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Um ano atrás
Atualmente
Quão idiota eu sou por pensar que não iria conseguir dormir?
Ah, essa eu respondo. Muito, muito idiota mesmo. Não só peguei no
sono, como acordei atrasada, deve ser por isso que eu quase
escorreguei no chão ao sair correndo do quarto para atender a porta
do dormitório, onde alguém — que suponho ser meu querido
namorado de mentira —, está batendo feito um louco.
— Estamos atrasados — é a primeira coisa que Elliot fala ao
entrar.
Ele veste uma calça social azul escura e uma camisa de
botões em cor creme, extremamente bem passada, além de sapatos
sociais nos pés. Seus cabelos finos e extremamente lisos estão
penteados para trás, acredito que com uma boa camada de gel os
cobrindo, uma vez que quase não se movimentam, como de
costume.
— Sim, eu sei — respondo ao tentar tocar o topo da sua
cabeça para ter certeza de que ele passou algo ali.
— Você ainda não está vestida? — pergunta, entrando no
meu quarto e deixando meu braço suspenso no ar.
— Sorte sua que eu consegui me acordar há oito minutos
atrás — respondo ao acompanhá-lo. — A gente pode terminar
agora, por favor?
— Não, não podemos. O que falta para você ficar pronta? —
muda de assunto e eu respiro aliviada por isso.
— O vestido e a maquiagem, mas posso fazer isso no
caminho.
— Você já está vestida — diz ele ao apontar para o vestido
verde esmeralda que uso, o tecido é leve, indo até a altura dos
joelhos, com uma gola fechada e mangas soltinhas estilo borboleta.
— Sim, eu sei — digo ao passar por ele e ir para a frente do
espelho, levo minhas mãos até o fecho nas costas, só que é quase
impossível fechá-lo. — Porém, eu não consigo...
Antes que eu consiga terminar de falar, sinto a presença de
Elliot atrás de mim, seus dedos quentes tocam a pele das minhas
costas delicadamente, contudo isso não impede que eu dê um
pequeno pulo, devido a surpresa da sua presença repentina.
— Eu te ajudo — anuncia quando começa a subir o zíper.
O caminho do centro da minha coluna até o pescoço dura
cerca de três segundos, mas eles se tornam uma eternidade quando
o seu toque delicado faz com que toda a extensão da minha pele
sinta o quão potente ele é sobre mim. Além da sua respiração
pesada e entrecortada ser o único som de vida entre nós.
O ar quente que sai dele e atinge a minha pele também ajuda
na minha sensibilidade, entretanto o contato é tão caloroso e ao
mesmo tempo intimidante, que eu consigo sentir meus pulmões
retesarem, sem ar algum. Por um breve segundo, eu estou com
Elliot no quarto, minhas bochechas estão pegando fogo, meu corpo
inteiro reagindo à sua presença. E eu me encontro...
Viva, talvez?!
Não viva do tipo existindo. Viva do tipo que tem o coração
batendo feito um martelo dentro do peito e grata por estar
acontecendo isso, pois é uma sensação boa.
Tanto quanto olhar em seus olhos verdes, agora tão escuros,
devido ao círculo da sua pupila dilatada, que me olham através do
espelho enquanto eu faço o mesmo. Não deveríamos nos olhar
dessa forma tão vívida quando não existe nada entre nós.
Deveríamos? Eu não deveria sentir o meu centro palpitar devido à
sua sublime presença tão perto de mim, mesmo que tenhamos
compartilhado um momento íntimo há uma semana e concordado
com essa farsa, não significa que algo a mais esteja acontecendo
entre nós dois.
O momento torna-se desconfortável assim que Elliot pega
meu cabelo, que está parcialmente controlado, levando-o para trás e
então ele cobre toda a extensão da minha coluna.
Ele coça a garganta ao finalizar e pergunta:
— Pronta?!
— Sim — murmuro em resposta. —, preciso apenas pegar
meu nécessaire com a maquiagem e a bolsa.
Elliot concorda e eu começo a juntar as coisas. Calço os
saltos scarpin creme e visto por cima do vestido um casaco de
mangas longas no mesmo tom dos sapatos. Quando finalmente
estou pronta, vou até o quarto da Lynnox, verifico se ela ainda está
respirando e dou um beijo na sua testa enquanto ela sibila algo com
raiva.
Após isso saímos do dormitório e seguimos para fora do
prédio, como Elliot não tem carro, decidimos que iríamos à Stone
Bay no meu, entretanto, como eu ainda não estou pronta e preciso
me maquiar durante o caminho, estendo as chaves para ele, que me
encara assustado.
— Você vai dirigir — informo.
— Que... por... que? — gagueja em resposta.
— Eu preciso terminar de me arrumar, não dá para eu dirigir
ao mesmo tempo que me maquio — explico. — Pega as chaves. —
Volto a tentar lhe entregar as chaves, mas Elliot sussurra algo
completamente inaudível. — O que?!
— Eu não posso dirigir — consigo escutar seu sussurro.
— Por que não?
— Eu apenas não posso — diz secamente.
— Agora estamos em um impasse. — Levanto meus braços
para o alto. — Você tem habilitação, por que você não pode dirigir?
Elliot coça a garganta ao abrir o primeiro botão da sua
camisa, ele parece estar nervoso e precisando de um pouco de ar,
portanto eu decido me render, destravando o carro e entrando no
banco do motorista. Ao ligá-lo e dar a partida, buzino para que ele
entre, uma vez que ele ainda está parado em frente ao carro,
respirando fundo.
— Se a sua mãe me criticar por eu estar feia, eu juro que
acabo tudo — aviso ao sair com o carro.
Elliot apenas concorda com um murmúrio, porém não fala
nada. E continua assim por todo o restante do caminho, que dura
cerca de quarenta minutos. Em alguns momentos eu arrisquei olhar
para ele, só que ele estava centrado na janela e nas árvores. Pela
primeira vez eu vi e presenciei Elliot Tanner ficar em silêncio por
incontáveis minutos, sem falar qualquer piada ou ironia, ele apenas
permaneceu pensativo, como se algo estivesse incomodando-o.
Eu quero perguntar a ele o motivo de ter mudado tão
repentinamente, contudo algo bem lá no fundo me avisa que eu não
devo me meter nisso, pois para mim pode ter sido de repente,
enquanto para ele pode ser algo mais estressante, a ponto de deixá-
lo dessa forma, tão quieto.
Conheço bem essa sensação, já presenciei minha mãe agir
igualmente todas as vezes em que meu avô era mencionado após a
sua morte, ela ficava em silêncio, apenas divagando. Por isso decidi
que o silêncio seria o melhor companheiro para nós dois durante a
curta viagem.
Ao chegarmos em Stone Bay, estaciono o carro ao lado do
meio fio, na rua da igreja. Dou uma olhada no espelho retrovisor e
decido passar ao menos um corretivo ao redor dos olhos e no centro
do rosto, que é onde tem mais sardas. Assim que finalizo o
esfumado e pego um gloss para passar nos lábios, finalmente ouço
a voz de Elliot ecoar no carro.
— Você não precisa de maquiagem para cobrir suas sardas,
elas são lindas. — Me atrevo a olhar para ele, com o pincel do gloss
ainda meus lábios. — Você é linda, suas sardas são perfeitas e sua
boca não precisa de batom algum para chamar atenção.
Sinto meu rosto ferver em pura vergonha.
Até agora eu achava que tudo não passava de uma loucura
da minha cabeça, essas sensações que Elliot me causa, entretanto
agora me fez sentir algo que nunca senti antes.
Vergonha por ser elogiada.
Você parece sempre me ajudar a recuperar o fôlego
Mas então eu o perco de novo quando olho para você, é o fim
E por que fico tão nervoso quando olho em seus olhos?
As borboletas não podem me impedir de me apaixonar por você
I GUESS I’M IN LOVE | CLINTON KANE
Gatilhos.
Acredito que seja algo que todo ser humano, que viveu
suficientemente para ter noção de quem ele é no mundo, já passou
por algum e por mais que eu seja um que tenha vivido pouco e
curtido o máximo que pôde, nos meus poucos dezenove anos, eu
também tenho um trauma.
O meu gatilho é ligado ao meu medo da direção, não tenho
absolutamente nada contra carros, contudo não suporto a ideia de
pegar em um volante. Por isso que eu travei quando a Sadie insistiu
para que eu dirigisse, não foi justo com ela, porém ela não sabe o
motivo por trás de eu ter negado esse simples favor. Na realidade
ninguém sabe, apenas meus pais e tudo isso já é vergonhoso o
bastante.
Eu poderia ter me aberto com ela durante todo o caminho
que fizemos de Beaufort a Stone Bay, porém eu preferi me calar e
fazer todo o percurso olhando para a janela, mesmo que em alguns
momentos eu a olhava e via que ela fazia a mesma coisa,
rapidamente eu desviava para que ela não percebesse que eu
estava a olhando.
Sadie insistiu que precisava passar maquiagem e por esse
motivo começou a fazer algo assim que estacionou o carro, só que
agora que estamos parados em frente à igreja e estou olhando no
fundo dos seus olhos cor de mel e para as sardas que os circulam
até suas maçãs do rosto, neste instante enrubescidas, eu preciso
afirmar novamente que ela não precisa de nada para realçar sua
beleza.
— Até mesmo no rosto, você jamais precisaria de qualquer
blush para destacar e dar um “ar de saúde”, é assim que vocês
falam, certo?!
Sadie arregala os olhos, ainda me encarando.
— Você calado é muito estranho, Elliot, porém falando sobre
maquiagem se torna ainda mais.
— Eu não sou estranho de forma alguma, estranha é você
que acha que cobrir seu rosto perfeito com maquiagem vai te deixar
mais bonita.
— Você está começando a me deixar constrangida com isso
— avisa ao fechar a embalagem do batom brilhoso que acabou de
passar na boca.
— Sou verdadeiro minha, cara Watson e enquanto eu for
assim, vou insistir no quão bonita você é.
Sadie abaixa a cabeça ao passo que organiza suas coisas
em uma bolsa e noto que suas bochechas voltam a ficar vermelhas.
As histórias de Sadie acompanharam ela durante todo o
nosso tempo da escola, então ela ter ficado com vários caras
durante aquele período não é segredo para ninguém. Embora ela
tenha se relacionado com muitos durante a sua vida, é fácil
perceber que ela jamais foi elogiada por qualquer um antes, pois é
notória a forma como ela sempre se sente constrangida quando eu
a olho demais ou apenas fico em silêncio, escutando suas
respirações através das nossas inúmeras ligações, e até mesmo
com tudo o que ela passou no ano passado com o Drew. Eu odeio
ter que sempre trazê-lo de volta para a história, no entanto,
infelizmente, ele fez parte da nossa, e continua sendo perceptível
que jamais a tratou bem.
Durante esses dias em que temos convivido juntos eu tenho
sentido a vontade de lhe perguntar o que afinal aconteceu entre eles
dois, e o porquê de ela ter mudado depois da sua morte, ter criado
outra postura, não a mesma de quando estava com ele. Eu só
queria saber o que ela viu de tão especial nele, mesmo depois de
tudo o que ele fez com a Heaven, para mergulhar de cabeça
naquela relação.
Assim que Sadie finalmente levanta a cabeça, com um
sorriso bobo em seu rosto, ela me olha com um ar de esperança e
eu devolvo o mesmo a ela, pois eu sinto que tudo o que estamos
vivendo, um dia nos trará uma grande benção ou uma gigantesca
lição.
De toda forma, eu não tenho nada a ver com esse assunto ou
com qualquer outro que a envolva.
Eu tenho que entender que nem mesmo quando estávamos
na fase amigos/ colegas, não éramos próximos o suficiente para que
eu pudesse interferir em assuntos como esses, então como
namorado de mentira, eu tenho muito menos direito sobre isso.
Talvez se um dia nosso relacionamento mudasse de falso
para verdadeiro, talvez eu poderia conhecer a real história por trás
de tudo o que ela viveu nas mãos dele. Contudo, não estamos em
um livro de romance.
Estamos em frente à igreja, onde meus pais já se encontram
na porta, recebendo os fiéis.
— Vamos? — pergunto.
A resposta que eu recebo é assentir com a cabeça. Tão logo
descemos do carro, encontro Sadie ao lado da porta do motorista,
meu sorriso cresce ao acenar com a mão para meu pai, que faz o
mesmo, enquanto o sorriso singelo que havia na boca de Sadie
some completamente.
— Você tem certeza de que eu estou apresentável? — ela
sussurra no momento em que seguro sua mão, como combinamos
por mensagem na sexta.
— Você está perfeita, acredite em mim — respondo sem
desfazer meu sorriso.
— Sua mãe vai me odiar — resmunga. — Eu nunca fui
apresentada a nenhuma mãe.
— Relaxa, minha mãe já te conhece. Falando assim parece
que você está prestes a conhecer sua futura sogra — brinco ao
olhar para ela e piscar um olho.
Sadie quase para quando começamos a subir a escada da
entrada da igreja, me encarando com os olhos arregalados.
— Eu sei que não é de verdade, mas mesmo...
— Meu bebê! — a voz estridente da minha mãe faz com que
a próxima palavra saia da boca de Sadie em sussurro quase
inaudível.
— Assim — Sadie completa.
No segundo seguinte minha mãe me abraça, fazendo com
que minha mão solte a de Sadie, que em resposta dá um passo
para trás. Porém, para a nossa surpresa, ela é acolhida pelo meu
pai, que rapidamente pega a sua mão em um cumprimento,
enquanto a minha mãe me agarra e arranca todo o ar do meu peito.
— Devo assumir que foi uma surpresa e tanto saber do
relacionamento de vocês. — Escuto as palavras saírem da boca do
meu pai quando o oxigênio decide voltar para o meu cérebro.
— Espero que tenha sido uma surpresa boa — Sadie
responde.
— Com certeza foi — ele completa. — Vocês dois se
conhecem desde sempre, não haveria um par melhor para meu filho
que não fosse você, tenho certeza disso.
O vermelho rapidamente volta para o rosto de Sadie, que
agradece.
— Fico feliz em saber disso, pastor Tanner — responde
envergonhada.
— Me chame de Robert, por favor — o homem, que tem a
aparência exata de Henry Cavill, responde ao sorrir e mostrar todos
os seus dentes brancos perfeitos. Minha mãe se posta ao seu lado e
ele lhe dá um beijo no topo da cabeça. — Você não vai
cumprimentar a Sadie, querida?
— Ah sim, claro. Quase tinha esquecido dela — minha mãe
diz irônica.
A seguir ela abraça Sadie, que dá três batidinhas leves nas
suas costas. No segundo em que ela desfaz o abraço, noto que
minha mãe começa a olhar para ela a partir de um único fio de
cabelo que está em pé e passa o raio x de seus olhos por todo o
restante do corpo de Sadie.
Eu, como um bom namorado, decido pegar a sua mão e
interromper o momento em que minha mãe está prestes a jogar
alguma farpa contra a garota.
— Vamos nos sentar — aviso aos meus pais ao puxar Sadie
pela mão e caminhar até o primeiro banco da igreja.
Não dou oportunidade de resposta à minha mãe, apenas
caminho com Sadie em meu encalço, quando finalmente nos
sentamos, ela diz:
— Ela estava prestes a fazer algum comentário sobre mim.
— Sim — respondo com um sorriso enquanto olho para trás e
aceno para com cumprimentar Magnus e Reese, pais da Heaven,
que estão sentados três bancos atrás. — Estava.
Sadie acompanha meu movimento e também os
cumprimenta, da mesma forma que eu fiz, ela recebe um beijo no ar
de Reese, que está esplêndida carregando um melão na barriga.
Quer dizer... o segundo filho deles. Que deve nascer no final do ano.
— Eu sabia que eu não estava apresentável — insiste Sadie.
— Agora você sabe o porquê eu nunca namorei, Watson.
— E agora você sabe o porquê eu nunca fui apresentada a
nenhuma mãe, Sherlock.
— Touché! — Pisco para ela, que ri.
À medida que a igreja se enche cristãos, aos quais fazem
questão de falar comigo, assim como com meus pais, que se portam
na entrada, o clima entre nós começa a ficar cada vez mais
estranho.
A verdade é que ao longo de toda essa semana, o máximo
de tempo que passamos juntos foi durante o almoço e em todos
eles, estivemos com nossos amigos. Embora tenhamos trocado
inúmeras mensagens, que resultaram em ligações, isso não anula o
fato de que é totalmente estranho estar à sós com ela, já que a
última vez em que ficamos assim foi quando assinamos o contrato e
eu parecia um total idiota admirando a maneira como ela ria
descontroladamente. Acredito que nesse momento eu deva estar do
mesmo jeito, uma vez que eu não consigo tirar os olhos dela
enquanto toda a igreja fica de pé para cantar o hino de abertura.
O movimento que Sadie faz ao se levantar é sútil, em pé, ela
alisa o casaco que ainda veste e passa seus longos cabelos ruivos
ondulados para o lado, eu apenas continuo olhando para ela,
mesmo no momento em que me levanto. As vozes ao fundo
finalizam a música e voltamos a nos sentar, meus olhos abandonam
Sadie minimamente, apenas para que eu possa segurar a sua mão
logo que a pregação começa, ela dá um leve pulo com o meu toque,
mas então sorri para mim.
E durante todo o restante do tempo em que passamos na
igreja, eu oscilo os meus olhares entre o seu rosto, que está
definitivamente prestando atenção a tudo o que se passa à nossa
frente, e as nossas mãos. É quase como se eu estivesse
hipnotizado por sua presença, até o instante em que ela se vira para
mim e se curva minimamente, as palavras que saem da sua boca
em um sussurro arrepiam todos os pelos do meu corpo, assim como
aconteceu na hora em que eu a ajudava a fechar o seu vestido mais
cedo.
— O que você está fazendo, seus pais estão olhando para a
gente.
— Hã... — murmuro ao me virar para eles, fazendo com que
nossas cabeças se trombem. — Desculpa! — grito e dessa vez,
sinto todos os olhares em nós dois, não só os dos meus pais.
Minha mãe fecha a cara e meu pai solta um leve riso no
microfone.
No entanto, minha atenção volta rapidamente para a Sadie
assim que ela leva sua mão até o topo da cabeça, onde sofreu a
batida da minha. Eu retiro seus dedos de lá delicadamente e passo
meu polegar no local que está vermelho, peço desculpas outra vez
quando ela olha para mim e levo uma parte da sua franja até a sua
orelha.
— Não foi nada — responde.
Olho novamente ao redor e agora ninguém presta atenção
em nós, nem mesmo meus pais, ainda assim eu sinto a
necessidade de fazer o que faço em seguida. Por um segundo eu
sinto que eu errei quando noto seus olhos arregalados, contudo,
logo que suas bochechas se tornam encarnadas eu sei que eu
estou fazendo o certo ao beijar o topo da sua cabeça.
Ao final da cerimônia faço questão de pegar a mão dela para
irmos embora, da mesma forma que fiz ao chegarmos. Como de
costume, Sadie se assusta no início, só que sem demora se
acostuma.
Seus sustos são pequenos, por isso que talvez quem esteja
ao nosso redor não consiga notar, porém, para mim, têm sido
bastante perceptíveis.
É assim que me vem uma grande dúvida, ela realmente
nunca foi tratada bem ou esse seu comportamento tem algo a ver
com a sua última relação? Sadie carrega vários segredos e eu faço
questão de descobrir um a um.
Fugir da igreja sem ao menos me despedir dos meus pais foi
um plano arquitetado há dois dias, pois eu sabia que se viesse para
casa junto com eles eu não teria a oportunidade de mostrar à minha
namorada de mentirinha o meu maior tesouro pessoal.
— Eu realmente não te conheço direito, Elliot Tanner — diz
ela ao pegar um exemplar de Orgulho e Preconceito na segunda
prateleira. — Jamais imaginaria que você é do tipo que lê romances.
— Do tipo que lê?! — questiono ao arquear uma sobrancelha.
— Você sabe, a maioria dos garotos preferem carros,
esportes e jogos ao invés de pegarem qualquer livro que não seja
complementar para alguma aula. A maioria deles costuma parar de
ler após o ensino médio.
— Aí você que está errada, senhorita Langster — pontuo. —
Eu gosto de esporte, tanto que jogo futebol e também gosto de
jogos, só não gosto de jogar com Grey.
— Por quê? Ele é ruim? — inquere ao guardar o livro de volta
no lugar.
— Pelo contrário, a única coisa em que o Grey é bom nessa
vida é no Playstation ou Xbox. — Faço cara de nojo. — E também
em ser meu melhor amigo. — Dou de ombros.
— Deve ser legal ter alguém para chamar de “melhor amigo”.
— Ela faz aspas com as mãos.
— Qual é, vai me dizer que você não tem melhores amigos?
— indago curioso.
Ela dá de ombros em resposta.
— Você está falando sério?
— Sim — confirma.
— Mas nós sempre fomos do mesmo grupo de amigos —
observo.
— Fomos — Assente ao concordar. —, porém sempre foi
você e o Grey, e Heaven, Allison e Wes. Depois veio o Kane e o
Axel. Eu sempre fiz parte do grupo, entretanto nunca fui a melhor
amiga de ninguém, mesmo antes de todos os acontecimentos do
ano passado.
Mesmo que ela fale isso de forma natural, eu sinto pena dela,
porque observando bem, é verdade. Desde os nossos treze anos
sempre fomos o Grey e eu, claro que em alguns momentos também
existiu o Drew, só que a minha ligação com o Grey sempre foi mais
forte, já do outro lado existiam Sadie, Heaven, Allison e Wes,
contudo, mesmo sendo extremamente próximos, o grupo era mais
unido quando a ruiva estava fora.
— Bom, o que eu vou te mostrar agora nem mesmo o Grey
viu. — Tento animar o clima de enterro que se estendeu entre nós.
— Então isso significa que talvez você seja mais especial do que
ele.
— E o que seria isso? — questiona curiosa tão logo eu subo
em um banquinho para que consiga pegar a mala que está em cima
da estante.
— É algo que minha mãe não pode nem sonhar que eu
comprei — faço suspense no momento em que pego o box.
— Eu não quero ver revistas ou mangás pornôs, Elli... — Ela
retesa no segundo em que eu estendo para ela o box especial de
colecionador do Harry Potter.
— Acredite, isso é bem melhor do que qualquer revista da
Playboy — afirmo.
Sadie toma a mala de madeira, revestida em couro sintético,
das minhas mãos, leva-a até a minha cama e com um cuidado
imenso, mais do que eu mesmo tive no dia em que a recebi, a abre.
Revelando os sete livros da saga do bruxinho, todos em capa dura.
— Eles são perfeitos — afirma ao passar os dedos
delicadamente sobre as lombadas dos livros, completamente
encantada. — Como você conseguiu escondê-los por tanto tempo
sem que a sua mãe soubesse? — Me encara com seus olhos
castanhos tão âmbares quanto o líquido de uma garrafa de Jack
Daniels.
Sorrio, pronto para lhe responder com a mesma fascinação
que ela carrega. Porém, o momento é quebrado no instante em que
minha mãe decide entrar no quarto.
— O que é que eu não sei? — questiona nos encarando.
Eu olho para Sadie, Sadie me olha e nós dois olhamos para a
minha mãe, que continua a nos olhar, assim nos encaramos outra
vez e voltamos os olhos para minha mãe.
— O que é isso? — minha mãe pergunta.
Eu começo a coçar a minha nuca, tentando procurar uma
desculpa para respondê-la. Não que ela vá achar ruim eu ter
comprado o box, no entanto, eu deixei de almoçar por vários dias
durante o segundo ano para poder comprá-lo, e ela vai perguntar
como eu o adquiri, depois vai me dar um sermão por não ter
almoçado por três semanas, então ela vai começar a querer chorar
e tudo vai virar uma grande confusão... Entretanto, eu sou
surpreendido por Sadie, que decide me acobertar logo que vê o
pânico crescer em meus olhos.
— Isso aqui?! — ela inquere. — É um presente que eu
comprei para o Elliot. — Ela sorri docemente.
— Presente? — minha mãe questiona, desconfiada. —
Quanto tempo vocês namoram mesmo?
— Uma semana — respondemos em uníssono.
— Hum — murmura, fazendo com que minhas mãos
comecem a suar. — Não acham muito cedo para começarem a
presentear um ao outro?!
— Cedo por quê? — Dessa vez é o meu pai que entra no
quarto, pousando as mãos nos ombros da minha mãe, que
imediatamente muda a sua postura tensa para relaxada com a
presença dele. — Que eu me lembre bem, dois dias depois que te
pedi em namoro eu lhe presenteei com uma bolsa.
— Na nossa época era diferente — ela tenta desdobrar meu
pai.
— Mas você amou tanto ela, que três meses depois a jogou
em mim pensando que eu a estava traindo com a minha irmã. — Ele
aperta seus ombros.
— Boatos que também foi com ela que eu levei a minha
primeira bronca.
— Esses boatos estão bastante corretos — meu pai
concorda, o que faz a minha mãe fechar a cara.
— Ela ainda está vivíssima e em um ótimo estado, então se
vocês dois não querem levar uma surra dela, acho bom calarem a
boca.
— A minha baixinha é brava — meu pai faz uma voz fofa,
como se estivesse falando com uma criança e aproveita a situação
para apertar as bochechas da minha mãe, que dá um tapa no dorso
da sua mão.
— Cansei da conversa — ela diz irritadiça. — Estou indo
esquentar o almoço, quero todos lá embaixo em quinze minutos, se
não todas as Hérmes e Pradas irão voar por essa casa — avisa, já
saindo do quarto. — E Elliot James Tanner nada de porta trancada
— grita, acredito que já nas escadas.
— Viu só? Brava! — Meu pai aponta por cima do ombro. —
De toda forma, é um prazer imenso te receber em nossa casa,
Sadie, espero que você se sinta bem-vinda.
— Muito obrigada, pastor Tanner. — Meu pai faz uma careta
de reprovação para ela.
— Já te disse que pode me chamar de Robert.
— Tudo bem. — Ela levanta as mãos ao ar em rendição. —
Muito obrigada, Robert.
— Nos vemos em quinze minutos. — Meu pai começa a
fechar a porta do quarto enquanto sai.
— Pai — chamo. — Deixa aberta — lembro-o.
— Se ela falar qualquer coisa, a culpa é minha.
E então ele fecha a porta, deixando Sadie e eu a sós. Noto
que durante todo esse tempo, Sadie estava com um sorriso em seu
rosto e observava toda a interação dos meus pais.
— Sua mãe é definitivamente outra pessoa quando está com
o seu pai — constata.
— Sim, ela é. Completamente mais relaxada.
— Demais — concorda.
— Minha mãe pode não ser a pessoa mais calma do mundo,
muito pelo contrário, ela é surtada, eu sei — assumo. — Porém, a
minha meta é amar alguém tanto quanto ela ama meu pai e vice-
versa. Por mais opostos que eles sejam, eles se completam.
— Eles são lindos juntos.
— Nós também somos. — Bato meu ombro no seu. — Dois
mentirosos lindos. — Sorrio brincando.
— Dois belos mentirosos — completa. — Agora toma aqui o
seu presente de uma semana de namoro.
Diz ao fechar a caixa e me entregar.
— Você é a melhor namorada do mundo, muito obrigado,
querida. — Pisco.
— Me chame de Watson, por favor.
— Só se você me chamar de Sherlock.
— Sempre.
— Sempre.
Nossas mãos se tocam quando pegamos o box juntos, eu
jamais pensei que eu fosse tão vulnerável dessa forma, durante
todo o ano passado eu beijei inúmeras garotas, muitas quiseram me
levar para a cama e eu sempre tive a consciência de dizer não,
todavia eu juro, que apenas um toque da Sadie faz com que eu
queira despi-la rapidamente.
Eu não faço a mínima ideia do que isso signifique, talvez
tenha algo a ver com o que aconteceu na festa fim de semana
passado ou apenas tenha alguma ligação com a pessoa, mas a
melhor hipótese de todas é que eu sou um jovem prestes a
completar vinte anos com os hormônios à flor da pele.
Contudo, se fossem os meus hormônios, porque eu ainda
tenho que me tocar pensando na forma como Valerie entrava nela e
na abertura que ela deixou em seus lábios ao expelir seu gozo?
Isso tem totalmente a ver com a Sadie, eu sei disso, eu só
não sei o porquê de isso estar acontecendo comigo. Quer dizer, eu
sei que tudo entre nós tem acontecido muito rápido, em um dia
compartilhamos um momento íntimo a três, na mesma noite eu
assisto sua fraqueza diante do seu irmão, dois dias depois eu a
peço em namoro e assinamos um contrato, e todos os dias
seguintes trocamos inúmeras mensagens e trocadilhos que apenas
nós dois conseguimos entender.
Entretanto, é isso que acontece, ela tem um efeito sobre mim
que eu não faço a mínima ideia de como lidar. Apenas sei que eu
devo fazer com que esse momento constrangedor chegue ao fim.
— Ler A Culpa é das Estrelas teve um efeito em você, em?
— brinco.
Ela sorri ao se afastar e alisar a saia do seu vestido verde.
— Sim — concorda. — Me debulhar em lágrimas, porque não
basta ser depressiva na vida real, tenho que ser na vida literária
também.
— Isso foi... — Engulo.
— Pesado, eu sei.
Impressão minha ou ela está mais descontraída hoje?!
Enquanto eu penso em tirar a sua roupa e toda e qualquer palavra
que sai da sua boca, ela apenas solta migalhas dos seus
sentimentos.
Afinal, não é novidade para nenhum de nós a sua tentativa de
tirar a vida no primeiro dia desse ano, mas esse, assim como o
Drew ou o tempo em que a Heaven passou no hospital, são
assuntos delicados para todos nós, por isso eles nunca entram na
roda. Porém, vê-la falar sobre isso de uma forma tão simples e ao
mesmo tempo bruta, me faz questionar tudo o que ela viveu até
hoje.
— Pesado mesmo.
— Desculpa — ela diz imediatamente.
— Pelo quê?!
— É que eu estou fazendo terapia e a minha terapeuta me
aconselhou a ser mais verdadeira com meus sentimentos, apenas
despejá-los quando eu sentisse que fosse necessário, então as
coisas estão apenas saindo da minha boca e eu nem mesmo
percebo.
— Isso é bom... eu acho — digo ao realocar o box em um
espaço vazio na estante.
— Para mim pode ser, só que para as pessoas ao redor
talvez não. Nem todos estão prontos para ouvirem que uma pessoa
tem ansiedade, depressão ou qualquer doença mental, quem dirá
falar sobre suicídio — reflete. E eu apenas deixo que ela continue.
— Mas a realidade é que a grande parte das pessoas que não
aceitam ouvir sobre isso, sofrem da mesma coisa e deixam que o
seu grito interior as cale, isso aconteceu comigo durante muito
tempo. Quer dizer, ainda acontece. Eu apenas estou tentando
descobrir uma forma de colocar tudo para fora.
— E o que seria esse tudo? — questiono.
Quando ela abre a boca para responder, somos
interrompidos pelo grito da minha mãe, que ecoa pela casa,
informando que o almoço está pronto.
— Acho melhor nós descermos — ela diz e eu concordo,
mesmo que esteja me corroendo de curiosidade para saber o que
ela iria falar.
Ao sairmos do quarto descemos as escadas juntos,
chegando no andar de baixo, levo Sadie até a sala de jantar, onde
meu pai está sentado na cadeira da ponta. Puxo uma cadeira para
ela, que me agradece em um sussurro e aguardamos minha mãe
voltar com uma travesse para a mesa e sentar-se.
Como eu sei que Sadie é judia e que muito provavelmente ela
deve seguir alguns costumes judaicos, como a dieta kosher[1],
portanto, eu pedi à minha mãe, na sexta, que não fizesse nada que
tivesse carne suína ou crustáceos. Ela se absteve por alguns
segundos, perguntando o porquê não poderia fazer esse tipo de
comida, eu não lhe falei sobre a religião de Sadie, apenas pedi para
que não fosse nada do tipo.
Então sim, eu planejei todo um dia para passar com minha
falsa namorada e foda-se se alguém acha isso ruim ou não, o que
importa é que eu estou animado com isso e estou gostando do meu
dia até agora, mesmo que ainda tenhamos toda uma tarde com a
minha família.
Todavia, tudo cai por terra no momento em que minha mãe
decide destampar a travessa que ela trazia antes de se sentar.
— Camarão à provençal — meu pai e eu falamos ao mesmo
tempo, porém meu pai tem um grande sorriso no rosto, enquanto o
meu sumiu por completo.
— O preferido do seu pai — minha mãe fala animadamente.
— Espero que você goste, querida.
Eu olho para Sadie e ela está encarando a assadeira assim
como eu, ela engole em seco ao encarar minha mãe com um sorriso
amarelo. Eu sei que no fundo ela está querendo ser educada, no
entanto, ela está prestes a surtar e dizer que isso foi uma má ideia e
que deveríamos contar a verdade à minha mãe, por esse motivo,
agora quem começa a se desesperar sou eu.
Quase nunca entrei em desespero na minha vida, só que
nesse segundo, eu realmente necessito fazer alguma coisa para
acalmá-la. À medida que minhas mãos suam e eu penso em algo
que possa fazer, Sadie me olha, com a mesma agonia que estou
sentindo, e nega com a cabeça.
— O que foi? — minha mãe pergunta. — Você é alérgica a
camarão, Sadie? — Sinto a provocação da minha mãe em suas
palavras afiadas.
— Não — Sadie responde de forma quase inaudível.
— Não, querida, ela não é alérgica — quem responde é meu
pai. Que estava pronto para se servir, mas abaixa os talheres,
largando-os na mesa novamente. — A Sadie é judia, o camarão não
faz parte da alimentação dela.
Meu pai se levanta rapidamente, arrastando a cadeira no
chão e entra na cozinha apressadamente, todos nós ficamos em
silêncio e minha mãe pede desculpas com os lábios, olhando para a
Sadie. Então ela se vira para sair da sala de jantar e acompanhar
meu pai, que provavelmente está com raiva. Contudo, no momento
em que ela está prestes a atravessar a porta, meu pai cruza por ela,
tentando equilibrar em um braço três caixas de cereais e quatro
tigelas redondas e no outro, um litro de leite e colheres.
— Bom, Sadie, minha outra comida favorita, após o camarão
à provençal, com certeza é um bom cereal com leite. Qual você
prefere? Cheerios, Nescau ou Lucky Charms? — ele pergunta
animado.
— Isso... é... bom... — ela gagueja sem conseguir responder
direito.
— Incrível — tomo a vez. — Eu fico com o Cheerios, pai.
Digo já retirando a caixa e duas tigelas dos seus braços,
ficando com uma e entregando a outra à Sadie, que me olha ainda
sem entender nada. Para falar a verdade, nem eu estou, porém
quero que ela se sinta confortável na minha casa e com a minha
família.
Que porra está acontecendo comigo? Eu nunca apresentei
nenhuma garota aos meus pais e quando isso acontece, mesmo
sendo de mentira, eu quero que tudo seja perfeito. Alguém escaneia
meu cérebro, por favor.
— Gente, isso é incrível e muito... educado da parte de vocês
— ela fala ao coçar a garganta. — Mas vocês não precisam mudar a
refeição apenas por mim ou minha religião.
— Concordo — minha mãe exclama, já se preparando para
se servir do camarão. — Não precisamos mudar nada por conta da
reli...
— Mãe! — repreendo-a.
— Olha a boca, Elliot — ela tenta me advertir, só que não
surge efeito.
— Eu havia te pedido para não fazer nenhum crustáceo e
você fez mesmo assim, então o mínimo que você pode fazer agora
é comer cereal com a gente.
Certo, eu realmente estou estranho, porque eu jamais
desafiei a minha mãe dessa forma, entretanto não me importo e
com isso, refaço a pergunta do meu pai à Sadie.
— Qual você prefere? Cheerios, Nescau ou Lucky Charms?
— Ela me olha com uma sobrancelha levantada e os lábios
fechados em linha reta, eu diria que em choque também, pela forma
como eu falei com minha mãe. — Qual?
— Lucky Charms — responde.
— É todo seu. — Meu pai a entrega a caixa com o cereal e
põe o leite no meio da mesa, afastando a assadeira com o camarão.
— Eu fico com o Nescau, meu preferido.
Realmente é o preferido dele, tanto que ele come como pré-
treino todos os dias antes de ir para a academia. Qual o benefício
que ele acha nisso, eu não sei, mas o cara é fortão.
— Eu como o Cheerios. — Minha mãe faz careta após ver
que eu me servi e pega a caixa das minhas mãos.
Ao final do nosso almoço/café da manhã, onde meu pai fez
questão de manter uma conversa saudável enquanto comíamos e
minha mãe permaneceu com uma cara de quem comeu e não
gostou durante todo o tempo, fazendo careta ao encarar a travessa
do almoço que ela preparou e depois engolir uma colher de cereal,
eu e Sadie nos oferecemos para retirar a mesa. Minha mãe é contra
no começo, porém meu pai a manda relaxar e ela logo o faz, mesmo
que contra a sua vontade, aparentemente.
Eu retiro toda a louça e talheres, Sadie pega as caixas de
cereais e o leite, ela é a primeira a atravessar a porta que divide os
dois cômodos e assim que eu a sigo escuto a conversa sussurrada
dos meus pais.
— Eu realmente me esqueci sobre a questão do camarão. —
Minha mãe parece verdadeira em suas palavras. — Mas eu não vou
perdoá-lo por falar assim comigo por conta dela.
— Ele está apaixonado, meu amor — meu pai a responde. —
Não se esqueça que quando nós dois começamos a namorar você
também desafiava os seus pais, então ele tem a quem puxar.
O que me surpreende não é o meu pai dizer que minha mãe
era capaz de desafiar seus pais e sim, o fato de ele dizer que eu
estou apaixonado.
Eu sei que eu estou completamente estranho na última
semana, só que eu não estaria apaixonado, estaria?! Quer dizer,
tem apenas uma semana que estamos nos aproximando, eu não
sou tão emocionado assim.
Ao menos eu penso que não sou.
Eu tenho pensamentos sujos sobre você
Eles pioram quando estou sem você
Isso significa que vou para o inferno
Ou você está pensando neles também, oh
DIRTY THOUGHTS | CHLOE ADAMS
NÃO SE CALE!
Eu não consigo escapar desse inferno
Tantas vezes eu tentei
Mas eu continuo preso por dentro
Alguém poderia me tirar desse pesadelo?
Eu não consigo me controlar
ANIMAL I HAVE BECOME | THREE DAYS GRACE
Atualmente
Ele me protegeu.
O Trevor me protegeu.
Durante anos, eu jamais entendi o que havia acontecido com
ele, como o meu irmão, que sempre esteve presente por mim e para
todos ao seu redor, de repente havia se tornado um monstro e sido
consumido por ele. Nunca entendi como Trevor havia sido capaz de
golpear o nosso avô daquela forma e também era incompreensível
para mim, a forma como meu pai me disse para cuidar dele, depois
do que ele havia feito.
“— Sadie, querida — meu pai me chama. Eu estou agarrando
as minhas pernas, as lágrimas descem por meu rosto e eu não
consigo piscar, pois a cena dos respingos do sangue do meu avô
ainda está vívida na minha cabeça. — Eu preciso que você faça o
que o papai vai te pedir, por favor, filha.
Ergo a cabeça, finalmente encontrando os olhos piedosos do
meu pai, que está sentado no chão do meu quarto, de frente para
mim.
— O seu irmão precisa de você, Sadie. — Nego com a
cabeça.
— Não, pai, ele vai me matar também — digo com a voz
falhada, balançando a cabeça em negativa.
Meu pai me puxa para um abraço e beija o topo da minha
cabeça, quando ele volta a falar, eu sinto a tristeza em sua voz.
— Você é muito nova para entender as motivações do Trevor,
mas um dia você vai entender tudo com clareza. Seu irmão também
está mal e ele precisa de forças, você é a única capaz de fazer isso
por ele no momento, porque eu preciso resolver essa situação.
— E a mamãe? — pergunto ao lembrar que a mamãe não faz
a mínima ideia de que seu pai, agora está morto.
— A mamãe não precisa saber de nada por enquanto. Você
precisa cuidar do seu irmão.
— Pai — suplico assim que novas lágrimas passam a
transbordar por meus olhos.
— Ele não vai te fazer nenhum mal — meu pai garante.”
Montar todo o quebra-cabeças da minha família hoje, é bem
mais fácil do que ontem, quando eu ainda acreditava que meu irmão
era um monstro. Minha mãe nunca soube o que o homem que a
criou foi capaz de fazer e meu pai só queria protegê-lo ao se livrar
do corpo do meu avô.
Todos nós sempre estivemos às margens, prontos para
entrarmos na água e nos afogarmos. Nunca resolvemos os nossos
problemas com uma conversa, cada um se esquivou no seu canto e
viveu com seus próprios pesadelos. Minha mãe permaneceu alheia,
meu pai a acompanhou, o Trevor foi atrás da adrenalina das
corridas e eu me entreguei aos seus adversários por incontáveis
vezes.
Deixei de viver a minha triste realidade para encenar a vida
de vários personagens impressos em maços de papéis. A leitura me
livrou da dor de viver dentro da minha pele, me desviou de todas as
pedras que eram jogadas sobre o meu teto de vidro, amoleceu o
meu coração, que por muitas vezes pareceu sólido como uma
pedra.
Além dos livros, também teve o Elliot, que me ajudou a
enxergar as cores em um mundo preto e branco e ontem, no
momento em que nem o branco funcionava mais diante da minha
vista, quando apenas o preto tomava conta de mim, eu precisei
escutar a sua voz.
Eu deveria tê-lo encontrado na verdade, mas saber o que o
Trevor passou, me fez enxergar que a minha dor jamais será
metade da que ele sente. Além de abraçar meu irmão, eu também
precisei do consolo de Elliot, porém ao ver suas mensagens à minha
espera, eu precisei usar todo o meu altruísmo para não o chamar e
desabar em seu colo, porque se antes eu pensava que eu não
poderia amar ou ser merecedora do amor, agora eu acredito que
ninguém merece ter consigo, todas as minhas camadas e dores. Por
isso eu enviei uma mensagem, um pedido de desculpas e lhe disse
para seguir em frente, entretanto aquilo não o fez desistir e eu sabia
que ele não iria.
Não fui forte o suficiente para recusar a sua ligação quando,
após pedir para ele parar de me procurar, com lágrimas no rosto e
uma respiração sufocada, o atendi e me afundei ainda mais
enquanto escutava a sua voz. Eu o amo, isso é um fato e por amá-
lo, disse que tudo estava acabado.
O que, juntando tudo no final, não me fez ter a mínima
vontade de levantar.
Precisei de uma semana para sair da cama da minha casa e
me mudar para a cama do meu quarto no alojamento.
Eu assisti o dia virar noite e a noite virar dia por incontáveis
horas, às vezes eu me levantava e assistia alguma aula, em outras
me sentia obrigada a comer alguma coisa, todavia nunca estive
disposta a ter qualquer contato humano.
As palavras de Trevor voltavam a rodear a minha mente, que
me colocava no seu lugar, onde eu passava a imaginar o que teria
acontecido comigo se ele não tivesse intervindo. Na maioria das
vezes, minha mente se calou, sem qualquer pensamento, além do
vazio.
— Você não vai mesmo me falar o que está acontecendo,
Sadie? — Lynnox insistiu pelo terceiro dia seguido, após o meu
retorno ao campus, se sentando na minha cama.
Sabia que ela estava falando comigo, sabia que ela pedia
uma resposta minha e sabia também que eu não queria responder,
eu preferia me manter calada.
No sexto dia eu consegui me levantar, tomar um banho,
comer bem, ir à aula e ainda assistir ao Homem de Ferro com
Lynnox, o que a fez sorrir e eu também sorri. No entanto, assim que
aquele dia acabou e eu tive que deitar a minha cabeça no
travesseiro outra vez, tudo se apagou e eu voltei às margens da
praia onde um dia eu quase me afoguei. No dia seguinte, após a
sessão de cinema com Lynnox, eu senti que ela iria entrar no meu
quarto, portanto me cobri inteira, para que ela não pudesse ver meu
rosto, e fingir estar dormindo. Quando ela finalmente saiu, sem falar
nada, eu me permiti pensar em tudo o que aconteceu com Trevor de
novo e chorei, assim como na noite em que ele me contou tudo.
Durante o recesso de final de ano, eu tive que voltar para
casa e encarar a minha família, por mais doloroso que aquilo fosse.
— Por que vocês não chamaram a polícia? Não fizeram um
corpo de delito no Trevor? Por que não chamaram um advogado?
Depois de tudo pelo que Trevor passou nas mãos do Bruce, o que
ele fez teria sido por legítima defesa e de terceiro — confrontei meu
pai assim que cheguei em casa para o Natal.
— Do que você está falando, Sadie? — meu pai perguntou,
não precisei lhe responder para que ele entendesse o que eu estava
querendo dizer. — Ele te contou? — Assenti. — Por que ele contou?
— Acho que porque ele estava cansado de ser sempre o
culpado quando eu digo que vivo uma vida de merda graças a ele,
quando na realidade, ele só quis me proteger.
— O caso do seu irmão seria complicado, Sadie — meu pai
respondeu a minha pergunta. — Ele não tinha qualquer marca em
seu corpo que indicasse um abuso, nós estaríamos incriminando
alguém da nossa própria família e ir para a justiça em um caso tão
grave como esse, só abriria várias feridas que já estavam
cicatrizadas.
— Você quer dizer a mamãe? Ele fez algo com a mamãe
também?
— Não — meu pai negou e notei o seu pomo-de-adão descer
e subir. — Quando me casei com a Anne, eu não fazia ideia do
monstro que era o seu avô e só fui ter qualquer ideia na hora em
que o Trevor me contou tudo, na noite em que ele morreu. Se eu
soubesse que havia encostado um dedo no seu irmão, eu mesmo o
teria matado, porém eu tive que controlar meus instintos e cuidar
das necessidades do meu filho naquele momento. Eu perguntei o
que ele queria fazer e ele me disse que queria enterrar tudo o que
seu avô significava. Então foi isso que eu fiz, eu errei, sei que errei
com você, com seu irmão e com sua mãe, por deixá-la ainda ter
uma imagem boa do pai. Eu deveria ter protegido todos vocês, só
que não consegui enxergar nada do que acontecia. — A primeira
lágrima desceu pelo rosto do meu pai e ele tirou os óculos para
limpá-la. — Sei que deveria ter feito mais por vocês, mas eu fiz o
que estava em meu alcance para que as dores de vocês parassem.
Ambos eram apenas crianças e enfrentaram coisas que eu como
um adulto, até hoje não sei como suportar.
Assim que meu pai começou a chorar eu me aproximei dele e
o abracei, declarando:
— O problema é que ainda dói, em todos nós.
Durante a semana que passei em casa, eu não consegui
mais olhar para o Trevor sem pensar em tudo o que ele havia
passado, não consegui mais conversar com meu pai, pois eu sabia
que ele tinha sofrido calado por muito tempo e ainda sofria.
No ano novo, houve uma festa de virada de ano na casa da
Heaven, uma vez que seu irmão deveria nascer a qualquer
momento, contudo eu apareci por apenas alguns minutos, pois
assim que vi Elliot entrando pela porta da frente, rapidamente saí
pela porta dos fundos. Eu não estava pronta para estar no mesmo
ambiente que ele, prova disso foi quando cheguei em casa e subi
correndo para o meu quarto, notando que meus pais estranharam a
minha volta repentina.
— Sadie — meu pai chamou, no entanto eu não respondi,
apenas continuei a subir.
Ao entrar no meu quarto, não tive forças para ir até cama,
acabei desabando ali mesmo no chão, com várias perguntas
rodeando a minha cabeça e sem a resposta de inúmeras delas.
Pouco tempo depois minha mãe passou os braços em volta do meu
corpo e depois de minutos enxugando minhas lágrimas, eu disse:
— Eu sinto muito, mãe.
Assim que os fogos de ano novo começaram, minha mãe que
começou a limpar as lágrimas do meu rosto.
— Você não tem pelo que sentir, Sadie — diz ela alheia, sem
imaginar o que eu sei.
— Mãe, o vovô morreu, mãe — digo em meio ao choro e
então uma das minhas perguntas é respondida por ela.
— Eu sei — revela, me deixando confusa. — Seu pai
conversou comigo, ele me disse tudo. Para mim ainda dói saber que
o homem que me criou e me educou foi tão horrível, é difícil
acreditar em tudo o que aconteceu, mas é fácil conseguir ligar todos
os pontos, o Trevor fez o que era necessário e agora ele, assim
como você, precisa do nosso apoio. Você sempre se culpou por
esconder isso de mim e antes eu me culpava por não perceber os
sinais, hoje eu me culpo por não ter protegido nenhum de vocês,
mas eu prometo que ninguém nunca mais irá encostar um dedo em
qualquer um dos meus filhos.
Saber que estou livre de uma mentira não me deixa mais
leve, pelo contrário.
— Eu queria ser forte, mãe, só que eu odeio tudo isso. Eu o
odeio pelo que fez com o Trevor, eu odeio ter escondido essas
coisas de você por anos seguidos, eu odeio a forma como as
nossas vidas são completamente fodidas, eu odeio que meu pai
teve que encobrir tudo, eu odeio ter sido chantageada por algo que
eu nem ao menos sabia de verdade o que tinha acontecido, eu
odeio ter que ter mentido por isso quando eu nem sabia o quão
grave tudo era. Eu queria ser forte, mas eu não me sinto bem.
Durante todas as minhas palavras emboladas, minha mãe
permaneceu abraçada comigo e por mais que ela quisesse chorar,
ela me segurou com força e me deixou ficar em seu colo enquanto
me consolava pela dor que eu sentia por tudo o que nós passamos
e iríamos passar, pela dor das mentiras que eu contei para proteger
a minha família de algo tão grave, pelas vezes em que eu enganei
meus amigos e pela forma como eu magoei a pessoa que eu mais
amo à medida que me nego a estar com ele, porque ele jamais
entenderia tudo o que eu vivi, tudo o que nós vivemos.
Fronteiras não mantém as pessoas fora, elas servem para
cercar você lá dentro e eu tomei a decisão de deixar toda a
confusão que é a minha vida, dentro da minha cerca. Com as
minhas mentiras e manipulações.
“Assisto os pingos de chuva caírem através da janela da sala
e do outro lado da rua vejo Axel abandonar a sua casa sem camisa,
correndo em direção ao carro. Em seguida, quando ele dá a partida
e sai acelerando pelas ruas, a única coisa que me vem à cabeça é
que uma merda muito grande deve ter acontecido, no mínimo.
Sei disso porque tive uma briga com o Trevor durante o dia
por conta das ameaças do Drew, ele queria ter certeza de que eu
estava conseguindo controlá-lo e meu pai interviu, dizendo que iria
dar dinheiro a ele para que me deixasse em paz. Porém, todos nós
sabíamos que o Drew queria tudo, menos dinheiro.
Tudo o que ele queria era controle.
Me espanto assim que, cerca de dois minutos depois, o carro
preto do próprio estaciona em frente à minha casa e ele sai pelo
lado do motorista, nervoso. Antes mesmo que ele tenha a chance de
bater à porta, eu abro-a, dando espaço para que ele entre.
— O que aconteceu? — pergunto receosa, pois a última vez
em que vi meu irmão, ele saiu de casa dizendo que iria resolver
essa situação. E agora o Drew aparece na minha porta, encharcado,
mas não é chuva, é sangue. — O que você fez com o Trevor?
— Eu preciso de uma roupa e de um carro — anuncia sem ao
menos me responder, já subindo as escadas da minha casa.
— Para onde você pensa que está indo? — tento interferir, o
seguindo, só que Drew é mais rápido do que eu. — Onde está o
meu irmão, Drew? — insisto, nervosa.
Ele entra no corredor dos quartos, no primeiro andar, e
começa a abrir todas as portas.
— Drew! — grito, chamando a sua atenção.
— Eu não sei onde a porra do seu irmão está — finalmente
responde abrindo a quarta porta e adentrando no quarto do Trevor.
— Mas eu sei que preciso de uma roupa daquele merdinha.
No segundo seguinte, Drew tira toda a sua roupa
ensanguentada e joga pelo chão do quarto, ficando apenas de
cueca, ele segue para o banheiro.
— De quem é esse sangue, Drew? — questiono.
— Não te interessa — responde ao abrir a torneira da pia e
limpar sua pele. — Mas se você continuar sendo uma chata do
caralho, ele vai se misturar com o seu — solta a ameaça ao passar
por mim.
Permaneço estática no lugar, com vários pensamentos e
possibilidades rodeando a minha cabeça enquanto o ouço bagunçar
o closet do meu irmão em busca de peças de roupa e de repente,
tudo fica claro para mim.
A perseguição de Drew à Heaven nos últimos meses.
O Axel saindo de casa eufórico e acelerando feito um louco
pela rua.
Dois minutos depois, o Drew chegando na minha casa,
coberto de sangue e em busca de roupas limpas.
Minha mente gira, pois é difícil conseguir raciocinar tudo ao
mesmo tempo, minha visão fica turva à medida que eu tento lembrar
onde deixei meu celular, até recordar que ele está na minha mão.
Sem olhar na direção de Drew eu desbloqueio a tela e disco o
número da polícia, contudo eu deveria ter me planejado melhor, pois
logo que o primeiro toque soa no meu ouvido, o aparelho é tomado
da minha mão e o baque dele contra a parede do banheiro, me faz
saltar em surpresa.
— Se você ousar falar qualquer coisa para polícia, vamos
todos para atrás das grades — ele grunhe em meu ouvido.
Todos os pelos do meu corpo se arrepiam, entretanto não é
um arrepio bom, é medo, meu estômago se revira e o gosto da bile
invade a minha boca em um enjoo.
— Você entendeu que você não vai falar nada a ninguém? —
ele continua a falar no meu ouvido.
No segundo em que uma lágrima ardente desce pelo meu
rosto, eu assinto e quando o faço, Drew me pega pelo braço,
fazendo com que eu fique de frente para ele.
— Ótimo, agora pega a porra das suas coisas e vamos dar o
fora daqui.”
Após a minha conversa com minha mãe, durante a
madrugada, se tornou sufocante continuar em casa, por isso eu fiz
de tudo para retornar ao campus o mais rápido possível e mesmo
sendo o primeiro dia do ano eu retornei para o dormitório. O único
pensamento que me vem à cabeça enquanto eu ligo o chuveiro e,
ainda de roupa, entro debaixo dele, é que eu queria que a água que
me molha agora fosse a mesma que um dia quase me levou. Eu
entrei naquele mar pronta para abandonar o mundo, porque eu
sabia, após tudo o que eu escondi de todos, fosse o segredo da
minha família, a suposta traição que fiz à Heaven, o fato de eu não
ter denunciado ele todas as vezes em que eu tive chance e a época
em que o Drew me arrasou e me calou por dias seguidos, que o
maldito mundo seria bem melhor sem mim.
Porque eu sinto que não vale a pena viver em um mundo
onde não há justiça em nada do que eu tenha vivido até hoje, eu
não posso ter sido a causadora de todos esses conflitos, mas eu fiz
parte deles.
Eu me sinto suja, imunda, nojenta.
A água escorre pelo meu corpo sentado no chão do banheiro
há minutos, eu não sei ao certo quanto tempo faz, no entanto é o
suficiente para que eu escute as batidas e gritos desesperados de
Lynnox do lado de fora, nem mesmo isso me faz ter a coragem de
me levantar e reverter essa situação.
— Sadie, abre essa porta, fala alguma coisa, por favor —
minha colega grita em meio às batidas, eu escuto, sei que sim,
porém eu não entendo.
Se eu deitasse aqui
Se eu apenas me deitasse aqui
Você deitaria comigo e simplesmente esqueceria o mundo?
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