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Dizem que o karma existe para fazer você colher os frutos do que
você plantou. Não importa a religião ou no que você acredita, sempre
haverá consequências pelas suas ações.
É óbvio que eu me recusava a acreditar nessa baboseira.
Principalmente agora que o meu avô, o homem que eu mais amo no mundo
e que passou a vida inteira fazendo o melhor pela família, estava dando os
últimos suspiros de vida em uma cama de hospital.
Já perdi as contas de quantas madrugadas passei aqui. Os corredores
não começam a parecer mais familiares, os médicos não ficam mais
bonzinhos. A única luz natural que entra pela janela chega a ser uma piada
em comparação ao que todos nós estamos enfrentando aqui.
Consigo reconhecer essas pessoas em qualquer lugar do mundo. A
dor do luto faz isso com você. Todos os dias nos sentamos nessas mesmas
malditas cadeiras, encarando-os nos olhos com a expressão mais mórbida
que você pode imaginar.
Um senhor aparece todos os dias com a bíblia na mão. Ele fecha os
olhos, os lábios sussurrando uma prece silenciosa, enquanto implora pela
vida do único filho. O garoto está na última fase de um câncer agressivo,
mas ele ainda acredita em um milagre.
E embora odeie admitir, eu também. No fundo, bem lá dentro, eu
realmente acredito que o meu avô vai sair dessa. Ele vai contar como um
anjo entrou pela sua janela e fez todas as células cancerígenas sumirem. E
então vai se preparar para mais um verão no acampamento que ele
administra há tantos anos, o Frozen Lake.
Passei muitos verões ali. Era um rito de passagem na nossa família,
e os Samuels sempre honraram suas tradições. Assim que completávamos
quinze anos, meu avô aparecia com a sua caminhonete barulhenta e um
saco de balas para nos entreter durante o caminho.
Eu costumava odiar. Enquanto todos os meus amigos estavam
curtindo as férias com as festas e aproveitando o verão para perder a
virgindade, lá estava eu, gritando com adolescentes por saírem de seus
chalés durante a noite.
Deus, se eu pudesse voltar no tempo… Se eu tivesse a chance de
passar nem que fosse apenas algumas horas com ele saudável novamente,
eu faria. Eu jamais reclamaria.
— Temos que ir, Sam. — A voz do meu irmão mais novo, Seth, me
faz virar o rosto. Ele anda mais abatido do que o normal, e eu sei que isso
não é só pelo vovô. A melhor amiga dele mora em outra cidade, e agora que
a nossa rotina é basicamente esse hospital, ninguém consegue levá-lo para
vê-la. O motivo de ele estar sendo tão insistente é justamente porque está
prestes a reencontrá-la. — Temos que pegar um avião.
Sim, nós temos.
Se eu acredito em milagres? Não. Eu definitivamente não acredito
mais.
Mas em anjos? É, talvez eu possa
começar a reconsiderá-los.
Porque não existe outra explicação plausível para a oportunidade
que eu consegui. Depois de meses com a ideia de vender o acampamento do
vovô para conseguir arcar com o restante de suas despesas médicas, eu
recebi uma proposta que vai conseguir segurar as pontas por mais um
tempo.
Aparentemente, em seu último verão no Frozen Lake, vovô
conseguiu que um jogador famoso de um time de beisebol fosse ao
acampamento. Isso atraiu mais gente do que ele esperava, mas melhor do
que isso, o cara acabou se tornando um grande amigo do Seth. Ele está se
casando neste final de semana, e a noiva dele me ligou implorando para eu
levar meu irmãozinho até lá.
Não sou uma megera. Sei o quanto Seth também queria fazer parte
desse momento, mas eu não podia sair daqui e deixar meus pais
encarregados sozinhos do vovô. Principalmente agora, que ele pode partir a
qualquer segundo.
Mas a garota era insistente e não desistiu até entrar em contato com
o CEO da agência que eu trabalho. É uma empresa de comunicação que
cresceu bastante nos últimos tempos, e embora eu queira um dia trabalhar
sozinha, é impossível conseguir seus próprios clientes quando você não tem
contatos.
Então, eu preciso continuar na agência até ficar conhecida no meio
esportivo, que é o meu foco principal. Cuidar da imagem de atletas
problemáticos pode não ser o sonho da maioria das pessoas, mas um
profissional de relações públicas é responsável por cuidar de toda a parte
midiática do cliente. É através da imagem dele que você cresce, e se estiver
com a pessoa certa, pode conseguir contratos milionários com empresas que
nunca sonhou.
Quero ser a melhor do mercado. Quero conseguir dinheiro o
suficiente para arrancar a minha família do buraco que nos enfiamos por
causa da maldita doença que está arrancando vovô de nós.
E é por isso que quando Calliope Romano, a noiva insistente, me
disse que conseguiria arranjar um cliente famoso e promissor que precisava
urgentemente de uma relações públicas agora que estava prestes a ser
negociado, eu não hesitei. Lembrei na hora de que seu noivo era um atleta
famoso, e com certeza seus colegas de time também estariam presentes na
festa.
É a minha chance.
Vou conseguir reerguer esse jogador das cinzas, e depois disso, o
céu será o limite. Não precisaremos vender o acampamento da minha
família e finalmente meus pais poderão viver administrando o sonho que
vovô lutou tanto para realizar.
Você só precisa controlar a respiração, Sam. Um, dois, três…
Devagar.
Você vai conseguir.
O som das minhas malas caindo no chão não são o suficiente para
me tirar do transe que acabei de entrar.
Inspira.
Respira.
Se acalme.
Mas nenhum dos comandos que eu costumo repetir para mim
mesma quando a ansiedade surge parece dar jeito. Porque, caramba, onde
foi que eu me enfiei?
— Temos que ir para a festa, Sam — Seth resmunga, irritado por eu
ainda não ter terminado de me arrumar. — Quero ver o Logan.
Marjorie está com o cenho franzido enquanto ele continua
murmurando sobre a minha lentidão, mas não consigo processar nada do
que Seth diz. Porque, puta merda, eu não consigo acreditar no que meus
olhos acabaram de ver.
Quando Calliope nos buscou no aeroporto e nos levou direto para a
igreja, ainda estava com um bom pressentimento. Algo me dizendo que
tudo daria certo e que meus pais ficariam orgulhosos de mim, mas eu já
deveria saber que nada viria tão fácil.
O meu karma chegou.
E eu não poderia estar mais ferrada.
Ele estava parado ao lado do noivo. Pisquei diversas vezes para ter
certeza de que meus olhos não estavam vendo uma miragem, um
fantasma… Mas Lance Moreau era inconfundível.
Olhos claros, cabelo castanho meio rebelde, corpo musculoso, alto.
Um sorriso cretino de canto e a pose de galinha continuam os mesmos
mesmo depois de dois anos.
Dois malditos anos.
Ainda me lembro como se fosse ontem. Nos conhecemos no trote da
faculdade — um trote que eu me recusei a participar, mas que decidi
fotografar para tentar entrar no jornal do meu departamento.
Ele me lançou um sorriso e posou para a foto. Depois, pediu para
que eu não a publicasse. E em algum momento depois de eu ter me
recusado, acabei me apaixonando por ele.
A maior burrice que eu já fiz.
seis anos atrás
— Você tem certeza que não quer participar do trote? — Sabrina, a
minha colega de quarto, perguntou.
Como caloura, a minha maior preocupação era sobreviver. A
Universidade do Texas não era a minha escolha número um, mas consegui
uma bolsa que custeava todos os meus materiais, além de cobrir também o
meu plano de alimentação.
Apesar de não ser uma Ivy League, era uma excelente escolha. Eu
só precisava lidar com a saudade dos meus pais, do meu irmão mais novo e
principalmente do meu avô, a quem eu sempre fui muito apegada.
— Olha, não é querendo dizer nada… — continuou Sabrina,
pintando os lábios com um batom vermelho de tirar o fôlego. — Mas os
jogadores de futebol estão aprontando alguma coisa para os calouros deles
também. E vai ter uma festa depois, o que significa que podemos nos dar
bem.
Cruzando os braços, eu torci o nariz para o que ela me oferecia.
Eu não era puritana, tampouco estava planejando passar os
próximos anos sem beijar na boca ou transar com alguém. Mas eu tinha um
lema de não me envolver com nenhum atleta desta universidade. Não era
nada pessoal, apenas uma escolha.
Por ser uma universidade de primeira divisão, o futebol
universitário era realmente importante. Os caras eram tratados como
celebridades, os jogos transmitidos para todo o país, fãs que enchiam
estádios. Qualquer um que decidisse se tornar um jogador profissional
precisaria abdicar de muita coisa nesses próximos quatro anos, e eu só não
estava a fim de acompanhar isso de perto.
Tirando todo o ego também. Podia estar sendo um pouco
precipitada, mas tinha a impressão de que todos esses jogadores
musculosos eram do tipo “fale demais, faça de menos”.
— Você que sai perdendo… — Minha colega ajeitou os cabelos
mais uma vez, conferindo no espelho o resultado da sua produção. — O
trote vai acontecer em uma das fraternidades. Delta Theta Nu. Se ficar
entediada, pode aparecer por lá.
Eu assenti, mesmo com vontade de dizer que isso não iria acontecer.
Tinha muitas coisas para adiantar, e isso incluía a leitura de um livro
teórico sobre comunicação que provavelmente iria consumir toda a minha
semana.
Mas passar a noite de sexta trancada em um quarto enquanto
escutava risadas e sons de música ao fundo era mesmo deprimente. Tão
deprimente que eu decidi ligar para a minha família via Skype, ansiosa
para ver algum rosto familiar.
Seriam longos quatro anos.
Quando nenhum deles atendeu, decidi dar uma olhada pelo site da
universidade em busca dos programas que eu gostaria de me inscrever. O
jornal era a minha opção número um, então comecei a ler sobre as formas
de ingressar nele.
Eu poderia enviar alguns dos textos que escrevi quando eu estava
no ensino médio. Também fiz parte do jornal da escola, e gostava da rotina
de escrever notícias, embora nem todas fossem interessantes.
— Merda… — murmurei, procurando no meu e-mail todas as
matérias que eu já havia publicado.
Problemas com a comida do refeitório, a saída do zelador favorito
dos alunos, o olheiro que descobriu dois jogadores de beisebol em um jogo
amistoso. Nenhuma dessas parecia boa o suficiente para eu enviar como
uma forma de inscrição.
Então, eu tive uma brilhante ideia.
Uma ideia que mudaria toda a minha experiência na universidade
para sempre.
Eu decidi escrever sobre o trote dos jogadores de futebol.
Não hesitei.
Sequer pensei.
Apenas me joguei na piscina atrás dela, o coração martelando em
meus ouvidos ao escutar seus guinchos de desespero. Será que a garota não
sabia nadar? Porra.
Segurei Samantha pelas axilas, nadando com ela até a beira da
piscina. Ela respirava fundo e audivelmente, tentando capturar o máximo
de ar que conseguia. Os olhos brilhavam de pânico e desespero.
Não entendi porque, mas meu coração doeu ao ver a expressão de
seu rosto. Samantha parecia tão indefesa. Começou a se agarrar a mim
como se eu fosse seu bote salva-vidas e isso fez minha pulsação acelerar.
Gostei disso.
Gostei demais disso.
Talvez eu não devesse ter gostado tanto disso.
— Ei, calma… — sussurrei, segurando seu rosto com calma entre as
mãos. — Respira fundo. Devagar. Isso, assim…
Os olhos dela estavam arregalados. Inspirou profundamente,
tentando assentir com a cabeça. Por puro instinto, minhas mãos foram
parar na sua cintura. Eu mal conseguia sentir a água gelada, porque a
sensação da pele dela contra a minha já estava ocupando todos os meus
sentidos.
— Eu não sei nadar — resmungou entredentes.
Precisei segurar a risada. Ela achava mesmo que isso não estava
óbvio? Por Deus.
— Notei.
— Me tira daqui, por favor.
Eu podia ser um degenerado que não sabia controlar a própria
língua, mas não um covarde. Impulsionei seu corpinho para fora da água
gelada, deixando-a sentada na beirada.
Só então percebi que, teoricamente, tinha acabado de cumprir com
o trote. E, merda… A lambança de tinta por todo o lugar estava feia.
Precisava tirar Samantha daqui o mais rápido possível ou estaríamos
encrencados.
— Você está todo sujo. — Ela torceu o nariz.
Impressionante. Ela estava toda molhada, rangendo os dentes e
tremendo de frio. Mesmo assim, empinava aquele nariz e me olhava com
desdém como se a tinta escorrendo pelo meu corpo fosse o pior dos nossos
problemas.
— Acontece. Temos que sair daqui — respondi, dando impulso para
sair da piscina olímpica também. — Que foi?
— Você vai chamar atenção desse jeito.
— Não importa. Se alguém pegar a gente aqui, estamos ferrados.
Mas a tal Samantha não se importava com o tempo escasso que
tínhamos ou sobre a possibilidade de acabarmos indo parar em uma
universidade qualquer no meio do nada — porque uma expulsão não era
vista com bons olhos pelos reitores.
— Lance, temos que dar um jeito de te limpar.
— Não, não temos. Anda, Samantha.
Ela bufou.
— O que você acha que vão pensar quando virem você andando por
aí molhado e coberto de tinta? Principalmente depois de virem essa
lambança na piscina? É mais fácil você se entregar de uma vez.
Rangendo os dentes, travei o maxilar com força. Eu sabia que o que
ela estava dizendo tinha fundamento, mas ainda assim me recusava a dar
razão para essa espertinha.
— Tudo bem. E o que você sugere?
Ela desviou o olhar, parecendo procurar algo. Qualquer coisa… Até
que os olhos castanhos brilharam mais ainda.
Apenas observei, confuso, quando Samantha se levantou e
caminhou até a entrada do vestiário. Meu coração saltou pela boca quando
a vi agachar, vasculhando os armários em busca de alguma coisa.
— Ah! Sabia — comemorou baixinho.
Engoli em seco quando a vi chegar com uma camiseta branca nas
mãos.
Ah, merda.
— O que você pensa que está fazendo?
Samantha apenas revirou os olhos, ficando de joelhos para me
alcançar novamente.
Me esquivei quando ela enfiou a camiseta na água e se aproximou
de mim, mas isso a fez guinchar como um esquilo.
— Fica quieto. Preciso ser rápida.
— O que você está…
— Cala a boca, Lance.
Porra. Eu não deveria ter ficado excitado com a forma irritada que
ela pronunciou o meu nome, deveria? Jesus, eu definitivamente precisava
de terapia.
Samantha começou a esfregar o tecido pela minha pele, o rosto
retorcido em uma careta linda. Parecia concentrada quando tinha que
passar alguns segundos a mais em uma mancha. Meu corpo ficou todo
arrepiado, aproveitando aquele carinho mesmo que eu tentasse dizer a mim
mesmo que não significava nada.
Ela só estava me limpando para não sermos pegos.
Era só isso.
— Acabei — comemorou, animada. — Vem, Lance!
Precisei de mais alguns segundos para entender onde estava e quem
era. A garota tinha me deixado baqueado por alguns segundos, e eu não
fazia ideia do porque.
— Vamos para onde? — perguntei com o tom de voz rouco.
— Ué, para onde seus colegas de time estão esperando. Você
terminou o desafio, não terminou? — Arqueou a sobrancelha, me olhando
por cima do ombro. — Já eu, por outro lado… Meu celular deu perda total.
Estou ferrada.
— Eu te ajudo a comprar outro.
— Lance, não.
— A culpa em parte também é minha. Não é justo.
— Ah, você só estava tentando evitar que eu escrevesse sobre você.
— Ela balançou a mão, como se me dispensasse. — Vou lidar com as
consequências. Além do mais, meu avô estava querendo mesmo saber o que
me dar de aniversário.
— Ainda assim, não me parece justo.
— Você vai sobreviver.
Eu ri, acompanhando-a até o ponto de encontro. Meus colegas de
time encaravam os relógios em seus pulsos, provavelmente querendo saber
se eu conseguiria terminar tudo a tempo.
Quando virei para o lado, vi Sam se afastando. Toquei seu braço,
vendo-a me encarar.
— Vai fazer alguma coisa amanhã à noite? — perguntei, receoso.
Essa garota me intimidava. Não entendia isso muito bem porque,
porra, as meninas se jogavam aos meus pés, não o contrário.
— Acho que vou estudar. E talvez ir atrás de um assunto para a
minha matéria que não acabe com o meu iPhone embaixo d’água —
zombou, abrindo um sorriso de canto.
Mordi a bochecha por dentro, sentindo um arrepio percorrer o meu
corpo. Adrenalina.
— Posso te ajudar.
— Acho que você é ocupado demais para esses assuntos triviais de
calouras de comunicação. Deveria perguntar se uma líder de torcida ou
algum membro da fraternidade precisa de ajuda para recarregar o barril
de cerveja.
— Que espertinha. Isso por acaso é uma forma de insulto?
— O quê? Jamais. Sou totalmente a favor de cerveja barata dentro
de barris. Já bebi muito dessa fonte.
Dei de ombros.
— Então talvez você devesse aparecer na festa da fraternidade
amanhã. Vamos ser membros do time oficialmente, então vou estar bem
vestido e com o cabelo penteado. Prometo muita cerveja de barril.
Ela pareceu ponderar por um instante.
— Acho que tudo bem. Preciso fazer novos amigos.
Isso aí, caramba.
Assisti-a se afastar com um maldito sorriso no rosto. Meu coração
continuava acelerado, minhas mãos suadas e meu rosto congelado em uma
expressão de felicidade.
— Ei, Lance? — Ela se virou para me encarar. — Gosto de ver você
assim. Bagunçado.
E eu caí do pedestal
Direto para a toca do coelho
Para encurtar a história, foi um momento ruim
long story short | Taylor Swift
— Ela insistiu muito, mano. E você sabe como a Calliope pode ser
insistente — meu irmão mais novo, Logan, se explica. Ele já veio entrando
no meu quarto como se não fosse nada demais.
Olha, não costumo reclamar tanto. Mas esse SPA definitivamente
vai receber um e-mail bem mal-educado. Tudo bem que o panaca abrindo
um sorriso sem graça para mim às seis da manhã é o meu irmão mais novo,
mas e se fosse um paparazzi? Uma fã maluca? Ou pior, um stalker que quer
me matar para conseguir fama? Nisso eles não pensam, não?
Semicerro os olhos para Calliope, que agora está encarando os pés
como se fossem a coisa mais interessante do mundo. Essa pirralha foi nossa
vizinha a vida inteira e, por consequência, acabou se tornando quase uma
irmãzinha para todos nós.
Bom, menos para o meu irmão Logan. Ele só pensava em fazer
sacanagens com ela (pelo menos era o que eu pensava), e por um tempo
pensei que tudo não tinha passado de uma quedinha na adolescência. Os
dois se reencontraram depois que Callie rompeu um noivado e, bem…
Estão casados.
— Pensei que vocês já tinham voltado para Boston — resmungo,
dando passagem para esses dois intrometidos entrarem.
Ambos vão diretamente para o sofá.
— Nosso voo é hoje à tarde. Fizemos o checkout do hotel e
deixamos as malas no carro. Mas estamos exaustos, então pensei em vir
fazer companhia para o meu irmão lindo ao invés de passar o dia no
aeroporto — Logan diz, sonolento. Até dá um pouco de pena.
Callie se recosta contra o peito dele.
— E eu acho que mereço uma recepção melhor do que essa, Lance.
Graças a mim, você conseguiu uma nova RP, e pelo que eu estou vendo nas
manchetes, a garota é boa.
Franzo o cenho.
— O que saiu de mim por aí?
— Nada. E esse é o ponto. — Callie sorri como a diabinha que ela
sempre foi. — Lance longe dos tablóides por quase uma semana? Isso só
pode ser um milagre.
— Vi uma teoria no Twitter que diz que você está trancado no porão
do treinador dos Texans. Também dizem que uma das suas ex-namoradas
pode ter te assassinado. — Logan sorri, macabro. — Adoro essa teoria.
— Você é um cara bem esquisito, meu irmão. Bem esquisito.
— Agradeça por eu ter vindo checar você ao invés da Lydia. Era
isso que queria?
Porra, não. Estremeço só de pensar na minha irmã mais velha
aparecendo aqui nesse horário. Não há um ser humano na Terra que consiga
impedir a Lydia de conseguir o que quer.
— Cruzes. Tá, você venceu. Prefiro muito mais vocês dois.
Os idiotas dão um high-five animado.
Reviro os olhos, caminhando até o telefone da cobertura. Ligo para
a recepção e peço um café da manhã farto para ser entregue no quarto.
Ainda não conversei com Samantha sobre isso, mas aposto que ela vai
achar essa uma opção muito melhor do que comer com uma dúzia de
desconhecidos todas as manhãs.
— Que bonitinho você se preocupando com a nossa refeição —
zomba Callie, deixando os pés esticados no sofá. — Mas e aí, como a Sam
está se saindo?
Estreito os olhos para ela. Como se Calliope não soubesse.
— Isso foi ideia sua?
— Dã. Claro que sim.
Viro meu rosto tão rápido para Logan que meu irmão mal tem
tempo para reagir. Abre um sorriso sem graça após um tempo e finge coçar
a própria nuca.
— Ela não sabia de nada. Foi tudo uma grande coincidência, eu
juro.
Cruzo os braços.
— Desembucha.
Logan lança um olhar apreensivo para a esposa antes de virar o
rosto para mim novamente. Suspirando, ele explica:
— Olha, quando você me contou sobre a Sam, eu associei na mesma
hora, e eu sei que você também. Tínhamos ficado no acampamento Frozen
Lake. O mesmo que pertence à família dela.
— Tá, Logan. Essa parte eu já sei.
Ele hesita por alguns segundos.
— A questão é que eu acabei ficando muito próximo de um garoto
no acampamento. O nome dele é Seth. E coincidência ou não, ele também é
neto do senhor Sam. Acontece é que isso faz dele…
— Irmão ou primo da Samantha — completo, mortificado.
Logan assente.
— Eles são irmãos. E Calliope queria fazer uma surpresa para mim
no nosso casamento, então ela acabou entrando em contato com a
Samantha. A garota estava ocupada demais e atolada em trabalho para
trazer Seth e Marjorie para o casamento, então a minha garota propôs um
trabalho para ela. Parecia que estávamos resolvendo todos os problemas de
uma vez só, tendo em vista que nenhuma RP conseguiu ficar com você por
mais de três semanas.
— Logan, por que diabos você não pediu para o avô dela trazer o
menino? Precisava mesmo ser a Samantha?
E, de repente, vejo a expressão mais triste e melancólica do mundo
no rosto do meu irmão. Ele deixa os ombros caírem, e meu coração acelera
ao ver Callie se aproximando para consolá-lo de alguma forma. Depois de
sussurrar alguma coisa no ouvido dele, meu irmão finalmente me responde:
— O avô dela está morrendo, Lance. Samantha não te contou?
Eu pisco uma vez. Depois, começo a andar de um lado para o outro
pela sala sem saber muito bem o que dizer.
Não, ela não me contou. Porra, por que ela não me contou?
Porque talvez vocês não sejam mais próximos, mas é só um palpite,
minha mente maldita relembra.
De repente, repasso toda a interação que tive com Samantha até
agora. Ela era extremamente apegada ao avô e isso com certeza deve estar
matando-a também. Espero não ter agido como um babaca — pelo menos
não de forma irreversível — e ter deixado as coisas ainda piores.
Merda, e pensar que eu estava agindo como um menino birrento
ontem à noite só pela mera possibilidade de Samantha estar noiva de outro
cara. Me sinto tão idiota.
— Você já sabe? — pergunto para Calliope, sem jeito.
Ela mal ergue o rosto para me encarar, mas assente lentamente com
a cabeça.
— Não sabia quando chamei ela para o nosso casamento, mas
Logan acabou me contando no dia seguinte. Ela parece ser uma garota
realmente legal, Lance. E me ajudou pra caramba na cerimônia depois que
fiquei bêbada.
Seguro a risada. Calliope e Logan deram um verdadeiro show no
próprio casamento. Só de lembrar que ainda tenho as filmagens de Logan
tentando despi-la na pista de dança…. Esses dois mal perdem por esperar.
A vingança é um prato que se come frio.
— Eu vou matar você. — Aponto para Logan. — E depois vou
incriminar você pelo assassinato. É, acho um bom plano.
— Você não pode nos matar — meu irmão diz, ofendido. — Prefere
mesmo ficar com a Lydia e o Lucian? Aqueles dois são bem chatos. E além
do mais, vão sumir com a sua cerveja.
— Não tô nem aí, cacete. Fico sóbrio pelo resto da vida, mas acabo
com a sua raça, Logan. Você não podia ter feito isso.
— E por quê? A garota é linda, divertida, e aparentemente, bem
profissional. Você quer ficar no time, não quer? E eu quero que o meu
irmão tenha um futuro brilhante. Qual o problema?
Passo os dedos pelo meu cabelo, um tanto quanto furioso.
— Porque eu ainda gosto dela, Logan. E você sabe muito bem disso.
Sabe como é ficar tão perto de uma pessoa que você deseja mais do que
tudo e mesmo assim não pode tocá-la? Sabe como é doloroso saber que
Samantha teve uma vida sem mim por todos esses anos?
Meu irmão engole em seco. Em seguida, vira o pescoço para encarar
Calliope. O brilho feroz em seu olhar me faz engolir as minhas palavras. É
claro que Logan sabe exatamente o que é isso. Afinal, ele se apaixonou pela
melhor amiga desde que eram adolescentes e demorou muito para que ela
finalmente retribuísse seus sentimentos.
— Eu sei exatamente como você se sente, Lance. E se eu me lembro
bem… Foi você que me deu uma bronca dizendo que eu deveria correr atrás
do que eu queria ao invés de ficar choramingando. Que tal seguir o próprio
conselho?
Porra. Eu disse isso mesmo para ele quando Calliope tentou afastá-
lo novamente. Foi nesse dia que eu contei sobre a minha breve história com
Samantha também.
Callie suspira.
— Logan tem razão, Lance. Se você gosta mesmo dela e quer
mantê-la na sua vida, é preciso agir.
Grunho, me sentindo como um adolescente tentando conquistar a
primeira namoradinha. Porque, caralho, eu não faço ideia do que é preciso
para fazer Samantha Samuels ceder. Ela não é mais a menina do barril de
cerveja.
— Não é tão simples — respondo.
— É sim — rebate Calliope, bem séria. — Sabe esse café da manhã
que você pediu pra gente? Comece a pedir pra ela todos os dias. Seja um
cavalheiro, Lance. Abra a porta, compre flores, convide-a para jantar.
— E aí quando vocês se pegarem, dê o melhor sexo da vida dela —
meu irmão completa, deixando Callie vermelha. — Vá por mim, é a receita
perfeita.
Sorrio, um pouco sem graça. Por mais que eu esteja fingindo não
prestar atenção nas baboseiras que eles estão sugerindo, por dentro eu me
pergunto: e se? E se Samantha e eu tivéssemos ficado juntos? E se isso tudo
der certo?
Respiro fundo.
— Vocês dois são completamente malucos, mas têm um ponto. Vou
tentar. E apenas isso: tentar. Não contei a história completa para você,
Logan — digo, encarando-o diretamente. — Mas Sam e eu temos uma
tendência para atrair o azar. E pelo que você acabou de me dizer, é tudo o
que ela menos precisa agora.
Naquela época não sabíamos
Que fomos construídos para desmoronar
Quebramos o status quo
Então nós quebramos o coração um do outro
The Very First Night | Taylor Swift
Tirar o resto do dia de folga foi a melhor decisão que eu poderia ter
tomado. O resort possui uma dezena de opções para relaxar, e cá entre nós?
Depois de todo o peso que tenho tirado dos meus ombros nessas últimas
semanas, eu estava precisando mesmo disso.
Depois de uma massagem nas costas extremamente relaxante e uma
sessão de limpeza de pele que me deixou nas nuvens, decidi colocar meu
maiô e curtir uma praia. As espreguiçadeiras estavam perfeitamente
dispostas na frente do mar escuro, e eu coloquei óculos escuros antes de me
afundar em uma delas para me bronzear.
— A senhorita gostaria de algum drink especial? — um dos garçons
me pergunta, abrindo um sorriso simpático.
Sei que tecnicamente estou no meu ambiente de trabalho, mas um
gole de álcool não faria mal, não é?
E além do mais, hoje vou partir do pressuposto de que eu mereço.
— Vodka com cranberry, por favor.
Ele assente rapidamente e se afasta.
Abro um sorriso, avaliando-o dos pés à cabeça. Ele é bem bonito e
estava me secando hoje mais cedo. Não seria nada mal transar para aliviar o
meu estresse depois de tudo.
Sei que tenho reclamado por estar tão cansada, mas… Estou tão
exausta. É como se meu cérebro não conseguisse desligar nunca.
Passo o dia torrando no sol sem remorso algum. Bebo (algumas)
vodkas com cranberry e termino o dia com duas Piñas Coladas. Já estou
sentindo minha mente mais leve quando uma voz familiar e intrusa aparece
por cima do barulho das ondas do mar.
— Que dia lindo — grita Lance, colocando o par de óculos escuros
no topo da cabeça. Espreguiça os músculos impressionantes e minhas
sobrancelhas vão parar quase no meu couro cabeludo ao assistir a cena.
Sério, universo? Ele precisava mesmo ser tão gostoso? Pior ainda,
ele precisava gostar de se exibir sem camisa para mim?
— Ei, Sam. Nem te vi por aqui… Amiga. — O tom malicioso em
sua voz deixa claro a ironia ao usar a palavra. Cretino. — Posso me sentar?
— Na verdade, eu já estava indo em…
— Ah, que sensação boa! — Lance coloca as mãos atrás da cabeça,
abrindo um sorriso mordaz. — Você já passou o protetor? Não quero que
você se queime.
Reviro os olhos, me deitando novamente sobre a espreguiçadeira.
— Já passei sim. E o que você está fazendo aqui?
— Eu estava entediado pra caralho naquele quarto. Fiquei magoado
de não ter sido convidado para o seu dia de praia. Não concordamos em ser
amigos?
— Amigos não precisam viver grudados. E não força a barra, Lance.
Estamos voltando a nos dar bem. Pra quê estragar?
Ele mostra os dentes para mim.
— E quem disse que estou tentando estragar alguma coisa? Olha só
para nós! — Ele aponta para o próprio corpo seminu e depois para mim. —
Somos só dois amigos tomando sol um do lado do outro. Poderia ficar horas
conversando com você sobre tudo.
— Lance, podemos só relaxar? Em silêncio, por favor? — sugiro,
ajeitando melhor os óculos escuros sobre o rosto. — Entrar em contato com
a Mãe Natureza faz bem.
Ele balança a cabeça para cima e para baixo freneticamente.
— Tudo bem. Mas como fazemos isso?
Suspiro.
— Feche os olhos e preste atenção nas ondas do mar. Sinta a
energia. Curta os raios do sol. Ou talvez não pense em nada, sabe? Só
relaxe. Tente se conectar com o seu “eu” interior. Eu gosto de cochilar
escutando esse barulho. Consegue escutar os pássaros?
— Aham.
Nós dois ficamos em silêncio. Aproveito o momento para tentar tirar
um cochilo, hipnotizada pelas minhas próprias palavras. Não sou a maior fã
da natureza assim, mas a minha conexão com a praia sempre foi grande.
Acho que por ser um lugar onde eu sempre ia com a minha família.
Depois de (poucos) minutos de paz, escuto Lance resmungando
outra vez:
— Sam?
— O quê?
Ele bufa.
— Estou entediado. Não gostei disso de se conectar com a natureza.
Dá-me paciência…
— E o que você está a fim de fazer, Lance?
— Não sei. O que amigos costumam fazer? Podemos fazer juntos.
— Amigos deixam os outros amigos em paz.
— Desde quando? Sempre gostei de azucrinar os meus amigos.
— E quantos deles você ainda tem?
— Atualmente? Acho que só o Charles…
Abafo uma risada.
— Acho que tudo está explicado agora.
— Ei, eu sou um ótimo amigo. Perdi as contas de quantas vezes
participei de brigas e confusões que eu nem estava a fim só porque um
deles se meteu com a pessoa errada. Isso sem contar a quantidade de fotos
autografadas que já enviei pelo correio porque queriam impressionar
alguém.
— Retiro o que eu disse, Lance. — Pisco os olhos, inocente. —
Você é um ótimo amigo.
— E não sou?! — Ele sorri, convencido. — O que acha de
conversarmos sobre coisas mais íntimas? Pessoais, talvez.
— Íntimas e pessoais?
— É. — Ele se senta na cadeira, ficando de frente para mim. É
impossível não descer o olhar para o seu abdômen trincado. E pensar que já
passei a língua ali tantas vezes…
Foco, Samantha.
— Hã… Acho que eu vou dar um mergulho agora — desconverso.
— Foi mal, Lance.
Corro na direção do mar como se ele fosse o meu salva-vidas, o que
é uma grande ironia. Lance me grita conforme vou entrando na água, mas a
sua versão pegajosa está sendo demais para mim. Ele me lembra muito o
Lance que eu conheci na faculdade e eu estou fazendo de tudo para
esquecê-lo.
Tenho que esquecê-lo.
Preciso esquecê-lo.
Estou tão concentrada em tentar entender as minhas emoções que
ignoro solenemente o que Lance ainda está gritando para mim. Sequer
presto atenção na onda enorme que está se formando bem na minha frente,
e quando ergo a cabeça…
É tarde demais.
Já era.
É o fim.
Será mesmo que esse vai ser o modo que vou partir desse mundo? E
por tudo que é mais sagrado, será que eu não poderia estar um pouco mais
vestida?
Por alguns segundos, eu só consigo pensar no vovô. Talvez ele me
encontre do outro lado alguns dias depois. Além do mais, estou morrendo
de saudades da vovó. Ela nos deixou cedo demais. Podemos ficar juntinhos,
os três.
Mas e o Seth?, minha consciência questiona. E o Scott? Eles vão
sofrer demais sem você.
Às vezes, as pessoas que mais amamos vão embora sem avisar e
deixam um buraco enorme, mas a intenção delas nunca seria essa se
tivessem escolha. Fatalidades acontecem com todo mundo — até aqueles
que achamos que nunca deveriam partir.
Sinto a onda gelada sobre mim e faço o que posso para me proteger.
A água está mais fria do que eu havia percebido, e prendo a respiração
quando sinto que estou submersa. Abro os braços e tento nadar de volta até
a superfície, mas… Não sei nadar.
Que bela maneira de morrer.
— Samantha! SAM? AGUENTA FIRME!
Lance? É ele mesmo? Veio até aqui só para me salvar?
Podem ter se passado segundos ou até mesmo dias inteiros. Não
saberia responder com precisão. A única coisa que tenho certeza é dos
braços fortes que me puxam de dentro da água.
Tusso o máximo que posso, dando um verdadeiro banho em Lance
conforme ele me carrega nos braços. Se eu ainda estivesse conseguindo
falar, diria alguma piadinha sobre como estamos parecendo uma cena de
SOS Malibu.
— Que susto, Sam — murmura ele, conferindo meu rosto com
preocupação. — Tentei te avisar para não entrar. O mar não está tão calmo
quanto aparenta e você não sabe nadar.
Ele ainda se lembra disso? Caramba.
Por um momento, sou consumida pela vergonha ao perceber o
quanto eu espirrei água em Lance ao tossir. Mas logo em seguida, me
lembro das vezes em que ele segurou o meu cabelo depois de passar a noite
inteira vomitando ao tentar manter o meu posto como a “rainha do barril de
cerveja”.
— Desculpa. — Forço a minha voz, ocasionando em mais uma crise
de tosse.
Lance me encara com intensidade, fazendo um chiado com os lábios
para que eu faça silêncio.
— Não precisa me pedir desculpas, Sam. É melhor sair daqui, tudo
bem? Você precisa se secar.
Assinto lentamente, sentindo a culpa me atravessar com tudo.
Eu te devo desculpas, sim, Lance. E esse pedido está há dois anos
atrasado.
Todos querem ele, esse foi o meu crime
No lugar errado, na hora certa
E se eu desmoronar, então ele vai me apanhar
Em um mundo de garotos, ele é um cavalheiro
“Slut!” | Taylor Swift
— Lance, mais uma foto aqui, por favor! — Os flashes são capazes
de cegar uma pessoa.
Uma pequena multidão se forma ao nosso redor assim que saímos
da emissora. Lance faz um sinal para que Sean me leve até o carro enquanto
ele autografa camisetas e se abaixa para tirar foto com alguns fãs.
Meu coração erra uma batida ao ver a cena. Ele mexe no cabelo,
sorri, faz piadas, abraça e tira sarro das pessoas que gritam histericamente
por estar em sua presença. Lance sempre foi incrível como ídolo, e poder
presenciar isso de novo me faz sentir a mulher mais sortuda do mundo.
Quando ele entra no carro, não hesito em me aproximar e apoiar a
minha cabeça em seu ombro. Lance dá um beijo na minha testa,
entrelaçando os nossos dedos carinhosamente.
Sean nos encara através do espelho retrovisor um tanto quanto
desconfiado, mas ignoramos.
— Amanhã você precisa estar no centro de treinamento cedo,
Lance. O próximo jogo é daqui cinco dias — relembra ele, assim que
chegamos no resort. — O checkout de vocês está marcado para as duas da
tarde de amanhã.
Nós concordamos e ele vai embora sem dizer mais nenhuma
palavra.
Quando estamos a caminho do elevador, Lance me segura pelos
ombros. Seus olhos castanhos estão repletos de um carinho não dito. Franzo
o cenho, sem conseguir entender muito bem o que ele está tentando fazer.
— Que tal caminhar comigo?
— Agora? Estou exausta. — Me jogo dramaticamente sobre seu
ombro, e ele ri pelo nariz.
— Quero ver as estrelas.
— Podemos ver da nossa suíte. Aquela janela não pode ser
desperdiçada. Além do mais, ainda não usamos a piscina privativa juntos.
Mas nem todas as segundas intenções do mundo convenceriam
Lance a mudar de ideia. Porque ele refuta cada uma das minhas sugestões,
argumentando que a praia daqui fica um espetáculo quando escurece e nós
não a aproveitamos o suficiente.
— Estou morrendo de fome — resmungo, quando ele me pega
delicadamente pela mão e começa a caminhar na direção da praia.
Alguns funcionários acenam em nossa direção, animados por nos
verem juntos. Imagine quando a entrevista for ao ar…
— Preparei uma coisa pra gente. Você vai gostar.
— Tem comida?
— Tem. — Ele ri mais uma vez. — Isso é por causa da gravidez?
— Provavelmente. Inclusive, você está me fazendo andar mais do
que o necessário quando tudo o que eu quero é uma cama quentinha e um
orgasmo intenso para relaxar. Acho que você como o pai dessa criança tem
a obrigação moral de me prover tudo isso — argumento, erguendo o queixo.
— Vai ser um prazer servir a todas as suas vontades, Sam. Mas
antes…
E então finalmente chegamos à praia.
Meu queixo vai ao chão.
Não estou brincando.
Porque a combinação do céu escuro repleto de estrelas é só um
adorno a mais para o que Lance preparou para nós. Várias velas foram
espalhadas pela areia branca, luzinhas piscando no chão conforme pisamos
nelas. E, ao continuar a trilha, nos deparamos com uma mesa para dois.
Igualzinho ele descreveu para a jornalista.
— Lance…
— Já que você está com tanta fome, vamos fazer isso primeiro. —
Ele aponta para a mesa, já puxando a cadeira para que eu possa me sentar.
— Embora eu não seja o maior fã do mundo de macarrão, sei que você ama.
Então pedi um carbonara com trufas vindas diretamente da Itália.
Coloco a mão sobre a boca, em choque.
— Meu sonho é fazer um tour gastronômico em Roma.
— Eu sei. Você me contou isso um dia. — Pisca ele, sorrindo.
Lance escolheu para si mesmo um prato delicioso de salmão com
arroz negro que me deixou com água na boca. Nós comemos enquanto
conversamos, dando risada sobre o passado e inevitavelmente pensando no
futuro.
O que será de nós daqui para frente? Qual o nosso destino?
— Samantha.
— Lance — repito, brincalhona.
Ele semicerra os olhos para mim.
— Eu venho treinando para falar com você a respeito, mas nunca
parece ser o momento certo. Depois do que aconteceu com o seu avô, decidi
que não poderia esperar muito mais para te dizer.
— Me dizer o quê?
Ele respira fundo.
— Eu te amo, Sam. Para ser honesto, sempre amei. Desde o
primeiro dia em que nos vimos, quando você me filmou sem nem fazer
questão de esconder.
— Espera aí! Eu estava escondendo, sim!
Ele revira os olhos, um sorriso sarcástico brincando em seus lábios.
— Se você acredita nisso… — Dá de ombros, mantendo o bom
humor. — Nós sempre tivemos uma ligação. Você precisa admitir isso. Mas
vou confessar… Só tive certeza de que seríamos para sempre depois
daquela tempestade. Quando fomos para o meu apartamento e você me
confessou que a dor do luto te assustava. Que o fato de podermos ir embora
a qualquer momento te apavorava. Não sabia que isso provavelmente tinha
a ver com a perda da sua amiga Emma — ressalta ele, fazendo meu coração
apertar. — Mas mesmo depois de você ter ido embora e desaparecido da
minha vida, sempre me perguntei quando iríamos nos encontrar novamente.
Porque sempre tive certeza, Sam. Isso ia acontecer. Um amor como o nosso
não iria sumir. E se em quatro anos na universidade a gente sempre achava
uma forma de voltar um para o outro, era só uma questão de tempo até
ficarmos juntos para sempre — completa, me fazendo lacrimejar. — Talvez
eu tenha dado um empurrãozinho me envolvendo em tanta confusão. Talvez
eu estivesse rezando para você acabar aqui, como está agora.
Arfo, completamente em choque.
— Lance…
— Mas a verdade é que eu não suporto a ideia de deixar você partir
mais uma vez, Sam. Fico apavorado de pensar nisso, para ser sincero.
Quero criar essa criança com você, mas mais do que isso. Quero que você
seja minha. Quero ser seu. Quero que você use o meu nome, que esteja em
todos os camarotes destinado à família nos meus jogos. Quero que sejamos
um só.
Ele tira uma caixinha azul do bolso do paletó, se ajoelhando naquela
areia bem na minha frente.
Coloco as duas mãos sobre a boca, as lágrimas escorrendo
copiosamente dessa vez. Meu coração está batendo tão rápido que é quase
possível ouvi-lo.
— Samantha Samuels, rainha do barril, minha relações públicas, a
garota mais maluca que eu já conheci. Você quer…
Mas antes que Lance possa terminar a sua pergunta, nossos
telefones começam a tocar.
No mesmo instante.
Sincronizados.
Agarro o meu na mesma hora, o instinto de assessora que está
sempre pronta para lidar com uma crise falando mais alto.
Mas quem me dera fosse isso. Quem me dera fosse uma matéria
sensacionalista de jornal plantando mentiras sobre Lance. Quem me dera
fosse uma mensagem enviada de qualquer pessoa, qualquer uma mesmo,
menos ele.
Menos Scott.
Scott:
Ele se foi, Sam.
E quando a noite está nublada
Ainda há uma luz que brilha sobre mim
Brilha até o amanhã
Deixe estar
Let It Be | The Beatles
Se passaram três meses desde que dei adeus para o vovô. Meu maior
conforto está sendo imaginá-lo agora ao lado de seu grande amor, a vovó
Mary, cercado de todos os amigos e conhecidos que foi perdendo conforme
os anos se passaram.
Lance e eu começamos a morar juntos imediatamente depois de
deixarmos o resort. Tivemos uma conversa sobre o futuro do nosso bebê e
como gostaríamos de cuidar da nossa família.
É, ainda não me acostumei totalmente com isso. Para ser sincera,
uma parte de mim não se sente totalmente confortável em pegar Lance de
volta pra mim. De certa forma, é como se algo pairasse sobre nós. Como se
a qualquer momento tudo fosse desmoronar.
Meu receio pode ter fundamento, mas também me deixa apreensiva
com relação a ele. Quero dizer, nós transamos quase todos os dias, muito
obrigada. Além do mais, sei que ele não está saindo com mais ninguém,
assim como eu. Teoricamente, estamos em um relacionamento sério, mas
ele não me pediu em casamento de novo. Nem tocamos no assunto —
provavelmente por causa do trauma causado pela perda do meu avô.
Secretamente, eu sempre agradeço Lance por respeitar o meu tempo.
Perder Emma quando éramos tão jovens me trouxe cicatrizes e
traumas que não estão sendo fáceis de curar. E a pior parte de tudo isso é
colocá-lo nessa posição. Estou sempre esperando o pior. Sempre dando um
jeito de fugir. Acostumada a ver o castelo ir abaixo depois de poucos
minutos de felicidade.
Não fomos a público anunciar a gravidez ainda, embora alguns fãs
já tenham começado a especular. Um dia, fui até o mercado comprar
algumas coisas para preparar o nosso jantar, e um paparazzo conseguiu um
ângulo bom da minha barriga.
Lance me assegurou que não precisava me preocupar. De acordo
com ele, todos receberiam a notícia muito bem. Isso acabou nos levando até
Sean, que quase saltou de felicidade ao saber do bebê.
Aparentemente, uma gravidez seria perfeita para o nosso noivado
(nem tão) falso.
— Fico feliz que o nosso filho seja conveniente para os seus
negócios — debochei, mesmo entendendo o lado profissional.
Não estou mais trabalhando para Lance. Não formalmente, pelo
menos. Sean contratou uma agência renomada do Texas para lidar com o
seu gerenciamento de carreira, e enquanto isso, aproveitei para me
recuperar do baque que estava vivendo. Decidi ficar em casa e curtir a
gravidez com o máximo de tranquilidade possível. Já tinha tido a minha
cota de estresse para o resto da vida.
Lance, é claro, concordou na mesma hora. Ainda não conversamos
sobre como vou manejar a minha carreira depois que o bebê nascer, mas
essa é uma questão que vou deixar para a Samantha do futuro.
É uma manhã de quarta-feira quando acordo com o meu celular
tocando. Ultimamente, tenho dormido até às dez, e quando levanto, Lance
já está no centro de treinamento há horas. Mesmo assim, ele ainda continua
com o hábito de deixar o meu café da manhã pronto.
Fofo.
Ao pegar meu celular, me surpreendo com a quantidade de
mensagens vindas de um número que não reconheço. Franzindo o cenho,
desbloqueio a tela para conseguir visualizar.
— Que merda é essa?
Meu coração acelera conforme vou me dando conta do que está
acontecendo. Meu ex-noivo sem noção, mais conhecido como Oliver, está
me bombardeando com mensagens agressivas.
“Você terminou comigo para dar mesmo pra ele, não é, Samantha?
Você está grávida? Diz que isso é mentira!”
“Estava convencido de que todas aquelas notícias e fotos
comprometedoras de vcs era uma farsa. Disse para os meus pais que aquela
entrevista era forjada pq ele estava com a imagem ferrada. Realmente achei
que você era uma profissional, mas não passa de uma vagabunda.”
Por mais que eu tenha plena consciência de que esse verme não tem
o direito de me cobrar a respeito de nada, ainda assim dói. Sou
imediatamente transportada para o ensino médio, quando Oscar murmurava
palavras parecidas quando passava por mim nos corredores.
As risadas altas ao meu redor. As pessoas erguendo as sobrancelhas
de maneira sugestiva.
Ele não tem mais poder sobre você, Samantha.
Nem me dou o trabalho de responder. Apenas bloqueio o número,
me sentindo mais vulnerável do que nunca. Quando estou com o corpo
imerso na água quente da banheira, me permito derramar algumas lágrimas.
Não por causa desse babaca, mas por causa de todo o resto. Por Emma, que
infelizmente cresceu com Oliver sendo seu exemplo de irmão mais velho.
Por termos nos afastado por causa de um mal-entendido. E por ela ter
perdido a vida tão jovem.
Depois que termino de tomar café da manhã, a campainha começa a
tocar.
Estranho.
Lance e eu não recebemos muitas visitas. Seus irmãos estão
tentando marcar uma visita conjunta à cidade faz semanas, mas eles teriam
avisado se decidissem aparecer do nada, não é?
— Samantha! — O tom de voz rouco me faz arrepiar.
A pessoa está claramente bêbada. Continua esmurrando a porta,
apertando a campainha do apartamento incessantemente.
Como ele conseguiu subir até aqui?
— Eu sei que você está aí, porra. Abra a porta!
Vai sonhando, meu querido.
Eu estou sempre assistindo programas de True Crime sobre Serial
Killers. Não abro essa porta nem a pau.
Mas… A curiosidade está falando mais alto, e por isso me aproximo
um pouco mais da porta. Enquanto tento escutar os murmúrios irritados do
ser humano do outro lado dela, envio uma mensagem para Lance. Sou curta
e grossa, apenas comunicando que alguém pode ter invadido o nosso
apartamento.
Em seguida, mando uma mensagem para a segurança do prédio.
— Olha, não sei quem você é — resmungo em resposta. — Mas a
segurança já está ciente da sua tentativa de invasão. Eles vão aparecer a
qualquer momento e tirar você daqui. É melhor ir embora.
Uma risada sinistra ecoa.
— Você não está mesmo me reconhecendo, amor?
Arfo.
— Oliver? O que está fazendo aqui?
— O que você acha, Samantha? Estou atrás da porra da minha
noiva!
— Você andou bebendo e com certeza não sabe o que está fazendo.
Nós não temos mais nada, seu maluco.
— Você decidiu sozinha que queria acabar. Nunca tivemos uma
conversa a respeito. Não concordo com o término.
Era só o que estava faltando para terminar o meu ano com grande
estilo. Ser presa por homicídio após ouvir uma frase dessas.
— Você pode ir se foder, Oliver. Que tal? Você está de acordo?
Escuta aqui, seu idiota. Nós terminamos. Não tenho nada com você e quero
que me deixe em paz.
Ele soluça.
— Você acabou com a vida da minha irmã.
Cretino. Maldito. Filho da puta do mais baixo nível.
— Não adianta usar a Emma contra mim. Eu sei que você foi o
responsável por mostrar a foto para ela. Além do mais, Oscar e eu
conversamos sobre o assunto. Ele me contou o que aconteceu na noite em
que ela pegou o carro — respondo, determinada. — Se acha que vai
conseguir me manipular como fez naquela época, está enganado. Não sou
mais a menina assustada que perdeu a melhor amiga, Oliver. E você deveria
ter vergonha de se prestar a esse papel. Caramba, você é pai!
— Você prometeu que ia me esperar. Você aceitou o meu pedido de
casamento!
— Éramos crianças, pelo amor de Deus. A maior burrice da minha
vida foi ter levado esse compromisso a sério quando você, obviamente, não
o fez.
— Eu também levei a sério! Larguei tudo pra voltar pra você!
Suspiro, encostando a testa na porta.
É a mesma coisa que conversar com uma parede. Ele não vai me
ouvir. Está convencido de que fui infiel, quando, na verdade, nunca
deveríamos ter ficado juntos. Pensando a respeito, eu aceitaria ver o Lance
com outras meninas enquanto esperamos para nos casar?
Nem por cima do meu cadáver.
— Oliver, vai pra casa. Não existe mais nada entre nós.
Escuto um fungado baixinho.
— Não me importo que você esteja grávida. Nossos filhos podem
ser amigos — divaga ele, embolando a língua. Deve ter passado a noite
virando doses de tequila, como sei que gosta de fazer. — Nossa família não
precisa ser tradicional. Eu te perdoo, você me perdoa, e vamos ser felizes.
Jesus. Interdição urgente.
Estou quase abrindo a porta para pedir com jeitinho para esse idiota
se mandar, quando escuto-o engasgar. Em seguida, um barulho estridente
me faz dar um pulo.
Oliver faz um barulho inaudível. Como se estivesse sendo
engasgado. Ao longe, consigo ouvir um “repete isso, filho da puta!” com
um tom mortal.
Abro a porta na mesma hora, já ciente do que meus olhos estão
prestes a ver.
Lance está segurando Oliver contra a parede. A mão está apertando
seu pescoço, enquanto meu ex implora por ar.
Ai, meu Deus.
Ela se foi para o paraíso
Então eu tenho que ser bom
Assim poderei ver o meu amor
Quando deixar este mundo
Last Kiss | Pearl Jam