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COPYRIGHT © 2023 VITÓRIA MENDES

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pirateado. Não contribua com distribuição ilegal.
Esta obra é fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos
são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência.

CAPA:
Vitória Mendes
DIAGRAMAÇÃO:
Brooke Mars (@_brookemars)
Vitória Mendes
LEITURA CRÍTICA:
Ana Paula Ferreira (@ferreirareads)
REVISÃO:
Camille Gomes (@k.millereditorial)
Stephany Cardozo Gomes (@sterevisa)
ILUSTRAÇÕES:
Eduarda Oliveira (@arda.arts)
Gabriela Góis (@olhosdtinta)

Além da Distância - Parte I


[Recurso Digital] / Vitória Mendes - 1ª Edição; 2023
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. Jovens Adultos 4. Ficção
Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.
SUMÁRIO
AVISO
NOTAS
PLAYLIST
PRÓLOGO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPITULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 33
AGRADECIMENTOS
ATÉ MAIS, LEIA TAMBÉM!
Este livro apesar de fazer parte de uma série, ele pode ser lido
separadamente pois não afeta na leitura, contudo, se você deseja uma
melhor experiência do universo pode optar por ler na ordem.
NÃO PULE A NOTA, POR FAVOR!
Olá, tudo bem? Espero que sim!
Gostaria de primeiro te agradecer pela leitura, e dentre tantos outros
livros vir parar aqui.
Antes de você começar a leitura queria te pedir para ler a primeira
parte da história de Grey e Allie de coração aberto, como se fossem seus
melhores amigos contando um pouco sobre a vida deles, pois aqui você não
vai encontrar nada romantizado, apesar de fictícia eu gosto de trazer
assuntos reais, pessoas reais, portanto assim como eu e você, eles irão
acertar, errar, gritar, xingar e amar. Caso você já tenha lido algum dos
outros livros da série, sabe bem que você faz parte dessa found family muito
unida, que está sempre ali uns pelos outros, mas que também adoram
discutir entre si. Contudo, se essa é sua primeira experiência na série
Beyond, seja bem-vindo a nossa família caótica, e pretendemos que você
nunca saia dela e nunca desista, pois aqui, não há mocinho nem vilão, há
pessoas, e elas erram, têm suas inseguranças e fogem quando as coisas
ficam complicadas.
Eles também são confusos, e quem não é? Eles estão se descobrindo
e descobrindo também o amor que sentem um pelo outro.
E é exatamente isso que vocês vão encontrar em Grey e Allie, duas
pessoas que se amam profundamente, que erram para um cacete, e que
estão dispostos a ficarem juntos quando um conhece as intenções do outros.
Porém nada é tão fácil assim, não é mesmo?
Nessa primeira parte, que é pequena comparada ao restante da
história, eu apresento a vocês o início do romance de Allison e Greyson, e
sendo bem sincera toda essa primeira parte eu a chamo de “prólogo”, e as
vezes de “introdução”, portanto, saiba que ao terminar esse primeiro livro
você ficará ansiando pelo segundo, mas por favor, não me peça terapia, que
desse tipo de DM eu já estou cheia (estou brincando tá?! Pode ficar a
vontade para me chamar, minha DM e também o grupinho no whats está
sempre aberto para você)
Por fim gostaria de alertar você sobre os gatilhos do livro, que são:
depressão, crise de pânico, uso de ansiolíticos tarja preta em alta dosagem
explicito, luto, consumo de álcool, cenas de sexo explicitas e palavras de
baixo calão.
Em caso de sensibilidade a qualquer assunto citado acima, não leia,
mas se mesmo assim desejar seguir em frente e durante a leitura se sinta
mal, fique a vontade para parar, sua saúde mental é o que mais importa
aqui.
Acho que é isso por agora...
Caso esteja pelo celular, clique aqui!
Para todos aqueles que deitaram em posição fetal e tiveram medo de
amar, e por cada vez que engoliu um “eu te amo”.
Eu te conhecia
Indo embora como um pai
Correndo como água
E quando você é jovem, eles deduzem que você não sabe nada

CARDIGAN | TAYLOR SWIFT


Porque nós éramos apenas crianças quando nos apaixonamos
Não sabíamos o que era
(...) Seu coração é tudo o que eu tenho
E em seus olhos você está segurando o meu
PERFECT | ED SHEERAN

15 de julho de 2015

“Querido diário, essa não é uma história de amor, mas uma história
de como eu me apaixonei pela filha do meu futuro padrasto...
Eu poderia dizer que aquele era mais um fim de tarde de um
domingo qualquer, enquanto eu saía da escolinha de futebol e ia para casa
caminhando, como sempre, porém, eu sabia que algo iria acontecer
naquele dia.
O sol era forte, e nenhuma nuvem dava qualquer indício de chuva,
entretanto, o vento era gélido e causava arrepios sempre que entrava em
contato com minha pele. Minhas mãos, que tremulavam devido ao frio,
estavam escondidas dentro dos bolsos do meu casaco, o capuz do moletom
cobria minha cabeça conforme eu andava de cabeça baixa.
Um homem vestido em um terno preto de três peças passou por mim
correndo.
— Allison, querida! Cadê você? — ele gritou, e eu olhei para trás.
O homem era alto, com ombros largos e cabelos loiros escuros,
aparentava ter a mesma idade dos meus pais, ele voltou a andar, olhando
para todos os lados e ainda chamando o nome da garota, e eu continuei
meu caminho para casa.
Virando a esquina, escutei um grito fino, foi apenas aí que eu entrei
em alerta e finalmente levantei a cabeça, então eu a vi...
Cabelos loiros quase dourados cobriam seu rosto, que estava baixo,
olhando para o tornozelo que sangrava.
— Você precisa de ajuda? — perguntei, ao me aproximar e me
agachar.
— Não — rosnou, tentando se levantar.
— Me dá sua mão — pedi, estendendo a minha, a fim de ajudá-la.
— Nã... — começou a responder, mas logo sua voz perdeu a força
quando nossos olhares se cruzaram.
Eu acredito que foi ali que eu me apaixonei por ela, nós passamos
alguns segundos nos encarando, mas para mim, naquele instante, pareciam
minutos, horas, uma vida inteira.
Certo que eu era uma criança, ainda sou, afinal passaram seis
meses desde aquele dia, e continuo tendo apenas treze anos. Contudo, ela
me olhava na mesma intensidade que eu tinha meu olhar nela, seus azuis
turquesa tinham um brilho único que continuava a chamar atenção, mesmo
quando sua pupila começava a dilatar. Pude notar também, as pequenas
sardas clarinhas ao redor dos seus olhos e na pontinha do nariz, que se
franziu.
Em seguida, meus olhos pararam em seus lábios rosados, que
sorriram, na mesma hora em que os cantos da minha boca se ergueram. Eu
sabia que eu era muito jovem para pensar naquilo, quer dizer, eu ainda
sou. No entanto, meu corpo e minha cabeça vibravam de uma forma
diferente, e foi estranho, pela primeira vez sentir minha boca salivar por
algo que não fosse comida. Algo me dizia que eu deveria beijá-la.
Precipitado, mais uma vez, eu sei.
Naquele momento, eu lhe ofereci minha mão novamente, e dessa
vez, ela pegou, sem hesitar, porém, logo a soltou, ao dar um pulo,
assustada.
— Allison! — a voz de um homem gritou, mas agora, o que me tirou
de órbita, foi a garota loira à minha frente se levantar em um supetão,
mesmo ainda estando com seu tornozelo machucado.
Então, eu lembrei do homem que passou por mim procurando
alguém.
— Seu nome é Allison? — perguntei, acompanhando-a.
Ela assentiu, e eu estendi minha mão outra vez para ela.
— Eu conheço um lugar que a gente pode ir, e ele não nos achará,
Allie-run — disse, ela olhou para minha mão, analisando-a, e em seguida
para meu rosto.
— Allie-run?!
— Porque você parece que gosta de fugir e correr — expliquei, e ela
riu, finalmente me estendendo a mão.
Quando nossas mãos se tocaram pela primeira vez, eu me senti
completo, como nunca havia sentido antes.
Aliás, se você me permite, a partir de agora vou passar a te chamar
de Joey, mais tarde, quem sabe, eu te explico o porquê, entretanto, eu
prefiro te dar um nome por enquanto, acho que se torna algo mais íntimo.
Como eu estava dizendo, quer dizer... escrevendo, isso, eu estava
escrevendo.
ENFIM!
Nossas mãos se tocaram, e eu não queria soltá-la nunca mais,
contudo, fui obrigado, quando finalmente chegamos ao nosso destino.
— Uma igreja? — Allison perguntou.
— Minha mãe nunca me procuraria na igreja — reflito.
— Nem meu pai. — Ela riu, franzindo o nariz, e eu sorri, porque ela
ficou fofa fazendo essa cara.
Nós entramos na igreja e sentamos nos últimos bancos, os mais
próximos da saída. O pastor Tanner conversava com um grupo de jovens,
mas não deixou de acenar quando me viu.
— Acho melhor limpar isso — sugeri, apontando para o seu
tornozelo, que mesmo pouco, ainda sangrava.
Quando Allison ergueu o pé, colocando-o em cima do banco, eu
peguei a minha mochila, onde eu sempre carrego minhas inúmeras coisas,
uma delas é um pequeno kit de primeiros socorros.
— Você deve estar se perguntando porque eu fugi do meu pai — ela
disse, e eu meneei a cabeça de um lado para o outro.
Não cheguei a questiona-la em momento algum sobre sua fuga,
mesmo que eu tenha a trazido até aqui e a acompanhado. Mesmo assim, ela
começou a explicar.
— Meu pai vai casar de novo. — Bufou, assim que eu joguei um
pouco de água e limpei o sangue. — Isso dói.
— É só água. — Subi os olhos para olhá-la. — Seus pais são
separados?
— Minha mãe morreu — disse em um tom de voz mais baixo, e eu
imediatamente parei de limpar sua perna.
Engoli em seco, tentando raciocinar o que dizer naquela situação.
Por muitas vezes, eu sempre acabo dizendo algo inconveniente, soltando
uma piadinha ou dizendo algo que não faça muito sentido, mas dessa vez,
eu pude pensar um pouco antes de respondê-la.
— Sinto muito...
— Eu também. — Ela me olhou, compadecida, e eu lhe soltei um
pequeno sorriso, antes de voltar a limpar o sangue com uma gaze. — Ela
morreu há um ano, mas ela já estava doente há muito tempo. Aucth —
reclamou, quando eu comecei a passar um pouco de álcool.
— Desculpa — sussurrei.
— Tudo bem — anuiu, então eu encostei outra gaze no ferimento e
fiz um curativo. — Para um garoto, até que você faz curativos bem.
— Isso é porque eu vivo me machucando — expliquei. — Jogo
futebol americano, então, sou cheio de machucados.
— Mas você não é grande para jogar futebol — analisou.
— Sou maior que você — revidei, erguendo uma sobrancelha. Ela
riu, e eu sorri.
Porque por mais que estivéssemos dentro de uma igreja, que por
sinal é a mesma igreja em que estou agora, esperando a cerimônia
começar em breve, eu me sentia totalmente agraciado pela presença dela.
De uma garota que eu conheci e por quem logo me apaixonei.
Nós passamos alguns segundos apenas nos encarando, e quando
notei que aquilo estava começando a ficar constrangedor, voltei ao assunto
que havia começado.
— E por que você não quer que seu pai se case?
— Não é que eu não queira que meu pai se case. — Ela revirou os
olhos, e eu já disse que ela fica linda quando faz isso? — O problema é ele
casar com a enfermeira que cuidou da minha mãe por anos.
— Ele traiu a sua mãe? — perguntei, e ela deu de ombros. — Minha
mãe traiu meu pai — confessei em um riso triste. — Eles brigavam muito, e
sempre que acontecia, e eu via, eles costumavam dizer que não era nada.
— Porque eles sempre pensam que as crianças não entendem nada
— Allison disse.
— Pois é.
— Eles se separaram por que seu pai descobriu a traição?
— Não. — Joguei a cabeça para o lado. — Acho que meu pai não
sabe disso, apenas eu. — Eu engoli em seco, lembrando das mensagens que
havia visto no celular da minha mãe há pouco menos de três meses daquele
dia.
Meus pais haviam se separado logo após a virada de ano. Os
motivos? O dinheiro nunca era o suficiente para manter a família, pois
apenas minha mãe trabalhava, enquanto meu pai dava algumas aulas
particulares de luta. Ao menos, foi isso que ela disse, ela só deixou de fora
que estava saindo com um homem desde a Ação de Graças, quando eu vi a
mensagem no celular da minha mãe, ela passou um pouco mais de um mês
jurando que tinha plantões extras no hospital onde trabalhava ou então que
alguma outra enfermeira precisava que ela cobrisse o seu horário.
Entretanto, a verdade é que ela estava mesmo saindo com outro homem, ao
passo que meu pai ficava sentado à mesa da cozinha, tentando fechar as
contas do mês.
— Eles eram felizes? — Allison me perguntou.
— Acho que nunca foram.
Ela estava insatisfeita com a relação deles, isso é verdade, pois por
vezes dizia que iria me criar para eu nunca fracassar igual meu pai, e que
nossa vida iria melhorar sem ele.
A questão é que eu nunca o vi como um fracassado, como minha
mãe fazia questão de sempre dizer, apenas porque quando eles se
conheceram, ele estava entrando no mundo dos ringues de luta, contudo,
após uma lesão, em menos de um ano de carreira profissional, foi obrigado
a gastar todo o dinheiro que havia ganhado até então com tratamentos
médicos. Nessa época, eu tinha cerca de dois anos de idade, mas foi ali que
se firmou o fim do relacionamento deles, que empurraram com a barriga
por mais dez anos.
— Meus pais eram — comentou em um sorriso triste. — Pelo
menos, até minha mãe descobrir o câncer. Ela tentava me dizer que estava
tudo bem, mesmo eu sabendo que não estava, eu a vi perder a vida durante
meses seguidos. Sabe o que é pior? Ela me disse, um dia antes de morrer,
que precisava que meu pai e eu seguíssemos em frente após a morte dela,
foi por isso que eu o encorajei a sair com outras mulheres depois de seis
meses de luto.
— Mas você não esperava que fosse alguém tão próximo assim —
completei.
— Ele está apaixonado — refletiu. — Porque eu acho que ninguém
pede alguém em casamento em tão pouco tempo a menos que esteja, e
estávamos indo para a casa dela, um jantar para me apresentar a ela e
também ao filho dela, mas na hora que íamos saindo do carro, eu vi a
caixinha de veludo ao mesmo tempo que a vi saindo de casa.
— A mulher, a enfermeira, ela é legal?
— O pior é que sim. — Ela fez uma careta. — Você acha que eu
estou sendo muito infantil por ter fugido quando vi o anel dentro do paletó
do meu pai?
Eu ri.
— Quantos anos você tem?
— Treze.
— Não. — Bufei em uma risada, e ela riu junto a mim.
Nós dois nos olhamos outra vez, eu coloquei a minha mão no banco
entre nós, com a palma virada para cima, Allison também o fez, porém a
sua com a palma virada para baixo e encostando na minha.
Ali, eu não sabia, só que foi a partir daquele instante que as coisas
começaram a mudar para mim drasticamente, não só porque eu queria e
procurava por seu contato a todo e qualquer momento desde então, mas
porque enquanto tudo na minha cabeça me dizia que eu havia me
apaixonado pela primeira vez e de quebra, uma paixão à primeira vista,
tudo ruiu quando as portas da igreja se abriram, nossas mãos se afastaram,
e voz da minha mãe ecoou pelo local:
— Aí estão eles!
Allison me olhou assustada, antes de levar seus olhos de volta para
a minha mãe, que estava ao lado do homem vestido em um terno caro de
três peças.
— Você é o filho da Susan?
— Seu pai é o amante da minha mãe? — devolvi.
Bom diário, ou Joey, essa é a apenas a forma como eu a conheci,
porque a história que eu tenho para contar daqui em diante, ainda é um
pouco mais longa.
Entretanto, o casamento deve começar em breve, estou ouvindo
vários convidados chegando, quem sabe mais tarde, após a festa, eu não
venho aqui falar mais um pouco.
Volto aqui mais tarde, amigo, minha avó começou a me chamar,
pois chegou a hora de eu dar a mão à minha mãe e entrar com ela na
igreja para ela se casar com o pai da garota que eu amo.”

20 de julho de 2015

“Ei, Joey ou você prefere que eu te chame de diário mesmo? Não


sei porque eu pergunto, afinal, você nunca vai me responder, uma vez que é
apenas um caderno cheio de folhas em branco.
De toda forma, acredito que estamos criando uma relação, então
não custa nada eu te pedir desculpas, pois eu sei que prometi aparecer aqui
após a festa de casamento, mas acontece que eu acabei me desligando, e
uma coisa foi tirando minha atenção, logo seguida de outra e outra.
A única coisa que realmente não tem me desligado de outras, na
verdade, é uma pessoa. E essa é a Allison.
Sei que talvez o que eu vou dizer agora pode parecer estranho ou
loucura da minha cabeça, como meu melhor amigo Elliot me disse,
contudo, eu acredito que não.
Então se prepara...
Allison também gosta de mim.
Dizer isso faz com que eu solte vários fogos de artifício e dê vários
gritos internamente, porém, por fora eu tento manter a minha cara de mau,
não de mau, mas de quem não liga. Porque todos os dias, a minha mãe tem
feito questão de dizer que Allison é minha “mais nova irmã”. Fato é, que
todas as vezes em que minha mãe sugeriu que seríamos irmãos, Allie não
pareceu concordar muito.
A primeira vez que isso aconteceu, foi justo no dia em que
finalmente nossos pais noivaram. E sim, eles demoraram um pouco mais de
um mês, logo após a fuga de Allison no dia em que seu pai foi jantar na
minha, agora, antiga casa, e eu sequer sabia que iria rolar esse
acontecimento.
Ademais, minha mãe olhava encantada para o anel de ouro branco
com diamante cravejado, seus olhos brilhavam da mesma maneira que seu
sorriso. Por aquele momento em que ela se sentia feliz, eu até me dei o
prazer de esquecer que havia traído o meu pai e que essa felicidade dela
custou não apenas a nossa família, mas também toda e qualquer chance
que eu pudesse ter com Allie.
Como se eu fosse ter alguma.
— O anel é lindo, não é, crianças? — minha mãe disse, enquanto
Harvey se ofereceu para tirar a mesa do jantar.
O pai de Allison é, na realidade, um advogado de sucesso, isso
explica a sua casa gigante, carro caro e o anel, que provavelmente custa
mais caro do que a casa em que meu pai vive hoje. Às vezes, penso que é
por isso que minha mãe acabou se aproximando do senhor Foster, não a
vejo olhar para ele do mesmo jeito que olha para o anel e todos os seus
bens ou quem sabe, da mesma forma que eu olho para a filha dele.
— É sim — concordei com a cabeça.
— Exuberante — Allison completou.
— O casamento deve acontecer em breve — minha mãe voltou a
falar. — Se depender de mim, poderia ser amanhã, quão mais rápido nos
tornarmos uma família, melhor. — Seu sorriso havia se estendido um pouco
mais.
— Família?! — Allie perguntou, atônita.
— Sim, querida, seremos uma família. E vocês dois serão irmãos. —
Minha mãe não notou a leve revirada de olhos que Allie deu, pois estava
concentrada demais no seu anel de milhares de dólares.
Contudo, eu notei, e não só isso, eu também a ouvi repetir o que
minha mãe havia dito, em um tom mais baixo e em meio a um suspiro.
Quando seu pai retornou à sala, ele abraçou a minha mãe e estendeu uma
taça com vinho para ela, que agradeceu ao aceitar.
— Licença — Allie pediu, ao se levantar e caminhar rumo à porta
da frente da casa.
Eles sequer notaram a saída dela, pois minha mãe olhava para o
anel, e Harvey beijava a sua bochecha, portanto, eu apenas a segui.
Chegando no lado de fora, Allie estava sentada em um balanço
branco que havia na varanda.
— Sempre fugindo, Allie-run. — Seus olhos me encontraram, e eu
fui até ela, antes de me sentar ao seu lado, eu tirei a jaqueta que vestia e a
entreguei, quando ela a vestiu, me sentei ao seu lado.
— Como passamos de meros desconhecidos a irmãos em menos de
um mês? — ela me perguntou, e eu dei de ombros. — Você não acredita
nessa besteira de que seremos irmãos apenas porque nossos pais irão se
casar, acredita?
Eu gelei no momento em que ela me perguntou isso, Joey, porque
ali, não havia uma resposta certa, nem mesmo uma resposta errada. Minha
mente travou, e tudo em que eu podia focar era no canto dos pássaros, no
carro que passava em alta velocidade na rua, e no gato que miava em uma
árvore próxima a nós.
— Você ouviu o que eu perguntei? — ela perguntou, e
imediatamente eu voltei a olhá-la.
— O quê? — Tentei me concentrar e então lembrei da sua pergunta.
— Legalmente, talvez sejamos irmãos, não sei. — Dei de ombros.
Allie riu.
— Nós não somos filhos dos mesmos pais, então nem legalmente
seríamos. — Eu respirei fundo, compreendendo o que ela estava falando.
Nossos olhares se cruzaram outra vez, e isso já estava acontecendo
constantemente, e acredite quando eu te digo, Joey, todas as vezes em que
isso aconteceu, eu quis de verdade dizer que estava apaixonado por ela.
Contudo, eu me lembro que sou apenas um garoto e que dificilmente sei o
que é paixão.
Mas sabe o que eu pensava enquanto mantínhamos nossos olhos
grudados uns nos outros? Que em breve eu iria embora para casa, e então
ela me devolveria minha jaqueta, e eu nunca mais iria lavá-la, porque ela
teria o cheiro dela. Outra coisa que eu também pensava era como eu queria
tocar os seus fios dourados, e apenas a simples imaginação disso
acontecendo, fez com que um sorriso brotasse nos cantos da minha boca.
— Você tem covinhas, Grey, eu acho lindo isso — ela disse.
Porém, sequer escutei o que ela disse, por isso respondi:
— Eu também.
Seus olhos reviraram novamente, e a pontinha do seu nariz se
franziu. Eu realmente achava lindo demais todas as vezes em que ela fazia
isso, entretanto, eu precisava, naquele momento, tirar minha atenção dela e
focar em outra coisa, por isso que eu apontei para a camiseta dela. Era
uma estampa de um homem em preto e branco, apontando para si mesmo e
com a frase escrita: “Joey não compartilha comida”.
— Quem é Joey? — perguntei.
— Meu personagem favorito da minha série favorita — ela
respondeu, ao levar seus olhos para a estampa.
Por esse motivo que eu decidi te apelidar de Joey, porque o que
aconteceu em seguida, tornou o momento entre nós especial, ao mesmo
tempo que fez com que eu me tocasse que tudo que eu sentia deveria ser
oprimido pelo resto da minha vida, com o que veio logo em seguida.
— Eu não quero que você seja meu irmão, Grey — Allison assumiu.
— Nem eu — eu disse, engolindo em seco e fitando as sardas do seu
rosto.
— Mas eu quero estar com você por perto.
— E nós vamos ficar, não é porque nossos pais estão prestes a se
casar, que seremos irmãos. — Ela me deu a mão, e a segurei, firme.
— Nós estaremos sempre juntos — ela completou.
Eu sorri.
Allison sorriu.
Eu apertei sua mão.
Ela mordeu o lábio inferior.
Eu olhei para sua boca.
Senti seus olhos focarem na minha.
Meu estômago embrulhou.
Nossos rostos passaram a se mover involuntariamente, pois algo
nos puxava, e à medida que íamos nos aproximando mais e mais, eu sentia
uma sensação boa, tudo me dizia que o que estava prestes a acontecer era
certo, exceto pela ânsia que eu sentia, e pela minha mãe, que acabou
atrapalhando o momento, ao me chamar.
— Grey, está na hora de irmos — ela chamou, e subitamente me
afastei de Allison, me distanciando dela totalmente, a ponto de soltar a sua
mão e me levantar abruptamente.
— Tudo bem — eu disse, olhando para minha mãe, que me fitava de
forma estranha, com um ar questionador.
Harvey saiu da casa logo em seguida e acompanhou minha mãe até
o carro que acabara de estacionar no meio fio em frente à sua casa,
Allison, que estava com o rosto agora vermelho, se levantou, me
entregando a minha jaqueta, ela tentou se aproximar de mim para um
abraço, contudo, quando eu virei meu rosto para o lado, vi a maneira como
minha mãe me fuzilava com os olhos.
Aquilo foi o suficiente para que eu apenas desse um passo para trás
e um aceno de mão para ela, pois o jeito como minha mãe me olhava, era o
mesmo que ela olhava para o meu pai todas as vezes em que eles
engatavam uma briga quando ainda eram casados. Era uma mistura de
descrença com decepção.
— Nos vemos em breve — foi o máximo que eu disse, quando me
afastei e desci as escadas da varanda, seguindo para o carro onde a porta
traseira estava aberta e por onde minha mãe havia entrado.
— Cuide bem dela — foi o que Harvey me disse, quando eu me
aproximei e entrei no carro.
O pai de Allison fechou a porta do carro, e o motorista deu partida.
Eu olhei para minha mãe, que estava sentada ao meu lado e começou a
negar com a cabeça, soltando uma risada áspera, antes de perguntar:
— Você está gostando dela?
— Não entendi — eu respondi.
— Estou perguntando se você está gostando da filha do meu noivo,
garoto — ela continuou, ainda mais dura.
— Não — menti de prontidão. — Mas e se eu estivesse?
— Você não estaria — ela respondeu imediatamente. — Você jamais
poderia fazer isso, em breve, vocês serão irmãos, e irmãos não podem se
apaixonar um pelo outro.
Lembra quando eu disse que o seu nome seria Joey, porque aquele
foi um momento especial para nós? Ele foi, porque eu vi nos olhos de Allie
que ela também gostava de mim, e foi por isso que eu te dei o nome de
alguém que ela gosta, pois logo nos minutos seguintes, eu percebi que eu
jamais poderia gostar dela da forma como eu queria.
Minha mãe me disse naquele dia, que ela seria minha irmã. E bom,
foi isso que ela acabou se tornando.
Mas quero deixá-lo ciente desde então, que oprimir meus
sentimentos por Allie nunca foi uma questão de escolha, e sim, de
necessidade.
Eu tive meu coração partido, e não foi a garota por quem estou
apaixonado que o quebrou, foi a minha mãe, quando mais cedo, logo antes
de eu escrever essas palavras, me disse:
— Quero que você entenda que em breve teremos uma nova família,
Grey. Harvey será como um segundo pai para você, quem sabe até melhor,
e Allison será sua irmã, portanto, você deverá amá-la como tal. Entendeu?
— ela me disse pacientemente, talvez para que eu conseguisse prestar
atenção no que ela me dizia e não nos meus vários pensamentos, que me
diziam que eu jamais poderia ficar com ela.
A verdade é que às vezes, essas coisas de oprimir tudo o que eu
sinto por ela, acabou me afetando, foi por isso que na noite do casamento,
eu escrevi aqui para você pela primeira vez, como uma forma de poder
gritar o que eu sinto. Foram dois meses de noivado, onde eu tive que me
esconder de Allison, e agora, desde o casamento, isso se tornou impossível,
uma vez que nos tornamos aquilo que minha mãe disse desde o início.
Uma família.”
29 de agosto de 2015

“Hoje foi meu aniversário.


Desde que minha mãe casou novamente, nós nos mudamos para
uma casa bem maior do que a que eu morei a minha vida toda.
Apenas o andar de cima tem cinco quartos, e mesmo assim, quando
Harvey me perguntou com que quarto eu queria ficar, e Allison me olhou
com os olhos brilhantes, e minha mãe com os olhos afiados, eu optei por
ficar com o porão.
— Nós temos quartos aqui em cima o suficiente, Grey — o senhor
Foster tentou contestar.
— Eu sempre quis ter um porão para fazer de quarto — eu menti,
obviamente.
Mas hoje, eu até gosto de ficar aqui, é mais tranquilo, além de que
eu me mantenho longe de Allie durante os períodos em que estamos em
casa. Contudo, ainda não é o suficiente para que eu consiga esquecê-la.
Prova disso, é que hoje mais cedo, durante meu aniversário de
catorze anos, quando surgiu a ideia de fazer alguns jogos, eu não pude me
conter.
— Deveríamos fazer alguns jogos — Allie deu a sugestão, animada.
— Verdade ou consequência? — Wes sorriu.
— Tenho uma ideia melhor — eu disse, também sorrindo. — Sete
minutos no céu. — Meus olhos imediatamente encontraram os de Allie, que
em resposta, piscaram à medida que um rubor tomava conta de seu rosto.
Todos se animaram com a ideia, e Elliot, meu melhor amigo, girou a
garrafa, que caiu em Wes e Sadie. A ruiva sorriu, enquanto Wes revirava os
olhos, e os dois seguiram para o armário que há no porão. Ao fim dos sete
minutos deles, eu girei a garrafa, quando eles retornaram, ao mesmo tempo
que torcia para que ela parasse em mim e em Allie, eu também pensava em
tudo que estaria em jogo, caso ela acabasse em nós dois.
Respirei aliviado quando caiu em Heaven, porém, foi impossível
não revirar os olhos quando vi que também caiu em Drew, um idiota que
estuda com a gente. Ele ofereceu a mão para ela se levantar, entretanto ela
recusou, dando um tapa.
— Não preciso da sua ajuda, idiota — disse, ao se levantar sozinha,
e quando eles se afastaram e entraram no armário, Elliot mostrou o dedo
do meio na direção do móvel.
— Como vocês conseguem ser amigos dele? — Allie perguntou.
— Existe uma grande diferença entre ser amigo e suporta-lo —
Elliot respondeu.
— Qual diferença seria essa? — Sadie questionou, curiosa.
— Ele é filho da diretora da escola — eu respondi.
— E por conta disso, vocês são obrigados a andar com ele?
— Sim — Elliot e eu respondemos em uníssono.
Drew, além de estudar conosco, também joga futebol americano,
porém ele é um tanto quanto desagradável desde muito cedo. Tudo bem que
eu, por muitas vezes falo o que não devo e acabo sendo inconveniente, mas
ele, na realidade, gosta de fazer bullying com o Axel, um garoto gordo da
nossa turma, e jura que está sendo sensacional por isso. E talvez essas
atitudes idiotas dele expliquem a inimizade que Heaven sente por ele, uma
vez que ela é melhor amiga do Axel.
— Alguém deveria ir ver se a Heaven não matou o Drew no armário
— Elliot deu a sugestão, vendo que os dois estavam demorando demais lá
dentro.
— Eu vou — Wes se ofereceu ao se levantar, quando ele deu duas
batidas na porta, Heaven imediatamente saiu de lá, com o rosto vermelho e
um semblante triste, enquanto Drew tinha um sorrisinho no seu.
— O que você fez? — perguntei no instante em que ele se sentou ao
meu lado.
— Nada, ué — se fez de sonso, e eu endureci o olhar para ele.
— Você tem certeza disso? — pressionou Elliot do outro lado.
— Olhem a forma como falam comigo, seus idiotas — Drew rosnou,
porém, continuamos olhando feio para ele.
A minha atenção só foi retirada dele, no momento em que Allie
disse:
— Minha vez de girar a garrafa — disse, já a pegando em sua mão
e colocando no centro da roda de pessoas.
Eu a encarei, e ela fechou os olhos antes de girar a garrafa, ao
passo que mordia o lábio inferior, meus olhos voltaram a se concentrar
única e exclusivamente na garrafa, mesmo vendo pelo canto de olho que
Drew se mexia e escutando Wes resmungar algo mais à frente, em uma
pequena discussão com Sadie, ainda assim, por aqueles segundos em que a
garrafa girava, eu consegui manter meus olhos nela, mesmo que tudo ao
meu redor quisesse me tirar a concentração.
Joey, confesso que meu coração começou a errar batidas assim que
o gargalo apontou em minha direção, e parou de vez, quando vi que o
fundo estava voltado para Allie, que me olhava apreensiva.
— Vocês não vão lá? — Drew pressionou, quando percebeu que
estávamos apenas nos encarando em silêncio.
— Vamos — ela respondeu.
— Allie... — chamei-a, cauteloso.
Ela se levantou e foi para o armário, mas antes de eu fazer o
mesmo, eu conferi a escada do porão que dá acesso ao piso de cima, para
ter certeza de que Harvey não iria descer, ou pior, minha mãe.
Respirando fundo, senti meu coração batendo, porém parecia mais
que ele estava prestes a sair pela boca, fui até o armário.
Fechei a porta e acendi a luz, que estava desligada.
Os olhos azuis cintilantes de Allison me alcançaram quando eu
engoli em seco.
— Você parece que está passando mal — observou.
— Eu não est... — Engoli em seco de novo, pois minha voz falhou.
— Não estou passando mal.
— Mas parece que sim.
— Mas não estou — disse, ao colocar as mãos dentro dos bolsos da
calça.
— Por que você não fala mais comigo desde o noivado dos nossos
pais? — ela perguntou.
— Eu falo com você.
— Não como antes. — Seus olhos reviraram.
— Nós mal nos falamos na época antes de eles noivarem —
analisei, estreitando os olhos.
Óbvio que minha resposta não a convenceu, pois ela cruzou os
braços por cima do peito e voltou a me encarar, afiada.
— Você me evita a todo momento, se eu estou na cozinha, você fica
do outro lado dela, se está assistindo tv na sala, e eu chego, se levanta e
desce pro porão. Até mesmo na escola, se senta o mais afastado possível de
mim. Parece até que somos estranhos.
Desde que conheci Allison, eu ainda não havia falado qualquer
besteira que a fizesse ficar com raiva de mim. Evita-la? Sim. Fiz demais,
ela não está errada quanto a isso.
Contudo, essa foi a primeira vez que a vi ficar enfurecida comigo, e
acredite, Joey, se um olhar pudesse ser capaz de matar, esse com certeza
seria o da loirinha, quando eu disse:
— Nós estamos mais para irmãos.
Eu não sei exatamente como ou porque eu disse isso, entretanto,
juro que nem mesmo eu consegui pensar antes de falar, por isso que eu
apenas soltei.
Allie abriu a boca, chocada com o que eu tinha acabado de falar,
afinal, eu assumi que tinha a mesma ideia que ela sobre sermos irmãos ou
não. E eu sei, desde o início, eu sempre soube quão odiosa ela é quanto a
essa ideia maluca que minha mãe impôs sobre sermos irmãos.
Uma família por que nossos pais se casaram? Talvez. No entanto,
irmãos, é completamente descabido e fora de cogitação.
— Você costuma me chamar de Allie-run, dizendo que eu gosto de
fugir. Mas e você? — ela disse, antes de abrir a porta do armário com raiva
o suficiente de mim.
Allison estava pronta para sair a passos duros, porém foi
interrompida pela minha mãe, que se encontrava em frente ao armário, eu
não pude esconder a minha infelicidade por aquele momento, muito menos
Allie, que praticamente esbarrou em seu corpo, ao passar por ela.
— O que estava acontecendo aqui, Greyson? — minha mãe
perguntou, e eu abaixei minha cabeça, soltando uma leve lufada de ar.
— Nada demais, mãe, apenas estávamos jogando e caiu...
— Quantas vezes eu tenho que repetir para você que a Allison é sua
irmã? — ela me repreendeu.
— Nenhuma, afinal, se o dia tivesse vinte e cinco horas, você me
lembraria disso as vinte e cinco horas — respondi, bufando e tentando
passar por ela.
— Olha a forma como você fala comigo, garoto — tentou me
repreender outra vez.
Ela tentou me parar, ao pegar no meu braço, contudo, eu consegui
ser mais ágil e me desvencilhar dela.
Confesso que não sei ao certo o que me deixou mais frustrado, a
forma como minha mãe agiu ou a decepção estampada nos olhos claros de
Allison. Porque eu só a decepcionei, pelo único e simples fato de que estou
tentando, todos os dias, me convencer que não sinto nada por ela, porque
todos os dias, desde a droga do noivado entre nossos pais, minha mãe
ainda repete que somos irmãos, quando nada em nós grita qualquer laço
fraternal.
E eu assumo, isso tem me sufocado mais e mais a cada dia que
passa, Joey.”

8 de maio de 2020
“Eu sei, eu sei, Joey, faz pouco mais de um ano desde a última vez
em que estive aqui, desde que Allison beijou o seu primo durante uma festa
da família na intenção de se vingar, porque viu a Sadie saindo do porão na
calada da noite.
A frustração continua a mesma, eu continuo ignorando todo e
qualquer sentimento que tenha por Allie, as coisas com minha mãe
continuam da mesma forma, e com o tempo, ela parou de insistir que somos
irmãos. Ridículo, não é mesmo? Um cara com dezoito anos estar
apaixonado pela mesma garota desde os treze e não conseguir assumir isso.
Mas como você já sabe, as coisas são complicadas para serem do
jeito que eu queria que fossem. Muitas coisas aconteceram nesse último
ano, como por exemplo, eu ter sido diagnosticado com TDAH[1], e que
apesar disso, eu finalmente consegui começar a disfarçar bem os meus
sentimentos em relação à Allie. Entretanto, não bem o suficiente para não
mostrar que eu tenho um tipo específico de garotas, que começou a
desabrochar nesse último ano.
Meu “tipo” consiste basicamente em cabelos loiros, nariz afilado e
olhos claros. O problema é que todas as vezes em que beijo qualquer uma
dessas garotas ou até mesmo chego a dormir com elas, ainda assim, não
me sinto completo.
Não pense mal de mim, eu juro que não a imagino quando estou
com outras, porque isso seria doentio da minha parte.
De toda forma, eu não estou aqui hoje para falar sobre minha
atração em específico. E sim, sobre a noite de hoje, na qual Allison foi a
rainha do baile de formatura. Eu convivo com ela todos os dias há mais de
cinco anos, eu já a vi em todos os trajes possíveis...
E de todos eles, o meu preferido é, com certeza, o vestido de tecido
preto brilhoso, que agarrava a sua cintura curvilínea, com uma saia cheia
de camadas e para completar, uma fenda que deixava sua perna à mostra.
Embora ela seja consideravelmente mais baixa do que eu, os saltos
finos que ela usava a fizeram ficar na altura do meu nariz, e foi no
momento em que Harvey nos convenceu a tirarmos uma foto juntos, melhor
dizendo, abraçados, que eu quase perdi todos os meus anos de controle,
doido para sentir um pouco mais do seu cheiro.
— É uma pena que ninguém tenha te convidado para o baile,
querida — minha mãe disse, conforme segurava a mão de Allie. — Todos
vão se arrepender quando te verem tão linda e ainda com uma coroa na
cabeça.
— Quem já está arrependida, na realidade, sou eu — respondeu
Allie em contrapartida. — Vai ser uma vergonha, porque além de eu ir
sozinha, ainda vou perder algo que sequer cogitei entrar na competição.
É verdade, Allison não pensava em ser a rainha do baile, mas com a
ajuda de um dos meus amigos, Wes, eu consegui fazê-la entrar na votação.
Daí você me pergunta: Por que eu fiz isso? Bom, foi porque um dia,
enquanto ela fazia uma sessão de filmes com Heaven, sua melhor amiga, eu
a escutei dizendo que seu sonho era viver algo igual aos filmes, namorar
um cara do time, ser a rainha do baile de formatura e ir para a faculdade
junto desse cara.
Ela pode não ter um namorado que faça parte do time de futebol,
entretanto ela tem a mim, que daria de tudo para ela viver pelo menos vinte
por centro do seu sonho. Então foi isso que eu fiz.
— Você não vai estar sozinha, linda — seu pai logo tratou de
animá-la. — O Grey será sua companhia ou esqueceu que ele também não
vai com ninguém?!
Eu levo meus olhos diretamente para Allison, que me devolve com
um brilho nos seus. O canto da minha boca se ergue em um sorriso, porém
ele logo morre, quando vejo os olhos de águia da minha mãe me fuzilarem.
Deixa-me te contar um segredo, Joey, é algo que eu não me
arrependo nem um pouco de ter feito. Pode me julgar, me chamar de louco,
ciumento, o que for. No entanto, é graças a mim, também, que ela não tem
companhia para o baile, porque opções não faltaram.
— Eu estava pensando em chamar a Allie para o baile — disse meu
amigo Elliot, há duas semanas.
No mesmo instante em que ele cogitou essa ideia, eu estreitei meus
olhos em sua direção, e ele soltou uma gargalhada, debochando de mim.
— É desse jeito mesmo que você está convencendo todos os caras
da escola a não a chamarem para o baile?
— Não estou convencendo ninguém a nada. — Dei de ombros.
— Verdade, você está praticamente fuzilando as pessoas com esse
olhar matador, sempre que cogitam chamá-la para o baile. Vou te dizer
uma coisa, ou você assume que gosta dela de uma vez ou a deixa viver a
vida dela.
— Em momento algum até hoje a impendi de viver, impedi?
— Você não deixar ninguém convida-la para o baile é a mesma
coisa — Elliot respondeu, e eu soltei um xingamento em resposta, o que o
fez rir.
Durante as próximas duas semanas, eu me arrependi amargamente
por ter agido como um troglodita, ao tentar impedir que ela tivesse
qualquer outra companhia. Contudo, joguei esse arrependimento fora no
instante em que a vi descer as escadas do primeiro andar.
Se você realmente existisse, Joey, pelo pouco que te conheci,
enquanto assisti a alguns episódios de Friends, tenho minhas dúvidas se
você sentiria orgulho de mim ou se decepcionaria comigo. Sendo sincero,
acho que você sequer entenderia de primeira o que estaria acontecendo.
Porque você não seria capaz de entender que nenhum cara é bom o
suficiente para ela, porque ninguém conhece todas as peculiaridades de
Allison como eu.
Ninguém sabe quantas vezes que ela consegue assistir a todas as
dez temporadas da sua série preferida em um ano – seu recorde foi seis, no
ano passado –, também não sabem que durante o banho ela gosta de levar
um caixa de som para dentro do banheiro e colocar o volume no máximo,
enquanto toca músicas da Ariana Grande.
Ninguém sabe que ainda costuma fugir quando se estressa com
alguma coisa, seja para o jardim ou o balanço na varanda, que veio da sua
casa antiga. No começo, minha mãe era contra o móvel, porém Allie foi
irredutível quando disse que as melhores lembranças que ela tinha com sua
mãe vinham daquele balanço. E que toda semana, ela ainda visita o túmulo
da mulher que partiu há alguns anos, sendo derrotada por um câncer de
mama, mas que tinha como suas flores preferidas as margaridas, que
segundo ela, têm o significado de pureza.
E tudo que é puro, é bom.
E Allison é pureza, desde o nosso primeiro encontro eu soube disso.
Então sim, Joey, para que alguém possa merecer alguém como
Allison, tem que ser tão puro quanto ela, e nenhum desses idiotas que
estudam com a gente, é. Nem mesmo o Elliot, que mesmo seguindo seu
celibato à risca, ainda assim, foi pego transando com duas líderes de
torcida na sala de máquinas em cima do auditório no ano passado.
Não cheguei a me arrepender nem mesmo quando minha mãe andou
em minha direção com um sorriso falso no rosto, sei disso, porque seus
olhos me atacavam, ela tocou as lapelas do meu paletó, entretanto, quando
ela ergue o queixo para me encarar, eu fui mais rápido que ela, ao
sussurrar para que apenas ela escutasse:
— Eu sei, ela é minha irmã. — Eu coloquei um sorriso falso no meu
rosto, imitando o da minha mãe, e embora eu tenha dito isso com muita
convicção para convencê-la, tudo em mim me dizia que eu deveria mandá-
la se foder.
Contudo, me contive.
— Está pronta, Allie? — perguntei, quando minha mãe ficou ao meu
lado.
Eu parei de me importar com ela no instante em que Allie subiu
seus olhos em minha direção, iluminando toda a nossa sala de estar.
— Preciso apenas de mais uma foto de vocês dois juntos, por favor
— Harvey pediu, e eu achei fofo.
Allison riu da animação do pai, e eu me juntei a ela novamente,
ficando ao seu lado e olhando diretamente para a câmera que seu pai
segurava, mas ele fez uma careta.
— Coloca a mão na cintura dela, Grey — ele pediu, eu cocei a
garganta.
Totalmente sem jeito, pois eu nunca a toquei assim, eu nunca pude
tocá-la dessa forma. E no momento em que o fiz, minha mão suava, eu
estava nervoso, e talvez possa ser apenas uma loucura da minha cabeça,
porém arrisco dizer que não, pois quando meus dedos se curvaram sobre
sua pele coberta pelo tecido fino do vestido, no segundo em que suas costas
arquearam, se ajustando contra o meu corpo, o quadril de Allison ficou na
mesma altura do meu pau.
Agora é que eu acho que ultrapassei todos os limites da loucura,
pois ali, todo o sangue que havia em minha cabeça desceu para o meu
quadril e encheu o meu pau, e quer saber o melhor mesmo?
Foi mal, cara, parei de escrever aqui porque só de pensar na
situação, eu voltei a ficar duro...
Mas voltando ao assunto.
Allie sentiu, e ela sentiu tanto, que seu rosto inteiro ficou
enrubescido, pois ela trouxe seus olhos para mim, arregalados, surpresa. E
eu não sabia onde enfiar minha cara, contudo, fui obrigado a sorrir,
quando Harvey disse:
— Perfeito, agora sorriam.
E eu o fiz, orgulhosamente eu sorri, enquanto meu pau estremecia
dentro das minhas calças, sentindo uma fagulha do corpo de Allie, e ela
também sorriu, enquanto algo brilhava no fundo dos seus olhos.
A luz do flash invadiu meus olhos, e foi apenas nesse momento que
eu pisquei, em seguida, ela saiu de perto de mim, pedindo desculpas e
ajeitando os fios do seu cabelo.
— Greyson... — minha mãe avisou, quando eu ainda mantinha meus
olhos em Allison.
Seria errado eu mostrar o dedo do meio para ela naquela ocasião?
Porque eu quase fiz isso. Porém, decidi ignora-la, quando escutei a buzina
da limosine lá fora.
— Eles chegaram — disse Allie, animada.
— Preciso de uma foto de todos juntos. — Harvey parecia ainda
mais animado.
— Pai... — Allie reclamou com ele, revirando os olhos.
— Não me culpe, eu prometi à sua mãe que tiraria mil fotos se fosse
necessário nesse dia — ele lamentou. — Estou apenas cumprindo minha
promessa.
Era impossível não se lamentar com o comentário de Harvey
naquele momento, apesar de ele estar casado com minha mãe há tantos
anos hoje, quando ele fala da sua falecida esposa ainda é notória a tristeza
dele, e eu não o julgo, pois ele parecia a amá-la o suficiente para sentir sua
falta até hoje. E mesmo que ame minha mãe, pois sei que a ama, ainda
assim, ele perdeu alguém com quem passou anos e construiu algo junto a
ela.
— Um momento — eu pedi, caminhando em direção à porta.
Quando a abri, vi o motorista já com a porta aberta e todos meus amigos lá
dentro. — Desçam e venham aqui — eu chamei em um grito.
O primeiro a se colocar para fora foi Elliot, que não entendia bem o
que eu queria.
— O que foi?
— Só desce e vem aqui, e chama os outros — pedi.
Poucos minutos depois, todos estavam na minha sala, com exceção
de Drew.
— Onde está o Drew? — minha mãe perguntou à Heaven, sua até
então namorada, que usava um vestido azul claro comprido.
— Ele não quis descer — ela comenta em um sorriso triste.
— Sendo o babaca que ele sempre é — Wes disse, bufando em
seguida.
— Não querendo me meter no seu relacionamento — Harvey
começou, quando aponto a câmera para nós. — E nem te ofender, mas você
merece alguém melhor do que aquele idiota.
— Não me ofende — ela respondeu.
Apesar de não demonstrar, ainda era notório em seu semblante a
forma como ela se incomodou com aquilo. Contudo, logo passou, quando
Harvey nos deu várias instruções de posse para as fotos.
Após a sessão, todos se despediram dele e da minha mãe, e quando
eu estava pronto para ir, Harvey colocou a mão no meu ombro e disse:
— Muito obrigado por isso, garoto.
— Eu sei que era importante para você e para a Elena — citei o
nome da sua falecida esposa.
— Era sim, mas não agradeço apenas por isso, agradeço por
sempre cuidar da nossa garota, mesmo que não demonstre muito, eu vejo o
quanto se importa com ela.
Meu coração praticamente se arrebentou nessa hora, e com a voz
fraca o respondi.
— É esse o papel dos irmãos, não é mesmo?! — tentei brincar,
mesmo que inseguro com aquilo.
— Vocês não são irmãos — o marido da minha mãe disse em uma
careta, e minha mãe, que se colocou ao seu lado justo nesse momento, o
fuzilou. — Agora, vai lá, aproveita a noite.
Durante todo o restante da noite, eu me senti totalmente confuso
sobre a fala de Harvey, pois até então, desde que minha mãe assumiu seu
relacionamento com ele e vivia dizendo que somos uma família, que somos
irmãos e blábláblá, eu acreditava que Harvey também tinha aqueles
mesmos pensamentos que minha mãe.
Totalmente inerte a tudo que havia ao meu redor, só voltei ao
normal quando me anunciaram como o rei do baile de formatura.
E é aí que entra mais um motivo para que eu impedisse todos os
outros de chamarem Allie para ir ao baile, pois eu tinha quase certeza
absoluta de que eu seria o rei, e essa era a desculpa perfeita para que eu
pudesse pegar em sua mão e conduzi-la em uma dança. Pois eu também fiz
de tudo para que ela pudesse ser a rainha nessa noite.
Heaven, que foi a responsável por anunciar os ganhadores, disse em
um sussurro:
— Ela recebeu todos os votos da noite.
— Eu sei — disse com um sorriso estampado no rosto, enquanto a
assistia caminhar entre as pessoas até o palco.
— Como? — Heaven trouxe seus olhos para mim.
— Porque eu votei nela exatamente duzentas e quarenta e nove
vezes.
— Grey... — A voz de Heaven morreu aos poucos, quando Allie
subiu no palco, e então, outra aluna da comissão do baile foi a responsável
por colocar a coroa sobre a cabeça dela.
— Não conta para ninguém — eu supliquei em um sorriso, e ela me
lançou outro à medida que assentia com a cabeça. Fui até Allie e peguei
sua mão. — Me concede a última valsa, rainha?
Algo diferente brilhou em seus olhos naquele instante, e eu posso
dizer que aconteceu o mesmo comigo, pois foi enquanto eu segurava a sua
mão no meio do salão e dançava Perfect do Ed Sheeran lentamente.
Ao final da música, ela me chamou.
— Espera — pediu, segurando minha mão com firmeza.
Eu não a respondi, pois um nó enorme havia se formado em minha
garganta naquele momento. Meus olhos se conectaram aos dela da mesma
forma de quando eu a vi pela primeira vez. Durante quatro minutos e vinte
e três segundos, eu pude segurá-la meus braços e dizer, ao menos em minha
mente, tudo o que ela era para mim, mesmo que nunca pudéssemos ficar
juntos, e tudo ao nosso redor dissesse que era errado eu sentir o que sentia
por ela. Eu ainda a via como a garota que estava fugindo do pai, porque
ele iria se casar novamente, eu ainda a via como a garota em quem eu quis
dar o primeiro beijo, porque ela ainda era e seria para sempre, a garota
que eu amaria em segredo pelo resto da minha vida.”
Eu quero te abraçar quando não deveria
Quando estou deitada ao lado de outra pessoa
Você está preso na minha cabeça
E eu não consigo te tirar dela
BACK TO YOU | SELENA GOMEZ

2 anos depois

— Se eu fosse seu namorado de verdade estaria louco de ciúmes


agora — Colin sussurra no meu ouvido, e eu acabo dando um pulinho da
cadeira, assustada.
— Do que você está falando? — devolvo no mesmo tom de voz, ao
virar meu rosto e encarar seus olhos esmeraldas.
— Chega a ser ridículo como você não esconde que é apaixonada
por ele. — Ele ri. — Você tá praticamente babando enquanto observa o
Grey comer batata frita, e se nós dois namorássemos de verdade, eu estaria
puto de ciúmes agora.
Maldita seja a hora que eu fui pega no flagra pelo meu namorado de
mentira, maldita seja a hora que eu inventei de começar um namoro falso
com o Colin. Mas maldita mesmo seja a hora que eu me apaixonei pelo
filho da minha madrasta.
Talvez tudo isso esteja muito confuso, contudo, eu posso explicar.
Tudo começou quando meu pai decidiu se casar com uma
enfermeira da área de oncologia, que por ironia do destino, ou não, era a
mesma enfermeira que cuidou da minha mãe por anos, e quando eu
descobri, fiquei com raiva. Então eu conheci um garoto, conversei com ele
e me senti segura ao lado dele, para que meia hora depois eu descobrisse
que ele era filho da minha nova querida madrasta, porém como nada na
vida é fácil para o pobre do ser humano, eu já sabia que eu estava em uma
enrascada, pois eu já havia me apaixonado por ele naquele dia.
Certo que eu posso ter tomado uma conclusão precipitada sobre
meus próprios sentimentos, entretanto, não foi isso que aconteceu.
Antes da minha mãe morrer, ela sempre me disse que eu era uma
pessoa emotiva, e não racional. E bom, ela estava certa, porque eu nunca
agi pela razão, sempre fui guiada por meus sentimentos. Talvez tenha sido
por isso que com o tempo eu passei a me acostumar com a ideia de que meu
pai tinha encontrado um novo amor, por mais contra que eu fosse quanto
aquilo, ainda assim, eu acabei cedendo, não apenas aos sentimentos do meu
pai, mas também ao meu, que me dizia incansavelmente que eu havia
encontrado a pessoa certa da minha vida com treze anos.
E é obvio que com o tempo, mais especificamente, sete anos, depois
de perceber que eu não iria ter chance alguma com meu irmão postiço e
também de ver que meu pai não ama tanto a mulher atual dele como chegou
um dia a amar minha mãe, é que eu fui percebendo que talvez eu tenha me
precipitado quando me imaginei encontrando o meu primeiro amor ainda na
adolescência e que poderia mover céus e terra por ele.
Já o que acontece entre o Colin e eu, talvez seja mais fácil de
explicar, e apesar de ele ter tudo o que toda garota em seus vinte anos de
idade deseja, ainda assim, eu não consigo sentir o que toda garota sentiria se
estivesse em um namoro, mesmo que falso, com qualquer cara, ainda mais
quando esse cara se trata de alguém como ele.
Era para eu estar sentindo algo no centro do meu corpo formigando,
meu estômago se revirando, não porque eu estou com fome, e sim pelo fato
de que em algum momento desse dia, quando ele me deixasse no
dormitório, nós acabaríamos nos beijando, e não um beijo qualquer. Um
beijo digno das telas de cinema.
Um beijo à lá Rachel e Ross, quando ele está prestes a adotar um
gato com a Julie, mas acaba desistindo no meio do caminho e vai até Rachel
quando ela está fechando o café, e então eles brigam, ele vai embora e
depois ele volta. E mesmo com muita raiva e rancor dentro deles, por terem
fugido dos sentimentos, quando o Ross volta, eles se olham com esperança,
com paixão... com fogo, e no meio da chuva, o primeiro beijo acontece,
porém, a chuva pouco importa, porque dentro deles tudo queima.
O que quero dizer, é que tudo em mim deveria estar queimando
nesse instante, em pura ansiedade, esperança, paixão e fogo, por saber que
eu sou a namorada, ou melhor, “namorada” de um dos caras mais populares
do futebol americano universitário da atualidade, que está prestes a se
formar e ser draftado por um time grande da NFL.
No entanto, ao invés disso, estou deixando a minha baba escorrer
enquanto assisto o filho da minha madrasta se engasgar com uma batata
frita, à medida que ri de alguma coisa que Elliot, o melhor amigo dele,
acaba de falar. E a única coisa que eu penso é que, mesmo assim, eu queria
estar ao lado dele, segurar a mão dele e beija-lo.
— E você tá fazendo de novo — Colin chama minha atenção outra
vez, e eu volto novamente meu olhar para ele.
— Desculpa — digo.
— Olha, Allie — Colin me chama quando sua mão cobre a minha,
que está em cima da mesa do refeitório. — Eu sei que eu propus esse
acordo entre nós, mas eu já te disse milhões de vezes que no momento em
que você quiser terminar, eu jamais irei me opor quanto isso.
— Está tudo bem, eu não quero terminar. Juro. — Dou a ele um
meio sorriso, entretanto pareço não convencê-lo muito, quando seus olhos
se estreitam me minha direção, e suas sobrancelhas se unem, fazendo uma
ruga no meio entre elas.
— Não é o que parece toda vez que você olha para o Grey — diz
calmamente.
É aí que eu vacilo, pois acabo levando meus olhos na direção do
único cara que é capaz de despertar minha atenção.
Quando nossos olhares se encontram, eu vejo fogo transparecer das
írises castanhas de Grey, pois ele fita nossas mãos juntas, e em um puro
impulso, eu acabo tirando a minha mão da mesa, deixando a de Colin
sozinha, que por sua vez, me inspeciona curioso, e eu passo a coçar a
garganta, nervosa.
— Por que não deixamos para conversar sobre isso quando
estivermos a sós? — sugiro.
Então Colin olha à nossa volta, percebendo, assim como eu, o que é
óbvio, já que estamos em uma mesa no meio do refeitório universitário com
nossos amigos ao nosso redor.
— Tem razão — ele concorda com a cabeça e em seguida, pega a
sua mochila no chão, trazendo-a até seu ombro. — Quer que eu te
acompanhe até sua próxima aula? Fica no caminho da academia, assim
podemos aproveitar para discutir.
— Tudo bem — anuo —, preciso apenas jogar o restante do meu
almoço fora — finalizo, ao pegar minha bolsa.
— Pode deixar que eu faço isso — ele se prontifica, pegando minha
bandeja, mas antes de ir em direção às lixeiras, ele chama a atenção de
Kane, Grey e Elliot, que estão sentados um ao lado do outro. — Não se
esqueçam do treino.
— Pode deixar, QB — Elliot responde.
— Eu nunca esqueço — Kane também dá a sua réplica.
Colin então estreita seu olhar para Grey, que ergue a cabeça para
cima e dá um leve suspiro, antes de dar de ombros e responder:
— Tanto faz.
A resposta dele faz com que Kane dê um leve tapa na sua cabeça,
repreendendo-o, obviamente porque ele está respondendo o capitão do time
de qualquer jeito, enquanto Colin apenas ri.
Eu não posso negar que me sinto mal por essa situação entre eles
dois, uma vez que a causa disso sou eu, pois antes de Colin e eu
anunciarmos que estávamos juntos, eles dois tinham uma relação boa, em
vista de que jogam no mesmo time, estudam as mesmas matérias e ainda
moram na mesma república.
Contudo, o relacionamento deles ruiu no instante em que eu decidi
começar um namoro falso com o quarterback do Jaguars.
Grey não aceitou muito bem a ideia de eu estar namorando um de
seus amigos mais íntimos, no início, até mesmo senti uma pequena fagulha
de alegria e excitação, pois jurava que ele estava com ciúmes. No entanto,
só depois de ele brigar em campo com Colin por ele estar desrespeitando a
“irmã” dele, foi que eu me toquei que nunca se tratou de ciúmes, e sim de
cuidado, sobre uma relação que sequer existiu entre nós dois.
Quando estou prestes a me levantar também, sou puxada por
Heaven, que está sentada ao meu lado.
— Parece que o clima entre eles está finalmente melhorando —
observa ela.
— Se é o que você acha — respondo, dando de ombros.
— Pelo menos, ele parou de ignorar o Colin. — Os olhos azuis da
minha amiga brilham, e ela dá um sorriso malicioso, olhando de canto na
direção de Grey. — Se eu não conhecesse seu irmãozinho suficientemente
bem, eu poderia até pensar que isso tudo dele é proteção fraternal.
Eu acabo soltando um riso de escárnio, balançando a cabeça em
negativa.
— É, mas quem mora com ele há anos e finalmente conseguiu
enxergar suas verdadeiras intenções, sabe que não é nada de ciúmes.
— Uhum — agora é a vez dela de ser irônica. — Se isso te faz
dormir melhor à noite, quem sou para ir contra?
— Você não tem ideia de como eu tenho dormido bem desde que
aceitei isso — digo por fim, olhando na direção de Colin, que me espera. —
Enfim, tenho que ir.
— Vai lá, com seu “namorado”. — Ela faz aspas com uma das
mãos, e imediatamente eu bato nela, verificando se ninguém percebeu o seu
sinal, nem o que acaba de sair da sua boca.
— Um dia eu ainda mato você, garota — rosno.
Me controlo para não mostrar o dedo do meio para ela e finalmente
me levanto, me despedindo do restante do pessoal que se encontra à mesa.
Puxo a alça da bolsa, a fim de ajustá-la em meu ombro e vou na
direção de Colin, que pega minha mão, como de costume, desde que
começamos a farsa. Ele é cumprimentado por alguns estudantes, distribui
alguns sorrisos aqui e ali para algumas garotas, e em todo o percurso até
estarmos fora do refeitório, meu rosto já se transformou em tomate, de tão
vermelho que ficou.
Ele abre a porta de vidro, me dando passagem e depois me segue,
ainda segurando minha mão. Um verdadeiro cavalheiro que sabe como
tratar uma mulher, quem vê de fora realmente acredita que estamos
imensamente apaixonados um pelo outro, a não ser por Heaven — minha
melhor amiga e também a pessoa com quem eu divido o dormitório —, e
pode ser que o Axel, seu namorado, também saiba, afinal, eles não
escondem nada um do outro. Entretanto, eu prefiro acreditar na ideia de que
ela não tenha compartilhado esse segredo com ele.
— Acho que agora que estamos sozinhos, podemos falar
abertamente — Colin diz, enquanto caminhamos pelo campus.
— Vai em frente — respondo.
Colin solta minha mão, mas não me deixa de lado, quando passa seu
braço sobre meu ombro.
— Olha, sei que fui eu que propus a ideia de começarmos um
namoro de mentira, apenas para que eu parasse de ser o alvo de tantas
garotas na faculdade e pudesse focar somente no meu último ano no futebol
universitário, porque só focando no esporte era que eu conseguiria dar o
meu melhor. Mas eu me preocupo com você todos os dias, Allie.
— Por quê?! — pergunto, quase retórica.
— Você ainda pergunta? Você não está ganhando nada com essa
farsa, Allie, apenas se afastando mais e mais da pessoa que você realmente
gosta.
— Não é como se fôssemos tão próximos antes — lamento. — Eu
sei que eu sou apaixonadinha pelo Grey...
— Você quer dizer apaixonadona, não?! — Colin me interrompe.
Dou uma cotovelada na sua barriga, e ele solta uma lufada de ar.
— Apaixonadinha — corrijo-o, e ele solta um murmúrio,
concordando. — Mas eu estou tentando superar essa paixonite.
Colin ri.
— O que foi? — Paro de andar e encaro-o.
— Paixonite, Allison? A quem você quer enganar, afinal? Você é
louca pelo cara desde os seus treze anos e vem dizer que isso é paixonite?
Para de ser doida, sua doida.
— Olha como você fala comigo, Colin Kesson. — Aponto o dedo
para ele, me defendendo. — Eu não sou doida.
— É não, eu que sou. Mas você acha mesmo que você está
superando essa “paixonite” com um namoro falso? Você não acha que se
você se desse a liberdade de sair de verdade com outros caras, talvez, só
talvez, você não conseguiria superar de verdade?
— Você está me chamando para um encontro de verdade, QB? —
brinco.
Colin ergue a cabeça para cima, soltando uma risadinha rouca e
quando retorna, volta a passar o braço pelo meu ombro, e voltamos a
caminhar.
— Você é linda, Allie, e não me entenda mal, você é gostosa para
um caralho também, e se eu não estivesse tão focado no draft da NFL, com
certeza não pensaria duas vezes em te levar para a cama. Mas você sabe...
— Você não é do tipo que namora de verdade — concluo.
— Exatamente, e você merece um cara que queira algo de verdade
com você.
— Porque eu sou toda sentimental. — Solto uma lufada de ar.
— Na verdade, é porque você já se iludiu demais sozinha, então
você precisa de alguém que não apenas se iluda por você, mas que também
valorize cada batida do seu coração, e principalmente, você não merece um
namorado, você merece um fã.
— Um fã?! — inquiro ao rir, sem entender sua conotação.
— Sim, um fã. Que te admire, aprecie, adore. Um verdadeiro tiete
seu, entende?
— Não.
— Você merece alguém que te siga, sua doida, e não alguém que
você deva acompanhar.
— Para de me chamar de doida. — Me preparo para dar outra
cotovelada, porém ele é mais rápido e acaba se afastando.
Observando sua pele bronzeada, banhada pelo sol da Califórnia, os
olhos verdes brilhantes, com uma pontinha amarela próxima às pupilas,
seus quase dois metros de altura, corpo esculpido, e um sorriso cafajeste de
Colin, eu respiro fundo, negando com a cabeça.
— Bem que eu poderia me apaixonar por você, e você se tornar meu
fã — digo por fim.
— Tudo seria bem mais fácil, né?! Mas se você preferir optar por
sair com vários caras, também não tem problema algum.
— Nossa. — Coloco a mão sobre o peito, parecendo ofendida. —
Vendo você falar assim, eu estou começando a pensar que você quer
realmente se livrar de mim.
— Eu jamais vou me livrar de você, loira, e nem você de mim.
— Sei — ironizo.
— Estou falando sério, poxa vida. Você vai ser minha amiga pelo
resto dessa vida, nem que você não queira — diz por fim, quando chegamos
em frente ao prédio de Literatura. — De toda forma, eu só queria que você
soubesse que no momento em que você quiser terminar, iremos terminar. Eu
dou um jeito de me livrar das mulheres. — Solta uma piscadela.
— Tudo bem, eu entendi seu argumento — respondo, sincera. —
Não se preocupa, quando chegar o momento, eu te digo. Mas isso também
vale para você, está bem?
— Você que manda, loira — diz, ao bater continência. — Enfim,
tenho que treinar, a final está chegando, e preciso me preparar.
Colin me abraça, se despedindo.
— Vai lá, campeão, todos sabemos que essa vitória é nossa mesmo
— digo, me desfazendo do abraço. — Qualquer coisa, me liga — grito,
quando ele se afasta, e ele bate continência outra vez, antes de se virar.
Não posso negar que o Colin tem razão quando diz que eu não estou
ganhando nada com esse relacionamento. Ele sugeriu após termos um
encontro e nos beijarmos, pois logo depois, o Grey acabou vendo, e eu pude
jurar que ele estava com ciúmes quando começou uma briga com o Colin,
então eu acabei entrando no meio e dei um murro no nariz dele, que ficou
inchando por duas semanas.
Então quando eu vi o estrago que havia feito, disse que aquilo que
tinha acontecido entre Colin e eu tinha sido um erro, foi ali que ele notou
que os meus sentimentos eram todos relacionados a outra pessoa. Por isso
ele propôs o namoro, para que pudesse focar no futebol e também em
assuntos pessoais, e eu aceitei para quem sabe, o Grey continuar a sentir
ciúmes.
É obvio que eu concordei, por que quem não quer ver o cara que
gosta com ciúmes?
Pena que não era ciúmes de verdade que ele sentia por mim.
A verdade é que eu nunca fiquei com ninguém realmente, pois eu
tinha uma esperança de que o Grey gostasse de mim verdadeiramente,
assim como eu gosto dele. Às vezes, eu não sei de onde eu tiro essas ideias
doidas, mas na maioria delas, eu vejo a forma como ele olha para mim
também ou as inúmeras vezes que ele me olha quando estou na cozinha da
casa dos nossos pais fazendo alguma comida ou então todas as vezes em
que ele ri apenas porque eu rio de alguma cena do meu seriado favorito.
Quem sabe até mesmo a vez em que ele se vestiu de coelho no
Halloween, igual ao Chandler, já que eu estava vestida de mulher gato,
igual à Mônica. Teve também a vez do baile de formatura da escola, onde
ele não chamou nenhuma garota para ser sua acompanhante, apenas para ir
comigo, porque ninguém havia me convidado.
Embora ele grite a todo momento que somos irmãos, todas essas
pequenas coisas, pequenos gestos, confundem meus sentimentos.
Você vai me mandar para o pronto-socorro
Com as coisas que você faz ao meu coração
Eles poderiam me dar todos os pontos
Mas parte de mim está faltando
É você é você
NO ONE CAN FIX ME | FRAWLEY

— Quando você vai deixar de ser um idiota? — Elliot indaga, quando


Allie se levanta da mesa e vai em direção a Colin.
A resposta que meu amigo recebe é um revirar de olhos, seguido do dedo
do meio que eu mostro a ele.
— Muito adulto você, Grey, extremamente adulto. Nunca conheci alguém
tão imaturo quanto você — ele volta a reclamar.
— Cara, eu te amo como se você fosse meu irmão de sangue, mas não me
faz dar um soco na sua cara e acabar com toda essa felicidade que você está
sentindo nos últimos dias. — Me volto para ele, claramente com raiva.
Sadie, sua então oficialmente namorada há dois dias, puxa o seu braço e
sussurra algo em seu ouvido, pelo canto do olho, vejo-o concordar com a ruiva,
que pega o exemplar do livro que tem em mãos e volta a ler. Meu amigo dá um
beijo no ombro dela e depois se volta para mim de novo.
— Desculpa — peço. — Eu não deveria falar assim de você.
— E nem com o nosso quarterback — lembra Elliot, eu me preparo para
me levantar, já que não estou a fim de ter essa conversa uma outra vez, porém ele
me puxa. — Olha só, Grey, eu entendo o que é ficar longe da pessoa que você
ama, você sabe disso, porque durante os dois últimos meses você esteve ao meu
lado, você viu o meu tormento, ficou comigo quando eu estava mal, mas você tem
que entender que ela está feliz com ele, e que ele é um cara legal que não faz mal a
ela. Então você deveria estar feliz pelo fato de ela estar sendo bem cuidada.
— Se fosse a Sadie no lugar dela, você estaria feliz? — pergunto, ao
enrugar a testa.
Antes que Elliot possa me responder, Kane, que está do meu outro lado e
estava calado até certo momento, decide responder no lugar dele.
— Ele estaria colocando fogo nessa faculdade inteira, se fosse o caso.
Meneio a cabeça para o lado, deixando meus lábios em uma linha fina,
concordando com Kane.
— Isso é pura mentira, até porque eu sou um cara evoluído.
— Evoluído até o ponto em que não mexem no que é seu — agora é a vez
de Heaven, que está do outro lado da mesa, entrar na conversa.
— Nem mesmo ciumento eu sou — Elliot se defende. — Eu nunca tive
nenhuma crise de ciúmes, tive, Watson? — ele chama a namorada, que tira a
atenção do livro e volta os olhos para ele.
Sadie parece pensar por um momento, hesitante.
— Não — nega com a cabeça, soltando um sorrisinho. — Até porque nem
teria motivos, já que o único para quem eu tenho olhos é você.
A resposta dela é suficiente para que eles comecem a se beijar em público,
acredito que pela trigésima vez desde que reataram o namoro, dessa vez, estando
juntos de verdade. E isso aconteceu há apenas dois dias, quando ele subiu na mesa
do refeitório lotado e se declarou para ela.
Talvez, só talvez, se a Allie não estivesse namorando, eu poderia fazer o
mesmo, porque quando as declarações dos meus amigos acabaram, eu não pude
olhar para nenhum canto e nenhuma outra pessoa, que não ela, e ela também me
fitava com um sorriso genuíno em seus lábios, mas então, Colin decidiu pegar a
sua mão, e aquela pequena conexão que tivemos foi embora rapidamente.
— Vocês são tão chatos — reclamo em uma lufada de ar.
— Chato é você que vive resmungando, apenas porque nunca teve
coragem de ir atrás da garota que você gosta — Elliot, que para de beijar Sadie,
diz.
— Concordo — Kane responde.
— Você tem que decidir de que lado você está — digo, ao mirar o nosso
recebedor de pele negra em tom médio.
— Eu estou do lado da razão, sempre da razão.
— Então você deveria estar do meu lado, e não defendendo os argumentos
do Elliot.
— Ah, me poupe, Greyson — Heaven exclama e em seguida, se curva
sobre a mesa, chegando mais perto, a fim de falar mais baixo e não chamar a
atenção das centenas de estudantes que ainda se encontram no refeitório. — Eu te
conheço praticamente a minha vida toda e sei do seu segredinho do baile de
formatura.
Imediatamente lembro de todos os quase trezentos votos que dei em Allie,
somente para que ela realizasse seu sonho de ser a rainha do baile de formatura da
escola.
— Eu fiz aquilo por conta da nossa fa...
— Família uma porra — Heaven rosna, ao me interromper. — Você fez
aquilo porque você é morto de apaixonado por ela desde sempre e nunca teve
coragem de assumir isso, aí agora que ela está com outro, fica se lamentando o
tempo todo. Se você não fosse tão covarde durante todos esses anos, vocês dois já
estariam sendo felizes há muito tempo.
Não consigo me controlar e acabo soltando uma risada mordaz. Minha
boca até mesmo chega a amargar quando eu imagino que Heaven, Elliot ou Kane,
não fazem ideia do que é ser apaixonado por alguém e morar sob o mesmo teto
que ela, sem poder sequer olhar em sua direção sem ser repreendido.
— Uhum — anuo —, vocês têm razão. Eu estou assim apenas porque sou
um covarde. E as coisas são fáceis como todos vocês imaginam que são, eu sequer
sei se ela gosta de mim.
— De burro que você é — Kane retruca.
— Limitado — Elliot corrige nosso amigo. — É óbvio que ela gosta de
você ou pelo menos gostava — hesita, jogando a cabeça pro lado.
Solto outra lufada de ar, cansado do assunto, portanto, opto por encerrá-lo.
— Vamos fingir que essa conversa não aconteceu, e cada um segue sua
vida.
— E você segue chorando — Sadie cantarola.
A garota quase nunca abre a boca, mas também quando abre, ou é para
beijar o Elliot ou para soltar uma dessas.
De toda forma, todos eles usam os próximos minutos apenas para falar
sobre o jogo da final entre Jaguars e Bruins, que acontece em três dias. Como eu e
os outros fazemos parte do time, também acabo entrando na conversa. Apenas o
time mesmo para me fazer esquecer por um momento que há anos eu tenho meu
coração partido, e o pior de tudo, é que a culpa não é da pessoa que o tem.
Posso afirmar até que a culpa também não é minha, e sim da vida, que fez
com que minha mãe acabasse casando com o pai da garota que eu gosto ou então
do destino, que fez com que eu a conhecesse e me encantasse por ela antes de
saber que acabaríamos nos tornando da mesma família. Sei que sou caidinho pela
filha do meu padrasto, nunca neguei isso para mim mesmo.
Eu nunca pedi para que a vida me desse um tombo desses.
Entretanto aconteceu, eu apenas não sabia que a queda seria equivalente a
um poço de quinhentos metros de profundidade.

Mãe: Pode passar no mercado e trazer as coisas da lista?


A mensagem que a minha mãe acaba de enviar aparece no painel do carro,
e eu acabo batendo na direção do carro com força, mas só me dou conta de que
usei força demais quando a garota sentada no banco do carona dá um pulo de
susto.
— Aconteceu algo no treino de hoje? — ela pergunta, cautelosa.
— Não — é tudo o que eu respondo.
Ela apenas assente e volta a se concentrar nas mensagens que estava
enviando antes do meu pequeno ataque.
Embora minha relação com Allie nunca tenha sido a mais aberta do
mundo, até porque eu fui obrigado a me manter o mais afastado possível, sempre
que ficávamos sozinhos, nós costumávamos conversar, rir e até mesmo brincar um
com outro, e agora o máximo que trocamos são algumas palavras, e isso acaba
comigo.
Todas as vezes que eu a respondo de qualquer forma, cogito pedir
desculpas, porém eu sou idiota demais, portanto, me mantenho calado e sigo como
se nada tivesse acontecendo, mesmo que por dentro tudo em mim grite “me
perdoe, eu não quis agir assim”.
Queria ao menos ter o poder de ser diferente, de conseguir entender que se
não posso estar com ela, eu poderia apenas esbanjar um sorriso, mesmo que falso,
em meu rosto e dizer que está tudo bem ela namorar.
Sim, eu poderia agir como um irmão postiço legal e ser amigo dela. Mas
não, sou um merdinha rancoroso demais com a vida, sou egoísta demais também e
só penso nos meus próprios infortúnios. E sou egoísta também a ponto de estar
com um sorriso idiota no rosto apenas porque a garota que eu gosto está sentada
no banco do carona do meu carro, e não no do namorado dela.
Que se foda o Colin.
É comigo que ela está agora, então eu deveria aproveitar. Pelo menos na
minha cabeça, por um instante, as coisas entre nós funcionam, é por isso que
acabo relaxando no caminho até o mercado.
Antes de descer do carro, olho novamente para ela, me certificando que
meu sorriso foi embora e pergunto:
— Você vem?
Allison estala a língua no céu boca, fazendo com que minha atenção se
volte para ela, os lábios rosados e carnudos, e tudo que eu consigo imaginar é qual
a sensação de ter a boca dela colada na minha.
Deve ser algo parecido como ver a luz no fim do túnel, afinal, dizem que
quando caminhamos em direção à luz branca significa que encontramos a paz,
então, deve ser isso. Como uma luz no fim do túnel.
— Não — finalmente ela responde, e eu continuo prestando atenção nos
movimentos que sua boca faz, como se fosse uma cena em câmera lenta. — Você
demora? — pergunta, e eu continuo a observar seus lábios, que acredito estarem
cobertos por algum gloss. — Grey?! — Escuto-a me chamar, porém fico vidrado
quando seus dentes brancos e perfeitamente alinhados batem um no outro quando
ela fecha a boca.
Minha atenção só é voltada à Allison por inteira, quando ela bate palma em
frente ao meu rosto, e eu acabo piscando os olhos com força, enquanto meu corpo
estremece.
— O que foi? — inquiro, atônito.
— Você estava viajando de novo.
Não, querida, eu estava me apaixonando ainda mais por você, penso, mas
me mantenho calado. Ela deve perceber a confusão em meu semblante, então
continua a falar:
— Quanto tempo você demora lá dentro?
— Uns vinte minutos, acho — finalmente respondo sua primeira pergunta.
— Posso colocar Friends? — pergunta, ao apontar para o painel do carro.
Aceno com a cabeça em afirmativa.
— Fique à vontade, já volto — informo, antes de sair do carro.
Ao caminhar para a entrada do mercado, acabo virando um pouco a
cabeça, e pelo vidro transparente do carro enxergo o sorriso dela conforme assiste
ao programa, e com isso, não posso fazer outra coisa senão sorrir junto,
imaginando que provavelmente ela está rindo de alguma piada sem graça que
Chandler fez ou de alguma trapalhada do Joey ou até de algum pensamento sem
sentido algum da Phoebe.
Eu sou feliz quando ela está feliz, e sempre que ela assiste Friends, ela está
feliz. Por essa razão, eu não sei porque eu não consigo ficar feliz por ela estar com
alguém que a faz bem.
Quando termino de fazer as compras, volto para o carro e coloco as sacolas
no porta-malas, arrumando um espaço para que elas caibam entre as minhas
coisas.
Demorei mais do que imaginava, e Allie acabou tendo que assistir a um
segundo episódio, que ainda estava na metade quando entrei no carro novamente,
então dirigi o caminho para casa, ouvindo o som da sua risada durante algumas
cenas.
— Lar, doce lar — Allie murmura, quando estaciono o carro em frente à
entrada.
Meus lábios se fecham uma linha reta, porque assim como ela, eu não faço
muita questão de estar sempre em casa, porém, nossos pais, mais especificamente
minha mãe, gosta de fazer um jantar em família todas as quartas, então é claro que
Allie e eu temos que fazer uma mini viagem todas as semanas, de cerca de uma
hora, para virmos.
Quase nunca somos liberados para faltar, isso só acontece quando eu
preciso viajar com o time para algum jogo ou em época de provas, nesse caso,
quase nunca.
— Como sempre tão aconchegante — sussurro ao sair do carro, batendo a
porta.
Dando a volta no veículo, abro a mala, a fim de retirar as sacolas, e me
surpreendo quando Allie se põe ao meu lado.
— Pode deixar que eu levo — digo, já pegando uma das sacolas.
— Eu quero ajudar — responde, dando de ombros.
Quando ela tira uma das sacolas, uma montanha de roupas que está ali
acaba despencando para o lado, e eu tento arrumar, antes de tirar as próximas
compras.
— Nunca entendi porque você tem praticamente um guarda-roupas no
carro, Grey — ela comenta.
— Não é nada demais — respondo, ao dar de ombros. — Apenas gosto das
minhas coisas assim.
— Por quê?
— Por que, o quê?
— Sei lá. — Hesita por um segundo. — Quando éramos mais novos, você
costumava me chamar de Allie-run, dizendo que eu gostava de fugir. Mas hoje,
vendo suas coisas sempre assim no carro, parece que quem está sempre se
preparando para fugir é você.
Não posso evitar o meio sorriso que aparece em minha boca, talvez porque
essa seja a primeira vez em mais de três meses que estamos nos comunicando
como duas pessoas normais.
— Sempre bom ter um plano de fuga caso as coisas deem errado — digo
em um tom brincalhão, mas na verdade, eu estou falando sério.
— Que coisas poderiam dar errado, Grey?
— Nada demais — respondo, ao pegar a última sacola e fechar o porta-
malas.
Noto o momento em que ela entreabre a boca e em seguida, dá uma leve
mordida no lábio inferior. Isso se torna torturante, pois, novamente, não consigo
raciocinar direito, quando toda a minha atenção se volta para os seus lábios outra
vez.
— Não vejo motivos para você fugir, do que você tem tanto medo?
Dessa vez, meus olhos encontram os seus, e engulo em seco ao enxergar o
brilho no azul cintilante, como se algo ali estivesse carregado de ternura e
esperança.
É por isso que eu não consigo raciocinar.
É por isso também, que eu acabo falando a primeira coisa que me vem à
mente.
A verdade.
— Se um dia eu acabar beijando a filha do meu padrasto, as coisas darão
muito errado.
Tudo o que você sempre sonhou
Desaparece quando você acorda
Mas não precisa ter medo
Mesmo quando a noite mudar
Ela jamais mudará você e eu
NIGHT CHANGES | ONE DIRECTION

Eu devo estar ficando louca, ou talvez surda, mas entre essas duas
opções, a loucura é mais cabível.
É impossível não arregalar os olhos e depois fechá-los com tanta
força, a ponto de que no momento em que eu os abro, parece que há várias
luzes piscando ao meu redor, e tudo no meu cérebro grita: “alerta
vermelho, alerta vermelho, alerta vermelho.” Meu dedo indicador sobe e
depois desce, e sobe de novo, e desce outra vez.
Minha boca começa a fazer movimentos contínuos de abre e fecha,
e de verdade, eu não estou entendendo nada. Eu estou louca, louquinha,
pirada.
Por acaso eu morri e não senti? Fui baleada?
Ah, é um sonho, só pode ser um sonho, pena que vai se tornar um
pesadelo no segundo em que eu acordar, porque eu vou saber que nada do
que eu acabo de escutar é verdade. O pior de tudo, é que eu não quero
acordar.
Mas que merda.
Sequer lembro a hora em que fui dormir.
As únicas coisas que eu me lembro são: usar meu golfinho pela
manhã e não me satisfazer com ele, me levantar, tomar um banho quente,
depois fazer o café e tomar enquanto vestia minha roupa, assistir as
primeiras aulas, almoço com um grupo de estudos, mandar uma mensagem
para o Colin, dizendo que iria jantar na cidade dos meus pais, voltar para o
dormitório, encontrar Axel e Heaven quase transando na sala, trocar de
roupa, descer, entrar no carro do Grey, parar no estacionamento do
mercado, assistir a dois episódios de Friends e chegar em casa. Uma rotina
normal, que exerço com sucesso todas às quartas.
Ou seja, eu realmente não lembro de ter adormecido em hora
alguma em todo esse dia, porém, acontece que eu dormi, estou sonhando e
provavelmente devo estar babando meu rosto inteiro, porque só em um
sonho muito louco o Grey seria capaz de olhar no fundo dos meus olhos e
dizer que quer me beijar.
Quer dizer, eu acho que ele quer me beijar, afinal, o único padrasto
que ele tem é meu pai, e a única filha que meu pai tem, sou eu.
É isso, é um sonho, é apenas um sonho. Eu nem sei o porquê eu
estou surtando, eu não sei porque tem várias luzes vermelhas piscando na
minha cabeça.
Eu estou entrando em pane.
Curto-circuito, é isso. Minha cabeça está dando um curto-circuito, e
eu estou prestes a morrer. O pior de tudo é que eu sou muito nova para
morrer.
Porra!
Sou tão nova, que ainda sou virgem, a única coisa dura que chegou
próxima à minha entrada foi um vibrador de golfinho.
Eu vou morrer sem nunca ter transado antes. Mas que grande
merda!
Após vários segundos, que acabaram se transformando em minutos,
finalmente a minha cabeça decide trabalhar, e minha voz abandonar a
minha boca, quando eu falo:
— O que você disse? — Ainda estou confusa com o que acabo de
ouvir, entretanto eu preciso que ele diga novamente, para ter a certeza de
que não ouvi nada errado, de que não estou doida e, principalmente, que eu
não estou sonhando.
Grey começa a olhar de um lado para o outro, tentando encontrar
uma forma de escapar da minha pergunta, por isso, ele acaba mentindo.
— Se eu não lavar a roupa agora, não terei nada para vestir amanhã
— mente.
Na cara de pau, ele simplesmente mente para mim, porque uma
coisa não tem nada a ver com a outra.
— Não, não, não, não! Você não disse isso — acuso, apontando o
dedo em seu peito.
— Disse sim — ele se afasta e começa a andar apressadamente em
direção aos fundos da nossa casa.
— Não disse nada. — Ele começa a correr, e eu o sigo.
O problema é que o maldito do Greyson é um atleta, e a função dele
no time é exatamente essa; correr. Mesmo que eu tente ser tão ligeira
quanto ele, ainda assim, não consigo alcançá-lo, quando ele já está no
quintal, e eu ainda estou no beco.
— Você tá se fazendo de doido agora, Grey, eu ouvi bem o que você
disse.
— Eu juro que não sei do que você está falando, Allison.
— Você disse que queria... — As próximas palavras morrem na
minha boca, porque para mim é completamente estranho pensar nessa
possibilidade, pensar que realmente o Grey queira fazer o que ele disse.
Afinal, são quase oito anos vivendo nesse limbo onde nunca sei o
que ele quer, e no momento em que ele expõe, ele simplesmente começa a
fugir de mim, igual uma garota foge da chuva quando usa uma maquiagem
que não é prova d’água.
— Que queria o quê? — ele pergunta, já com a mão na maçaneta da
porta, prestes a entrar em casa.
— Que queria...
Merda!
Por que eu não consigo falar logo de uma vez? Por que é tão difícil
olhar na cara da pessoa por quem eu sou apaixonada por anos e repetir o
que ele acabara de dizer? Por que é tão difícil apenas dizer...
— Te beijar? — ele completa, e eu me afasto, dando um passo para
trás.
Novamente, isso parece ser uma total loucura, porque nunca que o
Grey seria tão ousado em dizer.
Quer dizer, nunca que o Grey me enxergou de qualquer outra forma
que não fosse fraternal. Eu sei que às vezes eu penso que não, mas ele já
deixou evidente e claro como água cristalina que não nutre qualquer atração
por mim.
Poxa, até mesmo quando eu corto meu cabelo, ele, que está comigo
diariamente, custa a perceber. Imagina só, o cara que nunca reparou em
mim, que me trata como se eu fosse apenas a filha do marido da mãe dele,
simplesmente decide olhar para mim um dia e dizer que quer me beijar?
Duas vezes seguidas.
É por isso que eu tenho quase certeza de que tudo isso é um sonho,
então eu acabo cedendo ao meu sonho e criando coragem para enfrentá-lo
de uma vez.
— Sim, você disse exatamente isso, que quer me beijar. Ou isso é
uma total loucura da minha cabeça, quem sabe até da sua, ou é uma
pegadinha de mau gosto.
— Ou apenas um sonho — sugere, ao dar de ombros.
— Pois é, provavelmente é um sonho. Afinal, a única coisa que eu
sou sua, é irmã, não é mesmo?! — pergunto retoricamente, em um desafio.
Retomo o passo que dei para trás e caminho em sua direção
lentamente, sem tirar meus olhos dele. E por mais que Grey seja cerca de
uns quarenta centímetros mais alto do que eu, eu não deixo de fitá-lo
enquanto me aproximo dele e vou erguendo minha cabeça, para ainda
conseguir enxergar seu rosto.
— Ou realmente você ouviu errado, e tudo que eu quis dizer é que
eu preciso lavar minhas roupas.
— As roupas que você deixa guardadas em seu carro caso um dia
precise fugir apenas porque me beijou? — Estreito olhos, e essa minha
ousadia momentânea faz com que Grey vacile, buscando alguma
escapatória, olhando para os lados. — Você não seria tão covarde assim,
seria, Greyson? De me beijar e simplesmente fugir? Mas por que você
fugiria? Por que tem medo dos nossos pais?
Ele tenta responder, porém hesita quando abre e fecha a boca
rapidamente. Portanto, eu decido cutucá-lo um pouco mais.
— Ou é do Colin que você tem medo?
Ele ri, nervoso.
— Colin?! Quem é o Colin? — ironiza, também estreitando os olhos
para mim.
Os cantos da minha boca se erguem em um sorriso tão forçado, que
minha mandíbula chega a doer.
— Meu namorado — afirmo, como se fosse verdade, e foda-se se
não é, eu sei que não é, mas também sei que o Grey não faz a mínima ideia
de que realmente não estamos juntos.
— Grande coisa — responde, e dessa vez, eu posso ver a fúria
iluminando seus olhos castanhos. A mesma fúria que eu vi ontem na hora
do almoço, enquanto Colin cobria minha mão com a sua, e também quando
ele nos viu juntos pela primeira vez, e todas as vezes seguintes.
O Grey pode passar essa imagem de inofensivo para várias pessoas,
entretanto no fundo, bem no fundo mesmo, eu sei que ele pode ser tudo,
menos uma pessoa inocente.
— É mesmo — provoco, mordendo o lábio inferior.
Como é fácil instigar a raiva em Grey, contudo, só agora que eu
estou sabendo como fazer, porque até dado momento, eu não fazia ideia de
que era capaz de provocá-lo dessa forma. Quer dizer, até sabia, na verdade,
eu suspeitava, mas agora? Bom, agora é diferente, porque eu sei que alguma
coisa, por mínima que seja, ele sente.
— Eu não quero te ofender, Allie, mas parece que você não sabe o
que é grande.
— E você sabe?!
— Você quer saber se eu sei? — Sua pergunta faz meus olhos quase
saltarem para fora.
O que está acontecendo aqui? Porque até dez minutos atrás,
estávamos nos tratando como meros estranhos, e agora, do nada, ele está
sugerindo que eu veja o... o... o... negócio dele?
É por isso que eu tenho certeza de que isso é apenas um sonho.
— Não — respondo. — O que eu quero realmente saber é se o que
você disse é verdade ou não.
— Qual a diferença se for verdade ou não? — Seus olhos caem
sobre minha boca, assim como aconteceu duas vezes apenas hoje. Antes eu
pensava que ele estava somente pensando em alguma coisa aleatória. No
entanto, agora sei que não, pelo menos, eu prefiro pensar que não.
— Muita diferença.
— Para falar a verdade não, porque se eu disser que não, nós dois
sabemos que nunca irá acontecer. E se eu disser que sim, também sabemos
que o resultado é o mesmo, porque no final do dia, ainda assim, por mais
que eu deseje com todas as forças do universo te beijar, nada vai acontecer
entre nós dois.
É muita informação para eu conseguir processar em tão pouco
tempo, é muita coisa confusa, muita palavra difícil. As luzes vermelhas
voltaram a piscar na minha cabeça.
— Você por acaso está tentando brincar comigo de alguma forma,
Grey? Porque cada palavra que sai da sua boca hoje, só me deixa cada vez
mais confusa.
— Eu posso estar fazendo tudo nesse momento, menos brincando.
Talvez eu esteja apenas sendo impulsivo, ou egoísta, até mesmo ingênuo, ou
quem sabe, idiota, como sempre fui, não é mesmo?
— O que você está fazendo, Grey?
— Estou sendo sincero — revela. — Pela primeira vez na vida, uma
coisa sai da minha boca sem eu ter tempo de pensar, e eu finalmente estou
seguindo no mesmo assunto, sem fugir.
— Mas você quis fugir no início — o contradigo.
— E agora não estou mais, estou? Afinal, se o que eu disse, sendo
verdade ou não, no final, não vai mudar muita coisa.
É isso que ele pensa afinal? Que a vida, a nossa vida, continuaria a
mesma se o que ele disse é verdade ou não? Pois para mim é óbvio que tudo
irá mudar, eu não sei exatamente se será uma coisa boa, mas o que eu sei é
que vai mudar, e ele não pode dizer que não vai.
Nego com a cabeça, a fim de descredibilizar a sua crença.
— Muita coisa muda, Grey — sussurro, fechando os olhos.
Ele solta outra risada, e dessa vez é sem graça, seca, sem vida. Um
riso infeliz.
— Muda?! Me corrija se eu estiver errado, mas se eu disser que é
verdade, ainda assim, você vai estar namorando com o Colin, e nós
continuaremos sendo irmãos, ou não?
— E você ainda olha na minha cara e diz que está sendo sincero.
— Mas eu estou, afinal, somos irmãos, e você está namorando o
meu capitão.
Agora é a minha vez de soltar uma risada infeliz, porque até certo
ponto, eu imaginei que as coisas poderiam ter mudado, eu pensei que eu
estava provocando-o, eu genuinamente cogitei a ideia de que ele estava com
ciúmes.
Contudo, aí está, novamente, o mesmo Grey que deu um murro no
capitão do seu time, apenas porque ele estava “desrespeitando” a sua irmã.
O mesmo Grey que não aceita que eu fique com outra pessoa, apenas para
me proteger. Ele nunca, arrisco dizer que jamais, será o Grey que eu sempre
sonhei.
Em algum instante durante essa pequena discussão, até me veio à
cabeça a conversa que tive ontem com o Colin, sobre o que eu mereço, e
imediatamente passo a ligar todas as palavras dele aos meus sentimentos
estúpidos pelo Grey, imaginando a possibilidade de que finalmente ele
estaria prestes a se declarar para mim. Entretanto, eu sou uma grande idiota
mesmo, não é?! Porque até mesmo cheguei a ponto de acreditar que estava
sonhando, porque tudo estava bom demais para ser verdade.
— Olha, eu sinceramente não sei qual é o seu problema com o
Colin, eu também não sei qual é o seu problema comigo, Grey. Isso tudo é
só porque eu estou namorando um de seus amigos? Porque eu nunca soube
que existia uma regra na sociedade de que não se pode namorar amigos de
irmãos. Porque é isso que você vai dizer no final, que somos irmãos e que
você está tentando me proteger. — As palavras passam a sair da minha boca
apressadamente, à medida que a minha raiva por ele aumenta. — Eu já te
disse várias vezes e espero que essa seja a última vez que eu digo isso, eu
não sou sua irmã, eu não sou sua parente, então pare de me tratar como se
eu fosse. Porque eu não sou! — esbravejo.
Grey me olha perplexo, assustado. Eu também acabo me assustando
com meu tom de voz.
Faço questão de deixá-lo sozinho, quando empurro a mão dele, que
cobria a maçaneta, e entro em casa.
Respiro aliviada ao ver que meu pai e Susan ainda não chegaram,
pego as sacolas que ainda seguro e as deixo na bancada da cozinha. Ouço a
porta fechar atrás de mim, mas não faço questão de olhar para trás, afinal, já
estou puta com ele o suficiente e se eu me atrever a encontrar seu maldito
rosto perfeito, é capaz de eu dar um soco nele.
Porque apenas esse idiota é capaz de me levar do céu ao inferno
com meras palavras e momentos ilusórios.
— Não esquece de guardar tudo na geladeira, para depois sua mãe
não ficar dando showzinho — é tudo o que digo, antes de sair da cozinha e
subir as escadas indo em direção ao meu quarto.
Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios
Isso é tudo que eu tenho pensado
Porque uma luz acendeu quando eu ouvi aquela música
CAN I BE HIM | JAMES ARTHUR

Se eu abrisse o dicionário agora para procurar o significado de


idiota, com certeza seria meu nome que apareceria logo ao lado.
Tudo o que eu procurei durante anos, foi um momento de coragem.
Dois minutos seriam o suficiente para que eu pudesse me abrir e dizer tudo
o que eu realmente sinto, e eu comecei a fazer, mas o problema é que eu
nunca sei falar a coisa certa, eu sou um erro que só sabe errar.
Conheço Allison bem o bastante para saber que ela repudia a ideia
de sermos irmãos, portanto, eu poderia ter controlado a minha maldita boca
e não ter deixado escapar a ideia que minha mãe insiste em colocar na
minha cabeça.
Allison está zangada, furiosa, raiva extrema é liberada dos seus
olhos quando seu olhar cruza com o meu durante o jantar. Eu poderia dizer
até mesmo que ela está com nojo, uma coisa que faz uma careta nada
engraçada surgir, ao colocar um aspargo na boca. É tão notória a sua
animosidade, que até mesmo Harvey percebe.
— Aconteceu algo, querida? — ele pergunta, fitando a filha.
Os ombros dela se encolhem quando deixa os talheres caírem na
lateral do prato.
Eu apenas fico em silêncio para escutar a sua resposta, na verdade,
quando estamos à mesa, eu estou sempre silêncio, a não ser que alguém fale
comigo, mais especificamente minha mãe ou seu marido.
— Nada demais, apenas uma pequena enxaqueca — responde.
— Certeza? — Harvey insiste. — Quando você está com dor de
cabeça costuma fazer cara de dor, não de raiva. Você e o Colin brigaram, é
por isso que está assim?
O nome saído da boca do meu padrasto faz com que a comida que
eu estava prestes a engolir volte para minha boca, e eu quase me engasgo.
Ótimo, agora quem está com raiva sou eu.
E minha querida mãe ainda faz o favor de me chutar por debaixo da
mesa, então para voltar a atenção para mim, decido pegar a taça de vidro
que está com água e tomo alguns goles, o que me ajuda a voltar a engolir a
comida, que de repente se tornou azeda na minha boca.
— Estamos bem, pai — Allie responde com um sorriso falso, mas
tranquilizador, para seu pai. — Na verdade, quase não nos falamos hoje,
após o treino em campo ele decidiu ir para a academia e amanhã deve
passar o dia inteiro descansando para a final.
— Ele terá um bom jogo. — Harvey sorri para a filha, porém logo
se volta para mim. — Aliás, vocês terão um bom jogo.
Sinto o pé da minha mãe me atacar novamente por debaixo da mesa,
quando eu me prolongo para dar minha resposta.
— Sim, senhor — respondo, ao abaixar a cabeça. — É o que
esperamos, ao menos.
— Sei que vocês irão conseguir, não apenas as estatísticas, mas
acredito que toda a comissão da NCAA está apostando forte em uma vitória
do Jaguars, afinal, de todos os jogos da temporada, vocês saíram apenas
com o quê? Duas derrotas?!
— Três — corrijo-o. — O início da temporada não foi muito ao
nosso favor, como a maioria das pessoas diz.
— Não querendo me meter no trabalho do técnico Willians, mas
quem em sã consciência coloca o melhor quarterback que tiveram em anos
no banco e coloca como reserva o recebedor?
Uma tosse de Allie tira a atenção de Harvey de mim, e ele se volta
para a filha.
— É, também acho injusto o técnico colocar o capitão no banco,
deveria ter colocado apenas os outros, que não tem tanta importância assim.
— Seus olhos me encontram, enquanto as palavras amargas saem da sua
boca.
Sou obrigado a me controlar para não revirar os olhos, mesmo
sabendo que ela está querendo me provocar, pois ela está falando de todas
as vezes que Colin e eu acabamos discutindo em treino ou até mesmo em
campo, e o técnico nos deu algumas punições.
Nos dias em que ele estava mais relaxado, nos fazia dar várias voltas
pelo campo, uma vez foi até os refletores se apagarem. Em compensação,
nos dias em que ele estava furioso, nos colocava nos bancos tanto durante
os treinos, como nos jogos.
Talvez para uma pessoa normal, seja bom ter como castigo um meio
de descanso, entretanto não é o caso quando se trata de atletas. Nós ficamos
entediados, cansados e resmungões.
— Eu não estou dizendo que é injusto, filha — Harvey volta a falar.
— E todos os jogadores do time têm sua importância na hora do jogo, o
Colin é um bom QB, mas Grey e Elliot são os melhores corredores.
Meus lábios se erguem um pouco em um sorriso convencido, e
Allison acaba me fuzilando. Eu quase tenho vontade de rir da cara que ela
faz, pois evidencia as maçãs rechonchudas do seu rosto, e cara, eu amo as
bochechas dela.
— E o Kane, óbvio, um dos melhores recebedores, senão o melhor
que a Stout já viu — continua Harvey. — É uma pena que não estarei
presente na final, queria muito assistir ao jogo ao vivo, mas vou ter me
contentar com a transmissão.
— Você não vai ao jogo, amor? — agora minha mãe resolveu falar.
— Tenho uma audiência que foi marcada apenas hoje, na sexta. E
como é em São Francisco, não vai dar para eu chegar a tempo para o jogo.
Portanto — Harvey aponta com o garfo para mim —, trate de fazer um bom
jogo e deixar a todos nós orgulhosos.
— Pode deixar, senhor — respondo com a mesma animação, bem o
oposto da minha mãe, noto um brilho mordaz em seu rosto quando ela olha
para o marido.
Pode ser apenas coisa ou loucura da minha cabeça, mas às vezes eu
penso que minha mãe não está com Harvey porque gosta dele realmente, e
sim por conta da vida boa que ele pode proporcionar a ela. Afinal, desde
que se casou, ela virou a mãe de pilates, não se preocupa mais com contas
para pagar, as horas que deve fazer no hospital, o quanto deve economizar
para que eu possa estudar em uma boa escola, no caso de hoje,
universidade.
Há anos que ela não é mais a mulher que dava plantão quase todas
as noites porque pagava melhor. Agora ela é a mulher que se reúne com
outras mulheres uma vez na semana em um clube do livro, que está mais
para clube do vinho com fofoca, já que todas as manhãs seguintes ao
encontro, ela parece um zumbi. E como o jogo é na sexta, mesmo dia do
seu tão querido clube, sei bem que sua curiosidade sobre Harvey ir ou não
no jogo, está ligada ao fato de que ela poderá aproveitar bem mais a sua
noite se ele não estiver por perto.
Eu deveria enxergar a mulher que me criou por tantos anos com
bons olhos, porém ao longo do tempo, isso foi se tornando impossível, já
que ela mesma faz questão de que eu me afaste dela com seu egoísmo e
ganância.
Ao final do jantar, minha mãe pede para que eu tire a mesa e
coloque os pratos na lava-louças, enquanto libera Allison, uma vez que ela
disse que estava com enxaqueca. Estou colocando o último prato na
máquina, quando ela entra na cozinha, vestindo uma calça de moletom e
uma camiseta roxa com a estampa de uma moldura amarela.
— Hm — murmura no momento em que eu a encontro abrindo a
geladeira. — Pensei que você já tinha descido — diz, sem me olhar.
E isso me dá uma pontada igual a de quando eu acabo arrancando a
casquinha de uma ferida.
— Allison — a chamo, só que ela ignora. — Allie — tento
novamente, contudo, ela continua a procurar algo na geladeira.
Decido me aproximar dela e consigo ver o seu corpo retrair quando
ela sente a minha presença mais perto dela.
— Allie-run? — a chamo pelo apelido que costumava chamar
quando éramos mais novos.
Sua cabeça pende para frente quando ela abaixa, mas tão logo ela a
ergue novamente e então se vira para mim.
— O que foi agora?
— Podemos conversar? — pergunto, erguendo as sobrancelhas.
— O que nós teríamos para conversar?
Eu sempre soube que essa garota não seria fácil, mas nunca
imaginei que seria tão difícil assim. Ou sou eu que não estou acostumado a
tê-la tão difícil perto de mim.
— Eu acabei ficando sem palavras mais cedo — tento explicar. —
Eu queria poder me explicar.
— Você não tem nada o que me explicar, Grey, você já foi claro e
objetivo o suficiente, assim como eu.
— Por que sempre que eu preciso falar sério com você, eu nunca
consigo? Tudo tem que ser tão difícil assim mesmo? — Esse é claramente
mais um pensamento, porém minha boca se torna dona de mim, quando o
deixa sair assim do nada.
Allison ri.
— Você quem torna tudo complicado demais, se ainda não
percebeu, Grey, sempre falando besteira sobre sermos irmãos, quando não
somos.
A mágoa na sua voz é evidente, e eu me arrependo por todas as
vezes em que deixei essa ideia transparecer mais do que o necessário.
— Nós não somos irmãos, Allison — digo o que ela sempre quis
escutar, e é claro que isso a surpreende, quando ela decide olhar diretamente
nos meus olhos. — Nós podemos ser tudo nessa vida, menos irmãos. Eu sei
disso, você sabe. Mas nossos pais não fazem a mínima ideia disso.
— E quem são eles? — A pergunta sai da sua boca como se fosse
óbvia.
— Nossos pais, Allison, eles são nossos pais. E por mais que eu
estivesse falando a verdade mais cedo, nós dois também sabemos que isso
seria impossível. Ou você teria coragem de ir contra eles por um beijo?
— Um beijo? Então o que você falou é ver...
Allison se cala imediatamente, no mesmo instante em que ouço a
porta da cozinha se abrir e minha mãe aparecer.
— O que vocês ainda estão fazendo aqui na cozinha? Amanhã vocês
precisam voltar cedo para a aula.
— Eu vim procurar por algum doce antes de dormir — Allison é a
primeira a responder.
Minha mãe então aguça o olhar na minha direção e em seguida olha
para Allie, e então eu percebo que ela nota a nossa proximidade. É com isso
que eu acabo dando três passos para trás, até me recostar no balcão da
cozinha.
— Estava terminado de colocar a louça para lavar — tento explicar,
ao abaixar a cabeça.
A resposta da minha mãe é um murmúrio audível, sei bem que em
breve irei escutar mais um de seus sermões, é por isso que me apresso.
— De qualquer forma, já estou descendo — tento desviar dela ao ir
em direção ao porão, mas o seu olhar cruza o meu, e eu vejo a ameaça
explícita nele.
É transbordado de desgosto, como se ela estivesse pronta para me
ameaçar, e mesmo que aquilo me atinja, eu desvio do seu corpo e seu olhar
e desço para o porão, deixando minha mãe e Allison a sós.
Sei que minha mãe não vai interrogá-la ou falar qualquer besteira
para ela, como costuma fazer comigo. Afinal, ela tem medo de que Allie
reclame sobre seus comportamentos ardilosos para o pai.
Espero ouvir os dois pares de pés se acalmarem no andar de cima e
só quando tenho certeza de que ambas subiram as escadas, eu vou até a
sinuca que tem no meio do meu quarto, abro a gaveta onde devem ficar as
bolas e pego o caderno antigo que está escondido ali por anos.
Passando pela última folha, que escrevi há dois anos, acabo soltando
um sorriso ao lembrar da noite do baile de formatura. Aquele foi um dos
momentos mais felizes da minha vida, mas também o mais triste, pois eu
soube ali, durante aquela dança, que seria a primeira e a última vez que a
teria em meus braços.
Largando as lembranças do passado, pulo direto para a última folha
em branco, pego uma caneta e escrevo algumas palavras no papel, antes de
arrancá-lo do caderno.
É tudo muito simples, e eu já decidi que não posso me manter perto
dela, quando eu sei que não posso tocá-la, por isso antes de ir embora, eu
saio do porão e vou até o andar principal, quando não encontro ninguém ali,
subo as escadas. Ao encontrar a terceira porta, dobro o papel no meio e o
jogo pela brecha do chão, na esperança de que ela o pegue apenas pela
manhã, pois se ela o fizer agora, eu não vou conseguir olhar seu rosto e ir
embora.
Eu vou deixar meu coração na porta
Sem dizer uma palavra
Todas já foram ditas antes, você sabe disso
Então por que não continuamos apenas fingindo
Como se não temêssemos o que está por vir
ALL I ASK | ADELE

— Ele está querendo me deixar louca desde ontem, eu tenho certeza


disso — é a primeira coisa eu falo, enquanto amaldiçoo o nome do Grey na
minha cabeça, ao entrar na caminhonete de Colin.
— Do que você está falando? — ele pergunta, então eu me dou o
luxo de olhar para seu rosto, e ele está claramente com sono.
Por mais que ele tenha demorado um pouco mais de quarenta
minutos para fazer a pequena viagem entre o campus, que fica em Beaufort,
e Stone Bay, a cidade onde fica a casa do meu pai, onde a primeira fica ao
leste da Califórnia, enquanto a outra é banhada pelo pacífico. Por isso,
somente agora pude perceber que era cedo demais quando liguei para Colin,
perguntando se ele poderia vir me pegar, uma vez que meu carro ficou no
estacionamento do dormitório e a minha carona simplesmente decidiu ir
embora na calada da noite.
Se eu tivesse dormido um pouco, poderia ter procurado por ele pela
casa e cogitado a ideia de que ele pudesse ter acordado cedo para correr na
praia ou ido até a padaria da senhora Jenner.
No entanto, o fato é que eu não dormi, pois eu estava sentada na
janela do meu quarto quando o vi tirar o carro da entrada da garagem e ir
embora.
Aquele mesmo alarme carregado de luzes vermelhas passou a piscar
na minha cabeça, me dizendo que algo de errado não estava certo, e foi
nesse instante que eu me levantei e vi um papel dobrado próximo à porta.
E foi por conta desse papel idiota que eu não dormi durante a noite.
Por conta dele também, que me senti na obrigação de ligar para Colin às
cinco horas da manhã, quando eu já havia discado o número do Grey
provavelmente umas trezentas vezes, a fim de tirar uma satisfação sobre o
conteúdo que havia naquele pedaço de folha, porém tudo que recebi de
resposta foi a caixa postal.
Pegando-o em minha mão novamente, eu o abro, e meus olhos
passam pelas letras garranchadas nele pela milésima vez desde que o vi
noite passada.
“Era final de tarde, e estávamos dentro de uma igreja quando eu te
enxerguei a primeira vez, na primeira vez em que quis te beijar, também era
final de tarde. E olha só que ironia, a primeira vez que eu senti a
necessidade de ter a sua boca colada na minha, também era um fim de
tarde, enquanto estávamos trancados em um armário após brincar de sete
minutos no céu. Mas minha necessidade foi arrancada de mim devido a
minha falta de coragem.
Sabe quando era final de tarde também? Hoje mais cedo, quando
finalmente eu assumi, olhando em seus olhos, que eu queria te beijar.
O que afinal os finais de tarde têm contra mim? Estou me fazendo
essa pergunta desde que saí da cozinha e vim para o porão. Quem sabe eu
tento a sorte outra vez no início de uma noite qualquer.
É isso, Allie-run, estou te dando a resposta que você pediu. É
verdade o que saiu da minha boca, pois está na minha cabeça há exatos
sete anos, nove meses e vinte oito dias.”
Meu coração parece que está prestes a explodir minha caixa torácica
ao ler outra vez, e para evitar que eu leia mais mil vezes, eu o entrego a
Colin.
— É sobre isso que estou falando — finalmente explico. — O Grey
está tentando me deixar louca.
Colin pega o papel, e seus olhos passam por ele rapidamente, e à
medida que ele vai lendo, mais abertos eles se tornam, até que se arregalam
no final, e ele solta um assobio.
— Tsk, tsk. — Sua língua estala no céu na boca duas vezes, antes de
ele rir.
O Colin simplesmente ri.
— O que você está achando engraçado?
— Mas você dois são dois idiotas mesmo, não é?! — ele diz, dando
partida no carro.
Minha testa vinca, formando uma ruga, que está mais para um ponto
de interrogação.
Colin me olha de relance, e posso ver a zombaria explícita em seu
rosto.
— Porra, Allison, eu tenho que desenhar mesmo? — ele fala em um
tom de voz alto, porém se eu não percebesse a felicidade nele, poderia jurar
que ele está com raiva. — Vocês dois são simplesmente dois idiotas que são
apaixonadinhos um pelo outro desde que se viram a primeira vez. Se isso
não fosse brega, seria capaz de eu achar a coisa mais fofa do mundo.
Sinto as maçãs do rosto esquentarem, descendo para o pescoço, não
sei ao certo se de raiva ou vergonha.
— Ele não gosta de mim, está apenas brincando. — As palavras
saem incertas da minha boca, mesmo que eu tente transparecer confiança
nelas.
— E eu sou filho da Beyoncé — zomba, ao virar a esquina. — É
tudo muito estúpido e tudo muito simples, ao mesmo tempo. — Colin volta
a rir. — Vocês se apaixonaram juntos, vocês escondem isso um do outro,
mas deixam explícito aos quatro ventos, e nenhum nunca toma uma atitude.
— Eu já tentei tomar atitude antes. — As palavras saem com
amargor. — Mas ele sempre vem com essa ideia de que somos irmãos.
A cabeça do meu namorado, se é assim que posso chamá-lo, pende
para o lado. Logo depois ele apruma sua postura, voltando a atenção para a
pista de cascalho que acaba de pegar, a fim de fazer um caminho mais curto
de volta para o campus.
— De certa forma, ele está certo.
Tão logo eu volto a esquentar e não tenho dúvidas de que agora é
raiva.
— Nós não somos irmãos — rosno.
— Calma, ferinha. — Uma de suas mãos abandona o volante e dá
duas batidinhas no meu ombro. — Certo, vocês não são irmãos, e é meio
que impossível que vocês tenham chegado a criar esse afeto um dia, já que
a primeira coisa que um sentiu pelo outro foi paixão. Mas seus pais são
casados.
— E?
— E você ainda pergunta, e? Você não teria coragem de
simplesmente chegar em casa um dia para apresentar seu namorado e dizer
que ele é o filho da sua madrasta, teria? — Ele vira a cabeça rapidamente,
ao fazer a pergunta de forma retórica e mesmo assim, continua esperando
minha resposta.
Sinto meus ombros enrijecerem, e meu estômago embrulhar. Assim
que o cenário se passa na minha cabeça, e eu acabo fazendo uma careta.
— Foi o que eu pensei — Colin responde, mesmo que eu não tenha
dito nada.
— Eu nunca pensei sobre isso antes — admito.
— Como eu disse antes, dois idiotas. Porque chamar você e Grey de
burros, chega a ser uma ofensa ao animal, pois ele é bem mais inteligente
que vocês dois juntos.
Meu nariz enruga, e meus braços contornam meu corpo quando eu
me abraço.
— Eu te chamei para vir me pegar para desabafar, não para ser
humilhada.
— Não estou te humilhando, minha querida namorada, apenas estou
dizendo a verdade.
Colin se vira ligeiramente para encostar a ponta do seu indicador na
pontinha do meu nariz, quando semicerro os olhos para ele, ele me dá um
de seus sorrisos simpáticos, e minha carranca aumenta.
— Muito obrigada, mas não preciso da sua verdade. — Franzo o
nariz, dando um tapa na sua mão, para que ele a retire dali.
— De toda forma, eu já tenho até mesmo o apelido do shipper
formado. — A mesma mão que estava próxima ao meu rosto, agora se
ergue, como se ele estivesse lendo algum anúncio. — Grellie.
Colin acaba me tirando uma risada com o apelido estúpido.
— Você é tão idiota — digo em um sorriso.
— Não tanto quanto você e seu futuro amor. — Ele toca a ponta do
meu nariz de novo, porém, dessa vez, eu não bato nele.
Futuro amor.
As palavras de Colin rodopiam na minha mente enquanto eu volto a
ler o bilhete que foi deixado na minha porta noite passada, repetidas vezes.
Sei que pode parecer estúpido eu ler as palavras que provavelmente
já decorei, tantas vezes em menos de dez horas, mas é que para mim, ainda
parece ser irreal isso do Grey ter se apaixonado por mim.
Ele me confunde, ele me deixa confusa, ele não dá certeza de nada.
E agora eu também paro para pensar em nossos pais, o que aconteceria com
eles, qual a reação deles se Grey e eu fôssemos uma certeza, e não um
talvez.
É tudo tão perto da loucura, que chega uma hora que minha cabeça
começa a latejar.
Ao chegarmos em Beaufort, pergunto a Colin se quando ele saiu, o
carro de Grey estava na garagem, e ele me garante que não, todavia, ele liga
para Elliot, a fim de perguntar se ele está na república. Amanhã é o último
jogo da temporada, então todos os jogadores foram liberados das aulas.
Contudo, Colin me afirma que no final da tarde eles terão um treino
extra, então Grey terá que aparecer. Eu tento respirar fundo, atrás de alguma
coragem para que eu possa confrontá-lo mais tarde.

— Não é uma teoria qualquer, é sobre almas gêmeas, sobre estarem


destinados a ficarem juntos no final, independentemente de qualquer coisa,
e vocês finalmente deram as suas patinhas — tento explicar à Sadie
novamente.
A ruiva me encara ainda sem entender muito bem onde quero
chegar. Há pouco menos de uma semana, Elliot — seu ex-namorado falso e
agora namorado oficial, bom, eu não sei exatamente o que eles são nesse
momento, mas devo assumir que devem ter alguma coisa séria, após ele
subir na mesa do refeitório em frente a toda a universidade e se declarar
para ela. E eu estou tentando explicar a ela, pela terceira vez, a teoria da
lagosta.
— E onde você quer chegar dizendo que eu sou uma lagosta? — ela
pergunta, ainda sem entender.
— Que vocês dois nasceram para ficarem juntos — Grey
interrompe, sentado ao lado do casal, ele estende as mãos por cima da mesa,
fazendo uma “pinça” com o dedo indicador e o dedão, até que uma pinça
entrelaça na outra. Meus olhos se mantêm atentos nele, enquanto ele
explica. — Basicamente, todo mundo tem sua lagosta, que é aquela pessoa
por quem você vai se apaixonar e ficar para sempre ao lado. E as lagostas
dos aquários, quando encontram suas almas gêmeas, se conectam e ficam
de patinhas dadas até que a morta as separe. Ou seja, o que a Allie quer
dizer é que vocês são como alma gêmeas e vão ficar de patinhas dadas até a
morte.
Quando Grey se volta para frente, seus olhos encontram os meus, e
permanecemos conectados. Apesar de ninguém ao nosso lado conseguir
entender exatamente o que ele acaba de falar, eu entendi tudo, direitinho.
Eu abro e fecho a boca várias vezes, na tentativa de falar algo, de
perguntar como ele conhece essa teoria, mas no final, não consigo.
— De onde vocês tiraram essa maluquice? — Elliot, que está com
os braços envoltos na cintura de Sadie, pergunta ao amigo. Sua curiosidade
faz com que eu saia do meu transe.
— Friends — Grey responde simplesmente. — Ei, você ainda vai
comer? — Ele olha na direção de Sadie, apontando para a sua bandeja, onde
ainda tem o seu almoço completamente intacto.
A ruiva nega com a cabeça e em seguida empurra a bandeja em sua
direção. Quando Grey pega a primeira batata frita, completamente alheio a
tudo que ele acaba de me causar, eu decido perguntar:
— Para onde você foi ontem?
Seus olhos me encontram sob os cílios pesados, e ele dá de ombros,
antes de colocar a batatinha na boca.
— Para casa — explica, como se não fosse nada, quando na
realidade é tudo.
No entanto, eu sei que não é verdade, pois quando ele fala para
casa, significa república, e até hoje pela manhã, ele não havia chegado.
Minha cabeça volta a doer por tudo que está acontecendo em tão
pouco tempo. Eu esperava vê-lo mais tarde, após o treino, mas como
sempre, ele é capaz de me surpreender e simplesmente chegar durante o
almoço, e ainda me olhar como se ele não tivesse escrito a porra de um
bilhete, e ido embora como se não fosse nada. Ele mentir sobre onde estava
é a menor de todas as coisas, pois ainda me encontro atônita ao fato de ele
conhecer a teoria da lagosta.
Eu tento raciocinar o que ele acaba de dizer, ao respirar fundo. Eu
vivi, e ainda posso dizer que vivo com Grey, sob o mesmo teto por sete
anos. E há mais de dez anos eu assisto Friends, porém ele nunca demostrou
interesse na série, ou sequer, interesse em quando eu estou assistindo ou
qualquer coisa do tipo. Por isso me espanta ele saber tão bem.
Aqui vai um segredo que não é tão secreto assim: eu pensei ter
encontrado a minha lagosta quando tinha apenas treze anos de idade. E
adivinha só, essa lagosta me esnobou até os meus vinte anos. Legal, não é
mesmo?! Não, não é.
Porque ele deixou a porra de um bilhete noite passada dizendo tudo
ao contrário, e eu quero confrontá-lo na frente de todos, mas não consigo.
— Para quem ignorou por anos todas as minhas maratonas da série,
é surpreendente que saiba tantas coisas sobre ela — tento provocar, quando
finalmente volto à realidade, porém tudo que recebo de Grey é um sorriso
de canto de boca, que realça a sua covinha.
Agora me fala como eu consigo cogitar esquecer que ele é minha
lagosta, quando eu adoro essa maldita covinha que forma nos cantos dos
seus lábios todas as vezes em que ele sorri?
Não esqueço.
Nem mesmo quando meu namorado pega a minha mão, levando-a
até seus lábios e beijando o dorso dela.
— Por que não causamos uma cena? — Colin sugere em um
sussurro, ao aproximar sua boca do meu ouvido. — Vou indo, te vejo mais
tarde no treino, linda — dessa vez ele fala em alto e bom som e se levanta.
Ouço Grey, do outro lado da mesa, resmungar algum palavrão após
repetir a última palavra de Colin, e eu olho diretamente para ele, encarando-
o de forma feia. Então eu pego o papel que venho carregando comigo e
coloco em cima da mesa, sabendo que ele está com sua atenção voltada
para mim, com o indicador, bato três vezes no mesmo e depois volto a
guardá-lo na minha bolsa.
Grey observa todos os meus movimentos com cautela, e eu posso
ver a confusão no seu rosto. Ele sabe o que ele fez, ele sabe o que ele disse
e ele sabe que eu vou cobrar isso dele.
Estou pronta para chamá-lo, quando o toque do seu celular irrompe
o seu olhar contra o meu, voltando para a tela acessa. Com um rompante,
ele se levanta e se afasta em passos largos, ao atender a ligação.
Tento juntar minhas coisas rapidamente para não perde-lo de vista,
uma vez que preciso tirar satisfações.
— Alguém joga meu resto no reciclável, por favor? — peço,
olhando para meus amigos. — Obrigada.
Minhas pernas não são tão grandes como as de Grey, e analisando
que ele saiu na minha frente há alguns segundos, preciso dar uma corridinha
para alcançá-lo.
Saindo pelas grandes portas de vidro do refeitório, Grey está de
costas para mim, uma mão segura o celular próximo ao ouvido, e a outra
descansa em seu quadril, enquanto sua cabeça pende para trás.
Me aproximo dele cautelosamente. Não era minha intenção escutar
a sua conversa, mas acabou ouvindo-o, e todos os meus pelos eriçam
quando ele finaliza a ligação dizendo:
— Deixa ela comigo, já estou voltando.
Ele dá o primeiro passo, porém estaca no mesmo instante em que
ouve minha voz.
— Ela quem?
Grey se vira, me encontrando, um pouco de surpresa atinge seu
rosto, entretanto eu vejo algo mais profundo nele; angústia ou até mesmo
tristeza.
— Ela quem, o quê? — devolve, confuso.
— Você disse que vai voltar para ela, quem é ela? — reformulo a
pergunta.
— Quem é ela, quem? Não estou entendendo. — Sua testa se franze,
formando rugas.
Levanto minhas mãos para cima, desistindo por hora, pois se bem
conheço, iremos continuar nesse ciclo por várias horas, e não vou conseguir
ir ao tópico principal.
— Nós podemos conversar sobre a surpresinha que você deixou no
meu quarto ontem à noite?
A cabeça volta a abaixar e em seguida sobe, olhando para o céu,
quando retorna, seus olhos estão fechados, e a boca em uma linha reta.
— Pode ser mais tarde? — sugere, e rapidamente eu balanço a
cabeça em negativa. — Eu preciso fazer algo agora — tenta explicar, e eu o
interrompo.
— E eu preciso conversar com você sobre tudo o que aconteceu
ontem — insisto.
Grey fecha os olhos novamente e quando os abre, ele dá um passo
em minha direção, sou pega de surpresa e chego a dar um pulinho, quando
suas mãos me apertam pelos ombros. Meu queixo se ergue, para que eu
possa enxergá-lo melhor.
— Eu sei que a gente precisa conversar, e a gente vai conversar. Eu
prometo... — Sua voz vacila quando ele hesita, e isso acaba me gerando um
certo desconforto, junto ao seu toque, pois eu passo a sentir como se
estivesse enjoada. Um tipo de ansiedade diferente.
— Mas você precisa ir — completo, quando seu celular volta a
tocar, e ele afasta suas mãos de mim.
— Eu realmente preciso ir.
— Posso ao menos saber onde?
Ele passa um tempo analisando sua resposta, tempo o suficiente para
que o toque do aparelho cesse e volte novamente, e quando isso acontece,
eu tenho a minha resposta:
— Eu te explico depois, agora eu preciso realmente ir.
Então assim, ele me dá as costas outra vez, pega o celular e atende a
ligação, dizendo que já está chegando.
Sinto uma sensação estranha tomar conta de mim e todo o meu
corpo, como se eu estivesse fraca e cedendo. Tudo o que eu queria era uma
explicação, uma conversa, e o que eu recebi, de novo, foi a mesma confusão
que venho recebendo há sete invictos anos.
Embora isso doa
Eu serei o primeiro a dizer que eu estava errado
Oh, eu sei que provavelmente estou muito atrasado
Para tentar me desculpar pelos meus erros
WHEN I WAS YOUR MAN | BRUNO MARS

Eu sempre vejo todo mundo falar sobre ter depressão, como é viver
com a depressão e como é tentar superá-la. No entanto, nunca vi ninguém
falar sobre como é viver e cuidar de alguém que tem depressão.
Ontem à noite quando saí de casa, pensei em ir direto para república
e deixar minha mente espairecer, mas isso mudou quando eu recebi uma
ligação, mais um trabalho com o qual meu pai havia se comprometido e
mais um em que eu fui obrigado a passar a noite acordado para finalizar a
tempo, já que ele não havia conseguido sair da cama nos últimos três dias.
Pela manhã, ele parecia bem, ao menos era o que ele me dizia
enquanto insistia para que eu voltasse para o campus, pois ele iria acabar o
trabalho. Porém, tudo durou menos de duas horas.
Foram apenas duas horas; cento e vinte minutos para que ele se
desestabilizasse outra vez, sete mil e duzentos segundos para que a vontade
de viver, por mínima que fosse, se esvaísse das suas veias.
— Eu posso voltar ao trabalho — ele insiste pela quarta vez desde
que eu voltei para a oficina.
Já sentado no banquinho em frente à Kawasaki, uso a chave stater
na corrente, afrouxando-a.
— Falta apenas o andamento da moto, eu posso terminar, pai —
respondo, ao tirar a corrente e as coroas para trocá-las. — Por que o senhor
não coloca algo para assistirmos, e quando terminar aqui, eu faço algo para
comermos? — sugiro, olhado para ele de relance por cima do ombro.
— Eu não deveria estar te incomodando assim, pequeno.
Sorrio com o apelido que o velho Dawson me dá desde que eu era
criança e mesmo já me tornando um adulto, ele não deixa de me chamar
dessa forma.
— Não incomoda, pai, sério. Pode ir, já, já eu termino aqui.
Ele leva a mão até a nuca, coçando-a, ele não parece concordar, mas
apenas abaixa a cabeça, apático, e usa a porta da garagem para entrar em
casa.
Meus ombros, que antes estavam tensos, despencam quando ele
desaparece.
Mesmo insistindo, dizendo que consegue, eu sei que ele não
consegue. Essa não é a primeira vez que eu venho, porém confesso que
queria que fosse a última, mesmo sabendo que não será. Durante suas
crises, ele permanece calado, só me liga em último caso. Mesmo ele
dizendo que eu não preciso me preocupar, ele sabe que no fim, eu acabo
aqui, ajudando-o.
Não sei ao certo quando meu pai entrou no limbo da depressão,
entretanto me passa pela cabeça que tudo começou quando ele foi obrigado
a se aposentar da carreira de lutador, devido à lesão. Ele tomou analgésicos
durante anos, o que era uma das reclamações constantes da minha mãe. Ela
gritava com ele, esbravejava, até mesmo chegava a quebrar as coisas dentro
de casa, enquanto ele apenas mantinha sua cabeça baixa.
Antes eu pensava que ele reagir daquela forma era porque a amava e
não queria uma briga, na verdade, hoje eu entendo que ele não sentia nem
mesmo vontade de brigar com ela.
Contudo, nem sempre ele foi assim, porque óbvio, há os dias bons.
Por mais que hoje eles sejam poucos, houve uma época em que vinham
com mais frequências.
Foi devido a esses bons dias que eu aprendi a lutar com ele e
também que eu o assisti ajeitar dezenas de motos durante esses dias.
Recentemente, de uns dois anos para cá, que as coisas vieram a piorar.
Chegou a um ponto de ele ter mais de dez trabalhos atrasados ao mesmo
tempo, e os clientes acabarem desistindo do serviço, e sem serviço, não tem
dinheiro, e se não tem dinheiro, não tem várias coisas, como energia, água e
comida.
Ele deixou de se importar com o básico, desde então, eu tenho dado
o meu máximo para conseguir ajudá-lo quando esses dias chegam. Ele não
aceita mais tantos trabalhos como antes e quando aceita, acaba que quem
toma conta, no final, sou eu.
É por isso que eu acabo me submetendo a algumas situações, como
as lutas clandestinas — o que tornou um bônus os dias em que meu pai me
ensinou a lutar —, é com o dinheiro das apostas que eu consigo sustentar a
casa dele de alguma maneira.
Meus amigos pensam que eu luto porque eu sou idiota e gosto de
apanhar. Elliot, o mais próximo, pensa que é porque eu desejo entregar o
carro de luxo que Harvey me presenteou e pretendo comprar um com meu
próprio dinheiro, mas mal sabe ele que toda a grana que recebo, acaba
sendo destinada às contas e boletos de casa.
Quando finalizo o serviço, faço os testes na moto e em seguida ligo
para o dono, em menos de uma hora, ele a pega e faz o pagamento do
serviço. Reservo uma parte do dinheiro e dou uma saída rápida até o
mercado.
Ao voltar para a casa do meu pai, abro a porta e coloco um sorriso
no rosto, a fim de que ele perceba que as coisas deram certo e está tudo
bem, porém ele sequer olha em minha direção.
A barba está por fazer, os fios ondulados do cabelo cobrem sua
orelha, eu me esqueço a última vez em que cortei seu cabelo e aparei a sua
barba, então faço uma anotação mental de que na próxima visita, eu preciso
fazer isso.
Ele está segurando uma cerveja long neck que já parece estar quente
entre seus dedos. Os olhos opacos assistem ao jornal local, que passa algo
sobre a competição da escola juvenil da cidade, ele nem mesmo se interessa
pelo que está assistindo.
Me aproximo dele, tiro o dinheiro que sobrou do conserto da moto e
coloco no aparador que há ao lado da poltrona onde ele está sentado.
— Leon veio pegar a Kawaski, elogiou o serviço e até deixou uma
gorjeta — informo.
Os olhos castanhos do meu pai sobem em minha direção
vagarosamente, e eu consigo notar o canto do seu lábio erguer-se menos de
um milímetro, em uma demonstração de sorriso, eu acho?!
— Certo, acho que amanhã vence o gás, então eu já pago — ele diz,
com um tom de voz frio.
— Para falar a verdade, venceu na semana passada, e eu já paguei
— digo, já indo em direção à cozinha para que ele não consiga ver que o
meu sorriso forçado já foi embora. — Mas na semana que vem tem água,
energia, telefone, internet e tevê para pagar. — Coloco as compras no
balcão da cozinha, que é o que divide ela e a sala, e me viro a tempo de ver
que ele está se levantando e colocando a garrafa em cima do dinheiro que
acabei de deixar lá. — Aonde você vai?
— Estou cansado, vou dormir.
Ele começa a caminhar em direção ao corredor, porém para quando
o chamo.
— Pai — ele se vira —, você vai para o jogo amanhã?
— Jogo de quê?
— A final da temporada, o nosso time conseguiu ir para a final.
— Parabéns, pequeno. — Um falso sorriso aparece em sua boca. —
Não sabia que isso havia acontecido.
As palavras que saem da sua boca parecem como facas afiadas
diretamente na minha pele. Me esforço para não fechar os olhos e negar
com a cabeça, o máximo que faço é respirar fundo, ao informá-lo:
— Eu te disse no ano novo, quando vim te ver.
Ele coça a nuca.
— Ah, eu devo ter esquecido.
— Tudo bem — concordo em uma calma fingida. — Mas o senhor
irá amanhã, certo?! — pergunto, mesmo sabendo que muito provavelmente
amanhã será outro dia ruim, e ele não irá, até mesmo pode ser um dia mais
ou menos como hoje, mas ele irá esquecer, embora ele acabe concordando
ao anuir com a cabeça. — Devo acordá-lo quando a comida estiver pronta?
— Por favor — pede, já voltando ao corredor e em seguida,
sumindo dentro do quarto.
É... pelo menos ele ainda tem coragem de sair de um cômodo para o
outro.
Guardo a maior parte das coisas que comprei no armário e geladeira,
deixando do lado de fora apenas o que vou precisar para fazer macarrão
com queijo, afinal, é o meu preferido e o do meu pai também.
Quando já estou finalizando a comida, meu celular toca em cima da
mesa, o pego rapidamente, e ele acaba escorregando da minha mão, e
caindo no chão. Solto um xingamento baixinho, lembrando que minha mão
está gordurosa devido ao molho e ao queijo, as passo na calça jeans antes de
pegar o aparelho novamente e quando o pego, o número de Elliot aparece
na tela do celular.
— Onde caralhos você está? — pergunta no mesmo instante em que
atendo a ligação.
— Bom falar com você também meu parceiro — cumprimento,
desligando o fogo.
— Você faltou ao treino, seu idiota — xinga, eu afasto o celular do
rosto para ver a hora e só então me toco que já se passam das seis.
— Quão fodido eu estou?
— Só saberemos amanhã, se o técnico Willians deixar você como
titular ou não, por mais que fosse um treino extra, ele ainda está bravo.
— Eu esqueci — lamento, ao soltar uma lufada de ar.
— E ele não é o único que está com raiva de você.
— O Kane também? — Imediatamente lembro do nosso parceiro,
afinal, ele leva o futebol a sério demais, a ponto de puxar a orelha de todo
mundo mais do que o próprio Colin, que é nosso capitão.
— É também, mas isso já de praxe. Mas é o Colin mesmo que está
com raiva de você — anuncia, e eu sinto meu corpo inteiro esquentar de
raiva.
— Quero que ele se foda.
— Deixa de ser imaturo, porra — Elliot rosna. — Parece que você
combinou de conversar com a Allison, e eu não sei o que é, sinceramente,
nem quero, porque senão, é capaz de você estragar minhas núpcias.
— Núpcias? — pergunto, atônito. — Você se casou, cara? —
Ligeiramente me sinto feliz com a informação.
— Casei, claro que eu casei. Óbvio que não, idiota, mas voltar com
Sadie é como uma lua de mel.
Faço uma careta ao imaginar as cenas.
— Me poupe dos detalhes por favor.
— Não se preocupe. — Escuto a pancada de algo, e me parece ser o
armário. — De toda forma, ele está irado com você porque você tem uma
conversa com a Allie. Você não está perturbando a garota que está com um
namorado... está, Grey?
A resposta que Elliot recebe de mim é o puro e mais limpo silêncio,
quando não o respondo, apenas engulo em seco lembrando de tudo que
aconteceu hoje, somente porque, finalmente, em anos, eu disse a verdade.
Eu chego a ficar irritado com o fato de Colin estar com raiva de
mim por conta disso. Eu não sei se Allie disse a ele sobre nossa conversa,
que estava mais para uma discussão, também não sei se ele sabe do bilhete
que eu escrevi, e realmente me passa o pensamento de que eu quero que ele
se foda. Contudo, se eu estivesse no lugar dele, ela fosse minha namorada, e
eu soubesse que outro cara, que é louco por ela, prometeu uma conversa, é
obvio que eu também estaria puto.
Chego a ficar puto apenas por ele estar ao lado dela todos os dias,
respirando o mesmo ar que ela, quem dirá nas vezes em que a chama de
linda ou segura sua mão. Sorte a minha que vi os dois se beijarem uma
única vez, porém foi o suficiente para que eu ficasse louco.
Embora eu sempre soubesse que mesmo sendo alucinado por ela, eu
seria um covarde que me negaria a estar com ela, eu jamais imaginei que
me sentiria como um lixo ambulante quando a visse sendo feliz com outra
pessoa.
Pois, por incontáveis vezes eu imaginei estar ao seu lado, e em
centenas de noites, eu sonhei com nós dois juntos. Pena que mesmo que eu
lhe diga toda a verdade em breve, ainda assim, não será o suficiente para
que ela possa passar um pano em tudo que escondi durante anos. Ela está
com outra pessoa. Ela está feliz.
E eu lhe contar a verdade, estará mais ligado ao meu egoísmo do
que à sua felicidade. Soube disso desde o momento em que passei o papel
por debaixo da sua porta e saí da casa do seu pai, mas mesmo assim, eu o
fiz. Pois, apesar de ter 99% de certeza que o mínimo que vou receber é um
grande não, ainda há 1% dentro de mim, bem lá no fundo, que me diz que
não será dessa forma.
— Terra chamando Grey — Elliot grita, e eu me espanto.
— O-oi — gaguejo, ao respondê-lo.
— Você está importunando a Allie ou não?
— Não — respondo, apressado demais. — Claro que não.
— E o que você tem para conversar com ela?
— Nada demais — minto.
— Você está mentindo.
— Não estou.
— Eu te conheço.
— Conhece nada.
— Conheço sim.
— Não conhece.
— Conheço, e você está mentindo. Se eu descobrir a verdade, você
me paga.
— Você disse que não queria saber porque senão iria estragar suas
núpcias sem casamento — o lembro.
— Precisa enfatizar o fato de que não tem casamento?
— Precisa estar em núpcias sem casamento?
— Touché. — Elliot respira audivelmente. — Só espero que você
não foda tudo. Agora tenho que ir, minha mulher tá me esperando.
— Eu também espero — respondo com certo desânimo, desligando
o celular.
Olho em volta da cozinha e lembro do jantar, então vou até o quarto
do meu pai para chamá-lo.
No entanto, quando entro, me deparo com o vidro laranja de uma de
suas medicações aberto. Jogo alguns comprimidos em cima da mesa e os
conto. Fiz o mesmo ontem à noite, quando cheguei aqui, então percebo que
faltam apenas dois e me dou ao luxo de respirar aliviado por isso, em
seguida tampo a medicação e a levo de volta para o armário do banheiro.
Retorno ao seu quarto, deixo um recado dizendo que o espero no jogo
amanhã e depois subo o cobertor sobre seu corpo, para cobri-lo.
Não deixo de dar um beijo na sua cabeça e saio do quarto, tentando
me convencer de que seus dias bons estão chegando, mesmo perdendo
totalmente as esperanças.

Precisamos de apenas um ponto para o jogo ser ganho, para nos


tornarmos campeões da temporada.
Meus olhos vão direto para a arquibancada, meus amigos e seus pais
estão lá, gritando e torcendo por nós, apenas minha família que não está.
Como já era de se esperar, meu pai não compareceu. Mesmo dizendo em
uma mensagem mais cedo que viria, motivo pelo qual eu reservei um
assento para ele, ele não veio. Harvey viajou, e minha mãe, bem... minha
mãe disse que estava com enxaqueca, pena que ela esqueceu de que não
deveria publicar uma foto em seu status de uma taça de vinho.
É bom saber que toda uma torcida está ao nosso favor, ruim mesmo
é ver que não tem ninguém ao meu, que veio por mim. Meus olhos
queimam no peito de Allison, que está coberto pela camiseta azul do
Jaguars com o número 2 estampado nela, e tudo o que eu queria era que
fosse o número 23, o meu número.
Olho para trás, encarando o dono do número 2, Colin está olhando
na mesma direção em que eu estava há pouco tempo, então me surpreendo
quando ele me encara. Mesmo com o capacete e o protetor bucal, ainda
consigo enxergar um sorriso em seus lábios quando ele balança a cabeça.
É como se ele estivesse achando alguma situação engraçada, meus
dentes se contraem no protetor, a força é tanta, que eu chego a pensar que
estou prestes a quebrar o equipamento apenas com a minha mordida.
A raiva se dissipa somente quando a equipe inteira de ataque do
Jaguars fica pronta para a jogada.
Poucos segundos depois, o juiz apita, então o center passa a bola
para mim, e a minha única opção de entrega é Colin, que está atrás de mim.
Eu deveria estar logo atrás dele para correr, contudo, o técnico Willians
decidiu me dar um dos seus castigos idiotas em plena final e me colocou
para ficar na posição de fullback.
Colin sem demora fica sem opção de espaço para onde correr, pois a
defesa dos nossos adversários já se encontra em seu encalço. Kane, que está
mais à frente e parece livre, recebe a bola quando Colin a joga para ele,
porém, em seguida dois caras da defesa vão em sua direção. Sendo assim,
eu passo a correr à direita, enquanto Elliot invade o centro do campo, indo
em direção à endzone. Quando isso acontece, Kane lança a bola para ele, e
então ele pula, antes que a defesa o pegue, fazendo o touchdown.
O juiz apita, encerrando o jogo, e o público vai à loucura, é claro
que uma satisfação extrema toma conta de mim também, além do alívio,
claro, por saber que conseguimos. Abraço meus companheiros de equipe e
sou abraçado por eles também. Quando saio de cima do colo de Kane, uma
mão agarra minha camiseta por trás, me puxando.
Fico surpreso quando vejo que se trata de Colin, que adorna minha
nuca com sua mão. Juntando nossas testas, ele sorri para mim abertamente,
como se nós não tivéssemos entrado em tantos embates durante os últimos
meses, e sim como se nós fôssemos bons e velhos colegas de time.
— A gente conseguiu, porra — ele grita, satisfeito.
Não sei o que lhe responder, por isso apenas lhe dou um sorriso, e
ele faz uma careta.
— Eu te desafio a deixar de ser estúpido uma só vez e comemorar
da forma certa.
— Estou comemorando — respondo, ao levantar as sobrancelhas,
atônito.
Colin estala a língua no céu da boca, balança a cabeça duas vezes e
ainda me segurando pela nuca, ele me vira, e com a sua mão livre aponta na
direção da arquibancada.
— Você está vendo aquela garota ali? — Ele mira especificamente
em Allison.
Engulo em seco, aflição e raiva tomando conta de mim.
— Ela é louca por você, cara — completa, me fazendo virar o rosto
para ele.
Espantado, atordoado, surpreso. É assim que eu me sinto quando
ouço as palavras que saem da sua boca. Para não dizer que nunca algo
parecido passou por minha cabeça antes, houveram algumas vezes que senti
uma certa fagulha de sentimento partido dela, enquanto dançávamos a valsa
do baile, por exemplo, ou quando ela me viu ficando com uma de suas
amigas. Contudo, fora essas situações, eu nunca criei muitas expectativas,
no quesito “Allison gostar de mim”, ainda mais agora que ela está
namorando com o Colin.
— É isso mesmo que você ouviu. — Eu posso parecer um louco,
mas posso jurar que Colin parece extremamente feliz ao me passar essa
informação. — Ela é louca por você, e você por ela, não adianta você ou ela
negarem para mim, porque eu sei, todo mundo sabe, na real.
— Do que você está falando? — Confusão ainda toma conta de
mim.
— Eu estou falando a verdade. — Ele parece entediado. — Agora
por que você não faz o mesmo que o Elliot fez e pula aquela mureta para
beijar a sua garota?
Engulo em seco e fecho os olhos, ainda sem compreender.
— Minha garota?!
— Sua garota, ela sempre foi sua. — Colin bate no meu peito.
— Ma-mas e você? Ela é a sua namo-orada — gaguejo.
— Eu? — Ele ri, como se fosse algo óbvio. — Digamos que eu
nunca fui dela, e nem ela minha, não de verdade.
— O quê?!
— Eu estou vendo que eu vou ter que desenhar mesmo. — Colin
bufa. — Falso, cara, foi tudo falso, é tudo falso entre nós. Portanto, ou você
vai lá agora, a beija e comemora essa vitória da forma certa ou coloca a
porra do seu rabo entre as pernas e volte a ser o covarde de sempre.
À medida que Colin fala, um sorriso se ergue pelos cantos da minha
boca. Agora tudo faz sentido. Minha mente processa tudo em uma
velocidade absurda, o que chega a ser uma surpresa para mim.
— Você não precisa pedir duas vezes. — Eu agarro o capacete ao
lado do meu corpo e começo a correr em direção à arquibancada.
Meu coração parece estar prestes a sair pela boca, se ele não fosse
um órgão tão bem guardado dentro da minha caixa torácica, eu posso jurar
que ele pularia para fora do meu corpo a qualquer momento, de tão forte
que ele bate.
Os olhos de Allison encontram os meus no mesmo instante em que
eu encontro os dela. Nós não deixamos de mirar um ao outro até mesmo
quando eu pulo a mureta que separa o público do campo.
Todo o barulho e animação das pessoas ao nosso redor é cessado,
pois tudo o que vejo à minha frente é ela e tudo o que eu escuto são as
batidas frenéticas do meu coração. O sangue pulsa tão rápido no meu corpo,
que eu chego a sentir a veia latejante da minha testa.
Ao chegar perto o suficiente dela, abandono meu capacete, que cai
no chão. Meus olhos ainda a fitam.
Meu estômago contrai, me dizendo para abortar a missão.
Meu cérebro me convence que é agora ou nunca, e eu opto pelo
agora.
Eles dizem que estamos fora de controle e outros dizem que somos pecadores
Mas não deixe eles estragarem nossos belos ritmos
Porque quando você vê quem eu realmente sou e diz que me ama
E olha nos meus olhos
Você é a perfeição, minha única direção
FIRE ON FIRE | SAM SMITH

A animação toma conta de todos quando o juiz apita, finalizando o


jogo. Minha respiração, que antes estava tensa, temendo a última jogada
dos garotos, finalmente relaxa e começa a preencher os meus pulmões
como de costume.
No campo, vejo os jogadores comemorarem ao se abraçarem, é
impossível conter o sorriso ao ver o número 23 abraçar os seus
companheiros. Apesar de ter outro número estampado em meu peito, todas
as batidas erráticas do meu coração durante a partida insana que acaba de
rolar em campo, eram únicas e exclusivas dele.
Assim como meus olhos.
Meu sorriso vacila quando eu vejo Colin puxar Grey pela nuca,
ficando cara a cara com ele. Sua boca se move, enquanto ele fala algo, e
meu coração mais uma vez volta a se apertar. Os dois trazem seus olhos em
minha direção, como se eu fosse a mira, então eles se olham novamente, e
meus olhos arregalam quando Grey passa a correr na direção das
arquibancadas.
Sou tirada do transe apenas pelos segundos em que Elliot agarra
Sadie, que está logo ao meu lado, junto à sua família.
Eu olho novamente na direção do campo, onde o restante do time
comemora, Colin acena para mim com a mão, e Grey, que acaba de chegar
próximo às arquibancadas, pula a mureta que divide o campo e o público.
Meu coração passa a palpitar mais rápido, em batidas descompassadas.
Seus olhos castanhos me encontram, e ele não desvia o olhar, o que faz com
que minha boca seque, e eu engula em seco.
Seu próximo movimento é se aproximar de mim e largar o capacete
no chão, o baque do objeto caindo faz com que eu dê um pulinho, eu tento
desviar o olhar, mas é inútil quando ele cola suas mãos nas extremidades do
meu rosto.
Eu engulo em seco outra vez.
— O que está fazendo? — Minha voz sai fraca.
— Aquilo que eu deveria ter feito no dia do meu aniversário de
catorze anos. — E de uma hora para outra, todo o burburinho das
comemorações após o fim do jogo simplesmente acaba.
O único som que eu escuto são das batidas descompassadas do meu
coração no instante em que seus lábios tocam os meus, me beijando.
Meus braços caíram, e minhas pernas enfraqueceram no segundo
seguinte, como se Grey soubesse exatamente o que está acontecendo, ele
rapidamente transfere um de seus braços até minha cintura, me firmando
junto ao seu corpo.
É somente nessa hora que eu fecho os olhos.
Não consigo explicar ao certo qual a sensação de ter seus lábios
colados aos meus, minha cabeça gira durante os primeiros minutos, tudo
ainda parece um pouco irreal demais.
Acabo me entregando ao momento quando sua mão grande e
calejada arrasta as pontas dos dedos sobre a pele do meu rosto, passando em
direção aos fios do meu cabelo. Um arrepio sobe por minha coluna quando
ele os pega em punho próximo à nuca. Minha língua formiga quando ele a
puxa, chupando-a.
Eu solto um suspiro e sinto os lábios de Grey sorrirem sobre os
meus.
Os murmúrios e gritos de comemoração ao nosso lado não nos
impedem de continuarmos nos beijando.
Grey avança outra vez, e dessa vez, eu respondo à altura, quando
sua língua desliza na minha. Uma sensação estranha toma o centro do meu
corpo.
Já havia beijado outros caras antes, e também algumas carícias aqui
e ali, até mesmo já passei da fase de “conhecer” o meu corpo sozinha,
porém nada se pareceu com as faíscas que emanam do meu corpo durante
todo o beijo. E de alguma forma, eu acabo me acostumando, me dando a
ideia de que nada disso me deixa nem um pouco surpresa.
Afinal, eu sempre quis isso. Não é mesmo?!
Com sua boca ainda fundida à minha, eu tento aproveitar o
momento. Tento calar as vozes ao nosso lado, tento calar as vozes que
passam a ecoar na minha cabeça. Ele me beija, chupa minha língua,
mordisca meu lábio.
Alguém solta um gemido, não sei ao certo quem, entretanto acho
que fui eu. Meu corpo responde aos seus sinais, minha mente, no entanto,
passa a não trabalhar com o restante dos meus ossos e carnes.
Grey separa os nossos lábios, seus dedos acariciam a pele da minha
nuca, eu sei que ele está sorrindo, mesmo sem abrir meus olhos, eu sinto
seus lábios se erguendo em um sorriso por ainda ter nossos rostos próximos,
enquanto a minha boca se contorce.
Meus olhos se apertam, quando eu sinto uma certa ardência invadi-
los.
Não era para ser assim, era?
Sempre imaginei esse momento, durante quase oito anos ansiei por
ele. Era para eu estar me sentindo feliz e realizada, e não triste, com tantas
dúvidas correndo na minha cabeça.
Deixo que meus braços caiam ao lado do meu corpo outra vez e
apoiando as mãos na cintura de Grey, tento afastar o seu corpo do meu.
— Allison? — ele me chama com a voz rouca, me causando
arrepios.
Como eu disse, embora meu corpo o responda, minha mente não
processa as informações da mesma forma.
— Allie... — chama novamente, cauteloso.
Só então eu abro os olhos.
Seu rosto está a centímetros do meu, e por mais que eu sinta meus
olhos molhados, ainda assim, consigo enxergar a preocupação emanando
em suas írises, pois a testa franzida demonstra o mesmo.
Balanço a cabeça milimetricamente e engulo em seco.
— O que aconteceu? — ele pergunta, e eu dou um passo para trás.
— Isso tá errado. — Minha voz sai aos fragalhos.
— O que está errado? Não estou entendendo. — Grey tenta se
aproximar, e outra vez eu ando para trás, com dois passos de distância dele,
minha cabeça volta a balançar. — Allison — me chama uma terceira vez,
quando dou mais um passo para trás. — Você não vai fugir, vai?
Sua pergunta sai tarde demais, pois logo me viro e saio andando,
tentando abrir espaço entre as pessoas que ainda se encontram na
arquibancada. Minha cabeça se move a todo momento, a negação toma
conta de mim, assim como as lágrimas, que ameaçam escapar dos meus
olhos.
É um sentimento mais forte do que eu, o qual não consigo controlar.
Por mais que meu corpo me diga que eu devo voltar, como se
tivesse um ímã colado em Grey, e eu fosse apenas um aço em busca do
atrito. Contudo, algo bem no fundo da minha mente é mais forte, me
dizendo para me afastar.
E eu o faço.
Poucos segundos depois, eu escuto sua voz me chamar, porém eu
continuo me afastando. Quando vejo um espaço à minha frente, saio
correndo por ele e finalmente consigo descer as arquibancadas. Procuro um
espaço onde não haja ninguém e acabo embaixo das mesmas arquibancadas.
Mesmo que pareça sem noção procurar paz e acabar no mesmo
local, a paz a qual me refiro é sobre estar sem ninguém por perto, pelo
menos, sem que ninguém me veja.
Quando tenho a certeza de que estou sozinha, deixo que a primeira
lágrima role sobre meu rosto, e quando o gosto salgado dela invade a minha
boca, levo as pontas dos dedos até meus lábios.
O toque faz com que eu lembre como eu estava há poucos segundos,
então minha cabeça passa a girar, começo a andar de um lado para o outro
quando a dor aperta, e as lágrimas não param de escapar dos meus olhos.
— Por que eu estou chorando? — pergunto em um rosnado,
levantando a cabeça e erguendo as mãos.
— Eu também queria saber. — Sou pega de surpresa quando a voz
de Grey me alcança.
Me viro para o lado e me deparo com ele encostado em um dos
ferros que sustenta os assentos acima de nós, onde passos estrondosos são
ouvidos, descendo-os.
Rapidamente levo as mãos até meu rosto, limpando-o.
Ainda vestido no uniforme do jogo, Grey se desencosta do ferro e
anda na minha direção, cautelosamente, abanando os braços e batendo
palmas. Ele para quando está a dois passos de distância.
Uma ruga aparece na sua testa e ele morde o lábio inferior ao
abaixar o olhar, ainda batendo palmas, ele troca o peso do corpo em seus
pés, indo para frente e para trás. Seus olhos me encontram por debaixo dos
cílios pesados, quando ele diz:
— Mas eu tenha uma ideia do que possa ter sido.
Meu ombro se move.
— O quê?
— Não estava nos seus planos acontecer dessa forma — ele arrisca,
e eu rio, me afastando. — Allie...
Grey limpa a garganta ao me chamar, e erguendo o queixo, fito-o.
— Isso é ridículo — digo em um riso rápido de escárnio. — Eu
sempre esperei que acontecesse, eu imaginei acontecendo em vários
cenários diferentes — confesso, sentindo meu rosto queimar de vergonha.
— Inclusive nesse.
— E mesmo assim, você não planejou nada disso.
Nego com a cabeça e dou outro passo para trás.
— Não fuja de mim outra vez, Allie-run — Grey pede em uma voz
melancólica, e eu sinto uma pontada invadir minha caixa torácica.
— Eu não estou fugindo.
— Mas está se afastando — ele diz, dando um passo.
— Eu apenas preciso pensar sobre isso.
Grey dá apenas dois passos longos e tão rápido está de frente para
mim. Sua mão alcança meu rosto, segurando-o de maneira leve. Eu engulo
em seco, sentindo um nó na minha garganta, antes mesmo que a próxima
lágrima possa descer por meu rosto, ele a apara.
— Por favor, não faz isso comigo — pede.
— Isso o quê?
— Se arrepender do que aconteceu, se arrepender do nosso beijo.
Meus olhos caem, e acabo mordendo meu lábio inferior, a fim de
impedir que mais alguma lágrima ouse cair. Sou pega de surpresa, quando o
mesmo dedo que aparou a minha lágrima desce, tirando o atrito que faço
com meus dentes na carne da minha boca.
Levanto um pouco a cabeça para encará-lo.
— Não estou arrependida, estou confusa.
— Sobre o que?
O canto da minha boca sobe e respondo:
— Tudo.
— Normalmente a pessoa confusa sobre tudo sou eu — Grey brinca
e acaba me tirando um sorriso.
— Isso é verdade — concordo com ele, fazendo uma pausa e não
deixando de perceber o brilho em seus olhos. — Eu desejei isso por muito
tempo, não foram alguns dias, Grey, foram anos.
— Eu sei. — Seu pomo-de-adão sobe e desce quando ele engole. —
Para mim também foram anos, eu fiz de tudo para esconder, para ficar
calado. E no fim, bom... no fim não consegui.
— Por que você lutou tanto para esconder?
Sua mão abandona o meu rosto, e ele olha para cima, as
arquibancadas já parecem estar quase todas vazias.
— As coisas entre nós são complicadas demais, sempre foram.
— Você está falando sobre o Colin? Porque nós...
— Não estão juntos de verdade, eu sei — me interrompe. — Eu não
entendi direito os motivos, mas ele me contou logo antes de eu correr em
sua direção.
Rapidamente lembro da cena que assisti quando Colin o puxou,
ficando cara a cara.
— E o sobre o bilhete?
— O que tem ele?
— Por que você o escreveu e em seguida foi embora? Por que você
me evitou desde ontem?
— Eu o escrevi porque precisava te dizer a verdade de algum jeito e
eu não te evitei, apenas algumas coisas apareceram. Eu também não fui
embora, eu me afastei para tentar controlar os danos.
— Que danos, Grey?
— Nossos pais, Allie, nossos pais.
— Por que eles seriam um dano para nós dois?
— É tudo muito errado, o desejo que sinto de estar com você se
torna errado quando eu sei que não posso estar com você. E mesmo assim,
eu preferi desistir. — Ele abre os braços. — Se você me perguntar o que vai
acontecer agora, eu não vou saber te responder, Allie. Porque eu nunca sei e
quando sei, coisas erradas saem da minha boca.
Minha cabeça aperta.
— Então por que você está aqui? Por que você me seguiu? Por que
você disse coisas que sabia que eram erradas? Por que você me beijou, se
nós somos errados, Grey? Por quê?! — grito. — Por que mesmo afirmando
que não sabe o que vai acontecer, você ainda me confunde tanto?
— Porque eu não suporto mais ficar longe de você, Allison! Por isso
— ele devolve no mesmo tom de voz.
Uma passada de Grey é o suficiente para que ele me alcance, me
pegue pela cintura e encaixe meu corpo no seu.
O céu solta um estrondo, iluminando a noite, então no momento em
que a primeira gota de água cai sobre nós, seus lábios tocam os meus outra
vez. Agora eu fecho os olhos no mesmo instante, e minhas mãos descansam
contra seu peito.
Parece perfeita a forma como nossas bocas se encontram, se torna
mais perfeito ainda quando nós dois seguimos nos movimentando juntos,
em pura sincronia. Não é como uma luta, muito menos como uma dança.
É apenas como um quebra-cabeça.
Como se o tocar dos nossos lábios fosse a última peça que faltava
para completar o desenho.
Sua mão alisa minhas costas, e eu arfo de forma audível, aos poucos
os segundos começam a se transformar em minutos, e a água nos molha
cada vez mais. Minha camiseta gruda na minha pele, e o cabelo de Grey,
que normalmente bate na sua testa, está molhado e pinga entre o vão das
nossas bocas.
Eu quero mais dele, eu quero mais desse momento.
Tudo em mim grita necessidade.
Contudo, eu também preciso de certezas, eu não quero sair de um
limbo e entrar em outro.
Com isso em mente, pauso o nosso beijo.
— Grey — o chamo, apreensiva.
— O que foi? — responde, após tomar ar.
— Eu não quero fugir, eu não estou fugindo.
Ele afasta seu rosto do meu, e antes que ele me interrompa, eu volto
a falar.
— Eu só preciso de um tempo, de uma certeza, seja minha ou sua. É
tudo que eu preciso agora.
— Certeza de quê? — pergunta, confuso.
— Eu também não sei, mas eu preciso. Isso — aponto de mim para
ele —, não pode acontecer com dúvidas. Já tem muito tempo que nós temos
dúvidas e questionamentos sobre qualquer coisa.
Ele abaixa a cabeça, encostando sua testa na minha, vejo os seus
olhos se fecharem, e aos poucos, ele anui com a cabeça. Seu próximo
movimento é tirar a mão da minha cintura e se afastar.
— As coisas não são fáceis, Allie, talvez nunca sejam. Mas se é isso
que você precisa, tudo bem. — Dessa vez, quem dá um passo para trás é
ele. — Não sei como ou quando a gente vai poder ter certeza de qualquer
coisa, mas é isso, tudo bem. — Ele levanta as mãos, e gradativamente um
sorriso se espalha em sua boca. — Tudo bem, eu espero.
— Espera pelo que? — indago, ao levantar a sobrancelha.
— Por você, Allison. Eu sempre vou esperar por você.
É cedo demais para dizer que eu já tenho certeza e quero beija-lo?
Talvez seja, uma vez que eu acabei de pedir um tempo para ter certeza.
Tomo a decisão de que preciso conversar com a única pessoa que
me entenderia nesse momento.
Se você for, eu ficarei
Se você voltar, eu estarei bem aqui
Como uma barca no mar
Na tempestade, eu permaneço lúcida
Porque na minha mente só tem você
SAY YES TO HEAVEN | LANA DEL REY

Estar aqui é confortável, por muitas vezes eu me sinto mais em casa


do que na minha própria. Talvez seja porque eu consiga sentir a sua
presença, mesmo sem poder vê-la, ouvi-la ou sentir seu cheiro doce de
sândalo, tão presente mesmo nos piores dias da sua doença, ainda assim, eu
a sinto.
Viva.
Minha mãe sempre foi meu lar enquanto esteve viva, e
independentemente de onde ou como ela estivesse, sempre foi assim.
Pode parecer um pouco mórbido dizer que eu me sinto melhor ao
lado de um túmulo do que na sala de jantar da minha casa, mas acontece
que o meu melhor lugar é onde eu sinta sua presença e converse com ela.
Onde eu possa me abrir, dizer o que se passa na minha cabeça quando eu a
sinto apertar a ponto de travar os meus pulmões, impedindo minha
respiração de fazer seu trabalho.
É para onde eu corro quando eu sinto as coisas ficarem ruins ou
como o Grey diria... fujo.
Às vezes, eu só preciso dela para clarear minhas ideias, eu só
preciso dela passando os dedos delicadamente por entre os fios dos meus
cabelos e em seguida, segurando meu queixo com o dedo indicador e
subindo minha cabeça, ao dizer:
— A posição dela deve ser sempre essa, independentemente se tudo
em você grite insegurança por dentro, você jamais deve demonstrar isso,
porque você é forte, Allie-run.
Chega a ser cômico, não é? Algo que eu nunca revelei a ninguém
antes é que a primeira coisa que me chamou atenção em Grey, não foram os
seus olhos brilhantes ou sua falta de atenção em algumas coisas, e sim a
forma como ele me chamou na primeira vez, usando o mesmo apelido pelo
qual minha mãe sempre me chamava quando eu corria em sua direção.
Eu o conheci quando ele me ajudou depois de eu fugir do meu pai e
ir em direção ao cemitério, onde estou agora, porém naquele dia, acabei
tropeçando na calçada e o conhecendo. Contudo, vê-lo mesmo, a ponto de
sentir as famosas borboletas no estômago, foi quando o ouvi me chamar de
Allie-run pela primeira vez.
— É bobo, mãe, eu sei — digo, ao colocar mais uma Margarida,
espalhando-as em frente ao seu túmulo, onde há escrito, em letras
maiúsculas, seu nome, Elena Foster, seguido da data do seu nascimento e do
dia em que faleceu. — Mas eu me desesperei quando ele me beijou.
O vento sopra um pouco mais forte, e eu a imagino me respondendo
em um sussurro:
— É claro que você se desesperou, o garoto por quem você é
apaixonada desde sempre te beijou. Se fosse eu, teria vomitado.
Rio, imaginando-a dizer isso, porque é claro que ela diria algo assim
quando eu lhe contasse o que aconteceu.
— Acho que porque tudo sempre foi algo mais próximo à
imaginação, cenas que criei na minha cabeça, de como, quando ou onde
poderia acontecer, e quando chegou a hora, eu simplesmente me desesperei,
parecendo uma louca. Mas também, você ou ele não podem me julgar por
isso, foram tantos anos levando foras, do tipo “eu não estou interessado em
você, garota”, que quando eu percebi que nossas bocas estavam juntas,
parecia uma piada de mau gosto.
— Você acha mesmo que ele brincaria dessa forma com você?
— Não sei... — Hesito, ao erguer a última Margarida, colocando-a
no centro do túmulo. — Ele é inocente demais para fazer algo do tipo, se é
que me entende, mas também existe o fato de que ele age feito um louco
quando o assunto é o Colin...
— Isso se chama ciúmes. — A voz do além me interrompe em um
vento forte, sussurrando no meu ouvido e bagunçando meus cabelos.
— E é por isso que eu digo que ele me deixa louca, numa hora
demonstra desinteresse, na outra fica confrontando seu capitão apenas
porque ele namora comigo ou parece ser por isso. Ele me deixa
insanamente louca, ele nunca me diz o que quer, o que realmente sente. Eu
só preciso de uma certeza.
Outro vento forte toca minha pele, e dessa vez, decido fazer um
coque no cabelo, a fim de prendê-lo.
— Ele deixou claro que queria te beijar e ainda disse que vai
esperar por você. Ele é louco por você, quer certeza maior do que essa? Ou
prefere que ele já diga que te ama?
— Seria uma boa ideia, se não fosse cedo demais e um pouco
desesperado também.
— Então talvez a certeza que você precisa é que ele está disposto a
enfrentar as coisas com você.
— Isso! Isso seria ótimo. Ou se pelo menos eu tivesse uma prova de
que ele falou sério sobre sempre ter quisto me beijar, já seria o suficiente
para que eu pudesse saber que ele não se importaria com os nossos pais...
— Seu pai com certeza te apoiaria...
— O problema é a Susan. Ela insiste em dizer que somos irmãos,
mesmo que eu não compre essa ideia dela, e falando nisso, ele sempre
pareceu concordar com ela.
— Você e ele são grandes o suficiente para pensarem por si
próprios, e com certeza o Greyson não pensa assim, Allie-run. Talvez ele só
estivesse confuso todos esses anos, devido à situação em que vocês dois se
encontram.
— Tem razão... — Franzo meu nariz. — Tem razão? Sério que eu
estou dando razão às vozes da minha cabeça?
Dessa vez, não recebo a resposta através da voz da minha mãe, e
sim de uma revoada de pássaros, que voam assobiando o que mais parece
uma risada de escárnio. Com isso, eu decido finalizar minha conversa
mórbida, porém antes de me levantar, dou um beijo no túmulo, em cima da
parte onde tem escrito “mãe amorosa”.
Me despeço dela, enquanto sou abraçada pelo vento frio que anuncia
que o fim do inverno está próximo.
Ao desbloquear a tela do celular, vejo que há uma mensagem de
Grey não lida de quinze minutos atrás.
Grey: As primeiras 24h de espera estão sendo concluídas com
sucesso.
Solto um risinho ao ler, pois ontem, após ele me beijar e dizer que
iria esperar por mim, ele disse que iria contar todas as horas de espera.
Eu: Faz apenas 19 horas agora.
Grey: Então você está ansiosa também?
Eu: Estou?!
Grey: emoji piscando com a mão no queixo, pensando.
Posso tentar brincar com ele, mas a verdade é que eu estou ansiosa.
É óbvio que eu estou ansiosa, sequer consegui dormir noite passada após o
beijo. Uma mistura de choque e ao mesmo tempo de satisfação começou a
tomar conta de mim aos poucos, e ver que ele está demonstrando algo que
eu nunca pensei que ele pudesse ser capaz antes de fazer, me deixa
extasiada, com várias expectativas que dessa vez parecem ser reais.
Minha corrente sanguínea esquenta à medida que eu vou chegando
próximo ao meu ápice, sei que estou quase lá quando meus dentes atacam
meu lábio inferior, mordendo-o.
— Isso — arfo em um sussurro.
A pressão contra meu clitóris continua, minha visão é tomada por
luzes piscantes, espasmos começam a tomar conta de todo o meu corpo,
então, de uma hora para outra, tudo acaba.
— Não, não, não — começo a gemer em recusa pelo que acaba de
acontecer. — Eu não acredito que você descarregou logo agora — rosno,
erguendo meu corpo e encarando o golfinho roxo que há pouco estava entre
minhas pernas, me dando um pouco de alívio. — Idiota. — Faço uma careta
para o vibrador, antes de arremessá-lo no chão e me jogar na cama
novamente, insatisfeita.
Tento levar minha mão de volta ao meu centro, a fim de terminar o
que eu estava fazendo antes do maldito golfinho ir para o além, mas é
impossível, quando eu ouço as risadas e vozes do outro lado da porta. Por
isso, acabo optando por vestir novamente a minha calcinha, junto à calça
moletom, e me levantar.
— Bom dia, flor do dia — Axel me saúda no momento em que abro
a porta do meu quarto.
Respondo em um rosnado, e ele ri, antes de erguer a xícara com café
até sua boca e tomar um gole.
— Parece que alguém acordou de mau humor hoje — Heaven,
minha melhor amiga e colega de quarto na faculdade, diz, assim que eu me
ponho ao lado dela.
— Eu sequer acordei ainda — respondo, ao pegar minha xícara no
armário e me servir com um pouco de café.
— Certeza?! — Seus olhos azuis iluminam-se, animados. — Posso
jurar que cinco minutos atrás escutei sua voz murmurando “ah, ah, isso...
vamos lá”. Mas acabou tão rápido, que fiquei com inveja de como você tem
orgasmos rápidos.
Mostro o dedo do meio a ela.
— O maldito golfinho descarregou novamente — revelo, me
recostando na bancada do pequeno espaço compartilhado que temos no
dormitório.
Axel, que observa a nossa interação, acaba cuspindo o café de volta
na xícara, ao arregalar os olhos.
— Golfinho? — pergunta, atônito.
— Sim, lindo, um vibrador em formato de golfinho — Heaven
responde, o beijando na bochecha, como se fosse a conversa mais
convencional do mundo.
Axel olha de mim para Heaven, ainda sem entender, procurando
uma explicação melhor para a sua pergunta.
— É um pau de borracha em forma de golfinho? — inquere.
— Não — respondo, revirando os olhos. — É só um vibrador em
formato de golfinho.
— Mas um vibrador é um pau de borracha.
— Não exatamente — respondo.
— Digamos que ele é só um vibrador mesmo, e na ponta tem o
formato do nariz do golfinho, que se encaixa perfeitamente no nosso...
— Como você sabe tanto sobre esse golfinho? — ele interrompe a
explicação de Heaven. — Eu não tenho feito meu trabalho da forma
correta? — pergunta, ao erguer a sobrancelha, parecendo genuinamente
preocupado.
Heaven ri do namorado, e eu também quase rio, porém cubro minha
boca com a xícara de café, ao tomar um gole.
— Digamos que antigamente, eu cheguei a precisar dele... — Ela
hesita. — Antes de você — conclui.
Noto o momento em que Axel solta um longo suspiro, aliviado. E
não consigo me controlar, mexendo com a cabeça negativamente e rindo da
situação entre os dois.
Eu sou feliz por eles, pela interação deles e pela forma como eles
não sentem vergonha de se exporem um com o outro. Eles começaram a
namorar no ano passado, eu costumo dizer que Axel foi a salvação da
minha melhor amiga, e ela a dele também. É meio complicado para quem
não conhece a história, mas basicamente, os dois conseguiram superar
inúmeras coisas, para que pudessem estar juntos hoje. Uma delas, foi o
finado Drew — ex-namorado de Heaven —, que Deus o tenha, ou não. E
não, isso não é ironia.
Afinal, ele não era uma pessoa muito bem-quista em terra, quem
dirá no além como deve ser...
De toda forma, eles são completamente apaixonados um pelo outro,
e até hoje eu só conheci um casal tão conectado assim, e esses foram os
meus pais.
Contudo, como nem toda felicidade dura para sempre, um dia minha
mãe teve que ir embora, não porque ela quis, mas porque ela precisou. E
posso afirmar, que até o seu último suspiro, ela continuou apaixonada pelo
meu pai. Já ele, bom... eu acho que ele também permaneceu apaixonado por
ela, mesmo que até hoje eu não consiga entender a forma como ele
encontrou uma nova pessoa e passou a estar em um novo relacionamento
tão rápido. Eu ainda prefiro acreditar que ele continua apaixonado pela
minha mãe, mesmo hoje, oito anos após a sua partida e dizendo que ama
outra.
E eu não minto quando digo que ainda pretendo viver um amor
igual ao dos meus pais ou pelo menos cinquenta por cento do que eles se
amaram.
Eles permaneceram juntos um ao lado do outro durante todos os
momentos difíceis e felizes, eles sorriram juntos em cada vez que dançavam
uma música lenta no meio da sala de estar, assim como também choraram
juntos quando o primeiro nódulo da minha mãe foi encontrado. Naquela
noite, eu corri para o meu quarto e me tranquei nele.
Aquela tinha sido a primeira vez em que eu fugi de algum problema
e não corri em direção à minha mãe, e isso veio a se repetir mais algumas
vezes ao longo daqueles anos em que ela esteve doente. Sempre que era
uma notícia ruim ou algo com que eu não estava pronta para lidar, eu corria
e fugia.
Na minha cabeça, aquela sempre era a melhor opção, fugir dos
problemas, fingir que eles não existiam me fazia crer que eles iriam
embora, mas a verdade é que eles nunca iam, e todas as vezes, voltavam
ainda piores. Eu demorei para parar de fugir deles, porque foi preciso a
minha mãe ir embora, para que eu parasse de correr.
Perdê-la, por muito tempo, foi como me perder também. Eu demorei
para me encontrar e às vezes eu acredito que não consegui tal coisa, talvez
seja por isso que tudo em mim é tão confuso.
Tanto que, mesmo após uma semana do meu beijo com Grey e de
ele dizer que iria me esperar, continuo no relacionamento com Colin e ainda
não tenho ideia do que será de mim e do filho da minha madrasta.
— Allison. — A voz de Heaven faz com que eu volte à órbita e olhe
para ela, que está em frente à porta do dormitório, com ela aberta. — Seu
namorado está aqui — ela faz questão de destacar a parte do “namorado”.
Ergo o queixo ao tomar um gole do café, e no segundo seguinte,
Colin adentra o dormitório.
— E aí, namorada — ele diz em um sorriso a palavra, e eu rio.
— Oi — cumprimento-o, jogando o restante do meu café na pia,
pois em breve sei que irei tomar um melhor.
Colin se aproxima de mim e em seguida, pega minha mão e se
ajoelha, olho para ele atônita, sem entender.
— O que é isso? — pergunto.
— Gostaria de usar a presença de Axel e Heaven. — Ele olha para o
lado, e eu o acompanho, ainda sem entender aonde ele quer chegar, e um
certo desespero toma conta do meu estômago. — E pedir para que o nosso
namoro de mentira se conclua aqui, já que você me meteu um belo par de
chifres. — Então ele se levanta. — E então, você aceita?
Respiro aliviada e fecho os olhos, ao sentir meu rosto esquentar,
balançando a cabeça a seguir.
— Eu aceito — respondo, rindo.
— Finalmente! — Heaven exclama.
— Era tudo mentira? — Axel, que até o momento não sabia da
farsa, pergunta, espantado.
Colin e eu olhamos para ele e assentimos com a cabeça.
— E você sabia? — pergunta à namorada, em um tom acusatório.
— Você não gosta de fofoca, então não me culpe. — Heaven levanta
as mãos em rendição.
— Vocês todos têm um problema sério com esse lance de namoro
falso, primeiro Sadie e Elliot, e agora, vocês dois. Quem serão os
próximos? Lynnox e Kane?
— Bate na madeira três vezes.
— Vira essa boca para lá.
— Tá repreendido.
Heaven, Colin e eu dizemos respectivamente, em uníssono.
Não que a gente não queira que nossos amigos sejam felizes, porém
se eles se juntassem, eles fariam todos ao redor deles infelizes, uma vez que
se odeiam.
Olho o relógio rapidamente, me dando conta de que estou quase
atrasada para o meu encontro diário da última semana, e anuncio que vou
trocar de roupa para a aula.
Eu penso em todas as noites perdidas
Pense em todas as lágrimas que você chorou
Por minha causa, por nossa causa
Cinza em cinza, poeira em poeira
Não quero perder mais tempo
AVALANCHE | JAMES ARTHUR

“Ei, Joey... já faz um tempo que eu não venho aqui. Pouco mais de
dois anos, acredito eu, pois na última vez em que nos falamos foi para me
despedir de você.
Acontece que eu não sou muito bom em por ponto final nas coisas,
talvez eu não seja tão bom com vírgulas também.
Daí você me pergunta, se eu não sei escrever, por que estou aqui,
afinal?
É simples, meu amigo.
Eu a beijei.
Isso mesmo que você está lendo... ou ouvindo. Bom, não sei ao
certo.
Eu a beijei, e por sorte, não foi apenas uma vez, foram duas. Duas
vezes, Joeeeeeeey!
Não sabia ao certo com quem falar sobre isso, não sabia como falar
os meus sentimentos sobre tudo o que aconteceu, muitas pessoas estavam
perto de nós naquele momento, mas nenhuma é capaz de entender o que
houve de verdade, então eu vim à sua busca. Por mais que eu tenha me
despedido lá atrás, eu voltei. Pois naquela época, eu pensei que havia tido
um ponto final para nós dois. Acontece que esse ponto se multiplicou por
três, e vivemos em reticência até a última sexta-feira.
Para ser mais exato, já faz uma semana desde o acontecido.
No momento em que nossas bocas se fundiram, acredite em mim, eu
nunca me senti tão completo antes. É óbvio que já fiquei com outras
garotas, garotos também, porém apesar do desejo carnal que senti por eles,
nenhum conseguiu me preencher mais do que tê-la em meus braços.
Se eu tocar meus lábios agora, ainda posso sentir o seu gosto, e
acredite, é o melhor de todos.
Durante o tempo em que permanecemos juntos, por duas vezes
seguidas, foi como se todos os problemas que me cercam, todas as coisas
que me foram ditas ao longo dos anos, todos os sentimentos que foram
reprimidos, mastigados e engolidos, nunca tivessem existido.
Contudo, nas duas vezes em que nos separamos, tudo voltou a ser
como era antes. As preocupações, os “e se”, e principalmente o medo.
Medo de que exatamente?
De não dar certo? Dos nossos pais? Do que as pessoas que estavam
próximas a nós fossem falar? Do que faríamos em seguida? Se aquilo iria
continuar?
Check.
Check.
Check.
Check.
Check.
Mesmo com todos esses medos juntos, se misturando com a certeza
de que agora eu a tinha, eu não desejaria por nada no mundo tê-la longe.
Sei que sou egoísta, nunca neguei isso, mas talvez agora eu possa
afirmar que não sou mais um covarde como antes, porque finalmente eu
pude expor tudo o que sentia, não apenas com palavras, mas com gestos
também.
E mesmo que Allison tenha me dito que precisava de um tempo para
ter certeza do que estava acontecendo, eu não me importei. Sabe por quê?
Porque tê-la comigo depois de longos anos, foi a confirmação que eu tanto
precisava de que era ela. Sempre foi ela e sempre será.
Por isso eu disse que prometi esperar e eu vou. Não sei de quanto
tempo ela precisará. Não sei de quais certezas ela precisa. Não sei nem
mesmo o que vai acontecer quando ela vier até mim, entretanto eu sei que
eu vou esperá-la. E algo, bem lá no fundo, me diz que não vai demorar
tanto assim.
Talvez seja por isso que eu tenho passado todos esses últimos dias
ansioso, porém feliz, feliz até demais, principalmente quando a encontro.
Sabendo que o seu café preferido do campus é o do carrinho que
fica próximo ao prédio da Biblioteca, eu tive que fazer um trabalho árduo
na segunda pela manhã, em me mover igual o Flash de um lado do campus
ao outro, onde fica os prédios dos dormitórios, para que o café não
esfriasse e para que eu conseguisse alcança-la a tempo.
Agradeci aos céus quando isso aconteceu, pois eu tive exatamente
três segundos para conseguir respirar, até Allison sair pelas portas de vidro
do prédio. Seus olhos se estreitaram na minha direção assim que ela me
viu.
— O que está fazendo aqui? — sibilou.
Admito que demorei um pouco para raciocinar o que ela tinha
acabado de falar, por isso a primeira coisa que fiz foi lhe entregar o café.
— Pensei em trazer um pouco de café antes da primeira aula.
Ela sorriu, e aquele sorriso iluminou meu dia.
— Obrigada — sussurrou, antes de dar o primeiro gole no café.
Eu me senti lisonjeado quando percebi as partes saltadas das suas
bochechas ficarem vermelhas, o que eu apelidei carinhosamente de “efeito
Grey”. Não que eu esteja me achando por isso, mas é que quando ela fica
com vergonha de outras pessoas no geral, seu rosto inteiro esquenta, porém
eu já havia percebido, desde que éramos mais novos, que quando acontecia
comigo, a vermelhidão de seu rosto se encontrava apenas nas partes altas
das maçãs do seu rosto.
Joey, você já ouviu falar que quando estamos completamente
perdidos de paixão, só temos olhos para a nossa amada? Então, isso é
verdade, pois eu só pude perceber que ela estava acompanhada de outras
pessoas naquela manhã, quando Lynnox, com os cabelos ondulados altos e
armados, pulou na minha frente e disse:
— Não tem café para mim, bobão?
Heaven, que estava ao seu lado, também se meteu.
— Nem para mim? — Seus olhos azuis cintilaram.
— É claro que não tem, não é a nós que ele está querendo
compensar os anos em que se fez de doido — Sadie também se meteu.
Olha, nós temos um grande grupo de amigos, o que é bom quando
precisamos rir e também precisamos de apoio, entretanto se torna ruim
quando eles passam a interferir em momentos que deveriam ser singulares.
Digo isso porque quando Sadie fez a sua bela observação, mostrei a
ela meu dedo do meio, que logo em seguida quase foi quebrado, quando
Elliot apareceu de surpresa.
— Desrespeitando minha garota assim na minha frente, amigo?
— A culpa não é minha se ultimamente ela tem tido uma língua tão
afiada — tentei me defender, e a ruiva acabou me devolvendo uma careta.
— Agora por que você não pega ela e o restante, e as leva para suas
devidas aulas?
Pedi a Elliot, que olhou de relance de mim para Allison, e então
pegou na mão da sua namorada, e as outras garotas os acompanharam,
olhando para trás e rindo.
— Eu pensei que tinha pedido um tempo para ter certeza de
algumas coisas — Allison disse, quando começamos a caminhar sozinhos.
— E eu estou respeitando esse tempo.
— Não é isso que o café do carrinho da Biblioteca me diz. — Ela
ergueu o copo.
Dei um sorrisinho com a boca fechada, antes de falar uma grande
merda.
— Apenas uma forma de dar bom dia como um bom irmão faria.
Sabe quando eu percebi que havia dito besteira, Joey? Quando,
pela primeira vez em anos, Allison ergue sua mão em punho e deu um
murro no braço.
— Ok, ok — sibilei, soltando um assobio de dor ao pegar no meu
braço. — Abortar missão, já entendi que você não gosta quando me refiro a
nós dois como irmãos.
— Você diz isso, mas parece que não, já que sempre faz questão de
trazer o assunto à tona em todas as oportunidades.
— Acredite em mim, depois desse socão agonizante, eu aprendi.
Juro que aprendi.
— É bom mesmo, porque se você vai esperar eu ter certeza de algo,
é bom parar com essa história de irmãos, porque eu odeio.
— Anotado — murmurei, o que fez com ela me fuzilasse com olhos.
— Espero que você não tenha sido irônico, porque senão, eu dou
outro murro no seu braço bom.
Meus olhos se abriram, espantados.
— Juro que não foi ironia. — Subi as mãos em rendição, e
finalmente ela riu.
Olha, ela pode ser baixinha, mas de forma alguma eu recomendo
qualquer pessoa a se atrever a chegar perto dela quando ela está com
raiva, principalmente quando essa raiva é direcionada a mim, pois houve
uma vez em que um de seus socos deixou o meu rosto inchado por dias
seguidos.
Isso foi quando eu a vi com Colin pela primeira vez, porém Colin é
passado.
Ao menos, eu espero que seja...
Ainda não conversamos sobre isso, afinal, mal tivemos conversas
decentes nesses últimos dias, a não ser pelas manhãs, quando levo seu café,
e caminhamos juntos até as nossas próximas aulas.
É assim que eu tenho seguido, Joey, cada vez com mais certeza de
que continuo apaixonado pela garota que roubou minha atenção quando eu
era apenas um garoto, e cada dia que passa, com mais esperança de que as
coisas entre nós andem para frente, por mais que eu não saiba o que fazer
quando isso acontecer.
Foi bom conversar com você de novo, amigo, trago atualizações
assim que as coisas derem mais certo ainda.”
Ao finalizar a escrita, dessa vez, feita pelo celular, encaminho o
documento para a impressora do meu quarto em casa, para quando me
conectar a ela, a impressão ser feita, e eu juntar a carta ao restante do diário.
Saio do quarto no mesmo instante em que Elliot sai do seu
acompanhado por Sadie, e é inevitável não fazer careta.
— Não acredito que vocês passaram a noite transando aqui — digo,
quando o casal me olha.
— Alguém aqui tem que transar, meu amigo — Elliot ri.
— Que nojo — digo, e Sadie me mostra o dedo do meio. — Com
ela, você não briga, não é?
— Tudo o que a minha Watson faz, ela faz com razão.
Reviro os olhos ao repetir em uma voz fina o que Elliot acaba de
falar.
— Bom dia, minhas vidas — somos cumprimentados por Colin, que
também sai do seu quarto e passa por nós em direção às escadas.
— Você ainda está me devendo uma explicação de como vocês dois
voltaram a se falar e também do porquê não estão brigando depois de você
ter beijado a namorada dele em público, e ainda levar café para ela todas as
manhãs — Elliot observa.
Eu dou uma olhada no meu relógio, vendo que já estou
possivelmente atrasado para o café de todos os dias.
— Talvez em outra hora eu faça isso — digo, já dando as costas e
fazendo o mesmo caminho que Colin.
Elliot murmura alguma coisa, seguido de Sadie, mas eu não ouço,
pois já estou descendo as escadas, me apressando para fazer o que tenho
feito todas as manhãs, pela quinta vez essa semana.
Pego o carro no estacionamento, dirijo até o campus, mais próximo
o possível da Biblioteca, pago dois cafés e saio caminhando em uma quase
corrida até o dormitório. Chegando lá, quase deixo os dois copos caírem,
quando o celular vibra em meu bolso.
Faço uma manobra para pegá-lo e sou pego de surpresa quando vejo
uma mensagem de Harvey em um grupo criado por ele, contendo o meu
número e o de Allison como destinatários.
Harvey: Estou indo a uma viagem à Los Angeles com a Susan, a
casa estará livre durante o fim de semana.
Não consigo imaginar ao certo o que ele quer dizer com a
mensagem, portanto, respondo-o apenas com um emoji sorrindo, em
seguida, Allison faz o mesmo, acompanhado de um coração.
Coloco um sorriso no rosto no instante em que Allie aparece do lado
de fora do dormitório, entretanto ele logo se transforma em uma careta
quando franzo todo o rosto ao ver que Colin está ao lado dela.
Ele se aproxima de mim, beija minha testa e depois sai andando na
nossa frente.
— O que foi isso? — eu pergunto.
— Acabamos de pôr um fim no nosso “namoro”. — Allie faz aspas
com as mãos, antes de pegar o café. — Bom dia. — Ela sorri, o efeito Grey
acompanha seu rosto.
— Esse é um ótimo dia, Allie-run, um ótimo dia — exclamo, sem
fazer questão alguma de esconder a minha animação pela notícia que ela
acaba de me dar.
— Idiota — murmura em tom brincalhão, e eu sorrio antes de tomar
um gole do meu café.
Todos os dias eu tenho acordado animado, mas hoje foi um pouco
diferente, afinal, coisas boas estão chegando.
A sua mente joga esse jogo também?
Pensa em mim e em você
Acho que vou fingir
Até que tudo faça sentido
LIKE I WANT YOU | GIVEON

Mais cedo, quando recebi a mensagem de Harvey, não cogitei a


ideia de vir parar em casa, mas após receber a ligação de um dos clientes do
meu pai, dizendo que mais um trabalho não havia sido entregue, fui direto
para a casa dele. Para a minha surpresa, ao terminar o serviço da moto,
percebi que as contas de água e luz não haviam sido pagas.
Talvez se ele tivesse a coragem de terminar alguns outros serviços,
isso não aconteceria ou se eu não estivesse tão focado em finalmente fazer
com que Allison e eu aconteça, eu teria me desdobrado na oficina ou
participado de alguma luta na última semana e não estaria todo sujo de
graxa e óleo de motor de moto agora.
Por isso, ao invés de voltar para o campus todo sujo, optei por vir
até a casa vazia do meu padrasto e da minha mãe.
Vendo que minha mão está suja, tiro a camisa e a uso como uma
luva para tocar na maçaneta da porta. Não quero nem imaginar o surto da
minha mãe ao ver sua porta brilhante inundada de graxa.
Após entrar em casa, desço direto para o porão e entro no banheiro
para tomar um banho, apenas quando saio, é que noto que a última “carta”
que escrevi para Joey está presa na impressora, então eu a tiro e a junto ao
caderno, que é arremessado na cama quando ouço algo cair no chão no
andar de cima.
Rapidamente, pego uma calça moletom e a visto, me apressando
para subir as escadas.
Paraliso no momento em que chego na cozinha e posso jurar que há
baba escorrendo da minha boca. Por um momento, chego a agradecer por
nenhum dos meus amigos estar por perto, porque se fosse o caso, algum
deles — mais provavelmente, Elliot —, estaria fechando a minha boca.
Todo o mundo parece parar de girar enquanto assisto Allison de
joelhos no chão, vestindo apenas uma camiseta preta. Não apenas suas
coxas estão à mostra, mas também a bunda, que é coberta minimamente por
uma calcinha branca cheia de corações rosas, o que seria fofo, se não fosse
tão sexy a forma como ela está empinando a bunda ao passo que usa um
papel toalha para limpar o sorvete que sujou todo o chão.
Apenas quando ela se senta sobre suas pernas é que eu sinto que
meu pau decidiu estremecer, e então, no instante em que se levanta e olha
para trás, eu me viro de costas às pressas, a fim de não ser pego no flagra
com meu melhor amigo tão duro assim.
— Grey?! — Sua voz chega em meus ouvidos, hesitante.
Levo a mão à nuca e fecho os olhos com força, a respondo, porém
não me atrevo a virar em sua direção.
— Sim?
— Quando você chegou?
— Há uns minutos — respondo em um sussurro, tentando não me
lembrar da sua bunda empinada.
— Você não disse que vinha para casa.
— Nem você.
— Por que você não se vira para me responder?
Tento pensar em uma resposta plausível, mas nada me vem à mente,
por isso eu coço a garganta.
— Grey — Allison me chama novamente, e eu respondo em um
murmúrio. — Aconteceu algo? — Sua voz está mais próxima.
Balanço a cabeça.
— Nada.
— Então qual o motivo de você estar tão estranho?
— Não estou estranho. — Finalmente começo a relaxar.
— Está sim. — E dessa forma, ela aparece na minha frente.
Dou um pulo em surpresa, ao abaixar a cabeça e me deparar com
Allison na minha frente. Meus olhos se concentram em suas coxas, fitando-
as, e logo eu me lembro de como a vi há pouco, então me viro, indo em
direção à bancada da cozinha.
— O que você veio fazer aqui? — tento desconversar e ao ver uma
xícara com sorvete de morango e uma colher em cima da bancada, as pego.
— Tenho prova na segunda e decidi vir estudar aqui, já que Heaven
vai passar o final de semana inteiro trepando com o Axel.
Sua resposta faz com que eu acabe derrubando na bancada a colher
que estava a caminho da minha boca. Bem que Allison poderia me ajudar,
não é? No entanto, parece que ela virou uma pestinha, me atentando dessa
maneira sem nem mesmo perceber.
— Ei! — ela me chama. — Esse sorvete é meu — diz, já tirando a
xícara da minha mão e pegando a colher.
— Desculpa — é o máximo que falo.
— Grey. — Sua voz é baixa e incerta. — Olha para mim — pede, e
com sua voz sendo tão doce, eu não consigo não virar. Quando o faço, me
recosto na bancada, segurando-a com força. — O que você tem?
— O que eu tenho, o quê? — respondo em uma pergunta, sem
entender a sua.
— Sério que eu tenho que repetir que você está estranho?
— Não estou não.
Allison pega um pouco do sorvete, e eu me concentro em todos seus
movimentos. Como em uma cena em câmera lenta, ela leva a colher até
seus lábios, lambendo-a e deixando o sorvete feito um monte na colher.
Após isso, sua língua encosta no sorvete, raspando a pontinha por ele todo.
Percebendo que estou inerte a tudo ao nosso redor, fecho os olhos
intensamente.
— Isso tudo só porque você me viu praticamente de quatro no chão
da cozinha? — A pergunta sai em um tom brincalhão.
É apenas quando eu abro os olhos novamente e vejo o sorriso
travesso no seu rosto, que eu me toco que ela sabia da minha situação esse
tempo todo.
— Então você sabia? — indago.
— Claro que eu sabia, eu te vi chegar pelo canto do olho.
— E decidiu me provocar?
Allison dá de ombros.
— Malvada, Allie-run... malvada mesmo. — Solto uma lufada de ar.
— Eu não sabia que você reagiria dessa forma. — Seus olhos
vacilam em direção ao meu quadril, e eu a sigo.
Em seguida, sou pego de surpresa quando ela coloca a colher com
sorvete na minha boca, e nossos olhos se encontram de novo, então levo
meus braços até a altura do meu peito, cruzando-os. O sorriso malicioso
ainda é presente nos lábios de Allison.
— Como pode uma coisinha tão fofinha ser tão perversa assim? —
pergunto com a boca cheia.
Allie joga os ombros para cima outra vez.
— Até parece que você não sabe que eu tenho um tesão absurdo em
você. — As palavras simplesmente saem da minha boca.
Só percebo que é tarde demais, quando os olhos de Allison
arregalam, e eu acabo me engasgando com o sorvete que passa pela minha
garganta.
— Sendo bem sincera, não sabia mesmo, afinal, você nunca me
disse nada.
Abaixo a cabeça, concordando com ela. Quando a levanto, decido
ser um pouco mais direto dessa vez.
Por fim, se eu tenho que convencê-la que a quero, é porque eu a
quero por completo.
— Se eu queria te beijar tanto desde os meus treze anos, você não
imagina o que eu penso em fazer com o seu corpo desde os dezessete. —
Agora é Allison que se engasga, mas eu não sinto pena dela, afinal, ela não
se solidarizou quando foi a minha vez e decidiu continuar provocando,
mesmo sabendo da minha situação. — Mas se isso não for o bastante para
te convencer, talvez a forma como eu fiquei duro apenas de ver a sua bunda
empinada, te faça ter ideia de algo.
As últimas palavras saem da minha boca, me causando arrepios
involuntários.
Decido abandonar a cozinha e quando o faço, passo por Allison, que
se encontra paralisada com a xícara cheia de sorvete quase derretido erguida
em sua mão.
Seu corpo vacila minimamente, e quando já estou na porta da
cozinha, ela responde:
— Jogo sujo, Greyson. Logo hoje, que meu golfinho me abandonou.
— Golfinho?! — Giro os pés para encará-la, então ela joga a xícara
na pia e vem em minha direção.
— Meu pau amigo — simplesmente responde, como se fosse a coisa
mais normal do mundo.
De modo automático, sinto uma pontada de ciúmes me invadir, e
quando ela passa ao meu lado, seguro seu braço, Allie ergue o queixo, me
encarando sob os cílios pesados.
— Você tem um pau amigo? — As palavras saem da minha boca
amargamente.
Os lábios dela se contorcem em um sorriso, e outra vez ela dá de
ombros.
— Tem? — insisto, curioso.
— Tenho?
— Então isso é um jogo de adivinha?
— É?
— Não sei, é? Porque se for, eu não sou muito bom nisso.
— Mas não foi você quem me deixou no escuro sobre seus
sentimentos durante anos?
Sorrio.
— Malvada — murmuro.
— Você vai ter que correr muito, runner back — respondo,
sarcástica, ao se desfazer do meu aperto e ir em direção à sala.
Coço a cabeça, virando-a sobre o ombro e observando-a se afastar.
Opto por descer novamente para meu quarto e vestir uma camiseta,
visto que a situação esquentou um pouco. Pegando meu celular, envio outra
mensagem para Mark, perguntando se ele tem algo para mim hoje, uma vez
que eu preciso urgentemente pagar as contas da casa do meu pai. Já que a
única que deu para pagar com o valor do serviço foi a conta de luz.
E antes de subir para a sala, de onde já escuto a música clássica da
abertura de Friends, que sempre reverbera por essa casa, tocar, abro o grupo
de mensagem com os meninos e pergunto:
Eu: O que é um pau amigo golfinho?
Kane: Pau amigo golfinho?
Elliot: Golfinho tem pau?
Eu: Isso que eu perguntei também.
Kane: Vocês dois são tão burros.
Eu: Limitados.
Elliot: Limitados.
Kane: Chatos.
Axel: E burros.
Um golfinho é um pau de borracha que vibra.
Kane: Não sabia que ensinavam sobre vibradores em Medicina.
Aliviado por saber que o pau amigo de Allison, na verdade, é um
vibrador, subo o restante das escadas e vou até a sala, dessa vez, me
sentando ao seu lado, enquanto Allie assiste a cena em que Rachel aparece
em um vestido pink horrendo pela milésima vez.
As mensagens não param de chegar no celular, então o pego, vendo
que o grupo está em uma discussão animada sobre vibradores.
Elliot: Mas a pergunta que não quer calar é: por que o Grey está
tão interessado em um vibrador?
Kane: Boa.
Também fiquei curioso.
Grey: Apenas curiosidade.
Axel: Mentira dele.
A Allison tem um golfinho, por isso ele perguntou.
Eu: Como você sabe que ela tem um golfinho?
Axel: Eu sei de tudo.
Eu: Hum...
Axel: Ficar com ciúmes de um golfinho? Ok, mas de mim?
Eu: Eu não fiquei com ciúmes do golfinho.
Minto.
Elliot: Aposto 20 pratas que ele ficou com ciúmes.
Kane: Aumento para 40.
Axel: 60.
Bloqueio o celular, e outra mensagem chega, mas dessa vez, é no
outro grupo. Noto que Allison também recebe a notificação, quando a tela
do seu celular brilha.
Elliot: Ei, Allison.
Allie: Oi.
Elliot: Você sabe onde o Grey está?
Allie: Do meu lado.
Por quê?
Elliot: Ele ficou com ciúmes do golfinho?
A cabeça de Allison se ergue, e ela me encara.
— Como o Elliot sabe do meu golfinho?
Levanto as mãos para cima automaticamente.
— Foi o Axel.
Allie estreita o olhar.
— Juro que foi. — Entrego meu celular na sua mão. — Eu só
perguntei o que era, ele desvendou o mistério e ainda lhe expôs.
Uma risada escapa dos lábios de Allie quando ela me entrega o
celular, e em seguida, pega o seu. O meu vibra com outra notificação.
Allie: Sim.
Ele ficou.
— Eu não fiquei — tento me defender.
— Ficou sim. — Ela ri.
— Prove.
— Seu rosto vermelho me diz o suficiente.
Levo as mãos até meu rosto e o sinto quente. Solto uma lufada de ar,
me dando por vencido.
— Golfinho idiota — rosno.
— Ei! — Allie chama minha atenção, ao dar um leve chute na
minha perna. — Ele não é idiota.
Pego meu celular e o coloco em cima do braço do sofá, em seguida,
meus dedos adornam a panturrilha de Allison, e eu a puxo.
— O que está fazendo? — pergunta, surpresa, em um gritinho fino.
Ficando cara a cara com ela, digo:
— Tem razão, o golfinho não é idiota. — Passo a mecha da franja
do seu cabelo, que cai sobre sua boca, para trás e permaneço tocando seu
rosto. Sinto o mesmo esquentar. — Idiota mesmo é a gente estar tão perto
um do outro, sozinhos, e não estarmos nos pegando nesse momento.
Seus lábios entreabrem, e levo meus olhos até eles, seguido de um
toque com o a ponta do dedão. Allison suspira, quente e audível.
Vou me aproximando dela pouco a pouco, até sentir sua respiração
pesada contra meu rosto.
— Desde quando você ficou tão audacioso?
Meus lábios se levantam milimetricamente em um quase sorriso.
— Há uns dez dias — brinco, mesmo com tudo em mim pegando
fogo.
Minha outra mão encontra a coxa de Allison, ainda desnuda, ao
contrário de mim, ela não vestiu outra peça de roupa, estava apenas com um
cobertor grosso cobrindo o restante do corpo enquanto assistia tv. E falando
nisso, as vozes de Jennifer Aniston e Matthew Perry ainda ecoam pela casa,
mas minha atenção está toda na garota à minha frente.
Ao passar a mão por sua perna, a puxo, trazendo-a pro meu colo.
Allison solta outro suspiro, e antes que ela possa processar qualquer coisa
ou me perguntar algo, me adianto. Dessa vez, apenas dessa vez, quando
estou a um centímetro de distância da sua boca, com o dedo colado em seu
lábio inferior, abrindo um tipo de passagem, minha voz sai rouca ao
indagar:
— Você me permite?
O movimento que ela faz com a cabeça é leve e sutil, quase
imperceptível, porém estou tão perto dela que consigo notar o exato
momento em que ela anui, me dando a concessão.
Então, meu próximo passo é trazer seu corpo mais para perto, ao
encostar a mão na ondulação da sua coluna, trazendo-a para mim. Com a
outra, que permanecia em seu rosto, divago até seus fios loiros, adentrando-
os, e passo os dedos por entre os cabelos ao encontrar sua nuca.
Nossos lábios se aproximam, entretanto, eu não a beijo de primeira,
e sim, dou uma leve mordiscada no seu lábio inferior, puxando-o para mim
e sentindo o gosto do sorvete de morango ainda presente, e o solto, então
me aproximo uma outra vez, pronto para dar início ao beijo.
Allison arfa, eu sorrio, nossos lábios se tocam.
E a porra do meu celular começa a tocar um minion fazendo um rap.
— Me lembra de matar o Elliot na próxima vez em que o vir, por ter
colocado esse toque idiota — peço, e a cabeça de Allie despenca em meu
ombro.
— Seria triste se não fosse engraçado, mas seria mais cômico se
fosse meu pai ou sua mãe ligando.
Ela diz isso, e imediatamente eu pego o celular, para ver quem está
ligando.
— Preciso atender — digo depressa, então Allison levanta a cabeça
e me lança um olhar apreensivo.
— São eles?
Nego com a cabeça.
— Não, é algo mais importante que eles.
Ergo o celular, já pronto para atender e quando o faço, Allison
segura meu pulso, ainda em meu colo.
— Desde quando o Mark é importante? — inquere acusatoriamente.
Não tenho tempo para explicar a ela a importância do Mark nesse
momento e mesmo se tivesse, a conversa se estenderia a ponto de eu não
conseguir atender a chamada, por isso, trago meu celular ao ouvido,
atendendo-o.
— Pensava que não queria mais.
— Você tem algo para hoje ou não? — pergunto a ele, porém meus
olhos se concentram na garota que sai do meu colo, estreitando o olhar para
mim.
— O que eu tenho para hoje é um racha, corridinha, topa?
— Você sabe que eu não corro — respondo, e a testa de Allison
enruga.
De repente, eu passo a sentir medo pela forma ameaçadora como ela
me fita, então eu me levanto e sigo para a cozinha, enquanto recebo a
resposta de Mark.
— Olha, cara, até tem uma pessoa querendo lutar também, mas tem
mais pessoas querendo correr... então assim, eu vou para onde tem mais
dinheiro. Afinal, sou um empresário de sucesso.
— Está mais para um gangster — murmuro.
— O que você disse?
— Por que não faz a luta na corrida? — sugiro.
Mark fica em silêncio por alguns segundos, imaginando-o nesse
momento, ele deve estar coçando o queixo, ao pensar. Em seguida, ouço o
barulho de algo crocante sendo amassado, deve ser o Doritos dele, mais
dois segundos se passam, e ele responde:
— Eu gosto da ideia, pequeno Grey.
— O suficiente para fazer acontecer?
— O suficiente para fazer acontecer — concorda. — Te vejo à noite,
garotão.
Desligo a ligação e respiro aliviado, ao saber que mais tarde,
ganhando ou perdendo, terei alguma quantia que dê para pagar qualquer
conta que a casa do meu pai esteja precisando agora. Mark pode parecer um
idiota.
Na verdade, ele é um idiota.
Com toda a sua pinta de garoto nerd, o cara trancou a faculdade
ainda no primeiro semestre e passou a organizar lutas clandestinas em um
armazém abandonado. No ano seguinte, ficou responsável também pelas
corridas ilegais que acontecem em uma pista de uma arena improvisada em
uma antiga fazenda nas margens de Montgomery e perto o suficiente de
Stone Bay e do campus. Ou seja: é onde todos os universitários gostam de
estar nos finais de semana.
Se não lá, no armazém, onde normalmente acontecem as lutas.
Meu alívio vai embora em menos de um minuto, quando eu me viro
e dou de cara com Allison. Seus olhos pegam fogo, enquanto ela mantém as
mãos em sua cintura, ainda vestida com a camiseta preta gigante e de pés
descalços. Ela me encara e pergunta:
— Você vai lutar hoje?
Balanço a cabeça, concordando.
— Você?
Anuo novamente.
— Qual o problema? — pergunto.
Seus lábios se franzem, e os ombros sobem e descem.
— Só queria entender o que te faz lutar, porque todas as vezes em
que você faz isso, sai de lá com a cara toda quebrada.
Devo contar a ela, agora, que é tudo sobre o meu pai?
Não, não devo.
— Eu gosto, apenas.
— Gosta de apanhar? — indaga, quase que ofendida.
Não vejo outra opção, a não ser anuir e tentar escapar dela.
— Vou me preparar — aviso, já indo em direção ao meu quarto.
— Isso vai dar merda. — É tudo que eu escuto, quando ela me deixa
ir.
E você não pode lutar contra as lágrimas que não virão
Ou o momento de verdade em suas mentiras
Quando tudo se parece como nos filmes
É, você sangra apenas para saber que está viva
IRIS | THE GOO GOO DOOLS

— Eu sabia que isso ia dar merda — resmungo, ao ver que Grey


acaba de levar o maior soco no olho esquerdo, seguido de um chute que fez
com que a areia voasse em seu rosto.
— Virou boca de praga mesmo, anão de jardim? — Wes, um dos
meus melhores amigos desde a infância, pergunta.
A minha resposta é virar em sua direção e mostrar o dedo do meio,
antes de cruzar os braços em frente ao peito. Seus olhos castanhos me
observam, então ele passa os longos cachos do seu cabelo para trás da
orelha e sorri debochadamente para mim.
— Mas ele ainda tem chances de ganhar — Axel diz, concentrado
na luta. — O Grey é limitado, mas não é burro. Ele já sabe que o ponto
fraco do cara é o lado esquerdo.
— Como assim? — pergunto.
— Ele está deixando o cara acertá-lo apenas quando ele chuta ou
bate com o lado esquerdo, porque assim ele vai usar mais e vai cansar mais
rápido.
— Isso não faz sentido. — Meu rosto se transforma em uma careta.
Axel dá de ombros, ainda concentrado na briga.
— Veja bem se não faz. — Ele aponta com o queixo para onde a
luta está acontecendo.
Minha atenção retorna ao ringue improvisado, rodeado por carros
esportivos e Mark — o organizador está sentado sobre um deles —,
também assistindo a cena em que Grey parte para cima do seu adversário,
atacando o seu lado esquerdo, e o mesmo mal tem força para se defender e
levantar a sua guarda.
Em questão de segundos, ele está no chão, e para isso, foi preciso
que Grey desse um chute em sua canela, fazendo-o cair de joelhos. Ele até
tenta se levantar ao socar o estômago de Grey, porém, mesmo não gostando
muito que ele faça parte dessas lutas clandestinas, eu devo admitir que
quando se trata de luta ou até mesmo do futebol americano, ele é imparável.
Ou seja, tudo o que exige de Grey habilidades com seu corpo, ele
faz com excelência.
É preciso que ele acerte o rosto do seu oponente mais algumas
vezes, para que ele caia definitivamente, rendendo-se.
Mark se levanta, uivando, e se aproxima de Grey, pegando seu
pulso. Ele o ergue, anunciando que foi o vencedor e logo depois o abraça.
Grey se vira para nós, e eu faço uma careta ao ver o sangue
escorrendo sobre a lateral do seu rosto.
— Ele nem saiu tão destruído dessa vez — Lynnox comenta.
— Viu só, Allie? Ele ainda tem uma aparência bonitinha — Kane,
que está ao lado da líder de torcida de cabelos ondulados e volumosos que
faz parte do nosso grupo de amigos, comenta.
Ela olha para ele, fuzilando-o.
— Ninguém te chamou na conversa, pau mole.
Estava faltando pouco para eles engatarem em uma briga, e essa foi
a primeira da noite. Por isso, passo a ignorá-los.
Vejo que Grey passa a se aproximar de nós, e instantaneamente, em
um movimento nada sútil, eu dou um passo para trás, negando com a
cabeça.
Pode parecer besteira da minha parte, mas não me entra na cabeça
como uma pessoa se submete a uma luta por simplesmente gostar.
Poxa vida, se gosta tanto, por que não pratica como esporte? Que
pelo menos não é tão violento assim e tem regras, é mesmo obrigado a fazer
isso de forma ilegal?
Qual a sensação? Tesão? Fama? Adoração? Adrenalina?
Errado, todas essas opções estão erradas para mim, pois elas não se
encaixam.
Não se encaixam porque antes de Grey receber a ligação de Mark
sobre a luta, ele era outra pessoa. E eu pude ver com meus próprios olhos
que à medida que ele foi conversando com Mark, não só seus olhos, como
todo o seu semblante, escureceu.
Seus ombros, que antes estavam relaxados enquanto eu estava em
seu colo, e estávamos prestes a nos beijar, se enrijeceram. Ficaram duros,
mostrando tensão. Sua voz, que também estava relaxada, passou a ficar
tensa. Além de que ele tratou Mark com certa prioridade, como se aquele
assunto fosse realmente importante.
Isso está claro que é mais do que apenas “gostar” de lutar, ninguém
gosta de apanhar assim de graça, a não ser que ele seja um sádico, o que eu
acho muito difícil.
O desgosto que sinto ao vê-lo se aproximar de nós, conforme dou
passos para trás não é sobre sua aparência, e sim sobre o que ele acaba de
fazer, e o porquê de ele fazer isso. Algo, bem no fundo, me diz que existe
um motivo maior, e que ele está escondendo isso de mim.
E é exatamente isso que me pega.
A falta de clareza.
Eu só queria que ele fosse sincero comigo e não continuasse me
confundindo com várias coisas, pois isso me deixa desolada a ponto de
pensar que talvez tudo ainda seja uma ilusão.
Já estou longe uns dez passos, quando ele chega próximo aos nossos
amigos, que o parabenizam. Seus olhos me encontram quando ele é
abraçado por Elliot, que lhe entrega um moletom do Jaguars, ele passa pela
cabeça rapidamente, enquanto parte em minha direção.
Dou outro passo para trás e giro meus pés, caminhando em direção
ao estacionamento.
— Allison — me chama.
Contudo, eu ignoro e continuo andando, se bem que não adianta de
nada quando minhas pernas são praticamente metade das dele, e
rapidamente ele me alcança, segurando minha mão e me puxando, fazendo
com que eu vire para ele.
— Allison...
— Por que você insiste em se machucar assim, Grey? — indago,
mesmo sentindo minha voz estrangulada.
Ele respira fundo, ao aproximar nossos corpos.
— Eu já te disse.
— E eu sei que você está mentindo. Ninguém gosta de apanhar
assim.
Grey sorri de canto, e uma covinha fofa se forma na sua bochecha.
— Mas eu ganhei. — Sua resposta sai melancólica.
— Hoje.
— Ganhei, não ganhei?!
— Do que adianta ganhar e mesmo assim ter sangue descendo por
sua têmpora? — Meu nariz franze ao fitar o líquido vermelho em seu rosto.
Grey leva a mão até o local onde há sangue e o limpa com a manga
do moletom.
— Foi só um corte pequeno.
— E quantos cortes pequenos você já levou? — Começo a sentir
raiva por suas desculpas. — Isso não faz sentido, se você faz o que faz por
um motivo fútil.
Sua testa se franze em confusão.
— Você nunca julgou o Axel quando lutava ou o até mesmo o Kane,
que ainda luta.
— O Axel fazia porque era todo traumatizado com o pai, e o Kane
precisa de dinheiro — respondo, exasperada.
A sobrancelha de Grey se ergue, como se ele estivesse querendo
dizer algo, mas ele continua calado.
— É isso então? Você tem problemas com o seu pai? — arrisco.
Sua cara se fecha.
— Não tenho problemas com meu pai.
— Então, qual o problema, dinheiro? — insisto, pela segunda vez
no dia. Grey nega com a cabeça, e mesmo assim, não acredito. — Por que
você não pede ajuda ao meu pai?
Automaticamente, seu semblante muda, como se eu tivesse acabado
de ofendê-lo. Grey me solta, e dessa vez, quem acaba dando um passo para
trás é ele.
— Grey... — o chamo, e ele me fita com uma certa névoa em seus
olhos. — Eu disse besteira, eu sei, mas...
Ele levanta a mão, fazendo com que eu pare, e faz um sinal
apontado para trás.
— Preciso ir falar com o Mark.
Engulo em seco e apenas concordo, ao balançar a cabeça.
Quem normalmente acaba falando besteiras no calor da emoção e
ofendendo alguém é o Grey, e eu é que geralmente preciso de uma desculpa
para me distanciar. Nunca aconteceu ao contrário, a não ser por agora.
Apesar da sua mãe ser casada com meu pai, eu sempre soube que
ele não gosta muito da opção do meu pai bancar tudo. Lembro até mesmo
que quando tínhamos por volta dos quinze anos, ele brigou com a mãe, que
não queria voltar a trabalhar. E a resposta dela foi dizer que ele deveria
agradecer por ter alguém que finalmente sustentasse os dois e tudo o que
eles precisavam. Grey rosnou e em seguida passou por mim com raiva.
Então sim, eu dizer que ele deve pedir dinheiro ao meu pai é a
mesma coisa que ofendê-lo, uma vez que ele nunca foi adepto a essa ideia.
Decido desistir por agora e não procura-lo, porém não deixo de lhe
enviar uma mensagem dizendo que estarei lhe esperando em casa, enquanto
entro no carro. A resposta não chega, entretanto eu sei que ele irá.

Já faz cerca de vinte minutos que cheguei em casa. Dei muitas


voltas na sala, andando de um lado para o outro, e uma coisa, da qual eu
acabei de ter certeza na última hora, é que a falta de diálogo entre nós dois
sempre foi tão grande, que acaba nos afastando.
Mesmo que tenhamos passado a semana inteira conversando, ele me
buscando no dormitório e me trazendo café, e que tenha assumido que irá
esperar o meu tempo... ainda assim, eu sinto que falta um pouco de
comunicação entre nós.
Eu sempre quis saber mais a fundo desde quando ele sente o que diz
sentir por mim, se para ele é a mesma coisa que acontece comigo. Quero
saber também porque demorou tanto tempo para assumir algo tão simples,
mesmo quando me disse, anos atrás, que não éramos irmãos, ele ainda me
tratava como tal, de certa forma.
Opto por trocar de roupa, enquanto aguardo por Grey, e deixo meu
celular na mesinha ao lado do sofá.
Quando estou voltando para a sala, a mesma se ilumina com os
faróis de um carro do outro lado da rua, e antes que eu possa ver de quem é
o carro, escuto um ruído vindo do porão, onde fica o seu quarto.
Ele deve ter chegado.
Eu quase nunca entrei no quarto de Grey, a não ser pelas vezes em
que precisava falar algo urgente com ele ou nos seus aniversários, durante a
época em que estávamos no ensino médio.
Abro a porta, mas está tudo escuro, encontro o cordão no meio da
escada e o puxo, ligando a luz. Desço o lance de degraus, só que não
encontro ninguém e quando estou pronta para subir, e pegar meu celular
para ligar para ele outra vez, escuto outro ruído, é então que noto que a
porta do banheiro está aberta.
Vou até ela e a fecho, entretanto, algo me chama a atenção em cima
da sua cama.
É um caderno de capa preta, ele parece ser um pouco velho, porém
não é isso que me chama atenção, e sim o que está escrito de branco na
capa.
Joey.
Penso em deixar para lá, afinal, é algo dele e pessoal. O máximo que
já fiz no seu quarto foi sentar na mesa de sinuca, jamais mexi em qualquer
coisa dele, mesmo nas vezes em que estivesse sozinha em casa.
No entanto, uma vozinha, maldita vozinha, fica falando para eu ir lá
e abrir o caderno.
Levando-a em consideração, me aproximo da cama e olho de cima
para o caderno.
— Devo ou não devo? Acho que não...
Uma rajada de vento me abraça, e eu escuto a voz da minha mãe:
— Abre...
Um arrepio sobe por minha coluna, e eu olho em volta. A porta do
banheiro range novamente, se abrindo, e a do porão também, então olhando
para cima, vejo que a janelinha no teto do porão está aberta, o que faz com
que o vento passeie pelo local.
— Abre logo. — A voz da minha mãe na minha cabeça parece tão
impaciente quanto eu agora.
Me abaixo, pegando-o, seguro o caderno com ambas as mãos com
força e respiro fundo.
Não sei ao certo o porquê, mas meu estômago embrulha, e um pingo
de suor frio desce por minha têmpora.
Em seguida, meu rosto é molhado por uma lágrima solitária que
desce sobre minha bochecha. Eu preciso me virar, para cair sentada na cama
no instante em que leio: “Querido diário, essa não é uma história de amor,
mas uma história de como eu me apaixonei pela filha do meu futuro
padrasto...”.
A partir desse momento, o mundo ao meu redor silencia, e eu sou
completamente sugada pelas palavras escritas neste diário intitulado de
Joey.
Eu e você
Fomos feitos para dar errado
Eu sei a verdade
Mas é tarde demais
Você é perfeitamente errada pra mim
E é por isso que é tão difícil ir embora
PERFECTLY WRONG | SHAWN MENDES

Estou dentro do carro em frente à garagem há mais de meia hora,


pensando em como eu vou dizer a verdade à Allison.
Eu que comecei com esse lance de ser sincero e agora preciso
terminar. Ela me questionou os motivos de eu lutar, porque ela sabe que eu
não gosto — é óbvio que eu não gosto —, mas também é nítido o quanto eu
preciso de disso. Eu preciso contar justamente para que ela não me diga
novamente para pedir ajuda ao seu pai.
Porque eu nunca pediria ao atual marido da minha mãe ajuda
financeira e psicológica para o ex dela, o qual ela vive sem sequer saber
como ele está.
Isso está completamente fora de cogitação da minha realidade, então
se for para apanhar todos os finais de semana para conseguir manter a
moradia do meu pai e sua alimentação, é isso que eu vou fazer.
Conto o dinheiro uma outra vez, tendo a certeza de que ele será o
suficiente para as contas pendentes e para as compras da próxima semana.
Já planejando fazer tudo o que preciso amanhã pela manhã e também pedir
a ele para que pare de pegar serviços os quais muito provavelmente não irá
terminar.
Guardo o valor das apostas novamente dentro do envelope e em
seguida o escondo debaixo do banco do motorista.
Respiro fundo, me preparando para sair do carro e entrar em casa.
No momento em que passo pela porta, sou abraçado pela escuridão,
a não ser pela luz que vem do final do corredor.
— Allison — chamo ao fechar a porta —, está em casa?
Aperto o interruptor que liga as luzes e ainda no vestíbulo, o espelho
me mostra o meu reflexo, então eu enxergo o sangue quase seco no canto
superior do rosto, tento passar o dedo por ele, porém não adianta muita
coisa quando limpa.
Vou até o banheiro do andar de baixo para limpar com água e sabão,
depois molho o algodão com álcool, antes de colocar um curativo. Pego o
celular e mando uma mensagem para o número de Allie, perguntando se ela
está em seu quarto e se posso ir até lá.
Contudo, assim que saio do banheiro, vejo a tela do mesmo piscar
em cima da mesinha ao lado do sofá. Pegando-o, noto que também há
outras mensagens, incluindo do seu pai, Heaven e Colin, além das minhas.
Dou uma olhada na cozinha, e nada dela, então decido subir até o
primeiro andar. Ao chegar em frente à porta do seu quarto, vejo-a
semiaberta e dou duas batidinhas, o que faz com que a porta se abra
completamente.
— Allie-run? — a chamo outra vez, e nada. Entro no quarto, com
intenção de procurá-la no banheiro, mas também se encontra vazio. — Só
não me fala que você fugiu outra vez — murmuro.
Cogito enviar uma mensagem para ela outra vez e começo a digitar
no meu celular. Só me toco que o celular dela já está comigo, quando ele
vibra na minha mão, e o número de Harvey aparece na tela, em uma
ligação. Aperto duas vezes no botão de bloqueio para encerrar a ligação e
saio do quarto dela.
Ao descer as escadas, procuro por ela mais uma vez na sala e
cozinha, e mais uma vez, nada.
Onde essa garota foi parar?
Só quando chego no corredor vejo que a luz do porão está ligada,
era a mesma que iluminava a casa assim que eu entrei.
Ela não estaria no meu quarto, estaria?
Bom, essa é a última opção de local para ela estar nessa casa, não
acredito que ela entraria no quarto dos nossos pais.
Chegando em frente à porta, meu coração parece parar, e eu engulo
em seco, ao de repente me sentir tão nervoso dessa forma. Passo a descer as
escadas lentamente, temendo encontrá-la.
Não entendo ao certo os motivos do meu corpo agir assim, certo que
eu já estava nervoso antes, afinal, eu estou disposto a contar a ela o que
acontece com meu pai. Até mesmo preparei um pequeno discurso durante o
tempo em que fiquei parado em frente à casa, para que nenhuma besteira
saísse da minha boca.
No entanto, da maneira como estou nervoso, eu sinto que no
momento em que a vir, vou dizer “então, meu pai tem depressão, não
consegue trabalhar, e eu me viro como dá para ele sobreviver” ou algo do
tipo.
Entretanto, quando faltam apenas três degraus para chegar no final,
vejo que Allison está sentada sobre a minha cama com as pernas cruzadas,
sua cabeça está baixa, uma mão cobre a boca, enquanto a outra passa a
página do caderno que está em seu colo.
Porém, não é um caderno qualquer.
É o Joey.
Meu diário.
Digo... nosso diário.
Onde eu escrevi tudo que eu senti ao longo dos anos em que tive
que esconder o quão louco por ela eu sou desde sempre.
Minha visão se torna turva, e eu não sei ao certo como reagir agora.
Estava pronto para qualquer coisa, menos para isso.
Certo que eu admiti há alguns dias meus sentimentos, mas ali está
escrito tudo, exatamente tudo, nossas falas, meus pensamentos, todas as
vezes em que fui um completo idiota apenas para afastá-la, e até mesmo
todo o rancor que senti por minha mãe me fazer ficar longe dela por tanto
tempo, mesmo que estivéssemos a poucos metros de distância, debaixo do
mesmo teto.
Respiro fundo e desço o último degrau, o que faz a madeira ranger, e
no momento em que ergo a minha cabeça, Allison olha para cima, fazendo
com que nossos olhos se encontrem ao mesmo tempo.
— Você escreveu sobre tudo, durante anos. — Sua voz sai
embargada.
Engulo em seco, colocando as mãos dentro dos bolsos do moletom e
em apenas alguns passos, estou próximo dela.
Seus olhos azuis estão vermelhos e inchados, a ponta do nariz
também está vermelha, o que significa que ela estava chorando.
Meus lábios se franzem em uma linha reta, quando sento à sua
frente na cama.
— Então você encontrou o Joey — comento, não sabendo
exatamente como reagir a isso.
Afinal, lá está o pior de mim, o Grey egoísta, ciumento e covarde.
Lá também está a melhor versão de mim, o Grey apaixonado por ela desde
os treze anos, aquele que a viu sofrer por falta da mãe e também o que
votou mais de duzentas vezes para que ela fosse a rainha do baile de
formatura, apenas para realizar um de seus sonhos de adolescente.
— Não é como se ele estivesse escondido ou qualquer coisa do tipo
— ela tenta ser irônica, mas não tem muito sucesso. — Você deu o nome de
Joey apenas porque eu disse que era meu personagem favorito.
Assinto com a cabeça.
— Grande erro, não?!
— Por que seria?
— Seu personagem favorito hoje é o Chandler — comento o que já
percebi há mais de dez anos.
Allie solta um risinho, o que me faz relaxar momentaneamente.
— Não era minha intenção lê-lo quando o vi. — Ela olha para
baixo, como se estivesse arrependida. — Mas se tornou impossível quando
a primeira coisa que você escreveu, era que a nossa história jamais seria
uma de amor... — As palavras passam a sair mais fracas, até morrerem.
Os olhos de Allison sobem, e ela me observa sob os cílios
molhados.
— Também não era minha intenção me apaixonar pela filha do meu
padrasto, mas isso aconteceu, e ao longo do tempo, senti que isso era
errado. Por isso passei a me abrir com a única pessoa que poderia me
entender.
— Então você está mesmo apaixonado por mim? — Ela ergue a
cabeça minimamente, para me encarar melhor.
Eu tiro o caderno do seu colo, colocando-o ao nosso lado, e me
aproximo dela igual como fiz à tarde, trazendo-a para meu colo, e dessa
vez, ela vem sem sequer hesitar ou questionar o que estou fazendo.
Meus dedos encontram os fios dourados do seu cabelo, e eu os
penteio, trazendo uma mecha para frente por cima do seu ombro. E olhando
em seus olhos, que ainda parecem atônitos, confesso:
— Sempre estive apaixonado por você, Allison, não teve um dia
sequer depois do dia em que te conheci que te tirei da minha cabeça. Eu me
arrependo amargamente de um dia não ter ido contra as ideologias da minha
mãe. Por mais que me doesse estar longe de você, me senti obrigado a fazer,
e eu não quero mais estar tão perto de você e tão distante ao mesmo tempo.
— Respiro fundo, alisando seu rosto. — Eu não aguento mais viver sem
você. Não sei ao certo de qual certeza você precisa, mas se essa certeza for
saber se eu estou apaixonado por você, então sim, eu estou. E você não está
ouvindo isso da boca para fora, quando acaba de ler tudo o que senti sobre
nós dois durante tantos anos.
Quando termino de falar, uma lágrima desce pelo seu rosto, e eu
rapidamente a aparo. Porém, uma segunda lágrima desce, e mais outra e
outra, e eu não consigo controlá-las.
— Por que está chorando, Allie?
Ela leva suas mãos até o rosto, a fim de limpar as lágrimas. O que de
fato consegue, mas tão logo, outras descem, e ela me solta um sorriso.
— Eu não sei — confessa. — Eu realmente não sei, apenas me deu
vontade de chorar com tudo o que você disse. E quando eu digo tudo, é tudo
mesmo, desde o que ouvi, até o que eu li. Eu não estava preparada para isso,
Grey, eu nunca me preparei para isso. — Volta a limpar as lágrimas do seu
rosto.
— Para o que exatamente?
— Eu sempre te vi me dar esperança na mesma medida que tomava
ela de mim, você me deixou confusa durante tanto tempo, que se tornou
sufocante ter um pouco de certeza, então várias interrogações passaram a
voar sobre a minha cabeça. Eu não sabia o que sentir de verdade.
— E agora? Você sabe? — pergunto, apreensivo.
Allison anui.
— Eu sou apaixonada por você, sempre fui, e tudo sempre foi tão
explícito para os outros, que chega a ser ridículo. — Ela ri. — Eles nos
chamam de idiotas.
— Talvez porque nós dois sejamos dois idiotas mesmo. — Rio
também.
— Por que tivemos que agir assim por tanto tempo?
Sua pergunta faz com que eu fique em silêncio por algum tempo,
pela primeira vez eu não sei o que responder, nem mesmo a minha
impulsividade me dá qualquer ideia do que falar a ela nesse momento.
Olhando um nos olhos do outro, eu sinto os meus começarem a
molhar, não sei ao certo se comecei a chorar, mas sinto o toque macio dos
seus dedos aparando as lágrimas que caem, assim como eu fiz com ela.
É impossível não dar um leve sorriso com isso, pois assim como
Allison, eu não sei ao certo o porquê de estar chorando, apenas me deu
vontade, e aqui estamos, ela e eu com lágrimas nos rostos, enquanto um
apara a do outro.
Nos aproximamos ainda mais, e nossas testas se juntam.
— Por mais errado que tudo isso possa ser, eu nunca me senti tão
certo na minha vida antes.
— Nem mesmo quando votou em mim para ser rainha do baile?
Nego com a cabeça.
— Nem mesmo quando escrevi o seu nome duzentas e quarenta e
nove vezes naquela noite.
— Você é louco, Grey.
— Por você, eu sou mesmo.
— E nós dois juntos, somos completamente errados.
— Deixei de me importar se estou errando ou acertando a alguns
dias atrás. Desde que eu esteja aqui — levo o dedo indicador até seu peito,
em cima do coração, sentindo suas batidas erráticas, assim como as minhas
—, eu não me importo com mais nada, a não ser isso.
— Você está mesmo pronto para enfrentar a sua mãe depois de todos
esses anos sendo repreendido por ela?
Fecho meus olhos, não querendo imaginá-la agora.
— Pode demorar um tempinho — assumo. — Mas estou, a maior
lição que a minha mãe me deu foi a de correr atrás dos meus objetivos,
independentemente de quais fossem.
— E quais são seus objetivos?
— Ter você, e apenas você.
O sorriso de Allison se torna terno, e eu não me aguento.
Talvez a nossa conversa sobre o meu pai e as lutas fique para
amanhã, porque nesse momento, tudo o que eu quero é beijá-la.
Não preciso de muito quando assim que me aproximo, ela abre os
lábios, me dando a passagem necessária para que nossas línguas se cruzem.
Eu a beijo desesperadamente, sentindo falta do seu toque e gosto
desde a última vez em que a beijei, há uma semana, mas também a beijo
com afeto, sentindo meu coração, corpo e alma por completo, destinado a
fazer com esse momento dure para sempre.
E se for certo
Não me importa quanto tempo demore
Enquanto eu estiver com você, terei um sorriso no rosto
HERE WITH ME | D4VD

Chega a ser inacreditável a forma como criamos várias certezas ao


longo da vida, passamos a acreditar nelas, e de repente, de uma hora para a
outra, tudo o que você teve, uma vasta confiança, se dissolve, assim como
um punhado de areia, quando pegamos em nossa mão.
Ontem, eu conheci uma parte do Grey que eu nunca cogitei ter
existido. Por mais que ele afirme em suas palavras que sempre foi um
covarde ou egoísta, eu vi apenas uma pessoa com medo de expor seus
próprios sentimentos, através das cartas que ele escreveu no Joey.
Ele se manteve longe de mim, me ignorou e me magoou com sua
distância várias vezes, porque tinha medo e porque era constantemente
pressionado com a ideia de família que Susan sempre faz questão de exaltar.
Ok, até podemos ser uma família, mas jamais irmãos, isso é completamente
absurdo e fora de cogitação. Contudo, fazer o que, se ela é uma pessoa
totalmente fora da casinha?
Na realidade, a partir das palavras de Grey, pude sentir que o que ela
sente está ligado ao fato de perder meu pai, eu apenas não sei se porque
realmente o ama ou se pela sua condição financeira.
Porém, de uma coisa eu tenho certeza, eu nunca dormi tão bem em
tanto tempo, mesmo depois de chorar e sentir meus olhos arderem devido às
lágrimas, ainda assim, foi uma boa noite de sono, porque eu me senti
tranquila e confortável.
Talvez, isso se dê pelo fato de que adormeci em uma cama na qual
nunca havia encostado até noite passada e também porque dormi abraçada
com alguém, pela primeira vez desde que minha mãe morreu — já que ela
era a única pessoa com quem eu me deitava, e isso acabou se tornando uma
rotina quando ela precisava ficar internada devido à doença ter se agravado,
e eu insistia para ficar com ela no hospital.
Trazendo toda a minha insegurança de volta, juntamente à
circunstância de que eu nunca havia dormido ao lado de alguém antes, eu
simplesmente não sei o que fazer agora, que minha cabeça está encostada
em seu peito, que se move lentamente, indicando que ele ainda está
dormindo, por causa da respiração pesada.
Não sei se simplesmente devo tirar o braço da volta da sua cintura e
depois tentar desvencilhar seus dois braços, que me abraçam fortemente do
meu corpo, me levantar e fingir que nada demais aconteceu ou se
simplesmente me faço de doida e finjo que estou dormindo até ele acordar.
Se a minha ansiedade deixasse, eu poderia sim, ficar quieta, mas
acontece que eu nem mesmo senti quando as pontas dos meus dedos
começaram a fazer carinho sobre a as marcas delineadas do seu abdômen,
que é tão... perfeito?
Afinal, é isso que você pode esperar de um cara de vinte anos de
idade que é atleta de um dos times mais requisitados e vistos da liga
nacional universitária, portanto, é óbvio que ele vai ter uma barriga
trincada, e é óbvio também, que eu vou achar tão lindo, que
espontaneamente vou passar a acariciá-lo.
Maldita hora em que eu insisti para ele se lavar, afinal, ainda estava
suado depois da luta. Quem sabe assim, Grey não precisaria ter trocado de
roupa e ficado sem camisa, enquanto adormecíamos juntos depois de
passarmos horas e horas conversando sobre tudo o que ele escreveu no Joey
e também sobre o que eu sentia, de acordo com o que me lembrava das
histórias.
Pois só assim, eu poderia passar mais um tempo em seus braços,
porém, a partir do momento em que ele sentiu o meu toque, sua respiração
foi ficando desregulada, a ponto de ele inspirar e expirar demoradamente.
Quando o sinto mexer a cabeça, que está em cima da minha,
rapidamente eu fecho os olhos e paro de mexer as mãos, só que não adianta
muita coisa, quando a risada simples e rouca escapa da sua boca.
— Você fingir que ainda está dormindo é tão clichê. Pode continuar
brincando, eu estava gostando — diz, ao pegar na minha mão, abrindo-a e
fazendo com que meus dedos voltem a tocar sua pele.
Ergo a cabeça minimamente, apenas para que possa ver um pouco
do seu rosto.
— Bom dia. — Minha voz sai cantante, tão melosa que eu chego a
estranhar o tom.
Os lábios de Grey se erguem infimamente, e em um movimento
rápido e sútil, ele nos põe de lado, nos deixando um de frente para o outro.
— Ótimo dia — responde, trazendo os lábios até a ponta do meu
nariz e dando um beijinho. — Não sei você, mas eu dormi feito um bebê a
noite inteirinha.
— Eu dormi bem também — digo, dessa vez não tão cantante.
Grey arqueia uma sobrancelha e franze o nariz.
— Só bem?
Não consigo conter a vontade que me dá de revirar os olhos.
— Foi confortável.
— Confortável — repete em um sussurro, ao olhar para cima. — Só
bem e confortável? — Sua pergunta é hesitante, quando ele retorna a me
fitar.
Sorrio.
— Confortável equivale à segurança e tranquilidade. — Passo a mão
por seu rosto, tocando o pequeno corte em sua têmpora. Ele faz uma careta.
— Dói?!
— Um pouquinho — responde. — Então, significa que foi bom? —
Incrível a forma como ele muda de assunto tão rápido.
— Segurança e tranquilidade são coisa boas, Grey. Mas a forma
como está falando, é como se nós tivéssemos transado. — Faço uma careta.
— Espera um pouco. — Ele me solta e se levanta, assustado. — Nós
não transamos?
— Não?! — Minha resposta sai retórica.
— Então por que você está na minha cama? — ele pergunta,
acusatório.
— Você está falando sério? — Também me sento, para encará-lo.
A resposta de Grey vem com um balançar de cabeça, mas tão logo
ele começa a rir.
— Nossa, muito engraçado — digo, ao pegar um travesseiro e jogar
nele.
Em seguida, me deito outra vez, encarando o teto. Quando
comentamos noite passada sobre ele ficar com algumas garotas que se
pareciam comigo, eu o repreendi. Até cheguei a entender o lado dele, onde
procurava meio que uma “substituta”, porém não muda o fato de que chega
a ser grotesco ele ter chegado a pensar dessa maneira. Ele pediu desculpas e
disse que chegou a um ponto de sentir raiva de si mesmo por isso, então eu
lhe perguntei se ele chegou a dormir com alguma delas, pensando que era
eu.
Muito vergonhoso, eu sei. No entanto, para ele foi um pouco mais,
quando ele assumiu que sim e que sempre perguntava o que elas estavam
fazendo na cama dele na manhã seguinte, porque isso acontecia quando ele
bebia demais.
Eu até poderia assumir que quando estou com meu golfinho, inerte
nos meus pensamentos eróticos, eu penso nele também. Contudo, não
chegamos na conversa em que eu digo que eu ainda sou virgem, até porque
eu imagino que ele saiba disso, afinal, acredito que não seja segredo para
ninguém.
De toda forma, não foi tocado no assunto, e também ainda é cedo
demais para isso. Eu acho. Quer dizer, é cedo, não é? Se formos contar
como encontro as vezes em que ficamos juntos e nos beijamos, foram
apenas duas vezes, e normalmente a conversa dos “finalmentes” acontece
pelo terceiro encontro. Estou errada?
— Está.
Ah pronto, lá vem a voz do além, vulgo minha cabeça com a voz da
minha mãe, começar a me julgar.
O colchão se mexe, e eu quase me assusto quando vejo Grey de
lado, se apoiando em seu braço enquanto me encara.
— No que você está pensando?
— Nada. — Eu é que não vou contar a ele que vivo conversando
sozinha e que escuto a voz da minha mãe sempre que isso acontece.
— É fofo.
— O que é fofo?
— Quando você começa a pensar demais, você sempre faz uma
careta.
Faço?
— Não faço nada.
— Aí está. — Ele aponta.
Então seu rosto se contorce quando seus lábios se franzem em um
bico, juntamente da testa, e um olho fica mais fechado que o outro.
— Eu não fico assim quando estou pensando.
— Fica sim — ele teima e se levanta.
— Aonde você está indo?
— Pegar provas — ele diz, ao chegar na mesa de sinuca e pegar seu
celular, em seguida, ele volta a sentar na ponta da cama ao meu lado,
passando o dedo sobre a tela. — Aqui está.
Ele me entrega o celular.
— O que é isso? — digo, ao pegá-lo e ver uma foto minha sentada
na bancada da cozinha, com o computador na minha frente ao passo que eu
olho para ele.
Na imagem, eu estou mesmo fazendo a mesma careta que Grey fez
há pouco.
Olho para ele em busca de uma resposta, então ele ergue a mão,
levando-a até sua nuca para coçar os cabelos ralos ali, seu rosto passa a
esquentar, quando ele assume:
— Já havia notado que você fazia essa careta há muito tempo, mas
nesse dia você estava tão concentrada fazendo a redação para aplicar na
Stout, que eu precisei tirar uma foto, porque como eu disse... — Ele hesita,
respirando fundo. — É fofo, e eu sou bobo, não sou? Por fazer algo do tipo?
Ainda mais escondido.
Meus lábios se dividem entre sorrir e fazer um biquinho, e acabam
cedendo pelo biquinho, sinto meus olhos molharem, porém as lágrimas não
descem, quando eu escuto tudo o que ele diz.
— Não é bobo. — E a voz cantante e melosa voltou. — É fofo
também. — Volto a olhar pro celular. — Essa foto tem o que? Quatro anos?
— Três — admite. — Era o último ano da escola, todos haviam sido
aceitos na Stout, e você tinha ficado em lista de espera, então decidiu
escrever uma nova redação e ir entregar pessoalmente ao reitor.
Abro a boca.
— Como você consegue lembrar de tudo tão bem?
Grey dá de ombros, como se não fosse nada.
— Sério, me desculpa, mas é que estou surpresa, você é o mesmo
Grey de sempre, mas ao mesmo tempo, um novo Grey.
— Como assim?
Bloqueio o celular, deixando-o ao meu lado, ele vibra, porém sequer
olho para ele, porque não tem interesse agora.
— Você está sempre tão inerte a tudo, que me surpreende ter uma
memória tão boa para tudo o que aconteceu, a ponto de conseguir retratar
com palavras tão corretamente.
— Ei! — exclama. — Não é porque eu tenho TDAH, que
automaticamente tenho memória ruim.
— Não estou falando sobre o TDAH e sim sobre ficar surpresa que
você teve tanta atenção em tudo.
— Deve ser porque pessoas com TDAH geralmente têm atenção em
tudo.
— Como assim? — pergunto, confusa.
— Todo mundo pensa que com déficit de atenção, a pessoa não vai
ter foco em realmente nada e muito menos memória de nada, mas é normal
conseguir focar nas coisas que realmente gostamos e que nos dão prazer.
Balanço a cabeça, sorrindo maliciosamente.
— Então eu te dou prazer, hum?
Grey fecha os olhos e quando os abre, sua vista está escurecida, e
ele também sorri, voltando a ser o Grey audacioso, e uma coisa que eu
tenho que admitir é que eu adoro essa faceta dele.
— Não sei como você ainda tem a audácia de perguntar — ele
responde.
Como em um passe mágica, Grey me deita no instante em que se
sobrepõe em mim, passando uma das pernas por cima da minha e me
prendendo. Ele não chega a se sentar, ainda assim, está por cima de mim.
Uma de suas mãos agarra uma minha, e a outra passa por debaixo da
minha cabeça, agarrando meus cabelos.
Solto um suspiro pesado.
— Eu gosto de você, Allie-run, e se eu gosto de você, você me dá
prazer.
Meu rosto esquenta tanto, que o ardor desce pelo pescoço, e minha
respiração se torna pesada quando sinto meus mamilos enrijecerem.
— Então me mostre. — Arregalo os olhos ao ouvir as palavras que
saem da minha boca.
Acho que o Grey também gosta da Allison audaciosa, pois seu
próximo movimento é erguer minha cabeça para perto da sua e me beijar.
E não é um beijo tranquilo, ele é feroz. Como se quisesse me
devorar.
Em poucos segundos, Grey chupa minha língua e morde meu lábio
inferior, puxando-o. Minha respiração se torna cada vez mais pesada
sempre que eu inspiro.
Seu corpo faz um movimento sagaz, invertendo nossas posições.
Agora eu estou por cima dele, me sentando sobre seu quadril e quase pulo
ao senti-lo tão rígido abaixo de mim. Minhas paredes se contraem, ao sentir
a espessura daquilo que apenas vi de relance na sua calça moletom ontem,
enquanto limpava o sorvete que havia derramado no chão. E admito, é bem
melhor sentir do que só imaginar, coitada de mim quando ver ao vivo e a
cores.
Será que sou capaz de desmaiar?
Agarrando seu pescoço, o trago mais perto para beijá-lo, mas ele é
mais rápido, quando passa a distribuir beijos por minha mandíbula,
seguindo para extensão do meu pescoço. Ao chegar na lateral, Grey deixa
um rastro de beijos molhados ali, fazendo com que todo meu corpo se
arrepie.
Respiro fundo, tentando controlar a ansiedade que passa a tomar
conta de mim. Não seria agora o grande momento, seria?
Balanço a cabeça para me dispersar dos meus pensamentos e voltar
à realidade.
Contudo, quando o faço, ouço um barulho vindo do andar de cima e
o rangido na madeira, que indica que alguém está andando sobre a cozinha
ao mesmo tempo que Grey mordisca o lóbulo da minha orelha.
— Grey... — o chamo em um sussurro.
Ele me escuta, porém volta a querer me beijar. Eu seguro-o pelos
ombros, fazendo com que ele pare, o que faz com que me lance um olhar
assustado.
— Eu te machuquei? — pergunta, já virando meu rosto.
Os passos se tornam mais altos e mais perto.
— Não.
— O que foi então? — ele pergunta, ainda alheio ao que está
acontecendo lá em cima. Mais um passo, e sinto meus olhos sobressaltarem.
— Allie...
— É que eu acho que tem gente em...
Duas batidas na porta.
— Grey, você está aí embaixo, filho?
Susan.
— Casa — sussurro.
— Merda — sibila em resposta.
— E agora? — eu pergunto no mesmo tom de voz.
— Não sei, nunca me preparei para isso — ele responde, também
sussurrando.
— Eu também não!
— Filho? — Susan insiste, e porta começa a ranger.
Meu coração parece parar por um momento, não sei ao certo se ele
realmente para, mas com certeza minha respiração sim, pois meus pulmões
ardem quando não recebem ar.
— Oi, mãe, estou pelado — ele grita, fazendo uma careta.
Sinto vontade de rir, e quando ele percebe isso, olhando para mim,
ele coloca a mão sobre a minha boca.
— A Allison está aí? — Susan pergunta, Grey fica em silêncio. —
O carro dela está lá fora, a porta do quarto está aberta, mas não tem
ninguém lá — completa.
Os olhos de Grey arregalam, e os meus também.
— E agora? — ele pergunta.
Tento responder, porém não consigo, já que suas mãos ainda cobrem
minha boca. Eu balanço a cabeça.
— Não?! — ele sussurra novamente, e eu anuo. — Sim?! — nego.
— Não ou sim?
Tiro as mãos da minha boca.
— Não — murmuro.
— Não — grita.
— Certeza? — pergunta, claramente desconfiada.
— Quer vir conferir?
Mas o quê?
— Você está doido? — eu pergunto baixinho.
Grey levanta o dedo indicador e faz um biquinho, pedindo silêncio.
Depois de cinco longos segundos, Susan finalmente responde.
— Veste uma roupa e sobe aqui — manda.
— Já vou.
A porta se fecha, e os passos voltam a ecoar no andar de cima. Solto
um longo suspiro, aliviada.
— E agora? — pergunto, quando Grey me tira do seu colo e se
levanta.
— E agora eu vou lá em cima saber o que ela quer, é tempo pra você
aparecer e inventar uma desculpa.
— Por que eu tenho que inventar uma desculpa?
Me levanto também, o seguindo, conforme ele procura uma
camiseta.
— Você prefere que eu faça isso?! — sugere, e eu rapidamente
nego.
— Por que não podemos dizer a verdade logo?
Grey parece refletir durante um tempo, seu olhar permanece vago
enquanto isso, ele está preocupado com algo, e uma linha se forma entre
suas sobrancelhas.
— Grey — o chamo, e ele me olha.
— Estou pensando em uma forma de não falar besteira.
— Fala logo de uma vez.
Ele se esquiva de mim e pega o celular em cima da cama, em
seguida volta e coça a nuca.
— Nossos pais são casados, Allie, e isso já é complicação demais.
Se nós simplesmente chegarmos agora e dissermos qualquer coisa a eles,
pode ser que eles queiram impedir, e isso vai transformar a nossa vida em
um completo caos.
— Então o que você sugere? — A preocupação e o medo voltam a
tomar conta de mim. — Não vamos ficar juntos?
Até mesmo eu chego a cogitar a ideia de não ter essa conversa
agora, pois é, sou indecisa na mesma proporção que tenho coragem, vai
entender.
Grey encosta a mão na lateral do meu rosto.
— Claro que vamos ficar juntos, mas vamos deixar isso entre nós
durante um tempo, e quando for o tempo certo, eles irão saber. Só assim,
talvez, nada aconteça com a gente.
— Tem certeza disso? — indago, apreensiva.
Grey anui e dá um beijo na ponta do meu nariz.
— Agora que você sabe tudo o que eu sinto por você há anos, nada
vai ser capaz de distanciar a gente. Então sim, eu tenho certeza.
Meus ombros relaxam na mesma medida que eu passo a respirar
normalmente, porque pela primeira vez desde que Grey me beijou de
surpresa durante a final do jogo, eu consigo ter certeza de algo. E essa
certeza se chama nós, e nós dois, vamos permanecer juntos.
Sempre.
Às vezes, me pergunto: Quando você dorme
Será que você está sonhando comigo?
Às vezes, quando olho nos seus olhos
Eu finjo que você é meu, o tempo inteiro
DELICATE | TAYLOR SWIFT

— Pensei que vocês iam passar o fim de semana fora, depois que o
Harvey disse que a casa estava liberada — digo assim que encontro a minha
mãe sentada em uma das banquetas da cozinha.
— Ele disse, foi?
Assinto.
— Bom, ele vai passar o fim de semana fora com certeza, já eu, não.
— Aconteceu algo? — inquiro, preocupado, ao notar que o seu
semblante não é dos melhores.
— Senta aqui. — Minha mãe oferece a banqueta ao lado.
De início, eu estranho seu comportamento e estreito o olhar em sua
direção, contudo, ela me lança um sorriso encorajador. Por mais que ela
tenha tentado fazer uma lavagem cerebral em mim, digamos assim, durante
anos, sobre o meu posto na vida de Allison e Harvey, que ela tenha traído o
meu pai, e isso tenha me gerado um rancor enorme quanto a ela, Susan
ainda é minha mãe, e eu ainda sinto afeto por ela.
Claro que eu sinto, é impossível não sentir.
— O que foi? — digo, cruzando as mãos após me sentar ao seu
lado.
Ela aponta na direção do corte que há na lateral do meu rosto.
— Onde você conseguiu esse corte?
Meus dedos tocam o corte levemente, e eu viro o rosto.
— Na academia — minto. — Nada demais. Já, já deve cicatrizar.
Minha mãe me olha desconfiada, e eu sei que coisa boa não vem aí.
Me preparo para o seu interrogatório de forma ansiosa, a ponto de que meu
estômago embrulha, e um suor fino desce por minha têmpora.
— E o olho roxo de um mês atrás, foi na academia também?
Não a respondo, apenas assinto ao dar um gole seco, fazendo com
que o pomo-de-adão suba e desça, pois eu não lembro do que eu havia
contado a ela quando apareci com um hematoma da última luta.
— Pensava que tinha sido no jogo das quartas de finais.
— Eu não... — tento começar a me explicar, mas ela me interrompe,
ao erguer a mão.
— Eu vou te perguntar de novo, onde você conseguiu esse corte,
Greyson? — Seu tom agora é seco e acusatório.
Minha mãe olha diretamente nos meus olhos, e eu sinto o fogo
saindo deles.
— Academia — insisto.
Ela abaixa a cabeça, e então ouço um riso, mas não é como se ela
estivesse achando graça de algo.
Observo todos os seus movimentos. Primeiro, ela respira fundo e
ergue a cabeça, olhando para cima, em sequência, seus lábios se franzem, e
ela volta a olhar para frente, balançando a cabeça levemente. Uma de suas
mãos é erguida e toca sua boca, enquanto ela fica pensativa, depois a mão
livre encontra o celular em cima da bancada da cozinha, e ela desliza o dedo
sobre a tela.
Meu peito se aperta, e minha respiração falha no instante em que ela
põe o celular de volta sobre a pedra branca de mármore e empurra o celular
para mim.
— O seu pai sabe sobre isso? — é a primeira coisa que ela pergunta.
É impossível me controlar quando eu a escuto dizer isso com tanta
insignificância. Trinco os dentes, e minha perna começa a balançar
rapidamente.
— Não o envolva nisso.
— Não vou — é tudo que ela diz por agora.
Ela pega o celular novamente e bloqueia a tela, fazendo com que a
imagem da luta de ontem desapareça da minha frente.
— Mas imagina eu estar em uma viagem com meu marido e
precisar voltar para casa às pressas, preocupada com o seu estado, porque
nessa idade, você decidiu se envolver em lutas clandestinas.
— Quem te mandou isso? — Aponto para o celular com o queixo.
— Não interessa quem mandou.
Abaixo a cabeça para respirar fundo.
— Onde você quer chegar, afinal de contas, mãe?
— Primeiro, eu quero saber o porquê de você estar fazendo isso.
Sacudo a cabeça, e meus ombros caem. Sem resposta.
— Você não sabe? É tudo o que eu mereço como resposta?
Minha perna volta a balançar, e minha mãe começa a tamborilar os
dedos sobre a superfície de mármore. Ela respira fundo e audivelmente.
— Eu sei que eu não sou a melhor mãe do mundo, tá legal? — Olho
de relance para ela, quando a ouço soltar uma risada infeliz. — Eu sei que
eu nunca fui do tipo que chega e pergunta o que você fez, como foi seu dia
ou como você está. Mas você lembra quem trabalhava horas e horas por dia,
e muitas vezes estendia até a noite, para conseguir colocar você em uma
escola boa e te manter na escolinha de futebol?
— Mas eu nunca te pedi nada disso — digo simplesmente.
Minha mãe me olha, chocada. Até consigo ver um lampejo de
tristeza em seus olhos.
— Desculpa — peço, mesmo que pareça forçado.
— Tudo bem. — Ela ri e funga, para impedir as lágrimas de caírem.
— Você realmente nunca pediu, mas eu sou sua mãe e eu sabia do que você
gostava quando era criança, e eu só queria te ver feliz.
— Queria mesmo?! — pergunto, porque por mais que o assunto seja
outro nesse momento, não consigo não lembrar das vezes em que ela me
pressionou para me manter longe de Allison.
— Não vamos falar sobre isso agora, Greyson — me repreende,
entendendo o que estou falando. — Quero que fique bem claro que ontem,
foi a sua última luta.
Neste instante, é minha vez de levantar a cabeça e olhar para ela,
chocado.
— Você não me disse o motivo da luta, e se não há motivos, não há
porque continuar também — explica.
— Sou maior de idade — esse é o meu argumento, e é claro que ela
ri.
— Uma grande merda, não é? Ser maior de idade? Por acaso foi a
sua idade que te deu uma bolsa de estudos em uma das melhores
universidades do país? Você vai dizer que é maior de idade quando seu
treinador, reitor ou a comissão esportiva universitária descobrir o que faz e
lhe expulsarem do time?
— Isso não vai acontecer — digo com firmeza.
— Claro que não vai, porque você não vai fazer mais. — Me
preparo para responder, e como sempre, ela é mais rápida. — Estou falando
sério, você não vai perder sua bolsa de estudos pelo futebol por conta de
uma luta idiota.
— Não é como se eu fosse parar de estudar por isso, é? — desafio-a.
Minha mãe dispara os olhos em minha direção.
— O que você quer dizer com isso?
— Nada. — Dou de ombros e me levanto da banqueta, indo em
direção à máquina de café. — Apenas que você conseguiu um marido rico
para isso ou estou errado?
— É sério que você pensa isso de mim?
Fico em silêncio e começo a preparar o café puro, do jeito que
Allison gosta.
— Tudo bem, já vi que essa nossa conversa não vai ter um fim
muito bom, porque você vai tentar me atacar — ela começa a dizer, mas eu
não me viro em sua direção, apenas escuto. — E você pode até não
acreditar quando eu digo que eu amo o Harvey, se não amasse, não estaria
com ele durante todo esse tempo.
Certo, agora eu a olho, porém por cima do ombro, erguendo uma
sobrancelha para ela. Minha mãe me fita com raiva.
— Eu o amo.
— Eu não estou dizendo nada — murmuro.
— Mas está pensando.
Minha cabeça pende para o lado, vejo que o café está próximo de
ficar pronto e pego uma caneca no armário.
— Desde quando você toma café pela manhã? — minha mãe
pergunta.
Minha língua se afia para dar uma resposta a ela, contudo, somos
interrompidos quando Allison adentra a cozinha, através da porta do
quintal. Eu automaticamente arregalo os olhos, olhando em sua direção,
tentando imaginar como ela fez isso.
— Bom dia — ela nos cumprimenta e olha diretamente para minha
mãe. — Meu pai voltou também?
Me viro e vejo minha mãe balançar a cabeça.
— Onde você estava? — ela pergunta à Allison. — Cheguei, seu
carro estava na garagem, a porta do seu quarto aberta, mas nada de você.
— Dormi na Heaven — ela mente em um sorriso faceiro, e só então
noto o quão suada ela está, parecendo que acabou de correr uma maratona.
Me viro de volta para o armário e pego outra caneca, quando a
cafeteira avisa que o café está pronto, servindo as duas, em seguida, estendo
uma na direção de Allison e faço a mesma pergunta que tenho feito todas as
manhãs na última semana:
— Café?
— Claro. — Ela aceita com um sorriso e toma um gole.
Cubro minha boca com a caneca e também tomo um pouco do
líquido quente. Allison pisca para mim, depois olha na direção da minha
mãe e aponta para fora da cozinha, indicando que está saindo.
Noto que minha mãe estreita os olhos, olhando entre mim e Allison,
claramente desconfiada, porém, acaba sorrindo quando Allie sai da cozinha.
— Certeza de que ela estava na Heaven? — ela me pergunta.
— Foi o que ela disse. — Meus ombros se erguem e depois caem,
quando dou outro gole no café e deixo o restante na pia.
Quando começo a sair da cozinha, Susan me chama.
— Aonde você vai?
— Meu pai — digo, e ela revira os olhos, como sempre.
— Não esquece o que eu te disse — grita, quando eu já estou fora
da cozinha.
Pegando o celular no meu bolso, volto em direção ao porão e mando
uma mensagem para Allie.
Eu: Me encontra na praia em uma hora?
A resposta não demora muito.
Allie: OK.
Não menti para minha mãe quando disse que ia até meu pai, afinal,
preciso seguir com o plano de pagar as suas contas e fazer compras. Porém,
o tempo é suficiente para depois encontrar Allison na praia, e também,
Susan não precisa saber de todos os meus passos.
Seu corpo treme assustado quando eu me sento atrás dela,
abraçando-a.
— Coloca uma arma na minha cabeça na próxima, se for para me
matar.
— Jamais te mataria, Allie-run.
Ela faz um biquinho, e eu beijo seu pescoço.
— Desculpa pelo atraso, aconteceram alguns imprevistos.
Não minto para ela, pois o sistema de pagamento de contas que tem
ao lado do supermercado estava com problemas, e isso acabou me
atrasando.
— Você avisou — ela me lembra, já que eu havia mandado uma
mensagem.
— Mesmo assim. — Dessa vez, quem faz um biquinho sou eu.
— Isso não combina com você. — Ela ri, e eu faço a careta,
imitando-a quando está concentrada.
Sinto meu abdômen arder, quando Allison me dá uma cotovelada, e
solto um assobio fino.
— O que tem de pequena, tem de forte — sibilo.
Ela faz pouco caso e volta a olhar pro mar, eu a acompanho.
O som das ondas é tranquilo, e a brisa do mar faz com que todo o
estresse vá embora, além de claro, estar assim com Allison.
Eu poderia dizer que eu esperava agir feito um estranho entorno
dela, uma vez que isso é algo completamente novo, tanto para mim quanto
para ela. Contudo, é tudo tão natural, que não precisa ser estranho.
É como se algo bem lá no fundo me dissesse que está tudo tão certo,
que eu não preciso ter pressa de nada.
Sei que são poucos dias, na realidade, poucas horas, que estamos
juntos. Estamos juntos, não estamos? Pelo menos, eu acho que sim, então
vou considerar que sim.
De toda forma, é realmente um tempo curto, entretanto, tudo em
mim grita que é certo, desde a maneira como meu coração bate
tranquilamente, junto à minha respiração calma, até os sorrisos bobos que
acabo soltando apenas por estar abraçado com ela e me sentindo tão
confortável, que não preciso de uma conversa só para dizer que estou
próximo a ela.
E o jeito como Allison age, me diz que ela sente exatamente a
mesma coisa que eu.
Ela vira seu rosto minimamente, vejo que ela está me olhando, e sua
boca faz um biquinho, então viro meu também e acabo dando um selinho
nela, que no final, solta um risinho, e eu a beijo outra vez.
— Sabe uma coisa que eu estava pensando? — lembro
repentinamente.
— O que? — ela pergunta, curiosa.
— Como você saiu do porão e entrou pela porta do quintal sem ser
vista?
Allie demora um pouco para responder, quando abaixa a cabeça,
como se estivesse se preparando para falar algo importante. Então ela
confessa:
— Eu subi poucos segundos depois de você. — Eu a olho sem
entender, já que sua resposta não me explica exatamente o que ela fez. —
Então eu escutei toda a discussão de vocês — assume.
Volto a olhar para frente e anuo.
— Inclusive a parte em que você disse que ela casou com meu pai
por interesse.
Eu engulo em seco, me concentrando para não falar nada e continuo
observando as ondas do mar.
— Então, quando você levantou e foi fazer o café, eu corri para a
porta da frente, saí, dei a volta e entrei pelo quintal.
Meu cenho se franze, imaginando a cena.
— Você é bem rápida — elogio.
A cabeça de Allie se move quando ela concorda, e ela volta a olhar
para frente também.
— Você realmente acha que ela se casou por interesse?
— Não sei — confesso. — Ela disse que o amava, mas ela também
amava o meu pai, e sei que amor nunca foi o suficiente para ela.
Me calo, e nós dois ficamos em silêncio por um tempo, parece que
por esse instante, voltamos a ser o Grey e Allie do dia em que se
conheceram, e sinto meu coração se completar, pois naquele dia, foi a
primeira vez em que eu conversei com alguém tão abertamente sobre minha
vida.
Deixei de lado o Grey bobalhão que todo mundo conhece e coloquei
meus sentimentos à risca — assim como fiz com o Joey durante tanto
tempo, mas agora estou fazendo com ela —, pois tudo o que escrevi
naquele caderno, sempre foi tudo o que eu quis falar a ela.
O silêncio ronda entre nós dois novamente, até Allison voltar a falar.
— Eu nunca soube o real motivo do meu pai se casar com ela. —
Ela hesita por um momento, como se o que tivesse acabado de falar fosse
besteira, então eu passo as mãos em seus cabelos, prendendo-os para trás.
— É que foi tudo tão de repente, não sei explicar bem, mas eu lembro de
dizer que ele deveria seguir em frente, afinal, era o que minha mãe queria
para nós dois, e ela sempre dizia isso, caso chegasse a morrer. Ela nunca
romantizou a doença dela — Allison fala tristemente.
— Como assim? — indago.
— Ela confiava que poderia melhorar, mas também sabia que suas
chances não eram as maiores, então com o tempo, ela passou a sobreviver
com a doença, e quando isso aconteceu, ela nos disse que no dia em que ela
partisse, não deveríamos ficar nos martirizando e parando as nossas vidas.
Foi por isso que um dia, enquanto meu pai chorava durante o jantar, eu
perguntei porque ele não saía para conhecer novas pessoas. — Nossos
olhares se encontram, e posso enxergar nos olhos de Allison um pedido de
desculpas sutil, assim como nos meus. — Então eu realmente não sei se ele
chegou a casar por amor ou apenas porque se sentiu pressionado a seguir
em frente, tanto pelo fantasma da minha mãe, como por eu dizer para ele
seguir em frente.
Assinto com a cabeça, entendendo onde ela quer chegar.
— Então você acha que ele se casou com a primeira mulher que viu
na sua frente?
Allie pende a cabeça para o lado, cogitando a ideia. E eu rio.
— Já que é assim, por que você não casa comigo? — proponho.
— Nossa, como você é engraçado. Hahaha. — Ri falsamente.
Dou um beijo em seu pescoço e volto a abraçá-la. Mal sabe ela que
eu estou falando sério, foda-se se é cedo demais, se ela tivesse dito aceito
agora, eu não custaria muito para pedir ao pastor Tanner para nos casar,
então assim, nós chocaríamos todos ao nosso redor.
Admito que isso seria muito engraçado e até rio ao imaginar a
situação.
— Do que está rindo? — ela pergunta.
— Nada demais. — Sorrio em resposta. — Seria muito egoísmo da
minha parte se eu quisesse que realmente minha mãe tivesse casado com
seu pai por interesse, e ele com ela apenas porque foi a primeira mulher que
viu na frente dele?
Allie fica pensativa, voltando a franzir seu o rosto, e eu fico
admirando, achando fofo mais uma vez, até que ela balança a cabeça em
negativa.
— Não — admite. — Isso seria ótimo para nós, na realidade.
— Seria, não seria?
Ela concorda, balançando a cabeça.
— Mas deixa eu te dizer uma coisa — ela diz, e eu murmuro,
pedindo para ela continuar. — Eu concordo com sua mãe.
— Do nada isso? — pergunto, assustado.
— Calma. — Ri. — Sobre a questão das lutas, eu concordo com sua
mãe, e se alguém importante descobrir, realmente vai valer a pena
continuar, só porque você “gosta”? — Ela não deixa de fazer as aspas com
as mãos.
Ontem, eu me convenci que deveria contar a verdade sobre a luta aà
Allison, contudo, o assunto morreu quando passamos a falar sobre o Joey.
Penso na possibilidade de falar sobre agora, só que deixo quieto, apenas
concordando com a cabeça.
— Ninguém vai descobrir nada, relaxa — peço.
— Grey... — ela chama, preocupada.
— Sério, ninguém vai descobrir porque eu parei a partir de ontem.
— Você está falando sério? — O azul cristalino dos olhos de Allie
se ilumina.
Concordo outra vez, e um sorriso largo toma conta dos seus lábios.
— Parei mesmo. Não pela bolsa ou por minha mãe — confesso.
— Por que então?
— Porque eu não quero mais ver você se afastando de mim como
fez ontem.
O biquinho volta para os lábios de Allie, e isso acaba tirando a
minha atenção, ela fala algo sobre as lutas, porém, eu acabo viajando,
pensando em beijá-la.
— Grey — ela grita.
Dou um pulo, me assustando.
— Sim.
— Você tá viajando de novo.
— É porque você tirou minha atenção — revelo.
— Você escutou algo do que eu disse? — Nego. — Eu estava
dizendo que eu não me afastei pela luta em si, e sim pelo motivo. Mas se
você quisesse continuar porque gosta, tudo bem. Contudo, se sua mãe
descobriu, o que impede do treinador descobrir?
Ela fala, eu escuto, mas minha atenção está totalmente voltada para
a sua boca. Talvez seja por isso que eu a escuto, apenas porque meu
hiperfoco decidiu se concentrar nela.
— Você não prestou atenção de novo, não é?!
— Me deixa te beijar, por favor — peço.
Allie franze os lábios, e antes que ela possa responder um sim,
porque eu sei que sua resposta será um sim, eu a beijo, ela se entrega a
mim, e eu me sinto satisfeito.
Segredos que tenho mantido em meu coração
São mais difíceis de esconder do que pensei
Talvez eu só queira ser seu
I WANNA BE YOURS | ARCTIC MONKEYS

Já faz um pouco mais de duas semanas que estamos “juntos?”. Não


dissemos nada aos nossos amigos, mas óbvio que eles sabem, enquanto os
nossos pais não fazem a mínima ideia de que tudo isso está acontecendo.
Os beijos de Grey descem por meu pescoço, mas não da forma
como ele tem feito nas últimas semanas sempre que conseguimos um tempo
para ficarmos, entre as aulas, estudos e os treinos de Grey com o time, na
maior parte das vezes ficamos na república, em seu quarto, onde tem mais
privacidade e é bem maior do que o meu no dormitório, uma vez também
que em casa temos que fingir que nada está acontecendo, quando na
realidade quase tudo acontece ao ficarmos à sós.
Grey passa para a lateral do meu do pescoço e segue até a orelha,
volta pela mandíbula e nos beijamos novamente. Dessa vez, ele desce indo
em direção ao centro dos meus peitos, eu respiro fundo, empinando-os, e
isso parece ser um incentivo para ele, quando a sua mão que agarra a minha
cocha se aperta em minha pele.
Minhas pernas passam a tremer quando sua outra mão encontra a
bainha da minha blusa, e as pontas dos seus dedos acariciam a pele da
minha barriga, que parece prestes a explodir, com tantas borboletas voando
dentro dela. De repente, eu fico tonta, procuro me apoiar em algo e demoro
para entender que já estou deitada na cama.
A respiração se torna cada vez mais irregular, então eu apoio minhas
mãos sobre o colchão e ergo o quadril, fazendo com que Grey saia de cima
mim, ao empurrá-lo.
— Aconteceu algo? — Grey pergunta, preocupado, quando eu pulo
para fora da cama.
Giro os pés, ficando de frente para ele, meu rosto esquenta, e eu não
sei ao certo se é pelo que estava prestes a acontecer ou porque eu estou com
vergonha. Porém, posso afirmar que estou morrendo de calor, isso é certo.
Grey tem o cenho franzido, em dúvida, parecendo atônito, sem entender
nada.
— Estou apertada — é tudo o que digo, correndo para o banheiro.
Essa é a segunda vez que eu paro no seu quarto na república. Da
última vez, não seguimos em frente com tanto fervor porque eu precisava
estudar para uma prova, e ele fazer um projeto de um aplicativo, e quando
íamos começar a nos pegar, Elliot e Colin adentraram o quarto,
atrapalhando qualquer coisa que pudesse acontecer.
O problema é que hoje, Grey se preparou a ponto de deixar as luzes
do seu quarto apagadas e a porta trancada, para que ninguém invadisse. Não
posso dizer de certeza que deu certo, mas contando com o fato de que já
estamos sozinhos há quase uma hora, eu posso imaginar que talvez tenha
dado. Ou os garotos apenas estão ocupados com seus próprios negócios.
Nas demais vezes em que ficamos sozinhos, é no meu dormitório, e
como eu divido o local com a Heaven, acaba que também não vamos tão
em frente assim. Portanto sim, essa foi a primeira vez que as coisas
esquentaram de verdade, e eu ainda não tive a oportunidade de chegar nele
e dizer: “então, gato, acontece que eu sou virgem, por isso, vamos com
calma.”
— Gato, sério?! — minha mente, com a voz da minha mãe, zomba
de mim.
Eu olho para cima quando ligo a luz do banheiro e em seguida,
balanço a cabeça. Eu só posso estar alucinando ultimamente, para estar
escutando-a direto, até porque eu nem fui visitá-la nos últimos dias.
Prendo meus cabelos num coque e ligo a torneira da pia, a fim de
molhar meu pescoço e esfriar um pouco.
Encaro meu reflexo no espelho, visualizando meu rosto
completamente vermelho, minhas bochechas ardem, e eu passo um pouco
mais de água.
Passo alguns minutos assim, até sentir que estou quase pálida outra
vez. Isso é ridículo, eu poderia apenas conversar com ele sobre minha
insegurança e dizer que sei o que é sexo, porém que nunca fiz. Não seria
preciso eu sair empurrando-o e fugir para o banheiro para me esconder.
Duas batidas na porta fazem com que eu pare de pensar tanto, e
Grey me chama.
— Está tudo bem aí? — ele pergunta.
Desligo a torneira e abro a porta. Os olhos de Grey estão carregados
de empatia, mas principalmente de preocupação, seus ombros estão tensos,
e ele dá um passo para trás quando eu saio do banheiro.
— O que aconteceu? — é a primeira coisa que ele pergunta, quando
eu fecho a porta e ainda continuo grudada nela.
— Nada demais, eu só precisava vir no banheiro. — Desvio dele e
passo a caminhar, indo em direção à cama.
Sou pega de surpresa assim que Grey pega a minha mão e me puxa,
seu dedo indicador pega meu queixo delicadamente e o ergue, fazendo com
que olhemos um para o outro.
— Você fugiu, Allie.
Nego com a cabeça, enquanto ele anui.
— Fugiu sim. — Ele sorri delicadamente, e sua mão adorna a lateral
do meu rosto. — Eu fiz algo errado, te machuquei ou algo do tipo?
— Você não fez nada. — Minha voz sai aos fragalhos.
— E o que foi, então? — ele insiste, curioso.
Abaixo a cabeça, começando a sentir vergonha de mim e dos meus
pensamentos idiotas, e solto um riso anasalado e fraco. Me desfaço do
aperto de Grey e caminho até a escrivaninha do seu quarto, me sentando na
cadeira, subo minhas pernas, abraçando-as.
— Eu tenho medo.
— Medo de quê? — Ele ainda parece absorto sobre onde eu quero
chegar.
— Você e eu — murmuro, quase inaudível.
Grey se aproxima e se ajoelha de frente para mim.
— Certo... — Ele limpa a garganta. — Você vai precisar me explicar
melhor, por que você teria medo de acontecer algo entre a gente? — Ele
estreita os olhos, ainda em confusão.
Minha garganta arde, e eu engulo em seco, meu coração bate de
forma errática.
— O que eu vou falar pode parecer besteira, mas para mim é sério
— digo, insegura.
— Você está me deixando com medo, Allie. — Olho em seus olhos,
e ele parece genuinamente receoso. Entretanto, não tanto quanto eu.
Respirando fundo, conto até dez e falo a verdade:
— Tenho medo de que eu possa fazer algo errado e você não gostar,
e isso estragar qualquer coisa entre nós.
Os lábios de Grey se transformam em uma linha fina, e eu sei que
ele quer rir, porque a covinha da sua bochecha fica aparente, eu faço uma
careta, repreendendo-o.
— Não ri, por favor.
— Não vou, juro. — Ele levanta as mãos em rendição e não deixa
de erguer os cantos da boca. — Me desculpa, Allie, mas isso é realmente
ridículo — ele diz calmamente. — Eu nunca iria me decepcionar com você.
— Isso é o que você diz.
— É o que eu tenho certeza.
— Você tem experiência sobre esse assunto, Grey, então é óbvio que
não vai ser a mesma coisa.
Ele fixa seu olhar em mim, confuso.
— Olha, eu sei que eu errei nas minhas escolhas sobre as outras
pessoas com quem eu fiquei, incluindo quando fiquei com homens. Mas eu
não sabia que isso seria um tópico entre nós. E até mesmo te dou razão,
caso isso seja sobre ciúmes, afinal, eu fui um idiota quando você estava
com o Colin, e tudo mais... — ele fala rapidamente, entrando em um
assunto que não tem nada a ver.
Balanço a cabeça e faço um gesto para que ele pare.
— Eu não estou me incomodando com quem você ficou, isso é
passado. Eu estou apenas com receio de não ser o suficiente nisso...
Deixo as palavras morrerem, e outra vez, Grey parece não entender,
e eu tenho a certeza de que ele realmente não está centrado no assunto,
quando ele pergunta:
— Nisso o quê, Allie?
— Sexo — respondo, como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Ah — é tudo que ele responde, quando seus ombros relaxam.
Grey balança a cabeça, parecendo olhar para o nada, na realidade,
eu sei que ele está pensando para não falar nenhuma besteira, já que ele me
confessou que às vezes precisa ficar calado para colocar seus pensamentos
em ordem antes de falar. Portanto, eu também fico em silêncio, esperando
que ele consiga reagir.
— Certo... — diz hesitante, ao engolir em seco. — Você tem medo
de fazer algo errado no sexo.
— Sim — confesso, sentindo meu rosto esquentar, dessa vez de
vergonha.
— Por que mesmo? — ele pergunta no mesmo instante em que eu
me calo.
Se eu não conhecesse Grey tão bem, poderia dizer que ele está
tirando sarro da minha cara, no entanto, na verdade, ele permanece confuso.
— Porque eu sou virgem, bobão — respondo, já sem paciência.
Os olhos de Grey faltam pular para fora quando ele os arregala, e
pela primeira vez desde que demos início à conversa, ele não está alheio ou
sequer pensando em algo, mas sim, surpreso. Grey está genuinamente
surpreso, como se estivesse sabendo disso pela primeira vez.
Então, nesse momento, quem parece totalmente desorientada, sou
eu.
— Espera, você não sabia? — pergunto, e Grey nega com a cabeça.
Seus olhos relaxam, e seu corpo volta a ficar tenso.
— Eu pensava que... — Seu pomo-de-adão sobe e desce. — Você
tem certeza disso?
— Claro que tenho. — Solto minhas pernas e me sento
normalmente. — Até onde eu saiba, nunca transei com ninguém.
— Mas e os caras com quem você já ficou? — Nego novamente, e
ele assente.
— Não é como se eu tivesse saído beijando todos os caras que vi
pela frente. — Minhas bochechas ardem outra vez.
— E o golfinho?
Ok, dessa vez quem acaba rindo, sou eu.
— O que tem ele?
— Você já...? — Ele faz um gesto como se estivesse pegando um
pau em sua mão e ergue para cima. — Você sabe, colocou lá dentro.
Tinha como isso ficar mais vergonhoso? Bom, acredito que não. Por
isso acabo rindo da situação, eu deveria apenas dizer a ele que eu me sinto
insegura de ele não gostar, e de repente descubro que, na realidade, Grey
não fazia a mínima ideia da minha virgindade e ainda me vem com o
assunto do golfinho.
— Claro que não.
— Mas você disse que ele era seu pau amigo.
— Eu sinceramente ainda não sei porque te disse isso e agora estou
morrendo de vergonha — confesso. — Mas não é como se eu fosse uma
pessoa que não conhece o próprio o corpo, mesmo sendo virgem, eu sei
meus pontos... — engulo em seco — sensíveis.
— Então quer dizer que você nunca fez nada com ninguém, a não
ser com o golfinho? — A sobrancelha de Grey se ergue, sugestivamente.
Afirmo, ao balançar a cabeça. — Mas você quer fazer algo?
— Morrer virgem é que eu não quero. — Meu nariz se franze em
uma careta. e Grey ri. — Não ri — brigo, e ele para. — Mas como eu já te
disse, eu tenho medo de...
— Você não vai me decepcionar, Allie — ele me interrompe. —
Existem duas coisas impossíveis no mundo, uma delas é voltar no tempo, e
a outra é você me decepcionar. Se eu fiquei duro apenas com o fato de ver
sua bunda empinada, imagina quando... — Ele limpa a garganta. — Te ver
nua por cima de mim.
Meus olhos arregalam, minha boca se abre, e as bochechas
esquentam ainda mais.
— Grey — repreendo-o, e ele dá de ombros.
— Não é como se eu não soubesse como você é capaz de me
provocar, afinal, naquele dia você conseguiu com êxito, imagina só...
— Grey — repreendo novamente.
— Tudo bem, parei. — Ele se levanta. — Por que não assistimos
alguma coisa?
— Você quis dizer por que não assistimos Friends? — Eu me
levanto, quando ele pega o computador em cima da escrivaninha e segue
para a cama.
— Ou deixamos a série rolando enquanto nos pegamos. — Me olha
por cima do ombro.
— Você disse que ia parar.
— E parei, mas se você quiser continuar... — Ele pula na cama, e eu
o sigo, porém fico de joelhos e só depois me ponho ao seu lado.
— Nós podemos ir devagar, certo?
Grey abre o computador e coloca no streaming, entretanto eu
permaneço fixa nele, observando o canto da sua boca se erguer em um
sorrisinho.
— Claro que sim. — Ele anui.
— Tudo bem — concordo e me sento ao seu lado.
Ele põe o computador entre nós dois, e eu me ergo, apenas para dar
play no episódio.
— Mas só para deixar claro, na hora em que você se levantou, talvez
eu fosse apenas te chupar. — Minha respiração falha novamente, e eu olho
para ele de canto de olho. — Mas nós vamos devagar, porque você vai me
mostrar todos os seus pontos sensíveis.
— O que você quer dizer com isso?
— A série começou — é tudo que ele diz, quando aponta para o
computador com o queixo.
O centro entre as minhas pernas palpita de repente, só de imaginar o
que ele está planejando, se é que está planejando algo.
Eu serei honesta
Olhar pra você me faz pensar bobagem
Meu estômago fica dando piruetas quando você chega
E quando você está com seus braços em volta de mim
Oh, é um sentimento tão bom que tive que pular uma oitava
NONSENSE | SABRINA CARPENTER

— Eu preciso que vocês sejam sinceras comigo agora — peço.


— Primeiro, bebe a sua dose. — Heaven empurra a tequila no meu
peito.
É sexta-feira à noite, e ela simplesmente decidiu que queria um vale
night do Axel, e fez com que eu, Sadie, Lynnox, Valerie, Wes e até mesmo a
Amber — ficante da Valerie —, saíssemos do campus e viéssemos até Stone
Bay, para bebermos no quintal da sua casa. E bom, aqui estamos nós.
Faço o que Heaven mandou e coloco uma pitada de sal no dorso da
mão, o lambo e em seguida viro o shot de bebida na boca, chupando uma
banda de limão. O líquido quente desce ardendo por minha garganta, e eu
faço uma careta, me arrepiando inteira até o momento em que o álcool bate
em meu estômago.
— Essa foi forte — observa Wes.
— Faz tempo que eu não tomo tequila.
— A última vez que ela fez isso, acabou tropeçando no Kane e o
beijou. — Heaven ri, recordando de uma das noites em que eu passei a
minha maior vergonha.
Eu nunca havia bebido muito antes, o máximo eram algumas
cervejas ou drinks, mas era a segunda-feira da tequila no Jenkins — bar que
fica próximo ao campus e que a maioria dos estudantes gosta de frequentar
quando não tem nenhuma luta, corrida ou jogo acontecendo. E bom, eu
passei do ponto na tequila, dancei em cima da mesa e cai, literalmente, eu
cai com a boca colada na de Kane. E claro que eu chorei para caramba, por
conta da vergonha e também porque estava bêbada demais.
Aquela também foi uma das noites em que eu me senti totalmente
confusa no dia posterior, pois lembro vagamente de Grey me acompanhando
até o dormitório e ainda me colocando na cama, tirando meus sapatos,
enquanto me ouvia murmurar algo. Tudo ficou apenas nas lembranças
mesmo, porque cerca de um ano atrás, o Grey não era o mesmo de hoje, e
óbvio que ele ignorou que aquilo havia acontecido e seguiu em frente.
Contudo, a vergonha de ter beijado o Kane ainda me perturba.
— Você beijou o Kane? — pergunta Lynnox, curiosa, se não fosse a
sua expressão de nojo, pelo tom de voz fino, eu, com certeza poderia pensar
que ela está com ciúmes.
— Não exatamente. — Reviro os olhos, sentindo meu rosto arder.
— Ela tropeçou — explica Heaven, que também estava presente
naquela noite.
— De boca nele, literalmente. — Wes se contorce, rindo e
lembrando da cena pavorosa, a luz da fogueira do jardim iluminando sua
pele negra clara.
Eu pego uma tortilha e jogo nele.
— Que nojo — Lynnox diz, com repulsa.
— Quem desdenha quer chupar, hein — Valerie, que é melhor amiga
de Lynnox, diz, antes de tomar o seu shot, que por sua vez, recebe como
resposta de Lynnox o dedo do meio. A ruiva devolve, antes de entregar o
copinho à Amber. — Bebe um pouco, bebê.
— Bebê?! — indago, curiosa com o apelido.
— Sim, ela tem a maior carinha de bebê, não?
— Não tenho nada. — Amber fecha a cara, e Valerie aproveita para
dar um selinho nela.
— Ela está apaixonada — Sadie sussurra.
— As ruivas e seus poderes de se apaixonarem por filhos de pastores
virgens — Wes diz, rindo de novo, e agora recebe um cutucão de Sadie.
— O Elliot não era virgem quando eu me apaixonei — ela defende o
namorado.
— Verdade, só causou um ataque cardíaco na mãe quando ela o
pegou transando com duas garotas e depois disso, fez um voto de castidade
— Heaven diz, levantando a garrafa de tequila ao alto.
Antes que Sadie possa responder a observação feita por minha
colega de quarto, eu interrompo as duas — melhor dizendo, todos eles —,
porque senão, o assunto não vai retornar ao ponto inicial, e começará uma
confusão generalizada entre todas.
— Falando em virgindade. — Subo meu tom de voz e ouço outra
piadinha de Wes, que com certeza é o mais bêbado entre nós sete.
Dessa vez, quem ergue o dedo do meio sou, e ele dá de ombros,
antes de se recostar na espreguiçadeira onde ele está com o corpo esticado.
Tenho a atenção de todos os meus amigos e outra vez começo a sentir as
maçãs do meu rosto esquentarem, com um pouco de vergonha, pergunto:
— Como vocês souberam que era a hora certa dos finalmentes?
— Como assim? — Amber inquere, se inclinando para frente e
amarrando seus fios loiros no alto da cabeça.
— Você sabe... — Limpo a garganta, ao coçá-la.
Todos eles me olham como se eu fosse um alienígena ou algo do
tipo, minha perna começa a balançar, então eu pego a garrafa de tequila da
mão de Heaven e me sirvo de uma dose, repito o processo de tomar a bebida
com sal e limão. Um dia alguém me disse, acredito que tenha sido o Elliot,
que o álcool faz com que a gente tenha mais coragem para algumas coisas.
Bom, no meu caso, o álcool só me deixa com mais vergonha, pelo
menos até agora.
— Como eu sei que é hora a certa de transar com meu “parceiro”? —
Faço aspas com a mão.
Um longo canto de “ah” reverbera entre todos eles, e minha pele
esquenta novamente, por isso começo a me servir de mais uma dose.
Quando viro a cabeça e retorno, não sinto minha garganta arder tanto
como da primeira vez, contudo, no instante em que eu abro meus olhos,
posso jurar que Sadie tem três cabeças, e todas elas estão girando.
Fecho os olhos com força outra vez e em seguida abro, voltando a ter
a minha visão quase normal.
— Eu nunca precisei disso — confessa Valerie. — Se eu tiver com
tesão suficiente, vou lá e transo. — Ela dá de ombros.
— Também — Wes diz. — Mas claro, se a outra pessoa estiver a fim
também.
— Antes eu fazia porque queria ter controle sobre algo e eu pensava
que teria se transasse com qualquer um — Sadie confessa.
Ficamos em silêncio, absorvendo as suas palavras, porém, logo é a
vez de Heaven falar.
— Minha primeira vez com o Axel foi porque eu estava com ódio
dele.
— Eu transei pela primeira vez por ódio também, não recomendo —
Lynnox diz, tirando a garrafa de perto de mim, quando estou começando a
me servir mais uma dose. — Vai com calma, anãzinha.
Devo me lembrar de um dia matar o Wes por me chamar assim, e
todo mundo querer também.
— Então quer dizer que eu preciso ter raiva pra transar? — pergunto,
confusa.
— Você é virgem por acaso? — Valerie pergunta, e no momento em
que eu olho para ela, levanto as sobrancelhas. — Ah, tá! Sinceramente, eu
não sei o que te dizer.
— Nem eu — todos os outros dizem ao mesmo tempo, a não ser por
Heaven.
— Quando perdi minha virgindade com o Drew foi porque estava
apaixonada. — Minha cabeça se vira na direção da minha amiga, e eu franzo
o cenho. Ela joga os ombros para trás. — Ele me iludiu certinho na época.
Não respondo nada, porém meus pensamentos continuam altos, ao
pensar que ainda bem que acabou. Apesar de ter acabado de uma maneira
triste, não posso imaginar o que teria sido dela se tivesse continuado naquele
relacionamento por mais tempo.
— Veja o lado positivo, você vai fazer com alguém por quem sempre
esteve apaixonada, então quando for pra ser, você vai saber — Sadie
aconselha.
— É, enquanto isso, brinca um pouco com ele — Lynnox reitera. —
Põe uma mão aqui, outra ali, deixa ele te chupar um pouco. — Ela sobe as
sobrancelhas duas vezes, e agora eu que sou obrigada a tomar a garrafa dela,
e tomar mais uma dose, dessa vez, sem a companhia do sal, apenas o limão é
o suficiente.

Cubro minha boca quando sinto o arroto prestes a sair, então o


engulo, sentindo todo o sabor do agave misturado com álcool destilado e um
toque cítrico de laranja, mas também o sabor azedo do limão.
— Obrigada, tio — agradeço, abrindo a porta do carro.
— Tem certeza de que não quer ajuda para entrar em casa? —
Magnus, o pai de Heaven, oferece.
Depois de mais de quatro horas de conversa fiada sobre homens,
faculdade, roupas e muita tequila e tortilhas, Magnus e Reese decidiram que
era hora da gente parar de beber, então resolveram que nos deixariam em
casa, ao invés de pedir Uber, com exceção de Lynnox, que foi dormir na
Sadie, e Valerie e Amber, uma vez que a segunda não bebeu e estava apta a
dirigir, as duas retornaram para o loft de Valerie, que fica próximo ao
campus.
— Sim, tenho certeza — digo, deixando a porta escapar dos meus
dedos e batendo-a com força. — Desculpa — murmuro, mordendo o lábio
inferior.
— Vai lá, querida, a gente espera você entrar em casa daqui —
Reese, mãe da minha melhor amiga, diz em um sorriso caloroso.
Anuo, concordando e giro meus pés, dou dois passos para frente e
mesmo assim, sinto meu corpo voltar uns três passos para trás. Todo o
percurso do meio-fio até a escada da casa do meu pai deve levar cerca de
uns três minutos, mas na minha cabeça, que não para de girar, eu posso jurar
que fiz todo ele sem tropeçar nenhuma vez sequer em trinta segundos.
Chegando em frente à porta, abro minha bolsa e pego as chaves.
Tenho certeza de que a chave que eu estou tentando colocar na
fechadura é a certa, só que quando ela não entra, pego meu celular e ligo a
lanterna, notando que, na verdade, é a chave do meu quarto, meu peito treme
quando eu solto uma risada, rindo da minha própria idiotice. Ainda
iluminando o molho de chaves, pego a certa e finalmente consigo abrir a
porta.
Me viro e ergo a mão, acenando para os pais de Heaven, mesmo com
a vista turva noto que Magnus, que está no banco do motorista, está rindo e
faço uma careta. Reese grita um boa noite, e eu entro em casa, assim que
faço isso, corro direto até o alarme e o ativo novamente com a senha, agindo
feito uma criança que bebeu escondido do pai e não quer que ele desça as
escadas, e a encontre nesse estado.
É só então, me dando conta de que meu pai está em casa, assim
como sua mulher, que olho para a escada e em seguida para o corredor.
Tomo a decisão superinteligente de seguir para o corredor e o faço.
Paro em frente à porta do porão, e um sorriso se alarga em meus lábios.
Consigo fazer o trabalho árduo de abrir porta, discar o número de
Grey em uma videochamada e ainda descer as escadas do seu quarto com
êxito. Quase caio quando o seu rosto tão lindo aparece na tela do meu
celular e não deixo de sorrir ao vê-lo.
— Adivinha onde eu estou? — falo, cantante.
— Se não estivesse tudo tão escuro, com certeza eu tentaria arriscar
algo.
— Merda — sibilo. — Esqueci de ligar a luz. — Começo a tatear a
parede procurando por algum interruptor.
— Allie, você por acaso está bêbada?
Grey pergunta, mas eu finalmente encontro o interruptor e a ligo,
então dou um gritinho de vitória. Ele me chama novamente, e eu tento me
lembrar do que ele perguntou, então faço uma pinça com a mão, indicando
que bebi um pouquinho.
— Quanto você bebeu? — Ele parece genuinamente preocupado.
— Algumas doses — confesso. — Olha só, uma sinuca — digo,
entusiasmada ao encontrar a mesa que há no centro do seu quarto.
Grey aperta os olhos e se aproxima um pouco da tela. Por que ele
tem que ser tão irresistivelmente lindo? Que ódio! Bem que poderia ter uma
verruga na bochecha esquerdar, ao invés de uma covinha, quem sabe assim,
eu não perderia meu tempo admirando-o.
— Você está no meu quarto? — ele pergunta, quando eu pego um
dos tacos. O canto da minha boca se ergue, no que eu acho ser um sorriso
sedutor, e eu balanço a cabeça. — O que está fazendo aí?
Coloco o taco ao meu lado, encostando a lateral da cabeça nele.
— Cheguei em casa e de repente me deu uma vontade de dar umas...
você sabe...
— Sei o quê? — Suas sobrancelhas formam um vinco.
— Umas tacadas — digo sussurrando, como se fosse um segredo.
— Umas, o quê? — ele fala um pouco mais alto.
— Tacadas — sussurro outra vez.
— Não entendi nada, mas fica quietinha que eu chego em cinco
minutos.
A tela do meu celular fica preta, antes que eu possa dizer qualquer
coisa. Eu tento desbloqueá-lo novamente para retornar a ligação, porém o
aparelho insiste em não reconhecer o meu rosto, então eu o arremesso na
cama, desistindo.
Procuro pelas bolas da sinuca, a fim de arrumá-las. Pelo pouco que
eu entendo de sinuca, sei que elas devem ficar em um tipo de triângulo e que
devo tacar a bola branca para encaçapar as outras. Então vou lá e faço o
triângulo do meu jeito, o que demora quase que uma eternidade, e quando
finalmente consigo, praticamente me deito sobre a mesa e empurro o taco,
que está na minha mão, para atingir a bola branca.
Acontece que eu erro a tacada e atinjo o triângulo.
— Errei. — Sinto meus lábios se transformarem em um bico, mas
decido que vou jogar assim mesmo, então me inclino sobre a mesa outra
vez.
No entanto, logo desço, quando dou um pulo devido ao susto que
tomo assim que escuto a voz grave e rouca atrás de mim.
— Errou mesmo.
Grey.
Minha boca não espera meu coração se acalmar para sorrir, e eu me
viro em sua direção, posso jurar que sinto a baba escorrer por meu rosto
quando vejo sua figura à minha frente.
Ele está vestindo uma camiseta de algodão branca, colada em seu
abdômen, por cima veste uma jaqueta preta, e seus fios castanhos claros
estão penteados para cima. Há um sorriso enigmático em seu rosto, que dá
uma ênfase nas maçãs do seu rosto, e claro, na maldita covinha. — Ranjo os
dentes ao olhar diretamente para elas. — Seus olhos estão tão iluminados,
que eu se eu estivesse sóbria, eu diria que ele está em êxtase, olhando para a
oitava maravilha do mundo.
Contudo, tudo o que há na sua frente sou eu, e não que eu não seja
uma maravilha, só que já faz horas que eu me arrumei, então o meio coque
que eu fiz nos cabelos já deve estar todo desgrenhado, e eu não tenho
certeza, mas o conjunto de roupas claras que uso, pode estar com alguma
mancha de bebida ou molho de pimenta.
— Como você chegou tão rápido. — As palavras saem da minha
boca como uma certeza, ao invés de uma pergunta.
Ele sorri um pouco mais largo e se aproxima, tirando o taco da
minha mão.
— Estava no Elliot, e considerando que é na outra rua, foi rápido, dei
uma corridinha quando escutei que você queria dar umas tacadas. — Ele se
inclina sobre a mesa, porém, não se deita, como eu fiz. Apontando o taco na
bola branca, ele acerta a bola vermelha com a branca e encaçapa a mesma.
— Mas eu pensei que você sabia jogar.
— E sei — digo, dando de ombros.
Grey ri e me entrega o taco.
— Vai em frente então — me encoraja.
Sabe aquele lance que a bebida nos dá coragem? Bom, a duas horas
atrás eu não acreditava tanto assim, mas agora, depois de estar tão perto de
Grey, sentindo meu estômago se revirar, além do meu centro palpitar,
implorando por qualquer tipo de atenção, nem que seja de um golfinho roxo,
eu me inclino sobre a mesa, pouco me importando se estou fazendo certo ou
errado, pois tudo o que passa na minha cabeça é que devo empinar minha
bunda ao máximo e tentar parecer sexy.
O que, na realidade, não funciona, quando ouço a risada de Grey.
— Você está indo muito bem, Allie — ele diz, quando olho para ele
por cima do ombro. — Continua.
Fecho a cara e fico em pé de novo.
— Se for para você ficar rindo de mim, melhor não.
— Vem cá, deixa eu te ensinar — ele pede, ficando atrás de mim. —
Você está se curvando demais sobre a mesa, então é óbvio que assim não vai
conseguir acertar a bola branca e no final, não vai encaçapar nenhuma bola.
Seu quadril se junta ao meu, ele está bem atrás de mim, e um fogo
começa a subir pelo meu corpo. Ele pega o taco e o ajusta em minha mão,
em seguida coloca uma mão na minha cintura e ajeita a posição do meu
corpo. Meus olhos encontram suas mãos na minha lateral, e eu sequer presto
atenção nos seus movimentos a fim de me ajudar, uma vez que meus
mamilos começam a doer.
Nunca pensei que uma tentativa falha de jogar sinuca fosse tão
sexy...
A pele desnuda da minha cintura passar a sentir falta do calor da mão
de Grey, e eu solto um gemido involuntário, ainda olhando para ele. Sua
boca se mexe, ele está falando algo, porém é baixo demais quando tudo em
mim grita: sexo, sexo, sexo.
Será que a gente poderia fazer um pouco hoje?
— Você vai ficar me olhando ou vai jogar? — ele pergunta.
Balanço a cabeça, tentando voltar à realidade, mas acontece que isso
acaba me deixando um pouco mais tonta, e eu largo o taco.
— Está tudo bem? — ele pergunta, voltando a me tocar.
Engulo em seco, sentindo todas as sensações do meu corpo
afloradas. Os pelos do meu braço se arrepiam, e um calafrio percorre toda a
minha espinha, fazendo com que meu corpo se estique para trás, então eu o
sinto.
Grey me chama, eu abro os olhos e me viro, ficando frente a frente
com ele, minha bunda encosta na lateral da mesa de sinuca, e preciso
encontrar algo sólido para encostar minhas mãos, isso acaba se tornando os
peitos de Grey.
Seguro a sua camiseta e a puxo, fazendo com que eu acabe puxando-
o mais para perto de mim. Sentindo sua respiração tão perto da minha, fecho
os olhos, soltando um suspiro e balançando a cabeça, ao responder a sua
pergunta.
— Estou bem — afirmo. — Mas preciso de você.
— Como assim?
Abro os olhos e colo minha testa na de Grey.
— Eu acho que estou pronta. — As palavras simplesmente saem.
Grey ri.
— Você não está pronta — ele afirma, o que acaba me deixando
confusa. — Você está apenas bêbada.
Nego e acabo ficando tonta novamente, o que faz com que meu rosto
se transforme em uma careta involuntária.
— Viu só?! — acusa Grey.
— Mas eu estou pronta — insisto.
A mão de Grey adorna meu rosto, e sinto um de seus dedos fazendo
carinho no meu rosto.
— Allie, mesmo que você não fosse virgem, eu jamais iria fazer
qualquer coisa com você bêbada — ele diz, e isso faz meu coração derreter
inteirinho, e eu acabo fazendo um biquinho. — Primeiro, você vai ter que
confiar absolutamente, tanto em mim, quando em você, pois você não deve
se sentir insegura com nada, então depois, você vai me mostrar cada um dos
seus pontos sensíveis, e quando for a hora... — Meus olhos fitam os seus,
que passam a escurar à medida que as pupilas se dilatam. — É provável que
nós acabemos em cadeiras de rodas.
Não sei ao certo se isso é uma promessa, mas acontece que as
palavras de Grey surtem efeito em mim, e outra vez eu sinto um arrepio,
dessa vez, ele vai das pontas dos meus pés até a minha cabeça. É algo tão
forte, que me tremo toda.
— Então nada de sexo essa noite? — eu pergunto para ter certeza.
— Nada de sexo essa noite — ele nega, ao estalar a língua no céu da
boca.
— Maldita tequila por me deixar com tesão — amaldiçoo-a em voz
alta, o que faz com que Grey ria de mim.
Eu também acabo rindo, até ficar tonta outra vez, então eu rio de
novo, e ele também.
Eu me apaixonei hoje
Não há nada que você diga
Que possa fazer mudar minha mente
Ela é o suficiente pra mim, ela está apaixonada por mim
FLAWLESS | THE NEIGHBOURHOOD

— Acho melhor você ir para a cama — digo, quando Allie toma


mais um copo de água.
Já havia notado que ela estava embolando as palavras desde a hora
que me ligou, foi preciso muita concentração para não rir do seu jeito
desajeitada bêbada, até mesmo as caras de sedução que ela fez.
Talvez na cabeça dela, ela tenha dito tudo muito bem, mas a cada
frase que solta, pelo menos umas duas palavras grudam no céu da sua boca,
e é quase impossível de entender, porém estou dando meu melhor para
compreendê-la. A única coisa que não esperava quando vim até ela, era
saber que ela estava com tanto tesão.
O que é normal, dado ao seu estado e o tanto que bebeu.
Segundo ela, ela bebeu algumas doses, entretanto, segundo o pai de
Heaven, que enviou uma mensagem para Axel enquanto estávamos todos
na casa do Elliot, elas beberam pelo menos umas três garrafas de tequila
juntas. Pode parecer pouco, só que se for dividir direitinho, dá cerca de
meio litro para cada um, contando com o fato de que Amber não bebe, e
todas terminaram a noite alteradas.
— Se íamos para a cama, por que então me fez subir até a cozinha?
— ela falou quase tudo certo, com exceção da última palavra, quando
puxou a primeira sílaba, deve ser por isso que ela me olha estranho, quando
um sorriso se forma em meus lábios.
— Porque você vai para sua cama, e eu para a minha. — Lhe solto
uma piscadela, ao retirar o copo de sua mão.
— Mas eu queria dormir com você. — Ela faz o famoso biquinho
adorável.
Me aproximo do seu rosto e chegando próximo ao seu ouvido,
sussurro:
— Fala isso aos nossos pais então.
Quando me afasto, Allison está com os olhos arregalados, e como se
o que eu acabo de dizer para ela não significasse nada, ela pisca os olhos
sutilmente.
— Então me leva para a cama — pede, toda manhosa.
Apenas assinto, ao concordar com ela, ofertando a minha mão, pego
a de Allison, e caminhamos juntos rumo a sala. Contudo, quando
começamos a subir o primeiro degrau, vejo que ela ainda não está em seu
melhor estado para subir as escadas, e quando ela quase tropeça no terceiro
degrau, opto por pegá-la nos braços.
Allie solta um risinho fino, e eu sou obrigado a olhar para ela, e pela
pouca iluminação, posso ver o sorriso brilhoso em seus lábios, antes que ela
cubra com a mão, como se fosse uma criança que acaba de quebrar o vaso
favorito da mãe.
Balanço a cabeça, rindo, mas meu sorriso some ligeiramente no
instante em que eu chego no patamar da escada e me viro para os últimos
três degraus.
Minha mãe está no ponto mais alto. Sua mão se estende, e ela liga a
luz do corredor, antes de estacionar as mãos no vão da sua cintura e nos
encarar, há fúria em seus olhos.
Rapidamente, eu desço Allie dos meus braços, que começa a
resmungar.
— Por que... — Então ela também sobe a cabeça, quando apoia um
de seus braços no meu ombro. — Ah, oi, Susan. — Allison sorri, o que faz
com que minha mãe fique ainda mais irada.
— O que está acontecendo aqui? — sibila em um sussurro.
Me preparo para explicar a situação, porém, a Allison bêbada é mais
atrevida do que a Allison sóbria, porque digamos que a sóbria é apenas
cinco por cento do que ela é quando ingere qualquer bebida alcoólica.
— Meu irmão. — Allie faz o uso da sua mão livre para bater no
meu peito, e eu gemo de dor com a força que ela usa. — Estava indo me
levar para cama, porque sabe como é, né? Passei do ponto. — Allison sorri
como um pecador encarando o diabo.
Franzo o cenho, temendo a resposta da minha mãe, que olha entre
nós dois, sua cara está fechada, e é claro que ela está com raiva, porém ela
não deixa isso transparecer para a sua enteada quando lhe lança um sorriso
forçado e desce dois lances de escada, ficando apenas um degrau acima de
nós dois.
Ela oferece a mão à Allison, que se esquiva, e mesmo assim, ela
insiste.
— Vamos, querida, eu te levo para a cama.
Allie estala a língua no céu da boca três vezes, enquanto nega com a
cabeça.
— Nada disso, o Grey me leva.
— Allison — minha mãe a chama com o seu tom de voz que
costuma me intimar, só que isso não acontece com Allie. — É melhor eu te
ajudar, seu pai sequer sabe que você está nesse estado, imagina se...
Minha mãe tenta persuadi-la, entretanto, não tem muito efeito,
quando Allie a interrompe.
— Se o que, Susan? — Os olhos de Allie se estreitam. — Se ele
descobrir que o meu irmão me levou para a cama?
Sim, ela fez questão de destacar as palavras meu e irmão. Sou
obrigado a fechar a boca em uma linha fina, quando vejo a guerra de
olhares entre as duas, e abaixar a cabeça, por isso não sei se minha mãe
abriu a boca para responder algo, quando tudo que ouço é Allie continuar
com seu deboche.
— Besteira, ele jamais brigaria por isso. Agora vamos lá, Grey. —
Ela me puxa pelo ombro, então eu passo a mão por sua cintura, colando-a
em mim.
Levanto a cabeça, e passamos ao lado da minha mãe, não sei se
Allie faz de propósito ou apenas o espaço da escada é pequeno, mas ela
acaba esbarrando no ombro dela, e subimos o restante até chegar no
primeiro andar.
Além dos nossos passos, escuto também os da minha mãe nos
seguindo pelo corredor. Allie, assim como eu, olha por cima do ombro, e a
mulher está em nosso encalço, por isso que no instante em que a porta do
quarto dela é aberta e nós dois passamos, ela a empurra para trás, fechando
em um estrondo.
Apenas quando nós dois estamos sozinhos, eu me permito rir da sua
situação, a levando até a cama e tirando seus sapatos.
— Algum dia eu já te disse que você é incrível?
— Não. — Sua cabeça pende para o lado. — Mas bem que poderia
dizer agora. — O canto da sua boca se ergue.
— Você é incrível — sussurro e mando um beijinho no ar.
Quando a deixo descalça, Allie se joga de costas na cama, e eu a
ajudo a se ajeitar, antes de passar o cobertor por cima do seu corpo.
— Mereço um beijo de boa noite? — ela me pergunta, antes que eu
possa me levantar.
Sorrio, me aproximo do seu rosto e dou um beijinho na ponta do seu
nariz, quando me afasto, ela está com os olhos fechados, entretanto, as
maçãs do seu rosto estão elevadas e avermelhadas, devido ao sorriso que há
em sua boca.
— Boa noite, Allie-run.
— Noite, running back.
Me levanto da sua cama e sigo para fora do quarto, mal tenho um
segundo para respirar, pois Susan já está do lado de fora com os braços
cruzados. Ela apenas aponta para a escada e segue até ela.
Eu a sigo, descemos as escadas e paramos na sala. Fico próximo ao
corrimão da escada, enquanto ela começa a andar de um lado para o outro
da sala.
Minha mãe está com raiva, é óbvio que está, e eu? Bom, estou
pouco me importando com isso. Talvez se eu fosse um garoto de quinze
anos, eu me importaria com a raiva dela, porque naquela época, eu ainda
me importava o suficiente com o seu egoísmo. Porque é isso que ela é,
egoísta.
Ela nunca chegou até mim para conversar sobre meus sentimentos,
ela apenas enxergou algo, intitulou e deu suas regras, e eu só tinha uma
opção: seguir. Nunca tive outra alternativa que não fosse obedecê-la e
colocar na minha cabeça, de uma vez por todas, que Allison era minha
irmã, como ela sempre fez questão de dizer.
Mas acontece que eu sempre soube que não era. O problema nunca
foi o casamento da minha mãe ou com quem ela se casou, e sim as ideias
que ela quis implantar em todos nós ao longo dos anos.
Até mesmo Harvey um dia já disse que não somos irmãos, porém
ela tem essa ideia de que qualquer coisa que fôssemos fazer, se fôssemos
fazer, seria um pecado.
— Até o ensino médio, eu poderia jurar que era apenas birra de
criança — ela começa.
E é nesse instante que meus ouvidos param, e minha atenção se
volta para um pingo de água que cai contra o metal. Não espero que minha
mãe me siga, mesmo assim, ela o faz, ainda murmurando atrás de mim
sobre como somos uma família e blá, blá, blá.
Sei que ela está falando, pois ouço a sua voz, entretanto não entendo
nada, porque tudo entra em um ouvido e sai no outro. Não estou prestando
atenção, pois estou focado em descobrir de onde vem esse tilintar de água.
São nesses episódios de hiperfoco que eu agradeço por ter TDAH,
pois apenas assim, eu posso me dar ao prazer de não escutar todos os seus
absurdos.
Aperto a torneira da pia da cozinha, contudo, o tilintar ainda ressoa,
então olho para o lado e vejo que se trata do filtro de água. O abro e depois
fecho, passo cerca de três segundos apertando a torneira para ter a certeza
de que não está pingando mais e quando não vejo mais nenhuma gota
escorrer, solto-a.
Quando viro meus pés, minha mãe está de pé na minha frente com
um vinco formado na sua testa.
— Seu botox venceu — digo, apontando para ela.
Rapidamente, ela leva os dedos até a testa e solta um longo suspiro.
— Você prestou atenção em qualquer coisa que eu disse? — ela
pergunta. E quando eu não respondo, ela volta a falar. — Eu não sei o que
está acontecendo entre vocês dois, mas sei que isso tem que parar, porque
ela é...
— Minha irmã — completo, pegando um pouco do atrevimento da
Allison bêbada para mim, seguro minha mãe pelos ombros e repito. —
Minha irmã, eu sei, tá legal? — As palavras saem da minha boca de forma
amarga, mas faço isso apenas para que ela pare de falar. — Agora vou indo.
Dou as costas e pego as chaves do carro no bolso da minha jaqueta.
— Para onde você vai a essa hora?
Finalmente ela fala algo que não tem relação alguma com Allie, e eu
a respondo normalmente.
— Pro meu pai.
— Você está sempre lá. — Escuto o ressentimento na sua voz.
— É melhor do que ficar aqui escutando sobre as minhas obrigações
como irmão — murmuro ao sair pela porta da cozinha, sequer lhe dando
qualquer vantagem de resposta.
Quando eu disse à Allie que estava cansado de fugir do que eu sinto
por ela, eu falei a verdade, porém eu ainda quero descobrir como eu vou
fazer, ou melhor, como nós iremos fazer para enfrentar essa tempestade.
É por isso que a melhor opção por agora, com certeza é manter o
início apenas entre nós. Tudo antes foi muito complicado para já começar
assim, cheio de defeitos, julgamentos e armas apontadas para as nossas
cabeças.
Por mais que eu não saiba qual seria a reação do pai dela quanto a
nós, eu sei exatamente a da minha mãe, pois se ela surta apenas por ver nós
dois perto um do outro como duas pessoas normais, é capaz de ela dar uma
de Margaret Tanner descobrindo que o filho não é mais virgem e baixar no
hospital mediante um ataque cardíaco.
Sei que as ideias da minha mãe são um absurdo, mas não desejo isso
a ela. Pelo contrário, só desejo que ela seja suficientemente feliz para
enxergar que a minha felicidade nunca será capaz de interferir na dela.

Ontem à noite quando um cliente antigo do meu pai entrou em


contato diretamente comigo, ao invés de ligar para ele, eu estranhei. Porém,
logo ele disse que gostou do último serviço que eu fiz na sua Harley e pediu
para que eu fizesse a revisão, eu aceitei.
Óbvio que eu aceitei, afinal, não seria um serviço que meu pai
estaria deixando pela metade, seria algo que faria em uma tarde apenas e
ainda iria ganhar uma boa grana para garantir as compras da semana da casa
dele.
Largando a chave de caixa no chão, pego o pano para limpar minha
mão que está suja. Falei que faria o serviço em uma tarde, só que como
dormi na casa dele na noite anterior, adiantei o serviço para a manhã, e
passa das onze quando eu termino tudo.
Estou concentrado na mancha preta de óleo de motor que ficou na
minha mão, quando de repente uma sombra me cobre, e logo imagino ser o
dono da moto.
— Ei, Leon, já ia te li... — As palavras morrem quando eu subo a
cabeça e não me deparo com um homem de meia idade, gordo e cheio de
tatuagens nos braços, mas sim com uma garota de cabelos loiros soltos, e
olhos azuis claros cintilantes fixados em mim.
— Oi. — Sua voz é suave.
— O que está fazendo aqui, Allie? — pergunto, surpreso.
— Foi uma má ideia?! — ela pergunta de imediato. — Não sabia
que estava ocupado, se preferir podemos conversar depois.
Eu me levanto e largo a flanela no chão também, estando de pé,
quem precisa subir a cabeça para me encarar é ela, e eu sorrio.
— Claro que não foi uma má ideia, eu só não sabia que você sabia
onde eu estava.
— Meu pai me disse que sua mãe disse a ele, então eu liguei para o
Elliot, e ele me deu endereço. — Pisco os olhos tentando entender, pois isso
quase me deixa confuso. — Então aqui estou eu, finalmente conhecendo
seu esconderijo. — Ela sorri.
— Esconderijo?!
— Você sabe — explica —, para onde você corre todas as vezes em
que discute com sua mãe ou algo lhe aborrece.
Engulo em seco, atordoado com suas palavras.
— Como você sabe disso?
Allison joga os ombros para cima, como se aquilo não fosse nada.
— Posso não ter um Joey para anotar tudo, mas eu também sei
prestar atenção nas coisas, Grey.
— Então eu devo ficar feliz por isso, certo? — Ela anui. — Então o
que te trouxe até o meu esconderijo?
— Acontece que além de você, existe a minha vergonha da noite
anterior.
Solto um longe “ah” como resposta, lembrando rapidamente de
todas as coisas que ela disse, não apenas a mim, como à minha mãe
também.
— Não está com dor de cabeça? — pergunto, e ela faz uma pinça
com os dedos, da mesma forma que fez quando disse que tomou algumas
doses, e eu rio. — Espero que tenha tomado algum analgésico.
— Era preciso? — Sua resposta me diz que não.
— Costuma ajudar nos sintomas da ressaca, além de comer um bom
bolo de chocolate ou tomar um suco de laranja bem doce também.
— Gosto da ideia do bolo, por que não fazemos um? — ela solta a
ideia.
E dessa vez, quem responde não sou, e sim a voz que vem de trás de
mim, mais especificamente, meu pai.
— Eu tenho uma boa receita de bolo de chocolate — ele diz.
Quando eu olho para ele, ele já está ao meu lado. — Você é a Allie-run,
certo?
Mesmo com a aparência um pouco desgastada do meu pai, a barba
por fazer, cabelos grisalhos longos, as rugas formadas em seu rosto, e
também as bolsas nos olhos, que ressaltam as suas olheiras, Allie sorri para
ele, como se estivesse vendo um super-herói, ou no seu caso, Jennifer
Aniston, na sua frente.
Ela estende a mão, e eles se cumprimentam.
— O senhor sabe sobre mim, Sean?
— Não é como se o pequeno aqui escondesse as coisas de mim —
meu pai usa meu apelido desde criança, ao dar dois tapinhas nas minhas
costas, quando Allison me solta um olhar divertido, sou obrigado a baixar a
cabeça.
Ele tem um sorriso no rosto, o que é bom, o que significa que ele
provavelmente está em um dia bom, mas não estou a fim de saber até que
horas esse dia bom vai durar, se vai acabar na hora do jantar ou se vai
continuar até a segunda, por isso não crio grandes expectativas, como criava
antes.
— Pequeno, hum? — Allie zomba, e eu sou obrigado a olhar para o
meu pai.
— Obrigado, pai — agradeço com ironia.
— Sempre aqui por você, pequeno. — Solto um bufo, e ele ri. —
Por que não entramos para fazer o tal do bolo? — ele oferece.
— Não sei se tem as coisas aí — comento.
— Ah, tem sim. Fiz as compras ontem e incluí tudo que um bom
bolo precisa, pensei em fazer nesse fim de semana, caso você viesse para
casa.
Meus olhos brilham em expectativa, sei disso porque eles meio que
ardem quando isso acontece, acho que são lágrimas querendo se formar
neles, então eu pisco e sorrio, pois isso significa que o dia bom não
começou hoje, e sim ontem.
— Sério?! — inquiro em êxtase.
— Claro, até pedi para o Leon te arrumar um serviço. — Ele aponta
para a Harley.
Meu pomo-de-adão sobe e desce quando eu olho para a moto, ele
realmente está bem por agora e provavelmente queria que o visse, por essa
razão inventou o serviço. Não esqueço de agradecer mentalmente por isso,
mesmo que a aparência do meu pai não diga muito, seu estado de espírito é
o suficiente para me deixar aliviado por hoje.
— Agora vai se lavar direito, que eu, junto da fujona aí, vamos fazer
o nosso bolo. — Meu pai pisca para Allie ao estender a mão para ela, que
pega de bom grado.
Os dois caminham rumo à porta que dá acesso à casa, e eu fico
apenas observando a cena, Allie me olha sobre o ombro e diz:
— Vai se lavar, pequeno.
Franzo o nariz, fazendo uma careta e a imitando, e ela faz o mesmo,
antes de sumir pela porta.
Depois que eles entraram, eu me preparei para fechar a oficina,
contudo, Leon apareceu, fez alguns testes na moto e em seguida, o
pagamento, então apenas depois de fechar é que eu entro e vou direto para o
banheiro.
Me limpo, tirando toda a sujeira de graxa e óleo, e coloco outra
roupa, seguindo até a cozinha. Porém, eu paro na soleira da porta no
instante em que vejo meu pai e Allison trabalhando na massa do bolo.
Quer dizer, Allie está batendo o bolo com um fuet, ao passo que
meu pai prepara alguma coisa no fogão, que acredito ser a cobertura. Eles
discutem e riem sobre alguma coisa, quando meu pai insiste em colocar sal
na receita, e ela diz que não tem nada a ver, e eu chego até a me emocionar.
Mesmo com meu pai doente, quando ele tem seus dias positivos, e
eu estou por perto, nós conversamos muito. É o tempo que ele tira para
participar da minha vida, me ensinar novos golpes de luta ou apenas me
oferecer uma cerveja enquanto assistimos ao UFC. Nesses momentos, ele
realmente se interessa por minha vida, ele toma nota de tudo, pergunta
sobre tudo e também discute, além de claro, me repreender.
Ele sempre me disse que não era algo muito inteligente gostar de
alguém que possivelmente eu não poderia ter, mas ele também me disse que
o órgão mais estúpido existente em nosso corpo é o coração, que até mesmo
as pessoas mais inteligentes podem acabar rebaixando seus níveis de QI.
Talvez seja que por isso que esteja feito um idiota assistindo as duas
pessoas que eu mais admiro no mundo juntas, brigando por um sal.
— E se o bolo ficar salgado? — ela insiste em perguntar,
derramando a massa na forma.
— Não vai, confia em mim, vai apenas ressaltar o sabor. O trabalho
da flor de sal nos doces é justamente esse. — Allie olha para o meu pai, e
eu posso enxergar o segundo em que ela revira os olhos, porém acaba
concordando, quando ele a repreende. — Coloca isso no forno, e eu já
volto. — Meu pai se vira quando Allison coloca a forma no forno e dá um
sorriso gentil quando me vê. — Não te vi chegando, pequeno, mas já volto
— ele diz ao se aproximar, passando a mão no pano de prato que há em um
de seus bolsos e depois encostando a mão em meu peito.
Abaixo a cabeça, balançando-a, pelo visto ele não vai deixar de me
chamar assim nem tão cedo na frente de Allison, que outra vez solta uma
risadinha quando o ouve me chamar assim.
Me desencosto da porta e ando na direção dela, apontando para o
mesmo caminho que meu pai acabou de fazer.
— Para onde ele foi? — eu pergunto.
— Pegar umas fotos suas de quando você era pequeno — responde,
sarcástica, ao puxar uma cadeira e sentar-se à mesa.
— Hahaha — finjo uma risada, acompanhando-a. — Não sabia que
tinha demorado tanto a ponto de vocês já terem terminado quase tudo.
— Seu pai é um cara superlegal — observa, e eu anuo,
concordando. — Mas por que você quase chorou quando ele comentou
sobre o bolo?
Sua pergunta me faz estremecer e piscar os olhos rapidamente,
seguido do gole seco que eu dou. Na noite em que ela descobriu sobre o
Joey, eu estava pronto para lhe contar sobre a condição do meu pai, mas
acabei adiando, eu não esperava que ela fosse conhece-lo assim, em um de
seus dias bons.
Então, isso é o que eu respondo.
— Porque eu percebi que ele está em um dia bom.
— Como assim, um dia bom? — inquere, aturdida.
Outro gole seco.
Por que tem que ser tão difícil confessar isso em voz alta? Deve ser
porque eu nunca contei isso para ninguém antes. Até onde eu sei, apenas eu,
meu pai e seu médico sabem realmente sobre sua condição, tanto é que já
tentamos convencê-lo a fazer um tratamento, entretanto, como o próprio
médico dele diz, o primeiro que precisa tomar esse passo é meu pai. Por
mais que eu sonhe em um dia vê-lo bem todos os dias, ainda assim, quem
precisa ter esse sonho é ele.
E eu sei que ele luta, porém é uma pena que ele não lute com a
mesma garra que a depressão lhe faz cair, quando ele se põe de pé.
— Ele tem depressão. — A confissão sai da minha boca em um
sussurro, e me controlo para não deixar falhar logo agora. — Ele sempre
teve depressão, eu acho, cresci com ele assim, me acostumei com seus dias
bons e ruins, aproveitei os bons e passei a enfrentar os ruins cuidando dele
do jeito que dá para cuidar.
— Eu não fazia ideia. — Allie hesita, pondo sua mão sobre a minha
em cima da mesa. — Eu sinto muito por isso, ele parece estar tão bem...
— Deve ser porque depressão não tem cara. — Ergo meus ombros,
quase que entrando na defensiva, só que logo os abaixo. — Como eu disse,
ele tem seus dias, e hoje não é um deles.
— Hoje é um dia bom — ela observa, e eu sorrio, triste, mas sorrio.
— Isso explica seu motivo para lutar? — Sua observação me faz fixar o
olhar nela.
Assinto, confirmando.
— Você luta nos dias em que ele tem dias ruins?
Nego.
— Eu luto para conseguir pagar as contas dele, já que ele não pode
trabalhar na maior parte dos dias. Eu já pensei em conseguir um emprego,
mas a faculdade e o time exigem muito de mim, por isso preferi ferrar meu
rosto uma ou duas vezes no mês para que nada falte para ele.
O dedo de Allie passa carinhosamente sobre o dorso da minha mão,
enquanto ela processa a informação.
— Sei que você não gosta da ideia — ela começa —, mas realmente
nunca lhe passou pela cabeça conversar com meu pai? — Eu solto um riso
infeliz e nego. — Ele ajudaria sem nem pensar duas vezes.
— Eu sei que sim — concordo.
— Então por que não?
— Porque seu pai é casado com minha mãe, seu pai é um homem
bom, minha mãe nem tanto. — Merda, é tão amargo falar isso da sua
própria mãe, pena que é a verdade. — E é claro que ela não iria aceitar, ela
já humilhou meu pai o suficiente quando eles estavam juntos, e não acho
que ele mereça isso agora, nem nunca mais.
— Você tem razão — ela diz por fim. — Mas nós podemos dar um
jeito nisso sem que você ferre sua cara, o que acha?
— Nós?! — Essa é a única coisa que rouba minha atenção.
— Sim, idiota, nós. Se você está comigo, eu também estou com
você, independentemente de qualquer coisa.
Seria muito emocionado se eu confessasse que eu a amo nesse
momento? Afinal, sempre estive apaixonado por Allison, isso não é um
segredo para ela mais, muito menos para mim, e a cada segundo que passo
ao seu lado, meu coração — estúpido órgão burro —, me diz a cada batida
que dá que eu a amo.
Não declaro nada agora, mas a beijo.
Quer dizer, quase beijo, pois quando minhas mãos adornam o seu
rosto, prontas para trazê-la para mim, somos interrompidos por meu pai,
que coça a garganta e diz:
— Acho bom respeitarem os mais velhos, pequenos.
Allie me olha rindo, e eu faço o mesmo, quando digo:
— Agora você também é uma pequena.
— Grande novidade, hum? — ela se diverte, ao retrucar.
Então paramos com a brincadeira quando meu pai coloca na mesa
todos os álbuns de fotos da minha infância, mostrando cada foto à Allison e
lhe contando com detalhes sobre cada momento.
É nesse dia que eu sinto meu coração tão completo, como nunca
antes, sou obrigado a piscar várias vezes para não chorar de pura felicidade.
Nada pode me matar como você
Você vai direto para minha cabeça
E estou indo em direção ao limite
Escolhi meu veneno e é você
POISON | RITA ORA

Eu nunca pensei que uma encomenda em um sexy shop online


poderia demorar tanto tempo, mas essa, com certeza foi um século.
Certo, estou exagerando um pouco, foram cerca de dez dias desde
que fiz o pedido, porém valeu a pena esperar, ao menos eu espero que tenha
valido. Allison e eu temos avançado nos beijos, uns toques ali, outros aqui,
entretanto, nada que chegue nos finalmente, só que eu sei que desde o dia
em que ela — a pouco mais uma semana atrás — disse bêbada que estava
pronta, ela não está se aguentando e vive me perguntando quando é que
poderemos dar o próximo passo, e eu sempre acabo adiando, dizendo que
em breve.
Acontece que está quase na hora do próximo passo, porque o que eu
tenho planejado há dias enfim está nas minhas mãos. Ele não é nada do que
eu imaginava, até mesmo arrisco dizer que chega a ser fofinho.
— Talvez seja por isso que ela goste tanto dele. — Faço uma careta,
encarando o objeto na minha mão e guardando-o de volta na caixa.
Meu celular vibra várias vezes na outra mão no momento em que eu
entro em casa.
Allie: Estou no meu quarto.
Quando chegar, avisa.
Quero saber logo que surpresa é essa.
Você está me deixando ansiosa, Grey!!!
Não é à toa que todo mundo briga comigo e muitas vezes escondem
de mim quando vão fazer alguma surpresa para alguém. O último
aniversário surpresa que tivemos, por exemplo, foi para o Elliot, e em
menos de cinco horas depois que foi decidido sobre o aniversário, eu contei
a ele.
Ninguém pode me julgar se eu me animo demais com as coisas e
acabo falando antes da hora.
O problema é que dessa vez, eu acabei fazendo uma surpresa
sozinho para uma pessoa que não é nada paciente e de quebra, ainda deixei
escapar que tinha algo para ela, e bom, desde então, Allison pede para saber
o que é.
Não sou do tipo de pessoa que acredita muito em milagres, porém é
um milagre eu ter me controlado durante todos esses dias e não ter dito a ela
o que seria a surpresa, apenas que eu tinha algo.
Eu: Tem alguém em casa?
Allie: Sua mãe saiu há uns 20 minutos.
Eu: Subindo.
Respondo assim que já estou na escada, subindo-a feito um louco,
pulando de dois em dois degraus. Mas pelo visto, mais animada do que eu,
ou eu diria ansiosa, está Allison, pois assim que chego em frente à porta do
seu quarto, ela já está com ela aberta e me puxa na mesma hora.
— O que é? O que é? O que é? — Ela saltita, enquanto aponta para
a caixa que tem na minha mão.
— Bom te ver também. — Me preparo para beijá-la, entretanto, tão
rápido Allison desvia.
— Me diz logo que é — ela pede, já impaciente, puxando meu
braço.
— Só se você me der um beijo.
Ela solta um suspiro cansado, coloca as mãos no meu rosto e fica
nas pontas dos pés, antes me dar um selinho.
— Só isso?! — pergunto, fingindo indignação.
— Mostra logo — ela praticamente rosna, já sem paciência.
Levanto as mãos e dou dois passos para trás, jogo meu celular na
sua cama e em seguida, abro a caixa na altura dos meus olhos, Allison volta
a ficar nas pontas dos pés, tentando ver o que tem lá dentro, então eu pego o
objeto lilás e lhe mostro.
Sua primeira reação é estreitar os olhos em direção à minha mão,
depois suas sobrancelhas se erguem, os olhos se abrem um pouco mais, e
um vinco se forma na sua testa. Então, acontece o que não estava em meus
planos.
Ela solta uma gargalhada e pega o objeto da minha mão, segurando-
o, Allie aponta para mim e pergunta:
— Um golfinho? — Assinto. — De todas as coisas do mundo com
que você poderia me fazer uma surpresa, você decidiu me dar mais um
golfinho?
— Como assim mais um?
Sua cabeça balança, incrédula, então ela passa por mim e pega uma
chave dentro da primeira gaveta da mesa de cabeceira, abrindo a segunda
gaveta.
— Eu tenho tipo uns dez desses — explica.
Minha boca abre e fecha umas cinco vezes, enquanto eu olho da
gaveta para Allison.
— Mas... Descarregado... — divago, confuso. — Você disse que
tinha descarregado.
— A bateria, meu querido, a bateria — explica. — Quando seu
celular descarrega, você faz o quê?
— Carrego — respondo. — Ah, tá!
— Ah, tá mesmo. — Allison ri.
Observo a gaveta mais uma vez e dou de ombros.
— Bom, pelo que eu estou vendo, você não tinha um lilás. — Ela
concorda. — Então é exatamente esse que iremos usar.
— Iremos? — Franze o cenho.
— Só se você quiser cla... — me interrompe, erguendo a mão com o
golfinho.
Ela passa por mim e caminha até o banheiro, passam cerca de dois
minutos, e ela retorna.
— Precisava lavá-lo — explica.
— Hum...
— O que exatamente você quer saber sobre ele? — pergunta.
Assim como sua gargalhada, eu não planejei essa parte, eu pensava
que ela ia ficar animada com ele, em seguida iria ficar confusa e depois o
guardaria, então em uma ocasião, na qual estivéssemos quase lá, eu daria a
ideia de usá-lo, como uma... introdução?!
— Não sei — digo.
Allison anui e também larga o golfinho na cama, assim como eu fiz
com o celular, e se aproxima de mim. De modo automático, meus braços a
agarram pela cintura assim que os seus se erguem, fazendo que seus dedos
se cruzem na minha nuca.
Eu me abaixo um pouco e a beijo, como se isso fosse a coisa mais
natural do mundo, talvez porque acabou se tornando a coisa mais natural do
mundo no último mês inteiro.
— Você me disse que eu ia te mostrar todos os meus pontos
sensíveis, certo?! — ela sussurra, ao afastar sua boca da minha, e eu
concordo. — Então por que você não me mostra seus pontos sensíveis
primeiro?
Me separo dela e a olho, confuso.
— Como assim?
Allie ergue os ombros e pende a cabeça para o lado.
— Como você sabe, eu não tenho experiência, eu sei sobre mim,
mas também preciso aprender um pouco mais sobre você. Então por que
você não me mostra primeiro? — Seus dentes prendem seu lábio inferior, e
suas mãos, que antes estavam entrelaçadas na minha nuca, descem por
meus ombros, tirando a jaqueta azul com o símbolo do time, enquanto ela
fala. Ao finalizar, as pontas dos seus dedos adornam a bainha da camiseta
de algodão branca que eu uso.
Um arrepio sobe por minha costela, fazendo com que os pelos do
meu corpo ericem, e o sangue comece a bombear meu pau.
Engulo em seco, dando o meu máximo para ter qualquer reação,
quando suas mãos se abrem em meu abdômen.
— Então? O que me diz?
Minha cabeça balança quando eu concordo.
— Eu digo que já estou duro como uma pedra — a sinceridade
escapa da minha boca, quando ela toca os meus peitos.
— Só acredito vendo — ela diz, em um sorriso malicioso.
Como uma pessoa que se diz tão insegura pode ter tanta confiança
assim? Eu sinceramente não sei, só sei que ela tem me deixando louco há
dias, e se hoje é o dia em que eu finalmente vou me tornar uma pessoa sã,
estou pouco me fodendo para isso.
— Não seja por isso — digo, firmando o meu aperto em sua cintura
com um braço e usando o outro para erguer seu corpo, quando a pego
desprevenida pela bunda, erguendo seu corpo contra o meu e a levantando
do chão, suas pernas abraçam a minha cintura.
Allison solta uma risadinha.
— O que está fazendo? — pergunta, quando meu joelho bate no
colchão da cama.
— Você não disse que queria ver? — confronto-a. — Então você vai
ver — digo, ao colocá-la sobre os lençóis.
As pernas de Allison se abrem, dando espaço para o meu corpo,
porém eu não faço nenhum movimento por cima dela, apenas tiro minha
camiseta e escuto o momento em que ela solta um suspiro.
— Tem certeza disso? — pergunto, apenas para me assegurar, já que
ela permanece mordendo o lábio.
Allie sussurra um sim, e é o suficiente para que eu fique em pé, e
desabotoe minhas calças.
Meu quadril tem toda a atenção dos seus olhos cintilantes, eu a
observo, mantendo meu olhar fixo em todas as suas reações, à medida que
vou me despindo do jeans e permanecendo apenas com a cueca branca.
Allison abre a boca, só que não sai nenhum som dela, apenas o movimento,
que se parece com algo como “uau”.
O canto da minha boca se ergue, então tiro os tênis e depois me livro
totalmente das calças.
A protuberância da minha excitação é evidente, e provocando meu
pau para que inche mais, passo a mão sobre ele ainda coberto, fazendo com
que ela abra a boca minimamente e engula em seco. É quando a vejo tão
desnorteada, que decido me livrar da última peça.
No momento em que puxo o elástico da cueca boxer e liberto meu
pau, ele aponta para frente, totalmente duro. Desço a peça branca
totalmente por minhas pernas e me livro dela. Em apenas um passo, estou
parado em frente à cama novamente, mas não subo nela, apenas ergo uma
das minhas pernas e apoio o pé sobre o colchão, enquanto o outro
permanece fixo no chão.
Meus olhos continuam fixos em Allison, e os dela na minha virilha.
— Há poucas coisas que eu gosto — digo com a voz rouca, ao pegar
minha ereção pela base, minha mão caminha até a ponta e depois volta. —
Não existem muitos segredos para me deixar excitado, principalmente
quando essa pessoa se trata de você.
Minha mão desce e sobe por toda extensão, os olhos de Allison
oscilam entre meu rosto e os movimentos que faço de forma contínua.
Minha respiração rente em meus pulmões, porque é difícil respirar quando
estou prestes a explodir de tanto tesão.
Jamais pude imaginar que tocar uma punheta com uma garota
observando atentamente todos os meus movimentos, poderia me deixar tão
excitado.
— Você sabe quantas vezes eu me toquei pensando em você? —
pergunto, e ela nega. — Todas as vezes em que me toquei foi pensado em
você — confesso, levando minha mão novamente até a cabeça e a trazendo
de volta até a base.
— Todas as vezes? — Seus olhos encontram os meus.
— Quantas vezes eu tenho que te dizer que você sempre você foi a
única que desejei?
— Nenhuma. — Seus olhos retornam rapidamente para a minha
virilha, quando eu passo a fazer o movimento com mais rapidez e
confiança, mas logo ela retorna a me olhar. — Mas como você pode desejar
algo que você nunca viu ou sentiu?
— Apenas imaginando — digo, o que é simples e a verdade. — E
antes que você me diga algo sobre insegurança, saiba que no momento em
que minha mão for substituída por sua boceta apertada e molhada, tudo vai
ser tão real, que será melhor do que qualquer imaginação.
Allie precisa fechar os olhos com força ao ouvir minhas palavras,
sua cabeça parece balançar, e ela os abre outra vez, voltando a encarar meu
pau e em seguida os sobe, me fitando sob os cílios.
— Eu posso? — A pergunta sai hesitante dos seus lábios.
— Vem cá. — Lhe dou o restante de coragem que ela procura.
Allison se aproxima da ponta da cama, sua mão hesita por um segundo,
porém eu a pego com firmeza. Com minha mão sobre a sua, os movimentos
gentis e tímidos começam a acontecer. — Assim... — Solto um suspiro, ao
pender a cabeça para trás. — Porra.
— Está certo? — ela pergunta, quando eu largo sua mão, e ela
continua sozinha.
— Está perfeito — é tudo que digo, arfando um gemido.
Os movimentos de vai e vem tímidos de Allison, aos poucos vão se
tornando firmes, ela passa a me pegar desde a base e desliza a mão por todo
o comprimento, indo até a glande.
Perfeito.
Simplesmente isso.
Não sei como ela pode me dizer que se sente insegura, quando ela
faz tudo com tanta perfeição, sem nem mesmo errar. Há quem pensa que
punheta é besteira e fácil de fazer, mas se você não pega da forma correta,
isso pode se transformar em um incomodo. Porém, a maneira como os
dedos de Allison adornam o meu pênis é tão espetacular, que eu já consigo
sentir minhas bolas se comprimirem e minhas carnes tremerem em ânsia
pelo momento certo.
Meu peito passa a sentir meu coração batendo mais rápido, a
respiração já virou uma lenda, e um suor fino desce por minha têmpora. É
impossível reter os gemidos que saem por minha boca, meus olhos estão
minimamente abertos, observando Allison com atenção.
Há uma luxúria indescritível em seus olhos ao ver líquido de pré-
gozo molhando a cabeça do meu pau, e eu sou obrigado a me curvar sobre
ela, e beijá-la. Meus dedos prendem sua cabeleira loira na nuca, fazendo
com sua cabeça se erga, e eu possa beijá-la ferozmente. Allison não reclama
da minha agressividade, pelo contrário, ela chega a arfar um gemido
também.
Minhas bolas se comprimem cada vez mais, minha língua se torna
áspera ao roçar na dela.
— Estou perto — aviso entre o beijo, então ela acelera o
movimento.
Nós dois gememos ao mesmo tempo, e o meu fica travado na minha
garganta no mesmo segundo em que escuto a voz de Harvey, longe, mas
perto.
— Allison? — ele chama. — Está em casa?
Nos separamos imediatamente, os olhos de Allison arregalados, meu
pau em sua mão, a porta aberta, minhas roupas no chão.
— Merda — rosno.
— A porta, fecha a porta — ela sussurra, me pedindo.
Eu olho para baixo, e sua mão ainda agarra o meu pênis, e assim que
ela solta, eu corro até a porta e a fecho, porém uso força demais, o que faz
com que Harvey a chame outra vez.
— Allison? — Sua voz agora está mais alta, como se ele estivesse
no patamar da escada.
— O que eu faço? — ela sussurra.
— Responde — uso o mesmo tom de voz.
Então dois toques na porta, e novamente seu pai a chama.
— Posso entrar, querida?
Ela sai da cama rapidamente, se abaixa e pega minhas roupas, e em
total modo automático, abre a janela do quarto e joga todas as peças pela
janela. Eu me aproximo dela quase gritando, perguntando o que ela está
fazendo, quando responde:
— Está trancada — ela responde —, mas eu já vou.
— Ok, estou esperando — é tudo que ele responde.
Meus olhos estão arregalados, olhando para a garota que ainda está
de pé em frente à janela e acaba de jogar minhas roupas por ela. Ela me
olha, confusa, então olha para o meu pau, que ainda está ereto, olha para a
janela, em seguida volta para o meu pau, meu rosto, janela. Sua cabeça
passa pela janela, volta, olha meu pau de novo e então, finalmente, assim
como eu, ela raciocina.
— Eu joguei suas roupas — ela fala mais alto que um sussurro,
entretanto eu me apresso em tapar sua boca. — Eu joguei suas roupas — ela
fala novamente, mais baixo e com minha mão ainda sobre sua boca.
— Não me diga — murmuro.
— E agora?
— E agora você vai distrai-lo, enquanto eu pulo a janela e me visto
— penso no que é mais sensato nesse momento.
— Tem certeza?
— Vai logo — a apresso.
Allison me olha com insegurança e então concorda, ela passa por
mim, indo até a porta, olha para trás e faz uma corridinha até mim,
murmura um pedido de desculpas e me dá um selinho, corre novamente e
abre a porta, gritando pelo pai.
Assim que ela sai do quarto, eu me aproximo da janela, colocando a
cabeça para fora, para ter certeza de que não há nenhuma testemunha pela
região. Vejo uma criança do outro lado da rua passar em seu skate, então
volto para o quarto, espero alguns segundos e confiro novamente, e apenas
quando tenho a certeza de que não há ninguém por perto, passo uma perna
sobre a janela.
Em seguida, a outra.
Minhas mãos seguram o parapeito da janela, e meus pés dão
pequenos passos até a grade de madeira que há ao lado. Tudo poderia ser
bem mais simples, se eu não estivesse pelado e com uma ereção evidente,
que por sinal, já deveria ter ido embora, devido à situação em que me
encontro. Também seria mais fácil se eu estivesse vestido e seria totalmente
mais fácil se hoje não fosse a maldita quarta-feira do jantar em família,
então estaríamos no campus, e não precisaria passar por isso.
De toda forma, enquanto penso em todas as situações possíveis, a
grade acaba. Já próximo à janela da cozinha, meus pés ficam pendurados, e
minhas mãos agarram a madeira, para que eu pule de maneira segura,
contudo, sou pego de surpresa no instante em que vejo Allison sentada na
bancada da cozinha, através do vidro.
Meus olhos arregalam, ela vira o rosto, e os dela também arregalam,
eu procuro por Harvey pela janela. Ela balança a cabeça e move a boca,
dizendo algo, que eu não entendo bem, então eu vejo um vulto ao lado da
janela, e no mesmo segundo, o dedo de Allison se suspende no ar, e mesmo
do lado de fora, a escuto gritar.
— Ai. Meu. Deus!
Caio no chão.
Demoro um pouco para me levantar e assim que faço, pego minhas
roupas e saio correndo, as vestindo e deixando de lado apenas a jaqueta.
Faço a volta pela casa e entro novamente pela porta da frente, minha
respiração oscila, e a droga do meu pau continua vivo dentro das calças.
Quase pulo em um susto quando abro a porta e dou de cara com
Harvey e a filha.
— Ei, Grey — ele me cumprimenta em um sorriso. — O jantar já
está servido, apenas esperando sua mãe.
Não tenho muito ânimo para falar, quando sinto minhas costelas
doendo, então apenas sorrio e anuo com a cabeça.
Harvey me pergunta se eu estou bem, no entanto, eu passo direto
para o banheiro, apenas erguendo meu polegar em um sinal positivo. Mal-
educado da minha parte, mas a ardência das minhas costelas fala mais alto.
Chegando no meu banheiro, eu não sei o que dói mais, minhas
costelas ou meu pau sensível, que ainda está um pouco ereto. Como que
amolece o pau? Eu não sei. Subo a camisa em frente ao espelho, para
verificar se ficou machucado, mesmo não tendo grandes marcas, ainda sinto
uma pontada quando inspiro o ar.
Decido enviar uma mensagem para Allison, porém apenas após
tatear meus bolsos é que eu me lembro que o celular ficou em seu quarto.
Quantas coisas a mais precisam acontecer hoje?
Não tenho tempo de pensar direito quando minha mãe grita,
chamando para o jantar, solto uma grande lufada de ar ao sair do banheiro e
caminho devagar até a sala de jantar. Até mesmo andar dói agora.
Susan nota que estou estranho no mesmo momento em que seus
olhos me encontram.
— Aconteceu alguma coisa, filho? — Balanço a cabeça, fechando
os olhos com força, quando puxo a cadeira para me sentar, pois o
movimento me causa mais desconforto. — Você está se sentando no lugar
errado. — Abro os olhos, e ela está com um sorriso, porém trincando os
dentes.
Eu faço uma cara de dor, me preparando para me levantar, ainda
sem responder nada, e Harvey, que nota o meu esforço, se apressa em dizer:
— Não tem problema o lugar que você se senta, pode ficar aí, Grey.
— Assinto, e minha mãe fecha os lábios em uma linha fina, ao sentar-se do
outro lado da mesa também.
— Onde Allison está? — ela pergunta.
— Aqui — a mesma responde quando aparece na sala de jantar. —
Havia esquecido a janela do meu quarto aberta, fui apenas fechar — ela diz
para minha mãe, entretanto me olhando, ao sentar-se do meu lado com um
pedido de desculpas explícito em seu rosto.
Nossos pais engatam em uma conversa enquanto nos servimos, e
sinto a mão de Allie escorregar por minha perna. Quase pulo em um susto,
mas tudo que faço é uma careta, quando inspiro, e minhas costelas doem.
Allie me olha sem entender nada, e eu balanço a cabeça minimamente,
então sua mão chega mais perto, e ela o sente.
Pois é, nem mesmo perto dos nossos pais meu pau deixou de ficar
duro, e ele parece ser tão mais ilimitado do que eu, que ganha ainda mais
vida no mesmo instante em que a mão de Allison encosta nele. Ela a tira
rapidamente, só que retorna com ela segundos depois, para apenas retirá-la
mais uma vez; o que eu acabo agradecendo internamente.
Menos de cinco segundos depois, um celular vibra no meu colo, e
baixo meus olhos.
Allie: Você ainda está duro?
Quer ajuda?
Meus olhos arregalam, e eu tusso, porém só depois de eu tossir é
que mais uma mensagem chega.
Allie: Se sim, dá uma tossida.
Tusso duas vezes, porque realmente me engasgo, mas isso faz com
que Allison traga sua mão novamente para debaixo da mesa e comece a me
acariciar por cima da calça.
Merda, estou muito sensível.
Sensível a ponto de soltar um gemido, todos na mesa me olham.
— Muito boa essa comida. — Aponto para o prato com o garfo, e
Harvey sorri.
Nossos pais engatam na conversa outra vez, por sorte, eles olham
um para o outro enquanto isso, e as pontas dos dedos de Allison me
acariciam. Então quando seu pai pega a garrafa de vinho e começa a servir a
ele a minha mãe, a mão de Allison cobre toda a minha base, e eu acabo
estremecendo, e largando os talheres, ecoando um barulho por toda casa.
— Está tudo bem aí? — o pai de Allie pergunta.
— Si... sim. — Minha voz sai falhada, quando ela passa a mão pela
cabeça.
— Você está estranho, filho — minha mãe observa, e eu engasgo.
— Quer um pouco de água? — a cretina oferece, ao tirar a mão
debaixo da mesa e me estender o copo.
Eu nego com a cabeça e respondo:
— Estou bem. — Allison oferta a água novamente, e nossos pais me
olham. — Estou bem — repito entredentes.
Eles assentem, ainda me olhando, e isso faz com que Allison não
traga novamente sua mão para debaixo da mesa, uma vez que a atenção de
todos está em mim, e eu agradeço internamente por isso.
Me deixou parecendo, tão louca, meu querido
Eu não sou eu mesma, sou uma boba, eu não faço isso
Eu tenho brincado comigo mesma, querido eu não me importo
Porque seu amor desperta o melhor em mim
CRAZY IN LOVE | BEYONCE

— Ei, Colin — o cumprimento assim que começo a subir as escadas


que ele está descendo.
— Ei — ele diz, ao beijar minha bochecha. — Dormiu aqui?
Limpo a garganta.
— Ela chegou agora, abri a porta para ela — Jason, o linebacker do
time, informa, ao colocar uma colher cheia de cereal com leite na boca e
passar por nós dois, subindo as escadas da república.
Por que quase todo atleta tem que estar sempre comendo e falando
com a boca cheia de comida?
— Você chegou aqui às cinco horas da manhã? — O cenho de Colin
se franze em confusão.
Assinto.
— O Grey está lá em cima? — pergunto.
— Com certeza sim. São cinco da manhã, a maioria dos caras ainda
está dormindo, mesmo tendo treino já, já. Agora, você vai me explicar o
motivo de estar aqui tão cedo?
— Talvez um dia. — Solto uma piscadela e coloco as mãos por
dentro dos bolsos do moletom, subindo as escadas.
— Quando namorava comigo, não fazia isso — ele observa, no
patamar do primeiro andar.
— Lembre-se que era de mentirinha — grito de volta, quando
começo a subir em direção ao segundo andar.
Eu não dormi a noite inteira.
Merda.
Eu não durmo a noite inteira tem dias, desde o jantar em casa na
penúltima quarta-feira, as coisas entre as minhas pernas pioraram, mas isso
é culpa minha. Porque se eu não tivesse jogado as roupas de Grey pela
janela mediante a todo o meu nervosismo, eu não teria prometido a ele que
só iria acontecer qualquer coisa novamente quando ele estivesse sem dor, já
que ele acabou se machucando devido à queda do primeiro andar.
Ele até que foi contra quando eu fiz minha promessa, e tentamos
fazer alguma coisa, mas assim que ele gemeu de dor, ele viu que algum
desastre poderia acontecer.
Desastre chega a ser um pouco demais da minha parte, porém é
dessa forma que eu tenho lidado com minha vida sexual, como um desastre,
porque desde que ela deu início, tudo virou um caos.
Deve ser por isso que o centro entre minhas pernas não para de
latejar. Deve ser por isso também que eu acordo todos os dias, há duas
semanas, às quatro de manhã e tento me tocar, só que não é o suficiente.
Deve ser por isso também, que passei as últimas oito horas inquieta, desde
que Grey me deu um beijo que foi quente para um cacete, desejou boa noite
e foi embora. Minhas pernas tremeram durante essas oito malditas horas.
Então eu cheguei à conclusão que chega disso, a gente tem que fazer
algo. Se esse algo for eu invadir seu quarto às cinco da manhã, com um
golfinho lilás escondido dentro do bolso do moletom, meu rosto ardendo
em vergonha, e minhas pernas se apertando para tentar controlar o fato de
que eu estou literalmente piscando, bom, é isso que eu vou fazer.
Dou duas batidinhas na porta do seu quarto, e ele grita lá de dentro:
— Já estou indo, Colin, porra! O despertador nem tocou direito, e
você já tá me infernizando.
Limpo a garganta e abro uma brechinha da porta, apenas para
colocar minha cabeça, e informo em um sussurro:
— É a Allison.
Praticamente sou arremessada, ou melhor dizendo, sugada para
dentro do quarto, quando ela a abre de vez, Grey acaba sendo um pouco
mais rápido e me segura, para que eu não caia no chão.
— Oi — digo.
— Oi?! — Suas sobrancelhas se unem. — O que está fazendo aqui a
essa hora? — inquere, me segurando pelos cotovelos para me manter de pé,
e fecha a porta.
— Estou piscando — é tudo que digo, e o vinco em seu rosto se
torna mais profundo. — Eu preciso me aliviar de alguma forma, e você
precisa me ajudar.
— Não entendi, aliviar em quê?
Meus ombros cedem, e sou obrigada a gesticular com as mãos,
quando revelo em alto e bom tom, quase surtando:
— Estou subindo pelas paredes, Grey, estou piscando, aqui
embaixo. — Aponto com as duas mãos para a minha virilha.
Seus olhos acompanham meu movimento, ele fita minhas mãos e
depois sobe o rosto, me encarando, ele pisca os olhos algumas vezes e em
seguida, os arregala.
— Até mesmo trouxe isso, para ver se ajuda em algo. — Tiro o
golfinho do meu bolso, e de repente, um brilho surge nos olhos de Grey.
— Está me falando, então, que a sua promessa acabou?
— Se para minha promessa acabar, incluir a gente fazer alguma,
então é isso, minha promessa acabou.
Um grito escapa por minha garganta no mesmo instante em que
Grey invade meu espaço pessoal. Primeiro, ele me agarra pelas pernas,
erguendo o meu corpo em seus braços e depois ele toma minha boca em um
beijo desesperado.
Contudo, mais desesperada que o nosso beijo, estou eu, pois no
mesmo momento em que ele me deita na cama e ergue seu corpo sobre o
meu, eu me apresso em desabotoar o short que eu visto, largando o golfinho
ao meu lado.
Suas mãos entram em atrito com a minha pele quando ele pega o
moletom pela bainha. Nossas bocas se separam, e seus olhos se iluminam, o
pedido de permissão pairando sobre as írises castanhas.
Assinto.
E em seguida, suas mãos sobem por minha barriga e adornam minha
cintura à medida em que ele sobe a vestimenta grossa que eu uso. Um
arrepio desce por toda extensão da minha coluna, a ponto do meu corpo
estremecer.
As mãos de Grey sobem mais um pouco, e então, meus seios são
revelados, ele suspira ao vê-los. Quando decidi vir até ele, a alguns minutos
atrás, vesti a primeira roupa que eu vi, e isso não incluiu muita roupa
íntima, como um sutiã sexy, é por isso que meus mamilos rígidos apontam
na direção dos seus olhos, e minha boca saliva no mesmo instante em que
sua língua é exposta, e ele lambe os lábios.
Essa é a primeira vez que ele me vê assim, exposta.
Eu já tinha o visto, no episódio da janela, eu também o senti, tanto
antes da sua queda, como depois, mas aquilo foi o nosso máximo, depois
disso, sempre que nossos beijos esquentavam um pouco mais, eu parava na
intenção de não machuca-lo.
Maldita promessa.
Grey retorna a atenção para o que estamos fazendo e retira
completamente o moletom, passando por minha cabeça. Ele me beija
novamente, porém não dura muito, quando uma de suas mãos envolve meu
pescoço, enquanto a outra encontra um dos meus seios, as pontas dos dedos
passeando sobre a aréola e provocando o mamilo.
— Porra — eu arfo, sendo obrigada a pressionar minhas coxas outa
vez, quando o calor sobe por minha barriga. Grey distribui beijos pela
extensão do meu pescoço, indo em direção ao lóbulo da minha orelha, onde
ele deixa uma mordida e segue com beijos molhados por toda a lateral do
meu pescoço, até a clavícula. Um de seus dedos encosta na minha boca, e
eu o chupo, a fim de ter atrito com algo.
— Tira os shorts e a calcinha — ele não pede, ele praticamente
manda com a voz rouca e límpida.
Eu obedeço a sua ordem, e sua boca invade meu outro mamilo em
um chupão.
Maldita promessa.
Se não fosse por ela, eu já estaria em paz há duas semanas.
Com desejo, ele acaricia meus seios, passando as pontas dos dedos
por cada curva e pegando cada detalhe com sua língua e dentes, minha
respiração se tornando cada vez mais profunda. Sua língua traça a minha
pele inteira, quando ele decide chupar o outro seio, me causando choque de
prazer. A intensidade aumente, e à medida que ele explora os pontos
sensíveis dos meus mamilos, mais molhada eu vou ficando embaixo e mais
desesperada também.
Suspiro um gemido, o chamando, não quero que ele pare, mas
também quero que ele me entregue mais, que ele faça mais, e eu não
preciso dizer nada dessa vez para que ele me entenda.
Porém, sou pega de surpresa quando Grey se afasta de mim,
erguendo seu corpo novamente sobre o meu, e me entrega o vibrador.
— Lembra que eu te disse que você iria me mostrar seus pontos
sensíveis?
— Mas você já acertou todos — praticamente choramingo, e Grey
balança a cabeça.
— Primeiro, você vai me mostrar como você sente prazer...
— Se isso fosse o suficiente, eu não teria vindo até aqui tão cedo,
Grey — retruco, e mais um arrepio súbito corre por todo meu corpo.
— Vai ser o suficiente por hoje. — Ele abre minha mão e coloca o
golfinho já vibrando sobre ela. — Vamos lá, me mostra — ele pede.
Meu estômago dói, e sinto meu rosto arder, eu não tenho para onde
correr, ou eu faço isso ou eu faço isso.
Sentindo a textura suave e o peso reconfortante, o pego em minhas
mãos. Ele é leve, ao contrário dos olhos de Grey, que estão pesados de
luxúria, enquanto seus olhos são fixos no movimento que faço ao abrir as
pernas.
Sinto que estou pingando, de tão molhada, eu não faço o uso de
nenhum lubrificante, quando sei que já estou úmida o suficiente. O nariz do
golfinho toca o meu clitóris, e nesse momento, uma onda de eletricidade me
invade, o calor no meu rosto passa a ser agora, de pura excitação.
Se o ditado de “comeu com os olhos”, fosse verdade, eu poderia
dizer que esse golfinho é, na realidade, o pau de Grey, pois ele encara todos
os meus movimentos fixamente. Suas pupilas completamente dilatadas, e o
pau, que está escondido dentro das calças de ginástica, é notório o quão
apertado está, de tão duro.
Deslizando o vibrador suavemente sobre a pele exposta e molhada,
explorando toda a área dos grandes lábios e trazendo-o de volta até o
clitóris, deixando todo um rastro úmido sobre minha intimidade. Um
gemido escapa entre meus lábios.
— Aumenta a velocidade — Grey ordena, meus dedos tremem, e
mesmo assim, eu faço.
A vibração pulsante me provoca, porém o que me preenche de
ondas de excitação é o seu olhar, suspiro mais um gemido, e meu corpo
arqueia em resposta, tudo está tão intenso, que eu sinto que falta pouco, mas
também falta algo.
Minha outra mão passa a explorar a pele desnuda da minha barriga,
indo em direção aos meus seios, que ainda se encontram molhados devido
aos beijos de Grey.
Ele também geme quando pega seu pau sobre o tecido de nylon.
Está tentando se segurar ao máximo, ao me assistir em uma cena de tanto
prazer.
— Porra, Allison, tudo que eu queria agora era sentir seu sabor.
Um gemido forte sai da minha boca, eu afasto o golfinho e digo:
— Me chupa então.
Grey pega o golfinho da minha mão e me surpreende quando ele
mesmo o traz de volta para meu ponto sensível.
— Hoje é sobre como você sente prazer, amanhã será como eu te
dou — é tudo que ele diz, ao pegar minha mão e trocar a sua pela minha,
que volta a segurar o vibrador.
Eu decido colocar a intensidade no máximo e exploro com mais
fervor cada área entre minhas pernas, a essa hora, os gemidos não pararam
mais, meu prazer aumenta, e eu estou quase lá, quando solto um suspiro, e
Grey finalmente para de se controlar.
Sua mão invade meu mamilo livre, e agora os dois estão cobertos de
atenção, assim como a minha entrada, que passa a jorrar o líquido por ela.
Quando Grey chupa minha língua, eu entro em delírio, e minha visão fica
turva, todo meu corpo estremece, meus braços ficam moles, e tudo que vejo
na minha frente é preto, coberto de luzes piscantes, quando o orgasmo toma
conta de cada célula do meu corpo.
Grey continua beijando todo o meu rosto e desce por meu corpo, me
causando um choque a cada beijo.
Meu peito sobe e desce em uma respiração densa e pesada, quando
sinto sua boca no final da minha barriga, abro os olhos e ergo a cabeça
minimamente.
— O que está fazendo?
— Apenas uma degustação — ele responde, colocando a cabeça
entre minhas pernas.
As minhas coxas vibram quando a língua passa por toda extensão
das minhas dobras, então seu rosto aparece novamente, com um sorriso
extenso em seus lábios.
— No ponto — observa.
— Idiota. — Bato o joelho na sua cabeça, e ele sobe.
— Limitado — me repreende, antes de me beijar.
A respiração se torna regular aos poucos, Grey acaricia meus
cabelos e me dá vários selinhos, tudo que sinto agora é meu corpo suado, e
a pele do meu rosto pinicar, devido ao excesso de calor.
— Você tinha razão — confesso —, dessa vez foi suficiente.
Grey sorri, convencido.
— Eu sempre tenho razão.
Eu também sorrio, e nossos rostos se aproximam de novo, mas nós
dois pulamos quando três batidas fortes são dadas na porta do quarto, e a
voz de Elliot surge:
— Se o sexo já acabou, significa que está na hora do treino. Anda
logo, Grey.
Sinto minhas bochechas esquentarem outra vez e olho surpresa para
Grey, que está por cima de mim.
— Eles escutaram? — pergunto, preocupada e cheia de vergonha.
— Eles definitivamente escutaram.
Sua resposta me faz morrer de vergonha, porque eu já tinha notado
desde o início, que a minha vida sexual está repleta de desastres, e o
desastre de hoje foi que várias pessoas escutaram os meus gemidos.
E todos poderiam estar contra nós
Eu não me importo
Eles não sabem tudo o que nós temos
Mas eu vou dizer isso agora
Eu nunca vou te decepcionar
AGAIN | EDEN, SOPHIYA

Dou dois passos para trás e me escondo ao lado das portas francesas,
que dividem a cozinha e o corredor principal, no mesmo instante em que
vejo que ela acabou de colocar as louças na máquina.
Seus pés cobertos por meias pisam no chão com delicadeza, a casa
está em silêncio desde que o jantar acabou, e nossos pais subiram para o
quarto. E é por isso que eu sou obrigado a colocar a mão sobre sua boca,
evitando que um grito se alastre por todos os cômodos, quando a pego de
surpresa por trás, agarrando sua cintura e trocando-a de lugar comigo, a
pressionando contra a parede.
Os olhos de Allie arregalam quando ela me encara, e eu beijo a
pontinha do nariz dela, antes de tirar minha mão da sua boca. Contudo,
assim que faço isso, sou surpreendido por tapas no meu braço.
— Você quer me matar de susto? — Sua voz sai silenciosa, mas
irritada o suficiente.
— Apenas quis te dar um beijo de boa noite — digo, a soltando e
alisando meu braço, isso faz com que ela se derreta e me lance um
sorrisinho.
— Bem que você poderia entrar no meu quarto na calada da noite...
— sugere, ao morder o lábio inferior.
— E correr o risco de você jogar minhas roupas pela janela de
novo? Dispenso.
— Foi só uma vez, e eu fiquei nervosa. — O pedido de desculpa é
explicito em seus olhos. Allie se aproxima, suas mãos, que agora não são
nem um pouco tímidas, entram por dentro da minha camisa, tocando a
minha pele, até se juntarem às minhas costelas. — Ainda me sinto por mal
por ter te machucado — diz, melancólica.
E ela realmente sentiu, por duas semanas inteiras, não podia me ver
fazendo uma careta, que pedia desculpas, hoje, quase um mês após o
incidente, seus pedidos de desculpas vêm carregados de olhos brilhantes
cheios de luxúria. O biquinho que deveria ser triste, mas que com o jeito
que ela faz, o torna sexy, o que faz com que meu pau bombeie sangue.
Para quem se diz tão inexperiente, em pouco tempo aprendeu
direitinho como me fazer explodir de tesão.
Volto a agarrá-la pela cintura e a pressiono novamente entre a
parede e meu corpo, sua cabeça se ergue, e ela me encara, sentindo a
pressão da minha ereção em sua barriga.
Minha mão se junta ao seu rosto, passando uma mecha de cabelo
para trás, e minha boca se aproxima do seu ouvido, quando estou próximo o
suficiente, sussurro:
— Não pede desculpas novamente.
Ela inspira.
— Por que não? — pergunta, travando a respiração.
— Porque se você continuar fazendo essa carinha todas as vezes em
que me pedir desculpas por isso, em breve você vai ter que fazer sentando
no meu pau.
Meus lábios se juntam à pele do seu pescoço, dando-lhe um beijo no
mesmo instante em que Allison expira, soltando o ar pesado dos seus
pulmões.
Continuo a passear com minha boca sobre a pele macia do seu
pescoço, até a mandíbula, mordicando-a. Meus olhos encontram os seus,
que agora estão completamente escuros, ela pisca duas vezes, antes de
mexer a boca em um pedido de desculpas.
Estou prestes a tomar sua boca, quando um ranger de porta faz com
que eu pule para trás. Allison continua grudada à parede, quando Harvey
aparece no corredor, teríamos sido pegos se a porta do escritório dele não
fizesse esse barulho irritante todas as vezes em que é aberta.
— Preciso consertar isso logo — ele diz, ao fechá-la. Quando
levanta a cabeça, parece surpreso ao nos encontrar no corredor. — Ei, o que
vocês ainda estão fazendo acordados? Vocês não viajam às quatro da
manhã?
Allison finalmente se desgruda da parede, e é a primeira a
responder.
— Vim comer algo.
— E eu pegar um copo de água — explico, o que não deixa de ser
verdade. Afinal, quando subi, vim realmente atrás de água, mas me deparei
com Allison na cozinha.
Harvey coloca as mãos nos bolsos da calça.
— Sei o que é esse sentimento de vocês, e isso se chama ansiedade.
Sempre acontecia comigo durante os recessos de primavera.
Meus ombros se erguem.
— Essa é a primeira vez que viajamos para o spring break, então
realmente posso estar um pouco ansioso — confesso.
— Na minha época, costumávamos ir para Flórida, não para uma
casa de campo.
— Ideia da mãe do Elliot, para evitar muita bebida — Allison
responde o pai, que ergue a sobrancelha.
No mesmo dia em que Allison saiu com as meninas e o Wes,
estávamos na casa do Elliot, e em meio à discussão do que faríamos durante
o recesso, uma vez que ninguém queria ficar no campus ou em Stone Bay, a
senhora Tanner disse que poderia nos emprestar as chaves da casa de lago
dos seus pais, que fica a quatro horas de viagem.
E chegou a ser mais animador do que a ideia de viajar para Miami
ou Orlando.
— E isso adianta alguma coisa? — Ele olha entre nós dois, e eu
desvio o olhar, assim como sua filha. — Desde que certas pessoas — olha
diretamente para Allison —, vão com calma na tequila, não vejo nada
demais. Mas é bom vocês estarem apenas entre amigos nos próximos dias.
— Foi só uma vez pai — Allison tenta se defender, e seu pai finge
acreditar, quando se aproxima, deixando um beijo no topo da sua cabeça.
— Espero que sim, estou indo dormir, se precisarem de algo antes
da viagem, podem me acordar. — Ele passa por nós, porém antes encosta a
mão no meu ombro de forma amigável.
Balanço a cabeça, concordando, e desejo boa noite. Quando que ele
vira o corredor, indo em direção à escada, solto o ar dos meus pulmões, que
nem sequer tinha notado que estava segurando durante todo esse tempo.
— Essa foi por pouco — Allison diz.
— Foi mesmo — concordo. — É melhor você subir, antes que ele
desça ou a minha mãe apareça.
Allison dá um passo em minha direção, me olhando sob os cílios
pesados.
— Posso te esperar com a luz do abajur ligada? — Meus olhos
saltam para fora, e ela ri. — Relaxa, estou apenas brincando... ou não. —
Seu tom de voz fica sério de repente.
— Vamos dormir — sugiro. — Quem sabe amanhã, eu não invada o
seu quarto.
— Gosto da ideia. — Os cantos da sua boca se erguem.
— E eu gosto de você. — Dou um meio sorriso, antes de beijar a
ponta do seu nariz outra vez. — Boa noite, Allie-run.
— Boa noite. — Ela sorri, e nos afastamos. Quando começo a
caminhar em direção ao meu quarto, ela me chama e dou a volta. — Você
realmente veio pegar água ou apenas me assustar?
Anuo.
— Você me fez esquecer até minha sede — explico, e ela ri.
Allison se afasta, me dando passagem e acena com a mão, quando
eu entro na cozinha, ela vai embora. Pego um pouco de água, contudo, meu
estômago chega a embrulhar, quando eu volto a pensar sobre nossa viagem,
que por mais que estejamos rodeados de amigos, ainda assim, me deixa
ansioso passar tantos dias sem a presença dos nossos pais, das aulas,
estudos e jogos.

O lago onde a família de Elliot tem uma casa de campo fica há


quase seis horas de distância de Stone Bay, próximo à divisa da Califórnia
com o Arizona. A programação escolhida por nós foi: não ter programação.
Apenas acordar, analisar o tempo e então decidir o que iriamos fazer.
No dia em que chegamos fomos a um parque que há na cidade
próxima, mas é certo que passaremos a maior parte dos dias das próximas
duas semanas fazendo trilhas pelo bosque, bebendo, curtindo e
descansando.
Afinal, não tem sido anos tão fáceis, e todos precisamos disso.
— Ok, se vocês pudessem passar uma noite com direito a tudo com
qualquer pessoa aleatória no mundo, pode ser famoso ou não. Quem vocês
escolheriam? — Valerie pergunta, me encarando.
Estamos no deck há cerca de duas horas, contudo, apenas agora meu
estômago fez o favor de se revirar, definitivamente, devido à pergunta feita
por Valerie, por isso que respondo:
— Passo.
— Essa é fácil — Lynnox, que está ao meu lado, toma a vez. —
Chris Evans, Sebastian Stan e Anthony Mackie.
— Era uma pessoa — Kane observa.
— Eles vivem juntos, fazem tudo juntos, então os três para mim são
um só.
— Mas...
— Mas eu sento nos três, e você não tem nenhum “mas” para
adicionar nessa conversa.
Os dois engatam em uma discussão, enquanto os outros tentam
mudar de assunto para ver se a discussão finaliza, eu sou o único que me
mantenho calado, pendendo a cabeça para trás e soltando um longo suspiro.
Ao voltar, as conversas dos meus amigos, por mais barulhentas que
estejam, são caladas na minha mente. Quando eu começo a fitar a garota na
minha frente, que está sorrindo ao ouvir algo que Wes acabou de lhe contar,
eu também sorrio, porque é lindo vê-la sorrindo.
Então ela vira o rosto, e o seu olhar me tem, o sorriso em seus lábios
vai morrendo aos poucos, sendo substituído apenas pelos cantos erguidos e
as bochechas rosadas, quase que vermelhas. Seus olhos piscam, e meu
estômago embrulha outra vez, não é enjoo, nem nada do tipo, é apenas um
tipo de ansiedade estranha.
Quando Allison não tira os olhos de mim, e nem eu dela, eu decido
que é a hora, havia planejado esperar até mais tarde, quando todos
estivessem cansados e prontos para dormir, porém já faz dois dias que
estamos aqui, e ainda não tive um momento real a sós com Allison. Por
mais que tivesse planejado passar um tempo com ela, estar rodeado de
todos os nossos amigos mais próximos no momento, faz as horas passarem
tão rápido, que sequer conseguimos uma pausa deles.
É por isso que eu faço um movimento sútil, apontando com a cabeça
para o lado e erguendo as sobrancelhas. Não sei bem o que Allie entende,
mas no momento em que me levanto do banco de madeira, poucos
segundos depois, ela fica de pé.
As pessoas ao nosso redor não notam que estamos saímos ou ao
menos fingem isso, já que não tem nenhuma pergunta sobre onde estamos
indo.
Aguardo por Allison entre dois pés de salgueiros brancos, quando
ela para de frente para mim, começa a brincar com os pés, trocando o peso
do seu corpo entre eles.
— Quem vê sua cara, pode imaginar que você está morrendo de
tédio — ela observa.
— Estou tão mal assim? — Ela assente. — Bom, a culpa não é
minha que os nossos amigos estão roubando todo o nosso tempo, e ainda
não passamos dois minutos sozinhos.
Pego a sua mão e começo a trilhar o caminho que não apenas
decorei mais cedo, como também marquei, para não me perder, apesar de já
passar das sete da noite, ainda está claro, portanto, não preciso usar a
lanterna para seguir o caminho, Allison me acompanha sem pestanejar,
porém acaba desacelerando quando seu ombro bate em um galho.
— Você tem razão, passamos pouco tempo juntos desde que
chegamos. Mas isso não significa que devemos nos perder no meio do
mato.
— Não estamos no meio do mato. — Rio da sua observação, e ela
para.
Sou obrigado a parar também, quando Allison solta minha mão, dá
um giro de trezentos e sessenta graus, apontando para os carvalhos e
salgueiros que nos rodeiam, e no final, para de frente para mim e levanta as
sobrancelhas.
— Se isso não é mato, eu não sei o que é.
— É um bosque — tento explicar, entretanto não a convenço muito.
— E se a gente se perder?
— Aí a gente vive no meio do mato — digo, pegando sua mão outra
vez.
— E como a gente vai sobreviver?
Começo a andar novamente pela trilha, e ela volta a me acompanhar.
— Para começar, esse é um bosque pequeno, não é como se a gente
fosse se perder, e ninguém nunca mais fosse nos achar. Mas, se fosse o
caso, é simples, agiremos como nos tempos da pedra, ou sei lá o quê, eu
cuidarei de tudo como o homem da casa.
— Você não acha isso um pouco machista? — pergunta, se
esquivando de um galho seco.
— Se vamos viver na floresta, temos que viver da forma clássica, a
mulher cuida da casa, e o homem da caça.
— Meu Deus, Grey, que besteira é essa que você está falando? —
Allison praticamente grita em choque, e eu tento me controlar para não rir.
Eu paro, soltando sua mão e ficando de frente para ela. Fecho
minhas mãos em punho e começo a bater nos meus peitos, imitando o som
de macaco.
A cena é ridícula a ponto de Allie dar um passo para trás, franzindo
o nariz e a boca em uma careta.
— Você está louco? — indaga, atônita.
Eu solto uma risada rápido e logo paro.
— Sou apenas um homem protegendo meu lar. — Ergo os ombros.
— Está parecendo mais como um louco mesmo.
— Estou apenas lhe dizendo como seria caso nos perdêssemos,
então você deveria ficar tranquila, pois eu sempre cuidaria de você.
— Isso é puro machismo.
— É mesmo — concordo com ela e pego sua mão outra vez. — Mas
sabe o que não é machismo? — Allie solta um murmúrio em resposta, para
que eu continue. — Isso aqui...
Passamos por mais duas árvores e então paramos.
Quer dizer, eu paro, Allison cobre a boca com a mão quando a abre
involuntariamente, seus olhos brilham, encantada com o que vê, e ela dá
mais um passo para frente.
— O que é isso? — Sua voz sai trêmula.
Planejar isso não foi nada fácil. Primeiro, que já tinha uma ideia do
que queria fazer há anos, pois no mesmo dia em que ouvi sua conversa
sobre clichês românticos que ela queria viver, como ser rainha do baile, eu
também a ouvi dizer que queria acampar e passar a noite observando as
estrelas, em um lugar calmo e silencioso.
E desde que eu soube que iríamos viajar durante o recesso, eu sabia
exatamente o que faria por ela durante essa viagem.
Ficando ao seu lado, digo:
— Esse é o nosso lar durante essa noite, e como um homem nos
tempos antigos, eu vou proteger a ele e a você.
Eu não sei se você já sabe como
Mas, garota, tenho a sensação de que você sabe agora
Você está enfiada no travesseiro, sim, você está fazendo barulho
Mas estou prestes a te mostrar, amor, vai devagar
Vai devagar, vai devagar
SLOW DOWN | CHASE ATLANTIC

— Grey... — eu tento falar, mas tudo o que sai da minha boca é o


seu nome. — Grey... — tento novamente, enquanto caminho, me
aproximando da barraca. — Grey...
Quando o chamo, acho que pela décima vez, ele me acompanha e
responde:
— O que foi? Não gostou?
Com a mão ainda cobrindo a minha boca, eu tento me virar para ele,
porém estou encantada demais com a barraca, ela é tão incrível, que sequer
parece ser real. Ela poderia ser uma barraca de acampamento sem graça,
apenas com sacos de dormir dentro, entretanto ela está coberta por um fio
de luzes amarelas e brancas, dentro há um colchão e várias almofadas fofas.
Isso tudo sem contar a vista, que fica em frente ao lago, e o sol que
está começando a se pôr, deixando o céu escuro e as estrelas em evidência.
É tudo tão magnífico, tão...
— Lindo — escapa da minha boca, quando finalmente consigo falar
qualquer coisa que não seja o seu nome. — Eu amei, eu não esperava isso
— confesso, me virando para ele. — Por quê?
— Por que, o quê? — devolve, confuso.
— Você preparou isso tudo?
— Porque eu pensei que você ia gostar de passar a noite vendo as
estrelas no céu e também porque eu precisava ficar com você, e apenas
você, durante pelo menos duas horas — diz, ao se aproximar e juntar suas
mãos à curva da minha cintura.
Não é preciso que Grey me puxe para que eu me aproxime dele,
faço isso de livre e espontânea vontade quando minhas mãos sobem,
envolvendo seu pescoço.
Ficando nas pontas dos pés, o máximo que consigo alcançar do seu
rosto, é o seu queixo, então deposito um beijo ali e sorrio.
— Ficou perfeito — constato.
— Tem certeza disso?! — inquere, ainda inseguro com seu ato, ao
levantar uma sobrancelha.
Balanço a cabeça e me preparo para dar mais um beijo no seu
queixo, mas então ele decide se curvar na mesma hora em que eu fico nas
pontas dos pés, e meus lábios acabam encontrando os seus.
— Perfeito a ponto de eu nunca querer sair de dentro dela, depois
que entrarmos — digo, quando nossas bocas se separam, porém logo
voltamos a nos beijar.
O que deveria ser apenas um beijo inocente, acaba se tornando algo
ardente quando minhas unhas cravam na pele da sua nuca, e seus dedos
entram entre os fios do meu cabelo, puxando-os em punho, a fim de pender
minha cabeça para trás.
Mordo o lábio inferior de Grey e no instante em que retorno, ele
chupa o meu, largando-o e descendo beijos por meu maxilar. Meu estômago
se contorce, e um aperto começa a se evidenciar entre minhas pernas.
Arfo seu nome, chamando-o.
— Não me fala uma coisa desses, se você sabe que vai fugir depois,
Allie-run — Grey murmura, ao beijar o meu pescoço.
— Eu não vou fugir. — As três palavras saem firmes, e isso faz com
que os olhos escuros de Grey encontrem os meus, ele parece ficar sem ar
por alguns segundos e com um certo fascínio.
Decido por tirá-lo do transe, ao pegar a jaqueta que ele usa pela
lapela e descê-la por seus braços. Quando a mesma já se encontra no chão,
eu agarro a bainha da sua camiseta e dando passos para trás, fazendo com
que Grey me siga, vou indo até a barraca.
— O que vamos fazer? — ele pergunta, parecendo inocente demais,
quando eu começo a correr os dedos por dentro do tecido da camiseta,
subindo-a para tirá-la.
— Não tenho certeza ainda, mas tudo o que estivermos prontos para
fazer hoje — respondo, quando a peça também se vai.
Os olhos de Grey estão totalmente negros, tomados pelas pupilas
dilatadas, noto que ele observa meus movimentos atentamente, quando eu
começo a tirar minha roupa, primeiro me livrando da calça e em seguida do
moletom folgado que usava, ficando apenas vestida com a lingerie preta
rendada.
Vendo assim, parece que eu estava me preparando para algo e
realmente estava. Eu não sabia o que poderia acontecer durante toda a
viagem, por isso me preparei para todos os dias, eu queria estar pronta para
caso algum momento assim viesse a acontecer. E nós estarmos tão longe de
todos agora, que só me dá indício e liberdade para não apenas algo, mas
tudo acontecer.
— Você não vem? — pergunto ao entrar na barraca. Vou caindo aos
poucos sobre o colchão coberto por almofadas e me apoio sobre meus
cotovelos.
Grey balança a cabeça, provavelmente atrapalhado em seus próprios
pensamentos.
Então finalmente, decide me acompanhar, ele entra na barraca,
ficando de joelhos na minha frente, uma mão toca a minha panturrilha,
levantando-a, enquanto a outra desabotoa o seu jeans, contudo, continua
vestindo o mesmo.
— O que você quer que eu faça? — Sua voz sai rouca quando ele
pergunta.
O canto da minha boca se ergue, e mergulhando meu olhar em suas
írises marrons, digo:
— Tudo o que você me incitou a fazer com o golfinho daquela vez,
mas agora com sua língua.
Grey tenta controlar o sorriso, tentando manter seus lábios em uma
linha fina, porém vejo que seu trabalho não tem muita eficácia, quando a
covinha aparece na sua bochecha.
Meu estômago embrulha, e uma vozinha na minha cabeça começa a
se perguntar se eu realmente estou pronta, quando os lábios de Grey tocam
meu tornozelo. À medida que seus beijos vão ficando próximos da entrada
entre minhas pernas, ele vai se erguendo sobre mim.
Sou pega de surpresa quando, ao invés de ir direto para as minhas
dobras, sua boca encontra a minha barriga, voltando a distribuir beijos.
— Alguma vez eu já te disse que você é perfeita? — pergunta,
quando beija o espaço entre meus seios, e eu balanço a cabeça negando. —
Você é perfeita, Allison, cada centímetro seu é perfeito.
Engulo em seco.
— Espero que não esteja dizendo isso apenas para me levar para a
cama.
Grey solta uma risada rouca, seus dedos passeiam em minha
clavícula, brincando com o elástico da alça do top rendado.
— De certa forma, já estamos na cama. — Ele desce a alça, levando
os lábios ao topo do meu braço, beijando-o. — Mas se você quiser que eu
diga fora dela também, eu sempre vou dizer.
Ele pega a outra alça, também a descendo, enquanto sua outra mão
passa para minhas costas, e em um movimento rápido e sútil, Grey
desabotoa o fecho do sutiã. Minha respiração funda ajuda o top a descer, e
quando isso acontece, o tecido fino roça os mamilos já duros, despertando-
os. Com as mãos ainda apoiadas em minhas costas, Grey me ergue mais um
pouco, para que meus braços desencostem do colchão, e então, ele se livra
da peça, ao passo que beija minha garganta.
Seus beijos, apesar de carinhosos, são atenciosos, e isso me faz ter
cada vez mais certeza do seu desejo por mim.
Não que eu tivesse dúvida, desde que tudo entre nós começou a
acontecer, contudo, às vezes ainda bate a psicose da garota que jura que é
uma paixão platônica, daquela que foi ignorada por anos, quase oito, que foi
tratada apenas como uma irmã, mas que nunca recebeu qualquer amor
fraterno de sua parte.
Todas as vezes em que a boca de Grey toca qualquer parte do meu
corpo, eu consigo esquecer a parte em que estive confusa durante tanto
tempo e me apego a tudo que ele escondeu, e como o fez. Quando seus
lábios passeiam por meus seios, e ele me lança um olhar faminto, eu
enxergo o tanto que ele também tentou lutar contra isso, e no final, nós
fomos mais fortes.
— Quero sentir seu sabor, Allie — pede, ao abocanhar um de meus
seios.
Meu coração parece estar prestes a sair pela boca, quando ele
confessa isso, meus dedos cravam em seus ombros assim que ele separa a
boca de um mamilo e vai em direção ao outro, dando sua atenção.
A mão de Grey desce por toda a extensão da minha barriga e
chegando na minha coxa, ele aperta. Um gemido tenta escapar da minha
boca, mas eu o engulo.
— Não faça isso. — Ele para quando percebe. — Você pode gritar
se quiser, não tem ninguém aqui para nos ouvir. — Anuo e solto uma lufada
de ar entre os lábios, quando relaxo os pulmões. — Então, você me deixa?
Fecho os olhos com força, sem entender.
— O quê? — pergunto, confusa.
Seus dedos tamborilam em minhas coxas, indo em direção ao cós da
minha calcinha.
— Te chupar. — Assinto, e Grey estala a língua no céu da boca. —
Prefiro que você me responda com palavras.
Engulo em seco e fecho os olhos com força outra vez, quando meu
centro se contrai.
— Sim. — Minha voz sai aos fragalhos.
Grey não precisa de qualquer outro incentivo para que seus dedos
comecem a entrar por dentro do tecido rendado da calcinha. Antes que eu
posso imaginar, a peça já está passando por meus tornozelos, enquanto ele
usa dois dedos para massagear o meu clitóris.
Meu peito sobe e desce em uma respiração pesada à medida que a
frequência do seu toque aumenta, e eu sinto minhas pernas tensionarem
quando ele tira os dedos.
— Relaxe — pede no instante em que percebe a minha tensão. —
Não vou fazer nada demais além disso aqui. — Posso ver seus olhos entre o
vão das minhas pernas, quando ele aproxima a boca do meu ponto sensível,
um arrepio sobe por todo meu corpo no segundo em que a língua áspera e
molhada percorre o caminho da minha boceta. — É bom, não é?! — indaga,
e eu balanço a cabeça, assentindo. — Então relaxe — pede outra vez.
Inspiro todo o ar que consigo e solto-o devagar, sentindo meu corpo
relaxando, quando o faço, meus olhos fecham de modo automático, e minha
cabeça pende para trás, por mais que eu deseje vê-lo me comendo, no
sentindo literal, o prazer que vai tomando conta do meu corpo não me deixa
assisti-lo, quando sua língua roça o meu clitóris.
Ofego e preciso levar as mãos até meu peito, para ter a certeza de
que meu coração ainda está batendo quando os movimentos da sua língua
se tornam mais decisivos e pecaminosos.
— Você é tão deliciosa — Grey rosna, fazendo com que seu hálito
quente atice ainda mais a pulsão da minha boceta. — Você gozaria na
minha boca, se eu te pedisse? — Meu núcleo pulsa outra vez, minha língua
ficando dormente, e mesmo que eu abra os olhos, a minha vista continua
escura, sendo tomada apenas pelas luzes, que agora piscam em total
desfoque.
O dedo indicador de Grey traça a parte interna da coxa, causando
mais arrepios, enquanto sua língua continua a trabalhar no clitóris inchado.
Porra, eu quero gritar.
— Isso é um sim? — ele pergunta, assim que o barulho escapa da
minha garganta.
Eu tento murmurar um sim e acabo mordendo o lábio inferior,
quando levanto a cabeça outra vez. Meu coração lateja dentro da caixa
torácica, e minhas carnes tremem, Grey passa a língua e dá um leve chupão
no ponto principal entre minhas pernas, mesmo com a vista embaçada,
consigo enxergar quando ele ergue a sobrancelha e anuo, em uma tentativa
de convencê-lo a me fazer relaxar.
Com uma mão entre minhas pernas, ele sobe a outra, encontrando
meus mamilos e voltando a atenção a eles, quando ele decide separar a
língua do clitóris, sinto meus ouvidos taparem tão logo sua língua fica na
minha entrada. E então, quando eu menos imagino, consigo me libertar,
assim como o gemido gutural que sai entre meus lábios.
Meu corpo treme, e todos os meus pelos eriçam, minha respiração é
completamente pesada, e Grey chupa tudo o que tem direito e um pouco
mais, ele só para quando finalmente consigo sentir minhas pernas
novamente, seu corpo se ergue sobre o meu, e antes que ele suba em minha
direção, ele deixa um beijo na minha boceta, e eu acabo rindo, zonza.
— Você é deliciosa, Allie, principalmente tão molhada assim —
constata, em seu último toque.
Grey se ergue sobre mim outra vez, distribuindo beijos por meu
corpo, e quando seu rosto fica de frente ao meu, eu não me controlo e acabo
beijando-o. Seu beijo é gentil e ao mesmo tempo fervoroso, conforme suas
mãos percorrem por minha cintura, agarro o cabelo ralo da nuca dele,
mordiscando seu lábio inferir levemente.
Ao abrir os olhos, enxergo os de Grey, tão iluminados, gentis e
principalmente, cheios de submissão.
Meu coração dá um salto, e nesse momento, onde eu tenho a certeza
de que eu preciso mais, ele me deseja na mesma proporção que eu o desejo.
Nós nos queremos, nós dois queremos isso, não apenas ele ou apenas eu.
Nós dois, em um conjunto, estamos conectados, e ele sabe disso, pois um
brilho forte toma conta dos seus olhos, antes mesmo que eu diga algo.
Tento reprimir um sorriso, mas os cantos da minha boca se erguem
quando seus lábios se aproximam do meu nariz, deixando um beijo terno na
pontinha.
— Estou pronta — digo, decidida.
Dessa vez, ele não demora para perceber sobre o que estou falando,
ele apenas responde:
— Tem certeza disso?
Anuo.
— Sim, eu estou pronta. Apenas preciso que você seja cuidadoso —
digo em uma certa melancolia.
Os dedos de Grey traçam a parte quente do meu rosto.
— Eu vou ser — ele diz, fixando seu olhar no meu, e eu concordo
mais uma vez. Pela última vez.
Eu confio em Grey, ele me quer, eu o quero, e isso basta. Nós dois
bastamos.
Ele se levanta minimamente, primeiro tirando a embalagem
laminada do seu bolso e em seguida, descendo seu jeans, acompanhado da
cueca boxer preta. Eu até tinha me esquecido do seu tamanho.
— Só não sei como isso vai caber em mim — confesso, sentindo
meu rosto esquentar, enquanto encaro sua ereção apontando diretamente
para minha barriga.
O peito de Grey sobe desce, quando ele solta uma risada rouca.
— Não precisa exagerar também. — Ele parece até humilde quando
fala assim, rasgando a embalagem e vestindo seu pau com tanta maestria.
— Está pronta? — ele pergunta, me olhando.
— Sim.
O seu pomo-de-adão sobe e desce quando ele engole em seco, Grey
pega seu pau pela base, e quando faz isso, meu estômago chega a se
contorcer em ânsia, porém, dessa vez, é uma ânsia boa. A glande coberta
pelo látex roça toda a extensão da minha boceta, Grey parece estar se
preparando para entrar em mim a qualquer momento, por isso sua outra
mão acaricia meus seios. E ele diz:
— Talvez possa doer um pouco no começo, então eu não vou entrar
de vez, se você se sentir desconfortável, por favor me avisa.
— Pode deixar — digo, sem ao menos ouvir minha voz, pois toda
minha audição é tomada pelas batidas frenéticas do meu coração.
Ao longo do bosque, ouço o canto de uma coruja, entretanto meus
olhos continuam em Grey. Ele se regula entre minhas pernas, e finalmente
sinto sua ereção sobre minha entrada quando ele se ajusta mais para baixo,
sua mão, que antes segurava a base do seu pau, agora roça a boceta lisa.
— Você está tão molhada, que isso chega a ser um pecado — ele
murmura, antes de me beijar.
O beijo é ardente, se tornando faminto e exigente, e apesar da ânsia
que me corrói, eu me entrego a ele, assim como a seus toques, que me
fazem entrar novamente em um desejo lascivo. Grey não me avisa quando
entra em mim devagar, fazendo com que eu estremeça, e arrepios cobrirem
minha pele.
Engulo em seco, tentando me acostumar com sua grossura, sei que
Grey não entrou todo, pois ainda não encostou em mim, mas em um
primeiro momento, senti-lo é doloroso a ponto do meu corpo entrar em
choque, e eu fechar meus olhos com força, porém, em questão de segundos,
eu começo a me acostumar, apesar da ardência.
Seus dedos ainda entre minhas pernas ajudam a me acalmar, assim
como sua boca, e então ele vai entrando aos poucos, Grey solta um rosnado,
enquanto eu arfo, liberando o ar que nem mesmo sabia que estava
prendendo.
— Está tudo bem? — ele pergunta, ao afastar a boca da minha, e eu
abro os olhos para enxerga-lo, visivelmente preocupado, mas ao mesmo
tempo, coberto de luxúria.
Balanço a cabeça.
— Sim. — Seu cenho se franze. — Está doendo um pouco, mas está
bom — falo a verdade.
Assim, Grey passa a me estocar, em movimentos sutis e vagarosos.
Com os movimentos que ele faz, minha boceta palpita, e finalmente a dor
começa a ser substituída pelo prazer de tê-lo dentro de mim.
Quando minhas unhas cravam em suas omoplatas, ele torna seus
movimentos mais rápidos.
— É mais apertado do que eu imaginava — deixa sua observação,
fazendo com que eu sinta um pouco de vergonha e lhe dê um sorriso tímido
em troca.
Grey beija minha garganta, e minha cabeça pende para o lado, o
gesto me causa um arrepio.
Ele separa seu rosto do meu corpo, e o movimento de vai e vem se
transforma em mais frenético quando suas mãos se apoiam nas laterais do
meu corpo, e ele ergue uma das minhas pernas sobre seu ombro.
A noite estrelada é tomada pelo som das corujas, do vento e do
barulho das carnes se chocando. Minha boceta pulsa cada vez mais,
contraindo-se a cada estocada, gemidos involuntários reverberam em minha
garganta, assim como na de Grey. Lanço meus olhos no seu corpo suado e
sinto a necessidade de tocá-lo, de tê-lo mais e mais, então minhas mãos
sobem, encontrando os músculos do seu peito e traçando cada centímetro da
sua pele.
— Gostoso — sussurro, com a minha boca salivando.
Grey me olha, e eu tento sorrir, chamando-o mais uma vez, e outra,
e outra, ele me penetra, decidido, e eu me abro cada vez mais. Nossos
gemidos e respirações estão sincronizados, minhas paredes o agarrando
com força quando ele entra e o libertando todas as vezes em que sai. Os
movimentos se tornando descontrolados, minhas unhas arranham a sua pele
quando eu fecho os olhos com força, e minha cabeça pende para trás ao
soltar um grito, então finalmente meu corpo permite se soltar mais uma vez,
explodindo em um orgasmo, sou pega de surpresa quando o mesmo
acontece com Grey.
Tento recuperar o fôlego, enquanto ele me estoca lentamente até se
retirar de mim, minha boceta pulsa outra vez, e quando ele desliza para
fora, eu sinto sua falta imediatamente, assim que uma ardência toma conta
da minha pele sensível. Grey parece se livrar da camisinha e se senta perto
de mim outra vez.
Seu rosto paira sobre o meu, e ele beija meu nariz, também tentando
recuperar o fôlego e ainda preocupado, me pergunta:
— Você está bem?
Encontro seu rosto, alvo e pacífico, me observando com atenção.
— Sim.
Ele se estica do meu lado, procurando por uma almofada e um
cobertor e assim que o acha, nos cobre. Em seguida, coloca a almofada
embaixo da minha cabeça, depois caça outra e também descansa a sua.
Grey passa os braços à minha volta quando me ergo para me
aconchegar nele, sentindo seu corpo quente sob o meu e passando os dedos
em um gesto de carinho sobre sua barriga, confesso:
— Isso foi perfeito.
Ele sorri.
— Eu não esperava que isso acontecesse hoje, mas acredite, para
mim também foi perfeito.
— Qual nível de perfeição?
— Não existe nível de perfeição quando se trata de você, Allison —
ele diz, fixando seu olhar no meu, quando o observo sob os cílios pesados.
— Você é o ponto extremo da perfeição, então não existe nada que se
compare.
Suas palavras me fazem engolir em seco, e eu sorrio.
— Talvez se torne ainda mais perfeito quando você cavalgar no meu
pau, aí sim, eu digo que você alcançou o nível máximo do máximo.
— Vamos com calma, campeão. — Rio. — Minha rosa acabou de
sangrar por sua espada, esperaremos ela cicatrizar para isso acontecer.
Agora é a vez de Grey rir, e nós dois passamos o resto das horas
assim, abraçados, rindo, conversando e olhando as estrelas. Tornando a
noite de oito de março, a mais perfeita de todas.
E nós apenas estaremos fazendo a coisa certa
Porque nunca vamos estar errados
Juntos nós podemos chegar até o fim da linha
Seu amor é como uma sombra sobre mim o tempo todo
TOTAL ECLIPSE OF THE HEART | BONNIE TAYLOR

Um dos piores desprazeres da vida é, sem dúvida, aquele momento


em que você alcança a maçã mais vermelha e brilhante da fruteira, aquela
que é tão bonita que chega a dar pena de comer, então você a pega na mão e
passa alguns segundos admirando-a, até que decide, por fim, mordê-la. E
então aquela maçã, que é tão linda por fora, vermelha, brilhante e reluzente,
que você jurou que seria a melhor maçã que iria provar na vida, em um
piscar de olhos, em uma simples mordida, vê que ela está podre.
Pode ser ironia do destino ou não, mas no instante em que vejo a cor
estranha e sinto o gosto azedo da fruta em minha boca, é o mesmo em que
minha mãe entra na cozinha, se encosta no balcão, cruza os braços por cima
do peito e me encara.
A cara feia que eu faço está entre a maçã podre, que cuspo na pia, e
no olhar aguçado da minha mãe, que segue todos os meus movimentos.
Jogo o restante da fruta no lixo e limpo minha boca com água corrente,
quando desligo a torneira, me viro de volta, ainda encontrando o olhar fixo
de Susan em mim. Me recosto na bancada da pia, imitando o movimento
dela, cruzo as pernas e os braços por cima do peito, e antes que ela fale
algo, sou o primeiro a quebrar o silêncio:
— O que foi agora?
O ditado que diz que pais conhecem seus filhos com a palma de suas
mãos é certo, porém o que os pais, em sua grande maioria, não sabem é que
os filhos também os conhecem, com todos os fios de cabelo.
Certo, talvez isso não tenha feito sentido, mas na minha cabeça fez.
— Como foi o recesso? — Sua pergunta sai tranquila demais, em
uma simpatia disfarçada.
— Bom — tudo que eu respondo a ela é isso.
No entanto, foi mais que bom, foi maravilho.
Foi, definitivamente, a definição de perfeito. Após a noite incrível
que tive com Allison em uma barraca, iluminada pelas estrelas e o fio de luz
em led, ouvindo os sons das ondas do mar, além de claro, assistir ao
espetáculo que é aquela mulher arfando, gemendo, ficando toda vermelha e
gozando, tornando ali, o nosso vínculo completo. Nós dois fugimos do
restante do pessoal mais algumas vezes para ficarmos à sós, e óbvio que
não foi apenas sexo que rolou, nós também passamos alguns momento
únicos juntos.
Como assistir ao pôr do sol, ou o nascer dele, em frente ao lago,
fazer trilha, conversar, ficarmos bêbados sem ninguém por perto, nadar
pelados na água gelada de madrugada.
Enfim, a melhor forma que eu posso definir esses últimos dez dias, é
que eles foram extremamente pacíficos e libertadores. A ponto de hoje pela
manhã, quando chegou a hora de virmos embora, me dar um certo aperto no
peito, como se aquilo me dissesse que tudo estava prestes a acabar, que
talvez eu nunca mais fosse ter dias tão bons como aqueles.
Optei por ignorar esse sentimento em todo o caminho de volta para
casa, mas observando minha mãe agora e a forma como ela balança a
cabeça, além do jeito que seus lábios se transformam em uma linha fina, o
mesmo sentimento volta.
— Aconteceu algo que eu precise saber? — inquere.
— Do tipo...? — Minha testa enruga quando faço a pergunta.
— Não sei. — Seus ombros se erguem.
— Bom, se você não sabe, eu também não sei — tento finalizar a
conversa me desencostando da bancada, porém antes que eu caminhe para
fora da cozinha, ela me chama.
— Já vai atrás do seu pai? — Sua pergunta sai quase como uma
ofensa, quando na realidade, quem deveria se sentir ofendido por isso, sou
eu.
— Tem algum problema em eu ir até meu pai, agora?
Sua língua encontra o céu da boca, e ela solta um estalo, negando
com a cabeça.
— Problema algum... — Hesita.
— Existe algum “mas” na sua frase? — Volto a recostar na pia.
Quando faço isso, ela vem até mim, e antes que eu possa cruzar
meus braços novamente, os dedos da minha mãe encostam no dorso da
minha mão, em um carinho.
Esse simples gesto faz com que meu coração solte uma batida
errônea e eu engula em seco quando lanço um olhar rápido para esse toque
e em seguida subo a cabeça, voltando a encará-la.
— É estranho uma mãe sentir que está perdendo seu filho aos
poucos? — ela pergunta, entretanto, essa questão parece ser mais para ela
do que para mim.
Seus olhos se fixam nos meus, e eu consigo enxergar neles um certo
lampejo de infelicidade, é um brilho diferente. Não é nada de felicidade,
mas existe um sentimento ali, que no momento eu não consigo reconhecer.
Minha mãe solta um leve suspiro, antes de prosseguir.
— A última vez que você sorriu para mim, eu nem lembro mais —
ela sussurra. — E eu sei que boa parte dessa sua atitude tem a ver comigo,
com as minhas escolhas e principalmente com meu jeito. Eu amo você,
filho, eu amo tanto você, que eu sou capaz de morrer por você.
Aperto os olhos com força, engolindo em seco.
— Aonde você quer chegar com isso, mãe?
— Não tão longe — responde, pegando firme na minha mão. —
Mas eu só queria que você soubesse que eu não sou uma vilã, ou sei lá
como você me considera. — Seus ombros caem. — Sei que você admira
seu pai e eu queria que você me adorasse tanto quanto o adora, mas isso não
é uma competição.
— Mãe... — tento interrompê-la, porém ela continua.
— Você poderia ao menos me abraçar? Como você fazia anos atrás,
quando eu chegava de um plantão de mais de trinta horas ou talvez como
quando eu te dei sua primeira bola de futebol americano. Você pode me
abraçar até mesmo como quando você caiu da bicicleta a primeira vez, e eu
prometi que não ia doer, porque aquela era apenas sua primeira queda, e a
ferida ia cicatrizar para que outra abrisse quando acontecesse outra vez,
então você me abraçou, chorando e dizendo que não queria que acontecesse
de novo. — Uma lágrima solitária rola por seu rosto. — É tudo o que eu
tenho para pedir a você por hoje, filho, um abraço, como se eu fosse a
pessoa mais importante da sua vida, aquela que você tem mais medo de
perder no mundo...
Suas palavras me deixam desnorteado a ponto de eu sequer deixar
que ela finalize, interrompendo seu pedido, quando a puxo e a agarro com
força pelos ombros. Os braços da minha mãe passam por minha cintura, e
eu beijo o topo da sua cabeça.
Não era para ser assim, era?
Pais conhecem filhos, filhos conhecem pais. Pais cuidam dos filhos,
os abraçam e secam suas lágrimas quando eles se machucam, mas filhos
também devem fazer isso pelos pais?
Eu nunca havia me perguntado sobre isso até agora, pois um dia, eu
fui o garoto que pegava a mãe pela cintura, e ela me firmava pelos ombros,
me apertando em seu abraço, e hoje, está acontecendo ao contrário. É o
mesmo que acontece em relação ao meu pai, eu cuido dele, não ele de mim,
não mais.
A cabeça da minha mãe treme sobre meu peito, que se encontra
apertado, é uma dor diferente, como se algo subisse ao topo da minha
garganta e não quisesse voltar. É quase que sufocante, e mesmo assim, eu
continuo a deixando firme junto a mim.
Como se eu fosse o mundo dela, porque houve uma época em que
ela foi o meu.
— Você ainda a olha da mesma forma como olhava quando tinha
treze anos — ela murmura, se desfazendo do abraço aos poucos, quando o
faz, limpa os olhos rapidamente, sem deixar um vestígio de lágrimas. —
Você a olha da mesma forma há sete anos. Eu pensava que era passageiro,
mas nunca foi, eu pensei que tudo fosse só um afronte, mas eu me enganei e
pude ver lá de cima, enquanto vocês saíam do carro quando chegaram em
casa mais cedo. — Seu sorriso é triste. — Você ainda a olha da mesma
forma como a olhava no dia em que encontrei vocês dois juntos na igreja,
você nunca a viu como...
— Minha irmã? — interrompo-a, quase em um grito, de repente
sentindo a raiva tomar conta mim, sentimento esse que havia ido embora
nos últimos minutos, durante o tempo em que estive abraçado à minha mãe.
Ainda assim, depois de um momento como esse, ela vem tentar me
persuadir mais uma vez, me deixar infeliz mais uma vez, porque ela me
conhece o suficiente, como qualquer pai conhece o seu filho, para saber o
que eu sinto e o que eu fiz, e só assim, tentando colocar algo na minha
cabeça outra vez. Ela não é minha...
As palavras morrem na minha boca quando a porta da cozinha é
aberta, e Harvey adentra, ele tem um sorriso no rosto, além de várias
sacolas de compras.
Engulo minhas próximas palavras, fitando a minha mãe e então a
vejo limpar os olhos novamente e balançar a cabeça, como se estivesse
negando algo. Seu semblante é triste, mas ainda não me convence, não
convence minha raiva.
Harvey fala alguma coisa, e mal tenho a pretensão de ouvir, quando
passo por minha mãe, e tudo que faço é avisar que estou de saída.
— Você vem para o jantar? — Harvey pergunta, e eu não consigo
respondê-lo, portanto, pendo a cabeça para o lado. — Seria bom, teríamos
uma chance de conversar, antes do retorno das aulas na segunda.
Pegando na maçaneta da porta, assinto em concordância.
— Preciso resolver umas coisas, mas vou tentar — é tudo o que
digo para que ele possa estampar um sorriso gentil em seus lábios, e eu sair.
Ele é gentil, ele sempre é gentil e genuíno, e eu me pergunto porque
ele nunca foi capaz de perceber tudo o que acontece dentro da sua casa, a
não ser que ele seja mais ingênuo do que eu, ou, tão ardiloso quanto minha
mãe.
De toda forma, não quero pensar nisso agora, tudo o que preciso é
me afastar.
Só há três coisas que conseguem me desestressar quando eu preciso;
a primeira e a melhor de todas, Allison, entretanto, eu não posso fazer isso
com nossos pais em casa. A segunda, é futebol, porém, ainda faltam dois
dias para o retorno das aulas e, consequentemente, dos treinos, se eu cogitar
chamar para um treino de jogo, é capaz dos meus parceiros me tirarem do
time, apenas porque eu cogitei um mínimo esforço deles durante os últimos
dias de spring break, na verdade, o único que ficaria feliz com a ideia,
provavelmente, seria o Kane.
E a terceira coisa que é capaz de me deixar em paz, são motos, seja
para andar ou arrumar. Por coincidência, logo no dia em que preciso, eu
havia combinado com Leon outra revisão para esse final de semana na sua
Harley, então apenas a ideia de que a terei em mãos em breve, já me traz um
pouco de dopamina, e isso é bom.
Contudo, me surpreendo ao chegar na frente da casa, e além de
encontrar meu carro estacionado, eu também encontro a Harley de Leon na
calçada. O que me deixa mais surpreso e atônito é Allison estar encostada
nela com um joelho erguido sobre o assento, fingindo acelerar enquanto
passa a mão pelo guidão.
— O que está acontecendo? — pergunto ao me aproximar, e ela dá
um pulinho, assustada.
Com a mão sobre o coração, Allison me olha aturdida, como se
tivesse acabado de aprontar algo, então ela sorri.
— Eu estava na varanda quando um tal de Leon chegou
perguntando se aqui era sua casa, eu disse que sim, e ele me entregou as
chaves da moto. Disse que você ia dar um jeito — diz rapidamente, e eu
preciso dobrar minha atenção para ouvir tudo direito.
Observo a moto, assim como a postura de Allison e seus olhos
oscilantes, me aproximo, passando as mãos sobre o couro do assento da
Harley e olhando de canto, indago:
— E onde estão as chaves?
Allison olha pra cima e novamente para mim, sua cabeça pende para
o lado, quando ela morde o lábio inferior.
— Na ignição — confessa, o que eu já tinha percebido.
— É impressão minha ou você estava prestes a subir na moto? —
pergunto, formando o quebra-cabeça. Allison ri, negando com a cabeça,
estreito meu olhar para ela, então ela passa a afirmar. — E desde quando
você pilota moto?
— Nunca subi em uma antes — confessa —, mas pensei em como
seria a sensação de sentar em uma.
Sou obrigado a abaixar a cabeça para não rir e também porque suas
palavras fazem com que o amigão entre minhas pernas comece a ganhar
vida. E é claro que ela percebe, quando me encara com o rosto vermelho.
— Não foi isso que eu quis dizer — se apressa em se explicar.
— Tudo bem. — Levanto as mãos. — Mas confesso que se não
estivéssemos em frente à casa dos nossos pais com eles em casa, eu gostaria
de te ver sentando nela, mas não só nela... — digo, passando a perna por
cima da moto, sentando-me nela e dando uma acelerada
— Grey — Allison me repreende, fazendo cara feia.
— Quer dar uma volta? — ofereço, arqueando uma sobrancelha.
— Nós podemos?! — inquere hesitante, conforme passa os olhos
pela moto, dou outra acelerada, e ela me encara de olhos arregalados. —
Para com isso — diz entredentes. — Eles vão acabar saindo e vendo a
gente.
Acelero outra vez.
— Vem ou não? — Allie morde o lábio inferior, ainda em dúvida.
— Não precisamos de capacetes?
Balanço a cabeça levemente, o canto da minha boca se levanta
quando sorrio de canto, e ela me encara.
— Não era você que queria sentar em uma? Essa é sua oportunidade
— incentivo.
Allison pende e balança o corpo para frente e para trás usando os
pés, então finalmente sobe na garupa da moto. Ela me abraça pela cintura, e
eu acelero novamente, o que faz com que ela dê uma tapinha na minha
barriga, e eu rio, virando o rosto em sua direção e a encarando pelo canto do
olho.
— Tem certeza de que não precisamos de capacete, não é?!
— Você confia em mim? — pergunto, e ela anui, seus olhos
brilham, e eu sorrio. — Então não, daqui até a praia não precisa. Mas por
via das dúvidas... — Me esquivo pro lado e tiro dois capacetes, que estavam
atrelados à lateral da moto, entrego um para a Allison e coloco o outro. —
Pronta?!
Anui, sorrindo. Eu subo o descanso da moto, passo a marcha e solto
o freio, ela me segura pela cintura outra vez, e saímos da garagem. O vento
chicoteando nossos rostos enquanto seguimos pelas ruas calmas de Stone
Bay. Ainda é sexta, e normalmente as famílias que viajam para aproveitar o
recesso de primavera retornam entre o sábado e o domingo.
Sem contar que vivemos em um subúrbio, então o trânsito é
tranquilo.

Estamos sentados no píer, observando as ondas do mar se formarem


e em seguida, se desfazerem.
Esse momento, por mais simples que pareça ser, reaquece meu
coração. Eu até consigo me esquecer, por alguns segundos, da minha quase
discussão com minha mãe, na verdade, eu queria conseguir, apenas por uma
vez, usar a minha voz, dizer tudo o que eu sinto em relação à Allison...
conseguir o apoio dela.
Contudo, sei que isso é impossível, é por isso que quanto mais
longe de casa e dela, e mais perto de Allison eu fico, mais em paz e mais
livre eu me sinto. E eu não deveria me sentir assim, na realidade, ninguém
deveria escolher por quem lutar. Talvez seja precipitado da minha parte
dizer isso, porém se um dia eu fosse obrigado a escolher entre a minha
felicidade ou a estabilidade da minha mãe — visto o quanto a minha relação
com Allison pode atingir o seu casamento —, eu escolheria ser feliz, sem
dúvida alguma. Eu escolheria estar ao lado de Allison.
É por isso que uma dúvida se instala na minha cabeça, quando eu
vejo Allison finalizar seu sorvete, sujando o canto da sua boca. Levo meus
dedos até seus lábios, limpando-os, eu não queria que ela percebesse isso,
mas é tarde demais, quando ela me encara, confusa e pergunta:
— No que você está pensando?
— Não é nada — minto, piscando duas vezes e deixando meus
lábios em uma linha fina.
— Sério que você vai mentir para mim assim? — Estreita os olhos
ao me perguntar. — Você sempre lançava essa carinha para mim quando
precisava mentir sobre algo, e eu sempre achei estranho, só vim entender a
fundo depois que conheci o Joey. — Um sorriso terno nasce em seus lábios.
— Então, vai me dizer ou prefere guardar para você?
Ainda com os lábios em linha fina, sorrio, abraçando sua cintura de
lado, e beijo o seu nariz. Volto meu olhar para o oceano, tento não engolir
em seco, mas é quase impossível quando sinto as batidas do meu coração
tão fortes, que chegam a doer dentro da caixa torácica.
— Você algum dia já parou para se perguntar o que vai acontecer
com a gente? — pergunto.
— Como assim? — Sua voz sai confusa.
Fecho os olhos com força, eu não queria trazer a realidade agora,
porém ela se torna inevitável quando temos que encará-la.
— Eu amo você, Allison — digo, me virando para ela. Seus olhos
arregalam-se, em total surpresa, a boca entreabre, não espero que ela fale
nada após minha confissão, apenas continuo. — Eu acabei de escutar algo e
pude notar que é verdade, a forma como eu te olhei aos treze anos, é a
mesma que eu te olho aos vinte, e sei, porque eu sinto lá no fundo, que vai
ser sempre assim. Porque eu te amo e sou totalmente apaixonado por você
desde a primeira vez que te vi. Mas o que vai acontecer conosco? O que vai
ser de nós quando tivermos que dizer aos nossos pais? O que nos garante
que eles irão nos apoiar? São essas perguntas que rodeiam na minha cabeça.
— Grey... — ela me chama, tentando me interromper, entretanto eu
continuo.
— Eu sinceramente não me importo se eles não nos apoiarem. —
Dou de ombros. — Você é minha felicidade, Allison, e eu nunca vou estar
pronto para te perder, mesmo que isso signifique perder minha mãe e o
Harvey.
Tocando em seu rosto, olho novamente para ela, fitando seus olhos,
e ela sorri, e meu coração parece que para no momento em que ouço as três
palavras saírem da sua boca, seguidas de uma promessa que eu não estava
pronto para ouvir.
— Eu amo você, Grey e eu te prometo não fugir quando as coisas
ficarem complicadas. Sei que tenho essa mania idiota de fugir quando algo
não acontece como o esperado, mas se for o caso de eles irem contra, eu
ainda vou estar ao seu lado. Eu não vou fugir.
— Você está falando sério? — Minha voz embarga, se tornando
difícil de sair.
Allison assente com a cabeça, e uma gota de lágrima caí em seu
rosto, me apresso em limpá-la.
— Você nunca vai estar pronto para me perder, e eu nunca vou estar
preparada para um dia fugir de você.
— Porra, garota. Eu amo você — declaro certo disso, antes de beijá-
la, pois isso é tudo que eu preciso para seguir em frente.
Allison é tudo que eu preciso para enfrentar tudo e qualquer coisa, e
se ela está pronta para isso, puta merda, eu também estou. Desde que eu
esteja ao lado dela, sempre.
— Eu também te amo, seu bobo. — Ela ri durante o beijo.
Eles estão tentando me dizer o que devo sentir
Esse amor é difícil, mas é real
Não tenha medo, nós vamos sair dessa bagunça
É uma história de amor, meu bem, apenas diga sim
LOVE STORY | TAYLOR SWIFT

— Você não vem? — eu pergunto a Grey, quando desço da moto


após ele estacionar em frente à calçada da nossa casa.
Ele nega, ao mover a cabeça.
— Preciso fazer o serviço do Leon e ver como meu pai está depois
desses dias.
Anuo, ao lhe entregar o capacete.
— Ele vai estar bem — digo confiante, em um sorriso. — Tenho
certeza disso.
— É isso que eu espero, ele esteve durante todo esse tempo, mas
não custa nada checar.
Eu entendo o que Grey quer dizer, durante todo o tempo em que
minha mãe esteve doente, eu vivia preocupada, pois assim como a
depressão, durante o câncer, ela teve seus dias bons, os dias que não eram
tão bons assim e os dias péssimos. Eu odiava os dias péssimos, porque tudo
o que eu queria fazer era ajudá-la.
No entanto, como uma criança consegue ajudar uma pessoa que
está tratando de uma doença tão agressiva como a dela? Igual a minha mãe,
Sean tem a oportunidade de se curar, porém, ao contrário dela, a sua cura
depende dele e da força de vontade que ele vai impor nisso, e eu,
particularmente acredito que ele queira e que vai lutar por isso.
Por mais que Grey já tenha perdido suas esperanças de que os dias
bons durem, eu tenho a plena certeza de que Sean vai melhorar.
— Você tem razão — digo por fim. — Então nos vemos amanhã,
nesse caso?
— Com toda certeza — responde, animado.
Dou dois passos para trás ao acenar para ele, me despedindo, porém
antes que eu possa me virar, Grey me chama, estendendo a mão.
— O que foi? — pergunto, olhando para trás quando ele insiste.
— Vem cá, rápido — sussurra, pedindo.
Dou uma pequena corrida de dois passos, voltando para perto dele.
Sou completamente pega de surpresa quando Grey estica o braço e
me puxa pelo cós da calça.
— O que você está fazendo?
— Te dando um beijo de despedida.
— E se eles saírem de casa? — indago, quando ele agarra minha
cintura.
— Eles não vão — é tudo o que ele diz, antes de seus lábios
pousarem nos meus.
Demoro um pouco para digerir e assimilar o que ele acaba de fazer,
mesmo assim, acabo me entregando ao beijo, por mais que ele dure pouco
mais de dez segundos, eu ainda enrolo minha língua na dele. Quando acaba,
Grey beija a ponta do meu nariz, já transformando esse gesto em um tipo de
rotina, que eu confesso que tenho adorado todas as vezes em que ele o faz.
— Até amanhã — é tudo que ele diz quando me solta, dá partida na
moto e vai embora.
Espero minha respiração voltar a se tornar regular, antes de me virar
e caminhar em direção à entrada na casa. Quando o faço, preciso levar a
mão até o coração, pois levo um susto enorme ao entrar em casa e me
deparar com meu pai sentado em uma poltrona em frente à janela, que está
com as cortinas abertas.
Ele me lança um sorriso genuíno quando me vê.
— O que está fazendo aí? — eu pergunto, antes que ele me
cumprimente.
— Acho que estou sentado na sala, enquanto leio um livro. — Ele
levanta o exemplar de Blake Crouch que tem em mãos. — E você, onde
estava até agora?
— Fui até a padaria da senhora Jenner comprar alguns donuts e
muffins — minto.
— E onde eles estão? — meu pai pergunta, ao encarar minhas mãos
vazias.
Ergo os ombros, quando desço o limiar que separa o hall de entrada
da sala.
— Não tinha mais.
— Nada? — Franze o cenho.
— Nadinha, acabou tudo.
Meu pai solta um murmúrio desconfiado. É claro que ele está
desconfiado, porque primeiro, eu não sei mentir, e segundo, que é
impossível não ter nada na padaria da mãe do Wes. A mulher, além de ser a
melhor confeiteira de todas, nunca deixa faltar nada na sua vitrine, e assim
como eu sei disso, meu pai também sabe.
Contudo, ele opta por ficar calado e apenas consentir, concordando
com o que eu acabo de falar, eu não vou falar sobre o que acabou de
acontecer lá fora se não ele não falar nada.
E se for o caso de ele não falar nada, significa que ele não viu nada.
Por mais que há pouco menos de uma hora eu tenha prometido ao
Grey que iria ficar ao seu lado caso nossos pais fossem contra nós dois, o
que é verdade, eu realmente vou. Ainda não acredito que esse seja o
momento certo para ter essa conversa com meu pai.
E pela forma como ele fecha o livro, colocando-o sobre seu colo,
não é hora de conversar com ele sobre absolutamente nada, e eu tenho mais
certeza disso quando no momento em que estou próxima a ele o suficiente,
ele começa a dizer as palavras que fazem meu estômago revirar, meus pelos
arrepiarem, e minha cabeça apertar.
— Quando você pretende voltar no médico?
— Eu fui no ano passado já — respondo, fingindo uma certa calma.
— Sim, fez os exames e nunca mais voltou — completa. — Não
quero te pressionar a nada, Allison, mas você sabe que deve mantê-los em
dia.
Sou obrigada a fechar os olhos e soltar um longo suspiro. Já tive
essa conversa antes com meu pai, não só uma, mas várias vezes.
Quando eu era menor de idade, era mais fácil ele me convencer a ir
ao médico, afinal, tudo que ele fazia era me colocar no carro e me levar,
entretanto, após os dezoito, eu disse a ele que poderia me cuidar sozinha e
eu tenho feito isso muito bem desde então. E quando eu digo isso, quero
dizer que tenho vivido minha vida normalmente, como se eu não tivesse
qualquer preocupação em ter os genes da minha mãe e da sua doença vivos
em meu corpo ou não.
Desde que eu tive minha primeira menstruação, eu faço
acompanhamento anual, uma vez que é possível os filhos herdarem os
genes cancerígenos da mãe, principalmente quando falamos sobre câncer de
mama. Meu pai faz questão de que eu faça o acompanhamento sempre que
possível, e eu faço questão de não querer descobrir e viver com o
pensamento de tantos “e se” rodeando minha cabeça.
Portanto, eu digo as palavras que eu sei que irão acalmar seu
coração por hora.
— Vou marcar uma consulta para o próximo mês.
— Promete?! — Um certo brilho toma conta dos seus olhos.
— Prometo — digo isso pela segunda vez hoje, a diferença é que
dessa vez é mentira.
Meu pai anui, sorrindo, e eu me viro, indo em direção às escadas,
porém paro no terceiro degrau, quando, definitivamente, meu coração dá
um salto, prestes a sair pela boca, minha vista escurece, e meus ouvidos
ecoam a pergunta que meu pai faz em seguida.
— Aquele lá fora em uma moto, com quem você chegou, era o
Grey? — Eu demoro para responder, pois até três segundos atrás, ele não
fazia a mínima ideia de nada, estava apenas lendo seu livro, e agora está na
cara que ele viu tudo.
Meus dedos tremem sobre o corrimão da escada, faço o máximo de
esforço possível para girar meus pés e encará-lo, mas o meu corpo não é
meu melhor amigo nesse momento, pois ele está travado.
Meu pai chama meu nome, e eu continuo paralisada, pensando no
que posso lhe dizer.
Então, um vento invade a sala de estar, e a voz em minha cabeça,
que tinha ido embora nos últimos dias, decide dar o ar da graça.
— Fala a verdade para ele de uma vez por todas — ela aconselha.
Me viro e volto a descer os degraus, escuto o que ela diz, porém
faço o contrário, quando estou pronta para mentir ao me ajoelhar em frente
ao meu pai.
— Eu posso explicar — tento ganhar tempo.
— Acho que não tem muito o que explicar quando você beija
alguém, tem?! — Ele estreita os olhos, me encarando.
— Você viu? — Assente. — Quão encrencada eu estou?
Meu pai ri.
Ele simplesmente ri.
Várias gotas de suor frio descem por minha têmpora, meu rosto
inteiro esquenta, meu estômago dá várias cambalhotas, e tudo o que o meu
pai faz é rir da minha pergunta.
— Você não é nenhuma criança para estar entrando em uma
encrenca, Allison — ele diz suavemente. — Desde quando?
— Desde quando o quê? — devolvo, atordoada.
— Que vocês estão juntos — completa, e eu acabo cedendo, me
sentando no chão, meu pai se curva na poltrona e cruza as mãos, para poder
me olhar.
— O jogo da final da temporada — confesso.
— Só isso? Pensava que fazia mais tempo.
— Como assim mais tempo? — Engulo em seco, sentindo o sangue
fugir do meu rosto. Até mesmo minhas reações estão passando a ficar
confusas.
— Eu não sou ingênuo, filha, eu vejo as coisas e eu vejo as coisas há
muito tempo. Apesar de vocês dois estarem deixando mais na cara agora, eu
poderia jurar que vocês estavam juntos desde o ensino médio.
Balanço a cabeça, negando rapidamente.
— Não, juro que não — me apresso em dizer. — Tudo realmente
começou em janeiro.
Meu pai anui, ele passa um tempo calado, apenas balançando a
cabeça, até que seu pomo-de-adão se move, e ele encara suas mãos, seguido
da aliança. Eu presto atenção em todos os seus movimentos, até ele voltar a
fixar seu olhar em mim.
— Você está feliz? — ele pergunta, sem qualquer ressentimento em
sua voz, mágoa ou qualquer coisa do tipo.
A sua pergunta é como se fosse algo do seu cotidiano, é uma
pergunta simples, e eu não sei o que responder, porque eu não sei o que ele
vai dizer depois disso.
Se eu disser que sim, ele pode dizer que é melhor eu terminar tudo,
e se eu disser que não, ele pode simplesmente se voltar contra o Grey, e por
mais que negar minha felicidade agora seja a maior mentira de todas, as
duas opções que passam pela minha cabeça ferram totalmente a Grey e a
mim.
Então eu decido ir pela resposta mais simples, opto pela verdade,
pois como eu prometi a Grey, eu vou cumprir. Mesmo que eles sejam
contra, eu não vou desistir, muito menos fugir. Grey não irá me perder, e eu
nunca vou deixá-lo.
— Eu estou feliz, pai — sou sincera, e a minha sincera parece
atingir meu pai como uma faca.
— Você gosta dele?
— Eu o amo.
— E ele?
— Também.
Meu pai anui mais uma vez, engolindo em seco, seu corpo volta a
ficar ereto e recai outra vez no encosto da poltrona.
— Eu demorei um pouco para amar a Susan — ele confessa, e eu
não o interrompo, apenas ouço o que ele tem a dizer. — Quando eu me
casei com ela, a falta que eu ainda sentia da sua mãe era enorme, ainda é,
porque eu ainda sinto saudades dela, eu me perguntava como eu ia
conseguir viver com outra pessoa depois que ela morreu. Eu cogitei viver
sozinho, apenas com você, porque você era o suficiente para mim, você foi
o fruto do amor mais puro que eu posso dizer que eu vivi. A Susan foi uma
grande amiga da sua mãe, elas conversavam sobre tudo nos dias em que sua
mãe estava internada, e em uma de suas conversas, eu pude ouvir quando
Susan confessou que mesmo com um emprego em um hospital, ela se
preocupava com a questão do seu plano de saúde. Aquilo ficou na minha
mente durante tempos e tempos, e eu nunca soube o porquê.
Ouço o momento em que ele respira fundo, antes de continuar.
— Até que pouco mais de um mês após sua mãe morrer, eu tive que
voltar ao hospital para assinar alguns papéis. Eu havia esquecido
completamente deles, mas naquele dia, algo me fez desviar do caminho e
acabar no hospital, foi então que eu encontrei Susan na entrada. Ela estava
chorando, um choro que não era normal, era de desespero, um que dizia que
não sabia o que fazer, e eu já havia ouvido aquele choro antes, aquelas
lamentações.
— O que aconteceu, pai? — decido interrompê-lo e pergunto,
preocupada, pois não sei onde ele quer chegar.
— Susan havia acabado de descobrir que tinha um nódulo no seio.
Um vento soprou em nós naquele dia, e não era um vento qualquer, e todas
as vezes em que ele ricocheteava meu rosto, ele me dizia que eu sabia o que
fazer, mas eu não sabia. Eu a encontrei durante semanas, pois tudo que ela
queria era conversar, e eu conversava com ela. Ela me dizia que as coisas
em casa estavam ruins, que seu casamento estava por um fio e que ela não
sabia o que fazer com a doença. Até o dia em que ela me disse, aos prantos,
que o casamento havia acabado, mas a pior notícia que ela me deu era que
seu plano não cobriria o seu tratamento. O mesmo vento forte que senti no
dia em que a encontrei, nos pegou novamente, a voz me dizendo que eu
sabia o que fazer, e a conversa que eu havia escutado ecoando na minha
cabeça. Então eu a pedi em casamento, ela foi contra no início, e eu insisti,
até o dia em que ela aceitou.
Balanço a cabeça, tentando assimilar tudo o que ele acaba de dizer.
— Não estou entendendo, pai. Você se casou com ela, porque ela
estava doente?
Ele anui, enquanto eu respiro pesadamente, pronta para lhe pedir
uma pausa, porém ele continua antes que eu o faça.
— Aquela era a solução mais rápida para os problemas dela, nós
manteríamos o casamento até o fim do tratamento. Com menos de um ano
após o casamento, ela já estava curada, e eu já a considerava uma amiga
muito próxima, próxima a ponto de eu comemorar junto dela sua melhora e
tão especial que eu não pude, e nem consegui, deixá-la ir após o resultado
dos novos exames.
— Então vocês permaneceram casados?
— Sim, e foi então que eu comecei a amá-la. Por um tempo, me
senti culpado por aquilo, senti que eu estava traindo a Elena, mas um dia eu
a ouvi, clara e serena, me dizendo que estava tudo bem, e realmente estava,
porque mesmo amando Susan, eu ainda tinha sua mãe em meu coração, eu
ainda a tenho, e isso não é um problema. O amor nunca foi um problema,
ele nunca será, desde que fiquemos até o fim, o amor jamais será um
problema. Você ficaria pelo Grey até o fim?
Olho no fundo dos olhos do meu pai, eu não preciso responder nada,
pois ele sabe bem a minha resposta. Por mais que tudo que ele tenha
confessado agora me surpreenda, eu ainda consigo acompanhá-lo a ponto
de saber exatamente a resposta para isso.
— Então por mim, tudo bem — ele diz em um sorriso.
— Tudo bem o quê?! — inquiro, ao me levantar.
— Se você está disposta a lutar pelo Grey, e ele por você, por mim
tudo bem, desde que vocês sejam felizes.
Fecho os olhos com força e tento sorrir, entretanto eu não consigo, é
muita informação girando na minha cabeça ao mesmo tempo.
— Provavelmente você vai me perguntar sobre a Susan, ela não é
nenhum bicho de sete cabeças, e nada que uma conversa rápida com ela não
a faça apoiá-los também.
— Pai... — o chamo, hesitante. — Você tem certeza disso?
Ele se levanta e ficando de frente para mim, me puxa em um abraço,
eu permaneço estática.
— Claro que tenho, a única coisa que desejo a vocês é felicidade, eu
vou conversar com a Susan, e tudo vai ficar bem. — Ele beija o topo da
minha cabeça. — Mas tem duas coisas que eu preciso te pedir.
— Eu já disse que vou ao médico — volto ao assunto do início,
dessa vez falando sério, porque se ele pode aceitar meu relacionamento, eu
posso ir ao médico, sem problema algum.
— Não é isso. — Ele ri.
— O que é então?
— A primeira é que você não deve contar nada do que eu te disse ao
Grey, ele nunca soube, e a pessoa que deve dizer isso a ele um dia é a mãe
dele. — Concordo com meu pai. Ele sequer deveria ter me pedido isso, pois
eu sei o suficiente que esse deve ser um momento entre os dois. — A
segunda é que você deve aguardar eu conversar com ela, para falar qualquer
coisa.
— E quando você vai conversar? — indago, já ansiosa.
— Talvez nesse fim de semana. — Ele dá de ombros.
— Tudo bem. — Sorrio.
— E se você puder fazer uma terceira coisa como bônus, eu
agradeceria bastante... se vocês usassem camisinha pelo menos até os trinta
anos.
Meus olhos arregalam, e meu rosto esquenta.
— Essa é definitivamente uma conversa que eu não quero ter com
você, pai — é tudo o que eu digo, ao me afastar dele.
Ele ri, e eu também, então me abraça mais uma vez e mais forte,
assim como ele fazia quando eu era criança. Outro vento forte entra em
casa, abrindo as janelas as quais estamos em frente, e ele parece nos
abraçar, uma vez que bate apenas em nós dois, e nada mais se move, além
de nossas roupas e cabelos.
Pode parecer loucura, ou talvez seja loucura, mas eu sinto esse vento
como se fosse a minha mãe nos abraçando.
Seu amor é minha virada de página
Onde apenas as palavras mais doces permanecem
Cada beijo é uma linha cursiva
Cada toque é uma frase redefinidora
TURNING PAGE | SLEEPING AT LAST

Meu celular vibra pelo que eu acho ser a terceira vez, desde que eu
tenho os cabelos de Allison presos em punho. Ela empina a bunda, fazendo
com que meu pau entre por completo nela, e é quando ela solta um gemido
abafado, que eu perco todo o meu controle e acabo me libertando.
Chega a ser incrível como a nossa sincronia acontece, e quando eu
caio na cama ao seu lado, nossas respirações são pesadas. Eu não consigo
falar nada e na realidade, nem preciso.
Apenas puxo o seu corpo nu, abraçando-a. Allie está de bruços,
portanto, seu braço passa por cima da minha barriga suada, e quando sua
cabeça descansa no vão do meu braço, beijo o seu nariz. Ela sorri, fazendo
com que meu coração dê várias e várias cambalhotas.
Meu celular vibra outra vez, e dessa vez, Allie chama minha atenção.
— Você não vai atender?
Faço uma careta, e ela belisca meu peito, me estico por cima dela
para pegar o celular e quando o pego, vejo que é uma ligação da minha mãe,
pressiono o botão de bloqueio duas vezes, para recusar a ligação.
Ela tem me ligado já faz duas semanas, faz duas semanas também
que eu não a vejo, nem vou em casa. Mais especificamente, desde que o
recesso acabou e eu quase discuti com ela naquele dia, eu tenho a evitado.
Tenho evitado qualquer coisa que me traga dor de cabeça, isso inclui
minha mãe, porque eu sei que ela vai querer conversar, e eu não estou a fim
disso, a única coisa que eu quero é permanecer deitado nessa cama ao lado
da minha garota, até que eu seja realmente obrigado a me levantar dela.
Enquanto isso não acontece, eu permaneço aqui.
— Não acha que está ignorando há tempo demais? — Allie pergunta,
pois é claro que ela viu o nome que apareceu na tela.
— Para falar a verdade, não. — Dou de ombros.
— Ela é sua mãe, uma hora você vai ter que falar com ela
abertamente.
Franzo o nariz, fazendo um biquinho e balanço a cabeça. Allison
sabe porque eu estou a ignorando, ela até entendeu no começo, mas desde o
segundo dia em que isso vem acontecendo, ela insiste para que eu atenda.
Até mesmo já atendeu uma ligação que minha mãe fez diretamente
para ela e quis me entregar o celular quando ela perguntou por mim. Por
sorte, fui salvo pelo treinador, que decidiu ir até o refeitório atrás de mim e
Elliot.
— Hoje não.
— Então que tal na segunda, quando eles chegarem de viagem?
O celular vibra novamente, porém é uma mensagem, eu apenas o
coloco de volta no móvel e quando faço isso, me jogo por cima de Allie.
— Já tenho planos para a segunda — digo, ao puxar seu lábio
inferior com o dente.
— É? — Seu rosto começa a esquentar. — E o que seriam esses
planos?
O canto da minha boca se ergue.
— Um encontro.
Ela estreita o olhar, me encarando seriamente.
— Um encontro? — repete a minha resposta em uma pergunta e
engole em seco, antes de tossir. — Com quem?
— Com você — respondo o que é óbvio.
— Não lembro de ter recebido um convite — ela desdenha, mesmo
que um sorrisinho escape por seus lábios.
— Que tal termos o nosso primeiro encontro na segunda?
— E o que você planejou? — As pontas dos seus dedos começam a
traçar meus braços, causando leves arrepios.
— Primeiro, eu vou te pegar no seu dormitório, mas dessa vez, eu
não vou levar um café como todas as manhãs. Eu vou subir até o seu quarto,
e quando você abrir a porta, vai me ver segurando um buquê de Margaridas,
porque são suas flores preferidas, e na outra mão, eu vou ter uma caixa com
vários brownies, porque é sua comida favorita. Você irá sorrir, pegar o que
tenho em minhas mãos e guardar.
— E depois? — ela se interessa, com os olhos brilhantes, ainda me
acariciando.
— Depois, você vai sair, trancar a porta e segurar minha mão, então
nós desceremos as escadas juntos e sairemos do prédio. Eu vou abrir a porta
do carro, e você irá entrar, em seguida, quando eu entrar, o som estará
tocando James Arthur, e seu estômago vai revirar, porque você estará
ansiosa. Eu vou ver você passando a mão por sua coxa e vou pegá-la, e
beijar o dorso dela, assim...
Pego sua mão e pouso um beijo no dorso, e Allison sorri, então
entrelaço nossos dedos.
— E depois?
— E depois é surpresa. — Volto a cair de lado da cama.
— Tá falando sério? — pergunta, perplexa, ao se levantar e passar a
perna por cima do meu quadril, sentando em cima, e eu afirmo em um
murmúrio. — Isso é injusto — reclama.
— Injusto é você estar sentada praticamente no meu pau e não estar
quicando nele — devolvo, ao pegá-la pela cintura e posicioná-la sobre meu
pau, já ereto.
— Você é impossível. — Ela arfa ao sentir a dureza e se ergue um
pouco, encaixando sua entrada na minha direção.
— Então, isso significa que você aceita sair comigo? — pergunto,
quando ela se movimenta, rebolando sobre meu pau. Meus dedos apertam
sua cintura.
— É óbvio que eu aceito. — Ela vacila, quando geme.
— Está marcado então — digo por fim. — Agora rebola, vai —
peço, ao encher minha mão com seu peito, acariciando-o.
Me assusto quando vejo uma marca roxa em suas costelas, mas
chego a ignorar, talvez possa ser resultado das nossas inúmeras sessões de
sexo no último mês.

Heaven dá um beijo em Axel antes de se levantar e passar pela


multidão de estudantes que lotam o Jenkins, o bar mais próximo do campus.
As meninas queriam tequila, mas a garçonete informou que as doses estão
sendo servidas diretamente no bar. Então todas elas correram até lá.
Quando estou a sós apenas com os caras, o primeiro a bater no meu
ombro é Kane, que logo em seguida pergunta:
— Então quer dizer que você talaricou mesmo o nosso QB?
Faço uma careta.
— Não talariquei ninguém — me defendo. — E ele nem será mais
nosso QB a partir do ano que vem ou esqueceu que ele se forma nesse
semestre?
— Nem me lembra disso. — Kane se afasta, ficando sério de
repente.
A verdade é que ele tem medo do time acabar se perdendo após a
saída de Colin. Não que o seu substituto seja ruim, é um cara do terceiro
ano, ou seja, ele está um ano a nossa frente, porém ele passou mais tempo no
banco nos últimos jogos do que o restante de nós, e isso pode acabar nos
atrasando na próxima temporada.
E desde que Kane é capaz de dar sua vida por uma boa vaga no draft
daqui a dois anos, isso o assusta, porque os primeiros escolhidos pela NFL
são sempre os que estão em ascensão.
— Mas esse lance entre você e a Allie, é realmente sério? — agora é
a vez de Axel perguntar.
— Até onde eu saiba, sim.
— Seus pais já sabem? — ele insiste, e eu nego, ao trazer a long
neck até meus lábios e tomar um gole da cerveja, que já se encontra quente.
— Minha mãe deve desconfiar, mas não estou falando com ela para
saber se ela realmente sabe ou não.
— Se a minha opinião valesse de alguma coisa, eu diria para você
mandar eles à merda, caso falem alguém — Elliot intervém.
— Foi isso que você fez quando sua mãe quis lhe arranjar a Amber
como sua namorada no início do ano? — Kane retruca, e Elliot lhe mostra o
dedo do meio.
Axel ri, negando com a cabeça.
Sinto meu celular vibrar no bolso da minha jaqueta e já apostando
que é minha mãe, o pego, apenas para desligá-lo, só que me surpreendo
quando vejo que não é ela, e sim um número desconhecido.
Um aperto toma conta do meu coração, e minha respiração retesa
quando um arrepio involuntário faz com que os pelos do meu corpo se
ericem e o gosto da bile suba até minha boca. Eu acabo me levantando com
o celular em mãos e peço licença aos meus amigos.
O celular não para de tocar, enquanto eu me direciono até a saída,
quando passo pelo bar, escuto Valerie, que está junto ao restante das garotas,
incluindo Allison, me chamar, mas eu passo direto.
O sino da porta tilinta sobre minha cabeça quando a abro, e o vento
frio da noite me abraça, me causando outro arrepio, dessa vez, subindo por
minha coluna.
Quando estou pronto para deslizar o dedo sobre a tela e atender a
ligação, o celular para de vibrar.
Em um puro instinto, o primeiro pensamento que tenho é que algo
aconteceu com meu pai, e meu estômago embrulha pensando na
possibilidade. Ele tem permanecido bem e estável há semanas já, contudo,
eu continuo esperando por uma queda a qualquer momento.
Desbloqueio a tela e assim que o faço, sou levado direto à caixa de
mensagens e por pura curiosidade, aperto na última mensagem enviada por
minha mãe, a quatro horas atrás. Logo após suas quatro ligações, enquanto
eu estava com Allie, ela parou de ligar, depois que eu desliguei a última vez.
Contudo, eu não havia visto que ela deixou uma mensagem.
O início dela me deixa curioso o suficiente para ler todo o conteúdo
restante.
Mãe: Tenho tentado entrar em contato com você, mas você não me
permite. Estou indo a uma viagem com o Harvey e queria muito conversar
com você antes disso, porém, como não consigo, vou ser obrigada a falar
isso por mensagem mesmo. Na nossa última conversa, eu não ia dizer que
ela era sua irmã, como de costume, eu ia dizer que você nunca a viu como
sua irmã, mas sim como o seu primeiro amor, e eu não soube respeitar isso.
Na época, havia muita coisa acontecendo com a gente, então ali, era melhor
eu tentar te convencer que tudo o que vocês poderiam ser eram irmãos ou
amigos. Existem algumas coisas que precisamos conversar ainda, mas
quero te adiantar que se eu sobrevivi por você, o mínimo que eu deveria ter
feito era ter assistido você crescer feliz, pois eu deveria ter feito a
oportunidade que eu tive valer a pena por você, e não fiz. Você é minha
vida, Greyson, e se eu não tenho você, eu não tenho nada. Nessa viagem, eu
pretendo conversar com o Harvey sobre vocês dois, e se for o caso de ele
ser contra, serei obrigada a pedir a separação. Mas quero que saiba que
você tem o meu apoio, e é verdade.
Seja feliz, filho, por favor. Faça sua vida valer a pena, nos dias de
chuva, faça sol.
Quando termino de ler a mensagem, minha mão está tremendo,
minha respiração oscilante, e um sorriso toma meu rosto, então meu celular
toca outra vez, o mesmo número desconhecido.
Tento recuperar meus sentidos para atender, e quando faço minha
voz sai embargada, carregada de emoção que logo se transforma em uma
tragédia quando ouço atentamente a voz do outro lado da linha.
— Houve um acidente...
E eu construí uma casa
Para você, para mim
Até desaparecer
De mim, de você
E agora é hora de partir
E hora de morrer
TO BUILD A HOME | THE CINEMATIC ORCHESTRA

Grey passa por nós, e Valerie o chama, mas ele parece totalmente
inerte quando a ignora e caminha para fora do Jenkins com o celular na
mão.
Espero mais uma dose de bebida ser servida para ir atrás dele.
Enquanto isso, Elliot se aproxima de nós, eu o chamo, e ele vem ao meu
encontro.
— Aconteceu algo com o Grey? — pergunto, sentindo as palavras
embolarem na minha língua.
— Não, por quê?
— Ele saiu — explico, ao cobrir a boca com a mão, impedindo de
sair um arroto.
— Ah. — Elliot parece pensar. — Ele recebeu uma ligação e saiu
para atender.
Dou um murmúrio em resposta, então a bartender serve a próxima
rodada de tequila. Coloco um pouco de sal na boca, antes de tomar a dose e
chupar o limão, assim que tombo minha cabeça para frente, me sinto tonta e
mesmo assim, me levanto do banquinho, apoiando minhas mãos na bancada
do bar.
— Aonde você vai nesse estado? — Elliot pergunta, ao me segurar
pela cintura.
— Até o Grey. — Aponto para a porta.
— Não prefere que eu o chame, e ele venha até você? — oferece, e
nego.
— Estou bem — digo, me desfazendo do seu aperto e dando um
passo para frente. — Consigo fazer isso sozinha. — Desvio de Elliot
quando ele parece pronto para me segurar outra vez.
Sinto seu olhar me queimar, porém não importo, então giro os pés e
caminho na direção da saída do Jenkins. Preciso usar uma força extrema
para puxar a porta e apenas quando o sininho toca, eu saio do local lotado e
barulhento.
Preciso abraçar meu corpo para me proteger da rajada de vento que
atinge meu rosto, movendo a cabeça para tirar a mecha de cabelo da minha
visão, enxergo Grey. Ele está a cerca de cinco passos de distância de mim,
acaba de tirar o celular do ouvido, contudo, permanece parado de costas
para mim. A cabeça erguida, olhando para a pista sem movimento algum de
carros.
Meus passos são silenciosos enquanto eu me aproximo dele, um
sorriso involuntário se ergue em meus lábios, e então, quando estou atrás
dele, o abraço.
Grey pula, assustado, e posiciono minha cabeça no vão do seu
braço, olhando para ele.
— Ei, sou eu. — Rio, então ele se vira, e eu sou obrigada a me
desfazer do abraço por instante.
— Allie, preciso falar com você... — ele começa, e eu passo os
braços por seu pescoço.
— Eu também — digo, ao passar língua pelo lábio inferior,
sentindo-me feliz pelo que estou prestes a lhe contar.
— É sobre nossos pais. — Grey engole em seco.
— Eu também.
Meu sorriso se torna mais largo.
— Meu pai vai conversar com sua mãe sobre nós dois esse... —
digo, quebrando a promessa que havia feito ao meu pai, quando no mesmo
segundo em que começo a falar, Grey também fala. Contudo, ele me diz
algo completamente diferente, que me cala, me deixando fora de órbita.
— Eles sofreram um acidente na estrada e estão no hospital. — Suas
palavras são firmes.
Balanço a cabeça, uma, duas, três vezes.
Meus olhos se fecham com força, e eu engulo em seco, sentindo o
amargor tomar conta da minha boca. Tentando raciocinar o que acabo de
falar, mas principalmente, o que acabo de escutar.
— O que você disse? — indago em choque, sentindo a sobriedade
voltar ao meu corpo aos poucos.
— Me ligaram do hospital, houve um acidente, e eles foram levados
para o lá — ele repete, dessa vez de outra forma.
— Mas eles estão bem, certo?! — A pergunta sai incerta, porque ela
não quer uma resposta qualquer, ela quer uma certa, de que realmente eles
estão bem.
— Eu não sei — é o que Grey responde, então meus braços caem,
me desfazendo do nosso abraço instantaneamente.
Começo a balançar a cabeça, pois tudo em que penso nesse
momento, é no pior. Várias teorias rondam por ela, minha respiração retesa,
e meus batimentos cardíacos são quase inexistentes. Sinto o sangue se
esvair do meu corpo e rosto.
Grey me segura, apoiando sua mão em meu rosto e me firmando no
chão pela cintura, quando minhas pernas bambeiam, sob a ameaça de
falharem.
— Tudo o que me informaram é que eles estão no hospital e que
precisamos ir até eles, nada foi dito além disso. — Suas palavras tentam
transparecer confiança, meus olhos entregam o medo, eu consigo ver que
ele está tão preocupado quanto eu. — Vamos pegar nossas coisas e vamos
até lá, certo? — sugere, e eu balanço a cabeça.
— Tudo bem — um sussurro sai por minha boca.
Então Grey pega a minha mão, e caminhamos, entrando de volta no
bar, ele me guia, pois tudo o que vejo à minha frente é turvo e confuso, uma
mistura do álcool com o medo do que possa ter acontecido.
No momento em que chegamos à mesa em que nossos amigos estão,
Grey pega minha bolsa e suas chaves do carro. Alguém pergunta o que
aconteceu, talvez nós dois estejamos tensos demais, Grey explica, eu não
consigo falar nada, quando pego a bolsa de suas mãos e procuro lá dentro
por meu celular.
Todos se levantam rapidamente, quando eu finalmente o acho, Axel
toma as chaves da mão de Grey, dizendo que dirige, e Kane diz que vai
pagar a conta, mas nos encontra em breve.
Grey pega minha mão novamente, me levando de volta à saída, eu
tento me soltar para conseguir discar o número do meu pai, porém ele
continua com seu aperto firme em mim, como se ele precisasse disso para
se manter são.
Ele age como se soubesse o que estivesse fazendo, ao abrir a porta
traseira para mim, e eu ajo em total automático quando entro.
Ouço o motor ganhando vida, e logo em seguida Axel dá partida no
carro e acelera. Eu digito o número do meu pai e levo o celular até o
ouvido.
Caixa postal.
Tento o da Susan, e ele chama, por exatos trinta segundos, tocando
exatamente oito vezes, antes de cair na caixa postal.
Disco o número deles mais algumas vezes durante os quarenta
minutos que nos separam do hospital. São feitas cento e duas ligações, e
todas elas me levam à caixa postal, eu não deixo nenhuma mensagem, pois
logo estou desligando e ligando novamente.
Eu queria minha mãe aqui agora, eu queria ela me dizendo que vai
ficar tudo bem, que meu pai está bem, que no máximo, ele apenas se
arranhou.
No entanto, o hospital não ligaria a uma hora da madrugada por um
simples arranhão, ligaria?
Lágrimas começam a encharcar meus olhos, mas nenhuma desce
por meu rosto, levo a mão até o coração quando não o sinto batendo, meus
dedos tremem, e minha pele queima, minha língua se torna áspera, como se
estivesse ficando dormente.
É uma sensação de vida e morte.
Eu sei que eu estou viva, porém todo o meu corpo me dá indícios de
que ele está morto.
Uma pressão extrema toma conta da minha cabeça, apertando-a, e o
restante do caminho vai se transformando em um borrão na minha mente,
porque tudo que eu consigo processar é o momento em que a notícia foi
dada, repetindo, por várias e várias vezes, tento ligar para o número deles
em uma esperança que eu não sei exatamente de onde tiro, mas ela me diz
que um deles irá atender, isso impede que as lágrimas desçam e continuem
ali, estacionadas nos meus olhos, ou porque talvez meu coração esteja tão
apertado ao ponto de eu não senti-lo bater.

— Eles não estão bem — é o que eu digo assim que a porta da sala
de espera é aberta.
Sei que todos me ouvem, pois todos os rostos são virados na minha
direção, mas eu não me importo, apenas adentro a sala e me sento. Grey me
acompanha, enquanto nossos amigos ficam do lado de fora, uma vez que no
momento, é permitido apenas a família.
Chegamos no hospital há alguns minutos, e na recepção, ao invés de
nos encaminharem até meu pai e Susan, eles nos trouxeram para a sala de
espera, informando que em breve a equipe médica vem falar conosco.
— Por que você disse isso? — Grey indaga, ao sentar-se ao meu
lado.
Engulo em seco, lembrando dos dias que eu nunca pensei que iria
reviver antes.
— Sempre que acontecia algo grave com minha mãe, eles nos
traziam para a sala de espera, e nunca até ela — explico.
Grey anui, ao abaixar a cabeça.
Seus braços estão apoiados nas coxas, ao passo que os dedos estão
transpassados. Ele os aperta, fazendo força. Sei que ele não quer demonstrar
agora, porém ele está tão nervoso quanto eu, quem sabe mais.
Aproximo minha mão das suas, desfazendo o nó delas ao pegar uma
para mim, nossos dedos se cruzam, e eu abaixo a cabeça, para olhá-lo.
— Desculpa — peço, e ele me olha de canto de olho. — Não queria
ter agido assim.
— Tudo bem. — Sua voz sai rouca, quase em um murmúrio. —
Talvez eles estejam mal, mas talvez estejam apenas fazendo alguns exames
— ele tenta transparecer a confiança, entretanto, ele sabe que não é bem
assim.
— Talvez... — repito sem muitas expectativas.
Grey e eu continuamos de mãos dadas, conforme aguardamos
qualquer pessoa entrar por essa porta. Mesmo que eu já esteja mais calma
do que estava no caminho até aqui, a espera é difícil.
Meus pensamentos são uma confusão, minha mente visualiza vários
cenários diferentes, e eu tento ao máximo me desprender deles, pois não
estou pronta para ver nenhum dos dois intubado, assim como vi minha mãe
em alguns dias.
Também não estou preparada para ver a terra os engolindo, é por
isso que balanço a perna com força, me obrigando a parar com esses
pensamentos que me fazem tão mal, a ponto de me deixarem enjoada.
Minhas unhas atacam a parte desnuda da minha coxa, levantando a
saia que uso, pressiono a carne, a fim de trazer um pouco de alívio à minha
mente e acabo encontrando uma marca roxa ali, então afundo meu dedo
nela. A pontada contra minha pele consegue aliviar a turbulência dos meus
pensamentos, mas isso não dura muito tempo.
A porta contrária por onde entramos é aberta, e dois médicos
entram, um tira a sua touca, enquanto outra, que parece ser mais nova, o
segue. Eu a reconheço, seus olhos são claros assim como seus cabelos, ela é
a mesma que ficou responsável por Heaven durante o tempo da sua
internação há cerca de um ano, Promise sempre nos recebeu com um sorriso
de confiança no rosto naquela época.
Contudo, hoje ela está diferente, seus olhos estão opacos, a boca
fechada em uma linha fina, e quando ela fixa o olhar em mim, ela engole
em seco, então ela olha para Grey, passando a fixar o seu olhar nele, assim
como médico que se apresenta como James.
— É um pouco difícil de explicar o caso — ele diz, após se
apresentar e pedir para que a gente se sente, ele acaba de sair do centro
cirúrgico, onde acompanhava meu pai. — Harvey passou muito tempo entre
as ferragens, e isso causou alguns traumas em sua caixa torácica e crânio.
As lágrimas, que enchiam meus olhos desde que saímos do bar,
rolam por meu rosto de forma descontrolada, meus ouvidos tapam, e eu não
consigo ouvir mais nada do que ele tem a dizer sobre meu pai. Minha
cabeça gira, e sinto o toque da mão de Grey em minhas costas.
Eu tento falar algo e não consigo, então ele pergunta.
— Quando poderemos vê-lo?
— Ele precisará de um tempo de repouso na UTI, o estado ainda
consideramos o estado dele grave para tudo o que aconteceu, mas
acreditamos que em breve poderão vê-lo por alguns minutos — James
responde solidário.
Levo minhas mãos até meu rosto, enxugando as lágrimas, um pouco
aliviada, mas muito mais transtornada com tudo o que acabo de ouvir.
— E Susan? — decido perguntar, minha voz saindo trêmula e
embargada. — Ainda está em cirurgia?
É nesse instante que eu sinto o ar parar de rodar sobre nós.
Não existe mais oxigênio quando dois pares de olhos fitam Grey, e
apenas ele. É notória a dor nos olhos dos profissionais quando o fitam, eu
conheço esse olhar, eu já fugi dele.
E antes que qualquer um deles fale qualquer coisa, eu agarro o corpo
de Grey, que cai sobre o meu colo, então, as palavras que estavam
engasgadas feito um nó na garganta de Promise desde que ela entrou por
aquela porta, saem, carregadas de pesar.
— Infelizmente, não foi possível salvá-la. Susan veio a óbito ainda
no local do acidente.
Eles não dizem mais nada.
Eu não peço mais nada.
Grey não reage a nada.
Tudo o que conseguimos fazer é chorar, ao passo que eu tento
acalmá-lo, a ferida que havia cicatrizado há tantos anos, reabre, ao assistir
sua reação pela perda da mãe.
Ao contrário de mim, Grey não foge, ele se agarra em minhas
pernas como se eu fosse tudo o que ele tivesse, e eu seguro para que ele não
perca o seu mundo, enquanto entra em prantos.
Xingando meu nome, desejando que eu tivesse ficado
Você se transformou em seus piores medos
E você está se corroendo em culpa, bêbado com essa dor
Apagando os bons anos
E você está xingando meu nome, desejando que eu tivesse ficado
Veja como minhas lágrimas ricocheteiam
MY TEARS RICOCHET | TAYLOR SWIFT

Meu pai é uma das últimas pessoas a se despedir de mim. Ele me


abraça apertado, e quando ele o faz, caio no choro como no dia em que
recebi a notícia que minha mãe havia partido, duas semanas atrás.
O funeral aconteceu apenas hoje, eu não consegui falar nada quando
fui chamado ao púlpito. Me mantive em pé na frente de todos os seus
amigos e da nossa família, eu tentei falar algo, dizer alguma palavra, me
despedir dela, mas tudo o que eu via era o seu rosto triste, os olhos
brilhando em lágrimas, e a cabeça balançando na última vez em que a vi.
Eu demorei dez segundos entre dar as costas para ela e ir embora
naquele dia, enquanto ela morreu em menos de dois. É exatamente esse o
tempo que separa a vida da morte: dois segundos, em você está respirando,
sorrindo e rindo enquanto segura a mão do seu marido no caminho de volta
para casa, e no outro, um caminhão entra em uma curva em alta velocidade
com os faróis desligados, jogando o seu carro para fora da estrada, que
capota em mais de dez voltas. O arremesso é tão forte, que o seu pescoço
quebrou antes mesmo do carro virar a primeira vez. Então é assim que você
morre, de mãos dadas com o seu marido, voltando para casa de uma viagem
que deveria durar o fim de semana, mas que durou apenas uma hora.
Foi assim que minha mãe morreu, em uma volta repentina da
viagem que deveria ter durado dois dias, com os dedos entrelaçados aos de
Harvey, enquanto eles iam ao nosso encontro. No celular recuperado de
Harvey, havia uma mensagem não enviada para sua filha, dizendo que
estava indo nos encontrar no campus, que tudo havia dado certo.
Eles estavam felizes por eles e por nós em um segundo, e no outro,
Harvey estava preso entre as ferragens do carro, e minha mãe tinha ido.
Minha mãe se foi, e eu não tive a oportunidade de dizer que eu a
amava, que mesmo diante de todos os nossos erros, nossas brigas e
discussões, eu, ainda assim, a amava. Ela era a minha mãe.
Foi ela quem me deu amor quando eu precisei, ela quem cuidou de
mim quando estive doente, ela quem me criou, me educou, e mesmo eu
indo contra as suas ideias e o que impôs para mim, ela ainda era a minha
mãe. Ela me contou histórias para dormir e me abraçou durante as várias
noites em que tive pesadelos, ela beijava a ponta do meu nariz em um gesto
de carinho todas as vezes em que lhe pedi para nunca ir embora. Ela me
prometeu não ir, e no final, ela foi.
Eu odiava a ideia dela de querer me transformar na família da garota
que eu amava, eu odiava como ela me fazia ficar longe de Allison. Eu
odiava ser um covarde e ter medo dela, ela era apenas minha mãe.
E eu ainda a amava, porque ela era minha mãe.
Contudo, eu nunca fui capaz de dizer isso a ela uma última vez. Eu
a exclui, eu a ignorei.
— E agora, pai? — eu pergunto a ele, quando ele desfaz o abraço. É
uma pergunta que ninguém tem a resposta.
Talvez ninguém nunca vá ter a resposta para isso, porque ninguém
nunca está pronto para perder quem ama. Ninguém está pronto para perder
quem você teve ao lado desde o dia em que nasceu.
— Agora você vai viver e vai mostrar tudo o que você pode fazer,
mesmo que ela não esteja mais aqui, ela ainda estará aqui. — Ele põe a mão
sobre meu peito.
— Eu não estou pronto para viver uma vida onde minha mãe não
exista. — As palavras que me sufocam saem quase como um grito, então
meu pai me puxa novamente, me firmando em seus braços, quando tudo o
que eu quero é cair.
Isso é exatamente tudo o que eu preciso... cair.
Suas últimas palavras foram um pedido para que eu fosse o sol, mas
como eu posso ser o sol, se tudo que eu vejo é um céu carregado de nuvens
pesadas?
Eu sei que meu pai não está bem, seus dias bons se foram com a
notícia da morte da minha mãe, porém nos últimos quinze dias, ele tem se
esforçado o suficiente para deixar sua doença de lado e cuidar de mim. Eu
quero dizer a ele que eu estou bem, que eu não preciso que ele se mantenha
forte ou finja ser forte apenas para estar ao meu lado, entretanto, eu me
permito ser egoísta, porque eu preciso dele.
Preciso de qualquer coisa que me faça respirar, porque é difícil
respirar, é difícil viver, é difícil sobreviver.

— Como ele está? — pergunto no momento em que encontro


Allison do lado de fora do quarto de Harvey.
— Melhor que ontem — ela diz, esperançosa.
Harvey acordou há dois dias, apenas três dias depois do enterro da
minha mãe, ele estava fraco, e o desligamento dos aparelhos já era uma
opção para os médicos, então, subitamente, houve uma melhora. Tudo
aconteceu tão rápido, que logo houve a extubação dele, os médicos tiveram
toda cautela na hora de conversarem com ele, que acordou perguntando por
ela, foi preciso fazer o uso de sedativos.
— Você já comeu algo? — Desde que Harvey acordou, Allie tem
ficado com ele no hospital. Ela foi em casa apenas duas vezes, para trocar
de roupa e tomar banho, mas tem dormido no hospital mesmo antes de ele
ter acordado.
Ela nega.
— Estou sem fome. — Me lança um sorriso triste, e eu a abraço.
— Ele está bem.
— Ele, eu sei que sim. — Sua voz retumba sobre meu peito,
enquanto acaricio seus cabelos. — Mas e você?
Um riso espontâneo recai sobre meus lábios, porém ele é triste,
porque eu sou a última coisa com que quero que Allison se preocupe agora.
— Eu vou ficar bem — digo confiante, dessa vez, soando
verdadeiro. Me afasto, beijando sua têmpora, antes que ela me olhe,
conferindo se não estou mentindo. — Eu realmente vou ficar bem.
Allison balança a cabeça, negando a minha afirmativa, desconfiando
do que eu estou dizendo. Às vezes, até mesmo eu duvido das minhas
palavras, porque eu não sei para onde ir, como seguir, não sei o que
responder quando alguém me pergunta como estou. Não sei o que é entrar
em casa e não ver a minha mãe ou apenas esperar a sua chegada.
Hoje é quarta, hoje seria o dia de jantarmos em família, hoje ela
estaria sentada ao lado esquerdo da mesa, olhando para Harvey e entrando
em uma conversa com ele. Ontem teria sido a terça das compras, onde
mesmo não precisando, ela ainda insistiria para que Allison e eu levássemos
algumas das coisas que ela comprou para o campus. Daqui a dois dias, seria
o dia do seu clube do livro, onde ela voltaria para casa um pouco alterada,
após várias taças de vinho.
Ela não está mais aqui para isso, e não há nada que eu possa fazer, a
não ser seguir em frente. Mesmo que meu coração tenha um buraco no
meio, mesmo que eu pense a todo momento que se eu tivesse feito algo
diferente, mesmo que eu me culpe ou culpe o motorista do caminhão ou
culpe até mesmo quem fez o projeto da pista onde há uma curva... nada
disso mudaria. E o que eu tenho que aceitar é que não tive tempo o
suficiente com ela, ainda que me doa, ainda que abra mais o buraco dentro
de mim, ele um dia irá fechar. Pode ser que esse dia demore, só que ele vai
chegar, e tudo vai passar.
A única coisa que talvez nunca passe, é o ressentimento dentro de
mim, por não ter visto a sua uma última mensagem. Se eu pudesse voltar
apenas há alguns dias, eu teria atendido sua ligação, e ela teria dito as
palavras que escreveu em sua última mensagem. Então eu correria até ela
para abraçá-la e pediria desculpas, e é assim que eu seguiria minha vida.
— Confia em mim — é tudo que peço à Allison.
Sabendo que um dia a ferida irá fechar, mas o arrependimento de
não tê-la escutado me assombrará até meu último suspiro.
Allie suspira, tentando se convencer do que eu digo, e me abraça
outra vez, mais apertado.
— Eu não queria estar ausente, queria te ajudar mais — ela diz.
— Você não está ausente — nego imediatamente. — Você está
dando seu máximo em tudo — falo a verdade, afinal, antes de ela ficar no
hospital por horas e horas seguidas, ela vinha até mim, tentando me
confortar.
Mesmo que ela estivesse morrendo de ansiedade por dentro pela
recuperação de Harvey — além de claro, querendo ou não, sofrendo o luto
que a morte da minha mãe lhe causou —, eu vi em seus olhos durante os
primeiros dias, os olhos de uma garotinha que tinha perdido a mãe. Então
eu tentei engolir meu sofrimento enquanto estive próximo, enquanto ela
esqueceu a sua dor e sua agonia por mim.
Então não, Allison não tem sido ausente, ela tem apenas esquecido
de si própria para focar nos outros.
— Agora vai lá comer, por favor — incentivo-a, ao me desfazer do
abraço.
Allie anui, hesitante, porém concorda. É preciso que eu a vire e dê
um empurrãozinho em sua cintura para que ela ande, e quando ela dá três
passos, virando o rosto minimamente, eu ergo a mão, dando um tchauzinho
a ela.
Apenas quando Allison vira no corredor é que eu me preparo para
entrar no quarto de Harvey. Ele ainda está no CTI, pois não está bem o
suficiente para ser transferido para a enfermaria, por mais que ele tenha
acordado e tenha demonstrado uma melhora, ainda é necessário alguns
cuidados.
Eu ainda não o vi.
Talvez seja por isso que as batidas do meu coração retumbam em
meus ouvidos, eu não sei o que vou encontrar lá dentro ou como vou
encontrá-lo. Allie me disse que hoje ele acordou bem, tem conversado sobre
tudo, também sorrido mais e perguntou onde eu estava, pedindo para que
viesse vê-lo durante o horário de visitas. Ou seja, aparentemente ele está
bem, ao invés dos dois primeiros dias, onde no primeiro se desesperou, e no
segundo se manteve triste e calado.
Abro a porta devagar, colocando primeiro minha cabeça. Harvey
nota minha presença imediatamente e no momento que isso acontece, um
sorriso aparece em seus lábios.
Ao mesmo tempo que ele aparenta estar mais magro, ele também
está inchado, contudo, isso não afeta a feição e carinho dispostos em seu
olhar iluminado.
— Vai ficar parado aí ou vai vir aqui me dar um abraço? — ele me
encoraja.
Entrando no quarto, fecho a porta e coloco as mãos nos bolsos do
moletom, antes de caminhar até ele.
— Não acredito que um abraço seja uma boa ideia — digo, ao me
aproximar.
— Você não vai me machucar mais do que eu já estou com um
simples abraço. — Ele ergue a mão, me chamando, então eu me aproximo
um pouco mais da cama, encontrando seu corpo fraco e abraçando-o
levemente. Harvey tenta me agarrar com mais força. — Como você está?
— pergunta, quando desfaço do nosso contato.
É possível enxergar as lágrimas presas em seus olhos.
Meus ombros se erguem, descendo rapidamente, e eu sinto meus
olhos enxarcarem. A última vez que eu chorei foi no dia do velório, mas
parece que estou prestes a me debulhar em lágrimas outra vez, quando me
sento na cadeira que há ao lado da cama.
— Não há o que temer, se não está sendo fácil para mim aceitar,
quem dirá para você. — Assinto, pois, as palavras começam a ficar presas
no topo da minha garganta em um nó. — Ela te amava, Grey, mais do que
tudo e qualquer coisa nessa vida, e tudo que ela sempre quis para você, foi o
seu bem.
A primeira lágrima desce, e eu não a limpo.
— Apesar de que por muito tempo, eu duvidei disso, anos, na
verdade, eu sei que sim — confesso.
— Ela pensava que era coisa de adolescente, e sinceramente, quem
não iria pensar? — Harvey ri, e eu também. — Mas ela se tocou que a
verdade era diferente do que ela realmente acreditava, ao ler tudo o que
você escreveu durante tantos anos.
Paraliso, quando ouço as últimas palavras de Harvey.
— Ela... ela... leu...? — gaguejo, tentando raciocinar.
Harvey balança a cabeça em um sorriso fraco.
— E ela disse que foi a coisa mais linda que já leu em toda a vida
dela, que nunca havia experimentado um sentimento como aquele. Eu não
sei o que exatamente você escreveu, mas você conseguiu emocionar Susan
a ponto de ela se imaginar como uma vilã, e ela nunca foi nada disso.
— Como? Eu não entendo, Harvey.
— O que você não entende? — Ele se vira totalmente para mim.
— Como ela pôde ter visto tudo o que eu sentia durante tanto tempo
e mesmo assim, me repreender, mas ter feito isso para o meu bem ao
mesmo tempo? As peças não se encaixam. Então como?
Harvey parece respirar fundo.
— Em primeiro lugar, ela não queria que nenhum de vocês saísse de
coração partido, quando eram mais novos, aquilo poderia complicar muitas
coisas. Eu também não queria nada disso para nenhum de vocês dois, por
isso ela insistiu tanto no caminho mais fácil, depois que tudo se tornou de
verdade.
Ainda não consigo entender.
— Tudo o que, se tornou de verdade?
Então, o marido da minha mãe passa a me contar toda a história
deles, toda a parte da vida da minha que eu nunca tive conhecimento. Tudo
que ela passou sem nunca ter se aberto comigo ou com qualquer pessoa
além de Harvey. Ele me conta como ela se superou e sobreviveu, e como no
final, eles acabaram se tornando os melhores amigos um do outro.
— É tão inacreditável que isso tudo aconteceu — digo, quando
consigo controlar minhas lágrimas, minha voz voltando ao normal aos
poucos.
— A Susan não era fácil, ela nunca foi — ele diz. — Ela não era a
pessoa mais afetuosa do mundo, ela era apenas uma que agia mais pela
razão, deixando a emoção de lado. A primeira vez que a vi agir totalmente
fora do seu estado racional, foi na noite do acidente... — Ele para,
engolindo em seco, e eu ouço sua respiração falhando e voltando ao normal
em questão de segundos.
— Você está bem? — Levanto apressadamente.
Harvey ergue a mão, pedindo para que eu volte a me sentar. Eu faço,
mesmo que hesitante e preocupado, quando vejo quando ele começa a falar
com certa dificuldade, precisando parar algumas vezes para respirar fundo.
— Talvez esse tenha sido o maior problema de Susan, ela nunca
acreditou muito em emoções, mas seu último ato foi literalmente isso, ela
quis agir de coração, para que você fosse feliz... — Ele para, e um bipe soa
no monitor acima da cama, mas logo para. — Não desperdice o último
desejo da sua mãe, Grey. Não se culpe, merdas acontecem o tempo todo,
merdas acontecem com todo mundo. — Harvey para mais uma vez, agora
tossindo, e eu me levanto.
— Quer que eu chame algum médico? — me desespero, e tudo que
ele faz é negar com a cabeça.
— Eu estou bem — ele insiste, mesmo eu vendo a mentira explícita
ali, pois eu tenho dito que estou bem da mesma forma que ele. — A sua
mãe pediu para que você fosse feliz, e eu te peço para que cuide da minha
filha, nunca a deixe fugir, e se ela fizer isso, encontre-a. Ela costuma ir para
longe quando as coisas complicam, e ela precisa aprender que está tudo
bem ir embora, desde que ela aprenda o caminho de volta. — O monitor
começa a oscilar em vários bipes, como se fosse um alarme. — Você vai
fazer isso por ela e por mim, não vai, Grey?
— Eu preciso chamar um médico — digo, me afastando, porém ele
segura minha mão.
— Me prometa, Grey — Harvey pede, me fazendo parar. — Me
prometa que mesmo quando ela fugir, você vai mostrar o caminho de volta
para ela. Apenas me prometa isso. — Os sons ficam mais altos.
— Eu prometo — tento me desvencilhar dele.
— Você vai cuidar dela, não vai?
Anuo.
— Eu vou.
— Você promete?
Um nó volta a se formar na minha garganta, então antes que eu
possa respondê-lo, uma equipe médica adentra o quarto, me afastando dele.
Eles parecem correr contra o tempo, conforme os bipes dos monitores
tornam-se incessantes.
Um médico tenta colocar uma máscara respiratória no rosto de
Harvey, mas ele a afasta com brusquidão, meus olhos encontram os
lamentos dos seus, e ouço sua voz.
— Me prometa, Grey, por favor.
Assinto, concordando com tudo que ele falou por repetidas vezes,
enquanto repito:
— Eu prometo.
As duas palavras devem sair da minha boca por, no mínimo, trinta
vezes, ao passo que a respiração e o coração de Harvey falham, tudo
acontece muito rápido antes de ele apagar. Há realmente um alarme
tocando, enquanto uma voz chama por um tal de código azul, duas mãos
são postas sobre o peito dele, pressionando-o, e uma enfermeira bombeia o
ambu, que deveria melhorar a situação, porém tudo é muito barulhento.
Outro médico grita:
— Afastem! — Duas pás carregadas de eletricidade dão um choque
no corpo de Harvey, que pula da cama, porém imóvel.
Eles repetem o procedimento mais uma vez, e eu volto a repetir as
palavras que ele me fez dizer.
Me afasto devagar, dando passos para trás no momento em que um
monitor parece zombar da minha cara, trocando os bipes por um “pi”
infinito, antes de ser desligado por outro profissional dentro do quarto, que
fala a hora e os minutos.
Todos começam a se dispersar do quarto, ao passo que eu continuo
dando passos para trás, agora agarrando os cabelos no topo da minha
cabeça.
Como ele pôde me receber tão alegre, me contar tantas coisas e me
pedir várias para então, subitamente, tudo acabar? Como?
Quando meu corpo bate em algo atrás de mim, eu saio do transe,
que ainda me deixa choque. Quando me viro, me deparo com Allison, seus
olhos estão atentos e assustados, a boca entreaberta, ela entreolha para o
quarto e para mim, um dedo é suspenso no ar.
— O que aconteceu? — murmura.
Eu não sei como dar essa notícia. Eu não sei como recebi essa
notícia há menos de vinte dias, e eu não sei como ela suportou essa notícia a
oito anos atrás. Eu não sei como alguém é obrigado a viver sem alguém que
por tanto tempo esteve ao seu lado repentinamente.
Eu apenas não sei.
Allie ergue o dedo novamente, e então um grito desesperado sai da
sua garganta, quando dou um passo em sua direção, e ela dá outro para trás.
— Não se atreva — vocifera.
Ela dá mais um passo para trás, e eu a acompanho, indo em sua
direção.
— Não se atreva — ela não fala, ela implora. — Não se atreva. —
Mais um passo para trás.
Ela repete mais algumas vezes, antes de se virar e começar a correr.
Então eu faço aquilo que eu prometi, eu corro atrás dela, a pego por
trás e a abraço. Tudo o que eu faço é abraçá-la, enquanto ela repete várias e
várias vezes, ela despenca no chão, e eu vou junto dela.
Allison implora para que isso seja mentira, eu também peço.
Um grito rasga em seu peito, ao passo que eu ainda tento entender o
que está acontecendo e o porquê de tudo estar acontecendo tão rápido, tão
dolorido, tão visceral. Eu apoio sua cabeça no meu peito, permitindo que
ela tenha um lugar para chorar quando eu me junto a ela.
Eu ainda estou me agarrando a tudo que já se foi
Eu não quero dizer adeus, porque dessa vez é para sempre
Agora você está nas estrelas e sete palmos nunca pareceram tão longe
Estou sozinho aqui entre os céus e as cinzas
Oh, isso dói muito por um milhão de razões diferentes
Você tirou o melhor do meu coração e deixou o resto em pedaços
IN THE STARS | BENSON BOONE

“Não se atreva”.
É tudo que eu consigo pensar desde a sua partida.
Não se atreva a ir embora.
Não se atreva a morrer.
Não se atreva a me deixar sozinha.
Não se atreva a ir embora com um sorriso no rosto.
Apenas, por favor, não se atreva.
A última vez que eu o vi, ele estava sorrindo. Ele me disse que
estava bem, mesmo que eu sentisse que não estava nada bem. Não é normal
uma pessoa estar em um estado crítico e magicamente melhorar, e então,
logo depois morrer, porque tudo começou a falhar ao mesmo tempo.
Os médicos chamam esse acontecimento “magicamente trágico” de
súbita, onde pacientes em estado grave, igual ao meu pai, têm uma melhora
repentina, e boom. Basicamente isso, como uma bomba relógio, ele
explode. Ou melhor, ele piora drasticamente e morre.
Há quem chame também de última chance.
A última oportunidade de dizer que ama, a última vez que dará um
sermão e o último pedido feito em vida.
Ele teve sorte de ter essa última chance, mas e eu? Como eu fico?
Tudo que eu sinto é a vontade de ir embora, me juntar a eles, porque junto a
ida do meu pai, eu perdi os cinquenta por cento restante do que eu era. Anos
após a morte da minha mãe, ainda é difícil sobreviver sem ela, mas sem
ele? É quase que insuportável.
No entanto, mais insuportável do que isso é viver tendo que ver
todos os olhares penosos direcionados a mim. Todos me perguntam se eu
estou bem, e ninguém entende o que eu perdi. Todas as perdas são perdas,
no final das contas, a única diferença entre elas, é se acontecem de forma
abrupta ou gradual.
Eu perdi minha mãe gradualmente, pois eu sabia que uma hora iria
chegar a hora de eu me despedir dela. Quanto ao meu pai, aconteceu tudo
de forma abrupta, em um dia eu o abracei, no outro aconteceu um acidente,
e durante dias eu pedi para que ele melhorasse, pois ainda havia uma
fagulha de esperança sobre sua melhora. E ele até melhorou, mesmo que eu
sentisse que havia algo de errado ali, ele melhorou. E eu tentei focar nisso.
Porém, repentinamente, ele foi embora da mesma forma que melhorou.
Como superar isso?
Respirando?
Vivendo um dia de cada vez?
Aceitar que eu nunca mais vou vê-lo?
Escutar a voz dele em minha cabeça todas as vezes em que eu
pensar nele, da mesma maneira que acontece quando se trata da minha mãe,
como uma assombração?
Não. Não. Não e não.
Ninguém gostaria de viver assim pelo resto da vida, sendo obrigado
a estar ali todos os dias sem as pessoas que mais amou, escutando suas
vozes, vendo seus fantasmas e nunca podendo abraçá-las, sentir o toque
quente dos seus corpos ou ouvir seus peitos retumbarem em uma risada.
Eu não quero viver com esse fardo, entretanto, ao mesmo tempo, eu
não sei viver sem ele.
Leonor, a mãe de Susan, que veio à Stone Bay logo após a morte
repentina da filha, levanta o olhar e me dá um sorriso gentil, quando entro
na sala após descer as escadas.
— Decidiu comer um pouco? — ela me pergunta, caridosa.
— Ainda estou sem fome — é tudo que eu consigo responder.
Não quero ser mal-educada com ela, no fundo, eu tento ser
amigável, porém não é tão fácil quando não sinto ânimo nem para isso.
Apesar de sua perda, ela tem sido um amor, ela tem cuidado da casa, da
comida, de mim e do Grey.
O Grey também perdeu alguém, e é por isso que eu tenho me
agarrado a ele há dias, da mesma forma como ele se agarrou em mim no dia
em que recebeu a notícia. Eu queria estar com ele há mais tempo, contudo,
Axel, Elliot, Kane e Colin decidiram fazer uma visita após o último período
de aula, e eu fui tomar banho durante esse meio tempo.
Para falar a verdade, eu fugi deles.
Liguei o chuveiro e deixei a água escorrer pelo ralo, enquanto me
mantive sentada em cima do vaso, rolando o dedo pelo celular, sem
encontrar nada que me interessasse o suficiente. Apenas após ouvir o ronco
do motor do carro em que eles vieram partir, foi que eu entrei embaixo do
chuveiro, tomei um banho rápido, vesti um novo conjunto de pijamas e
desci de volta até o porão.
Grey está sentado na cama, recostado na cabeceira, quando eu tiro o
cobertor em um movimento completamente automático e me deito, me
aconchegando em seu colchão e descansando minha cabeça sobre seu
travesseiro. Ele me observa durante todo o processo.
— Comeu alguma coisa? — Desde a notícia do acidente, mesmo
com todo o caos ao nosso redor, ele ainda se preocupa com isso.
Se eu comi ou dormi direito. Me trazendo água, verificando minha
temperatura e nunca deixando que eu vá para muito longe.
Eu não tive coragem de entrar no quarto do meu pai depois de
receber a notícia, eu só quis estar ao lado da minha mãe, eu quis buscar por
conforto nela e quando eu corri, ele me abraçou, me impedindo de ir.
Quando ele deu partida no carro no final daquela tarde, ele soube
exatamente para onde me levar e esperou a alguns metros de distância
pacientemente, enquanto tudo o que eu fazia ao encarar a lápide com o
nome da minha mãe, era chorar.
Quando me perguntaram sobre como eu iria querer o corpo do meu
pai, eu não soube o que responder. Foi ele quem resolveu isso para minha
mãe, e foi a avó de Grey que resolveu para Susan. Eu encarei a morte, eu
encarei o luto, mas eu nunca resolvi nada sobre isso, então quando olhei
atordoada para Grey, ele respondeu que preferia que o corpo fosse cremado.
Ele fez a escolha certa, porque se me perguntassem onde eu deveria
enterrar o corpo do meu pai, eu também não saberia o que responder.
Família deve ficar ao lado da família no cemitério, porém minha mãe estava
de um lado, enquanto Susan do oposto. Eu não poderia ser hipócrita e dizer
que meu pai amou apenas a minha mãe, depois de ele me contar sua
história, então eu não saberia o que fazer.
É por isso que na sala há uma urna com as cinzas dele. Talvez um
dia, eu decida onde jogá-las, enquanto isso, ela irá permanecer na mesinha
ao lado da poltrona, em frente ao janelão da sala, onde ele costumava sentar
sempre que estava em casa nos finais de tarde e ler alguma coisa.
— Estou sem fome — digo pela décima vez apenas hoje.
— Tem uma coisa que o treinador Willians sempre diz quando não
fazemos as refeições direito e falhamos durante os treinos ou jogos —
comenta, ao deitar-se ao meu lado, apoiando a cabeça na mão e tocando
meu rosto.
— E o que é? — pergunto, curiosa.
— Saco vazio não para em pé — responde, alisando as mechas do
meu cabelo.
— Sorte a minha que estou deitada — sorrio, ou ao menos tento, o
máximo que eu posso.
Grey balança a cabeça, ao estalar a língua no céu da boca.
— Você precisa comer, Allie. — Faço uma careta. — Você está com
febre, não notou isso?
— Estou? — digo, levando o dorso da minha mão até a garganta e
em seguida à testa. — Não senti nada. — Talvez seja porque eu realmente
não esteja sentindo nada.
— Espera um pouco — ele diz, já se levantando.
Grey atravessa o porão, da sua cama até a escada, subindo-a em
questão de segundos, pouco tempo depois, escuto seus passos pelo chão da
cozinha e imediatamente faço uma careta. Eu realmente não estou com
fome e sempre que eu me forço a comer quando me sinto assim, fico
enjoada.
Os passos estacam, e então ele está descendo as escadas novamente,
contudo, não há nada de comida em sua mão, mas sim, um termômetro. Ele
se senta na cama e apenas levanta meu braço, sem sequer pedir para que eu
faça.
— Não estou tão quente assim — comento, e ele me repreende
apenas com o olhar.
O termômetro apita, e ele retira.
— Trinta e nove graus é quente para porra — é tudo que diz, ao
jogar o termômetro de lado e puxar o cobertor da cama. — É isso, você vai
comer, e se não melhorar, seremos obrigados a ir ao médico.
Médico...
Isso me faz lembrar da consulta e exames que fiz na semana do
acidente e que nunca tive a oportunidade de voltar lá para obter os
resultados, mas se eu tivesse algo, provavelmente eu já estaria sentindo
alguma coisa, o que não é o caso. E mesmo que esteja com febre, ela pode
ser apenas indício de que eu esteja fraca, uma vez que tudo o que quero
fazer é passar o dia deitada, e não tenho sentido tanta fome.
Grey me oferece a mão, e eu me levanto, acompanhando-o ao subir
as escadas novamente, indo em direção à cozinha. Quando chego, já tem
um prato de espaguete servido na bancada, e Leonor do outro lado da
cozinha, nos observando.
— Desculpa por estar parecendo uma megera — peço, constrangida,
pois tudo que tenho feito com ela é ignorá-la, mesmo que ela esteja
ajudando tanto.
— Eu aceito se você comer pelo menos metade dessa comida — ela
diz, e eu sorrio sem graça. — Você tem que se cuidar também, menina.
Estou subindo, se precisarem de mim, estou lá em cima.
Ela sai da cozinha, deixando Grey e eu à sós, eu me sento em uma
banqueta, e ele me acompanha, porém antes eu possa encostar no prato, ele
já está levando para o seu lado, enrolando o macarrão no garfo e em seguida
colocando a mão em baixo, ao direcioná-lo até mim.
— O que está fazendo?
— Tendo certeza de que você vai comer — responde e franze o
cenho. — Agora abre a boca.
— E se eu passar mal?
— Não vai. Abre a boca — pede, encostando o garfo em meus
lábios.
Faço o que ele pede e ele coloca o garfo na minha boca, eu
abocanho. Quando ele tira, começo a mastigar e fecho os olhos ao sentir o
sabor da comida.
— Gostou?! — indaga, cauteloso.
— Muito bom — respondo, sentindo um pouco de ânimo.
— Receita especial da dona Leonor, ela chama de macarrão de
pizza. Ela sempre faz quando não está bem ou quando alguém que ela
conhece não está.
— Então ela fez para todos nós? — sugiro, antes de ele colocar mais
um pouco na minha boca.
Grey ergue os ombros e depois desce, voltando a se concentrar no
espaguete.
— A resposta mais segura é um sim, afinal, não está fácil para
ninguém — diz cabisbaixo, engolindo em seco.
Temos nos apoiado um no outro para não cairmos, porque se isso
acontecer, eu não sei se um dia seremos capazes de nos levantarmos outra
vez.
— Não tem gosto de pizza — comento, tentando mudar de assunto.
— Na receita do molho, eu sei que vai creme de leite, noz moscada,
bacon, queijo e orégano — diz, ao me dar outra garfada.
— E o que isso tem a ver com pizza? — digo, me lembrando do
nome que ela dá à receita.
— Nada — confessa, rindo, e eu o acompanho, pela primeira vez
em dias. — Ela apenas deu esse nome e ponto.
Grey me dá mais algumas garfadas do macarrão, mas chega um
momento em que eu não consigo comer mais nada, então peço para parar, e
ele concorda.
Conseguir comer, mesmo que sem fome, faz com que eu me sinta
melhor. Hoje era um dia que eu apenas acordei com a vontade de ficar
deitada, até que ele passasse, isso explica a falta de ânimo para fazer
qualquer coisa, porém devo admitir que a insistência de Grey para que eu
me alimentasse fez eu me sentir melhor, assim como a comida e também
nossa conversa.
— Tenho algo para você — diz, ao se levantar e ir até a pia. — Pode
fechar os olhos, por favor?
— Por quê?
— Porque eu não quero que você veja agora.
— Tudo bem — concordo, mesmo que a contragosto.
Grey demora um pouco para voltar, e eu permaneço de olhos
fechados, quando ele arrasta a banqueta para voltar a se sentar, sinto um ar
quente em meu rosto e só abro os olhos novamente, quando ele diz:
— Pode abrir.
Meus olhos se enchem de lágrimas quando vejo o que ele preparou,
não é muito grande, mas é lindo, há um lacinho vermelho nele, e é tão fofo,
que me dá vontade de apertá-lo.
— Quem é esse? — digo, passando a mão sobre seu pelo dourado e
macio, a língua dele alcança meu queixo e o lambe.
— Ainda não tem um nome, pensei que você poderia escolher —
Grey responde.
— Que tal Marcel? — sugiro imediatamente.
— Eu acho Marcel ótimo — Grey responde, ao sorrir de lado,
mostrando sua covinha.
— Oi, Marcel — cumprimento o filhote de Golden Retriever, que
lambe mais uma vez meu queixo, e eu não consigo não sorrir com seu
carinho espontâneo.
As lágrimas que inundaram minha vista desde que eu abri os olhos,
são finalmente liberadas quando Grey tira um cupcake da outra banqueta,
que eu sequer havia notado antes, e o põe na minha frente. Quando eu
ponho Marcel em meu colo, pela primeira vez em muitos dias, as lágrimas
que descem por meu rosto são de algo quase parecido com felicidade.
— Você lembrou — digo, quando ele acende a vela, e me viro para
encará-lo.
— É claro que eu lembrei — diz, beijando a ponta do meu nariz. —
Feliz aniversário, Allie-run.
Então, é dessa forma que vivemos após uma perda, mesmo que o
luto doa e rasgue nossa pele como uma faca, vai doer, é claro que vai.
Contudo, iremos nos segurar nas coisas boas que foram vividas antes e
iremos nos segurar em cada coisa boa que acontece à nossa volta, e agora,
ao meu redor, eu tenho duas coisas boas acontecendo.
Grey e Marcel.
Você e eu andamos em uma linha frágil
Eu sabia disso esse tempo todo
Mas eu nunca pensei que viveria para vê-la arrebentar
Nunca pensei que veria isso
HAUNTED | TAYLOR SWIFT

Estou atrasado para uma merda em todas as matérias possíveis,


todos os professores, assim como a equipe técnica, souberam do que
aconteceu, e por isso, relevaram grande parte dos prazos.
O problema de todos entenderem e relevarem ao mesmo tempo é
que no final das contas, acumula tudo, e se me perguntarem por onde eu
começo, eu apenas vou pelo que já estava planejando.
São dois meses de atraso, mais o acúmulo do luto, mais as idas e
vindas do campus à Stone Bay, e as paradas na casa do meu pai, porque
sim, ele voltou a ter seus dias bons e ruins, porém, infelizmente eu não
consigo mais ajudá-lo tanto quanto antes.
Ah, isso tudo sem contar o filhote de Golden Retriever, que já está
quase um adolescente e vive comigo dentro do quarto da república, uma vez
que o prédio do dormitório de Allison está longe de ser pet friendly, e eu
não posso deixá-lo durante a semana na casa do meu pai, com suas idas e
vindas da doença.
No começo, até que minha avó ficou com ele em Stone Bay, quando
precisamos voltar às rotinas de aula, mas acontece que ela tem uma vida em
LA, e uma hora precisou voltar a vive-la também.
E meu maior problema nesse momento, é que Marcel se acostumou
a dormir no chão, do lado da cama onde Allison fica, e ontem, como ela
teve que fazer um trabalho até tarde — porque ela também está atrasada, é
óbvio que está —, Marcel decidiu passar a noite inteira chorando com
saudades dela. Consequentemente, eu não consegui terminar o projeto da
aula de Programação, porque o choro dele tirava a minha atenção todas as
vezes em que eu tentava focar nos códigos.
Por isso também, eu já estou no meu quarto copo de café, sentado
no refeitório e digitando igual a um cientista maluco, com fones que fazem
com que eu não ouça nenhum ruído do mundo exterior. Porém, não adianta
de nada quando meu lindo casal de amigos, Axel e Heaven, decide se sentar
na minha frente, enquanto discutem pelo último pedaço de lasanha.
Afasto o computador e trago a marmita com a lasanha até mim, em
seguida, pego o garfo e faca que não estavam sendo utilizados por Elliot em
sua bandeja e levo o primeiro pedaço de lasanha até a boca.
Heaven me encara, e eu levanto as sobrancelhas, sua boca se move,
e eu não ouço nada.
— O que você disse? — pergunto.
Ela estica o braço sobre a mesa e tira o meu fone, que eu havia
esquecido de tirar para ouvi-la.
— Eu disse que era meu.
— Agora é meu. — Dou de ombros, e ela faz uma careta. — Vocês
estavam discutindo para saber quem ficaria com o último pedaço, e eu
decidi que é meu — explico.
— Eu pensava que você não estava ouvindo nada com esses fones.
— Não é porque eu não estava ouvindo, que não vi a discussão de
vocês — digo, antes de engolir mais um pedaço da lasanha. — Sensacional,
cara — elogio Axel, e ele sorri.
Heaven bate nele com o ombro, a fim de repreendê-lo.
— Eu ainda queria o último pedaço — ela continua implicando,
porém não discute comigo.
Na verdade, ninguém discute mais comigo, e eu não se isso é bom.
Nossas conversas têm voltado ao normal aos poucos, nem tudo é sobre o
meu luto, sobre como estou ou o que preciso, no entanto, ninguém discute
mais comigo, e eu também não discuto com ninguém.
Quando estou no meu mundo, ninguém me interrompe também,
porque às vezes eu não estou pensando em nada, e em outras, estou
pensando em tudo.
A dor ainda é recente, isso é fato, fazem apenas dois meses desde
que perdi minha mãe, não é fácil lidar com a dor, é por isso que eu acabei
me acostumando a ela, não é possível fugir do luto, entretanto eu descobri
que é possível viver a minha vida e ter ela presente comigo. A minha mãe
morreu, e nas vezes em que esse pensamento me vem à cabeça é impossível
respirar, mas eu estou aqui, enfrentando todas as dificuldades e dando o
meu máximo para me recuperar.
— Quer o resto? — ofereço, para encerrar o assunto.
Heaven nega, então eu continuo comendo.
— E o que você está fazendo? — Ela aponta com o queixo para a
tela do computador, que está virado de lado.
— Um projeto de um aplicativo.
— Isso eu sei. — Seus olhos reviram. — Quero saber sobre o que é.
— Serviços.
— Não entendi. — Seu cenho se franze.
— Mecânico, encanador, eletricista, essas coisas... — tento explicar.
— Seria igual pedir um Uber, mas nesse caso, você contrataria o serviço, e
a pessoa iria até você.
— E como você pensou nisso? — Axel pergunta, interessado.
— Aí você já está pedindo demais — digo, ao finalizar a lasanha. —
Algum de vocês viu a Allie? — indago, mudando de assunto.
— Tivemos uma aula de política juntas no segundo horário hoje,
mas não a vi quando acabou — Lynnox comenta.
A última vez em que eu falei com ela, ainda era de manhã, ela me
perguntou como Marcel estava e me lembrou de colocar comida e água para
ele antes da aula, e quando eu disse que ia pegar o café dela, ela me
informou que já estava no prédio, indo para uma das aulas, então eu não a
vi o dia inteiro.
Sinto uma sensação estranha, porém não sei distinguir se é algo
como uma premonição, de algo que está prestes a acontecer, ou apenas
ligado o fato de que não a vi hoje, uma vez que costumamos nos ver todos
os dias, e na maior parte do nosso tempo disponível, ou ao menos manter
contato entre ligações e mensagens.

Eu: Foto anexada.


Vim ver como estavam as coisas antes do treino, e ele tinha comido
quase todo o pé da cama.
Já descobriu onde tem uma creche para cachorros?
Quer dizer, existe creches para cachorros?

Eu: Indo leva-lo para fazer as necessidades antes de anoitecer.


Eu: Está tudo bem?
Fui até o dormitório, mas você não estava.

Eu: Allison, são duas da manhã, e ninguém conseguiu entrar em contato


com você.
Onde você está?

— Allie, eu estou realmente preocupado, estou em frente ao túmulo


da sua mãe há três horas. Já te procurei por todo o campus, te enviei
dezenas de mensagens, eu já estou pensando em ligar para a polícia. Onde
você está? Me dá um sinal de vida, por favor. — Eu literalmente choro nas
últimas palavras, antes de desligar a ligação, que cai na caixa postal pela
centésima vez desde ontem.
— A última vez que você foi vista por alguém conhecido tem vinte
e duas horas, mas os policiais não podem fazer nada ainda. Não houve
qualquer acidente, agora eu vou te procurar em algum hospital. — O
desespero começa a se fazer presente, quando dou partida no carro.

Eu: Fui em todos os hospitais da região, passei a tarde inteira


procurando saber onde você está.
Desisto de mandar outra mensagem, porque eu sei que ela não vai
chegar, e meu coração quase para, quando disco seu número e ouço o
primeiro toque, e então sua voz.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer. —
Caixa postal, e eu já perdi as contas de quantas mensagens eu deixei ao
longo de todo o dia.
— São meia noite, e apenas agora que eu saí do último hospital, e
adivinha só, você não deu entrada em nenhum dos treze hospitais que eu
visitei hoje — digo, ao abrir a porta de casa e em seguida fechá-la. — Eu
espero realmente que você esteja em casa, porque não ironicamente, esse
foi o último lugar que eu imaginei que você pudesse estar — digo, entrando
na cozinha e seguindo para o porão, quando não a encontro nem lá, nem na
sala. — Eu estou desesperado, Allison, isso não se faz nem com seu pior
inimigo. Ontem pela manhã, estava tudo bem, você foi para a aula, você
conversou comigo, e então de repente, ninguém mais te viu, seu celular está
desligado. — Subo as escadas do porão novamente e decido ir ver o andar
de cima. — Por mais que você tenha ficado mal, você sabe que você tem a
mim, lembra o que a gente prometeu um ao outro? — pergunto, sentindo
um nó na minha garganta, ao subir as escadas em um rompante. — Que não
iriamos fugir quando as coisas ficassem complicadas? Então por que estou
sentindo que você está fugindo? Por que meu coração para de bater todas as
vezes em que eu penso na possibilidade de te per... — Não completo a
frase, porque definitivamente meu coração para, ao abrir a porta do seu
quarto e me deparar com o que encontro lá dentro. — Por que os cabides de
roupas estão espalhados pelo quarto, Allie? — a pergunta sai em total
choque. — Onde estão suas coisas? Onde você está, Allison?
Desligo a chamada, e o celular cai da minha mão, eu não consigo
pegá-lo, quando o que acabo encontrando, é o moletom lilás. O mesmo que
ela usava quando invadiu meu quarto de manhã cedo e o mesmo que tirou
na nossa primeira noite juntos.
Essa foi a única peça que ela parece ter deixado para trás.
Ao sentir o tecido grosso em minhas mãos, eu não consigo sentir
nada. É tudo branco, não consigo pensar onde ela possa estar, o porquê do
seu celular continuar desligado durante tanto tempo, o motivo de não ter
mais nada seu em seu quarto, enquanto o restante inteiro da casa não dá
qualquer indício de que ela esteve aqui.
A única coisa que sinto é o choque.
Nunca tive a chance
De dizer um último adeus
Eu tenho que seguir em frente
Mas dói tentar
DANCING WITH YOUR GHOST | SASHA ALEX SLOAN

Lunático.
Eu tenho andado por aí como um lunático.
Cinco dias desde que Allison decidiu ir embora. Não houve uma
despedida, um recado, uma mensagem de voz, ela apenas sumiu. Pegou
suas coisas e se foi.
As pessoas perguntam se eu estou procurando por ela... tudo que eu
tenho feito é procurar por ela. Não sei quando foi a última vez que consegui
dormir, talvez tenha sido na noite antes de ela desaparecer.
— Por que ela faria isso, Elena? — indago, fitando o túmulo da sua
mãe.
É aqui que ela vinha todas as vezes em que sentiu vontade de fugir
do mundo à sua volta. Faz três dias que eu venho e espero por ela, e nada
me traz a resposta da sua ida. Eu não sei se ela está bem, então como eu
posso saber que ela está viva? A certeza que eu tenho, é que falta algo em
mim.
Um vento forte e frio me abraça.
— Eu tenho me apegado à esperança de que ela vai voltar, sabe?! —
Rio triste. — Faz apenas cinco dias, eu sei, mas aqui dentro — aponto para
minha cabeça —, parece que faz meses desde a última vez em que a vi. Ela
vinha até você procurando por respostas, e agora quem precisa delas, sou
eu. Onde sua filha se meteu, Elena?
Uma lágrima ameaça descer por meu rosto, contudo, eu sou mais
rápido ao erguer a cabeça e respirar fundo, impedindo que ela transborde.
Eu ainda não chorei desde que vi a bagunça e ao mesmo tempo todo
o vazio que ela deixou em seu quarto. Eu não chorei porque eu não me
permiti chorar, porque eu sei que no instante em que isso acontecer, eu vou
estar desistindo da sua volta.
Vai ser como se eu tivesse aceitado que ela se foi.
Contudo, ela não se foi, ela não faria isso comigo ou com ela. Ela
não faria isso com nós dois.
— Ela faria isso conosco? — Fecho os olhos com força, engolindo
em seco.
O vento se torna mais forte, e mais rápido do que ele me atinge, ele
também para.
Eu estava acreditando que nada mais iria nos separar e até que eu
estava certo, afinal, nós dois estávamos lá um pelo outro, mesmo diante da
nossa maior perda, nós nos apoiamos, nos seguramos e nos erguemos.
Contudo, essa fé maluca que eu criei em nós dois me rasga por dentro,
porque ela simplesmente me tinha em suas mãos e me deixou, não me disse
nada, apenas se foi.
Se dissipando, como areia.
— Allison sequer me deu a oportunidade de não deixá-la ir. Eu
teria... — Respiro fundo. — Eu teria implorado. — Minha voz embarga, e
um nó se fecha na minha garganta, quase me proibindo de continuar. — Se
fosse preciso, eu teria ficado de joelhos e implorado para ela não me deixar,
e talvez ela saiba que eu realmente teria feito isso, é por isso que não
permitiu que a visse partir.
Então, a primeira lágrima desce, eu não consigo suportar mais
controlar as que vem em seguida, porque eu estou desistindo de ser forte.
Eu fui forte pelo meu pai, apoiei a sua doença enquanto fingia que
não era nada para mim. Fui forte pelo casamento da minha mãe, com medo
de destroça-lo. Fui forte quando tive que esconder o quanto amava Allie e a
queria comigo, e fui forte também para não gritar ao mundo quando
finalmente ficamos juntos.
Fui forte por várias vezes enquanto estive na sua frente desde o
acidente, porque eu sabia que ela precisava de mim.
Encontrei forças onde não deveria ter, e para quê?
Para ninguém me julgar, ou sentir pena de mim e querer me ajudar?
Apenas desisto de ser forte, ou tentar mostrar ter uma coisa que eu
não, porque isso é difícil para um caralho.
Suportar tudo é sufocante.
Então eu desisto.
Estou no estado estrangeiro
Meus pensamentos, eles sumiram
Minhas palavras estão me deixando
Elas pegaram um avião
Porque eu pensei em você
Só porque pensei em você
WINGS | BIRDY

— A gente deveria ir atrás de algum hacker. — Ouço Wes falar,


quando me sento à mesa em que ele e o restante estão sentados. Todos se
calam, me encarando, menos ele, que continua, enquanto mexe em sua
comida. — Sei lá — seus ombros se erguem —, ver as transações do cartão
dela no último mês, ninguém se transforma em um fantasma assim do nada
— ele diz, finalmente subindo o rosto e dando de cara comigo.
Meus olhos permanecem nele, assim como quando eu cheguei, ele
arregala os olhos ao me ver e engole em seco.
— Eu já fiz isso — assumo. — Eu já fiz isso quando completou uma
semana, porque eu pensei a mesma coisa, ninguém se transforma em um
fantasma. Nenhum hospital tinha notícias, nem a polícia, então eu procurei
por ela nos extratos bancários, e adivinha? — Rio sarcasticamente. —
Nada. — Agora é minha vez de dar os ombros. — A última localização que
o celular dela registrou foi na saída de Stone Bay.
— Você hackeou a Allie? — Sadie pergunta, atordoada.
Anuo, ao levantar as sobrancelhas.
— Muito trabalho para nada, não é mesmo?! — respondo
retoricamente. — É como a polícia disse, todos os sinais indicam que ela
não quer ser encontrada, afinal, até mesmo foi capaz de cancelar a matrícula
do próximo ano antes de ir, ou seja, se ela foi, foi porque quis, e quanto
mais cedo todo mundo se acostumar com isso, melhor.
As palavras deixam minha boca com um certo amargor, e eu tenho
vontade de chorar outra vez, mas me controlo na frente dos meus amigos,
que ficam em silêncio.
Se durante o meu luto, eles me tratavam com cautela, hoje eles nem
mesmo falam comigo direito. É como se o fantasma fosse eu, não a Allison,
que foi embora sem deixar qualquer pista da sua partida há um mês.
Óbvio que eu não fui o único que procurou por ela, que se
preocupou, que ligou, mandou mensagem e que passou noites acordado
pensando onde ela poderia estar. Meus amigos não são apenas amigos, são
uma família, então se um está mal, todos também estão.
A diferença gritante entre mim e eles, é que eu passei a não
transparecer o que eu sinto, porque quanto mais eu fazia isso, mais frágil eu
estava me tornando. Enquanto eles ainda mantêm a esperança de que ela irá
retornar e conseguem seguir a vida deles, eu pareço estar estacionado no
mesmo canto.
Marcas escuras adornam os meus olhos, a barba é totalmente
visível, e meu cabelo não vê um corte há dias. Quando me olho no espelho,
parece que eu sou uma versão mais nova do meu pai atualmente.
E isso é triste e deprimente para um caralho.
Permaneço calado na mesa, ao passo que eles retornam a conversar
sobre outros assuntos, apenas concentrado na minha comida, até o momento
em que ouço Kane falar:
— O Mark falou que precisa de um adversário para o JC, ninguém
que ficou pela região durante o verão quer lutar com ele.
— Ele perdeu a credibilidade quando eu ainda lutava — Axel
comenta.
— Eu luto — digo, encarando Axel, que me fita espantado.
— Você não tinha parado com isso? — Elliot pergunta.
— Parei porque minha mãe pediu — explico, como se não fosse
nada, e ele parece parar de respirar,quando o sangue foge do seu rosto. —
Diz a ele para colocar meu nome. — Volto a encarar Kane.
— Não diz nada — Lynnox se adianta, ao lado dele, colocando a
mão sobre a tela do celular dele, o abaixando. — Você não acha que já está
ferrado o bastante? — Seu tom de voz é ríspido. — Você anda por aí feito
um zumbi, se alimenta aqui ou ali, você não é o mesmo Grey de antes, você
não é o Grey que tinha físico ou psicológico para uma luta. Você quer o
quê? Destruir o resto que sobrou de você? Porque tudo que eu vejo é uma
sombra, você perdeu a sua mãe, perdeu o padrasto, e a pessoa que podia lhe
manter são, arrumou as malas e foi embora.
— Onde você está querendo chegar mesmo? — pergunto.
— Você tem razão, tá legal? Quanto mais cedo a gente se acostumar,
melhor, mas isso também vale para você, Grey, e você precisa viver sem
essas pessoas ao seu lado, sem ter que se foder intencionalmente.
Meu cenho se franze, quando eu indago:
— Isso tudo para que eu não lute? Belo discurso, agora manda a
mensagem para o Mark — volto a falar com Kane.
— Não vou fazer isso — ele diz em um murmúrio. — Por incrível
que pareça, a Lynnox tem razão.
— Tudo bem. — Dou de ombros e pego meu celular. — Eu mesmo
faço.
Eu: Ei, Kane falou sobre a luta com JC.
Tô dentro!
Não dá tempo de passar nem um minuto, para a resposta de Mark
chegar.
Mark: Fechou então.
Até mais tarde.
— Feito! — digo, ao bloquear a tela do celular. — E ah, já que você
concorda com ela — aponto para Kane, ao me levantar —, bem que já está
na hora de vocês dois se comerem de uma vez por todas.
É tudo que digo ao me retirar, deixando-os para trás.
Talvez seja por isso que eles me ignoram, porque eu também tenho
os ignorado. Maldita hora em que li o grupo de mensagens e vim almoçar
com eles no restaurante da cidade.
É nítido que ninguém está bem com tudo o que aconteceu, mas o
que é mais nítido ainda é minha derrota em tudo que cerca a minha vida, ou
cercava...
Várias coisas que ficaram no passado, pessoas, momentos,
lembranças.
Mesmo que meus amigos sejam uma espécie de base e quase tudo
que tenha sobrado para mim, é torturante e angustiante ao mesmo tempo
estar ali presente com eles e não conseguir fazer com as que as sejam como
era antes, quando tudo o que sinto dentro de mim é raiva.
Uma fúria que precisa ser liberada e que se foda se a única forma
que eu enxergo no momento para que isso aconteça seja quebrando a porra
da cara do JC, ou de qualquer outra pessoa, ou talvez respondendo e pouco
me importando com o que meus amigos fazem ou pensam.
Porra, eu só preciso sentir o controle de algo, porque o meu mundo
inteiro vem se despedaçando há meses.

Checo a bandagem em minhas mãos outra vez, antes de sair pela


porta do vestiário. Ao contrário da última vez em que lutei, hoje a luta
acontece no armazém, e como de costume, está lotado.
Um ringue improvisado está posto no centro do armazém
abandonado, enquanto vários estudantes, que já se encontram
completamente bêbados, perambulam ao redor. Passo por meu grupo de
amigos, eles me encaram, mas não dizem nada, apenas Lynnox, que
mantém os braços cruzados por cima do peito, balança a cabeça em
negativa, e Kane, que lutou há pouco tempo, ainda dá uma tapinha no meu
ombro.
Ao subir no ringue, faço um toque de punho com JC, e ele sorri,
sádico, ao passo que eu continuo sério e apenas dou as costas para ele,
ficando em posição até que Mark anuncie o início da luta.
Quando ele o faz, eu mantenho a guarda, porém não vou até JC,
deixo que ele se aproxime de mim e então dou o primeiro soco, isso faz
com que ele sorria ainda mais, e eu me lembro do meu pai e de todos os
seus dias ruins.
Outro soco que eu dou nele, é como se eu estivesse descontando
todos os anos em que reprimi os meus sentimentos, aceitando tudo o que
minha mãe falava, calado. Então mais um soco, dessa vez, nas suas
costelas, só que esse me faz lembrar a forma como eu a ignorei. Um chute
me recorda como ela morreu, meu punho invade a têmpora de JC, e a culpa
me invade, porque eu não me despedi dela apropriadamente, mesmo que
fosse uma última vez.
Me afasto de JC, e ele vem na minha direção, chuto sua cabeça ao
elevar a perna, e isso me traz as lembranças de Harvey, puxando assunto, se
interessando pelas coisas que eu gostava.
Contudo, quando estou de volta e vejo o sangue esvair da lateral do
rosto de JC, onde eu havia dado um soco antes, um enjoo me invade, ao me
afastar, dá tempo o suficiente para que ele consiga me atacar, quando seu
punho invade meu rosto, eu lembro de Harvey me implorando para nunca
deixá-la fugir.
Sorrateiramente, JC me chuta na canela, e minha perna falha quando
vai até o chão, é uma questão de segundos até que ele me derrube em um
soco, então eu vejo Allie me abraçando e eu tentando me manter perto dela,
enquanto nós dois sofríamos juntos a perda dos nossos pais.
Porém, é apenas quando em um movimento ágil e eficaz, JC tem
meu pescoço em seus braços, me agarrando em um mata-leão, que eu sou
atingido por todos os nossos momentos juntos.
O baile.
Os votos.
O primeiro beijo em cima da arquibancada, e o segundo embaixo
dela.
Todos os cafés que levei de manhã cedo.
Nossos momentos trancados em um quarto, enquanto ela assistia a
sua série favorita, e eu via o meu sorriso favorito exposto em seu rosto.
A primeira vez na cabana, e a segunda perto do lago.
Dessa vez, eu não tenho vontade de chorar, porque a respiração em
meus pulmões falha, e é disso que eu tenho precisado desde que ela me
deixou, preciso parar, preciso falhar.
Allison escolheu ir.
Eu necessito ir.
No entanto, passo a voltar aos poucos quando JC larga meu pescoço,
e ouço Mark gritando com ele. Não sei se ele anunciou quem venceu, nem
mesmo sinto essa necessidade, me ponho de pé, ainda meio tonto, e saio do
ringue.
— Falta de aviso não foi — Lyn fala, quando eu passo por ela.
— Deixa ele em paz — Kane devolve.
Eu não paro para responder nada, apenas volto ao vestiário, batendo
a porta com força quando entro, e para que ninguém entre, a tranco.
Pela primeira vez no último mês inteiro, eu senti conforto. Irônico,
não?! É preciso ter alguém me dando um mata-leão para que eu consigo
encontrar algum tipo de paz na minha mente completamente perturbada e
fodida.
Saio em busca do meu celular e quando o encontro, ligo para ela,
mesmo sabendo que a merda da caixa de mensagens dela está lotada. Quer
dizer, não mais, uma vez que eu paguei por mais memória na caixa postal
do seu plano, apenas para poder escutar a sua voz, para conseguir me
acalmar, mas dessa vez, quando a mensagem encerra, eu não quero escutar
a voz dela, eu quero abraçá-la e chorar.
É por isso que enquanto os soluços saem da minha boca, abalando o
meu peito, eu não consigo dizer nada, apenas com o celular encostado no
meu ouvido.
Minha visão tá turva
É de se desesperar
Cê me jogou pro alto
Só pra me ver quebrar
Eu tenho andado louco e a culpa é sua
Acho que te vi, quero gritar a minha dor
AINDA TE AMO | JÃO

Após sair do armazém, não senti vontade de ficar na república


quando subi ao meu quarto, onde tenho me mantido parte do tempo durante
o verão. Então peguei Marcel, saí de lá e o coloquei no carro comigo,
pensei em voltar para Stone Bay, mas entrar naquela casa nunca me fez
bem, agora então, é que não vai fazer.
Por isso acabei parando na casa do meu pai. Eu não venho mais até
ele como vinha antes, também não me sinto bem ao lado dele, porque eu
também tenho dias não tão legais, igual a ele.
Na verdade, todos os meus dias têm sido ruins e agoniantes.
Ao sair do carro, chamo por Marcel, e ele também sai, então fecho a
porta e ando até a entrada da casa. O cachorro fica parado ao lado do carro,
ao invés de me seguir.
— O que foi, cara? — pergunto, e ele grunhe, porém não olha para
mim, e sim para baixo. — Ei, Marcel, vem cá. — Bato no meu colo, ele não
vem.
Marcel grunhe novamente, se deitando no chão, então eu sou
obrigado a ir até ele e me agacho no chão, mesmo com meu corpo todo
dolorido, pois ele choraminga, as pontas dos meus dedos encontram seus
pelos macios, e eu faço carinho nele.
— Então, vamos entrar ou o quê? — tento incentivá-lo, contudo,
tudo o que ele faz é choramingar outra vez. — O que você tem, cara? —
indago, preocupado.
Então ele mexe a patinha e quando faz isso, arrasta um papel com
ela, trazendo até mim, eu travo quando vejo do que se trata.
Uma polaroid, uma foto onde eu estou abraçado à Allison, meus
lábios tocando seus cabelos, e ela sorrindo.
Nós tínhamos ido à praia, apenas assistir o sol se pôr nesse dia,
então ela pediu para uma criança tirar a foto com a maquininha que ela
levou para capturar uma foto do sol e do mar. A luz iluminando sua pele, e
o tom dourado do seu cabelo. Ela estava feliz, eu estava feliz. Ao entrarmos
no carro, ela pôs a foto dentro do quebra-sol, me disse para ficar com ela.
Aquela foi a última vez que eu havia visto aquela foto, não havia
procurado por ela, porque a memória ainda é viva em mim, mas vê-la
agora, me traz mais questionamentos.
Marcel choraminga, e eu também.
— Eu também sinto falta dela, amigo — digo, ao pegá-lo em meu
colo e me levantar. — Eu também. — Ele se encolhe no meu peito,
enquanto entramos na casa do meu pai.
Está tudo em silêncio e escuro, a não ser pela luz que vem da
cozinha. Coloco Marcel no chão ao chegar em frente à cozinha, e ele corre
para o meu quarto, ainda choramingando.
Caminho até a pia da cozinha para limpar minhas mãos, porém
acabo me deparando com uma pilha de louça, então ao invés de fazer isso,
coloco todos os pratos, recipientes e talheres dentro da máquina de lavar
louças. Em seguida, vou até a geladeira e fecho os olhos, me controlando
para não respirar fundo, quando tudo que encontro é uma fatia de pizza
gelada em um prato.
Ao pegá-lo, trago até o nariz e sinto o cheio ruim de azedo, então
jogo a comida no lixo e em seguida, junto o prato a lava-louças.
Desisto de procurar por comida e sigo para o banheiro, ao ficar em
frente ao espelho, encaro meu reflexo e não consigo sentir emoção alguma
ao ver o estado do meu rosto, tomado por hematomas roxos, sangue seco no
nariz.
Abro a torneira e encaro os nós dos meus dedos ensanguentados, ao
colocá-los de baixo da água. Solto um assobio devido à ardência, e apenas
quando me acostumo com ela é que começo a limpa-los, depois passo um
pouco de água no rosto, antes de fechar a torneira e abrir a farmácia.
Encontro o que é necessário, faço o resto da limpeza dos ferimentos
e por último, passo uma pomada para cicatrização onde é preciso.
Ao abrir a farmácia novamente, para devolver o que peguei, encaro
a embalagem laranja e penso seriamente em pegá-la, só que desisto,
fechando o compartimento. Saio do banheiro e sigo para o meu quarto.
Paraliso ao encontrar Marcel deitado na cama, grunhindo. Vai ser
uma longa noite, e tudo que eu preciso é dormir.
— Foda-se — declaro, ao voltar para o banheiro.
Abro a farmácia novamente e leio o rótulo na embalagem, que
enuncia as medicações de tarja preta. São os ansiolíticos que meu pai
costuma tomar, e sei que o que tenho em mãos é o que ele ingere para
dormir todas as noites.
Jogos quatro desses comprimidos na minha boca e pego um pouco
de água da pia mesmo, com o copo que há lá em cima, e engulo tudo. Sei
que é errado o que estou fazendo, porém faço mesmo assim, porque tudo o
que eu preciso é de horas seguidas de sono.
Sei que ainda tenho dois meses antes do retorno às aulas e aos
treinos oficialmente, então tenho um verão quase inteiro pela frente para
escolher o que vou fazer da minha vida quando o ano estudantil virar. Eu
preciso apenas, apenas mesmo, calar a minha mente atormentada, esquecer
o luto, esquecer a saudade, esquecer a falta e apenas dormir.
Só dormir, é tudo que eu preciso.
Ao me deitar na cama, Marcel sobe em meu peito, e eu acaricio seus
pelos, aos poucos, vou sentindo a sonolência me invadir. Fazia tanto tempo
que eu não sabia o que é isso, que sequer percebo o momento em que acabo
apagando.

Tento raciocinar o motivo pelo qual escuto latidos estridentes ao


meu lado quando desperto, algo molhado e áspero atinge minha bochecha, e
me causa um certo arrepio. Tento abrir os olhos, demorando um pouco no
processo, e com a visão turva, vejo que meu rosto está sendo lambido por
Marcel.
Ele lambe meu rosto, então solta outro latido.
— Ei, cara — falo, ainda sonolento, sentindo meu maxilar duro.
Me espreguiço ao me levantar, então o cachorro me lambe outra vez
e pula para o chão, latindo. Mecho a boca um pouco, porque ela está
dolorida, e ele late mais uma vez, chamando minha atenção.
— Que horas são? — murmuro, tateando os cantos da cama em
busca do meu celular, uma vez que está tudo escuro.
Como eu posso ter dormido tão pouco e ao mesmo tempo parecer
que um caminhão passou por cima de mim?
Me levanto e sinto uma dor nas costelas, lembrando que há algumas
horas estava em uma luta com JC. Subo o travesseiro e encontro meu
celular, porém o mesmo se encontra descarregado.
Marcel late outra vez, agora na porta do quarto, e eu coloco o celular
para carregar, antes de ir até ele, cambaleando pelo cômodo escuro.
Quando chego na porta, ele segue pelo corredor, aperto os olhos,
tentando enxergar para onde ele está indo, ele entra na cozinha, e eu o sigo,
então ele para, sentando e balançando o rabo, quando entro na cozinha,
percebo que ele está em frente aos seus recipientes de comida e água,
ambos vazios.
— Finalmente acordou. — Tomo um susto ao ouvir a voz do meu
pai. Tento respondê-lo, entretanto minha garganta está seca demais. —
Procurei pela ração dele, mas não encontrei nada.
Vou até o armário e pego um copo, em seguida o encho de água e
engulo alguns goles, antes de enchê-lo novamente e levar até o recipiente de
Marcel. Depois volto ao armário e me abaixo para pegar a comida dele,
também enchendo o recipiente.
— Que horas são? — pergunto ao meu pai, quando termino de
colocar as coisas para o Marcel.
— Dez da noite — responde.
Me espanto com o horário.
— De que dia?
— Sábado.
— Hum — é tudo que eu respondo em um murmúrio, ao abrir a
geladeira.
— Esqueci de passar no mercado essa semana — ele explica,
quando eu vejo que não há nada lá dentro, outra vez. — Você pode ir
amanhã?
Ele pergunta, porém não respondo nada. Ao ir no armário, sentindo
meu estômago roncar, encontro uma barra de proteína e verifico a validade.
A cadeira em que meu pai está sentado se arrasta no chão, quando eu abro a
embalagem e dou a primeira mordida.
— Você pode terminar o serviço da Honda também? — ele pergunta
quando eu me viro, e eu ergo a sobrancelha. — Comecei na quinta passada,
mas não consegui terminar.
— Por quê? — indago.
— Por que, o quê? — Ele parece confuso.
— Você não conseguiu terminar? — digo, ao dar outra mordida na
barra.
Meu pai dá de ombros.
— Não estou bem nos últimos dias. — Sua voz está fraca.
Como o restante da barra e jogo a embalagem na pia.
— Adivinha só, pai, eu também não — respondo secamente. —
Você não está bem nos últimos dias? Eu também não — confesso, ao me
recostar na bancada da pia.
Os olhos do meu pai me encaram quase sem vida, confusos.
— É sobre sua mãe? — pergunta, e eu nego.
Quase solto uma risada quando um nó se instala no topo da minha
garganta, mas eu o engulo.
— É sobre ela, é sobre você, é sobre Harvey, Allison, tudo. É sobre
tudo! Eu não estou bem, e é sobre tudo. Não é apenas você que vive dias
ruins ultimamente, eu também vivo, e eu estou exausto dos seus dias ruins.
Eu estou exausto de estar sempre ali para ajudar você ou qualquer pessoa e
ser deixado de lado, porque eu tenho essa mania de priorizar e agradar aos
outros, e acabo esquecendo de mim, e olha que eu me achava egoísta antes,
mas não é nada disso. — Sorrio, infeliz.
— É só um dia ruim, logo vai passar — ele tenta controlar a
situação, e eu acabo explodindo.
— Aí é que está o problema, o dia passa, mas logo em seguida, ele
volta. Sabe por quê? Porque você não procura ajuda — acuso, ao apontar
para ele. — Porque você não quer ajuda — vocifero. — Você é a última
pessoa que eu tenho, a última, e quem deveria estar sendo cuidado era eu.
Não deveria me preocupar com contas ou mercado ou seus dias ruins. Eu
perdi a minha mãe, que ironicamente, querendo ou não, apesar do seu jeito
seco — levanto os braços —, era a única que cuidava de mim.
— Pequeno...
— Para de me chamar assim, pai! — grito. — Minha mãe se foi, e
ela nem teve escolha quanto a isso, em um segundo, ela estava viva, no
outro, morta. Ela não conseguiu escolher se poderia ficar ou não, e você
tem o privilégio dessa escolha, mas tudo o que você faz é se afundar nos
dias ruins cada vez mais. Olha pro meu rosto. — Aponto para mim. — Eu
estou me tornando um reflexo fodido seu e eu não quero isso — aponto
para ele —, para mim. Estou aqui tentando te ajudar, mas até isso tem um
limite.
— Greyson... — ele me chama outra vez, se apoiando na cadeira da
mesa.
— Vamos, Marcel! — chamo, ao sair da cozinha, e ele me
acompanha.
Estive esperando por você desde que você partiu
Eu só quero que as coisas voltem a ser como eram antes
E eu só quero te ver novamente na minha porta
(...) Não é o tipo de fim que você quer ver
Amor, e o fim?
Achei que você estaria aqui agora

IF THIS WAS A MOVIE | TAYLOR SWIFT

Entrando em casa, sou recebido pela escuridão, pego o celular e


ligo a lanterna, até encontrar o interruptor da luz e ligá-la.
Ao sair do vestíbulo e ir para a sala, encontro o aparador, onde
Harvey costumava deixar suas bebidas. Eu nunca peguei nenhuma, nunca
tive vontade, mas após a discussão com meu pai, a cerca de uma hora atrás,
essa vontade me atinge no momento em que vejo uma garrafa de whisky
pela metade. Então eu a pego, trazendo-a para debaixo do braço, enquanto
Marcel sobe as escadas.
Sempre que ele está em casa, sobe as escadas e vai para o quarto
dela, deita na cama dela e fica lá, apenas sentindo o cheiro de Allie. Eu
queria ser que nem ele, ter coragem de entrar aqui e apenas ir para um lugar
que me deixe confortável, porém nada me faz sentir assim, quando se trata
dessa casa.
Caminho até a cozinha, guardando as sacolas que trouxe.
Passei em uma conveniência e acabei comprando algumas coisas
para o tempo que vou ficar por aqui, que sinceramente, não faço ideia de
quanto será. Pode ser que amanhã eu me arrependa de tudo o que disse e
volte para o meu pai, e pode ser também que eu queira apenas ir para a
república. Apesar do verão ter chegado, a casa continua aberta, e alguns
caras do time permanecem lá, a não ser pelos que acabaram se formando
nesse ano, como Colin, que fez suas malas e partiu logo após a ida de
Allison.
Porém, ficar na casa lotada me aterroriza tanto quanto vir a Stone
Bay, pois ficar lá significa companhia e pessoas, e essa é a última coisa que
eu preciso agora, porque a única que eu queria ao meu lado, decidiu me
abandonar.
— Hahaha. — Este sou eu, enlouquecendo ao ver um porta-retrato
onde na foto estamos Allison e eu no dia do baile de formatura, se olhando,
ao voltar para a sala, viro ele para baixo, para não ter que vê-lo outra vez.
— Marcel — chamo-o, contudo, sei que não adianta de nada, porque
enquanto eu não for até lá dizer que estamos indo embora, ele não vem até
mim, e eu não estou com ânimo o suficiente para subir no quarto dela.
Entorno o gargalo da garrafa na boca, após jogar a tampa no chão e
tomo três goles. Ainda estou um pouco grogue, devido aos remédios para
dormir, mas não me importo tanto quando a ardência caramelizada do
álcool invade minha garganta.
Desço as escadas para o porão, ligando a luz do mesmo. Ao chegar
no patamar mais baixo, tomo mais alguns goles e pego meu celular outra
vez, começando a digitar uma mensagem.
Eu: Você conhece a teoria das lagostas?
É claro que você conhece.
Toda essa merda surgiu a partir de você.
Eu podia jurar que eu seria a sua lagosta, mas sabe o que você fez?
Você me deu a porcaria da sua patinha, apenas para cortar a minha fora e
levá-la junto de você.
Paro de enviar mensagens e tomo mais alguns goles, me sentando
no chão ao lado da cama.
Então decido discar o número, como fiz na noite passada, e adivinha
só, caixa postal mais uma vez.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Não, Allison, eu não sei que o que fazer, está feliz por ouvir isso?
Ah, foi mal, talvez você nunca vá escutar isso, porque você foi embora.
Sem olhar para trás, sem me dar um motivo, sem se despedir. Como eu
poderia imaginar que você seria cruel assim? Me fala, como?
A chamada apita, informando que excedeu o tempo da mensagem.
Disco o número mais uma vez.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Eu me senti a pessoa mais egoísta e covarde do mundo durante a
merda dos anos em que eu amei você, e veja só onde isso me levou... —
Paro, porque sinto vontade de chorar, então tomo mais um gole da bebida.
A ligação encerra outra vez.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Eu fui a pessoa mais feliz do mundo quando soube o que você
sentia por mim. São poucas as pessoas que têm essa sorte no mundo, você
sabia? Porque sim, isso é sorte, encontrar alguém que te ame na mesma
proporção que você a ama.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— E você vivia preocupada no começo, podendo jurar que estava
lhe enganando. — Outro gole. — E no final, quem foi enganado nessa
merda, fui eu.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Você foi a covarde, você foi a egoísta...
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Você me prometeu ficar, você me prometeu não fugir.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— E eu prometi ao seu pai te trazer de volta.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Como eu posso te trazer de volta, se eu não sei para onde você
foi?
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Você me deixou...
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Você. Eu quem me preparei durante anos para ir embora no dia
em que fizesse merda com você, enchi meu carro de tudo o que eu
precisava em um caso de fuga, porque tudo em que eu pensava era em fugir,
no dia em que me declarasse para você.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— E no final, você quem foi embora.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Por que você foi embora?
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Talvez essa seja uma resposta que eu nunca terei, talvez um dia
você me dê, e quando isso acontecer, eu provavelmente não queira escutar.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Como uma única pessoa pode ser capaz de te levar às nuvens e
depois fazer você despencar? Foi isso que você fez comigo, eu despenquei,
Allison, e agora eu não sei como me levantar.
— Oi, é a Allie, não vou me estender, você sabe o que fazer.
— Você era a porra da minha lagosta — grito, jogando o celular
para longe, e ouço o momento em que ele encontra algo parecido com
vidro, que acaba quebrando.
Ao me levantar, a primeira coisa que eu encontro é um abajur, e
arremesso-o contra a parede.
Não sei exatamente quando eu perco o controle, mas saio quebrando
e chutando tudo o que vejo na minha frente.
Minha perna encontra a mesa de sinuca, então eu a chuto, uma,
duas, três, quatro vezes, até o instante em que ela encontra a parede em um
baque ensurdecedor, uma das gavetas se abre e é jogada no chão com o
impacto, então eu o vejo... aberto na primeira página.
Me agacho, pegando-o em minhas mãos e lendo a primeira página.
“Querido diário, essa não é uma história de amor, mas uma história
de como eu me apaixonei pela filha do meu futuro padrasto...”
Eu rio, infeliz, porque eu estou infeliz. A primeira folha se
despedaça na minha mão quando a arranco, então a segunda vem ao seu
encontro, eu arranco tudo o que consigo no caminho que faço até a lixeira.
Chegando nela, tiro o restante das folhas e jogo lá dentro, apanho a garrafa
com o resto do whisky e derramo o líquido sobre as folhas. Saio como um
louco, subindo até a cozinha à procura de uma caixa de fósforos, ao
retornar, vejo Marcel sentado em frente à lixeira, ao riscar o palito e deixá-
lo cair sobre as folhas, a chama laranja começa a subir.
— Acabou, Marcel, agora somos apenas nós dois.
Acabou... porque o Joey também se foi. Ele era o último pedaço de
mim que faltava ir embora, ele era a última parte que ligava a nossa
história, e agora acabou. Eu não sei onde eu vi, ou escutei, mas tudo o que
minha cabeça consegue processar é que quem quer ir embora, vai em
silêncio, quem quer ficar, se despede.
Ela nunca se despediu...
E o que acaba me despedaçando por completo, é quando enxergo a
última folha que é engolida pela chama. Nela há uma letra diferente, não é
minha, porém eu a conheço muito bem.
Me abaixo rapidamente para pegá-la, na esperança de que eu possa
ler o que há escrito ali, entretanto, tudo o que o fogo deixou sobreviver,
foram as primeiras palavras, que leio em voz alta.
— Oi, Joey, nova moradora na área, você já ouviu falar de mim
várias vezes, mas nunca ouviu minhas palavras, então é para isso que eu
estou aqui.
Minhas pernas cedem ao ver que as letras estão manchadas, como se
água tivesse caído sobre o papel enquanto era escrito, e eu caio no chão,
encarando aquelas palavras e lendo-as por seguidas vezes, tentando
adivinhar o que havia no restante, mas é impossível, quando tudo o que
sobrou das palavras foram as cinzas.
Assim como Allison e eu.
Há alguns versos que eu escrevi
Em caso de morte, é isso que eu quero
Isso é o que eu quero
Então não fique triste quando eu me for
Há uma coisa que eu espero que você saiba
Eu te amei tanto
THE LONELIEST | MÅNESKIN

Um mês antes...

— Você tem certeza de que prefere fazer isso? — Promise pergunta,


e eu aceno. — E quem vai ficar com você lá? Não quero parecer metida,
mas eu sei o que houve com seu pai e sua família, num geral. Mas e seu
namorado ou seus amigos? Não tem ninguém que possa estar com você?
— Ter tem, mas eu preciso fazer isso sozinha — digo, convicta da
minha opinião.
— Você vai precisar de ajuda, Allison — Promise insiste. — Certo
que há milhares de pessoas que já passaram por isso sozinhas, mas é bom às
vezes ter uma rede de apoio, principalmente nessa situação.
— Eu vou ficar bem, Promise, e eu vou precisar que você honre a
promessa que me fez de não contar a ninguém.
Ela anui, mesmo que a contragosto.
— Eu faria isso mesmo se você não pedisse, afinal, é meu dever
como médica. — Ela tenta sorrir, porém não tem muito efeito. — Então,
está pronta? — pergunta, ao pegar uma das minhas bolsas.
— Preciso apenas guardar uma coisa, já volto.
Pegando o caderno em minhas mãos, vou até o corredor, e
encontrando a porta do porão, desço as escadas e coloco-o no mesmo lugar
em que o achei mais cedo, dentro da gaveta da sinuca. Contudo, não
consigo abandoná-lo tão rápido, me sento na cama e o pego, folheando-o
até encontrar as últimas páginas escritas.
As letras em azul royal se misturam com as lágrimas já secas nas
folhas, por isso que leio novamente tudo o que escrevi, tentando ao máximo
não derramar lágrimas e as borrar mais ainda, eu preciso que ele leia e sinta
tudo o que eu sinto. Eu preciso que ele saiba que eu não estou fugindo,
apenas dando um tempo, eu preciso apenas que ele sinta minha dor e o meu
amor da mesma forma como o senti quando li tudo o que ele escreveu
durante os anos em que se escondeu de mim.
Se escondeu de nós.
“Oi, Joey, nova moradora na área, você já ouviu falar de mim
várias vezes, mas nunca ouviu minhas palavras, então é para isso que eu
estou aqui.
Como o Grey disse um dia, essa não é uma história de amor, e sim
uma de como eu me apaixonei pelo filho da minha madrasta. Uma história
de como eu o amei tão profundamente, que não pude ficar quando ele mais
precisava de mim, porque eu também precisava dele, mas ficar perto dele,
só iria fazer mal a nós dois.
Portanto, eu decidi fugir. Mas não se preocupa, Joey, isso não
significa que eu esteja quebrando a promessa que eu fiz um dia a ele, mas
eu preciso que entenda o motivo de eu estar partindo.
É por isso que eu preciso que você diga ao Grey para confiar em
mim, que o que eu prometi a ele naquele píer, antes de toda a tragédia
acontecer, ainda é válido. Ele precisa saber que eu o amo e que ele não me
perdeu, porque apesar de eu estar indo embora, eu não estou fugindo, pelo
menos não dele, e sim, de mim.
Eu me fechei quando o mundo caiu em minha cabeça, mas ele
esteve ali como um guarda-chuvas feito de concreto, dando o seu melhor
para impedir que os destroços me atingissem. Ele me abraçou, ele me amou
nos meus piores dias. Eu perdi muita coisa em pouco tempo de vida, Joey,
talvez eu tenha perdido mais nos últimos anos do que metade da população
da terra tenha perdido em uma vida inteira, e eu sei que ainda há a outra
metade, uma metade que perdeu mais do que eu, acontece que eu estou
mesmo ali, no meio de tudo.
Talvez seja egoísmo da minha parte, mas eu preciso passar por isso
sozinha, mesmo que não queira, eu preciso. Por mais que eu tente me
convencer de que preciso dele, e eu realmente preciso, o Grey não merece
essa parte minha. Ele não merece passar por isso comigo, e me dói pensar
isso, porque ele é tudo para mim.
Hoje, o Grey é o meu mundo, Joey, e eu não estou disposta a sumir
do meu mundo, porque eu tenho medo de perde-lo. Se eu perde-lo, eu
também me perco, e se eu me perder, eu não vou ter mais como voltar.
Eu não vou ter forças para voltar, Joey.
Ir embora não era o que eu esperava ou planejava, e acabou se
tornando o que eu preciso fazer. Eu poderia ser franca e me despedir dele,
mas eu não sei como fazer isso, mas quero deixar claro que eu jamais serei
capaz de amar outro alguém que não ele, pois ninguém nunca vai me amar
tanto quanto a pessoa que suportou tudo ao meu lado, que me assistiu e me
amou durante anos em silêncio, e que mesmo nos piores dias, não perdeu a
esperança de ver as coisas mudarem.
E esse, no final das contas, é o motivo principal que está me fazendo
ir embora, porque ele não merece sofrer, ele não merece a minha parte
ruim, ele merece apenas a boa, porque ele foi bom para mim desde o
momento em que me viu caída em uma calçada. Eu demorei para admitir
isso, mas foi naquele momento em que eu me apaixonei por ele.
Um dia eu ouvi dizer que quem quer ir, vai em silêncio, é por isso
que eu estou escrevendo essa despedida.
Eu não quero ir embora.
Eu preciso ir embora.
Talvez um dia eu volte ou ele me encontre, e mesmo que ele nunca
me perdoe pelo que eu estou fazendo, ainda assim, eu vou voltar para ele.
Porque ele nunca irá me perder, afinal, ele é a pessoa que eu amo e sempre
vou amar, é por isso que essa partida está doendo tanto.
Por favor, Joey, mesmo que você não me entenda, eu só te peço que
diga a ele que eu vou voltar para ele, porque eu sempre vou ser dele. Mais
uma vez, preciso reforçar que eu o amo. Eu sempre amarei a ele, até o fim
de todos os meus dias e além da distância.

Com amor, Allie-run.” l


Isso tá se tornando cansativo, mas é verdade, mais uma vez eu não
sei como começar a escrever isso aqui. Vamos por partes, talvez?!
Eu queria então começar a agradecer a uma das minhas betas,
Priscila, ela foi a primeira pessoa a acreditar no poder de Allie e Grey
quando nem eu mesmo acreditei, eles ainda eram crias do wattpad, não
existia nem planos deles serem escritos um dia, mas eu lembro que eu não
tinha nem dez mil leituras lá ainda e ela já me dizia que o livro deles se
tornaria verdade, e veja só, se tornou, tá?! Acho que se talvez você não
tivesse acreditado tanto neles, eu também não teria, portanto Pri, muito
obrigada pela paciência em aguardá-los e principalmente por acreditar
neles.
Allie e Grey foram um desafio para mim, talvez eles tenham sido, e
ainda são, o casal mais desafiador para mim na realidade, a cabeça deles é
difícil de entender e de entrar, eu tentei por várias vezes fazer isso, mas não
conseguia, eu não sabia por onde começar, como começar, o que introduzir,
mas eu queria que você, leitor, enxergasse o amor deles em primeiro lugar,
e se você chegou até aqui, significa que você conseguiu, assim como eu,
desvendá-los.
É por isso que eu também quero emendar o agradecimento as
minhas outras betas, Maria, Rayssa, Rafaela, Ana Laura, Carla, Giovana,
Carol e Bela, muito obrigada pela paciência que todas vocês tiveram e
também a disponibilidade de fazer esse trabalho junto a mim, porque sim,
vocês foram essenciais, eu não me enrolei no começo porque eu quis, eu
apenas não sabia como deixar um início perfeito, para passar a ter um meio,
para falar a verdade eu ainda não sei, porque para mim não está perfeito,
mas cada uma de vocês seguraram na minha mãozinha e colocaram um
pouco de juízo na minha cabeça doidinha e disseram que estava sim.
Mais uma vez agradecer àquelas que estão comigo em todos os
lançamentos, trabalhando comigo e me corrigindo, Camille e Ste, me
desculpem por todas as vezes em que eu dei a louca e alterei a data do envio
dos arquivos para vocês, e também por conseguirem fazer o trabalho em
tempo recorde, eu não gosto de parecer fofas para vocês, porque eu sou
durona, até mesmo tóxica (não é mesmo Camille?!), mas se não fossem por
vocês isso não aconteceria.
À Ana, que em meio aos plantões, surtos e shows de NX Zero, e as
demais vezes em que me cobrou capítulos não desistiu de mim, me guiou e
me colocou nos trilhos mais uma vez na hora da coesão, nunca me deixe
Ana, pois eu não sei o que seria de mim sem você e seu senso crítico
perfeito.
Vou reservar um parágrafo inteiro as minhas TDAH’s, mas esse vai
em especial à Emily e Bea, que me deram suporte para as demais questões
sobre o lançamento, pois seria perfeito se para que isso acontecesse da
forma como acontece fosse apenas jogar na amazon e esperar a magia
acontecer. Contudo, a Emily foi responsável por toda assessoria e ajuda
necessária nas questões de parcerias, divulgação, e organização,
principalmente organização, ela quis me matar no começo por eu organizar
as coisas na minha cabeça? Talvez sim... mas foi ela quem pegou na minha
mãozinha e arrumou a bagunça que havia sido cometida antes. Já a Bea, se
virou nos trinta para fazer toda a organização de um feed incrível, porque
como todos sabem, divulgação é fundamental, e eu estava surtando
(literalmente) quando ela chegou para me ajudar.
E para completar as TDAH’s junto a mim, Bea e Emily, esse
agradecimento não seria nada se não tivesse você também, Bel, Brooke,
Clary e Geo, quando a nossa amizade começou eu sabia que havia um
vínculo especial entre nós, mas foi apenas entre meu último lançamento e
esse que eu pude perceber que vocês são as minhas pessoas, a gente briga as
vezes? Quase todos os dias, na realidade, mas todas conseguimos nos
entender no final, uma ali, dando suporte a outra, e é isso, porque pessoas
precisam de pessoas, e vocês são as minhas, saibam disso.
Por último e o mais importante de todos, a você leitor, que chegou
até o final, me mandou DM perguntando quando esse livro chegaria, ou que
entrou no grupo de leitores apenas para perguntar mais uma vez se ia ter
livro ou não, por cada surto nas mensagens, cada curtida, cada comentário,
cada vez que disse ou pensou estar ansioso por eles, e me desculpem por
atacar a ansiedade em vocês mais uma vez ao fazer você ter aguardar mais
um pouco para saber como essa história irá se desenrolar, mas diante mão,
queria dizer que vai valer a pena tá?!
Confia e não desiste de mim, por favor!
No mais é isso, até já já, pois o retorno deles já tem data marcada.
Um beijo...
Foi uma honra te ter aqui, e ao sair não esquece de avaliar, tá?! Isso é muito
importante para mim.
E caso você tenha chegado aqui de paraquedas gostaria de te apresentar
também meus outros livros da série:

Heaven e Axel construíram uma bela amizade entre a infância e início da


adolescência.
Após um verão de tormentos Axel foi embora e nunca mais deu notícias.
Juntamente com sua partida, promessas que haviam sido feitas foram
quebradas.
Cinco anos se passam, e os melhores amigos de infância estão prestes a se
reencontrarem no primeiro ano da faculdade. O mais surpreendente para
Axel é ter o conhecimento que Heaven agora vive um relacionamento de
altos e baixos com uma pessoa ligada ao seu passado.
Axel luta em um armazém para esquecer as dores do passado.
Heaven enfrenta batalhas contra sua consciência para se livrar das dores que
o presente lhe causa.
As revelações dos seus sentimentos mais profundos serão suficientes para
uní-los novamente, ou as dores do passado e presente se farão mais fortes?

LEIA AQUI!
Elliot precisa controlar seus desejos e seguir seu celibato à risca, enquanto
Sadie precisa se perdoar por todas as mentiras que já contou no passado.
Mas será que eles estão prontos para enfrentar as consequências de viver
um relacionamento falso como nos livros?
Elliot e Sadie nunca cogitaram ter um relacionamento antes, dirá um
romance literário, ainda mais depois de compartilharem um momento
íntimo juntos durante uma festa do time de futebol.
Contudo, quando a mãe controladora e extremamente religiosa de Elliot lhe
apresenta uma garota na intenção de fazê-lo namorar com ela, ele não vê
outra saída que não inventar estar saindo com uma antiga colega de turma.
Sadie por outro lado, guarda incontáveis segredos da sua família, e por isso
já se envolveu em várias mentiras no passado que acabaram prejudicando
não apenas a vida de terceiros, como a sua própria.
Por isso, quando Elliot lhe propõe um acordo de namoro falso, ela não
coloca muita confiança nesse acordo, afinal, ela não estaria ganhando nada
com isso, estaria?!
O fato, é que ambos sabem que todos os contratos de relacionamentos
falsos acabam se
tornando verdadeiros na maioria dos livros.
E com eles não seria diferente, seria?

LEIA AQUI!
[1]
Transtorno de déficit de atenção com hiperatividade.

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