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MASKED HEARTS

SÉRIE SAINT VINCENT 3

COPYRIGHT © 2023 ANNIE BELMONT


Todos os direitos reservados

Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.

Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte desta obra, através de
quaisquer meios ― tangível ou intangível ― sem o devido consentimento. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens e situações são produtos da
imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera coincidência.

Capa: Larissa Chagas (@lchagasdesign)


Diagramação: Annie Belmont; April Jones e L. Júpiter
Revisão: Camille Gomes (@k.millereditorial) e Pigmalateia
(@pigmalateia)
Leitura Sensível: Iara Braga (@autoraiarabraga) e Letícia Caroline
(@letbookstan)
Leitura Crítica: Pigmalateia (@pigmalateia)
Leitura Beta: Ana Laura Maniá, Bruna Celestino, Esther Hadassa,
Isabella Martins, Karolyne Gonçalves , Ketlyn Viana, Maria E. Klazer,
Izabela Frazão, Tatiane Brandão, Thiffany Amarante, Tan Wenjun e
Thais Souza.
Ilustração do Casal: Eduarda Oliveira (@arda.arts)

Masked Hearts
[Recurso Digital] / Annie Belmont — 1ª Edição; 2023
+1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New Adult 4. Ficção I. Título
Novamente, sejam bem-vindos a nossa cidade caótica!
Oi, eu sou a Annie e quero que saiba, de antemão, que será um prazer
compartilhar mais uma vez com você um pouco do que Saint Vincent
significa para mim.
Mas, antes de tudo, preciso te contar um segredo. Não é sobre Saint
Vincent, mas é sobre mim: eu sempre me senti insuficiente. Sempre
acreditei que não era capaz de chegar até onde me propunha, porque não me
achava merecedora.
Eu me sentia assim até Masked Hearts. Até que Analu e Levi se
sentaram ao meu lado em um ônibus lotado durante a minha última semana
de estágio e sussurraram em meus ouvidos que nós três somos suficientes.
E, que nunca, em hipótese alguma, pararíamos de dançar.
E era a verdade. Nós não paramos. Nós nunca vamos parar!
Então, com isso, lhe digo que, assim como em Broken Hearts eu mostrei
que perdoar a si mesmo é necessário e, em War of Hearts, que devemos
continuar mesmo quando o mundo nos diga para fazermos ao contrário, em
MH eu quero te mostrar que você é suficiente. Que cada pedacinho de você
é especial. Que mesmo que acreditemos que não sejamos merecedores do
amor, da confiança e das amizades, nós somos. Nós somos donos do nosso
coração. Ninguém mais.
Por isso, este livro é como um recomeço. Um recomeço onde quero te
mostrar que você pode tudo. Que você é tudo. Então sinta. Sinta a dor que
seu coração pedir, chore se for necessário, sorria quando sentir vontade e, se
for preciso, grite.
Liberte o que você sempre guardou dentro de si.
Apenas retire sua máscara e viva. Porque, como Oliver Wright um dia
disse: Você é inigualável. E, ninguém nunca deve ditar o quão merecedor
você é.
Dito isso, preciso lembrar que, assim como nós, todos os personagens
deste livro também cometem erros e são imperfeitos. Eles sofrem, se
arrependem e evoluem. Posso dizer de antemão que a história de Analu
Parker e Levi Johnson também não é uma história feliz, ela é dolorosa e
crua. Te ensina que às vezes estamos machucados demais para perceber o
que nos rodeia. Que, às vezes, a luta contra a nossa própria mente pode ser
árdua.
Então, por favor, leia atentamente a nota de gatilhos disponível na
próxima página. E, se caso você não se sinta confortável com algum dos
assuntos listados, por favor, não prossiga com a leitura. Sua saúde mental
SEMPRE será importante para mim e é lógico, vale mais que qualquer
entretenimento.
E, se caso esse seja o seu primeiro contato com a série Saint Vincent,
preciso frisar que mesmo que Masked Hearts seja um livro independente,
ele é totalmente entrelaçado nos livros anteriores a este, que também
estão disponíveis na Amazon e no Kindle Unlimited. Para uma melhor
experiência, aconselho a lê-los primeiro.
Sem mais, desejo a cada leitor uma ótima leitura e que esse grupo que se
tornou família, a cidade mais caótica do condado e a universidade mais
amada do país, conquiste você mais uma vez!

Com todo o meu amor,


Annie Belmont
Masked Hearts é um livro sobre aprender que nem tudo o que
acreditamos, é verdade. Sobre conhecer a si mesmo e entender que muita
das vezes, a solidão pode ser dolorosa, pode nos arrastar para um lugar onde
ninguém deveria ir.
Portanto, MH POSSUI GATILHOS PARA PESSOAS SENSÍVEIS
AOS TEMAS:
Negligência familiar, violência psicológica gráfica, uso excessivo
de álcool, menção ao uso de drogas, depressão, automutilação, luto,
linguagem imprópria, negligência e abandono parental, aborto, relação
familiar tóxica e cenas de sexo explícito e implícito.
Deste modo, a leitura não é recomendável para menores de 18
anos.
Com isso, gostaria de alertar que, se em algum momento você
precisar de ajuda, ligue para o número 188. O CVV (Centro de
Valorização a Vida) realiza apoio emocional e prevenção do suicídio,
atendendo de forma voluntária todas as pessoas que querem conversar por
telefone.
Além disso, se você já passou ou conhece alguém que passa por
algo semelhante ao que os protagonistas de Masked Hearts sofreram, por
favor, ligue para o número 100 e denuncie!
Friso também que embora não seja o foco do livro, há um
personagem com o transtorno do espectro autista (TEA) que se enquadra na
autista de suporte 1, ou seja, leigamente falando, é o nível mais leve. E
apesar de não haver cenas de crises gráficas, há relatos de seu
comportamento.
TEA é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado por
desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na
comunicação e na interação social, padrões de comportamentos repetitivos
e estereotipados, podendo apresentar um repertório restrito de interesses e
atividades.
Novamente, reitero que sua saúde mental SEMPRE será importante
para mim e é lógico, vale mais que qualquer entretenimento. Então, caso
você seja sensível a qualquer um desses assuntos, tenha cuidado e se
necessário não prossiga com a sua leitura.
Se cuide.
Annie Belmont.
Ouça a Playlist de MASKED HEARTS
no Spotify.
Para você que mesmo estando em meio a dezenas de pessoas, se sentiu
sozinho.
Que precisou construir seu próprio castelo,
Que ganhou sua armadura lutando contra sua própria mente,
Que aprendeu que a solidão pode ser dolorosa,
E que encontrou um lar em meio às páginas.
Esse livro é para vocês, para lhe mostrarem que vocês não são fracos, nem
insuficientes. Vocês são tudo!
E, para você, vovô, que me ensinou que o mundo poderia me machucar,
mas você sempre estaria ali para me ajudar a curar as feridas.
você não precisa fazer silêncio
falar baixo
ser bem-comportada
se vestir de um jeito inocente
não precisa mudar por ninguém
além de si
quando ele chegar
te amará por quem você é
e não por uma versão inventada
feita pra tapar espaços

Textos Cruéis Demais Para Serem Lidos Rapidamente - Igor Pires


Sou amiga de um monstro
que está debaixo da minha cama
Me dou bem com as vozes dentro da minha cabeça
Você está tentando me salvar
The Monster | Rihanna

Eu costumava acreditar em contos de fadas. Em castelos encantados,


fadas madrinhas e príncipes em cavalos brancos.
Acreditava que o mundo era cor de rosa e o arco-íris possuía mais de
sete cores.
Eu acreditava em tanta coisa.
Então, eu cresci.
Com isso, compreendi que todas as coisas nas quais eu acreditava eram
apenas uma mera fantasia da realidade. No cotidiano, todas essas ideias
fantasiosas são apenas uma ilusão inventada pela sociedade. Não há
castelos, fadas ou príncipes.
Na verdade, a rainha que deveria proteger a princesa, muita das vezes, é
a madrasta má. O rei, que deveria proteger o reino contra todo o mal, é
apenas o bicho-papão escondido em trajes finos e traidor da confiança
daqueles que ele tanto cobra lealdade.
E a princesa... A princesa delicada que usa os vestidos caros, mantém o
sorriso perfeito e carrega uma coroa cravejada em diamantes, esbanjando
seu título pelo reino, é apenas uma garotinha assustada e abandonada nas
penumbras do castelo.
Ignorada. Negligenciada. Esquecida.
Uma filha indesejada que encontra companhia na dor, faz amizade com
a solidão e se diverte com o bobo da corte.
Porém, quando essa mesma princesa aprendeu que o castelo deixou de
ser seu lar e se tornou prisão, ela compreendeu que precisaria se tornar o
dragão. Tomar a torre e conquistar o seu próprio reino.
Então, ela fez isso. Fez para se proteger. Para não deixar que outras
pessoas tirassem o que ainda lhe restava.
E foi nesse momento que a boneca de porcelana começou a rachar.
E não quero sentir o quanto meu coração está rasgando
Fato, eu não quero sentir, então fico bebendo
E estou na cidade com uma missão simples
No meu vestidinho preto e essa merda está resolvida
Escapism | Raye feat. 070 Shake

Existe uma teoria de Friedrich Nietzsche[1] que fala sobre o Amor Fati.
Mais precisamente sobre aceitar o supremo ato do amor-próprio. Aceitar
o que nos foi dado e tirado. O bom e o ruim. A dor e o prazer. Sentimentos
inerentes à vida.
Devemos amar o que nos acontece e o que nos acontecerá. Deste modo,
reconhecemos quem somos e tudo o que aconteceu para que chegássemos
até onde estamos e entendermos que tudo foi necessário. Que precisava
acontecer da forma como aconteceu. Até mesmo as que foram
tremendamente injustas e as que nos fizeram questionar: e se tivesse
acontecido diferente?
Todavia, cada uma dessas dores, cicatrizes e memórias, nos ensinou
alguma coisa. Por essa razão, merecemos o nosso amor. Não porque foram
experiências boas, que tiraram sorrisos e felicidade de nossa alma, mas sim,
porque são parte de quem somos; mesmo não estando felizes com que nos
tornamos.
E é nesse ponto que o amor fati nos ensina que foi por conta desses
acontecimentos, que agora sabemos o que precisamos mudar e que não será
fácil.
Eu concordava com essa teoria. Concordava até alguns dias atrás, pelo
menos.
Pois, o amor fati pode ter me ensinado a aceitar tudo que passei, que
mereço o amor-próprio. Só que dentro desta teoria, não há um tutorial
explicando que quando nosso coração é tirado do nosso peito, rasgado em
pedaços e pisoteado pelas pessoas que deveriam nos amar, o amor-próprio
passa a ser mero detalhe.
Esse sentimento que nos ensinam a ser primordial em nossa vida, acaba
se escondendo atrás das muralhas, envolto a uma placa de metal. Protegido.
Ele deixa de existir quando passamos a ser considerados objetos.
Um meio para um fim.
Uma marionete em um casamento de fachada.
Uma maldita segunda opção para aqueles que deveriam nos amar desde
a concepção.
O amor-próprio é apenas um karma para aqueles que não acreditam
serem merecedores desta emoção.
Por esse motivo – e por não aguentar mais viver lastimando o que
aconteceu em minha vida – que, neste exato momento, estou em uma festa
aleatória de alguma fraternidade dos jogadores da Saint Vincent University,
ignorando meu celular que toca intensamente em minha mão e levando a
garrafa de destilado até meus lábios, sentindo a queimação em minha
garganta ao mesmo passo que caminho pela sala infestada de universitários
bêbados.
Ergo o objeto de vidro novamente, levando-o até minha boca e
engolindo uma boa quantidade em comemoração pela traição que queima
em meu âmago.
Bebo todo o líquido, ao mesmo tempo, que jogo meu corpo para cima,
pulando entre as pessoas e deixando que a melodia da música que está
emergindo nas caixas de som, evoque a excitação do momento ao invés da
tristeza que assola minha alma.
Todavia, não é suficiente. Nada é.
O álcool queima minha garganta, enquanto sinto o estilhaço em meu
peito por ter acreditado que não estava mais sozinha e me decepcionado
outra vez.
Outro gole pela sensação de abandono. Outro pelos olhos frios daquele
que deveria me amar e mais um pela pessoa que dizia ser minha amiga, mas
cravou uma faca em minhas costas.
A cada gole, um novo machucado.
Um novo estilhaço por ser a pária da família.
Um novo motivo para me quebrar.
— Eu acho que você já bebeu demais — uma voz suave, com um toque
de preocupação faz com que abaixe a garrafa e encare minha nova
companhia. — Eu estou falando sério, Parker.
Verônica Blackwell.
A mulher que pode colocar o mundo aos seus pés sem mover o dedo, me
encara com os olhos preocupados, como se importasse para ela o que está
acontecendo comigo, mesmo que uma parte de mim sempre saiba que nossa
amizade é frágil como vidro. Pois, é assim para mim, tudo é momentâneo,
nada é perpétuo.
Eu a perdi no passado pela ambição dos meus pais e pelo nosso
egoísmo. Agora sei que estou prestes a fazer a mesma coisa por não
conseguir deixar de ser uma bomba atômica, prestes a explodir e destruir o
que me rodeia e quem tenta se aproximar.
Quem tenta me salvar.
Alguém tão insignificante como você não merece salvação, querida.
A voz da pessoa que odeio com todo o meu ser, emerge em minha
mente. Me lembrando da verdade. Da minha maldita sina.
Verônica cruza os braços em frente ao corpo, chamando a minha
atenção. O movimento destaca o casaco curto de botões prateado que
combina com a blusa branca com um enorme laço na frente e a saia com
uma pequena fenda. Percebo, então, que não está aqui para a festa.
Ela não veio para comemorar a vitória do time de lacrosse ou vôlei, não
sei ao certo.
Não veio para ficar bêbada e dançar.
Ela veio por mim.
Veio porque não atendi seus telefonemas. Não participo dos almoços no
Oásis, nem das noites de pizza no apartamento. Eu não participo mais do
grupo deles.
Ela veio atrás de mim, trajada como se estivesse saindo de um dos
jantares de seus pais, pois preferi me afastar de todos a ter que conviver
com a mulher que finge ser perfeita, amorosa e no fundo é tão monstruosa
quanto cada um de nós.
Eu me afastei para não ter que olhar para minha meia-irmã.
Para a mulher de olhos doces e sorrisos gentis que se sentou ao meu
lado por meses, sorriu, fingiu ser minha amiga e foi falsa pra caralho.
Eu a odeio tanto!
Tanto que tudo dentro de mim queima apenas com a lembrança de Hazel
Grace Smith.
A namorada perfeita de um dos meus amigos. A melhor amiga de
Verônica e Summer. A filha que meu pai ama.
— Escute Vee, Analu. — Logan, que está atrás de Verônica, me tira dos
meus devaneios. — Isso que está fazendo já não é mais divertido. Está
prejudicando-a.
Arrasto meu olhar pelas suas roupas escuras, para a calça preta que se
ajusta ao corpo musculoso e a camiseta também da mesma tonalidade
escondida pela jaqueta.
— Vocês costumavam ser mais divertidos quando estavam solteiros. —
Rolo meus olhos, levando a bebida outra vez aos lábios e orando para que a
embriaguez chegue logo e tudo não passe de um borrão. — Então, a não ser
que estejam prestes a se juntarem a mim, me deem licença. Não preciso da
lição de moral de duas pessoas que fizeram coisas piores do que estou
fazendo.
Minhas palavras são como ácido. Contudo, para minha surpresa,
Verônica esbanja um sorriso. Não é um daqueles que sempre solta quando
está prestes a aprontar algo ou lançar uma de suas respostas espertas. Não.
É um sorriso frio, desprovido de emoções.
— E depois? — ela reitera. — E depois que o efeito do álcool passar e
todos os seus problemas estiverem te esperando para serem resolvidos, você
vai fazer o que? Se alcoolizar outra vez? Vai procurar outra festa e tentar
aplacar a dor? Ou vai partir para o próximo passo que a levará direto para
uma clínica de reabilitação?
Suas palavras são mais dolorosas que o tapa que uma vez deu em meu
rosto.
É doloroso, porque é a verdade.
E a constatação disso, faz o álcool descer como veneno, queimando
minha garganta de uma forma irremediável.
— Talvez — minto.
O sorriso de Blackwell se alarga.
— Neste caso, sinto muito em te dizer que a dor ainda vai ser a sua
companhia por muito tempo — ela comenta, ao mesmo tempo que percebo
um vislumbre de memórias em suas pupilas castanhas. — Ela vai te
assombrar, Analu. Será o seu pior pesadelo. E, isso não vai melhorar
enquanto não parar de agir como uma adolescente mimada e lutar para se
livrar delas.
— Às vezes, lutar não é o bastante, Verônica. — Dou de ombros. — E,
você deveria saber, já que quando tudo desabou para você, a sua saída foi
fugir dos seus problemas por quatro anos.
Crueldade. É isso que estou jogando em seu colo. É isso que preciso.
Estou fazendo a mesma coisa que fiz quando ela voltou para Saint Vincent.
Quando a provoquei ao ponto que me desse uma surra, pois, naquela época,
quando seus olhos eram tão vazios quantos os meus, eu soube que ela
poderia ser aquilo que eu precisava. Soube que ela seria a única a me dar o
que eu merecia.
Dor.
Dor crua e verdadeira. Dor que se infiltra em nosso âmago e faz morada.
Era isso que eu necessitava para sentir algo, tanto quanto Verônica
precisava da adrenalina para se sentir viva. Eu ansiei pela dor, porque na
minha alma destroçada, acreditei que era melhor sentir algo, do que não
sentir nada.
Agora, eu preciso dela de volta. Preciso esquecer a bagunça que está
minha mente e coração. Preciso apenas focar em algo que não seja a traição.
— Eu não me importo se a sua arma é me atacar com o passado, Analu
— sua voz é baixa, perigosa. — Não me importo que jogue em minha cara
meus erros, contanto que saiba que está nas suas mãos escolher se quer ficar
aqui, se embriagar e fingir que não tem responsabilidades como está
fazendo há quase dois meses, ou… — Vee inclina a cabeça para o lado —
Pode arrastar sua bunda até sua casa e descansar para amanhã voltar a ser a
minha amiga e a melhor aluna do curso de Direito antes que perca a vaga de
estágio que tanto lutou para ter.
Logan ergue o rosto assim que Vee termina de falar. Sei que ele está
chateado pela forma como falei com a sua namorada, mas sei que ele não se
intrometerá e tentará protegê-la. Verônica sabe lutar suas próprias batalhas e
eu a admiro por isso.
— Levi nos disse que o resultado sai essa semana. — Uma pequena
careta se forma no rosto do capitão ao mesmo passo que joga a novidade
em minha direção. — E ele está convicto que irá vencer.
Passo a língua pelos meus lábios, franzindo o cenho.
Levi fodido Johnson.
O capitão mais amado do campus, que conquista todos os professores e
alunos. O homem que é tão falso quanto eu. O homem de sorriso lindo e
máscaras inquebráveis.
Uma maldita pedra no meu sapato.
— O caralho que ele vai! — exclamo, ofendida.
— É mesmo? — Verônica ergue uma sobrancelha. — Porque não sei se
os McLaughlin vão aceitar uma estagiária que prefere uma festa a um
currículo acadêmico de excelência.
Levo a garrafa até meus lábios uma última vez, ingerindo uma
quantidade exagerada e a abandono na primeira mesa que avisto.
Assim que volto meu olhar para os dois, eles ainda estão me
observando. Os olhos castanhos de Verônica brilham enquanto um sorriso
nasce em seus lábios. Logan, por outro lado, apenas mantém uma expressão
presunçosa em seu rosto. Eles sabem que venceram, sabem que eu não
aceito perder para Levi Johnson.
Maldito casal perfeito!
De relance, vejo Mike Burhan nos encarar com um olhar vítreo, pronto
para vir ao nosso encontro e despejar ofensas veladas em nossa direção.
Contudo, ele apenas se limita a levar o copo avermelhado até seus lábios,
me lança uma piscadela e segue direção contrária à nossa.
— Certo, vocês venceram. — Lanço-lhes um sorriso cúmplice. — Mas,
vou precisar de uma ajudinha para chegar em casa.
Verônica sorri novamente para mim. Desta vez é caloroso e familiar.
Por trás disso, vejo o alívio. A vontade imensurável de dizer a ela que
mesmo que esteja concordando com isso, com a decisão de deixar de me
negligenciar, eu não estou voltando para o ciclo deles, me corrói por dentro.
Porém, como direi que a minha decisão de não voltar a participar da família
deles ainda continua intacta?
Não há nada no mundo que me faça ficar perto de alguém como Hazel.
Não depois que ela foi uma mentirosa de merda e me destruiu enquanto
sorria para mim como se pudéssemos ser amigas.
Estou jogando fora tudo o que construí nesses últimos meses porque,
pela primeira vez que me permiti sentir, permiti que pessoas conhecessem o
que habita a minha alma, que tivessem o poder de me decepcionar, eu saí
destroçada. Machucada de uma forma irreparável.
Permiti ser fraca. Patética.
Agora, percebo que o amor fati é apenas uma teoria que para ser
colocada em prática, é necessário mais do que a vontade de querer se
reconciliar ao amor-próprio. É necessário, sangrar, entender nossas dores.
Por isso, sei que está na hora de voltar a ser quem eu sou. Voltar ao
início. A uma nova partida. Uma nova máscara.
— É isso que os amigos fazem, Parker — Vee murmura. Sua voz é
apenas um fio de esperança. — Eles se ajudam. Se protegem.
Pisco, inclinando minha cabeça para o lado.
Eles se ajudam.
Mas onde estava a minha ajuda quando me quebrei dia após dia? Onde
estavam quando a pessoa que deveria me proteger me machucava? Onde
estavam quando eu mais chorei do que sorri em meus vinte e dois anos?
Apenas... onde?
Não há respostas para essa pergunta. Mas, se há algo que compreendi
desde a minha infância, é que deixar que o mundo conheça a nossa real
face, o que guardamos em nosso âmago, é dar a ele armas para utilizarem
contra nós.
É dar o veredito da nossa própria morte.
Por esse motivo, a solidão nunca me pareceu tão encantadora como
agora.
— Eu não saberia dizer. — Engulo em seco, dando de ombros. —
Afinal, eu nunca tive amigos que me protegessem.
Querido, eu me levantei dos mortos
Eu faço isso o tempo todo
Eu tenho uma lista de nomes
E o seu está em vermelho, sublinhado
Look What You Made Me Do | Taylor Swift

— O que você está fazendo aí sozinho?


Uma voz suave me faz virar o rosto, abandonando a visão
impressionante do céu estrelado, e meus olhos param na figura magra de
Hazel.
Seus olhos castanhos vasculham a piscina à minha frente com
curiosidade e um sorriso se entende pelo meu rosto por ter alguém que amo
no meu habitat natural. Hazel se desloca da parede onde está, vindo em
minha direção e, por um segundo, me permito estudá-la.
A graciosidade, a gentileza e a lealdade emanam dela como uma luz
própria. Ela é uma das poucas pessoas que eu protegeria mesmo que me
pedisse para nunca o fazer.
Contudo, não estou observando-a por isso, mas sim, para fazer algo que
nunca me permiti, principalmente desde que soube a verdade por trás de
suas muralhas. Eu procuro as semelhanças com sua meia-irmã, Analu.
Além do nariz e os olhos castanhos, posso afirmar que elas são polos
opostos. Completamente diferentes. Hazel é aquele tipo de companhia que
desejamos ao nosso lado. É calmaria. Ao contrário de Analu, que é fogo
puro.
A loira poderia até mesmo ser comparada a um tornado que extermina
tudo por onde passa. Porém, não posso deixar de destacar a violência
envolta à sua beleza infame. Ela é um conjunto de particularidades
destemidas que envolvem sua personalidade ofuscante. Analu Parker é isso,
mas também é alguém que pode destruir qualquer um que se permitir
chegar perto demais.
Ela é como um campo minado, com várias bombas prestes a explodir.
— Vendo as estrelas — finalmente, respondo.
Hazel solta um sorriso fraco que não chega aos seus olhos.
— E desde quando você faz isso?
Inclino minha cabeça, encostando-a na espreguiçadeira onde estou
deitado há horas. À nossa frente, a água cristalina me chama, sussurrando
para que eu me jogue lá e esqueça tudo. Meus problemas, meus
pensamentos constantes, minhas dores. Que eu deixe que nessas poucas
horas a saudade em meu peito se dissipe.
Porque, é isso que a água é para mim, ela é mais que um esporte. É a
minha salvação. A minha conexão com quem eu não poderia ter perdido e
mesmo assim perdi. Ela é um bálsamo para tudo o que passei na minha
infância. Uma distração que me salvou quando os corredores de hospitais
eram mais conhecidos para mim do que os cômodos da casa dos meus pais.
— Não sei. Acho que desde sempre. — Um sorriso escorrega dos meus
lábios. — E você está fazendo o que aqui?
Hazel engole seco, sentando na espreguiçadeira ao meu lado e se enrola
em uma manta fina, que eu não havia percebido em suas mãos até agora.
— Fugindo.
Ergo uma sobrancelha.
— Use mais palavras, Haz.
Um suspiro sai de seus lábios, ao mesmo tempo que se ajeita no lugar e
encara a água, evitando meu rosto.
— Os Blackwell estão promovendo um jantar hoje. Eu deveria ir. Acho
que até mesmo Logan deve estar me procurando para irmos juntos, mas
eu... — O vinco entre minhas sobrancelhas aumenta. — Eu não quero
acompanhá-los, sabe? Não quero correr o risco de vê-los. Mas, acho que
também não queria ficar sozinha... então vim para cá, porque sabia que
estaria aqui.
Mordo o interior da minha bochecha, tentando não demonstrar o quanto
não concordo com isso. Com ela se privando de ir até a Parte Alta apenas
para não topar com Analu e sua família. Para ser sincero, estou farto de
todos nós estarmos andando em corda bamba desde que Parker
simplesmente jogou a bomba no colo de todos e decidiu nos evitar, fingir
que meus amigos não são nada para ela.
Analu é uma egoísta de merda.
— Por que não quis ir?
Hazel observa o céu, assim como eu estava fazendo momentos antes.
Porém, abandona a vista para encontrar o meu rosto preocupado.
— Porque não quero que o pessoal e, principalmente Dylan precisem se
preocupar comigo. — Sua resposta não me surpreende. — É um momento
feliz. Não quero perturbar ninguém com meus problemas. Já basta o que
está acontecendo desde que Analu soube de tudo.
— Hum.
Apenas dou de ombros e pego minha garrafinha de água que está
abandonada ao meu lado.
— Você não vai tentar me pressionar para contar tudo?
— Não. — Bebo um pouco do líquido.
— Por quê?
Seu olhar peregrina pelo meu rosto em busca de respostas.
— Porque você é a minha amiga, Haz. — Sorrio, abaixando o objeto. —
É praticamente a minha irmãzinha. Então, independente das suas escolhas,
eu vou sempre escolher o seu lado. Sempre vou te apoiar. Mas... mesmo que
eu não goste de Parker, preciso dizer que uma hora vocês vão ter que
enfrentar isso. Vão ter que esclarecer as coisas. Não é por nós que estou
falando, mas sim, pelo bem de vocês duas. Não adianta esconder algo que
nunca deveria ser escondido, Hazel.
Ela se enrola na manta. Seus olhos lacrimejam ao passo que tenta
esconder o rosto de mim. Tentando permanecer forte, fingindo que toda
essa situação não a machuca. Isso é algo que ninguém sabe sobre Hazel
Grace Smith. Ela pode ser a pessoa mais gentil deste grupo, pode ser a luz,
a gentileza. Mas, por baixo de tudo isso, ela odeia parecer fraca, que a
encarem com pena, empatia, por tudo o que já passou.
— Chris me disse uma vez que, quando eu era criança, em todos os
Natais eu pedia a mesma coisa — ela sorri. — Não eram bonecas, nem
roupas. Era apenas algo que ninguém poderia me dar. E, pensando bem...
agora faz todo sentido.
Meu coração aperta. Sinto a dor em suas palavras. Sinto a rachadura, o
caos que sempre guardou para si se rompendo. A primeira lágrima da minha
melhor amiga desce pelo seu rosto, molhando sua bochecha, ao mesmo
tempo, que morde seu lábio inferior, tentando segurar as próximas, mas sem
sucesso.
Cada lágrima que escorre, prometo a mim mesmo que nunca perdoarei
Analu por fazê-la se sentir assim. Por ser egoísta o suficiente.
— O que você pedia, Haz?
Um soluço fraco emerge no ambiente silencioso.
— Eu pedia uma família, Levi — confidencia. — Eu pedi uma família
onde minha mãe não precisava pegar dois turnos seguidos no hospital e não
ter tempo para os filhos. Pedia uma família onde Chris ia à escola e tinha as
mesmas oportunidades que eu, ao invés de trabalhar para ajudar nas
despesas de casa. Eu pedia uma família que estaria ao meu lado... que fosse
às minhas apresentações na Feira de Ciências, que segurasse a minha mão
quando eu me formei com honras no Saint Vincent College. Eu queria uma
família presente na minha vida e eu nunca tive isso.
— Eu sinto muito.
Ela limpa uma lágrima e sorri para mim.
Mesmo com os olhos brilhando por tudo que ainda deseja derramar, ela
sorri. Um sorriso que se estende pelo seu rosto como se quisesse que eu
acreditasse em cada uma das suas próximas palavras.
— Não sinta. — Há convicção em cada sílaba. — Eu encontrei a minha
família. Vocês são a minha família. E... eu pretendo construir uma outra
também.
Devolvo o sorriso, sabendo que ela não tocará mais no assunto de sua
família.
Ela nunca toca. Nunca conta o que realmente aconteceu em sua vida
antes de virmos morar nesse prédio.
— Você vai, Haz — afirmo. — Você e Dylan vão ter vários pestinhas. E
eles vão me deixar careca antes dos quarenta.
Minha amiga pende a cabeça para trás, soltando uma gargalhada.
— Eu vou deixar essa missão para os seus próprios pestinhas.
Meu sorriso morre.
Penso em tudo o que ele não pode ter.
Em tudo o que foi perdido porque não havia controle.
Penso nas consequências. No sofrimento da minha família.
No choro da minha mãe que quebrou meu coração.
Em como Megan se quebrou. Em como meu pai se despedaçou.
— Eu não vou ter filhos, Haz — minha voz é quase um sussurro. — A
minha única família sempre será apenas vocês.
Ela me encara. Seus olhos brilham com o sentimento que ela tanto
odeia.
Mas é a verdade. Ela procura construir uma, enquanto eu jamais poderei
colocar uma criança em risco. Não depois de tudo.
Não depois do que passamos.

O prédio da McLaughlin&Conway fica localizado na Parte Central de


Saint Vincent, em uma rua comercial que abriga os diversos escritórios,
bancos e sedes de companhias do mercado financeiro do condado. Não é
tão sofisticado como as empresas das famílias tradicionais da Parte Alta,
mas, ainda assim, possui seu requinte.
Dou um passo à frente, rumo a entrada e observo as dezenas de
advogados, estagiários e empresários correrem de um lado para o outro,
sem nem ao menos perceberem o que está ao seu redor. Afinal, conseguir
um estágio nesta firma é mais difícil que conseguir um passe para os bailes
anuais da Parte Alta. Eles são o patamar da advocacia. Os deuses dos
tribunais e a maior companhia do país, mesmo que sua lista de clientes seja
relativamente desagradável.
Assim que alcanço a recepção, meu sorriso se estende em direção a
funcionária que me entrega o crachá de visitante e indica para seguir até o
andar onde estão nos esperando.
Solto uma respiração à medida que o elevador sobe até o andar e bato
meu sapato de leve no chão tentando aplacar a ansiedade que me consome.
Porra. Estou prestes a conseguir o que tanto luto desde o primeiro semestre
da faculdade. Estou prestes a orgulhá-los.
Eu vou conseguir. Vou estagiar na mesma companhia que Megan.
Vou orgulhá-la, assim como prometi.
— Está atrasado — a voz sarcástica ressoa assim que as portas se
abrem. — É um erro de principiante, Johnson.
Passo a língua pelos meus lábios, encarando-a de cima a baixo.
Enquanto adentra o mesmo espaço que eu, se posicionando ao meu lado e
clicando no botão para subirmos mais alguns andares.
Não. Não. Não.
O que vejo à minha frente não é alguém irreconhecível. Ao contrário, é
quem eu imaginei que não estaria aqui. Que tinha desistido após suas
semanas regadas a álcool e festas. Que havia perdido. Contudo, ela já não
parece mais com a mulher bêbada que se fez presente em cada maldita festa
da universidade desde que noticiou a todos algo que machucou uma das
minhas melhores amigas.
Na minha frente, com o rosto mais sério e levemente mais carrancudo
do que o habitual, está Analu Parker. A mulher que coloca o mundo aos
seus pés, destrói corações e usa aqueles que lhe convém para chegar onde
deseja. O blazer rosa realça diretamente com a cor dos seus olhos
castanhos, demarcando o corpo curvilíneo tampado pela blusa branca de
botões e saia que destaca em suas pernas torneadas.
E os saltos pretos, os malditos saltos que poderiam ser a perdição de
qualquer homem.
Ela percebe a minha averiguação e solta um sorriso daqueles que são
como um aviso. Um aviso antes de um ataque mortal.
— Decidiu aparecer para me dar os parabéns, Parker?
Analu ergue uma sobrancelha ao escutar minha pergunta tendenciosa ao
passo que um sorriso nasce em seu rosto e desce o olhar para minhas
roupas, quase me obrigando a alargar a gravata em meu pescoço.
— Parabéns pelo quê? Por se vestir como um contador?
— Não. Pela minha vaga. — Me viro de lado, dando um passo à frente
ficando cara a cara com ela. O sorriso abandona seus lábios carnudos e os
olhos castanhos brilham como labaredas flamejantes. — Eu sei que perder é
algo humilhante para nós dois. Mas eu entendo que deve ser mesmo
deprimente vir aqui apenas para me ver ganhar.
Ela sorri.
É frio. Animalesco. Sem nenhum pingo de emoção. É como um iceberg
prestes a colidir com uma rocha. Como o começo de uma batalha sangrenta.
Uma dose de adrenalina que se mistura à endorfina e é injetada em nossas
veias, antes de um combate mortal.
Meus olhos se fundem aos dela. Meu ódio se emaranha à suas pupilas.
A temperatura do elevador de repente sobe, queima. Contudo, não me
importo.
— Será um prazer te destruir, Levi Johnson.
Nossos orbes brilham com o desafio. É como uma nova lei surgindo em
nosso subconsciente. Uma lei que proíbe desistência. Uma que pode nos
levar a caminhos perigosos. Um jogo onde nós dois ditamos as regras. Onde
seremos juízes dos nossos próprios crimes.
Não há certo ou errado. Não há lei ou moral.
Há apenas um intuito: vencer.
Meu sorriso se estende ao mesmo tempo que seus olhos recaem para
meus lábios. Fúria quente envolta a desejo. Algo que sempre escondeu, mas
que estava ali, entre as rachaduras de sua maldita máscara.
Analu Parker é tão falsa quanto essa fachada perfeita que esbanja.
Ela é o meu reflexo. Minha rival. Meu pesadelo.
Ela é a porra do meu nêmesis.
O fruto proibido que, nunca, em hipótese alguma, tocarei.
— Será um prazer te ver tentar, princesa.
Aí eu amo e odeio ao mesmo tempo
Você e eu bebemos veneno do mesmo copo
eu amo e odeio ao mesmo tempo
Escondendo todos os nossos pecados da luz do dia
Daylight | David Kushner

O zumbido metálico do elevador é o único barulho que rompe o


ambiente.
Nem eu ou Levi nos movimentamos. Ficamos ali, olho a olho, rosto a
rosto, esperando qualquer um ceder. Qualquer movimentação para que um
de nós saia vencedor.
Não há desistência. É a primeira batalha. Um novo jogo.
Sua pele negra se enruga perto dos olhos ao passo que um sorriso
lascivo se estende pelo seu rosto. Um rosto lindo…, mas que carrega
consigo uma personalidade irritante. Os olhos escuros como ébano se
fincam nos meus e, por um segundo, me permito estudá-lo sem que as
máscaras que vestimos diariamente nos impeça de demonstrar o real
sentimento que fica explícito em nossas pupilas.
Dor, receio e algo desconhecido emana de seus olhos. É isso que Levi
Johnson esconde por trás de seus sorrisos, de suas brincadeiras e de seu
coração genuíno.
Ele está tão machucado quanto cada um de nós. Mesmo que sua dor seja
diferente. Diferente da minha que me corta, me faz sangrar e destrói cada
partícula boa que um dia acreditei existir.
— Oh, vocês estão aí! — uma voz alegre nos obriga a abandonar a
batalha que travamos.
Sou a primeira a quebrar o contato, virando meu rosto para a senhora, de
aproximadamente cinquenta anos, que se firma em um salto baixo e alisa o
vestido marfim em seu corpo. Clarice McCoy, por mais que esteja um
pouco além da idade, é considerada uma das maiores advogadas
criminalistas que já tive o prazer de conhecer.
Ela ministrou uma das nossas disciplinas há alguns meses e mesmo com
o rosto simpático e a atitude gentil, não podemos esquecer que ela é a
responsável por ter derrubado inúmeros adversários no tribunal.
Um exemplo que quero seguir. Quero que as pessoas se lembrem do
meu nome quando o assunto é ser um tubarão dentro dos tribunais, quero
ser referência em aulas, artigos, processos e livros, assim como ela.
Não desejo que se lembrem de mim somente porque sou a herdeira de
Henrique Parker, o deus do ramo imobiliário e dos clubes mais desejados da
Parte Alta. Não. Eu quero que o mundo me conheça pela mulher que eu
sou.
Pois, é isso.
O mundo é repleto de mulheres fodas. Afinal, sempre há mulher por trás
de descobertas grandiosas. Pergunte quem descobriu a dupla de hélice do
DNA ou quem descobriu a fissão nuclear ou o elemento frâncio, todas elas.
Uma mulher. Mulheres que lutaram por aquilo que amam e acreditam. E,
ainda assim, em pleno século XXI, somos subestimadas. Tratadas como
inferiores.
Porém, mesmo que o mundo me enxergue assim, eu vou lutar e ser
como elas. Vou entrar para a maldita história como a maior advogada das
Américas e, se bobear, do mundo todo.
— Desculpe, Sra. McCoy. — Solto um sorriso educado em sua direção,
esquecendo do meu rival. — Estávamos conversando sobre alguns assuntos
da universidade.
— Isso é ótimo! — Ela bate palmas, enquanto Levi e eu saímos do
elevador e paramos a sua frente. — Senhor Johnson.
— Senhora McCoy — cumprimenta de volta, lançando a ela um sorriso
caloroso. — Eu ouvi dizer que seu marido ganhou a partida de golfe este
final de semana.
Ela solta uma pequena risada e Levi a acompanha. Mostrando um
sorriso brilhante que conquista quase toda a universidade. Porém, não é isso
que chama a minha atenção, mas assim, o que está em suas bochechas.
Covinhas. Levi Johnson possui covinhas que, em hipótese alguma,
confessarei a ele o quão encantadoras são.
— Sim. Greg está se sentindo um atleta de vinte anos porque ganhou de
seu pai — ela conta, revirando os olhos, mas em seu rosto há um sorriso
orgulhoso. — Homens. Bom, eu preciso entrar para conversar com os
McLaughlin, então não se atrasem. Finalmente daremos a vocês um parecer
sobre o estágio.
Estalo a língua no céu da boca, encarando-o friamente assim que nossa
professora nos deixa sozinhos outra vez. Passo rapidamente meu olhar pelo
corredor, a fim de averiguar se ninguém está vindo e então, o fuzilo
mortalmente.
— Não sabia que estava jogando sujo — acuso, erguendo uma
sobrancelha. — Convidá-los para jogar golfe com o seu pai? O maldito juiz
da cidade? — Uma risada fria salta dos meus lábios. — O que vem agora,
Johnson? Um café com a senadora?
Levi dá um passo à frente, alargando o nó em sua gravata.
— Não que seja de sua conta, mas, os McCoy são amigos da minha
família há anos — suas palavras saltam de seus lábios friamente. — Então,
guarde o seu veneno para outro momento, porque eu não preciso jogar sujo
para conseguir o que eu quero, Parker. — Seus olhos estudam o meu rosto,
sem nunca fraquejar. — Se eu quero algo, eu luto por aquilo. Fim de jogo.
Um sorriso se estende pelos meus lábios, ao mesmo tempo que ergo
meu queixo nivelando nossos rostos. O cheiro de seu perfume invade
minhas narinas, e merda, por que ele precisa ser tão cheiroso? E, por que
diabos me importo com isso?
— Assim como lutou pela Summer e... perdeu? — contraponho, minha
voz é apenas um toque aveludado. Uma risada nasalada sai dos meus lábios
antes mesmo que eu perceba. — Se esta é sua forma de lutar, Levi, fico
feliz em saber que vencerei tão facilmente.
Seus olhos se tornam pedras de gelo.
Um ponto fraco. É nisso que acabei de tocar. Assim como um dia tocou
no meu, quando em meio a tantas pessoas, ele fez questão de esfregar em
meu rosto que sempre serei a segunda opção.
Percebo suas narinas inflamarem e o brilho animalesco surgir.
Ele me atingiu. E, agora, apenas devolvo o golpe, mesmo que dias
depois. Mas é como dizem: a vingança é um prato que se come frio. E,
nunca em minha vida, agi imprudentemente. Eu averiguo minhas opções,
observo meus arredores e espero o momento certo para finalmente contra-
atacar, como neste instante.
— Eu não a perdi. Summer ainda é minha amiga. Minha melhor amiga.
— Um sorriso frio se estende pelos seus lábios. Ele está pronto para
retribuir. Eu sei, eu sinto. — Mas, a sua vida deve ser de fato deprimente, já
que precisa usar esse assunto como um entretenimento para me provocar.
Sorrio, provocativa, dando mais um passo em sua direção e levantando
meus dedos até sua gravata, ajustando-a e observando seu cenho franzir. Ele
quer se afastar, mas não consegue.
Não pode.
Minha unha se arrasta pelo tecido caro e o observo respirar rápido. O
hálito quente bate contra minha bochecha ao mesmo tempo que minha outra
mão sobe. Levi está confuso, tão confuso que não percebe o que estou
prestes a fazer.
Apenas um pequeno aviso.
— Você não sabe o que realmente me entretém, querido. — Dou um
aperto forte na gravata, não é o suficiente para sufocá-lo, contudo, o obriga
a respirar com mais força, tossindo pela intrusão de ar. — Não foda com o
meu estágio, Johnson, ou realmente serei uma inimiga. E, acredite em mim
quando digo que tudo o que fiz até hoje é apenas uma brincadeirinha perto
do que realmente posso fazer se me irritar.
Seus olhos caem para meu rosto enquanto se recupera.
Não há mais resquícios de brincadeiras. Nem do herdeiro mimado que
caminha com uma postura prepotente pelos campus da Saint Vincent
University. Em minha frente, se encontra o homem que destrói seus
oponentes nos debates da universidade com um sorriso no rosto. Que detém
o maior número de troféus da equipe de natação e que, assim como seu pai,
está trilhando o caminho para deter todo o poder jurídico da cidade.
Levi Johnson é uma cópia de sua mãe que, há tempos, destrói todos seus
oponentes e, hoje, é a candidata ao senado com maior aprovação da
população norte-americana.
Ele, de fato, é o meu concorrente de peso.
— Você não precisa se preocupar com isso, princesa. Afinal, todos nós
sabemos que seu comportamento vergonhoso das últimas semanas, destruiu
boa parte do seu currículo acadêmico. — Um sorriso frio cruza seus lábios.
— Eu não preciso lutar contra alguém que se autossabotou. Seria uma
batalha fácil demais, mas... foi uma honra competir com você, talvez
consiga um emprego na defensoria pública da cidade.
Com isso, ele solta a minha mão de sua blusa, alisando o tecido e se
vira, indo em direção onde nossa professora seguiu minutos atrás, me
deixando parada no corredor como uma garota patética.
Filho da puta!
Levi está errado. Eu não me autossabotei. Não ainda. Não com meu
currículo invejável.
Eu sou a melhor acadêmica de Direito desde meu primeiro semestre na
SVU.
Eu ganhei todas as competições de debate, mesmo que o presidente dele
seja esse babaca vestido como meu avô, fui líder dos seminários avançados
que promovemos e destruí boa parte dos meus concorrentes a essa vaga,
antes mesmo de ser anunciada.
Então, desistir não é uma opção, não quando se trata do meu futuro, de
tudo o que lutei para conseguir e, se para ter êxito em tudo o que almejo, eu
realmente precise jogar sujo, tudo bem, eu jogarei.
Porque, desta vez, eu não serei a maldita segunda opção.

A sala de reunião da McLaughlin&Conway está lotada.


Há funcionários, candidatos ao estágio e os próprios donos por todo o
ambiente. Porém, não é isso que consome a minha atenção, mas sim, a
visão ampla da cidade de Saint Vincent à minha frente. É como a visão do
Olimpo.
Posso observar cada lugar da cidade onde a Parte Alta construiu seus
impérios e, onde a ambição corre entre os grandes arranha-céus até as
construções significativas, que escondem a podridão que corre pelo corpo
de cada família pertencente a um lado da cidade, que é considerado
indestrutível.
Todavia, mesmo que eu ache isso, não posso deixar de dizer que almejo
por tudo o que ela me proporciona, pela sensação de poder que corre pelas
minhas veias e faz meus olhos brilharem, com o possível futuro que vou
construir diante do lugar que vi minha vida mudar gradualmente, até que se
tornou um acumulado de decepções e incertezas.
Eu vou provar a todos que duvidaram.
Eu vou mostrar a Henrique que sou capaz.
Que sou suficiente. Um motivo para se orgulhar.
Não um orgulho para ele ou para a mulher que deveria me amar. Mas
para Theo, o meu pequeno homem que me espera todos os finais de
semanas, que maratona nossos filmes favoritos e confia apenas em mim.
Eu vou provar que posso ser a melhor irmã do mundo, mesmo que no
caminho todas as outras pessoas me odeiem. Eu posso lidar com sentimento
delas, com os olhares desdenhosos, com os cochichos e com o ódio. Mas o
que nunca poderei lidar, é com a mera ideia de fazê-lo sofrer.
Eu vou protegê-lo. Vou amá-lo como nunca nos amaram.
E jamais irei falhar com ele. Eu não posso e não vou decepcioná-lo.
— É linda, não é? — uma voz calma, mas desprovida de emoção ressoa
atrás de mim, me obrigando a abandonar meus pensamentos. — A vista,
quero dizer.
Olho de esgueira para a pessoa que acaba de se posicionar ao meu lado
com uma taça de champanhe em mãos. Ela balança o líquido com
graciosidade e seu sorriso frio encontra minha expressão lívida.
Annabeth McLaughlin. Umas das CEO da McLaughlin&Conway. A
mulher que detém meu futuro e o de todos em mãos, apenas bebe sua
bebida enquanto arrasta os olhos escuros, da mesma tonalidade que seus
cabelos, pela vista da cidade. O nariz arrebitado e o sorriso calculado
escondem a ferocidade da única mulher que é párea a Amber Blackwell nos
tribunais.
— Sim, é — respondo, por fim, ajeitando minha postura.
Levo minha bebida até minha boca não demonstrando nervosismo.
— Eu costumava amar essa vista quando adolescente — conta. —
Acreditava que colocaria essa cidade sob meus pés. É uma pena que estava
equivocada.
Ergo uma sobrancelha, voltando meu olhar à paisagem.
— E o que mudou?
Annabeth solta uma risada nasalada.
— Aprendi que não se pode fazer uma cidade se curvar diante de nós,
quando outras famílias já fizeram isso e construíram um reinado de uma
forma tão solidificada, minha querida — suas palavras saltam de seus lábios
letalmente. — Mas, pelo o que eu soube, você nasceu entre eles.
A Parte Alta. É isso que está velado em suas palavras. As famílias
fundadoras do monopólio de Saint Vincent e que construíram seus impérios
com o passar dos anos, em todos os ramos empresariais, políticos e
jurídicos do país. Composta por Blackwell’s, Parker’s, Johnson’s, Wright’s
e Miller’s. As cinco famílias mais influentes da cidade.
As mesmas famílias que são pertencentes às pessoas que acreditei serem
meus amigos.
— Não estou compreendendo onde está querendo chegar com esse
enigma, Sra. McLaughlin. — Inclino minha cabeça.
Ela acena brevemente, limpando uma sujeira inexistente em sua unha e
logo após estala a língua no céu da boca.
— A lugar nenhum, minha querida. É apenas uma honra tê-la aqui, srta.
Parker — Um sorriso falso cruza seus lábios. — Meu filho irá adorar
conhecê-la. É uma pena que ele não possa comparecer à reunião de hoje.
— Será um prazer conhecê-lo em outra oportunidade — minto.
Ela percebe, contudo, assim que abre a boca para me responder, passos
soam atrás de nós duas. Viro meu rosto, a fim de descobrir quem está
adentrando o espaço e encontro um homem alto, com expressão fria e olhos
gélidos. Não há um pingo de gentileza emanando dele. É como se pudesse
esmagar todos apenas com o desdém que acompanha seu semblante.
Ele é o homem com uma lista de clientes impenetrável. Uma lista que
qualquer advogado em sã consciência deseja. Sebastian McLaughlin.
— Boa tarde — sua voz retumba pelo ambiente silencioso. — Está tudo
pronto para começarmos a reunião da divulgação de resultados dos novos
estagiários.
Não há cortesia em suas palavras. É como se o quanto antes
terminarmos, melhor assim.
Ninguém se opõe. Todos caminham até a enorme mesa e se sentam. À
minha frente, uma pequena pasta repousa sobre o vidro. Não ouso mexer,
mesmo que a curiosidade inunde meus poros e eu encare meu nome
firmemente com receio e medo.
Medo de realmente ter falhado. Medo de decepcioná-lo.
Uma movimentação do outro lado da mesa faz com que eu levante meu
rosto, encontrando Levi, se sentando à minha frente e me lançando um
sorriso convencido. Ao seu lado, outras duas garotas, que tenho quase
certeza de que estudam conosco, movem suas mãos de forma que faz com
que eu revire os olhos.
Não mostre nervosismo. Não sorria demais e, pelo amor de Deus, não
encare nossos futuros chefes com os olhos brilhando como o Gato de Botas.
É isso que quero gritar para elas.
É isso que deveriam estar fazendo, assim como eu e o fodido Johnson
estamos.
Nós dois pousamos nossos cotovelos sobre o vidro, quase que
sincronizadamente, e erguemos o queixo em direção ao casal McLaughlin,
que se ajeitam em seus lugares.
A posição faz com os músculos de Johnson fiquem mais aparentes no
tecido do terno Armani. Ele não deveria ficar tão bem em trajes assim. Não
quando está sentado à minha frente, roubando toda a minha atenção.
Percebendo meu olhar sobre ele, Levi, vira o rosto em minha direção.
Assisto, em silêncio e curiosa, os seus olhos dançarem pelo meu rosto,
então pelos meus olhos e por fim, meus lábios. Se demorando um tempo a
mais ali. No ponto vermelho vivo.
Na cor que significa perigo, poder e guerra.
Uma cor que poderia até mesmo nos representar.
Pois, perigo é o que somos.
Poder é o que desejamos.
E a guerra, é o que está sendo travada neste mísero instante.
— Boa sorte, princesa — insolência vibra em cada sílaba de suas
palavras sussurradas, mas a forma como o apelido brega foi dito fez com
um frio corresse pelas minhas espinhas.
Foi longo e lento. Doce e pecaminoso. Foi indecente.
— Eu não preciso de sorte — devolvo.
Ele sorri.
Desta vez não é gentil, é como se me dissesse que sabe desse fato, mas
jamais confessará. Mas, sei que está dizendo, mesmo em suas palavras
ocultas, que mesmo que eu tenha negligenciado minha vida depois da
fatídica tarde, ele ainda me considera a sua maior rival.
— É uma honra recebê-los aqui — a voz de Annabeth ressoa pelo lugar,
nos obrigando a desviar o olhar para a anfitriã. — Nós passamos semanas
entrevistando vocês, estudando seus currículos acadêmicos… — Um frio se
aloja em minha espinha ao passo que Levi solta uma piscadela em minha
direção. Idiota. — Procurando a pessoa certa para a nossa equipe. E, hoje,
finalmente temos o resultado em mãos.
Um arranhar de garganta faz com que desviemos o olhar da Senhora
McLaughlin até seu marido.
— Por isso, após estudarmos todas as vertentes, chegamos à conclusão
de que vários de vocês possuem todas as qualidades que procuramos, para
poder chegar ao fim desse estágio — suas palavras são baixas e, mesmo
assim, sinto minhas mãos suarem de forma desenfreada.
— Mas, diferente dos outros anos, nós concebemos a vocês duas vagas
na empresa. — Um sorriso cruza os lábios dela, enquanto minha
sobrancelha e a de Levi se arqueiam. — Duas vagas onde os escolhidos irão
ter um ano para nos mostrar que foram as escolhas certas e que estão
qualificados para entrarem em nossa empresa. Ao final deste ano e junto a
formatura de vocês, um deles continuará na McLaughlin&Conway. Não
como estagiário, não com um simples subordinado..., mas sim, como um
novo associado. Um membro permanente da nossa equipe principal.
Um associado Júnior.
Uma vaga na patente alta da empresa.
Um lugar de prestígio com tão pouca idade.
Uma forma de mostrar a Henrique e Amara que nunca precisarei deles.
— Bom, sem mais delongas... Gostaríamos de agradecer a todos e
notificar que os escolhidos lutaram bravamente para conseguirem seu
devido reconhecimento. Com isso, será uma honra tê-lo em nossa equipe,
Sr. Levi Johnson — a voz gélida de Sebastian me tira dos meus devaneios.
E eu só preciso de uma chance. Apenas desta vaga. Preciso saber que
consegui algo por mim e para mim. Apenas isso. — E você também, srta.
Analu Parker. Será um prazer trabalhar com vocês dois durante este ano.
Eu consegui.
Porra, eu consegui! Eu vou ser a nova associada.
É necessário tudo de mim para não gritar, sorrir e até mesmo pular nos
meus novos chefes para agradecê-los. Contudo, não deixo com que minha
expressão caia, que alguém imagine que este momento é tão importante
para mim.
Eu apenas preciso manter a minha máscara fria no rosto. Me limitando a
sorrir fraco e acenar brevemente, ao contrário de Levi que possui um
enorme sorriso em seus lábios e não se importa com os olhares de todos
sobre nós, pois, no instante seguinte, ele retira o celular e digita uma
mensagem que tenho certeza de que é para o grupo que antes eu fazia parte,
que me orgulhava.
Ele está contando a novidade aos meus antigos amigos. E eles, sem
dúvidas, estão felizes, comemorando a felicidade dele.
De repente, um sentimento que conheço bem sobe pela minha garganta,
um gosto ruim toma conta da minha boca e toda felicidade se esvai. Uma
sensação familiar invade meu coração e a vontade de sumir me consome,
quando constato que, estou neste momento, sentindo inveja de Levi
Johnson por ter a quem contar, quem torcer pela sua felicidade.
Levi tem pessoas que se importam. Todos nessa sala possuem. Ao
contrário de mim, que apenas tenho a minha própria companhia e a de
Theo. E isso deveria ser o suficiente, mas não é. É doloroso, rompe tudo
dentro de mim.
Me faz perceber que voltei a ser a garotinha que sussurrava aos quatro
ventos que queria um porto seguro, uma válvula de escape. Essa memória,
esse resquício de quem um dia fui, dilacera meu peito, me obriga a
aumentar minhas barreiras e sorrir ao passo que apertam minha mão, me
parabenizando.
Um sorriso que me quebra.
As parabenizações já não têm mais significado.
Nada mais importa, pois por baixo de todas as roupas de marca, sapatos
importados, maquiagem e glamour, há a minha verdadeira face, uma
criança fragilizada, abandonada em uma mansão, escondida entre os ursos
de pelúcias.
Uma garotinha precisou escolher entre a sobrevivência ou a infância.
Precisou aprender a ser o seu próprio porto seguro.
E falhou miseravelmente nessa missão, porque não há nada a temer ou a
comemorar quando se percebe que já perdemos tudo aquilo que importava.
Por favor, entenda que estou tentando o meu melhor
Minha cabeça está uma bagunça,
mas eu estou tentando de qualquer maneira
Ansiedade é um problema infernal
Consume | Chase Atlantic

A bola bate contra a raquete com precisão e a noite estrelada brilha


sobre mim, me fazendo companhia, ao mesmo tempo que o silêncio me
abraça e a máquina atira as pequenas bolas em minha direção, me
obrigando a correr pelo espaço aberto da quadra.
Não há ninguém aqui. Ninguém para me impedir de levar meu corpo ao
limite, depois do dia infernal que tive, após sair do meu novo trabalho e ter
que lidar com a enxurrada de sentimentos que me atingiu de uma hora para
outra.
Eu consegui a vaga e, com isso, algo se rompeu dentro de mim.
Algo que fez com que sentimentos que estavam adormecidos,
acordassem. Me obrigando a sentir coisas que não desejo. Agora, quero que
isso pare. Preciso que pare!
O bolo em minha garganta dói. Sei que isso está acontecendo porque
estou segurando as lágrimas, as malditas lágrimas que me acompanham
desde quando o resultado foi lançado em minha direção.
Além delas, estou segurando a enxurrada de emoções que ameaça sair
de dentro do meu peito. Eu não sou assim. Não permito que minha barreira
se quebre tão facilmente. Eu não choro. Não deixo com que o mundo
desabe sobre minha cabeça, não desta forma.
Eu lido com os meus problemas, enfrento-os quando necessário, mas,
desta vez, não consegui.
Eu o vi comemorando, contando para as pessoas que eu um dia confiei.
Mas, acima de tudo isso, eu quase presenciei Levi Johnson ganhando de
mim. Quase me mostrando que não sou capaz de ganhar, de trilhar meu
próprio caminho.
Merda.
Merda.
Merda.
Eu não consigo lidar com isso agora. Não quero ter que recorrer mais
uma vez a algo que vai não só me machucar como vai me destruir
novamente. Mas, apenas... preciso parar de sentir. Preciso que meus
pensamentos me deixem em paz. Preciso que a ansiedade que corre pelas
minhas veias se acalme e os pensamentos em minha mente me abandonem.
Por precisar estar sob controle, dou um pulo, batendo tão forte com a
raquete que a bola voa diretamente para o outro lado da quadra, emitindo
um barulho alto assim que entra em contato com a proteção lateral.
Dou mais um impulso, observando outras dezenas de pequenas bolas
que se sucederam após a primeira, voarem até mim e atingirem minha
raquete. Apenas, bato e rebato incontáveis vezes e faço isso, até que meu
uniforme branco esteja suado e minhas pernas bambas.
E, mesmo assim, não é suficiente.
Preciso de mais. Preciso de algo que me ajude a dissipar todos os meus
pensamentos. Eu sei o que preciso.... mas, não posso. Não mais.
Porra! Eu prometi a ele. Prometi não me machucar propositalmente
mais.
Aperto a raquete com uma força sobrenatural. Válvula de escape. É isso
que o tênis sempre foi para mim, contudo, hoje não é o suficiente... Nada
poderia ser. Mesmo com a promessa rondando minha mente, o pensamento
de que posso fazer isso, posso ir até o vestiário, pegar o objeto em minha
bolsa e destruir tudo o que lutei por anos, me consome.
Eu posso, eu apenas posso.
A dor não vai me incomodar mais.
Ela vai se dissipar. Ninguém vai saber. Ninguém vai sentir a não ser eu.
Eu... apenas...
— Sabe, eu acho que se você bater com mais força, talvez a bola chegue
até a Parte Alta — uma voz suave me assusta, me fazendo ter um
sobressalto. — O que você acha, Vee?
Olho para o lado. Para onde Summer Miller, está parada com os braços
cruzados frente ao corpo e com uma de suas habituais roupas, que consiste
em uma saia e uma blusa de super-heróis. Ao seu lado, segurando uma
garrafa de tequila e alisando o traje de líder de torcida, está Verônica.
Minhas amigas.
Elas são completamente diferentes, mas, ainda assim, se encaram como
se pudessem destruir o mundo para se protegerem. Eu sei que poderiam, eu
presenciei em primeira mão dezenas de vezes.
— A única coisa que eu acho é que se uma dessas malditas bolas me
acertar, alguém vai ter que pagar a minha indenização — Vee debocha,
inclinando a cabeça para o lado.
Ela ergue um controle e desliga o aparelho, que estava prestes a lançar
mais algumas bolas, e assim que sentem que é seguro adentram a quadra,
caminhando em minha direção.
— O que estão fazendo aqui? — questiono, ofegante.
Summer ergue uma sobrancelha ao mesmo tempo que Verônica revira
os olhos.
— Puf, comemorando, é óbvio — Vee responde, parando a minha
frente. — Por que não nos ligou para dizer que conseguiu a vaga? Eu fui a
responsável por chutar a sua bunda para ir até lá!
Summer finalmente a alcança, carregando uma cesta de piquenique que
eu não havia percebido até esse momento. A loira estende uma toalha no
chão e se deita, olhando para o céu. Apenas fico parada, perplexa,
observando Verônica fazer a mesma coisa e estender a mão para que eu o
faça também.
— Eu sempre quis fazer um piquenique à noite — Sum comenta, como
se não estivesse deitada em uma maldita quadra de tênis e agindo como
uma lunática.
Percebo, de repente, que pânico e a vontade imensurável que estava me
consumindo, pouco a pouco se dissipam. É como se essas duas mulheres,
mesmo que não soubessem, acabaram de me salvar de mim mesma.
De fazer algo que luto desde meus quinze anos.
Algo que não me orgulho, mas necessito.
— Eu sempre quis ficar bêbada em um piquenique — Vee contrapõe,
sorrindo. — Sente essa maldita bunda aqui, Parker.
Balanço a cabeça, abandonando meus pensamentos e a raquete para me
sentar entre as duas, mesmo sabendo que deveria evitá-las, que não posso as
arrastar para as minhas merdas. Porém, mesmo assim, me ajoelho não
percebendo que elas seguram cada lado do meu ombro e me puxam para o
chão, deitando-me assim como elas e sorriem satisfeitas.
— Ei! — grito. — Avisem da próxima vez, por favor.
A gargalhada de Verônica ressoa pelo ambiente.
— Jesus, você é uma pedra no meu sapato! — exclama, sem se levantar.
— Apenas olhe para cima e pare de reclamar.
Ergo o rosto para o céu como instruído e observo todas as estrelas.
Escuto a respiração calma das duas e me pergunto incansavelmente o que
elas estão, de fato, querendo com isso. O porquê de estarem aqui quando
são quase dez horas da noite, de uma sexta-feira, e poderiam muito bem
estarem na festa de comemoração pela vitória do jogo de hoje à tarde, do
time de Logan.
— Geralmente quando conquistamos algo... nós contamos para os
nossos amigos, sabe? — Sum murmura. — Nós os deixamos ficarem felizes
pelas nossas conquistas.
— Ou pelo menos só os avisamos... não deixamos que eles saibam pelo
site da empresa — a voz decepcionada de Vee me faz encarar firmemente o
céu, evitando o olhar delas. — Mas, eu não posso julgá-la. Eu faria o
mesmo se estivesse machucada. Eu fiz o mesmo.
Dor. Dor rasga minha garganta.
Eu as machuquei. Como sempre.
Todavia, quando estou prestes a dizer algo que talvez vá machucá-las
mais uma vez, Summer me passa a garrafa já aberta e apenas aceito,
ingerindo uma boa quantidade.
O álcool desce queimando, mas não tanto quanto a sensação de tê-las
infligido dor.
De ter descontado em pessoas que não tinham culpa.
Contudo, esse é o meu problema... eu machuco antes que me
machuquem. Não espero que outras pessoas venham me salvar, quando
passei minha vida toda clamando por ajuda e ninguém nunca se preocupou
em olhar para o lado, em estender uma mão ou apenas se dignar a perguntar
o que poderia fazer para conter o meu sofrimento.
Eu apenas aprendi a ser uma única unidade em meio a dezenas de
unidades pares.
Entendi a complexidade dessa dor que se aloja em meu peito e aprendi a
quase nunca pedir ajuda, sempre me virar sozinha. Porque não é difícil
aceitar que eu sou independente, não quando fui obrigada a aprender muito
cedo a ser assim. E quando preciso pedir por algo, é quando sei que estou
ruim. Pois, eu não quero e não gosto de depender de alguém, não quando já
permiti que me decepcionassem um milhão de vezes, e no fim, acabo
percebendo sempre a mesma coisa: que a única pessoa que eu posso confiar,
sou eu mesma.
— Vocês poderiam comemorar com Johnson.
— Ele não nos contou — Verônica diz. — Levi esperava que você nos
contasse. Ele queria que ficássemos felizes por você.
— Ele apenas queria que eu contasse para vocês que quase perdi para
aquele idiota. — Reviro meus olhos. — Com certeza, Levi deve estar
comemorando isso neste momento.
Summer solta uma risada, levando a garrafa até os lábios
— Ele está, mas ele não nos contou por isso — ela conta, passando o
objeto para Vee. — Você acredita que Ollie, Logan e Josh estão dando uma
festa? E o pior, o playboyzinho decidiu ceder a piscina para Levi.
Quase arregalo os olhos. Oliver Wright odeia festas em sua casa. Odeia
que universitários bêbados estejam perto de Andrew, seu irmão mais novo.
Contudo, tenho quase certeza de que a loira ao meu lado é a responsável por
convencê-lo, afinal, não é novidade que ele é completamente rendido por
ela.
Acho que nunca poderei entender a complexidade do sentimento deles,
não desde que enfrentaram tantos obstáculos para ficarem juntos. E o maior
deles, sem dúvidas, foi fingir que se odiavam quando sempre se gostaram.
Sempre se pertenceram.
— E por que não estão lá? — Meu cenho se franze.
— Porque você está aqui — Verônica responde suavemente. — Olha, eu
vou ser sincera: você está sendo uma bela vadia desde que tudo aconteceu,
mas nós já te demos espaço suficiente. Te deixamos definhar em seu poço
de lastimação, mas, a partir de agora, não posso e não vou deixá-la
permanecer neste oceano que está te afogando lentamente. Eu não posso,
Analu. — Viro meu rosto em sua direção, depois na direção de Sum. — Nós
somos suas amigas, porra. Entenda isso!
— Não é porque você e Hazel possuem suas desavenças que significa
que estamos te abandonando. Nós não escolhemos um lado, Parker —
Summer murmura antes de tomar um pouco da bebida. — Não é assim que
uma amizade funciona.
Não é, mas parece que sim.
Parece que a qualquer momento irão perceber que eu não valho a pena,
que não sou suficiente para se manter entre eles.
Como nunca fui suficiente para ela.
— Você precisa aprender que todos nós vamos cometer erros. Eu
mesmo, por exemplo, afastei todos vocês por quatro malditos anos. — Uma
risada sai dos lábios de Vee. — Eu também não acreditava que poderia ter
amigos para me salvar...
— Ei, eu não preciso de salvação! — contraponho, ofendida.
Summer solta uma gargalhada.
— Não, o que você precisa, é aprender que não está sozinha — Summer
contrapõe. — Que nós não somos como suas bolsas que pode trocar sempre
que uma nova coleção chega na loja. Nós estamos aqui nos momentos bons
e ruins. Nos momentos vulneráveis e nas nossas noites de bebedeiras. Nós
quatro somos como a porra de um casamento, Analu. Mesmo que no
momento você e Haz estejam pensando em divórcio.
A menção a Hazel dói.
Dói porque sei que não penso desta mesma forma.
Eu não posso entrar nisso sabendo que ela sempre soube toda a verdade.
Que sorriu para mim e me enganou, que enquanto eu sofria com a minha
realidade, ela vivia como a filha perfeita de Henrique. Que tinhas as datas
comemorativas e eu, o desprezo. Tinha o amor e a pressão por ser perfeita.
Eu não consigo.
Nunca vou conseguir.
Hazel pode ter meu sangue, mas não é minha irmã.
Nunca poderá ser.
E se realmente fôssemos como um casamento, seríamos como o de
Henrique e Amara: uma fraude.
— Não é assim que funcionam certas coisas, Sum — engulo em seco.
— Nem mesmo um casamento se mantém forte quando se é construído a
base de mentiras.
As palavras saltam dos meus lábios como estilhaços fincando minha
garganta.
— Uma vez você me disse que nem sempre a verdade vem em uma
embalagem bonita, e me fez questionar se o que eu desejava era mesmo a
realidade, ou apenas uma ilusão que criou para proteger as pessoas que amo
— ela usa minhas próprias palavras contra mim. — Então, eu te pergunto,
Analu, você deu a Haz o benefício da dúvida? Você perguntou a ela o
porquê escondeu a verdade de você?
Não, eu não fiz.
Eu não precisei fazer porque Amara me contou tudo o que eu precisava
entender sobre a segunda família do meu pai. Eu não precisava porque a
lembrança daquele Natal, das semanas que se seguiram após ele, eram uma
memória viva em minha mente.
Uma memória que me atormentava como um pesadelo recente.
Como um purgatório sem saída.
— O benefício da dúvida é para aqueles que merecem ele, não para
aqueles que sabiam a verdade e a esconderam. — Sorrio friamente,
encarando o céu. — Mas, só para saberem: vocês vieram para ficarem
bêbadas ou só para atrapalhar meu treino?
Verônica rola os olhos. Summer solta um bufo, me entregando a garrafa.
— Nós viemos porque nos importamos com você, Analu — a loira diz.
Eu sabia que se importavam. Eu sempre soube. Mas esse é o meu
problema, eu não sou digna desse sentimento.
Eu não preciso que se importem. Pois isso significa que estão colocando
fé nas minhas ações. Fé em mim. Fé em algo quebrado. E, se há algo que eu
sei melhor do que qualquer outra coisa em minha vida, é que eu não sou
uma heroína, alguém que salva ou pode ser salva.
Eu não sou como a minha meia-irmã, que conquista a todos apenas com
um sorriso.
Nem como Summer, que mesmo com todas as suas cicatrizes, nunca
deixou de ser o sol.
Ou como Verônica, que mesmo quando colocou uma armadura
incrustada de diamantes e foi à guerra por tudo o que amava, não deixou se
destruir.
Eu sou totalmente contrário delas. Das mulheres que um dia cheguei a
chamar de família.
Sou a princesa de gelo. Fria, calculista, que coloca sua vontade acima de
qualquer outra coisa. Sou aquela que as pessoas jamais chamariam de
heroína, mas sim, a que é nomeada como vilã.
Que aceitou esse título, porque quando as pessoas realmente te tratam
como uma vilã, você acaba se tornando uma.
— Eu preferiria que tivessem vindo para ficarem bêbadas.

Existe algo que ninguém sabe sobre mim.


Eu amo domingos.
Cada segundo desse dia que metade da humanidade odeia, é especial
para mim.
Não é especial porque posso ter um descanso das minhas atividades
acadêmicas ou dos treinos. Não. É especial porque é o único momento em
que posso fazer com que Theo, meu irmão caçula, se sinta como uma
criança.
Que posso levá-lo a cidade vizinha a nossa e deixá-lo brincar com as
outras crianças.
Eu posso dar a ele a vida que eu daria se não tivéssemos uma mãe tão
narcisista quanto Amara e um pai tão negligente quanto Henrique. Todavia,
o motivo pelo qual nenhum deles se importa com Theo é apenas um.
Theodore Parker foi diagnosticado com a TEA[2] quando tinha apenas
três anos e era incapaz de se proteger dos olhares maldosos. Das falas
impróprias dos funcionários da nossa casa, que o tratavam como se ele não
fosse digno de ser um Parker e da falta de amor daqueles que deveriam
amá-lo.
Eu odiava cada segundo do que precisava presenciar e me odiei por não
ser capaz de protegê-lo mesmo sendo quatorze anos mais velha.
Me sentia inútil. Culpada e acima de tudo destruída, por não conseguir
tirar a dor de seus olhos todas às vezes que não agia como nossos pais
desejavam. Quando minha mãe lhe direcionava palavras frívolas e meu pai
apenas o ignorava.
Eles não deveriam tê-lo feito sofrer. Eu não deveria ter permitido.
Theo é a criança mais inteligente que eu conheço. A mais amável, gentil
e com um coração puro do tamanho do mundo. E, todas às vezes que
aqueles lindos e curiosos olhos verdes se voltam para o meu rosto, sei que
cada atitude tomada, todas as vezes que tomei para mim suas dores, seus
medos e fiz com que as pessoas me temessem por agir como uma vadia sem
coração, valeu a pena.
Valeu a pena quando Henrique me fez escolher entre Theo e minha
melhor amiga.
Quando eu tive que escolher entre competir ou acompanhá-lo em uma
consulta, porque Amara tinha um procedimento estético em Chicago e não
iria desmarcar por causa da consulta que poderia mudar a vida do seu
próprio filho.
Valeu a pena. Cada sacrifício valeu a pena. Tudo por ele e para ele.
E, se for preciso, eu continuarei a me sacrificar pelo homem da minha
vida.
— Oi, Lu — sua voz suave me faz sorrir. — Você sabia que estrelas são
apenas esferas gigantes compostas de gases que produzem reações
nucleares de fusão?
Jesus Cristo! Eu tenho um pequeno Sheldon Cooper[3] como irmão.
Theo não olha para mim enquanto me questiona. Seus olhos estão
focados nas dezenas de estrelas colocadas no teto do seu quarto. Cada uma
delas nós colocamos juntos desde que encontramos um livro jogado na
biblioteca da cidade há alguns anos e se viu completamente apaixonado por
aquilo. Seu maior interesse.
Virou a sua paixão. E, por um tempo, me preocupei, pois ele era
obcecado por tudo o que representava o universo. Essa preocupação me
acompanhou até que sua médica me disse que era normal ele se interessar
por um assunto em específico.
— É mesmo? — Caminho até sua cama, abandonando meus saltos no
caminho e me deitando ao seu lado. — E quem te contou isso?
— Eu li. — Um pequeno sorriso se estende pelos seus pequenos lábios.
— Por que isso não me surpreende? — questiono, retoricamente.
— Porque você me conhece melhor do que ninguém!
Sorrimos pela verdade dita.
— Sabe que dia é hoje, Theo? — minha pergunta soa baixa.
Olho para as estrelas, aguardando a sua resposta.
— É o nosso dia.
— É o nosso dia, meu amor. — Ele une nossas mãos. — E o que você
quer fazer hoje?
— Eu posso escolher?
Por um segundo, encaro Theo. Seus olhos verdes brilham em
antecipação. O cabelo loiro escuro escorre pela testa enquanto sorri com os
olhos brilhantes, ansiosos.
Eu nunca me senti sortuda. Nunca me achei merecedora de algo. Mas,
quando Amara, anos atrás, chegou em casa com ele depois de quase
quarenta e oito horas de parto e o entregou para a babá, soube que mesmo
que em qualquer lugar do universo que estivéssemos, eu o protegeria.
Mesmo que isso custasse tudo de mim.
Mesmo que o mundo me odiasse.
Contanto que meu irmão me amasse, tudo valeria a pena.
Pois sempre soube que mesmo que a escuridão se fundisse ao meu peito,
Theo seria o motivo pelo qual eu desejaria voltar para a luz. O motivo pelo
qual eu me levantaria após mais uma guerra perdida e enfrentaria meus
inimigos uma outra vez.
Ele é o motivo pelo qual a solidão não me conquistou totalmente.
— Você pode escolher, meu pequeno Hobbit[4] — Deixo um beijo em
sua testa, bagunçando seus cabelos. — Você sempre pode escolher tudo o
que quiser.
Ele não compreende minhas palavras.
Ele não entende o que há por trás delas.
Apenas fica em silêncio, encarando o teto, apenas sussurrando uma
canção que ama desde seus seis anos.
Theo fica em silêncio por vários minutos até que seu rosto se vira para
mim. O brilho de suas pupilas escondidas atrás do óculos de grau preto, o
sorriso gentil e ingênuo, me fazem encará-lo com amor.
Ele é a minha metade. O homem da minha vida.
A pequena covinha em sua bochecha que, mesmo que não devesse, me
lembrou a de Levi Johnson. O único homem que consegue me irritar além
da razão e que agora será meu companheiro de equipe por um ano. O
mesmo que julga todas as minhas ações sem saber o que está por trás. O do
porque sou quem sou e o motivo pelo qual me torno uma arma letal quando
ameaçada.
— Nós podemos assistir ao nosso filme favorito? — Ele brinca com as
pontas de seus dedos. — Eu não acho que quero sair de casa hoje.
Balanço a cabeça concordando.
Harry Potter.
O nosso filme favorito. O filme que assistimos sempre, que amamos
com todas as nossas forças.
A franquia de filmes que me fizeram companhia nas inúmeras vezes em
que a minha própria companhia era demais para aguentar.
E, mesmo que Theo nunca saiba, é o filme que aprendi a amar, porque
ele me ensinou o significado disso.
— Contanto que eu ainda possa dizer que Hermione e Draco combinam
como um casal — brinco, sorrindo.
— Que blasfêmia! — ele exclama, gargalhando.
Pela primeira vez na semana, me permito sorrir.
É verdadeiro. Genuíno. Feliz.
É isso que Theo me desperta. É isso que ele faz. Meu irmão é o único
que traz a verdadeira Analu para fora. O único com poder de fazer com que
até mesmo um momento tão impetuoso como estão sendo esses dias, me
faça soltar uma risada.
Ele é tudo para mim.
Mas também é a minha única fraqueza. E Amara sabe disso. Por esse
motivo, ela ainda me mantém nessa casa e na sua vida. Ela faz com que me
sinta como uma peça em seu jogo maquiavélico com Henrique, apenas para
não perder a posição de matriarca da tão prestigiada família Parker.
Perder para o verdadeiro amor de Henrique, que deu tudo o que meu pai
um dia sonhou. Mesmo que ele não mereça isso, mesmo que jamais mereça
saber como é ser amado de verdade e ter alguém que retribua o sentimento.
Porque se meu pai fosse realmente digno dessa emoção, ele não me
destruiria tão dolorosamente como faz há anos.
Ele me amaria. Me colocaria como uma prioridade.
Não a mulher desconhecida. Não Amara. Mas, a mim. A sua filha que
sacrificou a amizade dela por um documento idiota que faria com que a
Blackwell Entreprise não fosse sua concorrente direta. Por mim, que
sempre tentei fazê-lo me enxergar e me amar.
Ele deveria fazer isso…, mas nunca fez.
Henrique me deixou para trás. Me deixou para Amara brincar, moldar e
destruir.
E ela fez isso em todas as oportunidades. Minha mãe me destruiu a cada
dia desde o Natal. E, quando percebeu que eu não deixaria que continuasse
a me tratar como tratou, ela usou a minha única fraqueza.
Amara, que nunca amou Theo, o usou para me manter sob sua
supervisão.
Moldou a filha perfeita. A sua cópia perfeita.
Mesmo que me odiasse, ela me transformou na sua chave para a vida
perfeita. E eu permiti, pois o pensamento de perder Theo era mais
destruidor do que qualquer coisa que poderia fazer comigo.
— Lu?
Theo chama depois que coloco o filme e a abertura conhecida começa a
passar.
— Sim?
Sua pequena mão vai até a minha bochecha, acariciando-a.
— Você também sabia que mesmo entre todas as galáxias, dentre todas
as estrelas, que não são estrelas, e dentre todas as vidas... você sempre será
a minha pessoa favorita?
Eu nunca mais me apaixonaria até que a encontrasse
Eu disse: Eu nunca me apaixonaria, a menos que seja por você
Eu estava perdido na escuridão, mas então eu a encontrei
Eu te encontrei
Until I Found You | Stephen Sanchez feat. Em Beihold

— Você deveria vir me visitar.


A voz grave de Megan me faz revirar os olhos.
— Sim, Meg — debocho. — Eu deveria largar a faculdade, os treinos e
o meu estágio para atravessar o mundo e ir te visitar.
Ela estala a língua no céu da boca.
— Londres não é tão longe.
Ergo uma sobrancelha enquanto encaro seu rosto na tela do meu celular.
O cabelo liso e escuro cai em cascata pelos seus ombros e a gargalhada que
solta em seguida faz com que seus olhos, idênticos aos de papai, enruguem
a pele negra em volta deles.
— Não vai ser longe o suficiente para mamãe chutar a minha bunda
quando souber que estou tirando férias antecipadas — brinco, andando pelo
meu quarto. — Aliás, quando você vem para casa?
Seu sorriso morre.
O rosto tranquilo de uma das mulheres que amo em toda a minha vida,
dá lugar à expressão severa da advogada renomada. Uma expressão que
sempre admirei e ao mesmo tempo temi. Principalmente depois das coisas e
das cicatrizes que precisou superar há alguns anos.
— Eu...
— Meg — alerto. — Você prometeu.
Ela sorri falsamente.
Essa era a tática mais infalível de Megan Elizabeth Johnson. Minha irmã
mais velha. Meu escudo. Ela sempre sorri quando está prestes a contar uma
história que fará com que o foco do assunto mude.
Meg sempre fará isso quando o assunto é voltar para casa. Mesmo que
neste instante, ela seja a irmã amorosa que destruiria o mundo pelo seu
irmão caçula, ela esconde suas cicatrizes. Quando essa chamada terminar,
ela será a sua versão fria e insensível.
A versão que não deveria existir. Que não é a minha verdadeira irmã,
que criou para se proteger. Pois, tal qual uma certa loira que ronda meus
pensamentos, que me odeia na mesma proporção que a odeio e que me
destruiria se permitisse, também esconde suas cicatrizes e medos.
Meg se tornou assim depois da série de declínios que a sua vida se
tornou.
Contudo, isso não é sobre a família, porque essas marcas apenas eu
guardo.
A dor dela. A dor que preenche cada lacuna de sua alma é pelo seu ex-
noivo.
O noivo que morreu um mês antes do casamento deles há dois anos.
— Eu tenho trabalho, irmãozinho.
— Todos nós temos.
— Por favor, Levi, por favor, não — súplica, mordendo o lábio inferior.
— Ainda não estou pronta para voltar. Nem para encarar minhas memórias.
Sorrio brevemente. Não é justo fazer isso com ela.
Não posso obrigá-la a vir e fingir que tudo está bem, quando o amor da
sua vida foi tirado de seus braços precocemente. Minha irmã merece mais.
Ela não deveria ter a lembrança de seu amor de infância morrendo enquanto
experimentava o vestido perfeito. Mas, se essa é a vida que ela escolheu, se
ela se sente feliz do outro lado do mundo, atuando na área jurídica e sendo
uma mulher que coleciona diversos sapatos e joias, como nossa mãe. Eu
estou feliz por ela.
Eu sempre ficaria feliz por Megan.
— Mamãe vai fazer um evento para dar início a sua campanha política.
Mudo o assunto, mostrando a ela que sempre estarei ao seu lado e Meg
percebe isso, pois o sorriso que antes estava estampado em seus lábios,
volta a preencher seu rosto.
— Isso vai ser um saco. — Uma risada salta de seus lábios. — Boa sorte
em aturar aqueles velhos idiotas que só puxam o saco dela para pedir
favores depois.
Rolo meus olhos.
— É um baile.
— Nunca estive tão feliz por estar do outro lado do mundo — cantarola,
me fazendo rir. — Há alguma razão para isso ou só está dizendo para adiar
a minha pergunta?
Suspiro fundo, sabendo que ela me conhece melhor do que ninguém.
— Preciso de uma acompanhante.
Meg ergue uma sobrancelha, enquanto anda pelo enorme espaço do seu
apartamento.
— Chame uma garota que ache que saberá se comportar ao lado da
nossa família, Levi — ela diz como se fosse fácil achar alguém que ficará
ao lado da nossa mãe sem bajulá-la. — Mamãe e papai não se importam
com isso, você sabe.
— Não quero decepcioná-la, Meg — confesso. — Não depois que ela…
— Pare de se cobrar tanto, Levi! — repreende, severamente. —
Nenhum de nós dois teve culpa. Não podíamos salvá-lo e não é seu trabalho
ocupar o lugar que ele deixou.
Seus olhos são tão penetrantes que, por um momento, apenas a estudo.
Lembro de como sempre lutamos para aplacar a falta que nosso irmão fez, o
quanto nossa família foi destruída por conta do luto e de como lidamos com
tudo.
Eu prometi orgulhá-la. Eu vou cumprir.
— Eu consegui o estágio. — Não dou espaço para que ela continue
falando sobre como me sinto. — Foi difícil, mas consegui.
Ela sorri tristemente, sabendo que não vou continuar a conversa. Megan
sabe que nunca falo sobre como me senti após a partida dele.
— Brilhante, irmãozinho! — parabeniza, correndo pelo closet. — Você
é brilhante! E a sua rival? A que encheu meus ouvidos por meses, como ela
reagiu?
Rolo meus olhos, bufando.
— Parker também conseguiu — indignação está presente em minhas
palavras. — Eles farão com que concorremos a uma vaga como associado
júnior na empresa, então ainda somos rivais.
Ela sorri. Não é um sorriso como o de antes. Esse vem acompanhado de
um olhar brilhante e uma expressão que causa medo. Esperança.
— Não, não e não, Meg. — Balanço a cabeça em negação.
— Vamos lá, ela é bonita. — Ela pega o iPad e digita algo que me faz
ficar confuso por alguns instantes. — Meu Deus, ela não é apenas bonita,
ela é deslumbrante! Levi, eu definitivamente não entendo como você odeia
essa mulher.
Meg levanta o tablet na frente da tela do seu celular, me dando a visão
de uma das fotos de Analu. Uma foto que ela publicou recentemente em
suas redes sociais.
Nela seus olhos estão fechados, o vento bate contra os cabelos loiros que
voam livremente e a boca — a maldita boca que é a razão dos meus piores
pesadelos — está fechada, formando um desenho de arco. O vestido
simples e branco contrasta com a pele pouco bronzeada.
Não posso discordar, Meg.
O céu é apenas um cenário simplório perto de sua beleza. Não há nada
na natureza que possa explicar o quão sobrenatural é Analu Parker. O
quanto ela parece magnífica e ao mesmo tempo leve, sem as amarras, sem o
que a protege. Neste momento, não há personalidade irritante, nem
respostas pragmáticas ou o veneno que escorre de suas palavras.
Não há princesa de gelo.
Ela é apenas… princesa.
A maldita princesa que consome meus pensamentos quando não
deveria.
— Porque... — Engulo em seco. — Ela é a mulher que machucou uma
das minhas melhores amigas e quase roubou o meu estágio?
— Homens... — Meg revira os olhos, mas o sorriso presunçoso em seus
lábios se mantém intacto. — Eu preciso ir, ok? Tenho uma reunião com um
cliente em algumas horas. Preciso me preparar.
Sorrio levemente.
— Certo. Ligue para mamãe, ela está nervosa com a campanha.
Megan solta um suspiro.
— Eu irei. — Antes de desligar, minha irmã solta um sorriso lindo. —
Levi?
— Sim?
— Boa sorte.
— Com o quê? — Ergo uma sobrancelha.
— Para convencer a si mesmo de que conseguirá odiá-la para sempre.

Caminho rapidamente pelos corredores da universidade, esbarrando


em várias pessoas sem querer.
Eu estou atrasado pra caralho.
Não é a primeira vez, claro. Contudo, hoje em especial é um
péssimo dia para isso. Meu treinador, com certeza, me afogará na piscina
por estar vinte minutos atrasado para o último treino da pré-temporada de
natação.
Agora que o time de Logan e a equipe de Verônica estão brilhando
nos pré-jogos da universidade, é a vez da minha equipe se destacar nos
campeonatos. Principalmente depois da última temporada em que saímos,
pelo terceiro ano consecutivo, como campeões.
Assim que entro no vestiário, troco minha roupa em tempo recorde e
saio pelos corredores, colocando a touca roxa e segurando os óculos, já
escutando o falatório da área da piscina. O barulho da água, o grito dos
meus companheiros e até mesmo os xingamentos do treinador, é como
música para os meus ouvidos.
— O capitão decidiu aparecer? — o treinador Barnes debocha,
segurando sua prancheta.
Paro ao seu lado, observando a piscina, enquanto termino de ajustar
meus acessórios obrigatórios para o treino.
— Desculpa, tive alguns contratempos.
Ele ergue a sobrancelha.
— A sua vida pessoal não me interessa, Johnson — resmunga,
levantando o objeto em suas mãos e indicando a piscina. — Eles estão
finalizando o treino. Você começa o nado Medley[5] e só sai de lá quando
finalizar.
— Alguém já disse que você anda muito estressado, treinador?
— Alguém já disse que você é um idiota, Johnson? — ladra,
revirando os olhos. — Para a piscina. Agora!
E eu vou.
Nado todo o circuito como havia instruído e o repito por dezenas de
vezes, até quando todos terminam e apenas eu sobro no ambiente.
A cada vez que meu corpo é submerso pela água, todas as vezes que
o silêncio me faz companhia e o único barulho é a do meu corpo se
movimentando, me sinto em casa. Me sinto como se ele estivesse ao meu
lado mais uma vez, sorrindo para mim e dizendo que, um dia, eu seria o
melhor nadador do mundo.
Sinto todas as vezes que Meg e eu o colocamos na água quando
ninguém estava por perto, pois ele adorava a sensação. Adorava se sentir
vivo.
Eu sinto tudo isso.
Mas o sentimento que prevalece acima de tudo é a saudade.
Saudade das nossas noites juntos quando criança, das suas risadas
mesmo quando o único barulho além desse, era o bip irritante do monitor
que me indicava que os seus batimentos cardíacos eram reais, que ele ainda
não havia me abandonado.
E esse sentimento é sufocante, se funde à nossa alma, causa um
vazio onde não podemos fazer absolutamente nada além de lembrar e fingir
que essa sensação não está lá. Porém, a dor de perder um irmão quando
você sabe que não há como salvá-lo, mesmo que sua família possua todo o
dinheiro do mundo, toda a influência e detenha uma posição de respeito na
sociedade, é como uma erva daninha.
Ela se enraíza em nosso peito. Nos faz lembrar que somos
insignificantes.
Nos faz pensar que não somos merecedores daquilo que detemos.
E talvez isso seja verdade.
— Sabe, Johnson, você poderia ter arrumado um hobby mais
excitante.
A maldita voz que é como o meu mártir fez com que eu pare minhas
braçadas. Percebendo, assim que emerjo outra vez, que Analu Parker está
parada longe o suficiente da borda da piscina.
Ela joga os cabelos longos por cima do ombro, destacando o vestido
preto em seu corpo que está escondido pelo casaco branco. Há um iPad em
uma de suas mãos e ela me observa nadar até a borda e escorar meus braços
ali. Seus olhos vão dos meus olhos até a água que me cerca e posso ver em
suas íris o quanto odeia estar aqui.
— Você é obcecada por mim ou algo do tipo?
Ela ergue uma sobrancelha.
— O quê? — chia, perplexa. — Não se dê ao trabalho de achar que
eu estaria interessada em você, Johnson.
— Eu sei — sorrio abertamente. — É difícil desejar algo bom,
quando só se prova carne de segunda mão.
Ela pende a cabeça para trás, soltando uma gargalhada fria.
— Não. Eu prefiro me interessar por alguém que possua o mesmo
intelecto que eu e não alguém com o ego maior do que o próprio cérebro.
Parker dá um passo para trás, como se o pensamento de estar perto
da água a assombre.
Franzo o cenho.
A mulher que possui uma coragem invejável está com medo.
Medo do que eu mais amo. Chega até ser engraçado.
— Por que diabos você está atrás de mim, então? — me apoio na
borda e saio da água.
Analu não responde. Seus olhos pousam em meu corpo molhado e
ela o arrasta por toda extensão do meu tronco definido, subindo lentamente
até que, por fim, olha para o meu rosto. Encontrando um sorriso malicioso
estampado em meus lábios, enquanto inclino minha cabeça para o lado,
passando minha língua pelo meu lábio inferior e enfim retirando a touca.
— Tem certeza de que não é obcecada por mim? — ironizo,
passando a mão pelos meus cabelos.
Ela dá um passo à frente e eu dou outro.
Nossos corpos quase se colidem quando paramos frente a frente.
Somos o oposto. E ao mesmo tempo iguais.
Somos uma aura impecável, racional e esbanjando tranquilidade.
Contudo, por dentro, somos um completo caos, prestes a fragmentar.
— Nem nos seus piores pesadelos.
Sorrio.
Analu é alta, contudo, ainda sou maior do que ela. Por isso, me
inclino para frente, sem nunca deixar meu sorriso morrer.
— Então, novamente, princesa, por que está atrás de mim quando
temos que nos encontrar apenas daqui a uma hora na empresa? — minha
voz é baixa, quase um sussurro.
Ela ergue o rosto, fazendo com que nossos narizes quase se toquem.
O cheiro de Chanel Nº5 invade minhas narinas e, antes que eu me impeça,
acabo me perguntando se o seu gosto é tão doce quanto o cheiro que emana
dela.
Seus olhos castanhos ficam mais escuros quando o desejo o domina.
Com essa proximidade perigosa, questiono coisas que jamais deveria
me perguntar ao mesmo tempo que lembro de que ela é completamente
proibida. É alguém que machucou pessoas que eu amo e que sempre vai
destruir o que toca.
Assim como eu.
— Porque você vai me dar uma carona.
Ergo uma sobrancelha.
— Eu vou?
— Você vai. — É a vez dela sorrir.
— Por que você acha que eu lhe daria uma carona?
— Porque você é um bom colega de estágio.
Quase solto uma gargalhada.
— Não, eu não sou.
— É, a partir de hoje.
— Parker, eu não vou te dar uma carona, eu nem ao menos gosto de
você. — Rolo meus olhos. — Agora, a não ser que você queira pular na
piscina e ver quem é o melhor de nós dois nadando, acabamos por aqui.
Seus olhos viajam até a piscina funda. E, mesmo que não demonstre,
percebo a mudança em seu corpo. Percebo suas costas enrijecer, suas mãos
apertarem o tablet e os olhos se tornarem assombrados. Sua pele fica pálida
ao passo que morde o lábio, respirando devagar. Como se estivesse
retomando o controle de suas próprias emoções.
— Eu... — Um sorriso frio toma conta de seus lábios. — Eu vou te
esperar no estacionamento.
Ela não me dá tempo de responder, apenas se vira e começa a
caminhar até as portas de vidro. Sem perceber, levanto meu braço, quase
parando-a e me questionando o porquê diabos ela agiu tão estranho.
O que está escondendo?
Porém, antes que eu faça algo que irei me arrepender, cruzo meus
braços sobre o peito e a chamo.
— Eu ainda não estou te dando uma carona, Parker.
— Você é ingênuo de achar que estou te dando alguma opção,
Johnson.
Eu a observo sumir enquanto as palavras de Meg ressoam em meu
subconsciente.
Boa sorte para convencer a si mesmo de que conseguirá odiá-la
para sempre.
Meg está errada. É fácil me convencer de que a odeio e sempre
odiarei.
É fácil trocar respostas ácidas. Fácil discutir e nos ferir.
Difícil mesmo é aceitar que a desejo.
Que mesmo que ela machuque todos que eu amo, eu ainda a desejo.
Eu quero ser sua jogada final
Eu quero ser sua primeira opção
Eu quero ser seu número um (whoa, whoa, whoa)
Eu quero ser sua jogada final, jogada final
End Game | Taylor Swift feat. Ed Sheeran & Future

É claro que o idiota teria uma Lamborghini Veneno.


Levi Johnson não teria um Tesla ou um outro automóvel mais
simplório. Não. Ele teria um fodido carro automobilístico cotado como um
dos mais caros do mercado e com apenas nove exemplares produzidos.
Um exibicionista de merda.
Rolo meus olhos, colocando meus óculos escuro e apoio meu corpo
no capô, enquanto arrasto meu olhar pelo estacionamento praticamente
vazio, sentindo o clima ameno do dia.
Tudo indica que a primavera está se despedindo e dando lugar ao
clima infernal do verão. Contudo, mesmo que esteja em seu fim, não posso
deixar de apreciar a coloração que a estação deixa o ambiente. As enormes
árvores em volta do prédio da universidade, os canteiros de flores
espalhados pelo local e até mesmo a vista ao fundo do lago que cruza a
cidade.
Meus olhos se fixam na paisagem que, mesmo longe, me faz sentir a
sensação sufocante da água contra meu corpo e das lembranças que levam
para um lugar obscuro e amedrontador. É como se eu pudesse sentir a água
em meus pulmões, o grito em minha garganta e o meu corpo lutando para se
manter consciente.
Sinto tudo isso. E, todas essas sensações me trazem um medo que se
agarra ao meu cerne, dificulta a minha respiração e me faz querer gritar ao
mesmo tempo que corro sentido contrário para me proteger, como não fui
capaz daquela vez. Mas, nada se compara ao medo que tenho da voz.
A maldita voz que assombra até meus piores pesadelos.
Você merece isso.
Você é uma vadiazinha.
Você é insuficiente.
Você deveria morrer.
Você. Você. Você. Você.
E, nesses momentos, onde entendo a gravidade da minha fobia, sinto
inveja de Levi. Inveja de como ele consegue amar algo que pode
simplesmente matá-lo como quase me matou. De como se sente em paz
onde é o meu purgatório, onde o sentimento de inutilidade constante se
impregna em minha mente e me faz perguntar o que eu fiz para merecer
isso, o porquê me tiraram tão cruelmente o amor que eu sentia pelo lugar
que me trazia a sensação de paz.
Esse questionamento junto ao pensamento de ser obrigada a chegar
perto do que um dia foi algo que amei, me faz querer gritar, chorar e
suplicar. Essa sensação se estende pelo meu corpo, fazendo-me sentir como
um lixo, uma vergonha para aqueles que desejavam uma filha perfeita, mas,
que apenas conseguiram algo danificado e destruído.
Algo que todas as vezes que se olha no espelho sente os olhares de
desgosto e repulsa e as palavras frívolas que foram dirigidas em minha
direção. Palavras essas que me fizeram odiar cada centímetro do que sou.
— Você realmente me esperou? — a voz entediada me faz sair dos
meus devaneios.
Sorrio falsamente, não deixando que perceba que todos os meus
demônios estão despertos sob minha pele.
— Eu disse que você não teria opção.
— Por que diabos você não está com seu carro? — Ergue uma
sobrancelha. — Ou melhor: onde está aquela monstruosidade que você
chama de carro?
— Ele é mais sofisticado do que essa coisa que usa, apenas como
uma competição para ver quem tem o pau maior, dentre os outros idiotas da
Parte Alta — debocho, me desencostando do capô e arrumando meu casaco.
— Podemos ir?
— Ainda assim, ele é melhor que o seu projeto de carro da Barbie.
Meus lábios se abrem perplexos.
— Não. Ele não é.
— Sim, o meu definitivamente é melhor que o seu.
— Tudo é uma maldita competição para você? — cruzo os braços.
Levi inclina a cabeça para o lado e seu sorriso brilhante me irrita.
— Quando se trata de você, com certeza. — Ele dá um passo à
frente, quase chegando até onde estou. — É sempre um prazer competir
com você, princesa.
Esse apelido de merda!
Engulo em seco, abrindo a boca para respondê-lo, contudo percebo o
quão próximos estamos. Penso em dar um passo para trás, mas é
impossível. Seus olhos prendem os meus, seu cheiro se torna, de repente, o
meu favorito.
Isso é errado. Eu o odeio.
E essa proximidade com Johnson é perigosa. Ele é meu rival. Meu
inimigo.
Levi pode destruir tudo aquilo que eu construí desde o primeiro ano
da faculdade e ceder ao seu sorriso cafajeste e as provocações que lança em
minha direção todas as vezes que nos encontramos pode ser a minha
destruição.
Porque nós temos algo que não consigo compreender, mas que me
faz sentir como se a minha escuridão clamasse pela dele.
Como se as minhas máscaras entendessem as suas.
Como se já nos conhecêssemos a milhares de vidas.
— Onde ele está? — reitera, quando não respondo.
— Em uma oficina. — Reviro meus olhos. — Precisa de mais
detalhes, Sherlock?
— Não. — Ele solta um bufo irritado. — Estou te dando uma
maldita carona porque sei que se não o fizer, Verônica e Summer vão chutar
a minha bunda. Mas ainda não gosto de você, Parker.
— Graças a Deus. — Sorrio friamente, me afastando. — Porque eu
te odeio tanto quanto odeio Balenciaga.
Levi solta uma série de xingamentos quando percebe que eu
realmente não me importo com o sentimento que tem por mim e caminha
até o lado do motorista, destravando nossas portas.
Assim que nos sentamos, ele se ajeita no seu banco, joga a mochila
para trás e me encara.
— Nós vamos parar para comer.
— Nem ferrando, Johnson — resmungo. — Nós temos que estar na
McLaughlin&Conway em uma hora.
Levi apenas se vira completamente para mim e lança um sorriso
diabólico.
— Você prefere que eu te deixe em um ponto de ônibus ou no metrô,
então?
Respiro fundo, tentando não me inclinar em sua direção, segurar seu
pescoço e bater sua cabeça no volante caro a nossa frente. Seria uma
bagunça que eu não me importaria de limpar.
— Você não ousaria — ladro, me virando totalmente para ele.
Ele se inclina e fica tão perto que seguro uma respiração.
Seu cheiro chega tão rápido quanto a minha vontade de matá-lo e, de
repente, me sinto claustrofóbica. Me arrependo de tê-lo obrigado a me dar
essa carona, pois ficar em um espaço tão minúsculo com o capitão do time
de natação que me odeia tanto quanto o odeio, e que nas últimas semanas
têm invadido meu pensamento com mais frequência do que desejo, não foi
a melhor das opções.
Eu deveria ter apelado para uma corrida de Uber. Deveria ter pedido
o carro de Verônica ou Logan emprestado, já que os dois estão viajando
com suas equipes. Ou pegado o de Oliver e Summer, já que estão em Nova
York para alguma reunião.
Eu apenas deveria.
Porque ficar perto de Levi Johnson nunca foi o certo. Nunca deveria
acontecer.
Ele me traz sensações que não posso me permitir sentir.
Encaro seu sorriso. Um maldito erro, pois esse sorriso me faz querer
descobrir todos os detalhes sobre ele que ninguém foi capaz de descobrir.
— Sim, eu ousaria — suas palavras saltam de seus lábios com
convicção. — Então, Parker, você vai querer pizza ou um hambúrguer?

Nós chegamos ao Oásis quinze minutos depois.


Não há muitas pessoas pelo enorme ambiente que sempre é o local
de encontro do grupo para almoços e karaokês. Isso não é surpreendente,
não quando a SVU está na temporada de jogos, o que significa que todas as
equipes sempre estão viajando.
Caminhamos em silêncio até a mesa nos fundos e nem mesmo
conversamos enquanto esperamos Greg, um dos funcionários, nos atender.
Levi apenas se joga em sua poltrona e encara o celular.
— Ei, Johnson! — cumprimenta quando para ao lado da nossa mesa,
quando os olhos do garçom recaem em mim, ele sorri timidamente. — E
aí... Analu.
— Olá — devolvo, voltando a minha atenção para o celular.
Meu companheiro solta um resmungo entediado e se escora em sua
poltrona.
— O que temos hoje, Greg?
— Brócolis e queijo suíço.
Ergo meu rosto com uma careta.
— O que diabos seria essa combinação horrenda? — questiono,
perplexa.
— Pizza.
— Pizza?
— É a coisa dele — Greg explica. — Ele prova todos os novos
sabores de pizzas do cardápio todas as vezes que vem aqui.
Percebo, então, que essa é a primeira coisa que aprendo sobre Levi
Johnson. Que o capitão de ouro da equipe de natação da Saint Vincent
University possui um péssimo gosto para pizza.
— Você é estranho, Johnson — murmuro, fazendo uma careta e me
virando para o garoto. — Traga uma salada caesar e um suco verde para
mim, por favor.
Ele balança a cabeça, anotando nossos pedidos e então nos
abandona. Penso em voltar a minha atenção para o celular ou para a
paisagem, mas algo em como Levi me encara, faz com que eu continue o
encarando de volta.
Nenhum de nós quebra a conexão. Apenas ficamos assim por vários
segundos.
Seus olhos são tão escuros e brilhantes que poderiam se comparar às
constelações que Theo vive estudando. E, assim como elas, Johnson
desperta curiosidade. Ele me faz querer estudá-lo. Entender o que guarda, o
que esconde. Porque apenas por observá-lo tranquilo e me encarando como
se eu fosse mais do que aparento, me transmite uma sensação de que no
mundo há mais do que apenas medo, ansiedade e solidão.
— Por que você sempre pede a mesma coisa?
— Desculpe?
— A sua comida — explica, brincando com o saleiro. — Você
sempre pede salada e suco. Desde que começou a frequentar o Oásis e
mesmo quando as garotas estão comendo o que amam, você ainda continua
na sua salada e no seu suco. Por quê?
Uma respiração fica presa em minha garganta.
— Não é da sua conta.
Ele inclina a cabeça para o lado, semicerrando os olhos.
— Você tem razão.
— Eu sempre tenho. — Umedeço meus lábios. — Você...
Não tenho tempo de concluir minha frase, pois Greg volta à nossa
mesa, deixando nossos pedidos e sai rapidamente sem nos dar tempo de
agradecê-lo.
— Você o assusta.
— Eu?
— Ele é a fim de você, Parker. — Levi revira os olhos. — Ou você
acha que o sorrisinho bobo no rosto dele é para mim?
Viro meu rosto para o garoto, que provavelmente deve ter a nossa
idade e, se não me engano, é estudante de Filosofia da SVU. Seus cachos
escuros caem sobre seus olhos, enquanto me lança um sorriso fraco. Tento
devolver, mas acaba saindo com uma careta de dor, fazendo Levi soltar uma
gargalhada.
Contudo, ele não me desperta nada.
É apenas uma chama apagada. Um espaço vazio.
— Quem sabe? Você é o garoto de ouro da SVU. — Dou de ombros.
— Muito obrigado?
— Não foi um elogio — Reviro meus olhos. — Quer saber? Vou te
provar que ele não está interessado em mim.
— Cinquenta dólares que ele está.
Me levanto, arrumando minha roupa e lanço a ele um sorriso
malicioso.
— Mil dólares que ele não está, mas aceitará sair comigo.
Levi ergue uma sobrancelha.
— Se ele não está interessado em você, por que ele aceitaria ir a um
encontro?
Praticamente solto uma gargalhada.
— Eu sou gostosa, inteligente, bonita e milionária. — Ergo uma
sobrancelha. — Quem não gostaria de um encontro comigo?
Me viro, não esperando pela sua resposta, contudo sua voz me
alcança.
— Esqueceu de adicionar egocêntrica.
O encaro por cima do meu ombro, sorrindo friamente.
— E você não negou minhas palavras — digo, convencida.
— Não, eu não neguei.
O sorriso em meu rosto morre quando percebo todos na lanchonete
encarando Levi e eu. Alguns deles até mesmo possuem um sorriso no rosto,
como se tivessem acabado de presenciar uma cena romântica e não uma
competição para saber qual dos dois está certo. É patético, me faz revirar os
olhos e lançar-lhes uma careta de desaprovação.
Assim que paro do outro lado do balcão, onde Greg está, tento sem
sucesso, soltar um sorriso. Ele ergue uma sobrancelha, confuso, mas logo
pega o bloco de anotação e se prepara para anotar meu pedido inexistente.
— Eu posso ajudá-la?
— Sim. — Cruzo meus braços frente ao corpo. — Você é a fim de
mim?
Seus olhos se arregalam.
— Desculpe?
— Você, Greg. É a fim de mim?
Ele ergue uma sobrancelha.
— Se eu disser não, você ficaria decepcionada?
— Não, na verdade eu ficaria feliz.
Certo, talvez essa não tenha sido a melhor resposta. Mas isso é uma
aposta e para ganhar de Levi prefiro verdade à gentileza.
— Então... não. Eu não estou a fim de você. — Um sorriso diabólico
se estende pelo meu rosto. — Eu posso, por favor, saber por que está
sorrindo assim? É um pouco assustador.
Inclino meu corpo para frente, colocando meus cotovelos no balcão
e lançando a ele um olhar do Gato de Botas.
— Se eu te der quinhentos dólares. Você me daria seu telefone e
aceitaria sair comigo?
— Eu deveria ficar preocupado?
— Não. Eu só preciso ganhar uma aposta daquele babaca. — Dou de
ombros, apontando o queixo para Levi.
Ele levanta o bloco de anotações e anota algo rapidamente. Assim
que me entrega, um sorriso presunçoso nasce em meus lábios. Um sorriso
que não é falso. Nem um daqueles que estou acostumada a lançar para
qualquer pessoa, é um sorriso divertido.
Um sorriso raro.
Eu ganhei.
Levi perdeu.
— Obrigada, Greg.
— Eu vou ganhar quinhentos dólares. — Ele solta uma risada. — Eu
quem deveria agradecer.
Me viro caminhando até onde o idiota me encara com uma das
sobrancelhas levantadas. Sua atenção sempre esteve em mim. Em nenhum
momento, enquanto caminhava até nossa mesa, ele desviou. Johnson me
encara como se eu estivesse no caminho certo, como se sempre fosse me
esperar no fim do corredor.
Ele me encara como se me enxergasse e sentisse que eu valho a
pena.
— Então?
— Você me deve mil dólares, Levi Johnson.
Meu coração está no ritmo
Eu estou confusa, estou tonta
Eu vi algo em você que eu nunca vi antes,
isso me deixou tremendo
I Think I'm In Love| Kat Dahlia

Nós chegamos cinco minutos atrasados na McLaughlin&Conway.


Acho que nunca me atrasei para algum compromisso. Não até hoje.
Sempre zelei pela pontualidade, pois a mera ideia de chegar atrasada em
qualquer lugar me faz lembrar do modo como Amara me punia.
Contudo, o almoço que dividimos foi tão descontraído que, pela
primeira vez, esqueci que nos odiamos e que tínhamos que estar em nosso
trabalho em poucos minutos.
E agora, enquanto estamos presos no elevador, esperando que ele
finalmente pare em nosso andar, observo Levi se escorar no metal, arrumar
o nó da gravata e manter seus olhos em mim. Eles são confusos, até mesmo
chutaria que está travando uma guerra interna consigo mesmo. Uma guerra
que não sei o motivo, mas tenho quase certeza que se trata do pequeno
momento que dividimos.
Agradeço mentalmente assim que as portas metálicas se abrem e a
silhueta de Judith, assistente pessoal de Annabeth aparece. Nada mais
importa a partir de agora. Não há almoços descontraídos, dúvidas ou
incertezas.
Por isso, visto minha máscara de indiferença e dou um passo à
frente, ignorando-o.
— Você está atrasada — Judith acusa assim que paro ao seu lado. —
E, a Sra. McLaughlin está te esperando na sala dela.
Respire e expire. Está tudo bem.
A voz suave de Theo invade meu subconsciente. Eu não preciso
temer por algo. Nem tudo o que a minha mente diz ser verdade, significa
que realmente é.
— Tive um imprevisto — digo uma meia-verdade. — Você sabe do
que se trata?
— Você está prestes a descobrir. — Ela sorri. É falso e me irrita. —
Podemos ir?
Solto um sorriso falso, letal, em sua direção e caminho até o
corredor que liga a ala presidencial, abandonando-a ao lado de Levi. Meus
olhos varrem todas as salas de vidros onde inúmeros funcionários
trabalham. Alguns deles estão em reuniões que decidirão o futuro de várias
pessoas, empresas e até mesmo, países.
E, mesmo que eu nunca vá demonstrar, amo isso.
Eu amo me sentir parte de algo. Amo quando os outros estagiários
olham para mim como se eu fosse o maior obstáculo. Como se eu fosse uma
personificação do perigo e pudesse destruí-los apenas com um olhar. Eu
amo o fato de sentir que posso ter o mundo na palma da minha mão.
— Analu, querida — a voz de Annabeth me faz sair dos meus
devaneios quando percebo que cheguei à sua sala.
— Senhora McLaughlin.
— Apenas Annabeth, por favor. — Ela sorri, diferente do nosso
primeiro encontro, esse é caloroso, manipulador. — Sente-se.
Fecho a porta e caminho até a poltrona à sua frente. Averiguando
calmamente o ambiente e assim que me sento, cruzando minhas pernas, a
encaro.
Seu colar de pérolas, o vestido escuro e o cabelo preso em um coque
elegante me mostram o quão maléfica ela pode ser. Annabeth, assim como
metade das mulheres da Parte Alta, usa a elegância para esconder a
podridão de sua alma. Não posso ser a juíza dessa história e dizer o que
esconde, mas sei que ninguém gostaria de desvendar o que há por baixo
dessas camadas de roupas caras e sorrisos manipuladores.
Ela é como Amara Parker.
Lobo em pele de cordeiro.
— Judith disse que gostaria de falar comigo? — incentivo,
batucando minhas unhas em minhas coxas.
— Sim. Eu gostaria de lhe designar um trabalho. — Escora seus
cotovelos na mesa. — Como deve saber, somos responsáveis por um caso
sigiloso sobre a compra de uma das maiores empresas de energia
fotovoltaica dos Estados Unidos.
Ergo uma sobrancelha.
— Achei que este caso seria designado aos associados sêniores —
digo, desconfiança cotejando em cada sílaba. — Por que designariam este
caso para uma estagiária, que está na empresa há apenas duas semanas e
que nem ao menos se formou?
Ela sorri, se inclinando ainda mais e escorando o queixo em suas
mãos.
— Você é inteligente.
Finjo um sorriso sem mostrar os dentes.
— Gosto de acreditar que sim.
Ela solta uma pequena risada, me encarando como se fôssemos
iguais.
— Me diga, Analu. Você está aqui para conseguir casos, que até
mesmo um estagiário de promotoria resolveria, ou quer estar no topo e bater
de frente com os tubarões? — ela pergunta, suavemente, encarando-me.
Contudo, não me dá tempo para responder. — Eu não te escolhi para servir
cafezinhos e grampear papéis como os outros associados fazem com seus
estagiários. Eu a quero do meu lado. Sendo minha pupila. Meu braço
direito.
— O mesmo para Johnson? — inquiro, erguendo meu queixo. —
Porque se isso realmente fosse verdade, você escolheria apenas eu. — Solto
um pequeno sorriso frio em sua direção. — Você me diz palavras lindas,
mas eu sou uma pessoa que foi criada entre os tubarões, como gosta de
dizer. Então, gostaria que não tentasse me manipular desta forma.
Ela não se intimida com as minhas palavras ou se surpreende.
Annabeth sabe como sou. Sabe que não me dobro a vontade de ninguém,
mesmo que essa pessoa esteja acima de mim. É assim que fui ensinada. É
desta forma que lutamos e conseguimos o topo. Nós puxamos a corda
quando necessário, mostramos quem somos quando sentimos que estamos
sendo ameaçados.
Eu sou assim.
E não me importo de machucar as pessoas se isso significa que elas
não vão me machucar.
— Concorrência, minha querida. Eu não escolhi vocês dois pela
beleza. Escolhi porque são concorrentes — informa lentamente. — Meu
marido e eu gostamos disso. De ver como nossos pupilos se saem. Se
desafiam.
Annabeth ri quando percebe que finalmente entendi o que quer dizer
com isso. Levi e eu não somos apenas rivais na universidade ou pela vaga.
Nós estamos nos tornando braços direitos dos nossos chefes. Eles nos
escolheram por isso. Sabem que somos implacáveis, observadores e,
quando queremos, também sabemos ser monstruosos.
Foi assim no primeiro ano quando começamos a competir pelo lugar
no curso. Ele me atacava, eu devolvia em dobro. Ele me machucava, eu o
destruía. Nós sempre fomos assim. Sempre pegamos nossos pontos fracos.
Sempre conseguimos o que desejamos.
Foi assim quando espalhei um boato no campus sobre ele ter
transado com uma professora para conseguir nota máxima, o que lhe deu o
cargo de presidente dos debates. E ele entregou a essa mesma professora,
fotos comprometedoras minhas com seu sobrinho no banco de trás do meu
carro, depois de uma festa bem turbulenta na fraternidade dos jogadores de
futebol.
Nós sempre jogamos, mas agora isso pode ser algo que vai contra
tudo o que já fizemos.
É a moralidade versus ambição. Parker versus Johnson.
Ambas as características são tão importantes para mim, quanto
minha coleção de bolsas, que protejo com a minha vida. Contudo, neste
caso, a ambição se sobrepõe a tudo. Principalmente, quando ela é
combinada à promessa de ser melhor do que qualquer outra pessoa.
De ser melhor que Henrique.
— Ok — Aperto os lábios. — Eu aceito o caso.
Ela acena, se voltando para trás e escorando as costas na poltrona.
— Como não é uma advogada formada e licenciada ainda, você será
minha subordinada. Você se dirige a mim para tudo, Analu. Ninguém mais.
— Ela pega uma pasta com inúmeros arquivos e me entrega. — Quero que
estude tudo o que está aqui. Ache brechas nos contratos e as traga para
mim. Então, juntas criaremos o melhor contrato de compra e venda e
lidaremos com todos os trâmites.
Meu paraíso.
A ansiedade de poder mergulhar nos livros, nos processos e
ramificar cada linha para que a lei se dobre a minha mão começa a agitar
tudo dentro de mim. Se finalizarmos esse contrato, meu nome estará lá. Eu
seria a estagiária mais jovem a estar envolvida em um trâmite como esse.
Porra. Eu até mesmo posso começar a minha escada para o sucesso
e me alavancar para a estrada da grandeza, que apenas os advogados da Big
Apple conseguem alcançar.
Eu não só quero isso, como vou conseguir, ou eu não me chamo
Analu Parker.
— Aliás, Analu…
Ergo meu rosto em sua direção.
— Sim?
— Nós iremos visitar o cliente em seis semanas. — Ela sorri. —
Prepare suas malas.
— E qual é o destino? — questiono, me levantando.
Ela sorri, mas não me responde e tomo isso como a minha deixa.
Todavia, quando meus saltos se estagnam perto da porta e a minha mão
segura a maçaneta, que Annabeth finalmente me conta o destino:
— Bora Bora.
Um frio sobe pela minha espinha e aperto a pasta com força,
segurando a respiração que fica presa em minha garganta. Sou obrigada a
fechar os olhos por um segundo para não perder o controle do meu corpo e
me esconder para que meus pesadelos não me alcancem.
Bora Bora.
Uma das ilhas mais românticas do mundo.
Onde meu pai levou minha mãe após aquele Natal, para tentar reatar
o casamento, depois que ela soube da filha desconhecida e tudo deu errado.
Tudo deu errado porque eles se tornaram os monstros das minhas
histórias.
Os gritos do quarto ao lado. O choro incessante. O medo recorrente.
Bora Bora, o nome do lugar onde meu pesadelo começou.

Entropia é a medida de desordem de um sistema.


Eu li isso em algum livro. Não prestei atenção no momento, mas
agora sei que a minha está nas alturas. Ou melhor, sinto como se tudo
estivesse um caos depois que Annabeth me disse o destino de nossa viagem.
Desde que fodidamente soube que terei que ir a um lugar que prometi
jamais voltar.
Eu não quero ir, mas preciso estar lá. Mesmo que seja o lugar dos
meus pesadelos, é lá que se encontra uma das peças do meu futuro. Apoio
meus cotovelos na mesa e tampo meu rosto com as mãos, suprindo o grito
que se aloja em minha garganta.
Uma vez havia prometido a mim mesma que nunca deixaria a
princesinha machucada ditar o que eu posso fazer ou do que eu sou capaz.
Agora percebo que este é o momento de provar, de mostrar que o passado é
apenas um dragão adormecido e incapaz de me ferir. Que esse mesmo
dragão é como o daquele filme infantil, Shrek. Onde ele se apaixona por
uma espécie que nunca seria possível, contudo, naquele momento, foi.
Ele é apenas um conto de fadas. Não é real.
— Por que você está parada aí como se estivesse prestes a colapsar?
A voz que ultimamente me acompanha a todo momento, invade
meus pensamentos e me faz erguer meu rosto e revirar meus olhos. Levi
está encostado na porta de vidro, encarando-me com uma das sobrancelhas
erguidas e segurando algumas pastas.
O terno perfeitamente alinhado não entrega que por baixo dele, há
uma pessoa que prefere roupas esportivas a esses trajes finos.
— Por que você se importa?
Ele solta uma risada adentrando a biblioteca do escritório.
— Eu não me importo. — Dá de ombros.
— Ótimo, então saia daqui e me deixe em paz. — Lanço a ele um
olhar frio. — Agora, Johnson.
Ele não se move, apenas me observa levantar da cadeira, ignorando-
o e andar até uma das seções de processos antigos em busca do que vim
procurar, mas acabei esquecendo por conta dos meus pensamentos
tumultuados.
— Sinto lhe informar que não estou fazendo isso. — Sorri atrás de
mim.
— Se eu cometer um assassinato, posso usar a quinta emenda, certo?
— Pergunto retoricamente.
Levi deposita seus pertences ao lado das minhas coisas e me segue,
mesmo que eu tenha deixado claro que sua presença não é bem-vinda.
— Depende. — Ele dá de ombros. — Eu posso ser o advogado de
acusação?
Olho por cima do ombro.
— Será impossível. — Dou a ele um sorriso torto. — Porque a
pessoa assassinada vai ser você.
Ele pende a cabeça para trás, sorrindo friamente.
— O seu humor sombrio sempre me surpreende.
— Não é humor. — Ergo uma sobrancelha. — É uma ameaça.
Olho por cima do meu ombro e não me surpreendo quando percebo
que somos os únicos aqui. Afinal, já acabou o horário comercial e todos
estão indo embora. Os que restam são apenas viciados em trabalho, assim
como nós dois.
— Por que você ainda está aqui? — inquire atrás de mim, ignorando
minha ameaça.
Me abaixo, passando minhas unhas pelas lombadas dos processos.
— Não é da sua conta — grunho, tentando ignorá-lo.
— Você é sempre uma megera?
— Depende. Você é sempre um babaca?
Não percebo que o movimento de me abaixar, faz com que minha
bunda se eleve, dando uma visão privilegiada para Levi.
Olho por cima do ombro, semicerrando os olhos e pegando-o de
surpresa. Seus olhos desviam da circunferência que meu vestido marca até
meu rosto. Um vinco entre minhas sobrancelhas aparece quando observo-o
passar a língua pelo lábio inferior, apreciando a cena.
— Isso pode ser considerado um comportamento inadequado, você
sabe — digo, me levantando. — E eu não me importaria em denunciá-lo
para o Departamento Pessoal.
Ele solta uma gargalhada, dando um passo à frente e eu não reteio.
Ao contrário, ergo meu queixo, quase tocando o seu. Afrontando-o. Nossos
rostos ficam nivelados e quando ele se inclina para frente, seu braço se
levanta, segurando a prateleira atrás de mim, prendendo-me de um lado.
Contudo, deixa um espaço para escapatória, uma rota de fuga para o que
está prestes a acontecer.
Surpreendendo até a mim mesma, eu não a aproveito. É como se
meus pés estivessem se fixado ao chão e se recusado a sair, como se apenas
o cheiro de Levi inebriasse o meu sentido e me deixasse completamente em
êxtase.
De repente, não há mais nada. Não há inúmeros processos pelos
quais daríamos a vida para lermos. Não há a maior empresa onde somos
rivais. Nem o fato de estarmos em um lugar onde alguém pode entrar e nos
pegar nessa situação comprometedora.
Não há nada. Apenas nós dois.
Há apenas duas pessoas que se encaram como se no fundo, mesmo
que nunca admitissem, gostariam das chances de decorar todos os traços um
do outro. Todas as feridas e anseios.
Nesse momento, eu o olho como se Levi Johnson fosse único e ele
me encara como se dissesse que há salvação para minha alma doente. Mas o
que ele não sabe, é que não é a minha alma que me apavora, mas sim o
pensamento de que ninguém nunca será capaz de me salvar de mim mesma.
— Você faria isso? — Ele está tão perto, mas tão perto que eu
poderia beijá-lo. Não, matá-lo. Isso, eu poderia matá-lo. — Você me
denunciaria? Me faria ser demitido?
Engulo em seco.
— Você não? — sussurro, inerte em nossa pequena bolha.
Ele sorri. Levi Johnson sorri abertamente e é a coisa mais linda.
Suas covinhas tomam toda a minha atenção. Elas são profundas e se
estendem pelos dois lados de sua bochecha.
São lindas. Magníficas.
— Não — responde, por fim. — Eu não faria.
— Por quê?
Seu lábio quase toca o meu, como se não fazer isso, não me tocar,
estivesse corroendo-o por dentro. Destruindo suas barreiras.
— Porque eu não poderia trabalhar em um lugar onde a minha rival
não está.
É isso, é o suficiente para me fazer perder o controle.
Eu não deveria desejá-lo. Ele é o melhor amigo da mulher que
mentiu para mim. Ele é meu inimigo. Meu rival. E, aqui estou eu, pronta
para fazer algo que irei me arrepender para sempre.
Apenas dois centímetros nos separam.
Um.
Posso sentir seu cheiro, imaginar seu gosto e me deleitar com o
prazer.
Eu... apenas posso.
Então, meu telefone toca em meu bolso, fazendo com que a conexão
momentânea que criamos se quebre e a realidade recaia sobre nós. Levi dá
um passo para trás, enquanto levo meu telefone a orelha, sem conferir que
está me ligando.
— Sim? — digo, minha voz um pouco rouca.
— Analu? Está tudo bem?
A voz de Verônica ressoa, me obrigando a fechar os olhos por um
segundo e respirar fundo, me virando para a prateleira e esquecendo que
Levi ainda está aqui.
— Sim. Por que está me ligando?
— Estou dando uma festa este final de semana — responde como se
não se importasse com o tom grosseiro no qual respondi.
— Isso não me surpreende.
— Quero que venha. É a nossa última festa antes das férias de
verão.
— Não irei conseguir ir.
— Não foi um convite, Parker. — Posso ouvir seus saltos baterem
no chão enquanto caminha. — É uma intimação.
— Você sabe...
— Não me faça buscá-la em sua casa — Vee me interrompe, como
se estivesse anunciando o clima. — Eu não me importaria de arrastá-la
para a minha casa mesmo vestida com um pijama com o rosto do Daniel
Radcliffe estampado.
Abro a boca para responder, entretanto, ela desliga antes mesmo que
eu possa fazer isso.
— Maldita seja Verônica Blackwell e suas festas — resmungo.
Quando me viro novamente, encontro o ambiente vazio. Não há
nenhum resquício de Levi Johnson. Não há seu cheiro, não há suas palavras
que me deixam desconcertada.
Não há nada.
Isso deveria ser bom. Deveria ser ótimo. Contudo, sinto que não é. A
sensação que tenho é de que o ambiente vazio não é certo e esse momento
que houve entre nós dois, mesmo que não devesse acontecer, foi o começo
de algo.
Algo que pode crescer com fortes raízes e sobre as piores ruínas de
nossas almas.
Passei por tanta coisa ruim, eu deveria ser uma vadia triste
Quem diria que, ao invés disso, me tornaria feroz?
Prefiro estar presa por algemas do que por compromissos
Assino meus próprios cheques assim como escrevo o que canto, sim
7 Rings | Ariana Grande

Eu sempre amei festas.


Qualquer uma. Seja comemorações de títulos, festas aleatórias ou
aniversários. Sendo uma festa, eu estou feliz e provavelmente bêbado.
Contudo, esta não é uma delas. Sinto como se todos os universitários
bêbados na sala dos Blackwell’s, dançando como se essa fosse a melhor
festa do ano, não percebessem que os anfitriões não estão se divertindo.
Não há Logan sorrindo para Verônica ou Summer implicando com
Oliver. Também não há eu e Josh bêbados. Nem Hazel e Dylan sendo a
porra do casal mais romântico na sala. Não, pela primeira vez, não há
alegria em nossa festa.
Não é uma maldita festa nossa.
E tudo isso tem apenas um motivo: o clima tenso entre Analu e
Hazel. Não é novidade que estamos andando em uma corda bamba, com
medo de que a ruptura que ameaça o nosso grupo finalmente ceda. No
entanto, enquanto observo a sala lotada de universitários e uma música
ressoando pelos cantos, tento relaxar.
Eu quero eles de volta. Quero meus amigos, nossas risadas e nossa
cumplicidade. Nem que para isso, eu precise suportar o rosto fodidamente
irritante de Parker e suas respostas frívolas. Eu apenas quero paz entre nós.
Porém, algo me diz que não terei isso tão cedo.
Ao meu lado, Josh, Oliver e Logan encaram o primeiro andar como
se eles fossem idiotas bêbados e insignificantes. Não que eu discorde, mas o
olhar de Ollie entrega o quanto ele apreciaria se todo mundo fosse embora
apenas para que ele tivesse Summer apenas para si.
Logan, por outro lado, não se importa com ninguém, a não ser
Verônica, que sorri para Summer do lado oposto ao que estamos. Elas
sorriem uma para outra, tentando mostrar que estão se divertindo,
esquecendo o que nos rodeia.
Elas fazem isso para acreditarem que mesmo com todos os nossos
problemas, ainda há esperanças.
— Me lembre de não deixar Vee fazer uma festa quando tudo está
um caos — digo, bebendo minha água e olhando para a dita cuja.
— Não foi ideia da Verônica — Logan responde.
Viro meu rosto, encarando meu amigo e erguendo a sobrancelha.
— Não?
— Não — Oliver mexe em seu relógio. — Foi da loirinha. Ela acha
que isso pode aproximar Hazel e Analu.
Oliver me dá uma expressão para não contrariar sua namorada. E
nem cogito isso. Não quando sei que Summer chutará a minha bunda se eu
falar algo sobre essa ser a pior ideia de todas. Wright faria qualquer coisa
para deixar Sum feliz e, até mesmo cedeu sua casa para a comemoração
alguns dias atrás, mesmo odiando ter inúmeras pessoas aqui.
Porém, até mesmo ele sabe que essa ideia é uma ideia de merda.
— Deus nos ajude — digo, levando minha mão até meus olhos,
apertando-os e já imaginando como toda essa noite pode acabar.
Principalmente quando sei o quanto Hazel está machucada com essa
situação e Analu está completamente destruída, mesmo que não demonstre.
Mas, não posso julgar Sum ou Vee, elas estão tentando segurar os dois
lados. Estão tentando salvar a amizade do quarteto que nós, melhores do
que ninguém, sabemos o quão importante é para elas.
Elas são um elo unificado que, pouco a pouco, está ruindo. E a ideia
de vê-las separadas, nos assusta. Porque não existe um momento sequer em
que cogitamos viver em um mundo onde essas quatro mulheres não sejam
melhores amigas.
Que não sejam irmãs. Almas gêmeas.
Contudo, mesmo que tudo isso nos apavore, sei que Analu e Hazel
não estão prontas para se encararem e despejarem o que guardam. Posso ver
isso nos sorrisos doces de Hazel e nos olhares assombrados de Analu todas
as vezes que ela fica sozinha. Quando pensa que ninguém está encarando-a
e acha que é invisível para todos.
Mas, esse é o problema dela. Ela sempre acha que ninguém a
enxerga, que ninguém tira um minuto do dia para observá-la, quando na
verdade é ao contrário. Ela é a mulher que arranca suspiros por onde passa e
que todos desejam entender o que se passa dentro de sua mente tão afiada.
Eu sei disso, porque sou uma dessas pessoas.
Faço isso desde o primeiro ano da faculdade. Desde que começamos
essa rivalidade, essa luta onde a raiva que nos consome.
E como se meu pensamento a chamasse, Analu Parker adentra a
mansão, caminhando como se fosse uma verdadeira princesa. A princesa de
gelo da Saint Vincent University. O queixo erguido mostrando a qualquer
pessoa que cruza o seu caminho que elas são insignificantes. O lábio
pintado de um vermelho-guerra e o maldito vestido branco que se agarra em
todas as suas curvas e que a cada passo que dá, é como se pequenas estrelas
aparecessem no tecido.
Ao seu lado, um jogador idiota de basquete segura sua cintura
possessivamente. Ele não combina com ela e muito menos merece tê-la.
Mesmo que seja uma megera insensível, Analu foi feita para estar ao lado
de alguém que se iguale a ela. Não um mero jogador que não consegue nem
ao menos elevar o time para um novo campeonato.
A cena é patética, assim como o casal.
— Liam é um idiota. — Reviro meus olhos.
Logan ergue o rosto na direção do jogador e leva seu copo até seus
lábios, assim que o abaixa, ele finalmente diz algo:
— Ele não é idiota, só é egocêntrico demais por conta do título de
capitão.
Reviro meus olhos novamente ao mesmo tempo que Oliver solta
uma risada, se escorando no parapeito e olhando para o jogador.
— Posso ver o motivo — o loiro diz, soltando um sorriso
debochado.
— Tal qual vocês dois — Josh diz ao mesmo tempo, encarando a
mim e a Logan. Nós dois erguemos a sobrancelha. — O quê? É a verdade.
Dou um tapa em sua nuca.
— Eu me pergunto como ainda te suporto — resmungo.
— Eu achei que o clube dos homens deveria defender seus membros
— Oliver adverte, sorrindo sombriamente.
— Você me ama, Johnson. — Um sorriso malicioso nasce nos lábios
de Josh. — E eu defendo vocês. Mas só às vezes.
— Você é um idiota e está responsável pelas compras da semana,
Brown — Logan ordena, sorrindo para ele.
Meu amigo abre a boca para respondê-lo, mas a voz de Oliver ressoa
primeiro:
— Ele combina com Parker.
— Não, ele não combina. — Bebo minha água me arrependendo por
não ter escolhido algo mais forte. — Ele nem ao menos é um bom capitão.
O idiota conseguiu perder três jogos seguidos.
— Oh, eu soube da última derrota. — Brown solta uma risada. —
Foi para o Black Panthers[6], certo?
— Sim — Logan confirma. — Eles são bons! Posso julgar que irão
ganhar o campeonato deste ano.
— Viu? Liam Walker é de fato um péssimo capitão — debocho,
dando de ombros.
— Do que estão falando? — Verônica pergunta, parando ao meu
lado.
— Estamos escutando Levi reclamar do capitão do time de basquete
— Josh conta.
Olho para ela e Summer, estávamos tão entretidos em nossa
conversa que não percebemos que ambas estavam vindo até aqui. Logan
não perde tempo, puxando Vee para a sua frente e escorando o queixo no
cabelo escuro da namorada enquanto seus braços se fecham em sua cintura.
Oliver faz o mesmo com Summer, mas diferente de Vee, Sum se vira
para Ollie e o beija de leve, sorrindo para algo que ele diz em seu ouvido.
Observando-os assim, eu me pergunto como não fomos capazes de perceber
o quanto se pertenciam, o quanto essa parceria deles é o encaixe perfeito
que precisavam.
Um sentimento de culpa, de repente sobe pelo meu corpo, por ter
atrapalhado o relacionamento deles com a minha confusão e meu ego
ferido. Eu fui um idiota, deveria ter procurado Summer assim que percebi
que meus sentimentos por ela não eram o que havia deixado explícito,
porém o meu orgulho impossibilitou e agora percebo o quão infantil foram
as minhas atitudes.
— Ele não é ruim — Vee comenta, me tirando dos meus devaneios.
— Ele é — Logan contrapõe e todos nós erguemos a sobrancelha.
— Não era isso que você disse cinco minutos atrás — Josh brinca.
Underwood encara nosso amigo mortalmente.
— Estou mudando minha opinião. — Dá de ombros.
Verônica solta uma gargalhada, olhando por cima do ombro. Seus
olhos brilham quando encontram o rosto de Logan. Ele a encara com
louvor, como se Vee fosse a coisa mais preciosa em sua vida e não duvido.
Não depois de tudo o que passaram.
— Relaxe. Você ainda é o meu capitão favorito, amor. — Um sorriso
verdadeiro cruza seus lábios.
Toda a conversa é esquecida quando vejo Analu jogar as madeixas
loiras para trás, fazendo com que caiam pelas suas costas e então pega o
copo vermelho de uma garota que passava.
Ela é magnífica mesmo quando está em sua pose de megera.
Nesse mesmo instante, Hazel e Dylan aparecem no corredor
adjacente do segundo andar e param longe de nós. Diretamente no campo
de visão de Analu. Ao nosso redor, a festa continua. As pessoas bebem e
dançam. Mas, os meus amigos — a minha família —, não ousam se mexer
em nenhum momento. Todos nós estagnamos ao observar o confronto que
sabíamos que estava chegando, mas que ninguém queria presenciar.
Os olhos de Hazel descem, lentamente, até o primeiro andar para
onde Analu está. Elas não se movem. Apenas se encaram. É como uma
batalha entre luz e escuridão.
Parker não faz nada, apenas a encara por segundos que mais
parecem horas. Ao meu lado, percebo a postura de Verônica mudar e os
olhos de Summer se manterem firmes em suas amigas. Elas estão tentando
apaziguar a situação, se preparando para interferirem caso precisem. Oliver
segura a cintura da namorada com apreensão, enquanto Logan luta para
acalmar Vee. Ele passa a movimentar seus dedos em círculos pela barriga
dela, em uma forma de que sua atenção não fique totalmente nas duas.
De repente, a mulher que é o meu pesadelo faz algo que ninguém
esperava. Analu Parker veste a sua pior máscara, solta um sorriso frio,
desdenhoso e levanta o copo em um brinde. Um brinde que para muitos
deveria significar paz, mas que todos nós sabemos que é guerra.
É a primeira ruptura.
Uma forma de mostrar à minha amiga que não aceita a irmandade
que deveria ser imposta desde o nascimento. Hazel sabe disso, sabe que sua
meia-irmã está pronta para o combate. Entretanto, quando acho que minha
amiga vai ignorá-la, ela se vira, pega o copo de Dylan e o levanta também,
aceitando o brinde.
Uma recíproca. Um gesto que surpreende até mesmo Parker.
— Ao seu orgulho — Hazel mexe os lábios, sem emitir nenhum
som.
Analu sorri. É falso, calculado.
— Às suas mentiras.
Fecho meus olhos por um segundo. Absorvendo todo esse momento.
Contudo, não há como. Isso é algo que não temos controle. Algo que
apenas elas podem decidir como vão resolver, mas não posso deixar que
minhas amigas se machuquem.
Não posso permitir que Verônica e Summer se doem tanto para
mantê-las unidas quando nenhuma delas deseja isso. Oliver e Logan
também sabem disso, sabem que suas namoradas estão sofrendo com essa
briga, por terem que se desdobrar para que um dos lados não se rompa.
Talvez esteja na hora de aceitar que há uma rachadura maior do que
imaginávamos.
Eu a encaro depois de semanas que nós nos evitamos.
Hazel Grace Smith. Minha meia-irmã.
Seus olhos escuros estão conectados com os meus. Neles há tanta
dor que por um mísero segundo, penso que está arrependida. Que ela
descerá todos esses degraus que nos separaram e me dirá que tudo o que
escutei naquele dia, é mentira; que não é minha irmã, mas apenas uma das
minhas amigas.
Desvio meu olhar quando percebo que isso não acontecerá. Ela é
apenas um desejo patético que alimento desde que Amara gritou a verdade
naquela sala. Então, levo meus olhos até onde Verônica e Summer estão.
Elas intercalam os olhares entre nós duas. Decepção, medo e tristeza
retumbam de seus rostos. Elas estão fazendo o possível e o impossível para
nos manter unidas.
Mas o que não perceberam ainda é que não há mais uma união.
Não há um quarteto.
A ruptura é a nossa realidade.
De repente, como se o universo estivesse sentindo, a melodia de
Human de Rag'n'bone Man ressoa pela sala enquanto meus olhos se fixam
em Levi. Seu rosto, que geralmente é risonho, hoje está abatido,
preocupado.
Ele percebe.
Ele entende as minhas entrelinhas.
Levi Johnson, meu rival, sabe que talvez não há volta para a
amizade que antes tínhamos, porque talvez chegamos a um ponto onde
confianças foram quebradas e vínculos destroçados.
Porque sou apenas humano, no fim das contas
Você é apenas humano, no fim das contas
Não coloque a culpa em mim
Não coloque sua culpa em mim

Os versos entram em meu âmago, a batida da música me faz relaxar


e apenas levo o copo até meus lábios, virando meu rosto outra vez para
Hazel. A maneira como morde o lábio, tentando segurar os sentimentos que
ameaçam vazar, me faz sorrir.
Pois, mesmo após nosso brinde patético, seus sentimentos estão
escancarados em seu rosto. E mesmo que tente se manter forte e me dar
aquilo que preciso, ela não consegue. Hazel não me dá a sua raiva, seu
desgosto e suas mentiras.
Ela me dá uma expressão cansada, destruída e apática.
Quando uma única lágrima cálida desce pelo seu rosto, eu a entendo.
Entendo que ela nunca poderá me devolver o que preciso, pois ela é o meu
oposto. Ela não é maldade, frieza e escuridão, como eu sou. Hazel é luz,
bondade e serenidade. E nunca vai se vingar de mim por ter tido o que não
teve, ela nunca vai fazer o que eu estou fazendo com ela.
Percebo então, que também estou tirando pedaços dela. Mesmo que
inconsciente, nós moldamos a nossa dor como se fossem complementares
uma da outra. Nós estamos nos destruindo por conta de pessoas que não
pensaram no mal que nos causariam quando fizeram escolhas egoístas anos
atrás.
Estamos nos destruindo por causa daqueles que deveriam nos
proteger.

Algumas pessoas têm problemas de verdade


Algumas pessoas não têm sorte
Algumas pessoas acham que posso resolvê-los
Sou apenas humano, no fim das contas

Um barulho faz com que todos nós olhemos para o lado. Para uma
mesa onde quatro garotas agora sobem e dançam.
Eu olho para Verônica e Summer que encaram o mesmo lugar que
eu. Que são atingidas por memórias. Memórias que doem, sangram e
machucam um ponto que jamais assumirei. As garotas dançam
sincronizadamente e sorriem umas para as outras.
Como nós sorríamos. Como nós dançávamos e segurávamos umas
às outras.
A mesa. A nossa mesa. A nossa tradição.
É a primeira vez que não há nenhuma de nós quatro lá. Que não há
Vee gritando para pegarem uma garrafa de tequila ou Summer reclamando
que não é uma boa pessoa quando está bêbada. Não há Dylan tentando tirar
Hazel de cima da mesa antes que ela se machuque.
Não há nada.
Há apenas lembranças e uma tradição quebrada.
Sorrio frio, voltando meu rosto para Hazel e inclino minha cabeça,
dando um último gole em minha bebida.
— Aproveite a sua festa, irmãzinha. — Umedeço meus lábios. —
Afinal, você e sua família sabem bem como tirar proveito de pessoas com
influências.
Levanto o copo outra vez em agradecimento pelo seu sofrimento, me
solto de Liam e me viro, rumo à saída. Rumo a algum lugar onde não me
sinta prestes a destruir algo ou alguém, como sempre faço.
Estou indo rumo à escuridão, pois ela é um lugar mais convidativo
do que essa festa cheia de autopiedade.
Assim que o vento frio atinge meu rosto, me permito respirar fundo.
Algumas pessoas me encaram com receio, com medo de que eu diga algo
que as fará correr de mim, todavia, elas são tão irrelevantes em minha vida
que nem mesmo o poder que tenho sobre todos eles desde que comecei a
estudar na SVU, me faz sentir algo.
Eu estou vazia.
— Indo embora tão cedo, querida?
A voz causa arrepios em meu corpo. Arrepios que não aprecio, pois
são sensações que me lembram o quanto fiquei à sua mercê por toda a
minha adolescência. Em como me manipulou, usou e depois me substituiu
como se eu fosse apenas um dos carros caros na garagem de seus pais.
Ele me fez sentir amada, então, me traiu com todo o colégio.
Ele me fez sentir como se fosse louca quando o manipulador da
história era ele.
Mike Burhan. Meu ex-namorado. O verdadeiro motivo pelo qual
deixei de acreditar que merecia o amor.
— Prefiro ambientes onde não serei obrigada a ver o seu rosto
medíocre. — Minha boca se curva num sorriso desprovido de emoções. —
Veio lamber os pés dos Blackwell’s ou tentar ser humilhado por Logan
outra vez?
Ele solta uma gargalhada.
— O seu senso de humor ainda continua intacto — debocha, dando
um passo à frente. Ergo meu queixo, mantendo a expressão desinteressada.
— Você já foi expulsa do grupo de ouro? Eles já perceberam o quão inútil
você é?
Ele sorri. É maldade pura. É um sorriso manipulador.
Dou um passo à frente, quase colidindo nossos corpos e sorrio sem
mostrar os dentes.
— Ninguém me expulsa de nada, Burhan. Eu tenho autoridade
suficiente para sair e entrar de qualquer lugar, quando bem entender. —
Pego seu copo e finjo levar até meus lábios, o cheiro de bebida barata faz
meu estômago revirar. — Mas, me diga, como é ser obcecado por alguém
que te acha um fracassado? E que é completamente apaixonada pelo seu
rival que, diga-se de passagem, é alguém que você nunca será? — Dou um
passo para trás, jogando a bebida em sua roupa cara. — Aprenda que
mesmo que tenha dinheiro como nós, o seu lugar nunca será o topo, Mike,
mas sim, o fundo do poço, onde ninguém se importa com você.
Um músculo na sua mandíbula contrai-se e seus olhos se tornam
frios.
— Sua...
— Eu tomaria cuidado com as suas próximas palavras... — Passo
minha língua pelos meus lábios. — Meu pai odiaria saber que o filho do seu
novo parceiro de negócios ofendeu a sua filhinha.
— Você nem gosta do seu pai — zomba.
— Isso não significa que eu não use a influência dele à minha
vontade.
Mike me fuzila com os olhos, prestes a perder o controle.
— Você não ousaria ser tão filha da puta.
Abro a boca para responder, mas a voz rouca, grossa e autoritária
ressoa primeiro atrás de mim.
— Ela ousaria — há um estranho tom de orgulho em sua voz. — E,
acredite em mim, todos nós amaríamos vê-la te humilhar.
Olho por cima do ombro, em direção a Levi que está parado e
escorado na porta com uma sobrancelha erguida, os braços cruzados e uma
expressão perigosa.
Seus olhos não estão em mim, mas sim em Mike. Em como ele está
próximo e poderia facilmente me atingir se quisesse, contudo, pelo olhar
que Levi dá a ele, Burhan não seria capaz de mover um dedo sequer.
— Eu achei que vocês se odiassem — debocha. — Acho que estava
enganado.
Johnson gargalha. O som não contém nenhuma emoção.
Deus, esse idiota é tão gostoso.
— Nós nos odiamos — afirma. Algo dentro de mim sente suas
palavras. — Mas o nosso desdém por você supera qualquer ódio. — Ele se
desencosta da porta e para atrás de mim, colocando sua mão em minha
lombar. — Então, Mike, sugiro que se vire e saia da casa dos meus amigos
antes que eu te mostre a saída de uma forma não tão educada.
Suprimo a vontade de rir e apenas observo-o encarar Levi como se
estivesse maluco, todavia, ele sabe que Johnson não se importará de colocá-
lo para fora da festa e que Logan o ajudará de bom grado. Com isso, meu ex
solta alguns xingamentos, se vira e desce as escadas, indo em direção ao seu
carro e nos deixando sozinhos na varanda, ouvindo apenas o barulho da
música e o falatório dos convidados.
— Eu não preciso de ajuda — digo, me afastando dele.
Ele sorri brevemente.
— Eu sei.
— Então, não tente me salvar da próxima vez — aviso.
Seus olhos se fixam nos meus a cada passo que dá. É quente,
sombrio e até mesmo o barulho incessante da festa parece diminuir. As
batidas do meu coração, de repente, perdem o compasso e posso jurar que
estou prestes a ter um ataque cardíaco, porque seria a única explicação para
o meu corpo reagir dessa maneira.
— Não haverá uma próxima vez.
Ergo uma sobrancelha.
— Você não sabe disso.
Levi sorri e meus olhos se voltam para aquela maldita covinha.
— Eu sei — há convicção em suas palavras. — Porque se Mike se
aproximar de você ou de alguém do nosso grupo, não vou avisá-lo outra
vez, eu vou mostrá-lo o que acontece quando se ameaça alguém importante
para mim e meus amigos.
Algo dentro do meu corpo rompe, é como se eu sentisse a primeira
máscara sendo estilhaçada, como se Levi tivesse entrado em meu cerne e
tivesse pegado minhas mentiras, minhas proteções e transformado em
cinzas.
Ele tem poder sobre mim.
Ele sabe disso.
Eu sei disso.
Mas há algo oculto em suas palavras. Ele não se importa comigo, ele
me odeia, eu sou sua rival. Estamos prestes a fazer um de nós sermos
demitidos no final do semestre, então, não tem como ele se importar. É isso,
ele apenas disse toda essa ladainha sobre proteção e importância porque
Summer e Verônica se importam comigo.
Elas sim. Ninguém mais.
— Boa noite, Levi — digo por fim.
— Boa noite, princesa. — Ele dá um passo para trás. — Tente não se
atrasar para o trabalho na segunda-feira.
Você é insegura, não sei por quê
As pessoas olham quando você passa pela porta
Não precisa de maquiagem para se esconder
Sendo da maneira que você é, é suficiente
What Makes You Beautiful | One Direction

Ela está atrasada.


Não sei porque reparo nisso, mas sei que Analu Parker está atrasada.
O que poderia se considerar uma novidade, já que ela nunca fez isso.
Não a vi em nenhum lugar desde que cheguei. Ela não apareceu para falar
sobre as minhas roupas ou me provocar. E, até mesmo, por um momento,
penso que não está bem após a festa onde todos nós saímos machucados.
Pude ver nos olhos das minhas amigas o quão doloroso foi perceber que
estavam quebrando uma tradição que se formou desde que Verônica voltou.
No entanto, mesmo por isso, ela não deixaria de aparecer. Analu não
é uma pessoa desorganizada ou que falta aos seus compromissos por conta
de uma vida pessoal desastrosa. Ao contrário, nos quatro anos em que
estudamos juntos, ela sempre foi a primeira a chegar em qualquer lugar,
sempre tentou ser a melhor e se sobressair acima de qualquer outra pessoa.
Foi assim quando lutamos pela diretoria da equipe de debate, pela
vaga desse estágio e pelas dezenas de outras coisas durante a nossa
adolescência.
Nós sempre disputamos.
É a nossa coisa.
E, mesmo que nunca assuma, eu adoro isso.
Adoro a sensação de que estou vivo. Lutando por algo. Que não sou
apenas um herdeiro que possui tudo nas mãos. Quando ela me desafia a
atingir o meu limite, eu me lembro de que quando lutamos por aquilo que
desejamos, a vitória é merecida.
Ela me lembra que o mundo não é apenas aquele que desenhei em
preto e branco depois da morte dele. Ela me faz querer colori-lo mesmo que
me tire a sanidade em noventa por cento do tempo.
Suspiro fundo, deixando todo esse assunto para um outro momento e
caminho pela empresa, arrumando a gravata. Sorrio para algumas pessoas
que passam por mim enquanto tento segurar os processos que Sebastian
havia pedido e sigo em direção a biblioteca para começar a estudá-los.
Sei que o caso em que estão envolvidos é grande e de alguém de
Nova York. Todavia, é secreto. Ninguém sabe dos detalhes. Nem mesmo os
associados seniores.
— Você entende de flores, Analu?
Mesmo que não seja da minha conta, meu corpo estagna.
Olho para o lado, para a mulher baixa que está encostada no balcão
da copa e mexendo no conteúdo de sua xícara com uma pequena colher. O
olhar da loira não está na sua companhia, mas sim, na xícara que tenho
certeza de que é algum tipo de chá, afinal, a loira é apaixonada por essa
bebida horrível.
— Eu deveria? — Analu responde.
— Não sei. Mas... você é elegante e talvez possa me ajudar a
escolher uma bonita para dar a minha namorada — Ângela, uma das
estagiárias, diz. — É nosso aniversário de namoro e eu não sei o que dar a
ela.
Oh, merda. Ela pediu conselho para a pessoa errada.
Analu puxa a manga do blazer azul royal, jogando os cabelos por
cima do ombro e ajeita a franja. De onde estou, ela não pode me ver e, não
sei o motivo pelo qual não sigo o meu caminho, mas apenas espero pela sua
resposta e digo a mim mesmo que só parei, devido a curiosidade de saber
que por baixo da máscara de megera, há alguém que possui sentimentos.
— Rosas — responde, ainda sem se virar. Contudo, percebo o tom
malicioso em sua voz. — Dê a sua namorada rosas vermelhas.
Ângela sorri, mesmo que Analu não veja.
— Você gosta de rosas?
— Não. Eu as acho brega, mas minha mãe adorava ganhá-las do
meu pai. — É uma mentira. — E, aliás, eu tenho alergia a flores.
Mentirosa. Uma bela mentirosa.
Ninguém perceberia que está mentindo tão veemente, mas a conheço
bem o suficiente para dizer que a loira não possui alergias e que quando
mente, sua sobrancelha esquerda sempre se arqueia.
— Ah! Sinto muito. — Ângela coloca a mão no coração. — Seus
pais devem ter um casamento feliz.
Analu solta uma risada seca, finalmente se virando para ela.
— Na verdade, não. Ele a traiu e construiu uma nova família. — Ela
sorri falsamente. — Mas as flores de fato eram lindas.
A mulher diz algo baixo que não consigo compreender e sai da copa
com os olhos arregalados, como se Parker fosse uma maníaca. Ela passa por
mim tão rápido que me pergunto se Analu é tão assustadora assim ou eu
apenas me acostumei com a personalidade da loira.
— Ela é uma megera — Ângela fala quando está longe o bastante.
Solto uma pequena risada, balançando a cabeça e concordando. Mas
essa é Analu, ela não faz amizades ou te dá conselhos amorosos. Na
verdade, ela está pouco se fodendo para a vida de qualquer pessoa.
— Você deveria ser conselheira amorosa — brinco, adentrando a
copa e me escorando no lugar onde Ângela estava escorada.
— Claro — ela zomba. — Seria uma carreira muito promissora já
que Saint Vincent tem uma taxa de divórcio de cinquenta por cento após os
primeiros anos de casados.
Solto uma gargalhada.
— E os outros cinquenta por cento?
— Provavelmente são os casais da Parte Alta que não pedem o
divórcio para não perder a herança ou o status — responde, levando sua
xícara aos lábios. — Você quer algo ou veio aqui mesmo só para saber
sobre taxas de divórcios, Johnson?
— Já que perguntou. Eu também irei querer um — anuncio,
erguendo o queixo para a sua xícara, observando-a me fitar como se eu
fosse uma anomalia.
— Pareço um Starbucks, por acaso? — ela rebate, fazendo uma
pausa com a colher na mão e franzindo a testa.
— Caro, superestimado, com uma identidade visual bonita, mas com
uma política questionável. Uma fila gigantesca para conseguir algo que, às
vezes, nem é tudo o que a propaganda promete. — Passo a língua pelos
meus lábios após terminar de pontuar. — Já que tocou no assunto,
princesa…
Ela estala a língua, furiosa.
— A única bebida que estou disposta a servir para você é ácido. Ou
cloro.
— Nunca escutei algo tão deprimente na minha vida.
Sua cabeça tomba para o lado, depois que abaixa sua xícara.
— Às vezes, eu me pergunto o porquê eles ainda não te demitiram.
— Ela dá um passo para o lado, a fim de sair do cômodo.
Solto uma gargalhada.
— Porque eu sou a pessoa mais amada desse escritório — conto
com um sorriso sedutor. — Quem não gostaria de me ter na sua equipe?
Ela olha por cima do ombro e ergue uma sobrancelha.
— Eu, Levi. — Seus olhos me dizem o quão mentirosa é. — Eu não
gostaria de tê-lo.
— Por quê?
Ela não se mexe e percebo que nem eu mesmo faço tal ato.
— Porque você me tira a razão. — Engole em seco. — E eu odeio
isso.
— Isso é uma pena, Analu. — Meu sorriso se alarga. — Porque
estamos presos um ao outro até o fim deste ano.
Eu fodidamente estou junto a Sebastian no caso secreto da firma.
Porra! É um sonho.
Eu não sei como, mas em algum momento, conquistei a confiança de
Sebastian McLaughlin e agora estou no maior caso do escritório e nem sei
como lidar com os olhares tortos que os estagiários mais antigos estão me
lançando, desde que ele anunciou na reunião mais cedo que estaria me
pegando como seu subordinado neste caso.
— Quero que você estude tudo o que temos — a voz fria de
McLaughlin ressoa. — Não deixe passar nada. Tudo o que podemos fazer
por ela, faremos. Estamos entendidos, Johnson?
Balanço a cabeça, concordando.
— Ok, senhor. — Inclino minha cabeça. — Por curiosidade genuína,
de quem estamos cuidando?
— Aurora Conway. — Dá de ombros. — Você encontrará todos os
detalhes nos arquivos.
O nome não me é estranho, contudo, não consigo associar ninguém a
pessoa.
— Minha esposa designou sua própria estagiária para que possam
trabalhar juntos. — Ele me dispensa com a mão e volta a sua atenção para o
computador à sua frente. — Espero que consigam trazer tudo o que
precisamos.
— Certo. — Maneio a cabeça. — Estarei na biblioteca.
Diferente de Annabeth, Sebastian não é muito comunicativo. E esse
é um dos motivos pelo qual damos certo. Afinal, não precisamos de muito
para entender o que desejamos.
Assim que meus pés tocam a soleira da porta de vidro da biblioteca
do escritório, ergo uma sobrancelha. Tudo está vazio. Não há ninguém aqui
a não ser uma bagunça na mesa central com papéis, livros e processos. É
uma daquelas bagunça que apenas a pessoa que a fez, conseguiria entender.
Adentro o espaço, curioso. E assim que paro perto, observo o
conteúdo. É o mesmo caso. Eu e o responsável por essa bagunça estamos
trabalhando no mesmo caso.
Respiro fundo, colocando minhas coisas no pequeno espaço vazio e
tento descobrir quem é o idiota que acha que pode se igualar a mim neste
caso. Entretanto, quando uma silhueta aparece entre as fileiras, entendo
tudo.
Os óculos de grau com armação preta fazem com que os olhos de
corsa se destaquem ainda mais. O cabelo, que geralmente está solto, agora
foi amarrado em um coque frouxo e em suas mãos, há dois livros sobre a
Constituição Americana.
Não é qualquer idiota. Não é um estagiário medíocre. É a porra da
única pessoa que pode se comparar a mim.
Analu Parker.
— O que você está fazendo aqui? — ela questiona, indo até a sua
bagunça.
O salto é o único barulho que ressoa no local por alguns segundos.
— O mesmo que você, pelo visto — afirmo, escorando meu corpo
na lateral da mesa. — Trabalhando no caso da herdeira.
Ela estala a língua no céu da boca, indignada e volta seu olhar para o
meu rosto.
— Você não está fazendo parte desse caso, Johnson — ela afirma.
— Nem fodendo. Peça para sair dele.
Sorrio, alargando minha gravata.
— Peça você para sair dele, Parker!
— Nós sabemos que eu sou a melhor.
Solto uma risada seca, me desencostando da mesa e indo até ela,
pegando os livros pesados de sua mão para que não precise carregar peso.
Ela está equivocada, ela é uma das melhores. Mas ainda estamos no
mesmo patamar. Ainda sou seu reflexo quando o assunto é leis e processos.
Nessa hierarquia, nós andamos lado a lado, goste ela ou não.
Infelizmente, isso chamou a atenção do casal McLaughlin e agora
somos a porra de uma dupla. Como se estivéssemos prestes a fazer um
trabalho em equipe. E mesmo que Analu queira me matar. Ela sabe que não
temos opções. Eles nos colocaram juntos, pois sabem que ela é ágil e
observadora; que pode encontrar furos no processo, em que podemos
utilizar a nosso favor, já eu sou o apaziguador e manipulador. Deixo com
que os clientes acreditem em meus sorrisos e minhas boas maneiras
enquanto tiro deles tudo o que precisamos.
Como disse, somos um reflexo. Opostos e ao mesmo tempo
complementares.
Agora, eles acham que somos uma maldita dupla perfeita para
trabalharmos juntos, o que significa que não poderemos nos matar, mas que
sairemos disso sem sanidade.
— Não, você é uma das melhores, princesa. — Deposito os malditos
livros na mesa e a encaro. — Eu ainda estou em primeiro lugar, segundo a
lista emitida pela SVU.
— Todos nós sabemos que aquela lista é uma fraude. — Ela passa a
mão pelos cabelos. — Foder a professora não é um método acadêmico,
Levi.
Inclino minha cabeça para o lado, sorrindo.
— Eu devo ser a sua maior fantasia, não é? — Umedeço meus
lábios. — Já que sempre gosta de dizer que fodi a nossa professora, mesmo
sabendo que é uma mentira descabida.
— Você? A minha fantasia?
Passo a mão pela minha mandíbula, enquanto arrasto meu olhar pelo
seu corpo.
— Sim. — Dou um passo à frente. — Você, com certeza, deve
imaginar como deve ser a sensação de ser fodida por mim. De como eu te
comeria tão bem que te faria esquecer qualquer idiota que houve antes.
Seus olhos se fixam no meu.
— Nos seus piores pesadelos, Johnson.
— E nos seus melhores sonhos, princesa.
— Não me chame assim!
— Sem chance, princesa. — Sorrio e me sento, fingindo que eu não
tenho uma maldita ereção agora. — Você faz o seu trabalho. Eu faço o meu.
Apenas fingimos que não estamos aqui.
Analu solta uma respiração rasa e se senta à minha frente. Retirando
uma agenda de sua bolsa, não me surpreendo quando percebo que os
detalhes do objeto são verdes e brancos. Com o brasão de Sonserina, uma
das malditas casas de Harry Potter. Que a loira é completamente obcecada
desde a adolescência.
Ela abre em uma página e começa a escrever com uma letra
elegante, um pequeno checklist que não compreendo, mas posso concluir
que tem a ver com o que estamos prestes a começar.
Pego o primeiro arquivo detalhado sobre o caso e começo a lê-lo.
Por um momento, esqueço a minha companhia e foco a minha atenção nos
artigos enumerados, nos detalhes ocultos e nas leis que poderiam dobrar a
vontade de quem redigiu todos esses acordos.
Olho para frente, para onde Analu apoia os cotovelos e segura os
dois lados do rosto enquanto lê o artigo constitucional americano apoiado
na mesa. Ela nunca desvia a atenção, sempre se mantém focada em extrair o
possível e o impossível do que se propõe a fazer.
Ela é linda. Deslumbrante.
O pensamento me atinge de forma abrupta, mas não é uma novidade.
A forma como seus lábios se entreabrem, a maneira como sua sobrancelha
arqueia a cada linha que lê, é seduzente. Porque a mera ideia de desviar o
olhar me dói.
Quando seu nariz se enruga de leve, tenho certeza de que discorda
do que está escrito. Pois essa é a sua careta para quando não concordava
com o que os professores diziam, em nossas poucas aulas juntos. Sua
respiração, de repente, se acalma e percebo que está tão focada no que está
fazendo que não percebe o mundo à sua volta observando-a, admirando a
sua inteligência, sua força de vontade.
Analu nunca percebe que mesmo que seja a princesa de gelo, ela
também possui um outro lado. Um lado que está adormecido, envolto das
suas máscaras e armaduras. Um lado que ela já mostrou ao mundo, mas
nem ao menos percebeu. Mas, eu sim.
Eu estive lá quando vi o reflexo da sua vulnerabilidade, das emoções
que estão protegidas em seu coração congelado.
Eu estive lá e eu a segurei ao mesmo tempo que o nosso corpo
rodopiava pelo jardim. A princesa de gelo possui sim um coração. Mesmo
que todos neguem. E é a coisa mais inebriante saber que eu sou o único a
fazê-la queimar, mesmo quando o mundo todo diga que ela é como um
iceberg.
Volto meu olhar para os arquivos e apenas mantenho minha atenção
neles. Leio tantas vezes que mal percebo que perdemos o horário do almoço
e agora todo o corredor está vazio. Não penso muito, apenas retiro meu
celular do bolso, me escoro na minha poltrona e faço o pedido para que
possamos comer algo. Assim que finalizo, me levanto e sigo até a prateleira
atrás de Analu, pegando um livro e procurando por algo que sei que vai nos
ajudar.
— Isso está errado — ela anuncia de repente.
Fecho o objeto em minhas mãos e ergo uma sobrancelha.
— Seja mais específica, Analu. Muitas coisas estão erradas
ultimamente.
Principalmente os meus pensamentos.
Ela me encara por cima dos ombros e revira os olhos. Então, acena
de leve com a cabeça para que eu me aproximasse. Optando por não a
contradizer, caminho até onde está, parando atrás de sua cadeira e me
posiciono atrás dela.
— Aqui. — Move o dedo até o segundo parágrafo. — O inventário
dos Conway, foi feito de forma errada — começa animada. E até mesmo me
inclino um pouco mais a fim de ler. — O valor atribuído não bate com o
valor recebido. Aurora possui mais do que foi dado a ela.
Nessa posição, meu rosto fica rente a sua orelha e meu queixo quase
pousa em seu ombro. Posso sentir seu cheiro delicioso e observar a forma
como engole em seco, percebendo a minha proximidade. Arrasto meu dedo
pelas linhas escritas no papel e isso faz com que nossos braços se encostem,
criando uma carga elétrica que consome cada átomo do nosso sistema
nervoso.
— Há outra coisa — digo maravilhado. — Os termos do acordo…
— Foram dobrados para que outras pessoas fossem beneficiadas —
ela continua por mim.
Porra, isso é incrível!
— Se isso for verdade, Analu…
— Nós acabamos de dar a McLaughlin&Conway um maldito
tesouro — ela me interrompe outra vez.
Sorrio.
— Não, princesa, você deu — sussurro. — Você é extraordinária pra
caralho.
Seus olhos se fixam nos meus.
— Eu não teria conseguido sem você, idiota.
— Acho que somos uma equipe, então.
Isso é errado. Nós somos errados. Eu deveria me afastar, contudo,
não consigo.
Meu corpo estagnou no lugar e se recusa a sair. Seu cheiro é como
uma droga que me vicia a cada vez que sinto. Seu rosto se vira,
vagarosamente, em minha direção. Nossos lábios estão tão próximos,
nossos olhos tão conectados que me pergunto o que há por trás dessa
cortina de gelo, que agora se derrete ao passo que se encontra com as
minhas pupilas escuras e dilatadas.
Analu não se move e, mesmo que nunca admitamos, não queremos
nos mover. Porque a sensação dela entre os meus braços, dentro de um
projeto estranho de abraço, é como se fosse o seu lugar certo.
Desejá-la é errado.
Vai contra tudo o que acredito.
Mas ela me causa imprudência e loucura. E esses sentimentos juntos
são perigosos, pois quando os provamos, sentimos a necessidade da
repetição.
— Você está próximo demais — murmura, seu hálito batendo em
minha bochecha.
Movo meu braço outra vez, sentindo sua pele contra a minha,
desejando pelo toque. Por ela.
— Eu estou — devolvo tão baixo que quase nem escuto.
— Você deveria se afastar.
— Eu deveria.
Ela passa a língua pelo lábio inferior, me fazendo andar no limiar do
controle.
— Querer o que não se deve querer... deve ser desesperador, não é?
Sua pergunta é baixa, tão baixa que se estivéssemos alguns
centímetros longe, eu não conseguiria ouvir.
— Sim — respondo no mesmo tom.
Ela sorri, afetada.
— Como você saberia?
É uma pergunta que ela clama pela resposta, mas nem mesmo me
esforço, pois está na ponta da língua.
— Porque estou desesperado.
Uma respiração afetada sai de seus lábios. É quente, pecaminoso.
Seus olhos recaem em minha boca e espero que ela ria, deboche ou use seu
veneno contra mim.
No entanto, sua pergunta me surpreende.
— Então, você me beijaria?
Deus, sim.
— Não.
Ela ergue uma sobrancelha, confusa. Suas íris queimam, seu desejo
palpável me atinge. Meu controle está prestes a ruir.
— Não? — Tenho vontade de levar meus dedos até seus lábios e
traçá-los. — Por quê?
— Porque eu não saberia parar quando começasse.
Me obrigo a dar um passo para trás ao mesmo tempo que o
entregador entra na sala e nos encara como se soubesse o que estávamos
prestes a fazer. O que eu estava orando para que acontecesse.
Ela é proibida, Levi.
Você a odeia.
Ela machucou uma das suas melhores amigas.
— Você pediu o seu almoço? — Analu pergunta, ainda rouca.
Caminho para longe dela, rumo ao entregador. Eu preciso de espaço,
preciso me manter longe dela mesmo que agora seja impossível. Assim que
pego a embalagem do Oásis, me viro em sua direção, tentando não
demonstrar o quão ferrado eu estou por desejá-la tão firmemente.
— Eu pedi o nosso almoço.
Um vinco se forma entre suas sobrancelhas.
— Você não saberia o meu pedido.
Solto uma risada, me sentando e passando o seu almoço.
— Princesa, eu te disse no Oásis aquela tarde — Dou de ombros
como se não me importasse. — Eu sei todos os seus pedidos de cor. Eu sei
muita coisa sobre você.
Ela me encara e eu devolvo o olhar.
Há confusão e medo em suas pupilas e posso dizer que nas minhas
também, pois nós sabemos que esse novo jogo que estamos começando, é
perigoso e pode nos custar tudo. E mesmo que tudo dentro de mim goste de
como o meu olhar corre de encontro ao dela, sei que não estamos dispostos
a correr o risco de cairmos nessa tentação.
Porque é viciante e alucinante.
Diferente de tudo o que procuro para a minha vida, Analu é a
epítome de tudo o que não desejei. Eu quero uma vida calma, quero alguém
que não me faça perder a sanidade a cada vez que nossos olhos se
encontrem ou que me faça desejar o desconhecido.
Eu quero a tranquilidade, pois a turbulência me apavora.
Analu é isso. Ela é o terremoto de categoria cinco que destrói
cidades, é o furacão que nos atinge antes que possamos procurar abrigo. Ela
é tantas coisas que eu poderia ficar horas listando.
Só que o problema disso tudo, é que ao mesmo tempo que o que ela
me faz sentir, que me apavora, também me faz sentir atraído e obcecado.
Me faz não me importar com o que desejei antes dela. Ela me faz querer
desejar seus sorrisos frios, suas respostas calculadas e seus olhares
distraídos.
Ela me faz sentir como um adolescente.
Mas acima de tudo, Analu Parker me faz sentir vivo.
Algo sobre você
É como um vício
Me acerte com o seu melhor tiro, querida
Eu não tenho nenhuma razão para duvidar de você
Certain Things | James Arthur feat. Chasing Grace

Eu não posso acreditar.


Não, é impossível que alguém possa decorar o pedido de outra
pessoa. Principalmente daquela que odeia tão firmemente. Contudo, quando
abro a sacola, lá está o meu pedido de sempre. A salada ceasar e o suco de
laranja parecem que debocham da minha cara, me mostrando o quão
ingênua sou.
Ergo meu rosto para Levi, mas sua atenção já não está em mim e
sim, em seu almoço. Seus olhos se fixam em seu tablet enquanto sua
postura está relaxada em sua cadeira, não se importando com o mundo ao
seu redor. Por um momento, penso em agradecê-lo, porém, sei que isso
tornaria tudo ainda mais estranho. Sou salva quando uma voz masculina
emerge do objeto, me obrigando a inclinar meu corpo, focando minha
atenção no vídeo que está sendo reproduzido e esquecendo o assunto
anterior.
— Você está vendo uma competição? De natação? — Ergo uma
sobrancelha. — Durante o estágio?
Ele abaixa seu lanche, limpa alguns resquícios de molho na lateral
de seu lábio e me encara.
— Não. Estou vendo a minha última competição durante o meu
intervalo do almoço. — Sorri, voltando a comer. — Deveria tentar. Isso
desestressa.
Reviro meus olhos, abrindo o pote e começando a comer. Diferente
de Levi, apenas puxo um livro da minha bolsa e o abro. Ele é o meu
companheiro de todas as horas. Em qualquer momento ou oportunidade, me
teletransporto para outro universo.
Sempre foi assim. A leitura foi a minha válvula de escape quando o
mundo ruía ao meu redor. Nunca me importei com o gênero. Apenas queria
estar ali, entre as páginas, as prateleiras de uma biblioteca e em um universo
novo. Porque quando o medo, a solidão e a dor das memórias passaram a
fazer morada em minha vida, os livros, as histórias e os personagens
seguraram minhas mãos e me fizeram sentir segura.
Eles me salvaram quando nem eu mesmo acreditava que havia
salvação. Me ensinaram coisas que nunca imaginaria, espantaram a
escuridão e me deram propósitos.
Livros, para mim, são casas disfarçadas de páginas.
Mas, acima de tudo, eles são um segredo. Um segredo que guardo a
sete chaves. Um resquício de quem verdadeiramente sou. Por isso, apenas
dou de ombros e o levanto com uma mão, posicionando-o na frente do meu
rosto, com a outra levando o garfo até meu almoço, misturando-o.
— Tenho outros meios de desestressar.
Uma risada fraca sai dos lábios de Levi.
— Isso inclui desfilar com capitães em festas e depois dar as costas
aos seus amigos? — pergunta e eu reprimo um revirar de olhos.
— Por que eu não estou surpresa de que você não deixaria isso
passar? — Ergo uma sobrancelha.
— Porque talvez eu esteja cansado de vê-la ignorar os meus amigos.
Solto uma lufada de ar, contando até dez mentalmente.
— Isso não é problema seu, Levi — ladro, fingindo que estou lendo
algo quando na verdade estou prestes a jogar esse livro em seu rosto. —
Deveria cuidar dos assuntos que realmente lhe dizem respeito. — Solto um
sorriso calculado. — Tipo o seu coração patético que foi partido pela
Summer.
Ele devolve em uma risada fraca, um barulho me indica que está se
remexendo em sua cadeira.
— Você toca muito nesse assunto, Analu. — Há um pingo de
arrogância em suas palavras. — Estou começando a acreditar que a sua vida
é deprimente demais para se intrometer tanto em assuntos que não te dizem
respeito.
— Deprimente. — Testo a palavra em meus lábios. — Ultimamente,
você está usando muito essa palavra, Projeto de Pequena Sereia. — Abaixo
um pouco o livro, dando a ele apenas a visão dos meus olhos e da minha
sobrancelha arqueada. — Deveria procurar uma forma de expandir seu
vocabulário.
Sua cabeça se inclina enquanto passa a língua pelos lábios.
— Posso ser capaz de te ensinar diversas palavras em alguns
idiomas diferentes — um tom sugestivo ressoa em suas palavras. — Você
quer experimentar?
— Eu não preciso de uma aula para aprender novos idiomas quando
eu já falo quatro, Johnson. — Lanço a ele um olhar debochado.
— Quatro, hein? — Ergo uma sobrancelha e seus olhos brilham com
diversão. — Vamos fazer uma aposta.
— Não.
— Medo de perder, Analu? — zomba, cruzando os braços.
— Não fui eu que perdi da última vez. — Dou de ombros, comendo
mais um pouco. Contudo, o seu olhar debochado faz com que a minha veia
competidora, ganhe. — O que diabos você quer apostar?
— Você.
A salada fica presa em minha garganta e sou obrigada a tossir.
— O quê?
— Se eu ganhar, eu quero você. — Um sorriso malicioso nasce em
seus lábios. — Minha mãe vai realizar uma recepção para os idiotas da
Parte Alta e eu preciso de uma acompanhante. Então, se eu ganhar, eu quero
você como minha acompanhante por uma noite.
— A resposta é claramente não.
Levi me encara com curiosidade e, ao mesmo tempo, com um brilho
divertido nos olhos.
— Medrosa.
— Idiota.
— Você só precisa traduzir três das frases que vou falar em outro
idioma, Analu — ele diz como se fosse uma víbora prestes a dar o bote. —
Só precisa me falar outras três para que eu traduza.
— Eu tenho uma vantagem. — Umedeço meus lábios. — Você seria
idiota de apostar sabendo que eu posso usar o idioma que você não entende.
— Eu nunca te falei quais eu sei. Então, como você saberia qual
frase está vindo para você?
Meus olhos se fixam nos dele. É um desafio.
Levi sabe que não nego nenhum deles.
Mordo o interior da minha bochecha, tentando negar a aposta. É uma
competição boba, mas ainda assim, uma competição. Fecho meus olhos,
sabendo que isso não vai terminar de uma forma boa e abro meus lábios.
— Ok — concordo, mesmo sabendo que é uma péssima ideia. —
Três frases. Três idiomas. Se você não entender o que estou dizendo, eu
ganho e vice-versa.
Ele sorri, se inclinando para frente.
— Sempre soube que não negaria.
Imito a sua posição, passando a língua pelos meus lábios.
— Eu começo.
— Faça as honras.
Encaro-o por alguns segundos, pensando em alguma frase.
— Eres la persona más tonta que he conocido en toda mi existencia.
[7]

Levi prende a cabeça para trás e gargalha. É um som rico em


emoções.
Sua risada soa como uma música que envolve a alma e acalma. É
um som lindo ao mesmo tempo perigoso.
— Acho que você gosta de idiotas, já que gosta tanto de afirmar que
eu sou um.
Reviro meus olhos, bufando. Deveria ter escolhido um idioma mais
difícil que o espanhol para começar esse jogo estúpido.
— Sua vez — grunho.
Ele me encara. Não há sorrisos, há apenas seus olhos em meu rosto.
— Eres la persona más molesta, mandona y loca de este lugar. Pero,
ella también es la más hermosa, inteligente y caliente.[8]
Ergo uma sobrancelha, descrente de suas palavras. Levi Johnson
acaba de me insultar e elogiar na mesma frase?
— Eu não sei se quero te agradecer por finalmente perceber que sou
inteligente ou te esganar por ter me chamado de irritante, mandona e louca.
Levi escancara seu sorriso se inclinando mais.
— E sobre ser gostosa? — sua voz é baixa.
Encaro-o sem dizer nenhuma palavra.
Canalha. Canalha. Canalha.
Não posso negar que suas palavras fizeram algo dentro de mim se
agitar. Então, apenas, o ignoro e me afasto.
— É a minha vez. — Respiro fundo. Certo, francês agora. — Au
bout de ce pari stupide, ta lamborghini sera à moi, ma chérie.[9]
Levi sorri amplamente.
— J'ai toujours su que tu étais obsédée par ma voiture, princesse.[10]
Idiota.
Idiota.
Idiota.
Eu preciso que o último idioma seja desconhecido para ele. Eu não
posso perder. Me recuso a ir em uma festa com Levi Johnson. Pior, eu me
recuso a ir como a sua acompanhante.
— Você usou a sua vez com o mesmo idioma? Duas vezes? —
questiono, perplexa. — Só para dar uma resposta que saberia que eu
entenderia?
— Não infringi nenhuma regra. — Dá de ombros como se não se
importasse.
Semicerro os olhos.
— Essa merda não tem regras.
— Esse é o ponto. Agora, por favor, Parker, me dê o seu pior — diz,
passando um dedo pela mandíbula.
Tenho duas opções.
Holandês ou italiano. Contudo, algo dentro de mim, diz que esta vai
ser uma luta árdua. Pois, não sei o que Levi está tramando. Ele pode muito
bem usar um desses idiomas e empatar a aposta ou pode ferrar com tudo e
me superar nesse jogo.
Vou no idioma que estou mais familiarizada e que nunca o ouvi
falar. Italiano.
— Sento che questa è una scommessa disonesta perché tu non hai
niente da perdere e io ho molto.[11]
Ele não responde por alguns segundos.
Não demonstra nada, contudo sei que entende cada palavra.
Levi Johnson está prestes a ter sua vitória, mas sua próxima resposta
me faz estagnar na cadeira.
— Eu também tenho muito a perder — responde a minha frase.
— Faça sua jogada, Projeto de Pequena Sereia — desdenho.
Ele não sorri. Apenas encara meu rosto com algum tipo de emoção
que não consigo distinguir. Talvez seja ódio, desdém ou até mesmo repulsa.
Afinal, nós podemos fazer esses joguinhos. Podemos flertar inocentemente
e trocar olhares cheios de pecaminosidades, mas no fim, ainda estamos em
lados opostos.
Rivais. Inimigos.
— Você me faz querer encarar a escuridão que há dentro de mim,
sem medo — ele diz em um idioma que tenho a certeza de que é português,
mesmo que eu não consiga entender uma palavra sequer a não ser o som
rouco de sua voz regada a sentimentos incompreensíveis. Seus olhos, de
repente, são mais escuros que o normal. — Me faz querer arriscar quando
tenho muito para perder. Você me causa medo e, ao mesmo tempo,
curiosidade pelo desconhecido. E não posso ceder a isso, pois você tem a
capacidade de machucar todos que amo.
Eu não compreendo nada, mas é como se minha alma sentisse tudo.
Levi ganhou.
Eu perdi.
Contudo, seus olhos escuros se prendem aos meus. A forma como
me encara me mostra que ele pode ter ganhado a aposta de hoje, todavia,
não se sente vitorioso.
— Me pegue às dezenove horas — digo me levantando. — E, Levi?
— Sim?
Começo a caminhar até a porta, segurando minhas coisas e o almoço
que ele havia comprado.
— Isso vai ter volta.
Ele finalmente sai dos seus devaneios e sorri para mim.
— Não espero nada menos que isso. — Pisca em minha direção. —
Te vejo mais tarde, princesa.

Caminho pelo enorme corredor da casa dos meus pais ajeitando o


vestido em meu corpo.
Eu não deveria tê-lo escolhido. Mas havia tanto tempo que o
comprei e não tive a oportunidade de usá-lo, que quando entrei em meu
closet, não tive dúvidas de que ele seria a minha escolha para essa noite. O
tecido vermelho molda meu corpo de uma forma sensual e ao mesmo tempo
singela. Cobre até um pouco abaixo da minha coxa, onde uma pequena
fenda se abre e destaca minha sandália de salto prata.
Não posso negar que é uma combinação linda.
Meu olhar recai no espelho a minha frente, onde a visão do meu
cabelo caindo solto em ondas pelas minhas costas e apenas um pequeno
colar com um pingente de esmeralda adornando meu pescoço, chama a
minha atenção.
A joia era de vovó, a única pessoa que realmente me mostrou o que
era amor antes de falecer anos atrás. Grace Parker foi uma das mulheres
aristocratas mais respeitadas de Saint Vincent, mesmo que o mundo todo a
enxergasse como uma mulher severa, por trás das portas dessa mansão, ela
era apenas a mulher apaixonada e a avó dedicada.
Ela me ensinou a ser diferente de Amara até que não pôde mais. Ela
mostrou que tudo bem não ser perfeita, errar e se machucar, mas a mulher
que deveria ser uma mãe amorosa, destruiu esse pensamento em minha
psique e me obrigou a aprender que se o mundo não me teme ou as pessoas
que estão ao nosso redor não me olham com respeito, eu sou tão inútil
quanto um sapato velho no armário.
Amara destruiu tudo o que minha avó me fez amar. Ela me tornou
amarga.
E agora talvez compreenda o porquê Hazel carrega a homenagem
em seu nome e não eu.
— Você está linda, Lu.
A voz suave, me faz olhar para o lado, em direção a porta do quarto
de Theo. Ele se encosta no batente, arrumando seus óculos e sorrindo para
mim. É tão lindo. Tão perfeito, que minha única reação é sorrir de volta.
— Linda como uma estrela? — brinco.
Ele dá um passo para frente e depois corre em minha direção. Me
abaixo um pouco, abraçando-o assim que para a minha frente. Aproveito o
quanto de contato ele me dá, pois, mesmo que ele me ame com todo seu
coração, meu irmão não gosta que o toquem por muito tempo. Ele prefere
que as pessoas se mantenham a distância e são raras as vezes onde o toque
físico é importante para ele.
Mas são em momentos assim, quando nossos corações estão
alinhados e nossos braços emaranhados, que tenho a certeza de que ele é a
minha metade, o mais puro e verdadeiro amor.
— Linda como uma constelação completa.
Suas palavras são verdadeiras. Ele nunca mente, nem mesmo tenta.
Theo é o melhor presente que já ganhei em toda minha vida. Eu o amo tanto
que seria capaz de qualquer coisa para protegê-lo, até mesmo aguentar os
abusos psicológicos que sofro de Amara, desde que meu irmão nasceu.
— Analu, querida.
A voz melódica e fria faz minhas costas se enrijecer. Ela está aqui.
Theo se agarra ao tecido do meu vestido e mesmo sabendo que irá
amassá-lo, eu o pego no colo, apoiando sua cabeça em meu pescoço,
protegendo-o.
Ergo meu corpo, me virando em sua direção e encontrando seus
olhos amendoados em mim. Eles são quase idênticos aos meus, mas os dela
são tão apáticos e vazios, que nem mesmo tento procurar por algo a mais. A
blusa de seda azul junto a calça pantalona branca, faz com que pareça uma
mulher respeitada e amorosa. Mas, quem a conhece, sabe que não se passa
de um monstro coberto de dinheiro e cirurgias plásticas para que sua beleza
sempre se faça presente.
— Amara — devolvo.
— Aonde você está indo? — inquere, sem dignar um olhar ao seu
filho em meu colo. — Seu pai estará em casa hoje. Quero que tenhamos um
jantar em família.
Franzo o cenho.
— E isso é problema meu desde quando? — minhas palavras são
afiadas. — Porque pelo que eu saiba não somos uma família há anos.
— Desde que você ama esse pirralho e não quer que eu o coloque
em um reformatório para pessoas defeituosas, não é mesmo? — Ela sorri,
brilhante.
— Nunca mais fale dele desta maneira — rosno, apertando Theo
contra meu corpo.
Seus olhos brilham vitoriosos.
— Então, você vai sentar naquela mesa e ser uma boa garota. Não é,
querida?
Mordo o interior da minha bochecha, suprindo todos os palavrões,
todas as verdades que guardo em minha mente e todas as lágrimas que
nunca deixei que caíssem. Não por ela. Nunca daria nada para ela, nem
mesmo um resquício de sentimento.
Amara é apenas uma casca vazia de uma mulher destruída. É apenas
um monstro peregrinando pela mansão, gastando nosso dinheiro e fodendo
com os amigos de negócios de Henrique.
— Lu? — a voz baixinha de Theo me faz ignorá-la. — A voz dela,
Lu. É alta e doí, Lu.
Percebo sua respiração ficar um pouco acelerada e a maneira como
sua pequena mão se fecha em minha pele, deixando-a avermelhada, mesmo
que não tenha a intenção de me machucar, mas sim de se proteger da
mulher que apenas o olha para lançar-lhe olhares repugnantes e palavras
que o ferem de uma forma irreparável.
Seguro-o com mais força, passando a mão pelo seu cabelo,
acalmando-o. E, me viro novamente, ignorando-a. Theo é mais importante.
Ela pode descontar sua frustração em mim mais tarde. Eu apenas preciso
que ele se acalme, que os sons que o assustam parem e que a voz do
monstro nessa casa suma.
Eu apenas preciso protegê-lo. Hoje e para sempre.
Assim que chego na porta de seu quarto, olho para a mulher que
deveria nos amar e mando-a ficar longe. Mesmo que eu saiba que ela nunca
vá adentrar esse ambiente.
— Tudo vai ficar bem, ok? — murmuro, deixando-o em sua cama.
— Eu e você para sempre, campeão.
Ele segura a minha mão.
— Para sempre é muito tempo, Lu.
— Não quando se trata de você, Theo. — sussurro, dando-lhe um
sorriso. — Por você, eu aprendo sobre os universos que ama, assisto e leio
Harry Potter incontáveis vezes e te ajudo a descobrir novas constelações.
Eu faria tudo por você, Theo.
Ele sorri sem entender a complexidade das minhas palavras. Sem
perceber que eu faria qualquer coisa por ele. Eu desistiria de tudo, como fiz
quando tinha quinze anos e escolhi meu irmão à carreira mundial de tenista.
Eu abri mão de um dos meus sonhos para mantê-lo perto de mim e
protegido. E faria isso de novo se fosse preciso.
— Você é a minha constelação de Órion, Lu.
Afasto meus pensamentos sombrios e sorrio para ele.
— Ah, é? Por quê?
— Porque é a constelação mais bonita do universo inteiro — um
sorriso finalmente nasce em seus lábios. — É a mais fascinante. Assim
como você, Lu.
Lágrimas preenchem a borda dos meus olhos e apenas massageio
sua bochecha, deixando um beijo casto lá, antes de arrumá-lo na cama e me
virar para minha batalha com a mulher que quase deu a ele um ataque de
ansiedade.
Assim que fecho sua porta e caminho em direção a escada, posso
ouvir seus passos na sala de estar. Meus saltos batem contra os degraus,
meus cabelos se ajeitam às minhas costas e meus pensamentos se alinham
no lugar, enquanto visto outra vez a máscara de megera e giro a pulseira
fina em meu braço.
Ela não pode me quebrar.
Ela não tem poder sobre mim.
Eu não sou mais a princesa que precisa da atenção da mamãe.
Eu sou Analu Parker, e ninguém, a não ser eu, me machuca.
— Nunca mais ouse falar comigo daquela forma, garota — Amara
diz, friamente, pegando uma taça de vinho tinto.
Solto um resmungo em sua direção indo pegar um copo de burboun.
Será necessário mais do que um vinho medíocre para suportá-la.
— Nunca mais ouse chegar perto do quarto de Theo — devolvo,
assim que paro em frente as garrafas. — Nós temos um acordo, aprenda a
seguí-lo.
— Theo ainda, infelizmente, é meu filho. — Ela leva a taça aos
lábios. — Não se esqueça disso. Se eu desejar fazer algo, farei mesmo que
isso quebre nosso acordo, querida.
Solto uma gargalhada fria, sem nenhuma emoção.
— Você é mãe apenas no papel — ladro, a verdade. — Na realidade,
é apenas uma megera insensível que só liga para chás da tarde e roupas
caras. E, se você quer continuar assim, fique-longe-dele.
Amara passa a língua pelos lábios e sorri monstruosamente.
— Tal mãe, tal filha, querida.
Isso me atinge como facas afiadas em meu peito.
Eu não sou igual a ela.
Eu não posso ser.
— Eu nunca seria igual a você.
Ela se levanta, vindo em minha direção em passos lentos, precisos.
Assim que para alguns centímetros longe de mim, bebe o resto de seu vinho
e sorri novamente em minha direção.
— Não se esqueça com quem está lidando. Eu não sou o merdinha
do seu pai que precisa de bocetas indignas para se contentar com a vida
patética que leva. Eu cheguei até aqui porque sou inteligente, Analu. — Sua
voz é letal. — Eu sou a matriarca dessa família. A maldita Senhora Parker e
sempre serei. Então, é melhor você começar a agir novamente como a
minha filhinha perfeita ou eu terei que garantir que isso aconteça de uma
forma que não vai te agradar.
Aperto minhas mãos com tanta força que sou capaz de sentir a unha
perfurando minha pele.
Monstro.
Monstro.
Monstro.
Olho para a mulher que o mundo admira e me pergunto quando ela
se tornou esse ser a minha frente, que me transformou em uma alma
desolada e inabitável. Uma alma que guarda destroços de uma infância
fragilizada e que se sentiu tão machucada a ponto de olhar para o abismo,
como se ele fosse um lugar seguro e desejou se jogar de lá. E, para minha
surpresa, ele me olhou de volta e me acolheu. Me acolheu tão bem que a
escuridão que o rodeia não me assusta, ela me protege.
— Você pode carregar o título de Senhora Parker — digo e não me
surpreendo com minha voz regada a veneno. — Mas jamais será amada
como uma. Você não é uma legítima. Ninguém se importa com você,
mamãe. Você sempre ficará com os restos, com as viagens solitárias,
jantares frios, as fotos falsas e as festas tediosas. — Sorrio friamente. —
Você nunca será ela.
Ela levanta a mão para me dar um tapa, contudo, a campainha ressoa
obrigando-a a dar um passo para trás e voltar a sorrir como se fosse uma
boneca de porcelana e uma mãe amorosa.
Olho para o relógio. Dezenove horas.
Levi Johnson nunca saberá, mas ele acaba de salvar um pedaço da
minha alma que Amara estava prestes a colher com sua nova forma de me
punir.
Respiro fundo, colocando um sorriso no rosto e me preparando para
esperar com que o mordomo o traga até onde estou, mas antes mesmo de
me recuperar, Amara dá um passo à frente, se inclinando e sussurrando em
meu ouvido, fazendo com que minhas costas se enrijeça e um bolo se aloje
em minha garganta.
Memórias invadem meu consciente.
Água de repente está em toda a minha volta.
Respirar dói.
Lutar pela sobrevivência cansa.
Desistir é uma opção, mas não algo que desejo.
Dor.
Dor que rasga e inunda meu peito.
Dor regada à traição.
E a traição rompe meu coração em um abismo infindável.
— Talvez eu precise te levar até a casa da piscina para te relembrar o
que acontece quando as coisas não saem como eu desejo — Um sorriso
brilhante nasce em seus lábios. — Ou eu posso te ensinar a respeitar a
mamãe novamente como em Bora Bora, querida.
Tenho medo de tudo que eu sou
Minha mente parece uma terra estrangeira
O silêncio ressoa dentro da minha cabeça
Arcade | Duncan Laurence

PASSADO
Ninguém conta aos filhos quando um casamento está à beira da
ruína.
Alguns podem acreditar que estão fazendo isso para protegê-los de
futuros traumas, perguntas indesejadas e até mesmo dos olhares hostis da
sociedade. Mas, na verdade, isso tudo é uma invenção idiota para ocultarem
a verdadeira razão pela qual ninguém nunca fala sobre o declínio de um
matrimônio. Verdade essa que se baseia em apenas duas palavras: vergonha
e covardia.
Vergonha por não ter sido capaz de cuidar da própria família e a
deixar colapsar, e covardia por não assumir a si mesmo que é uma pessoa de
merda.
Duas razões. Duas palavras.
Duas definições para o casamento dos meus pais.
Amarro meu cabelo loiro em um rabo e ajeito o uniforme do clube
do meu pai em meu corpo, antes de me olhar no espelho uma última vez e ir
em direção a escada. O motorista já deve estar me esperando para me levar
até minha competição e, se há algo que odeio, é chegar atrasada em algum
lugar.
Verônica, minha melhor amiga, sempre me diz que preciso relaxar,
mas ela não sabe o quão importante isso é para os meus pais. Não sabe que
quando não cumpro com as regras, mamãe me priva das minhas comidas
favoritas, dos meus livros e me obrigada a participar dos seus chás da tarde
com suas amigas falsas.
Ela também não sabe que se eu não mostrar que sou a filha perfeita,
a herdeira que não comete erros e está sempre preparada para representar
nossa família, eles não irão me amar ou me olhar com orgulho. Eu nem
mesmo sei mais o que fazer para que papai me olhe com amor como antes,
antes... daquele Natal.
Balanço minha cabeça, expulsando essa memória e coloco um
sorriso no rosto.
Eu posso fazer isso. Não é a minha primeira competição.
Eu sou a melhor.
Assim que paro na sala de estar, Abbi, a assistente de mamãe, me
entrega minha bolsa e a raquete com um sorriso tenso no rosto e um pedido
de desculpas velado em seu sorriso.
— Mamãe... ela… — começo sem saber como continuar.
Abbi solta um pequeno suspiro.
Ela não está vindo.
Mais uma vez, minha mãe não vai me ver competir.
Ela nunca vai.
Não deveria me surpreender. Ela nunca se importou com o que eu
faço desde que traga o maldito troféu para casa e suas amigas a invejem
pela filha dela ser a melhor em tudo que faz. Mas, hoje eu gostaria que
estivesse lá por mim. Gostaria que sorrisse quando vencesse outra vez,
levando prestígio para nosso clube.
Eu só queria que ela se orgulhasse de mim, como se orgulha das
nossas contas bancárias.
— Ela foi convidada para um almoço com uma das suas amigas —
diz e posso até mesmo sentir um som diferente em seu tom de voz. — Sinto
muito, Analu.
Pena. É isso que irradia de seus olhos. É isso que odeio que as
pessoas sintam. Eu não quero que me olhem dessa forma ou que achem que
porque meus próprios pais me negligenciam, eu preciso desse sentimento
compadecedor.
— Não sinta. — Ergo meu queixo, imitando a expressão blasé de
papai. — Meus pais não te pagam para isso.
Seus olhos se arregalam. Por um milésimo de segundo, penso em
pedir desculpas. Mas, se fizer isso, ela poderá contar a minha mãe, e Amara
não me repreenderá por ter insultado sua funcionária, mas sim, porque eu
tive a audácia de pedir desculpas para alguém que em sua perspectiva está
abaixo de nós.
Para Amara, ninguém está acima ou é melhor do que os Parker. Ela
pega o que lhe convém, insulta aqueles que estão abaixo de sua posição
social e sorri quando despede funcionários que não a agradam.
Ela não é uma boa pessoa e mesmo assim eu ainda desejo que me
ame. Mesmo que eu saiba que por baixo do seu sorriso perfeito, dos seus
olhos idênticos aos meus e da sua simpatia, existe alguém pútrido, sem
coração e manipulador.
— Diga a minha mãe que trarei o troféu para casa — minha voz é
tão monótona que me surpreendo.
Não há lágrimas, nem angústia. É apenas aceitação.
É a minha primeira máscara nascendo.
Uma máscara que apelido de proteção. Proteção para todas as vezes
que alguém como Abbi ou todos os outros funcionários dessa casa, me
olham com olhos cheios de compadecimento e tristeza.
Eu me protejo mesmo que não seja de uma forma que me fará ser
melhor que meus pais, mas que, na verdade, me igualará.
Estou me tornando o reflexo deles. Uma cópia mal-feita que nem
mesmo eu me orgulho. Contudo, a necessidade de me proteger é maior do
que a de ser amada. Essa necessidade junto a complexidade da dor do
abandono, daqueles que deveriam me proteger, me faz entender que sempre
estarei sozinha. Sempre serei independente. Ninguém nunca vai estar lá
para mim ou estender a mão e me perguntar o porquê de o choro ser mais
frequente do que o sorriso em minha vida.
Ninguém nunca olhou uma segunda vez em minha direção. E
sempre será assim.
É isso. É a minha aceitação de que fui obrigada a aprender a ser
assim. Agora, percebo que se um dia eu vier a precisar pedir por ajuda, é
quando saberei que estou ruim. Que cheguei a um ponto onde nem mesmo
o tênis e os livros podem me salvar.
E mesmo quando chegar esse momento, eu sei que hesitarei, porque
nessas de pedir por auxílio, já permiti que me decepcionassem um milhão
de vezes, e no fim, acabei percebendo sempre a mesma coisa: que a única
pessoa que eu posso confiar, sou eu mesma.
Eu sou a minha própria fã.
Eu sou meu exemplo. Ninguém mais.
Essa constatação dói e ao mesmo tempo alivia.
Dói por saber que definitivamente sou alguém não amável. Alguém
substituível.
Alguém que precisa sempre provar seu valor, para ter um resquício
de orgulho de outra pessoa.

Eu perdi.
Pela primeira vez na minha vida, eu perdi um jogo de tênis.
Não sei em que momento perdi a concentração. Mas, sei que ver as
pessoas torcendo pelo meu adversário, ver seus pais na arquibancada
sorrindo para ele como se fosse o maior orgulho da vida deles, desencadeou
memórias que eu não sabia que estavam guardadas.
Eu pensei na forma como meu pai me segurou em meu aniversário
de cinco anos, para que eu pudesse assombrar as velas. Em como mamãe
sorriu para mim na minha primeira aula de tênis e em como ela me ensinou
a andar elegantemente em seus saltos.
Pensei em uma época em que éramos felizes, mesmo com defeitos.
Éramos uma família mesmo que sempre soubesse que o amor entre eles
faltava. Pensei em tantas coisas e então, me lembrei que não somos mais
assim. Não há minha mãe sendo alguém que desejo por perto. Meu pai é
apenas um fantasma dentro da nossa casa.
Eu pensei neles e então, perdi. Perdi a única coisa que amo.
Solto um suspiro, apoiando minha cabeça na parede gelada do
corredor do meu quarto e fecho meus olhos, absorvendo por um instante a
paz que ainda se encontra a nossa casa, antes que meu treinador ligue e os
comunique da minha derrota.
Serão semanas onde mamãe me obrigará a treinar o dobro, comer
menos e gritar todas as ofensas. Serão semanas de purgatório.
Dou um passo para trás, finalmente indo em direção ao único lugar
que me sinto segura e assim que abro a porta, ela está lá. Sentada na cadeira
em frente a minha escrivaninha, olhando para mim pelo espelho e retocando
seu batom nude com graciosidade.
Medo percorre minhas veias.
Suor frio se aloja em minhas mãos.
Tento evocar a minha máscara de proteção, mas nem isso funciona.
Amara me assusta o suficiente para que apenas o terror se aposse de
mim.
Pela minha visão periférica, posso observar alguns dos meus livros
favoritos em cima da minha cama e algumas bolsas espalhadas ao lado
deles. Isso não é normal, eu odeio bagunça. Tudo dentro desse ambiente é
organizado.
Ela está aprontando algo.
Eu sei. Eu sinto.
— Olá, querida — sua voz é calma, paciente.
Engulo em seco.
— Olá, mamãe.
Em um mundo paralelo, ela se levantaria, me puxaria para um
abraço e me diria que está tudo bem. Então, me levaria para a biblioteca no
andar debaixo, puxaria um cobertor, pegaria meu livro favorito e leria para
mim, me fazendo esquecer desse dia terrível. E, se mesmo assim, não fosse
suficiente, ela tentaria me proteger como Sirius Black protegeu Harry
Potter, após a sua fuga da prisão ou até mesmo, como Hagrid protegia
aqueles que amava, mesmo que isso significasse problemas.
Apesar de tudo isso, ela seria apenas a mãe de uma adolescente de
treze anos que teve a sua primeira derrota.
Mas, esse não é um mundo paralelo ou Hogwarts.
Isso é a vida real e nela, Amara nunca seria amável.
— Eu achei que você havia dito a Abbi que traria o troféu para casa
— ela termina de retocar o batom e se vira para mim. — Ela ouviu errado?
Dou um passo à frente, deixando minha bolsa no chão.
— Mãe, eu posso explicar.
— Eu não estou vendo um troféu, Analu — ela me interrompe. —
Então, como você pode se explicar?
Pânico sobe pela minha garganta.
Uma vontade de fugir, de me proteger, ecoa em meu peito.
Eu posso explicar, posso prometer ser melhor. Eu posso arrumar
essa bagunça.
Eu posso.
Só não me olhe como se eu fosse uma decepção.
— Eu me desconcentrei — grito, apavorada com o seu olhar. — Eu
apenas não consegui, mãe. Perder é normal, eu posso conseguir da próxima
vez.
Sua risada histérica me atinge com força, apavorando-me ainda
mais.
— Nós somos Parker’s, Analu. Nós não perdemos — debocha, se
levantando e indo em direção a minha cama. Seus passos são graciosos, seu
vestido marfim acentua suas curvas. — Você não cansa de me decepcionar,
querida? Não cansa de sempre ser tão patética e inútil?
Uma lágrima desce pela minha bochecha.
Eu sou isso o que ela diz. Eu sou insuficiente.
— Mãe...
A frase morre em meus lábios quando ela passa a mão pelas minhas
coisas favoritas. Pelos meus presentes, meus livros, minha vida.
— Eu pago milhares de dólares todos os meses para você treinar
esse esporte inútil, apenas porque é o favorito do seu pai. — Sorri
friamente. — Eu compro os melhores equipamentos e lhe dou os melhores
treinadores, Analu. E mesmo assim, você não consegue ser boa. Você ainda
continua sendo uma imprestável. Uma garota que liga apenas para esses
livros idiotas e essa vida patética de herdeira mimada. — Ela levanta a
minha bolsa preferida. Um presente que foi de Verônica. E antes que eu
possa fazer algo, Amara levanta a outra mão que contém uma tesoura e
corta todo o tecido dela. As alças, o tecido… tudo. — Eu te pedi apenas
uma coisa, Analu... Apenas um troféu e você foi incapaz de me dar isso.
Ela pega outra bolsa, faz o mesmo que a anterior e passa para a
outra.
— Mãe... por favor — suplico, lágrimas molham minhas bochechas.
— Você precisa aprender, querida — um sorriso brilhante nasce em
seus lábios. — Se não há perfeição, não há direito a ter suas coisas
favoritas.
Outras lágrimas descem pelo meu rosto.
Ela pode não ter me agredido, mas vê-la destruindo tudo o que amo
e como suas palavras machucam cada parte de mim, me atinge como um
tapa na cara, uma surra que não foi dada por meio de agressão, mas me
destruiu da mesma maneira, me mostrando o quão fraca e inútil sou.
— Apenas. Uma. Coisa. Querida.
Contudo, apenas quando ela pega o meu exemplar de Harry Potter, o
único que me salvou nos dias que as brigas dela e de papai eram
insuportáveis, que corro em sua direção, tentando salvá-lo. Tentando apenas
proteger uma parte que amo, um último presente que a vovó me deu antes
de vir a falecer.
— Não, não e não, querida — diz, sua voz divertida. — Seja uma
boa filha e volte para onde estava enquanto te puno por ter sido, mais uma
vez, uma decepção para a nossa família.
Doí.
Suas palavras doem mais do que suas ações.
Entretanto, não faço o que pede, pelo contrário, eu vou para cima
dela.
Eu pulo em seus braços, puxando o livro. Todavia, ela levanta a
tesoura e me atinge de raspão em meu estômago. Uma queimação me atinge
e sou obrigada a dar um passo para trás, olhando para baixo, para o meu
uniforme branco que agora está manchado de escarlate. Do meu próprio
sangue.
Mesmo que a adrenalina não me permita sentir uma dor intensa, eu
levanto o tecido, que antes estava imaculado, e me deparo com um corte
não tão profundo, mas o suficiente para que uma cicatriz seja eternizada em
minha pele.
Uma lembrança eterna do quão descontrolada é a mulher que
deveria me amar.
Um lembrete para nunca confiar nem mesmo naqueles que dividem
a casa comigo.
Amara não se importa se acaba de machucar a sua filha, ela apenas
levanta a tesoura que contêm respingos do meu sangue e corta as páginas do
meu livro.
Ela me tira algo que amo.
Rasga páginas que são como minha casa.
Me destrói mesmo que não esteja me tocando.
Ela assina a sentença do meu ódio.
Amara Parker me mostra a sua pior versão e eu prometo que um dia,
mesmo que demore, eu a destruirei como está fazendo nesse momento.
— Não me encare assim, querida — ela joga meus livros rasgados
no chão e caminha até mim. — Eu vou te livrar de ser tão inútil. Vou
conseguir dar ao seu pai um herdeiro digno e menos inútil.
— Como você vai fazer isso?
Ela sorri orgulhosa. É doentio, manipulador e me causa ânsia.
Mas é a sua resposta que me assusta, dói e termina de arrancar o
resto do meu coração.
— Eu estou grávida, Analu. Estou finalmente dando um herdeiro
digno ao seu pai, meu amor — comunica com tanta felicidade que um medo
percorre meu corpo. — Ele vai ser o nosso garoto de ouro. Nossa primeira
opção em tudo e você pode continuar sendo inútil nas penumbras da casa.
Ninguém poderia se apaixonar por você como eu
Ninguém poderia me prender tão perfeitamente
Você nem percebe
Você é tudo que eu preciso
Porque eu quero você e eu, você e eu
You & Me | James TW

Eu soube que algo estava errado no momento em que a porta da casa


dos Parker se abriu e apenas o silêncio reinou no ambiente. É como se uma
parte de mim soubesse que precisava estar aqui, mesmo que a opção de
esperar por Analu no carro seja mais confiável.
Entretanto, assim que um dos funcionários sorri tensamente em
minha direção e me indica onde ela está, apenas o agradeço e sigo meu
caminho. Meus olhos estudam as duas figuras paradas no meio da sala de
estar, se encarando como se fossem desconhecidas, mesmo que sejam mãe e
filha.
Amara Parker é, para mim, como uma das muitas mulheres da Parte
Alta. Sorriem quando precisam sorrir e destroem assim que tem a
oportunidade. Ela é a oportunista que conseguiu se estabelecer entre as
maiores famílias do condado. Mesmo que nesse momento, ela desvie o
olhar de sua filha para me encarar com uma simpatia forçada e um sorriso
que desprezo, meu conceito sobre ela não muda.
Porém, minha atenção não se mantém nela, mas sim, em sua filha,
que parece atordoada por memórias. Analu nem mesmo olha em minha
direção, apenas se vira, caminha até a lateral da sala e pega um copo,
enchendo-o de uísque e bebendo em um gole só. Ela está completamente
em outro mundo e mesmo que não deva, me pego indo em sua direção,
pronto para perguntar o que diabos aconteceu e onde está a mulher que me
insultaria antes mesmo que meus pés tocassem o piso lustrado de sua casa.
Essa não é Analu.
Não é a mulher que conheço desde meus dez anos.
— Levi Johnson — cumprimenta Amara, se colocando entre mim e
sua filha, antes que tenha a oportunidade de chegar até Analu. — Há quanto
tempo, querido.
Abro um sorriso mais falso ainda. Um treinado para os concorrentes
de mamãe e para as pessoas que minha família apenas atura por conta das
reeleições.
— Senhora Parker — devolvo.
— Não sabia que viria nos visitar hoje.
Analu finalmente se vira em minha direção e preciso inclinar minha
cabeça para o lado para conseguir finalmente observá-la, seu rosto é apenas
uma máscara impenetrável. Os olhos estão marcados com uma maquiagem
não muito forte e ao mesmo tempo impecável. O vestido vermelho faz com
que suas curvas se moldem de uma forma sensual e, ao mesmo tempo,
delicada. Há uma fenda em sua coxa que me dá a visão de sua perna
torneada, contudo, são os malditos saltos pratas que fazem com que
inúmeros pensamentos rondem a minha cabeça.
Pensamentos esses que incluem nós dois em meu quarto, despidos e,
de preferência, com suas pernas em volta da minha cintura, enquanto me
enterro dentro de sua boceta, ao passo que observo esse maldito Jimmy
Choo em meu espelho.
Analu Parker definitivamente será a minha morte.
Porque a mulher que é linda além da razão e me tira o fôlego todas
as vezes que seus olhos vão de encontro aos meus, também possui
qualidades admiráveis que vão muito além de sua beleza exuberante,
mesmo que nesse momento ela esteja em seu próprio universo, perdida em
algo que não consigo decifrar.
A mulher que eu conheço e aprendi a odiar e ao mesmo tempo
admirar, não se importa com o que as pessoas acham de suas respostas
afiadas ou o que falam em suas costas. Analu sabe o poder que tem e a
inteligência que a acompanha.
Ela pode ser perigo, mas ao mesmo tempo, também é salvação.
— Você está deslumbrante, Analu.
As palavras saltam de minha boca antes mesmo que eu possa
raciocinar. E mesmo que ela possa me dar uma resposta nada elegante, eu
não me importo. Apenas aprecio a maneira como seu peito, de repente, sobe
e desce. Como sua respiração engata e a forma como seus olhos se fixam
nos meus.
Ela esqueceu qualquer assunto que a tenha atingido antes que eu
entrasse por aquela porta. Algo me diz que eu fui algo que nunca imaginei
para ela nesse momento e, uma parte de mim, mesmo que eu nunca vá
assumir, gostou de ser isso.
De ser sua âncora mesmo que momentaneamente.
— Você também, Levi.
Meus olhos quase se arregalam com a leveza e a verdade de sua
resposta.
— Vocês vão a algum lugar? — Amara pergunta, se intrometendo
em nosso pequeno momento.
Há um tom irritado em sua voz. Como se o fato do elogio não ter se
estendido a ela, a irrite.
— Oh, desculpe. — Sorrio outra vez. E como o anterior, esse
também é falso. — Minha mãe está promovendo uma recepção para alguns
conhecidos, e Analu é a minha acompanhante.
A sobrancelha de Amara se ergue antes que ela possa controlar a sua
expressão. Todos nós sabemos que nossos pais não são aliados quando se
trata de política e Analu comparecer a um evento onde Violet Johnson,
minha mãe, é a anfitriã, com certeza, não é algo que sua mãe aprecia.
Percebo Analu dar uma volta no enorme sofá, colocando uma
distância significativa entre ela e sua mãe e sorrir para mim sabendo que a
nossa aposta não foi benevolente. Ela sabe que aparecer ao meu lado nesse
evento dará à imprensa uma matéria sobre dois herdeiros que nunca
mostraram apreço um pelo outro, mas que agora, são companheiros de
estágio e em consequência, apoiam a mesma candidata.
É a minha forma de mostrar a ela que mesmo que me afete, eu não
me importo de empurrá-la contra os leões, como sempre fizemos.
— Fui convidada para esse evento, Amara — avisa, seu tom não dá
abertura para discussões. O fato dela nunca se referir a ela como mãe me
causa uma pulga atrás da orelha. — Espero que corra tudo bem no seu
jantar.
Amara ergue o queixo, orgulhosa. Ela é parecida com Analu e ao
mesmo tempo totalmente diferente, é como se essa mulher fosse algo que
quando todos nós avistamos, corremos no sentido contrário e Analu fosse
algo que à primeira vista não é compreendido, mas quando lemos as
entrelinhas, se torna algo que nunca imaginávamos.
— O mesmo para vocês, divirtam-se. — Ela sorri para mim e dá à
sua filha um aviso que não compreendo. — Mande um abraço à sua mãe,
Levi.
Nem fodendo.
— Eu mandarei.
Assim que dou as costas a ela, meu olhar recai em uma foto na mesa
lateral. É uma criança. Uma garotinha loira num campo cheio de flores
coloridas e lindas. Ela está em pé, olhando para o céu e sorrindo
alegremente. Essa é uma versão de Analu que apenas aqueles que chegaram
em sua vida antes da sua adolescência, conheceram.
Essa versão feliz, radiante e gentil. Uma versão que amava sorvetes,
filmes animados e livros. Essa versão que correu com Verônica pelas ruas
dessa cidade, que se sentou ao meu lado e de Dylan no lago e nos contou
que aquele lugar era como uma segunda casa para ela.
A garotinha que me confidenciou que amava Tulipas.
Tulipas amarelas, brancas e vermelhas.
Que gostaria de ganhá-las sempre que pudessem.
Mas, que agora é apenas uma versão esquecida na mente de todos.
Essa garotinha não existe mais, ela é apenas um fantasma em nossa
memória. A verdadeira mulher agora é totalmente ao contrário. Ela odeia
flores, água e todo o resto. Ela provavelmente odeia a humanidade. Não se
importa com o que acreditava no passado e se porta como se o mundo fosse
apenas um lugar cheio de ódio, desprezo e mentiras.
Ela é machucada. Contudo, diferente de como todos nós lidamos
quando o mesmo aconteceu conosco, Analu criou barreiras em volta de si,
ela se moldou em volta de seu rancor, destruiu a felicidade que habitava sua
alma e apenas acreditou naquilo que as pessoas sussurravam em seu ouvido.
Vilã. Megera. Insensível.
Eu escutei isso e se for sincero, até mesmo joguei essas palavras em
seu colo em certo ponto. Agora me pergunto, como nunca enxergamos que
por baixo dessa máscara, há uma garota que um dia chegou a acreditar no
amor como todos nós acreditamos? Como tivemos a coragem de chamá-la
de vilã quando ela foi a única que não escondeu o quanto achava pútrida
toda a nossa realidade?
As pessoas dizem que ela é todas essas coisas quando, na verdade,
ela apenas não esconde o quão infeliz é toda essa ilusão que vivemos.
— Vamos, Levi? — Analu pergunta, erguendo uma sobrancelha.
Balanço minha cabeça, abandonando meus pensamentos.
— Claro.
Coloco um sorriso no rosto enquanto ando até ela e dou meu braço
para que possa se escorar e, sem me surpreender, ela o ignora e passa por
mim, revirando os olhos. Mas, não me importo com isso, porque em todo o
caminho até o carro, apenas consigo pensar na foto que eu vi na sala dos
seus pais.
Nossa infância tão diferente da nossa realidade. Nossos sonhos
esmagados pelas responsabilidades e traumas.
Todas as memórias me fazem repensar tudo. Porém, de todas elas,
apenas um detalhe me acompanha:
Tulipas.
O salão do museu de Saint Vincent está lotado de pessoas que
apoiam meus pais. Aristocratas, governadores, senadores, deputados e, até
mesmo, alguns amigos próximos da família.
Não há meus amigos. Nem minha irmã.
Eu apenas posso contar com Analu.
E ela nem ao menos imagina isso. E, muito menos que quando
preciso participar de eventos como este, que é importante para meus pais,
eu me torno outra pessoa. Não há aquele idiota que brinca com os amigos,
flerta inocentemente e vive a vida como se não tivesse tantas
responsabilidade fora da universidade. Não. Quando meus pais precisam de
mim, eu sou quem eles moldaram.
O filho perfeito. O garoto de ouro da SVU.
Sou Levi Johnson, filho de Violet e Thomas Johnson. A senadora e o
juiz mais importantes do país.
Solto uma respiração que não sabia que estava presa e coloco um
sorriso no rosto. Analu segura meu braço com uma delicadeza que nunca
pensei que teria. Ela me encara com uma sobrancelha levemente arqueada e
uma pergunta silenciosa. Como se percebesse que este lugar, mesmo que
seja um habitat natural, não é onde me sinto bem.
— Quando eu era criança e precisava ir nessas festas, sempre
imaginava que os convidados eram personagens de Harry Potter — ela
confessa baixinho enquanto andamos pelo salão. — Talvez você queira
tentar.
Olho para o seu rosto, arrumando minha gravata.
— Não acho que seria possível.
— Por quê?
— Não conheço nenhum personagem de Harry Potter a não ser o
próprio Harry Potter — digo, envergonhado por confessar isso.
— A minha lista de motivos para não te suportar só aumenta, Levi
— diz, mas há um tom divertido em suas palavras. Como se o fato de que
eu não saiba algo, a alegrasse. — Então me diga, garoto de ouro, o que você
gostava na infância?
Franzo o cenho, encarando-a.
— Por que está fazendo isso? — minha pergunta sai acusadora.
Analu apenas revira os olhos e umedece os lábios. Seus olhos de
corça fazem com que minha desconfiança aumente e ela apenas se vira,
pegando duas taças de champanhe e me entrega uma.
— Porque meu nome estará em todas as revistas de fofoca amanhã
por conta da sua aposta idiota. E, para completar, meu dia foi uma merda e
não pretendo que a noite também seja. — Ela leva sua taça aos lábios. —
Então, se eu preciso fingir que te suporto apenas para que esse evento
patético passe rápido e eu possa voltar para a minha casa e me entupir de
uma bebida melhor do que essa, eu farei de bom grado.
Quase solto uma gargalhada com a sinceridade dela, mas antes
mesmo que eu possa responder. Uma voz suave e ao mesmo tempo potente
ressoa atrás de mim.
— Meu amor.
Olho para trás e meu sorriso instantaneamente se torna verdadeiro.
Senadora Violet Johnson. Minha mãe. E a responsável por ensinar a
mim e a centenas de crianças que visita diariamente em abrigos e orfanatos,
que somos capazes de conquistar tudo e qualquer coisa.
Ela está a poucos centímetros de nós e sorrindo para mim em uma
admiração que apenas ela possui. A pele negra se destaca em seu vestido
verde oliva. Minha mãe é linda. Os cabelos cacheados estão arrumados em
um penteado elaborado e há um broche de sua candidatura no tecido de seu
traje.
— Mãe. — Dou um passo à frente, abraçando-a. — Você está linda.
Ela solta um bufo antes mesmo de dar um passo para trás.
— Puf, eu sempre estou.
Ao meu lado, Analu segura uma risada ou uma resposta espertinha
que ela apenas ela pode dar.
— Onde está o papai?
— Falando sobre processos com algum idiota bajulador — conta,
mas sua atenção já está na loira diabólica. — Analu Parker. Há quanto
tempo, querida.
Analu, por incrível que pareça, sorri como se fosse verdadeiro e não
quisesse matar diariamente o filho da mulher à sua frente.
— Fico feliz em revê-la, Sra. Johnson — Analu fala, percebo seus
olhos brilharem em admiração.
— Apenas Violet para você, querida. — Ela inclina a cabeça para o
lado, divertida. — Mas me conte, Levi está dando trabalho para você no
estágio? — pergunta, lançando-me um sorriso. — Achei que você chutaria
a bunda do meu filho e ficaria com a vaga.
— Mamãe! — exclamo, baixinho.
Analu, por outro lado, solta uma pequena gargalhada.
— Infelizmente, não foi dessa vez. — Ela pisca em minha direção.
— Quem sabe da próxima?
— Faça isso, por favor — minha mãe brinca, deixando um beijo em
sua bochecha. — Preciso cumprimentar algumas pessoas. Mais tarde nos
falamos. — Ela se vira em minha direção e se inclina para beijar meu rosto.
— Eu gosto dela. Ela não é igual ao babaca do pai.
— Não comece — digo em um tom que Analu não escute. — Nós
não temos nada.
Minha mãe sorri. É um sorriso vitorioso.
— Nunca disse que tinham, querido.
Ela dá um passo para trás e depois outro, se misturando a todos os
convidados. E, por um milésimo de segundo, eu penso em suas palavras.
Em como ela olhou para Analu com um carinho que é tão raro de acontecer,
que surpreende a todos, principalmente a mim.
Não é novidade que Violet Johnson e Henrique Parker não se dão
bem. Ele é contra a sua candidatura por ela defender direitos que vão contra
a política de sua empresa e minha mãe pouco se importa com a opinião de
um idiota conservador. Analu, por outro lado, nunca se importou em ir
contra os pais, mesmo que para o mundo ela seja a filha que segue as
ordens deles e sorri quando posa para as revistas. Se há qualquer forma de
contrariá-los, mesmo que sutilmente, ela o faz. Mesmo que a de hoje seja
minha culpa, sei que ela aproveitará para deixar a sua mensagem.
— Você quer dançar? — pergunto, me virando para Analu.
Ela ergue uma sobrancelha, bebe seu espumante.
— Depende. — Um falso sorriso cruza seus lábios. — Se eu
conseguir te suportar por mais de dez minutos, posso ter o seu carro?
— Por que você é tão obcecada pelo meu carro?
— Não é pelo seu carro — ela faz uma pausa antes de continuar. —
É pela necessidade de te vencer.
Sorrio, entendendo a complexidade de suas palavras.
— É impossível. Eu sempre vou ser o melhor. — Umedeço meus
lábios.
— Não foi isso que aconteceu na noite de formatura.
Meus olhos se fixam nos dela.
— Eu teria ganhado.
— Mas perdeu. — Ela sorri. — Foi bonito te ver tentar, mas ainda
assim, você perdeu.
É a minha vez de sorrir. Umedecendo meus lábios e me abaixando
para sussurrar em seu ouvido.
— E você ainda tem sonhos com aquela noite, princesa?
Ela gargalha. Uma gargalhada tão fria que chama atenção das
pessoas ao nosso redor.
— Acha mesmo que aquela mera dança foi tão importante, quando
eu terminei com uma caloura e um veterano da SVU na minha cama, Levi?
— confidencia, orgulhosa. — Não seja tão iludido.
Estreito meus olhos. Não me surpreendo com suas palavras. Ela não
era confiável naquela época e não é hoje. Analu ainda continua a mesma,
mesmo que negue, porém, ainda consigo enxergá-la melhor do que si
mesma.
— Você não terá meu carro, Analu.
É a minha única resposta.
Ela me olha com uma expressão que não consigo avaliar.
— Vamos ver isso até o fim da noite. — Dá de ombros.
Solto uma pequena gargalhada, dando o braço para que possamos
caminhar até o centro do salão onde há uma vista de praticamente todos os
convidados. Assim que nos posicionamos, a melodia lenta de Halo de
Beyoncé ressoa pelo salão.
É uma versão diferente da original. Essa é mais lenta e delicada.
Produzida para que os casais dancem de uma forma que quem os observa,
pensem que estão completamente apaixonados, mesmo que seja mentira.
Minha mão desce até a cintura de Analu enquanto a outra se
entrelaça em sua mão, que já está levantada. Ela segura em um dos lados do
meu ombro com força e então, começamos a dançar lentamente.
Rodopiamos pelo salão em uma sincronia que me surpreende, é como se
tivéssemos ensaiado por semanas e soubéssemos de cor cada próximo
passo.
Analu não fraqueja em nenhum segundo. Ela segura minha mão de
uma forma que me indica que confia em meus próximos movimentos e me
ajuda a conduzir a dança mesmo sabendo que sou capaz de fazer isso com
destreza.
Ela odeia estar à mercê de alguém, mesmo que isso seja apenas uma
dança, ela odeia. Odeia ter que trabalhar em conjunto. Mas, infelizmente,
para que nossos próximos passos não sejam nós dois caindo no chão na
frente de todos, ela é obrigada a ceder um pouco do controle. A me dar o
que eu preciso para que sejamos os únicos a finalizar essa maldita música
que se infiltra em meu âmago.
Assim que cede, seguro sua cintura com mais força, olhando-a.
Meus olhos nunca desviam de seu rosto, as luzes do ambiente fazem com
seus olhos fiquem mais claros e afetados. O vestido vermelho se une ao
preto do meu smoking. Somos apenas nós dois mesmo que existem dezenas
de pessoas ao nosso redor.
Somos uma união.
Somos excitação, vício e loucura.
Levo-a outra vez em um giro elaborado, vendo como seus cabelos
loiros voam de uma forma que a deixa gloriosa.
Ela é linda. Inexplicável.
Assim que seu corpo volta a ficar colado ao meu, minha respiração
fica presa em minha garganta. Nossos olhos se encontram e fazem morada.
É isso, é apenas nós.
Levi e Analu. Parker e Johnson. Princesa de gelo e garoto de ouro.
Opostos e ao mesmo tempo complementares.
Nesse instante, não há nada nos separando.
Nenhuma distância.
Ela me odeia e eu não a suporto. Mas, ainda assim, parece certo
estar um nos braços do outro. É uma coisa que nunca vou compreender, e
talvez nem queira.

Em todos os lugares que estou olhando agora


Estou cercada pelo seu abraço
Amor, eu posso ver sua auréola
Você sabe que é a minha graça salvadora

Suas pupilas nunca deixam as minhas. Há uma infinidade de


segredos rondando ali, coisas inimagináveis. Coisas que eu até mesmo
poderia ficar horas estudando. Ela é uma arte como a daquela que fica em
destaque nas maiores exposições do mundo. E nem mesmo Leonardo da
Vinci[12] poderia pintar com destreza sua beleza, pois ela é daquelas que se
escondem entre seus segredos, suas máscaras e precisam de um olhar
apurado para desvendar as nuances de sua existência.
Sua beleza é única.
Incomparável.
Destemida.

Jurei que nunca iria me apaixonar novamente


Mas isso nem sequer parece paixão
A gravidade não pode começar
A me puxar de volta para o chão novamente

Giramos novamente entre as pessoas que também estão perdidas em


seus próprios pensamentos. Analu me encara, enxergando o que escondo.
Vendo que talvez o mundo tenha me pintado como uma pessoa que não sou.
Não sou aquele idiota feliz o tempo todo. Não sou a pessoa que entra
no lugar e ama que todos sorriem e tentem ser meus amigos apenas pelo
meu sobrenome.
Ela me vê. Me enxerga. Como fizemos uma vez anos atrás.
E não podemos mais ficar nisso. Não podemos nem ao menos fingir
que isso é certo. Estamos em lados opostos, sempre iremos estar. Isso não é
uma história de amor ou um romance que se perpetuará para o resto das
nossas vidas.
Não posso, mais uma vez, me colocar em jogo. Não posso arriscar
me apaixonar e sair mais uma vez com uma dúvida cruel me rondando. Eu
fiz isso uma vez e percebi que quase perdi alguém que amo pela
necessidade de ter algo que presenciei em toda a minha vida.
E ter Analu Parker não é algo que posso ansiar.
Mesmo que algo me diga que é certo.
— Você se lembra de quando te disse que luto por tudo o que quero?
Minha pergunta é tão baixa que até eu mesmo me surpreendo.
Ela ergue o queixo, nossos rostos tão próximos e ao mesmo tempo
tão longe.
— Sim — sussurra. Seu cheiro me atinge com força e a vontade de
me abaixar e beijá-la corrói tudo dentro de mim. — O que tem isso?
— Acho que pela primeira vez, não poderei fazer isso.
Ela franze o cenho, confusa.
— Por quê?
— Porque eu quero você. Quero desesperadamente, Analu — minha
voz é uma lamúria sofrida. — Mas, ceder a isso poderia significar fazer
uma das minhas melhores amigas sofrer. — Sorrio. É doloroso. Olho bem
nos fundos dos seus olhos e busco o significado detrás do brilho que assume
o mar castanho que são suas pupilas. — E prometi a ela que sempre
escolheria o lado dela.
Ela me encara por alguns segundos, estagnada no lugar. Encarando-
me como se eu fosse uma anomalia, um estranho. Analu inclina a cabeça
para o lado, umedece os lábios e nesse pequeno instante, sei que está se
moldando. Forjando sua próxima armadura.
Entretanto, o seu ataque desta vez tem mais efeito do que qualquer
outra ofensa dirigida a mim em todos os anos que fomos obrigados a
conviver.
— Seu desejo é unilateral, Levi. — Um sorriso frio cruza seus
lábios. — Eu tenho homens suficientes aos meus pés por toda Saint
Vincent, por que eu desejaria alguém que foi rejeitado por uma das minhas
amigas?
Sua resposta não deveria doer.
Ela sempre foi assim.
Sempre machucou antes que a machucassem. Eu escolhi meu lado,
escolhi ficar contra ela mesmo que uma parte de mim deseje ficar ao seu
lado, ser a pessoa que nunca foram para ela.
Mas a minha lealdade não pode ficar com quem vai me atacar
sempre que necessário.
— Espero que eles sejam o suficiente para conseguir fazê-la
esquecer do quão vazia se tornou, princesa.
Minhas palavras não são frias como sua resposta, mas é o
necessário.
Ela dá um passo para trás, a música acaba e nós nos separamos.
Eu não sabia que essa noite terminaria assim, porém uma parte de
mim sabe que sou completamente culpado pelas consequências dela.
Eu sei que, supostamente, estou sozinha agora (sozinha agora)
Sei que deveria estar infeliz
Sem ter alguém (alguém)
Mas eu não sou alguém?
My Future | Billie Eilish

Eu alcancei o primeiro banco que vi pela frente no bar improvisado.


Não pensei muito, apenas tomei meu caminho assim que a música
acabou e todos começaram a se dispersar. Precisava de distância de Levi,
que meus pensamentos voltassem a ordem e todo aquele momento na pista
de dança evaporasse da minha mente.
Ele não tem o direito de olhar nos meus olhos como se eu fosse a
coisa que mais deseja no universo e então, cravar a faca em meu peito de
uma forma tão cruel.
Levi Johnson é um babaca por completo e a fama no campus de ser
um idiota que destrói corações das garotas é completamente verídica,
mesmo que esse não seja o nosso caso.
Ele é apenas um mimado de merda que acha que apenas por ter
dinheiro o suficiente para limpar sua bunda, pode simplesmente dizer o que
lhe vem à mente, sem precisar lidar com o peso que suas palavras terão na
outra pessoa.
Suspiro fundo, sabendo que estou aqui há mais tempo do que o
apropriado, para uma festa como essa, e que estou desempenhando um
péssimo papel de acompanhante. Puxo meu drink, pouco me importando
com isso e desejando que enquanto aproveito todo o cardápio de bebidas,
Levi se engasgue na própria poça de auto-lamentação e nunca mais apareça
em nosso trabalho ou na equipe de debate amanhã.
Apenas desejo que aquele egocêntrico evapore do universo.
— Você parece prestes a querer cometer um homicídio — uma voz
rouca me faz virar o rosto para o lado. — Não posso acreditar que sua
companhia te deixou sozinha, assim como você me deixou na festa da
Verônica.
Liam Walker. Capitão do time de basquete.
Às vezes, eu me pergunto se atraio um certo tipo de homem que se
baseia em serem capitães com ego ferido e uma falta de intelecto para
entenderem uma dispensa.
— E você provavelmente não entendeu a brecha, Liam. — Levo
minha taça aos lábios. — Nós fodemos e eu acabei com o que tínhamos.
Tchau.
Ele sorri, estendendo a mão para o garçom e pedindo algo que não
presto atenção. Pego meu celular em minha bolsa e começo a vasculhar
minhas redes sociais, atrás de algo apenas para que ele entenda que sua
companhia não é desejada. Por um tempo, vejo os stories da herdeira do
império de diamantes que vem conquistando milhões de pessoas nas redes
sociais e é uma pedra no sapato do escritório no momento.
Talvez se eu chamar um Uber, posso estar em casa em menos de
cinquenta minutos e poderei pegar Theo acordado para assistirmos ao nosso
filme favorito. Porém, para consegui fazer isso preciso de uma fuga de
Levi, mesmo que eu esteja decretando desistência a essa aposta idiota.
— Vamos lá, Parker. — Liam pula para um banco ao meu lado e se
inclina sorrindo para mim. — Você odeia esses eventos. Vamos para o meu
carro, eu te tiro daqui e podemos aproveitar a noite como fazíamos.
Encaro-o. A pele morena, os olhos âmbares e um sorriso bonito.
Mas, não há covinhas e nem brilho em suas pupilas. Não é como o dele.
Esse é um sorriso fraco, sem sentido e não me causa borboletas no
estômago.
É um sorriso que eu deveria e preciso ansiar.
Por sorrisos que não se tornaram a merda de um problema na minha
vida.
Que não me fazem questionar minhas ações.
Eu deveria ansiar por isso, mas não consigo. Não mais.
A vida monótona que levava apenas para não deixar que outras
pessoas chegassem perto, daquilo que eu escondia após a noite onde tudo
foi tirado de mim, é apenas um resquício do que desejo agora que provei
como é realmente se sentir em casa, em meio a pessoas que destruiriam o
mundo para ajudá-los.
E isso é como uma facada, porque, pela primeira vez, desde que tudo
aconteceu, me permito aceitar a verdade de que sinto falta deles.
Sinto falta de Verônica falando sobre o seu amor pela dança. De ver
Logan lutando por ela e de Oliver me procurando quando precisava falar
algo que apenas nós dois entendíamos, pois nossas dores, mesmo que sejam
diferentes, ainda possuem uma certa compreensão entre si. Sinto falta de
Summer e suas roupas que me faziam revirar os olhos, de Ed e seu mau
humor, de Mel e Andi se descobrindo melhores amigos. De Josh que me
acompanhava em minhas noites regadas a álcool. E de Dylan, que mesmo
que não demonstre, também tem seus próprios demônios.
Eu sinto falta deles. Da família que eu um dia acreditei pertencer.
Porém, o problema disso tudo, é que não posso dizer que eles não
tentaram. Verônica e Summer fizeram o possível para que não
rompêssemos, Josh até mesmo me procurou para me fazer companhia. E,
mesmo assim, eu os afastei.
Afastei porque o medo de deixá-los fazerem morada em meu peito é
maior do que enfrentar que, mesmo que eu negue, uma parte de mim ainda
se sente como se eles nunca tivessem me amado como os amei. Que aquela
parte fragilizada, destruída, pensa que eles apenas me acolheram por
obrigação e não por ser uma opção a ser escolhida. E essa constatação faz
com que meu coração imagine coisas absurdas.
Além de tudo isso, sei que não me permito adicionar Levi a essa
equação, porque eu queria que fosse ele, queria que ele escolhesse meu
lado, entendesse o porquê não posso perdoá-la. Não até que ela seja
corajosa o suficiente e me fale. Me explique o porquê nunca me contou.
Acho que nunca quis tanto que fosse alguém, como eu queria que
Levi Johnson e Hazel Grace Smith me escolhessem. Que parassem de olhar
para as suas próprias bundas e começassem a pensar que ao redor deles, há
pessoas que também se machucam, se destroem.
— Você pode me levar a um lugar? — pergunto, girando minha taça.
Liam sorri, orgulhoso. Sei que está achando que terminará a noite
entre as minhas pernas, mas está completamente enganado.
— Não, ele não pode — a voz rouca e nada gentil de Levi ressoa
atrás de nós dois. — Você é minha acompanhante, se precisar ir a um lugar,
eu mesmo a levarei.
Seus olhos estão em meu rosto, sua mandíbula travada e uma taça
pela metade em suas mãos. Ele é malditamente gostoso e isso me irrita
ainda mais, pois o fato de saber que Levi causa essas sensações em meu
corpo me faz querer quebrar seu rosto bonito com meu salto.
— Acho que já fiz meu trabalho por aqui. Nossa aposta está paga. —
Me levanto, alisando meu vestido. — Se precisa de uma boneca para
desfilar entre os idiotas bajuladores dos seus pais, procure por outra pessoa.
Ele dá um passo à frente, sorrindo como um homem perigoso e eu
dou outro, quase que colando nossos corpos. E, por Deus, isso é quente.
Levi passa a língua brevemente pelo lábio inferior e acompanho o gesto.
Posso até mesmo dizer que seu gosto seria uma mistura de Dom Pérignon e
perigo. Perigo que se infiltra em meus poros, agitam meus átomos e
suplicam para que me aproxime e prove seus malditos lábios carnudos.
Levi acompanha o movimento dos meus olhos em sua boca e seu
sorriso aumenta, sabendo o quão afetada fico por ele.
— Eu nunca defini um tempo para essa aposta acabar, princesa.
— E também não me disse que sou prisioneira em uma festa
mesquinha — constato, irritada. — Estou indo embora, Levi. Você goste ou
não.
Seus olhos fixam nos meus, batalhando.
— Então, você desiste?
Pego minha taça e tomo o resto da minha bebida antes de me virar
outra vez para ele e erguer o queixo, dando-lhe um sorriso frio.
— Sim, Levi — afirmo. — Foda-se você e sua aposta.
Eu não vou ficar em uma festa onde ele, claramente, me rejeitou
usando palavras bonitas e achando que está fazendo uma gentileza em não
se colocar entre mim e minha meia-irmã. Não vou ficar aqui, ao lado de um
babaca, sabendo que ele escolhe o lado bonito da história para defender,
quando todos nós sabemos que ele é apenas covarde o suficiente para dizer
o que realmente acha dessa história.
— Então, eu estou te levando embora — rosna, baixinho.
— Não! Eu não preciso de você. — Minha voz sai idêntica à dele.
— Para ser sincera, prefiro andar descalça em cacos de vidros a ter que te
suportar por mais um segundo.
Levi dá mais um passo à frente, acabando com o mísero espaço entre
nós. Meu vestido se une ao tecido do seu smoking, sua mandíbula travada e
seus olhos escuros que estão fixados nos meus, me indicam que sua
paciência está se esgotando pouco a pouco. Nós estamos travando uma
maldita batalha no meio de um evento importante com inúmeras pessoas
que sabem o que esse impasse significa. Ele sabe que se fizermos algo que
cairá na mão da imprensa amanhã, não só nós estaremos em maus lençóis,
como nossos pais também e não se importa.
Nada importa. Apenas a nossa luta.
Sabendo disso, Levi se abaixa, quase colando seus lábios em minhas
orelhas e sussurra:
— Se você quer jogar esse jogo, tudo bem, princesa. — Posso sentir
seu sorriso na curva do meu pescoço. Minha pele se arrepia e tudo dentro de
mim se agita. — Mas, tente não me imaginar te fodendo enquanto esse
idiota te come essa noite como se você fosse uma conquista barata, mesmo
que nós dois saibamos que você é tudo, menos isso.
Abro a boca para responder. Xingá-lo, humilhá-lo, não sei. Apenas
abro. Entretanto, ele já me deu as costas e sumiu entre os inúmeros
convidados, me deixando parada, com pensamentos homicidas e uma raiva
de saber que ele acaba de estragar todo o resto da minha noite.
Não há ninguém indo para a minha cama, nem um capitão
egocêntrico me levando como uma conquista. Haverá apenas eu e uma
garrafa de destilado em alguma festa idiota para aplacar esses sentimentos
conflitantes em minha mente.
É isso.
É isso que irei fazer.
Me embebedar até que o pensamento de Levi Johnson me fodendo
saia da porra da minha cabeça.

Liam me deixa em frente aos portões da minha casa e some antes


mesmo que eu possa dispensá-lo.
As luzes frontais se acendem ao passo que subo pelo enorme jardim.
Tudo está apagado. Não há nenhum resquício de que Amara ou Henrique
estão em casa ou, na pior das hipóteses, acordados.
De repente, a vontade de me virar e procurar por outro lugar para
ficar é maior do que a de ir até Theo. E, por isso, por saber que estou tendo
um daqueles momentos em que as memórias são mais pesadas do que as
minhas armaduras, apenas caminho até a casa da piscina ao lado da mansão.
Assim que as portas francesas se abrem, as memórias roubam o oxigênio do
meu peito. É como se eu estivesse, mais uma vez, naquela noite
tempestuosa, como se meu coração estivesse sendo roubado do meu peito
enquanto perdi algo tão importante.
Amara me tirou tudo.
E, saber que ela nunca será punida por isso me faz roubar uma
garrafa de tequila no armário de Henrique, suspirar fundo e tomar um
caminho até a propriedade dos Blackwell sem nenhuma pretensão de voltar
para casa, de ver o monstro que habita aquele local ou até mesmo de
encarar meu irmão, com a tristeza nublada em seus incríveis olhos, ou ver o
rosto sem nenhum resquício de emoção de Henrique.
E, lá, naquele jardim, sei que ninguém me verá sentada no mesmo
lugar onde Verônica e eu nos sentamos quando as nossas memórias foram
mais esmagadoras do que a nossa realidade de merda. Quando, depois de
anos, fomos uma válvula de escape uma para outra.
Entretanto, ela não sabe que naquele dia eu menti.
Menti quando disse que estava naquele hospital na noite em que
Sophie morreu pela minha mãe. Não. Eu estava lá por mim, tentando salvar
partes da minha alma que eu sabia que se perdesse seria inevitável o meu
fim. Mas, falhei. E, nisso, enquanto eu sentia a dor de ter falhado outra vez
comigo mesmo, que presenciei as lágrimas que Vee soltou e
consequentemente soltei algumas porque eu sabia, eu entendia o que
haviam perdido.
Eu menti tantas vezes sobre aquela noite que, em um certo
momento, passei a acreditar que era verdade. Passei a acreditar que eu
mereci o que aconteceu. Que a dor que me acompanha dia após dia, é
merecida. Sophie não deveria ter morrido naquela noite, mas eu sim. Ela
deveria ter tido a chance de ser amada, de mostrar que podia ser diferente,
enquanto eu apenas deveria ter cedido a escuridão e abdicado daquilo que
sempre me fez mal.
Mas não foi o que aconteceu. Eu passei pelo inferno, lutei contra ele
e acordei no dia seguinte vazia, com máscaras em volta do meu coração e
um ódio profundo por todo o universo.
Eu sempre menti para todos. Sempre disse que esse título de vilã que
me acompanha desde quando me moldei nessa versão não é a verdade, mas
na realidade, é sim. Eu sou a vilã. A vilã da minha própria história. Porque
eu poderia ter parado, poderia ter feito com que Amara não me destruísse,
mas eu deixei e, se for sincera comigo mesmo, até mesmo ajudei.
Eu gostei de machucar as pessoas como me machucaram. Eu adorei
destruir Mike quando tive a oportunidade e ter feito com que ninguém mais
o olhasse com admiração. Eu o fiz se tornar uma escória e me orgulho,
porque ele tirou partes de mim que nunca serão devolvidas e ele sempre
será uma lembrança constante da minha vida do que eu poderia ter tido,
mas perdi.
Mas... eu não gostei de cravar a faca em Logan todas as vezes que
ele se lastimava por ter perdido Verônica, porque eu também havia perdido-
a. E, quando ela voltou, a sua dor, mesmo que diferente, era como a minha;
e gostei de ter brigado com ela, gostei de que ela me bateu até que eu
entendesse a complexidade do que eu havia me tornado, que eu não estava
certa em fazer do mundo, o meu ponto de descarregamento de emoções.
No fundo, sabia que isso me fazia voltar a sentir. Eles me traziam de
volta quando o mundo me obrigava a entrar em meu próprio casulo e me
manter lá. Escondida, protegida. Agora, percebo que todas essas fases
foram o caminho até chegar à minha própria metamorfose.
Até que, muralha após muralha, cedesse.
Até que a Analu, que se perdeu naquela casa de piscina, voltasse
mesmo que com partes faltando.
— Você ainda continua invadindo o meu jardim sem disparar o
alarme — a voz de Vee ressoa atrás de mim.
Ergo o rosto sobre meus ombros e me viro em direção ao som,
encontrando-a em um pijama preto de cetim, o cabelo escuro amarrado em
um rabo de cavalo e os olhos brilhantes. Sua expressão não me indica nada
e nem mesmo quero ter a chance de perguntar como ela está, depois que dei
as costas a ela e aos outros na sua última festa.
Porém, Verônica nem mesmo me dá a chance. Ela sorri, um sorriso
pequeno sem mostrar os dentes e caminha até mim, abandonando seus
sapatos no caminho e se sentando na espreguiçadeira ao meu lado,
encarando o céu assim como fizemos meses atrás.
— Vocês ainda têm um alarme de merda.
— Eu acho que o mantive porque sabia que você um dia precisaria
usar o meu jardim para fugir da realidade. — Ela sorri fracamente. — Mas
não diga a Dylan. Ele é um pouco obsessivo com essas coisas de segurança.
Quase solto uma pequena gargalhada.
— Não acho que ele gostaria de me ouvir ultimamente.
É a verdade. Dylan Blackwell não se intromete em nossos assuntos,
contudo, quando se trata de Hazel, ele vai até o fim do mundo para protegê-
la e não posso negar que sempre admirei isso nele.
— Acredite em mim, ele vai.
Não respondo. Não tenho como dizer que talvez esteja enganada.
— Eu... — sussurro, sem nenhuma vontade de manter minhas
máscaras — Já estou indo embora, apenas me dê um minuto.
Meus olhos se prendem na casa que está um pouco distante e
Verônica acompanha o gesto, entendendo o motivo pelo qual estou aqui e
não lá.
— Você pode ficar o tempo que for preciso, Analu — afirma,
trazendo os olhos até os meus. — E, se não quiser voltar, nós temos quartos
suficientes para que você escolha um.
Não tenho a chance de responder, de questionar o porquê ela não
está me xingando, me fazendo sentir indesejada ou mostrando o quão
egoísta estou sendo desde que tudo aconteceu, porque outra movimentação
faz com que olhemos para cima e minha sobrancelha automaticamente se
arqueia.
Pois, na minha frente, caminhando como se estivesse entrando em
uma festa, está Oliver Wright. Cabelos loiros, olhos verdes e com um
sorriso que conquistou Summer Miller de uma forma que jamais
conseguiremos explicar. Ollie é a epítome da sofisticação e beleza.
— Eu quero saber por que uma está vestida como se tivesse acabado
de acordar e a outra como se tivesse saído de um baile de gala? —
questiona, intrigado.
Verônica solta uma risada enquanto reviro meus olhos.
— E eu quero saber por que você também invadiu meu jardim? —
Vee devolve.
— E por que está vestido como se tivesse vindo de um encontro
brega? — completo, mesmo sabendo que ele estava em seu encontro
semanal com Sum. — Não me diga que se fantasiou outra vez.
Ele dá de ombros, não respondendo e se senta do meu outro lado,
imitando a nossa posição. Oliver não precisa afirmar, todos nós sabemos
que se ele precisar se vestir como um super-herói idiota para que Summer
fique feliz, ele fará sem pensar duas vezes.
Quando se sente confortável em seu assento, Ollie olha para cima
assim como Verônica e eu. Nós ficamos quietos por vários minutos, apenas
olhando o céu estrelado, a parte da cidade silenciosa e a respiração calma de
todos nós.
— Nós tínhamos a mania de fazer isso quando éramos criança —
Oliver relembra, viro um pouco meu rosto para observá-lo, mas ele ainda
continua olhando para o céu. — Nós nos sentávamos no píer, escutávamos a
água e deixávamos nossa realidade um pouco de lado. Acho que perdemos
muito durante esses anos.
Verônica solta um suspiro, pega a minha garrafa, tira o lacre e leva
até os lábios, ingerindo uma boa quantidade.
— Como chegamos a esse ponto? — ela pergunta, me passando a
garrafa.
Porém, o álcool já não é mais convidativo. É como se a companhia
deles tivessem dissolvido aquele pânico que nascia em meu peito e me
obrigava a usar uma válvula de escape.
— De lastimar a vida enquanto nos embebedamos? — questiono.
— Não. Nos embebedar é parte de nós. Estou falando sobre
deixarmos que nossos pais nos transformassem em marionetes — ela
responde, um sorriso falso nasce em seus lábios. — Eu me lembro de como
éramos. De como a nossa vida não se baseava em sermos apenas herdeiros.
— Dou um gole na bebida. — Em algum momento, cansamos de lutar e os
deixamos tomar as rédeas.
Passo a garrafa para Ollie, mas ele nega.
— Acho que foi o acúmulo de desastres. Uma hora cansamos —
responde, se ajeitando na espreguiçadeira. — Eu costumava achar que
Brandon me deixaria em paz. Que ele apenas esqueceria da minha
existência, mas isso só aconteceu quando morreu.
Vejo um brilho assombrado em seus olhos ao falar do doador de
esperma que foi Brandon Wright. O homem poderia ser comparado ao
diabo na terra por tudo o que fez Oliver e sua mãe passarem.
— Meu pai acha que porque se arrependeu de tudo o que fez, pode
reconquistar a minha confiança — Verônica conta, pegando a garrafa de
volta, mas não bebe, apenas a coloca longe de todos nós. — Acho que as
pessoas que nos criaram precisam entender que algumas atitudes não têm
volta. Alguns machucados não cicatrizam e as lembranças não são
apagadas. Eles foram responsáveis por muitas das nossas dores.
Suas palavras têm mais efeito em mim do que qualquer outra coisa
que já escutei em semanas. Ela está certa, há coisas que não podem ser
perdoadas, nem esquecidas. Elas se tornam uma ferida que se necrosa dia
após dia. Dores que quando atingem nossa alma, são capazes de se
tornarem tão fundas que chegam a ser irrevogáveis.
— Você está bem, Analu? — Ollie pergunta de repente e percebo
que ele está olhando para a forma como aperto uma das minhas mãos em
meu braço.
Acho que estar bem é algo que talvez não faça parte da minha
realidade.
Eu não estou. Nunca estive.
Eu fui tão machucada. Tantas vezes que ainda me pergunto como me
mantenho em pé. Como posso deixar que o mundo ainda acredite que sou a
mulher implacável que todos acreditam?
— Você sabe que não precisa ser forte o tempo todo, não sabe? —
Vee sussurra. — Você pode dividir o peso do mundo com a gente, Analu.
Nós somos seus amigos. Sempre te ajudaremos.
Eu a encaro por alguns segundos.
— Se eu cair...
— Nós vamos te pegar — Ollie me interrompe.
Eu nunca me permiti chorar na frente de ninguém e quando isso
aconteceu no passado, é porque realmente cheguei no meu estopim.
Cheguei ao ponto de transbordar tudo o que guardei dentro de mim, que
chegaram a fazer parte de quem sou, mesmo que isso não seja o correto.
Não é normal se escorar na dor, se sentir como se fosse um mártir. Essa dor
que me puxa não deveria ser convidativa e agora que entendo esses
momentos, percebo que talvez esse seja um deles, onde preciso de algo para
me ajudar a não voltar naquele lugar que eu nem ao menos reconhecia
quem estava me tornando.
Talvez, apenas talvez, o que guardei durante essas semanas, meses e
até mesmo anos, esteja prestes a se romper de uma forma que não consigo
segurar mais. Não há motivos, nem forças e nem vontade para guardar
enxurradas dentro de mim.
Segredos me destruíram, mentiras me moldaram e agora a realidade
me destrói.
— Eu não sei como perdoá-los — digo baixinho. — Não sei como
fazer isso.
— Perdoar quem? — Vee pergunta, se sentando.
— Todo mundo que me machucou. — Engulo em seco.
Verônica me olha como se me entendesse. Talvez ela até mesmo
entenda, entretanto, não sabe a extensão desse sentimento. Não sabe como
as atitudes dessas pessoas me quebraram a ponto de me tornar uma casca
vazia perambulando pela cidade, um rosto bonito para as capas de revistas
que colecionam os títulos de Henrique e um corpo exuberante que Amara
moldou dia após dia, para que se parecesse com o dela, para que sua única
filha saudável, como gosta de se referir, seja um reflexo do que é.
E, apenas por pensar que um dia desejei ser como a mulher que me
gerou, faz com que uma ânsia suba pela garganta.
— Uma vez, você me disse, nesse mesmo lugar, que protegemos
aqueles que amamos, mesmo que isso signifique que o resto do mundo
possa nos odiar — Vee recita minhas próprias palavras. — É isso que
fazemos, Analu. É isso que vamos fazer por você.
— Você é parte de quem somos — Ollie complementa. — Você é
família.
Família.
Proteção.
Amigos.
— Eu não sou uma pessoa amável.
— Ninguém é até se permitir ser. — Há tanta verdade nas palavras
de Oliver que o encaro.
Eu sempre acreditei que a solidão seria a minha companhia, mas e se
eu estiver errada? E se Amara corrompeu tanto a minha perspectiva que
cheguei a acreditar que eles apenas me escolheriam, porque se fosse ao
contrário, eu também não me escolheria?
— Por que vocês ainda me querem por perto quando não dou
motivos para isso? — finalmente pergunto o que guardo desde aquele dia
em que soube da verdade.
Oliver olha para Verônica. Compreensão passando pelos olhos deles.
— Porque, um dia, nós também chegamos a acreditar que não
éramos dignos de amor, Analu — Verônica responde sorrindo sem mostrar
os dentes. — Nós deixamos que a nossa dor nublasse nosso julgamento.
Afastamos aqueles que amamos e nos amam.
— E caímos em um poço de autodestruição por acharmos que somos
insuficientes — Ollie continua. — Eu quase perdi a mulher que amo porque
olhei mais para a vingança do que para o meu coração. Eu quase perdi
pessoas que me mostraram que estavam dispostas a me amar, porque o
pensamento de estar vulnerável me aterrorizava. Nós entendemos a sua dor,
Analu, porque nos sentimos como você em certo momento.
Uma lágrima se aloja na borda dos meus olhos, mas não permito que
desça pelo meu rosto.
— Vocês me escolheram por obrigação.
— Não. — Verônica me encara com os olhos sérios. — Nós te
escolhemos porque te amamos. Porque você esteve lá quando Ollie e eu
precisamos. Você esteve por Summer, Josh, Logan e até mesmo por Hazel.
Você sempre esteve lá, Analu. Você sempre foi parte de nós e estamos
dispostos a estar ao seu lado mesmo que você acredite que não mereça.
— Não é porque nós chegamos depois de todos que significa que
somos indesejados, Analu — Oliver afirma com convicção, sabendo que eu
preciso disso. E enquanto olho no fundo dos seus olhos, sei que ele também
precisou entender e aceitar essas palavras. — Família acolhe. A família
escolhe, Analu Parker. E eles nos escolheram mesmo com inúmeros
motivos para nos manter de fora.
Então, eu entendo. Passei tanto tempo dentro da minha própria dor
que não percebi o que havia ao meu redor. Oliver sempre achou que
ninguém o amaria por conta das suas cicatrizes, Verônica se fechou para o
mundo quando sua irmã morreu em seus braços. Eles também provaram da
solidão mesmo que tivessem pessoas ao seu lado.
Vee até mesmo afastou todos quando tinha medo de que seus
demônios os machucassem e Ollie apenas cedeu a eles quando percebeu
que, mesmo que as suas cicatrizes o acompanhassem, elas não ditavam o
seu futuro.
Porra. Eles são como eu. Machucados. Quebrados. Imperfeitos.
Eles são meus amigos. Uma parte do meu alicerce.
Mas há uma diferença. Antes de tudo, antes de finalmente entender
as palavras deles, existe algo que preciso enfrentar, entender as razões e o
motivo pelo qual me quebrou de uma forma tão inimaginável.
Eu preciso enfrentar minha irmã.
Minha ex-amiga.
Hazel Grace Smith.
— Preciso ir a um lugar — falo de repente.
Verônica me encara como se percebesse o que preciso e entende o
que estou prestes a fazer.
— Escolha um carro — ordena, apontando o queixo para a garagem.
— Vá atrás da sua verdade, Analu.
Eu não sorrio, nem agradeço, apenas me levanto indo em direção
ao lugar onde indicou e sigo até um Aston Martin. Assim que me sento no
banco do motorista, pego meu celular e abro o aplicativo de mensagens,
procurando a única conversa que evitei por semanas.
Eu preciso fazer isso. Não por ela, mas por mim.

itsanaluparker: Clube da minha família. Última quadra de


tênis. Te espero em uma hora. Não se atrase.

A resposta chega segundos depois.

itshazelsmith: Estarei lá.

Está na hora de finalmente enfrentar nossas verdades.


Escolhermos nossos lados.
Abrirmos a maldita caixa de Pandora.
Você estava sozinha, abandonada no frio
Apegada às ruínas de seu lar despedaçado
Você estava desmoronando e solitária, gritando
Você pode me consertar? Você pode me mostrar esperança?
Someone To Stay | Vancouver Sleep Clinic

Eu arrasto meu vestido até a última quadra, abandonando meus


saltos na borda, enquanto ando pelo lugar tão conhecido por mim.
O sobrenome Parker está em todos os lugares, gritando o quão
patética e fraca sou por me permitir sentir as emoções novamente. Por
deixar que aqueles que jurei nunca me machucar, me mostrassem que estou
me negligenciando tanto que nem ao menos percebi o poço de destruição
em que me coloquei.
Eu prometi destruir Amara, mas me tornei a sua cópia.
Eu disse que seria o terror de Henrique, mas ele foi o meu.
Prometi muitas coisas e as perdi no meio do caminho até aqui. Eu
me acomodei. Deixei que as máscaras me protegessem e agi como o
esperado, porque assim, não precisava enfrentar tudo o que aconteceu
comigo no passado.
Uma movimentação me faz erguer o queixo por cima dos ombros,
para a companhia que estou esperando há pelo menos dez minutos.
— Você veio sozinha.
Hazel não diz nada.
Seu vestido rosa e branco balança em camadas leves até o meio de
suas coxas e o pequeno salto a deixa quase da mesma altura que eu. Uma
lágrima cálida se aloja nas bordas dos seus olhos grandes, quando se fixam
no meu rosto. Olhos que são completamente diferentes dos meus.
— Isso é entre eu e você. — Sua voz é dolorosa. — Não entre
nossos amigos.
É a verdade. Não tem mais ninguém aqui, nada entre nós.
Somos apenas Hazel e eu. Luz e escuridão.
Meias-irmãs.
Desconhecidas.
Mentirosas.
Ela é meu polo oposto, mas, ao mesmo tempo, é minha igual.
Hazel Grace Smith está tão machucada quanto eu. Ela me mostrou
dezenas de vezes e eu preferi olhar para a minha raiva, meu rancor e
desprezo a tentar entender o que fizeram conosco, o que nos tornaram.
Eu fiz da minha dor, armas.
E ela precisou fazer das suas, oportunidades, algo que valesse a
pena. Porque ela não teve o que eu tive, ela não teve os privilégios que meu
sobrenome me deu ou tudo o que pude aproveitar, enquanto me destruía.
Ela perdeu tanto quanto eu.
Mas, todos esquecem que existem dois lados de uma história. Duas
partes envolvidas. E é mais fácil defender aquela machucada e na defensiva,
do que escutar aquela que precisou mentir, esconder e até mesmo machucar
para proteger.
— Por quê? — minha voz é tão baixa quanto dolorosa. — Por que
você nunca me contou? Por que você me deixou acreditar que estava
sozinha no mundo, quando eu poderia ter tido você?
É isso. Minhas máscaras, armaduras caem. Estou despida em
sensações que nunca me permiti sentir desde o dia que acordei naquele
lugar, prometendo a mim mesmo que ninguém nunca mais me quebraria.
Estou dando a ela o meu último pedaço de humanidade. O que sobrou da
minha alma após Amara destruí-la.
Ela dá um passo à frente e eu reteio. Proteção. É isso que estou
fazendo comigo mesma. Porque mesmo que eu esteja despida à sua frente,
ainda preciso me proteger do que me machuca. Do que pode me quebrar
mais do que já estou quebrada.
— Por quê, Hazel? — grito quando seu silêncio ainda se mantém.
— Por que você fez isso?
Ela dá um passo para trás. Uma lágrima desce pela sua bochecha.
— Você acha que eu não queria te falar assim que eu soube? — ela
finalmente grita, deixando algo se romper dentro de si. É como se a
perfeição finalmente tivesse quebrado, mostrando sua verdadeira face.
Mostrando que Hazel não é apenas luz, ela carrega mágoa, segredos e um
pouco da minha própria escuridão. — Você acha que eu gostava de te
encarar quando estávamos com os nossos amigos sabendo que eu escondia
a verdade? — pergunta retoricamente. — Não, Analu, eu não gostava.
Queria que você me olhasse como Verônica olha para Dylan e Ed, como
Oliver olha para o Andrew. Mas como faria isso sabendo que você me
odiaria?
— Eu te odeio agora! — grito de volta. — Mas antes, não. Antes,
mesmo que tenha demorado, eu comecei a considerá-la família. Eu te
considerava uma irmã que eu pude escolher! — Um sorriso frio me escapa
quando não dou tempo a ela de responder. — Mas, agora? Agora você é
apenas mais um nome no testamento do meu pai e uma mentirosa que se
senta ao lado dos meus amigos.
Hazel gargalha. É uma gargalhada histérica, sem sentimentos.
— Você acha que é isso que eu quero? Dinheiro? — suas palavras
são carregadas de decepção. — Pela primeira vez, preciso te dizer que está
errada. Está tão absorta em sua dor que não consegue olhar à sua volta.
— Eu estou?
— Sim.
Passo a língua pelos meus dentes, sorrindo friamente.
— Então, por favor, Hazel, me diga o motivo. — Minha voz ecoa na
quadra, escuridão nos rodeia. — Me diga o porquê a tão perfeita garota da
SVU mentiu descaradamente.
Hazel solta um meio sorriso, olhando para baixo e assim que seu
rosto volta a encarar o meu, sei que estamos prestes a destruir tudo o que
acreditamos ser verdade. Que nesse instante não há nada além de
fragmentos se encaixando.
É o nosso acerto de contas.
A hora de deixarmos nossas muralhas caírem e tirarmos nossas
armaduras, mesmo que isso signifique sairmos destruídas daqui.
— Eu nunca soube que tinha uma irmã ou um irmão, além do Chris
— diz, passando a mão pelo cabelo escuro. — Minha mãe era casada com o
pai dele, até que ele morreu em um acidente de carro. Ela não tinha
ninguém. Nenhuma ajuda e então, precisou trabalhar como garçonete em
uma das lanchonetes da universidade e conheceu seu pai.
— Nosso — desdenho.
— Seu — ela devolve. — Seu pai, Analu. O único pai que tive em
toda a minha vida foi Amanda Smith. A minha mãe. Ela e ninguém mais.
— Hazel seca uma lágrima. — Ele fez promessas a ela, disse que a amava.
Então, de repente, depois que a iludiu, simplesmente disse que estava noivo
de uma amiga da família e que os dois não poderiam mais ter o
relacionamento que tinham, mas não precisavam terminar.
Umedeço meus lábios.
— Você está me dizendo que a culpa da traição de Henrique… é da
minha mãe?
— Estou dizendo que o seu pai era um egoísta de merda que não
sabia segurar a porra do pau dentro da calça — Há tanto rancor em suas
palavras que me surpreendo. — Ele teve a audácia de pedir à minha mãe
que se tornasse sua amante, mesmo que estivesse casado com a sua.
— E a sua mãe, como uma boa cidadã, aceitou — sorrio friamente.
— Minha mãe, como uma pessoa honesta, rejeitou, Analu. — A
maneira como ela fala me mostra que, apenas por ter insinuado algo assim
sobre a sua mãe, a machuca mais do que qualquer outra coisa que já disse
em sua direção. — Então, ela descobriu que estava grávida ao mesmo
tempo que a sua também descobriu que estava.
Faço as contas mentalmente. Nossas idades são separadas apenas
por meses.
Henrique mantinha um caso com as duas. Ele enganou ambas.
Destruiu duas mulheres e consequentemente duas filhas.
— Ela não aceitou. Minha mãe não poderia desejar que a sua filha
fosse criada por um homem que mais destruía as pessoas que o rodeava, do
que as amava — Hazel continua quando não digo nada. — E muito menos o
fazer escolher entre você e eu. Não havia escolha. Ele deveria amar nós
duas. — Um sorriso sem emoção nasce no rosto de Hazel. — Mas, acho
que já sabemos o resto da história, não é?
Meu coração dói e quando percebo, dou um passo à frente.
— Henrique não nos escolheu, Hazel. — Inclino minha cabeça para
o lado. — Ele nunca me quis. Nunca esteve presente. Ele foi apenas um
nome na minha certidão de nascimento — Dor é presente em cada sílaba.
— Ele escolheu o dinheiro. O dinheiro que meus avós deixaram para ele
após finalmente se casar.
— Nem o nome, eu tive, Analu. — A sua voz saiu rouca, como se as
lágrimas estivessem dificultando suas palavras. — Eu tive e ainda tenho o
nome do pai de Chris registrado. Eu sempre acreditei que o meu pai tinha
morrido. Que era apenas Chris, minha mãe e eu. — Ela morde o lábio
inferior. — Nunca imaginei que você existia. Nunca soube do caso deles.
Eu apenas vi a mulher que me deu a vida lutar por tudo o que tínhamos. Eu
a vi pegar turnos duplos em lanchonetes para conseguir pagar as despesas
de casa, a vi chorar quando percebia que não teríamos o suficiente. Vi meu
irmão abandonar a escola por um tempo, porque precisávamos de dinheiro.
Eu vi os olhares julgadores dos meus avós, porque minha mãe era mãe
solteira e tinha se apaixonado por alguém que nunca a amou de verdade. Eu
vi tudo isso, Analu.
Ela enxuga as lágrimas e tenho vontade de correr até ela e ajudá-la.
Mas apenas fico parada, observando-a se quebrar, colocar para fora coisas
que eu nunca soube ou imaginei que tinha acontecido.
— E onde Henrique estava? — ela continua quando se recompõe.
— Onde o seu pai estava quando nós passávamos por tudo isso? Onde ele
estava quando eu tive a minha primeira apresentação no colégio e vi todos
os pais abraçarem suas filhas e tinha apenas Chris? Onde ele estava quando
minha mãe chorava quando um de nós ficávamos doentes e não podíamos ir
aos médicos da cidade, porque não tínhamos plano de saúde?
Solto um sorriso frio.
— Eu é quem te pergunto onde ele estava. Porque eu também quero
saber onde Henrique estava quando ele me deixava sozinha em todos os
Natais. Onde ele estava quando me machucaram? Quando me fizeram
escolher entre duas coisas que eu amava? Quando me tiraram tudo e me
deixaram apenas com um vazio irreparável no lugar do meu coração?
— Ele estava se aproveitando da minha mãe! — Hazel se exalta.
Seus olhos se arregalam quando percebe o que acabou de dizer.
Dou um passo para trás com o peso das suas palavras.
Lágrimas finalmente descem pelo meu rosto.
Dor.
Arrependimento.
— O quê? — sussurro.
— Minha mãe me escondeu dele até os meus sete anos e fez o que
poderia a partir do momento em que ela o largou e escolheu os filhos a um
homem que a destruiu. — Sua voz não passa de um fio de dor. — Mas no
Natal daquele ano, um carro subiu na calçada onde eu estava e me
atropelou…
Amara.
Era isso o que ela tinha feito.
Ela tentou machucar Hazel.
Hazel, que era apenas uma criança, que não tinha culpa do que
fizeram.
O coração partido dela se desconfigurou em maldade perversa e se
voltou a mim e a Hazel como se nós fôssemos culpadas das atitudes de
Henrique.
— Amara…
— Eu sei. — Ela morde o lábio inferior. — Minha mãe não deixou
que o seu pai chegasse perto de mim no hospital. Eu nunca o vi ou soube
quem ele era. — Ela pausa, tentando respirar para ter forças para continuar.
— Mas depois disso tudo, nossa vida pareceu se resolver. Se eu precisasse
ir ao médico, tinha acesso ao melhor hospital. Quando eu comecei os
estudos, as melhores escolas me deram bolsas anônimas com uma ajuda de
custo gigantescas. Quando fui para universidade, SVU me ofereceu o
melhor programa de Medicina, porque me formei com honras.
O entendimento recai sobre mim. A forma como ela se sentiu
regressa quando estudávamos no Saint Vincent College. A maneira como se
esforçava para conseguir as melhores notas e tinha medo de perder sua
bolsa. A maneira como a humilhei por ser da Parte Baixa e ter virado amiga
de Verônica.
Sempre foi Henrique por trás, nunca uma caridade.
— Mas não era apenas isso, não é? — pergunto.
Ela nega veementemente.
— Eu sempre desconfiei que algo estava errado — conta, passando
a mão pelo vestido. — Nossos problemas se resolveram do dia para a noite,
porém, minha mãe cada dia ficava menos amorosa e mais desconfiada. —
Ela aperta a manga do seu vestido, nervosamente. — Quando namorei com
Dylan pela primeira vez, ela surtou e disse que isso acabaria de uma forma
que me machucaria além de reparos. Ela tentou me proteger de algo que eu
nem ao menos imaginava. Porém, o que me destruiu foi saber que todas as
datas comemorativas que ela sumia e só voltava tarde da noite, não era
porque estava trabalhando. O motivo pelo qual ela ficava horas no banheiro
chorando, não era porque estava encontrando suas amigas.
Fecho meus olhos por um momento, compreendendo o que ela está
dizendo.
Henrique a destruiu. Ele era tão obcecado pela mãe dela que a
obrigou a ficar com ele, mesmo que aquilo a destruísse e levasse todos nós
juntos.
Ele nunca me amou ou amou Hazel. Tudo isso foi apenas para saciar
a sua obsessão.
É doentio.
Cruel.
Me faz querer destruí-lo.
— Eu descobri toda a verdade poucos dias após Summer e Oliver
assumirem o namoro falso. Seu pai foi atrás da minha mãe, eu os escutei
brigando e então ele contou que sempre soube da minha existência. E ainda
teve o importuno de deixar claro que se ela não cedesse a ele, como fazia
desde que fecharam o acordo sobre o futuro, ambos saberiam que as
consequências cairiam em mim.
— Hazel… — Fechos meus olhos por um segundo, tentando juntar
todas as informações que estão jogadas entre nós.
— Eu o enfrentei, Analu — ela continua a contar tudo, ignorando a
minha súbita interrupção. — E Henrique olhou para mim como se eu não
tivesse o direito de falar daquela forma com alguém, que bancou todas as
minhas despesas por anos, mesmo que eu jamais soubesse e a minha única
reação foi socá-lo. — Balanço a cabeça, perplexa. — Quando o obriguei a
ir embora, ela me explicou cada um desses detalhes. Cada maldita coisa que
seu pai fez. Você imagina como foi para mim, descobrir que minha mãe
passava noites com o seu pai para que eu pudesse ter um futuro diferente do
que teve? Que tudo o que eu tive na minha vida foi porque ele a
chantageava, para que pudesse tocá-la? Você sabe o que é olhar para sua
irmã e não saber como contar todas essas coisas sem destruí-la mais do que
já fizeram?
Penso em como ela se afastou. Como se mantinha quieta em nossos
almoços, na forma como Oliver perguntou se estava bem e em como ela me
encarou quando a humilhei na frente de várias pessoas.
— Foi por isso que você começou a trabalhar no Oásis — murmuro,
tudo se encaixando no lugar. — Por isso que Summer e todos os outros
assumiram a sua parte no aluguel e Dylan estava emburrado na maior parte
do tempo, por você não aceitar ajuda.
Ela sorri, lágrimas rolam por seu rosto.
— Eu não poderia continuar usando o dinheiro da pessoa que
destruiu a mulher que deu toda a sua vida por mim — declara com um
pequeno sorriso. — Eu sei que te machuquei por não saber como protegê-la
da verdade. Mas, é isso, Analu. Nós somos filhas de um homem que
destruiu todas as mulheres ao seu redor porque pensa apenas em si mesmo.
Ela tentou me proteger de algo que a machucou. Hazel, que tem
motivos suficientes para me odiar depois das últimas semanas, me encara
como se eu fosse algo que não soubesse que precisava até descobrir que
tinha.
Eu a machuquei assim como ela me machucou.
A fiz sofrer como me fizeram.
Ela tentou se afastar porque o pensamento de me machucar, ao saber
tudo o que a sua mãe passou na mão dele, era maior do que qualquer outro
sentimento. Ela poderia ter perdido tudo. Amigos. Confiança. Seu prestígio
na SVU. Mas Hazel não se importou. Ao contrário, tentou me proteger da
verdade enquanto eu a machucava.
Henrique Parker é o único culpado dessa história.
Ele e Amara. Amara que me machucou, manipulou e usou durante
todos esses anos.
— Eles nos destruíram.
Minha voz é tão baixa que me surpreendo. Nunca pensei que estaria
tão exposta a ponto de encarar Hazel e desejar que tudo o que aconteceu
nesses últimos meses se apaguem de nossas memórias.
Eu poderia ter tido uma melhor amiga, uma irmã que me seguraria
depois das atrocidades que Amara fazia comigo.
Eles me tiraram até isso.
Me destruíram a ponto de me tornar vazia.
De repente, caio na quadra.
O tecido do vestido alivia a dor da queda, mas não o estilhaços em
meu coração.
Dor.
Choro.
Raiva.
São tantos sentimentos, tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo
que não percebo que estou à deriva, estou perdendo o que é a realidade e o
que é o meu pior pesadelo. Estou cedendo após anos segurando tudo dentro
de mim. Meus medos, pesadelos e traumas se agarram em mim como uma
segunda pele.
Há água, sangue, Amara e meus gritos.
Há uma garota destruída em um quarto de hospital em uma noite
tempestuosa.
Há um afogamento causado pela mulher que prometeu me amar.
Existem tantas coisas e, ao mesmo tempo, não existe nada.
Ela me destruiu pouco a pouco. Começou com a manipulação de
que o meu pai sempre me trocava pela outra filha, depois com o fato de que
se eu não fosse perfeita, nunca seria boa. Depois com as humilhações, as
piadas pelo meu peso, a maneira como me obrigava a ser como ela. E, para
terminar de me quebrar, Amara causou a minha ruína que me destruiu além
de reparos. Ela me tirou algo que nunca poderei recuperar.
Então, veio meu pai, com ele sempre indo e vindo, preferindo as
mulheres às suas filhas, me obrigando a roubar documentos do pai de
Verônica para que ele o destruísse, me fazendo perder a amizade da única
pessoa que estendeu a mão para me ajudar.
E, por fim, veio Mike Burhan que me mostrou o que era se sentir
amada, desejada. Para que no final apenas fosse mais uma forma de
alimentar o seu ego frágil. Ele me destruiu, levou um pedaço de mim e
minha confiança no amor junto à sua obsessão por ser alguém no nosso
meio social.
— Eles me quebraram, Haz…
Eles me tiraram partes. Partes irrecuperáveis.
Eles me transformaram em uma vilã.
Uma princesa de gelo.
Alguém incapaz de amar.
— Eu vou te proteger, ok? Mesmo que você seja a mulher mais forte
e destemida que já conheci, e acredite que não precisa de ninguém, eu vou
te proteger. Vou te provar que merecemos aquilo que nos foi tirado. Eu vou
ser a sua pessoa, Analu. — Hazel. Hazel está me segurando enquanto me
afundo em minhas memórias. — Mas eu preciso que fique comigo
primeiro, ok?
Eu não quero ficar.
Eu preciso do meu isqueiro.
Preciso fazer com que tudo passe. A dor. A dor pode me ajudar,
pode me fazer esquecer.
Eu só preciso queimar.
Eu só… Um rosto vem à minha mente.
O sorriso divertido. Covinhas. Senso de humor questionável. Um
rosto que não deveria estar em minha mente, mas está. Ele me rejeitou, me
disse que não poderia escolher meu lado, ele é como os outros. Me tirando
pedaços mesmo que não mereça. Mas, ao mesmo tempo, ele me olha como
se realmente me conhecesse. Como se eu fosse uma joia rara. Um diamante
que me ajudaria a lapidar.
Não sei porque penso nele, nem mesmo quero entender o
significado disso, porém apenas preciso que isso passe e se Levi for o que
preciso para me manter sã, eu vou me agarrar a isso.
— Respire lentamente, Analu — ela chora, preocupada. — Apenas
respire.
Não posso.
Não consigo.
Tudo dói.
As lembranças queimam.
A escuridão é convidativa.
— Eu não consigo — sussurro.
Ela passa a mão pelos meus cabelos.
É uma carícia lenta e ao mesmo tempo me passa segurança.
Eu não deveria confiar nela.
Mesmo com tudo o que aconteceu, eu não posso. É como se o meu
coração reconhecesse o seu, como se estivéssemos alinhadas, juntas. Uma
protegendo a outra.
— Por favor, não me deixe, ok?
Não me deixe. Não me deixe.
Mas como não deixar alguém quando não se tem uma âncora para se
segurar?
Eu quero deixar. Quero deixar o passado, os machucados, os
traumas e as memórias para trás.
Eu apenas… quero ir.
Não sei quanto tempo estamos sentadas nesse chão, contudo sinto
como se o mundo estivesse esmagando meu coração e torcendo-o com
força, até que gritos saem dos meus lábios.
Desespero é tudo o que sinto agora.
No fundo da minha mente
Eu te matei
E eu nem me arrependo
Não acredito que disse isso
Mas é verdade
Eu te odeio
Romantic Homicide | D4vd

Eu sabia que havia feito merda.


Não tinha como negar.
Se eu tinha dúvidas de que Analu me odiava antes do baile, agora
tenho certeza. Porra. Eu sabia que tudo havia sido um maldito desastre.
Principalmente quando a vi saindo do Museu acompanhada por nada menos
que Liam Babaca Walker.
O merdinha pode ter uma reputação razoável na universidade, mas
todos nós sabemos que ele apenas está desesperado para subir de posição
social, por ser filho de um promotor medíocre da cidade. E o que melhor do
que aparecer nas páginas de fofocas acompanhado por uma das maiores
herdeiras da cidade?
Idiota de merda.
Aliás, eu nem ao menos sei porque me importo com o fato de que
ela me deixou na festa, como se não se importasse com nada, e seguiu seu
caminho. O que resultou em uma noite estressante onde nem mesmo prestei
atenção no discurso de mamãe ou nos olhares questionadores de meu pai e
apenas me mantive afastado, acompanhado de um copo de uísque e da
minha lamentação.
Não deveria ter acabado assim. Eu tinha feito todo o plano na minha
cabeça e nenhum deles terminava com Analu me odiando mais do que me
odeia ou eu me questionando o porquê caralhos me importo com isso.
Agora, enquanto espero o elevador do apartamento que divido com
meus amigos chegar até o nosso andar, me questiono o que posso fazer para
que ela não se torne a mulher que destruiu metade do campus depois que os
rejeitou.
— Você parece uma merda — a voz de Josh me faz olhar para cima
assim que as portas se abrem.
À minha frente, ele e Logan estão parados me encarando com uma
das sobrancelhas erguidas. O capitão escora seu ombro na parede, me
estudando com curiosidade, enquanto Josh apenas alisa a maldita camisa do
Stars Wars com orgulho e sorri em minha direção.
— Onde diabos vocês estão indo? — pergunto, ignorando sua
acusação.
— Eu quero um hambúrguer. Logan quer batatas fritas — ele
responde, entrando no elevador e me obrigando a dar um passo para trás. —
E você parece querer uma cerveja. Então, nós três estamos indo para o
Oásis.
Olho para o outro, franzindo o cenho.
— Cara, não sou de concordar com Josh, mas ele está certo —
Logan afirma, sorrindo de lado. — Até me disponibilizo para pagar.
Semicerro os olhos em sua direção. Mas não há nenhum sentimento
a não ser irmandade. Logan Underwood pode até ser uma maldita pedra no
meu sapato desde a nossa adolescência, mas é um dos únicos que possui
coragem o suficiente para dizer verdades em nossa cara, mesmo que isso
signifique que não gostamos. Ele até mesmo cedeu seu quarto na
fraternidade e cuidou de mim quando a bebida era a minha melhor
companhia, mesmo tendo que lidar com o próprio coração partido depois do
término com Vee.
— Você não deveria estar com a sua namorada? — pergunto, me
virando para Josh. — E você não deveria estar com o seu namorado?
Ele dá de ombros e aperta o botão do térreo.
— Mackenzie está em Boston, visitando a família — explica Josh.
— E você não deveria estar com a Analu? — Logan responde com
um sorriso cheios de significados. — Ouvi dizer que estão superando o ódio
que existe entre vocês dois.
— Você ouviu errado.
— Então você não a levou para o evento da sua família? — Josh
questiona. — Tipo, como a sua acompanhante?
— Não. — Solto um bufo exasperado. — Eu a levei porque ganhei
uma maldita aposta e todos nós sabemos que nossos pais não se dão bem
em relação à política.
— Isso não é o mesmo que ser sua acompanhante?
Sim.
— Não — minto. — Jesus Cristo, por que eu tenho que ter amigos
tão insuportáveis?
Josh solta uma gargalhada assim que as portas do elevador se abrem
outra vez, nos dando a visão de vários carros estacionados. A conversa
sobre a minha péssima ideia de ter levado Parker no evento dos meus pais
morre e agradeço mentalmente por isso. Não quero dizer a eles que, neste
momento, estou cogitando socar o capitão do time de basquete e chutar a
minha bunda por ter sido tão idiota.
Assim que estamos todos dentro do carro, finalmente saindo do
prédio, Josh coloca a cabeça entre o meu banco e o de Logan, me olha com
as pupilas brilhantes e um sorriso que indica problemas.
— Será que Analu topa se embebedar comigo na próxima festa do
time de basquete? — questiona e percebo seu sorriso aumentar. — Tipo,
tudo bem se ela me largar para sumir com algum dos jogadores. Mas será
que já passou da vibe megera que odeia a todos para a megera que adora a
nossa companhia?
Logan solta uma pequena risada com a pergunta de Josh, mas a sua
atenção nunca deixa a estrada.
— Não — grunho, irritado. — Ela não está indo se embebedar.
Muito menos em uma festa do time de merda de Liam.
De relance, vejo meus amigos erguerem a sobrancelha.
— Qual é o seu problema com Liam?
Ele ter toda a atenção dela.
Contudo antes de que eu pudesse formular uma resposta, todos os
nossos celulares vibram sincronizadamente.
A mensagem só pode indicar que veio apenas de um lugar: nosso
grupo.

itsveronicablackwell: elas vão conversar.

Não é necessário muito para entender que Vee está falando de Hazel
e Analu.

itssummermiller: como você sabe?


itsverônicablackwell: porque Analu acabou de sair da minha casa e
pegou um dos carros emprestado.
itssummermiller: Analu não estava com Levi?

Um medo que não consigo reconhecer sobe pela minha espinha


enquanto apenas acompanho a série de mensagens que chegam uma atrás da
outra.

itslevijohnson: como você sabe que ela foi realmente encontrar Haz,
Vee?

A resposta chega não muito tempo depois, todavia, não é de


Verônica que responde, mas sim de seu irmão mais velho.

itsdylanblackwell: ela foi. Hazel acabou de pegar meu carro para


encontrá-la e deixou bem claro que nenhum de nós deve interferir.

Merda.
Merda.
Merda.
Preocupação ronda minha mente. Eu não sei o que se sucedeu para
que a noite terminasse dessa forma, mas uma parte de mim me diz que sou
culpado pelas palavras que joguei em seu colo enquanto dançávamos.
— Eu acho que preciso daquela cerveja — digo, jogando meu
celular em meu colo. — Talvez até mais que uma.
Logan ergue uma sobrancelha.
— Por quê?
— Porque, pela primeira vez, quero ignorar o pedido de um dos
meus amigos. — Um suspiro sai dos meus lábios.
Underwood e Josh, por um momento, me olham como se não
entendessem minhas palavras. Mas, para ser sincero, nem mesmo eu
poderia explicar porque essa vontade crescente dentro do meu peito é algo
novo, algo que vem me tomando lentamente e tenho medo do que se
tornará.
Eu apenas quero ir até ela.
Quero protegê-la e me desculpar.
— Certo. Você precisa ficar bêbado — Josh murmura. — Então
acho que precisamos de um encontro com o clube dos homens.
Talvez seja exatamente isso que eu precise.
Uma noite de álcool.
Um pensamento que não seja Analu Parker.
Algo que me distraia da atenção insuportável que nos ronda.
Eu só preciso de uma noite, um motivo e uma garrafa para esquecer
o quanto a desejo.

Assim que meus pés tocam o primeiro degrau do prédio de Direito


da SVU, eu sei que meu dia será horrível.
Principalmente pelo fato da ressaca que atingiu meu corpo assim que
acordei. Não deveria ter deixado Josh responsável pela nossa mesa de
bebida, nem ao menos cogitei a ideia de que ele levaria o assunto tão a sério
para me embebedar a ponto de que Logan e Dylan fossem os responsáveis
por nos levar para casa.
— Sr. Johnson? — uma voz suave me faz erguer o rosto quando
adentro a sala.
— Sim, Sra. Reid?
— Está atrasado. — Sua sobrancelha se ergue. — Sente-se ao lado
da srta. Parker, temos assuntos a resolver.
Fecho meus olhos por um segundo, tiro meus óculos escuros e sigo a
passos lentos até onde a loira está sentada, lendo um livro que não consigo
identificar. Seu cabelo está jogado de lado, dando-me a visão de sua
camiseta com a frase Make Boys Cry[13] estampada em vermelho e colocada
por dentro de uma calça jeans skinny.
Quase solto uma risada pelo conceito da frase, entretanto, sei que ela
é realmente capaz de fazer garotos chorarem. E se eu for idiota o suficiente
de fazer alguma piada depois do que rolou nos últimos dois dias, posso até
entrar nessa lista.
— Bem. Agora que estamos todos aqui — a Sra. Reid fala, me
tirando dos meus devaneios. — Gostaria de anunciar que o Campeonato de
Debate Universitário acontecerá em duas semanas em Washington D.C. —
Um sorriso cruza seus lábios na medida que se vira em nossa direção. — É
indispensável a presença do presidente e da vice-presidente. Então, por
favor, Sr. Johnson e Srta. Parker não marquem nenhum compromisso para o
final de semana que estaremos viajando.
Analu solta um suspiro entediado, ergue o queixo e dá a nossa
professora um olhar vazio.
— E por quanto tempo terei que suportar esses idiotas? — ela
pergunta, não se importando com os olhares fulminantes do resto da equipe.
Analu está escondendo algo.
A maneira como segura o lápis, o jeito como seus olhos evitam o
meu rosto e a forma como suas palavras estão mais frias do que o normal.
Eu quero perguntá-la, obrigá-la a deixar que alguém divida o que está lhe
infringindo, mas sei que será impossível, principalmente depois do que
disse a ela.
Hazel nem mesmo é uma cogitação, não quando ela está evitando
qualquer pergunta do que houve entre elas. O que aconteceu naquela
quadra, ficou apenas lá. As duas estão guardando para si o mundo da outra
e ninguém será capaz de se colocar entre elas.
Não mais. Nunca mais.
A professora, de repente, ergue uma sobrancelha e abaixa os óculos,
encarando-a de cima a baixo. Entretanto, todos nós sabemos que ela não
dirá nada a Analu. Não quando a loira é um dos maiores destaques da
equipe e consequentemente da universidade.
— Quatro dias — responde, sorrindo friamente. — Você e Levi
ficarão dois dias a mais para a convenção de equipe principais. Os outros
voltarão após o fim do campeonato.
Quatro dias suportando Analu Parker.
Quatro dias sobrevivendo a essa maldita atração e não podendo
ceder a ela.
Quatro malditos dias no meu pandemônio.
— Ótimo. — Ela se levanta, pegando a bolsa e passando por mim,
sem dignar um olhar. — Mande-me os detalhes por e-mail e confirmarei
todos eles. — Solta um sorriso falso em direção a nossa professora. — Não
vou poder ficar para o treinamento, tenho um compromisso inadiável.
Mentirosa.
Reviro meus olhos, cruzando os braços e percebendo os olhares de
todos nela.
A forma como sua presença apaga a de qualquer pessoa e como a
sua voz é um canto de sereia que deixa todos hipnotizados é, na melhor das
hipóteses, admirável.
Para ser sincero, Analu Parker por completo é admirável. E,
constatar esse fato não é difícil. Analu tem qualidades que o mundo todo
invejaria. Ela sabe o poder, a beleza e o talento que têm. Julgo dizer que ela
pode ser comparada a uma rainha sem coroa, taxada como anti-heroína e
protagonista daqueles contos de fadas ambulantes em um mundo
excessivamente realista.
Ela é tudo.
E saber que eu não posso nem ao menos cogitar compreender cada
nuance que a completa, está fodendo com a minha cabeça.
— Com licença — digo de repente, me levantando e sabendo que
preciso estar em apenas um lugar que fará com que o pensamento dela suma
da minha mente. — Eu lembrei que tenho uma reunião com meu treinador,
Sra. Reid.
Ela solta uma série de indignações.
— Você e Parker receberão seus e-mails, Levi. — Sorri sem mostrar
os dentes. — Agora suma da minha sala.
Apenas murmuro um agradecimento e saio da sala, indo em direção
ao bloco de atletismo, onde se encontra a ala de piscinas.
Eu escolhi um lado. Escolhi não ceder ao desejo. Não posso apenas
ficar admirando-a como se ela fosse alguém que cairá em meus flertes após
as palavras que proferi na festa dos meus pais.
Analu e eu sabemos que ela nunca me perdoará tão facilmente. E ela
sabe que não vou pedir desculpas. Porra. Não sei nem ao menos porque me
importo com isso. Com o fato de que ela está me ignorando ou se a
machuquei.
Assim que viro o último corredor, prestes a alcançar a porta. Um
corpo se choca com o meu, me obrigando a segurar na cintura da minha
nova companhia e olhar um pouco para baixo. Não me surpreendo quando
um dos meus cheiros favoritos em todo o mundo, um tufo de cabelos loiros
e um rosto irritado me encara como se eu fosse uma praga que precisa
exterminar.
— Você por acaso está me seguindo? — Analu pergunta.
— Eu estudo aqui. — Ergo uma sobrancelha.
— Infelizmente.
Um sorriso brilhante nasce em meus lábios.
— Não diga isso, princesa — sussurro. — Nós dois sabemos que a
sua vida seria entediante demais sem alguém à sua altura para competir.
Analu solta uma gargalhada fria.
— Desculpe minha falta de decoro — zomba, jogando os cabelos
para trás. — Mas quem seria a pessoa à minha altura? — Ela umedece os
lábios, chamando minha atenção para aquele ponto que é o meu sonho e o
meu pesadelo. — Porque a única coisa que eu encontro nessa universidade
são babacas egocêntricos que se acham inteligentes, mas que, na verdade,
são apenas mimados de merda.
É a minha vez de sorrir zombeteiramente.
Seguro sua cintura com força, obrigando-a a erguer ainda mais o
rosto e encontrar meus olhos fixos nela. Seu salto encosta em meu tênis.
Suas unhas, que sempre estão pintadas de uma cor neutra, se fincam em
meu braço desnudo, mas nunca me empurra, nunca me solta.
Ela apenas olha para o meu rosto e devolve a intensidade que nos
rodeia.
Dou um passo para frente e ela me acompanha, dando um para trás.
Não nos importamos se estamos em um corredor no meio da universidade
ou se nos odiamos a ponto de lutarmos contra o desejo ardente que nos
consome.
— Você realmente acha isso, princesa? — pergunto assim que suas
costas se encostam na parede.
Na posição em que estamos, entre duas colunas, ninguém pode
realmente nos reconhecer. A não ser que cheguem muito perto. Contudo,
não me importo.
Dou mais um passo, me aproximando dela e sentindo seu cheiro que
é como o meu novo vício. Uma droga que posso ficar viciado e acho que
nem mesmo me importaria. Seus lábios se entreabrem, prestes a dizer algo,
mas assim que seus olhos se fixam aos meus outra vez, é como se todas as
palavras do universo não importassem mais. Nesse meio minuto, longe de
todo o caos, nós nos tornamos uma poeira estelar lançada ao vento. Uma
gota em um oceano vasto. Seus olhos castanhos são uma faísca que me
lembra a chama ardente da minha lareira favorita na casa dos meus avós.
Há um universo refletido em nossos olhares.
Um universo nosso.
Meu e dela.
Apenas nosso.
— Sim — sussurra, rouca. — Eu sempre vou achar isso.
Passo a língua pelo meu lábio inferior.
— Então, seria constrangedor que todos soubessem que a princesa
de gelo da SVU, a segunda melhor aluna do curso de Direito e a minha
maior rival está, neste momento, completamente molhada por mim.
Desejando que eu a leve até uma sala vazia e a dobre em cima da mesa,
enquanto lhe ensino boas maneiras — murmuro cada palavra, olhando para
os seus olhos. Observando o desejo preencher cada parte de seu lindo rosto.
— Seria humilhante que as pessoas soubessem também que você quer ser
fodida da forma mais pecaminosa por um mimado de merda.
Analu sorri friamente, se recuperando do transe. Suas unhas sobem
pela minha camisa lentamente. É uma carícia tão leve e ao mesmo tempo
arrepia todo o meu corpo.
Ela é perigosa e porra, gostosa pra um caralho. Se tudo o que eu
disse seria humilhante para ela, para mim seria como a realização de um
maldito sonho e o começo do meu purgatório.
— Você diz palavras tão promíscuas, Levi. — Sorri quando suas
unhas chegam até meu pescoço, tocando-o. — Mas, eu acho que você não
aguentaria. Julgo a dizer que você tem muito a cara de quem prefere um
papai e mamãe.
Levo minha mão até a dela, segurando seus dedos finos e movendo-
os até o seu pescoço. Nossas mãos praticamente entrelaçadas enquanto sinto
sua pulsação em meus dedos. Seu coração bate tão rápido que se um
médico o escutasse agora, poderia dizer que está prestes a ter uma arritmia.
— Diga isso até você mesma acreditar, princesa. — Me aproximo,
deixando um beijo casto em sua bochecha. — Nós dois sabemos que se
você fosse minha, eu te foderia tão bem que não haveria outra pessoa no
mundo que faria você gozar como eu.
Ela engole em seco, sabendo que cada uma dessas palavras é a mais
pura e doce verdade.
— Mas isso não está acontecendo.
— Não, não está.
— Eu fui benevolente com você da primeira vez que jogou em
minha cara sobre eu ser uma segunda opção — sua voz, de repente é puro
gelo. — Não espere isso de mim uma segunda vez, Johnson. Você fez sua
escolha, arque com as consequências dela.
Abro a boca para dizer algo. Responder que talvez, apenas talvez, eu
tenha cometido um erro. Contudo, não tenho tempo, porque Analu fodida
Parker levanta sua perna e dá uma joelhada entre as minhas, fazendo com
que meu pau e minhas bolas latejem.
Literalmente caio de joelhos aos seus pés, amaldiçoando até seu
último familiar.
Maldita Parker.
Filha da mãe, ordinária.
Ela se abaixa, sorrindo e colocando suas mãos nos joelhos. Seus
cabelos criam uma cortina entre nós dois. Seu rosto está rente ao meu, seus
olhos frios como um iceberg. Ela possui um rosto angelical em um corpo e
alma de uma ninfa sanguinária.
— Da próxima vez que você ousar me encurralar, eu não vou chutar
suas bolas — ameaça, sorrindo. — Eu vou arrancá-las.
Ela se levanta, arrumando o cabelo e sorri.
— Filha da…
— Tenha um ótimo dia, Projeto de Pequena Sereia.
Make Boys Cry zombam em meu rosto.
Ela literalmente tem o poder de fazer isso.
Uma maldita Parker capaz de destruir tudo aquilo que a fere.
Só que dois podem jogar esse jogo e eu adoro desafios.
Principalmente se eles envolvem quebrar uma princesa de gelo a
ponto dela ceder ao fogo.
Eu sei o quanto isso importa para você
Eu sei que você tem problemas com seu pai
E se você fosse minha garotinha
Eu faria tudo o que pudesse
Daddy Issues | The Neighbourhood

Eu poderia comparar Levi Johnson ao Voldemort[14].


Idiota.
Sem escrúpulos.
Meu inimigo.
Tirando a parte que aquele-que-não-deve-ser-nomeado é escasso de
beleza e Levi é um maldito deus que ocupa todos os meus pensamentos e
que não dissemina ódio e medo, eles poderiam sim, serem os mesmos.
Não por todas essas coisas, mas sim porque Levi me deixa igual a
como esse personagem maquiavélico me deixou durante a leitura: puta da
vida e pronta para matá-lo.
Eu queria poder entrar em Hogwarts e assassiná-lo com as minhas
próprias mãos pelo fato dele ousar tocar em meu trio de ouro, contudo, era
impossível. Já Levi, não é. Eu posso fazer com que todos os meus desejos
mais obscuros se tornem realidade e, se bobear, posso esconder o corpo
perfeitamente, afinal, anos assistindo documentários criminais podem ter
me servido como um possível aprendizado.
— Você está distraída — meu treinador grita da lateral da quadra. —
Comece a jogar como uma profissional ou saia da quadra, Parker!
Ergo uma sobrancelha, girando minha raquete e sorrio ardilosamente
em sua direção, pronta para lhe dizer algo que me custaria um treino
dobrado, mas que pelo menos iria suprir o ódio que ronda dentro de mim.
— E por que você não entra aqui e me mostra como ser uma
profissional, Sr. Caine?
Seu maxilar trava e seus olhos se tornam afiados.
Xeque-mate.
Não devia ser tão fácil irritar alguém e nem é tão divertido atacar um
ponto fraco, mas ele é o alvo fácil dessa vez e todos nós sabemos que Elijah
Caine não pode fazer isso após uma lesão que o tirou permanentemente das
quadras.
— Minha filha ainda anda te desafiando, Elijah?
Minhas mãos apertam a raquete com força. Memórias do rosto de
Hazel preenchido por lágrimas invadem minha mente. Memórias das suas
palavras que nenhum momento ousei desconfiar e de como ela parecia tão
quebrável ali na minha frente enquanto me segurava, permitindo que depois
de anos, finalmente me quebrasse.
Henrique Parker.
Meu pai e o que deveria ser o dela também.
O homem que nos destruiu.
— Sempre, Sr. Parker.
Nem ao menos consigo prestar atenção na forma como eles
começam uma conversa. É baixa, irrelevante e falsa. Nenhum dos dois se
suportam. Elijah apenas o tolera por ele ser o responsável pelos seus
cheques milionários no final do mês e por dever um favor a Amara. Já
Henrique apenas o mantém em sua folha de pagamento, porque sabe que
não estou renunciando ao meu treinador, principalmente quando sei que ele
o odeia.
— Deixe-me assumir agora — ordena, indo em direção ao outro
lado da quadra. — Eu e a minha herdeira vamos ter um jogo, apenas os
melhores.
Elijah o fuzila e então me encara.
Chute a bunda dele.
É o que, claramente, seus olhos dizem. Tenho vontade de gargalhar e
dizer que vou adorar vê-lo perder. Mas não é necessário, ele sabe que irei
fazer isso. Então, apenas aceno de leve e volto minha atenção para o meu
progenitor.
Camisa e bermuda polo Ralph Lauren, óculos escuros e um sorriso
treinado. Ele é a definição de elegância e dinheiro. Alguém que olhamos e
apenas pensamos ser um dos empresários mais sucedidos do Wall Street.
Entretanto, assim que levanta os óculos, dando-me a visão dos olhos
idênticos aos de Hazel, tenho vontade de quebrar a raquete em seu rosto.
Ele não deveria ter feito tudo o que fez. Henrique deveria saber que
são as mulheres que carregam seu sangue. Porque mesmo que não sejamos
iguais a ele, ainda somos suas proles. Aquelas que possuem todos os
motivos do mundo para destruí-lo.
Agora, percebo que ele nem ao menos deveria ter cogitado nos
machucar, porque nós vamos retaliar. Mesmo que demore, mesmo que não
saibamos como ainda, nós iremos.
Nós veremos Henrique e Amara Parker caírem por tudo o que nos
fizeram.
Uma queda lenta que iremos admirar a cada instante.
— Eu ouvi dizer que você foi a um evento dos Johnson. — Não é
uma pergunta, mas sei que por baixo da constatação, há algo que estou
deixando passar. — Fotos suas foram espalhadas por dezenas de sites e
revistas.
Ele joga a bola para cima, batendo nela com firmeza, fazendo-a voar
até meu lado da quadra.
— Sim. — Rebato o pequeno o objeto, devolvendo com uma
habilidade treinada por anos. — Você deveria pegar uma dica sobre as
bebidas servidas nas festas deles, Henrique. — Sorrio brilhante em sua
direção. — Julgo a dizer que elas são mais requintadas do que as das suas
festas.
Ele solta uma gargalhada fria, devolvendo a bola para o meu lado.
— E você não pensou em como essa sua ida a essa festa com as
melhores bebidas soaria para a nossa empresa, Analu? — questiona,
girando a raquete em uma das mãos.
— Eu não sabia que estava ocupando uma cadeira na diretoria para
ter que me preocupar com a imagem da Parker Group. — Umedeço meus
lábios. — Estava apenas confraternizando com nossos vizinhos. Não é isso
que sempre me falaram para fazer?
— Eles não são apenas vizinhos.
— Não? — pergunto, fingindo confusão. — Até onde sei, para mim,
eles são.
— Então você está tendo um caso com o caçula dos Johnson? —
Ele revira os olhos. — Achei que após o escândalo com Mike Burhan anos
atrás, você havia desistido de relacionamentos.
Solto uma risada, balançando a cabeça em negação.
Escândalo.
Esse é o nome que eles deram para a pior noite da minha vida.
— Você quer chegar a algum ponto com esse interrogatório idiota ou
só está tentando atrapalhar meu treino? — Minha sobrancelha se ergue. —
Porque se for a segunda opção, saia da minha quadra e vá procurar seus
amigos que cheiram a sua bunda, porque estou cansada de jogar como uma
iniciante apenas para te acompanhar, Henrique.
Por um momento, seus olhos se enchem de surpresa. Porém, ele sabe
que desde que a bomba explodiu em meu colo, sobre ele destruir todos que
o rodeiam, pouco me importo com a forma como me vê. Porque, para mim,
o homem à minha frente é apenas um desconhecido vestindo roupas caras e
um título na Fortune 500.
Ele é vazio.
Destrutivo.
Um ser que cheguei um dia a acreditar que eu desejava impressionar,
mas que agora, apenas quero distância.
— Soube também que trouxe Hazel aqui. — Suas palavras me
fazem estagnar. — Por que está indo atrás dela, Analu?
— Estamos brincando de bonecas e criando um vínculo tardio —
zombo. — Você deveria se juntar a nós qualquer dia desses. Sabe... criar um
vínculo paterno, fingir que se importa e tudo mais.
— Não brinque comigo.
— E você não se meta na minha vida — contraponho. — Você pode
achar que tem controle sobre ela. Que por usarem Theo, eu sempre vou
andar na linha. Mas não se esqueça, papai, que se eu abrir mão das ações da
empresa, elas passam a ser controladas pelos assessores e você perde boa
parte do poder que acumulou durante anos.
— Você não sabe do que está falando.
— Não? — Meu sorriso aumenta e giro a raquete em minhas mãos
com destreza de uma profissional. — Eu sou a melhor aluna do curso de
Direito, da melhor universidade do condado. Trabalho no melhor escritório
do país e sou filha e herdeira legítima da Parker Group, que se fortaleceu
entre os clubes e impérios que carregam meu sobrenome. — Orgulho puro e
singelo ronda pelas minhas veias a cada palavra proferida. — Então, me
responda, Henrique, você realmente acha que eu sou tão ignorante assim
para não saber dos meus próprios direitos? Que eu não sei os direitos de
Theo e Hazel?
Ele dá um passo à frente e coloca as mãos no bolso, destacando o
relógio caro em seus pulsos e inclina a cabeça para o lado, me estudando
com curiosidade.
— Você criou culhões.
— Eu sempre os tive — devolvo, caminhando até a rede que nos
separa. — Não mexa com as pessoas que são importantes para mim,
Henrique.
— E agora você aceita minha outra filha? — Um sorriso zombeteiro
cruza seus lábios. — Depois de ter deixado claro que a odeia? De tê-la feito
se sentir tão desprezada? — Um sorriso mórbido nasce no canto dos seus
lábios. — Fala sobre tantas coisas patéticas. Mas no fundo, nada disso
esconde que uma parte de você é idêntica a mim.
Se ele ousasse me dizer isso três semanas atrás, quando eu estava em
um poço de destruição, teria acreditado. Teria até mesmo usado isso como
uma arma, mas agora suas palavras são tão insignificantes para mim que
apenas sorrio e deixo com que uma expressão de pena tome conta das
minhas feições.
Não sou eu que estou perdendo.
É ele. É Amara.
São todas as pessoas que me machucaram.
Passo a mão pela rede, dedilhando minha unha pelo tecido sem
designá-lo um olhar. Sei que isso o irrita. Henrique Parker, um dos maiores
CEO da atualidade, não consegue nem ao menos o olhar de sua filha. A
mesma que posa ao seu lado nas capas de revistas e possui um currículo
acadêmico invejável.
— Você se lembra da nossa viagem a Bora Bora?
Ele inclina a cabeça, confuso.
— Isso é importante?
— Para mim, sim.
— Lembro.
— Você se lembra de um dia me levar à praia, posar para os
paparazzis como se me amasse e dois dias depois, eu ter pavor de sequer
pensar em chegar perto da água ou de você? — minha voz não falha mesmo
que as lembranças doam.
— Você sempre foi mimada demais, Analu. — Ele cruza os braços
frente ao corpo, entediado. — Todos nós sabíamos que estava fazendo
aquilo para chamar a atenção.
— E na noite em que me visitou no hospital anos depois, você
também pensou isso? — questiono, passando cada memória pela minha
mente e me perguntando se ele não viu, não me enxergou sendo destruída
pouco a pouco. — Quando me viu naquele estado lastimável, você
realmente pensou isso? Pensou que era apenas um escândalo que precisava
ser encoberto por conta de um fim de um relacionamento?
— Você tinha bebido demais em uma festa, teve uma ameaça de
coma alcoólico e precisou ser internada — zomba como se eu fosse uma
vergonha para a família. — Foi humilhante, mas sua mãe conseguiu que
não vazassem para a imprensa.
Sorrio, é tão triste ter a convicção de que nem mesmo o homem que
deveria ser o herói das minhas histórias se importa com o que aconteceu
com a sua filha, me faz entender que talvez Hazel esteja certa, talvez nós
realmente sejamos filhas de um homem que destruiu todas as mulheres ao
seu redor porque apenas pensa em si próprio.
Ele preferiu destruir Amanda e, consequentemente, Hazel.
Ele acreditou fielmente que o dinheiro que depositava em minha
conta supria a negligência que me fez sofrer por anos. Que as viagens
extravagantes e os carros de luxo pagavam as vezes que me decepcionava
ou quando eu o esperava nas comemorações, formaturas e aniversários. Que
os presentes caros invalidaram meu choro e o desejo de ser amada.
O homem que deveria me amar, me transformou em versões
inabitáveis de mim mesma. Ele me fez acreditar que eu era tão inútil,
desagradável e egoísta que aprendi que quando não encontramos amor,
confiança e proteção em casa; quando não somos enxergados e queridos no
lugar onde chamamos de lar, nós passamos a personificar isso em qualquer
pessoa.
Qualquer migalha de sentimentos se torna um copo cheio. Passamos
a acreditar que não somos merecedores de qualquer sentimento, seja ele
bom ou ruim. Algumas pessoas até mesmo acreditam que situações como
essas nos deixam fortes. Mas isso é uma mentira. Ninguém precisa aceitar o
mínimo para se sentir preenchido. Ninguém precisa que o outro seja a sua
metade ou que lhe dêem migalhas, que servirão apenas para nos deixar
enojados mais tarde.
Henrique foi uma dessas pessoas, ele sempre se importou apenas
com o império que seus pais deixaram ou a sua obsessão por uma mulher
que deveria ter tido o mundo, mas agora possui apenas traumas. Ele amou
apenas o nome que construiu através das inúmeras artimanhas que
arquitetou durante a sua vida.
Essa constatação me faz perceber que estava equivocada quando
disse que poderia comparar Levi a Voldemort. Ele não pode carregar esse
título, porque, agora, percebo que ele já foi reivindicado pelo homem à
minha frente anos atrás.
Esse homem desconhecido que não percebe o que o rodeia e que se
perdeu entre a sua luta para ser melhor que todos.
— Esse é o seu problema, Henrique. — Dou um passo para trás. —
Você está tão focado em sua própria bunda que nem ao menos percebe o
que fez. O que anda fazendo.
— Então, por favor, filha — Ele inclina a cabeça para o lado. —
Esclareça-me.
Eu poderia me virar, ignorá-lo e seguir meu caminho. Entretanto,
estou tão cansada de fugir dele, do que poderíamos um dia ter tido se sua
ambição não tivesse cegado o que ele é.
— Eu não preciso esclarecer nada. — Sorrio tristemente, mostrando
a ele uma última vez o que me causou. — Apenas preciso dizer que vocês
fizeram isso, pai. Cada homem que passou pela minha vida. Vocês me
fizeram sentir insuficiente, desagradável, contraditória e egoísta. Me
fizeram duvidar do meu próprio valor. — As palavras saltam dos meus
lábios com tanta dor que me surpreendo. — Vocês me ensinaram a não
confiar, a não amar. E eu precisei de muito tempo para entender que o
problema não sou eu. Nunca fui eu. Sempre foram vocês. Vocês que usam
algo para preencherem o que lhes faltam, que manipulam e abusam de
qualquer pessoa, apenas para aceitarem o mínimo para completar o espaço
escuro em que deveria estar o seu coração. Você é mais monstro do que
humano, Henrique Parker.
Ele está me encarando como se não me conhecesse. Eu devolvo o
olhar.
Somos desconhecidos um para o outro.
O vínculo que tínhamos morreu naquela mesa de jantar anos atrás,
quando Amara tentou machucar minha irmã e ele decidiu que destruir todas
as mulheres que o rodeiam, faria com que ele se sentisse melhor.
— Mas pelo menos essa conversa serviu de algo — continuo quando
não diz nada.
— Que seria? — Ele franze o cenho, confuso.
— Me mostrar que você não vale nem mesmo o oxigênio que
respira.
Dou as costas para ele, sabendo que fiz a escolha certa.
Eu escolho a mim.
Aos meus amigos que realmente são a minha família. Que me
mostraram dezenas de vezes que mesmo que eu lhes apresente o meu pior
lado, ainda assim, estarão lá.
Eu escolho perdoar Hazel Grace Smith. Perdoar por mentir, mesmo
que eu saiba que se o tabuleiro fosse invertido, eu também teria feito o
mesmo. Eu tentaria protegê-la mesmo que isso significasse mentir, aguentar
sussurros e olhares julgadores. Escolho dar a ela a chance de provarmos que
realmente merecemos aquilo que nos foi tirado.
Mas, acima de tudo, pela primeira vez, eu me escolho como primeira
opção.
Venha e vire de costas
Porque não é apenas uma metáfora
Você me deixou de joelhos
Está ficando mais difícil de respirar
Meddle About | Chase Atlantic

Há um quarto na casa dos meus pais que eu nunca ousei ir depois da


morte do meu irmão caçula.
Acredito que ninguém nunca entrou lá depois da noite em que ele
nos deixou. Mesmo que eu não consiga entrar naquele ambiente, todas as
vezes que passo pela porta ou encosto minha testa nela, tentando tomar
coragem para enfrentar as lembranças, eu posso reviver aquelas semanas,
posso sentir tudo o que senti vendo-o se despedir de mim e o fracasso
corromper a minha alma.
Eu deveria protegê-lo por ser seu irmão mais velho e não consegui.
Eu falhei.
Falhei com a única pessoa que fiz dezenas de promessas.
Agora, sentado em frente a essa mesma porta, penso em tantas
possibilidades que ele poderia ter tido e não teve. E me pergunto: por que o
mundo é tão cruel? Por que pessoas que merecem a chance de serem
felizes, são aquelas que mais sofrem? Por que a felicidade que pregam no
dia a dia não é para todos?
Matteo tinha apenas cinco anos quando foi diagnosticado com
leucemia e sete quando todos os tratamentos já não eram eficazes. Meu
irmão morreu após dois anos lutando bravamente.
Ele não merecia o fim que teve.
Nós não merecíamos vê-lo lutar para ser tirado de nós meses depois.
Mesmo quando a dor e o medo eram sua companhia, Matt nunca
deixou de sorrir. Ele me mostrou que mesmo depois daquele dia, mesmo
que o mundo caísse em minha cabeça, ainda havia esperança. Ele me deu
propósitos. Me ensinou a amar e a ser vulnerável.
Ele me ensinou tantas coisas e então, foi tirado de mim tão
cruelmente.
— O que você está fazendo aí?
Ergo meu rosto em direção ao som e vejo meu pai caminhando pelo
enorme corredor e vindo até onde estou sentado no chão, encarando a porta
fechada.
— Pensando em Matt — digo a verdade.
Ele não diz nada. Por um momento, penso que ele irá se virar e ir até
seu quarto, mas para a minha surpresa, meu pai se agacha e se senta ao meu
lado, não se importando com o fato de que está amassando o terno caro. Ele
encosta a cabeça na parede, encara a porta por alguns segundos e fecha os
olhos.
Aproveito o movimento para estudá-lo. Observando a pele negra, a
barba um pouco grisalha e a expressão cansada que me indica o quão árduo
está sendo a reeleição de mamãe e o seu trabalho no tribunal da cidade.
— Está chegando o aniversário dele — comenta, ainda com os olhos
fechados. — Sua mãe...
— Eu sei. Ela vai fazer o que sempre faz todo ano — murmuro,
deixando meus ombros caírem. — Você acha que isso é necessário?
— Eu acho que ela já perdeu o suficiente e apenas tem medo, Levi.
— Seu tom é brando. — Tente entender o lado dela, por favor.
— Eu entendo. O que não entendo é o porquê de ela nunca falar o
real motivo dos bailes e da arrecadação de fundos. Ou até mesmo evitar
citar Matteo em suas entrevistas. — Solto uma respiração. — Ela é a
senadora, pai. Não deveria ter medo de dizer que o filho morreu por conta
de uma doença que ninguém poderia controlar. Isso não a faz fraca.
Meu pai sorri para mim com calma. E me lembro como ele me
segurou naquela manhã em que me contaram que Matt havia nos deixado.
— Ela não tem medo ou até mesmo vergonha disso, Levi. Sua mãe
tem medo de que usem a imagem do seu irmão para um slogan de
campanha. De que as pessoas achem que ela está usando algo trágico em
nossa vida para que consiga votos. Se não divulgamos nada sobre a morte
do seu irmão, é porque preferimos que essa dor seja apenas nossa, não um
entretenimento de campanha política — aponta, mas não é nenhuma
novidade. — Só... confie na sua mãe, ok?
— Ok, pai. — Aceno de leve, decidindo que não quero mais falar
sobre isso.
Sobre ele. Eles nunca conseguiriam entender que mesmo que
compartilhemos a mesma dor, a minha consegue ser diferente da deles. Eu
sei como é para meus pais. Sei que isso machuca Meg. Entretanto, o que
ninguém nunca soube é que em todos os aniversários dele, todas as vezes
que minha mãe tem o mesmo comportamento de todos os anos, me faz
recordar a nossa última noite juntos.
As promessas.
O último abraço.
O último eu te amo.
Eles não conseguem entender porque não tiveram um último
momento com ele, como eu tive e como prometeram coisas que não
estavam ao nosso alcance, mas que não entendíamos naquela época.
— Aliás, o que está fazendo a essa hora em casa? — meu pai
pergunta de repente. — Não deveria estar no treino?
Encosto minha cabeça na parede, igual a ele.
— Estou organizando minha viagem para Washington com a equipe
de debate.
Ele solta uma risada.
— Você ainda não desistiu disso?
Espremo os lábios para conter meu próprio sorriso.
— Não.
— Nunca entendi a sua fixação por essa equipe. Você sempre odiou
debates — comenta, erguendo uma sobrancelha. — O que há de tão
importante nela que o faz se dedicar tanto assim?
Penso na resposta e percebo que não a tenho.
Eu nem mesmo me importava com a equipe até que percebi que
estava me inscrevendo e competindo com Analu a ponto de odiarmos um ao
outro. Eu gostava da adrenalina de brigar com ela pelo cargo de presidente.
Gostava de suas artimanhas e como a princesa de gelo da cidade se irritava
sempre que eu ganhava.
Talvez eu realmente nem tenha um motivo plausível para ter entrado
lá, porém agora tenho um para permanecer.
— Concorrência — é a minha única resposta.
Concorrência pela mulher que nunca se dobra a alguém.
Concorrência pelo primeiro lugar na turma.
Concorrência pela sua atenção.
Meu pai me lança um olhar carregado de significados e sorri. Um
sorriso que conheço bem. O mesmo que deu a Meg quando ela disse que se
casaria, o mesmo que me deu quando avisei que estava seguindo seus
passos no meio jurídico.
Ele me dá um sorriso orgulhoso, repleto de amor.
— Matt teria orgulho de quem você se tornou, Lev — murmura, se
levantando.
O apelido que escuto raramente enche meu peito.
Sorrio por saber que ele pensa isso de mim.
Que talvez, apenas talvez, as promessas que fiz ao meu irmão
naquela noite estejam finalmente se concretizando.

Malditos idiotas viciados em adrenalina.


É isso que meus amigos são.
Eu soube que era uma péssima ideia no momento em que Verônica
me lançou um sorriso diabólico e Logan apenas pegou sua jaqueta, rodou a
chave em suas mãos e disse que todos nós estávamos indo para a pista de
corridas.
Deveria ter escutado minha intuição e ter me mantido em casa.
Deveria ter pedido uma pizza nova do cardápio, ter colocado um
documentário criminal e ficado lá. Mas estou em uma pista clandestina de
corrida, vendo meus melhores amigos apostarem uma maldita quantia em
uma corrida ou o amontoamento de universitários bêbados em um só lugar.
— Você está tenso, Levi — Hazel constata, erguendo uma
sobrancelha.
— Ele está puto por ter vindo — Edmund resmunga do meu outro
lado, revirando os olhos. — Assim como eu.
Olho para o caçula dos Blackwell que acaba de voltar de Nova York.
Ele passa a mão pelos cabelos escuros e logo após cruza os braços na frente
do corpo, com uma expressão emburrada. Não é novidade que Ed odeia
quando Vee o arrasta para lugares como esses e nem mesmo entendo o
porquê ele aceita vir.
Talvez seja pelo fato de que jamais decepcionaria sua irmã mais
velha.
— Você deveria parar de reclamar, Ed — Verônica aconselha, vindo
em sua direção e segurando seu rosto entre as mãos. — Você está abatido
ultimamente. Deveria namorar.
Dylan solta uma risada nasalada, passando a mão pela cintura de
Hazel e pousando-a em sua barriga. Ergo uma sobrancelha pelo movimento,
porém meus olhos se voltam para Vee, que agora se afasta.
— Às vezes você sonha demais, Vee.
— O que ela está aprontando desta vez? — Logan interfere,
chegando atrás dela e a puxando para si.
— Aconselhando Ed a namorar — Hazel conta, soltando uma risada.
— Edmund odeia pessoas, como ele poderia namorar? — Oliver
questiona, chegando com Summer. — Ele é uma máquina sem coração.
Sem ofensas, Ed.
Oliver se escora no capô do carro e Summer se posiciona entre suas
pernas.
— Quando essa noite virou uma discussão sobre a minha vida
amorosa? — Ed indaga, perplexo.
— Você teria que ter uma vida amorosa para ser uma discussão,
não? — Uma nova voz ressurge atrás de mim. — Sem ofensas, Ed, mas eu
realmente achava que você fosse virgem.
Olho para trás. Para a loira parada há poucos metros de mim e meus
olhos se arrastam pela extensão de seu maldito corpo.
Porra. Ela é a minha morte lenta.
Analu está com um conjunto justo de calça e cropped de couro. A
roupa adorna suas curvas de uma forma tão pecaminosa que imagino todas
as coisas que eu poderia fazer ao retirá-lo de seu corpo perfeito. Os cabelos
amarrados em um rabo de cavalo, a maquiagem escura e os lábios pintados
de vermelho.
Minha nêmesis.
— Analu — Sum diz contente. — Que bom que veio.
— Você, Verônica e Hazel literalmente me intimaram. — Ela dá de
ombros, mas seus olhos vão até Haz e ficam lá por alguns segundos antes
de se voltarem para Ed. — Então, você tem uma vida amorosa, hein?
Verônica solta uma gargalhada e seu irmão revira os olhos.
— E eu achando que você poderia ser a melhor entre eles — Ed
resmunga.
Ela abre a boca para respondê-lo, mas uma movimentação faz com
ela ergue o rosto por cima dos ombros.
— Minha megera favorita! — Josh grita, fazendo com que todos nós
olhemos para trás. — Você está de volta, certo?
Ele passa a mão pelo moletom escuro e sorri abertamente para ela.
— Você sempre fica animado assim quando ficamos longe? —
pergunto, franzindo o cenho.
— Claro que não! — Brown exclama, ofendido. — Vocês não
chutam a bunda dos calouros quando eles reclamam da nossa cerveja e nem
humilham os babacas da universidade. — Seus olhos brilham em direção a
Analu. — Pensando bem, acho que você pode ser a minha alma gêmea,
Parker.
O cenho de Parker se franze em perplexidade.
— Não, obrigada. Deixo essa parte de alma gêmea para Mackenzie
— ela lança a ele uma careta, se escorando ao lado de Oliver. — Oi, Ollie.
— Oi, Analu — Ele sorri. — É bom te ver.
Ela não devolve o sorriso, mas vejo algo em seu rosto suavizar.
— Igualmente.
Como se sentisse meu olhar, ela ergue o rosto, movendo seus olhos
até os meus, chocando-os. O mar castanho de suas pupilas se encontra com
a escuridão das minhas. E, de repente, não são as emoções que me
assustam, mas sim, o fato do meu coração se acelerar, o aperto na garganta
e a sensação de que o ar circula em meus pulmões de uma forma que parece
que me falta ar.
Ela me encara com um vazio que não consigo desvendar.
E eu devolvo com um arrependimento.
— Verônica e eu estamos indo — Logan anuncia. — Tenho uma
corrida para ganhar.
Vee gargalha, jogando os cabelos para trás e lançando ao seu
namorado um olhar repleto de desafio.
— Você continua tão iludido.
— E você realmente acredita que vai me vencer desta vez, anjo? —
Ele cruza os braços, lançando à Vee uma careta zombeteira.
Logan inclina a cabeça para o lado. Mesmo que haja um misto de
ansiedade e desafio entre eles para entrarem naqueles carros e disputarem
mais uma de suas diversas corridas, posso ver algo que, por um minuto,
invejo.
Vejo a cumplicidade, o amor e o desejo.
Eu vejo duas pessoas que lutaram contra todas as probabilidades
para que pudessem ficar juntas. E me pego desejando isso. Desejando que
alguém me olhe como Verônica olha para Logan. Como Summer sorri
sempre que Oliver reclama de algo. Como Dylan destruiria o mundo por
Hazel ou como Mackenzie luta para ter Josh ao seu lado.
Eu me pego desejando uma parceria como as dos meus amigos.
— Se você não chutar a bunda dele, eu vou. — A voz de Analu me
tira dos meus devaneios. — É egocêntrico demais.
Ela pega o copo de Josh, bebericando o drink e encara os dois com
uma sobrancelha erguida.
— E eu vou ajudá-la. — Summer dá um sorriso brilhante para
Logan. — E, acredite em mim, se não der certo, eu posso quebrar seu carro.
Logan a encara, perplexo.
— Relaxa, cara. Eu te compro outro se a loirinha destruí-lo —
Oliver zomba, segurando uma risada.
Mordo os lábios, segurando uma gargalhada e Logan apenas revira
os olhos.
— Logan? — Hazel chama.
— Sim, Haz.
— Se nada do que elas fizerem der certo, eu sei dissecar um corpo
sem causar nenhum dano. — Ela sorri brilhante, se virando para Verônica.
— Boa sorte, Vee.
Todos nós explodimos em uma gargalhada. A bebida de Josh voa de
seus lábios e até mesmo Ed parece mais relaxado. Dylan pende a cabeça
para trás, sem nunca soltar Haz e, por um segundo, percebo a cumplicidade
que emana deles.
Como conseguiram encontrar o caminho de volta um para o outro.
Como são o encaixe perfeito. E, não há nada no mundo que me faça
acreditar que Dylan e Hazel não nasceram para ficarem juntos.
Percebo também que essa é a primeira vez que realmente estamos
juntos depois de tudo. Não há um ar tenso, mesmo que Hazel e Analu ainda
estejam indo a passos lentos.
Nós consertamos a ruptura que estava se formando.
Findamos outra vez a nossa família.
— Vocês são assustadoras — Logan diz, se virando e indo em
direção ao seu carro.
— Ele sabe que vai perder. — Vee dá uma piscadela na direção das
meninas. — Vejo vocês mais tarde.
Com isso, os dois somem.
Não os vemos por horas. Somos apenas nós e as garotas. Hazel,
Summer e Analu se sentam em um capô discutindo algo. Enquanto Dylan,
Ed, Oliver e eu ficamos de frente para onde estão. A movimentação
aumenta perto da pista onde Vee e Logan estão. Podemos ouvir os gritos
das pessoas ao redor e nem me surpreendo quando levanto o rosto para o
placar e percebo que eles estão no topo.
De onde estou, posso ver que Logan ganha todas suas rodadas
enquanto Verônica destrói seus adversários do outro lado.
Eles são implacáveis.
Destroem todos que tentam vencê-los.
Um maldito casal sem escrúpulos.
Josh, de repente, solta uma série de reclamações e vem em nossa
direção. Percebo que Mackenzie se vira e vai embora, deixando-o. Minhas
sobrancelhas se juntam, eles nunca falam sobre os problemas no recente
relacionamento, porém também nunca foram de brigar publicamente.
— Problemas no paraíso? — pergunto.
— Mack quer concorrer ao posto de capitão no ano que vem, depois
que Logan deixar o time esse ano — ele conta, se sentando ao meu lado. —
E acha que irei ficar em Saint Vincent após a minha formatura.
— Então, você já decidiu? — Oliver questiona, levando a garrafa de
água até os lábios.
— Sim. — Ele encolhe os ombros. — Eu vou para Londres fazer o
meu mestrado.
Hazel acena de leve com a cabeça. Todos nós sempre soubemos que
Josh nunca se envolveu romanticamente com alguém por isso, pela sua
carreira. Ele sempre deixou claro que nunca desistiria de ser um dos
maiores arquitetos da atualidade. Nem mesmo por alguém que ama.
Agora me pergunto se Mackenzie entende isso. Entende que Josh
não se sentará e o observará correr atrás dos seus sonhos enquanto os dele
ficarão engavetados.
— Seja sincero com ele. — Analu dá de ombros. — Você não tem
que desistir do seu sonho para viver o dele. Mas ele também não tem que
ficar sentado esperando você decidir o seu futuro para que possa decidir o
dele.
Olho para ela que não esbanja nenhuma emoção. Seus olhos estão
fixos nos de Josh e ele sorri para ela. Ele sabe que ela está certa. Todos nós
sabemos.
— Merda. Acho que preciso ir até a fraternidade. — Ele se levanta,
olha para mim e encolhe os ombros. — Você pode dar uma carona a Analu?
Prometi levá-la, mas realmente preciso falar com Mack.
Ergo uma sobrancelha. Ele poderia pedir a qualquer um. Ollie, Sum
e Ed também irão para a Parte Alta. E ele, melhor do que ninguém, sabe
que não nos damos bem.
— Ed?
— Ele vai com Dylan. — Dá de ombros. — E não acho que Analu
esteja confortável para estar com Haz assim.
— Oliver e Summer? — Ele me olha como se eu estivesse
brincando. A loira odiaria ficar junto do casal que exala amor. Mas isso
definitivamente não é problema meu. — Logan e Verônica?
— Eles nem voltarão — Josh zomba. — Logan provavelmente vai
levar Vee para o mirante assim que um dos dois ganhar.
Merda.
Merda.
— Você me deve uma, Josh. — Solto um suspiro.
— Ou talvez você que vá me dever uma. — Ele sorri com um
significado que não compreendo e se vira para Analu, ainda com o sorriso
estampado em seu rosto idiota. — Analu?
— O quê?
— Eu preciso ir atrás do meu namorado — diz, já se afastando. —
Mas Levi vai te dar uma carona para a casa.
Ela lança a ele um olhar frio e regado a descrença.
— Levi o quê? — praticamente grita.
— Tentem não se matar — devolve, já longe o suficiente. — Por
favor.
Analu pede licença às meninas e caminha até onde estou. É a
primeira vez na noite que me direciona um olhar por mais de cinco
segundos. Nós passamos todos os momentos nos evitando. Ela por me odiar
e eu por não suportar a ideia de ficar ao seu lado após o baile. Não posso e
nem pretendo levá-la para casa, não quando teremos que ficar em um
fodido espaço pequeno, onde a sua presença consumirá todo o lugar.
Não, eu me recuso.
Pelo bem da minha sanidade e das minhas malditas bolas que
demoraram a reagir após o seu ataque violento a elas.
— Você não vai me levar para casa.
— Pela primeira vez, concordamos em algo — grunho, irritado. —
Você quer que eu peça um Uber?
— Ele vai te levar para o inferno?
Sorrio diabolicamente.
— Para a sua decepção, não.
— Então, não. Obrigada — Ela se vira. — Eu posso arrumar a
minha própria carona.
Penso nela no carro de qualquer idiota. Em Liam e na forma como
ele sorriu glorioso em minha direção quando ela preferiu terminar a noite ao
lado dele do que do meu. Penso em como ela me irrita e me faz sentir
algumas coisas que ando questionando.
É uma ideia idiota.
Eu sei que é. Nós dois sabemos.
Mesmo assim, não consigo. Não há como deixá-la voltar para casa
com qualquer idiota que não seja eu. De todas essas coisas, ainda me
pergunto o porquê caralhos me importo com quem lhe dá uma carona para
casa, senão eu. Ou como ela ainda não percebeu que mesmo após todas as
minhas palavras naquela dança, eu literalmente clamo por ela, mesmo
sabendo que isso é totalmente errado.
— Eu estou te levando para casa — contradigo quando ela chega na
metade do caminho.
Analu gira os calcanhares, me lançando um olhar irritado.
— Não, você não está.
— Prometi a Josh, Analu. — É uma meia-verdade. — E eu não sou
alguém que quebra promessas.
Ela me encara.
Um, dois, três segundos. É agonizante. Torturador.
Seus olhos estudam os meus em busca de uma piada silenciosa e eu
a encaro como se ela estivesse começando a ficar louca. Mantemos esse
contato silencioso por alguns segundos, sem se importar com nada.
Ela provavelmente está cogitando o quão merda é essa ideia e eu
estou me perguntando como diabos vou conseguir ficar vinte minutos
trancado em um carro, quando ela está vestida de uma forma que me faz ter
inúmeras ideias e todas elas são promíscuas.
— Ok. — É a sua resposta final. — Dez minutos e podemos ir.
Aceno, me virando e caminho até onde Oliver está. Ele cruza os
braços por cima da blusa de frio e olha para onde Summer gargalha com
Hazel.
Minha amiga não percebe que seu namorado a idolatra tão
veemente. Acho que nem mesmo percebe que quando se trata dela, não
existem outras pessoas para Oliver. É como se Summer fosse a peça do seu
quebra-cabeça. Uma junção entre dois pólos.
É lindo de presenciar.
— Você e Analu parecem que vão se matar a qualquer momento —
Dylan comenta.
Sorrio.
— Estamos acostumados a esse ódio.
— Não a faça se afastar de novo. — Ele aconselha, mas vejo a
preocupação em seus olhos. — Hazel realmente quer provar a ela que as
duas podem superar tudo isso e ela não vai pensar duas vezes antes de
chutar suas bolas.
— Eu não vou ficar entre elas, Dy.
— Eu sei. — É um aviso.
— Estou indo embora. — Rolo a chave do meu carro em minhas
mãos. — Prometi à minha mãe que a ajudaria com algumas coisas da
campanha.
— Summer disse que vai se juntar a nós na corrida amanhã —
Oliver comenta, me lançando uma careta. — Não invente de correr mais do
que o normal, Levi.
Eu solto uma gargalhada.
— Eu achei que você amava as corridas — provoco, cruzando os
braços.
— Eu amo a Summer.
É o necessário para explicar. Ele não precisa de mais palavras para
que possamos entender que ele faria qualquer coisa por ela, mesmo que isso
signifique praticar um exercício que lhe tire da cama às seis horas da
manhã, apenas porque sabe que ela faz isso para espantar as lembranças
dolorosas do seu passado.
— Vamos?
A voz de Analu mergulha entre nós, fazendo-me olhar sobre os
ombros e encontrar seu rosto entediado.
— Claro.
Antes que alguém possa dizer mais alguma coisa, nós atravessamos
todo o lugar aglomerado de universitários bêbados. Meu único foco é
chegar ao estacionamento onde meu carro está e me livrar de toda essa
movimentação. Principalmente, quando metade dos olhares masculinos
estão na maldita bunda de Analu que está fodidamente perfeita nessa calça.
Agradeço aos céus assim que as portas da Lamborghini se abrem e
ela se acomoda no banco do passageiro. Contudo, minha paz morre assim
que estamos sozinhos e o mundo fora desse carro passa a ser apenas um
borrão.
Seu cheiro me consome.
Sua presença me afeta.
O desejo que venho negando corre pelas minhas veias.
Analu me ignora, seus olhos se mantêm fixos em um ponto fora do
carro. Mas percebo a forma como seu braço se cruza com força, o seu ódio
aumenta e a necessidade de se entregar a isso que criamos pouco a pouco,
rompe todas suas barreiras.
Meu foco se torna apenas a estrada. Tento não pensar em como seria
a sensação da sua pele contra a minha. Como seus lábios se encaixariam tão
bem nos meus que, uma vez que fosse provado, seria impossível deixá-la ir.
Pensamentos esses que rondam a minha mente e me mostram que
ela e eu somos incêndios que talvez nunca sejamos capazes de apagar.
Somos combustão e qualquer gota de gasolina pode vir a explodir toda e
qualquer possibilidade de convivência que estamos forjando.
— Eu posso ouvir as engrenagens dos seus pensamentos daqui, Levi
— um bufo irritado salta de seus lábios.
— Você não gostaria de saber. — Encolho os ombros, inquieto.
— Me deixe ser a julgadora disso — ordena, se virando finalmente
para mim. — Já estou sendo obrigada a estar perto de você. Então, isso será
apenas uma junção ao meu martírio.
Minhas mãos apertam o volante. A Parte Alta está há poucos
quilômetros, mas a vontade de diminuir a velocidade e ir com calma para
apreciar esse momento com ela, mesmo que me odeie, me envolve de uma
forma que não entendo.
Eu nunca senti isso. Nunca senti esse desejo tão visceral.
Nunca quis descobrir coisas das pessoas como anseio descobrir as
dela. Mesmo quando eu achava que era apaixonado por Summer, eu não
tinha essa vontade. Não desejava ter isso.
É estranho. Assustador.
— Por que você ama tanto Harry Potter? — pergunto, de repente.
— Por que você quer saber disso? — Seu tom é defensivo.
— Curiosidade. — Dou de ombros, girando o volante. — Você
sempre amou a saga, mas nunca disse a ninguém o motivo.
Ela morde o lábio inferior, pensando na resposta ou talvez cogitando
se realmente deve me contar.
— Porque eles me mostraram que eu tenho um lugar para ir quando
o meu mundo desaba. — Me surpreendo com a verdade em suas palavras.
— E ele desaba com muita frequência?
A pergunta salta dos meus lábios antes que eu possa me segurar.
— Mais vezes do que eu gostaria de admitir. — Seus olhos voam até
meu rosto e eu preciso de toda a força do universo para não me virar e olhar
para ela. — E o seu?
Ele nunca parou de desabar desde os meus nove anos.
— Mais vezes do que eu gostaria de admitir — repito sua resposta,
soltando uma pequena risada.
— Então acho que somos uma junção de pedaços de um mundo que
não deu certo e acabou desabando. — Percebo um fio de tristeza em sua
voz.
— Gosto de acreditar que a cada vez que o meu mundo desaba, há
um novo me esperando. — Olho de soslaio para ela. — Nem tudo precisa
ser ruína, Analu, às vezes podem ser recomeços.
Ela não responde.
E eu penso na minha própria resposta.
Nem tudo é ruína.
Nem todas as coisas que nos aconteceram significam que estamos
acabados, rumo ao fim. Às vezes, precisamos apenas enxergar recomeços e
esperanças onde poucos enxergam.
— Sobre o baile… — continuo quando ela não diz nada.
— Não.
— Analu.
— Você não vai me dar uma desculpa esfarrapada, Levi. — Sua
expressão denuncia que algo a chateia. — Eu não preciso disso.
— Você foi embora — são as únicas palavras que saltam dos meus
lábios.
Foi embora porque dei motivos.
Foi embora porque fui covarde demais para admitir que a desejo
mais do que já desejei algo.
Analu não responde. Ela apenas me encara.
A Parte Alta chega e mesmo que nossas casas estejam há metros de
distância, é como se não nos importássemos. Como se esse lugar não fosse
onde desejamos terminar essa noite.
Estaciono em frente à enorme propriedade da sua família, solto meu
cinto, me virando para encará-la totalmente, e Analu faz o mesmo.
Nós não falamos nada, apenas nos encaramos.
Mágoa. Raiva. Desejo.
Tudo isso está estampado em seu lindo globo ocular e posso dizer
que o meu também.
Ela não deveria ser algo que anseio. É errado. Mesmo que eu saiba
que não há como se comparar a ninguém, pois a sua beleza, sua inteligência
e sua personalidade são singulares.
Analu Parker é singular.
Cada átomo do seu corpo é incomparável.
Ela é singular e eu sou trivial.
Nós somos polos que não se batem. Que não se pertencem, mas que
se desejam.
Ela é como gasolina e eu queimo e ardo com qualquer faísca.
É perigoso e percebo agora que amamos a adrenalina que tudo isso
causa.
— E você nunca permaneceu.
Ela não está dizendo sobre o baile. Nem nossas brigas. Nosso ódio.
Ela está falando sobre o jardim.
Sobre as nossas máscaras. Nossas rupturas. Nossos segredos.
— Eu não podia. — É a verdade.
Eu não podia, mas desejava.
Eu não podia, mas a dúvida sempre ronda minha mente.
A dúvida de apenas uma coisa:
Se eu tivesse permanecido naquela noite, o que teria acontecido
entre nós dois?
Ei, é tudo culpa minha, na minha cabeça
Fui eu quem nos incendiou
Mas não era o que eu queria
Me desculpe por ter te machucado
Afterglow | Taylor Swift

Há sangue.
Um grito desolado.
Um choro contido.
Uma cama de hospital.
E uma perda de ambos os lados.
Meus olhos se abrem de repente. Suor escorre pela minha testa e
minha garganta está seca pelo pesadelo que me consome. Há meses ele não
voltava desta forma. Meses que a lembrança daquele dia não me atingia
desta maneira e me obrigava a reviver o pior dia de toda a minha existência.
Olho para o lado, para onde as cortinas da porta da sacada estão
abertas e o sol fraco da manhã invade meu quarto. Sei que não há
possibilidades de dormir outra vez, não quando também sei que o pesadelo
voltará.
Suspiro fundo, me sentando e passando a mão pelo meu rosto a fim
de expulsar o resto da névoa sonolenta que me rodeia e me levanto, indo até
meu closet, vestindo uma roupa de corrida e descendo a passos rápidos até a
saída da casa, a fim de não encontrar ninguém.
Correr não é meu esporte favorito, mas ele consome tempo
suficiente para que, quando eu volte, não haja ninguém e não precise
interagir com as pessoas que evito a todo custo. E também consome todos
os meus pensamentos, até mesmo aqueles importunos de ontem à noite
onde Levi conseguiu, mais uma vez, retirar uma outra parte de mim.
Assim que paro na calçada, pronta para me alongar, a silhueta de
uma loira conhecida virando a esquina quase me faz sorrir. Não é novidade
que Summer ama corridas matinais, porém quando percebo que não está
sozinha e sua companhia é um tanto quanto insuportável e está na minha
mente desde o minuto que saí de seu carro ontem à noite, tenho vontade de
me virar e esperar que eles passem. Todavia, meus planos vão por água
abaixo quando ela me vê e solta um sorriso genuíno.
— Você não deveria estar gastando o dinheiro do seu pai? — zomba,
fazendo a mesma pergunta de meses atrás.
Umedeço meus lábios, segurando um sorriso.
— E você não deveria estar sozinha? — Olho de esgueira para Levi
que me observa com curiosidade. — Você já teve companhias melhores,
Sum.
Ele cruza os braços e me lança um sorriso.
— Bom dia, princesa — Levi cumprimenta, ignorando minhas
palavras. — Alguém já te disse que o seu humor pela manhã é péssimo?
Me viro totalmente em sua direção.
— Não. — Ergo uma sobrancelha. — Quer ser o primeiro?
Levi leva a mão até seu queixo, passando um dedo de leve pela
mandíbula marcada e umedecendo os lábios. Percebo, mesmo que de
relance, que seus olhos brilham pelo tom de desafio em minhas palavras.
— Você deveria praticar yoga ao invés de tênis — sugere, divertido.
— Dizem que acalma e alivia o estresse.
— Talvez eu comece a praticar tiro ao alvo.
— E o que seria seu alvo? — Ele pergunta, divertido.
— Você — grunho, irritada.
O sorriso em seu rosto aumenta.
— Posso fornecer a foto para que possa praticar.
— Prefiro que seja em carne e osso — zombo.
— Hum. Então você gosta de jogos selvagens? — O tom sugestivo
em suas palavras me faz dar um passo à frente.
Summer solta uma risada, obrigando-nos a olhar em sua direção.
— Jesus, vocês lembram a mim e Oliver no começo do nosso
namoro — brinca, se alongando.
Franzo o cenho e Levi ergue uma sobrancelha descrente de suas
palavras. Encaro-o de cima a baixo, sem mover um músculo do meu rosto
para alterar minha expressão.
— Eu prefiro abdicar das minhas bolsas do quer ter que fingir ser
apaixonada por esse babaca. — Sorrio friamente.
Ele solta uma gargalhada fria.
— E eu, claramente, não seria tão idiota de gastar meu dinheiro
comprando coisas para você, Parker — diz, inclinado o corpo um pouco na
minha direção. — Aliás...
Summer, de repente, solta um arranhar de garganta interrompendo-o
e nos obrigando, mais uma vez, a nos afastar. Ela olha entre nós com um
sorriso zombeteiro, me indicando que não conseguirei fugir de seu
interrogatório mais tarde e se vira, olhando-nos por cima do ombro.
— Oliver está nos esperando — comunica, seus olhos brilham a
menção a Ollie. — Então é melhor brigarem mais tarde ou vou deixá-los
aqui.
Summer não dá tempo de respondermos, porque no momento
seguinte, ela dá de ombros, se vira e sai correndo em direção à casa de
Oliver.
Assim que eu e Levi começamos a segui-la, é como se o mundo
desaparecesse e todo o caos estivesse estagnado por um momento. A
sensação de vento frio batendo contra minha pele e de como os sons ao
redor se tornam uma mera melodia, me faz relaxar.
Minha atenção se volta para a forma como Levi e eu corremos lado a
lado e em sincronia. Nunca falamos ou provocamos um ao outro. Nós
apenas traçamos um caminho onde nos sentimos mais leves, confortáveis e
diferentes.
Balanço a cabeça, percebendo que estamos nos aproximando da
propriedade de Oliver e assim que paramos em frente ao enorme portão da
residência, Ollie segura a cintura de Summer, a puxa para si, deixando um
beijo casto em sua cabeça e olha para nós com um sorriso singelo em seu
rosto.
— Levi — Oliver cumprimenta e imagino que soubesse que ele se
juntaria a eles nessa corrida. — Analu?
— Ollie — devolvo, dando a ele um pequeno aceno. — Eu achava
que você odiava corridas.
Ele leva a mão à nuca, coçando-a e sorri de leve em minha direção.
— Eu estou começando a amá-las — mente. Todos nós sabemos que
ele faz isso porque é uma das coisas favoritas de Summer. — É bom ter
você se juntando a nós.
Entendo o significado de suas palavras. Sei a complexidade delas e o
que significa voltar a correr com Summer ou participar das corridas de
Verônica. Ele sabe que estou, mesmo que a passos lentos, permitindo que
eles se aproximem de mim. Estou começando a aceitar que eles estão aqui
se eu precisar e não contra mim.
Depois de alguns minutos, percebo que tomamos um ritmo
sincronizado onde Summer e Oliver correm um pouco na frente, perdidos
em seu próprio mundo e Levi e eu ficamos para trás, em silêncio. Apenas
aproveitando a corrida e fingindo que não existimos um para o outro,
mesmo que isso seja impossível.
Assim que viramos uma esquina, perto do caminho que leva ao lago,
percebo que o casal sumiu. E nem me surpreendo se eles pegaram outro
caminho que leva até o píer que é o lugar deles.
Levi me olha de esgueira quando percebe que estou procurando por
nossos amigos e solta uma pequena risada.
— Eles sempre fazem isso.
— O quê? — Ergo uma sobrancelha.
— Fogem até o píer. — Ele leva a mão até a testa, tirando o excesso
de suor. — Estou acostumado a terminar as nossas corridas sozinho.
Percebo que a expressão em rosto é acompanhada de um olhar que
apenas nós, que amamos um esporte que espanta nossos demônios,
entendemos.
Ele até mesmo acha que não percebo a forma como lançou olhares
em minha direção antes dessa pequena conversa ou como tenho que segurar
uma risada porque ele é idiota o suficiente para me encarar e soltar um bufo
exasperado por saber que estou ignorando-o.
Faço isso porque a ideia de olhá-lo me causa um sentimento que não
consigo nomear.
É uma sensação que agita meu peito quando vejo em seus olhos o
desejo que me consome dia após dia, mas junto dele, vem a decepção de
sabermos que não podemos ceder a essa vontade imensurável de deixarmos
as máscaras caírem.
Entretanto, todas essas coisas vêm acarretadas da decepção de
sabermos que não somos corajosos o suficiente a ponto de finalmente fazer
isso, de pararmos de negar a atração primordial que sentimos um pelo
outro.
Somos medrosos, quebrados e imperfeitos.
Mesmo assim, a cada olhar roubado, constato que Levi Johnson é
malditamente lindo.
Olhos obsidianos, corpo fodidamente esculpido por anos de
exercícios e um sorriso acompanhado de covinhas que, mesmo que eu
nunca admita, me fazem querer beijá-las.
A leveza que emana dele me faz sentir a mesma sensação de quando
estou em quadra ou de quando, horas antes de uma competição, me sentava
no vestiário, colocava minha música favorita e olhava para a tulipa seca
escondida em meu armário desde os meus treze anos, quando meu avô me
deu antes de falecer.
Ele me faz lembrar do motivo pelo qual eu amava o esporte.
Agora me pergunto o porquê parei de fazer isso. Por que desisti de
entender a complexidade das coisas que eu amava, e apenas passei a aceitar
o que meus pais impunham para mim, enquanto minha única forma de me
proteger foi usar máscaras que me obrigavam a expulsar todos que eu
amava do meu lado?
— Você está bem? — Levi pergunta, de repente, ao meu lado.
Dou de ombros.
— Sempre.
Ele faz uma careta.
— Não parece.
— Mas é a verdade.
— Você mente mal — ele afirma com tanta convicção que me
surpreendo.
Uma linha apareceu entre minhas sobrancelhas.
— E você presta muita atenção em uma pessoa que diz odiar.
Sua boca se curva num sorriso.
É lindo. Contagiante. Magnífico.
— É impossível não prestar atenção quando essa pessoa é
extraordinária.
Estagno no lugar, obrigando-o a parar.
Olho para o lado e percebo que paramos em frente ao gazebo da
cidade. Não há ninguém aqui. É um lugar lindo pela manhã, cheio de flores
coloridas e uma estrutura adornada por várias esculturas de anjos. O teto de
vidro e uma fonte do lado que, se não fosse tão brega, poderia até mesmo
dizer que é romântica.
Dou um passo para trás, indo em direção ao gazebo, tentando
colocar uma distância significativa entre nós e falhando miseravelmente.
Levi caminha a passos rápidos atrás de mim e quando me posiciono no
meio do ambiente, giro meu corpo, erguendo meu queixo e encarando-o
com um misto de ódio e decepção.
— Você não pode fazer isso — afirmo, batendo minha unha em seu
peito. — Você não tem esse direito.
— Fazer o quê? — Ele ergue a sobrancelha.
— Dizer que não pode me querer, escolher um lado que nem mesmo
existe e depois flertar descaradamente comigo a ponto de eu precisar chutar
a porra das suas bolas! — profiro tão rápido que não percebo que minha
voz sobe um decibel. — Não faça isso, porra. Não foda com a minha cabeça
mais do que já está fazendo.
Levi dá um passo à frente.
Seus olhos nos meus, nossos peitos subindo e descendo.
Nos cansamos dos jogos. De dar voltas e nunca sair do lugar.
— Você acha que eu gosto disso? — ele pergunta, retoricamente. —
Gosto de desejá-la e não poder tê-la?
— Eu não me importo com o que você quer, Levi. Eu não me
importo com você! — grito, desesperada. — Eu só quero que você saia da
porra da minha cabeça.
Ele recua num grunhido.
— Então saia da minha, porra!
Dou um passo para trás, fechando meus olhos por um segundo. Um
mísero segundo para tentar colocar meus pensamentos em ordem e me
lamentar por ter achado que seria uma boa ideia correr pela manhã hoje.
— Eu te odeio — me surpreendo com as minhas palavras quase que
sussurradas. — Eu te odeio tanto.
Levi solta uma respiração forte, colocando as mãos na cintura e me
encarando como se eu fosse uma idiota de merda. E talvez eu seja. Talvez
eu seja tão idiota que não percebo o quanto estamos lutando um contra o
outro para não nos atacarmos. Para não nos machucarmos mais do que o
mundo já faz.
— Não — ele responde, de repente. — Não odeia.
Ele sabe. Eu sei. Há todos os tipos de sentimentos nos rodeando,
mas ódio não é um deles, entretanto, eu ainda sou covarde demais para
assumir o que realmente está acontecendo entre nós dois.
Ruína.
Recomeços.
Nossa conversa no carro invade meu subconsciente.
— Sim — minto. — Cada célula do meu corpo te despreza.
— Impossível — murmura e percebo que não há ninguém aqui para
apaziguar o que estamos começando. Ninguém para interferir. Cada atitude
agora define o que seremos a partir desse momento. — E sabe o por quê?
Sim.
— Não, Levi — digo mais para mim do que para ele. — E não
pretendo saber.
Dou um passo para ir embora. Para ir a algum lugar onde ele não
esteja, onde sua presença não me consuma tanto quanto está me
consumindo ultimamente. Porém, meus planos vão por água abaixo quando
ele se coloca no meu caminho, segurando minha cintura e caminha comigo
até uma das pilastras do gazebo.
Uma onde as flores nos escondem do mundo, onde tudo não passa
de um borrão e nossa existência se torna a mesma no mundo todo.
Isso é errado.
Nós somos errados.
Não posso desejá-lo.
Não posso querê-lo como quero.
Levi fecha o espaço entre nós. Suas mãos seguram minha cintura e
solta uma respiração rasa se abaixando um pouco, quase que colando sua
testa na minha. Seu rosto tão perto, sua respiração fazendo cócegas em
minha bochecha.
As batidas dos nossos corações sincronizados e o mundo esquecido.
Não há máscaras. Não há luta.
Eu o vejo como ele deseja e ele me vê como sempre clamei para que
me olhassem.
— Você pretende saber sim — murmura, ele levanta a sua mão e
desenha o meu lábio inferior com os dedos. — E sabe por quê?
— Eu deveria?
Levi sorri, se abaixando mais e deixa um beijo leve em meu
pescoço.
— Você pretende saber, princesa, porque eu sei que você me deseja.
— Ele arrasta o dedo pela minha cintura, barriga e então no cós do meu
short. — Você sonha comigo te fodendo tanto quanto sonho que estou te
comendo? Você me imagina te dando prazer tanto quanto fode com a minha
mente?
Deus.
Merda.
— Não... — minha voz me trai.
— Não? — Sua outra mão sobe até meu pescoço, segurando-o. —
Então o que esses idiotas da Parte Alta diriam se vissem a preciosa Princesa
de Gelo molhada para mim em um maldito gazebo a essa hora do dia? —
Seu dedo para em meu ponto de pulsação e ele sorri depravadamente assim
que percebe meus batimentos desenfreados. — Você quer isso e eu vou te
dar, querida. — Ele se aproxima mais, beijando o canto dos meus lábios. —
Não hoje, mas eu vou. Porque quando eu te foder, Analu, vou apreciar cada
parte de você. Seus gritos, gemidos e a sua boceta.
Ergo uma sobrancelha e me arrependo amargamente por isso, pois o
sorriso do babaca aumenta.
— Você é um idiota.
— Eu posso não te foder hoje. Mas eu vou te dar algo. — Nossos
olhos se encontram. O barulho ao redor some. — Algo que eu desejo há
muito tempo.
Nada mais importa.
É como se estivéssemos criando pontes até um ao outro. Uma
interligação que nem mesmo Einstein poderia explicar. Seu toque, mesmo
que suave, me marca, me exalta e me fascina. Levi roça de leve seu lábio no
meu e o toque é uma carícia que tece versos e poesias guardados nos baús
do meu interior.
— Isso é errado. — A textura dos seus lábios é meu sonho. — Tão
errado.
Eu sei o que ele vai me dar e eu anseio, suplico e até mesmo agonizo
por isso.
— Não. — Levi se afasta. — Não é.
Então, seus lábios estão nos meus.
Me consumindo.
Me marcando.
Tomando tudo de mim para si.
Não é um beijo carinhoso, lento. Ele é punitivo, repleto de
sentimentos confusos e raiva. Raiva por finalmente cedermos ao que
desejamos por tanto tempo.
Eu me deleito entre a sensação de seu gosto e de como me sinto em
seus braços. Como o corpo de Levi se sobressai sobre o meu e na forma
como solta meu pescoço e agarra minha nuca, puxando-me para si.
Ele me devora tanto quanto eu o devoro. Nós forjamos uma dança
sincronizada, uma partida que não nos importamos de quem sairá perdendo
desde que essa sensação jamais suma.
Eu o beijo como se ele fosse minha punição por saber que nunca o
terei.
E Levi me beija como se eu fosse a sua salvação.
É errado. Mas, ao mesmo tempo, é a coisa mais certa que já me
aconteceu em anos.
Levi se afasta por um mísero segundo, buscando por oxigênio e
quando acho que vai se virar e me deixar aqui, ele me puxa outra vez e me
beija. Me beija com devoção, angústia e até mesmo raiva. Me beija como se
o tempo fosse nosso e o mundo pudesse explodir em mil pedacinhos que ele
não se importaria, contanto que estivéssemos assim.
Juntos.
Unidos.
Dilacerados.
Sua boca pede passagem com a língua e um gemido involuntário sai
baixinho dos meus lábios. Puxo seu inferior entre os dentes, arrastando
minha unha pela sua nuca e ele devolve, beijando-me duramente e com uma
vontade real.
Posso sentir tudo. Sua ereção em minhas pernas, minha boceta
pulsar e meu desejo consumindo cada átomo do meu corpo. Levi também se
sente assim, porque, de repente, ele se inclina, segura minhas pernas e me
pega no colo, prensando-me contra a pilastra e me obrigando a enrolá-las
em seu quadril.
— Diga-me que me odeia novamente — sussurra, sua ereção coberta
pelo tecido arrasta pelo meu ponto dolorido. — Me diga agora, princesa,
que ainda me despreza.
As palavras estão na ponta da minha língua.
Posso senti-las, mas não posso proferi-las.
— Você é um idiota.
Ele sorri, apertando minha coxa e me beijando novamente.
E queimo a cada vez que seu toque chega à minha pele.
Me desfaço quando seus lábios estão nos meus.
É o meu fim.
Eu caio em desgraça pelo meu inimigo. Meu novo veneno favorito.
— Não foi isso que eu pedi, querida.
Eu fecho meus olhos, escorando minha cabeça na pilastra atrás de
mim e ele beija meu pescoço, arrastando a língua por toda a extensão.
Eu posso fazer isso.
Devo fazer.
Assim que meus olhos se abrem, eu encaro o rosto de Levi e ele sabe
que o momento de segundos atrás se foi e que estou pronta para fugir como
uma maldita covarde.
Porque é isso que sou.
E mesmo assim não posso deixá-lo ficar sob minha pele.
Nunca mais posso deixar que alguém tenha esse poder de me
destruir novamente.
Não mais. Não depois de tudo o que perdi.
Não depois da vida que me roubou.
— Eu não te odeio — Surpresa toma conta de seus olhos e um
sorriso frio nasce em meus lábios. — Porque para te odiar, eu precisaria
sentir algo. E como você mesmo constatou naquela festa, eu sou vazia.
Ele me solta e eu sinto o verdadeiro vazio.
É o fim de algo.
Levi nem mesmo me responde, ele apenas se vira e vai embora.
E eu fico.
Fico com seu cheiro impregnado em meu corpo.
Seu gosto em meus lábios.
E um sentimento que não posso permitir sentir.
Mesmo que nós estejamos passando por isso
E isso faz com que você se sinta sozinha
Apenas saiba que eu morreria por você
Amor, eu morreria por você, sim
Die For You | The Weeknd

Pulo na piscina sem me importar se a forma como meu corpo bate na


água é desleixada.
Não me importo com nada.
Nem mesmo com o fato de que uma das funcionárias irá reclamar
porque deixei minhas roupas jogadas no jardim.
Eu precisava fazer isso. Precisava que a água me acalmasse porque
pensamentos me consomem de uma forma que não consigo controlar.
A imagem dela nos meus braços incendeiam minha mente.
O gosto dela me inebria.
E a memória dela em meus braços e de como ela parecia tão certa,
tão segura, toma conta de mim.
Eu sabia que apenas a água conseguiria fazer com que meu corpo e
mente se acalmassem. Sabia que precisava fazer isso para conseguir
esquecê-la. Não apenas ela, mas seu beijo envenenado e a forma como me
senti enquanto me deleitava com seu gosto, seus gemidos e o seu corpo
contra o meu.
Porque para te odiar, eu precisaria sentir algo.
Mergulho outra vez.
Sinto água ao meu redor. Mas, não há paz, há apenas suas frases na
minha mente e a visão de seus olhos quebrados e vazios que consome cada
parte de mim.
É muito para processar. Para sentir.
Passo tantas horas envolvido nos meus pensamentos conflitantes que
quando emerjo outra vez, meus braços estão cansados e tudo dentro de mim
ainda paira entre nosso beijo e nossa atitude após ele.
E como você constatou naquela festa, eu sou vazia.
Vazia.
Destruidora.
Incompreendida.
Sempre soube que Analu não era uma pessoa que alguém gostaria de
ter como objeto de desejo. Sempre soube que ela não é como minhas
conquistas que eu precisava apenas de charme e uma cantada.
Não. Ela é totalmente diferente. Analu é meu oposto. E mesmo
sabendo disso, eu a quis. Eu a quis mesmo que a gente se olhasse com
aquele olhar de quem se pertencia, mas não podia ficar.
Eu a quis, mesmo que ela negasse a si mesmo que sentia isso.
E eu não deveria ter entrado nesse desafio sabendo que ela me
enrolaria em seu dedo mindinho e então daria seu maldito xeque-mate.
Porra. Porra. Porra.
Eu estou fodido. Completamente fodido.
Assim que seguro a borda da piscina e saio, decido que estou
cansado de lidar com isso. De ter que andar em uma corda bamba quando se
trata dela. Eu tenho outras preocupações e Analu não pode ser uma delas no
momento.
Com isso em mente, caminho direto em direção a entrada lateral da
casa dos meus pais. Indo até meu quarto e me arrumando antes que eu fique
atrasado para o estágio e arrume outro problema. Nem mesmo presto
atenção durante o tempo em que me arrumo e a forma como dirijo até o
centro da cidade onde fica a sede da McLaughlin&Conway.
Apenas percebo que preciso me recompor, quando as portas do
elevador abrem no meu andar e saio de lá indo em direção a minha sala.
Todo o caos da manhã precisa ser esquecido por hora. E isso começa a ser
feito quando percebo uma pequena movimentação na área de convivência,
fazendo com que eu diminua meus passos e preste atenção na conversa
alheia.
— Eu ouvi dizer que ela recebeu flores — uma das estagiárias diz.
— Quem daria flores para alguém tão sem coração?
Minhas sobrancelhas se franzem.
— Alguém com desejo de morte — outra responde, encolhendo os
ombros.
— Ela não as jogou fora. — A secretária de Annabeth aparece
sorrindo. — Ainda há esperanças.
Inclino minha cabeça, confuso.
Elas não podem estar falando sobre quem imagino.
— Quem recebeu flores? — pergunto, mesmo sabendo que é errado.
Elas se assustam e olham para mim com um sorriso hesitante. A
mulher mais baixa que sempre está correndo atrás de Analu e Annabeth
pelos corredores da empresa, ergue uma sobrancelha e cruza os braços
frente ao corpo.
— Analu. — Ela leva a mão até os óculos, ajeitando-o. — É
estranho, não é?
— Ela receber flores? — Confusão toma conta do meu semblante.
— Ou vocês acharem que quem as deu tem um desejo de morte?
As bochechas de uma de suas companheiras enrubescem.
— Os dois?
— Interessante. — Reviro meus olhos e sigo meu caminho.
Não é estranho Analu receber flores, nem ela as manter. Porque eu
sei quais ela recebeu. Sei exatamente o que veio junto e nem mesmo me
arrependo por jogar desta forma com ela.
Ela fodeu com a minha mente, por que não devolver o favor?
Assim que alcanço as portas do meu escritório, instintivamente meus
olhos se voltam para o lado, meus pés estagnam no lugar e meu coração
salta em meu peito descompassado. Do outro lado da sala, está a loira que
mantém meu pensamento cativo e em suas mãos repousa uma única flor.
Uma tulipa.
Uma tulipa vermelha.
Ela segura a flor com delicadeza que me surpreende, mesmo que seu
rosto não expresse nada. Seus cabelos caem por cima do ombro e uma tiara
preta o adorna. Ela é linda. Cada maldita parte dela. Perfeita.
Assim que levanta a cabeça, olhando em minha direção, seus olhos
brilham. É rápido, quase imperceptível.
Mas a reação está lá.
O oposto do que as minhas e suas palavras diziam.
Ela ainda está lá.
Ela não é vazia.
Viro meu rosto para frente, cortando o olhar e adentro minha sala,
indo até minha cadeira. Analu não pode ficar para sempre em minha mente
e eu não posso ficar agonizando por um fodido beijo ou por lembranças que
não deveriam existir.
Foi um momento e ele acabou.
Voltamos ao jogo.
A estaca zero.
— Levi?
Olho para cima, para onde Sebastian está parado segurando uma
pasta.
— Sr. McLaughlin — cumprimento.
— Minha esposa está tratando de um caso sobre a compra de uma
das maiores empresas de energia fotovoltaica do país — diz direto ao ponto
e para em frente à minha mesa, encarando-me. — Quero que participe desse
caso.
Ergo uma sobrancelha.
— Achei que Analu que estava responsável por ele.
— Ela está — confirma, minha dúvida. — Mas como Annabeth a
cedeu para nos ajudar com caso dos Conway. Estou retribuindo o favor e
ajudando-as.
— Sr. McLaughlin…
— Você está com elas e precisa se preparar para a viagem em
algumas semanas. — Seu tom é cortante, não me dando brecha para pedir
para ser realocado para outro caso. — Espero que trabalhem como
trabalharam no de Aurora.
Maneio a cabeça, constatando que todos os meus planos de me
manter longe da loira acaba de escorrer pelas minhas mãos.
Isso é uma merda.
Uma fodida merda.
Nós teremos que viajar este final de semana para Washington com a
equipe de debate e agora vamos acrescentar uma maldita viagem para uma
ilha afastada em Bora Bora assim que voltarmos.
O que pode dar errado nessas viagens além do fato de que nós dois
estamos nos evitando a todo custo?
— Certo. — Aperto a ponte do meu nariz. — Falarei com a Sra.
McLaughlin sobre os detalhes do caso.
— Ela está em Nova York resolvendo um problema da nossa
família. — Sua voz é gélida ao proferir as palavras relacionadas a sua
esposa e filhos. — A Srta. Parker sabe de todos os detalhes e ela já está a
par de tudo. Diga-lhe que o mandei e ela lhe dará tudo o que precisa.
Ele não espera pela minha resposta, apenas se vira e sai da sala.
Assim que estou sozinho, jogo minha cabeça para trás, fechando os
olhos e amaldiçoando o dia em que decidi competir por esse estágio. Se não
fosse ele e a proximidade forçada que impuseram em mim e Analu, nós não
estaríamos nessa situação. Nós teríamos apenas disfarçado nossa aversão
em frente aos nossos amigos e tentaríamos sobreviver aos últimos meses da
faculdade.
Mas, agora tudo é complicado. Todas as nossas atitudes nos levaram
a isso.
O destino definitivamente gosta de foder com a minha cara.
Me levanto, afrouxando um pouco a gravata e sigo até a sala do
outro lado do corredor sabendo que não posso evitar isso por muito tempo.
A porta está entreaberta e posso observá-la sentada em sua cadeira,
concentrada em algo que está lendo. Os cabelos agora estão presos em um
coque mal-feito com uma caneta, um óculos de grau repousa em seu rosto e
a boca que eu daria tudo para beijar novamente morde o lábio inferior de
leve.
— Você precisa de algo, Levi? — questiona, sem desviar o olhar do
arquivo.
Sim, de você curvada sobre essa mesa.
— Acho que você sabe exatamente o que preciso, Analu — minha
voz fria ressoa na sala.
Ela ergue o queixo, seus olhos encontrando os meus por um segundo
antes de desviá-los e voltar sua atenção para os papéis.
— Todos os detalhes do caso estão na pasta. — Empurra o objeto
em minha direção. — Me mande um e-mail se precisar de ajuda.
— Não vai questionar o por quê estão me inserindo? — inquiro,
curioso.
— Não. — Suas sobrancelhas se juntam. — Você precisa de algo
mais?
Abro a boca para responder. Porque caralhos está agindo desta
forma, mas a minha atenção é desviada para a tulipa vermelha em cima da
mesa que descansa em cima de um post-it de uma floricultura conhecida da
cidade, com algo escrito em uma letra elegante.
Meu corpo se inclina antes que eu possa me segurar, lendo o
conteúdo:

“As coisas que perdemos sempre acabam voltando para nós.


Mas nem sempre na forma em que pensamos.”
Harry Potter.

— Você perdeu algo na minha mesa?


A voz de Analu me faz erguer o corpo outra vez.
— Não sabia que você era do tipo que gosta de flores. — Sorrio
abertamente. — E nem de bilhetinhos secretos.
— Não sou.
— Então por que ainda está guardando-os?
Ele fecha os olhos por um segundo, ergue o rosto para o teto e logo
após me encara com os olhos afiados.
— Minha vida pessoal não lhe diz respeito, Levi. — Ela se levanta
graciosamente. — Agora, se não tiver mais nada a dizer sobre o nosso
trabalho, saia da minha sala.
Ajeito minha postura, sorrindo brilhante por ter percebido algo que
ela nem mesmo tenha notado.
A tulipa vermelha é idêntica à que ela estava segurando na foto que
está na sala dos seus pais.
É a sua flor favorita e esse é o meu segredo predileto.
Analu não sabe e pela forma como reagiu, nem imagina quem a
enviou.
E eu não tenho nenhuma pretensão em lhe contar.
— Te vejo no aeroporto, princesa.

— Você está atrasada.


Digo sem levantar o meu olhar do tablet em minhas mãos. O
aeroporto está lotado pela temporada de férias que se aproxima. Analu para
a minha frente e eu posso observar apenas as botas brancas que vão até seus
joelhos e duas enormes malas atrás dela.
— Eu não me importo.
— Deveria. — Sorrio, passando a página do artigo que estou lendo.
— Porque a Sra. Reid está querendo a sua cabeça.
Ela solta um bufo irritado.
— Onde ela está?
— Embarcando. — Respondo dando de ombros e fingindo que ainda
estou prestando atenção na minha atividade anterior.
— E por que você ainda está sentado aqui?
Ergo meu rosto, esperando alguma reação dela, mas apenas recebo
uma sobrancelha arqueada seguida de uma expressão entediada.
— Porque alguém precisava te esperar.
Bloqueio o tablet, colocando-o em minha mochila e finalmente me
levantando pronto para enviar uma mensagem.
Analu mesmo que seja alta, não se compara a minha altura e para
encará-la totalmente, preciso abaixar um pouco a minha cabeça. Ela
acompanha todos os movimentos em silêncio e, de repente, chega perto de
mim se firmando em seu salto e franzindo o cenho.
— Você me esperou para que pudesse perder o voo também?
— Não, Analu. — Inclino minha cabeça para o lado, sorrindo
condescendente. — Eu te esperei porque alguém precisava fazer algo.
Ela ergue o queixo, dá um passo à frente.
— Que benevolente você é, Levi Johnson.
— Não é benevolência, princesa — confidencio. — É inteligência.
— Inteligência?
— Você realmente achou que eu iria viajar em uma classe
econômica quando tenho um jatinho particular disponível, Analu?
— E o que exatamente eu tenho a ver com isso?
— Estou te dando uma carona — Dou de ombros. — Ou você
prefere esperar o próximo voo?
Ela morde o interior da bochecha, mas sua expressão embotada
ainda se destaca em seu rosto bonito. O orgulho debate dentro dela com a
necessidade de aceitar. Analu odeia viagens com aviões lotados e nós dois
sabemos que apenas aceitamos as passagens da universidade por sermos
obrigados e não por desejo de viajar em grupo.
— Você ainda é um idiota.
— Diga isso quando estiver confortável no meu avião e não precisar
dividir o banco com uma equipe de debate que irá falar sobre o campeonato
o tempo todo. — Lanço-lhe uma piscadela. — Aliás, belas botas.
Ela revira os olhos e eu me viro para começar a caminhar até o
hangar que pedi a secretária do meu pai para que deixasse reservado,
quando percebi que Analu atrasaria e não precisaria viajar com a equipe
toda.
Entretanto, assim que meus olhos pousam nas duas malas enormes
ao lado de Analu, me questiono o que diabos ela estava pensando.
— Você sabe que vamos ficar apenas quatro dias, certo?
— Sim.
— Então por que diabos você parece estar de mudança, Analu?
— Ninguém nunca te explicou que mulheres sempre andam
prevenidas, Levi? — ri, indo até uma das malas. — Sapatos e bolsas nunca
são demais.
Jesus, essa mulher!
Digo a mim mesmo que pego a mala maior e mais pesada para puxar
junto a minha, porque estamos atrasados e não porque sei que ela sofreria
para caminhar com elas até nosso destino, principalmente quando seus
saltos são maiores do que o aconselhável para uma viagem de três horas.
Assim que finalmente estamos aconchegados dentro do avião.
Permito-me relaxar. Tiro o moletom e me sento no lugar de sempre, longe
de todos e apenas com a companhia dos meus artigos e minhas músicas.
Mas, basta apenas um olhar na direção de Analu para saber que sobrevoar o
oceano, mesmo que seja apenas por alguns minutos, não é a sua atividade
favorita.
Por isso — e por ser um idiota completo — que ao invés de ficar
sentado no fundo, me levanto e me jogo na cadeira à sua frente, fazendo
com que sua aversão por mim supere o medo que sente de estar vulnerável
à água. Ela nem mesmo percebe e se faz isso não demonstra. Analu apenas
puxa um dos seus vários livros da bolsa, o abre e leva até a frente de seu
rosto, escondendo-o de mim.
Passamos vários minutos assim, ela lendo seu livro e eu o meu
artigo. Nenhum reconhecendo a presença do outro. Nós apenas travamos
uma paz silenciosa e deixamos com que todos os assuntos que nos rondam
fiquem longe por hora.
Não falamos sobre o beijo. Nem sobre como nos evitamos após ele.
É como se isso tivesse se tornado nosso assunto proibido. Algo que
nenhum dos dois pretende tocar.
— Existe algo sobre esse caso que eles não nos contaram? —
pergunto, quando o silêncio começa a me incomodar.
— Além do fato de que o próximo dono tem ligações com atividades
ilegais?
Ela abaixa o livro.
— Por isso tudo está sendo feito com discrição?
— McLaughlin&Conway não são idiota. Eles deram destaque ao
caso dos Conway por serem sócios, mas também para esconder o que está
acontecendo por baixo dos panos — ela diz, como se isso fosse normal. —
É um acordo bilionário, Levi.
— Mas você não concorda — afirmo.
— Não.
— Por quê?
— Porque acredito que existem mais compradores que estão
dispostos a transformar aquela empresa em algo que realmente vale a pena
lutar — ela responde, passando a página do seu livro. — O idiota que
estamos negociando apenas a quer para que sirva de fachada para seus
negócios ilícitos.
— E mesmo assim você quer se manter lá? — Encosto meus
cotovelos na mesa que nos separa. — Quer ganhar o cargo?
— Por que não me manteria? — Ela ergue uma sobrancelha. — Esse
caso pode levar nossos nomes ao topo. Nem nos formamos ainda e temos
um caso de repercussão mundial em nossas mãos, Johnson.
Algo em mim não consegue reconhecer a mulher à minha frente. Ela
é fria, manipuladora. Diferente da mulher que pela manhã me beijava como
se eu fosse algo que desejava há anos.
— E você faria qualquer coisa para vencer — constato.
Ela sorri. É falso, mais uma de suas inúmeras máscaras.
— Não é porque nos beijamos que deixamos de ser rivais, Levi.
— Nunca disse que deixamos.
— Mas é bom te relembrar que ainda te destruirei no fim deste
estágio.
Ela volta a levantar o livro e eu a ignoro.
Não deixamos de competir e nem ansiava por isso.
Eu ainda quero esse emprego e ela ainda deseja ser a maior
advogada.
Só que talvez essa rivalidade entre nós dois pode tomar mais do que
imaginávamos.
— É o que vamos ver.
Por incrível que pareça, mesmo com isso, o voo até Washington é
tranquilo.
Nós não voltamos a tocar no assunto. Nem mesmo interagimos,
apenas ficamos em silêncio até que o jatinho pousou e o caminho até o
hotel.
Assim que paramos em frente a um enorme hotel, uma das minhas
sobrancelhas se ergue. Inúmeras pessoas andam de um lado para o outro.
Algumas proferem xingamentos e outras puxam suas malas com uma
expressão nada feliz. Algo está errado.
Analu para ao meu lado, franzindo o cenho assim que entregamos
nossas malas a um dos funcionário e puxa seus óculos escuros, colocando-
os no topo de sua cabeça.
— Por que eu sinto que isso não é uma coisa boa? — ela questiona.
— Porque talvez não seja — resmungo, passando pelas pessoas que
zanzam.
Quando finalmente paramos em frente um balcão, alguns
funcionários correm de um lado para o outro para atender todos os hóspedes
que estão fazendo check-in, uma mulher de pele alva e olhos escuros para
em nossa frente. Ela nos dá um sorriso tenso e isso faz com que todos os
alertas soem em minha cabeça.
— Levi? Analu? — Uma voz preocupada soa atrás de nós.
Nós dois olhamos por cima dos ombros, erguendo uma sobrancelha.
— Sra. Reid — cumprimento. — Está tudo bem?
— Nós... hmm — ela se enrola com as palavras. — Temos um
problema.
— Isso está claro como água — Analu resmunga ao meu lado. —
Agora nós apreciaríamos se você explicasse o que perdemos com nosso
pequeno atraso, para que todo esse hotel esteja um caos.
Ela solta um suspiro resignado.
— Houve uma confusão de datas e o campeonato foi marcado para
os mesmos dias de uma enorme convenção que acontece todo ano na cidade
— conta, passando a mão para pela testa. — Está tudo um caos.
— E isso nos afeta, por quê? — Uma linha aparece entre as
sobrancelhas de Analu. — Pelo que nos foi informado, está tudo organizado
há semanas.
— Houve uma confusão com as reservas dos quartos... Deveriam ter
sido reservados dois quartos para presidente e vice-presidente já que ficarão
mais dias — suas palavras são receosas e ela intercala o olhar entre nós
dois. — Mas, por algum motivo, apenas um quarto foi reservado.
Não.
Isso é definitivamente a minha maldição.
Quatro dias convivendo com Analu? Beleza.
Agora, quatro dias dividindo o quarto com a loira que quer me
matar? Nem fodendo.
E olha que fodê-la é o que eu mais quero e penso nos últimos dias.
— Isso é alguma brincadeira de mau gosto? — Analu pergunta
irritada, se virando para as funcionárias do hotel. — É possível arrumarem
um outro quarto, não é?
— Desculpe, senhorita, mas não. — Uma delas responde. — Todos
os quartos estão reservados e temos uma longa lista de espera para
cancelamentos.
Ela se vira para mim, seus olhos afiados e sua expressão me indicam
que está a ponto de matar alguém. Sra. Reid até mesmo dá um passo para
trás, deixando-me em seu campo de visão.
— Procure outro hotel.
— Eu? — Aponto para mim mesmo. — Nem ferrando.
— Nós não vamos dividir um quarto, Levi.
— E também não vou achar um outro hotel para ficar, Analu —
grunho, apertando a ponte do meu nariz. — Por que você não tenta ser uma
boa pessoa, pelo menos uma vez na sua vida, e procura um quarto para você
em outro lugar então?
Ela dá um passo à frente, apertando os lábios.
— E por que você não age como um cavalheiro, exatamente como as
manchetes dizem e me deixe ficar com o maldito quarto?
— Não dessa vez. — Dou a ela um sorriso brilhante, soando firme.
Não irei ceder. — Então Analu, como vai ser? Nós vamos continuar
brigando pelo quarto ou vamos aceitar de que terei que suportar a sua
presença no mesmo ambiente por quatro dias?
Ela morde o interior da bochecha com ódio.
Parker não deseja isso tanto quanto eu. É uma maldita maldição.
Tem que ser.
— Há outra solução? — Analu se inclina, dirigindo a pergunta a Sra.
Reid.
— Sinto muito, mas não.
Ela volta a me olhar. Não há nem pingo de sarcasmo ali.
É medo. Medo que eu também reconheço e compartilho.
Quatro dias serão nosso purgatório. Nosso teste para conseguir
resistir a essa atração insuportável que corre entre nós. Que faz parte de
cada molécula do nosso corpo.
— Nós vamos dividir o quarto.
É a sua última palavra.
Nós vamos fazer isso.
Ela pega os cartões de acesso, me entrega um e se vira, indo em
direção ao elevador. E durante todo o caminho até o vigésimo andar, meu
pensamento se resume em como eu vou conseguir me manter longe dela,
mesmo que tudo dentro de mim clame pela sua proximidade.
Assim que as portas do elevador se abrem e nós caminhamos até o
— não acredito que direi isso — nosso quarto e a porta se abre, eu sei que
não sobreviverei.
Não há como.
Não quando a única cama de casal zomba da minha cara.
Analu e eu. Duas pessoas que se não se suportam, que brigam a cada
e qualquer oportunidade que surge.
Dois inimigos declarados que se desejam e não assumem.
Vamos, por quatro longos dias, dividir o mesmo quarto e dormir na
mesma cama.
É o meu fim.
Eu estou sentada, com os olhos bem abertos
E eu estou com essa coisa na minha cabeça
Me perguntando se eu desviei de uma bala
Ou acabei de perder o amor da minha vida, ooh
I Don't Wanna Live Forever | Zayn feat. Taylor Swift

Uma cama de casal.


Uma maldita cama de casal está no meio do quarto.
Eu sabia que ela estaria ali. Não deveria ser assustador.
Nós sabíamos e concordamos que ela seria nosso pesadelo durante
esses quatro dias. Mas, o que não sabíamos era que quando estivéssemos
sozinhos nesse enorme quarto e com uma vista exuberante da cidade, o ar
ficaria mais espesso e o tempo passaria devagar.
É uma tortura.
Uma tortura ter que estar tão perto de Levi desta maneira após
aquele momento no gazebo e todos antes dele. Após provarmos a sensação
de estarmos um nos braços do outro e de sabermos que juntos, somos um
tipo de unificação que ninguém saberia explicar.
Somos como duas metades de um ímã que se atraem
desesperadamente um para o outro. Nós nos desejamos com tanta
intensidade e desespero, porque no fundo sabemos que somos um só.
Ele sabe. Eu sei. E, mesmo assim, negamos.
Negamos porque é fácil.
Porque, se fizermos isso, se negarmos, ninguém nunca precisará
catar os cacos que ficarão após cedermos a esse sentimento destruidor.
Solto um suspiro, tirando meu Jimmy Choo da mala e o colocando
ao lado de seus Jordan. É o contraste do que somos. Ele ama seus trajes
esportivos e eu completamente apaixonada por minhas roupas de luxo.
Tudo entre nós grita opostos e, mesmo assim, eu acredito que seja
mentira.
Nós somos diferentes, mas após olhar no fundo dos olhos dele,
percebo que talvez sejamos mais parecidos do que imaginamos.
— Nós temos que estar na recepção das equipes em uma hora — a
voz calma e rouca de Levi, faz com que eu tenha um sobressalto e me
afastar dos sapatos.
— Tudo bem. — Reviro meus olhos, girando meus calcanhares e
encarando-o. Passo meus olhos pela calça de moletom e a blusa da Adidas,
erguendo uma sobrancelha. — Você não vai se arrumar?
Levi havia se isolado na varanda do quarto junto ao artigo que
estava lendo desde o momento em que chegamos. Eu sei que estava me
evitando e, se eu for sincera, eu também estava.
Porém, agora que precisamos descobrir uma forma de nos organizar
nesse quarto infernal para conseguirmos nos arrumar para a primeira noite,
eu me pergunto como realmente conseguiremos fazer isso.
Mas, para minha surpresa, Levi caminha a passos lentos até onde
estou e para alguns centímetros de distância, estudando meu rosto com
curiosidade.
— Ainda não. — Ele cruza os braços frente ao corpo. — Não antes
de conversarmos.
Tudo dentro de mim estagna. Meu cenho se franze automaticamente.
Ele não vai falar sobre o que estou pensando. Não hoje. Não quando
estamos sozinhos em um maldito quarto.
— Sobre o quê?
— Uma proposta.
— Use mais palavras, Levi.
Um meio sorriso cruza seus lábios.
— Nós somos os presidentes da equipe — explica e uma careta
confusa toma conta do meu rosto. — Somos os melhores líderes. Ninguém
pode duvidar disso, Analu.
— Não tente amaciar o meu ego. — Ergo meu queixo.
— Não preciso fazer isso.
Lanço-lhe um olhar nada impressionado.
— O que você está tentando me propor?
Ele passa a língua pelo lábio inferior. O movimento causa sensações
que não deveriam ser causadas em meu corpo.
Seu rosto está fixo no meu. Seus olhos não desviam, nem mesmo
quando sussurra uma das únicas palavras que nunca imaginei que um dia
estaria proferindo em minha direção.
— Trégua.
— Trégua? — Ergo uma sobrancelha.
Ok, por essa eu não esperava.
— Sim. Eu te proponho uma trégua, princesa. — Um sorriso lascivo
nasce em seus lábios. — Porque se separados nós somos os melhores.
Juntos seríamos...
— Imbatíveis — completo. Um sorriso maquiavélico surgindo em
meu rosto. Um passo para a vitória e para levar o troféu para casa. —
Ninguém conseguiria nos vencer.
Sua mão se levanta, pousando entre nós dois.
Embates sempre foram minhas atividades complementares favoritas.
Sempre destruí todas as outras equipes e saí com um sorriso no rosto e um
novo título. Levi também sempre teve essa veia, ele sempre se divertiu nas
vezes que colocamos outras equipes sob nossos pés. Mas, desta vez é
diferente. Estamos indo para a batalha contra as melhores universidades do
país e não vamos fazer isso sozinhos.
Eles não são peixes de pequenos portes, são tubarões.
Igual a nós. Eu e Levi.
É um acordo. Uma trégua.
Nós estamos forjando uma aliança, mesmo que ela não vá durar
muito. Aliança essa que pode nos ajudar a levar o troféu para casa ou
destruir o mínimo de paz que ainda resta entre nós dois.
É uma aliança perigosa, repleta de desafios.
E nós dois amamos desafios.
— Em prol do que está me propondo isso?
— Em prol daquele maldito troféu que deve ficar na nossa
universidade. — Solta um sorriso enorme. — Então, Analu, nós temos uma
trégua?
Penso em sua resposta. Na convicção de suas palavras.
É um erro erguer a bandeira branca entre nós, mas ainda assim,
levanto a minha própria mão e observo como sua mão se fecha na minha.
É um acordo entre rivais.
Uma trégua entre inimigos.
— Nós temos, Levi.
Inclino a cabeça para o lado e fazendo com que meus cabelos caiam
sobre minhas costas, dando-lhe a visão do meu pescoço nu. Seu sorriso, de
repente, fica tenso. Mas não me importo com isso. Não agora. Não quando
a constatação de que, pela primeira vez, estamos jogando do mesmo lado do
tabuleiro e poderemos dobrar as regras a nosso favor.
— Nós vamos levar aquele troféu para casa, princesa.
É o começo do nosso jogo.
Nossa ambição se emaranhando ao desejo de vencer. Nosso ódio
sendo aplacado pela necessidade de mostrar ao mundo que ninguém, a não
ser nós dois, podemos nos destruir.
Nesses quatro dias, Levi Johnson não é meu inimigo. Ele é meu
parceiro.
Ele olha para mim compreendendo isso e o sorriso que estampa seu
rosto bonito não é zombeteiro, é ansioso. Seus olhos brilham de um forma
que sei que está imaginando tudo o que podemos conquistar com essa
pequena parceria
Nós somos imbatíveis. Levi e eu. Princesa de gelo e garoto de ouro.
Levi não percebe que ainda estamos segurando a mão um do outro e
se percebe não se afasta. Ele continua olhando para o meu rosto, estudando
a minha expressão. Me admirando. Seu olhar percorre todos os traços,
desde meus olhos até meus lábios. Não quebramos o contato, não nos
mexemos, apenas ficamos nos olhando como se estivéssemos reaprendendo
tudo sobre o outro.
Tenho vontade de levantar minha outra mão livre e traçar toda a pele
do seu rosto, desde as poucas pintinhas espalhadas pela sua pele escura até
a maldita covinha que chama toda a minha atenção quando sorri.
De repente, nosso olhar recai para onde estamos ligados.
Para a nossa única mão entrelaçada.
Nosso elo.
Nosso acordo fechado.
Ele a segura com delicadeza, seu dedo áspero se arrasta pela minha
pele delicada em uma carícia que me causa arrepios. Liga tudo dentro de
mim e me deixa com uma árvore de Natal. Acesa, brilhante e ansiosa.
Ergo meu rosto, encarando-o novamente, mas me arrependo. Olhar
dentro dos seus olhos, me faz desmoronar inteira. Faz com que a lembrança
do nosso beijo, do seu toque e de seu gosto embriagado de redenção e
condenação, invada minha mente.
Não posso. Não devo. Mas, desejo que ele se incline, junte nossos
lábios e me mostre que isso não está apenas me consumindo, mas a ele
também, toma conta do meu corpo.
— Não me olhe assim — pede, engolindo em seco. — Não me olhe
como se me quisesse tanto quanto eu te quero.
Ele me encara como se não pudesse ceder.
Eu o olho como se fosse proibido.
Eu o quero. Desesperadamente. Mas, não posso. Não devo.
— Então pare de me olhar assim também, Levi.
Levi fecha os olhos, reprimindo um xingamento e quando volta os
abri-los, solta um suspiro profundo e doloroso. Percebo que leva tudo de si
para soltar minha mão e se afastar sem dizer uma única palavra, indo em
direção ao banheiro. E eu me viro, pego minha bolsa e caminho em direção
a saída, rumo a uma fuga iminente até o bar do hotel.
Nós forjamos uma maldita trégua.
Mas com ela, vem junto a tensão que tanto tentamos negar.
E eu não sei por quanto tempo iremos aguentar.
Balanço a azeitona do meu segundo martini, ignorando todos ao meu
redor.
Eu consegui fugir de quase todas as pessoas por horas. Cada
integrante das equipes, coordenadores e jurados que vieram em minha
direção eram prontamente ignorados ou apenas recebiam respostas vagas.
Não me importei se nossa professora reclamaria mais tarde sobre essa
atitude mesquinha ou se estou fodendo com a recepção da equipe.
Eu preciso apenas de álcool e uma distância significativa de Levi.
Meu foco, durante duas horas, foi apenas meu drink e em como o
barman me enviava piscadelas patéticas a cada cinco minutos, como se eu
fosse uma conquista barata de fim de noite.
Algumas pessoas passam por mim sorrindo, lançando elogios
singelos ao meu vestido ou aos meus saltos. Alguns até mesmo tentam falar
sobre como meu nome é citado nas universidades por toda influência que
carrego. Eu odeio cada segundo. Odeio que me sinta sozinha mesmo entre
dezenas de pessoas, que todas as palavras direcionadas a mim, mesmo que
sejam elogios, não são registradas em meu cérebro, porque a necessidade de
fugir de toda essa aglomeração e de todo o caos, toma conta de mim.
Aperto a haste da taça, tentando aplacar a confusão de sensações que
rondam meu corpo, mesmo que meu rosto não indique nada. Estou
acostumada a isso, a fingir que estou bem, mesmo que tudo dentro de mim
seja um turbilhão de coisas que não consigo controlar.
Eu preciso ter controle sobre mim mesma. Preciso que as pessoas
acreditem que a maldita princesa de gelo, é perfeita. Que a herdeira do
maior clube de Saint Vincent possui uma vida agitada nas badaladas festas.
Mesmo que tudo isso seja uma fachada. Uma máscara criada para esconder
o quanto odeio ter que estar entre muitas pessoas, odeio que me dirigiam
falsos sorrisos e cantadas baratas.
Preferiria mil vezes ter que andar pela cidade, conhecer cada espaço
que ninguém nunca tentou desvendar a ter que estar aqui rodeada de
babacas egocêntricos.
— Posso? — Uma voz desconhecida e tensa me faz olhar por cima
do ombro.
O homem atrás de mim não é estranho. Algo me diz que o conheço
de algum lugar, mas não me recordo. Estudo-o de cima a baixo. Desde os
cabelos escuros, a mandíbula marcada e as tatuagens que pintam sua pele de
uma forma que desperta curiosidade.
Ele é lindo, mas há algo que emana de sua expressão corporal que
não sei se gosto.
— Não. Está ocupada.
Volto minha atenção ao drink, mas quando ele me ignora e ocupa o
lugar vazio ao meu lado, estendendo o dedo para o barman e pedindo uma
cerveja, deixo de mexer na azeitona para virar o rosto em sua direção e
erguer uma sobrancelha, perplexa pela ousadia do desconhecido.
— Presidente ou vice-presidente? — pergunta,
— No momento estou pensando em virar assassina. — Levo a taça
aos lábios.
— Seria uma profissão promissora para alguém como você. — Ele
me lança um sorriso frio.
— Você vai pedir algo ou só veio até aqui para ocupar meu precioso
tempo?
Ele sorri, inclinando a cabeça para o lado.
Seu sorriso é bonito, mas apenas serve para que eu lhe lance uma
careta entediada.
— Vim te fazer uma proposta.
Oh, Jesus! Isso só pode ser brincadeira.
— Não. — Encaro-o. — Não estou interessada.
— Não quero que transe comigo. — Limpa a garganta, soltando uma
risadinha. — Quero uma troca de favores. Se não servir, posso te dar um
cheque.
— Garanto que o valor que você tem na sua conta bancária não
chega a metade do preço de qualquer uma das minhas bolsas. — Sorrio,
pegando a azeitona e mordendo-a. — Agora, por favor, saia daqui antes que
eu te expulse.
Ele solta uma pequena risada fria. O som que emite é desprovido de
emoção, como se pouco se importasse com a impressão que está causando.
O desconhecido não se importa com o fato de as pessoas ao nosso
redor estarem nos encarando com curiosidade ou a minha atitude hostil.
Julgo a dizer que ele até mesmo já esperava por isso. E pela forma como se
porta e me responde, sei que não é qualquer pessoa. Ele tem cheiro de
perigo e consequências dolorosas.
Antes que ele possa responder, alguém chega por trás de mim
colocando as duas mãos em minha cintura em um gesto possessivo. Posso
sentir o peitoral contra minhas costas e o perfume de Levi invadindo
minhas narinas. Uma de suas mãos me solta, apenas para se escorar no
balcão ao meu lado.
Ergo meu rosto para cima, encarando-o ao mesmo tempo que um
sorriso provocativo nasce em seus lábios.
— Algum problema aqui?
Seus olhos não estão nos meus. Estão na minha companhia que bebe
sua bebida despreocupadamente e o encara como se essa situação o
divertisse.
— Levi Johnson. — Um sorriso frio nasce nos lábios do
desconhecido. — Eu estava me perguntando quanto tempo demoraria para
você aparecer.
— Vocês se conhecem? — Ergo uma sobrancelha, olhando entre o
ele e o idiota que ainda me segura como se eu fosse sua propriedade.
— Não. — grunhe, Levi. — Mas estou curioso para saber quem ele
é.
— Ainda. — O canalha sorri amplamente. — Mas, vocês podem me
chamar de Blake. Blake McLaughlin.
Levi franze o cenho enquanto eu o encaro como se, mesmo
admitindo o seu nome, não compreendo o motivo pelo qual está fodendo
com a minha noite.
— Ótimo. — Uma careta toma conta do meu rosto e levo o resto da
minha bebida até os lábios. — Seus pais querem que fiquemos de babá do
filho rebelde?
Blake ergue uma sobrancelha pela minha pergunta e Levi solta uma
pequena risada, ainda não me soltando e erguendo a mão livre para pedir
uma bebida.
— Você é sempre assim? — Blake inquere.
— Você nem imagina — Levi resmunga e dou uma cotovela em sua
costela, fazendo o tossir. — Porra, Analu.
— Cale a boca. — resmungo. — Então, Blake?
— Como disse antes, quero uma troca de favores — repete, me
dando um sorriso. — Vocês têm algo do meu interesse e eu posso ter algo
do de vocês.
— Que seria? — Levi questiona, se inclinando para a frente e
literalmente se fundindo a mim.
— Informações. — É a resposta do primogênito dos McLaughlin.
O barman aparece novamente, colocando mais um martini em
minha frente e um copo de bourbon na de Levi. Olho para ele por cima dos
ombros, sabendo que não pedi outra bebida e ele apenas dá de ombros,
olhando para Blake.
— Por favor, seja mais claro. — Suas palavras são pronunciadas de
uma maneira que não deixa espaços para brincadeira e Blake sabe disso. —
E não fale em códigos. Nós estamos de folga e cansados de lidar com a
merda da empresa da sua família.
McLaughlin sorri. Entretanto não abala nada na expressão
carrancuda de Levi.
— Eu quero informações sobre o caso da herdeira Conway.
Uma linha se forma entre minhas sobrancelhas. Eu o encaro, sobre a
borda da minha taça e Levi franze o cenho.
— Você já ouviu falar sobre sigilo entre advogado e cliente? —
questiono, retoricamente.
— Ou sobre acordos de confidencialidade? — complementa, Levi.
Blake se levanta em toda a sua glória, cruza os braços e em frente ao
corpo e sorri.
— Também sou estudante de Direito.
— Não parece — retruco, zombeteira.
— Olha eu realmente preciso dos detalhes do caso da Rora — diz,
seu tom me indica que a garota Conway é mais importante para o herdeiro
dos meus chefes, do que deixa aparentar.
— Eu não vou te dar acessos às informações do caso. — Me
preparo para levantar-se. — Se está tão preocupado assim, peça aos seus
pais.
— Eu não posso.
— Isso já não é um problema meu. — Bebo o resto da minha bebida
e finalmente me levanto.
— Vamos fazer o seguinte, Blake. — A voz de Levi ressoa atrás de
mim. — Quando você for a Saint Vincent, nos procure com um motivo
plausível para que possamos conversar a ir contra a lei por te ajudar. Ao
contrário disso, saia da porra da nossa frente antes que eu ligue para
Sebastian.
Blake sorri friamente, virando o resto da cerveja e se levanta,
passando a mão pela roupa a fim de limpar uma sujeira invisível.
— Ok. Aproveitem a viagem de vocês. — Ele inclina a cabeça para
o lado, dá um falso comprimento com a cabeça e se vira para ir embora. —
Nós nos vemos quando voltarem da viagem a Bora Bora.
Levi ocupa o lugar vazio que ele deixou, entretanto, quando
achamos que o herdeiro dos McLaughlin está longe o suficiente, ele gira os
calcanhares e chama por Levi.
— Sim? — ele responde.
— Me disseram que eu deveria tomar cuidado com a Parker, mas
estava enganado. — Um sorriso ansioso toma conta de seus lábios. — Eu
deveria tomar cuidado com os dois.
Com isso ele se vira e some entre a dezena de universitários.
E nós ficamos parados, encarando o vazio que McLaughlin deixou.
Mas, se eu sei de alguma coisa, ele não estava para brincadeira. Blake quer
algo e tudo dentro de mim me diz que ele fará o possível e o impossível
para conseguir.
E, percebo que não existe melhor momento para que Levi e eu
mostremos que realmente podemos ser uma parceria para enfrentar seja lá o
que esteja vindo.
Nós seremos imbatíveis.
Porque eu estou em chamas como mil sóis
Eu jamais te queimaria
Mesmo que eu quisesse
Essas chamas, nesta noite
Olhe nos meus olhos e diga que você me quer
Como eu quero você
Hunger | Ross Copperman

Observo Analu remexer a azeitona da sua taça pela última vez antes
de soltar um suspiro e levantar a mão para pedir mais um, mesmo sem ter
terminado o que ainda está em suas mãos. Ela definitivamente não está
bem. Não totalmente.
Parker não disse nada desde que Blake nos deixou, mas sei que algo
na conversa que tivemos com ele não a agradou. Posso perceber isso pela
forma como se concentra em algo aleatório ou a forma como se mantém em
silêncio, pensativa.
— Você não está reclamando de algo, o que me indica que está
incomodada — afirmo, deixando meu copo sobre o balcão. — Então,
desembuche, Parker.
Ela balança os ombros, inclinando a cabeça para o lado e me dando
a visão de seu rosto perfeito.
— Nada está me incomodando.
— Você tem certeza? — Ergo uma sobrancelha, descrente.
— Sim. — Leva a bebida aos lábios. — Aliás, como você saberia
que algo está incomodando?
Balanço minha bebida de leve e a encaro de esgueira, lançando-lhe
um meio sorriso.
— Vamos voltar à parte que te digo que sei tudo sobre você?
Uma linha aparece entre suas sobrancelhas.
— Você acha que sabe — resmunga, levando o copo até os lábios.
— É diferente.
— Continue mentindo para si mesma — zombo, apoiando um dos
meus cotovelos no balcão e me virando totalmente em sua direção. — É
divertido de presenciar.
— Você é irritante.
— E mesmo irritada, você continua deslumbrante.
Ela torce o nariz, fazendo com que seus olhos se cerrem junto ao
movimento.
— Pare de flertar comigo.
— Eu já tentei. — A resposta sai antes que eu possa segurar. — É
impossível.
Ela me encara como se eu fosse louco e talvez eu seja. Talvez eu
tenha perdido toda a minha sanidade quando propus aquela trégua que nós
dois sabemos que não conseguiremos suportar por muito tempo.
Não quando temos coisas demais entre nós dois. Coisas essas que
nos consomem de uma forma irremediável e traz consigo desejos que não
sabíamos que tínhamos até o momento em que nossos lábios se tocaram.
Sem perceber, uma risada fraca salta dos meus lábios. É inexplicável
tudo que vivemos nessas últimas semanas. Eu a odiava de uma forma que
ninguém compreendia e, se for sincero, desejava que meus amigos se
afastassem dela para protegê-los e que ela não tivesse a oportunidade de
machucá-los, mas agora não consigo imaginar uma vida sem que Analu
Parker esteja presente em nossa família.
— Você está bem?
— Não sei se posso te dar uma resposta certa para isso — digo, me
levantando. — Venha comigo.
Ela franze o cenho, confusa.
— Não, obrigada. — Volta sua atenção para a sua bebida. — Estou
bem aqui.
— Levante sua bunda desse banco, Analu — Reviro meus olhos. —
Nós estamos indo jogar.
Lentamente, seu rosto se vira na minha direção. O brilho ansioso de
suas pupilas e a curiosidade sendo despertada em cada parte de seu rosto faz
com que a vontade imensurável de me abaixar e beijá-la me atinja com
força.
Maldita seja essa mulher que é tão obcecada por competição como
eu.
— Que tipo de jogo?
— Você vai ver. — Lanço uma piscadela em sua direção. — Mas
precisamos de outro lugar.
— Eu não estou indo transar com você.
— Não. — Um sorriso malicioso nasce em meus lábios. — Não
hoje, pelo menos.
Analu me encara por alguns segundos, se questionando se realmente
deveria me seguir. E até eu me pergunto se isso é uma boa ideia, mesmo
sabendo que quando estamos juntos, temos a tendência de tomar atitudes
que vamos nos arrepender mais tarde. Entretanto, algo dentro de mim me
diz que talvez essa trégua que começamos naquele quarto precise de algo a
mais, um motivo para que possamos realmente começar a confiar um no
outro.
Sem isso, nada durará. E eu realmente não estou a fim de passar
quatro dias em uma guerra implacável dentro e fora do quarto.
— Nos seus piores sonhos, Projeto de Pequena Sereia.
Uma risada nasalada salta de meus lábios.
Esse apelido é o mais ridículo de que alguém já me chamou e
mesmo assim todas as vezes que ela profere, sinto algo diferente. Me sinto
como se o fato de que ela, a mulher que odeia criar laços e deixar que
alguém penetre suas muralhas, se dignou a pensar em um apelido idiota
para alguém que diz odiar tanto.
— Você vem? — pergunto.
— Eu vou te destruir nesse jogo?
— Talvez.
Analu umedece os lábios e me encara seriamente.
— Eu vou poder chutar suas bolas novamente se me irritar?
— Você está proibida de chegar perto delas.
Ela se levanta, alisa o vestido e dá um passo à frente. Seu rosto se
encontra com o meu. Nossos olhares não se desviam. Analu passa o olhar
para a minha jaqueta da SVU, pela minha calça e, por fim, para os meus
Jordan.
Aproveito para observá-la, desde o vestido preto que possui brilhos a
cada vez que seu corpo se movimenta até os saltos altos que são os motivos
dos meus piores pensamentos ultimamente.
Ela é linda. Perfeita.
— Que jogo estamos jogando dessa vez, Levi?
— Todos que você desejar, princesa.

Nós paramos em frente a um bar lotado, onde diversas pessoas


entram e saem do ambiente.
Observo as jaquetas com os emblemas das universidades e percebo
que várias delas são universitários que serão nossos adversários nos
próximos debates. Eu sabia que muitos deles haviam saído do hotel após o
fim da confraternização, mas não imaginava que haviam vindo para esse
lugar.
Agora percebo que talvez isso seja uma boa coisa e a loira ao meu
lado me dá um olhar de soslaio, me mostrando que ela também tem a
mesma ideia. Nós adentramos o lugar e seguimos até uma parte onde não há
tantas pessoas e assim que alcançarmos o balcão, posso ter visão completa
da decoração em estilo rústico, uma mesa de sinuca no fim e até mesmo um
espaço para jogos de dardos.
É um ambiente aconchegante e ao mesmo tempo misterioso.
Uma banda local toca uma versão acústica de The Beatles e algumas
pessoas até param perto do palco improvisado para escutarem. É um lugar
como o Oásis, mas diferente do nosso lugar favorito, esse não traz a
sensação de estarmos em casa.
Estendo a mão para o garçom, pegando as duas cervejas e observo a
forma como ele mantém seus olhos em Analu, que ainda encara o bar com
curiosidade. Ela nem mesmo percebe que metade do lugar a observa com
um desejo que conheço bem.
E isso me irrita pra caralho.
— Então?
— Eles são tão idiotas — Analu resmunga sem desviar o olhar de
todos. — Eu poderia destruí-los sem mesmo me mover.
Solto uma risada pela forma como ela franze o cenho observando
um grupo que tenta improvisar um beer pong.
— Qual a chance da SVU destruí-los? — Entrego a sua bebida.
— Todas. — Não há dúvidas em sua resposta. — Eu me recuso a
perder para esses babacas.
Ela leva a cerveja aos lábios e seu olhar viaja até a área de dardos
onde apenas algumas pessoas estão. Analu nem mesmo pergunta, apenas
caminha a passos lentos até onde o jogo está. Quando o alcança, abandona
sua bebida na mesa ao lado e diz algo para os jogadores.
Um deles solta uma pequena risada e nem mesmo vacila ao entregar
os dardos e se virar em direção ao bar.
— O que você disse a eles?
— Que meu irmão de oito anos joga melhor do que eles. — Dá de
ombros, posicionando os dardos na nossa frente.
Por um segundo, estanco no lugar.
Ela nunca fala sobre seu irmão caçula. Ninguém da família dela fala.
Algumas pessoas até acham que Analu é filha única. Que não existe uma
criança naquela enorme casa, escondida entre os corredores com pinturas
caras e funcionários que mantém silêncio sobre os segredos, que ninguém
nunca ousou descobrir sobre uma das maiores famílias da cidade.
Entretanto, ao escutar Analu falando sobre seu irmão, posso
perceber que talvez eu esteja enganado. Talvez, haja alguém no universo
que realmente conheça a mulher por baixo de todas as proteções que
colocou em volta de si mesma. Que possua seu coração de uma forma que
ninguém nunca conseguiu conquistar.
— E ele gosta de jogos de dardos? — questiono, curioso.
Ela nem mesmo percebe que está me dando um pedaço de si.
— Não, ele prefere livros. — Orgulho está presente em cada sílaba.
— Principalmente os de astronomia.
Dou um passo à frente, pegando um dardo e girando em minha mão.
— Planetas?
— Tudo. — Um resquício de sorriso toma conta de seu rosto. —
Planetas, asteroides, estrelas, cometas, satélites naturais e tantas outras
coisas.
É lindo presenciar a forma como ela fala sobre as paixões de seu
irmãos e por um momento me pergunto se ela também percebe o quanto
esse garoto é especial para ela. Se há alguém que a conheça tão bem quanto
ela o conhece. Se há pelo uma pessoa que saiba as coisas que ela ama e
anseia, faz com que ela não se sinta solitária em um mundo repleto de
pessoas.
Me pergunto se alguém no mundo conhece a verdadeira mulher por
baixo dessas máscaras, feridas e machucados. E se não houver alguém, me
questiono se um dia, porventura, poderá vir a ser eu, essa pessoa para ela.
— Meu irmão também amava o universo — Deixo escapar e me
arrependo no mesmo momento.
Analu ergue o rosto, olhando diretamente para mim. Não há frieza,
nem mesmo zombaria. Ela me encara como se me entendesse, como se o
fato de ter alguém para falar sobre uma parte da sua vida que não
compartilha com todos, fosse libertador.
Eu sei. Eu entendo.
Porque falar sobre Matteo também me causa essa mesma sensação.
— Não deveríamos falar sobre essas coisas — ela diz.
Encaro-a tentando compreender o porquê de mesmo que saibamos
que não devemos, ainda assim, parece certo.
— Não. Não deveríamos.
— Mas, uma parte de mim deseja.
— Eu sei. — Engulo em seco. — Eu também desejo.
Seus olhos se tornam surpresos.
— Você também sente isso?
— Com cada maldita célula do meu corpo.
Levanto um dardo, entregando a ela e solto um suspiro profundo,
indo até a mesa e deixando minha cerveja ali. Não a encaro, não consigo.
Não quando meus pensamentos me consomem de uma forma que não
consigo evitar.
Nós desejamos isso, mesmo sabendo que é errado. Nós sabemos que
o que estamos traçando nessa viagem pode acabar de uma forma onde
ambos sairemos marcados e se formos sinceros, até mesmo machucados.
Mas eu não me importo.
Eu a quero.
Quero desde que entrou no prédio da McLaughlin&Conway após
semanas ignorando o mundo por tudo o que fizeram a ela e, mesmo
machucada, colocou sua coroa e desfilou pelos corredores como se fosse a
mesma de sempre. A princesa de gelo que nunca se quebra.
A quero desde que olhou para mim como se me enxergasse e
gostasse da escuridão que carrego dentro da minha alma. Desde que nossos
lábios se tocaram e eu tive a sensação de provar do manjar dos deuses.
Contudo, o que ninguém sabe é que a quero desde que, anos atrás,
em um jardim, ela dançou ao meu lado quando nossos mundos desabavam.
Ela sorriu para mim quando seus olhos me diziam que gostaria de chorar e
me lançou olhares furtivos pela escola que estudávamos, porque não tinha
coragem de admitir que eu a fazia queimar, tanto quanto ela me fazia.
Eu quis Analu Parker desde sempre.
Mesmo quando eu ainda dizia a mim mesmo que Summer poderia
suprir essa necessidade, eu a queria.
Eu queria a maldita princesa de gelo que nunca entregou seu coração
a ninguém.
A quis tanto que fui capaz de entrar em uma equipe de debate apenas
para poder disputar tudo e qualquer coisa com ela. Eu a desafiei por todos
os anos que estudamos juntos. A provoquei em todas as oportunidades,
devolvi a aversão que sentia por mim e joguei nossos jogos sádicos, onde
sempre acabávamos com raiva um do outro, porque sabia que ela era capaz
de ser extraordinária, mesmo que achasse que era invisível para todos e
ninguém nunca havia prestado atenção nela.
Mas o que Analu Parker não sabe é que, enquanto ela achava que o
mundo não se importava com ela, ela havia se tornado o centro do meu
mundo.
Ela pegou meu coração destroçado pelas memórias da morte do meu
irmão e o transformou em lambretas flamejantes que a cada vez que estava
na sala, se tornavam chamas vivas. Analu me desafiou, me fez querer lutar
e então machucou pessoas ao meu redor para aplacar a dor que assolava sua
alma.
E não a julgo, eu a compreendo. Compreendo tanto que fui capaz de
aceitar todos os seus ataques e devolvê-los, porque sabia que desta forma eu
estava devolvendo o favor que me fez.
— Levi? — Sua voz me faz sair dos meus devaneios.
— Sim.
— Nós deveríamos jogar.
Balanço minha cabeça, tentando empurrar todos esses pensamentos
para uma parte da minha mente que não me permito ir. E solto um sorriso
sarcástico em sua direção.
— Você está pronta para perder, princesa?
— Não sonhe tão alto, Projeto de Pequena Sereia.
Ela segura o dardo e se vira para frente, me lançando um sorriso frio
por cima dos ombros.
— Qual vai ser a sua aposta desta vez, Levi?
Umedeço meus lábios, pegando meu próprio dardo e girando-o.
— Uma dança.
Ela ergue uma sobrancelha.
— Você quer apostar uma dança?
Analu não percebe que caminho até ela a passos lentos, enquanto
arrasto a manga da minha jaqueta até meu cotovelo. Assim que paro atrás
dela, meu sorriso se torna malicioso. Uma das minhas mãos seguram a sua
cintura, dando a todos os idiotas desse bar um aviso silencioso.
— Não é qualquer dança. — Me inclino um pouco em sua direção,
meus lábios tocam de leve a sua nuca e arrasto um beijo até o lóbulo de sua
orelha. — Eu quero que dance para mim no nosso quarto, enquanto se
pergunta se tem preferência em como eu tiro esse vestido do seu corpo mais
tarde...
Suas costas se enrijecem por um momento e meu sorriso aumenta.
— Você não...
— Eu te deixo escolher se quer que eu seja gentil ou...
— Ou o quê?
— Ou eu o destruo. — Deposito outro beijo em sua nuca. — De um
jeito ou de outro, eu estou te fodendo até o fim dessa viagem e o meu nome
é a única palavra que vai sair da sua boca quando isso acontecer, princesa.
Ela engole em seco e vira o rosto em minha direção quase colando
nossos lábios e um sorriso nasce em meus lábios. É um sorriso que
representa vitória. Seus olhos me indicam o quanto minhas palavras as
afetaram.
Analu nesse momento brilha e queima e eu sou o motivo disso,
porra.
— Não se iluda achando que está me fodendo nessa viagem, Levi.
— Eu não estou me iludindo. — Minha mão aperta sua cintura. —
Estou constatando fatos.
Ela ergue uma sobrancelha, descrente das minhas palavras.
Entretanto, dá de ombros, levanta o dardo e sorri diabolicamente em minha
direção.
— Você não me perguntou o que eu vou querer.
Giro o objeto em minhas mãos uma última vez.
— Você me quer. — Dou de ombros. — É o suficiente para me fazer
ganhar essa merda.
Ela pende a cabeça para trás, solta uma risada fria e depois caminha
até mim, pegando o dardo da minha mão e me encarando profundamente.
— Seu ego não me assusta, mas a sua confiança sim — Analu
afirma, parando em frente a marca e erguendo o pulso, prestes a atirar o
dardo. — Porém, para que fique sabendo, quando eu ganhar essa aposta
idiota, vou obrigá-lo a se sentar e me assistir dançando sem que possa
levantar um dedo para me tocar.
É uma troca justa.
Mas, irei ganhar essa aposta. Porque o mísero pensamento de não
tocá-la como desejo, destrói tudo dentro de mim.
Gritando a plenos pulmões por você
Não tenho medo de enfrentar isso
Eu preciso de você mais do que queria
Preciso de você mais do que queria
Mostre-me que você não tem vergonha
Shameless | Camila Cabello

Todos os dardos estão alinhados e Levi me encara com ansiedade.


Cinco jogadas. Cinco dardos e uma motivação.
Eu não posso perder, tampouco ele.
Não é nem mesmo uma opção.
Porque apenas o pensamento dele sentado enquanto eu danço em sua
frente faz com que todo o meu corpo se arrepie. É uma péssima ideia. Nós
dois sabemos disso. E nem mesmo disfarçamos que desejamos isso.
Jogo meu cabelo para trás, respiro fundo e me posiciono na linha
riscada. Eu só preciso acertá-los e mostrar a Levi que sou melhor que ele
nesse jogo de criança e então o farei pagar por achar que pode me desafiar
desta maneira.
— É só apontar e arremessar, princesa — zomba atrás de mim. —
Não é tão difícil.
— Eu sei como funciona.
— Então, você vai jogar ou o quê?
— Se você não calar a boca, Levi, eu vou fazê-lo engolir esse dardo
— resmungo.
Ele solta uma risada e volto a me concentrar no desafio à minha
frente. Eu sou boa em tudo o que me proponho e posso ser boa nisso
também. Não é a presença dele, mesmo que pareça que ocupe o lugar todo,
que me fará perder a concentração.
Apoio meu peso na perna direita, levanto a mão e inclino meu corpo
um pouco para frente. Então, antes que eu possa refletir se a minha posição
está certa ou errada, arremesso o objeto com força, observando-o parar um
pouco abaixo do alvo central, acertando o número quinze.
Merda.
— Acho que preciso te dizer que talvez dardos não sejam a sua
coisa. — Uma risada brincalhona salta de seus lábios.
Giro meus calcanhares, erguendo uma sobrancelha e encarando-o
com despeito.
— Mudei de ideia. — Dou um passo à frente. — Eu não vou fazê-lo
engolir essa merda, eu vou enfiá-lo...
— Pelo amor de Deus. — Levi dá um passo em minha direção, me
interrompendo e soltando uma sonora risada. — Nós estamos em público.
Não gostaríamos que as pessoas pensassem que somos desprovidos de
educação ou com um vocabulário que nossos pais não aprovariam.
Estalo a língua no céu da boca, pronta para terminar a minha frase.
Entretanto, Levi é mais rápido e se posiciona atrás de mim, virando-me
novamente em direção ao alvo e segurando a minha cintura enquanto seu
queixo praticamente encosta em meu ombro, roçando-o de leve e fazendo
com arrepios tomem conta do meu corpo.
Diferente de minutos atrás, dessa vez posso sentir tudo. A forma
animalesca como me segura, o seu aperto em minha pele que faz com que
todo o ar fuja de meus pulmões e o seu cheiro que inebria todo o meu
espaço.
Posso sentir tudo e compreendo que ele é um dos únicos que me
causam essas sensações. E junto a tudo isso, misturado a sua presença e a
forma como me sinto ao seu lado, vêm o medo.
Medo de ceder e machucá-lo.
Medo de mostrar a ele quem eu sou de verdade e ele descobrir que
eu sou uma maldita farsa.
E o pior de tudo: medo de Levi perceber que esse desejo que nos
consome é momentâneo, algo que vai acabar após aplacarmos essa
necessidade que nos entorpece sempre que estamos perto um do outro,
porque todos sabem e sentem que não sou alguém que desperta a
necessidade de permanecer.
Eu nunca sou a escolhida. Sempre sou um talvez. Sempre a que vê
todos encontrando o amor, o perdão e a resiliência e nunca aquela que
vivencia essas experiências.
Agora, me pergunto qual seria essa sensação. Como seria ser
escolhida. Como seria ser aceita por quem eu sou, não pelo nome que
carrego. Mas, apesar de me questionar como seria, ninguém imagina que é
Levi Johnson que me faz querer isso, que me faz discordar de tudo o que
aprendi em meus vinte e dois anos e me tira de órbita.
Ele me faz acreditar que ainda há esperança e me faz enxergar que
vale a pena tentar de novo.
— Eu mudei de ideia sobre o que quero — ele continua quando não
profiro nenhuma outra palavra. — Todas as vezes que eu acertar, quero
respostas.
— Do quê?
— De quem você é de verdade, Analu. — Sua voz é sincera. — Não
quero a princesa de gelo que todo mundo acha que é. Eu quero saber quem
você é sem suas máscaras, suas proteções e sem suas malditas respostas
elaboradas. Eu quero a sua versão real.
O ar fica preso em minha garganta e tudo dentro de mim se agita.
Não. Não posso dar isso a ele.
Não posso deixá-lo ter mais armas contra mim.
Não posso ficar vulnerável. Não hoje. Não, nunca.
Não depois que eu confiei em alguém e isso me gerou cicatrizes e
perdas irreversíveis.
— Não posso te dar isso.
— Por quê?
Porque vai me quebrar.
— Porque ela não é bonita. — Não percebo que engulo em seco. —
É monstruosa.
Levi sorri de leve e aquela maldita covinha chama toda a minha
atenção.
— Tudo bem, eu também tenho meus próprios monstros — ele
sussurra, sua mão se levantando para acariciar meu rosto. — E, acho que
eles são parceiros dos seus.
Meus olhos se fecham por um instante.
Eu estou tão cansada.
Cansada de segurar o mundo, os segredos e as responsabilidades que
minha família impõe sobre mim. Estou cansada de lutar e sempre terminar a
guerra sozinha, sem ninguém para dividir o peso da batalha.
Mas como dar a ele todas essas respostas quando sequer entendo o
que sinto? Como posso despejar palavras que guardo sem saber o que isso
lhe causará?
Quero dizer a ele que tudo ficará bem e que sempre fica, mas eu não
faço ideia do que isso significa, porque faz muito tempo que nada está bem,
nada mais faz sentido e tudo parece meio fora do eixo.
— Seus monstros não podem ser parceiros dos meus, porque eles
não te machucam tanto quanto os meus me machucaram, Levi.
Ele dá um passo à frente, segura meu rosto e o ergue, me encarando
com tantos segredos rondando suas pupilas que tenho a certeza de que todo
o universo parou só pra ver o castanho dos seus olhos em puro brilho
enquanto estuda a imensidão do vazio em minhas íris.
— Meus monstros podem não ter me machucado, mas eu te prometo
que eles vão te proteger. — O tom verdadeiro em suas palavras não deixa
espaço para desconfiança. — Eu vou te proteger, Analu. E eu sempre vou
fazer o possível e o impossível para que você acredite que não está mais
sozinha. — Seu dedo roça de leve minha pele. — Estou aqui para você,
princesa.
Não consigo desviar o olhar.
Não consigo respirar.
Outra muralha rompe. Vulnerabilidade me atinge.
Eu estou aqui para você.
Se eu cair? Nós vamos te pegar.
Eu vou ser a sua pessoa.
As vozes de todos meus amigos rondam minha mente se misturando
à de Levi.
— Cinco dardos — é a minha resposta. — Você tem cinco dardos. O
que equivale a cinco perguntas.
Ele sorri, se abaixa e antes que eu possa entender o que está
acontecendo, Levi deixa um beijo leve em minha testa com tanta ternura,
que perco o ar por um segundo, mas então ele se afasta com uma velocidade
surpreendente.
— Eu vou fazê-los valer a pena.
Ele não espera pela minha resposta, apenas se vira, caminha até onde
nossas bebidas repousam e as traz até onde estamos, me entrega uma e gira
o dardo em uma das mãos.
— Pronto para perder? — Cruzo meus braços, erguendo o queixo.
Ele sorri perigosamente em minha direção e percebo que, assim
como eu, Levi não vai falar nada sobre o momento anterior que tivemos. É
um acordo silencioso, mesmo que dezenas de pessoas tenham nos
presenciado em algo íntimo, nós não vamos tocar nesse assunto, não até
estarmos prontos o suficiente.
— Eu nunca perco.
Levi respira fundo, posiciona-se corretamente, mira o alvo e
arremessa. Seu primeiro dardo acerta o número vinte e tenho vontade de
xingar pela pontuação excelente que começou. Assim que se vira em minha
direção, solta um sorriso ardiloso ao mesmo tempo que me lança uma
piscadela.
— Você é um idiota.
— E você me deve uma resposta.
Estalo a língua no céu da boca.
— Vá em frente.
— Por que você tem medo da água, quando nós dois sabemos que
era o seu lugar favorito na infância? — Sua pergunta salta de seus lábios
uma curiosidade genuína.
Aperto o dardo em minha mão.
Não. Não. Não.
Não posso dizer a ele.
— Me afoguei — Dou de ombros, tentando fingir que isso não me
abala. — Minha vez.
Me viro, ignorando seu olhar em mim e me aproximo da linha de
lançamento com determinação, mantendo a calma diante dele, pego o
segundo dardo e o lanço com precisão. Observando-o parar próximo do de
Levi e atingindo o número dezenove.
Ele solta um bufo, pega outro dardo e nem mesmo se concentra.
Apenas visualiza o alvo e com uma leveza impressionante o atira, acertando
o vinte outra vez.
— Acho que posso acrescentar isso à lista de coisas que sou melhor.
Reviro meus olhos, entediada.
— Apenas faça a sua pergunta.
— Não.
— Desculpe? — Ergo uma sobrancelha.
Levi se aproxima a passos firmes e quando para em frente a mim, é a
sua vez de soltar um revirar de olhos entediado.
— Não vou gastar minhas perguntas quando você não tem a
intenção de ser sincera — sua voz aveludada me irrita. — Se você não for
jogar conforme as regras, prefiro voltar a nossa ideia original de tirar seu
vestido quando chegarmos ao hotel.
Dou um passo à frente, aproximando-me dele e ergo o queixo,
irritada.
— Faça a sua pergunta.
— Me diga o verdadeiro motivo do seu medo — grunhe, encarando-
me seriamente. — Essa é a minha pergunta, Analu. Qual o verdadeiro
motivo?
Fecho meus olhos, deixando com que as memórias me invadam.
Uma ilha silenciosa. Um final de semana que deveria ser de
recomeços, mas que no final foram apenas o início dos meus pesadelos.
— Eu tenho medo de água porque, quando eu era criança, minha
mãe se perdeu na vingança contra meu pai e decidiu que descontar suas
frustrações em mim seria a melhor opção, Levi — um sorriso frio toma
conta do meu rosto. — Eu tenho medo de água porque a minha própria mãe
me afogou dezenas de vezes, enquanto meu pai preferia as amantes a ela.
Todas as vezes que, na realidade distorcida dela, ela se sentia ignorada,
frustrada e humilhada, ela descontava tudo em mim.
Ele me encara com os olhos surpresos.
Minha fobia não é uma novidade, mas o motivo dela sim. A maneira
como criei pânico em todas as vezes que meu corpo ficava submerso fez
com que eu prometesse a mim mesmo que eu jamais me colocaria em um
risco como esse. Eu não entro em oceanos, não me aproximo de piscinas e
tampouco consigo ficar em uma banheira.
A água que um dia chegou a ser meu lugar de paz, hoje é o meu
pesadelo mais frequente.
— Sinto muito — ele sussurra.
— Não preciso da sua pena, Levi. — Minha voz soa quebrada.
— Eu estou sentindo muitas coisas nesse momento, Analu. — Sua
voz é perigosa. — Mas, acredite em mim, pena não é uma delas. Quando se
tratar de você, nunca será.
Dou um passo para trás, ignorando a forma como seu rosto não
desvia do meu.
Isso não é algo que estou preparada. Não posso permitir entender as
nuances desse sentimento.
— É a minha vez — digo após um arranhar de garganta.
— Tente me superar — diz, mas sua voz não contém o calor de
sempre.
Respiro fundo, concentro-me no alvo e, com um movimento suave,
lanço o meu próximo dardo. Observando-o voar, acertando o lugar ao lado
do último dardo de Levi. Ele chega por trás de mim, ergue sua mão e o
joga, fazendo com que seu objeto acerte o número quinze, como o meu
anterior.
— Por que você não fala sobre seu irmão? — questiono antes que
ele possa dizer algo.
Eu ganhei. Ele me deve uma resposta.
— Você não me disse que estava mudando o seu prêmio.
Levi me encara como se eu estivesse tocado em um assunto proibido
e talvez eu esteja e não me importo. Ele me obrigou a respondê-lo, agora é a
minha vez.
— Estou dizendo agora. — Jogo meu cabelo para trás. — Responda
a minha pergunta.
— Minha mãe não quer que as pessoas o usem como um motivo
para votarem nela. — Ele gira o dardo em mãos. — Pronta?
— Que hipócrita você é, Levi.
— Perdão?
— Você me cobra sinceridade quando nem mesmo você tem a
capacidade de assumir a verdade para si mesmo — minha voz é regada a
veneno.
Ele dá um passo em minha direção.
— Você quer a verdade?
— Nada mais do que isso.
Antes que eu possa dizer mais alguma coisa, ele se vira, pega seus
últimos dois dardos e os atira no alvo sem nem mesmo se concentrar. Com
uma combinação de habilidade e sorte, seus dardos atingem o centro do
alvo.
Um do lado do outro, conseguindo a pontuação máxima.
Entretanto, antes que eu possa dizer algo, Levi gira os calcanhares
em minha direção, estreita os olhos e nunca, em hipótese alguma, desvia o
olhar.
— Eu não falo sobre Matteo porque ele é uma ferida constante em
meu peito. — Responde a verdade. — Não falo sobre ele, porque não tenho
coragem de admitir que nunca superei a dor da perda que ele causou ao
morrer. Não conto a ninguém como a lembrança de ter sido o último a vê-lo
antes da sua morte, me afetou de uma forma que nunca consegui superar e
que todas as noites quando seu corpo pequeno sofria com as consequências
de sua doença, eu me quebrava de tal forma que eu não sei se um dia
poderei superar.
Levi leva a mão até a nuca e fecha os olhos, suspirando fundo.
— Levi...
— Você queria a verdade? Está aí, Analu — murmura. — A verdade
é que mesmo que o mundo me considere o garoto de ouro, eu tenho minhas
próprias dores. Eu tenho meus demônios e eles me consomem. Não é fácil
lidar com a morte de alguém que amamos. Não é fácil ver seus pais
entrarem em uma crise matrimonial porque estão sendo sugados pelo luto,
não é fácil ver sua irmã se destruir a ponto de precisar mudar de país. E não
é fácil querer ocupar o lugar que a morte dele deixou na minha família,
porque mesmo que eu negue, uma parte de mim se sente culpada. — Ele
para por um momento e deixa que uma pequena respiração salte de seus
lábios. — E não é fácil, Analu, ter um medo imensurável de ter filhos por
saber que eles também podem herdar isso, podem passar pelo mesmo
sofrimento que meu irmão passou antes de morrer, porque essa doença
passa de geração em geração na minha família. Esse é o maldito karma dos
Johnson.
Não tenho reação. Nem mesmo consigo entender a complexidade
das dores que estamos jorrando um para o outro, em um bar aleatório, numa
cidade desconhecida.
Levi é tão quebrado quanto eu.
Ele mantém suas dores para si, enquanto o mundo acredita que ele é
perfeito.
Eu as mantenho guardadas, porque elas poderiam destruir diversas
pessoas. Em especial, Theo.
— Sinto muito.
— Não sinta — repete minhas próprias palavras. — Você não
saberia entender essa dor.
Ergo uma sobrancelha.
— Por quê diz isso?
— Porque você nunca perdeu alguém que amava, Analu.
Dói.
Suas palavras doem de uma forma que não consigo segurar.
Ele não sabe. Ninguém sabe.
— Você não sabe, Levi.
Ela sorri friamente.
— Não, eu não sei. — Levi dá um passo à frente. — Mas sabe do
que eu sei?
— Por favor, diga — grunho.
Eu esperava tudo, mas não as suas próximas palavras.
— Sei que você machuca as pessoas porque outras te machucaram.
Você se protege mesmo que isso signifique machucar quem ama você. Você
se molda atrás das suas máscaras de megera e insensível e não se importa
com os outros. Mas, a verdade é que por baixo de tudo isso existe uma
garota que ainda tem sentimentos, mas é covarde demais para assumí-los.
— Suas palavras são duras e atingem algo dentro do meu peito. — Mas
deixe-me te contar algo, Parker. Todos nós fomos machucados. Todos nós.
Oliver teve pais de merda. Verônica, Dylan e Ed perderam a irmã. Logan
teve a família destruída. Summer viu a mãe sendo baleada, e você acha
mesmo que não entendemos? Acha mesmo que não temos dores e
cicatrizes? Bem, sinto te informar que está enganada.
— Você. Não. Entende — pontuo, engolindo em seco.
— Não, eu entendo perfeitamente! — Joga as palavras em meu colo.
— Mas a diferença entre nós dois, é que enquanto você prefere fingir que
consegue lidar com tudo sozinha, prefere se esconder atrás de suas frieza e
suas atitudes infantis ao invés de confiar em nós, na sua maldita família. Eu
estou fazendo com que as pessoas que eu amo se sintam bem ao meu lado e
não que tenham medo de mim. — Um sorriso falso nasce em seus lábios.
— Talvez você precise aprender a fazer isso também.
Engulo o nó que se forma na minha garganta enquanto o observo se
virar e me deixar parada, segurando meus últimos dardos.
Levi e ninguém sabe, mas nenhuma das minhas atitudes são em vão.
Eu os afastei das diversas formas que encontrei. Fui estúpida,
grosseira e, muita das vezes, irresponsável com as minhas próprias falas.
Tudo isso por um motivo, por uma forma de me proteger como não fiz
quando me entreguei de corpo e alma a pessoas que me destruíram e
levaram o melhor de mim.
Naquela noite no jardim, ele conheceu a verdadeira Analu, mas eu
não estava dançando pelo meu coração quebrado, eu estava dançando
porque isso distraía a dor da minha perda.
A perda da única coisa que me importava.
Eu não quero dizer adeus porque dessa vez é para sempre
Agora você está nas estrelas e sete palmos nunca pareceram tão longe
Estou sozinho aqui entre os céus e as cinzas
Oh, isso dói muito por um milhão de razões diferentes
Você tirou o melhor do meu coração e deixou o resto em pedaços
In The Stars | Benson Boone

PASSADO

A pele negra de Matteo possui vários furos de agulhas e fios ligados


ao seu corpo frágil. Seu sorriso, que antes era brilhante, agora é apenas um
misto de dor e medo.
Meu irmão não deveria estar aqui. Ele não deveria passar semanas,
meses e, até mesmo, anos preso em uma casa de hospital. Ele deveria estar
em casa, correndo pela mansão, pulando na piscina, indo brincar com seus
amigos e gritando por mim e Meg.
Ele não deveria me deixar.
Nunca.
Nós somos o alicerce um do outro.
Ele é a minha metade.
Meu melhor amigo.
E, mesmo assim, o mundo está tirando-o de mim. Levando meu
coração junto dele a cada vez que somos informados de que sua doença está
avançando e que não há nada que possam fazer a não ser esperar.
A cada novo exame, lágrimas são derramadas, mamãe grita e chora.
Meg se isola com seus inúmeros livros, por não saber como suportar a dor
que estamos lidando e papai desconta toda sua frustração no trabalho e nas
dezenas de garrafas de destilados.
Toda vez que um novo papel chega para os meus pais, eles não
conseguem olhá-lo sem chorar por saberem que a perda está vindo e não
podem fazer nada a respeito. Eu sou o único que consegue vir aqui abraçá-
lo, o único a ajudá-lo a ler seu livro favorito e a me deitar ao seu lado e
fingir que o mundo ao nosso redor não está ruindo a cada dia. Sou o único a
prometer que nunca o olharei com pena ou deixarei que o tratem apenas
como um novo experimento.
Matt confia em mim e eu nunca vou decepcioná-lo.
— Lev?
Sua voz é tão baixa, tão fraca que meus olhos se enchem d'água.
Passo a mão pelo meu moletom da Adidas e caminho até a beira de
sua cama, pulando com força para conseguir alcançá-lo, deixando um beijo
em sua bochecha e volto para a minha cadeira antes que uma das
enfermeiras cheguem e me tirem daqui.
— Oi, Matt — sorrio mostrando todos os dentes e juntando as duas
mãos em frente ao meu corpo.
— Você nadou hoje? — pergunta, sorrindo.
Água, o nosso lugar favorito.
O lugar que aprendemos a amar desde sempre.
O lugar onde ele não pode ir mais, porque pode ficar resfriado e isso
pode agravar seu estado de saúde.
E para suprir essa parte da sua vida que perdeu, prometi a ele que
todos os dias, mesmo nos dias frios, eu nadaria e falaria como foi a
sensação. Eu sentiria tudo o que ele não pode e depois me deitaria por horas
e contaria a ele cada detalhe, como teria sido se ele ainda pudesse me
acompanhar.
— Sim. — Um sorriso genuíno nasce em meus lábios. — Eu nadei
em dois lugares hoje.
Ele solta uma gargalhada. O monitor de repente apita e meus olhos
se arregalam com medo de ter causado algo a meu irmão, mas percebo que
seu coração apenas palpita de felicidade.
Matt não está me deixando, ele ainda está aqui.
— Deite-se ao meu lado e me conte tudo — pede, levantando o
cobertor de estrelas. — Cada detalhe.
Sorrio, tirando meu tênis rapidamente e indo até a porta correndo
para ver se nossos pais ou alguma enfermeira não estão por perto para me
recriminar por tirar o seu conforto. Assim que volto, me deito com cuidado
e me viro de lado, deixando o maior espaço para ele e observando seu rosto
magro, depois os olhos que deveriam possuir brilho, mas são apenas
acompanhados de medo.
Eu queria poder protegê-lo.
Queria que o mundo não fosse tão injusto.
Queria que ninguém visse como é doloroso saber que a morte de
alguém que amamos está vindo e não podemos fazer nada, mesmo que
tenhamos dinheiro suficiente para comprar o hospital todo.
— Eu primeiro nadei na piscina da nossa escola, que estava vazia.
Tive medo de pular, mas lembrei que você sempre me dizia para enfrentar
meus medos — conto, fingindo que lágrimas não piscam no fundo dos
meus olhos. — E eu enfrentei, Matt. Eu pulei e nadei até a parte funda e...
— E? — encoraja, ansioso.
— Foi incrível. — Solto uma risada. — Mas quase fui pego.
Ele solta uma gargalhada gostosa e tudo dentro de mim se ilumina.
— A Sra. Martínez te pegou?
— Não! — exclamo. — Eu sou inteligente demais para ser pego.
— O que você fez então? — pergunta curioso.
Sorrio para ele, observando seu olhar orgulhoso.
— Eu saí correndo de sunga pelos corredores e desviei de todos
antes que ela pudesse me pegar — brinco e ele gargalha ainda mais alto. —
Eu até mesmo tive que pedir ajuda a algumas crianças.
Quando volto a olhar para o meu rosto, percebo que está brilhante,
alegre e cheio de vida. Orgulho cresce em meu peito. Orgulho por saber que
mesmo dentre todas as lutas, Matt ainda sorri, ainda tenta ser feliz.
Ele ainda pode lutar. Pode vencer. Eu sei que ele pode.
Eu tenho esperança de que Matt vai sobreviver a essa doença.
— Qual foi o próximo lugar? — questiona ansioso.
— O lago — sussurro, como se fosse um segredo. — Eu fiz a Meg
me levar até lá.
Seus lábios se entreabrem, seus olhos brilham de curiosidade.
O lago é o seu lugar favorito.
Nosso lugar.
— Como foi? — praticamente grita.
— Assustador — conto a verdade e percebo que estou mexendo as
mãos. — Era escuro, tinha algumas plantas e... eu me senti sozinho.
Matt leva sua mão até meu ombro, apertando-o.
— Você nunca vai estar sozinho, Lev. Eu prometo — ele murmura
com um sorriso fraco. — Eu vou estar ao seu lado até mesmo com mil sóis
nos separando.
Uma lágrima involuntária desce pelo meu rosto.
— Eu não posso te perder, Matt.
— Você não vai, Lev.
Minha mão entrelaça a sua. Nossos olhos idênticos estão fixos um
no outro.
Ele sorri. Eu sorrio. O mundo se silencia.
Nós apenas ficamos ali por minutos, olhando um para o outro.
Entendo que mesmo que o mundo, um dia chegue a nos separar, teremos o
elo que construímos durante esses anos. Que estaremos ligados até o fim
dos tempos, porque me recuso a acreditar que não há um mundo onde meu
irmão e eu não nos encontraremos, que seremos outra vez, a metade um do
outro.
Ele é e sempre será meu melhor amigo mesmo que seja dois anos
mais novo.
Matteo Johnson sempre será aquele que me ensinou que, mesmo que
o mundo seja preto e branco, nós podemos forjar novas cores. Podemos
encontrar esperança quando menos esperarmos.
Meu irmão aprendeu a nadar quando eu disse a ele que tinha medo,
mas gostava da sensação da água ao meu redor. Ele me segurou quando
entramos pela primeira vez na piscina e me soltou quando tomei coragem o
suficiente para conseguir dar meu primeiro mergulho.
Eu dei a ele minha primeira medalha.
Ele me deu toda a sua esperança.
Eu dediquei todos os meus mergulhos a ele.
E ele dedicou sua luta a mim. Prometeu que nunca me deixaria.
Nós fomos cúmplices. Irmãos. Almas gêmeas.
— Você promete?
— Eu prometo estar com você mesmo não estando. — Sua resposta
me faz erguer uma sobrancelha.
— Isso é impossível.
Ele sorri.
— Uma das enfermeiras me disse que nós podemos estar ao lado de
alguém que amamos, mesmo não estando — conta, apertando minha mão.
— Eu acredito nisso, Lev. Eu vou estar com você mesmo não estando. É
uma promessa.
Mordo meu lábio inferior segurando as lágrimas.
— Eu vou nadar todo dia. Todo dia eu vou mergulhar o mais fundo
que eu conseguir e vou sentir que estou perto de você — prometo a ele. —
Eu vou estar com você mesmo não estando, Matt.
Ele levanta sua mão, dando-me o dedinho e eu faço o mesmo.
É uma promessa findada entre dois irmãos.
Duas crianças.
Nós prometemos que estaremos um ao lado do outro mesmo não
estando.
E eu vou cumprir. Mesmo que todos não acreditem nisso, eu vou
orgulhá-lo.
— Lev?
— Sim, Matt.
Ele olha para mim, lágrimas inundando seus incríveis olhos.
— Quando eu morrer, você pode cuidar do papai e da mamãe? —
Uma lágrima desce pelo seu rosto. — Você pode fazer com que eles
esqueçam a dor que causei, por não ter conseguido ser perfeito?
Lágrimas descem pelo meu rosto.
Não há como segurá-las. Não mais. Não quando tudo o que quero é
proteger meu irmãozinho mesmo que eu tenha apenas nove anos.
Eu não quero que ele e nem ninguém possa passar por isso. Não é
certo. É cruel e doloroso.
— Você é perfeito, Matt.
— Eu vou morrer, Lev. — Um soluço sai de seus lábios. — Eu os
escutei falando que o tratamento não está ajudando mais. E eu não quero
morrer, Lev. Eu quero estar com vocês, eu quero ver você ser o maior
nadador e se tornar como nosso pai.
Eu o encaro sentindo tudo dentro de mim se estilhaçar.
Não deveria fazer outra promessa. Não deveria nem ao menos ter
esse tipo de esperança, porque nós dois sabemos que somos apenas duas
crianças sonhadoras. Se o fizer sofrer, faço com que mamãe e papai também
sofram, mas não posso deixá-lo assim, não posso permitir que Matt ache
que vai nos abandonar.
— Você não vai, Matt — afirmo, mesmo não sabendo como vou
tirá-lo daqui. — Eu não vou deixar você aqui para sempre.
Ele, mesmo entre as lágrimas, sorri.
E eu, mesmo com tudo dentro de mim se despedaçando por saber
que estou perdendo meu irmão, meu melhor amigo, tento devolver o
sorriso.
Mas, de todas essas coisas, eu prometo a mim mesmo que ele não
vai ter seus últimos dias em uma cama de hospital.
Nem em meio a vários fios ligados ao seu corpo.

— A gente não pode simplesmente tirar Matt do hospital, Levi —


Meg afirma, andando de um lado para o outro. — Mamãe e papai nos
matariam.
Ela solta uma série de xingamentos, arrumando os cachos que caem
em volta da sua expressão preocupada. Seu rosto está abatido, seus olhos
repletos de lágrimas que não deixam cair e uma dor que compreendo irradia
de suas pupilas.
Meg também sente isso. Sente que estamos perdendo-o.
— Não podemos deixá-lo lá, Meg — choro. — Ele está cada dia
pior.
— Lev… eu sei que você é novo, que não entende o que está
acontecendo — ela diz, como se estivesse tentando me acalmar. Mas, eu
não preciso ser acalmado, eu preciso do meu irmão. — Mas, se tirarmos ele
de lá, todo o tratamento será em vão.
Não, não é verdade.
Eles que não estão entendendo.
Se tirarmos ele, ele vai melhorar.
Se tirarmos ele, ele vai poder aproveitar o que ainda lhe resta.
Se tirarmos ele, se apenas... Matt vai poder sentir a água outra vez.
Matt não precisa que sejam mais agressivos com o tratamento
quando, claramente, já não está mais funcionando. Ele precisa da família.
— Ele não precisa de tratamento. Ele precisa de mim! — grito em
todos os pulmões.
— O que está acontecendo aqui? — Papai pergunta, se escorando no
batente da porta.
— Fale para ele, Levi — ela ordena. — Fale o que quer fazer com
Matt.
Meu pai fecha os olhos por um segundo. Ver o tão temido juiz de
Saint Vincent, que não possui medo de nada, se quebrar pouco a pouco, é
algo que ninguém imaginava que aconteceria. Ninguém nunca sabe que
quando os portões da mansão se fecham, quando o expediente acaba e o
mundo esquece que existimos, ele chora e se lastima pelo filho que, agora,
está em leito de morte em um dos melhores hospitais do país.
— Vocês deveriam trazer Matt para casa. — São minhas únicas
palavras.
Ele não se move. Nem mesmo respira.
Megan apenas deixa uma lágrima descer.
— Não.
— Pai — suplico.
— Não, Levi! — ele grita e eu me encolho. — É óbvio que não
vamos fazer essa loucura. Ele está bem lá e enquanto houver uma chance,
vamos lutar por isso. Estão me ouvindo?
Eu poderia acreditar em suas palavras.
Eu poderia, se não tivesse visto o olhar de Matt.
Se não soubesse que ele está definhando naquele ambiente.
De repente, atrás dele, mamãe aparece vestida com um vestido
longo e velho. Seus cabelos que sempre estão elaborados, hoje estão
bagunçados. Olheiras rondam seus olhos e o cansaço, a dor de estar
perdendo um filho e a falta de esperança se infiltram em toda a sua
expressão.
Ela me olha com tristeza e ao mesmo tempo compreensão.
Eu a encaro como se mesmo entre a dor, ela continuasse a ser a
minha heroína.
Dor. Dor envolve a minha família e rasga o que ainda sobra.
Nós estamos perdendo nosso ponto de luz.
O garoto que corria pela casa fingindo ser um avião. Que pulou na
água sem medo depois de apenas uma aula de natação, que escondeu as
maquiagens de Megan. Que roubou os tacos de papai e se sentou no colo de
mamãe segurando uma mamadeira, quando ela estava dando uma entrevista
super importante, para uma das maiores revistas do mundo.
Nós estamos perdendo-o e deixando que isso o machuque mais do
que tudo.
— Levi tem razão — mamãe murmura. — Eu não aguento mais,
Thomás. Não aguento mais ver meu menininho sofrer com todos aqueles
tratamentos agressivos, com as dores e com um sorriso corajoso no rosto,
apenas para dizer que está tudo bem, que ele aguenta tudo o que está
acontecendo.
Um choro toma conta do quarto.
Papai corre até onde está minha mãe. Meg me abraça por trás,
finalmente deixando que as lágrimas desçam. Deixando que a dor tome
conta de seu coração.
Minha família se quebra.
Nós entendemos, nós aceitamos mesmo que nosso coração não.
Matteo está nos deixando e nós não podemos permitir que ele tenha
seus últimos dias sozinho em uma cama de hospital, cercado de aparelhos e
medicamentos.
— Shh, querida, tudo vai ficar bem — ele murmura em sua cabeça,
abraçando-a.
— Não, não vai — sua voz é quebrada, dolorosa. — Nosso menino
está morrendo e não temos como salvá-lo.
A verdade é essa.
Ele está morrendo. Ele vai me deixar.
— Então, nós vamos trazê-lo para casa — papai afirma. — Nós
vamos deixá-lo saber que sempre estaremos ao seu lado.

Matt voltou para casa três dias depois.


Em duas semanas, mesmo com inúmeros medicamentos, visitas de
diversos médicos e enfermeiras andando de um lado para o outro em nossa
casa, ele já havia recuperado todo o brilho perdido.
Nós rimos, lemos, assistimos todos os filmes que podíamos e
contamos histórias que jamais aconteceram. Nós éramos apenas duas
crianças, dois irmãos. Ele se deitou na minha cama incontáveis vezes e eu
me esgueirei para o seu quarto todas as noites.
Nunca nos separamos.
Nunca abandonamos um ao outro.
Matt pôde entrar na piscina ao meu lado, mesmo que por poucos
minutos, pôde sorrir com a sensação da água ao seu redor. Eu o vi sendo a
criança que sempre deveria ter sido se a sua doença não tivesse se
apropriado de sua vida.
Mas, foi na quarta semana que percebi que ele estava pronto para
nos deixar. Seu corpo estava fraco, seus olhos tristes e nem mesmo o
barulho da água fez com que ele se animasse para se levantar.
Médicos foram chamados, enfermeiras tomaram conta dele e até
mesmo cogitaram levá-lo de volta ao hospital. Mas, Matt implorou e
mamãe já não aguentava mais lutar e falhar. Não aguentávamos mais vê-lo
sofrer. Então, ela apenas beijou sua testa e lhe disse que sempre o
protegeria, mesmo quando todo mundo achasse que seria impossível.
Ela se manteve forte, mesmo que tudo dentro dela gritasse para que
o levasse para o hospital, mesmo que o câncer fosse terminal.
— Lev?
Sua voz calma, me faz levantar correndo.
— Estou aqui, Matt.
— Você pode se deitar comigo? — pergunta, baixinho. — Eu estou
com frio.
Sorrio para ele, puxando seu cobertor e observo seu corpo pequeno
e magro se arrastando para o lado para que eu pudesse me deitar ao seu
lado.
— Você quer que eu chame a mamãe? — pergunto.
— Não… — diz, com um pouco de dificuldade. — Você nadou
hoje?
Sorrio fracamente.
— Sim — conto, baixinho. — Hoje eu fui à nossa piscina.
— E como foi?
— Como comer doce escondido antes do almoço — falo, animado.
— Eu mergulhei na parte funda. E depois consegui pular e virar um mortal.
Foi tão legal, Matt!
— Eu queria poder ter visto. — Ele sorri.
— Você ainda vai poder ver. — Seguro sua mão com força. — Você
vai nadar ao meu lado e vai conquistar suas próprias medalhas.
Seu sorriso aumenta, o brilho em seus olhos é como estrelas
cadentes.
— Nós vamos ter uma sala especial na biblioteca da vovó —
comenta, animado. — Ninguém vai se comparar aos irmãos Johnson. Eu e
você, Levi, vamos conquistar o mundo.
— Eu e você para sempre, Matt.
Um sorriso brilhante envolve todo o meu rosto. Lágrimas de orgulho
descem pelo meu rosto.
Ele está tão confiante. Eu estou.
Matt não vai mais me abandonar.
Ninguém vai tirá-lo de mim.
— Mas, eu ainda quero que você saiba que vou estar com você
mesmo não estando. — Repete as mesmas palavras do hospital. — E se eu
não puder, quero que você conquiste todas as medalhas e o mundo, quero
que você faça tudo, Lev. Quero que construa a sala secreta na biblioteca da
vovó e leve apenas a pessoa que confia lá e conte sobre nossos sonhos.
Lágrimas descem pelos nossos rostos.
— Matt.
— Eu quero que você viva, Lev. — Seu queixo treme. — E quero
que você cuide da mamãe, do papai e da Meg. Não os deixe sofrer.
É como uma despedida.
Como um adeus.
Um que não posso aceitar. Não hoje. Não, nunca.
— E quem vai cuidar de você, Matt?
— Eu já sou grande igual a você, Lev — brinca. — Eu posso cuidar
de mim.
— Você é um pirralho. — Reviro meus olhos.
Ele solta uma gargalhada fraca.
— Igual a você.
Sim. Igual a mim.
— Por isso somos irmãos.
— Somos mais que isso, Lev. — Ele sorri. — Nós somos melhores
amigos.
É isso. Nós somos melhores amigos para sempre.
— Eu te amo, Matt.
Ele se aproxima, beija minha testa e sorri.
— E eu te amo mais, Lev.
Então, ele fecha os olhos sorrindo e dorme.
Ele dorme como um anjo e eu apenas beijo sua testa e vou para meu
quarto.
Mas, eu nunca deveria ter saído de lá, nunca deveria ter suplicado
para que o trouxessem para casa. Nunca deveria ter feito tudo o que fiz.
Porque se eu o tivesse deixado no hospital, ele ainda teria uma chance. Ele
não teria se despedido de mim daquela forma.
Se eu não tivesse sido tão egoísta, essa não teria sido a nossa última
noite juntos. Porque Matteo Johnson morreu horas depois que eu saí do seu
quarto, por conta de uma complicação respiratória ocasionada pelo estado
grave e avançado de sua doença.
Eu nunca pude me despedir do meu irmão da forma como ele
merecia.
Nunca consegui fazer com que ele realizasse seus sonhos,
entretanto, jurei que iria realizar cada um deles. Por mim e por ele. E, acima
de tudo, eu nunca esqueci de suas palavras: eu vou estar com você mesmo
não estando.
E era verdade. Ele esteve comigo desde aquela noite.
Porque a cada vez que eu estava na água, eu podia senti-lo.
Cada vez que todo o mundo me sufocava, a nossa piscina era o meu
ponto de paz.
Podia entender que mesmo que não estejamos juntos, ele sempre
seria parte de mim.
E de repente, você é aquele que eu tenho esperado
Rei do meu coração, corpo e alma, uou
E de repente, você é tudo o que eu quero, nunca vou te largar
Rei do meu coração, corpo e alma, uou
King of My Heart | Taylor Swift

Eu não volto para o hotel e nem procuro por Levi.


Apenas entro em um táxi e peço para que ele dirija pelos pontos
turísticos da cidade. Não sei e nem tento entender o porquê disso, apenas
observo pela janela cada novo lugar que passamos, ignorando o motorista
que me lança olhares gentis.
Se eu for parar para ser sincera, nem mesmo presto atenção na bela
cidade. Eu não me importo com nada neste lugar. Nem mesmo entendo o
porquê ainda não pedi para que o taxista me leve até o hotel, onde posso
ignorar o mundo e talvez apenas assistir a mais um dos meus inúmeros
documentários criminais.
Entretanto, a cada vez que penso em voltar para lá, a minha mente
vagueia para o momento naquele maldito bar. Nas frases proferidas por
Levi e em como uma brincadeira idiota de perguntas nos tirou tanto sem
que percebemos. Nós nos desfazemos mesmo sem desejarmos. Eu dei a ele
um pedaço de mim que nunca ousei dar a ninguém e ele me entregou partes
suas que, agora percebo, estavam escondidas.
Nós fomos límpidos. Tiramos nossas máscaras e, com isso, nos
permitimos sermos vulneráveis para aqueles que, meses atrás,
esmagaríamos sem pensar duas vezes.
Ele me falou sobre o seu irmão.
Eu contei sobre a minha fobia.
Agora, observando o carro finalmente estacionar perto do Lincoln
Memorial, percebo que preciso ficar sozinha, que tenho que respirar o ar
puro e deixar com que minha mente pare de ir a lugares que eu nem mesmo
imaginava que precisava.
O vento frio da noite e nem mesmo o salto me incomodam. Tudo
parece estar inerte ao passo que caminho pelo parque rumo ao monumento.
Você nunca perdeu alguém que amava, Analu.
A frase martela em minha cabeça como um mantra.
Eu vou te ajudar, querida.
Memórias tomam conta de mim e lágrimas que nunca deixarei cair
outra vez, nublam a borda dos meus olhos.
Eu perdi. Eu fui a culpada.
Mas, ninguém sabe, ninguém imagina.
Ninguém imagina que eu precisei lidar com todas as consequências
das ações de terceiros em minha vida e que isso acarretou tantas
inseguranças em mim, que apenas o mero pensamento de estar outra vez a
mercê de alguém, me apavora.
Retiro meu celular da bolsa e ligo para as únicas pessoas que
poderiam tirar o peso do mundo que pousam em minhas costas mesmo a
quilômetros de distância.
No primeiro toque penso em desligar, não é de meu feito busca por
consolo.
No segundo, me arrependo. Ninguém tem que me ajudar a lidar com
as minhas dores. Eu posso fazer isso sozinha.
Mas é no terceiro toque, quando o rosto de Verônica, Summer e
Hazel aparecem na tela do meu telefone, que percebo que não me importo
como isso soa. Eu me importo apenas em saber que elas estarão aqui para
mim se eu pedir, que elas moveriam o mundo apenas pelo mísero
pensamento de que algo pode me machucar.
— Por que você está em um lugar com árvores? — Verônica ergue
uma sobrancelha. — Não deveria estar naquele hotel caríssimo que a
universidade reservou?
Jogo meus cabelos para trás, observando o semblante confuso delas.
— Não me diga, por favor, que você já chutou a bunda de Levi —
Summer indaga, caminhando pelo apartamento dos nossos amigos enquanto
Verônica posiciona o telefone de forma que todas elas apareçam.
— Ainda não, infelizmente.
Hazel abre a boca para dizer algo. Seus grandes olhos escuros me
encaram, como se soubesse que não liguei para falar sobre coisas banais.
Ela sabe e ela se preocupa.
Seus olhos nunca deixam os meus e um sentimento desconhecido
salta do meu peito quando percebo que posso estar começando a sentir algo
por ela, que poderia se comparar a relação de Vee e seus irmãos, de Ollie e
Andi e até mesmo a minha e de Theo. Uma sensação que nunca imaginei
que realmente seria capaz de sentir, não depois de tudo o que fizeram para
nos separar, de todas as coisas que minha mãe fez para ela e sua família.
Mesmo assim, nós estamos começando a passar por cima de todas as
probabilidades e vencendo. Hazel me prometeu estar aqui por mim quando
precisasse e está cumprindo.
Entretanto, é a voz de outra pessoa que ecoa e me faz erguer uma
sobrancelha.
— Josh, eu ainda estou ganhando a nossa aposta, seu merdinha —
Vee grita, virando seu rosto de lado.
Encaro-a perplexa, porém um quarto rosto aparece na tela e deixa
espaço para que eu possa mandar Verônica para um lugar não muito
habitado. Josh sorri amplamente e seus olhos castanhos brilham quando me
avista.
— Oi, Parker — Sua saudação é calorosa. — Trate de chutar a
bunda de Levi logo. Não quero perder cem dólares.
— Você apostou cem dólares? — Solto um bufo. — Cem malditos
dólares?
Summer solta uma gargalhada.
— Não. — Ela dá de ombros. — Ele apostou cem. Nós três
apostamos mil.
— Eu vou quebrar aquele sabre de luz na sua cara quando eu voltar,
Josh. — Os olhos de duas pessoas que passam por mim se arregalam. — Eu
juro que irei.
— Em minha defesa, eu realmente achei que vocês conseguiriam
aguentar essa atração por mais dias — Josh dá de ombros. — Juro que a
ideia de vocês cederem foi de Verônica.
— Nós não temos uma atração, idiota — grunho, subindo as escadas
em direção ao memorial.
— Vocês têm sim — Verônica, Summer, Hazel e Josh respondem em
uníssono.
— Desculpa, Analu, mas tenho que concordar com eles — Hazel
diz, sorrindo. — Vocês são quentes.
Tenho vontade de mandá-los para o inferno, mas a lembrança do
beijo no gazebo, das vezes que provocamos um ao outro e até mesmo como
me segurou hoje à noite, enquanto me ensinava como jogar um dardo faz
com que tudo dentro de mim, me mostre que talvez meus amigos estejam
certos.
Nós temos uma atração. E ela é o motivo pelo qual estamos fodendo
com tudo e confundindo sentimentos.
— Você está bem, Analu?
A voz suave da Hazel volta a emergir, me fazendo voltar dos meus
devaneios e perceber que Josh já não está mais entre elas.
— Precisamos viajar até aí? — Vee indaga.
— Ou que chutemos nós mesmo a bunda de Levi? — Summer
completa.
— Nós podemos apenas te fazer companhia. — Haz dá de ombros,
sendo a mais sensata.
Encaro-as sem saber como responder.
Olho para Vee, que me encara com um vinco entre as sobrancelhas,
que me indica que poderia pegar seu carro e dirigir como dirige em suas
corridas, para chegar até aqui em tempo recorde. Desvio o olhar para Sum
que tem um pequeno sorriso em seu rosto e, por fim, para Hazel que não
desvia o olhar. Ela me estuda com afinco, procurando por respostas.
Preocupação toma conta de suas feições e me pergunto como pude
afastá-las? Como consegui viver meses sem esse apoio delas? Como
permiti que toda a manipulação de Amara nublasse meu julgamento sobre o
sentimento que emana de nós quatro?
Sempre havia me perguntado como seria ter amigos que destruiriam
o mundo por mim, como era a sensação de não se sentir sozinha e de ter
alguém que mostraria o significado de família. Agora percebo que quando
tive a prova disso tudo, quando eles me acolheram e entenderam todas as
nuances da minha personalidade, eu tive medo de ser apenas um mártir na
vida delas, tive medo de que um dia acordariam e perceberam que eu não
valho a pena.
Deixei que todas as coisas que minha mãe sussurrou em meu ouvido
fosse maior do que as vezes que essas três mulheres me provaram que eu
sou mais do que aparento.
Elas enxergaram meu pior lado e permaneceram.
Elas viram a minha escuridão e me abraçaram.
Elas, as minhas melhores amigas, me enxergaram quando nem eu
mesmo conseguia fazer isso e se orgulharam.
E, eu não pensei duas vezes antes de mandá-las para fora da minha
vida.
— Não. — Meus ombros murcham. — Eu só não queria me sentir
sozinha hoje.
Os olhos delas se enchem de surpresa. Talvez até mesmo o meu
esteja desta forma. Eu não demonstro sentimentos. Não deixo que as
pessoas cheguem até onde possam me machucar. É quem eu sou, quem fui
criada para ser.
Mas, pela primeira vez, eu não me importo com isso.
Não me importo de deixar claro que sinto mais do que aparento. Não
para elas. Nunca mais escondo delas o que realmente sou.
Por isso, eu deixo que tudo de mim, pela primeira vez em anos, sinta
algo que desprezo por si mesmo.
— Você não está. — Hazel murmura, sorrindo fraco. — Não mais.
E eu acredito fielmente nisso.
Não há mais solidão.
Não com todos eles ao meu lado.
Eles me mostraram como é ter coragem de encarar nossos
sentimentos, de abrir o peito e esperar algo das pessoas e deixar que
esperem de você. Me mostraram que está tudo bem tirar o colete a prova de
balas, às vezes, e se deixar cativar por alguém que pode ficar a vida inteira
ou apenas um dia.
— Agora vocês podem me explicar que merda essa de apostarem
sobre mim e aquele Projeto de Pequena Sereia?

Assim que o Uber para em frente ao hotel, já se passa da meia-noite.


Eu não esperava ficar fora por tanto tempo, mas quando percebi que
me sentei na escada e fiquei escutando minhas amigas falarem sobre tudo o
que aconteceu desde que viajei, fez com que eu perdesse a noção do tempo.
Agora, observando o enorme prédio, sei que não posso mais fugir.
Não quando o motivo da minha fuga divide o quarto comigo.
Caminho a passos lentos até o bar, a fim de pegar uma bebida e
tomar coragem para o que quer que esteja vindo e assim que ultrapasso as
portas duplas, ergo uma sobrancelha para a imagem à minha frente. Levi
leva um copo de água com limão até os lábios e sua atenção se mantém na
garota sentada ao seu lado.
Ela sorri para ele alegremente e coloca uma mecha dos cabelos
vermelhos atrás da orelha, chamando atenção para a sua maquiagem forte.
Meu olhar a estuda e quando percebo ele se inclina em sua direção para
ouvir algo que ela diz. Não é necessário ser um gênio para perceber que ela
encara Levi com um certo desejo, que é humilhante até mesmo para os
telespectadores em volta deles.
— Eu ouvi dizer que você e Johnson destroem todos nos
campeonatos de debates — Uma voz que não reconheço me faz olhar sobre
meus ombros. — Acho que fora deles também.
Franzo o cenho, tentando lembrar de onde o reconheço.
— Jake Adams — se apresenta quando percebe que não me recordo.
— Meu pai é um dos investidores do novo clube da sua família.
Balanço a cabeça, entediada.
— Legal.
— Hum... você aceita uma bebida?
Viro em sua direção, ignorando o casal atrás de mim e observando a
sua pele pálida, o sorriso fraco e a postura relaxada. Jake não é alguém que
eu aceitaria uma bebida ou me interessaria. Tudo nele grita o quanto lambe
a bunda de seus pais pelo dinheiro e eu não preciso de uma merda dessa na
minha vida.
— Você quer me pagar uma bebida porque deseja isso, ou você quer
fazer isso porque o seu pai vai gostar? — inquiro, curiosa.
Ele ergue uma sobrancelha perplexo com a minha pergunta e eu
apenas reviro os olhos.
— Você não precisa da resposta dele — a voz rouca de Levi ressoa
atrás de mim. — Porque ele definitivamente não está pagando pela sua
bebida.
Olho por cima dos ombros, para onde Levi está parado e encarando
Jake com os olhos nada amigáveis. Sua antiga companhia olha em nossa
direção com uma carranca nervosa, por tê-la abandonado, e eu apenas ergo
uma sobrancelha na direção do homem que ocupa todos os meus
pensamentos.
— E você decide as coisas por mim desde quando?
Raiva. Ciúmes. Decepção.
Rondam minha expressão e ele sabe disso. Sabe tanto que sorri.
É um sorriso que, em um primeiro momento, quem presencia acha
que é compreensivo, preocupado. Porém, para quem já conhece esse idiota
há anos, sabe que é regado a desafio e condescendência.
— Desde que eu sou o presidente da nossa equipe e preciso dela em
perfeito estado para o primeiro debate amanhã, Srta. Parker — o tom
debochado em suas palavras me faz cerrar os punhos. — Ou você deseja
que eu acorde a Sra. Reid para comunicá-la que a sua melhor aluna prefere
passar a noite com um adversário?
Umedeço meus lábios, inclinando minha cabeça para o lado e
apontando o queixo para onde ele estava minutos atrás.
— Então, isso vale apenas para o resto da equipe? — questiono,
erguendo meu queixo. — Já que o presidente dela, pelo visto, não segue o
mesmo pensamento.
Uma risada nasalada salta dele ao mesmo tempo que cruza os lábios.
— É a minha atitude que te irrita, princesa?
— Mais do que posso admitir. — Me preparo para girar meus
calcanhares e ir em direção ao elevador, mas antes me aproximo dele e
inclino meu corpo para sussurrar em seu ouvido. — Qual a sua escala de
desespero para ter que conseguir uma conquista em um bar, Levi?
— Não sei. Mas, qual a sua para ser a conquista barata dele em um
bar, princesa? — Ele sorri, se vira para Jake que havíamos esquecido da
existência até o momento e lança a ele um pequeno cumprimento. — Boa
sorte, cara. Você vai precisar.
— Obrigado?
— Diga isso pela manhã quando ela nem mesmo lembrar do seu
nome — O sorriso canalha de Levi está estampado em seu rosto.
— Eu poderia dizer o mesmo, mas acho que sua companhia cansou
de esperar. — Solto um sorriso malicioso.
Levi olha para trás, dando de ombros, e sorri novamente em minha
direção.
— Está tudo bem, não era com ela que eu desejava terminar a minha
noite. — Seus olhos pousam nos meus. — Te vejo no nosso quarto,
princesa.
Ele passa por mim, não me dando tempo para respondê-lo e segue
rumo ao elevador. Meus olhos nunca se desviam da estatura de Levi
caminhando pelo ambiente como se fosse dono do lugar. Ele olha para trás
com uma careta zombeteira, que me faz levantar o dedo médio em sua
direção, irritada por algum motivo que não reconheço, me fazendo esquecer
a presença de Jake, que ainda nos encara curioso ao mesmo tempo que
Johnson pende a cabeça para trás e solta uma gargalhada.
Trégua é o caralho.
Levi Johnson me irrita ao ponto de que o único lugar que teremos
trégua será quando estivermos os dois em países distantes e desconfio que
até mesmo assim, acharíamos uma maneira de irritar um ao outro.
— Uau, vocês dois... — Jake começa, mas não o escuto.
— Com licença.
Os olhos da minha companhia se arregalam quando giro meus
calcanhares, ignorando-o, e sigo na mesma direção que Levi, sentindo uma
vontade imensurável e desconhecida de jogá-lo pela janela, com intenções
homicidas, tomando conta do meu corpo.
Ele não tem o direito de fazer isso, não depois de tudo.
O alcanço no momento que as portas do elevador se abrem e ele
sorri, indicando para que eu entre primeiro e me segue, antes das portas se
fecharem atrás de nós, deixando-nos sozinho e irritados.
— Qual a porra do seu problema, Levi? — balbucio, pronta para
estapeá-lo.
— Apenas desejei uma boa noite. — O tom jocoso em suas palavras
me irrita, fazendo com que precise cerrar os punhos. — Não posso?
Estalo a língua no céu da boca.
— Não seja condescendente...
— Você está irritada, Parker. — Ele dá de ombros. — Quando
chegarmos ao quarto talvez seja necessária uma massagem. Ou você quer
que eu te peça um suco de maracujá?
— Sim, eu estou irritada, porra! Você inventa uma trégua, logo após
me desafia em um jogo descabido, para então me deixar sozinha em um bar
cheio de desconhecidos, e quando eu acho que a minha noite não pode
piorar, você atrapalha a minha conversa com Jake — pontuo, me virando
em sua direção. — Você é um babaca sem escrúpulos.
— Jake Adams, hein — Um sorriso canalha escorrega pelos seus
lábios, ignorando todas minhas palavras. — Não sabia que gostava de
aristocratas.
Solto um bufo irritado, fecho meus olhos e conto até dez.
Dez números para realmente não assassiná-lo.
Assassinato não é uma opção. Ser presa a essa altura do campeonato
e declarar derrota? Jamais.
Meu réu primário vale mais que Levi Johnson.
Mas, tudo bem. Ele quer jogar? Ok. Vamos jogar.
Volto a abrir meus olhos, sorrir de volta e observo-o se escorar na
parede de metal, me lançando um olhar carregado de sentimentos
incompreensíveis.
— E eu não sabia que gostava de companhias aleatórias.
Ele inclina a cabeça para o lado, passando a língua pelo lábio
inferior e então, se vira de lado, olhando-me de cima a abaixo com uma
expressão concentrada.
— Elas são gentis. — Dá de ombros.
— Aristocratas também sabem ser. — Passo a língua pelo meu lábio
inferior. — Você já ouviu aquele boato de que os certinhos sempre são os
melhores na cama?
Levi descruza os braços, dá um passo à frente, aperta o botão de
emergência, fazendo com que o elevador pare.
Erguendo o braço e colocando-o na superfície acima da minha
cabeça, o observo se inclinar até que nossos rostos fiquem rentes um do
outro. Ele passa a língua outra vez pelo lábio inferior e meus olhos
acompanham o movimento com afinco, estudando a maneira como sua boca
me chama, como a vontade de testar o seu gosto outra vez, me consome
pouco a pouco.
— Então, você gostaria de transar com ele?
Ergo meu queixo, dando-lhe um sorriso frio.
— Talvez — minto, minha voz aveludada. — Talvez Adams seja
exatamente o que eu preciso para essa viagem.
Os olhos de Levi, de repente, são como brasas. Não há brincadeira.
Não há nada. Só a nossa presença importa.
Levi me encara e com isso, o ar some de todo o pequeno espaço
entre nós e tudo se torna borrão. O elevador continua parado e nós
continuamos nos encarando. Nenhum dos dois cede. Não há nada, em
absoluto, que poderia nos separar neste momento.
— Eu acho que não.
— Então do que eu precisaria, Levi?
Ele sorri.
— De mim. — Sua mão sobe até meu pescoço, segurando-o e me
puxando para frente, colando nossos corpos. — Você precisa que eu te foda
até que desmaie de exaustão. — Sua mão livre desce pelo meu vestido,
pousando na barra. — Você precisa que eu te chupe como ninguém nunca
fez, precisa que eu te coloque curvada naquele sofá em nosso quarto e te
ensine a ser uma boa garota e então, precisa que eu te obrigue a ficar de
joelhos enquanto me deixa foder essa boca esperta. — Ele se aproxima,
nunca soltando meu pescoço. — Você precisa de mim. Apenas de mim,
porra.
Olho para ele, perplexa.
Desejo, raiva e necessidade transbordam dentro de mim.
— Eu nunca vou transar com você.
As palavras são mais para mim do que para ele. Levi sorri como se
soubesse disso, soubesse que eu o quero, que o desejo de uma forma que
está me corroendo por dentro.
Umedeço meus lábios, encarando os dele. Poucos centímetros nos
separam. E como no gazebo, nós queremos acabar com essa distância, nós
desejamos que ela suma e nos arrebate.
Ele sabe e investe nisso, porque sua língua volta a se projetar para
fora, traçando de leve meus lábios. É uma carícia leve, mas faz com que
tudo dentro de mim se agite e minha boceta se aperte. É como uma
incessável combustão.
Incendeia tudo dentro de mim e faz desejar por mais.
— Você também disse que nunca me beijaria. — Ele se abaixa,
deixando um beijo em minha clavícula. O toque leve queima, inebria. —
Então, posso constatar que você é tão linda quanto mentirosa. — Sua mão
sobe mais um pouco e a outra aperta meu pescoço. — Agora, princesa, abra
essas pernas para que eu possa ver o quanto a sua boceta me deseja.
Culpo todo o meu desejo por esse idiota ao fazer exatamente o que
ordena.
Minhas pernas se distanciam de leve, dando a ele uma passagem até
onde o quero. O canalha sorri quando seu dedo circula meu clitóris ainda
por cima da calcinha de renda, sentindo o quão encharcada estou. Jogo
minha cabeça para trás, entreabrindo os lábios e dando a ele mais espaço
para que sua mão aperte meu ponto de pulsação.
Sua boca morde meu queixo de leve e arrasta delicadamente a
calcinha para o lado, criando uma fricção entre o tecido e minha boceta que
faz soltar pequenos suspiros.
— Eu te odeio — murmuro entre fôlegos, sentindo-o coloca um
dedo dentro de mim, em um movimento de vai e vem, que mais se pode
comparar a tortura. — Eu te odeio tanto.
Minha voz não soa como pretendo. Seus olhos encontram os meus,
um sorriso lascivo nascendo em sua boca.
Deus, ele é malditamente gostoso.
— Você me odeia tanto quanto está encharcada para mim? — Ele
toma seu tempo, brincando e me encarando pronto para me fazer implorar
por ele.
Sentindo que não consigo resistir ao desejo, Levi nos inclina na
parede de metal atrás mim e coloca seu joelho entre minhas pernas, as
afastando ainda mais. Ele sabe o que eu preciso, sabe que estou agonizando
pelo seu toque.
Um novo dedo é acrescentado e, por Deus, Levi sabe exatamente
onde colocar os dedos, acariciar e esfregar. Posso sentir meu corpo tremer
de forma violenta enquanto eu monto seus dedos com afinco.
— Levi...
— Dizem que foder com ódio é mais gostoso. — Ele passa a língua
pelo lóbulo da minha orelha. — Então acho que posso lidar com seu ódio,
princesa.
E antes que eu possa pensar, Levi retira seus dedos de dentro de
mim, leva-os até a sua boca e os chupa. A sensação que tenho ao escutar o
som que ele faz ao provar meu gosto, é de que ele está se deliciando com a
sua sobremesa favorita.
É malditamente delicioso apreciá-lo nesta forma pecaminosa.
Mas, antes que eu possa raciocinar o que está acontecendo, as portas
do elevador se abrem e Levi segura minha cintura, jogando meu corpo
sobre seus ombros e se virando para sair do ambiente. A atitude inesperada
faz com que meu coração, de repente, se acelere.
— Eu adoraria comer você aqui, mas como disse naquele gazebo, eu
serei o único a apreciar você, seus gritos, gemidos e a sua boceta. — Ele dá
um maldito tapa em minha bunda. — E nós já demos o suficiente para os
idiotas atrás dessa câmera se masturbarem.
Eu olho para cima, para onde a pequena câmera dentro do elevador
pisca.
Merda.
Merda.
Merda.
Eu deixei com que Levi me fodesse com os dedos dentro de um
elevador, com inúmeros professores hospedados e tendo uma câmera de
segurança virado para nós dois. E se isso cair nas mãos erradas, nós dois
estaremos completamente fodidos. Mas, uma parte doentia de mim não se
importa com isso. Ao contrário, ela até mesmo gosta e deseja que Levi faça
exatamente o que proferiu.
Não me importo que isso possa cair nas mãos dos nossos pais.
Não me importo se sairemos nas capas de revistas.
Nem que seja um escândalo a filha perfeita de Henrique Parker
sendo fodida dentro do elevador pelo filho da senadora que ele tanto
despreza.
Eu apenas me importo com tudo o que estou sentindo nesse
momento.
E apenas sei que eu o quero e... foda-se, eu o terei.
Quando eu te conheci naquele quarto de hotel
Eu pude perceber que você era uma má notícia
Mas eu continuo brincando com você, brincando com você
E agora você está brincando comigo, brincando comigo
Hotel | Montell Fish

Sentir Analu é extraordinário. Ela por completo é extraordinária.


Cada vez que meus dedos tocam sua pele, que seu cheiro me atinge
e ela se desfaz em minhas mãos, é como uma viagem sem volta para o país
das maravilhas.
Tê-la abandonado no bar foi uma decisão de merda, mas não podia
olhar para ela e fingir que as memórias de Matt não inundavam a minha
mente. Eu precisava de espaço e agora percebo que não deveria ter feito
isso. Não quando a minha versão de espaço foi me sentar naquele bar e
esperá-la voltar para o hotel, mesmo que a garota desconhecida tenha se
sentado ao meu lado com a intenção de me levar para o seu quarto, eu não
desviei a minha atenção das portas.
Eu apenas estava ali para esperá-la e quando entrou e me viu, pude
sentir seus olhos queimando pela presença da garota ao meu lado e sorri ao
constatar que mesmo puta comigo, ela me desejava tanto quanto eu.
Agora, após ter um gostinho dela e saber que seu gosto é tão divino
quanto imaginava, não posso e nem consigo suportar a ideia de ter uma
distância entre nós. Por isso, mantenho todo o seu peso em meu ombro e
seguro suas pernas enquanto caminho pelo corredor em uma velocidade
surpreendente até nosso quarto ao passo que trabalho para achar o cartão de
acesso.
Assim que empurro a porta atrás de nós, giro-nos, colocando suas
costas contra a superfície de madeira, sentindo suas pernas ao redor da
minha cintura, puxando-me para si e fazendo com que seu vestido suba, me
dando a visão de suas coxas torneadas envolvendo meu corpo.
Ela é como uma maldita deusa. Perfeita. Impecável.
Observando seus olhos nublados de desejo tenho a certeza de que
não há nenhuma probabilidade de que Analu Parker não seja minha esta
noite.
— Eu vou te dar duas opções, princesa. — Descanso minha boca na
curva de seu pescoço. — Você pode chutar minhas bolas agora e me
expulsar deste quarto antes que façamos algo que não vai ter volta ou....
— Ou quê? — Sua cabeça tomba para trás.
— Ou você me deixa te foder até que entenda que você é minha.
Ela sorri depravada e seus olhos brilham em desafio.
— Eu não sou sua.
— Ainda. — Deixo beijos leves em seu pescoço. — Porque quando
eu terminar, não há probabilidades de você pertencer a outra pessoa, Analu.
Uma risada salta de seus lábios e sua unha se arrasta pelos meus
braços, subindo em direção ao meu pescoço e o segura, puxando-me para si.
— Você é um babaca egocêntrico, Levi Johnson.
Umedeço meus lábios, olhando em seu rosto perfeito.
— E você me deve uma resposta, Analu Parker.
— Essa é a minha resposta.
Sua garganta flexiona e então colidimos.
Nossas bocas se esmagam uma contra a outra. Meus dedos se
emaranham em seus cabelos e a urgência seguida do desejo reprimido por
todos esses anos de ódio, se acendem em nosso corpo.
Beijá-la é como estar dentro de um furacão que chega arrastando
tudo, tirando tudo do lugar e fazendo bagunça, deixando apenas os vestígios
da sua passagem. E mesmo sabendo disso, me deleito sabendo que desta
vez, não há um gazebo, uma troca de farpas ou um motivo para pararmos.
Há apenas nós dois.
Duas pessoas que estão cansadas de negar a atração que sentem um
pelo outro.
Eu a beijo com louvor. Embriagando-me com a sensação de seu
gosto e de como ela é a resposta de todos os meus desejos ocultos. Como se
o mundo fosse pequeno para o tamanho da magnitude que juntos somos.
Suas mãos quentes e delicadas percorrem toda a minha pele, parando
em meus ombros e se arqueando para mim, desejando, implorando por mais
ao passo que se esfrega descaradamente em minha ereção. Analu, de
repente, nos afasta em busca de um resquício de ar e me encara com um
misto de ansiedade e desespero.
— O que acontece nessa viagem, fica nessa viagem — murmura. —
Quando pousarmos em Saint Vincent, ainda seremos rivais.
Não tenho certeza de que apenas quatro dias tendo-a para mim, será
o suficiente. Entretanto, compreendo que o que temos não pode transcender
para mais do que essa viagem. E mesmo que tudo dentro de mim grite para
não concordar, me pego sorrindo em sua direção.
— É tudo o que preciso para tirá-la da minha mente — devolvo no
mesmo tom. — Agora, princesa, cale a boca e me deixe te foder.
Sua resposta é soltar um sorriso lascivo e voltar a colar nossos lábios
em um beijo envolvente. Suas mãos apertam minha nuca, aprofundando o
momento e o tornando uma espécie de punição.
Punição por desejarmos o proibido.
Por cairmos em tentação quando todo o mundo sabe que não
deveríamos.
Envolvendo minhas mãos em sua nádega, aperto meus dedos em sua
pele macia e sigo até a enorme cama em frente a linda vista da cidade. As
cortinas estão entreabertas, fazendo com que apenas a iluminação da cidade
e do luar ilumine o ambiente e nos dá a visão perfeita de nossos corpos
colidindo um contra o outro.
Nunca desgrudamos nossos lábios, nós apreciamos o momento como
se fosse único, eterno.
Assim que deposito-a na cama, jogando-a entre os travesseiros e
vendo seu cabelo se espalhar pelos lençóis, abro um sorriso passando a
língua pelo meu lábio e me embebedando da visão da princesa de gelo,
deitada como se fosse o meu banquete favorito.
Ela se apoia em seus cotovelos, inclinando a cabeça para o lado e me
despindo com os olhos. Analu levanta um dos pés, trazendo-o até a altura
do meu peito em uma ordem clara. Abaixo o olhar, segurando seu tornozelo
e pegando seu salto com delicadeza para tirar as tiras prateadas, antes de
jogá-lo para trás e fazendo o mesmo com o outro.
Seus olhos afiados me encaram com raiva por ter ousado jogar seus
malditos sapatos para o outro lado quarto e eu apenas abro um sorriso
malicioso em sua direção enquanto me abaixo, distribuindo pequenas
mordidas seguidas de beijos em sua perna.
— Se houver um só arranhão neles, você me comprará novos,
idiota.
Mordo sua pele, deixando uma pequena marca e levanto a cabeça,
lançando-lhe um sorriso de esgueira.
— Eu tenho dinheiro o suficiente para comprar a loja toda se assim
você desejar, princesa.
Antes que eu tenha a chance de terminar meu raciocínio, ela enrola
as pernas ao meu redor, puxando meu corpo contra o seu, nos sentando.
Minhas mãos dedilham sua pele até achar o pequeno zíper lateral, não
perdendo tempo e descendo-o até a sua cintura, onde prontamente, seguro a
barra do tecido e o retiro, tendo a maldita visão dos seus seios perfeitos.
O gemido sai de seus lábios assim que minha boca se fecha em um
de seus mamilos eriçados enquanto minha mão sobe até o outro seio,
apertando-o com força, e a outra desce até sua calcinha, retirando-a e a
circulando seu clitóris.
— Você é fodidamente gostosa, princesa — sussurro, subindo minha
boca pela sua pele até seu pescoço nu, sem nunca deixar de brincar com seu
seio. — E eu estou ansioso para vê-la implorar por toda essa noite.
Seu corpo arqueia em minha direção, jogando a cabeça para trás
enquanto monta meus dedos com destreza. Um segundo dedo invade sua
umidade e sem pestanejar, os levo até sua entrada, movendo-os para cima e
para baixo, ao passo que gemidos saem da sua maldita boca gostosa.
— Merda, Levi — fala, suas mãos procurando a barra da minha
camisa e puxando-a do meu corpo, sentindo minha pele contra a sua. — Eu
preciso de mais.
Abaixo minha boca, pegando novamente um dos seus seios e
mordendo-o com força suficiente para que ela possa sentir um resquício de
dor e gritar pelo meu nome enquanto se esfrega descaradamente em minha
mão a procura de fricção.
—— Estou tão tentado a colocá-la de joelhos pela primeira vez na
vida, querida. — Seus olhos recaem em meu rosto e um sorriso lascivo
nasce em seus lábios.
Ela quer isso.
Maldita seja Analu Parker.
Ela nunca deixa de se esfregar e perco toda a minha sanidade
quando a mulher diabólica em meu colo, pega a minha mão e a leva até sua
boca, lambendo meu dedo descaradamente em um gesto obsceno.
Sua língua se projeta para fora, enquanto ela lambe o primeiro dedo
e depois passa para o outro. Seu olhar nunca abandona o meu. Ela prova de
seu próprio gosto enquanto apenas a observo sendo uma safada do caralho.
— Então você me quer de joelhos? — Ela se aproxima, beijando
meus lábios e passo a língua roubando um pouco do seu gosto para mim. —
Você me quer chupando seu pau, Levi?
Levo minhas mãos até sua nuca, segurando seu cabelo e a forçando
me encarar. Calor sobe por todo meu corpo.
Eu a quero. Porra. Quero tanto que não sou capaz de suportar mais.
Eu a quero de joelhos. Deitada. Em cima e embaixo de mim.
Eu a quero de todas as maneiras.
— De joelhos, princesa — ordeno, me aproximando e sussurrando
em seu ouvido. — Agora.
Ela sorri e sem hesitar, eu a vejo se levantar, me dando a visão de
seu corpo nu e perfeito. Levanto-me e caminho até ela, pronto para obrigá-
la a se ajoelhar antes que eu a deite na cama e a faça do meu banquete por
toda noite. Todavia, antes mesmo que eu possa dizer algo, Analu cai de
joelhos entre minhas pernas e leva as mãos até minha calça, tirando o cinto
e enganchando-as no cós da minha calça e cueca, puxando ambas para
baixo.
Seus olhos pousam em meu pau ereto e observo-a morder os lábios,
ansiosa.
É a minha perdição.
Meu novo vício sem cura.
Suas pupilas inebriadas de desejo fazem com que eu me incline para
frente, segure seu queixo, obrigando-a a me encarar e aproxime nossos
rostos. Mordo seu lábio inferior sentindo-a entreabrir os lábios, pronta para
um novo beijo.
A visão dela, de joelhos e com uma expressão tão deliciosa faz com
que meu pau fique tão duro que dói.
— Olhe só para você, tão faminta pelo meu pau — Um dedo sobe
até seus lábios, traçando-os. — Agora seja uma boa garota e abra a boca,
Analu.
Ela odeia receber ordens. Odeia estar à mercê de alguém e nós dois
sabemos disso. Minha sobrancelha se ergue em desafio. Esperando que uma
de suas respostas espertas saia de seus lábios perfeito, mas há algo quente,
possessivo e alucinador em ver a mulher que nunca se dobra a ninguém,
ajoelhada entre minhas pernas e pronta para engolir a porra do meu pau.
Analu, sem hesitar, me envolve com seus dedos finos. Arrastando-o
desde a base até a glande, bombeando lentamente e fazendo com que uma
gota de pré-sêmen saia na ponta.
Seu olhar flutua até o meu e um sorriso sugestivo toma conta de seus
lábios. Estou prestes a dizer algo, mas minhas palavras morrem no instante
em que sinto sua língua se arrastar lentamente pela minha extensão. Uma
tortura.
Analu toma seu tempo e quando seus olhos castanhos se encontram
com os meus, sua boca engole a cabeça do meu pau e o chupa devagar sem
nunca desviar seus olhos dos meus.
Minhas mãos, de repente, vão até seus cabelos, prendendo-os entre
meus dedos e erguendo seu rosto para que eu tenha a visão perfeita de seus
lábios deslizando pelo meu comprimento. Ela relaxa a garganta, me levando
mais fundo, e quando gemo, suas pupilas brilham em excitação. Vitória.
Ela sabe que mesmo de joelhos, ainda tem o controle da situação.
Sabe que, nesse momento, se ela me pedisse a porra do mundo, eu
daria sem pestanejar.
Os cantos de seus lábios erguem-se ao sorrir enquanto me chupa
com destreza. Suas unhas deslizam pela minha coxa nua, arranhando-as e
criando uma maldita fricção que me faz jogar a cabeça para trás e gemer
seu nome como uma oração.
— Foda-se, princesa — assobio entre um gemido e outro, forçando
sua boca a me engolir mais. — Não pare.
Analu se remexe, sua boceta clama desesperada por atenção e eu
sorrio sabendo que irei dar a ela o que tanto necessita em breve.
Guio sua cabeça, observando-a engolir o máximo que pode. Sua
mão trabalha na base e em minhas bolas, movendo-se mais rápido. O
sorriso floresce em seus lábios e seus olhos brilham orgulhosamente quando
digo a ela que estou prestes a gozar.
Ela não se afasta, Analu aceita cada gota e me encara enquanto me
esvazio em sua garganta. Assim que se levanta, lambendo o canto de sua
boca, eu perco o controle das minhas ações.
Meus sapatos e todo o resto, de repente, estão jogados pelo quarto.
Meu olhar segue até a gravata abandonada na cadeira na lateral do quarto e
em tempo recorde a busco, antes de segurar Analu, jogando-a de costas na
cama e me coloco sobre ela, apoiando meus braços ao lado de sua cabeça e
sorrio enquanto ela me encara com um novo desejo irradiando suas íris.
Seus olhos castanhos são tão brilhantes e, percebo nesse momento,
que Analu possui pequenas sardas que são quase invisíveis, apenas
olhando-a de perto e estudando seu rosto com afinco, que se é perceptível.
É a minha maldição. Meu purgatório.
A oitava maravilha que não posso ter para mim, mas que mesmo
sabendo disso, me permito roubar pedaços em um quarto de hotel quando o
mundo não está olhando para nós.
Ela arrasta sua língua de leve pelos lábios encarando a minha boca e
quando volta a me olhar, não posso mais suportar a distância que nos
separam. Minhas mãos seguram a gravata, fitando-a descaradamente e
lançando a ela um sorriso lascivo antes de erguer suas mãos e prontamente
as levar acima de sua cabeça prendendo seus pulsos na cabeceira da cama,
mantendo-a presa para mim e então deixo minha boca cair na sua.
É como se a cada vez que nossas bocas explorassem tão habilmente
uma à outra, todo o nosso pensamento racional escorresse pelas nossas
mãos. Nosso beijo se torna mais quente, depravado e ansioso. Nossos
corpos e mente perdem todo espaço tempo e posso até mesmo dizer que o
mundo poderia cansar e decidir explodir, até mesmo as estrelas poderiam
perder o brilho e a Terra ficar sem gravidade que eu não seria capaz de
deixá-la.
Me abaixo traçando meu caminho até seu pescoço, clavícula e
quando alcanço seus seios, mordo um dos mamilos ouvindo-a gritar.
Aproveito o doce som para lamber, chupar até que seus gritos se tornam
gemidos ofegantes enquanto tenta se livrar da amarra improvisada.
— Ninguém nunca te contou que já fui escoteiro, princesa? —
Deposito um beijo em sua barriga. — Eu sei dar os melhores nós.
Abro suas pernas, sorrindo por observá-la encharcada e levo um
dedo, contornando-o para cima e para baixo enquanto a observo arquear
suas costas, buscando por mais. Aproveito o movimento para empurrar um
dedo dentro dela e depois outro.
— Levi, por favor — agoniza, mexendo a bunda para que possa
conseguir mais.
É a minha versão favorita do paraíso.
— Você está tão encharcada, linda... — Retiro meus dedos,
mostrando a ela. — Tão malditamente gostosa.
Me baixo até que meu rosto esteja rente a sua barriga. Seus olhos
procuram os meus e empurro mais um dedo dentro dela, puxando-os para
fora e em seguida, jogo sua perna sobre meu ombro e me abaixo, raspando
suavemente meus dentes sobre seu clitóris antes de chupá-lo.
Dou longas lambidas como se fosse um homem faminto. Analu se
arqueia, prendendo minha cabeça entre suas pernas, seus movimentos
desesperados me fazem sorrir contra sua boceta encharcada.
Levanto meu rosto para observá-la e tenho a imagem dos sonhos.
Olhos fechados, boca entreaberta e costas arqueadas.
Ela é perfeita.
E, por essa noite, é somente minha.
Volto a abaixar meu rosto, sentindo-a abrir mais suas pernas, me
dando mais espaço para acariciá-la com a minha língua, sentindo-a se
esfregar contra meu rosto ao mesmo tempo que gemidos saltam de seus
lábios. Intercalando em movimentos lentos, lambendo seu clitóris e
arrastando meu dedo para dentro dela, eu me deleito com seus suspiros e
xingamentos, enquanto arqueia contra mim.
— Levi… — Analu grita se arqueando contra meu rosto e
arrastando sua boceta.
Sorrindo, dou longas lambidas em ritmos diferentes fazendo-a gritar
mais.
— Eu deveria fazer o mundo inteiro ver o quão deliciosa você fica
quando diz que me odeia, mas está se esfregando como uma safada em meu
rosto e gritando a porra do meu nome, princesa — digo, lambendo meus
lábios
Pressionando o meu polegar em seu clitóris e me abaixando para
uma última lambida, eu a sinto se arquear ainda mais, gozando tão forte que
me deleito com todo o seu orgasmo, pegando até a última gota que ela me
dá.
Entretanto, antes que Analu possa se recuperar, me ergo para
desamarrar seus pulsos, segurando sua cintura e com uma das minhas mãos
a giro, colocando-a de quatro. Minha outra mão se ergue, passando de leve
sobre a pele lisa de sua bunda antes de um tapa estalar pelo quarto e um
longo grito saltar de sua garganta.
— Filho da puta. — xinga, gemendo.
— Eu prometi te foder até a exaustão — Enfio um dedo nela,
sentindo-a apertá-lo e sorrio diabólico. — E sou um homem de palavra,
amor.
Suor goteja em minha pele e tudo dentro de mim grita para enterrar
meu pau dentro de sua boceta neste instante. Mas a imagem dela desinibida
e longe de todas as suas máscaras, me faz parar por um mero segundo para
apreciá-la.
Nunca me canso de dizer o quão extraordinária ela é.
E nesse momento, enquanto ela é apenas uma mulher sem sorrisos
falsos, sem respostas ácidas e o olhar vazio, ela se torna a sua versão mais
bonita.
A sua versão real. E essa versão é toda para mim.
Porra. Ela é toda minha.
Ergo a mão para a mesa de cabeceira, abro a gaveta e retiro um
preservativo, arrastando-o pela minha extensão antes de segurar sua bunda e
posicionar a ponta do meu pau em sua entrada, observando-a se arquear
enquanto, pouco a pouco, a preencho.
Analu se ergue, soltando um gemido gutural quando deslizo em um
impulso forte por ela estar completamente molhada. Sua boceta se aperta
contra mim, fazendo com que uma série de maldições saia dos meus lábios.
É melhor do que eu imaginava.
Definitivamente, a minha droga favorita.
— Você é tão perfeita, porra — gemo, batendo em sua bunda
novamente. — E será a minha morte.
Deslizo meu pau para fora até que apenas a ponta se mantenha
dentro dela e então empurro para frente de novo. Começo um ritmo
animalesco enquanto observo Analu agarrar os lençóis da cama, puxando-o.
Eu soco de novo. E de novo. Um ritmo que sabemos que quando
terminamos de fato estaremos arruinados, contudo, não nos importamos.
Eu a fodo como se ela fosse minha mesmo que ela ainda não saiba
que é.
Deslizo para dentro dela em uma forma de puni-la por todas as vezes
que fodeu com a minha mente, me provocou e me fez agonizar por desejá-
la em segredo. Ergo uma mão e antes que ela possa se preparar, minha
palma pousa com força em sua bunda, deixando a marca avermelhada e o
seu grito emerge pelo quarto.
Analu se arqueia e aproveito o movimento para enrolar minha mão
em seu cabelo, desferir mais alguns inúmeros tapas em sua bunda gostosa e
logo após puxá-la para cima, obrigando a se ajoelhar na minha frente,
enquanto eu empurro dentro dela novamente com uma força que faz a
cabeceira da nossa cama bater contra a parede.
Levo uma das minhas mãos até sua barriga, arrastando-a até seu
clitóris e o contorno, enquanto a outra segura seu pescoço, obrigando-a a
olhar para mim.
Seus olhos travam uma batalha contra os meus, suor escorre de sua
testa e um sorriso nasce em meus lábios. Eu estou destruindo-a. Estou
quebrando suas barreiras e ela nem mesmo percebe isso.
Ela nem mesmo percebe que, pouco a pouco, eu a faço queimar.
Faço que todas as inibições que a rodeiam sumam e ela se torne quem
sempre deveria ter sido para mim.
A maldita princesa de gelo se torna minha.
Toda minha.
Minha rival.
Minha inimiga.
Minha por igual.
Apertando seu ponto de pulsação, eu a trago para mais perto,
colando nossos lábios em um beijo animalesco, doentio e punitivo. Seus
dentes mordem meu lábio inferior, enquanto minha mão bate em sua boceta
como castigo, fazendo com que eu engula seus gemidos e me saboreie com
a forma como ela se molda em meu corpo.
— Eu quero que você se lembre disso para sempre, princesa. —
Mordo o lóbulo de sua orelha. — Quero que saiba que ninguém nunca vai
te fazer sentir desta maneira e sabe por quê?
Ela engole em seco, jogando sua cabeça para trás, fazendo com que
minha mão se feche mais ainda em seu pescoço.
— Por quê? — ela murmura, perdida na forma como se sente.
— Porque você foi feita para ser minha — Soco dentro dela
novamente. — Não de qualquer outro idiota. — beijo sua nuca. — Minha,
Analu. Apenas minha.
Ela joga sua mão para trás, agarrando minha nuca enquanto fodemos
como animais.
— Nunca. — Mordo seu ombro e ela grita. — Eu não sou de
ninguém.
— É o que você pensa.
Ela geme alto, se apertando contra mim e sei que está perto de outro
orgasmo.
Seu cabelo está uma bagunça, sua respiração está acelerada e sua
pele escorregadia e quente. Ela está tão malditamente linda que apenas
levanto a minha cabeça, deixo um beijo em seu ombro e sussurro:
— Agora, goze para mim, princesa.
E ela o faz. Sua boca se abre em um grito silencioso quando o seu
orgasmo toma conta de seu corpo e sua boceta se aperta em meu pau.
Seguro sua cintura, impulsionando dentro dela novamente com força
e sentindo-a ficar sensível. Minha mão se arrasta pela sua boceta, sentindo
meu pau entrar e sair dela e aprecio como seus gritos se tornam músicas
para meus ouvidos.
E antes que eu perceba, gozo com tudo de mim.
Meu orgasmo rasga todo o meu raciocínio e faz gemer seu nome em
uma prece que poderia valer por gerações. Descanso minha testa em suas
costas, sentindo seu corpo se acalmar aos poucos.
Analu cai na cama e eu caio ao seu lado. Seu rosto cansado se vira
para encarar o meu e percebo suas bochechas enrubescidas e o cansaço
tomando toda a sua feição, me fazendo sorrir.
E isso me faz perceber uma coisa.
Talvez não seja só ela que tenha sido feita para ser minha, como eu
também talvez tenha sido forjado para ser dela.
Você e eu brilhávamos, disparando pelo céu diariamente (é)
Iluminando a noite, nem sempre foi certo, amor (mhm)
É, toda vez que percebíamos, é loucura
E você me salvava
Reflections | The Neighbourhood

Eu acordei sozinha.
Não havia resquícios de Levi quando meus olhos se abriram por
conta da claridade que entrava pela cortina semi-aberta.
Uma sensação de alívio e decepção que não compreendo toma conta
do meu corpo ao passo que me sento, puxando os lençóis para tampar meu
corpo nu e repasso toda noite em minha cabeça.
Levi não descansou até que realmente levasse nosso corpo à
exaustão. Ele me fodeu de todas as formas imagináveis. Cama, mesa,
banheiro e apenas nos possibilitamos dormir quando a manhã se
aproximava.
Agora enquanto me pego observando como todo nosso quarto está
bagunçado, me vejo questionando como poderei encará-lo sem lembrar da
sensação de seu corpo contra o meu, de sua boca me reivindicando como se
fosse seu paraíso particular e de como me senti viva a cada vez que nossas
mãos se entrelaçaram e seu corpo cobria o meu.
Eu não deveria estar pensando nele como estou.
Não deveria permitir que isso mude o que somos.
Tudo isso acaba no instante em que pisarmos em Saint Vincent e me
sentir como uma garota patética que tem pensamentos com a pessoa que
fode ela até a exaustão, não faz parte de que sou.
Soltando um bufo irritado caminho até o banheiro, me arrumando
em tempo recorde. Pego meus saltos e saio do quarto, a fim de não ter a
preocupação de Levi entrar por essa porta e precisarmos ter um momento
constrangedor pela manhã pelo qual evitei a minha vida toda.
Assim que vejo as portas do elevador se fecharem, fecho meus olhos
por um instante, pensando na série de escolhas que sucederam a esse
momento e em como parece que estamos fugindo um do outro para que não
precisemos lidar com as consequências de termos cedido ao desastroso
desejo que nos consumia.
Nunca adormeci nos braços de alguém. Nunca tive a sensação de
adormecer com alguém me segurando como se eu estivesse segura, bem-
vinda e em casa. Sempre fui a que abandonava antes de ser abandonada.
Agora, que o tabuleiro foi invertido e eu acordei sozinha em uma cama de
hotel com todas as lembranças me rodeando, me questiono até onde permiti
que Levi chegasse até mim.
Medo consome todos os meus pensamentos. Medo de que ele tenha
percebido o que realmente sou e escondo, causa um pânico em meu corpo
que não consigo compreender.
Ele é tudo o que não mereço. Tudo o que as pessoas sonham.
Levi Johnson é compassivo, gentil e amado. Ele possui um coração
invejável e uma determinação surpreendente. Seu sorriso conquista até
mesmo aqueles que não merecem ser conquistados. Ele é uma daquelas
conexões incríveis que acontece uma vez na vida, e fica marcada para
sempre.
Sem contar com o fato de que Levi desperta a sensação de que posso
ser simplesmente eu, sem enrolação, sem filtro, sem máscara, só eu; Analu
Parker, estudante de Direito e amante secreta de tulipas.
E é estranho porque ele não sabe o quanto realmente tê-lo por perto
me apavora, me faz questionar coisas que eu nem mesmo sabia que
precisava questionar. Ele alimenta algo em meu peito que sempre achei que
havia perdido.
Levi Johnson é ponto de paz, de alegria e de conforto. É alguém que
pode se passar anos, mas nunca esquecemos. Embora ele seja tudo isso, ele
ainda é alguém que eu nunca terei ao lado. Não porque não desejo, mas
porque não mereço.
Eu não sou esse tipo de pessoa que merece esse presente do destino.
Eu sou aquela que as pessoas apenas enxergam o pior. Aquela que nunca é
o ponto final da pessoa. Sou a que dá respostas grosseiras mesmo que não
haja necessidade, que ataca antes de ser atacada e desenvolveu um
complexo de proteção, por conta de tudo o que meus pais fizeram durante
todos os anos.
Eu sou quebrada.
Sou repleta de cicatrizes e com uma alma esfarrapada.
Danificada em todos os sentidos da palavra.
Um bolo se forma na minha garganta assim que percebo que saí do
elevador e caminhei até a sacada do hotel, onde diversas plantas e cadeiras
estão espalhadas. Percebo que é um lugar calmo e de descanso.
Respiro fundo, sentindo o ar entrar pelos meus pulmões e permito-
me sentar em uma das inúmeras cadeiras vazias espalhadas pelo ambiente,
deixando de lado todos os meus pensamentos conflituosos, pronta para ligar
para Theo, colocar um sorriso no rosto para que não se preocupe e me
desculpar por faltar ao nosso dia pela primeira vez em anos.
Assim que o disco número de sua babá e ergo meu iPad em frente
ao rosto, passos soam atrás de mim. Olho por cima dos ombros, avistando
Levi caminhando a passos rígidos até onde estou e respiro fundo, tentando
não demonstrar a ele o quanto sua presença me afeta.
Hoje, percebo que não é um bom dia, porque todos os meus
demônios estão à minha espreita, esperando que eu dê um passo em falso
para conseguirem me afetar.
E não preciso disso, não hoje. Não quando é um dos dias mais
importantes da minha vida.
— Você está no lugar errado — ele diz, se jogando na cadeira à
minha frente.
Franzo o cenho, confusa.
— Eu sei. — Inclino minha cabeça. — E você também.
— Eu sei.
— Por quê? — inquiro, ainda sem desligar a chamada.
— Achei que estaria vazio, precisava fazer algo — Ele dá de
ombros. — Eu posso...
Sua voz some quando uma risada infantil ressoa e me obriga a olhar
para frente. Para Theo que tem um chapéu seletor em sua cabeça e uma
réplica da varinha da Hermione em mãos. Meu irmão sorri brilhante quando
seus olhos repousam em mim e percebo que ele não está em seu quarto ou
em qualquer outro lugar de nossa casa.
— Oi, Lu! — praticamente grita.
Minha expressão rapidamente muda e faço o possível para que Theo
não perceba toda confusão que ronda minha mente, já que ele percebe tudo
à sua volta.
— Oi, Almofadinha. — Um sorriso genuíno nasce em meus lábios.
— Onde você está?
— Na casa da Ana — conta, animado. — Amara vai dar uma festa e
pediu para que ela me levasse para sua casa.
Para que as amigas dela não peçam para vê-lo.
Eu deveria estar aliviada, deveria agradecer que a sua babá o ama
tanto quanto eu. Contudo, a decepção é iminente. Ele não deveria estar
sendo retirado da sua própria casa para que a nossa progenitora dê festas
como se seus filhos não fossem apenas objetos em sua mansão cara. Porém,
mesmo que a raiva consuma uma parte de mim, a outra parte se encontra
aliviada.
Se ele não está em casa sozinho com ela, ele está seguro.
— Isso é bom. Theo, eu preciso falar sobre uma coisa...
Como dizer a ele que estou fracassando como irmã? Que tive que
abrir mão de nosso final de semana para conseguir uma medalha, que
Amara irá utilizar como uma forma de esfregar na cara de seus amigos que
sua filha é a melhor?
Olho para frente, para onde Levi ainda está sentado e nos encarando.
Meus olhos se fixam nele por único instante estudando como ele me
observa com curiosidade, como se estivesse aprendendo algo sobre mim.
Ele me encara me dando indícios de que almeja descobrir todos os
meus segredos.
— Você não está sozinha — A voz suave e curiosa do meu irmão me
faz olhar novamente para a tela. — Quem está com você, Lu?
— Como você...
— Eu te conheço, Lu. — Um novo sorriso nasce em seus lábios. —
E conheço esse brilho em seu rosto. Então quem está com você?
— Jesus, Theo! — exclamo. — É meu...
Amigo-inimigo? Parceiro temporário? Rival em trégua?
— Posso conhecê-lo? — Sua pergunta me deixa intrigada.
— Você quer conhecer alguém?
— Sim, eu gosto de conhecer seus amigos. — Ele sorri.
Solto um suspiro sabendo que Theo não me deixará em paz
enquanto eu não lhe mostrar quem está perto de mim, causando uma
mudança repentina em minha expressão corporal e olho novamente para
Levi, manejando a cabeça para que se aproxime.
Ele se levanta, ajeita sua gravata e caminha até ficar atrás de mim, se
inclinando um pouco e colocando suas mãos dos dois lados do meu braço,
fazendo com que nossos rostos tomem conta da tela.
— Oi, Theo — Levi cumprimenta inseguro. — É bom finalmente
conhecer o garoto que é o herói da Analu. — Sua sobrancelha se ergue para
o chapéu um pouco maior que o apropriado na cabeça do meu irmão. — Ou
deveria dizer, um mago?
Theo solta uma pequena gargalhada e isso agita algo dentro de mim
ao ver a felicidade tomar conta de seu rosto por alguém falar sobre sua
paixão.
Pela tela encaro Levi que sorri abertamente, dando-me a visão
perfeita de suas covinhas.
— Eu conheço você — Theo afirma, feliz e isso aquece o meu peito.
— Você estava no hospital a algumas semanas atrás, quando tive uma
consulta.
Franzo o cenho, confusa e Levi apenas dá de ombros.
— É bom ver você novamente, amigão — O sorriso de Levi se
amplia. — Meu nome é Levi.
— Então, é você quem faz a minha irmã ficar engraçada.
— Engraçada? — Levi ergue uma sobrancelha.
— Ela xinga muito e fala palavrão quando você a irrita. — O sorriso
cúmplice de Theo se iguala ao de Levi. — É engraçado.
— É mesmo? — Reviro meus olhos e Levi solta uma risada.
— Ei, você sabia que algumas galáxias têm forma elipsóide, como
se fossem uma bola de futebol americano? — Theo questiona, de repente.
Abro a boca para dizer algo a Levi, mas o homem atrás de mim
amplia o seu sorriso.
— Não, eu não sabia. — Há verdade em seu tom. — Mas você sabia
que todas as galáxias têm poeira, e que essa poeira é produzida por estrelas?
Abro minha boca perplexa por Levi saber de algo assim.
— E você sabia que isso faz com que a luz geralmente pareça ser
mais vermelha do que ela realmente é, o que pode acabar dificultando o
estudo das propriedades gerais das estrelas? — Theo devolve, seus olhos
brilham para Levi.
Por um momento, me pergunto como seria se alguém além de mim e
Ana, tentassem mostrar a ele como é ser amado.
— Não, eu não sabia disso, mas você pode me contar mais sobre
isso quando voltarmos, não é? — Levi questiona, genuíno.
Os olhos de Theo brilham em ansiedade e tenho a certeza de ele
passará todo o seu tempo procurando por curiosidades para apresentar a
Levi.
Medo toma conta do meu corpo. Eu nunca o apresentei a ninguém,
não por opção, mas Amara sempre foi clara de que ela deixaria os
domingos livres para mim e ele, contanto que ninguém da Parte Alta
soubesse que ele estava zanzando pela cidade. O que me indica que estou
incluindo Levi ao participar de um dos meus dias favoritos com Theo,
porque sei que meu irmão não me deixará em paz.
Uma parte de mim, de repente, fica feliz por saber que talvez esteja
na hora de mandar Amara para o inferno e mostrar a Theo o mundo de
possibilidades que ele possui.
— Theo. — Engulo em seco, chamando a sua atenção. — Eu não
vou poder estar em casa neste domingo.
Ele desvia o olhar de Levi para mim.
— Você vai estar com ele? — Aponta para a minha companhia.
— Algo do tipo. — Meus ombros murcham. — Sinto muito.
Meu irmão sorri. É compreensivo e não há decepção.
Esse garoto definitivamente é o meu mundo inteiro.
— Está tudo bem, Lu. — Surpresa toma conta de mim. — Levi vai
te fazer companhia e não vai te deixar sozinha no seu dia favorito, não é,
Levi?
Levi inclina a cabeça e olha para mim.
— Eu nunca a deixaria sozinha outra vez.
Eu sinto suas palavras. E mesmo sabendo que não devesse, eu
acredito nelas.
— Eu te vejo na segunda, Lu — ele se despede. — Ana vai me levar
para ver o observatório da cidade.
Mesmo com Levi ao meu lado, eu não me importo. Apenas olho
para meu irmão e sorrio.
— Eu te amo, Theo — sussurro.
— E eu amo você, Lu. — Seus olhos se mudam para Levi. — Eu
terei várias curiosidades para te mostrar, Levi.
— E eu estou ansioso por isso, campeão.
Com isso, meu irmão desliga, me deixando apenas com Levi e seu
olhar curioso sobre mim. Penso em me levantar e me proteger de seja lá o
que ele está prestes a dizer, mas a maneira como estuda meu rosto e faz
tudo dentro de mim se agitar, me obriga a apenas encará-lo com um
agradecimento silencioso.
E Levi, mesmo sem saber, acaba de conquistá-lo e fazê-lo acreditar
que seus assuntos não são tão entediantes como Henrique um dia disse.
Ele o conquistou e, consequentemente, uma parte de mim também.
E pegando até eu mesma de surpresa, me vejo falando algo que
quase nunca digo.
— Obrigada — sussurro. — Obrigada por fazê-lo sorrir desta forma.
Ele ergue uma sobrancelha.
— Por que eu não faria? — questiona, curioso. — Seu irmão é
perfeito, Analu.
Fragilidade toma conta do meu olhar.
Dor por todas as vezes que eu precisei utilizar respostas frias e
humilhar pessoas para que elas não o olhassem com um olhar julgador, pelo
filho da tão perfeita matriarca da família Parker não ser tão perfeito nos
padrões da sociedade.
O homem atrás de mim que tem seu cenho franzido não sabe que
acaba de destruir mais uma das dezenas de barreiras que me protegem. Que
tem em suas mãos a única coisa que o mundo não pôde me tirar mesmo que
todos ao meu redor tentem.
O único ponto de luz que ilumina toda a minha alma escura.
— As pessoas não costumam tratá-lo assim — a verdade salta de
mim antes mesmo que eu possa me segurar. — Por culpa de Amara,
algumas pessoas acham que ele é defeituoso. Mas, não é a verdade. Meu
irmão é...
— Extraordinário — Usa a mesma palavra que um dia chegou a
dizer para mim. — Ele é inteligente, engraçado e gentil. Ele é perfeito igual
a você, Analu.
Ele é.
Levi me encara, não há dúvidas em seu olhar.
— Eu te devo desculpas — sussurro, de repente, sabendo que estou
guardando isso desde ontem à noite. — Por ontem à noite no bar. Não me
dizia respeito e eu não deveria ter te encurralado para saber sobre seu
irmão.
Sua expressão não muda.
— E eu não deveria ter feito o mesmo sobre o seu medo. —
Sinceridade ronda suas palavras. — Sinto muito.
Aceno levemente com a cabeça.
Há tanta sinceridade entre nós nesse momento que me assusto,
mesmo que meu semblante se mantenha blasé. Tentando não mostrar a ele
que esse momento importou mais para mim do que deixo aparente, abro um
sorriso sem mostrar os dentes, antes de umedecer meus lábios e lançar a ele
um olhar confiante.
— Temos um debate para vencer.
Ele sorri novamente e dessa vez é regado a desafio.
— Você está pronta para chutar algumas bundas, princesa?
Me levantando, ajeito meu vestido em meu corpo e ele se ergue,
arrumando sua gravata que horas atrás prendiam meu pulso naquela maldita
cabeceira.
Seu olhar segue o mesmo curso que o meu, parando no pedaço de
tecido. Quando percebo o que estou encarando, Levi sorri descaradamente
em minha direção e sei que as lembranças da noite passada também estão
rondando pelos seus pensamentos.
— Sempre estou pronta para isso — finalmente respondo.
Estamos indo para o campeonato que treinamos por meses. Mas
acima de tudo, para o nosso último campeonato representando a
universidade que é como nossa segunda casa há anos.
Seu olhar, de repente, me queima e a disputa corre em nossas veias.
Trégua. É isso que impomos entre nós dois. É isso que findamos
durante toda essa madrugada e é isso que estamos colocando em prática
nesse instante.
— Aliás, seu segredo está seguro comigo. — diz quando alcançamos
o elevador.
Ergo uma sobrancelha e ele me lança um olhar cheio de
significados.
— Qual segredo?
— Que a princesa de gelo possui sentimentos por trás de todos os
muros do castelo.

Encaro Levi que está à minha direita, com os braços cruzados e uma
carranca entediada.
Nem mesmo o julgo, não quando estamos sentados há quatro horas
aqui, sendo obrigados a aturar um debate que apenas serve para nos irritar.
Os melhores debates acontecem no final e é onde nós dois sempre
entramos. Por enquanto, apenas fazemos nosso papel de presidentes da
equipe e assistimos a palhaçada que é os novatos se enrolarem em suas
próprias palavras.
— Eu definitivamente precisarei de uma bebida depois dessa tortura
lenta — resmungo, revirando meus olhos.
— Uma só não vai ser o suficiente. — Levi comenta, sua expressão
se tornando blasé. — Merecemos uma garrafa inteira.
Solto uma pequena risada e logo volto meu olhar para a próxima
equipe que se posiciona para a nova rodada. Assim que meus olhos se
fixam na garota que se aproxima de seu microfone.
Abro a boca para dizer a Levi que talvez tenhamos achado a equipe
que irá disputar conosco, contudo sou interrompida com um adolescente
que para ao nosso lado, segurando nada mais do que um buquê com cinco
tulipas azuis royal.
São maravilhosas. Impecáveis.
— Analu Parker é você?
— Sim? — Ergo uma sobrancelha.
— Isso é seu.
Ele me passa as flores e antes mesmo que eu possa questioná-lo
quem enviou, ele se vira e some entre as pessoas, me deixando parada com
vários olhares, inclusive o de Levi.
Pegando o arranjo de flores com cuidado, retiro o pequeno grampo
que segura um cartão preto e quando o abro, não me surpreendo com o
conteúdo nele escrito em letras elegantes.

"No amor e na guerra vale tudo (…)


e isto é um pouco dos dois.”
- Harry Potter

Leio o cartão dezenas de vezes. Não é a primeira, nem a segunda vez


e acredito que não seja a última.
Há semanas, flores chegam em algum lugar onde estou ou há
alguma tulipa em minha mesa. E, sempre há um post-it com uma frase dos
meus livros favoritos e alguns dos filmes, mas sempre é algo relacionado a
Harry Potter.
No começo, tentei subornar a floricultura que as enviou e os
seguranças do estágio para me deixarem ver as câmeras de segurança, mas
nunca tive êxito. Agora, poucos minutos antes de ter uma das maiores
competições da minha vida acadêmica, alguém tirou um pequeno tempo
para me enviar flores. Flores que significam tudo para mim.
É um gesto simples e eu nem mesmo sei quem é o responsável pelo
feito. Mas, mesmo como metade das mulheres desse lugar me encarando
como um sorrisinho bobo no rosto, eu só consigo constatar algo.
Alguém se importou o suficiente para me enviar algo significativo.
— Então, você ainda as recebe? — Levi questiona, dando de
ombros.
Olho para ele que parece mais interessado na sua busca por tênis de
luxo do que nas flores. Por um segundo, chego a cogitar “e se fosse ele?”
E se Levi se importasse o suficiente para deixar tudo de lado e torcer
por mim?
Impossível.
Não seria ele. Não com o nosso histórico.
— Às vezes. — Deposito-as na mesa com cuidado.
Ele dá de ombros.
— Interessante.
Levi nem mesmo levanta os olhos do celular para me responder e
não sei porquê, mas isso me irrita.
— Você está comprando tênis antes de um debate? — Ergo uma
sobrancelha.
— É uma atividade comum que não chama a atenção — Ele sorri
friamente, — Diferente de você, que está recebendo flores e chamando a
atenção de todos.
Abro a boca para respondê-lo, mas o cronômetro final é acionado e
toda a nossa atenção se volta para nós dois enquanto a Sra. Reid nos instrui
a subirmos até o palco onde duas mesas estão viradas de frente uma para
outra.
O nome e o brasão da SVU estão colocados na mesa da esquerda,
onde meu sobrenome e o de Levi estão lado a lado e se afrontam com a dos
representantes da universidade rival a nossa.
Assim que outra dupla se coloca de frente a nós dois, um último
olhar é trocado entre mim e a minha dupla. Uma conversa silenciosa. Um
único objetivo e uma nova forma de vencer.
Não há mais tulipas, nem discussões idiotas, nem nada.
Nós estamos nesse instante, fazendo o que sabemos fazer de melhor.
Nós estamos criando uma rivalidade não entre nós, mas contra a nossa
concorrência. Seus olhos escuros brilham e a ansiedade e um sorriso
perverso tomam conta do meu rosto.
Para o mundo, nós somos rivais.
Mas para nós, somos aliados.
Uma dupla inesperada, mas necessária.
Uma das representantes se coloca atrás do microfone, apresentando
a equipe que será responsável pelo debate final. Assim que o nome de Saint
Vincent University salta de seus lábios, todos os nossos companheiros
gritam e sorriem ansiosamente para algo que já estão acostumados.
Um olhar para a dupla à nossa frente e sei que estamos a um passo
de conseguir a vitória, de levar esse troféu para casa mesmo que tenhamos
que suportar essas equipes por mais três dias.
Levi se inclina em minha direção, sorri e me lança uma piscadela.
— Destrua esses idiotas, Analu.
Dou um sorriso cúmplice a ele.
— Dê a eles seu pior, Levi.
E nós fazemos exatamente isso.
Rodada após rodada, nós mostramos a todos o que significa ser
SVU.
O que a nossa universidade significa para nós.
Nós jogamos juntos. Cobrimos a fraqueza um do outro e destruímos
todos que tentam nos vencer. Levi sorri sempre que se inclina para dar-lhes
uma resposta pensada em segundos enquanto eu os encaro como se não
valessem nem mesmo o Louboutin que estou usando no momento.
Levi me disse uma vez que seríamos imbatíveis juntos.
Eu achei que isso fosse uma falsa esperança.
Eu não acreditei. Não até esse momento.
Não até quando a última pergunta chegou e encarei a todos
espectadores. A admiração faz parte de seus semblantes, orgulho define
todos nossos companheiros de equipe e desafio rondando minhas pupilas e
as de Levi.
É a nossa chance. O nosso último ano perfeito.
Meu e dele.
Depois de anos brigando, tentando sermos melhores que o outro,
acabamos de mostrar que somos melhores juntos. Nós conseguimos mais
troféus do que o time de futebol e ainda conquistamos as menções honrosas
pelas nossas performances.
Agora, mal consigo segurar o sorriso quando o cronômetro acima de
nós é encerrado e a Sra. Reid solta uma série de palmas em nossa direção
antes de voltar a se sentar.
— A universidade vencedora do Campeonato Anual de Debate
Acadêmico do Estados Unidos da América é... — O presidente do
campeonato sorri, antes de anunciar o que todos nós já sabemos. — Sem
sombras de dúvidas, Saint Vincent University.
Nós vencemos.
Nós. Eu e ele.
Levi e eu, somos bons juntos.
Porra, nós definitivamente somos imbatíveis.
Me viro em sua direção no mesmo instante que ele dá um passo à
frente, abrindo um sorriso. E, pela primeira vez em vários dias, meses e
talvez até anos, eu sorrio de verdade.
É tão verdadeiro e genuíno que toma conta de todo o meu rosto.
Seus olhos brilham e Levi acompanha o meu gesto, se alimentando
da minha felicidade assim como eu me alimento da sua, mesmo que eu
saiba que é errado.
Nós sorrimos mesmo que não devêssemos agir assim, porque, no
fim, ainda seremos errados um para o outro e uma noite juntos não altera o
ciclo das coisas.
Antes que eu possa perceber, ele me ergue, girando-me enquanto
continuo sorrindo e todos na nossa equipe sobem para nos cumprimentar,
entretanto, não prestamos atenção. Levi apenas me mantém no ar, seu rosto
encarando meu sorriso e minhas mãos instintivamente seguram seus ombros
para me equilibrar, enquanto uma risada salta dos seus lábios.
É um momento único.
Um momento onde ele me olha por baixo de todas as máscaras.
Me vê como sempre pedi para que alguém me olhasse. Ele me
encara além de todas as vezes que usei as armadilhas da minha mente para
me proteger, de todas as vezes que fui babaca além do normal e deixei que a
minha dor julgasse a forma como agi em determinadas circunstâncias.
Apenas me pego sorrindo para ele e encarando suas malditas
covinhas, que descubro que são a minha coisa favorita nele.
Levi me abaixa lentamente, nossos rostos quase rentes. Nossos olhos
tão conectados que nem mesmo a conversa ao nosso redor nos
desconcentra.
Nesse instante, somos apenas Levi e Analu.
Apenas duas pessoas que em um mundo paralelo poderiam
conquistar tudo.
O mundo. As estrelas. O universo. Tudo seria nosso.
Ele seria meu.
Mesmo que o mundo não concorde, não aceite. Nesse instante, nada
importa.
— Você será a minha morte, Analu Parker.
— E você será a minha ruína, Levi Johnson
Você diz que sou amada quando não consigo sentir nada
Você diz que sou forte quando penso que sou fraca
E Você diz que tenho valor quando me sinto insuficiente
E quando eu não pertenço, oh, Você diz que sou Sua
You Say | Lauren Daigle

Eu nunca me senti tão atraído por alguém como me sinto por Analu.
É uma coisa que tento não compreender, porque talvez o significado
disso seja mais complexo do que estou disposto a lidar. Mas, quando ela
sorriu em minha direção e a felicidade inebriou dela como nunca antes, me
senti a pessoa mais sortuda do universo por ter participado desse momento
único.
Foi encantador assistir seus olhos brilharem e sua confiança
transbordar do limiar de suas máscaras. Mesmo distraída, ela se tornou
objeto de admiração de muitas pessoas naquele salão, embora aquele sorriso
em seu rosto fosse apenas para mim.
Aquele brilho irradiando de suas pupilas era para comemorar a
nossa vitória.
Minha e dela.
Naquele momento, olhei por baixo de tudo o que estava escondido e
enxerguei o que a garota que dançou comigo naquele jardim, na noite da
nossa formatura do colegial, escondia. Entendi que ela ainda está lá entre os
traumas do seu passado e submersa nas teias da sua fragilidade.
— Por que você está encarando sua bebida com um olhar estranho?
— A voz da dona dos meus pensamentos me faz olhar sobre meus ombros.
Passo meus olhos pelo vestido dourado com mangas longas e sem
decote, pelos cabelos que caem em cascatas sobre seus ombros e pelas
sandálias de salto preto. Ela joga os cabelos para trás e a cabeça pende para
o lado, destacando um pequeno brilho em suas orelhas e o batom vermelho
borgonha.
Analu nesse momento, é epítome de beleza e elegância.
Me levanto, abrindo os primeiros botões da minha camisa e me viro,
ficando na sua frente.
— Você está deslumbrante.
— Você também — devolve, erguendo uma sobrancelha. — Mas
isso não responde a minha pergunta.
— Eu estava te esperando — anuncio, estendendo a mão para que vá
primeiro. — Vamos?
Ela maneia a cabeça, sabendo que não darei mais do que isso.
— Vamos.
Caminhamos juntos até o táxi, que nos levará até o salão onde
acontece a comemoração do campeonato, com todas as universidades
reunidas. Mas durante todo o trajeto, meu pensamento é apenas nela e em
uma coisa que ninguém sabe sobre Parker.
A coisa que percebi durante todos esses anos estudando-a de longe.
Analu diz odiar elogios. Qualquer que seja o tipo. Desde sua beleza
a sua inteligência. Mas é uma mentira. Ela os ama.
Posso perceber isso em seu olhar brilhante e na forma como aperta
de leve os dedos da mão para afastar a ansiedade. A verdade é que ela
apenas não sabe lidar com eles, porque sempre foi manipulada a acreditar
que as pessoas olhavam primeiro para outras e só depois ela era enxergada.
Uma ideia totalmente contrária à realidade, já que quando entra em
qualquer lugar, é como se ela se tornasse o centro do universo, contudo é
compreensível que pense assim. É compreensível porque a culpada disso é
Amara Parker.
Apenas uma ligação para minha mãe, após Analu se trancar no
banheiro para se arrumar, foi suficiente para descobrir o que eu já
imaginava há tempos. Amara sempre foi uma narcisista escondida entre
suas roupas de luxo e sorrisos falsos.
A única coisa que lhe importava desde que se infiltrou na alta
sociedade de Saint Vincent, por conta de seu casamento com o herdeiro do
Parker Group, era que as pessoas a enxergassem como a mulher mais
sucedida da Parte Alta. A esposa troféu que causaria inveja em todas as
outras. Mas, agora estudando o estereótipo dela, compreendo que aquela
mulher é apenas um ser humano desprezível que fez tudo o que estava ao
seu alcance para estar no topo, mesmo que isso significasse destruir os
filhos no processo.
Ela machucou Analu, Theo e Hazel.
Machucou pessoas importantes para mim e meus amigos.
E, quando percebeu que sua filha, a que deveria ser a sua sombra, se
tornou mais interessante do que a sua beleza vazia e mesquinha, Amara fez
com que todas as inseguranças e medos de Analu tornassem gatilhos para
que se tornasse tão fria e manipulável.
Ela ensinou a Analu que o amor machuca, corrompe e depois
destrói.
Que ao ser compassiva dá brechas para as pessoas quebrarem o que
lhe resta e que ser a vilã pode salvá-la de tudo o que a rodeia.
Nunca havia parado para analisar isso. Não até o dia que busquei
Analu para o evento e Amara me olhou como se eu estivesse tirando seu
tesouro mais valioso. Ela sabia que eu havia entendido o que estava
escondendo e sei que ela não ficará sentada enquanto eu e meus amigos
tiramos nossa amiga das suas garras e Analu nem mesmo percebe isso.
Se eu for sincero, acho que ela sempre acreditou que ninguém nunca
seria capaz de entender o porquê ela era tão má, tão negligente consigo
mesma ou o porquê ela machucava as pessoas. Mas eu, Summer, Hazel e
Verônica, sim.
Nós conhecemos a mulher que habita abaixo de todas essas
camadas. Nós nos conhecemos e admiramos.
Porque ela é completamente extraordinária. Perfeita em todos os
níveis.
E mesmo que tudo dentro de mim grite para eu que não faça o que
estou cogitando desde que a deixei no quarto para se arrumar, eu tomo a
decisão que nunca imaginei tomar.
Eu a escolho. Escolho salvá-la. Escolho mostrar a ela que mesmo
que pareça, nem tudo está perdido ainda. Ainda há esperanças. Para ela e
para mim.
Eu a escolho com a minha primeira e única opção.
— Nós chegamos.
Antes que ela possa abrir a porta, me inclino segurando seus braços
e digo ao motorista para continuar dirigindo até o endereço que indico a ele.
— Nós não vamos a essa festa — minha voz não deixa lugar para
discussão.
Sua careta confusa faz com que um sorriso nasça em meus lábios.
— Você não está me sequestrando, certo? — Ela ergue uma
sobrancelha. — Se fizer isso, Levi, não vou pensar duas vezes sem chutar
suas bolas outra vez.
Uma gargalhada salta dos meus lábios.
— Mesmo que eu saiba que você adoraria, não estou fazendo isso.
— lhe dou um sorriso tranquilo. — Apenas, tenha paciência.
Dez minutos depois e uma Analu curiosa como uma criança de dez
anos, o táxi para em frente a um enorme jardim cercado de flores de todos
os tipos. Rosas, orquídeas, jasmins e tantas outras que não faço a mínima
ideia de seus nomes, mas nenhuma é a que desejo.
Assim que saímos do automóvel e caminhamos até uma estufa
escondida entre as dezenas de árvores e flores, sorrio. Não foi fácil achar
esse lugar com tão pouco tempo, contudo com a ajuda de mamãe, que
sempre está na cidade para compromissos e Meg, que me enviou a
localização no caminho para cá, consegui a tempo.
E agora sei que vai valer a pena.
Fito seu rosto com curiosidade, seus lábios entreabertos e seus olhos
desconfiados que estudam cada parte desse ambiente. Mas é quando abro as
portas duplas, e ela contempla o que há guardando nesse enorme ambiente,
que sua expressão se torna esplêndida.
Seus olhos cintilantes se fixam na beleza do lugar e tudo se torna
arco-íris.
Centenas de tulipas estão espalhadas pela estufa.
Tulipas vermelhas, amarelas, brancas e outras dezenas de cores.
Elas são intragáveis e possuem uma delicadeza que me deixa
curioso.
Analu dá um passo à frente, seus lábios se abrem de surpresa. Não é
como o campo de tulipas naquela foto, mas ainda assim, é como ele.
Uma parte de mim se sente orgulhoso por despertar tal emoção nela,
mas quando seu rosto se vira para onde estou, encarando-me, eu me
pergunto o que há de errado. Seus olhos estudam os meus e apenas cruzo os
braços, esperando pelo que quer que esteja rondando sua cabeça.
— Eu não podia trazer o campo de tulipas até aqui. — Dou de
ombros, colocando as mãos no bolso. — Mas trouxe a sua lembrança
preferida de uma outra forma.
Ela se vira, mordendo o lábio inferior.
— Você se lembrou — sussurra.
— Eu nunca esqueci — conto. — Até mesmo quando você ainda me
odiava, eu ainda guardava a sua lembrança favorita.
— Foi você. — Ergo uma sobrancelha pela constatação. — Todas as
tulipas na minha mesa e a até mesmo a de hoje. Foi você.
Dou de ombros novamente, tentando mostrar que foi apenas um
gesto de desculpas por tê-la chamado de vazia e por ter rejeitado quando
minha vontade era tudo, menos isso.
— Fui eu. — admito.
— Por quê?
— Porque você merecia um gesto gentil depois do mundo ter sido
tão cruel.
— Então, eu acho que terei que te dar todas essas flores para
compensar as vezes que eu fui cruel com você — ela devolve, mas não há
orgulho em suas palavras. — E acredito que mesmo assim não será
suficiente.
Suas palavras me surpreendem. Analu, em um intervalo de vinte e
quatro horas, se desculpou mais do que já presenciei a minha vida toda.
Me aproximo e assim que paro perto de seu corpo, seguro seu
queixo, erguendo-o e fazendo-a me encarar.
Seus olhos fitam os meus com algo que não consigo reconhecer, mas
gosto. Sua boca me chama mesmo que eu saiba que esse não é o momento.
Tenho vontade de me aproximar e roçar meus lábios nos seus para então,
prová-la outra vez. Entretanto não faço, porque eu desejo mais do que
apenas um beijo em meio às flores.
Eu a desejo por completo.
— Eu ainda tenho direito a uma pergunta.
Analu balança a cabeça por perceber que eu nunca esqueceria que
ainda me resta uma pergunta de nosso de dardos e eu sorrio.
— Você tem — constata.
— Sim.
— E o que você quer, Levi?
— A verdade. — Meus olhos nunca abandonam os seus. — Do que
você tem medo, Analu?
Nada em sua expressão muda, mas há um resquício de dor em suas
pupilas.
E eu desejo que ela possa observar além da vasta escuridão que
rodeia meus olhos porque lá, entre o caos e a poesia, o certo e o errado, nós
somos infinitos. Nós somos feitos da mesma matéria e posso até mesmo
constatar que nos encaixamos como nunca antes conseguimos nos encaixar
em alguém.
— Eu não tenho medo. — Sua resposta é vaga.
Sorrio, mas não há humor.
— Expressar o que está sentido exige mais coragem do que imagina,
Analu — digo, sincero. Pensando nas vezes que eu tive que repetir isso para
mim mesmo, após a morte de Matteo. Quando ano após ano, a dor da sua
perda ainda me perseguia e fazia morada em meu peito. — Todo mundo
tem medo de algo e isso não é errado. É ser humano.
Seu rosto se ergue, seus olhos castanhos tão lindos me encaram com
tudo o que não deveria estar ali. Analu está despida de sentimentos à minha
frente.
Ela é a sua versão real, a que tanto pedi para conhecer.
— Eu tenho medo de estar quebrada demais para ser consertada —
sussurra.
— Você não precisa ser consertada — murmuro. — Ninguém
precisa ser perfeito, Analu. Você pode ter pedaços faltando e ainda assim
ser a coisa mais bela do universo.
— Eu preciso. — Seus olhos lacrimejam. — Eu preciso porque só
assim eu vou conseguir superar tudo o que perdi.
— Quando meu irmão morreu, eu parei de falar — solto, algo que
nem mesmo meus amigos sabem. — Eu me culpava por ter sido a única
pessoa a conversar com ele. E com isso, me punia através do silêncio. Eu só
conseguia nadar e chorar. — Engulo em seco. — Comia o suficiente para
que pudesse ter forças e voltava para água. Isso durou por semanas até que
minha mãe me levou a diversos médicos e psicólogos. Além de ter que lidar
com a dor do luto, ela precisava lidar com as consequências das minhas
ações.
— Você não teve culpa da morte dele.
— Eu sei disso agora — confesso.
— E quando você se recuperou da perda? — inquere, como se
sentisse algo parecido.
— Quando conheci Logan e Josh — conto, um pequeno sorriso
nasce em meus lábios. — A mãe de Logan trabalhava para Thea, uma
conhecida da família, e um dia mamãe me levou até a casa de leitura dela e
ele estava lá entre os malditos livros de fantasia. Josh apareceu alguns
minutos depois e se sentou ao lado de Logan, xingando-o por não tê-lo
esperando. Eu o vi ali sorrindo e brigando um com o outro e algo dentro de
mim, me mandava ir até onde estavam. Logan me viu e apenas ergueu uma
sobrancelha.
Solto uma pequena risada lembrando do momento.
— E então? — encoraja.
— E então ele me chamou para me sentar ao lado deles e quando
não respondi, ele me chamou de estranho e Josh lhe deu um soco no braço.
— Uma risada salta de seus lábios. — Eu fiquei ofendido e o mandei para o
inferno. Eu não havia dito nada em quase cinco semanas e a primeira coisa
que disse foi um “vai para o inferno”. O pior de tudo é que eu achei que
ele se levantaria e me socaria, mas a única coisa que Logan fez foi
gargalhar, bater no chão ao seu lado e me chamar outra vez. Depois disso,
nós três nunca mais nos separamos.
— Eles sempre foram seus amigos. — Ela constata, há tristeza em
suas palavras.
— Não, Analu. Eles sempre foram mais do que meus amigos, eles
são a minha família. — Minha voz salta dos meus lábios terna. — Assim
como eu sei que as garotas são a sua.
— Verônica foi a única pessoa que segurou meu mundo quando ele
caiu — Sua voz é baixinha, dolorosa. Percebo que é a primeira vez que ela
fala sobre o assunto. — Quando voltei da viagem que me destruiu e com
medo de tudo, ela esteve lá para mim. Vee se sentou ao meu lado e me
embalou em seus braços, enquanto eu chorava. Ela maratonou Harry Potter
comigo e jogou partidas de tênis, mesmo não gostando, apenas para me
fazer companhia. Ela era a minha única amiga e eu destruí tudo o que
tínhamos para tentar agradar o meu pai, porque achei que se fizesse o que
me pediu, ele me olharia com orgulho.
Uma única lágrima desce pelos olhos dela.
Analu, que nunca permitiu que as pessoas enxergassem sua dor,
decidiu mostrá-las para a única pessoa que considera seu rival.
— O que destruiu a amizade de vocês no passado, Analu?
— Ambição. — Dor vem junto à palavra. — Meu pai queria ser
melhor que Jonathan e ele sabia que eu tinha acesso a toda a casa de Vee.
Então, ele me fez acreditar que isso o faria me amar e que ele nunca
deixaria que Amara tocasse em Theo. — Ela morde o lábio inferior antes
de continuar. — Eu entrei na casa da minha melhor amiga, descobri a senha
do cofre principal e roubei alguns papéis que nunca soube o que eram.
Meu rosto não desvia do dela enquanto ela continua a contar:
— Verônica não se importou com os papéis ou com o fato de que eu
descobri a senha do cofre da sua família, ela se importou que havia traído a
nossa amizade. A confiança que tínhamos uma na outra. Eu nunca tinha
sentido a dor de perder algo que eu amava, até aquele dia — ela murmura,
desviando o olhar por um momento. — Mas, quando ela beijou Mike
mesmo sabendo que eu gostava dele, foi a nossa ruptura final. Eu a
machuquei e ela me devolveu o golpe. E não pensei duas vezes quando tive
a chance de devolvê-lo, usando Logan assim que ela voltou para a cidade.
Só que eu a subestimei, porque ela me mostrou que não se importava e
desfilou com Mike, como se ele fosse seu prêmio.
Uma careta toma conta do meu rosto ao me lembrar da única vez
que a vi saindo do quarto de Logan, quando ele ainda tinha um ódio
incontrolável por Verônica e quando Verônica fez com que Logan a
assistisse, enquanto aproveitava da paixão de Mike.
Eles jogaram sujo e nenhum de nós gostaríamos de estar entre eles.
Mike sempre odiou Logan. Não é uma novidade, porém agora vendo
o que motivou tudo isso, acho que seu ódio por Analu sempre foi maior,
porque ele sabia que mesmo que tivesse alguma chance com Vee, ela nunca
pensaria duas vezes antes de escolher a amizade delas e o seu amor por
Logan.
— Me lembre de nunca ser inimigo de nenhuma das duas — brinco,
colocando uma mecha do seu cabelo atrás da orelha.
— Você não vai ser. — Ela nem mesmo percebe o que acaba de falar
e solta uma risada. — Mas, no fim, nós duas descobrimos que apenas
precisávamos de uma boa briga e uma conversa adulta.
— E agora?
— Agora ela é como uma irmã para mim novamente. Assim como
Summer e Hazel. — Um meio sorriso cruza seus lábios. — Elas são a
minha família, como você disse. Não imaginaria passar por essa vida ou por
outra sem ter elas ao meu lado. Eu queimaria o mundo por elas e sei que
elas fariam o mesmo por mim.
Não é necessário uma resposta para isso.
Nós dois sabemos disso.
Elas são o maior elo e não há nada forte o suficiente que tenha a
capacidade para destruir a irmandade que construíram. Porque não foi fácil.
Elas passaram e ainda passam por tantas coisas, lutam para se manterem
inteiras, mesmo que estejam com os corações quebrados, em guerra e até
mesmo mascarados.
Saint Vincent é elas. E nenhum de nós discordamos.
— Obrigado — me pego dizendo. — Por se permitir sentir.
Um pequeno sorriso nasce rapidamente em seus lábios e morre logo
em seguida.
— Obrigada por me ouvir.
É a minha vez de sorrir.
— Sempre que precisar, princesa.
— O mesmo para você, Projeto de Pequena Sereia.
— Esse apelido é ridículo, você sabe, né?
Sua cabeça tomba para o lado.
— E mesmo assim, você ainda me permite te chamar desta forma.
— Não adiantaria tentar pará-la. — Dou de ombros. — E eu não
desejo que pare.
Estamos enterrados em sonhos quebrados
Estamos atolados sem um fundamento
Eu não quero saber
Como é viver sem você
Não quero conhecer
O outro lado do mundo sem você
The Other Side | Ruelle

Semanas atrás, quando eu estava no ápice da minha dor, eu lembrei


da teoria do Amor Fati.
Sobre aceitar o supremo ato do amor-próprio e sobre ele nos ensinar
que foi por conta de todos os acontecimentos que, agora, sabemos o que
precisamos mudar e que não será fácil. Eu não concordava com essa teoria
naquele instante, mas agora, após rever todas as nuances do que realmente
houve, das minhas atitudes e de outras pessoas, entendo que a teoria faz
sentido.
Faz sentido entender que cada uma das dores, cicatrizes e memórias,
nos ensinou alguma coisa. Mesmo que não merecíamos ganhá-las, elas
serviram para algo.
Agora que compreendo isso e sei o que preciso fazer para mudar, eu
sinto como se uma nova luz surgisse e estivesse pronta para finalmente
abandonar o lugar escuro onde minha alma se escondeu.
E tenho certeza disso quando Levi abre a porta do táxi e nós
andamos rumo ao interior do hotel. Nenhum de nós está com vontade de
participar de uma festa onde inúmeras pessoas estariam apenas nos
bajulando, por conta da nossa vitória mais cedo. Entretanto, assim que
ultrapassamos as portas giratórias, o barulho de universitários bêbados
fizeram com que Levi puxasse minha mão em direção a uma sala vazia, na
qual estávamos passando para nos esconder como dois adolescentes
fugitivos.
Pressionando minhas costas contra a porta, uma risada luta para ser
liberta de meus lábios e só piora quando percebo que nos escondemos em
nada mais do que em um almoxarifado.
Definitivamente a risada salta dos meus lábios ao constatar o clichê
ambulante que estamos nos tornando.
— Se você continuar rindo, eu juro que eu irei te deixar com aqueles
idiotas bêbados — ele resmunga segurando a sua própria risada.
— Você não ousaria. — Encaro-o desafiadoramente.
— Você ainda duvida? — Zomba. — Eu posso ter uma bela noite de
sono enquanto deixo-a receber os abraços falsos e bebidas baratas.
Abro um sorriso em sua direção que ele não pode ver por conta do
escuro.
— Hmm… Talvez não seja uma má ideia — debocho, umedecendo
meus lábios. — Jake Adams deve estar entre eles.
Levi esquece o que estava procurando e volta sua atenção para o
meu rosto.
— Não me tente, princesa.
Umedeço meus lábios.
— Não estou fazendo nada. — Um sorriso felino toma conta dos
meus lábios. — Estou?
— Então, você não está tentada a ir lá fora em busca de uma foda
mediana?
Triunfo coteja em meu sorriso.
— Não, eu não quero. — Minha mão se levanta, traçando os botões
de sua camisa e quando para no último, sorrio. — Acho que já tenho a
minha noite garantida.
Ele se inclina, depositando um beijo em meu pescoço.
— Eu gosto de como isso soa — sua voz vibra em minha boceta. —
Agora deixe-me nos tirar daqui e eu vou te mostrar exatamente como sua
noite está garantida.
Levi deposita um beijo rápido em meus lábios e antes que eu possa
dizer algo, ele nos gira, abre a porta e percebe que toda multidão já passou.
Um sorriso arteiro toma conta de seu rosto e antes que eu possa questionar,
ele pega novamente a minha mão, segue até um carrinho de comida parado
ao lado do corredor, que leva até a ala presidencial do hotel, pega uma
garrafa lacrada de Dom Pérignon e a esconde entre nós dois.
— O que diabos você está fazendo? — questiono, mas há um tom de
humor em minha voz.
Pego seu braço transpassando pelo meu e ajudando-o a esconder a
bebida roubada enquanto caminhamos até o elevador.
— Dando-nos uma comemoração digna.
— Você sabe que temos dinheiro suficiente para comprar dezenas de
garrafas como essa, certo?
Ele vira o rosto na minha direção.
— E qual seria a graça?
Nenhuma.
— Eu estou corrompendo o garoto de ouro da cidade? — Um sorriso
sugestivo cresce em meus lábios.
— Você está fazendo bem mais do que isso, princesa.
Abro a boca para responder, mas as portas do elevador se abrem e
nós entramos como dois fugitivos. Assim que aperto o número do nosso
andar, uma risada salta dos meus lábios, porque definitivamente estamos
indo contra tudo o que somos nessa viagem.
Nós estamos dando parte de nós um para o outro, mesmo que
saibamos o quão errado isso é. Levi e eu não precisamos ultrapassar o
limiar que separa a nossa atração do nosso dever e eu não preciso de
complicações em minha vida, não quando já tenho problemas demais para
lidar.
Solto um suspiro doloroso quando meus pés mal me esperam
encostar na superfície de metal para reclamarem, por terem se firmado em
um Saint Laurent por tanto tempo. Prontamente me curvo para retirá-los,
decidindo que caminhar descalça até nosso quarto é a melhor opção,
entretanto um olhar para o lado me mostrou Levi se aproximando,
entregando-me a garrafa e se abaixando em uma perna.
— Levante daí, pelo amor de Deus! — Tento me afastar.
— Fique quieta e me dê seu pé — ordena, pegando em minha
panturrilha. — Eu aprecio seus gemidos, mas, definitivamente, esses que
está soltando não são objetos dos meus desejos.
Reviro meus olhos, deixando-o abrir a primeira tira da minha
sandália.
— Você é um idiota.
— Sim, você sempre afirma isso — ele deposita meu pé no chão
gelado. — Agora me dê o outro, Analu.
Sem hesitar, levanto e entrego a ele de bom grado.
Erguendo o rosto, meus olhos pararam na câmera de segurança
piscando. A imagem da noite anterior, onde ele me pressionou contra as
paredes desse mesmo elevador e enterrou seus dedos dentro da minha
boceta, fazendo-me ver estrelas, toma conta do meu pensamento.
Não falamos sobre tudo o que aconteceu e acho que ele nem mesmo
deseja e eu definitivamente não vou ser a primeira a tocar nessa pedra que
colocamos entre nós dois.
Mas, há algo que precisamos resolver. Não podemos deixar que esse
hotel tenha imagens comprometedoras de nós dois. Não quando nossos pais
fariam com que nunca mais olhássemos um para o outro.
— Levi?
— Hum?
— Nós temos que conseguir as filmagens — afirmo, tentando puxar
meus saltos de sua mão, mas ele os afasta. — Não podemos deixá-los com
elas.
— Eu já as tenho.
— Você o quê?
— Eu as tenho — repete, dando de ombros. — Você acha que
acordou sozinha por quê, princesa?
— Você estava roubando filmagens pela manhã? — questiono,
perplexa.
— Não, eu estava pedindo gentilmente para que eles me
entregassem. — Ele ergue uma sobrancelha. — Ou você realmente achou
que eu deixaria um bando de idiotas terem uma imagem sua para satisfazer
a porra de suas fantasias sexuais?
Minha boca se entreabre, surpresa.
— Levi?
— Sim?
— Como você conseguiu as filmagens? — Minha voz soa firme.
— Minha mãe é a senadora, Analu — Uma expressão de desafio
toma conta do seu rosto enquanto se levanta e fica a minha frente. Ele me
encara como se estivesse me informando o tempo. — Então, eu posso
conseguir o que eu quiser e na hora que eu quiser.
É a verdade. Ele pode e ele consegue.
Não pelo seu nome, mas por quem ele é.
E, nesse momento, Levi Johnson me quer e eu tenho quase certeza
de que ele já conseguiu.

Nunca imaginei que um dia passaria um sábado bebendo Dom


Pérignon em uma varanda de um quarto de hotel na companhia de Levi
Johnson e que não estaríamos tentando atacar a garganta um do outro.
É estranho pensar que realmente conseguimos ter uma trégua digna,
mas ao mesmo tempo me questiono como será após voltarmos para Saint
Vincent. Como será quando ele e eu precisarmos voltar ao lugar que guarda
nossos demônios?
— O que você está pensando? — ele pergunta, voltando à varanda.
Ergo meu rosto e meu cenho se franze para a caixa em suas mãos.
— Onde você conseguiu isso? — Aponto para a caixa de pizza.
— Subornei uma das recepcionistas enquanto você estava no banho
— se senta, abre a caixa e o cheiro de queijo suíço toma conta do ambiente.
— Sinto muito, não consegui a sua salada.
Encaro-o por um instante.
Com a atenção de Amara em seus bailes e viagens, ela esqueceu de
seus comentários maldosos sobre meu corpo e nem mesmo percebi que já
não me importava mais com eles. Era uma parte da minha vida que ela
controlou por tanto tempo que achei que nunca conseguiria me libertar, mas
pouco a pouco as amarras dela estão se soltando da minha vida e eu posso
tomar minhas próprias decisões sem pensar em como ela irá me afetar.
— Tudo bem. — Inclino meu corpo na direção da caixa, roubando
um pedaço. — Eu posso me contentar com isso.
Levi solta uma pequena risada.
— Então agora você vai roubar as minhas pizzas? — Ergue a
sobrancelha, mas há humor em suas palavras — E eu achando que você
apenas amava as suas saladas.
— Eu não vivo apenas delas, Levi. — Reviro meus olhos. — Eu
apenas tento controlar minha dieta.
Ele abaixa a caixa e me encara.
— Por conta de sua mãe — constata o óbvio.
Mordo a pizza, soltando um gemido pelo sabor excepcional e
quando volto a encará-lo, ele ainda espera pela minha resposta.
— Sim — digo a verdade. — Ela controlava minha alimentação
desde que eu era criança. Nunca podia comer besteiras, nunca podia passar
do meu limite. Sempre tinha um nunca. E isso continuou até que parei de
me importar e comecei a desafiá-la e a entender que eu era dona do meu
próprio corpo e podia comer o que eu desejava. Porém, os comentários que
serviam para me manipular e a forma como ela dizia que eu precisava ser
perfeita em todos os sentidos, ficaram gravados em minha mente e mesmo
com todo o tipo de ajuda e força de vontade para superá-los, ainda fica
resquícios de sua maldade em minha mente.
— Sinto muito.
— Não sinta. — Dou outra mordida. — Eu não tenho problemas
com isso e deixá-la tomar as rédeas dessa parte da minha vida novamente é
algo que não estou disposta a abrir mão. — Encaro-o com um vinco entre
minhas sobrancelhas. — Então, você vai comer ou quê?
Levi estende a mão, pega uma fatia e leva aos lábios. Assim que
termina de comer, ele pega o champagne, retira o lacre e o abre, despejando
em dois copos de papel que roubamos da máquina de café.
Me entregando um, ele ergue o outro em um brinde e eu o
acompanho.
— A nossa vitória — brinda, sorrindo e pegando outro pedaço de
pizza.
Lanço-lhe uma careta antes de elevar o braço.
— A nossa trégua — brindo de volta.
Uma nova risada salta de seus lábios e eu o admiro.
Passo alguns minutos encarando-o e Levi me devolve o olhar.
A maneira como me olha faz com que algo estranho e apavorante
crie vida dentro do meu peito. Algo que corre pelas minhas veias e me faz
desejar por mais. Algo que desde que fomos obrigados a convivermos todos
os dias juntos, se tornou como a rotina que anseio.
É como se ultimamente tivesse sido tudo sobre ele, sobre nós,
mesmo quando não é.
Para escapar disso, limpo minhas mãos e me levanto, pedindo
licença até o quarto. Foram horas estranhas e já permiti que Levi entrasse
em meu âmago o suficiente para perceber que sou mais do que aparento e
isso pode ser perigoso. Perigoso porque as informações que cedi hoje são
como munições que tem a possibilidade de me destruir.
Mesmo que eu saiba que ele não fará isso, o medo ainda continua
sendo real.
— Não faça isso — sua voz soa atrás de mim.
Não, por favor, Levi.
Ergo meu rosto por cima do ombro, colocando um semblante blasé e
segurando um livro em minhas mãos.
— Desculpe?
Não posso te machucar.
— Não volte para aquele lugar que estava antes dessa viagem.
Eu preciso.
Volto meu olhar para frente, fecho meus olhos por um segundo e me
viro.
— O que acontece nessa viagem, fica nessa viagem, Levi — reitero,
encarando-o.
Ele dá um passo à frente e eu apenas o observo vir até mim.
— Não.
— Levi...
— Eu não vou te guardar como a porra de um segredo, Analu.
— Você prometeu! — minha voz sobe um decibel. — Nós não
somos um romance de verão idiota ou um filme de comédia romântica,
Levi. Isso aqui é a realidade. E nela, não poderíamos nem mesmo ter
cogitado a ideia de ter deixado acontecer o que aconteceu entre nós dois.
A possibilidade de machucá-lo e de dá-lo esperanças de que não
posso cumprir, dói.
— Bom, eu estou mudando de ideia. Eu não vou querer que isso
fique apenas nessas quatro paredes. — Seu suspiro me atinge. — Eu não
quero e sei que você também não.
— Não depende de querer, Levi — minha voz é alta até mesmo para
mim.
— Então, depende do quê? — Ele passa as mãos pelo cabelo,
exasperado.
— Eu não posso sentir isso. Sentir o que está acontecendo entre nós
dois! — grito. — Eu não posso ter isso na minha vida!
Meus olhos se arregalam pela verdade em minhas palavras.
— Por que não, Analu? — Ele devolve. — Por que você só espera o
pior das pessoas quando elas tentam te mostrar o melhor?
— Porque eu fui a mais machucada. Eu fui! — Aponto o dedo para
mim. — Ninguém sentiu o que eu senti. Ninguém viu a megera sendo
machucada dia após dia. Ninguém me viu lutando para fazer Theo ser feliz.
E todas as vezes que eu tentava acertar, eu só perdia a confiança das pessoas
que eu gostava. Eu perdi a minha melhor amiga, quase perdi a minha irmã,
porque fui egoísta e não olhei para a dor dela também. — Engulo em seco.
— Eu precisei vestir uma máscara para sobreviver. E quando me tiraram o
que não deveriam, foi doloroso, me quebrou além de reparos. E para
sobreviver, eu me tornei a minha pior versão e vesti minha armadura para ir
a batalha, porque eu não tinha mais alguém para me segurar. Para lutar por
mim. Eu estava sozinha, Levi. Eu sempre estive sozinha!
Ele dá mais um passo, pegando meu rosto com as duas mãos e me
encara.
— Você não está mais sozinha! — exclama. — Eu estou aqui por
você. Eu sempre vou estar e, Analu, não sabe o quanto me dói não ter
estado antes. Mesmo que não acredite, mesmo que não aceite, eu sou a
pessoa para quem você sempre vai poder correr quando seu mundo desabar.
Eu vou aprender sobre Harry Potter, vou ser sua dupla no tênis, vou te
mandar dezenas de tulipas, tudo para que entenda que é extraordinária,
Analu. Eu apenas vou te mostrar que alguém no mundo te enxerga e te
escolhe como única e primeira opção.
Eu o encaro sem palavras.
Não há nada que se possa comparar ao que ele acaba de dizer.
Eu apenas vou te mostrar que alguém no mundo te enxerga e te
escolhe como única e primeira opção.
Na minha vida, eu sempre desejei ouvir essas palavras. E agora que
aconteceu, o medo de machucá-lo como machuco a todos é maior do que
qualquer outra sensação.
— Eu vou te machucar.
— Não, você não vai.
— Eu machuco a todos. Eu sou assim. — Fragilidade toma conta do
meu olhar. — E eu não quero te machucar, Levi.
— Você se lembra de quando eu disse a você que eu luto por tudo o
que eu quero?
— Sim.
— Eu quero você. — A convicção em suas palavras. — E dessa vez,
eu vou ter, custe o que custar.
Então, seus lábios estão nos meus.
Levi me beija como se estivesse me reivindicando, mas ele não
precisa disso.
Não mais. Porque, mesmo que eu não queira aceitar, talvez ele já me
tenha.
Minha alma dilacerada.
Meu coração mascarado.
Todo o meu ser.
Quero que você me faça sentir como se eu fosse a única garota do mundo
Como se eu fosse a única que você amará
Como se eu fosse a única que conhece o seu coração
Única garota do mundo
Only Girl | Rihanna

Eu sabia no instante em que beijei Analu que tudo aquilo acabaria de


uma forma desastrosa.
Entretanto, agora que beijo-a como se ela fosse o ar que respiro, não
me importo com isso. Não me importo que eu tenha pulado de um
paraquedas sabendo que quando pousar, nada será bonito.
Apenas vivo cada segundo e aproveito o que essa viagem nos
proporciona.
Me deleito com a sensação de seu corpo contra o meu e provo seus
lábios como se ele fosse um manjar dos deuses.
Caminhamos cegamente até a parede mais próxima e sinto suas
mãos enrolarem em meu pescoço em uma tentativa de não haver
possibilidade de fuga. Mas, o que ela não sabe é que isso está fora de
cogitação. Eu não estou fugindo ou a deixando.
Eu estou me tornando dela, porra!
Quero que Parker entenda isso. Entenda que não somos um caso
sujo de uma viagem momentânea ou uma conquista barata de um final de
semana. Quero que compreenda que mesmo que não se ache digna de algo,
ela é.
Impaciente para tê-la, seguro suas pernas e a ergo, fazendo com que
circule minha cintura e sinto sua mão deslizar pela minha camisa,
desabotoando os botões, todavia suas unhas impossibilitam de que faça o
trabalho com destreza e agilidade. Então, de repente, ela se irrita e com as
duas mãos puxa a camisa com força, fazendo com que botões voem pelo
nosso quarto e uma risada saia dos meus lábios pela forma desleixada que
lido com a situação.
Me pegando completamente desprevenido, Analu ergue o rosto,
encara meu sorriso e se aproxima, beijando minhas covinhas antes de voltar
a me beijar.
É um gesto que eu não esperava, mas que agora desejo por mais.
Deus, essa mulher.
Minha morte, definitivamente, ela será a minha morte.
Esfregando-a em minha ereção, sinto-a se prender ainda mais em
meu corpo e quando sua cabeça pende para trás, deixo pequenos chupões
em seu pescoço que serão motivo para uma nova discussão pela manhã.
Me afasto, depositando beijos em seu pescoço.
Ela lambe seus lábios, suas íris irradiando luxúria e necessidade.
Meu pau endurece ainda mais com a imagem de suas pupilas
dilatadas pelo desejo que nos consome e seus lábios entreabertos.
Ela é perfeita. E minha. Toda minha.
Seu corpo se esfrega no meu em uma necessidade que entendo e
compartilho. Assim que seus olhos encontraram os meus, ela se inclina para
frente, depositando um longo beijo em meus lábios antes de voltar a se
afastar, ficando nariz com nariz comigo, eu tenho a certeza de que será
impossível deixar tudo o que aconteceu nessa viagem escondido nas
penumbras da minha memória.
— Como você quer que eu te foda, princesa?
O cheiro dela está por toda parte. E descubro que é o meu novo
cheiro favorito.
Ela rebola em meu pau duro, inclinando-se ainda mais para ficar na
altura da minha boca, arrastando sua língua pelo meu lábio em uma
promessa promíscua.
— Como se eu fosse sua — sua resposta finalmente sai dos seus
lábios.
Sorrio depravadamente. Me inclinando e mordendo seu pescoço,
deixando a minha maldita marca.
— Não é necessário desejar isso, amor. — Deixo um beijo rápido,
caminhando até a nossa cama. — Porque você já é. E sempre será.
Com um beijo firme, bruto e cheio de sentimentos reprimidos, eu
deixo com que nossos corpos caiam em sincronia na cama. Minha mão se
apoia ao lado da sua cabeça para segurar meu peso, enquanto ela se deleita
com nosso beijo.
Antes que eu possa tomar controle da situação, ela enrola as pernas
ao redor da minha cintura e nos gira, invertendo nossas posições, pegando-
me desprevenido e sorri pelo feito.
Puxando sua roupa do corpo e ficando apenas com uma lingerie
preta, ela se inclina novamente selando nossos lábios rapidamente antes de
se afastar e me fitar com seus grandes olhos castanhos, exalando luxúria.
Me ergo dando-lhe uma mordida no queixo e erguendo a mão até suas
costas, liberando seus seios perfeitos que estão desesperados por atenção.
Brincando com os mamilos, eu me aproximo colocando um deles na
boca enquanto minha mão desce até sua calcinha, afastando-a para o lado e
molhando meus dedos com sua excitação antes de enfiá-los nela em um
movimento forte de vai e vem.
Analu joga a cabeça para trás, arqueando-se contra mim, enquanto
minha língua chupa, morde e deixa chupões em seu seio marcando-a,
possuindo e a reivindicando para mim.
— Você é tão deliciosa — murmuro, voltando a dar mais uma longa
lambida. — Inteiramente deliciosa.
Em um movimento rápido, adiciono um segundo dedo, observando-
a soltar um grito e montando meus dedos com uma necessidade absurda.
Meus dedos continuam a trabalhar em sua entrada e meu dedão escorrega
para seu clitóris. O som escorregadio deles, entrando e saindo de dentro
dela é a minha sinfonia favorita.
Quando a sinto prestes a gozar em minha mão, desacelero meus
movimentos, escutando seu lamento indignado e sorrindo contra seu seio.
Antes de afastar meu rosto de seu seio e o erguê-lo para observar a raiva
tomar conta de seu semblante perfeito.
— Eu quero sentir você gozar no meu pau hoje, amor — estalo,
encarando-a com louvor. — Mas antes, abre essa boca, linda, e prove o
quanto você é gostosa.
A cretina sorri ansiosamente e se inclina para mim, abrindo a boca
para que eu possa introduzir meus dois dedos em seus lábios e observá-la
chupá-los como se fossem meu pau. Sua língua desliza pela extensão dos
meus dedos em uma promessa, um novo objetivo. Seus olhos nunca deixam
os meus e quando penso em fazê-la se ajoelhar como na noite passada,
Analu se afasta lentamente.
Caminhando até onde seu celular está, ela me encara sobre seus
olhos lançando-me um sorriso malicioso e volta até onde estou, apoiando as
mãos em cada lado do meu corpo e se inclinando até perto da minha boca.
— Eu acho que estou devendo-lhe uma dança. — Sua língua se
projeta para fora, lambendo meu lábio. — Aproveite seu show, querido.
Com isso, a melodia de Call Out My Name do The Weeknd invade o
quarto.
Seu corpo se move com graciosidade e me faz encará-lo como se
fosse a única beleza existente no mundo. Analu se vira de costas para mim,
dando-me a visão de seu corpo perfeito e quando me encara sobre os
ombros e sorri depravadamente, ao passo que segura os dois lados de sua
calcinha e a abaixa, retirando-a sensualmente, enquanto o refrão da música
vibra em meu peito, sei que estou fodido pra caralho.
Esse é meu paraíso preferido.
Ela volta a subir lentamente no mesmo tempo que a música acaba e
pela pouca luz que entra no quarto e ilumina apenas seu corpo, deixa-a
ainda mais radiante. Seu corpo se movimenta delicadamente e ao mesmo
tempo sensual, seus olhos nunca deixam os meus por cima dos ombros e
quando abaixo meu olhar para suas costas, observo algumas marcas ali,
marcas que não havia reparado na noite passada ou em qualquer outra noite
e, para ser sincero, acredito que ela sempre as escondeu.
Mesmo que eu saiba que ela nunca me contará, faço uma nota
mental para tentar descobrir o que aconteceu para que seu corpo tenha
marcas como essa. Embora uma parte de mim já desconfie do que seja.
Seu sorriso morre quando, lentamente, me levanto, deixando o
pensamento de lado e tirando o resto das minhas roupas, caminhando nu até
onde ela ainda está de costas para mim. Assim que me posiciono atrás de
seu corpo, minhas mãos alcançam sua barriga, dedilhando-a até chegar em
seu clitóris e observá-la jogar a cabeça para trás, fechando os olhos e
abrindo mais as pernas para que me deixe levá-la até seu limite.
Empurrando-a até a parede mais próxima, deixo que suas mãos se
apoiem na parede e ela erga a bunda em minha direção, dando-me a visão
perfeita dela se esfregando em meu pau duro em busca de mais. Sua mão
agarra minha ereção e começa a bombeá-lo, apertando-o com força e me
dando a visão da cabeça do meu pau molhada por toda a minha excitação.
Seus gemidos se misturam aos meus ao passo que aumenta os
movimentos desesperada e eu faço com que outro dedo meu se junte a sua
boceta, enquanto a devoro por completo e mordo seu ombro determinado a
acabar com ela.
De repente, inclino-a ainda mais e retiro meus dedos de sua boceta,
ouvindo-a resmungar e me ajoelho. Me abaixando posso ter a visão de suas
marcas e faço questão de beijá-las. Uma por uma. Mostrando-a que mesmo
que ela as tenha, ela não deixa de ser perfeita.
Suas costas enrijecem e uma respiração fica alojada em sua
garganta, mas deposito um último beijo em sua lombar e pego a parte de
trás de suas coxas, abrindo-as e curvando seus quadris em minha direção
antes de devorá-la novamente. Arrasto minha língua por toda extensão de
sua boceta, enquanto Analu grita, arranhando a parede e agarrando meus
cabelos, rebolando deliciosamente contra meu rosto.
Sentir seu gosto salpicando em meus lábios me faz ver estrelas e
saber que estou a um passo do paraíso. Ela é perfeita. Cada parte dessa
mulher diabólica é perfeita.
— Levi... p-or favor — gagueja, perdida em seu êxtase.
— Sua boceta é tão perfeita, amor — Dou mais uma longa lambida.
— Tão perfeita e molhada.
Ela se inclina ainda mais, abrindo-se para mim. Levanto uma das
suas pernas, tendo mais acesso e a ouvindo gritar a cada vez que minha
língua brinca com seu ponto sensível. Gemendo contra sua intimidade,
adiciono meus dedos ao trabalho enquanto a fodo, intercalando minhas
lambidas com as penetradas rápidas ao passo que meu polegar acaricia seu
clitóris e minha boca toma tudo o que ela está me dando.
— Merda, n-ão pare — gagueja, jogando a cabeça para trás e se
esfregando em meu rosto. — Por favor.
Nem mesmo se quisesse, eu não conseguiria parar. Não quando a
imagem dela com a cabeça jogada para trás e o som de seus gemidos, é
gloriosa.
— Você vai gozar para mim, princesa? — Assopro seu clitóris,
mordendo-o de leve. — Vai gozar na minha boca e me mostrar como será
quando meu pau estiver enterrado dentro de você outra vez?
Antes que ela tenha a chance de responder, eu volto a chupá-la até
que esteja satisfeito e mesmo assim acho que não seria possível. Não
quando Analu se tornou minha droga favorita e só pensar em me afastar, os
sinais de abstinência já começam a correr pelas minhas veias.
Chamando pelo meu nome com urgência, ela se ergue, enrijecendo
suas costas antes de se derreter em meus lábios, gritando pelo meu nome
enquanto engulo cada gota do seu orgasmo. Tremendo, eu me levando
segurando sua cintura e firmando-a até que me coloco atrás dela,
novamente a girando, fazendo com que fique cara a cara comigo.
Bochechas coradas pelo orgasmo, lábios vermelhos pelas mordidas por
tentar segurar seus gritos e pupilas dilatadas pelo desejo.
— Perfeita pra caralho — murmuro.
Surpreendo-me, ela pula em meu colo e me puxa rapidamente,
selando nossos lábios em um beijo urgente. Segurando sua bunda, sinto
suas mãos agarrarem meu cabelo, aprofundando nosso beijo. É duro,
depravado e ansioso. Minha ereção se arrasta pela sua boceta, fazendo com
um gemido uníssono saia dos nossos lábios em uma tentativa falha de
segurarmos a vontade de enterrá-lo dentro de sua boceta apertada.
Caminho a passos lentos até a cama e me sento, deleitando com a
sensação de sua língua dançando contra a minha, provando seu gosto
delicioso. Sua unha arranha minha pele e um arrepio corre pelas minhas
veias, terminando diretamente em meu pau.
Estico meu corpo, pegando minha carteira no bolso da minha calça e
retiro um preservativo, rasgando a embalagem com pressa e arrastando pelo
meu comprimento antes de observar o olhar ansioso da loira em meu colo.
O canto da boca de Analu se inclina com sua exasperação e me
aproximo, mordendo o mamilo eriçado, ao mesmo tempo que ela se senta
em meu pau com força, gritando de prazer e me levando junto.
Beijo o caminho entre seu pescoço e seus seios. Não hesitando em
tomá-los em minha boca. Seus gemidos acompanhados de pequenos gritos,
aumentam quando empurro dentro dela, espalmando minha mão na sua
bunda e desferindo tapas que a fazem se arquear em minha direção,
pegando impulso e cavalgando em mim com destreza. Suas mãos espalmam
meu peito, suas unhas compridas arranham toda a minha pele e me abaixo
quando seu seio se alinha na frente do meu rosto.
Nossas respirações se tornam desenfreadas e os batimentos
cardíacos se unem.
Nós somos únicos.
Complementares.
Cara e coroa.
Princesa de gelo e garoto de ouro.
Ela é tão minha quanto eu sou dela.
Nós perdemos o controle da situação e percebo que nós nos
desejamos por inteiro. Nós beijamos nossas partes obscuras e aceitamos
cada pedaço destruído.
— Levi... Mais rápido — O suspiro suave de Analu me faz sorrir
contra seu seio. — Eu preciso de mais rápido. Mais duro.
Pegando seu pescoço e o aproximando do meu rosto, eu sorrio.
— Eu sempre soube que era uma safada, princesa. — Lambo seus
lábios, apertando seu ponto de pulsação enquanto deslizo com força dentro
dela, ouvindo-a gritar. — E mesmo que nunca aceite, você é toda minha.
Estapeando sua bunda com força, troco nossas posições deitando-a
de costas na cama e cobrindo seu corpo com o meu antes de voltar a me
enterrar dentro dela. Sua mão se ergue para sua cabeça, puxando os lençóis
e eu a fodo como se estivesse a um passo de perder a sanidade, entrando e
saindo, fazendo-a bagunçar todo o lençol.
Seu queixo se inclina para frente, tomando meus lábios nos seus em
um beijo desleixado e quente. Sua língua dança contra a minha, fazendo-me
perder todo o controle da situação.
— Não seja gentil...
Sorrio, retirando meu pau esfregando-o em sua intimidade para cima
e para baixo, levando meu tempo extra em seu clitóris molhado torturando-
a, escutando suas súplicas, seus gritos por conta de seu ponto hipersensível.
Com um impulso, estou dentro dela novamente empurrando com
força e levando minha mão até a sua, entrelaçando-as acima de sua cabeça
enquanto estoco em sua boceta, sentindo meu pau mover para dentro e para
fora, no mesmo instante que corro minha língua pela extensão de seu
pescoço e aplico uma pressão, deixando uma marca arroxeada.
Empurro dentro dela mostrando a quem pertencemos. Faço com que
entenda que não há nenhuma possibilidade de que ela ache o que temos em
outra pessoa. E apenas o pensamento dela com outra pessoa me irrita ao
ponto de que solto sua mão, me ergo e seguro sua cintura, girando-a na
cama e a colocando-a de quatro e enterrando nela como punição.
— Levi, merda! — ela grita, forçando-se contra mim. — Meu Deus!
Sorrio, mordendo sua cintura.
Um tapa estala pelo quarto e eu sorrio ao ver o vermelho em sua
pele.
Outro tapa.
Depois outro.
Quando ela choraminga por estar sensível demais, sorrio me
abaixando e enrolando meus punhos em seus cabelos e socando dentro dela.
Ela grita quando puxo seu cabelo e a ergo, segurando seu pescoço.
— Acho que você precisa entender algo, princesa. — Passo a língua
pela extensão do seu pescoço. — Eu possuo você — Sorrio depravado,
observando que na posição que estamos, podemos observar o nosso reflexo
no espelho do quarto e encaro os olhos cheios de luxúria de Analu. — E eu
não me importo se você odeia isso.
Ela fecha os olhos, jogando a cabeça para trás e mordendo os lábios.
Então, um sorriso toma conta dos meus lábios. É um sorriso sujo, cheio de
ousadia e quando ela volta a abrir aqueles lindos globos castanhos, meu
olhar se prende ao dela no espelho.
— Não...
— Então, eu vou deixar algo bem claro — sopro em seu ouvido,
minha voz me causa arrepios em sua pele. — Lá fora, você é tudo, Analu.
Você é a mulher mais destemida da cidade. A melhor aluna de Direito. A
princesa de gelo e a dona da porra das estrelas, se assim desejar. Mas
quando ninguém estiver olhando, quando você estiver com a sua boceta
engolindo meu pau como uma boa garota, você é minha. Minha para foder.
Minha para apreciar. Completamente minha, Analu.
Com isso, eu a jogo na cama novamente, virando-a para mim e
erguendo uma de suas pernas, trazendo-a para meus ombros e indo bem
mais fundo dentro dela. Analu se arqueia, gritando meu nome como se
fosse uma oração e eu perco o último resquício de sanidade que eu possuo.
Entro de uma forma que a faz gritar a plenos pulmões enquanto suas mãos
agarram o lençol novamente e o puxa.
Apertada, molhada, bochechas coradas e com os cabelos grudados
em sua testa.
Ela é perfeita. Incrível.
Minha respiração fica mais acelerada, quando, mais uma vez,
acelero meus movimentos, ouvindo a cabeceira bater com força na parede e
inundar o quarto com sons obscenos.
— Porra, Levi! — Com um tapa em seu clitóris sensível, sinto
Analu arquejar em alto e bom som, puxando os lençóis com força. —
Merda, eu estou tão perto...
Seus seios balançam a cada vez que me empurro dentro dela e tenho
vontade de me abaixar e chupá-los. Mas o gemido alto que salta de seus
lábios, ao mesmo tempo que contemplo a maneira como me encaixo
perfeitamente em seu centro, me faz esquecer a ideia por um segundo para
ir mais fundo.
— Isso, princesa. Bem desse jeito — praticamente rosno quando
sinto se apertar contra mim. — Sua boceta engole tão bem meu pau, amor.
Desacelero o movimento por um momento apenas para observá-la
me levar mais fundo e assim que volto a socar com força, Analu solta outro
grito.
— Levi...
— Sim, porra! — rosno, apertando sua coxa com força. — Meu
nome em seus lábios é o meu novo som favorito.
— Levi, eu vou...
Antes que ela possa completar a frase, as paredes internas de sua
boceta se apertam em torno de mim, fazendo com que um orgasmo
ofuscante rasgue através dela com uma força inesperada. Sem conseguir me
controlar mais, eu afundo contra ela uma última vez, deleitando-me com a
sensação e então minha respiração trêmula faz com que eu atinja meu
êxtase ao mesmo tempo que ela. Nossos nomes saltam de nossos lábios em
alto e bom som, em uma prece. Uma promessa.
Nossos corpos caem um do lado do outro, trêmulos, destruídos e
absorvendo o que acaba de acontecer entre nós dois. Assim que olho para o
lado, observo Analu. Olhos fechados, respiração ofegante e feições
cansadas.
Mesmo estando uma bagunça, ela é linda.
Linda pra caralho.
Cheguei á você sem esperança
Você me deu mais que uma mão pra segurar
Me segurou antes que eu caísse
Me diga que eu estou segura, você me tem agora
Take Me Home | Jess Glynne

Analu e eu não aparecemos para o café da manhã. Tampouco para o


almoço.
Nós nos escondemos do mundo pelo resto da viagem, em nossa
bolha invisível e esquecemos completamente que estamos a um passo de
voltar para a cidade e para a nossa realidade.
Nós esquecemos de todos os problemas, dissemos a Sra. Reid que
pegamos uma virose e precisávamos de descanso e apenas ficamos
trancados no quarto como se nada mais importasse.
Eu a vi se sentir importante.
Fiz com que acreditasse que estava segura ao meu lado.
E ela me fez sentir vivo, me fez lembrar de como é querer ter
alguém que esteja lá por mim, que visse meus campeonatos, que vibrasse
quando quebrasse meus recordes.
Levantando-me, fazendo o mínimo de barulho para não acordá-la,
passo a mão pelo meu rosto, tentando entender em que momento Analu
passou de um desejo impossível para alguém que imagino em minha vida.
Não deveria ser assim. Eu não deveria desejá-la além da razão, mas
a vida outra vez me deu uma surra e me mostrou que não é assim que as
coisas funcionam.
Não para nós dois pelo menos.
Eu me vi desejando por mais. Desejando seus olhares afiados, suas
risadas disfarçadas e sua versão real. Eu me vi participando de debates
mesmo que eu não me importe com eles, mas sabia que aquilo a irritava.
Me vi comprando flores e seus almoços e querendo conhecer cada parte da
sua vida, até mesmo aquelas que ainda esconde de mim. Eu a desejei e
continuo desejando mesmo que eu saiba que isso pode ser desastroso no
final.
Agora, eu me questiono o que acontecerá quando chegarmos a Saint
Vincent, como será quando percebermos que mesmo que saibamos que nós
nos pertencemos, ainda assim há pouca probabilidade de ficarmos juntos.
Porque Analu está convicta de que não merece nada em sua vida, de
que é insuficiente para sentir. E observando-a dormir tranquilamente,
constato que ela não só merece o mundo como eu estou disposto a dar a ela.
E se for necessário, eu poderei queimá-lo para que se sinta segura.
Agora, eu só preciso fazer com que ela acredite nisso.
Acreditar que não está só.
Suspirando fundo, eu a encaro novamente sabendo que preciso
acordá-la para não nos atrasarmos para o voo, entretanto, digo a mim
mesmo que estou sendo covarde, porque a sensação de ter que abandonar
todos os momentos que passamos nesses quatro dias, é maior do que
qualquer outra coisa.
Olho para Analu deitada na cama e suspiro fundo sabendo que
quando ela descobrir isso, definitivamente vai chutar a porra das minhas
bolas só por ter ultrapassados os limites que estabelecemos.
Aproximando-me dela, observo as duas únicas tatuagens em sua
pele. A primeira é um pequeno desenho do número três que se aloja em sua
costela esquerda. Nunca havia reparado e agora me pergunto o que isso
significa, qual o motivo pelo qual ela tem esse número eternizado em seu
corpo.
Já a segunda, é apenas um ponto e vírgula abaixo de uma pequena
cicatriz em sua barriga. Eu sei o significado desta última. Sei porque
Megan, minha irmã, tem uma idêntica.
A tatuagem que significa um recomeço. Um lembrete das coisas que
elas superaram na vida. O ponto e vírgula, para muitos, é um lembrete de
que enfrentaram tempos difíceis, mas que ainda se mantêm de pé. Ainda
buscam esperança mesmo que toda a sua realidade o faça acreditar que é
impossível.
E isso me faz olhar para suas marcas. Elas são antigas, mas ainda
assim, me mostram algo dela que nunca mostrou a ninguém. Analu me
mostra que sofreu além de reparos e apenas o ato de infligir a dor em si
mesmo poderia fazê-la se sentir melhor.
No fim, a mulher mais destemida e considerada megera insensível,
na verdade, sente mais do que qualquer um de nós.
— Observar alguém dormir não é excitante — a voz sonolenta de
Analu me faz erguer o rosto e sorrir tentando não mostrar que estava
invadindo seu espaço pessoal.
— E dormir duas horas antes do nosso voo não é aconselhável —
afirmo.
Ela revira os olhos se sentando e eu caminho até a mesa, pegando
seu chá que havia pedido há alguns minutos antes dela acordar e entrego a
ela.
— Não é minha culpa se você decidiu que seria uma boa ideia não
dormir durante a noite — resmunga, pegando o copo. — Então?
Ergo uma sobrancelha.
— Então faça a sua pergunta, Levi.
— Sobre o quê? — Umedeço meus lábios.
Ela tomba a cabeça para o lado, me lançando um olhar cansado.
— Sobre a tatuagem. — Dá de ombros, mas vejo o lampejo de um
brilho doloroso em suas pupilas. — E as marcas.
Analu dá de ombros como se não se importasse, mas sei que ela se
importa. Sei que não teria tatuado isso se não tivesse um significado por
trás.
E mesmo que eu saiba que a resposta não vai me agradar, eu solto
um suspiro, encaro seus olhos e faço a temida pergunta.
— O que aconteceu? — finalmente pergunto, me referindo às
marcas.
Ela sorri, mas é sem humor e isso destrói algo dentro de mim.
— Algumas foram eu mesma. Não são bonitas, mas quando a dor
era demais para aguentar e não tinha ninguém para me segurar, para dizer
que ela passaria, eu precisei encontrar a minha própria válvula de escape.
— Sua voz soa quebrada e tenho vontade de abraçá-la, de puxá-la para o
meu colo. — Essa — aponta para a barriga, onde a tatuagem de ponto e
vírgula está. — Foi Amara. Na primeira vez que ela perdeu o controle,
porque eu não tinha ganhado um troféu e então, a forma que ela encontrou
de me punir, foi descontar toda a sua raiva nas minhas coisas. Mas, quando
tentei salvar o meu livro favorito, isso aconteceu.
Ela passa a mão de leve pela cicatriz.
— Analu…
— Mas aí ela percebeu que danificar a sua boneca de porcelana não
ajudaria em seus objetivos — ela continua, quanto tento interrompê-la. —
Viajamos a primeira vez até Bora Bora para que meus pais reatassem o
casamento deles, meu pai simplesmente decidiu que seria uma boa opção
abandonar minha mãe para ter um caso com uma das camareiras e isso a
irritou ao ponto dela me levar à piscina, com a desculpa de que nadaríamos
juntas e então... Ela me afogou. — Analu engole em seco. — Simples
assim. Em um momento, ela estava me segurando e no próximo eu estava
submersa. Foram sete dias naquele lugar, Levi. Cinco deles me marcaram
para sempre. Todos os dias que Henrique saía do quarto e a deixava para
gastar o dinheiro dele, ela se virava para mim, sorria e me arrastava até a
piscina.
— Você não precisa continuar, Analu.
Aproximo-me dela e me surpreendendo, ela aceita o contato. Não
penso duas vezes em subir na enorme cama, puxá-la para meu colo e
segurá-la em um casulo protetor.
Eu estou aqui para você, princesa.
— Eu era parecida com meu pai quando criança e ela sempre dizia
que não podia machucá-lo, então iria machucar a única herdeira que ele
tinha. — Ela morde o lábio inferior. — Quando voltamos e lembrei que
meu quarto na mansão era de frente para a piscina, eu implorei para mudar.
Porque apenas o pensamento de ver a água me causava o pânico, me fazia
sentir como se eu estivesse novamente naquele lugar, submersa e tentando
sobreviver. — Percebo seu corpo se encolher. — Eu ainda tenho pesadelos
com aquele dia e não consigo ficar mais do que o suficiente em uma
banheira. Mas nenhuma dessas coisas que ela fez, chega perto do que ela
fez comigo na mesma noite que Sophie morreu, Levi.
— O que ela fez, Analu?
Engulo em seco.
— Para continuar a ter a sua boneca perfeita, ela me quebrou. —
Uma única lágrima desce pelo seu rosto. — Ela pegou a única que me
importava na época e destruiu.
Ela não diz mais nada. Apenas se encolhe em meu colo como se as
lembranças estivessem consumindo-a.
Antes que eu possa me segurar, a pergunta salta dos meus lábios:
— Por que você tem um três tatuado perto do seu peito, Analu?
Uma última lágrima desce pelo seu rosto e eu a pego na altura de sua
bochecha.
— Para que eu nunca me esqueça.
Um vinco se forma entre minhas sobrancelhas.
— Esqueça do quê?
Confiança. Algo que ela nunca deu a quase ninguém, mas que nesse
momento percebo que conquistei. Conquistei porque mesmo que o mundo
não acredite, eu lutei contra cada uma das suas barreiras, destruí cada
máscara que usava para se esconder do mundo e agora, pouco a pouco, eu a
conheço como sempre quis.
Como a garota de dezessete anos que foi abandonada pelo seu par no
baile de formatura e fingiu não se importar, mas que dançou sozinha em um
jardim até que eu me juntei a ela e dancei ao seu lado porque naquele
mesmo dia, era a aniversário do meu irmão e nada poderia suprir o
sentimento que assolou minha alma.
Não até ela.
Não até que a garota, que era considerada a megera da escola,
sorrisse e dançasse comigo.
— De quantas semanas eu consegui proteger o meu filho antes que
Amara me tirasse ele.
Surpresa toma conta de mim.
Ninguém nunca soube disso.
E isso dói. Dói porque entendo o motivo pelo qual ela odiou o
mundo todo, o porquê ela nunca deixou que ninguém se aproximasse dela e
o motivo pelo qual protege Theo a todo custo, mesmo que isso signifique
ter que viver ao lado de sua progenitora.
E isso dói.
É doloroso de uma forma que me faz querer destruir Amara e
Henrique Parker.
Dói porque vê-la sofrer dilacera meu coração.
E sei exatamente o motivo de sentir.
Porque não posso mais negar que estou me apaixonando por ela.
Eu, Levi Johnson, que prometi a mim mesmo que não entregaria
meu coração a alguém que pudesse destruí-lo, acabo de perceber que estou
me apaixonando pela única mulher que destrói corações na mesma
proporção que muda de sapatos.
Então vamos até o fim esta noite
Sem arrependimentos, apenas amor
Sim, podemos dançar até morrer
Você e eu seremos jovens para sempre
Teenage Dream | Stephen Dawe

Nunca pensei que quando o avião pousasse em Saint Vincent tudo


em mim sentiria receio.
Acho que mesmo que tenha sido poucos dias, me acostumei em não
precisar fingir ser alguém que não sou e, consequentemente, deixei de
perceber o quão falsa era a minha realidade. Por isso, assim que eu e Levi
paramos na saída do aeroporto, nós olhamos um para o outro sabendo que
nada mais poderia ser como antes.
Não podíamos mais fingir que estávamos em lados opostos, quando
desejamos estar juntos, lado a lado, seja lá em qual batalha teríamos que
lutar. E isso me faz constar que já não me importo com competições, vagas
ou mostrar a ele que sou melhor. Não depois que ele me segurou enquanto
lhe dizia o quão machucada estou.
Não quando Levi foi a única pessoa que olhou para mim e não
julgou minhas atitudes, ele apenas as compreendeu. Compreendeu que eu
não podia ver o mundo cor-de-rosa, porque tiraram todas as cores da minha
aquarela. Que as dores do meu passado se fundiram de uma forma em meu
cerne que precisei usá-las a meu favor, mesmo que isso significasse me
tornar uma arma letal para aqueles que me rodeiam.
Agora, observando-o me encarar, sei que mesmo que eu deseje estar
ao seu lado, não posso arrastá-lo para isso. Não posso deixá-lo ser destruído
pelo que represento. Mesmo que eu o deseje além da compreensão, sei que
jamais seremos o que desejamos. Não até que eu possa resolver tudo o que
está pendente em minha vida.
Por isso, eu sei que é o nosso fim.
Não deveria ser, mas não posso arrastá-lo para a bagunça que sou.
E mesmo que tenha me acostumado a ser egoísta na minha vida,
dessa vez não posso ser. Não quando ele me devolveu tanto e olhou para
mim, me enxergando, contemplando os resquícios que sobraram.
Levi pegou as minhas coisas favoritas e me mostrou que elas ainda
estavam ali me esperando, aguardando o momento em que eu estivesse
pronta para voltar a vivenciá-las. E, acima de tudo, num momento em que
eu já não acreditava que alguém poderia me olhar como um dia sonhei, ele
me surpreendeu e beijou minhas feridas sem nem saber o que elas
significavam, sem saber que elas estão ali porque foi a única maneira que
encontrei de extrair a dor de mim.
O homem que odiei por tanto tempo, por representar tudo o que
jamais seria, me idolatrou quando eu mesma sentia nojo e repulsa de quem
me tornei. Ele foi o que nunca imaginei que um dia teria. E renunciar isso,
para que ele não se quebre tanto quanto eu estou quebrada, me destrói mais
do que qualquer outra coisa que já tenha me machucado.
Mesmo que eu o encare com aquele olhar de quem sabe que
pertence a ele, compreendo que não podemos ficar juntos. E eu tenho
sentimentos suficientes por ele para deixá-lo ir.
— Analu? — Levi chama atrás de mim.
Me viro, encarando-o.
— Sinto muito — as palavras saem sussurradas dos meus lábios.
Levi me encara por um segundo, decepção rondando suas pupilas.
É isso. Lembre-se que eu sou uma megera.
Lembre-se que eu sou a vilã.
Me dê seu pior.
Não espere o melhor de mim.
— Então, realmente o que aconteceu fica na viagem? — Ele sorri
friamente.
Sorrio mesmo que tudo dentro de mim esteja em cacos.
Penso em Amara e em como ela me destruiu, apenas para que o
mundo se esquecesse que seus pais eram corruptos e a única salvação para
que recuperasse a sua reputação, seria casar com alguém influente em Saint
Vincent.
Penso em Henrique que deveria ser um pai, mas que apenas
aprendeu a usar as mulheres ao longo de sua vida, para amaciar o seu ego
alimentado pelos seus pais. E quando encontrou alguém que valesse a pena,
preferiu arrancar pedaços dela a ser alguém que merecesse algo de bom na
vida.
Penso em Theo e Hazel, meus irmãos, as pessoas que eu moveria o
mundo porque fariam o mesmo por mim.
Por fim, penso na família que construí. Penso nos amigos que estão
ao meu lado torcendo, me segurando e dizendo que mesmo que o mundo
venha tentar me machucar outra vez, eles serão a minha barreira.
— Estou te protegendo, Levi.
— Eu não preciso da sua proteção, Analu. — Ele dá um passo à
frente.
Pelo seu tom, Levi está cansado. Eu também estou. Estou cansada de
abrir mão das minhas coisas para que tudo dê certo, estou tão exaurida de
tentar manter todas as máscaras no lugar quando apenas quero descansar e
fingir que nada existe.
Fechando os olhos por um segundo, engulo em seco. Assim que
volto a abri-los, encaro-o dolorosamente.
— Entretanto é a única coisa que você vai ter de mim.
Reteio um passo, sentindo um bolo em minha garganta.
Malditos sentimentos.
— Não seja a porra de uma covarde.
Seus olhos estão machucados e os meus também.
Eu odeio o mundo, odeio tudo por não ser capaz de dar a ele o que
merece. De saber que sempre seremos apenas um caso de quatro dias, que
aconteceu porque o destino gosta de brincar com nossas vidas e fizeram
com que dividíssemos um quarto e com isso, criamos um universo juntos.
Nós dividimos nossas dores, nossos segredos e nossos desejos.
Nós dividimos sorrisos, vontades e felicidade.
Levi Johnson me deu quatro dias no paraíso que eu nunca poderei
agradecê-lo o suficiente, mas se eu tiver a chance de salvá-lo de tudo o que
me acompanha e da escuridão que rodeia todos a minha volta, eu farei isso.
Eu renunciarei ao que estou sentindo, desde que aquelas portas do elevador
da McLaughlin&Conway se abriram e ele estava lá, sorrindo para mim em
desafio e me esperando para uma nova batalha, como sempre fazemos.
Eu vou fazer isso porque ele me deu um resquício de esperança,
quando tudo à minha volta era desespero.
— Sinto muito — Sorrio sem mostrar os dentes.
— Eu sei que você sente. — Ele dá de ombros. — Mas, mesmo que
não acredite, eu irei te mostrar que você vale a pena, princesa. Eu falei que
queria você e sem dúvidas, não estou voltando à minha palavra.
Abro os lábios para responder, mas antes mesmo que possa, Levi se
vira, entrando em seu Uber, e vai embora.
Ele olha para trás, mas eu não retribuo o seu olhar. Apenas sigo em
frente, sentindo meu coração se agitar e ao mesmo tempo temer o
inevitável.
Porque eu sei que nem mesmo tive a chance de tê-lo, mas sei que
irei perdê-lo.

***
Amarro a faixa em meu pulso.
Olho para o espelho a minha frente, encarando meus olhos vazios.
Não escondi as marcas que estão em meu corpo desta vez. Não
preciso escondê-las, porque são exatamente elas que me obrigaram a
desviar o caminho de casa até o clube.
Eu preciso jogar.
Preciso fazer com que meu corpo fique exausto ao ponto de que
todos os pensamentos sobre Levi me deixem. Apenas preciso esquecê-lo.
Arrumando o rabo de cavalo, retiro a minha raquete reserva do
armário e sigo em direção a quadra. Assim que paro no limiar dela, olho
para o céu e percebo que a noite já se aproxima e todo o espaço está vazio,
o que me indica que ninguém ousará me interromper.
Com um suspiro, aperto o botão e assisto a máquina começar a
lançar as bolas na minha direção, me obrigando a pular, correr e esquecer
tudo o que me rodeia. A bola bate contra a raquete com precisão e o
silêncio me abraça. Não há ninguém aqui. Ninguém para me impedir de
levar meu corpo ao limite, a ponto de me deitar nesse chão e lamentar sobre
tudo o que abri mão.
Uma bola voa até mim e eu a devolvo para o outro lado da quadra.
Eu não posso tê-lo.
Outra bola.
Porque sempre é assim para mim.
Mais uma bola.
Eu sempre serei aquela que observa o amor chegar para os outros e
nunca para mim.
Eu o tive, tive a sensação de pertencimento e como anos atrás, estou
perdendo isso. Estou perdendo o que não deveria ser tirado de mim. E eu
estou tão cansada.
Tão cansada de apenas sentir a onda vir contra mim, me derrubando,
para então me afogar inúmeras vezes e tirar minhas forças. Estou cansada
de tentar me levantar e perder novamente.
O bolo em minha garganta dói.
Dói ao ponto de me fazer perder o ritmo e deixar que algumas bolas
passem por mim e outras me acertem, mas a dor não é registrada em meu
cérebro, porque ele está ocupado demais me ajudando a segurar as lágrimas,
as malditas lágrimas que me acompanham desde sempre.
Lágrimas pelas minhas dores.
Por ter sido aquela que se destruiu para proteger tudo ao seu redor.
Lágrimas pelo meu bebê.
O pequeno ser que crescia dentro de mim.
A única coisa que amei além da razão e que me foi tirado com tanta
frieza.
Fecho meus olhos por um segundo, respirando fundo.
— Minha mãe sempre diz que se você sentir que o mundo está prestes a
desabar em suas costas, a melhor coisa a se fazer é compartilhar o peso dele
com alguém. — A voz suave de Hazel me faz abrir meus olhos e a encará-
la. — Acho que você precisa de alguém para isso agora.
Ela sorri para mim.
Um sorriso tão doce e genuíno, que quem a observa não imagina que
carrega tantos demônios dentro de si. Que sorri para que ninguém enxergue
que sofreu tanto quanto nós.
Hazel é um ponto de luz. Ela é determinada, amorosa e compassiva. Ela
escolhe todos antes de si mesma.
Ela é a minha irmã.
E agora percebo o quão orgulhosa eu me sinto por dizer isso.
Minha irmã. Minha amiga. Uma das únicas coisas boas que Henrique
me deu.
— Você faria isso? — minha voz é um murmúrio.
Já não me importo se sou patética. Se estou deixando-a me ver
vulnerável. Eu apenas não quero passar mais um dia lastimando isso
sozinha. Não quero mais chorar escondida na calada da noite, nem me
sentir solitária mesmo estando ao redor de todos.
Hazel levanta o controle, desliga a máquina e caminha até onde estou.
Percebo que ela ainda veste o uniforme azul do hospital, onde está fazendo
sua residência, e isso me indica que Levi a avisou que havíamos pousado.
— Eu faria qualquer por você, Analu.
Eu nunca gostei de contato pessoal. Nunca gostei de abraços ou de
pessoas me tocando. Mas, quando Hazel me puxa, passando o braço pelos
meus ombros e me apertando em seu corpo. Me pego devolvendo o gesto
com mais força, como se realmente estivesse dividindo o peso do mundo
com alguém.
Ela se torna um porto seguro que eu nem mesmo percebi que precisava
até o momento.
Hazel me mostra que está aqui por mim e para mim.
E eu desabo.
Deixo que ela me segure, enquanto permito que todos os sentimentos
que eu guardo sejam derramados em meu peito. Deixo que ele acredite que
já não precisamos lutar para sermos suficientes, porque finalmente somos.
E Hazel me deixa fazer isso, ela me segura enquanto fico em silêncio.
Ela pega toda a minha dor e a devolve em forma de amor, irmandade e
afeto.
Nós ficamos assim por minutos. Em pé, no meio da quadra, segurando
uma a outra como se apenas isso importasse.
— Eu tenho algo para te contar — sussurra. — Algo que eu queria
compartilhar com você primeiro.
Medo toma conta de mim e me afasto um pouco, olhando em seu rosto.
Eles brilham de lágrimas não derramadas.
— Vamos precisar matar alguém para te proteger? — questiono.
Um sorriso enorme toma conta de seu rosto.
— Você arrastaria o cadáver pelo chão da sala?
Sem perceber, uma risada salta do meu peito.
— Sem sombras de dúvidas.
Sua cabeça inclina para o lado, o sorriso ainda em seu rosto.
Ela está radiante.
Diferente da última vez que nos vimos. Entretanto, quando seus lábios
se abrem, eu esperava tudo, menos suas próximas palavras.
— Eu estou grávida. — O brilho em seus olhos é incrível, mas estou
absorta demais em meus pensamentos para compreender o que está
dizendo. — Estou de poucas semanas ainda e eu estou apavorada, mas...
estou grávida.
Grávida.
Grávida.
Grávida.
Memórias tomam conta do meu subconsciente.
Dor rompe meu coração, não por ela. Eu estou feliz por isso e eu quero
que ela seja feliz, genuinamente. Mas a dor das memórias, de estar sentada
em um vaso sanitário do banheiro feminino do Saint Vincent College me
sentindo sozinha e desesperada, enquanto segurava um teste de gravidez,
toma conta de mim.
Eu não tive ninguém para compartilhar aquela notícia.
Eu não pude ficar feliz.
Não quando o medo de que meus pais descobrissem era maior do que
tudo. Mas não posso ceder a isso agora. Não é a minha história, não sou eu
que estou vivendo isso. Não tenho mais dezessete anos e Hazel não vai
terminar da mesma forma que eu terminei.
Ela está grávida.
Minha irmã vai me dar um sobrinho.
E ninguém vai tirá-lo dela, porque eu não vou permitir.
— Analu? — ela me chama quando percebe que não respondi. — Está
tudo bem? Você está pálida.
Pisco, engolindo em seco.
— Você está grávida! — exclamo, tentando não mostrar que meus
pensamentos me consumiram por um instante. — Dylan...
— Se tornou um idiota obcecado por segurança — Ela revira os olhos.
— Eu sei que isso pode prejudicar a minha faculdade, mas...
— Você sempre sonhou em ser mãe — constato. — Você está feliz?
Ela me encara hesitante e se senta na quadra, me puxando junto. Nós
nos deitamos uma do lado da outra, encarando o pôr do sol. Por um
segundo, penso que não vai responder, entretanto, ela solta uma respiração e
vira o rosto em minha direção.
— Eu estou com medo. — Há receio em seu olhar. — Eu sempre quis
ter uma vida diferente da qual fui criada. Mas, eu sempre quis uma família.
Sempre desejei poder ter meus próprios filhos e tudo aconteceu sem ser
planejado e isso... Isso é assustador, Analu.
— Está tudo bem mudar seus sonhos, Haz — digo, firmemente. — Você
pode ser uma mãe incrível e, ainda assim, ser uma médica extraordinária.
Você pode querer o mundo se assim desejar. Não há porquê ter medo ou
atrasar seus sonhos por algum tempo, porque a sociedade impõe isso.
Sonhos não têm data de validade. — Seus olhos se enchem de lágrimas. —
Além disso, eu, Dylan e todos os nossos amigos estamos aqui para te
ajudar. Somos sua família, sua rede de apoio.
Uma de sua mão se junta a minha, entrelaçando-a.
É isso. Nós somos. E não há nada no mundo que mudará isso.
— Obrigada. — Ela sorri. — Eu precisava disso.
Meneio a cabeça, voltando a olhar para o céu. E tentando não
demonstrar a ela o quanto a novidade mexeu comigo.
Como anos atrás, eu precisava que alguém dissesse isso para mim e
ninguém nunca foi capaz. Como eu também precisei de uma rede de apoio e
não havia ninguém lá por mim. Como me senti quando me deitava noite
após noite, segurando minha barriga, imaginando como poderia proteger
aquele serzinho dentro de mim, que seria a minha luz em meio a escuridão,
que seria amigo de Theo.
Eu não pude salvar o bebê.
Não pude beijá-lo, amá-lo e ensiná-lo que, mesmo que o mundo o
destruísse, ele ainda teria a mim para ajudá-lo a curar suas feridas.
Eu não pude, mas farei o possível e o impossível para que Hazel possa.
— Por quê? — questiono de repente, mudando de assunto.
— Por que o quê, Analu? — contrapôs, confusa.
Hazel se mexe no chão da quadra, pousando a mão na barriga que gera
meu sobrinho.
Meu sobrinho. Um fruto do amor dela e de Dylan.
Um ser que eu darei amor, como aquele que nos faltou a vida toda.
— Por que Dylan te chama de Ma Belle? — Ergo uma sobrancelha. —
Nós estamos nos Estados Unidos, pelo amor de Deus!
Ela solta uma gargalhada.
É verdadeira. Real. Daquelas que não imaginei que um dia soltaria para
mim.
O som é suave, mas faz com que as batidas do meu coração se acelerem.
Pois finalmente eu a tenho, tenho a irmã que mesmo que eu negasse,
sempre quis conhecer, tenho uma parte que escolheu a mim e não a
Henrique.
Tenho alguém que me segurará sempre que eu precisar.
Tenho alguém que me ama na proporção que eu a amo.
— Duas semanas antes do acidente que matou Soph, nós falsificamos
um documento do colégio e fingimos que tínhamos que ir para Paris para
um debate estudantil. — Um sorriso cruza os lábios da minha irmã. —
Éramos imprudentes e irresponsáveis…
— Vocês eram apaixonados.
— Sim, nós éramos e ainda somos — a convicção em suas palavras me
fez sorrir. — Eu não sabia nada de francês, diferente de Dylan que já era
fluente desde aquela época. — Haz solta uma pequena risada. — Ele
traduzia tudo e qualquer coisa que eu perguntava. Poderia ser mínima coisa,
ele fazia questão de me explicar como dizer e qual o significado daquilo.
— Isso não me surpreende — Reviro meus olhos.
Dylan Blackwell, desde a adolescência, sempre foi obcecado por Hazel
Grace Smith.
Ele não desistiu até que ela olhasse para ele de volta.
Eu nunca soube como eles se apaixonaram, entretanto, sempre soube
que se amavam.
— Então, em certo momento, nós estávamos em um jardim lindo — ela
continua. Há um sorriso em seu rosto que eu compreendo. É o mesmo que
lancei a Levi. — Era o meu lugar favorito em toda a nossa viagem… E ele
apenas ficou me encarando e disse isso. Eu não entendi de imediato e ele
não traduziu, apenas repetiu por todo o resto do final de semana. Quando
estávamos no avião, ele finalmente me contou. E disse que não havia outro
apelido para mim que não fosse esse.
Seus olhos estão brilhantes e há um sorriso estampado em seu rosto.
— Você o ama.
Não é necessário dizer, mas vê-la assim me faz soltar um meio sorriso
pela sua felicidade.
— Desde os meus dezesseis anos. — Ela morde o lábio inferior. —
Dylan viu o meu pior lado e permaneceu, Analu. Ele sempre soube que eu
não tinha sido criada neste lado da cidade, que nunca pertenceria a essa vida
que vocês estão acostumados, e mesmo assim fez tudo para que
pudéssemos ficar juntos. Eu só queria ele e ele se doou por completo.
Eu só queria ele e ele se doou por completo.
A imagem de Levi e o que ele fez durante toda a nossa viagem toma
conta dos meus pensamentos. Ele fez isso, ele se doou enquanto a minha
insegurança, meus demônios me consumiam.
— Quando Sophie morreu? — pergunto, de repente.
— Eu o segurei. Durante toda uma noite, eu o segurei. — Sua voz agora
é apenas um murmúrio. — Ele segurou Verônica até que ela dormisse e
ajudou Ed. Mas, quando ele apareceu no nosso lugar, ele se quebrou. O
choro, a dor, a sua roupa ensanguentada. Tudo isso é uma lembrança que
nos marcou. E, quando ele foi embora para salvar o que restava de Verônica
e Ed… Eu soube que, de alguma forma, ele seria o pilar deles, mas ninguém
seria o dele.
— Por quê? — Franzo o cenho. — Verônica, ela…
Começo, mas sou interrompida.
— Estava quebrada demais para lidar com o sentimento de outras
pessoas — Hazel completa. — Eu a amo, mas todos nós sabemos que
Verônica saiu de Saint Vincent despedaçada. Não só pela morte de Soph,
mas ter tido o seu coração quebrado pela única pessoa que a fez sentir viva.
Logan e Vee eram os pilares um do outro e quando eles caíram pela traição,
todos nós fomos juntos.
— Eu sinto muito.
Ela ergue uma sobrancelha.
— Pelo que?
— Por também ter tido que abdicar de quem também te fazia sentir viva.
Hazel encara meu rosto. Não há lampejos de tristeza, mas existem de
compadecimento. Ela sabe, ela sente que eu não estou bem.
— Acho que poderia dizer o mesmo para você também.
Um suspiro salta dos meus lábios.
— Eu não o mereço.
— Por que diz isso? — Um vinco de forma entre suas sobrancelhas.
— Porque eu vou machucá-lo como te machuquei — as palavras
escapam dos meus lábios em um sussurro regado a dor.
Eu nunca parei para refletir em quanta dor eu guardei para mim e todas
as vezes que percebo que estou vulnerável, como agora, tenho vontade de
correr de volta para as minhas máscaras, minhas armaduras. Entretanto,
basta um olhar para o lado para perceber o quanto perdi ao achar que sentir
é sinônimo de fraqueza.
Sentir significa que somos humanos e os humanos erram.
Eu estou fadada a errar e não ser perfeita. E agir como um robô não
muda esse fato.
— Mas as pessoas também vão te machucar, Analu — afirma, dando-
me um pequeno sorriso. — Isso faz parte dos relacionamentos. Sejam eles
amorosos ou não. Isso faz parte da vida. Você vai errar, vai acertar e nem
sempre as coisas vão sair como espera. Porque não há como tudo ser
perfeito. Você só precisa entender que errar faz parte da vida. E recomeçar
também.
Suas palavras se infiltram em meu âmago.
Eu nunca tinha tido uma constante em minha vida. Alguém que quisesse
permanecer, que mesmo que eu dê inúmeros motivos para ir embora, ainda
continuasse. E mesmo após a semana em que a ignorei, destruí e quase
rompi com o pouco do que construímos, Hazel está aqui. Deitada ao meu
lado. Sorrindo para mim e me mostrando que talvez ainda haja esperança.
Ela que não me deve nada, mas veio por mim.
Ela, que teria todos os motivos para me odiar, porém, escolheu me amar.
Hazel Grace. Não Smith. Mas sim, Hazel Grace Parker.
Parker porque ela é uma de nós. Ela pode não aceitar o sobrenome e
entender perfeitamente. Contudo, ainda assim, ela é. Ela é a minha irmã.
Herdeira disso tanto quanto eu e Theo.
Eu ganhei alguém que me escolheu.
Não, Henrique. A mim.
Eu não estou mais sozinha.
Eu não sou insuficiente.
E mesmo que o mundo me abandone, ela estará lá por mim.
Porque é isso que irmãos fazem.
— Você é o meu sol, Analu.
Sorrio. Lágrimas preenchem a borda dos meus olhos.
— Você é a minha pessoa, Hazel.
Antes que as portas do meu coração se fechem
Alguém me toque
Sou muito jovem para me sentir tão
Entorpecido, entorpecido, entorpecido, entorpecido
Você poderia ser a única pessoa a
Feel Something | Jaymes Young

Eu evitei a todos por dois dias após o momento na quadra com


Hazel.
Não evitei porque desejava, mas porque precisava pensar e articular
tudo.
Entretanto agora, eu não posso mais fingir que o mundo não existe e
apenas o quarto do meu irmão é o meu porto seguro. Não, está na hora de
encarar a minha realidade e voltar a todos os planos que eu tinha
inicialmente, que consistia em destruir a reputação de Amara e me vingar
de Henrique. Essas duas coisas sempre me moveram e agora que percebo o
tanto que perdi, está na hora de colocar tudo em ação.
Observando a fachada do Parker Group, uma careta toma conta do
meu rosto enquanto retiro meus óculos e entrego a chave do meu carro ao
manobrista. Eu odeio esse lugar. Odeio tanto que o mísero pensamento de
querer passar metade da minha vida fingindo que amo todo esse império,
me causa náusea.
Eu não quero isso.
Não quero ficar vinculada a algo que foi o motivo pelo qual muitas
das pessoas que eu amo sofreram. Não quero fingir que amo ouvir babacas,
vestidos em seus ternos de milhares de dólares, falarem quando sei que
pertenço aos tribunais. Que serei a melhor advogada que o país já conheceu.
Eu não preciso de nada que Henrique tem, embora, eu vá desfrutar
de toda a influência que nosso sobrenome carrega. Eu vou jogar Amara na
lama e me deleitar com a sua imagem. Vou destruir a pose de matriarca que
ela construiu.
Vou fazer tudo isso porque ela não deveria ter tirado meu filho.
Que Henrique não deveria ter destruído minha irmã.
Caminhando pelo saguão da empresa, posso sentir todos os olhares
em mim e não me incomodo. Não quando o meu objetivo está parado ao
lado do elevador e me encara com uma sobrancelha arqueada ao lado de
Hazel, que sorri em minha direção. Assim que paro a sua frente, ele encara
meus olhos irradiando desconfiança e nem mesmo me surpreende.
Christian Gregory Smith.
Sua presença letal e imponente se destaca em meio a todos. Apesar
de sua altura, Christian não é excessivamente musculoso, tendo apenas uma
aparência atlética e elegante mesmo que eu saiba que ele não é assim.
Mandíbula marcante e os olhos escuros, idênticos aos de Hazel, que
refletem toda a raiva que sente por esse lugar. E a aura de autoconfiança e
calma que emana dele, me indicam o quão perigoso o irmão mais velho de
Hazel pode ser.
— Analu Parker — cumprimenta, mas a entonação de sua voz me
avisa o quanto o seu desgosto pelo meu sobrenome é notável. — É um
prazer finalmente conhecer a irmãzinha da minha irmã.
— Sinto muito por não dizer o mesmo. — Dou a ele uma expressão
semelhante. — Já que está me encarando como se quisesse me destruir
junto a esse prédio.
— Você é ágil.
— Gosto de dizer inteligente. — Olho para Hazel que revira os
olhos e me encara. — Oi, Haz. — Me viro para Dylan. — Oi, Dy.
— Oi, Analu — Hazel sorri enquanto Dylan maneia a cabeça. —
Não ligue para esse idiota. Ele é desconfiado por natureza.
Christian dá a Hazel um sorriso caloroso.
— Às vezes, você esquece que eu sou seu irmão mais velho — Uma
sobrancelha dele se ergue. — E não ao contrário.
Me aproximo de Dylan que encara a cena entediado, mas sempre
mantém seus olhos na namorada.
— Eles são sempre assim? — questiono.
Dylan dá um sorriso falso em minha direção.
— Na maioria das vezes — brinca. — Como você está?
— Sobrevivendo um dia após o outro e você? — Encaro-o.
Seus olhos vão até Hazel e vejo se tornar amoroso, gentil.
— Melhor do que nunca.
— Você a faz feliz — constato.
— Eu tento. — Ele dá de ombros. — Você também.
Seus olhos se voltam para os meus e percebo que ele não me julga
pelo que aconteceu antes, ele apenas me encara como uma amiga. Uma
cunhada que faria qualquer coisa pela mulher que ele ama.
— Mas antes eu também a machuquei.
— Como ela também te machucou — ele me corta. — Mas ainda
assim, aqui estão vocês duas lutando uma pela outra.
Sorrio para ele.
Dylan Blackwell tem camadas além do que demonstra, mas se tem
uma coisa que não posso negar, é que quando se trata de relação entre
irmãos, ele tem propriedade de fala. Porque todos sabem que a união dos
irmãos Blackwell é incomparável.
Eles definitivamente destruíram o mundo para proteger um ao outro
quando perderam uma parte deles e continuam fazendo isso quando se
sentem ameaçados.
— Então, o que estamos fazendo aqui? — a voz de Christian faz
com que olhemos para o lado.
Sorrio e Hazel me devolve o sorriso.
— Nós viemos até aqui para que Henrique assine os papéis da
paternidade de Hazel — digo, um sorriso frio nascendo em meus lábios. —
E com isso, ela se torna herdeira legítima da Parker Group e me ajudará a
tirá-lo da presidência da nossa empresa.
Dylan ergue uma sobrancelha e Christian cruza os braços, estudando
as nossas expressões. Hazel sorri maliciosamente pelo que estamos fazendo,
ela sabe que está prestes a vingar a sua mãe. Tirar de Henrique tudo aquilo
que ele a fez perder e eu estou prestes a destruir a única coisa que ele
valorizou a vida toda.
— Eu não sabia que você gostaria de assumir a empresa da sua
família — Dylan comenta se virando para mim.
Meu sorriso aumenta.
— Eu não vou assumir.
— Então, quem vai? — questiona, confuso.
— Christian. — é Hazel que responde. — Christian é o nosso xeque-
mate.
Dylan nos encara surpreso com a perspicácia.
Colocar Christian na presidência da minha família quando Henrique
cair, será como destruir ele e Amara juntos por tudo o que fizeram conosco.
Entretanto, antes disso, Hazel precisava fazer algo que nunca
imaginou fazer.
Ela vai enfrentar Henrique pela última vez.

Meus pés estagnam no momento em que as portas do elevador se


abrem e a imagem da pessoa que jamais esperava encontrar, está sentado no
sofá de frente para a recepção com o maldito tablet em mãos e um
semblante divertido.
Assim que levanta o rosto, ele sorri. Sorri para mim e as covinhas
pelas quais eu sou completamente apaixonada tomam toda a minha atenção.
Levi se levanta, ajeita a roupa e caminha até mim, lançando-me uma
piscadela.
— Está atrasada — a voz sarcástica ressoa dele. — É um erro de
principiante, Parker.
Tenho vontade de revirar meus olhos pela patética encenação do
nosso primeiro encontro, mas não consigo. Não quando eu estava a ponto
de correr até ele e o abraçá-lo pelos dias que passamos longe um do outro.
Todavia, apenas dou um passo à frente e caminho até ele, esquecendo a
todos.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto quando o alcanço.
— Vendo a minha megera favorita entrar em ação. — Seu sorriso
ainda se mantém em seu rosto. — Eu disse que você não estava sozinha,
Analu. E quando Hazel me disse o que vocês iriam fazer, eu não poderia me
sentar e fingir que isso não está te afetando mais do que está mostrando.
— Você não deveria...
— Brigue comigo depois, princesa — Ele levanta a mão colocando
uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — Agora me deixe ser seu
parceiro novamente e tenha a cadeira na primeira fileira para quando chutar
a bunda daquele babaca.
E mesmo sabendo que é errado, eu permito.
Assim que estamos de frente a porta do escritório de Henrique,
Hazel se solta de Dylan, dá um passo à frente e segura a minha mão.
Nós estamos juntas nisso, eu e ela. Ninguém mais.
É a nossa batalha para vencer.
Minhas mãos tocam a maçaneta, abrindo-a e dando de cara com o
nosso progenitor encarando sua secretária com um desejo patético. Ele
mesmo percebe que estamos encarando a cena nojenta e quando finalmente
nota a nossa presença, se endireita em sua cadeira e ergue a mão
dispensando a funcionária.
— Encontro em família? — zomba.
Adentro a sala com toda a elegância que posso e Hazel ao meu lado
sempre encarando o homem que temos um ódio em comum. Ela se senta ao
meu lado em uma delicadeza que o homem à frente nunca perceberia.
— Teria que existir uma em primeiro lugar — devolvo cruzando as
pernas e posicionando ameaçadoramente. — Mas, percebo que já está em
busca de outra amante. Amara ainda não lhe dá o suporte necessário em
casa?
— Isso não é um assunto que te diz respeito, querida. — Um sorriso
se entende pelo seu rosto. É falso. Totalmente treinado. — Hazel, não sabia
que viria.
— A visita é rápida, não se preocupe. — O tom de Haz é duro,
desdenhoso. — Só viemos avisá-lo algo.
Henrique pega uma de suas canetas e a gira em suas mãos, dando-
nos um olhar de adversão como se fossemos garotas mimadas em busca da
atenção do papai.
— Que seria?
— Eu estou entrando com um processo de reconhecimento de
paternidade — Hazel afirma. — Estou vindo pegar o que me pertence.
A caneta para em suas mãos no mesmo segundo, ele sabe
exatamente o que isso significa.
Sabe que no momento em que Hazel entrar na luta pela parte dela na
herança, que até o momento pertence apenas a mim e a Theo — embora eu
tenha a certeza de que Henrique fará com que meu irmão saia do seu
testamento por não ser seu filho legítimo —, eu e Hazel possuiremos a
maior parte das ações. Ou seja, nós teremos a maior voz dentro dessa
empresa.
Nós passamos a controlar os assessores e ele sabe que poderá perder
o que tanto construiu.
— Eu posso me recusar a fazer o teste — Ele ergue uma
sobrancelha. — Sabe-se lá quantas pessoas sua mãe fodeu, enquanto estava
tendo um caso comigo.
Tudo acontece tão rápido que não temos tempo de reagir.
Christian dá a volta na mesa na velocidade de um raio, segura
Henrique pela gravata e desfere um soco em seu rosto, fazendo com que ele
caia novamente em sua poltrona. Dylan e Levi se aproximam ficando perto
o suficiente de nós duas e eu seguro a mão de Hazel, que está prestes a se
levantar.
Não satisfeito, o irmão de Haz dá outros dois socos em Henrique,
antes de pegar um lenço de seu terno, limpar as mãos do sangue imundo do
homem à minha frente e jogá-lo em cima dele.
— Nunca mais ouse falar da minha mãe, seu pedaço de merda —
Christian avisa, rosnando. — Ou esse hematoma em seu rosto desprezível
será o menor dos seus problemas.
Henrique limpa o sangue que escorre pelo seu nariz, olha para mim e
ergue a sobrancelha.
— Você não vai dizer nada?
— Você fez sua cama, Henrique. Agora deite-se nela e arque com as
consequências. — Estudo minhas unhas, ignorando-lhe. — Mas, posso lhe
adiantar que você não é idiota de negar o reconhecimento de paternidade
porque, segundo a lei, a recusa imotivada do investigado, em submeter-se
ao exame de DNA, se caracteriza como desinteresse em produzir prova
essencial ao deslinde da ação. E não havendo prova em sentido contrário, é
imperioso reconhecer a paternidade.
Ele ergue uma sobrancelha para as minhas palavras.
— Leigamente falando, Sr. Parker, se você não aceitar fazer o teste e
a assumir a paternidade — Levi diz, se aproximando até onde estou sentada
e colocando as mãos em minha poltrona, me fazendo relaxar minimamente
com o seu corpo atrás do meu. — Entraremos com a abertura de ação de
investigação de paternidade, onde será solicitado a realização de exame de
DNA. E, caso o senhor se negue a fazer o exame, é considerada a presunção
de paternidade. Além, claro, incluir uma ação de indenização pelos
absurdos ditos nessa sala contra a Sra. Smith.
Henrique sorri animalesco.
Como se estivesse lidando com quatro adolescentes.
— Vocês dois ainda não são formados — debocha. — Não tem o
poder de fazer nada. Não sem uma equipe jurídica bem equipada.
Ergo uma sobrancelha fria em direção a ele e Levi solta uma
gargalhada sem humor em direção a Henrique, ao passo que Dylan lhe
entrega um iPad e vira, dando-me a visão de uma vídeo chamada.
— Sim, você tem razão, eu e Analu ainda não podemos representar
nossos interesses — ele afirma, voltando a se aproximar de mim. — Mas,
por favor, deixe-me te apresentar a equipe jurídica delas.
Um sorriso nasce em meus lábios, eu não esperava por isso.
Eu sabia que precisaríamos de uma equipe jurídica e já estava pronta
para lidar com os McLaughlin. Mas, não posso deixar de agradecê-lo
quando o sorriso de uma mulher linda aparece na tela. Ela está em pé,
vestida em um terno vinho e encarando-nos com sangue nos olhos.
— Bom dia, Sr, Parker. Meu nome é Megan Elizabeth Johnson e
estou representando a Srta. Analu Parker e Srta. Hazel Smith, a partir deste
momento — a voz fria da irmã de Levi emerge do aparelho. — Peço
desculpas por não poder ter conseguido comparecer a essa reunião, mas
acredito que minhas clientes tenham explicado todos os detalhes
minuciosamente. Além disso, gostaria de alertá-lo que meu pai, Thomas
Johnson, está nesse instante entrando com o pedido judicial que Levi acaba
de lhe solicitar.
O rosto de Henrique fica vermelho e um sorriso perverso nasce em
meus lábios quando outra voz substitui a de Megan. Essa voz é potente,
poderosa e o homem sentado à nossa frente sabe que agora estamos
blindadas de todos os lados.
Nós vencemos a nossa primeira batalha.
Não há como ele nos atingir, porque estamos nada menos que sendo
protegidas pela senadora do país, que não abaixa a cabeça para ninguém e
destrói todos que fazem mal a sua família e entes queridos.
Violet Johnson.
— Sr. Parker, acredito que, entre eu e você, dispensamos
apresentações — a voz da Sra. Johnson é letal. — Não posso imaginar o
quão desdenhoso o senhor seja por negar o exame de DNA a uma filha e
negligenciar outra, mas tenha certeza de farei o que estiver ao meu alcance
para que elas possam destruí-lo. — Ela se vira para mim. — É um prazer
revê-la, querida.
— O prazer é meu, Violet. — Sorrio.
Há uma mistura de ódio e nervosismo rondando as pupilas de
Henrique e isso me alegra ainda mais. Antes que ele possa responder, elas
desligam deixando-nos olhando uma para a outra.
Eu não sabia que teria a ajuda delas, mas agora compreendo que
Levi fez isso não só por Hazel, que é a sua amiga, mas por mim.
Ele pegou a minha luta e a transformou em sua.
Ele envolveu a sua família.
— Você não deveria ter feito isso, Analu — Henrique, grunhe.
Me levanto, caminho até onde Levi está e sorrio abertamente,
jogando meus cabelos para trás.
— Eu ainda nem comecei, papai.
Se em dez anos eu ainda estiver na sua cabeça
Você poderia ligar e dizer que quer isso?
Não importa onde estivermos, você ainda tem meu coração
Porque eu o tranquei, e eu prometo
Você é o chaveiro
Locksmith | Sadie Jean

Eu me preparei para pular uma última vez na piscina, ouvindo o


grito irritante do meu treinador.
Estamos há quatro semanas da final do campeonato de natação e a
pressão que ele exerce sobre nós, está insuportável. Posicionando meu
corpo para frente, salto e sinto a água me dar boas-vindas. Assim que meu
corpo se alinha, começo a nadar praticando, desta vez, o nado borboleta.
É o meu favorito. Não porque ele exige mais força para empurrar a
água e, ao mesmo tempo, flexibilidade para enfrentar a resistência dela.
Mas, porque era o nado que eu e Matt sempre sonhávamos em
aprender. Lembro-me que sempre assistimos as competições, ele ficava em
êxtase para esse momento.
Agora, enquanto minha barriga está voltada ao fundo da piscina e o
movimento das minhas pernas estão em ondulações, com ambas alongadas
e juntas, sem bater os pés. Sei que ele está orgulhoso, eu consegui realizar
todos os nossos sonhos.
Quebrei meus recordes, ganhei incontáveis medalhas e estive na
água sempre que podia, para me sentir perto dele, mas agora, entendo que
não preciso mais ter medo do que a vida me reserva. Eu posso seguir em
frente sem que a morte dele me assombre.
Ele foi uma parte importante da minha vida. Sempre vai ser.
Contudo, não significa que preciso viver com medo do que me acontecerá.
Eu não quero isso e ele também não desejaria.
A verdade disso tudo, é que já não tenho medo de criar uma família.
Já não tenho medo dos exames anuais que mamãe nos obriga a fazer e já
não penso nele com culpa. Eu apenas sinto sua falta como sempre vai ser,
mas entendo que o que houve estava fora do alcance de todos.
A morte não é o fim, porque aqueles que nos deixam nunca são
apagados em nossa memória.
Eu o tenho em meu coração para sempre.
Trago meus braços à frente simultaneamente sobre a água e depois
levo-os juntos para trás, em um último movimento antes de emergir,
segurando a borda da piscina e retirando os óculos.
— Você está mais rápido — a voz do meu treinador, me faz erguer
uma sobrancelha. — Será uma pena que seja sua última competição pela
SVU.
Sorrio de canto, lançando a ele um olhar divertido.
— Eu sempre soube que você gostava de mim, treinador Barnes! —
exclamo e ele joga seu apito em minha direção no mesmo tempo que
afundo novamente e volto segurando o objeto. — Isso é agressão, meu
senhor.
— Não me importo. — Ele puxa o apito da minha mão. — Mais
duas voltas, Johnson, e depois finalize com o nado de costas.
Ergo uma sobrancelha.
— Eu tenho que trabalhar — grito quando ele está longe.
— Novamente, eu não me importo. — Ele grita já longe o suficiente
de mim e pronto para gritar com outro aluno. — Agora nade, Levi!
E eu o faço.
Inclino meu corpo de novo e começo outra vez.
A cada vez que meu corpo emergia e submergia, meu pensamento se
voltava para a loira que ocupa toda minha mente há meses e se eu for
sincero, há anos.
Analu Parker se tornou importante para mim quando ainda éramos
adolescentes, na última noite do ensino médio. Eu não sabia o que aquilo
significava na época. Não sabia o motivo pelo qual ela estava saindo do
glamuroso baile que Saint Vincent College promoveu e nem soube o porquê
ela jogou sua coroa na lixeira, antes mesmo de caminhar em direção ao
jardim da cidade.
Contudo, agora eu sei, sei que ela o jogou porque imaginava que
ninguém votaria nela, se Verônica não tivesse ido embora da cidade
semanas antes. Ela imaginou que nunca teria sido digna de merecer aquela
coroa.
Mas ela estava errada.
Ela merecia sim ser a rainha do baile.
Ela merecia naquela noite e merece hoje.
Merece saber que, para mim, ela sempre receberá todas as coroas.
Eu forjaria inúmeras apenas delas. Sejam de ouro, diamantes e até mesmo
coroas de papéis como a daquela noite, para prová-la de que ela é uma
rainha.
A minha rainha.
Toda minha.
Com um mergulho, saio da piscina indo em direção ao vestiário e
me arrumando para o estágio.
Acho que está na hora de Analu e eu finalmente conversarmos sobre
o que houve naquela noite.
E o porquê passamos a nos evitar a partir daquilo.
Caminho pela McLaughlin lentamente, observando todas as pessoas
ao meu redor.
Alguns cochicham sobre a viagem da próxima semana, sabendo que
não é normal dois estagiários acompanharem, mas ninguém é corajoso o
suficiente para falar para Sebastian ou Annabeth.
Entrando no corredor principal, observo Analu parada ao lado de sua
porta. O vestido rosa constata com seu salto preto e quando me vê, ergue
uma sobrancelha levantando a tulipa vermelha e eu apenas dou de ombro.
— Você já não provou o seu ponto? — ela questiona, sem se mover.
— Ainda não. — Sorrio abertamente. — Além disso, eu paguei a
floricultura por um ano de flores, princesa.
Um pequeno sorriso nasce em seus lábios.
— Você é um idiota.
— É sempre bom isso ser relembrado.
Antes que ela possa responder, adentro minha sala indo em direção a
minha mesa e uma gargalhada salta dos meus lábios quando observo o
Funko da Pequena Sereia em cima do meu notebook.
Me aproximo lentamente, ainda com um sorriso no rosto e me sento,
pegando o objeto e retirando o post-it.

A felicidade pode ser encontrada mesmo nas horas mais difíceis,


se você se lembrar de acender a luz
- Harry Potter

Tenho vontade de ir até sua sala, mas ao observar o e-mail de


Sebastian em meu celular, sei que precisarei deixar isso para mais tarde.
Porque no momento em que abro o notebook e começo a realizar todos
meus trabalhos pendentes, eu não consigo tirá-la da minha mente, mesmo
que eu tenha tentado e falhando miseravelmente por horas.
Eu participo de reuniões, escuto clientes reclamarem e ajudo
Sebastian em tudo o que precisa. Contudo, a cada vez que as dezessete
horas se aproxima era como se tudo dentro de mim começasse a agitar.
É patético.
Patético sentir como um adolescente.
Patético desejar alguém desta forma.
Mas, mesmo sendo patético, me pego desejando.
Suspirando fundo, encarando o relógio da sala de reuniões, enquanto
a senhora explica o motivo pelo qual precisa entrar com uma ação judicial
contra os filhos. É desinteressante e até mesmo Sebastian está entediado.
Meu celular vibra em meu bolso do terno e lentamente o retiro, não
deixando que ninguém perceba.

istanaluparker: qual a chance de você me dar esse caso?


eu definitivamente odeio processos litigiosos.

Quase solto uma risada ao ver a foto dela no almoxarifado, ao lado


de uma garrafa d’água e processos.

istlevijohnson: todas. Eu gosto de casais brigando. Mas


preciso te informar que meu caso é entediante.

istanaluparker: nenhum assassinato? Roubo? Estelionato?

istlevijohnson: infelizmente, não. Vamos ao Oásis depois do


expediente.

Espero pela resposta, mas apenas três pontinhos piscam na tela, me


deixando ainda mais ansioso.
Quando penso em guardar o celular, ele volta a vibrar.

istanaluparker: não comerei sua pizza estranha novamente.

istlevijohnson: eu comerei, mas comprarei sua salada.

istanaluparker: talvez você queira comer outra coisa ;)

Filha da puta.
Eu definitivamente mataria Analu por ter me dado uma meia ereção
em uma reunião com uma senhora, que me encara com os olhos afiados e
nervosos. Mas, para a minha sorte, dez minutos depois a senhora se levanta,
se despedindo de nós dois e Sebastian encerra seu dia e se dirige até os
elevadores.
Antes mesmo das portas se fecharem, estou caminhando rumo ao
almoxarifado, desviando de todos que andam zanzando pelos corredores e
querendo dobrar uma certa loira na mesa e ensiná-la como não foder com
meus pensamentos durante uma reunião.
Mas, no momento em que adentro o enorme ambiente, eu me
encosto nas portas de vidro e a observo concentrada nos arquivos à sua
frente, enquanto se inclina na enorme mesa e apoia os cotovelos na
superfície, lendo-os com fascinação. Ela leva uma caneta até os lábios,
mordendo-a e sorri quando lê algo que concorda antes de abaixá-la e riscá-
la com orgulho.
Ela apenas fica ali, envolvida em algo que ama.
Apenas deixa o mundo de lado.
Apenas é quem nasceu para ser.
Apenas.
— Eu achei que casos litigiosos eram entediantes — brinco,
cruzando os braços.
Sua cabeça se ergue, sorrindo friamente.
— Eles são. — Dá de ombros. — Troquei com uma estagiária.
— E em qual você está agora?
Seu sorriso se amplia.
— Ação de assédio sexual contra um banqueiro milionário — a
êxtase em suas palavras. — Nós vamos destruí-lo.
— Filha da mãe — xingo me aproximando dela. — Não acredito
que enquanto eu estou cuidando de um caso de herança você está com um
caso desses.
Ela se inclina para mim, deixando um novo sorriso escapar.
— O que posso fazer se eu sou a melhor?
Ergo uma sobrancelha, pegando em sua cintura e puxando-a para
mim.
— Ainda tão egocêntrica.
Antes que ela possa responder, colo meus lábios nos seus e ela
devolve o beijo em uma urgência.
Analu me beija como se estivesse a ponto de querer destruir o
mundo por mim.
Nossas línguas dançam uma contra a outra enquanto ela me segura
contra si em uma sensação diferente, posso julgar que é até mesmo um mix
de emoção que nunca ousei sentir. É como se o mundo estivesse parando
para assistir o que juntos formamos.
Minha boca se desgruda dela apenas para pegar sua mão, e levá-la
até os fundos do almoxarifado, onde duas estantes de processos nos
escondem.
É perigoso.
Inebriante.
Proibido.
Pode nos custar nossos empregos e mesmo assim não nos
importamos. Nós voltamos a nos beijar como se dependêssemos disso,
como se o mísero pensamento de estarmos separados nos destruísse. Nesse
instante somos uma coleção inimaginável de pedaços estilhaçados que se
juntam em uma nova obra de arte que nem mesmo os maiores artistas do
universo explicariam.
É novo, forjados de anos de uma luta que sabíamos que jamais
venceremos.
Nós juntamos fogo com gasolina e deixamos queimar.
Incendiamos juntos.
— Me diga, princesa... — Mordo o lóbulo da sua orelha. — Qual a
sua escala de desespero para precisar transar no trabalho?
Umedecendo os lábios, ela sorri depravadamente.
— O suficiente.
A expressão que Analu adota, é regada à luxúria. Nós dois sabemos
que estamos brincando com o perigo e não nos importamos. Nós apenas
precisamos um do outro.
Sabemos que não sairemos daqui até que terminemos o que
começamos, mesmo que o escritório ainda tenha pessoas e que elas possam
entrar a qualquer momento. Eu não me importo porque tudo o que
realmente me importa nesse momento é a loira em meus braços que me
puxa para si, colando nossos lábios novamente e dissipando o resto de
distância entre nós e meu rosto quase se choca com o dela.
— Qual é sensação, princesa? — Deslizo a mão pela sua coxa,
subindo até sua meia-calça rasgando-a com as duas mãos e arrastando o seu
vestido até que esteja em volta de sua cintura e meus dedos em sua
calcinha. — Qual a sensação de estar molhada mesmo sabendo que
qualquer idiota pode entrar aqui? Qual a sensação de saber que em minutos
eu vou estar dentro de você, enquanto precisa segurar seus gemidos?
— Desgraçado….— rosna quando vê o feito que fiz em sua meia
calça.
— Sim, eu sei. — Dou um selinho antes de me abaixar. — Eu vou te
comprar novas meias-calças. — Do outro beijo. — Quer saber? Eu vou te
comprar a porra do mundo todo se desejar.
Sem me dar tempo para que ela possa responder, cubro sua boca
com a minha, segurando a parte traseira de suas coxas e a levantando-a e
sentindo suas pernas circularem minha cintura. Apoiando-a contra uma
estante firme de processos, a cabeça de Analu tomba para trás, quando
passo a língua pela sua pele deliciosa, distribuindo pequenas mordidas, ao
mesmo tempo que inclina seu pescoço, dando-me mais acesso.
— Eu odeio te desejar tanto. Odeio que você esteja constantemente
em meus pensamentos — ela grunhe, pegando meu rosto e me dando
inúmeros beijos. — E eu odeio essa maldita covinha que tenho vontade de
beijá-la a cada hora.
Sorrio perverso, ao mesmo tempo que ela se aproxima, deixa beijos
em minha covinha e eu levo minha mão até sua calcinha, a chegando para o
lado e esfregando o dedo do meio em sua intimidade, num movimento de
vai e vem fazendo com que ela jogue sua cabeça para trás outra vez, se
esfregando descaradamente em mim.
— Odeia, é? — Ela puxa com leveza os cabelos da minha nuca. —
Então, imagina o que todos funcionários pensariam se vissem a preciosa
Princesa de Gelo com as pernas em volta da minha cintura, esperando meu
pau como uma boa garota entre os preciosos processos?
— Você é um idiota.
— Sim, eu sei. — Finalmente, coloco um dedo dentro dela. —
Agora, cale a boca e me deixe te comer antes que alguém entre aqui.
Sua cabeça é jogada para trás novamente, sentindo-me deliciar com
a necessidade que nos consome. Meu dedo, desliza com destreza
aumentando a velocidade e fazendo-a morder os lábios para suprir os
gemidos.
E, porra é quente. Observá-la fechar os olhos e me apertar para não
dar indícios de que estamos fodendo no almoxarifado do maldito estágio,
que meses atrás estávamos quase matando um ao outro, quase me leva ao
delírio.
Um farfalhar de sons invade o corredor adjacente ao nosso,
aumentando a sensação de perigo, de que alguém pode entrar, virar o
corredor de processos e nos pegar nesta situação, onde meus dedos estão
dentro dela.
Com isso, retiro meus dedos de dentro dela, alcanço os botões da
minha calça, abro o zíper e abaixo a boxer. Observando seu rosto ansioso,
no momento em que puxo a minha carteira do bolso traseiro e retiro um
preservativo, a encarando.
— Eu queria aproveitar cada parte de você, princesa. — Pego meu
pau, depois de ter escorregado o látex pelo comprimento e pincelo em sua
entrada. — Mas só o pensamento de alguém vendo-a desse jeito ou
escutando-a, me deixa furioso.
E em um impulso rápido, preencho-a, fazendo um gemido alto
escapar dos nossos lábios e sou obrigado a cobrir sua boca com a minha
para calá-la. Com isso, não desgrudamos, sua boca se funde a minha a cada
vez que empurro dentro dela e escuto seus gemidos em nosso beijo.
É desleixado.
Toma conta de tudo dentro de mim e sinto todos os poros do meu
corpo se arrepiando pela forma urgente que sua língua se entrelaça com a
minha na mesma velocidade que sua boceta engole meu pau.
Impilo com mais força, a urgência crescendo e fazendo com que
alguns processos comecem a balançar, prontos para caírem e, porra, se isso
acontecer nós estaremos ferrados. Contudo, não me importo. Eu apenas
continuo empurrando para dentro dela e sentindo sua mão se agarrar ao meu
pescoço, arranhando minha pele.
Suas unhas deslizam pelo meu corpo, até segurar meu ombro,
fincando suas unhas em minha blusa branca, amarrotando-as. Analu se
afasta por um instante, olhando nos meus olhos enquanto fodemos como se
precisássemos disso. De nós. Como se o fato de estarmos nessa juntos, é
algo pelo qual ansiamos por anos.
Nunca desviamos o olhar, nunca quebramos a conexão.
Eu entro nela, reivindicando cada parte de seu corpo. E ela me
encara permitindo isso. Desejando e até mesmo suplicando.
Eu a levo tão forte, estocando até que seus gritos são impossíveis de
segurar e voltamos a nos beijar.
— Deus, Levi... — Suas palavras saem abafadas em minha boca.
Sorrio, me afastando dela e encarando seu rosto enquanto levanto
uma das mãos e tampo sua boca, sentindo sua língua se projetar para fora e
molhar minha pele, quando uma nova conversa é iniciada ao lado do
corredor onde estamos.
— Shh... Eu amo ouvi-la gritar meu nome, mas agora eu estou
tentado a socar todas as pessoas que ousassem vê-la assim, amor —
sussurro me inclinado, deixando um beijo em seu pescoço. — Então, seja a
minha boa garota e fique quieta enquanto eu te faço gozar.
Uma de minhas mãos sobe por baixo do tecido de seu vestido e
resvala seu mamilo, para então beliscá-lo antes de descer pela barriga e
encontrar seu clitóris, massageando-o com um pouco mais de rapidez.
Obrigando-a a morder seus lábios e fechar os olhos, pendendo a cabeça para
trás e se forçando em meu pau, sendo consumida pela sensação.
Não dou tempo a ela, apenas seguro suas coxas, marcando-as com a
força e começo a entrar e sair em um ritmo descontrolado, trazendo meu
corpo para frente e para trás rápido. Sentindo as folhas balançarem e as
conversas aumentarem.
Porra, perfeito!
Ela é perfeita.
Nós dois juntos somos perfeitos.
— Levi, meu Deus, eu vou... — sussurra.
— Eu sei, princesa.
Antes que ela possa gritar, colo sua boca na minha outra vez.
Devorando seus lábios em um outro beijo animalesco e envolvente.
Suas unhas se arrastam pela minha nuca, puxando-me para si quando
sua língua ataca a minha ao mesmo tempo que faço um movimento mais
forte, mais fundo e sinto suas pernas travarem em minha cintura, sentindo
suas paredes se contraindo. O orgasmo vem para nós dois como uma
explosão, tomando conta do nosso corpo.
Minha testa cai na dela, nossas respirações se misturam e um sorriso
cruza seus lábios. O sorriso que me dá é lindo, ocupa todo o seu rosto e
percebo uma coisa.
Ela está sorrindo para mim.
Apenas sorrindo.
Linda. Perfeita.
A única coisa que achei que nunca teria e agora percebo que jamais
viverei sem.
— Você fica radiante quando sorri — sussurro, com os olhos
cravados nela. — Eu nunca me cansaria de vê-la assim.
— Lev? — Meu coração salta em minha caixa torácica pelo meu
apelido saltar de seus lábios pela primeira vez. — No baile de formatura.
Você teria me dado aquele beijo?
Meus olhos fitam os seus e me lembro de tudo. Da sensação de tê-la,
da forma como dançamos e como presenciei a sua versão real.
— Sim... — Minha voz falha. — Eu teria te beijado até que suas
lágrimas secassem.
— Por que não o fez?
Eu nunca a vi desta forma, mas percebo que finalmente Analu
Parker está se permitindo sentir todas as coisas que reprimiu em seu peito.
— Porque não queria ser o seu prêmio de consolação, Analu — falo,
baixinho, me inclinando e encostando nossas testas. — Não queria ter sido
a sua última opção naquela noite.
Ela assente, descendo do meu colo e abaixando seu vestido enquanto
eu me ajeito em minhas roupas, quando estamos vestidos novamente, ela
ergue o rosto e me encara.
Não há decepção, nem medo. Há apenas seus olhos irradiando
sentimentos.
— Você não teria sido a minha última opção — confessa, rouca. —
Seria a minha única.
E eu preciso que você saiba que estamos
Entrando nessa tão rápido, caindo como as estrelas
Nos apaixonando
E não tenho medo de dizer essas palavras
Com você estou seguro, estamos caindo como as estrelas
Falling Like The Stars | James Arthur

PASSADO
Eu deveria ter ido com Logan.
Isso definitivamente é um fato incontestável.
Se eu tivesse ido quando paramos em frente ao nosso colégio, que
passamos toda a nossa adolescência e ele encarou o lugar como se fosse seu
pior pesadelo, eu sabia que deveria ter ido com ele. Sabia que preferiria vê-
lo se afogar nas corridas clandestinas, para depois se entorpecer do álcool
até que a lembrança de Verônica não fosse um mártir em sua vida do que
estar aqui.
Eu deveria ter ido.
Deveria porque se tivesse feito isso, eu não precisaria fingir que
estar nesse local, é onde quero estar. Que fingir que estou feliz quando é
aniversário do meu irmão, não me destrói.
Eu só gostaria de ter ido com ele.
Para casa.
Para o cemitério onde está Matt.
Para qualquer lugar que essa dor não me acompanhe.
— Quem em sã consciência largaria o baile para praticar corridas,
em um parque da cidade, quando sabe que provavelmente levaria a coroa de
rei do baile? — Josh pergunta ao meu lado, me tirando dos meus devaneios.
Ele sabe a resposta, mas não a aceita e eu encaro-o, franzindo o
cenho.
— Alguém que acabou de terminar o namoro e odeia tudo que
lembra ela? — Suspiro fundo.
— Não podemos deixá-lo viver assim, Lev — Josh suspira. — Se
não salvarmos ele, ele pode perder a bolsa para a SVU.
Eu sei.
Todos nós sabemos.
Entretanto, eu imagino o quanto isso deve doer. Imagino como é
amar alguém que te destruiu na mesma proporção que se destruiu. Entendo
que meu melhor amigo precisa do seu próprio tempo para se curar e mesmo
que eu deseje ajudá-lo da forma que for, sei que estarei aqui por ele quando
a dor estiver em seu ápice.
Eu vou, até mesmo, ler aqueles livros idiotas que ele ama, apenas
para que se sinta melhor. Eu vou salvá-lo como ele me salvou quando Matt
morreu.
— Onde está Logan? — Hazel, pergunta parando ao nosso lado.
Olho para a minha amiga, vestida em um vestido azul que combina
com seus cabelos escuros e para Summer ao lado dela que encara a todos
entediada. Nenhum de nós desejamos estar aqui. Até mesmo Hazel, que faz
parte da equipe organizadora, odeia esse momento.
Não deveria ser assim.
Nós deveríamos estarmos todos juntos. Logan deveria dançar com
Vee enquanto eles recebiam a coroa, Hazel deveria estar com Dylan.
Summer, eu e Josh deveríamos brigar para vermos quem conseguiria
aguentá-los por mais tempo.
Nós deveríamos estar juntos.
Mas, não estamos e isso dói.
— Parque de diversões — respondo.
— De novo? — Summer ergue uma sobrancelha.
— Ele precisa disso — digo, deixando meus ombros murcharem. —
Apenas vamos esperar essa palhaçada acabar e vamos atrás dele, ok?
Ninguém ousou discordar.
Entretanto, não nos movemos, apenas ficamos no meio do enorme
salão decorado com o tema de primavera e observando todos felizes e
comemorando o final de mais um ciclo, enquanto nós nos perguntamos se
eles não enxergam o sofrimento alheio, se eles não percebem que quase
ninguém está se divertindo ou se é apenas eu e meus amigos que estamos
tão quebrados, ao ponto de nem mesmo aproveitar nosso último dia, antes
das férias para então irmos para a faculdade.
Me questiono se percebem que Logan não consegue nem mesmo
entrar na escola ou que Hazel evita o olhar de todos após Dylan tê-la
deixado. Enquanto Summer se esquiva de qualquer pessoa e Josh apenas
sorri porque é educado. E, por fim, se vêem nos meus olhos que o garoto de
ouro, está infeliz ao ponto de odiar tudo isso.
Nós temos uma ruptura enorme entre nosso grupo. Aconteceu
quando Sophie morreu, depois quando Verônica e Logan se estilhaçaram e
finalizou quando os irmãos Blackwell nos abandonaram sem nem mesmo
uma despedida digna.
Nossa família sentiu a eclosão que aconteceu.
Sentiu de uma forma que nem mesmo conseguimos ignorar.
— Eu estou indo buscá-lo. — Hazel se irrita. — Ele não pode perder
isso.
— Ele não vai subir naquele palco, Haz — sussurro. — Não sem
Vee. Você sabe disso.
Antes que ela possa responder, a diretora do colégio sobe no palco e
sorri para todos. Uma parte de mim se irrita ao ver a maldita coroa sendo
carregada até o centro do palco e todos aplaudem ansiosos, já que a maior
concorrência já não está mais competindo por ela.
A diretora levanta um envelope dourado, contendo o nome do rei e
rainha do ano, sorri e se inclina até sua voz ressoar pelo salão:
— Boa noite, Saint Vincent College. — Algumas pessoas assobiam
e outras gritam, mas nós apenas encaramos a cena, apáticos. — É com
grande orgulho que apresentamos a vocês o rei e rainha do baile de
formatura deste ano.
Lentamente, ela abre o envelope.
Não deveria ser assim.
Não.
É errado.
Todos nós sabemos o que está ali.
— E o rei de Saint Vincent College desde ano, é Logan Underwood,
capitão do time de futebol. — Ela sorri procurando pelo meu amigo na
multidão e claramente não encontrando. — Acho que nosso rei está ausente
hoje, mas a rainha do baile é... — A diretora olha para o papel com uma
sobrancelha erguida. Mas sabemos que ela não dirá o nome que está escrito
ali. Não quando ela nem mesmo mora mais na cidade. — Analu Parker.
Há silêncio e depois há inúmeras palmas.
Ninguém esperava. Ela não esperava.
Analu sobe com calma as escadas até estar ao lado da diretora e
aceita a coroa e o buquê de flores. Mas não há alegria, não há desejo de
estar lá. Meus olhos fitam a loira em seu vestido preto, seu sorriso forçado e
seus olhos estão vazios.
Ela não desejava isso.
Mas, não posso deixar de reparar em como a coroa lhe cai bem.
Analu pode não ter reivindicado o título de rainha do colégio. Mas,
agora percebo ela e posso dizer que a loira ocupa o lugar de princesa.
Porque ela se parece e se porta como uma.
Seus cabelos caem pelas suas costas e uma aura fria emana de sua
expressão corporal.
Ela, que odeia a todos assim como todos a evitam.
Ela, que é o sinônimo de beleza.
Ela, apenas ela, poderia ter esse título hoje.
Analu Parker, a megera insensível é malditamente a princesa.
A princesa de gelo.
Percebo então que não há ninguém esperando por ela, quando desce
as escadas, e seu acompanhante sai pela porta lateral, acompanhado de uma
outra garota. Também não há ninguém envolvendo-a em abraços apertados
ou elogiando-a. Há apenas alguém que caminha pelo ambiente com o
queixo erguido e exibindo a coroa em sua cabeça, mesmo que eu tenha a
certeza de que ela odeia tudo isso.
A garota é como uma escuridão repleta de estrelas, é assustadora e
consumidora de toda a atenção ao seu redor, mas, acima de tudo, ela é
absolutamente extraordinária.
Mesmo que eu saiba que não esperava essa vitória, não posso deixar
de dizer que ela merecia.
Analu Parker, mesmo que não acredite, merece ser a rainha de algo.
E agora, é como se ela tivesse se tornado rainha de algo maior do
que essa simples coroa.

Josh, Hazel e Summer decidiram ir até o parque de diversões, mas


eu não os segui.
Eu precisava de um momento para visitar Matt, precisava lhe dizer
como foi mais um ano sem ele para compartilhar as alegrias ao meu lado. E
assim que estacionei meu carro em frente ao cemitério de Saint Vincent, eu
sabia que deveria me virar e ir embora, porque na parte onde há um jardim
repletos de flores, está Analu segurando sua coroa e a jogando na primeira
lixeira que a encontra.
Ela não me vê e eu não consigo tirar os olhos dela.
A mulher destemida, segurou a barra do vestido, retirou os sapatos e
antes de se mexer de leve como se estivesse dançando, ela soltou um grito
doloroso. Um grito que pude escutar. Pude sentir sua dor. Eu pude vivenciar
em primeira mão como ela se quebrou por algo que nunca irei saber, mas
me pego desejando.
Num primeiro momento quando ela, de repente, começa a dançar de
leve, movendo o corpo com uma delicadeza que não sabia que possuía, eu
achei que estivesse bêbada, drogada ou ambos. Mas, quando ergueu o rosto
em direção ao céu estrelado, fechou os olhos e apreciou o momento, soube
que ela apenas estava se entregando à sua dor.
A dor que estava explícita em suas pupilas.
A dor que a acompanha com uma corrente.
A dor que mesmo que eu não queira, acho que compreendo.
E mesmo sendo errado, me aproximo a passos leves, encarando-a.
Observando como segura o vestido e gira pela grama, como a noite deixa
sua beleza etérea, como ela é como uma flor repleta de espinhos e despida
de suas camadas.
Ela é linda e, ao mesmo tempo, quebrada.
Assim que estou perto o suficiente, seus olhos instintivamente se
abrem e ela dá um sobressalto, assustada. Por um momento vejo lágrimas
em seu olhar e ela me vê com vulnerabilidade. Por um mísero momento,
antes de piscar e toda frieza tomar conta dela, eu conheço uma parte dela
que nunca soube que desejava conhecer.
— O que você está fazendo aqui? — pergunta, na defensiva.
— O mesmo que você, eu presumo — devolvo, erguendo uma
sobrancelha.
Uma careta toma conta de seu rosto ao passo que se afasta.
— Ótimo, agora vá embora.
— Eu poderia dizer o mesmo. — Sorrio. — É um ambiente público,
Analu. Você não tem o poder de expulsar ninguém.
— Bem, você tem todos os dias para vir.
— Mas preciso estar aqui hoje — as palavras saltam dos meus lábios
antes que eu possa me segurar.
Observo-a suspirar fundo e se virar outra vez em minha direção.
— Eu também preciso. — Seus olhos afiados encontram os meus. —
Eu realmente preciso estar aqui, Levi.
Há verdade em sua voz.
Há lamento e angústia.
Pela primeira vez, ela não se importa em me mostrar quem é de
verdade.
Analu está tão quebrada quanto eu nesse momento.
E dói. Dói ver que o mundo não enxerga que as vezes, por baixo de
tudo, nós somos apenas pedaços quebrados de uma realidade vista pelas
pessoas como perfeitas, sem nenhum resquício de fragilidade, mas se você
observar de perto, se for capaz de olhar para os pontos obscuros, perceberá
que possuímos rachaduras.
— Eu também preciso, Analu.
— Então, acho que, infelizmente, teremos que suportar a companhia
um do outro.
Ela se vira de costas para mim, caminha até um canteiro de tulipas
amarelas e colhe uma, indo em direção a parte onde ficavam os túmulos das
pessoas mais influentes da cidade. Assim que para em frente a um deles, ela
acaricia a lápide de leve e deposita a flor com delicadeza.
Me pergunto por um momento quem ela havia perdido, quem a
deixou tão machucada a ponto de que precisasse vir em uma noite que, para
muitos, deveria significar felicidade e renovação. Todavia, eu sei que a
pessoa havia partido cedo, porque estávamos em uma parte onde todas as
sepulturas são pequenas.
Pequenas como a de Matt.
Ela perdeu alguém próximo a idade do meu irmãozinho.
Ela pode entender a minha dor.
— Oi, estrelinha — sua voz é quebrada. Tão quebrada que dói até
em mim. — Acho que eu já pedi desculpas demais, não é? Mas, acho que
eu nunca vou poder me desculpar o suficiente. — Não deveria escutar, era
pessoal, doloroso, mas parecia que meus pés se enraizaram no chão. — E se
você não me perdoar, está tudo bem. Eu mereço. Não fui capaz de protegê-
lo, não consegui fazer com que visse o mundo e soubesse que eu amava
você desde o início. As coisas não estão fáceis, mas eu tento seguir como
prometi a você que seguiria, mesmo que eu tenha morrido naquele dia junto
com você. Dói, às vezes, eu nem mesmo consigo sair da cama, mas eu tento
fingir que, quando tudo dentro de mim é escuridão, você foi minha luz.
Tento me lembrar das vezes que mesmo que não pudesse escutar, eu lia para
você. Todas as vezes, todos os dias, eu me lembro de como te tiraram de
mim.
Ela olha para o céu e uma lágrima desce pelo seu rosto.
E eu finalmente me viro.
— Mas, eu ouvi uma pessoa que eu gostava muito dizendo que
devemos continuar a dançar mesmo quando não houver música — suas
palavras, dessa vez, são como agulhas me perfurando. — Eu não quero
continuar. Eu não posso, mas vou fazer isso por você e por Theo, estrelinha.
E eu prometo nunca, em hipótese alguma, parar. Mesmo que o mundo me
destrua, me odeie, eu vou lutar.
Suas palavras machucam.
Continuar a dançar.
Essa era a frase das minhas amigas. Da minha segunda família.
Essa é a minha nova motivação.
Assim que ela se vira para mim, há tanta vulnerabilidade em seu
olhar que me aproximo, nunca olhando para a lápide e, sim, para ela. Eu
não invado a sua privacidade, mesmo que eu deseje saber quem está ali.
Eu encaro a mulher que o mundo acha que não possui sentimentos,
mas está aqui em uma noite estrelada pedindo desculpas para alguém que
não conseguiu salvar.
Como eu.
Ela se culpa assim como eu me culpo por ter falhado com Matt.
No momento em que paro ao seu lado, ela ergue o rosto e eu estendo
a mão. Um convite, uma escapatória, uma válvula de escape para a nossa
noite.
— Continue a dançar, Analu.
Nunca imaginei que um dia estaria estendendo a mão para que
Analu a segurasse e, muito menos, que ela aceitaria de bom grado. E
também nunca imaginei que dançaríamos juntos em um jardim de um
cemitério, onde pessoas que perdemos estão.
Eu segurei sua mão delicada e ela segurou meu ombro.
Nós colamos nossos corpos mesmo que o único som fosse o silêncio
de nossas dores.
Em um lugar mórbido, mas é significativo.
É um momento único, porque amanhã, quando acordarmos, já não
seremos essas duas pessoas que estão neste momento juntando suas dores.
— Mesmo que não haja música, Levi.
Com isso, mesmo sem melodia nós giramos pelo gramado. Dois
conhecidos que são completamente desconhecidos um para o outro. Duas
almas quebradas em busca de uma válvula de escape e dois corações
mascarados pelas lembranças que nos rodeiam.
Nós rodopiamos pelo ambiente imaginando que somos únicos.
Esquecemos tudo o que nos rodeia, as memórias, a dor e a nossa realidade.
Giramos por tanto tempo que nem mesmo percebemos. Nos apoiamos um
na dor do outro, e moldamos ela como se fossem complementares.
Nós destruímos as barreiras impostas. E entre todas essas flores,
lápides, e debaixo desse céu estrelado, percebo que nossos corpos acabaram
de construir pontes que interligam nossos corações, nossas memórias e
nossa dor.
Somos feitos da mesma matéria.
Enjaulados em diversas máscaras e agora estamos marcados.
Agora, eu já não poderia mais enxergá-la da mesma forma, porque a
cada vez que eu fechasse meus olhos, eu a veria como ela realmente é.
Verdadeira. Com dores e sofrimentos. Eu iria ver a garota que me fez sentir
melhor no pior dia da minha vida. Eu veria a garota que se ajoelhou em
uma lápide e chorou.
Eu veria Analu Parker.
A veria despida de tudo que a protege.
No nosso último giro, olhamos para o céu, para onde as estrelas
ouvem nossos chamados e nos mostram que esse momento está eternizado
em todos os lugares do universo.
— Obrigada, Levi — Ela me encara, seu rosto tão perto do meu.
Ela é linda.
Perfeita.
Memorável.
— Obrigado, Analu — devolvo.
Ela me encara, sorri fracamente. Seus olhos encontram os meus e
eles são tão lindos. Ela é linda. Analu é extremamente deslumbrante. E
mesmo que não seja o momento, tenho vontade de me aproximar, de selar
nossos lábios. Entretanto, não posso.
E quando se aproxima um pouco mais em direção aos meus lábios,
custa tudo dentro de mim para não me abaixar de volta e beijá-la, mas não
posso fazer isso com ela.
Não posso usá-la como uma desculpa.
Não posso e não quero.
Acima de tudo, não posso ser o seu prêmio de consolação por ter
sido abandonada no baile.
— Eu não posso. — Sorrio, soltando-a. — Boa noite, Analu.
Ela me encara com rejeição e eu me viro, voltando para o meu carro
mesmo que eu deseje permanecer.
A cada passo eu tenho a impressão de que perdi algo.
E talvez, eu tenha.
Porque Analu nunca mais sorriu para mim, tampouco me olhou
como aquele dia e eu apenas esperei até que cansei, até que as estrelas nos
colocaram novamente no mesmo lugar.
Contudo, o que ela não sabe é que eu voltei mais tarde naquela noite.
Eu voltei e roubei a sua coroa.
Então, a guardei.
Se eu estivesse morrendo de joelhos
Você seria aquele que me salvaria
E se você estivesse afogado no mar
Eu te daria meus pulmões, para que você pudesse respirar
Eu estou com você, irmão
Brother | Kodaline

Eu sempre soube que esse momento chegaria.


Sempre soube que quando chegasse, eu teria que enfrentar as
consequências das ações de Amara e Henrique.
Entretanto, agora que caminho com Theo pelo gramado do jardim da
Parte Alta, no nosso último domingo juntos, me questiono se realmente
estou pronta para decepcioná-lo uma última vez, mesmo que seja para o seu
bem.
Vou decepcioná-lo porque sei que se continuarmos assim, com
Amara controlando nossas vidas, nunca seremos felizes e eu desejo que ele
seja. Desejo que meu irmão tenha o mundo em suas mãos e que ele
conquiste tudo e a todos.
Mas, para isso acontecer, eu preciso desistir de tê-lo ao meu lado
todos os dias.
Ele nem mesmo percebe que o encaro. Seus olhos se mantêm no
céu. Estudando as estrelas e franzindo o cenho para elas.
— Eu quero te apresentar alguém — engulo em seco. — Na verdade
são algumas pessoas.
Finalmente me encara com os olhos amedrontados.
— Eles são seus amigos?
Encaro-o por um segundo e mordo meu lábio inferior.
Amigos.
Eles são mais que isso. Eles são minha família.
— Sim.
— E se eles não gostarem de mim, Lu? — sua voz é receosa.
— Não há como não gostar de você, Theo. — Sorrio para ele. —
Você é incrível.
Ele me dá um sorriso fraco, mas seus olhos brilham em ansiedade. E
sei que ele deseja isso, então, com um suspiro, pego sua pequena mão e o
levo até meu carro, mandando uma rápida mensagem no grupo informando
que estamos indo.
Não sei como vão reagir, mas sei que Levi já havia dito a ele que
levaria meu irmão para que ele finalmente conhecesse as pessoas que, assim
como ele, me tiraram do lugar mais escuro da minha vida.
Após estacionar em frente ao prédio, dou a volta no carro, ajudando
Theo a descer e vejo Levi sentado nos primeiros degraus nos esperando. A
expressão do meu irmão, de repente, se ilumina ao perceber a presença da
nossa nova companhia.
Com receio, Levi se levanta, caminha até onde estamos e se abaixa,
ficando do tamanho de Theo e sorri abertamente para ele.
— Oi, campeão — cumprimenta. — É bom finalmente te rever.
— Oi, Levi — devolve, tímido. — Você quer saber uma nova
curiosidade?
Ele inclina a cabeça para o lado, encarando meu irmão com
ansiedade e estende a mão para que Theo envolva a sua.
— Eu quero saber tudo o que você quiser me contar, Theo.
Seguro um sorriso ao ver a expressão da pequena pessoinha, que
agora caminha ao lado de Levi. Meu irmão nunca deixou que ninguém
chegasse perto o suficiente, mas é como se Levi tivesse conquistado seu
coração desde a primeira vez que se falaram.
Nunca percebi que precisava disso, de vê-lo sorrindo para outras
pessoas como sorri para mim, até esse momento. Até que estamos dentro de
um elevador e ele nunca para de dizer a Levi todas as curiosidades que
descobriu.
E Levi o ouve e se interessa genuinamente pelo que ele tem a dizer.
Ele apenas deixa Theo ser ele mesmo e ama isso.
Assim que paramos em frente a porta, Theo olha para mim com
medo e receio nublando suas pupilas. Dando um passo para trás, ele agarra
a minha mão e eu entrelaço as minhas na nele.
Nós dois.
Nós dois contra tudo e todos.
Entretanto, quando a porta se abre e todos estão ali nos esperando,
eu compreendo que já não somos apenas nós dois contra o mundo.
Somos nós todos. Toda a nossa família.
Sentados no chão entre três caixas de pizzas estão Josh, Summer e
Oliver que sorriem para Theo. Olho para o outro lado da sala, encontrando
Verônica, Logan, Dylan, Ed e Hazel sentados na bancada e encarando-me
com orgulho.
De repente, uma movimentação, faz com que meu rosto se erga e
observe Melany e Andrew entrarem no ambiente, sorrindo abertamente para
meu irmão. Os caçulas do grupo andam ausentes já que estão se preparando
para se mudarem para Nova York em alguns meses, mas Mel caminha a
passos confiantes até onde estamos e se abaixa, ficando rente a Theo.
Andrew por outro lado, se joga no chão cruzando as pernas e sorri.
E mesmo tendo apenas dezessete anos, Melany Underwood não é
mais uma pirralha. Ela é uma cópia esculpida de Logan. Mas diferente do
capitão, sua irmã deseja conquistar o mundo aos seus pés. E todos nós
sabemos que ela vai conseguir.
— Oi, Theo. — A garota solta um sorriso. — Me chamo Melany.
Mas meus amigos me chamam de Mel.
Theo solta a minha mão e dá um passo à frente, ficando perto dela.
— Oi, Mel. — Ele devolve o sorriso. — Meu nome é Theo e eu
gosto de estrelas.
Os olhos dela brilham.
— Isso é ótimo, porque Levi comprou muitas coisas de estrelas e
universo para você e, se quiser, eu e Andi podemos te fazer companhia —
ela confessa e eu encaro o dito cujo com uma sobrancelha arqueada e ele
apenas dá de ombros. — Aquele é Andi, aliás, mas eu sou a mais legal.
— Ela está mentindo. Eu sou a pessoa certa para ser o seu parceiro.
— Andrew sorri galante e ergue o queixo para Mel. — Você sabia que ela é
bailarina? — Ele vira a cabeça em direção a Vee e aponta, ainda sorrindo.
— E ela também.
Os olhos de Theo se arregalam, encarando a minha amiga que se
inclina sobre a bancada e sorri para ele.
— É verdade. — Verônica também sorri para ele. — Você pode vir
ver uma apresentação sempre que desejar.
Andrew aponta para Hazel que se aproxima de nós.
— Oi, Theo. — Ela se abaixa, ficando da altura dele. — Meu nome
é Hazel.
— Você é a irmã da minha irmã? — Ele pergunta, novamente
receoso.
Hazel sorri orgulhosa.
— Sim, eu sou.
— Então, você também é minha irmã?
O olhar apreensivo de Hazel encontra o meu.
Nós ainda não tivemos uma conversa de como dizer a Theo que ele
não é irmão dela também, mas ela se vira para ele novamente e seu sorriso
aumenta.
— Eu posso ser, se você desejar — Um pequeno sorriso nasce em
meus lábios.
— Você gosta de estrelas?
— Eu as amo. — Um novo brilho nasce no olhar de Hazel. — Mas
você terá que me ensinar algumas coisas, tudo bem?
Um enorme sorriso nasce nos lábios de Theo e todos nós o
acompanhamos.
— Eu vou te ensinar tudo! — diz, animado.
Andrew, de repente, aparece ao lado de Hazel novamente.
— Você sabia que ela é médica? Ou quase, ainda não entendi essa
parte. E ele — Aponta para Logan. — É capitão de um time de futebol. —
Seu foco se vira para Dylan. — Aquele ali jogava no mesmo time que ele,
mas desistiu para ficar o dia todo suportando homens chatos em uma
empresa. — Depois aponta para Summer e Josh. — Não faça amizade com
ela, minha cunhada gosta de acordar muuuito cedo para correr e o carinha
do lado dela, tem uma profissão entediante para você saber, por enquanto.
— Uma gargalhada salta dos lábios de Theo e Andi aponta para Ollie. — E
aquele último ali, é o meu irmão. Ele não pratica nenhum esporte, mas faz o
melhor macarrão que você vai comer em toda a sua vida.
Theo inclina a cabeça para o lado e é então que percebo algo
semelhante entre eles, mas balanço a cabeça expulsando o pensamento.
— Eu gosto de macarrão. — O sorriso de Theo se amplia. — E
molho. Eu amo molhos.
Oliver solta uma risada bonita, se levantando.
— Então, vamos fazer um macarrão com muito molho para você,
campeão.
E eles realmente fizeram.
Além de terem lotado todo o quarto de Levi com presentes e objetos
relacionados a estrelas, eles mostraram a mim e ao meu irmão o que
significa ter uma família.
E, pela primeira vez, Theo se sentiu em casa. Se sentiu perto de
pessoas que o amaram desde o momento que ele entrou por aquela porta.
Mesmo que eu saiba que seus favoritos sejam Levi, Mel e Andi, eu
tenho a plena certeza de que ele está finalmente encontrando o seu lugar,
assim como eu.

Eu deveria ter me encontrado com Levi há quinze minutos.


Depois que fui embora na noite passada com um Theo feliz e
adormecido, eu sabia que ele e eu precisávamos resolver tudo antes que
saber o que está acontecendo entre nós.
Porém, eu me atrasei em uma das minhas provas e ele desapareceu.
O que me indica que: ou ele está na piscina ou está com Logan no campo de
futebol. Porque não há como ele ter ido embora sem mim, não quando me
deu a sua palavra de que me esperaria e ele não seria idiota o suficiente de
me deixar para trás, quando sabe que chutarei suas malditas bolas.
Meus olhos pousam na entrada do ginásio da ala de natação. Ele não
poderia estar lá, não quando não há treinos marcados para hoje. Entretanto,
uma parte de mim me diz que talvez ele tenha decidido que poderia nadar
enquanto me esperava.
E mesmo que a outra parte me diga para não ir, para me virar e
procurá-lo no campo, eu dou passos rígidos até as portas duplas e as
empurro, sendo recebida pela vista da piscina vazia.
Ele não está aqui.
Soltando um longo suspiro, retiro meu celular e abro o aplicativo de
mensagens, rolado até o nome de Levi.

itsanaluparker: onde você se meteu???


itsanaluparker: estou na piscina da universidade, me encontre.

Ele não responde e me pergunto onde diabos ele poderia ter se


metido.
Assim que estou prestes a me virar e seguir meu caminho para longe
desse lugar, meu olhar volta a encarar a água calma à minha frente.
De longe, ela parece tão bonita, mas de perto pode ser fatal.
Fatal de uma forma que muda sua perspectiva de vida e te faz
questionar suas ações.
Eu ainda me lembro da sensação de amar mergulhar, de sentir toda a
água correr pelo meu corpo e agora todo meu corpo fica endurecido apenas
pelo menor pensamento de ter que entrar ali.
Mesmo sabendo disso, me pego escutando meus saltos clicarem no
chão enquanto caminho hesitante até perto da borda, parando em uma
distância segura para não correr o risco de cair.
Antes mesmo de olhar para a profundidade, um tremor corre pelo
meu corpo.
Medo, pânico e desespero atravessam minhas veias e o ar fica
parado em meus pulmões.
Eu odeio isso.
Odeio ser refém de algo que eu amava.
Odeio o poder que isso tem sobre mim.
Odeio que a sensação de estar perto da água me cause esse terror.
E odeio Amara por ser responsável por isso.
Fecho meus olhos, respirando fundo e controlando todo o caos que
se rebela dentro de mim. Os monstros não podem me pegar, o medo não
pode me dominar e nem o pânico tomar controle de quem sou.
Eu sou Analu Parker e ninguém, a não ser eu, me machuca.
— Sozinha, querida?
A voz rouca e desdenhosa ressoa pelo ambiente. Viro-me em direção
ao som, para onde Mike Burhan está parado, segurando as portas duplas e
sorrindo como se fosse um idiota por completo. Ele ajeita a sua postura,
depois o uniforme do time de futebol no corpo e caminha até onde estou,
parando a centímetros seguros para que eu não possa socá-lo.
— Não mais, infelizmente — resmungo, me virando totalmente para
ele.
Ele solta uma risada nasalada.
— Você não acha que já passamos dessa fase de atritos idiotas? —
questiona, sorrindo. — Olhe para nós, Analu. Somos herdeiros, bonitos e
nossos pais se adoram.
— O que exatamente você quer dizer com essa idiotice, Mike?
Ergo uma sobrancelha.
— Que talvez esteja na hora de você aceitar que somos o par
perfeito. Que mesmo que fodemos com toda a universidade, nós teremos
um casamento como meus pais e os seus tiveram. — Torço o nariz, enojada
de suas palavras. — Você sabe que, o que há entre você e aquele babaca
egocêntrico do Johnson, é apenas um caso como os vários que já tivemos.
Não há futuro com ele.
— Não abra a sua maldita boca para falar de Levi! — grito, cerrando
os punhos. — Nunca mais fale dele.
Ele pende a cabeça para trás e gargalha.
— Não me diga que se apaixonou pelo homem que era apaixonado
por uma das suas amigas? — inquere, curioso. — Analu, querida, você
nunca aprende?
Suas palavras não me atingem como ele esperava.
Ele percebe isso, percebe que não preciso mais achar que sou
insuficiente como ele me deixou acreditar. Não preciso que Mike ache que
possui poder sobre mim quando, na verdade, ele nunca teve. Ele apenas se
aproveitou de um momento frágil em minha vida, me fez promessas e
depois as despedaçou na minha frente, como se isso fosse a coisa mais
banal do universo.
Eu não precisava disso para ser forte, contudo, eu tirei algo dessa
história.
Eu tirei o aprendizado de que ninguém deve ser o lar do outro,
quando não nos sentimos em casa conosco mesmo. Aprendi que o amor não
são espinhos e venenos, ele pode ter tempestades e, às vezes, pode nos
trazer algumas lutas, que nos fazem questionar se ele realmente é o que
dizem ser. Mas, que após esse tormento, percebemos que na realidade ele é
o sentimento mais complexo e poderoso que faz parte da experiência
humana.
O amor é uma emoção profunda que pode envolver carinho, afeto,
compaixão, paixão e conexão emocional com outra pessoa. Mas jamais, em
hipótese alguma, o amor envolve manipulação, dor e tristeza. Esse
sentimento não nos deixa cativo em nossa mente, não nos despedaça da
forma como ele e meus pais fizeram.
Eu não amei Mike exatamente por isso. Porque eu não poderia amar
alguém que vivia apenas pelo ego e pela ganância. Eu apenas desejei um
reflexo do que almejei, amei uma personificação do que eu queria e não
encontrava em casa. E quando ele voltou para mim depois de me destruir,
de ser um dos motivos pelo qual perdi a única amiga que eu tive em toda a
minha vida e de me humilhar, precisei me lembrar de como ele me fez
sentir, de como precisei me diminuir para caber no mundo dele.
Mas a verdade é que não temos que nos diminuir para caber no
mundo de ninguém. Quando o amor vem, ele chega na medida certa. Ele te
ensina que o companheiro pode ser encontrado. Que a parceria é uma
dádiva e que não há espaço para todas as coisas que nos destroem.
Quando o amor vem, ele ajuda a curar. Ele te ensina. Te faz ansiar.
Quando o amor vem, ele chega como Levi chegou para mim.
Não em uma competição idiota, mas em um momento em que eu
achava que precisava ficar sozinha e mesmo não me conhecendo direito, ele
me deu sua mão, girou comigo e me escutou gritar de dor.
Porque, é isso: eu amo Levi Johnson.
Eu o amo como nunca imaginei amar algo.
E não é errado sentir isso. Não é errado desejá-lo.
Não é errado amar.
— Eu aprendi muitas coisas desde que me livrei de você, Mike. —
Um sorriso nasce em meus lábios. — Eu aprendi que você é uma pessoa de
merda, escondido atrás do dinheiro dos seus pais e filho negligenciado, que
precisa sugar toda a alegria das pessoas a sua volta, para conseguir um
resquício do que procura em casa e não acha. E essa é a diferença entre
você e eu. Eu jamais colocaria meu destino nas mãos de pessoas que não se
importam comigo, e é por isso que eu sempre ganho e você perde.
Ele dá um passo à frente e eu me mantenho firme em meu lugar.
— Você era mais divertida antes de fazer parte daquele grupinho de
merda — afirma, parando perto do meu corpo. — Você costumava destruir
quem te ameaçava e quem ousava te desafiar. O que aconteceu, Analu?
Aquele merdinha dos Johnson conseguiu te quebrar ao ponto de te
transformar na cadela dele?
Minha mão instintivamente se ergue e, antes que ele possa perceber,
ela voa até a sua face. O tapa estala no ginásio vazio e ele leva a sua mão
até onde o acertei, esfregando o lugar com força.
— Eu te avisei para não tocar no nome de Levi — grunho. —
Nunca-mais-toque-no-nome-dele.
Seus olhos se voltam para mim furiosos, mas quando acho que ele
vai fazer algo pior, um sorriso diabólico nasce em seus lábios.
— E seu tão amado Levi já sabe do que tivemos? Já sabe o que você
tirou de nós na noite em que Sophie morreu?
Ele umedece os lábios, antes de me encarar.
— Você não tem o direito de falar sobre isso.
— Não? — Uma gargalhada fria salta de seus lábios. — Não posso
falar sobre como você pode andar, se sentar ao lado deles e sorrir como se
fosse merecedora, mas, no fundo, nada apaga o monstro que você é. —
Ergo queixo quando ele dá um novo passo. — Você pode andar como a
rainha dessa universidade, mas nada esconde o que você me tirou. Nada
apaga o quão cruel você é.
Suas palavras finalmente me atingem.
Ele sabe que esse é o único assunto que pode se esgueirar entre as
minhas barreiras e me machucar. Mike, melhor do que ninguém, sabe o que
aquela noite significou para mim e, mesmo que negue, para ele mesmo.
— Você não tem esse direito! — grito. — Nunca terá o direito de
falar sobre isso!
— Era meu filho também, Analu. Meu! — ele devolve em um berro
que ecoa no ginásio vazio. — Meu filho que você não me contou que
existia. Meu filho que você tirou e jogou fora como se fosse uma maldita
bolsa.
Suas palavras me atingem mais do que qualquer outra coisa.
Doí.
Tudo dói.
Eu não quero sentir tudo de novo.
Não quero me lembrar de como foi tudo isso.
Eu não mereço. Não mais.
Não quando eu não tive culpa, mas sou tratada como se tivesse.
Eu também o perdi.
Eu o vi partindo. Eu e apenas eu.
Ninguém mais sentiu.
Ninguém estava lá para me segurar.
Lágrimas inundam meus olhos.
Memórias invadem minha mente.
Sangue parece novamente estar em minhas mãos
Eu não aguento mais toda essa sensação.
Não posso mais suportar.
— Você não sabe de nada — murmuro.
Ele me encara, mas não me enxerga.
Mike sorri. Ele sorri perverso e manipulador.
— Você tem razão — Maneia a cabeça. — Eu não sei e nem me
importo mais. Mas, sabe algo de que eu sei?
Engulo em seco, não me controlando mais.
Eu preciso sair daqui. Preciso de Levi, das minhas amigas, de
qualquer coisa que mantenha a minha mente sã. Qualquer pessoa que faça
isso parar.
Eu só preciso fazer todas essas lembranças não me atingirem mais.
— Não e nem quero saber.
— Eu sei do seu medo de água. — Meu corpo congela. — E acho
que você precisa se lembrar do que fez a todos nós, querida.
Não. Não. Não.
Então, antes que eu possa raciocinar, ele segura meus braços e me
empurra até que estejamos na borda da piscina e meus gritos ressoando.
Eu suplico, me humilho e até choro. Mas nada é o bastante.
Um sorriso nasce em seus lábios e uma lágrima desce pela minha
bochecha.
— Mike, não! — suplico.
— Sim, querida.
E então, ele me empurra.
Mike Burhan me empurra diretamente para a única coisa que temi
em toda a minha vida. Ele me joga para onde o meu medo reina e minhas
memórias moram. E antes mesmo que meu corpo pouse na água, eu posso
sentir o pânico.
Posso sentir o grito preso em minha garganta.
A mão de Amara segurando meu corpo para baixo na piscina.
O sangue me envolvendo naquela noite.
E as vezes que o seu abuso psicológico foi maior do que as vezes
que me machucava.
Contudo, é quando meu corpo está submerso, que tudo em mim se
desespera. O pânico toma conta de mim e tudo dói.
Tudo em mim é apenas dor e medo.
A água me engole como se eu não fosse nada e eu me sinto assim.
Eu me sinto como um cisco no vasto universo.
Me sinto patética por ter acreditado que Mike não faria isso.
Minhas mãos procuram por algo pelo qual se agarrar, minha cabeça
tomba para trás, enquanto observo a superfície ficar cada vez mais longe e
meu pulmão queima com a necessidade de expelir a água. Cada vez que
tento fazer com que meu corpo suba, a pressão da água me joga para baixo.
Eu não vou sobreviver.
Não me deixe perdê-lo, por favor... Eu não posso perdê-lo.
Eu não consigo mais respirar.
Eu posso salvá-lo.
É uma tentativa impotente e patética.
Não há mais como sobreviver a isso, não há como me salvar.
Não me encare assim, querida. Eu vou te livrar de ser tão inútil.
Eu não quero mais esse sofrimento. Não quero mais que as
lembranças sejam minha punição, por coisas que eu nem mesmo sou
culpada.
Não tive culpa de papai ser infiel.
Não tive culpa de que mamãe tenha se perdido em seu próprio ódio.
Não tive culpa do que aconteceu ao meu bebê.
Eu não tive culpa de nada.
E mesmo assim sempre estou pagando pelos erros dos outros.
Lágrimas se misturam à água.
Lamentos somem junto aos meus gritos que são abafados.
Eu não quero desistir. Eu não posso desistir.
Não quando encontrei pessoas que me amam.
Não quando pude provar do que é liberdade.
Não posso abandonar Theo.
Não. Não. Não.
Por favor.
Eu não quero desistir, mas preciso.
Preciso porque a dor que me assola, as cicatrizes que me
acompanham e as memórias que me atormentam no momento, são maiores
do que a vontade de sobreviver a isso.
Finalmente entendo que estou cansada ao extremo.
Cansada de lutar e fracassar. Cansada de ter que suportar tudo e
fingir que não sinto nada. Eu estou cansada de ser quebrada por baixo das
máscaras que uso.
Fecho meus olhos por um momento invocando a memória do sorriso
de Theo sempre que nossos domingos chegavam, das vezes que eu e as
minhas amigas dançamos em cima de uma mesa com nossos amigos
tentando nos tirar de lá, de quando Verônica e Oliver me mostraram que me
segurariam se eu caísse. De Hazel que lutou para que conseguíssemos
recuperar o tempo perdido e de Levi, o meu Levi, que me mostrou como é
ser a primeira opção.
Eu penso neles.
Penso na minha família.
E então cedo a escuridão que começa a me cegar. Eu a abraço como
se fosse uma velha amiga e caminho de mãos dadas ao seu lado. Não me
importo quando sinto, de repente, meus membros ficarem moles e a minha
consciência pouco a pouco falhando.
Não me importo porque já não tenho mais que lutar.
É isso. É o meu fim.
A princesa de gelo que nunca se quebra, no fim, se quebrou pelo seu
maior medo.

Há uma mão.
Há alguém me puxando.
Há alguém me salvando.
Mas, eu não quero ser salva.
Não quero que ninguém me tire dessa escuridão.
Não quero, não posso.
— Porra, eu não queria fazer isso! — A voz que me jogou na água
me faz encolher. — Porra. Porra. Porra.
De repente, eu sinto tudo.
Sinto o medo que senti debaixo daquela água. Sinto as memórias
que me assombraram. Eu sinto tudo. Cada parte da minha dor. E nada é
suficiente para parar a hemorragia que se forma em meu coração.
Abro os olhos, tossindo e expelindo toda a água que ingeri. Tudo em
mim é pânico, desde o gosto de cloro em meus lábios, que me lembram a
primeira vez que isso aconteceu, até a dor em tentar respirar e todos os
meus órgãos doendo.
Meus olhos se levantam rapidamente vendo o rosto pálido de Mike.
Ele me jogou e ele se arrependeu.
Ele me destruiu e acaba de fincar a última faca.
Ele me quebrou.
— Analu.
— Saia de perto de mim! — grito, me arrastando para longe dele.
Meu salto se agarra ao meu calcanhar, minha maquiagem está
borrada e meu corpo tremendo. Meu vestido se cola em meu corpo dolorido
e meus cabelos se grudam em minha testa. Lágrimas se misturam à água
que escorre do meu corpo.
Eu sou um desastre. Sou a personificação da fraqueza.
— Saia daqui! — grito de novo. — Saia!
Paro de rastejar quando minhas costas se chocam contra a parede.
Dói
Dói.
Dói.
Minha garganta queima e minhas lágrimas descem.
Eu não consigo parar de sentir. Eu não consigo suportar a dor.
Tudo em mim quebra. Tudo em mim sente.
— Ana...
— Saia daqui. Agora. — grito, histérica. — Saia. Saia. Saia!
Seus olhos se arregalam e eu puxo minhas pernas, abraçando-a
enquanto as lágrimas me inundam a borda dos meus olhos e descem pela
minha bochecha.
Eu estou perdendo o controle.
Nada pode me parar.
O nevoeiro de memórias me atinge, me sufocando.
E quando o observo correr para fora do ginásio, eu me arrasto em
direção à minha bolsa. Puxando-a até mim antes de me arrastar até o
banheiro do vestiário. Abandonando meus saltos pelo caminho e levantando
meu vestido até que minhas coxas estejam à vista.
Assim que estou em um dos enormes boxes, eu ligo o chuveiro e
escorrego pela parede até que estou sentada no chão, observando a água cair
pelo meu corpo e grito pela dor que se acumula dentro de mim.
Eu choro.
Eu grito.
Grito por tudo.
Deixo que a dor finalmente rompa minhas últimas barreiras.
Mas, nada é suficiente.
Eu preciso de mais.
E, mesmo assim, não é suficiente.
Preciso de mais. Preciso de algo que me ajude a dissipar todos os
meus pensamentos. Que essa dor me abandone.
Eu sei o que preciso.... eu...
Puxo minha bolsa, pegando minha carteira, deixando todos meus
cartões caírem no processo. Então, acho a única lâmina que sempre levo
escondida entre as minhas coisas.
Eu não deveria fazer.
Não mais. Eu prometi a Theo que cuidaria dele para sempre e para
isso eu preciso estar perfeitamente bem.
Mas, eu não posso. Não hoje.
Hoje eu preciso de uma válvula de escape.
Só uma, eu só preciso que isso pare.
E mesmo sabendo que não deveria, eu levo a lâmina até a pele da
minha coxa e vejo o sangue vazar, escorrendo junto à água.
Dói, mas não tanto quanto a dor que corrói meu peito.
Dói, mas não tanto quanto deveria doer.
Dói, a cada vez que eu me lembro do rosto das enfermeiras.
Dói. Dói. Dói.
Dói tanto que a exaustão me pega e a escuridão me abraça.
Ela me abraça e eu sorrio.
Acabou. É o fim.
Eles conseguiram. Todos eles me destruíram.
Eu não quero dizer adeus porque dessa vez é para sempre
Agora você está nas estrelas e sete palmos nunca pareceram tão longe
Estou sozinho aqui entre os céus e as cinzas
Oh, isso dói muito por um milhão de razões diferentes
Você tirou o melhor do meu coração e deixou o resto em pedaços
In The Stars | Benson Boone

PASSADO
Eu soube que tudo estava prestes a desmoronar quando o positivo
entrou em meu campo de visão.
Não precisou de mais nada, apenas aquela única palavra para me
fazer ter certeza de que estava entrando em um limiar entre proteger a
criança que crescia dentro de mim ou se eu me protegeria. Nem mesmo
havia alguém para me segurar quando finalmente fiz o teste no banheiro da
escola, enquanto as lágrimas desciam pelo meu rosto.
Não tinha como contar a ninguém.
Se eu fizesse isso, a probabilidade de Amara me tirar essa criança
era gigantesca. E não posso nem mesmo cogitar deixá-la me tirar a única
coisa que estou disposta a proteger. Por isso e por mais dezenas de coisas
que não estão sob meu controle, sei que posso apenas contar comigo e a
minha inteligência.
Sabendo disso, eu tinha plena consciência de que para conseguir ter
êxito nisso, eu precisava de duas coisas: dinheiro e um novo passaporte.
Precisava deixar tudo pronto para uma fuga, mesmo que meu nome
saísse em todas as revistas de fofoca ou noticiários.
A herdeira do Parker Group desaparece sem deixar rastros.
Essa seria a manchete perfeita, mas para que isso desse certo, eu
precisaria fugir na noite de formatura em seis semanas. Amara estaria em
uma das suas inúmeras viagens com suas amigas e Henrique nem mesmo
voltaria para casa.
Seria a minha chance perfeita.
Entretanto, nesse plano havia um problema: eu não podia deixar
Theo para trás. Não quando eu sou a única pessoa que ele confia além da
razão. Todavia, quanto mais tempo eu demorasse para decidir como eu o
levaria embora comigo, mais tempo meu filho corria perigo de vida.
Agora, enquanto observo a minha barriga ainda sem nenhum relevo,
eu sei que poderia enfrentar o mundo por esse pequeno ser.
Pela minha estrelinha como Theo chamaria.
Eu colocaria o mundo em chamas para que ele e Theo fossem
felizes. Eu renunciaria a tudo e a todos. Não me importava se a vida
luxuosa e o conforto se tornassem apenas uma lembrança distinta em minha
vida.
Contanto que eles estivessem a salvo, tudo estaria bem.
Suspirando fundo, abaixo o uniforme do Saint Vincent College e me
arrumo, colocando os saltos e indo até o meu closet, atrás de uma das
inúmeras bolsas. Tento não demonstrar o que o turbilhão de emoções está
fazendo comigo e treino um novo sorriso, mostrando a todos que eu não me
importo com nada.
Uma máscara que está prestes a ser abandonada.
Eu só preciso me manter fora das quadras.
Da equipe de líderes de torcidas.
Das discussões com Amara.
De qualquer coisa que vá me prejudicar.
Engolindo todos esses pensamentos, saio pelos corredores, indo em
direção a sala de estar e assim que meus pés tocam o último degrau,
observo Amara parada ao lado do sofá sorrindo amorosamente para mim.
Meus olhos fitam suas mãos abertas onde repousam alguns comprimidos e
um copo de suco.
Automaticamente meu cenho se franze quando ela ajeita a postura e
se aproxima de mim, fazendo com que o vestido amarelo de verão se
balance em seu corpo com elegância e assim que para a minha frente,
estende o copo, me entregando o suco, fazendo com que algo dentro de
mim se arrepie e tudo me mande correr sentido contrário.
— O que é isso? — questiono.
Ela continua sorrindo e me pergunto se seu rosto não dói com tanta
falsidade.
Amara não é assim.
Ela deveria parar de olhar para minha roupa e dizer que preciso
voltar às dietas que sua nutricionista monta para nós duas.
Essa seria a mulher que me gerou.
— Suas vitaminas semanais — responde me entregando um
comprimido de forma única de seis lados e outra pílula redonda e branca.
— Minha médica me indicou novas.
Uma careta se forma em meu rosto, ao perceber que esses são
totalmente diferentes dos que tomava sempre que treinava ou das que sua
nutricionista receitava.
Segurando-as na mão, encaro o rosto calmo de Amara. Ela nunca foi
atenciosa com essas coisas, nem mesmo se importava se eu as tomava ou
não. Não se importou quando Theo precisou fazer novos exames e não se
importou em nenhuma das vezes que eu me machuquei dentro ou fora das
quadras.
Ela não se importa conosco.
— Eu não preciso delas mais. — Entrego-as.
O sorriso em seu rosto morre.
— Por que não? — Irritação toma conta de suas palavras. —
Decidiu ficar desleixada com a saúde agora para chamar a atenção do seu
pai?
Fecho meus olhos por um segundo.
Isso está acabando.
Só preciso suportar isso por mais alguns dias.
— Eu não treino e nem preciso delas mais, Amara. — Cruzo os
braços. — Deveria saber disso.
Ela revira os olhos.
— Sim, eu sei que você parou de competir para ficar perto daquele
garoto inútil. — Ela sorri. — Agora tome-as.
— Não. Eu parei de competir porque tive que sair no meio de um
jogo importante porque você deixou Theo cair, e ele estava machucado.
Deixei de competir porque, sabia que se continuasse, eu teria que me afastar
dele. — Minha voz é irritada. — Eu parei de competir, porque escolhi meu
irmão acima do tênis e faria isso novamente.
Eu faria qualquer coisa por ele.
E por essa criança.
Amara revira os olhos, estende os comprimidos novamente e me
entrega.
— Eu preciso de você saudável, querida. — Ela me entrega o
comprimido novamente. — Então, beba e engula esses malditos
comprimidos de boa vontade antes que eu mesma a obrigue.
Está acabando.
Só mais alguns dias.
Isso é por Theo e pelo meu filho.
Para salvá-los.
Então, mesmo odiando, eu pego as pílulas em sua mão e engulo.
E faço a mesma coisa no dia seguinte. E no próximo.

Algo estava errado.


Eu sabia disso no momento em que saí do banho, prestes a me
arrumar para o recital de Natal, mesmo que eu não fosse apresentar nada.
Eu gostaria de estar lá apenas para ver como minha ex-amiga se sairia. Eu
queria estar lá antes de abandonar tudo para trás e esquecer quem eu sou de
verdade.
Entretanto, algo estava errado.
Saindo pelo corredor que liga as portas duplas da área da piscina,
suspiro fundo sentindo uma dor atingir meu abdômen. É uma dor pontuda,
como se algo estivesse contraindo-o e puxando-o para fora.
Dói de uma forma que eu nem mesmo imaginava ser possível.
Dói porque tudo em mim sabe o que está acontecendo.
Desvio da piscina com medo de escorregar e cair para o meu pior
pesadelo, ao mesmo tempo que observo o tempo se fechar e gotas de
chuvas atingirem meu rosto. Me indicando que um temporal se aproxima da
cidade e talvez não seja a melhor escolha sair, quando claramente tudo me
indica que preciso relaxar e esperar essa dor passar.
Assim que finalmente alcanço a casa da piscina, indo em direção a
gaveta onde guardo os remédios que a obstetra me receitou, depois que eu
havia pagado centenas de dólares para que isso ficasse em sigilo. Amara
jamais poderia saber. Ela acabaria com isso no momento que houvesse a
possibilidade da mídia saber que a herdeira dela engravidou, na
adolescência.
Sinto a dor piorar fazendo-me escorar em um móvel ao mesmo
tempo que o trovão ressoa no céu e eu caio com a dor.
Não. Não. Não. Não.
Isso não pode acontecer.
— Não, por favor — murmuro contra o barulho da chuva que cai lá
fora. — Isso não pode estar acontecendo.
Eu não posso perdê-lo.
Não. Não. Não. Não.
Por favor, que não ele não esteja me abandonando também.
Eu não posso ficar sozinha.
Não posso perdê-lo.
É a minha salvação. Esse bebê, mesmo que não seja desejado por
todos, é uma parte de mim. É a minha metade. O meu recomeço.
— Não. Não. Não. — Minha voz é um choro angustiado.
Não consigo pensar em mais nada.
Não consigo nem ao menos me arrastar até a porta e gritar.
Eu sei que algo está errado desde o final do jantar. Desde que Amara
me deu mais um daqueles comprimidos e sorriu ansiosa em minha direção.
Ela se sentou no sofá, folheou a sua revista e me observou enquanto eu
comia ao lado de Theo e o fazia sorrir.
Eu nunca deveria ter confiado nela. Não deveria ter achado que ela,
pela primeira vez, se importou com alguém dela e agora eu estou perdendo
outra vez.
Mais uma vez ela ganha e uma parte de mim se esvai.
Observando a tempestade iminente que começa a cair, eu tenho a
certeza de que não há forças para conseguir ir até o telefone mais próximo.
Não consigo pedir por ajuda, implorar que alguém me salve.
Eu só preciso de uma ligação.
Verônica.
Sophie.
Logan.
Oliver.
Dylan.
Qualquer um deles. Mesmo que me odeiem, eles ajudariam.
Eu sei. Eu sinto.
Mesmo que seja hoje o recital de Natal e estejam lá se preparando.
Sei que o que está acontecendo se sobressai a qualquer coisa que já tenha
acontecido entre nós. Eles iriam me ajudar.
Não posso dizer a Mike.
Ele não vai entender.
Ele não vai se importar.
Mas... Verônica, a garota que era a minha melhor amiga, vai me
ajudar, eu só preciso chegar até ela.
— Vai ficar tudo bem, estrelinha — sussurro, deixando as lágrimas
descerem pelo meu rosto enquanto me levanto. — Eu vou te salvar, ok?
Assim que me coloco de pé, as marcas em minha pele me indicam o
que fiz comigo antes que eu descobrisse a gravidez, o que eu escondo por
baixo de camadas e camadas de maquiagens, faz com que mais lágrimas
desçam pelo meu rosto.
Eu sou culpada pelo meu corpo não aguentar gerá-lo.
Eu vou perdê-lo.
Eu vou voltar a ficar sozinha.
A chuva cai de fora da casa da piscina. Theo está dormindo.
Henrique deve estar com uma de suas amantes e se Amara descobrir... se
ela suspeitar que eu estou gerando uma vida dentro de mim, é o meu fim.
Ela vai garantir que seja.
Um filete de sangue desce pelas minhas pernas, traçando um
caminho reto até o piso imaculado e eu grito desesperada quando outro
filete desce e depois outro, a dor rompe minha barriga e as lágrimas
molham o meu rosto.
Grito por ajuda e não me importo.
Grito para alguém salvá-lo.
Eu grito e grito. Mas ninguém me escuta.
Como quando minha própria mãe me destruiu pela primeira vez,
quando chorei e implorei por salvação, mas não houve.
Ninguém nunca veio a meu auxílio.
Ninguém nunca viria.
Agora percebo que nunca imaginei que a dor de saber como é perder
alguém que amamos, antes mesmo de conhecer, era tão destruidora ao
ponto de gritarmos mesmo que nada consiga trazer de volta aquilo que se
perdeu.
Uma nova onda de dor me atinge, me fazendo cair de joelhos entre
meu sangue.
Não. Não. Não.
Isso precisa parar.
Eu preciso fazer parar.
Uma dor aguda no meu ventre me obriga a gemer e me curvar.
Tudo dói.
Cada pedaço do meu corpo.
Eu não posso.
Eu não sou forte o suficiente.
Eu vou machucá-lo mais do que salvá-lo.
— Analu? — a voz fria ressoa.
Amara aparece nas portas francesas, segurando um guarda-chuva
branco e um olhar desconfiado. Ela encara a cena, coloca o objeto ao lado
da porta e vem em minha direção se abaixando e passando as mãos pelos
meus cabelos.
— Por que você está aqui, querida? — questiona, outra fincada me
obriga a gritar. Dói. Tudo dói. — Você deveria estar em seu quarto.
Ela não pode saber.
Mas ela é a minha única salvação.
Ela pode me ajudar a salvá-lo.
— Não me deixe perdê-lo, mãe, por favor... Eu faço qualquer coisa.
— Minha voz é quase um choro entre a dor. — Eu só não posso perdê-lo.
Ele é a única coisa que me resta. Por favor, mãe.
Eu não me importo se estou suplicando.
Não me importo com mais nada.
Apenas com essa criança.
Amara olha para as minhas pernas, sangue continua descendo,
fraqueza tomando conta do meu corpo e mesmo assim eu me obrigo a ficar
acordada, a lutar pela única coisa que me resta, que contém o meu amor
mesmo que eu não saiba como dá-lo.
Eu prometi lutar para proteger essa criança.
Eu não posso quebrar essa promessa.
Não posso abandoná-lo assim como me abandonaram.
Respiro fundo, fechando os olhos por um segundo. Apenas preciso
respirar, apenas preciso que nada aconteça conosco.
— Shh... está tudo bem, meu amor — a voz suave de Amara me
obriga a abrir os olhos. — Eu cuidei desse problema, querida… Está tudo
bem.
— Eu estou grávida e isso não é a porra de um problema. — É
estranho admitir quando vivo com isso guardado por semanas. — Eu
preciso da sua ajuda, mãe. Por favor, só me ajude e eu prometo fazer
qualquer coisa por você.
Seus olhos focam em minhas lágrimas, em meus cabelos
bagunçados e na poça de sangue que se forma lentamente embaixo de mim.
Ela leva sua mão até meu rosto, massageando minhas bochechas e seus
olhos nunca indicam nada, há apenas o vazio ali.
De repente, ela aperta minhas bochechas e eu percebo que ela não se
importa.
Ela sabe que a boneca dela está quebrada agora.
Um medo se aloja em minhas costas.
Não. Não. Não.
— Eu te ajudei, querida, e você deveria ser grata por eu estar te
livrando dessa criança. Por que você realmente achou que eu não perceberia
a mudança em seu corpo, as emoções em seus olhos e a mudança na sua
rotina? Ou o valor que foi descontado em sua conta? — ela questiona,
sorrindo fraco. — Eu não sou idiota Analu. Agora eu preciso que você fique
aqui, ok? Vamos ficar aqui até acabar e eu te levo ao hospital.
Eu não deveria confiar.
Não nela. Não na mulher que me afogou, que me obrigou a ser cruel
e me deu diversos traumas. Mas, eu estou desesperada e se para salvar meu
bebê eu preciso de sua ajuda, que seja.
Eu vou aceitá-la, implorar e fazer qualquer coisa.
Eu vou proteger meu filho e então mudarei de país.
Vou para a Espanha. China. Áustria. Qualquer lugar, contanto que
eu possa proteger esse ser que cresce dentro de mim. Que ele tenha a
chance de saber que alguém, mesmo que destruído, o ama, como nunca foi
amado. Que ele tem a quem contar nos momentos em que o mundo tenta
destruí-lo.
Que ele apenas tem uma mãe que, mesmo que ainda não saiba
como, fará o possível e o impossível para salvá-lo. Eu vou mostrar o mundo
a ele, vou ensinar o certo e o errado.
Vou mostrar o mundo de Harry Potter e vesti-lo como visto Theo.
Eu vou ser a melhor mãe do mundo.
Eu vou ser.
Eu posso ser.
É uma promessa.
De repente, o barulho de trovões ressoa ao mesmo tempo que uma
nova pontada de dor me atinge, fazendo com que eu volte a minha posição
interior onde estava deitada no chão gelado.
Passos me obrigam a abrir novamente os olhos, Amara se abaixa,
pega um copo e abre a minha boca colocando duas pílulas brancas em
minha boca e me obrigando a beber a água. Antes que eu possa jogar fora,
ela me obriga a engolir.
Me obriga a destruí-lo.
— O que você fez? — pergunto, horrorizada.
— Salvei o seu futuro — diz friamente, passando a mão pelos meus
cabelos. — Eu nos livrei desse problema, querida.
Uma dor maior do que a que estava sentindo se apossa de mim.
É cruel.
É como se estivesse me rasgando por dentro e tirando-o de mim.
Eu não posso perdê-lo, mas é como se eu já não o sentisse mais.
Não. Não. Não.
— Mãe…
— Está tudo bem, querida. Vai ficar tudo bem. Eu estou com você.
Mamãe lidou com isso — ela sussurra, percebo um tom estranho em sua
voz. Como se o fato de ter que lidar com isso a irritasse. — Você só tem
dezessete anos, ainda vai ter a chance de ter um filho legítimo. Mas, esse
está vindo para sujar o nome da nossa família. Deixe-o ir. Ele não te
pertence, Analu.
Ela não fez isso.
Ela não pode ter feito isso.
A compreensão, de repente, me atinge mesmo em uma névoa de dor.
O suco que ela me trouxe durante duas manhãs, as vitaminas e comprimidos
que insistiu que tomasse, as dores que se seguiram ao decorrer do jantar. A
maneira como me senti quando fui tomar meu banho e a forma como ela
observou cada passo meu.
Como não se importou com a ausência do meu pai e a maneira exata
como ela sabia que eu estaria aqui. Amara Parker sempre se provou um
monstro, mas nunca imaginei que seria capaz de tal ato.
Ela me deu aqueles sucos e os remédios. Ela me enganou.
Ela está me vendo sangrar e não chama a porra de uma ambulância.
Ela, minha mãe, me tirou a última parte da minha alma.
Ela é a minha ruína.
E eu sou apenas dor, impotência e uma promessa.
Eu perdi tudo.
Cada parte importante de mim.
Agora eu sou um recipiente quebrado, sem conserto, que possui
apenas um coração recheado de máscaras.
Um coração mascarado, usado para esconder o que me tiraram.
Máscaras que me protegem.
Me salvam. Me lembram que me tiraram ele.
Meu filho. Meu bebê.
Minha última esperança.
Eu acordei no meio da noite.
Um bip irritante do monitor que mede os batimentos cardíacos é o
único barulho no quarto. Por um momento penso em como vir parar aqui, o
motivo pelo qual estou deitada em uma cama de hospital, sozinha e
sentindo que tudo está errado. De repente, as lembranças voltam em minha
mente como uma caixa de Pandora sendo aberta.
Minha mão voa até minha barriga e as lágrimas voltam.
O suco.
A dor.
O sangue.
Os remédios.
Não. Não. Não. Não.
O monitor começa a fazer um barulho incansável e duas enfermeiras
entram no quarto assustadas. Elas arregalam os olhos quando me vêm
tirando as agulhas, o soro e tudo o que me mantém cativa nessa cama. Não
posso ficar aqui.
— Eu preciso do meu bebê. Eu quero o meu bebê! — choro, as
lágrimas inundam meu rosto. — Meu bebê. Meu bebê, por favor.
Eu preciso achá-la.
Eu preciso que ela diga em meu rosto que matou o meu bebê.
Eu apenas… preciso que tudo pare, por um momento, eu preciso
que a dor se dissipe.
— Senhorita, se acalme — uma delas diz docemente. — Volte para
cama.
Não posso.
Não consigo.
Tudo dói.
Minha mente não pensa direito.
Eu só quero meu bebê. Meu pequeno e indefeso bebê. Só preciso
dele. Só quero uma confirmação de que ela não o tirou de mim, não me
destruiu totalmente. De que ele ainda cresce dentro de mim, de que
ninguém me tirou minha alma.
— Meu bebê…
— Não há bebê, querid… Srta. Parker — ela levanta as mãos.
— Não ouse me dizer que meu filho não existe! — grito, histérica.
— Não ouse me dizer que desistiram dele, que não o salvaram. Ele tem que
estar bem... Me diga, por favor, que ele ainda está bem. Que o salvaram...
Uma lágrima desce pelo meu rosto.
O meu pequeno bebê.
Ele não merecia a monstruosidade que fizeram.
Eu não o merecia.
Eu não mereço nada em minha vida.
Ele também havia me deixado.
— Senhorita Parker…
Sua frase é cortada pelo grito de alguém. É doloroso. Como se
também tivesse perdido algo importante. Como se… o grito voltou e eu o
reconheci.
Olhei para o relógio. Duas horas e oito minutos.
Dei um passo para fora do quarto arrastando meu corpo frágil e a
camisola horrenda junto.
Verônica está lá ajoelhada entre Dylan e Ed chorando e gritando.
Seu grito é como o que dei quando percebi que também perdi algo.
A vontade de correr até ela e fazer com que nossas dores se
dissipam é maior do que qualquer raiva que eu possa guardar dela. A
vontade de segurar seu mundo, como fazíamos quando crianças. Eu poderia
até mesmo comprar aqueles donuts que ela ama e ela poderia maratonar
Harry Potter, mesmo que odeie. Mas isso não é possível. Vee perdeu
alguém. Alguém importante e isso é algo irreparável, assim como o que
aconteceu comigo.
Quando olho para cima, para a tela de pacientes listados, uma
lágrima desce pelo meu rosto.
Sophie Blackwell está morta.
Meu bebê está morto.
Eu estou destruída e Verônica está se quebrando.
Meus joelhos cedem.
Minha dor se amplia e tudo em mim rompe.
Ela não me vê. Ninguém me vê.
Mas eu a vejo e enquanto choro pelo que perdi, também lamento
pelo que ela perdeu.
Entretanto, ela tem pessoas que vão salvá-la do abismo, que lutarão
e irão fazer o possível e o impossível para protegê-la.
Mas e eu? Quem vai fazer isso por mim?
Quem vai me proteger?
Quem vai me segurar para que a escuridão não me afunde ainda
mais?
Quem vai olhar para mim e dizer que me recuperarei do que
aconteceu em minha vida? Quem me dirá que não posso me tornar a pior
pessoa, depois de ver todos os lados e aprender que ninguém, a não ser, eu,
me salvará?
A resposta é clara como água.
Ninguém.
Eu vou fazer isso por mim.
Eu vou sobreviver a isso como sobrevivi ao afogamento, às
agressões e às humilhações de Amara. Eu vou lutar por mim e me tornarei a
pessoa mais forte que o mundo já conheceu. Eu vou fazer todos que
ousaram me machucar sentir como é a sensação de ter a faca cravada em
seu peito.
Vou fazer isso por mim e por tudo o que perdi.
Eu vou aceitar ser a vilã.
Porque, a partir de agora, ninguém, a não ser eu, me machuca.
Espere, eu ainda te quero
Volte, eu ainda preciso de você
Me deixe pegar a sua mão, eu vou consertar tudo
Juro te amar por toda minha vida
Espere, eu ainda preciso de você
Hold on | Chord Overstreet

Existe um tempo limite para suportar alguém como eu estou


suportando a Sra. Reid dizer como a nossa vitória em Washington, fez com
que a universidade finalmente cedesse mais fundos para a equipe de debate.
Entretanto, suas palavras nem mesmo são registradas em minha
mente, não quando eu nem me importo com a equipe, com as competições
que eles têm nas próximas semanas ou em como ela está pensando em
aumentar o número de inscrições.
Nunca gostei de ter que comandar essa equipe, nem de ter que fingir
que gostava. Entretanto, essa foi a forma que eu encontrei de conseguir ter a
atenção de Analu após rejeitá-la naquela noite, e eu a desempenhei com
maestria.
Eu joguei seus jogos.
Devolvi suas provocações.
Ignorei-a para tentar esquecer como me senti naquela noite.
E, o pior de tudo, tentei me apaixonar por outra pessoa.
Mas, no fim, ainda assim, tudo era sobre ela.
Ela era a única que conseguia me deixar fora da zona de conforto,
que me fazia querer lutar por algo, e passei tanto tempo admirando o que
meus amigos queriam, que nunca parei para pensar que eu não desejava
aquilo. Não queria brigas como Logan e Verônica tiveram ou as
provocações sutis que Oliver e Summer um dia me fizeram invejar. Ou até
mesmo o amor calmo de Dylan e Hazel que arranca suspiros de todos.
Eu quero mais.
Quero ter algo especial, algo que ninguém viveu porque essa
experiência é única e traz uma sensação inquietante, indefinível que se
soubéssemos descrever, perderia até mesmo a graça.
Eu queria o que tinha com Analu.
Desde nossas brigas que terminam com uma vitória idiota até os
sorrisos roubados em um corredor de estágio, que até mesmo esquecemos
que competimos. Nós paramos de nos importar se ganharíamos ou
perderíamos, porque nosso maior prêmio foi termos conquistado um ao
outro.
Tudo me fazia querê-la, mesmo que por um tempo eu tenha me
enganado e achado a atração que eu sentia por ela, havia passado. Mas
bastou apenas um olhar, quando as portas daquele elevador abriram, para
saber que era impossível.
Analu Parker havia me marcado.
Cada pedaço do meu coração é dela. Apenas dela.
Solto um longo suspiro antes de revirar meus olhos pela última vez,
decido que já escutei o bastante e saio da sala antes mesmo que ela possa
dizer algo.
Eu apenas desejo encontrar a loira que havia desaparecido.
Com uma breve despedida, viro-me e saio andando a passos largos
pelo corredor, que liga a ala onde ela estava tendo uma de suas últimas
aulas do dia. Assim que meus pés tocam o último degrau, retiro meu celular
e rolo meus olhos pelas inúmeras mensagens que ela havia me enviado há
quase uma hora.
O ginásio.
Porra.
Analu odeia ir naquele local e se realmente está lá, definitivamente,
vai chutar minhas bolas sem arrependimento algum. Sem pensar muito,
guardo-o em meu bolso novamente e me viro cortando caminho pelo campo
de futebol até chegar a minha ala na universidade.
Um corpo se esbarra no meu, quando estou alcançando o final do
campo de futebol, rumo ao ginásio. E quando ergo meu rosto um vinco se
forma entre as minhas sobrancelhas, quando percebo quem é o infeliz que
acaba de me atrasar e preciso de tudo para não o socar. Meu nariz se torce
ao perceber seu rosto pálido e o medo irradiando suas pupilas.
Mike Burhan.
Mike fodido Burhan que sempre tenta foder com meus amigos.
Ele reteia um passo e minha expressão confusa se torna alerta. Mas,
antes que eu possa dizer algo, Burhan se vira e caminha em direção ao
estacionamento, fugindo de algo que não pretendo descobrir o que é.
Balançando minha cabeça, volto a andar mais rápido até o ginásio. Assim
que empurro as portas duplas, percebo que todo o lugar está vazio. Não é
dia de treino e não é estranho estar calmo. Contudo, um frio se alonga em
minha espinha e o pressentimento de que algo que está errado toma conta
de mim.
Giro meu corpo e medo toma conta de mim assim que meus olhos
percebem um salto largado no chão. De repente, tudo em mim paralisa e
minhas mãos tremem ao passo que finalmente saio do transe.
Esse salto.
A dona da porra desse salto.
A mulher que detém meu coração e uma fobia por água.
Não. Por favor, isso não.
Me preparando para pular na piscina, corro até a borda, observando
todo o lugar. Não há ninguém no fundo. Nenhum resquício dela e mesmo
assim o medo não me abandona.
Ela não caiu, ela não pode ter caído.
Contudo, quando escuto um leve barulho de água vindo do vestiário
masculino, olho sobre meus ombros, me levanto e corro em uma velocidade
surpreendente. Algo dentro de mim sabe que estou prestes a deparar com
algo que me mudará para sempre.
Mas não estava preparado para o que encontro assim que paro em
frente ao último box.
Não.
Não.
Não deveria ser assim.
Tudo em mim se torna desespero quando meus olhos repousam no
corpo frágil deitado sobre o piso molhado. Pequenos filetes escarlates
escorrem pelas suas coxas e se misturam à água que corre. É o pior cenário
que se materializa na minha frente. Minhas mãos tremem ao passo que
arrasto meus pés até a poça de água que se forma em torno dela.
Não.
Não
Não.
Ela não deveria ter feito isso.
Ela não podia, porra.
Ela não pode me abandonar.
Não pode desistir. Eu não aceito isso. Não posso aceitar.
Sangue. Há sangue em suas mãos e nas suas pernas. E há ela.
Minha nêmesis destemida que agora parece tão frágil e pequena.
Minha garota de respostas ácidas que se encontra em um silêncio
mortal.
— Analu?
Chamo, me abaixando em uma tentativa impotente de obter qualquer
resposta. Ou um som. Qualquer coisa. Que seja apenas um batimento
cardíaco, apenas uma respiração fraca para me indicar que ela está viva.
Que ela não me abandonou.
Que ela ainda está lutando contra todos os seus demônios.
— Analu, porra. Abra os olhos. — Pegando seu corpo, puxando-a
para mim sem me preocupar com minha roupa agora encharcada e que
pânico me consome. — Fale comigo, amor. Por favor. Apenas fale comigo.
Nada.
Não há nada.
Porra.
Eu não posso perdê-la, não aceito perdê-la.
Não hoje. Não agora. Não nunca!
Eu preciso dela. Preciso da mulher que sorri quando vencemos
juntos, que beija as minhas malditas covinhas, que me procura durante a
noite e entrelaça nossas pernas mesmo odiando contato físico. Preciso da
garota que odeia perder desde que era apenas uma pirralha e ama uma
competição. Que tem um amor por documentários criminais, salada com
suco e é obcecada pelo universo de Harry Potter.
Pela mulher que ama tulipas e bilhetes secretos.
Que adora pizzas e rouba champanhe ao meu lado.
Que dançou comigo mesmo que não tivesse motivos para isso.
Eu só não posso perder a mulher que eu amo.
Amo com todo meu ser.
Segurando seu corpo frágil contra o meu, enquanto a água cai sobre
nós, eu tiro as mechas coladas em seu rosto e puxo-o para mim como se ela
fosse tudo.
E talvez ela seja mesmo. Talvez ela seja a porra do meu universo
todo e perdê-la está fora de cogitação.
— Vamos lá, princesa. —— Minha voz sai embargada. Emoções
giram em torno de mim e eu não consigo controlá-las. — Você não está me
abandonando. Você não pode fazer isso, ok? Não pode e não vai me deixar,
Analu Parker. Eu me recuso a perder você outra vez. Agora, abra esses
olhos lindos, amor. Por favor.
Ela não abre.
Ela não me responde, mas levo minha mão até seu pulso, circulando
o ponto de pulsação e posso sentir seu coração bater.
Posso saber que ela não me deixou, não desistiu.
A porra da minha guerreira.
Com isso em mente, pego desleixadamente o meu celular e disco o
primeiro número que encontro e escuto-o chamando. A cada novo toque, a
ansiedade e o medo tomam conta de mim.
Eles não nos abandonariam.
Eles nunca fariam isso.
— Lev? — A voz rouca de Josh invade o alto falante.
— Eu preciso de ajuda, Josh... — murmuro, sentindo uma lágrima
descer pelo meu rosto. Eu não vou perdê-la. — Eu não posso perdê-la.
— Onde você está?
— No ginásio. — Puxo o corpo de Analu contra mim. — Analu,
ela... Ela se machucou, Josh.
E está nos deixando.
Me deixando.
E eu não posso aceitar isso.
— Leve-a para o estacionamento, Levi. Vee está no campus e vai
encontrar com vocês — ele ordena e posso escutá-lo se movimentar e gritar
por Logan. — Nós vamos salvá-la, Lev. Nós vamos salvar a nossa garota.
Eu te prometo.
Eu acredito em suas palavras.
Nós não vamos deixar que nada aconteça com ela.
Com esse pensamento, me levanto tirando minha camiseta e
enrolando-a. Assim que consigo cobrir seu corpo molhado e machucado,
pego-a delicadamente em meu colo e saio pelo campus, não me importando
se algumas pessoas me observam com o cenho franzido ou se aperto a loira
em meu colo com medo de que algo mais a machuque.
Assim que alcanço o estacionamento, o barulho de um carro
derrapando na curva, vindo em minha direção em uma velocidade anormal,
me faz soltar um suspiro. Verônica freia na minha frente, contudo o que eu
não estava preparado era que Hazel sairia do banco dos passageiros com os
olhos inchados de lágrimas e Verônica respirando fortemente ao volante
com os olhos desesperados.
— Coloque-a no banco de trás. Eu vou cuidar dela e você vai com
Vee na frente — Haz ordena. — Agora, Levi!
Eu nunca tinha visto Haz desta forma, e agora vejo que ela faria o
impossível para salvar a sua irmã. Mesmo assim, hesito por um momento,
mas sabendo que é o melhor, repouso Analu no banco de trás onde Hazel
começa a cuidar de seus machucados e olho para onde o carro de Logan
estaciona poucos metros do Bugatti de Vee.
Summer me encara do banco do passageiro com os olhos marejados
e Josh entre eles inclinando a cabeça. Nem mesmo devolvo o gesto, apenas
entro no automóvel e me viro para onde Hazel cuida de Analu e me passa
uma maleta para ter mais espaço.
— Tudo pronto, Hazel? — Vee pergunta.
— Corra como se fosse a sua última corrida, Vee — ela suplica.
— Eu vou correr como se estivesse salvando alguém que eu amo,
Haz. — Ela acelera. — Porque é exatamente o que estou fazendo.
E é exatamente o que ela faz.
Verônica corre como se isso fosse a coisa mais importante para ela
no momento. Ela desvia de carros com maestria, entra nas ruas menos
movimentadas e pela forma como aperta o volante, sei que o fato de que o
mísero pensamento de não conseguir chegar até o hospital, a matasse. Ela
não fala nada para mim e Hazel, o que lhe importa, é salvar a loira deitada
nos braços de sua irmã, que a segura como se o pensamento de perdê-la,
quebrasse tudo dentro dela.
Assim que o carro estaciona em frente ao pronto-socorro e uma
equipe já espera por nós, finalmente me permito respirar fundo.
Ela está a salvo. Ela não me abandonou.
— Mãe? — A voz de Hazel me faz erguer o rosto quando colocam
Analu na maca. — Não me deixe perder a minha irmã, por favor.
Olho para Amanda Smith que tem os olhos em sua filha. O cabelo
preto preso em um rabo de cavalo, os olhos cansados de inúmeras horas de
plantão e a preocupação irradiando ao olhar entre sua filha e a mulher que
eu amo.
Mesmo que ela odeie Henrique pelo que as fizeram passar e por
como ele as destruiu, ela acena brevemente com a cabeça antes de se
aproximar de mim e Analu e me encarar.
— Eu vou cuidar dela, Levi. — Sua mão repousa em meu ombro. —
Eu te prometo.
— O melhor que ela precisar, Amanda. — Engulo em seco. — Eu
arco com todas as despesas mesmo que não seja necessário, apenas... não
me deixe perdê-la.
— Eu irei.
Então, ela e os médicos correm pelos corredores, levando Analu
consigo.
E tudo em mim dói enquanto observo-a sumir pelos corredores.
Summer, Vee e Hazel se abraçam olhando o mesmo lugar que eu.
Josh e Logan tem suas expressões destruídas.
Dylan, Oliver e Ed, de repente, atravessam as portas duplas com os
olhos arregalados.
Então, todos nós caímos pelos cantos do hospital.
Ninguém ousa sair deste lugar.
Nós seguramos uns aos outros.
Nós protegemos e esperamos que ela fique bem.

Analu não havia desmaiado pelos cortes, mas sim, por uma síncope
vasovagal que foi provocada por queda da pressão arterial e dos batimentos
cardíacos devido ao estresse emocional extremo.
Ela sentiu suas emoções ao ponto que seu corpo não aguentou.
Ela se machucou propositalmente porque as memórias eram demais
para suportar.
Analu sofreu o inimaginável nas mãos das pessoas que um dia
chegou a acreditar que a amaram. Ela se destruiu achando que não merecia
as coisas que a rodeavam. Ela se blindou para que ninguém tivesse a chance
de chegar até ela. Agora, ela colocou sua vida em perigo, porque alguém foi
cruel o suficiente para fazê-la sofrer.
Alguém não, Amara Parker. A mulher a destruiu como se ela não
passasse apenas de uma boneca em sua mobília cara.
Ela a usou, abusou e destruiu.
Sentado no chão do hospital, puxo minhas pernas, escorando meus
braços em meus joelhos e deixo minha cabeça a pender, fechando os olhos.
Estamos aqui há horas e nenhum de nós ousou atravessar aquela porta, sem
que seja buscar café ou algo para comermos. Ao contrário disso, não
ousamos sair dessa sala mesmo que todos nos observem curiosos.
Nós não a abandonamos em nenhum momento.
Ela não está sozinha. Ela nunca mais estará.
Ficamos ao lado de Analu mesmo que ela esteja dormindo com
Hazel, Vee e Summer ao seu lado no enorme quarto.
De repente, uma movimentação e um choro falso faz com que eu
abra meus olhos, encarando o casal que adentra o ambiente fingindo que se
preocupa com a filha.
A mulher loira caminha com um lenço em mãos, secando as
lágrimas enquanto o vestido Gucci combina com o terno Tom Ford do
homem ao seu lado que olha para todos os lugares à procura de alguém.
— Onde está minha filha? — Amara grita para a recepcionista. —
Onde está o meu bebê?
Me levanto, ajeitando as roupas que Ed trouxe para mim poucos
minutos atrás e assim que marcho, a passos pesados, na direção do casal,
meu semblante se fecha e meus olhos ardem em fúria. Logan, Josh, Ed e
Dylan se levantam também, sabendo exatamente o que estou prestes a fazer.
Todos eles sabem o que os dois fizeram com Hazel e Analu.
Todos eles os odeiam tanto quanto eu.
E não vamos permitir que eles a machuquem novamente.
Embora nada possa ser comparar a raiva que me consome toda vez
que fecho meus olhos e a imagem de Analu desacordada em meu colo, com
sangue a rodeando, ressurge em minha mente. Eles são os culpados pelas
suas inseguranças, medos e pela forma como ela agiu. Eles são responsáveis
pelo sofrimento que ela viveu e pela forma como precisou moldar a
realidade à sua volta para sobreviver.
— Vocês não vão entrar no quarto dela — afirmo, convicto.
Henrique dá um passo à frente, ergue o queixo e me encara.
— E quem você pensa que é para me impedir?
Passo a língua pelo meu lábio inferior antes de lhe lançar um sorriso
perigoso.
— Eu sou o homem que esteve mais tempo ao lado dela, nos últimos
meses, do que você em toda a sua vida medíocre. Eu sou a pessoa que a
segurou quando ela me contava cada atrocidade que sua esposa fez. Eu sou
quem a enxergou além de uma boneca de porcelana e a fiz sentir-se
valorizada. Eu conheci seus monstros e os abracei junto aos meus, então,
não seja condescendente comigo. — Minhas palavras saem altas e ele reteia
um segundo. — E só para te deixar ciente, Henrique Parker, eu sou a porra
do homem que vai colocar um anel no dedo dela e vai convencê-la a
abdicar desse sobrenome imundo que você carrega. E eu serei eu a pessoa
que irá fazer com que ela seja a pessoa mais feliz do que você jamais
imaginaria. Eu serei o segundo homem da vida dela, porque sei que Theo
sempre ocupará o primeiro lugar e jamais competirei com ele.
Ele não diz nada, apenas me observa com algo que não sei decifrar.
Inveja talvez. Inveja por ser corajoso o suficiente e lutar pela mulher
que amo. Despeito por estar tirando a sua herdeira.
Ele me olha com todos esses sentimentos e eu não me importo.
— Você é apenas a conquista mais recente da minha filha, querido
— Amara sorri falsamente. — Não se iluda achando que ela pode sentir
algo por alguém além de si mesma.
Encaro a mulher à minha frente.
— E você descobriu isso como? — questiono, cruzando os braços.
— Na primeira vez que a afogou em uma piscina, porque seu marido
preferiu a companhia de outras mulheres à sua ou quando induziu um
aborto em uma garota de dezessete anos?
Os olhos dela se arregalam, Henrique, de repente, pega o braço de
Amara e o segura com força.
— Você fez o que com a minha filha? — sua voz exaltada alerta os
seguranças que se aproximam.
Ele a encara como se ela fosse o pior ser humano na Terra e eu não
discordo. Amara merece tudo que está vindo para ela. Ela merece perder o
que sempre lutou para ter e eu não descansarei enquanto Analu não
terminar de destruir a sua progenitora. Entretanto, essa demonstração de
sentimentos de Henrique não anula o fato de que ele também teve
contribuição para o que está acontecendo com Analu.
Meus olhos vagueiam pelo ambiente pousando na mulher parada no
final do corredor. Amanda observa-os de longe com um ódio que nem
mesmo poderia descrever. Ela é a única mulher boa em toda essa história.
Ela lutou para proteger Hazel, se destruiu no caminho e mesmo assim não
desistiu. Ela se formou em enfermagem, deu um futuro digno a Hazel e foi
uma boa mãe para Chris e minha amiga.
Ela, de todos eles, é a única que merece encontrar a felicidade
novamente.
— Eu não fiz isso. — Amara se encolhe. — Eu nunca machucaria
nossa filha.
— Você fez. — A voz de Amanda ressoa, calando todo o ambiente.
— Você fez tudo isso. Você destruiu a sua própria filha. E quando não se
contentou em machucá-la, lhe tirou algo imperdoável. Eu estava aqui e fui
uma das enfermeiras que a segurou quando Analu gritou sobre ter perdido
seu bebê, sobre não termos conseguido salvá-lo. Eu estava aqui segurando
sua filha quando ela se quebrou, porque a sua ambição era maior do que o
desejo de protegê-la e você, além de tê-la destruído, ainda fez com que todo
o hospital apagasse o histórico dela, para que ninguém soubesse que a
herdeira Parker havia ficado grávida na adolescência.
Amara encara Amanda com desdém.
— Não dirija suas palavras a mim, sua garçonete imunda — cospe,
enojada.
— Você quer saber, Amara? Eu estou cansada de você e da sua
arrogância. — A mãe de Hazel se aproxima de nós, se colocando a minha
frente. — Você se diz tão elegante, tão perfeita, mas na verdade é apenas
uma vadia sem coração, que precisa fazer tudo isso para esconder que,
ainda, continua sendo a filha de um pai corrupto. Você fez o possível para
destruir a todos por conta de alguém que eu nem mesmo faço questão. Você
nos obrigou a ficarmos caladas e quer saber? Eu vou perder meu emprego,
mas irei fazer o que eu sempre sonhei desde que soube o que você fez.
Amara abre a boca para dizer algo, mas antes que possa falar
qualquer coisa, um tapa estala na recepção. Um tapa seguido de vários
outros. Meus olhos se arregalam ao perceber que Amanda fez o que a mãe
de Analu merecia por todos esses anos. Ela desconta toda a sua frustração e
ódio na mulher que merecia viver o inferno que fez todos passarem.
— Isso foi por ter tentado machucar a minha filha quando ela era
uma criança. — Outro tapa. — Esse por ter machucado Analu quando você
deveria ter protegido-a. — Mais um tapa e Amara tenta devolver sem
sucesso. — E esse é por você ter destruído a minha vida e das garotas que
merecem o universo.
Quando ela finalmente se afasta, parando ao meu lado, eu sorrio e
cruzo os braços.
— Vocês não irão entrar no quarto dela. — repito e não há brechas
de dúvidas em minhas palavras. — E se vocês tentarem algo, eu não
hesitarei em destruí-los. E isso definitivamente, é uma promessa.
Eu não espero pela resposta e nem desejo ouvi-la, apenas me viro e
sigo pelo corredor, rumo ao quarto de Analu. Assim que abro a porta
devagar, a imagem que encontro deixa todo meu coração aliviado.
Ela está bem.
Ela está segura.
Ela não nos abandonou.
Ao lado dela, Hazel descansa sua cabeça em seu ombro enquanto
Verônica e Summer estão dormindo em duas poltronas que acredito serem
desconfortáveis, mas que ninguém ousou discordar de quando disseram que
estariam ao lado de Analu até que ela acordasse.
Elas permaneceram.
Cada uma delas seguraram a mão de Analu e não soltaram.
Elas mostraram à loira que estariam ali por ela em qualquer situação,
em qualquer momento. Porque é isso que elas são, elas são uma unidade
que não se pode separar ou quebrar.
Essas quatros mulheres, são irmãs. São família.
E não há nada mais lindo que a amizade delas.
— Oi, Lev — a voz sonolenta de Summer me faz virar o rosto até
onde ela agora se levanta.
— Oi, Sum — cumprimento, soltando uma respiração. — Como ela
está?
— Querendo matar alguém por não darem alta logo. — Um sorriso
nasce em seus lábios e ela se aproxima, puxando-me para um abraço. —
Você se lembra quando me disse que desejava o que Logan e Dylan tinham?
— Sim? — Ergo uma sobrancelha.
— Você encontrou, Levi. — Ela sorri. — Você encontrou alguém
que vai estar lá por você, que não só vai ver você ser o melhor na classe de
debate, como vai estar ao seu lado competindo. — Meu olhar vai para a
loira adormecida. — E você finalmente tem a pessoa que merece o pedido
de Matt.
Engulo em seco.
Eu nunca parei para pensar que ainda estava o guardando.
— Você acha...
— Eu tenho certeza. — Ela fica na ponta dos pés e beija minha
bochecha. — Eu te amo, Lev.
Eu encaro a minha melhor amiga.
Seus olhos brilham em minha direção e eu fico eternamente grato
por ela ter chutado a minha bunda quando necessário, mesmo que isso
significasse entrar em um relacionamento falso com um cara que ela
odiava, apenas para não machucar as pessoas que a rodeavam.
— Eu também te amo, Sum.
Eu quero testemunhar
Gritar na luz sagrada
Você me traz de volta à vida
E tudo isso em nome do amor
In The Name Of Love | Martin Garrix feat. Bebe Rexha

Meu corpo todo dói.


Até mesmo o movimento de abrir minhas pálpebras. Contudo, é a
luz que me faz querer socar a pessoa que a deixou acesa.
Piscando lentamente, aos poucos meus olhos vão se focando na
figura de Levi adormecido na poltrona ao meu lado, me fazendo erguer uma
sobrancelha. Ele já deveria ter ido embora. Assim como Vee, Haz e Sum
que precisei expulsá-las para que eu pudesse pelo menos dormir em paz, já
que os médicos decidiram que seria uma boa ideia me manter aqui por
alguns dias até que eu esteja bem o suficiente para voltar para casa.
Entretanto, a ideia de voltar para lá, para onde a pessoa que foi
responsável por toda a destruição da minha vida está, faz com que um
calafrio se aloje em minha espinha. Não posso mais fingir que todas as suas
ações não contribuíram para o que aconteceu naquela piscina, mesmo que a
culpa seja integralmente de Mike.
Amara foi o começo de tudo. Ela deu o pontapé para que essa
sucessão de acontecimentos ocorresse em minha vida. Agora, a memória de
como a água encheu meus pulmões, a sensação de como me senti
imponente, fraca e até mesmo patética, enquanto me afundava naquela
piscina me faz voltar anos atrás, quando ela achava divertido fazer isso para
se vingar do homem que não se importava com ela.
Eu perdi o controle após anos.
Perdi porque não soube administrar as sensações mesmo com todo o
treinamento que meus médicos me ensinaram após começar a terapia. Perdi
o controle quando Mike não soube mais guardar o ódio que sentia por mim,
quando descobriu que eu havia perdido a criança que ele não se preocupou
em me ajudar a proteger. Eu perdi o controle mesmo quando eu prometi a
mim mesmo nunca mais fazer isso comigo.
Eu deixei que, por um momento, vencessem. Deixei que entrasse em
meu subconsciente e me fizesse acreditar que eu não era digna de nada, que
havia voltado a ser insuficiente novamente. Agora percebo que, mesmo que
eu achasse que não haveria mais episódios como esses, não era verdade. Eu
ainda estava machucada e à mercê do meu medo. E que para isso não
acontecer novamente, preciso procurar por ajuda e tomar precauções para
que as emoções não voltem a me quebrar.
Eu perdi o controle e fui salva pela pessoa que eu nunca imaginei
que me salvaria.
— Você deveria descansar.
A voz de Levi me faz erguer o rosto e encará-lo. Ele se ajeita na
poltrona e percebo que ela não é confortável.
— E você deveria ir para casa — digo, erguendo uma sobrancelha.
— Está horrível com essa cara cansada.
— Você ainda me acharia lindo mesmo se eu estivesse com olheiras
profundas, princesa — zomba, se levantando. — Como está se sentindo?
Encaro-o por um segundo.
Ele me salvou.
Não apenas do evento que aconteceu há dois dias, mas, de todas as
vezes. Ele me mandou flores para que eu soubesse que havia alguém
torcendo por mim. Ele sorriu quando eu o provocava e decorou meus pratos
favoritos para saber o que eu desejaria comer.
Ele também roubou um champanhe para que pudéssemos
comemorar. E me beijou como se eu fosse única.
Levi fez-me sentir única.
Ele não se importou se eu poderia machucá-lo, ele apenas caiu em
meu mundo e construiu os pilares dos nossos sentimentos. Ele regou,
calmamente, enquanto eu aprendia o que significava sentir todas as
emoções que ele me causava, porque nunca havia imaginado me sentir
daquela forma. Ele entendeu a complexidade dos meus traumas, das minhas
nuances e lidou com elas de uma forma que eu jamais imaginaria.
Levi pegou tudo o que eu acreditava ser amor e ressignificou.
Agora, percebo que qualquer outra pessoa poderia prometer me dar
o mundo, mas isso não seria o bastante. Porque o meu mundo começa e
termina em Levi Johnson.
Levi, que viu meu pior lado e, assim como Dylan fez por Hazel,
ficou.
Levi, que me mostrou como é se sentir ser a primeira opção de
alguém.
Levi, que me mostrou como não é errado deixar que as emoções
entrem e floresçam.
Levi derrubou todas as minhas barreiras. Cada uma delas. Cada
máscara, medo e armadura. No fim, ele me mostrou que eu sou suficiente
sim e que sou o motivo de alguém querer lutar.
Levi é a minha constante.
O homem que anseio e sonho.
É quem detém meu coração, mesmo que um dia eu cheguei a
acreditar que era inabitável. Eu já não sou alguém no caminho, porque, a
minha linha de chegada, é um capitão idiota que me ajudou a enfrentar
meus medos e sorriu quando consegui.
— Deite-se comigo — peço, chegando para o lado.
Ele me encara por um segundo, hesitante.
— Analu...
— Cale a boca e venha, Levi.
Deixando os ombros caírem, ele tira os Jordans dos pés, apaga a luz
e vem até onde eu estou, puxando de leve o cobertor e se deitando ao meu
lado. A maca não é grande o suficiente, entretanto, Levi se vira, passa o
braço por cima da minha cabeça e me puxa um pouco para si.
Suspirando fundo, encosto minha cabeça em seu peito sentindo sua
respiração.
Eu estou aqui.
Eu estou bem.
Eles não me destruíram desta vez.
— Você está bem? — devolvo a sua pergunta.
Ergo meu rosto e Levi abaixa o seu. O escuro de suas pupilas encara
o castanho das minhas. Não há mais um vazio. Há um lugar novo, pronto
para ser conhecido. Um porto seguro para nós dois. Entretanto, além de
haver isso, os olhos de Levi, também possuem um misto de perigo e raiva.
— Na verdade não, não está.
— O que está acontecendo, Levi?
Ele não responde de imediato, mas passa a língua pelo lábio inferior.
— Eu preciso te fazer uma pergunta e exijo a verdade.
Ergo uma sobrancelha.
— Ok. — Umedeço meus lábios. — Faça a sua pergunta e eu decido
como será a resposta.
— Quem fez aquilo com você, Analu?
Eu sabia que em um momento ou outro alguém me questionaria
sobre isso, após constatarem que eu havia caído na piscina, causando um
início de afogamento que me fez reviver todos os traumas e perder o
controle. Eu sabia que Levi não acreditaria que eu apenas tinha caído. Não.
Ele me conhece bem o suficiente para não engolir as meias verdades que eu
disse.
Mas, eu não desejava que alguém fosse atrás do desgraçado, porque
eu mesma iria e quando chegasse a sua hora, me deleitaria com a minha
vingança.
Contudo, eu deveria esperar que Levi não deixasse isso passar. Ele
nunca deixa nada passar despercebido. Sempre estuda todos os lados do
tabuleiro e sei que ele precisa apenas de uma confirmação, porque já sabe
quem fez aquilo.
— Nós não vamos conversar sobre isso.
— Nós vamos — contrapõe, firme. — Não posso e não vou
simplesmente ficar parado e saber que alguém te machucou.
— Por que você quer fazer isso? — questiono nervosa. — Por que
não me deixa lidar com isso do meu jeito? Por que você se importa tanto?
— Porque eu amo você. — Suas palavras entram em meu cerne e
fazem morada. Me tiram o ar por um segundo. — Porra, Analu, eu amo
tanto que não consigo suportar a ideia de te perder. Eu te amo desde que
você foi a única a não se importar em me desafiar, mesmo sabendo que eu
poderia vencê-la. Eu amo desde que você inventou aquele boato idiota
apenas para que pudéssemos competir. Eu te amo desde que aquelas portas
do elevador abriram e mesmo com todos os motivos para você desistir, você
voltou e mostrou a todos que ninguém te quebra. Eu amo você desde que
dançou comigo naquele jardim, com lágrimas nos olhos, porque o mundo
tentava te destruir, mas você não se permitia ceder a ele. Eu te amo desde
todos esses momentos e não posso ousar me questionar o que teria
acontecido se não tivesse conseguido sair daquela piscina. Não posso
imaginar que eu te tive nos meus braços e, no minuto seguinte, eu achei que
estava te perdendo. Eu não quero perder você, Analu.
— Eu estou aqui.
— Mas antes não estava. — Sinto a dor em cada sílaba que salta de
seus lábios. — Eu não quero passar por aquilo novamente.
— Você não vai. Eu vou estar ao seu lado mesmo que o mundo não
acredite que somos compatíveis. Eu vou estar lá para você mesmo quando
achar que não merece. Eu vou ser para sempre a sua rival, porque gostamos
de desafios, mas no fim do dia, eu vou acionar a nossa trégua para poder te
mostrar o quão viva você me faz sentir. Eu vou te mostrar que você me fez
voltar a acreditar em contos de fadas e que o arco-íris possui mais de sete
cores. — Levanto meu dedinho em uma forma patética. — E isso, Levi
Johnson, é uma promessa.
Ele leva seu dedo até o meu e não desvíamos os olhos quando os
entrelaçamos em uma cama de hospital com todos o silêncio ao nosso redor
e todas as coisas pendentes em espera, para que possamos apenas aproveitar
a companhia um do outro.
— É uma promessa, Analu Parker. — ele devolve.
Um sorriso se estende pelo meu rosto, mas os olhos de Levi ainda
estão me pedindo por uma outra resposta.
— O dia em que nos encontramos naquele cemitério…. — Ele
sussurra. — Foi o dia em que eu comecei a te admirar, Analu.
Meus olhos nadam na escuridão de suas pupilas.
— Você foi o meu acontecimento preferido daquela noite, Levi. —
Mordo meu lábio inferior. — Eu estava lá porque eu não aguentava mais a
dor. As lembranças. E havia prometido a mim mesma que nunca mais
deixaria ninguém perceber que havia partes em mim para me machucar.
— Eu sinto muito, princesa
— Eles nem mesmo me deixaram dá-lo um funeral digno, sabe? Eu
sabia que era impossível, mas eu desejava pelo menos me despedir —
sussurro, deixando uma lágrima descer pelo meu rosto. — Eu não pude me
despedir do meu bebê, Levi. E a única coisa que eu consegui fazer, foi
construir um pequeno memorial. Um local onde eu poderia ir e deixá-lo
saber que eu me importava. Eu sempre me importaria.
— Ninguém mais te machuca, amor. — Levi me abraça, beijando o
topo da minha cabeça e eu me permito aceitar o seu carinho, cuidado e
proteção. Porque eu mereço. — Eu estou com você. Nunca mais alguém vai
ousar te machucar.
Ele não me solta.
Nunca, em hipótese alguma.
Levi me deixa compreender o peso de suas palavras. Entretanto, eu
sei que há algo que ele ainda desejava saber.
— O que você quer saber, Levi?
— Quem fez aquilo com você?
Fecho meus olhos e respiro fundo sabendo que ele não esquecerá
isso.
— Mike. — Engulo em seco. — Mike Burhan me empurrou na
piscina.
— Por que ele faria isso?
— Ele era o pai do meu filho, Levi — conto, ninguém nunca soube
desta parte da história. — Uma das médicas que me salvou do que Amara
fez, era amiga da família dele e sabia que tínhamos um envolvimento.
Então, ela ligou os pontos e disse a Mike que eu havia realizado um aborto,
mas que a minha família havia consigo manter toda essa história em
segredo. Depois disso, ele começou a me odiar. Em qualquer oportunidade,
ele usava isso contra mim e sabia que era a única forma de me atingir.
Levi me puxa para si, escorando seu queixo em meus cabelos.
— Eu não vou te prometer deixá-lo impune, mas eu te prometo
deixar uma parte para você acabar com ele — afirma, contra meus cabelos.
Ergo meu rosto, encontrando um sorriso tomando conta dos seus
lábios, é lindo. Ele é perfeito. E como se eu não pudesse mais me controlar,
ergo meu rosto, deixando um beijo casto em suas covinhas. Percebo que
isso virou a nossa coisa. E ele sorri em todo momento que isso acontece.
É estranho saber que há meses poderíamos destruir um ao outro,
mas agora, apenas o pensamento, de que estamos em lados opostos de uma
batalha, soa estranho. Nós dois nascemos para sermos um do outro. Nós
somos as consequências de uma trégua formada em um hotel durante uma
competição.
Sua mão vai de encontro ao meu rosto e sinto-o acariciar minha pele
com delicadeza sem nunca desviar o olhar.
É gentil, amoroso e agita tudo dentro de mim.
— Sabe o que eu acabei de perceber?
— Eu estou com medo de perguntar. — Reviro meus olhos. — Mas,
por favor, diga-me.
Levi Johnson sorri. É um sorriso cafajeste, mas que agita todos os
meus átomos.
— Os nossos sobrenomes. — Ergo uma sobrancelha, confusa. —
Eles ficarão lindos juntos.
— Você andou bebendo enquanto eu estava dormindo?
Uma risada salta dos seus lábios e é o melhor som que já ouvi.
— Não. Por quê?
— Porque eu não vou me casar com você.
O seu sorriso aumenta, mas desta vez é desafiador.
Como uma das nossas inúmeras apostas.
Uma nova competição.
— Eu me lembrarei disso quando estiver usando meu anel e
dormindo na nossa cama, princesa.

Eu tive alta dois dias depois.


Entretanto, foram os dois dias mais longos da minha vida, onde
apenas os livros me permitiram relaxar. Hazel vinha a cada hora me checar
e Summer e Verônica não estavam apenas me ligando, mas enviando algo a
todo minuto para me manter ocupada.
Summer até mesmo me enviou a droga de um filme da Marvel. Que
mesmo odiando, eu assisti.
Isso me fez ter vontade de chutar a bunda delas. Agora, enquanto
me escoro no banco do carro de Levi, finalmente suspiro fundo por ter a
liberdade de usar minhas roupas e abandonar aquele traje hospitalar
horrendo. Porém, um olhar para a minha caixa de mensagens para saber que
a vida real me espera, para que eu possa resolver tudo o que abandonei.
— Todos estão nos esperando no apartamento — ele diz, se virando
para mim antes de dar a partida no carro. — Acho que Josh, até…
Sabendo o que me espera, viro meu rosto em sua direção.
— Eu não vou com você para o apartamento.
Uma sobrancelha de Levi se ergue.
— Desculpe?
— Eu não posso sair daquela casa ainda, Levi. — Minha voz soa
baixa. — Não, até que eu consiga a guarda de Theo. Sem ele, eu não posso
sair de lá.
— Eu não posso permitir, em sã consciência, que você fique perto
daquela mulher, Analu. — Ele fecha os olhos por um segundo. — Não
depois do que aconteceu.
— E eu não posso abandonar meu irmão, Levi.
— Nós vamos dar um jeito.
— Eu sei. — Me inclino, segurando sua bochecha. — Mas, antes
disso, eu preciso que você confie em mim, ok?
Ele ergue uma sobrancelha.
— Isso não é um bom sinal.
— Eu só preciso que Theo fique seguro, Levi — murmuro,
respirando fundo. — Eu não posso deixá-lo nas mãos dela, quando sei que
ela o usará para me afetar.
— Mas também não deve ficar no olho do furacão. Nem todas as
lutas são suas para vencer, Analu. — Sua mão segura a minha em seu rosto.
— Não posso deixá-la nas mãos de Amara. Só esse pensamento me faz
odiá-la mais do que um dia imaginaria odiar alguém.
— Confie em mim, ok? — repito, olhando nos seus olhos. — Eu
posso lidar com ela. Posso lidar com tudo. E eu não preciso que alguém se
jogue na minha frente para amortecer a minha queda, Levi. Eu posso lidar
com elas. Então, por favor, entenda que eu nunca vou esperar que as
pessoas venham me salvar, mesmo que eu saiba que elas me ajudarão a
cuidar das feridas, quando eu voltar. Vocês são a minha família, mas isso
não significa que amoleci ao ponto de deixar todos enfrentarem meus
demônios.
Ele me encara por um longo segundo. Seus olhos estudam minhas
feições e por fim, solta um suspiro derrotado.
Levi sabe que não mudarei de ideia, não posso fazer isso.
Não posso abandonar a única pessoa que sempre esteve lá por mim.
— Eu não quero que você amoleça. Eu quero que você vá e destrua-
os como eles ousaram fazer com você. Quero que saiba que eu não vou
pular na sua frente para te salvar, porque vou estar ao seu lado destruindo
todos que se atreveram a te machucar. Se tentarem te derrubar, eu vou te
levantar. Se tentarem te quebrar, eu os quebro primeiro. Porque, como eu
disse antes, meus monstros podem não ter me machucado, mas eu te
prometo que eles vão te defender. E isso foi uma das muitas verdades que te
disse. Eu sempre vou estar aqui por você. — Suas palavras me atingem
com mais intensidade do que deveria. — E, não há nada que possa nos
vencer. Você e eu somos uma unidade. Nós somos imbatíveis juntos, Analu
Parker.
Eu acredito em tudo o que sai de seus lábios.
Acredito que mesmo que um dia tenhamos odiado um ao outro, hoje
esse sentimento já não é o mesmo.
Levi está aqui por mim. Ele esteve e sempre estará.
E eu estou aqui por ele.
Somos uma constante.
Somos uma unidade.
Nós. Levi e eu.
Dois rivais que caíram pelos seus sentimentos e perderam a batalha,
mas ganharam algo maior do que o prêmio final.
— Levi?
— Sim.
— Eu quero que você me ensine a nadar — digo, encarando-o. —
Eu quero que você me ajude a deixar de ser refém da água.
Levi me lança um novo sorriso. Esse é regado de orgulho e percebo
seus olhos brilharem.
Eu nunca confiei em alguém como confio nele e estou dando a ele a
minha parte mais frágil.
Aquela que eu escondi de todos.
Aquela que sempre fez-me sentir patética.
E ele me encara como se soubesse disso e se orgulha por isso.
— Eu vou te ensinar tudo, porra! — diz aproximando nossos rostos
e deixando um beijo rápido em meus lábios. — Você quer começar quando?
— Ainda essa semana.
— Você tem certeza? — Ele ergue uma sobrancelha. — Talvez
queira...
— Se você me falar que eu preciso descansar, eu não vou pensar
duas vezes antes de chutar as suas bolas.
Uma gargalhada salta dos seus lábios.
— Você está de volta — diz, orgulhoso. — Certo. Essa semana, na
minha casa.
— Isso não me pareceu um convite para nadar — Ergo uma
sobrancelha.
— Talvez haja um bônus, se você for uma boa garota.
Reviro meus olhos, voltando a me encostar no banco e ele
finalmente dá partida, rumo a Parte Alta.
— Você é um idiota.
— E você ama isso.
Sim, eu amo.
Amo cada parte dele. Cada mísero átomo que o compõe.
E nem mesmo me importo de assumir isso.
Não me importo porque eu já não preciso esconder meus
sentimentos.
Não me importo porque sei que ele sempre estará aqui por mim.
Entretanto, é quando o carro para novamente em frente a mansão
dos meus pais que todo meu corpo enrijece. Eu passei todos os piores
momentos entre os corredores desse lugar, eu tive que observar Amara ser o
pior tipo de pessoa existente apenas para manter sua máscara de matriarca
feliz.
Permitindo que meu corpo relaxe, solto uma respiração e destravo o
cinto, me virando para Levi, que encara a casa com um olhar nervoso. Ele
odeia ter que me deixar aqui tanto quanto eu odeio ter que ficar, mas é
necessário. Preciso fazer isso para que Theo esteja seguro.
— Uma palavra e eu acelero. — Solto um ruído exasperado. —
Estou falando sério. Apenas diga-me e eu te levo para qualquer outro lugar.
Me inclino em sua direção, deixando um beijo em seus lábios. Suas
mãos agarram minha nuca e aprofundam o momento. Seu beijo é diferente
de todos os outros que já trocamos.
Esse é leve, lento e apreciado.
Ele não me devora, apenas aproveita o seu tempo.
Apenas tenta me mostrar que está aqui por mim e para mim, sempre
que eu precisar. E eu devolvo esse sentimento. Mostro a ele que sempre o
escolherei, mas que no momento preciso salvar a outra parte do meu
coração, antes que Amara tenha a chance de destruí-lo como me destruiu no
passado.
Eu o beijo por minutos, que parecem horas, e só nos afastamos
quando precisamos respirar.
— Confie em mim, Levi.
— Eu confio em você, são neles que não confio. — Aponta o queixo
em direção a casa.
— Eu posso lidar com eles — digo, me afastando. — Agora, mova
sua bunda até o apartamento e não deixe as minhas amigas virem me
resgatar.
— Eu não estou lidando com elas — Ele solta uma risada bonita. —
Vocês são assustadoras quando se trata do quarteto.
Solto um sorriso. Ele está certo.
— Você vai saber lidar com elas.
Beijo novamente e me afasto, abrindo a porta. Levi faz o mesmo
com a sua e dá a volta no carro, pegando minha pequena mala. Assim que a
pousa no primeiro degrau da escada, seu olhar vagueia até onde um dos
funcionários está descendo para me ajudar e solta um palavrão baixinho.
Antes de sua mão se fechar na minha e me puxar de leve até seu corpo.
Levi segura minha cintura, se abaixa e deixa um leve beijo na minha
testa antes de se afastar novamente.
— Uma ligação, Analu, e eu estarei aqui pronto para vir aqui e
queimar essa casa por inteiro.
Então, se vira e dá a volta no carro e eu o observo acelerar ao passo
que me viro em direção a enorme porta de entrada, entregando a mala para
Tobias que me dá um aceno e volta a subir. E a cada passo em direção ao
meu inferno, tenho a certeza de que se eu não tomar uma atitude, isso
jamais acabará.
Por um segundo, fecho os olhos antes de ir em direção a porta.
Assim que eu a abro, meus olhos vão direto para o garotinho sentado
ao lado de Amara que tenta fazê-lo ficar quieto e Henrique ao lado do
aparador. Seus olhos vão até meu rosto e ele o estuda com uma expressão
cansada.
O homem que um dia desejei chamar de pai me olha, pela primeira
vez, como se percebesse o quão negligenciada eu fui. O quanto eu precisei
dele e ele nunca esteve lá para mim. Ele me vê como consequência de todos
os seus erros.
Percebe que, enquanto ele destruía outras mulheres, sua própria filha
era destruída em sua própria casa.
— Lu? — A voz de Theo me faz desviar o olhar.
Tento lançar-lhe um sorriso.
— Oi, meu amor.
Ele nem mesmo espera que eu me aproxime. Theo, corre um pouco
desajeitado em minha direção e abraça a minha cintura.
— Eu te amo, Lu.
Mordo meu lábio inferior.
— Eu te amo mais, Theo.
Levantando meu olhar, eu encaro Amara que observa a cena sem
nenhuma expressão. Apenas joga os cabelos pelas costas e ajeita o decote
de seu vestido.
— Como você está se sentindo? — Ela pergunta. — Alguma
mudança no seu corpo?
Uma das minhas sobrancelhas se ergue.
— Eu me afogo, quase morro, tenho um surto causado por exaustão
emocional, que me leva à inconsciência, e a sua preocupação é se ainda
estou em perfeito estado, para ser mostrada como um maldito manequim de
vitrine? — questiono, minha voz subindo um decibel. — Você é um
monstro.
— Cale a porra da boca, Amara! — Henrique grita assustando Theo,
fazendo com que aperte suas mãozinhas em meu corpo. — Você não cansa?
— Ele dá um passo à frente, seus olhos gélidos em sua esposa. — Você não
se cansa de tentar destruir todos ao seu redor? Você não se cansa de ser um
recipiente vazio, superficial? Ninguém te suporta mais. Ninguém nem ao
menos olha para o seu rosto. Você não é nem mesmo convidada para os
eventos e ainda acha que tem o direito de destruir a nossa filha desta
maneira?
— E você agora é um pai decente? — Ela se levanta, rindo
histericamente. — Você, de repente, é um pai dos filmes da Disney e quer
me dar uma lição de moral? Me poupe, Henrique, eu segurei essa casa por
todos esses anos. Eu moldei a herdeira perfeita e você nunca reclamou.
Ele dá volta no enorme sofá, para a sua frente e a encara com nojo.
— Eu nunca imaginei que você se tornaria tão amarga, durante todos
esses anos. — Suas palavras saltam de seus lábios rapidamente. — Nunca
imaginei que você teria coragem de machucar sua própria filha, para que ela
fosse uma cópia sua. Você a afogou. Induziu um aborto quando ela era uma
adolescente. E olha no que ela se transformou. Olha como ela te encara com
tanto ódio, que até eu mesmo percebi que Analu já não é mais uma criança
manipulável.
Franzo o cenho com as suas palavras.
— E o que você tem a dizer sobre esconder a sua filhinha dela? —
Debocha.
— Não fale de Hazel! — digo entredente. — Nunca mais fale da
minha irmã.
— Irmã? — Sua risada desdenhosa faz Theo se encolher. — A única
pessoa que é seu irmão é esse merdinha, querida. Ela é apenas uma
bastarda.
— Na verdade, não. — Sorrio para ela. — Ela vai se tornar herdeira
legítima. Não é, Henrique?
Ele me olha por cima dos ombros.
— Ela vai. — Não há felicidade em seu tom.
— Então, aqui vai o meu último aviso, Amara. — Meus olhos se
tornam afiados e minha voz gélida. — Eu vou tirar tudo o que você me
roubou. Eu vou me sentar e ver seu mundo desabar e eu vou me deleitar
com isso. E se você tentar me quebrar, eu te quebro primeiro.
Com isso, eu a deixo me gritando, subo as escadas, entrelaçando
minhas mãos nas de Theo e pego meu celular, rolando até o número que
quase nunca uso, mas que agora será necessário mesmo que isso signifique
que eu vá perder meu irmão por um tempo. Entretanto, sei que ele estará
mais seguro do que nesta casa.
Então, soltando um suspiro, levo o celular até meu ouvido e escuto
chamar.
— Olá, Elijah. Eu acho que precisamos conversar sobre o favor que
deve a Amara.
Ele solta uma risada nasalada.
— Você demorou para me ligar. Há uma competição em alguns dias.
— É a única frase que escapa de seus lábios. — Me traga o troféu e eu lhe
dou a verdade.
Então, ele desliga sem me dar nenhuma chance de resposta.
Uma competição. Voltar às quadras após anos.
Se eu aceitar, significa que há uma chance de vencê-la, há uma
chance de fazê-la pagar por tudo o que aconteceu em minha vida.
E a cada passo que dou até meu quarto, tenho a certeza de que
estarei competindo.
E ganharei.
Isso entre eu e você
Parece ser uma coisa tão certa
Mesmo quando o céu estiver caindo
Mesmo quando o sol não brilhar
Eu tenho fé em você e eu
Então coloque a sua linda mãozinha na minha
Sure Thing | Miguel

Eu sabia, no momento em que deixei Analu na porta da casa dos


seus pais, que aquilo era uma péssima ideia.
Ela não deveria voltar para lá.
Suspirando fundo, abro a porta do apartamento e instantaneamente
Summer e Hazel erguem o rosto em minha direção e franzem o cenho,
confusas por não haver uma certa loira ao meu lado, que deveria ter vindo
para cá e não para a casa dela.
— Onde ela está? — Summer pergunta.
Solto um suspiro.
— Ela preferiu ir para casa.
De repente, o barulho de algo caindo no chão e uma Verônica com
uma expressão sombria atravessa o corredor, vestida com seu traje de líder
torcida, me faz dar um passo para trás. Há algo que nenhum de nós
gostamos, principalmente Logan, que percebo não estar aqui para me
ajudar: lidar com Verônica Blackwell nervosa.
E é exatamente isso que está acontecendo nesse exato momento.
— Ela o quê?
— Analu não quer deixar Theo sozinho, Vee.
Um suspiro salta dos lábios dela.
— Trazemos ele para cá. — Ela dá de ombros. — Mas não podemos
deixá-la lá.
— Não vai adiantar — murmuro. — Enquanto ela não conseguir
resolver essa situação, ela não vai sair de lá. Mesmo que todos nós tentemos
fazer com que mude de ideia.
— Ela pode...
— Ela não vai — Summer afirma, de repente. — E eu entendo, nós
faríamos a mesma coisa se estivéssemos no lugar dela.
Verônica se joga no sofá entre Haz e Sum, a loira passa o balde de
pipoca para ela. E Hazel olha para o teto, suspirando fundo. Eu sei que elas
estão a um passo de se levantarem e dirigirem até a Parte Alta, a fim de
tirarem Analu da casa dos seus pais, entretanto, também sei que não farão
isso por respeitarem a decisão dela.
Não adianta fazermos isso sabendo que, enquanto Theo não estiver
seguro e longe da Amara, ela não se sentirá em paz. Contudo, algo me diz
que a minha garota não está tão quieta quanto Amara acha que está, após o
afogamento e sei que quando menos esperarmos ela vai dar o seu xeque-
mate.
De repente, a porta se abre e Logan entra ao lado de Mel, que sorri
para o irmão como se ele fosse o seu herói, e talvez ele seja. Logan
destruiria o mundo para manter sua irmã protegida e sei disso porque passei
toda a minha adolescência ao seu lado.
O capitão da SVU prometeu a ela o mundo. E eu vi em primeira mão
como ele fez isso, mesmo que a passos lentos. Logan entrou para o time,
para ter uma chance de entrar na universidade mais concorrida do país. Se
tornou o capitão mais jovem da história da universidade e agora está
traçando seu caminho diretamente para a NFL.
— Oi, Lev — Mel diz se aproximando e me abraçando antes de ir
até Haz e se jogar ao seu lado.
— Oi, Mel.
— Onde está a nossa megera? — ela questiona, roubando o pote de
Verônica.
— Na casa dela — respondo e Logan ergue uma sobrancelha.
Mel dá de ombros, concordando e se vira para Hazel.
— Como está a melhor pessoa dessa família, Haz?
Hazel sorri, passando a mão pela barriga que não está nivelada. Mas
podemos perceber o carinho em seus movimentos.
— Eu estou sentindo algumas dores que não são normais. — Ela
ergue uma sobrancelha. — Mas, tenho uma consulta ainda essa semana,
então acho que vai ficar tudo bem.
— Isso é bom. Você e Dylan já escolheram nomes? — O rosto de
Mel brilha. — Não me diga, por favor, que vão fazer uma homenagem ao
babaca do irmão caçula dele.
Verônica se inclina para frente e encara Mel com uma sobrancelha
erguida.
— Esse babaca do irmão caçula é meu irmão também, pirralha.
Mel joga os cabelos escuros para trás e pisca os grandes olhos azuis
para Vee.
— Agora eu entendo o porque você é tão estressada, deve ser
péssimo tê-lo como irmão, Vee. — Ela inclina a cabeça para o lado. —
Aliás, você não está atrasada?
— E você não deveria estar treinando?
— Estou resolvendo as coisas da minha mudança para Nova York.
— Seu rosto se ilumina. — Aliás, como irei ficar na sua cobertura, também
posso ficar com as suas roupas que estão lá, certo?
Summer, Logan e eu soltamos uma gargalhada quando as palavras
saltam dos lábios de Melany. Todos nós sabemos que a baixinha provoca
Vee em qualquer oportunidade, mas que a considera como uma irmã mais
velha.
— Eu ainda me pergunto como consigo te suportar.
— Você me amou desde o momento em que te chantageei.
Não presto atenção na conversa delas, mas inclino a cabeça para
chamar Logan até a cozinha e deixá-las. Assim que ele me acompanha,
pego uma garrafa de água na geladeira e encaro-o.
— Quantos problemas você teria se eu socar alguém do seu time?
Ele cruza os braços, destacando a sua jaqueta do time e me encara
com as sobrancelhas franzidas.
— Por que eu sinto que essa pergunta é retórica?
— Porque ela é. — Dou de ombros. — Só gostaria de avisá-lo para
não se assustar quando um dos seus jogadores chegar com o rosto
desfigurado.
Logan solta um suspiro exasperado, mas apenas caminha até a
geladeira e retira outra garrafa de água e volta a me encarar.
— Ele a empurrou?
— Sim.
— Qual a chance de dois capitães serem suspensos dos próximos
jogos? — Ele devolve a pergunta, após beber sua água.
— Grandes. — Um vinco se forma entre minhas sobrancelhas. —
Por quê?
— Porque eu prometi nunca deixar você entrar nas suas merdas
sozinho, desde que eu te conheci naquela casa de leitura. — Ele bebe o
resto de sua água. — Então, nós vamos socar o idiota que achou que seria
sábio machucar a sua garota, minha amiga e uma das melhores amigas da
mulher que eu amo.
Eu o encaro e não vejo dúvidas em seu olhar.
Logan não se importa se isso pode gerar uma confusão, ele apenas
está lá por mim. Como esteve quando Matt morreu e todas as vezes após
isso.
— O que está acontecendo aqui? — Oliver, pergunta entrando na
cozinha.
— Vamos socar alguém — responde Logan.
— Quem vamos socar? — ele pergunta, sorrindo empolgado.
Oliver Wright, assim como eu, odeia violência, entretanto em casos
como esse, ele não se opõe em usá-la.
— Mike Burhan.
Não precisou de mais nada para convencê-los e quando percebi,
estávamos nos despedindo das garotas e indo rumo ao carro de Logan, para
chegarmos até lá o mais rápido possível, porque sabíamos que ele estaria no
campus.
Principalmente porque os últimos jogos da temporada acontecem em
poucas semanas e Mike sempre tenta chamar a atenção do treinador para
ofuscar Logan. Entretanto, desta vez, não me importo com nada disso a não
ser com o fato de que ele machucou alguém que eu amo e isso não fica
impune.
Quinze minutos depois, Logan estaciona em sua vaga de sempre e
caminhamos pelo campo vazio rumo a academia da universidade. Nem
mesmo presto atenção nas pessoas que passam por nós, apenas tenho um
foco em mente e ele está, neste momento, saindo do vestiário masculino e
caminhando em direção ao gramado.
O idiota para quando nos avista e percebo seus olhos se arregalarem
por um segundo, antes de fixarem nos meus. E posso dizer que meu olhar
não é gentil.
— Eu achei que tinha lhe avisado para não chegar perto dos meus
amigos, Burhan — rosno, parando perto o suficiente. — Não sou uma
pessoa que gosta de repetir.
Ele sorri. O desgraçado sorri, todavia o medo em suas pupilas é
perceptível.
— E eu não sabia que Parker precisava de vocês para vingar sua
honra. — Ele dá de ombros. — A boceta dela é tão premiada assim?
Dou um passo à frente, mas antes que eu possa alcançá-lo, Logan
ajeita a sua postura e o encara como se ele fosse uma sujeira em seu sapato.
— Eu não preciso te esmurrar para saber que Analu ou qualquer um
dos meus amigos são melhores que você, Burhan. No fim, eu ainda sou seu
capitão e você terá que abaixar a cabeça para mim mesmo que odeie isso.
— Logan sorri em sua direção. — Mas, eu vou ficar aqui, não deixando
ninguém se aproximar e deixar que Levi te dê uma surra. E vou apreciar
cada segundo, já que eu não posso arrebentar a sua cara.
— E quando Levi terminar com você — Oliver limpa uma sujeira
invisível de sua roupa. — Nós iremos até a reitoria e entregaremos todas as
imagens da câmera de segurança.
— E acredite em mim, Burhan, isso ainda será pouco pelo que você
merece. — Dou um passo à frente. — Então, da próxima vez que falar
sobre Analu desta maneira, você vai se arrepender mais do que se
arrependerá de tê-la jogado na piscina.
Então, antes que ele possa reagir, meu punho vai de encontro com
sua mandíbula envolto em poder e intenção. O soco voa em direção ao seu
rosto, movendo-se como uma flecha certeira. Mike dá dois passos para trás,
levando a mão até onde o acertei e não satisfeito, levanta os punhos e vem
em minha direção, entretanto, já esperava pelo movimento e apenas desvio,
chutando-o e o derrubando no gramado.
— Filho da…
— Eu vou te dizer apenas uma vez, Mike — grunho, interrompendo
seu xingamento de merda e puxo a gola de sua camiseta, desfiando mais um
soco. — Você não olha para Analu ou para qualquer uma das minhas
amigas. — Mais um soco. — Você não chega perto dela ou tenta intimidá-la
com o passado novamente. Porquê da próxima vez que você tentar
machucar alguém que eu amo, eu não vou usar a porra da violência contra
você, eu vou destruí-lo como minha família me ensinou a lidar com vermes
como você.
E com mais uma série de socos, finalmente deixo-o cair no chão.
Percebo os hematomas surgindo em seu rosto e sangue escorrer pelo
nariz. Eu odeio ter que lidar com as coisas desta maneira, entretanto ele
passou de todos os limites ao achar que poderia machucá-la como fez.
Ele solta uma série de xingamentos e não me importo com eles,
porque no momento seguinte eu me viro e sigo em direção a saída.
Mesmo sabendo que isso pode me gerar consequências, eu não deixo
de apreciar a sensação que toma conta de mim. Isso não é nem um por
cento do que ele merece, entretanto, saber que eu a defendi mesmo que ela
vá querer minhas bolas por cima toma conta de mim.
Ninguém mexe com Analu Parker ou com qualquer amigo meu.

Encaro a piscina com receio pela primeira vez na minha vida.


Não por mim, mas pela loira ao meu lado enrolada em uma saída de
praia e com os olhos regados à insegurança.
Estamos a um metro e meio da borda e mesmo assim, ela a encara
como se estivesse dentro dela e se afogando novamente. Mesmo que
tenhamos passado a semana toda conversando sobre técnicas de
relaxamento e deixando-a se acostumar com a ideia de que ela pode
controlar seu corpo na água, ainda posso senti-la insegura em relação a isso.
— Você tem certeza de que quer isso? — questiono. — Você não...
— Eu quero, Levi — me interrompe. — Não seja um idiota protetor
agora.
Reviro meus olhos.
— Eu vou primeiro — afirmo me afastando e entrando na parte rasa
da enorme piscina. — Lembre-se, coloque apenas os pés primeiro para
sentir a água e se acostumar com a sensação dela, se perceber que não está
pronta, nós paramos no mesmo segundo.
Assim que entro na piscina, observando o céu ensolarado, meus
olhos vagueiam até a casa dos meus pais vazia. Não há ninguém lá. Meus
pais viajaram para Nova York e dispensei todos os funcionários para que
Analu ficasse mais à vontade e não me arrependo. Ela precisa estar
confiante para poder começar a enfrentar esse medo que se enraizou nela e
sei que ter pessoas andando de um lado para o outro, não ajudaria com isso.
Ela desata o pequeno laço de sua saída de praia e a retira lentamente,
dando-me a visão de seu corpo em um maldito Eres preto, com um recorte
vazado e fecha os olhos por um momento. Assim que volta a abri-los, dá
um passo hesitante à frente, mas, de repente, estagna no local.
Seus olhos sobem até os meus e há pavor ali.
— Respire devagar. — Ela faz o que peço. — Agora lembre que
você não está sozinha e que eu vou estar aqui por você. Apenas confie em
mim, ok?
Ergo minha mão e percebo que ela realmente dá um outro passo à
frente.
Analu, para na borda, abaixa o olhar e engole em seco antes de
prender a respiração e se sentar, colocando apenas os pés na água como
instruí a ela. Suas unhas arranham o piso em uma forma de se proteger caso
seu corpo caia e dou um passo à frente pronto para pegá-la, mas reteio no
mesmo no instante.
Ela odiaria isso.
Por isso, apenas espero que se acostume com a sensação da água
contra suas pernas e quando volta a abrir os olhos, avanço em sua direção,
pegando suas mãos e ajudando-a a entrar completamente na piscina. A água
espirra em torno de nossos corpos, enquanto levo-a até que metade chegue
na altura de nossas barrigas.
Sua mão se fecha em meu braço, fincando suas unhas e apenas
espero. Seu corpo enrijece e sua respiração fica rápida.
— Inspire e expire, Analu. Você está no controle — instruo, fazendo
círculos em sua pele para distraí-la. — Agora, feche os olhos.
— Eu...
— Não pense em Amara ou em qualquer coisa que tenha te
machucado — murmuro, segurando-a. — Pense em algo que te faça feliz.
Algo que não cause medo. Mas, sempre se lembre que você não está
sozinha, não há ninguém que vá te machucar aqui ou em qualquer outro
lugar. Sempre vou estar ao seu lado, não importa a batalha. — Ela assente
de leve me indicando que seu pânico, pouco a pouco, vai se dissipando. —
Nós vamos avançar um pouco, tudo bem?
— Ok. — Dou um passo para frente, levando-a junto.
Eu a seguro enquanto adentramos a piscina, seus olhos se abrem
quando estamos submersos até a altura do peito. Assim que sinto que esse é
o limite por hoje, eu a deixo se acostumar com a sensação da água e a
flutuabilidade que seu corpo encontra nesse ambiente.
Analu não precisa temer a isso.
Ela está segura comigo.
Sempre vai estar.
— Eu quero tentar mergulhar — ela diz, de repente.
— Ainda não é o momento certo.
— Por quê?
— Porque é a sua primeira vez, em muitos anos, que está na água
sendo amiga e não inimiga dela, Analu — digo com firmeza. — E por mais
que queira ver você conseguindo mergulhar, eu sei que nossos traumas não
somem rapidamente. Você precisa se acostumar com a ideia de que a água
não é mais sua rival e então, quando entender isso, nós vamos com calma e
assim que realmente sentir que está pronta, mergulhamos.
Analu me encara por alguns segundos.
Ela sabe que estou certo. Não há como superar as coisas que se
enraízam em nossa alma do dia para a noite, é um processo lento, às vezes
desgastante. Temos que ir com calma, dar a nossa mente o tempo certo para
curar uma ferida, que ele não estava pronto para ter.
Sei disso porque quando Matt morreu e eu não conseguia falar,
passei horas tentando proferir palavras, gritar e nada adiantava. Nada
adiantava porque eu ainda não estava pronto para isso, para superar que
ainda jorrava dentro do meu peito.
Aprendi com isso que devemos aceitar o nosso tempo de cura.
Devemos entender que nem todo machucado é para sempre.
E que nem mesmo aquela ferida, que nos fez chorar durante uma
noite toda, perpetuará em nossa carne.
Ela irá se curar, mesmo que seja lentamente e que seja no seu tempo,
mas ela irá.
— Obrigada por não me odiar. — Ela se aproxima, colando sua testa
à minha. — Por me tratar como você trata as minhas amigas.
— Eu não te trato como as trato, princesa. Porque Hazel, Summer e
Verônica são minhas amigas. Mas você não. Você nunca vai ocupar esse
lugar na minha vida — digo e percebo um resquício de decepção inundar
seus lindos olhos castanhos. — Porque nunca poderei olhar para você e
dizer que é uma amiga. Você sempre será mais. Você é tudo!
Analu sorri.
É lindo. Não há nada a segurando neste instante.
Não há seus medos, suas inseguranças. Há apenas a mulher que eu
amo, que possui todo o meu coração, mesmo que eu saiba que possuo o
dela, mas ainda não está pronta para admitir isso.
— Eu quero que você saiba que, mesmo que o mundo me ache uma
megera insensível e mesmo que eu seja uma, às vezes... — Sorrimos
quando as palavras saltam dos seus lábios. — Quero que saiba que você é
cada batida do meu coração, Levi Johnson.
Antes que possa me segurar, eu a beijo.
Eu a beijo como se ela fosse a única respiração que eu preciso e ela
me beija como se aceitasse isso.
E pelos próximos dias, Analu me mostrou que ela realmente é isso
para mim.
E eu dei a ela todas as minhas tentativas de fazê-la feliz.
Nós mostramos que somos complementares.
Ah, eu não me importo com os outros
Porque tudo que eu quero é ser amada
E tudo que me importa é você
Você grudou em mim como uma tatuagem
Não, eu não me importo com a dor
Eu vou andar pelo fogo e pela chuva
Tattoo | Loreen

Eu giro a minha raquete uma última vez, enquanto a minha


adversária se concentra em algo em seu celular na espera do último juiz.
É estranho a sensação de estar aqui. De sentir todos me encarando.
Depois de quase oito anos, eu finalmente estou competindo em uma
partida de tênis. Não porque desejo, mas porque sei que se eu conseguir
levar aquele troféu para o clube e livrar Elijah dos treinos obrigatórios, ele
me contará o que eu desejo saber.
Esse foi o nosso acordo quando liguei para ele após sair do hospital.
Foi a única coisa que ele impôs, mesmo que eu passasse anos lhe
ameaçando e até mesmo suplicando para que me contasse. Agora, após
anos, bastou apenas uma ligação e um troféu idiota para que ele me diga o
que tanto guarda para Amara, para que ela o faça me treinar.
Me dê um troféu e eu te dou a verdade.
Esse foi o nosso acordo.
Mas e se eu não conseguir? E se, mais uma vez, eu me decepcionar?
São perguntas demais e eu não possuo respostas.
Apenas sei que preciso fazer isso.
Preciso fazer com que eu tenha pelo menos uma chance contra ela.
E o medo de fracassar é tão grande que nem mesmo disse a alguém
que hoje eu participaria de uma partida, que poderia definir meu futuro.
Nem mesmo as minhas amigas. Não fiz porque desejava, mas sim, porque
se eu perder essa partida, não há alguém para decepcionar.
Agora, entretanto, eu talvez tenha me arrependido disso, porque a
cada novo olhar para a arquibancada, onde familiares, amigos e dezenas de
pessoas estão assistindo, me faz lembrar de todas as vezes na minha
adolescência que desejei que alguém fizesse isso.
Todas as vezes que eu esperei por qualquer pessoa e nenhuma delas
veio.
Apenas Vee, antes de brigarmos, ia me ver jogar mesmo que odiasse
esse esporte. Ela ia, se sentava na frente e sorria para mim. Sorria
orgulhosa. Mas isso foi antes, agora observo a primeira fila reservada para
minha família. Não há ninguém a não ser Elijah Caine.
Meu treinador é o único que possui a verdade sobre Amara.
O único que pode me dar um resquício de esperança.
Fecho meus olhos por um momento, me concentrando e esquecendo
tudo ao meu redor. Assim que a bola voa para o meu lado da quadra, deixo
tudo para lá.
Nada mais importa.
Somos eu e minha adversária.
Entretanto, mesmo que eu seja boa, não consigo esquecer que há um
banco vazio na primeira fileira. Não esqueço que eu não os avisei e nem
esqueço o que está em jogo com tudo isso. Essa constatação faz minha
respiração saltar do meu peito de forma desenfreada e meu coração doer.
Eu sentia falta das quadras, sentia falta de estar jogando porque eu
gostava e não porque era obrigada, porém, hoje não é uma dessas vezes,
não quando não há um motivo para continuar e não há ninguém para
compartilhar a taça que será entregue.
Apenas faço isso em uma forma de conseguir algo que possa me
tirar das mãos de Amara.
Um longo suspiro sai dos meus lábios. Eu não consigo sentir alegria
como sinto quando estou no estágio ou nos tribunais. Nem mesmo se
compara à alegria que sinto quando me deito na quadra após um longo
treino.
Para ser sincera, eu nem mesmo me importo de perder desta vez.
E nem me importo que posso ficar em segundo lugar.
Não me importo, porque aprendi que nem sempre ser a segunda em
algo, é uma coisa ruim. Aprendi que não precisamos ser sempre o número
um em tudo. Não precisamos ser perfeitos. Está tudo bem sermos outros
números, está tudo bem desistir e tentar outra vez. Está tudo bem não seguir
o fluxo das coisas conforme todos fazem.
Nós fazemos os nossos próprios fluxos.
Nós traçamos nossos próprios caminhos.
Demorei para entender isso, mas quando compreendi tudo fez
sentido.
De repente, um barulho na arquibancada faz com que meus olhos se
elevem e o jogo é esquecido. Até mesmo a garota do outro lado da quadra,
para o seu jogo.
Não, é impossível.
Encarando a para a primeira fileira reservada para a minha família,
percebo que ela já não está vazia. Eles estão lá. Levi, Hazel, Verônica,
Summer, Logan, Oliver, Dylan, Josh, Edmund, Melany e Andrew. Todos
eles. Minha família. A única família que eu desejo ter e que eu lutarei para
proteger até que já não me reste mais forças.
Porque eles me aceitam. Me escolhem. Eles atrapalham um maldito
jogo para torcerem por mim mesmo que eu não tenha dito a ninguém. Meus
amigos se ajeitam nos bancos não se importando se recebem olhares
fulminantes por terem interrompido uma partida final ou se até mesmo eu
estou perplexa.
Todos estão aqui por mim.
Cada um deles.
Eu não estou mais sozinha. Em nada.
De repente, Levi se mexe e eu ergo uma sobrancelha, entretanto,
quando detrás dele sai uma pessoa pequena que tem todo o meu coração e
sorri para mim como sempre sorriu, quando estamos olhando suas estrelas,
lágrimas preenchem as bordas dos meus olhos e meu irmão balança a
cabeça em sinal para que eu não chore e levanta os polegares.
Theo. Meu irmão.
Minha âncora que sempre sonhou em me ver jogar.
Meu melhor amigo, que assistiu meu filme favorito e sempre me
puxou fora da minha mente mesmo sendo uma criança.
— Brilhe como uma constelação, Lu — ele grita.
Eu prometo a mim mesmo que farei. Que darei a ele essa vitória.
Viro meu rosto para as minhas melhores amigas. Hazel derrama
lágrimas e culpo isso pelos hormônios da gravidez. Summer segura algo
que não consigo enxergar direito e então, há Vee, que sorri para mim como
sorria no passado. Com orgulho. Com amor.
O mesmo sorriso que está estampado no rosto de todos.
Summer passa algo branco e grande para Levi. Não sei bem do que
se trata, mas chama a atenção de todos. Cada pessoa atrás deles observam a
cena e nenhum deles se importam.
É brega e em outra circunstância eu acharia patético, mas hoje, não.
Hoje eu deixo com que as lágrimas terminem de encher a borda dos meus
olhos quando percebo o que é, o que estão prestes a fazer.
Levi Johnson, o meu rival, o homem que me conhece melhor do que
ninguém, está neste momento, levantando uma faixa extremamente cafona
com uma frase ainda mais cafona.

“O primeiro lugar sempre será seu”

Tenho vontade de socá-lo para então beijá-lo.


E, não é apenas isso, porque do outro lado, segurando a outra
extremidade da faixa, está Hazel. A minha irmã. Quem eu nunca imaginei
que ocuparia esse lugar, mas que agora não desejaria que mais ninguém
fizesse tal ato.
Eles seguram o objeto com tanto orgulho que eu não consigo desviar
o olhar.
Andrew pega Theo no colo que sorri para ele, enquanto conversa
muito animado com Melany, apontando para mim.
É uma cena que eu nunca imaginei viver, mas agora que agora se
torna um dos meus momentos favoritos em toda a minha vida.
— Você é o sol! — Hazel grita, não se importando se isso soa
estranho para outras pessoas. — Agora, traga esse troféu para nós.
Hazel torce por mim. Levi está aqui. E ao lado deles, os meus
amigos sorriem.
A minha família.
Eles estão aqui. Por mim. Apenas por mim.
Uma lágrima cálida desce pelo meu rosto quando um sorriso
estampa meu rosto.
É uma lágrima de alegria. É um novo sentimento que quase nunca
experimentei, mas que agora não me vejo sem. Eu não estou mais sozinha.
Não mais.
Eu tenho uma família, amigos e um motivo para ser quem sou.
Com esse pensamento giro a raquete e encaro a garota do outro lado
da quadra. Ela me observa como se entendesse o que significa ter amigos
que seguram o seu mundo. Ela sorri, volta o olhar para mim e maneia a
cabeça.
Então, jogamos.
Nós rebatemos a bola inúmeras vezes. Corremos pela quadra e
damos o nosso melhor. Ela é boa, até mesmo teve a vantagem no começo,
contudo, eu sabia controlar todas as técnicas que Elijah me forçou a
aprender por anos e não carregava o título de melhor tenista da cidade por
acaso. Ao contrário dela, eu pude perceber que ela não estava aqui para
ganhar um jogo. Eu sei disso porque a conheço perfeitamente.
Com isso, no último set, mesmo com a expressão concentrada da
garota, eu já sabia que essa partida estava ganha. Sabia que não havia mais
como ela virar o jogo e quando o juiz de cadeira finalmente dá a partida por
encerrada, eu solto um suspiro de alívio ao mesmo tempo que meus amigos
gritam.
Eu venci.
E, desta vez, as pessoas que realmente são importantes para mim
estão aqui.
E eu não me importo com mais nada, a não ser a forma como eles
me encaram orgulhosos.
De repente, minha adversária se vira e eu a observo já sabendo quem
é. Não há como não saber, não quando eu fui responsável por ajudar
Annabeth em seu caso e que, além disso, é uma das influencers mais
seguidas da atualidade.
A herdeira do império de diamantes e a princesa da mídia de Nova
York.
Aurora Conway.
Havia algo no seu olhar. Algo que eu conhecia bem. Conheço
porque passei anos escondendo-o. Esse olhar significava passado, dor e
vazio.
Dou um passo para o lado, a fim de ir atrás de Levi. Não querendo
mais observá-la, parecia íntimo demais. Porém, ao mesmo tempo que
começo a andar no sentido contrário, Aurora se vira e vem ao meu
encontro, girando sua raquete.
Não posso deixar de admirar o quão deslumbrante ela é. O cabelo
castanho amarrado em um rabo de cavalo destaca os seus olhos
esverdeados, que além de lindos são vazios e intimidantes. Seu nariz
arrebitado e as sobrancelhas expressivas me mostram o quanto não deseja
estar aqui.
— Acho que nunca fomos devidamente apresentadas. — Um sorriso
se estende pelo seu rosto, ao mesmo tempo que sua mão se levanta. — Eu
sou Aurora Conway. Mas você pode me chamar de Rora.
Ergo minha mão, apertando a sua.
— Analu Parker. — Encaro-a. — Não sabia que era uma tenista.
— Eu não sou. Na verdade, eu odeio esse esporte. — Um sorriso
zombeteiro toma conta de seus lábios. — Estou fazendo um favor a um
amigo que precisa de publicidade positiva.
Uma risada salta dos meus lábios.
— Você sabe que tenho seus registros e sei que não é bem um amigo
que precisa de publicidade positiva, certo? — Ergo uma sobrancelha.
— Você é perspicaz — diz e há uma sobra de admiração em seus
olhos.
— Gosto de acreditar que sim. — Me preparo para me virar.
— Eu soube que o babaca do McLaughlin te procurou — constata.
— Sim, ele me procurou e eu não estou falando sobre ele com você.
— Ele não vai atrás de vocês mais. — Ela dá ombros. — Então, não
precisa se preocupar com ele tentando saber dos meus problemas.
Ergo uma sobrancelha, não me importando com isso.
— Não se meta em problemas, Aurora.
Ela inclina a cabeça e sorri.
— Eles que me perseguem.
Solto uma risada nasalada e finalmente me viro, decidindo que isso
não é um assunto que quero lidar no momento. E assim que meus olhos
encontram meus amigos me esperando, caminho a passos rápidos até eles,
sentindo-os me envolverem em um abraço.
— Você foi incrível, Lu — Theo diz com um sorriso tímido.
Me abaixo, sorrindo fraco.
— Eu tive uma motivação incrível — sussurro para ele e ergo meu
rosto para os meus amigos. — Como vocês souberam?
Levi dá um sorriso amplo.
— Eu te falei que eu sei tudo sobre você, princesa.
Sorrio para ele.
— Você é um idiota — murmuro, mas há humor em minha voz.
— Eu sei.
De repente, Oliver aparece ao lado de Levi e ergue uma sobrancelha.
— É lindo esse momento, mas eu estou com fome — resmunga. —
Então, Oásis?
Summer revira os olhos e Verônica solta uma risada.
— Terão cadeiras suficientes dessa vez? — zombo para ele. — Ou
todos nós vamos precisar observar você e Summer flertar?
— Você nunca vai esquecer isso, não é?
Umedeço meus lábios.
— Jamais.
— Você e Levi vão trocar ofensas outra vez? — ele zomba.
Dou a ele um sorriso falso.
— Eu nunca troco ofensas, eu apenas digo a verdade.
— Você é uma megera, Jesus — Ollie brinca.
— De fato, ela é. — Levi resmunga.
— Eu tomo isso como elogio. — Jogo meus cabelos para trás.
Então, todos eles sorrirem. É um sorriso que até mesmo toma conta
do meu rosto ao passo que caminhamos até a saída.
É isso.
Eu consegui.
Eu finalmente estou onde pertenço.
E não há nada no universo que possa se comparar a esse sentimento,
nem mesmo o troféu que estou prestes a receber.
Eles são meu prêmio final. São aquilo que sempre desejei, mas
nunca me permiti ter.

Quando decidi que pediria a Elijah, uma última vez, a verdade sobre
Amara, nunca imaginei, que ele realmente estava disposto a conversar sobre
isso. Nunca imaginei que horas após ganhar aquele jogo, ele realmente teria
me mandaria um e-mail marcando um novo treino para isso.
Ele a protegeu por anos.
Ele aceitou a ira de Henrique e me treinou apenas porque ela pediu.
Elijah odiou cada segundo e mesmo assim não pediu demissão.
Contudo, todas as vezes que seus olhos me fitavam, era como se ele
soubesse algo que eu nunca teria como imaginar e agora, enquanto caminho
em direção a quadra de tênis, onde ele me espera para o nosso último treino,
me pergunto se estou pronta para realmente saber o que ele tanto esconde.
— Você está atrasada para alguém que deseja tantas respostas — ele
grunhe, segurando sua prancheta.
Os cabelos castanhos claros, mandíbula afiada e um olhar vazio me
fazem estagnar.
— Eu estou no meu horário. — Ergo uma sobrancelha. — Agora eu
me pergunto se você está pronto para deixar de ser a cadela de Amara.
Ele sorri, jogando-me uma raquete e eu a pego, acompanhando-o até
a quadra.
— Você acha que eu sou o pai de Theo. — Não é uma pergunta.
— Você é?
Ele me encara por um segundo, antes de deixar os ombros caírem e
um sorriso fraco nasce em seus lábios.
— Não. — Elijah suspira. — Eu não poderia ser.
— Então, por que Henrique te odeia? — questiono.
— Você já procurou saber o nome de solteira de Amara? —
contrapõe.
— Daugherty — digo, me lembrando da vez que vasculhei atrás de
algo que me ajudasse a derrubá-la.
— Não, Analu. Esse é o que ela colocou em seus documentos após a
morte dos seus pais — Ele sorri. — O que eu quero saber é se você sabe
qual é o sobrenome de solteira da mãe dela.
— Não. Ela nem mesmo falava de seus pais.
— Não me surpreende. — Ele sorri novamente. — O sobrenome
dela era Caine, Analu.
Caine. Caine como Elijah.
— Então você...
— Sou irmão da sua mãe, Analu. — Ele deixa um suspiro sair de
seus lábios. — Então, não posso ser o pai de Theo.
Então tudo o que eu estava planejando se torna, de repente, a coisa
mais patética do universo.
Se Elijah não é pai de Theo, quem poderia ser? Quem seria tão
monstruoso ao ponto de se relacionar com Amara sabendo que ela não é
uma mulher confiável?
— Se você não é o pai dele, por que você é tão fiel a ela?
— Eu não sou fiel a sua mãe. Se ela morrer, eu não me importaria
nem mesmo em comparecer ao funeral — ele afirma e vejo a fúria em suas
pupilas. — Quando eu me lesionei e não pude mais voltar às quadras, eu me
viciei em analgésicos. Sua mãe pagou todo o meu tratamento e cuidou das
manchetes que saíram com nosso sobrenome envolvido, em troca de que eu
treinasse você, para que Henrique sentisse orgulho ou algo semelhante. Não
me importava com você ou Theo, eu só queria a minha paz de volta e todas
as vezes que tentei sair, ela me chantageou com seus truques idiotas. Mas,
quando eu te vi abandonando a quadra na sua última competição, porque
seu irmão estava machucado, eu soube que você não era uma cópia da sua
mãe e que ainda restava alguém com nosso sangue que valeria a pena
salvar.
Solto uma risada falsa.
— Então, você escondeu os segredos dela por benevolência?
Ele cruza os braços frente ao corpo.
— Eu fiz isso porque você não estava pronta para saber a verdade.
Fiz porque você ainda era uma adolescente mimada que não saberia lidar
com a verdade. — Seu rosto não me indica que está brincando. — Como
sua mãe se casou com seu pai?
— Um acordo entre meus avós.
— E por que esse acordo foi feito?
— Porque a empresa de Henrique estava passando por uma troca de
diretoria e precisavam mostrar que ele era responsável o suficiente para
administrar todo o Parker Group — minha voz, sai confusa por não
entender o motivo que ele está relembrando isso.
— E por que será que, de todas as socialites, Amara, a filha de um
corrupto, foi a escolhida? — Um sorriso lascivo salta dos seus lábios. —
Por que alguém se casaria com ela?
— Ela o chantageou.
— Imagina o mundo todo saber que o herdeiro Parker tinha um caso
com uma garçonete que cursava enfermagem por uma bolsa estudantil? —
ele pergunta retoricamente.
A constatação caí sobre mim.
Por isso a luta para se manter no topo. Por isso a obsessão por
Henrique não sujar o nome da família com as suas traições. Amara tinha
medo de que acontecesse a mesma coisa com ela novamente. Ela tinha
medo de que as pessoas a olhassem com desdém, com despeito e a achasse
inferior.
Ela me destruiu para controlar como as pessoas a enxergam.
Meus olhos se arregalam.
— E você? Por que nunca saiu nada na mídia sobre você?
— Eu nunca fui próximo dos meus pais por não me interessar pela
empresa deles, então, fiz a minha carreira com o nome de solteira de nossa
mãe e quando tudo explodiu, fingi que os não conhecia.
— Tão fácil assim?
— Tão fácil assim. Você nunca se perguntou como seus avós
morreram? — Ele ergue uma sobrancelha e eu dou de ombros
desinteressada. — Você definitivamente odeia a sua família.
— Sim, eu odeio. — Dou de ombros. — Agora, continue.
— Acidente de carro, Analu.
— Proposital, eu suponho.
— Foi dado como suicídio — sinto o rancor em suas palavras. —
Mas meu pai era orgulhoso demais para cometer algo assim.
— Não há provas. — Cruzo meus braços. — Se você for esperto o
suficiente, saberá que para reabrir um caso de tamanha repercussão, você
terá que possuir provas concretas. Além disso, isso foi há anos, o que
significa que talvez o crime já tenha sido prescrito. O que não me ajuda em
nada.
Ele sorri.
— Mas isso não significa que você não pode alegar instabilidade
emocional e comportamental em relação a criação de Theo. — Meus olhos
se fixam nos seus. — Você pode se tornar a guardiã legal dele e tudo o que
ele tem direito por lei.
Franzo o cenho.
— Não se o pai dele estiver vivo. — Solto um suspiro. — E você
tirou todas as minhas expectativas ao me dizer que era irmão dela. A não
ser que tenha um fetiche estranho.
Ele sorri.
É um sorriso repleto de sentimentos que não consigo compreender.
Elijah sempre foi uma pessoa fechada, nunca confiou em ninguém.
Antes, eu achava que se dava ao fato de sua lesão, mas agora percebo que
ele é assim porque a sua própria irmã assassinou seus pais e destruiu tudo o
que o rodeava.
— Você tem certeza de que ele está vivo? — pergunta.
— Você sabe de algo a mais?
— É estranho Theo ter olhos verdes e o cabelo de um tom loiro
escuro, quando você e Amara possuem olhos castanhos e o loiro mais claro,
certo?
— Isso não me ajuda em nada, Elijah. — Reviro meus olhos. —
Pessoas têm filhos com características diferentes, principalmente quando os
pais não são os mesmos.
Ele dá de ombros.
— Você tem razão. — Suspiro fundo, pronta para me virar e ir
embora, entretanto suas palavras me fazem estagnar. — Mas você já
percebeu como Theo e Andrew são parecidos? Ou como os olhos de Oliver
são iguais aos de Theo?
Meu rosto fica pálido.
Eu nunca havia feito a comparação de semelhanças.
Nunca passou pelo meu pensamento.
Amara e Brandon? Impossível.
Não. Não. Não.
As vezes que ela foi para Nova York, a forma como sempre voltava
feliz, passam pela minha mente. Eu não posso acreditar nisso. Brandon
Wright sempre foi um monstro e não acredito que Amara se prestaria a isso;
A se relacionar com um homem que espancou o próprio filho e tentou
assassinar a esposa.
O pior disso tudo, é que ela realmente teria essa coragem, porque ela
me destruiu apenas pela sua ambição.
— Impossível... — me pego sussurrando.
— Pergunte a Oliver o nome da mulher que estava no apartamento
em Nova York quando ele era uma criança e derrubou a bebida favorita de
seu pai pelas escadas, fazendo com que ele a mandasse embora com um
motorista. — Elijah diz e tudo dentro de mim vira gelo. — Pergunte a ele
como ela o encarou e tire suas próprias conclusões.
— Como você sabe disso?
— Sua mãe estava hospedada no meu apartamento e xingou o
pestinha por uma noite toda. — Ele revira os olhos. — Eu apenas colhi as
informações que achei necessárias.
— Se isso for verdade...
Ele dá um passo à frente e estende uma pasta para mim.
— Você terá a guarda de Theo, Analu. — Ele sorri, é verdadeiro. —
Aqui estão as provas que você precisa. Qualquer coisa, você sabe onde me
encontrar.
Eu a pego e me viro.
Meus pensamentos a milhões por hora.
Theo, meu irmão, também pode ser irmão de Oliver e Andrew.
Puta merda!
Sabia que nos tornaríamos um bem no começo
À primeira vista, senti a energia dos raios de sol
Vi a vida dentro dos seus olhos
Então brilhe intensamente
Esta noite Você e eu
Nós somos belos como diamantes no céu
Diamonds | Rihanna

Eu nem mesmo presto atenção na estrada.


Minha mente é um emaranhado de pensamentos sobre como Amara
conseguiu esconder isso por tanto tempo e em como Henrique sabia disso o
tempo todo e mesmo assim se manteve quieto. Ele apenas disse nas
entrelinhas, algo sobre a paternidade de Theo, no dia que descobri que
Hazel é minha irmã.
Ele sabia e nunca ousou dizer.
Ele sabia que Theo podia correr perigo e não se importou.
Aperto o volante com força, se Theo realmente for filho de Brandon,
tudo muda.
Oliver pode querê-lo. Não, isso não. Ollie não faria isso, eu o
conheço o suficiente para saber que ele não fará algo que possa me fazer
perdê-lo por definitivo. Entretanto, o mero pensamento de não ter o meu
irmão ao meu lado, de não poder ver seu sorriso e escutar as suas
gargalhadas, destrói tudo dentro de mim.
Eu estive lá quando ele teve medo.
Eu o segurei quando os exames o deixavam irritado.
Eu o aplaudi de pé quando apresentou seu primeiro projeto de
ciências.
Eu o ajudei a colocar as estrelas no teto e me deitei ao seu lado para
observá-las.
Eu estive lá por ele desde que ele era apenas um bebê.
Theo foi a minha luz quando o mundo era escuridão.
Ele foi a minha válvula de escape. Foi o encontro de almas que não
sabíamos que existia até que aqueles olhos verdes viraram para mim e
brilharam.
Assim que os enormes portões da mansão Wright se abrem e vejo o
jardim florido e todas as janelas abertas, solto um suspiro. Theo gostaria
daqui. Ele gostaria de correr pelas grama e se deitar à noite para observar as
estrelas.
Balançando minha cabeça, estaciono meu carro em frente aos
poucos degraus e encontro o rosto confuso de Oliver. Ele cruza os braços
frente ao corpo e meus olhos vão direto para suas feições, procurando por
algo que me lembre meu irmão. Por um mísero resquício de que o que
Elijah me disse é verdade ou não.
Os olhos verdes me dão tudo o que preciso.
São idênticos e eu me pergunto como não reparei. Como não pude
perceber isso.
— Eu devo me preocupar com a forma que está me encarando? —
Ollie questiona.
— Depende. — Jogo meus cabelos para trás do corpo. — Você está
livre para uma conversa que pode mudar toda nossa perspectiva de vida?
Um vinco se forma entre suas sobrancelhas.
— E eu achando que você veio me dizer que chutou a bunda de Levi
— Um pequeno sorriso nasce em seus lábios. — Você chutou?
— Eu tenho motivos para fazer isso?
— Ele socou Mike.
— Então, ele merece a porra de um beijo. — Sorrio friamente. —
Agora podemos falar do que realmente importa?
— Por favor — ele maneia a cabeça. — Vamos para a biblioteca.
Segurando a pasta, eu o sigo pelos enormes corredores.
Ao passo que adentramos a enorme casa, posso ouvir a melodia
lenta de um piano ao longe e tenho certeza de que é de Abigail. A mãe de
Oliver prefere a companhia do instrumento a ter que conviver com as outras
mulheres da Parte Alta. Desde que ela voltou dos mortos, as únicas pessoas
que ela realmente aceita visitas são Amber e Thea.
Elas eram como Vee, Sum, Haz e eu.
Era um elo que ninguém poderia quebrar, até que se casaram.
Até que o amor ou falta deles as destruíram.
Amber se tornou advogada fria que prefere o exílio de sua casa em
Milão, junto aos seus desenhos do que ter que encarar seu marido. Abigail
se quebrou depois que Brandon surgiu em sua vida e Thea abdicou do amor
após a partida precoce de seu marido, anos atrás.
— Analu?
Olho para frente, abandonando meus pensamentos e percebo que
chegamos. Ollie caminha até a poltrona e se senta, enquanto eu tomo o
lugar na poltrona ao seu lado.
— Não sei como começar esse assunto sem invadir a sua
privacidade.
— Isso é um pouco assustador. — Ele ergue o rosto. — Mas tente.
— Eu quero deixar claro que não estou apreciando te fazer relembrar
dessas coisas.
— Certo. — Ele maneia a cabeça. — Agora vá em frente.
— Houve, alguma vez, que uma mulher foi no apartamento que
morava em Nova York e você derrubou a bebida favorita de seu pai pelas
escadas?
O corpo de Oliver enrijece como se lembrasse do que aconteceu. Do
que o pai dele fez com ele por conta disso e tudo dentro de mim se torna
ódio puro por saber que estou fazendo-o relembrar de algo que não deveria.
Eu odeio tudo o que aquele homem representa.
Ele se inclina para trás, ajeita as pernas e ergue o queixo.
— Isso tem algum fundamento?
— Infelizmente, sim.
— Ok. Neste dia, em especial, ele me bateu até que Andi me
chamasse pela porta. Então, nunca poderia me esquecer. — Suas palavras
são duras. — Por que está me perguntando isso?
— Antes dele ser um covarde de merda, você viu alguma mulher
naquele dia?
— Brandon chegou acompanhando de uma mulher alta e loira. —
Ele leva a mão ao queixo — Não guardei a fisionomia dela, mas por que
quer saber disso, Analu?
Tudo em mim congela.
Não pode ser.
Não pode ser ela.
— Por favor, só me diga uma última coisa antes que eu te explique.
— peço, minha voz saindo dolorosa. — V-você se lembra o nome dela?
Ele me encara como se estivesse puxando isso de sua memória.
Nesse instante, eu peço para que não seja ela.
Para que Amara tenha engravidado de qualquer pessoa, menos do
sádico que destruiu a infância do meu amigo. Contudo, quando seus olhos
se voltam para os meus, eu posso ver claramente Theo esculpido em suas
pupilas.
— Amara... — Ele faz uma pausa. — Não me diga que...
— Theo pode ser filho de Brandon, Ollie. — Não desviamos o olhar.
— Ele pode ser...
— Meu irmão — completa. — Porra. Isso definitivamente muda a
nossa perspectiva de vida!
— Você não precisa lidar com isso, Oliver — digo, me levantando.
— Eu só precisava saber a verdade. Eu posso resolver tudo.
— Lidar exatamente com o que, Analu?
— Theo sendo seu irmão — afirmo.
Com a rejeição que pode causar nele.
— Se isso realmente for verdade e eu acredito que seja, eu vou tê-lo
como irmão assim como tenho Andrew. Não é porque ele é filho daquele
homem que significa que ele deixa de ser uma parte da minha vida. — Há
tanta convicção em suas palavras. — Eu sei que você faria qualquer coisa
por ele, assim como eu faria e faço por Andi e irei somar Theo a isso. Ele
vai ser amado como você sempre desejou que ele fosse.
— Não posso pensar na probabilidade dele se machucar, Ollie —
murmuro com a voz embargando. — Eu não suportaria ver mais pessoas
rejeitando-o ou abandonando-o. Ele é tudo para mim.
— Nós nunca o machucaríamos, Lu. Eu o protegeria como
protegeria você ou qualquer outra pessoa que amo — ele devolve, pegando
uma das minhas mão e apertando, em gesto reconfortante. — Agora, sente-
se e deixe-me ligar para Amber.
— Amber?
— Ela é a minha advogada — Ele sorri. — E nós vamos lidar com
isso. Amara nem perceberá o que está chegando para ela.
Ele leva o telefone até os ouvidos e eu jogo novamente na poltrona.
Eu nunca pensei que um dia estaria montando um plano com Oliver
Wright para derrubar Amara, para que ela nunca mais machuque alguém.
Nunca imaginei também que um dia eu estaria lhe dizendo que temos um
irmão em comum.
Agora percebo que meu medo era em vão.
Ollie nunca me afastaria de Theo, ele me ajudaria a resgatá-lo da
mão de Amara.

Eu sabia que não deveria dormir com Levi a semana toda no


apartamento dele.
Eu sabia disso e mesmo assim o fiz e não me arrependo, não quando
acordar com os braços dele em minhas costas e minha cabeça em seu peito,
se tornou a minha melhor posição para adormecer mesmo que jamais diga
isso a ele.
Porém, agora é uma luta conseguir sair de seus braços sem acordá-
lo.
Levanto seu braço de leve, girando-me na cama e pegando sua
camiseta antes de me virar e tentar chegar até o banheiro. Entretanto, a sua
voz sonolenta me faz parar:
— Você vestida com a minha camiseta e meu nome estampado atrás,
é a minha nova visão favorita. — Sorri, mostrando suas covinhas. — Você,
definitivamente, precisa usar na universidade.
Reviro meus olhos.
— Você ainda está sonhando — debocho. — Eu nunca usaria uma
camisa com o nome de alguém.
— Então, você quer apostar? — Ele se senta, dando-me a visão do
seu peito nu.
Viro-me, caminhando de volta a cama e subindo em seu colo. Levi
deixa um beijo leve em minhas bochechas e se afasta, segurando minha
cintura.
— E o que você quer apostar desta vez, Levi?
— A viagem a Bora Bora. — Ele se aproxima e beija meu queixo,
arrancando-me uma pequena risada. — Eles irão fechar o acordo em uma
hora.
Rolo meus olhos uma segunda vez, me afastando.
— Duas horas para acertarem os termos e mais quarenta minutos
para assinarem o contrato. — Sorrio. — E se eu ganhar, quero o seu carro.
— Você ainda é obcecada pelo meu carro?
— Sou mais pelo dono dele, mas eu ainda o quero para mim. — Me
levanto enquanto ele solta uma risada. — Agora ande, nós temos aula e eu
preciso me encontrar com Amber.
Resmungando, Levi sai da cama e me acompanha até o banheiro.
Vinte minutos depois, nós finalmente estamos saindo do quarto dele em
direção a sala, dando de cara com Verônica, Hazel e Summer paradas na
cozinha e com um sorriso malicioso no rosto.
— O que vocês fizeram? — Levi pergunta.
— Ainda não fizemos — Hazel responde e percebo uma pequena
careta de dor em seu rosto. — Ainda.
— E o que vamos fazer? — Passo por elas, pegando uma maçã e
Levi pega uma xícara de café, levando-a aos lábios
— Destruir um carro. — Verônica responde, jogando os cabelos para
trás.
O líquido salta da boca de Levi diretamente no chão e eu franzo o
cenho.
— Vocês vão fazer o quê? — Logan aparece atrás delas, com os
olhos arregalados.
— Novamente, destruir um carro — Summer revira os olhos. —
Vocês estão lerdos hoje, hein.
— Não é lerdeza, é perplexidade.
Mordo minha maçã, entediada.
— Eu tenho um taco de beisebol no meu porta-malas — digo, entre
uma mordida e outra. — O carro é de qual infeliz?
— Por que você tem um taco de beisebol no carro? — Levi
questiona em alerta.
— Segurança. — Dou de ombros e volto minha atenção para as
minhas amigas. — Então?
Os olhos delas vão até mim e percebo o ódio irradiando delas.
— Mike — Summer responde. — Ninguém mexe com uma de
nossas amigas e sai impune.
— Então? Você vai querer ir ou vai só fingir que nada aconteceu? —
Hazel umedece os lábios. — Vamos?
— Eu gosto da ideia — Dou uma última mordida. — Fazer o
desgraçado perder a posição no time e levar alguns socos não foi o bastante.
Então, sim, nós vamos fazer isso.
Antes mesmo que Levi e Logan pudessem dizer algo, nós quatro
saímos do apartamento rumo ao elevador. Assim que as portas se abriram
de novo, a silhueta de Melany faz com que todas nós fiquemos paradas e ela
sorri como se soubesse que estamos indo aprontar. Mel não é idiota e
quando um sorriso se forma em seus lábios, eu sei que ela não nos deixará
em paz, porque se tem algo que Melany Underwood gosta, é de problemas.
— Não — Verônica diz antes mesmo que Mel tenha a oportunidade
de falar algo. — Você não está vindo com a gente.
— Vamos lá, Vee — Ela sorri diabólica.
— Não, Logan vai querer a cabeça de alguém se descobrir que levei
sua irmã caçula para problemas — Vee resmunga passando por ela e indo
até o Bugatti.
— O que vocês vão fazer?
— Destruir um carro — respondo.
Os olhos de Mel brilham.
— Analu! — Verônica exclama.
— O quê? — Ergo uma sobrancelha. — A deixamos trancada no seu
carro. Ninguém vai saber.
— Ei! — Mel grita. — Isso é crime.
— Que bom que estou me formando em Direito e sei como me
defender. — Reviro meus olhos. — Agora cale a boca e entre no carro antes
que eu mude de ideia e te jogue no elevador.
— Eu amo o seu humor sombrio.
— Não é humor, Mel — Dou um sorriso falsa. — É a porra de uma
ameaça.
Ela solta uma risada se jogando no banco de trás ao lado de Summer
e Hazel enquanto eu vou na frente com Verônica que dirige até o
estacionamento do campus em uma velocidade surpreendente. Assim que
entramos nos arredores da universidade e onde alguns carros estão,
Verônica estaciona na última vaga escondida de possíveis curiosos.
Não há ninguém no local por ainda ser muito cedo e todos nós
sabíamos que Mike sempre era o primeiro a chegar. Nem mesmo o
segurança chegou ainda, então, precisamos ser rápidas e práticas. Não há
como apreciar o que estamos prestes a fazer e correr o risco de que alguém
nos pegue.
De repente, a cabeça de Melany aparece entre mim e Verônica e ela
sorri ansiosa.
— Então, qual é o plano? — questiona.
— Destruir o carro? — Hazel se encosta no banco.
— Entediante. — Ela revira os olhos. — É um Aston Martin. Sejam
criativas.
— Só destruí-lo não é o suficiente. — Vee sussurra encarando o
automóvel, então seu olhar cruza com o meu e eu sorrio.
É sombrio. Calculado e sei que pensa o mesmo que eu.
— Vamos devolver no olho por olho. — Sorrio enquanto as palavras
saltam dos meus lábios.
— O que exatamente isso significa? — Hazel pergunta.
Mel se anima, olhando para Haz.
— Nós vamos jogá-lo no lago, assim como ele me jogou na piscina
— murmuro. — Precisamos de um guincho.
— Eu posso ter um aqui em alguns minutos — Mel sorri olhando
para o celular.
Todas nós olhamos para a garota como se ela estivesse louca.
— Por que você tem um contato de um guincho? — Summer ergue a
sobrancelha.
Mel dá de ombros, rolando o dedo pela tela do seu celular.
— Aidan é paranóico com segurança e me fez salvar vários números
que eu venha precisar algum dia. E estamos precisando de um guincho. —
Ela sorri amplamente. — Então, vamos roubar esse carro e jogá-lo no lago
ou não?
— Jesus, ela é uma pequena infratora, Verônica. — Hazel solta uma
risada.
— Você esperava algo mais da garota que me chantageou para
treiná-la? — Verônica solta um resmungo, enquanto Mel revira os olhos e
leva o celular à orelha.
Viro meu rosto em direção ao carro de Mike.
É uma atitude infantil a que estou tomando, mas é uma das formas
que minhas amigas encontram para vingar o que ele fez comigo. Porque
mesmo que eu tenha me salvado, uma parte de mim sempre se lembrará do
pânico que senti ao ser empurrada naquela piscina, ao vê-lo me puxar como
se tivesse sido apenas uma brincadeira descabida.
Ele ajudou com o que aconteceu comigo.
Mike deu o empurrão final para que eu me quebrasse e nunca
poderei perdoá-lo por isso. Mesmo que eu saiba que as imagens da câmera
do ginásio foram entregues a diretoria e que ele irá pagar pelo que me fez,
uma parte de mim sempre se sentirá patética ao lembrar que estive à sua
mercê.
Suspirando fundo e deixo com que meus olhos voltem para as
minhas amigas que esperam ansiosas. Assim que um enorme guincho entra
no estacionamento e o rosto de Melany solta um enorme sorriso, abrindo as
portas do carro e indo em direção ao grande cara que sai do caminhão e
antes mesmo que ela possa alcançá-la, todas nós estamos atrás dela.
— Jake! — Mel sorri.
— Ei, Mel! — O homem sorri gentilmente para a irmã de Logan. —
O que você está precisando?
Melany lança a ele um sorriso dócil e seus olhos brilham ao passo
que aponta para o carro de Mike.
Uma pequena manipuladora.
— Um idiota machucou uma das minhas amigas e queria dar uma
lição nele jogando esse carro estúpido no lago — conta e Summer arregala
os olhos. — Você pode me ajudar com isso? — Ela pisca os olhos, inocente.
— E sem Aidan saber?
— Isso vai me trazer problemas? — Ele ergue uma sobrancelha.
— Não — digo, cruzando os braços. — Eu lidarei com tudo.
Ele sorri de lado, maneia a cabeça e se vira para o caminhão.
— Certo, estou levando o carro e jogando no lago. — Seu cenho se
franze. — Mas isso custa caro, mocinha. E se Aidan chutar minha bunda, eu
irei chutar a dele de volta.
Uma gargalhada salta dos lábios de Melany.
— Ele não vai — garante. — Aliás, você sabe que elas são da Parte
Alta, certo?
Com isso, ele se vira, prende o automóvel enquanto eu e Verônica
preenchemos nossos cheques e entregamos a ele. Sabendo que a pequena
fortuna pelo roubo de um carro não pagará o quão assustador foi o dia em
que elas passaram deitadas ao meu lado naquele quarto de hospital.
Assim que ele some de vista, nós olhamos uma para outra.
— Puta merda. — Summer suspira.
— Nós acabamos de roubar um carro. — Verônica sorri.
Devolvo o sorriso.
— E mandá-lo jogar no lago — complemento.
— Um carro que vale milhares de dólares. — Melany cruza os
braços.
— Isso é um bom dia diferente na minha vida — Hazel sussurra.
Nós cinco começamos a rir, incrédulas de que acabamos de cometer
uma atrocidades dessas e não nos arrependemos.
Nem mesmo pensamos sobre como isso poderia gerar consequências
para nós cinco. Nós apenas apreciamos a nossa vitória enquanto eu retiro
meu celular do bolso, rolo até a sua conversa onde há alguns pedidos de
desculpas e lamentações e digito uma única frase.

itsanaluparker: olho por olho.

Mike me tirou algo que jamais deveria ter tirado. Ele tocou em uma
ferida que estava começando a cicatrizar. Então, me machucou e ninguém
me machuca sem que eu possa devolver o golpe.
Por isso, nós retaliamos tirando duas coisas que ele amava: o futebol
e o seu carro.
E me deleitei em cada segundo disso.
E Deus sabe que eu não estou morrendo mas eu sangro agora
E Deus sabe que é a única maneira de me curar agora
Com todo o sangue que eu perdi com você
Também se afoga o amor que eu pensei que conhecia
My Blood | Elle Goulding

— Você está distraída.


Minha voz ressoa pelo jatinho em que estamos. Annabeth decidiu
viajar sozinha e nenhum de nós se opôs, principalmente porque todos nós
estamos com a cabeça no processo que Amber está movendo contra Amara,
desde que Oliver e Analu entregaram todas as provas que Elijah havia dado.
Nós sabíamos que não seria uma luta fácil.
Amara possui contatos em todos os meios e poderia facilmente
descobrir que Theo e Oliver fizeram o teste de DNA para comprovar a
paternidade de Brandon. Mesmo com esse medo rondando todos os nossos
amigos, não deixamos de perceber o quanto Oliver, Andrew e Theo se
aproximaram e que Analu estava imensamente feliz por isso, mesmo que
não demonstrasse. Andi aprendeu sobre estrelas para que pudessem ter
assuntos em comum e Oliver comprou o mundo de brinquedos para que ele
se sentisse em casa.
Eles não pensaram duas vezes antes de incluírem Theo em sua
família.
— Estou preocupada — Analu confessa de seu banco. — Amara
está quieta demais. Henrique não deu indícios de que estava deixando a
presidência, mesmo com todas as mídias agora falando sobre como ele
renegou sua filha. Tudo está quieto demais, Levi.
— Você acredita que eles estejam tramando algo?
— Eu não sei em que acreditar. — Solta um suspiro. — Henrique é
pragmático demais para agir de forma imprudente, mas também há o fato de
que todos os círculos estão se fechando ao seu redor. Já Amara, ela não
deixaria tudo fácil demais.
— Tente pensar como Henrique — aconselho. — Você sempre foi a
melhor pessoa para ler as entrelinhas das coisas e estudar as pessoas. Faça
isso agora.
Ela respira fundo e olha para a reportagem em seu iPad.
Nela, Henrique está saindo do Parker Group acompanhado de
advogados.
— Ele não tentaria nos deserdar. Seria um escândalo que não estão
dispostos a lidar. Talvez ele esteja... — Sua frase morre e então ela volta
seus olhos até os meus, balançando a cabeça como se sentisse idiota por não
ter pensado nisso antes. — Pedindo o divórcio. É isso, porra!
— Por que ele precisaria do divórcio? — Ergo uma sobrancelha me
encostando na minha poltrona. — Se ela o chantageou, então acredito que
não há escapatória para isso.
— Porque assim ele poderia comprovar que não assumiu a
paternidade Hazel pelas chantagens de Amara. Ele não se importaria de
lidar com uma louca quando sabe que está prestes perder a sua empresa. —
Analu circula a imagem de seu pai no tablet. — Se ele fizer isso e dizer que
ele pagou todas as despesas de Hazel para protegê-la, ele será pintado como
um herói pela mídia. Junte isso as histórias amorosas que inventamos
durante os anos para vender a fachada de família perfeita, ele estará
blindado pelo povo. A diretoria votaria a seu favor.
— A não ser que Amanda diga a verdade aos acionistas — puxo o
tablet, abrindo em uma nova aba e procurando o site da empresa da família
de Analu até a aba da diretoria. — Todos ali são idiotas tradicionalistas.
Todos prezam por uma reputação. Se Henrique for acusado disso e nós
sabemos que Amanda contém provas que o incriminam, é o fim dele.
— Estaremos entregando algo que nunca veio público. — Analu
apoia o cotovelo na mesa e me encara. — E os acionistas podem vê-la como
uma aproveitadora.
— Mas se fecharmos todas as nuances da história e fizermos
acreditarem que Henrique não só abusou de Amanda, como ameaçou vocês
e junto colocou a empresa em perigo, ele perde todo o crédito. — Dou um
longo suspiro, antes de sorrir. — Além disso vocês duas possuem apoio não
só da senadora Johnson, como da Blackwell, Wright e Miller Enterprise.
Eles não seriam idiotas de ignorarem isso quando terão a chance de
aumentarem o monopólio da empresa. Juntando tudo isso, Christian,
mesmo tendo metade da idade de Henrique e um diploma em uma
universidade comunitária, se torna o favorito deles. É o xeque-mate de
vocês, Analu!
Ela sorri para mim e se levanta sentando-se no meu colo.
Analu encaixa sua ideia na minha e por várias horas, nós
entendemos as peças desse quebra-cabeça. Nós jogamos um do lado do
outro, riscando o tablet, ligamos para todos os envolvidos e sorrindo quando
uma das partes se encaixa perfeitamente. Quando mandamos tudo isso para
Amber, ela sorri ao perceber que juntos, realmente somos melhores do que
quando estamos tentando mostrar um ao outro que somos melhores.
Ela é o meu espelho.
Minha rival na universidade e ao mesmo tempo minha aliada.
Nós sabemos disso. Nós entendemos que mesmo que sejamos almas
gêmeas, sempre desafiamos um ao outro. Porque essa é a nossa coisa. Nós
vamos jogar e, no fim, vamos comemorar a vitória juntos.
— Você está pronto para perder a sua aposta, Projeto de Pequena
Sereia?
Sorrio, deixando um beijo em seu queixo.
— Você está pronta para usar minha camisa no meu próximo
campeonato?
Pegando-me de surpresa ela solta uma gargalhada.
— Será um prazer te destruir, Levi Johnson.
Seus orbes brilham com o desafio.
Ela é o meu reflexo. Minha parceira. Meu sonho.
O fruto proibido que prometi não tocar, mas que agora sou
completamente viciado.
— Será um prazer te ver tentar, princesa.

No momento em pousamos em Bora Bora, eu soube que algo estava


errado pela forma como Analu encarou o mar. Mesmo com semanas
treinando sua respiração e tentando controlar seu medo, voltar ao lugar
onde tudo começou pode ter feito com que regredisse.
Entretanto, essa é Analu Parker e ela nunca desiste. Ela nunca se
mostrará fraca em uma situação que até mesmo o medo a consome. Analu
não se quebra, ela é como uma rocha. Então, quando segura a minha mão,
ergue o queixo e caminha até nosso Uber, que nos levará ao porto para
pegarmos uma lancha e irmos para ilha privativa onde o cliente de
Annabeth possui uma propriedade, ela não se deixa abalar. Porém, também
não diz nada no caminho, nem mesmo quando paramos em frente ao
luxuoso iate reservado para nós.
Assim que nossas malas são colocadas dentro dele e é a nossa hora
de embarcamos, ela estagna. Seu olhar voa pelo mar e morde o lábio.
— Tudo bem, princesa?
— Eu não posso — sussurra. — As lembranças, elas...
Dou um passo à frente, seguro seu queixo e o levanto, encarando
seus lindos olhos. Olhos esses que abrigam a pessoa mais extraordinária
que já tive o prazer de conhecer e ela nem mesmo percebe isso.
— Eu estou com você — sussurro. — Nada vai acontecer.
Seus lábios se entreabrem. Há um misto de sentimentos ali.
— O tempo todo?
Sorrio.
— Cada maldito segundo do nosso dia.
Me aproximo deixando um beijo em sua testa.
— Você vai me pegar se eu cair?
— Eu nem mesmo deixaria isso acontecer.
— Mas e se acontecesse?
— Então sim, eu te pegaria e logo após destruiria a pessoa
responsável por isso. — Sorrio. — Eu faria qualquer coisa por você,
princesa. Eu te ensinaria a nadar mil e uma vezes para que pudesse perder
esse medo. Eu faria qualquer coisa para protegê-la porque eu encontrei a
minha pessoa e caso ainda não tenha percebido, ela é você. Você que me faz
sentir vivo. Você que me desafia e me fez buscar curiosidades sobre estrelas
e Harry Potter para que eu pudesse conquistar a pessoa mais importante da
sua vida. Você que é a mulher mais extraordinária do universo e não
percebe o quanto eu te admiro. E esse medo, Analu, ele não te limita a nada.
Os olhos dela brilham em minha direção.
E eu sei o que há ali mesmo que ela não profira.
Segurando sua mão, puxo-a em direção ao iate e assim que estamos
nele, ele começa a se movimentar, seus olhos se fecham e suas unhas
enfincam em minha pele. Puxo-a para mim, abraçando seu corpo e
mostrando-a que mesmo que o mundo tente levá-la, ainda assim, no fim, eu
a encontrarei.
Porque nós somos pertencentes um ao outro, nós somos almas
gêmeas que vaguearam por tempo suficiente até que se encontrassem. E não
há nada no mundo que se pertença mais do que nós dois.
— A mãe de Hazel sempre diz que se você sentir que o mundo está
prestes a desabar em suas costas, a melhor coisa a se fazer é compartilhar o
peso dele com alguém. — Seu rosto se levanta. — Eu quero compartilhar o
meu mundo com você, Levi Johnson. Não só o peso dele, mas ele por
completo. As alegrias, os medos, os nossos desafios, tudo.
— Eu quero o mundo todo com você, Analu Parker.
Então, eu me abaixo e selo nossos lábios.
Eu a beijo no meio do Oceano Pacífico.
No lugar onde seu pesadelo começou em uma forma de lhe dizer que
somos um novo recomeço. Uma nova linha de partida. Um novo jogo.
Eu a beijo lhe mostrando que ela é a minha única opção.
A opção que eu achei que nunca teria e que farei de tudo para que
permaneça.
A melhor delas.
Eu a beijo até que o iate atraca em um píer onde Annabeth nos
espera com uma feição fechada e uma pasta em mãos. Assim que saímos e
ela se aproxima, erguendo uma sobrancelha, eu sei que o momento de antes
havia acabado. Arrumando o vestido em seu corpo, Analu dá um passo à
frente e cruza os braços.
— Vocês chegaram na hora certa — Annabeth diz, jogando os
cabelos escuros para trás. — Tivemos uma mudança de planos e
resolveremos todo o acordo hoje e voaremos de volta para Saint Vincent
amanhã pela manhã. Então, seja lá o que estava acontecendo naquele iate,
esqueçam por hora.
Sem mais, ela se vira e caminha até as portas duplas que estão
abertas. Assim que as ultrapassamos, a imagem de uma mulher elegante
sentada no sofá, segurando uma taça de vinho faz com que minha
sobrancelha se erga.
Ela não é velha, mas o seu olhar frio e calculista me indicam que ela
odeia ter visitas.
— Sra. Costantini — Nossa chefe cumprimenta.
Ergo uma sobrancelha, porque todos nós esperávamos outra pessoa
no lugar.
— Pelo olhar de seus estagiários, eles não foram informados da
notícia. — Ela sorri, bebendo o restante de sua bebida e nos encara. — Meu
irmão acabou falecendo recentemente e estou assumindo os negócios da
família.
Analu dá um passo à frente.
— Sinto muito. — Sua voz salta sem emoção de seus lábios.
— Não sinta, ele não merece suas condolências. — A mulher sorri
friamente. — Agora aos negócios, tudo está pronto?
Annabeth se senta e nós fazemos o mesmo, mas meu olhar sempre
se volta para a mulher sentada à nossa frente. Quando você a avista pela
primeira vez, percebe-se que ela é uma socialite treinada para manter as
aparências, entretanto estudando-a mais de perto, é possível ver como os
olhos escuros são extremamente vazios.
Minutos depois, ela se ajeita na poltrona, entediada. Retira uma
caneta da pasta ao lado e assina todos os papéis, mostrando o quanto confia
na Sra. McLaughlin. Quando seus olhos pousam em Analu, ela a encara
como se estivesse olhando para um reflexo.
Duas pessoas quebradas.
— No futuro, Srta. Parker, eu apreciaria trabalhar com você. — ela
se levanta e ajeita o vestido preto em seu corpo. — Aproveitem a estadia.
Sra. McLaughlin, é sempre um prazer fazer negócios com vocês.
Assim que ela se vira e sai da sala, Analu vira o rosto em direção a
Annabeth.
— Você nos fez viajar até aqui para que pudéssemos vê-la assinando
os papéis?
Annabeth junta os documentos e me encara com uma das
sobrancelhas erguidas.
— Não, Analu. Eu não fiz vocês virem aqui para vê-la assinando os
papéis, até porque vocês nem deveriam estar aqui. — Suas palavras são
frias.
Merda.
Ela vai me odiar.
Porra.
Porra.
— Desculpe?
— Eu enviei um e-mail cancelando a vinda de vocês assim que
voltaram de Washington. Mas, Levi me procurou e insistiu para que vocês
dois viessem. As passagens estavam pagas, então não vi mal em deixá-los
me acompanhar. — Ela se ergue, pronta para nos abandonar. — Então, você
terá que perguntar a ele o motivo pelo qual ele gostaria tanto que viessem.
Agora, se me derem licença preciso conversar com meu marido sobre esse
contrato. E lembre-se que partimos amanhã pela manhã, então, resolvam-se
e me encontrem no píer às seis horas em ponto.
Assim que a Sra. McLaughlin sai da sala, o olhar raivoso de Analu
está sobre o meu. Ela fecha os olhos por um segundo, respira
profundamente e volta a abri-los.
— Qual é a porra do seu problema? — Ela se levanta.
— Nenhum que eu saiba.
Analu suspira fundo e volta a me fitar.
— Você sabia disso o tempo todo? — Sua pergunta soa
decepcionada. — Você apagou a porra do e-mail antes que eu pudesse ver.
— Sim — respondo-a, apoiando meu braço em minhas pernas.
— Por isso a aposta — grunhi em minha direção. — Você sabia que
venceria.
— Sabia.
— Você trapaceou.
— Assim como você deu a Greg quinhentos dólares para que ele
aceitasse sair com você? — ergo uma sobrancelha. — Não seja hipócrita,
princesa.
— São casos diferentes — ela eleva um decibel de sua voz. —
Naquela época, minha vida não estava no meio de um furacão. Eu não
estava tentando derrubar meus pais e nem colocando meu irmão em risco.
Naquela época eu te odiava, Levi.
— Fiz isso por você. — Me levanto junto. — Porque sabia que
precisava enfrentar seu medo.
— Você não tinha que fazer nada, Levi! — sua voz se eleva. — Eu
te falei que não sou uma donzela em perigo, esperando para ser salva. Eu
não sou assim. Eu vivo com isso a anos, eu lido com isso. Agora, quando há
mil coisas acontecendo em minha vida, esse medo idiota não é a minha
prioridade. Eu posso perder Theo, posso machucar Hazel. Eu posso perder
tudo o que eu amo e eu não quero lidar com um medo. Não quero nem
mesmo ter que lidar com nada.
Dou um passo à frente e ela reteia.
Meus olhos travam nos seus. Ela está irritada. E para ser sincero, eu
também.
Estou cansado de vê-la se doar e nunca receber as coisas em troca.
Estou cansado de vê-la ficar atrás de suas barreiras, porque esse medo ronda
sua mente como um maldito veneno injetado em suas veias.
— Esse é o problema. Você pensa em todos menos em si mesma.
Você se joga nesse furacão e acha que não vai se machucar — devolvo no
mesmo tom. — Você protegeu Theo a sua vida toda. Você agora quer
proteger Hazel. Mas quem te protege? Quem observa seu mundo desabar e
continua lá? Quando você escolhe algo por si mesma, sem pensar em como
isso vai afetar a vida das pessoas que você ama? Quando, Analu?
— Você não sabe de porra nenhuma da minha vida.
— Eu sei mais do que você está disposta a lidar — digo, minha voz
ressoando alto. — Sei que todos te acham egoísta, mas na verdade você
apenas cansou de aceitar as merdas da vida. Sei que você se esconde atrás
dessa máscara de imbatível, mas na verdade, sente mais do que qualquer
pessoa. Eu sei muita coisa sobre você porque eu passei anos te observando
de longe.
— Mas não sabe que esconder as coisas de mim me machuca mais
do que qualquer outra coisa! — ela grita. — Esconderam coisas de mim a
minha vida toda. Eu não soube da minha irmã, não soube que meu irmão,
na verdade, é filho de um homem que destruía um dos meus melhores
amigos. Não sabia que minha mãe era um monstro, até que ela se mostrou
um para mim. A minha vida toda alguém esteve mentindo para mim e eu
precisei aceitar isso, porque não saber a verdade, às vezes, era melhor que
lidar com as consequências dela. Mas eu também cansei disso, Levi e eu
realmente achei que você estivesse ao meu lado.
Dou mais um passo à frente.
— Analu...
— Eu sempre esperei o pior de todos porque sabia que eles tentavam
me manipular. — Ela engole em seco. — Mas, eu só não esperava que o
único homem que eu confiava seria capaz de fazer o mesmo que eles.
Então, ela se vira e sai da sala, indo em direção a saída e eu apenas
fecho meus olhos.
Não deveria ter acontecido assim.
Porra.
Porra.
Porra.
Eu já sabia que te amava naquela época, mas você nunca saberia
Porque eu escondi quando estava com medo de te perder
Eu sei que eu precisava de você, mas nunca demonstrei
Eu quero ficar com você até nós ficarmos bem velhinhos
Say You Wont Let Go | James Arthur

Eu caminho pela propriedade sem perceber que caminho estou


traçando.
Apenas ando pelo enorme jardim tentando limpar minha mente e
tento respirar sem pensar na traição que tomou conta do meu coração.
Levi não deveria ter feito isso. Ele não deveria ter me manipulado
para vir até aqui. Não quando tudo à minha volta está ruindo.
Com um longo suspiro me sento no primeiro banco que vejo, de
frente para o vasto oceano e observo o ambiente, me questionando quais
atitudes eu tomei para que a minha vida se tornasse essas sucessões de
acontecimentos, que acabam sempre da pior forma possível.
Em um momento, eu estava praticamente dizendo a ele o quanto o
amava, para logo depois, descobrir que ele havia manipulado toda a história
para que chegássemos até aqui quando tudo à minha volta desmorona.
— Sentar e observar a vista nunca ajuda a resolver problemas. —
Uma voz pouco conhecida ressoa atrás de mim. — É só uma forma que a
sociedade inventou para se martirizar com os próprios pensamentos. Na
verdade, soa patético.
Ergo uma sobrancelha.
— Senhora Costantini.
— Me chame de Bárbara — Ela caminha até onde estou e se senta
ao meu lado. — Temos quase a mesma idade.
Meu rosto se fecha em uma careta.
— Eu sei disso. — Volto a encarar a paisagem. — Mas, às vezes, ser
patético é bom.
— Depende de como você vê as coisas.
Tento, mas falho em não lhe dar mais uma das minhas inúmeras
caretas.
— Ultimamente eu percebo mais do que falo — Foco meu olhar na
visita.
— Então, você e o gostosão? — Ela revira os olhos mudando o foco
do assunto.
— Não há eu e o gostosão. — Lanço a ela um olhar e ela revira os
olhos novamente. — É complicado.
— Eu percebi. Vocês não são discretos — ela pega o celular. — Mas
pelo que eu entendi entre os gritos de vocês, ele está tentando te ajudar.
— Eu não preciso de ajuda.
— Não foi o que pareceu.
— Desculpe?
Seus olhos estudam meu rosto.
— Você o ama?
Mesmo que eu não a conheça e que nem mesmo confie nela, eu
estou cansada de esconder isso. Estou cansada de não conseguir dizer o
quanto ele me conquistou. Estou apenas cansada de fingir.
— Com todo o meu coração.
— Foi o que eu imaginei. Mas, acho que você precisa entender que,
na sua vida, nem tudo vai sair como você planeja. E quando você entende
isso, você começa a aceitar que, às vezes, a ajuda é bem-vinda. Você não
precisa ter medo do que vai acontecer porque não estará sozinha para lidar
com o tormento. — Ela dá de ombros. — Eu também era assim, também
achava que poderia enfrentar o mundo sozinha e conseguiria, mas perdi
pessoas demais para finalmente entender que nem sempre aceitar que
estamos errados é a pior das escolhas.
Eu a encaro, mas seu olhar está virado para o mar.
— Aceitar ajuda é tão difícil quanto pedir. E mesmo que eu queira
deixar a ajuda entrar, eu me lembro das vezes que pedi e ninguém ouviu —
murmuro. — Agora que estou mais calma e pensei melhor, percebo que ele
fez isso porque tenho medo de água. Ele me trouxe no lugar onde tudo
começou... porque sabia que eu precisava disso e minha primeira reação foi
afastá-lo, porque estou tão acostumada às pessoas ao meu redor me usando,
que acabei fazendo o que sempre faço. Eu o decepcionei.
— Você ainda tem a chance de pedir desculpas. Ainda tem como ir
lá e explicar para ele que deseja esse recomeço. — Ela sorri, mas é triste. —
Nem todos tem essa chance, Analu. Aproveite.
— Você teve?
— Não. — Seus olhos se tornam frios. — Meu recomeço foi tirado
de mim antes que pudéssemos ter a oportunidade.
— Sinto muito.
— Não sinta. — Ela dá de ombros. — Ele não gostaria que sentisse.
Mas há algo que você pode fazer.
— Que seria?
— Ir atrás do seu recomeço. — Bárbara me encara de esgueira. —
Como eu disse, nem todos possuem uma segunda chance. E você tem uma
nas suas mãos, não desperdice-a.
Então, ela se levanta e se vira indo embora e eu fico refletindo suas
palavras.
Eu sempre achei que estava fadada à solidão, mas agora percebo que
não é a verdade. Percebo que mesmo que eu tenha um milhão de motivos
para que as pessoas que eu amo me abandonem, elas não o fazem. Mesmo
que a minha mente me faça acreditar nisso, eu sei que é mentira.
Elas seguraram a minha mão.
Me pegaram quando eu caí.
Me mostraram o que é família.
Recomeço.
Pedir ajuda é tão difícil quanto aceitá-la.
Quando percebo, estou me levantando e andando pela enorme
propriedade, rumo ao quarto que reservaram para mim e trocando minha
roupa em tempo recorde antes de voltar a sair e correr pelos corredores atrás
de Levi.
Eu não vou perdê-lo pelo meu egoísmo. Não vou deixar que uma das
melhores coisas que já aconteceu em minha vida escorra pelos meus dedos
quando tenho a chance de segurá-la.
Eu apenas não vou perdê-lo.
E por isso, tento e falho miseravelmente em achá-lo. Não há nenhum
sinal dele em lugar algum, nem mesmo na piscina e quando estou prestes a
desistir, avisto uma pequena trilha escondida entre alguns arbustos até uma
praia isolada da ilha. Não penso muito, apenas sigo minha intuição e ando
pelo caminho de pequenas pedras e em todo o momento, minha mente
vagueia nas palavras que usei contra ele.
Assim que meus pés se afundam suavemente na areia fina e branca,
observo o paraíso escondido e misterioso, que parece ter sido esculpido pela
própria natureza para encantar os poucos visitantes, com sua beleza
intocada. A água cristalina que varia de tons de azul-turquesa a verde-
esmeralda, reflete a riqueza da vida marinha que habita seus recifes de coral
e ao redor, há uma vegetação exuberante e diversificada, composta por
palmeiras e uma miríade de flores coloridas.
É linda.
Encantadora.
Única.
Entretanto, é o homem parado no mar com a água batendo até a sua
cintura e de costas para mim que detém toda a minha atenção. Ele nem
mesmo percebe a minha presença, porque está focado demais no que ama
para compreender o mundo ao seu redor. E eu apenas o admiro ali, entre seu
lugar de paz e no meio de uma ilha isolada que apenas aceitou vir para que
eu pudesse ter meu recomeço sem que o passado me prenda.
Levi Johnson lutou por mim.
Ele foi o único a olhar dentro de mim e me enxergar.
Ele me segurou quando achou que me perderia e lutou por mim
quando ninguém mais o fez.
Quando finalmente percebe que já não está mais sozinho, Levi se
vira e me encara ao passo que me aproximo, abandonando a sandália e a
saída de praia. Meus pés tocam a água e eu paro. Estagno porque me
lembro das sensações que a água sempre me trouxe.
Paro e o encaro ao mesmo tempo que ele me observa. Todavia, Levi
não vem até a borda. Ele não vem ao meu resgate como prometeu. Ele não
vem até mim porque espera que desta vez eu vá até ele.
Levi está me dando uma escolha.
Eu posso me virar e ser uma covarde ou posso finalmente enfrentar
meu medo não só de água, mas todos os medos que me rodeiam e aceitar o
que está me propondo. Eu posso, no mesmo lugar que me machucaram, ter
um recomeço digno.
Eu tenho uma escolha.
Minha escolha.
E antes mesmo que meu cérebro possa processar, eu entro no mar.
Eu entro e sinto tudo o que nunca me permiti sentir.
Eu entro e deixo minhas máscaras para trás.
Água me rodeia e eu não a temo. Eu sinto meu corpo, por um
segundo, se sentir inseguro, mas enfrento meus medos, minhas
inseguranças. Deixo com que o mundo se silencie e eu aceite que posso
evoluir, posso aceitar que nem todos no mundo vão me machucar.
Eu entro e então Levi me pega.
Ele me segura como se finalmente me tivesse.
Ele me olha como se orgulhasse do que acabou de acontecer.
Levi apenas me olha e sorri.
— Sinto muito — são minhas únicas palavras. — Sinto muito por
ter sido uma idiota. Sinto muito por não ter entendido o que queria fazer. Eu
apenas sinto muito, Levi.
Sua mão molhada sobe até meu rosto, erguendo-o e me dando a
visão de seus olhos no qual eu sou completamente apaixonada.
— Eu te disse que nunca deixaria você cair. — Um sorriso triste
toma conta dos seus lábios. — Meus monstros são parceiros dos seus,
princesa.
— Eu sou uma idiota — digo.
— Às vezes.
— E eu não te mereço.
— Disso, eu discordo. — Ele se abaixa um pouco. — Você está
pronta para mergulhar?
Eu o encaro.
Memórias de como Amara me segurou até que um pulmão
queimasse.
A forma como ela me jogou na água.
A maneira como ela gritou comigo.
A maneira como ela me destruiu.
A sua pergunta não é apenas sobre a água. É sobre a minha vida. Se
eu estou pronta para mergulhar de cabeça nos meus sentimentos, se estou
pronta para aceitar tudo e recomeçar. Se eu estou pronta para o amor.
Encarando-o, solto um sorriso.
— Eu estou.
Levi segura minhas mãos e nos leva um pouco mais para o fundo. E
quando a água bate em meu peito, ele se vira para mim e me dá apenas uma
única mão. Um acalento para que quando eu achar que estou sozinha, eu
sinta que é uma mentira.
E então nós dois tomamos um último fôlego e nos abaixamos.
Fecho meus olhos antes mesmo de afundar na água e sinto tudo. Eu
me sinto uma criança novamente, implorando por atenção, sozinha em uma
piscina com alguém que me odeia, entretanto, desta vez, eu não sinto medo.
Mesmo que água me rodeie e as memórias me atinjam, não há medo.
Eu não me deixo quebrar, eu o enfrento.
E a voz da mulher que um dia chamei de mãe, ressoa em minha
mente.
Você merece isso.
Mas é mentira, eu não merecia nenhuma daquelas atrocidades que
fez comigo.
Você é insuficiente.
Eu sou suficiente para mim e para as pessoas que amo.
Você deveria morrer.
Eu deveria ser amada. E agora finalmente sou.
Você. Você. Você. Você.
Medo já não me consome e o pânico já não é mais um aliado.
Quando volto a submergir e Levi sorri para mim, uma lágrima desce pelo
meu rosto se misturando a água salgada.
Eu consegui.
Eu enfrentei meu medo.
Já não sou cativa do meu passado. E nem temo a escuridão.
Eu sou Analu Parker, e ninguém, e nem mesmo eu, me machuca.
Porque já não é mais necessário me machucar.
Eu posso finalmente curar tudo dentro de mim.
— Eu te amo — sussurro as palavras que sempre estiveram presas
em minha garganta. — Eu te amo desde que me segurou naquele jardim,
quando eu não suportava nem mesmo a minha própria companhia. Eu te
amo desde que olhou para mim e não deixou que as minhas máscaras o
afastasse. Eu te amo desde que as portas daquele elevador abriram e você
me desafiou, quando o mundo todo não me enxergava. Desde que decorou
as minhas comidas preferidas, me mostrou que sou extraordinária e me
levou para jogar dardos com intenção de me conhecer e então, me mostrou
aquela estufa de tulipas porque sabia que eu as amava. — Uma outra
lágrima desce pelo meu rosto. — Eu amo você, Levi Johnson. E eu roubaria
mais dezenas de champanhes para comemorar nossas vitórias, apostaria
outras centenas de perguntas em jogos de dardos e voltaria naquele gazebo
um milhão de vezes, se você estivesse lá para me mostrar como é se sentir
em seus braços. Eu faria qualquer coisa por você porque você é a pessoa
que me conquistou por inteiro. Você amou todos os meus pedaços.
Levi sorri. É a coisa mais linda do universo.
— Você está atrasada, princesa — sussurra. — E isso é um erro de
principiante.
— Você ainda me esperaria?
Ele levanta a sua mão até uma mecha do meu cabelo e a coloca atrás
da minha orelha.
— Cada minuto do meu dia.
Sorrio, erguendo minha cabeça para observá-lo melhor.
— Eu amo você, mas preciso que saiba que eu também preciso me
curar — sussurro, segurando seu rosto. — Eu preciso cicatrizar todos os
meus machucados. Preciso fazer com que meu passado realmente fique no
passado, porque não posso perder o controle de novo, Levi. Não posso
deixar as pessoas me machucarem como me machucaram. Não posso
colocar minha vida em risco novamente, porque estava com medo de
enfrentar a minha própria caixa de Pandora. Eu preciso e quero me curar e
não posso fazer isso sozinha.
Levi me encara com tanta admiração, que compreendo que ele aceita
as minhas palavras.
Porque é isso, por mais que a água e as memórias já não me causem
pânico e medo, ainda estou à mercê dos meus traumas e isso eu não posso
lidar sozinha. Eu preciso de ajuda, não só dos meus amigos, mas de
profissionais que entendam, que me auxiliem a tomar precauções para que
eu jamais perca o controle novamente.
— Eu vou estar ao seu lado em cada um desses momentos. — Ele
segura minha cintura e me eleva, fazendo com que minhas pernas circulem
seu corpo. Sua mão segura minhas nádegas enquanto seus olhos se fixam
nos meus. — Isso é uma nova promessa, Analu.
— Antes você precisa saber de algumas coisas.
— Vá em frente. — Ele sorri.
— Eu gasto muito dinheiro com compras.
Uma risada salta dos seus lábios.
— Tudo bem, nós somos ricos.
— Eu preciso de um closet. — Meu sorriso aumenta. — E uma
biblioteca.
— Vamos ter várias, se assim desejar.
Encaro seus olhos. Medo preenche minhas pupilas.
— E eu quero ter filhos. Muitos filhos. — Engulo em seco. — Eu
quero amá-los como não fui amada.
Levi me encara e quando eu acho que ele me dirá não, por conta de
tudo o que aconteceu com seu irmão mais novo, ele sorri.
— Vamos ter uma creche deles.
Então, há o maior desejo que anseio.
— E eu… — faço uma pausa, tentando não soar patética. — Eu
quero ser a sua primeira opção. Sempre.
— Você é mais do que a minha primeira opção. — Levi deixa um
beijo em meu queixo e eu beijo sua covinha. — Você é a minha melhor
amiga, minha metade, minha igual. Você, Analu Parker, é a minha alma
gêmea.
Então, ele me ergue e me beija.
Me beija como se fosse a nossa primeira vez juntos.
Levi me beija como se o mundo pudesse se tornar poeira que não se
importaria, porque a única coisa que importa somos nós dois. Juntos.
Unidos um no outro como sempre deveria ter sido.
Nesse instante, todo o universo é sabe que nós nos pertencemos.
Corpo, coração e alma.
— Analu?
Eu me afasto um mísero centímetro.
— Sim?
— Eu nunca teria dado certo com qualquer outra pessoa.
Um sorriso nasce em meus lábios.
— Por quê?
— Porque eu não fui feito para ser de qualquer outro amor. — Ele
beija meu queixo. — Eu fui feito para ser seu.
É melhor você me dar a sua lealdade
Porque estou conquistando o mundo, você verá
Eles estão me chamando, me chamando
Eles estão me chamando de realeza
Eles dizem que sou perigosa porque eu
Quebrei todas as jaulas, não, eu
Não sentarei e aguentarei
Royalty | Egzod (feat. Maestro Chives & Neoni)

Nós pousamos em Saint Vincent pela tarde.


E assim que saímos do hangar, é como se eu soubesse que algo
estava completamente errado.
A cada passo que damos até o Uber, algo me diz que minha intuição
está certa. Entretanto, é apenas quando meu celular vibra, com uma
notificação de Oliver que sei que todo o tabuleiro está se movendo e a parte
final do jogo finalmente chegou.
itsoliverwright: positivo.
Itshazelsmith: positivo.

Uma única palavra. A única coisa que precisávamos saber.


Theo é irmão de Oliver e Andrew. E o pai deles não pode brigar
comigo pela guarda do meu irmão, porque esse maldito monstro está morto
há meses.
E Hazel é agora, oficialmente minha irmã. Depois de semanas
esperando que o resultado saísse, depois de Henrique nos odiar, ele não tem
mais como voltar atrás mesmo que esteja pensando no divórcio.
Amara não conseguirá virar isso ao seu alcance para me tomar Theo,
porque nesse exato momento meu celular vibra e a manchete que eu sabia
que estava vindo, toma conta da tela do meu celular.

EXCLUSIVO! HERDEIRO DA PARKER GROUP,


HENRIQUE PARKER ANUNCIA DIVÓRCIO APÓS
MAIS DE 20 ANOS DE CASAMENTO!
O presidente da Parker Group, Henrique Parker, anunciou
nesta segunda-feira, que está se divorciando de sua esposa,
Amara Parker, após 20 anos de casamento. Os motivos ainda
são desconhecidos.

URGENTE! HENRIQUE PARKER RECONHECE


FILHA APÓS VINTE E DOIS ANOS!
Não é novidade que o Presidente da Parker Group, Henrique
Parker, coleciona uma longa lista de amantes. Entretanto, após
boatos de que ele havia renegado o direito de herança à
suposta filha, a sua herdeira, Analu Parker e Hazel G. Smith,
abrem processo de reconhecimento de paternidade.

Sorrio ao ler as manchetes que estão em todos os lugares.


Eles finalmente estão perdendo.
Finalmente vão pagar por tudo o que fizeram conosco.
Solto um suspiro, encostando minha nuca no banco e fecho os olhos.
É a minha luta final. É a última vez que precisarei lidar com as
consequências das ações deles. Ninguém mais poderá me machucar ou
machucar as pessoas que eu amo.
— Você está pronta?
A voz de Levi me faz abrir os olhos novamente.
— Você vai estar ao meu lado destruindo todos que ousaram me
machucar? — repito suas as mesmas palavras que, um dia, disse em minha
direção.
Ele sorri para mim.
— Se eles tentarem te quebrar, eu os quebro primeiro.
Uma risada nasalada salta dos meus lábios ao mesmo tempo que o
carro para em frente a enorme mansão dos meus pais. Um calafrio toma
conta de mim, mas mantenho minha postura ereta enquanto saio do
automóvel, pronta para enfrentar Amara uma última vez.
Levi segura a minha mão e a aperta, antes de subirmos os poucos
degraus e adentrarmos a sala de estar vazia. Assim que coloco minha mala
ao lado do sofá, ele caminha até a foto com um campo cheio de flores
coloridas e lindas e a pega.
Nela, estou em pé, olhando para o céu e sorrindo. Sorrindo porque
meu avô e minha avó, Ariella, fizeram o possível para que eu pudesse ter
uma infância longe dos abusos de Amara. Eles odiavam a sua nora, tanto
quanto eu a odeio hoje. E, agora percebo que todas as vezes que eles me
davam uma tulipa, era uma forma de me dizer para ser forte mesmo quando
não estivesse ao meu lado.
— É bom tê-la de volta — Levi sussurra.
— O quê?
— A sua versão real. — Um sorriso nasce em seus lábios. — É bom
tê-la de volta.
Tento e falho em segurar o meu próprio sorriso. Levi sempre terá
esse poder sobre mim, de desarmar todas as minhas barreiras quando nem
eu mesmo percebo que elas estão levantadas.
Ele sabe disso e não se importa, porque eu também não.
Não me importo de estar vulnerável ao seu redor.
Não me importo de que ele conheça todas as minhas fraquezas.
Ele é a minha unidade, a parte que eu nunca achei que precisaria ter
até que tivesse. E, agora, já não imagino minha vida sem suas piadas sem
graças, seus flertes irritantes e sem o seu sorriso canalha.
— Você é um idiota.
— E você me ama.
— Eu amo.
Levi se aproxima, deixa um beijo casto em meus lábios e se afasta.
— Você está pronta para isso?
— Desde os meus dezessete anos, Levi.
Ele sorri e eu me viro quando barulhos de saltos ecoam no piso
lustrado e um som doloroso de choro de criança invade a sala. Ela já sabe
sobre Henrique. Já sabe que ele pediu o divórcio e que ela está prestes a
perder tudo.
Amara aparece segundos depois, segurando Theo pelo braço e
percebo suas unhas fincarem no braço fino do meu irmão e a mesma tesoura
que sempre me puniu em suas mãos.
Dou um passo à frente, mas Levi me segura quando percebe que
essa não é a melhor opção. Não agora pelo menos, não até Amber e Oliver
chegarem.
— Lu?
Meus olhos voam para o meu pequeno homenzinho, que está
assustado.
— Está tudo bem, meu amor — tento soar calma e olho para Amara.
— Não ouse machucá-lo.
Ela solta uma gargalhada fria.
— E você vai fazer o quê? — debocha. — Soltar uma nota na
imprensa? Fazer mais uma porra de teste de DNA?
— Se você ousar machucá-lo, uma nota na imprensa será o último
dos seus problemas. — Encaro-a friamente. — Solte o meu irmão. Agora.
Levi se coloca ao meu lado, encarando-a como se dissesse a mesma
coisa.
— Você sabe o quanto eu lutei por tudo isso, sua vadiazinha de
merda? — Veneno salta de seus lábios. — Sabe o que é ter um pai idiota
que nem ao menos um golpe sabe dar e quando é pego, acha que a melhor
coisa é assumir o erro e eu tenho que ser esperta o suficiente para que ele
não fique em meu caminho? Sabe o que é ter um irmão drogado? Sabe o
que é ter seu corpo estragado para gerar duas criaturas patéticas que não
servem de nada a não ser foder com meus planos? Sabe o que é amar
Brandon mesmo sabendo que ele era um homem sádico, que me usava
apenas para as suas falcatruas, e sempre trocava o meu nome pela sua
esposa que deveria estar morta? Ou pelo menos sabe o que é lutar e sempre
ser vista como a sombra do seu marido e a mulher que chantageou um
herdeiro para subir na vida?
Solto um meio sorriso quando os olhos de Theo encontram os meus,
assustados e eu maneio a cabeça, lhe mostrando que está tudo bem.
— Não, eu não saberia, porque eu nunca seria como você. — Theo,
de repente, dá um tapa na mão de Amara, assustando-a por não esperar algo
dele e corre para Levi que o pega, escondendo o seu rostinho em seu
pescoço e fazendo carinho em suas costas, acalmando-o. — E essa a
diferença entre você e eu, Amara, é que você sempre colocou seu destino
nas mãos de alguém. Você sempre precisou se escorar em um homem para
ser, pelo menos, vista. Foi assim com o seu pai, com Henrique e até mesmo
com Brandon. E eu nunca precisei disso. Nunca precisei de ninguém para
ser o que eu sou hoje. E é por isso que você me odeia. Porque mesmo que
você tente me destruir, você sabe que, no fim, eu sou melhor do que você. E
que não preciso de alguém que me dê estabilidade, porque eu sou a minha
própria. É por isso que sempre ganho e você perde.
Meu sorriso aumenta ao perceber a sua raiva.
Meus olhos brilham em triunfo.
Eu esperei todos esses anos por isso.
Eu sangrei, perdi e me perdi, chorei, me destruí. Tudo isso para que
no final, eu pudesse ter o prazer de vê-la caindo pelas minhas ações. Eu
esperei pacientemente para ver a perfeita matriarca perdendo o controle.
E nunca estive tão orgulhosa de algo, como agora.
— Você fez...
— Eu fiz o quê? — Umedeço meus lábios. — Destruí sua reputação
pouco a pouco soltando mentiras e verdades para suas amigas? Fiz com que
as grandes famílias da cidade não te convidassem mais para os chás ou para
as viagens? Apareci ao lado da senadora, que você nunca conseguiu
conquistar, e comecei a namorar o filho dela? Ou você diz isso porque fiz
amizade com todos os outros herdeiros e eles me têm como família, quando
você precisa lutar só para ter um convite mediano para as orquestras do
final de mês? — Uma risada falsa sai dos meus lábios. — Eu fiz muitas
coisas, mas você é tão patética, Amara Caine, que eu nem mesmo deveria
gastar meu tempo especificando-as.
Suas mãos fecham em punhos.
Seus olhos são gelados.
A sua máscara cai e me deixa ver o monstro que sempre quis
esconder.
— Não me chame assim! — ela grita.
— Não é seu nome verdadeiro? — Zombo. — O que você vai usar a
partir de agora? Assim que assinar os papéis do divórcio?
— Henrique não vai me deixar, sua garota tola. — Uma de suas
sobrancelhas se ergue. — Você é uma...
— Vadia? Megera insensível? — Reviro meus olhos. — Sim, eu
sou. Todos gostam de dizer isso. Mas a verdade, Amara, é que eu estou
apenas fazendo o que eu disse que ia fazer. Você não se lembra? Que eu te
disse que eu iria te destruir e tirar tudo o que você me tirou?
Ela sorri. É frio, calculista.
Combina com o meu sorriso.
— Você ainda não me destruiu, querida.
— Ainda. Mas no final deste dia, você será apenas uma mulher que
caiu pela sua própria ambição. — De relance, observo Theo se agarrar
ainda mais a Levi e uma parte de mim dói por saber que ele está
conhecendo um lado meu que, se eu pudesse escolher, nunca deixaria que
conhecesse. — Porque nesse exato momento, Amara, a mídia está
recebendo a notícia de que Theo é um herdeiro Wright e Hazel é uma
Parker. Neste instante também, todas as famílias estão tendo acessos ao
dossiê que Elijah montou sobre a morte de seus pais, onde é provado que
você é uma assassina sem escrúpulos. E, nesse instante, Henrique está
assinando o seu divórcio. Você não é mais nada. Não será nem mesmo
lembrada.
Ela solta um rosnado.
— Eu vou te matar, sua ingrata.
— Não, você não vai. E eu me sinto adorável ao saber que fui eu que
lhe tirei tudo. Seu prestígio, seu casamento de merda, a herança que nunca
lhe pertenceu e o melhor de tudo, o seu poder contra todos nós. Você não
pode mais me manipular. Não pode mais tocar em Theo. Você não é mais
nada. — Dou um passo à frente. — No fim, você perdeu e eu venci,
mamãe.
Antes mesmo que ela possa dizer algo, a porta é aberta e Amber,
Hazel, Dylan e Oliver entram no ambiente, junto a alguns policiais. Um
deles, dá passos calculados em nossa direção, junto a mãe de Verônica,
segurando um papel e assim que para em frente a mulher que eu odeio, ela
apenas ergue o queixo, orgulhosa.
— Amara Parker? — Ele inquere.
— Sou eu.
— Você está sendo detida sob acusação do assassinato do Sr. e da
Sra. Daugherty. Colaboração com os crimes coorporativos de Brandon
Wright e pela tentativa de assassinato de Analu e Hazel Parker. — Ele cita
seus crimes, pegando a algema e prendendo-a. — Você tem o direito de
permanecer calada, tudo o que disser pode e será usado contra você no
tribunal...
Ele segura seus pulsos enquanto recita os seus direitos, empurrando-
a para frente e eu finalmente suspiro. Porém, quando o policial passa por
mim, ela estagna e me olha de esgueira.
— Isso não acabou.
— É o fim, Amara — murmuro. — Você perdeu. Não há pelo que
lutar.
— Você destruiu tudo o que eu construí.
Sorrio.
— Eu só te devolvi o favor.
Então, ela finalmente é levada embora e eu posso respirar
lividamente em anos.
Ela não pode mais machucar quem eu amo. Amara ficará presa por
anos e quando sair, já não terá mais nada, porque eu garanti que tudo o que
ela representava, caísse junto a ela.
— Amara colaborando com Brandon? — Ergo uma sobrancelha, me
virando para Amber.
Eu escutei todas as atrocidade que Amara fez, escutei como ela
destruiu pessoas ao seu redor, mas o que é mais surpreendente, é aceitar que
ela realmente amou alguém além de si mesma e que foi capaz de ajudá-lo.
— Sempre desconfiamos que Brandon teve ajuda para realizar as
transações irregulares da Wright Enterprise e conseguir todos os contratos
ilícitos ao longo dos anos. — Ela dá de ombros. — E quem melhor para
ajudá-lo do que a amante, que é considerada a esposa perfeita de um dos
seus amigos?
— Ela era ardilosa.
— Sim, era. Nós descobrimos naqueles papéis que Elijah te deu. —
Amber encara Theo por um segundo e vejo o brilho de saudade em seu
olhar. — Mas até as cobras mais venenosas um dia são vencidas.
Ela acena e se vira, indo em direção a saída.
— Amber?
Ela olha por cima do ombro.
— Obrigada.
— Você sempre foi e sempre será importante para a minha família,
Analu. — Ela maneia a cabeça. — Nunca se esqueça disso.
Então, ela vai embora e eu solto outra respiração, passando os olhos
pela casa vazia.
— Então? — Dylan questiona.
— Então, nós damos o golpe final. — Hazel sorri para ele.
— Nós destruímos Henrique — sussurro.

Assim que Hazel e eu paramos em frente ao enorme prédio, algumas


gotas de chuva caem sobre nós.
O olhar de Hazel, desde que a vi hoje é doloroso, mas tenho a
impressão de que não é pelo que está acontecendo, mas sim, por algo que
está escondendo de todos nós. E, tenho medo de perguntar o que há desta
vez, para que todas as vezes que seu olhar se volte para Dylan, o medo e a
culpa irradiam suas pupilas.
— Pronta? — ela me pergunta, de repente.
— Pronta?
— Vamos chutar a bunda desse babaca — ela sussurra e eu solto
uma gargalhada.
Então, finalmente entramos no saguão. Levi se mantém atrás, junto a
Dylan, que odeia cada segundo de ter que presenciar a sua namorada neste
lugar. Nós vamos direto ao andar onde Henrique e seus acionistas estão
tendo uma reunião de gerenciamento de crise, após as notícias vazadas e a
prisão de Amara.
Oliver levou Theo para sua casa para que todos nós pudéssemos
estar aqui neste instante e antes mesmo de entrarmos no elevador, a silhueta
de Amanda Smith aparece ao meu lado.
Ela me encara com os olhos idênticos aos de Hazel e sorri
gentilmente. A mulher que eu tive rancor por todos esses anos, está agora
lutando ao meu lado para terminar de destruir o homem que nos quebrou.
— Sinto muito — me pego dizendo.
— Não sinta. Você não tinha como saber — Ela sussurra.
— Ainda assim. Eu sinto muito pela forma que agi.
Seu corpo se vira para mim e dá um pequeno sorriso.
É um sorriso doce que me lembra Hazel. A mulher na minha frente
que tem todos os motivos para me odiar, não o faz. E, agora, eu percebo o
quanto isso é importante para mim. O tanto que saber que a pessoa que a
minha irmã mais admira no universo, não me olha como olhava para
Amara.
— Você reconheceu seus erros e aprendeu com eles. Você amou
Hazel quando soube de toda a verdade e a fez feliz. Você não é seus pais,
Analu. Só pelo fato de que está ao nosso lado, nos dando a oportunidade de
nos vingarmos do homem que tentou nos destruir, já é o suficiente — ela
aperta o meu ombro. — Eles são escuridão, querida, você é luz.
Sorrio para ela, percebendo que eu precisava escutar isso mesmo que
já saiba.
Eu não sou eles. As atitudes deles não me definem.
E assim que as portas voltam a se abrir, eu suspiro fundo e caminho
pelos corredores, rumo a sala de reuniões. Antes mesmo que eles possam
me apresentar, eu abro as portas e adentro fazendo com que todos me
encarem com uma sobrancelha arqueada.
O olhar de Henrique para na mulher ao meu lado e ele engole em
seco.
Um sorriso lascivo nasce em meus lábios e o meu progenitor volta
seu olhar até mim sabendo o que isso significa. Ele sabe que perdeu assim
como Amara.
— Vocês podem explicar o que está acontecendo aqui? — Um dos
acionistas questiona.
Dou um passo à frente e Hazel me acompanha.
— Viemos deixar explícito o nosso descontentamento com o atual
presidente da empresa da nossa família — digo, caminhando até a cadeira
desocupada e me sento, cruzando as pernas. — Não acho que a imagem
pública dele condiz com a política da Parker Group. Na verdade, eu tenho
essa certeza há anos.
— Analu. — Um dos amigos de Henrique me chama.
— Srta. Parker para você. — Umedeço meus lábios.
— O que você deseja, Srta. Parker? — o mais sensato deles
pergunta.
Ergo meu queixo e olho diretamente para Henrique.
Um dia eu cheguei a implorar pelo amor dele.
Um dia eu desisti de tudo o que eu amava para ele que me
enxergasse.
Um dia eu o vi como um homem que poderia ser meu herói.
Apenas um dia.
Contudo, agora, eu o vejo como ele realmente é. Um homem sem
coração, dignidade e caráter. Ele usou as mulheres por toda a sua vida, ele
as destruiu no caminho para a sua glória. Ele as quebrou quando deveria
cuidar.
— Eu o quero fora — digo, minha voz fria como gelo. — Quero que
o homem que está sentado na cadeira do meu avô, nunca mais entre nesse
lugar. Quero que ele saiba que, todas as vezes que a Parker Group sair nos
noticiários, ele perdeu tudo pela sua arrogância. Eu o quero fora.
Henrique me olha como se não me conhecesse e é recíproco.
Nós nunca nos conhecemos.
Ele não se importou o bastante para isso.
— Nós não podemos mudar a diretoria, Srta. Parker — Um deles diz
e percebo que seu olhar sobre Henrique não é gentil. — Seria uma
catástrofe.
Sorrio amplamente.
— Catástrofe será se os noticiários receberem as entrevistas de nós
três. — Aponto para Hazel e Amanda. — Se eu for a público contar que a
minha família nunca se importou com o que a empresa deixou transparecer.
Se ela — Aponto para Hazel. — For a mídia e soltar uma nota de como ele
a negligenciou durante todos esses anos e apenas a reconheceu como filha
por conta de uma ameaça. E o pior de todos, senhores — Aponto para
Amanda. — Seria se a Amanda Smith, que teve sua vida destruída, viesse a
público e dizer todos os abusos, físicos e psicológicos, que Henrique
praticou durante anos, por conta de uma obsessão doentia.
Todos eles intercalam os olhares entre mim e Henrique. Hazel se
aproxima por trás de mim, colocando as duas mãos no apoio da minha
poltrona e sorri fracamente, orgulhosa.
Uma forma de mostrar que estamos unidas.
Duas pessoas que, meses atrás, não conseguiam ficar na mesma sala,
agora jogam lado a lado.
Irmãs Parker.
— Vocês já perderam contratos com todas as famílias influentes da
cidade — Hazel diz, antes de sorrir. — Mas se ele estiver fora, não só tudo
isso será resolvido em sigilo como nós duas possuiremos o apoio não só da
senadora, como da Blackwell, Wright e Miller Enterprise novamente.
Os acionistas trocam um olhar entre si, eles sabem o que estamos
dando a eles. Sabem qual lado detém a vantagem.
— Vocês não têm como provar nada — Henrique fala, me encarando
com um olhar que diz que está cansado de tudo isso, que ele apenas deseja
que acabe.
Uma movimentação ao meu lado faz com que eu erga meu rosto e
desvie o olhar.
— Mas, eu tenho. — A voz de Amanda ressoa e todos ficam
quietos. — Eu tenho como provar tudo, Henrique.
Ela encara Henrique e ele a observa com uma dor em seus olhos,
uma de quem… nunca foi perdoado.
Amanda, retira da bolsa dezenas de cópias de papéis como Amber
havia instruído e então, diz tudo. Ela fala sobre as ameaças, sobre como a
manipulou e abusou por anos e ela aceitava tudo aquilo para proteger Hazel.
Como Amara tentou atropelar Hazel e quase teve êxito em matá-la, como
ele fez com que todos achassem que ela havia se tornado sua amante por
anos quando, na verdade, ele mantinha o poder sobre ela por conta da
paternidade de sua filha.
Ela conta e a cada vez que as palavras saem de seus lábios, uma
lágrima desce pelo rosto de Hazel e meus olhos se tornam mais gélidos.
Assim que suas palavras cessam, o silêncio se instala sobre a mesa. Os
acionistas encaram Henrique como se ele fosse uma anomalia, um monstro
e mesmo que eu não me importe com eles, sei que o temos na nossa mão.
— Nós precisamos de uma reunião entre nós — um dos acionistas
diz. Ele é o mais velho deles e pela carranca, odeia toda essa situação. —
Voltamos em alguns minutos.
Antes que algum de nós possa dizer algo, eles saem rumo a outra
sala de reuniões e eu apenas permito relaxar na cadeira, contudo olho para
trás e sei o que preciso fazer para finalizar tudo isso.
— Vocês podem me dar um segundo com Henrique? — pergunto,
retoricamente.
Hazel me dá um olhar demorado, antes de se virar e caminhar com
sua mãe para fora da sala e Levi dá um passo à frente.
— Analu.
— Está tudo bem — Volto meu olhar para o homem do outro lado
da sala. — Eu realmente preciso disso.
Levi leva seus olhos até Henrique e o fita com uma ameaça velada
em seu olhar. Então, se aproxima, beija o topo da minha cabeça e saí da sala
junto a todos, me deixando sozinha com o meu progenitor.
— Você conseguiu — São suas únicas palavras. — Todos esses anos
me ameaçando e você realmente conseguiu.
Eu o encaro.
— Não, Henrique. — Deixo minha voz desprovida de sentimentos
ressoar pela sala. — O que sempre quis, eu realmente não consegui. Mas,
devolvi o que me fizeram por anos. Você não tem ideia do que eu passei,
não é?
— Eu não sabia da criança.
— Eu não estou falando sobre isso. — Me levanto calmamente. —
Estou falando das vezes que eu tentava ser a melhor filha e mesmo assim,
você me ignorava. Das vezes que eu apenas precisei de um pai e você
preferiu o álcool e as mulheres, do que a mim. De quando, em todas as
apresentações da escola, não tinha ninguém me aplaudindo porque ninguém
se importava o suficiente para se orgulhar de mim. De quando Amara
abusava psicologicamente de mim, durante anos e você não se importava o
suficiente para me proteger.
— Eu não sabia! — ele grita.
— Você nunca sabe de nada, esse é o seu problema — Sorrio sem
humor. — Mas está tudo bem. Eu não preciso mais de um Super-Homem
para me salvar. Não preciso de alguém sentado me aplaudindo e não preciso
de um pai. Eu sou suficiente para mim mesma, Henrique. E isso basta.
— Você não pode fazer isso, Analu. — ele apoia suas mãos na mesa.
— Eu vou te dar uma opção, Henrique. — Imito a maneira como ele
está encostado na mesa. — Você aceita a decisão deles e pega uma certa
porcentagem do dinheiro em nossas contas e some de nossa vida, ou eu
junto todas as provas que tenho e destruo toda a sua reputação e ainda lhe
coloco na prisão, como fiz com Amara.
— Eu gostaria de dizer que você não ousaria, mas você faria tudo
isso.
— Com todo o prazer do mundo.
Ele me encara por alguns segundos.
Não nos movemos. Acho que nem mesmo respiramos.
Não há um entendimento, um perdão entre nós. Há apenas mágoa,
ressentimento e dor. Ele não pode mudar o passado, mas eu posso escolher
como vai ser o meu futuro.
E nele, Henrique Parker, não está.
— É o fim? — pergunta visivelmente exausto.
— É o fim.
É o fim dos meus pesadelos, medos e das atrocidades.
É o fim de uma família que acabou há anos.
Uma lágrima desce pelo meu rosto e ele percebe o quanto isso
significa para mim. O cansaço de anos, de repente, já não é um peso em
minhas costas e eu respiro.
Respiro fundo sentindo o ar em meus pulmões.
Respiro com gosto de liberdade
Respiro tranquilidade e calmaria.
Respiro por finalmente não ter todos tentando me quebrar.
Eu estou livre.
Livre deles. Do que me fizeram.
— Eu não desejava nada disso, Analu.
Eu não respondo.
Nem mesmo quando os acionistas voltam e nos dá a notícia de que
Henrique teria que renunciar à presidência e que nós estávamos indicando
Christian como nosso representante, eu não o olhei.
Era a última vez que ele e Amara seriam lembrados em minha vida.
A última vez que eu precisaria lutar por algo nessa família destruída.
Eu consegui.
Eu vinguei as pessoas que eu amo e as que eu perdi.
No fim, eles perderam e eu venci.
Porque tudo que eu quero é ser amada
E tudo que me importa é você
Você grudou em mim como uma tatuagem
Não, eu não me importo com a dor
Eu vou andar pelo fogo e pela chuva
Tattoo | Loreen

Há uma coisa que todos sabem sobre nós: nós damos as melhores
festas!
Não há como negar. Quer dizer, nós esquecemos que a última existiu
e focamos nessa, principalmente porque, nesse exato momento, todos meus
amigos estão nela e se divertindo.
Não há mais aquele clima tenso e nem segredos pairando sobre
todos nós.
Nós voltamos a ser o nosso grupo de sempre.
Sem rupturas.
Observo Oliver segurar a mão de Summer girando-a, enquanto a
loira gargalha da forma como seu rosto emite uma careta por estar sóbrio,
no meio de tantas pessoas bêbadas. Ao lado dele Josh, Verônica e Analu
enchem três pequenos copos de tequila, pegam o limão e então viram o
líquido âmbar em seus lábios, emitindo uma careta.
De repente, Vee olha para a minha garota, lança a ela um sorriso
maquiavélico que Analu prontamente devolve e até mesmo Logan ao meu
lado, solta um suspiro.
Não.
Não.
Não.
Isso está acontecendo.
Elas estão voltando a fazer isso.
Estão recuperando uma tradição quebrada.
As duas caminham até Hazel e Summer, pegam suas mãos e se
viram, caminhando em direção a tão famosa mesa. E como se o DJ
entendesse o que elas estão se organizando para fazer, de repente, a melodia
de That’s My Girl do Fifth Harmony toca nos quatro cantos da casa.
Elas, o elo de Saint Vincent, estão nesse momento fazendo o que
todos sentíamos falta. Analu, Summer, Verônica e Hazel sobem com
cuidado e assim que estão centralizadas, o refrão da música ecoa e elas
dançam como se suas vidas dependessem disso.
As quatro mulheres conhecidas por nós se destacam entre o
aglomerado de pessoas.
Elas refazem sua tradição.
Elas se unificam de novo.
Summer joga a cabeça para trás sorrindo ao lado de Analu que diz
algo a Hazel. Verônica pega a garrafa de tequila, leva até os lábios e passa
para Sum, que prontamente imita a amiga, ingerindo o líquido.
Elas nem mesmo percebem que viraram atração da festa.
Que estão replicando a tradição que jamais deveria ser quebrada.
Entretanto, de repente, elas se abraçam desleixadamente. Se
abraçam não se importando se esse é um péssimo lugar para fazer isso. Elas
apenas mostram ao mundo o que esse quarteto é.
As quatro mulheres mais destemidas de Saint Vincent se abraçam
em cima de uma maldita mesa, como se mostrassem ao mundo que nada
está acima da amizade delas e talvez não esteja mesmo.
Elas se escolhem, se protegem e se amam.
Mesmo que o mundo tente separá-las, elas sempre encontram o
caminho de volta umas para as outras.
Dylan caminha a passos rápidos até lá e se escora na madeira,
olhando para cima, em direção a sua namorada que, agora, o encara com
um brilho conhecido nos olhos. Logan e eu caminhamos até encontrar
Oliver no caminho e paramos em frente a elas que erguem uma
sobrancelha.
— Qual a chance de você fugir comigo nesse exato momento? —
pergunto.
Analu sorri, se inclinando.
— Eu vou poder dirigir o seu carro? — devolve e eu solto uma
gargalhada.
— Talvez mais tarde — Dou de ombros. — Então?
Ela se inclina, segura em meus ombros e eu a desço sorrindo.
— Ei, sua traidora! — Verônica grita.
— Eu achei que ficaríamos bêbadas. — Sum diz fazendo beicinho.
— Vocês já estão bêbadas — Analu ergue uma sobrancelha.
— Mas você não — Elas contrapõem.
— Que pena. — Ela dá de ombros. — Agora eu preciso aproveitar
o meu idiota antes que ele vá competir amanhã. — Ela se virá para mim. —
E eu apostei quinhentos dólares com as meninas e com Logan de que você
vai vencer amanhã, aliás. Então, se você não ganhar, eu te deixarei sem
sexo por uma semana.
Jogo minha cabeça para trás gargalhando.
— Você sempre aposta?
Analu me encara, lançando-me uma piscadela.
— Quando você está envolvido? Com certeza.
Solto um novo sorriso e puxo-a pelas dezenas de pessoas até meu
carro estacionando na garagem privativa. Assim que ela está confortável em
seu banco, dou a volta e me sento no meu, acelerando até a saída da
propriedade dos Blackwell e pegando a rota para a casa mais afastada da
Parte Alta, que pertence aos meus avós.
Eles haviam dado a propriedade aos meus pais, mas ambos
decidiram que gostariam de deixá-la para mim e Meg. O que me faz sempre
ir para lá, quando o peso do mundo desaba em minhas costas. Sempre que
eu acho que não há lugar do mundo para mim.
Eu me sinto em paz lá.
É o meu porto seguro.
E agora quero que seja de Analu também.
Assim que os enormes portões se abrem e temos a mansão, eu
sorrio. A residência é rodeada por jardins meticulosamente cuidados e
árvores imponentes. A fachada captura a essência leve e clássica que meus
avós adoravam. Colunas de mármore clássico sustentam um alpendre
adornado com detalhes entalhados à mão, evocando uma sensação de
nobreza e prestígio.
Os tijolos aparentes exalam uma aura de tradição e autenticidade,
enquanto as janelas de vitral cuidadosamente trabalhadas refletem a luz do
sol em tons deslumbrantes por toda a residência.
Assim que estaciono, Analu ainda está olhando para todos os
detalhes com os olhos brilhando.
— Vem, eu tenho algo para você — digo, pegando sua mão e
puxando-a.
Assim que estamos dentro da residência, Analu observa tudo
intrigada. Seus olhos nunca perdem um só detalhe e observá-la encarar todo
o ambiente me mostra que eu fiz a coisa certa em ter guardado esse lugar
para mim até ela chegar.
Caminhando pelos corredores, eu a guio até as portas duplas de
mogno maciço e assim que a abro, os olhos de Analu brilham e os lábios
entreabrem, surpresa.
Quero que construa a sala secreta na biblioteca da vovó e leve
apenas a pessoa que confia lá e conte sobre nossos sonhos.
A voz de Matt soa em minha mente. Eu cumpri a minha última
promessa.
Eu trouxe alguém que confio e amo para o nosso lugar favorito.
Eu contei todos os nossos sonhos.
— Levi, isso é extraordinário. — sussurra, adentrando o espaço.
As paredes são revestidas com estantes de madeira escura que se
estendem até o teto, repletas de prateleiras de livros que contêm uma vasta
coleção de obras literárias. Cada prateleira é meticulosamente organizada,
criando uma sensação de ordem e serenidade.
Assim que paramos no centro do enorme salão, é como se ela
estivesse sido transportada para um mundo de conhecimento e beleza, onde
as páginas do passado e do presente se entrelaçam. Percebo, que para ela,
esta biblioteca é mais do que uma simples sala; é um santuário, um refúgio
para a sua mente e a imaginação.
Escorando-me em uma poltrona de couro envelhecido, observo-a
caminhar até as prateleiras e dedilhar as lombadas dos exemplares,
sussurrando os títulos baixinho.
Mas, é quando me afasto e caminho até uma porta secreta, que sua
atenção se volta para mim. Porque é atrás dessa porta, que eu realmente
guardo o meu maior tesouro. Analu caminha até mim a passos lentos e
assim que abro a sala secreta, seus olhos enchem de lágrimas na borda.
Porque ali, entre tantos lugares, eu mandei reformar toda a sala
secreta que Matt e eu amávamos. Agora toda a decoração imita o castelo de
Hogwarts. A única estante ali, possui todos os exemplares de seus livros
favoritos e todas as coleções disponíveis de Harry Potter.
Esse lugar que um dia foi o meu refúgio e do meu irmão.
Agora é o meu e o dela.
É para onde corremos quando não conseguirmos suportar nem
mesmo a nossa presença.
— Você fez isso por mim? — Ela pergunta, se virando para mim e
mordendo o lábio inferior.
— Sim. — Dou um passo à frente e coloco as mãos no bolso. — Eu
faria qualquer coisa por você.
Analu me acompanha dando um outro passo à frente.
— Você quer saber um segredo meu?
— Todos eles.
— Em um dos meus livros favoritos, eles apagavam a memória do
protagonista diversas e diversas vezes. E não importava quantas vezes
redefinissem a história, no fim, ele sempre se apaixonaria por ela
novamente. — Ela sussurra. — Você é assim para mim, Levi Johnson, eu
poderia me apaixonar por você inúmeras vezes. Eu sempre irei encontrar o
caminho de volta para o seu coração. Porque você foi meu brilho em meio a
escuridão. Foi o meu melhor amigo quando eu achei que estava sozinha.
Você me empurrou ao meu limite para que eu pudesse reagir. E eu jogaria
aquela coroa idiota mil vezes no lixo e dançaria mais mil vezes ao seu lado,
em um jardim abandonado, se isso significasse que me apaixonaria por
você no futuro, como eu me apaixonei. — Analu dá mais um passo e ergue
o queixo. — Eu te amo. Te amo com todas as nossas apostas, todas as
nossas provocações. Eu te amo por você ter dado um novo colorido a minha
vida e me feito perceber que eu não estava fadada ao fracasso.
Fecho o espaço entre nós dois.
Me abaixo e beijo seus lábios.
Eu a amo, ela me ama. É o suficiente.
Nós somos suficientes.
— Eu sempre achei que minha casa era a água. Sempre achei que eu
nunca conseguiria querer ter uma família, mas, mais uma vez, eu estava
errado. Eu sempre achei essas coisas porque ainda não tinha te encontrado,
princesa. Eu quero o mundo com você. Eu quero que sejamos os advogados
mais extraordinários do país. Quero construir uma vida ao seu lado. Eu
quero tudo com você. — Sorrio segurando seu queixo. — Eu quero assistir
Harry Potter e descobrir a minha casa, mesmo que eu não entenda nada
disso. Quero roubar champanhes depois das nossas competições. Quero
observá-la ser a melhor advogada. Eu quero tudo ao seu lado, porque você,
Analu Parker, é a minha casa.
Ao nosso lado, eu abro um pequeno armário e retiro de lá a única
coisa que deixei guardado por anos aqui.
Seus olhos se arregalam e eu sorrio enquanto levanto a coroa de
plástico e a coloco em sua cabeça, como deveria ter sido naquela noite.
Sorrindo amplamente, eu me abaixo, deixo um beijo em sua bochecha e me
afasto.
— Você a pegou.
— O lugar dela nunca foi naquela lixeira — murmuro. — Ela foi
feita para estar em sua cabeça, meu amor. Você é a rainha. Não só do baile,
você é a porra da rainha do meu coração.
Analu segura meu rosto, se firma em seu salto e dá um beijo na
minha covinha. E eu sorrio pela forma como a coroa fica torta em sua
cabeça e ela nem mesmo se importa.
— Eu estou ao seu lado até o fim, Levi Johnson.
Ela sorri. É lindo. Perfeito.
— Até o fim, Analu Parker.

Solto meus cabelos, escondendo o nome estampado na minha


camiseta e abaixo meus óculos escuros enquanto arrumo minha calça jeans
e a bota de salto.
Sei que estou atrasada. Meu celular não para de tocar no meu bolso,
entretanto, a personalização da camisa demorou mais do que o esperado e
precisei lidar com alguns assuntos sobre a empresa da minha família.
Contudo, agora, enquanto corro pelo campo de Saint Vincent, eu amaldiçoo
todos que me fizeram atrasar para essa competição.
Eu não posso perder isso.
Não imagino como seria se ele ganhasse e eu não estivesse lá.
Assim que ultrapasso as portas do ginásio, escutando o barulho de
água, Hazel solta um suspiro. Os olhos dela, pela primeira vez na vida, não
são brilhantes e felizes. Eles estão tristes e quebrados e eu me preocupo.
— Está tudo bem, Hazel?
Ela tenta e falha ao me dar um sorriso.
— Sim, eu acho — murmura. — Eu só preciso ir para casa, você se
importa de eu não ficar?
Ergo uma sobrancelha.
— Eu posso ir com você se desejar.
Hazel olha para onde nossos amigos estão e volta a me encarar.
— Não. — Maneia a cabeça. — Levi está prestes a competir e vocês
precisam disso. Eu realmente só preciso descansar.
Mesmo que algo me diga que essa não é toda a verdade, eu apenas a
deixo ir. E mando uma mensagem rápida para Dylan, avisando-o que Hazel
foi para casa e não parecia bem.
Assim que alcanço todos meus amigos. Posso ver Theo sorrindo
alegremente para Andrew. Eu sei que é a despedida deles, já que Andrew e
Melany embarcam essa noite para Nova York. A garota em questão está
sentada entre Edmund e Josh, o caçula dos Blackwell a ignora totalmente e
isso vem desde que, acidentalmente, eles se derrubaram na piscina meses
atrás.
Verônica me lança um sorriso e aponta para o lugar vago entre ela e
Summer.
— Onde está Hazel? — Vee questiona.
— Ela disse que estava indo para casa — digo, preocupada.
— Ela está estranha desde a consulta — Summer diz. — Precisamos
conversar com ela sobre isso.
Mordo meu lábio inferior.
Summer está certa. Hazel não está bem e eu não posso me sentar e
esperar que ela venha me dizer o que está acontecendo, porque sei que ela
não fará.
— É a vez de Levi. — Logan diz se jogando ao lado de Vee e
passando um donut para ela. — Se eu perder quinhentos dólares, eu juro
que chuto a bunda do seu namorado, Analu.
— Faremos todos nós juntos, então — resmungo.
Então, ele aparece, caminhando como se fosse o rei do ambiente.
Levi caminha arrumando a toca em sua cabeça e encarando seu treinador
com um sorriso zombeteiro no rosto. Mas, quando seus olhos procuram
pelos meus na arquibancada e me encontram, seu sorriso muda.
Ele me lança uma piscadela e eu reviro meus olhos.
Então, antes que possa dizer algo, seu treinador o chama irritado e o
manda se juntar a sua equipe, enquanto o ambiente vibra com antecipação e
excitação.
Observo os atletas da SVU e das outras universidades se prepararem
nas áreas de aquecimento, realizando alongamentos e exercícios de
aquecimento. Meu foco é todo de Levi que ainda fala com seu treinador.
Seu traje justo destaca seus músculos tonificados e a determinação
em seu rosto após alguém dizer algo a ele, me faz sorrir. Eu não preciso de
muito para saber que estão dizendo a Levi para vencer.
Assim que se afasta, percebo o homem mais velho se posicionar à
beira da piscina enquanto Levi faz seu caminho para a plataforma de partida
e uma expectativa palpável cresce em meu peito.
— O primeiro lugar sempre será seu — murmuro a mesma frase de
incentivo.
Mesmo que eu saiba que ele não pode me ouvir por conta da
distância, entretanto, ele sorri como se entendesse o que disse e volta a se
concentrar. Quando o sinal é dado, os atletas mergulham na água com uma
força explosiva, criando ondas que se espalham pela piscina. O som
abafado da água sendo cortada enche o ar enquanto os nadadores executam
suas braçadas poderosas e suas pernadas coordenadas.
Meu olhar se fixa em Levi e na forma como ele faz seus movimentos
de uma forma impressionante. A emoção é palpável à medida que as
posições mudam e os líderes emergem. Todos nós assistimos com
fascinação, enquanto os competidores se aproximam da linha de chegada.
— Puta merda! — Verônica xinga e todos nós nos levantamos.
— Ele é bom. Porra, muito bom! — Ollie diz.
— Ele é. — sussurro mesmo que meu foco seja todo em Levi.
O rugido da torcida aumenta em intensidade à medida que a emoção
atinge o ápice.
— Eu vou matar o Levi por me dar um ataque cardíaco — Summer
grunhe.
Então, os últimos metros da corrida chegam e todos nós observamos
a exibição de puro esforço e determinação, todos os adversários de Levi se
esforçam ao máximo para tocar a parede, mas não me surpreende quando
ele é o primeiro e o telão, de repente, mostra o nome da nossa universidade
em destaque. Assim que todos emergem da água, ofegantes e exaustos, mas
com sorrisos de realização e orgulho.
Nós soltamos palmas e os aplausos. Depois gritamos.
SVU venceu.
Ele conseguiu.
E eu cumpro a nossa última aposta, descendo até a área da piscina,
encarando a água que um dia foi o motivo do meu terror e caminho até o
homem que me ajudou a entender que eu não preciso temer esse lugar e
todos os outros.
Eu caminho até Levi Johnson.
A pessoa que eu amo.
O meu rival.
A minha alma gêmea.
E ele está me esperando com um sorriso no rosto.
— A nossa aposta?
— Está cumprida. — Dou de ombros.
Ele sorri, orgulhoso.
— Deixe-me ver.
Então, eu me viro, jogando meu cabelo para frente e uma gargalhada
salta dos lábios dele quando lê o nome estampado em minha blusa. A
camiseta roxa com o brasão de Saint Vincent University, foi alterada. Em
vez de conter o sobrenome de Levi há algo melhor.
Olhando por cima do ombro, solto um enorme sorriso.
— Projeto de Pequena Sereia?
— Você não especificou o nome que queria — digo, inocente. —
Tive que escolher sozinha.
Levi joga a cabeça para trás e solta uma gargalhada.
— Isso é a sua cara.
Eu me viro totalmente para ele ainda sorrindo e antes que eu possa
perceber, ele segura a minha cintura e me ergue, fazendo com que eu
precise olhar para baixo a fim de encarar seu rosto sorridente.
O mundo fica em silêncio.
Não há mais nada a não ser nós dois.
Ele e eu.
Opostos e, ao mesmo tempo, complementares.
Quebrados. Mascarados. Imperfeitos.
— Levi?
— Sim?
— Foi encantador te conhecer — sussurro, sorrindo em sua direção.
— Não o Levi que o mundo conhece. Mas sim, o meu Levi.
O homem que me segurou. Me ajudou e me amou.
— Não foi encantador te conhecer, Analu. — Ele sorri. É lindo.
Perfeito. — Foi épico.
— Eu amo você, garoto de ouro.
— E eu amo você, princesa de gelo.
FIM...
Você e eu somos dois corações batendo
Somos duas almas se alimento da mesma coisa
Então, pegue tudo, a cidade é sua
Vale a pena lutar, é tudo seu
Então, pegue tudo, a cidade é sua
Vale a pena lutar, é tudo meu
É tudo nosso
The City’s Yours | Jamie Foxx part. Quvenzhané Wallis

Alguns anos depois


Eu suspiro fundo, me viro e sorrio.
Estar aqui é como respirar depois de vários minutos debaixo d’água.
Contudo, eu não estou com vontade alguma de aturar um
julgamento, quando minhas costas doem e minha barriga pesa mais do que
eu gostaria. Erguendo-me em meu salto, eu olho para meu assistente que
tem os olhos vidrados no juiz.
Reviro meus olhos, voltando à minha mesa e deixando que acusação
tenha sua chance, mesmo que eu saiba que esse caso, é um caso ganho.
Focando minha atenção em meu celular por um segundo, leio as
mensagens do meu grupo de amigos sabendo que meu tempo de descanso
terá que ser no jatinho até Saint Vincent, já que todos eles inventaram de
um almoço de domingo, como se fossemos uma família típica de comercial.
Assim que o juiz dá sentença, eu sorrio amplamente antes de
cumprimentar a todos e correr até a garagem do tribunal de Nova York,
rumo a cobertura da minha família. Entretanto, antes mesmo que eu possa
chegar até meu destino, mãos fortes seguram minha cintura e me giram,
fazendo com que eu erga uma sobrancelha.
Mesmo de salto, sou obrigada a olhar para cima, para onde olhos
escuros brilham em minha direção e um sorriso amplo estampa seu rosto
bonito.
Levi Johnson.
Meu marido.
Meu cúmplice.
Meu melhor amigo.
— O que você está fazendo aqui? — questiono.
Ele dá de ombros.
— Buscando a minha esposa que deveria estar em casa,
descansando, e não em uma audiência — estreita os olhos para mim e então
sorri. — E abrindo uma petição.
Meu cenho se franze.
— Você é que deveria estar em casa hoje. — Reviro meus olhos. —
Onde ela está?
Ele dá de ombros novamente e aponta para a sala onde o Juiz
Johnson está.
Dou alguns passos até o tribunal onde meu sogro está e observo a
cena.
Sentada em cima de sua mesa, segurando um coelho de pelúcia que
Megan havia dado a ela em seu aniversário de um ano e que se tornou seu
fiel companheiro, está Ariella Parker-Johnson.
Nossa filha.
A pessoa que mudou todos os planos, meses após abrirmos nossa
própria firma e nos casarmos.
Ela foi a nossa esperança em meio a tanto caos, foi a luz que
precisávamos. Foi algo que não sabíamos que necessitávamos até que
Amanda a trouxe para mim, depois de dez horas de parto e aqueles lindos
olhos escuros e redondos brilharam em minha direção pela primeira vez.
Agora, ela é tudo na nossa família.
Ela é xodó dos avós, a princesa dos tios, a pessoinha que tem o pai
enrolado em seu dedo mindinho e o amor das nossas vidas.
Os cabelos cacheados caem até metade de suas costas. O sorriso
estampado em seu rosto me mostra que seu avô diz algo engraçado e
mesmo vestido com em toga, ele parece ser apenas um avô amoroso e
brincalhão e não o juiz mais temido do estado.
Observo o vestido rosa realçar o tom escuro de sua pele e ela soltar
uma nova risada gostosa quando seu avô tenta ajeitar desleixadamente a
pequena coroa em sua cabeça. Levi, assim como eu, apenas observa a cena.
Seus olhos nunca deviam de nossa filha e nem mesmo nos
movemos. Apenas a observamos se sentir amada, cuidada e feliz. Apenas
nos orgulhamos de ter uma pessoa tão especial para chamar de nossa.
E um sentimento de orgulho cresce dentro de mim e se solidifica.
Eu consegui. Eu consegui fazer aquilo que não me foi permitido
anos atrás.
Eu dou a ela um pedaço do mundo a cada dia. Mostro que mesmo
que algum dia o universo venha a fazer acreditar que nada é suficiente, ela
terá a nossa família para lhe mostrar que é uma mentira. Apenas faço com
que entenda que nunca, em hipótese alguma, ela estará sozinha.
— Mamãe! — ela grita alegre e seu avô a tira da mesa para que
possa correr até mim.
Me abaixo, equilibrando-me e Levi se coloca atrás de mim, porque
sabe o que está prestes a acontecer. Sabe porque já passamos por isso
inúmeras vezes.
Ariella corre tão rápido que quando seu pequeno corpo se choca com
o meu, ele precisa me ajudar a estabilizar e não cair. Suas pernas se firmam
em minhas costas, como uma barreira, e seus braços em meus ombros.
— Oi, meu amor — sussurro, abraçando-a.
— Você sabia que o vovô tem um julgamento hoje? — Ela sorri e eu
acompanho o gesto.
— Não, eu não sabia. — Toco seu nariz de leve. — E o que você
está fazendo aqui, espertinha?
— Sendo uma advogada igual a você. — Ela se afasta, colocando as
mãos na cintura. — Mas posso te contar um segredo?
Sorrio.
— Sempre.
— Estou ficando entediada. Estou até mesmo pensando em ir jogar
tênis com Atena ou Victória.
— E elas gostam de tênis agora? — pergunto, segurando uma risada.
Ari ergue uma sobrancelha. Não é novidade que suas melhores
amigas odeiam esse esporte tanto quanto suas mães odiavam. Atena,
mesmo que seja uma cópia perfeita de Verônica, não é tão fã de esportes,
nem mesmo o balé lhe chamou atenção. A verdade disso é que seus olhos
realmente brilham quando ela encara todos aqueles carros na garagem da
mansão. E já Victória, é uma cópia de Oliver, ela prefere os números e
inventar novas comidas a ter que jogar ou correr.
Ariella é a única desse trio que realmente herdou as paixões dos
pais.
— Não. — Ela dá de ombros. — Mas eu sei que fariam isso por
mim.
Ela não está errada.
Elas fariam.
Assim que eu e suas mães também fizeram.
— Elas fariam.
— E eu tenho Noah — Um sorriso nasce em seus lábios.
Levi se abaixa um pouco.
— Não, você não tem — Levi diz.
— Deixe Noah em paz, Levi — resmungo e Ariella franze o cenho.
— Seu pai é um bobo ciumento.
— Não, eu não sou. Aquele pirralho é uma extensão de Logan e
Verônica — suas palavras são baixas. — E você se lembra de como eles
eram?
— Você se lembra de como você era? — Sorrio, ajeitando a coroa da
nossa filha.
— Sim e é exatamente por isso que estou afastando aquele pestinha
de olhos azuis da minha filha. Então, nós vamos voar para Saint Vincent,
logo — Levi diz, se abaixando e olhando para a sua cópia que sorri em sua
direção. — Ou você ainda não está entediada o suficiente, princesa?
— Não, eu quero ir para a nossa cidade.
Olho para Levi que já me encara.
— Nossa cidade — sussurro.
Saint Vincent.
Nossa casa. Nosso lar.
Ariella solta um enorme sorriso.
Levi e eu a acompanhamos.
Então, de repente, ela se aproxima e coloca as mãozinhas em minha
barriga nivelada.
— Oi, estrelinha — ela sussurra. — Eu soube que o bebê da tia Vee
também é uma menina. Então, você não vai ficar sem uma dupla. Ela pode
ser a sua melhor amiga depois de mim. — Ariella deixa um beijo rápido em
minha barriga tampada pelo vestido. — Ela será a sua unidade como
Victória e Atena são minhas e Noah e Peter são as deles.
Então, ela se afasta e me olha com os olhos brilhantes.
O meu futuro habita esses lindos olhos redondos e escuros.
— Eu te amo, Ariella.
— Eu te amo, mamãe. — Ela se vira para Levi. — E eu te amo,
papai.
Ele se abaixa.
Minha família.
Eu, ele, Theo, Ariella e nossa pequena estrelinha que chega em
poucos meses.
A família pela qual eu olhei para as estrelas, naquela noite no
jardim, e desejei.
A família onde eu me sinto completa.

Olho novamente para o relógio e encaro a enorme biblioteca.


Eu e Levi nunca tocamos nela desde que viemos aqui anos atrás.
Nós fizemos dessa casa o nosso lar. E agora, anos depois, eu vejo o
quanto construímos nesse ambiente. Nós nos casamos no jardim, corremos
atrás de Ariella pelos corredores e nos escondemos todas as noites na sala
secreta.
Eu ensinei a ele a mundo de Harry Potter.
Ele me mostrou o mundo da natação.
Nós roubamos inúmeros champanhes juntos e provamos todas as
pizzas do cardápio.
Levi e eu vivemos. Aproveitamos cada minuto juntos.
Agora, anos depois, em mais um aniversário de casamento, eu me
pego sorrindo pateticamente por me lembrar das vezes que competimos um
com outro na intenção de sermos melhores um que o outro, mas o que não
sabíamos era que juntos, nós seríamos imbatíveis.
Nossa trégua mostrou o quanto nós nos pertencíamos.
— O que você está fazendo aí sozinha?
A voz de Levi me faz olhar sobre meu ombro. Ele segura Ariella no
colo e ergue uma sobrancelha para mim ao seu lado está Theo. Ele já não é
mais uma criança que corre para mim todas as vezes.
O meu irmão agora é um adulto que está prestes a se formar em
Astronomia.
Ele sorri para mim e eu devolvo o sorriso. Theo sente orgulho de
mim tanto eu sinto dele, e nada é mais importante para mim do que isso.
— Pensando em tudo o que vivemos nesses últimos anos.
— Você está linda com uma constelação, Lu — Theo sussurra,
deixando um beijo em minha testa e anda até a sala secreta.
Levi, por outro lado, se aproxima, deixa um beijo em minha cabeça
e encara as dezenas de livros alinhados em prateleiras. Ariella se escora em
seu ombro, observando-nos e eu solto um pequeno sorriso. Seus olhos se
fecham lentamente até que ela está dormindo no ombro de seu pai e eu
afago seus cabelos, ao mesmo tempo que uma das mãos de Levi vai até a
minha barriga.
— Sabe o que eu acabei de perceber? — Levi questiona.
— Tenho medo de perguntar.
— Os nossos sobrenomes — Ele inclina a cabeça. — Eles realmente
ficaram lindos juntos.
Minha cabeça tomba para trás e eu solto uma gargalhada.
É lógico que ele se lembraria disso e não deixaria passar. Mas esse é
Levi Johnson, o homem que eu amo. O homem que se tornou mais que meu
marido, ele é a minha alma gêmea e eu sempre serei grata por ter sido
abandonada naquele baile e ido dançar ao seu lado.
Porque Levi me segurou, me esperou e quando me teve, ele me
ajudou a curar todas as minhas feridas. Ele me deu motivos para querer
continuar. Ele segurou a minha mão quando eu enfrentei meu medo e estava
lá quando caí.
Levi Johnson, o homem que deveria ser meu rival, no fim, foi a
minha alma gêmea.
— Lev?
— Sim?
— Obrigada.
Ele me encara, com um meio sorriso.
— Pelo quê?
— Por ter dançado ao meu lado mesmo quando não havia música.
Devolvo o sorriso.
Ele foi a pessoa que me mostrou que eu era digna do amor e me
aconchegou em seu colo, quando o mundo estava pesado e desalmado. Levi
me mostrou que eu não estava sozinha. Ele se sentou e viu as estrelas e eu
fiz um último pedido.
Pedi que o mundo soubesse que, juntos, nós somos extraordinários.
E isso aconteceu.
Agora, eu estou ansiosa para mostrar aos nossos filhos que eles
também podem ser.
Oh, querida, todas as luzes da cidade
Nunca vão brilhar tanto quanto os seus olhos
Eu trocaria todas elas por mais um minuto
Mas o carro está lá fora
E ele já me ligou duas vezes
Car’s Outside | James Arthur

Não sei quando, nem como começou, mas em certo momento da


minha vida, me tornei uma mentirosa.
Eu menti para os meus amigos.
Para a minha irmã.
E agora estou mentindo para o homem que eu amo.
Não é algo que me orgulho, não é algo pelo qual meus olhos
brilham.
Isso é algo que me rasga por dentro, destrói meu coração e corrompe
a minha alma.
Agora, enquanto caminho pelos corredores do hospital de Saint
Vincent prestes a fazer algo que eu estava evitando por semanas, uma
lágrima desce pelo meu rosto. Lágrimas repletas de dor, decepção e raiva.
Não disse a verdade a Analu quando ela me perguntou se eu estava
bem e nem mesmo contei que estava indo a uma consulta e não para casa.
Porque eu sabia que ela ligaria Dylan e eu sabia que ele sairia correndo da
Blackwell Enterprise para vir ao meu encontro.
Porque ele sempre vem.
Ele nunca me deixa enfrentar minhas batalhas sozinha.
E talvez essa, eu precise.
Talvez essa seja uma das poucas coisas que eu não conseguirei
suportar.
Minhas mãos tocam a maçaneta com hesitação. Minha aliança de
compromisso brilha em meu dedo e o destino me quebra. Assim que
finalmente adentro a sala, a Dra. Hazelwood vira para mim com o rosto
compassível, mesmo que eu saiba o que está prestes a acontecer.
— Você está bem?
Mordo meu lábio inferior.
— Não sei como responder essa pergunta.
Ela dá um passo à frente, coloca a mão em meus ombros e sorri
fracamente.
— Exames podem dar errado — ela sussurra. — Talvez tenha sido
apenas um equívoco.
Mas, eu sabia que não era. Sabia, porque eu conhecia os sinais.
Porque eu sou a porra de uma estudante de medicina e não percebi
os sinais, porque estava tão focada na parte de que eu finalmente estava
realizando meu sonho de construir a minha própria família, de ter algo
estável em minha vida que não percebi o que meu corpo estava me
mostrando.
Suspirando uma última vez, eu me viro, pego a camisola e entro no
banheiro observando meu corpo pelo pequeno espelho. A barriga ainda
plana, faz com que um soluço salte dos meus lábios.
Não deveria ser assim.
Não.
Não.
Não.
Quando, semanas atrás, eu percebi os sinais de um teste de gravidez,
eu não esperava que isso desencadearia um aglomerado de situações que,
nesse momento, me fazem desmoronar. Eu deveria estar, nesse instante,
com meus amigos, vendo Levi e Analu, juntos e meu amigo ganhado mais
um de seus campeonatos, mas não é isso que está acontecendo.
Finalmente saindo, caminho em direção a maca, me deito e espero
com que minha médica se posicione. Ela olha para mim antes de se preparar
e ligar todos os aparelhos e posicionar e aplicar um gel de contato.
De repente, o aparelho é deslizado pela pele e, então, todo o meu
tormento começa.
Não há batimentos cardíacos do meu bebê.
Não há feto em meu útero.
Não há nada.
— Sinto muito, Hazel — ela sussurra.
Eu desabo.
Lágrimas tomam conta do meu rosto de uma forma que eu não
consigo controlá-las. Eu choro pelo que eu nunca tive, mas fiz com que
todos acreditassem. Choro porque o meu maior sonho se tornou o meu pior
pesadelo. Choro porque eu não consigo imaginar como dizer a Dylan que
nosso filho não existe.
— Pode estar errado? — pergunto pateticamente entre os soluços.
— Não, querida — percebo a pena em sua voz. — Mas há outra
coisa. Nós precisamos de um exame mais detalhado para te dar o
diagnóstico completo. Mas, eu sinto muito em lhe dizer que essa é uma
gravidez ectópica.
Não. Impossível.
Aceitar que eu não posso gerar essa criança, é algo que eu poderia
demorar para superar, mas no fim, eu saberia como fazer.
Mais lágrimas descem pelo meu rosto.
Tudo dentro de mim quebra.
É como se eu estivesse deixando tudo finalmente sair do meu peito.
Eu choro por essa gravidez, choro pelas mentiras e choro pelo mundo todo
ser tão cruel ao ponto de me tirar o único sonho que eu tive em toda a
minha vida.
Eu choro porque estou cansada.
Cansada de sorrir quando desejo chorar.
Cansada do mundo me julgar pelos meus erros, quando eu apenas
desejo proteger todos aqueles que eu amo.
Eu apenas estou cansada.
Por meses eu me senti assim.
Por meses eu olhei para a minha irmã e a observei me odiar, por
meses eu olhei para Dylan e o amei mesmo sabendo que ele merecia mais
do que posso proporcionar. Por meses, eu olhei para a minha mãe e vi a
mulher que se destruiu para me salvar. Por meses, vivi com a sombra de
Henrique Parker sobre mim. Por meses, eu apenas fingi que estava tudo
bem, quando na verdade, não estava. Quando eu apenas queria me deitar e
deixar que a minha dor, que se faz presente em minha vida, findasse em
meu peito.
Apenas… por meses eu queria ceder a escuridão.
E talvez o meu último empurrão para isso tenha acontecido agora.
— Gravidez ectópica cervical? — sussurro.
Ela nega com a cabeça.
— Gravidez ectópica tubária.
Meus olhos se fecham.
Esses casos são tidos como graves, e não preciso do olhar dela para
saber que, no meu caso, será necessário a intervenção cirúrgica, antes que
ocorra o rompimento da trompa, que pode resultar em uma hemorragia.
Engulo em seco, me sentando e segurando o lenço que ela estende
para mim.
Eu não sei como reagir.
Não sei nem mesmo pensar.
Eu apenas quero fugir de tudo e esquecer o que está acontecendo.
— Você pode marcar a cirurgia, Dra. Hazelwood.
As palavras doem. Estilhaçam. Rompe tudo.
Meu bebê.
Meu lindo e inocente bebê.
A minha vida parece escorrer pelas minhas mãos.
E agora eu preciso lidar com as consequências.

Eu soube que algo estava errado no momento que Hazel ultrapassou


a porta de entrada da mansão.
Ergui uma sobrancelha, deixando os documentos que Jonathan havia
me enviado e me levanto. Caminhando até ela e percebo os olhos da mulher
que eu amo se encherem de lágrimas.
Ergo uma sobrancelha, tentando entender o que há de errado.
O motivo pelo qual seu lindo rosto está banhado em lágrimas,
entretanto quando ela abre a boca para me dizer. Um grito salta de seus
lábios e ela se escora no sofá, inclinando-se e segurando a barriga.
Calafrios tomam conta do meu corpo.
Medo me incendeia
E é como se estivéssemos voltando para anos atrás, quando precisei
carregar minha irmã no colo, coberta pelo seu sangue, enquanto Verônica
chorava ao meu lado. Assim que estou em frente a Hazel, ela chora e eu a
seguro no colo, levando-a em direção a garagem.
— Me diga o que está acontecendo, Ma Belle. — suplico. — Me
deixe te ajudá-la.
Hazel não responde, lágrimas apenas descem pelo seu rosto e ela
geme de dor. E pelo seu choro, é se algo estivesse rasgando-a ao meio. Ela
agarra a minha camiseta enquanto se encolhe ainda mais em meu colo.
— Dói, Dy. — ela murmura, entre as lágrimas. — Tudo dói.
— Me diga o que está acontecendo — imploro, minha voz saindo
seca. — Por favor, Ma Belle. Apenas me deixe te ajudar.
Seus olhos se fecham lentamente e então, há sangue escorrendo pela
sua perna e manchando seu vestido.
Há tanto maldito sangue.
É pior do que de Sophie.
É como se a dor tivesse sido ampliada.
— Não ouse fechar os olhos, Hazel! — digo e percebo que minha
voz sobe uma decibel. — Não ouse.
Mas ela o faz.
E eu entro em desespero ao passo que dirijo até o hospital.
Eu não presto atenção no caminho.
Eu não presto atenção em como lágrimas descem pelo meu rosto.
Eu apenas tenho um foco.
Salvar a mulher que eu amo.
A única pessoa que conheceu todos os meus demônios e mesmo
assim permaneceu. A mulher que fugiu ao meu lado quando éramos
adolescentes e sorriu para mim a cada momento. Que lutou contra tudo e foi
o meu porto seguro quando tudo parecia demais para mim.
Eu não posso perdê-la.
Não é uma opção.
E assim que meu carro para com força absoluta em frente ao hospital
e a equipe médica a tiram de mim, eu sei que algo está fodidamente errado.
Sei porque sua médica sai de um dos corredores com os olhos arregalados e
corre até Hazel desmaiada na maca.
Eu sei. Eu sinto.
— O que há de errado? — grito, desesperado, perdendo o controle.
— Por que ela não acorda? Por que não estão tentando salvar o meu filho
também? — Levo a mão ensanguentada até meus cabelos, não me
importando se está manchando-o e fecho meus olhos. — Por favor, apenas
os salvem.
Por favor.
Por favor.
Por favor.
Por favor.
— Sinto muito, sr. Blackwell — a médica diz, antes de correr junto
com todos até uma ala do hospital que não posso entrar.
Eu deixo que outra lágrima desça.
Depois outra.
E então levo o celular até meu ouvido e o escuto chamar. Escuto
enquanto espero as únicas pessoas que poderiam me ajudar, além de Hazel.
— Dylan? — a voz suave da minha irmã, faz com que outra lágrima
desce.
— Vee? — Engulo em seco. — Eu acho que a perdi, Vee.
Então, antes mesmo que ela possa me responder, eu desmorono.
Caio lentamente de joelhos sobre o piso branco e impecável do
hospital.
Lágrimas escorrem pelo meu rosto de uma maneira irrefreável, mas
não me importo. Eu não ligo se as pessoas estão vendo essa cena, não me
importo se alguma foto do herdeiro dos Blackwell, caído no chão e
chorando como uma criança, pode sair nas capas de revistas pela manhã.
Eu. Não. Me. Importo.
Porque a única coisa que me importa é ela, a única pessoa pela qual
eu estou desesperado é a minha garota, a minha Ma Belle. A mulher que eu
amo desde os meus dezessete anos.
Desde que ela entrou timidamente na mansão dos meus pais,
acompanhada por Verônica e me ignorou. Ignorou até que eu provasse que
merecia estar ao seu lado. Que fez o possível e o impossível para que eu
não caísse em um poço escuro.
Agora, enquanto estou aqui observando o corredor pelo qual a
levaram e querendo ir contra todas as regras, eu tenho a plena convicção de
que não posso perdê-la. Porque o mísero pensamento de que ela pode nunca
mais sorrir novamente para mim, que aqueles lindos olhos redondos não
brilharam sempre que eu lhe fazer feliz e que ela não me obrigará a assistir
sua série favorita, me faz me querer quebrar cada parte desse ambiente.
— Dy... — Uma voz suave me faz erguer os olhos.
Eu sempre soube que os meus irmãos moveriam o mundo por mim.
Entretanto é quando Edmund e Verônica atravessam e enorme
recepção com determinação, como um dia fizemos ao tentar salvar nossa
irmã, que tenho certeza de que eles queimaram o mundo por mim.
Eu os segurei todas as noites em que tiveram pesadelos.
Eu me deitei ao lado de Vee e não a deixei sozinha.
Eu ajudei Edmund com o medo de carros e de sangue.
Eu estive lá por eles.
Agora, eles estão aqui por mim.
— E-eu não posso perdê-la... — Sussurro. — Eu não posso.
Verônica é a primeira a me alcançar. Ela joga sua bolsa no chão, uma
bolsa que sei que vale o suficiente para não ser jogada dessa maneira, mas
ela não se importa. Ao contrário, minha irmã abandona seus saltos e se joga
de joelhos à minha frente, me encarando. Não com pena, nem medo ou algo
semelhante. Mas determinação. E entendo porque Logan é tão apaixonado
por ela.
Ela segura o meu rosto e me faz encará-la. Sou recebido por olhos
idênticos aos meus. Idênticos em todos os sentidos. Minha irmã se quebrou,
se machucou e foi ao inferno para trazer a sua felicidade novamente. Agora,
percebo que talvez seja a minha vez de fazer isso.
— Olhe para mim, Dylan — Ed profere determinado. — Você não
vai perdê-la, nem hoje, nem nunca!
— Nem que eu precise pagar a cada médico desse hospital para que
descubra como podemos salvá-la, mas nós não vamos perdê-la. Eu não
aceito isso. — Uma lágrima finalmente desce pelo rosto de Verônica, mas
sua voz não falha, ela se mantém firme. — Você terá Hazel, terá a sua
namorada saudável de novo. Terá uma família, e eu terei a minha melhor
amiga, terei a integrante do meu quarteto e eu não aceito que ela me deixe,
nem que precise mover o mundo para salvá-la.
Antes que eu possa responder, Analu entra na recepção
acompanhada de Levi e Summer. Seus olhos procuram por todos os lados e
quando me encontram, há um resquício de vulnerabilidade em seu olhar.
Há algo que me mostra que está pronta para destruir todos se isso
significar que Hazel está em perigo.
— Onde ela está? — ela sussurra assim que chega perto de mim e
Levi a segura. — Onde está a minha irmã, Dylan?
Engulo em seco.
— Em uma cirurgia de emergência.
Antes que ela possa responder, a mesma médica que entrou com
Hazel aparece e caminha até onde estamos. Ela dá passos hesitantes até nós
e todos prendemos a respiração. Medo irradia de dentro de mim.
— Como ela está? — Analu pergunta, sem esperar.
A médica volta seus olhos para os meus.
— Houve uma complicação. — Um suspiro doloroso salta dos seus
lábios. — Por conta da gestação ectópica tubária, houve um rompimento da
tuba uterina em que o embrião estava alojado e desencadeou uma
hemorragia abdominal grave.
Fecho meus olhos.
Hemorragia.
Gestação.
Rompimento.
Me disseram que a gravidez é o acontecimento mais feliz na vida de
uma casal. Eu discordo disso, porque em todas as vezes que isso estava
envolvido, eu perdi alguém que amava. Na primeira vez, foi Sophie, agora
eu estou prestes a perder a mulher da minha vida.
E eu não estou disposto a perder algo que amo novamente.
Em Broken Hearts, é citada uma das minhas lendas chinesas favoritas, a
lenda do Fio Vermelho, que diz que quando uma pessoa é destinada a outra,
ambas têm um laço vermelho que as ligam, pelo dedo mindinho. E esse laço
pode embaraçar, emaranhar, mas ele jamais se quebrará. Quanto mais longo
estiver o fio, mais longe as pessoas estão de sua alma gêmea e mais tristes
estarão.
Durante todo o processo de escrita de Saint Vincent, eu percebi que
havia mais um casal que sussurrava essa mesma lenda em meus ouvidos.
Que me pediam para contar a sua história.
Eles se amam e se compreendem, entretanto, ainda não estão preparados
para ficarem juntos, mesmo que sejam complementares um do outro. E,
sim, eu estou falando deles. De Hazel Grace Parker e Dylan Blackwell.
Eles se entendem como ninguém, se seguram quando o mundo desaba, mas
como Hazel me disse, eles estão caindo e quando conseguirem pousar não
será gracioso.
Por isso, digo que agora é a vez deles. A vez do herdeiro de Saint
Vincent e a garota prodígio pousarem e se reencontrarem. Então, nós nos
veremos logo em Saint Vincent 4, com o casal que, assim como eu, vocês
estavam ansiosos.

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Se me perguntarem quais dos livros de Saint Vincent foi mais difícil de
escrever, eu sem dúvidas direi Masked Hearts. Ele foi um desafio, um
desafio que eu embarcaria dezenas de vezes, porque me ensinou mais do
que eu imaginava aprender. Analu e Levi foram personagens complexos,
envoltos em camadas que achei que não seria capaz de desvendar.
Entretanto, mais uma vez, eles me ensinaram que eu estava errada. Que eu
era sim capaz de conhecer e escrever sobre cada nuance que os
compunham.
E, para fazer isso, nunca estive sozinha. Para que Analu e Levi
realmente nascessem, eu tive pessoas incríveis ao meu lado que surtaram,
apoiaram e seguraram a minha mão durante todo o trajeto. Por isso, por
elas, eu estou escrevendo esses agradecimentos agora.
Em primeiro lugar, quero agradecer a minha mãe, meu braço direito, a
minha melhor amiga, que segurou o meu mundo nas costas quando, dezenas
de vezes, eu não suportava carregá-lo sozinho. Mãe, uma vez você me disse
que sempre seríamos apenas eu, você e a minha irmã. E você tinha razão,
sempre fomos apenas nós três e eu tenho orgulho de dizer que vocês são as
pessoas pelo qual eu ainda continuo dançando, mesmo quando não há
música, e não pretendo parar. Eu te amo, obrigada por ser meu maior apoio.
Você é gigante, mãe!
À, minha irmã, Maria Júlia, que a cada livro me mostra que eu posso
falhar em diversos quesitos, mas não em ser a sua a irmã mais velha. Maju,
quando você chegou em minha vida, eu era apenas uma adolescente com
medo do mundo. Você me ensinou a não temer o desconhecido e entender
que o mundo pode ser melhor. Eu te amo, até a lua ida e volta.
À, minha tia Laisa, que se tornou uma segunda mãe para mim, me
apoiou e sorriu em todas as minhas conquistas. Que segurou a minha mão e
me ajudou a correr atrás dos meus sonhos. Você é incrível e eu te amo para
sempre.
À April Jones e L. Júpiter, ou melhor, ao trio do cano, que me ensinou
que amizades podem ser construídas quando menos esperamos. Uma vez,
eu li em algum lugar que as melhores amizades chegam de repente. Eu não
acreditava nisso até conhecer vocês. Não acreditava que eu realmente teria
um encontro de almas como todos em Saint Vincent tiveram. Vocês
seguraram o mundo quando eu já não suportava mais o peso dele. Me
ensinaram que é possível construir um elo mesmo com quilômetros nos
separando. Obrigada por serem as minhas pessoas e estarem dispostas a me
ajudar, por soltarem pérolas insuperáveis e virarem noites ao meu lado.
Obrigada também por me ensinarem que amizades podem sim ser família.
E, sim, eu sei que a Júpiter está falando “amiga a gente sabe, né? A gente
sempre sabe.” e April está soltando um “foda, né?”. Enfim, eu amo vocês,
cano, e saibam que o mundo é pequeno para vocês!
À minha assessora e revisora, Camille Gomes, que enquanto eu escrevia
este livro, lidava com todo o resto. Amiga, há quase um ano atrás você
entrava na minha vida profissional e a organizava. Acho que nunca serei
capaz de agradecê-la por tanto. Obrigada por escutar meus áudios que
gabaritaram o código penal, por me segurar quando quero surtar e tudo
mais. Você é incrível. Eu te amo e obrigada por tudo!
À minha equipe de adms do grupo de leitoras: Isabella Martins, Isabela
G., Lari, Lívia. Obrigada por me darem suporte. Vocês são incríveis.
Ao meu time de betas; Ana Laura Maniá (que chorou e me cancelou),
Bruna Celestino (que ainda tem o Ollie e Sum em seu coração), Esther
Hadassa (a memória de Dory que desde WOH criava teorias), Isabella
Martins (que mandou áudios de madrugada chorando e queria matar
alguém), Karolyne Gonçalves (que chegou de repente e se tornou especial
para mim) , Ketlyn Viana (que, como sempre, me ofendeu a cada linha),
Maria E. Klazer (que surtou a cada parágrafo), Izabela Frazão (que me
pediu livros da segunda geração), Tatiane Brandão e Thiffany Amarante
(que surtaram a cada frase do Levi), Tan Wenjun (que me ajudou mais do
que poderei explicar e agradecer) e Thais Souza (que embarca em todos
livros de SV com o coração aberto); Obrigada por terem tido paciência,
terem me ajudado a capítulo e por terem amado Levi e Analu como eu
amei. A ajuda e o apoio de vocês foram essenciais para que Levi e Analu
nascessem.
À Amanda e Larissa, minhas melhores amigas. Que me deram dois
presentes inesperados, mas que agora são os meus xodós. Vocês são as
melhores amigas que eu poderia ter.
À Pigmalateia, minha revisora e leitora crítica que embarcou nesse
mundinho que é Saint Vincent e me ajudou em todos os aspectos. Amiga,
obrigada pelos áudios surtando, querendo me matar e pelos comentários que
fizeram soltar gargalhadas sinceras. Você é incrível demais!
A Iara Braga e Letícia Caroline, minhas leitoras sensíveis, que surtaram
e me ajudaram a escrever esse livro de forma responsável. Obrigada por
terem embarcado ao meu lado e surtado com a nossa cidade caótica. Foi
sensacional trabalhar ao lado de vocês!
A Ariadne Pinheiro e Isabela Crescencio, que embarcaram comigo
nesse mundo e me ajudaram na criação da estética de Masked Hearts. Serei
eternamente grata por tudo. Vocês foram extraordinárias.
Às minhas parceiras de lançamento, que criaram conteúdos incríveis,
que fizeram MH chegar até vocês. Obrigada a cada uma. Vocês foram
extraordinárias. Obrigada por tudo!
Por último, e não menos importante, a todos os meus leitores, que me
acompanharam até aqui. Que são o motivo pelo qual ainda continuo
dançando. O apoio de vocês me incentiva a continuar a criar Saint Vincent.
Mesmo quando tudo o que desejo é correr sentindo contrário, vocês me
mostram o quão gigante a nossa cidade caótica é. Saint Vincent e todas as
histórias presentes nela só existem por causa de vocês!
Com amor,
Annie Belmont.
SUMÁRIO
MASKED HEARTS
NOTAS DA AUTORA
AVISO DE GATILHO
PLAYLIST
PRÓLOGO
01 | AMOR FATI
02 | COMBATE MORTAL
03 | RESULTADOS
04 | PESSOA FAVORITA
05 | BOA SORTE
06 | PIZZA OU HAMBÚRGUER?
07 | MORALIDADE VS AMBIÇÃO
08 | TRADIÇÕES QUEBRADAS
09 | TRABALHO EM EQUIPE
10 | APOSTAS
11 | RUÍNAS – PARTE I
12 | TULIPAS
13 | SE EU CAIR
14 | ACERTO DE CONTAS
15 | DOIS PODEM JOGAR
16 | PRIMEIRA OPÇÃO
17 | ADRENALINA
18 | EXTRAORDINÁRIA
19 | SEGREDO PREDILETO
20 | TRÉGUA
21 | DEVERÍAMOS JOGAR
22 | CINCO DARDOS
23 | RUÍNAS – PARTE II
24 | ELEVADORES
25 | DUAS OPÇÕES
26 | IMBATÍVEIS
27 | ESCOLHAS
28 | EU QUERO VOCÊ
29 | PRINCESA DE GELO E GAROTO DE OURO
30 | VERDADES SENDO DITAS
31 | VOCÊ É O MEU SOL
32 | EU AINDA NEM COMECEI
33 | VOCÊ TERIA ME BEIJADO?
34 | RUÍNAS – PARTE III
35 | É O FIM
36 | RUÍNAS – PARTE IV
37 | PERDAS
38 | MINHA CONSTANTE
39 | CONFIE EM MIM
40 | REVELAÇÕES
41 | RETALIAÇÃO
42 | EU TE PEGARIA
43 | ALMA GÊMEA
44 | VOCÊ PERDER. EU VENCI.
45 | APOSTA FINAL
EPÍLOGO
BÔNUS | ESTILHAÇO
NOTAS FINAIS
AGRADECIMENTOS
SUMÁRIO

[1]
Alemão filósofo, crítico cultural, compositor prussiano, filólogo e poeta do século XIX. Foi um
crítico árduo da religião, filosofia, ciência, moral e cultura contemporânea. Adorador de aforismo,
ironia e metáfora.
[2]
O transtorno do espectro autista (TEA) é um distúrbio do neurodesenvolvimento caracterizado
por desenvolvimento atípico, manifestações comportamentais, déficits na comunicação e na interação
social, padrões de comportamentos repetitivos e estereotipados, podendo apresentar um repertório
restrito de interesses e atividades.
[3]
Personagem fictício dos seriados de televisão estadunidense The Big Bang Theory e Young
Sheldon, interpretado por Jim Parsons e Iain Armitage.

[4]
Hobbit é uma criatura criada pelo escritor J.R.R. Tolkien, em seu universo fictício de O Senhor dos
Anéis. Nos livros, Hobbits são pequenas criaturas que habitam a Terra Média.
[5]
O chamado nado Medley é uma forma de competição, que se caracteriza por juntar os quatro
estilos de natação: crawl, borboleta, costas e peito
[6]
Time de basquete fictício, da obra nacional Perdendo o Controle da autora L. Jupiter. Disponível
na Amazon e Kindle Unlimited.
[7]
Tradução: Você é a pessoa mais idiota que já conheci em toda a minha existência
[8]
Tradução: Você é a pessoa mais irritante, mandona e louca desse local. Mas, também é a mais
linda, inteligente e gostosa.
[9]
Tradução: No fim dessa aposta idiota, a sua Lamborghini será minha, meu querido.
[10]
Tradução: Eu sempre soube que você era obcecada no meu carro, princesa.
[11]
Tradução: Eu sinto que isso é uma aposta desonesta, porque você não tem nada a perder e eu
tenho muito.
[12]
Italiano polímata que se destacou sendo uma das figuras mais importantes do Alto Renascimento.
Era anatomista, arquiteto, botânico, cientista, engenheiro, escultor, inventor, matemático, músico,
pintor e poeta.
[13]
Tradução: Faça garotos chorarem
[14]
Vilão de toda a saga Harry Potter, da autora britânica J.K. Rowling.

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