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Copyright © 2022 Luana Oliveira

Todos os direitos reservados.

Título: BEHIND
Escrito por Luana Oliveira

Capa (arte): GB Design Editorial


Diagramação: Luana Oliveira
Revisão: Stephany Cardozo Gomes

Proibida a reprodução, no todo ou em parte, através de quaisquer meios,


sem o consentimento do(a) autor(a) desta obra.

Texto revisado conforme o Novo Acordo Ortográfico da Língua


Portuguesa.
Olá, caro leitor, seja muito bem-vindo ao primeiro livro da Trilogia
Backstage.
Caso você não me conheça e esse seja o seu primeiro contato com a minha
escrita, então muito prazer, eu me chamo Luana Oliveira e tenho três livros da
série The Hurricane Freedom publicados na Amazon, que são do gênero New
Adult. Saiba que estou imensamente feliz e grata que, dentre tantos livros e
tantas opções incríveis, você escolheu dar uma chance a mim e a Behind nesse
momento. Mas, antes de te deixar embarcar na história intensa de Colt Carver e
Love Monaghan, gostaria de deixar aqui alguns avisos antes.
Behind é um livro do gênero Dark Romance com um pé no Bully
Romance, então vocês já podem esperar adolescentes ricos completamente
quebrados, com infinitos problemas familiares e com aquele caráter duvidoso.
Saiba que nem todo mundo nesse livro, assim como na vida real, é cem por
cento bom ou cem por cento mau. Eu escrevo para que eles sejam tão reais
quanto nós, então erram, acertam, se desculpam e tentam aprender e evoluir
(mas é claro que nem todos conseguem). Como é o meu primeiro romance do
gênero Dark, preciso alertar que talvez o primeiro da trilogia seja um pouco mais
leve do que os outros serão e, provavelmente, do que os fãs do gênero estão
acostumados a ler, mas, ainda assim, é recomendado para maiores de 18 anos e
os temas abordados podem conter gatilhos. Alguns deles são: violência física e
psicológica, transtorno alimentar, bullying, psicofobia, relacionamentos
abusivos, assassinatos, estupro e tentativa de abuso sexual infantil (sem cenas
gráficas), tortura, além de consumo de bebidas alcoólicas, linguagem obscena e
cenas hots. Se você não se sentir confortável com nenhum desses assuntos, peço
que pule a leitura e priorize o seu bem-estar e a sua saúde mental.
Mas é sempre bom frisar que nada será romantizado e que eu não sou os
meus personagens. Não apoio e repudio todo e qualquer tipo de preconceito,
humilhação e violência. Isso aqui é ficção e, no fim, vocês verão que sempre
tento deixar uma lição. Então se você se deparar com alguma personagem
tentando menosprezar a terapia e a busca por ajuda psicológica, por favor, saiba
que o comportamento dela é completamente errado. Não há problema nenhum
em buscar por ajuda e priorizar sua saúde mental. Isso só vai torná-lo ainda mais
forte, exatamente como a nossa protagonista.
Dito isso, também gostaria de salientar que há bastantes personagens
secundários aparecendo ao decorrer da história. Todos eles têm importância e
não foram jogados ao vento. Caso ache que algum deles ficou sem
desenvolvimento ou alguma coisa sobre eles não ficou esclarecida, peço que
tenha calma, foi tudo proposital. Temos mais dois livros pela frente, ou seja,
alguns vão poder contar suas próprias histórias, já que cada livro será de um
casal diferente. Pode deixar que muitas amizades irão se desenvolver e se
consolidar também. Todos eles se tornarão uma grande família e você vai poder
acompanhar passo a passo desse desenvolvimento.
É isso, leitor, espero que goste desse meu novo universo e se apaixone por
cada personagem caótico assim como eu me apaixonei.
Pega o uniforme e corre que as aulas na St. Rose Academy, a escola mais
influente de todo o estado da Flórida, estão prestes a começar!
“O amor é um ato de fé.”
— Um Amor Para Recordar
Para todos aqueles que enxergam na arte, seja qual for a forma em que
ela se expressa, seu refúgio, sua casa e sua única garantia de que o caos do
mundo real não vai lhe corroer e transformar seu mundo, antes colorido, em
preto e branco.
❝ Talvez eu não devesse tentar ser perfeito
Confesso, estou obcecado com a superfície
No final, se eu cair ou se conseguir tudo
Eu só espero que isso valha a pena. ❞
NERVOUS – THE NEIGHBOURHOOD

TERRAÇO DA ST. ROSE ACADEMY, 22 DE OUTUBRO DE 2018,


ÀS 21H05MIN.
Nossa vida se define em instantes.
Todas as nossas ações e definições do que somos são baseadas em escolhas
que fazemos em segundos.
E em um desses segundos, em instantes que você sente que realmente
viver não é só estar vivo, em que você se encontra sorrindo com seus amigos,
bebendo, sentindo a vibração da música irradiar pelas suas fibras musculares,
com o chão vibrando sob seus pés e o mundo lá fora parecendo um pouco mais
tolerável, você toma uma decisão.
E ela simplesmente toma tudo de você.
A minha, pelo menos, tomou muita coisa. Mas não que eu esteja, de fato,
me importando, é o que dizem. Esse sou eu. Esse é Colt Carver, o capitão do
time de lacrosse da escola, o bad boy sem sentimentos, que é temido por todos e
que parece ter nascido sem a porra de um coração no meio do peito. O garoto
que sangrou, literalmente, cedo demais pelas mãos daquele que deveria lhe dar
afeto e proteção. Fazendo com que fosse fácil ter a compreensão de que
monstros são aqueles que convivem com você, aqueles que não usam máscaras e
não se escondem à noite, aqueles que parecem inofensivos e dóceis perante aos
olhos julgadores da sociedade. Farto e desesperançoso demais com a
humanidade podre que lhe cerca feito um vírus sepulcral, para simplesmente
tentar buscar qualquer coisa que não sejam sentimentos obscuros e revoltosos
em outras pessoas. Também sou o garoto egoísta, impetuoso, que não tem pena e
misericórdia de ninguém. Aquele que é sugado pela escuridão dia após dia, que
não tem perspectiva de melhora e que vai, pouco a pouco, lentamente como a
dança da morte, arrastar todos que se aproximam para o mesmo buraco que faz
moradia.
E não importa o que eu diga, o que eu faça ou o quanto eu tente, sempre
serei visto dessa forma. Talvez até eu mesmo me veja dessa forma.
Talvez ela me veja dessa forma mesmo depois de tudo que vivemos.
Não, depois da minha decisão e da cena que presencia, ela definitivamente
me verá dessa forma. Porque Love Monaghan, por incrível que pareça, em meio
às nossas desavenças e troca de farpas maldosas e exageradas há anos,
conseguiu, não sei como, enxergar algo além da escuridão dentro de mim. E ela
se aproximou quando o que todos faziam era se afastar. Ela lutou, foi forte o
bastante para levar ao chão cada uma das muralhas que construí ao redor de mim
e me alcançou, tão poderosa e devastadora quanto um furacão. Circundando
cada molécula do meu ser com a sua vivacidade e sua alegria, algo com o que eu
não estava acostumado. Seus olhos tão azuis quanto o mar da Flórida e a sua
paixão avassaladora por teatro que se assemelha tanto à minha pelas minhas
tintas e pelos meus cavaletes. Essa garota me derrubou de diversas formas
possíveis, e eu deixei, porque, contrariando tudo que as pessoas pensavam e
pensam de mim, ela foi a responsável pelo meio do meu peito parar de bombear
sangue, crueldade e cólera para passar a bombear sangue, ternura, altivez e...
amor.
Mas Love Monaghan, apesar de ser a melhor pessoa que já conheci, com o
coração mais bondoso e puro, não é idiota. E também não há perdão e salvação
para mim depois do que acabei de fazer. Já é simplesmente tarde demais para
nós dois.
Algumas bombas foram derrubadas sobre o meu colo, sim, eu sei, e eu
precisava tomar minhas decisões. Mas, infelizmente, nenhuma delas tinha como
evitar o inevitável; Love Monaghan me odiaria. Love Monaghan teria a ciência
do que sempre a alertaram. Love Monaghan saberia que eu, Colt Carver, sou
cruel.
Um monstro.
Um traidor.
Um mentiroso hipócrita.
A merda de um psicopata.
E quando seus olhos arregalados e amedrontados me encaram, assim que
acaba de assistir a coisa mais horrível que aconteceu no terraço da St. Rose
Academy, nossa escola, através da pouca claridade emitida pela Lua acima de
nós, apesar de não ter a mínima ideia de como me encontrou aqui, simplesmente
sei.
Está tudo acabado e quebrado.
— Que porra você fez, Colt? — Love grita no exato momento em que o
corpo pequeno e esguio cai lá embaixo. Viro sobre os ombros e vejo-a segurar
seu vestido enquanto corre em minha direção, perto do parapeito do terraço.
Solto um fluxo denso de ar pela fresta entre meus lábios rachados e cambaleio
para o lado, me afastando do local e piscando os cílios inferiores e superiores a
fim de dissipar os grãos de areia que parecem ter tomado conta dos meus olhos.
Mas não é areia, são lágrimas. Tudo em mim dói. Olho para qualquer lugar que
não seja seu rosto, porque é insuportável demais para mim ter que fazer isso. —
Que porra você fez?! Que porra você fez com ela?
Love vem desferir socos em meu peito, mas desmorono no chão tão rápido
que simplesmente não dá tempo, então ela também cai de joelhos junto comigo.
Seus olhos marejados por água cristalina e pincelados por um horror tremendo
me medem de cima a baixo, provavelmente tentando entender o que diabos está
acontecendo e quem é esse homem na sua frente. É como assistir a coisa mais
preciosa do mundo quebrar diante dos seus malditos olhos. Eu vejo a dor
reluzindo nas suas írises claras, posso sentir o seu mais novo ódio, repulsa e
desgosto por mim se formando no seu interior, nas suas entranhas, no seu
profundo âmago. Consigo escutar daqui as suas engrenagens em sua mente,
como um looping horroroso e muito parecido com um filme de terror, toda a
cena que presenciou. Seus belos lábios pincelados por grossas camadas de batom
vermelho se mexem e cospem palavras e fatos sobre mim alguns segundos
depois, mas não consigo e nem quero filtrar nada. Só sou capaz de escutar,
depois disso, os seus saltos a levando até o parapeito na intenção de conferir algo
lá embaixo.
Ou melhor, alguém lá embaixo.
Meu peito se comprime e pesa uma tonelada assim que escuto o urro de
desespero que escapa pela sua garganta.
— Você... Você a empurrou daqui. — Não é uma pergunta, é uma
afirmação. Ela vira o exato momento em que isso aconteceu. O tom da sua voz
trêmula e sussurrada me faz ter a certeza que está chorando. E em choque.
Eu empurrei Aria Blake, melhor amiga da Love.
Seu corpo desfalecido provavelmente está estirado no chão, em frente à
escola, e em poucos segundos a ambulância chegará.
A festa que estava acontecendo se transformará em uma tragédia por
minha causa.
A garota por quem estou apaixonado assistiu seu mundo ruir por minha
causa.
E, mesmo que doa feito o inferno, não estou arrependido.
Porque nossa vida se define em instantes. E esse instante definiu a minha
de uma vez por todas. Se eu ganhar ou perder tudo, pelo menos saberei que fiz a
escolha que tinha que fazer.
O que está feito, está feito.
❝ Então dê uma olhada no que você fez
Porque, meu bem, agora nós temos um conflito, hey
Agora temos problemas
E eu não acho que nós podemos resolver eles. ❞
BAD BLOOD – TAYLOR SWIFT

ST. ROSE ACADEMY, 17 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 6H40MIN.


Passo o dedo sobre a tela do meu iPhone e rolo o feed do Instagram para
baixo, ignorando as mensagens cor de rosa que me indicam um novo seguidor,
uma nova curtida e um novo comentário há todo segundo, conferindo as fotos
das férias de verão que as pessoas ainda insistem em postar. Vejo tantas fotos das
Maldivas, da Grécia e de sacolas de compra da Prada e da Chanel que bloqueio o
telefone e jogo no banco de couro do meu carro, com tédio por tanta ostentação e
futilidade sem necessidade.
Rede social não passa de uma farsa usada por pessoas que precisam
mascarar suas verdadeiras faces. Tudo é sobre ter a vida perfeita, o namorado
perfeito, os amigos perfeitos, o corpo perfeito. Mal sabem eles o quanto isso faz
mal para quem realmente é real e vive problemas reais do mundo real.
Hipócritas.
Respiro fundo, desço o pequeno espelho e confiro uma segunda vez meu
visual. O uniforme da St. Rose Academy é sempre variado, há algumas opções
de modelos e combinações e você pode customizá-los e usá-los do jeito que
achar melhor. Eu, por exemplo, estou usando agora o blazer de veludo na cor
vinho, o nome da escola e o brasão dourado dela com uma rosa vermelha
entalhada em espinhos de ouro ao lado esquerdo, além de estar também com a
camisa branca de colarinho e botões, a gravata vermelha e preta, e a saia de
pregas xadrez também da mesma cor. Há uma meia-arrastão cobrindo minhas
pernas e coturnos de cor vinho nos meus pés. Meu cabelo castanho iluminado
está solto, as pontas possuem leves ondulações e chegam um pouco abaixo dos
meus seios, quase na minha cintura. O rosto está apenas com blush rosado nas
bochechas, uma quantidade generosa de rímel nos cílios para destacar meus
olhos azuis e lip tint para dar aquela corzinha avermelhada e bem natural aos
lábios.
É, até que estou bonita.
Pego a minha mochila no banco de trás, coloco no meu colo e aumento a
música da minha playlist que tanto amo. 8 Letters de Why Don’t We retumba
pela caixa de som e eu solto gritinhos animados como uma boa e velha fã
histérica da banda.
Começo a sonhar acordada com o dia em que fui ao show e consegui passe
livre para o camarim, finalmente conhecendo os meninos. Eles são tão lindos,
carinhosos e atenciosos pessoalmente que tive que me controlar muito para não
desmaiar e criar uma cena diante deles. Óbvio que fiz a fina e a plena, mas só
Deus sabe como estava colapsando por dentro, afinal, sou apaixonada por eles
desde 2016, no início de tudo.
Até que ser filha única de um dos maiores casais de atores de Hollywood e
ser super conhecida por conta disso tem suas vantagens.
Paro com os devaneios e sobressalto de susto quando alguém bate na
minha janela.
Faço uma cara de quem acabou de ser pega no flagra e abaixo o vidro do
carro lentamente quando reconheço a pessoa do outro lado.
— Querendo matar aula logo no primeiro dia, Love Monaghan? — minha
melhor amiga pergunta assim que espalma as mãos na cintura e estreita os olhos
em minha direção. — Que feio. O que a mídia vai pensar da mocinha quando
souber disso?
Rá! Aí está Aria Blake, minha melhor amiga nerd, intrometida e que vive
pegando no meu pé pelo fato de eu ser considerada pela mídia uma estrela
prodígio em ascensão só por ser filha de quem sou e, claro, por ter atuado bem
novinha em um filme deles dois que foi sucesso de bilheteria na época. Ela não
perde a oportunidade de fazer piadas e de me chamar de riquinha estúpida e
mimada, mesmo sabendo que estou bem longe disso. Aria só gosta de me
provocar. Ela é a minha melhor amiga. Minha única amiga. Somos únicas uma
para a outra.
Nos tornamos amigas ano passado, quando ela topou me ajudar na
recuperação de Álgebra em troca de alguns bons dólares. Se não fosse por sua
cabecinha de gênio, provavelmente teria me ferrado em um nível extremo.
Simplesmente não nasci para números e essas porcarias de exatas.
Minhas veias sangram arte.
Meus lábios se curvam em um sorriso forçado e sem graça.
— Há, Há, Há. Engraçadinha. — Aria ergue os ombros para cima, em um
nítido deboche diante da minha fala. — Estava esperando você aparecer,
Docinho. Não queria entrar sozinha no inferno.
Ela bufa exageradamente por conta do apelido, rola os olhos e decide abrir
a porta do meu carro na intenção de me arrancar a força. Antes que consiga
colocar seu plano em ação, desligo o som, pego a chave, meu celular também e
coloco uma das alças da mochila sobre o ombro. Pulo para fora e, quando já
estou prestes a seguir o caminho, que os alunos estão fazendo, ao lado de Aria,
paro para travar o carro que já ia esquecendo aberto.
— Se me chamar de Docinho de novo, vou expor seus segredos mais sujos
no Instagram. — É a primeira coisa que ela resmunga quando começamos a
andar lado a lado, saindo do estacionamento para podermos ir até a entrada da
St. Rose. — Florzinha.
Dou risada.
— Não posso fazer nada se você está a cara dela depois que cortou o
cabelo. Mas não se preocupe, está ainda mais linda.
Aria Blake sorri para mim em agradecimento e engancha seu braço ao
redor do meu pescoço. Retribuo seu sorriso e a olho de soslaio. Está mesmo
linda com o cabelo preto como penas de corvo cortado na altura do seu queixo,
com direito à franjinha e tudo. Está a cara da Docinho do desenho Meninas
Super Poderosas. Na verdade, para ser bem sincera, ela é a cópia dela em tudo,
até mesmo no humor e na personalidade. Se a bonequinha do desenho estivesse
no mundo real, nesse aqui em que nós vivemos, tenho certeza que se vestiria até
do mesmo jeito que a minha amiga; a camisa amassada de botões com os dois
primeiros abertos, a gravata folgada e desleixada ao redor do seu pescoço, a
calça preta apertada na sua cintura fina e larga em suas pernas, os tênis da
Adidas, as grandes argolas em suas orelhas, além das pulseiras e os anéis de cruz
e caveira.
Deixo de prestar atenção na garota ao meu lado quando passamos pelo
segundo prédio, ou mais especificamente segundo bloco, que é como nós o
chamamos. Esse segundo bloco é onde ficam a sala de lazer, os dormitórios e
tudo que os bolsistas precisam, já que eles, diferente de nós, ficam a semana toda
por aqui e só vão para as suas casas — alguns não — nos finais de semana. Ele
não é tão grande e intimidador quanto o primeiro bloco, que é onde nós
estudamos, mas também não está muito atrás. E antes de chegarmos ao nosso
destino, já que estamos indo pelo lado contrário, passamos pelo campo de
lacrosse e pelo Teatro tão famoso da St. Rose.
Meus olhos brilham de adoração com o último.
Bem, como já é perceptível, a St. Rose Academy é, sem sombra de
dúvidas, uma escola de elite. A melhor e a mais cara de Fort Lauderdale, a
cidade na costa sudeste da Flórida, conhecida pelas praias e pelos canais de
navegação. Os alunos dessa escola são filhos de magnatas, políticos, empresários
do ramo de grandes negócios e até mesmo famosos e grandes nomes da indústria
cinematográfica estadunidense, como é o meu caso. Nada aqui exala menos do
que milhões e bilhões de dólares acumulados, então é óbvio que a escola faz por
merecer a fortuna que nossos pais pagam todo mês e a reputação toda que
carrega em ser uma das melhores do estado. O lugar parece quase como um
campus de uma universidade, pessoas que não conhecem aqui podem muito bem
se perderem pelos arredores.
E, como sendo uma das melhores, é claro que o Teatro é impressionante de
tão grande, hipnotizante, lindo de morrer e o sonho de qualquer jovem aspirante
a ator e a atriz. Foi exatamente por isso que decidi estudar aqui quando mamãe
tentou me convencer falando que me ajudaria na minha futura carreira, além de
que fora aqui que também se formaram alguns dos filhos de amigos dela,
também famosos. Eu sabia que ele era para mim, afinal, já conhecia a fama das
peças pela cidade e tinha visto algumas cenas delas navegando pelo YouTube.
Era um evento tão grande e feito com uma seriedade tão impressionante que
passou a ser meu sonho me formar aqui. Eu passava dias revirada pela
ansiedade, me imaginando no palco com a plateia me aplaudindo, as luzes
focadas em mim e os meus pais filmando cada cena com um sorriso de orgulho
nos rostos.
Quando pisei os pés na escola, foi exatamente isso que aconteceu. Corri
para me inscrever na primeira peça, fiz a audição e ganhei o papel principal.
Lembro-me como se fosse hoje a sensação de vitória e os elogios que recebi de
Astrid, minha professora de teatro, que se sentia orgulhosa por ter uma
Monaghan passando por suas mãos. E não demorou muito para que eu me
tornasse atriz permanente do Teatro e estivesse escalada para o elenco de quase
todas as peças.
Apesar de certas coisas que meus olhos e meus ouvidos são obrigados a
verem e a escutarem boa parte do tempo, eu amo estudar aqui e estou feliz por
estar de volta.
Tendo Aria Blake e o teatro na minha vida, não me importo com mais
nada.
— Bem-vinda ao inferno por mais um ano, vadia. — Aria estagna no exato
momento em que ficamos de frente para o prédio um e eu freio junto com ela,
ainda agarrada ao meu pescoço. — Que Deus nos dê discernimento para saber
lidar com esses capetas de salto alto.
— E com os capetas que portam bastões também — digo, me referindo ao
Fort Red Knights, time de lacrosse da escola.
— Ah, que Deus tenha piedade de nós — Aria Blake choraminga assim
que ergue as mãos para o céu.
Eu não sou uma garota invisível aqui, muito pelo contrário, na verdade. As
pessoas sabem até demais da minha vida por conta de notícias vinculadas a sites
de fofocas e programas sensacionalistas. Até se aproximaram de mim logo no
início por conta da minha posição e, claro, dos meus pais, até porque os famosos
e com uma legião de fãs são eles, não eu. Mas era tudo tão vazio e cheio de
segundas intenções que preferia ficar mais sozinha e introspectiva. Ao contrário
do que muitos pensam, não gosto desse tipo de exposição, tão pouco ao que ela
me remete. Acho que já sofri tanto com isso ao longo dos anos que me blindo até
demais com coisas e pessoas que possam levar novamente meu nome aos
tabloides, então é óbvio que acabei afastando gente aqui e ali. Só que nunca, de
fato, fiquei para escanteio, nunca fui esquecida, muito menos deixada em paz no
quesito fazer amizade com meus colegas de classe e de outras turmas. Mas, no
momento em que passei a ser vista com Aria ao meu lado, as coisas meio que
deram uma esfriada, mesmo que não tenham desaparecido. Acho que a galera só
ficou de saco cheio da gente e parou de tentar entender como duas pessoas de
mundos tão diferentes poderiam se completar.
Quando digo que eu só tenho Aria e Aria só tem a mim, não estou
brincando. Minha amiga, por ser bolsista, não ter a mesma classe social dessas
pessoas fúteis, ser inteligente ao extremo e preferir suas roupas a roupas que
valham alguns bons dígitos, era duramente criticada, maltratada e humilhada
pelos alunos quase que diariamente. Sua vida era um tormento, vivia cabisbaixa,
em seu próprio mundo e não falava com ninguém a não ser com os professores
para tirar dúvidas. Graças a Deus eu consegui adentrar no seu mundo e no seu
coração. Ninguém nunca mais ousou olhá-la de cara feia.
Não que eles pareçam ter aceitado seu jeito e o meu ar de arrogância por
não querer me misturar com eles — É, essa conversa já rolou nos corredores —,
só deixaram para lá. O que faz com que fiquemos muito mais tranquilas para
aprontarmos nossas loucuras sozinhas.
Trago uma grande quantidade de ar para os meus pulmões e reúno forças
para ser eu a puxá-la, porque sei que o sino, indicando o início das aulas, está
muito, muito próximo de tocar de forma estridente. Aria resmunga incontáveis
vezes quando empurro a porta para que possamos entrar e darmos de cara com o
nosso primeiro dia de aula. Ela segue xingando no meu ouvido, reclamando e
desabafando sobre tudo e todos ao mesmo tempo, quando, de uma forma
totalmente aleatória e desatenciosa, embola um tênis no outro e faz com que
quase atinjamos o chão no início do corredor. A sorte, ou não, é que uma
muralha se choca com a gente ao mesmo tempo, impedindo de irmos ao
encontro do piso bem polido.
Eu e Aria nos entreolhamos antes mesmo de termos coragem de
tombarmos nossas cabeças para trás, a fim de encontrarmos o dono daquele
porte tão alto e atlético.
Oh, oh.
Um Fort Red Knights à vista, tenho certeza.
Minha barriga se contrai no instante em que ergo lentamente meus olhos,
na intenção de confirmar minhas suspeitas.
— Olhem por onde andam. — Sua voz é alta, potente, grave, cortante e faz
os pelinhos dos meus braços se eriçarem em uma mescla de medo e raiva. Colt
Carver. É óbvio que tinha que ser ele. Ninguém em St. Rose Academy tem o seu
porte de capitão, tão pouco a sua arrogância e o seu escárnio. Garoto desprezível.
Se essa escola é um inferno, o garoto à minha frente é a personificação do
demônio. — Na próxima, vou passar por cima.
— Então por que você não faz isso agora? — provoco, me afastando da
minha amiga só para cruzar os braços em frente ao peito, bater o coturno no chão
e encarar dentro dos seus olhos pretos e opacos. É tudo tão escuro que parece a
droga de um buraco negro. Ainda permanece sem nenhum traço de vida e brilho
em suas írises. — Mostre na frente de todos, o covarde que encurrala garotinhas
indefesas que você é.
Sua risada baixa, sem humor e maléfica quase, quase, me faz recuar alguns
passos para trás e sair correndo.
— Cuidado com as coisas que diz, Monaghan. Língua grande geralmente
não cabe em caixão, é o que dizem.
Ah, ele está me ameaçando?
Ele está me ameaçando? Mas que porra é essa?
— Vai procurar alguém do seu tamanho, idiota — Aria responde por mim,
apruma a postura, arrebita o nariz e envolve seu braço ao redor do meu cotovelo,
me puxando para perto em um safanão, como se estivesse tentando me conter. —
Estamos dando o fora.
— Mas não estamos dando mesmo!
— Estamos dando, sim. — Ela vira o rosto em minha direção e o contorce
em uma rápida careta de repreensão. — Tchau, Colt. Tomara que seu time perca
o campeonato esse ano e que, acidentalmente, alguém pegue o seu lugar. Bom
semestre.
A fulmino com o olhar quando caminha apressadamente comigo em seu
encalço, deixando o capitão do Fort Red Knights para trás, provavelmente
fervendo de raiva pela provocação da minha melhor amiga sobre o seu time e o
tão precioso campeonato.
No momento em que decido dar uma espiada atrás de mim, vejo que seus
olhos pequenos e angulados por conta da sua descendência coreana estão nos
seguindo. Ele segue no mesmo lugar, petrificado com alguma coisa. Seu
uniforme é um verdadeiro caos, acho que para combinar com tudo que lhe diz
respeito. Ele não usa blazer e a sua camisa branca também está amassada e com
alguns botões abertos, revelando alguns indícios da tatuagem em seu peito, a
rosa e a frase em coreano desenhadas no seu pescoço ficando bastantes em
evidência. As mangas estão na altura dos cotovelos e fazem com que mais e
mais desenhos apareçam e percorram o caminho das suas mãos e dos seus dedos,
que percebo rodeados de anéis e com as unhas pintadas de preto, que combinam
perfeitamente com sua calça apertada também preta e com as botas de combate
em seus pés. Tudo nesse garoto é tão caótico. Até o nó na gravata fez questão de
não fazer só para que as pessoas possam ver na sua identidade o quanto ele não
está nem aí para nada.
Tudo em Colt grita caos, pecado, devassidão, luxúria, problema, perigo,
fogo e destruição iminente.
Sua figura remete a coisas ruins e todo mundo sabe disso.
Colt Carver não é uma pessoa boa. Não mesmo, nem de longe. Pode até
parecer lindo por fora, mas é podre por dentro. E talvez ninguém nessa escola
tenha noção disso, nem mesmo a Aria, mas eu comi o pão que o diabo amassou
nas mãos dele.
E deve ser por isso que entendo a mensagem implícita em seus olhos
malignos quando os meus se chocam contra eles: o jogo está prestes a começar.
Você cruzou meu caminho novamente, então aguente.
Oh, Deus, para que eu fui abrir a minha boca? Consegui lhe ignorar por
anos depois daquela noite. Fiz o que me pediu e fingi que não o conhecia, que
para mim ele não passava de mais um aluno popular, mau e mulherengo e que
queria distância. Evitei suas festas, cruzar seu caminho nos corredores, olhar
diretamente para o abismo preso em seus orbes e dar qualquer indício de que não
somos meros desconhecidos.
Até agora, claro, porque minha boca simplesmente não conseguiu ficar
fechada diante da sua provocação e do seu jeito rude de sempre. Se ele tivesse
passado e não falado nada, provavelmente manteria a minha postura e seguiria
com Aria para as nossas próximas aulas. Mas é claro que isso não aconteceu.
Seu espírito covarde de uma pessoa que me detesta tinha que vir à tona. E eu
também não sou nenhuma santa para escutar merda calada.
O semestre mal começou e já sinto que entrei em problemas com ninguém
mais e ninguém menos que Colt Carver.
❝ Tudo é cinza
Seu cabelo, sua fumaça, seus sonhos
E agora ele está tão desprovido de cor
Ele não sabe o que isso significa
E ele é triste
E ele é triste. ❞
COLORS – HALSEY

MANSÃO DOS CARVER, 04 DE SETEMBRO DE 2012, ÀS


19H25MIN.
Eu não gosto dessa casa.
Apesar de ela ser enorme, com dois andares e ter um jardim amplo e
magnífico nos fundos, algo aqui dentro é sombrio e gelado. As paredes são em
um tom de cinza e os móveis são todos escuros. É completamente diferente da
minha. Não há cor de alegria, não há decorações legais e divertidas e o silêncio
na mesa de jantar muitas das vezes me assusta, mesmo que mamãe, papai e o
dono da residência conversem hora ou outra com uma fluidez impressionante.
Acho que os candelabros vermelhos deixam o cenário ainda pior para a minha
mente fértil e medrosa de uma criança de dez anos de idade.
Ou talvez seja o olhar apático do garoto sentado à minha frente, que fica
me encarando segundo após segundo, minuto após minuto, enquanto aperta com
força o talher prateado em sua mão e enfia garfadas seguidas de garfadas em sua
boca. Ele parece estar repassando em sua cabeça mil formas de morrer. Ou até
mesmo de me levar junto.
Mesmo na sua casa, Colt Carver parece tão deslocado quanto eu.
E o mais engraçado disso tudo é que não desvio do seu olhar. Faço um
passeio pela sua figura e analiso minuciosamente tudo que lhe compõe, afinal,
sou curiosa e não me intimido fácil. Olho para os seus fios compridos,
extremamente lisos e pretos, depois para seus olhos tão escuros quanto à noite,
com uma leve mancha esverdeada no esquerdo, que se assemelha muito a um
hematoma. Seu nariz bem pequenininho e afilado, sua boca naturalmente
avermelhada e cheia e finalizo nas suas roupas tão escuras e sem um pingo de
alegria como tudo que nos rodeia. Ele parece perceber e detestar a minha
intromissão. Mas não posso fazer nada quanto a isso, ele que começou essa
guerra travada entre nossos olhares.
A verdade é que Colt Carver, desde o momento em que pisei os pés na sua
casa, porque meu pai é amigo de infância do seu, faz de tudo para deixar bem
claro e evidente que repudia a minha figura como nenhuma outra. Na verdade, às
vezes me perguntava se o problema estava comigo ou se estava em todas as
outras pessoas do mundo, porque sua cara vivia fechada e emburrada para todo
mundo, até mesmo para o seu pai. Mas, em um belo dia, quando resolvi me
aproximar de fininho e tentar uma conversa, enquanto ele mexia nas flores do
jardim, o idiota me mandou calar a boca, parar de encher a sua paciência e me
empurrou com tudo contra a grama lamacenta, pisando duro logo depois, como
se eu tivesse feito a pior coisa do mundo ao perguntá-lo como estava sendo o seu
dia. Como se já não bastasse tamanha humilhação, meus pais e o pai dele saíram
para me socorrer porque ele ainda inventou, quando os alcançou lá dentro, com a
maior cara cínica do mundo, que eu havia simplesmente tropeçado e caído lá
fora. Estava tão triste e decepcionada comigo mesma que acatei a sua versão e
passei o resto do dia chorando trancada no banheiro da sua casa.
Me senti a pior pessoa do mundo, fiquei me perguntando se eu tinha algum
problema grave para Colt Carver não querer a minha amizade e a minha
aproximação quando, na verdade, o problema estava todo nele, não em mim. A
culpa era dele por cultivar a maldade dentro de si desde cedo, não minha por ser
boa e me importar. Papai costumava me dizer para não ficar triste por conta das
ações do garoto, pois, segundo ele, Colt perdeu a mãe cedo demais de uma
forma extremamente trágica, então isso implicava no seu comportamento e no
seu jeito introspectivo, e eu acatei com compreensão. Mas agora eu sabia que
não era só isso. O problema de Colt não é ser só introspectivo. Ele carrega uma
áurea e uma carga diferente para uma criança da nossa idade. Vive parecendo
estar zangado com a vida, com o mundo, seus olhos negros carregam uma
intensidade assustadora de melancolia, não parece gostar de aproximação e
contato físico com ninguém, seja criança ou adulto. E parece recriminar ainda
mais a minha. É como se Colt tivesse enxergado em mim, desde o primeiro
momento, alguma coisa que não encontrava nele, como se a minha presença
fosse sufocante e assustadora demais para lidar, como se fosse um tormento ter
que me encarar.
Sei que, independentemente do que seja, o garoto me detesta.
E eu o detesto tanto quanto.
— Perdi o apetite — Colt quebra o silêncio, os olhos incisivos ainda
grudados nos meus, e joga os talheres em cima do prato em um baque
terrivelmente barulhento para o lugar tão silencioso em que nos encontrávamos
segundos atrás. Todos os pares de olhos adultos cravam em sua figura ao mesmo
tempo. Ele engole em seco assim que desliza seus orbes até Maverick Carter, seu
pai, que está sentado na cadeira na ponta da mesa, com os braços fincados e a
expressão bem séria e fechada contorcida no rosto pálido e pontudo coberto por
uma barba densa e bem-feita. — Se o senhor não se incomodar, gostaria de ficar
um pouco no meu quarto.
Pode parecer estranho, mas eu flagro o exato momento em que suas mãos
tremelicam antes de se esconderem embaixo da mesa.
— Não se comporte desse jeito, Colt, querido, nós temos visita. É falta de
educação se retirar antes dos demais. — O canto dos lábios do homem se ergue
sutilmente para cima, como se estivesse querendo dar um pequeno sorriso,
mesmo que o resultado não tenha chegado nem perto disso. Maverick parece
incapaz de sorrir e pôr alguma expressão em seu rosto. O jeito como se porta,
fala e se movimenta parece milimetricamente calculado, tipo um vilão de
desenho, mas ninguém se dá conta disso como eu. — Eu achei que já havia lhe
ensinado sobre isso antes.
— Sim, mas...
— Mas nada, Colt. Assunto encerrado.
O garoto à minha frente parece trilhões de vezes mais emburrado quando
assente e desliza a bunda pelo estofado da cadeira em que se encontra.
— Ora, não precisa de tanto. — Caroline Dillon, minha mãe, decidindo
bancar a apaziguadora, resolve se intrometer em seu bom e velho tom casual. —
Pode subir se você não estiver se sentindo bem, Colt. A Love pode lhe fazer
companhia.
Oi?
Mas nem morta.
A encaro com as sobrancelhas arqueadas.
— Vai ser bom para vocês — ela complementa, me ignorando
completamente. — Crianças precisam conversar com crianças, não com adultos.
— Tá, tudo bem. Só porque é com a Love — o pai de Colt concede, por
fim.
Meu pai fica tão calado quanto uma porta. Nem para me aliviar nessa.
Colt volta a me fitar e um sorriso maldoso brota em seus lábios na
velocidade da luz.
— Acho que pode ser divertido. — Fricciono os lábios um no outro para
impedir que xingamentos escapem da minha boca quando vejo a expressão
duvidosa em seu rosto nada infantil. — Suba comigo, Love. Vamos nos divertir
que nem naquele dia no jardim.
Idiota!
Certeza que há chamas agora em minhas írises.
Talvez eu esteja maluca, muito a fim de me jogar na cova dos leões ou
apenas com muita vontade de fugir do jantar e da comida antes que seja tarde
demais para mim, mas aceito. Retiro o guardanapo de cetim do meu vestido,
coloco-o sobre a mesa e me levanto. Colt Carver faz o mesmo, me encarando.
Nós passamos tanto tempo naquela posição, os olhos flamejantes de desafio e
palavras não ditas, se encarando em uma disputa para ver quem se acovarda
primeiro, que é preciso nossos pais falarem alguma coisa para que ele desista do
pequeno embate e se vire em direção às escadas. Meio a contragosto e meio
entorpecida pelo seu veneno, corro para me colocar em seu encalço. Nós
subimos lado a lado, calados e pulando de dois em dois degraus, como duas
crianças competitivas e arteiras que somos.
Mas no momento em que adentramos o corredor longo, ele empurra a
segunda porta, provavelmente a do seu quarto, e encaixa a mão grande ao redor
do meu pulso. Perco o fôlego e me deixo ser jogada para dentro do ambiente
escuro e desconhecido, escutando o clique da porta sendo trancada em um lugar
atrás de mim. A minha ficha realmente cai ao finalmente me dar conta da
enrascada em que acabei de me enfiar e o pânico começa a retorcer as minhas
entranhas, sinto que posso sufocar e chorar a qualquer momento. Não deveria ter
sido impulsiva e ter aceitado. Não deveria ter vindo até aqui, sozinha com uma
pessoa que me odeia e que parece ser capaz de me machucar verdadeiramente.
Não deveria lhe dar corda e aguçar seu instinto malvado. Não deveria lhe
provocar e ser tão boba e ingênua.
Não, não, não.
Está tudo escuro, o quarto está em um completo breu, posso presumir que
as cortinas blackout estão fechadas, o que faz com que meus olhos só enxerguem
preto. Mas eu ainda sinto seus dedos me envolvendo, então sei que está aqui, sei
que está perto. Consigo até escutar sua respiração ofegante se mesclando com a
minha. Fora isso, não sou capaz de detectar nada. Nem ao menos tenho certeza
se estamos mesmo no seu quarto.
— Vou embora — sopro em um fio de voz.
— Você não vai, não.
— Como pode ter tanta certeza disso?
— Porque eu te soltei há minutos atrás e você permanece no mesmo lugar.
Ah, fala sério! Como eu não senti sua mão se desprendendo do meu pulso?
Se bem que há algo bem estranho em mim após não ter mais o seu toque.
— Por que aceitou que eu subisse? — Mudo de assunto, ignorando o frio
que sobe pela minha espinha. — Você me detesta.
Ele ri.
Colt Carver ri.
Pela primeira vez desde que o conheci, ouvi o som da sua risada. Foi
rápida e passageira, mas meus ouvidos prestaram atenção o suficiente para que
eu consiga me recordar depois, quando estiver na minha casa, no meu quarto,
pronta para dormir. É melodiosa e reverberou por toda minha coluna vertebral
como uma daquelas músicas que a gente sente se infiltrando nos nossos corpos
por serem eletrizantes demais.
Acho que nunca vou conseguir esquecer esse momento. Acho que nunca
vou conseguir esquecer o fato de que ele consegue e é capaz de fazer isso
quando quer.
— É, detesto mesmo. Mas ficar com você é um pouco mais tolerável do
que ficar na presença do... Quer saber, esquece. Não vale a pena conversar com
você.
Pisco uma, duas, três vezes.
— Seu pai é um homem mau? — A pergunta me escapole de uma forma
tão rápida e impensada que cubro minha boca com a mão, com medo de ele ter
escutado. Mas é claro que escutou. Foi em alto e bom som. — Ele me parece
mau. — Dou de ombros. Agora que já dei com a língua nos dentes, vou
continuar. — Mamãe diz que é coisa da minha cabeça, mas não consigo ignorar
o fato de que ele me causa arrepios. Percebi, lá na mesa de jantar, que você
tremeu, então acho que ele te causa isso também.
Em um momento, estou conversando normalmente, com Colt
provavelmente em minha frente, e, no momento seguinte, estou sendo
empurrada contra uma parede. Acho que a gente se bate com algo no meio do
caminho, porque um barulho eclode na redoma formada entre nós dois. Seguro o
grito de dor na minha garganta e tateio seu corpo na intenção de empurrá-lo para
longe de mim, mas é claro que não consigo, pois Colt Carver, além de ser um
ano mais velho que eu, é muito mais forte e muito mais alto. Seu porte parece o
de uma criança de doze ou treze anos.
Sou tipo uma formiguinha que ele pode pisar com seus sapatos.
— Eu não tremi — diz entredentes. — Eu não tremi! Eu não tenho medo.
Não tenho medo dele. Não tenho medo de nada. Sou grande, sou forte e... e eu
não tremi.
Solto um suspiro de alívio quando seu corpo se afasta do meu
abruptamente. Abraço meu próprio corpo e mordisco a pele morta do meu lábio
inferior antes de sussurrar:
— Está tudo bem ser grande, forte e sentir medo. Pessoas sentem medo o
tempo todo.
Outra risada. Dessa vez, completamente sem humor.
— Sua concepção de medo é diferente da minha. Você não vive o que eu
vivo e eu não vivo o que você vive. Nada do que você pensa que sabe sobre essa
palavra é o que eu realmente sei. Então não tente fingir que me entende.
Embora esteja no mesmo lugar, sinto como se tivesse levado outra
pancada. Não entendi o que quis dizer, às vezes suas palavras soam complexas
demais para mim, como se fosse uma parte muito confusa de um quebra-cabeça
que não quero terminar. Mas algo dentro de mim me avisa que algo de muito
errado, como vinha suspeitando, acontece dentro dessas paredes cinzentas e
mórbidas, porém não faço a mínima ideia do que seja, e definitivamente não
quero descobrir. Não quero ter nenhuma ligação com essa casa, com essa família
e, principalmente, com Colt. Só venho nos jantares porque sou obrigada. Só
estou aqui porque fui curiosa e tomei uma decisão errada e precipitada, nada
mais.
— Você acabou de admitir para mim que sente medo, meio que
indiretamente. Deveria colocar isso para fora de verdade e parar de fingir que
não sente nada. — Retiro o acúmulo de suor da minha testa e alinho os fios
curtos do meu cabelo. — É muito melhor mostrar fraqueza e vulnerabilidade,
que são coisas que lhe fazem humano, do que mostrar crueldade e
insensibilidade. São coisas desprezíveis.
Escuto o som dos seus sapatos se movendo de um lado para o outro neste
quarto. Apesar de não poder enxergar seu rosto por falta de luz no cômodo,
posso imaginar a expressão fechada, o olhar mortal e a antipatia por mim e pela
minha escolha de palavras estampada em seu rosto. Consigo visualizar tudo com
muita nitidez. Eu não me encontro muito diferente, entretanto.
— Vou te dar um único aviso, Love... — Há uma pausa assustadora antes
que ele possa continuar. Então, simplesmente sinto sua respiração ondulando em
meu rosto, seus dedos novamente agarrados de forma precisa em meu pulso, seu
perfume e a sua presença. Colt Carver está novamente me prensando contra a
merda da parede, e eu não consigo fazer nada a respeito, apenas deixo. — Você
não me conhece. Você não sabe nada sobre mim e sobre a minha vida. Você nem
ao menos entende as porcarias que fala. É a merda de uma pirralha intrometida
que se acha por ter pais perfeitos perante a sociedade de Fort Lauderdale e, claro,
do mundo. E eu não tenho nenhuma vontade de deixar que me conheça. A única
vontade que eu tenho é te fazer entender de uma vez por todas que eu não lhe
suporto. Não suporto sua alegria, sua bondade e seu espírito de que está tudo
bem. Não suporto a sua voz, os seus olhos e as péssimas roupas coloridas que
usa por aí. — Carver para novamente, e já posso sentir que meus olhos
acumulam águas cristalinas por conta de tudo que cospe e despeja sobre mim. Eu
queria chutá-lo, esmurrá-lo e socá-lo infinitas vezes, mas me sinto totalmente
sem forças para reagir. Continuo tão imóvel quanto uma estátua, apenas
escutando-o me rebaixar como bem sabe fazer. — Não suporto a sua presença e
o que você representa. Se não ficou claro, eu a odeio, Love Monaghan. A odeio
desde o primeiro momento em que te vi. E se cruzar o meu caminho novamente,
se falar que me conhece, fora dessa casa estúpida, vou fazer com que se
arrependa. Me ouviu?
Engulo o choro e aprumo minha postura.
— Perfeitamente. — Solto meu pulso do seu aperto em um safanão,
alisando o local que parece arder e pinicar. — Para mim, Colt Carver, você
nunca existiu. É a merda de um nada.
O clique da porta soa novamente e sei que destravou para que eu possa dar
o fora. E é exatamente isso que eu faço, antes que me expulse. A sorte é que,
quando chego ao andar debaixo, meus pais já estão se despedindo de Maverick
Carver, prontos para irem embora.
Quando chego em casa, alguns poucos minutos depois, subo para o meu
quarto, me enfio no banheiro e vomito o pouco que ingeri no jantar, me
permitindo chorar, porque, diferente do que achei, não é da sua risada que me
recordo agora. Me recordo do seu insulto e da sua ofensa jogados gratuitamente
ao vento.
E é nesse exato momento que faço uma promessa.
Colt Carver não existiu hoje, não existirá amanhã, nem depois de amanhã e
nem nunca mais para mim.
.
❝ Eu não quero jogar mais.
Doente e cansado de perder tempo,
eu não sei as regras para o seu jogo estúpido
Eu não quero fazer isso direito. ❞
I DON’T WANNA PLAY NO MORE – THE GAMITS

ST. ROSE ACADEMY, 17 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 8H13MIN.


Assim que cruzei o caminho de Colt Carver, sentindo a raiva e a
adrenalina borbulharem em minha corrente sanguínea, tive que me separar de
Aria para ir até minha primeira aula do dia, que fora de Literatura. Me recordo
de a professora ficar falando, falando e falando sobre como estava animada para
o novo semestre e como, obviamente, mal via a hora de podermos debater sobre
novos clássicos literários. Apesar de gostar bastante da matéria, simpatizar muito
com quem a leciona e ser bem centrada e disciplinada nos estudos, já que
pretendo ter um currículo impecável para ingressar na NYU, minha universidade
dos sonhos, não estava me sentindo nada focada. Minha mente ficava repassando
o embate no corredor em um looping perfeito, como se já fosse artimanha
daquele idiota se infiltrar no meu sistema para me atormentar como fazia na
infância.
Acho que já deve estar com saudade de descontar sua raiva descomunal do
mundo em mim, afinal, já faz seis anos desde nossa primeira e última discussão
intensa. Depois daquela noite, mesmo um frequentando a casa do outro em
certas ocasiões combinadas pelos nossos pais, além de passarmos a estudar na
mesma escola no ano passado, nunca mais tivemos um diálogo, a não ser aqueles
cumprimentos forçados quando nos víamos na recepção de casa e aquelas
respostas curtas quando alguém tentava fazer com que nós dois conversássemos
na mesa de jantar, claro. Nenhum dos dois estava realmente disposto a uma
segunda tentativa. Talvez ele pensasse que eu fosse me humilhar e correr atrás
em algum momento. Tinha certeza que me julgava como uma garota fraca e que
se sujeitava a pouca coisa, via isso quando continuava me encarando da mesma
forma, tentando aguçar meu lado mais primitivo e irracional, mas isso jamais
aconteceria. Nem em um milhão de anos que eu iria querer algum tipo de
amizade depois de tudo que ele me disse naquela noite em seu quarto.
Fui burra naquele momento, porém jurei a mim mesma que Colt Carver
nunca havia existido, então tratei de levar aqueles nossos momentos em
“família” da melhor forma possível, evitando seus olhares, mantendo distância,
falando o básico e correndo para o meu quarto todas as vezes em que Maverick e
ele demoravam mais do que o normal em minha casa. Quando era o contrário,
sempre inventava uma desculpa para os meus pais de que precisávamos voltar
cedo porque ou eu tinha aula no outro dia, ou eu estava precisando colocar as
matérias em dia ou estava com algum sintoma aleatório e passando mal. Acho
que a minha sorte era que nossos encontros não eram frequentes, aconteciam de
meses em meses, então a desculpa colava e eu conseguia correr dele como o
diabo foge da cruz.
Só que quando aconteciam festas e eventos, nossa, eu adorava, porque
mesmo Colt Carver estando lá, o garoto sempre conseguia desaparecer em meio
à multidão de pessoas da alta sociedade. Era um alívio. E algo cômico também.
Lugares lotados de grã-finos pareciam ser seu pesadelo.
E é óbvio que tudo que lhe parecia gelar o sangue me dava prazer, então
esses momentos com ele, em específico, eu amava, mesmo que virasse o
Homem-Invisível depois. Era bom vê-lo parecer ainda mais deslocado com o
restante do mundo do que o habitual, com seus olhos transbordando algo
parecido com terror, desespero e medo, a mesma coisa que atravessou os meus
naquela noite em que decidiu pisar em mim com suas palavras cortantes. E
mesmo tentando manter a postura e o rosto estoico, eu o observava quando
estava à vista e conseguia detectar quando vacilava, ficando vulnerável ao
retirar, por segundos, sua armadura de quem não é capaz de sentir nada e me
fazendo enxergar que não passa de um covarde mentiroso, hipócrita e
mascarado. Um completo fake.
Posso não saber o que esconde por baixo das suas infinitas camadas de
garoto mau, mas sei que esconde. E deve ser tão podre quanto ele.
“Que ótimo, Love, você está mais uma vez se dispersando pelo mesmo
motivo”, meu subconsciente faz questão de me dar um sacode.
Argh, que raiva. O detesto por inúmeros motivos, mas hoje o detesto ainda
mais por ter me deixado nesse estado instável. O detesto ainda mais por ter me
excedido e por ter feito com que eu entrasse nos seus joguinhos de provocação
sem sequer me dar conta. Ainda mais hoje, no primeiro dia de aula após as
férias, no dia em que finalmente vou poder voltar ao Teatro para me dedicar à
Peça da Primavera, a mais importante do ano, a que reúne um número elevado
de pessoas, até mesmo de olheiros da Broadway. E entrar na Broadway é a
minha meta de vida, logo essa peça será a minha vida a partir de agora. Não
quero problemas, só quero saber dela. Só preciso saber dela.
Preciso me doar por completo mais um ano. Sem distrações. E não era
para começar já assim, com o pé esquerdo.
Céus, já disse o quanto detesto Colt Carver?
— Terra chamando Love Monaghan. — Pisco algumas vezes, voltando à
realidade e dando de cara com Astrid Reed, minha professora de teatro. Sorrio,
meio sem jeito por não ter notado que ela estava aqui, e a observo recuar ao
passo que seus lábios se esticam em uma retribuição genuína. — O que faz aqui
a essa hora, querida? Já com saudade dos palcos?
Bem, aqui está mais uma merda e irresponsabilidade do dia: decidi dar
uma fugidinha da aula que substituiria Literatura para escorregar pelos cantos do
Teatro, com uma saudade esmagadora dele, e, também, com uma necessidade de
recarregar minhas energias no lugar que mais amo, que é meu sinônimo de casa,
conforto e paz. Aqui é simplesmente o meu lugar, não há como não definir
assim. É aqui que clareio minhas ideias, que me reconecto comigo mesma, com
meus ideais, meus sonhos e com a minha vida. É aqui que meu coração se
expande e se fixa. É aqui que me faz lembrar constantemente quem lutei para ser
e quem desejo ser no futuro.
O teatro é, definitivamente, uma extensão da Love.
E é meio engraçado de se pensar isso, tendo em vista quem são os meus
pais e o modo como fui criada. Ser a única filha de Caroline Dillon e River
Monaghan, considerados grandes atores de suas gerações e nomes marcantes da
indústria de Hollywood, deveria ser uma garantia de que minha grande
referência seria o cinema, principalmente por ter feito uma pequena participação
em um filme deles e tê-los acompanhado bastante em sets de filmagens,
premiações, tapetes vermelhos e entrevistas, mas a realidade não é bem assim.
Embora eu ame o cinema, admire tudo o que o envolve, seja uma fã assídua dos
meus pais e tenha ficado fascinada por esse ramo quando era apenas uma
garotinha, meu coração não batia por ele o tanto que batia — e ainda bate —
pelo teatro, que foi amor à primeira vista. Assim que fui matriculada em minhas
aulas introdutórias e comecei também a ter aulas de canto, lá pelos seis, sete
anos, quando minha mãe quis que eu adentrasse esse mundo da arte, o mundo
que ela tanto ama e que tanto passou a sua vida se dedicando, me apaixonei. Foi
simplesmente surreal a sensação de pisar nos palcos pela primeira vez e olhar
para a plateia distribuída nas costumeiras cadeiras vermelhas, como se fosse
possível sentir a emoção de cada um através das batidas do meu coração, que
sempre parece pulsar na mesma intensidade e na mesma proporção que os deles.
Foi simplesmente arrebatador, encorajador e fez com que eu me sentisse
instantaneamente viva e pertencente a algo, com a luz do palco se focando em
mim, a vibração das pessoas nas cenas emocionantes ou divertidas me dando
combustível para me doar de corpo e alma, as caracterizações e os figurinos a
cada nova peça e a cada novo personagem, me dando o poder de viver várias
vidas em apenas uma e a magia e a esperança do ambiente me levando a lugares
incríveis e extraordinários sem precisar sair do lugar.
Foi tipo encontro de almas, é o que costumo dizer, já que a minha vive e se
alimenta disso aqui; da coxia, das cortinas, do palco, do canto e da plateia.
Só é uma merda saber que a minha mãe não entende esse meu amor e esse
meu desejo. Para ela, tenho que ser a sua sucessora e a próxima estrela de
Hollywood, como a imprensa gosta de ressaltar. Tenho que seguir seu legado, me
dedicar ao cinema, produzir os próximos sucessos de bilheteria da minha
geração e ser a queridinha dos Estados Unidos. Até papéis em alguns longas ela
conseguiu para mim, a sorte é que meu pai, River, muito mais compreensivo e
meu cúmplice favorito, conseguiu fazer com que ela entendesse que eu ainda
não me sentia pronta e confiante o suficiente para embarcar nesse mundo que é,
de fato, assustador. Mas a verdade é que não vou me sentir pronta nunca. Não
quero ser a sua sucessora e não quero saber de nada disso. Além de não ser a
minha paixão verdadeira e com o que sonho trabalhar, essa vida é o motivo pelo
qual desenvolvi traumas e doenças que me custaram muitas coisas, inclusive
minha infância e começo da minha adolescência. Sofri e lutei para enfrentar
demônios que nenhuma criança naquela idade deveria ter que lidar, porque
crianças não deveriam estar se preocupando com sua aparência ou com o que lia
sobre ela na mídia. E, apesar das pessoas não entenderem e acharem que sou
uma ingrata por falar isso, já que não fazem ideia de como é estar do lado de cá,
a fama, o poder e o sucesso desde nova, por ser a tão aguardada e primeira filha
de um dos melhores casais de atores que o mundo já viu, não é algo que
considero como sorte ou bênção. Amo os meus pais do fundo do meu coração e
me orgulho de tudo que eles conquistaram, mas sinto como se tivesse sido meu
castigo ou a minha penitência.
Essas coisas têm um preço, é nítido, e o meu veio muito, muito, caro.
Solto um fluxo de ar e passo os dedos pela minha saia de pregas.
— Sempre com saudade de casa, Astrid — respondo algum tempo depois.
Em cima do palco, desvio da sua figura para passar os orbes pelo Teatro, encaro
o teto com o estilo artístico Barroco que tanto amo e acho lindo, com as pinturas
bem elaboradas dos ornamentos e representações do divino, os detalhes em um
dourado clássico nele e em tudo que o cerca deixam a arquitetura ainda mais
imersiva e clássica. Depois os deslizo pelas cadeiras vermelhas de veludo da
plateia, que se concentra no meio, onde acontecem as apresentações, e se estende
até as paredes, em sessões de assentos com vista privilegiada, e retorno o olhar à
mulher em minha frente. — Parece ainda mais lindo do que no semestre
passado. Acho que nunca vou me cansar da beleza e da grandiosidade dele.
Uma pequena risada escapa da boca da minha professora.
— Ele continua o mesmo, querida. Isso é só o seu amor falando mais alto.
— Rá! É claro que sim. Tenho certeza que pareci uma boba agora. — Mas é tão
lindo vê-lo, Love. Me faz relembrar todos os dias o porquê continuo aqui depois
de anos nesse meio. É inspirador e reconfortante saber que o poder que o teatro
tem dentro de mim ainda vive e se mantém em outras pessoas, essas tão novas,
tão jovens e com futuros tão belíssimos pela frente. Espero poder estar aqui para
vê-los brilhando feito as estrelas que são.
Astrid suspira exageradamente, tira os óculos do rosto e limpa o canto dos
seus olhos claros com as costas da mão, visivelmente emocionada. Me sinto da
mesma forma, entretanto. Astrid Reed é como uma mãezona para todos nós do
teatro e a sua luz, bondade, sabedoria, talento e experiência nos ensinam e nos
inspiram todos os dias. É a melhor professora e mestre que poderíamos ter. Sua
carreira é linda, brilhante e cheia de garra, estreou nos palcos lá pelos anos 70 e
80, quando era apenas uma garota nova e cheia de sonhos. Eu a adoro de uma
forma sem igual. E tenho certeza que é recíproco.
Antes que eu possa responder qualquer coisa, minha professora apruma os
ombros, coloca os óculos novamente, alinha os fios do seu cabelo para trás e
semicerra os olhos, provavelmente querendo disfarçar seu breve momento
sentimental, antes de dizer:
— Ei, mocinha, você por acaso está matando aula? — Seu dedo está
levantado em riste e as suas expressões me dizem que está finalmente se dando
conta do motivo que me levou ficar aqui. Recuo alguns passos para trás, aperto a
alça da minha mochila e olho para os lados com um sorriso de quem fora pega,
procurando a saída mais próxima para correr até lá. — Não acredito que você
está fazendo isso no primeiro dia de aula, Love Monaghan! Não acredito que
está me fazendo sua cúmplice...
Não a escuto mais depois disso, porque desato a correr pelos fundos,
pulando os degraus do palco de dois em dois. Rio sozinha, feito uma moleca
travessa assim que escapo do Teatro, sem nenhum tipo de preocupação, já que
sei que Astrid jamais iria me dedurar ao diretor. Me encosto na árvore mais
próxima e toco o meio do meu peito com a mão, sentindo meu coração pular de
adrenalina contra minha palma. Tento, aos poucos, controlar minha respiração.
Preciso procurar um lugar para me esconder o mais rápido possível, não posso
circular pelos arredores, é arriscado e não quero entrar em confusão. Faltam só
vinte minutos para a aula acabar e eu poder voltar para dentro.
De longe, procurando meu esconderijo com a mão agora em formato de
concha acima dos olhos, tentando enxergar sob o sol da Flórida, miro o campo
de lacrosse e meus lábios automaticamente se retorcem em um pequeno sorriso.
Simplesmente o esconderijo perfeito.
Confiro se não estou sendo vigiada e caminho rapidamente até lá. Adentro
o reino do inimigo e controlo a vontade de rolar os olhos quando me recordo o
quão adorado e respeitado ele, Colt Carver, é só por ser o capitão do Fort Red
Knights, tendo garotas e o que mais quiser aos seus pés, como se fosse uma
espécie de rei intocável. Já não basta ser podre de rico e o seu pai comandar Fort
Lauderdale, ainda tem que ser regado de mordomias e privilégios na escola
também. Deve ser por essas e outras que o seu ego só se infla cada dia mais. É
patético. O cara é claramente um babaca com todos, não tem um pingo de
carisma e simpatia, vive para humilhar e quebrar corações, não sai com nenhuma
garota mais que uma vez e nem deixa que elas entrem em seu quarto. É sempre
uma trepada no vestiário, na sala de química, na piscina da escola, nas festas dos
seus amigos de time, na sala da sua casa, mas nunca em seu quarto, porque ele
nem se dá ao trabalho de uma gentileza dessas. É inacreditável que, mesmo
todas tendo ciência do seu comportamento repugnante e da sua fama ridícula,
ainda caem na lábia dele e o veneram.
Mas não que eu me importe e procure saber das suas conquistas, só sei
disso porque é impossível não ficar sabendo das fofocas envolvendo seu nome
que circulam pelos corredores. Não estou e nunca estive nem aí. Problema dele e
delas.
Me enfio debaixo das arquibancadas do campo, grata por realmente estar
sozinha, e resolvo me sentar perto de uma das pilastras que as sustentam. Deixo
minhas pernas na posição de yoga, coloco minha mochila em cima delas e tiro
meu celular e meus fones de dentro de um dos bolsos. Os plugo na entrada do
celular e posiciono-os nas orelhas, clicando no aplicativo de música e dando play
na minha lista de favoritas. A voz doce da Selena Gomez logo ressoa e a música
Bad Liar começa a me fazer companhia pelos próximos minutos. Fecho os olhos
segundos depois e cantarolo a letra bem baixinho, acompanhando o ritmo e
refazendo o clipe em minha própria mente.
É, minha cabeça às vezes vai por esse lado da imaginação em momentos
que estou sozinha.
Quando estou prestes a pular para a próxima, um barulho estranho e
ofegante no ambiente me faz pausar qualquer tipo de música que tocaria, retirar
os fones e olhar de um lado para o outro só para ter certeza mesmo de que estou
sozinha e de que não devo ter escutado nada do que realmente achei que escutei.
Um minuto inteirinho se passa sem que ouça nenhum outro barulho, então
respiro aliviada e volto a encostar meu corpo na pilastra. Quando já estou
colocando os fones de volta, outro ruído, dessa vez muito mais alto e muito mais
forte, como se tivesse saído de duas pessoas ao mesmo tempo.
Só me faltava essa.
Coloco tudo de volta na mochila, me levanto o tanto que consigo e arrumo
a saia, colocando-a um pouco mais para baixo e retirando possíveis sujeiras.
Seguindo meu instinto de curiosidade — que só me ferra, por sinal —, ando na
ponta dos pés para fazer o mínimo de barulho possível e sigo os sons, que
preenchem o ar mais uma maldita vez.
Franzo o nariz em uma careta quando um pensamento me invade.
Isso que estou escutando são... gemidos?
Ah, porra, fala sério!
Para o terrível azar da minha sanidade mental, sim, são gemidos e ninguém
está só dando uns amassos, e sim mandando ver, transando a essa hora da manhã
na porra do campo como se não fosse um lugar público e completamente
inapropriado. Céus, o que está acontecendo com os adolescentes cheios de
hormônios ultimamente? Eles estão ficando cada vez mais depravados,
irresponsáveis e impulsivos. E muito rebeldes também. Estamos só no primeiro
dia de aula do segundo semestre e olha como as coisas já estão se
encaminhando. É um alívio saber que não consigo ver quem são nem consigo
ver seus corpos nus, porque a escada está justamente cobrindo essa área deles,
mas ainda é aterrorizante por eu conseguir ver a calça e a cueca do garoto
emboladas em seus calcanhares e os movimentos de arremetida que aplica contra
a bunda da garota, sem nenhum tipo de calma e piedade. Seus gemidos agora se
assemelham muito com os de uma atriz pornô, o que me faz ter a certeza de que
está prestes a atingir um orgasmo.
Minha mente apita para que eu retorne para onde estava, mas minhas
pernas simplesmente fincaram aqui e não conseguem seguir o comando racional
do meu cérebro.
Engulo a seco quando um gemido explode no ar mais uma vez e um
farfalhar de roupas sendo vestidas se sobressai. Quando os braços do garoto
descem para levantar sua cueca e sua calça, um bloco de gelo parece se alojar no
meu estômago. Pisco algumas vezes diante das infinitas tatuagens rabiscadas nos
braços esguios e diante das mãos cheias de anéis com as unhas pintadas de preto.
É ele.
É claro que é ele. Como não desconfiei antes?
Colt Carver estaria pouco se fodendo se fosse pego, tomasse suspensão, ou
até mesmo se fosse expulso.
Alguém parece ir embora do campo, mas não tenho tempo de conferir se
foi ele, ela ou os dois juntos, porque uma pessoa se agacha e adentra meu
esconderijo de uma hora para a outra. Meu coração parece prestes a pular pela
garganta, eu me viro no mesmo instante e começo a andar apressadamente até as
minhas coisas, contudo, obviamente, não chego nem perto de alcançá-las. Uma
mão grande e firme envolve o meu braço e me traz para si em um safanão
violento. Fecho os olhos no momento do impacto contra o seu torso e inspiro seu
perfume forte quando decido respirar fundo para não perder a paciência. Até
antes de estar nessa posição eu sabia que era ele. Parece que Colt é capaz de me
farejar há quilômetros de distância, como se meu medo fosse capaz de alcançá-lo
antes mesmo de alcançar a mim. Abro os olhos segundos depois, bem a tempo
de flagrar a pontinha da sua língua brincando com o piercing de argola prateada
em seu lábio inferior na tentativa de esconder o sorriso sujo e de caçador que
molda sua boca. Na sua sobrancelha esquerda, que está levantada em um arco
perfeito de intimidação, também há um piercing no final. Parece que estou diante
da personificação do perigo e do pecado.
— Se escondendo, Love? — O modo como fala e soletra meu nome faz
com que deboche e veneno gotejem por cada sílaba, como se a palavra amor lhe
causasse náuseas e fosse um absurdo proferi-la. Desde quando éramos pequenos,
gostava de me tratar desse mesmo jeito. Meu nome nunca fora levado a sério em
sua boca. — Está querendo novamente seguir por esse caminho? Novamente se
intrometendo e se infiltrando na minha vida?
Tento empurrar seu corpo para longe do meu, porém falho
miseravelmente, seu corpo alto e repleto de músculos nem ao menos sai do
lugar. Tombo a cabeça para trás e encaro o fundo dos seus olhos pretos.
— Nem se a minha vida estivesse um profundo tédio — soo tão venenosa
quanto ele. — Você nem existe. Você, Colt Carver, é um belo de um nada para
mim — repito o que disse naquela noite.
— Jura? — Sua língua estala no céu da boca antes de uma risada rouca
escapar da sua garganta. — Não foi isso que pareceu quando ficou quietinha me
vendo foder. Estava gostando, não estava? — Me afasto do seu toque quando
decide colocar uma mecha do meu cabelo para trás, sentindo a raiva se
impregnar em meu sistema. Se ele não estivesse me segurando e não fosse tão
forte, estaria o esmurrando agora mesmo. O odeio tanto que é difícil suportar o
sentimento e tudo que ele causa dentro de mim. Eu simplesmente viro outra
pessoa quando estou em sua frente. — Do que mais gostou, Love? De observar
ou de imaginar que poderia ser você prensada contra aquelas escadas? — O
sussurro no meu ouvido é arrastado e rouco de uma maneira ridícula e sensual
que só ele consegue fazer. — Será que é por isso que tentava se aproximar na
infância? Nutre sentimentos por mim desde aquela época, estrelinha?
Estrelinha? Que merda de apelido é esse?
— O único sentimento que eu nutro por você desde aquela época é nojo —
respondo, e tento mais uma maldita vez me afastar do seu agarre. — E eu nunca,
jamais, nem nascendo de novo me sujeitaria a isso. Sou mulher demais para
você, que é pouca coisa. E deve ser em tooodos os sentidos, se é que me entende.
Pelo menos foi o que eu ouvi falar por aí.
Surpreendendo a mim, Colt retira a mão do meu braço e se afasta após a
minha gracinha de tentar lhe diminuir. Ele passa a mão nos fios lisos do seu
cabelo escuro e joga-os para trás, o fantasma de um sorriso querendo aparecer
em seus lábios cheios e avermelhados quando me mede de cima a baixo. Suas
írises passeiam pelas minhas pernas cobertas pela meia-arrastão em uma lentidão
provocativa e perigosa. Parece que passaram horas quando finalmente decide
retornar ao meu rosto na intenção de escrutinar até mesmo meus demônios e
tudo que escondo dentro de mim. Não gosto nada disso.
— Sua língua ainda será o motivo da sua queda, Love Monaghan. Anote o
que eu estou te dizendo. — Ele volta a se aproximar, parando a poucos
centímetros de distância. Mais uma vez, por conta da nossa gritante diferença de
altura, preciso jogar a cabeça para trás se quero olhá-lo no rosto. — Eu tentei ser
bom com você naquela época, embora você não acredite em minhas palavras.
Fui paciente, levei a amizade dos nossos pais em consideração, todos os
momentos que passamos juntos naqueles jantares e te dei um aviso e a
oportunidade de não cruzar o meu caminho novamente, mas cá estamos,
estrelinha, seis anos depois e vejo que não mudou nada. Continua com a mesma
língua grande, com os mesmos modos e as mesmas intromissões de quando tinha
dez anos de idade. Mas acho que agora as coisas finalmente mudaram e ficaram
mais divertidas. Agora vejo que está pronta para jogar e pagar à minha altura.
Vejo que posso te punir do jeitinho que merece.
Esse garoto só pode ter enlouquecido de vez. Só pode ter ficado ainda mais
sádico se acha que todas as minhas ações giraram e ainda giram ao redor dele.
— Olha aqui, Colt, não sei o que está passando na sua cabeça agora, mas
não vou e nem quero fazer parte disso. Eu fugi da aula para ir para o Teatro, mas
a minha professora acabou me pegando no flagra e eu vim para cá, nem tinha
visto e nem fazia ideia que estava aqui, embora você provavelmente tenha me
visto. Ouvi o barulho que estavam fazendo e decidi dar uma olhada no que era,
apenas isso. Não quero nada com você — digo convicta e desesperada para fazer
com que entenda de uma vez por todas. — Eu passei seis anos cumprindo com o
que você pediu e posso completar mais seis se me deixar ir embora. Não quero
problemas esse ano, quero apenas me concentrar na Peça da Primavera, então,
por favor, ou você esquece esse jogo ou vai jogá-lo sozinho. Definitivamente
estou fora dessa.
Giro sobre os calcanhares e caminho até a minha mochila. Confiro se não
deixei nada fora, arrumo o que tem para arrumar e coloco as alças nos ombros.
Mas, no momento em que estou prestes a sair dali, meus pés parecem que criam
raízes no chão quando escuto sua voz.
— Você sabe que quer jogar esse jogo, Love.
Fecho a mão em punho ao lado do meu corpo.
— Como pode afirmar isso?
— Porque eu sei. — Dá de ombros. — Somos iguais, estrelinha. Não gosto
de admitir isso, mas é a verdade que eu vejo e a verdade que você faz questão de
esconder de todo mundo nessa sua pose de garota perfeita. É tão ferrada da
cabeça quanto eu. Semelhante reconhece semelhante, não é isso que dizem?
Trinco tanto o maxilar que sinto dor e lágrimas se formando em meus
olhos.
— Só me deixa em paz, por favor — sopro com a voz embargada, sentindo
mãos invisíveis apertarem minha garganta. Não queria que fosse possível ele me
ler desse jeito. Me sinto completamente nua à sua frente, com todos os meus
problemas, medos e inseguranças diante de seus olhos. É horrível ter a noção de
que ele é o único que descobriu que não sou o que mostro. Diante de todas as
pessoas ao meu redor, Colt Carver foi o único a realmente notar a verdadeira
Love Monaghan. Chegar nessa conclusão é desesperador. — Procura outra
pessoa para seu ser brinquedinho.
Dessa vez não lhe dou oportunidade de falar, corro até o primeiro bloco da
St. Rose Academy e procuro o banheiro mais próximo. Entro na primeira cabine
vazia, a tranco e me sento na privada fechada, juntando minhas pernas contra o
peito e tentando, pela segunda vez no dia, recuperar o ar.
Eu realmente não quero fazer parte disso. E agora mais do que nunca.
❝ O diabo na minha porta
Me fez bater, bater, bater do outro lado
Cinzas no chão
Mas eu estou saindo, saindo, saindo daqui vivo
Grite para o velho eu e tudo o que você me mostrou
Que bom que você não ouviu quando o mundo estava tentando me
atrasar. ❞
OLD ME – 5 SECONDS OF SUMMER

CAMPO DE LACROSSE DA ST. ROSE ACADEMY, 18 DE


AGOSTO DE 2018, ÀS 14H40MIN.
Eu conheci Love Monaghan bem antes do que ela provavelmente imagina.
Enquanto Você Vive é o nome do filme em que seus pais, Caroline Dillon e
River Monaghan, contracenaram pela primeira vez já estando casados e com
uma filha pequenininha. Lembro que o meu pai adorava se gabar que era um
grande amigo do casal, embora ainda não tivéssemos tido nenhum encontro por
conta da agenda complicada deles. E lembro ainda mais da minha mãe, que
adorava aquele filme em específico e colocava sempre que podia para assistir,
sentava no sofá da nossa sala com baldes de pipoca e copos de refrigerante
espalhados pelo cômodo. Ela não me deixava assistir, claro, era filme de adulto e
uma criança de cinco anos não podia ficar vendo certas cenas. Mas teve um dia
que eu simplesmente estava com tanta curiosidade de saber o que se desenrolava
na tela que me esgueirei de fininho pelo chão, só para dar uma espiada no que
fazia a minha mãe suspirar tanto vez ou outra.
E um suspiro estranho acabou saindo foi de mim.
A primeira cena que meus olhos detectaram foi a de uma garotinha que
parecia ter a minha idade vestida com uma camisola, pronta para dormir em seu
quarto, em uma conversa muito inteligente com a sua mãe, tanto da ficção
quanto da vida real. A câmera estava focada em seu rosto, enquanto sua boca
desenrolava uma frase enorme e sem parar. Ela parecia entender muito dos
conselhos que estava dando. Só que, estranhamente, não consegui filtrar nada do
que estava falando porque passei tempo demais surpreso com a sua beleza
impactante. Minha vontade naquele momento era me aproximar mais da tela da
tevê só para ver com mais detalhes o contorno do seu rosto. Love tinha olhos
grandes, espertos e de um azul tão claro, mas tão claro que me parecia
impossível que alguém tivesse nascido com aquela cor, nunca havia visto nada
igual. Me lembrava o mar de águas claras do Caribe. Seus cabelos castanhos
claros e levemente ondulados nas pontas batiam nos ombros e emolduravam o
seu rosto arredondado e com maçãs proeminentes muito bem.
Love Monaghan parecia perfeita e, desde aquele momento, me peguei
sonhando com ela diversas vezes; eu contracenando com ela e com seus pais em
Enquanto Você Vive, nós dois no meu quarto, rabiscando em folhas de desenho e
jogando tinta um no outro, já que pintura sempre fora o meu maior fascínio
desde que me entendo por gente, e fazendo tudo o que uma criança costuma
fazer quando se junta com outra. Até o meu primeiro beijo, de um modo
totalmente inocente e puro, idealizei com ela.
Acho que Love foi a primeira garota por quem nutri um interesse. Até o
dia em que finalmente a conheci, um ou dois anos depois desse momento na sala
da minha casa. Mas era simplesmente tarde demais. Aquele garotinho que a viu
já não existia mais dentro de mim. Minha vida mudou completamente em meses
e eu perdi tudo. Perdi a minha mãe de uma forma porca e traumatizante e com
isso perdi o que eu entendia da vida, a minha inocência, a minha bondade, a
minha leveza de criança e o que eu achava que significava amor, casa e família.
Depois desse episódio e dos que se sucederam, agora cometidos pelo meu
próprio pai em cada parte do lugar que vivíamos como uma verdadeira família
feliz, perdi tudo de mais puro que florescia em meu coração e uma nuvem densa,
escura e carregada fincou-se sobre ele. Comecei a colecionar cicatrizes, dores,
demônios e ódio constante do mundo em cada partícula que me mantinha vivo e
respirando. Passei a sobreviver por conta de cada maldito sentimento ruim, eram
eles que me moviam e não faziam com que eu desistisse. E eu já não sentia mais
nada de bom. Nem aquela garota do filme tinha mais poder sobre mim.
Mas se fosse em um outro momento, alguns meses antes da minha vida ser
fodida da maneira mais crua e cruel possível, tudo seria diferente. Love
Monaghan e eu, definitivamente, não teríamos ido por esse caminho.
Só que meu ódio por ela foi instantâneo e gradativo. Estar diante da sua
figura era como passar por um maldito purgatório, principalmente quando via
seu sorriso, seu espírito alegre, sua maneira solta e leve de se comunicar com
todos e a sua áurea intacta de criança. Era como estar sendo torturado segundo
após segundo, minuto após minuto, hora após hora, tendo que assistir calado
tudo que já fui um dia e tudo que arrancaram à força de mim. Sua presença era
sufocante e esmagadora, cheia de memórias e lembranças de um passado que
nunca voltaria. Um prelúdio do arco-íris antes da chuva torrencial e catastrófica
que enfrentei desde os meus oito anos de idade. Aquele filme e aquela garota,
antes com um significado tão genuíno e bonito, agora eram só mais uma coisa
morta pertencente a um garoto morto e enterrado a sete palmos embaixo da terra.
Tudo só se tornou ainda mais intenso quando Love não percebeu tudo o
que estava estampado em meu rosto. A menina era insistente e comunicativa,
queria ficar perto de mim e fazer amizade o tempo todo, mesmo que eu insistisse
para que me deixasse em paz sempre que se aproximava com aquele seu sorriso
meigo, educado, doce e irritante. Não tinha como não ser direto, ela fazia
questão de seguir com a sua inocência e com aquela sua língua grande,
despejando coisas sobre mim como se realmente me conhecesse. Eu me sentia
transtornado. Ira e vermelho eram tudo o que eu enxergava perto dela. Não sabia
que era possível, mas Love Monaghan conseguia me desestabilizar e me
descontrolar mais do que qualquer outra pessoa. Minha cabeça simplesmente
explodia e eu agia feito um maluco com sede de tormento. Não havia nada mais
prazeroso do que lhe assustar, lhe encurralar e lhe desprezar. Era como se
estivesse fazendo isso comigo ao mesmo tempo também. Tipo matar dois
coelhos com uma cajadada só.
Então eu a humilhei e a destratei ferozmente naquela noite, e ela correu
feito um animalzinho indefeso. Fugiu de mim por malditos seis anos. Confesso
que fiquei surpreso com sua determinação em não esbarrar no meu caminho, e
confesso também, que fiquei esperando o momento em que voltaria. Esperei
paciente e passei a observar todos os seus passos dentro desta escola, apenas
buscando uma oportunidade de tê-la em minhas garras, porque, mesmo ainda
sendo tão amargurado e tão ferrado quanto aquele garoto, hoje sou um
pouquinho diferente e consigo lidar com as minhas emoções de uma forma
distinta, afinal, já sou um homem agora. E quero que Love perceba que também
não é mais aquela garota. Eu sei que ela pode revidar e ser uma oponente à
altura. Conseguiu mostrar isso muito bem ontem.
Tenho que admitir que fiquei impressionado como não teve medo e me
enfrentou. Poucas pessoas hoje em dia teriam essa audácia. E de forma alguma
menti quando disse que éramos iguais, tinha essa certeza em mim já naquela
época, só passei tempo demais me concentrando nos meus demônios e ignorando
os dela. Hoje eu percebo que ela também mentia. E talvez ainda minta, vai saber.
Só sei que Love Monaghan não tem a vida tão perfeita assim quanto faz parecer.
Embora não saiba o que seja, posso farejar e sentir que é algo doloroso, distingui
isso no momento em que o brilho no seu olhar desapareceu lá na arquibancada
quando mencionei que é quebrada. Havia dor e preocupação, como se estivesse
com medo de que eu conseguisse enxergar todos os seus problemas só a
encarando por tempo demais. Não foi o que aconteceu, entretanto. Ela é forte
demais para deixar que eu, o garoto que mais detesta na vida — e com razão —,
adentre seus muros fortalecidos. Ela nunca me daria essa passagem e esse tipo
de poder.
E eu nem quero.
A única coisa que quero é brincar com Love. E não mais como criança.
Acho que a minha vida está precisando de um pouco mais de diversão nesse
sentido, então quero e necessito testar quais são os seus limites. Quero que
revide cada ação minha. Que seja tão má comigo quanto fui e serei com ela.
Quero poder estar de volta nesse jogo.
O pequeno Colt a afastou, mas o de agora irá trazê-la de volta para o
centro de tudo.
Se você não pode vencer o seu inimigo, então junte-se a ele.
É, acho que chegou a hora de lidar com o efeito Love Monaghan de frente.
Vamos ver se consigo resistir aos meus impulsos mais primitivos e lidar com ela
e, consequentemente, comigo mesmo. Será um bom teste.
Ouço o som do apito feroz do treinador Allec flutuando até os meus
ouvidos e eu e todos os garotos do time paramos no lugar em que estamos. Finco
o meu bastão na grama, retiro o capacete vermelho, o coloco embaixo do braço e
o observo vir pisando duro em minha direção. Pela expressão enfurecida, já sei
que vai me dar um puxão de orelha.
— Não estou vendo você dando tudo de si no treino, Carver — pontua,
enfático. — Que merda está acontecendo? Ainda acha que está de férias? Você é
o capitão, porra!
Conto até dez e respiro fundo.
São exatamente nessas horas que detesto meu temperamento. Mas sua
reclamação tem fundamento desta vez. Estava com a cabeça em outro lugar, não
aqui. Sou o capitão e preciso mostrar exemplo.
— Desculpa, treinador — balbucio, sentindo os olhares dos garotos
queimando minhas costas. — Isso não vai mais acontecer.
— Eu espero. — Allec arruma o boné do time na sua cabeça e se prepara
para ferrar com nossos ouvidos ao pegar o apito em mãos. — Vamos, comecem
tudo de novo! Não quero moleza dessa vez. Mostrem para o que vieram nesse
semestre, Fort Red Knights!
O treinador apita uma segunda vez com seu pulmão de ferro, então coloco
meu capacete de volta, pego o meu bastão e volto a correr pelo campo, agora
muito mais focado do que antes. Minha atenção se fixa totalmente na bola e
permanece nela até o último minuto.
Love Monaghan é um assunto para outra hora.

Saio do box do vestiário com a toalha enrolada na cintura e me junto na


roda dos caras. E é claro que a conversa se resume a mulheres, festas, bebidas e,
de vez em quando, lacrosse. Não há um neurônio na cabeça desses moleques que
não tenha sido corrompido por peitos, bocetas e álcool. É tudo tão raso e
superficial que me dá vontade de revirar os olhos.
E não é hipocrisia da minha parte, também curto pra caralho transar,
encher a cara de bebida até esquecer meu nome e falar de mulheres e esportes,
mas parece que eles só sabem fazer isso. Nenhum deles parece ter um hobby, um
talento além dos campos, entender de um assunto maneiro ou ter um sonho e um
momento legal para compartilhar. Beleza que eu não sou cheio de qualidades e
capaz de debater vários assuntos ao mesmo tempo, mas cacete, eu gosto de
coisas que ninguém parece dar a mínima. É como se isso fizesse com que eu me
sentisse ainda mais fora da caixa do que normalmente já me sinto.
Devo ser a pessoa mais estranha do mundo.
— Meu caro amigo Colt. — Perscruto Dariel bem a tempo de vê-lo abrir
os braços e sorrir feito o filho da puta que é. Deve estar tramando alguma para
jogar na roda, afinal, esse é Dariel Chevalier, o guarda-redes do Fort Red
Knights, o francês patético que é herdeiro de uma rede de hotéis tanto na França
quanto nos Estados Unidos, e é, infelizmente, meu amigo desde que pisei os pés
na St. Rose Academy. Nós somos tão opostos, tanto em aparência quanto em
personalidade, que me pergunto como não cometi um assassinato ainda. Além de
ser alto, ter um corpo torneado e tonificado nos lugares certos, cabelos lisos,
loiros em um tom quase branco e compridos o suficiente para quase alcançarem
seus ombros largos, malditos olhos azuis e pele dourada por conta do sol da
Flórida, ainda é a porra de um mauricinho engomado, mimado, metido,
bilionário, festeiro, que não pode ver um rabo de saia e que não leva nada e
ninguém a sério. É tão malditamente irritante que trinco o maxilar quando
percebo que está prestes a prosseguir com seus comentários. — O motivo da sua
distração hoje no treino foi por conta de uma certa loira gostosa chamada Paris
Sloan?
Maldição. Como esse garoto ficou sabendo disso?
— Tenho meus contatos — responde, podendo visivelmente notar a
interrogação pairada acima de mim. — Estou orgulhoso, cara. Atrás das
arquibancadas?! Porra, essa aventura nunca me passou pela cabeça.
Um uivo de aprovação irrompe pelo vestiário.
Rolo os olhos.
Paris Sloan é a rainha da escola e a rainha das líderes de torcida do time de
lacrosse. Os garotos a querem e as garotas querem ser como ela. É considerada a
mais bonita, a mais descolada, a mais gostosa e a mais víbora também, claro.
Seus olhos são injetados de superioridade e o seu posto de filha única da
supermodelo Allie Sloan faz com que todos a tratem como se fosse tão famosa e
tão influente quanto a sua mãe, que um dia já fora uma dessas garotas da
Victoria’s Secret. Paris se acha tanto, tanto, que adora julgar os outros,
principalmente os bolsistas e os que não têm a mesma classe social que a nossa,
feito a megera venenosa que é. É a líder do clube de garotas fúteis, vazias,
preconceituosas e sem sal. Só fiquei com ela porque estava se oferecendo para
mim desde o semestre passado e não queria ter que aturá-la na minha cola mais,
como a garota chiclete que adora ser. Só fiz o que tinha que fazer e fui curto e
grosso na hora de despachá-la para longe.
Para mim, Paris Sloan não havia passado de uma rapidinha tão superficial
quanto ela. Não vejo motivos para tamanha comemoração como estão fazendo.
— Deve ser porque nada passa por essa sua cabeça de vento, Chevalier. —
Matthew Donnelly sai na frente como o perspicaz que é. Esse garoto é
definitivamente o meu favorito, se fosse para escolher. É também da defesa do
time e o cérebro do trio, já que também é nosso amigo. Somos os únicos que
realmente possuem uma conexão dentro e fora do campo, que vivem grudados
em todo canto e que foram denominados de Trio de Ouro da St. Rose. É como se
ninguém fosse páreo para nós, já que dominamos essa escola inteirinha, como se
ela fosse o playground das nossas mansões. Seremos como lendas para as futuras
gerações do FRK. — E também porque nenhuma garota se sujeitaria a essa
humilhação dupla.
Dariel levanta as sobrancelhas loiras.
— Humilhação dupla?
Troco um olhar cúmplice com Matthew antes de voltar a fitar seus orbes
confusos.
— Sim, humilhação dupla — confirmo seu questionamento, entrando na
brincadeira. — Transar nas arquibancadas e com você.
Solto uma gargalhada no mesmo segundo em que todos liberam as suas.
Rio ainda mais, com direito a mão na barriga e tudo, quando vejo o biquinho
emburrado enfeitando seus lábios. Não demora muito para que erga os dedos
médios para todos nós.
— Ridículos. — Dariel bufa exageradamente quando cruza os braços em
frente ao peito. — Minha fortuna é maior que a de todos vocês.
Diante da sua fala ridícula e mesquinha, ainda completamente sério,
Donnelly arremessa sua toalha molhada na direção do loiro, ficando do jeito que
viera ao mundo e também lhe dando dedo.
Ah, como descrever esse cara?
Matthew, assim como quase todos os jogadores, também é alto, possui um
corpo malhado e atlético, também tem tatuagens espalhadas pelo corpo como eu,
inclusive uma muito marcante de aranha no meio do seu peito. Olhos castanhos,
cabelos dourados, que vivem despontando para todos os lados com pequenos
cachos nas pontas, pele clara, com piercing de pedrinha no nariz e os
indispensáveis brincos de cruz pendurados nas orelhas. É nitidamente um bad
boy capaz de deixar qualquer menina de quatro. As daqui, pelo menos, são
loucas para terem uma única chance com ele. O problema é que meu amigo é,
digamos, fechado demais para coisas como sexo casual. E qualquer outro tipo de
sexo também. Nenhuma mulher consegue seu interesse por mais do que cinco
segundos, parece ter ficado realmente traumatizado, e isso tudo só porque teve o
coração estraçalhado por sua ex-namorada, assunto sobre o qual não gosta de
falar muito.
A única coisa que Dariel e eu sabemos, que deixou escapar em seu
momento de bêbado remoendo mágoas, é que a garota foi seu primeiro amor, seu
primeiro beijo, seu primeiro tudo, e também a responsável por transformar seu
coração em pedra, incapaz de sentir qualquer coisa que não seja mágoa, ódio e
remorso por ela. Tocar outras garotas, nas palavras dele, é como elevar sua dor e
seu ódio a níveis inimagináveis, porque não consegue sentir mais prazer com
ninguém, nem mesmo seu garotão lá embaixo consegue subir, até isso fora
arruinado e destruído pela garota do seu passado.
Nós não sabemos o que aconteceu, mas temos a ciência de que não foi
nada bobo e capaz de ser resolvido de uma hora para a outra. Essa ex-namorada
dele parece ter lhe machucado e quebrado ao ponto de ter lhe moldado uma nova
personalidade. Em uma hora, Matthew Donnelly brinca e faz piadas como a de
minutos atrás, mas em outras, quase que na maior parte do tempo, como se
estivesse se lembrando de que não tem motivos para agir de tal forma, se enfia
no seu casulo, um semblante triste e deprimido se apossa do seu rosto e o mundo
ao seu redor parece ficar no mudo. Ele fica muito mais calado e muito mais
introspectivo que eu, chega até me assustar muitas das vezes. Um sorriso de
verdade é quase impossível de florescer em sua boca.
Nesses momentos, percebemos que a única coisa que resolve é lhe deixar
preso na sua própria cabeça. Porque se você tentar trazê-lo de volta, a coisa
simplesmente explode, o garoto se envolve de fúria, alguma coisa muito maior
parece tomar conta do seu corpo e a única coisa que é capaz de fazer é começar a
socar quem quer que esteja na sua frente, maculando-se de vermelho escarlate
até recuperar a consciência e voltar a si. Digo isso por experiência própria.
Deixei que se banhasse do meu sangue só para que pudesse extravasar e colocar
para fora cada um dos demônios enraizados em sua mente cega por conta de um
passado desastroso e injustificável. Funciona por algumas horas, mas volta tudo
mais intenso e feroz em outras.
Deve ser por isso que eu, Dariel e Matthew gostamos um do outro logo de
cara. Nossas cicatrizes interiores se reconheceram, se uniram e se interligaram de
imediato, como imãs finalmente encontrando seus polos.
— Veste essa porra logo. — É o que escuto Chevalier murmurar quando
decido voltar a prestar atenção no que está acontecendo ao meu redor. —
Ninguém precisa ficar vendo seu negócio mole.
— Preferia que ele estivesse duro? — Matthew fala de forma atroz quando
profere aquela provocação. — Bem, acho que você tem que fazer mais do que
esse biquinho lindo para me causar uma ereção.
— Ah, por que vocês não calam a boca? — Nathan, outro integrante do
time, decide se meter na troca de farpas. Ele parece prestes a estapear os dois se
decidirem continuar. — Preciso fazer um comunicado e quero todos prestando
atenção. —Há uma pausa dramática antes de ele continuar, erguendo um braço
para o alto e colocando uma mão em formato de concha na boca só para gritar:
— Festa de boas-vindas na minha casa sexta-feira!
Os garotos do time vão à loucura.
Festas de boas-vindas na casa de Nathan O’Leary são sempre um marco e
uma tradição dos começos de semestres. São nessas festas que acontecem as
coisas mais surreais, extraordinárias e depravadas possíveis, já que é isso que se
pode esperar de adolescentes ricos e problemáticos quando se juntam.
Simplesmente não há ninguém que saia ileso.
— Qual será o tema dessa vez? — alguém arrumando as coisas entre os
armários indaga, curioso com a proposta lúdica da vez. E o engraçado é que me
encontro da mesma forma. Na verdade, pela maneira como todos olham para
Nathan, acredito que estão todos na mesma, curiosos para saberem o tema
divertido da vez. No começo do ano, por exemplo, o tema da festa foi nada mais,
nada menos que Sonhos de uma Burlesque. Completamente insano.
Nathan ergue os lábios para cima em um sorriso carregado de segundas
intenções.
— Caça ao Tesouro.
De repente, em um passe de mágica, quem se torna cheio de segundas
intenções sou eu, ao visualizar a festa e tudo o que posso aprontar nela em minha
mente.
É, Love, talvez seja uma ótima oportunidade começarmos por você caindo
diretamente no covil do pirata.
❝ Não esconda, não esconda
Muito tímido para falar, mas espero que você fique
Não se esconda
Venha para fora e brinque. ❞
COME OUT AND PLAY – BILLIE EILISH

VESTIÁRIO DO FORT RED KNIGHTS, 18 DE AGOSTO DE 2018,


ÀS 17H30MIN.
— Convencer Love Monaghan a ir para minha festa? — Nathan toca o
meio do peito, choca os grandes cílios inferiores e superiores numerosas vezes e
arqueia uma das suas sobrancelhas escuras quase que no topo do seu couro
cabeludo. — O que? Mas por quê?
Entendo seu espanto, a queridinha do Teatro da St. Rose Academy não
costuma se misturar com os outros alunos, quem dirá comparecer a uma festa
como as de Nathan. A única coisa que a garota parece gostar de fazer é prestar
atenção nas aulas, atuar nos seus musicais e ficar grudada em sua melhor amiga
chamada Aria Blake, a verdadeira nerd esquisita da turma que é capaz de
incendiar a escola com todos nós dentro a qualquer segundo. Nenhuma das duas
parece ter interesse em frequentar esses lugares. Estar pedindo esse favor depois
que todos deram o fora do vestiário é, no mínimo, muito suspeito e esquisito.
— Porque eu sou seu capitão, sou seu líder e você deve seguir meus
comandos dentro e fora do campo — respondo e ergo os ombros para cima,
indiferente, sério e tentando parecer apático. — Necessita de uma explicação
mais plausível que essa?
O garoto encosta-se em um dos armários, cruza os braços em frente ao
peito e me olha de cima à baixo com suas írises âmbares, seu polegar e indicador
passeando deliberadamente pelo seu queixo. Há um sorriso preguiçoso e
perspicaz emoldurando seus lábios agora, como se estivesse finalmente
entendendo cada uma das minhas artimanhas.
— Querendo ser capturado por paparazzi, Colt Carver? — Seus lábios se
esticam ainda mais. — Primeiro foi Paris Sloan, a filha da deusa das passarelas.
Agora quer que seja Love Monaghan, a filha das estrelas de Hollywood? —
Assobia. Respiro fundo para dissipar a vontade de socá-lo. — Acho que está
querendo ser famoso a todo custo, cara.
Nathan dá risada da sua brincadeira idiota, mas permaneço tão parado
quanto uma estátua, não há um músculo do meu rosto que se contraia. Cruzo os
braços da mesma maneira que a dele e troco o peso dos pés. No mesmo instante,
percebendo que não gostei nem um pouco da liberdade que nunca lhe dera,
desfaz o sorriso, pigarreia e apruma a postura.
— O que você precisa que eu diga? — Ele provavelmente não percebe,
mas o canto dos meus lábios finalmente se retorce minimamente para o lado com
a sua escolha de palavras. Garoto esperto.
— Quero que a convide pessoalmente — deixo bem claro, afinal, só assim
para Love se dar conta de que vai ter uma festa. — E que a convença, com esse
seu charme idiota, de que vai ter uma apresentação musical e que ela é a pessoa
perfeita para nos entreter. E não esqueça de mencionar Aria e estender o convite
a ela também. No começo, Love ficará relutante, pode até recusar, mas é só você
insistir e falar de uma forma encantadora sobre o quanto gosta de teatro e música
que ela vai ceder.
— Ok. Entendi. Convencê-la a ir e falar sobre teatro e música de uma
forma encantadora. — Dá de ombros. — Só que tem um problema aí.
Solto um muxoxo e brinco com o piercing de argola em minha boca com a
ponta da língua.
— E qual seria?
— Não planejei nenhuma apresentação musical para a minha festa.
Uma risada rouca reverbera pela minha garganta.
— Não se preocupe com isso, O’Leary. Love Monaghan estará ocupada
com outras coisas para sequer se lembrar do motivo de ter ido parar lá.
Nathan assente e abaixa a cabeça para fitar seus sapatos, mas eu flagro o
sorrisinho esperto que ostenta. Deve estar criando um cenário totalmente
diferente do que realmente vai acontecer em sua mente maliciosa. Não retruco
nada, entretanto. Deixo que pense o que quiser. Até porque não tem como
explicar minha relação e minhas reais intenções com aquela garota. Nem Nathan
nem ninguém entenderia. É tudo complexo e fodido demais.
— Estou contando com você para os meus dias de glória, Nathan. —
Desfaço minha postura, ando até ficar em sua frente e pressiono a palma da
minha mão em seu ombro. — Espero que não me decepcione. Nenhum de nós
dois quer que eu fique chateado, certo?
A pressão que faço sobre a região do seu ombro se intensifica, porque vejo
que seus olhos hesitam por um segundo ou dois, então ele solta um leve ruído de
dor.
— Certo? — insisto mais uma vez, trincando o maxilar e sentindo a narina
dilatar.
— Ce-certo. — Nathan balança a cabeça.
Não foi o suficiente ainda.
— Certo o quê?
— Capitão — corrige-se rapidamente. — Certo, capitão. Love Monaghan
estará naquela festa.
Ah, sim, muito melhor.
Arranho a língua no céu da boca e nos dentes antes de largar seu ombro,
pegar as minhas coisas dentro do meu armário e soprar:
— Bom garoto. É exatamente desse jeito que eu gosto que vocês me
tratem.
Giro nos calcanhares, deixo Nathan fervilhando de ódio para trás e sigo até
o estacionamento da escola em busca do meu carro. Estou pouco me fodendo
que os garotos do time possam, eventualmente, me detestar por conta do meu
jeito e do meu temperamento. Eu não preciso que eles me adorem, preciso que
me respeitem.
Sou o capitão do Fort Red Knights, porra. Sou o astro do time.
Retiro a chave da minha Ferrari do bolso e a destravo. Passo um tempinho
admirando a minha bebê antes de entrar. É vermelha, brilha mais do que
qualquer outra coisa e custa uns bons milhões de dólares. A roubei da coleção de
carros enfileirados lá na garagem do imbecil do meu pai. Para a minha sorte, não
reclamou, apenas me fuzilou com os olhos e disse que me mataria se em algum
momento eu chegasse com ela arranhada ou qualquer merda do tipo. E sua
ameaça era bem séria, não era hipérbole nem modo de falar. Maverick Carver
vive querendo acabar com a vida do seu filho, imagina se ele destrói algo que ele
gosta genuinamente.
Mas não é por isso que cuido tão bem do meu carro. Não me importo nada
com o que aquele psicopata planeja fazer comigo hora ou outra. Me importo com
minha Ferrari, porque, querendo ou não, também tenho essa paixão por carros
como meu pai. Acho que é a única coisa que temos em comum. O lacrosse e as
minhas pinturas, junto com a minha paixão por carros, são as únicas coisas pelas
quais tenho apego nessa vida e me importo.
Já dentro do veículo, solto um fluxo de ar, coloco o cinto e aperto o
volante em torno dos meus dedos antes de acelerar e sair da St. Rose Academy.
Enquanto costuro pelas ruas de Fort Lauderdale, mais especificamente na
rodovia A1A, abaixo o vidro e deixo a brisa fresca da Flórida lamber o meu
rosto e bagunçar os meus cabelos, ao mesmo tempo em que encaro toda a
movimentação à beira-mar da costa sudeste. Passo pelos restaurantes de luxo,
pelos bares e lojas ao ar livre, e também, claro, pelos incontáveis hotéis
exuberantes e clássicos, incluindo até o da família Chevalier, o maior, o mais
caro e o mais tecnológico deles. Mas a minha mente se torna um borrão e tudo
ao meu redor desaparece feito fumaça quando uma certa baixinha brava e de
olhos azuis começa a se infiltrar em minha mente.
Aperto o volante ainda mais, vendo os nós dos meus dedos repletos de
anéis se tornarem esbranquiçados.
Quero tanto que ela compareça na festa de Nathan que me falta fôlego só
em pensar que há probabilidades de isso não acontecer.
No sinal vermelho, tiro o celular do bolso, abro as mensagens e procuro o
nome de um dos integrantes do time entre a minha lista de contatos, clicando
rapidamente quando encontro. Deslizo os dedos pela tela e começo a digitar.
Eu: Pretende colocar o plano em ação quando? Preciso ter uma
confirmação. E responda essa mensagem logo, O´Leary.
Demoram apenas segundos para que a mensagem seja visualizada, os três
pontinhos que indicam que está escrevendo dançam sobre a tela do aplicativo.
Mordo o interior das bochechas enquanto espero.
Nathan: A encontrei saindo do Teatro assim que estava indo embora do
vestiário. Fiz o convite e tudo que você queria, Carver. Ela achou tudo muito
estranho, falou que ia pensar e trocamos nossos números de telefone para irmos
conversando melhor sobre a proposta até lá.
Fricciono os lábios em uma linha fina assim que termino de ler, passo pelo
sinal e estaciono no lugar mais próximo.
Eu: O plano não era esse, porra! Não quero você de conversinha com a
Love, entendeu? Me manda o número dela e apaga da sua agenda o mais rápido
possível. A partir de agora quem vai resolver essa merda sou eu.
Nathan: Fica de boa, cara. A garota é uma tremenda gata gostosa, mas
não tenho problemas em deixá-la só para o capitão. Vou te enviar o número.
Preciso de todo meu autocontrole para não jogar esse telefone para fora do
carro. Não gosto nada de saber que Nathan a acha uma tremenda gata e gostosa,
embora ela seja claramente as duas coisas. Não gosto nada de saber que outros
garotos a olham com outros olhos, mesmo que seja quase impossível que isso
não aconteça. Love Monaghan, além de ter um rosto lindo e perfeitamente
esculpido pelas mãos dos melhores deuses, tem um corpo de foder a sanidade de
qualquer um. Ela é uma dessas garotas viciadas em academia, estilo fitness e
vida saudável, então já é de se imaginar como a coisa toda funciona. São coxas
grossas, torneadas, lisinhas, brilhantes e douradas, extremamente tentadoras
quando ficam para fora daquelas saias de pregas do uniforme, que não cobrem
quase nada e que vive fazendo questão de usar. A bunda é grande, empinada e
redondinha, claramente a coisa que mais chama atenção em todo seu porte
magnífico. Ainda tem os peitos medianos, a cintura fina e a barriga chapada para
completar.
E a odeio ainda mais por fazer com que eu repare mais do que deveria em
todas essas coisas. A odeio ainda mais por ser tentadora o suficiente para que
tenham mais garotos na sua cola querendo brincar com ela, além de mim. A
odeio ainda mais por despertar em mim a vontade de querer aniquilar todos que
se aproximem só para mostrar a eles que ela é minha. Só minha. O quão ferrado
é?
Meu celular apita com mais uma mensagem, e dessa vez é o seu número
brilhando no display. Finco os incisivos na carne do meu lábio inferior para
conter o sorriso sacana que sente a necessidade de pincelar meu rosto.
Eu: Agora deixe comigo.
Eu: E apague o número dela.
Eu: Imediatamente.
Nathan: Apagado.
Não sei se a palavra de Nathan vale muita coisa, mas não posso fazer nada
quanto a isso, tenho que confiar que sou intimidador o suficiente para que queira
se manter afastado e longe de encrenca comigo. O treinador Allec
provavelmente detestaria ter que lidar com mais um mal-estar no time.
Dou de ombros, salvo o número de Love como “Estrelinha” e começo a
digitar uma mensagem para ela, agora com o sorriso no rosto, deixando que ele
apareça e faça minhas bochechas quase doerem pela força que imponho.
Eu: Festa de boas-vindas na casa de Nathan O´Leary.
Apareça e ganhe uma surpresa.
Demoram um, dois, três minutos e nada de Love. Começo a ficar
impaciente, afinal, não sou bom com esperas, principalmente as que envolvem
coisas que realmente estou a fim de ter, fazer ou ganhar. Descanso o celular no
meu colo, passo as mãos pelo rosto e levo-as até meus fios, bagunçando-os.
Quando já estou prestes a mandar uma nova mensagem, sinto a vibração e a tela
brilhando para me avisar de sua resposta.
Estrelinha: Quem é? Foi você o motivo que levou Nathan a me convidar?
Sempre esperta. Sorrio ainda mais.
Eu: Gosto que pense rápido. Mas e aí, vai comparecer ou não?
Estrelinha: Até pensei em aceitar por conta da apresentação, mas posso
imaginar que isso também deve ter sido balela. A resposta é não.
Bem, você que pensa que a resposta será não, estrelinha.
Eu: E vai perder de me encontrar?
Estrelinha: Eu nem sei quem é você. Pode ser um psicopata, assassino em
série ou um traficante de órgãos. Pode ser qualquer coisa.
Quando percebo, estou dando risada da sua mensagem. Balanço a cabeça
de um lado para o outro e me mantenho sério e concentrado para que isso
realmente funcione.
Eu: Sou só alguém da sua escola, Love. Alguém que você deveria
conhecer. Compareça na festa, por favor.
Demora mais um ou dois minutos para que ela responda.
Estrelinha: Me dê um bom motivo para isso.
Droga. Poderia dar vários.
Mas se falar qualquer uma das coisas que passa pela minha cabeça,
provavelmente saberá quem está por trás das mensagens e dos pedidos
insistentes em segundos.
Eu: Vai ser divertido. A festa, digo. O tema é Caça ao Tesouro. A gente
pode brincar de caça a noite toda. Pense na adrenalina pulsando nas suas veias,
a expectativa embrulhando seu estômago ao tentar descobrir quem eu sou, a
música de fundo lhe dando impulso para me achar. Eu posso ser qualquer um,
Love. E isso irá atiçar sua curiosidade.
Os três pontinhos pulam na tela. E desaparecem por alguns segundos.
Depois voltam a todo vapor.
Estrelinha: É um bom motivo, Estranho.
Eu: Então isso significa que eu te convenci?
A veia no meu pescoço lateja em expectativa.
Estrelinha: Sim e não. Fique tão incerto quanto eu. Assim estaremos os
dois na mesma linha de partida.
Estrelinha: Até sexta-feira, Estranho. Ou não.
Desligo o telefone e o coloco de volta no meu bolso.
Uau. Confesso que estou, mais uma vez, impressionado com essa menina.
Ela não quis nem negar nem confirmar nada, pois, dessa forma, estaremos os
dois no escuro. Não é só ela que irá me caçar, iremos os dois entrar de cabeça
nesse jogo. Enquanto ela me procura, eu a procuro. Enquanto ela tenta descobrir
quem eu sou, também terei que descobrir quem será ela na multidão de alunos,
porque estaremos todos vestidos a caráter. Estaremos todos disfarçados,
diferentes do que realmente somos a luz do dia.
Mas o que Love Monaghan não sabe é que tenho algumas vantagens.
E a maior de todas é que a conheço bem o bastante para saber que toquei
no seu ponto fraco: sua curiosidade.
Então simplesmente sei. Love Monaghan estará naquela festa.
E encontrá-la será tão fácil quanto tirar doce de criança.
❝ Você sabe que eu não dou a mínima para você todos os dias
Acho que é hora de dizer a verdade
Se eu compartilhar meus brinquedos, você me deixará ficar?
Não quero deixar esse encontro de brincar com você. ❞
PLAY DATE – MELANIE MARTINEZ

MANSÃO DOS CHEVALIER, 21 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


21H51MIN.
Depois de três dias de muita espera e agonia, a festa de boas-vindas de
Nathan O´Leary já está acontecendo em uma das suas casas espalhadas pela
cidade. Através de um post no feed do Instagram de uma das líderes de torcida,
já vi que a casa está toda decorada de acordo com o tema proposto e, claro,
lotada de alunos da St. Rose Academy, alguns, inclusive, bêbados. Parece que
não falta chegar mais ninguém.
Exceto o Trio de Ouro, claro, porque esses sempre precisam chegar
atrasados e fazer a sua entrada triunfal.
Passo um dos perfumes importados de Dariel em mim, termino de arrumar
minha gravata no espelho que vai do chão ao teto no seu closet de filhinho de
papai e giro sobre os calcanhares para ver a reação deles diante da minha
fantasia. Não é lá grande coisa, até porque nem tenho paciência para ficar
pensando e montando fantasia, geralmente me visto de preto dos pés à cabeça e
funciona, mas hoje, especificamente hoje, quis sair do comodismo para variar
um pouco. A ocasião também estava pedindo. Então vesti uma camisa de botões
na cor vinho por dentro da calça justa, rasgada nos joelhos e preta, com um cinto
também da mesma cor em torno da cintura e sapatos bem lustrados. Coloquei um
tapa-olho para fingir ser um pirata e uma bandana na cabeça. Apenas isso. Nada
muito simples e nada muito exagerado.
— Bonito — Dariel me elogia, se levanta de um dos puffs espalhados pelo
enorme quarto onde fica apenas o seu closet, espalma uma das mãos no quadril e
me olha de cima a baixo, depois de baixo até em cima. — Mas não bonito o
suficiente para eu me sentir ameaçado. Ainda continuo sendo o que mais chama
atenção dos três, ufa. — Ele leva a mão ao peito e um sopro escapa da sua boca,
como se estivesse realmente se sentindo aliviado com essa constatação.
Chevalier está com seus fios extremamente loiros e compridos presos em
um coque desleixado e veste um dos seus infinitos ternos da Yves Saint Laurent,
um que é na cor creme com vários detalhes em dourado, parecendo ouro. Diz ele
que é nada mais e nada menos que o próprio tesouro que as pessoas da festa
estarão procurando. Devo admitir que foi uma jogada de mestre e tanto.
— Vocês vão continuar com essa porra até que horas? Estou precisando
encher a cara. — Matthew também se levanta, rola a chave do seu carro entre os
dedos e caminha em minha direção. É engraçado porque ele não está nada a
caráter. Parece que escolheu as primeiras roupas que encontrou pela frente,
vestiu e veio até a casa de Dariel. Até seu cabelo está todo bagunçado, os
costumeiros cachos estão desfiados nas pontas. Mas nele, de uma forma que
ninguém entende como, fica bom. Dá a Matthew Donnelly um ar selvagem e de
quem acabou de sair de uma transa muito louca. — E de me livrar um pouco do
ego do Chevalier também. Tô ficando sem ar já.
Nosso amigo bufa, arruma o terno na frente do espelho pela última vez e
manda beijo para sua própria figura. Eu e Matthew trocamos um olhar
significativo na mesma hora.
— Vamos, rapazes. Vamos mostrar para aquela gente como é animar uma
festa de verdade.
Solto uma pequena risada baixa, Donnelly balança a cabeça, e nós três
saímos do closet assim que o dono desliga as luzes e fecha a porta.
Como disse terça-feira para a estrelinha, vai ser divertido.

FESTA DE NATHAN, 21 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 23H.


A música que retumba pelas caixas de som estrategicamente espalhadas
pelo ambiente, alguns bons minutos depois de eu ter chegado com os meus
amigos, é This Is What You Came For do Calvin Harris e da Rihanna. Após ter
cumprimentado os garotos do time e algumas garotas com um acenar sem graça
e comedido de cabeça, me encontro agora no canto da mesa de bebidas,
sorvendo o gosto do álcool nas minhas papilas gustativas e observando cada
centímetro da festa com meus grandes olhos de águia que querem se cravar na
minha presa da noite. O hall da mansão de Nathan está todo decorado em tons de
dourado, preto e vermelho. Há várias referências a tesouros, barcos e piratas,
inclusive pôsteres de Johnny Depp no filme Piratas do Caribe estão se
desenrolando pelas paredes bem pintadas da casa, deixando o ambiente ainda
mais temático.
Quando volto meu olhar para o copo vermelho em minhas mãos e me
preparo para dar outro gole na minha cerveja, o bolso da minha calça vibra.
Entro em estado de alerta, procuro qualquer sinal de Love, e quando não
encontro nada de diferente ao meu redor, muito menos sua presença, retiro o
celular do bolso e digito a senha para conferir a mensagem da vez.
Estrelinha: Não sei se eu deveria te mandar essa mensagem,
provavelmente não, mas já tomei alguns shots de tequila e acho que não estou
pensando de uma forma racional. Posso me arrepender disso, mas estou aqui,
Estranho. Prepare-se para a caça.
Meu coração tamborila com a informação de que ela veio.
Mas porra, como assim não consegui encontrá-la antes de precisar me
enviar uma mensagem? E como, por tudo que é mais sagrado, já está se sentindo
bêbada?
Aperto as pálpebras com a mão, largo a bebida na ilha e respiro fundo.
Eu: Estou mais do que preparado.
Volto a escrutinar cada canto da casa. Embora ela seja enorme e o que
estou conseguindo captar no meu campo de visão é uma parte bem pequena, não
a vejo de forma alguma. Eu a reconheceria. As garotas espalhadas pela festa não
estão irreconhecíveis e, mesmo que algumas tenham máscaras nos rostos ou uma
maquiagem bem elaborada, não são a maioria. O que me faz ter a certeza de que
Love está no andar de cima.
Arrasto meus pés pelo piso de linóleo, e, no momento que estou chegando
perto da escada em espiral, uma mão se prende ao redor do meu braço. Fico
estático com o contato inesperado e olho sobre os ombros com as sobrancelhas
unidas e os olhos semicerrados, que despejam e mostram para a pessoa o quanto
não gostei da atitude de já chegar me tocando. Minha carranca de desgosto só
piora e se intensifica quando reconheço Paris Sloan em suas roupas minúsculas e
decotadas à minha frente. Os olhos grandes, azuis e carregados de uma
maquiagem forte me encaram, insinuantes.
Reviro os olhos e tiro sua mão do meu braço de uma maneira mais abrupta
do que eu realmente gostaria. Mas fazer o que se essa garota loira me enche a
paciência.
— Agora não, Paris, estou ocupado.
Seus cílios se chocam e ela dá uns bons passos para trás.
— Achei que tivesse gostado do que fizemos naquele dia. — Enquanto
fala, sua voz doce e enjoativa parece realmente cheia de mágoa, mas sei que está
fingindo. Paris é incapaz de sentir qualquer coisa. Ela é uma bruxa, isso sim. —
Foi importante pra mim, Colt. Mas agora parece que somos dois desconhecidos.
Nem nas aulas quer falar comigo mais.
Era só o que me faltava.
— Deve ser porque eu não te conheço — digo o óbvio. — Sinto muito se
foi importante pra você, mas eu sequer me lembro do que foi que fizemos, e
você deveria fazer o mesmo. — Sorrio ironicamente. — Tchau, tchau, Paris.
A garota rosna e bate um dos seus saltos da Gucci com toda força no chão,
na típica pose de patricinha que não está acostumada a ser resumida a nada pelos
garotos ou por qualquer pessoa que decida cruzar o seu caminho.
— Seu ridículo! Você nem foi tudo isso. Até um pobretão que vive pelas
sarjetas da Flórida conseguiria ser melhor que sua transa meia boca.
Oh, ok.
Desfaço nossa distância e prenso meu corpo contra o seu, mostrando os
dentes. Paris, ao contrário do que eu achei que aconteceria, segue travando a
batalha intensa entre nossos olhares, arrebita o nariz pontudo e ergue o queixo.
Eu, no entanto, brinco com uma mecha do seu cabelo entre os dedos e libero a
risada gutural que estava prendendo bem rente ao seu ouvido. Não é um som
melodioso e bonito de se escutar, é carregado de escárnio e goteja veneno
mortal. A garota sente cada gota respingando em seu corpo, que vacila e treme
sob o meu. Parece que finalmente se deu conta do vespeiro que resolveu brincar
colocando a mão.
— Se eu não sou assim tão bom, então por que veio se humilhar querendo
que eu te comesse feito uma cadela no cio? — Me afasto o suficiente para ver a
chama flamejante comandando suas írises e sorrio diante dela, porque era
exatamente isso que eu queria. — Pois é. Agora se me der licença, tem alguém
que realmente vale o meu tempo a minha espera.
Se é de humilhação que ela gosta, então que fique com essa.
Seus resmungos e xingamentos ficam dançando às minhas costas, porém
deixo cada um dos insultos insignificantes para lá e subo as escadas. Há um
corredor enorme pela frente e uma espécie de varanda onde ficam a jacuzzi e o
ofurô. Antes de chegar até lá, volto a pegar o celular só para brincar um pouco
mais com Love.
Eu: Estou alcançando a varanda onde estão a jacuzzi e o ofurô. Em uma
escala entre quente e frio, como me encontro?
É de longe, mas consigo escutar o barulho de um celular.
Estrelinha: Hmmm. Acho que quente.
Mordo o polegar para evitar uma risada. É claro que está por aqui.
Love Monaghan irá me matar, mas será saboroso vê-la se dar conta que era
eu esse tempo todo. A verdade é que eu tinha imaginado brincar com ela de uma
maneira muito diferente, mas as coisas com Nathan não seguiram o percurso que
eu queria e tive que mudar minha rota, então as mensagens me pareceram a
melhor opção no momento. Eu entraria em sua mente, faria com que perdesse o
seu sono para tentar imaginar quem era a sua nova espécie de admirador secreto
e a traria até aqui, um lugar que não se sente confortável só para brincar disso de
caçada para, no fim, descobrir que tudo não passou de uma brincadeira e
provocação do garoto que ela detesta, para que finalmente possa entrar no jogo e
revidar.
Será mesmo delicioso e impagável.
Coloco minhas mãos atrás das minhas costas, ainda segurando meu
celular, e adentro a varanda. Love está lá, vestida em uma fantasia feminina e
muito elaborada de pirata, de costas e com os braços no parapeito. Me aproximo
sorrateiramente, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas a estrelinha
parece ser capaz de notar a minha presença em qualquer ambiente, então se vira
bem a tempo de me flagrar rastejando até ela. Paro no meio do caminho quando
suas írises se chocam com as minhas. Um vinco se forma entre a sua testa e
sussurra alguma coisa que sou incapaz de entender daqui. Pela sua expressão de
desgosto, não parece agradecer a minha intromissão.
— Olha só quem apareceu. — Revira os olhos e volta a fitar o céu
noturno. — Vai embora, Colt. Não quero brigar. Estou esperando alguém.
Pressiono os lábios, ainda com as mãos nas costas, e caminho até ela.
— Alguém, huh? — provoco, passeando meus olhos por todo seu corpo.
Advinha só? Está gostosa. Mais do que qualquer outra garota nessa merda de
festa. Pigarreio e concentro meu olhar em seu rosto, que é um lugar um pouco
menos perigoso. — Foi por isso que se preparou toda assim? É o que, um
admirador secreto?
— Não te interessa.
— Ah, estrelinha, eu acho que me interessa e muito.
No exato segundo em que desvia do céu para me olhar sobre os ombros,
ergo o meu celular em sua direção, a nossa conversa aberta para que possa ler e
entender o que estava acontecendo esse tempo todo.
— Buu — sopro, meu hálito cumprimentando sua bela face. Com nossos
rostos tão próximos assim, consigo ver com perfeição cada detalhe do seu como
nunca vira antes. Vejo a sobrancelha grossa, bem-feita e arqueada, os cílios
longos e cheios, os olhos claros e magnéticos, algumas poucas sardas salpicando
suas bochechas e os lábios volumosos com algumas camadas de gloss brilhante
se abrindo em choque para mim. — Te achei. E aqui está quente feito o inferno.
Meus olhos automaticamente se voltam para sua mão fechada em punho
ao lado do corpo, como se Monaghan estivesse tentando controlar a avalanche
de sensações que a minha revelação desencadeia nela. Ela pisca, morde o interior
da bochecha, pisca de novo e encara dentro dos meus olhos antes de se virar
totalmente para mim e socar o meio do meu peito, me xingando de tudo quanto é
nome e amaldiçoando até a minha oitava geração. Estrangulo uma risada,
adorando sua raiva, e prendo seus pulsos com minhas mãos, aproximando-a mais
do meu corpo e impedindo seus ataques violentos.
— Você planejou isso tudo? — Seus olhos transbordam uma mescla de
fúria e mágoa, o que acaba me abalando mais do que eu gostaria, admito. A
situação perde toda a graça e o meu coração parece que faz um barulho estranho.
Ela ainda tenta desesperadamente se desprender do meu toque, mas não a solto
de jeito nenhum, principalmente agora. — Qual foi o motivo dessa vez? Me
humilhar? Me mostrar que sou desinteressante o suficiente para ninguém sentir
vontade de fazer isso por mim? Me mostrar que não valho nada e que não passo
de um brinquedinho sádico em suas mãos?
— Não — minha voz sai falhada. — Não, porra! — Tento outra vez, agora
saindo em alto e bom som. — Eu queria que você reagisse, Love. Que você
entrasse no jogo dessa vez e não corresse como fez na arquibancada e quando
éramos crianças. Queria que você entendesse que é capaz de fazer muito mais
coisas do que se limita. Queria que ficasse com raiva e descontasse. Queria que
aceitasse que gosta tanto disso quanto eu, porque você gosta, Love. Você gosta
da adrenalina, gosta do perigo, gosta dos jogos e de se sentir provocada. Não
teria vindo aqui se não gostasse. Não sustentaria os meus olhares nos jantares e
não teria aceitado subir para o meu quarto naquela noite se não tivesse algo
corroendo as suas veias e te dando o impulso necessário para continuar. É
exatamente disso tudo que esse momento se trata, não tem nada a ver com o que
você está falando. — Engulo a massa de concreto presa na minha garganta e
inspiro para o meu pulmão todo o ar que consigo. — Você jamais seria
desinteressante, estrelinha. Todos os garotos da St. Rose te mandariam
mensagens como essas. — Aponto para a tela do meu celular. — Mas tire isso da
sua cabeça porque nunca vai acontecer. Eu os mataria na hora.
Seu peito colado ao meu sobe e desce por conta do ar rarefeito que parece
crepitar e nos englobar.
— Por quê? — A pergunta sussurrada desliza pela sua boca alguns
segundos depois.
— Por que o quê? — rebato, sem entender sobre qual parte está querendo
obter uma resposta.
— Por que você disse que mataria os garotos que me mandassem esse tipo
de mensagem?
Não sei se é possível, mas me aproximo ainda mais do seu rosto, brinco
com o piercing em minha boca e lhe direciono um pequeno sorriso sincero.
Apenas para ela.
— Porque você é minha, Love Monaghan. Você é minha para o que eu
bem entender desde quando éramos apenas dois pirralhos. Ninguém jamais irá
tocá-la. — Coloco meus dedos em formato de pinça no seu queixo e a forço a
tombar a cabeça levemente para trás. — Ninguém mexe no que é do capitão.
Um suspiro de espanto lhe escapa e ela se debate contra meu corpo,
querendo se desgrudar do meu agarre. Afrouxo o aperto e deixo que se solte,
mesmo não querendo desfazer nossa aproximação e deixar de sentir o seu calor
corporal. Para a minha sorte, Love permanece no mesmo lugar, apenas dá um
único e pequeno passo para trás.
— Achei que me odiasse, Carver — fala, colocando uma mecha do seu
cabelo castanho iluminado para trás da sua orelha. — E eu não te entendo. Não
te entendo mesmo. Você me destratou, me humilhou, quis continuar com os
jogos de implicância depois de anos e agora diz coisas como essa. — Suas mãos
caem novamente ao lado do seu corpo, exausta. — Eu não sou sua. Nunca vou
ser sua nem de nenhum outro garoto da St. Rose, porque não sou a merda de
uma propriedade ou objeto que garotos problemáticos usam e passam de mão em
mão. Sou uma pessoa, um indivíduo, um ser humano e tenho meu valor. Sou
minha. — Bate no peito, convicta, e soletrando a última palavra. — E não quero
ter nada a ver com a sua vida. Você é fodido da cabeça e quer foder com a
minha, mas não vou deixar. Escolha de uma vez o que sente em relação a mim e
sustente isso até o fim.
Passo minha mão pelo meu queixo e a olho dos pés a cabeça. Essa garota
amadureceu. Garota não, mulher. Love Monaghan se tornou uma mulher e hoje
está me dando uma bela surra em forma de palavras. Mas mal deve saber que
isso só me deixa mais orgulhoso e com mais vontade de continuar. Devo
realmente ser um sádico filho da puta se tratando dela.
— Eu te odeio, Love. Mas é de uma forma que você nunca entenderia. De
uma forma que ciência nenhuma explicaria. É ambíguo e abre margens para
diversas interpretações. — Guardo o celular de volta no bolso e aprumo a
postura, me mantendo sério e compenetrado. — E eu vou sustentar isso até o
fim.
— Ótimo. — Estala os lábios, olha para alguns alunos chegando para
adentrar a varanda e volta a perscrutar meu rosto. — E você conseguiu, Colt
Carver. Se era uma reação da minha parte que queria esse tempo todo, então é
isso que você vai ter. — Começa a andar para fora do lugar, mas antes se vira
sobre os ombros. — Está dada a largada aos jogos. Vamos ver quem vai sair
perdendo.
Então Love Monaghan vai embora, me deixando com uma única certeza:
não haverá vencedor. Tanto eu quanto ela sairemos no limbo desse jogo muito,
muito arriscado.
❝ Foi mais perto do que você imagina
Jogando com o inimigo
Apostando a minha alma
É tão difícil dizer não
Quando se está dançando com o diabo. ❞
DANCING WITH THE DEVIL – DEMI LOVATO

REFEITÓRIO DA ST. ROSE ACADEMY, 24 DE AGOSTO DE 2018,


ÀS 13H12MIN.
— Ele está encarando nossa mesa — Aria informa.
Reviro os olhos enquanto escuto sua informação e afundo os dentes no
sanduíche natural preso entre minhas mãos.
É claro que Colt Carver está com seus olhos diabólicos cravados em mim,
querendo passar através deles que está atento a cada mísero passo meu nessa
escola, mas estou pouco me importando. Não vou revidar sua brincadeira
estúpida assim, de um dia para o outro, preciso calcular e ver o que realmente
vale a pena. Como costuma dizer, sou uma oponente à altura e vou jogar tão
baixo quanto ele. Vou usar todas as minhas cartas e movimentar esse jogo,
porque quem dará a porra do xeque-mate serei eu. Falei para mim mesma que
não me meteria em encrenca e que não queria me envolver uma segunda vez
com ele, mas também não sou nenhuma besta para ficar de braços cruzados
enquanto decide fazer o que bem entender comigo como se eu fosse uma
marionete. Colt finalmente conseguiu me alcançar e me estressar, agora levará o
que merece.
As mensagens foram golpe baixo.
Achei que realmente havia chegado o meu momento de clichê adolescente.
Achei que havia alguém aqui nessa escola disposto a querer me conhecer de
verdade. Achei que estava entrando em um possível jogo de conquista maluco e
diferenciado, então pensei muito sobre, pesei os prós e os contras disso em uma
balança e acabei aceitando, porque, pela primeira vez na vida, queria viver algo
diferente, algo perigoso, algo único e que me fizesse sentir alguma coisa
emocionante e fora do comum. Pensei em ser uma outra garota naquela noite,
uma garota muito mais corajosa, livre, normal e que age como uma adolescente
com hormônios a flor da pele, longe de toda a pressão que costumo carregar
constantemente. Pensei em agir de forma imprudente e não pensei nas
consequências, não pensei que poderia ser alguém caçoando com a minha cara
ou, pior, que fosse ele o estranho das mensagens. E, infelizmente, o capitão do
time de lacrosse estava certo no que disse. Eu realmente estava sentindo o meu
sangue correr mais rápido nas veias por conta da adrenalina, da caça, da
curiosidade e de todos os sentimentos tumultuados e conflitantes que as
mensagens estavam causando no meu âmago.
O odeio tanto por isso. O odeio tanto por acertar cada uma das coisas que
anda expondo sobre mim. A gente mal teve troca em todos esses anos, e ele
parece se dar conta de coisas que eu mesma não consigo. É como se, para Colt,
eu não passasse de um livro aberto que costuma ler e reler sempre que sente
necessidade. Isso é ferrado.
— Deixe que morra olhando — balbucio para a minha amiga, rancorosa e
sentindo a fagulha da ira já se alastrando pelo meio do meu peito, que bate e se
agita compulsivamente. — O que é de Colt Carver está guardado.
Aria apruma os ombros e olha para a mesa do capitão atrás de mim, repleta
de atletas do Fort Red Knights, com seus olhos em um belo delineado,
chamuscando de raiva e lhe direciona seu dedo do meio assim, na lata e para que
todos possam ver. Abafo a minha risada com a mão e a olho com as sobrancelhas
arqueadas.
— Ficou maluca? Esse jogo é só comigo, esqueceu?
Aria Blake dá de ombros quando volta a me encarar.
— Ninguém mexe com a minha melhor amiga e fica por isso mesmo.
Podem mexer o quanto quiserem comigo, eu aguento, mas ninguém trisca um
dedo em você. Eu vou para cima e nem estou brincando.
Meus lábios se retorcem em um biquinho emocionado, então toco o meio
do meu peito e choco os meus cílios inferiores e superiores exageradas vezes,
como se estivesse tentando evitar que as lágrimas escorreguem por minhas
bochechas. Ela rola os olhos com a minha reação, típico dela que finge não
gostar de demonstrar sentimentos, e depois cai na risada quando eu libero a
minha primeira lágrima, nossas gargalhadas se mesclam e flutuam pelo ar do
refeitório, fazendo com que alguns alunos cravem seus orbes curiosos em nós.
Paramos na mesma hora que percebemos o que causamos.
Tanto eu quanto Aria pigarreamos para despachar as encaradas.
— Sabe o que é mais engraçado disso tudo? — indago assim que mais
ninguém parece prestar atenção em nossa mesa. Minha amiga inclina o queixo,
me incentivando a continuar. — Você pareceu o Colt falando. A expressão, a
coisa nos olhos e tudo. Ele disse algo parecido na sexta. Disse que eu era dele e
que ninguém ousaria tocar no que é do capitão. — Deixo meu sanduíche
inacabado na mesa e finco os cotovelos sobre ela, balançando a cabeça de um
lado para o outro, uma risada incrédula escapando da minha boca. — Dá para
acreditar?
— Claro que dá. Aquele machista idiota.
Solto mais uma risada.
Aria o detesta por tudo que pessoas como ele representam nessa escola,
mas depois de sexta, depois de tudo que desabafei sobre a festa e sobre o nosso
passado, até então desconhecido por ela, acho que o seu ranço por ele triplicou.
Não havia contado antes que nos conhecíamos desde quando éramos crianças,
pois não queria ter que colocar para fora e reviver toda a mágoa e raiva que senti
naquela noite, além de que, como prometi a mim mesma, ele nunca existiu e não
significava nada, estava morto e enterrado no meu passado. Mas agora a coisa
tinha andado para um rumo diferente. Nós estávamos em guerra, e minha melhor
amiga precisava saber disso para me ajudar no que fosse preciso. Embora tenha
ficado com raiva por eu ter escondido isso dela, tudo passou em segundos e
compreendeu cada um dos meus sentimentos.
Ficamos horas na ligação de vídeo depois que saí da festa de Nathan. Se
não fosse por Aria aguentando enquanto eu colocava para fora minha raiva,
provavelmente teria surtado no final de semana.
Ainda sentindo seu olhar queimar em minhas costas, decido girar minha
cabeça disfarçadamente em sua direção. E lá está ele, há alguns metros de
distância, com os olhos escuros e afiados cravados na minha figura, sem dar a
mínima por ter sido capturado em flagrante. Todos os seus amigos parecem
animados enquanto conversam e dialogam animadamente sobre coisas de
garotos, talvez mulher ou esporte, mas Colt Carver parece nem fazer parte
daquela roda. Seu corpo está lá junto com eles, porém sua mente, sua atenção e
todos os seus sentidos estão aqui, nessa mesa. O olhar é predatório, calculista e
injetado de algo que se assemelha a poder e posse, faz com que eu curve até
mesmo os meus dedos dos pés diante dele. É assustador, feroz, hipnotizante, e
não consigo desviar ou parar de olhar, então aguento a troca enérgica das nossas
írises. E parece que todas as pessoas do refeitório evaporam. Só restamos eu e
ele dentro desse lugar.
Uma fina película de suor envolve o meu pescoço.
Acho que deve ser uma maldição. Só pode ser uma maldição. Estou
achando Colt ainda mais bonito do que o comum nessa pose de ataque. Ele é
grande, forte e a sua aparência não é nada parecida com a do seu pai, apenas
desenvolveu o mesmo porte físico e a cor de ébano dos cabelos, que também é a
mesma da sua falecida mãe. O garoto é a cópia fiel dela, a propósito. Já vi fotos
espalhadas pela sua casa, escutei histórias e sei do que estou falando. A mãe dele
nasceu na Coreia do Sul, mas se mudou com os pais para os Estados Unidos
quando era apenas uma criança, e embora Maverick seja ocidental, seu filho
herdou todos os traços coreanos da esposa e dos pais dela, avós de Colt. E tudo
só melhora porque o maldito carrega um ar viril e as suas infinitas tatuagens
conseguem deixá-lo ainda mais perigoso e tentador. Há desenhos pretos por cada
centímetro do seu corpo, me pego pensando como é poder analisar todas elas
sem cada uma dessas peças que compõem o uniforme. Como é poder apreciá-lo
sem nada.
Mas que diabos?
Retorno o olhar para frente no mesmo segundo em que me dou conta da
rota que meus pensamentos estão fazendo.
Isso realmente só pode se tratar de uma maldição.
Que Deus me ajude.

TEATRO DA ST. ROSE ACADEMY, 24 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


14H30MIN.
Astrid Reed está falando sem parar sobre tudo o que tem planejado para a
nossa tão aguardada Peça da Primavera, enquanto nós, atores do grupo, estamos
sentados e espalhados pelo palco ouvindo animados cada uma das suas ideias e
sugestões.
Minha barriga revira de ansiedade só de pensar nesse momento. Apesar de
não saber qual será o musical da vez, sei que vou amar e me dedicar ao máximo
para conseguir o papel principal. Não é por não gostar de papéis menores, longe
de mim, fico feliz só em participar e de poder atuar e cantar para o público, mas
preciso me destacar mais uma vez. Preciso que os possíveis olheiros da
Broadway me encontrem, encontrem o meu talento e saibam que o destino da
filha de Caroline Dillon e River Monaghan é esse aqui, nos palcos, não nas telas
de cinema. Quero que enxerguem que esse não é só o meu passatempo, mas a
minha futura profissão e o que pretendo fazer pelo resto da minha vida.
— Nós temos duas opções esse ano. — Nossa professora faz o número
com os dedos, e meu estômago revira de ansiedade. Os alunos começam a gritar
em histeria, pedindo e implorando de todas as formas possíveis para que
desembuche logo. — Calma, crianças, já vou falar. — Ela ri ao passo em que
olha para cada um de nós. — O que tenho em mente é recriar o filme Um Amor
Para Recordar ou... — Para de falar, fazendo suspense, alguém no fundo até
bate no palco, fingindo que são os tambores rufando. — Um Amor Para
Recordar.
Uma explosão de gritos corta o ar, principalmente das meninas. Quando
percebo, até eu estou entrando no meio, dando pulinhos de alegria no lugar em
que me encontro. Faz tempo que estamos dando essa sugestão, ansiando por
recriar esse clássico da Mandy Moore e do Shane West, só que Astrid só nos
enrolava e dizia que era algo para o futuro. Mas o futuro finalmente se tornará
presente. Finalmente vamos poder reviver essa história tão linda e tocante. Já
consigo até enxergar o público caindo em lágrimas no fim.
É definitivamente o meu momento de brilhar.
— Nem pense nisso, Love — a pessoa fala assim que se senta
abruptamente ao meu lado. — O papel da Jamie Sullivan será meu — faz
questão de frisar.
Seguro a vontade de revirar os olhos.
É claro que faz.
Jordyn Jensen é o nome da pedra no meu sapato. Ela, junto com sua amiga
Paris Sloan, mandam e desmandam na St. Rose Academy como se as pessoas
não passassem de meras peças de Polly Pocket prontas para serem usadas da
forma que desejarem. Ela e a loira são o topo da pirâmide hierárquica da escola,
as abelhas rainhas, as que se banham de Gucci, Chanel e Burberry dos pés à
cabeça e as que ninguém consegue desbancar dos seus tronos bem-marcados de
Regina George e Blair Waldorf da Flórida. Só que, ao invés de seguir o caminho
de líder de torcida como a cobra criada da sua amiga inseparável, Jordyn optou
por se inscrever no grupo de teatro para chamar atenção de outra forma, sendo os
palcos o seu foco. Mas devo admitir que a morena é excelente no que faz e uma
das melhores atrizes que temos por aqui. Ela se entrega aos papéis como
ninguém e consegue fazer com que todos suspirem de amores por sua figura no
instante em que aparece em cena, já que é fabulosa, encantadora, elegante,
sensual e ridiculamente bonita com seus cabelos castanhos enormes, que batem
em sua bunda e vivem ora lisos ora completamente ondulados por efeito do
babyliss, com seus olhos verdes-escuros, seu nariz afilado, sua boca pequena e
cheia, sua pele marrom-clara e sua altura e corpo de modelo.
O problema é que Jordyn Jensen, mais conhecida como JJ pelos seus
amigos mais íntimos, é altamente competitiva, ambiciosa, narcisista e viu em
mim, desde o primeiro momento que pisei os pés no grupo, uma possível ameaça
ao seu estrelato, então consequentemente, virei alvo do seu veneno e passei a ser
sua inimiga declarada, principalmente depois que consegui pegar vários papéis
importantes e ela não. De acordo com sua mente maléfica, bate na tecla de que
tudo que eu conquistei foi por ser filha de quem sou, e não porque tenho talento
e fiz por merecer. Ela simplesmente não é capaz de enxergar que há espaço para
todos, muito menos tem humildade para isso.
Para Jordyn, só ela pode vencer.
É engraçado que, mesmo quieta e no meu canto boa parte do tempo, só
consigo atrair problemas e colecionar inimigos. Já tenho dois nessa lista: Colt
Carver e Jordyn Jensen. Se eles se juntarem, já podem criar uma conta de haters
para mim no Instagram ou no Twitter. Algo parecido com Todos Contra Love
Monaghan.
Olho no fundo das suas írises verdes, dou um sorrisinho e respondo sua
provocação:
— Que vença a melhor, então.
Sinceramente, depois de estar chafurdada na merda, nada mais te abala. É
assim que eu me sinto ao adentrar de cabeça em mais um jogo, afinal, já estou
dançando com o diabo. E o próprio ainda me garantiu que há algo dentro de mim
que se assemelha com o que há dentro dele.
Então por que eu deveria simplesmente temer a garota?
❝ Você já se sentiu como um desajustado?
Tudo dentro de você é escuro e retorcido
Oh, mas tudo bem ser diferente
Porque, amor, eu também sou (eu também sou, eu também sou, eu também sou)
Você já se sentiu como um pária?
Você não precisa se encaixar no padrão
Oh, mas tudo bem ser diferente
Porque, amor, eu também sou. ❞
SO I AM – AVA MAX

RUAS DE FORT LAUDERDALE, 24 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


18H07MIN.
Why Don’t We explode nos meus fones de ouvido enquanto sinto meu
pulmão queimar por conta da corrida que pratico esta noite. Uma fina película de
suor cobre a minha testa, a veia no meu pescoço lateja por conta da aceleração
dos meus batimentos cardíacos e os meus tênis fazem barulho contra o chão
conforme acelero cada vez mais o passo e adentro as ruas do meu bairro. A
sensação de poder ter o vento açoitando os fios do meu cabelo contra o meu
rosto, de poder ver a minha sombra sendo projetada pela luz vertiginosa da lua,
além de estar conseguindo sentir os efeitos da endorfina e da dopamina sendo
liberadas no meu cérebro, extravasando todo o estresse acumulado no meu
corpo, faz com que todos os meus pensamentos desagradáveis evaporem em uma
densa poeira que se dissipa pouco a pouco pelos lugares onde passo.
É por isso que amo correr e praticar exercícios físicos depois de um dia
cheio. Colocar minhas pernas para trabalharem e meus pulmões para
esquentarem é a minha terapia eficiente. Ir à academia e correr por Fort
Lauderdale foram as únicas coisas da antiga Love que mantive. Mas de uma
maneira saudável agora, não de forma obsessiva, compulsiva e que visava
emagrecer desesperadamente como era antes. Agora é tudo sobre bem-estar e
saúde, não estética, algo que levei anos para compreender na terapia.
A questão é que é difícil se livrar de antigos vícios, principalmente quando
se está chafurdada demais neles desde que era apenas uma criança, desde quando
sua aparência era constantemente citada na mídia para que pessoas do mundo
todo pudessem comentar e elogiar o quão linda era a filha do casal queridinho de
Hollywood. E você passa a se importar demais com isso. Passa a buscar
aprovação como se fosse seu combustível. Você, ao invés de aproveitar a
infância e o seu tempo livre como qualquer outra criança, aproveita seu tempo
para se trancar no quarto e ficar apenas de calcinha na frente do espelho,
conferindo como andam seu corpo e o seu rosto, tentando ser a primeira a
perceber caso haja uma mudança, porque o pensamento de ser exposta de uma
forma negativa lhe causa pânico e lhe aterroriza. Você, ao invés de desejar
brincar e se divertir, passa a desejar incansavelmente que sua aparência nunca
mude. Mas isso é impossível. A puberdade chega para todas as garotas cedo ou
tarde, e a sua lhe alcançou cedo demais, aos dez, quase onze anos. Com ela
vieram os hormônios, as primeiras mudanças, seu corpo ganhando massa,
tomando forma e aí já foi, o circo do horror estava montado. Pessoas que você
nunca nem viu na vida começaram a opinar ainda mais, dizendo que se você não
tomasse cuidado, iria engordar e ficar feia. Fotos suas aproveitando a praia de
biquíni e com ângulos desfavoráveis, mesmo ainda sendo uma pré-adolescente
em fase de crescimento, vazaram e você se viu diante de uma linha tênue em que
na mesma proporção que te elogiavam, te condenavam por estar diferente.
Então você se perde.
Você chora diante do espelho e não reconhece mais quem está diante do
reflexo.
Ainda permaneço bonita ou já não sou mais como aquela garotinha que
idolatravam aos seis, sete anos? Meu corpo, por já não ser mais o mesmo, se
tornou um problema? Estou gorda?
E, acima de tudo, qual é o problema em ser gorda?
Essas foram algumas das perguntas que começaram a invadir e a maltratar
minha cabeça ainda muito nova. Eu já não sabia mais distinguir nada, então
comecei a acreditar neles, nos comentários negativos, mesmo com todos à minha
volta me garantindo que continuava perfeita. Mas bem, o que era estar perfeita?
Eu também já não tinha mais certeza se sabia. Passei a descontar todas as minhas
perguntas, todos os meus sentimentos, todas as minhas frustrações, raivas e
decepções na comida. Colocava tudo para dentro e não parava até que a culpa
me atingisse. Não parava até que me sentisse empanzinada, até que me odiasse,
odiasse meu corpo e sentisse vontade de colocar tudo que ingeri para fora em
vômitos induzidos, me amaldiçoando depois por ter chegado naquele nível.
Eu estava doente e fazia questão de esconder de todo mundo. A minha pré-
adolescência e começo da adolescência foram todas enfurnada dentro de um
banheiro com os dedos dentro da goela. E não havia melhora para mim, as coisas
só tendiam a piorar, porque não sendo bastantes os vômitos, também fazia
exercícios frequentes e intensos, inventava dietas extremamente rigorosas e
tentava passar horas longe da comida só para evitar a compulsão e o sentimento
que vinha depois dela. Mamãe ficava contente quando me via cortar alimentos
calóricos de forma alucinada da minha alimentação, ficava assim também
quando me via suando na academia de casa, achava que sua filha estava sendo
tão vaidosa quanto ela, inclusive apoiava cada uma das minhas paranoias e dizia
que nós, famosos, tínhamos que viver pela nossa imagem impecável e brigava
seriamente com papai quando ele tentava intervir nos poucos momentos de
vulnerabilidade que deixava escapar na frente deles.
Mas eu era só uma criança de onze anos. Que criança de onze anos deveria
ter essa preocupação e esse pensamento?
Nenhuma. Nenhuma é a resposta.
Por mais que eu não os culpe de nada, algo em mim agora queria que eles
tivessem percebido antes.
Só que fui atingida por todos esses demônios com uma força
impressionante, sozinha por fodidos dois anos e meio. Eu comia feito uma louca,
vomitava, me via no espelho e chorava calada, com a porta trancada e o lençol
enrolado ao corpo. Todos os malditos dias. Chorava ao ponto de tremer e
soluçar, insatisfeita comigo, com o mundo e com as pessoas. Passei tanto tempo
mergulhada nesse trauma que também desenvolvi ansiedade e crises de pânico.
Minha vida se tornou uma montanha-russa e eu não tinha ideia do quanto estava
me afundando até o dia em que desmaiei na escola por ter vomitado o almoço e
ido praticar exercícios na aula de educação física horas depois, muito mal e
extremamente fraca. Fui levada para o hospital assim que me encontraram caída
no banheiro, meus pais foram comunicados e apareceram por lá quando eu já
tinha feito alguns exames e conversado com alguns médicos plantonistas, que
estavam fazendo perguntas, anotando e provavelmente desconfiando do caso
grave de transtorno alimentar que estava em suas mãos. Eles chamaram meus
pais em um canto privado logo depois e expuseram suas suspeitas, então não
demorou muito depois daquele dia para que eu tivesse consultas com psiquiatras
e psicólogos.
E todos chegaram a um mesmo diagnóstico: bulimia nervosa.
Depois de todos terem a ciência de que eu estava doente e precisando de
ajuda, passei a fazer Terapia Cognitivo-Comportamental, fui a nutricionistas e
comecei a aprender sobre escolhas conscientes e saudáveis sobre alimentação e
peso, além de também aprender um pouco mais a cada dia sobre padrão social e
pressão midiática, tudo o que vivi desde os meus onze até os treze anos de idade.
Ainda continuo fazendo todas essas coisas, no entanto. Sigo na terapia e faço
tratamento intensivo faz três anos. Tive recaídas no começo, claro, não é nada
fácil mudar seus hábitos e seus pensamentos, a luta é árdua e diária, mas me
encontro bem atualmente, depois de tudo que aprendi e venho aprendendo com a
minha vida e a minha rotina verdadeiramente saudável, com meus treinos
corretos passados por um profissional para que eu possa recuperar, dia após dia,
meu amor-próprio e minha autoestima roubada.
O peso ideal para a minha altura já conquistei graças à minha nova
alimentação e a personal trainer que contratei para trabalhar só comigo.
E estou totalmente curada da bulimia e de quase todos os seus efeitos há
um ano e nove meses, o que me faz uma lutadora e uma sobrevivente. Mas as
únicas pessoas que sabem sobre esse lado da minha vida, além dos que cuidam
da minha saúde física e mental, claro, são meus pais e Aria. Apenas eles. Não
consigo compartilhar esse lado da minha vida com mais ninguém. É como se
algo dentro de mim travasse.
Não é para fingir ser a garota perfeita com a vida perfeita como Colt
proferiu certa vez, mas sim porque, infelizmente, tenho vergonha que saibam
que sou quebrada e não inteira. Tenho vergonha que saibam que me maltratei e
me julguei tão pequena e fraca um dia. Tenho vergonha que saibam que quase
me matei e acabei com a minha vida. Mesmo sabendo que não foi minha culpa,
que estava doente e precisando de ajuda, ainda não consigo evitar esses
pensamentos e preciso trabalhar isso dentro de mim.
Preciso entender de uma vez por todas que eu, assim como todos que
possuem feridas em processo de cicatrização, sou uma lutadora e sobrevivente
da vida. Sou uma pessoa que caiu e se levantou. Uma pessoa que, diante de tanto
caos, diante de tantos conflitos, dores, fraquezas, coração estilhaçado e demônios
envoltos na mente, escolheu viver e se reerguer a cada novo sol, porque cair em
si é a única queda que te põe para cima. É a única queda te que faz voar e
alcançar o topo.
E eu sou como uma fênix, ressurgindo das próprias cinzas e carregando
cargas muito pesadas enquanto voa. Vou repetir isso até cansar.
Paro com os pensamentos e as lembranças assim que volto à realidade e
me aproximo da minha casa, desacelerando a corrida até passar a andar e
enxergar o enorme carro vermelho brilhante flanqueando meu jardim, imponente
e intimidador. Engulo a seco, curiosa, e retiro os fones, tentando alcançar algum
som flutuando pelo ambiente. Mas a única coisa que sou capaz de captar é o
canto de corujas ao longe.
Vou até o carro pisando duro.
Até parece que vai ficar estacionado na casa dos outros assim.
Quando me aproximo um pouco, o suficiente para enxergar quem está
dentro do veículo, reviro os olhos ao ver a figura de Colt Carver e seus cães de
guarda, Dariel Chevalier e Matthew Donnelly.
Como pude esquecer que ele, igual à maioria dos meus vizinhos, também
tem uma Ferrari?
Minha mandíbula se contrai com a imagem perturbadora dos garotos, os
dentes rilhando uns nos outros.
— Vocês não têm casa, não? — É a primeira coisa que digo assim que
alcanço o seu conversível estúpido, enfiando minha cara na janela. — Podem
acelerar e dar o fora daqui, estou prestes a chamar a polícia.
Os três me olham ao mesmo tempo, achando graça.
— E o que você vai falar? — Colt questiona, um sorriso irônico abre
caminho entre seus lábios avermelhados com aquela maldita argola prateada e
reluzente. — Alô polícia, o filho do senador juntamente com seus amigos
endinheirados, estão querendo invadir minha mansão. — Ele afina a voz e a
mão fingindo ser um celular se aproxima da sua orelha. — Patético, Love. Até
parece que eles fariam alguma coisa. Ricos não são alvos de policiais, esqueceu?
Os tiras estão ocupados demais ferrando inocentes do lado mais fraco.
É verdade. Maldito sistema.
— O que vieram fazer aqui, então? Estavam me esperando chegar esse
tempo todo?
— Love Monaghan, Love Monaghan... — Dessa vez, Dariel, o loiro que
parece um deus grego, resolve entrar na conversa, cantarolando meu nome em
alto e bom som. Se eu não soubesse que é tão babaca quanto todos os outros,
ficaria encantada e afetada pelo modo como as letras do meu nome se
desenrolam em sua língua importada da Europa. — Pra que esse estresse todo?
As garotas geralmente costumam gostar quando fazemos esse tipo de visitinha.
Sinta-se privilegiada, ma belle. E pronta para nos deixar bagunçar seu quarto e
sua vida também.
Mordo o interior da bochecha e olho para Matthew, que está no banco de
trás, só para ver se tem algo para acrescentar também antes que eu os expulse,
mas o garoto tem a expressão mais fechada e esquisita que já vi na vida. Seus
olhos castanhos, à meia lua, parecem profundos e agitados, caos da maneira mais
bruta dança ao redor de suas pupilas dilatadas. Ele nem ao menos parece estar
aqui. Mesmo que esteja me encarando assim como os outros, não parece me
enxergar, é como se estivesse preso em outra cena ou em outro momento à parte.
Me surpreenderia muito se ele falasse qualquer coisa agora ou contraísse seu
rosto em alguma expressão além dessa rigidez que ostenta nos traços fortes e
bem marcados dele.
Chego na constatação que Matthew Donnelly possivelmente fora esculpido
em pedra. Só assim para explicar parecer ser tão duro e tão sem sentimento
quanto uma.
Eu, hein.
Quem, em sã consciência, aceita qualquer coisa que esses caras oferecem?
São um bando de ferrados. E vândalos. E rebeldes. E depravados. E idiotas. E
maus. Estar perto deles é como ficar na ponta do precipício, caminhando pelas
bordas.
— A única coisa que vocês vão bagunçar são as flores do meu jardim
quando derem o fora da minha porta — rosno ao enfiar o rosto ainda mais pela
janela, passeando os olhos pelos três, embora Matthew nem tenha falado nada
para merecer minha fúria. Foda-se. Ele é amigo deles e veio porque quis. Bem,
eu acho. — Não vou repetir. Tenho certeza que me ouviram.
Dariel limpa a garganta.
— Desculpe, não ouvi. Estava prestando atenção na sua boca e em como
ela ficaria ainda mais bonita ao redor do meu...
Antes que possa completar sua fala imunda, Colt, do banco do motorista,
se vira para o amigo no banco ao lado, lhe desferindo um soco no peito. Dariel
chia com a força e massageia a região, ambos trocando olhares. Mas, enquanto o
loiro parece estar apenas levando tudo na brincadeira, o outro parece realmente
disposto a matá-lo.
— Tô só brincando, idiota. Não quero a sua garota.
Franzo o nariz em uma careta banhada a desgosto.
— Não sou a garota dele.
— Ela não é a minha garota — Colt diz no mesmo instante.
Olho para ele como quem diz: “ainda bem que você sabe”.
Surpreendendo a mim, Matthew decide falar, parecendo impaciente pela
entonação da sua voz arrastada e desprovida de animação.
— Pode ir embora. Estávamos sem nada para fazer e Colt quis te
atormentar um pouco. Mas para mim já deu. — Bufa e joga as costas no
estofado de couro do carro. — É tão desinteressante quanto qualquer outra vadia
rica da escola.
Oi?
A pessoa está estacionada na porcaria da minha casa, sabe lá Deus para
que, e ainda acha que está no direito de ficar irritado e me ofender? Só pode ser
piada.
— Uhhh, então você fala — decido brincar na cara do perigo só para não
sair por baixo, sustentando seu olhar e toda sua pose e marra patética de fodão
com mente sombria. — Achei que fosse incapaz de fazer qualquer outra coisa
que não fosse ficar preso na porra da sua própria cabeça. E o que é que fica
remoendo aí dentro, hein? — o instigo, cutucando algo que suponho ser seu
ponto fraco. A atmosfera de todo carro parece mudar. — O momento em que
seus pais não foram na sua primeira apresentação como titular do time de
lacrosse? O momento em que percebeu pela primeira vez que seu pinto não
cresce? Ou, deixe-me ver, o momento em que teve seu coração apunhalado pela
garota por quem é terrivelmente apaixonado? — Ergo os lábios para cima em um
sorriso de escárnio. — Quer saber, não me importo. E da próxima vez que quiser
me insultar, olhe na porcaria dos meus olhos primeiro.
Não sei nada da sua vida, do que se passa na sua cabeça e do que esconde
por trás da armadura de bad boy grotesco, mas parece que acertei em cheio em
alguma das minhas suposições pelo modo como os garotos se entreolham.
Porém Donnelly, obviamente, só é capaz de reagir baixando um pouco a
cabeça para me esquadrinhar. Uma pequena centelha de diversão juntamente
com uma maldade carregada perpassa pelo seu olhar até então apático.
— Eu falo e faço — enfatiza, a ameaça velada goteja pelos meus sentidos
como líquido quente. — E vejo que estive enganado. Até que você vale alguma
coisinha, garota. Uma mínima, mas vale. Talvez Colt não esteja tão maluco
assim em perder o tempo dele com você.
Me afasto do carro, respiro fundo e troco o peso dos pés. Não vou ficar
aqui parada escutando desaforo e comentários desnecessários de gente
desequilibrada. Se Colt resolveu enfiar seus amiguinhos no que quer que seja
essa coisa rolando entre nós, então vão sair daqui sem nada, pois não darei esse
gostinho a nenhum deles. Não vou me submeter a nada do que passa em suas
mentes perversas.
— Vão se foder. Todos os três.
Sem esperar por uma resposta, mostro o dedo do meio ao passo em que
giro nos calcanhares para subir os degraus que dão acesso à minha casa.
“Já não basta na escola, agora nem no meu próprio bairro vou ter mais
sossego”, digo a mim mesma, colocando a digital na porta e escutando o cantar
dos pneus da Ferrari de Colt indo embora.
Expiro todo o ar que consigo para fora dos meus pulmões quando
finalmente me vejo longe deles.
Quanto mais quero passar despercebida, mais atenção ganho.
Sinceramente falando, só queria poder ser uma garota normal de quase dezessete
anos que não precisa se preocupar com câmeras, paparazzi, atrizes que querem
sua cabeça e garotos que desejam tudo, menos sua sanidade mental intacta e a
salvo.

No momento em que entrei na minha casa, silenciosa graças à ida da


minha mãe e do meu pai a um encontro na mansão de algum roteirista renomado
em Los Angeles, subi até o meu quarto e fui direto até minha suíte na intenção
de tomar um banho de banheira enquanto os espero chegarem. Depois de uma
longa corrida e do encontro desastroso de agora pouco com o Trio de Ouro da St.
Rose Academy, cada fibra do meu corpo pedia e implorava por descanso e por
uma boa camada de espuma e sais de banho. Então foi exatamente isso que fiz.
Acionei minha playlist, me afundei na água e deixei que minha mente se
desligasse do mundo lá fora.
Só quando já estava sentindo meus dedos enrugarem por conta do contato
prolongado com a água é que resolvi sair, me enrolar no meu roupão felpudo e
voltar para o quarto. Enquanto a música pop retumbava ao fundo, adentrei meu
closet e retirei minhas peças íntimas e uma camiseta velha e desgastada de lá de
dentro. Vesti tudo num segundo e fui para frente do espelho pentear meus fios
molhados e conferir o tamanho da camiseta, que estava batendo na metade das
minhas coxas como um vestido largo e confortável. Era do meu pai. Costumo
roubar coisas do seu closet enorme vez ou outra só para que eu possa dormir
bem, sem aqueles pijamas que apertam todos os lugares possíveis.
Agora, depois de passar meu creme corporal e desligar o som, estou
sentada na minha cama com meu MacBook entre as pernas, o ligando para que
consiga finalizar as tarefas inacabadas da escola. Passo um bom tempo com os
olhos cravados na tela, quase sem nem piscar, decorando uma porção de
fórmulas que nunca usarei na vida. No momento em que estou quase tirando um
cochilo diante do computador, cansada de toda aquela matéria, as vozes
ressoando lá embaixo fazem com que eu sobressalte e retire o objeto do meu
colo rapidamente, em alerta.
Mas escuto a risada da minha mãe e a agitação logo se tranquiliza em meu
peito.
Eles chegaram.
Corro para fora do quarto e desço as escadas em U na velocidade da luz.
— Ei, olha só quem está aí! — Papai é o primeiro a perceber minha
presença. Ele abre os braços e eu me jogo neles, enlaçando meus braços ao redor
da sua barriga. Sinto seu cheiro familiar, o inspiro para dentro dos meus pulmões
e fecho os olhos, sentindo sua boca pairar acima dos meus cabelos só para
plantar um beijo. — Minha linda garotinha.
Solto uma risada abafada contra seu peito.
— Quando é que vai começar a entender que não sou mais uma garotinha,
pai?
— Quando completar quarenta anos, talvez. Até lá, querida, será sempre a
minha garotinha.
Amo quando River Monaghan fala coisas assim. Ninguém imagina, mas
papai, mesmo com a sua figura imponente, seu estilo jovem e formal, seu monte
de músculos devido aos treinos pesados para manter a boa forma e a sua beleza
astronômica de galã de Hollywood, além de seus quarenta e dois anos de uma
sabedoria sem igual, não passa de uma manteiga derretida quando o assunto é
sua família. Ele é o meu melhor amigo, a minha inspiração e a pessoa com quem
divido a melhor das conexões. Sinto que posso dividir tudo com ele que nunca
serei julgada ou condenada. Repreendida, sim, julgada, nunca. É realmente o
meu maior tesouro e o bem mais precioso da minha vida.
Eu faria tudo por ele, assim como tenho certeza que também faria por
mim.
Quando recebemos meu diagnóstico, papai ficara quase tão destruído
quanto eu. O mundo pareceu ruir sobre a sua cabeça e a culpa por não ter
percebido antes ficava cada vez mais visível em seus olhos fundos e arroxeados.
Nos momentos em que só queria ficar sozinha, o som do seu choro sofrido vindo
do seu quarto embalava as minhas noites, e isso quebrava o meu coração um
pouquinho mais. Apesar de ter sido horrível e traumático para todos nós, River
conseguiu colocar para debaixo do tapete tudo o que estava lhe afligindo para se
concentrar em mim e na minha melhora, me dando todo o tipo de suporte
necessário. Ele parou de trabalhar, de viajar e ficou ao meu lado, segurando a
minha mão e sendo o meu alicerce.
Tudo o que eu não tinha, encontrava nele. Foi, sem dúvidas, o meu maior
incentivador e uma das minhas razões para não desistir e permanecer lutando.
Deve ser por isso que a nossa conexão só aumenta a cada dia.
— Está se sentindo bem? — Ele me afasta do seu abraço pelos ombros só
para me medir de cima a baixo. — Alguma coisa para me contar?
Rá! Aí está ele e a sua preocupação. Não é intromissão nem algo
excessivo, é apenas cuidado. Papai, depois de tudo que aconteceu, gosta de
tomar conta de mim e de se inteirar das coisas que estão acontecendo na minha
vida.
— Estou bem — digo ao lhe direcionar um sorriso. — E não, nada para
contar. Apenas que a Peça da Primavera será do filme Um Amor Para Recordar
e que estou muito ansiosa para os testes de Jamie Sullivan. Espero conseguir
mais um ano.
Meu pai levanta as sobrancelhas e seus lábios se entreabrem, aprovando a
escolha da vez.
— O papel já é seu, meu amor.
Dou mais um sorriso e assinto para seu comentário, deixando os últimos
acontecimentos com Colt para trás. Não vou contar isso para ele nem se
estivessem me torturando. Não quero que se preocupe nem que vá tirar
satisfações com ele ou com Maverick. Por enquanto, consigo me virar e lidar
com o capitão dos Fort Red Knights sozinha.
Minha mãe, escorada na parede, limpa a garganta e alterna o olhar entre o
marido e eu.
Passei tanto tempo focada no meu pai que esqueci da minha própria mãe.
Que tipo de filha eu sou?
— Não queria atrapalhar o momento dos dois, mas também estou aqui,
sabiam? — A voz magoada da incrível Caroline Dillon chega flutuando até meus
ouvidos. — E que vestimenta é essa, Love Monaghan? — Olho para a minha
camiseta e depois para ela bem a tempo de flagrar seu nariz se contorcendo. —
O que já disse para você sobre usar esses tipos de trapos em casa?
Só não reviro os olhos porque ela provavelmente me mataria.
— Qual é, mãe. — Cruzo os braços em frente ao peito. — Não é como se
tivesse alguém aqui para notar como estou vestida.
Minha mãe dá alguns passos em minha direção, seus saltos tilintando
contra o piso. Sei que vou ser repreendida, consigo enxergar isso bem nos seus
olhos tão azuis quanto os meus, mas não sei se será pelo modo como a respondi,
pela minha camiseta velha ou pelas duas coisas juntas.
Troco um breve olhar com meu pai, e ele parece tão perdido quanto eu.
— Qual é, mãe?!— ela repete o que eu disse, respira fundo e espalma as
mãos na cintura fina coberta pelo vestido preto com decote em forma de coração.
— Olhe os modos, Love Dillon Monaghan. Isso não é comportamento para uma
garota do seu nível estar reproduzindo. — Céus, a minha mãe é tão neurótica
com essas coisas que me dá nos nervos. Eu não posso falar nada de forma
diferente e usar nada que não lhe agrade que começa a agir dessa forma, me
alfinetando. Nem mesmo após tudo o que passamos conseguiu mudar esse seu
jeito meio controlador. Sei que me ama e que se importa comigo, mas é chato e
sufocante. É como se ainda quisesse moldar quem sou. — Suba e troque de
roupa. Eu não gasto incontáveis dólares nas suas roupas de dormir para você me
aparecer com isso.
— Você tá falando sério? — consigo perguntar, mesmo sentindo um nó se
formando na minha garganta por conta da súbita raiva. — Você ficou fora por
algumas horas, provavelmente tem novidades para me contar, e é com isso que
está se importando?
— Suba, Love — decreta de forma ríspida, ignorando meu comentário.
Arfo.
— Não precisa disso tudo, querida — meu pai tenta intervir, pacífico e
amoroso. — Deixa a nossa filha usar o que quiser dentro de casa, isso não é
importante. Não há ninguém aqui para julgá-la. Vamos nos sentar no sofá e
contar para ela sobre nosso dia em LA, tenho certeza que vai ser mais
interessante do que essa discussão idiota, Caroline.
Minha mãe vira a cabeça na direção do meu pai na mesma hora, parecendo
chocada por ter sido repreendida dessa forma por ele, ainda mais na minha
frente. Seus olhos transbordam fúria, mágoa e uma certa derrota. Ela não gosta
de ser contrariada, muito menos que alguém reduza suas falas a nada. A sua voz
sempre é importante e válida em qualquer assunto que deseje opinar. Caroline
Dillon não aceita que ninguém, nem mesmo seu marido, diga que algo tão
importante para ela é algo supérfluo e idiota.
— É por isso que Love é desse jeito, River. Você a mima demais, é incapaz
de ter voz ativa dentro dessa casa, é incapaz de ensinar sua filha o que precisa
ser ensinado. Se dependesse de você, ela quem ditaria as regras e quem mandaria
em todos nós.
Meu pai a responde e os dois começam a bater boca sem perceberem que
estou aqui, de braços cruzados, gangorreando com os pés descalços e ouvindo
tudo. Coço a minha garganta, pisco os olhos e obrigo minhas pernas a me
retirarem daqui. E eles nem ao menos percebem quando me movimento para a
escada, adentro o meu quarto e fecho a minha porta em um baque estrondoso,
pois continuam falando coisa por cima de coisa. Apesar de não ser uma briga de
verdade, tenho certeza que isso vai se perdurar por horas, e eu não estou nem um
pouco a fim de participar.
Vejo o meu computador no lugar em que o deixei, guardo-o na minha mesa
de estudos e me jogo sobre a minha cama, afundando o rosto no travesseiro para
abafar as vozes.
Apesar de detestar isso com todas as minhas forças e ficar triste toda vez
que acontece, não é algo que me atinge como antes. Sinceramente, estou bem
acostumada até. Minha mãe é uma pessoa diferente e difícil de lidar. Ela é
amável com todos, mas comigo é um pouco mais astuta e séria, como se fosse
uma professora pronta para me ensinar o melhor modo de se viver. E Caroline
gosta de fazer esse papel. Gosta de calcular meus passos, minhas roupas, minha
fala, meus amigos e como me comporto. Não há coisa que lhe agrade mais do
que falar que sou sua sucessora, que preciso manter o seu carisma e que tenho
que continuar fazendo com que as câmeras e os holofotes me amem.
Graças a Deus que faço terapia, porque tenho certeza que minha mãe,
mesmo não sendo sua intenção, talvez, conseguiria me colocar de volta no
buraco que estava enfiada em um piscar de olhos.
Caroline Dillon simplesmente não entende. Não entende direito a minha
doença, diz que às vezes os médicos exageram, não sabem do que estão falando
e querem me prender em seus consultórios só porque ganham uma boa grana
comigo, não entende as minhas vontades, os meus sonhos e até quem eu sou. Ela
vive em um mundo à parte quando se trata de imagem e do cinema. Acredito que
esteja tão afetada por essa indústria quanto eu também estou, só não consegue
perceber e se dar conta disso. Quando falo coisas parecidas com isso para ela,
costuma dizer que estou maluca e que nunca, jamais se sentiria mal por esse
mundo que tanto ama e que tanto lhe trouxe coisas incríveis. Diz que eu estou
afetada pelos meus psicólogos e por tudo que eles induzem em minha mente.
Tenho certeza que se não fosse pelo meu pai, que entra em discussões
como essa que está rolando lá embaixo só para me defender, minha mãe já teria
me arrancado da terapia há tempos, já que acredita profundamente que a única
que pode resolver meus problemas é ela.
Mas eu a amo profundamente mesmo com esse seu defeito. Sei que isso é
só uma pequena parte dela. Só uma pequena parte chata de uma mulher
maravilhosa, talentosa, esforçada e incrível. Só uma pequena parte chata de uma
mulher que deseja que eu alcance o mundo e brilhe. Só uma pequena parte chata
de uma mulher que se importa tanto com a filha que não sabe direito como
administrar esse sentimento. Só uma pequena parte da mulher que me levou ao
teatro, me ensinou a tocar piano e brincou comigo quando ninguém queria
brincar. Só uma pequena parte de uma mulher muito, muito grande e que me
ama como ninguém.
Mamãe não tem culpa por ser assim. Mamãe não tem culpa de querer me
dar lições. Mamãe só quer se assegurar que eu tenha um futuro incrível. Mamãe,
apesar de não enxergar, também teve uma pequena parte sua corroída por esse
mundo em que vivemos.
Eles também a machucaram tanto quanto me machucaram. E é por isso
que não sinto mágoa. Ela também é mais uma vítima nessa história.
Pelo menos é o que eu repito até dormir, uma única lágrima gorda
escorrendo pela minha bochecha.
❝ Eu posso ver o demônio em seus olhos
Eu acho que vou ficar a noite toda
Espero que ela não domine minha mente
Será que vou conseguir sair vivo? ❞
HER EYES – FAME ON FIRE

MANSÃO DOS CARVER, 24 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 23H03MIN.


Love Monaghan é uma droga. A porra de uma droga altamente viciante
que, agora que provei do sabor da sua língua — de forma metafórica, claro —,
não consigo mais me manter longe. É como se uma parte de mim sentisse
necessidade de ouvir o seu afronte, de visualizar o mar revolto em suas írises de
perto, com uma tentação absurda de me jogar nele para poder desbravar cada
uma das espécies desconhecidas que moram lá no fundo, conferindo todas as
tonalidades de azul que tem para oferecer no meio do processo. É como se uma
parte de mim também sentisse necessidade de assistir seus belos lábios
volumosos se abrindo em câmera lenta para despejarem toda a sua raiva e todo o
seu desprezo em quem quer que seja o alvo, fúria latente tornando-a ainda mais
deliciosa e proibida. Tipo realmente uma substância tóxica e de grande poder.
E eu nunca usei drogas. Nunca experimentei nenhuma dessas merdas,
afinal, minha vida sempre foi horrenda e fodida demais para que eu precisasse
me enfiar em mais alguma coisa que seria um passaporte só de ida para o fundo
do fundo do poço, que só esperaria um pequeno deslize para me levar direto para
o beco sombrio da morte. E quando eu sentia vontade de desaparecer, quando a
dor era simplesmente sufocante demais para aguentar sóbrio, tinha que procurar
outras soluções para sanar todo o barulho dentro da minha cabeça atormentada,
então me trancava no quarto e expressava todos os meus sentimentos
tumultuados em uma tela de pintura, colocando para fora todos os demônios que
me rodeavam em cores assombrosas. Mas agora a situação era totalmente
diferente. Eu me via, de uma forma totalmente agonizante, desejando conhecer o
beco sombrio da morte, se este fosse comandado por aquela garota.
Porque, se Love Monaghan for a droga que eu estive esse tempo todo
evitando, a queda direta e precisa para o centro do seu inferno particular nunca
me pareceu tão certa e saborosa.
Acho que foi por isso que levei Dariel e Matthew comigo até a frente da
sua casa algumas horas atrás. Estava ficando maluco com seu rosto tomando
conta dos meus pensamentos desde a festa e desde a nossa encarada no refeitório
da escola. Estava ficando maluco e obcecado, porque a estrelinha não estava
retribuindo e dando o troco como prometera. Ela estava quieta e agindo
normalmente, como se porra nenhuma tivesse acontecido entre nós. E eu não
sabia se ficava com medo de ela ter simplesmente desistido, visto que isso não
vale a pena ou, sei lá, se ficava ansioso porque seu silêncio poderia significar
algo muito, muito grande futuramente. Porque, sendo bem sincero, não me
importo com o que está planejando, me importo se ela vai planejar ou não.
Quero que Love dê continuidade a esse jogo de gato e rato. Quero que participe
e não dê para trás.
São nesses momentos que me pergunto por que afastei Love quando
éramos crianças. Tê-la por perto é bem mais divertido e emocionante.
— Colt — Matthew me chama, brincando com o gargalo da long neck
presa em sua mão também com tatuagens e unhas pintadas de preto. Ele está
sentado em um dos banquinhos da ilha, ao lado de Dariel. Eu, no entanto, estou
apenas do outro lado, em pé e na frente deles, bebendo Corona e com a mente
em outra dimensão. Mas, mesmo assim, estreito os olhos em direção a sua figura
colérica e mantenho minha atenção aqui. — Está chateado? — Parece
visivelmente interessado, como se a resposta fosse mudar tudo entre nós.
Pestanejo uma, duas, três vezes.
Não estava esperando esse tipo de pergunta, principalmente depois de não
ter falado nada desde o trajeto da casa de Love até aqui. Ele se fechou ainda
mais na sua costumeira concha quando, sem qualquer pretensão de acertar,
Monaghan citou sobre uma possível quebra do seu coração. Foi a primeira vez
que alguém de fora percebeu e acertou o que há de tão errado com ele, mas meu
amigo conseguiu fingir muito bem diante da garota esperta para não dar nenhum
tipo de indício de que fora descoberto. O problema é que ficou mais cabisbaixo
do que o normal, como se estivesse mais triste do que furioso, seu humor
característico em momentos como esse.
É difícil entender o que se passa com ele, e provavelmente está
perguntando se fiquei chateado pelo modo como a tratou, mas acredito que,
mesmo que eu diga que sim e ele peça desculpas, não será algo que veio do seu
coração. Matthew Donnelly não vai sentir muito por isso ou por qualquer insulto
proferido para uma garota, até porque ele gosta. Ele gosta de tratá-las mal
quando surge uma oportunidade. Ele gosta de machucar, de ser insensível e de
bancar o filho da puta violento e sem coração. Parece que o garoto vê diante da
figura de qualquer mulher, a imagem daquela que o machucou, então isso o
motiva mais do que qualquer outra coisa. Mesmo que tente ao máximo evitar
contato com o sexo feminino, ele é um atleta bonito, popular e considerado
difícil, o que faz, obviamente, as mulheres se aproximarem com intenção de
melhorá-lo, salvá-lo ou marcá-lo como nenhuma outra fizera antes, e isso acaba
o forçando a lidar com elas. E fazê-las chorar com tamanha humilhação é como
dar o troco perfeito naquela que é incapaz de dar. Mesmo não fazendo o menor
sentido, na sua cabeça e no seu coração parece ser a melhor solução. Já que não
consegue se vingar de uma, a única coisa que parece ser capaz de fazer é se
vingar e atingir todas as outras.
Menos Love Monaghan, claro, porque Love não é como as outras. Ela não
se acuaria e não levaria seus insultos e desaforos para casa, pelo contrário, ela
sorriria diante de todos eles e bolaria um muito pior e um muito mais certeiro. E
foi exatamente isso que fez. A filha do casal queridinho de Hollywood cravou
uma faca na ferida do meu amigo e a girou incontáveis vezes, lhe mostrando
quem é que manda.
Se posso fazer um palpite, acredito que Matthew só voltou atrás nas suas
palavras e falou que ela vale a pena, pois, gostando ou não gostando de admitir,
Love fez com que ele se lembrasse de alguém. Alguém que ele ama
verdadeiramente apesar de todas as dores e danos causados.
— Por que eu estaria? — retruco ao erguer os ombros para cima,
indiferente. — Aquela garota não significa nada para mim.
A risada escandalosa de Dariel preenche a cozinha no mesmo instante em
que gotículas de cerveja esguicham da sua boca.
— Colt, meu filho, não fode — ele fala aos risos assim que limpa o canto
dos seus lábios com as costas da mão. — Ninguém aqui é otário. Se a famosinha
não fosse nada, você não desviaria nosso caminho só para ficar plantado na porta
da casa dela como um psicopata alá Ted Bundy. Muito menos quase me
assassinaria só por conta de uma mera piada com conotação sexual. — Travo o
meu maxilar só de lembrar o modo como estava falando com Love, e só isso
parece ser o suficiente para que erga as sobrancelhas loiras como o safado
perspicaz que é. — Tá vendo só! Tá ficando puto de novo só de lembrar. —
Dariel larga a cerveja no tampo da bancada da ilha e apruma a postura, o sorriso
esperto ainda preso em seus lábios. — O que foi que passou na sua cabeça? O
que eu disse no carro ou a imagem da boca dela em torno do meu pau?
Rosno.
— Se repetir essa merda de novo, ou se ousar falar qualquer coisa nesse
sentido para Love uma segunda vez, juro que vou quebrar a porra desse seu
nariz.
— Ei! Meu nariz, não. Ameace qualquer coisa, menos meu nariz perfeito.
— Meu amigo fica completamente sério e ergue o dedo em riste para mim. —
As pessoas me param para perguntar dele, sabia? Todo mundo quer saber o
nome do doutor que fez a minha rinoplastia. Mal sabem eles que mama e papa
estavam inspirados no dia.
Meus olhos se reviram automaticamente.
— Quando é que você vai parar de se achar tanto? — Donnelly indaga ao
virar sua cabeça para o lado e fincar um dos cotovelos na bancada de mármore.
Dariel Chevalier desvia a atenção do garoto ao seu lado para mirar suas
írises azuis em mim.
— No dia em que Colt Carver assumir que já está na coleira por uma
garota que nem ao menos beijou.
Otário.
Transformo meu rosto em uma carranca, lhe mostro os dedos médios e
arrasto minhas botas de combate para longe, sem me importar que fiquem para
trás. Sei que entenderão que já é hora de cada um ir para sua casa. A noite se
alongou demais e amanhã acordaremos todos cedo.
E por que eu fui contar minha história com Love Monaghan para esses
caras? Vão usar esse fato para me zoarem e me atormentarem por uma vida
inteira. Que ódio.
Subo para o meu quarto, tranco a porta e começo a tirar minha roupa,
ficando apenas de cueca boxer. Jogo meu corpo contra o colchão da minha cama
e espero o sono dominar todos os meus sentidos. Viro para um o lado, para o
outro, coloco outro travesseiro contra minha cara e reprimo um grito sôfrego
quando longos minutos se passam e nada acontece.
Não consigo dormir porque minha mente não para e meus dedos coçam.
Quando me dou conta das minhas ações, estou acendendo a luz, tirando
todos os meus materiais de pintura, tipo o avental, as tintas, os pincéis, as telas e
até o cavalete de madeira, sentando na borda da cama e deixando minhas
emoções se aflorarem em cada pincelada. Deixo o ódio, a raiva, as lembranças
da infância e tudo que vivi nesses meus quase dezoito anos de vida floresceram e
se teletransportarem para o que estou fazendo. Deixo minha boca em uma linha
tênue e trabalho incessantemente até que cada traço saia do jeito que gosto e
estou acostumado a fazer.
No momento em que me levanto para olhar o desenho finalizado, depois
de horas deixando um lado meu, até então desconhecido ser conduzido, engulo a
seco pela imagem diante de mim. Ou melhor, pelos olhos diante de mim. São os
olhos dela.
A memória de raiva, de ódio e de infância que desbloqueei foi ela. Foi tudo
ela.
É a primeira vez que, depois de anos, desenho algo que não seja escuro e
melancólico. É a primeira vez que, depois de anos, desenho algo colorido e
com...vida.
A imensidão oceânica me encara de uma forma muito pessoal. Meu
coração castiga a caixa torácica de maneira arrebatadora, faz com que eu arqueje
de dor.
— Por que eu desenhei isso? Eu a odeio. — É o que eu digo baixinho para
mim mesmo antes de desaparecer com tudo, sumindo com qualquer vestígio do
que acabou de acontecer. Guardo a tela junto com todas as outras já pintadas,
enfiando-a com as últimas. Só assim para eu esquecer que um dia já existiu.
Vou direto para o chuveiro, deixando que a água leve tanto a tinta do meu
corpo quanto a presença daquela garota em mim. Espero que escorregue pelo
ralo da mesma forma que as cores mescladas desaparecem no meio daquele
pequeno lugar redondo.
Quando retorno para a cama e olho as horas no meu celular, já passam das
duas.
ST. ROSE ACADEMY, 25 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 9H37MIN.
Respondo a apostila de filosofia de forma desleixada e entrego ao
professor assim que ele se aproxima da minha carteira. O senhor de bigodes
coloca a folha no alto dos seus olhos e analisa algumas das respostas em branco.
Eu juro por Deus que vou chutar tudo nessa sala se ele não aceitar essa
merda. Dane-se que vale ponto. Não estudei, não entendo a maioria dos textos e
não vou ficar horas quebrando a cabeça feito um idiota se nem ao menos consigo
parar de bocejar.
Quero matar aula e dormir no banheiro ou em qualquer canto que consiga
me encostar.
— Pode ir, Carver. — O professor me libera, escorregando os óculos no
dorso do nariz e juntando minha apostila com a dos outros. Se eu não estivesse
bêbado de sono, soltaria um suspiro de alívio ou um gritinho de vitória. Mas
agora só consigo fazer um positivo com a mão e arrumar minhas coisas na
mochila de forma desengonçada. — Da próxima, estude ou eu terei que
conversar com seu treinador. Duvido que ele vá gostar de saber como seu capitão
anda deixando respostas em branco. — Ele me dá uma última olhada antes de
um vinco se formar entre suas sobrancelhas. — Você não está de ressaca, está?
Meu Deus. Eu só queria dormir.
— O senhor virou quem, meu pai? — retruco ao passo em que me levanto.
Jogo a mochila sobre um dos ombros e afundo uma mão no bolso da calça preta
do uniforme. — Vou compensar esse ponto perdido na prova lhe dando respostas
tão fodas, mas tão fodas que se perguntará se não sou a própria reencarnação de
Sócrates ou de Platão. E aí, querido professor, quando ficar diante da minha nota
máxima, a primeira coisa que será capaz de fazer é babar meu ovo na frente do
treinador, salivando o quão bom é o capitão. E não, não estou de ressaca. Antes
fosse.
Não lhe dou tempo para uma resposta, saio da sala e bato a porta de forma
exagerada só para causar uma cena, admito. Viro o corredor no segundo seguinte
e começo a andar até meu armário, colocando a combinação assim que me
aproximo. Faço a troca de alguns livros, guardo outros pertences e, no momento
em que fecho e tranco tudo novamente, tomo um susto quando um rosto surge
em meu campo de visão.
— Olá, estrelinha — a cumprimento. — Um pouco cedo para sentir minha
falta, não acha?
— Há, Há, Há. — Love finge soltar uma risada e eu apoio meu ombro em
um dos armários ao mesmo tempo em que ela, lutando contra o formigamento
que meus lábios sentem. Acho que querem sorrir. — Vim te dar um aviso.
— Sou todo ouvidos.
A garota olha para todos os lados, como se estivesse com medo de ser pega
conversando comigo. Estou tão ocupado observando o quanto está bonita hoje
que deixo essa sua pequena atitude passar e me concentro em suas coxas
torneadas livres da meia arrastão que costuma usar quase que sagradamente. São
ainda mais perigosas de fora. Não deveriam deixá-la andar assim.
Fala sério, quem é que vai conseguir se concentrar em aula com algo como
isso desfilando de um lado para outro?
Meu sono até passou depois dessa.
— Meus olhos estão aqui em cima, Colt — avisa, impaciente com a nada
discreta secada que estou lhe dando. — Para de encarar minhas pernas. Você
nunca se importou com as minhas pernas antes.
Subo meus orbes de forma bem demorada, fazendo questão que perceba e
sinta por quais lugares do seu corpo estou passando. O azul das suas írises
escurece uns bons tons quando me fixo neles tempo depois. Até as maçãs do seu
rosto parecem enrubescerem.
— Pobre garota ingênua — cantarolo assim que mexo no piercing em meu
lábio inferior. — Nunca percebeu como sou bom em fingir? — Me aproximo do
seu rosto, curvando as costas para tentar diminuir a nossa diferença de altura. —
As suas pernas sempre foram a melhor e a pior parte do seu corpo para mim.
— A pior? Por que a pior? — Pestaneja, confusa. — O que há de errado
com elas?
Não consigo lutar contra o formigamento intenso nos meus lábios. Deixo
que, sutilmente, bem pouco a pouco, meus lábios se ergam para cima.
— O que há de errado, Love — pronuncio seu nome daquele jeito que a
deixa transtornada, daquele jeito em que não há um traço de emoção em meu
tom. —, é que elas são a porra do meu ponto fraco. Assim como a sua bunda
gostosa. Assim como os seus olhos azuis Caribe. — Solto um suspiro
exasperado e frustrado. — E aqui está mais um motivo pelo qual não a suporto:
você conseguiu ficar ainda mais linda com o passar dos anos.
Love abre a boca, fecha a boca e a abre de novo, todo esse ciclo se
repetindo mais uma ou duas vezes. Minha confissão parece que a pegou
desprevenida. Definitivamente não estava esperando por nada disso. Pelo seu
semblante, acredito que estava esperando que eu soltasse algum comentário
malvado e que a magoasse, desfazendo de sua beleza. Mas eu não sou cego.
Posso ser um babaca arrogante, mas cego, não. E eu jamais poderia negar algo
tão óbvio assim; Love Monaghan sempre foi uma garota bonita. Ou melhor,
linda. Sempre foi uma garota irredutivelmente linda. E chata. E
insuportavelmente chata e bocuda.
Achei que meu sono tinha passado, porém vejo que me enganei. Acabei de
compartilhar algo pessoal demais com ela sem sequer perceber, o que só
confirma ainda mais o quanto uma noite de sono incompleta pode ferrar com a
mente e a vida de um cara.
E cacete, que papo é esse de ponto fraco? Por acaso eu, Colt Carver, sou
homem de ter ponto fraco? Por acaso eu, Colt Carver, mostro fraqueza na frente
de inimigos declarados?
Claro que não. Claro que não é a resposta.
Fricciono os meus lábios, volto a minha postura normal e cruzo os braços,
o queixo e o nariz empinados em uma posição autoritária e de ataque. Sinto
todos os meus muros se erguendo ao meu redor.
— Diga.
— Dizer o quê?
Ergo uma sobrancelha como quem diz: “está falando sério?”.
— Ah, o aviso? — Bate levemente a palma da mão contra a testa,
parecendo perdida. Algo em mim acredita que a afetei, está agindo estranho. Seu
rosto até voltou àquela coloração escarlate. — Ok. O aviso. Não faço mais a
menor ideia do que se tratava o aviso. — Ela sorri, mas o sorriso não consegue
alcançar seus olhos. — Acho que era sobre você e seus amigos não aparecerem
mais na minha casa. Mas... É, era isso. Agora vou indo embora.
Circulo meus dedos ao redor do seu braço antes que consiga se mover para
longe.
— Espera.
— Tenho que ir, Colt — murmura tão baixo que me surpreendo por ter
conseguido ouvir.
— Não, não tem — decreto, vendo-a engolir em seco. — Por acaso está
nervosa?
Ela não diz nada, porém balança a cabeça negativamente. Mentirosa.
— Você está afetada pelo que eu disse. — Não é uma pergunta, é uma
afirmação. — Está afetada porque eu disse que você é linda. Talvez esse seja o
seu ponto fraco, estrelinha. Talvez meus elogios te desarmem. Talvez você não
me odeie tanto quanto pensa, já parou para pensar?
Love também arrebita o nariz, orgulhosa.
— Odeio sim.
Estalo a língua no céu da boca assim que solto uma risada rouca e gutural.
— Não acredito em você.
— Não preciso que acredite em mim. — Puxa seu braço do meu aperto em
um safanão, depois arruma a saia de pregas para baixo. — Só preciso que pare
de me perseguir.
— Uma aposta.
Seus cílios se chocam com a mudança brusca de assunto.
— Ficou maluco? Do que você está falando?
Ergo os ombros para cima.
— Uma aposta. Eu e você, você e eu. Vamos mudar nosso jogo. Você tenta
me desarmar e eu tento acabar com essa sua pose. Quem ceder primeiro, perde.
Love fica gangorreando de um lado para o outro com os seus coturnos
vermelhos, me estudando com suas sobrancelhas unidas.
— E quem levar a melhor ganha o quê?
“Essa garota é esperta!”, meu subconsciente faz questão de me avisar
mais uma vez, mesmo que eu não consiga esquecer isso nem por um segundo.
— Qualquer coisa que o outro quiser — sopro, meu hálito lhe atingindo
em cheio.
Love parece gostar da ideia, seus olhos se arregalam e brilham de uma
maneira intensa. Um sorriso perigoso abrindo caminho por entre seus lábios
preenchidos por uma fina camada de gloss labial.
— Eu topo — fala, parecendo animada e dominada pelo espírito
competitivo. — Vou usar minhas melhores artimanhas. Agora que sei seus
pontos fracos, Colt Carver, farei questão de usar cada um deles da maneira mais
suja possível. Não deveria ter aberto essa sua linda boquinha se queria vencer,
querido. Agora eu tenho uma vantagem, e você, apenas suposições.
Dito isso, joga os cabelos compridos para trás e vai embora rebolando na
maldita saia de pregas.
Choco meu punho contra um dos armários, nada muito forte, e xingo
baixinho.
Nós dois não somos pessoas normais. Essa coisa nossa é totalmente sem
sentido e perigosa. Tenho certeza que, assim como eu, Love Monaghan não faz
ideia do que está fazendo e dos riscos que está correndo, apenas está seguindo
seus instintos sem se dar conta do que pode lhe aguardar lá na frente. Ela está
envolta nessa bolha de joguinhos, nessa atmosfera de poder e caça que nos
envolve e todo o resto, o resto que realmente importa, fica manchado e nublado
por essa nossa necessidade estranha de nos engalfinharmos.
E quem a colocou no olho do furacão uma segunda vez fui eu. O culpado
disso tudo sou eu. Fui eu que a trouxe de volta. Fui eu que estimulei e motivei
seu lado mais primitivo para que pudesse vir à tona. Fui eu que a tirei do sério o
suficiente para que quisesse me mostrar quem é que manda. Fui eu que abri a
minha maldita boca, lhe dei vantagem e soltei a ideia da aposta. Foi tudo culpa
minha, da minha cabeça e do meu corpo, que estão completamente fissurados e
entorpecidos por aquela garota.
E eu não me arrependo nem um pouco.
Pelo menos não nesse momento.
❝ Essa é a minha forma, eu fiz a sombra
Esse é meu nome, não o difame
Me sentir não pode ser ilegal, ilegal
Então me processe por ficar bonita demais esta noite
Vestindo sua cor favorita sob as luzes. ❞
SUE ME – SABRINA CARPENTER

MANSÃO DOS MONAGHAN, 27 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


17H39MIN.
Eu sou uma pessoa que coleciona muitas paixões; atuação, canto, teatro,
corrida, Why Don´t We, Justin Bieber, Zac Efron, High School Musical e uma
infinidade de outros filmes. Mas, para ser bem sincera, a maior paixão que posso
ter dentro do meu coração é a minha família, apesar dos pesares e de todos os
pequenos problemas pontuais que temos. A maior paixão que tenho é passar o
restante do meu dia, após horas cansativas de estudo, na companhia deles,
assistindo a clássicos e jogando conversa fora, de maneira leve e descontraída.
Sem cobranças e sem pressão. Apenas nós.
E o filme que está passando na televisão, enquanto Caroline e River se
encontram um em cada lado do meu corpo no amplo sofá da nossa sala de
cinema, é O Poderoso Chefão. Mamãe que deu a ideia. Acho que foi a maneira
que encontrou para pedir desculpas pelo seu comportamento naquele dia. Ela
não costuma chegar até mim e falar a palavrinha, na verdade, não costuma se
aproximar de ninguém para se desculpar de algo que fez, mas suas ações,
quando meu pai consegue plantar a sementinha na sua cabeça, sempre querem
dizer alguma coisa nas entrelinhas, e eu aceito, porque esse é o seu jeito, porque
a desculpo, porque a amo e porque é a minha mãe. E também porque amo
quando decide passar horas do seu dia precioso assim, ao lado da sua família.
Um sorriso gigante pincela meu rosto quando desvio da tela e olho para os
dois, remexendo o canudinho listrado no copo de suco de laranja em minhas
mãos.
— Deveríamos fazer isso mais vezes — sopro baixinho. — Sei que são
ocupados, que vivem viajando para Los Angeles sempre que podem e que minha
agenda também não colabora, mas deveríamos separar pelo menos uma ou duas
vezes no mês para continuarmos com isso. Era uma tradição quando eu era
pequena, poxa.
— É verdade, querida — papai concorda, mas nem desvia seu foco das
cenas que se desenrolam na nossa frente. É seu filme favorito no mundo todinho.
— Estar aqui nessa sala com as mulheres da minha vida é simplesmente
reconfortante demais. Melhor até que assistir futebol americano. E olha que sou
um grande fã do Tom Brady. Já nos vimos algumas boas vezes, inclusive. O cara
é bonitão.
Minhas sobrancelhas se unem automaticamente.
— Quem?
Sou péssima em qualquer coisa que envolva esportes. Não conheço nada
nem entendo de nada. Porém parece que acabei de dizer algo completamente
absurdo, porque papai entreabre os lábios em um perfeito O e me encara como
se duas cabeças tivessem acabado de surgir no meu pescoço.
— É o marido da Gisele Bündchen, filha — mamãe explica, fazendo com
que tudo se ilumine na minha mente leiga. — A melhor Angel que já tivemos.
As modelos brasileiras sempre serão as melhores e nós temos que aceitar isso.
Ninguém nunca desbancará a Gisele, a Adriana Lima e a Alessandra Ambrósio.
Transformo minha boca em uma linha fina.
— A Allie Sloan voaria no seu pescoço se te ouvisse falando isso.
Mamãe dá risada assim que ergue os ombros ossudos para cima.
— Ela sabe que estou falando a mais pura das verdades. E também todo
mundo sabe que Allie Sloan deu foi sorte. — Caroline vira seu rosto para me
encarar. — A propósito, não é a filha dela que estuda na sua escola?
Bufo e reviro os olhos assim que a figura entojada de Paris Sloan se forma
em minha mente.
— Infelizmente.
Sua sobrancelha se arqueia assim que meu tom de desprezo alcança seus
ouvidos.
— Tão megera quanto a mãe? — ela indaga, provavelmente já ciente da
resposta.
— Definitivamente.
Não gosto de falar mal dos outros, isso não é nada do meu caráter, mas é
que quando se trata dessa garota, minha nossa, simplesmente não consigo
controlar a minha raiva, a minha boca e a minha sororidade costuma ir para o
espaço quando se trata dela. Paris Sloan é uma vaca de marca maior, e embora
nunca tenha feito nada comigo, fez com Aria e outras pessoas da escola,
transformando a vida de todos em um inferno com todo o bullying que gosta de
praticar nas horas vagas. Ela já humilhou tanto a minha melhor amiga que Aria
não consegue falar dela sem tremer e sem chorar. Foram tantos episódios de
tortura que o meu estômago embrulha só de lembrar do dia em que fiquei ciente
do que acontecia. A pior, só para saber o nível que Paris é capaz de chegar, foi
quando prendeu Aria Blake na salinha minúscula do antigo zelador por quase
dois dias, sem luz, sem água, sem comida e quase sem ar para poder respirar. Se
os professores não comunicassem a diretoria do desaparecimento dela, que
geralmente nunca costuma perder uma aula, por ser a melhor aluna que a St.
Rose tem, minha amiga morreria e apodreceria lá e as autoridades da escola
jamais se dariam conta.
E o que me revolta ainda mais é saber que a megera saiu impune dessa e
de todas as outras crueldades que praticou. Afinal, é milionária, influente, filha
de uma supermodelo, rainha das líderes de torcida, e Aria para eles não passa de
uma órfã pobre, bolsista e que só está entre nós por conta da caridade de uma
instituição. Seu sofrimento nunca foi levado em consideração e o ocorrido não
passou de uma brincadeira que deu errado. Paris Sloan só foi repreendida e
aconselhada a não se aproximar mais de Aria, já que a escola não desejava lidar
com novos possíveis acidentes. E aí Aria, sem amigos e sem apoio na época,
teve que lidar e enfrentar os traumas sozinha, que foram: os pesadelos, a
ansiedade, a apneia do sono e a claustrofobia. Minha Docinho é repleta de
feridas e cicatrizes. É cheia de dores e calos da vida. E nós somos a base uma da
outra. A metade uma da outra. Será para sempre assim. Ninguém nunca mais
será capaz de tocar em um fio de cabelo dela sem que enfrente a minha fúria.
Por isso que detesto Paris. Poderia facilmente arrancar aquele aplique
longo, loiro e exagerado do cabelo dela. Por mais que diga e todos acreditem que
é natural, tenho certeza que é falso e comprado.
— Escutou o que eu disse? — A voz grave do meu pai ressoa e me traz de
volta à realidade. Passei um minuto inteirinho pensando naquela loira infernal
que nem prestei atenção quando ele pausou o filme e começou a me encarar
também.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando e pedindo desculpa.
— Eu estava dizendo que você e a sua mãe mudaram totalmente o foco do
nosso assunto com esse papo de modelos e coisa e tal. — Dou risada do jeito
engraçado como gesticula. — Mas foi bom que me lembraram de algo que tenho
para contar. — Mamãe desencosta as costas do sofá e também começa a prestar
mais atenção na próxima fala do seu esposo. Apenas repouso meu copo no
guarda copos no braço do sofá e me concentro em sua figura. — Maverick me
ligou mais cedo de Washington e disse que está voltando hoje para a Flórida. Ele
nos convidou para jantar em sua casa. — Acho que papai percebe meu rosto
franzido em uma careta, porque completa: — E eu aceitei.
Minha mãe, ao meu lado, joga as almofadas do seu colo para o lado e se
levanta em um ímpeto.
— Céus, River, por que não disse isso antes? Preciso arrumar meu cabelo e
escolher minha roupa imediatamente. — Caroline bagunça os fios do seu cabelo
castanho de um lado para o outro, deixando-o mais soltinho e piscando para nós
no processo, visivelmente animada, já que faz de qualquer oportunidade um
grande evento. Acho que nunca vou conseguir superar e entender como a minha
mãe consegue ser tão magnificamente linda. Tenho sorte de ter puxado seus
lindos olhos azuis e a sua boca bem carnuda e desenhada. É tipo sua marca em
Hollywood. — Love, querida, capriche esta noite, ok? Quero você tão fabulosa
quanto eu. — Manda um beijo estalado no ar e se retira da sala, o barulho das
suas passadas apressadas pela casa sendo extremamente audíveis.
Já que estamos a sós, volto a encarar meu pai, o fuzilando.
— Quer saber de uma coisa? Acho que você me odeia.
River tomba a cabeça para trás assim que uma gargalhada irradia de sua
garganta.
— Colt Carver não é uma pessoa tão ruim assim, é?
Ah, papai, se você soubesse...
Pego a almofada ao meu lado e jogo em seu rosto, fingindo estar brava e
impaciente para responder seus questionamentos. Me levanto ao som das suas
risadas, solto um muxoxo e saio da sala de cinema, lhe deixando sozinho com O
Poderoso Chefão no pause. Passeio pelo enorme corredor da mansão até chegar
nas escadas brancas em formato de U, que têm os corrimãos brilhantes e tão
dourados quanto ouro. Quer saber de uma, não me surpreenderia mesmo se fosse
ornamentado por ele. Quando seus pais são dois milionários donos de fortunas
gigantescas, é de se esperar de tudo.
Alcanço meu quarto, fecho a porta atrás de mim, me jogo na cama e junto
as mãos sobre a barriga, fitando o lustre de cristal pendurado no teto.
Faz dois dias desde a aposta com Colt. Faz dois dias que não cruzo com
ele em nenhum canto da St. Rose Academy. Hoje será a primeira vez que ficarei
tão próxima assim dele por horas seguidas. Não faço ideia do que posso esperar.
As coisas meio que se elevaram para outro patamar agora. Ao invés de ter
revanche, ao invés de eu dar o troco pelo que me fez passar na festa de boas-
vindas na casa de Nathan, vou ter que fazer com que ele perca toda a marra e
ceda a mim, porque, mesmo não fazendo ideia de como, descobri que tenho
algum efeito e poder estranho e doentio sobre ele. Pois, ao passo em que Colt
Carver me odeia e odeia a minha existência desde que éramos pequenos, deixou
escapar que também me deseja, o que só comprova ainda mais a minha teoria de
que não há um pingo de sensatez dentro daquela cabeça. É como se fosse puxado
e sentisse prazer na autodestruição. É como se cada fibra do seu ser pulsasse
descontroladamente por grandes dosagens de caos, fogo e desordem. É como se
quisesse burlar todas as leis divinas só para provar um ponto, só para provar aos
que não creem que é possível que um anjo caído, aquele que se entregou às
trevas e ao pecado cedo demais, consegue trazer, mesmo que de forma errônea,
um pequeno pedaço do paraíso para si. É como se eu fosse a maçã do Éden, o
fruto que ele quer experimentar só porque sabe que é proibido e que deve se
manter afastado, só para se rebelar e ir contra todas as regras impostas. É como
se sentisse necessidade de ir contra tudo, todos e até ele próprio.
E eu sei que Colt não me deseja de verdade, sei que ele deseja me
corromper e se corromper junto, desfrutando da sensação ruim, tanto para mim
quanto para ele, na ponta da sua língua feito o maléfico impiedoso que é.
Porém, se quer saber, acho que estou surfando na mesma onda de
demolição. E vou passar por cima com a força vil de um tsunami. E só ele sairá
afetado. Não haverá uma gota me molhando.
Com o pensamento confiante, me levanto da cama e vou até o closet atrás
de um vestido. Após minutos de procura, escolho um vermelho de cetim e de
alcinhas, que fica justo e molda meu corpo nos lugares certos. Apesar de não
gostar muito de saltos e preferir coturnos, tênis e botas pesadas, escolho um par
de saltos pretos da Yves Saint Laurent, porque a ocasião pede. Ele é daqueles
que tem o YSL em dourado na sola ao invés do costumeiro salto agulha. Também
pego meus acessórios, minha maquiagem e coloco tudo em cima da cama antes
de ir até a minha suíte para tomar um banho.
Quando volto, alguns longos minutos depois, me enfio no vestido e nos
saltos, espalho os acessórios pelas orelhas, pescoço e pulso, e faço uma
maquiagem, esfumando de leve as pálpebras e destacando os lábios com um
batom vermelho matte. Finalizo tudo ao passar meu perfume da Dior.
Encaro minha figura no espelho e meus lábios se erguem sutilmente.
Acho que mamãe dessa vez não terá do que reclamar.
Sua filha está vestida para matar.

MANSÃO DOS CARVER, 27 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 20H03MIN.


No exato segundo em que o nosso carro para na entrada da mansão do
Senador Carver, avisamos nossa presença pelo pequeno interfone e os
imponentes portões duplos e clássicos esculpidos em metal se abrem para nós, as
letras MC do nome Maverick Carver fincadas no topo do pórtico escuro e
assombroso diante de nós.
Quase posso sentir o arrepio serpenteando pela base da minha coluna
vertebral.
Desde quando era criança que acho essa residência esquisita. Parece que
estamos adentrando o esconderijo gótico do Conde Drácula. Tudo piora quando
meu pai passa pela fileira de homens altos, sérios e vestidos de preto e buzina.
Eles cuidam da segurança do nosso querido político de Fort Lauderdale. Há uma
infinidade desses homens armados até os dentes aqui, lá fora e lá dentro. Mas
isso, de fato, só passou a acontecer quando o dono da casa ganhou as eleições
para o cargo no Senado há uns dois anos atrás. Mesmo sempre envolvido com
política, Maverick não cuidava tanto assim da sua segurança. Acredito que agora
as coisas mudaram, afinal, está em um cargo muito mais alto, tem muito mais
visibilidade e pode estar exposto a qualquer tipo de gente. Faz bem em se
proteger e proteger seu filho de possíveis bandidos em potencial.
Balanço a cabeça de um lado para o outro e saio da Range Rover assim
que papai a estaciona ao lado da Ferrari vermelha de Colt, sentindo meu coração
dançar desenfreadamente dentro da caixa torácica. Solto um fluxo de ar por entre
os lábios e, enquanto espero os dois terminarem de se arrumar, volto minha
atenção para a casa. Ela é bonita e exala poder e riqueza, claro. Com uma pegada
vitoriana em um tom de branco gelo e o telhado acinzentado quase perfurando o
céu de tão alto, a mansão exala uma aura nobre, antiga e ao mesmo tempo
moderna. Ninguém se atreveria a dizer que tanto ela quanto o jardim bem
cuidado ao nosso redor não contêm um charme inigualável.
Um tanto quanto mórbida e sem vida? Sim.
Feia e descuidada? Definitivamente não.
— Vamos indo? — Meu pai se porta ao meu lado, mostrando seu braço
para que eu possa enganchá-lo junto ao meu. É exatamente isso que faço,
sorrindo e assentindo assim que ergo meu olhar para seu rosto. Não demora
muito para que mamãe se coloque do outro lado, também abraçada a ele. Isso faz
com que River se sinta todo poderoso e estufe o peitoral definido coberto pela
camisa social branca para frente. — Não acredito que me casei com você,
Caroline. — Olha para ela e depois para mim. — Nem que fizemos você, Love.
Dou risada, e mamãe o puxa para que comece a caminhar, seu vestido da
última coleção da Carolina Herrera farfalhando de um lado para o outro. Ela está
vestida como se estivesse indo ao Met Gala, sem brincadeira.
— Acredite, River. Acredite. — É o que sussurra para ele assim que
alcançamos a porta.
Antes que qualquer um de nós possa tocar a campainha, o próprio
Maverick a abre para nos cumprimentar com seu sorriso amarelo, seu cabelo cor
de ébano assentado para trás com uma generosa quantidade de gel, sua barba
escura bem aparada e suas roupas sociais de grife. É a primeira vez que percebo
a única tatuagem em seu antebraço, o desenho da fuça de um lobo-do-ártico com
os olhos amarelos manchando aquela parte da sua pele pálida. Tenho certeza que
é recente. Definitivamente me lembraria se a tivesse notado antes.
Estranho.
Achei que Maverick Carver fosse um homem que repudiava essas coisas.
Ele cumprimenta cada um de nós educadamente e pede com uma simpatia
polida para que entremos, abrindo um pouco mais a porta e nos dando passagem.
Eu, meu pai e a minha mãe nos separamos o suficiente para adentrarmos,
distribuindo olhares e sorrisos para alguns dos funcionários que estão passando e
trabalhando na entrada.
— Fico feliz que vocês vieram — o anfitrião expõe enquanto nos guia até
a sala. Involuntariamente, meus olhos seguem cada canto da mansão a procura
de Colt. Mordo o interior da bochecha e seco as palmas das mãos suadas na
barra do vestido. Se ele não estiver aqui, eu juro... — A procura de Colt, Love?
Meu filho está no quarto. Você pode se juntar a ele, se preferir — diz, como se
pudesse destrinchar cada um dos meus pensamentos. Forço um sorriso
totalmente sem graça para Maverick.
Seus olhos pretos ganham um brilho diferente nas írises quando começo a
encarar dentro deles. Ele parece realmente aprovar a ideia de uma aproximação
minha com o seu filho agora que estamos um pouco mais velhos. Não duvidaria
nada se já estivesse querendo unir nossas famílias. Sei que é um homem
ambicioso e louco por poder. Está bem estampado na sua testa para a droga do
mundo todinho ver.
Não sei se é uma boa ideia, provavelmente não, mas me vejo confirmando
seu comentário com um aceno e girando sobre os calcanhares, ignorando o
burburinho atrás de mim que a minha atitude gera. Consigo entendê-los, porque
se fosse em outro momento, se fosse em outra época, a minha única reação seria
negar e dizer que uma coisa dessas não aconteceria nem se eu estivesse morta.
Mas cá estou eu, me direcionando até as escadas com os ombros aprumados, os
saltos tilintando contra os degraus e a confiança certeira estampada no rosto.
Quando já me encontro no amplo corredor, paro para me perguntar onde é
que fica o quarto de Colt Carver. Nunca subi para cá além daquela noite em que
ele me enfiou em um quarto escuro. E olha que eu nem ao menos sabia se era
mesmo o seu quarto. Forço a minha mente a tentar lembrar o caminho que
percorreu comigo, mesmo que tudo tenha se desenrolado de forma rápida e
assustadora. É um borrão, mas algo me diz que era por aqui, logo no começo.
Sigo minha intuição e me aproximo de uma porta entreaberta. Caminho de
fininho e estreito os olhos pela fresta, reconhecendo uma movimentação lá
dentro. Só pode ser ele. Sem me dar conta se devo bater ou não, toco minha mão
na maçaneta da porta e a escancaro em um movimento rápido, o rangido da
madeira se alastrando pelo vestíbulo.
— Porra, que susto do caralho! — Colt grunhe no centro do quarto, e eu
tapo meus olhos instantaneamente, soltando um gritinho abafado, pois, no
momento em que cheguei de forma brusca, o garoto estava apenas de toalha. E é
claro que a bendita peça, com o susto, teve que escorregar até se embolar em
seus calcanhares. — O que a faz crer que pode entrar assim no quarto dos outros,
sua maluca?
Engulo a seco e me sinto muito, muito tentada a abrir um pouquinho de
um dos olhos só para dar uma espiada. Certeza que não iria matar ninguém.
Apenas uma olhada rápida em seu corpo atlético despido e nunca mais teria que
imaginar como é vê-lo sem nada.
— Foi mal. — Balanço a cabeça de um lado para o outro na intenção de
afastar as tentações que o inimigo fica tentando me oferecer. — Posso abrir os
olhos?
Há alguns segundos de silêncio antes que decida responder:
— Bem, não foram nessas condições que imaginei você vendo meu pau
pela primeira vez, mas se é isso que quer, tudo bem, vá em frente.
Eu quase posso sentir a queimação nas minhas bochechas, mas é claro que
eu não poderia deixar uma oportunidade dessas passar assim, sem retrucar à
altura.
— Quer saber, Colt, acho que vou abrir mesmo. Definitivamente não há
nada aí que vá me impressionar. Você deve ser tão minúsculo quanto uma
minhoquinha.
Sua risada rouca e gutural preenche nossa bolha.
— Vamos ver se continuará dizendo isso mais tarde quando ficar dolorida
e não puder mais sentar por conta dele. — Escuto um farfalhar de roupas logo
depois, o que eu logo suponho que está se vestindo. Vou descendo os dedos
pouco a pouco. — Você, estrelinha, quando decidir me cavalgar, porque você
vai, terá que lidar sozinha com a sensação de me sentir dentro do seu corpo por
semanas.
Jogo o braço ao lado do corpo e o encaro pela primeira vez de forma dura.
Aposto que só está sendo um grande babaca, que só está querendo me irritar,
mas, mesmo assim, percebo a lascívia perpassando por seus olhos angulados
quando retribui a minha encarada. O canto dos seus lábios avermelhados com a
maldita argola prateada tremelica para escancarar um sorriso sacana e diabólico
em seu rosto, provavelmente gostando da sua jogada.
Ah, Colt, mas isso não vai ficar assim.
Fecho a porta com o salto e ando até ele sustentando seu olhar,
caminhando como uma cobra pronta para dar o bote. Nesse ínterim, seu pomo de
Adão sobe e desce e suas írises vacilam ao caírem para o meu corpo moldado
pelo vestido. Mas não tenho muito tempo para prestar atenção nisso, pois, assim
que encurto toda a nossa distância e enlaço meus pulsos finos ao redor do seu
pescoço repleto de desenhos, tombo a cabeça apenas um pouco para trás na
intenção de fazer com que me encare. Carver me esquadrinha, mas não se mexe,
parece surpreso com a minha reação. Assim tão perto, com nossos corpos
colados, sinto seu coração vibrando na mesma batida que o meu, ambos
eufóricos pela mudança brusca de atmosfera. Seus dedos longilíneos fincam-se
em minha cintura, tentando me manter afastada, só que permaneço firme no
lugar em que me encontro. Me aproximo da sua orelha e faço questão que saiba
que estou inspirando para dentro dos meus pulmões uma grande quantidade do
seu cheiro recém saído do banho.
— Tenha cuidado, Carver — alerto em um sussurro lento e arrastado. —
Porque, quando você achar que finalmente me levou para cama, só estarei lá
para arrancar esse seu pau nojento fora.
Me afasto alguns bons passos para trás, espalmo as mãos na cintura e
sorrio da forma mais cínica possível.
— Mas e aí, capitão, como está? — Colt me fulmina, e isso me faz sorrir
ainda mais. — Seu papai me autorizou a subir. Espero que não se importe.
O garoto rosna diante do meu nítido deboche e começa a andar pelo seu
quarto, provavelmente para terminar de se vestir. Me sentindo vitoriosa, miro sua
cama espaçosa e me sento na borda dela, cruzando as pernas, me jogando um
pouco para trás e me equilibrando com a ajuda dos cotovelos, os olhos sempre
atentos em cada um dos seus passos. Ele está vestindo uma camiseta preta de
uma banda de punk rock, acho que se trata de Green Day, além de calça justa,
gasta, rasgada nos joelhos e também preta, que aperta e evidencia suas coxas
definidas e musculosas. Nos pés, as típicas botas de combate, exatamente igual a
um adolescente rebelde e revoltado. Nem parece que é podre de rico e filho de
um Senador renomado na cidade.
— O que seus pais tanto veem em Maverick, hein? — Ele para no pequeno
espelho redondo preso na parede do seu quarto e arruma os fios lisos do seu
cabelo, despontando-o para todos os lados. Quando parece gostar do jeito
bagunçado que fica, vira-se para mim e estreita os olhos em minha direção. —
Eles não têm nada a ver. Caroline e River são atores, são famosos mundialmente
e meu pai não passa de um político cretino e corrupto.
Não é de hoje que sei que Colt não tem uma boa relação com seu pai, mas
ainda sim consigo ficar surpresa com o tom sombrio que adota e com a forma
como explanou para mim, sem mais nem menos, que seu pai é um político
corrupto.
— Meu pai é amigo do seu há muitos anos. — Dou de ombros. — Eles se
gostam.
Ele balança a cabeça de um lado para o outro, rindo ironicamente.
— Meu pai não gosta de ninguém — constata. — Manter a amizade com
seus pais é pura estratégia visando negócios lá na frente. Só... cuidado para
Maverick não conseguir manchar a reputação que eles tanto batalharam para
conseguirem.
Uma pontada de medo floresce em meu peito. Arrumo minha postura e
sento corretamente na cama.
— Você está sabendo de algo? Porque se souber, você vai abrir essa sua
boca agora por bem ou por mal.
Colt rapidamente se senta ao meu lado, me encarando com sua expressão
toda séria.
— Não sei de nada não, porra. Foi só um conselho. — Sua mandíbula se
tensiona. — Não mencione nada do que eu disse aqui para ninguém.
Absolutamente ninguém. Está me ouvindo?
— Não sou surda. — Reviro os olhos e o empurro com o ombro. — Mas
se meus pais estão correndo perigo por alguma falcatrua do seu pai, quero ficar
sabendo.
Ele parece ainda mais tenso e sombrio.
— Vamos parar de falar sobre isso. — Se levanta, prende sua mão ao redor
do meu braço e me puxa para cima em um solavanco, como se eu não pesasse
nada. — Vamos falar sobre o quanto está bonita. — Coloca uma mecha do meu
cabelo atrás da minha orelha, descendo os dedos pela lateral da minha bochecha
e fixando eles em formato de pinça em meu queixo. Meus joelhos quase cedem
por conta do seu toque e, claro, por conta do sorriso bonito e preguiçoso que me
direciona. — Essa produção toda foi para mim? Se foi, devo dizer que sou
humilde e não preciso de nada disso. Você me ganharia facilmente se não
estivesse vestindo nada.
— Tenho certeza que sim — provoco ao retorcer meus lábios com grossas
camadas de batom vermelho em um sorriso torto. — Costumo deixar muitos
caras de quatro quando estou sem nada.
O aperto dos seus dedos no meu queixo se intensifica de uma forma muito,
muito excitante.
— De quatro vai ficar você na minha cama agora se continuar essa
palhaçada. — Arqueio uma sobrancelha para ele do tipo: então por que não
cede? — Você é virgem, pura e intocada, estrelinha. Esteve esse tempo todo só
esperando por mim.
Reviro os olhos e dou uma gargalhada para descontrair. A verdade é que
não gostei nada de ele parecer saber mais uma coisa tão íntima dessas sobre
mim. Me solto da sua aproximação sufocante e lhe dou as costas, indo embora
para o tal jantar. Sei que Colt me segue, consigo sentir a queimação do seu olhar
serpenteando pelas minhas costas. Continuo andando, descendo as escadas e
ignorando sua presença idiota.
Minha vontade, nesse momento, era matá-lo.
River, Maverick e Caroline fazem uma festa quando nos aproximamos,
porém tanto eu quanto Colt somos os mais secos possíveis. Eles nem estranham
nem comentam nada, entretanto. Seguimos para a mesa a pedido do dono da
casa e nos acomodamos nos assentos costumeiros. Carver está na minha frente,
óbvio. Mas dessa vez não me encara como se quisesse me esquartejar, e sim
venerar cada canto do meu corpo. O erguer sutil dos seus lábios cheios me faz
querer voar nessa mesa e parar só quando meus punhos se colidirem com o seu
rosto estúpido e exageradamente bonito. É irritante o fato de que ele não desvia e
nem faz questão de esconder de todos que está me encarando de propósito. A
sorte é que nossos pais estão ocupados demais conversando sobre trabalho para
sequer prestarem atenção no que está acontecendo por aqui.
Alguns poucos minutos depois o jantar é servido. Comemos em silêncio,
entretanto hora ou outra falamos alguma coisa sobre a escola, o teatro ou o time
de lacrosse. Nada demais. De repente, me fazendo engasgar com o macarrão,
sinto um dos pés de Colt brincando de subir e descer pelas minhas pernas.
Começo a tossir, beber água e resfolegar, deixando todos preocupados. Menos
ele. O bastardo ri silenciosamente e para de comer só para fincar os cotovelos na
superfície da mesa e entrelaçar os dedos abaixo do queixo.
— Algum problema, Love? — indaga de forma cínica e descarada, ainda
me provocando com o pé. Arrasto a cadeira para trás e o chuto por debaixo da
mesa. — Você parece pálida.
— Jura? — Mamãe entra na conversa, as sobrancelhas unidas. — Ela me
parece vermelha.
Fala sério!
Respiro fundo, bebo mais um gole de água e alterno meu olhar entre todos.
— Estou bem, estou bem. A comida só desceu pelo buraco errado.
Quando todos parecem acreditar que estou realmente bem, fuzilo Colt
Carver com meus olhos flamejantes. O idiota apenas sacode os ombros para
cima.
No minuto seguinte, pegando todos de surpresa, os seguranças de
Maverick começam a correr para todos os lados, em ação. Me empertigo no
lugar e ouço, aos fundos, barulhos que se assemelham com tiros, como se
estivesse tendo briga lá fora, na rua. Não demora muito para que a minha mãe
comece a gritar, meu pai se desesperar e Maverick Carver se levantar, parecendo
temeroso com alguma coisa. Ele chama por um dos seus homens fardados,
fazendo com que um deles detenha os passos e caminhe até nós.
Acho que vou passar mal, meu coração parece que subiu até minha
garganta.
— Me informe o que está acontecendo imediatamente. — Ouço Maverick
exigir em seu tom de voz imperioso, mas me sinto incapaz de processar qualquer
coisa. Estou com muito medo, principalmente depois da conversa com Colt lá
em cima. — Anda! — soa ríspido e autoritário.
— Não é nada com o que deva se preocupar, senhor. Está tendo tiroteio,
parece que alguma facção veio executar um homem desse bairro. Estamos todos
indo lá para fora para que os homens se mantenham bem afastados da mansão. E
dou minha palavra que eles irão se manter bem longe de nós. — O homem
corpulento e robusto crava seu olhar diligente em mim, meu pai e minha mãe. —
Aconselho que passem a noite aqui, família Monaghan. Não sabemos se esses
caras irão se esconder pelas redondezas, atacar novamente ou provocar uma
espécie de rebelião, então acredito que ir embora a essa hora seja perigoso.
Acredito que o senhor Carver não irá se importar.
— Não, jamais. Temos quarto de hóspedes lá em cima, River, Caroline e
Love. E mil desculpas por estarem tendo que passar por isso, mas, infelizmente,
não temos culpa de quem são nossos vizinhos. — Maverick se coloca ao lado de
um dos seus seguranças. — Vou pedir para que alguém mostre os quartos que
vocês ficarão. — Ele para sua atenção no filho. — Colt, poderia mostrar o quarto
ao lado do seu para Love? A instale lá em cima e certifique-se de que ela vá ficar
bem. Se me derem licença, vou atrás de mais informações.
Meu pai arrasta a cadeira para trás, também diz que vai com ele e, mesmo
com a preocupação da minha mãe quase o impedindo, consegue ir ao encalço do
Senador.
Sigo em minha cadeira tão petrificada quanto Colt.
Sei que mamãe fala comigo, que alguma funcionária se aproxima dizendo
que vai ficar tudo bem e que as duas sobem para que Caroline se instale no
quarto, mas estou focada demais no garoto a minha frente para reagir.
— Isso tem a ver com seu pai?
— Não. — Sua resposta vem rápida, não parece hesitar. — Ele agiria
diferente se fosse. Pode confiar em mim, sei o que estou falando. Conheço cada
passo dele, Love. Só deve ser mais um desses ricos falidos devendo para agiota.
Meu coração se tranquiliza um pouco mais no meu peito, pois consigo ver
verdade nos seus olhos pretos. Eu também sinto que ele não mentiria com algo
tão sério e que colocaria a vida de todos em risco assim.
Acho que Colt percebe quando a tensão se esvai dos meus ombros, porque
sua expressão muda no mesmo instante.
— Love Monaghan, a Love Monaghan, irá dormir na casa de Colt Carver
hoje. Acho que o destino quer te fazer perder a aposta na marra, estrelinha. —
Crava os incisivos no lábio macio para conter um dos seus sorrisos. — Agora
basta saber se você é daquelas que paga de santa na frente dos pais e dá aquelas
escapadinhas noturnas para o quarto do garoto problema. Confesso que iria
adorar se você fosse.
Entreabro a minha boca.
— Eu nunca vou dormir com você, Colt Carver.
Me levanto rapidamente, arrumando meu vestido que subiu. E é claro que
seus olhos atentos acompanham todo o processo.
Ele não é de sorrir muito... Por que fica querendo sorrir o tempo todo para
mim agora?
Maldito sorriso molha-calcinhas.
— É como eu sempre digo, Love, a sua língua ainda será o motivo da sua
queda — cantarola de forma sarcástica assim que lhe dou as costas.
É, talvez ela seja mesmo, mas quem se importa?
❝ Seus olhos, eles brilham tanto
Quero guardar esta luz
Não consigo fugir disto agora
A menos que você me mostre como
Quando você sentir o meu calor
Olhe nos meus olhos
É onde meus demônios se escondem
É onde meus demônios se escondem
Não se aproxime muito
É escuro aqui dentro. ❞
DEMONS – IMAGINE DRAGONS

MANSÃO DOS CARVER, 12 DE MARÇO DE 2006, ÀS 02H42MIN.


O corredor da minha casa nunca pareceu tão grande enquanto caminho a
passos largos, me guiando pelas paredes repletas de quadros e porta-retratos
com fotos minhas, de mamãe e papai, porque não consigo enxergar diante de
tanta escuridão. Não sei o que está acontecendo lá na frente, mas estou
seguindo os sons e os gritos agonizantes de pessoas que devem estar
empoleiradas lá na sala. Algo forte dentro do meu coração me diz que estão
todos me esperando e que preciso ser rápido antes que seja tarde demais.
Minhas pequenas mãos tremem e uma camada de suor cobre a minha testa
quando me coloco para andar mais rápido. Minhas pernas aceleram, meus
pulmões queimam em busca de oxigênio e a sala só parece ficar cada vez mais
longe. É como se eu acelerasse, passasse por todos os lugares, e não saísse do
lugar.
Então ouço mais gritos, mais choros, mais vozes e uma infinidade de
palavrões feios sendo cuspidos por vozes masculinas enraivecidas. Franzo
minha testa. Mamãe vai ficar brava com quem quer que esteja falando, ela não
gosta de bagunça, muito menos de xingamentos em nossa casa. Tento respirar o
ar denso e corro para evitar que mais palavrões saiam. Corro por minutos que
mais parecem horas, e sinto minhas pernas bambas e moles feito duas gelatinas.
Sinto também o bichinho do medo começar a me invadir, serpenteando e fazendo
cócegas em meus músculos, me irritando.
Engulo o soluço preso na garganta.
Não vou chorar. Não vou chorar. Não vou chorar.
Mamãe e papai dizem que sou forte, bravo e destemido. É assim que serei
até o fim.
Um clarão de repente surge no meu campo de visão e eu cambaleio para
trás, sendo pego desprevenido. Minha bunda se choca contra o chão e solto um
grito agudo de dor.
Minha mente, pouco a pouco, sai do entorpecimento e logo reconhece que
não estou mais no corredor, e sim na sala. Acabei de parar, de uma forma
totalmente estranha e irreal, no centro da entrada da mansão. Me levanto,
arrumo a calça do pijama e começo a andar assim que vejo a minha mãe e
alguns homens desconhecidos a alguns passos de distância, mas sou impedido
de me aproximar pela redoma de vidro que surge ao meu redor de uma hora
para a outra.
Por que está tudo sendo tão difícil hoje?
— Ei, mamãe, estou aqui! — Bato na vidraça e tento chamar a sua
atenção, mas sem sucesso. Ninguém parece se dar conta de que há um garotinho
de cinco anos do outro lado da sala sendo esmagado por paredes transparentes
e quebradiças. — Mamãe!
Nada. Nenhuma resposta.
Solto outro grito quando vejo a movimentação dos homens com armas nas
mãos e nas cinturas. Eles parecem furiosos quando começam a gritar e apontar
uma delas na cabeça da minha mãe, pedindo por dinheiro e joias de valor. E se
antes eu estava segurando o choro, agora deixo que ele se liberte e irrompa da
minha garganta. Gotas gordas de lágrimas escorregam pelas minhas bochechas
e salpicam minha boca, o gosto salgado atingindo minha língua à medida que
clamo por socorro e tento me debater no lugar em que me encontro preso.
Apesar da visão embaçada, enxergo quando um homem mau chega por
trás da cabeça da minha mãe e a acerta na nuca com o cabo da arma, fazendo-a
cair e uivar de dor no chão. Mais um se aproxima para ajudar seu amigo,
atingindo a costela da mulher em posição fetal com chutes.
— Parem com isso! — Solto um grito sôfrego, tapando os ouvidos e
balançando a cabeça de um lado para o outro para tentar não escutar e não ver
a cena de maus-tratos contra Kim Jeong Carver, minha mãe. Minha mãezinha
linda e que tanto amo. — Peguem tudo, peguem o que quiserem, mas deixem ela
em paz!
Minha voz é só um maldito eco e só quem é capaz de escutar sou eu.
O que bateu com a arma na cabeça de mamãe para de machucá-la e vai
até o sofá, ficando na frente e na altura de um garotinho. Eu não tinha visto esse
garoto ali. Ele também chora e grita enquanto treme para frente e para trás com
os joelhos próximos do tórax. Seus cabelos parecem os meus, sua roupa com os
as minhas e o seu rosto... Espera, ele não se parece comigo, ele sou eu. Sou eu
ali sentado.
Mas como?
Não tenho muito tempo de analisar como estou aqui e como estou lá, pois
minha atenção se volta toda para um dos homens maus, que me empurra contra
o sofá e se coloca em cima de mim, suas pernas uma em cada lado do meu corpo
e suas mãos prendendo as minhas no alto da minha cabeça. Ele me olha com um
sorriso pervertido no rosto, faz arrepios percorrerem cada centímetro da minha
pele.
Não sei o que ele planeja fazer comigo na sua mente perversa, mas mamãe
vê o que está acontecendo, o manda parar e consegue, não sei como, reunir
forças para se levantar e tirá-lo de cima de mim. Há sangue em sua camisola de
seda, seus cabelos estão grudados na testa por conta do suor e há um corte no
seu lábio superior e no seu supercílio. Parece deplorável. Tudo isso por conta
deles. Esses ogros estão fazendo isso com ela.
Grito, empurro, chuto e dou socos no vidro. Nada acontece. Mais uma
maldita vez.
Escorrego minha bunda pelas paredes de vidro até alcançar o chão,
ficando na mesma posição anterior do garoto no sofá, as pernas junto ao peito e
os braços ao redor das pernas. Soluço e começo a tossir por conta do choro
desenfreado. Meu coração dói. Acho que vou morrer. Acho que não suportarei
tamanha dor nesse meu órgão tão pequeno. Tudo só parece piorar quando vejo
os três homens juntos, a empurrando de volta para o chão e rasgando sua
camisola e suas peças íntimas, tudo de uma vez.
Se mamãe antes gritava e implorava por ajuda, agora ela fica em silêncio.
Parece que aceitou seu destino. Parece que aceitou que acabou, que este é o seu
fim.
Ela aceita todos eles em cima dela fazendo coisas e sons estranhos.
Mamãe não pede para eles pararem. Mas mamãe olha para mim, ela
finalmente me enxerga nessa proteção de vidro e diz que está tudo bem, que ela
se sacrificou por mim e para proteger a minha integridade física e a minha
inocência, e que faria isso quantas vezes fosse preciso.
Em um outro clarão, quando os homens maus saem de cima dela, ouço
tiros.
E a sua vida é tirada. Tanto na minha frente quanto na do garotinho
acuado no sofá.
— Nãaaaaaaaaaaaaao! — Coloco as mãos na cabeça ao gritar a plenos
pulmões.
Sento na cama rapidamente, arquejando desesperadamente em busca de ar.
Merda. Acabei de ter outro pesadelo por conta daquela noite. Pisco
incessantemente para despistar as lágrimas, o desespero e a vontade
incontrolável de chorar. Não vou chorar. Não sou a merda de um fracote.
— Colt? — Me sobressalto quando finalmente percebo a figura de Love
sentada na ponta da minha cama, o semblante preocupado. Através da luz
vertiginosa da lua que adentra o meu cômodo pela janela, vejo que suas mãos
tremelicam, provavelmente de nervoso, e que morde a pele morta do seu lábio
inferior enquanto seus olhos cristalinos me escrutinam com grandes doses de
intensidade. — Você... você está bem? Estava tendo um pesadelo? E-eu já estava
prestes a te acordar, mas você conseguiu despertar antes que eu tivesse tempo de
me aproximar.
Pisco uma, duas, três vezes.
— Por que você está aqui, afinal? — exijo saber em um fio de voz,
engolindo a massa de concreto que parece se alojar na minha garganta.
— É um pouco difícil de dormir em lugares que não são o meu quarto,
então depois que você me seguiu para me instalar no quarto ao lado do seu e me
deixou sozinha, passei a noite toda fitando o teto e pensando sobre a vida.
Escutei seus gritos e vim ver o que estava acontecendo. — Ela limpa a garganta
e encara qualquer lugar no chão para não ter que olhar dentro dos meus olhos. —
Pensei que estivesse passando mal. Seus gritos pareciam de desespero. Quando
cheguei, Colt, você estava se debatendo, se machucando e gritando a palavra
não. Fiquei...
— Com medo de mim? — a interrompo. Nunca, jamais queria que Love
me visse nesse estado. Saber que ela viu com os próprios olhos o que acontece
comigo quando meus demônios chegam para me assombrar me causa náuseas.
— Não me olhe com essa cara. Não preciso da sua pena. Nunca menti quando te
disse que era ferrado da cabeça.
Love sai da beirada da cama só para se sentar à minha frente, desfazendo
nossa distância. A ardência no meu peito e a pressão em minha cabeça parecem
amenizar quando a tenho assim, tão próxima das minhas mãos. Queria poder
tocá-la. Queria me afogar nessa garota só para esquecer que estou prestes a me
afogar dentro da minha própria mente caótica. Queria que conversasse comigo e
não me deixasse só. Não quero ficar sozinho comigo mesmo. Não quero ter que
lidar com tudo que vi e tive que suportar aos cinco anos, quando tiraram minha
mãe de mim. Não quero lidar com a porra desse sentimento e com tudo que esse
trauma implica em minha vida.
Nunca mais tive pesadelos. Tenho certeza que o episódio dos tiros de mais
cedo, mesmo não tendo nada a ver com a minha família dessa vez, gerou um
gatilho em mim.
— Não fiquei com medo de você — sopra bem baixinho algum tempo
depois. — Fiquei preocupada, Colt Carver. Sou uma pessoa boa, eu me preocupo
com os outros.
— Mas eu não sou uma pessoa que é digna da sua preocupação. —
Encosto as costas na cabeceira e passo as mãos pelo rosto. Não acredito que não
estou conseguindo controlar a ardência em meus olhos e as mãos invisíveis que
apertam a minha garganta. — Sou digno do seu ódio, do seu nojo e da sua
antipatia.
— Mas disso você também é dono — Love tenta fazer graça, mas não
consigo entrar no clima. Pela primeira vez na vida, contrariando tudo que
costumo dizer para mim mesmo, só queria estar chorando por horas seguidas. —
Quer me contar sobre o que foi o pesadelo?
Nego ao balançar a cabeça.
— Quer que eu me deite com você?
Só pode estar escrito na minha testa o quanto me encontro debilitado e
frágil, porque nunca na vida essa garota falaria algo do tipo para mim. Mas ergo
o queixo para cima e para baixo em uma confirmação e aproveito que quer usar
seu lado bom e cheio de luz comigo e me agarro nisso, sem pensar em mais
nada.
Love Monaghan logo se deita ao meu lado, passando o cobertor por cima
de nós dois.
— Quer que eu cante até que você durma?
— Não. — Me deito de forma correta, coloco a cabeça no travesseiro e
viro de lado, nossos rostos extremamente próximos. — Não quero dormir agora.
Finalmente tenho você na minha cama, dormir não é uma opção.
Acho que vai brigar comigo, mas Love sorri. Ela sorri. Para mim.
— Se estiver pensando em sacanagem, vou embora.
Faz menção de ir embora, mas passo o braço ao redor da sua cintura,
trazendo-a para mais perto de mim. Ela deixa, no entanto. Love encara meus
orbes e passa as mãos nos fios suados e bagunçados do meu cabelo, arrumando-o
para trás.
— Converse comigo, Love — peço sinceramente. — Converse comigo de
verdade. Me conte uma coisa sua.
— Tá — cede ao fazer um biquinho de lado. — Mas ainda somos
inimigos. Isso aqui não vai mudar nada.
Tenho certeza que ela, assim como eu, também não vê muita verdade
nisso. Mas não vejo outra alternativa se não concordar.
— Minha mãe quer que eu seja a futura Caroline Dillon dos cinemas, mas
não é isso que almejo para a minha vida. Quero trabalhar no Teatro até meu
último suspiro. Não me vejo mais em nenhum outro lugar. — Quando dou por
mim, estou fazendo carinho na pela exposta da sua cintura, a incentivando a
continuar. — Quero estudar na NYU, morar em um apartamento lá em
Manhattan e ser aceita na Broadway. Não quero uma mansão, fãs e carros de
paparazzi me seguindo. Para ser bem sincera, eu os odeio.
— Quem? Sua mãe, os fãs, os paparazzi ou tudo junto?
— Não, seu idiota! — Empurra meu ombro com a mão, dando risada. —
Eu amo a minha mãe incondicionalmente e não tenho nada contra fãs. Eu até sou
uma.
— Você é uma fã? — Entreabro os lábios, surpreso, e ela confirma toda
animada. Minha boca pinica com vontade de pôr um sorriso em meu rosto. —
Puxa, e de quem?
— Why Don´t We — responde. — E se me perguntar quem são esses, vou
acordar todo mundo dessa casa na base de gritos.
— Tudo bem. — Ergo uma mão em sinal de rendição. — Vou fingir que os
conheço. — Love agradece minha bela escolha de palavras, porém não quero
seguir por esse caminho. Quero realmente falar sério dessa vez. — Estrelinha?
— Ela ergue os orbes até os meus. — Espero que saiba que é capaz de fazer o
que quiser. Se sua mãe te amar e te apoiar de verdade, irá compreender que não
quer seguir os passos dela. E se não compreender, bem, dane-se, sua felicidade e
o seu sonho sempre devem vir em primeiro lugar. Viva a vida por você e por
mais ninguém, porque depois, depois que tudo isso acabar, pelo menos
conseguirá dizer que seguiu aquilo que veio destinada a seguir. E você é
definitivamente uma estrela destinada a brilhar, Monaghan. Sua casa é nos
palcos, diante dos holofotes e em qualquer lugar que desejar estar.
Assisti Love no Teatro ano passado várias vezes. Escondido, claro, porque
o Teatro da St. Rose não é lugar para o capitão de time de lacrosse passar suas
noites. Mas tenho propriedade para falar do talento dessa garota, a acompanho
desde pequena, quando protagonizou um filme ao lado dos seus pais. Ela é
surreal e hipnotizante. Ninguém no mundo se compara a ela e a sua paixão pela
arte. É notório e palpável. Agora mesmo, enquanto estamos conversando,
consigo senti-la expandindo-se pelo ar e preenchendo o quarto, mandando
embora todos os demônios, toda a escuridão e toda energia negativa pincelada
pelas paredes.
— Obrigada, Colt. — Meu coração também se expande um pouco com o
tom doce da sua voz. — Quer me ouvir cantar agora?
— Sim, estrelinha.
Ela tira de uma forma gentil o meu braço da sua cintura, cola as costas no
colchão, entrelaça as mãos sobre a barriga, fecha os olhos e expõe:
— Se contar para alguém que estive na sua cama cantando para você, vou
realmente te matar.
Até parece que quero que saibam disso.
— Se contar para alguém que me viu tendo pesadelos e que cantou para
espantá-los, vou realmente te matar.
Love reprime uma risadinha e permanece de olhos fechados, parecendo
concentrada. Demora alguns segundos até que comece a cantarolar baixinho,
tímida e receosa. Reconheço a música, que se desenrola na sua língua de forma
melodiosa e harmônica, como sendo Demons da banda Imagine Dragons. É a
voz mais linda e suave que já escutei na vida. Minha pulsação acelera com a
escolha da música, parece dizer muito sobre nós dois, e também com o calor do
seu corpo sendo emanado em cheio para mim.
Não lembro do pesadelo, do meu passado, do quanto sou quebrado, do
quanto a minha vida é uma merda, de como quase tive uma crise de choro e me
permiti ser sugado pela dor. Não lembro de nada disso. Minha mente está
totalmente voltada para Love. Cada maldito pedaço dela está sobre seu efeito. E
eu não estou reclamando.
Minhas pálpebras pesam, e a estrelinha segue cantando.
Adormeço segundos depois com o som da sua voz embalando meus
sonhos.
❝ Agora, piso no acelerador como se estivesse fugindo da polícia
Oh, que desculpa fajuta
Você escolheu dançar com o diabo e você teve sorte. ❞
SWIM – CHASE ATLANTIC

REFEITÓRIO DA ST. ROSE ACADEMY, 28 DE AGOSTO DE 2018,


ÀS 13H26MIN.
Hoje, assim que acordei com o barulho do despertador do meu celular,
Love Monaghan já não estava mais deitada na cama ao meu lado. Cogitei a
possibilidade de que tudo não havia passado de um pesadelo seguido de uma
espécie de sonho incrível e real demais, daqueles que a gente acredita estar
realmente fazendo parte por ser bem fiel a nossa realidade. Mas tive a
confirmação de que aconteceu mesmo quando tive que encarar meu pai no café
da manhã, lá na outra ponta da mesa extensa, gesticulando com seus seguranças
e falando sobre o tiroteio que aconteceu envolvendo o empresário que mora na
mansão vizinha e a saída logo cedo, antes mesmo do sol despontar no céu em
tons de laranja, rosa e lilás, de River, Caroline e Love para casa, afinal, a garota
precisava se arrumar para enfrentar as aulas puxadas do dia.
Então realmente aconteceu.
A garota que eu costumava desprezar na infância realmente dormiu na
minha casa, na minha maldita cama, se deparou com a minha vulnerabilidade,
nutriu uma certa preocupação com o meu estado deplorável e decidiu cuidar de
mim. Ela cuidou de mim. Ela se deitou ao meu lado, mesmo após tudo que
infernizei e aprontei na sua vida, decidiu ficar, conversar comigo, me contar
algumas coisas pessoais suas e até cantar para que, eventualmente, eu pudesse
me sentir melhor sobre o pesadelo e pudesse dormir sem que os demônios me
arrastassem de volta para o submundo.
O mais surpreendente disso tudo é que Love conseguiu.
Love fez tudo ao meu redor desaparecer feito fumaça. Eu só conseguia
pensar e focar no fato de que ela estava mesmo ali, dividindo a cama comigo de
uma forma muito pessoal e íntima, se empoleirando nos lençóis, na minha
cabeça e na minha alma. A garota enfrentou e conseguiu vencer com muita,
muita facilidade o meu passado ferrado e traumático, me fazendo querer estar no
presente, e não revivendo os acontecimentos agonizantes daquela noite em que
perdi a minha mãe e a mim mesmo. A garota me viu afundando em um mar
revoltoso e estendeu a mão, sem pesar os prós e os contras da sua ação, sem
levar em consideração todas as vezes que a destratei, que a humilhei e que fui
um grande babaca incapaz de lidar com os próprios sentimentos e com as
próprias dores cravadas como raízes profundas no meio do peito. Ela quis me
trazer de volta para a superfície. Quis me trazer de volta para a superfície porque
seu coração é revestido de luz, bondade, empatia, doçura, e não de trevas.
Love Monaghan pode ter o meu gênio, pode ter uma língua grande e
afiada, pode também se sentir atraída pelo caos e pelo perigo de vez em quando
assim como eu, pode carregar suas cicatrizes e feridas interiores, mas agora
percebo que é diferente de mim, é diferente no quesito de como decide lidar com
as coisas. Ela é boa. Genuinamente boa e cheia de vida para ser vivida.
Totalmente ao contrário de quem sou.
Me sinto em dívida com ela, porque, depois de alguns meses sem ter
aquele tipo de pesadelo assombrando minhas noites, a estrelinha conseguiu lidar
com a situação muito melhor do que se eu estivesse sozinho. Foi o meu bote
salva-vidas no meio da tormenta.
A algumas mesas daqui, dando risada e conversando despretensiosamente
com sua melhor amiga, enquanto ambas dividem a atenção entre a comida, os
livros abertos em cima da mesa e o assunto que se desenrola entre elas, Love
Monaghan parece tranquila e serena, como se nada na noite passada e na
madrugada tivesse acontecido. Ela está com os fios castanhos claros presos em
um rabo de cavalo no alto da sua cabeça, o rosto completamente livre de
maquiagem, de um jeito que a torna ainda mais linda ao natural, os olhos de um
azul extremamente claro fazendo um contraste perfeito com as maçãs
naturalmente rosadas das suas bochechas. Dessa vez não está usando o blazer
vermelho da escola, e sim a camisa social branca por baixo do suéter cor de
creme que também faz parte do uniforme, com a gravata alinhada, a saia de
pregas preta e as meias até os joelhos da mesma cor, além de os sapatos de tiras e
plataforma que parecem que saíram diretamente dos anos 90.
Está tão meiga que nem parece a mesma garota que apareceu no meu
quarto para me encurralar e dizer que ia jogar meu pau fora se eu a levasse para
a cama.
— Você está... sorrindo? — Dariel, cercado por todos os jogadores do time
ao redor da nossa mesa, pergunta. Paro de encarar a mesa do outro lado e foco
minha atenção neles rapidamente, disfarçando. Todos os olhares estão cravados
em minha figura e o silêncio recai sobre nós por alguns segundos antes que o
loiro complemente: — Tipo, do nada? Sem ninguém precisar te forçar a isso?
Os garotos do time dão risada, e eu reviro os olhos de uma forma
exagerada. Nem percebi que estava fazendo essa merda. Mas é claro que o idiota
do Dariel Chevalier tem que perceber, está atento a cada passo meu só para
poder jogar na minha cara depois. O francês mimadinho não vale nada.
— Vai se foder — balbucio ao passo em que dou um gole diretamente da
lata do meu refrigerante, colocando-o de volta na bandeja assim que o termino.
— Estava aqui pensando nas infinitas formas dolorosas que posso te matar. Esse
foi o motivo do sorriso. Te ver coberto de sangue me deixa excitado.
Meu amigo retorce seu rosto perfeitamente desenhado em uma careta de
nojo.
— Psicopata do caralho — diz assim que se benze, fazendo uma cruz com
a mão direita aberta, que vai da testa ao peito e do ombro esquerdo ao direito
enquanto me fita, balançando a cabeça de um lado para o outro. É tão dramático.
Na verdade, parece um ator, pois adora fazer cena onde quer que esteja. — Você
deveria se tratar.
— E você deveria morrer — insisto, achando graça. — Cada segundo que
passa a ideia me parece ainda mais interessante. Acho que o vermelho te deixaria
ainda mais bonito... Não é com isso que costuma se importar, com a sua
aparência? — Mordo a ponta do polegar. — Pense no cosplay perfeito que seria
você de Carrie, a Estranha e depois me diz o que acha da ideia.
— Se precisar de alguém para esconder o corpo, estou aqui — Matthew se
intromete na brincadeira mórbida, mas, assim que viro sobre os ombros, percebo
que está sério e sem expressão enquanto enrola o macarrão no garfo de maneira
lenta, sem olhar para ninguém em específico. Ele é a pessoa mais difícil de ler
no mundo. Ninguém sabe dizer agora se está fazendo piada, se está falando algo
que realmente poderia acontecer ou se está apenas querendo nos assustar. —
Posso ser bom nessas coisas. Posso até já ter feito.
O erguer sutil dos seus lábios em um pequeno sorriso de lado antes de
colocar a comida na boca é quase imperceptível, mas eu flagro.
Um vento estranho sopra pela janela do refeitório, e tenho certeza que
todos se arrepiam quando sentem a mudança brusca de atmosfera que Donnelly
conseguiu instaurar.
O cara é realmente um ímã de problema. Já ouvi várias conversas pelos
corredores da escola que ele atrai e emana energias negativas. É quase unânime
acharem que Matthew Donnelly é um poço de obscuridade. Mas, para mim, não
é sobre isso. Sei que meu amigo provavelmente sofre feito um desgraçado e que
essa é a sua maneira de querer afastar tudo e todos do limbo que é a sua vida. Sei
disso porque vejo em seus olhos a mesma dor que encontro nos meus quando me
olho no espelho.
Sofremos com coisas diferentes, eu sei, no entanto, não sabemos lidar
muito bem com os demônios que sobrecarregam nossas costas. O peso é
simplesmente grande demais para fingir que ele não está ali, te esmagando e te
curvando pouco a pouco, até que não haja mais a mínima vontade e a mínima
condição de se reerguer. O peso é simplesmente grande demais para fugir dos
efeitos colaterais que implicam no nosso dia a dia.
Poucas pessoas o compreendem, acham que ele é o vilão, mas o que quase
ninguém sabe é que até mesmo os vilões têm suas histórias para contar. E às
vezes elas são infinitamente mais dolorosas que as dos heróis, porque quando
você acha que não, tudo está só sendo camuflado com um monte de mentiras na
intenção de encobrir a realidade.
E ser vilão ou herói se torna apenas questão de perspectiva.
— Vamos parar com esse papo de drogado? Parece que usaram maconha
vencida — Nathan intervém alguns longos segundos depois, alternando os olhos
cor de chocolate entre mim, Matthew e Dariel. Ele está sentado de forma
desleixada em uma das cadeiras, com as pernas abertas e estiradas. É tão
engomadinho quanto todos os outros, o uniforme alinhado e perfeitamente
passado cobrindo todos os seus músculos e servindo bem em seus quase 2m de
altura. O’Leary coça a pouca barba que tem no queixo, umedece os lábios
grossos com a ponta da língua e exibe seu sorriso extremamente branco, que
contrasta muito bem com a sua pele preta. — Quero falar sobre a festa da
fogueira hoje. Vai rolar ou não, seus idiotas?
De repente, a atmosfera da mesa dá um giro de cento e oitenta graus, cada
um dos Fort Red Knights falando um por cima do outro de forma animada sobre
o que vai acontecer hoje à noite.
Bato na mesa para chamar a atenção, fazendo todos se calarem. Os outros
alunos que serpenteiam pelo refeitório também param para nos observar, mas é
só eu lançar um olhar fulminante ao virar sobre os ombros que rapidamente
desviam e voltam ao que estavam fazendo antes.
— Já deixamos de fazer antes? — questiono ao passo em que aprumo os
ombros e brinco com o piercing de argola fincado em meu lábio inferior. Todos
os garotos balançam a cabeça negativamente ao mesmo tempo. — Então não é
agora que iremos dar para trás. Vamos invadir a escola à noite, obviamente, fazer
a fogueira no campo de lacrosse, beber e comemorar o fato de que em breve,
muito em breve, os jogos irão começar. E eu quero todos vocês lá. Não quero
ninguém com medo feito uma menininha — soo autoritário no momento em que
semicerro os olhos. — Se eu ficar sabendo que alguém faltou, vai se ver comigo.
Isso aqui dá sorte, porra. É tradição. Se não estiver preparado para uma coisa
simples dessa, então definitivamente não nasceu com a garra e a bravura de um
Fort Red Knights.
Meus companheiros de time assentem, pouco se importando se estão
fazendo barulho ao uivarem e baterem no peito, indicando que, sim, todos têm a
garra e a bravura de um cavaleiro.
— Os integrantes do time ainda podem levar acompanhante? — Dariel
pergunta, malícia gotejando por cada sílaba proferida.
Afirmo ao balançar a cabeça para cima e para baixo.
— Um acompanhante por jogador. — Faço o número um com o dedo
erguido e mostro para todos na roda. — Ou melhor, uma. Agora que seja de
confiança, por favor, porque se alguma garota escandalosa der com a língua nos
dentes, estamos fodidos. Todos nós.
Me levanto em um rompante e pego a minha bandeja em mãos.
— Fechado, chefe.
— Você que manda, capitão.
É o que escuto de alguns garotos antes de me despedir, saindo do refeitório
logo após jogar a minha comida no lixo e guardar a bandeja junto com todas as
outras.
No momento em que estou chegando ao corredor, Matthew e Dariel me
alcançam, um em cada lado.
— E aí, capitão… — Chevalier ironiza assim que enrosca o braço ao redor
do meu pescoço. Bufo, reclamo e o xingo de diversas formas possíveis, mas ele
não se separa de mim de jeito nenhum. — A que horas passaremos na casa de
Love Monaghan para buscá-la?
— Ah, isso será divertido — Matthew emenda, também se aproximando
para me encurralar com um dos seus braços. — Quero ver pela segunda vez até
onde a pequena Monaghan consegue ir para me ofender.
Refreio meus passos e minhas botas de combate fincam-se no meio do
corredor. Os dois também me acompanham.
— Gostou dela, não foi? — Sorrio sem mostrar os dentes assim que o vejo
dar de ombros, fingindo desconversar. — Meu Deus, você é a porra de um
sadomasoquista, Donnelly. Estava detestando a menina, detestando o que
estávamos fazendo em frente a casa dela, mas foi só ela abrir a boca e cutucar
sua ferida que passou a achá-la interessante. Isso é bem sádico. Até mesmo para
você.
Matthew bagunça os fios dourados do seu cabelo, mirando o nada.
— Sua garota me lembra alguém que eu costumava conhecer, só isso — se
limita a dizer, curto, e, como sempre, misterioso e enigmático. — Ambas têm
muitas coisas em comum. Mas não precisa se preocupar, Colt, meu pau não
funciona com garota nenhuma, lembra?
É claro que eu lembro. Não estava preocupado com isso, sei que não
consegue nutrir sentimentos e desejos por ninguém além da maldita garota que o
destruiu. Ele é, mesmo que diga que a odeia boa parte do tempo, completamente
louco e obcecado pela tal megera filha da puta. Deve ser por isso que anda tão
ferrado da cabeça — tanto a de cima quanto a de baixo —, afinal, lidar com
sentimentos tão ambíguos e conflitantes dentro de si é tão cruel e dilacerante
quanto ser atingido várias vezes por uma bola de demolição. É tão pungente e
doentio quanto sentir prazer na dor. Porque, ao mesmo tempo em que você
deseja aquela pessoa que não suporta, também sabe que não é possível suportar
viver em um mundo em que não a deseja. Machuca e corrói qualquer traço de
sanidade pregada em sua cabeça e em seu âmago.
Mais uma vez, eu o compreendo muito bem.
— Quem disse que eu me importo com isso? — Minha boca fica seca pela
mentira. — O pau é seu. Enfie onde quiser.
— Até em você? — Ergue uma sobrancelha em divertimento.
Era só o que me faltava. Saiu do casulo só pra me zoar com uma merda
dessas.
— Opa, opa, não pensem em marcar uma suruba sem mim — Dariel
aumenta o tom de voz, fingindo estar chateado por não estarmos o incluindo na
conversa. Ele volta a nos arrastar pelo corredor, andando conosco. — Eu preciso
estar incluso nisso. Que tal se fizermos isso na festa da fogueira? Poderíamos
incluir a pequena Monaghan também, não haveria problema algum. Seria como
estrelar o nosso próprio filme pornô. — Em um determinado momento, me fita
curioso. — Ela é atriz, não é?
Me afasto deles dois ao cravar com certa força meus cotovelos em suas
costelas, revirando os olhos quando suas gargalhadas explodem pelo ar da St.
Rose.
Não consigo acreditar que esse francês filho da mãe conseguiu fazer até
Matthew rir. Isso é muito, muito raro.
— Eu sei que eu mereço penitência, mas ser amigo de vocês já é demais.
Nem o diabo aguentaria — murmuro e giro nos calcanhares.
Os gritos dos dois enquanto me chamam é tudo que escuto enquanto
caminho na direção do andar de cima.

FRENTE DA MANSÃO DOS MONAGHAN, 28 DE AGOSTO DE


2018, ÀS 23h30MIN.
A tradição da festa da fogueira no campo do Fort Red Knights antes da
abertura dos jogos existe há muitos anos, é quase como se fosse uma lenda, todo
mundo que entende um pouco de lacrosse e também da escola sabe da existência
dela, mesmo que nunca tenha sido convidado para uma.
O antigo capitão do time, antes de se formar no último ano e ir para
alguma universidade na Califórnia, era tão certinho que aboliu essa prática por
alguns anos. No entanto, a partir do momento que consegui conquistar o tão
almejado posto, sabia que teria que voltar com essa tradição. Passei boa parte da
minha infância e começo da adolescência, enquanto estudava em outra escola,
pensando em como seria esse momento de rebeldia regado a bebida, fogo e
garotas quando fosse fazer meu ensino médio na St. Rose Academy, a melhor
escola de elite de Fort Lauderdale. Pensando em como seria quando fosse a
minha vez. Pensando em como seria tão divertido quanto, de fato, jogar lacrosse,
uma das coisas que mais gosto de fazer na vida. E realmente posso afirmar com
todas as letras que foi tão divertido, tão emocionante e tão excitante quanto estar
correndo no campo com o bastão em mãos, escutando o zumbido do coração
juntamente com o coro e a vibração da plateia, que sempre nos dão força e
coragem para só sairmos dos jogos com a vitória.
Então, depois que a festa da fogueira voltou com tudo, sempre
acontecendo no segundo semestre, reunimos os jogadores e alguns
acompanhantes de confiança para que possamos invadir a escola e, assim, beber,
falar sobre os jogos, zoar e fazer algumas brincadeiras um tanto quanto pesadas.
É realmente uma tradição, acreditamos que nos traz sorte e não abrimos mão
dela de jeito nenhum. Somos todos um bando de rebeldes sem causa.
E fala sério, a temporada só começa depois que nossos olhos cruzam com
o laranja flamejante da fogueira.
Paro de pensar na festa quando Matthew liga o som do carro e a música
Call Out My Name de The Weekend começa a ressoar pelo conversível.
Olho para a mansão ao meu lado e coloco o capuz do meu moletom preto
na cabeça, me preparando.
— Anda logo, cara — Chevalier insiste mais uma vez. Trinco o maxilar e
o esquadrinho, já me irritando com a sua impaciência e o seu jeito apressado. —
Não me olhe com essa cara, Carver. Você está a exatos... — Olha para o Rolex
em seu pulso e mordisca o canto dos lábios, provavelmente fazendo seus
cálculos. — Vinte minutos parado, pensando na morte da bezerra e encarando
aquela porcaria de casa sem nem ao menos sair do carro. A gente está ficando
sem tempo, garanhão.
— Deixa ele — Matthew sai em minha defesa. — Não sei o porquê da
afobação. A festa só começa com a gente, esqueceu? Você não vai perder nada.
— Ah, vou — o loiro afirma. — Vou perder a minha cabeça se ele
continuar aqui. Estou enlouquecendo só de ouvir as engrenagens dele
trabalhando a todo vapor.
Bufo ao passo em que reviro os olhos.
— Qualquer dia desses eu vou perder a minha cabeça e te matar — aviso,
já abrindo a porta. — Me esperem aqui. Volto daqui a cinco minutos.
Flexiono os joelhos, saio da Bugatti de Donnelly, bato a porta, afundo as
mãos no moletom e caminho em direção à casa de Love a passos largos.
Minhas mãos estão, sem sombra de dúvidas, transpirando contra o tecido
grosso e fofo do casaco.
Para falar bem a verdade, nunca tive dúvidas, depois que começamos esse
jogo de gato e rato, de que a arrastaria comigo para a festa da fogueira. Achei
que poderia vir na sua casa e convencê-la na velocidade de um raio, mas desde
que estacionamos aqui está me parecendo uma ideia totalmente patética. Não sei
o que esperar da sua reação. Ao passo em que sei que Love Monaghan gosta, lá
no fundo, dessas coisas de quebrar regras e se arriscar, também sei que, quando o
assunto é escola, ela é totalmente certa, focada e minuciosa, o que gera grandes
chances de uma recusa da sua parte.
Mas vai dar certo.
Não, tem que dar certo.
Não vejo outra pessoa que possa me acompanhar nisso a não ser ela.
Arrasto meus passos pelo amplo jardim da mansão moderna e luxuosa da
família Monaghan, me encosto em uma das palmeiras que flanqueia a casa e tiro
meu celular do bolso, ligando para a garota.
Atende, estrelinha, atende.
Eu sei que ela não está dormindo uma hora dessas.
Quando penso que terei que insistir uma segunda vez, Love me atende.
— Não vou cantar para você dormir, Colt. — É a primeira coisa que fala
ao telefone, sem dizer um alô, um oi ou um como você está antes. Faço a maior
força extracorpórea para não erguer meus lábios em um sorriso amplo. — Sei
que a minha voz é maravilhosa, mas você vai ficar mal-acostumado. Sem contar
que aquela noite nunca existiu, lembra?
Tá, tá. Dane-se.
— Aquela nunca existiu, mas essa vai existir e muito — digo, indo direto
ao ponto. Se ficarmos enrolando, vamos nos atrasar de verdade. — Coloque a
roupa mais confortável que você tiver e desça sem ser vista. Eu, Matthew e
Dariel estamos te esperando com o carro aqui fora.
Há alguns segundos de um silêncio ensurdecedor do outro lado da linha
antes que responda:
— Não vou para lugar algum com vocês.
Rolo os olhos com a sua teimosia.
Claro que ela não facilitaria as coisas.
— Anda, você vai gostar — insisto, tentando ser paciente.
— Sem chances, Carver. Não vou manchar minha reputação saindo tarde
da noite para fazer sabe lá Deus o que com o Trio de Ouro. — Não posso vê-la,
mas tenho certeza que seus lábios carnudos estão formando um bico petulante de
lado e seus braços estão cruzados em frente ao peito, na sua típica postura
inabalável de garota relutante. — Estou deitada na minha cama, assistindo
America´s Got Talent e vou permanecer assim até pegar no sono. Vai procurar
outra.
— Que outra? Você, estrelinha, é a minha favorita dentre todas. — Agora
deixo que o sorriso desabroche em minha boca quando ela fica um bom tempo
em silêncio sem retrucar, o som da sua respiração entrecortada sendo bastante
audível pela ligação. — Prometo que não te colocaremos em confusão.
Quer dizer, mais ou menos. Mas isso ela não precisa ficar sabendo agora.
— Como não? Vocês já são a confusão — fala de forma rápida e sagaz. —
E eu não quero que você ache que agora pode me incluir nas suas coisas só
porque nos aproximamos um pouco. Nós não somos amigos, não somos nada.
Apenas um brinca com a cara do outro e... só. Não vamos nos envolver mais do
que já estamos envolvidos. Não quero ficar amiga dos seus amigos e fazer
passeios noturnos com eles. Só quero ficar sozinha e ser amiga da Aria. Só da
Aria.
Afasto o celular da orelha e respiro fundo.
Essa foi bem certeira. Doeu.
— Love, Love... — cantarolo. — Para de fingir. Para de tentar ficar presa
nessa sua bolha. Você tem dezesseis anos, garota, tem que começar a reagir para
o mundo. Não é você que quer ir estudar na NYU? Tenho certeza que a Aria,
com aquele jeito de nerd dela, não vai seguir seus passos, até porque estará em
Harvard ou em Yale. Quando esse momento chegar, já tão acostumada a ficar
dentro da sua zona de conforto, o que vai fazer? Chorar? Desistir do seu sonho e
ir atrás de Aria porque é incapaz de fazer novas amizades e viver coisas novas?
— Jogo tudo na sua cara e sei que estou indo pelo caminho certo. Às vezes a
gente só precisa de alguém que nos dê um sacode para que possamos ir para
frente, e não para trás. — Está na hora de começar a abrir os horizontes,
estrelinha. O mundo é vasto e você precisa sair da bolha para desbravá-lo. Há
tantas coisas divertidas que está deixando de fazer por medo que, no futuro,
tenho certeza que irá se arrepender de não ter vivido e aproveitado nada. Então
aproveite as oportunidades que eu estou te dando. O momento de errar é agora,
na juventude. E, fala sério, tem como errar de uma forma mais deliciosa do que
com alguém como eu? — Paro de falar quando a ouço bufar. Deve estar
revirando os olhos também. Aproveito da oportunidade só para provocá-la mais
um pouco. — Sou o único capaz de trazer o céu até você, gata. É só dizer sim.
— Uau. Você é empenhado mesmo quando quer alguma coisa. — Solto
um fluxo de ar antes de sorrir mais uma vez diante da sua fala. — Tá, digamos
que você tenha me convencido a estourar a bolha só por hoje com a intenção de
adquirir experiência para a faculdade... o quão encrencada eu estaria se
aceitasse sair com vocês?
Porra, está dando certo. Love está mesmo cogitando.
— Hmm... — Finjo estar pensando. — Pouquíssima coisa.
— Colt — Sua voz sai em tom de repreensão. — Quero a verdade.
Ah, foda-se, vou contar.
— Muito. Mas só se descobrirem — sou sincero. — E ninguém vai.
Ninguém nunca descobriu antes.
Mais silêncio.
Enquanto não escuto sua resposta, peço para alguém lá em cima me ajudar
nessa.
— Vou me arrumar. Se der merda, digo que você apontou uma arma para
a minha cabeça e me ameaçou.
Não tenho dúvidas de que Love Monaghan seria capaz de fazer isso
mesmo.
— Não será necessário. E venha logo, não sou seu motorista particular.
Encerro a ligação com o gostinho de vitória pairando em minha língua e
devolvo o celular para o bolso da calça jeans gasta e desbotada, cruzando os
braços e a aguardando.
Demora um pouco mais de cinco minutos até que sua figura pequena e
curvilínea saia de fininho da sua mansão e se esgueire até mim.
Dou um pequeno sorriso para ela assim que para em minha frente,
mordendo os lábios de propósito no momento em que escorrego meus orbes
lentamente pelo seu corpo coberto por uma calça preta, que parece mais uma
segunda pele de tão apertada, pelo cropped com decote, a jaqueta jeans clara
pincelada por cores do arco-íris e os coturnos também pretos e sem salto. Está
linda, principalmente com os cabelos castanhos cascateando pelos seus ombros
em leves ondulações nas pontas.
— Eu disse roupa confortável — pontuo, enfático.
Love ergue os ombros para cima em uma postura debochada.
— Como se eu fosse fazer tudo o que você manda. — Ela me dá as costas
e começa andar até a frente da sua casa, provavelmente ciente de que os garotos
estão parados lá. Ainda assim, mesmo se distanciando, grita: — Não temos todo
o tempo do mundo, Colt.
Começo a andar com o punho cerrado ao lado do corpo.
As pessoas dizem que eu sou mau, mas tenho certeza que a única diaba
aqui é ela.
Acelero meus passos para alcançá-la, vendo-a chegar primeiro só para
bater na janela do vidro da Bugatti e anunciar sua presença. Sem esperar nenhum
tipo de cumprimento ou permissão, abre a porta e escorrega para o lugar da
frente, ignorando completamente meus resmungos de que aquele ali é o meu
lugar e de mais ninguém.
Sabendo que não vai ceder e que arranjar uma discussão agora é inútil, vou
para o banco dos fundos, ao lado de Dariel.
Matthew, dessa vez, é quem está dirigindo e no comando.
— Olha só quem resolveu aparecer — Chevalier comenta, curvando um
pouco o seu corpo para se aproximar de Love, que permanece olhando para
frente. — A sua pose de santa engana bem, sabia? Eu realmente achei que não
fosse vir com a gente. — Ele sorri, dá batidinhas no banco em que ela se
encontra e volta a sua posição anterior. — Fico feliz que goste da sujeira tanto
quanto nós, pequena Monaghan. Quando perceber, estará implorando por mais.
Love, por um momento, se concentra em colocar o cinto e não responde,
mas acaba virando sobre os ombros para alternar seu olhar entre nós dois aqui no
fundo.
— Não sou santa. — Mira Dariel de forma extremamente séria,
praticamente o fuzilando. — E estou aqui por quê? O que vamos fazer? — Sua
pergunta é direcionada a mim agora.
Direciono minhas írises para o meu amigo ao meu lado e depois para
Matthew através do espelho do retrovisor, claramente pedindo por ajuda.
— Festa da fogueira — Matthew Donnelly responde por todos nós e liga o
carro, dando partida.
Love, ainda virada em nossa direção, entreabre os belos lábios em puro
choque e surpresa.
— Isso existe mesmo? — Parece incrédula. — Achei que fosse uma lenda
da St. Rose Academy — quando diz isso, semicerra os olhos azuis e fecha a
cara. — Ah, não. Minha reputação está em jogo de verdade agora. Posso perder
a Peça da Primavera e o meu sonho da Broadway. Para a porcaria desse carro.
Para já!
Matthew finge que nem ouve e continua acelerando pela pista.
— Para de show — Donnelly rosna para Love ao apertar o volante com
mais força. — Se conhece a lenda como diz, sabe que ninguém nunca foi pego
antes. Por isso que os alunos que não foram convidados ficam, obviamente, sem
saber se é verdade ou mentira. Não há motivos para chiliques. Mesmo não
gostando de falar isso em voz alta, você está protegida conosco, nada irá te
acontecer.
Percebo que, pouco a pouco, a postura da garota relaxa no banco.
Ela limpa as palmas das mãos na calça e troca um olhar significativo com
cada um que está espalhado por esse conversível, como se tentasse dizer através
dele que está dando o primeiro e único voto de confiança para nós e que, caso
algo aconteça, já era.
Seus orbes se fixam no garoto dirigindo algum tempo depois.
— Se me ofender em algum momento dessa noite, vou ferrar com o seu
carro — avisa para Donnelly, o dedo em riste. — Não vou ter dó nenhuma na
hora de arranhar ele todinho.
Meu amigo a olha de esguelha.
— Se você fizesse isso, Love — O nome dela também parece ser difícil de
sair pelos seus lábios. —, eu compraria dois no dia seguinte. Talvez três para lhe
presentear com um deles. Mas nós dois sabemos que isso não irá acontecer. Nem
a ofensa nem minha Bugatti quebrada.
Ele volta a se concentrar na sua frente, e daqui vejo que a garota perde a
sua postura de séria e deixa que um sorriso sem mostrar os dentes pincele seu
rosto.
O pior disso tudo é ver que, diferente dela, Matthew sorri. Sorri de verdade
pela primeira vez em muito tempo. Mostra a fileira de dentes e tudo.
Nem chegamos a invadir a escola e eu já sinto que essa noite vai ficar para
a história.
❝ Como um diamante, eu preciso de um pouco de pressão
Então me pressione até eu gritar
Você é a chama, eu sou querosene
Eu estou queimando, baby
Tudo que eu preciso, tudo que eu preciso é do calor do seu corpo
Bem perto de mim. ❞
BODY HEAT – SELENA GOMEZ

ST. ROSE ACADEMY, 29 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 00H34MIN.


Eu já fiz algumas merdas nos meus dezesseis anos de vida.
Já fiz coisas das quais não me orgulho e que faço questão de esquecer,
acreditando que a minha sanidade mental, de certa forma, precisa de um pouco
de alívio. Mas, para ser honesta, topar ir para a festa da fogueira dos Fort Red
Knights, a festa que acontece de forma proibida no meio do campo da escola, a
céu aberto no meio da madrugada e com pessoas que não tenho muita afinidade
e proximidade, definitivamente deve ser a pior delas.
Isso aqui é a minha pior atrocidade, tenho certeza.
Quando Colt Carver me ligou, estava maratonando a nova temporada de
America´s Got Talent, meu programa favorito de tevê. Achei que fosse só mais
um momento de Tom & Jerry que se desenrolaria entre nós dois, talvez uma
troca de farpas, brincadeira aqui e ali sobre o caos que foi aquele jantar ou algo
muito parecido com isso, mas ele acabou me surpreendendo com o convite e,
claro, com a sua fala sobre a minha bolha, sobre a faculdade e sobre Aria. E,
apesar de amar minha melhor amiga mais do que tudo, apesar de estar muito
satisfeita com a vida que levamos, não consegui não me sentir tocada pelas
palavras firmes e certeiras do capitão do time de lacrosse.
Mesmo não gostando de admitir, Colt tinha razão, não estava blefando ou
tentando me importunar, estava tentando me ajudar a enxergar o quanto a minha
juventude acaba sendo limitada, sem graça e vazia, sem experiência nenhuma.
Estava tentando me ajudar a enxergar que, assim que chegar à faculdade, terei
que recomeçar sozinha em um lugar completamente diferente, novo e que vai a
todo tempo tentar me engolir. Não haverá Aria, minha mãe ou meu pai para
serem o meu porto seguro. Não haverá zona de conforto e eu terei que aprender a
me enturmar de uma vez por todas.
Então, sendo assim, quando processei o que tudo aquilo significava, decidi
dar uma chance a esse pequeno momento de rebeldia que me faria sair da zona
de conforto. Porque, se eu conseguisse passar por ele ao lado de Colt e seus
amigos tão problemáticos quanto ele, me adaptar na Universidade de Nova York
seria fichinha.
No entanto, enquanto assisto Matthew Donnelly e Dariel Chevalier prestes
a pularem pela grade fechada do campo, com alguns packs de cerveja e sei lá
mais o que no chão da escola, me sinto pronta para correr e voltar para casa,
porque não posso e não consigo fazer isso.
Sim, admito que confiei nas palavras de Matthew, admito que o achei uma
pessoa séria e sincera demais para não cumprir com a sua promessa de que todos
eles me protegeriam caso algo desse errado, então continuei no carro e me
acalmei da histeria, mas agora ela está voltando novamente. Estou ficando suada,
minha pulsação está latejando e o chão sob meus coturnos parece vibrar por
conta do medo que me apavora.
Essa merda vai dar errado e ninguém vai me proteger.
Tenho certeza de que quando a bomba estourar, vai ser cada um por si para
livrar sua própria pele do castigo. E eu vou me ferrar ao ser castigada, porque
sabem que o teatro é tudo que mais me importa aqui, vão usar ele para me punir.
Vão me tirar da Peça da Primavera e, consequentemente, irão arrancar a força o
papel de Jamie Sullivan que tanto desejo conseguir nas futuras audições.
Mas nem morta que vou deixar.
— Está querendo dar para trás, não está? — Colt sussurra em meu ouvido
com a sua voz sedutoramente rouca e arrastada, pairando atrás das minhas
costas. Seu corpo alto e forte, além do seu hálito lambendo o meu pescoço, me
faz engolir em seco. — Não precisa ter medo. Eu, Dariel e Matthew podemos ser
tudo, mas não somos mentirosos. Você foi a convida de nós três, a convidada do
Trio de Ouro, dos melhores do time, ninguém irá ousar fazer qualquer coisa com
você sem que a gente caia em cima. — Seus dedos gélidos se infiltram pelo meu
cabelo e dedilham a extensão do meu pescoço com uma lentidão premeditada
para fazer com que eu amoleça sob seu toque. E é exatamente isso que acontece,
porque minhas pernas amolecem e a minha respiração falha. — Ninguém vai
descobrir que estivemos aqui. Para de bancar a correta e deixa seu lado parecido
com o meu aflorar. Pense em mim, pense em nós dois, pense no jogo e na aposta.
Pense em como podemos nos divertir de verdade, estrelinha.
Arquejo e tento desesperadamente puxar o ar para dentro dos meus
pulmões.
— Eu realmente digo que você me obrigou a estar aqui se algo acontecer
— sopro, olhando Matthew escalar a grade agora. — Não estou blefando nem
tentando te causar medo. Eu realmente vou atuar, começar a chorar e conseguir a
pena de quem quer que seja só para me safar. Assim como você, Colt, também
sou capaz de tudo.
— Tudo bem — ele concorda, e posso sentir o sorriso no seu tom de voz.
— Podemos ir agora? Os meninos estão chegando com as coisas para fazermos a
fogueira, então precisamos entrar logo.
Me viro para finalmente olhar dentro dos seus olhos.
— Tá. — Bufo e caminho até os meninos, que nos esperam já do outro
lado.
— Ei, espera! — Colt grita por mim, o que me faz parar no lugar e virar
sobre os ombros, observando-o arrastar suas botas pretas pesadas em minha
direção. — Não vai querer que eu te ajude a subir? As garotas geralmente não
conseguem.
Rá! Até parece.
Não lhe respondo nada, apenas ergo meus lábios em um sorriso como
quem diz: ´´você realmente não me conhece´´ e volto a andar até a grade, me
segurando fortemente nela e enfiando meus coturnos entre as aberturas que me
ajudam a chegar cada vez mais lá em cima. Assim que passo as pernas pela barra
e consigo me sentar nela por alguns segundos, olho para Colt lá embaixo, que
me olha com suas írises pretas assustadas e um tanto quanto surpresas, e dou de
ombros ao mencionar:
— O quê? Pensa que eu não sei me virar? — Estalo a língua no céu da
boca. — Sou rica, Carver, não uma donzela em perigo.
Deixo ele para trás e me viro totalmente para o outro lado, Matthew e
Dariel me incentivando a pular. Respiro fundo, fecho os olhos, conto até três e
salto na grama, meus coturnos fincando na relva verde musgo do campo assim
que caio em pé, sendo aplaudida por eles.
— Porra, Love, você é foda — Dariel me elogia assim que se posta ao meu
lado, parecendo orgulhoso. — Se eu não fosse do mundão e não tivesse amor a
minha vida, me apaixonaria por você. Seria incrível ser constantemente pisado.
Deve ser por isso que Colt Carver não larga o osso. — Seu braço rapidamente
abraça meu ombro. — Você costuma maltratar na cama assim também? Quer
dizer, não, não responda. Corre sérios riscos de eu realmente me apaixonar por
você.
Uma gargalhada genuína borbulha da minha garganta.
Pelo visto até que ele não parece ser tão ruim assim.
Colt Carver logo acaba com nosso momento ao pular e chamar seus
amigos para acompanhá-lo pelo meio do campo. Sigo-o até lá também, onde
começa abrir as caixas de cerveja para Matthew, Dariel e eu.
Balanço a cabeça ao negar a bebida.
— Você não bebe? — Matthew indaga ao beber um gole diretamente do
gargalo da long neck, e eu apenas confirmo, abraçando meu próprio corpo. —
Acabou de decair no conceito de Dariel Chevalier. Para ele, sua futura
companheira tem que beber e se drogar tanto quanto ele.
Fito Dariel, ele parece realmente acreditar nisso mesmo.
— É, essa pessoa não sou eu — brinco. — Sou uma pessoa saudável que
preza a boa alimentação.
Antes que qualquer um possa falar mais alguma coisa, ouvimos o barulho
de pessoas se aproximando do campo de lacrosse e viramos nossos rostos na
direção do som meio que automaticamente, reconhecendo de imediato os sete
garotos do time e seus convidados. Ou melhor, suas convidadas, já que a maioria
são garotas da escola. Eles gritam, acenam para nós e fazem uma festa quando
cada um começa a pular a grade.
As pessoas se cumprimentam, já se enturmam, pegam suas bebidas e,
cinco minutos depois, com a fogueira acessa no meio do campo e sentados em
uma roda ao redor dela, assam marshmallows e falam sobre a temporada de
jogos que irá começar daqui a alguns dias.
Estou sentada ao lado de Colt, com as minhas pernas em posição de yoga,
observando tudo com muita atenção, me mantendo calada enquanto o capitão
discorre sobre o que podemos esperar dos Fort Red Knights nesse semestre.
Mudo um pouco de foco quando meus olhos cravam em Paris Sloan e
Jordyn Jensen à minha frente, sussurrando e dando risada com os rostos
totalmente voltados para mim, como se estivessem falando sobre a minha vida.
Já posso até imaginar o veneno que estão destilando. Provavelmente, do jeito
que são, devem estar falando sobre a minha aproximação repentina com
Matthew, Dariel e Colt, afinal, eu já estava aqui com eles antes de todos
chegarem. Além de que, claro, enquanto eles me apresentavam para cada um,
faziam questão de dizer que eu estava presente como convidada de honra dos
três e ambas ouviram muito bem isso.
Mas a verdade é que estou totalmente nem aí para o que as duas cobras
criadas pensam ou deixam de pensar de mim.
Quero distância de Paris, porque posso muito bem voar no pescoço dela e
arrancar esse aplique perfeito que ostenta, e de Jordyn Jensen, ou melhor, da JJ,
só quero mostrar que sou digna de todas as minhas conquistas para calá-la de
uma vez por todas. Apenas isso.
Permaneço na minha e enfio o restante do meu marshmallow na boca, as
ignorando.
— Eu acho que está na hora da gente parar de falar e começar a agir —
Nathan, aquele que me convidou para a sua festa de boas-vindas a mando de
Colt, interrompe o assunto e expõe seu pensamento. — Eu quero é saber quando
vamos agitar isso com o Eu Nunca e o Verdade ou Desafio. Está na hora das
brincadeiras, não acham?
Os garotos do time gritam, assobiam e erguem as bebidas para o ar,
aprovando a fala do seu colega, que fica em pé quase que no meio da roda.
— Vamos começar com o Eu Nunca, crianças. — O garoto alto, de pele
preta, olhos cor de chocolate e brincos de diamante nas orelhas segue no
comando, pegando as bebidas e enchendo o copo de cada pessoa na roda, a fim
de que estejam todos prontos para a brincadeira. Quando vai encher a minha, me
lança o seu lindo sorriso com covinhas, só que é parado por Colt, que o impede
ao espalmar as mãos no peito dele. — Qual foi o problema agora, cara?
— Love não gosta. — Seu tom de voz sai seco e ríspido. — Traga para ela
o suco de uva na minha caixa térmica.
Nathan assente, lança mais um sorriso, termina de encher o copo da galera
e vai até a caixa térmica de Colt. Nesse ínterim, meio confusa, me vejo falando:
— Comprou suco de uva só para mim? — Pisco os cílios, e ele vira o rosto
em minha direção, ficando a pouquíssimos centímetros de distância do meu.
Meu coração dá uma cambalhota estranha dentro do peito ao chegar nessa
constatação. Meu cérebro parece não estar funcionando muito bem também por
conta do seu perfume se infiltrando em todo meu sistema. — Como... você sabia
que eu não bebia?
O sorriso que me lança é bem preguiçoso, quase como se não quisesse
deixá-lo ter poder sobre suas expressões impassíveis sempre bem definidas, mas
consegue ser suficiente para me deixar bêbada. E olha que não há uma gota de
álcool no meu corpo.
— Há muitas coisas sobre você que eu sei desde que éramos pequenos. Te
observo na surdina há anos, Monaghan — Seus olhos não desviam dos meus
nem por um minuto. — Nas festas que comparecíamos, no pouco tempo que eu
ficava com aquela gente, via o modo como seu rosto se contorcia em uma careta
toda vez que as bandejas de bebidas passavam perto de você. Costumo pensar
que até o cheiro do álcool te incomoda. — Uau. Isso é verdade. Além de ter
influência da minha dieta e alimentação saudável, não bebo álcool por conta do
meu chato paladar e olfato, que não suportam o gosto e o cheiro. Estou
definitivamente surpresa que ele tenha conseguido descobrir mais isso sobre
mim. — Sou bom em te ler, estrelinha. Saber dos seus gostos e das suas
vontades costuma ser tão fácil quanto carregar a bola dentro das cestinhas dos
bastões de lacrosse.
Pisco uma, duas, três vezes, sem falar nada nem antes de Nathan encher e
me entregar um copo vermelho com suco de uva nem depois quando ele já sai na
intenção de retornar para o seu lugar. Fico tão estática quanto uma pedra.
Sei que ele percebe e gosta do meu silêncio, porque vira para frente e tenta
esconder os lábios esticados atrás do gargalo da Corona encostado sobre eles.
— Eu começo com essa porra. A propósito, quero só perguntas daquele
jeito. — Dariel solta, ficando de joelhos no gramado. Poucas horas perto dele e
já sei que adora se exibir e ser o centro das atenções. Mas ele tem muito carisma,
admito, as pessoas ao nosso redor parecem o adorar. — Vamos lá... Eu nunca fiz
sexo nas dependências da escola.
Colt, Paris, Nathan, Jordyn, Dariel e mais algumas pessoas bebem. Apenas
eu, algumas garotas e Matthew permanecemos quietos.
Rio internamente.
Se o jogo continuar desse jeito, o suco de uva vai ficar quente e intacto.
— Eu nunca roubei um pouco da herança dos meus pais e depositei na
minha conta. — Paris entra na brincadeira ao balançar sua cerveja de um lado
para o outro. Há um sorriso maldoso serpenteando seus lábios preenchidos por
generosas camadas de gloss rosa, que combina perfeitamente com sua roupa
espalhafatosa e os brincos de pompom da mesma cor, daqueles que a Ariana
Grande usou no clipe de Focus.
Sigo, mais uma vez, invicta.
Mas Colt e Paris são os únicos que bebem dessa vez.
Bem, meio estranho isso, todos aqui parecem ter sua própria poupança
recheada para precisarem pegar escondido a dos pais. Só consigo ver motivo em
Colt, até porque ele e o pai possuem um problema sério desde quando ele era
apenas um garotinho, então acredito que houve essa necessidade em algum
momento. Paris Sloan, no entanto, não consigo sequer imaginar o porquê de ter
precisado fazer algo do tipo.
— Eu nunca odiei com todas as minhas forças alguém aqui dessa roda —
Jordyn manda a próxima, já bebendo um grande gole da sua cerveja sem nem
esperar a reação do pessoal.
Carver ri baixinho antes de entornar o líquido alcóolico em sua boca.
Certeza que pensou em mim.
Bebo pela primeira vez o meu suco, pois sua imagem é a única que vem
em minha mente.
Mais pessoas fazem o mesmo, incluindo Matthew, que bebe até a última
gota do seu copo e amassa o copo pouco a pouco, os olhos presos no fogo
crepitante da fogueira. Ele parece visivelmente sombrio e atormentado.
Cutuco Colt com os dedos e ele logo me olha. Parece tão confuso quanto
eu.
— Quem que ele odeia desse jeito?
— Não faço ideia — responde ao erguer os ombros. — Apesar de ser meu
amigo, o garoto continua sendo um poço de segredos.
Matthew Donnelly parece ser esse tipo de pessoa fechada até mesmo com
quem é próximo.
Voltamos a prestar atenção no que está acontecendo bem a tempo de vê-lo
se levantar, jogar os fios dourados e levemente cacheados para trás, encarar cada
pessoa espalhada pela relva e espalmar as mãos no quadril.
— Eu nunca cometi um crime e ajudei a foder com o psicológico de
alguém. — A fala de Matthew não tem nada de brincadeira. Muito pelo
contrário, parece ser a alfinetada perfeita em alguém que esteja na festa.
Ninguém bebe e o silêncio sepulcral predomina.
A vibe da roda muda drasticamente. Todo mundo parece meio surpreso,
nervoso e espantado pelo rumo que a brincadeira tomou.
— Deixa eu reformular. — Ele solta uma risada anasalada muito, muito
esquisita e ardilosa. — Eu nunca menti descaradamente nesse jogo.
O mesmo silêncio e a mesma postura permanecem. Ninguém se
movimenta.
— Tudo bem. — Matthew ergue os braços para o alto em forma de
rendição e volta a se sentar, porém não sem antes completar seu discurso. — No
fundo todos nós não passamos de grandes mentirosos tentando sobreviver em
realidades paralelas criadas por nós mesmos.
Confesso que essa doeu e pesou até em mim.
— Ok, já chega disso — Dariel, provavelmente tentando ajudar o amigo,
solta depressa. — Quem quer Verdade ou Desafio agora?
Os meninos do Fort Red Knights aceitam prontamente e começam com os
desafios. Não consigo ver tudo que se segue por conta do meu celular que vibra
no bolso da calça. Retiro o aparelho de dentro dele e vejo a notificação de uma
mensagem de Aria brilhando na tela.
Docinho: Fazendo parte da festa da fogueira? Sério, Love?
Olho para todos os lados a procura dela em algum canto, voltando a digitar
depois que tenho a certeza que não está por aqui.
Eu: Você está conseguindo ver do seu dormitório? Quer dizer que seremos
pegos?
Docinho: Claro que não. O segundo bloco não é perto do campo para que
a gente consiga ver e ouvir nada, além de que já está todo mundo dormindo e
trancado por aqui, esqueceu? Só consigo sair porque hackeei o sistema e
descobri o código do portão. Fui passear, tomar um ar e vi a movimentação no
campo. No começo achei estranho, mas depois me lembrei da história da
fogueira e me toquei sobre o que estava acontecendo. Não esperava te ver junto
com eles. Ficou maluca?
Uma lufada de ar repleta de alívio escapa por entre meus lábios ao
perceber que é só ela que pode nos pegar, afinal, é a maior nerd hacker que essa
escola já viu.
Ouço pessoas chamando meu nome, então mando uma última mensagem.
Eu: Longa história, amiga. Depois te explico, tá? Volta para os
dormitórios logo. Beijinhos. Te amo.
Aria visualiza e responde tão rápido que, mesmo na pressa, ainda consigo
ler.
Docinho: Já estou aqui pronta para dormir. E quero que me conte tudo
mesmo.
Beijinhos. Também te amo.
Guardo meu celular rapidamente e encaro quem quer que esteja me
chamando.
Fico levemente envergonhada quando percebo que estão todos, sem
exceção, me encarando.
Principalmente Dariel, que me esquadrinha como se estivesse diante de
alguma coisa muito divertida.
— O quê? — a pergunta me escapa.
— Eu acabei de desafiar Colt — Aponta com a cabeça para o amigo ao
meu lado. — a te levar para debaixo das arquibancadas e só sair de lá quando
completarem dez minutos.
Oi?
— Não tente brigar. — Escuto a voz baixa de Colt. — Vamos ter que ir.
Não será tão ruim assim, vai.
— Não tenho boas recordações daquele lugar — murmuro só para que ele
escute. — Se é que você me entende.
Ele não me responde, apenas se levanta rapidamente, deixa sua bebida no
chão e me puxa para cima sem muita cerimônia. Quando percebo, estou
resmungando e sendo arrastada por ele até as arquibancadas.
Não demora muito até que ele nos enfie lá dentro. Novamente.
— Quem foi que disse que eu tinha aceitado? — Me solto do seu agarre e
me mantenho em uma distância segura, fechando a jaqueta jeans para me
aquecer da brisa gélida da madrugada de Fort Lauderdale. — Em nenhum
momento eu lhe dei autorização para me trazer até aqui. Quer saber, não gostei
nada dessa merda.
Colt, ao contrário do que eu imaginei, apenas se encosta na pilastra, brinca
com o maldito piercing em seu lábio inferior e me analisa com um brilho
divertido cintilando em suas írises.
— Sabe o que eu acho? — Aprumo os ombros e empino o queixo,
incentivando-o a continuar. — Acho que está com medo. Está com medo de ficar
sozinha comigo aqui, nesse lugar em que me viu foder tão bem, e se ver com
vontade de implorar para que eu te pegue bem aqui, contra as pilastras. Está com
medo de querer se entregar a mim e acabar com a nossa aposta, sedenta para
descobrir o gosto dos meus lábios e o efeito do meu toque nesse seu corpo
pequeno e gostoso.
Céus, eu deveria ficar com raiva e puta da vida pela maneira como fala
isso, mas por que sinto como se um raio tivesse atingido com uma força
impressionante o meio das minhas pernas?
Ah, droga, quando ele começa a rastejar até mim como a cobra venenosa
que é, resfolego.
— E sabe o que eu quero? — Balanço a cabeça de um lado para o outro,
incapaz de proferir qualquer coisa. O barulho que as suas botas fazem cessam
quando fica em minha frente, bem perto. Perto o suficiente para me roubar o ar.
Perto o suficiente para que meu cérebro seja fundido e o deixe fazer qualquer
coisa que quiser. — Eu quero fazer isso. — Rapidamente, me pegando
totalmente de surpresa, Colt me gira e me coloca prensada contra uma outra
pilastra, seu corpo colado ao meu e as suas mãos prendendo as minhas nas
minhas costas. Solto um gritinho abafado de surpresa mesclado com prazer
quando sinto seu membro já duro me cutucar. — Eu quero ceder, ser fraco e
mandar essa aposta para a puta que pariu. Eu quero te beijar até você cansar,
Love. Quero você de todas as formas que um homem pode querer uma mulher.
Minha mente está totalmente nublada pela volúpia e pela pegada de Colt.
Estou querendo desesperadamente que o garoto que sempre fora o meu
inimigo declarado acabe com toda essa merda e me roube um beijo.
— Você me odeia, lembra? Você não quer isso. — Tento fazer com que
mude de ideia, porque se vir para cima, não vou ter forças para recuar. Estarei
arruinada.
Ele ri bem no pé do meu ouvido, arrepiando até o meu último fio de cabelo
e acabando com qualquer rastro de sanidade e coerência que restava dentro de
mim. Uma das suas mãos se desprende do meu pulso só para enrolar meu cabelo
nela e puxar minha cabeça para trás em um safanão, que faz com que eu aperte
involuntariamente as coxas para controlar a queimação e o fato de estar tão
entregue e tão excitada com a leve pontada de dor que os seus dedos fazem
contra meus fios.
Cada parte do meu corpo está pegando fogo e ele ainda nem me tocou do
jeito que eu sei que vai. Sinto que podemos começar um incêndio generalizado a
qualquer minuto se permanecermos dessa forma, com ele usando toda sua
brutalidade deliciosa em mim. E o mais engraçado disso tudo é que aqui, nesse
mesmo lugar, Carver disse que eu estava pronta para ser punida do jeitinho que
eu merecia, e agora finalmente entendo suas palavras, pois é exatamente isso que
me vejo desejando agora. Quero que me puna, que sussurre coisas sujas no meu
ouvido com a droga da sua voz rouca, que vista sua carcaça de impiedoso
diabólico e me faça cair em suas garras.
— Se o fato de eu te odiar já torna tudo excitante, imagina só a explosão
que vai ser quando eu usar toda essa força e toda essa intensidade para lhe dar
prazer. Você vai viver o melhor do paraíso e do inferno em um só momento,
estrelinha. — Ele enrola ainda mais os meus fios e tomba a minha cabeça para o
lado, deixando a pele do meu pescoço acessível para que inspire meu cheiro para
dentro de si com vontade, um “ah” alucinado e cheio de aprovação escapando de
sua boca. — Você tem cheiro da perdição, Love. E eu definitivamente me atraio
por ela.
O maldito suco de uva devia ter alguma poção, porque estou
completamente enfeitiçada. Não penso nos contras, no que isso vai significar no
futuro e o quanto posso me machucar e entrar em uma furada das grandes,
apenas sinto seu aperto, seu calor corporal e sua respiração densa e pesada
batendo contra o meu pescoço, que ajudam a mandar embora qualquer traço de
dúvida que eu possa vir a ter.
Eu quero, de uma forma totalmente equivocada e irracional, Colt Carver, o
capitão que desprezei por uma vida toda.
Mesmo que eu me arrependa amargamente depois, eu quero esse
momento.
Eu quero desesperadamente pecar com o inimigo. Porque, já que a
madrugada começou errada, não custa nada terminar de fechar com chave de
ouro.
— Então me odeie, Colt Carver. Me odeie da forma mais crua e carnal que
você consegue. Sou, pelo menos agora, inteiramente e completamente sua.
— Pode apostar que vou odiar, estrelinha. Mas antes saiba de uma coisa.
— Crava os dentes no lóbulo da minha orelha, depois o solta e o circula com a
ponta da língua, deixando um rastro de saliva e me fazendo pensar mil e uma
sacanagens. Nunca fui uma garota tão má quanto agora. — Você pertence a Colt
Carver desde que tinha só oito anos de idade.
É a última coisa que fala antes de me girar novamente, agora para a sua
frente, e colar minhas costas no concreto de forma brusca, seus dedos
rapidamente se prendem em meu queixo, me mantendo presa na lascívia
esmagadora do seu olhar penetrante. Depois de alguns longos segundos em que
nossos olhos parecem conversar, ele larga o meu queixo, espalma as duas mãos
na parede, de modo que fiquem uma em cada lado da minha cabeça, afunda o
rosto na curvatura do meu pescoço, paira a boca sobre a pele sensível e quente e
seus dentes afundam e mordiscam de leve a região, me fazendo arfar, fechar os
olhos e torcer o tecido do seu moletom contra os meus dedos, o trazendo de volta
para cima. Suas írises tão escuras quanto à noite se chocam com as minhas uma
segunda vez e reluzem caos e um fogo tão ardente e fatal quanto o da fogueira lá
fora, me queimando feito uma brasa que dança naquelas profundezas negras.
De repente, sem anunciar ou dar indícios, Colt Carver coloca suas mãos
uma em cada lado do meu rosto e me toma para si em um rompante, seus lábios
esmagando os meus em completa urgência e necessidade, como se aqui, na
minha boca, o mundo finalmente começasse a fazer sentido para nós dois. Não é
uma coisa simples, calma ou romântica. Não tem nada disso. É brutal, ardente,
feroz, cheio de ódio velado e mágoas guardadas. É uma linha tênue que faz com
que sentimentos bons e ruins se colidam na curva. É cru, real e completamente...
nós.
Sua língua pede passagem de maneira abrupta em seguida e eu logo
concedo o que tanto quer, arquejando e o trazendo ainda mais para perto de mim
quando ela finalmente encontra e se enrosca com a minha língua, o que faz com
que eu contorça os dedos dos pés dentro dos coturnos. Não demora muito para
que uma das suas mãos desça pelo meu corpo, conhecendo cada lugar e cada
curva, e se concentre na minha bunda, que ele faz questão de bater, apertar com
certa força e impulsionar para cima, querendo que eu passe minhas pernas ao
redor da sua cintura. É exatamente isso que faço.
— Porra, Love, você não tem noção do quanto sonhei e fantasiei com esse
momento. Não tem noção do quanto fiquei atormentado com essa sua bunda —
resmunga contra meus lábios ao passo em que morde o inferior. — É gostosa pra
caralho. Estou fodido, sabia disso? Estou fodido, pois agora que comecei, não
vou mais conseguir me manter longe.
Meu coração martela tanto agora que penso que pode ferir a qualquer
momento minha caixa torácica.
Por coincidência, meu bolso apita com algumas mensagens.
Colt franze a testa.
— Seu celular? — pergunta, eu confirmo. — Não vai ver quem é?
Deve ser Aria para saber se já cheguei em casa.
Entrelaço meus pulsos ao redor do seu pescoço e nego.
— Agora estou ocupada querendo que você não continue longe. Sabe
como é, me odiando e coisa e tal.
Ele sorri de um jeito muito arteiro, e eu o beijo pela segunda vez, me
afundando em seu gosto de menta e cerveja, sem me importar em saber se os
minutos já acabaram, se as pessoas vão vir atrás de nós ou qualquer merda do
tipo.
Há uma movimentação atípica que vem de lá do campo, como se fossem
gritos, passadas e gente correndo.
Eu e Colt nos desgrudamos para que eu possa descer do seu colo
rapidamente.
Ele corre até a abertura da arquibancada só para conferir o que está
acontecendo.
Quando seu olhar assustado encontra com o meu, sinto vontade de
vomitar, pois sei o que está acontecendo.
Alguém da St. Rose Academy está muito próximo de nos achar.
— Acho que é o diretor — Colt solta em um rosnado. — Puta que pariu!
Ai, meu Deus, estou ferrada. Acabou a Peça da Primavera para mim.
Ele respira fundo, bagunça os cabelos e se aproxima, colocando as mãos
nos meus ombros e me obrigando a lhe encarar.
— Todos correram e ele está se aproximando das arquibancadas, consigo
ver pela lanterna. — Meus olhos se enchem de lágrimas. — Vou despistá-lo
enquanto você pula a grade e corre para bem longe. Dariel e Matthew devem
estar nos esperando no estacionamento ou do outro lado da rua, eles não vão
embora sabendo que estamos aqui.
— Como pode ter tanta certeza disso? — quase grito, desesperada. — Eles
não vieram nos avisar. Eles podem ter ido embora.
— Talvez não tenha dado tempo, mas isso não importa agora. Você precisa
ir.
Eu realmente falei para ele que seria capaz de tudo caso alguém me
pegasse aqui, mas já não sei mais se quero deixá-lo sozinho para arcar com as
consequências. Também foi opção minha estar aqui.
— Não pense, Love, porra, só faça o que estou mandando. Vou lidar com
as consequências. Sou o capitão do time, o filho do Senador, tenho meus
privilégios e o castigo não vai ser horrível, até porque os jogos estão se
aproximando e a St. Rose precisa de mim no time. Só vai embora.
Confiando nas suas palavras e no seu privilégio de atleta, mesmo sentindo
uma pequena fagulha de dor no peito por deixá-lo sozinho, saio debaixo das
arquibancadas e corro pelo campo como se a minha vida dependesse disso.
Busco puxar o ar para meus pulmões e me penduro pelas grades assim que me
aproximo, tentando não cair por conta do nervosismo.
Quando pulo e aterrisso no chão do outro lado, corro mais uma vez sem
olhar para trás.
Não vou ser pega. Não vou ser pega.
Colt não vai se ferrar. Colt não vai se ferrar.
São com esses pensamentos que chego até o outro lado da rua, já longe o
suficiente da escola.
Coloco as mãos nos joelhos, busco por ar e tento controlar minha
respiração afobada.
Meu celular apita mais uma maldita vez.
Com uma certa raiva e impaciência, retiro o celular do bolso e quase caio
para trás quando vejo as incontáveis mensagens de Aria, além das mais de vinte
chamadas perdidas de números que não tenho salvo.
Meu coração sobe pela garganta, mas ainda consigo clicar na conversa
com a minha melhor amiga.
Docinho: Não sei como diabos isso foi acontecer, mas acabei de ver pela
minha janela o diretor passando por aqui com uma lanterna na mão. Dá o fora
daí o mais rápido possível, Love.
Docinho: Foi embora?
Docinho: Me responda, garota. Estou ficando preocupada.
Docinho: Loooooove, aparece, sua maluca.
Então esse foi o motivo das mensagens àquela hora. Minha amiga só
estava tentando me proteger, e eu me deixei ser levada pela emoção e a ignorei.
Agora Colt vai levar a pior.
A luz de um farol surge pela escuridão e logo reconheço a Bugatti de
Matthew.
Eles realmente permaneceram aqui e não foram embora como cheguei a
cogitar.
Dariel e Matthew vieram nos salvar.
❝ Amor, de quem você está tentando fugir?
De mim ou de todos os seus problemas?
Você sabe que não vai resolvê-los
Você nem conhece você mesmo. ❞
SELFISH – MADISON BEER

MANSÃO DOS MONAGHAN, 29 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


03H52MIN.
Quando entro pela porta do meu quarto, após chegar de carro com
Matthew junto de Dariel e Colt, tentando fazer o mínimo de barulho possível, a
tranco, solto um fluxo de ar e me sento na cama. Tiro os coturnos com a ajuda
dos calcanhares, jogo meu corpo para trás, encaro o teto e repasso todos os
acontecimentos malucos desta madrugada.
“Love Dillon Monaghan, no que foi que você se meteu?”, é o primeiro
pensamento que explode na minha mente quando flashs do que passei algumas
horas atrás surgem de maneira acelerada; eu aceitando participar da festa da
fogueira, a festa da fogueira em si, o meu beijo com Colt Carver, os gritos, a
galera correndo, o garoto me mandando ir embora e ficando para trás, seus
amigos surgindo para me salvar, nós três em completo silêncio dentro da Bugatti
enquanto esperávamos Carver, ele surgindo longos minutos depois e dizendo que
só ficará sabendo a gravidade da sua punição na segunda, que foi o prazo que o
diretor deu para pensar direitinho nesse final de semana, além do momento,
claro, quando cheguei e alguns funcionários da mansão flagraram a minha volta
com seus rostos na típica pose de paisagem.
O que me deixou mais tranquila diante disso é saber que eles não têm
como me dedurar, afinal, existe uma regra de que não podem se meter na vida
pessoal e no que acontece dentro da casa dos patrões.
Mas não é porque isso não me preocupa que outras coisas não estão
fritando minha cabeça.
A droga do maldito beijo não parou até agora de fazer meu coração
tamborilar. Sinto uma falta de ar e um formigamento atípico nos lábios toda vez
que a cena se repete como um looping em minha cabeça. É quase como se eu
estivesse sentindo dor física por não estar mais tendo aquele contato insano da
boca avermelhada e macia dele na minha. É quase como se eu não estivesse
conseguindo prosseguir com a minha vida porque estou presa lá, na droga da
pilastra, com o seu corpo e toda sua existência viril me sufocando e alucinando
meus sentidos mais primitivos.
Eu, mais do que ninguém, não deveria ter gostado tanto.
Eu, mais do que ninguém, não deveria estar tão afetada pela droga de um
beijo. Já beijei outros garotos antes. Mesmo que tenham sido poucos, bem
poucos mesmo, tenho algum tipo de experiência e ele não foi o primeiro. Mas,
para o meu terrível azar, para o terrível azar do meu orgulho e da minha
teimosia, conseguiu superar e ser melhor do que todos eles juntos. Até porque
ninguém se assemelha a Colt em nada. Ninguém tem a sua aparência e beleza
perturbadoras, sua personalidade, o seu jeito e o modo como lida com as coisas.
E ninguém também conseguiria ter o que temos.
Detesto admitir isso, mas acho que não nos odiamos tanto assim. Acho que
ele não é tão ruim e desprezível como passei a vida toda acreditando. Comecei a
perceber isso no dia em que o vi tendo pesadelos e senti, bem no meio do meu
peito, que precisava ficar e ajudar de algum modo, porque o tormento preso
dentro dos seus olhos estava simplesmente impossível de ignorar. Percebi isso
quando me pediu para contar alguma coisa pessoal minha. Percebi isso quando
me disse, com todas as letras, que eu havia nascido com o intuito de brilhar feito
uma estrela. Percebi também até mesmo hoje, quando vi que comprou suco só
para mim porque me observou por anos e sabia que até o cheiro do álcool me
incomodava. Sem contar o momento que me mandou correr e ficou para
despistar o diretor só para que eu conseguisse pular a grade a tempo sem ser
pega.
Pode parecer idiotice, mas isso significou algo para mim. Acho que foi
definitivamente nesse momento que virou a chavezinha dentro da minha cabeça.
Colt Carver pode até ser um ogro sem coração boa parte das vezes, pode
até ter me tratado mal na infância, no entanto há algo nele que se prende a mim
desde aquela época, e vice-versa. Nós temos um tipo de conexão estranha e que
nunca ninguém conseguirá entender, nem mesmo eu e ele. É uma força maior
que nos puxa e que nos faz orbitar um ao redor do outro. Uma que ninguém será
capaz de chegar ao nível.
Tenho medo dessa merda? Tenho.
Vou conseguir fazer alguma coisa sobre? Definitivamente não.
Fiz o que pude para deixá-lo longe, passei seis anos me esquivando e
tentando me tornar invisível, mas uma hora ou outra isso acabaria acontecendo.
Não se tem como evitar o inevitável. Não se tem como refrear um Asteroide que
está destinado a se chocar com a Terra. Não se tem como não esperar que a
gasolina se junte ao fogo quando os misturam. Só espero que ele não ache, só
porque aceitei que me beijasse, que vou ficar na sua cola como todas as outras,
implorando por mais.
Foi um beijo bom, um beijo muito bom, mas já foi o suficiente para matar
a curiosidade que estava borbulhando em mim. Já descobri como ele é nesses
momentos. Já descobri o gosto dos seus lábios, o gostinho do inferno no paraíso
e sinto que tive todas as minhas dúvidas sanadas. Um momento como aquele não
irá mais se repetir.
Posso ter percebido várias coisas hoje a respeito dele, entretanto, nada que
colocasse por terra o fato de Colt Carver ser um perigo para qualquer garota. E
eu não quero e nem vou ser mais uma conquista na sua lista interminável, tão
pouco mais uma vítima.
Como já tinha dito, quero apenas me concentrar na Peça da Primavera. E
agora que ele conseguiu o que queria, acredito que vá me deixar em paz com
essa coisa de jogo, aposta e reação. Já reagi e me movimentei até demais.
Tiro o celular do bolso, desbloqueio e entro na nossa conversa.
Eu: Obrigada por ter ficado para entreter o diretor enquanto eu corria.
Por um momento achei que tudo tinha acabado para mim.
Demoram poucos minutos para que os três pontinhos pulando surjam na
tela.
Colt: Eu cumpro com o que digo, tá vendo só?
Meus lábios se contorcem em um sorriso. Digito uma resposta
rapidamente.
Eu: Pois é. Será que você vai ficar muito encrencado? Também tem ideia
de como o diretor ficou sabendo?
Colt: Não vou ficar encrencado, estrelinha, já aprontei e me safei das
merdas várias vezes. E sim, acho que alguém nos dedurou. Em algum momento
eu descubro. Mas vai dormir, tenho certeza que está cansada.
Estou pronta para responder, mas outra mensagem dele chega.
Colt: Sonhe comigo, Love, porque eu definitivamente vou sonhar com
você.
Não consigo não sorrir ainda mais.
E com o bendito sorriso fazendo as minhas bochechas doerem, opto por
não enviar mais nada, bloquear o celular, colocá-lo na cômoda e enterrar meu
rosto no travesseiro, abafando um gritinho.

ST. ROSE ACADEMY, 31 DE AGOSTO DE 2018, ÀS 7H03MIN.


Estaciono meu Corvette branco em uma boa vaga no estacionamento e
saio do carro sentindo o sol escaldante da costa sudeste da Flórida me
acompanhar até a entrada da escola.
Céus, hoje a segunda-feira está quente pra cacete.
Seco a fina película de suor que começa a se formar na minha testa e
arrasto minhas botas de camurça pelo mar de alunos que segue para o mesmo
destino que eu: o imponente e moderno primeiro bloco de aulas.
É preciso uma força extracorpórea para que eu não resmungue e
choramingue querendo mais dias de folga. Ainda me sinto terrivelmente cansada
por conta da festa da fogueira.
Por falar nela, não falei mais com Colt depois das trocas de mensagens na
madrugada. Muito menos falei, vi ou sequer tive notícias de seus amigos,
Matthew e Dariel. A única pessoa de quem não consegui me esconder foi de
Aria Blake, que me acordou às dez da manhã do sábado para uma ligação de
vídeo.
Minha melhor amiga quase voou da tela do celular para o meu quarto
quando ficou sabendo que quase fui pega pelo diretor. Enquanto eu tentava
entender em que lugar me encontrava por estar bêbada de sono, tive que escutar
um baita de um sermão por horas a fio. Aria simplesmente me tirou do sério
nesse dia. Tive que contar tudo.
Ou quase tudo.
— Olha só quem está aqui, a foragida. — Como os mais velhos costumam
dizer: Aria Blake não morre mais. A garota de cabelo preto e curto surge ao meu
lado e aperta os dedos contra a alça da mochila. — O que fez esses dias? Além
de invadir escolas e começar a ser amiga de pessoas que costumava detestar,
claro.
Reviro os olhos com força.
Ela nunca, nunquinha vai me perdoar por eu ter saído com o grupo do mal,
com o grupo que costumávamos detestar e desprezar juntas. Sempre que tiver
uma oportunidade, vai me zoar e jogar esse fato na minha cara. Imagina só o
que seria capaz de fazer se sonhasse que dei um beijo em Colt. É por isso que
não contei e nem pretendo contar. Vai ser uma coisa apenas minha e dele.
— Se você falar um pouquinho mais alto, talvez eu passe de foragida para
pega em questão de segundos. — Subimos os poucos degraus e paramos só
quando alcançamos o último, uma ficando de frente para a outra. — Você disse
que não estava com raiva de mim, mas estou começando a achar que sim.
Uma pequena risada escapa dos seus lábios pintados por um batom roxo.
— Não estou com raiva de você, idiota. — Dá um leve empurrão no meu
braço, brincando. — Só estou querendo te proteger. Não quero minha melhor
amiga se metendo em roubada porque gosta de ficar brincando de Jogos Mortais
com Colt Carver. Quer dizer, não só com ele como também com os outros dois
capachos, pelo visto.
Jogos Mortais... Essa foi boa.
Rio.
— Agradeço a preocupação, mas sei me cuidar muito bem. — Jogo a
chave do meu carro para dentro do bolso da mochila, ainda mantendo meus
olhos em sua figura despojada. — Não estou sendo uma traidora, tá legal? Ainda
permaneço não suportando essa gente. Já falei, foi só uma tentativa de ganhar
experiência. A primeira e a última.
Os olhos pincelados por um delineado de gatinho se semicerram.
— Não me passou firmeza, Love Monaghan.
Antes de voltar a andar, murmuro:
— Não enche, Docinho. Vai atrás do Macaco Louco que você ganha mais.
Como fica atrás de mim, não consigo vê-la, mas aposto toda a minha
futura herança que está revirando os olhos nas órbitas. Dou risada comigo
mesma.
Entramos na St. Rose logo depois, e a primeira pessoa que adentra meu
campo de visão, logo após Aria ir mudar alguma coisa do seu plano de aulas na
diretoria, é Colt Carver.
Minhas bochechas ruborizam de leve assim que lembro do modo como
quase o deixei me possuir naquela noite.
Sua cara não parece muito boa.
— Acabei de sair da sala do diretor. — Mordo o interior da bochecha e
troco o peso dos pés, ansiosa e com medo. — Minha vontade é matá-la nesse
exato momento, Monaghan. Não deveria ter bancado o herói só para te salvar.
Não sou a porra de um príncipe. — Ele ergue um dedo em riste e dá um passo.
— É tudo culpa sua. Se não tivesse atormentado o meu juízo a noite toda com
aquele papo de que iria fingir ter sido levada a força, talvez eu não tivesse
surtado e feito o que fiz.
Ah, não, isso não.
— Culpa minha? — Meu tom de voz aumenta enquanto afundo o dedo
indicador no meio do peito, incrédula. Quando eu penso que as coisas estão
melhorando entre nós, ele simplesmente vem para estragar tudo como o babaca
que é. — Não mandei que bancasse o gentleman em hora nenhuma. E foi você
que apareceu na minha porta com aquele papo furado de faculdade, quase
implorando para que eu te acompanhasse. Foi você que disse que era o capitão e
que se livraria dos problemas. Agora aguente talvez não ser tão adorado assim.
Agora aguente lidar com as suas merdas sem ser a porcaria de um bebê chorão!
Seu maxilar bem definido fica trincado e as narinas se inflam quando dá
mais alguns passos, encurtando nossa distância.
Os alunos param para ver nosso pequeno embate, mas estou ocupada
demais deixando a raiva e a chateação me dominarem para sequer prestar
atenção em quem está atento ou não.
— Não venha com essa porra para cima de mim. — Por incrível que
pareça, ele fala baixo, em um sussurro pausado e intimidante. — Não venha com
esse papo como se não tivesse ido por livre e espontânea vontade. Eu sei que
você gostou, eu estava lá, Love. Eu estava lá quando você decidiu ser uma
garotinha fácil.
— Quer saber de uma, Colt? — O empurro para trás com toda raiva e
força que habita o meu ser, lágrimas de ódio pinicando meus olhos. — Vai se
foder! — esbravejo. —Qualquer castigo que tenha levado foi pouco. Quero mais
é que você se ferre todinho.
Coloco as minhas botas para me levarem para longe daqui e seco
rapidamente a única lágrima que escorreu pela minha bochecha, sem dar brecha
para que alguém perceba ou para que outras se sintam no direito de cair sem a
minha permissão.
Colt Carver fez com que eu me sinta, mais uma maldita vez, a maior das
trouxas.

TEATRO DA ST. ROSE ACADEMY, 31 DE AGOSTO DE 2018, ÀS


10H12MIN.
Toda vez que passo pelas portas do Teatro, todos os meus problemas ficam
do lado de fora. Foi exatamente isso que aconteceu quando deixei a aula de
inglês de uma forma totalmente dispersa e corri para encontrar Astrid Reed e os
meus colegas em cima do palco. Minha áurea mudou completamente, quase
como se eu não tivesse brigado com um filho da puta horas atrás.
O poder que só as coxias têm, obviamente.
Sentada no chão, ao lado dos meus companheiros de cena, presto atenção
enquanto nossa professora começa a falar sobre um imprevisto que acabou
surgindo e que, de uma forma que ninguém entende, acaba afetando todos nós,
incluindo as audições para a Peça da Primavera, que estão cada vez mais
próximas.
— Desembucha logo, mulher — Jordyn Jensen fala para Astrid ao passo
em que tira o pirulito de coração da boca, provavelmente sem aguentar mais o
suspense que a mulher no centro da nossa roda adora fazer. — Daqui a pouco a
aula acaba e você não saiu do lugar.
A mais velha escorrega os óculos pelo dorso do nariz e bate o sapato com
salto plataforma no piso de madeira, direcionando a JJ um único e poderoso
olhar repreensivo, que faz a garota de cabelos enormes soltar um sorriso amarelo
na hora, voltando a rolar o pirulito nas bochechas.
— Como eu estava falando... — Astrid limpa a garganta e reúne as mãos
juntas no centro do corpo. — Recebi uma ligação ontem à noite do diretor, nosso
querido senhor Fallon, me contando sobre um incidente que aconteceu na sexta-
feira com um aluno. No começo, confesso a vocês que não estava entendendo o
que eu, uma mera professora de teatro, tinha a ver com as possíveis infrações de
jovens rebeldes, mas aí ele enrolou, enrolou e chegou ao ponto que me fez parar
as aulas para poder contar. — A professora para por um momento, observa o
chão, a nossa roda e decide que é a hora de continuar. Minha pulsação acelera e
prendo a respiração com o que vem a seguir. — Colt Carver, o capitão dos Fort
Red Knights, cometeu uma infração às regras da escola e o diretor optou,
juntamente com o treinador do time, que a punição encontrada para ele rever
suas atitudes infantis e egoístas é aqui, trabalhando conosco na Peça da
Primavera em algum papel pequeno ou até mesmo ajudando a montar os
cenários.
Os atores começam a cochichar assim que ela encerra sua explicação, e eu
permaneço completamente paralisada.
O universo só pode estar querendo tirar uma com a minha cara.
Ninguém ousa falar mais nada, porque, como se fosse algo programado
para chamar a atenção de todos e fazer cena, Colt Carver abre as portas do
Teatro bem na hora em que estamos falando dele e todo o momento diante dos
nossos olhos se desenrola em uma maldita câmera lenta, principalmente quando
começa a caminhar pelo meio dos assentos aveludados com a sua típica pose de
bad boy perigoso pronto para explodir tudo e todos ao seu redor. Ele afrouxa a
gravata malfeita em torno do seu pescoço com seus olhos pequenos e angulados
parecendo brilhar desordem, e retorce o canto dos seus lábios em um pequeno
sorriso perverso.
Não preciso ser uma gênia para descobrir que isso foi com único
propósito: me deixar ainda mais puta.
Minhas bochechas se inflam de ar.
Não demora muito depois disso para que ele suba as escadinhas e caminhe
pelo palco, fazendo as garotas torcerem o pescoço como se estivessem no filme
O Exorcista. Vários suspiros melosos são proferidos, quase que ao mesmo
tempo, quando o capitão do time se posta ao lado de Astrid.
— Pelo silêncio desde que entrei, acredito que já saibam que terão que
aguentar minha companhia pelos próximos meses. — Seus olhos não me
procuram, mas sinto ele em mim a todo momento, o que é, no mínimo, estranho.
— Gostaria de poder dizer que é uma honra, mas estaria mentindo.
Colt não está fazendo graça, muito menos rindo, mas há quem dê risada de
sua sinceridade.
— Ok, senhor rebelde engraçadinho, poderia se sentar com o restante? —
Nossa professora não precisa repetir, ele fala alguma coisa no ouvido dela e
observa a roda com atenção, procurando um lugar para se sentar. E é claro que
ele pede para que Jordyn se afaste só para se sentar entre nós duas. Bufo de
propósito só para que escute. — Voltando ao que interessa, crianças. — Astrid
estala os dedos, e eu me forço a ignorar a presença do garoto ao meu lado. — As
audições para a peça serão semana que vem. Enviarei o roteiro para o e-mail de
todos vocês assim que a aula terminar. E Colt... — Seus olhos astutos cravam no
idiota. — Vou ser boazinha e lhe dar a opção de escolher: vai querer estar nos
palcos ou no backstage junto com outros?
— Eu queria mesmo era morrer — responde.
— Então se esforce mais na próxima, garoto, assim não será pego.
Cubro a boca com os dedos para que ninguém perceba que estou rindo.
— Tudo bem. Que seja. Posso ficar ajudando nos bastidores.
— Obrigada pela sua gentileza. — Reed sorri de forma sarcástica. Puxa,
ela é mesmo boa. — Agora, minhas futuras atrizes e futuros atores, vamos para
mais uma atividade de participação e cooperação. Levantem-se.
Pelos próximos minutos, enquanto eu e meus colegas fazemos o exercício
que Astrid mandou, para que possamos melhorar nosso entrosamento em cena,
Carver fica no canto do palco e mexe no seu celular. Em certo momento, quando
acha que ninguém está percebendo, noto que bloqueia o telefone, descansa ele
em seu colo e fica prestando atenção no que eu e minha dupla — acho que o
nome dele é Mason — estamos fazendo, já que há brincadeiras que envolvem
confiança, atração e química, o que nos exige um certo toque e proximidade. Seu
maxilar fica tão, mas tão marcado que é muito nítido enxergar o ossinho
estufado. Ele parece hiperventilar de tão furioso.
É uma pena saber que, para Colt, tudo não passa de um martírio. Só que
não.
Nunca uma aula foi tão divertida. E olha que vivo me divertindo horrores
por aqui.
Mais dez minutos se passam, Mason se separa de mim, eu tomo um gole
de água no intervalo, e Colt Carver surge em minha frente.
Coloco de volta a tampinha na garrafa e ergo uma sobrancelha. Não vou
fazer um show aqui também. Já basta o do corredor.
— Me desculpe. — É a primeira coisa que sai da sua boca quando parece
perceber que não irei falar nada.
— Você está me pedindo desculpas? — Dou uma risada anasalada ao passo
em que lhe aponto um dedo. — Uau. Pelo quê? Por ter me levado à fogueira, por
ter me beijado, por ter me culpado pelo que aconteceu ou por ter me chamado de
fácil?
Diferente do que estou acostumada, sua expressão não endurece, não fica
séria nem com raiva, fica repleta de... culpa e arrependimento. Parece algo
genuíno. Não confio muito, entretanto.
— Não quis te ofender, Love. Eu só fiquei pau da vida e descontei na
primeira pessoa que apareceu na minha frente, que foi você. Achei que fosse me
safar de um problema, não arranjar mais um. Isso aqui, esse Teatro, vai implicar
de diferentes formas na minha vida; o time, os futuros jogos, até mesmo a
porcaria do meu pai, porque tenho certeza que o senhor Fallon irá ligar para ele.
E Maverick Carver vai, mais uma vez, foder com a minha mente como bem sabe
fazer. — Os dedos de Colt tocam os meus fios, se aproximando daquele jeito que
só ele sabe fazer. Quando dou por mim, estamos tão próximos que tenho que
inclinar a cabeça para trás. — Estava só tentando mentir para mim mesmo
quando vomitei aquelas palavras mais cedo. Não me arrependo de nada daquela
noite. De absolutamente nada. — Sua boca paira acima da minha orelha só para
soprar: — Nunca me senti tão feliz ao perder um jogo, estrelinha. E olha que sou
competitivo pra caralho.
Não gosto de Colt Carver porque, com a mesma facilidade que consegue
erguer meus muros, também é capaz de derrubá-los em questão de segundos.
Tudo se desmorona ao vento.
— Você disse que eu era fácil — repito suas palavras duras. — E mesmo
que uma coisa dessa não me magoe, já que sou grande e independente o
suficiente para fazer o que me der na telha, me machucou porque veio de você.
Ele solta um resmungo misturado com um gemido.
— Eu não sou uma pessoa boa, Monaghan. Eu geralmente não penso antes
de agir. Eu só... explodo e tenho a necessidade de fazer com que doa nos outros
tanto quanto está doendo em mim. Mas fazer isso com você mais cedo não
passou, me matou. Fiquei atormentado. — Coloca a mecha que estava segurando
atrás da minha orelha e volta a me olhar dentro dos olhos. Empalideço com a
tristeza aprisionada dentro deles. — Você não é e nem foi fácil. Você foi...
perfeita.
Sua confissão faz com que eu dê um único passo para trás e engula a seco.
Dentre todas as coisas que poderia me dizer, essa eu com certeza não
estava esperando.
Num segundo, estamos apenas nós dois, e no outro, Astrid surge
alternando o olhar entre mim e Colt, parece mortificada com algo.
— Colt Carver e Love Monaghan. — Nossos nomes deslizam por seus
lábios de uma forma impressionada. Eu e ele nos entreolhamos. — Vocês dois
juntos são simplesmente uau. — Gesticula a intensidade com as mãos, como
uma explosão. — Estava ali observando enquanto os dois conversavam e uma
ideia me veio à mente. Vocês são a Jamie e o Landon que eu preciso.
— Do que é que essa mulher está falando? — Colt questiona a mim, um
vinco se formando entre suas sobrancelhas grossas. — Quem são Jamie e
Landon?
— É o casal de Um Amor Para Recordar, a peça que escolhemos — minha
professora responde a dúvida dele, ainda parecendo encantada. Eu, no entanto,
apenas consigo manter meus lábios entreabertos. — Química exala de vocês.
Estou arrepiada até agora com o modo como se olharam. Havia faísca, raiva,
mágoa, decepção, desejo e calor. Vocês, meus amores, têm carisma e afinidade.
Meu faro nunca falha.
Balanço a cabeça e volto à realidade ao me dar conta de como isso é uma
loucura.
— Estou lisonjeada, Astrid, a Jamie é meu maior sonho no momento —
sou sincera. — Mas Colt não sabe de nada, só de lacrosse. Sem contar que
precisamos de audições, professora, seria injusto com os outros.
Ela nega veementemente cada uma das minhas falas.
— Não me contrarie, Love Monaghan — me dá sermão. — Trabalho com
isso tem anos, e escolher atores para os papéis apenas vendo o modo como se
entrosam acontece mais do que vocês imaginam. Porém, ainda assim, haverá
uma audição só com os dois, minha Jaime e meu Landon, para que eu possa
fazer os ajustes e auxiliá-los. Tenho certeza que você também poderá ajudá-lo a
melhorar ao longo dos ensaios. — Astrid coloca os óculos de volta no lugar e
sorri como nunca. — Isso aqui não é a Broadway, minha querida. Isso aqui é
aula de teatro que inclui a todos, até mesmo um jogador de lacrosse que nunca
atuou na vida. Aqui visamos a arte, o empenho, a vontade e a evolução.
Queremos que cresçam, amadureçam e se divirtam mais do que qualquer outra
coisa.
Assim como sempre, Astrid Reed tem razão no que diz, mas isso nunca vai
acontecer. Colt Carver só está aqui de maneira forçada.
— Vai ajudar no meu currículo para a faculdade? — O capitão dos Fort
Red Knights pergunta.
Isso por acaso é...
— Com certeza — Astrid confirma.
Ele sorri.
Repito, ele sorri.
— Vou conseguir conciliar com os treinos?
— Podemos ajustar os horários, se assim desejar.
Colt ergue os ombros.
— É, experiência nova. Acho que vai ser interessante. — O garoto pega na
minha mão e me coloca ao seu lado em um safanão. — Obrigado por ter visto
potencial em mim.
Astrid quem agradece, bate palminhas e sai toda saltitante, provavelmente
indo contar aos meninos.
Me viro em sua direção.
— Por que você aceitou? — indago. Estou tão chocada que não sei se fico
feliz, chocada, com raiva ou com medo dessa situação. Conheço-o bem o
suficiente para saber que nunca toparia isso. — Por que acatou a ideia? Você
acabou de confessar para mim que isso aqui iria implicar em sua vida de diversas
maneiras.
Colt dá de ombros, pega a minha mão novamente e ergue, pouco a pouco,
os lábios para cima.
— Porque, como provavelmente seremos um casal, vou poder beijar você
o tanto que eu quiser.
Minha boca também se estica e uma pequena e rápida gargalhada me
escapa.
Colt Carver é realmente impossível.
Não demora muito para que saltos tilintem contra o assoalho e Jordyn
apareça, se enfiando no meio de nós dois.
— Sério que vocês querem ser Jamie e Landon? — Sua voz sai carregada
de nojo e antipatia. Os olhos cor de esmeralda quase são capazes de saltarem
para fora. — Fala sério.
— Não gostou? — Colt soa tão venenoso quanto ela. — Entra na fila.
— Não acredito que você, Colt Carver, é mais um cego por essa garota. —
JJ varre seu olhar mortal por mim. Algo me diz que já morri mais de cem vezes
na sua mente. — Ela não passa de uma oportunista. Vive com essa cara de sonsa
para cima e para baixo e consegue arrancar tudo de todo mundo. Por que, ao
invés de estar aqui atrapalhando o sonho dos outros, não vai pedir para sua
mamãe e seu papai te colocarem em Hollywood mais cedo? Tenho certeza que
só precisa de uma ligação para a pessoa certa e isso acontece.
— Por que, ao invés de destilar ódio por mim e reclamar que nunca
consegue nada, não passa a se esforçar um pouquinho mais? — Se não estivesse
sendo segurada por Colt, voaria em sua direção. — Você nunca vai ser a
escolhida se não for a melhor.
Jordyn parece se ferir com as minhas palavras, pois morde o interior da
bochecha, como se estivesse se segurando, e esbarra no ombro de Colt antes de
descer as escadinhas e correr para fora.
Apesar de ficar com certo dó, sei que ela mereceu, afinal, foi tão maldosa
comigo quanto eu fui com ela.
— Uau, estrelinha. — Deixo Jordyn para lá e fito Carver. — Achei que
precisasse te defender, já estava pronto para isso, mas confesso que fiquei
surpreso ao ver que você sabe ser tão má quanto boa. Quase fiquei de pau duro.
Estrangulo uma risada e lhe dou as costas, mas não sem antes mencionar:
— Você ainda não viu nada, Landon Carter.
Ele pede que eu espere, e eu faço.
— Vai me deixar ensaiar na sua casa?
Claro que era isso que estava querendo também.
— Hmm... vou pensar. Sabe como é, não quero parecer fácil. — Não
poderia perder a oportunidade.
Volto para os minutos finais da aula e, apesar de ficar ocupada, não
consigo ignorar a presença dele.
❝ Você está me dando o paraíso
Eu não acho que você estava pronto
Porque é melhor do que o previsto. ❞
PARADISE – H.E.R

SEGUNDO BLOCO DA ST. ROSE ACADEMY, 02 DE SETEMBRO


DE 2018, ÀS 15H.
É quarta-feira e fui convencida pela minha melhor amiga a ficar em seu
dormitório por algumas horas depois que terminamos de assistir nossas aulas.
Aria divide o quarto com uma garota tão estudiosa quanto ela, e apesar da
sua roommate não estar aqui agora para me ajudar, consigo perceber
perfeitamente qual lado é o de quem. O da minha melhor amiga é,
definitivamente, o bagunçado, o que tem uma pilha de livros espalhados pela
grande mesa de estudos e o computador no meio dela, além da cadeira gamer no
centro de tudo. Se eu já não estivesse acostumada com seu jeito, ficaria furiosa
com tantas roupas, acessórios e embalagens de comida espalhadas por cada
canto do pequeno vestíbulo.
O único lado que salva é o da sua colega de quarto, então é exatamente
nesse que fico deitada, com meus fios castanhos espalhados pelo travesseiro, as
pernas cruzadas uma sobre a outra e os olhos fechados, cantarolando a música
Whe The Party da banda Why Don’t We enquanto espero Aria voltar do andar de
baixo, já que foi buscar algumas coisas para que possamos lanchar.
Não demora mais que cinco minutos para que ela retorne com uma sacola
recheada de coisas.
Me sento na cama rapidamente, com fome.
— O que trouxe? — Fricciono as mãos para cima e para baixo, e Blake tira
o Doritos e o refrigerante de cereja para ela, me entregando a sacola logo depois.
Tem iogurte e cereal dentro dela, exatamente como eu pedi. — Você é incrível.
Obrigada.
Aria sorri, senta-se na sua cadeira à minha frente, abre seu salgadinho e
repousa o refrigerante na mesa de estudos ao seu lado, pegando um punhado
daqueles triângulos alaranjados e os enfiando na boca logo em seguida. Um
gemido de prazer escapa dos seus lábios.
Acho graça, tiro o lacre do meu iogurte de morango e bebo um longo gole.
— Ei, por que não vai dormir lá em casa esse final de semana? Você
parece que tem evitado ir para lá — digo com a boca cheia por conta dos cereais
que acabei de colocar na boca. — Podemos aproveitar o sol em Las Olas Beach.
Minha melhor amiga se limita a apenas fazer um biquinho de lado.
— Quer uma resposta sincera? — Afirmo com a cabeça várias vezes, ela
suspira. — Tá. Eu te amo com todo meu coração, mas não sei muito bem como
agir na sua casa. Ou melhor, na sua mansão de milhões e milhões de dólares. Me
sinto deslocada, intimidada e com medo boa parte do tempo. Sem contar que a
sua mãe pareceu não ir muito com a minha cara. E nem diga que é paranoia
minha, você viu como ela ficou me encarando daquele jeito esquisito. Nós duas
sabemos muito bem o porquê.
A sua confissão é como um tiro certeiro no meio do meu peito, que murcha
completamente agora ao ouvi-la.
Eu não sabia que Aria se sentia assim. Me detesto infinitamente por não ter
percebido que a minha melhor amiga estava se sentindo desconfortável e
amedrontada na minha própria casa. Eu realmente deveria ter percebido, afinal,
Aria Blake detesta todo esse mundo que só lhe traz memórias negativas e um
bloqueio tremendo.
E sobre a minha mãe, bem, lembro de ter percebido que ela a olhou
enviesado, mas achei que fosse coisa da minha cabeça. Mamãe não faria algo do
tipo. Mamãe jamais julgaria Aria pelas condições financeiras dela. Confesso que
Caroline tem vários defeitos e um gênio difícil, porém não é esse tipo de pessoa
desprezível. Ela é boa. Foi tudo coisa da imaginação de nós duas.
— Não tenha uma má impressão da minha mãe, por favor. Acho que ela só
estava em um dia ruim e deixou que transparecesse no rosto o que estava
sentindo. Tenho certeza que não tinha nada a ver com você, até porque não falou
nada sobre a sua presença e a nossa amizade no dia seguinte, muito menos nos
outros. — Deixo as coisas sobre a cama e me arrasto até a borda para ficarmos
mais próximas. — E me perdoa por não ter percebido antes. Podemos fazer o
que você quiser e se sentir confortável. Não vou e nem quero te pressionar. Me
desculpa mesmo, amiga.
Com a mão limpa, toca os meus dedos e os entrelaça junto com os seus.
— Você não tem que pedir desculpas, Love. Isso é um bloqueio meu. —
Eu assinto, porque sei que é verdade. — Podemos ir tentando aos poucos.
Quando estamos aqui desse jeito, até me esqueço de que a sua realidade é
diferente da minha. Até me esqueço do quanto a minha vida foi horrível desde
que eu vim ao mundo, desde que fui concebida por uma pessoa que decidiu me
abandonar e me entregar para um orfanato com apenas dias de vida. Até me
esqueço do quanto já desejei morrer para acabar com todo sofrimento que nutri
devido ao fato de ter crescido sozinha, de ninguém nunca ter visto potencial em
mim para construir uma família, já que nunca cheguei a ser adotada, e de todos
os maus-tratos, bullying e terror psicológico que sofri nessa escola. Sempre vou
ser grata por você ter aparecido para mim e silenciado tudo com a sua amizade,
seu espírito, sua força e seu amor imenso. Sempre vou ser grata por ter me
deixado entrar na sua vida e ser a sua amiga.
— Melhor amiga — corrijo e uma lágrima desavisada desliza pela minha
bochecha. — Juntas nós somos mais fortes, lembra? Muito mais fortes do que
tudo aquilo que um dia quis nos destruir.
Ela sorri, emocionada, e aperta ainda mais a minha mão.
Quando se dá conta do que está acontecendo, se afasta, balança a cabeça e
pisca os olhos.
— Eca. Não trouxe você aqui para ficar de melação. — Semicerra os olhos
e empina o queixo, trazendo de volta sua pose inabalável de durona. Dou risada.
— Vou para Las Olas Beach com você. Mas agora vamos, por favor, mudar de
assunto. Me conte o que realmente está acontecendo com você e Colt Carver.
Franzo o nariz em uma careta pelo rumo que decide seguir agora.
Contudo, depois desse momento que tivemos, estaria sendo uma grande
babaca se escolhesse esconder isso por mais tempo dela.
— Não surte — aviso antes de começar e Aria ergue as sobrancelhas
quando decide prestar total atenção em mim enquanto continua comendo. —
Nós fomos para a festa da fogueira, brincamos de Eu Nunca e Verdade ou
Desafio. Estava conversando com você na hora e não prestei atenção em como
aconteceu, mas Colt teve que cumprir um desafio que era ficar alguns minutos
comigo embaixo da arquibancada. Fui relutante, claro, só que ele me puxou até
lá, começou a falar coisas, a se infiltrar na minha cabeça e nós... nós... nos
beijamos. — Minha amiga se engasga na mesma hora. — Ai, meu Deus, eu
ainda te avisei antes para não surtar.
Ela tosse, tosse mais uma vez e recupera o fôlego ao puxar uma grande
quantidade de ar para seus pulmões.
— O pior não é nem isso. — Mordo o polegar com a expressão assustada
que Aria Blake faz. Com seus olhos me encarando assim, parece que cometi uma
atrocidade.
— Puta merda, Love Monaghan, ainda tem mais? — Deixa o pacote de
salgadinhos junto do refrigerante, se levanta da cadeira e senta-se ao meu lado.
— Não me diga que perdeu a virgindade com ele...
— Não! Claro que não! — a interrompo, rápida. — Não perdi a minha
virgindade com Colt Carver. Deus me livre. Aconteceu foi ooooutra coisa. —
Gesticulo com as mãos. — Lembra que o diretor ficou de dizer o quão
encrencado ele estava na segunda? — Ela confirma em um acenar de cabeça,
então eu prossigo. — O senhor Fallon decidiu que ele teria que ajudar na Peça da
Primavera de algum jeito, em um papel pequeno ou no backstage. — Pulo a
parta da nossa discussão e vou direto ao ponto. — No intervalo, minha
professora nos viu conversando, achou que formávamos um bom par e decidiu,
de uma forma totalmente maluca, que eu e Colt seriamos Jamie e Landon. O
idiota acatou a maluquice, vai aceitar contracenar e eu terei que trabalhar ao lado
dele, inclusive até mesmo fora da escola, pelo restante de setembro e outubro.
— Está fodida — é a primeira coisa que escapa dos seus lábios. Puxa,
ajudou e muito. Até estou mais aliviada depois de um conselho desses. — Está
fodida, Love — repete, como se eu já não tivesse escutado e entendido da vez
anterior. — Colt Carver está obcecado por você. Está querendo te arruinar. Isso
com certeza deve se tratar de um plano, não percebe? Ele te odeia desde que
eram pequenos. O beijo foi para te desestabilizar, e agora tem o teatro, que é o
que você mais ama no mundo. Isso não está me cheirando nada, nada bem.
Suas palavras não deveriam me ferir e machucar tanto, mas é exatamente
isso que acontece. Sinto meu coração se comprimir e castigar minha caixa
torácica.
Se fosse em outro momento, se fosse antes do dia que dormi na casa de
Colt, antes da festa da fogueira e até mesmo antes do seu pedido de desculpas lá
no Teatro, onde expôs seus medos e foi o mais transparente possível sobre
acreditar ser extremamente falho, concordaria e teria os mesmos pensamentos
que Aria. Mas, para ser bem sincera, não é isso que o meio do meu peito entende
com toda essa situação.
Posso estar equivocada e levar um belo tombo no final, porém é o que
sinto.
Não culpo Aria pelo pensamento, só que dói. E dói de uma forma que não
entendo.
— Prometo que vou prestar mais atenção nisso — desconverso, flexiono
os joelhos e pulo para fora da cama, pegando a comida, colocando na sacola e a
enfiando na minha mochila, que logo coloco sobre os ombros. — Então o final
de semana está combinado. Conversamos mais tarde, ok? Preciso ir agora.
— Tudo bem. — Assisto Aria voltar para a sua cadeira preta e ligar o
computador. — Vou jogar um pouco de League Of Legends antes de começar a
fazer as lições de casa. Qualquer coisa te mando uma mensagem.
Assinto e estou pronta para abrir a porta, mas sua voz reverbera pelo
cômodo.
— Love?
A olho por sobre os ombros.
— Cuidado com Colt. A gente sabe que ele não é bom.
— A questão, amiga, é que ninguém nesse mundo é cem por cento bom.
Mando beijos no ar e saio apressadamente, a deixando sozinha refletindo a
minha frase.

MANSÃO DOS MONAGHAN, 02 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


16H10MIN.
Assim que passo pela porta da frente com a minha digital e caminho até a
sala de estar, me surpreendo ao me deparar com Caroline Dillon sentada no sofá
com um grande sorriso no rosto, como se estivesse me esperando.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, estranhando sua expressão tão
clara de contentamento ao me ver. — Achei que pegaria o jatinho para Los
Angeles hoje.
Minha mãe e meu pai vivem alternando sua estadia entre a Flórida e a
Califórnia, porque, mesmo os dois não tendo atualmente tantos trabalhos assim
para fazerem, já que Hollywood está focada em uma nova geração de atores
agora, ainda assim amam aquela cidade, têm seus amigos por lá e, querendo ou
não, estão sempre sendo convidados para programas de auditório e essas coisas
que famosos costumam fazer. Só moramos definitivamente aqui, pois, depois de
tanta insistência da minha parte, consegui convencê-los a deixar a mansão que
temos em Malibu para as férias.
Fort Lauderdale sempre pareceu o meu lugar ideal na infância. Agora, no
entanto, só consigo sonhar acordada com o dia que me mudarei para Nova York.
E a mulher à minha frente, se não me engano, deveria estar fazendo
companhia ao meu pai, que já estava se arrumando para a viagem antes de eu
sair para a St. Rose Academy.
— Remarcaram a minha aparição na Ellen DeGeneres, querida — explica
ao se levantar e arrastar os saltos scarpin em minha direção. — Seu pai resolveu
ir para aproveitar um dia de golfe com os amigos. — Mamãe toca meu ombro,
dá um leve aperto e estica os lábios carnudos pincelados por generosas camadas
de batom vermelho em um sorriso. — Tem uma visita esperando por você lá no
seu quarto.
Uma interrogação paira acima da minha cabeça quando meu cérebro
processa a sua frase.
— Estou feliz com a repentina aproximação dos dois. — Ela gira o corpo
só para pegar o seu celular e a sua bolsa de mão. — Aproveitem o dia, garotos,
estou saindo — grita só para que quem quer que esteja lá em cima consiga
escutar, e depois me olha dos pés a cabeça. — Arruma o cabelo, filha, está uma
bagunça completa. Parece que acabou de sair de um tornado. — Toca no meu
queixo e estala os lábios em um beijo barulhento. — Beijinhos. Mamãe te ama.
Fico tão estática que não consigo responder, apenas a vejo indo embora
com sua roupa de grife impecável e com os longos cabelos castanhos
esvoaçando em suas costas com decote.
De quem que ela está falando, afinal?
Seria...
Ah, não!
Subo as escadas de dois em dois, passo pelo corredor e abro a porta do
meu quarto em um rompante.
Não é miragem, Colt Carver está mesmo no meu quarto.
E deitado na porra da minha cama.
— Olá, estrelinha. — Seu sorriso é carregado de maldade quando me
encara, faz minhas pernas ficarem bambas instantaneamente. — Quarto bonito.
Fecho a porta com um empurrão, me arrasto até o centro e cruzo os braços.
— O que pensa que está fazendo aqui?
— Bom, gostaria que fosse para transar, mas acho que você não vai topar
— diz com sarcasmo. — Vim para que você me ajude com o lance do teatro,
claro.
— Eu disse na segunda que ia pensar, não confirmei que isso poderia rolar.
— Jogo a mochila no canto do quarto, retiro o blazer do uniforme, a gravata, as
botas e abro os dois primeiros botões da camisa social. Me sento na cama, me
viro em sua direção e cruzo as pernas. — Além do mais, vai topar isso mesmo,
Colt? A Peça da Primavera é algo sério para mim. De verdade. Sou
completamente chata e metódica quando se trata dela. E foi entregue um papel
principal para você, um papel de destaque, e é necessário dedicação, vontade e
comprometimento. Não vai poder dar para trás depois. — Encaro dentro dos
seus olhos para que possa ver o quão sério estou falando. — Se me disser que
quer mesmo participar disso, tudo bem, vou te ajudar no que for preciso. Mas,
caso tudo não passe de uma brincadeira na intenção de me afetar de alguma
forma, espero que seja o mais sincero possível e se retire enquanto é tempo,
porque passei o ano todo esperando por esse momento e quero que seja perfeito.
Quero que os olheiros da Broadway me enxerguem e vejam a minha evolução
mais uma vez.
Colt, antes deitado, agora se senta.
— Eu lhe prometo que não é brincadeira. E você mais do que ninguém
sabe que cumpro com as minhas promessas. — Abaixo a guarda e relaxo um
pouco, porque sei que é verdade. Ele poderia muito bem ter deixado que eu fosse
pega naquela noite, e decidiu não o fazer. — Não vou mentir para você, no
começo estava preocupado, com medo, com raiva, achando tudo uma tremenda
maluquice e queria me ver longe logo, mas depois fiquei assistindo a aula, vendo
vocês interagindo e achei divertido. A sua professora começou a falar e eu
pensei: ah, por que não? — Colt ergue os ombros largos para cima. — Sem
contar que vou passar mais tempo com você lá na escola e fora dela. A meu ver,
só vantagens.
Mordo o interior da bochecha para evitar sorrir.
— E o lacrosse? O que os garotos vão achar do capitão estrelando uma
peça? — continuo meu interrogatório, só para ver até que ponto vai sem dar para
trás. Talvez, se eu encurralar demais e fizer com que enxergue coisas que não
está levando em consideração, dê para trás e perceba que não está mesmo a fim
de fazer isso. — Já parou para pensar em como isso pode te afetar como líder?
Uma risada baixa e gutural lhe escapa, como se eu tivesse acabado de falar
a coisa mais estúpida possível.
— A aula de teatro sempre acontece antes dos treinos, acabei dando uma
conferida nos horários, então não corro risco de atrasos. O treinador Allec
também já está ciente. Na verdade, foi o próprio que deu essa ideia ao diretor, já
que Fallon estava querendo me suspender por uma semana e, eventualmente, me
tirar de cena dos Fort Red Knights. Como a temporada está próxima, não posso
me dar ao luxo de ficar fora tanto tempo assim. A única alternativa que eles
encontraram foi essa. — Ele bagunça os fios para trás, uma mania que acabei
notando bastante nesses dias em que estamos mais próximos. O deixa ainda mais
bonito, não vou mentir. — Sobre os garotos, não há nada que eu possa fazer para
que parem de me respeitar e de me admirar como um líder. Sou bom e temido o
suficiente para que aceitem e apoiem qualquer decisão que eu tomar.
Solto um muxoxo.
É claro que essa resposta viria.
Sinto minhas forças esvaindo, mas ainda tenho uma carta na manga.
— E o seu pai, o que vai achar disso?
A pergunta é suficiente para que seus dentes ranjam e o maxilar trave.
— Foda-se o meu pai e o que ele vai pensar — balbucia. — Estou cansado
de ele o tempo todo estar preso na minha mente, comandando cada mínima ação
e fala minha. Estou cansado de dormir e acordar com medo de pisar o pé de uma
maneira errada e isso ser o bastante para que tenha vontade de finalmente
cumprir com cada uma das suas ameaças em relação a mim. Estou cansado de
tudo. — O sopro sôfrego que escapa da sua boca me deixa angustiada e com
taquicardia. Me aproximo e, sem pensar muito, enrosco sua mão na minha. Seus
olhos saltam nas órbitas com o contato íntimo e inesperado, mas não desfaz a
ligação que estamos tendo nesse momento, apenas me traz ainda mais para o
calor do seu corpo, posicionando-me sentada em seu colo. Não há nada de
sexual em sua ação, por isso que permito que me tome e me abrace. — Eu só
quero, pela primeira vez, fazer o que realmente estou com vontade sem temê-lo
como a porra de um garotinho fraco, franzino e medroso. Eu só quero, pela
primeira vez, ser bom para você.
— E você vai — alguma coisa em mim, tocada pelas palavras e pela sua
expressão, garante. — Vamos dar o nosso melhor. Juntos.
Ficamos em silêncio por alguns minutos depois disso, porque Colt não fala
nada e eu também não sinto que há necessidade. Nossas respirações pesadas
preenchem o ar e conversam entre si. É reconfortante e seguro. Nenhum dos dois
está disposto a quebrar esse momento. É como se cada um estivesse pensando e
refletindo sozinho o peso e a importância do que acabou de acontecer. É como
se, diante da mudança brusca de atmosfera, os dois estivessem tentando pôr os
pensamentos e os sentimentos tumultuados em ordem antes de darem o próximo
passo.
Passam mais alguns minutos até que minha garganta coce com vontade de
arrancar mais informações de Colt, o coração pulsando para saber mais
informações sobre ele.
Isso aqui, esse momento de troca e descoberta, é tudo o que eu sempre quis
ter desde quando era apenas uma garotinha, essa é a verdade. Mesmo não
gostando de admitir, ele me intrigava e mexia comigo desde essa época. Mesmo
não gostando de admitir, tudo que eu queria, bem lá no fundo, era que Colt
Carver me olhasse e visse em mim alguém que pudesse confiar, afinal, sempre
busquei por sua atenção.
Esse é um campo minado, mas não vou recuar agora.
— Seu pai é o motivo dos seus pesadelos? — sussurro a pergunta bem
baixinho, brincando com a sua gravata amassada entre os dedos. — O que ele
faz com você, Colt?
Sinto seu coração acelerar mais do que já estava acelerado, pulsando
fortemente contra meus ouvidos. A sua respiração se torna ainda mais
descompassada, e me sinto fraca para tombar a cabeça e fitar seus olhos, que
devem estar nublados de vários sentimentos reprimidos.
— Meu pai e o que aconteceu com a minha mãe. — Meu coração se
comprime tanto que resfolego e me aperto ainda mais contra seu corpo, como se
fosse possível nos fundirmos. — Tudo isso me persegue e me atormenta desde
os cinco anos, por isso sempre fui uma criança tão fechada, má e cruel. Meus
monstros me tornaram uma pequena cópia deles cedo demais, Love. Meus
monstros fizeram com que eu sentisse vontade de ser tão impiedoso quanto eles,
então eu atirava para tudo quanto é lado. Você foi o meu alvo mais certeiro. Sua
vontade de se aproximar e sua bondade me deixavam em pânico, porque eu não
conhecia e não sabia lidar com afeto. Eu só sabia lidar com... dor, desprezo e
solidão. Ninguém nunca quis se aproximar de mim antes. — Sinto seu queixo
encostar no topo da minha cabeça quando decide dar uma pausa antes de
continuar. — Estou incluindo, principalmente, meu próprio pai nisso. E, embora
eu ainda não me sinta pronto para contar todo o inferno que passei e passo nas
mãos dele, posso te dizer que o odeio mais do que qualquer coisa nesse mundo.
Acho que já é o suficiente para você entender o nível da gravidade da minha
relação com Maverick.
Confirmo e não deixo que fale mais nada, porque já foi muito mais do que
eu esperava. Também não suportaria se desejasse me contar tudo, tenho certeza
que não saberia lidar com a sua dor e o seu tormento, iria me ferir e me destruir
junto. Algo em mim sempre soube que aquele homem apático e fingido não era
bom. Algo em mim sempre soube que Colt Carver não era um garoto feliz por
culpa dele. Algo em mim sempre quis me mostrar todos esses pontos, e eu
simplesmente os ignorei junto com meus pais.
Agora, nesse exato momento, queria poder ter feito alguma coisa.
Finalmente olho dentro dos seus olhos ao passo em que coloco minhas
mãos uma em cada lado do seu rosto.
— Eu sei o que deve estar passando nessa sua cabecinha, estrelinha. —
Planta um beijo na minha testa e na ponta do meu nariz. — Mas ninguém
poderia me salvar. Assim como você estava destinada a brilhar, eu também
estava destinado a sofrer. — Eu também sofri, Colt, eu te entendo, as palavras
pinicam a ponta da minha língua, mas as engulo. Isso aqui não é sobre mim.
Sem dizer mais nada, Colt me deita lentamente na cama e fica sobre mim,
suas mãos uma em cada lado da minha cabeça para sustentar seu peso. Suas
írises pretas seguem cravadas nas minhas azuis. Perco o fôlego com o seu rosto
assim tão próximo e entreabro os lábios involuntariamente.
— Eu vou te beijar agora, Love, e não há nada que possa me impedir.
“Realmente não há”, meu subconsciente confirma.
Ele mordisca meu queixo antes de alcançar meus lábios, e eu aproveito a
oportunidade para afundar meus dedos em seus fios escuros, sentindo a textura e
a maciez contra a minha pele. Solto um rosnado de ansiedade e empurro sua
cabeça para baixo, colidindo minha boca com a sua em um encaixe desesperado
que, a nossa maneira, sai perfeito e nos faz gemer ao mesmo tempo com a
explosão. A língua aveludada me revoga rapidamente e se enrosca com a minha,
que está desesperada pelo seu toque, em uma carícia enlouquecedora e que me
deixa em puro estado de torpor. Sua boca quente se separa da minha minutos
depois só para trilhar um caminho de beijos por minha têmpora, pescoço e o meu
colo exposto pelos botões abertos da camisa social.
Arqueio os quadris bem a tempo da sua mão grande e experiente subir pela
minha coxa, indo por um caminho totalmente perigoso para se infiltrar por
dentro da minha saia.
Seu toque, seu cheiro e os seus murmúrios de prazer me deixam ainda
mais excitada.
— Está molhada, amor? — Sua voz arrastada e maléfica esquenta minha
orelha ao mesmo tempo em que a mão brinca cada vez mais perto do limite da
minha calcinha. Fico em completo silêncio só para lhe atiçar. — Quando eu te
faço uma pergunta, você imediatamente me responde.
Mesmo pegando fogo, louca e necessitada de alívio, não dou o braço a
torcer.
— Vai precisar de mais se quiser me afetar desse jeito que está pensando.
Colt dá um sorriso convencido, ciente de que estou blefando, e seus dedos
tocam e puxam o elástico da minha calcinha de renda.
Afundo meus incisivos na carne do lábio inferior para conter um gemido.
— Ah, amor, você é uma péssima mentirosa. — Balanço a cabeça para
negar seu comentário, detestando o fato de soar tão certeiro. — Ah, é sim, sabe
por quê? Porque, quando eu enfiar meu dedo em você, e depois sentir seus
músculos internos me apertando do jeitinho que eu sempre idealizei, terei a
certeza do quanto está pingando por mim.
Quer saber, foda-se.
— Pare de falar e tire a prova, então. — É o que digo, apenas para que
comece a ser mais rápido.
Os lábios de Colt se erguem em um sorriso malcriado, nitidamente
adorando o que acabara de escutar, e sai de cima de mim cuidadosamente só para
se posicionar a minha frente, bem no meio das minhas pernas, que o garoto logo
faz questão de abrir para ter mais acesso. Fecho os olhos ao sentir vergonha do
seu olhar carregado de luxúria e deixo que suba um pouco mais a minha saia.
Não demora muito para que seus dedos rocem nas extremidades da minha peça
íntima, ele solte um palavrão e comece a descer com a peça pelas minhas pernas.
Céus, nunca quis tanto uma coisa como quero isso.
Mais uma experiência para a conta, penso.
— Abra os olhos, estrelinha — solta, autoritário. — Quero que tenha esse
momento gravado na sua mente, para se tocar depois lembrando-se de mim.
Quero que me assista te foder e te lambuzar toda.
Fala sério, tem como, diante de uma voz tão gostosa dessa, desobedecer?
Abro os olhos bem a tempo de vê-lo se curvar, inspirar o meu cheiro e
erguer os olhos em minha direção só para me dizer através deles que, sim, estou
completamente encharcada e entorpecida por ele, do jeitinho que desdenhou há
alguns minutos.
— Gostosa pra caralho — é o que sibila antes de abrir ainda mais as
minhas pernas e colocar uma delas em seu ombro. — Enquanto ainda não posso
enterrar meu pau em você, vou lhe maltratar com a minha língua. E você vai
gritar a porra do meu nome.
É quase o que eu faço quando sua boca planta um beijo molhado na parte
interna da minha coxa antes da sua língua correr para fora, passar por minhas
dobras e adentrar com certa força a minha intimidade, me invadindo, me
marcando como sua pela primeira vez e me fazendo arquejar com a sensação
gostosa de estar sendo provada e preenchida por ele. Esfrego ainda mais os
quadris na sua cara, enterro minha mão novamente no seu cabelo e o conduzo do
jeito que começo a gostar e me familiarizar, ora mais lento ora mais rápido. A
ponta da sua língua circula o meu clitóris algum tempo depois e seus dentes
raspam de forma provocante o ponto já entumecido, me fazendo arfar, buscar por
ar e xingar uma infinidade de palavrões. A avalanche de sentimentos piora e se
intensifica quando, de forma deliberada, se afasta para morder os lábios e para
lubrificar um dos seus dedos longilíneos na intenção de o enterrar pouco a pouco
dentro da minha entrada, a fim de que meu interior se acostume com o fato de
estar sendo dedado pela primeira vez na vida.
A leve ardência me invade assim que ele o enfia todo, e engulo um
gritinho de dor. Não é nada exorbitante e que eu não possa aguentar, mas,
querendo ou não, machuca em um primeiro momento. Demora um pouco até que
Colt perceba que pode continuar, porém quando isso acontece, quase vejo fogos
de artifício com o prazer intenso que nasce e parece crescer dentro do meu
âmago por já parecer acostumada com a invasão atípica.
— Continua — choramingo. — Por favor, não pare.
Colt Carver ri baixinho, provavelmente se deliciando com o fato de eu
estar a sua mercê, e introduz mais um, brincando e me atormentando com os
dedos e com a língua.
Meu cérebro está fundido. Não há um pingo de coerência e racionalidade
nele. Cada centímetro do meu corpo está tomado pela volúpia e pelo meu lado
mais primitivo, que quer e anseia cada coisa que Colt pode me dar. Ele realmente
está me mostrando o inferno no paraíso, e eu sinto que posso morar aqui pelo
resto da minha existência. Sinto que posso me entregar e me permitir ser
corrompida pelo diabo que tenho ajoelhado quase que aos meus pés. Sinto que
posso entregar a minha alma para o inimigo e ainda me acharia no lucro com
qualquer que fosse o preço que teria que pagar no final. Sinto que nada seria
capaz de me abalar com ele curvado sobre mim.
— Cacete — resmungo quando começa a acelerar o ritmo das sugadas e
das estocadas, seus dedos entrando, saindo e me levando ao limite. Tudo não
passa de uma dor fodidamente gostosa e que me deixa fraca. Contorço cada
canto do meu corpo, até mesmo os dedos dos pés, e puxo ainda mais os fios do
seu cabelo, revirando os olhos com a pontada que começa a aparecer lá embaixo.
— Cacete, Colt.
— Repete — manda assim que me estimula e dá um beijo molhado entre a
minha carne. — Quero ouvir de novo. Quero ouvir de novo meu nome saindo
dessa sua boca gostosa.
O ar que respiramos se torna rarefeito e faz com que meus pulmões
queimem.
— Cacete, Colt! — rosno entredentes.
É o bastante para que ele se empenhe mais, massageie meu ponto de prazer
repetidas vezes e me faça atingir meu primeiro orgasmo.
Colt, no entanto, retorna para a sua postura correta assim que termina de
fazer o seu trabalho e, com o canto dos lábios retorcidos em um sorriso sujo,
lambe para si cada gota do meu gozo, que macula sua boca inchada e os seus
dedos.
Depois ele pede um segundo, se levanta, vai até minha suíte, traz uma das
infinitas toalhas reservas que guardamos, me limpa e veste novamente a minha
calcinha, até abaixa a minha saia de pregas nesse meio tempo. Estou tão
atordoada que não consigo me mexer e nem falar nada.
É como se um caminhão tivesse me atropelado.
É como se minha alma tivesse saído do meu próprio corpo.
Colt se deita ao meu lado novamente, bem pertinho do meu corpo, e fita o
teto assim como eu. Passa um bom tempo até que eu consiga externar os meus
pensamentos, soltando:
— Você não parece ser o tipo de garoto que limpa uma garota depois do
sexo e permanece na mesma cama que ela quando termina.
Ele se vira de lado para me encarar, e um fantasma de um sorriso brinca
sobre seus lábios.
— Tem total razão. Não sou mesmo — profere assim que retira os fios
suados da minha testa. — Assim como você também não é só uma garota. Você
é a garota.
Meu coração já está frenético, mas ele consegue se tornar ainda mais, o
sinto batendo contra minha garganta.
— Acho que a partir de hoje estamos em um novo patamar, estrelinha —
continua, sem se importar em receber uma resposta. — E não me arrependo de
absolutamente nada.
Exige muito esforço, porém consigo me ver concordando:
— É, capitão, acho que eu também não.
❝ Vá em frente e chore, garotinho
Você sabe que o seu pai também chorou
Você sabe pelo que sua mãe passou
Você tem que deixar isso sair logo, só deixe sair. ❞
DADDY ISSUES – THE NEIGHBOURHOOD

MANSÃO DOS CARVER, 02 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


18H47MIN.
No momento em que coloco os pés dentro de casa, após ser atendido pela
governanta, dou de cara com Maverick Carver no hall da mansão. Ele está
vestindo um terno cinza risca de giz, seu cabelo tão preto e cheio quanto o meu
parece revestido de gel, deixando seu rosto assombroso completamente à vista,
tem um copo de uísque na sua mão direita e um charuto aceso na esquerda. Seus
olhos estreitos me analisam de forma analítica sob os cílios escuros e espessos,
que se chocam em uma lentidão impressionantemente calculada e premeditada
para me deixar acuado e com medo das suas futuras ações.
O único som audível que ressoa pela mansão escura e ornamentada por
catástrofe, enquanto estamos guerreando com nossas írises flamejantes, é o tic
tac do relógio pregado em uma das nossas paredes.
Aprumo os ombros e caminho até o centro do hall ao mesmo tempo em
que ele se esgueira feito um abutre em minha direção.
Minhas mãos automaticamente se cerram ao lado do meu corpo.
Se ele cair para cima, não vou ter um pingo de pena na hora de revidar,
afinal, eu o odeio. O odeio com cada fibra do meu ser. O odeio tanto que poderia
matá-lo em um piscar de olhos. O odeio tanto que provavelmente faria uma festa
na sua sepultura e escarraria na sua lápide. O odeio tanto que, se pudesse,
destruiria toda a sua pose de rei e a merda do seu império sujo e deturpado só
para que soubesse o gostinho do que é estar na miséria.
— Estava eu trabalhando, ocupado com as minhas coisas e os meus
afazeres de um homem importante quando recebo uma ligação do diretor da sua
escola. — Ele dá uma tragada no seu charuto e assopra a fumaça cinzenta e
densa bem na minha cara. Não deixo que meu pai perceba, mas minhas pernas
dão um leve tremelique com as memórias que me atingem como um tornado.
Lembro-me, com toda dor possível, quando usava esses mesmos charutos para
queimar a minha pele quando eu ainda era uma criança desamparada. Lembro-
me, com o coração esmagado, quando o forçava ainda mais contra minha pele já
em carne viva nos momentos em que eu me permitia gritar ou chorar. Esse,
infelizmente, foi só um dos seus incontáveis utensílios de tortura. Acredito que o
mais fraquinho deles até. Engulo a massa de concreto que se aloja na minha
garganta e rilho os dentes uns nos outros conforme sigo encarando sua expressão
dissimulada. — De acordo com ele, você foi pego invadindo a escola na
madrugada e agora terá que ajudar no Teatro para, eventualmente, se safar de
uma suspensão ou até mesmo expulsão. — Suas narinas se dilatam no instante
em que joga o líquido âmbar na minha cara, estilhaçando o copo de vidro em
algum lugar atrás de mim só para não acertar na minha cara. Abro os olhos, já
que fechei no mesmo segundo em que o uísque bateu contra meu rosto, e retiro o
acúmulo da bebida com as costas da mão. Mesmo fervendo em ódio, nenhum
músculo meu se move, e ele completa, gritando: — Cadê a porra dos seus
modos, seu merdinha? Tem noção do que aconteceria se você fosse expulso?
Tem realmente noção do que aconteceria? — Maverick empurra o meu ombro.
— Toda a fortuna que eu gastei e gasto com você naquela escola não serviria de
nada. Todo o meu tempo, suor e dinheiro sendo aplicados no seu futuro seriam
jogados pelo ralo, seu currículo seria manchado e eu teria que, novamente, torrar
mais uma boa grana para “convencer” o reitor de alguma Ive League que meu
filho imprestável é digno de estudar com pessoas que prestam. Eu teria que te
suportar por mais tempo quando, na verdade, estou contando as horas, os
minutos e os segundos para que complete seus dezoito anos, seja aceito em uma
universidade bem longe e suma da minha vida para sempre. O dia que não
cruzarei mais com você por essa casa será um dia de comemoração, porque,
Colt, sua presença me enoja. E eu achei que tinha te ensinado lições de mais para
deixá-lo fora de problemas, mas vejo que deveria ter pesado um pouco mais a
mão.
Ah, pois é, esse na minha frente é o verdadeiro Maverick Carver. O
verdadeiro Senador respeitado de Fort Lauderdale. O verdadeiro lobo em pele de
cordeiro. O verdadeiro monstro que se esconde em uma postura bonita na frente
da sociedade, mas que, na verdade, não passa de um homem perverso, mau,
rancoroso, covarde e que despreza o próprio filho, como se o mesmo tivesse uma
maldita doença contagiosa desde os seus cinco anos de idade.
Assim como eu o odeio, ele também me odeia. Mas, diferente de mim, ele
começou a me odiar cedo demais. Ele começou a me maltratar cedo demais.
Minha mãe foi assassinada de forma cruel quando eu ainda era uma
criança, bem diante dos meus olhos. E ela morreu para me proteger. Lutou e deu
a vida por mim, seu único e pequeno filho. Mas meu pai não conseguiu suportar
isso. Meu pai, que era um homem gentil e que costumava assistir jogos de
lacrosse comigo na tevê, se transformou diante daquela tragédia que assolou a
nossa família e virou uma outra pessoa, uma pessoa totalmente diferente da que
eu e mamãe estávamos acostumados a conviver debaixo do nosso teto. Ele, de
uma forma totalmente cruel, colocou o peso do assassinato sobre meus ombros e
passou a crer na sua cabeça ferrada que eu era, juntamente com os bandidos, o
culpado pela perda precoce e trágica da sua esposa. Foi por isso que passou a
nutrir antipatia por mim em meio ao luto. Foi por isso que passou a me
desprezar, me xingar, me humilhar e me espancar violentamente dia após dia,
como se o meu sofrimento fosse o seu consolo diário e a sua dose de coragem
para continuar.
Apesar de eu saber que nunca tive culpa, sabia que apanhava para que ele
conseguisse descontar de algum modo a raiva que sentia de outras pessoas,
inclusive do mundo e do universo. Porque bater em uma criança de cinco anos,
que não podia se defender e ir para algum lugar seguro, era muito mais simples,
rápido e fácil do que enfrentar a árdua realidade de que ela fora tirada de nós.
Era muito mais fácil me arranhar, me queimar, me pisotear, arrancar meu sangue
e fraturar alguma costela minha do que compreender que fatalidades
infelizmente acontecem. Era muito mais fácil terminar de destruir a infância e a
bondade do filho, sumindo com qualquer vestígio de que um dia existiram, do
que estender a mão e o ajudar com o trauma que tinha vivenciado naquela noite.
Era muito mais fácil incorporar o diabo e fazer com que o filho se sentasse à
mesa com ele todos os dias, morrendo de medo de que algum dia ele decidisse
pôr fim em ambas as vidas.
Só que eu passei a me acostumar com a minha nova realidade. Eu passei a
me acostumar com cada dor, com cada ferida e cada cicatriz interna e externa.
Passei a me moldar junto com o meu pai. Mas o que mais me corroía por dentro
não eram somente as pancadas de seus cintos, de seus sapatos e de suas cordas
açoitando minhas costas. O que mais maltratava o meu mais profundo âmago era
o fato de estar sendo espancado quase que até a morte pela pessoa que deveria
me amar. Pela pessoa que deveria ser a minha guardiã. Pela pessoa que deveria
me proteger e me manter seguro e saudável.
Estava deitado na minha cama jogando um joguinho no meu celular
quando papai entrou no meu quarto feito um furacão. Ele parecia furioso e
transtornado, exatamente igual a todos os dias. Mal deu tempo de eu me
levantar que logo meu celular voou para o lado com a bofetada que desferiu
contra o aparelho.
Entreabri os lábios em surpresa.
— Por que o senhor fez isso? — Mordi o interior da bochecha para conter
o impulso de chorar. — Estava quase ganhando a partida. Agora, agora…
acabou. Acabou pra mim.
— É hora de você estar dormindo, Colt. — Sua voz me causou calafrios e
arrepiou todo o meu corpo. — Não aprendeu sobre os horários? Não aprendeu
que quem manda aqui sou eu? Você segue ordens! Eu disse para você estar
dormindo às oito. Às oito, Colt!
Foi o suficiente para sua paciência estourar. Papai se aproximou da
minha cama, me puxou pelos cabelos e me jogou com toda força no chão, um
baque alto ressoando pelo cômodo. Soltei um grito agudo de dor com o impacto
e fechei os olhos, já sabendo o que vinha a seguir.
Agora é só pensar em coisas legais e deixar que faça o que sempre
costuma fazer quando o desobedeço.
Mesmo sem querer, causei a sua fúria e vou pagar o preço.
Esse dia estava longe de ser a primeira vez que me bateu, mas estava bem
perto dos momentos em que comecei a deixar para lá, aceitando cada uma das
suas punições.
Eu era fraco.
Mas agora não sou mais. Não como antes.
— Não dou a mínima para o que você pensa ou para o que você quer. Não
dou a mínima se me odeia, porque é o que eu sinto acumulando no meu peito
todos os dias por você. E ainda estaria pouco me fodendo se fosse expulso
daquela escola. Eu, Colt Carver, faço o que eu quero. — Afundo o dedo
indicador no meu peito e me aproximo o suficiente para encostar nossos narizes.
— E já adianto logo, antes que descubra pela boca de outra pessoa, que vou
contracenar na peça e ser o protagonista junto com Love. Vou dar o meu melhor
e fazer com que todos percebam que posso fazer o que eu quiser. Posso ser bom
em qualquer coisa que me propuser a fazer. Não sou um imprestável, mas você
é.
Maverick solta uma risada pelo nariz.
— Virou mulherzinha? Porque só isso explica. Coisa mais frufru. — O
veneno goteja por cada sílaba. — Era só o que me faltava. Já não basta pintar
essas unhas como um boiola, ainda tem que me inventar coisa de peça. Já, já está
dizendo que vai largar o time. — Balança a cabeça assim que estala a língua no
céu da boca. — Você é um poço de vergonha, garoto. Ainda bem que sua mãe
não está mais aqui para ver o que você está se tornando. Provavelmente morreria
de desgosto. — Um sorriso de escárnio abre caminho em seus lábios quando
percebe o que falou. — Engraçado, não? No final de tudo, independente de qual
for a forma, você sempre acabará matando a sua mãe. Sempre terá o sangue dela
em suas mãos. Que coisa.
O empurro para trás, simplesmente cansado de manter a compostura.
Posso aguentar tudo, posso aguentar todas as suas merdas para cima de mim,
mas isso, ah, isso não.
— Não fale dela! — esbravejo, sem me importar se os funcionários vão
escutar. Eles sempre escutam, na verdade. Sempre escutam e nunca fazem nada.
São pagos tão, tão bem que “esquecem” que trabalham dentro de um lar
completamente imundo e desajustado. — Não fale dela, porra! Psicopata de
merda! Eu odeio, eu odeio você!
A veia do meu pescoço lateja e, com medo de perder a cabeça, giro nos
calcanhares e subo para o meu quarto. Não vou me rebaixar ao nível dele. Não
vou cair nas suas provocações e no seu instinto inescrupuloso. Pelo menos agora
não.
A verdade é que meu pai parou de me machucar quando eu tinha catorze
anos, que foi a primeira vez em que revidei, já que estava quase tão alto e tão
forte quanto ele, graças aos treinos pesados de um atleta em ascensão. Então, a
partir desse momento, Maverick viu que não tinha mais como só bater e parou a
tortura física, apenas continuou se mantendo presente com a psicológica. Desde
então, fica me provocando e me incentivando a revidar todos os anos que me
maltratou. Mas nunca quis. Nunca quis me tornar alguém como meu pai, porque
sei que é esse o seu intuito. Maverick quer jogar na minha cara que, querendo ou
não, não passo de um sádico tão detestável quanto a sua pessoa.
Apesar de ser verdade, pelo menos em partes, não quero e nem vou dar
esse gostinho a ele.
Adentro meu quarto, fecho a porta em um estrondo e jogo na parede a
primeira coisa que encontro, gritando a plenos pulmões. O rugido que me escapa
é tão alto e profundo que resseca e arde toda a extensão da minha garganta.
Quem não vê a hora de completar dezoito anos e sair dessa casa, ou
melhor, desse inferno, sou eu.

REFEITÓRIO DA ST. ROSE ACADEMY, 04 DE SETEMBRO DE


2018, ÀS 13H38MIN.
A semana voou tão rápido que, quando percebo, já é sexta-feira e eu,
Matthew e Dariel estamos indo nos sentar na mesa de Love, que está almoçando
sozinha, sem a sua melhor amiga esquisita.
Quando cada um de nós dispõe as bandejas na mesa e se empoleira pelos
assentos, a garota de olhos azuis levanta a cabeça, une as sobrancelhas em
estranhamento e retira os fones do ouvido.
— Olá! — Dariel a cumprimenta primeiro, sorrindo daquele jeito que só
ele sabe e consegue fazer. — Cadê aquela sua amiguinha nerd? — Pesca uma
batata-frita do seu prato ao mesmo tempo em que lança uma piscadela para ela.
Love rola os olhos antes de responder:
— Está na biblioteca. Mas o que estão fazendo aqui, afinal?
Acho engraçado, porque direciona seu olhar a Dariel e a Matthew, e não a
mim. As bochechas até começam a ganhar uma coloração escarlate. Tenho
certeza que está, agora mesmo, repassando a cena que protagonizamos no seu
quarto. É a primeira vez que ficamos frente a frente depois do ocorrido. Apesar
de ter ficado um pouco na sua cama depois do oral, Love Monaghan me
expulsou pouco tempo depois ao alegar que sua mãe estava prestes a chegar e
que não queria ter que ficar dando explicações da nossa repentina aproximação.
Meio contrariado, fiz o que mandou. Não tinha outra alternativa.
— Fazendo companhia a nossa nova amiga. — Matthew dá de ombros ao
ter iniciativa para falar alguma coisa. E, apesar de parecer sério, um brilho
diferente perpassa por seus olhos castanhos quando fita a garota do outro lado da
mesa. — Você é do bando agora.
Ela parece achar graça.
— Não sou, não.
— É sim — confirmo, e pela primeira vez ela me nota. — Você é do nosso
bando agora. Lide com isso. — Suspira audivelmente e começa a batucar as
longas unhas no tampo da mesa. — Não fique furiosa, pequena Monaghan. Você
sabe que eu gosto de te ver beeeem relaxada. — Prolongo as sílabas só para
provocá-la com a minha piadinha de duplo sentido.
É tão certeiro quanto atingir os pinos no boliche, afinal, começa a tossir e a
ficar ainda mais vermelha do que antes.
Adoro o fato de conseguir equilibrar tão bem o seu lado fofo e ousado.
Pois, ao passo em que cora só por conta de meras piadas sexuais, consegue
colocar qualquer um contra a parede em um piscar de olhos. E em todos os
sentidos possíveis.
Estou prestes a falar mais alguma coisa, só que Jordyn Jensen surge
equilibrando uma bandeja, seu salto cor-de-rosa tilintando contra o piso bem
polido do refeitório, chamando a atenção de todos. JJ desfila em nossa direção
com seu uniforme personalizado, que só ela é capaz de fazer e usar. E apesar da
St. Rose Academy ter suas palhetas de cores definidas, a garota de olhos verdes-
escuros consegue dar um jeito de enfiar cores em tons pastéis a qualquer custo,
principalmente nos bordados, nos acessórios e nos sapatos pontiagudos. Até a
porcaria do seu carro é cor de rosa.
Mesmo Paris parecendo a personificação da Barbie Malibu esteticamente,
é sua amiga quem tem a personalidade e o gosto de uma.
Seu cabelo castanho é, definitivamente, a coisa que mais chama atenção
em sua figura, já que é grande e bate em sua bunda. Ele balança e cascateia na
frente do seu corpo à medida que chega até nós para sabe lá Deus o que. A pele
marrom-clara brilha sob a luz proeminente do refeitório quando se senta entre
mim e Dariel, afastada de Matthew.
— Oi, meninos. — O sorriso repleto de dentes brancos pincela seu rosto
preenchido por uma fina camada de maquiagem. — Oi, Love. — Dessa vez,
quando se dirige a sua companheira de teatro, o sorriso se esvai pouco a pouco,
ficando algo forçado.
Dariel a responde, empolgado, porém eu, Matthew e Love permanecemos
em completo silêncio, tentando entender em que momento foi que lhe demos
esse tipo de abertura.
— Quem mandou você se sentar aqui? — Donnelly é direto e reto no seu
questionamento. O brilho das suas irises castanhas somem no mesmo instante. O
cara realmente, sem brincadeira, não curte mulher nenhuma. Love é a única
exceção. — Dá o fora. Agora — rosna ao mostrar os dentes.
JJ permanece impassível e inabalável.
— Oh, está falando comigo? — Jordyn choca os cílios superiores e
inferiores e toca o meio do peito com as suas duas mãos, fingida. — Desculpe,
não tenho medo de cara feia. Caso não saiba, tenho três Rottweilers de estimação
e pretendo, em um futuro muito próximo, conseguir a licença necessária para
criar um filhote de tigre. Isso aí... — Aponta para o rosto do meu amigo com o
seu dedo indicador. — Não é nada que eu já não esteja acostumada.
Nem é piada nem brincadeira. Jordyn Jensen, mesmo com seu nariz
empinado e jeito de patricinha, ama animais e coisas um tanto quanto, digamos,
radicais. Sei disso porque precisei fazer dupla com ela ano passado na aula de
química e precisei ficar ouvindo histórias e vendo fotos dos seus cachorros;
Coco, Lady e Odin.
— Criar um filhote de tigre, sério?! — Dariel parece perplexo com a
constatação, soltando a informação que captou alguns segundos depois. — Isso é
desumano. Eles não nasceram para serem domesticados, sabia? O que você quer
fazer, gata, chama-se covardia.
— Está surpreso, amigo? — Matthew se intromete, fincando os cotovelos
na mesa e entrelaçando as mãos abaixo do queixo. Seu olhar sem vida se prende
a Jensen, que devolve a encarada com seus orbes displicentes. — Jordyn Jensen
tem cara de uma vadia covarde.
Olho para Love ao mesmo tempo em que Love olha para mim. Parece que
estamos pressentindo alguma coisa. Um, dois, três, quatro, dez segundos se
passam e nada acontece. Nenhum xingamento ou contra-ataque. Jordyn apenas
recua, ajeita sua postura impecável, coloca o queixo para cima e arrebita o nariz,
o ignorando completamente.
— Enfim. — JJ limpa a garganta e alterna os olhos cor de esmeralda entre
mim e Love, que permanece observando tudo bem quieta. — Quis me enturmar
um pouco mais com os meus colegas de cena. Principalmente com o novato. É
para isso que servem os veteranos, não?
Dariel Chevalier dá risada, porque não consegue não explodir em
gargalhadas quando lembra que terei que participar da peça como forma de
punição. A pior pessoa para se chamar de amigo, definitivamente.
Matthew, por fazer tanto silêncio, quase me faz esquecer de que ainda
permanece aqui. Mas ele está atento a tudo, só está calado.
— Estou indo embora. — Love começa a recolher seus materiais, e antes
que eu possa impedi-la, me lança um olhar que parece me dizer uma única coisa:
me deixa ir, não quero lidar com as provocações dela hoje. Assinto quase que
imperceptivelmente e deixo que se levante. — Tchau, Colt. Tchau, Matthew.
Tchau, Dariel. Tchau… ahn, Jordyn.
— Já vai? — A garota é realmente uma ótima atriz, porque se eu não
conhecesse seu jeito, se eu não soubesse que implica com Love a troco de nada,
acreditaria nas suas falsas palavras. — Bem, é uma pena. Nos encontramos nas
audições. Me deseje sorte, Love, porque vou tentar conseguir o papel da
namorada do Landon. Sabe como é, aquela que chegou antes da Jamie e tudo.
A estrelinha retribui um sorriso tão forçado quanto os que ela estava dando
há minutos atrás e agarra os livros contra o corpo pequeno.
— Seguinte. — Retorno minha atenção para a Sharpey Evans morena e
fico completamente sério, os olhos semicerrados e tudo. — Não a provoque. Não
a olhe torto. Não a diminua. Não a deixe coagida e nem a faça se retirar as
pressas de um lugar como fez agora. Não. A. Subestime — digo pausadamente
para ver se entende. — Mexer com ela é como mexer em um vespeiro. Tenho
certeza que você, JJ, não quer sair machucada.
Também me levanto da mesa e os garotos me acompanham.
— É, JJ — Matthew soa irônico ao passo em que o apelido dela se
desenrola na língua dele. — Love Monaghan agora é nossa. E você continua
sendo nada de ninguém.
Antes de darmos o fora, flagro o exato segundo em que a raiva surge como
um clarão para tomar conta de todo o verde de sua íris.
Saímos do refeitório e deixamos tudo para trás.
Horas depois estamos todos nós no campo, vestidos com o uniforme do
Fort Red Knights e protegidos dos pés à cabeça, correndo com os bastões nas
mãos, obstinados em busca da bola. Meu coração tamborila contra a caixa
torácica e sigo, junto com o treinador, dando ordens, fazendo pequenos ajustes e
incentivando o time a continuar com o foco, a garra e a determinação que já
estão tendo.
Gosto tanto disso daqui que não me recordo da minha vida sem ele, sem o
lacrosse.
Infelizmente, adquiri o gosto e o amor pelo esporte por conta do meu pai,
que era, antes de tudo, um grande admirador e torcedor. Ele me influenciou.
Comecei a jogar e a treinar para ser cada vez melhor para agradá-lo, admito. Mas
hoje, hoje não tem nada a ver com ele. Tem a ver comigo. Isso aqui é o meu
sonho.
Isso aqui é o meu futuro e a minha oportunidade.
O lacrosse é a minha passagem só de ida para alcançar a liberdade.
❝ Ponha os óculos em forma de coração
Porque vamos dar um passeio
Não vou escutar o que o passado diz. ❞
DIET MOUNTAIN DEW – LANA DEL REY

LAS OLAS BEACH, 05 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS 10H30MIN.


Passei muitos anos da minha vida, desde que desenvolvi a bulimia
nervosa, sem ir a praias, piscinas ou qualquer lugar que me obrigasse a usar
biquíni na frente de várias pessoas. Era simplesmente aterrorizante e humilhante,
segundo as crenças da minha cabeça doente, que pudessem ver os defeitos
gritantes do meu corpo; os quilos ganhos, as dobras que a minha barriga
adquiriu, a cintura já não mais fina e as coxas roliças. Meu distúrbio de imagem
me fazia, sempre que surgia um convite para esses passeios, inventar uma
desculpa para não comparecer e, assim, chorar copiosamente na minha cama,
sofrendo e implorando para ser como todas as outras garotas bonitas do
universo. Chorando e sofrendo por terem entrado na minha cabeça ao ponto de
eu ter que abdicar de todas as coisas que eu amava e me que me faziam bem,
como não frequentar mais esses lugares, e até mesmo parar de usar determinados
estilos de roupas, parar de aparecer em fotos que não fossem selfies e entre
outros, só para não ter que lidar com o peso do estado em que eu acreditava me
encontrar. Chorando e sofrendo por me sentir um patinho feio em meio a uma
infinidade de cisnes espalhados por um límpido lago onde eu enxergava o meu
reflexo o tempo todo, como se fosse uma espécie de sina maldita para me deixar
afogada no meu próprio remorso e angústia.
No entanto, assim que dei início ao meu tratamento e fui evoluindo, aos
poucos passei a olhar para mim e para o meu corpo com mais carinho e cuidado
do que nunca, voltei, do jeito que eu me sentia mais confortável, a me reconectar
com as praias. Comecei primeiro entrando de blusa e shorts, depois de maiô e
shorts e agora consigo, finalmente, após tanto trabalhar isso na terapia, usar a
parte de cima do biquíni e shorts. É um passo enorme e que me deixa muito feliz
e orgulhosa. Contudo, mesmo levando toda uma rotina de cuidados, treinos e
com a autoestima em um patamar que nunca esteve antes, ainda me sinto receosa
em público por conta de olhadas, comentários sem noção vindos de homens e,
claro, por conta de possíveis paparazzi à espreita.
Tomo todo o cuidado do mundo para que minhas fotos de biquíni nunca
mais voltem a circular na mídia.
É por isso que Aria e eu estamos do lado mais afastado de Las Olas Beach,
sentadas na toalha de praia estirada na areia fofa enquanto saboreamos os picolés
que acabamos de comprar.
O sol de Fort Lauderdale está fazendo a gente derreter.
— Você prefere o Justin Bieber com a Selena Gomez ou com a Hailey
Baldwin? — Aria, mexendo no seu celular, me pergunta.
Dou risada com o questionamento aleatório.
— Por que essa pergunta agora?
Minha amiga me olha sob os óculos de sol e vira o seu celular para mim,
me mostrando a foto do Justin e da Hailey em um Instagram de fofoca que
acabou de aparecer no seu feed.
— Não é você a superfã do cara? — retruca, desliga o aparelho e o joga
sobre a toalha colorida. — Queria saber a sua opinião. Tem várias brigas de
shippers nos comentários.
— Bem, sim. Mas não o acompanho tanto quanto anos atrás. — Dou de
ombros. — E sei lá, prefiro quem o faça feliz. Se ele quer estar com a Hailey,
então shippo com a Hailey. Ponto final.
— Tuuudo bem.
Sorrio da cara dela e termino de chupar meu picolé, que está quase
derretendo e pingando em minha perna.
Alguns minutos depois, quando estou prestes a deitar para tomar um pouco
de sol, Aria Blake me dá um cutucão ao mesmo tempo em que fala:
— Por tudo que é mais sagrado, criatura, aqueles ali não são o Trio de
Ouro da St. Rose?
Meu coração dá um solavanco.
Volto o olhar para o lugar que seu dedo indicador está sendo apontado e,
com muito esforço, coloco meus óculos de sol na cabeça, flagrando Colt,
Matthew e Dariel saindo da água da praia, gotas gordas de água serpenteando
seus corpos sarados e que brilham sob os raios solares. As cabeças de várias
garotas viram para eles enquanto os três caminham pela areia de forma
despretensiosa, rindo e brincando entre si, leves e descontraídos.
Longe da St. Rose Academy, um ambiente sério e que exala poder, os três
até parecem como adolescentes normais. Mas só Deus sabe do que eles
realmente são capazes.
— Quer dar o fora?
Aria logo confirma com um acenar de cabeça e junta as suas coisas. Faço o
mesmo.
— Vamos embora antes que eles nos vejam.
Corremos com as nossas coisas, seguimos até meu Corvette estacionado
perto dos quiosques e entramos assim que retiro a chave de dentro da minha
bolsa de praia.
— Ufa. Essa foi por pouco. — Ligo o carro, ajusto o retrovisor e olho para
Aria, que está rindo com a mão no meio do peito. — Já que nossa praia foi
invadida, o que deseja fazer agora, Docinho?
Antes de ela responder, meu celular vibra dentro da bolsa e eu resolvo
checar só para ver se é algo importante.
É Colt.
Colt: Não pense que eu não vi você fugindo de mim, estrelinha. Mas está
tudo bem. Segunda começam os ensaios e você será toda minha por quase dois
meses inteirinhos. Vou te beijar tanto, mas tanto, que sua boca ficará dormente.
Evito sorrir e finjo que não foi nada importante, mesmo que minha barriga
esteja dando mil e uma voltas por conta do comentário de Colt Carver.
Guardo o celular de volta na bolsa, jogo ela no banco traseiro, arrumo
minha postura e seguro as duas mãos no volante bem a tempo da minha amiga
responder:
— Você está no comando, Florzinha. Eu vou aonde você for.
Agora eu sorrio com vontade.
— Então aperte os cintos e segure firme.
Deixo qualquer vestígio do efeito do capitão dos Fort Red Knights para
trás e me concentro aqui, porque o final de semana todinho é meu e de Aria
Blake.
É o nosso momento de aproveitar.

LAS OLAS BEACH, 05 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS 17H07MIN.


Nossos planos deram errado.
Completamente errado.
Aria e eu demos algumas voltas pela praia para que pudéssemos encontrar
um lugar para almoçarmos, acabamos ficando horas nesse restaurante, comendo
e conversando sobre tudo quando, de repente, minha melhor amiga começou a
sentir dor de barriga devido a tudo que ingeriu de forma descontrolada ao longo
do dia. Então, sem alternativa, nos enfiamos novamente no carro e fomos até a
St. Rose Academy, onde ela acabou tendo que voltar para o seu dormitório para
tomar remédios e descansar.
Só não subi para cuidar dela, porque, obviamente, não moro lá como Aria.
E como se não pudesse piorar, minha bolsa ficou nesse restaurante de Las
Olas Beach. Tive que dirigir novamente até o local só para resgatá-la, meu
celular havia ficado dentro da bolsa, assim como minha carteira, meus cartões e
todos os meus documentos.
A sorte é que o garçom simpático que nos serviu percebeu a tempo, a
guardou e veio prontamente me entregar quando apareci no restaurante há alguns
minutos.
Agora estou andando pela calçada da praia, conferindo se não deixei mais
nada pelo meio do caminho, quando trombo com alguém. Ergo meus olhos,
pronta para pedir desculpas para quem quer que seja, e dou um único passo para
trás quando a figura conhecida se alinha em minha mente.
Matthew Donnelly acena com a cabeça, sorrindo minimamente e sem
mostrar os dentes. É quase imperceptível. Tão imperceptível que fico confusa
sobre ter mesmo visto ou não. Acabo, meio segundo depois, acreditando que
sim, porque sei exatamente como é seu rosto sério e sem expressão. E há,
definitivamente, alguma coisinha querendo abrir caminho em seus lábios. Não
estou ficando maluca.
Abraço meu próprio corpo com seu escrutínio e troco o peso dos pés.
— Vocês, por algum acaso, estão me seguindo? — questiono, desconfiada.
— Vocês quem?
— Como assim quem? — rebato rápida. — Você e seus amigos, ora.
A testa de Matthew vinca e ele olha para trás, depois para mim.
— Não estou vendo ninguém por aqui. — Ele dá dois passos para frente,
coloca as mãos para trás e curva a coluna para que seu rosto fique a centímetros
de distância do meu. — A pergunta correta, pequena Monaghan, é: Matthew,
você, por algum acaso, está me seguindo? Porque aí, garota, a resposta talvez
seja diferente.
— E você está?
Um cacho do seu cabelo loiro cai diante dos seus olhos, mas Donnelly não
faz nada quanto a isso. Ele está ocupado demais me encarando como a porra de
um psicopata.
— Talvez sim. — A língua estala no seu céu da boca. — Talvez não. —
Seu braço, agora pronto para arrumar seus fios que despontam para todos os
lados, levanta-se por alguns segundos e, rapidamente, meus olhos curiosos
cravam nas suas tatuagens. Mais especificamente em uma de um lobo-do-ártico
no antebraço. Estranho. Me parece muito, muito familiar, como se eu já tivesse
visto antes em algum lugar. Mas não consigo raciocinar muito sobre isso, já que
o leva de volta para suas costas e segue falando: — Acho que seria legal ficar na
dúvida. Só assim para você andar alerta na rua.
Dou de ombros.
— Não tenho medo de você — digo, pois essa é a verdade. Deveria ter, sei
que deveria, mas não tenho. Há alguma coisa em Matthew Donnelly que não me
intimida. Por incrível que pareça, me sinto acostumada com ele. — Você não me
assusta.
Alguma coisa muito parecida com uma risada escapole da sua garganta. O
que é impressionante e um tanto quanto anormal, já que seus lábios nem se
mexeram.
— Love, Love... — Seus olhos escurecem uns bons tons quando cantarola
meu nome. — Seu papaizinho não te ensinou que se deve temer todos os
homens? — Engulo a seco com a firmeza, a segurança e a verdade da sua fala.
— Nossa raça é podre. Perigosa. Asquerosa. Garotinhas inocentes sozinhas à
noite, sem qualquer indício de proteção ou testemunhas, exatamente como agora,
são como uma bandeja recheada de oportunidades, bem diante dos nossos olhos
famintos. E você deveria saber que não se deve provocar. Você, amor, deveria
saber que não se deve balançar um pedaço de carne na frente de um leão
faminto.
Eu deveria dar uma joelhada entre as suas pernas e correr para bem longe.
Eu deveria gritar e chamar pela polícia, alegando que um lunático estava atrás de
mim. Eu deveria fazer qualquer uma dessas coisas, porque seu olhar é feroz,
exatamente como o de um leão faminto perto de um pedaço de carne. Mas não é
isso que acontece.
Eu me aproximo ainda mais e sopro contra seu rosto:
— Meu papaizinho, na verdade, ao invés de perder tempo me ensinando
sobre isso, estava muito mais ocupado me ensinando a como lutar e me defender.
E tenho certeza que tudo o que eu aprendi vai fazer você, um leão faminto, se
tornar um gato manhoso em segundos. — Abro o meu maior sorriso, e sei que
estou em um nível muito acima do dele. — Porque, Matthew, se há alguém que
consegue ser pior que um homem quando deseja alguma coisa, esse alguém é,
sem sombra de dúvida, uma mulher.
Ao contrário do que eu imaginei que aconteceria, Matthew volta para a sua
postura correta e sorri. Ou pelo menos tenta.
— Meu faro nunca erra. — Ele balança a cabeça de um lado para o outro,
parecendo orgulhoso. — Você é, eventualmente, a única espécie feminina que
posso vir a gostar um dia.
Esse garoto é realmente maluco.
— Tá tentando flertar comigo? — Contorço o rosto em uma careta. — Só
para deixar claro, você conseguiu ser pior que seu amigo.
— Eu não flerto, garota — é ríspido. — Eu não me envolvo
romanticamente com nenhuma garota. Detesto a maioria delas.
— Então é gay. — Matthew me olha de um jeito muito mortal, e eu dou
risada. — Ué, não me olhe com essa cara. Às vezes você pode estar em processo
de negação, só quis te dar um empurrãozinho. E ser gay não é nenhuma ofensa.
Ele aperta o dorso do seu nariz, como se estivesse perdendo a paciência,
mas sei que, no fundo, está achando engraçado.
Ou não.
Matthew Donnelly caminha até minhas costas e começa a me empurrar
para frente, me obrigando a caminhar junto com ele.
— Ei, para onde você está me levando? — O olho por sobre os ombros,
tentando não embolar meus pés, mas ele permanece olhando para frente e me
guiando com certa força. — Me larga, Matthew! Eu estava apenas brincando, sei
que não é gay — solto entredentes. — Que masculinidade frágil é essa de vocês
garotos? — Arfo. — Vou falar tudo para o Colt depois. Quero ver só se vai pagar
de machão na frente dele também. Quero ver só se vai continuar brincando de
leão faminto quando...
Paro de falar quando nos aproximamos de uma enorme cabana na praia,
bem na areia.
Uau.
Como eu nunca a vi aqui antes?
Com certeza deve ter sido construída recentemente.
E com certeza deve estar acontecendo uma festa lá dentro.
Enxergo uma movimentação lá dentro, escuto uma música eletrônica alta
estrondando e vejo copos vazios descartados perto da porta.
Que irresponsáveis! Adolescentes milionários e rebeldes também deveriam
se importar com o nosso ecossistema.
Não demora muito para que Colt abra a porta, olhe para mim e Matthew às
minhas costas e decida caminhar até nós, uma interrogação pairando acima da
sua cabeça.
— Olha quem eu encontrei por aí quando fui tomar um ar, Carver. Trouxe
seu brinquedinho favorito para animar a festa. — Matthew me empurra para
frente, e eu provavelmente cairia na areia se não fossem as mãos de Colt em
minha cintura. Ele logo lança um olhar enviesado para o amigo, detestando o
modo como se refere a mim ou, talvez, exigindo explicações do por que me
trouxe para cá. — Ela é toda sua para você descobrir e fazer o que quiser. Tô
caindo fora. Preciso resolver uns assuntos em casa.
Dito isso, gira sobre os calcanhares e vai embora.
Olho para Colt, e ele me solta.
Arrumo a blusa de alcinha que estou usando, aprumo os ombros e cruzo os
braços em frente ao peito quando percebo que seus orbes recaem para os meus
seios.
— Seu amigo tem sérios problemas. — Colt finalmente me fita. — Ele
tem uns papos muito confusos e estranhos. Nunca sei se está brincando ou
falando sério. Nunca sei se ele ainda me detesta ou se começou a se afeiçoar pela
minha pessoa. Nunca sei nada e isso me irrita. Não gosto quando as pessoas são
uma incógnita para mim.
— Fique tranquila, estrelinha, ele é assim com todo mundo. Matthew pode
ser traumatizado com infinitas coisas, principalmente com garotas, mas, por
incrível que pareça, você conseguiu fazer com que ele se importasse. E ele gosta
de você. — Uno as sobrancelhas em desconfiança. Que jeito mais torto de
demonstrar isso. O pior é que, de um jeito que não entendo, também sinto um
tipo de conexão estranha com ele. A mesma conexão genuína que senti com
Aria. Não a mesma que sinto com Colt. A minha conexão com Colt é muito além
do que qualquer sentimento e explicação. — Agora me diz como ele te
encontrou.
Solto um fluxo de ar.
— Esqueci minha bolsa no Dinno´s, aquele restaurante aqui próximo,
então vim buscá-la — explico ao erguer minha bolsa. — Trombei com Matthew
pela calçada, a gente começou a conversar, ele se sentiu ofendido, acho, e
resolveu me trazer aqui. Não sabia que estava dando uma festa e não queria
atrapalhá-lo. Já estou indo embora.
— A festa não é minha, é de um cara do time. — Colt segura meu braço
antes que eu sequer faça menção de me virar. — E você não está atrapalhando.
Por que não fica?
— Não sei, não. Não curto muito festas.
Ele assente, parecendo se lembrar, e me lança um meio sorriso.
— Tem uns dois quartos vagos pela casa. — Aponta com o polegar e o
indicador para trás de si. — Podemos conversar lá dentro e fazer a nossa própria
festa, a sós.
Reviro os olhos. Muito do espertinho.
— Não vou transar com você.
— Por que você sempre acha que estou querendo transar com você? —
Parece ofendido. — Eu só quero poder ficar com você. Só isso.
— Em algum momento da sua vida você já me odiou de verdade? —
Mordo o interior da bochecha para conter o impulso de sorrir. — Suas palavras e
suas ações ultimamente estão me dizendo o contrário.
Agora é sua vez de revirar os olhos e descer sua mão até a minha,
entrelaçando-as.
— Não enche. — Escuto que bufa quando começa a me arrastar até a
cabana. — Nesse momento estou te odiando. Te odiei muito mais quando fugiu
de mim mais cedo.
— Aham. Com certeza — ironizo. — E não estava fugindo de você. Só
não queria que vocês se aproximassem e estragassem meu momento de diversão
com a minha melhor amiga.
Seus pés descalços travam na areia e ele, ainda me segurando pela mão,
vira-se sobre o ombro para me encarar, as sobrancelhas grossas quase que
tocando o seu couro cabeludo.
— Por que sua melhor amiga me odeia? — pestanejo diante da sua
pergunta um tanto quanto séria. — Ou melhor, por que ela parece odiar todo
mundo?
— Ela não odeia todo mundo — sou rápida em retrucar. — Ela só é...
introspectiva.
— Ah, não. — Balança a cabeça, como se não acreditasse nas minhas
palavras. — Não é só isso. Eu percebo muitas das vezes os olhares que ela nos
lança. Parece querer atear fogo na gente a qualquer momento. Principalmente em
mim. — Aponta para o meio do peito com a mão livre. — Não tente defendê-la.
Aria é estranha.
Respiro fundo para não perder a paciência.
— Se chamá-la de estranha novamente, vou embora. Não vou aceitar que
insulte a minha melhor amiga. É bom que saiba que ela sempre vem em primeiro
lugar para mim.
Colt assente, mas não diz nada.
Volta a caminhar comigo, e eu subo os degraus de madeira, sentindo-os
ranger sob as minhas sandálias.
Ele abre a porta e a gente entra, sendo recepcionados pela vibração do
ambiente, que está salpicado de adolescentes bebendo, dançando e,
provavelmente, fumando maconha. Estou sentindo um cheiro muito forte e
suponho que seja isso.
Há serpentinas, uma decoração havaiana serpenteando as paredes de
madeira da cabana e uma faixa que vai pendurada de uma pilastra até a outra.
Não tenho tempo de ler o que está escrito, Colt Carver me puxa novamente,
caminha comigo pelas pessoas, empurrando algumas com a ajuda do cotovelo, e
me direciona para o primeiro quarto fechado — e provavelmente disponível —
do pequeno e estreito corredor.
O garoto acende a luz assim que a gente adentra o cômodo, trancando a
porta em seguida.
— É para que tenhamos privacidade. — Aponta para a porta e coloca as
mãos dentro dos bolsos da bermuda branca, que já está toda suja de areia e sei lá
mais o quê. — Não pense besteira.
— Mas eu nem falei nada. — Começo a rir. — Você anda é muito
assustado para o meu gosto. Nem parece o capitão que impõe medo nos seus
jogadores. Muito menos o bad boy que destrói os corações das garotas da St.
Rose.
Ele, em um safanão, me pega pela cintura e cola seu corpo junto do meu,
se aproximando da estante de livros ao nosso lado.
— Você é bem problemática, sabia? — Suas írises estão cravadas na
minha boca, e o seu polegar brinca entre os meus lábios, subindo e descendo. —
Ao invés de gostar de mim assim, gosta do meu lado mau e devasso. Gosta de
quando eu te pego e te maltrato daquele jeito. — Nego com a cabeça lentamente,
sentindo cócegas nos meus lábios por conta do contato gélido e áspero do seu
dedo. — Gosta sim. Você esconde a sua perversidade nesse rostinho doce e
lindo, mas eu te conheço. Ah, amor, e como conheço. — A palavra amor saindo
da sua boca me faz estremecer. Ele já me chamou assim antes, mas eu estava
completamente fora de mim para conseguir compreendê-la, então deixei a
palavra passar. Agora, no entanto, me deixa fraquinha, porque sei que não é meu
nome. É a palavra.
Trago uma grande quantidade de ar para o meu pulmão e o afasto de mim,
rumando para a cama espaçosa e tirando as sandálias dos pés antes de me sentar.
Quando ele está prestes a me acompanhar, faço que não com o dedo.
— No chão. — Eu aponto para o carpete, e ele me olha surpreso. — Ficar
na cama com você é um perigo. E nós dois iremos só conversar.
Colt suspira, derrotado, e senta-se no chão, em frente à cama.
Eu me deito perto da borda, na intenção de ficarmos próximos, e balanço
as pernas no ar.
— Sobre o que quer falar, Love Monaghan?
— Sobre você, Colt Carver, me conte sobre você.
Ele abre a boca, fecha a boca, depois solta:
— Pode não parecer, mas eu sou da arte. — Entreabro os lábios. — Em
choque? Pois é. Acho que foi um dos motivos que me fez aceitar participar da
peça. Gostei de como me senti lá. Foi exatamente a mesma sensação de quando
estou pintando as minhas telas. Eu simplesmente me teletransportei para um
lugar diferente, um lugar bom e mágico. Quis com todas as minhas forças viver
outra vida e esquecer da minha. Quis ver como era, realmente, viver outra vida
em cima de um palco. — Os seus olhos ganham um lampejo de brilho enquanto
discorre sobre o assunto, e isso arrebata com força o meio do meu peito. — Vai
ser mais uma válvula de escape, exatamente como a pintura.
Uau.
Confesso que estou impressionada.
É exatamente... como me sinto. É exatamente o que eu passo todos os dias
com o teatro. Vivo outros sonhos, outros amores e outras vidas em apenas uma.
Conheço diferentes lugares, pessoas, crenças e nem ao menos saio do lugar. É a
minha válvula de escape e a coisa que mais amo fazer no mundo todinho.
Sempre foi sobre isso.
Sempre foi sobre a arte ser a minha fortaleza.
Ela me salvou e me salva todos os dias.
— Posso te garantir que vai ser incrível e que você vai adorar toda a
experiência — digo convicta. — Agora me conta, como assim você é um pintor?
Como assim Colt Carver é um artista e eu nunca fiquei sabendo sobre isso?
— Nunca contei para ninguém. Sempre achei que se contasse, as pessoas
gostariam de dar uma olhada no que faço. E isso me deixava aterrorizado. Meus
desenhos são meus sentimentos mais profundos e íntimos. São tudo aquilo que
nunca conseguirei pôr para fora. — Dá de ombros. — Você é a única que sabe.
Mais uma coisa que está dividindo comigo. Mais um pequeno segredo.
Por que isso me deixa tão, tão feliz?
— Então significa que vai me deixar vê-los?
Sua expressão muda para algo que não sei decifrar, e Colt tomba a cabeça
para o lado, olhando dentro dos meus olhos. Olhando para dentro de mim. Eu
olhando para dentro dele. Meu coração palpita.
— Talvez um dia.
“Se há um talvez no meio da frase, então eu posso ter esperança”, penso
comigo mesma.
Não sei quanto tempo leva, mas Colt Carver segue falando comigo sobre
pinturas, quadros, tintas, cavaletes, técnicas e tudo que um pintor entende.
Quando ele para de falar, eu continuo com tudo aquilo que amo: peças, musicais,
meus atores favoritos e até mesmo sobre a Broadway.
Conversamos tanto que, quando dá o meu horário, fico triste por ter que ir
embora.
Mas ele me acompanha até o meu carro e se despede com um beijo casto
em meus lábios, surpreendendo-me.
Sinto como se, pela primeira vez, estivesse nadando em um mar calmo e
seguro com ele, sem nossas turbulências constantes.
Mas não posso me contentar e me iludir muito com isso.
Não há nada de calmaria entre nós.
Colt e eu somos como tornados prestes a lutar para ver quem vai destruir
um ao outro primeiro.
❝ Porque somos lindos, não importa o que digam
Sim, as palavras não vão nos derrubar, não
Somos lindos em todos os sentidos
Sim, as palavras não podem nos derrubar, oh, não
Então não me derrube hoje
Não me derrube hoje
Não me derrube hoje. ❞
BEAUTIFUL – CHRISTINA AGUILERA

MANSÃO DOS MONAGHAN, 05 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


20H55MIN.
Meus pais não me esperaram para o jantar, é claro.
Mas River Monaghan e Caroline Dillon me esperaram para pôr as fofocas
em dia.
Os dois adentram o meu quarto, logo após eu tomar um longo banho e me
enfiar em um pijama confortável — um que não vai fazer a minha mãe surtar —,
e se deitam na minha cama de uma forma totalmente folgada, o que faz com que
eu pare de pentear o cabelo na minha penteadeira só para encará-los sobre os
ombros.
Meus olhos estão em fendas nesse momento.
Tanto o meu pai quanto a minha mãe, no entanto, se viram em minha
direção, fincam os cotovelos no colchão e descansam as cabeças inclinadas em
uma das mãos, me olhando de um jeito muito estranho, como se estivessem me
pedindo através de suas írises pidonas que eu comece a contar as novidades logo.
— Antigamente vocês já foram mais ocupados — menciono ao passo em
que aponto o dedo em riste para eles. — É o que, o fim da carreira de River e
Caroline? — Faço a minha melhor expressão de assustada ao fingir que uma
ideia surge em minha cabeça. — Ou, pior, vieram aqui me contar que estamos
falindo e precisaremos nos mudar o mais rápido possível desta linda e bela
mansão?
— Credo, Love Dillon Monaghan! Vira essa boca para lá, minha filha. —
Mamãe se senta na cama e faz o sinal da cruz, horrorizada com a possibilidade
de isso acontecer. Eu e papai rimos ao mesmo tempo. — Não tem nada a ver
com isso. Eu e seu pai estamos aqui porque queremos falar sobre você e Colt
Carver.
— Na verdade, meu amor, você que quer falar — River pontua.
Se antes meus lábios estavam esticados em um sorriso, agora eles não
passam de uma linha fina.
Mesmo que meu pai esteja tão tranquilo e leve quanto uma pluma, cada
músculo do meu corpo se tensiona.
Porque talvez signifique que...
Ai, meu Deus!
Signifique que algum funcionário ouviu ou viu alguma coisa e foi me
dedurar?
Será que já está rolando fofoca nos corredores da mansão sobre a filha do
casal queridinho de Hollywood estar sendo deflorada pelo filho do Senador?
Juro que se isso estiver mesmo acontecendo, vou me matar.
— O que tem eu e ele? — falo, me fazendo de desentendida. A minha
sorte é que, em momentos como esse, me garanto na atuação. Tenho que
garantir. — Não estou entendendo.
Só basta um olhar penetrante da minha mãe para que eu sequer lembre que
sou filha de um casal de atores e passo quase todos os meus dias enfiada entre as
cortinas de um palco, muito menos que me garanto em atuação.
Não vou conseguir fingir.
Se ela falar alguma coisa sobre eu ter deixado Colt me chupar na porcaria
da cama que está deitada, vou começar a gritar.
“Por favor, Deus, que não tenha nada a ver com isso”, rezo mentalmente.
— Colt veio te ver naquele dia. — Prendo a respiração. Mamãe, por favor,
não vá por esse caminho. — E ele disse que vocês estavam fazendo a peça
juntos. Confesso que fiquei surpresa. — Se eu soubesse que não ficaria muito na
cara, colocaria a mão no peito, fecharia os olhos e sopraria um ufa. Então esse é
o foco do assunto, e não o que aconteceu nesse quarto enquanto estávamos
sozinhos. Estou definitivamente mais aliviada agora. — Quando eu perguntei,
ele me disse que caiu meio que de paraquedas no teatro e que agora você está o
ajudando. — Seu rosto carregado de segundas intenções se ilumina. — Vocês
estão tipo... paquerando um ao outro? Ou estão só estreitando os laços que nunca
quiseram ver que tinham?
Antes que eu possa falar qualquer coisa sobre o assunto, papai arregala os
olhos e sai na frente ao dizer:
— Minha menininha não está paquerando ninguém, Caroline. Muito
menos aquele esquisito do filho do Maverick. — Eu e a minha mãe olhamos
para ele ao mesmo tempo. — O quê? O garoto é esquisito mesmo. Sem contar
que na infância Love vivia chorando trancada no banheiro por causa dele. —
Pela expressão do meu pai, tenho certeza que está repassando as cenas em sua
mente. Faço isso na minha também. — Eu tenho certeza que ele não faz o tipo
dela. Love gosta de meninos mais normais. Tenho certeza que a minha filha
linda e inteligente do jeito que é, terá bom gosto e boas escolhas na hora que
chegar a vez dela.
Sei que meu pai está fingindo bancar o ciumento, porque nós conversamos
normalmente sobre garotos e essas coisas quando estamos a sós, mas é
engraçado de assistir. Principalmente se levarmos em consideração o quão
errado ele está sobre mim.
Ah, papai, a sua filha é, infelizmente, péssima em fazer escolhas, penso
enquanto mordo a pontinha do polegar.
Não acredito que estou segurando o sorrisinho que faz cócegas no canto da
minha boca.
— Cala a boca, River! — Caroline o repreende daquele jeito que só ela
consegue fazer. É engraçado ver que ele fica quieto na mesma hora que o seu
olhar 43 cruza com o dele. — Deixa a Love falar. Quero saber o que está
rolando.
— Não tem nada rolando — me apresso em dizer. — Colt foi punido por
ter aprontado na escola e agora terá que participar da peça. A professora Astrid
ofereceu os papéis principais para nós dois, aceitamos o desafio e agora ajudarei
ele com esse lance de atuar. Só isso.
River aquiesce, e sei que ele me entendeu. Caroline, no entanto, ainda me
esquadrinha como se soubesse que há, sim, mais alguma coisa rolando e que
estou querendo esconder.
— River, querido, poderia me dar um minutinho com a Love? — Sua voz
até se transforma quando faz o pedido para o meu pai, está completamente doce.
— É rapidinho. Encontro com você no quarto.
— Tudo bem. Entendi que é papo de garota. — Ele se levanta em um pulo,
e quando está perto de sair pela porta, vira em nossa direção só para soltar: —
Estou de olho em vocês duas.
E então River Monaghan se retira do cômodo.
Minha mãe logo faz com que eu me levante e me sente ao seu lado, na
beira da cama.
— Você sabe que e eu e seu pai temos um carinho muito grande pela
família Carver, não sabe? — começa, e eu confirmo positivamente com a
cabeça. — Fico muito feliz que você e Colt, depois de tantos anos como cão e
gato, estejam finalmente se entendendo e andando juntos. Tenho certeza que o
pai dele ficará muito contente também. — Ela olha para baixo, segura as minhas
mãos e fica brincando com elas por alguns segundos. Não demora muito para
que as suas írises se ergam até as minhas novamente. — Confio que esteja
falando a verdade, filha. Mas, caso mude seus pensamentos e queira embarcar
em algo a mais com ele, desejo que me conte e que me tenha como melhor
amiga. Sei que às vezes nos desentendemos assim como toda mãe e filha, que
você tem mais diálogo e abertura com o seu pai, porém ainda assim estou aqui
por você e para você. Sei que é muito melhor ouvir conselhos de outra mulher
em relação a essas coisas do coração. — Minha mãe sorri e tira os fios molhados
do meu cabelo do ombro, colocando-os para trás. — E como uma mulher
experiente, te digo que homens como Colt Carver gostam de mulheres bonitas,
arrumadas e que sabem seu valor. E você, Love, pode ser essa mulher se quiser.
Só precisa se esforçar um pouco mais, querida. Precisa mudar as suas roupas,
parar de usar aquelas meias, aqueles coturnos desgastados e começar a apostar
mais em sua feminilidade. — Respiro fundo para não perder a paciência.
Quando penso que vai dar um basta no seu discurso ridículo, continua: —
Aposte nos saltos. Os saltos são tudo para uma mulher confiante. É bom cortar o
cabelo também em algum corte mais atual. E começar a prestar atenção em
como as meninas da sua escola são, só para ser melhor que todas elas. Você pode
ser melhor que todas elas. Pode ser melhor que todas as garotas do mundo. E aí
todos os garotos do mundo estarão aos seus pés...
— Mãe — a interrompo, pressionando a ponta do nariz para conter a
irritação.
É impressionante como, não importa qual seja o assunto, ela sempre dá um
jeito de trazer a questão da minha aparência à tona.
Me deixa irritada e triste.
Caroline conseguiu, como sempre, mudar toda a atmosfera do momento e
se infiltrar nas minhas emoções.
Sei que não é verdade, até porque a minha mãe me ama e jamais faria isso
comigo, mas parece, diante desses papos superficiais e idiotas, que Caroline está
empenhada em me fazer regredir em todos os pontos que consegui melhorar ao
longo dos anos.
— Ainda não terminei. — A palma da sua mão se levanta. É óbvio que não
terminou. Controlo a vontade de revirar os olhos e mordisco o interior da minha
bochecha com certa força. — Você já parou para pensar no que o Colt vai achar
quando souber que você faz terapia? — A sua pergunta sussurrada me deixa
enjoada. Só percebo que estou me machucando com mais intensidade quando
sinto o gosto metálico do sangue se derramando sobre a minha língua. — Talvez
ele não entenda e pense que você é doente. Ou uma louca. Homens costumam
pensar assim. Agora que aparenta estar melhor, deveria repensar sobre deixar a
psicóloga. Eu dou a minha palavra que fico te vigiando para ver se está
exagerando na dieta. Se bem que, para ser sincera, nunca acreditei no
diagnóstico dos médicos e você bem sabe disso. A meu ver, querida, você só
estava sendo cuidadosa com a sua aparência, o que não é nenhum mal. Mas hoje
tudo em dia é doença, preconceito e a culpa da mídia e das redes sociais. —
Mamãe balança a cabeça de um lado para o outro e ri, acreditando
veementemente em cada palavra que sai da sua boca, como se coisas tão
importantes, sérias e reais fossem uma tremenda baboseira. — E já que estamos
tendo esse momento de sinceridade e o seu pai não está aqui para me repreender
e corrigir, já que também foi infectado pela nova geração, só te digo uma coisa:
antes dos médicos e de tudo acontecer, você era mais bonita e mais empenhada
nessas questões de beleza. No entanto, hoje em dia, Love, está cada vez mais
desleixada e desarrumada. A sua sorte é que ainda mantém os exercícios e que
seu corpo continua bonito. Mas não foque só nele, você não é uma prostituta.
Solto as minhas mãos da sua em um movimento brusco e me levanto da
cama rapidamente.
A bile sobe com força.
— Por que você ainda insiste em dizer essas coisas para mim? — sopro em
um fio de voz, sentindo mãos invisíveis apertando a minha garganta. — Por que
fica querendo me colocar no fundo do poço novamente? — Subo um pouco a
voz. — Eu não estava bonita, mãe, eu estava doente! Entenda isso de uma vez!
Eu estava obcecada pela beleza, e ela estava me destruindo e me matando aos
poucos. As pessoas me diziam o tempo todo o quanto eu estava magra, bonita e
com o corpo dos sonhos, mas eu não conseguia enxergar isso. Eu olhava para o
espelho e enxergava um monte de excesso em mim. Um monte de defeitos e
coisas que poderiam melhorar. Coisas que eu iria melhorar, porque estava
sempre pensando nos próximos exercícios compulsivos e nas próximas horas
que ficaria sem pôr um alimento na boca só para me sentir melhor. Até a água,
que é algo tão essencial para a nossa vida, eu evitava, pois tinha certeza que
ficaria com a barriga inchada e com a sensação de estar cheia depois de ingeri-la.
— Dou alguns passos até ela e cerro as mãos ao lado do corpo. — E sabe quem
provocou isso em mim? Pois é, a mídia que você tanto adora e se diz grata. A
mídia e esse seu mundo doentio de fama, poder, beleza e dinheiro. Eles
começaram a falar de mim muito cedo e você nunca fez nada para impedir. Você
nunca preservou a minha imagem. Muito pelo contrário, na verdade. Você,
mamãe, fazia questão de me expor e de me exibir, me entregando de bandeja na
mão de pessoas tão perversas e cruéis, que fizeram da minha vida um inferno.
Elas falavam da minha aparência o tempo todo. Diziam que eu era bonita, que
estava começando a ganhar corpo muito cedo e que, caso eu me descuidasse,
ficaria gorda, velha e flácida antes dos vinte. Fiquei completamente paranoica,
Caroline. Fiquei desejando desesperadamente que meu rosto fosse mais fino,
assim como minha cintura, braços e pernas. Sua filha, ao invés de estar se
preocupando com qual Barbie comprar na próxima ida ao shopping, estava
ocupada demais implorando para se tornar uma.
Algumas lágrimas deslizam pela minha bochecha quando termino de falar.
Minha mãe pisca os longos cílios em uma lentidão impressionante.
— Eu não vou parar com a terapia e dar um fim no meu tratamento, que
me vem ajudando a superar tantas coisas — continuo mesmo sendo muito difícil.
— Se Colt ou qualquer homem não me quiser por esse motivo, tudo bem, eu não
ligo. Porque, Caroline Dillon, eu nunca, jamais, iria querer me envolver com
alguém que não sabe reconhecer o poder e a importância de uma ajuda
profissional. Eu nunca, jamais iria querer me envolver com alguém que tenha
essa mentalidade tão retrógrada e preconceituosa. Estar todo dia na terapia,
lutando contra seus monstros internos, até mesmo contra a porra da sua própria
mente, não é motivo de vergonha, muito menos de fraqueza. Buscar ajuda
quando se está passando por um momento difícil é, sem sombra de dúvidas, um
ato de bravura e coragem. — Bato contra meu peito. — E eu sou a pessoa mais
brava e corajosa que conheço. Se nenhum homem enxergar isso, ótimo. Até
porque fênix morre e renasce sozinha, não acompanhada de um parceiro.
Coço os olhos. Não vou derrubar mais nenhuma lágrima por conta desse
assunto.
Ao contrário do que eu imaginei que aconteceria, minha mãe se levanta,
vem até mim e joga seus braços ao redor do meu corpo, me abraçando.
— Desculpa, Love, não foi a minha intenção — choraminga ao afagar
meus cabelos. — Eu não queria te ofender ou colocar coisa na sua cabeça. Você
é forte. Eu te amo tanto. — Não tenho certeza, mas parece estar chorando. Meu
peito se comprime. Não gosto de vê-la chorar. — Me perdoa por não conseguir
te compreender da maneira que você merece. Esse é o meu jeito. Você mais do
que ninguém sabe o quanto sou cheia de defeitos. Mas você é a minha princesa,
o meu maior orgulho, a minha sucessora e a minha estrela. A minha
pequenininha. — Aos poucos, tomada pela sua voz tão familiar e reconfortante,
cedo e a abraço de volta. É tão difícil que ela fale essas coisas para mim que tudo
passa e só foco no agora. — Sua mãe só quer o seu bem. Sua mãe só quer vê-la
feliz. Sua mãe, mesmo de um jeito torto, só quer te ajudar. Seu pai costuma dizer
que tenho ciúme dos seus médicos, porque eles te ajudam verdadeiramente e eu
não. Deve ser verdade mesmo. Só isso explica.
Preciso me lembrar mais uma vez que Caroline Dillon também fora
afetada por esse mundo.
Ela não quer me ver no fundo do poço. É só o seu jeito.
Ela me ama e me apoia. Só não sabe demonstrar.
— Suas palavras me machucaram, mãe — sou sincera, agora já chorando.
— Me dói muito quando você decide seguir por esse caminho. Nós já
conversamos tantas e tantas vezes...
— Não vai mais acontecer, eu prometo — me corta ao garantir, se
afastando só para olhar dentro dos meus olhos e repousar suas mãos uma em
cada lado das minhas bochechas, limpando as lágrimas com a ajuda dos
polegares. — Nunca mais farei ou falarei algo que possa lhe magoar. Você me
perdoa, não é, querida? Se não me perdoar, não saberei como prosseguir. Preciso
de você, Love. Preciso de você, minha filha.
Em meio às lagrimas, dou um meio sorriso.
— Tá tudo bem. Eu te perdoo. Já passou, mãe.
Meu coração simplesmente não aguenta quando ela demonstra suas
emoções mais sinceras. Me desarma completamente.
— Eu te amo — ela fala, e meu coração pula.
— Eu também te amo, mãe.
— Prometo que vou melhorar.
Confirmo.
— Sei que sim.
Na verdade, não sei, mas tenho que acreditar na sua melhora.
Um dia ela vai aprender e entender suas atitudes erradas. Ela me ama e vai
mudar por mim.
Enquanto isso, fico aqui ao seu lado, esquecendo seus defeitos e encarando
suas infinitas qualidades.

PELOS MARES DE FORT LAUDERDALE, 08 DE SETEMBRO DE


2018, ÀS 17H17MIN.
Ontem, na segunda-feira, mamãe, já mais tranquila e realmente empenhada
em obter o meu perdão, mesmo que eu já o tenha concedido no exato momento
em que me pediu, resolveu me levar e me buscar na escola, na intenção de passar
mais tempo comigo.
Foi incrível e surreal todo o momento que passamos juntas.
Mas o mais incrível e surreal da segunda-feira foi que eu e Colt fizemos
nossa audição para a peça sem nenhum ensaio antes. E Astrid amou quando
lemos, um de frente para o outro, aquele diálogo de Landon e Jamie no corredor
da escola, quando a garota fez com que o outro prometesse que não iria se
apaixonar por ela.
— Por favor — Colt pediu, entrando no personagem. Seus dedos tatuados
estavam prendendo as folhas brancas e amassadas do seu roteiro improvisado.
Eu podia ver que ele estava nervoso, mas, ainda assim, se divertindo com a nova
experiência.
Sorri de lado e apertei meus materiais contra o peito.
— Está bem. Mas com uma condição...
— Qual? — ele logo disse, rápido.
Empinei o queixo e me senti a verdadeira Jaime, deixando que seus
sentimentos me preenchessem.
— Precisa prometer que não vai se apaixonar por mim.
Colt, interpretando Landon, ou talvez apenas querendo me mandar uma
mensagem, abre um sorriso debochado.
Eu nem ao menos sei se ele chegou a assistir ao filme, mas saiu
igualzinho.
— Isso não será um problema.
Depois desse momento, Astrid levantou-se da cadeira do Teatro com a sua
prancheta de anotações, vibrou e comemorou por ter um olhar certeiro para a
escolha de um casal de atores.
E os papeis dos personagens principais da Peça da Primavera foram dados
para mim e Colt Carver algumas horas depois.
Jordyn Jensen, infelizmente, ganhou o papel da primeira namorada de
Landon, exatamente como havia falado.
Pelo menos todo mundo conseguiu o que queria. Ou quase isso.
E só foi a gente sair do Teatro que Dariel e Matthew apareceram para
andarem conosco. Conversa vai e conversa vem com o Trio de Ouro, Dariel me
convidou para a sua festa de aniversário, que aconteceria hoje, dia 9 de
setembro.
A primeira parte aconteceu na sua mansão, e a segunda está acontecendo
aqui, no seu imponente, luxuoso e magnífico iate.
Pois é, Dariel Chevalier tem um iate só para ele.
E eu só decidi comparecer porque os três foram muito, muito insistentes.
Como sempre.
Colt me deixou sozinha tem alguns minutos, então estou encostada no
canto, de braços cruzados e encarando o horizonte. Os populares da escola estão
espalhados por todos os lados, uma música que reconheço ser do Drake
retumbando nas caixas de som estrategicamente espalhadas por aqui enquanto
todos dançam, cantam e se pegam de forma explícita. Eles estão tão agitados,
loucos e completamente insanos que tenho grandes suspeitas que drogas dos
mais variados tipos estão rolando de forma desenfreada e despercebida por esse
iate enorme. Só isso explica.
— E aí, Love. — Sobressalto quando uma voz feminina se aproxima de
mim. Viro para a direção da voz e encontro Paris Sloan vestida no seu biquíni de
cortininha, uma taça de espumante rosé rodando na sua mão direita. Seu cabelo
loiro está preso em um penteado perfeito e a sua maquiagem neon não está nem
um pouco fora do lugar. E olha que a capitã das líderes de torcida se encontra
meio que, digamos, alterada. — O que está fazendo aqui sozinha? — Ela entorna
o líquido alcoólico na boca, e depois faz um biquinho de lado. — Já sei! Colt te
comeu o suficiente para se cansar e agora te deixou de escanteio, não é? — Eu
nem a respondo, mas Paris dá risada como se eu tivesse falado alguma coisa. —
É, pois é. O idiota fez isso comigo também. Me comeu daquele jeito nas
arquibancadas e depois me chutou como se eu fosse uma vagabunda leprosa.
Não acredito que a garota com que Colt estava transando naquele dia era
ninguém mais e ninguém menos que essa vaca da Paris Sloan.
De repente, me sinto fulminando de raiva. E já não sei mais com o quê.
— Que pena que isso aconteceu com você, Paris — digo de forma irônica,
porque eu acho é pouco. — E não que isso seja da sua conta, mas não transei
com ele. Somos só amigos.
Um sorriso esquisito abre caminho entre seus lábios com resquícios de
batom.
— Colt Carver não é amigo de mulheres. — É venenosa. — Ele quer foder
elas. E de todas as formas possíveis. Você deve ser mais uma, Love Monaghan.
— Aponta o dedo em minha direção. A unha postiça cor de rosa brilha. — Não
se ache especial só porque ele está passando mais tempo com você do que
passou com qualquer outra garota antes. Você provavelmente está sendo difícil
de abrir as pernas, e ele está lhe vendo como um desafio. Se eu fosse você, só
para sair por cima, sentaria nos amigos dele primeiro. Não, minto. Senta só no
Matthew. Matthew Donnelly é o favorito dele. Seria como uma facada pelas
costas.
— Ela não vai sentar no Matthew. — Jordyn aparece ao lado da melhor
amiga de repente e a segura pelo cotovelo, impedindo que a garota quase tropece
nos próprios pés. — Love Monaghan não é das nossas, Paris. Quer dizer, ela até
pode ser, mas se faz de perfeitinha.
Paris encara Jordyn, puxa seu braço em um safanão e resmunga palavrões
incompreensíveis.
— O que você tá fazendo aqui? — a loira balbucia. — Sai de perto de
mim, Jordyn. Estou com raiva de você.
E o foco já não sou mais eu. Graças a Deus.
— Só porque eu estava conversando com outra garota e não te dei
atenção? Foi só por um minuto. Deixa de ser dramática. — Jordyn revira os
olhos. — Vamos conversar a sós. Não quero plateia.
— Estou pouco me fodendo para o que você quer — Paris esbraveja, e eu
me assusto. A garota parece realmente furiosa e transtornada, diferente da pose
de bêbada divertida com a qual chegou e que estava até poucos segundos atrás.
— Você tem que fazer o que eu quero, Jordyn. Fui eu que te transformei no que
você é hoje, lembra? Se não fosse por mim, você seria só mais uma vadia
insignificante da St. Rose. É popular porque eu sou sua amiga e eu sou popular.
Não quero que dê atenção a outras quando tudo o que você precisa e sempre vai
precisar sou eu.
Não acredito que estou presenciando uma briga entre Paris Sloan e JJ. As
duas são o sinônimo de amizade perfeita. Achei que com elas tudo fossem flores.
Vejo que estou terrivelmente enganada, principalmente quando fito os olhos
verdes de Jordyn, que estão transbordando de água cristalina, parecendo
ofendida e magoada.
A garota de cabelos castanhos, no entanto, engole a seco e permanece na
sua postura.
— Vou deixar isso passar porque você está bêbada — avisa ao passo em
que retorna para segurá-la. — Mas não vou permitir que fale assim comigo,
Paris. Principalmente na frente de outras pessoas.
Paris, mais uma vez, se afasta e ri da cara da amiga.
— Por quê? Love, sua rival na porcaria daquele Teatro estúpido, não pode
saber que você não é a garota fodona que a enfrenta? Ela não pode saber que
você chora em todas as nossas brigas e me liga todas as noites chorando,
arrependida e pedindo perdão? — Paris joga a taça de champagne no mar com a
maior força, raivosa. Depois se volta para nós. — Mas agora já era. Agora ela já
sabe. Se você fosse fiel a mim, a nossa amizade e não me ignorasse como se eu
fosse mais um dos seus animais, talvez isso não estivesse acontecendo. — Paris
deixa de fitar Jordyn para cravar seus olhos azuis nos meus. — Jordyn Jensen é
um disfarce. Ela não passa de uma perdedora do caralho. Agora pode espalhar
para todo mundo da escola, Love, eu não ligo. Quero mais que a reputação dela
se exploda tanto quanto ela.
E a cópia de Regina George da Flórida sai pisando duro.
Olho para Jordyn bem a tempo de vê-la começar a chorar.
No minuto seguinte, JJ deixa que um soluço escape e corre para as
instalações do iate.
Eu só posso ser muito besta mesmo, porque corro atrás dela, chamando seu
nome. Estou preocupada e chamando a porcaria do nome da garota que me
despreza mais do que qualquer coisa.
Ela desce para o andar inferior e entra em um dos quartos vagos, e antes
que consiga fechar a porta, coloco o pé, empurro a porta e me esgueiro para
dentro.
— Me deixa em paz, por favor — Jordyn suplica, nem um pouco parecida
com a garota que me enfrenta lá no Teatro. Lágrimas gordas dançam pelas suas
bochechas de forma desenfreada. Eu apenas nego com a cabeça. — Você viu e
ouviu o bastante, Love, agora cai fora. Me deixa em paz, porra.
Dou um passo em sua direção.
— Não acredito que você deixa que ela fale assim com você, te rebaixando
e te humilhando daquela forma — exponho. — Você é Jordyn Jensen, sei que
não aceita desaforos. Você é a desaforada.
A garota balança a cabeça de um lado para o outro.
— Ela estava bêbada.
— Bem, pelo que Paris disse e eu consegui captar, vocês sempre brigam.
Tenho certeza que isso aqui foi só uma pequena amostra do que realmente
acontece quando estão sozinhas. — Cruzo os braços e troco o peso dos pés. —
Se ela é tão controladora, possessiva e abusiva assim, por que ainda insiste em
ser amiga dela?
Jordyn senta no chão, junta as pernas até o tórax e encaixa o queixo entre
os joelhos.
— Não fale do que você não sabe. — JJ começa a se balançar para frente e
para trás, lágrimas ainda descendo. — Você viu uma discussão e já acha que
sabe da nossa amizade, mas você não sabe. Paris não é abusiva, ela é a minha
melhor amiga, a única pessoa que restou na minha vida, a única pessoa que ainda
amo. Ela é tudo o que eu tenho e tudo o que eu sou. Não vou admitir que fale
inverdades sobre ela.
Sorrateiramente, me sento ao seu lado.
— Minha psicóloga costuma dizer que pessoas em relações abusivas não
conseguem enxergar que estão vivendo em uma. — Entrelaço as minhas mãos
no colo, e guerreio os dedões quando me sinto intimidada e engolida pelo
assunto que eu mesma trouxe à tona. Mesmo assim continuo. — E é normal,
Jordyn, não vou te julgar por isso. Só gostaria de te dizer que amigas não se
tratam assim. Amigas não se maltratam. Amigas se apoiam independente de
qualquer situação. Ela jamais deveria ter te tratado tão mal. — Suspiro. — Mas
já era de se esperar. Paris não consegue ser boa com ninguém. Ela ferrou com a
minha melhor amiga, sabia disso? Aria Blake carrega traumas e cicatrizes até
hoje por conta de toda a maldade de Paris. Posso apostar que ela deixou as garras
dela em você também. Aquela loira é uma cobra cascavel.
Jordyn Jensen fica calada por algum tempo, e quando penso que não vai
mais dialogar comigo, vira sobre os ombros para me encarar.
— Ela não é desse jeito o tempo todo. Paris é uma garota incrível,
carismática e cheia de qualidades escondidas, mas, infelizmente, tem essa grande
necessidade de ser o centro das atenções. A coisa fica ainda pior se for alguém
que ela ame e se importe, tipo eu. Ela se transforma totalmente, fica
irreconhecível de tão possessiva. Ser a vilã foi a única maneira que encontrou
para estar sempre nos holofotes da escola. — Seus olhos borrados de rímel
olham para todos os lugares antes de se fixarem nos meus. — É tudo culpa de
Allie Sloan, que ignora a existência da filha e todos os esforços que a menina faz
para ser notada por ela. — Jordyn, talvez percebendo que já está falando demais,
balança a cabeça, seca os resquícios de rímel com o dorso da mão e respira
fundo. — Nós somos complicadas. Eu e Paris, quero dizer. É por isso que não
posso sentar aqui, concordar com o que você está dizendo e me fazer de vítima
quando, na verdade, sou tão má e escrota quanto ela. Porque, caso você não
saiba, só me aproximei dela com um único intuito: estar no topo da cadeia
alimentar. Me aproximei com um único objetivo e eu consegui. E mesmo que
tenhamos nos tornado melhores amigas de verdade depois, não anula o fato de
eu ter sido a porra de uma vadia interesseira e de ela estar certa em cada coisa
que pontuou sobre mim. — JJ dá um sorriso que esbanja escárnio. — E por que
você está aqui, afinal? Você mais do que ninguém deveria querer que ela e todas
as pessoas do mundo me esculachassem e me humilhassem da forma mais porca
possível.
Dou de ombros, e acabo sorrindo de lado.
— Eu não odeio você, Jordyn — sou sincera. Essa é a maior verdade, o
que sinto no fundo do meu coração. Não sinto ódio, mágoa e muito menos
rancor, até porque ela, mesmo com todas as provocações e insultos, nunca fez
nada contra mim de forma direta ou me feriu de uma forma imperdoável. Ela é
só alguém que me enche o saco e que tem uma visão distorcida sobre mim. Eu,
sinceramente, não teria problema nenhum em mostrá-la quem sou de verdade.
Assim como dei uma chance para o Colt, também estou aberta para ela,
principalmente agora, já tendo uma noção de que não possui amizades
saudáveis. Não cheguei a tempo para salvar Aria das garras de Paris Sloan, mas
tenho a oportunidade agora com Jordyn e vou fazer o possível para ser a
diferença. Agora tudo mudou. — Você que me odeia e que insiste nessa
rivalidade idiota. Eu só te respondia à altura porque não sou do tipo que leva
desaforo para casa, mas nunca quis, no fundo, alimentar isso. Eu tenho uma
grande crença comigo que é: garotas sempre devem apoiar garotas. O mundo já é
muito cruel com a gente para que continuemos nessa guerra que a sociedade
insiste em nos colocar a anos.
— Você tem razão — ela concorda. — Droga. Acho que depois dessa terei
que confessar que eu nunca odiei você. Pelo menos não de verdade. Era só raiva
por você estar se destacando nas peças, e eu não. — Assinto em um menear de
cabeça, porque foi o que eu imaginei. — Tenho um sonho de ser atriz. Atriz de
verdade. Quero estar na calçada da fama e ser indicada ao Oscar mais vezes do
que posso contar. Você, por ser filha de River Monaghan e Caroline Dillon, os
ícones da indústria, parecia ser uma ameaça para mim. Eu tinha na minha cabeça
que você roubaria todos os meus sonhos. Eu tinha na minha cabeça que tudo que
eu mais almejo conseguir chegaria de bandeja para ti, enquanto para mim, na
minha realidade, seria muito, muito mais difícil. — Os orbes esverdeados da
garota ficam em fendas. — Como eu disse, não sou uma pessoa boa. Eu crio
paranoias, guardo mágoas, sou mesquinha, ignorante e capaz de fazer qualquer
coisa. Tipo qualquer coisa mesmo. E se eu imaginar que você contou qualquer
coisa dessa nossa conversa para alguém, seja para Colt ou seus amigos idiotas,
vou pisar na sua garganta com a porcaria dos meus saltos.
É impressionante como o meu caminho só se cruza com o de pessoas
assim. Eu realmente devo ser um imã de atrair problemas.
— Esse aí é o seu jeito de dizer que estamos erguendo as bandeirinhas
brancas? — brinco. Jordyn, pela primeira vez, sorri para mim. — Não vou
contar. E se quer saber de uma coisa, estava criando paranoias e fingindo me
odiar à toa. Quero ser aceita na Broadway. Quero e vou continuar trabalhando
em um Teatro.
A garota entreabre os lábios e arregala os olhos, surpresa.
— Não acredito!
Balanço a cabeça afirmativamente e dou risada.
— Pois acredite.
Jordyn Jensen parece bem melhor agora do que quando entrou nesse lugar.
Ela não chora mais e a sua postura não se encontra mais acuada. Agora a garota
está com a sua postura intacta e completamente focada em nós duas, sem parecer
sequer que estava brigando feio há alguns minutos com a sua melhor amiga.
Ela está prestes a falar mais alguma coisa, só que a música alta rolando no
iate de repente para, o que é muito estranho. Entro em estado de alerta e JJ faz o
mesmo. Aguço os meus ouvidos e presto atenção no burburinho que se segue lá
fora.
De repente, alguma coisa, tipo uma espécie de alto-falante.
— Love Monaghan. — Me assusto com a voz masculina chamando o meu
nome. Mas logo reconheço que é Dariel, o aniversariante, por trás disso. Já
começo a ficar com vergonha antecipadamente. — Love Monaghan, você ainda
está nesse iate? Se estiver, por favor, compareça aqui na frente. Imediatamente.
Seu homem já rodou isso aqui tudo á sua procura e está ficando louco.
Minha barriga revira e meus lábios fazem cócegas.
— Seu homem, uh? — Jordyn me cutuca com o cotovelo assim que me
provoca. — Vamos logo antes que ele decida pular no mar para te procurar por lá
também.
— Vamos. — Me levanto, e ela me acompanha. — Mas Colt Carver não é
meu homem. Dariel só gosta de irritar nós dois.
— Engraçado que em nenhum momento eu citei o nome de Colt. — Seus
lábios cheios se erguem pouco a pouco. Droga. Ela é rápida. — Mas é isso aí.
Colt é mesmo seu homem. Ele me ameaçou naquele dia no refeitório e quase
faltou voar no meu pescoço ao dizer que com você ninguém mexia. — Arqueio
as sobrancelhas na hora, levemente surpresa. — Pois é. O capitão do time de
lacrosse está comendo na sua mão, gatinha. Eu espero que você faça um bom
proveito disso. Como já dizia minha diva Alison DiLaurentis, garotos devem
brincar com brinquedos e garotas devem brincar com garotos.
Jordyn pisca para mim assim que recita uma frase da série Pretty Little
Liars, e me puxa pela mão para que possamos sair juntas.
No começo das aulas do segundo semestre, eu imaginei que ele fosse ser
maluco, só não imaginei que pudesse ser desse jeito.
❝ Então chame meu nome (chame meu nome)
Chame meu nome quando eu te beijar, tão gentilmente
Eu quero que você fique (quero que você fique) ❞
CALL OUT MY NAME – THE WEEKND

PELOS MARES DE FORT LAUDERDALE, 08 DE SETEMBRO, ÀS


18H04MIN.
Sorvo o gosto do líquido alcoólico na minha boca bem a tempo de Dariel
ligar o som novamente, a música I´m The One do DJ Khaled e Justin Bieber
explodindo em nossos ouvidos.
Nada de Love aparecer.
As músicas só pioram, o que me deixa puto, e a garota ainda resolveu
sumir na porcaria de um iate. Confesso que estou ficando com uma maldita
vontade de afundar essa merda com todo mundo dentro se ela não aparecer em
um minuto.
A verdade é que a minha mente é o pior lugar para se estar nesse momento.
Ela fica repassando cenas ilusórias da estrelinha trancada em um quarto com
algum garoto a todo tempo, sendo beijada e tocada por outro. Não gosto nada
dessa merda. Não gosto nada de estar suando frio, de estar enjoado, com uma
súbita vontade de vomitar e de estar com o sangue gelando nas veias só por
conta de uma garota. Só por conta dela.
Ah, foda-se o meu orgulho. Estou mesmo nervoso e furioso. Vou quebrar
qualquer um que ousar tocá-la de uma forma que só eu posso. Vou cortar a porra
das mãos e do pau fora de qualquer moleque que quiser tirá-la de mim. E depois,
a sós com Love, vou a encurralar contra parede e forçá-la a enxergar que o único
homem para a vida dela está aqui, afinal, só eu sou capaz de satisfazê-la. Só eu
sou capaz de adorá-la na mesma intensidade que odiá-la. Só eu sou capaz de
reivindicá-la do jeitinho certo.
Todos os meus pensamentos e sentimentos tempestuosos se dissipam
quando Love Monaghan, ao lado de Jordyn Jensen, aparece em meu campo de
visão.
Ufa. Nada de garotos e problemas para eu me meter.
As duas estão conversando e rindo. Repito, conversando e rindo. Mas que
merda eu perdi?
Descarto o copo vermelho no lixo e me aproximo, acelerando os passos até
estar na frente delas. Quando as duas quase se chocam comigo, param de sorrir e
dão uns dois passos para trás, me medindo de cima a baixo.
— O que você estava fazendo com ela, sua cobrinha? — Olho para Jordyn
e trinco o maxilar quando a garota decide cruzar os braços, de modo que quase
faz seus seios saltarem para fora do biquíni verde cana, empinar o queixo e
erguer seus lábios volumosos em um pequeno sorriso sarcástico e duvidoso, a
ponta da língua se escondendo atrás da fileira de dentes brancos e alinhados. Ela
está claramente me provocando só por conta da minha ameaça no refeitório da
escola. — Achei que eu tivesse sido claro, mas pelo visto não. Quer que eu te
mostre na prática, JJ — sibilo seu apelido da forma mais irônica e venenosa
possível —, o que acontece quando desobedecem a uma ordem minha?
— Eu gostaria de vê-lo tentar — sopra assim que retorna a ficar próxima.
Jordyn não é baixa como Love, ela é alta e não precisa tombar a cabeça para trás
para me fitar, e é claro que isso a deixa em uma posição tão de superioridade
quanto a minha. É como se ela tivesse nascido para enfrentar um embate com
qualquer um. — Eu tenho três cachorros, Carver. Todos eles de porte grande. E
eu sei muito bem diferenciar aqueles que latem daqueles que mordem. Você, no
entanto, é daqueles que late, late, e não chega nem a fazer cosquinha. — O
sorriso cresce copiosamente em seu rosto. — Não tenho medo de você. Mas
você deveria ter medo de mim e do que eu posso fazer se me ameaçar de novo.
Rosno e quebro ainda mais a nossa distância.
Love se mete rapidamente no meio, entretanto. Suas mãos tocam no meu
peito e me fazem recuar.
— Às vezes eu me esqueço de como você parece um homem das cavernas.
— Ela revira os olhos ao passo em que bufa. — Eu e Jordyn estávamos só
conversando. Posso dizer que, hã, estamos abaixando os muros uma da outra
agora.
Minha sobrancelha se delineia em um arco perfeito.
— Você e ela? — Aponto para Jordyn ao lado de Love.
— Sim.
— Você e Jordyn? Jordyn Jensen?
— Não, eu e Jordan Knight do New Kids On The Block — é irônica. Ops.
Acho que a estrelinha está ficando sem paciência. — Claro que é ela. Deixa de
se fingir de besta.
Tuuuudo bem.
Sacudo os ombros para cima, desinteressado, e me afasto minimamente.
— Vem, Jordyn, vamos estreitar nossos laços dançando. Você precisa
esquecer o que aconteceu e se divertir. — Love dá a palma da mão para Jordyn,
e Jordyn a segura naturalmente, como se não estivessem se estranhando na
semana passada. Mulheres. — Tchau, Colt. Divirta-se se atracando com a Paris
por aí. Sexo no mar deve ser divertido para vocês que gostam de inovar.
Sendo extremamente maldosa, ela se vira e começa a andar com JJ até a
ponta do barco, onde as pessoas estão aglomeradas e se divertindo. Dariel e
Matthew estão por lá. Um se encontra completamente bêbado, sem camisa e
sobre efeitos de alguma substância ilícita, no meio da roda e sendo o centro das
atenções, além de completamente assediado pelas garotas que anseiam ser a
escolhida do futuro bilionário de Fort Lauderdale. O outro, também afetado pela
bebida, está aproveitando do seu jeito. Nem dança nem toca em nenhuma das
nossas colegas de classe, apenas fica ao lado de Dariel como se fosse seu
guarda-costas oficial, medindo todas as pessoas que tentam se aproximar deles.
E eu, no entanto, me encontro estagnado no mesmo lugar, repassando a
frase de minutos atrás.
O que Love Monaghan sabe sobre mim e a maluca da Paris?
E ela está... com ciúmes?
Ah, porra, posso ficar duro só em pensar.
Assim que encontro a pequena Monaghan no montinho de gente bêbada,
agora rodeada por Dariel, Matthew e Jordyn, que a acompanham na batida
sensual da música — muito mais Dariel do que Matthew, claro —, quase sinto lá
embaixo, realmente tão duro quanto uma pedra. A garota está parecendo a porra
de uma deusa gostosa pra cacete. Ela levanta os braços, balança o corpo
conforme o som, rebola sensualmente e até joga os fios do seu cabelo castanho
para o lado, um sorriso totalmente provocador pincelando seu belo rosto. Jordyn,
nesse interim, parece sussurrar alguma coisa no ouvido dela, então as duas
começam a dançar juntas. A morena fica por trás, toca a cintura de Love sobre o
fino tecido do vestido longo de estampa que a mesma usa e a leva até o chão,
ambas empenhadas em se divertirem no processo.
Os caras ao redor começam a uivar como lobos famintos.
Permaneço quieto e observando. Ainda não é o meu momento.
É só quando um babaca se aproxima do meio das duas que começo a agir,
indo até lá. A sorte é que Matthew, meu grande amigo, consegue expulsar o
idiota antes mesmo que eu consiga me enfiar entre eles. Donnelly transforma seu
rosto em uma grande carranca furiosa e protetora e empurra o idiota para longe,
rosnando coisas e palavrões que não consigo compreender. Depois disso, ele
mesmo se mete entre Jordyn e Love e começa a apontar o dedo para as duas,
provavelmente as repreendendo por alguma coisa.
— Ele é seu amigo? — Escuto Jordyn perguntar a Love quando adentro o
grupinho fechado entre eles. — Porque Matthew é um desconhecido para mim.
Se ele quer dar lição de moral, então que dê só para você. Não estou pedindo por
proteção de homem nenhum, sei muito bem me cuidar.
Essa fala parece deixar Matthew Donnelly ainda mais furioso.
— E quem disse que fiz isso por você? — rebate, o osso da sua mandíbula
quase saltando para fora. — Fiz isso por Love, pois não quero nenhum abutre se
aproximando dela. Você, por mim, poderia ser comida por um monte deles bem
na minha frente que eu não poderia estar me importando mais. E não se faça de
sonsa, Jordyn Jensen. Você sabe da minha fama. — Meu amigo se aproxima de
forma intimidante e agressiva. Jordyn não vacila nem por um segundo. — Eu
não tenho mais vocação para ser salvador de donzelas em perigo. Eu não tenho
mais sequer vontade de estar perto de mulheres. Pelo menos não as da sua laia.
JJ, mesmo com esse clima pesado, faz questão de soltar uma risadinha.
— E você acha que dizendo isso me ofende? — Ela estala a língua no céu
da boca assim que balança a cabeça de um lado para o outro. — Pobre garotinho.
— Jordyn projeta o lábio inferior para baixo e reproduz a sua melhor expressão
de tristeza fingida. — Eu tenho uma lista interminável de homens que se
importam e fariam de tudo para ficarem comigo, meu bem. Basta eu estalar os
dedos que uma infinidade deles aparecerá bem diante dos meus olhos, me
prometendo céus e terras. O que, claro, torna seu comentário e a sua aversão às
mulheres completamente insignificante para mim.
— Por que eu não estou surpreso com isso? Ah, lembrei, deve ser porque
sei que você é uma vadia. — O modo como cospe isso faz com que um silêncio
mortal se instale dentro da nossa bolha. Eu, Love e Dariel ficamos
completamente imóveis e chocados. — Todo mundo quer provar do gostinho
daquela que abre as pernas muito fácil.
Mais uma vez, a garota não se deixa abalar. Muito pelo contrário, na
verdade. Jordyn dá um passo até Matthew e afunda um dedo no meio do peito
dele, subindo e descendo na região só para atiçá-lo ainda mais.
— É tão gostoso ser uma vadia, Donnelly. É a minha melhor qualidade,
sabia?
O loiro logo fecha seus dedos esbranquiçados ao redor do pulso fino de
Jordyn, a afastando em um safanão. Os dois se encaram friamente por segundos
que parecem virarem horas. É quase como encarar de perto dois vulcões prestes
a entrarem em erupção ou como bombas prestes a explodirem, os milésimos de
segundos sendo contados atrás de ambos. Consigo sentir até mesmo os efeitos
colaterais nos consumindo se eles decidirem explodir de uma vez. Mas, para
nossa sorte, Matthew solta o pulso dela, parecendo que sente a pele contra seus
dedos queimar, e gira sobre os calcanhares, indo na direção esquerda. Jordyn
também se vira, de uma forma que parece muito coreografada, e vai pisando
duro na direção contrária.
Eu pisco algumas vezes para tentar entender o que aconteceu.
Vou precisar conversar com Matthew. Ou ele para de atacar qualquer
mulher que apareça em sua frente, ou vai ter que lidar com consequências bem
sérias futuramente. Temos que tomar cuidado, pois, querendo ou não, nunca
sabemos com quem estamos mexendo de verdade. As pessoas são capazes de
tudo hoje em dia. Principalmente as mulheres.
— Vamos esquecer esse episódio, pessoal — Dariel chama a atenção de
todos ao passo em que levanta um dos braços. — Vamos beber e celebrar a
minha vida, porra!
Os convidados logo seguem o pedido do aniversariante e esquecem do que
acabou de acontecer. Eles se concentram na nova música e na próxima garrafa de
Chandon que Dariel Chevalier faz questão de abrir, respingos do líquido
espumante atingindo a todos nós.
Aproveito da oportunidade para me arrastar até Love, que parece perdida e
a procura de Jordyn. Colo em suas costas, coloco as mãos nos seus ombros e
começo a andar junto com ela até as instalações dos quartos luxuosos do iate. A
estrelinha reclama e dispara perguntas, obviamente. Ela nunca consegue manter
a boca fechada.
— O que está fazendo, Colt? Para onde está nos levando?
— Preciso bater um papinho a sós com a senhorita.
— Não tenho nada para falar com você. Preciso ver como está a Jordyn.
Reviro os olhos, ainda a empurrando.
— Jordyn já é crescidinha o suficiente para lidar com os problemas que ela
mesma cria. Agora é hora de você focar nos seus.
Ela me xinga tantas vezes que sou incapaz de contar, mas ainda assim
entra comigo no quarto que costumo ficar hospedado quando Dariel chama a
gente para cá. Fecho a porta e Love se desprende de mim só para caminhar até o
meio do quarto, cruzar os braços e ficar batendo um dos seus pés de forma
impaciente enquanto me encara com um biquinho emburrado enfeitando seus
lábios.
Mesmo com o quarto um pouco escuro, apenas sendo iluminado pela luz
que entra por baixo da porta, consigo enxergá-la muito bem. Eu sempre consigo.
Afundo as mãos nos bolsos e arrasto meus passos até ela de forma
calculada.
— Que conversinha foi aquela sobre eu trepar com a Paris? — Love
inclina a cabeça para trás e dá de ombros, como se estivesse indiferente. —
Quem te contou?
— A própria. Paris estava bêbada e resolveu me soltar meias verdades —
responde rápida. — Era ela nas arquibancadas aquele dia. Que merda, hein. Não
sei como o teu pau não caiu depois.
Maldita seja a boca grande daquela cobra peçonhenta.
— Você ficou chateada? Incomodada? Com ciúmes?
Ela olha dentro das minhas írises de forma séria antes de soltar uma
pequena risada.
— Ora, Carver. Me poupe de perguntas idiotas.
É muito bom pegá-la de forma desprevenida, porque ela sempre se assusta,
solta um gritinho que me deixa alucinado e entreabre minimamente os lábios. É
o que acontece agora quando a puxo pela cintura e forço nossos corpos a ficarem
colados. Love espalma o meu peito e arfa contra meu rosto. Eu, no entanto, toco
seu queixo com os dedos e sorrio de canto.
— Saber que você está enciumada me deixa muito, muito excitado —
confesso em um sussurro arrastado. — Por que você simplesmente não assume
logo?
— Não tenho nada para assumir. — É resistente. — Você pode dormir com
quem quiser. Eu não dou a mínima. A gente provavelmente não significa nada.
Até parece.
Solto um muxoxo e ando com a garota brava até a cama king, a
empurrando contra o colchão. Quando ela está prestes a se levantar, me coloco
em cima dela, obrigando-a a se deitar novamente. Meus joelhos ficam um em
cada lado do seu corpo, uma das minhas mãos se apoia no alto da sua cabeça e a
outra, ansiando por isso, encontra seu pescoço no meio do caminho. Eu não
aperto, entretanto. Apenas deixo meus dedos lhe rodeando, sentindo sua veia
pulsante latejar sob eles. É completamente satisfatório tê-la assim.
— Você anda se comportando muito mal, mas vou te fazer uma pequena
confissão. — O canto dos meus lábios se retorce mais uma maldita vez só de
olhar para esses grandes olhos azuis curiosos e pidões. — A gente significa tanto
que, depois que começamos isso aqui, essa coisa maluca, duvidosa e perigosa
entre nós, não quis e nem quero encostar em outra garota que não seja você.
Porque, estrelinha, você fodeu tudo para mim e agora meu pau é todo seu.
Fazendo meu coração dar uma cambalhota no meio do meu peito, Love
Monaghan ergue sutilmente os lábios em um sorriso satisfeito, como se estivesse
gostando do rumo da conversa. É claro que está. Acabei de confessar que sou
meio louco por ela, porra!
— Você pode estar mentindo. — Mesmo com o sorriso estampado, ela não
dá o braço a torcer. — Quem me garante, Colt Carver, que você não está me
enganando? Quem me garante que isso tudo não é uma vingança criada por você
só para me quebrar?
— Porque talvez você me quebre primeiro.
Óbvio que ela nega.
— Nós dois sabemos que isso não é possível.
— Então admita que ficou mordida de ciúmes. — O aperto da minha mão
ao redor do seu pescoço se intensifica. Ela entreabre os lábios e solta um sôfrego
gemido de prazer, mostrando para mim o quanto gosta e aprova o meu lado mais
bruto e canalha. É a porra de uma gostosa safada. — Assume logo, amor.
Assume de uma vez que você acha que eu sou tão seu quanto você é tão minha.
— Resvalo meus lábios nos seus, saboreando-a por cima. Minha estrelinha
choraminga quando eu volto a ficar afastado. — Não quer assumir? Tudo bem.
Porém mesmo assim vou ser sincero contigo, Love. Vou ser realmente sincero.
Nem Paris Sloan nem nenhuma mulher no mundo conseguirá chegar aos seus
pés. Todas elas não passaram de uma foda para mim. Mas você não. Você é
muito mais do que qualquer coisa. Você é única, estrelinha. É a única desde
sempre. A sua existência faz com que todas as outras se tornem patéticas, porque
o brilho do mundo todo está contigo. Está tudo dentro do seu coração.
Há alguns segundos de silêncio até que Love resolva falar alguma coisa.
Meu coração se transforma ainda mais em uma criança hiperativa.
— Então prove — é o que sopra assim que passa os seus dedos pelo meu
cabelo, colocando os fios para trás na intenção de visualizar melhor meus olhos.
— Prove que sou a única para você, Colt. Me possua. Se crave em mim e me
deixe marcas. Se infiltre no meu sistema e me deixe sem respirar. Mergulhe no
meu calor. Me possua aqui e agora.
Fecho os olhos com a força das suas palavras, que me derrubam muito
mais que nocautes de um adversário furioso, e retiro pouco a pouco minha mão
do seu pescoço. Repouso-a sobre seu colo e sinto o meio do seu peito galopar
contra a minha palma suada e gélida. Eu definitivamente não estava esperando
por isso.
— Porra, Love — ronrono ao passo em que volto a abrir os olhos. — Por
mais que eu queira isso desesperadamente, por mais que eu queira te fazer minha
de todas as formas possíveis, não sei se eu devo. Não me interprete mal, amor, é
só que não terá volta depois. Se em algum momento isso der errado, você estará
para sempre arruinada. Você estará para sempre suja e impura por minha causa.
Não quero te tirar algo tão importante assim. Eu só quero, depois de tudo, te
proporcionar memórias boas.
Love nega e desliza uma das mãos pelo meu rosto, escovando a maçã de
forma doce e suave.
— Você fala como se já estivesse pensando no fim de nós dois. Não vai
acontecer tão rápido assim, ainda quero te bagunçar muito. E eu estou disposta a
pagar o preço futuramente — diz, parecendo convicta. — Garanto que valerá a
pena. A ruína nunca me pareceu tão deliciosa e saborosa quanto agora.
Me sentindo quase derrotado, encosto minha testa na sua e solto um fluxo
quente de ar.
— Tem certeza? — indago. — Por favor, não haja de forma impulsiva. Por
favor, não se deixe levar pelo momento. Eu posso fazer qualquer coisa que você
quiser, inclusive esperar. É o que eu quero fazer.
Escuto uma pequena risada fraca escapar dos lábios de Love. Retiro minha
testa da sua após isso, conferindo as expressões que tomam conta do rosto dela.
— Não estou nem aí para o que você quer fazer. O corpo é meu. Me beije
agora ou vou começar a pensar que não me deseja.
Por todos os astros do lacrosse, como eu poderia não a desejar? Meu corpo
todo está sendo queimado por ela nesse exato momento. Estou formigando e
necessitando de contato. Sei que talvez possamos nos arrepender futuramente,
porque isso aqui é um passo gigantesco, um passo que não terá volta depois, mas
é tudo que eu mais desejo na vida. Quero Love Monaghan de todos os jeitos
possíveis. Idealizo esse momento, mesmo que na surdina para ninguém
desconfiar, por longos anos da minha vida. E eu não sou a melhor pessoa para
tomar decisões, pelo menos não com ela assim, me dizendo coisas desse tipo. Eu
vou colocar tudo a perder, afinal, é tudo o que eu sempre faço. Mas não vou
deixá-la passando vontade. Eu vou fazer esse momento valer a pena.
— Vou te beijar, Love — sou sincero. — Porra, não vou só te beijar. Eu
vou te venerar.
— Então que faça logo.
Assinto e dou um selinho casto em seus lábios antes de aprofundar nosso
beijo. Ela se abre toda para mim e alcança a minha língua em uma velocidade
surpreendente. Um gemido baixo escapa da minha boca quando consegue
infiltrar seus dedos pelo meu cabelo, subindo pela nuca. Cada centímetro de pele
do meu corpo se arrepia com o toque certeiro e ardente. A coisa toda só piora
quando Love se desgruda da minha boca e do meu cabelo para, de forma
trêmula, começar a desabotoar os botões da minha camisa. Seus olhos não
desgrudam dos meus em nenhum momento.
— Colt? — O tom da sua voz sai como se estivesse desejando me fazer
uma pergunta.
— Hm? — balbucio, focando nos seus dedos cada vez mais próximos de
terminarem a tarefa extremamente lenta e torturante.
— Você acha que, em meio a esse escuro, vai conseguir me ver nua?
Pestanejo diante do seu comentário. Principalmente porque parece estar
nervosa.
— O quê? Por quê? — Não consigo esconder a minha confusão. —
Espera. Você tem alguma insegurança com seu corpo?
Love tira a minha camisa, eu ajudo a escorregá-la para o lado e ela começa
a dedilhar as minhas tatuagens com as pontas dos dedos, em uma posição meio
deitada meio sentada.
— Sim. Quero dizer, não mais. Mas já tive e muita. — Vejo que mordisca
o canto da boca. — É a primeira vez que vou mostrar meu corpo para alguém de
forma tão íntima assim.
— Olha, para ser sincero, acredito que não vai dar para ver muita coisa.
Mas você não precisa se preocupar. Você é a mulher mais linda que eu já vi na
minha vida. É a droga de uma perfeição em tudo. E o seu corpo... meu Deus, o
seu corpo é o paraíso, estrelinha. Ele me deixa louco e completamente
perturbado. É lindo e guarda dentro dele uma garota forte, brava e tantan das
ideias por querer se entregar para um cara como eu. Sinceramente, já o amo só
por isso. — Faço graça no meio do caminho só para deixá-la mais à vontade.
Acredito que esteja dando certo, pois Monaghan solta uma gargalhada. — E
aqui vai mais uma confissão: eu que estou com vergonha. Estou com vergonha
porque você é, sem dúvidas, muito areia para o meu caminhãozinho. Mas por
você eu não vejo problema nenhum em fazer duas viagens. É só confiar em mim.
O sorriso que me lança ilumina todo o cômodo do iate e se transforma em
uma flecha, que explode o meu coração.
— Eu confio em você, capitão.
Ela sorri mais um pouco e ergue a cabeça só para me beijar mais alguns
minutos. Depois de experimentar mais do meu gosto, de uma forma que faz nós
dois ficarmos sem fôlego, eu decido salpicar beijos por sua têmpora, pescoço e o
vão entre os seus seios. Ela se inclina ainda mais e permite que a minha língua
deixe um rastro de saliva pela região.
— Vai logo com isso, Colt.
A sua voz mandona faz meu pau inchar ainda mais contra a calça.
— Você é apressada, hein.
Abafo uma risada contra seu corpo e saio de cima dela só para me livrar da
minha calça, só que não sem antes pescar um preservativo dentro da carteira
enfiada em um dos bolsos e colocar sobre a cama, ao meu lado. Retorno bem a
tempo de vê-la começar a tirar seu vestido. Seguro as suas mãos e faço que não
com a cabeça.
— Quem comanda isso aqui sou eu, estrelinha. Ou você se acalma e me
espera fazer tudo certinho, ou vou ter que arrancar a droga do seu vestido com as
minhas mãos.
Love bufa de uma maneira muito exagerada e engraçada.
Mas eu me encaixo entre as suas pernas sorrindo de forma atroz agora, e
subo minhas mãos pelos seus tornozelos e suas coxas torneadas, fazendo o
vestido subir junto e se embolar em seus quadris. Depois, com o coração batendo
na garganta, subo o vestido pelo restante do seu corpo, e Love me ajuda a retirá-
lo por completo ao erguer as mãos para o alto. No instante em que descarto sua
peça no chão, a garota tenta se cobrir ao colocar as mãos em frente ao biquíni
que está usando. Mas, pouco a pouco, parecendo ficar segura diante do meu
olhar contemplativo e cheio de admiração e luxúria, joga as mãos ao lado do
corpo e arrebita o nariz.
— Isso. Assim mesmo. Você não precisa se esconder de mim, Love —
alerto, soando sério. — Você não precisa ter vergonha de nada, porque te desejo
de uma forma completamente insana. Te desejo tanto que acho que o meu pau
vai rasgar a merda da minha cueca a qualquer momento. Ou que as minhas bolas
ficarão roxas se eu demorar mais para me enterrar em você.
O som lindo da sua risada preenche o cômodo, e eu aproveito seu breve
momento de relaxamento para tomá-la novamente, agora sendo a minha vez de
colocar minha mão entre seus cabelos castanhos à medida que a beijo. O gosto
do álcool que ingeri mais cedo se mistura com o gosto doce dela, que me lembra
morango com resquícios de gloss. Ou talvez seja gloss com gosto de morango.
Tanto faz. Só sei que o gosto tem um contraste delicioso pra cacete. Me perco
completamente nele.
Mudo o trajeto dos meus lábios para a região sensível do seu pescoço
alguns minutos depois, chupando de um jeito que sei que vai deixar marcas mais
tarde. Love arfa meu nome, e eu, mesmo sem deixar de dar atenção para essa
região, consigo rumar uma das minhas mãos para suas costas e desfazer o nó do
seu biquíni ligeiramente, puxando-o pelos seus braços e jogando-o para o chão.
Ela solta um gritinho de surpresa, então sorrio internamente por isso e pela
maneira como seus seios redondinhos e empinados pulam para fora, à minha
procura.
— Eu vou cair de boca bem aqui — murmuro ao estar perto dos seus
peitos. — E você vai adorar a sensação de me ter lhe mamando.
Ergo meus orbes bem a tempo de assisti-la confirmar em um menear de
cabeça, afundar os incisivos na carne cheia do seu lábio inferior e fechar os
olhos, pronta para desfrutar do momento.
Eu juro que posso gozar somente com essa imagem.
Mas afasto os pensamentos precoces e abocanho seu seio esquerdo sem
cerimônia, já brincando com o direito entre meus dedos, apalpando e beliscando.
Sinto o corpo dela se retesar e se contorcer todinho abaixo do meu, assim como
reconheço a alteração pesada em sua respiração agora muito mais entrecortada e
ofegante. Xingo um palavrão e circulo a auréola rosada com a minha língua,
chupando com força o bico intumescido logo em seguida.
— Eu quero ouvir você. — Cravo os dentes agora no outro bico pontudo e
duro. — Solta os seus sons, amor. Chama o meu nome. — Dito isso, mordisco o
local de leve, sentindo-a vibrar e cravar as unhas nos meus ombros.
— Porra, Colt — geme alto e com força, da maneira mais deliciosa
possível. É como música para os meus ouvidos. — Como você é bom.
Ah, Love, você ainda não viu nada.
Solto o seu seio só para descer a boca pela sua barriga, beijando e
lambendo toda a região sedosa e macia, que se arrepia e ondula com cada uma
das minhas investidas. Assim que alcanço a calcinha do biquíni, dou um beijo
sobre ela. Está molhada. Exatamente como eu imaginei que estaria. E isso aqui
vai ser tão fácil. Estará tão pronta e lubrificada para mim que meu pênis não vai
entrar, vai escorregar dentro dela.
É por isso que eu não me aguento de ansiedade e arranco a sua calcinha.
Olhar para as suas pernas abertas agora é como salivar diante de um banquete.
— Já disse o quanto você é gostosa? — indago, retórico, e relanço meus
olhos para cima só para que ela me veja colocar a língua para fora na intenção de
deslizá-la no seu clitóris. Seu corpo solta alguns espasmos quando alcanço seu
ponto inchado, e ela segura o lençol da cama com força, como se estivesse com
medo de cair. — Hmmm. E já disse o quanto é terrivelmente quente e deliciosa?
Porque você é. Pra um caralho.
Love ronrona, presa no prazer que eu estou a proporcionando, e eu abaixo
a cabeça novamente para voltar a tocá-la com a língua. Sugo o seu clitóris inteiro
para boca e o provo mais uma vez, o gosto doce e viciante se esparramando em
minhas papilas. Mal fodemos e eu já me encontro viciado. Me encontro viciado
pelo seu cheiro, pelos seus sons e pelas marcas de unhas que sei que deixará em
mim.
Me encontro viciado em tudo, porque Love Monaghan passou a ser a
minha droga. Ela é e sempre vai ser a minha destruição favorita.
— Ahhhh, cacete!
Seus quadris arqueiam quando acelero as chupadas, suas mãos cravam nos
meus ombros, depois sobem para o meu cabelo, ela rebola contra a minha cara e
depois parece explodir em mil pedaços. Me afasto, saboreando o seu orgasmo, e,
com ela se recuperando do que acabou de acontecer, com os seus olhos azuis
fechados e tudo, tiro a minha cueca, pego o pacote laminado, rasgo-o com os
dentes e visto o meu pau, que está mais duro do que uma rocha. Ele dói quando
eu o seguro entre os dedos. Está implorando por ela.
— Já pus a camisinha, amor. Não posso e não aguento mais esperar —
menciono perto do seu ouvido assim que me acomodo novamente entre as suas
pernas. — Posso entrar em você?
— Por favor — choraminga, a respiração descompassada.
— Por favor o quê? Quero ouvi-la pedir.
Love abre os grandes olhos azuis da cor do mar, que parecem dilatados
assim de tão perto, e me xinga.
— Odeio você, seu cretino. Mas mete logo em mim. Por favor.
Solto um gemido parecido com um rosnado ao escutá-la e coloco a ponta
do meu pau no seu sexo, pronto para penetrá-la. Pronto para me afundar no
paraíso.
— Porra, Love, você está tão molhada. Vou tentar ir devagar e com calma.
Juro que vou tentar me segurar.
Trago uma grande quantidade de ar para o meu pulmão assim que a minha
garota perfeita aquiesce e sinto a veia do meu pescoço saltar e latejar à medida
que a penetro mais um pouco. Ah, porra. Cacete. Ela se expande toda por dentro,
seus músculos internos me recebendo da forma mais gostosa possível.
— Tão apertada — Trinco o maxilar para evitar meus instintos. — Se
estiver doendo, me avisa que eu paro.
A estrelinha balbucia e faz que não com a cabeça.
— Pode ir mais fundo. Achei que fosse doer mais. Mas já me acostumei
com esse seu monstro aí.
Libero uma risada bem na hora que Love muda de posição, abrindo mais
as pernas para me receber. Engulo a seco e, em seguida, arremeto mais fundo no
seu canal estreito e apertado, o que a faz arquear o corpo, fechar os olhos, apertar
ainda mais os lençóis e soltar um gritinho abafado.
Uma fina película de suor cobre a minha testa também nesse momento.
Solto um denso fluxo de ar, fecho os meus olhos, recuo um pouco o
quadril e o projeto para frente em um movimento rápido, atingindo-a de uma
outra forma. Ela tira uma mão do lençol para fixá-la em meu braço, apertando a
minha carne com força ao passo em que o barulho da sua respiração se torna
mais audível.
— Está tudo bem? — Paro de me mexer, com medo de estar mentindo e a
sua dor estar insuportável. Eu sei que a dor da primeira vez de uma menina é
muito grande e não quero machucá-lo de jeito nenhum. — Fala comigo, Love.
— Está tudo bem. É bom.
Confio nas suas palavras, que me parecem sinceras, e volto a recuar o
quadril só para mergulhar mais fundo no seu interior, arrancando, finalmente, um
gemido de prazer dela.
Eu, com toda certeza do mundo, posso morar aqui. Posso morar nesse
momento e no som, que acabou de escapar dos seus lábios entreabertos, para
sempre.
— Porra, Monaghan, como isso aqui é bom. Como você é perfeita e
minha. Tudo isso aqui é meu e de mais ninguém. — Love geme mais um pouco
com as minhas estocadas e envolve suas pernas grossas na minha cintura. —
Minha, minha e minha.
— Hmmm. — Revira os olhos e treme embaixo de mim.
— Vou fazer você chegar lá, amor. Porque eu estou quase.
Libero um rugido do fundo da minha garganta e, completamente
entorpecido, arremeto cada vez mais rápido e fundo. Lambo o meu dedo, coloco
a mão entre nós dois e esfrego o polegar molhado bem no seu clitóris, que pulsa
sob a ponta calejada dele. Brinco com a sua carne e a estimulo do jeito que já
aprendi que gosta. É uma sensação estarrecedora. É como se o meu mundo
estivesse sendo virado do avesso por ela.
— Colt! — grita enquanto a onda de prazer nos afoga de forma precisa. —
Ah, Colt!
— Isso. Que delícia, amor. Que boceta gostosa.
Entro e saio dela tantas vezes que sou incapaz de contar. Meu interior todo
se contorce de prazer.
Já estive dentro de muitas garotas antes, inclusive de garotas experientes,
mas nenhuma chegou nem perto de me proporcionar isso aqui; boca seca,
coração galopando, adrenalina a mil e sensação de pertencimento. É como se eu
finalmente tivesse chegado em casa depois de anos tentando encontrar abrigo em
lugares que não eram para mim.
Pingo em suor e me derreto por Love Monaghan com a música e com a
festa rolando lá fora.
E então chegamos ao ápice juntos, gemendo nossos nomes ao mesmo
tempo. Gozo na camisinha e vejo pontinhos pretos embaçando a minha visão.
Meu coração parece querer pular para fora assim que saio de dentro dela,
tiro a camisinha, flexiono os joelhos para me levantar e jogo o preservativo no
banheiro.
Love está com o lençol enrolado no corpo, de costas. Me jogo de volta no
colchão.
— O que você está fazendo? — Me equilibro na cama através dos
cotovelos, vendo-a mexer no celular. — Vem deitar comigo. Fica aqui até a hora
de termos que tomar banho para irmos embora.
Ela não me responde, apenas segue encarando a tela do seu celular por
alguns instantes. Depois, parecendo desistir de esperar sei lá o quê, solta um
resmungo chateado, desliga o visor e vem engatinhando até mim.
Quando se deita e coloca a cabeça sobre meu peito, sei que ouve o trovejar
do meu coração. Não estou me importando muito com isso, entretanto. Absorvo
o cheiro do shampoo do seu cabelo e encaro a escuridão do quarto.
Enquanto ela sobe e desce os dedos pelas minhas infinitas tatuagens, um
pensamento me invade:
Não há mais escapatória.
Eu me perdi no meu próprio jogo.

CAMPO DE LACROSSE, 14 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


19H24MIN.
Depois de treinos pesados, o campeonato finalmente começou. Hoje está
acontecendo a estreia. Só que, infelizmente, com o pé esquerdo dessa vez.
Depois de tudo dando certo na minha vida, é óbvio que algo assim viria
para me dizer que, lá no fundo, ainda continuo sendo um perdedor desgraçado.
Não importa se a minha relação com Love Monaghan só evolui, se os ensaios
para a Peça da Primavera já começaram e estão sendo divertidos, se o mundo por
alguns dias pareceu menos cinzento e melancólico, algo ruim vai ter que
acontecer, porque essa é a minha vida.
Nós, os Fort Red Knights, estamos perdendo esta noite. Estamos perdendo
no nosso primeiro jogo. O treinador já fez inúmeras mudanças e nada está
adiantando.
O placar se encontra uma vergonha e os nossos torcedores na plateia,
completamente derrotados, parecem que estão sendo obrigados a assistirem algo
fúnebre.
Principalmente o meu pai, que se encontra na primeira fileira com a sua
pose indecifrável. Ele sempre vem me assistir para fingir que é um pai decente.
Mas, na realidade, Maverick Carver só vem com um único intuito: torcer pela
minha derrota. Porque, quando estamos a sós na nossa casa, ele adora se gabar
de como não sou nada parecido com ele e de como preciso melhorar em muitos
aspectos. O Senador adora esfregar na minha cara o quanto sou imprestável e
repugnante. A minha sorte é que derrotas quase nunca acontecem, então tenho o
prazer de vislumbrar o ódio dele por mim sendo engolido pelo meu talento e
pelo meu empenho em ser o melhor nos campos.
No entanto, isso não vai acontecer hoje. Eu vou sair desse lugar de forma
patética e ele vai se sentir muito mais revigorado. Já estou até vendo o discurso
que vai fazer para mim quando eu chegar em casa. É por isso que a raiva e a
indignação borbulham e, mesmo fazendo de tudo para conseguir mudar o jogo,
dando a minha vida e o meu sangue para recuperar a bola que passa mais tempo
com o time adversário, nossos rivais de uma outra escola particular de Fort
Lauderdale, não consigo fazer o suficiente para mudar o rumo das coisas. Nem
os meus colegas de time fazem nada. Eles parecem muito mais conformados de
que hoje não sairemos vencedores do que qualquer outra coisa.
Me choco com um dos jogadores de propósito.
— Amassamos com vocês hoje — o idiota solta só para me levar ao limite.
Seus olhos verdes atrás do capacete de proteção parecem banhados de
superioridade e soberba. Preciso de muito autocontrole para não voar em cima
dele. — Da próxima vez, capitão, seja mais rápido caso queira nos alcançar.
Rosno de raiva bem a tempo de vê-lo se virar e dar grandes passadas pela
relva do campo. Corro para perto de Donnelly e o impulsiono a agir mais rápido
para nos defender.
Cinco minutos depois, a derrota já esperada vem.
O barulho da torcida deles só me faz enxergar vermelho, porque os
imbecis ficam nos provocando e levantando cartazes idiotas, se vangloriando
pelo rumo da noite.
Tiro o meu capacete, colo embaixo do braço e seco a camada de suor que
cobre a minha testa, sem conseguir me juntar ao meu time. Meus pés parecem
que criaram raízes na grama e não conseguem me levar para nenhum lado. Estou
tão mal que sinto o gosto da bile me invadindo, pois não foi assim que eu
imaginei a nossa estreia.
Quando meus olhos encontram os do meu pai, aquelas írises negras e
profundas, me sinto um menino acuado de novo diante do seu recado implícito.
Hoje as coisas tendem e vão piorar.
❝ Gosto de como você me toca lá
Gosto de como você puxa o meu cabelo
Querido, se eu não estivesse sentindo, eu não fingiria, não, não
Eu gosto quando você me diz: Me beija lá
Eu gosto quando você me diz: Mexe lá
Então depressa, hora de levantar
Você diz que é um garoto bruto, então me mostre o que você tem agora. ❞
RUDE BOY – RIHANNA

MANSÃO DOS MONAGHAN, 14 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


21H58MIN.
Eu: Perdi a minha virgindade com Colt.
Olho para a mensagem que mandei para minha melhor amiga no dia 8,
logo após ter transado com Colt, e sinto meus olhos pinicarem ao ler, mais uma
maldita vez, a palavra visualizada embaixo das seis palavrinhas importantes.
Aria Blake visualizou no minuto seguinte e até hoje aguardo uma resposta.
Ou uma ligação. Ou até mesmo que fale sobre isso quando estamos juntas. No
entanto, desde um dia após o acontecido, que foi quando nos encontramos na
escola, finge que a mensagem nunca existiu e age de maneira extremamente
estranha, criando coisas e desculpas para me largar e me deixar sozinha pelos
corredores da escola.
Fiquei tão chateada com o seu descaso que nem a procurei e me fechei no
meu próprio mundo, preferindo ficar sozinha para estudar o meu roteiro da Peça
da Primavera. Era muito melhor ficar ocupada trabalhando no meu texto do que
me preocupando com a sua súbita indiferença sobre o que acontece com a minha
vida.
E eu não queria que fizesse uma festa entorno disso. Eu não queria que ela
me recepcionasse com bexigas, bolo e parabéns. Eu só queria que Aria falasse
alguma coisa. Qualquer coisa. Nossa primeira vez era algo que falávamos
bastante uma com a outra, então, independente do seu ranço por Colt,
independente dos seus incontáveis avisos e alertas, queria que, pelo menos,
demonstrasse preocupação e interesse em saber como, quando e onde foi que
aconteceu. Até suas broncas serviriam.
Literalmente qualquer reação serviria.
Eu só não queria e não esperava o seu silêncio.
Cogitei até que tenha ficado com raiva, mas do que exatamente? Mesmo
que eu pense, nada parece se encaixar e fazer sentido. Até porque, quando Aria
fica chateada e irritada com algo que eu faço, principalmente sobre coisas que
me aconselha, ela vem até mim, se senta comigo e joga tudo na minha cara, sem
esconder nada. A minha amiga não é de esconder seus sentimentos, suas
emoções e aquilo que acredita. Ela é daquelas que expõe a sua opinião e escuta o
que a outra pessoa tem a dizer. Em momento algum Aria Blake recua e me trata
como se eu fosse só mais uma garota desconhecida.
E, sinceramente, por que ficar com raiva de eu ter me entregado a Colt?
Não faz sentido, afinal, quem fez fui eu, não ela. Se eu tiver errado, me
precipitado e estiver prestes a pagar um preço bem alto, ainda assim não afetará
ninguém. E ela mais do que ninguém deveria estar ao meu lado para ouvir os
meus motivos e o que eu senti na hora.
Se estiver me julgando e me condenando só por isso, vou ficar ainda mais
chateada e magoada.
Eu quis transar com Colt naquele momento, fiz o que estava com vontade
e ponto. Não têm surpresas e mistérios. Também não preciso ficar dando
satisfação das minhas escolhas. Sendo erradas ou não, são minhas. E ele fez com
que eu me sentisse ainda mais confiante, desejada, poderosa e, claro, excitada. A
minha mente se tornou um borrão carregado de volúpia e eu decidi que aquele
momento era o certo para nós dois, porque a nossa conexão, a nossa sintonia e os
nossos jogos só vêm aumentando e se intensificando gradativamente à medida
que passamos mais tempo juntos. Minha perspectiva sobre ele mudou
completamente, e já não é nem um pouco parecida com a de anos atrás. Então eu
passei a querê-lo tanto quanto ele me queria. E eu simplesmente não me importei
com as consequências e com o que aquilo significaria futuramente. Seria só uma
transa entre mim e uma pessoa que faz parte da minha vida há anos, que parece
me conhecer mais do que eu mesma e que viu de perto cada uma das minhas
fases.
Sem contar que eu nunca acreditei, de fato, que a primeira vez precisava
ser romântica, memorável, especial e com alguém que você ama. Eu só desejava
que fosse com alguém que me despertasse desejo e que fizesse com que eu me
sentisse bem e segura. Foi exatamente o que aconteceu. Também foi memorável,
especial e com alguém que me importo, não posso mentir e deixar de citar isso.
Colt Carver está, infelizmente ou felizmente, se tornando alguém especial
para mim. Já não se trata mais daquele ódio, rancor, mágoa e raiva de quando
éramos crianças. Tudo começou de forma distorcida e com o intuito de um
brincar e se vingar do outro, mas agora acredito que isso se dissipou como
fumaça há muito tempo. As coisas tomaram um rumo completamente diferente
do que havíamos planejado. Elas trilharam seus caminhos e agiram sem o nosso
consentimento, nos levando até aqui, até esse momento de guarda baixa,
sentimentos novos sendo descobertos e os antigos sendo revisitados de uma
forma muito mais intensa e avassaladora que antes.
Estou deixando rolar para ver no que vai dar.
Só espero que eu não esteja vendo os sinais errados. Só espero que eu não
esteja me iludindo tanto assim ao ver coisa onde não tem. Não quero estar me
importando e mudando meus pensamentos por nós dois.
Bem, Colt teria que ser muito ator para ainda estar preso naquele garoto
que infernizava a minha vida e me botava medo, porque agora ele só parece...
querer cuidar de mim.
Paro de pensar nisso e jogo o telefone em cima da colcha, flexionando os
joelhos para sair da cama. Nesse meio tempo, a campainha da mansão toca de
forma estridente e insistente, como se alguém do lado de fora estivesse
desesperado para entrar.
Um V se forma entre as minhas sobrancelhas quando começo a cogitar
quem é.
Certeza que algum funcionário da casa atende, pois não se escuta mais
nenhum barulho. Arrasto meus pés descalços até a porta na intenção de conferir
quem que está no andar de baixo, curiosa pela forma chamativa que chegou.
Então a destranco de forma rápida, toco na maçaneta grande e prateada e a puxo
para trás, dando de cara com ninguém mais e ninguém menos que Colt Carver.
Pestanejo diante da sua figura e quase cambaleio para trás quando
processo seu estado caótico e deplorável.
Ele se encontra uma verdadeira bagunça. Os fios pretos do seu cabelo
estão extremamente bagunçados e pingam suor. Há um corte aberto no seu
supercílio e os olhos se encontram extremamente vermelhos e inchados, como se
estivesse chorando copiosamente por horas depois de ter entrado em uma briga.
Até os seus lábios seguem tremelicando e mostrando que, caso eu fale qualquer
coisa, vai desabar um pouco mais em lágrimas. Meu coração se parte em
infinitos pedacinhos e uma preocupação fora do normal se apossa do meu corpo.
Me aproximo dele instantaneamente, o trago para dentro do meu quarto e
fecho a minha porta. Arquejo e me assusto quando encaro as minhas mãos e as
encontro brilhando com resquícios de uma cor escarlate.
É então que percebo que Colt tem sangue em sua camiseta branca e nos
nós dos seus dedos com feridas recém-abertas.
— Meu Deus, Colt, o que aconteceu?
A pergunta sai em um fio de voz. Estou tão nervosa que um bloco de
concreto parece estar alojado na minha garganta. Falar e colocar para fora cada
um dos meus pensamentos confusos se torna uma tarefa extremamente difícil e
quase impossível.
Preciso me acalmar para lidar melhor com a situação.
Respiro. Inspiro. Respiro. Inspiro.
— O que foi... o que foi que fizeram com você? — consigo externar. —
Você está ferido? Machucado em mais algum lugar que eu não posso ver?
Necessita que eu ligue para a ambulância, ou para a polícia?
Nega cada uma das minhas perguntas com a cabeça, lágrimas grossas
caem dos seus olhos e ele logo joga os braços ao redor do meu corpo, me
abraçando como se finalmente tivesse encontrado seu lugar seguro após passar
por uma tempestade. Eu o aperto de volta com toda força que consigo, querendo
lhe passar conforto e demonstrar que estou aqui e que não vou para lugar
nenhum. Aos poucos, quando percebo, nossos corpos cedem à gravidade e
ficamos de joelhos no meio do quarto, ele com a cabeça na curvatura do meu
pescoço, chorando e dizendo coisas desconexas, e eu com as minhas mãos
subindo e descendo pelas suas costas.
Fecho os olhos com força, porque o som dos seus soluços é como mil
agulhas me perfurando.
— Shhhh. — Sopro contra sua orelha quando percebo que eles não vão
cessar. — Eu estou aqui, Colt. Vai ficar tudo bem.
Carver se solta do meu abraço, mas ainda permanece no chão a minha
frente. Ele parece estar um verdadeiro caco, muito diferente do que costuma
demonstrar para os outros. Dessa vez não há um Colt intimidador, forte, que
coloca medo, toca o terror e que parece ser capaz de fazer qualquer coisa com
qualquer um. Dessa vez só há um Colt acuado, quebrado, vulnerável, triste,
vazio e cheio de demônios cintilando em uma espécie de dança macabra em seus
olhos abatidos. Um Colt muito mais destroçado e muito mais atormentado do
que aquele que vi na sua casa, no dia do pesadelo.
— Eu bati no meu pai, Love. Eu bati em Maverick até cansar. Eu bati nele
até ele ficar ensanguentado, inconsciente e muito, muito perto de conhecer o
inferno. E eu provavelmente terminaria o serviço se aqueles malditos seguranças
não tivessem chegado a tempo para me arrancarem de cima dele. — Ele para só
para passar com força o dorso na mão pelo nariz. Consigo sentir a sua raiva, a
sua amargura e o seu desprezo daqui. Coço a minha pele porque a sinto
pinicando com tudo que estou vendo e ouvindo. É informação demais para que
eu possa digerir. — Talvez isso te assuste, porém, caso ninguém tivesse
aparecido, eu o deixaria mofando no chão gélido daquela casa moribunda,
pegaria as minhas coisas e fugiria para longe. Mas não foi dessa vez que eu
consegui matá-lo. Não foi dessa vez que consegui pagar na mesma moeda todo o
mal e todo o trauma que ele me causou. — Seu peito, parecendo que acabou de
sair de uma baita maratona, sobe e desce conforme vai contando o que passou
com a sua voz embargada e sofrida. — E eu não tinha a pretensão de brigar
quando cheguei em casa. Juro que não tinha. Eu só queria subir, tomar um banho
e lidar sozinho com a derrota de hoje. Só que Maverick me parou na entrada,
começou a me humilhar, a falar coisas sobre a minha mãe, lembrando-me que
hoje eles completariam mais um ano casados, e eu estourei, perdi a cabeça
completamente e fui para cima dele. Eu não queria que ele jogasse a porra
daquele fardo nas minhas costas novamente. Pelo menos não depois do vexame
naquele campo. E ele não entende. Ele não entende que eu não fui o culpado
pela morte da minha mãe. Ele não entende que eu ia ser só mais uma vítima
daqueles bandidos imundos e que ela me salvou. A minha mãe me salvou, Love.
Acredite em mim. Por favor.
Meus olhos ardem e lágrimas se acumulam na região só por estar
testemunhando tão de perto assim a sua dor. Estou me tornando tão quebrada
quanto ele.
— Eu acredito — sussurro. — Eu acredito em você.
Mas acho que ele não me escuta. Colt parece preso demais na sua própria
mente.
— Eu acordei no meio da noite com vozes e gritos no andar de baixo —
continua, e eu pressiono os lábios. Não vou suportar ouvir. Sei que não vou. Mas
preciso fazer esse esforço por ele. Colt precisa desabafar e pôr para fora o que
está sentindo. — Era o grito da minha mãe e de outros homens. Como meu pai
não estava em casa, já que estava viajando a trabalho, achei estranho todo aquele
barulho e confusão e fui conferir. E aí eles me pegaram a força assim que me
viram, me colocaram sentado no sofá ao lado da minha mãe e começaram a
apontar as armas para as nossas cabeças, gritando e pedindo por dinheiro. Acho
que eles eram quatro ou cinco. Todos encapuzados e armados até os dentes. E eu
fiquei tão apavorado com aqueles desconhecidos, com aquele cano gelado contra
a minha cabeça e com todo o cenário de filme de terror que passei a chorar
calado. A verdade, Love, é que eu não me lembro muito bem daquela noite. É
tudo um apagão. Eu só lembro com clareza desse momento em que desci as
escadas e fiquei no sofá, do momento em que eles começaram a bater na minha
mãe e do momento em que um deles veio sorrateiramente até mim, me deitando
no sofá e passando as mãos pelo meu corpo enquanto os outros estavam
ocupados demais machucando e tirando sangue dela.
Ah, porra, estou chorando quando ele para de contar.
Ele era só um garotinho, reflito com uma dor insuportável esmagando o
meio do meu peito. Eu nem ao menos consigo respirar quando começo a
imaginar o que pode ter acontecido com ele e com a sua mãe. Que crueldade,
meu Deus. Eu nunca poderia imaginar que tudo que Colt sofreu, que tudo aquilo
que papai tentava me dizer, era algo tão grave, forte e destruidor assim. Me sinto
verdadeiramente abalada e sufocada, como se tudo estivesse acontecendo
comigo e com alguém que eu amo.
Colt coça os olhos, passa as mãos pelo cabelo e volta a derramar cada vez
mais lágrimas, mergulhado naquela noite que lhe transformou totalmente.
— Eu era uma criança, tinha só cinco anos, então demorei alguns anos
para conseguir compreender o que aconteceu. Mas aí eu fui crescendo, tendo
ciência do mundo cruel que habitamos, da maldade perversa do ser humano e o
quebra-cabeça doloroso se encaixou sozinho. — Suas írises pretas finalmente
conseguem alcançar as minhas. Olhar para dentro delas é como assistir de
camarote um trailer rápido do que pode ter acontecido. É como levar golpes e
mais golpes. — Aquele homem não estava só passando a mão em mim. Ele
estava pronto para me abusar. Ele queria e ia molestar uma criança da forma
mais doentia possível. E é óbvio que, mesmo em meio a briga, minha mãe
conseguiu perceber o que estava acontecendo e conseguiu, com muito esforço,
chamar a atenção de todos eles para ela. — Ele respira fundo antes de dizer
aquilo que sei que vai quebrar ainda mais o meu coração. Aperto minha pele
com força e prendo a respiração. — E todos os homens deram a atenção que ela
queria. Eles rasgaram a camisola, as suas roupas íntimas e a estupraram na
minha frente. Bem diante dos meus olhos. Depois, como se não tivessem feito
nada demais, sacaram a arma e atiraram na porra da cabeça dela, os miolos
foram para todos os lados. Eu só não morri também porque não deu tempo,
afinal, a sirene da polícia soou e eles optaram por escapar antes que fosse tarde
demais. — Chorando tanto quanto Colt, me aproximo mais e toco uma mão em
seu rosto. Ele logo toca a sua testa na minha. — Os policiais me levaram para
fazer exames e algumas perguntas. Lembro que meu pai foi me buscar na
delegacia assim que amanheceu, acho que pegou um jatinho e veio na
velocidade da luz quando ficou sabendo. Ele estava transtornado e mal pra
caralho. Tudo foi simplesmente horrível e fodido.
— Eu sinto muito — digo do fundo do meu coração. — Ah, Colt, eu sinto
tanto, tanto. Nenhuma criança deveria ter que passar por isso.
— Não acabou aí. — Sua mão alcança a minha, que ainda segue
espalmando seu rosto. — Meu pai incorporou um dos seus demônios quando
ficou sabendo pela polícia, que conseguiu destrinchar o que aconteceu através do
meu breve depoimento, como a minha mãe morreu para me salvar. Ele passou a
me odiar, a me culpar e a me punir pelo que tinha acontecido, como se eu tivesse
arquitetado tudo, como se eu quisesse ter matado a mulher que eu mais amava na
vida. Maverick me espancava dia e noite até os meus catorze anos, que foi
quando eu revidei pela primeira vez. Mas aquilo nunca pareceu ser o suficiente
para fazer com que a sua dor e o seu luto passassem. Eu guardo cicatrizes da
raiva desse homem até hoje, Love. É porque aquele dia no iate estava escuro e
você não conseguiu ver, mas as minhas costas têm as ondulações das marcas dos
cintos dele. Cobri cada uma das feridas com tatuagens. É por isso que sou tão
cheio delas aos dezessete anos.
Depois ele diz que Maverick não o machuca mais, apenas tenta feri-lo com
palavras, mas a minha raiva por ele só consegue triplicar à medida que ele vai
me contando sobre os episódios mais recentes. Eu sempre soube que aquele
sujeito não passava de um farsante nojento. Toda aquela casa me deixava
enojada. O ambiente sempre me pareceu muito macabro e assustador, e agora eu
sei o porquê. Foi ali que a vida de Colt se transformou em um purgatório ainda
muito cedo. Foi ali que ele perdeu as pessoas mais importantes da sua vida, já
que seu pai se transformou em outro ser humano, um muito mais sádico e cruel.
Foi ali que ele perdeu o seu brilho e a sua magia de criança. Foi ali que ele
passou a ser mais frio e amargurado. Meu quebra-cabeça também se monta agora
e eu finalmente o entendo. Entendo o seu jeito, o modo como lidava com as
coisas, como não gostava e não queria contato e, claro, entendo todas as nossas
brigas e a sua vontade de me afastar. Colt não queria ninguém por perto porque
achava que precisava ser engolido pela escuridão. Me menosprezar e me
humilhar foi a saída mais fácil que encontrou para garantir que eu ficasse bem
longe de todo seu mundo destruído.
Talvez, no fundo, estivesse querendo me proteger de tudo aquilo.
Eu só consigo sentir uma profunda tristeza pelos meus pais, que foram tão
cegos e nunca perceberam nada de errado. Porque, caso Caroline e River
tivessem visto algo de anormal, tivessem prestado atenção nos sinais e nos
machucados que apareciam em Colt vez ou outra, poderiam tê-lo ajudado e o
poupado de muita coisa. Mas não foi o que aconteceu. Eu também nem posso me
culpar, afinal, era só uma criança inocente com meus próprios problemas de
autoestima.
— Me desculpe por ter vindo aqui e soltado tudo isso. Me desculpe por te
assustar e te fazer ver o quão ferrado da cabeça eu sou. — Faço que não, porque
Colt Carver não tem nada com o que se preocupar e se desculpar, mas ele ainda
insiste. — Eu só saí de casa, peguei o meu carro e dirigi até aqui, porque queria
te ver e te abraçar. Eu só queria ver o seu brilho de perto para eu poder ter um
pouquinho de esperança de que o mundo ainda é um bom lugar para se estar.
— Sim, o mundo ainda é um bom lugar para se estar — garanto, fazendo-o
se sentar só para eu me colocar de joelhos entre as suas pernas. Seguro cada lado
do seu rosto com as minhas mãos e beijo a ponta do seu nariz. — E você não
teve culpa de nada. Absolutamente nada. Você foi apenas forte demais e um
verdadeiro lutador e sobrevivente. E pode apostar que o seu pai vai pagar e ter o
que ele merece. Aguarde, pois o que é de Maverick Carver está guardado —
afirmo. — Ele estará destruído em alguns anos e você cada vez mais pleno ao
conquistar o mundo. Porque você vai.
— Eu vou.
— Vai sim. — Planto beijos nas suas bochechas molhadas pelas lágrimas.
— Vai honrar a sua mãe e deixá-la cada vez mais orgulhosa do homem que ela
colocou no mundo. Vai viver e desfrutar cada segundo da vida. E eu estarei ao
seu lado se assim desejar. Quero ser sua amiga de verdade.
Algo muito parecido com um sorriso brota em seus lábios.
— Você sabe que não podemos ser amigos.
— Tá. Tudo bem. — Rolo os olhos na brincadeira. — Quero continuar
sendo o que estamos sendo.
— Bem melhor — ele completa. — E obrigado.
Balanço a cabeça sem querer que ele agradeça, afinal foi tudo sincero e de
coração, dou um beijo rápido na sua boca e o faço se levantar.
— Vou pegar umas roupas do meu pai e preparar um banho para você. Ele
e a minha mãe só chegam do concerto mais tarde. — informo ao arrumar o short
do meu pijama que subiu um pouco. — E depois nós vamos assistir Um Amor
Para Recordar. Porque nem morta que eu vou deixar você voltar para aquela
casa hoje.
— Mas amanhã temos aula e ensaio, esqueceu? Não trouxe o uniforme.
Sacudo os ombros para cima.
— A gente acorda cedo, eu me arrumo por aqui e depois vamos juntos para
que você se troque na sua casa. — Espalmo as mãos na cintura e tombo a cabeça
um pouco para o lado. — É isso. Agora vai para o meu banheiro. — Aponto para
a minha suíte de uma forma muito mandona. — Agora!
E é claro que ele segue as minhas ordens sem reclamar. Mesmo ainda
baqueado e na fossa, parece um pouco mais aliviado e menos sobrecarregado.
Acho que colocar todos os seus sentimentos acumulados para fora lhe fez bem
de certa maneira. E eu vou fazer de tudo para calar, pelo menos por agora, toda a
sua dor e toda a sua angústia. Vou me concentrar nele. Ou melhor, em nós. Tudo
que estiver ao meu alcance para fazer com que esqueça do episódio desta noite,
farei sem nem hesitar.
Saio do meu quarto pouco tempo depois e volto com as roupas do meu pai
em mãos, seguindo para a suíte. Quando adentro o ambiente, me surpreendo com
Colt já dentro da banheira de hidromassagem, que parece aquecida. Ele deixou
de lado a minha banheira convencional e veio logo para essa. Seus olhos estão
fechados, o cabelo está molhado, penteado para trás e ainda mais escuro. A
cabeça está tombada para trás e os dois braços se encontram levemente abertos e
apoiados nas bordas.
Ele nem ao menos me esperou para ligá-la. Mas, sinceramente, não fico
com raiva. Observá-lo desse jeito, tão lindo e concentrado, aquece meu coração.
Mordisco a carne do meu lábio inferior e, com uma vontade surpreendente
de transformar seu mundo, faço o máximo de silêncio possível, puxo a blusa do
meu pijama para cima, a descarto no chão do banheiro e agradeço por não estar
usando sutiã nesse momento. Depois passo o short e a calcinha pelas pernas,
empurrando-os para o lado com a ajuda dos calcanhares, e prendo meus fios em
um coque.
Me aproximo sorrateiramente e entro na banheira sem nenhum pudor.
Não penso em nada. Só quero silenciar o caos dentro dele com a ajuda dos
nossos corpos.
Com a movimentação, Colt Carver abre os olhos.
A expressão perdida e confusa muda drasticamente diante da minha
imagem nua, quando desço lentamente até estar mergulhada em seu colo. Suas
írises escurecem uns bons tons e um lampejo de luxúria ondula sobre elas
quando decide me esquadrinhar. O garoto solta uma espécie de rugido quando
coloco meus pulsos ao redor do seu pescoço, passo as minhas pernas em torno
da sua cintura e monto sobre ele, sentindo seu membro que já está endurecendo
cutucar a minha vagina desesperada por mais um contato entre eles.
— Love… — me repreende. — Não faça isso. Saia de cima de mim. Saia
enquanto há tempo.
— Por quê? Por que eu teria que fazer o que você está me pedindo?
Ele trava seu maxilar bem marcado.
— Porque, caso você insista em dar para mim, não vou conseguir ir com
calma dessa vez. Vou te pegar pelos cabelos, te foder contra a droga dessa
banheira e te deixar dolorida por mais de duas semanas, porque não há nada
pacífico em mim esta noite. Eu só preciso extravasar, e talvez você não esteja
preparada para o modo como faço isso.
Minhas entranhas se contorcem com as palavras que se desenrolam em sua
língua, eu dou um sorrisinho debochado como quem diz “você não sabe de
nada” e saio do seu colo, nadando até a outra borda. Quando a alcanço, arqueio
meu corpo para frente, solto os meus fios do coque, fazendo-os escorrerem pelas
minhas costas ao balançá-los para trás, abro um pouco mais as pernas e empino a
minha bunda, dando a Colt o que ele deseja.
— Caralho, estrelinha, que visão que é você de quatro.
Um tom púrpuro atinge minhas bochechas por conta do seu comentário
sujo, mas estou tão excitada e tão concentrada nesse momento que nem dou
importância. Apenas estalo a língua no céu da boca, ergo meus lábios no meu
sorriso mais safado e viro sobre os ombros.
— Estou a sua disposição esta noite, Colt. Não seja pacífico, me possua
como quiser. Se alivie dos seus problemas comigo.
— Santo Deus — Carver murmura ao passo em que vem até mim como
um caçador. Olho para frente, ansiando pelos próximos minutos, e deixo que se
encaixe e se curve às minhas costas, se ajustando à minha posição. — Você
ainda vai me matar, garota. Mas antes eu prometo que te mato primeiro. —
Então ele me penetra com seus dedos sem aviso, me pegando de surpresa.
Aperto a droga da borda da hidromassagem e grito seu nome. — Vou entrar em
você sem camisinha. Faço exames periodicamente, então sei que estou
completamente limpo. E também vou tirar antes. O que me diz?
Sem forças, apenas assinto.
— Já estou tomando remédio. Fui ao médico esses dias.
Sinto sua risada rouca ondular na minha espinha. Me sinto completamente
vazia quando decide retirar os dedos de dentro de mim.
— Sempre muito aplicada e inteligente. — Sua mão grande e ansiosa
começa a enrolar meu cabelo, firmando-o entre seus dedos. Colt, como esperado,
o puxa para trás, de modo que a minha cabeça bata em seu ombro. Ele inspira o
cheiro do meu pescoço e beija o canto da minha boca de uma forma totalmente
desajustada e impressionantemente gostosa. — Gosto que tenha pensando em
nós assim de novo. — Alcança meus seios e passa a brincar com eles. — Gosto
que seja tão meiga quanto é tão safada. Gosto que seja tão, tão das minhas.
Colt puxa meu cabelo mais um pouco, eu gemo de prazer e ele desliza a
sua mão para a minha bunda agora, apertando as nádegas. Não demora para que
desfira o primeiro tapa. Grito com a sensação, que arde, queima e que manda um
raio diretamente para o meio das minhas pernas. O bastardo parece perceber o
quanto gostei disso, pois repete. Repete uma, duas, três vezes.
A região deve ficar avermelhada. Mas quem se importa? Eu quero mais é
que ele continue.
Detesto admitir isso, talvez seja até um problema gravíssimo meu e que
necessita de tratamento, porém sempre pareci me atrair e me interessar mais pelo
seu lado mais bruto. Isso costuma rolar desde quando eu era apenas uma
garotinha. Que ferrado.
— Você não tem noção de quantas vezes me toquei no banho com a
imagem dessa sua bunda grande e gostosa empinada para mim, Love. Ela
sempre foi o alvo dos meus sonhos mais depravados. Eu espero que um dia você
me permita mostrá-los.
Perco a noção do tempo, dos meus pensamentos, do mundo lá fora e de
qualquer coisa, porque seu pau entra de uma vez na minha entrada molhada, seu
quadril se chocando contra minha bunda em uma explosão generalizada, que faz
até a água entre nós se movimentar. Ele solta uma infinidade de palavrões, finca
os dentes na curvatura do meu ombro e sua mão no meu cabelo não se desprende
em momento nenhum enquanto me bombeia. É tudo muito mais acelerado, forte
e intenso que da primeira vez, faz meu coração machucar a minha caixa torácica,
os meus seios pularem e os nós dos meus dedos ficarem ainda mais
esbranquiçados e doloridos contra a borda da banheira. É algo mais cru, carnal e
flamejante. O ambiente parece muito mais quente, o ar se torna rarefeito e a
pequena pontada de dor que sinto lá embaixo só torna tudo ainda mais gostoso,
excitante e de um prazer exorbitante. Porque a posição que estamos é muito boa,
sem contar que é o nosso primeiro contato pele com pele. Sinto como se
estivesse lhe recebendo por inteiro, atinge pontos meus que nunca pensei que
fosse ser possível.
— Porra, Love! — balbucia, a voz trovejante, rouca e arrastada. Sexy
como o inferno. — A minha necessidade por você só aumenta. Mesmo que eu
esteja te comendo agora, não é o suficiente. Eu quero mais. Eu quero muito
mais.
Respiro com dificuldade, fico suando por cada centímetro de pele do meu
corpo, os fios da franja do meu cabelo grudam-se na testa, e balanço para frente
e para trás junto com ele, sendo impulsionada por cada som único e particular
que escapa dos seus belos lábios. Ele mete em mim com vontade, e sei que está
descarregando todas as suas energias e todas as emoções dentro de mim. Sua
mente provavelmente deve estar um borrão, porque a minha se encontra assim
também. Querendo ou não, apesar de tudo, mesmo adorando e saboreando cada
segundo dessa nossa transa, não consigo me esquecer completamente de como
Colt Carver chegou em minha casa, muito menos parar de recordar os seus
choros, soluços e mãos cortadas, e eu nem ao menos sei como está aguentando
até agora, já que entrou na água sem cuidados. Não consigo parar de me lembrar
da sua história difícil e de tudo que viveu dentro daquela casa. Tudo volta para
mim como um looping. Dói e me corrói por dentro saber que fui tão cega.
Deveria ter insistido mais em nós dois. Deveria ter buscado por respostas,
porque lá no fundo eu sabia que tinha algo errado. Deveria ter feito muito mais.
Mas agora eu tenho a oportunidade de fazer diferente e não vou soltá-lo. Vou ser
a sua âncora no meio desse naufrágio. Vou ser a sua luz e a sua esperança. Vou
brilhar porque ele necessita que eu brilhe. Vou ser a sua estrela e guia-lo.
Uma lágrima solitária escorrega pela minha bochecha quando choco os
cílios.
— Ah, Colt. — Arfo quando meus músculos internos o apertam ainda
mais. — Eu estou aqui por você. Não vou largar a sua mão. Mesmo com a nossa
relação conturbada e cheia de erros, eu escolho ficar.
— Promete? — A pergunta sôfrega é sussurrada, quase inaudível. Não sei
nem como eu escuto. — Não quero perder você, Love. — A respiração
descompassada lhe faz parar. — Se me deixar, vou ficar ainda mais perdido. Vou
viver ainda mais no limbo, estrelinha.
— Eu prometo. Eu prometo, capitão.
Ele beija a minha espinha, solta o meu cabelo e sai de dentro de mim no
ponto mais alto. Choramingo, sentindo a sua falta e querendo me aliviar, e ele
logo enlaça minha cintura e me gira, trocando as nossas posições. Colt agora está
sentado na banheira, ele me posiciona em seu colo e eu sorrio com a sua
intenção.
— Cavalga pra mim, vai — Colt Carver não pede, ele ordena. A malícia
corre solta em seu rosto diabólico quando aperta a minha bunda. — Cavalga no
pau do seu capitão.
— E se eu não quiser? — provoco, brincando.
— Aí nós teremos sérios problemas — menciona e não sorri. Está fingindo
seriedade. — Vou começar a ser mau com você de novo.
Rolo os olhos.
— Até parece que você deixou de ser em algum momento.
Ele confirma com um menear de cabeça, umedece os lábios inchados e
sorri feito o malvado que é.
— Que bom que você sabe disso.
Então, sem aguentar mais, sento nele pouco a pouco, me acostumando com
a posição e todo seu comprimento. Reviro os olhos, coloco as mãos na borda
atrás dele para me equilibrar, de modo que meus seios fiquem próximos do seu
rosto, e sinto que me alargo só para que me preencha.
Busco por sua boca e me afogo no seu gosto. Ele me incentiva a subir e a
descer assim que põe as mãos na minha cintura.
— Assim — expõe sua aprovação quando eu rebolo contra ele. Colt lambe
meus lábios, sobe uma das mãos para um dos meus seios e belisca a ponta
intumescida com os dedos em formato de pinça. Arquejo e descanso a cabeça na
sua testa, soltando um ar quente pela fresta entre meus lábios. — Mais fundo. Eu
sei que você consegue. — O engulo mais um pouco, então nós dois gememos
juntos. — Caralho. Puta que pariu. É a melhor sentada de toda a minha vida.
— É bom que seja mesmo. — As palavras saem emboladas. — Porque é a
única que você vai ter agora. Se eu souber que está com outra, vou cortar seu pau
fora com a merda de uma tesoura de jardinagem.
Em meio a suspiros, rosnados e respirações ofegantes, Colt consegue rir.
— Nossa, que específico. Mas pode ficar tranquila, sua pequena megera.
Tudo o que eu sempre quis está bem aqui, montando em mim como uma égua
faminta.
A ponta do clímax se aproximando me faz balançar a cabeça de um lado
para o outro e ir cada vez mais rápido.
— Que comparação péssima. — Olho dentro dos olhos dele.
— Bem, é o que está acontecendo. Você é uma eguinha faminta.
Bufo exageradamente e pressiono a palma da minha mão na sua boca.
— Cala a boca, ou você vai me fazer brochar.
Colt ri e raspa os dentes na minha mão.
Fico tão atordoada que não sei quem se desmancha primeiro.
A sensação que alcança meu coração na banheira só não é maior que a do
quarto. Depois que já nos aliviamos, tomamos banho, nos vestimos com roupas
limpas e ficamos juntos na cama enquanto Um Amor Para Recordar se desenrola
na televisão.
O abraço dele acalma tudo e, mais uma vez, nossos corpos conversam e se
entendem sem que a gente precise colocar para fora uma única palavra.
❝ Cante para mim a canção das estrelas
Da sua galáxia dançando e rindo e rindo de novo
Quando parece que os meus sonhos estão tão distantes
Cante para mim sobre os planos que você tem pra mim de novo. ❞
ONLY HOPE – MANDY MOORE

ST. ROSE ACADEMY, 21 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS 12H.


As marcas físicas que Maverick Carver deixou em mim naquela noite já
estão quase sumindo. O corte no supercílio está cicatrizando e os nós dos meus
dedos não se encontram mais tão vermelhos e fodidos como antes. Já as marcas
cravadas no meu coração ainda permanecem intactas, no entanto. Porém, Love
Monaghan vem me ajudando cada vez mais a lidar com tudo isso. Passamos
tanto tempo juntos depois do fatídico dia que já estou sentindo meu coração se
aquecer com a leveza e a luz própria que ela tem. Sem contar o teatro e os
ensaios, que estão me fazendo esquecer dos meus problemas pessoais e dos
problemas que estou tendo que enfrentar nos treinos de lacrosse.
O meu mundo parece estar, aos poucos, querendo entrar nos eixos.
Principalmente porque, assim que espanquei meu pai e fugi para encontrar a
garota dos olhos azuis, só voltei para a mansão no outro dia de manhã junto com
ela, e ele já não estava mais lá, muito menos os seus seguranças, já que não se
importa em deixar pelo menos um para me vigiar e cuidar da minha segurança.
Fiquei sabendo pela governanta que Maverick foi ao médico à noite e foi viajar a
trabalho às cinco da manhã, não tendo dia para retornar. Fiquei tão agradecido e
aliviado por não ter que encará-lo, que um peso do tamanho de um elefante saiu
das minhas costas. Quer dizer, a metade dele. A outra metade ainda está
completamente aflita e no aguardo das consequências que sei que terei que
pagar.
Meu pai não vai dar um fim em mim, ele não pode ser tão descuidado
assim, afinal, é um político renomado e não pode se meter em escândalos. Mas
também não é garantia de que não vai me punir, me trancar no porão e mandar
seus homens me darem uma lição. Sinceramente, já estou esperando a surra bem
dada que vou receber. Só não pego o dinheiro que tenho na minha poupança e
fujo, pois preciso me formar na escola e garantir a minha entrada em uma boa
universidade. Além de que, claro, não posso ser egoísta e deixar meu time na
mão. Também não posso e nem quero abandonar meus amigos. E muito menos
Love Monaghan. Passei muito tempo a odiando e a afastando por motivos
bestas, agora só quero desfrutar da sua companhia como deveria ter sido há
muito tempo.
É tudo ferrado e angustiante, mas vou aguentar qualquer coisa que vier.
Vou superar e mostrar a ele que não sou nenhum fracote medroso. Não tenho
medo de porra nenhuma. Já mostrei naquela noite que posso revidar e ser ainda
pior do que ele.
Meu lema é: se me machucarem, vou machucar em dobro.
Inflo o ar nas bochechas e confiro a data no meu celular. Seis dias desde
que o vi pela última vez, largado e ensanguentado na porcaria daquele chão. Seis
dias desde que contei todos os meus demônios para a Love. Seis dias desde a
banheira. Uou. Parece que tudo foi ontem. As coisas estão se desenrolando
rápido demais nesse semestre.
— Por que a Love tá se misturando com a Jordyn? — Matthew, encostado
no seu armário, que é praticamente colado ao meu, me pergunta. Coloco a minha
senha ao passo em que olho para ele, que tem a sua atenção voltada para as
garotas conversando mais à frente. — Ela tem a gente agora. Não precisa estar se
humilhando para gente que não vale a pena.
Uno as sobrancelhas.
— Quer deixar a Jordyn em paz? — Abro a porta do armário e troco
alguns livros. — Ela e a Love fizeram meio que as pazes no aniversário do
Dariel. E eu estou começando a achar que está se interessando pela JJ, porque
nunca falou com ela, nunca a citou para a gente, e agora vive fazendo de tudo
para conseguir chamar a atenção dela, até mesmo ser um grande cuzão.
— Eu?! — Sua voz sai esganiçada à medida que afunda a unha pintada de
preto no meio do seu peito. Bato a porta, tranco o armário e cruzo os braços,
assentindo. — Você só pode estar ficando maluco, porra. Nunca vou querer nada
com aquela garota. Nem a acho tudo isso. Ela exagera na maquiagem, nas
roupas, não é gostosa e já passou na mão de vários. Se fosse lacrada ou semi-
nova, eu até poderia pensar.
Pressiono os lábios na intenção de evitar uma risada.
— Jordyn Jensen não é gostosa? Ata — retruco, achando graça. — E como
você exige uma garota “lacrada” — Faço aspas com os dedos. — se você nem
transa, seu idiota?
Donnelly revira os olhos castanhos.
— É verdade. Esqueci que me tornaram um idoso inválido. — Nem
mesmo quando ele está fazendo graça consegue esticar esses lábios. Parece que a
boca está com cola. Ao mesmo tempo em que é engraçado, é preocupante. —
Love está vindo para cá. Aja como se não estivesse perdidinho por ela, por favor.
Seu lado adestrado vai acabar manchando a minha imagem. Tenho uma fama de
insensível a zelar nessa escola.
— Cala a boca, Matthew. — Fico sério, aprumo os ombros e decido socá-
lo. — Não sou adestrado. Sou um vira-lata.
— Não é, não. — Segue firme. — Você é o Chihuahua que a pequena
Monaghan leva na bolsa.
— Ah, vai se foder, seu pau mofado.
Meu amigo abre os lábios para me xingar mais uma vez, mas Love aparece
bem a tempo. Ele fecha a boca, cruza os braços e se vira totalmente na direção
dela. Faço o mesmo.
— Olá, Donnelly. — Cumprimenta o loiro com uma reverência. — Olá,
Carver. — Sorri da maneira mais linda possível para mim. Droga. Detesto gostar
tanto assim do sorriso dela. — Passando aqui para te lembrar do ensaio de hoje.
É o dia que eu vou cantar Only Hope para você. Prepare o coraçãozinho porque
eu vou ar-ra-sar — soletra pausadamente a última palavra, parecendo bem
confiante e empolgada. Posso imaginar que esteja mesmo, porque, enquanto
assistíamos ao filme, a estrelinha não parava de falar sobre o quanto amava
aquela cena e o quanto estava ansiosa para reproduzi-la.
Então, jogando essa informação no meu colo, pisca para Matthew e se
retira, a bunda grande bem marcada por conta da calça justa que usa. Não sei se
ela me deixa mais alucinado quando decide usar essa calça do uniforme ou
quando decide cobrir quase nada das suas pernas com aquela saia de pregas
minúscula.
Quer saber, ela me deixaria alucinado e paralisado até se vestisse um saco
de batatas.
— Colt Carver, agora falando sério, você vai sangrar em minhas mãos se
machucá-la. — Ele parece ainda mais sério do que o comum, olhando para a
garota cada vez mais afastada de nós. — A considero de verdade. Não menti
quando disse que Love Monaghan me lembrava alguém que costumava ser
especial para mim. E é por isso que, como não pude protegê-la, me sinto na
obrigação de cuidar da Love. Vou passar por cima de qualquer pessoa que ousar
machucá-la. Até mesmo de você.
Sua ameaça não me deixa puto. Na verdade, me deixa feliz, porque sei o
quanto ele é fiel às pessoas que ama e se importa de verdade. É extremamente
difícil alguém alcançar seu coração, praticamente raro e impossível, mas quando
isso acontece, já era, saiba que terá para sempre alguém capaz de matar e morrer
por você. E é gratificante pra caralho saber que Love está tão protegida e segura
assim.
— Isso nunca vai acontecer. Não tenho pretensão nenhuma de machucá-la
— sou sincero. — E com quem que a Love parece, afinal?
Matthew, apesar de estar olhando fixamente para frente, está perdido em
pensamentos.
— A garota que costumava ser a minha melhor amiga — responde
vagamente. Como sempre.
Estranho.
— Ah, achei que fosse a sua ex-namorada.
Vejo quando seu corpo todo se retesa, seu maxilar trinca e as suas mãos se
fecham ao lado do corpo.
— É, ela costumava ser as duas coisas para mim.
Pronto, essa doeu até em mim.
Garota filha da puta.
TEATRO DA ST. ROSE ACADEMY, 21 DE SETEMBRO DE 2018,
ÀS 14H40MIN.
Tem um piano no centro do palco e Harmony Fallon, a filha prodígio do
diretor, que é quem costuma estar à frente de toda parte musical do Teatro, está
dedilhando os primeiros acordes de Only Hope, música cantada por Mandy
Moore no filme.
Os olhos de Harmony, que são de uma cor incomum, uma mescla de verde
claro e amarelo, se fecham conforme vai se concentrando e explicando para
Love o timing para ela entrar cantando. As tranças escuras da garota de pele
preta cor oliva balançam e caem em cascatas sob o blazer preto do seu uniforme.
Vendo-a pela primeira vez assim, nesse ambiente que parece lhe favorecer tão
bem, entendo por que a chamam de anjo por aí. Harmony Fallon, além de ser
absurdamente linda com as sardas marrons salpicadas pelo ossinho do seu nariz
e pelas bochechas, parece ser extremamente doce, serena e talentosa.
Desfoco minha atenção dela e me arrumo melhor no banco improvisado,
olhando para Love que vem entrando quando tem a sua deixa. Ela se aproxima
lentamente, entrelaça as mãos em frente ao corpo e começa a cantar, sua voz
linda reverberando pelo Teatro praticamente vazio.
Meu personagem, o Landon, deve ficar nervoso, mas eu que fico. Minhas
reações são as mais naturais possíveis.
Pisco uma, duas, três vezes.
— And I lift my hands and pray to be only yours I pray, to be only yours
— Love, ou melhor, Jaime, se aproxima do banco e fecha as mãos em oração. —
I know now, you’re my only hope.
“E eu levanto as minhas mãos e oro para ser só sua. Eu oro para ser só
sua. Eu sei agora, você é a minha única esperança”.
Engulo a seco e Love permanece cantando. Estou preso nos seus lábios
volumosos e no que a canção diz. Estou preso no momento e me esqueço que
estamos fingindo e que isso aqui não passa de uma apresentação. Minhas
emoções se perdem entre Landon Carter, Jaime Elizabeth, Colt Carver e Love
Monaghan. Tudo se junta e se transforma em um só.
E ela senta-se ao meu lado, fita meus olhos com uma intensidade
impressionante e o meu coração tamborila.
— I give you my destiny. — Me aproximo um pouco só para tocá-la,
deixando seu rosto livre ao colocar uma mecha do seu cabelo atrás da orelha. —
I’m giving you all of me.
“Eu te dou o meu destino. Estou te dando tudo de mim.”
O refrão se repete, Harmony segue tocando magicamente no piano e, após
mais alguns segundos, a música acaba e a minha hora chega.
Landon se aproxima mais de Jaime.
E Colt pressiona os lábios nos de Love.
Porque ela é, sem sombra de dúvidas, a única esperança dele.
Recuo para trás, ainda um pouco atordoado, bem a tempo de ver Astrid
vibrar lá das cadeiras e a garota à minha frente esticar seus lábios em um sorriso.
— Ficou incrível. — Love bate palmas como uma garotinha saltitante, dá
um beijo rápido na minha bochecha e se levanta. — Eu sabia que eu iria arrasar.
Esse papel estava destinado a mim.
Sorrio ao mesmo tempo em que confirmo, porque o amor dela pelo teatro é
a coisa mais linda.
Antes que eu possa falar qualquer coisa, o celular dentro do meu bolso
vibra, provavelmente uma mensagem de Dariel, Matthew ou Nathan. Ou talvez
de todos eles juntos me chamando para o campo.
— Tenho que ir. — Aviso ao me levantar. Como já repassamos algumas
cenas e ensaiamos mais essa, sei que o nosso tempo acabou. Afundo as mãos nos
bolsos da calça e umedeço os lábios com a ponta da língua. — Falo com você
mais tarde, Jaime.
Love tomba a cabeça para o lado.
— Falo com você mais tarde, Landon.
Meus lábios se erguem sutilmente uma última vez, então me despeço dela
e de Harmony. Dou tchau para Astrid assim que pego as minhas coisas e passo
por ela, que parece toda orgulhosa do rumo das coisas.
Empurro as portas do Teatro e, do lado de fora, sou recepcionado pelo sol,
que me faz semicerrar os olhos enquanto caminho.
Quando estou próximo do campo, uma figura baixa se intromete no meio
do meu caminho, quase me atropelando.
É Aria Blake.
Ela está suada, seu peito sobe e desce rapidamente e uma expressão
apreensiva toma todo o seu rosto.
— Preciso ter uma conversa séria com você. — Um vinco de desconfiança
se forma entre as minhas sobrancelhas só pelo modo desesperado com que as
palavras se desenrolam na sua língua. A coisa parece ser mesmo séria. — E você
tem que me prometer que vai me ajudar e que não vai contar para ninguém. Nem
mesmo a Love pode ficar sabendo disso.
Mesmo assentindo, algo em mim pisca e alerta sobre o quão errado isso
provavelmente será.
Dito e feito.
❝ Todo mundo tem um segredo guardado
Mas eles conseguem mantê-lo?
Oh não, eles não conseguem. ❞
SECRET – MAROON 5

RUAS DE FORT LAUDERDALE, 28 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


15H23MIN.
Saio do consultório da doutora Felicity, minha psicóloga, e paro no meio
da calçada para buscar a chave do meu Corvette e o meu celular dentro da
pequena bolsa apoiada em meu ombro.
Que milagre. Há uma mensagem de Aria brilhando no aparelho assim que
viro a tela já ligada.
Docinho: Não vou poder te encontrar no shopping. Estou ocupada com as
provas.
Reviro os olhos assim que leio o conteúdo.
Mas é claro que está. Faz semanas que vive se escondendo, se esquivando
e desmarcando nossos compromissos. Até na escola, quando está em minha
presença, me responde de forma monossilábica e fica enfiada nos seus livros ou
nos joguinhos do seu celular até dar o horário de subir para as aulas. A verdade é
que depois daquela maldita mensagem a nossa amizade não parece mais a
mesma, como se Aria realmente tivesse ficado chateada com o que aconteceu. E
o pior disso tudo é que já ultrapassei o limite da minha paciência, não consigo
mais tentar compreender, sozinha, o que posso ter feito e não consigo mais
esperar seu tempo para que resolva se abrir e falar o que está acontecendo.
Simplesmente estou ficando cansada e sem tempo para me importar com a sua
súbita indiferença e infantilidade. A Peça da Primavera está cada vez mais
próxima e o meu foco todo está nela e nos possíveis olheiros da Broadway.
Mesmo que eu queira, não posso me dar ao luxo de ficar pensando nisso
vinte e quatro horas por dia. Tenho que ir para a escola, estudar para as provas,
ensaiar no Teatro, ensaiar sozinha com Colt, provar figurino, maquiagem e todas
essas coisas do teatro. Também deve ser por isso que estamos mais afastadas do
que o comum, afinal, é um período muito apertado para mim, e ela está se
aproveitando disso para se manter cada vez mais longe. Me sinto péssima por
não ter a minha melhor amiga comigo nesses momentos, me sinto péssima por
não poder lhe falar sobre Colt, sobre como estávamos enganadas a seu respeito e
sobre como ele tem seu lado bom apesar dos pesares e de como está me fazendo
bem, assim como Matthew e Dariel. Me sinto péssima por não poder
compartilhar sobre meu progresso com Jordyn Jensen e as nossas trocas
divertidas nos ensaios, já que ela faz a “vilã” e eu a mocinha. Me sinto ainda
mais péssima por não estarmos conseguindo resolver nossos problemas de forma
correta, que é sentando e conversando. Mas, infelizmente, se ela não quer,
também não posso insistir ou forçar que abra a boca de uma vez por todas.
Até tentei fazer isso uma vez enquanto estávamos almoçando, mas ela
apenas encheu a boca de macarrão, sacudiu os ombros, disse que eu estava
vendo coisa onde não tinha e que estava completamente normal.
Fiquei com raiva da sua cara de pau, não vou mentir. Eu sou uma pessoa
com personalidade forte, de certa forma. Não gosto de ficar adulando as pessoas
para que conversem comigo e me contem os seus problemas. Se não está vendo
confiança em mim para desabafar, tudo certo, vida que segue. Me faço de sonsa
e sigo o andar da carruagem. É exatamente o que estou fazendo com Aria. Se ela
me responde de forma seca, faço o mesmo. Se diz que está ocupada como agora,
finjo que acredito. Se não quer me ver no dia, apenas aceito e procuro outra
coisa para fazer, até porque não posso parar a minha vida se ela não está parando
a dela.
No dia que quiser expor tudo, estarei aqui para escutá-la e compreendê-la,
sem guardar nenhuma mágoa. Só que pelo visto esse momento está longe de
acontecer agora.
Inspiro uma grande quantidade de ar e, antes que eu possa devolver o
celular na bolsa, ele vibra, me indicando uma mensagem. Dessa vez é JJ, que
pegou meu número em um desses dias lá no Teatro.
JJ: Love, está ocupada? Poderia vir até a minha casa me ajudar com o
roteiro? Estou me sentindo insegura e queria uma opinião sincera. Você me
parece a minha melhor opção. Se estiver disponível, me fala que eu te mando o
meu endereço.
Faço um bico de lado e avalio minhas possibilidades. Já estou sabendo
todos os conteúdos da escola, não tenho ninguém a minha espera em casa e
acabei de levar um bolo da minha melhor amiga. Ou eu passo o dia todo em casa
sem fazer nada, ou pelo menos garanto uma tarde divertida na companhia da
Jordyn.
Digito logo uma resposta.
Eu: Eu vou. Só espero que nem a Paris nem os seus cachorros me mordam
por eu ir aí.
Ela me responde na velocidade da luz.
JJ: Há, Há, Há. Que engraçada. Eu e Paris não estamos nos falando
desde aquele dia, esqueceu? E Coco, Lady e Odin estarão nas casinhas deles.
Fique despreocupada que eles só vão te atacar se você vier para cima de mim.
Nos encontramos no mesmo barco com essa coisa de melhor amiga.
Estamos desfalcadas no momento.
Eu: Anotado. Nada de ir para cima de você.
Jordyn manda aquele emoji chorando de rir e me passa o endereço da sua
casa logo em seguida. Copio o que ela me mandou, ligo o GPS e caminho até
meu carro, que está estacionado do outro lado da rua.
Escorrego para dentro do automóvel e sigo os comandos da voz
inteligente.
Vinte minutos depois, chego ao meu destino. A mansão de Jordyn é dentro
de um condomínio de casas luxuosas perto de uma das praias de Fort
Lauderdale. Ela liberou o meu acesso na portaria antes mesmo de eu ter
chegado, então adentro o local sem dificuldades. Achar a sua casa em meio a
tantas é extremamente fácil, porque me deparo com o seu carro cor de rosa
estacionado bem na frente dela assim que dobro a esquina.
Dou risada com seu jeito chamativo, estaciono o meu na vaga para
visitantes, tiro a chave, pego a minha bolsa e travo tudo. Coloco meus óculos de
sol no topo da minha cabeça, encaro a mansão à minha frente com a mão na testa
em formato de concha e arrasto meus coturnos até a imponente porta cor de gelo.
Ouvi algumas poucas coisas sobre Jordyn na escola. Fiquei sabendo que a
garota perdeu os pais quando ainda era pequena, em um acidente trágico de
avião que causou uma comoção gigantesca na cidade. Ela viveu com seu irmão
mais velho por alguns anos depois do acontecido, até que o mesmo desapareceu
há três anos de forma misteriosa e sem deixar rastros. Ninguém sabe do seu
paradeiro. Muitos especulam que, a esse momento, ou está bem longe, não
querendo a responsabilidade de cuidar da menina, ou está morto por ter se
envolvido com alguma coisa errada. E aí, por ainda ser menor de idade e não ter
mais parentes vivos, JJ ficou sob a guarda da mulher que cuidou dela desde
bebê.
Deve ser a mesma mulher que me atende agora. Ela deve estar na meia
idade, porque consigo ver as marcas de expressão no seu rosto, as rugas nos
cantos dos olhos claros e os fios brancos despontando no seu cabelo preto
firmado em um coque. É muito bonita e simpática. O sorriso lançado para mim
expande e faz com que as covinhas apareçam e afundem suas bochechas
proeminentes e naturalmente rosadas.
— Love Monaghan, certo? — Afirmo ao sorrir também. — Pode entrar,
minha querida. A Jordyn está te esperando no andar de cima, lá no quarto dela.
Pode vir que eu te acompanho.
A senhora me dá espaço e deixa que eu adentre a mansão.
— Obrigada — agradeço assim que ela fecha a porta e se posta ao meu
lado. Acho engraçado o modo como ela me encara dos pés à cabeça, parecendo
admirada. — Como é o seu nome mesmo? — indago, sendo gentil.
— Guadalupe Ramírez — se apresenta, e ainda parece encantada comigo.
Mal cheguei e já estou a adorando. Solto uma risadinha baixa. — Desculpe-me
por estar me comportando dessa forma, senhorita Monaghan. É que eu sou
muito, muito fã dos seus pais. Quando a minha niña disse que você viria nos
visitar, quase infartei.
Minhas bochechas doem com o tanto de tempo que passo sorrindo.
— Puxa, que coisa incrível. A Jordyn não tinha me dito que a senhora era
fã dos meus pais. — Tiro os óculos da minha cabeça, os coloco na bolsa e passo
um pouco dos meus fios de meu cabelo para frente, arrumando as pontas
onduladas. — Da próxima vez pode deixar que venho fazer uma visita junto com
eles. E por favor, nada de senhorita. Pode me chamar apenas de Love.
Os olhos de Guadalupe brilham, parece emocionada.
— Nossa, seria um sonho. Sou realmente uma grande fã, já assisti a todos
filmes que a Caroline fez. E também fiquei extremamente feliz quando seu pai
foi gravar um filme lá em Bogotá, minha cidade do coração. Lembro até hoje do
tanto que meus sobrinhos me ligaram da Colômbia só para me contarem das
filmagens e do alvoroço que estava acontecendo em torno deles. — Sempre que
alguém fala que é fã e admirador do trabalho dos meus pais, meu coração se
enche de felicidade e orgulho. Eles são merecedores de tudo o que conquistaram.
— Mas vamos subindo. Se você me der corda, vou ficar falando, falando e não
vou parar nunca.
Dou risada do seu bom-humor, e a sigo até as escadas, passando por
algumas esculturas no estilo renascentista bem no meio do caminho. Meus
coturnos pretos logo pisam no carpete vermelho enquanto subimos lado a lado.
“É um grande milagre não ter nada rosa na entrada”, meu subconsciente
engraçadinho reflete.
— O quarto dela é o segundo a esquerda. Você vai saber identificar —
Guadalupe informa assim que alcançamos o último degrau. — Vou descer para
preparar um lanchinho para vocês. — Ela seca as palmas das mãos na barra do
vestido branco e toca no corrimão depois, equilibrando-se. — Eres muy
hermosa, mi amor.
— Son sus ojos — respondo na sua língua materna. Provavelmente não
deve ter saído bom, meu espanhol não é lá essas coisas, mas faz a senhora
parecer ainda mais alegre. — Desculpa pela pronuncia péssima. Aprendi un
poquito de espanhol com meu pai, que precisou dominar um pouco da língua
para fazer Força & Combate, o filme gravado em Bogotá. Lembro que foi muito
divertido. Sempre que meus pais viajam e conhecem uma cultura nova, eu faço
questão de me familiarizar junto com eles. — A nostalgia me invade. — E isso
desde quando eu tinha um aninho, acredita? Minha mãe viajou para fazer alguns
trabalhos comunitários pela África bem nessa época, então me deixou sob os
cuidados do meu pai e de algumas babás e ficou um pouco mais de um ano e dez
meses fora. Papai costumava dizer que quando ela mandava os cartões postais
para a gente, eu passava o dia todinho com eles, admirada com os lugares.
Sempre tive gosto para isso. — Quando percebo que estou falando demais, já
que sempre fico empolgada quando começo a falar deles, cubro a minha boca
com os dedos. — Desculpe-me, Guadalupe. Não foi a minha intenção falar
muito e te ocupar.
Ela espalma as mãos na cintura e me olha como se quisesse dizer: “até
parece”.
— Eu poderia passar horas escutando as histórias de Caroline, River e as
suas.
Sorrio em agradecimento pelo seu carinho e simpatia, aceno com a cabeça
e sigo pelo corredor, indo à esquerda como havia me instruído. Passo por mais
quadros, fotos e estátuas. Quando chego a tal porta, estrangulo uma risada bem
no fundo da minha garganta, porque a própria foi planejada e arrumada para se
assemelhar a calçada da fama. A madeira é pintada de um preto brilhoso e há a
típica estrela rosa no centro, o nome Jordyn Jensen e o símbolo de uma pequena
claquete fincada no meio dele, mostrando a todos como ser uma atriz de
Hollywood é o seu maior sonho.
Dobro os dedos e bato na porta, anunciando minha presença. Não demora
mais que cinco segundos para que a garota corra e abra a porta.
— Ah, oi. Entre. — JJ me puxa para dentro e tranca nós duas com a chave.
Ela está usando um roupão rosa bebê e seu cabelo castanho escuro está preso em
um rabo de cavalo no topo da sua cabeça. Não há nem um traço de maquiagem
em seu rosto. Jordyn é mesmo muito bonita. — Só não repare a bagunça. Estava
experimentando algumas roupas que comprei na Gucci antes de você chegar.
Experimentando roupas e bolsas. Há um monte de sacolas da Louis
Vuitton espalhadas pelo carpete cinza.
O quarto da garota é realmente igualzinho ao que eu imaginei. Ele é
enorme, tem uma vista privilegiada para a praia e vários enfeites cor de rosa. O
seu papel de parede é uma mescla de rosa claro e rosa escuro. É como o quarto
das gêmeas Annie e Izzy Woods no filme Legalmente Loiras. Sem contar no
espelho que vai do chão ao teto e cobre uma das paredes. JJ realmente gosta de
si mesma, porque eu iria enlouquecer se ficasse me vendo toda hora.
— Pode se sentar. Fique à vontade. — Ela aponta com o queixo sua cama
king com um monte de almofadas em uma variedade de tons pastéis. — A
Guadalupe que te trouxe aqui, não foi? Ela estava toda ansiosa para te receber.
Provavelmente você já sabe o quanto ela é fã dos seus pais.
— Sim, fiquei sabendo. Ela é um amor — digo assim que me direciono até
a cama, serpenteando entre as sacolas. Sento-me na borda, tiro os coturnos e
depois me afasto um pouco para cruzar as pernas em posição de yoga. — Agora
me diz, por onde a gente vai começar? Qual é a sua dificuldade?
Quando me escuta, Jordyn pisca os longos cílios, que se chocam algumas
vezes. Ela limpa a garganta, passa a mão pelo rabo do seu cabelo e se senta na
cama, encostando-se na cabeceira e imitando minha posição.
— Olha, não me odeie, mas era tudo uma desculpa para te arrastar até
aqui. Não sabia muito bem como dar o primeiro passo, então pedir ajuda foi a
melhor desculpa que passou pela minha cabeça. — Jensen suga o lábio inferior e
fica brincando com ele entre os dentes antes de prosseguir. — Eu só queria ter
alguém para fofocar e ficar comigo. Como você pode ver, não tenho ninguém,
apenas Guadalupe, Coco, Lady e Odin. E ainda estou brigada com a minha
melhor amiga. Dessa vez, não vou dar o braço a torcer, ligar e me humilhar.
Quero que ela perceba o quanto foi errada. E quer saber de uma? — Jordyn
curva a coluna para se aproximar, como se fosse me contar um segredo. — Já
que ela não se importa comigo, também não vou me importar com ela. — Então
arruma a postura e sacode os ombros ossudos para cima. — Sabe aquele dia na
fogueira? Pois bem, foi Paris quem ligou para o diretor. Ela pensa que eu não sei
de nada, mas eu a segui depois que você e Colt foram para as arquibancadas. Ela
estava afastada, falando no celular que era para o senhor Fallon agilizar ou então
a festa acabaria. Acho que ligou como número desconhecido e deu essa
informação só para ferrar com Colt em específico, porque depois ela se mandou
antes mesmo da confusão se iniciar. E o pior disso tudo é que ela nem me avisou.
Fiquei me convencendo que não iria dar tempo, ou até mesmo que ela tinha se
esquecido, na correria e na adrenalina, que a sua melhor amiga estava lá junto
dos outros para ser pega. Mas agora posso imaginar que ela sabia muito bem o
que estava fazendo e não se importou nem um pouco comigo e com as
consequências que isso poderia acarretar no teatro.
Uau. Eu e Colt ficamos tão concentrados em nós e na peça que acabamos
esquecendo completamente de investigar isso mais a fundo. Tinha ficado claro
para nós que havíamos sido dedurados, mas outras coisas foram surgindo e isso
foi ficando para trás, porque, querendo ou não, a “punição” de Colt nem foi tão
séria assim para que ele se sentisse com sede de vingança. Poderia ter sido pior e
muito, mas não foi. Eu e ele conseguimos ver o lado bom da entrada abrupta dele
no teatro e ficou por isso mesmo. Mas já posso ver o quão puto Colt vai ficar
quando eu contar que a vaca da Paris quis puni-lo. A loira está muito, muito
ferrada. E eu quero mais é que ela se ferre mesmo. Deveria pagar severamente
por todo o mal que costuma fazer aos outros. Não aguento mais ela se safando
das coisas graves que apronta. Paris Sloan precisa de uma lição antes que acabe
por estragar ainda mais a vida de alguém.
— Eu juro que gostaria de entender qual é o problema dela. Não entendo
como alguém pode gostar de ferrar com a vida dos outros e ser tão ruim assim —
reflito em voz alta, indignada. — Você me disse naquele dia no iate que era tão
ruim quanto Paris, mas eu não acredito. Eu não acredito que você seja como ela.
O que eu acho, Jordyn, é que você quer ser como ela para buscar aprovação e
não perder a única coisa segura que acha que tem. Se você realmente fosse
assim, ficaria me prejudicando e armando para mim no Teatro, e isso nunca
aconteceu. Pode até ter me insultado e dito inverdades sobre mim, mas nunca me
atacou. Paris com certeza, no mínimo, teria me empurrado do palco só para me
tirar de cena. Literalmente.
Uma risada triste escapa por entre seus lábios.
— Que bonitinho você botando fé em mim. Ninguém nunca fez isso antes.
— Meu coração se aperta, porque percebo o brilho da solidão que perpassa por
suas írises cor de esmeralda. Consigo perceber agora o quanto ela se sente
sozinha boa parte do tempo. Deve ser por isso que é tão dependente
emocionalmente da Paris. E JJ não é uma vadia sem coração como acreditei, ela
só é uma garota solitária buscando ser alguém na hierarquia da St. Rose. Ela
provavelmente só quer ser vista. — Mas se eu te contasse um terço das coisas
que já fiz, você provavelmente sairia correndo agora. Minha carinha bonita
engana bem, Love.
Dou de ombros.
— Então é mais uma coisa que temos em comum — pontuo, e me arrasto
na cama para ficar ao lado dela. Deitamos no colchão ao mesmo tempo. Viro a
minha cabeça para fitá-la e JJ faz o mesmo. — A minha carinha engana bem
também. Quem acreditaria que isso aqui — Aponto o indicador para o meu
rosto. — se sujeitaria a ficar e a gostar do inimigo?
— Inimigo? Como assim inimigo?
Dou risada com a expressão que o seu rosto ganha.
— Estou falando de Colt. Ele costumava me infernizar na infância. Eu
tinha toda a certeza do mundo que éramos inimigos declarados e que nos
odiávamos mais do que tudo. Começamos a jogar um jogo idiota lá no início das
aulas e agora estamos… Bem, não sei como estamos. Só sei que estamos mais
próximos do que nunca.
— Ah, Love Monaghan, eu te entendo. Não se tem muito como fugir de
caras como Colt Carver. Bad boys ferrados da cabeça são sempre os melhores.
— Rio da forma como ela fala. — Ei, não ria. Estou falando sério. Parece que
quanto mais babacas eles são, mais gostosos ficam.
Bem, Jordyn Jensen tem um ponto.
— E pelo menos a sua melhor amiga gosta dele. Paris vivia me irritando
por conta dos caras que eu já fiquei. Ela dizia que a qualquer momento iria
nascer um terceiro braço em mim pela radiação.
Ah, Paris, tão hipócrita.
— Queria eu que minha melhor amiga gostasse dele. Aria Blake o detesta.
— Viro de lado só para conseguir apoiar a cabeça na mão. — Estamos meio
estranhas uma com a outra desde que transei com Colt pela primeira vez. Não sei
o que pode ter acontecido.
— Jura? — Ao mesmo tempo em que parece surpresa, parece confusa. —
Que estranho. Eu disse isso porque já peguei eles dois juntos pelos arredores da
escola umas duas vezes. Pareciam bem próximos.
— Aria e Colt? — Meu coração dá uma guinada no meu peito e eu sorrio,
sem graça. — Não, você provavelmente viu errado. Eles não têm nem um
vínculo. Nunca se falaram na vida.
— Não estou mentindo, Love. Eu realmente vi os dois juntos dois dias
seguidos em uma mesa dos fundos da biblioteca. Sua melhor amiga e seu
namoradinho estavam conversando, me pareciam bem próximos. Mas deve ter
sido um papo rápido sobre qualquer besteira. Eu também não fiquei lá prestando
atenção. — Jordyn se levanta e fica sentada, observando a interrogação pairar
acima da minha cabeça. — Nem encane com isso. Pode ter sido qualquer coisa e
que logo, logo ela vai te contar. Agora vou pedir para Guadalupe trazer o nosso
lanche. Minha barriga está roncando e eu preciso estar abastecida para ficar
falando da vida dos outros.
Ela se levanta, abre a porta e grita por Guadalupe, indo atrás da senhora
em seguida.
Sinto como se o quarto todo estivesse girando. Não consigo esconder a
minha surpresa e o meu estranhamento com a situação citada por Jordyn. Não há
a mínima possibilidade disso ter acontecido. Mesmo que Aria não me contasse,
Colt provavelmente olharia na minha cara e diria: “ei, encontrei a sua amiga
esquisita e nós decidimos sentar e conversar pela primeira vez”. Ele não teria
motivos para esconder isso. Mas a menção ao nome dela não chegou em nenhum
momento. As coisas pareciam normais para nós. Nada de diferente parecia ter
acontecido.
E eles não esconderiam nada de mim, certo?
Mesmo agindo de modo estranho há dias, Aria Blake continua sendo a
minha melhor amiga. Ela é uma das pessoas em que mais confio no mundo. Eu
com certeza colocaria a minha mão no fogo por ela, então não tenho do que
desconfiar. Se algo assim aconteceu mesmo, então vou esperar que me contem.
Não posso ficar parecendo uma paranoica querendo ver coisa onde não tem.
Preciso me acalmar e pensar de forma racional nas possibilidades, até porque
aqui não é o momento.
Me concentro em Jordyn e na bandeja de cookies que ela traz junto com
Guadalupe.

MANSÃO DOS MONAGHAN, 30 DE SETEMBRO DE 2018, ÀS


14H21MIN.
Colt está vindo me buscar em casa para que possamos ir a uma cafeteria
aqui perto. Hoje foi o único dia em que os dois estão livres. É também agora que
pretendo perguntar sobre Aria e o possível encontro dos dois na escola. Fiquei
tão ansiosa por esse momento que mal dormi esses dois dias. Minha mente só
passava a minha conversa com Jordyn em um looping eterno.
Até na hora em que a minha mãe veio me abraçar, quando eu disse que ia
sair com Colt, fiquei sem saber o que ela estava falando por me encontrar
eufórica demais. Algo dentro de mim está se revirando e eu não sei bem o que é.
Acho que já, já vou explodir por meu corpo não aguentar tantas emoções em um
dia só.
A sorte é que não demora muito para que a Ferrari vermelha de Colt entre
no meu campo de visão.
Ele buzina para mim e destrava o carro. Eu escorrego para o banco da
frente. Coloco o cinto e viro na direção dele. Espero por um beijo, por um
sorriso ou por alguma reação espontânea, mas a única coisa que ele faz é acenar
com a cabeça e ligar o carro. Murcho no mesmo instante.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto, pois seus dedos apertam com
força o volante do carro. — Seu pai já apareceu?
— Não. Tô começando a achar que ele não viajou a trabalho coisa
nenhuma. — Brinco com as minhas mãos que estão repousadas sobre meu colo.
Não olho para ele porque fico com medo que perceba o quanto fico apavorada
pelo sumiço do seu pai. Temo que Maverick esteja sumido para mandar fazer
alguma coisa contra Colt. Sinto no fundo do meu coração que ele não deixará
barato o que aconteceu. — Estou tentando descobrir, não precisa ficar nervosa.
Meu pai não vai me matar. Ele ainda precisa de mim como seu saco de pancadas.
Me machucar dá prazer a ele.
Não sei como ele tem tanta certeza disso. Maverick Carver é a porra de um
sádico maluco.
— Como você está? — Colt me olha de esguelha. — Faltam doze dias
para a peça. Acredito que esteja ansiosa.
Apesar de estar muito animada, a peça está um pouco ofuscada por conta
da minha situação com Aria. Se fosse em um outro momento, estaria surtando e
falando dela sem parar. Mas agora só quero saber o que é que não estão me
contando.
— Um pouco. — Não vou me estender nesse assunto. Muito menos ficar
jogando conversa fora. Sei que disse que iria esperar chegar à cafeteria para
começar a fazer minhas perguntas, mas não vai dar. Minha curiosidade é o meu
pior defeito. — Mas só consigo pensar em Aria agora. Como já tinha
mencionado para você antes, ela está diferente comigo e isso está me matando
aos poucos. Não sei o que pode ter acontecido.
Noto quando o ossinho do maxilar dele se estufa.
— Deve ser coisa da sua cabeça — é o que diz quando passa a acelerar o
carro pelas ruas. Me seguro na porta quando meu corpo pende para frente. —
Foque na peça que é mais importante. Não é isso que você queria o tempo todo?
— É sim. — Engulo a massa de concreto alojada na minha garganta. — Só
achei estranho porque me falaram que viram você na companhia de Aria há
alguns dias atrás. Fiquei me perguntando como isso pode ter acontecido se vocês
nunca se falaram na vida. Poderia me explicar?
— Não tenho o que te explicar. Quem te disse isso está mentindo. Sua
amiga é esquisita, não gosta de mim e nunca nos falamos. Ponto.
Já sinto o início da raiva borbulhar o meu estômago e acelerar minha
pulsação só pela maneira como fala comigo. Apesar de não ser grosso, está seco
e quase tão indiferente quanto Aria. O som da sirene me alertando começa a soar
em minha cabeça juntamente com a voz de Jordyn me falando sobre o quanto
eles pareciam íntimos juntos. Meu coração acelera e, mesmo não querendo ir por
esse caminho, Colt Carver me leva até ele em segundos. Começo a criar um
monte de cenários em minha mente. E em todos eles eu saio magoada, pois sei
que está mentindo.
Quando abro a minha boca para falar, Colt pisa mais o pé no acelerador,
costurando alguns carros de uma forma muito esquisita, como se estivesse
querendo nos matar ou se livrar de alguém. Meu coração bate na garganta, então
olho para trás, tentando conferir o que está acontecendo. Não vejo nada.
— Que porra você tá fazendo?
— Tem um paparazzo me seguindo desde que saí de casa. Achei que
tivesse despistado esse merda, mas ele ainda está no meu pé.
— Paparazzi?! — O meu mundo e o meu coração dão uma cambalhota
ainda maior. Esse nome é, sem sombra de dúvidas, o meu maior pesadelo. —
Puta que pariu. Ai, meu Deus. — Sinto meus olhos ficarem inundados de
lágrimas. Nunca fui perseguida, de fato, por um paparazzo. Eles costumavam
ficar na minha cola antes, mas agora havia melhorado. Eu não tinha nada de
interessante para oferecer a eles. Só que agora eles vão criar uma polêmica
enorme sobre eu estar com o filho do Senador Maverick e novamente estarei no
foco da mídia. Novamente vou sofrer as consequências. Ainda não estou pronta
para isso. — Ai, meu Deus — repito. — Acelera, Colt! Por favor, acelera. Não
deixe que ele nos veja.
— Tô fazendo. — Ele parece furioso ao entrar em uma rua diferente. —
Por que você tá tremendo? Por que parece tão nervosa, porra?
Eu estou uma confusão de sentimentos. Isso não deveria estar acontecendo
agora. Minha cabeça está a mil e eu já tenho muita coisa para me preocupar. O
universo só pode estar brincando com minha cara. Só pode estar mesmo
brincando. Eu só queria ter uma conversa sincera com Colt, e não ser perseguida
por paparazzi e relembrar dos tempos em que sofri tanto. Não quero mais isso.
Não quero mais esse peso nas minhas costas.
Ah, merda. Estou começando a chorar.
— Não faça perguntas, por favor. Só acelere.
Nesse meio tempo, seus olhos conflitantes encontram os meus por alguns
segundos. Parece magoado e enfurecido. Não consigo entendê-lo.
— Está com vergonha de mim, é isso? Não quer que o mundo saiba que
você está comigo? — Estou tão em choque com tudo que não consigo responder
ou mexer a minha cabeça para negar. Só consigo chorar e passar as mãos
trêmulas e suadas na minha calça jeans. — Caramba, Love. Achei que você tinha
dito que não ia soltar a minha mão. Mas agora já entendi que você deve ter
falado que era isso só se fosse escondido. Você me quer só se for atrás das
coisas, não é? Atrás da arquibancada, atrás das cortinas, atrás das câmeras. Eu
não sou bom o suficiente para estar aparecendo ao lado da incrível e famosa
Love Monaghan. Já entendi.
Oi?
Ele está entendendo tudo errado. Isso aqui, esse meu desespero, não tem
nada a ver com nós. Não tem nada a ver com ele. Sua insegurança e o seu medo
estão fazendo com que enxergue tudo ao contrário. Isso aqui é sobre mim. Isso
aqui é sobre a minha vida e tudo que um dia me destruiu. São minhas
inseguranças em jogo. O meu tratamento inteiro pode vir abaixo se eu tiver uma
recaída. Estou muito melhor do que antes, mas não estou inteira e
completamente livre. Falta pouco, muito pouco, e eu não quero retroceder. Eu
não posso.
E se eu não suportar a pressão da mídia? E se eles começarem a me atacar
ainda mais do que antes? Eu mal posto nada no meu Instagram justamente por
isso, para evitar ver comentários maldosos. Eu sei muito bem como a internet
pode ser fatal para quem sofre de uma doença. O que eu puder fazer para evitar
exposição, vou fazer. Primeiro preciso me concentrar em mim e no meu
tratamento.
Um passo de cada vez. Um passo de cada vez. Um passo de cada vez. É o
que eu repito para mim mesma.
Respiro fundo e aperto ainda mais a porta do carro.
— Não tem nada a ver com isso, Colt. Nada disso aqui é sobre você. —
Mordisco o lábio o inferior e sinto as gotas gordas de água pingando nele. —
Quando eu ainda era pequena, um paparazzo tirou fotos minhas na praia e vazou
para a mídia, sem pretensão nenhuma. Mas elas se tornaram o meu pior
pesadelo. As pessoas começaram a apontar possíveis defeitos em mim e isso me
deixou em pânico. Fiquei extremamente fissurada com a minha aparência e
desenvolvi bulimia nervosa ainda muito nova. A minha vida foi um inferno,
Colt. Foi por isso que falei sobre a minha autoestima na nossa primeira noite. —
De rabo de olho, vejo que seus dedos se tornam ainda mais esbranquiçados. Vou
me acalmando conforme percebo que entramos em um lugar calmo e que não há
mais ninguém atrás de nós. — Estou desesperada por esse motivo, porque faço
tratamento, estou em uma fase muito melhor e não quero meu nome no foco da
mídia. Eu não estou pronta para isso. Sinceramente, não sei se estarei um dia. A
mídia é ótima, ela te dá infinitas possibilidades, mas ela é capaz de tirar tudo na
mesma velocidade. Esse é o mundo dos meus pais, não o meu. Eu só quero ser
feliz em paz.
De repente o carro para. Ele tira o cinto, se aproxima de mim e coloca as
mãos no meu rosto.
— Me desculpe, amor. Eu não sabia. — Colt encosta a testa na minha e
limpa as minhas lágrimas. — Porra, me perdoa. Eu sinto muito. Eu só fiquei
desesperado com o seu desespero. Meus monstros me engoliram por um
momento e começaram a sussurrar na minha cabeça que você sentia vergonha de
mim. Que eu não era bom o suficiente para você.
Seu hálito quente me atinge quando sopra um fluxo denso de ar contra a
minha boca.
— Eu também fui quebrada, Colt. Eu não sou perfeita. Você tinha razão
sobre mim.
Ele beija meus lábios por alguns segundos antes de se afastar e balançar a
cabeça.
— Você é perfeita sim. Não importa o que passou, o que faça, o que deixe
de fazer, ainda será perfeita. E eu prometo que você está inteira. Eu prometo que
está. — Deixo que, por agora, me console. Estou sem forças para entrar
novamente em um assunto difícil. — Me perdoa mais uma vez.
Fecho os olhos e assinto.
Quando abro os olhos, cerca de alguns segundos depois, Colt está
retirando as mãos do meu rosto, olhando para trás e xingando. Tem um fotógrafo
há alguns metros de distância, a câmera pendurada no pescoço. Parecendo puto
da vida, o garoto tatuado sai do carro e corre na direção do paparazzo, que
começou a correr assim que o viu deslizar para fora da Ferrari.
A única coisa que consigo fazer é escorregar a bunda no banco, cruzar os
braços e abaixar a cabeça, envergonhada por toda a situação. Sei que Colt Carver
vai dar um jeito nela, afinal, ele sempre consegue o quer, mas ainda assim,
mesmo sabendo que está me escondendo algo, não consigo não me sentir triste
por colocá-lo nessa situação. É tudo culpa minha.
Depois de mais ou menos dez minutos, ele volta com a câmera do
fotógrafo em mãos. Solto um gritinho de surpresa ao vê-la totalmente destruída.
— Peguei aquele verme e destruí essa merda. — Joga a câmera no banco
traseiro, coloca o cinto e liga o carro. Com a mão ainda na chave, ele me olha.
— O desgraçado aprendeu a lição. Ninguém persegue você sem que saia todo
fodido e arrebentado. — Colt está bravo e uma verdadeira bagunça,
provavelmente por conta do embate que teve que entrar para proteger a minha
imagem. Seus orbes escuros revelam um poço de caos e fúria. — Mesmo que
tudo dê errado um dia, estrelinha, eu vou te proteger até o fim. Custe o que
custar.
Queria tanto poder acreditar em suas palavras.
❝ Nós recebemos o que merecemos?
Oh, nós recebemos o que merecemos?
Ladeira abaixo nós vamos
Ladeira abaixo nós vamos. ❞
WHEY DOWN WE GO – KALEO

CAMPO DE LACROSSE DA ST. ROSE ACADEMY, 05 DE OUTUBRO


DE 2018, ÀS 15H.
Às vezes, quando eu era pequeno, eu parava para me perguntar qual que
era o sentido da vida. E às vezes, quando me sentia tão na merda e tão cansado
do meu próprio corpo e da minha mente, me perguntava qual era o sentido da
minha existência. Qual era o sentido de acordar todos os dias, levantar para ir
para a escola, estudar e fazer as coisas que costumava fazer. Nunca cheguei a
uma conclusão plausível. Passei anos da minha vida não vendo sentido em nada.
Era como se eu estivesse só vegetando. Era como se eu estivesse preso no corpo
de um robô programado para se adaptar em meio a uma sociedade podre.
Meu mundo sempre me pareceu preto e branco. Meu mundo sempre me
pareceu chuvoso, trovejante e enlameado. Eu não sabia distinguir o que era bom
e o que era ruim, porque tudo sempre foi ruim ou algo muito semelhante a isso.
Então eu não sabia o que era a bondade e não entendia o que era luz e cor. E
sempre que luz e cor tentavam se aproximar, eu repelia, pois eu não me sentia
bem com nada que não fosse escuro e assombroso, afinal, o caos rodeava a
minha vida como um abraço esmagador e a maldade humana vivia no quarto ao
lado. Eu não tinha, mesmo que quisesse muito, nenhum tipo de exemplo altruísta
e generoso para que me ensinasse todos os caminhos do mundo, por isso que
sempre fui o que fui.
Quando Love Monaghan apareceu na minha porta pela primeira vez, com
os seus vestidos rodados coloridos, o sorriso grande, os olhos transbordando
bondade e boa educação, fiquei paralisado na mesma hora. Ela era luz e cor.
Love foi o meu primeiro contato com a bondade humana, porque correu no meu
encalço e tentou se aproximar verdadeiramente, querendo fazer amizade, brincar
comigo e trazer o sol ao meu céu nebuloso. Mas é claro que suas investidas me
assustaram, me irritaram e me fizeram afastá-la. A garota falava demais, sorria
demais e parecia se importar demais, coisas das quais eu não tinha costume. Sem
contar que estava ainda mais linda que no filme Enquanto Você Vive. Meu
coração parou por um segundo só para voltar com tudo e martelar o meio do
meu peito depois. Senti pessoalmente a mesma coisa que quando a vi na tevê e
não gostei nem um pouco. Não gostei que ela me fez suar, ofegar e tremer igual
a um cachorrinho. Não gostei que ela me deixou tão vulnerável e tão abalado por
conta de um simples “Oi, eu me chamo Love. Você é bonito. Quer ser o meu
amigo?” .
Eu não me via ao lado dela. Eu não queria que ela se importasse e mudasse
todas as minhas perspectivas, pois eu sabia que Love tinha esse poder. Só os
olhos mágicos dela já me diziam o quanto ela poderia e iria transformar a minha
vida.
Passei a odiá-la e a ser um idiota babaca porque era muito mais fácil.
Passei a inferniza-la porque sabia que, aos poucos, iria ver que eu não valia o seu
esforço. Meu pai vivia dizendo que eu não prestava, então quis que ela visse isso
também, porque eu acreditava em cada uma das torturas psicológicas dele. E
também era muito mais fácil deixar a chuva rolar do que ir atrás do sol. Era
muito mais fácil continuar sozinho e acreditar que o mundo era uma grande
piada do que encontrar motivos para realmente querer viver e sair da lama. Era
muito mais fácil lidar com a dor de não tê-la por perto do que lidar com a dor de
perdê-la um dia. Hoje eu consigo perceber. Hoje está tudo tão límpido quanto
água. Hoje eu consigo enxergar que meu problema sempre foi um só: ter medo
de deixá-la entrar para que colocasse as coisas no seu devido lugar.
Mas aí a gente se afastou, eu cresci e a minha mentalidade mudou um
pouco depois que tirei meu pai do caminho e conheci mais pessoas. Comecei a
lidar um pouco melhor com o meu temperamento e com o meu comportamento
assim que fiquei popular e fiz amizade com Matthew e Dariel. Estava tudo
diferente até que ficamos frente a frente no corredor pela primeira vez e a garota
decidiu me enfrentar. Os meus sentimentos ficaram confusos e passei a criar uma
necessidade dela, uma necessidade de que fizesse parte da minha vida
novamente nem que fosse por conta de um jogo e depois uma aposta idiota. Eu
só queria, diferente de antes, ver com os meus próprios olhos o que aconteceria
quando os nossos mundos se interligassem. Eu só queria ver com os meus
próprios olhos qual seria o fenômeno que aconteceria quando os trovões se
juntassem com um monte de brilho único. E foi uma explosão de cores, emoções
e surpresas que ninguém estava esperando. Cada uma dessas coisas respingou
em mim e eu me senti tão afetado ao ponto de passar a colorir as minhas telas,
querer sair da chuva, do frio e passar a me arriscar no calor, bem debaixo da luz
do sol e, à noite, das estrelas.
No entanto, depois que Aria Blake veio até mim e jogou a bomba no meu
colo, me confidenciando um segredo que abalaria a todos nós, me vi de volta na
escuridão. Não tinha mais jeito, eu tinha que fazer escolhas e nenhuma
beneficiaria Love ou a relação que estávamos construindo antes de eu descobrir
toda a maldita verdade. Eu mentiria e a destruiria futuramente, caso descobrisse
ou até mesmo caso eu pudesse revelar tudo um dia. Nossa relação nunca mais
será a mesma, porque ficou, a partir daquele dia depois do nosso ensaio, repleta
de fingimentos e mentiras. E o pior disso tudo é saber que Love tem a certeza
que tem algo de errado acontecendo comigo e sua melhor amiga, podendo vir a
atrapalhar o que estou planejando com a Aria. O pior disso tudo é que, no fundo,
sinto que vou perder Love Monaghan de qualquer jeito, exatamente como
sempre tive medo. O pior disso tudo é ter que lidar novamente com as perguntas
e com os questionamentos sobre a minha vida e a minha existência. O pior disso
tudo é ter a noção de que o ser lá em cima não vai muito com a minha cara, já
que me deu o que eu sempre quis e agora vai arrancá-la de mim, me mostrando
que nunca vou poder desfrutar do que é a bondade, me mostrando que nunca vou
ser digno de sair do lado obscuro e maléfico da vida. Até porque nasci e fui
criado nele. O caos está percorrendo as minhas veias e nunca vai me deixar
sozinho. Esse é o meu legado; crescer e morrer na amargura de uma vida mal
vivida e completamente fodida.
Essa nunca foi a minha intenção, mas sei que vou arruiná-la de uma forma
irreparável em algum momento. Tenho segredos demais agora. Até arrumei mais
um com aquele maldito fotógrafo, que estava resfolegando e chorando diante dos
meus punhos antes de me soltar a verdade sobre o intuito da sua perseguição.
Mas eu ainda continuo sendo ruim e covarde. Ainda continuo sendo um maldito
egoísta que não vai largar o osso. Enquanto eu puder esconder e armar tudo na
surdina, vou fazer. Enquanto eu puder empurrar com a barriga, que é o que estou
fazendo durante esses dias tentando me esquivar de suas perguntas sérias, dando
desculpas sobre focar nos ensaios e na peça que se aproxima, eu irei. Vou dar o
meu melhor e passar o nosso tempo contado da melhor maneira possível.
Porque, assim que tudo estourar, não haverá mais chances para mim. Ela irá me
odiar de verdade. E agora para sempre.
Rosno ao segurar o meu bastão contra as luvas com certa força e deixo
toda a minha raiva acumulada se dissipar com o treino, na intenção de que ela
me deixe como uma fera rápida e me impulsione a transitar e a jogar melhor pelo
campo. O treinador Allec chama pelos Fort Red Knights, a gente se alinha e ele
e se prepara para fazer o face-off, um método de colocar a bola em jogo. Vejo
que Dariel se curva e se balança de um lado para o outro no gol, esperando na
área defensiva assim como eu, Matthew e um outro jogador. Mas Allec coloca a
bola no chão entre as cabeças dos tacos dos jogadores no centro, apita de forma
precisa, nos incentiva a plenos pulmões e a jogada se inicia.
É a hora de me concentrar totalmente no campo e no meu time. Depois da
peça, temos mais um jogo e sei que precisamos ganhar dessa vez, então nada vai
me fazer desfocar. Meus problemas ficam lá fora. Aqui, junto com os meninos,
sou o capitão que precisa mostrar exemplo. Então, com essa vontade absurda de
vencer e de mostrar que somos os melhores, começo a correr e cruzo a linha
central na intenção de fazer a diferença.
Me choco com Donnelly no meio do caminho, que esbarra seu ombro em
mim sem querer. Vejo que solta uma piscadela de provocação quando se afasta e
começa andar de ré, o bastão branco balançando no ar.
E depois de quase uma hora ziguezagueando pelo gramado, além de mais
trinta minutos tomando uma ducha e ouvindo os caras falarem sem parar antes
de irem todos embora, eu e Matthew Donnelly estamos largados nos bancos,
cansados por conta do dia cheio. Encarar o teto com a toalha enrolada na cintura
nunca nos pareceu tão bom.
— Ei, Colt. — Matthew se equilibra sobre os cotovelos para conseguir
olhar para mim. Faço o mesmo que ele e subo o queixo, incentivando-o a
continuar. — Por que não passa lá em casa qualquer dia desses? Pode ser após a
peça.
— Passar na sua casa? — Não consigo esconder minha surpresa. — Vai
fazer o que, me matar? Nem fodendo. Eu sei muito bem que você detesta que
frequentem a sua casa. Só convidou eu e Dariel uma única vez, e a visita não
durou mais do que um minuto e meio.
Não sei por que Matthew bufa, ele sabe que tenho razão. O garoto é tão
reservado que ninguém pode sequer frequentar a sua mansão, que fica em um
condomínio luxuoso. Muito menos perguntar a fundo sobre a história da sua
família. Eu, assim como todo mundo da escola, só sei que o pai dele, Fred
Donnelly, é um magnata de respeito. Apenas isso. Nem eu nem Dariel insistimos
muito quando o assunto é Matthew. O que ele quiser contar para nós, o que já
consideramos bastante coisa diante do seu histórico de calado, reservado e
insensível, está de bom tamanho. Nós entendemos e respeitamos o jeito dele,
afinal, já sabíamos desses pequenos detalhes antes de adotarmos Matthew
Donnelly para compor o Trio de Ouro da St. Rose Academy.
Quer dizer, mais ou menos. Dariel ainda enche o saco vez ou outra
pedindo para o nosso amigo confessar de uma ver por todas que faz parte da
família Cullen de Crepúsculo.
— Eu tenho meus motivos. Se você for lá, vai saber. — Dá de ombros.
— Então não vai me matar?
Meu amigo olha dentro dos meus olhos.
— Não, Colt. Por mais que eu queira dar um fim na sua vida quase que o
tempo todo, eu não vou fazer isso. Eu vou é te ajudar.
Volto a me deitar no banco.
— Sei — respondo com um quê de desinteresse. Queria eu que alguém
pudesse me ajudar de verdade. — Mas pode deixar que eu vou. Será uma honra
visitar a casa dos Cullen qualquer dia desses.
Ele não diz nada, apenas pega o seu celular e fica mexendo. Respiro fundo
e faço o mesmo assim que pego impulso e me sento. Desbloqueio o meu celular,
entro nas mensagens e vejo o nome “estrelinha” logo de cara. Ela acabou de me
enviar algo faz cinco minutos.
Clico na conversa e leio o que está escrito.
Estrelinha: O ensaio hoje foi bom. Você está se mostrando um Landon e
tanto.
Estrelinha: Só espero que siga os passos dele na vida real também.
Landon não magoou a Jaime. Beijos! :)
Ah, estava demorando. Tanto pessoalmente quanto por mensagem, vive
me mandando indiretas como essa. Ela de fato não chega ao assunto, até porque
depois que aconteceu o lance do paparazzo e eu tive que dirigir de volta para a
sua casa porque não havia mais clima nenhum, nós não nos vimos mais sem ser
no palco e entre as cortinas, mas ainda assim solta o seu veneno, como se
quisesse me dizer que não está esquecida e que não engoliu a minha desculpa de
que não estava próximo de Aria. Na verdade, estou acreditando que só está
esperando a Peça da Primavera acabar para realmente se concentrar em descobrir
o que está acontecendo bem debaixo do seu nariz.
Desligo o celular, passo a mão pelo rosto, desalinho os fios molhados do
meu cabelo e solto um grunhido.
Daqui por diante vai ser só ladeira abaixo.
❝ Disse que você nunca faria, por que você
Mentiria para mim, amor, mentiria, mentiria para mim
Mentiria para mim, amor, mentiria, mentiria para mim. ❞
LIE TO ME – TATE MCRAE FT. ALI GATIE

ST. ROSE ACADEMY, 12 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 11H05MIN.


Na sala de aula, as pessoas só falam sobre a Peça da Primavera — é
engraçado falar isso quando nossa estação do ano ainda é o outono — e a
pequena comemoração que vai acontecer no salão de eventos da escola assim
que ela acabar.
Estou suando frio só de imaginar, e isso não tem nada a ver com a
multidão de alunos, pais e professores que vão nos assistir.
Estou suando frio porque, infelizmente, terei que manchar esse dia que
seria tão especial. Terei que fazer o que prometi e o que vim arquitetando ao
logo das semanas. Vou cumprir com o meu papel na peça, disfarçar minhas
intenções ao curtir um pouco com meus amigos e Love, e depois vou levar Aria
ao terraço quando todos estiverem muito ocupados para sequer darem falta de
nós dois. Vou fazer o que tiver que ser feito e preciso acreditar que vai dar tudo
certo e que ninguém vai estragar o plano, que foi minuciosamente elaborado
para não ter nenhum furo. Preciso confiar no meu potencial.
Agora que já cheguei às minhas escolhas, nada vai me impedir. Pensei por
horas, refleti por dias, tentei achar caminhos e soluções que não fossem tão
drásticas, mas não teve jeito. Não havia mais saída para o meu destino e o de
Aria Blake. E eu nem posso culpá-la, muito menos odiá-la por se meter
bruscamente em meu caminho com as suas verdades e descobertas destruidoras.
Eu até quis lidar com ela dessa forma, na base do ódio, do xingamento e da
humilhação, mas sabia que não poderia e que não era o certo a se fazer. Passei
muito tempo me martirizando até que entendi que os nossos mundos precisavam
se colidir e a verdade sobre nossas vidas deveria vir à tona para um propósito
maior. Dizem que as coisas acontecem por uma razão, e sei que isso estava
escrito. Mesmo que estejamos todos machucados e ainda mais quebrados no fim,
pelo menos dormirei tranquilo sabendo que fiz aquilo que estava ao meu
alcance. Certo ou não, pelo menos foi a chance perfeita que eu encontrei de
despistar todos os envolvidos nessa gigantesca bomba nuclear.
Tamborilo os meus anéis prateados na minha mesa e batuco as minhas
botas no chão de forma muito impaciente. Dariel, que faz essa aula comigo e
está sentado bem ao meu lado, dá um leve empurrão no meu braço ao passo em
que um vinco se acentua entre suas sobrancelhas.
— Ficou maluco? — sussurra a pergunta retórica assim que olha para a
professora, que está de costas escrevendo alguma coisa na lousa. — Se eu não te
conhecesse, acharia que tinha cheirado alguma coisa antes de vir para a escola,
porque tá se tremendo todinho. Eu sei que a professora tem a bunda da própria
Nicki Minaj, mas dê uma maneirada aí. Fique que nem eu, finja que não está
imaginando ela dançando Anaconda sentada bem na sua cara.
Pisco algumas vezes.
— Você acabou de se escutar? — Olho para o meu amigo sobre os
ombros. Chevalier está sentado de uma forma completamente largada, tem o
cabelo comprido preso em um coque e o blazer vermelho da St. Rose bem
alinhado ao seu corpo alto e forte. É engraçado perceber como ele realmente
parece a reencarnação de algum deus do Olimpo que está passando seu tempo
em terras estadunidenses. Na aparência, poderia muito facilmente ser confundido
com Apolo, o Deus do Sol. Mas todo mundo sabe que esse aí está muito mais
para Dionísio, o Deus do Vinho e das Festas. — Caso ainda não saiba, a
professora tem mais de quarenta anos. Tenha respeito.
— Eu já tenho muito respeito. Tenho tanto que poderia mostrá-lo em um
quarto só nós dois. — Um sorrisinho malicioso abre caminho em seus lábios. —
Uma quarentona dessas, filho, eu não negaria. Ela que lide com a polícia depois,
porque vou dar mole.
Então, de repente, não estou me tremendo mais de nervoso. O único
tremor que passa pelo meu corpo é por conta da risada que me escapa.
A senhorita Hale vira-se para a turma bem a tempo de captar minha risada,
supondo que eu estava conversando com Dariel enquanto ela estava anotando o
conteúdo. Faço a minha melhor expressão séria e concentrada e o meu amigo me
acompanha nessa, aprumando seus ombros e entrelaçando as mãos sob o queixo.
— Colt Carver e Dariel Chevalier, poderiam contar para todos nós o que é
tão engraçado? — A professora cruza os braços e olha para nós com seus olhos
semicerrados.
O olhar malicioso que ele a lança é completamente notório. Até eu fico
sem graça.
— Acho que agora não — Dariel diz, brincando com seus lábios com a
ponta do polegar. Um meio sorriso de lado vai pincelando seu rosto pouco a
pouco. — Mas, caso a senhora tenha muita curiosidade sobre o que estávamos
falando, sugiro que me chame para conversar no final da aula, assim que todos
forem embora. Vai ser um prazer enooorme poder explicar-lhe melhor o que
estava passando pela minha cabeça.
A galera claramente nota o flerte e as segundas intenções gotejando na fala
dele, porque soltam risadas baixas e começam a cochichar.
A senhorita Hale, no entanto, apenas enrubesce, engole em seco, limpa a
garganta e começa a falar sobre o assunto da vez. Quando ela já está imersa o
suficiente para sequer lançar um olhar sobre nós dois, olho para meu amigo e
balanço a cabeça, tentando conter mais uma risada.
— Você não presta — sibilo sem emitir som.
Ele confirma ao fazer leitura labial.
— Somos O Trio de Ouro. Nenhum de nós presta.
Infelizmente essa é a verdade.

TEATRO DA ST. ROSE ACADEMY, 22 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS


16H56MIN.
Chegou o grande dia.
É hoje que tudo vai mudar.
Já mandei até mensagem para a Aria.
Eu: Me encontre no terraço às 20h40. Não deixe que ninguém tome o seu
tempo. Venha até mim logo.
A garota de cabelos curtos respondeu apenas com um emoji de positivo.
Ela iria até mim de qualquer jeito.
A Peça da Primavera começa às 18h30. Todo o cenário já está quase
finalizado. Há maquiadores e até mesmo camarins com comida aguardando os
atores principais. Está tudo muito bonito e organizado. Me sinto
verdadeiramente dentro do filme Um Amor Para Recordar. Apesar de não me
parecer nada com Landon Carter, me sinto muito parecido com ele hoje. Até as
roupas, quando vejo meu figurino na arara, me fazem mergulhar na
personalidade dele. Quero fazer isso dar certo. Pelo menos isso tenho que fazer
de forma certa para a Love. Ela hoje irá brilhar como a estrela que é.
Sento na cadeira do meu camarim e olho para o espelho repleto de luzes à
minha frente.
Não demora muito para que alguém bata na porta.
— Pode abrir!
E Love aparece pela fresta, pré-arrumada com seu cabelo preso em bobs.
O sorriso que direciona para mim mostra o quão radiante se encontra. Ao mesmo
tempo em que eu murcho, meu coração acelera.
— Vim ver como você estava — menciona. — Sabe como é, não quero
que meu parceiro de cena dê para trás logo hoje.
Forço um sorriso tão grande quanto o dela. Apesar de conseguir, ele não
alcança as minhas írises.
— Não vou — garanto, a voz saindo arranhada. Limpo a garganta para que
não perceba o quanto me encontro uma pilha de nervos. — Vai dar tudo certo
hoje. — Pelo menos eu espero.
Ela assente, estica os lábios em mais um sorriso e diz:
— Vou voltar para me arrumar. Estou repassando as falas e ajustando o
figurino com Astrid.
Assinto e vejo-a se afastar.
Não vou pensar muito no fato de que ela está estranha comigo. Ela tem os
seus motivos e a gente mal conseguiu conversar direito nessa zona toda que
virou a nossa vida. Tenho que compreender. Quando isso tudo passar, vamos dar
um jeito. É o que eu imploro todas as noites.
22 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 18H30MIN.
O meio do meu peito dói assim que as cortinas pesadas e vermelhas do
Teatro se abrem e a luz se concentra em mim.
Olho para a plateia e reconheço quase todo mundo ali; os pais de Love,
Dariel, Matthew, Nathan, Paris, o treinador e o restante dos jogadores do time.
Menos meu pai, é claro. Não que eu quisesse que ele estivesse aqui, mas é
necessário pontuar sua ausência. Meu pai está sumido há semanas após entrar
em um confronto comigo, enquanto os pais de todos do elenco se encontram nas
primeiras fileiras, sorrindo de forma orgulhosa e com os celulares em mãos,
prontos para registrarem cada mínimo passo do filho no palco.
Eu até poderia dizer que não tenho ninguém, mas meus amigos estão aqui
por mim. Eles vieram. São a família que eu nunca tive.
A primeira cena é minha, e, mesmo não sendo um ator tão bom quanto
todos os outros — até porque nunca fiz isso antes na vida — me concentro na
luz e na expectativa da plateia. Faço do palco a minha casa e me teletransporto
para a vida de Landon e o seu amor incondicional por Jaime. Dou início à peça e
sinto todos os olhos cravados em mim, me dando atenção e sendo o combustível
necessário para que eu não pare. Enquanto contraceno, penso em Love para
deixar minhas emoções ainda mais reais. Penso nos nossos momentos bons, em
como ela me acolheu mesmo diante de tantos defeitos, e de como é a pessoa
mais incrível que já passou pela minha vida. Penso que, pela primeira vez,
enquanto dou vida a Landon, a ficha da minha vida cai.
Porque Colt Carver nunca odiou Love Monaghan.
Ele se apaixonou por ela muito antes de saber o que era isso, enquanto a
via pela primeira vez através de uma tela de televisão. Ele se apaixonou por ela
quando ela apareceu na sua casa. Ele se apaixonou um pouco mais quando a
trouxe de volta para a sua vida e a beijou contra uma das pilastras da
arquibancada. E tudo só se intensificou dia após dia. Ele só estava muito
quebrado para perceber que no meio do seu peito florescia algo verdadeiramente
bom. Mas agora consegue enxergar através das rachaduras, porque ela lhe deu
poder para isso. Ela se cravou nele ainda pequena e faz morada até hoje.
Ninguém nunca o alcançou, pois ele sempre foi dela. Colt sempre foi de Love.
Ela é a sua luz em meio à escuridão. Ela é a sua bondade no meio de tanto caos e
confusão. Ela é o seu ponto de paz e o seu mar pacífico. Ela, assim como o
próprio nome já diz, é o seu conhecimento sobre a vida e o amor. É tudo o que
ele, no fundo, sempre quis e sonhou ter um dia.
Porque enquanto todos desistiam, ela foi a única que segurou a minha mão.
Ela viu cada um dos meus demônios e mesmo assim quis enfrentar cada um
deles. Não sei o que fiz, mas Love viu algo em mim. Ela enxergou alguma coisa
que acreditou valer a pena e, mesmo com tudo, mesmo com as nossas brigas,
desentendimentos e sentimentos conflitantes, não desistiu de me fazer enxergar
que é ela. Sempre foi ela. Meu coração passou a bater mais rápido desde o dia
em que voltou para mim. Ele bate e vê motivo para continuar batendo porque
estou vivendo por Love Monaghan. Estou vivendo por nós. Estou vivendo para
fazê-la minha e para acompanhá-la em sua trajetória, que sei que vai ser a maior
e a mais linda de todas.
Posso ser todo ferrado da cabeça e não entender muito bem desses
sentimentos, mas nesse palco, atrás das cortinas, sei que o que sentimos um pelo
outro só tem um nome.
E quando Love vestida de Jaime aparece pela primeira vez, atraindo a
atenção toda para si, as pessoas batem palmas e assoviam. Ela é o foco dos
holofotes assim como é o do meu coração. O seu talento e o seu amor pelo que
faz se expande por cada canto desse Teatro e atinge todo mundo como flechas
rápidas e certeiras.
Seu corpo se aproxima do meu, então perco a noção do mundo e me deixo
ser levado por ela. Faço todas as nossas cenas românticas com um embrulho no
estômago.
“O nosso amor é como o vento. Não posso vê-lo, mas posso senti-lo” é o
que eu digo quando todos espalhados pelas cadeiras aveludadas vão à loucura.
Quando finalmente me dou conta do que está acontecendo, estou
segurando a mão de Love, que segura a de Jordyn na fileira de atores. Nós
agradecemos assim que nos curvamos, e a plateia explode em choro, palmas,
flashs e assovios enquanto as cortinas vão se fechando.
A gente se abraça assim que ela se fecha por completo. Realmente foi um
espetáculo e tanto.
Quando vou falar com Love, ela se separa junto com Jordyn e outras
garotas, todas indo para os camarins.
Fico estático no mesmo lugar, porque sei que não vou ter a chance de
abraçá-la antes de me encontrar com Aria.
Mas é isso aí. Não tem mais volta.
Pego meu celular e mando uma outra mensagem para Aria Blake.

ST. ROSE ACADEMY, 22 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 20H.


Não imaginei que isso fosse acontecer, mas o salão está lotado. A Peça da
Primavera foi um sucesso tremendo. Sinceramente, acho que o pessoal da escola
só veio assistir por conta de Colt. Porque, mesmo sempre deixando a casa cheia,
dessa vez estava surpreendentemente lotada. As meninas ficaram todas babando
nele atuando, tenho certeza.
Astrid me disse, assim que saiu correndo para nos encontrar na coxia, que
os olheiros da Broadway ficaram loucos comigo e com a minha entrega nas
cenas mais emocionantes. Minha mãe me enviou fotos chorando e meu pai me
enviou um monte de mensagens me dando os parabéns. Até Aria me mandou
uma mensagem de texto falando o quanto me amava e o quanto estava orgulhosa
de mim.
Fiquei com esperanças de que poderíamos conversar e resolver o que
temos que resolver. Talvez ela não quisesse me ocupar. Talvez ela estivesse
esperando esse tempo todo a Peça da Primavera acabar para poder falar comigo
abertamente sobre o que está lhe incomodando. E até mesmo sobre o que andou
fazendo com Colt.
Sinceramente, sinto que a qualquer momento vou puxar os dois e fazer
com que digam tudo olhando nos meus olhos. Quero ver fugirem.
Deixo que Jordyn me acompanhe até a pista e sirva um ponche de
morango para mim.
De soslaio, vejo Colt na pista de dança improvisada junto com Dariel e
Matthew.
— Se eles estão tentando dançar, são péssimos nisso — JJ expõe, olhando
para o Trio de Ouro. Dou risada, porque a situação está bem crítica.
— Eles estão só zoando. — Dou de ombros.
Ela entorna o líquido na sua boca adornada por um batom nude na
intenção de esconder um sorriso.
— Eu acho que a gente deveria ir até eles. — Semicerro os olhos em
desconfiança. — Não vou brigar. Quero só dançar.
Bebo um gole do ponche, entrego o copo a ela e puxo a barra do meu
vestido para cima.
— Eu te encontro depois. Estou apertada desde a hora que começou a
peça. Preciso fazer xixi ou então a minha bexiga vai explodir.
Jordyn aquiesce, e eu giro sobre os calcanhares, indo até o banheiro do
fundo do salão de eventos. Quando adentro o lugar vazio, ando rapidamente,
entro em uma das cabines e tranco a porta. Um sopro de alívio escapa pela
minha boca quando já não estou mais apertada. Arrumo meu vestido assim que
termino, saio da cabine e vou até a pia para lavar as mãos. Me olho no espelho e,
enquanto seco as mãos com o papel toalha, escuto vozes. Parece próximo e ao
mesmo tempo longe. É como se estivessem discutindo alguma coisa.
Ah, céus, por que eu sou tão curiosa?
Mordisco o lábio inferior e caminho até a porta do banheiro, aguçando os
meus ouvidos. Perco o equilíbrio assim que percebo que, na verdade, não são
pessoas desconhecidas como imaginei. São as vozes de Aria e Colt. Não estou
ficando maluca, realmente são eles. Eu poderia reconhecer a voz dos dois em
qualquer situação. Eles estão mesmo por aqui. Estão juntos e... discutindo?
Cochichando? Tramando algo? Não sei ao certo. Não consigo entender o que
eles falam. Só escuto, em meio às vozes se afastando, a palavra terraço sendo
proferida por Colt, que parece apressado.
Meu coração se aperta ao ter de graça a confirmação de que ele realmente
estava mentindo para mim esse tempo todo.
Como Colt pode ter me dito aquilo no carro quando, na verdade, está desse
jeito com Aria? Encontrando-a na surdina para que ninguém desconfie que estão
próximos?
Ah, não, como fui burra! Como me deixei levar pela situação. Estava me
convencendo de que estava ocupada com a peça e que queria resolver depois,
mas a verdade é que, no fundo, não queria encontrar nada por medo. Eu não
queria ter que lidar com nada vindo dos dois. Eu não suportaria saber que tanto
Aria quanto Colt estão me escondendo algo ou, pior, fazendo coisas que podem
me magoar profundamente. Em outras palavras, não conseguiria lidar com uma
possível traição. E não digo isso só de forma romântica. Ambos, já que
resolveram se juntar e me tratar com indiferença por semanas, podem muito bem
estarem fazendo qualquer tipo de besteira, e sem envolver beijos e essas merdas.
Porque, mesmo com Aria se afastando de mim logo após a minha primeira noite
com Colt e sempre querendo me manter afastada dele, ela não faria isso comigo.
Minha melhor amiga não seria capaz. A gente se ama, a gente se protege. Eu sou
tudo o que ela tem — e vice-versa —, sou a pessoa que ela mais confia e quer
ver bem. Aria não me destruiria dessa forma. Aria não seria capaz de brincar
com os meus sentimentos como a porra de uma cobra falsa e manipuladora. Ela
repudia qualquer coisa do tipo.
Mas ela também repudia mentiras. Ela também disse que nunca mentiria
para mim. E olha só onde nós estamos agora.
Agora não tem mais jeito. Agora eu tenho a minha confirmação de que
algo muito ruim está acontecendo e, mesmo doendo como o inferno, preciso tirar
a prova com os meus olhos. Talvez assim, vou conseguir enfiar na minha cabeça
que nunca estive paranoica ou maluca como eu mesma cheguei a acreditar.
Talvez assim, vou conseguir dar um basta nisso tudo sem ser manipulada por um
dos dois depois. Seja lá o que estiverem escondendo, vou descobrir e pôr um fim
nisso. Não posso sofrer e me martirizar por nem mais um segundo. Preciso
recuperar as minhas forças e ir atrás dos dois.
Sou forte e vou aguentar qualquer coisa.
Pisco os cílios na tentativa de despistar as lágrimas, tento recuperar o
fôlego e coloco a mão sobre o meu peito, sentindo o coração bater com força
contra a palma. Estou com tanto pavor que me sinto zonza e enjoada. Não sei
como vou conseguir fazer o trajeto até o terraço da escola sem embolar meus
próprios pés e ficar caída no meio do caminho. Porém preciso prosseguir.
Preciso fazer isso ou então nunca terei paz.
Espero mais alguns minutos, com a intenção de que eles já estejam lá em
cima quando eu chegar, coloco uma mecha do meu cabelo atrás da orelha e
prendo os dedos ao redor da maçaneta fria, repetindo para mim mesma que vai
ficar tudo bem. Puxo a porta em um safanão, seguro a barra do vestido e corro
pelos fundos em disparada, serpenteando por alguns poucos alunos aglomerados
perto da saída. Mudo minha rota e me direciono para as escadas de emergência,
ignorando completamente a existência do elevador, e me equilibro no corrimão.
A cada degrau que subo, meu coração dá uma guinada diferente, a minha cabeça
rodopia e as minhas entranhas se contorcem, como se cada parte do meu corpo
estivesse pressentindo com o que vou me deparar lá em cima. Como se cada
parte do meu corpo estivesse prestes a se desligar na intenção de evitar uma
possível destruição.
Com uma película de suor cobrindo a minha testa assim que alcanço o
último degrau, resfolego e peço que a bomba não seja tão catastrófica assim.
Me ajude, Deus, eu já sofri por uma vida inteira. Eu só quero poder ser
feliz ao lado deles.
❝ E tudo que eu te dei se foi
Desabou como se fosse pedra
Achei que tínhamos construído uma dinastia que o céu não poderia abalar
Achei que tínhamos construído uma dinastia, diferente de tudo que já foi feito. ❞
DYNASTY - MIIA

Nossa vida se define em instantes.


Todas as nossas ações e definições do que somos são baseadas em escolhas
que fazemos em segundos.
E em um desses segundos, em instantes que você sente que realmente
viver não é só estar vivo, em que você se encontra sorrindo com seus amigos,
bebendo, sentindo a vibração da música irradiar pelas suas fibras musculares,
com o chão vibrando sob seus pés e o mundo lá fora parecendo um pouco mais
tolerável, você toma uma decisão.
E ela simplesmente toma tudo de você.
A minha, pelo menos, tomou muita coisa, mas não que eu esteja, de fato,
me importando, é o que dizem. Mas ninguém sabe que Aria veio até mim e
agora nós dois precisávamos lidar com toda a merda descoberta. Nós dois
precisávamos dar o nosso jeito. Cada um tinha que seguir por um caminho
diferente, era esse o plano. Eu precisava empurrá-la, e tenho certeza que
ninguém entenderia. Se me vissem fazendo o que estou prestes a fazer, me
condenariam, afinal, para eles, esse sou eu. Esse é Colt Carver, o capitão do time
de lacrosse da escola, o bad boy sem sentimentos, que é temido por todos e que
parece ter nascido sem a porra de um coração no meio do peito. O garoto que
sangrou, literalmente, cedo demais pelas mãos daquele que deveria lhe dar afeto
e proteção. Fazendo com que fosse fácil ter a compreensão de que monstros são
aqueles que convivem com você, aqueles que não usam máscaras e não se
escondem à noite, aqueles que parecem inofensivos e dóceis perante aos olhos
julgadores da sociedade. Farto e desesperançoso demais com a humanidade
podre que lhe cerca feito um vírus sepulcral, para simplesmente tentar buscar
qualquer coisa que não sejam sentimentos obscuros e revoltosos em outras
pessoas. Também sou o garoto egoísta, impetuoso, que não tem pena e
misericórdia de ninguém. Aquele que é sugado pela escuridão dia após dia, que
não tem perspectiva de melhora e que vai, pouco a pouco, lentamente como a
dança da morte, arrastar todos que se aproximam para o mesmo buraco que faz
moradia.
E não importa o que eu diga, o que eu faça ou o quanto eu tente, sempre
serei visto dessa forma. Talvez até eu mesmo me veja dessa forma.
— Love — Aria balbucia baixo, parecendo desesperada enquanto olha
para um ponto atrás de mim. Não consigo seguir seu olhar porque estou com a
minha concentração e as minhas mãos presas nela. — Ela acabou de entrar no
terraço, Colt!
Puta que pariu!
O meu maior pesadelo acabou de acontecer; Love flagrando tudo. Não era
para ser assim, porra! Ela não podia presenciar nada disso. Sinto os meus olhos
arderem e os meus dentes doerem pela pressão que imponho. Agora ela vai tirar
conclusões precipitadas e nem ao menos vai me dar chance para explicar. Na
verdade, mesmo que ela quisesse me dar uma chance, não posso dar explicação
nenhuma. Não posso abrir a minha boca e dar com a língua nos dentes antes de
tudo se resolver.
Talvez ela me veja da forma que todos os outros me enxergam, mesmo
depois de tudo que vivemos.
Não, depois da minha decisão e da cena que presencia, ela definitivamente
me verá dessa forma. Porque Love Monaghan, por incrível que pareça, em meio
às nossas desavenças e troca de farpas maldosas e exageradas há anos,
conseguiu, não sei como, enxergar algo além da escuridão dentro de mim. E ela
se aproximou quando o que todos faziam era se afastar. Ela lutou, foi forte o
bastante para levar ao chão cada uma das muralhas que construí ao redor de mim
e me alcançou, tão poderosa e devastadora quanto um furacão. Circundando
cada molécula do meu ser com a sua vivacidade e sua alegria, algo que eu não
estava acostumado. Seus olhos tão azuis quanto o mar da Flórida e a sua paixão
avassaladora por teatro que se assemelhava tanto à minha pelas minhas tintas e
pelos meus cavaletes. Essa garota me derrubou de diversas formas possíveis, e
eu deixei, porque, contrariando a tudo que as pessoas pensavam e pensam de
mim, ela foi a responsável pelo meio do meu peito parar de bombear sangue,
crueldade e cólera para passar a bombear sangue, ternura, altivez e... amor.
Mas Love Monaghan, apesar de ser a melhor pessoa que já conheci, com o
coração mais bondoso e puro, não é idiota. E também não há perdão e salvação
para mim depois do que acabei de fazer. Já é simplesmente tarde demais para
nós dois.
Algumas bombas foram derrubadas sobre o meu colo precocemente, sim,
eu sei, e eu precisava tomar minhas decisões. Mas, infelizmente, nenhuma delas
tinha como evitar o inevitável; Love Monaghan me odiaria. Love Monaghan
teria a ciência do que sempre a alertaram. Love Monaghan saberia que eu, Colt
Carver, sou cruel.
Um monstro.
Um traidor.
Um mentiroso hipócrita.
A merda de um psicopata.
Diante da cena e das coisas que sei que passam pela sua cabeça, a entendo.
Eu também pensaria a mesma coisa. Qualquer um pensaria a mesma coisa,
literalmente.
As lágrimas descem pelo meu rosto quando empurro Aria Blake, o coração
sangrando.
E quando seus olhos arregalados e amedrontados me encaram, assim que
acaba de assistir a coisa mais horrível que aconteceu no terraço da St. Rose
Academy, através da pouca claridade emitida pela Lua acima de nós, apesar de
não ter a mínima ideia de como me encontrou aqui, simplesmente sei.
Está tudo acabado e quebrado.
— Que porra você fez, Colt? — Love grita no exato momento em que o
corpo pequeno e esguio cai lá embaixo. Viro sobre os ombros e vejo-a segurar
seu vestido enquanto corre em minha direção, perto do parapeito do terraço.
Solto um fluxo denso de ar pela fresta entre meus lábios rachados e cambaleio
para o lado, me afastando do local e piscando os cílios inferiores e superiores a
fim de dissipar os grãos de areia que parecem ter tomado conta dos meus olhos.
Mas não é areia, são lágrimas. Tudo em mim dói. Olho para qualquer lugar que
não seja seu rosto, porque é insuportável demais para mim ter que fazer isso. —
Que porra você fez?! Que porra você fez com ela?
Love vem desferir socos em meu peito, mas desmorono no chão tão rápido
que simplesmente não dá tempo, então ela também cai de joelhos junto comigo.
Seus olhos marejados por água cristalina e pincelados por um horror tremendo
me medem de cima a baixo, provavelmente tentando entender o que diabos está
acontecendo e quem é esse homem na sua frente. É como assistir a coisa mais
preciosa do mundo quebrar diante dos seus malditos olhos. Eu vejo a dor
reluzindo nas suas írises claras, posso sentir o seu mais novo ódio, repulsa e
desgosto por mim se formando no seu interior, nas suas entranhas, no seu
profundo âmago. Consigo escutar daqui as suas engrenagens repassando em sua
mente, como um looping horroroso e muito parecido com um filme de terror,
toda a cena que presenciou. Seus belos lábios pincelados por grossas camadas de
batom vermelho se mexem e cospem palavras e fatos sobre mim alguns
segundos depois, mas não consigo e nem quero filtrar nada. Só sou capaz de
escutar, depois disso, os seus saltos a levando até o parapeito na intenção de
conferir algo lá embaixo.
Ou melhor, alguém lá embaixo.
Meu peito se comprime e pesa uma tonelada assim que escuto o urro de
desespero que escapa pela sua garganta.
— Você... você a empurrou daqui. — Não é uma pergunta, é uma
afirmação. Ela vira o exato momento em que isso aconteceu. O tom da sua voz
trêmula e sussurrada me faz ter a certeza que está chorando. E em choque.
Eu empurrei Aria Blake, melhor amiga da Love.
Seu corpo desfalecido provavelmente está estirado no chão, em frente à
escola, e em poucos segundos a ambulância chegará.
A festa que estava acontecendo se transformará em uma tragédia por
minha causa.
A garota por quem estou apaixonado assistiu seu mundo ruir por minha
causa.
E, mesmo que doa feito o inferno, não estou arrependido.
Porque nossa vida se define em instantes. E esse instante definiu a minha
de uma vez por todas. Se eu ganhar ou perder tudo, pelo menos saberei que fiz a
escolha que tinha que fazer.
O que está feito está feito.
Love volta até mim e parece prestes a me jogar do terraço pelo tanto que
grita, chora, se despedaça e tenta buscar por respostas. Meu ouvido não está
funcionando direito, pois só a escuto de longe, um zumbido alto camufla
qualquer som que emita. Minha visão está embaçada e toda a minha cabeça dói.
Não consigo focar em nada. Estou despedaçado. Isso não era para terminar
assim. Ela não poderia me flagrar aqui. Love tinha que encontrar Aria só lá
embaixo, para acreditar que a sua melhor amiga havia tentado cometer suicídio
assim como todos os outros devem pensar. Seria uma tremenda dor e sofrimento,
principalmente pelo que vem a seguir, mas talvez doeria um pouco menos do que
acreditar que o cara com quem estava se envolvendo atentou contra a vida da sua
amiga. Sem contar que não vou ter a chance de ficar ao lado dela, mesmo
mentindo e escondendo coisas. Não vou poder continuar sendo egoísta e mantê-
la perto de mim. Não vou poder estudar os melhores jeitos para envolvê-la nisso
enquanto tento protegê-la, afinal, mesmo não sabendo, Love Monaghan faz parte
disso. A sua vida e a sua história também estão tão em jogo quanto a minha e a
de Aria. Estamos todos os três no mesmo barco. A única diferença é que eu e
Blake entramos em consenso para poupá-la e preservá-la enquanto eu sigo com o
plano. Mas ela não saberá disso tão cedo. Ela vai acreditar no que quiser e me
odiar com todas as suas forças até que eu consiga, um dia, virar esse jogo de
xadrez de ponta cabeça.
— Eu confiei em você. Meu Deus, eu me entreguei a você, Colt. Eu te
deitei na minha cama e te acolhi. Eu te deixei entrar no meu coração. — Meus
lábios tremelicam quando ergo a minha cabeça e a encontro. Está uma
verdadeira bagunça. Está rachada e quebrada em mil pedaços. Suas bochechas se
encontram manchadas de lágrimas que não param de cair e os seus olhos brilham
de fúria, mágoa, tristeza e decepção. — Eu estou me sentindo completamente
burra. Estou me sentindo completamente nojenta e podre. Estar no meu corpo
agora é completamente repugnante e asqueroso! — Em meio ao grito sôfrego
que lhe escapa, Love começa a se debater. Suas unhas arranham a sua pele para
cima e para baixo conforme grita e soluça, vermelhidão marcando a carne pálida
ao passo em que se machuca para tentar aliviar a dor em seu coração. Atordoado,
pego impulso para me levantar e tento pará-la, mas é claro que se afasta
imediatamente como se eu tivesse uma doença contagiosa. — Não. Chegue.
Perto. De. Mim! — rosna entredentes. Suas mãos se afastam da sua pele só para
se fecharem em punho ao lado do corpo quando o som da sirene começa a tocar
ao longe. Sua expressão se transforma totalmente. — Como pôde fazer aquele
teatro e aquela vitimização toda na minha casa quando, na verdade, é capaz de
fazer coisas como essa? Como pôde chorar nos meus braços se é igualzinho ao
monstro do seu pai? Se é que ele é mesmo um monstro. Se é que aquela história
é mesmo verdadeira. Eu não me surpreenderia se tivesse inventado ela para me
manipular e me deixar presa aos seus jogos sádicos. Muito menos se me
falassem que é você quem fode a vida de Maverick dia após dia sendo um filho
terrível, porque agora eu consigo perceber que é capaz de tudo. Queria nunca ter
te conhecido. — As palavras dela doem mais do que todas as surras que já levei.
Fere meu mais profundo âmago. Mas Love Monaghan não sabe o que está
dizendo, então nem levo suas palavras em consideração. Ela está enxergando
isso pela perspectiva dela, o que eu compreendo totalmente. — Vou atrás da
minha melhor amiga. E eu nem ao menos sei se tem alguém lá em cima te
ouvindo, mas reze que tenha. Reze que Aria esteja viva e que ninguém venha me
procurar. Porque, caso me encontrem, vou ter o maior prazer em garantir que não
consiga se erguer do fundo do poço.
Depois que me ameaça, Love segura novamente a barra do seu vestido e
corre para dar o fora desse terraço, desesperada para saber sobre o estado da
amiga.
Seco uma lágrima traiçoeira e a assisto sumir com meu coração.
Respiro o ar denso da noite e deixo a brisa gélida lamber o meu rosto.
Encaro o chão tempo depois e vejo resquícios de nós dois espalhados por cada
canto desse terraço.

HOSPITAL DE FORT LAUDERDALE, 23 DE OUTUBRO DE 2018,


ÀS 01H05MIN.
Aria Blake deu entrada no hospital às 23h13min.
A frente da escola ficou um caos completo quando os paramédicos a
colocaram em cima da maca e a retiraram às pressas, achando que a garota
estava gravemente ferida. Todos ficaram em completo choque. Tinha gente que
estava até se derramando em lágrimas. Bando de hipócritas. Ninguém nunca se
importou antes.
Eu, no entanto, saí do bloco sem ser notado e fui embora assim que a
confusão tinha diminuído e as pessoas já pareciam dar atenção à outra coisa.
Deixei meu carro em casa, coloquei um moletom preto com capuz, cobri a
minha boca com uma máscara e caminhei até o hospital. Engolido pelas
sombras, vi Love e os seus pais entrarem, assim como a polícia. Soube por
Dariel, através de uma mensagem, que a fofoca rolando pela cidade é que Aria
queria cometer suicídio. Acho que os policiais preguiçosos de Fort Lauderdale
acataram essa ideia, pois no mesmo segundo em que entraram no hospital,
saíram e foram embora. Até porque eles não vão perder o tempo precioso deles
investigando mais a fundo a vida de uma garota órfã, pobre e cheia de
problemas. Se ela tivesse um sobrenome de peso e pais influentes implorando
para terem notícias do que aconteceu com a filha, aí sim a coisa toda seria muito,
muito diferente.
Mas a estrelinha permaneceu ao lado da amiga mesmo assim. Já têm quase
duas horas que ela entrou e não sai por nada. A única vez que a vi do lado de
fora foi quando saiu para tomar um ar e se despedir da sua mãe, que logo foi
embora. Está na companhia do seu pai agora. Acho que, se depender de Love,
eles ficarão lá dentro por dias e dias até que a garota tenha a confirmação de que
nada grave aconteceu.
Só que nada disso vai ser necessário.
Olho para o relógio em meu pulso. Faltam três minutos. Faltam três
minutos para tudo mudar mais uma vez.
Espero pacientemente e encosto meu corpo no tronco da árvore. Preciso
conferir se, dessa vez, as coisas vão se encaminhar como o planejado.
Tombo a cabeça para trás e direciono meu olhar até um dos primeiros
andares do hospital. Quando menos espero, vejo uma movimentação ocorrendo
lá em cima. A janela se ergue, e a pessoa passa primeiro uma perna e depois a
outra para fora. A garota se engancha na trepadeira ao lado e escorrega por ali,
aterrissando com as mãos no chão. Ela, com a camisola verde-água típica do
lugar em que estava, quase não se camuflando na noite que nos cobre, passa a
olhar de um lado para o outro, provavelmente em busca de... mim.
Os olhos de águia exatamente iguais aos meus me encontram há alguns
metros de distância.
Aria Blake, completamente viva e inteira, estica os lábios em um sorriso
triste e pisca para mim. O nosso sinal de que vai dar tudo certo.
Quando a vejo se afastar, aproveito a deixa para ir embora também.
Pelo menos essa parte do plano ocorreu sem interrupções. E agora é cada
um por si.

ST. ROSE ACADEMY, 26 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 12H.


É segunda-feira e faz três dias desde que Aria “pulou” do terraço. Ou
melhor, pulou do terraço e fugiu do hospital algumas horas depois, assustando a
todos. E é claro que em qualquer lugar da escola as pessoas falam sem parar
sobre o assunto, criando várias e várias teorias a cerca do ocorrido. A mais
famosa que está circulando pelos corredores da St. Rose Academy é que Aria
Blake estava namorando, criou uma cena para ser lembrada em Fort Lauderdale
e depois fugiu com ele para um outro estado.
A mente dos alunos dessa escola é extremamente fértil.
Todos comentam também sobre o fato de Love Monaghan ter faltado hoje.
Eles cochicham sobre ela ter sido deixada para trás pela garota nerd e esquisita
que gostava de ter como amiga. Falam que, caso ela não tivesse se juntado a
Aria, não estaria passando por essa vergonha e esse escândalo. Ninguém
consegue realmente ter um pingo de compaixão e empatia.
Ah, riquinhos de merda.
— Hein, Colt? — Pisco e volto à realidade quando Dariel estala os dedos
em frente ao meu rosto. — O que você acha que pode ter acontecido com Aria?
Miro Matthew e ele parece completamente desinteressado sobre o assunto.
Dou de ombros.
— Não faço ideia — minto. — Deve ser isso aí que o pessoal tá falando.
Embora deteste mentir para Dariel e Matthew, não tenho outra alternativa.
— Agora eu gostei mais dela. — O loiro de cabelo comprido sorri
abertamente enquanto cruza os braços sobre o tampo da mesa. — Ela ficou esse
tempo todo escondida só para fazer esse show de mágica. Porque só isso explica
a garota cair do terraço e depois fugir do hospital como se fosse uma foragida.
Juro que queria ser uma mosca bem pequenininha — Aproxima o indicador e o
polegar para especificar o tamanho. — para ter presenciado tudo.
— Por que você não para de ser fofoqueiro e vai terminar o nosso
trabalho? — Matthew implica. — Vou lhe descer a porrada se me fizer tirar zero.
— Eu, hein. — Chevalier flexiona os joelhos e levanta as mãos em
rendição. — Vocês dois são muito agressivos. Tenho certeza que é inveja só
porque minha fortuna é maior que a dos dois juntos.
É impressionante como o cara sempre solta uma dessas. Ninguém liga se
ele vai ser um bilionário nos próximos anos.
Zoando com nós dois, após implicarmos com ele, Dariel se retira e vai até
a biblioteca terminar o tal trabalho que tem que fazer com Matthew.
Estou prestes a pegar meu celular para passar o tempo quando Donnelly
toma o lugar de Dariel e se senta ao meu lado. Olho para seus olhos castanhos
com as minhas sobrancelhas unidas.
— Vai passar na minha casa quando? — solta rápido. Ele parece realmente
empenhado em me ter lá. — Preciso que vá lá o quanto antes. Hoje você pode?
— Hoje? — Penso um pouco antes de responder. — Tenho que estudar.
Minhas notas não vão ficar A+ sozinhas.
Por que, quando digo isso, Matthew Donnelly me parece tão apreensivo?
— Qual o motivo de você me querer tanto na sua casa? Por que não fala
logo o que tem para me falar aqui?
Meu amigo bagunça ainda mais os fios dourados e desgrenhados antes de
responder:
— Porque as paredes têm ouvidos, Colt Carver. Estão todos bem atentos
em nós.
Tuuudo bem.
Já estou chafurdado em merdas e segredos até o pescoço e esse aí ainda
quer me enfiar em mais um.
— Prometo que apareço o mais rápido possível — desconverso.
A verdade é que estou evitando confusão por uma vida inteira.
O assunto acaba e eu me afundo no meu canto, pensando em Love. Meu
coração está doendo tanto que é impossível respirar. Mal consegui dormir esses
dias. Fiquei rolando na cama de um lado para o outro, relembrando nossos
momentos até o fatídico dia 12 de setembro, lá no terraço. Não vê-la até agora é
sufocante e desesperador. Saber que ela está machucada, me quebra ao meio.
Sinto como se a minha vida tivesse parado naquele instante e nunca mais
voltado. Sinto como se seu choro continuasse rente ao meu ouvido, o som me
ferindo como uma lâmina cortante segundo após segundo. Sinto a mesma
escuridão daquela noite e de toda a minha vida voltando a me engolir e a me
consumir, porque a única fonte de luz que eu tinha conseguido trazer para perto
não está mais ao meu lado.
E agora Aria vai viver livre e com esperança, enquanto eu continuo preso
aqui, sem nada. Me tiraram tudo.
Mas isso não vai ficar assim. Eu vou mudar a porra desse destino que só
quer me ver infeliz.
❝ Eu sinto como se estivesse me afogando
Me afogando
Você está me puxando para baixo e
Me puxando para baixo
Você está me matando lentamente
Tão lentamente, oh não. ❞
I FEEL LIKE I´M DROWNING – TWO FEET

ST. ROSE ACADEMY, 28 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 8H20MIN.


Aconteceram tantas coisas desde o dia 12 que, cada vez que eu penso
sobre tudo, mais tenho certeza que estou protagonizando alguma espécie de
filme e que esqueceram de me avisar. Um filme muito, muito assustador,
exatamente como um thriller psicológico. Acho que essa foi a única explicação
que encontrei para tantos acontecimentos malucos, traumáticos, invasivos e
desenfreados que ocorreram desde aquela noite no terraço.
Primeiro, a Peça da Primavera pela qual esperei tanto e mal tive tempo de
assimilar que fui a protagonista e arrebentei mais uma vez. Depois, as vozes de
Aria e Colt que escutei e ter os seguido. E a partir daí só ladeira abaixo. Adentrei
naquele terraço e me deparei com a cena mais horrível de toda a minha vida;
Colt Carver empurrando Aria Blake daquela altura. A dor que eu senti foi a mais
visceral possível. Não desejo isso nem para o meu pior inimigo. Eu senti uma
queimação no meio do peito como se fossem lavas borbulhantes. Os meus olhos,
que foram tomados por água cristalina, doíam e ardiam tanto que era quase
insuportável mantê-los abertos. Mãos invisíveis apertaram a minha garganta e o
meu corpo passou a ter o dobro do peso, porque me movimentar se tornou
completamente difícil. Eu passei a assistir tudo de fora, como se eu tivesse saído
do meu corpo durante um certo tempo. Mas, assim que voltei, só soube chorar,
gritar e entrar em desespero por todo o cenário macabro no qual acabei me
enfiando.
Nem mesmo se eu quisesse vou conseguir pôr em palavras tudo o que eu
senti e tudo que passou pela minha cabeça naquele instante. Foi extremamente
doloroso assimilar que Colt Carver, o cara para quem me entreguei de corpo e
alma mesmo depois de tudo, era, na verdade, um monstro disfarçado que se
enfiou na minha vida para tirar tudo o que eu tenho de mais precioso. O filho da
puta esperou que meu coração fosse dele para resolver agir. E aí teve Aria, que
não bastando sumir do hospital após uma queda daquelas, me deixando
completamente preocupada e sem reação, apertou a minha mão quando eu a
visitei e disse uma coisa que martela a minha mente até hoje.
O ar-condicionado do quarto em que Aria está internada fez com que meu
queixo batesse e os meus dentes rangessem enquanto abracei o meu corpo.
Quando a vi deitada na cama do hospital conectada a alguns aparelhos, meus
sentimentos se tumultuaram novamente e eu comecei a chorar baixo. Mesmo que
os médicos tenham tranquilizado a mim e ao meu pai, falando que
milagrosamente Aria só havia sofrido uma concussão bem leve na cabeça, que
lhe causou apenas um desconforto e cansaço, ainda assim não consegui não
ficar preocupada. Ela poderia ter morrido, e eu poderia ter ficado sem a minha
melhor amiga. Ela poderia ter me deixado de vez e Colt Carver seria condenado
para sempre. Pelo menos por mim, ele seria.
E eu não senti raiva nenhuma de Aria. Muito pelo contrário, na verdade. A
única coisa que eu senti foi pena, porque, diante do que eu vi, só pude imaginar
que ele estava a ameaçando esse tempo todo. Talvez ele estivesse querendo tirá-
la do caminho porque sabia que ela não gostava dele e poderia ser um problema
no futuro. Talvez ele não quisesse ter que competir com Aria. Talvez ele seja, no
fundo, um doente obcecado por mim e pela minha atenção de uma forma fodida.
A única raiva que eu senti foi de mim mesma. Senti raiva por ter sido tão cega e
leviana. Senti raiva por não ter ouvido os conselhos de Blake e seguido por um
caminho que eu sabia ser perigoso. Os sinais estavam todos na minha cara, eu
apenas os ignorei e insisti em um caso perdido. Insisti em uma pessoa que já
estava corrompida pelo mal e que não tinha mais salvação. Insisti na dor e na
humilhação. Insisti em um show de horror achando que em algum momento ele
se transformaria em mágica e acabei colocando todos que eu amo em risco.
Quase perdi a minha melhor amiga por conta dos meus impulsos, dos meus
caprichos e da minha vontade de me transformar em uma salvadora, porque
acreditava que ele estava disposto a melhorar e a evoluir junto comigo. Mas eu
deveria desconfiar que de boas intenções o inferno está cheio.
Afundei os incisivos na carne rachada do meu lábio inferior, fechei a porta
sem fazer barulho e me aproximei pouco a pouco, engolindo a massa de
concreto alojada em minha garganta. Aria, apesar de tudo, me parecia bem.
Estava tranquila e serena enquanto provavelmente dormia. Arrastei meus passos
até estar ao seu lado. Cobri a boca com a mão e deixei que mais algumas
lágrimas descessem pelo meu rosto.
— Me perdoa por ter te enfiado nessa situação. — Foi o que a minha voz
embargada me permitiu dizer primeiro. — Me perdoa por não ter te procurado e
insistido mais a fundo quando percebi que algo tinha mudado entre nós. Fui
infantil e, de certa forma, birrenta. Mas eu juro que jamais pensei que fosse algo
tão grave. Eu jamais pensei que Colt pudesse lhe fazer algum mal. Eu te amo,
Aria, e preferia que isso tivesse acontecido comigo.
Ela não se mexeu e eu continuei chorando.
Mas, me pegando totalmente desprevenida, ainda com os olhos fechados e
a respiração tranquila, Aria encontrou a minha mão e a apertou junto da sua.
— Confie em Colt, Love. Perdoe ele.
Eu me assustei com o sussurro que escapou dos seus lábios e dei alguns
passos para trás, tirando a minha mão da sua como se tivesse levado um
choque.
Depois daquele momento, precisei sair da sala para tomar um ar, me
despedir da minha mãe, que estava reclamando o tempo todo o quanto detestava
hospital e que não conhecia a minha amiga para perder seu tempo nele, e
também para me habituar a tantas informações. Quando voltei, meu pai estava
resolvendo sobre o pagamento e precisei ficar sentada sozinha por alguns
minutos. Meu figurino da peça estava uma bagunça e o meu braço esquerdo
estava todo machucado. Tive que dizer a River que ganhei as marcas em algum
momento quando saí correndo para socorrer Aria. Só foi o tempo de ele voltar e
se sentar ao meu lado que os médicos correram para nos avisar que a paciente
havia arrancado os acessos e fugido pela janela do hospital.
Até agora continuo sem reação e sem saber o que pensar. Faltei aula na
segunda-feira só para sofrer sozinha enquanto procurava por respostas. Mas
ninguém sabia do paradeiro de Aria Blake. Ninguém tinha nada para me falar
além de que eu havia sido abandonada, porque ela não estava mais nem na
escola nem na cidade.
Confesso que a minha cabeça já virou um nó. Já cogitei que tudo, mais
uma vez, fora culpa de Colt Carver e que ele a havia dado um ultimato para se
mandar de vez, mas aí as suas palavras tão sinceras sobre confiar e perdoar ele
sempre voltam, e eu fico no mesmo lugar. Não entendo o porquê de ela ter
falado algo assim quando fora empurrada do terraço por ele. Quando quase
morreu pelas mãos dele. Aria nunca teve motivo para gostar e confiar em Colt,
muito menos iria arranjar um depois disso. As únicas explicações plausíveis que
consegui chegar são que ou estava dopada pelos remédios e não sabia o que
estava falando, ou a sua concussão a deixou delirando ou, sei lá, há algo
camuflado que não estou conseguindo enxergar por conta de toda a minha raiva
e dor.
E a sua fuga foi... bem, não sei, mas provavelmente em algum momento
vou acabar descobrindo. Não posso simplesmente acreditar que Aria me
abandonou sem mais nem menos. Não posso simplesmente acreditar que se
tornou uma ingrata da noite para o dia. Talvez, conhecendo-a como conheço,
pode ter sumido para coletar provas suficientes contra Colt. E quando ela voltar
estarei aqui, mesmo com o coração doendo, porque infelizmente há algo em mim
que ainda se importa. Vou prestar depoimento e incriminá-lo como deve ser feito
se for o que quiser fazer. Se ele é um monstro como provou naquela noite, terá
que pagar por todos os danos que sua covardia causou.
Aria não fugiu por fugir. Acredito que foi sua maneira de me mandar uma
mensagem tentando dizer para eu ter calma, não meter os pés pelas mãos e
aguardar o seu retorno.
Vou seguir a minha intuição. Preciso acreditar nela.
Aria não me abandonou. Colt não é o mocinho, ele é o vilão. Não tem
como eu confiar nele. Minha melhor amiga não sabia o que estava falando. Eu
estava lá. Eu presenciei tudo.
Aperto os meus livros contra o peito e serpenteio pelos alunos, que me
olham enviesado e cochicham de forma nada disfarçada sobre o acontecido com
a minha melhor amiga. Jordyn me disse, enquanto estávamos almoçando ontem,
que a maioria da escola acredita que ela só quis chamar atenção e que,
provavelmente, fugiu com algum namoradinho secreto. Ninguém nem imagina o
que aconteceu. E mesmo se imaginassem, com certeza fariam questão de colocar
culpa em Aria, dizendo que a garota provocou e atiçou Colt até o mesmo perder
a paciência. Ninguém nunca fez questão de entendê-la. Ela vai continuar sendo
sempre a esquisita pobre e nerd.
Seguro a vontade de mostrar o dedo do meio para todos eles e sigo
caminhando com o queixo empinado. Porque posso estar toda ferrada por dentro,
mas não vou dar esse gostinho a eles. Aprendi a combater tudo e todas as coisas
sendo uma fortaleza e assustando-os.
— Ei, onde pensa que vai nessa pressa? — Matthew surge ao meu lado
como um raio. Continuo andando depressa, e ele me segue mesmo assim. —
Poderia fazer um favor para mim?
— Não.
— Que bom. — A ironia sai gotejando por cada sílaba. Olho para
Donnelly de esguelha e vejo que me lança um meio sorriso esperto. Rolo os
olhos. Ele vai me fazer o pedido mesmo assim. — Poderia pedir para o seu
namoradinho ir até a minha casa?
— Primeiro, ele não é meu namorado. — Viro no corredor e paro perto do
meu armário. Por um momento, sinto vontade de contar tudo, mas seguro a
minha língua e decido ir pelo caminho mais fácil. — Segundo, por que você
mesmo não pede? Não sou pombo correio.
Matthew dá de ombros.
— Já convidei, mas ele não parece muito interessado.
— Então pronto. Já tem sua resposta.
Seus olhos se transformam em duas fendas.
— Vocês brigaram, uh? — Dá um passo em minha direção, fazendo
minhas costas se colidirem contra o armário atrás de mim. Ergo minhas írises até
encontrar seu rosto, que parece bravo, o maxilar trincado. — Já te conheço o
suficiente para decifrar cada uma das suas emoções, então não adianta mentir
para mim. Vejo tudo através dos seus olhos. Se Colt te fez alguma coisa eu exijo
saber. Eu exijo que confie em mim.
— Não é impondo e ameaçando que se conquista a confiança de alguém.
— Espalmo as mãos no seu peito e encaro o fundo dos seus olhos castanhos. —
E ele é o seu melhor amigo. Pergunte a ele o que ele fez. — O empurro para trás
e giro nos calcanhares. — Mas deixa pra lá. Não precisa se meter nos nossos
problemas.
Diante do silêncio, viro sobre os ombros. Mas Matthew Donnelly já não
está mais aqui. Provavelmente deve estar em busca de ter uma conversa de
homem para homem com Colt Carver em algum canto da St. Rose Academy.
Por mim.

ST. ROSE ACADEMY, 28 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 10H28MIN.


Saio da sala de aula com um passe para ir ao banheiro.
A verdade é que não estou com saco para prestar atenção no que a
professora fala. Esse é um daqueles momentos em que só quero ficar sozinha e
chorar, por não aguentar a pressão esmagadora no meu próprio peito. Vim ficar
trancada na cabine, sentada na tampa do vaso com as pernas próximas do tórax,
o queixo descansando entre os joelhos e os fones com volume alto nas orelhas.
A música silencia o mundo lá fora e me acalma.
Fecho os olhos e me perco na letra da canção.
Mergulho em infinitas memórias e nado em cada uma delas, tentando me
encontrar, tentando desesperadamente achar a garota que eu era antes de Colt.
São nesses momentos que o amaldiçoou por ter se infiltrado em meu sistema,
porque ele é tudo o que eu vejo embaixo das águas turvas. Colt estende a mão
para mim e tenta me puxar para passar por esse redemoinho junto com ele. Cada
partícula minha quer aceitar. Cada partícula minha quer o seu sorriso, as suas
provocações, o seu cheiro e o calor do seu corpo novamente. Mas apenas
balanço a cabeça e as imagens somem. Paro a música e encaro a porta azulada
do banheiro. Eu não posso ir por esse caminho. Eu não posso lembrar dos nossos
momentos bons se todos eles são uma farsa. Se todos eles são um prelúdio do
que viria a seguir. Se todos eles são, infelizmente, um amontoado de mentiras.
Porque o Colt Carver que eu achei conhecer nunca existiu. Ele apenas se moldou
para adentrar à minha realidade e para me apunhalar pelas costas.
Talvez isso aqui sempre tenha sido sobre punição e vingança. O foco
sempre deve ter sido assistir de camarote enquanto quebrava com as próprias
mãos o coração da garota que costumava desprezá-lo mais do que tudo. Duvido
que um dia o lacrosse consiga lhe proporcionar a sensação de vitória que
provavelmente deve estar sentindo agora ao ter a confirmação que, no meio do
caminho, conseguiu fazer o que parecia impossível; conseguiu fazer com que eu
me apaixonasse por ele em meio a tantas adversidades.
Olho para cima e pisco os cílios.
Não vou chorar. Não vou chorar. Eu sou forte. Eu sou como uma fênix.
Um coração quebrado por um garoto não é nada comparado a tudo que já
enfrentei para chegar até aqui. Eu, Love Dillon Monaghan, sou uma
sobrevivente. Nada vai me derrubar. E Aria vai voltar para mim mais cedo ou
mais tarde. Tudo vai melhorar.
Me sobressalto quando desferem três batidas na madeira da porta.
Arranco os fones do ouvido e dou um pulo do vaso.
— Eu sei que você está aí, Love. Vi você entrando e não saindo mais. — A
voz de Colt faz meu coração dar uma cambalhota em minha caixa torácica. —
Deixe-me entrar. Deixe-me te ver. Estou com saudade de você, estrelinha.
Detesto o fato de estar prestes a chorar só por saber que ele está do outro
lado. Espalmo as mãos na porta e encosto a testa na madeira.
— Não me chama de estrelinha. Não me chama de nada. Esquece que eu
existo. — Mordisco o interior da bochecha e tento controlar a minha respiração.
— Eu não quero te ver nunca mais. Você quase matou a minha melhor amiga. A
imagem de você empurrando-a da porra do terraço fica rodando na minha cabeça
como um maldito pesadelo e não para nem quando eu me deito para dormir. —
Ele fica em silêncio, então aproveito para soltar o que tanto me corrói. — O que
você tinha na cabeça, Colt? O que você tinha na cabeça?
— Eu não posso. Agora eu não posso. — Colt bate uma vez na porta,
como se estivesse sofrendo. Não acredito. Não acredito em nada. Astrid tinha
razão em ver alguma coisa nele, porque ele é um ator e tanto. — Confie em
mim. Só... confie em mim.
Confiar?
Mais uma vez a voz de Aria faz a minha cabeça rodopiar.
Eu não posso.
Então, quando menos espero, Colt empurra a porta destrancada e me faz
recuar. Ele adentra o cubículo da cabine e nos tranca aqui dentro. Sinto tudo me
comprimindo, inclusive a sua figura imponente, e me torno claustrofóbica.
Busco por ar e os meus pulmões ardem pela pressão.
— Eu sei que nada do que eu falar aqui vai fazer você mudar de ideia, até
porque você estava lá, você viu tudo, mas eu queria que você se lembrasse que
nem tudo é o que parece ser. Você presenciou a cena, Love, e não o contexto
dela. Eu menti quando me perguntou sobre Aria? Menti. Mas eu prometo que
tem um motivo. Tudo tem um motivo. — O modo intenso como me olha faz com
que as minhas pernas tremam. Lembro da fuga de Aria e do que ela me disse
antes de ir. Porém me mantenho compenetrada. — Saiba que a sua amiga te ama
muito. Saiba que nós dois só queremos te proteger, afinal, você é tudo o que nós
temos. É a nossa fonte de luz. O nosso mundo mudou depois que você entrou
nele.
Ele fala em Aria como... como se se importasse.
Fecho os olhos e uma lágrima se esparrama até a minha boca.
— Por favor, para de falar essas coisas — sussurro, sem conseguir olhar
para Colt. — Para de me maltratar. Já chega. Já chega, Colt. Você conseguiu o
que queria, eu estou acabada o suficiente, agora vá embora. Viva a sua vida e me
deixe em paz.
Num segundo estou olhando para o chão. No outro, ele me prensa contra a
porta do banheiro e fica com o rosto próximo do meu me forçando a olhá-lo, e
com o dedo em meu queixo. Entreabro os lábios e sinto o seu hálito de menta
lambendo-os de uma forma que me deixa tonta. Involuntariamente, inspiro o seu
cheiro impregnado em seu uniforme e meu corpo cede com a familiaridade do
perfume costumeiro. Colt percebe o quanto vacilo, porque a outra mão dele se
firma em minha cintura e me traz ainda mais perto do seu corpo, como se
pudesse nos fundir com a aproximação forçada. Estou tão fraca e afetada pelo
seu toque que minhas mãos permanecem moles e caídas. Não as levanto para
afastá-lo em nenhum momento. É como se todos os meus sentidos colaborassem
para que o garoto não me deixe escapar. A minha necessidade dele é tão grande
que, ao invés de detestar a sua intromissão no meu espaço pessoal, gosto e me
sinto em casa depois de tanto tempo distantes e brigados. Mas não posso ceder. É
isso o que Colt Carver quer. Esse idiota quer me manipular e ferrar com a minha
cabeça mais uma maldita vez. Serei extremamente burra se acreditar que houve
mesmo um motivo para ele fazer o que fez e que em breve vai conseguir me
explicar.
Como ele mesmo disse, eu estava lá.
— Saber que você está machucada é a minha maior destruição — sopra
com o nariz tocando o meu. Aperto a sua gravata contra os meus dedos e arfo
quando sua boca resvala por cima da minha. Ah, porra, que saudade. — Eu
preferia mil vezes ser nocauteado, torturado e amarrado do que te ver assim. Se
quebrassem cada osso do meu corpo doeria menos do que ter que encarar os seus
olhos e saber que fui eu o culpado de arrancar o brilho deles. Eu nunca quis nada
disso, estrelinha. Eu só queria ser bom pela primeira vez. Eu só queria fazer a
coisa certa. — Fecho os olhos mais uma vez quando seu polegar seca as
lágrimas de uma das maçãs do meu rosto e desce para pressionar o meu lábio
inferior, massageando-o com a ponta. — Acho que vou explodir se não te beijar.
Que se exploda, penso, mas não externo nada.
Acho que Colt entende isso como uma confirmação para prosseguir com o
que tem em mente, porque seus lábios quentes tomam os meus em um beijo que
não se encaixa direito porque eu grunho e tento, com muito esforço, me
desgrudar do seu aperto. Mas só basta que peça passagem com a sua língua para
que eu me esqueça do porquê estou querendo soltá-lo. Subo a minha mão para o
colarinho do seu blazer, trago-o para mais perto e sinto sua mão livre se
infiltrando pela minha saia. É um beijo completamente encharcado de
sentimentos conflitantes entrando em guerra. Não é algo comum e que estou
acostumada. É um beijo que me faz odiá-lo em níveis extremos, então mostro
isso à medida que vamos nos tocando e nos consumindo com o gosto um do
outro. Cravo meus dentes no seu lábio inferior e mordo com vontade antes de
soltá-lo. Colt geme diante da minha força, e não para nem por um segundo. Sua
boca se separa da minha e encontra um ponto específico no meu pescoço para
sugar a pele sensível.
— Eu te odeio. — Seguro a sua cabeça e a afundo mais contra a região que
brinca.
— Não — me desmente ao erguer o rosto para encontrar meus olhos, que
devem estar dilatados por conta do nosso momento imprudente. — Você não me
odeia. Mas eu te amo. Ah, como amo.
As três palavrinhas e sete letras acertam com força o meio do meu peito.
Fico desnorteada e sinto como se pudesse morrer. É tudo o que eu sempre quis
escutar. Idealizei o momento que fosse me tornar alguém especial para Colt por
anos. Busquei sua aprovação e o seu interesse desde que éramos duas crianças
quebradas, mas depois de um tempo desisti e coloquei na minha cabeça que isso
nunca aconteceria. Mas aconteceu. Acabou de acontecer e, diferente do que eu
imaginei, não me deixa feliz. Me deixa triste, com raiva, magoada e totalmente
sem graça. Isso é só mais uma forma de ele me manipular e de me manter por
perto. Colt Carver é incapaz de amar. Ele é incapaz de ser a pessoa que mereço.
Ele é incapaz de ser qualquer coisa que não seja um caso e um tempo perdido.
Sinceramente, não sei o que estou fazendo aqui.
O empurro para trás, arrumo o meu cabelo, alinho o meu uniforme, abro a
tampa do vaso e cuspo dentro dele. Dou descarga e limpo a minha boca com as
costas da mão olhando em suas írises escuras para que tenha a noção de tudo que
sinto por ele. Nojo.
— Se me beijar a força novamente ou aparecer no meu caminho, vou ligar
para a polícia e te denunciar por tentativa de homicídio e assédio.
Com o sangue quente percorrendo as minhas veias, lhe abandono com a
sua expressão contorcida em surpresa e destranco a porta, saindo da cabine
sufocante e intoxicada. Olho para o espelho por alguns míseros segundos e a
catástrofe me olha de volta.
Fito o chão e vou embora, me xingando mentalmente por quase ter caído
em tentação.
Ainda bem que ele abriu a boca e soube fazer o que sabe fazer de melhor:
blefar e me contar mentiras. Assim eu pude cair em mim antes que fosse tarde.
Quando estou perto de descer as escadas para o andar de baixo, já que a
aula provavelmente terminou tem tempo, meu celular vibra no bolso do blazer.
Me encosto na parede, afundo a mão lá dentro e pesco o aparelho. As mensagens
que brilham quando o display se acende fazem com que minha pulsação acelere
mais um pouco.
Número Desconhecido: Olá, Florzinha. Saiba que a sua Docinho está se
cuidando e se mantendo segura. Espero que um dia eu possa te contar a
verdade, assim como espero que você possa me perdoar. Não me deram
escolhas. Eu te amo mais do que a mim mesma.
Número Desconhecido: Independentemente do que Colt te contar, confie
nele. E por favor, não tente me ligar. Estarei bloqueando o seu número agora
para evitar possíveis problemas tanto para mim quanto para você. Tenha fé que
tudo isso vai passar, porque eu tenho. O Macaco Louco vai pagar por tudo.
Meus olhos se enchem de lágrimas por saber que a minha Docinho está
bem. Mas tudo se confunde mais uma vez, porque, diante das mensagens, sinto
que estou deixando algo escapar.
Como assim confiar em Colt?
Como assim o Macaco Louco vai pagar por tudo?
Seria um código? Aria estaria tentando me dizer que há mais alguém
envolvido nisso?
Sempre me achei inteligente, mas agora acho que dentro da minha cabeça
há um completo vazio e que faz eco, pois tudo só fica cada vez mais confuso e o
quebra-cabeça permanece cada vez mais longe de se montar. Não há nada que eu
entenda.
Absolutamente nada.
❝ Se são apenas oito letras
Por que é tão difícil dizer?
Se são apenas oito letras. ❞
8 LETTERS – WHY DON´T WE

CADENCE CLUB, 31 DE OUTUBRO DE 2018, ÀS 21H12MIN.


Pode parecer estranho o que vou dizer, mas Nathan O’Leary, um dos Fort
Red Knights, mandou mensagem no nosso grupo e disse que o seu primo, que é
dono de uma boate, ia aceitar os amigos dele, todos menores de idade, para uma
festa particular hoje. No começo não quis ir de jeito nenhum, afinal, a última
coisa que penso é em festa, mas Matthew me mandou mensagem dizendo que
ficou sabendo que a JJ convenceu a Love a ir e tudo mudou para mim. Peguei a
primeira roupa que encontrei no meu guarda-roupa e cantei pneu com a minha
Ferrari.
Me surpreendi quando Matthew Donnelly me mandou mensagem. Acho
que em algum momento ele falou com Love sobre nós, porque me encontrou na
escola e começou a falar sobre eu ter machucado ela e coisa do tipo. Como não
podia falar nada, apenas disse que foi tudo um grande mal entendido e que logo,
logo tudo seria resolvido. Vejo que confiou nas minhas palavras, porque tenho
certeza que não falaria sobre os passos de Love Monaghan se não tivesse a
certeza de que não estou fazendo nada de caso pensado. Fiquei feliz pelo voto de
confiança que recebi do meu amigo e pelo aviso. Agora estou aqui, ouvindo o DJ
tocar Despacito enquanto giro o canudinho listrado da minha bebida e fico
vendo as luzes estroboscópicas passando por todos os lados da Cadence Club, a
boate do primo de Nathan.
O lugar é grande e têm dois andares, que eu suponho ser para dividir os
clientes vips dos clientes comuns. Os amigos de O’Leary ficam todos aqui
embaixo, aproveitando a pista de dança enquanto o globo de festa fica acima
deles. Love se encontra junto do grupinho onde também estão Jordyn, Dariel e,
por incrível que pareça, Matthew. A garota está tão linda que chega a ser um
absurdo. Seus cabelos estão completamente lisos, soltos e caem em cascatas
sobre seus ombros. Ela usa uma saia preta justa, um top da mesma cor com
desenhos de mãos de caveira apertando os lugares onde ficam os seus peitos,
jaqueta jeans escura e coturnos brancos com cadarços pretos. Parece, pela
primeira vez, um pouco mais despreocupada e com vontade de aproveitar o
momento, porque segue os comandos de JJ e dança com a garota da mesma
forma que fizeram no aniversário de Dariel, lá no iate. Elas se juntam e riem
uma com a outra. Fico feliz que a estrelinha esteja vendo em Jordyn um apoio e
uma forma de se descontrair dos problemas que estão a cercando como uma
redoma. Vejo, daqui onde estou sentado e de olho em tudo, que estão se dando
muito bem. Jordyn Jensen parece não ter mais Paris Sloan assim como Love
Monaghan parece não ter mais Aria Blake. É como se estivessem passando pelo
mesmo processo de perda. É como se estivessem sendo o alicerce uma da outra
diante de um momento que imagino ser difícil para ambas.
Nunca pensei que isso fosse acontecer, mas a recente amizade das duas
parece ser genuína. A recente amizade de Love e Jordyn parece ter sido a única
coisa boa que as duas conseguiram manter em meio a tantas coisas acontecendo.
Principalmente com ela.
Estou morrendo de tanto tédio nessa boate estúpida quando, do nada,
Matthew chega para falar com JJ e Love e ambas o puxam, meio que a força,
para dançar junto com elas. Ele fica relutante, é óbvio, mas depois de um tempo
parece gostar da ideia de estar no meio das garotas mais gostosas de toda Fort
Lauderdale. Nunca tive ciúmes dela e Donnelly, sempre achei que tudo não
passava de amizade e cuidado, porém começo a me sentir incomodado com os
toques e as carícias insinuantes que começam a aparecer à medida que ficam
rebolando junto a ele. O idiota nem ao menos presta atenção em Jordyn, que
parece desesperada para conseguir tal coisa, seus olhos seguem cravados nos
olhos da garota de cabelo castanho em sua frente.
Trinco o maxilar e aperto o copo de vidro com força contra os dedos.
Depois do que Love me disse naquela cabine, com todo o ódio possível
gotejando e se desenrolando na sua língua afiada, me senti tão chafurdado na
merda que perdi as esperanças de tudo. Nada do que eu estava fazendo estava
dando certo. Em nenhum sentido. Estava dando como certo que a perdi, porque
sei muito bem que a garota está irredutível, que não vai confiar em mim após ter
presenciado o que presenciou — e eu juro que entendo — e que não está
preparada para me dar uma segunda chance. Ou deveria dizer terceira, já que a
tratei tão mal na infância?
Enfim, independentemente disso, agora é como se um balde de água
gelada tivesse caído sobre a minha cabeça. Vejo-a com Matthew e percebo que
ninguém é insubstituível. Ela vai superar em algum momento e eu vou ficar para
trás, sofrendo e sentindo todas as dores possíveis me corroendo por dentro,
porque me sinto incapaz por não tê-la mais na minha vida. A sua tristeza um dia
vai passar e a minha vai continuar para sempre. Eu vou ficar me martirizando e
me odiando por infinitos motivos e ela vai seguir com a sua vida sem saber o que
realmente aconteceu, sem saber o que sempre estive querendo fazer. Porque eu
só quis ajudar. Eu só quis, pela primeira vez, me permitir a agir como homem e
fazer a coisa certa. Mas a coisa certa, pelo visto, tirou tudo de mim. Eu só espero
que para a outra pessoa envolvida ela esteja valendo a pena. De verdade.
As írises azuis de Love Monaghan se chocam com as minhas quando ela
para de falar e dançar com ele só para virar a cabeça sobre os ombros. Fica
alguns segundos me encarando, tentando me passar alguma informação, e depois
vira sua atenção toda para Matthew, que a espera com o canto dos lábios
retorcido em um pequeno sorriso atroz e traiçoeiro. Minha corrente sanguínea
congela em minhas veias porque pressinto o que vem a seguir. Jordyn para de
dançar, vai para o lado e deixa os dos bem visíveis para a porra da pista toda ver.
Monaghan infiltra seus dedos curiosos pelos cachos dourados do cabelo de
Matthew e o empurra contra os seus lábios, invadindo a boca dele em um beijo
que deixa todos que conhecemos chocados. E então, ele a puxa para mais perto e
a sua mão vai parar bem perto da bunda dela, a outra fixando-se em sua nuca.
Sinto como se facas pontiagudas fossem lançadas em minhas costas. Elas
perfuram a minha carne e adentram com força o meu coração, que se desespera
ao estar diante da cena. Estou tão tomado pelas minhas emoções, uma mistura de
raiva, mágoa e revolta — principalmente pelo meu amigo — que, quando me
vejo, estou marchando até lá com as mãos cerradas ao lado do corpo. Serpenteio
entre as pessoas na pista, a visão embaçada, e separo Matthew de Love em um
safanão. Escuto o grito de Jordyn ao fundo quando tanto ela quanto Love recuam
e o meu punho acerta o rosto de Donnelly.
É apenas um único soco que faz a pista inteira parar. Dariel corre até nós
para tentar entender. Eu, no entanto, enquanto tento controlar a avalanche dentro
de mim, o assisto calado apenas colocar a mão no lado esquerdo do seu rosto
assim que move o maxilar de um lado para o outro.
— Achei que fôssemos amigos — digo ao olhar para ele, sem esconder o
quanto me encontro magoado. Eu esperava tudo, mas não isso. Dói demais,
porra. Ainda mais na minha frente. — Traidor.
Dou um passo à frente, não enxergando mais nada, porque ele fica ali
calado, me olhando como se tivesse feito um bom trabalho, e isso me irrita pra
caralho. Mas sou impedido por Love de fazer qualquer coisa, pois ela me puxa
pela manga da minha jaqueta de couro e começa a me arrastar para algum canto
da boate. Deixo que ela me guie e não falo nada porque estou ocupado demais
fuzilando Matthew Donnelly com os olhos. Contudo, assim que paro de travar
uma guerra entre nossos olhares, percebo que a garota está nos enfiando em um
banheiro próximo. Novamente. Ela passa a tranca na porta e me empurra contra
a bancada da pia extensa, fazendo minha lombar se chocar contra o mármore.
Desde quando ela se tornou tão forte?
— Que porra você tem na cabeça? — rosna, parecendo furiosa. Mas que
porra! Agora eu sou o culpado pelos dois se juntarem para me machucar. —
Quem você pensa que é para sair se metendo e socando os caras que eu beijo? A
partir de hoje, querido, se acostume com isso, pois não tenho mais nada a ver
com você. Eu não sou mais o seu brinquedinho. Vou ser o de todo mundo, menos
o seu.
Meu peito sobe e desce por conta da minha respiração descompassada.
Parece que soldadinhos de chumbo marcham dentro da minha cabeça de tanto
que ela dói.
— Não diga bobagens. — Rilho os dentes com força e troco as nossas
posições. Ela é quem fica prensada agora. Minhas mãos voam uma para cada
lado da bancada atrás dela e o meu rosto se aproxima do seu de forma lenta. —
Você só fez isso para me provocar. Você só queria me atingir e me machucar o
tanto que está machucada. Deu certo? Deu, claro que deu. Mas eu sei das suas
intenções. Você está se mordendo por dentro e não sabe lidar com nada, porque,
mesmo vendo tudo que viu, mesmo tendo a certeza que sou um monstro, cada
batida do seu coração ainda é minha. A sua mente dorme e acorda pensando em
mim. Sua boceta implora pelo meu pau. E sabe por quê? — pergunto de forma
retórica enquanto deixo nossos narizes se tocarem de tão próximo que me
encontro. Sinto a sua respiração ondular em meu rosto. — Porque você me ama.
Porque você é completamente minha e, mesmo que queira, não vai conseguir ser
de outro alguém.
— Você está delirando se pensa assim. — Engole em seco. — Eu não te
amo. Eu não amo nada em você. O que eu sinto por você é…
— Ódio? Nojo? — a corto assim que reviro os olhos. — É, a gente já
pulou essa parte. Muda o disco. Nem você acredita no que está falando.
Os dois ficam em silêncio. O único som que perfura a nossa bolha é o da
música rolando lá fora. Dos seus olhos passo a fitar sua boca coberta por uma
leve camada de gloss labial. As nossas respirações pesadas se misturam e
tornam-se uma só. É impressionante como estar com ela faz com que eu esqueça
de qualquer merda. O acontecimento com Matthew parece fazer séculos, porque
não sinto mais aquela raiva que fora momentânea e nem nada que me faça querer
sair daqui. O que eu quero mesmo, de verdade, é fazê-la entender que me ama de
uma vez por todas. Quero sentar a porra da sua bunda gostosa na bancada dessa
pia e fode-la até altas horas.
Preciso estar dentro dela ou vou enlouquecer.
— De zero a dez, quanto você vai me odiar nesse momento — deixo bem
claro — se eu te mostrar o quanto você está encharcada por mim?
Love busca por ar antes de responder:
— Dez.
Um fantasma de um sorriso aparece em minha boca.
— Que pena.
Sem esperar por mais nada, cravo as mãos em sua cintura e a coloco
sentada na pia, lhe arrancando um gritinho de surpresa. Por mais que tenha
ficado relutante, Love abre as pernas e deixa que eu me acomode entre elas.
Esquadrinho suas írises azuladas por alguns segundos antes de reivindicar a sua
boca macia e gostosa pra cacete. Ela corresponde de prontidão e fogos de
artifício explodem. Libero um urro de prazer e começo a tirar a sua jaqueta
jeans, que logo é descartada para o chão. Arfo contra o sua orelha e deixo que a
minha língua circule e brinque com o lóbulo.
O som do seu gemido alcança diretamente o meu pau, que está latejando e
machucando o zíper da minha calça.
— Vou comer você aqui, nessa pia. E é para gritar o meu nome. Quero que
todos saibam o quanto você não vale nada e o quanto me maltrata. Quero que
todos saibam que só eu que dou prazer a você — menciono com a minha voz
rouca e carregada de luxúria. Love revira os olhos, provavelmente detestando
minha escolha de palavras, mas deixa que eu tire a sua blusa, deixando seu sutiã
rendado visível. Os seios deliciosos me cumprimentam de uma forma
enlouquecedora. Não presto muita atenção neles, entretanto. A garota me força a
tirar a minha jaqueta de couro e eu termino de escorregá-la pelos braços. — Por
que você está sem falar nada agora? Quero ver continuar dizendo que me odeia
quando eu estiver dentro de você.
— Mas eu vou continuar dizendo.
Aham.
Balanço a cabeça, passo a camiseta que estou vestindo por cima da minha
cabeça e volto a beijá-la, apertando um dos seus seios ainda preso contra o sutiã.
Não consigo frear a urgência da minha saudade e do meu desejo. Estou
parecendo um virgem de tanto que me encontro ansioso, mas não penso em
desistir. Tudo que eu quero se encontra bem aqui.
Desço a mão até a sua coxa e, me afastando só para fazer direito, subo
todo o restante da sua saia e desço a sua calcinha pelas pernas. Avisto um pacote
de camisinha em meio a tantas outras e a coloco ao lado de Love. Com pressa,
suas mãos voam em direção ao botão e ao zíper da minha calça, que logo desce
até metade das minhas coxas. Seus olhos brilham assim que visualizam meu pau
completamente duro por ela.
— Viu só o que só você é capaz de fazer comigo, amor?
— Ah, cala a boca.
Umedeço os lábios olhando para ela e abaixo a cueca. Volto a pegar a
camisinha, logo a rasgo e me protejo. Afundo meu rosto na curvatura do seu
pescoço e mergulho para dentro dela de uma única vez. A sensação é tão
poderosa que gritamos os nossos nomes ao mesmo tempo. Ela prende os dedos
no meu cabelo e puxa a minha cabeça, me forçando a olhá-la. Quase gozo
quando vejo que entreabre os lábios e revira os olhos nas órbitas conforme nós
dois nos balançamos com a velocidade das minhas investidas, que são
desesperadas e intensas. Meu coração sobe para a garganta e martela a região
conforme brinco de entrar e sair.
Encontro seus lábios no meio do caminho e Love pende o corpo para trás,
quase se deitando.
— Puta merda — vocifero contra a sua boca agora avermelhada e inchada
pela pressão da minha. — Puta merda, Love. Eu não posso mais viver sem você.
Não me castigue tanto assim.
Consigo lhe arrancar arquejos e gemidos sôfregos e guturais.
Suor começa a se acumular na minha testa, pescoço e abdômen, que
brilham sob a luz proeminente do ambiente.
— Eu sou completamente seu. Faça contra mim o que quiser. Mas, por
favor, não me afaste. — Prendo um grito quando o seu canal parece esmagar o
meu pau. Tão apertada. — Não menti em momento algum quando eu disse que
te amava. Não sou um monstro. Confiar em mim é tudo que eu te peço.
Ela volta a ficar na posição anterior, passa os pulsos ao redor do meu
pescoço, encosta a cabeça na minha e fica cada vez mais mole.
— Só se me contar toda a verdade. Me conte a verdade e eu pondero. Me
diga quem mais está envolvido nisso.
Fico calado por inúmeros motivos. Me enfio contra a sua boceta, deixo que
o orgasmo nos atinja e fico estático. Porque a fiz chegar lá e sei que preciso
quebrar tudo mais uma vez. Não posso dar o que ela quer. Preciso achar um
meio de me livrar dele o quanto antes e assim poderei ser sincero.
— Não posso. — A frase parece ter gosto de sangue em minha língua. —
Como eu te disse, ainda não posso.
Me afasto dela porque vejo a dor voltando a fazer morada na vastidão
daquele mar azul. A quebrei mais uma vez, indo totalmente contra ao que ela
precisa para me dar uma oportunidade.
Love pula da bancada, desce a saia e começa a se agachar para pegar as
suas roupas. Continuo aqui e não vejo mais nada. Volto a me segurar na pia para
evitar ver ou causar mais sofrimento.
— Quando você resolver dizer, se é que tem mesmo algo para dizer, talvez
seja tarde demais.
Então Love Monaghan me deixa sozinho no banheiro de uma boate e o
gosto metálico na boca retorna.
Talvez sim. Talvez não.

MANSÃO DOS CARVER, 01 DE NOVEMBRO DE 2018, ÀS


18H39MIN.
Estaciono a Ferrari na garagem e desço do carro com a mochila pendida
em um dos ombros. Meu corpo todo dói por conta das horas ininterruptas que
passei na academia lutando boxe.
Eu nem tenho costume de frequentar aquela merda, mas ou era isso ou era
morrer sufocado dentro de mim mesmo. Pelo menos lá eu consegui colocar para
fora e extravasar algumas das minhas emoções conturbadas e conflitantes.
Quando passo pela porta da mansão entro em estado de alerta, por ver tudo
escuro silencioso e sem funcionários. Estranho. Não mandei ninguém tirar o dia
de folga hoje. A não ser que Maverick tenha voltado desse tempo todo sumido e
queira fazer um jogo de esconde-esconde com seu filho mais velho.
— Tem alguém aqui? — grito enquanto vou caminhando e sentindo uma
única gota de suor escorrer pela minha espinha conforme passo pelo hall. Quero
mostrar que não estou nem aí, mas, talvez, esteja me borrando nas calças. Meu
pai pode muito bem dar um fim em mim, coisa que sempre fiz questão de me
convencer do contrário. Ele é louco. Ele é capaz de tudo. — Ah, porra, eu sei
que tem alguém aqui. Aparece logo de uma vez, papai — ironizo a última
palavra. — Vamos resolver tudo logo de uma vez. Seja homem o suficiente para
aparecer e me enfrentar.
Silêncio.
A veia no meu pescoço lateja quando passo pela sala escura e visualizo
Maverick sentado em uma cadeira no centro dela, o rosto arrebentado de surra,
os olhos arregalados, um pano amarrado à boca e as mãos presas atrás da cadeira
por cordas bem firmes. Está completamente desgrenhado e fodido. O sangue
escarlate, que jorra de diversas partes do seu corpo, suja as suas roupas sociais e
macula o assoalho reluzente. Meu pai parece meio acordado meio inconsciente.
Não consigo não lembrar do dia em que a minha mãe morreu e entro em
desespero, achando que é mais um assalto.
Sobressalto e sou surpreendido quando alguém surge das sombras, se
coloca atrás de mim e prende meu pescoço com o braço, colocando o cano de
uma arma na lateral da minha cabeça logo depois.
— Por que você nunca me disse que seu pai era um filho da puta, Carver?
— A voz conhecida me faz unir as sobrancelhas, então tento olhá-lo, vendo-o
encapuzado. Só pode ser uma brincadeira de mau gosto. — Teria poupado eu e o
meu pai de muita dor de cabeça se você simplesmente abrisse o bico para os seus
amigos.
Então ele me solta e eu me viro no mesmo instante. Meus batimentos
triplicam porque mais homens encapuzados aparecem na porra da minha sala.
Todos eles fortes e armados. Não consigo esconder a minha confusão. Muito
menos quando ele tira o pano que lhe cobre o rosto e sorri abertamente para
mim, espalmando uma mão na calça social e rodando a arma que estava
apontada para minha cabeça entre os dedos da outra, como se tivesse
familiaridade com aquela merda e estivesse muito acostumado a usá-la. A
camisa branca de botões está parcialmente aberta e a tatuagem de aranha em seu
peito fica mais do que visível.
Matthew.
Matthew Donnelly parece muito com um gângster agora.
— O que é isso? — A confusão é nítida em minha expressão. — Que
brincadeira é essa, Matt? Ficou maluco de vez? — Escuto meu pai agonizando lá
atrás e semicerro os olhos quando o sorriso aumenta em seu rosto. Por que ele
não para com isso? Matthew nunca sorri. — Espera. Isso tudo é por conta do
soco que lhe dei? Porra, Donnelly, você sabe que o que eu fiz foi pouco. Eu que
deveria estar com raiva de você.
— O soco? — Estala a língua no céu da boca enquanto continua
manuseando a arma. — Ah, não, isso aqui não tem nada a ver com isso. Mas fico
me perguntando como você não percebeu que o beijo foi técnico. Love
Monaghan nem usou a língua, seu otário. E ela me avisou antes de fazer. Só
aceitei participar daquilo porque seria como matar dois coelhos com uma
cajadada só. Eu me sentiria vingado por você ter machucado ela e ainda faria
com que vocês percebessem o que sentem um pelo outro mais rápido. — Dá de
ombros ao se aproximar. Não sei se permaneço ou me afasto. Confesso que estou
muito, muito assustado. — Vim aqui para um acerto de contas com o traidor do
seu pai. — Matthew percebe que só me deixa mais confuso, pois libera uma
risada sem humor. — Pai, está na hora de nos apresentarmos de verdade para o
meu melhor amigo.
Melhor amigo. Ele nunca havia me chamado assim antes.
Um dos homens se aproxima e se porta ao lado dele de forma
intimidadora. Quando não está mais encapuzado, me assusto com o que vejo. É
realmente o pai de Matthew. É Fred Donnelly em carne e osso. O mais velho
sorri para mim como se estivesse fazendo parte de um espetáculo. Seu dente de
ouro brilha e quase me ofusca.
— Prazer em conhecê-lo, filho. Matthew me fala muito sobre você. —
Fred se aproxima e eu involuntariamente recuo um passo para trás. Ele percebe e
balança a cabeça para trás. — Não se preocupe, Colt, não iremos te machucar.
Embora sejamos da máfia e comandemos boa parte do submundo podre de Fort
Lauderdale, ainda assim sabemos identificar um dos nossos. Você é alguém
especial para o meu filho, logo, especial para mim também. Mas não posso dizer
o mesmo do seu pai, Maverick, que quis se associar a mim e depois me traiu e
traiu meus negócios se bandeando com os inimigos da Califórnia. Isso eu não
aceito. Comecei arrancando a tatuagem que ele fez do nosso símbolo, o lobo-do-
ártico, e agora vou terminar mandando-o para o inferno.
Tatuagem. Meu pai realmente fez uma tatuagem de lobo há alguns meses
atrás. E é nesse momento em que o pensamento me invade que Matthew ergue o
braço para me mostrar o mesmo desenho rabiscado em sua pele.
Como eu nunca prestei atenção? Como eu nunca me dei conta antes? E
como, pelo amor de Deus, nunca desconfiei que meu pai, exatamente do jeito
que é, estava ligado e financiando coisas ilegais? É a cara dele. Sem contar que
seus cuidados redobraram de uns tempos para cá. Até mesmo os seguranças. A
traição foi exatamente o motivo do seu sumiço. Quer dizer, do seu sumiço não,
da sua fuga e medo de não ser pego por Fred.
E Fred não é só um magnata poderoso. Ele também é um bandido
traficante. Matthew faz parte disso e, provavelmente, será seu sucessor. É por
isso que ninguém nunca soube e ele nunca contou mais a fundo sobre a vida dele
e a da sua família. Por isso que é tão reservado, fechado e ferrado da cabeça. Ele
está mergulhado em um mundo totalmente diferente do nosso. Matthew está
acostumado com drogas, armas, mortes e bordéis com prostitutas.
Provavelmente vai viver disso até o resto da sua vida. Está condenado a isso.
Meu melhor amigo — agora, depois que ele deu o primeiro passo, me sinto
pronto para chamá-lo assim — é só um garoto e já deve ter visto e vivido coisas
que nós nunca poderemos imaginar. Eu nunca, nem em um milhão de anos, teria
desconfiado que essa é a sua realidade.
— Por que nunca me contou antes? — O esquadrinho assim que a
indagação sai. — Por que escondeu isso de mim? Era o meu pai, Matthew. Eu
precisava saber.
— Não o culpe, filho — Fred é quem me responde. — Matthew ainda não
foi iniciado, então ele não está por dentro de tudo, muito menos dos políticos e
homens importantes que trabalham comigo. Ele ainda é só um garoto que, e de
vez em quando, eu me permito contar a ele sobre os meus problemas. Quando
ficou sabendo que Maverick Carver era um dos nossos, bem no dia em que eu
fui informado sobre a traição, me implorou para te contar e eu autorizei. Mas
pelo visto ele não conseguiu te contar a tempo.
Miro seus olhos novamente.
— Era por esse motivo que eu estava tão desesperado te convidando para a
minha casa. Queria que você conhecesse o meu mundo para que depois eu
pudesse lhe contar. Mas você se ocupou com os seus problemas, me ignorou e a
gente acabou encontrando o seu pai antes que eu conseguisse falar com você. —
Matthew se aproxima de mim, guarda a arma no coldre e aperta o meu ombro
em forma de apoio. — Fiquei com receio de te fazer sofrer por estarmos prestes
a lhe tirar a única pessoa que você tem no mundo, mas, ouvindo-o quando
chegou, posso ter a noção de que ele também é um filho da puta miserável com
você.
— Ah, se é — confirmo ao sentir a raiva borbulhando dentro de mim
assim que repasso tudo. Principalmente os acontecimentos atuais. — Ele
terminou de foder com a minha infância. Me espancou dos cinco aos catorze
anos. Esse homem aí não é nada para mim. Matá-lo sempre foi a minha maior
vontade.
Mais uma vez, Matthew sorri para mim assim que aquiesce.
— Quer fazer as honras? — Pega de volta a arma e uma faca. — Ele pode
ser todinho seu.
Ah, com certeza.
— Só se você for comigo — peço.
— Ah, Colt, é claro que sim. Eu não resisto a um bom e velho assassinato
de um miserável.
— Mas eu não vou matá-lo — Puxo a faca da sua mão. — Deixo isso na
sua conta. Só quero poder pagar o que ele fez comigo.
Mais uma vez Matthew assente e me encoraja a ir até Maverick. Prendo a
respiração por conta do cheiro pungente de sangue e urina e começo a
chacoalhar meu pai para que acorde e não perca a festa.
— Anda, abre os olhos — incentivo, e ele abre só um deles. — Diga agora
quem é fraco. Diga agora quem é imprestável. Anda, fala! — Ao mesmo tempo
em que grito, desfiro um soco contra o rosto dele e sinto os nós dos meus dedos
doerem. É tudo culpa dele. É tudo culpa desse monstro covarde, nojento e
doente. Ele ferrou com a minha vida. Ele ajudou a destruir a minha infância e
não fez nada para reparar. Sem contar em todos os danos causados em outras
pessoas. Sem contar cada coisa que aconteceu recentemente por culpa da sua
maldade e do seu desprezo. — Você é um doente. Você machucou o seu filho,
espancou ele dia após dia e foi o culpado por tirar cada partícula de felicidade
dele. É um miserável repugnante. A morte é pouco para todo o sofrimento que
você causou na minha vida e no meu coração. — Sinto as lágrimas brotando em
meus olhos. — Eu passei anos com vontade de morrer. Eu passei anos rejeitando
coisas boas porque só sabia lidar com as ruins. Eu vivi um inferno e tudo é culpa
sua. Não há um pingo de carinho, respeito e amor quando penso no meu pai. Só
há dor, raiva, mágoa e angústia, porque nós não temos memórias boas. As únicas
memórias que eu tenho com você são das suas cintas cravando em minhas
costas. Vou levar cada cicatriz interna e externa até o fim da minha vida, mas eu
espero que você sofra e pague caro por cada mínima coisa; por cada arrogância,
violência, maus tratos, abandono e falta de cuidado. Espero que você morra e
queime no inferno. Espero que me veja vencer enquanto os animais comem o
resto da sua carne podre. Espero que saiba para sempre que o fraco sem amor
sempre foi e sempre será você! — Jogo a faca no chão porque não consigo.
Achei que fosse conseguir, mas não consigo. Não tenho forças e não me
preparei para esse momento. Cambaleio para trás e minhas nádegas se chocam
contra o chão. Matthew, Fred e todos os outros percebem que estou deixando
essa tarefa para eles, porque se apressam e começam a torturá-lo. É tudo corrido
e embaçado, porém vejo quando continuam batendo em seu corpo sem vida e
quando cortam a porra da sua mão. A bile me invade diversas vezes e vomito à
minha frente, despejando o líquido enjoativo com a cabeça zonza. Eles fazem
com o meu pai tudo que ele fez comigo e, no fim, atiram nele como se já não
estivesse morto.
Seco as lágrimas com as costas da mão e me levanto, tendo a certeza que,
pela primeira vez, alguém veio me salvar e me tirar desse lugar e de toda a
situação que eu e Aria fomos enfiados.
— Vou atrás da Love — informo a Matthew quando ele se aproxima. —
Se quiser, pode tacar fogo nessa casa. Só pegue um quadro com olhos azuis que
pintei no meu armário e dê fim em tudo com ele junto. Não me importo em
perder tudo.
— Ei, você não vai perder tudo. Você vai morar comigo e com o meu pai
até a faculdade. A gente vai proteger você e a Love. Eu dou a minha palavra. —
Porra, eu sabia que ele era o melhor. Não concordo com a sua vida e com o que o
pai dele faz, mas porra, quem sou eu para dar lição de moral em alguma coisa.
Sou todo errado e acabei de autorizá-los a matarem o meu pai. Só sei ser grato.
— Você sabe que eu não blefo.
— É, eu sei. — O puxo para um abraço. Bato em suas costas e solto uma
risada sem humor. — Você me salvou, Donnelly. Obrigado por isso.
Ele se afasta e dá batidinhas em meu rosto, me encorajando.
Saio correndo, olho para aquela casa horrorosa uma última vez e penso
que todos os meus monstros vão queimar junto com ela. Agora eu tenho uma
oportunidade para recomeçar e vou fazer tudo diferente.
Começando por contar toda a verdade para Love Monaghan.
E que Deus, se é que está me ouvindo em uma hora dessas, me ajude.
❝ Eu sinto isso saindo da minha garganta
Acho melhor eu lavar minha boca com sabão
Deus, eu gostaria de nunca ter dito nada
Agora eu tenho que lavar minha boca com sabão. ❞
SOAP – MELANIE MARTINEZ

MANSÃO DOS MONAGHAN, 01 DE NOVEMBRO DE 2018, ÀS


19H47MIN.
Minha mãe, eu e meu pai jantamos agora em silêncio, depois de
debatermos por um longo tempo sobre o que vai acontecer na segunda
temporada de uma das nossas séries favoritas lá na Netflix, chamada Alexa &
Katie. Comecei a assistir essa série por recomendação de uma página de fãs do
Why Don’t We, afinal, uma das protagonistas tem vários pôsteres dos meninos
como decoração no quarto, e obriguei meus pais a assistirem comigo quando
eles tinham um tempinho. Certeza que só retornaram com esse assunto porque as
coisas andam meio estranhas desde a fuga de Aria. Eles só estão querendo aliviar
o clima para mim, e eu aprecio muito isso. É bom saber que posso contar com
River e Caroline em um momento tão difícil.
Quando vou colocar mais uma garfada na boca, a campainha toca de modo
estridente. Descanso os talheres no prato e nós três nos entreolhamos ao mesmo
tempo, confusos. Não estamos esperando ninguém. Pelo menos a minha mãe e o
meu pai não avisaram nada.
— Quanta indelicadeza. — Minha mãe revira os olhos e seca o canto dos
lábios com o guardanapo de tecido bege quando a campainha toca mais uma vez.
— Parece que não pode esperar até que atendam.
Aprumo os meus ombros e fico atenta porque esse comportamento não me
é estranho.
Mas não pode ser. Ele não teria essa coragem.
É claro que tem.
Colt Carver surge exatamente como o Flash perto de nós. Pressiono os
meus lábios para não xingá-lo e deixo que meus pais iniciem essa conversa por
mim. Não vou perder meu tempo perguntando o porquê de estar aqui se em
algum momento vai acabar soltando isso.
— Ah, olá, Colt! — Mamãe muda de postura assim que percebe quem é o
tal do indelicado. Colt, no entanto, abre um sorriso forçado na direção dela. —
Aconteceu alguma coisa? Aceita se juntar a nós?
— Claro, senhora Dillon — responde ao fingir cordialidade. Ele procura
um lugar para se sentar e fica ao meu lado, de modo que fica de frente para o
meu pai e minha mãe. — Não precisa pedir para me servirem, hoje o meu jantar
será diferente. Nada de enrolações, fingimentos ou cerimônia, vou ser breve e
direto ao ponto. — Colt finca os orbes em minha figura e o sorriso que ostenta
não parece nada legal ou receptivo. Para ser sincera, parece próximo a causar
mais uma destruição. Como se aquela já não tivesse sido o suficiente. — Eu até
já conversei com a filha de vocês sobre isso um dia, mas vou repetir. Eu, Colt,
nunca entendi o que vocês, dois atores famosos e requisitados, poderiam querer
com alguém como meu pai, que sempre foi um político duvidoso. Essa questão
ficava martelando na minha cabeça, mas até então nunca havia chegado à
conclusão nenhuma, porque, segundo o que todo mundo sabe, River e Maverick
estudaram juntos e se tornaram amigos. Duas pessoas distintas que ainda
queriam manter o laço de amizade. Até aí tudo certo e tudo bonitinho. — Volta a
se concentrar em meus pais. Ou melhor, em minha mãe. — Só que as coisas não
foram bem assim, correto? A aproximação de vocês também não se resume só a
isso.
— O que você está querendo insinuar? — River parece tão confuso quanto
eu quando decide cruzar os braços.
— Ele não sabe o que está falando, querido — mamãe se apressa em dizer.
— Acho que Colt está querendo chamar atenção.
O garoto libera uma risada repleta de escárnio quando a escuta.
— Me poupe do seu teatro, Caroline. — Sua expressão se fecha
totalmente. Fica sombria e me deixa agoniada. Não estou entendendo nada. —
Agora eu estou livre e posso contar tudo. O motivo de Aria Blake ter me
procurado tem a ver com vocês. Melhor dizendo, tem a ver com nós. Tem a ver
com o que eles fizeram com ela. — Aperto a borda da mesa para o que vem a
seguir. — Como Love já sabe, Aria é órfã, conseguiu uma bolsa na St. Rose
Academy e vinha estudando e vivendo a base de uma ajuda de caridade. Mas
Aria Blake, em um certo momento, totalmente inteligente do jeito que é, passou
a desconfiar que essa coisa de ONG estava meio estranha. Então ela passou a
estudar melhor o sistema da escola e conseguiu hackear e ter acesso a tudo sobre
os pagamentos efetuados em nome da tal instituição de caridade. Foi em busca
de respostas e descobriu de quem se tratava o pagador. Ela foi até ele e exigiu
que contasse toda a história que sabia. O que ela não sabia era que ele era o seu
pai até o próprio contar a história de como ela nasceu e foi parar em um orfanato
dias depois de ser concebida. Agora o que não sabia e o que não esperava era
estar diante de um monstro prestes a ameaçá-la de morte caso abrisse a boca.
Colocou até um homem armado na porta da escola para desencorajá-la a buscar
ajuda.
Colt para por um segundo e meu coração vai a mil. Olho para o meu pai e
vejo uma interrogação pairada acima da cabeça dele. Olho para a minha mãe e
ela se encontra mais branca do que a toalha que forra a nossa mesa. Parece
prestes a desmaiar.
“Por que ela está tão afetada com a história?”, penso comigo mesma.
— Maverick Carver era o nome dele. — A revelação faz com que a gente
entre em estado de choque. — A única solução que Aria encontrou para lidar
com seu problema foi me procurar com a intenção de que eu a ajudasse. Não vou
mentir, no começo, quis que ela e meu pai se ferrassem, até porque eu não queria
problemas, mas a revelação me deixou abalado e eu senti que precisava agir.
Senti que eu precisava ser justo e fazer a coisa certa. Senti que precisava fazer
por Aria o que ninguém fez por mim. Nós dois nos juntamos na escola, já que
ninguém poderia nos ver fora dela para não levantarmos suspeitas, e montamos
um plano juntos. Precisávamos tirá-la da cidade o quanto antes, meu pai sempre
foi instável e ninguém sabia até quando ele queria deixá-la viva, a garota poderia
ser uma bomba-relógio para o seu fingimento perante a cidade. Então, como ela
simplesmente não poderia fugir, chegamos à conclusão que ela precisava fazer
um show, não só convencer a ele como a todos da cidade. Foi por isso que ela se
jogou do terraço. A minha irmã precisava mostrar que estava mal para ser levada
ao hospital e de lá fugir. Meu pai não colocaria homens na porta do hospital
porque, obviamente, a garota, segundo o que deveria acontecer, não estaria nem
consciente e seria uma coisa a menos para ele se preocupar. Mas é claro que ela
não se jogaria do terraço de verdade. Eu estava lá para auxiliá-la com as cordas
que estavam penduradas em seu corpo para que se jogasse de uma altura
consideravelmente segura para poucos danos. O problema é que uma certa
pessoa entrou para bisbilhotar e eu tive que fingir empurrá-la e quase que o
plano todo estraga. Mas deu tudo certo no fim. Aria conseguiu jogar os vestígios
para que eu pegasse tudo depois. E aí ela foi levada ao hospital e o restante
vocês sabem. — Não estou conseguindo respirar. Eu definitivamente não estou
conseguindo respirar. O pior disso tudo é que fui ver o corpo estirado da minha
melhor amiga e estava tão abalada e anestesiada que não vi corda nenhuma com
ela. Mas é claro que havia. Só isso explica o fato de não ter sofrido quase nada
com a queda. — Atualmente ela está em Cambridge, Massachussetts, estudando
em uma escola pública após ter conseguido, em meio aquele processo de
hackear a St. Rose, pegar tudo o que precisava para uma transferência e para
demonstrar que é órfã e não tem representante legal cuidando dela. Está vivendo
com uma parte do dinheiro que eu roubei da fortuna do meu pai há alguns anos
atrás, caso eu precisasse para usar em uma emergência, morando em um quarto
alugado até ganhar uma bolsa em Harvard. Porque todo mundo sabe que ela vai.
Na noite da fogueira, Colt bebeu quando fizeram a pergunta sobre ter
roubado o dinheiro dos pais em algum momento. O quebra-cabeça em que eu
tanto pensei finalmente se monta sozinho. Mas, ainda assim, há algo faltando e
tenho certeza que a história só vai piorar. Sinto isso quando ele volta a me
encarar.
— Eu não poderia te contar nada até que eu conseguisse dar um jeito no
meu pai. Eu espero que você me entenda, estrelinha. Eu e Aria ficamos com
medo. Nós dois só queríamos te proteger. Não queríamos que ele te ameaçasse
também. Ou que ele se juntasse com a sua mãe para que dessem um fim em
todos nós. — Mordisco o canto dos meus lábios e pestanejo. Minha… mãe? —
Por que você não assume agora, Caroline? Estou passando a palavra para você.
Seja verdadeira uma vez na vida.
Caroline balança a cabeça, começa a chorar e a negar desenfreadamente.
— Assuma! — Colt bate na mesa. — Assuma na frente da sua filha e do
seu marido que você teve um caso com o meu pai um ano e nove meses depois
de Love nascer. Assuma que Aria Blake é sua filha. Assuma que ela também é
irmã de Love.
Ainda bem que estou sentada, porque eu definitivamente cairia se estivesse
em pé. Nesse momento, deixei de ser atriz para ser uma mera telespectadora,
porque a única coisa que sei fazer agora é assistir calada enquanto ele me
destrói. Enquanto ele destrói todas as coisas que eu acreditava saber sobre a
minha família. Enquanto ele acaba com qualquer pensamento meu de que
éramos uma família feliz e quase perfeita. Tudo está sendo puxado e eu me sinto
em queda livre. Parece mais um maldito pesadelo. Um ainda mais horripilante e
doentio.
— Que história é essa, Caroline? — Meu pai arrasta a cadeira para trás,
flexiona os joelhos e se levanta, passando as mãos pelo cabelo. — Do que esse
moleque está falando? Me responda! Fala alguma coisa! Diz que é mentira! Você
me ama. Você é a minha mulher. Nós temos uma história linda juntos. Você não
seria capaz disso.
A minha mãe continua chorando, como se realmente sentisse culpa e
arrependimento.
— Foi uma única vez — Caroline confessa, fazendo o meu mundo ruir
junto com o do meu pai. Ele se quebra em nossa frente e eu me quebro mais um
pouco. O sofrimento dele é o meu. Somos o espelho um do outro. E a mulher
sentada à minha frente eu já não reconheço mais. — Maverick tinha brigado com
a esposa naquela noite em que nos encontramos em um pub, depois da gravação
de um dos nossos filmes. Você estava ocupado demais jogando conversa fora
com os fãs presentes naquela noite para sequer prestar atenção em mim, na sua
mulher que te amava e que tinha te dado um bebê lindo. Fui para fora do lugar
para tomar um ar e ligar na intenção de saber notícias da minha pequena, que
estava com a babá. Maverick me seguiu, viu o quanto eu estava abalada e cuidou
de mim. Nós ficamos juntos no carro dele e logo depois, vimos que havia sido
um erro porque amávamos demais nossos companheiros. Prometemos esquecer
o ocorrido e cada um seguiu com a sua vida, mas aí, aí eu descobri que estava
grávida e entrei em desespero. Contatei o seu pai, Colt, e ele implorou para que
eu abortasse. Mas eu não queria fazer aquilo. Eu não achava certo. Então
chegamos a um consenso de que eu deveria inventar uma viagem de trabalho
comunitário e ter a minha gestação em um outro país. E tudo isso com a ajuda
dele, claro. Quando o meu bebê nasceu, Maverick a arrancou de mim e disse que
cuidaria do problema. Eu nunca soube que fim a criança tinha levado. Eu nunca
soube se ela estava para adoção, morta, dentro daquele país ou fora. Eu nunca
poderia imaginar que ela era a melhor amiga da minha filha e que estava debaixo
do meu nariz esse tempo todo. Deixei essa história para lá só para preservar meu
casamento e a minha família. Por favor, acreditem em mim, River e Love. Eu
amo vocês.
Meu pai fica hiperventilando e parece chocado demais para reagir. A
minha sorte é que Colt se levanta, vai atrás do meu pai e o tira daqui o mais
rápido possível, com pena dele e do estado em que se encontra. E é claro que ele
está acabado. River Monaghan é louco e apaixonado por essa mulher. Ele
sempre costuma dizer que ela foi o maior presente que a arte lhe deu. E agora
recebe isso em troca. Que merda de mundo injusto.
Meu sangue ferve completamente e eu perco a cabeça só por ela seguir
chorando e se fazendo de desentendida. Perdi tantas coisas por culpa dela. Em
relação a absolutamente tudo. Quase perco Aria, quase perco Colt, quase perco a
mim mesma. Caroline Dillon tentou me sabotar um milhão de vezes e eu nunca
percebi. Eu sempre a defendi e a amei com todo o meu coração, mas agora
consigo enxergar tudo com muita clareza. A minha mãe mente e engana, é por
isso que não acredito em nenhuma palavra que fala sobre o ocorrido. Não sei
quem é mais podre, ela ou Maverick Carver. A minha mãe sempre fora uma
personagem de mulher perfeita dentro de uma profissão e família perfeitas. E ela
queria me levar para o mesmo buraco junto com ela. Caroline Dillon queria que
eu me tornasse um fantoche para que ela pudesse brincar como bem entendesse.
Não passa da porra de uma narcisista.
— Você vai arrumar as suas coisas agora e dar o fora dessa casa e das
nossas vidas. Vá para bem longe e suma. — Estou impondo isso porque,
conhecendo meu pai como o conheço, não vai perdoá-la. Agora acabou de vez.
— Mande alguém vir buscar as suas coisas outro dia, mas vá embora agora
mesmo. Eu e meu pai não precisamos de alguém como você. Vamos ser fortes e
enfrentar juntos essa bagunça que você vai deixar. Ele é o meu tudo e eu vou ser
o dele. — Deixo que as lágrimas caiam, mas estou tão farta de estar chorando.
Estou tão farta de me deixar levar por emoções. Eu vou ser firme até o fim. Ela
está deixando um buraco enorme em meu coração, vai ser difícil suportar uma
vida sem ela, mas não há perdão para tamanha mentira, traição e crueldade com
uma criança indefesa. Minha mãe ferrou com a vida da minha melhor amiga. Ou
melhor, da minha irmã. Caroline a abandonou e a deixou a mercê de um mundo
tão terrível quanto ela. Estou fazendo isso por mim, porque já chega de lidar com
o lado abusivo e controlador dela, dando a desculpa de que é amor e que é tão
afetada pela mídia quanto eu, estou fazendo isso pelo meu pai e principalmente
por Aria. Estou fazendo por uma vida melhor e mais tranquila para todos nós. —
Trate de se cuidar. Faça terapia e acompanhamento psicológico, porque você
precisa. É narcisista, manipuladora e egocêntrica. Estou morrendo de raiva de
mim mesma por ter ignorado todos os sinais e procurado mil desculpas no
mundo para camuflar esse seu lado ruim. Mas agora é a hora de eu voar de
verdade. Você ainda estava me prendendo e me sufocando. Agora eu vou ser o
que eu quiser ser. Agora eu vou usar as roupas que eu quiser e ser a melhor atriz
da Broadway. E você, mamãe, espero que nem a fama te queira mais. Vai ficar
tão sozinha e tão abandonada quanto Aria um dia ficou.
Ela abre os lábios para falar, provavelmente dar infinitas desculpas e dizer
que me ama, mas corto o mal pela raiz, interrompendo-a.
— Eu não quero que você diga nada. Eu quero que você pegue as suas
coisas e vá embora. Aproveite que estou sendo boazinha e fazendo as coisas pelo
lado mais fácil. Porque, caso queira o difícil, posso ligar agora mesmo para
algum repórter ou site de fofoca e contar para cada um deles o que acabei de
descobrir da queridinha de Hollywood. É pegar ou largar.
Caroline fecha a cara, porque esse é o seu ponto fraco, obviamente, e
arremessa todas as coisas da mesa de jantar no chão, fazendo o seu show antes
de ir embora. Ela me olha nos olhos e não há mais nenhum traço da mulher que
me criou. Muito menos da que estava chorando há alguns segundos.
— Sem mim, vocês todos são um fracasso. Vão morrer na amargura.
Respiro fundo, seco as minhas bochechas e aprumo os ombros.
— Algo em mim diz que será o contrário.
Caroline arrebita o nariz e sai andando como se nada tivesse acontecido,
sumindo do lugar que costumávamos fazer tantas reuniões em família.
Inspiro. Expiro. Inspiro. Expiro.
Vou ser forte por você, pai. E por você também Aria.
Escuto a porta bater com força e quase sobressalto. É. Minha mamãe foi
embora. Achei que Colt Carver fosse uma farsa, mas, na realidade, era ela.
Sempre foi ela e a gente nunca enxergou.
O garoto surge em meu campo de visão. Pisco os olhos quando se
aproxima. Me sinto em um estado de letargia tão grande que me firmo nele para
não cair.
— Como ele está? — questiono.
— Deram calmante para ele. Agora está deitado e chorando calado —
responde ao erguer meu queixo. — E você, estrelinha, como está?
— Péssima. — Dou de ombros e controlo a vontade de chorar e me jogar
nos braços dele. — Mas vou melhorar. Por que resolveu dizer tudo isso hoje?
— Se eu te contar, acho que você nem vai acreditar.
E eu nem acredito mesmo quando Colt me conta sobre Matthew, o pai de
Matthew e Maverick. Meu queixo cai à medida que ele vai me contando cada
acontecimento da noite para que pudesse chegar aqui. Carver diz que não pensou
em nada e que nem quis esperar mais tempo. Tudo que ele mais queria era me
encontrar e me ter de volta.
Mas também não estou pronta para ter essa conversa. É algo que
precisamos resolver com calma e, no momento, só quero ficar ao lado do meu
pai. Colt entende e respeita meu ponto de vista, se despede de mim, deposita um
beijo em minha testa e vai embora, provavelmente para a casa de Donnelly
agora.
Antes de passar a noite no quarto com River, entro no meu para pegar
algumas coisas e vejo, bem a tempo, o meu celular tocando. Corro para pegá-lo
em minhas mãos e meu coração acelera com o “número desconhecido”
aparecendo na tela.
Atendo e tudo gira com a voz conhecida.
— Oi, irmã. Colt me liberou para te ligar. — Ah, merda, já estou
soluçando. Ela é a pessoa que mais amo no mundo. Não acredito que a nossa
ligação é realmente tão grande assim. Sempre desconfiei que havíamos sido
irmãs em outra vida, mas somos nessa. Somos irmãs de sangue. Somos a família
uma da outra. — Me perdoa por tudo. Me perdoa por ter ficado estranha e te
afastado, eu só não sabia como olhar no seu rosto e esconder tudo o que eu
sabia. Eu te amo tanto, Love. Eu fiz tudo isso para nos proteger. Eu não queria
morrer. Eu queria viver uma vida plena ao seu lado, porque você é tudo o que eu
mais tenho de precioso no mundo. É a minha pequena. É a minha Florzinha. É a
minha irmã mais velha que logo, logo fará dezessete e que eu irei encontrar.
Desculpa falar de forma desenfreada, pode falar agora. Esse papel sempre foi
seu.
Dou risada ao ouvi-la brincar do outro lado da linha.
— Você não precisa pedir desculpas por nada. Você é a pessoa mais forte e
corajosa que eu já conheci. Eu te amo mais do que tudo. — Mordo o polegar
para evitar que meus lábios tremam por alguns segundos. — E eu que peço
perdão por ter sido tão birrenta. Agora, por favor, me conta como está sendo aí.
Já posso imaginar que não vai querer voltar mais, não é? Essa cidade sempre foi
o seu sonho.
— Você sempre me conheceu tão bem. — Há uma pausa e sei que também
está chorando. — Não vou voltar. Estou amando a cidade, Love. Estou amando
ficar pertinho de Harvard e longe de Fort Lauderdale. Não me entenda mal, eu
amo você, mas essa cidade nunca me trouxe coisas boas. Ela é a lembrança de
um passado que quero esquecer. Vou ficar, focar nos meus estudos e te visitar
quando eu puder. Tenho certeza que você vai vir me ver também. — Confirmo a
cabeça e sorrio como se Aria pudesse me ver. — Não é o fim. É o começo das
nossas vidas, irmãzinha. E saiba que já fiquei sabendo de tudo. Meu irmão mais
velho me contou. — Ela ri do outro lado e funga. — Estranho falar isso, não é?
Pois é, ainda não me acostumei também. E eu estive enganada a respeito de
Colt Carver esse tempo todo, Love. Ele se arriscou e se sacrificou para que eu
pudesse ter uma vida melhor. Ele preferiu te perder, mesmo que doesse mais do
que tudo, do que ver Maverick colocar as garras em mim. Nós dois, nesse pouco
tempo juntos, criamos um laço muito forte... Foi por isso que disse para você
confiar nele. O babaca te ama mesmo, garota. Você derreteu aquele coração de
gelo.
Meu coração martela contra o meu peito. Acho que agora não me restam
mais dúvidas.
Aria começa a me contar sobre como descobriu tudo. Ela conta que, após
eu ter saído do seu dormitório naquele dia, não foi jogar no computador coisa
nenhuma, foi invadir o sistema da escola mais uma vez. Contou também que não
respondeu a minha mensagem porque foi exatamente no dia em que soube sobre
Maverick e Caroline, então não sabia como agir na minha frente. Depois disso
eu já descobri, mas ela insiste em falar também. Minha irmã fica surpresa
quando eu conto sobre ter expulsado a minha mãe e também diz que acredita que
a mesma já deveria saber sobre ela ou pelo menos desconfiar por conta da
aparência, já que Aria realmente lembra Maverick; os fios lisos e pretos, os
olhos e a boca.
Parando para pensar, como ninguém havia prestado atenção antes? Aria
Blake tem o gênio todinho de Colt Carver.
Quando ela desliga, sinto meu peito se aquecer.
Não é o fim. Isso aqui é só o começo das nossas vidas.
ST. ROSE ACADEMY, 04 DE NOVEMBRO DE 2018, ÀS 13H.
Passou no jornal que Maverick Carver sofreu um atentado dentro da sua
própria casa, que depois pegara fogo com ele dentro. Os bandidos não deixaram
vestígios e as câmeras foram desligadas. Também falaram que Colt, o único filho
do finado Senador de Fort Lauderdale, está inconsolável porque estava na casa
de amigos quando aconteceu a tragédia.
Ainda continuam falando sobre isso quando se liga a televisão. Pelo menos
Fred Donnelly sabe o que faz e não deixa rastros. O cara é poderoso pra cacete.
A última vez que falei com Colt foi por troca de mensagens. Ainda não nos
vimos pessoalmente. Também, a escola está uma loucura desde que o diretor
Fallon anunciou mais cedo que todas as séries High School vão fazer uma
viagem para Nova York em dezembro. Confesso que eu surtei muito, porque,
mesmo já tendo visitado a cidade que nunca dorme várias vezes, nunca me canso
de ir para lá. A verdade é que mal vejo a hora de poder me mudar para
Manhattan e entrar na Broadway. O começo da minha vida vai ser na grande
maçã. Todos os meus sonhos residem lá.
Paro de divagar quando vejo Jordyn Jensen correndo com seus saltos, as
pastas cor de rosa agarradas contra o corpo e a bolsa da Chanel balançando
conforme vem até mim.
— Love Monaghan, estão exigindo a sua presença no Teatro agora. — Ela
sopra uma mecha do cabelo escuro que cai na frente de seus olhos verdes assim
que toca em minha mão. — Anda, anda. Venha comigo.
Deixo que me puxe e nem faço perguntas, porque sei que essa garota não
fala nada quando fica eufórica. Estamos próximas demais, por esse motivo já
tinha prestado atenção nisso.
Sim, ela ainda não fala com Paris Sloan. As duas continuam brigadas e de
relações cortadas. Mas não sei até quando vai durar. JJ parece ter uma
dependência emocional muito grande pela capitã das líderes de torcida. Vira e
mexe chora em meu ombro com vontade de ligar para a loira. A sorte dela é que
tem a mim para controlá-la.
Balanço a cabeça de um lado para o outro e afasto o sorriso, quase me
batendo com as pessoas pelo meio do caminho por conta da pressa de Jordyn
Jensen. Peço desculpas para algumas com um sorriso amarelo enfeitando os
lábios e gasto meus coturnos ao sair do bloco, correr pelos arredores da escola e
chegar até o Teatro. Quando alcançamos a porta, JJ me empurra para dentro e
some tão depressa que nem uma bala a pegaria.
Eu, hein.
Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha e passo pelo
tapete vermelho do Teatro. Está tudo escuro e não parece ter ninguém aqui
dentro. Olho para todas as cadeiras da plateia conforme ando e dou um único
passo para trás quando o refletor faz barulho, acende e clareia a figura de Colt
Carver em cima do palco.
Estreito os olhos e espalmo a cintura.
— O que pensa que está fazendo aí?
Colt fica em silêncio, dá de ombros e estende a mão para eu subir.
Transformo os meus lábios em um biquinho pensativo e deixo que me erga até
que eu fique em sua frente. Encaro a profundidade negra de seus olhos e as
minhas pernas amolecem quando me encara de volta. Tudo que há de mais
intenso brilha ao redor das bordas. A sua mão permanece grudada na minha e os
polegares fazem um carinho circular nos nós dos dedos.
— Queria me abrir com você aqui, no seu lugar favorito. — Ah, céus. E lá
vamos nós. — Aqui atrás das cortinas e no lugar onde me dei conta do que
estava sentindo por você pela primeira vez. — Me trazer aqui é sacanagem. Vou
chorar de novo. Ah, meu Deus, preciso prestar atenção e parar de falar comigo
na minha própria mente. — Vai ser piegas repetir isso tudo outra vez, mas acho
que é válido, já que é a verdade. Eu queria te pedir desculpas se lhe causei algum
dano. Óbvio que eu não tinha a pretensão de nada, agora você sabe a verdade e
entende, porém posso ter feito isso no meio do caminho, afinal, sou todo errado
e não estou acostumado com esse lance de fazer coisas boas e amar alguém. Mas
tudo o que eu disse é verdade. Eu nunca quis te machucar, Love. Eu amo você
como nunca amei ninguém. Acho que amo você desde que assisti Enquanto Você
Vive escondido atrás do sofá. — A revelação me deixa surpresa, pois nunca havia
passado pela minha cabeça que ele tinha assistido à pequena participação que fiz
no filme dos meus pais. — Te afastei porque você era tudo o que eu não
conhecia e eu sentia medo da sua alegria. Agora ela é tudo o que eu mais quero.
Preciso recomeçar e sair da escuridão. Preciso que você seja a minha cor e a
estrela mais brilhante do meu céu. E, mais uma vez, me perdoe. Me perdoe por
ter te feito chorar, Love. Eu prometo que a partir de agora, mesmo que eu não
saiba como, vou me sacrificar para te ver sorrir. Só volte para mim. Vamos
recomeçar juntos.
Sorrio em meio às lagrimas — sou a pessoa mais chorona desse mundo, aff
—, e balanço a cabeça afirmativamente.
— Quem tem que pedir desculpas aqui sou eu. — Pisco e seco meu queixo
com o ombro. — Falei um monte de merda e te chamei de tudo quanto é nome.
Te desprezei, te maltratei e te julguei como monstro quando, na verdade, você
estava se sacrificando para ajudar Aria, nossa irmã. Você foi uma pessoa muito
nobre e eu agradeço demais por isso. Agradeço demais por ter cuidado da minha
melhor amiga por mim. Agradeço por ter aguentado até o fim e por não querer
desistir de mim mesmo após tudo isso.
— Você não teve culpa, estrelinha. Você não teve culpa de nada. Não teria
como você saber e adivinhar o que estava acontecendo. Seus olhos viram aquela
cena e, sinceramente, qualquer um pensaria o mesmo. — Eu me jogo nele, sem
aguentar mais esperar, e afundo o nariz em sua camisa social, inspirando seu
cheiro. A sensação de pertencimento explode o meio do meu peito.
— Eu amo você — assumo sem medo, porque é o que eu sinto. — Eu amo
você, capitão.
— Ah, porra, vou querer escutar isso para sempre.
Tombo a minha cabeça para trás e o observo.
— E como está seu pai?
— Está bem. Está melhorando aos poucos. Hoje ele já conseguiu se
levantar, sair do quarto e tomar café comigo, conversamos e tudo. Estará
recuperado em alguns meses.
— Lembra daquele fotógrafo que nos perseguiu? — Faço que sim, e ele
engole a seco. — Fui atrás dele e o ameacei para que me contasse o que estava
fazendo ali. Ele disse que Caroline Dillon o havia contratado para tirar fotos da
sua filha. Acredito que a sua mãe queria que você voltasse aos holofotes sendo
vista comigo, o filho do Senador.
Meu sorriso murcha na mesma hora. Ainda dói muito saber que a minha
mãe é capaz de decair cada vez mais em meu conceito.
— Vou fazer você feliz — sussurra quando me vê cabisbaixa.
— Nós vamos — garanto. — Estaremos todos nós recomeçando.
É o início de uma vida livre e repleta de sonhos. Tenho o meu capitão, o
teatro, Nova York, Broadway, Aria, meu pai, Jordyn, Matthew e Dariel e não
preciso de mais nada.
Atrás das cortinas, me sinto mais do que suficiente e pronta para desbravar
o mundo.
❝ Não há nada que você não possa fazer
Agora você está em Nova York
Essas ruas vão fazer você se sentir novo em folha
As grandes luzes vão te inspirar
Salva de palmas para Nova York, Nova York. ❞
EMPIRE STATE OF MIND – JAY Z

NOVA
YORK, 19 DE DEZEMBRO DE 2018, ÀS 16H09MIN.
Nunca visitei a Big Apple.
Muito menos achei que isso fosse acontecer um dia junto com os meus
amigos e com os alunos da St. Rose Academy, que parecem extremamente
animados com a possibilidade de visitarem os pontos turísticos como se nunca
tivessem pisado os pés nessa cidade.
Às vezes as pessoas dessa escola são tão sonsas.
Estamos todos hospedados no mesmo hotel que, claro, é um da família
Chevalier. Dariel não para de se gabar e mostrar a sua suíte privativa do tamanho
de um apartamento lá no último andar desde que chegou. Tem até piscina e tudo.
Mas, sinceramente, eu entendo o meu amigo. Esse hotel é luxuoso e bonito pra
cacete. Não tem janela, o que circunda os quartos é um vidro que vai do chão ao
teto e que possibilita ver com muita exatidão cada um dos arranha-céus dessa
cidade movimentada. Minha cama fica de frente para mais um condomínio
luxuoso e essa é a pauta que Love Monaghan levanta quando decide fugir do
quarto que está dividindo com Jordyn para ficar embolada nos meus lençóis
enquanto comemos comida coreana.
— Você não pode fazer greve de sexo — reclamo quando a minha
namorada torna a comentar sobre não querer transar comigo porque todo mundo
vai ver. Remexo os jeotgaraks no ar à medida que me torno ainda mais
indignado. — Estrelinha, pelo amor de Deus, eu preciso que você abra as pernas
para mim aqui. Eu tô com um puta fetiche de te pegar de jeito contra aquele
vidro. Imagina só você em pé, eu atrás e Nova York inteira vendo. Ia ser muito
divertido — enfatizo a palavra ao prolongar as sílabas.
Love ri da minha cara como se eu estivesse contando alguma piada. Ela
gargalha de boca cheia, afunda na cama e os cabelos castanhos iluminados se
espalham pela fronha branca do travesseiro. É a cena mais linda de todas, porque
se encontra completamente confortável e parecendo um anjo sem asas. Meu
coração tamborila ao som da sua risada e tento fazer cara de bravo. Pouco a
pouco, no entanto, vou entrando na sua onda e gargalhando junto. Tiro nossa
comida da cama, coloco-a na mesinha ao lado e ando de joelhos sobre o colchão
macio, tentando fazê-la para de rolar de um lado para o outro.
— Você não pode ficar rindo da minha cara como se eu fosse um idiota. —
Me jogo em cima dela e abraço o seu corpo, que treme sob o meu de tanto que ri.
— Eu estou falando algo sério e você precisa me ouvir. Meus fetiches têm que
ser levados a sério.
— Ah, cala a boca, Colt. — Revira os olhos de brincadeira e para de soltar
sua risada engraçada de porquinho. Só o sorriso grande permanece. — Sabe o
que tem que ser levado a sério? — Ergo uma sobrancelha diante da sua
expressão. — Meu ingresso do espetáculo da Broadway de hoje. Não podemos
perder por nada nesse mundo.
— Não vamos perder. As nossas cadeiras são as melhores e você vai poder
ficar lá sonhando enquanto não chega a sua vez de arrasar naqueles palcos.
Ela aperta as minhas bochechas com as mãos e beija a minha boca
rapidamente.
— Também vai comigo ver o campus da NYU?
— Sim.
— E visitar Manhattan?
— Também. Já disse que vamos fazer os passeios que quiser, estrelinha.
O sorriso de Love triplica. Parece aquela mesma garotinha sorridente e
colorida que vi pela primeira vez na minha antiga casa. Eu sempre soube, no
fundo, que o nosso destino era esse; juntos e planejando um futuro. Porque sou
capaz de ir para qualquer lugar que ela for. Porque sou capaz de enfrentar
guerras e mais guerras por ela. Porque sou capaz de sangrar e viver pelo sorriso
dela. Desde que decidiu voltar para mim, as coisas estão dando certo na minha
vida. Os Fort Red Knights estão avançando no campeonato, a casa de Matthew,
mesmo com uma movimentação sucinta para não levantar suspeitas, é
reconfortante, segura e não me causa calafrios. Fred vem se mostrando uma
pessoa muito fiel e responsável. Ele me acolhe, mas não se mete em minha vida.
Assim como eu também não me meto na dele. Aria fala conosco todos os dias e
vem nos visitar assim que o aniversário da irmã chegar, dia 31 de dezembro,
exatamente perto da virada de Ano Novo. Sem contar que raras são as vezes que
lembro de Maverick e das noites que mudaram a minha vida. Mantenho a
memória da minha mãe e sigo no caminho de tentar ser alguém na vida para que
se orgulhe do filho que deixou no mundo.
Não há nada mais para dar errado.
— Colt? — Love me chama assim que percebe que estou divagando e
perdido em memórias. Ela sempre se preocupa que eu me feche no meu mundo
quando estou assim. Mas isso nunca mais vai acontecer.
— Hm?
— Quando você vai me dar aquela tela em que pintou os meus olhos?
Ah, isso. Love descobriu sobre a tela em que pintei o azul dos seus olhos
assim que veio me ajudar na adaptação à casa de Matthew e viu ela escondida
embaixo da cama. Minha estrelinha ficou radiante e apaixonada, então, desde
então, não para de me pedir ela de presente. Mas aquela tem um significado tão
grande para mim. Realmente sou muito apegado a tudo que ela representa.
— Um dia.
A garota abre a boca para falar alguma coisa, mas para totalmente quando
uma movimentação começa a acontecer lá fora, no corredor do hotel. Parecem
serem gritos, coisas sendo arremessadas e brigas. Pulo da cama e corro para a
porta ao mesmo tempo em que Love. Olhamos o corredor de um lado a outro e
nos deparamos com Jordyn Jensen e Matthew Donnelly em uma briga caótica e
generalizada que faz todo mundo sair dos quartos só para bisbilhotar o que está
acontecendo.
Estava demorando... Tudo estava calmo demais.
— Esquece que eu existo de uma vez por todas, Matthew! Quando é que
você vai crescer e superar o fora que eu te dei quando tínhamos catorze anos? —
Jordyn grita e faz com que eu e Love abramos a boca em um perfeito O. — Faz
anos que você me perturba e eu cansei de fingir e ficar nesse jogo de que não nos
conhecemos e temos um passado. — A garota raivosa joga um salto na direção
dele, que se agacha para não ser atingido. Matthew parece prestes a voar em
cima dela. — Nós temos e ele acabou. Supere. Eu não amei você do jeito que
você me amou e está tudo bem. Coisas como essa acontecem o tempo todo. Você
não é o primeiro e não vai ser o último homem que teve um coração partido por
uma mulher. Lide com isso e me deixe em paz!
Meu queixo provavelmente atinge o chão.
— Vamos ver como você vai lidar quando eu começar a te infernizar de
verdade. Aprenda a ser mais resistente porque eu vou foder com a sua vida, JJ
— Donnelly ameaça, depois se vira para todos nós e levanta as mãos. — É, essa
garota aí, a princesinha de vocês, é a ex-namorada que me transformou nisso
aqui. — Aponta para si e sorri sem humor nenhum, os olhos flamejando. —
Voltem para os seus quartos. Andem. O show acabou e o palhaço está saindo do
picadeiro.
Com isso, tenho certeza que a maré acaba de subir e um temporal daqueles
está prestes a se fechar em Fort Lauderdale.
Pelo visto parece que até eles vão querer recomeçar de alguma forma.
Não quero nem estar aqui para testemunhar esse tornado.

FIM
Espero vocês no livro da Jordyn e do Matthew, o segundo livro da
Trilogia Backstage.
Gente do céu, escrever Behind foi uma experiência surreal de incrível,
mesmo que tenha sido bastante difícil em certas partes. Quando a ideia veio para
mim, eu soube na mesma hora que precisava contar a história de Colt Carver e
Love Monaghan ao mundo e sair da minha zona de conforto. Eu soube na
mesma hora que precisava dar voz a esses personagens que ficavam martelando
em minha cabeça desde a hora que eu ia dormir até a hora que eu acordava. E eu
espero que você, leitor, tenha gostado dessa história intrigante, complexa, difícil
e, claro, apaixonante. Espero que você tenha se divertido, se emocionado,
passado raiva e que tenha saído com o coração quentinho e com aquela
pulguinha atrás da orelha sobre o que vai acontecer entre o menino Matthew e a
nossa JJ. Espero que ela tenha te tocado e te ensinado de alguma forma,
exatamente como fez comigo.
Gostaria de começar agradecendo a Deus, claro, por ter me dado força e
por ter me mostrado que Behind tinha um propósito em minha vida, não me
deixando desistir nas inúmeras vezes em que pensei que não fosse conseguir.
Gostaria de agradecer também a meu pai, que há dez meses virou uma estrelinha
e agora me guia e me dá amor de lá de cima. Se hoje eu estou aqui, lançando
meu quarto romance e seguindo com o meu sonho, é porque ele foi o meu maior
influenciador e incentivador. Espero que esteja muito orgulhoso e muito feliz da
filha que deixou para, de alguma forma, mudar o mundo e a vida de inúmeras
pessoas com a sua arte. Espero que esteja celebrando comigo lá de cima. Na
verdade, sei que está, porque ainda consigo sentir o seu amor.
Obrigada, mãe, por me encorajar tanto e por nunca, jamais, duvidar de
mim. Tudo o que eu faço e vou continuar fazendo é pela senhora. Eu te amo
mais do que qualquer coisa no mundo. Obrigada a toda minha família, que
sempre faz o possível e o impossível por mim; irmãos, tios, primos.
Obrigada a Reh, Bia, Kim, Leonor, Mah, Gi, minhas amigas e betas que
surtaram e me ajudaram tanto com esse livro. Eu realmente não tenho palavras
para o suporte incrível que todas vocês me deram e ainda continuam me dando.
Sem deixar de mencionar Genevieve, minha designer maravilhosa, e Stephany,
minha revisora incrível e que cuidou tão bem desse bebê para que ele saísse o
mais perfeito possível. Saibam que eu, Love, Colt e todos da St. Rose Academy
agradecemos muito a vocês pela paciência, carinho e muito, muito amor. Isso
aqui é nosso.
Rary e Carol, as componentes do meu Trio de Ouro, vocês duas são tudo
para mim e me ajudam mais do que podem imaginar. E isso em qualquer mínima
coisinha. Obrigada por permanecerem ao meu lado por anos, por serem tão
compreensivas quando eu dou os meus sumiços por passar horas escrevendo e
por sempre, sempre mesmo, vibrarem com as minhas conquistas. As amizades
que eu escrevo sempre têm um pouquinho de vocês duas. Amo vocês.
Leitoras, minhas motoqueiras, obrigada por tudo que vocês fizeram e
fazem por mim. Acho que nunca vou saber pôr em palavras tudo o que sinto
quando vejo e penso em cada mensagem, cada surto, cada agradecimento e cada
vitória que conseguimos. É tudo tão surreal que eu custo a acreditar que é tudo
verdade mesmo. Muito obrigada. De coração.
Espero cada um de vocês no próximo lançamento. Fiquem de olho nas
minhas redes socias para não perderem nenhuma atualização.
Matthew e Jordyn esperam a gente com muita briga, caos e confusão.
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