuldade, e assim que me livro dela,
enrolo uma das toalhas na cintura, por cima da cueca. Diana apenas me encara enquanto caminho
até o armário da pia e tiro de lá uma toalha limpa, a entregando.
— Irei pegar roupas limpas, ok? Não vou te deixar sozinha.
Ela apenas assente.
Caminho do banheiro em direção ao closet, tirando a cueca molhada, substituindo-a por
outra e vestindo um conjunto de moletom cinza. Pego uma camiseta para ela, mas no instante em
que passo pela porta do closet, noto que há um par de roupas em cima da cama e imagino que
Kim tenha sido a responsável por isso.
Bato na porta do banheiro e coloco a mão para dentro, entregando-lhe as roupas e me
sentando na cama para esperá-la, que não demora a sair.
Diana para assim que atravessa o batente e me encara, os olhos ainda vermelhos e
inchados, como se não soubesse o que fazer. Tiro o edredom grosso de cima da cama e dou
algumas batidinhas no lugar, em um claro convite para se deitar, o que ela faz sem pensar muito.
— Você pode vir, se quiser — diz quando percebe que continuo apenas sentado,
encarando-a.
E é o que faço.
Me deito ao seu lado oposto, nossos rostos de frente um para o outro demonstrando a
vulnerabilidade desse momento. É quando as suas palavras voltam à minha mente.
Finja que me ama.
Eu não posso, Di.
Não posso fingir te amar porque te amar é a única coisa que sei fazer desde que te vi
pela primeira vez.
Não posso fingir amá-la porque esse é o único acerto da minha vida.
É a minha única certeza: não importa os anos, a distância ou qualquer ódio fingido,
amar Diana sempre será a minha melhor escolha.
Decido não me aproximar muito para não deixá-la desconfortável, por isso me
surpreendo quando ela o faz, jogando uma das pernas por cima da minha barriga e enfiando o
rosto em meu pescoço, respirando profundamente.
Suspiro, um pouco aliviado.
Meus dedos se entranham em seus cabelos com carinho e eu beijo sua testa antes de
começar a acariciar as suas costas.
— O que vai fazer?
— Cuidar de você.
Te amar.
Te proteger.
Te mostrar que nunca mais te deixaria ir para longe de mim, mesmo que para isso, eu
precise enfrentar o inferno.
— Quando você dormir, posso ir para o seu quarto.
— Não — sua voz sonolenta é dita entre as minhas carícias em seus cabelos. — Não vá.
Fique aqui.
E é isso o que eu faço.
Até perceber que finalmente pegou no sono.
Depois disso, eu me levanto da cama sem acordá-la e saio decidido do quarto.
Maxon irá pagar por todo o mal que fez.
E se alguém machucar você, eu quero brigar
Mas minhas mãos foram quebradas muitas vezes
Por isso eu usarei minha voz, serei rude pra caralho
Palavras, elas sempre ganham, mas eu sei que vou perder
Another Love | Tom Odell

Minha mãe está sentada na mesa da cozinha quando atravesso o corredor.


Seu semblante é pesaroso, quase condescendente. Os olhos castanhos-escuros me
analisam com cautela, mas não há uma gota de intenção em repreender o meu comportamento.
Pelo contrário, é o que ela está esperando que eu faça. Explodir. Mamãe quer me ver colocando
tudo para fora antes que vá parar naquela banheira de novo.
— Por que não me contou, caralho? — esbravejo, tentando não subir muito o meu tom
para que Diana não acorde.
Ela sabia.
Não sei há quanto tempo, mas ela sabia.
E isso é horrível. Como Loren conseguiu esconder isso? Como conseguiu guardar isso
por tanto tempo? Como conseguiu guardar isso e não fazer nada?
— Sente-se — é apenas o que diz, inclinando o queixo para a cadeira à sua frente.
Kimberly está sentada ao seu lado com a mesma expressão abalada de quando a deixei
na sala para cuidar de Diana. Asher está ao lado dela, segurando a sua mão e acariciando suas
costas, mas minha irmã nem mesmo parece notar que o mundo está acontecendo à sua volta.
E eu já vi Kim abalada de muitas formas, entretanto, nessa situação, parece ser ainda
mais cruel porque sei exatamente o que se passa em sua cabeça agora. Maxon podia não ter o
amor dela há muito tempo, mas minha irmã não pode negar que isso é cruel demais até mesmo
para ele.
Porra, como ele foi capaz de fazer algo desse tipo?
Será que ele não pensou que tinha uma filha da mesma idade?
Será que não pensou que ele era casado com uma mulher?
Será que ele nunca se colocou no lugar da vítima?
São tantos questionamentos sem respostas. Sem respostas porque não quero saber seus
motivos. Não quero que se explique. Não há perdão para ele.
Eu quero que Maxon pague por todo mal que fez.
E foda-se se desejar o mal de alguém dessa forma me torna um idiota. Foda-se. Não
estou ligando para nada nesse momento. A única coisa que consigo sentir é o ódio cru e palpável
que se enraíza em mim.
— Não quero me sentar, quero apenas saber como você conseguiu ser conivente com
toda essa situação. — A raiva se sobressai em minha voz. Estou descontrolado. Não consigo
parar. — Como conseguiu fingir que isso não era grave o bastante?
— Kyle, eu não vou repetir. — Minha mãe me repreende com o olhar e eu respiro
fundo. — Sei que está com raiva e quer descontar em algo, mas é melhor baixar a sua bola e
fazer o que mandei para que possamos resolver essa situação.
Preciso de alguns segundos para permitir que o ar retorne aos meus pulmões. Minha
respiração se torna curta e me esforço para voltar ao ritmo normal. Não sei quanto tempo se
passa até que eu finalmente me acalme, mas acontece e eu volto a me sentir impotente. Porque,
mais uma vez, estou colocando a culpa em quem não tem.
Abro os olhos e suspiro consternado, entendendo que, nesse instante, a única coisa que
posso fazer é o que ela manda.
— Sinto muito, mãe — digo quando me sento, porque ela não tem nada a ver com o
ódio que sinto nesse momento. — Eu apenas quero entender o motivo pelo qual você sabia e não
fez nada.
— Nada? — ela questiona, levantando a sobrancelha e deixando o canto do seu lábio se
erguer levemente. Loren assume uma postura séria, uma das que usava para nos repreender. —
Você acha que expor a minha filha da forma que fiz para ter um motivo para enfiá-lo naquele
lugar foi nada? Acha que chantagear o governador é nada? Por que acha que estou atrasando
tanto o julgamento?
Passo a mão pelo rosto, dessa vez, irritado comigo mesmo por não pensar em todos os
pontos e deixar a minha emoção sempre falar mais alto do que a razão. Não é o meu momento de
surtar. É o momento de pôr a cabeça no lugar e pensar no que fazer daqui para frente para que
Maxon pague por tudo o que fez.
— Quando você soube? — pergunto, tentando soar o mais calmo possível.
— A mãe dela me procurou no ano passado, quando seu pai foi preso. Diana me contou
a história mesmo com medo e eu a perguntei se ainda tinha o sonho de estudar aqui. Não foi
muito difícil convencê-la, acho que estava sentindo tanta falta de vocês que ela não pensou nem
duas vezes quando eu disse que estavam em Yale.
Saber disso me deixa um pouco mais aliviado. Significa que, em algum momento, Diana
pensou que nós a acolheríamos. Significa que tinha esperanças. Significa que não queria
continuar da forma como estava.
— O que nos impede de deixá-lo apodrecer na cadeia? — Asher questiona.
— Diana tem um contrato que ainda está em vigência.
— Eu vi — anuncio.
— Viu? — mamãe pergunta com a sobrancelha erguida.
— Não li por completo, eu o encontrei no antigo escritório de Maxon.
— Foi esse o motivo para ter ido tão rápido à empresa quando pedi?
— Como soube desse contrato? — é minha irmã quem pergunta, quebrando seu
silêncio.
E eu engulo em seco.
Porque está na hora de contar para ela.
— Eu visitei Maxon na semana passada. — As palavras saem da minha boca deixando
um gosto amargo. — Estou tentando visitá-lo há quase um ano.
Kimberly suspira, recostando-se ainda mais na cadeira, como se estivesse sem
paciência. No entanto, é apenas isso. Kim não grita ou me repreende. Apenas suspira.
— Não vai gritar comigo? — pergunto, esperando qualquer outra reação dela.
— Por que faria isso? — Seu cenho se franze.
— Imaginei que fosse se sentir traída quando eu contasse.
— Decepcionada é a palavra, mas não estou surpresa.
— Por quê?
Kim olha para mamãe antes de falar. Seus olhos, idênticos aos meus, focam em mim e
tudo o que há ali é compreensão. E eu me sinto ainda mais idiota por ter escondido isso dela
achando que reagiria de outra forma que não fosse complacente.
— Ele sempre foi o seu herói, Kyle, você até mesmo aceitou cursar Direito por ele. Era
meio óbvio que, uma hora ou outra, você procuraria por respostas.
Dessa vez, sou eu quem suspira.
Parece que todos me acham um idiota.
Permaneço quieto, porque embora doa admitir, foi exatamente por esse motivo que fui
até Maxon. Eu queria respostas. Não por achar que ele era inocente, porque nunca duvidei disso,
mas queria entender seus motivos para fazer todas aquelas coisas.
Por que fez tão mal à minha mãe e irmã? Por que tentou me manipular? Por que jogou
nosso sobrenome na lama?
Queria entender por que jogou tudo o que tinha no lixo.
— Voltando ao contrato. — Mamãe chama a minha atenção, sabendo que o foco em
questão com certeza não são as merdas que faço quando não há ninguém olhando. — Onde o
encontrou?
— Junto a alguns processos perdidos, acho que ele achou que ninguém procuraria ali.
— Quantos? — mamãe pergunta, ignorando totalmente as minhas explicações.
— O quê?
— Quantos contratos havia na caixa?
— Que eu contei, nove, mas tinham outras caixas por lá, não abri mais nenhuma depois
que encontrei o contrato assinado por Diana — respondo. E em seguida, suspiro ao lembrar de
outro detalhe muito importante. — Todas que vi já foram funcionárias da nossa casa e da
empresa.
Kim murcha e eu também.
O nome da minha cozinheira favorita estava lá. Da secretária que mamãe tanto adorava.
Da babá que ensinou Kim a ler.
Todas eram mulheres que participaram ativamente da nossa educação e criação.
Todas eram mulheres que se demitiram após explicações bestas.
Todas eram mulheres que sumiram das nossas vidas e nunca mais ouvimos falar.
E esse é mais um sinal que nenhum de nós percebeu. Até hoje. Não podia ser
coincidência que todas tivessem ido embora. Eu deveria ter percebido que não tinha nada normal
nisso.
— Onde está essa caixa?
— No meu carro. As outras continuam no escritório.
Loren estende a mão para mim e eu me inclino para trás, pegando minhas chaves
reservas no aparador e as entregando, sabendo que a primeira coisa que fará quando sair daqui é
pegar essa caixa e virar a noite procurando por todas essas mulheres.
— Quais as chances de… — começo, mas é como se as palavras arranhassem a minha
garganta — todas elas terem assinado pelo mesmo motivo que Diana?
Mamãe engole em seco.
— Quase cem por cento — responde. — Se foram todas funcionárias, não restam muitas
dúvidas.
— Era por isso que eu sempre estava em colégios internos e passava muito tempo fora
de casa? — Kimberly questiona.
Na infância, minha irmã fazia de tudo um pouco.
E conforme ela crescia, em mais aulas extracurriculares mamãe a colocava.
— Eu desconfiava do que ele fazia, mas não tinha provas — justifica. — Eu precisava te
proteger.
— Mãe… — ela chama novamente, o medo está estampado no rosto dela nesse
momento. No meu também, porque sei o que Kim irá perguntar. — Ele abusou de você?
Loren tenta sorrir, apertando a mão dela por cima da mesa.
— Não se preocupe, querida, isso nunca aconteceu comigo.
Não sei se acredito em suas palavras.
Minha cabeça dói tanto que não sei, nem mesmo consigo processar as suas palavras.
É como se toda a minha vida tivesse sido uma mentira.
E, de repente, sinto nojo de mim mesmo por um dia ter endeusado um homem que fez
mal a tantas pessoas. Um homem que nunca mediu esforços para colocar o seu poder acima de
tudo e todos apenas por ego. Apenas para provar que podia ter tudo o que queria, ainda que esse
tudo significasse tomar algo que não era dele à força.
— Desculpa por ter sido grosseiro, mãe — peço com a cabeça baixa. — Não queria te
desrespeitar.
— Está tudo bem, filho. Podemos conversar depois.
Assinto, erguendo os olhos para os seus.
Ela também é uma vítima nisso tudo.
Ela suportou toda a humilhação e peso que Maxon causou.
Ela é a pessoa que tem que resolver tudo isso.
Ela é a verdadeira heroína dessa história.
Ela fez tudo por Kimberly. Ela faz tudo por mim.
Para nos proteger. Por nos amar. Porque é nossa mãe.
Loren se levanta quando Asher retorna, colocando uma caneca de algum chá qualquer à
minha frente e entregando outra à Kimberly. Nem mesmo havia notado o momento em que ele
saiu.
— Valeu, cara — agradeço, engolindo pequenos goles enquanto vejo minha mãe vestir
seu casaco e enfiar as minhas chaves no bolso, prestes a ir embora.
— Devo passar os próximos dias ocupada — anuncia. — Mas aceito visitas e macarons
na empresa.
Sorrio em sua direção para que ela se lembre de que isso não será um problema. Eu
sempre estarei por perto.
— Quer uma carona? — Asher oferece. — Está bem tarde.
— Não precisa, querido, seu irmão está aqui.
Ben, irmão de Asher, ainda está em New Haven por conta de alguns processos em
relação à sua liberdade, o que resultou em uma certa dificuldade para arrumar um emprego e se
manter financeiramente, coisa que mamãe o ajudou. Loren não gosta de dirigir e o seu motorista
particular estava afastado, então ela resolveu contratar o irmão do meu melhor amigo e resolver
dois problemas de uma vez.
— Diga que irei visitá-lo em breve — ele diz e ela assente.
— Até breve, queridos.
— Tchau, mãe — Kimberly se despede, a abraçando enquanto eu apenas balanço a
cabeça, sem forças e engolindo o chá como se a bebida não estivesse pelando de tão quente. —
Eu te amo.
— Eu também amo — falo depois dela, fazendo uma careta e vendo as duas rirem. —
Vocês sempre me deixam de lado dos momentos fofos.
Kim me mostra a língua e eu mostro de volta, vendo mamãe revirar os olhos com um
sorrisinho no rosto.
— Preciso ir — diz, afastando-se da minha irmã e caminhando até mim para beijar
minha cabeça. — Não faça nada sem me consultar primeiro — sussurra para que os dois não
ouçam e eu assinto, embora seja difícil concordar, sei que está certa. Mamãe já tem problemas
demais para lidar. — Eu aconselho vocês a separarem roupas pretas. Talvez precise usá-las em
breve.
Isso me faz franzir o cenho, sem entender o que ela quer dizer.
— O que isso quer dizer? — Asher pergunta quando ela atravessa a porta, sumindo das
nossas vistas.
— Não sei — Kim responde, ainda confusa.
— Loren sendo Loren — respondo, embora também não tenha entendido porra
nenhuma desse código.
— Como ela está? — Kim pergunta, voltando-se para mim.
Passo a mão pelo rosto.
— Dormindo — anuncio. — E você?
— Não sei bem o que estou sentindo — admite. — Eu deveria ter percebido antes.
— Parece que estava tudo à nossa frente e nós vimos apenas aquilo que queríamos —
concordo com ela, porque é exatamente o que sinto.
E não há nada que possamos fazer para mudar isso.
— Estou me sentindo uma péssima amiga por ter dito aquelas coisas no elevador e por
nunca ter procurado mais a fundo o que havia por trás dessa história.
— Eu também.
— Não tinha como vocês mudarem o rumo dessa história — Asher diz, tentando nos
confortar. — Nenhum de vocês tem culpa. O único culpado irá pagar por isso. O importante é
que Diana está segura agora e que a nossa família irá cuidar dela.
Suspiro, sabendo que essa é a única certeza que tenho.
Nossa família está aqui.
Nosso elo agora pertence a ela também.
E nós cuidaremos dela.
— Kyle — ouço a voz da minha bússola, fazendo com que eu levante o rosto
imediatamente, vendo que ela está de pé na entrada do corredor, olhando para nós como se não
soubesse o que fazer. — Pode ir a um lugar comigo?
Me levanto no mesmo instante.
— Claro.
Ela desvia o olhar de nós, como se estivesse com vergonha.
Diana abre a porta e sai, fazendo com que eu a siga em silêncio.

— Não quero que brigue com ninguém por minha causa — é a primeira coisa que diz.
Sua voz quebra o silêncio da madrugada quando chegamos ao terraço e ela para à minha
frente, de braços cruzados.
Suspiro.
— O que ouviu?
— Tudo — responde, direta. — Acordei assim que se levantou.
— Estava indo atrás de mim? — brinco, tentando desfazer seu biquinho choroso.
— Sim. — Sua resposta me faz sorrir, ainda que seja um sorriso fraco. — Mas não
gostei de te ver falando daquele jeito com a sua mãe.
— Não tem noção das coisas que eu faria por você, não é?
Diana fica quieta por um tempo, apenas me analisando. Seus olhos se mantêm nos meus
como se procurasse por respostas neles, até que suspira e se vira de costas para mim, mas ainda
se mantendo próxima.
— Até essa manhã, você me odiava.
— Nunca te odiei.
Ela estala a língua.
— Conta outra — rebate e posso apostar que está revirando os olhos nesse momento.
— Não quero discutir.
— Nem eu — diz baixinho. — Estou cansada de brigar.
— Eu sei — concordo, porque não há mais o que discutir. Não há nada que possamos
fazer para mudar o passado. — Eu também.
O silêncio toma conta de nós até que ela o quebra novamente.
— Ky?
— Sim.
— Quero te contar tudo o que aconteceu depois que ele entrou no quarto — diz, seus
ombros tensionando apesar da firmeza em sua voz. — Se quiser ouvir.
— Eu quero — me apresso em dizer. — Quero ouvir tudo o que quiser me contar.
Diana continua com os braços cruzados e seus ombros tremem levemente. Sinto vontade
de abraçá-la, no entanto, sei que não posso fazer isso agora. Esse momento é dela, a tocarei
apenas se e quando ela quiser.
— Eu o mordi quando percebi o que estava acontecendo e ele chiou, me dando um tapa
na coxa. Minha mãe estava passando em frente ao meu quarto naquele momento e entrou por
causa do barulho, porém ele já não estava mais em cima de mim. Ela mal conseguia respirar
quando me viu encolhida, chorando e com medo. Foi quando ele começou a deturpar toda a
história, dizendo que eu o chamei para o quarto e estava tentando seduzi-lo.
“Mamãe não acreditou e o mandou sair do quarto. Ela me acalmou depois e ficamos
acordadas juntas. Eu fiquei paralisada e sentindo muito nojo dele. E de mim também. Passei
metade daquela madrugada debaixo do chuveiro tentando tirar aquela sensação de mim. Mas
parecia que quanto mais eu esfregava, mais revivia aquele momento.
No dia seguinte, antes que minha mãe ou eu pudéssemos falar com Loren e explicar a
situação, Maxon apareceu com o contrato e praticamente nos arrastou para o escritório. Nos
ameaçou sobre o meu pai e… alguns favores que ele o devia antes de morrer e disse que poderia
acabar nos colocando na rua. Ele disse que você jamais acreditaria em mim e… eu acreditei.”
Fecho os olhos com força, deixando que as minhas lágrimas caiam. Penso no quanto era
idiota. No quanto a admiração que eu tinha pelo homem que achava ser íntegro apenas piorou
tudo.
— Você o venerava e falava dele como uma referência de vida e, até ali, ele era. Mamãe
não queria que eu assinasse, porém eu não quis ouvi-la. Assinei sem pensar duas vezes, porque
não queria colocar a minha honra e nem a dos meus pais em risco. Não queria pagar para vê-lo
nos destruir ou para que fizesse você ou Kim pensar que eu realmente quis dormir com ele —
Diana suspira, sua voz vacilando vez ou outra. — Ainda fiquei algumas semanas lá, fazendo o
possível para que vocês não percebessem que havia algo de errado e tentando digerir o que tinha
acontecido, além de lidar com a presença constante dele, que parecia nos vigiar a cada passo,
como se estivesse se certificando de que cumpriríamos o combinado.
“Até que se tornou insuportável. Eu não iria conseguir manter essa sujeira escondida de
vocês. Minha mãe decidiu que era melhor irmos embora e isso me pareceu menos assustador do
que lidar com a realidade. Meu tio Igor comprou as nossas passagens e fomos. Mamãe queria
que eu contasse para vocês, mas eu não podia. Aquele contrato é milionário e o dinheiro que meu
pai nos deixou não cobriria um terço, além disso, meu tio estava fazendo demais por nós para
que nos aproveitássemos dele assim. Eu também não queria arriscar e ver o nojo no rosto de
vocês. Não queria que me vissem suja daquela forma. Mamãe sugeriu que eu, ao menos, me
despedisse, mas não conseguiria fazer isso do jeito certo.”
— Então foi embora sem nos contar — conclui por ela.
— Fui — diz, a voz quebradiça. — E não menti para você quando disse que o meu
único arrependimento era não ter ido embora antes.
O peso das suas palavras desde o instante em que abri a porta e a ouvi contar para Kim,
a forma com que ela ficou no chuveiro, a maneira como conta tudo com riqueza de detalhes…
Dói.
Machuca.
É como se estilhaços de vidro estivessem perfurando a minha pele.
E isso me faz ficar em silêncio por um longo tempo.
Tentando engolir a raiva.
Tentando não fazer besteira.
Tentando controlar o ódio que toma a minha mente.
— Está com raiva — ela deduz, ainda de costas para mim.
— Não de você — respondo, sem desmenti-la. — Estou com raiva de não ter notado os
sinais.
— Não teria como.
— Teria, sim. Eu sempre estive preocupado demais comigo mesmo e esqueci de olhar
nos arredores.
— Não é culpa sua.
— Nem sua — rebate.
Diana dá um passo para trás, colando nossos corpos. Tiro a mão dos bolsos, abraçando-a
com força, como se isso fosse o bastante para mantê-la colada em mim para sempre.
— Eu tive medo.
— De quê?
— Do que você pensaria de mim quando contasse. Não queria que sentisse pena ou
nojo.
— Isso jamais aconteceria. Eu jamais pensaria mal de você.
— Você disse coisas…
— Eu não sabia, amor — digo, envergonhado. — Desculpa por isso, se eu ao menos
fizesse ideia do que aconteceu, nunca teria te tratado da forma como tratei.
— Tudo bem. Não teria como adivinhar.
— O que você fez? — pergunto quando o assunto morre. — O que fez para me
esquecer?
— Não esqueci — diz. — E você?
— Nem tentei — admito.
E é verdade.
Eu nutri ódio e raiva.
Eu nunca entendi o motivo de ela ter ido embora até hoje.
Eu me senti traído.
Mas nunca tentei esquecê-la.
Nunca o fiz porque Diana era e ainda é um pedaço de mim que não desejo me livrar ou
esquecer, mesmo que tivéssemos motivos para nos odiar de verdade.
— Eu amava você — digo, suspirando. — Nunca tentaria te esquecer.
Uma das mãos dela segura meu braço, que está a abraçando, e ela inclina a cabeça para
cima, me olhando com os olhos ainda molhados.
— Não ama mais?
Sinto minhas bochechas esquentarem.
É claro que amo.
É claro que nunca a esqueci.
É claro que nunca deixei de pensar nela.
Mas não acho que seja o momento de dizer isso em voz alta.
Ainda é um momento delicado. Não quero deixá-la confusa.
— Não foi o que eu quis dizer.
Ela volta a olhar para o horizonte, que já começa a raiar o sol.
— Às vezes — ela começa, estremecendo com a rajada de vento que nos atinge e se
aconchega mais em mim. — Eu acho que poderia ter evitado aquela situação.
Suspiro, pesaroso.
— Não foi sua culpa.
— É claro que foi, eu poderia…
— Não foi sua culpa, bússola.
Seus ombros estremecem.
— Repete.
Sei que palavras não são o bastante, mas não tenho problema nenhum em reforçá-las e
prometer a mim mesmo que darei o meu máximo para que ela nunca se sinta culpada por um erro
que não foi dela.
— Não foi sua culpa. — Trago-a para mais perto. — Não foi sua culpa. Ele te tirou
algo, não foi sua culpa. Ele te manipulou. Não foi sua culpa.
— Eu estava vestindo uma roupa muito curta.
— Não foi sua culpa.
Diana se vira em meus braços, ficando de frente para mim e enfiando o rosto em meu
peito para me abraçar com ainda mais força.
Me sinto em casa.
— Obrigada, Ky.
Estava um pouco perdido, mas não estou mais
Estava um pouco magoado, mas não estou mais
Fiquei um pouco de fora, mas não estou mais
Porque as lágrimas caíram, mas elas não caem mais
Estava um pouco confuso, mas não estou mais
Estava um pouco sem sorte, mas não estou mais
Estava um pouco distante, mas não estou mais
Sim, está tudo bem agora, meu bem, eu tenho a cura
The Cure | Little Mix

Ela ainda está emaranhada em meus lençóis quando acordo.


Uma das minhas mãos enlaça a sua cintura enquanto a outra está debaixo do meu
travesseiro, o qual ela está ocupando neste momento. É como se a cama de casal fosse inútil
porque estamos dividindo o mesmo espaço.
Nossos corpos estão unidos, nossas mãos entrelaçadas e meu rosto está entre os seus
cachos, sentindo a textura macia e sedosa, além do cheiro que tanto me fez falta nos últimos
anos, mas que, de alguma forma, permanece exatamente igual às minhas lembranças.
Nós ficamos no terraço até o amanhecer, apenas abraçados um ao outro e ignorando o
mundo ao nosso redor. Dessa vez, fingimos que as últimas semanas caóticas e cheias de brigas
não existiram, embora a gente saiba que, em algum momento, iremos conversar sobre isso.
Eu preciso pedir desculpas, porque mesmo querendo saber o que havia acontecido, usei
palavras que não deveria. Eu a machuquei e preciso consertar isso, pois, dessa vez, não irei
deixar que um problema mal resolvido nos afete tanto.
Diana se move, tentando se afastar sorrateiramente de mim e solta uma risadinha quando
eu a mantenho contra o meu peito.
— Não pense que vai fugir de mim tão fácil outra vez — murmuro pertinho da sua orelha.
— Droga. — Ela se vira em minha direção com um biquinho nos lábios. — Achei que
estava fazendo um trabalho melhor.
— Engraçadinha — resmungo, trazendo-a ainda mais para perto, quase colocando-a em
cima de mim.
— Não lembrava de você tão grudento — balbucia antes de bocejar, sem a menor
vergonha.
Finjo um suspiro.
— Acho que isso não será possível.
Diana morde a minha bochecha com força, mas não o suficiente para me marcar, me
arrancando um gemido que faz apenas com que eu a aperte mais, lembrando do quanto essas
briguinhas bobas faziam parte da nossa rotina. Do nosso passado.
Sinto falta dessa época.
Sinto falta dela.
E tenho tentado, a todo custo, ignorar o pensamento de que não confiou em mim o
suficiente antes por medo de que eu fosse conivente com as merdas de Maxon. A simples
possibilidade de que isso tenha passado pela sua cabeça me enoja à medida que me deixa triste.
Porra. Eu teria feito tanta coisa diferente se ao menos tivesse desconfiado do que
realmente aconteceu ao invés de julgá-la na primeira oportunidade ou achar que isso era sobre
mim quando, claramente, não tinha nada a ver.
Uma das suas pernas se enfia entre as minhas e sua cabeça se encaixa no meu pescoço,
inspirando meu cheiro, como fiz minutos atrás, e não deixo de notar o quanto ela parece muito
mais à vontade agora, como se estivesse mais leve, calma.
A Diana que está deitada aqui comigo parece ter tirado um peso dos ombros, é como se
sentisse ela novamente ao colocar para fora tudo o que aconteceu no passado e vem guardando
por todos esses anos. E não tenho palavras o suficiente para expressar o quanto me sinto feliz por
isso, em vê-la feliz.
Cubro-a até os ombros novamente quando percebo que a janela está aberta e o vento frio a
faz se aconchegar cada vez mais em mim. Meus dedos finalmente fazem algo no qual eu sentia
muita falta: enrolam seus cachos.
E posso jurar que volto no tempo enquanto toco neles e os enrolo nos dedos como se essa
fosse a única função da minha vida.
Não faço a menor ideia de quanto tempo se passa enquanto continuamos assim: seu corpo
aconchegado ao meu, meus dedos enrolando seus cabelos e nossos corações batendo em
sincronia.
Como se lá fora não existisse.
Como se os últimos anos separados não existissem.
Somos apenas nós dois agora.
Sem barreiras.
Sem nos importar com nada além de nós e a forma como o mundo parece parar quando
estamos juntos.
No entanto, não demora até que o meu celular toque e eu suspiro, olhando para o visor e
constatando que já passa das três.
itsasherdempsey: o treinador quer as nossas cabeças em
uma bandeja de prata. precisamos de você
aqui o mais rápido possível.
Eu deveria me juntar ao time antes das quatro. Jogaremos contra Harvard hoje. É tudo ou
nada. E o treinador tem nos cobrado muito a respeito desse jogo, porque eles são um dos nossos
maiores rivais, tanto em quadra quanto na questão acadêmica. Ou seja, é uma questão de honra
vencer esse jogo e ir para o último final de semana do March Madness.
No entanto, mesmo que eu saiba que preciso ir, minha mente e meu corpo querem
permanecer aqui. Com ela. Sentindo o cheiro dela. Estando perto dela.
Suspiro.
— Diana?
— Sim.
— Eu preciso ir, linda.
— Por quê? — a voz manhosa pergunta. — Está tão quentinho aqui.
Sorrio, mesmo sabendo que ela não vê. Sabendo que está sentindo o mesmo que eu.
— Preciso encontrar o time.
— Achei que poderíamos ficar aqui o dia todo — resmunga, manhosa e sonolenta.
— Podemos fazer isso mais tarde, mas agora eu realmente preciso ir.
— Por que está dizendo isso como se eu estivesse te segurando? — questiona, apoiando o
queixo em meu peito para me encarar. — É você quem não quer me soltar.
— Eu sei — não hesito em concordar, trazendo-a para mais perto outra vez apenas porque
sou um maldito viciado em seu cheiro. — Mas está tão quentinho aqui.
É a sua vez de rir, fazendo o som reverberar em meu peito.
De repente, a antiga sensação de pertencimento me preenche e é de uma maneira que me
pega desprevenido. Respiro fundo, tentando acalmar a euforia dentro de mim.
— Está pensativo demais… — me acusa.
Apenas sorrio, tentando não entregar para onde os meus pensamentos estão me levando.
— Não é nada demais.
Não deixo que ela pense muito sobre isso e finalmente solto o seu corpo, fazendo com que
o meu se arrepie no mesmo instante, como se estar longe dela fosse o suficiente para me causar
um frio congelante. E talvez seja.
Diana resmunga quando a deixo sozinha na cama, mas não diz nada enquanto caminho até
o closet, falando alto o suficiente para que me ouça:
— A Kim está em casa e acho que ouvi a voz da carrapata, pensei que seria legal se você
fosse me ver jogar, sabe…
— Está me convidando? — retruca, cheia de gracinha.
— Apenas se quiser ir. — Deixo claro, sem me importar com o sorriso zombeteiro que
vejo em seus lábios ao olhar para trás. — Tem algumas camisetas minhas no armário.
— Isso é apenas uma forma de dizer que me quer lá usando a sua camisa, não é?
Rio.
— Saberemos se você for.
— Eu iria — responde séria dessa vez. — Mas irei cobrir a Tiffany hoje. Ela ficou doente.
— Uma pena. — Finjo estar decepcionado. Na verdade, estou um pouco triste. Queria que
ela estivesse lá. — Eu poderia dedicar todas as minhas cestas para você.
— E por que não vai, idiota?
— Voltamos as ofensas?
Diana une as sobrancelhas.
— Nunca paramos.
— Irritante — resmungo.
— Olha quem fala — retruca. — Por que não vai de uma vez, hein? Eu preciso dormir.
Eu rio, terminando de me trocar em silêncio.
Quando saio do closet para pegar o meu celular, ainda na mesinha de cabeceira, sinto
vontade de gargalhar ao ver Diana dormindo novamente, de boca aberta e abraçando o meu
travesseiro.
Fecho as cortinas e a olho mais uma vez, pensando no quanto o tempo é injusto.
No quanto a vida é injusta.
— Tenha bons sonhos, minha bússola. — Beijo seus cabelos.

— Kyle! — o grito me faz olhar para trás na mesma hora e um sorriso brota em meu rosto
quando vejo Diana correndo em minha direção, vestindo a minha camiseta.
— Oi, linda — respondo, me afastando do restante da equipe. — Vai conseguir ficar para
o jogo?
Ela murcha um pouco.
— Não — responde. — Preciso cobrir a outra estagiária, lembra? — Assinto, mesmo a
contragosto. — Mas vou assistir pela transmissão. Vim só te entregar isso.
Diana tira um fio vermelho do bolso, com uma pequena bússola dourada no meio,
chamando a minha atenção, e rapidamente noto que é uma pulseira. No entanto, vejo que a sua
ainda está em seu pulso.
— Onde conseguiu essa?
— Eu fiz para você.
Meu sorriso se estende e posso jurar que ela está corada agora.
— Quando teve tempo para isso?
Diana revira os olhos.
— Quer me ouvir dizer com todas as letras, não é? — pergunta e eu prontamente assinto.
— Estou guardando há uns bons anos.
— Eu sabia — respondo de volta, convencido. — Bom, de qualquer forma, esse é o
momento certo, estou mesmo precisando de sorte.
Estendo a minha mão esquerda para ela, que segura meu pulso, amarrando-o com cuidado.
Diana continua concentrada em amarrar o fio enquanto a minha atenção se detém nela, na forma
delicada com que me toca.
É como se esse pequeno gesto tivesse causado um alvoroço no meu peito.
Como tudo o que ela faz.
— Pronto — diz, mas eu ainda continuo encarando-a. — Ky?
Pisco, voltando à realidade.
— Eu amei. Obrigado, bússola — digo baixinho, engolindo a minha emoção.
Diana fica na ponta dos pés para me abraçar, envolvendo meus ombros enquanto
praticamente a tiro do chão.
— Boa sorte no jogo.
Eu sorrio contra a sua pele.
— Minha sorte é você.
Ela se afasta um pouco para olhar em meus olhos e eu continuo segurando a sua cintura
com firmeza, lhe dando estabilidade. Quando nossos olhares se encontram, uma calmaria se
instala no meu peito e me sinto invencível.
Minha sorte sempre foi ela.
— Kyle — ouço Brandon me chamar. — Vamos!
— Preciso ir — digo, apesar de não querer. — Te vejo em casa?
— Combinei de sair com as meninas, nos vemos amanhã. Provavelmente irei chegar
tarde.
— Mia te falou sobre a ideia de irmos para a casa dela em Baltimore amanhã?
Diana assente.
— Parece que você vai precisar me dar uma carona.
Suspiro dramaticamente.
— O que eu não faço por você?
— Anda logo. — Ela me empurra em direção à quadra.
Ainda estou sorrindo quando me viro e sigo Brandon para ouvirmos o pequeno discurso
que o treinador sempre faz antes dos jogos, o qual já decorei. Não demora até que precisamos
entrar em quadra.
Quando sinto o piso resistente sob os meus tênis e os sons ecoando pela arena, acontece.
O mundo fica em silêncio, embora a arquibancada esteja vibrando pela nossa entrada.
Esqueço da dor, da raiva e do ódio.
Esqueço tudo o que aconteceu até chegar o dia de hoje.
O basquete sempre foi a minha válvula de escape.
Sempre que eu precisava do silêncio e da solidão, era por ele que eu buscava.
Dentro de quadra, tudo o que a minha mente consegue focar, é em vencer.
Kimberly sempre diz que sou um péssimo perdedor, e é verdade. Eu odeio perder. Mais
do que isso, não gosto da sensação de derrota. O basquete é a minha coisa e é por isso que
preciso ser excelente.
— É melhor vocês me entregarem o seu máximo — ouço a voz do treinador ecoar em
minha mente à medida que vamos nos ajeitando em nossas devidas posições.
Estamos na segunda semana do March Madness. São três finais de semana intensos em
que os times universitários colocam o seu talento à prova.
Quem perde, está fora. É simples.
Fomos o time que estreou o campeonato esse ano e parece que disciplina realmente vence
talento porque todo o nosso esforço em jogos anteriores até mostrar que éramos capazes de
estarmos aqui está cooperando para a nossa vitória na semana que vem.
Mal vejo a hora de podermos levantar essa taça e irmos para o Campeonato da NCAA[12].
E é apenas por isso que bloqueio qualquer tipo de pensamento sobre o que vem
acontecendo nas últimas semanas – principalmente na noite anterior –, ainda que seja difícil lutar
contra isso.
Quando fecho os olhos para a minha prece, como faço em todos os jogos, são os olhos da
minha bússola que eu vejo.
É o meu rumo quem sorri e diz que tudo dará certo. É apenas mais um jogo.
Meus olhos focam em uma das câmeras presente na quadra, esperando que ela esteja
realmente assistindo e é apenas o que faço: encaro-a. Porque sei que com ela torcendo por mim,
esse jogo já está ganho.
Mesmo que o resultado seja negativo, com Diana por perto, eu já ganhei tudo o que
queria.
Então, o árbitro sopra o apito e o jogo começa.
Assim que a bola é lançada para o alto para definir quem detém a sua posse, Hector salta,
tentando alcançá-la antes do nosso oponente.
E ele consegue.
Em um piscar de olhos, toda a movimentação do jogo muda quando Hector a lança para
Brandon, que em seguida arremessa para mim, e nossos passes começam. Ergo meu braço,
observando Duke, nosso ala-pivô, o mais próximo de mim, e então lanço a bola em sua direção
antes de começarmos a correr pela quadra, driblando e procurando uma abertura na defesa de
Harvard.
Consigo sentir a adrenalina pulsar em minhas veias conforme nos aproximamos da cesta.
Duke arremessa para Brandon e ele se vira em minha direção, jogando para mim, contudo, antes
que eu possa acertar a cesta, a defesa adversária me intercepta, conseguindo a posse da bola.
Porém, eles não conseguem mantê-la por muito tempo, porque Asher a toma de volta,
arremessando para Duke, o mais rápido entre nós. Ele a joga para Brandon, que passa para
Hector, marcando a nossa primeira cesta de três pontos.
Os gritos em comemoração são audíveis em toda a quadra enquanto o meu peito retumba
com força. E, porra, é emocionante demais sentir que estamos conseguindo.
A defesa do outro time se aproxima quando recebo a bola, tento driblá-los, mas estou
encurralado quando o pivô de Harvard tomba seu ombro no meu com força, me desequilibrando
e quase me levando ao chão. Preciso usar todo o meu autocontrole para não partir para cima dele
quando isso acontece e respiro fundo quando o árbitro sinaliza a falta.
Volto para a minha posição na quadra quando Asher assume o arremesso pela lateral da
quadra[13]. Recebo a bola novamente, quicando-a três vezes no chão antes de arremessar para
Brandon e me movimentar em direção à cesta, vendo a bola ir para Hector agora e então, está em
minhas mãos novamente. Canalizo toda a raiva que venho sentindo nos últimos dias em acertar
aquela cesta bem diante de mim.
O basquete é o meu sonho. Mas também o meu escape. E acho que essa é a coisa mais
foda que há em querer trabalhar com o que se ama. Encontrar nisso um motivo para me expressar
e direcionar tudo o que me atormenta.
É com esse pensamento que salto, lançando a bola com tanta força em direção ao meu
alvo que minhas mãos chegam a formigar enquanto ela voa em sentido à cesta.
E tudo paralisa.
É como se o mundo ficasse em câmera lenta à medida que meus olhos acompanham a
bola girar, girar, e atravessar o aro, fazendo o barulho seco ao bater no chão com força. A
multidão irrompe em aplausos, ecoando os gritos de incentivo pela quadra.
7X2.
O primeiro tempo acaba e minha atenção se volta para o meu pulso e beijo o fio vermelho
em um movimento automático, mal percebendo quando o faço. Ainda estou com raiva de tudo o
que lhe aconteceu, mas quero fazer desse, um bom jogo, porque sei que está me assistindo e isso,
por si só, já é motivo o suficiente para que eu jogue bem.
O segundo período logo começa, um pouco mais difícil dessa vez, porque Harvard
começa a investir mais no ataque. Porém, isso não é o suficiente para nos parar, já que nós cinco
estamos em sincronia e o time adversário não consegue ser bom o suficiente para segurar as
nossas jogadas. Por isso, terminamos mais um tempo na frente com o placar de 22X9.
No terceiro, conseguimos uma vantagem ainda maior, finalizando com 37x15.
E enquanto driblo e me movo pela quadra, junto aos meus companheiros de equipe no
quarto e último período, com o placar a nosso favor, sei que esse é o lugar onde pertenço,
ouvindo as comemorações da nossa vitória quando o árbitro apita e todos festejam o nosso
triunfo.
Porém, tendo a absoluta certeza de que não importa o resultado, os olhos da minha bússola
sempre serão o meu guia.
E eu quero acreditar que foi melhor pra mim
Você vai fingir que os astros têm razão
Talvez nosso crime seja a solidão
Talvez nossa sorte
E se o nosso romance tocasse no rádio?
E se o noticiário falasse de nós?
E se o resto da vida estivesse a um passo daqui?
E se hoje pudesse ser quando eu te encontro?
O começo de tudo
Tenta Acreditar | Anavitória

— Agora Kyle tem me tratado como se eu fosse quebrar a qualquer instante — suspiro,
terminando o meu monólogo enquanto brinco com a borda da minha garrafa de cerveja. — E não
consigo fazê-lo entender que não vou.
Mia usa seus dedos para traçar círculos invisíveis no dorso da minha outra mão, como se
tentasse me acalmar com o ato. Não sei dizer se funciona, mas me dá uma sensação muito boa.
Ela não é exatamente o tipo de garota que eu faria amizade na infância. Mia não se parece
nem um pouco comigo e Kimberly, e acho que isso acaba sendo um ponto positivo e engraçado,
porque enquanto nós duas soltamos um palavrão a cada cinco palavras, a loira é um doce de
pessoa, embora seja mandona e, por vezes, irritante pelo fato de estar sempre certa.
Também não dá para negar o quanto é mimada por todos, tanto por seu namorado quanto
por Kyle, e até mesmo Asher e Kim a tratam como uma princesa. Eu acho que tem algo a ver
com os seus olhos e a forma como eles parecem te convencer a ter tudo o que querem, quando
querem. E isso me faz admirá-la ainda mais.
E, é claro, tem o fato de que, em cinco minutos, a loirinha se torna a pessoa mais confiável
do mundo. Foi por isso que não me senti acuada quando chegamos aqui e eu a contei, mesmo
que brevemente, sobre o que aconteceu no passado.
Foi difícil contar para Kimberly e Kyle porque tinha medo de quais seriam as suas
reações, contudo, não é como se eu tivesse medo ou vergonha de pronunciar as palavras em voz
alta – embora esses momentos existam e aconteçam com mais frequência do que eu gostaria. No
entanto, ainda não superei essa situação em todos os sentidos.
Eu não superei, mas aprendi a conviver com ela. E acho que, no fundo, é assim que os
traumas funcionam.
Não os esquecemos. Apenas aprendemos a lidar com eles de uma forma que não os
deixem tomar conta das nossas vidas.
E foi isso que fiz.
Eu penso naquela noite com frequência, mas não deixo que isso guie a minha vida. Eu me
tornei muito mais forte do que aquilo.
Eu sou forte.
— Eu não preciso que ele me diga para saber que, se você quebrar, ele também quebra,
Di. — A loirinha sorri, mesmo que seus olhos estejam tristes desde que contei para ela. —
Talvez ele só esteja com medo.
Suspiro.
— Eu sei — concordo, levando a garrafa aos lábios antes de continuar. — Mas… sei lá, é
tão estranho perceber que Kyle parece estar pisando em ovos ao meu redor.
— Meu irmão pode não saber demonstrar muito bem o que sente, Di — Kim diz,
concordando com Mia. — Mas, acredite em mim, você sempre foi e continua sendo tudo para
ele, mesmo após todos esses anos.
Um pequeno sorriso brota em meus lábios sem que eu ao menos perceba.
— E, pelo visto, aconteceu o mesmo com você — Mia brinca, empurrando meu ombro
com o seu.
— Isso é apenas fingimento, todos sabem que a Ballard favorita da Diana sou eu.
— O seu ego é realmente impressionante — brinco.
— Não contei nenhuma mentira — Kim continua com um sorriso convencido no rosto.
— E por que não deixamos esses assuntos para depois e experimentamos esses drinks
esquisitos que certamente irão nos derrubar na primeira dose? — a loira pergunta, apontando
para as bebidas dispostas no balcão. — E, Diana, não fique triste, eu darei um jeito.
— Como? — Kim e eu perguntamos ao mesmo tempo.
Ela estala a língua, dando um gole nada generoso em um drink roxo.
— Vocês precisam ler mais romances.
— Já conheci o meu príncipe encantado, obrigada. — Roubo uma batatinha de Kim. —
Na verdade, ele está mais para o cavalo do príncipe.
— Diana! — Kimberly engasga.
— O quê? — rebato. — Seu irmão é o próprio Shrek quando está inspirado.
— Disso, eu sei. — Ela dá de ombros. — Estou falando sobre as minhas batatas. Peça as
suas.
— Continua egoísta quando se trata de comida — resmungo.
— Ah, você não tem ideia — a loira se intromete. — Brandon e ela vivem em pé de
guerra por causa de chocolates.
— Porque ele tenta roubar a minha comida para você! — Kim se indigna. — E é você
quem briga por torta de maracujá como uma doida.
— Eu não tenho culpa se o meu namorado é muito bom para mim. — Ela bate os cílios,
inocente. — E tortas de maracujá são sagradas para mim e Brandon. Não fale delas se não sabe
apreciá-las.
— Ainda bem que Asher aprendeu a esconder os meus doces muito bem quando compra
para mim — Kim bufa.
— Será mesmo? — Mia sorri.
A expressão de choque da minha amiga é impagável e me arranca uma gargalhada sincera.
Faz muitos anos que eu não ria dessa forma.
Faz muito anos que eu não me sentia bem assim.
Espero que eu nunca mais volte a sentir falta disso.

Faço uma nota mental para nunca mais aceitar as sugestões de Mia sobre como se divertir.
Minha cabeça dói enquanto me ergo na cama ao ouvir batidas na minha porta.
Bebi mais do que deveria.
Em minha defesa, a loira ficou muito pior do que Kimberly e eu, e vomitou nos meus pés
depois da terceira taça de uma daquelas bebidas estranhas.
— Entra — mando, coçando os meus olhos.
Quando a porta se abre, recebo um olhar questionador de Kyle, que está vestindo uma
calça preta e uma camiseta larga do Kiss que irei roubar na primeira oportunidade que eu tiver.
— Por que ainda está deitada?
Gemo lamuriada ao ouvir a sua pergunta, me jogando novamente na cama e me cobrindo
até a cabeça, mas logo ouço o som de passos até que ele se senta do meu lado e tira o lençol da
minha cabeça.
Permaneço com os olhos fechados, tentando arduamente ignorar a sua presença e o fato de
ele me acordar a essa hora, que eu nem sei qual é, mas tenho certeza de que é cedo demais para
mim.
— É sábado, Kyle. — Minha voz se arrasta, querendo muito que ele se deite aqui e tire
mais algumas horas de cochilo comigo. — É o dia da preguiça. Eu achei que era algo importante.
— Todos já foram, Diana, e eu estou há duas horas na sala esperando por você, achando
que estava se arrumando.
E é apenas nesse instante que me lembro de que iríamos para a casa da Mia, e me
pergunto como ela e Kim conseguiram acordar e pegar a estrada depois de ontem.
A loirinha resolveu fazer uma pequena comemoração em sua cidade natal, Baltimore. Seu
aniversário é em abril, no mês que vem, e ela irá viajar com o irmão para a Disney e parece mais
animada do que normalmente é. Lembro-me de quando ela me contou tudo o que envolve a
relação entre os dois e em como é difícil para eles se acostumarem com a ideia de que perderam
boa parte da vida um do outro, por isso decidiram viajar juntos. Provavelmente, essa é a forma
deles criarem novas memórias juntos, além da destruição que a genitora deles causou.
— Não exagera.
— Levanta — manda, me cutucando.
Resmungo de novo.
— Não quero.
— Diana…
— Não tem ninguém em casa — repito suas palavras. — Por que não se deita aqui um
pouco para tirar algumas horas de cochilo?
— O quanto você bebeu ontem, linda?
— O suficiente para querer ficar aqui o dia todo.
Ouço seu riso nasalado.
— O que não irá acontecer.
— Vai, sim.
— Se eu tiver que te arrancar dessa cama, você irá até Baltimore toda despenteada.
Ignoro-o, virando de costas para ele e me cobrindo novamente. Consigo ouvir o riso
maléfico de Kyle atrás de mim quando tira a coberta do meu corpo, lançando-a para longe.
— Eu odeio você — implico. — Por que a Kim fez isso comigo? Ela bem que poderia ter
me oferecido uma carona.
— Não ia querer ficar vendo a pegação dos dois a cada semáforo.
— Então, a Mia poderia ter oferecido.
— Aquela cabecinha loira é muito mais safada do que parece — refuta, se espreguiçando.
Folgado do caralho.
— Deve ser por isso que é sua amiga.
— Sou um cara muito respeitoso.
— Sim — bufo. — Com certeza.
— Por que parece irritada com isso? — pergunta, deitando-se na cama ao me ver levantar.
Para mim, isso soa como um deboche.
Por Deus, como fui me apaixonar por alguém tão irritante?
— Eu quero dormir, mas você não me deixa. Eu preciso de mais motivos do que esse?
— Pode apenas adiantar? — me ignora. — São cinco horas de viagem.
— E que horas são?
— Quase sete da manhã.
— Sete da manhã… — repito, indignada. — Me acordou às sete da manhã?
— Não tenho culpa se achou que o seu fígado era de ferro.
— Eu estava comemorando a sua vitória, não poderia ter levado isso em consideração
antes de me acordar?
— Eu levei — afirma, colocando a mão no peito para parecer solidário, fazendo o que
sabe fazer com maestria: me irritar. — Estava te esperando há meia hora.
— Você disse duas horas.
— Talvez, eu tenha exagerado. — O idiota ri da própria piadinha. — Você saberia se
respeitasse os nossos horários e estivesse na sala na hora que te falei por mensagem.
— Te odeio.
— Cinco horas de viagem, Diana — diz, me apressando. — Vou passar cinco horas
dirigindo.
Meus passos até o closet são duros, pouco me importando se isso me deixa parecendo uma
birrenta. Enfio algumas roupas que há por aqui na mochila – nenhuma minha, vale ressaltar que
isso é por conta do idiota do outro lado da parede que destruiu o meu apartamento –, me troco e
prendo o cabelo em um coque desajeitado, sem condições alguma de fazer algo além disso.
Nunca mais bebo. Ou melhor, nunca mais aceito ir para a casa da Mia às sete da manhã.
Sete. Da. Manhã. Depois de uma noite de bebedeira ainda. Puta que pariu.
Jogo a mochila em cima dele quando saio do closet e Kyle a analisa antes de colocar em
seus ombros, como se não tivesse me apressado para irmos há dois minutos.
— Aposto que está tudo amarrotado aqui dentro — ele brinca.
— Por que não para de reclamar e anda? — pergunto, abrindo a porta do quarto. — Não
era você quem estava reclamando que iria dirigir por cinco horas?
Dou ênfase no tempo para reforçar as suas palavras. Minha cabeça dói pra caralho.
— Estou vendo que serão as cinco horas mais divertidas das nossas vidas.
Gosto assim como tu faz
Quando eu me revolto, tu volta com a paz
Viciado eu volto e sempre quero mais
Quanto mais eu me solto, tu me prende mais
É bom demais
Andressa | Delacruz

Eu durmo durante a maior parte da viagem, acordando apenas quando avistamos a placa
da cidade nos desejando boas-vindas. No entanto, continuo com a cabeça recostada na janela,
ainda sonolenta demais para ter forças para irritá-lo.
— Di? — Kyle me chama, fazendo com que eu leve o meu olhar em sua direção,
percebendo que estamos parados. — Não queria te acordar de novo, mas já estamos chegando e
você não comeu nada antes de sair de casa. Vou pegar um lanche para você, ok?
Suspiro quando percebo que está preocupado, não só porque não me alimentei, mas
também em me acordar novamente. Fica difícil resistir a ele quando faz essas coisas.
— Ok — respondo, esfregando os olhos antes de ser surpreendida com um beijo rápido na
bochecha, que me deixa desconcertada.
Porém, antes que eu reaja, Kyle já fechou a porta do carro, me deixando sozinha, sorrindo
como uma idiota.
— O que fez ontem depois do jogo? — pergunto enquanto ele me entrega o sanduíche
antes de dar partida no carro e retomar o caminho.
— Por quê? — devolve, tirando a atenção do trânsito por alguns segundos, como se
analisasse o motivo da minha pergunta.
— Curiosidade. — Dou de ombros.
— Saí com os caras.
— Para onde?
Kyle me olha de relance mais uma vez.
— É algum tipo de pegadinha?
— Por que seria?
— Não sei, me diga você.
— Que chato! — reclamo, revirando os olhos. — Era apenas uma dúvida.
— Fui em uma boate nova.
— Hum…
— Hum? — repete meu resmungo em um tom indagador. — Só isso?
— É, é só isso — respondo, mas quem parece irritada sou eu.
Kyle ri, fazendo com que o meu biquinho aumente. Queria apenas irritá-lo, mas esqueço
que ele é quem me irrita. E fez isso agora com essas respostas vagas e esse deboche ridículo que
eu amo e odeio ao mesmo tempo, porque sei que está fazendo apenas por provocação. Sei que
não fez nada e se tivesse feito, não diz respeito a mim.
O problema é que ele sabe disso.
— Não fiz nada demais — diz depois de ficarmos em silêncio outra vez. — Bebi duas
cervejas e apenas isso.
— Não pedi explicações — resmungo.
Estou me sentindo uma idiota por parecer tão insegura.
— Eu quis te explicar — me corta e para no sinal vermelho. Kyle me encara e espera que
eu o faça de volta para perguntar: — É um problema?
Mordo o lábio inferior, desviando os olhos dos seus.
— Não.
— Ótimo. — Ele me analisa, rápido. — A verdade é que fiquei pensando em você a noite
toda — confessa, mas dessa vez está focado no trânsito, que voltou a andar.
Minha respiração acelera.
— Kyle?
— O que foi?
— Por que não foi para o meu quarto quando chegou?
— Eu deveria ter ido?
— Não sei.
— Precisa ser mais clara, bússola, não consigo te entender dessa forma.
— Quis dizer apenas que não teria sido uma má ideia.
— Irei lembrar disso essa noite — diz, sorrindo e estacionando o carro.
A casa da Mia é enorme, maior do que a dos Ballard. Os muros altos e beges passam uma
impressão de imponentes, mas basta passarmos pela entrada que isso se mostra apenas o que é:
impressão.
Há um jardim cobrindo todo o espaço. A porta de entrada é cheia de marcações em azul e
roxo nas laterais, imagino que sejam os tamanhos de Brandon e Mia conforme eles cresciam. E
há fotos e recordações por todo canto. É lindo.
— Quanta demora! — Kimberly reclama quando chegamos no fundo da propriedade,
onde ela e Mia estão. — Achei que não viriam mais hoje.
— Diana achou uma boa ideia não aparecer no horário que combinamos — Kyle me
acusa.
— Não combinamos nada — me defendo, revirando os olhos. — Você chegou no quarto
me dando ordens, sem nem me avisar antes.
— Você sabia que viria comigo.
— Sim, mas não sabia que iria me acordar tão cedo.
— Porque combinamos de vir cedo.
— Não combinamos, não.
— Eu te mandei umas duzentas mensagens ontem à noite, depois do jogo.
— Deve ser por isso que não vi.
Kyle bufa, irritado.
— Não me teste — diz em um tom de aviso, falando em português e me surpreendendo
por ainda conseguir pronunciar tão bem.
Ele teve interesse em aprender a minha língua materna desde o primeiro dia em que nos
conhecemos e eu dei o meu melhor para ensiná-lo da forma que aprendi. Kimberly desistiu na
primeira semana, dizendo que era mais difícil do que achava e que mal conseguia pronunciar a
palavra mãe. É por isso que ela sabia apenas palavras que se interessava, o que conta com um
total de quatro. E acho que sequer lembra de todas hoje em dia.
— Vai fazer o que sobre isso?
Ele semicerra os olhos quando me ouve responder na mesma língua. Há uma promessa
velada neles. Uma que eu faria muitas coisas para que acontecesse, mesmo que seja levá-lo ao
limite.
— Estou tentando ser o mais respeitoso possível aqui, preciso da sua cooperação.
— Não quero cooperar — decreto.
— Podem falar em uma língua que eu entenda? — Kim pergunta.
— Entenderia se desse mais atenção às minhas aulas — reclamo.
— Você era uma professora muito chata.
— E eu quem recebia recompensas — Kyle completa, ficando do lado da irmã, que faz
uma cara de nojo.
— Eu não precisava saber disso.
Mia ri, se aproximando.
— Você fala como se não tivesse quebrado a cama dele.
Kyle paralisa.
— O… o quê?
— Mia — Kimberly geme, virando-se para a amiga, que percebe que falou merda e cora,
erguendo a taça de vinho como se essa fosse a sua única desculpa. Como ela consegue estar
bebendo novamente depois de ontem? — Por Deus.
— Você. Quebrou. A. Minha. Cama?
— A culpa é do Asher!
Que, por sinal, está chegando nesse momento com Brandon. Coitado, pela expressão no
rosto de Kyle, aposto que ele seria capaz de destruir o sorriso do lutador com um soco.
— Chegaram, finalmente — Asher diz, sem ter ideia da merda que está acontecendo,
assim como eu.
— Eu diria para você não falar comigo hoje. — Kyle abre um sorriso sombrio e
ameaçador para ele. — Talvez deva se manter distante para sempre.
— E posso saber o porquê?
— Porque acabo de saber que vocês quebraram o caralho da minha cama!
— Mia… — Brandon resmunga, já assumindo que a culpa foi da namorada.
— Ótimo — Kyle resmunga e se vira para mim, a raiva ainda brilhando em seus olhos. —
Você também sabia dessa porra?
Meu cenho se franze.
— Não? Eu não estou entendendo nada. — Aponto o dedo para Asher e Kim. — Vocês…
quebraram mesmo a cama dele?
— Podemos não tocar nesse assunto? — Asher pergunta, parecendo nervoso enquanto
Kim está agindo como se nada tivesse acontecido. — Podemos conversar depois?
— É melhor não conversarmos ou irá acabar com os seus dentes quebrados — Kyle diz,
tentando manter a calma. — Eu mereço. Tudo bem. É carma. A Taylor Swift já tinha me
avisado.
Não consigo segurar o riso que me escapa e Mia me acompanha, porque é simplesmente
surreal que uma situação dessas esteja acontecendo agora. Estávamos conversando sobre o nosso
atraso e, de repente, há uma revelação de cama quebrada e um Kyle muito puto. Porém, a
diversão não dura muito, porque somos interrompidas por olhares reprovadores.
Mia e eu tentamos nos recompor.
— Pode apenas dizer onde irei dormir? — Kyle pergunta à Mia. — Esse dia já está
infernal o suficiente para mim.
— Então, Kyle… — ela diz com um sorriso diabólico no rosto. — Amo tanto você, sabe?
Ele suspira e fecha os olhos. Chego até a ficar com pena.
Mas passa rápido.
— Fala de uma vez, carrapata.
— Não temos quartos suficientes, então vocês dois terão que dividir.
— Eu deveria mesmo ter ficado em casa — resmunga.
— O quarto de vocês fica na última porta do segundo andar — Mia diz com uma risadinha
de quem está se divertindo com a minha cara.
Kyle não espera que alguém diga outra coisa e segue em direção à casa. Estou prestes a
segui-lo quando lembro do assunto anterior e olho para Kimberly, lembrando de algo importante.
— Vai me explicar essa história depois.
Ela apenas sorri, como se seu irmão não estivesse a um passo de esganar o seu namorado
sem dó, e concorda antes de eu me virar para ir atrás do estressadinho, que já está no quarto
tirando tudo da mochila quando chego.
E resmungando.
Deus, resmungando demais.
— Deveria ter ficado em casa? — imito a sua fala, fechando a porta. — O que aconteceu
com o “irei lembrar disso essa noite”?
— Não foi o que eu quis dizer, só estou um pouco irritado com a situação.
— Pareceu exatamente o que quis dizer, na verdade.
Ele suspira, passando as mãos pelo rosto como se estivesse impaciente.
— Podemos discutir isso em outro momento?
— Ótimo — concordo, jogando a camiseta que estava vestindo na cama. Aproveito para
tirar o resto da roupa da mochila e procurar o biquíni para vestir.
Noto quando seus olhos não desgrudam do meu corpo enquanto, apenas por isso, demoro
ainda mais para voltar a me vestir. Kyle analisa cada pequena parte minha, tombando a cabeça
para o lado quando me curvo levemente para frente, vestindo a calcinha do biquíni. Depois me
viro e começo outro lento processo com a parte de cima, adorando como o seu olhar queima na
minha pele.
Sorrio de costas para ele, gostando de saber que ainda sei como deixá-lo dessa maneira.
Hipnotizado.
— Já que as situações são diferentes, acho que talvez deva dormir no sofá. Ele parece
bastante confortável para você — digo, fazendo-o piscar e finalmente olhar nos meus olhos
quando caminho em direção à porta. — E é melhor pensar algumas vezes antes de descontar as
suas frustrações em mim. Não tenho culpa se as coisas não acontecem do jeito que você quer.
Saio do quarto antes de ouvir a sua resposta.
Estou irritada.
Não deveria, mas estou.
Estou, porque Kyle está me tratando como se eu fosse um cristal prestes a quebrar. E,
definitivamente, não é isso que quero. Ele parece estar tentando me dar algum tipo de espaço e
isso é a última coisa que quero dele no momento.
Me deito em uma espreguiçadeira distante dos outros, que me olham estranho por isso,
mas faço um sinal para Kim e ela entende que preciso ficar sozinha.
Suspiro fundo, fechando os olhos e tentando não pensar em nenhuma besteira. Ou em
formas de esganá-lo enquanto dorme. Tento me distrair, afinal, é o que eu queria fazer quando
aceitei a proposta daquela loira diabólica de vir para cá.
Demora um tempo até que eu perceba a sombra em cima de mim e abra os olhos, voltando
a fechá-los quando o vejo.
— Diana…
— Veio dizer que estou estragando o seu dia?
Ele suspira.
— Odeio quando tudo não sai conforme eu planejei.
— Então, talvez, seja melhor parar de planejar.
Kyle resmunga algo baixinho, que não consigo ouvir.
— Posso ficar aqui com você?
— Não tem espaço.
— Por favor.
Abro os olhos, encarando-o com seriedade antes de chamá-lo com a mão. Kyle entende o
recado e se deita em cima de mim, sem colocar o seu peso ao apoiar seu corpo com os cotovelos.
— Não quero ficar no mesmo quarto que você, porque não consigo parar de pensar em te
beijar.
Suas palavras fazem com que boa parte da minha chateação se dissipe.
— E por que ainda não fez isso?
— Você quer que eu faça? — Suas sobrancelhas se erguem, surpreso.
Dou de ombros.
— Saberia se tentasse.
— Não acha rápido demais? — pergunta, parecendo inseguro com suas palavras.
— Por que seria?
— Perdemos quatro anos da vida um do outro — argumenta. — E acho que precisamos
conversar sobre alguns assuntos antes de decidirmos o que fazer de agora em diante, não acha?
Suspiro, sabendo que ele está certo e que não posso apressar tanto as coisas. Seria errado e
poderíamos nos arrepender depois.
— Tem razão — concordo e bufo logo em seguida, segurando seu rosto com as duas
mãos. — Quando foi que você cresceu tanto? — Reviro os olhos exatos dois segundos depois
que as palavras saem da minha boca, quando vejo um sorriso malicioso se formar em seus lábios.
— Eu juro por tudo o que é sagrado que vou te ignorar pelo resto dessa viagem se fizer uma
piadinha sobre o seu pau.
Kyle finge ficar chateado com isso.
— Nem sabe se era isso mesmo o que eu faria.
— Olhe nos meus olhos e diga que não.
Ele bufa, enfiando o rosto no meu pescoço para choramingar.
— Tem razão, eu faria. — Se dá por vencido, levantando o rosto para me encarar. — Eu
quero perguntar uma coisa, mas tenho medo de te deixar chateada.
— Não vai saber se não perguntar.
— Diana. — Ele me olha com repreensão e entendo que seja lá o que quer me perguntar, é
um assunto sério.
— Entendi. — Assinto. — Pode perguntar, irei responder com sinceridade.
— Como você… — ele fecha os olhos e suspira. — Como você conseguiu lidar com o
que o meu pai fez?
Sorrio fraco, segurando suas mãos no meio das minhas e lhe mostrando que está tudo bem
conversarmos sobre aquilo abertamente.
— Eu fiz terapia por dois anos — conto, tranquila em falar sobre isso. — Logo que
chegamos no Brasil, a primeira coisa que mamãe fez foi me colocar na terapia. Foram longos
meses até que eu parasse de ter pesadelos, longos meses chorando até dormir, nos braços da
minha mãe, e até do meu tio, que me acolheu muito bem. Tio Igor deu a segurança que mamãe e
eu precisávamos e, segundo a minha terapeuta, ele foi vital para que eu não tivesse aversão ao
gênero masculino.
— Que bom. — Kyle solta uma respiração aliviada. — Fico feliz por isso, bússola.
— Seu pai destruiu uma parte minha naquela noite, Ky — decido ser ainda mais sincera.
— Maxon tirou a magia que eu achava ver no mundo e se hoje sou mais racional do que
emocional, a culpa é dele. Porém, eu também entendi que, independente do que ele fez, isso não
pode definir o que eu sou hoje. Às vezes, tenho momentos de vulnerabilidade, é verdade. Mas eu
segui a minha vida conforme consegui. Não posso deixar que ele dite os meus passos para
sempre, por algo que aconteceu anos atrás e que não foi uma escolha minha.
— Entendi. — Ele engole em seco.
— Eu fiquei com outras pessoas depois que fui embora — digo com cuidado, porque acho
que esse também é um assunto que devemos discutir. — Mas nunca te esqueci, nem por um dia.
Kyle franze as sobrancelhas e fica em silêncio por um instante, parecendo digerir a
informação. Ele torce os lábios antes de dizer:
— Eu também fiquei com outras pessoas. Me arrependo amargamente de muitas delas
porque fui impulsionado pelo meu egoísmo, na minha tentativa ridícula de te esquecer e
preencher um vazio, coisa que nunca aconteceu. — Ele me olha. — E aí entendi que eu nunca
conseguiria, porque você é minha.
— Pelo visto, prepotência continua sendo uma das suas características predominantes. —
Reviro os olhos de brincadeira, querendo descontrair o clima.
Kyle sorri, canalha.
— Diga que não, bússola.
— Não sei do que está falando.
Ele abaixa o rosto, levando a boca para perto da minha orelha.
— Diga que não é minha — sussurra.
— Vai dormir no sofá… — cantarolo, ignorando o arrepio que percorre a minha pele.
— Não pode estar falando sério! — se indigna, levantando o rosto e me encarando.
— Claro que sim, você está tentando se controlar, lembra?
— Vou me comportar direitinho, eu prometo.
— Você tem péssimos argumentos.
— Ter se vestido na minha frente foi um golpe baixo. Me desconcentrou totalmente.
— Então quer dizer que perde as palavras quando qualquer mulher se veste na sua frente?
— Só quando é a minha.
— Isso foi péssimo — reclamo, rindo. — E eu não confirmo e nem nego isso.
— Você adora as minhas cantadas.
— Elas são péssimas.
Kyle revira os olhos.
— Você continua chata como quando éramos crianças.
— E você continua insuportável.
Ele coloca uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Éramos felizes — diz baixinho.
— Éramos completos — respondo.
E, quem sabe, um dia a gente volte a ser, penso.
E eu desistiria da eternidade para te tocar
Porque eu sei que de alguma forma você me entende
Você é o mais próximo que estarei do paraíso
E eu não quero ir para casa agora
Iris | The Goo Goo Dolls

É impossível que uma casa desse tamanho tenha apenas três quartos.
Mia é uma mentirosa do caralho, mas confesso que me fez um favor enorme ao colocar
Diana e eu no mesmo quarto, embora ainda pareça tortura, principalmente porque ela não parece
querer cooperar nem um pouco comigo.
Não é como se eu fosse um santo. Não sou. Eu a quero, ela sabe e corresponde.
No entanto, dessa vez, precisamos ir com calma. Não temos mais dezesseis anos e
corações intactos. Agora temos uma coleção de traumas e muito medo de arriscar novamente
sem expor as nossas intenções e os reais sentimentos.
Não quero ultrapassar nenhum tipo de limite que aquele merda causou nela, muito menos
deixá-la desconfortável. Na realidade, nem mesmo sei se dormiu comigo essa noite porque
estava vulnerável ou porque estamos avançando nessa nossa nova “relação”.
— Amarra para mim? — pede a diaba, já de costas para mim e segurando o cabelo.
Meus dedos tocam as tiras finas das costas do vestido, entrelaçando-as com cuidado e
admirando a forma como o tecido rosa fica nela. É um vestido que vai até o meio das suas coxas
e que aperta o seu busto devido à amarração que me parece muito complicada, mas que, de
algum jeito, consegue moldar bem a curva dos seus seios.
Porra de tentação.
— Você ainda será o motivo da minha morte — resmungo para mim mesmo, porém não
me importando nem um pouco com o fato de que ela escuta.
— É apenas um vestido.
— Que você está fazendo parecer uma tormenta.
— Qual o problema dele? — ela pisca teatralmente, fingindo inocência.
Amarro o laço com força sabendo que seu corpo se erguerá para trás, encontrando-se
diretamente com o meu. Diana geme com o puxão exagerado e não deixa de me encarar através
do espelho.
— Não aja como se não soubesse quanta atenção irá chamar com ele.
— Isso é um problema?
— Seria se eu não soubesse o quanto me pertence.
— Sou sua agora?
— Algum dia deixou de ser?
Diana morde o lábio para esconder o sorriso.
— Você é um canalha.
— E você adora me ouvir dizer que me pertence.
Ela dá de ombros, sem desviar os olhos do meu reflexo.
Eu disse. Ela é o meu carma.
— Nunca disse o contrário.
Abraço sua cintura, deixando com que meu rosto se encaixe na curva do seu pescoço.
— Você está linda — elogio, beijando a sua pele.
— E você não está de se jogar fora — brinca, rindo quando eu deixo uma mordida em seu
ombro. — Está lindo, minha bússola.
Sairemos para jantar em um dos restaurantes favoritos de Brandon. Segundo ele, é onde
há a melhor massa que já experimentou, mas Mia o desmentiu, dizendo que, na verdade, é o
único lugar da cidade que aquele fresco do caralho gosta da torta de maracujá.
Já estamos atrasados na verdade.
— Quando voltarmos para casa, vou te levar a um lugar.
— Que tipo de lugar? — indaga, girando sobre os calcanhares para ficar de frente para
mim.
— Não faça perguntas, apenas obedeça.
Diana torce os lábios enquanto finge ajeitar algo na minha gola. Seu olhar sobe para o
meu com uma inocência fingida, uma expressão que adorava usar para pedir o que eu lhe dava de
bom grado.
— Senti falta do seu lado mandão.
— Senti falta de você por inteira.

— Meu irmão vem me buscar na segunda-feira — Mia diz pela milésima vez. — Estou
ansiosa, nunca fui à Disney.
— Meu irmão — resmungo com a voz fininha, imitando-a e revirando os olhos antes de
enfiar uma porção de batatas na boca.
Paro de mastigar quando a atenção de todos se volta para mim e percebo que falei alto
demais. Reviro os olhos quando eles continuam em silêncio, apenas me assistindo.
Não tenho nada contra o cara.
Exceto o fato de que, desde que chegou na vida da loirinha, ele é a única coisa que ela
fala.
Ok. Talvez seja exagero da minha parte colocar as coisas dessa forma, porque eles
passaram muito tempo longe um do outro e, tecnicamente, ainda estão se conhecendo, e eu não
deveria reclamar disso.
— O que foi? — Mia pergunta com um biquinho fofo nos lábios.
— Seu irmão é um chato — resmungo.
Brandon e Asher riem.
— O que foi? — retruco.
— Não acredito que está com ciúmes da Mia — Asher provoca, sorrindo. — Cara, precisa
entender que não pode ter as nossas garotas apenas para você.
— Não tenho ciúmes da carrapata — respondo, embora tenha sim. Connor tem pegado
todo o tempo livre do meu bebê e não sobra nada para mim. — Só acho que ela não tem mais
tempo para nós agora.
— Péssimo mentiroso — Kimberly diz, mastigando seu hambúrguer.
— Não se preocupe, Ky — a loira diz, apertando meu ombro como se eu fosse uma
criança que precisa de consolo. — Quando eu voltar da minha viagem com o meu irmão,
podemos passar um tempo juntos se prometer roubar mais brigadeiro para mim.
Suspiro, lançando-lhe um olhar de aviso.
— Boquinha grande a sua, não acha?
— Não podia apenas pedir ao invés de sair roubando assim? — a diaba começa a reclamar
no meu ouvido. — Eu não teria recusado, sabe? Só não queria ter ficado maluca achando que
tinha algum stalker atrás de mim roubando meus doces.
— Foi apenas uma vez.
— Aposto que não — Asher incita, sabendo que é verdade, não foi apenas uma vez.
Reviro os olhos e o encaro.
— Lembra de quando eu disse para você não falar mais comigo?
Sinto seu chute na minha canela por baixo da mesa e devolvo, mas acabo não calculando
muito bem e é Brandon que geme, me devolvendo duas vezes mais forte.
— Filho da puta!
— Você me acertou primeiro — B se defende e isso faz com que uma confusão comece
quando ele chuta novamente, acertando Diana dessa vez, que devolve um chute em Kim.
Tudo se torna caótico quando começamos a chutar um ao outro aleatoriamente, fazendo
com que as nossas gargalhadas soem altas demais para um ambiente tão sofisticado.
— Shhh!!! — a gerente do lugar reclama, nos fazendo parar subitamente.
Mas apenas para voltarmos a rir baixinho no segundo seguinte.
Coloco meu braço atrás do pescoço de Diana e me aproximo do seu ouvido para que me
ouça melhor quando a conversa paralela volta ao grupo.
— O que está achando da sua nova família?
Ela me olha e sorri.
Não apenas com a boca, mas com os olhos.
É um sorriso genuíno e tão radiante que me leva a sorrir junto.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Um dia, você me prometeu uma família grande e barulhenta. E agora me deu isso.
Meu peito treme em um riso fraco e beijo a sua bochecha com força o suficiente para
ouvi-la resmungar.
— Isso aqui não é nada perto de tudo o que ainda farei por você, minha bússola —
prometo.
O eu te amo para no meio da garganta.
Diana sabe.
Eu sei que sabe.
Tenho certeza disso quando ela assente, ainda sorrindo e me encarando.
E eu torço, internamente, para que isso signifique um “eu também”.
Mas talvez você não entenda
Essa coisa de fazer o mundo acreditar
Que meu amor não será passageiro
Te amarei de janeiro a janeiro
Até o mundo acabar
De Janeiro a Janeiro | Roberta Campos

cinco anos atrás


itskyleballard: desce.
itsdianabarker: ???
isso é uma ordem?
itskyleballard: sim.
itsdianabarker: então fique aí esperando.
Ele me envia um emoji revirando os olhos.
itskyleballard: é brincadeira, minha bússola
pode descer, por favor?
quero te levar a um lugar.
itsdianabarker: que lugar?
itskyleballard: passou da meia-noite.
esqueceu que dia é hoje?
você irá saber quando chegarmos.
itsdianabarker: como vou saber o que vestir?
itskyleballard: algo simples.
o que está vestindo agora?
itsdianabarker: pijama.
mas me troco em cinco minutos se disser para onde estamos indo.
itskyleballard: você fica linda de qualquer maneira.
veste qualquer coisa e desce antes
que eu vá te buscar aí em cima.
É a minha vez de enviar um emoji, só que mostrando o dedo do meio, algo que estou
muito a fim de fazer na frente dele agora por me deixar curiosa.
Visto uma das camisetas de algodão dele que, vez ou outra, roubo do seu quarto e coloco
uma saia jeans por cima, sabendo que, a essa hora da madrugada, Kyle não me levaria para
nenhum lugar pomposo ou algo do tipo. Então, seja lá onde for, estou apropriada.
— Já estava preocupado achando que tinha se perdido naquele mar de roupas do seu
closet. — Ele levanta do sofá assim que entro na sala.
Coloco as mãos na cintura, indignada.
— Para a sua informação, entre nós dois, quem gasta milhares de dólares em roupas aqui,
é você. — Aponto o dedo para ele. — E você não quis facilitar me dizendo o lugar, não sabia o
que vestir.
— Surpresa — ele resmunga, pegando as chaves do seu carro no aparador. — Sabe o
significado dessa palavra?
— Sim. — Eu o sigo em direção à garagem. — Vai ser o que você vai receber se tiver me
tirado do meu precioso sono para nada.
Kyle me dá um selinho, sorrindo, mas não parece ter nenhuma intenção de me contar para
onde iremos. Ele segura a minha mão e praticamente me arrasta para fora, indo até a sua
caminhonete.

— Que lugar é esse?


Estamos em um grande estacionamento aberto, as estrelas brilham sobre nós, fazendo
New Haven parecer ainda mais encantadora.
O lugar está completamente vazio e percebo, pelo retrovisor, que atrás de onde ele
estacionou, há um grande telão no alto de uma estrutura exibindo a abertura antiga da Disney.
Percebo que a reprodução está pausada e olho para Kyle com as sobrancelhas franzidas.
— É o nosso lugar. Por essa noite, esse é o nosso lugar seguro.
Mordo um sorriso quando ele se inclina e beija a minha bochecha rapidamente antes de
sair da caminhonete. Eu o sigo, quase saltitando de felicidade ao entender que ele se preocupou
em criar um momento importante para nós dois.
— Feliz seis meses de namoro, minha bússola — desejo após dar a volta no veículo.
Enlaço seus ombros antes de lhe dar um selinho, olhando-o como se ele fosse o meu
mundo. Porque ele é.
— Feliz seis meses de uma vida inteira, minha bússola.
Meu sorriso quase rasga o meu rosto enquanto o observo tirar um cobertor grosso da parte
de trás da caminhonete, revelando algumas almofadas e uma cesta de piquenique abarrotada de
coisas.
Meu sonho secreto de princesa está acontecendo nesse exato momento, por favor, não me
acordem.
— Quando fez tudo isso?
— Bem, na verdade… — Ele cora e coça o pescoço, claramente nervoso. — Vai ficar
chateada se eu disser que foi a Kim quem organizou tudo isso?
Ky sobe na caçamba, tirando os tênis, e estica a mão, me ajudando a fazer o mesmo. Ele
se senta escorado nas almofadas e me puxa para sentar entre as suas pernas.
— Por que eu ficaria? — pergunto, rindo enquanto fujo dos seus beijos no meu pescoço, e
ele dá de ombros. — Eu amei, lindo.
— Tudo por você — ele sussurra no meu ouvido.
— Que filme vamos assistir? — pergunto, puxando a colcha sobre nós e me acomodando
contra o seu peito.
— O seu preferido, obviamente.
— Lilo & Stitch? — quase grito. — Você até merece um beijo por isso.
Me viro parcialmente e grudo nossos lábios. Kyle enfia as mãos em meus cachos e toma a
minha boca na sua com fervor, me fazendo gemer baixinho. Ele grunhe quando me movo entre
as suas pernas, separando nossas bocas.
— Vamos parar por aqui ou não vai ter filme — murmura, me colocando sentada entre as
suas pernas e eu seguro a risada ao ver a sua expressão de descontentamento.
O filme logo começa e Kyle me mantém por perto o tempo inteiro, beijando a minha
têmpora vez ou outra e o carinho suave que faz em meus braços nunca cessa. Nós conversamos e
debatemos algumas cenas, rindo e chorando em outras.
Me sinto leve e feliz.
Me sinto amada.
Quando o filme está quase acabando, eu suspiro.
— Um dia, quero ter uma dessas — digo de repente, apontando para o telão à nossa
frente.
— O quê? Um alienígena disposto a matar todos os humanos? — pergunta, confuso, me
fazendo rir.
— Não, idiota. — Reviro os olhos, mas logo repenso. — Bem, isso seria legal.
Eu rio.
— Não estou entendendo. O que você quer?
— Uma família. Uma família bem grande e barulhenta.
— Quer acordar antes do sol nascer para ouvir choro de neném ou nem mesmo dormir?
Eu rio, enfiando pipoca em sua boca.
— E dois goldens cheios de energia — completo, ouvindo seu riso abafado quando enfio
mais pipoca em sua boca.
— Eu vou te dar uma — promete, ainda de boca cheia. — Um dia.
— O quê?
— Uma família bem grande e barulhenta.
Essa sou eu rezando para que
Essa seja a primeira página
Não onde a história termina
Meus pensamentos ecoarão o seu nome
enchanted | Taylor Swift

— Odeio quando não me conta o destino — ela resmunga pela milésima vez ao meu lado.
— É irritante.
— Estamos perto — respondo, também pela milésima vez. — Eu juro.
Diana bufa, mas se aquieta pela primeira vez em quase quarenta minutos.
Ela aumenta o volume da música e relaxa contra o banco, observando a paisagem correr
do lado de fora.
Estou nervoso.
Diana foi a única garota que me esforcei para realmente agradar. Ela foi a minha primeira
e única namorada, além de ser a dona do meu primeiro beijo, da minha primeira vez, do meu
primeiro encontro e do meu coração.
No entanto, saber disso não ameniza o fato de que estou nervoso em levá-la para o mesmo
lugar onde foi o nosso primeiro encontro, aos catorze anos. E isso acaba tornando tudo ainda
mais especial.
Preparei um momento tranquilo para nós porque, na última semana, desde que voltamos,
não conseguimos nenhum momento a sós devido à semana de provas da faculdade e ao seu
estágio.
Além disso, a última semana do torneio precisou ser adiada por problemas técnicos e irá
acontecer daqui a cinco dias, no sábado. E isso tem me deixado ansioso, junto ao fato de que
mamãe segue sem nos dar atualizações sobre Maxon. Esse silêncio tem me deixado sem dormir
direito e, por isso, achei melhor nos afastar, por ao menos uma noite, da loucura que tem sido a
nossa rotina.
Contudo, precisei pensar muito antes de decidir o destino do nosso encontro. Sei que
provavelmente Diana nunca mais colocaria os pés de volta na casa onde crescemos e, sendo
sincero, eu também não tenho mais vontade de voltar lá, sabendo agora de tudo o que aconteceu.
Mesmo assim, eu gostaria de levá-la a algum lugar que nos trouxesse memórias boas. Por isso,
estamos a caminho de Madison[14] nesse momento.
Rumo à nossa casa na árvore.
Rumo ao lugar do nosso primeiro beijo, da nossa primeira briga e reconciliação, rumo ao
lugar onde tudo começou entre nós dois.
Estaciono em frente à propriedade e assim que tiro a chave da ignição, viro o rosto para
Diana, observando o seu olhar emocionado em direção à casa. É lindo. Sua expressão me diz o
quão emocionada está e o sorriso que me oferece aquece o meu coração com a certeza de que
acertei na escolha do lugar.
Saio do veículo, dando a volta nele e abrindo a sua porta, entrelaçando nossos dedos
quando a levo para dentro de casa, com Diana ainda em silêncio enquanto admira o caminho até
os fundos, onde fica a casa na árvore que mamãe projetou quando eu ainda era um bebê.
— Vamos subir — convido-a, ainda segurando a sua mão para que ela vá na frente.
Diana hesita por um segundo ao olhar para as escadas.
Admiro-a enquanto o seu olhar se volta para mim, notando o quanto eles parecem mais
brilhantes nessa noite, a forma com que seu cabelo, mesmo preso, se move em direção à brisa
noturna e o modo como faz meu coração disparar… Deus, eu poderia passar a vida inteira apenas
a olhando.
— Se eu cair, você me segura?
— Nunca te deixaria cair.
— Confio em você. — Mesmo de salto, ela fica na ponta dos pés e beija a minha
bochecha.
Subo alguns degraus, testando se a escada ainda é segura e firme, e quando vejo que sim,
pulo de volta para o chão. Diana começa a subir e não evito olhar para a sua bunda. Ela me
encara sobre os ombros ao sentir meu olhar e me dá um sorriso divertido, rebolando o quadril
nos últimos degraus.
Bufo pela provocação e subo em seguida, encontrando-a parada no meio do espaço,
admirando todos os detalhes que preparei especialmente para nós.
A pequena casa da árvore foi reformada no ano passado. Mamãe não mudou muita coisa,
deixando o lugar como antes, apenas reforçando a estrutura e dando um pouco de modernidade.
Há pequenas luzes adornando a janela de vidro e almofadas por todo lado para dar a
sensação de conforto. Também tem algumas velas aromáticas de morango, que lembro que
Diana adorava no passado, e uma colcha estendida sobre o chão. Os aperitivos que preparei estão
em uma pequena mesa de canto, próximo ao frigobar que também há aqui.
— Eu acho que ainda te odeio — ela diz com um falso pesar.
— Por quê?
— Eu te odeio porque você me faz sentir a sua falta a cada maldito segundo. Eu te odeio
porque você não sai da minha cabeça. Eu te odeio porque não quero que você saia da minha
cabeça. E porque, às vezes, ainda penso que você é meu.
Diana se vira em minha direção, abraçando a minha cintura e colocando a mão livre em
meu rosto, acariciando-o. Levo minhas mãos até a sua cintura, trazendo-a para ainda mais perto
de mim, se é que isso é possível.
— Eu sou seu — sopro para ela como se fosse uma confissão. — Nunca deixei de ser.
Nem quando estava fingindo te odiar. Nem quando ficamos longe. Eu sou seu. E de mais
ninguém.
Ela pisca, os olhos me encarando com lágrimas não derramadas.
— Eu te amo — continuo dizendo o que tem estado preso em minha garganta desde a sua
volta, ainda que ela saiba. — Eu nunca deixei de te amar. Não houve um dia sequer que eu não
tenha pensado em você. Eu te amo até quando te odeio. E não quero que as nossas conversas mal
resolvidas atrapalhem o futuro que podemos ter. Você é a minha bússola, meu rumo, minha
estrela-guia. E eu preciso que esteja comigo. Preciso que seja minha.
— Eu sempre fui — ela diz, sua palma contornando meu rosto enquanto seus olhos não
desviam dos meus. — Eu sempre fui sua, Kyle. Nunca deixei ou deixarei de ser. Eu amo você,
minha bússola. E sou feliz em saber que não importa para onde o vento me leve, você sempre me
guiará para um lugar feliz.
— E qual seria?
— Meu lugar feliz é você.
Seu sorriso radiante é a última coisa que vejo antes da sua boca se chocar contra a minha.
É o topo do mundo.
É perfeito. Diana é perfeita.
Cada instante com ela é único.
Sua mão agarra a minha nuca quando minha língua pede passagem pela linha dos seus
lábios e prontamente ela me dá. Tropeçamos cegamente até a parede mais próxima e a cada
passo que damos é como se estivéssemos caindo, mas não nos importamos com a queda.
Ela é minha.
Eu sempre fui dela.
Mesmo quando fingimos. Mesmo quando não deveríamos.
Eu sempre fui dela.
Quero que a minha bússola entenda isso. Que mesmo que o nosso passado não seja a
nosso favor, eu estou aqui e sempre estarei. Por ela. Por nós.
Impaciente para tê-la, seguro suas pernas e a ergo, fazendo com que seu vestido verde
suba até a sua cintura enquanto ela circula as pernas ao meu redor. Sua mão bagunça meu cabelo
ao passo que caminho sem enxergar nada até a cama improvisada, nunca soltando seus lábios.
Um gemido sai da sua boca quando ela se esfrega na minha ereção, sentindo-a se prender ainda
mais em meu corpo.
— Di…, linda — arfo.
Ela não me responde, apenas continua se esfregando enquanto a coloco com cuidado
sobre a colcha, ajoelhando-me entre as suas pernas, puxando a minha camiseta e observando-a
lamber os lábios ao encarar o meu peitoral desnudo. Suas íris irradiam luxúria e necessidade, e
meu pau endurece ainda mais com a imagem das suas pupilas dilatadas e seus lábios
entreabertos.
Me inclino, tomando seus lábios novamente nos meus e sentindo suas unhas se arrastando
pelas minhas costas, deixando-as marcadas e um novo sorriso toma conta do seu rosto.
Minha mão se apoia ao lado da sua cabeça para segurar o meu peso enquanto ela se
deleita com nosso beijo. Aproveito para puxar o seu vestido para baixo, embolando o tecido na
sua cintura, mas finalmente tenho livre acesso aos seus seios e nem mesmo penso duas vezes
antes de abaixar o meu corpo, distribuindo pequenos beijos e mordidas até chegar nos mamilos,
onde me aproximo, colocando um deles na boca.
Uma das minhas mãos desce até a sua calcinha, afastando-a para o lado e molhando meus
dedos com a sua excitação antes de circular o seu clitóris e observá-la jogar a cabeça para trás,
arqueando-se enquanto minha língua chupa, morde e marca o seu seio.
— Você é tão perfeita — murmuro. — Tão linda e tão minha, Diana.
Em um movimento rápido, deslizo um dedo dentro dela, observando-a se contorcer
debaixo de mim e montá-lo com uma necessidade que faz com que um sorriso convencido cresça
em meu rosto. Meu dedo continua trabalhando em sua entrada e meu polegar escorrega para o
seu clitóris.
O som que ela faz enquanto é fodida pela minha mão é a minha sinfonia favorita.
Quando a sinto prestes a gozar, desacelero meus movimentos, escutando seu lamento e
me afasto, depositando vários beijos em sua barriga e suas pernas. Coloco sua perna direita em
meu ombro antes de me abaixar e arrastar minha língua por toda a extensão da sua boceta,
ouvindo Diana gritar, agarrando meus cabelos e rebolando contra meu rosto.
— Deus, Kyle... p-or favor — gagueja, arqueando as costas.
Sorrio maleficamente antes de dar mais uma longa lambida e ela abre ainda mais as
pernas para mim, me dando mais acesso e aprecio seus gritos a cada vez que minha língua brinca
com seu ponto sensível. Gemendo contra a sua boceta, adiciono dois dedos enquanto a fodo,
intercalando minhas lambidas com as penetradas rápidas. Assopro seu clitóris, mordendo-o de
leve e voltando a chupá-la até que seu abdômen enrijece e ela goza em meus lábios, gritando
pelo meu nome, enquanto admiro seus espasmos involuntários.
— Você é incrível pra caralho, amor — murmuro.
Surpreendendo-me, ela me puxa selando nossos lábios em um beijo urgente e eu me
sento, trazendo-a para o meu colo e me deleitando com a sensação da sua língua dançando contra
a minha. Minhas mãos seguram a barra do seu vestido, tirando-o e ela desce o zíper da minha
calça, segurando meu pau e bombeando-o lentamente. Mordo seu ombro quando suas investidas
se tornam rápidas e, sabendo que não conseguirei durar por muito tempo, me afasto dela,
pegando a carteira no bolso da minha calça e retirando um preservativo de lá.
Tiro o restante da minha roupa, rasgo a embalagem com pressa e arrasto o látex pelo meu
comprimento antes de observar o olhar ansioso da minha garota e puxá-la novamente para o meu
colo. A diaba sorri quando mordo o seu mamilo eriçado ao mesmo tempo que puxo a sua
calcinha para o lado de novo, sentindo-a se sentar em meu pau, gritando de prazer.
Por Deus.
Diana é pura perfeição.
É meu sonho.
Minha bússola.
Meu tudo.
Beijo o caminho entre o seu pescoço e seus seios enquanto seus gemidos vêm
acompanhados de pequenos gritos quando empurro com força dentro dela, espalmando minha
mão na sua bunda e ela cavalga em mim com destreza. Suas mãos espalmam o meu peito, suas
unhas arranham a minha pele e me abaixo quando seu seio se alinha na frente do meu rosto.
— Kyle... Mais rápido. — Pegando seu pescoço e o aproximando do meu rosto, eu sorrio.
— P-por favor.
— Você quer mais, minha bússola? — Mordo seu mamilo, fazendo-a se arquear e me
dando mais acesso em sua boceta. — Você é tão minha, porra.
Dando um tapa em sua bunda, troco as nossas posições, deitando-a de costas na colcha e
cobrindo o seu corpo com o meu, antes de voltar a me enterrar dentro dela. Suas pernas circulam
a minha cintura e suas mãos puxam meu rosto, tomando meus lábios nos seus em um beijo
desleixado e quente.
Sua língua dança contra a minha.
Nós somos perfeitos.
Ela e eu.
Sorrio, tirando meu pau e esfregando-o em sua boceta para cima e para baixo, escutando
as suas súplicas. Com um impulso, estou dentro dela outra vez, empurrando com força e levando
minha mão até a sua, entrelaçando-as acima da sua cabeça enquanto estoco, sentindo meu pau
mover para dentro e para fora.
Me abaixo, depositando um beijo em seu pescoço antes de deixar uma marca arroxeada
em sua pele e morder de leve o seu queixo, voltando a beijá-la no mesmo instante que empurro
dentro dela, mostrando que somos um do outro.
— Kyle, merda! — ela grita, forçando-se contra mim. — Isso é tão bom.
— Eu sei, amor. — Sorrio contra a sua pele. — Nós somos incríveis juntos.
Diana fecha os olhos, joga a cabeça para trás e morde os lábios. Um sorriso toma conta
dos meus lábios e ergo uma das suas pernas, trazendo-a para o meu ombro e indo bem mais
fundo dentro dela. Ela se arqueia, tirando as suas costas da cama e gritando o meu nome de uma
forma que eu perco o controle e entro nela com força, fazendo-a gritar a plenos pulmões.
Apertada, molhada e gostosa pra caralho.
Ela é linda.
Incrível.
Minha respiração fica mais acelerada quando, mais uma vez, acelero meus movimentos e
nossas vozes inundam o lugar com sons obscenos. Eu não consigo me controlar mais, a cada vez
que entro e saio dela, é como provar o paraíso, é saber que o mundo poderia explodir e eu estaria
pouco me fodendo, porque eu a tenho de volta.
Eu tenho a minha bússola.
A mulher que eu amo.
— Eu estou tão perto, Ky…
Mordo meu lábio quando percebo seus seios balançarem a cada vez que empurro dentro
dela e tenho vontade de me abaixar para chupá-los outra vez, mas me limito apenas a contemplar
como ela é perfeita e como o gemido alto que salta dos seus lábios me faz lembrar o quanto esse
sempre foi um dos meus sons favoritos. Como posso passar tempo o suficiente aqui e ainda
acharia pouco.
— Você é tão boa, amor. — Diminuo o movimento por um instante apenas para observá-
la me levar mais fundo, mas logo volto a socar com força. — Tão minha.
— Kyle...
— Sim, porra! — rosno, apertando sua coxa com força.
— Eu estou perto, amor, tão perto — grita.
Tento desacelerar, porém as paredes internas da sua boceta se apertando ao meu redor,
tornam impossível eu me segurar por mais tempo. Os nossos gemidos tomam conta da pequena
casa e, sem conseguir me controlar mais, afundo contra ela uma última vez, me deleitando com a
sensação. Então, a minha respiração trêmula faz com que eu sinta um tsunami de prazer ao
mesmo tempo que nossos nomes saltam dos nossos lábios.
Ainda em cima dela, encosto minha testa na sua, sentindo-me ofegante, mas completo.
Assim que olho para ela, sorrio.
Diana é linda e mesmo com os olhos fechados, respiração ofegante e feições cansadas,
continua sendo a coisa mais deslumbrante em toda face da Terra.
— Eu te amo, minha bússola.
Ela abre os olhos.
Desejo, admiração e amor estão ali.
Tudo o que sempre sonhei.
Não estamos mais fingindo nos odiar.
Estamos jogando um novo jogo agora.
Aquele que não há fingimentos, omissões ou mentiras.
Estamos admitindo o que realmente sentimos e sempre sentiremos um pelo outro.
O mais puro, genuíno e indestrutível amor.
— Eu te amo mais, Ky.
Verdades
Difíceis de lidar são as que doem mais
Eu vi
Prioridades que viraram tanto faz
20 ligações | Baco Exu do Blues

— Filho — ele diz como se esse fosse o seu cumprimento de sempre.


Eu sinto nojo dele.
Nojo de mim por ser filho de um homem como ele.
Nojo de homens doentes como ele.
É estranho perceber que o homem que me colocou no mundo nunca foi o meu pai.
Pais de verdade não fazem o que ele fez.
Homens de verdade não fazem o que ele fez.
Humanos de verdade não fazem o que ele fez.
É como se toda a minha vida estivesse rolando em um looping infinito e esclarecedor na
minha cabeça.
Não foi ele quem me ensinou a ser gentil ou a respeitar o corpo das outras pessoas.
Não foi ele quem estava nas festinhas escolares.
Não foi ele quem se emocionou na minha formatura.
Não foi ele quem me ensinou a amar o basquete.
Foi ela.
Minha mãe sempre assumiu o papel de educadora na minha vida. E perceber isso só
quando estou olhando para o maldito monstro responsável por te colocar no mundo, é horrível. É
horrível, pois saber que Maxon é um maldito estuprador me faz ter nojo de mim mesmo.
E eu sei que não deveria ser assim, porque embora ele seja meu genitor, não sou como ele.
Não sou as suas atitudes.
Não sou o futuro que ele traçou para mim.
Não sou seu sucessor.
Nunca fiz nada do que ele desejava: minhas notas sempre foram medianas, brigava por
qualquer besteira, fazia muita merda e sempre fui péssimo em tudo o que ele gostava. Ele tentou
me transformar em uma cópia fiel dele, mas falhou em cada detalhe. E isso me alivia.
Eu gostaria de nunca mais poder olhar para ele, porque ao vê-lo, lembro dos últimos
quatro anos que passei odiando o amor da minha vida, achando que fui abandonado sem motivos
quando, na verdade, ele era o motivo de tudo.
Ele estava por trás de tudo isso e não fez nada para impedir enquanto eu definhava. Sequer
disse que ficaria tudo bem. Tudo o que ele fez foi comparar Diana à minha mãe e dizer o quanto
as mulheres são traiçoeiras, o quanto são manipuladores e egoístas. Ele me fez machucar a minha
irmã.
E enquanto eu estava me afundando em um lamaçal profundo sobre o quão abandonável e
miserável me tornei, a minha mulher estava sofrendo calada em algum lugar do mundo.
Tendo que assinar um acordo que a impedia de falar sobre o que a machucou
profundamente.
Tendo os seus direitos negados.
Sendo silenciada.
Vendo o homem que tentou abusar dela cada dia mais subir e vencer na vida.
E me sinto tolo porque se não tivesse achado aquele documento ou ouvido da boca dela
aquela merda, eu jamais teria sequer cogitado essa possibilidade.
Porque é doentio para caralho pensar que ele tentou abusar de uma garota que tem quase a
mesma idade da sua filha. Uma garota que, na época, era menor de idade. Uma garota que ele
sabe que não teria voz se fosse a público.
É doentio, sádico e problemático em tantos níveis que me questiono como.
Como não consegui notar todos os sinais antes?
Há semanas, tenho passado em minha mente, como um filme, todos os momentos em que
nós três estivemos juntos no mesmo ambiente. Tento me lembrar de alguma coisa. Algum olhar
que ele tenha dado a ela, algum toque desconfortável. Tento lembrar se não me distrai em algum
momento e não vi a maldade que emanava dele.
E fico pensando.
Às vezes, não durmo.
Evito ficar perto de Diana quando essas noites acontecem porque não quero que se sinta
culpada ou chateada por me ver dessa forma. Não quero magoá-la porque o meu humor costuma
ficar sombrio, pensando se eu não poderia ter evitado aquilo. Eu sei que poderia.
Eu deveria tê-la chamado para dormir no meu quarto naquele dia. Ou, talvez, nem
devêssemos ter saído daquela festa.
No entanto, também me lembro de que ele é um doente. De que poderia ter tentado e até
mesmo conseguido ir ao fim em outra situação ou circunstância.
— Eu já sei o que você fez.
Maxon suspira, nem um pouco chocado, e revira os olhos.
— Eu deveria adivinhar que abriria a caixa.
— Vai se arrepender, Maxon.
É o que sai da minha boca.
É tudo o que consigo dizer.
Porque o que tenho vontade de fazer com as minhas próprias mãos me colocaria no
mesmo lugar que ele está. Talvez em um pior.
— É mesmo? — ele ironiza. — E quem irá garantir isso? A vadia da sua mãe?
É preciso de toda a força que há em mim para não perder o controle.
— Você pode sentar aí, Maxon, e fingir que nada te abala, que é invencível — digo baixo,
minha voz soando ameaçadora e surpreendendo até mesmo a mim. — Mas nós sabemos que ser
preso por fraude não é nada comparado a todas as acusações de assédio, tentativa e abuso sexual
que encontrei naquela caixa. Você era bom, Maxon, sabe que a lei pode ser demorada, mas os
detentos não agem igual com o seu tipo de crime, não é?
Maxon continua parado, com a mesma expressão severa e fria que tentou me ensinar a ter.
Ele errou apenas em ter me ensinado muito bem, pois consigo ouvir a sua respiração
pesada através da linha. Consigo notar quando engole em seco, em um movimento quase
imperceptível. Vejo quando seus olhos vão de frígidos à preocupados.
— Não há nenhuma denúncia contra mim — continua fingindo.
— Ainda.
— Não haverá nada contra mim.
— E o que irá fazer para impedir?
— O que te garante que não tenho quem faça o que tem que ser feito?
— Isso é uma ameaça?
— Filho — ele ironiza novamente, ostentando o tom na vogal para prolongar o momento.
— Eu sou homem. E, diferente de você, um homem que pensa. Olhe só para nós dois. Eu tinha
New Haven aos meus pés e, para isso, precisei apenas oferecer um drink à sua mãe. A propósito,
foi assim que te concebi, sabia?
É a minha vez de ficar sem palavras.
Porque eu assimilo.
As expressões de mamãe quando Kim perguntou se ele havia a abusado.
A forma como ela tentou proteger as meninas a todo custo.
O jeito que ele fala sobre a bebida.
E, Deus, tudo isso parece nojento demais.
Estupro.
É isso.
Eu não preciso que ele fale mais nada para entender o que está dizendo.
Não preciso dos meus livros didáticos ou qualquer outra merda para saber que se alguém
não está consciente para dar o seu consentimento ou simplesmente diz não, não é sexo
consentido. É estupro.
Se um dos lados não deseja o ato, é estupro.
Se um dos lados diz não, é estupro.
Se um dos lados está minimamente bêbado, que seja, é estupro.
Se está dormindo, é estupro.
Se quiser parar no meio e não for ouvida, é estupro.
Minha mãe me ensinou a importância de ouvir e respeitar um não muito antes de eu beijar
na boca.
Eu não entendia.
Loren encheu as minhas gavetas e até a minha carteira de camisinhas quando fiz treze
anos.
Eu não entendia.
Ela vivia falando sobre sexo e o quanto é necessário que seja bom e prazeroso para ambos
os lados.
Eu não entendia.
Eu achava embaraçoso. Vergonhoso, até.
Hoje eu entendo.
E quando digo hoje, quero dizer nesse momento. Agora.
Enquanto encaro o homem que, por muitos anos, foi o meu herói, dizer — mesmo que nas
entrelinhas —, que sou fruto de um estupro.
Que sou fruto da dor da mulher que mais amo nessa vida.
E sinto ainda mais nojo de mim.
Eu nasci de uma dor, tanto física quanto psicológica. De uma vergonha desumana. De
uma humilhação que não se pode mensurar. Nasci de um momento completamente vulnerável de
uma mulher boa e de uma escolha totalmente consciente de um homem ruim.
E isso faz com que o que ele fez com a minha mãe, com a Diana, com as outras mulheres
que assinaram aquele contrato e até mesmo as que não o fizeram, se torne ainda mais excruciante
para mim.
Porque não é justo que alguém como Maxon seja considerado um homem de caráter
honrado.
Não é justo que ele tenha privilégios.
Não é justo que continue vivo quando machucou tantas pessoas.
Quando não demonstra estar arrependido do mal que fez a alguém.
Porra!
Simplesmente não é justo.
— Você vai pagar, Maxon — digo, minha voz soando sombria. — Pode tentar se blindar
agora. Pode tentar me atingir com palavras. Mas vai pagar caro por tudo o que fez. Isso é uma
promessa e irei garantir que aconteça o mais rápido possível.
Ele rebate com mais alguma das suas palavras cruéis.
Porém, eu já não o escuto porque não preciso de mais nada.
Não preciso que saiba que sei de tudo o que ele já fez.
Irei expor o seu lado mais vergonhoso.
Transformarei a sua vida num inferno.
E a melhor parte disso tudo, é que não me sinto culpado.
Me sinto ansioso.

— Oi, querido, tudo bem? — a voz do outro lado soa apressada.


Jogo-me na cama, suspirando quando as minhas costas relaxam contra o colchão.
— Estou te atrapalhando?
— Não — responde. — Estava longe do celular e um pouco dispersa, me assustei com o
barulho, mas estou bem.
— Dispersa, mãe?
— Encontrei as mulheres dos contratos — diz. — Estou redigindo novos contratos para
as que querem manter sigilo e formalizando os anúncios das outras.
— Temos material suficiente?
— Oh, sim, isso é o que não falta. A mídia já está a par de tudo e deve vir à tona a
qualquer momento. Não há brecha para dúvidas, cuidei de tudo, filho, Maxon nunca mais irá
nos machucar ou fazer isso com qualquer outra pessoa.
— Mãe?
— Sim?
— Você é incrível.
— O que quer? — brinca.
— Apenas dizer isso. — Rio da sua desconfiança. — E que te amo. Muito. Tenho orgulho
de ser seu filho.
Mas não da forma como fui gerado.
Me perdoe, mamãe.
Me perdoe por ser fruto da sua dor.
Me perdoe por ser uma lembrança constante do homem que te machucou.
Penso em dizer tudo isso, mas não quero que ela saiba que eu sei.
Não quero pensar na ideia de fazê-la reviver um momento tão deplorável quando posso
apenas me esforçar para fazê-la o mais feliz possível.
Eu aguento carregar o peso sozinho.
Eu aguento carregar isso.
Posso conviver com a culpa de causar a sua dor.
— Ky, você é uma das coisas mais bonitas que já me aconteceu, filho. Eu que tenho
orgulho de ser a sua mãe e saber que criei um homem respeitoso e honrado como você.
Quando Loren desliga, eu suspiro, colocando o antebraço em frente ao meu rosto.
Toda essa situação tem sido um inferno. E, para piorar, minha cabeça parece que irá
explodir a qualquer instante. Nunca me imaginei numa situação dessas, um dia e tudo ao meu
redor tem se tornado cada vez mais exaustivo e complicado.
Não queria que as coisas fossem dessa maneira.
Escuto a porta do quarto se abrir e minha cama afunda com o peso ao meu lado em
seguida. Reviro os olhos assim que tiro meu antebraço do rosto e vejo minha irmã se
materializando à minha frente.
— Ela te mandou aqui — constato, sabendo que mamãe obviamente estranhou a minha
ligação.
— Ninguém pode julgá-la.
— Estou bem.
— Tem certeza?
Balanço a cabeça em negação.
Minha irmã se joga ao meu lado, encarando o mesmo ponto que eu.
Sinto quando as suas mãos rastejam nos lençóis até chegarem nas minhas.
Meu elo.
Minha dupla.
Minha alma.
— Sei que é difícil assimilar tudo isso. Está difícil para mim também. Mas precisamos
encarar as coisas como elas são. Nosso pai é um monstro e nós só podemos confiar na nossa
família.
Assinto com um suspiro, porque o que Kim diz é verdade.
Família. Maxon nunca foi nossa família.
— Kim? Pode ficar comigo hoje?
— Está com medo de dormir no escuro? — ela brinca.
Eu suspiro. Antes fosse.
— Estou com medo de entrar naquela banheira de novo.
Minha irmã vira o meu rosto na sua direção e beija a minha testa.
— Quer conversar?
— Não sei — respondo. — Você acha que eu poderia ter o impedido?
— Não sei — é a sua vez. — Acho que não conseguimos prever essas coisas.
— Mas fico pensando nisso todos os dias. Eu queria tanto que as coisas tivessem sido
diferentes. Tem sido difícil pra caralho assimilar tudo. Fico me perguntando… Como ela
consegue?
— Não faço ideia.
— Não é justo.
— Mas, infelizmente, é a realidade.
— Eu odeio ser filho dele.
— Eu também.
— Eu odeio saber que sempre serei uma lembrança constante da existência dele.
— Kyle — Kim me chama, um pouco mais firme, e eu a olho. — Foi ele quem errou. Não
nós. Não há motivos para carregarmos uma culpa que é apenas dele. Vamos passar por isso, ok?
Você e eu até o fim, como sempre foi.
— Juntos?
— Para sempre.
O meu celular começa a vibrar na mesinha de cabeceira, chamando a nossa atenção, e não
demoro em atender a ligação quando vejo que é Loren quem está ligando.
— Oi, mãe — atendo, estranhando o motivo da ligação, já que nos falamos há poucos
minutos. — Estou com a Kim, você está no viva-voz.
— Oi, meus bebês — ela suspira, parecendo um pouco resignada. — Preciso contar algo
importante para vocês.
— Mãe? — Kim senta na cama, em alerta, e arranca o celular da minha mão. — O que
está acontecendo?
— É sobre o Maxon — diz. — A imprensa irá divulgar uma matéria com os elementos
que consegui, mas, aparentemente, há novas denúncias sendo feitas diretamente contra ele e que
virá a conhecimento público em dois minutos, no canal nove.
Engulo em seco quando o silêncio recai no quarto.
— Nenhuma das vítimas será exposta. Eu cuidei disso. — Sua voz carrega pesar. — Ainda
não sei dizer ao certo quantas, mas é um número notável e que provavelmente irá crescer ainda
mais.
— Isso… isso pode te prejudicar de alguma forma?
Loren suspira.
— Não sei e não me importo, no entanto, irá tomar proporções nacionais e eu espero que
isso não nos afete mais do que já afetou — responde. — Diana está com vocês? Não quero que
ela assista sozinha.
— Vamos ficar com ela — garanto. — Obrigado, mãe.
— Te amamos — Kim diz.
— Eu amei vocês primeiro — mamãe brinca antes de desligar a chamada.
Quando Kim e eu chegamos na sala, a TV já está ligada no noticiário e Diana nos
direciona um olhar triste, uma lágrima solitária escorrendo na sua bochecha.
— Eu estou bem, juro — ela se apressa em dizer quando Kim corre até ela, sentando-se ao
seu lado. — Nunca vai ser fácil, mas eu estou bem.
— Estamos aqui, bússola. — Beijo sua testa antes de sentar do seu outro lado.
Kim assente e segura a mão dela, que sorri fraco e segura a minha. Dessa maneira, nós
três formamos uma corrente. Uma corrente que nunca deveria ter se partido.
Um elo, como sempre deveríamos ter sido.
E é dessa maneira que recebemos o baque das mais de dezoito denúncias de abuso e
agressão sexual que estão ligadas diretamente ao nome de Maxon.
Diana e Kimberly choram de alívio, abraçadas, quando o noticiário informa que um novo
julgamento será feito com urgência, acrescentando todas essas denúncias à ficha dele. E eu
continuo firme.
Não me sinto mal nem por um segundo.
Se tem uma coisa que eu aprendi, é que a vida cobra da maneira que ela encontra.
E a conta de Maxon acaba de chegar.
Quando eu olho para você
Eu vejo o perdão
Eu vejo a verdade
Você me ama por quem eu sou
Como as estrelas seguram a lua
Bem ali onde elas pertencem
E eu sei que não estou sozinha
When I Look At You | Miley Cyrus

Uma vez li que os ciclos menstruais se alinham através da convivência e achei que essa
era a maior besteira do mundo. Como o corpo de alguém conseguiria se conectar com outro a tal
ponto? Parecia uma verdadeira incógnita para mim.
Até esse momento, quando há três mulheres queimando todos os meus neurônios e a
minha capacidade de raciocinar pelo simples fato de não ter ideia do que fazer para acalmá-las.
Kim não para de chorar. Mia está no modo formiga, comendo todo tipo de doce que
encontrou no nosso apartamento. E Diana… bem, Diana está com um humor sombrio, tirando
todo mundo do sério.
— Pode parar de chorar por um momento? — a diaba questiona, inclinando-se na
direção de Kim.
Não surte efeito porque, no segundo seguinte, minha irmã volta a cair em um choro
muito mais forte, fazendo Asher suspirar ao meu lado.
Já tentamos de tudo.
Kim começou a soluçar quando Asher tentou acalmá-la.
Mia ameaçou Brandon.
E Diana me deu um olhar de repreensão que me fez arrepiar.
Então, entramos em um consenso e todos nós estamos apenas sentados na banqueta do
balcão que divide a sala e a cozinha, apenas observando.
Em silêncio. Como se estivéssemos fazendo fotossíntese.
Nosso único trabalho é desviar o olhar quando uma delas olha em nossa direção, já que
o medo é maior.
— Não consigo — choraminga, fungando e se encolhendo mais no abraço de Mia, que
alisa seus cabelos com carinho. — É triste demais.
A loirinha para o carinho subitamente, olhando para a minha irmã com uma expressão
confusa.
— É um documentário sobre pinguins, Kim — ela diz como se Kimberly fosse uma
criança. — Eles estão apenas migrando para outro lugar mais propício.
— Exatamente! Eles tiveram que deixar os seus iglus, é tão injusto! — o choro dela se
intensifica ainda mais.
— Certo, meu limite é esse. — Mia sorri e a empurra delicadamente para os braços de
Diana. — Agora é com você, parceira.
Minha bússola escolhe justamente esse momento para levantar o seu celular e captar
uma foto de Kim descabelada e com o rímel todo borrado devido ao choro.
É agora.
É agora que a guerra começa.
— Essa vai para o Instagram. — A diaba ri, maléfica.
— Ela não vale nada mesmo, hein — Brandon fala baixo, olhando para ela. —
Kimberly vai surtar.
— Apaga essa foto agora, sua insuportável! — Kimberly esbraveja.
Nos pegando desprevenidos, minha irmã pula em cima dela no sofá e as duas começam
uma disputa tenebrosa atrás do celular de Diana, com direito a muitos gritinhos estridentes,
principalmente da pobre Mia, que está entre as duas, quase chorando por não conseguir sair do
meio.
— Quem irá se sacrificar? — Asher questiona em voz baixa, inclinando na nossa
direção.
— Eu voto no Kyle — Brandon responde de imediato.
— Eu também — ele complementa.
Encaro os dois com todo o meu ódio. Injusto. Sempre sobra para mim.
Reviro os olhos antes de levantar e agarrar Diana pela cintura, a erguendo e trazendo-a
comigo para o outro sofá. Vejo que a loirinha está rindo agora enquanto segura uma Kim
emburrada.
Me jogo contra as almofadas, ainda agarrado à Diana e a fazendo cair sentada em meu
colo, tentando prender o riso e me olhando com uma expressão inocente.
— Nem um pio. — Lhe dou um falso olhar irritado.
A diaba passa os dedos pela boca como se a trancasse e jogasse a chave fora.
De repente, Mia se levanta em um rompante, encarando o celular e abanando o rosto
com uma das mãos.
— O que foi, minha metade? — Bran se assusta, finalmente se aproximando.
— Ah, meu Deus!
— Mia — minha bússola chama, se levantando do meu colo. — Está nos assustando.
— Um desfile! — ela grita, começando a pular e nos deixando ainda mais confusos. —
Jade Allister vai voltar às passarelas. Jade Allister quer um vestido meu para usar no seu retorno!
Um sorriso cresce em meus lábios quando entendo a magnitude disso.
Jade Allister é uma modelo muito famosa que deu uma pausa na carreira há dois anos
para cuidar do filho. Seu nome está no topo quando se trata das passarelas pelo jeito autêntico e
marcante que se consolidou no mercado, quando ainda era uma criança. É quase impossível não
saber quem ela é, porque Kimberly era meio apaixonada pela modelo e as tendências da moda
que ela alavancou.
Nas últimas semanas, surgiram muitas polêmicas sobre o casamento dela com Nicholas
Allister, considerado atualmente uma das ascensões do hóquei. Eles eram o assunto favorito da
mídia e a possibilidade de estarem se separando tem causado um alvoroço, mas, até o momento,
nada foi confirmado.
Nicholas e Dominic Allister são conhecidos como os reis do hóquei. Ninguém consegue
vencê-los. Entretanto, se levarmos em consideração todas as polêmicas e dúvidas que o
sobrenome dos irmãos carregam, pode-se dizer que o reinado deles talvez esteja ameaçado.
— E Safira Montgomery também! — Dá outro gritinho estridente.
— Os boatos sobre ela largar a carreira de modelo são reais? — Diana pergunta,
curiosa. — Será que é o último desfile?
Arrasto meu olhar até Mia, que possui um enorme sorriso no rosto. Não é segredo para
ninguém que Safira Montgomery é uma das maiores modelos da atualidade e que largou o noivo
dias antes do casamento sem ninguém saber o motivo. É tudo o que sei, segundo os sites de
fofoca que, de vez em quando, passam na minha timeline.
— Não sei — Mia responde e volta a nos encarar, animada. — Só sei que os meus
vestidos vão para a Fashion Week!
Saber que a minha amiga vai ser a responsável por vestir duas das modelos mais
importantes do país, me faz sorrir em sua direção.
— Isso é incrível, Mia — Kim comemora, jogando-se em cima dela com força,
parecendo se esquecer do seu pequeno escândalo segundos atrás. — Estou tão feliz por você!
— Vamos fazer brigadeiro para comemorar. — Diana se anima.
Asher abraça as duas, beijando a cabeça de Mia com um sorriso genuíno. Diana faz uma
dancinha em volta deles e então, Bran puxa a loirinha para si, fazendo cara feia para nós, e ela
finalmente começa a chorar emocionada contra o peito dele.
Quando Kim e Bran começam a discutir o porquê ele nunca aceita dividir Mia, eu a
abraço com força, orgulhoso pra caralho do que ela está começando a conquistar. Quando nos
conhecemos, a carrapatinha estava muito receosa. Demorou muito tempo para que confiasse em
mim e em Asher. Brandon sempre foi o seu único amigo e vice-versa, e Asher também não era a
pessoa mais amigável do mundo.
Quando os vi, eu soube. Soube que eles eram a minha nova família. Uma que encontrei.
Que era apenas minha.
Foi difícil no início. Nenhum deles parecia ser fácil, à sua própria maneira.
Asher era arredio. Brandon ciumento. E Mia corava e gaguejava numa frequência que
chegava a ser absurda. No entanto, não demorou muito para que nos tivesse em sua palma. Eu
entendia bem o motivo pelo qual Brandon se apaixonou por ela. A baixinha é encantadora.
Ela é a nossa carrapata.
Eu posso ter juntado essa família, posso tê-los encontrado, mas é Mia quem conseguiu
nos unir. Ela foi a responsável por trazer Diana para o nosso grupo. Por enturmar Kim quando
minha irmã chegou a Yale. Ainda é ela quem insiste em nos unir todos os finais de semana para
assistirmos as suas séries favoritas.
— Estou muito orgulhoso de você, carrapata — digo, bagunçando seus cabelos curtos.
— Eu te amo — sussurro para que só ela ouça.
O sorriso que me lança é contagiante. É feliz.
— Obrigada, Ky. Eu também te amo — agradece e então arregala os olhos. — E preciso
ligar para o meu irmão!
Reviro os olhos, ouvindo seu riso ao ver a minha expressão antes de assisti-la sair
correndo em direção ao corredor. Ainda é possível ouvir os seus gritos enquanto conta a
novidade ao Connor.
Quando chego na cozinha, vejo que Diana e Kim estão de frente ao fogão, colocando a
lata de leite condensado na panela enquanto discutem sobre o melhor jeito de raspa-la, mas não
demora até que a minha irmã se irrite, achando que domina algum talento na cozinha.
— Vá encher o saco do seu namorado e me deixe fazer o meu brigadeiro em paz. —
Kimberly empurra Diana para mim, nos dando as costas e resmungando para o fogão.
Minha bússola revira os olhos, imitando as expressões e resmungos de Kim, como uma
criança pirracenta e eu não consigo evitar a risada, colocando alguns dos seus cachos atrás da
orelha.
— Meu apartamento fica pronto hoje — ela diz, sua mão acariciando a minha nuca.
É a vez de Diana rir quando forço um biquinho triste, que não é forçado.
— Seu apartamento podia ser esse aqui — resmungo, roubando um selinho dela e
colocando-a sentada sobre o balcão de mármore, deixando Kimberly se virar com a panela.
— Não posso ficar aqui para sempre.
— Não? — pergunto, franzindo o cenho. — Por quê?
— Não sei — ela responde com a mesma expressão que a minha. — Mas não posso.
— Aqui tem muito mais espaço para você.
— Lá tem o mesmo tamanho, sabia?
— Isso é um convite?
— Você precisa de um?
— Definitivamente não. — Rio.
Percebo que, desde que alguns pontos foram esclarecidos, eu estou sempre sorrindo
quando estou ao seu redor. E sorrio de uma forma que deixa as minhas bochechas adormecidas,
os meus lábios doloridos e, ainda assim, continuo sorrindo.
— O Hector disse que vai ter uma festa na fraternidade amanhã — ela muda de assunto.
— Por que o Hector mandou isso para você e não para mim?
— Sou mais legal do que você — brinca.
— Isso não é verdade.
— Claro que é.
Quando estou prestes a rebater, escuto um grito de Kim e a encaro, vendo-a pular para o
lado, desligando o fogão rapidamente. Asher aparece como um furacão na cozinha, preocupado
com a minha irmã.
— Acho que algo deu errado, Di — Kimberly diz com o nariz torcido em direção à
panela.
Diana salta da banqueta quando olha naquela direção.
— Puta que pariu! — xinga, observando o conteúdo da panela e se virando para a minha
irmã. — Você queimou o meu brigadeiro!
Kim cai no choro mais uma vez e Asher suspira, a abraçando. Mia aparece na cozinha
quando percebe a movimentação e vê a panela totalmente inutilizável, começando a rir
descontroladamente, o que faz minha irmã chorar mais e Diana continuar a reclamar.
— E lá vamos nós outra vez — resmungo, bufando.
— Não aguento mais — Bran respira fundo, chegando na cozinha.
— Onde fomos nos meter? — Ash diz, resignado.
É irritante.
Um caos.
E mesmo com as reclamações, não viveríamos sem essas três.
Elas fazem parte do nosso elo.
Elas são a nossa família.
Tem tanta coisa pra eu lhe mostrar
Vem descobrir os porquês, os quês, os prós e contras
Eu nunca tive medo, mas
Você parece não ser bem lugar seguro
Eu não quero segredo, mas
Você parece ser bom de guardar no escuro
Então, deixa eu te guardar lá em casa
No Escuro | Ana Gabriela feat. Anavitória

O som da festa fica cada vez mais alto conforme nos aproximamos.
Asher veio dirigindo porque está diminuindo o consumo de álcool nos últimos tempos,
algo sobre o seu irmão estar quase conseguindo convencê-lo a ir atrás de um agente. E Brandon
decidiu não vir dessa vez, já que Mia ainda não voltou da viagem com o irmão.
A fraternidade está lotada quando entramos e precisamos nos espremer entre as pessoas
até chegarmos ao balcão da cozinha. O jogo de luzes, combinado com a batida da música, deixa
tudo tão atraente quanto animador. Kimberly e eu nos olhamos, tendo o mesmo pensamento: a
pista de dança nos verá em breve.
— Meus convidados de honra! — Hector grita, alto demais. Nem mesmo percebi de
onde saiu. Ele parece já estar bêbado quando abraça Kyle com força e beija a sua bochecha. —
Meu amor, que saudade!
Asher revira os olhos sem nem mesmo disfarçar, me arrancando uma risadinha.
— Cuidado, Diana, esse aí é especialista em roubar o coração de pessoas
comprometidas — Asher brinca. — E um grande amigo de noitada do seu namoradinho.
— Não seja tão ciumento — ele brinca, piscando para Asher, que o mostra o dedo do
meio. — Foi você quem nos traiu primeiro com essa aí. — Ele inclina o queixo para frente,
sinalizando Kim, e depois suspira ao me encarar. — E agora, o meu melhor amigo se rendeu
também.
— Quanto drama, Hector — Kim brinca.
— Vocês não me entendem — dramatiza. — Como poderiam? São… — ele para de
falar subitamente, fazendo com que todos olhem para o mesmo lugar que ele, vendo uma ruiva o
encarar fixamente.
— Sua dona te distraiu? — Kimberly provoca, acenando para a garota, que retribui com
um sorriso contido antes de se virar e se misturar em meio à multidão.
— Ela não é mais a minha dona — ele pontua, erguendo as sobrancelhas. — E vocês
ficaram chatos de repente.
Hector revira os olhos, se afastando.
— Quem é a ruivinha? — pergunto.
— A ex dele — Kim diz.
— Ele e Kyle eram um clube — Asher completa.
— Vá se foder — Kyle o responde. — E pare de falar merda.
— Um clube? — pergunto, interessada.
— É — o lutador concorda. — O clube dos corações partidos pelas exs.
Um riso me escapa, mas coloco a mão em frente à boca quando Ky me lança um olhar
de repreensão.
— Você é a minha maior inimiga — resmunga, virando a garrafa de cerveja.
— Desculpa, amor — tento responder de volta, mas ainda estou rindo.
Apesar de parecer a coisa mais ridícula do mundo, essa coisa de “clube dos corações
partidos pelas exs” parece ser exatamente o tipo de ideia idiota que Kyle teria e, pelo pouco que
conheço do Hector, não duvido que nem ao menos pensou antes de entrar na ideia do amigo.
— Uma partida, linda? — Asher convida Kim, inclinando a cabeça para a mesa de
sinuca.
— Voltamos daqui a pouco. — Kimberly aceita a mão do namorado e os dois somem
em meio às pessoas.
— Vou ao banheiro, ok? — Ky diz antes de beijar a minha bochecha. — Não sai daqui.
Assinto, virando-me em direção ao balcão quando ele se afasta.
— Um drink? — Um garoto, que parece ser o barman, me oferece a taça, misturando
vodca com um suco rosa estranho que parece muito gostoso. — Cortesia.
— Vou aceitar. — Sorrio. — Obrigada.
Continuo observando as pessoas animadas no centro da sala, em frente ao DJ calouro
que toca euforicamente. Dou risada quando desvio o olhar e flagro Kim e Asher batendo boca na
mesa de sinuca, como se fossem rivais de longa data.
Eu aposto tudo o que tenho que Kimberly está perdendo.
Balanço a cabeça em negação, pensando no quão irônico é que ela e Kyle sejam tão
parecidos.
Minha bebida parece tão gostosa e mais atrativa que, quando vejo Kyle voltando, não há
mais nada na taça. No entanto, quando me viro para tentar pedir mais um drink, não vejo o cara
que me ofereceu em canto algum, fazendo com que eu bufe em frustração no segundo seguinte.
— Tudo bem? — Kyle pergunta ao se aproximar, afastando meus cabelos para trás ao
notar que a minha nuca está começando a ficar úmida devido ao calor do apartamento.
— Humrum.
Kyle dá a volta no balcão, o que faz com que eu gire na banqueta para acompanhá-lo
com o olhar. Ele pega uma cerveja, abrindo-a com uma das mãos, e se encaixa entre as minhas
pernas, apoiando a outra mão na minha coxa.
— O que iremos fazer na semana que vem? — pergunta, sorrindo, antes de dar um gole.
— Como assim, o que iremos fazer na semana que vem? — rebato, meu cenho se
franzindo.
Kyle revira os olhos.
— Irá fazer um mês que voltamos. Precisamos comemorar.
Um sorriso começa a tomar conta dos meus lábios quando entendo ao que ele está se
referindo e decido brincar um pouco.
— Voltamos, é? — Ergo a sobrancelha. — Não lembro de ter recebido um pedido.
Ele bufa, sua mão subindo pelo meu corpo até parar em meu rosto e se aproxima, me
beijando devagar. Sua língua se entrelaça à minha calmamente enquanto equilibra a cerveja com
uma mão e segura o meu rosto com a outra.
Kyle morde meu lábio inferior antes de me soltar e me encarar novamente.
— Você gosta de atentar o meu juízo, não é, bússola?
Sorrio.
— Não fiz nada demais. — Pisco duas vezes, fingindo inocência.
Ele tenta me beijar outra vez, mas quando Slow Down do Chase Atlantic começa a
tocar, eu sorrio de verdade. E Kyle me acompanha quando o faço. Kim se aproxima nesse
momento e posso notar a sua euforia também.
— Vamos dançar!
Ela não espera por uma resposta, apenas me puxa para o meio das pessoas, mas de uma
forma que ainda ficamos à vista dos meninos.
Kim e eu dançamos muito.
A música embala os nossos sorrisos e não nos importamos nem um pouco no quanto
estamos parecendo espalhafatosas agora enquanto cantamos a plenos pulmões e pulamos como
duas loucas no meio das pessoas.
Somos nós.
Duas melhores amigas.
Irmãs de almas.
Um elo que um dia foi corroído, mas que agora está sendo reconstruído.
Nosso riso parece ecoar por todo canto, mesmo com o volume da música.
Meu peito bate acelerado, feliz.
Estou feliz. Finalmente.
Minha amiga reclama de dor nos pés, por causa dos saltos, mas eu ainda sinto que tenho
disposição para mais vinte músicas e ela decide ficar comigo. Até perco a noção do tempo, mas,
em algum momento, tudo ao meu redor parece ficar um pouco abafado.
Tudo gira rápido demais.
Porém, ainda estou eufórica.
Suada.
Ofegante.
Não demora até que Kim me arraste novamente para perto dos meninos e diz que
precisa ir ao banheiro, ela pergunta se também quero ir, mas nego e Asher a acompanha até lá.
É estranho.
As coisas parecem estar acontecendo tão rápido.
— Acho que já deu de bebida para você hoje, não é, linda? — Kyle pergunta, tirando o
seu copo da minha mão quando o pego.
— Não, ainda estou sóbria. — Tento tirar o copo da mão dele outra vez, mas falho ao
tombar em seu corpo. — O que há de errado em se divertir? — questiono, manhosa.
Kyle encara meus olhos de forma estranha, parecendo muito atento em mim de repente,
e passa a mão pela minha testa suada e pegajosa.
— Você bebeu demais, amor, por que não vamos para casa e assistimos um filme?
— Eu bebi apenas um drink — justifico. — Ainda estou bem, olha.
Tento colocar o pé direito no joelho esquerdo para fazer um quatro e convencê-lo de
que está tudo bem, mas gargalho quando tombo para o lado, quase indo em direção ao chão se
Kyle não me amparasse antes que isso acontecesse.
Ele segura a minha cintura com firmeza e eu murmuro o quanto é um chato.
— Podemos ficar só mais um pouco?
— Não. — Ele é firme e vejo, de canto de olho, quando Asher e Kim se aproximam.
— Já vão? — minha amiga pergunta.
— Não — respondo.
— Sim — Kyle rebate. — Diana está… — Ele para, passando a língua pelo lábio como
se não soubesse o que dizer e encara Asher. — Ela não está bem.
— Gente, eu estou ótima. — Sorrio, vendo os três rostos preocupados virados em minha
direção. — Eu juro.
— Amiga, vamos para casa. — Kim tenta sorrir, mas é em vão. — Estou cansada.
Semicerro os olhos.
— Não está — teimo em rebater, sabendo que eles estão estranhos. — Está mentindo
para mim.
— Amor…
— Vamos ficar apenas mais um pouco, aqui está tão…
A palavra trava na minha garganta, fecho a boca e respiro fundo quando uma náusea
estranha me atinge com força, fazendo meu estômago inteiro revirar.
— Di?
— Acho que… tem alguma coisa errada. Estou enjoada. Estou… — Passo a mão pela
minha testa pegajosa. — Suando. Está muito quente aqui, mas estou com frio.
— Disse que bebeu só um drink, certo? — Kyle me pergunta, preocupado, e eu não
entendo o porquê disso, mas assinto ao concordar. — Quem te entregou?
— O barman — respondo, como se fosse óbvio.
Asher e Kyle trocam olhares.
— O que está acontecendo?
— Vamos sair daqui, ok? — Kyle fala devagar. — Prometo que na próxima ficamos até
amanhecer.
Eu concordo com ele apenas porque parece estar com medo de alguma coisa. E mesmo
que não entenda, sei que há algo estranho acontecendo. Algo que não estou notando.
Pisco devagar quando uma onda de enjoo me atinge e tudo dói.
Minha cabeça gira.
E, de repente, estou vendo duplicado.
Há algo de errado. Muito errado.
— Tem alguma coisa errada — repito, balbuciando dessa vez, mas as palavras parecem
sair embaralhadas.
— Diana? — Asher me chama, segurando o meu rosto.
Não sei para onde olhar, porque há dois dele na minha frente.
— Não estou bem. Você está girando.
— Diana, o que você bebeu?
Porém, não consigo responder.
Porque começo a ouvir zunidos, como um soneto que fica em looping o tempo todo.
Parecem teclas de piano.
O tom sobe.
Sobe.
Sobe.
E sobe.
Então, para.
Kimberly grita, chamando o meu nome.
E eu sinto os braços de Kyle me ampararem antes de tudo escurecer.

Pavor.
Pavor é tudo o que consigo sentir quando Diana cai semiconsciente em meus braços.
Tudo em mim se torna medo em uma fração de segundos.
— Diana! — Kim chama, chorando. — Diana!
— Ela foi drogada — Asher diz, nervoso, analisando as pupilas dilatadas dela. — Não
tenho certeza, mas ela estava eufórica na pista com Kim, está muito suada e disse que estava com
frio… — Ele me olha receoso. — Precisamos levá-la ao hospital, Kyle. Não sabemos o que ela
pode ter ingerido.
Não consigo pronunciar uma palavra sequer. Tudo o que consigo raciocinar é o alerta
em meu cérebro, gritando perigo.
Diana balbucia alguma coisa incoerente e eu a pego no colo rapidamente. Asher e Kim
caminham à nossa frente, abrindo espaço até a saída. Kimberly parece atordoada, com as suas
costas coladas no peito de Ash. Eu me mantenho a um passo atrás, praticamente correndo,
enquanto sinto Diana ficar cada vez mais mole em meus braços.
O caminho até o hospital é um borrão.
Minha bússola convulsiona em meus braços, revirando os olhos e tenho certeza de que o
som dos seus dentes rangendo nunca mais sairá da minha mente. Kimberly grita ao telefone com
a nossa mãe, desesperada, e Asher dirige tão rápido que com certeza acumula algumas multas de
trânsito no trajeto.
Quando chegamos, mal espero que ele estacione para saltar do carro e entro correndo na
emergência, gritando por ajuda. Um enfermeiro e uma médica rapidamente colocam Diana em
uma maca, levando-a para longe, e eu tento acompanhar, mas Asher me segura no lugar.
E só então percebo que estou chorando.
Minhas pernas cedem e meus joelhos vão ao chão.
Não consigo me controlar.
Isso parece a porra de um pesadelo.
Eu preciso acordar.
Diana precisa acordar.
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
Tudo o que eu amo reside naqueles olhos
Você tem esse poder sobre mim, minha nossa
A única que eu conheço, a única em mente
Você tem esse poder sobre mim
Power Over Me | Dermot Kennedy

Há uma linha na psicopedagogia[15] que explica sobre o quão importante é, para o


desenvolvimento de uma criança, que elas caiam e ralem o joelho.
Segundo o estudo, essa é uma das melhores formas para que elas consigam entender que
a vida – além da brincadeira – dói.
Que viver, dói.
Que embora seja bom se divertir e brincar, são nos momentos em que caímos e nos
machucamos que aprendemos a levantar e sermos mais fortes. É assim que elas conseguem
entender que não podem estar protegidas o tempo todo, que nem sempre terá algo ou alguém
para ampará-las em caso de queda.
É cruel se falado dessa forma, mas necessário para que entendam o que é a vida. Assim,
a criança aprende que não estamos aqui porque é divertido.
Estamos aqui porque, um dia, um Cara acordou e disse: haja luz.
E então, houve luz.
O verbo se fez carne e o homem foi criado.
Simples.
Na Bíblia, o homem é criado a partir do barro e recebe a vida através de um sopro. E,
seguindo por essa analogia, o homem foi criado para quebrar de imediato em sua queda. Para
estilhaçar em milhões de pedacinhos que podem machucar todos ao seu redor com as suas
pontas.
No entanto, assim como a ferida da criança cicatriza, o homem de barro pode ser refeito.
Com mais cautela, atenção e delicadeza, mas pode.
Dessa forma, da próxima vez, ambos – o homem e a criança – aprenderão a se equilibrar
melhor sobre os seus próprios pés e irão tomar mais cuidado. Eles vão prestar mais atenção ao
seu redor, olharão para frente ao correr e tomarão cuidado ao deixar o seu coração nas mãos de
uma garota chamada Diana Barker.
A psicopedagogia também diz que quando a criança cai e se machuca, ela vê o seu
sangue e, automaticamente sente dor, ainda que o machucado seja superficial ou não passe de um
arranhão. E, independente do quanto doa ou a limite, no dia seguinte, ela voltará a brincar como
se nada tivesse acontecido.
Comigo, foi diferente.
A primeira vez que caí por ela, foi quando os olhos amendoados se chocaram com os
meus, aos meus quatro anos.
Ela sorriu.
E aquele sorriso nunca mais saiu da minha cabeça, junto às trancinhas cor-de-rosa que a
fazia parecer uma princesa.
Contudo, reforço, fui inocente.
Porque qualquer pessoa que se preste ao papel de observar ao redor e tenha idade
suficiente para se equilibrar sobre os seus próprios pés, perceberia que se apaixonar à primeira
vista por uma garota que consegue desarmar qualquer um com apenas um sorriso, pode ser uma
catástrofe.
Cair por Diana poderia ser a minha ruína.
E foi.
Quando ela foi embora, era como se tudo em mim tivesse se transformado no mais
profundo e obscuro caos. Eu era o navio. E estava parado em meio ao oceano, sem uma polaris[16]
ou uma bússola para me guiar em meio à imensidão.
Sem ela, era como se todas as estrelas tivessem se apagado.
Os dias se tornaram lentos.
As cores perderam o brilho.
Era tudo frio. Opaco. Chato.
Ficar sem ela foi doloroso.
Hostil.
Insuportável pra caralho.
O gosto de perdê-la foi a coisa mais cruel e amarga que desceu pela minha garganta.
A derrocada doeu tanto, mas tanto, que nunca mais permiti que o meu coração se
arriscasse novamente. Eu construí um muro em volta dele e garanti que não ficasse nenhuma
brecha aparente. Tranquei o portão e mantive assim por muito tempo.
Eu estava pouco me fodendo que Diana Barker vivesse para contar que foi a única
garota que habitou em meu coração. Porque essa sempre foi a minha verdade mais absoluta e não
me importava. Porque ela continuaria sendo a única.
Ainda que eu conhecesse outras pessoas.
Ainda que eu tocasse outros corpos.
Ainda que eu admirasse outros cheiros, outros cabelos, outras bocas.
Ela continuaria sendo a única.
No entanto, o portão do meu coração permaneceria trancado. Os muros subiriam cada
vez mais. Até que ele a esquecesse. Ficaria tudo bem desde que ela não me convidasse a brincar
de novo. Eu perderia o controle. E, definitivamente, fingir odiá-la arrancaria todas as minhas
forças.
Seria tempo jogado fora.
Ela é a culpada pelo meu coração de barro nunca ter sido moldado novamente.
Porque não se pode odiar algo que se ama com toda a sua alma. Não se pode odiar algo
que está tão enraizado em você que nem mesmo se lembra de um dia em que ela não esteve lá.
Tomando cada segundo dos meus dias.
Roubando cada pensamento meu.
Arrancando todos os meus suspiros.
Fazendo com que o meu coração acelerasse a todo instante.
Por isso, era melhor que continuasse como estava para que, em todas as vezes que
acelerasse por aquele par de olhos amendoados, se lembrasse o tanto de dano que eles seriam
capazes de causar.
O cheiro forte e inebriante de éter ainda me enjoa enquanto seguro a sua mão gélida e
fraca. No entanto, é quando o bip do monitor aumenta minimamente que a minha cabeça se
levanta com rapidez em sua direção. As lágrimas enchem meus olhos e o aperto em meu peito
diminui quando a vejo piscar várias vezes, finalmente acordando.
Sua mão aperta a minha com suavidade antes dos seus olhos focarem nos meus e
brilharem.
— Ky… — sua voz, ainda fraca, chama. — Kyle.
— Sim, minha bússola, estou aqui.
— Eu… eu estou bem?
Seguro sua mão com mais força.
— Sim. Você está bem e eu cuidarei para que continue assim.
Eis o problema.
Eu escondi as chaves do portão.
Mas Diana Barker sempre soube onde encontrá-las.
Minha testa se recosta na sua.
Estou rendido.
Os muros estão caídos. O portão foi aberto. Não há mais proteções.
E eu sopro uma única palavra para ela, sabendo que, para nós, as sete letras sempre
tiveram um significado diferente. Sempre foram mais do que apenas uma palavra.
— Saudade.
Se algum dia você se encontrar preso no meio do mar
Eu velejarei pelo mundo para te encontrar
Se algum dia você se encontrar perdido no escuro e não puder enxergar
Eu serei a luz a te guiar
Count On Me | Bruno Mars

dezesseis anos atrás, aos quatro anos


Estou diante da garota mais bonita do mundo.
Ela tem olhos escuros, um sorriso cheio de dentes tortos e o cabelo dela é a coisa mais
linda que eu já vi na vida.
As trancinhas rosas combinam com ela.
E acho que ela é a minha princesa.
A princesa que mamãe disse que eu teria um dia.
— Oi — ela diz, as bochechas fofas ficando vermelhas.
Eu acho que estou mais vermelho do que ela.
— Oi — minha irmã responde, animada. — Eu sou a Kimberly.
Devo estar todo desarrumado, porque Kim e eu estávamos jogando basquete desde às
sete da manhã e já passou da hora do almoço. Estou com muita vergonha, todo suado e o meu
cabelo está sujo.
Eu queria estar mais bonito quando ela me visse.
— Essa é Diana — minha mãe diz, mas não consigo olhar para ela agora porque não
consigo desviar os olhos da menina dos cabelos de algodão. — Ela é filha da nossa nova
governanta.
— E esse é Kyle — Kim diz, beliscando o meu braço quando percebe que estou parado
igual a uma estátua. — Diga oi, Kyle.
— O-oi, Diana.
— A mamãe estava indo nos levar para tomar sorvete. Quer vir com a gente, Diana? —
Kim convida e olha para a mamãe. — Ela pode vir com a gente, mamãe? Por favor! Por favor!
Por favor!
Mamãe ri.
— Se Liane permitir e Diana quiser, não vejo problema. — Mamãe sorri.
Ela olha para a sua mãe, receosa.
— Você quem decide, minha menina. — A mãe de Diana sorri, gentil.
Eu imediatamente passo a gostar dela.
— Faz tempo que eu não tomo sorvete… — ela diz baixinho. — Eu quero ir, mãe.
— Então mamãe vai ficar te esperando aqui. — Liane sorri, ajeitando uma trança
teimosa do cabelo dela atrás da orelha. — Se divirta, meu bebê.
Mamãe manda eu subir para trocar de camiseta e me sinto o próprio Flash, porque me
visto muito rápido. Mas quando me olho no espelho para ajeitar o meu cabelo, percebo que
coloquei a camiseta do avesso e preciso fazer tudo de novo.
No caminho para a nossa sorveteria favorita, Kimberly fala, fala e fala. Como sempre. E
Diana apenas sorri tímida para ela, prestando atenção ao que diz e, de vez em quando, rindo
baixinho.
Quando mamãe se afasta alguns passos da nossa mesa, encontrando uma amiga, eu
aproveito e, sem que elas percebam, sento um pouquinho mais para o lado, bem pertinho de
Diana.
Seu cabelo tem um cheiro tão bom, parece algodão doce.
— Você mora aqui em New Haven? — minha irmã pergunta, mordendo a casquinha do
seu sorvete.
— Minha mãe é do Brasil — Diana responde. — Mas o meu pai era de Boston.
— Legal — Kim responde. — Então você fala outro idioma?
— Estou aprendendo português.
— Me ensina?
— Eu também quero — me intrometo, querendo um pouco da sua atenção.
Diana ri, me olhando.
Eu acho que estou apaixonado por ela.
Ela é tão linda.
— Mamãe me contou que existe uma palavra em português que não existe aqui.
— Qual?
— Saudade.
— O que significa? — pergunto, franzindo as sobrancelhas.
— É quando a gente sente falta de um lugar feliz.
Eu levei três segundos para me apaixonar.
Três segundos para saber que aquela garota era o meu lugar feliz.
E que se a perdesse, eu viraria saudade.
Eu levei apenas três segundos para entender que aquela garota simbolizava o meu
mundo. E não havia nada que pudesse ser mais forte do que isso dentro de mim.
Veja bem, meu bem, a gente se perdeu
Veja bem, meu bem, ainda sou só seu
E eu ainda espero, e agora eu só quero
Um novo ciclo pra poder aliviar
Todas as dores que passamos
E fortes nós fomos ficando
E dizem eles que agora nós somos só restos do que ficou
Cida | Xamã e Agnes Nunes

— O que aconteceu? — pergunto ao vê-lo tão abalado. — Kyle, por que estou no
hospital?
Tento me manter calma enquanto olho ao redor, mas isso se torna impossível quando
percebo a agulha com soro enfiada no meu braço, a roupa que estou vestindo e todos os fios
ligados ao meu peito.
Minha respiração se torna irregular quando as minhas próprias palavras passam pelos
meus ouvidos.
Estou no hospital
Como?
Por quê?
Minha boca está seca e amarga de uma forma que me faz querer vomitar. No entanto, da
forma que estou sentindo o meu estômago revirar, não irá sair nada. Tudo dói. Meu corpo parece
ter corrido uma maratona, enquanto a minha cabeça parece ter batido contra alguma coisa.
— Você foi drogada. — Ele é direto, porém, seu tom é cuidadoso. — Alguém batizou a
sua bebida.
As suas palavras me acertam com um peso inesperado.
Como?
Olho para o soro em meu braço, para o meu corpo e então para Kyle.
— Como?
— Tudo indica que você ingeriu ecstasy[17].
— Mas como? Eu não bebi nada de estranho.
— Bebeu, amor — ele rebate, tentando encontrar a melhor forma de me explicar o que
aconteceu. — Disse que um barman lhe ofereceu a bebida.
— Sim, isso foi logo depois que você foi ao banheiro. Ele estava servindo muitas
pessoas.
— Di — me interrompe, suspirando. — Não tinha nenhum barman na festa. Eu
confirmei com o Hector.
É como um soco no estômago e me dou conta do quão estúpida fui.
Que idiota! Eu nunca deveria ter aceitado bebida nenhuma, principalmente de um
estranho. Essa é, literalmente, a coisa mais importante ao ir a uma festa.
Eu fui tão ingênua.
Arrasto-me na cama até estar sentada com as costas encostadas na cabeceira. Passo a
mão pelo rosto, tentando recuperar mais da minha lucidez.
— Tem algo nesse soro? — pergunto. — Estou me sentindo um pouco sonolenta.
— O médico nos explicou que o seu corpo precisa de um tempo para se recuperar, está
exausto. Fizeram uma lavagem no seu intestino.
— Que horas são?
— Quase cinco da tarde.
— Estou aqui desde ontem?
Kyle assente.
— Quer um pouco de água?
— Sim — aceito, querendo tirar o amargor da minha boca a todo custo.
Eu já bebi até cair antes. Já bebi de formas que me deixaram inexplicavelmente mal e
dolorida no dia seguinte, contudo, nada se compara à sensação que me toma agora.
Além da dor física, sinto vergonha por estar em uma situação dessas. Principalmente
porque não consigo me lembrar de nada além da sensação de enjoo e sufocamento que senti
antes de cair nos braços de Kyle.
Não consigo sequer me lembrar do rosto do homem que me dopou.
E isso me deixa ainda mais envergonhada.
Eu sou uma mulher. Eu tomo cuidado com o que bebo e como na rua. Tomo cuidado até
mesmo com a forma pela qual ando. Não deveria ser assim e todos estão cansados de saber disso,
mas, infelizmente, é a nossa realidade.
Sou esperta e cuidadosa.
E é isso que tem me feito pensar tanto no quanto fui idiota em aceitar aquela bebida
apenas porque o vi servir alguém antes.
— Você dormiu aqui?
— Não cheguei a dormir — responde. — Mas fiquei com você o tempo inteiro.
Isso me deixa um pouco mais tranquila, ao passo que a culpa aumenta mais um pouco.
Ele poderia estar mais confortável se estivesse em casa, poderia não estar aqui, cuidando de uma
imprudente.
— Desculpa te fazer passar por isso — peço, as lágrimas banhando meus olhos. — Não
cogitei que poderia ter algo de errado quando ele me ofereceu a bebida.
— Ei, amor. — Ky passa os polegares pelas minhas bochechas, limpando as lágrimas.
— Não precisa se preocupar. Estávamos em uma festa e é normal beber. Não tem que se
desculpar por nada, porque não é culpa sua.
Eu fungo e assinto, mesmo que ainda vá demorar um pouquinho para acreditar em suas
palavras. Ele está certo. Eu não fiz nada de errado, exceto que a minha mente discorda disso.
Então não há muito o que eu possa fazer para mudar isso, além de me acostumar com a situação.
— Quando irei para casa?
— Provavelmente quando esse soro terminar. A doutora deve aparecer aqui novamente
daqui a uns… — Ele desbloqueia o celular para conferir o horário. — Quinze minutos.
Suspiro, frustrada.
Odeio a ideia de estar aqui. Odeio a ideia de estar vulnerável novamente.
— Pode ficar aqui comigo? — pergunto, abrindo um pouco de espaço na maca para ele.
— É claro, minha bússola — Ky concorda, sentando-se ao meu lado e beijando a minha
testa. — Irei ficar para sempre.

Quando chego ao meu quarto, sinto uma vontade absurda de me jogar na cama e tentar
dormir para esquecer do caos que as últimas horas se tornaram, no entanto, não pude tomar um
banho no hospital e estou me sentindo agoniada por ter passado tanto tempo naquele ambiente.
É por isso que sigo direto para o banheiro, desfazendo-me da camiseta de Kyle e do
short que Kim levou para mim quando foi nos buscar e entro no box. A água morna causa um
efeito instantâneo no meu corpo, relaxando meus músculos e fazendo com que eu aprecie o
momento, apesar de ainda estar pensando sobre tudo.
Odeio a sensação de culpa e humilhação que ainda paira sobre mim, e é isso que me
impede de me sentir melhor. Me faz sentir culpada até mesmo por estar aproveitando esse
momento de banho.
Enrolo a toalha no cabelo depois que fecho o registro e saio do banheiro enrolando o
meu corpo em outra. Entro no closet que ainda não tem muitas coisas minhas e pego uma das
camisetas do Kyle. Visto um short de pijama confortável e meias rosas com pizzas estampadas.
Me olho no espelho antes de sair, notando o quão deplorável ainda pareço mesmo
depois do banho. Meus olhos estão inchados e vermelhos, meu braço está machucado por conta
da agulha e me sinto fraca por não ter comido o suficiente para me sustentar de pé e tirar o
amargor insistente que há em minha boca.
O apartamento está em silêncio, pois Kim disse que passaria a noite com Asher e Loren
foi embora assim que teve certeza de que Kyle e eu estávamos em casa, em segurança. Ela
garantiu que tomaria as medidas cabíveis para que isso fosse resolvido o mais rápido possível e
também se encarregou de ligar para a minha mãe, me prometendo que a acalmaria caso surtasse,
o que sei que irá acontecer.
Mamãe tende a agir primeiro e pensar depois. Não duvido que pegue o primeiro voo até
New Haven apenas para procurar, ela mesma, quem foi o responsável por isso. O que, para mim,
tem sido uma incógnita, mas tenho tentado não dar voz às possibilidades que a minha cabecinha
está pensando.
Kyle está me esperando sentado na cama quando volto para o quarto, já trocado e sem o
cheiro de hospital. Me enfio debaixo das cobertas antes mesmo que diga algo, sentindo frio.
— Trouxe sopa. — Ele aponta para a mesinha de cabeceira. — Como você está?
— Você fez a sopa? — brinco, vendo-o revirar os olhos, sabendo que ele provavelmente
comprou. — Então eu quero.
Ky sorri, me mostrando a língua em provocação. Percebo que seus olhos estão inchados,
provavelmente de sono, e sua postura está abatida, como se ele estivesse cansado demais até
mesmo para caminhar. E mesmo assim, continua aqui, cuidando de mim.
— Não respondeu como está.
— Ah — resmungo, mexendo a colher de um lado para o outro dentro da tigela,
tentando fazê-la esfriar mais rápido. — Ainda estou me sentindo bem merda por ter deixado isso
acontecer e…
— Você não deixou nada acontecer — me interrompe. Kyle respira fundo e se senta à
minha frente, olhando para mim. — Estávamos em uma festa, amor, cheia de bebidas alcoólicas.
Você aceitou uma e aconteceu de estar batizada. Não é normal e nem deveria ser comum, mas
infelizmente é e aconteceu. Você foi uma vítima, como qualquer outra pessoa poderia ter sido.
Poderia ter sido qualquer um de nós.
Suspiro consternada, sabendo que ele está certo, mas não consigo deixar de pensar
assim. O que me faz lembrar que, em breve, precisarei procurar uma nova psicóloga e voltar às
sessões de terapia recorrentes.
— Sei que está certo. Infelizmente, há muitas pessoas mal-intencionadas no mundo e
não há muito o que possamos fazer para consertar isso, porém não consigo parar — digo. — Em
algum momento, eu irei entender isso, mas ainda não é agora. Não consigo processar essa
situação direito, porque parece irreal demais que algo desse tipo tenha acontecido comigo. Não
entendo o porquê.
— Eu sei, linda, o importante é você saber que não tem culpa de nada e que mesmo que
demore para assimilar isso, irá ficar tudo bem.
Eu assinto.
— Estou cansada de ser sempre a vítima — digo baixinho o que vem me atormentando
desde que acordei no hospital. — Já é a segunda vez que acontece na minha vida.
Kyle suspira, mas não esboça surpresa pelo que eu digo. Ele apenas tira a tigela das
minhas mãos, colocando na mesinha de cabeceira, e se senta ao meu lado, me puxando contra o
seu peito.
— Eu sabia que essa cabecinha estava pensando mais do que estava dizendo. — Beija a
minha testa. — Para mim, você é a heroína da história. Da nossa história.
— Eu fui embora, lembra?
— E foi porque você ainda me fazia sentir qualquer coisa, que eu saí daquela banheira
— ele sussurra.
— Kim me contou — confesso depois de alguns segundos absorvendo a informação. —
Quer conversar sobre isso?
— Um dia. — Ele sorri, mas seu sorriso não chega aos olhos.
— Vou voltar à terapia — anuncio.
— Vou parar de enrolar a minha terapeuta e finalmente marcar uma data.
Alguns dias atrás, Kim tinha me contado a história da banheira, disse que Kyle parecia
sobrecarregado demais com a faculdade, os trabalhos e os treinos excessivos focados no
campeonato, tudo isso somado ao que o pai havia feito acabaram fazendo-o ter essa crise.
Isso me deixou assustada pra caralho. Meu coração se apertou de angústia apenas com a
possibilidade de ela não ter chegado a tempo.
Mas Loren o convenceu a começar a terapia e, apesar de não ter se oposto, ele ainda não
havia começado ou mostrado tanto interesse assim. E o fato de saber que agora irá buscar por
essa ajuda, me deixa feliz. Feliz porque, finalmente, iremos buscar a ajuda que precisamos para
nos reerguermos e conseguirmos ajudar um ao outro. A terapia é o primeiro grande passo para
que consigamos fazer isso.
Ouço seu suspiro, mas esse é acompanhado de um pequeno sorriso.
— Vou para o meu quarto, se precisar de algo, é só chamar.
Ky faz menção de se levantar, mas eu o paro, segurando em seu braço para impedi-lo.
Não quero ficar sozinha. Não quero espaço.
— Seria demais pedir para você ficar ao menos essa noite?
Ele sorri, apesar do cansaço.
— Seria demais não pedir para que eu ficasse, minha bússola.
Sorrio ao abrir mais espaço para ele na cama, em meio a tantos travesseiros, e Kyle se
ajeita, ficando confortável, e apenas então que noto meias idênticas às minhas em seus pés.
— Sério? — brinco.
— O que foi? — pergunta, sorrindo debochado. — Está com inveja das minhas meias?
Tiro meus pés debaixo da coberta, mostrando que estamos com os pares iguais e ele ri.
— Certeza que roubou o meu par extra, assim como fez com os meus brigadeiros —
resmungo, engolindo a sopa.
— Não seja boba. As meias, eu peguei emprestado.
Reviro os olhos, mas há um sorriso em meus lábios. Com ele, sempre é assim.
Dou play no primeiro filme que aparece, me aconchegando no seu corpo quentinho,
sabendo que não importa o quanto seja doloroso, o quanto tudo seja um caos, ele ainda está aqui.
Ao meu lado.
Cuidando de mim.
Agora, vá ficar no canto e pensar sobre o que você fez
(Está na hora de uma vingancinha!)
A história começa quando estava calor e era verão e
Eu tinha tudo, ele estava bem onde eu queria
Better Than Revenge | Taylor Swift

Eu menti.
Menti quando disse que Maxon não abusou de mim.
Fiz isso porque Kyle nunca conseguiria conviver com o fato de que foi fruto de um
abuso. E eu jamais condenaria um dos meus bens mais preciosos a conviver com isso. Jamais
deixaria que se culpasse.
Meus filhos são a coisa que mais amo no mundo.
Eu tinha apenas dezessete anos quando meu pai me obrigou a ir a um evento da nossa
empresa. Maxon me encontrou quando tentei me esconder. Nos conhecíamos somente de vista,
as nossas famílias eram amigas e eu já havia conversado com ele algumas vezes, por isso, não
hesitei em aceitar a bebida que me ofereceu.
E depois, lembro-me apenas de acordar nua numa cama de um hotel barato.
Dois meses depois, estava em um vestido de noiva.
Maxon era bonito, falava bem e sabia como me ganhar. Não foi difícil para ele, no
início, conseguir me colocar em volta dos seus dedos e fazer com que eu aceitasse um acordo.
Eu, como uma idiota apaixonada, caí como um patinho.
E foi quando o meu inferno começou.
Quando soube da primeira traição, ele já era outra pessoa. Uma mulher apareceu com
uma menininha na minha porta, se recusando a criá-la, e Maxon disse que daria um fim naquele
bebê.
Mas eu não permiti.
Eu já estava afastada do Direito há um bom tempo e sumi da vista de todos os
conhecidos e meios midiáticos. Eu não tinha nada a perder, então quando aparecemos com uma
menina nos braços e outro bebê no colo, todos acreditaram que eu estava apenas me
resguardando por causa de uma gravidez de risco seguida de outra.
Kimberly foi minha desde o primeiro dia.
Apenas minha.
E foi a minha menina quem me manteve de pé quando Maxon abusou de mim.
Foi ela quem me manteve de pé quando descobri que estava grávida.
Kimberly e Kyle foram as únicas coisas boas que Maxon conseguiu me dar.
Apesar de ambos terem surgido da minha vergonha e humilhação, eu enfrentaria tudo
novamente por eles.
Pelos meus filhos. Pela única causa pela qual sempre pude lutar.
Mas eles não podem saber.
Jamais darei a eles um fardo que não os pertence.
Jamais daria a eles munições para se destruírem.
Minha negligência nos últimos anos, por medo do que Maxon poderia fazer, já foi o
suficiente. O medo de que Kim soubesse sobre o seu passado ou que Kyle soubesse como foi
concebido, era mais alto do que o meu dever de mãe.
Eu os queria em segurança.
E hoje, vejo que poderia ter agido com muito mais agilidade e ter derrubado Maxon
muito mais rápido.
— O que está fazendo aqui? — ele esbraveja assim que o policial aperta o seu ombro
para que permaneça sentado.
— Se recorda de quando eu te disse que poderia fazer o que bem entendesse comigo,
desde que não afetasse os meus filhos?
— Os meus filhos, você quer dizer. — Ele sorri, como se estivesse em posição de algo.
— Lembro bem. Você costumava ser bastante obediente.
Nojo toma conta do meu estômago, mas não deixo que ele perceba.
— Soube que tentou manipular Kyle.
— Você me pinta como um monstro, querida.
— É o que você é.
— E você não é muito diferente. Ou devo te lembrar de como age para defender os seus
clientes?
— Adivinhe com quem eu aprendi.
— O que quer aqui?
Suspiro, enrolando o dedo despretensiosamente no fio do telefone enquanto o encaro,
vendo que está prestes a perder a paciência.
— Você ameaçou os meus filhos. — Maxon continua quieto. — Você tentou e abusou
de várias mulheres. Incluindo, a namorada do seu filho. E imagina a minha surpresa quando
descobri que, há menos de um dia, você foi o responsável por drogá-la?
Não entendo suas motivações. Não entendo porque fazer mal a essa garota dessa forma.
Novamente. E, sendo sincera, não quero me esforçar para entendê-lo ou sequer ouvir
explicações.
Contudo, esse é um fato do qual meus filhos jamais saberão. Eles já têm a plena noção
de que o pai deles não passa de uma pedra no nosso sapato e isso é o suficiente. Não quero nutrir
ainda mais ódio no coração deles por algo que não podem mudar.
Então, eu mesma cuidarei disso.
— Oh, sim, e o que vai fazer em relação a isso? — debocha. — Revidar?
Apoio os cotovelos na mesa e sorrio.
É um sorriso frio.
O sorriso que ele vai lembrar nessa noite.
— Você esquece que sou muito melhor do que você, Maxon — digo. — Não sou uma
mulher de ameaças. Eu vim te dar apenas um aviso e essa será a única chance que você terá de
permanecer aqui.
— Não é como se tivesse o poder de me jogar de uma prisão para outra de forma
simples, querida.
— E quem disse que estou falando de prisões, querido?
Os olhos de Maxon escurecem, sabendo que essa não é uma ameaça em vão. Não é uma
ameaça à sua estabilidade na cadeia. É uma ameaça à sua estabilidade na vida.
— E o que vai fazer? Me matar?
— Exatamente.
— Sabe que essa ligação está sendo monitorada, certo?
— E você se lembra do porquê sempre fui muito melhor do que você em manter a
poeira debaixo do tapete, certo?
— E acha mesmo que acredito em alguma ameaça vinda de você?
Suspiro, fingindo estar decepcionada.
— É melhor não dar sorte ao azar, sendo assim — respondo, lhe lançando o meu melhor
sorriso antes de me dirigir a ele pela última vez: — Aproveite os seus últimos dias, amor. Eu
cuidei para que você fosse muito bem tratado de agora em diante.
Ele tenta esconder, mas vejo o momento em que compreende as minhas palavras e o
pavor toma conta das suas pupilas. Maxon sabe que nunca tive muitos limites quando se trata de
proteger os meus filhos. Ele sabe muito bem qual foi o fim daqueles que tentaram contra a minha
família.
E sabe que não estou blefando.
Coloco o telefone no gancho e levanto-me. Deixo meu olhar correr pelo seu rosto e
corpo, vendo o quão deplorável está. E assim, um sorriso de escárnio cresce em meus lábios.
Mal sabe o que o espera.
E nós que já morremos várias vezes
E já não sentimos nada?
Não sinto nada

Silêncio mata
Hiroshima | Agnes Nunes

— Bom dia, minha bússola. — Kyle beija o meu ombro, deitado atrás de mim.
Faz quatro dias desde que fui drogada.
Quatro dias desde que minha mãe ficou sabendo do que aconteceu e surtou, querendo
pegar o primeiro avião para cá, mas, por sorte, Loren conseguiu acalmá-la, prometendo não tirar
o olho de mim.
Quatro dias desde que Asher foi rápido em perceber que fui drogada e, desde então,
virou um bom amigo e ouvinte.
Quatro dias que Brandon assiste a minha série favorita comigo enquanto a sua loirinha
está costurando.
Quatro dias em que Kimberly e Mia juraram nunca soltar a minha mão, independente da
situação.
Quatro dias que eu me senti amada por todos eles. Quatro dias que tive um novo
atentado contra a minha vida, só que, dessa vez, eu me sinto mais acolhida do que nunca.
Eles se tornaram o verdadeiro significado de família para mim.
— Bom dia — resmungo ao me virar para ele e esconder o rosto no travesseiro por
conta da claridade que perpassa pela janela aberta. — Que horas são?
Kyle se estica para pegar o seu celular na mesa de cabeceira e franze o cenho ao
desbloquear a tela. Percebo que, mesmo o aparelho estando no silencioso, parece estar chegando
muitas notificações de uma vez só.
— Quase onze — murmura, parecendo concentrado em alguma coisa no visor.
— Você me deixou dormir demais, de novo.
Ky não me responde e eu estranho a sua feição concentrada se tornando dura
rapidamente. Me inclino na sua direção e espio o seu celular, mas o que leio na tela me faz
ofegar, surpresa.
Acho que paro de respirar por um minuto inteiro após isso.
— Isso é verdade, Ky? — sussurro. — O que está lendo é verdade?
Ele me olha, mas seus olhos estão opacos. Não há nada ali.
Porém, eu sei que esse olhar não é direcionado a mim. Esse olhar não me vê realmente,
ele vê apenas uma coisa:
A destruição de Maxon Ballard.
A queda do homem que destruiu vidas e sonhos por achar que tinha algum tipo de poder
ou controle sobre o corpo de outra pessoa.
— O New York Times anunciou há pouco — Kyle confirma.
Minhas mãos se movem no automático quando pego o meu celular e abro no navegador,
vendo que os principais meios de comunicação só divulgam uma única coisa.
O sobrenome Ballard estampa todas as chamadas.
Maxon foi encontrado morto nesta madrugada.
Os detentos da penitenciária em que estava souberam de toda a exposição envolvendo o
seu nome e o mataram de forma brutal e fria. O mataram com o mesmo sentimento que ele se
aproveitou para violar o corpo e a mente de tantas pessoas.
Seu rosto estava completamente irreconhecível e teve alguns membros decepados, só
puderam confirmar a sua morte depois de um teste de DNA. Segundo a matéria, havia sangue em
toda a cela, e não duvido que tenha vazado alguma imagem da cena, no entanto, esse é um
detalhe que não quero marcar na minha memória.
A única coisa que ficará em mim quando pensar nele e em toda a desgraça que me
causou, será alívio. Alívio porque ele teve o que mereceu.
Ele pagou com o próprio sangue.
E isso me deixa tão tranquila que nem percebo que estou chorando até que sou rodeada
por braços que me trazem conforto e segurança.
Kyle.
Meu protetor.
— Eu me sinto… — soluço, não tentando e nem querendo frear o meu choro. — Tão
aliviada. Isso me faz uma pessoa ruim?
— Nunca — diz baixinho e beija a minha têmpora. — Ele era uma pessoa ruim. Você
só tem bondade no seu coração.
E então, eu caio em um choro ainda mais profundo, deixando que minhas lágrimas
lavem todo resquício de culpa que carreguei após todos esses anos. Deixo o choro levar todo o
terror de passar noites em claro sabendo que ele estava vivo. Deixo o choro levar o medo de que
ele me procurasse, ou de que machucasse mais pessoas. Deixo o choro levar a minha dor. Meu
medo. Minha cicatriz mais profunda.
Depois de alguns minutos, respiro fundo, me recomponho e então, olho para Kyle.
— Como você está se sentindo? — pergunto baixinho, me virando para ficar de frente
para ele. — Ele era…
— Um monstro — ele não hesita ao me interromper.
— Era o seu pai também. — Sorrio, triste. — Eu sinto muito, amor.
Kyle gruda a sua testa na minha, fechando os olhos.
— Como você consegue, bússola? Como consegue ter empatia assim com um homem
que te deixou marcas tão profundas? — pergunta. — Maxon era cruel. Ele nunca foi um pai de
verdade. Era apenas um homem ruim dentro de um lar repleto de amor que minha mãe lutava
todos os dias para construir para minha irmã e eu. Ele era um verme e finalmente encontrou o
seu lugar.
— Não tenho empatia por ele, Ky. Nem mesmo me sinto mal por isso ter acontecido
dessa forma. — Acaricio suas bochechas. — Mas me preocupo com você, com Kim, com a sua
mãe…
— Todos nós vamos ficar muito melhores sem ele. — Kyle beija a minha testa e volta a
me abraçar apertado. — Sempre ficamos melhor sem ele.
Ficamos na cama, abraçados em silêncio por mais algum tempo, ambos perdidos demais
nos próprios pensamentos, até que Kyle decide que precisamos comer alguma coisa para
enfrentar o dia e assim que chegamos na cozinha, encontramos Loren bebendo uma xícara de
café enquanto assiste ao noticiário em seu iPad, com Kim ao seu lado, parecendo concentrada
em cada detalhe da reportagem. Ela também não demonstra nenhum remorso pela morte do pai.
— Bom dia, minhas crianças. — Loren sorri, sem muito humor. — Pelas carinhas, já
ficaram sabendo.
— Bom dia. — Eu caminho até ela, desejando muito o seu abraço de mãe, que é quase
tão apertado e gostoso quanto o da minha. — Obrigada por sempre ter ficado ao meu lado e
acreditado em mim — sussurro, sentindo as lágrimas novamente.
— Faria tudo de novo — ela sussurra de volta e beija a minha cabeça antes de me soltar.
Kyle e Kim sussurram algo um para o outro que não consigo entender e apenas então,
ele se dirige à mãe, beijando o topo da sua cabeça enquanto eu me preocupo em procurar algo
para comer.
— Como a senhora está?
Loren suspira, consternada.
— Nunca fui a um enterro antes — anuncia. — Isso será esquisito.
— Não precisa ir se não quiser. — Kyle a conforta. — Ninguém irá te julgar.
Loren deixa um pequeno riso sair e Kimberly a acompanha, como se soubesse da sua
resposta.
— Ficou louco? — brinca. — Preciso estar lá para comemorar.
— Bem, ninguém irá te julgar por isso também — Kim debocha.
— Fico triste apenas por uma coisa — diz genuinamente, cabisbaixa ao pensar nisso.
— O quê?
— Eu fico péssima de preto.
E se você me machucar
Bem, está tudo bem, querida
Só palavras sangram
Dentro destas páginas, você apenas me abraça
E eu nunca vou te deixar ir
Photograph | Ed Sheeran

Último período do jogo.


Estamos empatados e eu estou nervoso.
No entanto, essa é a partida que pode nos tornar campeão do March Madness. Que pode
mudar o curso do meu destino, abrindo novas possibilidades.
Eu preciso dessa taça.
Haverá muitos olheiros hoje. É a minha chance.
— Ei. — Asher se aproxima de Brandon e eu, surgindo do vestiário, eufórico. — Vim
desejar boa sorte a vocês.
Ele está vestindo a sua camisa do time, no entanto, não irá jogar. Está aqui somente para
o caso de precisarmos de alguma substituição durante a partida. Não é novidade para ninguém
que o meu melhor amigo entrou no time apenas por causa da bolsa e sempre evita participar dos
campeonatos porque, embora seja bom no basquete, não é isso que ele quer fazer.
Por isso, por saber que hoje haverá muitos olhos sobre nós que podem mudar o rumo
das nossas carreiras, ele decidiu não participar e dar a oportunidade a outros jogadores.
No entanto, mesmo assim, ele está aqui.
Ash nos encara com um sorriso contido. É como se, nesse momento, nós realmente nos
déssemos conta de que as coisas estão finalmente se acertando.
E, porra, isso é legal para caralho.
Quando nos conhecemos, éramos apenas três moleques que não sabiam o que queriam
da vida.
Nossa amizade nasceu por causa do basquete. Não precisamos de mais do que um jogo
para mostrar o que nós conseguíamos fazer juntos em quadra. Não havia time algum que
conseguisse passar por cima de nós. Ainda que saíssemos perdendo, nossa cumplicidade sempre
se sobressaía.
— Ok, correndo o risco de soar muito brega agora… — Brandon diz, sorrindo.
— O que esse sorriso está aprontando?
Minha pergunta é respondida quando ele praticamente se joga em cima de mim, os
braços fortes me apertando em um abraço que quase me sufoca. Demoro alguns segundos para
entender o que aconteceu, mas o retribuo com a mesma força.
— Meu Deus, Mia te transformou em um emocionado — brinco, apesar de estar
começando a ficar emocionado também.
— Vai se foder, Kyle — responde de volta antes que Asher se junte a nós, me
sufocando ainda mais.
Então eu me lembro que esses caras estiveram comigo na minha primeira derrota como
calouro. No meu primeiro porre como universitário. Estiveram ao meu lado mesmo nas milhões
de vezes que fui um babaca sem necessidade. Assistiram partidas de basquete em silêncio
comigo quando eu precisava pensar.
Eles estavam aqui o tempo inteiro.
Meus amigos.
Meus irmãos de alma.
Minha família.
— Encontrei um agente — Dempsey anuncia quando nos soltamos. Meu melhor amigo
coloca as mãos dentro dos bolsos e sorri enquanto nós assimilamos a notícia. — Ano que vem
estarei lutando MMA profissionalmente.
— Sério? — Ele assente, sorrindo. — Porra, cara, isso é incrível.
É a minha vez de abraçá-lo, sabendo que esse é apenas o começo.
— Parabéns, Ash — Bran parabeniza e, mais uma vez, somos três bebês abraçados em
meio a um mar de gente.
Mas foda-se. É isso que somos. Três bobões que reencontram o caminho de casa um
com o outro. Três bobões que dividem uma família barulhenta, caótica e doida. Somos três bobos
apaixonados.
Asher Dempsey ainda vai ser o maior lutador de todos os tempos. As pessoas vão ouvir
o seu nome e não terão dúvidas de que ele é. E Bran e eu estaremos brilhando na quadra.
Com mais essa alegria, olho em direção ao Brandon.
— Vamos voltar e terminar de vencer esse jogo.
É só o início.

Meus olhos a procuram na arquibancada lotada no mesmo instante em que piso na


quadra, procurando os olhos amendoados que são a minha estrela-guia.
Ela está lá.
Minha bússola.
Ela, Mia e Kim estão vestindo as nossas camisetas. Lindas. Nossas garotas.
— Eu te amo. — Consigo ler seus lábios quando me posiciono.
— Eu te amo mais — repito, beijando a nossa pulseira com o símbolo do que ela
simboliza para mim. Meu rumo.
Estou nervoso, mas não com medo. Esse campeonato já é nosso, posso sentir.
Nem mesmo o empate de 52X52 consegue me fazer pensar o contrário quando o árbitro
autoriza o início do último período.
Não quando, em menos de cinco minutos, Hector marca três cestas seguidas, nos
colocando em uma vantagem de sete pontos. O Phoenix Coral’s[18] contra-ataca e acerta uma
cesta de dois pontos, mas antes que possam pontuar outra vez, Brandon, que atua como ala-pivô,
intercepta o passe, aproveitando o rebote[19] para lançar a bola para Denver, o nosso pivô,
fazendo-o marcar mais uma cesta.
De repente, o time adversário consegue dominar a partida e marca duas cestas de três
pontos, nos fazendo avançar com sangue nos olhos, porque esse campeonato será nosso. Nem
que o ganhemos nos últimos segundos.
O tempo parece correr mais rápido aqui dentro e mesmo assim, parece estar lento.
Consigo ouvir tudo. Cada toque na bola, cada barulho que os nossos tênis fazem ao tocar a
quadra, o barulho da torcida entoando… tudo.
Consigo ouvir a voz dela.
Você consegue, minha bússola.
De repente, a bola está nas minhas mãos.
De repente, faltam apenas dez segundos para o fim do tempo.
De repente, a jogada final está nas minhas mãos.
De repente, tudo faz sentido.
Quando tudo silencia e o mundo parece girar em câmera lenta.
Um.
Dois.
Três passos.
E eu acerto a cesta.
60X63.
Vitória.
Somos campeões.
Somos campeões, caralho!
Hector pula em mim, gritando loucamente enquanto os caras levantam Brandon,
jogando-o para o alto. O próximo a ser levantado sou eu ao passo que todo o estádio vibra.
Grito tanto que fico rouco e minha garganta dói.
Mas essa é uma das melhores dores que eu poderia sentir. É de pura felicidade. É o meu
sonho.
Eu consegui. Nós conseguimos. Somos campeões. Porra. Nós temos a taça. Nós temos o
mérito. Fomos os melhores, chegamos até aqui pelo nosso esforço.
Engulo o bolo de emoção, sentindo meu nariz arder e meus olhos pinicarem, mas, dessa
vez, não tento esconder o que sinto. É uma das raras vezes que me sinto pleno, completo.
Em família, com a mulher que eu amo ao meu lado e o fruto do meu esforço como
capitão sendo recompensado.
Me sinto invencível.
— Onde está o meu campeão? — a voz feminina e aveludada grita, se intrometendo em
meio à multidão.
Loren está vestindo uma camiseta com o nosso sobrenome e o meu número e um sorriso
incrédulo cresce em meus lábios quando percebo que está usando um tênis, e tento puxar na
memória a última vez que a vi calçar algo sem ser os seus saltos pontudos.
Não a vi com as meninas na arquibancada, então creio que tenha chegado no meio da
partida. Contudo, esse fato não me importa. O que importa é que ela está aqui agora. Mamãe
sempre foi aos meus jogos, por mais bobos que fossem, no entanto, desde que a faculdade
começou e eu comecei a jogar pelos Panthers, a sua frequência diminuiu por conta do trabalho.
O que não era um problema para mim, mas fico feliz em saber que está aqui hoje.
— Mãe! — Sorrio, animado, abraçando-a com força. — Você veio.
— É claro que vim, meu lindo — ela diz, as duas mãos pequenas e macias segurando o
meu rosto com carinho. Loren me encara radiante, assim como estou por dentro ao vê-la aqui. —
Jamais perderia um momento tão importante para você. Mamãe sempre estará com você e por
você.
Essa mulher.
Ah, Deus, como descrevê-la?
É a melhor do mundo. Minha mãe é a melhor do mundo. Sempre foi, sempre será.
Ela me protegeu, me acolheu, me amou. Ela segurou o mundo nas costas para que eu me
tornasse intocável.
Loren me ama mesmo quando sou a memória constante e inquestionável da sua dor.
Ela beijou as minhas feridas. Colocou meus desenhos na geladeira. Me ajudou a fazer a
minha primeira cesta. Apoiou cada um dos meus sonhos, ainda que parecessem bobos. Loren
honrou o seu título.
Ela é minha mãe, minha amiga, confidente. Ela é tudo. O meu mundo.
— Eu te amo, mãe — declaro, abraçando-a mais forte pelo simples fato de que desejo
dizer isso a ela o tempo inteiro. — Obrigado por me amar de volta mesmo quando não te dou
motivos para isso.
— Ei, ei, ei! — Kim reclama, se enfiando entre meus braços para se juntar ao abraço. —
Não se esqueçam de mim.
— Como esquecer? — debocho, revirando os olhos. — Você vive gritando.
— Mas te amo, e é isso que importa — se defende, sorrindo e beija a bochecha da nossa
mãe. — E amo você também.
— Eu amo vocês, queridos — Loren balbucia, uma lágrima rolando em seu rosto
bonito. — Obrigada por serem a melhor parte de mim.
— Vem, mãe, vamos parabenizar o Bran. — Kim sorri para algo atrás de mim e posso
apostar que é a sua melhor amiga quem se aproxima.
Elas se afastam e me viro, mal tendo tempo para respirar quando uma Diana eufórica e
barulhenta se joga no meu peito, enlaçando suas pernas em volta da minha cintura e estalando
beijos molhados por todo o meu rosto.
Eu sorrio, porque se há uma coisa que consegue me deixar mais feliz do que ser
campeão, é tê-la comigo.
— Eu disse que você conseguiria!
O riso que escapa da minha garganta é tão genuíno e feliz que me faz ansiar por isso
mais vezes. Por esse momento em que orgulho as pessoas que eu mais amo e trago felicidade.
É por ela.
Pelos meus amigos.
Pela minha irmã.
Pela minha mãe.
Pelo meu time.
— Eu consegui — respondo de volta, sem tirar o sorriso do rosto.
— Estou orgulhosa.
— É melhor se acostumar com isso, linda. — Balanço as sobrancelhas, enlaçando a sua
cintura. — Seu namorado será um astro do basquete em breve.
— Mal posso esperar por isso.
Diana ri e me beija, fazendo-me tocar o céu sem sair do chão.
Pra eu te escutar
Não tem pra que dizer uma palavra
O teu silêncio, a tua voz não cala, não
Barulha o tempo todo aqui
Pra eu saber
Que a tua pele me atravessa a alma
Eu nem preciso que você se deixe aqui
Te vejo até na solidão
Te vejo, te sinto, te cheiro até num grão de areia (de areia)
E o mundo revela o teu rosto em todo lugar
Grão de Areia | Rubel feat. Xande de Pilares

Ilha dos Milagres, dois meses depois


Férias.
Depois de um ano que deixou a minha vida de cabeça para baixo, nunca apreciei tanto o
som dessa palavra quanto o gosto maravilhoso do café quentinho que a minha mãe acabou de
passar.
Casa. É onde eu me sinto. É onde estou.
— Seus amigos já acordaram? — mamãe pergunta, cortando algumas frutas.
— Sim, já devem estar descendo. — Deixo a xícara sobre a mesa. — Estão parecendo
uns zumbis por conta do jet lag[20].
— Deveria tê-los deixado dormir mais, coitadinhos. — Ela balança a cabeça.
Reviro os olhos, aproveitando que dona Liane não vê e não pode me culpar pela
malcriação.
— Coitadinha sou eu que tive que aguentá-los no aeroporto, querendo ver tudo, depois
de um voo de quase doze horas — resmungo. — E eles me fizeram prometer que eu os levaria
para a Pedra bem cedo hoje.
— Conte a história dela para eles. — Mamãe sorri, ainda concentrada em suas frutas. —
Ela honra quem acredita.
— Eu sei. — Sorrio. — Você e o meu pai acreditaram nela.
Mamãe me olha com carinho.
— Nossa vida não foi fácil, minha princesa. Não planejamos você, mas pedimos
felicidade genuína e por um tempo precioso, nós a tivemos. — Ela lava as mãos, deixando as
frutas de lado e puxa uma cadeira, se sentando à minha frente. — Você é fruto de um amor
intenso e que só se vive uma vez. Você sempre será a melhor parte de nós dois, Diana.
— Nem todo fim é uma despedida, não é? — digo baixinho, recitando as palavras que
ela me disse no dia do funeral do meu pai. — Agora eu entendo isso.
— Às vezes, isso pode simbolizar apenas o começo. — Mamãe estica a mão sobre a
mesa e segura a minha. — Você ainda tem tanto para viver, minha menina.
— Eu estava morrendo de saudade desse cafezinho feito pelo amor da minha vida!
Minha mãe sorri animada e abre os braços antes de Kyle aparecer na cozinha, fazendo-
me revirar os olhos.
— Meu neném! — Ela o abraça com força. Mais força do que usou para me abraçar
ontem à noite. — Também estava morrendo de saudade de você.
— Eu queria ter ficado mais tempo com a senhora ontem, quando chegamos, mas estava
com tanto sono — ele resmunga, deitando a cabeça no ombro dela. — A sua filha me cansa
tanto.
Mamãe ri.
— Você não precisa bajular tanto a minha mãe, cara — reclamo. — Ela já te ama, eu
não preciso ter que presenciar isso.
— Está vendo? — ele pergunta para ela, apontando em minha direção. — É isso que
tenho que suportar por sua causa.
— Eu estou ouvindo isso — reclamo novamente, rabugenta, porque é assim que Kyle
me deixa mesmo quando estou aproveitando o café que há muito tempo sentia falta. — Por que
tenho a sensação de que não importa quanto tempo passe, você fica ainda mais insuportável?
Ky sorri, finalmente soltando a minha mãe e se inclinando no balcão para me roubar um
selinho.
— Talvez essa seja a minha missão de vida, minha bússola — provoca.
— Tem mamãe Liane para todo mundo, meus amores. — Ela cessa a nossa discussão
ridícula e volta a terminar de arrumar o café da manhã.
E é nesse momento que um Brandon com muitos pontinhos vermelhos no rosto surge
nos corredores com Mia rindo em seu enlaço. Ele não parece nem um pouco feliz com isso, é o
que a sua expressão entrega quando se senta ao meu lado, de braços cruzados, mal se dando ao
trabalho de nos desejar um bom-dia.
— Que diabos… — Kyle começa.
— Ela estava com calor — resmunga, sabendo sobre o que Ky se referia. — Ela estava
com calor e me fez dormir de janela aberta. E sabe o que há do outro lado da janela? Insetos que
nem sei o nome.
— Foi apenas um mosquitinho — Mia diz, rindo, mas é nítido que nem ela acredita
nisso. — Não está tão ruim assim.
— Meu Deus, você está péssimo! — Kim logo aparece, franzindo o seu rosto em
direção ao Díaz. — O que aconteceu com você?
Brandon suspira, mas eu tenho a sensação de que ele quer chorar.
— Não fique assim, querido — mamãe o acalma, abrindo uma gaveta aleatória na ilha
da cozinha e estendendo um tubo para B. — Repelente.
— Caramba, estou morrendo de fome — Asher diz de repente, olhando para Kyle como
se estivesse em alerta.
Franzo o cenho e Ky também, porém, alguns segundos depois, meu namorado parece
entender alguma coisa e volta a relaxar, o que me deixa desconfiada. Olho ao redor, percebendo
que todos eles parecem esquisitos além do normal.
— Sim, nossa, eu também! — ele diz, puxando uma cadeira e sentando ao meu lado. —
Vamos, galera, vamos comer para podermos sair logo.
— Sim, é verdade. — Kim assente, esquisita também.
— Senta, amor. — Mia aponta para a cadeira, empurrando Brandon.
— Tudo isso é ansiedade para conhecer a Pedra? — Semicerro os olhos.
Kyle me encara e sorri. Mamãe solta uma risadinha e eu arqueio uma sobrancelha em
sua direção, mas ela rapidamente se vira e começa a assobiar. Desde quando ela assobia?
O que eu estou perdendo?
— Você não tem ideia do quanto, linda.

— Falta muito? — ouço Brandon choramingar, caminhando atrás de Kyle e eu.


Ele e Asher estão parecendo dois camarões ambulantes. Teimaram em não passar a
quantidade necessária de protetor solar e acabaram se queimando devido ao sol da Ilha nos
primeiros cinco minutos de caminhada e agora só abrem a boca para reclamar.
Kyle não teve muita opção se não passar, porque bastou um olhar meu para que ele
pegasse o tubo fator 60FPS.
— É a décima vez que pergunta isso — respondo.
— Desculpa, Di, mas eu vim curtir as férias e as minhas pernas doem.
— Você é atleta — Kim diz o óbvio.
— O clima desse país parece o inferno. — Asher sai em defesa do amigo. — Com todo
respeito.
Bufo em resposta, voltando a caminhar.
— Chegamos.
Kim pigarreia de repente.
— Água de coco! — Mia grita, apontando para uma barraquinha localizada na areia. —
Precisamos de água de coco!
— Por favor — resmungo. — Vamos… — Perco as palavras quando percebo que todos
já se afastaram com rapidez. — Por que eles não nos esperaram?
— Talvez… talvez seja melhor irmos na frente e eles nos encontram lá — Kyle diz,
olhando ao redor.
— E se eles se perderem?
— Então nos livramos de quatro problemas de uma vez só — brinca e eu rio, deixando-
os para trás.
Franzo o cenho ao segurar a mão gelada e suada de Kyle quando começamos a descer o
pequeno píer até a praia, nos aproximando do nosso destino, mas não digo nada. Ele tem estado
estranho nos últimos dias, não distante, mas parecendo ansioso, principalmente depois que
embarcamos em direção à Ilha. Acredito que seja porque estava muito animado para fazer essa
viagem.
— A Pedra dos Milagres é sagrada — conto, já conseguindo visualizá-la quando
entramos na água rasa em direção a ela. — É realmente milagrosa.
— Por quê?
— A água que sai dela é potável. Os mais velhos contam que essa água atende os
pedidos dos bons corações que a bebem.
— Você acredita?
— Sim. — Assinto, sorrindo. — Foi ela quem me deu você.
— Foi? — Kyle me olha surpreso quando paramos em frente a ela.
— Em uma das férias que mamãe tirou quando trabalhava na sua casa, viemos para cá e
eu pedi você.
— Sempre caidinha por mim — ele brinca, sorrindo de canto.
— Deixa de ser bobo. — Belisco seu braço.
— Vou fazer um pedido também — anuncia, soltando a minha mão.
— É? E o que vai pedir?
Ky suspira dramaticamente, mas não responde e se aproxima da pedra, fechando as
mãos em concha e pegando um pouco da água e levando até à boca. Ele fecha os olhos e sussurra
baixinho, bebendo-a e voltando em minha direção em seguida.
— O que pediu?
— Pedi para que você aceitasse se casar comigo.
Fico estática.
— Tipo no futuro? — falo devagar, não entendendo exatamente de onde surgiu o
assunto.
— Tipo agora — ele responde e, de repente, uma caixinha de aliança surge em sua mão.
Meus olhos se arregalam, minha boca seca e meu coração acelera ainda mais.
— Amor… — é a única coisa que consigo pronunciar.
— Eu… eu estou um pouco mais nervoso do que imaginei e… e eu preparei um
discurso muito grande, mas o que queria mesmo dizer, é que eu te amo. E antes que me pergunte
se tenho certeza disso, a resposta é sim. Tenho certeza de que quero me casar com você desde
que tínhamos quatro anos. Quero me casar com você desde o dia em que entendi que não importa
a direção do vento, você sempre será a minha bússola. Você sempre me guiará para um lugar
feliz. E eu não consigo imaginar viver uma outra vida em que você não esteja lá, aparecendo com
as suas trancinhas rosas e sorrindo como se soubesse que nasci para ser seu.
As lágrimas já estão banhando o meu rosto nesse momento. Minhas mãos tremem. Meu
coração parece querer sair pela minha boca. E eu nunca me senti tão feliz em sentir tudo isso.
— Diz simmmm! — o coro de vozes soa atrás de nós e nem preciso olhar para saber que
são nossos amigos.
Eu deveria saber que eles estariam envolvidos nisso e que estariam presentes em tudo o
que Kyle aprontasse. Eles são os mais barulhentos e enxeridos do mundo, mas não os troco por
nada.
— Sim! — respondo, sorrindo. — Sim! Sim! Sim! Mil vezes sim!
Ky não espera muito para beijar o meu sorriso, tirando-me do chão e nos girando no ar
enquanto nossos amigos gritam e nós nos seguramos com força enquanto as minhas lágrimas de
alegria continuam rolando e ele continua me beijando.
Provavelmente o céu deve ser assim.
— Eu te amo, Kyle.
— Eu te amo mais, Diana.
Ele nos leva até o píer novamente, e é quando muitos braços nos rodeiam e me sinto
completa e leve, como se estivesse flutuando em uma nuvem de felicidade sem fim.
Mia, Kim e eu soltamos gritinhos enquanto observamos com mais calma o meu anel de
noivado e… Deus, não poderia ser mais grata do que sou por ter essas duas.
— Nunca achei que esse dia chegaria — Brandon brinca. — Kyle irá se tornar um
homem de família antes de nós, Ash.
— Não se eu casar primeiro — o lutador brinca.
— Não fode. — Kyle revira os olhos, sorrindo. — Pode casar primeiro, mas quem pediu
primeiro, fui eu.
— E foi graças a mim — Brandon fala mais alto do que os dois, com o dedo para cima.
O que fica bastante engraçado junto ao seu rosto extremamente vermelho por conta do sol e das
picadas de mosquito. — Que fique bem claro que a ideia foi minha.
— Nós ajudamos. — Asher revira os olhos. — Não seja prepotente.
— Eu providenciei a aliança — Kim diz, sempre competitiva.
— Ah, meu Deus, já estou imaginando o vestido perfeito. — Mia está tão feliz com isso
que parece até que é ela quem irá se casar.
E isso só faz com que o meu sorriso se torne ainda mais genuíno. Ainda há lágrimas no
meu rosto quando me dou conta.
Esse realmente é o meu futuro. Minha família grande e barulhenta que não me deixa em
paz.
Minha bússola me encara como se soubesse exatamente o que estou pensando e um
silêncio recai entre os nossos sorrisos e a nossa emoção.
— Vocês são o meu lugar feliz — Kyle diz.
— Hoje. — Kim sorri.
— Amanhã. — Bran abraça Mia.
— Para sempre — a loirinha complementa.
— Em todos os universos existentes. — Asher beija a bochecha da minha melhor amiga.
— Até o fim dos nossos dias.

FIM.
CINCO ANOS DEPOIS
— Sou eu que vou seguir você do primeiro rabisco até o bê-a-bá… em todos os
desenhos coloridos vou estar… — A voz doce e melodiosa me guia até o fim do corredor. — A
casa, a montanha, duas nuvens no céu e um sol a sorrir no papel[21].
Minha bússola está segurando Lorena em seu colo enquanto Anthony está deitado em
suas pernas, recebendo carícias em seus cabelos escuros. O quarto está a meia-luz, apenas o
abajur ilumina o ambiente, criando um ar confortável para que durmam logo.
— Mamãe — Anthony a chama baixinho.
— Sim, meu amor.
— O papai vai chegar logo? — ele pergunta e pela voz mansinha, está com sono. —
Não quero dormir hoje sem um beijo de boa-noite dele.
Porra.
O campeonato começou há algumas semanas e os treinos, as entrevistas e tudo o que
envolve o marketing têm estado a todo vapor. Tenho saído de casa muito cedo e voltando muito
tarde, mal estou pegando-os acordados e isso tem partido o meu coração, porque embora ame o
meu trabalho e o basquete, não gosto de estar longe deles.
Anthony, por ser o mais velho, é o que mais tem sentido a minha falta, mas Lorena não
fica muito atrás, visto que eles têm apenas um ano e alguns meses de diferença. Diana é quem
tem me dado todo o apoio sobre isso, me lembrando todos os dias que é o meu trabalho, o que eu
amo fazer, e que não sou um pai ruim por conta disso.
Sem ela, tenho certeza de que estaria perdido e me sentindo imensuravelmente culpado
agora. Meu pilar. Minha bússola.
Hoje mais cedo, ela me encaminhou uma foto de um desenho que Lorena fez na escola e
entre os muitos riscos sem sentidos, entendi que a minha bebê de dois anos de idade havia
desenhado nós dois no balanço que temos no jardim de casa. Por isso, avisei ao meu treinador
que não poderia ficar até o final do dia e vim para casa o mais cedo que consegui.
— Ninguém vai ficar sem beijo hoje. — Entro no quarto, fazendo três pares de olhos
lindos brilharem na minha direção.
— Papai! — Lorena desperta rapidamente, como se não estivesse sendo embalada há
poucos segundos, se desfazendo dos braços da mãe com rapidez e descendo da cama, afoita,
tropeçando nos próprios pés, mas, por sorte, consigo segurá-la a tempo. — Papai! — Ela pula no
meu colo, arregalando os olhos.
— Oi, meu furacão. — Beijo sua bochecha gordinha, a abraçando e acalmando a sua
euforia.
Nosso pequeno furacão é a réplica da mãe. Pele marrom-clara, lindos cachinhos
volumosos, olhos grandes e brilhantes, além de uma boquinha esperta. Graças a Deus, estamos
no fim do Terrible Two[22], que nos deixou de cabelo em pé, já que Anthony era muito calmo na
idade dela.
Lorena teve um desenvolvimento muito rápido, é agitada, dificilmente aceita um não
sem argumentar e consegue até mesmo tirar o pobre Anthony do sério. Mas na maior parte do
tempo, é apenas a nossa garotinha educada, amorosa e que adora dormir em cima de mim desde
que saiu da barriga da mãe. Minha princesinha perfeita.
— Saudade — ela enrola a língua para falar em português e beija minha bochecha.
— Eu te amo, amor da minha vida. — Beijo seus cachinhos, fazendo carinho em suas
costas, e Anthony também desce da cama, mais calmo e aceitando a ajuda de Diana. — Oi,
campeão.
— Oi, papai. — Ele sorri. — Eu também fiquei com saudade.
Entrego Lorena à Diana e aproveito para deixar um beijo na testa da minha esposa antes
de caminhar até ele e o pegar no colo, sentando na cama ao lado delas.
— O papai morre de saudades de vocês quando está fora de casa, amor. — Olho nos
olhos dele para que entenda. — Você, sua mãe e sua irmã são os meus tesouros.
— Eu sou um tesouro? — Ele sorri, colocando a mãozinha no meu rosto e fazendo
carinho.
Quando Anthony nasceu, a nossa vida estava uma loucura. Diana havia acabado de
trocar de emprego e eu estava fazendo o meu nome em um grande time da liga. Foi um susto.
Não planejamos e muito menos esperávamos. Choramos abraçados por duas noites. Felizes, com
medo, apavorados, mas nos sentindo abençoados.
Estive da primeira à última consulta ao seu lado. A ajudei a descobrir qual tipo de parto
gostaria de ter. Segurei sua mão durante as contrações, cortei o cordão umbilical e quando ele
chorou pela primeira vez, nos meus braços, o seu choro acalmou tudo dentro de mim. Meu
menininho de luz. Calmo, atencioso e tímido. Anthony nasceu para nos ensinar a desacelerar.
Diferente da irmã, meu primogênito é uma pequena cópia de mim. Pele clara, olhos
escuros e cabelos lisos, que ele adora que eu bagunce. Sua pessoa favorita no mundo é Diana e
lhe dou total razão. Ela é a minha também.
— O mais precioso que a mamãe e eu temos. — O abraço, mantendo-o bem pertinho.
— Eu te amo, meu campeão.
— Te amo, pai. — Ele sorri, olhando para cima.
— E a mamãe, ninguém ama, não é? — Diana chama a nossa atenção, fazendo uma
expressão de falsa mágoa.
— Eu amo, mamãe — Lorena se apressa em dizer, agarrando-se ainda mais a ela.
— Eu também amo.
Ela é uma mãe foda. Uma esposa incrível. Uma profissional exemplar. A mulher mais
destemida que já conheci. E é toda minha.
— Já que o papai deu o beijo que prometeu — começo com carinho, mas sendo firme
para que entendam que está muito tarde. — O que acham de irem dormir agora?
— Podemos dormir aqui? — Anthony pergunta. — Quero ficar com vocês hoje.
Troco um olhar com Diana e ela assente.
— É claro, campeão — concordo. — Estaremos bem aqui quando acordarem.
Deito-me na nossa cama e meu menino se aconchega em meu peito enquanto Lorena
curte seu agarre em Diana, que também se deita do nosso lado. Minha bússola continua ninando
a nossa caçula ao passo que aliso devagar as costas de Anthony para que pegue no sono.
— Mamãe? — ela a chama em meio a um bocejo.
— Sim, querida?
— Continua cantando…
Consigo ver o sorriso de Diana mesmo com a pouca claridade.
— Sou eu que vou ser seu colega, seus problemas ajudar a resolver. Te acompanhar
nas provas bimestrais, você vai ver. Serei de você confidente fiel, se seu pranto molhar meu
papel.
Quando a canção termina, os dois já estão em um sono profundo e a única coisa que
fazemos é ajeitá-los no meio de nós dois de forma confortável e os cobrir. Após isso, Diana se
deita de lado e eu faço o mesmo, encarando-a com um sorriso no rosto.
Todas as vezes que olho para ela parece a primeira. Eu não me canso de encará-la.
— Kim mandou o convite para o aniversário de Agnes hoje — ela fala baixinho.
— Já comprei o presente — assinto. — Um carro elétrico infantil. Ela vai amar.
— Kyle! — Minha esposa arregala os olhos e sei que se não fosse as crianças entre nós,
estaria gritando comigo. — Asher vai te matar. Ele não deixa que a menina ande de bicicleta por
medo de que se machuque.
— O problema é dele. — Dou de ombros. — Precisava ganhar de Brandon no presente
desse ano e ela já vai fazer seis anos.
— O aniversário de Josh e Sarah também está chegando — ela me lembra, séria. — Não
invente moda ou Mia vai te dar mais um tratamento de silêncio, como no ano passado.
— Ela que é uma mãe muito chata — resmungo.
— Você deu quadriciclos para gêmeos de dois anos de idade, amor.
— E eles amaram! — digo, me exaltando.
Ela ri, desacreditada de mim e eu continuo sorrindo quando seu riso cessa. Di continua
me encarando, os olhos cansados e amorosos me encarando como se, assim como eu, estivesse
passando um filme em sua cabeça de tudo o que passamos para chegarmos até aqui. Até esse
momento.
— Quem diria que estaríamos assim um dia, não é?
— Eu sempre soube — me gabo.
— Não seja prepotente. — Revira os olhos, esticando o braço até mim para acariciar
minha bochecha com carinho, apesar da repreensão.
— Você é o meu guia, amor — digo, beijando a palma da sua mão. — Sempre foi.
Porque embora tenha perdido o controle um dia, por ela, valeu a pena.
Embora tenha brincado com o acaso ao duvidar dele, por ela, valeu a pena.
Fingir odiá-la foi apenas uma das pequenas coisas que o meu coração tentou fazer para
afastá-la. Sem sucesso, obviamente, pois é impossível sentir qualquer coisa que não seja amor
por essa mulher.
Porque ela ainda persegue todos os meus pensamentos.
Ela ainda me irrita, briga comigo por besteira e me faz perder a cabeça.
Por isso, ela é minha esposa agora.
Mãe dos meus filhos.
Minha bússola.
Meu lugar feliz.
Iniciar e finalizar essa trilogia me trouxe um gosto agridoce.
Muita coisa aconteceu em um ano.
Muita coisa foi perdida em um ano.
Muita coisa mudou em um ano.
E agora, estou finalizando um ciclo. Um ciclo repleto de ensinamentos. Um ciclo no
qual aprendi e ganhei incontáveis coisas boas. E, se está lendo isso, provavelmente é uma delas.
Essa trilogia mudou a minha vida de formas que não achei que seria possível.
As páginas desses livros têm mais de mim do que achei possível conseguir colocar no
papel um dia. Eu achei que não conseguiria. Que iria acabar com tudo antes mesmo de começar.
Mas estão aqui.
Alguns dos meus muitos estilhaços.
Meu egoísta.
Meu medo.
Meu sonho.
Curiosamente, a vida imitou a arte muitas vezes durante esse ano.
Meu egoísmo me cegou. Meu medo triplicou. E o meu sonho, em muitos momentos, foi
posto à prova por mim mesma.
Porém, se há algo que aprendi com esses três, é que não importa para onde o vento me
leve, eu continuo de pé. Não porque sou forte e invencível. Não porque sou corajosa e altruísta.
Eu continuo de pé porque não importa para onde o vento me leve, há muitas pessoas aqui,
amparando a minha queda. Juntando os meus pedaços e é a elas que eu gostaria de agradecer
nessa página.
A Deus. Esse Cara… como descrevê-lo? Minha fé foi algo no qual, por muito tempo,
ficou perdida dentro de mim. Eu deixei com que meu medo fosse maior do que a minha coragem
e em algum momento, me escondi em uma caixa escura e fria, onde não parecia haver saída. No
entanto, Ele estava lá. Ainda que eu não visse. Ele está aqui. Ainda que eu não o veja. Ele me
amparou quando precisei, foi o meu alicerce, meu caminho e proveu a paz que meu coração
necessitou durante esse ano. Então, obrigada, meu Deus. Obrigada por me amar.
À mainha. Por todas as vezes que segurou o mundo nas costas para que as minhas não
doessem. Por toda a paciência que tem enquanto passo horas em frente ao computador. Por todas
as vezes que cuida de mim até contra a minha vontade. Por acreditar em mim, no meu sonho e
entender que os meus medos não são bobos. E por não me deixar passar fome quando me
empolgava demais nesse arquivo.
À Annie, por ser a outra metade do meu neurônio. Por me aguentar reclamar do Kyle
por horas e defendê-lo mesmo assim. Obrigada por ser a minha metade. Obrigada por ser a
minha irmã de alma. Às vezes, sinto vontade de te xingar das piores formas possíveis, mas te
amo tanto que nem mesmo a distância consegue superar isso. Obrigada por sempre guiar um
caminho seguro para mim e por consertar o que não quebrou. Amiga, eu não acredito em destino,
mas às vezes acho que ele mandou você para mim. E tenho certeza de que não importa o que
aconteça, nós sempre estaríamos fadadas a nos encontrarmos. E sou tão grata a Deus por isso que
nem sei como descrever aqui. Esse livro não teria acontecido sem a sua ajuda, sem o seu
incentivo, muito menos sem as milhares de horas em call.
À Pigmalateia, que não se cansa de ler o próprio nome nesta página pela sei-lá-quantas-
vezes. Obrigada por ser o meu lado pensante, por ouvir as vozes da minha cabeça e por me ajudar
em cada processo desse livro. Não só nessa, mas em todas as outras milhares de histórias que já
contei, que irei contar e até mesmo aquelas que nunca estarão entre nós (tchau, Gael). Obrigada
por me ajudar em cada passo desse processo apesar dos pesares e por segurar as pontas quando
quis apagar tudo. E obrigada, principalmente, por falar mal do Kyle comigo. Amo você, Pig.
À minha equipe de betas. Dessa vez, eu não deixei elas loucas com capítulos em cima
da hora (olha o avanço). No entanto, seria um crime não mencionar cada uma delas aqui: Ana
Laura Maniá, Bianca Oliveira, Camilla Carneiro, Eduarda Mota, Júlia Barcelos, Karolyne
Aparecida, Larissa Lago, Maria Nayane, Mariana Soares, Marilia Goes, Rayssa Martins, Tan
Wenjun, Thiffany Amarante e Yasmin Vitória.
Cada uma dessas garotas foram essenciais para que essa história nascesse. Sem elas,
esses dois não seriam os mesmos. Eles não seriam eles, e ninguém estaria lendo isso aqui.
Saibam que sou grata a cada uma de vocês por terem surtado por eles e comigo, e por todo o
apoio que me deram em todo esse processo. Eu amo vocês. Obrigada por serem um time
perfeito.
À Tan Wenjun, minha revisora perfeita, que não poupou esforços para me ajudar não só
com a revisão como em toda a construção do livro. Amiga, obrigada por todo o apoio e
dedicação com Kyle e Di. Eu amo você.
À Ariadne Pinheiro, uma das minhas autoras favs, da qual tenho o prazer de dizer que
faz parte da minha equipe hoje em dia; obrigada por arrasar em cada detalhe da identidade visual
desse lançamento, ami, você já sabe o quanto amo você e sou grata demais em te ter na equipe.
À Camille Gomes, minha diva perfeita, que cuidou de cada pedacinho desse lançamento
para que ficasse impecável. Obrigada por tudo, amiga, você é demais e foi crucial para todo o
processo desse livro.
À Ana Laura Maniá, que cuidou do meu grupo de leitoras enquanto eu estava distante
com tanto carinho. Amo você, Ana, prometo que não irei demorar para escrever o seu fav.
À Isamara Gomes. Obrigada por me ajudar a finalizar esse livro com a responsabilidade
necessária.
À Iara Braga, que apesar de ter me perturbado sobre um certo vídeo meu que ninguém
nunca irá ver (isso é uma ameaça para a Iara, Duda e Ana), foi essencial para a construção da Di.
E que também foi um presente muito bem-vindo que ganhei do mundinho literário e que amo
muito.
Às minhas parceiras incríveis, que estão dando o seu melhor na divulgação desses dois.
Obrigada por todo o apoio, carinho e dedicação que vocês estão tendo por esse livro. Saber que
vocês estão tão ansiosas por eles me faz acreditar que tudo isso valeu a pena.
E por último, e não menos importante, a você, leitor. Por ter lido essa trilogia até aqui,
ou até mesmo, por ter começado a trilogia através deles. Obrigada por me proporcionarem os
melhores surtos e sempre apoiarem as minhas leituras.
E antes que eu esqueça;
Se permita perder o controle de vez em quando. Você é jovem. Sempre será e não
importa o quanto tentem te fazer acreditar o contrário: você é o suficiente.
Brinque na chuva. Desafie o destino, ou melhor, crie o seu próprio. Pode estar sozinha
agora, mas você ainda se tem e isso é mais do que incrível.
Por favor, nunca mais finja odiar coisas que gosta por medo, culpa ou qualquer outra
motivação. A vida é curta demais, e a gente só tem essa para aproveitar. Nenhuma a mais.
Seus estilhaços são o que te tornam únicas.
Tenha orgulho deles.
E lembre-se sempre: nem todo fim simboliza uma despedida. Às vezes, ele pode
significar apenas o início de algo muito bom.
Até breve,
Júpiter.
ONDE ME ENCONTRAR
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PLAYLIST
A DERROCADA DA CORTE
PARTE I - SERÁ
01
02
04
05
06
07
08
09
10
PARTE II - CAFUNÉ
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
PARTE III - SAUDADE
21
22
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29
30
EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
[1]
Time de basquete fictício que pertence ao Universo da autora.
[2]
New Haven é uma cidade localizada no estado americano do Connecticut, no condado de New Haven.
[3]
LeBron Raymone James é um basquetebolista norte-americano que atua como ala pelo Los Angeles Lakers.
Apelidado de King James, é amplamente reconhecido como um dos maiores jogadores de basquetebol de todos os tempos.
[4]
O Sacramento Kings é um time de basquete profissional americano com sede em Sacramento, Califórnia.
[5]
Ilha fictícia que pertence ao universo da autora. O livro Tinha Que Ser Você, disponível na Amazon e Kindle Unlimited, é
ambientado nessa ilha.
[6]
Empresa de engenharia fictícia que pertence aos pais dos personagens do livro 2 da trilogia: Brincando Com O Acaso, que
está disponível na Amazon.
[7]
Time de basquete fictício do universo da autora.
[8]
O March Madness é o principal torneio do basquete universitário norte-americano. Nele, 68 universidades
disputam a competição em formato de mata-mata até sobrar apenas um, no melhor sentido de: “Perdeu? Tá fora”. O nome não é
à toa, afinal, esse formato é extremamente propício a zebras, os chamados upsets.
[9]
“Qual Seu Número?” é um filme de comédia romântica estrelado por Anna Faris e Chris Evans. É baseado no livro 20 Times
a Lady de Karyn Bosnak. O filme foi lançado no dia 30 de setembro de 2011.
[10]
Ringue clandestino em que Asher (personagem de Perdendo o Controle) luta. Lugar fictício, criado apenas para melhor
ambientação da trilogia.
[11]
Igor Valente é personagem secundário do livro “Tinha Que Ser Você”, disponível na Amazon.
[12]
A Divisão I da NCAA Basketball Championship é um torneio de eliminação simples entre 68 times universitários
dos Estados Unidos da América, organizado pela National Collegiate Athletic Association (NCAA). As semifinais e finais
costumam ser disputadas em estádios com capacidades superiores a 40 mil espectadores em vez de arenas regulares de basquete.
[13]
Essa jogada acontece quando é cometida uma falta que se caracteriza como uma conduta ou contato ilegal contra o
adversário.
[14]
É uma cidade no sudeste do condado de New Haven, Connecticut, EUA, ocupando uma localização central na
costa de Long Island Sound. É uma pequena cidade praiana.
[15]
É a área de estudo que combina elementos da Psicologia e da Pedagogia, visando formular adequadamente
métodos didáticos e pedagógicos.
[16]
Também chamada de Estrela do Norte ou Estrela Polar é a estrela mais brilhante da constelação da Ursa Menor.
[17]
É uma substância psicotrópica usada frequentemente como droga recreativa. Os efeitos recreativos desejados mais
comuns são: aumento da empatia, estado de euforia e sensação de prazer.
[18]
Time fictício que pertence ao universo da autora.
[19]
É uma estatística concedida a um jogador que recupera a bola após uma cesta perdida.
[20]
Distúrbio temporário do sono que pode afetar pessoas que viajam rapidamente em vários fusos horários.
[21]
O Caderno, canção do cantor brasileiro Toquinho.
[22]
Terríveis Dois, em tradução livre. A frase dos dois anos em que normalmente as crianças ficam mais agitadas.

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