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PERDENDO O CONTROLE

TRILOGIA ESTILHAÇOS UM

COPYRIGHT © 2023 L. JÚPITER

Todos os direitos reservados

Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.

Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer


parte desta obra, através de quaisquer meios ― tangível ou

intangível ― sem o devido consentimento. A violação dos direitos


autorais é crime estabelecido pela lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.

Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar, personagens


e situações são produtos da imaginação do autor. Qualquer

semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera


coincidência.

 
Capa: Larissa Chagas

Diagramação: Júpiter

Revisão e Leitura Crítica: Pigmalateia

Leitura Sensível: Isamara Gomes

Leitura Beta: Ana Laura, Duda Mota,  Julia Barcelos, Ket Viana,
Larissa Lago, Lívia Flores, Larissa Miranda e Madu Moreira

Ilustração: Sofia Gomes (Ilustraí)

Perdendo O Controle

[Recurso Digital] /L. Júpiter — 1ª Edição; 2023

1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New Adult 4.

Ficção I. Título
Pela primeira vez, não sei como começar uma nota.

Acredito que o certo seja começar te dando às boas-vindas,


certo?

Bem-vindos ao caos dos meus estilhaços.

Antes de tudo, preciso te avisar que cada um deles carrega


um pedaço meu e sinto em te dizer, que não são os bons. Eles têm

as minhas inseguranças, os meus medos e até meus trejeitos.

Talvez você se identifique. Eu espero que não.

Se eu pudesse definir Perdendo O Controle em uma palavra,


seria desafio. Eles tiraram o meu sono, a minha paz e a minha

sanidade. Eu quase perdi o controle junto com eles, mas todas as


vezes que cogitei desistir, eles estavam comigo.

Já passamos por isso antes, sussurravam como se


tentassem me acalmar. Vamos conseguir.

Kimberly e Asher carregam um amor lindo, e sem dúvidas


são um reencontro de almas. Eles têm uma conexão que nunca
ousei colocar no papel antes, como se as minhas palavras

estivessem esperando por eles.

Então aqui está.

Meu medo.

Minha incerteza.

Minha insegurança.

E, principalmente, o meu coração.

Ele está partido. Dilacerado. Mas está aqui. Nas páginas

deste livro.

Você pode cuidar bem dele?

Boa leitura,

com amor,

Júpiter.
Neste livro contém: tentativa gráfica de suicídio, menção ao
alcoolismo, uso e abuso de drogas lícitas e ilícitas, abandono
parental.

Também há insinuação sexual e cenas de sexo explícito.

A leitura não é recomendada para menores de dezoito anos.


Aponte a câmera para o qr code abaixo ou clique aqui.
Ele é o melhor amigo do meu irmão.

Eu posso ser sua ruína.

Ele é calmaria.

Eu sou furacão.

Ele é brisa leve.

Eu sou tempestade.

Ele é tudo aquilo que eu deveria manter distância.

Proibido. Inalcançável.

Seus olhos são vazios e seu sorriso, maldoso.

Asher Dempsey anda pelo campus exibindo sua jaqueta de

couro e o cigarro entre os dedos, como se o mundo coubesse em


suas mãos e fingindo não notar o quanto éramos perfeitos um para

o outro.

Eu sempre tive uma queda por garotos tristes e ele estava

prestes a descobrir que Kimberly Ballard tinha tudo o que queria.


 

No fim das contas,

amar é como um suicida dirigindo um carro.

Às vezes, você sabe que vai bater

e, simplesmente, acelera.

L. Júpiter.
 
 

Para aqueles que tiveram o coração partido

por quem deveria dar cuidado

e carregam a culpa de escolherem a si mesmos.

Se liberte.

Está tudo bem ser egoísta de vez em quando.


 

 
Essa é para os solitários

Aqueles que sempre se perguntam para onde seus amigos foram

O garoto que não consegue parar de chorar

A garota que desistiu de tentar

Lonely Ones — Lova

Sinto como se estivesse perdendo o controle.

É nisso que penso quando sopro a fumaça do cigarro para


longe, vendo-a se dissipar com lentidão, guiando meus olhos para o

topo do pequeno prédio de seis andares, no outro lado da rua.

Há uma garota lá em cima.

De longe, não consigo ver muito, mas dá para perceber que

é alta e tem cabelos escuros e longos, que alcançam a sua cintura.


Ela traja um vestido vermelho e rodado, que parece flutuar com

graça no ar, acompanhando seus passos nítidos improvisados,


enquanto o corpo que o veste anseia desesperadamente pela

queda.

Não consigo desviar o meu olhar. Não consigo parar de

imaginar qual é a cor dos olhos dela. Mas suponho que sejam

vazios, muito vazios.

Como os meus.

Você não tem ninguém, princesinha?

Está tão sozinha quanto eu e por isso quer desistir?

Eu deveria ligar para a polícia, os bombeiros ou sei lá que

caralho seja necessário para convencê-la a não desistir da vida

assim.

Realmente deveria.

Mas não é o que eu faço.

Seu corpo esguio desliza de um lado ao outro de uma forma

tão crua, que chega a gelar meu estômago. Os passos vão se

tornando cada vez mais desconexos, desastrados. Ela fica na ponta

do pé, rodopiando em seu próprio eixo e quase fazendo meu

coração saltar do peito quando abre os braços, sem nunca soltar a

garrafa, para se equilibrar.


Inacreditável, é tudo que consigo pensar, no entanto, noto
que ela é uma péssima dançarina. Definitivamente, a pior que já vi.

Em outro momento, essa sua dança esquisita me faria rir,

mas não agora.

Não com ela a dezenove andares de altura do chão,


completamente propensa a destruição irreparável se fizer o que

meus pensamentos imaginam. Porra, não. 

Não quando quase consigo sentir a agonia que emana dela,


isso deixa sufocado. Sou capaz de sentir tudo que seus gestos

transmitem.

É agonizante.

Sua dança parece um adeus.

Uma despedida.

Há algo nela e na forma com que se move, que faz com que

um sentimento melancólico tome conta do meu peito.

Ela lembra a minha mãe.

O sonho dela era dançar mundo afora, mas diferente da

garota de vermelho, ela queria levar alegria ao invés de tristeza com

seus passos.
O problema, era que, entre Elisa e seu sonho, havia um

homem que destruiu toda e qualquer felicidade que tínhamos. Seu


marido, um garoto problemático e eu.

Eu, que nunca fui o melhor exemplo de filho, não tinha boas

notas e nem um bom desempenho escolar. Sequer me esforçava


para ser minimamente bom. Eu não era o garotinho dos sonhos de

nenhuma mãe… mas por Elisa… por Elisa, eu seria capaz de tudo.
Ela merecia a paz que meu pai não conseguia nos dar, a paz que o
álcool não nos deixava ter.

O último pensamento me faz soltar um riso sarcástico.

Hipócrita do caralho.

Olhando para a garrafa quase vazia do uísque mais barato

que encontrei no caminho para cá, devaneio meio sem rumo.

Odiava que a obsessão do meu pai pela bebida tenha nos


destruído, mas aqui estou eu: sentado em frente a janela do décimo

sexto andar, numa segunda-feira à noite, depois de ter faltado o dia


inteiro de aulas, enquanto assisto, atento aos detalhes, uma
princesa se matar.

Passo as costas da mão na bochecha, voltando ao presente


quando a princesa abre os braços, girando sobre os próprios
calcanhares, sem medir as consequências que um passo em falso

pode causar. Mas, bem, sendo sincero, talvez seja exatamente o


que ela quer.

O segundo seguinte parece cena de filme.

Outubro não é o mês mais chuvoso do ano em Connecticut,


mas hoje, o céu se abriu de uma forma que jamais havia visto na

vida e uma chuva torrencial começa a cair, como se a garota tivesse


invocado.

Sua cabeça tomba para trás, quando num último ato de

desespero, ela grita. Alto. Tão alto que eu posso jurar que estou
ouvindo. Estou ouvindo a dor dela. Estou escutando o eco que vem

de dentro dela. Estou ouvindo o barulho que o seu coração faz ao


ser pisoteado.

É a coisa mais dolorosa e humana que já presenciei em toda

a minha vida.

A queda de uma princesa.

Aponto a garrafa de vidro para a frente, imaginando que ela

também faria, em um brinde à nossa solidão.

Um brinde ao fim. Ao vazio. Ao silêncio.


Viro a garrafa na boca ao mesmo tempo que ela. Não sinto
nada. Já faz um tempo que a única coisa que vive em mim, é o
vazio. Fecho os olhos quando a vejo dar mais um passo à frente,

prestes a despencar de dezenove andares.

Essa parte da sua história, eu me recuso a ver.

Eu apreciaria sua dança, brindaria nossos corações

dilacerados, mas não sua queda. Nunca a sua queda.

Espero que sua alma encontre a paz, princesinha.

Desejo, antes de abrir meus olhos e não vê-la mais.

Eu não me atrevo a olhar para baixo.


Que pode acontecer a uma garota que já está machucada?
Eu já estou machucada

Se ele é tão ruim quanto dizem, então acho que estou amaldiçoada
Olhando nos olhos dele, acho que ele já está machucado
Ele já está machucado

Happiness Is A Butterfly – Lana Del Rey

Quando era pequena, eu tinha medo de altura.

Lembro de achar que a queda devia ser muito dolorosa e


esse era o único motivo pelo qual minhas janelas viviam fechadas e

eu sempre mantinha uma distância segura delas.


Mas, quando cresci, finalmente entendi que a queda poderia

ser a melhor parte da história de alguém. Poderia ser uma


esperança no fim das contas.

Porque é isso que acontece quando garotas como eu

percebem que não devemos temer o escuro ou ficar com medo dos
monstros que vivem debaixo da nossa cama: elas anseiam pelo fim.

Garotas como eu, nasceram para fingir.

Aprendemos bem cedo que o mundo não é cor de rosa. Que


a Fada do Dente e o Coelho da Páscoa, são apenas histórias que

criaram para enganar as crianças idiotas que precisam se prender a

fantasias para sorrirem. Ninguém precisa de fantasias bobas


quando se tem tudo o que o dinheiro pode proporcionar.

— Atrasada, boneca?

A voz grossa e sarcástica soa ao meu lado e nem preciso

virar em sua direção para saber que tirou o dia para me perturbar. E

bem, para seu azar, hoje não é o dia em que irei retribuir suas

alfinetadas. Ignoro sua provocação, a fim de chegar logo à aula e

terminar esse martírio que tem sido meu dia.

Ainda são oito horas da manhã.


— Belos saltos. Combinaram com o pedaço de roupa que
está usando.

Reviro os olhos.

Escolhi minhas botas de salto com cuidado e paciência,

afinal, já estava atrasada mesmo, alguns minutos a mais não fariam


tanta diferença assim no fim das contas. Optei por um dos scarpins

que estava parado na minha coleção há um tempo, por coincidência

é preto, o que o faz combinar muito bem com o vestido acinzentado

que uso.

Normalmente, ninguém perceberia a combinação. É o tipo

de coisa que apenas ele nota em mim. A cor das minhas roupas, o

brinco que gosto de usar e até a capinha do meu telefone.

Asher Dempsey anda pelo campus exibindo sua jaqueta de

couro e o cigarro entre os dedos, como se o mundo coubesse em

suas mãos e fingindo não perceber o quanto somos perfeitos um

para o outro.

No fundo, entendo seu receio. Ele é melhor amigo do meu

irmão e há todo um acordo por trás disso. O que eu não entendo é

porque perder tanto tempo se prendendo a detalhes tão bobos. Não


é como se eu fosse pedir para que se case comigo depois de um

beijo.

Não sou apaixonada por Asher. Longe disso. Não estou


pronta para um relacionamento, e me apaixonar está bem longe de

ser algo que desejo viver. Mas tenho desejos, como qualquer outra
pessoa, e no momento, o meu desejo é ele.

Custa colaborar?

— Não vai me responder?

Minha cabeça volta a funcionar quando sua voz irrompe meu


silêncio. Essa é a forma mais simples de deixar Asher puto: ele

odeia que o ignorem e sabe ser irritante quando quer uma resposta.
E gostoso. Muito gostoso. Isso acaba compensando quase todos os

seus defeitos, confesso.

— Não é um bom dia, Dempsey.

Ignorando minha reclamação, seu braço se apoia em meu

ombro, sua mão dançando perigosamente no meu colo enquanto


ando, o toque reverberando por todo o meu corpo. Por um pequeno

segundo, diminuo o ritmo, surpresa demais pelo ato repentino, mas


se ele percebe, não fala ou faz nada.
Apesar de ser alta, Asher é ainda maior que eu. Meus meros

1,72m, chegam a ser uma piada perto dos seus quase dois metros
de altura e mesmo que isso seja intimidante para alguns, me

agrada.

Lanço um olhar de lado para o braço em volta de mim, um


pedaço de pele escapa da camiseta de manga longa e eu capturo

um pedaço da cobra que adorna seu pulso. É uma das suas


tatuagens que acho mais bonita. Asher parece gostar disso;

tatuagens. Sou uma apreciadora, mas jamais faria isso com a minha
pele, apenas o pensamento da agulha entrando em contato com
meu corpo, me causa calafrios.

Ele ri baixinho, tirando-me dos meus pensamentos, em um


tom rouco o suficiente para arrepiar os pelinhos do meu braço. Em

minha defesa, é involuntário. Meu corpo reagiria a ele mesmo se


estivermos a milhas de distância.

Chega a ser patético.

Ele é melhor amigo do meu irmão, me lembro novamente.

Completamente proibido para mim.

Não importa o quanto seus olhos sejam bonitos ou sua boca


seja convidativa. Não importa o quanto eu queira,
desesperadamente, enterrar os dedos nos seus cabelos ou
conhecer a sensação dos seus braços à minha volta.

No fim do dia, ele ainda é proibido para mim. Definitivamente


inalcançável.

Ou pelo menos, é isso que tento convencer minha cabeça a


pensar. Mas fica difícil quando ele está sempre por perto.

— O que foi dessa vez, hum? — começa, antes de levar o


cigarro à boca com a mão livre. — Descobriu que algum dos seus
batons preferidos está com a validade vencida?

Suspiro, começando realmente a perder a paciência. Não


sou a pessoa mais matinal do mundo. Só volto a ser eu mesma
depois das dez horas da manhã — e de uma boa xícara de café —,

antes disso, tentar uma conversa civilizada comigo, é pedir para ser
tratado mal.

E Asher sabe.

Ele sabe disso porque o sorriso implicante não sai do seu


rosto desde quando percebeu que conseguiu arrancar a minha

primeira grosseria. Sabe disso porque é o único que se atreve a me


enfrentar nesses momentos.

Sabe disso porque me conhece muito bem.


— Não, idiota — resmungo, balançando a mão em frente ao
meu rosto para afastar a fumaça densa que se forma quando ele
expulsa a nicotina de seus pulmões. Por Deus, ele nem deve ter

tomado um café antes de acender essa porcaria. — Minha nova


vizinha é uma sádica do caralho que não deixa ninguém dormir.

— Transando?

— Não — respondo. — Cantando.

Ela se mudou na semana passada e desde então, não me


deixa descansar um dia sequer com o barulho infernal da guitarra e

do seu vocal malditamente perfeito. Estou pensando seriamente em

fazer uma reclamação, mas, ao mesmo tempo, não quero parecer


chata. Também me mudei há pouco tempo, não estou a fim de criar

problemas com nenhum vizinho, mesmo que ela esteja quase

implorando para isso.

— Então, ela é solteira? — ele pergunta, com um certo

interesse no tom.

Consigo ouvir o barulho que meu coração faz ao murchar


com a pergunta. Bem, sei qual o meu lugar nessa nossa relação

esquisita. Também sei que não devo ficar assim todas as vezes que
algo relacionado a ele e outras garotas, é mencionado. Não temos

nada. Não somos nada.

Meu lado possessivo, aquele que não me obedece, se


recusa a ouvi-lo estar, minimamente, interessado por outra, embora

saiba que isso seja errado. É errado desejar Asher sabendo que é

melhor amigo do meu irmão e que, claramente, não nutre nenhum


interesse por mim. Eu deveria deixar de lado essa obsessão pelo

garoto de uma vez por todas, mas não consigo.

Quando cheguei em New Haven, três meses atrás, os

boatos que corriam sobre ele, era que não era um cara qualquer.

Tinha um bom histórico curricular, boas notas e não era visto em

festas farreando da mesma forma em que seus colegas do time de

basquete, em que ele é o Ala-armador[1].

Não é segredo para ninguém do campus o quanto os


jogadores dos Black Panthers gostam de se exibirem,

principalmente nessa temporada, onde estão invictos depois de um

longo tempo sem títulos.

Todavia, ele é diferente. É mais comum vê-lo com nosso


grupinho e ainda assim, ele parece entrar em um mundo só dele,

seja com os fones de ouvido no último volume ou com o rosto


enfiado entre os livros, estudando. Asher está mais para o cara

misterioso, aquele que te instiga só para te deixar na vontade.

— Vai ter que perguntar para ela.

Não consigo evitar que um bico mimado tome conta dos

meus lábios e nem que o barulho que meus saltos fazem, aumente,

quando começo a andar mais depressa depois de me desvencilhar

do seu braço em meus ombros.

Os corredores de Yale estão mais vazios a essa hora, visto


que as aulas começaram há, pelo menos, meia hora, então não

tinha quase ninguém aqui para presenciar Kimberly Ballard ficando

para escanteio. De novo.

Idiota.

— Vai me deixar falando sozinho? — resmunga, parecendo

irritado. — Que educado da sua parte.

Continuo calada, ignorando sua presença. Estou há poucos

minutos da minha primeira aula, não será tanto sacrifício assim fingir
que não o estou vendo, e Asher também deve estar perto da sua

sala. Ele cursa arquitetura e está no terceiro semestre, já eu iniciei

moda esse ano.


Me assusto quando meu braço é puxado bruscamente e

minhas costas se chocam contra a parede, me fazendo morder o


lábio com força. Preciso de alguns segundos para me dar conta de

que Asher é quem está fazendo isso.

Seu braço direito se apoia na parede ao lado da minha

cabeça e seu corpo fica perto demais do meu. Posso até mesmo

sentir sua respiração soprar em minha bochecha e seu cheiro


invadir minhas narinas, uma mistura de couro e nicotina.

Não reajo ou luto contra, sabendo que ele jamais me

machucaria ou me deixaria desconfortável. Eu também o conheço

muito bem. Asher pode ser um babaca na maioria das vezes, mas

não está fazendo isso porque pensa que pode me intimidar.

Ainda irei descobrir.

Foco minha atenção em qualquer outra coisa atrás dele,


incapaz de encarar seus olhos e receber o habitual olhar de

indiferença que me lança sempre que isso acontece, como se ele

tentasse me lembrar, o tempo todo, o quanto somos incompatíveis.

Asher não faz nada por um longo tempo e consigo captar o

olhar de alguns universitários que passam por nós, curiosos para


entender por que o Ala-Armador dos Black Panthers está

encurralando a irmã do capitão de basquete.

Logo ele cansa do joguinho de silêncio que só tem nos

atrasado mais e aproveita para tragar o cigarro com a mão livre,

trazendo-a logo depois para o meu queixo e o erguendo em sua


direção de forma suave.

Meus olhos focam nos seus, a escuridão da noite querendo


me consumir. Ele parece cansado. Há olheiras debaixo dos seus

olhos, não são fundas e eu só as vejo porque estou perto demais

dele. Seus olhos também estão vermelhos, não sei se pelo cigarro
ou por falta de uma boa noite de sono.

Asher cerra a mandíbula com a minha falta de respostas,


mas me mantenho calada, apenas escrutinando seu rosto com

atenção, como se essa fosse a coisa mais interessante que tenho

para fazer.

Seu polegar se move no meu queixo e é o suficiente para


fazer minha pele entrar em chamas, como se nas minhas veias

corresse gasolina pura na medida que seu toque me invade. Meus

lábios se separam quando ele faz um caminho perigoso por ali,

acariciando a pele marcada pelos meus próprios dentes.


Filho da puta.

Porque você tem que fingir desse jeito, Asher? Por que fingir

que não sente o que há entre nós?

Algum dia irá se cansar desse joguinho inútil.

— O que eu fiz de errado dessa vez? — pergunta baixo,

dando mais um passo para a frente, fazendo a ponta dos nossos


calçados se tocarem.

Está perto demais. Não consigo raciocinar assim.

Passo a língua pelos lábios, quase tocando seu dedo, numa


tentativa bem-sucedida de ganhar tempo. Ele acompanha o

movimento como um bom garoto e seu aperto em meu queixo

aumenta.

— Ficou com ciúmes da vizinha? — ergue uma das

sobrancelhas como quem se recusa a acreditar do que sai dos


próprios lábios. — É sério, Kimberly?

Abro um sorriso convencido. Um que toma toda a vontade

que tenho de chutar suas bolas por sempre saber aquilo que não

verbalizo. Subo minhas mãos até a gola da camiseta preta — a

única cor que parece haver em seu guarda-roupas —, alinhando-a


da forma certa e limpando uma sujeira invisível de seus ombros,
enquanto ele acompanha tudo com os olhos atentos em meu rosto.

— Você realmente acha que é tão importante assim? —

começo, minha voz não passando de um sussurro em que apenas

nós dois ouvimos. — Há tantos caras por aí, lindo.

— Sou o único que você não pode ter, no entanto.

Solto um riso nasalado, correndo meu indicador

vagarosamente pelo cordão fino de ouro em seu pescoço,


enrolando-o na ponta do dedo e observando os pelinhos de seu

pescoço arrepiarem.

Embora esteja certo, não é bem assim que funciona.

Eu realmente o quero. E só não o tenho por uma lógica

simples: Asher é do tipo que prefere manter o conforto e

comodismo, apenas porque é menos trabalhoso. Enquanto eu,


gosto do desafio.

Coisas fáceis não fazem história. E eu quero ser


inesquecível.

Não vai ser qualquer garoto que vai tirar isso de mim. Asher

pode ser lindo, sim. O dono dos meus desejos, principalmente. Mas
não sou boba. Da mesma forma que me permito sentir essas coisas
esquisitas por ele, posso deixar de sentir em questão de segundos.
Mas algo dentro de mim, está sempre sussurrando de que ele vale a
pena. E só por isso, continuo tentando.

Apenas por isso.

Volto a encarar seus olhos escuros e então, me perco.

Me perco na imensidão de universos que habitam neles e


em todas as sensações indescritíveis que me transmite. É como se

ele me sugasse para um lugar desconhecido e estranhamente


confortável. Esqueço de todo o discurso barato de que ele é proibido
para mim, porque é isso que a presença de Asher faz comigo: me

desconcerta, me tira de órbita e me faz fantasiar uma outra


realidade.

Uma em que nós dois possamos ficar juntos.

Sou o único que você não pode ter, minha mente relembra o
que estava acontecendo e respondo aquilo que sei que toca no seu

ponto fraco:

— Deve ser horrível dormir todas as noites sabendo que é

um covarde, não é, querido?

Quid pro quo[2].


Seus olhos se transformam num céu nublado, tempestuoso.
Ele sabe que me quer e sabe que é recíproco. Porém, Asher calcula
os riscos antes da queda. E isso é um erro.

Ele suspira parecendo bravo consigo mesmo, deixando


escapar, também, a fumaça do cigarro que ainda estava fumando.
Asher funda os últimos resíduos do seu vício na parede ao meu

lado, sem nunca desviar os olhos dos meus e apaga a pequena


faísca antes de acertá-la no lixo mais próximo a nós, num
arremesso certeiro.

— Estamos atrasados — é a única coisa que sai de seus


lábios.

Balanço a cabeça e empurro seu peito, antes de sair em

direção a sala em passos duros, pouco me importando se está me


seguindo ou não; pouco me importando em disfarçar minha
expressão descontente.

É típico dele fugir sempre que parecemos estar chegando a

algum lugar.

Eu deveria estar acostumada.

 
Eu perdi a cabeça
Eu não me importo

Onde está minha mente?


Onde está minha mente?
Bellyache — Billie Eilish

Sopro a fumaça do cigarro para longe, desejando que isso

leve a sensação de vazio que tanto me perturba, mas quando volto


a tragar mais uma vez, ela ainda está aqui.

Se eu fosse sincero, admitiria logo que já faz um tempo

desde a última vez que o cigarro conseguiu acalmar as batidas


enigmáticas do meu coração. Mas eu não sou, e só por isso

continuo a me matar um pouco mais todos os dias.

Gosto de pensar que a cada trago, diminuo um dia de vida.

Hoje, eu fumei um maço inteiro. Eu deveria me desesperar, mas a

ideia de estar cada dia mais perto da morte me conforta.

Não tenho mais o que perder.

Talvez algum dos meus amigos chore ou se sinta triste, mas

irá passar.

Sempre passa.

Pelo menos, foi isso que me disseram.

As lágrimas escorrem no meu rosto sem controle e quanto

mais me dou conta disso, mais elas caem. Quero expulsar esse

sentimento de culpa, tristeza de mim, mas não consigo. Não consigo


sequer ter forças para levantar dessa cadeira desconfortável.

Lanço um olhar para o pequeno frigobar que há no quarto,

sabendo que lá dentro, deve ter algo que pode me ajudar a aplacar
a dor que está me consumindo agora, mas repenso na possibilidade

quando me lembro de que não vai adiantar de nada.


Vai me fazer esquecer. Isso é um fato. Mas só por hoje. Só
agora.

Eu quero esquecer para sempre.

O barulho da gargalhada de um dos meus colegas de quarto

incomoda meus ouvidos, e eu estico o braço até a mesa de estudos,


alcançando meus fones, meu peito se acalmando à medida que

ouço a primeira música tocar.

Eu deveria estar na sala também, aproveitando a companhia


dos caras do time antes que os treinos mais pesados comecem e

sejamos obrigados a viver como santos pelo treinador. Mas, ao

invés disso, estou aqui, com os pés apoiados na janela enquanto

fumo mais um cigarro. É uma rotina mais cansativa do que gostaria

de admitir.

Moro numa casa com mais cinco caras. Éramos seis, mas

Kyle se mudou há três meses, quando Kim começou a estudar na

mesma faculdade e acabou deixando seu quarto para mim. Isso

gerou um pouco de briga no começo, já que é a única suíte e todos


queriam ocupar o lugar e eu até quis continuar onde eu estava,

dividindo o quarto com Brandon e Mia — que passa mais tempo

aqui, do que na própria casa — mas Ky é insistente.


Meus olhos se fixam no topo do prédio do outro lado da rua

e é impossível não me lembrar dela.

Da princesa. Da dança. Do brinde. Da queda.

É como se eu pudesse visualizar a cena acontecendo

novamente na minha frente. Seu vestido vermelho e brilhante


esvoaçando enquanto seus pés percorriam o parapeito em

desespero.

Não foi a primeira vez que presenciei uma cena como


aquela.

Talvez isso seja a explicação do porque fiquei tão apático

com o acontecimento, como se aquilo tudo fosse rotineiro.

Às vezes, me pego imaginando como seria seu rosto, sua


fisionomia. Também gostaria de conhecer quais os seus sonhos e o

que ela fazia da vida. Contudo, a pergunta que eu gostaria de ter


uma resposta, foi o que a levou a pular do prédio. Apenas sei que,

seja o que for que a tenha motivado, não existe mais.

A princesa está em paz agora.

Pisco repetidas vezes, até que minha mente fantasie outros

olhos no lugar da princesa. Os olhos escuros mais bonitos que já vi.


Os olhos escuros que, embora não saiba, sempre me salvam de

momentos como esse.

É como se eu tivesse decorado cada traço do seu rosto,


cada mínima expressão que componha sua personalidade.

Agora, eles me olham com pena. E eu odeio isso. Eu prefiro


quando eles me desejam. Eu prefiro quando eles me fazem sentir

borboletas no estômago. Os olhos de Kim têm sido a minha Estrela


do Norte, guiando-me em cada passo, mesmo que não saiba disso.

Proibida. Ela é proibida para mim. E eu preciso me lembrar

disso todos os dias quando a vejo e não posso fazer nada.

Fecho os olhos mais uma vez e a imagino aqui, comigo. O


que ela acharia de me ver assim? Como um covarde, que precisa

do gosto amargo do cigarro preenchendo sua boca para se sentir


vivo?

Desde a primeira vez que coloquei os olhos em Kimberly

Ballard eu soube que nada nunca mais seria o mesmo. Ela me olha
como se eu valesse a pena e, mesmo que seja errado, eu acredito.

O problema é que para ela, eu sou apenas um troféu. Uma


conquista a mais para pôr na sua prateleira de prêmios e eu a
desejo mais do que isso. Eu desejo tudo. Tudo o que não posso ter.
Apesar de saber que o que sinto por ela é mais que desejo,
jamais apunhalaria Kyle dessa forma. Ele jamais admitiria que eu
me envolvesse com sua irmã, seja casual ou não.

Kimberly estava fora dos meus limites.

Sempre estaria.

Os dois são como carne e unha e, ainda que eu fosse

egoísta, jamais faria algo para abalar a relação deles, seria mais
uma culpa da qual eu não conseguiria carregar.

Um peso indestrutível para nossa amizade.

Não que isso me impeça de apreciar as tentativas dela e de

provocá-la de volta, mas tenho um bom autocontrole, me obrigarei a


usar isso por nós enquanto for confortável.

Talvez eu quase o tenha perdido semana passada, quando


me ignorou. Estou acostumado a ter a atenção dela a cada passo e
sei que odeia que perturbem sua paz logo de manhã, mas sendo

bem sincero, gosto de fazê-la perder o controle.

De início, não entendi o porquê do rompante em me ignorar,


então repensei em tudo que tinha falado até que agisse daquela

forma. Não pude evitar que um sorriso filho da puta crescesse em


meu rosto.
Foi aí que cometi o erro de prensá-la contra a parede, no
meio de um corredor onde todos podiam nos ver. Não pensei muito
no que faria, e mesmo devendo, em momento algum me arrependi.

Estar tão próximo a ela, é perigoso. Kimberly me


desconcerta, ela é como um precipício onde eu me sinto muito
tentado em cair.

Ela até tentou disfarçar, me ignorar ou o caralho que fosse,

mas eu sempre soube ser insistente e se tem algo que deixa Kim

possessa, é querer algo que não pode ter.

Sua respiração falhou quando segurei seu queixo,

obrigando-a a me encarar. Ela sorriu quando perguntei se estava


com ciúmes da vizinha e revidou a altura, atingindo-me num ponto

certeiro. Estremeci quando passou a língua pelos lábios, quase

roçando a ponta no meu dedo e precisei me controlar ainda mais


quando seus olhos nublaram ao perguntar como era a sensação de

ser um covarde.

Filha da puta.

Queria apenas irritá-la um pouco antes de chegarmos à

única aula que temos em comum durante a semana, mas acabei

não me dando muito bem nessa, já que quem acabou irritado e


sendo obrigado a testemunhar o seu sorrisinho convencido, fui eu.

Aquilo foi um golpe baixo. Uma jogada suja com a intenção de me


afetar. E ela conseguiu. Ela sempre consegue.

Kimberly está longe de ser uma garota certinha, mas ainda

assim, sinto que não se permite o bastante, é como se ela se

controlasse o tempo todo tentando ser quem não é. É um mistério


para mim.

Tem alguma coisa errada com ela, penso, enquanto trago o


cigarro mais uma vez. E eu vou descobrir o que é.

Deixo minha preocupação de lado quando a tela do meu

telefone acende, indicando a chegada de uma nova mensagem.

Kyle: Brandon e eu vamos sair para beber e chorar o

resultado do jogo de hoje. Vamos?

Meu melhor amigo sabe que tenho andado focado nos meus

estudos e que não gosto de sair quando tem aula no dia seguinte e

aprecio que ele nunca tente me forçar ou persuadir a sair com ele e
Brandon.
Mas hoje é diferente. Me sinto um fracasso e sinto que

apenas o cigarro não será o suficiente para me fazer esquecer.

Preciso de uma boa garrafa de tequila para, ao menos, conseguir


dormir.

Acho que Kyle e eu estamos sintonizados. Ele está um saco


hoje. Perdemos o jogo de hoje e isso abalou todo o time. Estávamos

a oito jogos invictos e por mais que o basquete não seja algo que

quero levar para minha vida, também me frustrei. Odeio ser ruim em
algo e ainda que não goste da sensação, imagino o quanto deve

estar sendo amargo para ele.

Kyle respira pelo basquete, nunca, em toda a minha vida, vi

alguém que se dedicasse tanto ao esporte quanto ele. Não é atoa

que o treinador o consagrou como capitão do time. Todos veem seu


esforço para fazê-lo funcionar bem e manter tudo na mais perfeita

sintonia.

Desde que o conheço, sei que ele tem duas paixões: Kim e o

basquete. Exatamente nessa ordem.

Asher: Como convenceu ele a sair sem a nossa carrapata?

 
Kyle: Pedi para a Kim chamar a Mia para uma noite de

garotas e dizer que Brandon estava proibido de participar dessa vez.

Sorrio sozinho ao ler a mensagem, pensando no quanto ele

vai reclamar no nosso ouvido a noite toda por não poder participar
disso, já que o idiota adora ser paparicado pelas duas e vive no pé

da Mia.

Nós três nos conhecemos no ano passado, na festa dos

calouros, quando ingressamos juntos em Yale. Eu no curso de

Arquitetura, Brandon em Logística e Kyle em Direito.

Ano passado, no fim do nosso primeiro semestre, fomos


selecionados para o time. Foi difícil se adaptar no início, porque o

antigo treinador era péssimo em enturmar o time e isso só mudou

quando o treinador James entrou na jogada e mudou tudo.

Quando começamos o segundo, Mia chegou. Se entendi

bem a história, ela e Brandon se tornaram vizinhos ainda no jardim


de infância e são grudados desde então. Por isso, foi natural que

nós nos tornássemos próximos também, já que ele praticamente

nos obrigou a conviver com ela.

 
Kyle: Saímos em meia hora.

Paro por alguns segundos e penso nas minhas opções.


Melhor sofrer com uma bebida na mão do que passar a noite em

claro fumando mais um maço de cigarros.

Mesmo assim, releio a mensagem antes de digitar uma

resposta confirmando minha presença.

Que mal há nisso?

Há muito mal nisso.

Puta que pariu!

Puta que pariu esses filhos da puta!

Por quê?

Por que aceitei sair? Por que não continuei na minha fossa?

— Puta que pariu!

— Você já repetiu isso umas cinco vezes — Brandon me

acusa, como se eu não soubesse disso.


— PUTA QUE PARIU! — repito mais alto, olhando para ele,

mas logo volto a andar em círculos na cela.

Não posso acreditar que isso realmente aconteceu em


apenas algumas horas com eles.

Estou na porra de uma cela.

Na cela de uma delegacia de um lugar que nem sei onde é.

— Minha cabeça dói — resmunga Kyle, deitado na única

cama de concreto que há no ambiente minúsculo e nojento.

— Lembre-se disso da próxima vez que resolver enfrentar


um policial, seu otário! — continuo o sermão, mesmo que ele não vá

lembrar de nada quando o efeito da bebida passar. — Nunca mais

saio com você. Nunca mais, Kyle! Olha as situações que você me
coloca.

— Está parecendo a minha mãe quando esqueço de lavar


louça — Brandon diz, rindo atoa. Ele só bebeu uma garrafa de

cerveja. Uma. — Que saudade dela.

Sair para beber e afogar a nossa derrota. Era isso que

devíamos fazer. Era esse o combinado. Mas eu já devia saber que

Kyle nunca obedece a regras e não seria agora que começaria a ser
diferente.
Estávamos bebendo em algum bar aleatório, que Brandon
encontrou nas suas aventuras de conhecer lugares novos com a

Mia. Até aí, não havia nada de novo sob o sol. O problema começou

quando o idiota do Kyle sentiu vontade de mijar e como o lugar era


pequeno, porém lotado, a fila para o banheiro masculino estava

enorme e ele teve a brilhante ideia de fazer suas necessidades na

rua. Justamente enquanto uma viatura estava passando.

O resultado é que viemos parar aqui.

E sendo bem sincero, não sei como eu e Brandon também

fomos detidos. Deve ser um sinal do universo, querendo nos dizer

que nos avisou que ser amigo dele nos meteria em furadas como
essa.

Mas que porra.

Não faço ideia se ainda estamos no bairro em que moramos.

Sequer sei se estamos em New Haven e isso está começando a me


incomodar porque nenhum policial apareceu até agora para explicar
o que irá acontecer conosco e esse lugar mais parece um cenário

sombrio para algum filme apocalíptico que não consigo pensar no


nome agora.
O único som que reverbera pelo corredor é a gargalhada do
único policial que fica no local. Ele está assistindo algum desses
programas aleatórios que passam durante a madrugada na TV

aberta e o som me irrita profundamente.

Corrigindo: tudo está me irritando profundamente.

— Será que a gente vai passar a noite aqui, Ash? —

Brandon quebra o silêncio entre nós, chegando naquela fase em


que os bêbados ficam melancólicos. — Não quero dormir nesse
chão sujo. Posso pegar uma bactéria. Mia disse que minha

imunidade estava baixa ultimamente e…

— Não sei, cara — resmungo, interrompendo-o. — Mas não


deve demorar, tá bom?

Tento acalmá-lo, porque sei que Brandon tem algum tipo de


fobia a lugares sujos. Ele geralmente passa mal ou fica muito

nervoso em lugares como esse.

Esse inferno desse dia precisa acabar e logo.

— Puta que… — estou prestes a terminar quando o guarda

que fica na entrada e abre a boca.

— Porque não experimenta uma outra forma de tirar seus


amiguinhos daqui, hein? — a voz do policial soa pelo corredor e não
posso evitar que meu corpo seja tomado por nojo. — Conheço
formas muito prazerosas de fazer isso.

Puta. Que. Pariu.

Tenho certeza que quem quer que seja, veio para nos tirar
daqui. Meu celular estava nas últimas e mesmo que não estivesse,

meu contato de emergência é a minha irmã e ela está muito longe


nesse momento, o que me resta duas opções. Prefiro fingir que seja
outra pessoa, porque se for Kimberly ou Mia, não sei do que serei

capaz quando abrirem o maldito cadeado.

Um barulho alto soa, me assustando. Parece que alguém


acabou de espalmar as mãos na mesa com força o suficiente para,
provavelmente, tirar um ou dois objetos da ordem anterior.

— Você sabe quem eu sou, oficial Ivens? — a voz doce e

feminina brada, fazendo-me estremecer. — Uma ligação e eu te


faço perder a carreira de merda que você conquistou nessa droga
de lugar.

— Não tenho medo de ameaças vindas de vadiazinhas

como você.

Certo. Eu com certeza não vou ser liberado hoje. A primeira

coisa que vou fazer quando vê-lo é matá-lo. Vou matar qualquer um
que eu ouse falar dela dessa forma.

— Eu sou uma Ballard — diz, como se apenas isso fosse


capaz de lhe abrir todas as portas do mundo. Eu não duvido. —

Minha mãe irá adorar ouvir o seu nome.

Todos sabem que Loren Ballard é a advogada mais cruel e

sangue frio que o Estado conheceu nas últimas décadas e mesmo


que esteja afastada dos tribunais nos últimos tempos, ainda é um
nome de respeito entre os profissionais da lei. A mulher havia

ganhado um prêmio bastante importante, há alguns anos, ao lado


de outra advogada brasileira por defenderem causas de mulheres e

saírem vencendo na maioria delas.

Loren é advogada civil e só descansa de um caso quando


consegue tirar até a última gota do que sua cliente merece. Todos a
temem e não é à toa. Eu encontrei com a senhora poucas vezes em

minha vida, mas foi o suficiente para me fazer borrar de medo. De


fato, não é a pessoa mais simpática do mundo e me pareceu
bastante rígida com os filhos, principalmente com Kim, mas não

podia negar o quanto era necessária para a causa que defendia


com afinco.
Quando ouço a voz de Kimberly, todo o meu corpo se

acende. Mas, dessa vez não é como sempre acontece, e sim de


raiva por esse infeliz se referir a ela dessa forma, querendo arrancar
alguma vantagem por se achar superior.

— É a Kim — Brandon tagarela, parecendo aliviado. —

Graças a Deus.

Ouço a voz dela murmurar baixinho e posso apostar que são

ameaças para que ele siga suas ordens sem questioná-la e só


então, o barulho ritmado de saltos altos ecoam pelo corredor.

Kim me lança um olhar bastante irritado antes de verificar

meus dois companheiros, enquanto o policial está focado em abrir a


tranca enferrujada. Quando isso acontece, não penso duas vezes
antes de ir para cima dele, desferindo um soco certeiro na região

dos olhos. Ouço gritos e seguro a gola da sua camisa, olhando em


seus olhos, numa ameaça velada.

Ele não reage e não sei responder se é porque é apenas um


covarde ou se as ameaças de Kim foram tão assustadoras a ponto

de fazer um homem, com idade para ser seu pai, se borrar de medo.

— Asher, para! — a voz raivosa dela soa, enquanto puxa


minha camiseta a ponto de arrancar alguns pontos devido a força
que coloca. — Se não parar, não vai gostar do que vou fazer.

Me recomponho ao ouvir seu comando, soltando o policial


com uma brusquidão que o faz tombar para trás, buscando pelo ar
que lhe faltou quando quase o esganei.

A cabeleira morena toma conta do meu campo de visão,


com carinha de brava e empurrando meu peito para trás, para longe

do homem. Ela está irritada e com razão, ainda que nesse momento
eu não vá admitir em voz alta.

— Ficou maluco? — pergunta, toda carrancuda. — Eu faço o


favor de te tirar daqui e você ainda apronta essa?

Fico calado, apenas encarando o delegado enquanto ela

xinga até a noss… minha quinta geração com todos os palavrões


que conhece. Tenho quase certeza de que ela está falando algo

sobre sermos burros e irresponsáveis ao ponto de não sabermos


nos virar sozinhos, sem a presença de alguém maduro o suficiente
para nos colocar limite.

— Anda, me ajuda a pegar esse babaca — me puxa para

dentro da cela, onde Kyle dorme com os braços cruzados e a boca


aberta. Ele sempre deixa a pior parte para mim. — Da próxima vez,
deixo os três mofando na cadeia. Idiotas.
— Se tivesse me deixado ficar com vocês, eu não estaria
aqui — dramatiza Brandon, fazendo ela encará-lo em repreensão.

Ele geme. — Eu não fiz nada, Kim.

Ela suspira, tentando se acalmar. É muito meu karma


mesmo. Só faltou me engolir e aí é só o idiota falar com a voz
mansa que ela amolece.

— A gente conversa amanhã — ela diz para ele. — Agora


vamos embora que a Mia está esperando lá fora.

— Que droga — ele geme de novo. — Ela já deve ter

contado para a mamãe.

Reviro os olhos, ajudando Kyle a se levantar. Ele resmunga


quando apoio seu corpo em meu ombro e Brandon faz o mesmo do
outro lado. O policial vai na nossa frente, guiando o caminho até a

saída e entregando a Kim a sacola com os nossos pertences. Ela o


olha de cima a baixo, como se estivesse desdenhando do idiota e
segue porta a fora.

Mia também não está com uma cara nada boa e Brandon
logo trata de ir em direção a ela, mas a garota o ignora, mandando-o
entrar no carro de uma vez. Consigo ouvir daqui quando ela se
acomoda no banco de motorista depois de acenar para Kim e
começa a tagarelar no ouvido dele.

Ganho uma cotovelada na costela assim que acomodo Kyle


no banco traseiro, vendo seu corpo esguio ocupar todo o banco
quando se deita e volta a dormir, resmungando sobre estar

desconfortável.

Espero que esteja mesmo.

— Entra na porra do carro antes que eu me irrite e desista

de te tirar desse buraco.

Pisco, confuso. Olho para ela e só então percebo seu


estado. Os cabelos estão desgrenhados e ela veste apenas um
conjunto preto de seda que eu posso jurar não cobrir nem metade

da sua bunda. Minha testa se franze quando vejo o salto agulha


vermelho em seus pés e uma risada me escapa antes que eu possa
controlar.

Só pode ser uma piada. Ela esquece da porra da roupa, mas

o caralho do salto, não podia ficar em casa.

— Está rindo do que, babaca? — rebate, sem paciência. —

Não ouviu o que eu disse?


Volto a postura séria no mesmo instante, lembrando do

motivo da minha reação.

— Por que está vestindo essa roupa? Já viu que horas são?
É perigoso...

Kimberly cruza os braços e ergue as sobrancelhas, como se


me desafiasse a prosseguir. Mas não o faço, ao invés disso, sou um
bom garoto e fecho a boca antes que fale mais merda e ela pise no

meu pé com esse salto agulha. Sempre tenho a sensação de que


ela quer fazer isso.

— A essa hora da noite, eu deveria estar na cama,

aproveitando o meu cobertor quentinho e o meu travesseiro fofo.


Mas estou aqui, cuidando de dois inconsequentes que não sabem
fazer nada que preste, então faz o favor de parar de me irritar e

entra na porra do carro antes que eu te deixe aqui sozinho.

Descruzo os braços e dou a volta no carro, me sentando no


banco do carona. Tenho muitas coisas para dizer sobre essa noite,
mas é melhor me manter calado pelo bem do meu autocontrole

quase inexistente.

— Vou para a sua casa, o Kyle vai precisar de mim — digo,


antes que ela pegue a estrada em direção à fraternidade.
— Coloca o cinto — seu tom era autoritário, correndo todos
os meus ossos de uma maneira estranha.

Faço o que diz, mas antes mesmo que eu termine de afivelar


o cinto, seu pé pisa no acelerador com tudo, o que me faz segurar

no banco com força e morder a língua para conter meu almoço


dentro da barriga, sem me importar com seu banco de couro que
deve custar todo o dinheiro que ganhei durante meus vinte anos.

— Caralho, Kimberly, tá fugindo da polícia?

Ela solta uma risadinha, satisfeita em me fazer sofrer nem


que seja um pouco. Espremo os olhos durante o caminho, tentando

desligar o meu cérebro da ideia de que posso morrer a qualquer


momento com essa maluca ao volante. Ficarei surpreso se Kyle

permanecer inteiro depois dessa corrida, suas habilidades de ingerir


álcool devem estar em outro patamar muito mais elevado que o
meu.

Desço do carro rapidamente quando ela freia na garagem do

prédio. Kimberly faz o mesmo e abre a porta traseira, cutucando o


irmão com o pé de forma bruta.

Respiro fundo antes de tocar sua cintura, empurrando-a bem


de leve para o lado para que eu consiga tirar o coitado daqui sem
nenhum arranhão. O apoio novamente em meus ombros e ele sorri,
totalmente ébrio.

— Você é... — soluça. — meu melhor amigo.

— Eu sei, Ky — concordo. — Vamos subir, tudo bem?

— Minha irmã... — mais uma vez. — Território proibido para


você.

— Já sei, Ky — engulo o bolo da garganta. Por que ele

precisa lembrar disso o tempo todo? — Já sei.

Kimberly me lança um olhar esquisito e eu ignoro,


caminhando com ele até o elevador, enquanto ela trava o carro e
nos segue. A caixa de metal se abre e eu entro, seguido por ela,

que aperta o botão do décimo nono andar e fica parada, batendo o


salto no chão de forma ritmada, de frente para a saída e de costas

para mim, com os braços cruzados.

— Desculpa, Kim — tento cortar o clima ruim. — Não

queríamos que a noite terminasse assim. Ele ficou mal com o


resultado do jogo e nós…

— Está tudo bem, Ash. Não se preocupe.


As portas do elevador se abrem no andar determinado,

então caminhamos em direção ao apê deles. Entretanto, a única


coisa que soa na minha cabeça é a sua voz, me chamando de Ash.
Você me deixou fodida da cabeça, garoto
Tipo, eu sou bonita? eu sou divertida, garoto?

Eu odeio que eu te dou poder sobre esse tipo de coisa


Porque é sempre um passo para frente e três para trás
1 step forward, 3 steps back — Olivia Rodrigo

Não menti quando disse que meu irmão sempre foi bastante

responsável com os estudos e o basquete. Ele realmente se esforça


para ser sempre o melhor. Contudo, há um problema nisso: Kyle

não sabe perder.


Um bom vencedor, é aquele que aprende com os próprios

erros.

Se afundar na bebida para tentar esquecer um resultado

ruim, é uma atitude imbecil e totalmente egocêntrica, afinal, ele não

estava sozinho, não foi o único perdedor.

A intenção de Asher, em defender o melhor amigo, é boa,


mas não me comove. Entendo o porquê fez isso, eu faria o mesmo

por Mia se estivesse em sua posição, mas Kyle tem vinte anos, não

precisa de ninguém passando um paninho em todas as merdas que


faz. Ele cresceu assim, e isso é algo que infelizmente não posso

mudar, mas agora, sob meus cuidados, não vou deixar que isso

aconteça. Não mais.

Fui pega de surpresa quando meu celular tocou enquanto


esperava a máscara de argila fazer efeito em meu rosto. Quando o

homem se apresentou como Delegado Ivens, minha espinha

congelou e o medo só aumentou quando ele disse que meu irmão

estava detido. A raiva tomou conta de todo o meu corpo e substituiu

qualquer sentimento, quando entendi que ele também havia me

usado para conseguir sair de casa até a puta que nos pariu com os
dois patetas.
Eu deveria ter estranhado quando ele disse que iria até a
fraternidade para uma noite de jogos com os meninos e sugeriu que

talvez fosse bom que eu fizesse o mesmo com Mia. Caí nessa

historinha como uma idiota.

Primeiro, ele jamais iria sair depois de perder um jogo. Kyle

madrugaria a noite inteira de frente a TV, analisando as filmagens

do jogo. Para entender onde errou ou apenas para se torturar.

Segundo, eu não faço ideia de como encontraram aquele

bar, já que o local é no meio do nada e não deve haver nenhuma

fiscalização, porque apenas Brandon tem idade para beber entre os

três. Essa é só mais uma prova de que ele não raciocina muito bem
longe de Mia, o cara é sempre tão certinho que duvido muito que

deixaria os dois beberem se estivesse em sua condição habitual.

Há uma peculiaridade bastante questionável nesse trio, que


constantemente faz com que eu me pergunte como conseguem ser

tão amigos. Os três são como pólos totalmente opostos, que de uma

maneira duvidosa, se completam.

Eu tenho uma boa teoria sobre isso.

Desde que cheguei, me aproximei bastante de Mia, nós duas


nos demos bem assim que nos cumprimentamos e quando
descobrimos que estávamos na mesma turma, foi um motivo de

festa. Somos diferentes, mas não tanto. Temos o mesmo gosto


musical, por roupas e até alguns filmes favoritos em comum. A

conversa entre nós sempre flui, podemos falar sobre todos os


garotos do campus ou sobre todos os sonhos que queremos realizar
até nosso último dia de vida.

Ainda é estranho pensar que confio tanto em alguém que


conheço há tão pouco tempo. Três meses foram o suficiente para
que Mia soubesse tudo o que demorei anos para falar na terapia e

vice-versa. Ela chegou no momento em que eu mais precisava e


não julgou minhas cicatrizes. Pelo contrário, Mia soube da minha

pior versão e ficou. Ela ficou mesmo sabendo que sou falha, cheia
de defeitos e que posso machucá-la.

Ela me escolheu. Me encontrou.

Acho que é o mesmo que acontece entre eles.

Quando Kyle se mudou para esse apartamento, fiquei


sabendo que ele deixou seu quarto para Asher e assim, Brandon

também ganhou sua privacidade ao ficar com o que dividiam só


para ele. Entretanto, os dois vivem mais aqui do que lá.
A intimidade deles também é algo engraçado, se assim

posso dizer. Agora, por exemplo, quando acabo de entrar no quarto,


com uma camiseta grande por cima do pijama, encontro meu irmão

de toalha, perguntando ao amigo a coisa mais inusitada que já saiu


dos seus lábios:

— Quanto mede o seu pau, Asher?

— Como é? — o outro pergunta, erguendo as sobrancelhas


quase incrédulo.

— Ficou surdo? — indaga, parecendo frustrado por não

obter a resposta de primeira. — É só curiosidade, tenho quase


certeza de que o meu é maior.

— Não é não — Asher resmunga, emburrado, como se isso

fosse o suficiente para atingir seu ego.

Preciso fazer um esforço gigantesco para não rir das


besteiras que diz. Asher parece constrangido quando nota minha

presença, suas bochechas ficam rosadas e ele morde o lábio,


desviando o olhar de mim.

— Quantos anos você tem? — questiono, balançando a


cabeça com um falso ar de decepção, mas no fundo, talvez eu
queira saber a resposta para essa pergunta. — Sinceramente, Kyle.
— Me deixa, Kim, só queria tirar uma dúvida — resmunga,
ainda ébrio. — Anda, me dá essa roupa e se manda.

Reviro os olhos e deixo sua roupa na bancada da pia, dando


as costas para ir em direção a cama.

Estamos no meu quarto e eu precisei buscar as roupas dele,


já que Asher se ofereceu para fiscalizar seu banho. Não confiaria

em deixar meu irmão sozinho no banheiro nesse estado e o outro


não parece ter bebido o suficiente para ficar tão fora de si.

Alguns minutos depois, ouço o chuveiro ser ligado

novamente e Kyle vem em direção a cama, o que me faz deduzir


que seu amigo está tomando banho. Meu irmão se deita na cama,

arrastando seu corpo para perto de mim e abraçando minha cintura,


enfiando o rosto nos meus cabelos.

É quando me lembro do que aconteceu e do quanto vou

precisar puxar sua orelha. Beber no meio da semana, tendo aulas


importantes por causa da aproximação das provas, foi imprudente e
infantil. A pior parte é que ele sabe, por isso, a primeira coisa que

sai dos seus lábios num tom sussurrado, é um pedido:

— Desculpa.
Se tem algo que odeio mais que a bebida, é ver meu irmão
vulnerável por conta dela. Sei lidar com todas as versões dele,
menos com essa. Ele não bebe com frequência, geralmente

acontece só nas festas da universidade e eu estou sempre


presente. Ele nunca passa dos limites. Kyle sempre sabe quando

parar. Isso não aconteceu hoje e eu temo que tenha algo mais que o
jogo perdido. Algo muito maior que isso.

Acaricio seus cabelos úmidos, desejando que o dia raiasse


de uma vez, para que possamos conversar melhor.

Meus pensamentos são calados quando Asher sai do


banheiro enrolado na toalha. Ele não olha em nossa direção quando

segue para sair do quarto, como se fizesse isso todos os dias. Não

demora até que volte a passar por ela, vestindo um conjunto de


moletom do Kyle e se deitando atrás dele, bastante confortável. Na

minha cama.

Asher está deitado na minha cama.

Ele percebe minha confusão, porque logo se explica:

— Ele pode vomitar, estou aqui apenas para te ajudar caso

for preciso.
Fico quieta e fecho os olhos, querendo que essa noite acabe

de uma vez. O sono está começando a chegar, quando abro a boca:

— Você bebe muito?

— Às vezes.

— E o cigarro... — continuo, incerta. Talvez indo para um

caminho longe demais. Nossos muros estariam altos nesse


momento? — é um vício?

— Sim.

— Entendi — resmungo, meio decepcionada. — Boa noite,

Ash.

— Boa noite, boneca.

— Boa noite, brother — meu irmão resmunga, bêbado. —


Boa noite, narizinho.

Asher solta uma risadinha abafada ao ouvir o apelido ridículo

que meu irmão usava para se referir a mim quando éramos

crianças, cobrindo nós três com o enorme cobertor.

— Boa noite, irmão.


Quando acordo, Kyle não está mais na cama e Asher está

na outra ponta, abraçado a um travesseiro como se sua vida

dependesse disso. Sua boca está levemente aberta e os cabelos


bagunçados. Ele parece confortável demais.

Busco meu celular na mesa de cabeceira e confiro que, se


não levantar logo, provavelmente irei me atrasar. Esfrego os olhos e

estico meu corpo na cama, na tentativa falha de me animar.

Sem escolhas, sento-me recostada a cabeceira e aperto o

braço de Asher, que coloca sua mão por cima da minha e sorri,

parecendo sonhar com algo bom, mas não dá nenhum sinal de que
vai levantar.

— Ash… — chamo, tirando uma mexa do seu cabelo do seu

rosto.

— Hum... — resmunga, chegando cada vez mais perto até

deitar com a cabeça na minha coxa. — O que foi?

— Vai se atrasar para a aula se não levantar agora.

— É só um pouquinho — choraminga. — Mais cinco

minutos.

— Asher, anda looooooogo — resmungo, segurando seu

cabelo com força suficiente para fazê-lo gemer de dor. — A gente


vai se atrasar.

Ele reclama mais uma vez antes de rolar para o lado e

esfregar as mãos nos olhos e me lançar um olhar quase mortal por


atrapalhar seu sono.

Acho que nunca vi alguém tão bonito e irritado ao acordar.


Seus cachos estão desgrenhados e o rosto, apesar de estar meio

amassado, quando entra em contato com a luz que vem da janela,

mostra todos os pequenos detalhes que há nele, como o pequeno


sinal na bochecha e cicatriz minúscula na sobrancelha.

— Precisava disso? — pergunta, com raiva. — Um beijinho


era o suficiente.

— Certeza que ainda está bêbado, do contrário, não falaria

isso — gracejo, levantando pronta para ir me arrumar. — Se

demorar, te deixo sozinho.

— Caralho, Kimberly — ele reclama quando arranco com o


carro. — Vai devagar, filha da puta!
— Continua me xingando e gritando e eu te jogo para fora

desse carro — rebato, mal humorada. Não costumo ser muito legal

nesse horário. — Parece que nunca andou de carro na vida.

— Nunca andei com uma maluca.

Olho para Asher enviesada, semicerrando os olhos. Como

ele ousa?

— Olha para a frente.

— Que fofinho — debocho, apertando sua bochecha. — Não

precisa ter medo, eu sei o que estou fazendo.

— Por que está falando comigo no diminutivo? — reclama,

colocando minha mão no volante de volta de forma delicada. —


Presta atenção no caralho do trânsito.

— Não está mais aqui quem falou.

— KIMBERLY!

Reviro os olhos para o drama e mesmo que seja


contraditório, sinto vontade de rir. Ele parece realmente com medo

de que algo aconteça.

Alguns minutos depois, estaciono na vaga de sempre, abro a

porta e espero ele fazer o mesmo, antes de travar o carro e


caminhar em direção a minha sala. Asher não me segue dessa vez.

Saio da sala mais cedo do que previ, a professora faltou e


estou sem aula pelas próximas duas horas. Ainda é cedo e Kyle

ainda não deve estar em casa, Brandon parece estar fugindo de

todo mundo e Mia está no treino de líder de torcida. O que significa


que não terei nenhuma companhia durante esse tempo.

Empurro a porta da biblioteca e sorrio para a Sarah – a


monitora do local – que acena para mim em cumprimento. O lugar

está vazio, apenas alguns alunos estão por aqui com o rosto enfiado

nos livros ou em seus computadores.

Procuro pela mesa mais afastada, ao fundo e espalho meus

livros pelo espaço. Tiro o fone da mochila, selecionando o primeiro


instrumental com o barulhinho de chuva que aparece, o que ajuda a

me acalmar e me concentrar no que estou fazendo.

Não sei estudar ou fazer qualquer coisa que exija minha

atenção com outro tipo de música, embora goste muito de ouvir, é

algo que uso para distrair e aliviar minha mente.


E esse é mais um dos motivos para não estar aproveitando a
ausência de Kyle para estudar em casa; a vizinha também parece

gostar bastante de música para escutar o dia todo.

O resultado não poderia ser outro: me distraio e não estudo,

o que pode me prejudicar no fim do semestre. Isso me levaria até


uma cobrança ridícula da parte do meu pai e ter problemas com ele

agora é a última coisa que eu quero.

Estou fazendo a minha parte. Cursando a faculdade que ele

queria para mim, longe dele, como ele queria. Tudo o que mereço

em troca disso, é paz.

Não odeio o meu pai. De verdade. Mas também não o amo e

acredito que a apatia seja a pior coisa que alguém poderia sentir por
outro que a colocou no mundo. Afinal de contas, eu deveria me
sentir grata por ter vindo dele, correto?

Na teoria, é fácil dizer isso.

Algumas pessoas não nasceram para serem pais. A maioria,


sequer merecem isso.

Filhos, são vidas. E vidas não deveriam ser tratadas de


qualquer forma. Nenhuma criança merece nascer apenas com o
propósito de seguir o legado que está a gerações na família.
Nenhuma criança merece saber que não é amada.

Suspiro, tentando me livrar do lugar obscuro em que minha


mente está me levando e volto a tentar me concentrar.

Leio o artigo mais duas vezes até finalmente entender o que


as palavras significam. Suspiro quando percebo que não estou nem

na metade do trabalho e já me sinto exausta para caralho.

Troco a sequência do instrumental para um mais calmo na


esperança de que isso me ajude um pouco mais. Volto minha
atenção aos livros, mesmo que esteja muito tentada em ir para casa

e dormir pelo resto do dia, mas, por algum infortúnio do destino, um


copo cheiroso é arrastado na mesa, até parar na minha frente e não
hesito em levantar a cabeça, me deparando com Asher.

Minha única reação é erguer a sobrancelha, vendo-o fazer o

mesmo enquanto apoia a mochila na cadeira ao meu lado,


sentando-se e colocando os próprios livros em uma pilha no espaço

vazio.

— O quê? — pergunta bufando, quando percebe que ainda


estou o encarando em silêncio.

— O que é isso?
— Café, não é meio obvio? — revira os olhos. — Cala a
boca e bebe essa porra antes que eu me arrependa de ter feito a
gentileza.

Um doce.

— Não, Asher — respondo sua grosseria, apontando para

ele e para mim em seguida. — O que é isso?

— É proibido sentar do seu lado agora?

— Não tinha outro lugar para ir?

— Não tem outro lugar.

— Não sei se percebeu, mas a biblioteca está vazia.

Ele bufa, soltando o lápis que usava para destacar algo em

seu livro, me encarando com raiva. Asher sustenta seus olhos no


meu por um tempo antes de dizer com calma:

— Não quero me sentar tão longe. Satisfeita?

Dessa vez, não faço nenhuma piadinha ou tento provocá-lo.

Não.

Me recuso.
Não sei o que deu nele e nem o porquê de estar agindo de
forma tão diferente desde ontem, mas sei que preciso ignorar e

logo.

Ele me confunde. Essa é a verdade.

Suspiro, cansada de discutir e faço exatamente o que ele

mandou anteriormente, dando uma golada generosa no líquido preto


e amargo, quietinha e fingindo que ele ainda é o cara que ignora
minha presença.

Contudo, minha paz não dura muito.

— Precisa de ajuda? — pergunta, segurando um dos lados


do meu fone para que o ouça.

Era só o que me faltava.

— Não — respondo, quase instantaneamente. — Mas quero


muito que saia daqui.

— Você não escreveu uma linha coerente desde quando


cheguei aqui, Kim.

— A culpa é sua.

— Eu te desconcentro, boneca? — provoca-me. — Não


sabia que era só sentar contigo que isso aconteceria.
— Porque não vai se...

Seu dedo toca a minha boca, calando-me.

— Estou só oferecendo ajuda, Kimmy.

Suspiro, me dando por vencida.

— Só um pouco — imponho, fazendo com que um sorriso


cresça em seu rosto. — E se ficar assim, se achando, é melhor sair

daqui.

— Só quero ajudar. Deixa de ser chata e explica, em voz


alta, o que você entende sobre esse assunto.

Três minutos.

É a quantidade de tempo que consigo falar sobre o que


deveria memorizar até a semana seguinte, no dia da prova. Isso é

quase nada e mesmo que Ash não diga nada, não consigo evitar
ficar envergonhada.

Eu odeio ter que lidar com arte, números e toda a logística


que engloba a moda. É algo que não me prende ou sequer me

interessa.

Adoro comprar roupas de grife, o sapato da moda e estar

sempre com o último lançamento da minha marca favorita.


Mas é só.

Meu amor pela moda acaba aí.

— O que você acha? — mordo o lábio diante de seu silêncio

após minha pergunta.

Asher me olha como se estivesse hipnotizado.

— Acho que você deveria me beijar.

Meus ombros murcham ao ouvir sua voz, ainda que


baixinha.

Uma parte de mim, aquela que tem uma quedinha por ele e
faria de tudo pela sua atenção, adora ouvir isso dele. A outra, que
se esforça para tentar ser boa em algo, se sente estranhamente

chateada e decepcionada.

E é a última parte que me faz suspirar e levantar para sair


daqui.

— Não preciso mais da sua ajuda — murmuro, um bolo

preso em minha garganta por me sentir burra demais enquanto


fecho um dos livros com força.

No entanto, sou impedida de seguir em frente quando sua


mão agarra meu pulso e me puxa para ele, fazendo-me cair
diretamente em seu colo.

Porra.

Seus braços abraçam minha cintura com força quando tento


me levantar da sua perna. Penso em gritar mas chamaria uma
atenção desnecessária e definitivamente não quero isso. O que eu

quero, no momento, é me enfiar debaixo das minhas cobertas e me


martirizar pelo resto do dia.

— Calma — pede. — Desculpa, tá legal? Trouxe o café por


causa da forma que te tratei ontem e tentei te ajudar, mas acho que

acabei piorando as coisas.

Asher encosta sua testa em minhas costas e quase consigo


sentir o arrependimento em sua voz, ainda que faça questão de
mostrá-lo que não gostei da brincadeira.

— Você sempre age como um idiota.

— É — responde, suspirando. — Mas agora é sério.


Desculpa, boneca. Não queria te ofender.

Dou de ombros, tentando parecer indiferente à nossa

proximidade. Estou de costas para ele, sem coragem alguma de


encarar seus olhos ou pronunciar algo.
Ele não parece ligar para o fato de que estou em seu colo,
enquanto eu quase não consigo conter o nervosismo por estarmos

tão próximos.

— Tanto faz.

Movo meu corpo um pouco mais para trás, ajeitando-me em

sua perna até que me sinta confortável o suficiente em seu colo.


Asher continua na mesma posição, colocando apenas uma das

mãos na minha cintura, enquanto agarra seu lápis com a outra,


passando um risco em uma das frases que anotei, anulando-a.
Depois, circula algumas palavras e substitui outras, me mantendo

em seu colo.

Levanto o rosto, encarando a nossa volta, procurando por


alguém que possa delatar esse contato íntimo até demais para Kyle,
que pode interpretar tudo errado. Mas ninguém está prestando

atenção em nós e de alguma forma, me acalmo, relaxando meu


corpo em contato ao de Asher.

— Voltando ao que interessa, a história da arte é mais


simples do que está fazendo parecer — Ash impõe, ainda preso no

texto.
— Está querendo dizer que estou complicando as coisas? —

ergo a sobrancelha, virando o rosto até encontrar suas orbes em


mim.

— Sim — responde tranquilo. — Ao meu ver, está tentando


colocar dificuldade onde não tem. Está tudo bem ir pelo caminho

mais fácil às vezes, ninguém vai te achar menos inteligente por isso.

Mordo o lábio e desvio os olhos dos seus, prestando atenção

em qualquer coisa que não sejam seus olhos questionadores.

Ele já percebeu.

Asher percebeu que sou uma fraude.

E eu não me sinto mal por isso.

Me sinto livre.

Pela primeira vez em muito tempo.


Você me tem em suas mãos

Nem sabe o tamanho do seu poder

Eu estou a centenas de metro do chão

Mas eu caio quando estou perto de você


Mercy — Shawn Mendes

Um tiro.

É tudo que escuto, enquanto meu coração bate em meio ao

desespero no meu peito. As batidas são ágeis, descompensadas


em conjunto com minhas mãos trêmulas após sangue escorrer nas
minhas roupas. Isso já aconteceu outra vez, em algum momento eu

sei que sim. A cena volta a se instalar nos meus pensamentos.

A  voz dele ecoa na medida que o sangue parece molhar o

tecido.

Eu não consigo falar.

Ele continua me pedindo para abrir a porta. Ele continua

chamando por mim e tudo que eu mais quero é fazer isso. Ir até lá,

mas não consigo juntar forças para me mover.

Nada parecia ser capaz de me tirar daquilo, no entanto, o

fôlego retornou para meus pulmões, me fazendo finalmente respirar.

Já não estou naquele lugar. Tudo que vejo são as paredes e teto no
meu quarto.

Gotículas de suor preenchem minha testa.

Meus olhos vagam por cada centímetro do ambiente,

procurando qualquer requisitos do sangue, da arma e

principalmente do corpo.

Quando não encontro nada, me dou conta de que nada

daquilo era real.


Novamente tudo se passava de outro pesadelo, entretanto
minha respiração persiste em se manter descontrolada, deixando-

me atormentando com tudo que volta a repercutir na minha mente.

Ela segue sendo traiçoeira comigo, e nada poderia me desprender,

eu seria prisioneiro dos meus pesadelos até a eternidade.

Era uma das milhares que tive nos últimos dias.

Há dias não tenho uma noite de sono completa.

Os pesadelos voltaram a dominar minhas noites e agora eu


faço o que o piloto automático me obriga em todas as vezes que

isso acontece.

Sem força, eu procuro a carteira de cigarro pronto para mais

uma rodada da minha morte lenta. Eu preciso disso. Não sou forte o

suficiente para mudar meu destino enquanto seguia para a janela,

sentando em frente a ela, com os pés no parapeito e o cigarro na

boca, a chama já estava acesa, então sopro fumaça.

Intercalo meus pensamentos, vagando ora na princesa, ora

em Kim.

Eu vejo o dia amanhecer e o céu clarear. Vejo o cara que

mora no fim da rua sair para o trabalho e a moça que mora em


frente de casa sair para o colégio, antes do sol nascer porque

estuda muito longe.

Vejo a vida acontecendo do lado de fora e não consigo sentir


nada.

Nada além do vazio que tem sido minha companhia nos


últimos anos.

— Não gosto de nada disso, Ash — Brandon resmunga, me

vendo passar o moletom pela cabeça. — Ainda acho isso perigoso.

Estou cansado de ficar em casa e hoje tenho um


compromisso do qual não posso faltar. Só precisei juntar o útil ao

agradável e aproveitar a situação para, ao menos, me cansar o


suficiente para desmaiar de exaustão.

— Não precisa gostar, apenas fique ciente que preciso disso.

É o necessário.

Odeio ter que explicar isso todas as vezes.

Brandon e Kyle não gostam do que faço, mas não posso

fazer nada para mudar isso. É parte de mim e, mesmo que seja
errado, é o que gosto de fazer e me dá uma grana boa para me

manter e pagar o advogado.


Embora os dois insistam na ideia de cobrir os meus gastos

por um tempo, ao menos até encontrar uma nova forma de me


manter, confesso que sou um pouco orgulhoso nesse sentido.

Como se não fosse o bastante, caso aceitasse essa ajuda

deles, ainda precisaria cumprir um contrato onde quebra a multa é


preciso pagar um valor maior que o meu ganho — e ganho bem.

Eu também precisaria contar o motivo pelo qual pago um


dos melhores advogados da cidade. E isso está fora de cogitação.

Não que eu não confie neles. Ele é quem não confia em ninguém.

— Asher...

— Já se resolveu com o nosso bebê? — interrompo seu


questionamento. — Percebi que ela ficou chateada anteontem.

— Ela precisa de um tempo.

— Podia, pelo menos, conversar com ela.

— Sem chance — nega, mais uma vez.

— Cara, isso é besteira...

— Pois é — é a sua vez de me interromper, erguendo uma


sobrancelha para indicar que o assunto acabou.
Reviro os olhos para a sua chatice, mesmo que já esteja
acostumado. Porque é assim que Brandon é: ele adora se
intrometer no problema dos outros, mas ignora tudo o que falamos

sobre ele. Principalmente, se o assunto incluir a Mia.

— Estou saindo.

Respiro fundo e guardo meu celular e carteira no bolso da

calça.

— Certeza que não quer me acompanhar? — pergunto mais


uma vez.

Seu rosto balança em negação, sem ao menos me olhar.

Brandon não concorda com o que eu faço, mas tanto ele


quanto Kyle me acompanham sempre que podem. O que não é o

caso de hoje, já que ele está focado em estudar para uma prova que
haverá semana que vem.

Assim como eu, Brandon também não quer seguir no

basquete. Ele é herdeiro de uma empresa de games multimilionária


e pretende seguir no ramo. Não sei exatamente porque ainda joga

basquete, já que não precisa disso para nota extracurricular ou


auxílio na bolsa.
Quanto a Kyle... ele respira o esporte. Nunca conheci
alguém que vivesse o basquete tanto quanto ele, é como se esse
fosse o combustível que o mantém respirando.

Deixo meus devaneios de lado e subo na moto, acelerando


com tudo pelas ruas de New Haven até Tolland. A viagem dura
quase duas horas, mas em compensação, ajuda a distrair. A

esquecer.

Tudo que eu preciso no momento.

Atravesso o portão do Templo da Serpente e tudo o que

consigo sentir é a adrenalina que apenas esse lugar me


proporciona.

O local é privado. De dia, funciona como academia de artes

marciais para crianças e adolescentes, de forma voluntária, o que

ajuda algumas famílias carentes da região e a noite, é hora dos


adultos entrarem em ação.

É onde homens ricos, sem nenhum propósito real e


disposição em gastar tudo o que conseguem carregar em seus
bolsos, apostam em caras como eu, sem se importar se sairemos

vivos ou não.

O fim não importa.

Tudo que querem é o prazer de ter algo para se sentirem no

topo, dominantes de algo que não tem controle e sedentos pela


vitória que pode não vir.

Estou falando de milhares de dólares apostados todos os

dias. Para eles, dinheiro a mais ou a menos, não faz diferença, mas,

para nós, a ralé, é como estar no topo da montanha, nem que seja
momentâneo.

Cada lutador aqui tem o seu preço, uma aposta mínima. Os


iniciantes, nem sempre são os mais baratos, visto que alguns vêm

de outros lugares, ou foram grandes lutadores profissionais que, por

algum escândalo, faliram, levando a carreira à lona. Ali, seus erros


são esquecidos e até mesmo glorificados.

Outros de nós, começaram de baixo, como eu, tendo que

provar seu valor dia após dia.

Demorei até me acostumar com o ritmo desse lugar. Os

organizadores não se importam conosco, é um fato. Eu só não


imaginava que me colocariam para lutar com os lutadores mais

antigos logo na minha primeira semana.

Apanhei até desmaiar. Apanhei até perder os sentidos e

acordar no dia seguinte no mesmo lugar em que caí.

Contudo quando levantei, ninguém, nunca mais, me levou ao

chão. Alguns tentaram, outros, quase conseguiram. Nenhum foi

capaz.

Quando entro no vestiário, pelos fundos, Alessandro, um dos


nossos, está sendo atendido por uma das enfermeiras fixas do

lugar. Seu supercílio está cortado e sua costela me parece meio

torta, o que não é muito difícil de se ver aqui.

— Ouvi dizer que vai lutar com Romero hoje.

Deixo um risinho escapar da minha boca, começando a me

trocar.

Romero faz parte da “academia” rival, e é filho do dono. É

mais que óbvio que não está na colocação que está, por mérito. O
cara luta bem apenas quando joga sujo, o que é costumeiro entre

todos nós que lutamos ilegalmente, mas eu acho uma afronta, lutar

contra um cara que não entende o básico.

— Relaxa, Alex — garanto. — Tudo sob controle.


— Se você diz — concorda, chiando quando a enfermeira

faz um ponto em sua testa. — Cuidado, gata, ainda preciso


trabalhar.

O “trabalho” ao qual se refere, é a vistoria ou entrega de

drogas que o dono comanda. O Templo é um lugar respeitável no

submundo, mas não é apenas por ter bons lutadores. Dentro dessas

paredes, não há limites.

Eu não me envolvo nos outros negócios. Precisava de algo


que me distraísse e me desse a sede de viver, que busquei durante

toda a minha vida, e Alessandro me deu isso. Preciso apenas lutar

em seu nome e em troca, pedi para ficar fora de tudo aquilo que

pode me colocar na cadeia até o fim dos meus dias. Só de imaginar


estar nessa situação, um calafrio me ocorre.

Ele concordou, afinal, desde que eu trouxesse milhares de

dólares para nossa conta e mantivesse a boca fechada sobre o

lugar, estava tudo ótimo. Às mil maravilhas, como ele gosta de dizer.

Quando subo no tatame, eu faço valer a pena. Não menti

quando prometi que seria o melhor daquele lugar.

Não quebro promessas, não deixo me intimidar. Aquele


ringue era o meu lugar. Ali, eu reinava. E mostrava para todos, dia
após dia, que me desafiar era um erro.

Quando subo no tatame, o mundo ao meu redor se silencia.


Os gritos de aclamação são abafados e tudo que consigo ouvir,

pulsando nos meus ouvidos, são as batidas desesperadas pela

adrenalina que Romero me presenteia com o sorriso petulante,


como se a luta já estivesse ganha.

E está. Por mim.

Ele mal respira quando o juíz autoriza a luta e Romero me


ataca, com uma velocidade impressionante, mas que demonstra sua

maior fraqueza: a ansiedade.

Deixo que me golpeie uma vez, testando sua prepotência,

deixando-o com a sensação de que consegue me vencer facilmente.

É assim que o deixo cometer o erro número dois.

Seu sorriso cresce quando não consigo escapar desse golpe


e ele me acerta o rosto em cheio. Minha visão fica turva

momentaneamente, mas não deixo por baixo e ataco de uma vez,

onde mais lhe dói: Costelas.

Já havia feito uma pesquisa sobre ele antes de subir no

ringue, precisava me precaver e se ele fez o mesmo comigo, tenho


o direito de revidar.
Ele fraturou a costela há menos de duas semanas, e é claro

que não está totalmente recuperado, mas é burro o bastante para


continuar lutando assim mesmo. Eu deveria adivinhar. Homens

como ele costumam adiar ajuda até não aguentarem mais, como se

isso fosse um sinônimo de fraqueza.

Romero vacila e eu aproveito para atacá-lo com mais força

dessa vez, o levando ao chão mais rápido do que planejei.


Mantenho-o imobilizado numa chave de braço bem apertada e

mesmo ofegante e cansado, aproximo minha boca do seu ouvido,

numa ameaça velada;

— Deveria saber que no meu território, ninguém é melhor do

que eu.

Ele ri, mesmo que faça um esforço homérico para tal.

— Você não sabe com quem está falando.

Solto seu corpo, que cai com um barulho surdo no tatame.

Me levanto e o juiz caminha até mim, entregando a maleta quase


aberta de dinheiro, anunciando meu nome como vencedor.

Nenhuma novidade.
— Isso está horrível.

É a primeira coisa que ouço quando me sento à sua frente,

colocando a minha bandeja em cima da mesa.

— Eu sei, Mia — resmungo para a baixinha, que continua

olhando para o meu machucado com pena.

Não precisa se preocupar, neném. Nem dói mais.

— Não gosto quando você vai para aquele lugar.

— Seu amor me disse o mesmo ontem.

— Ele não é o meu amor.

Sorrio só para provocá-la.

— Eu não disse de quem estava falando — alfineto, vendo


suas bochechas assumirem um tom vermelho. — Mais uma prova
de que vocês dois escondem um relacionamento da gente.

— Para de bobeira, Ash. Brandon jamais olharia para mim


desse jeito.
— Ele está de quatro por você e só você que não vê — a
voz de Kimberly se intromete no assunto.

Olho para ela, notando que está vestindo um conjunto de


saia e uma blusinha curta bastante tentadora. O batom de hoje é

mais claro que o vermelho costumeiro e nem por isso, menos


impactante. Porém, não há nada que chame mais atenção que o
salto preto em seus pés.

Kimberly se senta ao meu lado e me acotovela para que eu


abra espaço para ela. Chego para o lado, controlando um gemido

de dor que me incomoda.

Fui cuidadoso no sábado, como sempre. Geralmente, depois


de dois dias, os machucados somem ou, em outros casos, consigo
esconder com roupas. Mas o filho da puta do Romero me acertou no

rosto, de forma certeira e mesmo que tenha ficado aparente, não


posso me dar ao luxo de faltar aula e deixar que isso prejudique
minha bolsa de alguma forma.

Ela parece notar que há algo de errado comigo, porque


assim que se senta, sua atenção é dada a mim e seu semblante vai
de descontraído à preocupado, em um piscar de olhos. Kim segura
meu rosto pelas bochechas, se aproximando e analisando o
hematoma abaixo do olho com atenção.

O rosto já não dói mais, exceto quando me deito ou toco o

local, mas minhas costelas têm sido um empecilho até para respirar.

— Quem fez isso com você? — pergunta, a boca fechada

em linha reta e as sobrancelhas unidas. Parece muito irritada e eu


não deixo de pensar no quanto fica fofa assim.

— Não é nada demais, Kim — coloco minha mão por cima


da sua, acariciando a pele macia e mostrando que não estou

nenhum pouco incomodado com o toque.

— Sabe que pode processar quem quer que seja, né? —


pergunta, tirando as mãos de mim quando percebe que está perto
demais. — Pelo que lembro, a multa para agressão é de...

Kimberly não termina de falar. Nem precisa. É nesse

momento que tenho certeza de uma das coisas que ela esconde.
Todos os sinais, estão aqui há tempo suficiente para que nada
passe despercebido diante de mim.

Ela não quer cursar moda.

Lembro de quando ela não estudava aqui e Kyle enchia a


boca para dizer o quanto se orgulhava da irmã, que se formaria em
direito antes dele. Pelas minhas contas, faltavam três semestres
para ela chegar ao fim.

O que faria alguém que está praticamente terminando o

curso, vir para o outro lugar onde só conhecia o irmão e recomeçar


do zero, em um curso que nem ao menos entende os assuntos

básicos?

Ela chegou no início do semestre, deixando Kyle preocupado


com a súbita mudança de cidade e de curso. Kim ostentava um

sorriso que quase rasgava suas bochechas e a preocupação do


irmão logo se dissipou.

A minha, não.

Sempre soube que por trás daquele sorriso e da expressão

satisfeita, tudo o que os olhos dela diziam era o quanto estava infeliz
com a própria vida. Seu desânimo era quase palpável para mim. Um
dia, também havia me sentido assim. Talvez, ainda sinta.

Mia foi a primeira a se enturmar com ela. A garota estava

radiante em finalmente ter uma outra mulher em nosso meio.


Depois, foi meio que automático que ela e Brandon também se

tornassem amigos, já que o Pivô[3] do time é meio que cachorrinho


da garota e não faz nada que ela não autorize previamente.
Ontem, quando a vi na biblioteca, Kimberly parecia muito

chateada consigo mesma por não estar entendendo o que lia, me


compadeci e resolvi ajudá-la.

Já estava à sua procura, queria me desculpar pelo outro dia


e pela forma que falei e agi. Não foi certo da minha parte, minha

mãe me criou para ser um príncipe e mesmo que não esteja perto
de ser um, ainda prezo pelo bem estar daqueles a minha volta.

Principalmente ela.

Eu sempre me preocupo com ela.

Pedi para que me falasse tudo o que sabia sobre o assunto,


pois é uma das poucas formas que eu consegui pensar para ajudá-

la, já que sempre aprendo mais quando falo em voz alta, do que
lendo ou fazendo resumos. Achei que isso poderia ajudá-la também.

Não resisti e soltei que ela deveria me beijar quando me


perguntou o que eu achei. Não me arrependo. Mas Kim ficou muito

chateada quando eu falei aquilo e entendi que não era momento


para brincadeiras. Ela estava bastante frustrada por não estar
aprendendo o assunto e me apressei em pedir desculpas.

Também não estava nos meus planos trazê-la para meu colo
ou entender que ela não sairia dali. Só sei que eu gostei muito de tê-
la tão próxima e fiquei satisfeito que ela não tentou mais sair dali até
o horário em que a biblioteca fechou, e então fomos obrigados a
deixar o local.

Fiz questão de esclarecer que poderia me procurar quando

precisasse de ajuda e ela sorriu. Eu sei que ela não vai chamar
coisa nenhuma. Kim é orgulhosa e mesmo que tenha aceitado a
ajuda de ontem, eu sei que foi porque estava mesmo precisando.

Me perguntei se alguém na vida dela já havia lhe perguntado


o que realmente queria fazer.

Quais eram os seus sonhos?

As suas vontades?

O que a motiva a levantar todas as manhãs?

Precisei morder a língua várias vezes desde que percebi


isso. Não tenho o direito de perguntar nada disso. Ela é irmã do meu

melhor amigo. E não significa nada para mim. Mesmo que meu
coração ache outra coisa.

— Está tudo bem, Kim — garanto. — Ele ficou pior do que

eu.
Ela ergue a sobrancelha, prestes a perguntar algo, mas sou
salvo quando Brandon e Kyle chegam, discutindo sobre a festa na

fraternidade das líderes de torcida, que vai acontecer no fim de


semana.

— Depois explico — sussurro, para que só ela ouça.

Kim não parece confiante, mas se esforça para me ignorar e


voltar sua atenção para a comida em sua frente.

Eu não consigo agir com a mesma naturalidade. A comida


desce rasgando. Tudo que eu consigo focar é no que ela vai pensar,

se eu contar o motivo dos meus machucados.

Mas não se preocupe, não se, não se preocupe, garota.

Não, não tenho certeza se estou na sua

A última vez que você me viu, provavelmente eu estava muito triste


e confuso

Eu não sei, não, não sei o que você gosta

Mas se você está procurando por algo novo

Conheço alguém que você poderia escolher

Que tal eu?

Television — Rex Orange County


Estou um porre essa semana e acabei de descobrir o

porquê.

É sábado e todos estão na festa da Kappa Ômega, a

fraternidade das líderes de torcida. Elas sempre fazem as mesmas

festas chatas antes que as provas cheguem. Normalmente, participo


de todas, porque apesar de chatas, proporcionam, vez ou outra,

algum entretenimento diferente do que estou acostumada a ver, mas

não acordei me sentindo bem, estava irritada demais e até ignorei


as piadinhas de Kyle no almoço.

Saí da faculdade mais cedo, me sentindo culpada para

caralho por faltar a última aula, mas sentia que a qualquer momento

faria algo voar na cabeça da professora Colleman e isso não seria


nada interessante para o meu currículo acadêmico. Passei o resto

do dia revirando na cama, enquanto sentia dor.

Para melhorar o dia, era a vez de Kyle fazer as compras e

ele parece ter esquecido que dividimos a casa, pois esqueceu de

comprar meus absorventes e remédios. O último que tinha na bolsa,

para uso de emergência, durou pouco tempo e agora, não sei o que

fazer porque ele não atende as minhas chamadas, nem parece


receber minhas mensagens e eu estou sem condições de sair de
casa da forma que estou.

Eu: Mano, atende a ligação, por favor.

Eu: Eu tô com muita cólica. Preciso de absorventes e

remédio. Você esqueceu de comprar.

Eu: Ky.

Eu: ???

Suspiro fundo, me dando por vencida antes de procurar pelo

número de Asher. Encaro o contato sem foto, mordendo o lábio


enquanto cogito se devo mesmo ligar, mas a pontada de dor em

meu baixo ventre logo cala minha dúvida.

Clico no botão verde e não tenho tempo para ensaiar o que

direi. Asher atende no primeiro toque.

— Oi, Kim — ele diz, parecendo surpreso com a ligação. —

Aconteceu alguma coisa?

Fico em silêncio por um minuto, ouvindo a barulheira do

outro lado e me perguntando como ele conseguiu ouvir a chamada e


atender tão rápido.

— Na verdade, sim — conto, mordendo o lábio. — Você viu

o Kyle?

— Sim, estava comigo até pouco tempo.

— Pode pedir para ele olhar as minhas mensagens? Preciso


falar com ele. É meio… urgente.

— O celular dele caiu na água e ele está um pouco longe de

mim agora — fala, aparentando ficar mais agitado. Praguejo


baixinho. — Pode me falar, se quiser. Prometo passar o recado
direitinho.

Me encolho no chão do banheiro e olho para o meu shorts.


Meu pijama está visivelmente manchado de sangue, meu rosto está
inchado de tanto chorar e eu me sinto um lixo. Para piorar, a dor só

tem aumentado e não tenho tanta resistência assim.

Decido ir pelo caminho mais fácil.

— Certo — resmungo. — Pede para ele passar numa

farmácia e comprar remédio para cólica e absorventes. Noturno e


com abas. Não esquece de dizer com abas.

— Ok, chego... ele chega em quinze minutos.


Ainda estou no banheiro quando ouço a porta do meu quarto
se abrir. Me levanto e coloco a mão para fora, apressada. Kyle me
entrega a sacola e começo a reclamar.

— Demorou. Eu podia ter sangrado até a morte — ele ri,


mas é tão baixo que mal consigo escutar. — Mano, pode trocar a
roupa de cama antes de ir para a sua festa? Estou com muita dor...

Ky não responde mais uma vez e eu respiro fundo, entrando


debaixo do jato de água quente, evitando molhar meu cabelo porque

não estou nem um pouco a fim de secá-lo a essa hora. Me enrolo na


toalha, mas logo me dou conta de algo: esqueci de uma das partes

mais importantes.

— Se ainda estiver aí, será que pode pegar uma calcinha


também? Na última gaveta, a preta com estampa de oncinha.

Ouço passos lá fora e imagino que ele esteja procurando

pela peça. Acerto, porque alguns segundos depois ele bate de leve
na porta e eu enfio a mão para fora novamente, pegando a peça.

— Obrigada. Pode ir para a festa, eu vou ficar bem.


A porta bate.

Mas o que eu disse é uma mentira. Não vou ficar bem tão
cedo. Estou com muita dor por causa do ciclo desregulado. Quero
tomar o remédio, deitar na cama e ser embalada até dormir, mas

não digo isso ao meu irmão. Não é justo com ele.

Kyle está ocupado demais nos últimos treinos e quase não

para em casa. Imagino que queira sair um pouco para se distrair ao


invés de ficar ouvindo a irmã mais velha choramingar a noite toda.

Eu posso lidar com os meus problemas sozinha por uma

noite. Não será nenhum sacrifício.

Me seco rapidinho antes que suje o chão do banheiro que


limpei ontem e visto a calcinha com o absorvente, saindo do

cômodo ainda de toalha. Entro no closet, me visto com a roupa mais


confortável que encontro e ouço a porta se abrir.

Fico confusa. Será que o Ky voltou para ficar comigo?

Saio do closet na intenção de pendurar minha toalha no


banheiro e dizer a ele que não precisa mesmo ficar comigo. Mas me

surpreendo com o que vejo.

Não é o meu irmão.                                                          


                                
É o Asher.

O que ele...

— O que você está fazendo aqui?

— Trouxe absorventes e remédio — explica como se

estivesse falando do vento.

— Invadiu a minha casa!

— Na verdade, eu tenho a chave — conta, nem um pouco


envergonhado. — Também comprei chocolates. Não sabia qual o

seu favorito, então trouxe alguns para você decidir.

— Mexeu na minha gaveta de calcinhas!

— Foi você quem pediu — justifica, erguendo as mãos.

— Trocou a minha roupa de cama também? — pergunto,

deixando minha pose de brava para trás.

— Troquei — dá de ombros. — Você pediu.

— Cadê o Ky?

— Ocupado.

Fodendo.

Ele não precisa continuar.


— Ele sabe que eu te liguei?

Asher nega.

— O celular realmente caiu na água. Não sabia como

encontrá-lo depois que ele brigou com uma novata.

— Ah — mordo o lábio. — Obrigada, Ash. Você... você já

pode ir.

Asher me olha como se chifres estivessem crescendo na


minha cabeça, então, caminha até onde estou e dá a volta no meu

corpo, segurando em meus ombros e me guiando para a cama.

Sento-me, quietinha e obediente porque não estou muito

afim de brigar e pedir para que desencoste de mim. Nunca faria isso

porque o toque dele é sempre bem-vindo. Mesmo que ele seja mais
retraído e, claramente, não seja o maior fã da minha presença.

— Ouvi seu irmão dizendo uma vez que não gosta de ficar
sozinha quando está menstruada — começa, muito paciente. — Ele

não está aqui e sei que não temos o melhor relacionamento do

mundo, mas posso te fazer companhia até dormir, estava mesmo


pensando em dormir por aqui, já que os caras vão chegar da

fraternidade bêbados. Tudo bem por você?

Ele percebe que ainda estou insegura e continua;


— Podemos assistir algo na sala, se quiser — coça a nuca,

sentindo a minha bochecha adquirir um leve avermelhado. Fofo —

Nunca cuidei de ninguém assim, mas não vou fazer nada que não
queira.

— Pode ser aqui mesmo — respondo a única coisa que


consigo pensar, mas me encolho quando uma pontada de dor me

atinge. — Mas pode pegar um copo de água para mim? Para tomar

o remédio.

Ele assente e sai do quarto rapidamente.

Asher volta poucos minutos depois, com uma garrafinha de

água e uma sacola de papel que parece cheia. Ele pega outra
sacola que deixei em cima da pia e se senta ao meu lado na cama,

me entregando a garrafinha. Aprecio sua atenção em abrir a caixa

de remédio e tirar um comprimido de lá, deixando cair na minha

mão.

Noto que ele está cheirando a sabonete e com um dos


conjuntos de moletom do Ky, então presumo que deve ter tomado

banho no quarto do meu irmão antes de me esperar sair do meu.

Engulo o remédio com a ajuda da água e me inclino para

colocar o copo na mesa de cabeceira e pegar o controle da


televisão.

— Quer assistir o quê? — pergunto, procurando pelo

streaming.

Asher dá de ombros antes de responder.

— O que você quiser.

Olho para ele de lado, me questionando se ele disse mesmo

isso. Percebo que falou sério quando puxa o cobertor dobrado na


ponta da cama, o abrindo e entrando debaixo dele. Está frio no

quarto por conta do ar condicionado, então faço o mesmo que ele e

me enfio debaixo do cobertor quentinho.

O travesseiro ao meu lado é afofado e Asher se deita,

confortável, a atenção focada na televisão a nossa frente como se


isso fosse costumeiro.

Resolvo fingir que também estou familiarizada com a


situação e prendo meus cabelos, fazendo o mesmo que ele logo em

seguida.

Seleciono o filme Qual o seu número? que é uma das

minhas comédias românticas favoritas e me encolho, torcendo para

a medicação fazer efeito logo.


Asher segura a sacola de chocolates e a apoia no meu

corpo. Tiro a primeira barra que vejo, abrindo numa velocidade

impressionante, a mordendo enquanto solto gemidos muito

satisfatórios. Ofereço para ele, que nega com uma cara de nojo,
pegando uma barra de chocolate amargo da sacola.

Reviro os olhos.

— Tão previsível.

Ele olha para mim e em seguida para a barra de chocolate


de menta e morango em minhas mãos. É a mistura mais doce que

existe na vida. Olha para mim de novo e ergue a sobrancelha.

Você também é previsível. Posso sentir que é isso que ele

quer dizer.

Ignoro a provocação e volto minha atenção ao filme, dando

de cara com a beleza surreal da bunda do Chris Evans.

— Dez caras e meio? — ele reclama, logo que o filme

começa. — Por Deus, não faz o menor sentido.

— É dos anos dois mil, fazia sentido para a época.

— Isso não deveria fazer sentido em época nenhuma.

Bufo, irritada pelo julgamento.


— Porque não fica quieto e assiste o filme?

Ele cruza os braços em cima do corpo e balança a cabeça,

parecendo determinado a fazer um voto de silêncio comigo.


Contudo, não dura muito.

— Você realmente gosta disso? — questiona, me


encarando. — Não acredito, Kimberly. É o cúmulo do absurdo.

Sua indignação me arranca uma gargalhada e eu apenas me

mantenho calada, sabendo que não adianta falar, ele não vai parar

de fazer comentários aleatórios a cada minuto do filme como se

fosse um crítico conceituado.

Não lembro até onde consigo me manter acordada. Mas em


algum momento, a dor se dissipa e o sono vem sem que eu possa

controlar. Eu me deixo levar com apenas uma certeza:

Essa foi uma das melhores noites que tive desde que

cheguei a New Haven.

Sinto como se finalmente fizesse parte de algo.


 
 
 
 
 
 
Quando ela era apenas uma garota
Ela esperava conquistar o mundo

Mas isso voou para longe do seu alcance


Por isso ela fugiu em seu sono
Paradise — Coldplay

O que estou fazendo?

Kim se mexe em meus braços e fico dividido entre o desejo de

ficar com ela e a necessidade de ir embora. Ky deve chegar a


qualquer momento e se me vir aqui, serei um homem capado.
Mas não consigo parar de admirá-la, nem de me sentir

culpado.

Kimberly sempre me traz esse sentimento agridoce. É

confortável ficar perto dela e ser eu mesmo, mas, meu lado racional,

está sempre tentando empurrá-la para longe, seja pelo medo de que
veja o que há debaixo da minha máscara ou pela sensação de estar

traindo um dos meus melhores amigos.

Esfrego o rosto com a mão livre, tentando despistar o rumo

dos meus pensamentos que mais uma vez, faz meu estômago
revirar. A culpa corroendo minhas veias.

Falando nisso, a culpa está presente na minha vida desde…


sempre. Não me lembro se já acordei algum dia sem que ela

estivesse pesando em meus ombros, é quase como se ela fosse


parte de mim. Também é cansativo para um caralho.

Um resmungo me tira dos meus pensamentos e eu a olho,

deitada em meu peito, ainda em seu sono. Linda. Kim é a coisa


mais bonita que já vi na vida. Eu poderia passar uma vida inteira

admirando-a, mas sinto que nem assim seria o suficiente para mim.

Proibida. Proibida. Proibida.

Minha razão grita, mas meu corpo não obedece.


Não me controlo ao levar o indicador ao seu rosto, numa
carícia suave em sua pele imaculada. Contorno a sobrancelha

escura e bem desenhada, que mesmo dormindo, parece estar

rígida, como se estivesse confusa. É engraçado pensar que até

dormindo, ela continua brava. Deslizo pela linha do nariz e então

sua boca, se retorce num pequeno sorriso. Sorrio também.

Resvalo meus dedos pelo seu cabelo sedoso, penteando-os

para trás e retirando os fios de seu rosto. Seus cílios tremeluzem e

Kim passa a língua pelos lábios antes de abrir os olhos devagar,

fazendo meu coração acelerar ainda mais.

Ela pisca, como se estivesse tentando se acostumar com a


claridade, mas quando focam em mim, ainda estão ébrios de sono.

Eles encaram os meus e ao mesmo tempo que parece não estar

vendo nada, é como se estivesse desvendando tudo.

Meu coração retumba dentro do peito, com força, como se

estivesse gritando.

Quero ser seu.

Porque é tão difícil ser seu?

— Você é tão bom…

Não sou não, linda.


— Você é perfeita — sussurro, um pouco mais baixo que ela,

sabendo que não se lembrará.

Kim volta a se aconchegar em meu peito e sua mão agarra


minha roupa, como se apenas isso fosse o suficiente para me

manter perto. Continuo acariciando seu cabelo, enquanto minha


outra mão está envolta a suas costas, fazendo uma carícia suave.

Eu nem deveria estar aqui, para início de conversa.

A festa estava um tédio, lotada das mesmas pessoas de


sempre, se embebedando como se suas vidas dependessem disso.

Para ser sincero, não sei porque ainda frequento as festas da


universidade. Todas seguem o mesmo roteiro monótono e sem

graça.

Por isso, quando Kyle foi para o quarto com uma das líderes e
Brandon sumiu com Mia, apenas me sentei no sofá mais afastado
da movimentação, com o cigarro em mãos e busquei qualquer coisa

que pudesse me distrair.

Não aguentava mais rolar o feed do Instagram quando a


notificação da chamada apareceu. Me assustei quando percebi que

era Kimberly e não pensei duas vezes antes de atender. Ela nunca
havia me ligado ou sequer mandado mensagem, tínhamos o
número um do outro apenas por causa do grupo que Mia havia

criado no início do semestre.

Sua voz parecia afetada e estava baixa, mansa, como se


estivesse triste demais para qualquer coisa e quando perguntou

pelo irmão, tive certeza de que havia algo errado. Foi estranho para
cacete não ter a presença dela na festa, já que está sempre muito

animada e tomando a iniciativa de alguma brincadeira boba, que


com toda certeza me deixaria mais entretido do que estar no meio

de um monte de jovens com os hormônios explodindo nos meus


ouvidos.

Kyle havia acabado de brigar com uma novata, que parecia

ser sua conhecida de sua cidade natal. Foi uma briga tensa, mesmo
que ninguém tenha entendido o motivo e como eles começaram.

Tinha acabado de voltar do banheiro quando o encontrei no meio da


sala com muitas pessoas à sua volta. Ele estava discutindo em voz

alta com uma garota baixinha, que não parecia nem um pouco
intimidada e chegou a apontar o dedo no rosto dele.

Todos estavam chocados com a audácia dela. Kyle sempre foi

querido por todos, nunca havia se metido em nenhuma briga fora da


quadra, mas também não era um santo.
Eu precisei apenas trocar um olhar com Brandon antes de nos
intrometermos na briga e levarmos Kyle para bem longe dali, que
ainda se debateu, querendo voltar para a sala e terminar de dizer

seus desaforos para a estressadinha. Não sei qual foi o paradeiro


da garota, já que quando voltei não a vi em canto algum e o irmão

de Kim logo arranjou uma outra distração, sumindo para os quartos


do andar de cima.

O silêncio se estendeu do outro lado por tempo demais, mas

ela acabou cedendo ao dizer que estava com dor e menstruada,


pedindo para passar o recado para Kyle. Obviamente não iria falar
nada para ele, que estava com um humor péssimo e mesmo

sabendo que ama muito Kimberly, não tinha certeza se seria a


melhor companhia neste momento.

E eu já estava entediado mesmo, precisando me distrair e ir


para longe daquele barulho que começava a incomodar cada vez

mais meus ouvidos, por isso, não pensei duas vezes antes de me
levantar e procurar pela primeira farmácia que encontrasse no
caminho.

Fiquei um pouco perdido com a variedade de absorventes que


havia no local, mas segui as instruções dela e comprei apenas dois
pacotes que se encaixavam nas suas exigências, também aproveitei
para pegar alguns chocolates, mesmo que tivessem me custado um
rim. Imaginei que ela queria algo doce para se distrair da dor.

Funcionou. Em algum momento da noite, Kimberly nem se


lembrava mais de que estava sentindo cólica. Assistimos ao filme
que ela queria e talvez eu não tenha achado tão ruim assim. Foi

legal passar aquelas horas em frente a uma televisão, fingindo que

o mundo lá fora não existia e que nós dois somos apenas amigos
curtindo a presença um do outro sem se importar que, do lado de

fora, depois, vamos agir de forma completamente diferente.

Os detalhes dessa noite estão guardados em minha memória

para sempre. Desde o momento em que ficou chocada ao me ver

em seu quarto, até o primeiro sorriso que deu com os meus


comentários desnecessários sobre o filme.

Não sei exatamente quando ela pegou no sono, mas

enquanto prestava atenção no filme e fazia a narração dos detalhes,

Kim parou de responder. Quando olhei para o lado, ela estava

dormindo, mas acabei me rendendo e voltei a atenção do filme, 


porque estava começando a ficar interessante. Acabei me distraindo
apenas quando ela virou e jogou uma das pernas por cima do meu

corpo deitando a cabeça no meu peito.

Não soube como reagir e apenas a ajudei a ficar confortável,


afinal, que mal há nisso?

Muitos e eu sabia.

Procuro pelo meu celular e percebo que já passa das três da


manhã, Kyle deve chegar a qualquer momento e é apenas por isso

que eu me obrigo a desvencilhar-me da garota, mesmo que isso

pareça um sacrifício tremendo. Ela resmunga, mas logo se apressa


em abraçar um dos travesseiros.

Ainda permaneço sentado ao seu lado na cama, observando-


a ter um sono tranquilo enquanto mantém a respiração ritmada, 

baixinha,  e não consigo controlar a vontade que tenho de

permanecer aqui, com ela, onde me sinto tranquilo, calmo.

Desligo a televisão e ajusto o cobertor em seu corpo, antes de


caminhar em direção ao quarto de Kyle, do outro lado do corredor.

Tiro a camiseta que roubei dele e me jogo em sua cama, sentindo

falta do cheiro dela.

Estou muito fodido.


Acordo ao som de risadas.

Olho para o outro lado do colchão e vejo Kyle ainda dormindo,

de boca aberta e um pouco de baba está escorrendo por sua boca,


o que é deplorável. Não vi a hora em que chegou, estava em um

sono tão profundo que nem mesmo sei se ele tomou banho.

Deixo-o sozinho no quarto depois de usar uma das escovas

plastificadas e sigo para a cozinha encontrando Kim e Mia rindo,

enquanto cozinham. Brandon está debruçado sobre o balcão,

observando com uma carranca ambas conversarem alto.

Estão tão distraídas que só notam minha presença quando


me sento ao lado de Brandon e dou um peteleco em sua cabeça,

sendo retribuído por uma cotovelada nada amigável. Parece que

alguém está de ressaca.

Kim é a primeira a me ver, ela deixa escapar um pequeno

sorriso ao me olhar e suas bochechas coram um pouco. Adorável


pra cacete. Retribuo o sorriso e ela volta a prestar atenção na

massa esquisita que estava mexendo anteriormente.


Mia tira sua atenção da frigideira e me olha rapidamente,

voltando a preparar as panquecas, mas tão logo o faz e se volta


novamente para mim, como se estivesse vendo um fantasma.

— Bom dia — ironizo. — Está me vendo pela primeira vez?

Ela apenas reúne as sobrancelhas, como se estivesse


assimilando o que está bem diante dos seus olhos. Sei que deve

estar se perguntando o que estou fazendo aqui tão cedo, mesmo

que não seja uma novidade, mesmo que eu passe mais tempo aqui,
do que na fraternidade. Mas eu saí mais cedo da festa ontem,

deixando apenas uma mensagem avisando que precisei ir embora.

— Eu quero saber o que está fazendo aqui? — Mia pergunta

olhando para Kim, de uma forma que só elas entendem. — Está

acontecendo algo que não estou sabendo.

Não é uma pergunta. É uma afirmação.

Brandon também levanta a cabeça, como se só agora tivesse

se dado conta de que estou aqui. Ele olha para mim de forma
desconfiada, com os olhos semicerrados, enquanto eu reviro os

meus e encaro Kim, que volta a se concentrar no recipiente em que

está mexendo a massa, fingindo que não está entendendo o que


está acontecendo aqui.
— Não posso mais vir à casa dos meus melhores amigos?

Ela ainda continua me encarando desconfiada, mas logo trata


de voltar ao que estava fazendo. Roubo uma das xícaras que está

pela metade com café e levo à boca, quase gemendo de prazer ao

engolir o líquido amargo e quentinho. Contudo, sinto dois tapas


fortes sendo desferidos nas minhas costas, fazendo-me pulverizar o

café pelo nariz.

— Espero que saiba o que está fazendo — Brandon diz, com

um falso sorriso no rosto, enquanto me observa tossir, com a roupa

suja.

Kim me lança um olhar rápido, sem entender a interação

esquisita entre nós dois.

Brandon sabe quais as consequências que serão geradas


caso eu siga meu coração e me envolva com ela. Mas não é algo

que posso controlar. Eu não quero controlar.

— Eu vou te matar qualquer hora dessas — ameaço, com um

sorriso idêntico ao dele.

— Porque vocês estão tão esquisitos? Ou melhor, porque

vocês são tão esquisitos? — ela finalmente pergunta, mas não há


tempo para respostas, pois a campainha toca, fazendo com que
todos se encarem simultaneamente, se perguntando quem pode ser

a uma hora dessas.

Kimberly deixa o preparo do café de lado e lava as mãos


sujas, secando-as com um pano de prato, enquanto caminha até a

porta, abrindo-a de uma vez. Ela paralisa por um segundo ao

visualizar a figura de Loren Ballard, parada à sua frente.

Entretanto, logo se recompõe, estampando um sorriso

amigável antes de beijar a bochecha da mulher e ser retribuída da

mesma forma.

— Olá, querida — ela cumprimenta.

Loren é um pouco mais alta que Kim, porém, além do estilo de


roupas e acessórios, as duas não possuem mais nenhuma

característica física em comum. O nariz, talvez. Acho que posso

dizer que Kyle é o que mais se parece com ela, da forma com que

as sobrancelhas se erguem ao sorrir e o jeito de falar.

Enquanto Kim tem os cabelos castanhos, que caíam em


lindas ondas sobre suas costas e olhos igualmente escuros, sua

mãe tem os cabelos pretos, escorridos um pouco abaixo dos

ombros e os olhos azuis cristalinos.


Ela me parece um pouco… fria. Talvez rígida seja a palavra
correta. Sua postura é autoritária, ainda que pareça um pouco

simpática em comparação às outras vezes que ela veio aqui.

— O que está fazendo aqui? — Kimberly pergunta, com as

sobrancelhas unidas.

A outra não se abala, parece estar acostumada com a falta de

delicadeza da filha.

— Vim visitar os meus filhos, Kimberly.

— Hoje?

— Algum problema nisso?

Ela finalmente parece cair em si e vira-se depressa para nós.

Seu olhar é quase desesperador, perdido, parece não saber o que

fazer ou como agir. Kim estampa um pequeno sorriso quando volta


a olhar para a outra.

— Hum, não… não, mãe.

Engulo em seco, mais que desconfortável com a situação e

nem preciso encarar os outros para saber que estão na mesma


situação que eu. Me sinto impotente, por não conseguir pensar em
nada para quebrar o clima esquisito que paira no ar, na verdade,
nem mesmo consigo processar o que está acontecendo bem diante
dos meus olhos.

Kim dá passagem para que a mãe entre, que por sua vez,
observa todo o ambiente como se estivesse procurando por falhas.

Ela não demora até nos ver e parece bastante simpática ao sorrir,
antes de nos cumprimentar:

— Bom dia! Vocês devem ser amigos da minha dupla


dinâmica, certo?

Mia, o poço de simpatia do grupo, é a primeira a reagir indo


até a senhora e lhe oferecendo a mão para um cumprimento.

— Oh, sim! — ela responde animada. — Eu sou Mia e estudo

na mesma turma que a Kim. Aquele são Brandon e Asher — aponta


para nós, um de cada vez. — Os dois jogam junto com Ky.

— Eu me lembro deles — ela responde e acena para nós. —


Olá, meninos.

— Olá, senhora Ballard — cumprimentamos de volta, quase


em sincronia, arrancando uma pequena risada dela.

— Onde está o meu menino?


Como mágica, Kyle surge no corredor, ainda sem camisa e
esfregando o rosto amassado. Ele também parece surpreso ao ver a
mãe aqui, mas diferente de Kim, não demora a sorrir genuinamente

e a abraçar, praticamente tirando-a do chão.

— Bom dia, minha linda — ele cumprimenta, enchendo o


rosto dela de beijos.

Mia deixa sua cabeça tombar para o lado, olhando para um


ponto atrás dos dois e eu levo minha atenção para o mesmo lugar.

Meu peito se aperta quando vejo Kim ali, parada, olhando para os
dois sem esboçar emoção nenhuma, mas seus olhos estão
brilhantes, como se a qualquer momento fosse desaguar.

Tudo acontece em poucos segundos, mesmo que pareça

durar horas e tão logo quanto, ela desvia o olhar para o meu, e
parece despertar. Sorrio para ela, mesmo que esteja me sentindo
imponente para caralho por não poder ajudá-la agora.

Kim parece engolir o que está bem a sua frente e vem em

direção a cozinha, parecendo disposta a continuar o que fazia antes


de sua mãe estragar o clima ameno. Quando ela se aproxima,
prestes a atravessar para o outro lado do balcão, seguro sua

cintura, pouco me importando com Mia e Brandon ao redor de nós.


— Você está bem? — pergunto baixinho.

Kim me encara, mordendo os lábios e parecendo nervosa, ela


pensa um pouco, mas acaba assentindo e logo trata de se

desvencilhar de mim, deixando-me com a imensa sensação de que


está mentindo.

Passo um tempo observando-a circular pela cozinha, de um


lado para o outro, tentando se ocupar com o café, quando sinto
outro olhar sobre mim. Respiro fundo antes de focar em Brandon,

me rendendo:

— Fala.

Ele suspira.

— Você vai perder o controle por ela.

Eu sei.

E não me sinto preocupado com isso agora.


Eu sei, você sabe, nós sabemos
Que não fomos feitos um para o outro  E está tudo bem

Mas se o mundo estivesse acabando, Você viria, certo?


Você viria e passaria a noite
Você me amaria por isso?

Todos os nossos medos seriam Irrelevantes


If The World Was Ending — JP Saxe feat. Julia Michaels

Asher: Você está bem?

 
Encaro meu celular, visualizando a mensagem na mesma

hora, surpresa demais. Ainda que ele tenha sido gentil em me fazer
companhia ontem e esta manhã, quando percebeu que fiquei

mexida com a presença da minha mãe.

Ele deve ter entendido tudo errado sobre ela.

Loren Ballard é boa. Ela me ama. Só não mais do que ama


ele. Maxon.

No último ano, nossas brigas se tornaram mais intensas.


Loren preferia acatar as decisões dele do que fazer suas próprias

escolhas. É uma merda. Ela sempre foi tão independente… não era

à toa que todos a pintavam como a melhor advogada da região.

Costumávamos nos dar bem. Éramos o modelo perfeito de

mãe e filha que não se desgrudavam por nada. Isso mudou quando

completei dezessete e decidi que cursaria Direito. Meu pai odiou a

ideia, mas em nada me surpreendeu.

Ela abandonou o trabalho duro de toda uma década apenas

para agradá-lo. Isso era doentio. O amor deles sempre foi assim;

Tóxico. Amargo.

Eu não consigo entender como ela consegue amá-lo. Como

ela consegue me amar amando ele.


Você é igual a mim, Kimberly. Não sei do que está
reclamando.

Ele dizia.

A pior parte? Maxon tinha razão.

Eu cresci ouvindo todos à minha volta dizendo isso. Acho que

a maioria se referia como um elogio, mas nos meus ouvidos,

sempre ressoavam a pior das palavras.

Seus olhos são idênticos aos do seu pai, meu avô disse certa

vez.

Você me olha como se me odiasse, eu entendi. Era assim que

meu pai me olhava.

Minha avó dizia que eu teria tanto sucesso quanto ele.

Eu entendia que também precisaria manipular todos à minha

volta para conseguir alcançar meus objetivos.

Seu sorriso… é como o de seu pai, Tia Margareth falou.

Sua boca é maldita e dela, só saem coisas ruins, meu

consciente acusava.

No fim, tudo me levava a Maxon. Todos me comparavam a

ele. E não estavam errados. Assim como meu pai, sou egoísta,
orgulhosa e soberba. Não há um fio de cabelo meu que não seja a

sua imagem e semelhança.

Eu: Já perguntou isso hoje.

Respondo, por fim, querendo dar um fim nos meus


pensamentos de autopiedade. Eu não preciso disso. Não preciso

remoer meus problemas paternos.

Asher: Estou perguntando de novo

Eu: Estou.

Asher: Quer companhia?

Penso. Penso. Penso.

Quero.

Preciso.

Mas não posso.

Não posso me deixar cair ainda mais por ele.


 

Eu: Posso lidar com os meus problemas sozinha por uma


noite.

A resposta demora a chegar.

Asher: Ok.

Respiro fundo, percebendo que acabei soando um pouco


mais grossa do que deveria. Ele só está sendo gentil.

Eu: Desculpa, Ash. Não quis ser grossa.

Eu: Estou um pouco chateada.

Asher: A cólica passou?

Eu: Sim. Só sinto dor no primeiro dia.

Asher: Me liga se precisar de companhia.

Não vou ligar. Ele deve saber disso.


Respiro fundo, mas antes de desligar o celular, noto que
passa da meia noite.

É vinte e três de fevereiro.

É meu aniversário.

E eu odeio essa data. Odeio tudo o que representa essa data.

Então, não. Eu não estou bem.

Mas Asher não precisa saber disso… certo?


Eu estava pensando em quem você é
Seu ponto de vista delicado

Eu estava pensando em você


Eu não estou preocupado com onde você está
Ou pra quem você voltará

Eu estou só pensando em você


Só pensando em você

Little Freak — Harry Styles

Apago o cigarro no cinzeiro da sala antes de desligar as luzes

e seguir para o andar de cima.


Os caras já foram dormir, mas eu não consigo. Deitei, virei na

cama e até ouvi uma daquelas músicas relaxantes que a Kim usa
para estudar. Mas isso, obviamente, não adiantou, já que o motivo

para a minha insônia é justamente ela.

E a forma esquisita que me tratou.

Kimberly parecia esquisita hoje de manhã e pareceu ainda


mais pela forma que me respondeu quando insisti em perguntar se

estava tudo bem. De novo.

Brandon, Mia e eu, saímos do apartamento deles alguns

minutos depois de terminarmos de tomar café. Não parecia certo

ficarmos ali com a presença da mãe deles.

Contudo, por algum motivo que não sei explicar, sinto que a

presença de Loren não é o único motivo para o seu comportamento

estranho. Algo está acontecendo e eu não faço ideia de como posso

descobrir. Queria poder ajudá-la de alguma forma.

Tem sido foda tentar entender o que Kimberly faz comigo.

Brandon estava certo: eu perderei o controle por ela. Na

verdade, sinto como se já tivesse perdido há tempos.

Eu sinto isso, mas me recuso a pensar nos problemas que

isso implica. Preciso fugir dela antes que meu coração a escolha.
Ele não pode me trair dessa forma. Me apaixonar por Kim seria um
erro.

Kim: Tá acordado?

Ela não espera por uma resposta.

Kim: Abre a janela.

Que porra?

Entro em meu quarto após a mensagem esquisita e… Deus,

essa mulher só pode ser louca!

Meus olhos são atraídos diretamente para a janela, onde

encontro uma Kimberly de expressão nada amigável, tentando

empurrar a minha janela. Sinto vontade de rir, mas a preocupação

em saber se está inteira, é ainda maior.

— Ficou maluca? — pergunto, após abrir a janela.


Olho para baixo, me perguntando como diabos conseguiu

escalar até o segundo andar sem cair, mas não encontro vestígio
algum. Kim está de pé no parapeito. Um passo em falso e…

— Vai ficar aí parado ou vai me ajudar a entrar?

Seguro sua cintura, dando impulso para cima enquanto ela


apoia um dos joelhos na janela, se jogando em meus braços.

— Estava tentando invadir o meu quarto? — pergunto

assustado, depois que a coloco no chão e fecho a janela, evitando


que o quarto fique ainda mais frio.

— Você invadiu o meu primeiro — se defende, cruzando os

braços, mas logo desfaz a cara de brava, deixando os ombros


caírem. — Achei que não tivesse problema…

Fodido. Eu tô muito fodido.

Essa garota é a minha passagem apenas de ida ao inferno.

— Tenho uma condição — digo, tentando quebrar o clima. —


Tira essa camisa.

Kimberly esboça um sorriso sacana, pensando besteira.

— Viu como não precisa de muito para pedir que eu tire a


roupa?
— Deixa de ser safada, Kimberly — reviro os olhos, mas no

fundo quero rir.

Maldita.

Odeio que seja tão fácil rir quando estou com ela.

Jogo a minha camiseta que estava dobrada em cima da


escrivaninha. Eu vou usá-la amanhã no treino e porra, apenas o
pensamento de estar com o cheiro dela, me deixa animado para

caralho. Como se eu fosse dela.

— Veste logo.

Jogo-me na cama, fazendo-a balançar com meu peso. Essa

porra está a um passo de quebrar no meio, mas não vou trocá-la até
que seja mesmo necessário.

Kimberly não faz rodeios e veste a camiseta por cima da blusa


de alcinha que vestia. Ela caminha até a cama, imitando o meu
gesto ao se jogar ao meu lado, franzindo as sobrancelhas, quando o

móvel range mais alto do que deveria.

— Essa cama é uma merda.

— A princesa consegue sentir a ervilha? — ironizo,


arregalando os olhos.
Ela ergue a sobrancelha.

— Espero que quando quebrar, você esteja em cima dela.

E eu espero que você esteja em cima de mim.

— Não sei do que está reclamando — começo, apoiando meu

corpo sobre os cotovelos para encará-la. — Deveria me agradecer


pela gentileza de te deixar fazer o que nenhuma outra garota fez.

— O quê? — ela parece incrédula, soltando um riso nasalado.

— Vai me dizer que nunca trouxe uma garota para o seu quarto?
Qual vai ser a sua próxima piada? Deixa eu adivinhar: está se

guardando para mim. Ai meu Deus!

Kim cai na gargalhada, me fazendo bufar ao me jogar


novamente na cama.

Não sei porque isso a choca tanto. É uma bobeira que o meu
irmão me ensinou uma vez. Eu só deveria levar uma mulher para a
minha cama, se ela fosse o amor da minha vida. Não que a Kim

seja, é claro. Só estou abrindo uma exceção porque não posso


simplesmente expulsá-la daqui.

De repente, o riso cessa.

E então, o silêncio.
Apenas nossa respiração é ouvida no ambiente.

— O que aconteceu com você?

Kim está olhando para o teto, porém, ao ouvir minha pergunta,

seu rosto se move em minha direção e eu… me perco. Há tantas


coisas nele, tantas facetas e mistérios. Eu tenho vontade de
descobrir todos.

Não resisto em levar a mão até seus cabelos, penteando-os

para trás e sentindo a maciez. Levo os fios para trás da sua orelha e
meus dedos, não contente com a carícia, segue pelo seu queixo

devagar e subindo até sua bochecha. Não sei por quanto tempo

ficamos assim, apenas nos olhando enquanto meus dedos correm


por seu rosto. Kim, contudo, quebra a quietude.

— Hoje é o meu aniversário.

Meus dedos paralisam.

— Isso não deveria ser bom?

Ela assente, mas não há nada feliz em seu rosto.

— Não gosto do meu aniversário, Ash.

Estou um pouco chateada, lembro da sua mensagem e tudo

faz sentido. Da forma como ficou esquisita quando sua mãe chegou
até a forma com que fez questão de nos levar até a porta.

Ninguém fez nada para mudar isso.

Era véspera do seu aniversário, ela estava chateada e

ninguém fez nada para fazê–la se sentir melhor.

— Levanta — mando, fazendo o mesmo.

Kim me olha confusa, como se eu fosse louco.

Eu sou.

Por ela.

Sempre por ela.

Queria que fosse mais fácil ser louco por ela.

— Não quero — resmunga, com um biquinho adorável nos


lábios. — Me deixa quieta.

Reviro os olhos quando enfia os braços debaixo dos

travesseiros e fecha os olhos, parecendo muito confortável para

dormir.

Seguro seus pés e a puxo até a ponta, trazendo os lençóis

juntos enquanto a dramática choraminga. Kim me chuta de leve,


querendo se livrar de mim, contudo, há um sorriso pequeno em seus

lábios.
— Para de drama e vem logo.

Kimberly murmura novamente e quando penso que vai me

ignorar, ela estende os braços, pedindo colo. Ergo as sobrancelhas

para ela, questionando a atitude e ela repete o gesto com gosto.

Bufo, enganchando meus braços em sua cintura e a trazendo para


mim, que enlaça seus braços em meu pescoço, deitando a cabeça

no meu ombro.

— Se você cair, a culpa não será minha — aviso, levando-a

para fora do quarto.

Ela ri.

— Asher, como é ser um velho no corpo de um gostoso?

— Você não aguentaria mais cinco minutos sem me cantar,

não é?

— Desculpa — choraminga. — É mais forte que eu.

— Você é uma tarada — acuso, deixando seu corpo em cima

do balcão da cozinha.

Todos estão em casa. Incluindo a Mia, que sempre acorda no

meio da noite para roubar nossa geladeira. Mas não consigo me


importar com isso. Não agora.
No momento, estou pouco me fodendo sobre a possibilidade

de que Kyle saiba sobre nossa aproximação. Eu só preciso arrancar


um sorriso dela. Eu só preciso tirar a melancolia dela.

É por isso que me presto ao papel ridículo de roubar um dos

bolinhos que o Hector — nosso Armador[4] — esconde, porque é

viciado em doces. Ele vai querer me matar, mas não irá desejar que

isso chegue aos ouvidos do nosso rigoroso treinador.

Por sorte, o isqueiro ainda está no meu bolso e há uma vela

usada dentro do armário, o que me permite improvisar um bolo.

Kim encara a cena parecendo muito confusa, porém começa

a rir quando paro a sua frente com o bolo de aniversário mais feio
que ela já deve ter tido na vida. Estou fazendo um malabarismo

desesperador para manter a vela no lugar e acesa.

— Você realmente deve me adorar.

— Seguinte, boneca — falo para ela, tirando a mão da frente

da pequena chama. — Dá má sorte não cantar parabéns no próprio

aniversário, então eu vou contar até três e nós vamos fazer isso.

— Nem fodendo — me interrompe.

— Três…
— Para de ser idiota.

— Dois…

— Asher…

— Um…

— Por Deus!

— Parabéns pra você…— arregalo os olhos e balanço a

cabeça devagar, a incentivando.

Kim não parece nada feliz, a julgar pela sua expressão

totalmente entediada, mas eu a conheço. Sei que está apenas se


fazendo de durona.

— … parabéns pra você.

—  Parabéns pra você.

Ela suspira.

— Vamos, apague as velas e faça um pedido — mando,

aproximando o bolinho do seu rosto.

Kim fecha os olhos por alguns segundos e os foca


diretamente nos meus quando os abre, soprando as velas.
Não tenho tempo para pensar antes que ela se jogue em cima

de mim novamente. Ela não explica. Não para mim.

— Obrigada, Ash — ela murmura mesmo assim, o som saindo


abafado.

Eu que agradeço, Kim. Obrigado. Obrigado por sempre me


salvar de mim.
Então, você sorriu sobre seu ombro
Por um minuto, eu estava sóbrio como uma pedra

Eu te puxei para perto do meu peito


E você me pediu para ficar mais
Say You Won´t Let Go — James Arthur

Acordo com um peso sobre minha cintura e uma respiração

quente em meu pescoço.

Abro os olhos devagar, tentando me acostumar com a


claridade, apenas para confirmar que estou nos braços de Asher.

Uma das suas pernas está por dentro das minhas, enquanto o braço
forte e tatuado circunda minha cintura por dentro da camiseta que

estou usando.

Estamos dividindo apenas um travesseiro e mais da metade

da cama está vazia. Seu rosto está enterrado na minha nuca,

respirando tranquilamente enquanto o cobertor cobre apenas


nossas pernas.

Em que momento viemos parar nessa posição tão… íntima?

Lembro-me que, após me fazer cantar parabéns para mim


mesma e desejar algo, ficamos apenas parados no meio da cozinha,

em silêncio, apenas buscando o calor um do outro. Eu estava

emocionada demais para ousar fazer algo ou sequer me mover para


longe dele. Ninguém além do meu irmão fazia aquelas coisas

bregas por mim.

Meus pais estavam sempre sem tempo. Ocupados demais em

seus trabalhos para se preocupar em me dar um simples abraço

antes do amanhecer ou deixar de lado suas obrigações para me dar


atenção num dia que deveria ser importante.

Se bem que, eu preferia quando ele não tinha tempo. Maxon


me deixava desconfortável. Se eu for bem sincera, não sei se algum
dia me senti verdadeiramente bem em sua presença. Era como se
meu consciente achasse meu pai um perigo.

Ao contrário da minha mãe. Ela sempre fora meu porto

seguro. Até aquele dia. O dia que tudo desandou.

Asher e eu subimos para o seu quarto para assistir um filme,


mas não sem antes comermos o bolinho cheio de açúcar que

confessou ter roubado de Hector. Ele disse que seria uma desfeita

enorme, desperdiçarmos aquele pobre e apetitoso bolinho —

palavras dele. Era horrível. Foi o pior bolo que já comi da minha

vida, entretanto, o sorriso satisfeito não saiu da minha boca em

momento algum.

Colocamos um filme qualquer para assistirmos no seu

notebook e nos deitamos, cada um de um lado da cama, porém, em

algum momento da noite, o aparelho deixou de ser uma barreira


entre nós e pegamos no sono, com nossos corpos quase fundidos

um no outro.

Tento me mover, mas Asher apenas me aperta mais,


impedindo que eu me afaste do seu calor, enfiando o rosto no meu

pescoço, causando arrepios por todo o corpo, quando inspira

profundamente.
— Asher… — chamo, tentando acordá-lo antes que a

situação fique ainda mais constrangedora, mas ele parece estar


cada vez mais longe de acordar. — Ash, acorda.

Ele murmura algo que não entendo e me mantém ali, presa a

ele.

Suspiro, quase cedendo à tentação de ficar aqui pelo resto do

dia, apenas aproveitando a sensação de calmaria que sua presença


me traz.

Quando abri a porta do meu quarto, eu sabia exatamente o

que faria a partir dali. Meu destino era um só e mesmo sabendo dos
riscos, uma pontada de ansiedade me acompanhou durante todo o

quarteirão. Porém, não fui esperta o suficiente para pegar as chaves


de Kyle e os caras do time são leais a ele para não fofocarem caso
eu arriscasse bater na porta.

Não foi difícil chegar até o segundo andar sem chamar

atenção, principalmente se considerar a parte em que há alguns


ganchos na parede que me ajudaram a chegar ao topo.

Me apressei em mandar uma mensagem para Asher, quando

percebi que a janela estava fechada e não demorou até que


aparecesse, parecendo assustado ao me ver diante dele, quase
pendurada ao parapeito. No entanto, não pensou duas vezes antes

de me agarrar e colocar-me para dentro. Eu também não pensei


duas vezes antes de buscar aplacar minha solidão nos seus braços.

Em nenhum momento Asher pareceu incomodado com a

minha presença. Pelo contrário. Quando disse que era meu


aniversário, pude ver o quanto se esforçou para que não

continuasse triste.

Acho que essa é a coisa que eu mais gosto nele.

Asher sempre se importa.

Ele se preocupou em me acalmar quando percebeu que fiquei

assustada com aqueles hematomas — que ainda não descobri


como surgiram — e também me defendeu quando aquele policial

passou dos limites. Asher não se importou de perder seu tempo


para me ajudar quando percebeu que eu tinha dificuldades. Ele está

sempre atento aos detalhes, nada passa despercebido por seus


olhos.

Seu modo sério, sempre quieto e o cigarro que vive entre os

dedos, podem até passar uma imagem de que é alguém que não
liga para nada e que não se importa com o que acontece ao seu
redor.
Entretanto, não é verdade.

Eu já o decifrei.

Tudo isso; o modo como se porta, a nicotina, os olhos vazios

e o sorriso ácido, não passam de uma máscara que usa para se


proteger.

O verdadeiro Asher é atencioso e gentil, em alguns momentos

chega até a ser carinhoso, como nessa madrugada.

Precisei engolir o choro várias vezes. Asher poderia


simplesmente me colocar para fora, afinal, meus problemas não são

dele. Mas não o fez. Ele me acolheu e até cantou parabéns para me
ver feliz.

Asher tem esse poder sobre mim. Ele consegue me fazer

sorrir quando tudo à nossa volta parece um caos. É como se ele


fosse um ímã e eu um metal, que é atraído para cada vez mais
perto.

Desperto dos meus pensamentos quando sua mão se move


em minha cintura, numa carícia involuntária e ele suspira. Movo meu

corpo até ficar de barriga para cima e viro meu rosto para ele,
ficando momentaneamente sem reação quando seus orbes

castanhos encontram os meus.


Ele pisca devagar, se acostumando à luz forte do ambiente
por termos esquecido de fechar a cortina, mas logo volta a focar em
mim, me fazendo refém. Sua mão escorrega para cima, saindo da

minha cintura e ele a traz para o meu cabelo, tirando os fios escuros
da frente do rosto e os colocando atrás da minha orelha.

Por muito tempo, o silêncio é a única coisa presente entre

nós.

— Bom dia.

Ele sorri.

— Bom dia, linda.

Meu coração acelera ainda mais.

— Eu… hum… — me perco.

— Você…? — incentiva, erguendo as sobrancelhas.

Posso sentir minhas bochechas esquentarem e quando ele


sorri, fico ainda mais envergonhada. Porra. Era só o que me faltava.

Isso nunca acontece comigo e então, de repente, não sei como agir.

— Preciso ir.

Movo-me bruscamente, saindo do seu aperto e fazendo Asher


me encarar com estranheza, apoiando o próprio corpo sobre os
cotovelos, enquanto me observa levantar e seguir em direção ao

banheiro para me aliviar e escovar os dentes com a escova reserva


que eu sabia que escondia em seu armário. Tiro a camiseta e troco

por um moletom que, por sorte, está dobrado em cima da pia.

Quando volto, ele está na mesma posição.

— Kim — chama meu nome de modo a entorpecer meu peito,

quando estou prestes a abrir a porta. Paraliso com a mão na

maçaneta e me movo apenas o suficiente para encará-lo.

Nesse momento, sinto como se fôssemos dois


desconhecidos. Culpa minha, eu sei. Só que… eu estava bem até

ver a forma com que me olhou quando acordou. Como se eu

importasse. Não como a irmã do seu melhor amigo ou a pentelha

que vive dando em cima dele. Me olhou como se eu fosse tudo.


Aquilo era demais para mim.

Eu espero que diga algo, mas um sentimento que não consigo

identificar passa rapidamente pelos seus olhos e ele apenas força

um sorriso antes de dizer:

— Feliz aniversário, Kim.

— Obrigada, Ash.
Saio do quarto o mais rápido possível, mas não consigo evitar

me encostar na madeira da porta quando a fecho, pensando no

quão rápido o clima mudou. Estávamos bem e confortáveis e de


uma hora para outra, parecia que não nos conhecíamos mais.

Deus! Isso foi tão esquisito.

Suspiro e sigo em direção às escadas quando lembro que

ainda estou no meio do corredor. Desço os degraus o mais rápido e


silenciosamente que posso, torcendo para que não tenha ninguém

na sala a essa hora.

— O que está fazendo aqui uma hora dessas?

Paraliso.

Puta. Que. Pariu.

Engulo em seco.

— Eu? — aponto para o meu peito, fazendo-me de

desentendida.

— É, Kim — Mia refuta, me olhando desconfiada. — Quem

mais seria?

Dou de ombros, tentando ganhar tempo. Não que isso vá

adiantar, Mia me conhece o suficiente para saber exatamente com


quem eu estava.

Sua presença não é surpresa por aqui, muito menos encontrá-

la vestindo as roupas do Brandon. Mia vive mais com ele do que na


própria fraternidade, não é atoa que ninguém acredita que eles não

tenham nada.

— Kim, quando o seu irmão descobrir…

— É, amiga — eu a corto. — Eu sei. Mas não se preocupe,

não aconteceu nada do que essa cabecinha está imaginando.

Aceno para ela, saindo rapidamente dali.

Ela, minha melhor amiga, nem ao menos me desejou

parabéns.

Acho que meu irmão também não se lembrou do meu

aniversário.

Ele não está em casa quando chego e não há nenhuma


mensagem dele avisando que iria sair. Abro a porta do quarto de

hóspedes e a cama está perfeitamente arrumada e não há sinal


algum de nossa mãe, então deduzo que Kyle deve estar a

acompanhando na viagem de volta para Boston.

Engulo o choro mais uma vez.

Não consigo entender porque ainda me importo.

Abro a porta do meu quarto e pego minha bolsa antes de me


perfumar. Estou quase saindo novamente quando meu olhar desvia

para a minha cama. Há uma pequena caixinha de veludo vermelho,

junto há um bilhete.

Caminho até lá e pesco o pedaço de papel, lendo as palavras


escritas em uma letra elegante que eu seria capaz de reconhecer a

metros de distância.

"Queria te entregar pessoalmente,

mas você não estava no quarto quando acordei.

Parabéns, querida, a mamãe te ama para sempre.

L. Ballard”

Um bolo se forma na minha garganta e eu me obrigo a engoli-

lo. Faz anos que ela não diz que me ama. Quatro, para ser
específica.
Não entendo o que pode ter mudado agora. Na verdade, nada

sobre a minha mãe faz sentido há muito tempo e isso me machuca


um pouco mais a cada dia.

Enquanto a raiva que habita em mim existir, nunca

conseguirei perdoá-la.

Nunca a perdoarei por abaixar a cabeça.

Nunca a perdoarei por ter se calado.

Nunca a perdoarei por ela tê-lo deixado cortar suas asas.

Elas eram tão lindas.

Abro a caixinha.

Dentro, há um colar relicário em formato de coração, com a

inicial do nosso sobrenome talhada em ouro.

As lágrimas caem livremente quando abro e vejo a foto que


está nele.

Foi no meu aniversário de quinze anos.

Estou com um sorriso engessado nos lábios, enquanto Maxon


está ao meu lado, com a mão apoiada em meu ombro e a outra na

cintura da esposa. Kyle está do meu outro lado. Maxon está sério,

como sempre, enquanto Loren esboça um sorriso tão forçado


quanto o meu, mas que consegue ser convincente. Meu irmão tem
uma careta no rosto.

Aquele foi um dos piores dias da minha vida.

Ela não faz ideia disso.

Está tão acostumada a fingir que esses detalhes passam


despercebidos por ela.

Amasso a droga do bilhete. Suas palavras já não me

convencem mais. Ela queria me entregar isso e olhar nos meus

olhos enquanto me via desmoronar?

Como ela consegue?

Tenho poucas certezas na vida e uma delas é que família é

um luxo que o dinheiro não compra e que morar dentro de um

castelo, não significa ter um lar.

Um gosto amargo toma conta da minha boca, me fazendo


atirar a caixinha com toda a força no espelho do outro lado do

cômodo. Não me escapa a rachadura que começa a se formar no


vidro.

Ótimo.

Mais sete anos de azar.


O elevador se abre e eu preciso fazer um malabarismo para
conseguir equilibrar todas as sacolas das compras que fiz. Na falta

de companhia, me afundei em compras para não pensar no quanto


esse dia consegue ficar pior a cada ano.

Não funcionou.

Nunca funciona.

Vasculho a bolsa em busca das minhas chaves e estranho


quando abro a porta e me deparo com o apartamento em um total
breu, coisa que Kyle odeia. Será que ainda não chegou?

Arrasto todas as sacolas para dentro antes de acender o

interruptor e… porra. Não acredito que fizeram isso.

Não acredito que prepararam uma festa surpresa para mim.

— SURPRESA! — eles gritam.

Ou melhor, quase todos gritam. Asher permanece sentado na

banqueta, olhando para todos com cara de tédio enquanto leva o


cigarro até a boca, tragando a fumaça. Ele desvia o olhar e pisca
para mim, fazendo meu sorriso aumentar ainda mais.
Além dos quatro, há alguns colegas de turma e dois ou três
jogadores do time de basquete.

— O meu bebê está crescendo — choraminga e tão logo sou

esmagada por seus braços fortes.

Reviro os olhos.

— Ainda se lembra de que sou mais velha que você, certo?

— Você sempre será o meu bebê, narizinho — insiste meu

irmão, beijando minha testa.

Mia é a próxima e seus olhos esbanjam culpa quando sorri


para mim.

— Desculpa ter fingido que não sabia de nada hoje de manhã.

Sorrio de volta para ela.

— Não tem problema.

— Onde vocês estavam hoje de manhã? — Kyle pergunta,

erguendo as sobrancelhas, como se só agora se desse conta disso.


— Você não dormiu em casa.

— É…

— Ela dormiu comigo — Mia me interrompe, sabendo que


provavelmente inventaria uma desculpa ridícula. — Noite das
garotas.

Meu irmão assente e não prolonga o assunto, indo para a


cozinha, onde alguém o gritou.

— Eu não estou sabendo de nada — Brandon diz, olhando


para nós duas e desaprovando a nossa mentira. — Que fique bem

claro que não sou cúmplice de vocês.

Reviro os olhos e Mia dá dois tapinhas nada fracos em suas


costas.

— Fica tranquila, amiga, ele vai ficar quietinho.

— Você precisa parar de me tratar como um cachorro — ele

resmunga, porém, logo se desfaz, me dando um abraço apertado.


— Feliz aniversário, Kim.

Agradeço e fico um tempo conversando com os dois enquanto


recebo mais felicitações dos outros convidados.

Entretanto, sinto falta de um em específico.

Olho ao redor e o encontro no mesmo lugar de quando entrei,


mas dessa vez, de costas para mim. O cigarro parece já ter

acabado e ele apenas conversa com Kyle e Hector, preparando


bebidas na parte de dentro da cozinha de conceito aberto.
Deixo Brandon e Mia conversarem sozinhos e sigo até lá,

pedindo licença antes de abrir a geladeira e pegar uma garrafa de


água. Olho para Asher de relance antes de entrar no corredor,
abrindo a porta do banheiro social.

Me olho no espelho, conferindo minha aparência. Não está

das melhores, visto que saí de casa depois de ter chorado por
horas, mas pelo menos meu rosto não está inchado.

Sou paciente em esperar alguns minutos até que a porta se


abra e Asher passe por ela, depois de olhar para os lados e se
certificar que não há ninguém por aqui. Ele tranca o cômodo, nos

deixando presos ao cubículo e fazendo com que o ar do ambiente


esquente ainda mais.

— Vou logo avisando que não estava sabendo de nada — ele

começa a se defender, me olhando. — Eles não me contaram que


iam te ignorar o dia todo porque sabiam que eu ia desaprovar a
ideia.

Franzi as sobrancelhas, confusa.

— Por que está falando isso?

— Você parece chateada, achei que esse fosse o motivo.


Seria compreensível.
— Seria bobo, eles só queriam fazer uma surpresa.

Ele me olha como se eu fosse de outro mundo.

— Não é legal ignorar alguém no dia do próprio aniversário de

propósito. É ridículo.

Suspiro. Ele não vai deixar essa passar.

— Não estou chateada com isso — volto para o seu primeiro


tópico.

— Com o que, então?

Mordo o lábio inferior e desvio os olhos dos seus.

— Não quero conversar sobre.

— Está bem — concorda, antes de tirar algo do bolso. —


Toma, esqueceu lá em casa.

Pego meu celular de suas mãos. Nem notei que o tinha


perdido, achei que o deixei em casa. O que, de certa forma, foi bom,
assim evitei ficar me martirizando por algo que não chegaria.

Desbloqueio o aparelho, rolando pelo turbilhão de notificações

dos meus antigos colegas de curso e sorrindo ao responder


algumas. Quase esqueço de onde estou até que uma mão grande

volte a arrancar o aparelho de mim.


— Ei! — protesto, tentando tirá-lo de suas mãos. — Devolve,
Ash.

Asher o esconde atrás de seu corpo.

— Nem me deixou te parabenizar.

— Já fez isso mais cedo.

— Não valeu.

Reviro os olhos, desistindo de pegar o celular e deixo os


braços caírem ao lado do meu corpo.

— Cadê o meu moletom?

— Não vou devolver, se é o que quer.

Ele revira os olhos.

— Não deveria ter te deixado invadir o meu armário.

Volto a morder o lábio e desço da bancada de mármore.

— Era só isso? — resmungo.

— Foi você quem me atraiu até aqui.

— É que… — começo, mas desisto antes que as palavras

escapem. — Só queria saber se tinha esquecido o celular com você.


Ele me acharia uma idiotia se eu disser que só o fiz vir até
aqui porque senti falta do abraço dele. Asher provavelmente

reviraria os olhos e sairia daqui.

— Aposto que nem se lembrava que ele estava comigo.

Avanço para a frente para tentar tomar o aparelho de suas

mãos, mas Asher é rápido em levantar a mão, me impossibilitando


de alcançá-lo.

Erro.

Mesmo sabendo que não sou capaz, tento alcançar e com

isso, acabo levando meu corpo para perto demais do seu e nossos
rostos ficam quase colados, frente a frente um para outro.

Nossos olhos se prendem um no outro, porém ele é o primeiro


a desviar para minha boca, a lascívia escorrendo dele. Há uma aura

diferente no ambiente. Eu sinto como se pudesse pegar fogo a


qualquer momento.

— Asher…

Ele parece tão conectado quanto eu quando avança mais


alguns centímetros, como se estivesse hipnotizado.

— Hum? — murmura baixinho.


— Se eu te pedisse um beijo de presente… — começo, com

toda a coragem que há em mim. — você me daria?


Eu sou louco pelo seu toque
Menina, eu perdi o controle

Eu vou fazer isso durar para sempre


Não me diga que é impossível
Infinity — Jaymes Young

Eu deveria parar agora. Com os flertes descarados, com as

encaradas mal-disfarçadas e a proximidade com ela. Deveria afastá-


la de mim e me manter o mais longe possível.

Nossos olhares duelam entre si, enquanto dentro de mim, há

o caos. A dúvida. A incerteza. O medo.


Ao passo que, sei o quanto Kim é um perigo para o meu

coração, ainda que eu represente um problema. É muito fácil falar


com ela, porque não sinto como se precisasse usar a minha

máscara.

Não preciso fingir ser alguém diferente, porque sei que ela
aprova a mim. A minha versão quebrada e fechada, que usa apenas

uma cor de roupa e vive com um cigarro entre os dedos.

Kim entende o barulho do meu silêncio, ainda que ela seja a

única que tem o poder de espantá-lo.

Minha testa se cola a dela e tudo que meus olhos captam são

os seus, nublados do mais puro e latente desejo, como sei que os


meus também estão. Escorrego minhas mãos pela sua cintura,

erguendo-a até que esteja sentada sobre a bancada de mármore da


pia.

Somos adultos e donos dos nossos próprios atos, Kyle vai

superar essa regra idiota algum dia. Ou melhor, ele nem mesmo
precisa saber.

As palavras não são mais necessárias entre nós. Ainda assim,


aproximo minha boca da sua, instigando até que feche seus olhos,

esperando por um avanço meu.


Sorrio em sua boca apenas para instigá-la ainda mais e
Kimberly resmunga, nada satisfeita em não ter o que tanto deseja.

Meu corpo inteiro parece pegar fogo, como se eu estivesse

esperando a vida inteira para isso.

— Porque não vem pegar?

Ela não precisa de mais que isso para se inclinar para frente,

reivindicando minha boca.

Seus lábios macios e quentes, tomam os meus enquanto suas


mãos se entrelaçam em meu pescoço, guiando-me para onde ela

bem entende. Deixo que ela comande o beijo, me aproximando

ainda mais e encaixando-me entre suas pernas.

Os arrepios percorrem o meu corpo ao passo que meu peito

acelera, adrenalina pura corre em minhas veias, enquanto perco o

controle. Aumento meu aperto em sua cintura quando ela morde

meu lábio inferior, puxando com força até que um gemido

involuntário escape de mim.

Kim morde meu maxilar, descendo sua boca até meu

pescoço, me deixando marcado com o batom vermelho sangue. A

pequena ideia de andar por aí marcado por ela, me soa excitante


para cacete.
Porra.

Não vou conseguir me controlar por muito tempo.

Outro gemido me escapa, sem que eu possa controlar quando


ela arranha minha nuca com força suficiente para me fazer sentir a

ardência. E, apenas isso, é suficiente para enviar sensações ao meu


pau. Sensações quentes e pecaminosas, que sei que estou a um

passo de ceder, de me perder.

Decido, então, que é a minha vez de brincar e tiro uma das


minhas mãos da sua cintura, levando-a até o cabelo sedoso.

Kimberly geme quando puxo os fios com força até que nossos

rostos fiquem na mesma altura e ela sorri safada ao encarar-me.

— É impossível manter o controle perto de você.

Seu sorriso cresce ainda mais, os olhos em chamas.

— Isso é ruim?

— Deveria ser.

Não lhe dou um tempo para pensar e empurro meus lábios

contra os seus mais uma vez, em um beijo bruto e necessitado.


Somos uma mistura desesperada de toques e beijos
descompassados, sem controle algum. Apenas dois corpos com a

necessidade escancarada de se pertencerem.

— Ash — ela geme, quando desço os beijos para o seu colo.


— Alguém vai perceber nosso sumiço, você… você precisa parar.

Tomando todo meu autocontrole possível, deito a cabeça em


seu ombro, ainda enfiado na curva do seu pescoço e bufo. Que

droga! Ela tem razão. Mas aqui está tão bom, inspiro seu cheiro,
quase que me punindo por estarmos não perto e não podermos nos

ter.

Apoio as mãos ao lado do seu corpo, porém suas pernas


ainda continuam ao meu redor, mantendo-me refém. Não tenho

forças para sair daqui, sequer consigo raciocinar sobre o que


acabou de acontecer.

Eu poderia passar a noite inteira aqui, sentindo seu cheiro

enquanto seu corpo continua colado no meu.

— Você sai primeiro — sopro contra sua pele, um tempo


depois. — Preciso de um tempo para conseguir disfarçar.

Kimberly ri, porque sabe bem do que estou falando. Suas


pernas me libertam, entretanto, não me movo até que ela me
empurre levemente, pulando da pia e virando-se para o espelho.
Apoio minha testa em sua cabeça e abraço sua cintura, depois de
abaixar um pouco a sua saia.

— Não quero sair daqui.

— Estou percebendo, Asher — ela disse, complicando ainda


mais as coisas quando se inclina para frente.

Beijo seu ombro e a observo conferir sua maquiagem e

cabelo, tentando parecer o mais natural possível. Seus lábios estão


inchados e a pele avermelhada. Qualquer um que prestar atenção
nela, irá perceber o que estava fazendo dentro do banheiro.

Porra.

Kim se vira para mim e conserta minha gola, passando o dedo


pelos lugares em que seu batom me marcou. Enquanto eu, não

consigo parar de encará-la. Eu quero mesmo continuar aqui para


sempre, mas como não é possível, apenas roubo mais um beijo.

— Espero que sonhe comigo, Ash — ela diz antes de sair do

banheiro.

Ah, linda. Vou fazer muito mais que isso.


 

 
Eu deveria pegar sua mão e fazer você vir comigo
Longe de todo esse barulho e impureza

Porque eu sinto que você é perfeita demais


E eu não quero dizer apenas na superfície
Maybe — James Arthur

— Quantas vezes vou ter que pedir para você não aparecer

mais aqui, Asher?

A voz grossa e rouca soa, me fazendo suspirar.

Encaro os olhos escuros e sem vida, me perguntado quando

poderemos finalmente nos abraçar. Sua feição está abatida,


cansada. Os cabelos que sempre foram bem cuidados e longos,

estão raspados agora. A pele antes maculada, está preenchida por


tatuagens mal-feitas e as olheiras enormes debaixo dos olhos,

entregam que não dorme direito há dias e isso me quebra um pouco

mais.

Culpa.

A culpa volta a corroer meu sangue.

— Não vai adiantar — aviso. — Só deixaria de vir se estivesse


morto.

Ele suspira.

— Ash… — diz baixinho. — Não gosto que venha aqui.

— Não pode pedir para eu parar. Sabe disso.

— Sei — Ben diz, esfregando o rosto com uma das mãos e

resolvendo mudar de assunto. — Como está a faculdade?

— A mesma chatice de sempre — resmungo e recebo um

olhar de repreensão. — Minhas notas continuam boas.

— E o time?

— Vou acabar indo para o banco, mas sendo sincero, é

exatamente o que quero.


O basquete nunca foi uma realização para mim, pelo menos,
não como é para Kyle. O time é apenas um meio para um fim. E não

é que eu seja um jogador ruim ou algo do tipo. Porque não sou. Sou

muito bom na minha posição, dou o meu melhor em tudo o que faço

— ainda que pareça prepotência da minha parte, não é uma

mentira.

Sempre joguei basquete para me distrair das coisas que

aconteciam quando eu estava em casa. Com Ben, o filho dos

vizinhos e até sozinho. Mas era apenas um passatempo, hoje é

apenas uma das coisas que me ajudam a manter a bolsa.

Estar no time principal não é uma meta, afinal de contas, os


reservas possuem os mesmos privilégios e por algum motivo, essa

é mais uma das coisas que estão na lista da minha consciência

pesada. Estar no time principal, não querendo seguir uma carreira

no basquete, tira a oportunidade daqueles que querem. Entretanto,

não é algo que posso mudar. Não enquanto Benjamin estiver longe

e eu precisar segurar as pontas para nos manter.

— Existe algum motivo especial para ter vindo hoje?

Fico quieto, mordendo o lábio, sem saber como falar sobre

isso com ele.


Ben nunca foi referência quando o assunto são garotas. A

única garota que domou seu coração, foi sua melhor amiga de
infância, que é a dona de todas as primeiras vezes dele. Entretanto,

sei que, o que quer que me diga, será pensando no meu bem.

— Alguém te procurou? — pergunta, seu corpo entrando em


alerta subitamente e eu me apresso em balançar a cabeça. A

pessoa que ele pergunta, nunca mais perguntou por ele. — O que
foi então?

— Beijei uma garota há alguns dias.

Ben estreita os olhos, como se eu fosse um extraterrestre.

— Não entendi — diz. — Pelo que me lembro tá beijando


desde os treze.

— É diferente — suspiro, desviando os olhos dos seus.

Uma risada escapa dos seus lábios.

— Veio aqui só para me dizer que está apaixonado? — caçoa.

— Ela é filha do seu advogado.

A expressão divertida, que há muito não vejo em seu rosto, se


vai e ele me olha por longos minutos. Pelo que o conheço, ele está
procurando uma forma de tentar entender as entrelinhas do que

disse.

Está calculando os riscos.

— E irmã do meu melhor amigo.

— Você gosta dela.

Assinto, mesmo que não tenha sido uma pergunta.

— Esse é o problema — continuo antes que me interrompa.


— Estou me sentindo culpado por isso, mas, ao mesmo tempo, sinto

que deveria permitir que ela se aproxime.

— Ela te faz bem?

— Muito.

— Falou algo sobre mim?

Nego e um brilho diferente passa pelos seus olhos. Sei o que


significa e logo me apresso:

— Não tenho vergonha de você.

Ben desvia os olhos dos meus, como se não acreditasse


nisso.

— Fez o que fez para me proteger — reitero.


— Eu faria tudo novamente — volta a me olhar.

— Eu sei.

Ficamos em silêncio, ainda nos encarando.

— Porque não me conta como está pagando o boa pinta?

— Ele já te explicou tudo?

— Sim, esteve aqui uma semana depois da sua última visita


— conta. — Não foge do assunto, Asher.

— Não precisa se preocupar.

— Eu sempre me preocupo com você. E sempre irei me


preocupar com você — responde, seu olhar severo sobre o meu. —
Desembucha.

— Não precisa se preocupar, Ben, já disse.

— É algo ilegal? — questiona e volta a falar quando percebe

meu silêncio: — Não é o que eu te ensinei, Asher.

— Não é nada demais — minto, tentando soar o mais


confiante possível. — Além disso, ele é pai do meu melhor amigo.

— Eu não gostei daquele homem.


— Você não gosta de ninguém — sorrio, tentando quebrar o
clima.

— Não estou brincando. Tome cuidado com ele.

Assinto.

— Sempre tomo cuidado — sorrio torto.

— Eu que sei — Ben revira os olhos, mas logo fica sério


novamente. — E Asher, cuide bem dessa garota, não cometa o

mesmo erro que eu.

É a última coisa que diz antes da sirene alta tocar, indicando

que nosso tempo acabou. Ben segura o uniforme laranja na altura


do peito com força, onde tatuou meu nome e eu não preciso ouvir

suas palavras para entender o que quer dizer.

Eu e você para sempre.

Minha garganta se fecha e eu preciso engolir o choro, como

todas as outras vezes que presencio os guardas penitenciários

algemaram meu irmão.

 
Kim: Se eu perguntar uma coisa, promete não ficar chateado?

Estou fumando. De novo.

Fazia três dias que não encostava em um cigarro, mas a visita

a Ben me deixou inquieto e com a sensação de que deveria ter

perguntado porque não gostou do advogado.

Estou no Templo da Serpente há um ano e meio, ganhei o


suficiente para conseguir me manter e juntei uma boa parte para

pagar um advogado decente.

Ben está preso há seis anos.

No início, não tinha dinheiro para pagar advogado nenhum e o

dinheiro que nosso genitor não torrou na bebida, só durou para

conseguir comprar comida e mantimentos durante o primeiro ano.

Eu não conseguia visitá-lo com frequência antes de começar

a faculdade.

Ben foi transferido de Boston até New Haven e a dificuldade


em se locomover, me impedia de estar com ele toda semana. Por

isso, me esforcei o quanto pude para conseguir a bolsa em Yale e

ficar o mais próximo que consegui dele.


Porém, depois de um ano, Ben me fez prometer que deixaria

de visitá-lo todas as semanas para fazer isso apenas uma vez por

mês. Ele não quis entrar em detalhes, mas foi tão insistente que não
consegui negar. Meu irmão mais velho sempre foi cabeça dura e eu

não duvidava que ele começasse a negar minhas visitas apenas

para que eu entendesse e se isso chegasse a acontecer, o sistema

proibiria minha entrada.

Com o tempo livre, tentei me adaptar à faculdade e me


concentrar nos estudos. Foi quando conheci Kyle e Brandon. Aquele

também era o primeiro ano deles.

Nos esbarramos, por acaso, no recrutamento de jogadores

para o time de basquete e quando fomos selecionados, nos

tornamos quase inseparáveis.

Saí do alojamento da universidade para ir morar com metade

do time e isso, de certa forma, me ajudou a manter o foco. Ainda


que me irritem por conta do barulho, da nojeira e das brigas sem

sentidos, que são resolvidas em pouco tempo. Os Black Panthers,

também são partes importantes da minha história até aqui.

Foram eles que me arrastaram para a minha primeira festa.


Eu me senti culpado pra caralho. Parecia errado me divertir quando
deveria estar me preocupando com meu irmão, mas ainda assim,

me esforcei para continuar entre eles.

A festa estava cheia de drogas e bebidas. Até aquele dia, tudo


que eu havia experimentado eram os cigarros que sobravam do

meu pai e me mantive longe de tudo aquilo. Infelizmente, os

estúpidos à minha volta não pensavam como eu.

Não faço ideia de qual foi o motivo idiota que me meti em uma

briga, mas estava estressado e acredito que algum babaca tenha


derrubado bebida em mim. Começamos a discutir e no flash de

memória seguinte, estou sendo tirado de cima de um cara com o

rosto ensanguentado e visivelmente inconsciente.

Para a minha sorte, a briga aconteceu fora da universidade e

isso não me prejudicou.

Porém, havia alguém lá.

Alessandro.

Ele provavelmente havia fornecido as drogas que estavam

circulando por ali e me viu. Alguns dias depois, fui parado no meio
do caminho para a faculdade. Alessandro me fez uma proposta de

muitos dólares, mas até então, não havia me chamado a atenção.


Eu não queria me meter em nada clandestino, principalmente,

porque me traria problemas e aquela era a última coisa que eu

queria. Aceitei seu contato apenas para que me deixasse em paz de

uma vez por todas.

A minha vida seguiu. Visitei Ben o quanto pude e enfiei a cara


nos livros para esquecer a bola de neve que havia se transformado

a minha vida.

Não funcionou.

O defensor público que nos designaram, desistiu do caso. Ele

alegou não termos provas o suficiente e simplesmente nos deixou.

Eu sabia que demoraria ainda mais para arrumar outro e não

podia deixar Ben na mão. Trabalhava em uma oficina mecânica, que

não pagava bem o suficiente para conseguir me manter e contratar


um advogado. Foi por isso que depois de tragar um maço inteiro de

cigarro, liguei para o número do cartão.

Alessandro não demorou para me atender, como também não

tardou em me convidar para o Templo. Menos de uma semana


depois, eu tive a minha primeira luta.

Eu a perdi e consequentemente, não ganhei um centavo


sequer.
Entretanto, eu sabia que se não desse tudo de mim naquele

tatame, teria que esperar ainda mais tempo para ver meu irmão
livre.

Dei minha palavra que seria o melhor daquele lugar e

cumpriria.

Na segunda semana, eu voltei e levei ao chão o próprio

Alessandro. Aquilo calou a boca de todos os outros.

Lembrei do que Alan[5] dizia, a dica infalível de sempre

imaginar o que mais te perturba, acaba tornando tudo mais fácil.

Eu via o meu pai. Vejo ele todas as vezes.

Ele e todas as vezes que seus olhos nublavam, como se

estivesse possuído, antes de tocar em mim.

Eu lembro das suas palavras.

Idiota.

Nojento.

Ninguém, Asher. Você não é ninguém.

Nenhum de nós é bom.

Por que você acha que aquela putinha nos deixou?


Três monstros, Asher. Três monstros moram nessa casa.

A fúria possuía minhas veias todas as vezes que elas vinham


à minha mente.

Nas minhas lutas mais sangrentas, eu pensava naquele dia.


No dia que ele condenou todos nós ao inferno.

Respiro fundo, voltando ao presente quando me dou conta

que se der vazão aos meus pensamentos, eles não me deixarão

dormir. De novo.

Kim.

Olho para o aparelho em minhas mãos e lembro da sua

mensagem. Preciso respondê-la.

Eu: Prometo.

Kim: Será que em algum momento, a culpa vai passar?

Eu: Se arrependeu?

Kim: Não.

Kim: Mas não sei explicar. Toda vez que olho para

ele, sinto como se estivesse o traindo. Você sente o mesmo?


 

Penso um pouco.

Eu: Não. Receio pela reação dele, talvez. Mas Kyle é adulto,

vai saber lidar com isso.

Kim: E o que eu faço?

Eu: Com a culpa?

Kim: Sim.

Eu: Não sei. Mas vou te mostrar como eu faço.

Eu: Esteja pronta amanhã às dez e me encontre na esquina

do seu prédio.
Se você gosta de café quente
Me deixe ser sua cafeteira

Você que decide, amor


Eu só quero ser seu
Segredos que tenho mantido em meu coração

São mais difíceis de esconder do que pensei


Talvez eu só queira ser seu

Eu quero ser seu

I Wanna Be Yours — Arctic Monkeys

— Eu acho que vai chover.


Olho para Asher confusa pelo comentário e arqueio a minha

sobrancelha, numa pergunta silenciosa.

Ele está de braços cruzados, o corpo encostado em sua moto

e vestindo um conjunto de moletom preto — para variar. Os cabelos

grandes estão bagunçados enquanto ele passa os dedos pelos fios


loiros, despenteando-os ainda mais.

— A quê devo o milagre de não te ver de salto? — pergunta,

olhando para os meus pés, calçados com um tênis de corrida.

Tive a impressão de que, seja qual for o lugar que Asher quer

me mostrar onde desconta sua raiva, qualquer um dos meus pares

de saltos altos não seriam adequados, então, desenterrei um dos


únicos calçados que não me deixam, pelo menos, dez centímetros

mais alta e aqui estou.

Depois que me disse para esperá-lo aqui na esquina, tentei

perguntar que lugar seria esse, mas Asher trocou de assunto e por

fim, disse que era melhor eu ver com meus próprios olhos.

Mostro a língua para ele antes de me aproximar mais.

Asher sorri quando estou a sua frente e suas mãos seguraram

minha cintura, levando-me para ainda mais perto dele, que se


inclina antes de juntar nossos lábios de forma casta, num selinho
breve.

Levo minhas mãos até seu pescoço, puxando-o para mim e

lhe dando um beijo de verdade. Sinto seu aperto em minha cintura e


gemo na sua boca, cada vez mais necessitada dele. Minha

diversão, no entanto, não dura muito, já que ele encerra nosso

contato, encostando sua testa na minha e me encarando com um

sorrisinho sacana estampado no rosto.

Meus batimentos estão acelerados, ansiosos por ele, bem

como o seu, que consigo sentir por estarmos praticamente colados.

— Oi — sussurro.

Ele sorri.

— Oi.

— Para onde vamos?

Asher suspira e sela nossas bocas novamente, antes de me

mostrar um moletom preto que não vi que tinha em mãos.

— Precisa colocar isso.

— Se dissesse que iríamos de moto, teria me vestido melhor.


— Não queria que se vestisse diferente. Queria que fosse

você.

— Você é muito bom nisso — digo, tentando deixar a timidez


repentina de lado.

— Eu sei — pisca e eu acerto seu braço com um tapa, mas


ainda estou sorrindo. — Veste logo essa porra, estamos atrasados.

— Não consegue ser delicado por mais de dois minutos, não

é?

Passo o moletom pela cabeça e o ajeito no corpo percebendo


que quase consegue cobrir o vestido que uso até pouco acima dos

joelhos. Asher segura o capuz, colocando meu cabelo para dentro e


o deixando sobre minha cabeça antes de me levar para mais perto e

mordiscar meu lábio inferior

— Não vai querer que eu seja delicado quando estiver


gemendo meu nome, enquanto minha língua estiver explorando sua

boceta gostosa.

Choramingo com os arrepios que correm pelo meu corpo ao

nos colocar num cenário totalmente diferente e ele ri, acomodando o


capacete na minha cabeça com cuidado, abaixando a viseira.

— Com quem está aprendendo a ser safado desse jeito?


Ainda consigo ver seu revirar de olhos antes de apertar minha

cintura e mostrar onde devo me apoiar para subir na moto, se


acomodando na minha frente e ligando o veículo, fazendo o barulho

do motor ser ouvido por todo o quarteirão.

— Você está me corrompendo.

Firmo meu aperto em sua cintura.

— Pobre, Ash. Você deve estar odiando tudo isso.

Ele ri enquanto acelera a moto.

— Em que cidade estamos? — pergunto, depois de quase

uma hora na estrada.

— Tolland — Asher responde.

Ele parece tenso ao descer da moto e tirar o capacete,


fazendo o mesmo com o meu. Asher me ajuda a descer sem

dificuldade e eu arrumo a roupa em meu corpo, que acabou subindo


um pouco.

Olho ao redor, percebendo que estamos no que parece ser

um estacionamento. Há diversos veículos aqui e a maioria é de luxo,


veículos que certamente encontro em minha casa em Boston.

A iluminação é péssima, nem todos os postes funcionam e


aqueles que ainda estão ligados, falham a cada minuto, deixando o
ambiente sombrio, assustador.

— Eu deveria ter medo de estar aqui?

— Não — garante. — Não vai acontecer nada com você.

— E o que exatamente estamos fazendo aqui?

Asher suspira e desvia os olhos dos meus, parecendo

receoso em me contar.

— Asher? — chamo, quando percebo que está começando a

ficar nervoso, coçando a nuca e batendo o solado do tênis contra o


chão. — Ei, eu estou aqui.

Seus olhos voltam para mim.

— Vou te mostrar algo que talvez faça você querer correr de

mim — ele morde os lábios. — Não é bonito e nem delicado, não


sou um príncipe e acho que você sabe disso desde a primeira vez

que me viu. Quando ultrapassarmos aquela porta, vai conhecer um


lado meu que… pode te fazer querer desistir de mim.
— Nada me faria desistir de você — coloco minha palma em
seu rosto e Asher suspira se inclinando em direção ao toque, antes
de sussurrar baixinho:

— Eu espero que não. Porque eu certamente não vou desistir


de você.

Engulo em seco quando entramos no local, tentando

transparecer uma calma que, neste momento, não existe em mim,

quando os gritos enfurecidos são ouvidos. Cada passo que damos


para dentro, o barulho aumenta mais.

A mão de Asher continua firme na minha enquanto nos guia


para dentro. Ele troca algumas palavras com um homem, que está

parado próximo a uma porta de vidro e sua mão sai da minha

cintura para apoiar minha lombar, me guiando por entre os homens


presentes, até um ambiente aberto, onde há um balcão que separa

os clientes das garçonetes.

É uma espécie de bar, há diversas prateleiras recheadas de

destilados caros e ao que parece, apenas mulheres trabalham no

lugar. Todas vestem roupas tão curtas e semelhantes que podem


ser confundidas com peças íntimas. É uma espécie de uniforme, e

passam de mesa em mesa, com bandejas de metal servindo


bebidas aos homens frequentadores. Outras, ficam atrás do balcão,

debruçadas perante homens velhos que parecem encantados o

suficiente para não perceberem que enquanto jogam cantadas


fajutas, não percebem que seus copos — e consequentemente,

suas contas — aumentam cada vez mais.

Todos os homens que parecem clientes, vestem terno e

gravata. Dá para perceber que todos são montados de dinheiro

apenas pelas jóias e pelo modo de se portar. Posso jurar que até
mesmo, conheço alguns deles. O que não seria bem uma surpresa,

já que Tolland fica entre Boston e Connecticut, e é uma cidade

constantemente usada para encontros de negócios.

Um arrepio corre minha espinha quando um pensamento

toma conta da minha mente. Será que meu pai frequenta esses
lugares?

Disparo meus olhos pelo local, percebendo que, apesar de

não ser luxuoso, é limpo e organizado. Há três portas com

seguranças enormes e tatuados as guardando, além da qual

entramos.
— Para onde vão as portas?

— Vestiário — ele aponta para a que está mais próximo de

nós. — Saída de emergência — a segunda, ao extremo. — E…

digamos que lá seja a área VIP, onde as outras garotas ficam.

— Tipo um bordel? — Ergo a sobrancelha e ele assente. — E

você já esteve lá?

— Sim — é sincero. — Mas só foi uma vez.

— Não precisa me dar satisfações.

— Você fica tão bonitinha fingindo que não sente ciúmes.

— Não sinto — reitero, girando sobre os calcanhares para

ficar de frente para ele e agarro a correntinha de ouro que fica por

dentro do moletom, girando-a em meus dedos e focando minha


atenção ali. — Foi só um beijo, cara. Supera.

O rosto de Asher se fecha numa carranca mal humorada

enquanto leva as mãos até minha cintura, apertando com força

suficiente para me fazer gemer.

— Você sabe que não foi só isso.

Estou prestes a rebater quando ouço uma voz masculina soar:

— Com vocês… O destemível… Eric Peterson[6]!


Gritos em aclamação são ouvidos por todos os lados, alguns

homens até batem palma, como se estivessem saudando os


lutadores. Foco minha atenção no tablado há alguns metros de mim,

vendo um homem de estatura mediana anunciar os… lutadores?

Aquilo é um ringue?

Os dois oponentes sobem no tatame, onde uma luz forte está

em destaque e eu me surpreendo.

— Aquele não é o filho do prefeito de Boston? — pergunto,


alarmada.

— Uhum — responde Asher, naturalmente. — E você não


pode contar para ninguém.

— Eu sempre soube que ele não era um santo.

Asher ri, antes de voltar a me conduzir pelo lugar, enquanto

sigo-o, ainda prestando atenção no ringue. Do outro lado estava um

cara gritando com o filho do prefeito, as mãos seguiam ao redor dos

lábios, instruindo-o para dar golpes certeiros, no entanto, Eric


parece se manter em uma neblina que o impede de ouvi-lo.

Cerro os olhos, prendendo minha atenção nele.

— Quem é? — Movo o queixo na direção, fazendo os olhos


de Ash seguir meus comandos para onde o carinha tatuado estava.
— William Clark — sussurra, observando-o, os braços

definidos estavam expostos, deixando que as tatuagens fossem

visíveis entre as luzes do ambiente. Seus cabelos eram castanhos

escuros, mas infelizmente, pela ringue na nossa frente, não consigo


identificar a cor dos olhos. — É filho de um treinador de boxe em

Boston. Alan Clark. Aliás, aprendi muitas coisas com seu pai. Nos

conhecemos há algum tempo.

— Uau, Asher. O que mais eu não sei sobre você? — Cruzo


os braços, encarando-o. Meu olhar se move em outro ponto dando

apenas atenção para o castanho escuro dos seus olhos.

— Há muito mais, boneca.

— Espero um dia descobrir cada detalhe que existe nessa


caixinha de surpresas, Ash.

— Um dia.

Achei que demoraria mais, porém Eric é certeiro e atinge seu

oponente assim que é autorizado. Não muito depois, é revidado e

isso parece enfurecê-lo, porque derruba o homem em um golpe


que… céus, isso é permitido por aqui?

O silêncio se faz presente enquanto um terceiro homem vai


até o que está caído, colocando dois dedos em seu pescoço,
procurando pela pulsação. Ele se levanta e faz um sinal positivo,

acredito eu que isso signifique que está vivo, depois caminha em


direção ao primeiro e levanta a mão esquerda dele, anunciando-o

como vencedor.

Os gritos voltam a ser ouvidos, ainda mais alto, alguns em

comemoração, outros em decepção, mas não há mais sinal de Eric

no lugar.

— Asher, o que….

— Não faça perguntas agora — me interrompe, entrando na

minha frente e ocupando minha visão. — E nem fica brava comigo,


eu prometo que quando sairmos daqui te explico tudo que você

quiser saber, está bem?

Asher se aproxima, colocando suas mãos em minha

bochecha e deslizando o polegar por ela, em uma carícia muito bem

vinda.

— Você também vai lutar? Por isso estava daquele jeito na


semana passada? — pergunto, deitando na sua palma. Ele suspira,

parecendo arrependido, mas assente. — E se você se machucar de

novo?
— Vai ficar tudo bem — me mostra um sorrisinho convencido.
— Eles sempre ficam piores.

Meu bico cresce.

— Não é hora para brincadeiras.

— Não estou brincando — diz, soltando um riso nasalado e


passando o polegar pelos meus lábios, quase me forçando a

desfazer o bico. — Eu sou o melhor daqui. Não precisa se

preocupar.

— E se a polícia…

— Mais tarde — lembra o que me disse. — Agora, precisa

ouvir o que eu vou dizer. Vou te deixar em um lugar seguro e você


não sairá de lá por nada nesse mundo, apenas quando eu for até

você. Me promete, Kimberly?

Seu semblante sério me mostra que não irei vencer essa briga
nem se eu quisesse.

Suspiro, desviando o olhar para a cena atrás dele, onde o


homem que foi nocauteado está sendo colocado numa espécie de
maca improvisada.

— Só se você prometer que não vai se machucar.


Asher respira fundo.

— Vou fazer o melhor.

— Vou te deixar aqui no bar, qualquer coisa, avise a Ramona

e ela vai resolver — explica. — Nenhum dos caras irão te tocar, mas
se ousarem, não hesite em falar com ela, entendeu?

— Quem é Ramona?

— Sou eu, querida — uma voz grossa e feminina é ouvida.


Viro-me lentamente na direção e vejo uma mulher baixinha, com um

cigarro entre os dedos e coberta de tatuagens pelo corpo. Deve ter


por volta dos vinte e cinco anos, não mais que isso. — Você é muito
bonita. Quanto esse imbecil está te pagando para ser a namorada

dele?

— Seu amor por mim é realmente tocante, Mona — ele revira


os olhos e eu rio.

— O lutador novo também trouxe a namorada. Muito bonita,


por sinal.

— Eric está namorando? — Ele enruga o nariz. — Ele sim,


deve estar pagando a garota.
— Não seja idiota, Asher — ralha a mulher. — Ele é filho do
prefeito, bonito e ricasso, não precisa disso.

— O que está querendo insinuar? — Asher ergue a

sobrancelha, fingindo estar bravo, mas a postura relaxada entrega


que é apenas uma brincadeira. — Saiba você, que essa garota aqui,
é caidinha por mim.

— Apenas nos seus sonhos — brinco, recebendo um sorriso


orgulhoso de Ramona e uma revirada de olhos do Asher.

— Asher? — uma garota chama, próximo a nós. Assim como

Ramona, ela também tem diversas tatuagens espalhadas pelo


corpo, é loira e parece ser mais velha que a que está ao meu lado.
— Você é o próximo.

— Anda — Ramona diz, segurando meu braço. — Vou te

levar para um lugar onde teremos uma visão privilegiada.

— É para deixá-la em segurança.

— O que acha que estou fazendo? — ela rebate, revirando os

olhos.

Asher bufa, insatisfeito, mas logo depois pisca para mim, que
nem consigo retribuir por que sou puxada pela mulher em direção a
uma área menos movimentada do clube. Nos sentamos onde não
há nenhum dos homens engravatados e sim outros dois, vestidos de
forma parecida ao segurança que nos cumprimentou na entrada.

— Por que o Asher é o último?

— Por que é o mais valioso.

— Essas lutas…

— Não precisa se preocupar. Meu irmão, Alessandro, tem


tudo sobre controle.

— Mas e a polícia? Eles não interferem em nada?

Ramona me olha e semicerra os olhos, parece estar em

dúvida sobre algo.

— Digamos que minha família é mais poderosa que a polícia.

Arqueio a sobrancelha, assustada com as teorias que minha


cabeça começa a projetar. Para ter mais poder que a polícia, eles
teriam que ter algum envolvimento com o… não, não. Prefiro nem

dar voz ao que estou pensando.

— Não precisa ter medo — ela diz, parecendo mais receosa

dessa vez. — O Asher não se envolve em nada de ilegal além das


lutas e o Alessandro cuida bem disso.

Assinto. Ela não parece estar mentindo.


— Façam suas apostas — um homem anuncia, no meio do

tatame. — A luta mais esperada irá começar agora.

Olho ao redor, sondando as pessoas que parecem animadas


ao depositarem suas notas nas mãos de algumas garotas que
passam de mesa em mesa, recolhendo dinheiro e alguns homens

ousam ir mais longe, enfiando as notas em seus sutiãs. Uma das


garotas levanta o polegar em sinal positivo para o homem, que sorri
maldoso, antes de prosseguir seu discurso;

— Com vocês… O invencível, Asher Dempsey!

Gritos eufóricos explodem no galpão.

— E o temido Gaiden Dinner!

Quando o homem anuncia, os dois sobem no tatame,

esgueirando-se entre as cordas do cercado e se encaram enquanto


o público continua a gritar.

Asher está sério, encarando o outro homem como se apenas


os dois estivessem no lugar. Em seu olhar, há uma chama de ódio
que jamais vi em outro momento antes. É como se, de repente, ele

se transformasse em outra pessoa. Um outro Asher. Um que é


movido pela ira e pela raiva. Esse Asher no ringue, não se parece
em nada com o cara que roubou um bolo apenas para me ver sorrir
no meu aniversário.

No que ele está pensando?

O que o está fazendo agir dessa forma?

— Esse é novato também — Ramona chama a minha


atenção. — Dizem que ele era o melhor da sua antiga academia e
até lutou profissionalmente, mas foi acusado de assédio e perdeu a

carreira.

Arqueio a sobrancelha, mas logo tento me recuperar do


choque. Levando em conta que nada aqui parece ser legal, todos os
homens presentes devem ter cometido crimes parecidos.

O tal Gaiden, estampa um sorriso maldoso no rosto, vitorioso,

até. Ele parece seguro de si para quem terá sua primeira luta.

— Que comece o jogo! — o homem grita

Nada se parece com os filmes em que meu irmão e eu

assistimos da adolescência, os oponentes sequer dão as mãos para


demonstrar respeito ou o início da luta. E então, entendo o porquê.

Não há respeito entre os oponentes. Não há regras.


Quando Asher e o tal Gaiden se encaram, tudo o que emana
deles é o mais profundo ódio. A ira em seu estado líquido.

Os dois andam em círculos ao redor do pequeno tatame,

colocando suas mãos em punho em frente ao rosto. A luva cobre


apenas metade dos dedos e apesar disso parece ter um impacto
ainda maior quando entra em contato com o corpo um do outro.

Asher é atingido nas costelas, num chute certeiro, muito antes


do primeiro minuto chegar ao fim e meu corpo inteiro estremece.

— Fique tranquila, bambola[7] — Ramona me acalma. —


Dempsey é o melhor desse lugar, não foi atingido à toa e sim,

porque ele quis.

Volto a prestar atenção na luta, porque para mim, o que ela


diz não faz sentido, e é bem nesse momento em que Asher revida
no rosto, com tanta força que posso jurar ouvir o maxilar do outro

lutador trincar.

Isso parece ativar algum tipo de gatilho nele, porque quando


desfere o primeiro golpe, uma sucessão de socos e chutes certeiros,

Gaiden revida, mas dá para notar que apesar de muito forte, não é
ágil o suficiente para desviar dos golpes.
— Ele está com raiva hoje — diz Ramona, parecendo
impressionada. — Sempre prolonga ao máximo suas lutas.

Eu não consigo tirar os olhos da cena à minha frente


enquanto ela fala, perplexa demais com esse lado dele para forçar
que qualquer coisa saia dos meus lábios. Nunca vi Asher sequer

metido em alguma briga, mas sei que o que quer que esteja
pensando, está conseguindo dominar seu corpo e mente.

Ele revida com tanta força que a luta chega ao fim segundos
depois, com seu joelho em cima da traqueia do oponente, que está
roxo, buscando por ar.

— Asher Dempsey!

O público de homens vai à loucura quando anunciam o

vencedor, todos gritando e comemorando como se esse fosse o


maior feito de alguém pela humanidade. De repente, não consigo
mais vê-lo, ainda que saiba que ele está à minha frente, há alguns

passos de mim, mas as pessoas ao redor estão agitadas, de pé ao


seu redor, então decido ouvir o que ele disse e me manter quieta
onde estou.

— Está tudo bem, Kimberly? — Ramona pergunta, um pouco


mais alto devido a gritaria do outro lado. — Ficou distante do nada.
Olho para ela.

— Estou sim. Apenas um pouco cansada.

Ela assente.

— Preciso ir — avisa. — Você vai ficar bem?

Assinto para ela, antes de receber um abraço caloroso e vê-la


tomar o mesmo rumo que as pessoas que estavam observando,

com um dos seguranças ao seu enlace.

Poucos minutos depois, o espaço está vazio, exceto por


Asher e eu.

Ele está deitado no tatame, um dos braços cobrindo os olhos


e o peito subindo e descendo com rapidez ao tentar recuperar o

fôlego. Todo o seu corpo está coberto de suor, os cabelos estão


ensopados e a boca aberta.

Passo o moletom pela minha cabeça, abafada pela adrenalina


que ainda corre em meu corpo e agarro a garrafa de água que

Ramona deixou em minhas mãos, caminhando até ele.

Me esgueiro pelas cordas do ringue, engatinhando até seu


corpo, fazendo com que ele deite a cabeça em meu colo. Asher se
arrasta um pouco mais para trás, levantando a cabeça e aceitando a
garrafinha que o ofereço. Ele a bebe toda em um gole.

Asher se senta com as pernas abertas e me encara. Seus


olhos ainda estão vermelhos, odiosos. Acaricio seu rosto devagar e

me ajoelho à sua frente.

Um filete de sangue escorre do seu nariz quando ele expira,

escorrendo lentamente. Não parece ser grave, mas me assusta e


uma lágrima desliza pelas minhas bochechas.

Encosto minha testa na sua, também fechando os olhos e


sinto o momento em que ele ergue as mãos, agora cobertas pelas

faixas brancas ensanguentadas e as apoia na minha cintura,


apertando com força, como se estivesse tentando provar para si

mesmo que eu ainda estou aqui.

Asher grunhe quando deslizo uma das mãos pelas suas


costelas, conferindo se ainda estão intactas. Não parecem
quebradas, entretanto, estão claramente muito machucadas. Foi o

primeiro lugar a ser acertado e a essa altura, já começam a ficar


roxas.

— Asher… — começo, minha voz se quebrando.


— Shh — ele resmunga. — Não fala nada agora, só … Fica
aqui comigo. Por favor, boneca.

Assinto, ainda que seus olhos estejam fechados e ele não

veja. Minhas lágrimas continuam rolando. Ainda estou tentando


entender porque ele se submete a um lugar desses, a se machucar
dessa forma.

Suas mãos em minha cintura guiam meu corpo um pouco


mais para baixo, até que eu me sente entre suas pernas, nossos

corpos entrando em um casulo quente e confortável.

Sou tomada em um abraço necessitado. Ele parece estar


precisando disso quando enfia o rosto em meu cabelo e suspira, seu
corpo voltando a respirar tranquilo.

— Você quer ir embora agora?

Quando sua voz falha, sei que não está falando sobre ir
embora desse lugar.

Está me perguntando se quero ir para longe dele.

— Não.
Eu quero testemunhar
Gritar na luz sagrada

Você me traz de volta à vida


It's All In The Name Off Love — Bebe Rexha e Martin Garrix

— Podemos passar na farmácia no caminho de casa? —

pergunta, segurando o capacete. — Vamos precisar comprar

algumas coisas.

— Não é necessário, boneca. — Garanto. — Os ferimentos


vão sarar sozinhos.

Kimberly solta uma risada nasalada.


— Está muito enganado se pensa que vou deixar você dormir

assim, todo machucado.

— Boneca...

— Não adianta falar nada, Asher. Eu vou cuidar de você e

isso não está aberto a discussão.

— Eu já passei por isso antes.

Ela ergue a sobrancelha e coloca as mãos na cintura,

desafiando-me a continuar a falar. Reviro os olhos e vejo um


sorrisinho presunçoso começar a se formar em seu rosto, quando

desisto de tentar a convencer do contrário e a ajudo a colocar o

capacete.

— Segura firme — mando, depois que sobe na garupa.

— Mas é que você está machucado — responde, tocando-me


tão leve que quase não sinto.

— Segura, Kim — ordeno, um pouco mais firme dessa vez.

Só dou partida quando ela abraça minha cintura, ainda

parecendo receosa em me apertar. Acelero pelas ruas desertas em

direção a New Haven, cortando caminho pelos atalhos que conheço

para que possamos chegar mais rápido.


Minhas costelas doem mais que o comum. Gaiden, o
merdinha, acertou um chute em cheio na esquerda na primeira

oportunidade. Tenho certeza de que irá ficar roxo e que Kim vai ficar

ainda mais preocupada.

Agora, depois da luta, penso se foi mesmo uma boa ideia

trazê-la.

Desde o início, eu sabia que, provavelmente, ela ficaria um

pouco assustada, mas conhecendo-a bem, sabia que não iria

embora, ainda que algo dentro de mim insista na ideia de que não

sou o cara certo para ela.

Entretanto, quero ser.

Quero ser o cara que a presenteia com coisas bregas só para

ver o bico irritadinho em seu rosto bonito, dizendo que não

precisava de nada daquilo.

Quero ser o cara que a leva para jantares em restaurantes e a

faz rir com piadas

autodepreciativas — porque, convenhamos, nós dois temos

um tipo de humor quebrado.

Quero ser o cara. O cara número dez. Aquele que ela corre

quando quer contar algo legal que aconteceu no seu dia. Ou aquele
que a consola quando a situação sai do dos trilhos.

Estaciono em frente à loja de conveniências que pediu e

espero que se apoie em meus ombros para descer antes de segurar


nossos capacetes, entrando com ela na loja quase vazia, pensando

no que essa garota está fazendo comigo.

Porque Kimberly Ballard desperta em mim a vontade de ser

bom.

Bom para o mundo, para ela e até mesmo para mim.

Deixo que Kim tome banho na minha suíte antes de mim.

Levanto o moletom que vesti antes de sair do Templo e me


olho no espelho. Puta que pariu. Ficou roxo pra caralho. Também há

um roxo debaixo dos meus olhos, o nariz, pelo menos, parou de


sangrar no caminho.

Kimberly sai do banheiro com uma toalha enrolada no corpo e


o cabelo preso em um coque no alto da cabeça. Ela encara meu

hematoma antes de seguir para o meu armário, o abrindo como se


fosse dela.
Resmungo baixinho para que não ouça, sentindo as costelas

latejarem ainda mais quando levanto os braços para terminar de


tirar o moletom.

Porra.

Esse vai demorar para parar de doer.

Caminho em direção ao banheiro e fecho a porta apenas para


garantir que ela não continue encarando o hematoma como se

quisesse me matar por me meter nessa.

E ainda não me sinto pronto para contar o real motivo. Não


por não confiar nela. Eu confio. Mas não quero quebrar o clima

confortável que havia começado a se formar entre nós com algo tão
pesado.

Sei que Kim jamais julgará meu irmão pelo que fez e nem

pelos meus motivos para continuar no Templo.

O alívio toma conta do meu corpo quando a água fria escorre,

levando todo o meu suor. Queria que fosse fácil assim também levar
a dor.

Meus pensamentos não pararam um segundo sequer

enquanto a luta acontecia, sei que foi uma luta rápida, mas na
minha cabeça, duraram infinitas horas. Me senti preso na minha
cabeça, em um looping infinito de toda a minha infância.

Eu só pensei em acabar o mais rápido possível, sabendo que


seria a única vez que Kimberly veria o monstro que habita em mim.

Fiz isso apenas para que ela saiba onde está se metendo ao se
envolver comigo.

Porém, enquanto lutava, a visita a Benjamin veio à minha


cabeça. Eu não conseguia tirar meu irmão dos meus pensamentos,

porque não conseguia acreditar que em breve ele completaria mais


um ano naquele inferno.

Ele não merece isso.

Meu irmão é bom. Melhor do que eu.

Me sinto uma merda por lembrar que o único motivo para ele
estar lá, sou eu.

O Asher de treze anos, ainda está se debulhando em lágrimas

no meio da sala enquanto observa os policiais algemarem e


agredirem a única família que teve.

O Asher de treze anos, ainda está sentado naquela maldita

cadeira, banhado em sangue e sem controle nenhum de si mesmo.


Porra.

O Asher de treze anos nunca saiu de mim. E isso me assusta.


Porque ele é covarde. Ele é idiota. Falho. Fraco. Inútil.

Nunca mudaria.

Desligo o chuveiro quando noto a pele dos meus dedos


começarem a enrugar. Enrolo a toalha na cintura e saio do banheiro,

querendo me livrar dos pensamentos ruins e focar na única pessoa

que consegue me tirar desse limbo.

— Achei que tinha dormido lá.

É impossível não sorrir ao notar seu biquinho se formando


novamente.

— Sentiu saudades? — alfineto, caminhando até o armário.

— Não seja egocêntrico — refuta. — Estou te fazendo o favor


de cuidar de você e é assim que me agradece?

Visto a cueca preta por baixo da toalha e abro a janela,

pendurando o tecido felpudo ali antes de me sentar na cadeira

gamer, deslizando-a para ficar de frente para ela, sentada na minha

cama e me analisando. Apoio minhas mãos em seus joelhos, os


apertando e dando meu melhor sorriso para ela, mesmo sabendo

que meu olho está arroxeado.

— Posso pensar em algumas formas de te agradecer.

Kim revira os olhos, mas também está com um sorrisinho no

rosto quando se levanta com a toalha que ela usou em mãos,


ficando de pé no meio das minhas pernas. De repente, tudo fica

escuro e sinto meu couro cabeludo ser revirado sem delicadeza

alguma.

— Sabe que eu não sou um cachorro, certo?

— Fica quieto, Asher.

Solto uma risadinha, levando minhas mãos até as coxas

grossas e dando uma apertadinha, apenas para perturbá-la. Kim


continua a secar meu cabelo, enquanto minha palma desliza um

pouco mais para cima, sentindo a maciez da sua pele e os

pequenos arrepios que seu corpo tem.

— Está com frio?

— Você sabe que não.

Essa é uma das coisas que mais gosto nela.

Com ela nunca tem joguinhos.


Kim é sempre direta.

— Posso resolver isso bem rápido…

— Não — a resposta me faz murchar na cadeira. — Está


machucado, só vai encostar em mim quando não estiver mais

gemendo de dor a cada dois minutos.

— Isso foi cruel da sua parte — levo minha palma ao peito. —

Estou sendo cavalheiro ao me oferecer para te satisfazer.

— Oh, perdão, querido — debocha e é a minha vez de fazer

um biquinho. Kim tira a toalha do meu rosto e sorri quando me vê.


— Vou deixar para a próxima.

— Isso não é justo.

Ela me ignora e aponta para o comprimido enorme na


mesinha de cabeceira e o copo de água ao lado, em um comando

silencioso para que os engula. Kim me lança um olhar satisfeito e

realmente me sinto um cachorro adestrado.

— Agora vem — ela dá duas batidinhas no colchão ao seu

lado. — Dormir vai te fazer bem e aliviar as dores.

Desisto de explicar que já passei por isso e me deito de


barriga para cima. Kimberly aproxima o travesseiro do meu e se
deita de lado, virada pra mim e entrelaçando nossas mãos. Movo

meu rosto em sua direção e ficamos assim por um longo tempo.

Olhos nos olhos.

As mãos unidas.

O silêncio confortável.

Poderia me acostumar muito fácil com isso.

— Todas as suas tatuagens têm significados? — questiona

baixinho.

Seu olhar desce pelo meu pescoço e ela estende a outra mão,

seu indicador seguindo o contorno das minhas tatuagens e fazendo

meu corpo se arrepiar.

— As que não tem, eu invento.

Ela ri baixinho, contornando a borboleta.

— Essa significa maturidade — explico mesmo que não tenha

perguntado.

Sinto o contorno da caveira.

— A morte.

A serpente.
— O lugar que me tornou forte.

Seu dedo sobe um pouco mais, guiando pelo traço simples e


minimalista que mais me doeu colocar na pele. E não foi por conta

da agulha.

— E ela?

Deixo que um sorriso triste me escape.

— Ela foi uma princesa — respondo, ouvindo seu silêncio. —

Uma linda princesa que caiu da sua torre.

— Caiu?

— Sim — respondo. — Quer saber um segredo?

— Sim.

— Nos meus sonhos, ela foi minha.

— Você a faria feliz?

Dessa vez, sorrio de verdade.

— Eu teria feito de tudo por ela.

Posso ver o movimento que sua garganta faz ao engolir em

seco.

— Isso é… muito lindo.


— É… — respondo, por fim. — Eu acho que sim.

Kimberly abraça o meu braço, se aproximando um pouco mais

antes de beijar meu ombro e deitar a cabeça próxima ao local com


cuidado.

— Boa noite, Ash.

— Boa noite, linda.


E ressurgir através da noite, você e eu
Vamos lutar para brilhar juntos, iluminados para sempre

E ressurgir através da noite, você e eu


Vamos lutar para brilhar juntos, iluminados para sempre
Bright — Julie and The Phantoms

— Você sabe que não pode me vencer, certo? — provoco,

quicando a bola no chão três vezes antes de começar a me mover


pela quadra improvisada.

— Está muito enganado — Benjamin diz, me cercando. — Ou

já se esqueceu quem te ensinou a jogar, moleque?


Eu rio.

— Fala sério, cara. Você é jogador de hóquei, é péssimo no

basquete.

— É o que vamos ver.

Meu irmão está sorrindo. Já tem um tempo que não o vejo


sorrindo. Feliz.

— Ajudaaaaa! — ele grita, me deixando confuso.

De repente, minhas pernas são abraçadas e a bola é roubada


das minhas mãos.

— Vai, papai, faz gol! — a pequena pestinha grita, ainda

agarrada às minhas pernas.

Já cansei de corrigi-la sobre o “gol”. Ela disse que “cesta”

lembra o Coelho da Páscoa, o que não faz sentido nenhum.

Seguro seus braços e trago para a frente do meu corpo,

forçando uma expressão brava. Viro-a de ponta cabeça, vendo seu

cabelo castanho escorrer. A menininha tem um sorriso sapeca no

rosto e suas bochechas estão vermelhas.

— É assim que você me agradece por ter te comprado doces?

— Você comprou doces para a minha filha?


— Você comprou doces para mim? — os dois perguntam ao
mesmo tempo e ela prossegue: — Porque não falou antes, titio? Eu

podia segurar a perna dele.

— Eu te dei um vestido lindo, neném — o pai dela diz,


indignado. — Igualzinho ao da sua tia.

— Ah, papai, — resmunga, tentando manter o equilíbrio

quando a coloco no chão e colocando a mão em concha na frente

da boca, numa tentativa falha de sussurrar: — Pode deixar ele

ganhar dessa vez? Eu quero comer um docinho.

— Quem vai te dar doces?

Nós três olhamos assustados para as duas mulheres do lado

de fora da quadra e depois, nos entreolhamos.

— Se você disser que foi o seu pai — me abaixo, sussurrando


para que só ela me ouça. — Te mostro onde escondi.

— O papai! — responde sem hesitar, apontando para meu

irmão.

— Benjamin…

— O quê? — pergunta, com os olhos arregalados para a

neném. — Sua pestinha!


Agarro a garotinha antes de sair correndo, ouvindo o som da

sua risada enquanto deixamos Ben para trás. Kim me encontra na


porta da quadra e também começa a correr para longe dos pais da

garotinha.

É a família que eu sempre quis.

A bola está em minhas mãos, meus pensamentos, porém,

estão longe.

Há centenas — talvez milhares — de pessoas à nossa volta e


eu não consigo me concentrar na partida.

Sonhei com Ben essa noite. Ele não estava sendo levado
para longe de mim dessa vez. Estávamos juntos. Eu, ele e uma
família que era só nossa. Uma família sem álcool, gritos e violência.

Na família do meu sonho, havia felicidade genuína. E havia


Kim. Ela estava lá, fazendo parte daquele momento que… parecia

tão real.

Lembro de quando acordei sozinho essa manhã.


Não tinha nenhum recado ou mensagem dela e isso me

deixou pilhado. E se ela decidir voltar atrás? E se tiver mudado de


ideia?

Estou preso em minha mente. De novo.

Quase não consigo prestar atenção no jogo, apesar de já ter


feito duas cestas de três pontos com a ajuda de Kyle, que atua

como armador[8]. A defesa de Princeton é boa, o que torna meu

papel como ala-armador mais difícil.

Entretanto, mesmo com a visível dificuldade do time em


prosseguir a partida, vencemos o nosso adversário com o placar

marcando 48 à 53. Estamos muito abaixo da nossa média e isso é


um problema se levar em conta que perdemos o último jogo depois

de oito vitórias consecutivas.

Podemos ter ganhado essa, mas ainda assim, foi um péssimo


jogo.

Apesar de sermos os favoritos para vencer o campeonato, os

Princeton Tigers estão logo atrás. Eles foram campeões no ano


passado e há uma rivalidade de anos entre Yale e Princeton, que

faz com que todos os jogos entre as duas universidades sejam


lotados, no basquete ou em qualquer outro esporte.
Minhas costelas ainda doem, e levando em conta o empurrão
que levei da defesa de Princeton, respirar está começando a se
tornar difícil enquanto seguimos para o vestiário, a torcida em

comemoração, mesmo cientes de que poderia ter sido muito melhor.

— Cadê o Kyle? — alguém pergunta, quando estamos em


frente dos nossos armários.

— Parece que a irmã gostosa dele passou mal.

A resposta faz com que todo o meu corpo se tensione.

— Como é?

Brandon se alerta quando dou um passo na direção de Ryan.

Meu amigo entra na minha frente e tenta me empurrar para trás.

— Asher, não é um bom momento para desentendimento,

cara — sussurra só para mim. — Sabe que ele é um babaca e só


está irritado por você ter jogado na posição dele hoje.

— A gostosa — Ryan não parece querer colaborar e continua,

dessa vez olhando para mim e notando meu desconforto. — Já viu o


tamanho dos peitos dela, Asher? Seria uma delícia enfiar meu pau
ali e eu nem gosto tanto de peitos. Fiquei sabendo que ela tem uma

quedinha por jogadores de basquete. Você sabe, os corredores


dizem muita coisa.
Meu sangue ferve, a ira começando a tomar conta de mim
quando forço meu corpo para longe do agarre de Brandon. Avanço
em Ryan com força, nenhum dos caras conseguem impedir minha

chegada até ele, quando prenso seu corpo no armário.

Minha costela lateja ainda mais pelo esforço, entretanto, não


consigo interromper meu rompante. Não consigo me controlar.

Porque ninguém fala desse jeito da minha garota e sai

impune.

Não enquanto eu estiver aqui.

— Repete, seu merdinha — rosno. — Repete porque estou a

um passo de destruir essa sua cara de merda.

— Calma, Asher — diz, ainda me desafiando mesmo que haja

um brilho de medo em seus olhos. — Kyle nunca ficará sabendo

que o melhor amigo come a irmã dele às escondidas.

É o suficiente para mim. Ele está pedindo por uma surra e


como eu sou um cara benevolente, é exatamente isso que darei a

ele.

Brandon e os caras do time insistem em tentar me tirar de

cima dele, mas isso não irá acontecer agora. Não enquanto eu não

quebrar a cara dele.


Minhas mãos fechadas em punho encontram seu olho direito

e Ryan não tem chance de revidar quando seguro sua garganta com
toda a minha força, vendo seu rosto chegar a uma coloração além

do vermelho em poucos segundos.

Nossos rostos estão a centímetros quando rosno para ele:

— Nunca mais ouse falar dela dessa forma — ele não reage,

então me vejo na obrigação de aumentara força do meu golpe em

sua cara. — Entendeu?

Mesmo vermelho, quase roxo e sem ar, ele balança a cabeça.

— Que porra é essa aqui? — a voz do treinador se faz

presente no silêncio que se formou desde quando o coloquei contra


o armário. — Asher, solta o garoto.

Abro a mão devagar, mas não saio de perto do Ryan até

sentir meu corpo ser puxado para trás por Brandon.

— Não posso deixar o bando de moleques sozinhos por cinco

minutos e vocês começam a se atacar. Dempsey, está fora dos

próximos três jogos. Você também, Nolan.

— Mas treinador… eu não… — Ryan começa, com


dificuldade, ainda buscando por ar. — Fiz nada. Ele… me atacou.
— Não sou nenhuma criança, Nolan, se estavam atracados

como dois animais, algo aconteceu. E como não tenho o mínimo

interesse em saber o que, os dois estão suspensos dos próximos


jogos — Ryan começa a ficar vermelho novamente e está prestes a

refutar o treinador de novo, quando ele continua: — Posso pensar

num castigo mais severo para quem questionar minhas ordens.

Passamos a próxima hora ouvindo sermões sobre o jogo, mas

não ouço nada. Na minha cabeça, tudo o que ecoa nesse momento,
é a voz do meu pai.

Você é um monstro. Igual a mim.


Porque você me faz sentir como
Se eu estivesse impedido de entrar no céu

Por muito tempo


Locked Out Of Heaven — Bruno Mars

É sexta à noite e estamos na fraternidade dos meninos.

O último jogo foi na segunda e apesar de terem saído


vitoriosos, Kyle comentou que não foi um dos melhores da

temporada. Ainda assim, eles fariam a festa para comemorar. É por


isso que a casa está cheia de pessoas, a música está alta e há

bebida para todos os lados.


— Vai me julgar se eu disser que já estou entediada? — Mia

resmunga ao meu lado.

— Não — choramingo, bebericando a garrafa de cerveja. —

Eles estão ficando repetitivos.

Desvio meu corpo de um cara bêbado e reviro os olhos.

— Vou procurar o B e ver se ele já quer ir embora.

— Ele mora aqui — respondo, confusa.

— Jura? — ironiza, erguendo as sobrancelhas. — Quis dizer ir


para outro lugar.

— Hum… os dois sozinhos — cutuco suas costelas para

provocá-la.

— Para com isso — resmunga, rindo. — Ficamos sozinhos o

tempo todo. Vocês precisam parar com essas piadinhas de duplo

sentido. Somos só amigos.

— Amigos não se olham do jeito que vocês fazem.

As bochechas dela coram.

— Por que não me deixa em paz e vai procurar o Asher, hein?

Fico parada no meio da sala, olhando para suas costas se

afastando. Parece que alguém se irritou comigo. Decidida a tentar


sair do tédio, caminho até a cozinha, para procurar outra bebida ou
algo que eu possa comer.

Ainda não vi Kyle ou Asher, mas talvez isso se dê ao fato de

que cheguei na metade da festa. Mia me arrastou para cá, mas até
ela me deixou agora.

Descarto a garrafa de cerveja vazia e estou quase abrindo a

geladeira a procura de outra quando meu braço é puxado com

firmeza para o canto mais escuro da cozinha. Meus olhos arregalam

no momento em que minha boca é coberta por mãos ásperas e só

me soltam quando sou prensada contra a parede, mas em uma

fração de segundos, eu reconheço os olhos e os cabelos escuros


que me cercam, enquanto ainda tento raciocinar o que acaba de

acontecer.

Puxo o ar.

Asher está sorrindo quando me olha.

— Oi, boneca — cumprimenta, enfiando o rosto em meu

pescoço.

Suspiro, as batidas do meu coração tentando se acalmar

enquanto a ponta do seu nariz passeia pela minha garganta

vagarosamente, arrepiando até meu último fio de cabelo.


— Oi, Ash — respondo de volta, ofegante quando sua mão

está espalmada em minha coxa, apertando-a.

Sua boca desgruda do meu corpo, fazendo-me sentir falta do


toque, mas ele não se afasta. Asher continua parado à minha frente,

uma das mãos espalmada na parede ao lado da minha cabeça, me


encurralando.

De canto de olho, vejo alguém entrar na cozinha, mas sei que


não há como me ver. O corpo de Asher é grande o suficiente para

que, quem quer que esteja no ambiente, não consiga ver, a luz fraca
também ajuda para isso.

Mesmo assim, não consigo relaxar aqui. É perigoso demais.

Mas eu quero tanto.

Asher se afasta do meu corpo e segura minha mão, fazendo


com que eu gire em meu próprio eixo. Ele assobia quando estou
novamente de frente para ele e eu sorrio.

— Esse vestido está sendo minha perdição — divaga,


correndo a ponta dos dedos pela lateral do tecido. — Está gostosa
pra caralho — elogia, antes de chocar a boca contra a minha.

Asher me toma em um beijo necessitado e urgente.


Levo minhas mãos até seu pescoço, enlaçando-o enquanto

fico na ponta dos pés, sua mão firme esmagando minha bunda.

Gemo quando sua palma escorrega mais para baixo apenas


para subir novamente, dessa vez, por dentro do vestido curto. O

toque me faz arfar na medida que sobre para um lugar fatal do meu
corpo. Oh, Asher.

Um sorriso estampa meu rosto quando Asher desgruda


nossas bocas, encarando-me com surpresa, quando não encontra

minha calcinha. Sua boca vermelha — em partes, por culpa do meu


batom — está entreaberta, ofegante.

Seus olhos esbanjam luxúria quando um sorriso perverso

toma conta dos nossos lábios, de forma quase sincronizada.

— Surpresa!
 

 
Porque, garota, você é perfeita
Você sempre vale a pena

E você merece
A maneira como você lida com isso
Porque, garota, você mereceu, sim

Garota, você mereceu, sim


Earned It — The Weeknd

Eu nunca tive medo de quedas, até Kimberly Ballard

acontecer em minha vida.

Cair faz parte do processo. Cair sempre me ensinou algo.


Minha mão pousa entre as pernas da mulher mais

fodidamente tentadora que já passou pela minha vida e, nesse


instante, tenho a plena certeza de que a queda que estou prestes a

enfrentar pode ser a minha ruína ou o convite para o paraíso.

Soa como algo tentador. E talvez, seja por isso que quando
retiro minha mão do meio de suas pernas e volto a devorá-la com

mais um beijo, sei que acabei de pular de um precipício.

Um precipício que parece nunca ter fim. E eu não quero que

tenha.

Ela solta um gemido baixo, rouco, no momento em que

arrasto minha boca pela extensão de seu pescoço cheiroso.


Estamos tão próximos que consigo sentir a pulsação acelerada de

seu coração, tão ansioso quanto o meu.

Minhas mãos sentem o quanto a faço vibrar. Queimar. Por

mim. Por nós. Faço como ela seja tudo para mim, menos proibida.

Porque já não me importo mais com isso. Eu me importo

apenas com ela.

E a constatação de que quero que Kimberly seja

completamente minha, chega como um meteoro atingindo a Terra,

em escala catastrófica.
Mesmo que saibamos que já nos pertencemos.

— Linda, eu preciso de você — murmuro, deixando os

pensamentos de lado e traçando pequenos beijos em sua pele. —

Nesse momento só consigo pensar em  enterrar tão fundo em você,


que amanhã ainda vai me sentir.

Um pequeno ruído de aprovação salta de seus lábios,

enquanto um sorriso perverso se entende pelos seus lábios.

— Não faça promessas que não tem intenção de cumprir, Ash


— Kim morde o lábio, me lançando um olhar lascivo. — Eu ficaria

desapontada em ter que resolver isso com as minhas mãos.

E então, cada maldita partícula de autocontrole que estava

tentando segurar, se esvai de mim.

Por que Kimberly Ballard sempre consegue me fazer perder o


controle.

Dou um passo à frente, levando-a comigo e obrigando seu

corpo a bater de leve contra a parede. A safada solta um risinho que

faz meus olhos brilharem. Minha mão pousa em seu queixo,

levantando-o delicadamente e seus grandes e bonitos olhos me

encaram,  como chamas vivas, ardentes. Chamas quentes e

tentadoras.
Sinto suas unhas delicadas subirem pelos meus braços até

entrarem em contato com meu pescoço. Um segundo interminável


se estende entre nós e apenas ficamos nos encarando; Sendo

consumidos pela energia que precipita entre o pequeno espaço que


nos separa. Não há sorrisos, nem respostas vazias. Nós apenas
deixamos que a intensidade desse segundo envie arrepios pelos

nossos corpos.

Ela sabe que não vou desistir. Eu não poderia.

Meu batimento cardíaco acelera. Minhas mãos suam.

Eu a quero e eu vou tê-la. 

— Eu não faço promessas vazias, linda — minha voz é


apenas um murmúrio. — Não para você. Nunca para você. 

Então, eu a beijo.

Beijo como se fosse o nosso começo, meio e fim.

Como se ela fosse as estrelas intocadas do céu.

Minha língua ataca a dela sem aviso e atrevida como é,

Kimberly deixa claro o quanto gosta, arranhando a minha nuca. Para


minha morte lenta, estou muito consciente de que apenas minhas
roupas e o tecido fino de seu vestido nos separam. Seguro seu
pescoço, procurando por mais, desejando que ela me consuma

como vem consumindo desde que seus olhos se conectaram com


os meus, na primeira vez em que nos vimos.

Dedilhando lentamente seu corpo, toco em cada parte de sua

pele, sentindo o seu calor. E, assim que minhas mãos tocam a


bainha do seu maldito vestido, ela solta uma risada gostosa.

Ansiosa.

Pronta para mim.

Meus dedos se arrastam pelas suas fendas molhadas,

sentindo-a encharcada. Por mim. E, mesmo sabendo que eu não


deveria, não aqui, não em um corredor onde qualquer pessoa

poderia passar e me pegar fodendo-a, eu arrasto meu dedo pela


sua boceta, sentindo o que faço com ela.

Sentindo o quão certo e sujo isso é. O quanto nos deliciamos

com isso, com a sensação de perigo. De que alguém poderia entrar


por esse corredor e nos pegar nessa posição comprometedora.

Uma posição onde eu estou prestes a foder a irmã do meu

melhor amigo.

A responsável por consumir cada parte de mim. 


Mas, mesmo sabendo disso, eu não me importo. Apenas
retiro minha mão de seu núcleo e a levo até minha boca, chupando
o dedo melado. Apreciando o seu sabor. O maldito sabor que é meu

paraíso e o que sonhei e desejei por semanas.

E, que agora eu tomo como meu.

Kim sorri maliciosamente, segurando a maçaneta de uma das

portas e caminha cegamente para dentro do ambiente. Puxando-me


junto e trancando a porta logo em seguida, nos isolando do resto do

mundo.

Não há volta e eu adoro isso. Amo isso.

Ela me empurra até que caio na cama, observando-a sorrir


depravadamente em minha direção. Não me importo de quem é

este quarto ou como paramos nesse momento. Eu apenas me


importo com a mulher diabólica à minha frente que se afasta

devagar.

—  Sabe, Ash, eu acho que você precisa de um incentivo… —


O sorriso lascivo que soltou, me fez lamberos lábios. — Acho que

precisa saber o que está prestes a ter.

Kimberly não me dá tempo para responder. Pois, no segundo

seguinte, ela se vira, encarando-me por cima do ombro e abaixando


o zíper de seu vestido. É lento, uma tortura. A cada pedaço de sua
pele sedosa que fica evidente, tenho vontade de ir até onde está, de
jogá-la sobre meus ombros e depois afundar em sua boceta até que

grite meu nome.

Contudo, mesmo não sendo um homem paciente, eu


permaneço onde estou, deixando que ela ache que está tomando o

controle. Aprecio o show que estou tendo da mulher mais sexy que

já coloquei os olhos.

Da minha garota.

Minha.

Ela arrasta o tecido até que suas costas estejam totalmente

nuas e assim que o tecido cai no chão, deixando-a completamente


nua, eu sorrio, levando meu polegar até meus lábios e molhando-os,

ao passo que encaro-a desde os saltos altos até o rosto que contém

um sorriso safado.

Um arrepio elétrico percorre minha espinha, enquanto me

inclino para frente, apoiando meus cotovelos em meus joelhos e


estudo o corpo malditamente perfeito.

Faíscas dançam através de mim. Meu pulso lateja em meus ouvidos


e meu pau clama por ela.
Me levanto e caminho lentamente até onde está. Os olhos de

Kim brilham na penumbra. E a cada passo lento que dou, envia um


choque de antecipação em meu corpo.

Levo apenas alguns passos para alcançá-la e quando ela

abre a boca, pronta para dizer algo, eu a beijo. Meus dedos brincam

ao subir por suas pernas. A adrenalina ilumina meu sangue


enquanto um dedo entra em sua boceta apertada, fazendo-a inclinar

a cabeça para trás e gemer meu nome, enquanto meu polegar

acaricia seu clitóris, em círculos lentos. E quando a sinto tão

entregue a mim, eu acrescento outro dedo, começando um


movimento de vai e vem.

Me abaixo, tomando seu mamilo em minha boca. Chupo,


mordo e lambo cada parte dela. Cada centímetro de sua pele. Giro-

a em direção a cama e então retiro meus dedos, enquanto empurro-

a, até que suas costas batem contra o colchão macio.

Me abaixo jogando suas pernas pelo meu ombro e então


projeto minha língua para fora e lambendo sua boceta, sugando

tudo, fodendo-a do jeito que eu sei que gosta somente pelos ruídos

que emite.

Ela é o meu fim. Estou lhe entregando todo o meu controle.


— Eu poderia te chupar a noite toda, linda — Beijo o caminho

entre seu clitóris, lambendo toda a sua intimidade.

Kim segura meus cabelos, firmando-me mais a ela.

Como cada centímetro dela como se fosse meu paraíso

particular. Minha salvação em meio a um deserto. E, quando

percebo que está perdendo o controle, arqueando as costas e se

esfregando em meu rosto, eu me afasto.

— Ash… — murmura entre gemidos. — Por favor… Eu


preciso…

Sorrio descaradamente. Retirando minha roupa em tempo

recorde e tirando a embalagem laminada da minha carteira, antes

de voltar até ela.

— Eu sei que precisa, linda — digo, segurando meu pau e

bombeando lentamente, observando seus olhos caírem em minha


extensão. — Mas, não há outro lugar que vai gozar se não no meu

pau.

Kimberly sorri. E cada parte do seu rosto corado pela

excitação só me faz pensar em como ela é perfeita. Deslumbrante.

Ela é uma mistura de doçura e safadeza que a torna perfeita.

As vezes, acho que ela foi feita para ser minha.


Sem desviar o olhar, ela abre mais as pernas, me mostrando

o quão molhada sua boceta está. Observando-a levar sua mão


delicada até sua entrada e arrastar um único dedo por toda a sua

extensão, me obriga a ir mais rápido até ela. Kimberly se toca como

se imaginasse que são os meus dedos ali, como eu estivesse a


fodendo como deseja.

Segurando meu pau inchado, apertando forte enquanto rasgo


a embalagem e envolvo-o com o látex. Subo em cima de seu corpo,

pegando seu braço e colocando-os sobre sua cabeça. Prendo-os

com uma mão, enquanto uso a outra para posicionar meu pau em
sua entrada. Pincelando-o em um movimento lento, torturando-a por

se dar prazer quando eu deveria fazer isso. E brinco com seu corpo

deixando mordidas em seu seio, sua clavícula e seu pescoço.

Me dedico em seu seio, por um instante, chupando a carne

macia até que um gritinho ressoe pelo quarto.

— Por favor, Asher… — ela resmunga, impaciente. Sorrio. —

Por favor, apenas…

— Apenas o que, linda? — sussurro, passando o meu pau


mais uma vez pela sua boceta encharcada.

— Apenas pare de me torturar — suplica, gemendo.


Sorrio, finalmente cedendo e entrando dentro dela.

Porra.

Kim passa suas pernas pelas minhas costas, me obrigando a


entrar mais fundo. A ponta de seus saltos se arrastam pela minha

pele e nem me importo com a queimação. Apenas solto seus

braços, segurando em sua cintura e, então, entro forte em sua

boceta, enterrando meu rosto em seu pescoço.

Definitivamente o meu vício, minha necessidade incessante e


incansável.

O meu fruto proibido que ninguém ousaria me tirar.

A cada impulso ela arranha minhas costas, fazendo com que


a fricção de suas unhas cumpridas causem arrepios em minha pele.

De repente, seus saltos caem, causando um barulho alto no quarto

e nós não nos importamos. Não quando Kim arqueia suas costas,
me deixando ir mais fundo.

Me convidando para perder o controle.

E eu perco.

A cabeceira da cama bate contra a parede, fazendo um


barulho que soa como uma resposta rítmica às minhas estocadas.
Meus músculos ficam tensos e me ajoelho na cama, puxando-a para

mim e aproveito para excitar seus seios com uma das mãos, 
enquanto a outra firma meu corpo na cama. Aproveito-me para

entrar ainda mais fundo em sua boceta, sentindo o suor escorrer

pelas minhas costas.

— Asher! — Kim grita, sua voz reverbera pelo quarto, acima

da música que ressoa na festa fora dele.

Sorrio. Meu nome em seus lábios, tão feroz e ardente, é

viciante.

Saio de dentro dela, segurando um lado de seu tronco,


virando-a de quatro e admirando o quão maleável seu corpo se

torna em minhas mãos. Arrasto meus dedos por sua cintura,

procurando por seu clitóris para o estimular. Quando volto a estocar


tão fundo e tocá-la ao mesmo tempo, tudo se torna mais gostoso,

um gemido sai dos meus lábios. Deveria ser ilegal uma mulher tão

gostosa me fazer sentir tão bem.

Com essa constatação minha mão pousa na curva de sua

bunda. Passando lentamente pela pele sedosa antes de levantar e


desferir um tapa. A vermelhidão da pele me fez sorrir ao mesmo
passo que um grito ondula pelo quarto. Outro tapa, outro grito de
Kimberly.

Ela olha por cima dos seus ombros, lançando-me um sorriso

tentador que me obriga a desferir outro tapa e meter tão fundo que a

cabeceira bate ainda mais forte na parede.

— Isso, amor, não contenha seus gritos.

Me abaixo, passando minha mão pela sua espinha e

enrolando seu cabelo em meu punho, obrigando a levantar o rosto.


Kimberly obedece, soltando um gemido ainda mais alto, me fazendo

perder o que sobrou da minha sanidade. Bato dentro dela com tanta

força que sinto algo se soltando na cama, ao mesmo tempo que sua

boceta se aperta em torno de mim e um orgasmo ofuscante toma


conta dela. Sinto seus espasmos contra o meu corpo e ela deve
sentir os meus, quando meu corpo se recai levemente sobre o dela,

vibrando com uma força repentina e inesperada.

Apenas fecho meus olhos, segurando a cintura de Kim,


enquanto me desfaço dentro do preservativo.

Contudo, um barulho me obriga a abrir os olhos, saindo do

torpor quando a ondulação estranha do colchão me faz erguer Kim e


a segurar contra mim caso algo aconteça. Porém, quando percebo o
que acabamos de fazer, estamos indo direto para o chão, prestes a
despencar no piso.

Puta que pariu.

Kimberly e eu acabamos de quebrar uma cama.

E assim que meus olhos levantam, finalmente percebendo a


quem pertence o quarto.

Um frio se aloja em minha espinha.

Não é qualquer cama, mas sim, a de Kyle Ballard.

Do irmão dela.

Meu maldito melhor amigo.


E, garota, você se apaixona de novo
Você me diz que está tudo acontecendo de novo

Estamos correndo ao luar


Você poderia me mostrar o caminho de novo?
Moonlight — Chase Atlantic

Quebramos.

A.

Cama.

Puta que pariu!

Quebramos a cama.
A Kyle vai ficar… não.

O Kyle não vai ficar nada, porque ele não vai saber de nada.

Asher parece assustado demais para qualquer coisa,

paralisado em cima de mim, quando desato a rir.

É a coisa mais inusitada que já me aconteceu.

Ele pisca, parecendo voltar a si. A cena de Asher ficando de

pé, com as mãos na cintura, como veio ao mundo, enquanto vira o

rosto, analisando o pé na cama, é cômico e trágico, ao mesmo


tempo.

Deus, acho que essa cena não vai sair tão cedo da minha

cabeça.

Minha barriga dói tanto que chego a rolar pelo colchão, mas a

cama torta quase me faz ir ao chão. Ainda assim, continuo rindo e


ele corre para me segurar.

Nossos corpos estão suados e ofegantes, minhas bochechas

doem e eu preciso controlar o riso para tentar voltar a respirar


normalmente, mas basta olhar para a carranca mal-humorada de

Asher, que meu riso retorna.


— Onde eu estava com a cabeça quando resolvi te dar aquele
beijo? — pergunta, indignado consigo mesmo.

Deixo um sorriso safado me escapar e Asher resmunga.

— Temos que dar um jeito de sair daqui sem sermos pegos —

apresso.

Asher descarta a camisinha antes de vestir a cueca e recolher

nossas roupas do chão. Ele para na minha frente, enrolando a

camiseta antes de passar pela minha cabeça, o tecido cobrindo meu


tronco até metade das minhas coxas.

Estou quase girando a maçaneta quando ele me para.

— Espera — diz, se abaixando em frente ao enorme armário

do meu irmão e abrindo a última gaveta.

Uno as sobrancelhas, confusa.

— O que está fazendo?

— Minhas roupas.

— Você tem uma gaveta no quarto do meu irmão?

Ele une as sobrancelhas e assente, vindo em minha direção


com o que parece ser um conjunto de moletom. Seu corpo se cola
ao meu, sua mão firme envolvendo minha cintura ao empurrar-me

para fora, atravessando o corredor com pressa até a última porta.

Me abaixo para pegar a chave, escondida dentro do salto alto


que deixei ao lado da minha porta e Asher se aproveita disso para

alisar minha bunda, me arrancando um riso e um gemido ao mesmo


tempo.

— Vou te dar duas gavetas — refuto, abrindo a porta, mas


depois repenso. — Uma e meia, na verdade, se você não se

importar em dividir com a minha gaveta de calcinhas.

— Deixa eu ver se entendi… isso é uma competição?

— Hum — gemo quando a carícia se intensifica e fecho a


porta novamente, quando entramos. — Sim, acho que sim.

— Não preciso de gavetas, já me deu algo bem melhor que

isso.

Rio, enganchando um dedo na sua cueca e o arrastando até o

banheiro. Entretanto, uma batida na porta faz com que nós dois
fiquemos tensos e nos entreolhamos, parados no meio do cômodo.

A maçaneta se move e nesse momento, dou graças aos céus por


ter sido esperta e trancado.

A batida volta a soar, se misturando ao barulho da festa.


Posso sentir o suor escorrendo pelo meu pescoço e não

consigo pensar em mais nada.

— Kimberly! — o desespero se intensifica quando ouço a voz


do meu irmão.

Olho para Asher, sentindo-me sufocada.

— Relaxa — pede, baixinho.

— Kim! — ele volta a bater e tentar abrir a porta. — Quem

está aí?

— Oi — repondo, um pouco mais alto do que o necessário. O


desespero tomando conta do meu corpo. — Oi, Kyle.

— Você está bem? — pergunta, parecendo estranhar meu


rompante. — Está estranha.

Minha mente começa a dissociar e o medo dá lugar ao

nervosismo quando a mão de Asher se move e seu dedo começa a


brincar comigo. Abro a boca, deixando um gemido mudo me

escapar, mal conseguindo manter os olhos abertos.

— Estou — respondo, um pouco depois ainda mais ofegante.


— Estou muito bem.
— Que nojo — ele resmunga, sua voz começando a ficar mais
longe. — Use camisinha.

Asher ri baixinho, segurando minhas coxas com força antes


de me impulsionar para cima, me levando diretamente para o

chuveiro.

— Qual a próxima loucura você vai me convencer a fazer por


você?

— Está dizendo isso por causa de uma rapidinha no

banheiro? — forço um olhar de pena para ele. — Oh, Ash, tenho


tanto a te ensinar.

Ele ri, esfregando a toalha na cabeça sabendo que estou só

brincando.

— Não me surpreendo mais com nenhuma safadeza vindo de


você.

— Foi você quem começou e está reclamando — resmungo,


colocando a escova na pia depois do árduo trabalho que tive em
desembaraçar o cabelo. — Você é uma fraude, Dempsey.
Gemo com o tapa que recebo na bunda e ele me abraça,
beijando meu pescoço.

A festa parece estar em seus últimos momentos, o som está

mais baixo e já não há mais tanto murmúrio de conversas, o que é


um alívio. Significa que em breve todos irão embora e poderei
dormir em paz e relaxada, embora um pouco assada. Mas essa

parte é apenas um detalhe.

Asher me olha através do espelho e faz um biquinho.

— O que foi, Asher?

— Ainda estou com tesão.

Reviro os olhos.

— Está dizendo isso depois da melhor foda da sua vida, estou


me sentindo ofendida.

— O que te faz pensar que foi a melhor?

— O que me faria pensar que não foi, querido? — viro-me em

sua direção, sendo erguida para sentar na bancada. — Asher, você

quebrou a cama, claro que foi a melhor foda da sua vida.

— Não quebrei sozinho — responde, beijando meu pescoço.

— Eu fui a sua melhor foda também?


— Eu diria que entrou no top três.

— Três? — pergunta, erguendo o rosto com pressa,

parecendo indignado. Asher segura minha coxa, puxando-me para


mais perto antes de me carregar, voltando para o quarto. — Vamos

mudar isso agora.

Rio quando me joga na cama com força, subindo em cima de

mim.

— É impressão minha ou está tentando quebrar a minha

cama também?

Ele sorri.

— É mais fácil quebrar a minha.

— Provavelmente faremos isso quando você tentar entrar no

meu top um.

— Amor, isso não é verdade, é? — pergunta, fazendo-me

arrepiar dos pés à cabeça. — Está falando isso só para me


provocar.

Levo meu indicador à frente do seu rosto.

— Nunca mais me chame assim.

— Por quê? — pergunta, unindo as sobrancelhas.


— Sou capaz de fazer muitas coisas se continuar me

chamando assim — sussurro.

— É?

— Uhum.

— E se eu quiser experimentar uma dessas coisas agora… o

que vai me dizer?

— Vou dizer que estou assada e cansada, mas se quiser

tentar a sorte amanhã, minhas pernas estarão sempre abertas.

Ele ri, beijando o vale entre meus seios cobertos pela parte de

cima do seu moletom que acabei roubando. Asher se levanta para


desligar a luz do banheiro e vem em direção a cama, afundando o

joelho no colchão antes de se deitar, puxando meu corpo para deitar

em seu peito.

Apenas a pouca luz do abajur ilumina o quarto e me aproveito

disso para continuar explorando suas tatuagens, enquanto o sono

não vem.

— Asher — chamo, diante do silêncio do quarto.

— Oi, boneca.
— Toi et moi pour toujours[9] — cito, correndo a ponta do dedo

pela frase, pronunciando da forma que me lembro. — O que ela

representa?

— Meu irmão.

Apoio o corpo sobre os cotovelos, prestando atenção nele.

— Onde ele está?

— Preso.

— Por quê? — pergunto, mas recebo o silêncio em troca. —

Estou sendo invasiva, não é? Desculpa, não precisa responder.

— Porque ele matou nosso pai para me proteger.


Alguém está abrindo a torneira nos seus olhos
Você está derramando tudo onde todos podem ver

Seu coração é grande demais pro seu corpo


É por isso que você não cabe dentro dele
Você está derramando tudo onde todos podem ver

Cry Baby — Melanie Martinez

QUINZE ANOS

— Você precisa aprender a me obedecer!

— Eu não sou sua filha e meus meninos não são seus

escravos! — mamãe gritou de volta, apontando o dedo para o rosto


dele.

Não faz isso, mãe, tive vontade de alertar.

Porque sabia o que sempre vinha depois de desafiá-lo

daquela forma.

Ben estava de castigo por causa daquilo.

— O meu filho, não é um delinquente! Não vou deixar você

prendê-lo por causa de uma besteira.

— Benjamin precisa aprender que eu não sou nenhum dos


amigos dele e que se levantar a voz para mim, será castigado.

— Ele estava apenas defendendo uma amiga, Michael, não

pode culpá-lo por isso.

— Ele deixou o rosto do menino desfigurado.

— E você vai e faz o mesmo com ele? — mamãe gritou de


novo, me assustando. — Que belo exemplo! É exatamente assim

que ele vai aprender a se comportar.

— Eu deveria prender ele! — Michael diz, num tom de

ameaça. — Quem sabe assim, aquele moleque não aprende de

uma vez a ser gente! Ou melhor deveria dar um fim nos dois! Asher

parece uma menininha, com medo de tudo e todos, já o outro inútil


só me dá desgosto e vergonha! Seria muito mais fácil se você
parasse com essa idiotice de dar aulas de dança, e eles tivessem a

mãe para educá-los.

— É mesmo, Michael? E como vamos alimentar as crianças?


Como vamos conseguir pagar as contas?

Morávamos em uma casa pequena em Dorchester[10]. Não era

grande. Só tinha um quarto, um banheiro e uma sala que também

servia como cozinha. Ben e eu dormimos em um colchão que ele

achou no lixão aqui em frente, porque disse que não era legal dormir

no mesmo cômodo que o papai e a mamãe.

Eles… faziam coisas na nossa frente. Era muito nojento e os

barulhos me deixavam enojados.

— O meu trabalho não conta?

— Por Deus, você gasta todo o seu dinheiro em bebidas e


drogas — mamãe diz, erguendo a voz novamente. — Sou eu que

mantenho essa casa de pé.

— Asher! — Benjamin chamou-me, ainda preso no quarto e

batendo na porta, com muita força. — Asher, vem abrir a porta,

maninho. Vem.
Eu não sabia ainda, mas Ben estava pressentindo que algo de

ruim aconteceria.

Me levantei, prestes a fazer o que meu irmão pedia. Ele me


protegia do mundo. Eu podia retribuir fazendo isso por ele.

Foi quando ouvi um clique. E paralisei porque conhecia


aquele som.

Papai era policial e em seus dias bons, aqueles em que não

cheirava o pó que roubava das apreensões da delegacia, ele levava


Ben e eu para lá e ficava treinando tiro. Sem se importar que meu

irmão e eu podíamos nos machucar por estar em um lugar com


tantas armas.

Quando me virei, o cano da trinta e oito, estava apontado para

a testa da minha mãe. Mas ela não parecia estar com medo. Não.
Elisa nunca tinha medo. Ben herdou isso dela.

Eu que sempre fui covarde. Como ele.

— Pai — implorei, a voz trêmula e as lágrimas nublando os


meus olhos. — Papai, para com isso. A mamãe… a mamãe só está

nervosa.

— Asher, vem abrir a porta! Mano, abre a porta! Grita, Asher.


Grita!
Mas eu não conseguia. Respirar se tornava difícil a cada

segundo, estava com medo e a secreção que escorria do meu nariz,


enquanto tentava engolir o choro, só dificultava tudo.

— Papai, por favor.

— Pare de implorar, Asher. Você precisa aprender a ser


homem de verdade. Ainda se lembra o que eu te disse sobre eles?

Seus olhos não desviavam da minha mãe, assim como os

dela.

— Homens de verdade não choram — repeti as palavras que


ele sempre me dizia enquanto me batia com o cinto de couro.

Ben nunca chorava quando apanhava. Ele ficava olhando


para nosso pai com os olhos vermelhos, mas não eram lágrimas.
Era ódio.

Eu não conseguia. E isso o fazia aumentar a força cada vez


mais.

— E o que mais?

— Mulheres são uma fraqueza.

— Asher, grite!

— O que acontece quando elas nos desafiam?


Elas são castigadas.

Eu não conseguia responder. Meu olhar estava preso nela;


Em Elisa.

A mulher mais linda que já vi.

A minha bailarina rosa.

O amor da minha vida.

Elisa era a personificação do amor.

Um anjo.

Um anjo que se apaixonou por um monstro.

Um monstro que deu a ela de presente outros dois.

Talvez… talvez a morte fosse o melhor para Elisa. Talvez ela

soubesse disso, porque não reagiu. Não implorou pela vida. Elisa
não lutou para viver.

— Responda, Asher.

— Asher! Abra a porta! Por favor, venha abrir a porta. O que

está acontecendo?

As batidas na porta do quarto só aumentavam.

— O que acontece, Asher?


— Por favor, papai — supliquei, as lágrimas caindo com mais
força. — Ela não.

— Se não ela, quem? — seu olhar me alcançou pela primeira

vez naquela noite. — Quem deveria ser castigado no lugar dela?

— Eu, papai. Me machuque, mas não faça nada com a minha


bailarina.

A arma mudou de direção. E com isso, me lembrei das

palavras de Ben, quando me ensinou a socar.

Nem sempre é um bom momento para demonstrar coragem.

Elisa não lutou pela vida dela. Mas lutou por mim.

Por mim.

Eu, que nunca tive boas notas ou um bom comportamento.

Eu, que sempre interrompia sua privacidade para ganhar um

abraço.

Eu, que a seguia como um cachorrinho.

Eu, que fui um dos motivos para que ela não conseguisse

seguir o sonho.

Elisa foi para cima dele. E ele sabia que aquilo aconteceria.
A cena se desenrolou na minha frente em câmera lenta; A

coronha da arma atingiu sua testa e mamãe caiu.

Não foi o suficiente para ele.

Michael atirou antes que eu tivesse tempo de empurrá-lo.

O garfo em minhas mãos, que eu usava para comer minutos

antes, foi apunhalado em sua barriga. Toda a minha força estava


concentrada naquilo quando Michael e eu caímos no chão, meu

corpo potencializando a força para o garfo afundar cada vez mais.

Papai riu.

O monstro estava em seus olhos. Eu podia vê-lo.

— Isso que eu estou sentindo molhar as minhas pernas, é

mijo? — sua voz asquerosa soprou com dificuldade.

— Asher!

Não era o grito de Ben, embora os murros na porta

continuassem.

Era o sussurro fraco dela.

Era o soluço dela.

— Corra.
Sua voz, ainda naquele momento, parecia um canto suave,

me convidando para perto. Entretanto, não fiz. Por que enquanto

observava a vida se esvair do rosto da minha bailarina, um tapa


forte foi desferido em meu rosto e o gosto de sangue se alastrou

pela minha boca.

— Se está me enfrentando, pelo menos tenha coragem de me

encarar, seu moleque filho da puta! — a mão nojenta segurou meu

queixo. — Seja homem, ao menos dessa vez e aproveite que estou


sendo benevolente ao te dar alguns minutos de vantagem. Mostre

para mim que não é uma menina chorona e talvez eu deixe sua

bailarina viva.

Aquela noite.

Foi naquela noite que eu senti o monstro que ele tanto falava

em mim.

Minhas lágrimas cessaram e o medo se foi, dando lugar ao

ódio. A raiva. A ira.

Entendi de uma vez por todas o que Ben sentia.

Tudo escureceu e de repente, me senti o dono do mundo. O

garfo afundava e afundava cada vez mais. Eu podia sentir o seu


sangue molhar minhas mãos e o meu próprio correndo em minhas

veias, zunindo em meus ouvidos como nunca.

Meus olhos desviaram para o contrário ao que Elisa estava.

A arma estava ali. Mas não lhe daria aquela oportunidade.

Michael também pensou assim e como sabia que eu estava

em desvantagem pelo meu peso em comparação ao seu, nos girou


e tentou agarrar o revólver.

Não sei como, mas dei um jeito de empurrar para longe,

sentindo a dor dilacerante em minha perna.

Aquilo o enfureceu.

— Seu filho de uma puta.

Um barulho alto soou e demorei a entender que Ben havia


conseguido derrubar a porta. Não fazia ideia de como havia

conseguido fazer aquilo e não tive tempo para pensar, já que meu

pai estava em cima de mim, com a mão em minha garganta,


apertando com tanta força que o ar me faltou em poucos segundos.

Tudo escureceu. Até dois barulhos soarem ao mesmo tempo.

As sirenes.

O tiro.
E então, o peso do meu pai caiu sobre mim.

Um choro explodiu na sala, mas não era o meu.

Só entendi que aquele som vinha de Benjamin quando o


corpo do meu pai foi empurrado de cima de mim e as lágrimas do

meu irmão pingaram em meu corpo antes que ele corresse para

nossa mãe.

Eu me arrastei até eles, sabendo que ela não resistiria. Eu já

havia visto a morte em seus olhos. Ela estava morrendo.

— Mãe, abre os olhos! — ele gritou, nervoso, batendo no


rosto pálido dela. — Bailarina, por favor.

Ben ergueu o torso dela, deitando-a em seu peito.

— Mes amours — sua voz doce sussurrou. A mão esquerda


segurou o braço de Ben e a direita se apoiou em meus cabelos. —

La ballerine continuera à danser dans vos coeurs[11].

E fechou os olhos.

A mão dela perdeu a pouca força.

Ben e eu gritamos, nos agarramos cada vez mais no corpo

gelado e sem vida da nossa mãe.


Quando a polícia arrombou a porta, não questionaram nada.

Não perguntaram como aquele sangue todo foi parar ali, nem como
dois adolescentes estavam segurando um corpo sem vida no meio

da sala.

Uma vizinha maldita apontou para Benjamin e disse algo que

não entendi. Os policiais acreditaram nela, afinal, Ben já tinha uma

passagem pela polícia por danos morais e não tinha uma boa
reputação no bairro.

Eles só precisaram daquilo.

Levaram meu irmão.

O policial o segurou com força e eu a tirei de onde não tinha


para me agarrar na perna dele, implorando em meio ao choro para

que o soltassem. Ele não tinha culpa. Ele só me defendeu.

Defendeu a mim e a nossa bailarina.

Não sei dizer o que aconteceu.

Mas eu apaguei e meu irmão foi levado.

Ben nunca mais falou sobre aquela noite, em minhas visitas.

A bailarina, entretanto, nunca parou de dançar nos nossos

corações.
E você usa sua dor
Porque isso te faz ser você

Embora eu gostaria de poder te segurar durante isso


Eu sei que não é a mesma coisa
Você tem que viver

E eu só quero que você faça isso


Wake Up — Julie And The Phantoms

Acordo sozinha na cama.

Peguei no sono em algum momento da madrugada e não vi

quando Asher saiu.


Quando me olho no espelho, noto o inchaço debaixo dos

meus olhos, devido ao choro causado pela história da bailarina dele.

Eu já imaginava que não tinha um dos melhores vínculos

familiares existentes, já que ele nunca apresentou ou sequer citou

um parente próximo, só não imaginei que as coisas fossem tão


complexas.

Quando abriu a boca e começou a falar sobre uma discussão

entre os pais, jamais imaginaria o fim daquela história. Os olhos dele

brilharam quando falava de sua mãe, de uma forma que jamais vi


brilhar para qualquer outra coisa e se inflamavam de ódio ao citar o

pai.

Asher não me encarou em momento nenhum enquanto me

contava, apenas me abraçou enquanto focava sua atenção no teto e


as palavras saíam de sua boca de uma forma cortante.

Meu corpo sacudiu em choro quando ele disse que o coração

da bailarina ainda batia no peito dele.

Acho que ele nunca contou aquela história para ninguém. E

de uma forma muito egoísta, fico confortável em saber que confia


em mim da mesma forma que confio nele.
Asher não falou mais nada depois da história e eu também
não ousei abrir a boca, ficamos apenas na presença um do outro,

ambos perdidos em pensamentos enquanto sua mão acariciava

minhas costas.

— Me lembra de nunca mais dar uma festa na minha casa —

Kyle anuncia, se sentando à mesa.

O pedaço de bolo que estou comendo desce de forma

dolorida pela minha garganta. Já passa das nove, todos nós

parecemos zumbis, com olheiras enormes e um mal humor

inexplicável. A casa está uma bagunça, mas segundo Kyle, uma

funcionária contratada por ele chegará em alguns minutos e vamos


aproveitar para almoçarmos fora. Apenas nós dois, como não

fazemos há um tempo.

— Por quê? — Mia pergunta, coçando os olhos enquanto


Brandon corta uma fatia para ela.

— Tive que dormir no chão.

Asher engasga com o café, mas posso ver que está

controlando o riso.

— Por quê? — a loirinha pergunta de novo.

— Quebraram o caralho da minha cama.


— Como assim? — o nariz dela se enruga, confusa.

Reviro os olhos.

— Transaram na minha cama, baixinha. É difícil entender o


que eu falo?

— Não fala assim com ela, idiota — Brandon o repreende,


com um olhar que usa somente para os assuntos que ele considera
sérios.

Kyle bufa.

— Desculpa, neném — meu irmão fala, dando duas


batidinhas leve na cabeça da loira.

— Como você sabe que foi transando e não pulando ou sei


lá?

— Acho meio difícil estarem pulando, se eu encontrei uma

camisinha cheia no chão — fala, de boca cheia.

— Olha os modos, Kyle — Brandon repreende novamente.

Meu irmão engole rapidamente, lançando um olhar enviesado

para ele.

— Ela — aponta para Mia. — Só está desse jeito, porque


você a mima demais.
— Algum problema nisso? — Brandon resmunga, mal-

humorado.

Ele também não é muito legal de manhã.

Só com a Mia. Com ela, ele é sempre legal.

— Vai dar uma de Asher agora?

O dito cujo tosse algumas vezes à minha frente.

— Como assim? — Mia questiona para ele. Mas sei que a


essa altura, está só provocando o meu irmão.

— O idiota foi para cima do Milo e foi suspensos dos próximos


três jogos.

— Ele mereceu — Asher retruca, sem dar mais espaço para

esse assunto.

Eu: Por que brigou?

Envio a mensagem, por debaixo da mesa. Asher olha a tela


do celular, mas finge que não viu nada e volta a comer

normalmente.
 

Eu: ???

— Mas eu não merecia ficar sem o meu Ala-armador a essa

altura do torneio.

— Por quê? — Mia continua provocando. — Não é bom o


suficiente sozinho?

Kyle aponta para ela enquanto olha para Brandon.

— Pode repreender ela?

— Ela não está fazendo nada.

Mia mostra a língua para ele.

Eu: Não vai me contar?

Asher levanta a cabeça para mim, mas não diz ou faz nada.

Irritada, clico no ícone de ligar, fazendo o barulho ecoar por toda a


cozinha, chamando a atenção para o celular a sua frente, com a tela
virada para baixo.
— Não vai atender? — pergunto, com a cara mais cínica que
consigo forçar.

— Não — responde, continuando a comer.

Brandon coça a garganta, percebendo que há algo errado e


puxa assunto:

— Quando vamos para Saint Vincent University[12] mesmo,


Ky?

— Amanhã à noite — responde e logo parece se lembrar de

algo, olhando para mim. — Porra, esqueci de avisar a mamãe que

não vou conseguir ir ao evento beneficente.

Gemo, entristecida e afundando na cadeira.

Odeio esses eventos e ir sem Kyle, será ainda pior. Sem o

garoto prodígio, a família focará apenas em mim.

— Não quero ir sozinha.

— O Asher pode te acompanhar — meu irmão diz e nós dois


paralisamos. — O idiota não vai ter o que fazer e a carrapata vai nos

acompanhar.

— Não vou vestir nenhum terno — avisa.


— Fica tranquilo, para esse tipo de evento os homens não vão

de terno — digo, sorrindo maldosa. Asher me encara, bem sério,


sabendo que estou aprontando. Os outros me olham, confusos. —

Você vai de smoking.

Brandon estoura numa gargalhada, deixando a carranca para

trás.

— Nem fodendo, Ballard — Asher aponta para mim com o

garfo.

— Não fala assim com ela, idiota — Kyle olha feio para ele.

— Entendeu agora? — Brandon arqueia uma sobrancelha

para o meu irmão, que revira os olhos. Mia segue alternando o olhar
entre nós, entretida.

— Não vou usar smoking ou porra nenhuma — Asher

determina, pausadamente.

Meu sorriso se alarga, como um lobo em frente à presa.

— É o que veremos, Dempsey.


O mundo estava em chamas
E ninguém podia me salvar

A não ser você


Wicked Games – Chris Isaak

Estou usando um fodido smoking.

Preciso confessar que, na verdade, fui subornado para isso.


Só precisei de alguns beijinhos para me convencer a entrar nessa

maldita roupa. E agora, estou achando que me vendi por um preço


muito barato.
Kimberly parece nervosa ao volante. Dessa vez, ela não está

tentando nos matar enquanto dirige, pelo contrário. Saímos mais


cedo de casa e ela dirige com muita calma e cuidado. De início, não

achei seu silêncio incomum, mas depois de mais de uma hora na

estrada, estou começando a ficar preocupado.

— Amor, você quer conversar? — pergunto, recebendo seu

silêncio como resposta. — Kim?

Ela pisca e vira-se para mim rapidamente, mas logo volta a

atenção ao trânsito, que a essa hora da noite, está começando a se


acalmar.

— Desculpa, eu… — ela suspira. — Estou um pouco


distraída.

— Pensando em como me apresentar para o seu pai? —

brinco.

— Claro — entra na minha. —  Qual a sua sugestão? Amigo

do meu irmão ou…

— Seu namorado? — interrompo. — Gostei dessa.

Sei que essa opção está fora de cogitação.


Quando falei a Kimberly sobre Ben, também contei que o pai
dela era o advogado que contratei para o caso. Não achei que seria

uma boa ideia esconder esse fato dela, porque imaginei que ficaria

chateada se ficasse sabendo por conta própria.

E Maxon Ballard não me parece o tipo de pai que fica feliz ao

ver a filha feliz. Independente de ser um bom advogado ou não,

tenho consciência de que não é o melhor dos homens. Uma pena

que só entendi isso depois que o contratei.

Sei que Kim abandonou o Direito por culpa dele. Percebi

quando Loren a visitou. Nenhuma mãe que olha daquele jeito para a

filha, gostando de ver sua infelicidade. Não a isentando da culpa, ela


também é responsável pela Kim, e com certeza, deve ter tido

consciência dessa decisão.

Além disso, ele também não parece estar feliz com a decisão
de Kyle em seguir com o basquete. Não foi apenas uma vez que o vi

brigar com o pai ao telefone por causa dos jogos. A diferença é que

entre Kimberly e Kyle, ele parece ser muito mais compreensível com

o filho.

— Meu namorado? — ela ergue a sobrancelha, finalmente

sorrindo. — Eu esqueci de algum acontecimento importante ou esse


é o seu jeito de me pedir em namoro?

— Você sempre foi apaixonada por mim, não acho que

precise de um pedido.

Kimberly revira os olhos.

— O que eu tinha na cabeça quando te pedi aquele beijo?

— Um sonho.

Ela gargalha.

— Eu te eduquei muito mal.

Alguns minutos depois, Kim estaciona no subsolo de um

prédio comercial e desliga o carro, mas não faz nada além de


observar o estacionamento cheio.

— Por mais que eu queira, não posso te apresentar assim

para o meu pai.

— Eu sei, amor. Está tudo bem.

— Ele não vai ficar satisfeito e pode até mesmo abandonar o


caso do seu irmão — continua, ainda focada na visão à sua frente.
— Não tinha pensado sobre isso antes e agora me dei conta de que

essa ideia não foi boa. Eu… vou ligar para ele e sei lá, dizer que não
estou bem ou que meu carro teve algum problema.
— Linda… — chamo, mas não parece o suficiente e eu

seguro seu queixo, fazendo-a me encarar. — Vem cá.

Com isso, Kimberly move seu corpo até se sentar no meu


colo. Seu rosto está impassível e ela ainda parece tensa. Apoio

minhas mãos em sua cintura, acariciando sua pele coberta pelo


vestido de cetim vermelho.

— Já estamos aqui — começo, colocando uma mecha do seu


cabelo para trás da orelha. — Do que adiantaria voltar?

— De nada — admite, respirando fundo. — Ele já deve estar

sabendo que cheguei.

— Além disso, não tenho medo do seu pai.

— Mesmo? — pergunta, parecendo desconfiada.

— Talvez um pouco.

— Vi você derrubar um cara com o dobro do seu tamanho,


Asher.

— Não é a mesma coisa — me defendo. — Estou prestes a

conhecer o pai da minha garota. Não posso simplesmente quebrar a


cara dele caso me sinta ameaçado.

Kimberly balança a cabeça, rindo.


Ela abre a porta do carro e sai com cuidado para não
bagunçar o cabelo. Desço logo depois, observando-a ajustar o
vestido no corpo. Faço a minha contribuição, ajudando-a com a

parte de trás e ganho como recompensa um tapa na mão quando —


sem querer, óbvio — apalpo sua bunda.

— Eu só estava tentando ajudar — me justifico, sendo puxado

até o elevador.

— Estava tentando com que chegássemos ainda mais

atrasados.

— Não sei se lembra, mas a safada da relação, é você.

Kimberly me encara com uma falsa expressão de choque


enquanto esperamos pelo elevador.

— Como ousa me fazer uma acusação dessas? — balança a


cabeça, apoiando a própria mão contra o peito. — Sou uma dama
recatada.

— Claro, linda — reviro os olhos. — A cama do seu irmão


com certeza concordaria com você se pudesse.

Empurro-a devagar para trás quando as portas do elevador se

abrem. Kim se põe na ponta do pé, me alcançando para um selinho.


As portas se fecham e nos calamos, cientes de que quando abrirem,
seremos apenas mais duas peças de um jogo de tabuleiro que
tentará a todo custo nos derrubar.

Não demora até que Maxon e Loren, os anfitriões da noite,

nos alcancem. Os dois caminham com classe por onde andam entre
os convidados, ela está sorridente, enquanto ele permanece sério

em sua pose de alfa.

— Querida — é a primeira coisa que ele diz. — O que

conversamos sobre esse tipo de vestido?

— Maxon, agora não — a esposa o repreende.

Kim permanece calada e então reparo, que assim como a

mãe, também há um falso sorriso em seu rosto.

— Oi, querida.

— Oi, mamãe.

— Asher — ela me lança um aceno.

— Olá, Sra. Ballard — devolvo o cumprimento. — Doutor

Ballard — cumprimento seu marido da forma que me instruiu da


primeira vez que nos vimos.
Cada dia entendo mais porque os homens são tão odiados.

— Dempsey — é o que sai de seus lábios antes de dar um

passo à frente e surpreender Kimberly com um abraço.

Dá para notar que ele usa desse momento para lhe sussurrar

algo. Os olhos de Loren parecem atordoados observando o


rompante do marido e seu sorriso há essa altura, inexistente.

Kimberly volta a sorrir quando ele a solta, mas seus lábios

pintados de vermelho estão levemente curvados para baixo quando

isso acontece. Os dois se afastam sem mais palavras, Maxon


praticamente arrastando a mulher pelo enorme salão, repleto de

pessoas com conversas vazias e taças até a borda. Todas elas

parecem estar fazendo parte de uma peça ensaiada, há sorrisos

engessados e expressões polidas. Parece um show de horrores, até


mesmo para mim, que cresci dentro de uma família disfuncional.

— Respire, Kimberly — Sussurro em seu ouvido, apoiando

minha mão em sua lombar.

Ela finalmente percebe que estava segurando o ar e o solta

de uma vez, voltando seus olhos aos meus.

— O que ele te disse?

Seus lábios tremulam.


— Nada demais.

Eu suspiro.

— Vou respeitar seu espaço — começo, oferecendo meu


braço para que ela se apoie. — Mas não minta para mim. Sei que

ele te deixou chateada.

— É o meu pai, Asher. Tem o direito disso.

— Não tem não. É o seu pai. O dever dele é cuidar de você.

Ela engole em seco e começa a nos guiar pela festa, sem

dizer mais nada.

Nem ao menos prestamos atenção nas pessoas que nos

rodeiam. É como se apenas nós existíssemos, como se apenas o

fato de que nos segurarmos um ao outro importasse.

E, assim foi pelas próximas horas. Cumprimentamos quem


deveríamos, Kim sorriu quando necessário e eu apenas a segurei

como se fosse seu porto seguro. Sua válvula de escape.

E, no final, percebi que gostava dessa sensação. De poder

ser para alguém o que Ben sempre foi para mim.

Um porto seguro.

***
— Vem — ela diz, com um sorriso largo no rosto e me levando

até um corredor vazio.

Eu não deveria tê-la deixado beber tanto.

— O que está aprontando?

— Nada — responde de imediato. — Me espere aqui.

Faço o que pede, mas a acompanho com os olhos, até perdê-

la de vista. Tento me distrair observando as pessoas da festa, mas


isso só me trás mais tédio.

— Vamos? — me assusto com sua voz atrás de mim.

Viro-me e a encontro com uma garrafa de tequila atrás de

mim. Ela já deve ter ingerido, pelo menos, umas quatro doses
enquanto o garçom servia.

— Vamos para onde? — pergunto. — E onde arrumou essa

garrafa?

Kim ri.

— Roubei da cozinha — é apenas o que responde, chamando

o elevador mais uma vez. — Ninguém nem vai notar.

Dessa vez, quando entramos na caixa metálica, ela aperta o

botão do terraço e me entrega a garrafa de tequila.


Erguendo as mãos, ela bagunça o meu cabelo, fazendo-o sair

do lugar. Rio, segurando-a com a mão livre e jogo a cabeça para

trás, tirando as mechas do meu rosto.

— Gosto de te ver assim.

— Bagunçado?

— Feliz. — Me beija.

Kim solta a minha mão quando chegamos e sorri sapeca

enquanto arranca o lacre da garrafa de tequila.

Odeio ver ela beber. Mas hoje, não sei como impedi-la.

Tiro o maço do cigarro do bolso do smoking ridículo que me

obriguei a vestir para agradá-la, ainda refletindo sobre o baixo preço

que cobrei para usar quando tiro o isqueiro do bolso traseiro.

Coloco a mão em frente a chama, para evitar que o vento leve

a apague. Volto a guardar o isqueiro, segurando o cigarro entre os


dedos e erguendo a cabeça, vendo a densidade de nicotina se

expandir no ar.

Quando a fumaça se dissipa, limpando minha visão, meu

coração quase para.

Eu volto no tempo.
Volto para três meses atrás.

Volto para aquela janela, do outro lado da rua.

Estou segurando um cigarro entre os dedos, uma garrafa

vazia na outra mão e o coração em frangalhos, observando uma

princesa.

Estou fazendo um brinde.

Ao fim. Ao vazio. Ao silêncio.

Estou sentindo a dor dela.

Estou ouvindo o barulho que o coração dela faz ao ser

pisoteado.

Estou observando a princesa se preparar para sua queda.

Ela.

Ela é a princesa.

É com ela que tenho sonhado todas as noites e é nela que

penso quando estou mal.

Nela. No vestido vermelho. No grito de dor. Na garrafa de

bebida. Na queda.
Mas... se ela não caiu, se ela está aqui, viva, o que a teria
impedido de ter pulado naquela noite? E o que aconteceria se

tivesse ido até o fim?

Não.

Não posso pensar nisso.

O meu amor... o meu amor não estaria comigo.

O que eu faria sem ela?

A verdade é que, desde muito antes de me apaixonar, eu já

não sabia mais viver sem a sua presença. Meus pensamentos eram

e são apenas e somente dela. Eu não… me recuso a imaginar uma

vida em que não a tenha.

— Amor... — minha voz não passa de um sussurro.

Minha vista está turva, mas não é por conta da nicotina. Meus

lábios tremem quando ela abre os braços e ri, na beira do parapeito.

O som não me causa as habituais borboletas no estômago.

Me causam medo.

Minha princesa.

Kimberly Ballard é a minha princesa.


 

 
Aquele sou eu no canto
Aquele sou eu sob os holofotes

Perdendo minha religião


Tentando te acompanhar
E eu não sei se eu consigo fazer isso

Losing My Religion — R.E.M

OUTUBRO | PASSADO

Não fazia ideia de como havia ido parar ali. Acredito que
algum funcionário deixou a porta de emergência aberta e eu só…

entrei.
Sei que não deveria estar fazendo aquilo. Eu não gostaria de

estar fazendo aquilo. Mas eu precisava de algo.

Do terraço, conseguia ouvir a melodia suave e triste que

soava do andar de baixo, onde eu sabia que estava cheio de

bailarinas.

— Amanhã você irá para Yale — Maxon anunciou.

O vento soprava em meus cabelos, me trazendo uma

sensação de paz inexplicável enquanto abria o champanhe. Quase


me engasguei com a primeira golada que dei, tentando engolir mais

do que era capaz de aguentar.

— O quê? — perguntei, confusa  e ainda sentada à mesa. —


Eu… não entendi.

Minha mãe engoliu em seco e só então reparei na sua comida

intocada no prato, ainda que sua atenção estivesse fixa ali.

— Você começa o segundo semestre de Moda em Yale,

amanhã.

Uni minhas sobrancelhas. Que porra ele queria dizer com

aquilo?
Kyle estava em Yale. Eu preferi cursar Direito aqui, enquanto
ele cursava o mesmo lá. Eu estava mais adiantada por ter terminado

o ensino médio mais cedo e era mais velha, com quase dois anos

de diferença.

— Pai, você está bem? — questionei, com medo da resposta.

— Amanhã começa o meu quarto semestre de Direito. Aqui em

Boston.

— A partir de hoje, não mais — as palavras saíam de sua

boca com naturalidade enquanto comia normalmente. — Seu voo

está marcado para amanhã na primeira hora da tarde. Espero que

não dê um chilique sabendo que não consegui um assento na


primeira classe. É muito mais do que garotas como você merecem.

— Não vou para Yale — respondi, minha voz elevando um

decibel.

— Oh, querida — lamentou, falsamente, com aquele olhar que

transparecia sua apatia. — Me perdoe se dei a entender que te dei

uma escolha. Você vai para Yale. Isso já está decidido.

— Mãe — chamei, mas Loren desceu seus olhos ainda mais,

os ombros caídos. — Vai deixar ele fazer isso comigo?


— Loren não tem poder nenhum sobre você, se quer saber —

ele disse e ela ergueu os olhos em sua direção, como se implorasse


por alguma coisa. Maxon abriu um sorriso perverso para ela e virou

a cabeça para o lado. — Ela já concordou com tudo. Não é, amor?

Ela ficou calada.

Loren não me defendeu.

Mas, bem, não podia esperar que ela me encorajasse a lutar

pelo meu sonho sendo que meses antes havia desistido do dela
com a desculpa de que gostaria de aproveitar mais a família. Aquilo

foi a maior hipocrisia que já ouvi de sua boca.

Primeiro que Maxon mal parava em casa. Ele saía cedo e


jantava em casa apenas aos sábados, porque nunca chegava a

tempo de nos ver acordados. Kyle estava em Connecticut desde o


início do ano e eu passava meu tempo me dividindo entre a
faculdade e o meu quarto.

A melodia continuou e tomando coragem, subi no parapeito


do prédio.

Meu vestido vermelho e rodado, flutuava no ar, como se


fossem nuvens enquanto meus pés deslizavam pelo espaço
minúsculo.
Eu nunca havia dançado antes, não daquele jeito pelo menos.

Estava apenas reproduzindo o que havia visto uma bailarina fazer


pelas enormes janelas de vidro enquanto subia.

Estava nervosa, mas não com medo. Não tinha mais medo de

altura. Da queda, muito menos.

Dezenove andares me separaram do que eu acreditava ser a

minha solução.

Dezenove andares e tudo acabaria bem para todos.

Aquele foi o meu primeiro dia de aula em um curso novo, ao


qual detestava desde pequena. Eu adorava usar saltos altos e ter

sempre as bolsas de grife mais caras, mas não havia nenhum


interesse sequer dentro de mim de trabalhar na indústria da moda,

embora aquele sempre tivesse sido o plano do meu pai.

Quando terminei o colegial e decidi cursar Direito, minha mãe


ergueu a cabeça e disse que eu cursaria sim o que eu desejava

quando ele foi contra. Aquilo fez meu pai ficar no lugar dele.
Naquela semana, porém, quase quatro anos depois, ele mudou de

ideia e pior, teve a aprovação dela.

Cada passo, um gole.

Cada segundo, uma despedida.


A dor da traição queimava em meu peito.

Eu não queria me matar. Eu só queria ser feliz.

Girei sobre meus calcanhares e abri os braços, rindo quando

me desequilibrei.

Eu não queria me matar.

Foi por isso que gritei o mais alto que pude enquanto olhava
para os céus e me perguntava porque o criador dele me abandonou.

Eu gritei tão alto que senti minha garganta doer. Gritei tão alto

que imaginei que a cidade inteira pudesse me ouvir.

O trovão me acompanhou, clareando o céu de Connecticut de

uma forma que nunca vi na vida. O choro explodiu de dentro de mim


e meus ombros caíram, ainda assim, apontei a garrafa para frente,

fazendo um brinde a quem quer que estivesse disposto.

Um brinde ao fim. Ao vazio. Ao silêncio.

Virei a garrafa na boca de uma vez só, sorvendo até o último


gole de coragem e dei um passo para a frente.

Porém, antes que pudesse me render ao fim, uma voz doce e


suave soou.

— Moça?
Paralisei.

Eu queria ignorar, mas era apenas uma garotinha. Não podia


traumatizá-la daquele jeito. Simplesmente não podia acabar com ela

dessa forma.

— Moça! — chamou de novo, impaciente. — Você está me


ouvindo?

Virei a minha cabeça para o lado, comandando para ela:

— Volte para dentro, pequena. É perigoso aqui fora.

— Eu sei — ela disse, sua voz soou triste e isso me fez virar

em sua direção.

Os cabelos loiros, estavam presos em um coque firme e o

corpo miúdo, coberto por collant e tutu rosa.  Havia um brilhinho em


volta dos olhos claros e eu podia ver claramente dois dos seus

dentes faltando, formando uma janelinha adorável. Ela devia ter, no

máximo, cinco anos.

— O que está fazendo aqui em cima?

— Achei que podia encontrar meu papai por aqui, mas acabei

me perdendo da minha mãe.

— E porque ela te deixou sozinha por aqui?


Falávamos um pouco alto por conta da chuva, mas ela ainda

estava a uma certa distância de mim e estava se molhando por


causa do vento, que levava a chuva para dentro.

— Ela não me viu sair — confessou, sorrindo amarelo e

parecendo envergonhada, abraçando o próprio corpinho. — Pode

me ajudar a encontrá-la? Tem muitas escadas, não posso descer


sozinha. Mamãe não deixa, diz que papai não deixaria também.

Olhei para baixo e depois para a garrafa em minhas mãos, a


realidade me atingiu como um soco.

O que eu estava fazendo?

O que eu faria se aquela garotinha não chegasse a tempo?

Deus, eu realmente…

Desci do parapeito e ela estendeu a mão para mim, chegando

mais perto. Naquele segundo, decidi nunca mais pensar naquele


dia.
Vá em frente e chore, garotinha
Ninguém faz isso como você

Eu sei o quanto isso importa para você


Eu sei que você tem problemas com seu pai
E se você fosse minha garotinha

Eu faria tudo o que pudesse


Eu fugiria e me esconderia com você

Daddy Issues — the neighbourhood

— Desce daí, Kimberly. Agora.

Sua voz está falhando. Asher parece triste com algo.


— O que aconteceu? — viro-me em sua direção, vendo-o

chegar cada vez mais perto, a passos cautelosos.

— Por favor, só… desce e vamos embora, princesa.

Uno os sobrancelhas, confusa com o tratamento. Por que está

me chamando assim? Porque parece estar tão apressado para

chegarmos em casa?

Nenhum de nós dois está satisfeito com essa festa, é um fato.

Passamos a maior parte do tempo cumprimentando e sorrindo para


pessoas que sequer conhecemos, comendo comidas duvidosas e

ouvindo histórias que não eram do nosso interesse. A única coisa

que conseguiu salvar a festa, foram as bebidas.

Maxon jamais daria uma festa sem bebida de qualidade.

Péssimo pai? Confere. Marido ruim? Confere. Advogado

mediano que se aproveita da fama da esposa para ter clientes?

Confere. Bebida ruim em uma festa beneficente que serve apenas

para que o adorem? Corta.

A bebida precisa ser boa. A mais cara que os funcionários

conseguirem comprar.

Patético.
— A festa acabou de ficar boa — resmungo, um pouco
bêbada. — Tem certeza de que quer ir?

Asher se aproxima o suficiente para segurar minha cintura.

Em cima do parapeito, fico muito maior que ele.

— Tenho, amor. Vamos para casa dormir.

— Não quero dormir — respondo, ébria, enquanto sou puxada

para baixo em um movimento só. — Vamos fazer outra coisa.

— Certo — ele concorda, mas ainda parece nervoso. —

Vamos fazer qualquer coisa. Qualquer coisa que você quiser.

— Por que está tão estranho?

Deito em seu ombro, sendo carregada para dentro do

elevador. Ouço quando ele aperta um dos botões e imagino que

estejamos indo para o estacionamento novamente.

— Não é nada. Nós conversamos amanhã.

— Sabe que isso não é o tipo de coisa que se diz a alguém,

certo? — reclamo. — Ataca o coração. Já quer terminar comigo? Só

estamos namorando há quatro horas.

— Desculpa, amor. Vamos conversar sobre você beber

demais em uma festa assim, e não avisar que terei que dirigir.
A caixa metálica se abre e como imaginei, estamos no

estacionamento. Há pouca luz aqui, impossibilitando que eu veja


seu rosto ao erguer a cabeça.

— Mas você sabe dirigir? — pergunto, quase desesperada. —

Asher, o que acha de chamarmos um táxi?

Acho que nem estou mais bêbada.

— Está com medo de que eu machuque o seu carro? — ri

baixinho.

— Eu cuido dele com muito amor.

— Sim, dirigir como se o mundo estivesse acabando

realmente demonstra isso.

— Eu sei o que estou fazendo.

Ele revira os olhos e me coloca no chão quando chegamos

onde meu carro está estacionado.

— As chaves, senhorita.

— Eu posso pagar pela viagem, lindo.

— Kimberly, não vai acontecer nada com seu bebê. Eu juro.

Suspiro. Que droga. Eu deveria ser mais resistente a ele. Lhe


entrego o molho que estava dentro da pequena bolsa de mão e
lanço para ele um olhar suplicante.

Minha Bugatti realmente é o meu bebê, apesar de correr


como uma louca, cuido dela como se fosse um pedaço meu e não
gosto nem um pouco da ideia de que outras pessoas a dirijam.

E daí que não comprei com o meu dinheiro, não é? Está no


meu nome, é minha.

Asher abre a porta para mim e me ajuda a subir, colocando o

meu cinto da maneira certa. Creio que os meus braços moles não
seriam capazes de fazer isso, já que, de repente, me sinto muito

sonolenta.

Tento ficar acordada durante a viagem de volta só para


garantir de que ele vai mesmo cuidar do meu carro, mas o sono me

vence.

Minha cabeça dói quando abro os olhos. Tento me virar para

fugir da luz, mas vejo uma sombra enquanto o faço e desperto de


uma vez, tentando entender as coisas ao meu redor.
Asher está sentado em uma cadeira. Seus pés estão
apoiados na janela enquanto fuma, olhando para fora. Ele veste a
mesma roupa de ontem, mas se desfez do paletó e da gravata

borboleta. No entanto, eu estou com uma das camisetas dele.

Já fazia um tempo em que não o via fumar, tanto que nem me


lembrava mais quando foi a última vez em que o vi com um cigarro

entre os dedos, então deduzo que deve ter acontecido algo.

Me levanto, caminhando até onde ele está e me sentando em

seu colo. Coço os olhos, ainda sonolenta e envolvo seu pescoço.

— Bom dia — desejo. — Não conseguiu dormir?

— Você tentou se suicidar, Kimberly? — ele pergunta, de


repente, sem ao menos me responder. — Tentou se matar no

primeiro dia do semestre?

Engulo em seco.

— O que está... — começo, mas não consigo elaborar a

pergunta. — Não estou entendendo, Asher.

Ele aponta para um ponto atrás de mim, no alto de um prédio.

— Eu estava aqui, fumando e bebendo quando vi uma mulher

lá em cima — diz e eu posso sentir seu olhar perfurar minha pele. —


Ela vestia um vestido vermelho e tinha uma garrafa na mão,
enquanto dançava no parapeito sem se importar.

Volto meu olhar para ele, seus olhos estão vermelhos e

sombrios.

— Era você, não era?

Sua voz é baixa, sussurrada. Dolorosa. Ele parece sentir

minha dor.

Asher não fala mais nada enquanto assinto.

— Vai embora agora? — pergunto, minha voz tremendo pelo

choro contido.

Percebeu que não sou tudo o que idealizou?

Entendeu porque ninguém fica por tempo demais?

Asher nega.

— Não vai brigar comigo?

Ele nega novamente.

— Vai fazer o quê então?

Ash beija minha bochecha.

— Vou cuidar de você.


Escondo meu rosto molhado em seu pescoço, mas só então

me dou conta de algo.

— Você pode apagar o cigarro e tomar um banho antes? —


pergunto, arrancando um riso nasalado dele.

Nosso momento é interrompido por uma batida forte na porta,


levando nossa atenção para lá.

— Deve ser o Brandon. Ele ficou preocupado quando me viu

chegar com você — ele diz e depois me olha. — Por que não pega

uma roupa no meu armário e tomamos um café juntos naquela


cafeteria que você gosta?

Assinto, me levantando e vendo-o fazer o mesmo que eu


enquanto caminha até a porta. Me assusto quando ouço um baque

e arregalo os olhos quando vejo o corpo de Asher tombar para

dentro do cômodo e… Kyle segurar a gola da sua camiseta.

— Eu confiei em você — diz meu irmão. — Eu confiei a minha


irmã à você e o que você faz, seu filho da puta?

Demoro a assimilar tudo o que está acontecendo a minha


frente, assustada demais com a brutalidade que emana de Kyle

nesse momento.

— Kyle! — grito. — Kyle, solta ele!


Me enfio entre os dois, o empurrando para longe de Asher,

que não teve a decência de fazer o mesmo ou o rostinho bonito do

idiota do meu irmão estaria acabado agora.

— E você, caralho? — direciona sua raiva para mim. — Não

pensou em me contar em momento nenhum o que fazia com o meu


melhor amigo bem debaixo do meu nariz?

— Não achei que a minha vida sexual fosse da sua conta.

— E eu não achei que você me trairia dessa forma — sinto o


baque das suas palavras. — Nunca achei que o papai estivesse tão

certo ao te chamar de egoísta.

Meus olhos se enchem e eu o solto, como se encostar nele

queimasse. E, nesse momento, queima.

Já não reconheço mais o garoto na minha frente.

Sei que está magoado comigo. Não estou isentando seus

sentimentos dessa equação, mas saber que meu próprio irmão está

usando algo que sabe que me machuca apenas para me atingir, dói
pra caralho.

Dói mais que não poder seguir meu sonho.


— Ei — Brandon chega no meio da confusão que se formou

no corredor. Pelo canto do olho, consigo ver o resto do time saindo


dos seus quartos, provavelmente se assustaram com o rompante de

Kyle. Brandon olha de um para o outro e quando entende o que está

acontecendo, começa a empurrá-lo para longe de nós. — Anda, Ky.


Você precisa esfriar a cabeça.

— Não me toca — ele se desvencilha. — Todos vocês


sabiam, não é? Foram coniventes com essa situação e não me

contaram nada.

— Kyle, por Deus! — Brandon rebate. — Faça um favor a si

mesmo e vá para a puta que pariu e só volte quando conseguir ser

ao menos educado com a sua própria irmã.

Asher bate a porta do quarto, abafando a discussão


generalizada que gerei do lado de fora. Continuo ao seu lado,

olhando para a madeira e pensando que, mais uma vez, sou a

culpada por trazer o pior das pessoas à tona.


Você realmente quer deixar ir?
Eu sei que você está cansado, sim, você está se sentindo pra baixo

Toda a sua vida você andou na ponta dos pés


Em uma casa onde a dor é tudo o que você conhece
E você sente que o mundo se move muito devagar

Mas ainda há muito espaço para crescer


Você realmente quer deixar ir?

Não, eu não acho que você queira deixar ir

Find Our Way — Being As An Ocean


Demora alguns minutos até que o choque de Kimberly passe.

Seus olhos nublados em lágrimas se viram para os meus e seus


lábios tremem quando choraminga:

— Eu fiz tudo por ele, Ash.

— Eu sei, amor — abro os braços para ela, que me agarra

com força. — Eu sei.

Carrego-a até me sentar na cama, colocando-a no meu colo e

acariciando seus cabelos por um tempo, até que o choro chega. É


tão doído que quero chorar junto. O som é alto e cessa o barulho da

discussão gerada lá fora por um minuto.

— Eu fiz tudo por ele, por que ele não pode renunciar algo por
mim também?

É estranho pensar em como a imagem de pessoas que você

admirava antes, pode começar a te irritar e machucar após certas

situações. Kyle costumava ser alguém para quem eu corria sempre

que as coisas não iam bem, mas agora ele não parece ser a mesma

pessoa.

Seria hipócrita se dissesse que não sabia que estaríamos

numa situação como essa. Kyle havia me alertado sobre se


aproximar de sua irmãzinha, é verdade, mas jamais imaginaria que
estava falando sério naquela proporção.

Porra, ele literalmente colocou a irmã entre a cruz e a espada.

Me sinto um merda por isso. Kyle e Kimberly são a dupla

perfeita, só em pensar que isso está sendo abalado por culpa


minha, me faz sentir ânsia.

— Kimberly! — a porta é aberta e Kyle aparece novamente,

ainda transtornado enquanto os caras estão do outro lado tentando


impedi-lo. — Vamos conversar.

Levanto o olhar de Kimberly, chorando em meu peito, para o


cara que pensei ser meu melhor amigo, a olhando em meus braços

como se fossemos uma aberração.

— SAI DAQUI! — sua voz enfurecida brada, se movendo do


meu colo e agarrando o primeiro objeto próximo a nós, fazendo

menção de atirar nele com toda a sua força. — Sai, Kyle!

Brandon retorna também, com a expressão irritada, fecha a

porta e parece arrastá-lo para longe novamente, proferindo uma

série de xingamentos dirigidos ao nosso capitão.

Kim não parece estar se importando com isso agora, porque

se vira para mim, esmurrando meu peito, descontando sua raiva.


Fico parado, deixando com que ela me use como saco de

pancadas. Desde que não se machuque, posso lidar com isso.

Ela se cansa alguns minutos depois e seu corpo desaba mais


uma vez sobre o meu, cansado. Levanto-me, com ela no colo e

caminho em direção ao banheiro. Ajudo-a a tirar suas roupas e a


entrar no chuveiro, abraçando-a com força. Ela já não está mais

chorando, mas ainda parece muito abalada. Na verdade, Kimberly


parece desolada, como se nada fosse capaz de fazê-la voltar a
sorrir.

Sei que isso está abalando mais do que qualquer outra coisa.
Sei como ela deve estar se sentindo, porque viver longe de

Benjamin é ruim pra caralho, ficar distante de alguém que você


convive e mora debaixo do mesmo teto que você deve ser

devastador.

— Quer conversar?

— Estou me sentindo culpada por estar assim. O Kyle


merecia que eu fosse sincera com ele antes.

Suspiro.

— Nunca é sobre você, já reparou nisso? — pergunto,


erguendo seu queixo e fazendo-a olhar em meus olhos. — Você
coloca todo mundo acima de você. E os seus problemas, Kim? E a

sua vida? E você?

— Asher, está exagerando, eu…

Interrompo-a.

— Tudo bem ser egoísta às vezes, princesa. Você também


tem o direito de chorar e sentir raiva.

— Não está triste por perder seu amigo?

— Estou mais decepcionado do que triste — admito. — Kyle

foi a primeira pessoa que me viu. Ele me viu quando o resto do


mundo parecia me ignorar. Não estou feliz com essa situação e

queria que fosse tudo diferente, mas não posso mudar a forma com
que as pessoas pensam, Kim. Assim como eu e você, ele também
tem o direito de sentir raiva, só que não por algo que não é escolha

dele.

— Mas vai ficar tudo bem — ela diz, tentando consolar a si

mesma. — Não é?

Assinto.

Ficaria tudo bem desde que tivéssemos um ao outro.

Mas não era bem assim. Eu devia saber disso.


Porque alguns dias depois, bateram na nossa porta. Era a
realidade nos alertando do fim do jogo.

Perdemos o controle.

Era tarde demais para voltarmos atrás.


Remendar o que foi quebrado
Desdizer estas palavras ditas

Encontrar esperança na falta de esperança


Me tirar desse desastre
Desfazer as cinzas

Desencadear as reações
Eu não estou pronto para morrer, ainda não

Train Wreck — James Arthur

Quando o barulho dos meus saltos soam pelos corredores da

Ballard, não sinto o habitual frio na barriga que sentia há alguns


meses atrás.

Eu chamo de conformismo.

Já me adaptei à ideia de que, enquanto depender dos meus

pais, nunca vou seguir no Direito e que de uma forma ou de outra,

nunca me sentarei na cadeira presidencial desta empresa.

A última parte é a que me pesa mais; saber que não sou

conveniente para os negócios da minha própria família.

Eu deveria estar na luta de Asher agora. É importante para ele


que vença hoje, sei que é capaz disso e gostaria muito de estar

presente para apreciar. Mas ao invés disso, estou aqui em um lugar

que me traz pensamentos conflitantes, depois de dirigir por duas


horas, apenas para obedecer mais um dos caprichos de Maxon.

Na festa, uma semana atrás, ele me instruiu a vir aqui hoje,

uma hora após o fim do horário comercial. Eu estou no

estacionamento há horas apenas porque não pude me conter de

ansiedade.

As coisas ainda estão complicadas.

Kyle quase não aparece em casa sóbrio. Ele vai à faculdade

com olheiras enormes por conta da ressaca, não dirige a palavra ou


atenção para nenhum de nós, bebe até o ponto de um dos caras do
time terem que levá-lo em casa e o ciclo se repete incansavelmente.

Por isso, acabo sempre passando mais tempo na fraternidade

dos meninos e com Mia durante o dia e durmo em casa apenas à


noite, porque tenho medo de que ele precise de ajuda e esteja

sozinho em casa. Embora seja um babaca, é meu irmão e eu ainda

o amo.

Estou com saudades de dormir agarrada com o Asher.

Eu não deveria ter me tornado tão emocionada assim, mas

me sinto segura em seus braços. Ninguém pode me julgar por me

aproveitar da boa vontade dele.

— Sente-se, Kimberly.

A voz grossa e tediosa de Maxon me alcança antes mesmo


que eu atravesse a porta. Ele nem mesmo me dirige um

cumprimento sequer.

Isso não é necessário entre nós.

Nunca foi.

Todos sabem que Maxon manda, Kimberly obedece.


A Kimberly. A Kimberly que busca por tentar agradar e ter, ao

menos, um elogio de seu próprio pai ainda é uma parte muito


grande de mim. É um pedaço doente e vazio que ainda domina o

meu coração, mas que não sei como contornar.

Embora tenha crescido na mesma casa que meu pai, não sei
se posso considerá-lo presente. Emocionalmente, ele sempre foi

distante. Tudo se resumia ao dinheiro, quando, na verdade, apenas


elogiar o desenho mal feito que fiz da nossa família, seria o
suficiente.

Sento-me à sua frente, contudo, não falo nada. Se ele não se


dá ao trabalho de ser educado, também não me darei, afinal, um pai

é o maior exemplo de um filho.

— Você tem sete dias para se livrar daquele garoto ou o irmão


dele sofrerá as consequências.

Ele é curto e direto. Mais uma coisa da qual me pareço com

meu pai. Demora alguns segundos até que minha mente consiga
processar suas palavras.

— Perdão, do que exatamente estamos falando?

— De Asher Dempsey — ele finalmente ergue os olhos para


mim. — Não ficou claro o suficiente?
— Por quê?

Por que está pedindo isso?

Por que sempre faz de tudo para me ver infeliz?

— Ele não é bom o suficiente para você.

Solto um riso nasalar.

— Apenas porque não foi você quem o escolheu?

— Exatamente por isso.

Levanto-me. Não vou ficar aqui e ouvir isso. Me recuso.

— Não vai me impedir de ficar com ele. Não vai interferir mais

na minha vida. Não desse jeito.

— Fiz isso semana passada e garanto, querida, foi apenas o

começo.

Uno as sobrancelhas ao ouvir isso, até me dar conta de que


está se referindo ao Kyle. Claro. Porra, como não pensei antes?

Estava tão ocupada em remoer sobre aquele rompante do

meu irmão que nem ao menos me questionei como ele ficou


sabendo disso, quando a resposta estava bem debaixo do meu

nariz.
— A mamãe está ciente disso? — pergunto, com apenas um
fio de esperança na voz.

Maxon ri.

— A sua mãe está morta.

A informação me choca tanto que preciso me sentar


novamente.

— É por isso que Loren nunca interfere nas minhas ordens

sobre você. Ela não tem direito. Eu sou o seu pai. Você deve
obediência apenas a mim.

— Está mentindo.

— Pense o que quiser, querida. Só não esqueça das minhas


palavras ou irá se arrepender amargamente — diz, com um sorriso

no rosto. — Você tem um mês. Espero ter uma resposta para


Benjamin em breve.

Sinto o exato momento em que meu coração termina de se

quebrar. Ele se quebra pela situação com Kyle, sobre ele me ignorar
e não estar em casa quando eu chegar e precisar de um colo de
irmão. Se quebra porque estou a um passo de desistir da única

pessoa que me enxergou como sempre desejei.


Eu sinto a dor de ser a filha rejeitada.

De ser aquela que precisa se sacrificar.

Eu sinto tudo e ao mesmo tempo é como se um vazio se

estendesse pelo âmago.

— Por quê? — grito com todas as minhas forças. — Por que


ser um monstro com a própria filha? Por que você ama tanto me

destruir? Por quê?

Um sorriso diabólico nasce em seus lábios.

— Porque eu posso.

Isso é o suficiente. Não preciso de mais nada para entender

que nunca serei amada.

Apressada, saio de sua presença como se fosse contagiosa.

Meu peito martela tão forte que o ar chega a me faltar, mas não paro
até estar dentro do meu carro. Jogo as minhas coisas de qualquer

jeito no banco de trás e inclino um pouco o banco, na vã tentativa de

conseguir ar enquanto observo as nuvens pesadas começarem a

desaguar.

É quando a raiva me toma e eu soco o volante como se isso


fosse aplacar a dor. Não vai. Eu sei disso.
Alguns minutos depois, dou partida no carro e então, assim

como o céu, eu também choro. Choro de raiva, de mágoa e


ressentimento. Choro de medo. Medo de perder aquilo de mais

precioso que já encontrei na minha vida. Medo de perder Asher para

sempre. Ou pior, de fazer o Asher perder alguém que tanto ama.

Vê-lo sofrer ainda mais por causa do irmão seria uma escolha
que ultrapassa o egoísmo.

Minhas mãos tremem, enquanto agarram o volante com força.


Quero gritar até não ter mais voz e esse aperto em meu peito sumir.

Sinto uma vontade enorme de socar uma parede até quebrar todos

os ossos das minhas mãos. Uma vontade enorme de socar o rosto

com a expressão presunçosa que Maxon sempre carrega.

Ele sempre vence. Eu estou farta disso.

Ouço um motorista buzinar quando entro na via do lado sem


dar seta, em seguida ele passa por mim, me xingando.

Foda-se.

A chuva está violenta e não vejo quase nada, a não ser os


pequenos pontos de luz, que emitem os faróis dos outros carros,

que circulam por ali.

Maxon nunca foi meu pai.


Ele nunca me amou.

Eu deveria aceitar isso.

Mas não consigo.

Só consigo me perguntar qual a motivação para tudo isso.


Gostaria de saber qual o seu prazer em manipular todos ao seu

redor. A mim, principalmente.

De repente, o som de outra buzina chega aos meus ouvidos,

me tirando rapidamente de dentro da minha mente nublada. Dessa

vez, o barulho é mais alto e tenho a ligeira impressão que está mais
perto do que deveria, porém, não consigo ver. A chuva engrossa

mais ainda e o vento está tentando derrubar tudo o que consegue.

Uma luz incomoda os meus olhos, ficando cada vez mais

forte. A buzina ainda soa, me deixando atônita.

O que está acontecendo? 

E então, me dou conta. São faróis. E estão vindo bem na

minha direção muito rápido.

Rápido demais.

Consigo ouvir a voz de Kyle dizendo para pisar no freio, se

algum dia eu entrasse em uma situação como aquela, entretanto,


estou nervosa e me atrapalho com os pedais, percebendo que as

agulhas dos meus saltos acabaram prendendo entre eles. Sinto meu
coração na garganta enquanto o carro continua com a mesma

velocidade, indo diretamente de encontro ao outro.

Remexo minhas pernas, tentando tirar meus pés dos sapatos

enquanto jogo o carro para o outro lado, o mais rápido que consigo.

Mas no instante em que minha mão toca o freio de mão, é tarde


demais. Sinto o baque contra a lataria e o estrondo reverbera em

minha cabeça.

Consigo ouvir o meu coração acelerado, enquanto o carro gira

na pista várias vezes.

Tudo o que vejo são borrões e a lembrança da última vez que

estive com Asher, até o momento que minha cabeça se choca com
força contra a janela, estourando o vidro.

E então, tudo o que consigo sentir é dor, enquanto perco o

controle.

Dilacerante.

Cruel.

Amargo.
Tenho a sensação de que estou afundando
Mas eu sei que eu vou sair vivo

Se eu parar de te chamar de meu amor


Seguir em frente
Você me vê sangrar

Até eu não conseguir respirar


Estou tremendo, caindo de joelhos

E agora que estou sem seus beijos

Vou precisar de pontos


Stitches — Shawn Mendes
Não consigo me concentrar na luta.

Tem algo me incomodando, porém não sei exatamente o que

me causa esse sentimento.

Estou sozinho hoje.

Desde que trouxe Kimberly pela primeira vez, ela vinha me


acompanhando todas as semanas, ainda que eu insistisse em não

trazê-la. Minhas lutas se tornavam cada vez mais rápidas e mesmo

que Alessandro não falasse nada, sabia que isso prejudicava os


negócios em relação ao dinheiro apostado.

Os caras vibram ao meu redor, gritando pelo meu nome

ensandecidamente.

É uma luta especial, importante.

Meu oponente é de uma das academias rivais, o Destiny’s[13].

Ele não joga limpo. Foi mais um desses lutadores profissionais que
destruíram a própria carreira se metendo com o que não deveriam.

Nossos olhares se cruzam e, de alguma forma, não consigo

me concentrar.

Nunca tive esse problema antes, nem quando Kim vem aqui,

ainda que eu saiba que tenho que dosar na brutalidade, eu consigo


fazer o que sei de melhor.

Isso não parece ser o que acontece hoje.

Por que quando fecho os olhos rapidamente, não é o rosto do

meu pai que vejo. É o de Kimberly.

Por um momento, sinto tudo girar, como se eu estivesse numa

montanha russa em queda livre, e tudo que vejo são borrões.

É aterrorizante e totalmente amendrontador, porque quando a

luta é autorizada, só consigo desviar do primeiro golpe de direita do

meu adversário porque meu corpo tomba para o lado oposto, como

se estivesse com o dobro do seu peso e não conseguisse se manter


de pé.

O barulho cessa.

A única coisa que zuni nos meus ouvidos é um grito

incessante e agoniado.

Não é um grito qualquer.

É o grito dela e está me chamando.

O segundo golpe me atinge.

Não reajo.

Não consigo.
Não quero.

Eu só quero ela.

Quero entender porque está gritando.

O sangue desce do meu nariz, posso sentir escorrer até sentir

o gosto na minha boca. Eu baixei a guarda e estou sendo


nocauteado.

Não consigo revidar, mas algo está fazendo mal a minha

garota.

Então, apenas por isso, ergo o punho.

Desfiro um soco no rosto do meu oponente com tanta força

que posso sentir um dos meus dedos se quebrando. Mas não paro.
Subo em cima de seu corpo e espanco o maldito, crendo na ideia de
que preciso fazer isso por ela.

Minha garota precisa de mim.

Não espero que me anunciem como vencedor, não pego o


meu prêmio. Hoje, segundos após levar meu oponente ao chão,

atravesso o ringue e me esgueiro através das cordas, meu corpo


inteiro clamando por cuidados. Mas a única coisa que penso quando
subo na moto deixando tudo para trás, é que preciso encontrar a

minha garota.

Onde quer que ela esteja.


Naquele momento, Céu e Inferno eram saberentes
de que Kimberly Ballard e Asher Dempsey,
eram almas gêmeas.
 

 
Mãe, olhe para mim
Me diga: o que você vê?

Sim, eu perdi minha cabeça


Papai olhe para mim
Será que algum dia serei livre?

Será que eu passei do limite?


All The Things She Said — T.A.T.U

Sinto minha cabeça latejar, como se estivesse acordando de

uma ressaca muito forte. Ainda de olhos fechados, com a dor me

impedindo de abri-los, procuro pelo corpo quente que sempre me


abraça durante a noite na cama, entretanto me assusto quando

sinto o vazio, ignorando toda a dor para procurá-lo.

Entretanto, tudo à minha frente é uma parede branca e os

meus pés cobertos por uma manta clara. Desço meu olhar para

baixo, vendo que estou vestindo um pijama também branco e azul e


um cateter de soro enfiado no meu braço. Só então entendo que

estou em um hospital.

Droga. Não foi um pesadelo.

— Enfermeira — chamo, minha voz saindo baixa e rouca. —

Por favor, enfermeira.

Uma mão fria toca minha testa, parecendo trêmula.

— Calma, amor — sussurra. — Está tudo bem agora.

Uma lágrima escorre do meu rosto quando reconheço a voz.

É Asher. Ele está aqui.

Ele que roubou um bolo para comemorarmos meu aniversário.

Que confiou em mim. Me fez me sentir especial, única e amada.

— Asher — chamo, minha garganta seca, dificultando tudo. —

Asher, água… eu preciso…


Ele me entrega o copo que está a alguns metros de distância
e eu bebo em um gole. Apoio as mãos na cama desconfortável,

para equilibrar meu corpo e conseguir erguer o tronco. Minha

cabeça gira e é como se flashs da batida retornassem, fazendo tudo

latejar.

É insuportável.

— Calma, amor — ouço a voz de Asher repetir, enquanto me

ajuda. — Você precisa descansar.

— Para de me mandar ter calma, só está piorando.

Ele ri, parecendo nervoso e só então reparo na sua mão


esquerda enfaixada.

— Não pode, pelo menos, fingir que é carinhosa?

— Não — resmungo, olhando para ele. — O que aconteceu

com a sua mão?

— Quebrei dois dedos — responde simplesmente, me

fazendo erguer o tronco com rapidez. — Caralho, fica quieta.

— Quebrou dois dedos? — repito, debilmente. — Como isso

aconteceu? Não vai te prejudicar?


— Quebrei em uma luta. Em breve estará melhor, o outro

cara…

— Ficou pior — completo. Eu reviraria os olhos se


conseguisse fazer isso sem que minha cabeça fique prestes a

explodir. — Eu já sei.

Asher se inclina para beijar minha bochecha.

— Como eu vim parar aqui?

— A polícia encontrou seu carro em um engavetamento.

— O meu bebê ficou destruído, não é?

Ele assente com pesar, sabendo que aquele carro era

importante para mim.

— Sinto muito.

— O meu pé… — pergunto, olhando para o gesso pesado. —


Está quebrado?

— Sim — responde, alisando meus cabelos. — Vai precisar


ficar de repouso por um tempo e sem saltos durante alguns meses.

Suspiro um pouco triste ao saber disso, porém feliz que estou

viva.
Asher e eu olhamos para a porta entreaberta ao mesmo

tempo quando dois toques são ouvidos.

— Oi, querida — minha mãe cumprimenta. — Vim o mais


rápido que pude. Tento olhar para trás dela, mas, felizmente, não o

vejo. — Estou sozinha, Kimberly.

— Eu vou… deixar vocês duas sozinhas.

Assinto para ele, ganhando mais um beijo na bochecha. Asher

cumprimenta Loren rapidamente e fecha a porta do quarto ao sair.

— O médico disse que você…

— Já sei de tudo.

Loren paralisa, mesmo sem mais palavras, parece entender


tudo.

— Ele te contou?

— Sim — admito. — Por que nunca me disse?

— Porque você sempre foi minha — diz, simplesmente. — E


porque não queria que me tratasse diferente por isso. Infelizmente,

acabou que isso aconteceu de uma maneira ou de outra.

Foi no momento em que você não lutou por mim!

— Nunca pretendia me contar?


— Sim, porém apenas quando conseguisse resolver a
pendência com a sua faculdade.

— Está tentando me trocar de curso? — pergunto,


esperançosa, mesmo sabendo que não devo.

— Sim.

— Não precisa se dar ao trabalho — as palavras saem da

minha boca com dificuldade. — Já sei que nunca poderei assumir a


Ballard, de qualquer jeito.

Antes, não podia pela interferência de Maxon, mas agora,

sabendo que não sou filha legítima de Loren, é quase impossível


que isso aconteça, então estou entregando tudo. Estou dando a
Maxon tudo. Mas não sem tentar uma última vez.

A notícia de que não sou filha dela, está me machucando pra


caralho, porque simplesmente não consigo pensar numa vida em
que Loren Ballard não estivesse comigo.

Minha infância está recheada de lembranças dela.

Loren elogiando meu desenho.

Loren sentada na primeira fila das minhas apresentações na

escola.
Loren beijando meus machucados.

A única coisa que Loren nunca fez por mim, foi enfrentá-lo. E
eu entendo agora o porquê.

Mamãe carrega essa mentira há tanto tempo…

— Ele me ameaçou, mãe.

— O quê?

— Disse que se eu não deixar o Asher, vai dar um jeito de


manter o irmão dele na cadeia para sempre — digo, minha voz

trêmula e entrecortada. — Não posso deixar que isso aconteça com

ele, não posso.

Sequer consigo me concentrar na máquina ligada a mim que

começa a produzir um bipe alto à medida que meu coração acelera,


minha mente devaneia milhares de coisas horríveis que meu genitor

pode fazer contra nós, caso mantenhamos o nosso namoro.

— Acalme-se — ela diz, acariciando meus braços. — Ele não

vai fazer nada.

— Você precisa impedi-lo — imploro, segurando suas mãos.

— Eu sei que ele vai conseguir o que quer. É ele quem está
cuidando do caso de Benjamin e conseguiu fazer com que Kyle e eu
brigássemos na semana passada, sem nem aparecer. Mãe, por

favor, faça algo. Só dessa vez. Eu imploro.

— Kimberly, olhe para mim — manda e mesmo com os olhos


nublados, faço o que pede. — Não vai acontecer nada, entendeu?

Eu vou dar um jeito nisso.


Então você não vai ficar por um momento
Para que eu possa dizer

Eu…
Eu preciso tanto de você
Por que agora você sabe que nada aqui é novo

E eu estou obcecado por você


Sunflower — Rex Orange County

Faz uma semana que Kimberly está em casa.

Pensando na privacidade e acessibilidade dela, já que o pé

quebrado ainda a impossibilita de fazer tudo sozinha, ela está no


apartamento que divide com o irmão. Eu também passo a maior

parte do tempo aqui, revezando com Mia e Kyle, que apesar dos
pesares, tem ajudado.

O problema, é que o idiota não parece estar disposto a

conversar com a irmã. Já está mais do que na hora de colocar as


coisas de volta no eixo.

Aproveito quando o vejo beber água na cozinha, sabendo que

vai direto daqui para o primeiro bar que encontrar na rua, um em

que o dono seja louco o suficiente para lhe vender a bebida. Tem
sobrado para mim colocá-lo na cama todas as noites.

Espero-o, recostado à porta, até que ele vem em minha


direção e me dirige um olhar de desgosto, que já não me atinge

mais.

— Pode me dar licença?

— A gente precisa conversar.

— Não tenho nada para conversar com você.

— Tem sim — reafirmo quando ele tenta passar por mim. —

Vamos conversar sobre você não conseguir enxergar nada além do

seu próprio nariz, Kyle.


— Não estou afim de ouvir nada do que tenha a me dizer,
Asher. Você era o meu melhor amigo e mesmo que eu tenha pedido

para não se aproximar de Kimberly, escolheu me apunhalar.

Ignoro a pontada que a palavra “era” causa no meu estômago.

Kyle sempre fora meu melhor amigo. Desde quando nos


conhecemos, no primeiro dia de aula. É algo que eu chamo de

conexão. Ninguém nunca ganhou minha confiança tão rápido. Nem

mesmo sua irmã.

E isso é uma merda. Entendo bem o que a minha garota

sente. Dói pra caralho abrir mão de Kyle. Mas é ele quem está se

colocando nessa situação, quando escolheu ser egoísta e se meter

em algo que não lhe dizia respeito.

Entendo que rolava muito ciúmes da parte dele com a irmã.

Se fosse ao contrário, também não gostaria que ele estivesse, sei

lá, comendo a minha irmã pelas minhas costas. Mas é diferente. O

que eu tenho com Kimberly é mais que desejo carnal, desde o dia

em que a vi pela primeira vez. Não estamos tentando iludir um ao


outro ou algo assim.

Eu a amo desde o primeiro segundo.


— Entendo o seu lado e não estou tirando a sua razão em

ficar irritado comigo — Travo sua passagem quando tenta sair. —


Acha mesmo que ganharia uma briga contra mim, Kyle? Acha que

ficar lá, parado quando me batia, foi algo que faço normalmente?
Levo caras com o dobro do seu tamanho ao chão toda semana e
não levantei a mão para você, porque te entendo.

Cada palavra sai da minha boca como um veneno, sabendo


que ele entende o que eu quero dizer. Eu podia ter acabado com ele
se quisesse. Mas jamais faria isso. Por ele, mas principalmente por

ela. Machucar sua metade, seria como machucar a ela.

— Sabe o que eu não entendo, Kyle? O jeito com que está

fazendo sua irmã se afastar de você, apenas por que ela não
atendeu mais um dos seus caprichos. É apenas isso que ela parece

servir na sua família. Seu pai pede para ela desistir do sonho dela e
ela faz. Ele pede para ela trocar de faculdade e de cidade e ela não
pensa duas vezes antes de fazer isso, apenas para ficar perto de

você.

“Porra, Kyle, sua irmã daria a vida por você se fosse preciso
sem nem mesmo pensar. E como você retribui? Aliás, onde você

estava quando ela precisou de você? Porque eu sei. Quando ela


estava com dor, ligando para que você a socorresse, você desligou

o celular para poder foder em paz. Mas eu estava lá, Kyle. Quando
você fingiu que não sabia que era o aniversário dela? Eu estava lá.

Onde você estava quando o desgraçado do seu pai a fez sofrer um


acidente? Você saberia dizer ou estava ocupado demais olhando o

seu próprio umbigo para isso?”

“Poderia ter resolvido comigo longe dela. Eu deixaria você me


bater até perder a consciência apenas para não precisar dormir ao

som do choro dela todas as noites, enquanto balbucia o seu nome.


Pode me achar um filho da puta por ter ignorado seu pedido, sim.
Mas não pode se achar melhor do que eu, quando você é o único

culpado pelas lágrimas dela.”

Deixo-o sozinho na sala, refletindo sobre minhas palavras,

nervoso demais até mesmo para medir meu tom de voz. Entretanto,
quando chego em frente a porta, paro e respiro fundo repetidas

vezes até que meu peito se acalme.

Uma expressão impassível estampa meu rosto quando a abro


e encontro seus olhos tristes.

É noite lá fora. Mia e Brandon passaram a tarde aqui cuidando

dela e acredito que ela a tenha ajudado no banho, já que está


vestida apenas com uma camiseta minha. Kim ainda tem medo de
usar as muletas quando está sozinha. Por isso, quando nenhum de
nós está, ela prefere ficar deitada. Felizmente, a fisioterapia

começará em breve e ela poderá usar a bota ortopédica.

— Estavam brigando?

— Não, amor — amenizo. — Estávamos apenas

conversando.

Ela suspira, deslizando pelos lençóis até se deitar. Caminho


até ela, deixando minha mochila em qualquer canto do chão para

afundar os joelhos no colchão e lhe dar um selinho.

— Como você está? — pergunto, acariciando sua cintura.

— Com tédio — resmunga, com um biquinho fofo. — Mas não

está mais dormente, o Brandon fez uma massagem milagrosa, você


precisa aprender. Nossa, amor, a Mia vai ter muita sorte quando
finalmente sentar nele.

— A Mia tem muita sorte?

Ela ri, me roubando outro beijo.

— Eu também tenho muita sorte.

— Por que o seu namorado está no seu top um?


— Supera isso — Kim provoca, revirando os olhos.

— Não pode me pedir para fazer isso — me defendo. — Você


me ofendeu.

— Vai tomar seu banho — manda, rindo.

Reviro os olhos e a deixo sozinha. Tomo um banho rápido


antes de vestir uma calça moletom e secar o cabelo ao máximo,

pensando que, talvez, esteja na hora de cortá-lo.

Quando volto ao quarto, ela já está dormindo. Apago as luzes

e bocejo a caminho da cama, ajustando o travesseiro em seu pé


para que fique mais confortável. Deito-me ao seu lado, acariciando

seus cabelos e pensando no quanto minha vida revirou nos últimos

meses.

Eu não tinha nenhuma perspectiva de vida. Passava a maior

parte do meu dia fumando, enquanto olhava para o nada e via a


vida dos outros acontecerem.

Agora meu dia e minha vida giram em torno de uma garota.

Uma garota por quem faria coisas inimagináveis apenas para ver

um sorriso em seus lábios.

— Amor? — chamo baixinho, aproximando nossos rostos.


— Hum.

— Está dormindo?

— Sim.

Eu rio.

— Eu te amo.

Kimberly abre apenas um dos olhos, me fazendo rir depois

que as palavras escapam dos meus lábios com uma facilidade

brutal. Mas essa não é uma novidade. Já faz tempo que eu aprendi
que todo o meu ser nasceu para amá-la.

— O quê? — repete, como se não estivesse acreditando.

— Eu amo você.

— Eu ouvi, Asher — resmunga, parecendo chateada. — Que

droga.

— O que foi?

— Estava planejando falar primeiro.

Bufo, revirando os olhos.

— Até quando você vai transformar tudo em uma competição?


— Até o dia em que você envelhecer e o seu pau não subir

mais.

— Com você isso seria impossível.

— Eu sei — ela sorri, apoiando o corpo nos cotovelos. — Eu

sou irresistível.

— É mesmo — concordo, lhe dando um beijo gostoso.

— Asher? — interrompe o beijo para me olhar e sorrir. —

Você sempre será o meu top um. Em todas as ocasiões possíveis.

— Se eu soubesse que era só dizer que te amava para ouvir

isso, teria falado antes.

É a sua vez de revirar os olhos.

— O que eu tinha na cabeça quando te pedi aquele beijo?

— Um sonho.
Se eu estivesse morrendo de joelhos
Você seria aquele que me salvaria

E se você estivesse afogado no mar


Eu te daria meus pulmões, para que você pudesse respirar
Brother — Kodaline

Não faço ideia de que horas são quando sinto o colchão

afundar atrás de mim. O corpo quentinho se aconchega com uma


certa distância e não me toca.

Não é o perfume de Asher, e sim o de Kyle.


Meu corpo se encolhe e eu busco pela minha coberta,

afundando no colchão, querendo ignorar sua presença. Não faço


ideia de quanto tempo passamos em silêncio até sentir sua mão tirar

boa parte do que me cobre, acariciando meu cabelo com calma,

como eu fazia sempre que ele estava triste.

— Fui um idiota, né? — assinto ao ouvir sua pergunta. —

Você vai me perdoar fácil? — neguei. — E se eu te der um beijinho?

— Não quero nenhum beijinho seu.

— Começou a namorar o Asher e agora não quer mais

carinho comigo, não é?

Minha garganta trava, um bolo se formando nela.

— É. O Asher não me faz escolher entre ele e você.

Meu irmão suspira, pesaroso. Mas eu não posso facilitar,


estou cansada de sempre ceder às minhas vontades para deixar as

pessoas à minha volta confortáveis.

— Escuta... eu estava pensando sobre isso e... — ele pausa.


— Foi meio babaca da minha parte. Não tenho direito de exigir nada

sobre sua vida.

— Não tem mesmo.


— Além disso, sei que só não me escolheu naquela hora para
não machucar o Asher.

Solto uma risadinha, porque nada consegue ser maior que a

autoestima de Kyle Ballard. Contudo logo me calo, lembrando que


ainda estou brava com o filho da mãe.

— Hum — resmungo. — Já pode ir.

— Na verdade, estava pensando em dormir com a minha

irmãzinha.

— Ela não está muito a fim da sua companhia.

— Fiquei sabendo que ela está muito triste sem a minha

ilustre presença.

— Quem te contou estava querendo sua piedade. Sua

irmãzinha quer ficar bem longe de você, obrigada.

— Problema dela. Porque eu vou ficar mesmo assim.

— O namorado dela deve chegar a qualquer momento.

— Não me importo.

Bufo, me virando na cama até ficar de frente para ele.

— Sai daqui, Kyle — ralho, estressada. — Quero dormir de

conchinha e poder apalpar a bunda do meu namorado enquanto


durmo e você não é bem-vindo.

— Que nojo — ele resmunga, mas não se move um

centímetro.

Estou muito cansada pelo dia exaustivo e a semana que

sugou todas as minhas energias, só por isso não vou chutar sua
bunda até a porta.

Volto a me cobrir até a cabeça, ignorando sua existência até

que o sono chegue e eu possa me aconchegar nos braços de Asher


sem me preocupar com esse idiota ao meu lado.

Acordo com um corpo pesado em cima de mim. Abro os olhos


e vejo o meu irmão com a cabeça deitada na minha barriga, seus
pés para fora da cama e a boca aberta, quase babando.

Sorrio com a cena, lembrando da época em que ele invadia


meu quarto à noite porque não conseguia dormir sozinho e buscava

meu colo. Não resisto e dou um tapa forte em sua bochecha,


voltando a minha pose de carrancuda.
— Ai, porra! — geme, beliscando minha barriga de volta. —

Não fiz nada.

— Sai de cima de mim — mando. — Cadê o Asher? Porque


você não foi para a puta que pariu como eu mandei?

— Não sei onde ele está, não apareceu a noite toda —


responde, afundando o rosto no meu travesseiro e voltando a dormir

em segundos.

Reviro os olhos e sigo para o banheiro com a ajuda da muleta,


fazendo xixi e escovando os dentes antes de jogar uma água no

rosto e sair do quarto, tentando entender onde Asher está.

Minha dúvida é respondida quando termino de descer as


escadas e o vejo deitado de bruços no sofá, com um braço dobrado

debaixo da cabeça e o outro encostando no chão.

O móvel é muito pequeno para ele, que parece desconfortável


ali, mas não resisto e me sento em suas costas com cuidado, me

debruçando sobre ele e beijando sua nuca.

Asher vai acordando aos poucos, resmungando coisas que

não entendo. Ele abre os olhos, mas volta a fechá-los assim que a
claridade o incomoda e eu beijo sua bochecha.

— Oi, princesa.
— Bom dia, amor — respondo, esfregando meu nariz em sua
bochecha. — Porque não foi para a cama?

— Achei que seria legal deixar vocês dois a sós.

— Não tem outro quarto para ir? — pergunto, erguendo a


sobrancelha mesmo sabendo que não estava vendo. — O do
Brandon, por exemplo.

— Estava ocupado por outra pessoa.

— Por quem? — meu lado fofoqueira acorda em poucos


segundos. — Tinha uma garota lá? — ele assente. — Quem era

ela?

Asher solta um riso nasalado.

— Não vou te contar.

— Porquê?

— Porque é coisa do Brandon.

— E eu sou sua namorada, que diferença vai fazer se me


contar?

— Você me contaria algo que a Mia aprontou apenas porque


sou seu namorado?
— Sim — minto, querendo apenas ficar por dentro da fofoca e
ele ri novamente, embriagado de sono.

— Mentirosa.

— E se eu te disser que ele me beliscou?

— Foi, amor? — pergunta, sonolento. — Daqui a pouco eu


dou uma surra nele, está bem? Deixa só eu me recuperar um

pouquinho desse sono.

— Ok — resmungo manhosa, mas rio em seguida. — Por que

não sobe para dormir na cama um pouco? Não deve estar nada
confortável aqui.

— Tudo pela minha garota — suspira, ainda de olhos

fechados.

Beijo sua bochecha e saio de cima dele, vendo seu corpo

reagir de forma lenta quando se levanta e beija minha testa

novamente. Brandon abre a porta assim que ele passa pela frente e
Asher apenas o ignora.

— E aí, gatinha? — me cumprimenta com um beijo na testa.


—  O que me conta de bom?

— Kyle.
— Finalmente deixou de ser um de babaca?

— Parece que sim.

— E o seu pé?

— Está melhor — respondo o seguindo até a cozinha. Jamais

perderia o café do Brandon. — Já consigo colocá-lo no chão e

caminhar sozinha. Dói muito, mas o doutor disse que faz parte.

Agora tudo estava entrando no eixo.

Cada parte do meu coração machucado estava se curando.

Eu posso não ter o amor daquele que deveria me amar,

contudo tenho o deles.

E isso basta.

Apenas isso
E como uma bola de borracha
Nós voltamos pulando

Todos nós temos um segundo ato, dentro de nós


Edge Of Great — Julie And The Phantoms

Três semanas depois, estou de volta à faculdade.

Meu pé ainda dói um pouco quando me esforço demais ou

ando por muito tempo, mas a doutora finalmente me liberou para


voltar às aulas e me exercitar um pouco.

Só tem um problema…
— Amor, é só por alguns dias — Asher tenta me confortar

quando me flagra olhando para o tênis que estou usando.

— São três meses — corrijo com um biquinho. — Já estou

morrendo de saudade dos meus Loubottion. Estou me sentindo

pelada.

Asher estaciona meu novo carro e me olha com as


sobrancelhas erguidas.

— Ainda bem que não está.

Reviro os olhos e estico a mão para abrir a porta, entretanto,

antes que eu realize o ato, sua voz soa:

— Não ouse abrir essa porta — alerta e eu levanto as mãos.

Asher dá a volta no carro antes de abrir a minha porta,

segurando a minha mão e me roubando um beijo antes que eu


desça, ficando ainda menor que ele.

— Estou me sentindo minúscula.

— Você é minúscula perto de mim.

— Quando puder voltar a usar os meus bebês, vou usar os

mais altos e vamos ver o que vai dizer sobre isso.


— Para com isso, Zangado — me repreende, apenas pelo
prazer de me irritar. — É só uma brincadeira.

— São oito da manhã, Asher. Tem sorte de eu ainda não ter te

mandado você se… — Seu indicador toca minha boca, calando-me


e minha carranca cresce ainda mais.

— Vamos tentar manter a civilização, ok? — pergunta e ele

mesmo assente, concordando. — Agora, vou te alimentar, está

bem?

— Ok.

Nossas mãos se entrelaçam enquanto caminhamos para


adentrar a faculdade.

A professora Coleman me olha esquisito quando atravesso a

porta da sala de aula. Olho para cima, procurando por Mia entre os

estudantes, mas não a encontro e logo volto a atenção para a


professora.

— O que está fazendo aqui?


Uno as sobrancelhas. Quem faz uma pergunta dessas para

uma aluna?

— O que se faz numa sala de aula? — pergunto, incerta.

— Recebi um e-mail de que você não faz mais parte dessa

turma.

— Como não?

Puta. Que. Pariu.

Será que meu pai me desmatriculou? Porra. Eu deveria saber

que esse silêncio não era coisa boa.

Não espero por uma resposta da professora e saio em direção

à diretoria. Estou suando frio durante o caminho e minha voz falha


quando me identifico na secretaria. Também estou meio trêmula
quando ergo o queixo e tento explicar o que preciso umas três

vezes até ser autorizada a entrar.

A reitora Silver sinaliza para a cadeira a sua frente e eu me


sento, focando minha atenção nela, que começa a falar sem que eu

ao menos explique a confusão que está acontecendo.

— Creio que sei o motivo para a sua presença.


— Creio que você precise me explicar — refuto, nervosa

demais para me policiar em ser educada.

Ela solta um riso nasalado, certamente se divertindo do meu


desespero.

— Você não é mais estudante de Moda.

— É — concordo. — Essa parte, eu já entendi.

— A senhorita foi rematriculada no quarto semestre de Direito

e começa no mês que vem.

Minhas sobrancelhas se erguem e fico ainda mais confusa.


Não consigo acreditar nessa história.

Sem saber o que responder, apenas agradeço a explicação e


me levanto, colocando a bolsa sobre os ombros e saindo da sala

sem entender o que está acontecendo. Encosto-me na porta do 


lado de fora e procuro pelo único contato que pode conseguir me
dar uma resposta agora.

— Você tem alguma coisa para me contar?

— Estou ocupada agora — sua voz soa alta, mas ainda dá


para ouvir o barulho ao redor. — Me espere no seu apartamento
daqui há algumas horas.
— Por que está tão nervosa? — Kyle pergunta, se jogando no
sofá ao lado  de Asher.

— Estou normal.

Meu namorado desce o olhar para a minha perna, que não


para de balançar freneticamente. Minhas mãos estão apoiadas nela,

enquanto estalo todos os dedos.

— Tem certeza? — ele pergunta no mesmo tempo que a


campainha toca e me levanto quase correndo para abrir a porta.

Loren Ballard nunca esteve tão elegante.

Ela veste um terninho vinho e há uma pasta debaixo de seus


braços. Seus cabelos estão soltos e escorridos, enquanto o rosto

está maquiado, ainda que eu a conheça o suficiente para perceber a


olheira abaixo dos olhos.

Mas não é só isso. Há um cara atrás dela com traços

levemente familiares. Ele veste uma roupa simples e tem uma


mochila que parece nova nas costas.
— O seu namorado está? — ela pergunta, chamando minha
atenção. — Passei na fraternidade e não o encontrei.

— Sim. O que está acontecendo?

— Amor, quem… — a voz de Asher soa atrás de mim, mas


paralisa quando chega ao meu lado. — Ben?

O homem ao outro lado da porta finalmente sorri.

— Oi, maninho.

Asher atravessa a porta correndo, indo em direção a ele, os

dois se abraçando com tanta força que quase sinto as minhas

costelas doerem.

Fico encarando a cena tentando entender o desenrolar dela.

Pelo que Asher me contou, Benjamin foi indiciado por dois


assassinatos e estava em julgamento. Qual a probabilidade dele ter

conseguido sair da cadeia com o meu pai…

Volto o olhar para minha mãe, me dando conta de que ela

quem fez isso. Ela conseguiu inocentar o Ben e se está aqui, depois

de eu ter sido transferida de curso e estar vestida com seus


habituais terninhos significa que…
— Vamos deixar os dois sozinhos — ela interrompe meus

pensamentos, dando um passo para entrar enquanto os dois


começam a conversar animados. — Podemos conversar?

Kyle não parece estar lidando bem com a notícia de que

somos irmãos apenas por parte de pai.

— Mas como isso… — ele começa, sem saber se expressar

direito.

— Me casei aos dezoito anos em um arranjo que estava


fadado ao fracasso desde o início. Nunca nos amamos, apesar de

termos tido um tipo de… obsessão um pelo outro durante um tempo.

Não tínhamos o casamento ao modo tradicional do mundo,


tínhamos acordos de confidencialidade sobre… — ela engole em

seco. — Nossos casos extraconjugais, entretanto, em algum

momento, Maxon cometeu um deslize e engravidou uma moça.

— E onde ela está? — é meu irmão quem pergunta.

— Ela faleceu no parto, infelizmente — me lança um olhar de

pêsames. Mas eu não sinto nada. Não se pode sentir falta de algo
que não teve. — Foi quando as nossas famílias começaram a

pressionar por uma providência. Maxon queria optar pela adoção,

mas eu não tive coragem de fazer isso quando vi seus olhinhos —


meus olhos se enchem de lágrimas. — Eu senti que você era minha

e comecei a te gerar no meu coração naquele dia.

“Precisamos de muitos trâmites e não me arrependo de ter

cometido alguns crimes para isso. Fui mais esperta que Maxon e

consegui as provas certas para que ninguém desconfiasse disso.


Alguns anos depois, Kyle nasceu e Maxon começou uma obsessão

pelo futuro da empresa. Eu não queria que nenhum de vocês

fossem pressionados para isso como eu fui, e desde o início deixei

claro que assumiria a empresa quem tivesse vontade e se nenhum


dos dois estivessem aptos, estaria tudo bem.”

“O problema real começou quando Kimberly decretou que

faria Direito e você disse que queria ser jogador de basquete. Ele

achou um absurdo que uma mulher assumisse a empresa, mesmo

que ela fosse minha. Porém àquela altura, a Ballard já estava sendo
regida por ele enquanto eu focava na carreira nos tribunais. Ele

tentou fazer os dois mudarem de ideia e não funcionou. Vocês

seguiram caminhos diferentes, mas Maxon continuava achando que


uma hora ou outra, desistiriam.”
Mamãe suspira.

— Não aconteceu. E foi quando ele me ameaçou. Ele disse

que tinha provas de que podia tirar a Kim de mim e que não se
importaria em afundar a carreira junto com a empresa, para que isso

viesse às mídias. Fui pega desprevenida e me desesperei, não

consegui pensar direito. Não estou tentando me justificar, sempre

falhei como mãe de vocês, principalmente quando não os incentivei


a seguir seus sonhos — ela suspira, exalando seu cansaço. — Mas

temi pelo futuro dos meus filhos e baixei a guarda porque sabia que

saber sobre sua real identidade, seria prejudicial para a sua vida.
Não queria que se envergonhasse de nós, ainda que nossa família

fosse desconexa e… violenta.

“Deixei que ele te trocasse de curso porque não sabia o que

fazer. Se um escândalo acontecesse naquele momento, eu poderia

perder os dois pela falsificação dos exames e mais algumas


burocracias que não vêm ao caso. Já estava decidida a conversar

com vocês sobre isso quando o resultado do divórcio saísse, mas

ele se adiantou e tudo aconteceu de forma rápida.”

— Onde ele está? — pergunto.

— Preso.
Kyle e eu nos espantamos.

— Quando fiz o que fiz, usei os dados dele. Para todos os


efeitos, Maxon foi o único culpado por tudo e me ameaçou durante

todo esse tempo. Tenho provas para isso. Não foi certo, eu sei.

Preferi que soubessem da minha boca antes que as mídias


espalhassem todas as informações que permiti serem expostas.

— Mãe — começo, cautelosa. — E a sua carreira?

— Está nas mãos de vocês. São as únicas pessoas a


saberem disso e podem me denunciar se quiserem. Só quero que

saibam, que meu único arrependimento foi não ter feito isso com ele

antes. Eu falsificaria mil exames, enfrentaria o mundo e abandonaria

minha carreira, se isso significasse ter vocês.

— E a empresa? — Kyle pergunta, antes de me olhar.

— Pertence a Kimberly desde o dia em que ela decidiu ser


advogada.

— Aquela empresa é sua — digo, começando a me


emocionar. — Eu… não.

— Você foi minha desde quando te vi pela primeira vez.

— Estou me sentindo excluído do grupinho das meninas.


Minha mãe e eu reviramos os olhos ao mesmo tempo.

— Esse assunto morre aqui — anuncio quando percebo o

silêncio. — Nunca faria nada para te prejudicar, quando tudo o que


fez durante a vida foi me proteger.

Uma lágrima escorre dos olhos dela e posso afirmar com toda
a certeza, que em vinte e um anos, nunca a vi chorar. Emocionada

demais com o momento, jogo-me em cima dela, a derrubando na

cama e a abraçando com força antes que outro par de braços se

junte a nós.

— Sou apaixonado por vocês.

— Que tal começar a me contar, então, porque os dois


estavam brigados há algumas semanas?

Kyle e eu nos entreolhamos, como duas crianças pegas no

flagra e de repente, começamos a rir. Enquanto por dentro,

finalmente me sinto em paz. Nós três somos o suficiente para nós e

apenas isso basta. É o nosso desfecho.

Finalmente, somos uma família completa.

 
Isso entre você e eu
Parece ser uma coisa tão certa

Mesmo quando o céu estiver caindo


Mesmo quando o sol não brilhar
Eu tenho fé em você e eu

Então coloque sua mão na minha


Sure Thing — Miguel

— Precisa de ajuda, linda? — pergunto, abraçando-a.

Kim aconchega seu corpo ao meu, nos admirando através do

espelho.
— Você é tão bonito.

Sorrio para ela, beijando sua bochecha.

— São seus olhos — mordisco seu maxilar e ela sorri,

ajeitando seu vestido azul royal para uma foto.

É véspera de ano novo.

Nossa família irá se reunir para a ceia e aproveitar a  semana

de férias para ficarmos juntos.

Os últimos meses foram caóticos e ainda que alguns


momentos fossem desesperadores, eu os viveria novamente se isso

significasse que acabaríamos aqui, juntos.

Kim está radiante por voltar a estudar Direito. É como se um

peso enorme tivesse saído de suas costas quando a mãe se livrou

das garras do seu genitor e a libertou.

Kyle ainda continua sendo um cafajeste, passando de cama

em cama sem um rumo. Ele diz que a dona da sua coleira deve

estar morta, já eu tenho lá as minhas dúvidas. Algo me diz que o


seu tombo será bem feio.

Brandon e Mia continuam na mesma. Num eterno chove-não-

molha. Os dois continuam grudados, vivendo como apenas um


corpo e parecem estar empolgados para as próximas férias, que vão
passar juntos no litoral.

Loren têm se tornado uma figura cada vez mais presente aqui.

Ela parece estar se dando bem no plano de tentar recuperar o


tempo perdido.

Benjamin continua sendo Benjamin. No momento, ele mora

comigo na fraternidade, mas tem planos de fazer uma viagem logo,

sem uma data de volta. Isso me deixa triste e feliz ao mesmo tempo,

porque finalmente podemos passar um tempo sem que uma

proteção de vidro nos separe, mas sei que ele ainda precisa

resolver algo.

— Só falta vocês — Mia grita enquanto bate na porta, nos

apressando. — Os fogos vão começar em quatro minutos.

Rimos sozinhos, como se a vida fosse perfeita, porque é. Com

ela ao meu lado tudo é perfeito.

Saímos do quarto com as mãos unidas enquanto todos estão

seguindo em direção a porta. É Loren quem toma a frente e aperta o

botão do elevador. Também é ela quem reclama como se fossemos

crianças, quando começamos a discutir por espaço.


Nos separamos ao chegarmos no terraço vazio do prédio.

Dessa vez, a sensação de estar em um espaço como esse, não é a


mesma de tempos atrás. Quando estamos aqui, não sinto o aperto

no peito ou a dor dela.

Eu me sinto feliz.

Feliz porque a princesa está bem e porque ela é minha.

Kim me olha e sorri, jogando os braços em meu pescoço

enquanto eu seguro sua cintura.

— Estou atrasada, Ash?

Sorrio ao mesmo tempo que os fogos explodem no céu. Do

mesmo jeito que explodem em meu peito.

— Chegou no tempo certo, amor.

E é aqui, nesse momento, enquanto vejo a mulher da minha

vida sorrindo para mim,  que eu percebo:

Eu, finalmente, me encontrei.

FIM.
QUATRO ANOS DEPOIS

LUTADOR REVELAÇÃO NOCAUTEIA O ATUAL CAMPEÃO E


LEVA PARA CASA O CINTURÃO DE RUBI!

Não é novidade para ninguém que Asher Dempsey vem fazendo

seu nome a cada vez que sobe no octógono do UFC com seu peso-
médio (83 kg). A prova de tamanha autoridade e dominância, é seu
cinturão, que apesar de ter apenas um rubi, conseguiu desbancar

Trenton Houston, o campeão consecutivo dos últimos três anos.

Questionado sobre sua vitória, Asher diz que dedica o título a sua
namorada, a renomada advogada Kimberlly Ballard, que estava

presente na primeira fila para prestigiá-lo. A advogada não se

pronunciou sobre o público feminino que o namorado tem


conquistado, apenas disse que faz parte do processo e que as

entende.
Asher Dempsey, de 24 anos, ficou conhecido após Alan Clark, seu

antigo professor, o apresentar para Ocean Silver, atual agente do


lutador. O vencedor disputou oito lutas até o momento, venceu sete

e perdeu apenas uma vez. Seu triunfo de maior destaque foi nesta

sexta-feira (2), contra Trenton Houston.

Penelope Charmosa passa por cima de mim no sofá e se

deita em cima do controle da TV, desligando a mesma e querendo a


minha atenção. Nossa pitbull, que é terrível e já está com um ano,

teve o nome escolhido por Kimberly e não foi surpresa nenhuma

para mim quando sugeriu. Quando a encontrei perdida na rua, sabia

que ela faria algo do tipo.

— O que foi? — eu pergunto a ela que choraminga,

esfregando o focinho na minha mão. — Eu estava assistindo, sabe?

A cadela bufa, deitando a cabeça pesada em minha coxa. Ela

olha para as escadas, por onde Kim passou há quase meia hora, e
então olha para mim, como se me perguntasse o que sua humana

preferida está fazendo lá em cima.


Não me surpreenderia se estivesse namorando suas dezenas
de saltos no closet.

Tudo mudou depois que nós nos formamos. Eu me dediquei

integralmente às lutas. Com isso, fui dos lutadores mais jovens a ver
a primeira temporada do UFC. Cada dia de treino, de cansaço,

valeu a pena. Valeu quando subi naquele tatame, ouvi o grito das

pessoas e venci. Venci vendo o sorriso da mulher que eu amo, por

estar orgulhosa de mim. Por ver Ben lá, ao meu lado e torcendo por

mim. E por ter o meu melhor amigo sorrindo como se também se

orgulhasse.

Já Kimbelly se formou e se tornou uma das advogadas de


maior prestígio no país e, agora, está prestes a assumir a Ballard. O

brilho em seus olhos todas as vezes que me conta sobre algum

caso ou quando está prestes a defender um de seus clientes nos

julgamentos, faz com que eu a ame ainda mais.

Kimberly me ensinou sobre como amar e eu a ensinei que ela

é suficiente.

Mesmo após anos, nós ainda continuamos os mesmos. Ainda

roubamos bolos no dia do seu aniversário. Ela ainda me vê lutar e


sorri sempre que eu venço. Ainda assistimos aqueles filmes bregas

e comemos chocolates quando ela está com cólica.

— Eu também gostaria de saber, garota — faço carinho atrás


das suas orelhas. — Deve ser mais um dos infinitos momentos

femininos que…

— Asher! — o grito de Kimberly me faz levantar rapidamente

do sofá e correr escada acima, deixando Penelope agitada.

Sigo até o nosso quarto, abrindo a porta, à procura do perigo.


Contudo o que encontro, é apenas Kimberlly vestida com minha

camisa e com um sorriso lindo.

Ela é perfeita. Cada parte de Kim é deslumbrante.

Dando um passo à frente, ela vem em minha direção. Seus


braços estão escondidos em suas costas e isso me faz erguer o

rosto confuso. Sem hesitar, solto um sorriso encarando seus olhos


que são a minha perdição.

Contudo, eu não estou preparado para o que ela segura atrás


de suas costas. É algo que faz com que uma felicidade genuína

nasça em meu peito e meus olhos lacrimejam.

Kim levanta pequenas luvas de boxes e um teste de gravidez.


Positivo.

Eu não posso acreditar nisso.

Eu, Asher Dempsey, serei pai.

Caralh… Caramba. Catapimbas.

Pai de um filho da mulher que eu amo.

Pai de alguém que irei amar e cuidar, como deveriam ter feito
comigo.

— Quer perder o controle comigo de novo, Ash?

Sorrio.

— Quero tudo com você, amor.


 

Se você está lendo, quero te contar uma coisa: eu perdi o


controle.

É. Isso mesmo que você leu. Assim como meus personagens,

eu perdi o controle. Também perdi uma parte do arquivo enquanto


escrevia, a sanidade e um pouco do meu senso.

Asher e Kimberly acabaram comigo. De um jeito bom, é claro.

Eles me ensinaram lições valiosas sobre a vida, sobre a


minha carreira e principalmente, sobre mim.

Quando o Asher me sussurrou que estava tudo bem ser

egoísta às vezes, eu chorei. Chorei porque durante toda a minha


vida carreguei o fardo de sempre me escolher, mesmo que quase

nunca fizesse isso.

Quando Kimberly me contou que subiria no parapeito de um

prédio? Eu desidratei. Quantas vezes quis ter a coragem dela?

Quantas vezes desejei por aquilo?


Esse agradecimento, é um desabafo — acho que você já

entendeu isso.

POC foi desafiador. Passei noites sem dormir, achei que não

daria conta de entregá-lo e também fiquei insegura. Sem dúvidas,

foi um dos livros que eu mais chorei, mas sempre que algo ruim
acontecia, sempre tinha alguém para me acolher, e é a elas que vou

agradecer agora.

Eu quero começar, agradecendo a Deus. Essa é a minha

parte favorita dos agradecimentos. Quando pensei em escrever


sobre POC, eu fiz uma oração. Vai dar certo. Mas se não der, ele

continua sendo Aquele que sempre me segura quando penso em

desistir. Quando penso em jogar tudo para o alto e parar.

Agora, entram três pessoas que estão/ficarão enjoadas de se


verem nessa páginas dos meus livros;

Quando conheci Pigmalateia, minha Penelope Charmosa, não

imaginava que nossa amizade nos levaria até aqui. Ela já foi citada
em nove agradecimentos meus. Nove. Fez parte de todos os meus

livros publicados e conhece aqueles que ainda virão — e até os que

nunca sairão do papel. Ela conheceu a L. Júpiter, mas antes disso,

conheceu a pessoa por trás do pseudônimo. E ela continua aqui.


Tenho pra mim que nunca vou me livrar dela mas, aqui para nós, eu
não quero. Eu a amo como se a conhecesse durante toda a minha

vida. A amo porque ela é ela e porque nós duas, somos demais

juntas.

Se você prestou atenção nos pequenos detalhes desse livro,

percebeu que um dos universos mais amados desse site, foi citado

por aqui. Essa parte, dedico a Annie Belmont, minha ostra. Nunca

saberei explicar o quanto essa garota me ajudou durante todo o

processo desse livro, desde o roteiro ao plot. Você acredita que o

safado do Asher até falou com ela? Nem eu. Ainda não acredito que
ela é minha amiga. É bizarro pensar nisso, porque tudo começou

com um grupo de sprint, quando ficávamos caladas na maior parte

do tempo, e hoje, nos ofendemos a cada dois minutos.

Tem mais alguém presente nos mínimos detalhes. April Jones.

Mas para mim, ela sempre será uma máquina de vencer. Ela

sempre sabe o que dizer. Ela sempre sabe como me fazer sorrir. Às

vezes me pergunto porque não nos tornamos amigas antes. Tinha


tudo para dar certo, porque a criadora do meu marido Will, é minha

fã há anos. Pois é. Ela vai jurar de pé junto que estou mentindo,

mas eu tenho provas e não teria vergonha de expor. Também estou


tentando descobrir como somos amigas quando brigamos na maior

parte do tempo.

Ao Cano — tem que ter um agradecimento em conjunto,


haha. Essa é por todas as calls no meio da madrugada. Para todas

as vezes que ri quando queria chorar. É por tudo que fizeram e


fazem por mim. Eu amo vocês. Muito mais do que sou capaz de

colocar em palavras.

Ao meu planeta favorito — pois é —, minha alma gêmea e

melhor amiga. Eu sei que ela não aguenta mais ser deixada no
vácuo e que precisamos nos encontrar novamente para refazer a
nossa foto e comer um bolo de chocolate, cheio de brigadeiro com

coca zero. Eu sei que tenho falhado como amiga. Mas também sei
que ela entende. Ela sempre entende. E é por isso que ela está

sempre aqui. Saturno, eu te amo para sempre. Daqui à lua, ida e


volta.

À mainha, que nessa última semana — e durante todo o

processo — me apoiou e entendeu mesmo quando não faço


nenhum sentido. Diva, eu sei que temos nossas desavenças. Eu sei
que a irrito e que às vezes passo dos limites. Mas também sei que
você é a pessoa que falsificaria mil documentos e cometeria muitos

crimes apenas para me ter.

Tem algumas pessoas que não podem faltar aqui; Larissa


Lago e Nina Queiroz. Nunca vou ter palavras para agradecer o

quanto o apoio e as cobranças delas foi crucial para o desenrolar


dessa história. Um agradecimento especial para a criadora do meu

francês favorito — eu espero mesmo que você esteja lendo isso —,


Ariadne Pinheiro, que foi guerreira em aturar minhas maluquices e

por cuidar tão bem do meu feed.

Ao meu grupo de betas — acho bom que elas estejam lendo


isso —, que conheceram meus estilhaços e os amaram; Ana Laura,

Duda Mota, Julia Barcelos, Ket Viana, Larissa Lago, Lívia Flores,
Larissa Miranda e Madu Moreira. Obrigada por me acompanharem

nessa jornada louca de trabalho e por não desistirem de mim


quando deixei vocês doidas da cabeça.

Ao meu grupo de leitoras, que tem crescido cada vez mais.

Obrigada. O que seria de mim, sem vocês e nossos surtos


aleatórios no meio da noite? Obrigada por me entenderem tão bem

e por sempre surtarem com as minhas histórias.


Tem outro grupinho muito especial; Minhas parceiras
perfeitas, que me acalmaram quando deu tudo errado e que estão
se empenhando tanto na divulgação de um pedaço tão especial

meu. Tudo o que POC já conquistou até aqui, é graças a vocês.

Por último, a você. É. Você, leitor antigo ou você que caiu de


paraquedas por aqui. Obrigada — e não esquece de avaliar, me

ajuda muuuuuuuito.

Até a próxima.

Com amor,

Júpiter.

 
CONTO:

FIO VERMELHO

COMPRE AQUI

Fio Vermelho do destino é uma lenda que afirma que no


momento do nascimento, os deuses amarram uma corda vermelha

invisível nos mindinhos de pessoas que estão predestinadas a


serem almas gêmeas. Segundo a lenda, aconteça o que acontecer,
passe o tempo que passar as duas pessoas que estiverem

interligadas, inevitavelmente irão se encontrar. O fato em questão, é


que Chase e Julie nasceram para serem almas gêmeas. Mas talvez

uma só vida não seja o suficiente para isso.

SÉRIE TODOS OS CORAÇÕES PARTIDOS:

TODAS AS NOSSAS MENTIRAS


COMPRE AQUI

Se me perguntarem quando percebi que estava apaixonado por você, eu saberia

responder com clareza de detalhes tudo o que aconteceu naquele dia.

Quando nossos olhares se cruzaram, pareceu ser a primeira vez, mesmo que isso
acontecesse todos os dias.

Ainda éramos crianças e eu não entendia nada sobre o amor além dos filmes de
princesa que você me obrigava a assistir.

Você sorriu para mim, Estrelinha. E aquele simples gesto fez meu coração disparar
como nunca.

Nossos corações foram partidos de maneiras dolorosas e isso foi escada para que

você sucumbisse na própria dor. Você estava acostumada a silenciá-la, mas eu odiava te
ver triste. Eu queria poder te abraçar e arrancar de você tudo que te afligia, amor, mas você
não deixava.

Um dia, em uma situação incomum, precisamos fingir o que não éramos, mas eu
desejava arduamente. Aquela foi a melhor experiência da minha vida, até que eu estraguei

tudo.

Todas as mentiras que contamos um para o outro ao longo da nossa amizade


atrapalharam toda a nossa história. As coisas poderiam ser diferentes se tivéssemos sido
sinceros desde o início.

Você iluminou meu coração com todas as estrelas do seu corpo. Agora, eu não
consigo mais dormir porque você não está aqui, e acho que tenho medo do escuro.

SE AINDA HOUVER MOTIVOS

COMPRE AQUI
Enrico D'Ávilla está cansado de estar sozinho.

Mesmo rodeado de sua família e com o sucesso de sua empresa, nunca deixou de se
sentir solitário.

No fundo, em um lugar bem escondido e que não mostra para ninguém, está ela; a mulher
que sempre dominou seu corpo, alma e coração.
Helena Lobos é quem carrega o peso de jamais ter sido esquecida. Com a vida totalmente

planejada e feliz, tudo que ela menos precisava e queria era que as coisas seguissem um
rumo diferente do que havia pensado.

Porém, como a vida adora brincar de Deus, seus planos vão por água abaixo quando o
caminho de ambos se cruza novamente e os dois descobrem que os sentimentos que
juraram ter esquecido, nunca os deixaram.

Então, se ainda houver motivos para lutar por esse amor, eles estarão dispostos a

recuperar um ao outro.

Se Ainda Houver Motivos é um conto sobre amor, perdão e recomeços. Mas, acima disso,

é um conto sobre segundas chances.

TODAS AS NOSSAS PROMESSAS

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Quando você se foi, chorei. Senti falta de tudo o que fomos, mas principalmente de
tudo que ainda podíamos ter sido.

Você disse que seria melhor para nós dois. Mas como poderia se, tudo que eu
sempre quis, era ficar ao seu lado?

Todas as promessas que fizemos um para o outro pareceram não valer de nada
quando nosso curto relacionamento foi posto à prova.
Sem olhar para trás, deixei com que se retirasse da minha vida e acabasse com o
futuro que tínhamos juntos e não lutei o suficiente por nós.

Agora, seis anos se passaram, mas ainda te amo como no começo. Ainda te olho
como da primeira vez. E ainda te sinto como se nunca tivesse ido embora.

Você cuida da ferida de todo mundo, mas e a sua? Quem cuida do seu coração
apertado quando você deita? Com quem você divide as tristezas e alegrias de um dia
cansativo?

As coisas seriam mais fáceis se estivéssemos juntos.

MIL ROSAS ROUBADAS

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Tudo que Luna D’Ávilla mais quer é calmaria.

O que se torna uma ironia, já que sempre foi especialista em causar o caos onde quer que
estivesse.

A caçula dos D’Ávilla procura sossego antes de assumir a empresa e levar mundo a fora o
nome da família.

Por onde passa, ela chama atenção. Seja por sua beleza estonteante ou o poder que
exala.

Contudo, seus planos de paz, deitada em uma rede à beira-mar e bebendo água de coco
são frustrados por… rosas.

Rosas vermelhas.

E Luna, conhece muito bem o remetente.

“Mil Rosas Roubadas” é sobre cuidar do próprio coração antes de fazer sarar a dor do
próximo. É sobre recomeços, paixão e, acima de tudo, rosas roubadas.
 

TODAS AS NOSSAS ESCOLHAS

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Você me amaria novamente se eu me rastejasse aos seus pés?

Eu sei que errei. Se pudesse voltar no tempo, jamais te deixaria. Jamais te machucaria
daquela forma novamente. Quebrar seu coração seria como me partir.

Você diz que eu deveria esquecer que um dia fomos algo. Mas como faria isso se nunca
consegui te tirar da cabeça?

Não sei ser paciente mas, por você, eu espero. Espero até que esteja pronta para mim.
Para me perdoar, para me amar novamente.

Para reescrever a nossa história.

Dessa vez, nosso fim será feliz. Apagaremos tudo o que nos machucou. Iremos nos
reerguer juntos, como sempre fazíamos.

Todas as escolhas que fizemos, nos transformaram no que somos hoje; Lembranças.

Mas não quero ser somente isso. Não quero fazer parte só do seu passado. Quero ser seu
presente também. Quero te dar um futuro comigo. Quero você para mim. Quero o nosso
para sempre.

Você me escolheria novamente se eu prometesse nunca mais te deixar? Se prometesse te


amar com todo o meu coração até o fim dos nossos dias?

LIVROS ÚNICOS:

 
TINHA QUE SER VOCÊ

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Ela representa tudo o que ele odeia.

Ele simboliza tudo o que ela quer esquecer.

Duas pessoas perdidas.

Beatriz quer esquecer o seu passado e deixar para trás sua


antiga vida. Ela só não esperava que, ao aceitar um trabalho que
parecia promissor, teria que lidar com um homem ranzinza, que faz

de tudo para mantê-la longe.

Dante quer ficar sozinho. Foi para isso que resolveu morar

numa ilha, no meio do nada, longe de tudo. Mas seus planos são
frustrados, quando sua irmã lhe envia uma nova enfermeira que

atormenta a sua cabeça e acelera seu coração.

Nenhum dos dois quer dar o braço a torcer e assim, acabam


entrando numa relação de cão e gato, onde tudo que sabem fazer é

machucar um ao outro com palavras.


SUMÁRIO

PERDENDO O CONTROLE
NOTAS DA AUTORA
AVISOS DE GATILHO
PLAYLIST
SINOPSE
PARTE UM | MARCHA RÉ
A QUEDA DA PRINCESA
01 | A FELICIDADE É UMA BORBOLETA
02 | DOR DE BARRIGA
03 | UM PASSO PARA FRENTE, TRÊS PARA TRÁS
04 | PIEDADE
05 | QUE TAL EU?
PARTE DOIS | PARTIDA
06 | PARAÍSO
07 | SE O MUNDO ESTIVESSE ACABANDO
08 | PEQUENA ABERRAÇÃO
09 | DIGA QUE VOCÊ NÃO VAI EMBORA
10 | INFINITO
PARTE TRÊS | DIREÇÃO
11 | TALVEZ
12 | EU QUERO SER SEU
13 | EM NOME DO AMOR
14 | ILUMINADOS
15 | IMPEDIDO DE ENTRAR NO CÉU
PARTE QUATRO | ACELERANDO
16 | MERECEU
17 | LUA
18 | BEBÊ CHORÃO
19 | ACORDE
20 | AMOR PERVERSO
PARTE CINCO | PERDENDO O CONTROLE
21 | PERDENDO A MINHA RELIGIÃO
22 | PROBLEMAS COM O PAPAI
23 | ENCONTRA O NOSSO CAMINHO
24 | DESASTRE
25 | PONTOS
SOULMATES
PARTE SEIS | REPARAÇÃO DE DANOS
26 | TODAS AS COISAS QUE ELA DISSE
27 | GIRASSOL
28 | IRMÃO
29 | BEIRA DO INCRÍVEL
30 | COISA CERTA
QUER PERDER O CONTROLE COMIGO DE NOVO?
AGRADECIMENTOS
OUTRAS OBRAS
SUMÁRIO

[1]
Posição do basquete em que o jogador tem a função de
arremessar e pontuar mais. Também devem ser capazes de
arremessar a longa distância e de jogarem mais próximos da cesta.
[2]
Expressão em latina que significa: Tomar uma coisa por outra.
[3]
É o jogador que atua mais próximo à cesta, tanto na defesa quanto no ataque. Sua
principal função é brigar pela posição onde possa receber (ataque) ou impedir (defesa) o
passe.
[4]
A função do armador é, como o nome indica, a de armar o jogo: são eles que iniciam as
jogadas ofensivas, quebrando a defesa com seus dribles e sendo bons passadores para
encontrar companheiros livres.
[5]
Alan Clark é dono de uma academia de luta, e um dos personagem de Sublime Deal da
Autora April Jones.
[6]
Personagem de Sublime Deal da autora April Jones
[7]
boneca
 
[8]
Responsável por organizar as jogadas de ataques e definir quais movimentos devem ser
feitos até o arremesso. Portanto, é como se fosse uma extensão do treinador em quadra.
[9]
Eu e você para sempre, em francês .
[10]
Um bairro situado no sul de Boston, Massachusetts, EUA.
[11]
A bailarina continuará dançando nos corações de vocês, em francês .
[12]
Universidade que pertence ao universo da autora Annie Belmont.
[13]
Boate ilegal que pertence ao universo da autora April Jones

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