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Copyright © 2023 Luana Siqueira

Entre Vinhos e Programações

1ª EDIÇÃO
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá
ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios
eletrônicos ou mecânicos sem consentimento e autorização por
escrito do autor/editor.

Capa: Débora Ferraz


Revisão: Marcielle Alves
Diagramação: Luana Siqueira

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com fatos reais é mera coincidência.

Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob


quaisquer meios existentes - tangíveis ou intangíveis - sem prévia
autorização da autora. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº 9,610/98, punido pelo artigo 184 do código
penal.

TEXTO REVISADO SEGUNDO O ACORDO ORTOGRÁFICO


DA LÍNGUA PORTUGUESA.
SINOPSE

NOTAS DA AUTORA

AVISOS E GATILHOS

PLAYLIST

PRÓLOGO

CAPÍTULO 01

CAPÍTULO 02

CAPÍTULO 03

CAPÍTULO 04

CAPÍTULO 05

CAPÍTULO 06

CAPÍTULO 07

CAPÍTULO 08

CAPÍTULO 09

CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11

CAPÍTULO 12

CAPÍTULO 13

CAPÍTULO 14

CAPÍTULO 15

CAPÍTULO 16

CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18

CAPÍTULO 19

CAPÍTULO 20

CAPÍTULO 21

CAPÍTULO 22

CAPÍTULO 23

CAPÍTULO 24

CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26

CAPÍTULO 27

CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30

CAPÍTULO 31

CAPÍTULO 32

CAPÍTULO 33

CAPÍTULO 34

CAPÍTULO 35

CAPÍTULO 36

CAPÍTULO 37

CAPÍTULO 38

CAPÍTULO 39

CAPÍTULO 40

EPÍLOGO

AGRADECIMENTOS
Na primeira vez que nos vimos, ela enfiou um salto nas minhas
bolas.
Na segunda, me acusou de ser um péssimo pai sem motivo
algum.
Na terceira, fingi ser seu namorado para irritá-la e levei um
beliscão.
Na quarta, ela me contratou como seu assistente e foi aí que
tudo mudou.
Ana Brandão é tudo que eu não deveria gostar: é estressada,
tem um péssimo gosto para vinhos e seus sorrisos são raros. Mas
ainda assim, eu gostei.
Ele roubou meu Uber, me chamou de pinscher raivosa, fez
piada do que não deveria, terminou de arruinar minha noite e
conseguiu me tirar do sério com uma facilidade que ninguém mais
conseguiu.
Pensei que nunca mais o veria e agradeci por isso.
Porém, o destino gosta de brincar...
Leopoldo Marinho é a pessoa mais irritante e inconveniente que
já conheci.
Ele é um garoto que adora me irritar.
Ele é tudo que eu não deveria querer. Mas ainda assim, eu o
quero.
Eu paguei língua.
Comecei Ana e Leopoldo para escrever qualquer coisa e sair do
bloqueio criativo antes de ir para Dimitri. Depois, pensei em publicar
uma comédia romântica para dar uma respirada entre os dramas.
Fiz o roteiro inteiro com desgosto, escrevia por escrever, sem
brincadeira, o arquivo deles se chamava "Bloqueio criativo". Briguei
mais vezes do que posso contar com a Marcielle falando que queria
desistir, deixar pra lá. Perdi a conta de quantos “Para de ser doida”
ouvi da protetora desse casal.
Segui escrevendo, e sem perceber, fui me apaixonando junto
com eles. Aos poucos, eles foram me conquistando, mudando meu
roteiro, adicionando e tirando coisas, e quando notei, estava me
divertindo horrores escrevendo, gargalhando mesmo.
Gosto de brincar que o plot do livro foi que o enemies era entre
a autora e os personagens. E assim como todo bom enemies,
começamos nos odiando, mas nos apaixonamos perdidamente no
final.
Ana e Leopoldo me ensinaram que nem tudo precisa ser tão
pesado, nem tudo precisa ter um super ensinamento no final, às
vezes, você pode apenas se divertir, só gargalhar e seguir a vida.
Para quem me conheceu por Sublime Recomeço, já te aviso
que esse livro é bem diferente.
Em Entre Vinhos e Programações, não há uma grande lição de
superação ou uma carga enorme de drama, não vou te fazer chorar,
só dar umas boas risadas.
Para quem está tendo o primeiro contato com a minha escrita,
seja bem-vindo ao Luverso!
Eles me mostraram uma nova faceta da minha escrita e uma
nova Luana também.
Espero que se apaixone por eles como eu me apaixonei.
Espero que dê boas gargalhadas com o bobo alegre e nossa
pinscher agressiva.
Boa leitura!
Luana Siqueira.
Este livro possui conteúdo para maiores de dezoito anos, entre
eles: uso de álcool, cenas gráficas de sexo com e sem preservativo,
palavras de baixo calão e menção à morte. Caso seja sensível a
qualquer um desses temas, não recomendo a leitura.
Que tal ouvir a playlist?
Só escanear o QR Code com a câmera do
seu celular:
Para todas as Luana's perdidas no mundo:
nem tudo precisa ser tão carregado, nem sempre precisa ter um
aprendizado ou uma moral no final da história, às vezes você pode
simplesmente escolher sorrir.
“Cê tem uma cara de quem vai foder minha vida
O seu olhar é um caminho sem saída
O seu corpo é um caminho sem saída
Então só entro”
— Girassóis de Van Gogh, Baco Exu de Blues
Minha mãe já cansou de me falar para não abrir a porta para
estranhos. Eu obedeço? Claro que não. O problema é que, pela
primeira vez, essa desobediência me colocou nessa situação em
que estou agora, com duas crianças que acredito ter uns cinco
anos, paradas na minha porta e junto delas, uma loira que, em
outras circunstâncias, eu facilmente pegaria, afirmando que sou o
pai dos pirralhos.
Quase engasgo com a gargalhada incrédula que dou.
Por longos minutos, explico com toda a educação que meus
pais me deram, que isso é impossível, já que nunca nem transei
sem camisinha.
Tenho curiosidade de saber qual é a sensação? Óbvio que sim,
não sou de ferro e ouvi mais vezes do que posso contar, que transar
com camisinha é como chupar balinha com papel, mas correr o risco
de adquirir alguma IST ou a ideia de ser pai tão cedo, sempre foi o
suficiente para reprimir qualquer curiosidade. Tô custando cuidar de
mim, quem dirá de uma ou duas crianças.
Ser DJ freelancer não dá muito dinheiro ou resultados. Na
verdade, não traz resultado nenhum mesmo. Por isso, com 21 anos
ainda sou completamente dependente dos meus velhos.
Uma vergonha, eu sei.
Mas quem sou eu para negar a ajuda que eles oferecem?
Só quero ser um DJ de respeito e conseguir pagar as contas.
Mas essa não é a questão aqui, não mesmo. O problema é que
nunca coloquei meu pau desencapado em lugar nenhum. Não tenho
dúvidas disso. Mas ela escuta? Não, não escuta. Independente de
quantas vezes eu insista que está enganada. E pior, pela sua
expressão, a única coisa que a impede de voar no meu pescoço,
são as crianças agarradas em suas pernas.
— Camisinhas não são nem de longe 100% eficientes, gênio! —
Esbraveja com raiva.
É claro que não, mas nunca pensei que justo eu cairia na taxa
de erro.
Agora estou pagando os pecados da minha cabeça de baixo, só
por considerar a possibilidade que ela esteja falando a verdade.
Ainda desconfiado, olho para ela.
— Ok. Se isso é verdade, Mariana... por que sua melhor amiga
não me contou antes? E por que você só me procurou agora?
— Marina, babaca — corrige irritada. — Como foi que a Alice
ficou com você? Por Deus! — Ei! Exceto por não ter um tostão
furado para pagar um lanche decente, eu sou um partidão! — Ela
tinha sérios problemas em casa naquela época e preferiu fugir, a
correr o risco de a mãe tirar os bebês dela.
Franzo o cenho, confuso.
Alice.
Esse nome não é estranho... Tenho a vaga lembrança de
realmente ter ficado com uma garota com esse nome quando tinha
15 anos e… Caralho! Posso mesmo ser o pai dessas crianças? Mas
se eu sou, por que caralho ela não confiou em mim para ajudar a
falar com sua mãe?! E por que a própria Alice não veio me contar?
— Eu poderia…
— Antes que fale que poderia ter ajudado, o que dois
adolescentes poderiam fazer contra uma velha nojenta cheia de
dinheiro? — Não muita coisa. — Quando soube da gravidez, Alice
fugiu sem olhar para trás, ela sabia o que a mãe tinha capacidade
de fazer. Foi quando a conheci e me encantei pelos bebês ainda na
barriga. Ela conseguiu se estabilizar com a ajuda da minha família e
estava tudo bem, até o maldito câncer chegar e tirá-la de nós.
Caralho!
Leopoldo, porra!
E, meu Deus, eu vou ter que parar de falar tantos palavrões se
esses pirralhos forem mesmo meus.
Caralho, estou mesmo começando a cogitar a ideia de ser pai?
Porra, falei de novo.
Argh!
Bagunço meu cabelo com os dedos e olho para eles. Meu peito
aperta ao ver os olhos grandes de ambos tomados por lágrimas.
Como eles estão lidando com a perda da mãe tão precocemente?
Eu estaria chorando em posição fetal se estivesse no lugar deles.
A menina, apesar das lágrimas grossas escorrendo pelas
bochechas, entra na frente do irmão e me encara com pura
determinação. Prendo um sorriso, fascinado pelo gesto.
— Sinto muito pela perda de vocês. – É tudo que consigo dizer.
O menino se esconde mais e a irmã simplesmente me encara,
deixando claro que não vou ganhar uma resposta dela. Marina é
quem agradece e afaga o cabelo dos gêmeos com carinho.
— Escuta, até dois meses atrás, eu sequer sabia seu nome —
diz um pouco mais calma. — Não estou pedindo para assumir a
responsabilidade por eles, mas para que eu possa adotá-los,
preciso que você confirme a paternidade com um teste de DNA e
abra mão da guarda pra mim — explica sem desviar os olhos dos
meus. — Depois disso, não precisamos nos ver mais e pode seguir
sua vida como se nunca tivesse nos visto.
Passo a mão pelo cabelo de novo, perturbado. Volto a olhar
para as crianças, tentando absorver tudo que a loira desconhecida
me contou. De repente, percebo como eles lembram uma versão
minha quando criança. Ambos loiros com olhos castanhos.
Se conseguisse arrancar um sorriso deles, talvez encontrasse
covinhas semelhantes às que enfeitam meu rosto. Respiro fundo,
nem tenho certeza se ela está falando a verdade, mas por algum
motivo, a ideia de não os ver mais, me deixa angustiado.
— E se eu não quiser que desapareçam? — pergunto,
atordoado com o rumo que tudo isso vai tomar.
Marina me olha com atenção, como se tentasse decifrar cada
mínimo pensamento que atravessou minha mente nos últimos
minutos. E então, escondendo um sorriso singelo, ela solta o ar e
balança os ombros.
— Alice me pediu para te dar uma chance.
04 de novembro de 2022 às 23:12

Como eu vim parar aqui?


É a frase que roda minha mente em looping enquanto Matheus
joga o pozinho de um suco de manga no seu pau.
Sim, no seu pau.
E sabe o que é pior? Ele espera que eu chupe isso. Será que o
nojo não está explícito o suficiente no meu rosto?
Não.
E para piorar, o motivo é que ele não teve tempo de tomar
banho antes do nosso suposto encontro, mas não quer que eu
perca uma oportunidade tão incrível, por algo tão banal.
Palavres dele, juro.
Logo após me trazer para o fim do mundo com a promessa de
nos conhecermos melhor e que iria cozinhar para mim, porque seria
mais íntimo do que ir em um restaurante, ele ainda teve a
capacidade de falar que chupar seu pau imundo seria uma
oportunidade incrível.
Jantar esse que nunca cheguei nem perto, porque ele resolveu
parar em uma rua escura antes de irmos para sua casa e teve a
cara de pau de me falar que queria o boquete antes do jantar para
não correr riscos.
RISCOS!
Bom, acho que o como, já sei, mas por que caralho eu vim parar
aqui? Sou uma mulher adulta, independente, pago minhas contas,
sou interessante e sem falsa modéstia, sou gostosa. Então, por que
me coloco em situações assim?
Só queria transar sem ter que pagar alguém pra isso. Não
deveria ser tão difícil assim, não é?
Não tenho tempo para conhecer pessoas. Trabalho a maior
parte do meu dia, sete dias por semana, e isso quando não tento
transformar o dia em 36 horas para dar conta de tudo que tenho
para fazer.
Eu poderia pegar alguém da empresa ou algum cliente?
Poderia, não me falta oportunidade, porém sem chances. Sou a
dona e chefe, e a partir do momento que dou esse tipo de liberdade
para alguém, posso acabar arriscando minha credibilidade e
respeito. Fora a trabalheira que daria ficar com alguém conhecido.
Deus me livre!
A alternativa que sobra são aplicativos de relacionamento, pois
quando lembro de comer e tenho uns minutos mais tranquilos,
converso com as pessoas que dou match por tempo o suficiente
para ter pelo menos 70% de certeza que o cara não é um serial
killer e marco um encontro.
Eficiente e prático, certo?
Errado.
A cada cinco caras, somente um deles é interessante para
tentar levar para cama, e infelizmente, nem sempre eles são bons
ou sabem o que estão fazendo. Juro. Qual o problema em encontrar
o clitóris? É só estudar um pouco, poxa!
Já os outros quatro caras são apenas idiotas. A verdade é que,
com as experiências que tive nos últimos cinco anos, poderia
escrever um livro com todas as histórias de encontros humilhantes e
esquisitos que já tive. Seria um sucesso de vendas, tenho certeza!
— Vai chupar ou não, gatinha? — O idiota me interrompe e se
vira para mim com um sorriso nojento, acariciando o próprio pau,
espalhando o pó amarelo por todo o cumprimento.
Meu estômago se contorce com a ânsia de vômito. Ele acha
mesmo que isso está sexy?
— Claro que não! Qual o seu problema?! — Estou até enojada.
— Nunca, escuta bem, eu nunca colocaria a boca nesse seu pau
imundo. — Gesticulo irritada. — Custava tomar um banho? É só
água sabe? Não machuca.
Matheus me olha furioso e, felizmente, enfia seu pinto porco de
volta na calça que também está suja. Ele rolou no barro antes de me
buscar?
— Sai do meu carro. — Aponta para a porta, bravo.
Bravo.
Ele acha que tem o direito de ficar bravo?
— Como é que é? — Devo ter entendido errado, é a única
explicação decente.
— Você me ouviu, Isabela. Sai da porra do meu carro! — Berra
e inclina o corpo para mais perto de mim.
— Não saio. — Cruzo os braços e me afundo mais no banco,
reafirmando minha negação. — Você me trouxe. Você me leva.
Nem fodendo saio desse carro agora. Exagerei um pouco
quando falei que é o fim do mundo, mas não conheço nada aqui.
Como irei embora em uma sexta-feira às 23 horas de um lugar que
não conheço?
— Não vou te levar a lugar nenhum, vadia. — Reviro os olhos
com a falta de criatividade do xingamento. Por que os homens
tendem a chamar as mulheres de vadias quando não conseguem o
que querem? — Sem boquete, sem carona. Agora desce da porra
do meu carro antes que eu te faça descer. — O olhar em seu rosto
muda e ele fica mais agressivo, fazendo um calafrio receoso subir
pela minha espinha.
Uma parte de mim quer enfrentá-lo e o obrigar a me levar para
casa, mas as estatísticas de femicídio saltam no meu cérebro em
um alerta quase sonoro e então solto o cinto, completamente
frustrada.
— Meu nome é Ana, babaca! — Desço e bato a porta com toda
força que tenho, esperando que estrague essa boceta.
Sobressalto quando ele quase passa por cima do meu pé ao
sair cantando pneu.
— OVO MOLE DO CARALHO! — Berro furiosa.
Ok.
Respira, Ana.
O que faço agora?
Olho ao redor e estremeço ao ver o quanto o beco escuro está
deserto. Primeiro, preciso sair daqui.
Ando apressada até entrar na avenida que deu acesso à viela e
respiro mais aliviada ao ver algumas pessoas na rua mais
iluminada.
Procuro por algum estabelecimento aberto para que possa
esperar um Uber, mas não encontro. Só tem residências aqui.
Pego o celular na bolsa com um suspiro deprimido, se
arrependimento matasse... Abro o aplicativo e quase choro ao ver
que o mais rápido que um carro chega aqui, é em quase uma hora.
Não posso ficar parada na rua esperando por quase uma hora,
menos ainda em um lugar que não conheço. É perigoso.
É exatamente por isso que quase sempre recuso caronas, não
teria esse problema se estivesse com o meu carro.
Pensa, Ana.
Preciso achar um lugar seguro para pedir o Uber e poder
esperar por ele. Abro o GPS e procuro pelo estabelecimento aberto
mais próximo daqui. Encontro uma lanchonete a 15 minutos de
caminhada.
Bufo, irritada e muito, muito frustrada.
Por que decidi usar salto justo hoje? Eu odeio saltos! Nunca
consigo ficar mais que uma hora neles. Menos ainda andando.
Não consigo pedir ajuda para ninguém, pois minha irmã não
dirige, e mesmo se dirigisse, duvido que chegaria aqui em menos
tempo do que o Uber. Luna, minha secretária, também não chegaria
porque mora no mínimo a uns 15 km daqui. E não tem mais
ninguém que eu possa ligar.
A voz da minha irmã me mandando fazer mais amigos ecoa na
minha cabeça em zombaria.
Meus pés latejam e pondero qual a melhor escolha: andar
descalça e correr o risco de machucar os pés, ou continuar com os
saltos e definitivamente machucar os pés. Não preciso de muito
tempo para tirá-los e pisar no asfalto desnivelado.
Tem como piorar?
O clarão repentino no céu seguido de um som estrondoso, me
faz pular de susto e responde que sim, tem como.
É claro que tem.
Lei de Murphy.
Não demora muito para a chuva cair e eu estar ensopada e com
frio, andando apenas guiada pelo GPS. O vestido tubinho também
foi uma péssima escolha para hoje e o blazer não foi muito melhor,
já que não consegue me impedir de tremer.
Aproveito a caminhada para fazer uma lista mental muito
necessária sobre todos os motivos pelos quais não vale a pena
tentar transar com alguém que conheci em um aplicativo.
Assim que possível, tenho que passá-la para o papel e talvez,
pregar na minha mesa no escritório, para não esquecer e pensar
que vale a pena tentar de novo.
Não, não vale!
Para começar, teve o cara que roubou meu celular para comprar
maconha e ainda me ofereceu. Cometi o erro de achá-lo bonitinho
no primeiro encontro e dar uma chance para o segundo, já que não
conseguimos transar no primeiro. Eu deveria ter desconfiado dele
no minuto em que meu celular sumiu? Deveria, mas na minha
cabeça ele não seria tão cara de pau assim.
Também tem o que não só me levou para a casa dos pais, como
depois de transarmos, fez xixi na cama deles quando estávamos
dormindo e me culpou. Fiquei horas deitada no xixi sem saber, e
ainda levei a culpa por isso!
Nem preciso entrar em detalhes daqueles que acham que tem
algum direito sobre você, simplesmente porque arcaram com uma
refeição, ou dos que “esquecem” a carteira e prometem fazer um pix
depois. Nunca recebi nenhum deles.
Tem também os casados que se acham espertos o suficiente
para tentar enganar mais de uma mulher. Quando eles vão aprender
que a gente sempre descobre?
É humilhação atrás de humilhação e definitivamente, não vale a
pena. Preciso lembrar disso quando o ódio e a vergonha de hoje
passarem.
Finalmente chego na lanchonete e respiro aliviada ao confirmar
pelas luzes acesas, que está mesmo aberta.
Empurro a porta branca e sobressalto com o tilintar do sino em
cima dela. É uma surpresa ver que ainda existem estabelecimentos
com isso. Tem um bom tempo que não entro em nada parecido com
isso.
O lugar é simples e me faz lembrar da minha infância. A luz
mais amarelada parece deixar o ambiente ainda mais aconchegante
e meu corpo pinica de vontade de sentar em um dos bancos de
madeira almofadados, mas fico quieta em cima do tapete na porta.
Não quero entrar e sair pingando no piso brilhoso.
Graças a Deus o lugar está vazio, não queria ninguém me
vendo nesse estado deplorável.
Uma senhora na casa dos 60 anos abre a porta do balcão e um
cheiro delicioso de comida acorda o dinossauro que vive no meu
estômago. Ela caminha até a mim com um sorriso preocupado.
— Meu Deus, está encharcada, querida! — Passa as mãos
pelos meus braços em uma tentativa fracassada de me esquentar.
— JORGE, TRAZ UMA TOALHA! — Pulo no susto quando ela
berra com alguém que imagino estar dentro do lugar que saiu, já
que não vejo mais ninguém aqui.
— Não precisa — afirmo, tentando retribuir seu sorriso. Deve
sair mais como uma careta, até porque, estou muito irritada para
sorrir. — Só quero um lugar para pedir e esperar meu Uber. —
Mostro a tela do celular aberta no aplicativo buscando um carro. —
Se não for atrapalhar, é claro.
— Besteira! — Ignora completamente minha fala. — É claro
que precisa. Vai ficar doente se continuar molhada assim.
Agradeço, sem jeito e ela aumenta ainda mais o sorriso. Meu
celular vibra, atraindo minha atenção, e quase choro ao ver que o
tempo de espera aumentou ainda mais. O que está acontecendo
hoje?
Uma ideia passa pela minha cabeça e, normalmente, a
descartaria na mesma velocidade em que surgiu, mas hoje não me
parece tão ruim assim. Não quando todo o resto já desandou há
muito tempo.
Mudo a opção de viagem para a compartilhada e suspiro ao ver
que o tempo de espera é bem menor, quase 20 minutos só. Solicito
o carro e guardo o celular com pressa antes que me arrependa e
decida esperar mais de 50 minutos só para poder ir sozinha.
Quando volto a olhar par a senhora, vejo um senhor, que
imagino ser o Jorge caminhando em nossa direção, trazendo uma
toalha branca e sorrindo, tão simpático quanto ela, me
cumprimentando com um boa noite gentil.
Quero recusar de novo, pois com certeza vou sujar a toalha
deles, mas antes que tenha a chance, ela toma a peça e começa a
enxugar meus braços.
Um sorriso genuíno se desenha nos meus lábios e me sinto tão
acolhida, que a saudade da minha avó é inevitável.
— Oh! Desculpa, querida. Nem te perguntei se podia —
lamenta, se afastando um pouco.
— Está tudo bem — garanto e ela sorri, se aproximando de
novo e volta a tirar o excesso de água de mim, ou pelo menos tenta,
porque as roupas seguem molhadas e não tem muito o que
podemos fazer a respeito.
— Quer tomar um banho, querida? Posso te emprestar
algumas roupas. Não é nada tão chique como as suas, mas estão
secas — brinca, ainda passando a toalha pelo meu cabelo.
— Não, muito obrigada. — Tento mais um sorriso, e dessa vez
sai um pouco mais verdadeiro. — Na verdade, quero um pouco do
que estiver fazendo naquela cozinha. Se puder arrumar para
viagem, por favor. — Peço, ainda sentindo o aroma delicioso e isso
me deixa mais faminta. — Tô faminta e o cheiro está divino.
— E o gosto também vai estar — Jorge afirma. — Não tem
nada melhor que a comida da Madalena. Prometo.
Não duvido.
— Claro, querida. Por que não senta um pouco? Mais uns dez
minutos e a lasanha sai do forno.
Nem mais um dos seus sorrisos gentis me impede de murchar.
O carro provavelmente chega em cinco minutos.
— Tem alguma outra coisa já pronta? Meu Uber chega em cinco
minutos e se eu o perder, vai demorar até outro chegar.
Ela assente, me dando um sorriso compreensivo.
— Vou esquentar um pedaço de torta para você. Já volto.
Ela sai sem me deixar responder, me deixando sozinha com o
Jorge, que a enche de elogios e continua falando sobre como ela é
talentosa na cozinha.
Não que eu precise ser convencida, o cheiro de antes e o de
agora, enquanto volta com uma vasilha nas mãos, já são provas o
suficiente. Meu estômago até concorda, pois ronca alto de novo.
Ambos sorriem e sinto minhas bochechas esquentarem.
— Quanto devo a vocês? — pergunto, já abrindo o aplicativo no
banco para transferir, já que não tenho nenhuma nota pequena na
carteira. — Vocês recebem por pix?
— Nada, querida. Não nos deve nada.
— Claro que devo. Não só pela ajuda, mas pela torta também.
Quanto custa? — insisto, mas os dois balançam a cabeça em
negação.
— Vamos ficar realmente ofendidos se continuar insistindo
nisso — Jorge fala um pouco mais sério e respiro fundo, assentindo.
Assim que puder, penso em algo para recompensá-los pela
ajuda sem ofendê-los.
Envio minha localização atual no grupo que tenho comigo, para
não correr o risco de esquecer o endereço da lanchonete e sorrio ao
ver a notificação de que meu carro chegou.
Finalmente.
Despeço-me do casal simpático e entro apressada no carro,
sem nem prestar muita atenção, já avisando ao motorista que vou
pagar a mais pela lavagem dos bancos, antes que desista de me
levar por estar molhada.
— Gostou da lanchone... Caralho! Você está péssima! — Pulo
com o comentário, sentindo meu coração querer sair pela boca e me
viro para o dono da voz sentado ao meu lado.
Que merda?!
— Quem é você e o que está fazendo no meu carro? —
Vocifero para o loiro cabeludo que me encara com um sorriso.
— Seu carro? Acredito que o carro, na verdade, pertença ao
Alberto — o idiota diz em tom zombeteiro. — E até onde eu sei,
estamos em uma viagem compartilhada.
Merda.
Esqueci completamente disso.
De onde tirei que seria uma boa ideia pedir uma viagem
compartilhada? Dois segundos dentro do carro e já me arrependi.
— Escuta – começo, respirando fundo e colocando o sorriso
mais cordial que consigo no rosto. — O que acha de deixar essa
viagem só para mim? Preciso ficar sozinha e com certeza você não
quer viajar com alguém que vai respigar em você durante todo o
percurso – negocio, apontando para minha roupa molhada. Ele me
encara, parecendo confuso e vejo pelo canto do olho, o motorista
me olhando da mesma maneira. Suspiro. — Eu pago a viagem
completa para você e o motorista não ficarem no prejuízo e pago
sua próxima corrida também, além, é claro de um lanche, se
quiserem.
Por favor, só me deixa sozinha
— Então, sabe como é. Não vai dar. — Dá de ombros e sorri.
De novo.
Tento continuar sendo cordial, juro que tento, mas o dia de hoje
recai com tudo em mim e me faz explodir antes que possa me
controlar.
— NÃO VAI DAR? COMO ASSIM NÃO VAI DAR?
— Não precisa gritar, nervosinha. — O idiota me repreende,
parecendo ter se assustado com o grito, mas o maldito sorriso não
saiu do lugar. Tem como essa noite ficar pior? — Em outras
circunstâncias, eu poderia ser um cavalheiro, deixá-la com esse
carro e esperar pelo próximo. Porém estou muito atrasado para o
meu compromisso, então não vai dar. Podemos tranquilamente
dividir a viagem, não custa nada.
Custa.
Custa sim.
O restinho de paciência que me resta. Só queria ir em paz para
casa. É pedir muito?
— Tranquilamente? Não saímos do lugar e você já eximiu a
minha paciência – acuso, irritada. — Por favor, desça do carro. Vai
ser muito bem recompensado por isso. — Peço com toda educação
que consigo no momento, mas não duvido que tenha soado como
um rosnado considerando a raiva que estou sentindo.
Dia de merda. Como pode dar tudo tão errado em poucas
horas?
— Sinto muito, mas não vou descer. Se quiser esperar por
outro carro, fique à vontade. Eu não posso. — Ele dá de ombros.
— Eu também não posso.
— Então parece que vamos dividir.
A sua tranquilidade suga a minha já quase inexistente.
— NÃO VAMOS DIVIDIR! — Esmurro minha coxa para não
esmurrar a cara dele, e ele faz o que? Sorri.
— Caralho, você é meio desequilibrada, né? Pra quê gritar?
Ele não me chamou de desequilibrada, chamou? Chamou,
chamou sim.
— O senhor não vai fazer nada? — Me viro para o motorista e
ele sorri sem graça.
— A viagem é compartilhada, moça. Ou os dois compartilham a
viagem ou um desce e o outro espera, não tem nada que eu possa
fazer a respeito. Infelizmente.
— Como eu disse, você pode descer — o loiro idiota fala.
— Não vou descer.
— Então pode seguir viagem, vamos dividir.
Não acredito nisso.
— Pode ser, moça? — pergunta, me encarando pelo retrovisor
e concordo com um suspiro frustrado.
Não vou esperar mais 40 minutos para chegar em casa.
Coloco o cinto de segurança e fecho os olhos, respirando fundo.
Tudo que preciso é de um banho quente e da minha cama, para
tentar me recuperar para o dia corrido que terei amanhã.
O carro dá partida e ouço uma risada baixa do babaca ao meu
lado, apenas ignoro, respirando fundo de novo. Só que ele não para
de rir e isso me deixa possessa o suficiente para o encarar com
raiva. Seus olhos estão em mim.
— Qual a graça? — Esbravejo, controlando minhas mãos para
não voarem no pescoço dele. Não me importa que elas parecem
mãos de criança perto do tamanho dele, tenho certeza de que ainda
poderia fazer um bom estrago.
— Nada. — Prende um sorriso com os dentes. — Só que faz
sentido que você esteja tão mal-humorada, sua noite parece ter sido
péssima.
Ele está rindo disso? É sério? Cadê a empatia desse cara?
Tinha que ser um homem!
— Não lembro de ter pedido sua opinião e é bem filho da puta
rir da desgraça dos outros. — Vovó ficaria orgulhosa da calma com
que falei agora.
— Não pediu, e não estou rindo da sua desgraça.
— Está rindo do que então?
Ele volta a dar risada e permanece assim por longos segundos,
ignorando completamente meu olhar cheio de ódio em sua direção,
antes de finalmente responder:
— Você está parecendo um pinscher molhado. — Como é que
é? ­— Pequeninha, raivosa e está tremendo, só não sei se de raiva
ou frio.
Matar pessoas é crime, Ana. Agredir também, não importa o
quanto mereçam.
Conto até dez mentalmente, respirando devagar, fingindo que o
babaca ao meu lado não existe, ou tentando, porque ele não tira os
olhos de mim.
— Pensando bem, deve estar com bastante frio molhada desse
jeito. Quer minha jaqueta?
Ele não me espera responder, só tira a jaqueta jeans e joga nas
minhas pernas. Fico muito tentada a fazê-lo engolir a peça, mas ela
está quentinha, então só finjo que não percebi o que fez e ligo a
televisão que fica no banco à minha frente, esperando que o barulho
seja o suficiente para mantê-lo calado. E graças a Deus é, ele não
fala mais nada.
Depois de um tempo, finalmente vejo a fachada do meu prédio
pela janela do carro.
Graças a Deus!
Pago uma boa quantia para o motorista, agradeço e desço sem
olhar para o lado. Dou a volta no carro, já pensando na dor que vou
sentir para arrancar a farpa ou caco de vidro que entrou no meu pé
direito. Definitivamente, sem mais encontros pra mim.
Estou quase entrando na portaria, quando lembro da jaqueta
que trouxe junto comigo sem nem perceber. Respiro fundo, criando
coragem para voltar e devolvê-la ao dono.
— Não precisa me devolver — fala quando me viro de volta
para o carro. — Com o cheiro que estava vindo de você, nem
mesmo água sanitária vai fazê-la ficar cheirosa de novo.
Ele está brincando com minha cara, só pode, certo? É isso, ou
está querendo morrer, ou ter as bolas arrancadas, certeza.
Tento ignorar e virar as costas de novo. Juro que tento. Mas a
risada dele me alcança antes, e quando dou por mim, estou jogando
um dos meus sapatos, que era o que estava mais fácil em meu
alcance, bem na cara dele. O único problema é que ele desviou, e
com minha excelente mira, eu acertei a merda do carro.
É muito tarde para procurar uma ponte e pular?
Por que as pessoas são tão mal-humoradas? Céus! Não se
pode nem brincar com um dia ruim, que já ficam putas e jogam
sapatos com saltos finíssimos na sua cara.
Isso é tentativa de assassinato!
Saltos deveriam ser altamente proibidos, mais ainda para loucas
estressadas que gostam de arremessar coisas. Só de pensar no
estrago que poderia ter feito no meu lindo rosto se o sapato ou
algum dos estilhaços do vidro tivesse me acertado! Deus me livre!
Muita gente sofreria em não poder mais admirar minha beleza.
— Não me interessa quem é o culpado, senhorita. A televisão
do meu carro está quebrada e o banco com rasgões, eu não vou
arcar com o prejuízo sozinho. Na verdade, não vou arcar de forma
nenhuma. Vocês quebraram, vocês pagam.
O motorista do Uber desceu do carro furioso e fui junto, vai
saber o que ele faria. Não que ache que a nervosinha gostosa corra
algum perigo, ela parece ser alguém que sabe cuidar de si mesma.
Ela está possessa. Pena que o alvo da sua raiva sou eu e não o
motorista, seria interessante ver quem ganharia a briga. Apostaria
todo o meu dinheiro na baixinha.
— Concordo que você não tenha que pagar nada, mas acho
injusto que eu assuma todo o dano, sendo que esse ovo mole me
provocou.
Ovo mole?
Que abuso! Não tem absolutamente nada mole em mim.
— Eu pago o conserto! — Meu orgulho afirma antes que meu
senso possa impedir.
Porra! Vou gastar boa parte das minhas economias pagando
essa merda.
— Claro que paga — ironiza a doida. — Vai querer bancar o
bom moço agora e me fazer de bruxa má.
Ela cruza os braços e me encara com os olhos brilhando de
raiva, e talvez até conseguisse me fazer sentir um pouco de medo
se não estivesse toda molhada, descalça, tivesse um pouco mais do
que meio metro de altura e se seus lábios não estivessem formando
um biquinho. Ela está fofa pra caralho. Parece um pinscher. Dá até
vontade de apertar.
— Claro que vou. Não está dizendo que foi minha culpa?
Resolvido.
Cala a boca, porra!
Qual é o meu problema? É só engolir o orgulho e deixar a
nervosinha pagar. Com certeza, ela não vai mexer em mais da
metade de suas economias para isso. Não deve nem fazer cócegas
na sua conta.
Cócegas.
Será que isso tiraria o espírito ruim do seu corpo e a faria rir?
— Do que você está rindo? Só sabe fazer isso? — Rosna e eu
sorrio mais. Essa garota com certeza tem algo contra felicidade. —
Ah, quer saber? Foda-se. — Ela se vira para o motorista menos
brava do que está comigo. — Isso aqui é para saber que não vou te
passar para trás e esse é meu cartão, me liga quando tiver o
orçamento e transfiro o resto.
Ele observa tão abismado quanto eu ela tirar sete notas de cem
reais da carteira que, incrivelmente, não está molhada. Quem anda
com tanto dinheiro assim? Ainda mais em um ambiente que
claramente não é da sua convivência? Ela poderia ter sido
assaltada.
— Não conhece pix? Andar com dinheiro assim é perigoso. —
Me meto, sem conseguir me conter.
— Que bom que não era o seu dinheiro então. — Sorri cínica.
Ela passa por mim e o cheiro forte de manga me atinge. Odeio
manga, e ficou ainda pior com o fedor de cachorro molhado. Eu não
estava só brincando, ela realmente não está cheirosa. Parece ter
tido uma noite de merda e está cheirando como tal.
Observo-a se inclinar na janela do carro e se enfiar no banco
traseiro, entre os cacos de vidro. Quem se enfia entre vidros
quebrados?! Corro e agarro sua cintura, trazendo-a para trás
comigo para não se cortar.
— Me solta!
Ela se remexe em meus braços, e por algum motivo
desconhecido para mim, eu a aperto mais em vez de soltá-la, o que
a deixa ainda mais furiosa e inquieta.
Céus!
Pequena e raivosa igualzinha a um pinscher, será que morde
também?
O pensamento me faz rir e ela tenta se soltar novamente.
— Me larga, bobo alegre.
— Melhor do que ser uma megera mal-humorada — resmungo.
— Como é? — Ela está ainda mais irritada, muito mais. Como é
possível?
— Calma, vou te soltar — tento falar, mas a doida não me ouve
e enfia o maldito sapato no meio das minhas bolas.
Caralho que dor!
Qual a porra da perturbação dela com esse maldito salto?
A dor me desnorteia e me desequilibro, levando nós dois
emaranhados para o chão. Ela não para de se revirar, tentando se
soltar e piora tudo, prendendo uma mecha do seu cabelo no último
botão da minha camisa, nos deixando em uma posição muito mais
desconfortável. Como se não bastasse, ela não sossega e quando
mais se mexe, mais preso seu cabelo fica.
— Fica quieta, caralho! Se não parar de se mexer, vai piorar
tudo ainda mais e não vamos sair daqui nunca.
Ela finalmente fica parada e consigo respirar, sentindo minhas
bolas doloridas.
Porra de salto assassino.
— Obrigado. Agora me deixa ver como soltar sem te machucar.
Ela continua quieta e eu encaro o ninho que seu cabelo formou
com meu botão, e em outras circunstâncias, iria querer rir, mas me
controlo, não quero tirá-la do sério de novo e ela tem um sério
problema com risadas. Deve ser contagioso, porque agora até eu
estou um pouco irritado.
Tá, não deve ser tão diferente de desembaraçar o cabelo da
Ray, só que eu não tenho um pente aqui e está enroscado em um
botão. Delicadamente, pego os fios pretos e vou desenrolando.
Demora o suficiente para meu corpo perceber que tem uma mulher
bonita e gostosa em cima dele, e com o rosto bem próximo de um
lugar interessante, mas consigo terminar antes de passar vergonha
por isso.
Assim que termino, ela se levanta rapidamente e murmura um
agradecimento.
Para xingar ela não tem problema em falar alto, né? Abusada.
— Seu sapato, senhorita. — O motorista entrega, mordendo as
bochechas, acho que tentando não rir. — Assim que tiver o
orçamento, eu te ligo.
— Muito obrigada.
Ela entra no prédio chique sem olhar para trás.
— Pobre moça. Teve um dia arretado.
— É.
— Acho que consigo terminar sua viagem. Só sentar no banco
da frente. Vamos?
— Vamos.
Só espero que Apolo me perdoe pelo atraso e não cancele o
serviço. Não posso perder essa grana.

— Você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje!


Minha irmã me olha espantada enquanto nossa caramelo me
cheira. Fecho a porta do apartamento e fico parada no tapete,
tentando sujar o mínimo possível. Não tenho tempo nem para
respirar nos próximos dias e a Rosangela já fez a faxina da semana.
— Você está bem?
— No geral? Acho que sim.
A preocupação dá lugar a risadas altas e lembro do idiota no
Uber. Quem ele pensa que é para ficar debochando das pessoas
assim? Nossa, que ódio!
— O que… diabo… aconteceu… com você? — pergunta entre
as gargalhadas, me distraindo das várias formas de assassinato que
minha mente já estava cogitando caso o encontrasse de novo.
Faço carinho na Mel, que já terminou sua conferência diária e
se deitou de barriga para cima, exigindo atenção.
— Você está bem mesmo? — Coloca a mão na barriga que
deve estar doendo de tanto rir e me olha mais séria. — Como foi
que ficou descabelada, encharcada e descalça? Bem fodida, com
certeza não foi.
— Ágata!
— O que? Com esse humor do cão não foi mesmo. Você
precisa relaxar, maninha.
— Eu devia ter te ouvido. — Choramingo. — Não, não transei, e
ir nesse encontro, foi a primeira péssima escolha, de uma série
delas, que resultou nessa noite do cão.
— Devia mesmo. Ele tinha cara de ovo mole. Te chamou pra
jantar na casa dele em um primeiro encontro.
— Hahahah! Jantar. Só se for suco de manga. — Tenho ânsia
de vômito só de lembrar da cena ridícula.
Ela me olha sem entender e dou de ombros. Preciso de um
banho antes de lembrar dessa merda de novo. Nunca vou admitir
isso em voz alta, mas o idiota estava certo, nem eu estava
aguentando meu cheiro naquele carro.
— Eu tô curiosa, Anaaaa! — Choraminga com os olhos
pedintes.
Geralmente funciona, hoje não.
Hoje preciso de um banho primeiro.
— Eu sei, mas vai ficar mais um pouquinho. Porque tô fedendo,
molhada, meu cabelo está um caos e nem a pau sento no meu sofá
branquinho nesse estado.
— Pode sentar no chão. — Dou meu melhor olha de
incredulidade e ela faz bico. — É rapidinho. — Implora. — Só faz um
resumão antes de tomar banho e depois me conta os detalhes.
Nego, já me livrando da roupa encharcada, deixando-a no canto
da porta para colocar no lixo depois e corro para o banheiro na
ponta dos pés, tentando não sujar nada. Me enfio debaixo da água
quente dando risada com as súplicas da minha irmã para saber logo
o que aconteceu. Não existe ninguém mais curiosa do que Ágata
Brandão.
Saio do banheiro com os dedos enrugados e me sinto renovada.
Já reparou como os banhos sempre ajudam em tudo? Ainda
mais se lavar o cabelo também.
Minha irmã já está me esperando com um balde de pipoca e a
Mel no colo. Reviro os olhos e visto meu pijama e as pantufas do
banguela antes de voltar para sala.
— É sério que fez pipoca para contemplar minha tragédia?
— Tenho a impressão que vai ser uma história digna de um
filme.
— Você é ridícula. — Ela dá de ombros e enfia um bocado de
pipoca na boca. — Bom, vamos começar falando que tenho que
arrumar outro jeito de transar, porque nem sob tortura chinesa[1] eu
vou de novo em um encontro.
— Você fala isso toda vez.
— Mas é sério. Transa nenhuma vale a pena o que eu passei.
Conto detalhadamente cada segundo da minha noite horrenda,
escutando sua gargalhada e nossa cachorra latindo junto, mas
diferente de antes, as risadas não me irritam, pelo contrário, não
tem nada melhor para um dia como esse do que chegar em casa,
sentar no sofá e rir com minha irmã.
Não são nem oito horas da manhã e já estou na minha sexta
caneca de café.
Minha vozinha deve estar se revirando no túmulo. Posso ouvir
com clareza a voz dela na minha cabeça falando toda bravinha: “Vai
ter um treco desse jeito, menina”. Ela odiava o quanto eu
trabalhava, e mais ainda a quantidade de café que precisava tomar
para manter o ritmo. Nem quero pensar no que aconteceria se ela
soubesse que hoje preciso do dobro.
Às vezes torço para que lá do céu, ela possa ver que consegui,
que todas as noites em claro e broncas que ela me deu, valeram a
pena. Eu tirei a gente da miséria.
Nosso pequeno furacão está quase se formando na sua tão
sonhada faculdade de medicina e não tem nada que qualquer uma
de nós duas queira comer, que eu não possa comprar.
Na verdade, não existem muitas coisas que eu queira e não
possa pagar hoje. E o que existe, com um pouco de planejamento,
consigo.
Dona Amelita me daria uma bronca daquelas com meus
exageros, assim como Ágata me enche de sermões sempre que
chego com um tênis novo. Minha irmã é parecida com nossa avó em
muitos aspectos, não ser consumista é um deles, já eu, sou por nós
três.
Talvez sejam as consequências das vezes em que chorei
escondido por não ter dinheiro para comer um sanduíche, ou por ter
que usar sapatos com solados rasgados quando trabalhava em uma
loja cheia deles, ou por qualquer umas das outras vezes em que
passamos necessidade.
Não me importo tanto com o motivo, e sim que hoje não passo
vontade de nada que o dinheiro possa comprar e faço tudo para que
Ágata também não se importe, mesmo que ela dificulte minha vida,
não pedindo nada quase sempre.
Dois toques na porta de vidro da minha sala são o suficiente
para me tirar dos meus devaneios e me fazer olhar para Luna, que
avisa sobre a chegada dos nossos futuros novos clientes. Peço para
que os leve à sala de reunião e pego meu notebook já aberto na
apresentação.
A Brandão Technology já conta com mais de 90 funcionários em
seus quase nove anos de funcionamento, todos eles muito
qualificados e selecionados a dedo por mim. Até mesmo nosso
programa de estágios é extremamente rigoroso.
Mas ainda assim, gosto de ser a única que tem o primeiro
contato com nossos clientes, porque ninguém sabe e entende
melhor nosso propósito que eu. Depois da primeira reunião e do
briefing[2], escolho os melhores para executar o projeto, e os
encontros seguintes têm participação de todos os envolvidos.
— Bom dia, senhor e senhora Braga. O que podemos fazer por
vocês hoje? — Entro na sala com meu sorriso mais simpático e sei
que ganhei os clientes quando eles sorriem de volta.
A reunião é para confirmar o que eu já sabia e acertar os
detalhes que preciso saber para desenvolvermos o melhor aplicativo
personalizado para a contabilidade da empresa deles.
Quando pensei em desenvolver aplicativos de administração
financeira para empresas, por um momento, acreditei que não fosse
dar certo, mas graças a Deus, eu estava errada.
Os empresários se apaixonaram pela ideia e amam o quanto os
aplicativos facilitam no dia a dia. Com o tempo, fomos adicionando
outros serviços e hoje faço qualquer aplicativo que precisem, mas
meu primogênito ainda é nosso carro chefe.
Quando os dois saem, quase cinco horas depois, com sorrisos
satisfeitos, não tem cansaço no mundo que me deixe triste. Eu amo
o que faço e o quão boa sou nisso.
E também... O que é cansaço perto de mais uma caneca de
café?
Desculpa, vovó.
Sirvo mais uma caneca de café e vejo os meus funcionários
mais dedicados indo embora, se despedindo com um aceno.
Perco a noção do tempo trabalhando, e só me toco o quão tarde
está, quando meu telefone vibra com Ágata me ligando preocupada.
Ela odeia que eu fique até tarde assim.
Pelo bem da saúde mental e física da minha irmã, decido levar
o trabalho para casa porque a teimosa não vai dormir enquanto eu
não chegar. Saio do escritório exatamente às 22h30, com o telefone
ainda pendurado na orelha, escutando-a contar como foi seu dia,
sabendo que ela está ignorando cada ordem minha para ir dormir e
descansar. Teimosia tá no sangue.
Ela está cambaleando de sono quando entro em casa e só me
dá um beijo no rosto antes de se esgueirar para seu quarto em
passos vagarosos. Espero alguns minutos para ter certeza que
dormiu, ligo nossa cafeteira e faço mais um pouquinho do líquido
que me salva.
Por algum motivo, o sabor doce do café me lembra da torta
maravilhosa que aquele casal me ofereceu e, consequentemente,
de que ainda não tive tempo de agradecê-los e recompensá-los pelo
carinho e cuidado que tiveram comigo em uma péssima noite.
Ao contrário de certo loiro cabeludo de olhos castanhos, que a
única coisa que conseguiu, foi me irritar, piorar minha noite em nível
estratosférico e ainda arrancar um punhado de cabelo com aquele
botão idiota.
Argh!
Só de lembrar, já fico irritada de novo. Como pode ser tão…
bobo alegre? Mesmo com dor nas bolas, o idiota continuou rindo.
Devia ter batido o salto com mais força.

Odeio ser o cara que tira o sorriso de alguém. Gosto de fazer as


pessoas darem gargalhadas gostosas, não tirar o brilho do rosto
delas. Mas às vezes é inevitável.
Agora é uma dessas vezes.
Os olhos da Rafaela estão cheios de lágrimas e me fazem
morder a boca, descontente. Por que as pessoas se iludem quando
já alinhamos as expectativas anteriormente? Não gosto de mentiras,
sempre deixo claro que só quero sexo e diversão. Ainda assim,
quando deixo as coisas se estenderem um pouco mais que o usual,
tudo fica complicado e termina em lágrimas como agora.
Não existe espaço na minha vida para mais uma mulher, as que
tenho já me dão trabalho mais que suficiente. Estava explicando
justamente isso à Rafa quando ela começou a chorar.
Fico parado no lugar, me sentindo um grande filho da puta por
não tentar consolá-la, mas tem coisa pior do que ser consolado por
quem te machucou? Acho que não.
Penso em uma ou duas piadas que talvez a fizessem sorrir, mas
também me sinto um grande idiota por sequer pensar em tentar. O
que eu faço, porra?
Só consigo lidar com o choro das minhas mulheres. Com as
outras não dá.
Por fim, ela me livra da tortura e pega a bolsa, saindo sem se
despedir. A educação pode dar um “olá” mais tarde, agora seu
coração está partido e minha consciência pesada.
Talvez ser o cara que literalmente só come e vai embora, seja
melhor e evite esse tipo de situação. Só que eu gosto da conexão,
gosto da conversa, gosto das risadas. Gosto muito. Gosto o
suficiente para passar por isso de vez em quando, mesmo que
alguns corações sejam partidos no meio do caminho.
Não o meu, nunca o meu.
Tomo um gole do guaraná, ainda sentado na mesa do fundo da
lanchonete e respiro fundo, preocupado se a menina vai chegar em
casa bem, mas sabendo que não vai fazer bem a ninguém se eu
mandar uma mensagem perguntando.
— Outra vez, Leopoldo?
Fico livre de responder a senhora minha mãe por causa do meu
despertador tocando. É hora de buscar os únicos donos do meu
coração.
Ela balança a cabeça e bate um pano de prato nas minhas
costas quando passo.
— Doeu. — Minto, nem senti.
— É pra doer mesmo!
Beijo seu rosto e saio com o coração alegre.
Algumas horas longe, e já morro de saudade dos meus
pequenos. Ainda não me acostumei a ficar longe deles, mesmo
estando há dois anos nessa rotina.
— Papai! — Ray grita, se jogando nos meus braços.
Átila vem logo atrás, completamente diferente da sua irmã
gêmea. Os passos mais calmos e as bochechas coradas por ter
todos nos olhando graças ao grito dela. Meu caçula também se
enfia no meu abraço e tudo fica em seu devido lugar.
Pego os dois no colo, junto com as mochilas e aceno para a
moça que fica no portão, que sorri com segundas intenções.
Sinto muito, querida, onde ganha o pão, não se come a carne.
Ou melhor traduzido, onde meus filhos estudam, não fodo ninguém.
Não gosto nem de pensar o que uma mulher vingativa pode
fazer com os meus bens mais preciosos.
Ray tagarela todo o caminho de volta para casa e Átila esconde
seu rosto no meu pescoço, brincando com os fios longos do meu
cabelo. Em algum momento da caminhada, meu cabelo gruda no
gloss que minha filha insistiu em levar para a escola e nós três
damos risadas do grude que ficou na mecha depois.
Assim que entramos, dona Madalena toma meus filhos de mim
e já manda eles tomarem banho e descerem para jantar. Átila é
rápido em obedecer, enquanto minha advogada mirim tenta
convencer a nós dois de que comer e assistir desenho antes de
tomar banho, pode ser muito mais produtivo do que fazer na ordem
em que pedimos.
Ela quase vence a guerra com a avó, mas basta um olhar meu
para que faça um bico emburrado e vá pisando duro tomar o bendito
banho.
Aproveito a deixa para tomar também e quando saio, os dois já
estão na mesa comendo. Sou muito rígido com a rotina deles, ainda
mais em dias como o de hoje, que daqui uma hora tenho que sair
para trabalhar.
Gosto de deixá-los dormindo antes de sair para não dar trabalho
para meus pais. Não importa o quanto afirmem que não é trabalho
algum. Já basta ainda morar na casa deles, sendo um homem
adulto com dois filhos.
Depois do jantar, assisto o começo de um filme com eles e não
demora muito para que estejam dormindo. Coloco-os na cama e os
observo dormindo por longos minutos antes de ter que sair para não
me atrasar.
Não importa que eu tenha que trabalhar dez horas por dia e
estudar outras quatro. Para vê-los crescer e realizar seus sonhos,
eu usaria todas as 24 sem reclamar.
— Você corre demais — minha mãe lamenta baixinho para não
os acordar.
Fecho a porta do quarto com cuidado e envolvo seus ombros,
nos guiando para cozinha.
— É assim que a vida adulta funciona, mamãe. Se a gente não
trabalhar, morre de fome, e se eu não estudar, nunca vou ganhar o
suficiente para te transformar em uma madame dondoca — brinco e
beijo seu rosto. — E como eu conseguiria sustentar todos os motéis
que vou, se não trabalhasse?
— Leopoldo!
— O que? Tô falando a verdade. Não quer que eu as traga pra
cá, né?
— Deus pai misericordioso! — Faz o sinal da cruz, mas no
fundo sabe que estou brincando. Eu nunca misturaria esse lado meu
com nossa vida. — Você precisa arrumar uma moça direita e se
aquietar.
— Sonhar não custa nada, dona Madalena.
Eu nunca confiaria meus gêmeos em alguém além deles e da
minha melhor amiga.
— Sonho mesmo. Sabe que esses dias conhecemos uma moça
muito bonita? Parecia uma moça direita. Pobre menina, estava
tendo uma péssima noite e…
Finjo estar escutando, pela milésima vez, a história de como
conheceram a ranzinza do Uber.
Imagino qual seria sua reação caso soubesse que o casal gentil
que a ajudou, são os pais do bobo alegre.
Credo.
Tenho calafrios só de lembrar da nervosinha. Como meus pais
podem ter gostado daquele poço de raiva? Um palavrão que sai da
minha boca, já tomo esporro, mas a baixinha com a boca suja e o
capeta no corpo, conquistou eles em minutos.
Um abuso. Além de me chamar de ovo mole na cara dura, ainda
roubou meus pais e agora sou obrigado a escutar sobre ela toda vez
que lembram da bendita história.
Duvido que gostariam tanto se soubessem o espírito assassino
que ela tem. Ao mesmo tempo que sorrio ao lembrar dela, minhas
bolas também se encolhem rapidamente.
Espero que aqueles saltos tenham quebrado e não acertem
mais televisões e bolas inocentes por aí.
Garota maluca!
Sempre senti um pouco de raiva da Alice, não importa o quanto
Marina tenha me explicado todos os motivos razoáveis da amiga
para fugir, eu perdi os primeiros cinco anos de vida dos meus filhos,
e isso não é algo que se perdoa ou esquece facilmente, não
interessa o quão “de bem com a vida” você seja.
Perdi os primeiros sorrisos, os primeiros passos, as primeiras
palavras. Perdi a primeira fruta, a papinha, o primeiro dia na escola,
o primeiro ano, os primeiros amiguinhos. Perdi quase todos os
primeiros que nem sabia que queria tanto viver.
Apesar disso, sempre tentei compreender que Alice era uma
adolescente de 15 anos com problemas familiares e totalmente
dependente da mãe quando isso aconteceu. Tento me colocar no
lugar dela e sentir um pouco do medo que deve ter sentido. E não é
como se sentir raiva de alguém morto, possa resolver alguma coisa.
Quando a raiva aparece, tento focar no lado bom, eles são
meus agora. Depois que Marina e eu nos entendemos, e ela viu o
quanto me apaixonei incondicionalmente pelos gêmeos, meus filhos
se tornaram oficialmente meus. Nosso relacionamento foi um pouco
mais difícil de ser construído, eu era um completo estranho, e eles
tinham acabado de perder seu mundo inteiro: a Alice.
O Átila, apesar de mais na dele, foi mais tranquilo. Meu filho é
muito racional para uma criança, e não demorou muito para que
entendesse que não foi uma decisão minha, não fazer parte da vida
deles. Seis meses de convivência e nós nos tornamos melhores
amigos. Nunca fiquei tão feliz.
Já a Rayka foi mais difícil de ser conquistada. Minha advogada
mirim sempre teve a personalidade forte e suas opiniões bem
definidas, e fazê-la mudar de ideia não é uma tarefa fácil.
Para ela, eu era um estranho que nunca esteve presente na
vida deles, o que, na verdade, não era uma mentira, mas não
escolhi isso e foi o que Marina, uma psicóloga que os acompanhou
e eu trabalhamos com ela durante quase um ano. Foram longos dez
meses até ouvir a palavra pai saindo da sua boca. Lembro
claramente do quão feliz eu fiquei e do quanto me senti completo.
Átila e Rayka não estavam nos meus planos, mas foi a melhor
coisa que me aconteceu. Sempre ouvi dos meus pais que ser pai, é
descobrir que amor incondicional existe e ter seu coração fazendo
morada em outro ser humano. Eu achava um pouco exagerado,
mas somente até conhecer os donos do meu. Meus gêmeos
dividem meu coração entre si e o carregam aonde vão. Nunca me
arrependi de abrir aquela porta e me deparar com duas cópias
minhas em versão mirim.
Mas não posso dizer o mesmo agora. Se eu pudesse voltar no
tempo, não teria aberto a bendita porta ou sequer cumprimentado
com educação, a senhora que agora está sentada no sofá dos meus
pais, me olhando com superioridade.
Não teria julgado tanto a Alice também, e no lugar dela, acho
que não teria feito tão diferente assim. Estou com 23 anos, e quero
pegar meus filhos e os levar para bem longe dessa mulher. Como foi
que ela nos encontrou?
— Esse ambiente não é bom o suficiente para meus netos. — O
asco é nítido em sua voz, e agradeço por meus pais não estarem
aqui para ouvir esse ultraje. Nossa casa é simples sim, mas muito
linda e bem cuidada.
— Seus netos são os meus filhos, dona Eugênia. E nossa casa
é completamente adequada para a criação deles. Nós nos
certificamos disso com muito afinco.
Não é mentira. Mudamos tudo na nossa vida assim que eles
chegaram. Eugênia está falando do que não sabe e conseguindo
me deixar irritado o suficiente para precisar respirar fundo para não
a desrespeitar.
Por que continuo sendo educado? Simples, ela tem dinheiro,
muito dinheiro, e por mais que eu queira acreditar na justiça do
Brasil, dinheiro manda em quase tudo nesse país. Só a ideia de
perder meus filhos, já me faz sentir dor física.
— Não disse que não é adequada, e sim que não é o suficiente.
Eles merecem mais e eu posso oferecer isso. Como estava dizendo,
quando Alice saiu de casa, pensei que era uma simples birra e não
me preocupei com isso. Na minha cabeça, ela iria voltar quando o
dinheiro acabasse. Entretanto, os anos foram passando e ela não
voltou. Quando comecei a não ter mais desculpas para justificar a
ausência dela aos nossos amigos e à diretoria da empresa, decidi
que era hora de saber onde ela tinha se metido. Até porque, ela era
minha única herdeira e estou chegando cada dia mais perto da
minha aposentadoria. Imagine a minha surpresa ao descobrir que
minha única filha estava morta, mas também tinha me deixado dois
netos. Procurei por eles por alguns meses e agora que finalmente
os encontrei, não quero ter ainda mais dor de cabeça. Pesquisei sua
vida, Leopoldo, você é jovem ainda, tem 23 anos, está começando a
viver agora. Se me passar a guarda deles, posso te oferecer uma
quantia para viver bem por anos e se for esperto, pode investir e
triplicar esse dinheiro.
Já falei que existem poucas coisas que conseguem me tirar do
sério? Então... mas essa velha com certeza entrou na lista.
Ela realmente está me oferecendo dinheiro pelos meus filhos?
Respiro fundo e tento acalmar o ódio dentro de mim, ou pelo menos
o controlar um pouco.
Quem essa velha pensa que é? Quem ela pensa que eu sou?
— Vou fingir que não escutei a senhora me oferecer dinheiro
pelos meus filhos — falo com calma e ela abre a boca, mas
interrompo. — Sim, sou jovem e não tenho o dinheiro que sua
família tem, mas eles são meus filhos e estão sendo muito bem
cuidados. Nunca, me escuta bem, nunca vou abrir mão de criar
meus filhos ou de tê-los comigo.
Ela suspira, como se estivesse cansada e me olha com pena.
— Seja sensato, Leopoldo. Se você se importa com o mínimo
do bem-estar deles, vai deixá-los comigo, porque sabe que posso
oferecer uma vida muito melhor. Eu até posso deixá-los te visitar
uma vez por mês e você será bem-vindo para vê-los na minha casa
todo fim de semana se quiser. Não vê que é uma saída fácil? Sem a
responsabilidade de duas crianças em cima de você, poderá investir
seu tempo neste trabalhinho de DJ, e quem sabe se tornar alguém.
E claro, se aceitar meu dinheiro, pode investir nessa lanchonete
meia-boca e fazê-la crescer. Seja inteligente.
— Você tem razão sobre poder proporcionar uma vida
financeiramente melhor para eles. — Ela sorri pomposa. — Mas no
resto que importa? Com certeza não. Sim, eles merecem mais e
estou lutando diariamente por isso. Esse trabalhinho de DJ que
mencionou, nada mais é que uma forma de fazer um dinheiro extra.
Se fez sua pesquisa direito, sabe que estou perto de me formar em
Análise e Desenvolvimento de Sistemas. Estou estudando por eles,
para dar mais para eles. Eles vão ter mais, mas eu que vou
proporcionar isso. Nós estamos bem sem você e vamos continuar
assim. Você é a avó, e diferente da Alice, não vou tirar sua
oportunidade de ser avó, podemos organizar uma rotina para vê-los
sempre que quiser. Mas é só isso que vai ter, Eugênia. Sua função
de avó. Eu sou o pai deles e você não vai me tirar isso.
Eugênia se levanta, alisando a saia e suspira de novo.
— Bom, ninguém pode me acusar de não ter tentado. Você vai
se arrepender dessa decisão muito em breve, Leopoldo. Acha
mesmo que um juiz escolheria um DJ, que mora no fim do mundo
com os pais, para cuidar de duas crianças, em vez de uma senhora
muito bem estruturada do Jardins? Nos vemos em breve, rapaz.
Passar bem.
— Vá com Deus, Eugênia.
Nem tento sorrir e fecho a porta com força quando ela sai.
Caralho!
Guardo o medo bem no fundo de mim e volto para a lanchonete.
Esse é o horário mais movimentado e ficar sem um dos garçons é
uma merda. Meus pais me olham com preocupação no segundo em
que entro, mas aceno informando-os que contarei sobre a conversa
de merda depois.
Temos que trabalhar agora mais do que nunca.
Nunca quis que o tempo passasse tão rápido quanto quero
agora. Quanto mais cedo me formar, mais cedo posso conseguir um
emprego e me estabilizar melhor para cuidar dos meus filhos. Eu
poderia ter pegado estágios não remunerados e fazer meu melhor
para ser contratado pela empresa depois, mas tenho duas crianças
de sete anos para sustentar e estágios não remunerados são um
luxo que não posso me dar. Agradeço a Deus por Análise e
Desenvolvimento de Sistemas não ter estágio obrigatório, senão
teria me fodido bonito.
— Está tudo bem, Leo? Não vi nenhum dos seus lindos sorrisos
até agora. — Maria, uma amiga da minha mãe, pergunta quando
coloco seu café de costume na mesa.
Sabe qual o lado ruim de ser feliz, sorridente e bem-humorado?
No segundo em que você para de sorrir, as pessoas notam e
perguntam.
— Está sim, dona Maria. Só algumas preocupações de pai —
brinco, colocando um sorriso nada verdadeiro, mas que a deixa
satisfeita.
— Aaaah! Entendo, menino! Ser pai é se preocupar o tempo
inteiro.
Concordo e peço licença para servir as outras mesas. A correria
me ajuda a não pensar tanto até a hora de buscar meus meninos na
escola. E meu coração volta para o lugar, no segundo que os pego
em meus braços.
— Ai, papai! Tá me esmagando! — Rayka briga, me
empurrando e gargalho. O que seria de mim sem eles?
— Tenho que concordar. O que o senhor tem para nos abraçar
com tanta força? — Átila ajeita os óculos pretos e me olha com
curiosidade.
— Amor, ué. Não posso mais amar meus filhos? — Dramatizo,
colocando a mão no coração. — É difícil essa vida de pai. Nem
mesmo seu amor incondicional eles valorizam.
— Larga de drama, papai! Sabe que a gente te ama mais do
que o mundo inteiro — é Ray que responde revirando os olhos, mas
beija meu rosto e aperta meu pescoço em seguida. — Vamos? O
vovô deve tá precisando de ajuda na lanchonete.
— E quem é que disse que a senhorita vai atrapa…ajudar?
Vocês têm que tomar banho, jantar e dormir. Eu trabalho fora hoje à
noite.
— A vovó pode muito bem nos colocar para dormir depois que
fechar a lanchonete.
— E sair da rotina que nós temos? Nem pensar, mas foi uma
boa tentativa. — Pisco para ela, que faz o biquinho que tanto amo e
cruza os braços contrariada.
Eu não posso perdê-los.

— Desiste, Ágata! Eu não vou.


— Não desisto. Você tem que ir. Que espécie de irmã é essa
que não vai comemorar meu aniversário?
— Uma que trabalha amanhã cedo. Nós já almoçamos juntas
hoje, maninha. — Apelo para o apelido carinhoso. — Hoje é quarta-
feira. Como quer que eu vá para uma festa em um lugar que nem
conheço, sendo que tenho uma reunião importante amanhã? Você
sabe que preciso trabalhar.
— Sei, e sei também que uma boa noite de sono não significa
muita coisa pra você quando está no modo workaholic. O que custa
dormir um pouquinho menos para me fazer feliz? — Faz drama e eu
suspiro. — Por favor, Aninha. Você sabe que sem você, meu
aniversário não vai ter graça. Somos só nós duas contra o mundo.
Como vou ficar sem minha metade justo no meu aniversário?
— Ei! — A melhor amiga da minha irmã protesta e dou risada.
— Shhh! Tá atrapalhando meu drama.
— Você não existe, Ágata. — Balanço a cabeça e ela sorri,
sabendo que ganhou. Tem alguma coisa que eu não faria para ver
essa peste feliz?
— Vai se trocar. — Manda e dá pulos de alegria ao abraçar
Marina, que revira os olhos para mim.
— Não vou ficar muito tempo, então temos que ir em carros
separados. Não vou deixar você duas voltarem de Uber tarde, então
peguem o carro e você pode dirigir, certo? — Pergunto para Marina,
que assente.
Minha irmã tem carteira, mas exceto pelas aulas da autoescola,
ela nunca dirigiu e não sei se um dia vai. Mas isso não me impediu
de comprar um carro para ela. Quero que tenha a opção caso um
dia mude de ideia. Por enquanto, é Marina quem dirige sempre que
elas precisam, mas já é melhor do que andar com um desconhecido
de um lado para o outro o tempo todo.
Sorrio enquanto me troco. Não acredito que fui vencida tão
facilmente. Sou a vergonha da nação de girl boss. Quando se trata
da minha irmã, nem parece que sou uma mulher de 33 anos que
coordena mais de 90 pessoas diariamente. Ágata me dobra às suas
vontades feito papel, sempre foi assim.
— Se um dia ousar duvidar do meu amor por você, vou te
lembrar disso aqui — falo, olhando ao meu redor com vontade de
voltar pra casa.
— Não seja exagerada, Ana. Parece até que te trouxe para o
matadouro.
Marina dá risada e reviro os olhos. Não é um matadouro, mas
também não está muito longe de ser. Só tem adolescente aqui e
todos me encaram como um peixe fora d’água. Mas também não
estão errados.
— Estamos a uma hora de casa, Ágata. Uma hora! Eu tenho
que acordar daqui seis — reforço, apontando seis dedos na cara
dela, o que só a faz virar ainda mais os olhos, bem petulante. — E
não vou nem falar do fato de ser a pessoa mais velha desse lugar
ou dos olhares enviesados que recebi desde que entramos.
— Os olhares que recebeu é porque você é gostosa e querem
te pegar — explica em tom condescendente. — Além disso, você
prometeu não ser uma velha reclamona hoje, então shh! Se ficar
uma hora comigo, já estou satisfeita, tá bom? É meu aniversário de
22 anos, não seja chata.
Suspiro, mas aceno em concordância. Ágata abre um sorriso do
tamanho do meu mundo inteiro e beija meu rosto.
— Eu te amo. Você é a melhor irmã mais velha do mundo.
Agora vamos dançar!
Ela me puxa junto com a melhor amiga, que está bastante
animada e nos amontoamos no meio da pista de dança improvisada
do lugar. Por que minha irmã não podia gostar de boates normais ou
algo mais perto de casa? Tinha mesmo que ser uma festa na casa
de um desconhecido a mais de 40 km da Vila Olímpia com um DJ
improvisado que, obviamente, está atrasado?
Como sei que ele está atrasado? Pela pressa com que entrou
na cabine alguns minutos atrás e a rapidez que tenta arrumar seus
equipamentos.
Nunca cheguei atrasada em nada na vida, nunca mesmo.
Tenho calafrios só de pensar em desperdiçar o tempo de
alguém assim e mais ainda de desperdiçarem o meu precioso
tempo. Coitado do contratante desse cara. Não duvido nada que
nem tenha noção do que faz e só quer o título para pegar o máximo
de mulher possível.
Ele segue de costas arrumando seu material, quando minha
irmã e Marina me puxam para o meio delas, balançando meu
quadril, até eu ceder e descer até o chão ao som de um desses
funks famosinhos no TikTok.
Ficamos nesse sanduíche por mais umas quatro músicas até
que o DJ pega o microfone e cumprimenta as pessoas que vão à
loucura. Ele pede desculpa pelo atraso e promete a melhor noite
das nossas vidas, o que me faz revirar os olhos. Quem promete
demais faz de menos. Regra geral dos seres humanos.
Não demora muito para que ele me faça pagar com a língua.
Não que justifique a falta de responsabilidade com o atraso, mas,
cacete, ele é bom. Ninguém fica parado, nem mesmo eu, pois estou
batendo o pé no ritmo. Ele brinca com as músicas e os mixes de
uma forma que te faz querer dançar até se perder no tempo.
Poucas pessoas me fazem dar com a língua nos dentes e
menos ainda sorrir por causa disso. Fico curiosa e tento enxergar
através das luzes e fumaça, mas não vejo nada nítido, exceto que
ele com certeza tem cabelos cumpridos, mais ou menos na altura
dos ombros. Deixo minha curiosidade de lado e agarro minha irmã.
Minha hora já está na metade e quero aproveitar o máximo que
puder com ela.
Não sei quantas músicas depois, estou pingando de suor,
precisando de uma pausa para respirar e com muita sede. As
meninas não estão muito diferentes, então compramos bebidas no
bar também improvisado no quintal. Marina e eu bebemos suco
porque vamos dirigir e minha irmã uma Ice.
— Deixei meu rim nessas bebidas, certeza — minha irmã
reclama.
— Tão mão de vaca. — Cantarolo. — Nem parece que é rica.
— Eu não sou rica. Você é.
Bufo. Ágata é um porre quando se trata disso. Se recusa a
entender e aceitar que meu dinheiro é nosso.
— É sério? Vamos entrar nessa no seu aniversário mesmo?
— Não, não vamos. — Marina se intromete e passa os braços
pelos nossos ombros. — Vamos cumprimentar o Leo.
— Quem?
— O DJ. É o melhor amigo da Marina — minha irmã explica. —
O que acho um absurdo, porque eu deveria ser o único amor na
vida dela. Maaaas, por causa daquelas gostosuras, aceito dividir
uns 10% de você.
A possessividade da minha irmã com a melhor amiga é
engraçada. A pobre não pode pensar em ter outra amiga que dona
Ágata já emburra feito adolescente e se sente trocada.
— É o pai dos seus afilhados né? — pergunto, lembrando de tê-
la escutado mencioná-los vez ou outra.
— É sim. O pai das crianças mais lindas desse mundo todo e
não, não sou suspeita para falar.
— Vou com vocês e depois vou embora. Já passei bastante do
horário que te prometi, aniversariante.
— Tudo bem, idosa. — Ela mostra língua brincando.
Nos esprememos entre os corpos suados para chegar e já
estou me arrependendo de não ter aproveitado que estava do lado
de fora e ido embora. Meu suor é uma coisa, os dos outros é outra
completamente diferente.
Marina guia o caminho e sobe os três degraus que o separa do
resto de nós. Ele está de costas quando ela passa as mãos pela sua
cintura. Não consigo ver muito dele quando eles se abraçam, mas o
que vejo, me faz pensar que se ele não fosse uma criança, talvez
pudesse parar na minha cama em algum momento.
Eu amo uma bunda grande e gostosa, e só de olhar pela calça
jeans marcada junto com as coxas grossas, dá para perceber que
esse DJ claramente tem. As costas estão escondidas por uma
camiseta solta, mas os ombros largos já são mais do que suficiente
para minha imaginação. Ele é grande também e muito alto. Não
duvido que minha cabeça alcance no máximo seu peito. Os braços
fortes me fazem pensar a facilidade que poderia me pegar no colo
e...
Por Deus!
É sério que estou babando em um adolescente?
Tiro meus olhos da sua bunda antes que seja pega e fico
revoltada ao reparar nos fios dourados na altura dos ombros. Por
que cabelo de homem é sempre tão hidratado e brilhoso? Eles não
precisam disso tanto quanto nós. Aposto que nem mesmo faz uma
hidratação por semana.
— E aí, segunda opção? — Cumprimenta minha irmã que, com
muita maturidade, mostra língua para ele também.
De frente ele é tão gostoso quanto de costas, ou parece ser, a
luz ainda está me deixando meio cega. Olho com atenção enquanto
ele e minha irmã se implicam e meu coração falha uma batida. Por
que tenho a sensação de que conheço esse cara?
— Vejo que continua iludido, Leo. — Devolve o sorriso e beija o
rosto dele. — Essa aqui é minha irmã mais velha.
Estendo minha mão com um sorriso educado, ainda tentando
entender de que lugar o conheço, até que ele sorri também. Um
sorriso brilhante e cheio de dentes que me irrita instantaneamente.
Ah não! Não pode ser.
Abaixo minha mão um milésimo de segundo antes que ele
possa pegá-la.
— Ana, esse aqui é meu melhor amigo, Leopoldo Marinho.
É o idiota do Uber!
Ele me encara confuso por poucos segundos antes de seus
olhos brilharem em reconhecimento.
Puta merda.
— Olá, nervosinha. — Sorri de novo. Aquele maldito sorriso
zombeteiro que tentei arrancar com meu sapato. — Sem saltos hoje,
uh? — provoca, olhando para meus tênis. — Que bom. Assim
ninguém corre perigo.
— Vocês se conhecem? — Marina pergunta olhando para
minha irmã.
Ambas confusas. Até Ágata lembrar do que aconteceu um mês
atrás.
— Mentira! — Ela começa a gargalhar. — Você é o bobo alegre
do Uber?
Cala a boca, Ágata!
— Andou falando de mim por aí? — Sorri ainda mais. — Fico
honrado.
— Calma aí… — Marina olha entre nós dois. — A Ana é a
maluca do salto?
— Sim, senhora — responde à melhor amiga, mas não tira os
olhos de mim.
— Meu Deus! Esse mundo é muito pequeno mesmo.
— Eu não sou maluca — me defendo, já irritada. Tem o que?
Dois minutos que subimos aqui? — Você estava sendo um completo
ovo mole em uma situação de merda. Qualquer pessoa teria ficado
com raiva.
— Pode ser, mas qualquer pessoa não jogaria um salto na cara
de alguém.
— Não te acertou.
Bem, isso não é exatamente verdade.
— Não acertou na primeira vez, você quis dizer, né. Meu saco
sofre sequelas daquela agressão até hoje.
— Oh meu Deus! Andou broxando por aí? — Finjo pena e ele
estreita os olhos. — Pode me culpar, não tem problema. Se vai te
ajudar, meu salto e eu assumimos tranquilamente a
responsabilidade pela sua péssima desenvoltura, ovo mole.
Ouço as risadas das meninas, mas não tiro meus olhos do idiota
que continua sorrindo. Nasceu colado no rosto essa merda?
— Não precisa se preocupar, querida pinscher.
— Pinscher é a senhora sua…
Ele finge que não me escuta e segue falando:
— Minha desenvoltura está muito bem, obrigado. Sigo não
tendo nada de mole em mim, se quiser, a gente pode dar uma volta
assim que eu acabar aqui e te mostro.
Apesar do flerte descarado, seguido dos olhos me comendo de
cima a baixo e o sorriso safado, não passa de uma provocação,
mais uma das suas piadas inúteis. Por isso ignoro o arrepio que seu
olhar me provoca, empino mais meu nariz, coloco um sorriso
debochado no meu rosto e respondo com falsa tranquilidade:
— Nos seus sonhos.
— Nos meus sonhos você só joga sapatos assassinos, linda. ­
— Eles te acertam? — pergunto esperançosa e ele continua
sorrindo, os olhos brilhando com diversão.
— Para sua tristeza, não, nervosinha.
— Que pena! — Suspiro triste e ele morde o sorriso. — Meu
nome é Ana — corrijo, cruzando os braços.
— Eu escutei mais cedo. Inclusive, não tem nada a ver com
você viu?! Ana 's me passam uma vibe de calma e concentração,
não alguém que joga coisas nas pessoas. — O tom zombeteiro me
faz querer arrancar suas cordas vocais fora.
— Eu não jogo coisas nas pessoas! — Sabe a calma que eu
estava fingindo? Foi para puta que pariu. — Aquilo foi um erro
isolado. Um erro provocado por você.
— Bom saber que sou único pra você, nervosinha.
— Típica fala de ovo mole.
Ele balança os ombros sem se abalar.
— Se te faz bem, continue com sua opinião errada.
Puta que pariu.
Que pessoa irritante. Esse maldito sorriso é colado no rosto
dele? Olho para minha irmã em busca de socorro, mas ela e Marina
parecem mais interessadas em assistir nossa interação do que
interferir antes que eu mate um pai de família.
Por Deus.
Esse cara infantil desse jeito é pai. Não quero nem imaginar
como está educando as pobres crianças.
— Não acho que seja da sua conta como educo meus filhos. —
O sorriso dele morre. Merda, falei em voz alta? — Ser bem-
humorado não me faz infantil, Ana. Julgar os outros sem
precedentes, por outro lado, te faz uma filha da puta.
O que? Abro a boca para retrucar, mas ele vira as costas e
coloca o fone de ouvido, me isolando de fora.
— Vem, vou te levar na porta. — Ágata agarra minha mão e me
puxa antes que eu possa arrancar o fone dele para me escutar.
Que falta de educação!
Marina se despede de mim com um sorriso sem graça e fica
com o amigo enquanto minha irmã nos enfia de novo entre as
pessoas suadas.
— Pegou pesado, maninha. O Leo é um ótimo pai. Os gêmeos
são tudo na vida dele.
— Eu sei. Mas em minha defesa, não era para ter falado em voz
alta. Foi só um pensamento idiota.
— Eu sei que foi. — Beija meu rosto. — Não esquece de me
avisar quando chegar em casa, por favor.
— E você, não fica longe desse celular. Qualquer coisa me liga.
Feliz aniversário, amor da minha vida.
— Eu te amo.
— Eu te amo.
A observo entrar na festa de novo e dou partida, sentindo um
pouco de remorso por ter metido crianças inocentes no meio de uma
discussão completamente idiota.
Como foi que perdi a paciência tão rápido? De novo?
Não acredito que aquela maluca é irmã da Ágata. Não que a
melhor amiga da Marina seja uma santa, mas não lembro de vê-la
jogando nada em ninguém no nosso tempo de convivência. Nem
julgando pessoas por duas míseras interações. Ainda estou puto
pelo que falou ou pensou em voz alta, tanto faz.
Talvez se não tivesse tido um dia de merda com a aparição de
Eugênia, eu poderia ter lidado melhor e não simplesmente virado as
costas e fingido que ela não estava mais lá.
Talvez.
Mas nada me irrita tanto quanto sugerir que sou um péssimo
pai. Me esforço pra caralho para dar e ser o melhor para meus
filhos. Não lembro a última vez que dormi mais que cinco horas,
provavelmente foi antes de eles entrarem na minha vida e virarem
tudo de cabeça para baixo.
— Eu não acredito que ela teve a cara de pau de aparecer aqui.
— Marina está indignada com a visita da Eugênia. Eu também
estou, mais ainda por causa da ameaça. Só de lembrar, me dá
calafrios.
— Você acha que ela realmente pode tomá-los? — faço a
pergunta que nenhum de nós quer ter que se preocupar.
Marina é assistente social, ou quase, faltam alguns meses para
terminar o curso, mas ela sabe o suficiente para nos dar uma
resposta e tem bons contatos também. Nos dias de hoje, networking
é tudo.
— Você é o pai. Na ausência da mãe, é a figura mais forte e,
por lei, é o responsável por eles. Então, em teoria, exceto que ela
consiga provar que os meninos estão sendo negligenciados ou
maltratados, não tem nenhum risco. Porém, a gente sabe que nesse
país, o dinheiro consegue quase tudo. Então temos que nos
preparar e fechar qualquer brecha que ela possa usar contra você.
— Eu preciso de um emprego estável.
— Precisa.
— Realmente não queria me comprometer com nada fora da
minha área faltando tão pouco para a formatura, mas eles vêm
primeiro. Talvez eu consiga encontrar um cargo baixo em alguma
empresa que possa crescer e assumir uma das funções de
programador.
É sonhar alto? Provavelmente, mas não custa tentar. Vai que
tenho sorte.
Um sorriso de gato se forma no rosto da minha melhor amiga,
me deixando levemente preocupado, mais ainda quando ela salta
da cadeira empolgada.
— É claro! Como não tinha pensado nisso antes? — Pensado
em que? — Escuta, tenho uma ideia genial. A secretária da Ana não
está dando conta de todos os afazeres que tem, e também ela está
grávida de quase 7 meses e perto de sair de licença maternidade,
então elas estão procurando um assistente para aliviar um pouco da
carga. Tenho certeza que se eu pedir, ela pode considerar te dar
uma chance. Principalmente se você conseguir ficar com a boca
fechada.
— Ana, a pinscher? — Ela assente. — Não é querendo ser
ingrato ou mesquinho, mas não acho que ser assistente em alguma
loja de grife de dondoca vai me ajudar muito, Mari.
— Loja de grife? — Ela ri. — Eu nunca te contei o sobrenome
da Ágata?
— Não?
O que uma coisa tem a ver com a outra?
— Brandão. Ana e Ágata Brandão.
— Brandão como a maior empresa de desenvolvimentos de
aplicativo em São Paulo? — pergunto abismado e ela assente.
— A Ana é a fundadora e CEO da Brandão Technology.
Puta merda.
Nem em sonho imaginei que Ana fosse uma programadora,
menos ainda a dona e fundadora de uma das maiores empresas no
ramo.
Minha mente é invadida por uma imagem do projeto de capeta
concentrada no notebook, mordendo a ponta de uma caneta,
usando o mesmo vestido colado da última vez que a vi, e com as
pernas sensuais cruzadas. É ridículo que ela tenha ficado ainda
mais gostosa agora que sei sua profissão.
A cena é substituída pela lembrança do salto nas minhas bolas
e me encolho. Deus me livre.
Quer um conselho para levar para a vida? Não é porque alguém
é gostosa que você vai transar com ela, especialmente se for uma
pinscher-megera-agressiva-raivosa.
Não importa se o corpo dela for uma delícia ou se o
temperamento dela despertar sua curiosidade sobre como seria na
cama, ou se seu ego queira vê-la rendida pelo menos uma vez….
— Eu devia ter pedido uma oportunidade antes, mas você não
queria pegar estágios e ela também não estava exatamente
contratando nos últimos meses. Foi mal. — Marina interrompe meus
pensamentos, e graças a Deus por isso.
— Está tudo bem. Só que eu duvido muito que ela queira me
contratar. Aquele enfeite de jardim me odeia.
— Será por quê? — ironiza e dou de ombros. Não tenho culpa
se ela é mal-humorada. — Você realmente conseguiu tirá-la do sério
e os apelidos idiotas também não ajudam.
— A culpa é minha se ela é pequena e raivosa igual a um
pinscher? As pessoas têm que aceitar quem são e serem felizes
com isso.
— A Ana não é um exemplo de felicidade e bom humor, mas
também não é tão megera. Agora fiquei curiosa... O que foi que fez
naquele Uber?
— Nada. — Ergo as mãos e ela desconfia. Um abuso, não é? É
minha melhor amiga, deveria acreditar em mim. — Juro. Só brinquei
um pouco para ver se melhorava o dia dela, claramente não tive
sucesso.
— Claramente. — Zomba. — Para sua sorte, ela me ama e me
pediu desculpa pelo que falou dos meninos, então provavelmente
está com remorso. – Fecho a cara ao lembrar da sua fala. Deveria
pedir desculpa para mim. — Vamos usar isso a nosso favor.
— Realmente quer me colocar para trabalhar no mesmo lugar
da pessoa que quer arrancar meu pau fora e dar para as baratas
comerem? Não tem outra opção?
— Um lugar em que você possa mostrar seu valor e crescer
dentro da sua profissão? Tem, mas duvido que vamos achar rápido.
— Ela pode levar as coisas para o pessoal e me deixar na
mesma posição pra sempre — tento argumentar, mas nem eu
acredito no que falo.
— Acredita nisso de verdade? Se a Ana fosse esse tipo de
pessoa, a BT não teria chegado aonde chegou.
— Não, não teria.
— Então pronto, está decidido. — Sorri empolgada, mas eu não
fico tanto.
Algo me diz que isso vai dar muito errado. Não posso morrer tão
cedo, tenho dois filhos para criar! E falando neles…
— Madrinhaaa! — Rayka pula no colo dela sem dar tempo para
que se prepare, o que quase resulta na queda das duas, porém,
consigo agarrar a cadeira antes que o estrago seja feito. Minha filha
sorri sem graça e beija o rosto da madrinha. — Desculpa. Acho que
fiquei muito alegre. —Pisca os olhos com inocência fingida, me
arrancando uma risada.
Como pode ser assim sendo tão nova?
— Cadê seu irmão?
— Está assistindo aquele desenho chatooooo!
— Rayka, quantas vezes já falamos que o que é chato pra você,
não é para seu irmão, meu amor? As pessoas têm gostos diferentes
— explico, passando a mão pelos fios dourados dela.
— O gosto dele é ruim. — Ergue os pequenos ombros e agarra
o pescoço da Marina. — Eu tô cansada já, papai. Quero ver outra
coisa. Que horas é a minha vez de ficar com o controle?
— Quando o filme acabar, neném — é Marina quem responde.
— Mas não acaba nunquinhaaa! — Faz bico. — Quero minha
vez logo.
Provavelmente tendo escutado a irmã, Átila aparece na cozinha
com toda a sua calmaria. Ele para na frente dela, depois de dar um
beijo em mim e na madrinha e estende mãozinha para ela.
— Já coloquei Barbie e as Doze Bailarinas pra você, Ray. Vem?
— O bico vai embora, e dá lugar a um sorriso brilhante de quem
conseguiu exatamente o que queria. Ela consegue tudo de nós com
um bater de cílios, principalmente do irmão gêmeo que vive para
fazê-la feliz.
— Vou. — Desce do colo e agarra a mão dele. — Depois a
gente pode ver seus brinquedos falantes chatos e até mesmo
aquele dragão, tá? Prometo que assisto tudinhooo com você.
Átila concorda e assisto eles saírem de mãos dadas com
adoração.
Como pude ter tanta sorte assim?

— Assume logo que achou ele gostoso, Ana.


Ágata não me deixou em paz desde o seu aniversário. Não
aguento mais ouvir piadinhas de como escondi que o bobo alegre,
vulgo ovo mole do Uber, era um grande gostoso ou de que eu
estava secando a bunda dele na festa antes de descobrir quem era.
Estava mesmo. E daí? Olhar não mata ninguém. E não é como
se eu fosse pegar o ovo mole só porque a bunda dele é gostosa,
mesmo que eu tenha uma tara por bundas.
Ele tinha mesmo que ter uma bunda tão boa de olhar e
provavelmente de pegar também?
Que saco viu!
Claro que ela só começou a perturbação depois de me dar uma
senhora lição de moral pelo julgamento precipitado com o cabeludo.
Depois que pedi desculpas à Mari, porque não faz sentido procurar
o idiota só por isso, minha irmã seguiu para seu novo tópico favorito:
me fazer assumir que acho o idiota gostoso. E isso piorou quando
cedi à minha curiosidade e pedi para ver uma foto dele com os
filhos.
Ágata me mostrou uma em que estão na praia e ele estava sem
camisa, e apesar do tanquinho digno de uma boa lavagem de
calcinhas ter chamado minha atenção, o que realmente me prendeu,
foi o amor puro nos olhos dele encarando os filhos. Me senti ainda
pior pelo comentário idiota. Ele parece ser um bom pai, um do tipo
que é apaixonado pelos filhos.
Não comentei isso com minha irmã, mas tive que dar uma
explicação pela minha reação de ficar encarando abóbada a bendita
foto, então cometi o erro de falar sobre os gominhos dele. Estamos
há uma semana nessa tortura. E só porque estou doida para acabar
com esse episódio da nossa vida, dou a resposta que ela tanto quer.
Bem, mais ou menos.
— Você venceu. Sim, ele é gostoso, mas o que tem de gostoso,
tem de idiota. E também, o achar gostoso não muda nada. Não é
como se eu fosse ficar com uma criança só porque é gostoso,
Ágata.
— Sério que vai falar que ele é uma criança? Somos quase da
mesma idade.
— Exatamente! Nós duas temos 11 anos de diferença. É uma
vida inteira.
— A vida de uma criança. E até parece que você é uma idosa.
— Antigamente, na minha idade, algumas pessoas já eram
avós.
— Porque as coisas eram completamente distorcidas. — Não
discordo. — Duvido que o pau dele fosse notar essa diferença
gigante também. Isso se ainda estiver funcionando depois do
encontro com seus saltos, é claro.
Não consigo conter a risada com a lembrança e ela também
não.
Deve ter doído pra caralho. Quase fico com dó imaginando a
dor, mas passa rapidinho quando me recordo de toda a raiva que
passei com suas piadinhas inúteis de bobo da corte, dos sorrisos
zombeteiros e dos fios de cabelo que perdi com sua maluquice de
cair no chão e me levar junto.
Se tivesse ficado quieto, nada daquilo teria acontecido.
Ninguém ensinou para ele que não se brinca com uma mulher
furiosa?
Eu tô com ódio!
Furiosa, irada, colérica e todos os sinônimos que conseguir
encontrar.
Faltam menos de 30 dias para a festa anual de natal da BT e o
filho da puta do bufê cancelou. Sei que agressão é crime, mas as
pessoas tornam muito difícil eu não gastar meu réu primário.
Quem cancela um serviço tão essencial justo no final do ano?
Pessoas irresponsáveis me irritam. Pessoas irresponsáveis comigo
me deixam possessa!
Justamente por ser final de ano, nenhum dos outros bufês que
tínhamos na lista de reserva pode nos atender. Todos estão com as
agendas cheias e são responsáveis para não deixar seus clientes
na mão.
Como vou alimentar mais de 270 pessoas sem um bufê?
— Se me permite, tenho uma sugestão. — Luna se aproxima
com a ata em mãos. — Sei que não é o ideal, mas lembra da
lanchonete que mencionou há alguns dias? Você gostou muito da
comida e queria uma maneira de recompensá-los, certo?! Qual
recompensa é melhor do que trazer visibilidade para o
estabelecimento deles?
— Não é uma ideia ruim. Na verdade, se eles conseguirem se
organizar para servir tantas pessoas em tão pouco tempo, é uma
ótima ideia. — Fico empolgada. — Você é um gênio, Luna!
Reorganize minha agenda hoje, por favor. Precisamos falar com
eles e resolver isso o mais rápido possível.
Ela concorda e sai apressada já com os dois telefones em
mãos.
Luna foi um achado logo que precisei de alguém para gerenciar
minha agenda, mas conforme os anos foram passando e a empresa
crescendo, as funções dela triplicaram e a carga ficou pesada.
Somando isso com a recente gravidez, decidi contratar alguém
para ajudá-la, mesmo que ela não tenha gostado. Só a convenci de
que era uma boa ideia porque contratando alguém agora com seus
quase 7 meses de gravidez, ela teria tempo para treinar essa
pessoa para me atender bem no seu período de licença
maternidade. E não é como se Luna precisasse saber que pretendo
manter seu assistente depois que voltar da licença. Ela precisa de
ajuda, mas os problemas de amanhã, se resolvem amanhã.
Eu só não contava que Marina fosse pedir que contratasse seu
melhor amigo como um favor pessoal. Ter o bobo alegre
trabalhando tão próximo de mim é uma ideia horrorosa.
Como vou aturar aquele piadista o tempo todo?
Mas também é complicado falar não para a melhor amiga da
minha irmã, mais ainda sem uma justificativa plausível além do "não
quero”. Sem falar que acusei Leopoldo injustamente e sem
embasamento nenhum de ser um péssimo pai.
Poderia simplesmente falar que ele não se encaixa na
empresa? Claro que sim e é o que pretendo fazer, mas para soar
mais palpável e objetivo, disse para ela marcar uma entrevista com
ele amanhã. Assim, ninguém poderá me acusar de ser injusta. E
não é como se eu fosse uma megera sem consideração, posso
indicá-lo para um estágio com alguns dos meus clientes. Quem
sabe? Só não preciso tê-lo aqui.

Meus pais realmente gostaram da Ana. Gostaram muito.


Já se passou mais de um mês e ela continua sendo assunto
nesta casa. Não sei por qual motivo ainda não contei que a
conheço. Talvez só não quis alimentar expectativas irreais na minha
mãe e sua cisma de que se nos conhecêssemos, nos
apaixonaríamos perdidamente e viveríamos felizes para sempre.
Depois falo que ela precisa de terapia e apanho das suas panelas.
Bom, falando ou não, eles vão saber quem ela é em poucos
dias, considerando que tenho uma entrevista de emprego na
empresa dela amanhã. Por um momento, não acreditei que Marina
tinha conseguido mesmo, levando em conta o ódio gratuito que Ana
parece sentir por mim.
Tudo bem que uma entrevista não é muita coisa, ela pode ter
aceitado só para evitar conflitos e me dispensar no segundo em que
eu terminar de falar, e é por isso que preciso dar meu máximo, falar
todas as palavras certas e ser o melhor candidato possível. Porque
se não for aceito, vou ter certeza de que não foi porque não fiz o
que podia.
O sino de aviso na porta da lanchonete soa, chamando minha
atenção para a entrada e a pessoa parada de pé nela, me faz rir. E
ela não é nada menos do que a doida que tem ocupado meus
pensamentos com frequência, mais conhecida como Ana Brandão.
Os ombros permanecem eretos como um militar enquanto ela
olha o ambiente, provavelmente procurando meus pais — que estão
na cozinha —, e seus olhos se tornam duas fendas quando me
encontram. Juro que tento não rir para não a irritar, mas sua
expressão incrédula torna isso muito difícil.
— O que você está fazendo aqui?
Sua boca se franze em um bico irritado, o mesmo que a faz ficar
fofa pra caralho e tirar toda a possibilidade de assustar alguém com
sua expressão assassina.
— A pergunta certa é o que você está fazendo aqui? — Não
consigo me segurar e a provoco.
— Como assim? — Olha ao redor de novo, confusa. — Vim
procurar o casal que é dono daqui para… — Se interrompe e me
olha com aquele ar de arrogância que tem. — Na verdade, não te
interessa.
— Se considerar que o casal que está procurando são meus
pais, interessa sim.
— Como é? — Não consigo definir se ela está ainda mais
atordoada ou irritada.
Seus passos pesados fazem um barulho alto enquanto marcha
até mim. Ela levanta a cabeça para cima, me encarando e tudo que
consigo pensar é: em como pode ser tão baixa assim? Se sua
cabeça estiver na altura do meu peito, é muito. Seus olhos estão
pegando fogo e tenho certeza que se pudesse, ela já tinha rosnado.
É muito pinscher, céus!
Sorrio, cruzando os braços e sua atenção desce para eles por
um milésimo de segundo, mas é o suficiente para aumentar meu
sorriso, e ela não fica constrangida.
— Jorge e Madalena são meus pais e donos desta lanchonete.
Os mesmos que te abrigaram na chuva, te alimentaram e deram
uma toalha para que tirasse o grosso da água e não pegasse uma
pneumonia, isso se ouvi a história direito. E como foi que agradeceu
a generosidade deles? Jogando um sapato assassino para tirar a
vida do único filho deles.
Ela fica pálida.
Eu não deveria estar provocando a pessoa que pode ou não me
dar um emprego amanhã, mas algo nela torna difícil me segurar. É
divertido demais vê-la nervosa por tão pouco.
— O que está acontecendo aqui? — Minha mãe aparece sendo
seguida pelo meu pai, e seus olhos brilham quando reconhecem sua
nova pessoa favorita. — Minha querida, como é bom te ver!
Estamos felizes que tenha voltado. — Ela sorrindo olha para nós
dois. — Vocês se conhecem?
Ana ainda parece desnorteada demais para responder e divide
sua atenção entre nós três. Uma ideia me vem à cabeça, uma
péssima ideia, vale ressaltar, e com certeza vai irritar não só a
nervosinha, mas meus pais também. Porém seria impagável ver a
cara dos três.
Uma brincadeira nunca matou ninguém. Pode ser que Ana me
mate, mas a vida é sobre correr riscos, certo?!
— Claro que nos conhecemos, mamãe. Essa é Ana, minha
namorada. — Passo o braço por cima dos ombros dela e aproveito
sua desorientação, puxando-a para mais perto de mim.
— Que notícia maravilhosa! Por que não nos contou antes? —
Mamãe se empolga. — Essa é a mocinha que sempre te falamos,
meu filho. Como o mundo pode ser tão pequeno? Como se
conheceram?
— Não quis contar para vocês porque não sabia o que iria virar,
e Ana é bem discreta. Mas aquele dia que ela saiu daqui para pegar
um Uber? Eu estava no carro e a partir dali foi amor à primeira vista,
acredita, mamãe? — Mordo minha bochecha para não rir.
— Enlouqueceu de vez, bobo alegre? — Ana chia, tentando se
afastar. — Ele está mentindo.
— Então não se conheceram no Uber? — Meu pai fica confuso.
— Bem, sim, nos conhecemos. Porém, não…
— Ora, querida! Não precisa ter vergonha. Um mês não é tão
pouco tempo para começar a namorar. Especialmente quando
estamos falando de amor à primeira vista!
— Eu…
— Naquela confusão, nunca nos apresentamos. Prazer, Ana,
sou a Madalena, mas pode me chamar de sogrinha, se quiser.
Ana belisca meu quadril e xingo alto. Qual o problema de
agressividade dessa mulher? Tenho certeza que vai ficar roxo.
— Vou te denunciar — sussurro.
— Se conseguir chegar vivo na delegacia, fica à vontade. —
Balança os ombros. — Eles claramente não estão me escutando.
Desmente essa merda. O que te deu? — fala baixinho.
Não respondo, mas decido parar de brincar, minha mãe já está
quase planejando nosso casamento.
— Ei! Calma, eu estava brincando, mamãe. Como são tão
apaixonados na Ana, pensei em brincar um pouco. Sim, nos
conhecemos, mas não somos namorados, muito menos nos
apaixonamos à primeira vista. Na verdade, foi mais para ódio
mesmo, já que esse chaveirinho do capeta aqui jogou um s… —
Não sei como, mas Ana consegue alcançar minha boca e tampá-la.
— O que estu fuzendo? Me mundou dementi — tento falar, mas
sai tudo errado.
Ela me dá um olhar matador que deixa claro que se não calar
minha boca, um roxo no quadril vai ser nada perto do que fará
comigo, e gira a ponta dos tênis, virando para os meus pais com um
sorriso sem graça.
— Nos conhecemos naquele fatídico dia no Uber, e depois nos
encontramos em uma festa no dia do aniversário da minha irmã
caçula. Ágata e Marina são melhores amigas. Estou precisando de
um assistente, porque a minha entrará de licença maternidade em
breve, e a Marina o indicou. Amanhã temos uma reunião marcada
para a entrevista dele. Acredito que não contou porque queria fazer
uma surpresa para vocês. Muito prazer em conhecê-los. Sou Ana
Brandão da Brandão Technology.
— Aquela empresa que você vive falando, Leo? — Papai
pergunta e concordo com a cabeça, já que estou impossibilitado de
responder.
Ana percebe que ainda está com a mão na minha boca e tira —
depois de me dar outro olhar homicida — e sorri para os meus pais.
— Desculpa pela confusão, querida. Leopoldo se acha um
piadista às vezes. — Mamãe me repreende, mas está sorrindo.
— Eu que o diga — murmura para que eles não escutem, mas
eu escuto e sorrio.
— Porém mantenho minha opinião, o mundo é muito pequeno.
Muito obrigada pela oportunidade que está dando para nosso Leo.
Ela não responde, parecendo sem graça, e logo volta à sua
postura ereta e discretamente empurra meu braço dos seus ombros.
— Por que não se senta? Madalena está preparando o jantar
para as crianças, mas podemos lanchar enquanto esperamos —
sugere meu pai.
— Na verdade, vim aqui por outro motivo. Temos um evento de
pré-natal na Brandão Technology dia 23 de dezembro e preciso de
um bufê que atenda cerca de 270 a 300 pessoas. Pensei em vocês.
Amei a torta de frango aquele dia e claro, é uma ótima oportunidade
caso queiram visibilidade para transformá-la em algo maior. — Puta
que pariu. Se a nervosinha não fosse tão raivosa, poderia lhe dar
um abraço agora. Ela está mesmo dando uma oportunidade dessas
para um casal que viu uma vez na vida? — Se não quiserem ou
acharem que é pouco tempo para se organizarem, vou entender,
claro. Por outro lado, se aceitarem, além da minha eterna gratidão
por estarem me salvando tão em cima da hora, vão receber um
ótimo pagamento.
Meus pais estão embasbacados, quase tanto quanto eu.
Caralho. É muito… muito foda da parte dela.
— Está falando sério, querida? — meu pai é o primeiro a
conseguir falar.
— Com certeza. — Seu sorriso arranca um sorriso da expressão
incrédula dos meus pais.
— Nós honraremos essa oportunidade com um excelente
serviço cheio de carinho, querida. Não tenho palavras para
expressar nossa gratidão.
— Tenho certeza que vai ser tudo incrível. — Ana garante
sorrindo. — Tenho que ir agora, mas minha assistente virá aqui
amanhã para acertar o restante dos detalhes com vocês, pode ser?
— Não, senhorita — meu pai fala sério. — Agora mesmo que
não aceitamos que vá embora sem lanchar conosco.
— Eu realmente preciso trabalhar.
— Umas horinhas a mais não vai fazer mal, querida.
— Eles têm razão, sabe. Uma hora a mais não vai fazer tanta
diferença assim e como sabe, perder a comida da minha mãe é
quase uma afronta. — Ela está pronta para argumentar, mas baixo
minha voz e levo minha boca ao seu ouvido, sorrindo convencido ao
ver os pelos do seu pescoço arrepiarem. — Além disso, não precisa
se preocupar comigo, vou sair para buscar os gêmeos em 15
minutos e vamos direto pra casa.
Madalena e Jorge fazem seus melhores olhares pidões e Ana
suspira. Sorrio, sabendo que o casal de manipuladores venceu a
batalha.
— A julgar pela sua expressão de desespero, não conseguiu
encontrar um bom motivo para dispensar o loirinho. — Luna advinha
ao entrar na sala que ele acabou de sair.
— Pelo contrário. — Quase choro. — Ele começa amanhã. — A
atrevida ri da minha desgraça, nem se importando com minha
melhor cara de assassina. — O miserável respondeu a cada uma
das minhas perguntas com maestria. — Seu sorriso dá lugar a
surpresa.
É, eu também fiquei.
— Não errou nem uma pergunta daquele questionário tirado
direto do inferno? — Nego e apoio os cotovelos na mesa, pensando
seriamente em bater minha cabeça nela com força. — Caramba! Ele
é bom.
Ele é.
Obviamente não tirei as perguntas do inferno, e sim de vários e
vários livros muito bons, além é claro, dos meus anos de
experiência. Dificultei mais para ele do que para qualquer outra
pessoa que já entrevistei, e olha que minhas entrevistas são
conhecidas por serem extremamente minuciosas. E ainda assim, ele
passou, me fazendo pagar a língua, de novo.
— Pensa pelo lado positivo, ele conhece a culinária da mãe
melhor que ninguém. Isso vai ser extremamente útil na hora de
escolher o cardápio da festa de natal. — Tenta me consolar com um
sorriso.
— Claro, se eu não o matar antes.
— Só se lembre que está na empresa antes de jogar saltos por
aí, os vidros que pagou são mais caros que mini televisões e bancos
de carros utilitários — provoca.
Não sei se posso falar que Luna é minha amiga, mas com todos
os anos de convivência e pepinos que tivemos que resolver ao
longo deles, afirmo com certeza que somos mais que apenas chefe
e funcionária, o que dá liberdade para ela me implicar com as
histórias que conto, especialmente os desastres que chamo de
encontros.
— Inclusive, obrigada por me lembrar, tenho que conversar com
ele e pedir para manter esse inconveniente entre nós. A última coisa
que preciso é perder o respeito dos meus funcionários por causa de
uma história sem importância.
Ela quer rir e os dentes pressionando os lábios com força só
confirmam isso, mas é esperta o suficiente para só concordar com
um aceno rápido.
— Vou pedir que ele o encontre na sua sala assim que chegar
amanhã.
Estou quase concordando quando penso em todas as piadas
que ele provavelmente vai soltar quando eu mencionar o assunto.
— Na verdade, pode ter essa conversa por mim?
— Quer que eu tenha uma conversa por você? — Ela não
esconde o espanto. Não julgo, não fujo de conversas.
— Estou bem ocupada amanhã e não é uma conversa que pode
ser deixada para depois. — E não quero correr o risco de ele
conseguir me estressar até outra coisa voar na cara dele. — Pode
fazer isso por mim?
— Claro. Vai ser minha prioridade amanhã.
— Obrigada.
O celular dela apita.
— O Ricardo chegou. Boa noite, até amanhã, chefinha.
Ela sai quase saltitante, como em todas as noites quando a
mensagem do seu marido chega. Ricardo sempre a buscou, desde
quando só namoravam. Confesso que em alguns dias mais
solitários, penso em como seria ter alguém que se importasse
assim, mas nunca dura mais que alguns minutos. Nunca dura.
Deus me livre ter que dar satisfação para mais alguém além da
ciumenta da minha irmã e das longas farejadas da Mel sempre que
chego em casa.
Fecho a porta de vidro fumê da Brandão, pensando nas minhas
duas ciumentas que devem estar me esperando em casa. Ágata
provavelmente está com a cara nos livros da faculdade e a Mel
deitada nos seus pés enquanto me espera para nossa rotina
noturna.
Atravesso a avenida Brigadeiro Faria Lima cantando toda
desafinada junto com a rainha desse século: Demi Rainha Lovato.
Ela é minha cantora favorita, e tomou essa posição não só pela voz
divina e músicas incríveis, mas pela história que tem.
Amo pessoas que enfrentam suas dificuldades. Amo pessoas
corajosas. Amo histórias de superação. Amo pessoas que não
desistem de lutar, não importa o quão merda a vida esteja e é
exatamente isso que a Demi me passa. Demi, me sinto super íntima
chamando-a assim, quem sabe um dia.
Mel está exatamente onde pensei que estava quando chego em
casa, mas não demora muito para arrastar sua bunda preguiçosa
para a porta ao me ver. Ela faz sua inspeção diária e quando se dá
por satisfeita, late, ordenando que a pegue no colo. Folgada? Sim.
Mimada? Também, mas sou a responsável por isso, então fazer o
quê?
Depois de fazer carinho nela até encher minha roupa branca
com seus pelos caramelo, coloco meu vinho no congelador para
estar trincando quando sair do banho e beijo a testa franzida de
concentração da minha irmã antes de entrar no banheiro.
A água quente lava um dia cansativo de mim, mas não demoro,
ansiosa por continuar a história dos meus novos imortais favoritos.
Depois de vestida com mais um dos meus pijamas do Banguela,
sirvo uma taça de vinho rosa e dou um gole generoso, o gosto de
algodão doce enchendo meu corpo de endorfina.
Pego o kindle e me jogo no sofá, colocando a taça na mesinha
de centro. Segundos depois, minha cachorrinha pula no sofá e se
acomoda na minha barriga, enfiando o focinho debaixo do aparelho,
como em todas as noites.
Amo ler, não importa quanto o dia seja corrido e estressante,
tento sempre ter pelo menos dez minutos para ler, isso quando não
estou na infernal ressaca literária, é claro.
Bebo mais um gole do meu vinho favorito e não demora muito
para que esteja dando risadas com as ameaças nada falsas de
Poppy à vida do Casteel que parece irritá-la ainda mais de
propósito. Por algum motivo, isso me lembra alguém em quem
definitivamente não quero pensar. E é o que faço, me afundando em
um mundo que infelizmente não é o meu.

Entro na Brandão com o coração na mão, do mesmo jeito que


sai de casa. É o primeiro dia que não sou eu quem vai deixar os
meninos na escola e estou com medo de se sentirem abandonados.
Quem estou tentando enganar? Estou com medo de ser
abandonado. Ambos entenderam e aceitaram super bem a ideia do
vovô os levar para escola todos os dias agora.
Na verdade, ficaram mais empolgados do que meu ego pôde
aguentar, e estou fingindo que não tem nada a ver com os doces
que meu pai contrabandeia escondido para eles sempre que pode.
Para o meu próprio bem e para manter minha sanidade mental, é
melhor não saber que meu velho vai dar doce para eles todos os
dias agora que não posso barrar.
O cheiro da torta da minha mãe chama a atenção de todos
assim que entro, coloco meu melhor sorriso no rosto e levo a torta
para a mesa de café da manhã que Ana me contou ontem que tem
diariamente aqui. Ainda tô meio em choque que fui contratado para
o período de teste, achei mesmo que ela fosse arrumar alguma
desculpa para me manter fora. Ainda mais depois da entrevista nível
Harvard que preparou. Sorte a minha que sou bom e me preparei
muito bem, senão teria tomado no cu bonito. Se todo mundo aqui
passou pelo mesmo nível de avaliação, faz total sentido o sucesso
da empresa.
— Bom dia! — Uma senhora muito simpática chama minha
atenção e sorrio mais. — Você é o novo assistente da Luna, certo?
— Bom dia! Sou sim. Meu nome é Leopoldo, mas pode me
chamar de Leo, prazer em conhecê-la.
— Leopoldo era o nome do meu pai — conta empolgada e
sorrio nada surpreso. Meus pais escolheram um nome de vovô para
mim. — Ele era um ótimo homem, assim como você deve ser. —
Estende a mão enrugada que aperto com gosto. Amo pessoas
felizes. — Sou a Mercedes, secretária do Paulo, o diretor de
marketing.
Depois dela, os outros se apresentam aos poucos enquanto
tomamos café da manhã e logo estamos todos sorrindo das minhas
histórias. Mamãe sempre disse que sou ótimo em conquistar
pessoas e sem falsa modéstia, sou mesmo. Não precisava da
comida dela para que gostassem de mim, mas nunca é demais levar
tortas gostosas. Comida conquista qualquer um.
Bom, quase qualquer um, já que minha chefe, vulgo pinscher,
não se dignou a vir até aqui ainda. Nem mesmo levantou o olhar do
computador desde que cheguei e sei que ela ama a torta da dona
Madalena, então o problema deve ser eu ou o que está encarando
na tela.
A sala dela fica no final do espaço amplo, os vidros todos
transparentes que provavelmente dão uma ótima visibilidade ao
trabalho de todos, mas também deixa que todos a vejam o tempo
todo. Acho foda. Nem todo chefe dá essa abertura. Na verdade, a
maioria não dá.
Pego um pedaço de torta e um copo de café sem açúcar,
decidido a levar para ela pra começar meu tempo aqui com o pé
direito. Não consigo. Uma Luna ofegante com a mão na barriga
protuberante me intercepta com um sorriso cortês.
— Bom dia, Leopoldo. Tudo bem? — Aceno tentando ver a
irritadinha atrás dela. — Quero uma palavrinha com você, pode ser?
— Claro. Pode ser daqui um minuto? Quero levar isso aqui para
a Ana, opa, senhorita Brandão.
Ergo as mãos com o lanche e o café. Ela suspira.
— A senhorita Brandão não pode te atender agora, sinto muito.
Temos muitas pendências hoje. Pode deixar que levo a torta para
ela agorinha, obrigada. E sobre o café, já que vai me substituir, a
primeira dica é, ela gosta de café doce. Na verdade, gosta de
absolutamente tudo que é doce, muito doce. Enjoativo mesmo.
Doce? Essa é surpreendente. Café amargo combina mais com
sua personalidade. Luna parece ler meus pensamentos, já que um
sorrisinho divertido brinca em seus lábios, mas logo some.
— Vamos?
Concordo e sentamos na sua mesa. Espio a sala da chefe,
ainda sem tirar os olhos do computador. Não vou ganhar nem
mesmo um bom dia?
— Vou direto ao ponto. A senhorita Brandão deseja que você
mantenha as circunstâncias em que se conheceram em sigilo. —
Ela contou para a secretária? Que burrice, claro que contou.
Provavelmente foi Luna quem resolveu tudo sobre o conserto do
carro. — Tem algum problema com isso?
— Em ser discreto sobre os saltos voadores da nossa chefe? —
brinco. — Claro que não. Nem passou pela minha cabeça revelar
isso.
E não passou mesmo.
Ela concorda, toda profissional, mas o brilho nos seus olhos
entrega o divertimento pela história. Quem não se diverte com
sapatos voadores e morenas de meio metro raivosas?
— Agradeço a discrição, Leopoldo. Termine seu café da manhã
e volte o mais rápido possível. O dia está cheio hoje, não vou ter
tempo para te ensinar muita coisa, mas vai me acompanhar o dia
todo e tentar aprender observando, tudo bem?
— Melhor do que nunca.
Luna leva a torta para Ana e saio da sua mesa ainda olhando
curioso para minha nova chefe. Elas conversam alguma coisa e os
olhos da pinscher encontram os meus. Ela meneia a cabeça,
provavelmente por educação, não é como se pudesse só me ignorar
sem motivo agora que é minha chefe, e então volta a atenção para
Luna.
Levo o café sem açúcar de volta para a mesa, rindo sozinho. A
pessoa mais amarga do planeta é viciada em doce. Até que faz
sentido, tudo tem que ter um equilíbrio.
Leopoldo Marinho não só me fez pagar a língua, como
conquistou cada mísero funcionário da BT na última semana. Sim,
ele começou a trabalhar há menos de dez dias e já é rodeado por
pelo menos metade dos colaboradores diariamente no seu horário
de almoço.
Posso falar que entendo o motivo? Não. Qual a graça em ouvir
as piadas de aprendiz de palhaço dele? Não faço ideia, mas pareço
ser a única a pensar isso, já que até Luna me traiu e caiu no charme
fajuto e inoportuno dele.
Poderia demiti-lo simplesmente por me irritar? Claro que sim,
mas seria justo? Não.
Leopoldo tem potencial para ser um dos melhores da nossa
área, mas sem a oportunidade e o investimento certo, potencial não
significa nada. A Brandão Technology é a melhor oportunidade que
ele tem de crescer, de se tornar uma potência.
E não consigo simplesmente virar as costas para alguém que
quer aprender e crescer na vida, não interessa o quanto esse
alguém deixe meus nervos à flor da pele ou que seus sorrisos
insistentes para todo mundo me façam querer perder meu réu
primário.
— Ele precisava ser tão bom, Melzinha? Podia tanto ser só mais
um cabeça de vento. Isso teria facilitado muuuuito a minha vida,
mas não, ele tinha que ser um idiota inteligente e charmoso que
além de me foder na entrevista, conquistou todo mundo no primeiro
minuto. Acredita que até os clientes estão encantados pelo
assistente de circo?
Mel inclina a cabeça para o lado e late, entendendo minha
frustração e xingando-o comigo. Claramente a única que me
entende. Acaricio sua cabeça e ganho um lambida no nariz.
Meu celular toca e gelo ao ler o nome do visor, Ricardo
Gonçalves. Atendo, sentindo meu coração querer sair pela boca, já
imaginando todas as piores coisas que ele poderia falar e orando
para que esteja errada em todas elas.
Infelizmente não estou.
— Luna entrou em trabalho de parto. — É a primeira frase que
escuto, seguida de mais um monte de sentenças desesperadas e a
voz embargada que dificulta muito entender o que está falando.
Desligo depois dele me falar em qual hospital estão e corro para
trocar de roupa. Minha irmã aparece na porta do quarto estranhando
a movimentação.
— Não consegui entender muito bem o porquê o Ricardo está
desesperado, mas acho que Luna escorregou quando estava
limpando a casa e entrou em trabalho de parto — explico, tentando
não me desesperar também.
Ela fica séria e faz carinho na minha mão, tentando me
tranquilizar, mas sem sucesso.
— Vou me trocar e corremos pro hospital. Onde ela está?
— No que você faz estágio.
Ela assente e me dá um sorriso gentil, mas com aquela frieza
estranha que médicos têm.
— O LeBlanc tem a melhor UTI Neonatal de São Paulo. Elas
estão nas mãos dos melhores.
Eu sei, mas saber disso não alivia em nada a preocupação
latejando no meu peito.
Ágata troca de roupa e já saímos de casa. Estou dirigindo e me
controlando para não xingar todos os motoristas idiotas que me
impedem de chegar rápido. Quero saber como minha amiga e o
bebê estão.
Espero mesmo que elas estejam bem. Luna sonhou com
Amanda por anos. Perdi a conta de quantas vezes a liberei para as
consultas de fertilização, depois os repousos dos quatro abortos
espontâneos e por fim, seu tão sonhado pré-natal. Amanda é a
realização do sonhos deles, e dói pensar que podem perdê-la. Eles
lutaram tanto.
Quando chegamos, encontramos Ricardo andando de um lado
para o outro na sala de espera. Ágata o cumprimenta e vai tentar
conseguir mais informações dos seus colegas.
— Caralho, Ana. Ela só está com sete meses. Elas não estão
prontas. Não estamos prontos. — Ricardo passa a mão pelos
cabelos, completamente desnorteado.
— Eu sei, mas elas são fortes, tudo bem? Vão conseguir.
Nem de longe sinto a confiança que passo, mas ninguém
precisa saber. Minha irmã demora a voltar e sua expressão me
deixa apreensiva. As notícias não devem ser boas.
Ela logo coloca aquela cara fria que só médicos têm e se
aproxima do Ricardo.
— Falei com alguns amigos. Luna está na sala de cirurgia com
os melhores médicos do hospital. Eles vão fazer tudo o que
puderem para que elas fiquem bem.
Tudo que puderem? Merda. Isso nunca é bom.
Ricardo pensa o mesmo, porque só fica mais desesperado e
enche minha irmã de perguntas. Ágata responde com excelência
tudo que está em seu alcance, até que não tenha mais o que
perguntar ou falar e o silêncio se torne uma faca nas nossas
gargantas junto com a ansiedade por novas notícias.
Não sei por quantas horas esperamos, mas cada minuto é
angustiante. Ver o desespero do Ricardo é agonizante. O céu já
está claro quando um médico caminha em nossa direção e Ricardo
quase pula em cima dele. Levanto junto com minha irmã e nos
aproximamos também.
— Luna está bem. — Os ombros do Ricardo sobem e descem
em uma respiração de alívio. Os meus também. Mas e a Amanda?
— Devido à prematuridade, sua filha está na UTI Neonatal e vamos
fazer alguns exames de rotina…
— Mas ela está bem? — O pai interrompe, ansioso.
Fala logo!
— Como estava dizendo, precisamos de alguns exames para
afirmar com certeza, mas fique tranquilo, apesar das complicações,
deu tudo certo. Não tem motivo algum para se preocupar por agora.
— Ricardo sorri, o alivio tomando seu rosto e também meu coração.
Elas estão bem. — Você pode ver sua esposa agora e ambos
poderão ver a filha de vocês pelo vidro assim que a anestesia
passar.
Ricardo segue uma enfermeira e some pelos corredores, nos
deixando sozinhas com o médico. Ágata se aproxima e os dois
conversam baixinho antes dele acenar para mim e sair.
— O que você sabe?
— Nada diferente do que foi passado para o Ricardo. Eles
precisam de vários exames para confirmar, mas elas estão bem.
Deu tudo certo. Amanda só precisa ficar alguns dias na UTI por ser
prematura, mas nada fora do normal ou preocupante.
Um sorriso aliviado invade meu rosto.
Deu tudo certo.
Os pais de ambos chegam alguns minutos depois e minha irmã
e eu nos apresentamos, dando as notícias que temos.
Ricardo volta assim que o restante da família chega e decido
que é nossa hora de ir. Não faz sentido ficar aqui agora que eles já
têm apoio. Peço-o para dar notícias sempre que possível e me ligar
em qualquer coisa que precisem e vou embora.
Deixo minha irmã em casa e vou direto para a BT.
Assim que chego, atraio alguns olhares curiosos já que nunca
me atraso, mas passo direto para minha sala, fecho as cortinas
blackout e me tranco no banheiro. Preciso me arrumar aqui.
Vinte minutos depois, chamo todos os funcionários na maior
sala de reunião e lhes informo que Luna entrou em trabalho de parto
prematuro e vai ficar longe por um tempo.
Os tranquilizo que aparentemente está tudo bem e em alguns
dias elas devem estar em casa, mas também peço que orem,
mandem energia positiva ou qualquer coisa que acreditem para
nossa colega de trabalho. Nunca é demais.
Apoio a testa nas minhas mãos quando eles saem e respiro
fundo, cansada. O barulho da porta me chama atenção e ajeito a
postura. Leopoldo Marinho entra com um copo de café e a agenda
da minha assistente em mãos, bom, a que fica aqui no escritório.
Ela tem duas, uma que carrega o tempo todo e outra que fica aqui.
Fora os telefones.
— Você tem uma reunião em 25 minutos. Precisa que eu
reagende?
Me entrega o café e espera minha resposta. Bebo um longo
gole e me surpreendo por estar adoçado na medida exata. Mas isso
não deveria ser motivo para me surpreender, Luna é uma ótima
assistente e pelo que percebi, Leopoldo é um excelente aprendiz.
— Não, obrigada. — Merda. Ele é meu assistente direto agora.
— Escuta, sei que não estávamos esperando isso e que você não
teve nem um mês de treinamento, então se não quiser assumir a
função da Luna, vou entender. Só preciso saber agora para procurar
outra pessoa.
Ele sorri, simpático.
— Vou ficar. Não estou dizendo que vai ser fácil, mas Luna é
uma ótima professora e aprendi bastante com ela nos últimos dias.
Tenho uma boa ideia do que fazer e o que não souber, aprendo.
Não precisa se preocupar, não vou te atrapalhar perguntando coisas
idiotas.
Concordo, nada surpresa com sua resposta. Bebo o resto do
café em um gole só e Leopoldo sai para buscar outro.
Desculpa, vovó.
— Senhorita Brandão, sei que é inconveniente e já tentei
informá-la sobre isso, mas minha mãe está na recepção para falar
com você. — Entra e me entrega a caneca com um sorriso sem
graça. — Posso mandá-la embora, se quiser. Só pensei em checar
com você primeiro.
— Não precisa. Eu gosto da sua mãe e aposto que deve ter um
dos lanches deliciosos com ela.
Seria divino agora. Luna iria adorar também.
— Só não gosta do filho dela — murmura para que eu não ouça,
ou pelo menos tenta.
— Disse alguma coisa? — pergunto, dando a chance de não
repetir, se quiser.
— Não, senhora.
Assinto.
Ele sorri de verdade dessa vez e traz a mãe para a sala de
reuniões da qual ainda não saí. A senhora mal me olha antes de se
aproximar preocupada. Por que as velhinhas têm o sexto sentido tão
aguçado? É um grande inconveniente na maior parte das vezes.
— O que houve, querida?
— Só não dormi tão bem. — Sorrio fraco. — Minha assistente
estava com apenas sete meses de gestação, e entrou em trabalho
de parto nesta madrugada. Nada para se preocupar.
— Entendo. — Acaricia meus braços como no dia em que nos
conhecemos — Bom, Deus sempre sabe das coisas, não é? Eu
estava querendo trazer uma travessa de coxinhas para você desde
que soube da oportunidade que deu para meu filho, e justo hoje
calhou de dar certo. Nada acontece por acaso. Sabia que tinha um
propósito. — Não disse? Sexto sentido. — Comida e um pouco de
fé resolvem quase tudo. Tenho certeza que logo sua amiga vai estar
em casa com o neném. Vou colocá-los nas minhas preces. — Seu
sorriso é tranquilizador, assim como o carinho agora nas minhas
costas. — Vou deixar vocês trabalharem. Se você ou sua secretária
precisarem de algo, estamos a uma ligação de distância, tudo bem?
— concordo, ainda meio surpresa pelo carinho, que conseguiu
aliviar metade das minhas preocupações.
Quase como o da minha avó. Saudade da minha velhinha.
Desvio o olhar para Leopoldo, que olha com interesse, a mão
que faz carinho em mim.
Ela beija meu rosto e faz o mesmo com o filho antes de ir
embora. Ele começa a acompanhá-la, mas é descartado e
empurrado de volta para sala com um pouco mais de força que o
necessário, o que o faz tropeçar nos próprios pés e arranca de mim
uma risada divertida. A primeira nas últimas horas.
— Você sabe rir.
Coloca a mão no peito com espanto, mas o típico sorrisinho
zombeteiro não demora a aparecer e o entregar.
— Claro que sei. Sorrio muito, só não com você ou das suas
piadas ruins de aprendiz de palhaço.
— Sua criatividade para os apelidos é admirável. — Zomba de
novo.
— Melhor do que a sua para piadas.
— Como sabe? Não ouviu nenhuma delas.
— Ouvi o suficiente. — Ele sorri de orelha a orelha com minha
resposta, me fazendo ficar automaticamente desconfiada.
— Então estava ouvindo escondido? Porque não lembro de ter
conversado comigo em algum momento nos últimos dias. Pelo
contrário, usou a Luna como escudo.
Como vou conviver meses com ele? Dois segundos na mesma
sala e já quero matá-lo.
— Escudo? Acha que tenho o que? Sua idade? Não preciso de
escudo, sou uma mulher adulta, sei lidar com qualquer coisa. Só
estava ocupada e não precisava falar com você diretamente.
— Se é o que diz... — Não consigo não bufar. Ele sorri mais.
Quero jogar alguma coisa que arranque esse sorriso na marra. —
Não é muito adulto bufar para seu assistente. Nem jogar coisas, por
sinal.
Como adivinhou?
Seus olhos descem para o porta-canetas que estou segurando
com força e devolvo-o para a mesa sutilmente.
Réu primário é importante.
Agressão é crime.
Processos trabalhistas são caros.
Respiro fundo até sentir minha irritação acalmar o suficiente
para conseguir olhar para o sorriso dele sem querer arrancar seus
dentes.
— Escuta, Leopoldo. Nós vamos trabalhar juntos por um tempo.
— Um bom tempo se eu não te matar antes. — Você obviamente
quer o emprego e preciso de um assistente. Não vai me ouvir repetir
isso, mas me impressionou na entrevista, acredito que tem um
excelente futuro e quero investir nisso. — As covinhas rasgam seu
rosto com o elogio e mesmo que tenha sido difícil colocá-lo para
fora, não é uma mentira. — Vamos manter nosso relacionamento
cordial e profissional para conseguirmos o que desejamos. De
acordo?
— De acordo.
Ana está no modo chefe do inferno essa semana. Não que eu já
a tenha visto de outro modo, mas está pior, muito pior. E nem posso
julgá-la, em seu lugar, também estaria querendo matar um. Um dos
estagiários em avaliação ferrou com o projeto mais urgente em
desenvolvimento, e mesmo que ainda estejamos na fase de testes,
os clientes vêm amanhã ver o andamento do aplicativo.
Como se não fosse o suficiente, ela está com saudade da Luna.
Sei disso porque me tornei seu rabo nos últimos dias, assim como vi
Luna fazer nos dias em que comecei. E Ana conversa bastante no
telefone com a assistente e às vezes até com o marido dela
querendo notícias e atualizações das duas.
Aprendi mais sobre Ana em uma semana do que achei ser
possível.
Sim, ela é uma megera e parece com raiva de mim a maior
parte do tempo, mas também sabe os nomes de cada um da família
de todos os funcionários, sabe quantas pessoas cada um deles vai
trazer para o evento de natal, se preocupou em saber se meus pais
estão sobrecarregados com o serviço que encomendou e se
precisam de ajuda.
Faz as unhas pontualmente ao meio dia de toda quarta-feira,
aqui no escritório mesmo, já que se recusa a sair no meio do
expediente. É viciada em café, sério, viciada mesmo. Ela toma mais
ou menos dez canecas cheias de café doce, igual sua alma não é.
Ama muito sua profissão, e é uma típica workaholic. É sempre a
última a ir embora. É a primeira a falar com qualquer possível
cliente, sabe tudo que acontece dentro da empresa. Tudo mesmo.
Gosta de passear pelos setores durante o dia e conversar com
os funcionários sempre que pode. E apesar de sempre ser
extremamente profissional, gosta que a chamem pelo primeiro
nome. É parceira de um berçário aqui perto para as mamães que
trabalham aqui não precisarem deixar os filhos longe.
Treina todos os dias das cinco às sete da manhã e se alimenta
muito mal, ou melhor, não se alimenta. Ana Brandão só come
quando é lembrada e olha lá. Perdi a conta de quantas vezes a
lembrei de comer e ela esqueceu segundos depois. Então passei a
simplesmente trazer a comida e colocar na sua mesa. E
sinceramente, fazer isso se tornou uma das minhas tarefas favoritas
do dia. É um dos únicos momentos em que a vejo sorrir, e mesmo
que seja apenas um sorriso educado de agradecimento, já é alguma
coisa.
Descobri também que ela sustenta quase sozinha algumas
ONG’s, e é a maior doadora de um orfanato na periferia. É protetora
e completamente apaixonada pela irmã. Tem uma cachorra que é
uma bolinha e muito mimada, isso considerando a quantidade de
comida, petiscos e brinquedos que ela ganha toda semana.
Inclusive, não vi a pestinha por aqui nos últimos dias. Não
duvido que Ana esteja deixando-a em casa por causa da nossa
nova rotina – bem corrida se for sincero – sem a Luna. Nos meus
primeiros dias, vi Ana trazer a cadela em dias alternados, e ela
ficava o tempo inteiro no colo da dona ou deitada em seus pés,
debaixo da mesa de escritório. No máximo saía com a Luna vez ou
outra. A cachorra nem mesmo se dignava a olhar para nós, os reles
mortais. Não que eu me importe muito, se for brava como a dona,
com certeza ela me morderia no primeiro contato que tivéssemos.
Aprendi muita coisa, mas o que mais me chamou atenção é a
dedicação. Ela, sem sombra de dúvidas, é a pessoa mais
empenhada dentro da Brandão Technology. Por isso está
trabalhando até depois das 23h todos os dias na última semana,
pois precisa para entregar um ótimo projeto para o cliente amanhã.
Quando percebeu o erro, consertou e assumiu sozinha para evitar
riscos e entregar dentro do prazo.
Ela não pediu que eu ficasse. Pelo contrário, me mandou ir para
casa cuidar dos meus filhos inúmeras vezes, mas conversei com
meus pais e fiquei trabalhando até mais tarde também. Quem iria
lembrá-la de comer e não morrer se eu não ficasse? Além do mais,
tenho a impressão de que é exatamente isso que Luna faria se
tivesse aqui.
Como os gêmeos não dormem tão bem se não escutarem
minha voz antes de dormir, todos os dias tiro 30 minutos de intervalo
e com a ajuda do meu pai, conto a história favorita deles por
chamada de vídeo.
E é exatamente o que estou fazendo agora, vendo seus
olhinhos pesarem, quando sinto uma presença atrás de mim,
acompanhada de um perfume gostoso que já aprendi ser da minha
querida chefe.
Continuo a história, fingindo não ter notado sua presença até
Rayka e Átila ressoarem em um sono pesado e desligo depois de
me despedir do meu pai.
— Está tudo bem? — pergunto, me virando para ela, que dá um
pulinho engraçado no susto. — Algum problema com o aplicativo?
— Não. Está perfeito e acho que finalmente terminei. Vim aqui
justamente te avisar que pode ir pra casa ficar com seus filhos. Vou
só ajustar uns detalhes e também já vou descansar. Preciso estar
no meu melhor para reunião amanhã.
Ela está cansada. Foi uma semana exaustiva e as olheiras mal
disfarçadas com maquiagem só comprovam isso.
— Posso te ajudar com os ajustes.
— Não precisa. Não tem nada que possa fazer, na verdade.
— Tem certeza?
Por que eu estou insistindo para ficar? Qualquer funcionário
teria aceitado a primeira dispensa.
— Tenho sim. Obrigada pela ajuda essa semana. Assim que
possível, faz o cálculo das suas horas extras e manda para o RH
acrescentar no seu salário no final do mês. Boa noite, Leopoldo.
Ela apoia o peso do corpo no pé direito sem perceber e respira
fundo, colocando um dos seus sorrisos educados, mas que não
escondem o cansaço dos últimos dias.
— Boa noite, Ana — respondo, sem encontrar motivos para ficar
e ajudá-la mais.
É meio leviano da minha parte deixá-la terminar o projeto
sozinha sabendo que está tão cansada. Mas o que posso fazer?
Ela vira de costas e começa a andar sem me esperar. A postura
impecável expulsando a pequena falha de antes. Não importa o
quão cansada esteja, se está atenta consigo mesma, Ana não
demonstra.
Foi treinada no exército, certeza.
Sem querer, meus olhos recaem na bunda marcada pela calça
social balançando de um lado para outro em um rebolado sensual
conforme anda.
Outra coisa que aprendi? O que tem essa doida tem de
encapetada, tem de gostosa.
Ô vida viu!
Saio do prédio alguns minutos depois que a perco de vista e
sorrio ao ver o carro me esperando como todos os outros dias.
Mais um fato sobre Ana Brandão: ela recompensa quem se
esforça. Não voltei para casa de metrô nenhum dos dias em que
fiquei até mais tarde, sempre tinha um Uber me esperando na porta.
Não quero nem imaginar o rombo que teria feito na minha carteira
se essas viagens fossem pagas por mim.
Estou entrando no carro, quando lembro que por culpa da
bunda que eu não deveria estar olhando, esqueci o celular.
Droga.
Peço ao motorista para esperar um pouco e com toda a
educação que ele não tem, grosseiramente nega e me manda a
puta que pariu e sai cantando pneu. Lá se vai minha carona.
Qual o problema das pessoas com educação? Sério.
Entro de volta na empresa pensando que Ana deveria ter
trancado a porta quando saí. São Paulo é perigoso, não pode ficar
se descuidando assim.
Paro no meio do caminho.
Puta que pariu a Alice, viu.
Se achava minha chefe gostosa sendo toda dura e travada, não
tinha noção do que é sua versão relaxada. Ana está na sua sala,
com os pés descalços na mesa, os cabelos, antes em um coque
apertado, agora estão soltos e espalhados pelo apoio da cadeira
onde encosta sua nuca. Uma taça com um líquido rosado que
imagino ser vinho entre os dedos e os olhos fechados.
Ela está incrível.
Nossa.
Com certo fascínio, a observo levar a taça aos lábios pintados
de vermelho sem abrir os olhos, mal lembrando do meu telefone
desaparecido.
— PUTA QUE PARIU.
Não sei qual de nós dois se assusta mais quando ela abre os
olhos e berra ao me pegar encarando-a igual um stalker.
Provavelmente ela, não só pelo lado stalker que aparentemente
tenho, mas também porque com o susto, jogou o vinho na própria
cara e quase caiu da cadeira, embolando as pernas uma na outra.
Corro para tentar impedir o tombo ou que piore tudo, porém
tenho o efeito contrário, pois ao tentar me impedir de aproximar
muito, ela derrama o resto do vinho na blusa branca.
Como pode ser tão desastrada?
Não consigo prender a risada. E acredite, tento com muito
afinco, pois sei do modo megera-raivosa-pinscher-agressiva que ela
fica quando estou feliz, ou em suas palavras, bobo alegre.
Ela rosna para mim e gargalho mais.
— O que está fazendo aqui? Não te mandei embora? —
Esbraveja e tenta passar um papel toalha na blusa branca, atraindo
minha atenção para lá.
O caralho da blusa ficou transparente. O suficiente para mostrar
que minha chefe gosta de peças rendadas.
Eu amo renda.
Meu sonho se tornaria realidade se todas as mulheres com
quem fico usassem renda, ainda mais em peças íntimas.
— Tá mesmo secando meus peitos na cara dura? — Cruza os
braços, franzindo o nariz, ressabiada
Tô.
— Claro que não. Só estou vendo como posso ajudar a
consertar seu desastre. — Implico, sabendo que vai irritá-la e
provavelmente tirar o foco do meu deslize.
— Meu desastre? — Bingo. Descruza os braços e enfia o dedo
indicador no meu peito com raiva. — Você ficou parado no meio do
corredor feito um fantasma. Isso aqui. — Aponta para o desastre em
sua roupa sem tirar o dedo pressionado no meu peito. — É
inteiramente sua culpa.
Tenho uma resposta para dar, tenho mesmo, mas dou mais uma
pescada na renda cobrindo seus peitos. Em minha defesa, dessa
vez foi ela quem trouxe minha atenção para eles.
Tinha mesmo que ser renda? Não podia ser um sutiã sem graça
ou com estampa de capeta para combinar com ela? Pinscher
também seria legal.
Renda não.
Renda me fode.
Renda vermelha fode mais.
— Meu Deus! Você não tem vergonha nenhuma na cara
mesmo. — Ri descrente, voltando a cruzar os braços embaixo dos
peitos, expondo-os ainda mais.
Isso é calúnia, tenho vergonha na cara sim. Mamãe me educou
direito. Não saio olhando para peitos alheios assim. Pelo menos não
tão descaradamente. Mas é renda vermelha!
— Esqueci meu celular. — E esqueci que ele desapareceu
quando te vi, mas quem liga? Forço meus olhos a se fixarem em
seu rosto de miniatura de capeta raivosa. O nariz ainda está
franzido em três dobrinhas, junto ao bico que faz quando se irrita.
Se não fosse um capeta, seria uma graça. — Voltei por isso.
Conseguiu finalizar o que precisava?
Ela relaxa um pouco a postura e sorri como se eu fosse um
idiota.
— Você saiu há cinco minutos — constata o óbvio. — Estava
dando uma respirada antes de continuar.
— Já que voltei e o cara do aplicativo de carro se recusou a me
esperar, posso te ajudar. — E lá vou eu tentar de novo.
Ela parece pronta para recusar, mas deixa quieto e avisa que
vai tomar um banho para tirar o grude do vinho e volta para
continuarmos.
Depois de ouvir o som do chuveiro sendo ligado, dou uma
olhada no projeto e mexo nos ajustes que comentou, deixando tudo
pronto para a apresentação amanhã.
Quando ela sai do banheiro, evito imaginar se o sutiã novo
também é de renda, ou pelo menos tento. A roupa social não dá
muito espaço para descobrir, e não é como se eu fosse tentar olhar
também.
— O que está fazendo? — Olha de mim para o computador,
irritada de novo.
Não deveria ser tão fácil assim se estressar.
— Finalizei os ajustes enquanto estava no banho — digo com
toda calma do mundo, esperando transmitir um pouco para ela.
Quem sabe funciona, não é?
— Não mandei me esperar? — Grossa como sempre. Calma e
Ana não podem conviver na mesma frase, aparentemente. — Que
inferno, Leopoldo. Não consegue ficar quieto? Se isso estiver
errado, vou ter que ficar o restante da noite até conferir essa droga
tudo de novo.
Tento não me ofender com sua suposição e respondo sorrindo:
— Não errei.
Ela debocha sem abrir a boca. Os olhos castanhos expressivos
fazendo todo o trabalho.
Sorrio mais e levanto, dando espaço para que confira e me
deliciando com a surpresa em seu rosto ao ver tudo perfeito,
provavelmente do mesmo jeito que ficaria se ela tivesse feito.
— Aparentemente pagar língua a seu respeito é meu novo
purgatório — murmura tão baixo que quase não escuto.
— O que? — Finjo realmente não ter escutado.
— Nada. Falei que ficou perfeito. Para sua sorte, é claro. Se
tivesse fodido meu projeto, ia te queimar vivo. — Seus olhos tilintam
com a ameaça e não duvido da veracidade dela.
— Eu sei. Minhas bolas lembram da sua raiva. — Sinto um
calafrio de medo com o sorriso maléfico que se desenha nos lábios
dela. — Você é completamente desequilibrada. Sabe disso?
— Eu? Por acaso era eu que estava encarando alguém em
completo silêncio no meio de um corredor escuro? Ou secando os
peitos da minha chefe? — Seu tom é estressado, mas o
divertimento em seus olhos a entrega e me faz sorrir.
É a primeira vez que ela me provoca. É a primeira vez que a
vejo tão solta.
— Não eram seus peitos. Era a renda. — Ela fica confusa. —
Sou apaixonado por rendas, especialmente as vermelhas como era
o caso do seu falecido sutiã. Seus peitos por acaso estavam dentro
delas. — E amei babar neles também, mas você não precisa saber
disso. Gosto das minhas bolas seguras e inteiras, obrigado.
— Boa desculpa. — Provoca de novo. — Agora me faz um
favor? Pega o vinho no frigobar e enche a taça que não consegui
terminar de beber. Pode se servir também, se quiser.
Ela apoia os pés na mesa de madeira de novo e volta a relaxar
na cadeira, encostando a nuca no topo da cadeira e jogando os
cabelos molhados para trás.
Tão linda.
— Vai ficar parado aí ou vai buscar o que pedi? — indaga sem
abrir os olhos.
Tão pinscher.
Balanço a cabeça rindo, e faço o que ela pediu.
Sento na cadeira à sua frente e quase cuspo o líquido rosa no
notebook quando experimento. Coisa doce da porra.
— Claro que você tem um péssimo gosto. — Zomba, se
deliciando com a própria taça.
— Como pode gostar de algo tão doce? É enjoativo.
Ela não responde, focada em apreciar o vinho e ignorar
completamente a minha presença.
Mais um aprendizado.
Ana baixa alguns milímetros da sua guarda quando está
cansada, mais ainda se envolver vinhos doces.
Ágata está insuportável hoje. Quer porque quer ir na lanchonete
da Madalena. Já a mandei ir sozinha trezentas vezes, mas a
mimada não quer ir de carro de aplicativo. E como sempre quando
se trata da minha irmã caçula, acabei cedendo. Mas pelo menos
dessa vez posso me enganar falando que é porque teria que ir lá de
qualquer jeito no início da próxima semana para ver algumas coisas
do cardápio da festa.
A dita cuja não tira o sorriso vitorioso do rosto o caminho inteiro
e é atrevida o suficiente para se gabar de sempre me convencer.
Estranho as portas trancadas quando desço do carro. Estão
fechados às 13h em um sábado? Ágata por outro lado nem liga por
não estarem abertos e simplesmente anda até virar a esquina.
O que essa doida está fazendo?
— ÁGATA!
Ela me ignora e segue andando, e sem opção, corro atrás dela
e me arrependo no segundo em que chegamos na rua detrás. Minha
irmã cumprimenta Marina na porta de uma casa que pelo som alto,
com certeza está tendo uma festa.
— Ana! — A surpresa dela é visível. — Que bom que aceitou o
convite!
Que convite?
Minha irmã não me olha, ainda abraçada à melhor amiga,
provavelmente usando-a de escudo para que eu não a mate quando
descobrir o que aprontou.
— Não me lembro de ter sido convidada pra nada. — Fito a
manipuladora que chamo de irmã caçula, esperando sua explicação.
Ágata gruda ainda mais na Marina, que prende um sorriso,
balançando a cabeça em negação.
— Como foi que conseguiu trazê-la aqui?
Me trazer?
— Falei que queria comer a torta da Madalena. Não é mentira.
— Também não é verdade — retruco irritada. — O que está
acontecendo?
Vou matar esse projeto de manipuladora e dar para os gatos
comerem.
— Hoje é aniversário do Leopoldo e fomos convidadas, mas
sabia que você não viria nem arrastada e daria como desculpa não
misturar sua vida pessoal com a profissional, mas nem a pau iria te
deixar trabalhando o sábado inteiro sendo que poderia estar se
divertindo aqui com a gente.
Aniversário do Leopoldo? Como eu não sabia disso? A BT
sempre compra um bolo para comemorar o aniversário de cada
funcionário e…. Droga.
Luna.
Era ela quem me lembrava dos aniversários e encomendava os
bolos, e como ela está em casa cuidando de uma bebê recém-
operada, Leopoldo é o responsável por isso agora e não deve ter
incluído seu próprio aniversário.
— Trouxe um presente no nosso nome. — Ágata aponta a bolsa
enorme que carrega para todo lado. — Imaginei que não fosse
gostar de chegar sem nada. Ainda mais para o assistente que lida
com seus B.O’s diariamente. — Imaginou certo. — Agora não dá
mais tempo de fugir, maninha. Vamos entrar. As festas dessa família
são as melhores e mais divertidas.
— Ela tem razão. Não vai se arrepender. Só de rir tanto quando
sua barriga doer. — Marina ajuda e suspiro.
Ou de perder meu réu primário quando matar seu melhor amigo
e minha irmã traiçoeira.
Um dia inteiro aguentando as piadas do Leopoldo sem poder
mandá-lo fazer alguma coisa para me deixar em paz, pode ser muito
para meu estopim já não tão grande assim.
As duas sorriem como dois cachorros pidões e suspiro alto,
entrando no meio do abraço delas e beliscando a cintura da minha
irmã, que grita e me olha com cara feia, mas ignoro, passando pelo
portão de grade branco de braços dados com as duas.
O quintal apesar de simples, é espaçoso e bem bonito. Bem o
que eu esperaria da casa do casal simpático que conheci. Está
cheio de gente e tem mesas espalhadas por todo o lugar, algumas
caixas de som em cantos estratégicos propagando uma batida
eletrônica por todo o espaço.
Uma piscina de plástico infantil comporta mais crianças do que
deveria, e as risadas divertidas delas me alcançam, arrancando um
sorriso bobo de mim.
Tem coisa mais fofa que risada de criança? Acho que não.
Vejo Madalena conversando com outras três senhoras e não
demoro a encontrar Jorge com o filho na churrasqueira. Leopoldo
está com uma bermuda preta e camiseta do Corinthians, o cabelo
solto batendo nos ombros, está meio molhado ainda e de minuto em
minuto uma mecha cai no seu rosto e ele a afasta automaticamente.
Está conversando com o pai com um sorriso enorme no rosto.
Descontraído como eu nunca conseguiria ser.
Por algum motivo que não consigo identificar, fico nervosa
quando me dou conta de que estamos andando direto para onde ele
está.
Eu não fui convidada, pelo menos não por ele. Se me quisesse
aqui, teria me chamado em algum dia da semana, nós passamos o
dia todo juntos.
Merda.
É claro que ele não me convidou. Quem convida a chefe chata
para o aniversário?
— Vou te matar e entregar como comida para os gatos que a
Mel odeia — ameaço baixinho e minha irmã que gargalha alto,
contrariando todo o meu objetivo de sair sem chamar atenção.
Leopoldo nos viu. Ele me viu e está vindo direto pra cá com as
sobrancelhas franzidas, provavelmente confuso.
Cadê um buraco em uma hora dessas para eu me enfiar e ir
parar no Japão antes de passar mais vergonha?
— Os gatos seriam bondade, vou te entregar para os ratos —
falo, beliscando a cintura dela de novo.
— Ai! Vai ficar roxo, Ana — reclama como a manhosa que é,
mas em seguida abre um sorriso dos mais debochados. — Você
não teria coragem de fazer nada além desses beliscões, maninha,
me ama demais pra isso.
— Vai testando minha paciência para ver. Ele não sabia que eu
viria, sua mentirosa.
Ela ergue os ombros em falsa inocência.
— Não disse que ele sabia, disse que fomos convidadas, e
fomos. Fiquei incumbida de te trazer e foi o que fiz.
— Manipuladora, filha de uma….
— Boa tarde, Leopoldo. Trouxemos presentes. — A
manipuladora interrompe minha ameaça.
— Boa tarde — responde, mas seus olhos curiosos estão em
mim. — Não precisava de presentes, mas muito obrigado.
— Não sabia que era seu aniversário. Desculpa me meter na
sua festa assim.
Ele sorri, as covinhas deixando seu rosto ainda mais
descontraído.
— É muito bem-vinda, Ana. Pensei em te chamar algumas
vezes, mas sinceramente, achei que recusaria, então fiquei quieto.
Ele não está de todo errado e o divertimento em seu rosto
entrega que sabe disso.
— Ela recusaria. — Ágata se mete de novo. Marina e ele
sorriem, ambos concordando. Belisco a costela da minha irmã pela
terceira vez e a escandalosa grita, chamando ainda mais atenção.
— Querida, você veio! — O casal mais simpático do mundo se
aproxima e Madalena me puxa para um abraço. Ela com certeza é
uma pessoa de abraços.
Sem mais escapatória, ela me leva à cozinha e me serve um
prato cheio de petiscos, já me perguntando o que quero beber.
Ainda envergonhada, aceito um suco de laranja e nós voltamos para
fora. Sento-me com ela na mesa, sentindo minhas bochechas
coradas.
Vou matar minha irmã.
Ágata e Marina não demoram muito para sumirem e me deixar
sozinha. Decido ficar tempo suficiente para não ser mal-educada e ir
embora assim que possível. Minha irmã que se vire para chegar em
casa depois.
Várias pessoas passam pela mesa para conversar com
Madalena até que ela tenha que ir acudir uma das crianças na
piscina e depois resolver alguma coisa na cozinha com seu marido.
Estou curiosa para saber quais das crianças são os seus netos,
mas não tenho coragem suficiente para perguntar.
No entanto, minha curiosidade não dura muito.
Um casal de gêmeos de sete ou oito anos para na minha frente
com sorrisos e covinhas idênticas as de alguém que conheço.
Ambos inclinam a cabeça para o lado esquerdo, parando de sorrir
quando notam que a avó não está aqui e me olham com atenção. A
menina está desconfiada e dá um passo à frente do irmão, o
protegendo. Fico boba com a fofura, mas entendo também. Aposto
que ela é a mais velha, é exatamente o que sempre faço para
proteger minha irmã também.
— Olá! Sou a Ana, prazer em conhecer vocês. — Sorrio. O
menino fica vermelho como um pimentão e se esconde um pouco
mais atrás da irmã, que ajeita a postura. Tão fofos. — Devem estar
procurando a avó de vocês, certo? — Tento e eles não respondem,
mas as expressões deles sim. — Ela foi na cozinha rapidinho.
— Quem é você? — a menina pergunta séria, o cenho
enrugado em suspeita.
Boa pergunta. Como devo me apresentar para eles? Decido
pelo mais simples.
— Sou uma amiga da Marina.
Os olhos deles se iluminam com o nome e o menino me dá um
pequeno e tímido sorriso. Retribuo.
— De…
— Rayka, Átila, não deveriam estar brincando na piscina? —
Leopoldo se agacha do lado deles e me dá um olhar de desculpa
sem motivo. Eles são uma graça.
— É que a Rayka cansou, papai — Átila conta baixo.
— Quero brincar de guerra de bexiga agora. — Intima, batendo
o pezinho descalço no chão.
Prendo o sorriso.
— Eu sei, filha, mas agora não dá. Depois de almoçarmos, a
gente brinca. Lembra do combinado? — Acaricia o cabelo dela com
paciência.
— Mas o almoço tá demorando pra sempre! — Esbraveja e
cruza os bracinhos, fazendo um bico gracioso.
— Já está pronto. Estava indo buscar vocês para comermos. A
vovó já está colocando os pratos de vocês. Querem sentar aqui na
mesa ou lá dentro?
— O senhor vai sentar aonde? — Rayka pergunta, ainda brava
com a negativa do pai.
— Na mesa.
— Então vamos ficar aqui.
Ele concorda e senta os dois lado a lado, em frente à minha
cadeira. Parecendo se lembrar de mim, pergunta aos filhos se me
cumprimentaram e Rayka tem a resposta perfeita na ponta da
língua:
— Não, o senhor disse que não pode falar com estranhos.
Tenho que prender uma risada de novo. Errada ela não está.
Leopoldo morde os lábios fazendo o mesmo.
— Tem razão, meu amor. Essa aqui é a Ana, ela é irmã da tia
Ágata e amiga da sua madrinha.
— A tia Ágata, tia Ágata? — Rayka pergunta direto para mim
agora e eu aceno com um sorriso. — Você trouxe doces?
Dessa vez não consigo prender a risada e o pai deles fica
vermelho, e isso me rir ainda mais. Não é que o assistente de
palhaço sente vergonha?
— Tenho certeza que te eduquei melhor do que isso, Rayka.
— É verdade, Ray. É falta de educação pedir doce assim —
Átila opina, ainda falando baixo.
— Na verdade... — Interrompo. — Também amo doce e não
saio de casa sem, então sim, eu trouxe. — Os dois sorriem. Como
podem ser parecidos com o pai assim? — Poreeem, vocês têm que
almoçar direitinho primeiro antes de ganharem os doces. —
Leopoldo sorri grato. — Não quero apanhar do pai de vocês se
comermos a sobremesa primeiro — falo baixinho, fingindo contar
um segredo só para eles.
— O papai não bate. — Rayka devolve no mesmo tom. — Só
fala muuuuuito.
Gargalho de verdade.
— Tenho que concordar com você. Seu papai é um tagarela de
primeira.
— Que piadista que ela é. — Leopoldo implica rindo, mas
também meio ofendido.
— Acho que a convivência acaba nos influenciando, afinal.
Ele pisca para mim brincalhão e abre a boca para falar, mas é
interrompido por Madalena voltando enquanto equilibra três pratos.
Ela fica na mesa com os meninos e manda que o filho me
arraste para comer também.
Encontro minha irmã na fila junto com Marina e depois que nos
servimos, temos que juntar duas mesas para caber todo mundo
junto. A mesa vira uma bagunça de conversas e risadas durante
todo o almoço e percebo que Marina tinha razão sobre sair daqui
com a barriga doendo de rir.
Não demora dois segundos depois que os gêmeos terminam de
comer, para Rayka lembrar da promessa do pai. Conseguimos
enrolá-la por mais uma hora com os doces guardados na minha
bolsa, os presentes que Leopoldo ganhou e boa parte das pessoas
indo embora. É o tempo suficiente para pelo menos não passarem
mal, mas agora a miniatura que tem Leopoldo Marinho na coleira se
irritou e foi por conta própria buscar um balde e o saco de bexigas.
Ele foi atrás para que ela não se machucasse e me deixou
sozinha na mesa com o Átila, já que seus pais foram tirar uma
soneca e a dupla dinâmica desapareceu de novo.
— Você também gosta de guerra de bexiga d’água?
— Não tanto quanto a Ray, mas gosto.
— E do que mais gosta? — Ele ajeita os óculos e me analisa
com as bochechas fofas vermelhas em silêncio.
— Gosto de robôs — responde depois de um bom tempo.
— Que legal! Quer saber do que eu gosto? — Ele assente. —
Mas tem que ser um segredo, tá bom? — Assente de novo. —
Gosto muuuito de assistir Como Treinar seu Dragão.
Um sorriso surpreso se desenha em seus lábios, mostrando as
covinhas.
— Mesmo? Eu também gosto! — Fica empolgado. — O
Banguela é o melhor dragão do mundo. Talvez ele perca um
pouquinho para a Fúria da Luz, mas só um pouquinho mesmo. —
Estreita o polegar e o indicador mostrando o “pouquinho”. — Por
mim, assistiria toodos os dias, mas a Ray gosta mais de Barbie, e o
papai faz a gente dividir. Temos um cronograma e tudo.
Ele conta com todos os detalhes como Leopoldo organizou um
cronograma com os filmes deles. Fala também da rotina, da escola,
dos seus gostos de comidas e filmes; fala o nome de todos os
dragões que decorou e continua contando até seu pai e irmã
voltarem com dois baldes cheios de bexiga com água.
Leopoldo parece surpreso que seu filho esteja falando tanto,
mas não comenta nada, apenas coloca os baldes no chão.
— Você quer brincar com a gente, tia Ana? — Átila convida e
estou pronta para negar, quando Rayka se junta a ele e faz o
mesmo bico fofo de mais cedo.
— Até quero. — Minto com um sorriso. — Mas não vim
preparada. Não tenho roupa para me trocar depois.
— Meu papai tem e te empresta sem problemas, né, pai? —
Rayka resolve, quase intimando o pai.
— Meu amor, você não sabe se a tia Ana se sentiria confortável
usando as minhas roupas.
Obrigada. Não sentiria mesmo.
— Mas é só um pouquinho. Só pra brincar com a gente —
dessa vez, é Átila que fala em tom de apelo.
Por Deus! Não dá pra falar não para essas carinhas fofas.
Depois vejo o que faço com as roupas, já que nem a pau pego algo
do bobo da corte.
— Tudo bem.
Os dois pulam em mim em um abraço confuso e sorrio. Tão
fofos e tão diferentes do pai.
— Tem certeza? — Leopoldo me olha incerto.
— Tenho sim. Depois me viro.
— Já que estamos em quatro, o que acha de nos dividirmos em
times? — propõe para os filhos, que acenam animados.
— MENINAS CONTRA MENINOS! — Rayka grita me agarrando
pela mão.
Gargalho e pego um dos baldes, seguindo com ela para o outro
lado. Ficamos de frente para os meninos. Leopoldo risca uma linha
com pedra para separar nossos lados e me dá um sorriso arrogante
antes de ditar as regras.
1. Não podemos passar da linha.
2. Não vale mirar no rosto.
3. Quem acertar mais balões, ganha.
3…2…1.
Jogo um balão no peito dele, mas o filho da mãe consegue
pegar sem estourar e devolve na mesma moeda. Desvio e a bexiga
estoura na parede atrás de mim. Sorrio vitoriosa e corro para
proteger Rayka de um balão certeiro lançado pelo seu irmão. Ela
agradece e ambas atacamos juntas.
A minha bexiga pega na barriga do Leopoldo e o dela nos pés
do irmão. Batemos as mãos em comemoração, mas somos
atingidas no meio da nossa comemoração.
— Trapaceiro — acuso.
— Não é trapaça se não quebrei nenhuma regra, pinscher. —
Sorri arteiro.
— Pinscher é o seu c…. — Olho para as crianças e paro.
— Pinscher é um cachorro, né, tia? — Rayka pergunta e
completa a frase ao mesmo tempo.
Leopoldo e eu caímos na risada.
— É sim. É um cachorro muito raivoso e que é do tamanho de
um meio-fio — responde à filha me provocando.
Aproveito sua distração e miro um balão no meio das suas
pernas. Ele desvia e estoura na sua coxa.
— Qual a sua cisma com esse lugar, hein? — reclama
emburrado. — Nova regra: É proibido no meio das pernas também.
Rio.
— Por que, papai? — Rayka é curiosa.
— Porque dói no papai, meu amor.
Ela parece disposta a perguntar mais, mas é distraída pelo
irmão que a ataca.
— Fracote — falo baixo.
— Não mesmo, só estou protegendo minhas preciosas dos seus
instintos assassinos. Tô começando a achar que tem uma obsessão
por elas. Por acaso quer ver?
— Mas é um ovo mole mesmo.
— Quantas vezes vou ter que te falar que não tem nada de
mole em mim?
Balanço a cabeça em negação e pego outro balão. Sorrio
quando ele faz o mesmo.
— Que vença o melhor.
Ana Brandão tem um lado divertido.
Chocante, eu sei, mas meus filhos conseguiram trazer esse lado
à tona e foi muito bom vê-la tão leve, tão diferente do toco de gente
mal-humorada com quem convivo diariamente.
Ela também conseguiu fazer com que Átila tagarelasse.
Tagarelasse. Meu filho só se abre assim comigo, e mesmo assim,
ainda é quieto. Imagina minha surpresa quando os encontrei
conversando, ou melhor, Átila em um monólogo com a Ana e ela
apenas concordando com tudo com um sorriso encantado no rosto.
Quase caí duro com dois acontecimentos inéditos.
Pensei em provocá-la pelo sorriso? Pensei, mas tenho um
pouco de senso às vezes e quis preservar o clima gostoso em que
estávamos. Clima que durou a tarde inteira e um pouco da noite.
Enchi aquele balde de bexigas cinco vezes e brincamos até que
estivesse tarde para os meninos estarem tão molhados.
Fui dar banho nos dois enquanto minha mãe arrumava algo
para Ana vestir, já que rejeitou minhas roupas. Para a sorte dela,
Marina tem algumas roupas aqui em casa, e apesar de ficarem bem
grandes nela, não ficou tanto quanto as minhas ficariam.
Ela ficou engraçada dentro de um blusão largo da minha melhor
amiga e não resisti em provocá-la, o que me rendeu uma almofada
jogada na minha cara e as bochechas envergonhadas da Ana por
não ter se controlado. Sorte dela que meus pais não viram ou teriam
brincado também. Azar o meu, teria adorado vê-la ainda mais sem
graça.
Ela levantou para ir embora, mas Átila agarrou sua mão e
Rayka a pediu para ficar para o jantar e ela ficou. Marina e Ágata já
tinham fugido para alguma festa a essa hora. Jantamos entre mais
risadas e ela sorriu para mim, só pra mim dessa vez, desejou
parabéns de novo e entrou no carro.
Ninguém precisa saber que fiquei olhando até perder o Audi de
vista, mas cá entre nós, eu fiquei. Fiquei um bom tempo lá, tentando
absorver tudo que aconteceu. Meu aniversário de 24 anos foi
incrível e incluiu uma pinscher zero raivosa, que aparentemente tem
um calmante chamado filhos do bobo da corte.
— LEOPOLDO! — Sobressalto, saindo das lembranças e
encarando a Ana no modo chaveiro do capeta. Eu precisava
daquele calmante agora. A empresa toda precisava. — Conseguiu
falar com o Caleb? Preciso daquela merda de documento aqui pra
ontem. Não, ontem não, ANTES DE ONTEM.
A autorização para o aplicativo daquele mesmo cliente foi
embargada, e isso ligou a chave megera agressiva na minha chefe.
Estou começando a pensar que o universo está contra o cara,
porque caralho, vai dar tudo errado assim lá na puta que pariu.
Ana está impossível, gritando com todo mundo, bebendo litros
de café e engolindo no ódio qualquer comida que coloque na sua
frente. Os funcionários até tremem se a ouvem chama-los. Para ser
sincero, se eu não estivesse acostumando com a personalidade
dela, também tremeria.
Até pensei em ligar para Luna e perguntar o que posso fazer
para melhorar, mas lembrei que ela deve estar com privação de
sono com a neném e desisti. Não preciso de duas estressadas
gritando no meu ouvido.
— Ele chega em duas horas — informo com tranquilidade.
Ela me olha faiscando de raiva, o nariz franzido em três
dobrinhas fofas que sempre aparecem quando está puta da vida
assim. Dessa vez, não tem bico, porque ela está soltando fogo pela
boca de segundo em segundo, não dá nem tempo do biquinho fofo
aparecer. Uma pena.
— Duas horas não são o suficiente, o quero aqui em dois
minutos! — Esbraveja, me assustando.
Concordo e ligo para a secretária dele de novo, dessa vez,
ameaçando cancelar o contrato com eles caso o chefe dela não
desse as caras aqui em 30 minutos.
Consigo o efeito que quero, pois Caleb entra na sala da minha
chefe, exatos 23 minutos depois. Pela expressão de assassina a
sangue frio na cara da Ana, não queria estar na pele do cara. Não
mesmo.
Pelo que aprendi, normalmente Ana é bem mais compreensiva
do que isso, pelo menos quando se trata da empresa, e é por isso
que os funcionários estão assustados, ela não está no seu estado
usual. Mas vamos ser honestos, dois erros com o mesmo cliente em
menos de duas semanas, é de matar qualquer um de ódio.
Se o pobre do homem pelo menos sonhasse com o que está
acontecendo com seu pedido, duvido que iria querer continuar o
serviço, e é por isso que Ana está tão possessa. Podemos perder
um caso importante, por causa de questões bestas que estão sendo
mais complicados do que deveria.
Aproveito as horas que ela fica na sala com ele, para finalizar os
últimos ajustes no cardápio que montei com meus pais depois de
entender o que Ana queria para a festa de natal.
Pensei que iria querer aquelas comidas minúsculas que não
enchem ninguém e esfomeados como eu só passam raiva, mas
não, me surpreendendo de novo, ela escolheu uma noite de
comidas árabes.
Particularmente, sou apaixonado pela culinária árabe, mais
ainda feita pelas mãos da senhora Madalena. Então achei a escolha
mais do que perfeita, vou me esbaldar no dia e também nos testes
que minha mãe com certeza vai fazer até lá.
Pretendo mostrar o cardápio para ter aprovação da Ana assim
que conseguirmos resolver a questão da documentação, o que se
Deus quiser, será hoje.
Que seja hoje.
Ninguém vai sobreviver mais um dia com isso enlouquecendo a
nervosinha.
Em alguns dias, juro que tudo que eu queria era desistir de tudo,
chutar o balde e ir ser atendente do McDonald’s. Por que tem que
ser tão difícil ser a própria chefe?
Os funcionários que reclamam e falam que querem ser chefes
pois a vida é mais fácil, sem dúvida nunca foi um. Tudo cai no nosso
cu. Não importa de quem foi o erro ou qual seja o problema, sempre
vai rodar até cair no cu da chefe.
Estou tão cansada dessas últimas semanas, que por Deus, só
queria fechar os olhos e fingir que a BT não existe.
Nem meu tênis novinho da Prada melhorou meu humor e ele é
de cetim e couro dourado com cristais cintilantes. CRISTAIS
CINTILANTES. É a coisa mais linda do mundo e super confortável,
mas nem usá-lo pela primeira vez para trabalhar hoje me deixou
feliz.
Só a autorização nas minhas mãos me acalmaria, e é
exatamente o que pretendo tirar desse miserável sentado na minha
frente com cara de assustado. O que é um exagero, é claro.
Minha ficha criminal permanece tão limpa quanto no dia que
nasci. Não matei ninguém. Ainda. Não garanto a integridade do meu
réu primário se esse idiota não resolver meu problema.
— Eu já te expliquei, Ana. Teve um erro no pedido e a
autorização atrasou um pouquinho... — Pouquinho? Ele engasga
quando me olha. Seguro a vontade de revirar os olhos — Mas
depois de amanhã já vai estar tudo certo. Garanto.
— Do mesmo jeito que garantiu que estaria pronto no início da
semana? — Apoio ambas as mãos na mesa e inclino meu corpo
para mais perto dele. Ele balbucia alguma coisa inteligível. — Não
preciso depois de amanhã, preciso agora, e você vai dar um jeito de
conseguir pra mim. — Ele se encolhe na cadeira. Tenho certeza que
se encontrasse uma passagem para Nárnia, ele se enfiaria nela
agora. Idiota. — O erro não foi meu, foi? Não, foi seu. Meu cliente
chega amanhã cedo e quer o serviço que encomendou pronto e vou
entregar tudo pronto para ele, não vou, Caleb? — Ele não responde.
Parece mais assustado. Ótimo. — Você tem duas horas para
resolver. Do contrário, esquece que a Brandão Technology existe, e
aposto que seu pai não vai gostar nada de saber que perdeu o
maior cliente dele.
— Mas como é que…
— Duas horas, Caleb.
Ele assente rápido e sai apressado da minha sala. Me jogo na
minha cadeira de, estressada.
É por isso que eu não queria ter ninguém terceirizado na BT,
mas não existe empresa bem sucedida sem networking, então
decidi externalizar o jurídico, contratando a Ferreira & Rodrigues
para lidar com esses processos para mim. Até esse filhinho de papai
inútil assumir conosco, nunca tinha tido problemas com eles.

Uma batida suave na porta atrai minha atenção. Leopoldo está


com duas caixas de pizza e uma garrafa de suco de laranja em uma
das mãos e a agenda na outra. Meneio para que entre e ele coloca
as caixas na poltrona.
Me assusto ao notar que já está escuro. Caralho que horas
são?
— Caleb Ferreira acabou de ligar, ele conseguiu a autorização.
Encaro o relógio na parede.
20h30.
Muito depois de duas horas, mas tudo bem, posso aceitar.
— Obrigada, Leopoldo. O que está fazendo aqui até agora? Seu
expediente acabou há duas horas e meia.
Nem eu queria estar aqui hoje.
— Eu sei. Estava finalizando algumas coisas e sabia que você
ia se esquecer de comer de novo. — Dá de ombros como se não
fosse nada importante, mas aquece meu coração ele perceber que
não comi e se importar em trazer algo para mim. — Também preciso
conversar com você sobre a festa de natal, tem algumas questões
com a decoração e preciso que aprove o cardápio da noite. Pedi
uma pizza pra gente comer enquanto conversamos. Tem problema?
— Não. Agora que mencionou, tô faminta mesmo. — O
pequeno dinossauro no meu estômago ronca concordando e
Leopoldo ri. — Não quero mexer nessa bagunça agora. — Aponto
para minha mesa. — Se importa de comer sentado no tapete?
A resposta dele é pegar as duas caixas, luvas de plástico, os
copos descartáveis e a garrafa de suco natural, organizando tudo no
chão e sentando de pernas cruzadas em seguida. Imito sua posição
e salivo quando vejo a pizza de muçarela.
— Não tinha certeza de qual sabor você gosta, então pedi uma
de muçarela e uma de calabresa.
— Acertou em cheio. São minhas favoritas.
Ele sorri.
— As minhas também.
Eu sorrio.
— Hummm! — Gemo quando mordo o primeiro pedaço.
Como pode ser tão gostosa?
Bebo um gole do suco e encontro os olhos de Leopoldo em
mim, mais especificamente na minha boca.
— Como estão os meninos?
— Que? — pergunta subindo a atenção para meus olhos de
novo. Sua carinha perdida me dá vontade de rir.
Estava mesmo babando na minha boca, bobo da corte?
— Como estão os gêmeos?
O sorriso que abre é contagiante.
— Ah! — Suspira apaixonado. — Eles são umas pestes. —
Gargalho surpresa. Não estava esperando por essa resposta. —
Perguntam tudo o tempo inteiro e não aceitam sim ou não como
resposta, principalmente a Rayka. Se acham donos de si. Brigam o
tempo inteiro, mas também não se desgrudam. São a alegria da
minha vida.
— Eles são incríveis mesmo.
— Acredita que essa semana recebi uma reclamação da
diretora da escola porque Rayka deu um chute em um menino da
sala? — Tem um olhar divertido e meio orgulhoso no rosto.
— Foi no dia que chegou mais tarde?
— Foi. Tive que ir na escola conversar com a diretora. Sabia
que minha filha não tinha batido à toa em ninguém. Rayka é
decidida, não agressiva. — Aquiesço, ela não me pareceu mesmo
uma criança violenta. — Mas falei à diretora que ia dar uma bronca
nela e esperei chegar em casa para entender o que aconteceu. O tal
menino tinha empurrado o Átila e jogado a mochila dele no chão.
Rayka só estava defendendo o irmão como sempre faz.
Concordo, esperando que ele não tenha brigado com ela por
isso. No seu lugar, eu provavelmente iria atrás da mãe do menino
mandar que educasse o filho direito.
— E o que você fez?
— Ensinei a ela como dar um chute da forma certa para não se
machucar.
Quase cuspo o suco na cara dele, rindo até meus olhos
lacrimejarem.
— Você ensinou…sua filha de sete anos…. a dar um chute? —
Enxugo as lágrimas nos cantos dos olhos e ele me olha divertido.
— Claro que ensinei, ela tem que saber se defender.
Ele é um pai incrível, e constatar isso me faz sentir culpada pelo
nosso segundo encontro e mais ainda por nunca ter pedido
desculpa pelo que falei. Bom, nunca é tarde demais, certo?
— Desculpa pelo que falei aquele dia na festa.
Ele dá de ombros sem parar de sorrir.
— Você só pensou alto.
— Pensei errado. Você é um pai incrível.
As covinhas rasgam suas bochechas.
— Segundo elogio em menos de um mês. Já está virando
hábito, hein — provoca.
— Sonha, bobo da corte. Sonha — brinco de volta com um
pequeno sorriso.
— Nos meus sonhos você sempre está jogando coisas nas
minhas partes íntimas, assassina de bolas. Não é exatamente o tipo
de sonho que eu queria ter. — Ele faz uma careta engraçada de dor
que se mistura a um sorriso; fica estranho e provoca uma
gargalhada em mim.
Rio até lacrimejar de novo.
Assassina de bolas.
— Não vai esquecer daquele acidente nunca? — pergunto,
ainda arfando por causa da risada.
— Acidente? — Ergue as sobrancelhas e me encara como se
eu fosse uma... — Abusada! Aquilo foi tentativa de assassinato.
Ambas as vezes em que seu salto homicida voou.
Como é dramático!
— Tem certeza que não é um ovo mole? Porque a preocupação
exagerada com suas partes íntimas está mostrando o contrário.
Ele fica ofendido e rio mais. É bom estar do outro lado da
moeda.
— É bem fácil de resolver isso, sabia? — pergunta todo sério,
me confundindo.
— Resolver o que?
— Essa sua obsessão pelas minhas bolas e pau.
— Não tenho obsessão nenh... — Começo me defender, mas
ele coloca o indicador na minha boca, me interrompendo e se
aproxima com um sorriso torto.
A temperatura da sala subiu ou é impressão minha?
— É só a gente... — Ele não tira os olhos de mim, mas antes
que termine, a agenda cai da minha mesa bem na sua cabeça,
assustando a nós dois e ele se afasta, parecendo lembrar de onde
está e quem somos. Também tinha me esquecido por um segundo.
— Terminou de comer? — concordo. — Ótimo. Dá uma olhada no
cardápio e vê o que acha. Também tem algumas fotos e amostras
da decoração que precisam da sua autorização.
Pego a agenda e ele tira as caixas vazias de pizza do nosso
meio e deixa a garrafa com o suco de lado para caso algum de nós
queira mais. O clima divertido morre, dando lugar ao profissional e
por alguma razão, fico meio desanimada.
Tem coisa pior do que ficar doente quando se tem um milhão de
coisas para resolver? Tem, e é ter uma irmã graduanda em medicina
que te obriga a ficar em casa para descansar.
Ágata não sai do meu pé, me perturbando para ficar na cama e
descansar, mas repousar e relaxar são as últimas coisas que estou
fazendo. Não paro de pensar em tudo que tenho que fazer e meu
corpo está ficando tão agoniado quanto o resto. Então em vez de
descanso, só estou passando por tortura psicológica mesmo.
— Estaria melhor se estivesse trabalhando — reclamo.
— E ia trabalhar com um balde de vômito do lado? — Ágata
afronta e aponta para o balde que não saiu do lado da minha cama
desde ontem à noite, quando não consegui chegar ao banheiro a
tempo. — É só por um ou dois dias, Ana. Só até você ficar um
pouco mais forte. — Respiro fundo. Ela não vai dar o braço a torcer
e não sei se tenho forças para discutir. — A BT sobrevive sem você
por 48 horas, não seja tão egocêntrica, maninha — brinca ao passar
a mão pelas minhas costas e me oferece o balde quando aquela
água pré-vômito enche minha boca. Eu com certeza devo ter feito
careta, gosto ruim da porra.
Vomito até quase botar as tripas para fora e minha irmã sorri
vitoriosa, ao perceber que desisti de vez da nossa discussão. Ir para
a BT não é a melhor das ideias agora.
— Você é insuportável. — Choramingo, encostando a cabeça
na cabeceira da cama.
— Puxei da minha irmã mais velha, acredita?
Mel pula na cama e deita a cabecinha no meu colo, lambendo
minha mão e me olhando preocupada. Faço carinho no seu corpo
para tranquilizá-la e minha irmã sorri, se juntando a mim no carinho.
— Quando se trata de cuidar da família, acho que a chatice está
no sangue. Não é como se você fosse diferente.
— Não posso sair de casa, certo? — ela concorda. Bobinha. —
Então posso trabalhar aqui do quarto. Me faz um favor? Pede pro
Leopoldo trazer tudo que precisa ser resolvido com urgência aqui
pra casa. — Ela abre a boca para protestar a minha pequena
manipulação, mas não deixo. — A única forma de me manter nessa
cama é se eu conseguir trabalhar daqui. O que vai ser?
— Teimosa pra porra, hein.
— É genética.
Ela fica puta, mas faz o que peço e manda um Uber buscá-lo lá
na empresa.
Moro perto de casa, então não demora para nosso interfone
tocar. Mel corre da cama para a porta, mas não escuto nenhum
latido.
Estranho.
Ela é tão tagarela quanto os filhos do Leopoldo.
— Quando sua irmã ligou avisando o porquê você não ia, achei
que o dia de folga significasse não trabalhar. — É a primeira coisa
que fala ao encostar no batente da porta, sorrindo como sempre. —
Como você está?
— E significava. Só que essa teimosa não aceita e tem formiga
na bunda quando se trata de trabalho — minha irmã fala brava e
Leopoldo ri, concordando.
— Estou bem, só com um pouco de desconforto. — Interrompo
o complô e Ágata revira os olhos.
— Mentira. Está péssima, vomita qualquer coisa que come e se
recusa a ir ao hospital — a maior fofoqueira do mundo rebate, me
entregando, e se olhar matasse, ela já estaria enterrada.
— Não preciso ir ao hospital por causa de uma simples infecção
de intestino. Além disso, esqueceu que tenho minha própria doutora
em casa?
— Não sou formada ainda, Ana. E mesmo se fosse, precisaria
dos aparelhos do hospital para fazer os exames.
Irmã chata essa minha viu. Puta que pariu!
— Precisamos trabalhar, maninha. — A expulso não tão
discretamente assim e ela estreita os olhos para mim.
— Ok. Vou jogar isso aqui fora e fazer mais soro para te manter
hidratada. — Pega o balde de vômito. — Acha que consegue ficar
sem ele por alguns minutos?
— Não seja exagerada, claro que consigo, e qualquer coisa o
banheiro está bem ali.
Ela me olha desconfiada, mas não discute e sai do quarto.
— Sei que não é o ambiente ideal, mas é o que temos por hoje
— brinco com meu assistente que ainda está parado na porta,
parecendo preocupado. — Pode sentar no lugar em que se sentir
confortável.
— Tem certeza que não precisa de um médico, Ana? Você está
muito pálida. — Seus olhos me escrutinam com preocupação. Nego
com um gesto.
— Tenho. Agora traz esses papéis aqui e pega meu notebook
na escrivaninha, por favor.
Ele obedece e senta no puff ao meu lado, graças a Deus. Não
preciso me levantar para pegar nada ou ver em que está
trabalhando. Se precisasse, não tenho certeza se conseguiria.
Minha irmã volta com o soro e o balde.
Mal tomo o primeiro gole, quando sinto a bile vir com força de
novo. Agarro o balde e enfio minha cara.
E lá vamos nós de novo...

Ana está péssima e a cachorra dela definitivamente me odeia.


Mel não latiu quando cheguei, nem me cheirou direito, só ficou
parada, me encarando, exatamente como está fazendo agora.
Por que ela não late? Latidos são normais. Calada assim, só
consigo pensar que está imaginando meu assassinato, assim como
sua dona faz.
Ela está virada para mim e me encara com pura desconfiança,
em um claro “estou de olho em você”. E isso está me deixando
frustrado.
Cachorros me amam, todos os cachorros. Por que esta não?
Certeza que é influência da Ana. Quantas vezes ela deve ter
chegado em casa e acabado comigo no último mês? Fora o tanto
que deve ter falado de mim para ela naquele escritório. Doguinhos
são rancorosos.
Ana vomita de novo, tirando minha atenção da sua filha de
quatro patas. Com uma mão seguro o balde para ela ficar mais
confortável e com a outra, junto o cabelo para não o sujar, como
sempre faço com a Ray. Faço carinho nas suas costas dando
conforto no automático, e travo quando percebo. Não temos essa
intimidade toda, nem de longe. Mas como é que vou só ficar vendo
alguém passar mal sem tentar ajudar, mesmo que seja só dando
conforto? Não dá.
— Tem certeza que quer trabalhar? Consigo facilmente cuidar
de tudo sozinho por hoje e amanhã.
Ela limpa a boca com um papel toalha que joga na lixeira ao
lado da cama e respira fundo antes de negar com a cabeça. Os
olhos dela estão fundos e cansados. Pego o soro e entrego para
que tente beber pelo menos um pouco e não desidrate gravemente,
mas se recusa com uma careta de nojo.
— Não tem muitos detalhes para a festa no final da semana e
nem nada sério para resolver. Graças a Deus cuidamos de tudo
semana passada. — Tento fazê-la desistir de trabalhar.
— Não tudo. Preciso ver quem confirmou presença, quantas
pessoas os colaboradores vão levar, como anda o processo dos
aplicativos, o que conseguimos e o que ainda temos para entregar
antes do recesso de fim de ano…. — Lista uma quantidade enorme
de coisas das quais já me adiantei e resolvi quando soube da sua
falta.
— Já está tudo resolvido — garanto. Ela se junta à sua pet e
também me olha desconfiada.
Tal mãe, tal filha, né?
— Posso conferir?
— Claro que pode.
— Não é duvidando do seu trabalho... — Você só é
perfeccionista demais para delegar. — Só que duas mentes são
melhores do que uma. Talvez eu pegue alguma coisa que você
deixou passar. O seguro morreu de velho.
E você provavelmente vai ser de infarto, porque não acha
ninguém bom o suficiente para fazer igual a você.
Não respondo e olho atento ela conferir cada uma das
pendências que resolvi, claramente insatisfeita quando não encontra
nem um defeito. Deveria ser o contrário, mas pela forma que se
remexe na cama, sua insatisfação tem muito mais a ver com não
encontrar desculpa para sair daqui, do que comigo.
— Está tudo certo. — Quase choraminga.
— Eu disse.
— Você pode ir então, Leopoldo. Não tem nada que precisamos
fazer agora. Amanhã nos vemos no trabalho.
— Me expulsando assim tão rápido? Quase me ofende.
— Na verdade... — Ágata aparece no batente da porta com um
sorriso sem graça. — Falei com a Marina agora e ela me lembrou de
uma avaliação importante que tem no meu estágio hoje e eu tinha
esquecido. Ela também comentou que está com os gêmeos hoje.
Será que… — Para com o olhar mortal que está recebendo da irmã,
mas decide seguir mesmo assim. Corajosa. — Você pode ficar aqui
com ela até eu voltar? São só duas horas e volto assim que
possível. A sopa já está quase terminando, é só desligar o fogo e
não é como se ela pudesse te agredir acamada, certo? — brinca.
— Não precisa disso. Eu sou adulta, consigo cuidar de mim
mesma.
— Uma adulta viciada em trabalhar e que sem supervisão, vai
fugir desse apartamento no momento em que for possível — Ágata
argumenta.
— Isso… não é verdade. — Mente, e faz isso muito mal, por
sinal.
— Você mente tão mal quanto eu sou uma boa programadora,
maninha. — Implica e volta a me olhar. — Você pode? Vai ser
rapidinho, prometo.
Por que não?
— Posso sim, só tenho que avisar meus pais e a Marina
também.
Ela pula animada e beija meu rosto, agradecendo. Depois disso,
corre para o quarto para se arrumar e sai apressada, mas me
lembra aos gritos da sopa.
— Vou dar uma olhada na sopa.
— Pode dar, mas não vou comer esse veneno nem sob tortura.
Ágata é uma péssima cozinheira. Para ter trocado o sal por açúcar,
não é muito difícil.
Dou risada pensando que está exagerando, mas quando abro a
panela, até eu sinto vontade de vomitar ao ver o conteúdo esquisito,
e olha que nem estou doente.
Estou voltando para o quarto, quando quase tropeço na
cachorrinha que ainda está me olhando com julgamento.
— Só tô mexendo na cozinha porque tenho autorização da sua
dona — sussurro indignado, mas ela não liga. —Você já me viu, não
interagimos, mas já sentiu meu cheiro, lembra? Trabalho na BT com
sua mãe. — Continuo tentando, ela continua não ligando. Desisto e
sigo de volta para o quarto com seus passinhos atrás de mim. —
Odeio admitir, mas você tem razão. Aquilo lá mais parece veneno do
que comida. — Ela sorri fraco agarrada ao balde de novo. — Vou
jogar fora e fazer outra, pode ser?
— Não precisa.
— Você precisa comer para recuperar suas forças, Ana.
— Não tenho garantia que a sua sopa é melhor — brinca.
— Ela é. Eu tenho filhos, lembra?
Ana concorda e fecha os olhos, encostando a cabeça na
cabeceira na cama.
Volto para cozinha e dessa vez não sou seguido pela cadela.
Ela fica na cama, perto da dona e parece realmente preocupada.
Eu também tô, cachorrinha.
Faço a sopa o mais rápido que consigo e procuro os pratos na
cozinha inteira até achar embaixo da pia. Quem guarda prato
embaixo da pia?
Sirvo só um pouco, sabendo que ela não vai conseguir comer
muito e volto para o quarto.
Ana está dormindo sentada. Fico em dúvida se devo ajeitá-la ou
não para ficar confortável, principalmente por causa da cadela no
seu colo. Decido tentar, e quando chego perto, ela rosna baixinho
em um aviso.
— Só quero ajeitar pra ela não ficar com mais dor — murmuro
um pedido.
Ela inclina a cabeça e ergue as orelhas como se me
entendesse. Tento de novo e ela não rosna dessa vez, mas observa
cada mísero movimento meu, desde envolver a cintura da sua dona,
até embrulhá-la com a coberta do Banguela.
Sorrio, lembrando que Átila me contou que ela era fã, mas achei
que só tinha falado para puxar assunto, e aparentemente estava
errado.
Velo seu sono junto com a cachorra desconfiada até sua irmã
voltar do estágio e ela não acorda em nenhum momento. Uma pena
pois queria ver sua expressão ao provar a sopa, mas ótimo porque
seu corpo está finalmente descansando e a mente também. Ou pelo
menos espero que esteja.
Escrevo um recado e colo o post-it na tela do seu notebook
antes de ir embora.
Fico observando-a dormir profundamente mais um pouco. Os
fios pretos estão espalhados pelo travesseiro, o rosto relaxado e
sereno, a boca entreaberta, ressoando baixinho. Nem parece o
capeta em miniatura assim, pelo contrário, fica igual a um anjinho.
“Acho que te alimentar virou meu trabalho em tempo integral,
chefinha. Não precisa se preocupar com nada, está tudo sob
controle na BT. Repousa e se recupera 100% para a festa na sexta.
Melhoras! Qualquer coisa me liga, ok?”
Guardo o papel vermelho na primeira gaveta com um sorriso.
Procuro o relógio e me assusto com o horário.
Já é hora do almoço.
Dormi muito mais do que devia. Ágata deve ter colocado algo
para dormir no soro, certeza. Minha irmã sabe melhor do que
ninguém que eu iria dar um jeito de sair.
Levanto, mas sou obrigada a voltar para a cama no mesmo
segundo, pois tudo gira ao meu redor. Talvez levantar rápido depois
de praticamente colocar a alma para fora ontem, não tenha sido a
melhor das ideias. Respiro fundo até melhorar e tento de novo,
devagar dessa vez.
Procuro o balde para jogar fora, mas não está aqui. Ágata deve
ter tirado antes de ir para aula.
Preciso ir para a BT, já tem mais de 24 horas que não piso na
empresa. Porém, tenho que comer antes de ir. Desmaiar na porta
não vai ajudar minha irmã ou meu assistente a acreditarem que já
estou apta para trabalhar. E mesmo que nenhum dos dois possa me
impedir, a encheção de saco é estressante o suficiente para querer
evitá-la.
A sopa!
Leopoldo tinha feito uma sopa ontem, e não tive a chance de
comer antes de apagar. Pego a panela na geladeira, torcendo para
ser ao menos comestível, porque é o que tenho disponível mais
rápido. Tem que ser o suficiente para pelo menos não passar mal na
BT e conseguir aguentar até pedir um lanche mais tarde sem
levantar suspeitas.
O cheiro está gostoso, já é alguma coisa. Sirvo meu prato e
experimento com receio uma colherada.
— Nossa. Hummmm.
Está uma delícia.
— Está gostosa?
Sobressalto na cadeira, assustada e minha irmã ri.
— Você não deveria estar na faculdade?
— Acha mesmo que ia te deixar sozinha doente? Faltei hoje. Só
fui colocar o lixo de ontem pra fora.
— Não deveria estar faltando aula por minha causa, Ágata. Já
está na reta final, é importante que tenha constância.
— E eu tenho. — Pega o próprio prato e se serve. — Não é
como se eu faltasse direto, maninha. E você é mais importante do
que qualquer aula.
Suspiro.
— Como pode ver, já estou melhor. Vou terminar de comer e ir
para a Brandão, se você se apressar também, tenho certeza que
consegue pegar as aulas vespertinas.
— Você é teimosa demais. Cacete.
— Posso até ser, mas estou melhor e tenho muitas pendências.
Não vai conseguir me manter em casa hoje.
— Imaginei. Pelo menos você dormiu bem.
Estreito meu olhar para cara de inocente que ela faz.
— Vou comprar um óleo de peroba pra você quando estiver
vindo para casa. — Ela continua se fingindo de sonsa. — Colocou
remédio no soro para eu dormir.
— Não exatamente — assume. — Só escolhi um remédio que
desse sono também. Você precisava dormir para se recuperar
melhor.
— Não vou discutir.
— Porque sabe que tenho razão.
Talvez tenha, eu realmente estou melhor, mas não vou dar essa
vitória para ela. Termino de comer e lavo meu prato. Me arrumo o
mais rápido que consigo, e às 14h em ponto estou na BT.
Cumprimento com um sorriso cada um dos pobres funcionários
que sofreram na minha mão nas últimas semanas e eles retribuem,
ainda apreensivos.
Coitados.
Mas também não é como se trabalhar em uma empresa do
nosso porte e que está em constante crescimento fosse ser um
retiro de ioga.
— Achei que fosse te ver aqui mais cedo — Leopoldo fala
entrando na minha sala atrás de mim.
— E se fosse por mim, teria visto, mas Ágata me deu um
remédio para dormir diluído naquele soro ontem.
Ele dá risada.
— Esperta.
— Deve ter colocado algum calmante também, porque mesmo
sabendo que temos mais questões para resolver do que o Flamengo
tem torcedores, não estou estressada.
Sento na cadeira sob seu olhar atento e aceno para que faça o
mesmo.
— Isso se chama dormir mais que quatro horas, chefinha —
brinca ao colocar a agenda na mesa.
— Aproveitando meu bom humor, quero presentear os
funcionários pelo empenho deles em resolver uma série de
problemas que tivemos esse mês. O que acha de um fim de semana
pago pela empresa em Ilhabela?
Ele fica surpreso com a sugestão repentina, mas sinceramente
acho uma boa ideia. Não é como se fosse fazer todo ano, uma vez
não faz mal, certo?
— Isso vai sair caro.
— Vai.
— Não estou desmerecendo os funcionários ou falando que não
mereçam uma recompensa, até porque sou um deles, mas talvez
seja um investimento muito alto só para uma recompensa.
— Você tem um ponto. Alguma sugestão?
— Você comentou que acha que é hora de expandir a empresa,
certo? Levar para outros estados e talvez até para fora do país.
— Estou estudando sobre isso há seis meses. Não quero
arriscar na hora errada e destruir tudo.
Ele sorri.
— Tenho uma ideia. É arriscada, mas se der certo, é a
oportunidade perfeita para levar o nome da Brandão tanto para fora
do país quanto para o Brasil inteiro.
— Sou toda ouvidos.
— Deixa o fim de semana pago pela empresa, mas faz também
um evento publicitário. Podemos fazer no fim de semana do Ano-
Novo. No dia 30, os colaboradores estarão livres, mas no dia 31,
faremos uma festa restrita aos nossos clientes e óbvio, a alguns
clientes e investidores em potencial. Você deve ter uma lista deles,
certo? — concordo com um aceno. — Podemos oferecer algum tipo
de presente aos que participarem. Para dar ainda mais a ideia de
exclusividade, podemos pegar os telefones na entrada e será uma
festa livre de mídias sociais. Podemos escolher alguns fotógrafos
discretos, fazemos um contrato sigiloso para eles registrarem
apenas os momentos dos que autorizarem e pronto. Não só vai ser
a festa mais falada do ano, como provavelmente a Brandão vai se
tornar a empresa mais procurada na internet, e alavancar ainda
mais nosso nome.
Irei gastar muito nesse evento. É uma aposta alta, mas se valer
a pena, vai mudar o destino da BT.
— Temos uma semana para organizar a melhor festa do ano.
— É melhor começarmos então.
— Em quanto tempo consegue os convites? Entregá-los
discretamente na festa de Natal seria perfeito.
— Vão estar na sua mão na sexta de manhã.
Sorrio.
Ele começa a sair da sala, mas o chamo de volta.
— Se trabalharmos juntos, a chance de cometer erros é menor.

Se essa festa der errado, não só estou despedido, como tenho


certeza que Ana vai me matar. Ela não falou nada disso, mas está
nas entrelinhas, é uma aposta alta.
Tudo ou nada.
É loucura organizar um evento desse porte em uma semana? É.
No entanto, a boa notícia é que pelo menos os convites estão na
minha mão e serão entregues hoje pela própria Ana. Bom, ao
menos alguns deles. A maior parte dos clientes tem seus próprios
eventos para comparecer, mas o restante, ela vai entregar dia 26.
Concordamos que passa mais credibilidade ser entregue pela dona
da empresa.
Ficamos a manhã inteira sozinhos na empresa conferindo os
convites, já que ela liberou todo o corpo empresarial durante o dia
para se arrumarem.
Depois de almoçarmos, Ana me expulsou também para que eu
tivesse tempo de arrumar a mim e aos meus bebês. Palavras dela.
Confesso que fiquei um pouco receoso de trazer os meninos
hoje, mas meus filhos são muito bem educados e a Marina e os
meus pais estão aqui, podem ajudar em qualquer coisa. E também
não é como se eles fossem as únicas crianças presentes.
O evento de Natal ficou uma graça, exatamente como
planejamos. Cada detalhe que Ana e eu ajustamos nas últimas
semanas, deixou tudo muito lindo.
Todos já estão aqui, mas a própria chefe ainda não. Até Ágata já
chegou e nada da Ana. Onde ela está? Daqui a pouco as pessoas
vão começar a estranhar sua ausência.
— Nossa senhora... — Mamãe exclama e atrai minha atenção
para onde ela está olhando e…
Puta que pariu!
O lado bom é que Ana chegou, e o ruim é que…caralho! Ela
está linda. E gostosa. Muito gostosa. Está toda formal como sempre,
com um blazer vermelho e calça social na mesma cor. O problema é
o que está por dentro do blazer aberto.
Renda.
Renda vermelha.
De novo.
Ela está com uma blusa curta rendada na cor vermelha. Os
lábios pintados na mesma cor e o cabelo preso em rabo de cavalo
no topo da cabeça, bem parecido com o que a cantora que minha
melhor amiga idolatra usa.
Olho a de cima a baixo, admirando-a e sorrio ao ver os tênis
dourados nos seus pés.
Nada de salto, graças a Deus.
Na verdade, não vi Ana de salto desde o dia em que nos
conhecemos. Mesmo que nesse dia eles estivessem sendo usados
como armas e não como calçados.
Ela está linda na minha cor favorita.
Deslumbrante.
Ana caminha até nós toda imponente. Bem girlboss fodona. Não
consigo tirar meus olhos dela nem por meio segundo, o que é
preocupante, mas posso me preocupar com isso depois.
— Boa noite. — Ela sorri para meus pais que retribuem e se
agacha na frente dos meus filhos, que por um segundo, esqueci que
estavam aqui. Péssimo pai, eu sei, mas juro que se tivesse tido essa
visão, também teria ficado fora de órbita por um segundo. — Vocês
já encontraram os doces que escondi?
— Tem doce aqui? — Rayka pergunta e me olha brava. — Por
que não me contou, papai?
— Porque eu não sabia. — Sou sincero. — Escondeu doces
para eles? — falo brincalhão e ela dá de ombros.
— Escondi para nós três. Ninguém é obrigado a esperar um
montão de horas para ser feliz, não é, meninos?
Rayka concorda e agarra a mão dela. Átila é mais tímido, mas
também enlaça os dedos no da sua nova melhor amiga.
— Desculpa, nem te perguntei antes de contar dos doces pra
eles — sussurra com culpa.
— Está tudo bem. É só não comerem demais antes do jantar.
Ela sorri e meneia a cabeça positivamente. Sigo os três até a
sala dela, que realmente tem uma caixa inteira de chocolate e
alguns pacotes de algodão doce escondidos debaixo da mesa.
Céus! É mais formiga que meus dois filhos juntos. Ela coloca os
dois sentados no sofá branco e me deixa nervoso com a
possibilidade de sujar, mas aparentemente a dona não liga.
— Eles podem comer quantos antes do jantar?
— Dois cada um. — Rayka faz uma dancinha de comemoração
que nos faz rir. — Mas é só dessa vez, combinado?
— Sim, senhor — Átila responde.
Ana abre a caixa e deixa que escolham quais querem, dá um
beijo na bochecha de cada um e guarda a caixa sem pegar nenhum
para si. Estranho.
Ela fecha as cortinas, tirando a visibilidade de quem está de fora
e agacha na frente dos gêmeos.
— Não posso comer com vocês agora, mas podem ficar aqui se
quiserem, tá bom? Agorinha volto.
Ambos concordam e ela levanta, apoiando a mão no meu
ombro e piscando com um sorriso brincalhão antes de sair da sala e
fechar a porta.
— A tia Ana é muito, muito legal, não é, papai? — Átila pergunta
com a mãozinha cheia de chocolate.
— Muuuito legal! — Rayka concorda.
— Ela é… incrível!
Leopoldo está um gato no terno marinho que escolheu, e os
gêmeos estão uma fofura na mesma cor, combinadinhos com o pai.
Átila está literalmente um mini Leopoldo, enquanto Rayka está com
um vestido rodado combinando com os ternos dos dois. Uma graça
de ver.
Queria ter ficado trancada no escritório com eles a noite inteira,
mas infelizmente, não consegui. Também não teria achado ruim ter
feito igual minha irmã e ficado a noite inteira na companhia da
família Marinho.
Porém, não é como se a dona da empresa pudesse
simplesmente sumir em uma festa que é voltada justamente para
socializar. Este é um momento mais íntimo e leve entre a
corporação da BT e uns poucos clientes que não têm suas próprias
festas para comparecer.
Confesso que fiquei com um pouco de inveja toda vez que
olhava para o grupo deles e os via conversando e brincando como
se não houvesse amanhã. Bem diferente das minhas interações
cordiais a festa toda, que apesar de satisfatórias, porque sempre é
bom conhecer um pouco mais das pessoas que trabalham comigo,
também me deixaram cansadas mentalmente.
Então não posso mentir falando que não fiquei aliviada quando
as pessoas começaram a ir embora e o salão esvaziar cerca de 20
minutos atrás, pois fiquei. Tudo que quero é sentar na minha linda e
confortável cadeira, e beber uma taça de vinho enquanto escuto a
rainha da música internacional.
Depois ir para casa e pedir desculpa à Mel por não a ter trazido
comigo. Com certeza, vai me custar alguns petiscos e muito carinho
para desemburrar aquela mimada. Mas fazer o que se fui eu quem
mimei?!
Queria trazê-la para a confraternização hoje como já é nosso
costume, porém, a filha de uma das novas funcionárias é alérgica, e
não quis causar nenhum tipo de transtorno à família. Fiquei com a
consciência pesada? Fiquei, mas acho que ficaria mais se uma
criança fosse parar no hospital por irresponsabilidade minha.
— A festa foi esplêndida, Ana. — Sobressalto com o susto e
Mariano, meu cliente, solta uma risadinha. — Desculpa te assustar.
Vim me despedir.
— Sem problemas. — Esboço um sorriso. — Eu que estava
distraída.
Seus olhos brilham com curiosidade e ele apoia a mão no meu
ombro.
— Fiquei curioso. O que te deixou tão imersa?
Intrometido, hein. Não se chega perguntando isso para alguém
que nem conhece direito.
— Só alguns ajustes finais para a festa de Ano-Novo. — Minto
para não ser rude e mandá-lo tomar conta da própria vida.
Ele sorri, empolgado.
— Ah, claro! Tenho certeza que vai ser tão perfeito quanto esta
noite, e como em tudo que você coloca as mãos, claro.
Me seguro para não erguer a sobrancelha e manter minha
expressão neutra e cortês. Ele está flertando ou só sendo educado?
A mão inconveniente no meu ombro aponta a primeira opção.
Espero que estar errada.
— Eu estava pensando… — A mão agora desliza para meu
braço. — Se poderíamos jantar algum dia desses. Talvez na
primeira semana do ano que vem? Devo viajar para o Japão na
segunda semana e demoro cerca de um mês para voltar. Não quero
esperar isso tudo.
É, não estou errada.
Desce a mão para o meu cotovelo e é o momento em que me
controlo para não arrancar seus dedos inconvenientes. Tiro-os com
toda a delicadeza que o Leopoldo fala que não tenho.
Por que pensei no Leopoldo agora? Não importa.
— Agradeço pelo convite, Mariano. — Sou um poço de
educação e ainda ele trinca os dentes. Homens não sabem mesmo
receber um não. — No entanto, não vou a encontros com clientes
ou funcionários. Gosto de manter minha vida profissional bem
separada da pessoal. — Ele abre a boca, provavelmente para
protestar, mas não dou espaço. — Boa noite, senhor Azevedo.
Tenha um ótimo Natal.
Mais um sorriso educado da minha parte e uma careta da parte
dele, que vai embora pisando duro. Bom, poderia ter sido pior.
Dou mais uma rodada no espaço e fico mais aliviada ao ver
apenas Leopoldo, sua família e minha irmã.
Átila está no colo do pai, os bracinhos agarrados no pescoço
dele e a cabeça apoiada no seu ombro e pela respiração profunda,
sei que está dormindo. Rayka está nos braços do avô, mas ao
contrário do irmão, está lutando ferrenhamente contra o sono, seus
olhinhos começam a fechar e ela balança a cabeça e se mexe no
colo do avô. Uma fofura.
— Está difícil aí, pequena? — brinco ao me aproximar deles e
ela foca os olhinhos pesados em mim.
— O que, tia Ana? — pergunta bocejando.
— Por que não dorme?
— Não tô com sono. — Teima e sorrio. — É sério!
— Uhum. — Leopoldo se intromete. — Dá pra ver que não. —
Ela tenta descer do colo para provar seu ponto, mas o avô firma o
aperto. — Eles não estão acostumados a saírem da rotina. — O
loiro me olha. — Átila não aguentou muito, mas a Rayka está
deslumbrada com tudo e quer ficar acordada para não perder nada.
Curiosa que só ela…
Ele faz carinho nas costas do Átila e troca um olhar com Rayka
que agora está com os braços cruzados, encarando o pai. Prendo o
riso quando sua cabeça quase tomba com o sono e Leopoldo
balança a cabeça em negação. Ágata, Marina e Madalena também
estão se segurando para não rir da cena, já o pai do Leopoldo só faz
carinho na neta.
— Talvez ela dormiria mais fácil no seu colo — opino sem ser
chamada e fico constrangida na mesma hora, mas agora já foi.
Leopoldo fica interessado no que tenho para falar e o outros
também me olham curiosos. — Não que o colo do senhor não seja
ótimo — me explico para Jorge, que sorri descartando minha
explicação. — Mas com o pai, acredito que seja mais difícil lutar
tanto contra o sono por causa da segurança, e até mesmo por conta
da rotina que ele tem com eles todos os dias, certo?
— Você pode ter razão, querida — Madalena é a primeira a falar
e quebrar meu desconforto com todos me olhando. — Não custa
tentar, certo? — Assinto, menos desconfortável. — Você pode pegá-
lo para ele, querida? — Eu? Por que eu? — Preciso da ajuda do
Jorge para um… é...um... problema com… meu vestido. — Gagueja
para falar como se tivesse inventando uma desculpa agora. Pelo
olhar descarado que me dá, não duvido. Mas ainda tem a… —
Marina e Ágata já estão atrasadas para uma festa com os amigos
que tinham mencionado pra mim mais cedo, não é, meninas?
Minha irmã fica confusa por um segundo, mas é tão rápido que
se não a conhecesse como a palma da minha mão, não teria
percebido. Ambas concordam e me dão sorrisos falsos de desculpa
antes de se despedirem e quase correr para fora.
Vergonha na cara ninguém tem aqui.
Leopoldo está olhando atônito para os pais, parecendo tão
indignado com as desculpas esfarrapadas quanto eu,
— Você não se importa, não é, querida? É só por um instante.
— Quero o colo do meu papai. — Rayka choraminga, e se
tivesse idade o suficiente para isso, diria que está conspirando com
os avós no que quer que seja o objetivo deles.
— Claro. — Cedo com um sorriso.
— Não se importa mesmo? — Leopoldo se preocupa e assinto.
Ergo meus braços e pego o pequeno dorminhoco, demorando
alguns segundos para me acostumar com seu peso. O ajeito no
meu colo para que fique confortável e Leopoldo pega a filha do colo
do pai. O casal sai tão apressado quanto minha irmã e a melhor
amiga, nos deixando sozinhos.
Encaro-o, ainda sem entender e por algum motivo, me divirto
com sua confusão também.
— É impressão minha ou isso foi um bando de desculpa fajuta?
— Se for impressão, estou com a mesma — brinca. — Só não
entendi o motivo.
Nem eu.
Rayka finalmente deita a cabeça no ombro dele e esfrega os
olhos, tão sonolenta que não entendo o que balbucia antes de se
render e abraçar o pescoço do pai com força.
Ficamos em silêncio até ela firmar o sono, o que leva uns bons
15 minutos e nada dos pais dele voltarem.
Aonde será que foram?
Átila começa a pesar e meus braços formigam, fico com medo
de adormecerem e deixá-lo cair. Deus me livre.
— Tem alguma noção de onde seus pais estão?
— Nenhuma.
Suspira frustrado.
— O que acha de irmos para o escritório e colocá-los no sofá?
Não é um sofá-cama, mas ele fica um pouco mais largo e é bem
confortável para eles dormirem até seus pais chegarem. — Ofereço,
ajeitando o pequeno em meus braços.
— Ele tá pesando. — Não tem dúvida em sua fala, então não
me preocupo em tentar negar.
Entramos na minha sala e coloco o pé para arrastar o sofá e
arrumar, mas Leopoldo me impede, fazendo isso no meu lugar. Ele
coloca Rayka com todo cuidado do mundo, o que me arranca um
sorriso, e em seguida pega o Átila, repetindo o processo.
Paro de ficar babando no zelo que tem com seus filhos e pego
uma manta no closet do banheiro.
Leopoldo me olha divertido, mas não fala nada, apenas cobre
os gêmeos.
Saímos da sala, fechando a porta com cuidado para não
acordá-los e ele cai na risada assim que estamos fora.
— O que foi dessa vez, bobo alegre?
— É sério que tem uma coberta no trabalho? É tão viciada em
trabalho assim?
Cruzo os braços, ofendida, mas ao mesmo tempo acho
engraçada sua indignação.
— Acha que uma empresa cresce do nada, garoto?
Seus olhos faíscam e prendo o sorriso.
É legal estar do outro lado da moeda.

Garoto?
É sério?
Já não mostrei que sou mais homem do que muito cara da
idade dela não?
Ana está mordendo as bochechas, entregando mesmo sem
querer, a vontade que tem de sorrir. Obviamente está falando para
me irritar e está conseguindo. Não me importo de frisarem que sou
novo, eu sou mesmo, mas por algum motivo, ela fazer isso me
aborrece.
Saber que ela pode, no fundo, me ver como nada mais do que
um garoto, me irrita pra caralho.
Fico em silêncio, pensando no que responder e a cada minuto,
seu sorrisinho vitorioso aumenta, como se ser eu a ficar irritado,
fosse extremamente divertido para ela. Não duvido que realmente
seja.
— Ficou chateado? — pergunta por fim.
— Não.
Nós dois sabemos que é mentira. O sorrisinho ainda desenha
seus lábios grossos.
— Tem certeza? — Morde o sorriso.
— Vou buscar seu vinho. Deve estar com vontade depois de um
dia cheio desses, certo?
Ela fica surpresa que eu tenha percebido e é minha vez de
sorrir. Não é como se fosse um super segredo, Ana sempre toma
uma taça de vinho depois de dias exaustivos como hoje. Já cansei
de vê-la pegar a garrafa quando eu estava indo embora ou até
mesmo servi-la nos dias em que trabalhávamos até um pouco mais
tarde.
— Está ficando tão eficiente em ler o que preciso quanto a Luna
— comenta, ainda aturdida.
— Eu sei. — Pisco e entro com cuidado na sala para não
acordar os meninos.
Pego a garrafa e a taça com um sorriso bobo. Aproveito para
conferir se está tudo bem com os meninos e saio com cautela de
novo.
Ana está sentada no chão com as pernas cruzadas e digita algo
no celular com o cenho franzido e um esboço de sorriso. O barulho
da fechadura traz seus olhos para mim e meu coração dá um salto
esquisito.
Escorrego na parede até estar ao seu lado. Estendo a taça e
meus dedos roçam nos dela quando ela pega. Sirvo seu algodão-
doce líquido e fico preso na sua boca enquanto dá um longo gole.
Um gemido deliciado escapa dos seus lábios e ela fecha os olhos
aproveitando.
Nossa.
— Dá até vontade de provar — murmuro sem querer,
desnorteado.
Ela abre as pálpebras, as íris cintilando, os lábios pintados de
vermelho e agora úmidos com o vinho e um sorriso empolgado.
Ela é linda, muito linda.
— Quer tentar de novo? — O quê? — O vinho. Você disse que
deu vontade de provar — explica, vendo minha confusão.
Mal sabe ela que eu estou querendo provar uma coisa
completamente diferente, mas que não devo.
— Eu não — respondo e faço careta ao lembrar do sabor
enjoativo. — Vinho ruim da porra.
— Seu cu — rebate no automático e eu gargalho. — Você que
tem um péssimo gosto.
Faz bico, igualzinho o da Rayka. Meu sorriso aumenta.
— Não precisa fazer bico só porque você tem um gosto ruim,
nervosinha.
Seus olhos se estreitam.
— Não estou fazendo bico. — O bico aumenta e as três
dobrinhas no nariz aparecem. Minha risada aumenta também.
— Aham, tá não. Só uma tromba enorme mesmo.
— Você é insuportável!
— É o que você diz, mas ainda está aqui sentada no chão só
pra ficar na minha companhia. — Jogo meu cabelo para trás, bem
Meninas Malvadas e me deleito ao arrancar uma risadinha dela.
— Ridículo — fala, ainda rindo. Linda! — Onde será que seus
pais estão, hein? Que demora.
Meus pais!
Tinha esquecido completamente deles e da armação ridícula
que fizeram para me deixar sozinho com Ana. Se um dia me iludi
achando que o fato de ela ser minha chefe tiraria da minha mãe as
ideias mirabolantes de que seríamos um ótimo casal, me iludi
mesmo. O esquema de hoje só comprovou isso. Espero que Ana
não tenha notado a intenção por trás das ações estranhas que
tiveram. Espero mesmo.
— Devem ter se perdido. — Ou ido pra casa. Não duvido nada.
— Talvez seja melhor procurarmos. — Ameaça se levantar e
impeço.
— Não precisa, vou ligar para eles e descobrir o que aconteceu.
Ela não responde e abaixa o olhar para as próprias pernas. Sigo
seu olhar e percebo que, involuntariamente, para a impedir de se
levantar, apoiei minha mão em sua.
Bem inconveniente, hein. É agora que ela me demite ou pior,
me processa por assédio.
Seus olhos sobem para os meus e voltam para minha mão
algumas vezes. Não consigo identificar o sentimento na sua
expressão. Confusão? Inquietação? Raiva? O que ela está
pensando?
Minha mão está formigando só por imaginar sua pele. Por que
ainda não a tirei do lugar que nem deveria ter ido parar?
E se…
Não! Tira a mão daí, Leopoldo! Vamos!
Só uma apertadinha pra ver se é tão gostosa quanto parece.
Não vai fazer mal.
Pulo no susto com meu celular vibrando no bolso, seguido pelo
toque irritante e dou um sorriso sem graça. Atendendo e quero ficar
órfão quando ouço meus pais mentirosos falarem que tiveram um
imprevisto e foram para casa.
Pra casa.
Sério que são tão caras de pau assim?
Desligo sem xingar ninguém, porque não quero ser capado pela
minha própria mãe e respiro fundo antes de me virar de volta para
minha chefe.
Seguro um sorriso ao ver que ela está me olhando
descaradamente, os lábios presos entre os dentes enquanto seus
olhos escrutinam cada pedaço de mim.
Quero fazer algum comentário sobre sua falta de vergonha, mas
quem sou eu para falar quem precisa ou não de um óleo de peroba
quando já fui pego secando minha chefe duas vezes. Porque se for
sincero, a seco muito mais vezes do que deveria.
— Eles tiveram um imprevisto e foram embora.
— E deixaram vocês pra trás?
Sim, porque eles acham que vamos nos apaixonar
perdidamente se ficarmos sozinhos.
Hahaha! Como se Ana fosse gostar de um garoto.
Balanço a cabeça. As loucuras da minha mãe estão entrando no
meu sistema. Deus me livre.
— Deixaram. — Ela fica incrédula. Mal sabe que meus pais são
doidos. — O lado bom é que posso finalmente ir embora.
— Finalmente, uh? — Zomba.
Penso em refutar e falar que a companhia dela é ótima e só vou
embora por causa dos meninos, mas qual o sentido?
— Os gêmeos estão cansados e vão dormir melhor nas próprias
camas — é o que respondo.
Leopoldo não vai na festa que me ajudou planejar com tanto
esmero. Entendo o motivo, ele quer passar a virada com as pessoas
que mais ama no mundo, sua família.
Se a Ágata não tivesse uma viagem marcada com as amigas,
provavelmente a arrastaria comigo para Ilhabela. Mesmo que não
seja mais um costume passarmos Ano-Novo juntas, já que minha
irmã viaja com os amigos desde que completou 18 anos, ver
Leopoldo priorizar a família, me deu saudade de passar esse
momento com a minha.
Das madrugadas jogando cartas com minha avó roubando na
cara dura e Ágata deitada no meu colo, rindo da minha indignação
com nossa avó ladra. Dos nossos brindes de copo de alumínio com
água na hora que o ponteiro do relógio batia meia noite. De assistir
ao pôr-do-sol da nossa janela de grades, agarrada com as duas
mulheres mais importantes da minha vida. Dos eu te amo trocados
antes de dormir, e do melhor beijo na testa no mundo de benção e
boa noite.
Saudade, vovó.
Pego sorrindo o porta-retratos na cabeceira da minha cama.
Ágata estava sentada no meu pescoço e dona Amelita com as duas
mãos na cintura, puta da vida, nos olhando e berrando para que eu
descesse minha irmã antes que ela caísse e rachasse a cabeça.
Sim, minha avó era dramática assim. Vou ser eternamente grata à
vizinha simpática que capturou esse momento.
Olhar a foto é quase como sentir que estou lá de novo. Sinto
tanta saudade da minha velhinha dramática e rabugenta, mas que
vivia sorrindo e amava fazer e escutar piadas bestas. Minha vó
adoraria o Leopoldo e os gêmeos, o bobo da corte provavelmente a
faria se mijar de rir.
Minha irmã bate na porta, atraindo minha atenção e sorri para a
foto. Se joga na cama e deita a cabeça no meu colo, como ama
fazer desde criança. Guardo a foto e ela pega minha mão e coloca
na sua cabeça, exigindo carinho, e como se estivesse só esperando
uma abertura, Mel também pula na cama e deita ao meu lado,
empurrando com o focinho minha outra mão, também pedindo
atenção.
— Eu mereço mesmo. Duas carentes e ainda por cima
mimadas. — Suspiro alto, fazendo drama.
— Não temos culpa se você nos mimou, maninha. A
responsabilidade é inteiramente sua.
O pior é que é mesmo. Não respondo e me rendo, fazendo
carinho nas duas e me aconchegando mais na cama também.
— Já que estou sendo usada na cara dura, pelo menos coloca
um filme pra gente.
— Como Treinar seu Dragão? — pergunta ao pegar o controle.
— Sempre. — Sorrio e ela revira os olhos.
— É uma viciada mesmo viu. — Implica, nos embrulhando.
— Não tenho culpa se é o melhor filme do mundo.
Ela se aconchega mais e Mel vira de barriga para cima para me
dar mais acesso. Folgadas viu. Eu amo.
— Quem vê a Ana Brandão fodona diariamente na BT, mal
imagina que é uma criança viciada em doces e desenhos animados.
Esqueço de responder sua brincadeira quando o filme começa.

— Filho, entendo que queira ficar conosco, mas pensa direitinho


com a mamãe, pode ser? — Suspiro alto, mas concordo. Mulher
mais insistente que a que eu chamo de mãe não tem. — Você
acabou de se formar, precisa comemorar. Passou os últimos dois
anos e meio lutando todos os dias para conseguir dar conta de tudo.
Tenho certeza que os gêmeos não vão se importar de dormir uma
noite sem o pai. Nós dois sabemos que é mais provável que você
chore de saudade do que eles, e também, não é como se fosse
passar um mês longe.
— Mas é a virada do ano. Quero estar com vocês quando isso
acontecer.
— Tem outras formar de estar, sem precisar de fato estar aqui.
Você pode nos ligar meia noite, isso se algum de nós quatro ainda
estiver acordado — brinca e não duvido que durmam cedo, mesmo
comigo aqui. — E vai voltar amanhã, ainda pode passar o primeiro
dia do ano com a gente. — Torço os lábios, pensativo e ela
aproveita a brecha para continuar argumentando. — Além de tudo
isso, é um evento da empresa que está trabalhando e pelo que me
falou, vão ter pessoas importantes lá. Não só é uma oportunidade
única de fazer seu nome com outras pessoas, como também de
agradar sua chefe. É um evento de grande porte, certo? — Espera
que eu concorde para continuar. — A antiga assistente da Ana está
de licença. Quem vai dar apoio pra ela lá?
— Ana não precisa de ninguém, mamãe. — Sou sincero, ela
não precisa mesmo.
— Talvez. — Dá de ombros. — Mas não precisar, não significa
que não queira. Por acaso perguntou para ela? — Nego e ela sorri.
— E independente disso, você merece sair um pouco da rotina
também. Sei que às vezes é fácil esquecer, mas você tem 24 anos,
Leopoldo. Tem muito o que viver ainda.
— Minha vida é para os meus filhos — retruco, meio ofendido e
é a vez dela de suspirar alto.
— Eu sei, amor. Ninguém está duvidando da sua devoção e
dedicação como pai. Nunca faria isso. Só estou pedindo para confiar
em mim e no seu pai por uma noite, e se divertir um pouco. São só
algumas horas, Leo.
São só algumas horas.
Realmente gostaria de ver o resultado final da nossa semana
louca de planejamento.
Também quero as oportunidades que a festa vai me
proporcionar.
Quero ver a expressão de satisfação da Ana quando tudo for do
jeitinho que cuidadosamente organizamos.
E se for honesto, também quero ver a roupa que a Ana vai
escolher para o Ano-Novo. Será que vai ser tão deslumbrante
quanto no Natal? Com certeza vai.
Minha capacidade de esquecer a festa de Natal é que parece
estar em questão. Ela não sai da minha cabeça. A lembrança da
minha mão na coxa dela e do gemido com o vinho também não.
Aproveitando o momento de sinceridade, preciso confessar que
por pouco não bati uma pensando na porcaria do gemido e da
minha mão na coxa dela, pois mesmo sem apertar, tenho certeza
ser tão firme quanto a bunda gostosa — que também não apertei —
que vive marcada pelas calças sociais.
Era só o que me faltava, não é? Ficar duro pela minha chefe.
No entanto, não posso ser totalmente culpado se ela é gostosa,
pequenininha, raivosa e agressiva que nem um chaveirinho de
capeta. Quem é que não ficaria duro? Me diz. Talvez pessoas
normais. Não eu.
— O que acha filho? — Meu pai se une a nós, me trazendo de
volta para a realidade. — Sua mãe está certa, precisa sair um
pouco. Sabe que vamos cuidar dos gêmeos até melhor do que você
— brinca e me arranca um sorriso.
Eles não estão errados, pois são muito mais experientes do que
eu e completamente apaixonados pelos netos. Não faria tão mal
assim ficar algumas horas distantes, certo?
— Tudo bem. — Cedo e minha mãe dá pulinhos de
comemoração. Bufo com sua alegria em se livrar de mim. Ela nem
tenta disfarçar. — Mas vou agora de manhã e chego aqui na manhã
do dia primeiro. — Eles têm a audácia de revirar os olhos
enfaticamente. — E tem que me prometer que qualquer coisa,
qualquer coisa mesmo, vão me ligar. Prometem?
— Prometemos — ambos respondem com sorrisos vitoriosos.
— Agora vai pegar sua mala, vai. — Mamãe manda, me
empurrando para o meu quarto.
— Minha mala? Já tinha arrumado? — É muito abuso mesmo.
Como pode? — Como sabia que eu ia topar?
Ela abre um sorriso todo convencido e pega meu rosto entre
suas mãos, apertando minhas bochechas.
— E por acaso você já conseguiu falar não pra mamãe, amor?
Convencida!
Está errada? Não, mas é muito convencida. Ela beija minha
testa e dá um tapinha de leve no meu rosto, me mandando de novo
pegar a bendita mala.
Estou saindo de casa, quando lembro que o transporte que ia
levar a empresa para Ilhabela saiu ontem e não posso, nem quero
gastar dinheiro com isso. Uma parte de mim fica decepcionada, mas
a outra aliviada por não deixar os gêmeos. Não é que não confie
nos meus pais, eu confio, mas eles mesmos me ensinaram que um
filho sempre está melhor sob os olhos dos pais. Então não podem
me julgar por ser protetor, né? Puxei deles.
Estou pronto para voltar para a cozinha e contar para eles sobre
o transporte, quando minha mãe invade o quarto ainda sorrindo.
— Esqueci de te falar, o carro que vai te levar está na porta.
— Carro? — Fico confuso. Como ela arrumou dinheiro para
carro?
— Carro. Um automóvel que leva a gente de um lugar para o
outro, sabe como funciona, certo?
Sorri divertida e reviro os olhos.
— Entendeu minha confusão, mamãe.
— Entendi, amor. Só estava brincando. Liguei para Ágata mais
cedo informando que você teve um problema e não pôde ir ontem
com a empresa, mas precisava estar lá hoje e perguntei se ela
podia me ajudar. Ela mandou esse carro com um motorista muito
simpático, por sinal. — Seus olhos perigosos brilham com uma
ideia. — Será que Marina já o conhece? Tenho certeza que gostaria
— começa a falar sem parar consigo mesmo, mais uma vez
sonhando acordada com casamentos.
— Ôh, senhora casamenteira, vamos parar com as viagens,
sim? O que acha? — A puxo para um abraço e ela resmunga sobre
ser mal compreendida e só querer ver seus filhos sendo feliz, e mais
algumas coisas ininteligíveis, mas me abraça de volta com força. —
Tem certeza que posso ir? — pergunto só por via das dúvidas e
sabe o que a ingrata faz? Me dá um tapa no peito e sai do meu
abraço, brava.
— Sai da minha casa. Anda, anda. Só te quero aqui amanhã
depois das sete. — Aponta para a porta.
— Mas…
— Anda, Leopoldo. Antes que eu perca minha paciência e a
chinela cante no seu ouvido.
Estremeço.
Posso ser um homem adulto de 24 anos e pai de dois filhos,
mas a chinela cantar me dá tanto medo assim como os saltos
voadores da Ana. Será que só atraio mulheres desequilibradas para
minha vida? Se bem que não sei se minha mãe conta nessa
estatística, já que nasci dela.
— LEOPOLDO!
Pulo com o grito, mas caio na risada com sua carinha de brava.
Mamãe fofa.
Pego minha mala e encho seu rosto de beijos antes de seguir
sua ordem e sair do quarto. Beijo meu pai também e passo no
quarto dos gêmeos que ainda estão dormindo. Com o coração
apertado, faço carinho em cada um deles, murmurando os “eu te
amo” mais sinceros da minha vida e beijo suas bochechas. Não
achei que fosse possível amar alguém além da vida, mas os dois
me mostraram que é possível isso e muito mais. Não tem como
dimensionar o amor que sinto por eles.
Saio para fora e realmente tem um Uber me esperando na
porta. Mando uma mensagem para a irmã mais nova do capeta,
agradecendo-a e ela responde me mandando cuidar da irmã dela.
Estranho? Estranho, mas ignoro. Talvez só esteja preocupada com
algo ruim acontecer com Ana sozinha em outra cidade. Felizmente,
só consigo pensar em algo acontecer com a cidade na presença da
Ana. Respondo com um emoji de joinha e encerro a conversa.
Ilhabela lá vou eu!
Graças a Deus não tem nada dando errado hoje. Tudo está
exatamente como planejei. Confesso que essa calmaria toda me dá
um pouco de medo. Um evento desse porte e nem mesmo uma
agulha fora do lugar? É quase como a calmaria antes da
tempestade, mas decidi ter fé que vai continuar assim.
Amém.
Nesse horário, estão todos almoçando lá embaixo, mas decidi
ficar no meu quarto e conferir de novo se algo está fora do lugar.
Sim, sou um pouco sistemática, mas não estaria onde estou se eu
não fosse assim. Que mal faz checar algumas vezes se não deixei
passar erros? Nenhum.
Batidas na porta me distraem da minha última verificada na lista
e fecho o notebook, guardando na mesa de escritório antes de abrir.
Arregalo os olhos com espanto e miro de cima a baixo o
visitante. Ele está todo despojado. Uma bermuda branca daquelas
rasgadas, camiseta estampada e tênis. Uma mão no batente da
porta e outra escondida atrás das costas. O que tem ali?
— Leopoldo? — Sorrio surpresa e ganho um sorrisinho de canto
de volta. — O que está fazendo aqui?
— Alguém tem que te alimentar — brinca e traz a mão
escondida para frente, me mostrando uma vasilha de comida.
— Quem disse que não comi?
Ele ri e me olha com nada além de deboche. Bom, agora eu
queria ter comido só para mostrar que ele está errado.
Reviro os olhos e pego a vasilha, saindo da porta para que
entre. Ele a fecha atrás de si e anda comigo até a mesa pequena de
jantar no canto do quarto.
— Você já comeu?
— Já, comi com o pessoal quando cheguei depois de colocar
minhas malas no meu quarto — concordo e abro a vasilha, já
provando o picadinho de carne saboroso. Hummm! — Acho que
gemi alto, porque seus olhos descem para minha boca, fazendo
minha barriga esfriar de forma esquisita. O que é isso? — Pensei
que tinha cancelado meu quarto quando falei que não poderia vir —
conta, voltando a atenção para meus olhos.
— Pensei em cancelar, mas já estava tudo pago mesmo. — E
talvez queria que você mudasse de ideia também.
— Não tem nada a ver com ter esperança que eu mudasse de
ideia e viesse, né? — O sorriso zombeteiro volta. Reviro os olhos.
— Não. Só com preguiça mesmo. — Outra colherada, mas
dessa vez seguro o gemido. Está gostoso demais. — Mas ainda
bem que não cancelei, não é, onde iria ficar agora?
— Com você, claro. A culpa do cancelamento ia ser sua, então
teria que me ceder um espacinho aqui. — Dá de ombros, os olhos
cintilando em diversão.
— Hahaha! Que engraçado você. Iria dormir na esteira na beira
da piscina.
— Que nada! Tenho certeza que as moças não me deixariam
passar frio assim. Era só pedir abrigo que teria uma fila. — Sorri
safado e passa a mão pelos fios cumpridos de forma convencida.
O pior é que não duvido que teria uma fila mesmo. Leopoldo é
muito bonito, e esse ar de “não tô nem aí pra nada” junto com o
sorriso, só complementam o pacote. Tenho certeza que as meninas
da idade dele disputariam esse “abrigo” e se for honesta, algumas
da minha também. Tenho várias colegas de trabalho que são
chegadas em um mucilon.
Outra batida na porta e dessa vez Leopoldo se oferece para
abrir, já que estou terminando de comer. Sorrio quando vejo Mel na
coleira com o funcionário de pet que tem aqui no hotel.
— A senhorita Ana está? — Ouço o funcionário perguntar.
Mel encara o meu assistente, curiosa, e inclina a cabeça para o
lado.
— Estou sim. Pode entregar a guia para ele, muito obrigada —
respondo já que Leopoldo paralisou.
Leopoldo me olha com desespero, mas pega a guia todo tenso
e fecha a porta depois de agradecer o rapaz de novo. Ele solta a
coleira no segundo em que ouvimos o click da fechadura, me
arrancando uma risada.
Mel olha para ele mais uma vez e corre para meu colo,
abanando o rabo toda feliz. Ganho uma lambida daquelas que pega
o rosto inteiro e agradeço por terem acabado de escovar os dentes
dela e estar cheirosinha.
— Está tão cheirosa, meu amor. Gostou de tomar banho? —
Acaricio seu pelo e enfio meu nariz, sentindo o aroma gostosinho do
perfume que eles passaram nela e ganho outra lambida. Reparo no
loiro ainda na porta e sorrio. — Não vai sentar?
— Tô confortável aqui. — Cruza os braços e me dá um sorriso
falso.
— Tem medo de cachorro? Não pareceu quando foi lá em casa.
— Não tenho medo de cachorro. Só não confio na sua. —
Aponta desconfiado para o anjinho acomodado no meu colo.
— Por quê? — Fico indignada. — A Mel é um doce.
— Pode ser com você, mas essa carinha dela não me engana.
Filha de chaveiro de capeta, chaveirinho de capeta é.
Quase cuspo a comida, gargalhando. Mel levanta uma orelha
só, nem se dignando a olhar para o medroso.
— Me chamou de chaveiro do capeta mesmo? — pergunto,
mais séria. Se ele não tivesse com tanto medo e negando, talvez
teria me irritado.
— Chamei. — É corajoso, devo admitir. — Não chamo de
capeta em pessoa porque não tem tamanho.
Agora é ele quem está prendendo uma risada e na mesma hora
fecho a cara. Não tenho tamanho?
— Eu tenho 1,55 m, estou quase na média de altura da mulher
brasileira — me defendo.
— Só se for na média de meio-fio.
Olha como é atrevido!
— Não é minha culpa se você é do tamanho de um poste. O
anormal aqui é você.
— Se te conforta pensar assim... — Ergue os braços em
rendição com o olhar zombando de mim. Depois eu mato e a errada
sou eu, sabe? — Vou te deixar em paz. Quero dar um mergulho na
piscina antes de ter que me arrumar para a festa. Bom almoço,
baixinha.
— Baixinha é seu cu.
Ele sai do quarto gargalhando como o bobo alegre que é,
deixando meus nervos à flor da pele como sempre faz. É um
palhaço mesmo viu.
— Viu o atrevimento do bobo da corte, Mel? — reclamo e ela
resmunga, obviamente me dando razão.

Comemorei muito cedo a calmaria.


Sabia que estava muito bom pra ser verdade.
Respiro fundo e seguro a vontade de tacar meu celular na
parede, porque meu dinheiro só é capim quando se trata dos meus
tênis. A droga do DJ tinha que cancelar faltando menos de quatro
horas para a bendita festa? Já falei que odeio gente irresponsável?
A vontade é de mandar enfiar uma tora no cu e rodar. Mandei?
Não, porque sou uma mulher de classe e tenho autocontrole. O
mundo não colabora, mas eu tento.
O que cacete vou fazer agora? Aonde vou arrumar um DJ tão
rápido? Que inferno viu!
Ando no quarto de um lado para o outro, não duvido nada que
agorinha faço um buraco no chão. Mel está na cama, linda e plena,
só mexendo os olhinhos para me acompanhar. Nem mesmo se dá o
trabalho de levantar a cabeça. É folgada igualzinha ao loiro que tem
medo dela.
Puta que pariu!
É isso!
— Como foi que esqueci que o bobo da corte é DJ? E se todos
os seus trabalhos forem parecidos com o da festa que fui, é um DJ
dos bons — converso com a Mel, que me olha como se falasse
“Demorou, hein”.
Beijo o rosto da folgada em questão e saio apressada em
direção ao quarto que reservei para Leopoldo no mesmo corredor
que o meu. Ainda bem que ele decidiu vim, vai salvar minha pele.
Bato sem parar na porta, torcendo para ele já ter chegado do
mergulho na piscina. Ergo meu punho para bater mais uma vez e
quase acerto sua cara quando abre a porta de uma vez.
— Que porra?! — Me olha com confusão, mas não respondo,
meus olhos involuntariamente descem pelo seu corpo.
Nossa, que porra digo eu!
Leopoldo está de toalha.
DE TOALHA.
Quem atende a porta de toalha?
Um cara muito confortável com o corpo com certeza, e com
razão.
Que gostoso ele é!
1…2…3…4…5…6.
SEIS GOMINHOS.
Desço mais meus olhos atrevidos e vejo aquelas entradas que
só os escolhidos por Deus têm. Nossa, que homão!
Homão!
Nada da criança que digo que ele é.
Babo mais no corpo dele, enfiando minha vergonha no cu. A
toalha está baixa, deixando as entradas bem à mostra e me dando
uma vontade insana e sem sentido de agarrar a ponta e puxar para
mim, só pra ver o que tem embaixo.
Minha calcinha está mesmo ficando molhada?
— Quer que eu tire a toalha para poder me secar direito? —
Quero. A risada dele me desperta. Não falei isso em voz alta, falei?
Por favor, não.
— É…. — Arranho a garganta, forçando meus olhos idiotas a
saírem do corpo dele. — O DJ furou — conto mordendo a boca. A
vergonha logo é substituída pela raiva do idiota irresponsável de
novo. — Você acha que pode tocar pra gente hoje? Sei que está em
cima da hora, mas não vamos arrumar mais ninguém, e você é bom.
— Posso sim. Vai ser uma honra. — Aquiesço. Porém, não saio
da sua porta. Por quê? Não faço ideia. — Mais alguma coisa,
chefinha?
Ele sorri safado e apoia as mãos no batente, me encarando. As
duas mãos estão bem longe da toalha, e se Deus me livre — mas
quem me dera — isso cair? Seco seu corpo de novo, mas juro que é
sem querer. Passo a língua nos lábios sem querer também.
Ana Brandão, se controla! Até parece que nunca viu um homem
gostoso.
— Se soubesse que me ver de toalha te deixaria tão
desconcertada, teria dado um jeito de ter visto antes.
— Não tô desconcertada! — Minto na cara dura sem nem
conseguir tirar minha atenção do maldito V.
Ele gargalha.
— Está o que então, chaveirinho do diabo? Porque na minha
visão, só tá faltando escorrer a baba.
— Seu… seu… — Engasgo, sem ter o que falar e ele ri mais.
— Assume logo que me achou gostoso, Ana — fala mais sério,
mas o sorrisinho idiota de canto continua lá.
— Achei e daí? — Confronto, estreitando os olhos. — Você é só
um garoto!
— Um garoto que te fez suspirar, ficar vermelha e lamber os
lábios. Se fosse adivinhar, aposto que está com tes…
Ele não consegue terminar a frase, porque sem nem ver, jogo a
primeira coisa que tem na minha frente na sua cara, doida para
arrancar seu sorriso convencido na porrada. Ou tento, de novo, pois
ele desvia com rapidez.
Infelizmente para mim, a coisa é meu celular.
Pobre Iphone 14.
— Você é completamente desequilibrada — acusa e ri. Acabei
de jogar um telefone na sua cara e ele está rindo! Eu que sou
desequilibrada? — Preciso me vestir, chefinha. Antes que você
precise de um balde ou jogue mais coisas do nada. Não quer seu
DJ com um olho roxo, quer?
Não tenho tempo de responder, porque o atrevido fecha a porta
na minha cara.
Ainda consigo escutar sua risada lá dentro e algo como
“chaveirinho do capeta” seguido de “pinscher raivosa”.
Por Deus!
Joguei mesmo um telefone no meu assistente?
Joguei.
Ana Brandão secou meu corpo descaradamente e me custou
todo o meu autocontrole para não ficar excitado e passar vergonha
na frente dela. A boca entreaberta, as pupilas dilatadas, a
respiração pesada… Puta que pariu viu! Eu deveria receber um
prêmio pelo meu controle.
Confesso que o jeito que ela ficou ajudou. Foi engraçado vê-la
tão perdida. Foi delicioso vê-la com desejo por um garoto.
Pena que o chaveirinho de capeta não assume nem para si
mesma que apesar dos seus esforços em me ver como um menino,
não é assim que me olha.
Não.
Ela prefere jogar um celular caríssimo em mim do que assumir.
Completamente desequilibrada.
E acho que sou ainda mais que ela por ter ficado com um puta
tesão.
Nós não nos encontramos mais depois que ela saiu, e nem
mesmo veio conferir minha playlist para o dia. O que só mostra o
quanto ficou desconcertada com nosso encontro mais cedo e isso
me arranca um sorriso convencido.
Não é que a pinscher tem hormônios?
Ana é controladora e gosta que tudo saia perfeito. Se estivesse
em seu estado normal, já teria conferido minha lista umas trezentas
vezes ou mais. Não estou dizendo que ela não me mandou
mensagem pedindo a lista, ela mandou. Mas conhecendo minha
chefe perfeccionista, checar minha lista por mensagem não é nem
de longe o suficiente para amenizar sua necessidade por controle.
Ela deve estar se roendo para vir aqui, mas a vontade de não
me enfrentar está ganhando este duelo. Quero só saber até quando.
Duvido que vá conseguir passar a noite inteira sem vir na cabine só
para ter certeza que não vou fazer merda e estragar sua festa
importante. Duvido muito.
Na verdade, pelos olhares ansiosos que está dando nessa
direção, acho que está mais perto de ceder do que imagina. Um dos
lados positivos de ser o DJ de uma festa, mais ainda como essa, é a
visão privilegiada. Daqui de cima consigo ver quase tudo.
Os casais se pegando, os grupos de amigas dançando, as
rodinhas de conversa nas áreas vips… E principalmente, o que está
prendendo minha atenção desde que chegou, ou melhor, quem, Ana
Brandão.
Ela não para quieta um segundo, e mesmo assim não a perdi de
vista desde que pisou na boate. Ela está fodidamente linda. É a
primeira vez que a vejo de vestido desde o dia que nos
conhecemos. É colado e mal chega ao meio das coxas. Ele cintila
toda vez que uma das luzes da boate a encontra na pista de dança
e é sustentado nas costas por nada mais que duas fitas laterais.
As pernas gostosas estão expostas e se eu estiver certo, o lado
esquerdo está ainda mais pois tem uma fenda bem construída. O
tênis é prata e brilhante, assim como o vestido, que valoriza cada
curva que ela tem. Estou babando nela desde que entrou, e meu
pau também.
Minha chefe está muito, muito gostosa.
Diferente de mim, apesar de sempre estar atenta à cabine, Ana
não me viu ainda. O vidro que me separa deles é escuro, daqueles
que ninguém de fora consegue ver o que acontece aqui dentro. Mais
um motivo para ter certeza que em algum momento ela vai aparecer
aqui e conferir detalhe por detalhe.
Sorrio quando comprovo que estou certo. Ana deu uma última
olhada apreensiva e agora está andando a passos curtos para cá.
Tão previsível, nervosinha.
A porta é aberta e não escondo minha admiração por seu corpo.
Não é como se ela não tivesse me secado poucas horas atrás. Eu
estava certo, tem uma fenda e é tão profunda que um passo mal
calculado, conseguiria ver sua calcinha. Será que é de renda?
— Boa noite, Leopoldo — é a primeira a falar, mas sua voz sai
meio arranhada, meio envergonhada.
Estava me secando também, chefinha?
— Boa noite — respondo sorrindo depois de dar mais uma
babada nas coxas definidas. — Até que demorou para vir conferir se
estava tudo bem. Esperei por uma visita sua a tarde inteira. Bom,
mais uma.
Ela troca o peso de uma perna para outra com a provocação e
faz aquele bico irritado, que agora me deu uma vontade louca de
morder. Será que o batom é daqueles que não sai com nada? Um
beijo era bom para testar, não é? Será que depois daquela secada
descarada, ela está disposta a esquecer que é minha chefe por uma
noite? Porque eu estou. Tô curioso pra caralho para saber como a
capeta de bolso beija. A fenda não está me ajudando também. Será
que o beijo é tão agressivo quanto ela?
— Eu estava ocupada... — Fugindo de mim, né. — Com alguns
últimos detalhes.
Mentirosa, estava tudo perfeito, eu chequei.
Meneio a cabeça.
Ela morde os lábios e me olha de cima a baixo de novo.
Sorrio.
Sei que estou gostoso. Caprichei de propósito hoje.
Será que tem gosto do vinho que é tão viciada ou dos trezentos
cafés que bebe por dia?
— Você está linda. — Arrisco e ganho um meio sorriso preso
por seus dentes brancos. — Tensa também. Tem algo errado? —
pergunto para provocar. Eu sei o que está errado.
O batom é bom. Os dentes dela não ficam sujos quando solta o
lábio para formar o bico de novo. Já falei que é fofo? Porque é.
— Você também não está nada mal. — Ergo a sobrancelha e é
a vez dela sorrir. Mentirosa mesmo viu. — Está tudo está bem,
graças a Deus. Só vim checar se precisa de ajuda.
— Tudo sob controle. — Ela morde os lábios de novo e coloca a
mão bem em cima das três dobrinhas no nariz arrebitado. — Quer
verificar a playlist uma última vez?
— Se importa?
— De jeito nenhum.
Ana sorri e fecha a porta atrás de si, se aproximando do papel
na mesa de som e consequentemente de mim. Seu cabelo está
solto hoje, os longos fios pretos cheiram a flores, assim como o
perfume dela. Certeza que deve ter aqueles kits completos com o
mesmo cheiro. Faz sentido ter. É muito a cara dela.
Ana não mistura nada, nem mesmo a comida no prato. Sempre
tive que usar aquelas vasilhas com divisórias para cada item. Ela é
chata assim. Diferente de mim que adoro um mexido. Então por que
estou tão intrigado? Talvez seja justamente isso, a diferença.
Ela passa a mão pelo cabelo e o traz para frente, distraída com
a playlist e me dá uma bela visão das suas costas definidas. Ver de
longe não fez jus ao quão gostosa ela está hoje. O vestido não
cobre nada das suas costas e só volta a cobrir bem na curva da
bunda. Deixa muita pele à mostra, muito para minha imaginação
que não precisa de quase nada.
— Quer dançar? — a pergunta escapa dos meus lábios
surpreendendo a nós dois.
— Você não pode sair daqui, esqueceu, DJ? — Ela sorri, se
virando para mim.
— Quem disse que vamos sair? Podemos dançar aqui. — Ana
olha ao redor, o espaço não é grande, mas também não é pequeno.
Vejo em seu rosto que está considerando, assim como vejo a
negativa vindo, mas a interrompo antes. — Não seja tão chata,
nervosinha. É só uma dança e se for sincera, vai assumir que está
precisando. Está mais dura que... — Meu pau, que por sorte está
escondido pela meia luz. — Uma árvore. Dançar alivia a tensão e
você não pode estar tensa quando for conversar com nossos futuros
clientes, certo?
Por que estou insistindo tanto? Não tenho amor próprio não?
— Tudo bem. — Suspira. — Mas só uma dança. Tenho que
descer logo para nosso networking.
Sorrio como se o Corinthians tivesse ganhado o Brasileirão e
coloco a mixagem no automático e para que toque aqui além do
meu fone de ouvido. Agarro sua mão antes que mude de ideia, a
arrasto para mais longe da mesa.
Meu sorriso rasga quando “Tu Tem Uma Cara de Quem Vai
Foder Minha Vida” começa a tocar.
Não poderia ter música melhor para esse momento.
“Tu tem uma cara de quem vai fuder minha vida
O seu olhar é um caminho sem saída
O seu corpo é um caminho sem saída
Então só entro”
Eu não entro, mas queria entrar.
Ana ainda fica dura no começo, se mexendo feito robô, mas
depois de muita persistência, brincadeiras, implicâncias e minhas
mãos a balançando de um lado para o outro, ela se solta. Uma parte
minha se arrepende de ter insistido por isso, porque se toda travada
já estava fodendo meu juízo, solta então…
Caralho viu?!
CARALHO.
Ela está com os olhos fechados, balançando os quadris, as
mãos encontram meu pescoço e o usa como apoio para se jogar um
pouco para trás e se soltar mais. Agora quem não se mexe sou eu,
só consigo olhar, provavelmente feito cachorro querendo muito um
osso.
Não sei quanto tempo ou quantas músicas se passam, me perdi
na minha própria playlist, admirando-a, babando, secando e
devorando-a descaradamente enquanto dança nos meus braços.
Sim, nos meus braços, porque enlacei sua cintura em alguma das
músicas que se passaram. Ela também não parece prestar atenção
no tempo enquanto se diverte com um sorriso gostoso nos lábios.
Um sorriso que quero beijar.
Quero muito beijar esse sorriso.
Será que tomaria um tapa? O que ela jogaria em mim? Não tem
muitas opções aqui além do tênis caro ou do celular novo que
arranjou em poucas horas depois de destruir o seu na parede do
meu quarto. Será que ela me beijaria de volta? Só a ideia de ser
retribuído me faz ficar inquieto, inquieto de um jeito bom. Ansioso.
— Ana. — Chamo, reunindo toda minha coragem. Ela abre as
pálpebras e me encara. Seus olhos estudam todo o meu rosto e
passam alguns segundos a mais na minha boca, é a última gota de
incentivo que eu precisava. — Eu vou te beijar.
Não é uma pergunta.
É um aviso.
Um aviso para que possa me empurrar ou dar um tapa na
minha cara pela ousadia se quiser, mas não é isso que ela faz.
Claro que não é. Ela concorda com um mísero “Ok”, que acelera
todas as batidas do meu coração.
Não demoro a agarrar sua nuca, enfiar meus dedos entre os fios
sedosos e puxar a boca gostosa dela para mim. Não quero que a
razão volte a dominar seu corpo e ela corra para o mais longe o
possível. Quero provar a boca que tem usado para me xingar
sempre que a irrito além do limite, quero provar a língua afiada que
nunca fica sem resposta.
Mordo seu lábio como quis fazer a noite inteira. Enfio minha
língua na sua boca, gemendo quando sinto o gosto de algodão doce
do seu vinho preferido.
Na boca dela não fica ruim.
Na boca dela fica delicioso.
Nos beijamos com calma, nos conhecendo, nos provando, nos
descobrindo.
Faço carinho na sua nuca, enlaço sua cintura e a chego para
mais perto de mim.
Diferente do dia a dia, nossas línguas não duelam. Pelo
contrário, elas se entendem como nós nunca nos entendemos.
Nossas bocas dançam em sincronia, até mesmo no arfar que sai da
boca dela e roubo com a minha.
Nunca me conectei com alguém assim apenas com um beijo.
Nunca tive um beijo tão bom.
O chaveirinho do capeta é disparado o melhor beijo da minha
vida.
Que sorte a minha...
Ela me puxa para baixo com as unhas fincadas no meu pescoço
e me faz grunhir de tesão.
Apoio minha mão na barriga durinha que quero lamber e a
empurro até que encoste a bunda gostosa na parede. Prenso seu
corpo na parede e a projeto de meio-fio grunhe irritada, tentando me
escalar sem desgrudar nossos lábios. Dou risada no meio do beijo e
ela finca as unhas na minha nuca de novo.
Mas é impaciente, viu? A nossa diferença é grande, desse jeito
não dá para se esfregar direito.
Desencosto nossos lábios e beijo seu pescoço, pegando suas
coxas com toda vontade que passei nos últimos dias e enlaçando
suas pernas no meu quadril. Ana se remexe até encaixar do jeito
certo e arrancar um gemido de nós dois. Ela agarra meu rosto com
força e puxa minha boca até a sua de novo.
Que beijo bom.
Deus, tinha que ser tão bom assim?
Nossa, que beijo bom.
Quem diria que o melhor beijo que já provei seria de um cara
dez anos mais novo, e que é meu assistente ainda por cima?
Deus às vezes tem umas ironias que me irritam, mas…
Leopoldo aperta minha bunda e morde meu pescoço pela
milionésima vez essa noite. Certeza que vou estar marcada
amanhã, mas com um beijo bom desse, quem sou eu para
reclamar?
Sabe aquele beijo que encaixa? Que te faz pensar que queria
fazer aquilo pro resto da vida? É dentro de um desses que estou
agora.
Aperto mais minhas pernas em volta do seu quadril e ele grunhe
em resposta quando seu pau se encaixa certinho na minha calcinha
molhada. Acho que gemi também.
Como pode ser gostoso assim? Como pode beijar tão bem?
— Não podia ter escolhido um dia melhor para usar vestido,
nervosinha — murmura rouco na minha boca, me arrancando um
sorriso incrédulo. Como pode ser tão sem vergonha?
Meu despertador apita assustando a nós dois. Ele mostra que
falta um minuto para meia noite e Leopoldo bufa frustrado ao notar
que vai ter que me descer para fazer a contagem regressiva. Não
estou muito diferente também, mas me remexo, já descendo.
— Vai demorar literalmente um minuto, linda — promete me
dando um selinho e vai até a mesa.
Não me importo em me arrumar, só fico olhando encantada, ele
agitar o público com um sorriso gigante, pausar a música e começar
a contagem regressiva que todo mundo acompanha, até eu.
— CINCO! — Seus olhos encontram os meus com um sorriso
safado, expondo as covinhas. — QUATRO! — Ele morde a boca e
me olha de cima a baixo. — TRÊS! — Sua língua lambe os lábios
que estão inchados dos nossos beijos e das minhas mordidas. —
DOIS! — Ele pisca para mim e volta a olhar para a mesa. — UM!
FELIZ ANO NOVO! — Grita e solta a música, tirando o fone
apressado e enlaçando minha cintura na mesma velocidade.
Nossos olhos se encontram e ele sorri mais, acelerando cada batida
do meu coração. — Feliz Ano Novo, Ana Brandão — sussurra com
a boca quase colada a minha.
— Feliz Ano Novo, bobo da corte.
A resposta dele é arrastar as mãos grandes pelas minhas coxas
e me pegar no colo de novo. Sua boca toma a minha com
voracidade de novo e não demora para que eu me derreta em seus
braços.
Leopoldo enfia os dedos dentro do meu vestido, arrastando-o
mais para cima e aperta meu quadril, me fazendo arfar na sua boca.
— Tão gostosa.
— Tão cara de pau.
Ele sorri e não preciso ver para saber que é um daqueles
sorrisos bem safados. Me esfrego mais na sua calça e fico mole
quando ele me ajuda, se pressionando contra mim.
— Tão hipócrita — provoca mordendo minha boca, queixo,
pescoço… As mãos continuam subindo e encontram as laterais da
minha calcinha. — Renda de novo, Ana? — Geme. Concordo,
aproveitando sua cara de pau e passeando minhas unhas pelo seu
corpo gostoso também. — Pensou em mim quando colocou ela
hoje?
Pensei.
Lembrei do seu corpo gostoso naquela toalha e do dia em que
ficou babando nos meus peitos. Lembrei do seu amor por rendas e
no fundo, bem no fundo, tinha uma parte minha que queria suas
mãos nela hoje.
— Não — é o que respondo e ele ri gostoso, enfiando a cara de
pau dele bem no meio dos meus peitos.
— Não acredito em você. — Morde um deles por cima do
vestido e suspiro.
— Problema…seu — consigo responder enquanto aperta o
outro sem frescura nenhuma.
Que delícia.
Sua mão direita sai da lateral da minha perna e se arrisca até o
meio delas, pressionando bem no lugar que mais quero. Suspiro
alto. Ele rouba meu gemido com mais um beijo, rendendo minha
língua à sua e me desnorteando no processo. Seu indicador é mais
ousado e se move lentamente — me deixando com uma expectativa
louca — pela lateral da renda, ameaçando entrar e tocar pele com
pele, mas nunca entrando de fato.
— Enrolação do cacete. — Praguejo ansiosa e o que ele faz?
Ele ri, lógico.
— Que criatura impaciente você é, chaveirinho — provoca na
minha boca, lambendo meu lábio inferior em seguida.
— E você um idiota que está adorando me torturar.
— Tô mesmo — confessa. — Mas para provar que sou legal,
vou te fazer gozar gostoso nos meus dedos agora. O que acha?
Meu corpo estremece e o beijo de novo. Essa é minha resposta.
Ele finalmente começa a arrastar minha calcinha para baixo,
mas somos interrompidos pelo som estridente do meu celular.
— Ignora. — Pede, me beijando.
— Não posso. — Quase choro.
Quero muito, mas não posso. Pode ser algum problema
importante.
Afasto minha boca da sua e ele suspira derrotado, me
descendo. Pego o celular e atendo, escutando o segurança me
contar de uma briga estúpida e que os responsáveis estão me
esperando no escritório.
Que ódio.
Arrumo minha roupa e passo os dedos pelos fios que devem
estar uma completa desordem agora. Ajusto minha roupa e encaro o
Leopoldo, sua camiseta branca está amarrotada e meio torta, os fios
loiros em que adorei enterrar meus dedos estão bagunçados de um
jeito muito sexy e a frente da calça está volumosa, mostrando que
ele estava gostando tanto quanto eu.
Uma lástima ter que parar, mais ainda porque isso nunca
poderá se repetir.
Tinha mesmo que ser o melhor beijo do mundo, Leopoldo
Marinho? Que saco!
— Como estou? — Mudo o foco dos meus pensamentos.
Preciso estar apresentável quando for dar um esporro em seja
lá quem for que interrompeu meu orgasmo. Ele sorri completamente
safado e agarra minha cintura de novo.
— Como alguém que estava sendo beijada com gosto segundos
atrás. — Merda. Ele dá risada do meu desespero e me rouba um
selinho que me deixa com gosto de quero mais. — Tô brincando.
Está com sua cara de capeta de sempre.
Dou um tapa fraco em seu ombro e ele os ergue, me roubando
outro selinho, dessa vez não resisto e roubo um beijo de verdade de
volta.
Vai ser bom assim lá na esquina!
— Tenho que ir — resmungo sem parar de beijá-lo.
— Uhum — concorda sem parar também.
Ele aperta minha bunda de novo e por fim, me solta, dando um
sorrisinho sacana e colocando o fone de ouvido de volta.
Suspiro, saindo da cabine e indo matar os idiotas que me
custaram um orgasmo que nunca mais vou ter a chance de ter.

Leopoldo foi embora assim que acabou a festa e nem se deu ao


trabalho de se despedir de mim.
Por que isso me incomodou? Não faço ideia, mas incomodou.
Me deixou puta de raiva.
Mais puta do que estava pelo beijo. Não podia ter cedido, não
podia ter aceitado, mesmo que tenha sido o melhor beijo da minha
vida. Eu não beijo caras mais novos, nem me interesso por eles,
menos ainda se é meu funcionário.
Beijei um funcionário da BT!
Como vai ser na semana que voltarmos a trabalhar, eu não faço
ideia.
Será que vamos fingir que nada aconteceu? Ele vai querer
conversar sobre isso? Vou ter que enfatizar que foi um erro e não
vai se repetir? Vai ficar um clima desconfortável daqueles? Não faço
ideia e é exatamente por isso que nunca me envolvi com ninguém
relacionado a Brandão Technology. Não dá para simplesmente
seguir com a minha vida e ignorar a existência do Leopoldo porque
ele é meu assistente.
Eu me esfreguei no pau do meu assistente!
Cadê aquela ponte quando precisamos dela?
As portas do elevador se abrem, me obrigando a me recompor.
Tenho um almoço importante agora. Leopoldo pode ser um bobo da
corte, mas também é um gênio. A festa funcionou e tenho mais
almoços marcados para esse início de ano do que esperava.
Uso o caminho até a mesa para expulsar qualquer pensamento
inapropriado que envolva meu assistente. Coloco um sorriso cordial
no rosto quando chego e cumprimento com um beijo os cinco
homens reunidos ali. Nem uma mulher. Infelizmente isso é bem
comum na minha área de trabalho.
— A festa foi incrível, Ana. — Rogério, o mais velho deles,
elogia. — Preciso te parabenizar pela organização impecável — os
outros concordam.
— E o que foi aquele DJ? Há alguns anos não via nenhum tão
competente. — Ítalo, o mais novo, enfatiza com um sorriso. —
Inclusive, esse é um dos pontos que quero discutir com você. Tenho
uma festa importante em alguns dias e estava à procura de um bom
DJ. — Parece que não é hoje que o destino vai me ajudar a tirar o
bobo da corte e seu beijo gostoso da cabeça. — Não tinha
encontrado nenhum que me agradasse até ontem. Você se importa
de me passar o telefone dele?
— Na verdade, Ítalo, infelizmente não posso. — Ele fica
surpreso. Eu também fico. Não estou pensando em negociar para o
Leopoldo ganhar mais, estou? — Ele é muito ocupado. Receio que
não tenha tempo para te atender tão em cima da hora assim.
É pelos gêmeos.
— Entendo. Entretanto, tenho certeza que posso fazer uma
proposta que o faça reconsiderar. — Prendo um sorriso. Fácil como
descascar banana. — Tenho certeza que ele não vai se importar de
você me passar o contato dele.
— Assim que voltar para casa, falo com ele e te informo, ok? —
Não dou espaço para discussões.
Apesar de ter certeza que o fujão vai topar, não vou passar o
contato sem falar com ele antes.
Ítalo assente e rabisca um papel.
— Não se esqueça de mostrar para ele o quanto estou disposto
a investir. — Pede, me entregando o papel que guardo na bolsa sem
olhar. — A festa é no próximo fim de semana.
— Não vou esquecer.
Parece que vou ver Leopoldo mais cedo do que nós dois
esperávamos, afinal.
Porra.
Não acredito que Ana me conseguiu um trampo como DJ por 20
mil reais.
20 MIL REAIS.
É o que DJs já muito bem reconhecidos ganham, não um que
toca para os amigos.
Claro que não vou recusar, 20 mil já é um bom início para
minhas economias para comprar um apartamento. Já é um início do
caramba e que eternizou minha gratidão pela covarde minha chefe,
que me mandou a proposta por mensagem.
POR MENSAGEM.
Porque com certeza não teve coragem de me encarar depois de
se esfregar no meu pau.
E que esfregada!
Não que eu possa falar muita coisa sobre covardia, porque fui
embora sem me despedir, mas, em minha defesa, tive que ir embora
ficar com os meninos e não encontrei um jeito de aparecer na porta
do quarto dela amanhecendo simplesmente para me despedir.
Não nos vimos desde o ano novo, porque entramos em recesso
assim que a festa acabou, assim como combinado. No entanto,
passei todos os dias dessa semana, pensando naquele beijo,
naquele maldito beijo. O melhor de toda a minha vida.
Acho que nunca senti tanto tesão assim. Nunca fiquei tão
frustrado por não ir até o fim ou com as bolas tão doloridas. Parece
que Ana Brandão é a melhor em me fazer ficar com as bolas
doloridas, não importa o motivo. Uma merda viu, uma merda.
Tem razão o preço que o cara pagou para me ter aqui, não que
não tenha recebido um bom pagamento para tocar na festa da BT,
eu recebi, mas nosso evento pode ser chamado de confraternização
perto disso aqui. O filho da puta fechou a Praia do Iporanga para a
festa dele.
Ele fechou uma praia por dois dias. Tem noção do dinheiro e
influência que é preciso para isso? Porque eu mal consigo imaginar.
A estrutura que colocaram está fenomenal. Acho que nunca vi
algo tão bem arquitetado. Nem mesmo me deixaram trazer os meus
equipamentos. Em outras condições, provavelmente teria reclamado
ou até não aceitado o trabalho não só por ser apegado com as
minhas coisas, mas também porque trabalhar com material que
você não conhece é foda. Porém não reclamei, só falei que
precisava de algumas horas com os equipamentos deles para me
adaptar, e aceitaram de bom grado.
Preciso do dinheiro, quero muito estar em uma casa minha, pois
aquela velha que saiu do inferno pode cumprir suas ameaças e
tentar tirar meus filhos de mim. Preciso estar mais estruturado se
isso acontecer. E é só por isso que aceitei passar um fim de semana
inteiro longe dos meus filhos, só por eles.
Dessa vez, Rayka chorou, esperneou, fez birra, se jogou no
chão e só não agarrou minha calça, porque minha advogada mirim é
ainda mais orgulhosa que minha pinscher de estimação. Já o Átila é
quieto, ele sofre em silêncio, mas também é mais compreensivo que
a irmã. Mesmo pequeno, ele entende o porquê tive que vim.
Essa é a palavra-chave, tive. Porque se tivesse outra opção, se
eu não estivesse com tanto medo do que pode acontecer, teria
pegado minha filha no colo e falado que ela venceu, e não tentado
mais uma vez explicar o motivo de sair, e receber por fim, seu olhar
gélido em vez de choro. Eu não teria vindo com meu coração na
mão e a consciência tão pesada quanto o barco do Titanic
afundando.
Só por eles.
Só vou embora amanhã à tarde porque é a única opção que
tenho, pois se pudesse, iria assim que acabar aqui. No caminho
para casa, vou comprar duas caixas de chocolates para
recompensar meus pequenos pelo fim de semana sem mim. Espero
que Rayka desista do seu tratamento de Frozen até o último
chocolate.
Ao contrário da maior parte das noites como DJ, hoje não
aproveito da minha vista privilegiada para fofocar a vida alheia. Só
quero focar em fazer meu trabalho bem feito para Ítalo me
recomendar para mais clientes do seu nível, e atrair mais trabalhos
assim para mim.
Claro que estou atento observando o que público gosta ou não,
cada mínima reação deles é importante, cada euforia, dança,
movimento ou caretas.
Porém, não me atento o suficiente para identificar pessoas, não
procuro ninguém, não como fiz no Ano-Novo, e provavelmente é por
isso que sinto minha alma sair do corpo quando ninguém menos do
que Ana Brandão se aproxima de mim.
Quando foi que ela decidiu vir?
Não a vejo desde o Ano-Novo.
Desde o nosso beijo.
Caralho!
Ela está linda.
Deslumbrante.
Impecável.
Maravilhosa.
Divina.
Gostosa.
Não sei qual dessas palavras escolher, e nem consigo encontrar
uma que mescle todas juntas.
Ela está com uma calça pantalona vermelha e um biquíni que
não sei o nome, mas são apenas dois triângulos segurados por
duas tiras finas, também vermelho. Uma rasteirinha nos pés e o
cabelo volumoso preso em um coque completamente despojado.
Não sei se está com pouca maquiagem ou nenhuma, mas a única
que consigo ver, é o batom vermelho nos lábios carnudos que
escondem um sorriso.
Nossa que vontade de morder.
Nossa que vontade de beijar.
Será que vou tomar chinelada se tentar? Desço os olhos para a
rasteirinha nos seus pés, sorrindo ao constatar que vai demorar
para desenrolar os fios enredados na canela definida.
Se eu a irritar, dá tempo de correr. Ela não tem nada em mãos
que possa jogar também.
Infelizmente.
Não acredito que falei isso mesmo.
Realmente gosto de ver o chaveirinho do capeta arremessar
coisas em mim.
Um filho da puta masoquista, é isso que sou. Quem gosta de
ser agredido, caralho?
Volto a olhar para seu rosto e fico seriamente tentado a agarrá-
la quando vejo seus olhos percorrendo meu corpo da mesma forma
que fiz com o seu. Ela morde os lábios quando passa pela parte da
frente da minha calça, que já está vergonhosamente volumosa. Nem
a toquei e já tenho uma ereção. Na verdade, nem sei se vou tocá-
la.
Pau burro, check.
Cruzamos os olhares.
Meu coração palpita.
Será que o dela descompassou também?
Ela dá um passo para frente, dou outro, ela outro e eu mais
outro até estarmos perto o suficiente para eu ver que ela tem uma
pinta bem embaixo da narina direita e mais um monte de pintinhas
pequenininhas espalhadas no nariz. Tem uma embaixo do olho
direito também e outra no lado esquerdo do queixo.
É normal que eu queira beijar cada uma delas? Acho que não,
mas eu quero.
Cruzo meu olhar com o seu de novo e não me desprendo.
— Surpreso em me ver? — murmura baixinho, também sem
tirar os olhos dos meus.
— Sim. — Feliz também. — Quando decidiu vir? — Posso te
beijar, nervosinha?
Ela entende, sei que entende quando morde os lábios que eu
queria estar mordendo.
— Foi de última hora. — Não sabia ainda se queria me ver?
Seus olhos confirmam. — Ítalo me convidou no dia em que me
pediu para falar com você, mas não tinha certeza se conseguiria
tempo livre para vir.
— Ou se queria me enfrentar — dessa vez falo de verdade e
ainda assim seu olhar não deixa o meu, mas seus dentes maltratam
a boca que estou salivando para beijar.
— Ou se queria te enfrentar — confirma com um sorriso
divertido.
— Foi por isso também que não foi levar a proposta dele
pessoalmente? — Não precisa da resposta, mas aprecio quando
confirma. — Se arrependeu?
— Não é isso, é só que…
— Eu sou seu funcionário.
— E um pivete.
Bufo.
Um pivete é o cu dela.
Passeio minha mão pela sua cintura e me delicio quando se
contrai e os pelinhos descoloridos se arrepiam, como se tivesse
levado um choque e talvez tenha, um daqueles bem gostosos que
acabam com a calcinha molhada.
— Um pivete que te faria gozar horrores se deixasse.
Ela sorri endiabrada.
— É muita confiança para um cara tão novinho. — Essa não me
irrita, sei que foi para me provocar.
— Deixa eu te mostrar, então.
Seu sorriso vai embora. Pena que minha vontade de vê-la
revirar os olhos de prazer e enfiar as garras na minha nuca de novo
não vai junto.
— Uns amassos tudo bem, Leopoldo. Na verdade, não está
tudo bem, mas já foi. Agora transar é demais. Não gosto e não vou
misturar minha vida pessoal com a profissional. Nunca fiz isso, não
vai ser agora que vou fazer. — Parece irredutível, parece mesmo,
mas a breve escapada do seu olhar para minha boca a entrega. O
corpo meio inclinado em minha direção também. — O Ano-Novo foi
um erro que não podemos repetir.
— Entendo. — Entro no seu jogo e ela fica surpresa. Seguro a
risada. Achou que eu ia insistir mais, não achou, escaladora de
meio-fio? — Você está certa.
Ela não fica muito tempo surpresa, logo dá um passo para trás,
fazendo minha mão cair e coloca uma boa distância entre nós.
— Vim prestigiar um bom cliente hoje, retribuir a presença dele
na minha festa. — Assinto, não acreditando em nada. — E seria
muita falta de educação da minha parte não vir te cumprimentar.
— Seria mesmo.
Ela olha para minha boca de novo, e finjo que não vejo de novo.
— Boa noite, Leopoldo. Até semana que vem.

Não deveria ter pisado meus pés nesta maldita festa.


O que me deu na cabeça de vir ao Guarujá por causa de um
garoto? Realmente vim ver ele tocar? Por quê?
Enganar Leopoldo que estou aqui pelo Ítalo foi fácil, enganar
minha consciência é outra história. Vim no impulso, quando percebi
já estava no carro. A mesma coisa com os saltos no primeiro dia
que nos vimos, o celular que minha carteira ainda sente e os beijos
deliciosos que trocamos.
Leopoldo me deixa imprudente e isso me irrita.
Beijei um funcionário.
Em nove anos de Brandão Technology, nunca fui nem a um
encontro com qualquer um dos meus funcionários ou clientes.
Sempre segui à risca o ditado popular, sempre acreditei que onde se
ganha o pão, não se come a carne.
Então por que estou com tanta vontade de comer? Na verdade,
que ele me coma, né.
Abstinência, certeza.
Me recuso a aceitar que estou subindo pelas paredes de tesão
por um cara de 24 anos com um ego maior que seus 1,99 m de
altura e que nem deve saber transar direito ainda.
Homens barbados não sabem. Leopoldo nem barba direito tem
ainda. Mas beija bem que é uma beleza.
Nossa! Se na cama ele for tão bom quanto no beijo….
ANA BRANDÃO, PAROU!
Respiro fundo espantando o bobo da corte da minha mente pela
milionésima vez no dia e sorrio satisfeita quando vejo Ítalo caminhar
em minha direção. Trabalho vai ser uma boa distração.
— Gostando da festa? — Sorri de braços dados com a esposa
que é tão simpática quanto ele.
— Adorando. — Estaria mesmo se não estivesse tão tentada
pelo seu DJ. — Vocês organizaram uma festa maravilhosa.
— Não teríamos conseguido sem sua ajuda — Isabela, a
esposa dele, fala ainda sorrindo. — O DJ que nos indicou é incrível.
— E simples assim, meus olhos e pensamentos voltam para o
mencionado em questão.
Um inferno isso.
Sei que os dois continuam falando e sei que estou respondendo
no automático, mas infelizmente não consigo tirar minha atenção do
DJ que diferente de mais cedo, quando estava sozinho, agora está
rodeado de mulheres, a maior parte delas são da idade dele.
Elas sorriem e tocam nele toda hora, parecendo um bando de
urubu atrás de carniça, e apesar de estar claro que ele não retribui
os flertes, me incomoda. Incomoda muito e me irrito ainda mais por
me incomodar com isso.
Por que foi que saí de lá mesmo, hein?
Odiei cada segundo daquela maldita festa.
O motivo?
Simples. Bem simples, na verdade.
Ciúmes.
Ciúmes indevido e de quem deveria menos ainda.
Sempre fui uma pessoa que detesta dividir. Se é meu, é meu e
pronto. Mas esse é o ponto, não é? Leopoldo Marinho não é meu, e
nem quero que seja. Mas ainda assim, passei a noite inteira
desejando estrangular as meninas em volta dele, se esfregando
nele e quase implorando por um pouco de atenção. Atenção essa
que ele não deu, para nenhuma delas. Quando não estava
concentrado, seus olhos estavam em mim, sempre em mim, junto
com aquele sorriso debochado que só ele tem.
Sorriso esse que mexeu com a coisa traidora que tenho no meio
das pernas. Inclusive, nós duas estamos discordando bastante nos
últimos dias.
Ela o quer.
Eu quero fugir.
Leopoldo é problema, e de problema para mim, já basta os da
BT.
Deveria ser simples. Ignorar a boceta e ser racional.
O problema é que estou ovulando e subindo pelas paredes de
tesão. Tecnicamente, qualquer um deveria resolver, certo?
Errado.
Provei o Leopoldo e agora não consigo pensar em nada que
não seja dar para ele. Dar de quatro, dar de ladinho, dar no
chuveiro, dar até de cabeça para baixo se conseguirmos.
O sorriso maroto nos seus lábios a noite inteira não ajudou nada
no meu autocontrole. Na verdade, acho que o quebrou.
É a única explicação para eu estar na sua porta agora criando
coragem para bater. O que é que vou falar?
"Oi, Leopoldo. Então, tô ovulando e não sei se sabe, mas isso
me deixa parecendo uma cadela no cio, e aparentemente esse mês
escolhi você para tarar. Será que poderia me comer?”
Não acho que seja a melhor das ideias.
Acho que ele daria risada também e com certeza faria alguma
piada irritante que me faria querer jogar alguma coisa nele, dando
mais uma oportunidade para me processar por agressão.
É isso, vou embora daqui.
O gostoso do Casteel vai ter que dar um jeito no meu fogo hoje.
Uma risada me escapa e tampo a boca para não fazer barulho. Não
tenho certeza se meu personagem favorito gostaria de ter seu nome
em um vibrador rosa brilhante. Mas quem liga? Não é como se ele
fosse sair do livro e brigar comigo. Infelizmente.
Mal dou um passo para longe do quarto quando o barulho da
porta me faz travar. É sério que ele resolveu sair justo agora desse
maldito quarto?
— Ana? — Parece confuso. Continuo de costas. — O que está
fazendo aqui?
Quantas pedras será que joguei na cruz para passar por isso?
Não é possível alguém ser tão azarada assim.
Respiro fundo e me forço a virar para ele. Tenho certeza que
meu sorriso deve estar mais falso que nota de três reais, mas
mesmo assim o mantenho. Leopoldo ergue a sobrancelha e me olha
com curiosidade.
— Eu… É… — Tento, mas nada sai e ele sorri de lado, um
sorriso daqueles bem safados, fazendo a assanhada culpada por eu
estar nessa situação pulsar. — Vim porque…. — Pensa, cacete. —
Só queria te elogiar por hoje. Mandou muito bem. — Consigo
desengasgar, mas já é tarde, está na cara dele que não acredita em
nada.
— Quer entrar, nervosinha? — Oferece, encostando no batente
da porta e cruzando os braços fortes. Mencionei que ele está sem
camisa e só com uma bermuda fina daquelas de pijama? Está
gostoso demais. Quem consegue pensar direito com uma visão
dessas? Eu não consigo. — Tem aquele vinho ruim que você gosta
no frigobar.
— Tem? — Fico surpresa, não é um vinho comum de se ter no
frigobar e Leopoldo odeia. E mesmo não tivesse dito isso com todas
as letras, as caretas que faz quando me vê bebendo deixam claro.
Ele sorri mais, expondo as covinhas que o deixa ainda mais gostoso
e assente. — Por quê?
— Porque achei que em algum momento você fosse aparecer
aqui e…
Abro a boca, indignada com a audácia e ele dá risada.
Convencido!
— É inacreditável o tamanho do seu ego — acuso já irritada de
novo e ele faz o que? Ri, como sempre. — Vou voltar para meu
quarto. Bom descanso, Leopoldo.
— Espera aí, nervosinha, nem me deixou terminar de falar. —
Agarra meu punho, me puxando para mais perto. No susto, espalmo
a mão nos seus gominhos desnudos e talvez tenha aproveitado a
chance e apalpado um pouco. Só um pouco. Nossa, que forte. Nada
do pivete que o acusei de ser mais cedo. — Se não viesse, estava
planejando ir até seu quarto assim que eu terminasse de comer.
Ele solta meu punho devagar e sobe a mão pelo meu braço
lentamente, como se estivesse lidando com um animal enjaulado
que poderia escapar a qualquer momento. Deveria me irritar? Sim,
mas também não é como se ele estivesse errado. Qualquer
movimento que me faça cair de volta na minha razão, me tiraria
daqui. Não quero passar nem perto da racionalidade agora, não
com sua outra mão dedilhando o caminho até minha cintura.
A delicadeza do toque me deixa toda arrepiada e querendo
mais. Muito mais.
Sabe aquela traidora? Está pulsando na minha calcinha agora.
Sua mão alcança meu queixo e ele inclina minha cabeça para
trás até seus olhos se fixarem nos meus. Os olhos castanhos mais
leves que conheci me transmitem tanta calma que fico mais leve
também.
Não deve ser fácil ser tão de bem com a vida e pai de duas
crianças de sete anos aos 24. E ele não é um desses moleques
irresponsáveis que deixa tudo para os pais, longe disso, pelo que vi
nos últimos dias, ele dá a vida pelos filhos e é o melhor pai que
conheço.
Com tanta responsabilidade, como pode viver com tanta leveza
assim? Invejo isso.
— Quer saber o motivo pelo qual eu iria no seu quarto? — Seu
polegar acaricia a maçã do meu rosto. Aquiesço. — Não acreditei
nem por um minuto na sua desculpa para vir aqui hoje. — Faço
minha melhor poker face. Não é porque fui pega na mentira, que
vou me entregar. Ele sorri para mim, descendo o carinho para minha
boca. Arfo e seu sorriso cresce. — E acreditei menos ainda quando
seus olhos não saíram de mim a noite inteira, ou quando parecia
querer matar as meninas que ficaram ao meu redor depois que saiu.
— Seu polegar puxa meu lábio inferior para baixo, distraindo a nós
dois. — Fiquei esperando sua rasteirinha voar em minha direção por
longas horas. — Sorri, divertido. Reviro os olhos e ele firma mais o
aperto na minha cintura. Que pegada gostosa. — Confesso que
fiquei decepcionado quando não voou. Gosto quando está sendo
uma pinscher agressiva.
— Pinscher é seu cu! — Reajo, espalmando a outra mão na sua
barriga, que é o lugar mais fácil para alcançar sem erguer os braços,
para empurrá-lo, o que só faz ele me puxar para mais perto. Estou
quase toda colada nos seus gominhos agora. — Não interessa o
que você ac…
— Shhhhh! Me deixa terminar. — Seu indicador pressiona
minha boca e quando consegue me calar, desce a mão e a fecha na
minha nuca. Agradeço com um olhar e ele entende, sorrindo e me
deixa soltar o peso na sua mão. Meu pescoço já estava doendo de
olhar para cima. — Talvez eu seja tão maluco quanto você, porque
adorei seus ciúmes…
— Eu não estava com ciúmes! — protesto e ele ri.
— Adorei a raiva quando olhou para as garotas, que ou são
burras ou desatentas, por sinal. Como não repararam que minha
atenção estava totalmente na morena vestida de vermelho? Que eu
não conseguia tirar meus olhos de você? — Nossa. Quando foi que
abracei sua cintura e me aproximei ainda mais? — Nem com todo
esforço do mundo conseguiriam, e se estamos sendo sinceros. —
Está mais pra você jogando verdades na minha cara. — Também
não gostei nada dos milhões de homens que chegaram em você na
festa. — Reviro meus olhos com o exagero. — Sabe por quê?
Porque não queria que nenhum deles me atrapalhasse de conseguir
o que quero hoje.
— O que você quer, Leopoldo?
Ele para de sorrir e se inclina, roçando os lábios no meu ouvido,
arrepiando cada maldito pelo no meu corpo. Preciso mencionar que
a traidora ficou toda feliz?
— Você — sussurra com a voz tão rouca, que se eu já não
estivesse molhada, teria ficado agora. Sabe aquela voz de homem
que tira a gente do rumo? Foi bem desse jeito. — Eu quero você,
Ana Brandão.
Penso por exatos dois segundos antes de agarrar seu cabelo,
ficar na ponta dos pés e grudar minha boca na sua.
Se tudo der errado, sempre posso culpar minha ovulação.
Nunca fui tão feliz em ser atacado.
Reajo instantaneamente, aproveitando minhas mãos na sua
nuca e cintura para pressionar seu corpo pequenininho contra mim.
Torci pra caralho na última semana para ter me enganado sobre seu
beijo no Ano-Novo.
Não me enganei.
Sem dúvidas, é o melhor beijo do mundo.
A conexão me faz delirar.
O encaixe é surreal.
Caralho de beijo bom viu?!
Minha coluna está doendo pela posição, mas não me importo,
apenas aproveito para morder sua boca gostosa e chupar seus
lábios com gosto. Ela geme e meu pau pulsa.
Como pode ser tão deliciosa assim?
Puta que pariu, Ana.
Minha língua explora sua boca, a dela se rende à minha e nos
perdemos um no outro até que o ar seja necessário demais para
ignorar.
— Gostosa — murmuro, arrancando uma risada ainda mais
gostosa dela. Não resisto e mordo sua boca, encostando minha
testa na sua.
— Não era pra ser tão bom assim. — Choraminga, fechando os
olhos.
— Não — concordo. — Mas você é o melhor beijo que já provei
— conto, chupando seu lábio. Ela geme de novo. — Vou
enlouquecer aqui. Só de imaginar se… — Respiro fundo, ela
também. — Escuta. Tô louco de tesão por você e tenho certeza que
se enfiar meus dedos na sua calcinha agora, vou encontrá-la
encharcada. Não acho que vai amenizar até fazermos alguma coisa
sobre isso.
— Alguma coisa? — pergunta com um sorrisinho zombeteiro.
— Uhum. — Enfio meu rosto no seu pescoço, chupando o ponto
sensível abaixo da sua orelha. — Alguma coisa do tipo foder. — Ela
estremece. — Foder por horas, em todas as posições que
conseguirmos, quantas vezes pudermos. — Suas unhas rasgam
minha nuca e é minha vez de gemer. Tão deliciosamente agressiva.
— Tenho certeza que vai ser o suficiente para tirar esse desejo dos
nossos sistemas. — Ou me viciar de vez em você.
— É um bom ponto.
— Meu carro só chega daqui dez horas. Quer entrar?
A resposta dela é me empurrar e fechar a porta atrás de si. Ana
dá dois passos para trás, se afasta de mim e faz sua melhor cara de
brava.
Já falei que ela é fofa? Tem nem meio metro direito.
— Temos dez horas. Nada mais — fala com firmeza e concordo.
— Quando sairmos daqui, vamos fingir que nada aconteceu. Não
vamos falar sobre isso com ninguém, especialmente dentro da BT.
— Concordo em, gênero número e grau. — Findo o espaço
entre nós. — Posso te comer agora?
Ela dá risada, me deixando com ainda mais tesão.
Tão gostosa.
— Espero que valha a pena.
Sua boca está curvada em um sorriso debochado, me olhando
com mais deboche ainda. Sua cabeça está quase toda inclinada
para trás, para conseguir me encarar, as mãos em cima das minhas
na sua cintura. Tem nem tamanho de gente direito para ser tão
implicante.
— Também espero, dizem que depois de velha, a flexibilidade
não é lá essas coisas mais. — Finjo estar falando sério, ela fica puta
e tenta soltar minhas mãos de si.
— Me solta. — Manda irritada. — Vai procurar uma novinha
para treinarem juntos.
Treinar?
Não consigo mais manter a pose e gargalho. Vou adorar fazê-la
gritar até engolir essas palavras.
Treinar.
HAHAHA!
Firmo mais meu aperto ao seu redor e inclino minha cabeça,
sugando o biquinho irritado. Ela morde minha boca com força e sinto
o gosto de sangue, minha cueca fica sem espaço.
— Perdi completamente o senso de normalidade — falo comigo
mesmo, mas ela escuta. — Quanto mais agressiva você é, mais
duro meu pau fica.
Pressiono seu corpo contra o meu e ela sente minha
honestidade na sua barriga. Poderia ser na boceta? Poderia, mas
ela esqueceu de crescer. Adoro como isso me dá a desculpa
perfeita para agarrar sua bunda e pegá-la no colo. Ela não vem fácil,
mas desiste de lutar quando meu pau encontra o caminho para o
meio das suas pernas por cima das nossas roupas.
— Você é insuportável. — Sai mais como um gemido do que
como uma reprimenda.
— E você completamente desequilibrada. — Me esfrego nela,
suas unhas encontram o caminho para meus ombros. Já falei que
adoro que sejam como garras afiadas? Sua boca roça no meu pomo
de Adão, a língua atrevida lambendo todo o caminho até meu
queixo. — Hummmm. Gostosa pra porra também.
Seria mais fácil ir até a cama, mas a ideia de fodê-la
exatamente assim contra a porta, é tentadora demais para fazer
qualquer outra coisa que não encostar suas costas na madeira e me
encaixar ainda mais no meio das suas pernas. Mais uma esfregada
que arranca suspiros altos de nós dois. Nunca odiei tanto roupas
como agora
— Acha que aguenta, velhinha? — provoco, beijando sua boca
gostosa.
— Se você souber achar o clitóris, quem sabe, pivete. —
Devolve sorrindo.
Beijo seu sorriso, rendendo sua língua a minha. Rendida assim,
nem parece que é o chaveirinho preferido do capeta.
Não acho que vou me saciar desse beijo gostoso tão cedo.
Quem é que fica satisfeito em algum momento com o melhor beijo
que já provou? Eu não.
— Não tinha vestido hoje? — Choramingo com a calça
impedindo meu contato direto com sua calcinha molhada.
— Achei que a calça seria mais um obstáculo para me ajudar a
criar juízo — confessa.
— Resolveu muito, hein — implico, encontrando o zíper na
lateral e abrindo com pressa.
— Calado — rosna, tomando minha boca para si. Quem sou eu
para reclamar?
Tento, completamente desajeitado, tirar sua calça sem descê-la
do meu colo e bufo frustrado quando não consigo. Ela gargalha e
murmura na minha boca para deixá-la descer e se livrar logo da
peça. Obedeço, mas esfrego meu corpo no seu até seus pés
tocarem o chão de novo.
Ela sai da calça dando uma reboladinha que me deixa quase
tão fascinado quanto fico na calcinha que está usando. É claro que
está usando renda vermelha. Uma calcinha minúscula de renda
vermelha. O sorriso malicioso em seus lábios entrega que ela
estava querendo chegar exatamente aqui quando parou na porta do
meu quarto e não teve coragem de bater.
Ana lembrou o quanto fiquei perdido no dia em que se molhou e
escolheu a peça de propósito para me enlouquecer. Não preciso
dizer que conseguiu, nós dois sabemos que sim.
— É conjunto? — Desvio a atenção da renda transparente e
olho a blusa branca larguinha que está vestindo.
— Por que não vem aqui descobrir? — Morde o sorrisinho
maroto.
Agarro a barra da blusa, ela levanta os braços e a arranco em
um único movimento, gemendo ao ver que sim, é conjunto. Tanto a
calcinha quanto o sutiã não fazem muito esforço para cobrir a pele
dourada dos peitos pequenos e a boceta que tô doido para provar.
Seco seu corpo malhado, apoiando a mão no queixo para ter
certeza de que estou com a boca fechada e não babando no chão.
Eu sabia que a Ana é gostosa, mas vendo-a assim… Puta que
pariu.
— Sério que vou ter que mandar você parar de babar e fazer
alguma coisa a respeito? — Mais uma provocação. Mais um sorriso
de matar.
— Eu estou fazendo alguma coisa. — Ela ergue a sobrancelha,
me desafiando a falar o que. — Te comendo com os olhos antes de
te comer de verdade.
— Muito papo e pouca ação. — Suspira alto como se estivesse
decepcionada. Abusada. — Você prometeu me foder, não ficar aí só
olhando. — Dá um passo até mim, arrasta as unhas pelo meu
abdômen e sorri endiabrada quando ele se contrai. — Ou está me
enrolando porque acha que não consegue aguentar as poucas
horas que temos?
Meu ego recebe a provocação com sucesso junto com o desafio
ao meu pau. Abusada, atrevida e uma provocadora do caralho. Isso
que o pingo de gente que agarro de novo é.
Beijo-a com voracidade, engolindo cada um dos nossos
suspiros. Ela continua me arranhando e desce as unhas perigosas
para o cós da minha bermuda, brincando por tempo suficiente para
me fazer tirá-la sem deixar de saborear seu beijo gostoso.
Por que tão bom? Não podia ser assim com uma pessoa menos
raivosa?
Sua mão encontra o volume na minha cueca e aperta quase ao
ponto de doer. Grunho na sua boca e ela sorri na minha. Apoio
minha mão nas suas costas, solto o sutiã com facilidade e sorrio
convencido quando ela arfa surpresa. Treinar é o rabo dela. Abro os
olhos para admirá-la de novo. São pequenos e perfeitos como ela.
Brinco com os mamilos, fazendo-a se encostar na parede,
gemendo.
Aperto com um pouco mais de força, testando e ganho um
gemido mais alto. É claro que ela ia gostar que fosse mais bruto, as
marcas de unha no meu corpo estão aí para provar. Continuo
massageando o direito enquanto abocanho o esquerdo, lambendo,
chupando e mordendo, adorando cada vez que meu nome sai dos
seus lábios enquanto seu corpo se inclina mais para mim.
— Nem comecei direito e já está pagando língua, nervosinha —
provoco, sem tirar seu peito gostoso da boca, encarando seus olhos
nublados de desejo.
— Só cala a boca e continua, bobo da corte.
Obedeço com prazer.
Ela enfia a mão na minha cueca e traz meu pau para fora,
punhetando gostoso. Suas unhas se arrastam com cuidado pela
glande, me fazendo estremecer e chupar seu peito com mais força.
Ambos arfamos. Ana sabe exatamente o que está fazendo,
colocando a pressão certa para me enlouquecer e ajudá-la, fodendo
sua mão. Arrisco uma mordida e ganho meu nome em um murmuro
deliciado.
Coloco minha mão sobre a sua e diminuo o ritmo para que eu
não goze bem antes do que pretendo, deixo seus seios de lado
também. Arrasto uma mão pelo seu corpo até fechá-la no seu
pescoço e a outra na sua nuca, inclinando-a para ter acesso
completo ao seu pescoço. Sugo a pele sensível até ficar vermelha.
— Não sou vaca para ficar me marcando. — Esbraveja, mas se
perde no personagem quando passo a língua por cima da
vermelhidão arrancando um gemido dos seus lábios entreabertos.
— É sim. — Chupo seu colo. — Uma vaquinha em miniatura
linda que dá uns coices fenomenais. — Dou atenção aos seus
peitos de novo e me ajoelho ficando na altura deles. Tão pequena.
Desço os beijos, mordiscando cada pedaço de pele que encontro.
Passo minha língua ao redor do seu umbigo, me deliciando ao vê-la
estremecer. — Uma que eu tô doido para lamber e marcar cada
pedacinho. — Arrasto os dentes pelo cós da sua calcinha.
— Não vai marcar coisa nenhuma. — Geme, enfiando os dedos
no meu cabelo e empurrando minha cabeça mais para baixo. Minha
risada vibra na sua boceta e ela esfrega as coxas uma na outra.
Enfio meus indicadores nas laterais finas da renda e desço a peça,
olhando seu rosto cheio de luxúria. Gostosa demais. Resvalo os
dentes na pele lisinha e sugo, marcando-a de novo. Suas pernas
cedem e agarro suas coxas, firmando-a de novo. — Talvez possa
marcar um pouquinho só.
Gargalho de novo. Estou adorando vê-la rendida assim. Minha
coluna está doendo, porque tenho que ficar todo torto para alcançar
sua boceta, então pego uma das suas pernas e passo por cima do
meu ombro, a firmo na parede, e ela mesma passa a outra, ficando
pendurada no meu pescoço com a boceta gostosa bem onde quero.
Agarro sua bunda e a empurro contra minha língua.
— Deliciosa. — Suas unhas se enterram em meus ombros e é
minha vez de arquejar de prazer. — Puta que pariu, Ana. — Ela ri e
se esfrega na minha boca.
— Ainda não te vi encontrar meu clitóris, Leopoldo — provoca
em meio a um gemido.
— Não? — Me faço de bobo. — Tem certeza? — Mordo e sugo
seu clitóris com força o suficiente para fazê-la jogar a cabeça para
trás e ofegar meu nome. — Acho que encontrei. — Lambo. Ela se
esfrega mais na minha cara. — O que acha, nervosinha? — Ela não
responde e paro de lamber, ficando quieto. Encontro seus olhos
faiscando nos meus e ela tenta voltar a se esfregar na minha língua.
Uso minhas mãos na sua bunda para mantê-la quieta. — O que
acha? — friso, sorrindo do seu desespero.
Seus olhos cor de mel se estreitam e suas mãos encontram o
caminho para minha nuca, me empurrando de volta para onde me
quer. Deixo-a me direcionar, mas fico parado.
— É sério? — Suspira. Encontra a resposta nos meus olhos e
revira os olhos. — Achou, Leopoldo Marinho. Tá uma delícia. Seu
ego está satisfeito? — concordo e lambo sua entrada. — Mas ainda
não merece uma estrelinha por bom comportamento. Eu não gozei
nenhuma vez. — É claro que ela não sairia perdendo.
— Abusada!
Ela gargalha e fico mais duro. Enfio minha cara na sua boceta
de novo e me delicio. Chupo, mordo, lambo e sugo cada pedacinho,
marcando-a e ficando marcado também. Seus gemidos e suspiros
me deixam com ainda mais tesão. Seu corpo tremendo nas minhas
mãos, é uma delícia. Nem me enfiei dentro dela ainda e sei que não
importa quantas horas passemos trancados nesse quarto, não vou
me saciar.
— Segura em mim. — Mando e ela agarra meus ombros,
obedecendo. Levanto ainda com a boca no meio das suas pernas e
volto a encostá-la na porta como apoio. Abro suas coxas e enfio um
dedo, testando sua boceta e gargalhando quando ela rosna para
que enfie outro. Mandona pra caralho também. — Gostosa. —
Fodo-a com meus dedos enquanto mordisco cada pedaço de pele
da boceta gostosa que ela tem.
Chupo seu clitóris, metendo meus dedos com voracidade e me
deliciando com cada som de prazer que escapa da sua boca. Ela
fecha as pernas no meu pescoço e joga a cabeça para trás,
rasgando minha nuca com suas unhas agressivas, seu corpo inteiro
tremendo, gozando tão intensamente que quase gozo junto.
Tinha que ser tão linda assim? Fica difícil não querer ver essa
cena todo dia.
Um sorriso arrogante se desenha nos meus lábios quando seus
olhos ainda perdidos e nublados encontram os meus. Não duvidei
nem por um momento que fosse gozar na minha boca, mas vê-la
pagar língua é quase tão bom quanto fazê-la gozar.
Quando se recupera, ela se remexe para descer e a ajudo a
escorregar pelo meu corpo até suas pernas enlaçarem meu quadril.
Como se conhecesse o caminho a vida inteira, meu pau se encontra
com sua entrada.
— Porra. — Encosto a testa na dela, dando tudo de mim para
não esquecer a camisinha e só me enfiar dentro dela. — Acho que
mereço um beijo depois de te fazer ver estrelas — provoco, ainda
sorrindo.
— Arrogante — acusa sorrindo também.
Estou quase tomando sua boca na minha, quando lembro que
algumas mulheres detestam ser beijadas depois de gozarem com
oral. Acho hipocrisia e frescura? Acho, mas é só minha opinião.
— Por que parou? — Enreda as duas mãos no meu cabelo.
Aponto para meus lábios melados dela e ela revira os olhos,
passando a língua pela minha boca. Porra. — Não sou fresca,
Leopoldo. A menos que você seja, não vejo motivo para não enfiar
sua língua na minha boca agora.
— Quer me matar, não é? Esse é seu plano maligno para se
livrar do seu assistente bobo da corte. — Choramingo rindo e ela
gargalha na minha boca.
Nossa, que sensação boa.
— Idiota.
— Linda.
Faço exatamente o que ela mandou, enfiando minha língua na
sua boca e devorando cada pedacinho dela. Meu pau roça na sua
entrada de novo e nós dois gememos. Seguro-a pela bunda e com a
outra mão, tiro a cueca de vez, ando até a sacola de camisinhas que
comprei mais cedo e pego uma antes que me esqueça do motivo
pelo qual precisamos usar e arrisque fodê-la sem.
Ela segura meu rosto e o vira para em sua direção, as
sobrancelhas arqueadas, dividindo o olhar entre mim e a sacola da
farmácia.
— O que?
— Sério? — pergunta meio risonha e meio indignada também.
— Eu disse que estava planejando ir ao seu quarto se não
aparecesse no meu. — Dou de ombros.
— Você é muito convencido! — O bico irritado aparece de novo
e o mordo.
— Pode ser, mas não estava errado, estava?
Ganho um tapa no peito seguido de mais um xingamento que
interrompo com um selinho forte.
— Ba…. — Outro selinho. — Me d… — Mais um. — Leo… —
Lambo sua boca e ela explode em uma risada gostosa. — Você é
um idiota.
— Uhum, linda.
Rasgo a embalagem com os dentes e ela toma de mim, se
encarregando de colocar, dando uma punhetada no processo. Volto
para a porta, beijando-a enquanto suas costas batem na madeira
com um barulho oco. Mordo sua boca e ela devolve.
— Pronta, chaveirinho? — Separo nossos lábios para ver sua
resposta.
Ela revira os olhos, mas não retruca. Sua resposta é pegar meu
pau e guiá-lo para sua entrada. Observo, fascinado, sua boceta me
engolir devagar.
Porra.
Tão apertada.
Engolir não é a palavra certa.
Estrangular é.
Saio e entro de novo, mais rápido dessa vez.
— Leopoldo. — Arqueja.
Tiro meu pau e invado sua boceta apertada de novo e de novo
até encontrar um ritmo que enlouqueça a nós dois.
Rápido.
Duro.
Forte.
— Caralho, Ana, que delícia! — Ainda estamos olhando meu
pau invadindo sua boceta, fodendo-a com força o suficiente para a
porta em que está encostada fazer barulho.
Fecho minha mão na sua nuca para que sua cabeça pare de
bater contra a porta e devoro sua boca. Suas unhas rasgam cada
pedaço de pele que encontram enquanto engulo cada um dos seus
gemidos, toda vez que chama meu nome.
— Como é bom te foder, nervosinha. — Grunho na sua boca.
Enfio uma mão no nosso meio e pressiono seu clitóris,
ganhando um grito prazeroso dela, e o devoro com minha língua.
Fodo-a com força, adorando o silêncio sendo preenchido pelos sons
dos nossos corpos se consumindo e os arquejos de prazer. Caralho,
não me lembro de ser assim com mais ninguém.
Ana estremece, sua boceta esmagando meu pau com os
espasmos do seu segundo orgasmo chegando. Aprofundo mais
nosso beijo e fodo-a com ainda mais força, estimulando seu clitóris
até que ela morda minha boca com força, gozando gostoso no meu
cacete.
A contração da sua boceta é o suficiente para me arrancar o
primeiro orgasmo de hoje. Sim, arrancar, porque, porra, é
arrebatador.
Eu me perco dentro dela.
Dentro de nós.
Todo o meu corpo treme e é a minha vez de mordê-la e clamar
seu nome.
Beijo-a até nossos corpos se acalmarem e saio de dentro dela,
ainda semiereto. Caminho até a cama e coloco-a no colchão com
cuidado. Sorrio quando ela se esparrama, toda mole e roubo mais
um beijo antes ir até o banheiro tirar a camisinha, dando um nó e
descartando-a no lixo.
Não lembro de nenhuma transa que tenha me deixado tão
deslumbrado assim. Nada que tenha sido tão bom. Nada que tenha
sido tão divertido.
Puta que pariu.
Estou mais fodido do que Ana vai ficar quando terminarmos.
Tô ferrada.
Bem ferrada.
Leopoldo Marinho não só fode bem pra caralho, como sem
sombra de dúvidas, foi a melhor foda da minha vida. Gozei seis
vezes. Nem lembro a última vez que isso aconteceu, sequer tenho
certeza se já aconteceu.
Ele me exauriu.
Cada gota de energia que tinha no meu corpo foi com Deus
cinco minutos atrás. Não consegui nem levantar da cama para me
limpar direito e confesso que fiquei com inveja quando Leopoldo foi
todo glorioso para o banheiro. Com um pouquinho de raiva também,
o que custava se oferecer para me ajudar a levantar? Foi ele quem
me cansou.
Mal tenho tempo de finalizar o pensamento quando ele volta
com uma toalha enrolada no quadril e outra bem mais molhada nas
mãos. Algumas gotas passeiam pelo seu corpo e somem dentro da
toalha, me deixando com água na boca. Quero lamber, meu corpo
todo fica quente, mas minha boceta arde me lembrando que mais
uma rodada e vamos ficar em carne viva.
Ele me dá um daqueles sorrisos de lado bem arrogante que
recebi bastante nas últimas horas e sobe na cama, ficando no meio
das minhas pernas. Abro a boca para falar que nem fodendo vamos
foder de novo, mas sou surpreendida quando ele empurra minhas
coxas com cuidado e começa a me limpar com mais delicadeza
ainda.
— Já te fiz pagar língua pelo tanto que com certeza me xingou
em pensamentos por não te ajudar a levantar? — Já, mas não vou
admitir e te deixar ainda mais convencido. — Não precisa
responder, seu biquinho irritado já fez isso.
Reviro os olhos para seu sorriso, mas não contenho um esboço
do meu próprio. Fode bem e é cuidadoso depois. Realmente é uma
pena que hoje seja a primeira e última vez que posso ceder.
Leopoldo seria um ótimo P.A.
Ele beija a parte interna da minha coxa, me fazendo estremecer
e lhe recriminar também. Ele gargalha e desenrola a toalha do
quadril, mostrando o pau amolecido, mas ainda assim com um
tamanho considerável.
Adicione um pau enorme à lista de qualidades desse idiota.
— Não é só você que está exausta, nervosinha. Pode ficar
tranquila. — Respiro aliviada e me junto a sua risada quando ele
brinca com o pau para confirmar que não vai voltar a subir tão cedo.
— Viu?
— Graças a Deus!
Ele termina de limpar e coloca as toalhas em um canto. Abre a
mochila que trouxe, pegando duas cuecas e uma camiseta. Veste
uma e me dá a outra junto com a camiseta.
— Estou com fome e imagino que também esteja. Vamos comer
e depois você volta para o seu quarto. Ainda temos pouco mais de
duas horas antes do carro chegar. — Olho para as peças nas
minhas mãos, considerando sua oferta. — Não é como se eu fosse
achar ruim te ver pelada. — Solta um sorriso arrogante — Mas não
acho que vá se sentir confortável.
Não, não vou.
Aquiesço. Já fiz o que não devia, comer com ele não pode
piorar nada. Visto a cueca e a camiseta que fica enorme em mim.
— Muito escaladora de meio-fio mesmo, viu?
Ambos damos risada com a barra da camiseta alcançando
meus joelhos.
— Não tenho culpa se você facilmente seria escalado para o
elenco de Avatar.
— E você para os Minions. — Seus olhos brilham maliciosos
como se tivesse uma ideia melhor. — Não, com certeza seria
perfeita para Perdido pra Cachorro.
Sorri mais.
— Porque a protagonista é uma chihuahua? Você é tão óbvio.
— Finjo estar irritada, mas estou relaxada demais para me
incomodar.
— É a raça mais próxima do pinscher — se defende.
Ele pega o cardápio que o hotel disponibiliza e o telefone, se
jogando ao meu lado na cama só de cueca boxer. Uma que fica
perfeita no seu corpo gostoso. É daquelas grandes que vai quase
até metade das coxas gostosas cheias de pelos loirinhos que eu
aproveitei muito bem hoje. Leopoldo está todo arranhado, e se não
fosse pelos gemidos roucos que deu em cada uma das vezes que
rasguei sua pele, com certeza me sentiria mal e pediria desculpas.
Mas ele adorou tanto quanto eu. Ele gosta de sexo bruto na medida
certa para me enlouquecer.
— Eu me recupero mais rápido do que você, Ana. — Pulo com
o susto. Ele não tirou os olhos do cardápio, mas a rouquidão foi o
suficiente para me arrepiar inteira. — Se continuar me olhando
assim… — Nunca recebi uma ameaça tão gostosa.
Minha boceta pulsa e esfrego as coxas que ardem e me
lembram o motivo de eu não poder saltar no colo dele agora e fazê-
lo de pula-pula.
Bufo, completamente frustrada, me jogando de volta no
travesseiro e ele gargalha. Pimenta na boceta dos outros é refresco.
Pedimos a comida e ele liga a televisão, zapeando entre os
canais, procurando algo para assistirmos enquanto esperamos. Não
consigo conter um gritinho quando em um dos canais está passando
Como Treinar o Seu Dragão 3. Sinto minhas bochechas
esquentarem, mas finjo que nada aconteceu. Ele volta para o filme e
se vira para mim.
— Você realmente gosta, não é? — Tiro meus olhos da tela por
um segundo só para concordar e volto a assistir. — Pensei que tinha
falado só para puxar conversa com o Átila, mas no dia em que vi a
coberta do dragãozinho, desconfiei que era mesmo apaixonada.
— Banguela — corrijo, já ficando irritada. — Não é dragãozinho.
— Você sabe que é só um filme, certo? — Sei pelo seu tom que
está me provocando e consegue, porque tiro os olhos da tela e o
fito, cruzando os braços, dando meu melhor olhar homicida. — Tô
brincando, nervosinha. Não precisa me olhar como se quisesse me
matar. — Sorri, desfazendo o bico que diz que faço com o polegar.
— Sabe... — Seus olhos sobem para os meus de novo. — Não faz
muito sentido a pessoa mais estressada do mundo gostar de coisas
como desenhos e vinhos com gosto de algodão-doce.
— Claro que faz — rebato. — São justamente essas coisas que
me acalmam.
— Está concordando que é a pessoa mais estressada do
mundo?
— Claro que não. Só que às vezes fico um pouco nervosa. Não
é minha culpa se o mundo é estressante.
— Claro — concorda em deboche. — E joga sapatos em
pessoas inocentes.
— Inocente? — pergunto incrédula. — Você não tinha nada de
inocente. Eu estava tendo uma noite horrível e você fez questão de
esfregar o dedo na ferida.
— Eu só estava tentando alegrar seu dia. Você parecia estar
precisando de um pouco de bom humor.
— Você me chamou de pinscher molhado e disse que nem água
sanitária consertaria o cheiro da sua jaqueta! — Quase brado, muito
indignada.
— Você estava fedendo manga junto com cachorro molhado.
Odeio manga! Como ia ficar com uma jaqueta com esse cheiro?
O sorriso brincalhão não deixa seus lábios, mesmo quando faz
careta ao falar de manga. Em outros tempos, eu provavelmente
defenderia a pobre da fruta, mas tenho calafrios ao lembrar daquele
pozinho amarelo.
Eca!
— Aposto que odiaria mais ainda se tivesse no meu lugar
naquele dia.
Ele se vira de vez para o lado, ficando com o rosto bem perto do
meu. Os olhos brilhando de curiosidade.
— O que aconteceu aquele dia? — Uma das suas mãos serve
de apoio para sua cabeça e a outra vem para o meu rosto, fazendo
carinho.
— Em resumo? Fui a um encontro desastroso. O ovo mole não
se dignou a tomar UM BANHO para me encontrar e para
“compensar” isso, jogou o pó de um suco de manga no pau para ter
o boquete que queria.
Seu rosto vai de incrédulo para uma gargalhada tão longa que
me contagia. Gargalhamos pelo que parece uma eternidade.
Gargalhamos até meus olhos lacrimejarem. Gargalhamos até ter
que colocar a mão na barriga doendo. Gargalhamos até precisar de
ar.
— Ele…fez…o… que? — Coloca a mão na barriga, ainda rindo
muito. — É sério?
— Uhum — concordo rindo também.
— Que escroto. — Assinto de novo. — Me conta direito como
chegaram nisso. Gosto de detalhes. — Apoia a cabeça na mão de
novo, mas dessa vez com o cotovelo no colchão, flexionando os
músculos e atraindo minha atenção para lá. Tão gostoso. Tão
homem. Mas os olhos são de um garoto curioso.
Maria fifi.
Reviro os olhos, mas conto cada detalhe daquela noite e de
muitas outras que também foram péssimas. Ele também compartilha
seus próprios encontros ruins e as duas horas passam voando entre
muita conversa, risadas e meu filme favorito de fundo.
Quando chega a hora de voltar para o meu quarto, fico com o
coração apertado por saber que nunca mais vou ter uma tarde
assim.
Não posso ter.

— Eles queriam muito vir aqui. Tentei dissuadi-los, mas sabe


como essa criaturinha impaciente é quando quer alguma coisa. —
Marina justifica, observando os afilhados rolando no chão com a
Mel. — Não ficou chateada, certo?
— Claro que não. — Sou sincera. — Só surpresa. — Dez
minutos atrás, a melhor amiga da minha irmã bateu na minha porta
com os gêmeos sorridentes ao seu lado. Átila foi o primeiro a me
abraçar quando me viu. Surpreendendo tanto sua madrinha quanto
eu. — O Leopoldo sabe que eles estão aqui? – pergunto
preocupada.
— Não sabia até agora. Hoje é meu dia com eles — explica, me
tirando dos meus devaneios e mostra o celular. — Mas acabei de
avisar que demos uma passada aqui já que eles queriam te ver.
Será que ele ficou de boa? Nosso “relacionamento” não está
dos melhores. Na verdade, não está ruim também, só estamos nos
tratando como colegas profissionais, nem mesmo nossas conversas
pós-expedientes temos mais. Leopoldo irritantemente respeitou
cada um dos limites que impus depois que saímos daquele quarto.
Não me impediu de fugir do que aconteceu, nem mesmo tentou.
— A Mel adorou as visitas — brinco, espantando os
pensamentos e o sentimento esquisito no meu peito.
Não é uma mentira, no entanto. Mel está dando lambidas
infinitas em cada um deles e arrancando aquelas risadas gostosas
que só crianças têm. Rayka foi a primeira a abraçar minha cachorra
e foi um dos segundos mais tensos da minha vida, fiquei morrendo
de medo de ela morder a pequena, já que não é acostumada com
crianças, mas minha filha os adorou.
— Ainda bem que eu trouxe roupas reservas — comenta
olhando para eles com um sorriso carinhoso.
— Ainda bem mesmo, eles já estão todos babados — Ágata
fala, entrando na sala e se joga no nosso colo. A cabeça no meu e
pernas no da melhor amiga.
— Folgada — reclamo, fazendo carinho nos seus fios molhados
do banho.
— Que você ama. — Ela olha para os meninos brincando com
nosso controle de TV. — Poderíamos ver se o parquinho do prédio
presta — comenta. — Os vizinhos falam que é muito bom. — Como
ela foi parar em uma conversa sobre o parquinho com os vizinhos,
eu não faço a mínima ideia. — Não é porque você é antissocial que
também sou, maninha — responde meus pensamentos. — A
chatice ficou toda com você. — Mostra língua.
— A maturidade também.
— A Ana é meio fechada mesmo. — Marina começa. — Mas
você é completamente dada, Ágata. Como é que falou sobre o
parquinho do prédio com seus vizinhos? Nem com crianças você
convive para parar em uma conversa dessa.
— Sei lá. — Dá de ombros. — Só falei. Vamos descer ou não?
— me pergunta.
— Marina é quem decide.
— Acho que eles vão gostar de brincar um pouco. Podemos
ficar uns 40 minutos e depois eu subo para dar um banho neles e
irmos embora. Tudo bem por vocês?
Concordamos e minha irmã pula animada do sofá, segurando
as mãozinhas dos gêmeos enquanto pego a coleira da Mel. Ela fica
quietinha enquanto coloco, balançando só o rabo empolgada. Pego
a guia e me surpreendo quando uma mãozinha se enfia na minha.
— Posso segurar na sua mão, tia Ana? — Átila pergunta
baixinho. Sorrio, sentindo meu coração aquecer. Que criança fofa!
— Claro que pode.
Ele retribui o sorriso e faz carinho na cabeça da Mel.
Minha irmã e Marina nos olham com interesse, mas ignoro.
Saímos e Ágata cumprimenta pelo nome cada uma das pessoas
que nos esbarramos até chegar nos brinquedos. Rayka, agarrada
na mão dela e da madrinha, não é diferente, também sorri e
conversa com todo mundo, enquanto o irmão tenta fundir seu corpo
na minha perna.
— Papai, foi muito muito divertido! Brincamos no parquinho com
um monte de outras crianças; o Átila não queria conversar com
ninguém, mas fiquei amiga de uma menina quietinha igualzinha a
ele e depois fiz os dois virarem amigo também! — Rayka pula no
meu colo, toda empolgada contando como foi a noite ontem no
apartamento da Ana.
— Meu amor, você não pode forçar seu irmão ser amigo de
alguém se ele não quiser – falo com carinho. — Sei que é difícil
entender que vocês são diferentes, mas vocês são. O Átila não
gosta tanto de fazer amizade como você e temos que respeitar isso,
tudo bem?
— Não tem problema, papai. A Daniela era legal.­ — Átila
intervém, como sempre, defendendo a irmã.
— Tem sim, filho. Muito legal que gostou da Daniela, mas nem
sempre vai ser assim e a Ray tem que entender. Certo, Rayka?
Ela estreita os olhos na minha direção e mantenho seu olhar até
que ela suspire alto, cedendo.
— Tudo bem, papai.
Sorrio e beijo a testa dos dois.
Confesso que fiquei preocupado quando recebi a mensagem da
Marina. Não sei como Ana se sentiria ao ter o apartamento invadido
por duas crianças, mas pelo que fiquei sabendo, ela adorou
também. Até a cachorra que me odeia adorou os meninos. Certeza
que ela tem um ódio secreto por mim.
— A Mel também brincou com a gente e depois a madrinha
disse que era pra gente subir e tomar banho e ir para casa. Fiquei
triste, mas obedeci, né, porque senão ela conta tudo pro senhor e
eu fico de castigo. — Rayka continua a contar, voltando a ficar
empolgada e tenho que segurar a risada com o bico emburrado que
ela faz. É dramática viu. — Depois de tomar banho assistimos
Barbie, sabia? O Átila e a tia Ana queriam aquele do dragão, mas
eu, a madrinha e a tia Ágata vencemos.
Ana os trouxe em casa ontem à noite, mas assim que Marina
entrou, escutei o carro dando partida, quase cantando pneu. É claro
que ela fugiria. Está fugindo de mim desde o hotel, não
conversamos nada além do necessário no trabalho, e confesso que
sinto falta das noites de vinho em que ela abaixava a guarda. Não
quero afastá-la ainda mais, então só entrei na onda e a deixei fugir
sem fazer nada.
Rayka continua dominando a conversa enquanto eu e Átila só
observamos, ao contrário da irmã, ele não tinha muito a contar,
exceto que a “Tia Ana é muito legal” e que quer ir na casa dela de
novo. Tenho certeza que esse amor todo tem a ver com os doces
que aquela formiga deve ter contrabandeado para meus filhos, mas
nem isso tira a alegria de ver Átila interagindo com outras pessoas
que não sejam nossa família. Ana é incrível. Ela realmente ganhou
minha família toda para si. Todos eles estão de quatro por ela.
De quatro.
Hummm.
Lembranças dela de quatro invadem minha mente sem
permissão, me deixando com uma saudade descabida. Por que
concordei em ser uma única vez? Só queria me esbaldar naquela
boceta de novo.
— Papai? — Rayka agarra meu rosto, irritada e escondo um
sorriso culpado. Me distraí mesmo pensando em foder com a tia
deles? — Por que não tá me ouvindo?
— Eu estou, amor. Só me distraí um pouco. Pode continuar.
Ela franze o rosto desconfiada, mas logo aceita e volta à sua
história com a mesma empolgação de antes. Átila às vezes adiciona
uma ou outra informação, até mesmo expressou sua indignação por
terem perdido a votação na escolha do filme. Ana lhe mostrou sua
coleção inteira e ele ficou super empolgado com cada um deles, até
apareceu aqui com um Banguela em miniatura, e fiz questão de
perguntar a Marina a respeito. Ela confirmou que foi um presente da
minha chefe e isso me fez sorrir.
Adoro a forma como Ana trata os gêmeos.

Não deveria me incomodar que Leopoldo tenha respeitado e


acatado o meu pedido de fingir que nada aconteceu.
Não deveria, mas incomoda.
O que eu esperava? Que ele me agarrasse assim que pisasse
no escritório? Que roubasse um daqueles beijos gostosos? Não
pode acontecer e fui eu quem deixou isso claro. Então sua
indiferença precisa parar de me incomodar urgentemente.
Preciso parar de babar nele quando não está olhando, e
principalmente, parar de fantasiar como seria se ele ligasse o foda-
se para o que pedi e me comesse contra minha mesa.
Com certeza necessito parar de ficar molhada com minhas
lembranças ao ponto de ter que trocar de calcinha no meio do
expediente.
Já ficou excitada no meio de uma reunião com clientes
importantes só porque seu assistente passou a porcaria da mão
pela porcaria do cabelo e flexionou a porcaria dos bíceps que você
sabe que ficam uma delícia ao redor da sua cintura? Eu já. É
horrível e constrangedor.
Tenho que parar de me masturbar pensando no meu assistente.
Tenho que esquecer aquela droga de dia, assim como ele parece ter
esquecido. Não interessa se foi incrível, foi coisa de uma vez só e
ficar pensando nisso o tempo todo não vai me ajudar a manter
assim.
Só não faço ideia de como tirar Leopoldo Marinho do meu
sistema. Já me masturbei, já entrei naqueles aplicativos de
relacionamento que prometi nunca mais entrar depois do cara da
manga; já tentei conversar com outros caras, mas todos eles
parecem tão sem graça perto do bobo da corte. Ridículo, eu sei,
mas é verdade.
— Está tudo bem, Ana? — O motivo do meu surto enfia metade
do corpo na minha sala, me assustando. — Está com aquela cara
de quem quer matar alguém. — Você! Por ter viciado minha boceta
no seu pau com menos de oito horas.
— Está, só alguns problemas do dia a dia mesmo.
Ele assente mordendo o sorriso e passa a mão pelo cabelo sem
tirar os olhos inquietos de mim. Leopoldo está com uma camisa
preta, os três primeiros botões abertos, com uma parte do peito que
arranhei exposto. Os vergões já sumiram, o que me deixa com mais
vontade ainda de arranhá-lo de novo. A calça jeans é de cós baixo e
depende do jeito que ele se mexe, um pedacinho da entrada do
paraíso aparece.
Por Deus! Por que tão gostoso?!
— Vou almoçar. Se precisar de mim, liga.
Depois que concordo, ele sai, assim como os outros
funcionários, e me deixa sozinha com o vibrador rosa que eu
vergonhosamente trouxe escondido na bolsa.
Quase posso escutá-lo me chamando enquanto minha calcinha
fica ainda mais molhada com a merda de imaginação fértil que
desenvolvi nos últimos dias.
Ando pela Brandão Technology, conferindo que realmente não
tem ninguém e desço as cortinas. Vou mesmo bater uma no meio do
expediente imaginando o Leopoldo de novo? Parece que sim.
Desabotoo minha blusa e desço o sutiã sem bojo, brincando
com meus mamilos e gemendo baixinho, eles estão muito sensíveis.
Arrasto as unhas pela minha barriga até chegar no botão da calça
que tiro e jogo no chão. Passo a mão pela minha calcinha melada e
a arrasto para o lado, do jeito que imagino que ele faria caso me
fodesse aqui. Enfio meus dedos na minha boceta encharcada e
lambuzo o pau de borracha — que é um pouco menor do que eu
realmente queria — com minha lubrificação e ligo na potência
média. Penetro devagar, usando a outra mão para apertar meu peito
com força.
Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos. Fantasiando que é o
pau dele no lugar do vibrador, as mãos dele no lugar das minhas.
Mordo os lábios com força para não gemer alto e aumento a
velocidade das estocadas.
— Puta que pariu. — Me assusto pra caralho com o xingamento
e quase tiro o vibrador, mas reconheço a voz. É a mesma que tem
permeado meus sonhos mais eróticos. Em um momento de loucura,
abro as pálpebras e olho para Leopoldo atordoado, me encarando
como se fosse água no deserto. Continuo metendo e gemendo sem
tirar meus olhos dos dele. — Ana… — Soa torturado. Suas mãos
apertam a maçaneta com tanta força que os nós dos dedos estão
brancos. — Caralho.
— Aaah… — Grunho quando atinjo um ponto delicioso dentro
de mim e é a gota d’água para ele.
Leopoldo fecha a porta atrás de si e a tranca, andando até mim
como um predador sonda a presa. Me desnorteio com seu olhar e
começo a tirar o Casteel de dentro de mim, mas ele segura minha
mão, impedindo.
— Continua — ordena. — Fode essa boceta gostosa pra mim.
— Sua mão guia meus movimentos até que eu encontre o ritmo de
novo. Ele observa fascinado o vibrador entrar e sair de mim. Puta
que pariu. — Isso, gostosa. Mete com força.
Ele senta na minha frente e lambe os lábios, apertando o pau
por cima da calça jeans.
— Tira — mando. — Quero te ver também.
— Ver o que, nervosinha? — provoca, ainda fissurado na minha
boceta engolindo o vibrador.
— Você fodendo sua mão como se fosse minha boceta. — É
minha vez de lamber a boca só de imaginar.
— Puta que pariu, Ana. — Sorrio, fingindo inocência. Ele
arranca o pau para fora e começa a se masturbar. Nossa que
delícia. Queria esse pau na minha boca. Sua mão desce e sobe
devagar, numa velocidade completamente diferente da que estou.
— Assim? — Nego. — Como então?
Ele sabe como, mas se finge de sonso. Tudo bem, também
posso brincar.
— Assim — falo e abro ainda mais as pernas para ele.
Estocando com força. — Exatamente assim, como se fosse você
aqui.
— Caralho. Não sabe brincar?
— Nã..o. — Suspiro.
Ele aumenta a velocidade e nos conectamos, fodendo na
mesma intensidade, o que torna muito mais fácil fingir que é o pau
dele dentro de mim. Nossa. Meu corpo todo treme e enfio as unhas
nas minhas coxas quando o orgasmo me atinge com força.
Ele não espera que eu me recupere antes de jogar o vibrador
em algum canto da sala e me beijar.
— Quero essas unhas em mim, Ana. — Grunhe. — Nunca fiquei
com inveja de um vibrador. — Dá risada no meio do beijo e eu
também.
Sua língua domina a minha e fico ainda mais mole.
Nossa que saudade desse beijo.
Sua mão fecha no meu cabelo e puxa minha cabeça pra trás
com brutalidade, chupando meu pescoço. Mal gozei e já estou
excitada de novo. Ele se livra da calça e cueca, ficando só com a
camiseta, que faço questão de tirar para marcar seu peito de novo.
Suas mãos agarram minhas coxas e me colocam sentada em
um canto da mesa, tirando tudo que pode quebrar com cuidado,
porque mesmo com pressa, ainda tem medo de morrer. Os dedos
habilidosos desabotoam o que resta da minha blusa e ela também
vai parar em algum canto que não me interessa agora.
— Gostosa. — Ele lambe os bicos dos meus seios antes de tirar
de vez o sutiã. — Deliciosa. — Morde minha barriga. — Linda. —
Minha boca. — Nossa que vontade eu estava de você. — Me beija
com tanto desejo que me perco nele.
Ele se ajoelha, coloca minha calcinha de lado e enfia o
sorrisinho arrogante no meio das minhas pernas, me lambendo com
gosto.
— Leopoldo. — Gemo e me seguro no seu cabelo. — Isso. —
Incentivo e ele chupa com mais vontade. Nossa que delícia.
— Quero muito seu gosto na minha boca de novo. — Mais uma
lambida. — Como quero. Mas vai ter que ficar para outra hora. Não
temos tempo.
— Caralho, esqueci dos funcionários. — Ele gargalha e pega a
camisinha na calça no chão, encapando o cacete e me dando outra
daquelas chupadas antes de levantar e me arreganhar para ele. —
Anda, Leopoldo.
— Larga de ser impaciente, chaveirinho. — Dá risada e roda
minha entrada com seu pau. Suspiro.
— Foi você quem disse que não temos tempo — lembro.
— Tem razão. — Agarra minha bunda e me traz para a ponta da
mesa, arrastando a calcinha para o lado de novo e estocando de
uma vez. É incrível assistir minha boceta engolindo seu pau. — Puta
que pariu. Não sabe o quanto sonhei com essa boceta apertada me
engolindo assim de novo.
— Acho que deve ter sido o mesmo tanto que eu — confesso
em meio aos gemidos.
Ele sorri arrogante.
— Viciou, não viciou, nervosinha?
— Se não me fizer gozar antes de voltarem, o vício vai sumir
rapidinho.
Ele gira o quadril atingindo um ponto que me faz virar os olhos
de prazer.
— O que foi que disse? — provoca, roçando a boca na minha.
— Nada não.
Sua boca toma a minha e minhas unhas rasgam sua pele. Ele
sai todo de dentro de mim e entra com força de novo, usando a mão
na minha bunda para me trazer de encontro ao seu corpo.
Leopoldo me fode rápido e forte.
Morde, beija, chupa e lambe meu corpo inteiro.
Me marca como na nossa primeira vez e faço o mesmo com ele.
É deliciosamente bruto.
E também é o orgasmo mais rápido da minha vida.
— Leopoldo. — Grito seu nome e o sinto enrijecer dentro de
mim, gozando também.
— Tão deliciosa. Linda. Linda. Linda — sussurra e me beija,
metendo mais devagar, prolongando nosso clímax. — Acho que
também me viciei em você. — Suspira, mordendo minha boca.
— Estamos ferrados, não estamos? — Quase choro.
— Estamos. — Sorri.
Completamente fodidos.
É isso que nós dois estamos, mas nunca foi tão bom estar
ferrado, então quem liga?
— Quer tomar um banho rápido? — Ana pergunta já na porta do
banheiro. — Ainda temos alguns minutos antes do horário de
almoço acabar.
Ela está completamente nua agora, a calcinha no cesto
pequeno de roupas sujas que tem escondido no banheiro. Os
cabelos longos estão presos em um coque bagunçado, já que
desmanchei seu rabo de cavalo enquanto a fodia.
Nunca fiquei tão feliz em voltar mais cedo do almoço como hoje.
Voltei para trazer comida porque sabia que ela esqueceria de
comer de novo. Estranhei encontrar as cortinas fechadas, mas nem
de longe imaginava que ela estaria se masturbando. Pensei que
estivesse dormindo.
Uma visão do caralho.
Ana toda perdida, o vibrador entrando e saindo da boceta
gulosa, a mão apertando o peito. Os dentes prendendo os gemidos.
Deliciosa.
— Você vem? — pergunta de novo. A bunda gostosa apoiada
no batente da porta.
Duvido que vai ser um banho rápido, mas concordo, ando até
ela e agarro suas pernas, envolvendo-a na minha cintura. Beijo seu
sorriso e nos enfio no boxe. Ela liga o chuveiro entre nossos beijos
afobados. Solto seu coque e enfio meus dedos no cabelo sedoso.
Deixo sua boca e enterro minha cara no seu pescoço, chupando o
ponto sensível até deixá-lo avermelhado. É bom demais marcá-la
como se fosse minha.
— Vaquinha. — Implico rindo.
— Ovo mole. — Devolve segurando a risada.
— Isso aqui parece mole pra você, Ana? — Entro de uma vez,
arrancando um gemido alto de nós dois. Puta que pariu, que delícia.
A pele dela contra a minha é o paraíso.
Calma.
A pele dela contra a minha.
PUTA QUE PARIU.
— A camisinha — lembramos juntos, assustados e incrédulos.
— Como esqueci a porra da camisinha? — Não me mexo,
gostando demais da sensação da sua boceta me esganando. Um
merda, eu sei.
— Não sei. — Choraminga. — Você tem outra?
— Não — reclamo. — E você?
— Não guardo camisinhas no escritório, Leopoldo — retruca
irritada, apertando a boceta em volta do meu cacete.
Caralho que delícia.
— Não acredito que vamos ter que parar agora.
Começo a sair lentamente, muito torturado, mas ela enfia a mão
entre nós e me enfia de novo dentro de si.
Céus.
— Espera. Está com seus exames em dia?
— Estou.
Ela está sugerindo o que eu acho que está?
— Tem certeza? – franze a testa com certa desconfiança.
— Tenho – respondo, sentindo meu coração disparado. — Estou
mais do que saudável e sem nenhuma IST.
— Eu também tô 100% e tenho DIU.
Seus olhos estão brilhando. O desejo se misturando ao risco
que queremos correr. Não devem estar muito diferentes dos meus.
Eu não deveria arriscar. Rayka e Átila são a prova viva que
nenhum método contraceptivo é 100% eficiente, mas porra, não
quero sair de dentro dela agora.
Sua boceta se contrai involuntariamente no meu pau, jogando
minha racionalidade no lixo e tomando a decisão por mim.
— Ok, mas só dessa vez.
— Só dessa vez.
Agarro sua nuca e saio lentamente de dentro dela, metendo de
novo com força.
Fodemos debaixo da água e seus gemidos enchem o banheiro,
duelando com meus. Foder assim é muito mais gostoso, muito mais
íntimo e mexe com algo que não deveria mexer dentro de mim. Meu
coração besta está querendo participar disso aqui.
No meio da decisão mais louca que já tomei, na bagunça
gostosa que nós somos, na conexão incrível que temos, ao som dos
nossos corações disparados e nossos corpos sincronizados, nós
gozamos clamando o nome um do outro.
Depois que seu corpo para de tremer, Ana desce do meu colo e
olho deslumbrado a minha porra escorrer pelas suas pernas.
— Macho alfa. — Revira os olhos vendo onde está minha
atenção. — Isso não significa nada.
Não, mas me dá uma sensação do caralho de que ela é minha.
Uma que tem que sumir. E provavelmente vai assim que o
deslumbramento de meter sem camisinha passar.
— Temos uma reunião com o Mariano em 30 minutos — lembra
em um suspiro cansado, mas já lavando o corpo. — Vou ter que
secar o cabelo na velocidade da luz e tenho que dar uma revisada
no que precisamos resolver também.
— Eu te ajudo.
— Como?
— Posso secar seu cabelo.
Ela parece pronta a recusar, mas só me rouba um selinho e
agradece, dando espaço para que eu me lave também. Enrola seu
corpo gostoso na toalha e pendura uma para mim ao sair do boxe.
Ela veste uma roupa parecida com a que estava antes e me dá
sorriso, avisando que vai organizar o escritório.
Desligo o chuveiro e agradeço quando traz minhas. Me visto
rápido e a ajudo a terminar de organizar a bagunça que fizemos. Ela
pega o notebook e eu o secador. Seco seu cabelo enquanto ela
revisa suas anotações e quando chega o horário da reunião
estamos prontos, e eu mexido com como funcionamos bem juntos.
Nenhum dos dois precisou pedir nada, só fizemos. Como se
tivéssemos há anos essa mesma rotina.
Ainda estou pensativo quando a reunião está quase no fim, mas
não o suficiente para não notar o quanto o babaca do Mariano quer
levar a minha nervosinha para sair. Ele usa toda oportunidade que
tem para tocá-la. E se não tem, ele cria uma.
Cara inconveniente da porra.
Não está vendo que ela não está dando liberdade para isso?
Ignoro a vontade que estou de arrancar seus dedos fora, porque sei
que se eu fizer menção de me intrometer, minhas bolas que vão
sofrer na mão da Ana, e não é de um jeito gostoso.
Eles se levantam dando fim a reunião. O babaca toca a cintura
dela e se inclina para beijar seu rosto, e pelo ângulo, sei que vai
chegar muito mais perto da boca do que da bochecha.
É sério que ela não vai fazer nada para impedir esse babaca?
Esmago a agenda nas minhas mãos conforme a boca dele
chega muito perto do canto da dela. Se ele a beijar, meu controle vai
pro espaço. Não vai tocar na boca que eu estava beijando minutos
atrás.
Nem por cima do meu cadáver.
FAZ ALGUMA COISA, ANA.
Dou um passo quase involuntário para frente e paro bem no
momento que ela vira o rosto e o beijo atrevido dele pega na
bochecha dela. Não deveria ter pegado em lugar nenhum, mas
bochecha é melhor que boca.
Mariano faz uma careta de desgosto, a qual ela ignora com
classe e não escondo meu sorriso vitorioso ao guiá-lo para fora da
empresa. Não vai beijar minha pinscher porra nenhuma.
Minha.
Hahaha!
Ela não é minha e nem eu estou entendendo essa
possessividade toda. Certeza que tem algo a ver com minha porra
escorrendo da boceta dela, deve ter ativado algum instinto idiota em
mim. Logo passa. Também não é como se fosse estranho não
querer outra boca no lugar em que a sua esteve há pouquíssimo
tempo.
É normal um pouco de ciúmes, certo?

Gosto de ficar trabalhando até mais tarde e Leopoldo adquiriu o


mesmo hábito. Sempre que pode, fica o máximo que consegue sem
atrapalhar a rotina que tem com os meninos. Por isso, quase
sempre estamos juntos quando todos vão embora.
Antes do erro que nos viciou, esses dias eram resumidos a
muito trabalho, vinho e algumas conversas agradáveis. Agora, já
tem três semanas que mal posso esperar que todos batam o ponto
para que ele entre na minha sala e me foda em cada canto dela. Se
alguém descobrir, vou dar um péssimo exemplo e sair como uma
bela de uma hipócrita, mas é gostoso demais para parar. Não acho
que nenhum de nós dois consiga agora.
Ainda trabalhamos, ainda conversamos, ainda tomo vinho
enquanto ele julga meu gosto com caretas divertidas, mas agora
fazemos tudo isso em meio a muitos beijos, gemidos e as melhores
transas do mundo.
Ágata comentou que estou mais leve e minha pele mais bonita,
queria poder contar que é o efeito de orgasmos múltiplos, mas ela
iria querer saber o responsável e não quero a dor de cabeça de lidar
com sua reação agora. Leopoldo também não, então decidimos
transar sem compromisso e em segredo até enjoarmos um do outro.
Vai acontecer em algum momento, não é? Tem que acontecer.
— No que está pensando, linda? — O responsável pela minha
pele maravilhosa pergunta enquanto faz massagem nos meus pés.
— Em quando vamos enjoar disso. — Sou sincera, apontando
entre nós dois.
— Em algum momento — fala tranquilo. — E uma hora também
vamos parar de nos ver, então... — Ergue os ombros — Não quero
ser assistente para sempre. Quero um emprego estável, que me dê
a capacidade de sustentar uma casa só para mim e os gêmeos.
Assim que Luna voltar, vou procurar alguma coisa na minha área.
Agora que estou formado e com a Brandão no currículo, vai ser um
pouco mais fácil.
Fico surpresa com sua fala. Ele acha que não tem futuro aqui?
— Quem te disse que precisa sair da Brandão Technology para
isso?
— Não quero ser promovido por te fazer gozar, Ana.
Tiro os pés do seu colo e sento irritada.
— É sério que pensa que eu te daria um cargo mais alto porque
estamos transando? — Fico puta, muito puta. Ele chega mais perto,
mas me afasto. — Responde, Leopoldo.
— Não — afirma, mas não acredito. — É sério, não acho, mas
acredito que você está mais vulnerável agora. Sua irmã é a melhor
amiga da minha melhor amiga, você adora meus pais e os meninos,
e é recíproco. Não acho que se decidir me contratar como
programador, seria uma decisão baseada só na minha capacidade.
Seu emocional estaria envolvido também.
Respiro fundo me acalmando e fixo meu olhar no seu.
— Entendo seu pensamento, de verdade. Porém, se eu não
acreditasse que tem um ótimo potencial, nem meu assistente você
seria, Leopoldo. Te contratei sabendo que queria investir em você.
Desde o primeiro dia, já sabia que quando Luna voltasse, te
colocaria no time de programadores. — Ele arregala os olhos,
atônito. — Você não vai assumir a diretoria e nem vai ser um dos
programadores principais no começo, mas te quero no meu time.
Acredito em você e tenho certeza que em menos de um ano vai
crescer, porque você é bom e Victor vai perceber isso assim como
eu.
— Está falando sério, nervosinha?
— Sim.
As covinhas rasgam o seu rosto, me fazendo sorrir também e
ele me beija empolgado, sua língua dançando com a minha naquela
conexão que me deixa tonta.
— Caralho, não sabe como isso é importante pra mim. —
Comemora na minha boca.
— Você é bom — garanto ao me afastar com um selinho. — Me
conta mais sobre sair da casa dos seus pais. Achei que estivesse
confortável lá por causa dos meninos e tal.
— E de certa forma estou. É ótimo tê-los comigo para me ajudar
sempre que preciso, mas também quero meu canto, sabe? Quero
sair da asa deles. Saber que consegui algo por conta própria e criar
meus filhos da mesma forma que eles me criaram. — Aquiesço
porque entendo. — Não significa que vou excluí-los ou parar de
precisar da ajuda deles, só que vou crescer. Entende? — concordo
sorrindo, sentindo orgulho dele.
— Você vai conseguir.
— Vou sim. — Sorri e me puxa para seu colo, pousando as
mãos na minha cintura e fazendo um carinho gostoso. — E você?
Como foi que acabou cuidando da sua irmã? Marina comentou que
vocês duas estão sozinhas no mundo há um tempo. — Respiro
fundo e ele fica sério. — Não precisa falar sobre isso se não quiser.
— Não tenho problema em falar. Não é um assunto doloroso,
nem nada disso. Só fico com saudades da minha avó. — Ele me
rouba um selinho e um sorriso. — Nossos pais morreram em um
acidente de ônibus quando eu tinha 13 anos e Ágata 2, e sobrou
para nossa avó materna nos criar, já que nunca conhecemos
ninguém da familia paterna. Minha mãe e minha avó também eram
sozinhas antes do meu pai chegar, então quando eles se foram,
ficamos só nós três. — Leopoldo escuta atentamente sem parar o
carinho. — Minha vó era aposentada, mas fazia uns bicos para
conseguir nos sustentar. Mesmo com os bicos e os trabalhos que eu
conseguia também, passamos bastante dificuldade, mas
sobrevivemos. Sempre trabalhei e estudei muito. Isso a deixava
louca comigo, principalmente quando envolvia várias xícaras de
café. — Ele sorri e murmura que a entende. Ele também briga com
meu vício por café. — Quando eu estava com 22 anos e Ágata com
11, ela faleceu e ficamos só eu e minha irmã. A BT era só um
projeto na época, mas minha vozinha acreditava nele mais do que
qualquer pessoa. Foi difícil, muito difícil e se eu dormia três horas
por noite naquela época, era muito, mas consegui. Ágata e eu
conseguimos. Queria que ela tivesse visto aonde cheguei —
confesso.
— Tenho certeza que onde ela estiver, está com muito orgulho
de você — diz com bastante certeza e é minha vez de roubar um
selinho.
— Obrigada. — Enfio meus dedos nos seus fios sedosos. Estou
começando a adorar fazer isso.
— Só verdades, nervosinha.
— Ela teria te adorado.
Ele gargalha.
— Claro que teria. — Sorri convencido. — Só você não gostava
de mim. E sabemos que o problema estava todo em você.
— Estava, é?
— Claro. Eu sou maravilhoso.
— E irritante.
— E gostoso.
— E implicante.
— Lindo também.
— Assistente de palhaço
— E fodo bem. — Esfrega o pau no meio das minhas pernas.
Suspiro.
— E fode bem — concordo, ele gargalha de novo e me beija.
Suspiro na sua boca.
Vai ter um beijo gostoso assim na puta que pariu.
Se arrependimento matasse, eu já estaria a sete palmos do
chão agora.
Não sei o que está me fazendo sentir pior: ter recusado o
convite do Leopoldo ou me sentir uma adolescente stalkeando os
stories da minha irmã e dos seus amigos.
Leopoldo recebeu vários convites para ser DJ depois da festa
do Ítalo, o que é ótimo. Se ele continuar nesse ritmo, o apartamento
que me falou está mais perto do que imaginávamos. O problema
começou quando ele me chamou para acompanhá-lo e recusei.
O que mais poderia fazer? Não podemos ser vistos juntos fora
do trabalho. Seria estranho. Principalmente que agora temos um
segredo a manter. Não só Ágata e sua turma iriam à festa, como
alguns clientes e filhos de outros clientes também. Seria um risco
muito grande.
Apesar de ter ficado chateado, ele entendeu depois que
expliquei os motivos pelos quais eu não poderia ir. Então por que
estou tão arrependida de não estar naquela maldita festa? Não sei,
mas tenho certeza de que estaria bem menos se não tivesse
entrado no Instagram e visto os stories da minha irmã e depois os
dos seus amigos.
Já falei que detesto dividir? Pois é. Então ver Leopoldo rodeado
de mulheres no fundo de cada vídeo está me dando nos nervos.
Elas estão parecendo urubus em volta de carniça. E apesar de não
termos sequer mencionado exclusividade, eu definitivamente não
queria saber quando ficasse com outras pessoas, ou ver todas as
opções que tem para escolher hoje e substituir a companhia que
rejeitei.
Mas nem mesmo saber que elas não teriam chance se eu
tivesse ido, está amenizando a vontade ir até lá e arrancar pelos
cabelos cada projeto de urubu de minissaia de perto dele. É ridículo,
e acredita em mim, eu sei. Tenho 33 anos, não 16 para ficar com
esse sentimento idiota, mas não estou conseguindo evitar.
— É isso que dá ficar com adolescentes, Melzinha. Com a
convivência, você acaba se tornando uma de novo. — Mel inclina a
cabeça para o lado me julgando. — Eu sei que ele não tem atitudes
de adolescente, é só uma maneira de falar. — Reviro os olhos e ela
late. — Nem gosta dele, por que está defendendo? — Outro latido.
— Não é porque ele não parece ter 24 anos que não tenha. — Mais
um latido e desisto com um suspiro. Era só o que me faltava. Até a
Mel mudou de lado. — Sabe o que vamos fazer? — Jogo o celular
na mesa de centro. — Vou tomar um banho e nós vamos ler. Com
certeza, me enfiar em outro universo vai me fazer esquecer desse.
Tenho que me distrair o suficiente para não dar uma de louca e
aparecer em uma festa que falei com todas as letras que não iria.
Não importa o quanto eu queira ver o Leopoldo tocando de novo, ou
o sorriso divertido que ostenta nos lábios sempre que está mexendo
nos mixes, ou que queira dançar com ele de novo e distraí-lo para
colocar no modo automático e me beijar como no Ano-Novo. Não
importa o quanto eu queria, simplesmente não posso.
Mel ainda me olha com julgamento como se discordasse da
minha decisão, mas não ligo. Vou me enfiar no meu pijama favorito,
pegar uma taça bem cheia de vinho, meu kindle e me enfiar debaixo
das cobertas no quarto.
Se eu ficar longe do celular e consequentemente do Instagram,
vai dar certo.

Dizem que tudo que é escondido é mais gostoso.


E por um tempo, é verdade, mas quando percebe as coisas que
está perdendo porque ninguém pode saber, passa rapidinho. Eu
queria Ana aqui comigo hoje, queria que ela tivesse expulsado no
tapa essas garotas que não desistem, ou ainda melhor, jogado
alguma coisa na cara delas.
Queria estar vendo seu bico irritado e as dobrinhas no nariz
quando a zoasse por ser agressiva. Queria poder enfiar meus dedos
nos fios pretos e beijá-la entre uma música e outra. Colocar Heart
Attack para assisti-la se divertir dançando sua música favorita com a
irmã. Queria estar de pau duro babando no quão gostosa ela é e
louco para a noite acabar logo para enfim estar dentro dela de novo,
como se não tivesse feito isso ontem à noite. Ou simplesmente fazer
massagens nos seus pés enquanto ela toma aquele vinho ruim que
adora.
Só queria que ela pudesse estar aqui comigo.
Estar com Ana se tornou uma das minhas partes favoritas do
dia e tenho certeza que aconteceu o mesmo com ela, porque
quando chega o fim de semana e não tenho obrigatoriedade
nenhuma de trabalhar, ambos arrumamos alguma desculpa para
passarmos um tempo juntos. Não passamos nem um fim de semana
sem nos ver no último mês.
Não é mais só sobre sexo, é sobre rir das histórias malucas dela
e contar as minhas. É sobre conversar sobre as responsabilidades
de ser pai e ela entender boa parte por causa da sua própria
experiência como irmã mais velha. É sobre ela me ensinando tudo
que sabe sobre o mercado de trabalho porque se importa em me
ajudar a crescer. É sobre conversar sobre meus pais e sua avó, e
gargalhar das semelhanças das frases clichês de mãe que ambas
falavam.
É sobre dividir várias refeições porque ela sempre esquece de
comer. É sobre nossas pequenas brigas porque ela bebe café
demais ou o quanto é divertido tirá-la do sério e roubar um beijo só
para vê-la se derreter e esquecer o porquê está irritada em
segundos. É sobre ficar em um silêncio confortável sempre que
cansamos de conversar. Não é mais só sobre sexo, é sobre....
amizade. Sinto vontade de rir só de constatar que a doida do Uber
se tornou minha amiga e uma que gosto muito, por sinal.
— Está mais distraído que o normal hoje, Leo. — Quase
derramo meu drink com o susto, provando o ponto da minha melhor
amiga. — O que aconteceu?
Tô com saudade de uma maluca.
— O que está fazendo aqui em cima? Não devia estar com
Ágata e os amigos de vocês?
— Sabe que sempre dou uma passada para te ver quando está
tocando — concordo. — Quer me contar o que está te distraindo?
— Só estou cansado, Mari. Conciliar os freelancers, a CLT, o
restaurante dos meus pais e os gêmeos, está mais complicado do
que imaginei. — Não é uma completa mentira. — Mas é um
sacrifício que vai valer a pena logo.
— Só não se mata no processo. — Pede ao passar a mão no
meu ombro.
— Prometo tentar — brinco. — Mas se morrer, os gêmeos já
tem a melhor madrinha do mundo.
— Nem brinca com isso, não quero ser obrigada a enfrentar
aquela velha sozinha. — Respiro fundo. Tinha esquecido da
Eugênia. Quer dizer, não esquecido de verdade, só não pensei
muito nela nos últimos dias. — Ela apareceu de novo?
— Nem sinal de que está viva.
— Isso é bom.
— É, mas ainda temos que estar preparados para caso ela
decida voltar — ela concorda, fazendo carinho no próprio braço
dessa vez. — Ainda está estudando o caso com seu professor?
Marina decidiu levar o caso para o professor como um caso
hipotético. Não queremos abrir nada para ninguém caso não seja
necessário, mas seu professor é um dos melhores assistentes
sociais de São Paulo, e pode nos dar maneiras efetivas de nos
precaver contra Eugênia. Mesmo que para ele são apenas
sugestões hipotéticas.
— Estou e as coisas continuam mais a nosso favor — concordo
um pouco mais aliviado, mas não completamente porque na teoria,
dinheiro não compra ninguém, já na prática… — Fica tranquilo. Não
vamos perdê-los.
— Não, não vamos.
Ela sorri e beija meu rosto, dando alguns passos para sair e
retornar para a pista, mas volta batendo a mão na testa.
— Quase esqueci meu segundo motivo para subir aqui hoje. —
Franzo as sobrancelhas. Ela me dá um sorriso malicioso. — Lembra
da Carina? — Nego. — Aquela goiana novata de Artes Cênicas. Já
te falei dela e apresentei vocês um dia na lanchonete. — Continuo
sem saber quem é, então só indico para que continue. — Enfim, ela
quer tirar um idiota do pé dela e te achou um gato aquele dia. Está a
fim de ajudar? — Não respondo, em outras circunstâncias, não teria
levado dois segundos para topar, mas agora… — É aquela ali, olha.
— Aponta para uma morena com o cabelo curtinho rindo e
dançando com Ágata. Ela é linda, linda mesmo. Facilmente alguém
que eu ficaria. Então por que não sinto vontade nenhuma de ficar
com ela? Essa é fácil. Tem nome, sobrenome e CPF.
Ana Capeta Brandão.
Estou fodido e viciado.
— Vou ter que passar, Mari. — Ela fica surpresa e antes que
pergunte, já arrumo uma desculpa. — Vou direto pra casa daqui.
Cansado, lembra?
— É só uns beijos, Leo. Não vai namorar a menina.
— Tô cansado.
— Você quem sabe, então.
Beija meu rosto e sai, voltando para as amigas. Observo-a
contar sobre minha negativa, esperando me arrepender da decisão
que tomei. A garota é realmente linda e gostosa, mas o
arrependimento não vem.
Mas nem fico surpreso. Ana e eu não conversamos sobre
sermos exclusivos, porém não fiquei com mais ninguém desde
nosso primeiro beijo. Não por falta de oportunidades, simplesmente
não senti vontade nenhuma. Aparentemente, agora só gosto de
baixinhas chatas que acharia ridículo beijar alguém só para afastar
outra pessoa em vez de só mandá-la ir a merda.
É incrível as coisas estúpidas que a gente faz de madrugada.
Sério.
Incrivelmente estúpido.
Coisas como pegar um Uber às três da manhã, dar o endereço
da sua chefe porque não conseguia tirar ela da cabeça, ignorar o
porteiro te olhar de cima a baixo e perguntar duas vezes para ela se
tinha certeza sobre te liberar, entrar no elevador e ignorar todos os
pensamentos te mandando correr enquanto é tempo, tocar a
campainha e esperar, contando cada segundo, ela atender.
Quem aparece do nada na casa de alguém três horas da
manhã?
Eu deveria ter ido para casa como falei à Marina que iria. Não
menti quando disse que estava cansado. Ideia sem noção essa
minha.
Será que ela vai jogar alguma coisa em mim? Sorrio só com a
possibilidade. Estou começando a achar que o desequilibrado sou
eu.
Sorrio mais ainda quando ela abre a porta, esfregando os olhos,
parecendo confusa e linda.
Linda pra caralho.
Está com outro pijama do seu desenho favorito, mas diferente
do primeiro que é fofo, esse me deixa com um puta tesão. As alças
finas mal sustentam o cropped pequeno, os bicos apontando no
tecido, a barriga gostosa exposta e o short…
Ah, o short!
É curto, muito curto e sei que quando se virar de costas, vou ver
um bom pedaço da bunda gostosa que gosto de morder. As coxas
definidas que gosto de ter ao meu redor estão completamente
expostas também. Os pés descalços, o cabelo solto e
desgrenhado…
Já até esqueci o porquê me arrependi de vir aqui, só essa visão
valeu a pena a loucura, mesmo que ela me expulse daqui em alguns
segundos.
— Está tudo bem? — pergunta com os olhos ainda meio
estreitos, provavelmente por causa da claridade.
Tão fofa.
— Está. — Só não conseguia esperar até segunda pra te ver. —
Eu… — Como é que explico sem parecer um imbecil? — Queria te
ver. — Suspiro derrotado.
Ela tenta segurar um sorriso, mas não consegue e isso faz
alguma coisa estranha no meu peito. Tô falando que nada de bom
acontece de madrugada.
— Às três da manhã? — brinca. — Não podia esperar até
segunda?
— Na verdade, não. Segunda ia ter que esperar horas e horas
para poder fazer o que quero. — O sorriso está gigante agora.
Cruza os braços debaixo do peito, atraindo meus olhos para os
dois. Seria tão fácil descer essa blusa e colocar os dois na minha
boca, ouvir seus gritos de prazer…
— O que você quer, Leopoldo? — Seus olhos estão brilhando
agora. Enlaço sua cintura e dou um passo para mais perto, dando
uma apalpada bem firme na sua bunda antes de pousar minha mão
na curva entre ela e seu quadril. — Vergonha na cara não tem, né?
— Rio alto e ela tampa minha boca. — Entra antes que me faça
receber uma multa daquelas.
— Não vou ganhar nem um beijo? — Fecho a porta atrás de
mim sem largar sua cintura. — Andei vários quilômetros em plena
madrugada para isso. — Faço drama e ela revira os olhos sem
parar de sorrir.
— Tão idiota.
— Uhum. — Fecho minha mão na sua nuca. — Cadê meu
beijo?
— Se gabou tanto que eu iria viciar em você, mas quem é que
não aguentou esperar dois dias? — provoca lambendo minha boca.
— Fazer o que, não é? Dizem que panela velha é que faz
comida boa. Tô vivendo isso na prática.
Roubo sua resposta, tomando sua boca na minha.
Caralho que saudade desse beijo.
Amo como ela se rende. Amo como se entrega. Amo nossa
conexão. Amo como nosso beijo me transporta para outro mundo,
um em que só nós dois existimos. A única coisa que nos separa é a
falta de ar, e o sorriso lento dela quando abre os olhos fode comigo.
— Porra. — Dá um pulo para longe do meu abraço, assustada.
— Esqueci completamente da Ágata. Se você está aqui, ela não
deve demorar a chegar também. Você precisa ir embora. —
Começa a me empurrar, mas para e me puxa de volta. — Não.
Merda. E se ela estiver no elevador? Melhor se esconder no meu
quarto até ela chegar e depois ir embora. — Volta a me empurrar,
mas para seu quarto agora. Firmo os pés, dando risada com sua
tentativa de me fazer sair do lugar. — Caralho, Leopoldo, ajuda!
— Respira, nervosinha. — Seguro seus pulsos e olho seu rosto
desesperado. — Ágata vai dormir na casa da Marina e pelo tanto
que beberam, não devem acordar tão cedo. Vamos ficar sozinhos
por um tempo.
Ela respira aliviada por meio segundo antes de voltar a ficar
irritada.
— E aquela filha da puta não me avisou que pretendia passar a
noite fora de casa?
Solto seus pulsos antes que me torne alvo da sua raiva e
prendo a vontade de morder o bico zangado.
— Conferiu seu celular? — Ela nega e caminha até o quarto.
Fico indeciso se a sigo ou não, mas opto por seguir.
Paro na porta para lhe dar a liberdade de me convidar ou
expulsar, e gelo quando encontro o olhar da filhote do capeta em
mim. Tinha esquecido da existência dessa cachorra desconfiada.
— Ela me mandou uma mensagem há uma hora — conta
aliviada e senta na cama, passando a mão na Mel. Juro que ela está
me olhando como se zombasse de mim por estar recebendo carinho
e eu não. — Está fazendo o que aí na porta? Entra. — Obedeço,
mas não tiro os olhos da cachorra e me sento quase atrás da Ana.
— Esse seu medo é ridículo. A Mel é um amor.
— Ela me odeia — reclamo, fazendo-a gargalhar.
— Claro que não. Larga de ser paranoico, se não gostasse de
você, já teria te mordido. Ela só está te estudando.
— Julgando.
— Estudando. Está curiosa, só isso.
— Uhum. — Finjo concordar para encerrar a conversa e ela
volta a revirar os olhos sem parar o carinho. Desvio minha atenção e
encontro um Kindle quase embaixo do travesseiro. — O que está
lendo? — Fico curioso.
— Nada que te intere… — Ela começa e tenta pegar o
aparelho, mas já é tarde porque o peguei e saí da cama para que
não alcançasse. — Me dá isso aqui, Leopoldo — ordena com o bico
que estou aprendendo a adorar. Não obedeço. — Anda! — Pula
para tentar alcançar.
— Eu já adorava o fato de você ser baixinha porque amo como
se encaixa em mim... — Sorrio safado com as lembranças. — Mas
agora estou amando mais ainda. — Mais pulos e xingamentos. —
Desiste, escaladora de meio-fio, não vai me alcançar.
— Me devolve! — Nego. Ela choraminga. — É por isso que
sempre falam para colocar senha no Kindle. Eu ouço? Claro que
não, agora vou tomar no cu por causa disso. — Esbraveja mais
consigo mesma do que comigo.
Ela tenta pegar mais algumas vezes e me xinga de todos os
nomes possíveis, o que só me faz gargalhar e ficar ainda mais
curioso.
— Não sabia que gostava de ler. — Ela não responde, está
emburrada. — Vamos ver o que gosta.
— LEOPOLDO! — Mais uma tentativa, e dessa vez ela enfiou
as unhas com força na minha barriga, tendo o efeito contrário do
que queria. Fiquei duro.
— Preciso falar que só conseguiu me deixar com tesão? —
Implico e ela bufa feito criança. Depois eu que sou o pivete. Ligo o
aparelho que já está aberto no livro que estava lendo. — “Os
incisivos de Shade roçaram meu clitóris, me puxando de volta para
ele, e eu gritei. Você vai precisar aprender a prestar atenção em
todos nós, pequena rosa. Somos companheiros muito exigentes.” —
Ana rosna para mim e pula mais uma vez. Levanto o Kindle mais
alto e continuo a ler. — Isso é o que tô pensando? — Sorrio e ela
fica absurdamente vermelha. Perco o rumo por um segundo. —
“Você gosta de anal, doce estrela?”. Que apelido brega, hein. “Eu
gosto de estar no meio”.
Caralho. Ela lê putaria. Tem como ficar mais perfeita? Ana está
preocupantemente vermelha, mas não esconde o rosto e me encara
de frente com o nariz arrebitado. Gostosa pra caralho. Continuo a
leitura.
— “Por que, os três juntos? Ah sim… A fantasia passou pela
minha mente, meu corpo ficou tenso. Morda-a, disse enfiando seus
incisivos em meu pescoço enquanto Kols seguiu o exemplo no meu
peito.” — Estou mesmo ficando duro com isso? Não, não é a cena,
mas sim a visão da Ana ficando excitada com isso. Continuo lendo
em voz alta, adorando a vermelhidão nas suas bochechas e o olhar
desafiador em seus olhos. — Bom, com certeza Crepúsculo tá
diferente. — Ela explode em uma gargalhada que me deixa mais
encantado ainda e senta na cama.
— Você é tão idiota. — Xinga em meio a risada.
— Então você gosta de uma suruba? — Sento ao seu lado e
devolvo o Kindle para ela.
— Não — rebate ao sentar em cima dele. — Gosto de ler harém
reverso.
— Sabe que colocar ele aí só vai me incentivar a pegá-lo, certo?
— Ela revira os olhos. — Já participou de alguma?
— Suruba? Não. Já participei de um threesome[3] e descobri que
não é muito minha praia.
— Acho bom. — Ela me olha curiosa. — Porque se está
pensando em colocar aquilo ali em prática, pode esquecer — falo
para implicar, mas a verdade vibra nas minhas veias.
— Você sabe que não manda em mim, não é?
— Depende de qual lugar. — Pisco, sorrindo safado. — Tô
falando sério. Não vou te dividir com ninguém. — Só a ideia já me
deixa querendo matar alguém.
— Se eu quiser ser comida por quatro caras, vou ser — rebate
só por rebater. Como pode ser teimosa desse jeito?
— Você mal dá conta de mim, velhinha.
— Quer apostar? — desafia cruzando os braços.
— Não. — A trago para meu colo. — Não quero te ver com mais
ninguém, Ana. Não quero que fique com ninguém além de mim. —
Roubo um selinho. — Além do mais, eu facilmente consigo te dar a
mesma quantidade de orgasmos que aqueles caras deram para a
menina com nome de planta lá.
— Aflora — corrige risonha.
— Isso.
Ficamos em silêncio, apenas nos encarando pelo que parece
uma eternidade, mas que ao mesmo tempo não é nada.
— Também não quero que fique com outra pessoa que não seja
eu — confessa em um sussurro.
Meu coração adorou. A tentativa de sair pela boca e matar nós
dois é uma prova.
— Não toquei em ninguém depois que te beijei, nervosinha. —
Ela fica surpresa e sorrio. — Não consegui. O melhor beijo do
mundo, lembra?
— Também só fiquei com você. — Eu já imaginava por causa da
falta de tempo dela, mas ter a confirmação é maravilhoso. —
Estamos falando sobre ser exclusivos?
— Você quer? — pergunto com medo da resposta. E se não
quiser?
— Você quer?
— Poder falar que você é só minha pra foder? Muito.
— Não sou sua.
— É sim. Enquanto tiver fodendo só comigo, é. E qualquer idiota
que tentar colocar a mão, vai ficar sem ela.
Ela gargalha.
— Não era você que gostava de levar a vida com bom humor?
— Estou convivendo com a agressividade em pessoa. — Dou
de ombros.
— Agora coloca a culpa em mim? É mais bonito assumir que tá
com ciúmes.
— Mas nunca neguei. Fico com ciúmes mesmo. Você que não
assume que quer arrancar o cabelo de qualquer garota que chega
perto de mim.
— Só não gosto de dividir o que é meu.
— Seu? — Isso soa maravilhoso.
— Enquanto estiver me fodendo, sim, meu. — Parafraseia
minha frase.
— Somos exclusivos então? — Quero ter certeza.
— Sim, até enjoarmos um do outro.
Ela não parece ter certeza se esse momento vai chegar e nem
eu, mas não é agora que vou me preocupar com isso, certo? Estou
com a mulher mais gostosa do mundo no meu colo.
Acordo me esfregando em um pau duro quase enfiado na minha
bunda. Ao contrário do que leio nas minhas histórias favoritas, sei
exatamente de quem é o corpo que estou roçando na cara dura.
Nunca trouxe nenhum cara para dormir na minha cama. No
início era porque a Ágata era muito nova para entender, e depois só
gostava demais da minha intimidade para isso.
Leopoldo é o primeiro.
Ele tem ganhado muitas primeiras vezes.
— Bom dia, gostosa! — A voz rouca de sono e tesão me faz
esfregar nele com mais vontade. Homem gostoso da porra. — Não
tem nada melhor do que acordar com essa bunda gostosa se
esfregando meu pau assim. — Rebola o quadril me ajudando. Sua
mão encontra o caminho para minha barriga e me empurra para
trás, nos encaixando mais. — Que delícia, Ana. — Chupa meu
ombro, criando mais uma marca para sua coleção e me arrancando
um suspiro.
— Bom dia. — Arfo quando sobe a mão para dentro do meu top
e brinca com os bicos dos meus seios.
Leopoldo enfia a outra mão dentro do meu short, gemendo ao
ver o quanto já estou molhada.
— Isso aqui é pra mim? — Enfia dois dedos de uma vez dentro
de mim. Nossa. — Mal acordou e já está encharcada, linda. — Dá
uma mordidinha na minha orelha.
Abro mais as pernas e ele continua metendo devagar e
profundamente. Coloco minha mão entre nós e agarro seu pau
dentro da cueca, o punhetando na mesma velocidade em que me
masturba. Ele geme gostoso no meu ouvido, fazendo meu coração
disparar. Não estamos com pressa para gozar. Estamos imersos
nos sons um do outro, em dar prazer ao outro, na conexão gostosa
que só nós dois temos.
— Vem cá, linda — sussurra ao tirar os dedos de mim e minha
mão dele, me pegando com cuidado e sentando-me no seu colo. —
Quero um beijo de bom dia. — Seus olhos ainda estão meio
inchados por causa do sono, o rosto amassado, os fios
completamente rebeldes, as pupilas dilatadas e um sorrisinho dos
mais lerdos. Ele é uma visão do caralho agora. — Linda. — Faz
carinho no meu rosto, antes de fechar a mão na minha nuca e me
beijar.
É nosso beijo mais calmo até agora. Sem pressa. Sem
desespero. Sem voracidade. E ainda assim, é o que me deixa mais
atordoada. Sua língua dança com a minha com intimidade. Seus
lábios devoram o meu com gentileza e ternura. Uma mão me
mantém exatamente onde quer e a outra passeia pelo meu corpo,
mexendo com todas as minhas terminações nervosas.
Nos separamos por falta de ar, ele encosta a testa na minha e
nossos olhos se encontram e se recusam a desviar para qualquer
outro lugar. Leopoldo não para de fazer carinho em mim e continuo
arrastando minhas unhas pelo seu peito. Nenhuma palavra sai das
nossas bocas, mas em compensação, nossos olhos parecem
entregar coisas que não estamos preparados para falar ou saber.
Não sei por quanto tempo ficamos assim. Só que a única coisa
que nos separa é o som do meu despertador tocando e a realidade
caindo com força em cima de mim. Ágata chega em casa a qualquer
momento.
Desligo o despertador sem sair do colo dele e roubo um selinho.
— Você tem que ir. Minha irmã pode chegar a qualquer
momento e nenhum de nós dois tem uma explicação razoável para
você estar aqui. — Ele faz careta, mas assente. No entanto, não tira
as mãos de mim. — Precisa me deixar sair do seu colo, bobo da
corte — brinco.
— Mas está tão gostoso assim. — Esfrega o pau em mim. —
Não dá tempo nem mesmo de uma rapidinha? — Choraminga e me
faz rir.
— Não se não quiser ser pego. — Ele abre a boca, mas
repensa e fecha, me colocando na cama com cuidado. — Tem
escova de dentes nova na gaveta e toalha no armário, se quiser
tomar um banho rápido — aviso quando ele entra no banheiro.
Ele opta pelo banho, mas não demora nem dez minutos,
voltando enrolado na toalha. Os gominhos úmidos, o cabelo
molhado e despenteado, a barba rala por fazer...
Como pode ser tão gostoso?
— Está com cara de quem quer lamber alguma coisa — provoca
ao passar a mão pela barriga gostosa.
— E quero. — Só queria trocar de lugar com as gotinhas
escorrendo pelo seu corpo.
Ele dá risada e tira a toalha, se vestindo devagar de propósito
para me deixar louca.
Ágata, eu te odeio.
— Pena que não temos tempo, não é?
— Uhum, uma pena. — Ainda estou babando quando ele vem
até a mim e rouba mais um selinho.
— Levanta essa bunda gostosa e me leva na porta. — Manda,
apalpando minha coxa.
Obedeço, porque tenho educação e saímos do meu quarto,
encontrando com a Mel na cozinha. Quando ela saiu do quarto?
— Bom dia, amor. Está com fome? — Ela late, pula, balança o
rabo e roda empolgada. Até mesmo Leopoldo ganha uma lambida
na perna de bom dia. — Viu? Ela gosta de você. — Olho para ele e
gargalho ao ver como está tenso. — Meu Deus! Que medo é esse,
Leopoldo?
— Não é medo.
— Aham. Vem cá. — Pego sua mão e o forço a se agachar
comigo. — Passa a mão nela.
Ele entrelaça os dedos aos meus e juntos fazemos carinho na
Mel. Ele continua tenso por um bom tempo, mesmo quando ela
balança o rabinho toda felizinha, mas aos poucos se solta e consigo
tirar minha mão sem eles notarem. Sorrio abobada quando ela vira a
barriga para cima e ele faz carinho sorrindo também.
Levanto para colocar a ração, e deixo os dois brincarem, mas
quando Mel escuta o barulho, corre para a vasilha. Coloco água
para ferver para fazer um café e quase derrubo o pó quando
Leopoldo enlaça minha cintura por trás.
— Talvez eu tenha exagerado um pouco, mas tem que admitir
que ela ficava me encarando como se quisesse me matar. — Beija
meu ombro.
— Ela só não te conhecia.
— Acho que tem mais a ver com os sentimentos da dona.
— Ah, é? — Sorrio e ganho um beijo no pescoço agora.
— Quando você me odiava, ela também me odiava. Agora que
me adora, ela se abriu.
— Quem disse que te adoro? — Viro o rosto, vendo seu sorriso
convencido.
— Seus gritos chamando meu nome.
— Gozar não tem nada a ver com gostar de você. — Implico.
— Continua tentando, quem sabe consegue convencer algum
de nós dois.
Belisco sua barriga e ele grunhe, me chamando de doida e
morde meu ombro em seguida.
— Gosta de tapioca? — Ele assente.
Termino o café e ele me ajuda a fazer duas tapiocas para
tomarmos café. Fico com preguiça de montar a mesa e comemos
sentados nas banquetas da bancada mesmo. Entre conversas,
implicâncias, ameaças de morte e muitas risadas.
— Tenho que ir — lembra quando terminamos de comer e
ambos ficamos tristes.
Não era pra ser tão bom assim ficar junto com ele, era?
Fico na ponta dos pés e ele se abaixa para me beijar. Agarra
minha cintura e me coloca sentada na bancada de mármore, se
enfiando no meio das minhas pernas e aprofundando o beijo. Finco
minhas unhas na sua nuca e ele rosna, agarrando minha bunda e se
esfregando em mim. Enlaço minhas pernas no seu quadril e o puxo
para mais perto.
— Caralho que vontade de arrastar sua calcinha pro lado e me
enfiar em você — resmunga na minha boca e minha boceta pulsa.
— Seria tão fácil. — Choraminga, colocando a mão na minha coxa e
brincando com o cós do short. — Só subir um pouco e….
— Bom dia, maninha. — Quase caio da bancada com o susto.
Puta que pariu. — Bom dia, Leopoldo. — Sua voz sai risonha.
Ainda não nos mexemos, Leopoldo está de costas, então não
consegue ver a expressão deliciada da minha irmã de ter me pego
em uma situação constrangedora.
— Puta merda. — Leopoldo emite sem som, os olhos
arregalados.
É.
Puta merda.
— Então foi por isso que deu o fora na Carina — Ágata fala,
ainda sorrindo para mim.
— Fora? — pergunto para o loiro ainda enfiado no meio das
minhas pernas.
— Uma das amigas da Marina e da Ágata queria me usar para
espantar um cara — conta baixinho. — Mas eu não conseguia tirar
certo chaveirinho do capeta da cabeça.
Não consigo não sorrir, ele retribui.
— Pode virar, Leopoldo. Pau duro é normal. — Minha irmã
implica e adoro as bochechas dele ficando vermelhas.
— Você sabe o que é sentir vergonha? — Finjo espanto e ele
mostra língua.
Ele me ajuda a descer e se vira de frente para minha irmã, o
constrangimento já na puta que pariu.
— Bom dia, Ágata. Achei que pelo tanto que beberam, voltaria
mais tarde.
— Tenho um grupo de estudos daqui a pouco.
— Quer tapioca? — Ofereço tentando voltar à normalidade, e
ela nega rindo.
— Desde quando isso está acontecendo?
— Isso o que? — Continuo bancando a egípcia e ela revira os
olhos.
— Vou tomar um banho. — Beija meu rosto e dá um tapinha no
ombro do Leopoldo. — Depois você me explica direito. — Dá uma
piscadinha e sai, nos deixando sozinhos de novo.
— Estamos ferrados — falo e ele concorda, mas me beija de
novo, cagando para minha irmã na mesma casa. — Leopoldo!
— O que? Ela já viu mesmo. Um beijo a mais, um a menos não
vai fazer diferença nenhuma. — Apalpa minha bunda e morde meu
pescoço. — Uma apalpadinha a mais ou uma a menos….
Jogo a cabeça para trás, gargalhando da sua cara de pau.
— Você não presta. — Sua resposta é enfiar os dedos com
mais força na minha carne.
— Tenha um bom dia, nervosinha. — Mais um beijo. — Se for
usar nosso amigo rosa ou ler as putarias que gosta, não esqueça de
pensar em mim.
Fico vermelha, lembrando de ontem à noite e é a vez dele de rir.
Mais um beijo.
Outra apalpada.
E por fim ele vai embora, me deixando com um sorriso idiota.
Lavo as vasilhas que sujamos e deixo uma tapioca pronta para
a esfomeada que vai se arrepender de ter negado no segundo em
que sair do banheiro. Corro para meu quarto para tomar um banho
também e tento tirar o sorriso do meu rosto por tudo, mas ele não
sai. Continuo sorrindo feito adolescente até quando crio coragem de
ir para sala enfrentar minha irmã.
Outra idiota sorridente, mas o dela é puro deboche.
— Quando isso aconteceu? Virou Maria Mucilon mesmo? —
Implica e me puxa para sentar ao seu lado.
— Nosso primeiro beijo foi no Ano-Novo. — Suspiro.
— E está escondendo isso de mim esse tempo todo?
VAGABUNDA!
— Não era para ter acontecido, Ágata. Não só porque ele é
mais novo, mas também é meu funcionário. Eu só…
— Não conseguiu evitar — concordo. — Está tudo bem fugir
das regras um pouco, Ana. Nem sempre precisamos controlar tudo.
— Não quando se é a chefe, Ágata. — Suspiro. — As regras
são criadas por um motivo.
— Ele fode bem? — pergunta, ignorando totalmente o que falei.
— Curiosa — acuso entrando na onda. Já fiz merda mesmo, me
culpar não vai melhorar em nada.
— Fode? — Seus olhos curiosos me encaram e ela se remexe
ansiosa pela resposta.
— Muito bem — confesso sorrindo de novo. — Sem dúvidas, o
melhor da minha vida.
Ela dá um gritinho empolgado e coloca uma almofada no meu
colo, deitando em seguida.
— Me conta tudo.
Eu conto.
Conto desde nosso primeiro beijo, até o acordo de ficarmos
exclusivamente até enjoarmos um do outro. Ágata fica feliz e super
empolgada, levando muito mais na boa do que eu. Minha irmã
sempre foi mente aberta. Todas as escolhas para ela são válidas se
não machucar ninguém no processo e se fizer a pessoa feliz. Bem
diferente de mim.
— Você está sentindo que está perto de enjoar?
Quase choro com a pergunta e nego.
— Acho que não vou enjoar nunca, Ágata.
— O que pretende fazer se isso acontecer?
— Não faço ideia. Estou esperando que ele enjoe. Não é porque
eu estou gostando, que ele também vai gostar para sempre.
Leopoldo é jovem, tem muito o que fazer ainda.
— E você é uma idosa, né, Ana Brandão. — Se irrita.
— Dez anos mais velha que ele.
— E daí?
— E daí que ele logo encontra outra obsessão e enjoa de mim,
como deve ser.
— E se ele se sentir da mesma forma que você?
— Ele não sente.
—Você agora tem bola de cristal para ter certeza? — Não
respondo, apenas faço carinho no seu cabelo e ela respira fundo. —
Não se autossabote por medo, maninha. — Pede.
— Estou vivendo, não estou? — É única resposta que tenho e
por enquanto parece ser o suficiente para ela.
— Sabia que aquela raiva toda era tesão incubado — provoca
rindo.
Pego outra almofada e jogo na sua cara, fazendo a gargalhar
mais e me arrancar uma risada também.
Idiota.
— Quer me explicar por que minha melhor amiga pegou você
na casa dela hoje depois de ter me falado que estava morrendo de
cansaço? — Marina está com as mãos na cintura e um sorriso de
quem me pegou no pulo.
— Duvido muito que a Ágata não te contou cada detalhe do que
encontrou — respondo beijando seu rosto e me jogo na minha
cama. Realmente estou cansado, mas valeu a pena cada segundo
que passei com Ana essa madrugada.
Pena que não deu tempo para o sexo matinal, queria o gosto
dela na minha boca.
— Claro que contou. — Senta ao meu lado. — Mas quero ouvir
de você. Por que escondeu de mim?
— Era para ser segredo. É complicado, trabalhamos juntos,
você e a Ágata são melhores amigas. A Ana já tem a vida toda
feita… — E eu não.
— E você está fazendo a sua — rebate meu pensamento como
se soubesse exatamente o que se passa pela minha mente.
Mudo de assunto e conto desde quando a nervosinha ficou toda
desconcertada ao me ver de toalha, até hoje e Marina dá risada,
opinando aqui e ali, mas o mais importante, super animada com a
possibilidade de se tornar algo mais.
A coitada é mais iludida do que eu.
Como eu disse, a Ana tem a vida pronta, quando e se quiser ter
algo mais sério com alguém, com certeza vai ser com um cara tipo o
babaca do Mariano, no mesmo patamar e estilo de vida que o dela.
Alguém que não tenha dois filhos para criar, pois mesmo que
demonstre adorar os gêmeos, assumir a função de madrasta é outra
história.
— Pode tirar o cavalo da chuva, Marina. Estamos só nos
divertindo.
— Se é só diversão, por que não beijou a Carina ontem?
Porque não queria beijar outra boca além da minha nervosinha,
que por sinal, anda bem mais calminha agora.
— Não tinha conversado com a Ana ainda sobre ficarmos com
outras pessoas ou não. — Dou de ombros. — E ainda bem que não
fiquei, porque decidimos ser exclusivos enquanto estamos ficando.
— Exclusivos? — Ela ri. — Isso é outro nome para namoro.
— Não é. É só sexo. A exclusividade é só porque nenhum de
nós dois curte dividir.
— E desde quando você tem problema em suas peguetes
transarem com outras pessoas? — Não respondo porque não tenho
o que falar. Nunca me importei antes. — Dormiu na casa dela por
causa de sexo casual?
— Só acabamos pegando no sono. — Não é exatamente uma
mentira. Eu estava com muito sono e ela me chamou para ficar
porque era perigoso ir embora cambaleando daquele jeito.
— Vai nessa. Quando cair na realidade, me chama pra jogar na
sua cara.
— Quem vai se decepcionar vai ser você, Mari.
— Veremos. — Sorri de novo. — Hoje não vou poder ir na festa,
para sua tristeza.
— Tristeza? Vou procurar os foguetes para soltar.
— Babaca. — Xinga rindo. — Agora que está comprometido, é
bom tomar cuidado, hein. Não queremos a Ana arrancando suas
bolas na unha por causa das mulheres que ficam te cercando.
Estremeço e não de uma forma boa.
— Deus me livre, Mari. — Choro. — Vira essa boca pra lá.
— Não negou que está comprometido. — Seus olhos brilham
em divertimento.
Não, não neguei, mas de certa forma ser exclusivo é um tipo de
compromisso, não é?

Eu tô feliz pra porra!


Caralho, muito, muito feliz!
A única coisa que quero além de abraçar meus filhos de novo, é
beijar a boca da minha chefe que, infelizmente, está em uma
reunião que não acaba nunca.
Ana reparou que estou inquieto e me perguntou com o olhar se
podia ajudar, a tranquilizei porque não quero atrapalhar a reunião,
mas estou quase me arrependendo. Inferno de reunião infinita.
Nos últimos dois meses, fui contratado como DJ para quase
todos os finais de semana, e na maior parte deles, nos dois dias.
Contratos ótimos. Tenho que beijar os pés da minha nervosinha e
agradecer ao babaca do DJ que cancelou com ela de última hora
também. Ser o DJ da festa do Ano-Novo da BT foi literalmente estar
no lugar certo, na hora certa.
Depois do Ítalo, recebi vários convites para ser o DJ das festas
do grupo social dele, o que me rendeu ótimos negócios. Nenhum
dos amigos dele pagou um valor tão alto quanto ele, mas pagaram
muito bem também. Bem o suficiente para junto com as minhas
economias, eu ter o suficiente para finalmente dar uma entrada
razoável em um apartamento para mim e os gêmeos.
Parece um sonho.
Mal espero Ana terminar de se despedir dos clientes quando a
reunião finalmente acaba e a arrasto para a primeira sala fechada
que encontro. Ela me encara confusa com minha pressa, mas está
sorrindo e se deixando levar.
Fecho a porta atrás de nós dois e tomo sua boca na minha. Ela
demora longos segundos para corresponder por causa do susto,
mas logo agarra meu cabelo e fica na ponta dos pés, enfiando a
língua na minha boca também.
Beijar Ana Brandão com certeza é uma parte do paraíso.
— Não que eu esteja reclamando. — Separa nossas bocas,
mas permanece tempo o suficiente para que seu lábio roce no meu
enquanto fala. — Mas o que foi isso? Estamos no meio do
expediente.
— Isso está parecendo bastante uma reclamação. — Ela me
castiga com as unhas. — Não contei para ninguém ainda, mas com
o trabalho de ontem, finalmente tenho dinheiro o suficiente para dar
uma entrada em um bom apê. — Não consigo conter meu sorriso,
nem o coração galopando feito louco com a felicidade que estou
sentindo e tudo isso aumenta exponencialmente quando ela sorri
abertamente também.
— É sério? — pergunta sorrindo quase tanto quanto eu.
Aquiesço. — Caralho! Parabéns, Leopoldo. — Pula para me abraçar
e a ajudo enlaçar suas pernas no meu quadril. — Estou tão feliz por
você!
— Eu também.
Ficamos abraçados por um bom tempo, suas unhas brincando
com meus fios dourados e minhas mãos apertando sua bunda.
Fazer o que? É uma bunda gostosa e toda minha para apertar.
Estou felizinho, não é? Mereço um agrado.
— Por que me contou se não falou para ninguém ainda? —
Segura meu rosto com ambas as mãos, curiosidade, felicidade e
algo a mais que não consigo identificar brilhando nas suas íris.
— Porque você é uma parte importante disso. — Não só porque
foi a ponte para os clientes. — Se não fosse o Ano-Novo…
— Parece que aquela festa mudou muitas coisas para a gente.
— Um novo ano nunca começou com tanta novidade para mim.
Sorrimos.
Nos olhamos.
E nos agarramos de novo.
Não paramos de nos agarrar.
Nossas mãos se exploram.
Nossas bocas se devoram.
Nossos corpos se procuram.
Estamos viciados um no outro.
Completamente viciados.
— Tudo que queria agora era expulsar todo mundo daqui para
poder montar você. — Choraminga.
— Você é a chefe, pode fazer o que quiser. — Beijo seu
pescoço. — Ai, Ai, Ai! — reclamo quando ela me tira da sua pele
pelos cabelos. — Você é completamente maluca. O que foi agora?
— Não pode me deixar marcada no meio do horário de trabalho,
Leopoldo. — Esbraveja. — Como é que vou esconder isso até
chegar na sala? E se alguém ver?
— Não tô gostando mais de ser um segredo — murmuro.
— Quê?
— Nada. — Sorrio, descendo-a do meu colo. — O que acha de
me ajudar a escolher alguns apartamentos para visitar hoje mais
tarde?
— Acho ótimo. — Sorri, me dá um selinho e sai, me deixando
sozinho.
Demoro propositalmente alguns minutos para sair também. A
recepcionista me encontra no meio do caminho para a minha sala
com um buquê gigante nas mãos.
— Chegou para a senhorita Brandão. Pode entregar para ela,
por favor?
— Quem mandou?
— Não sei, mas tem um cartão. — Aponta para o papel no meio
das rosas vermelhas.
Não sabe nem escolher algo que não seja tão clichê? Aposto
que foi o idiota do Mariano que mandou. Agradeço e pego o buquê,
já sentindo meu corpo inflamar com o ciúme.
Jogo o ramalhete com mais brutalidade que o necessário na
mesa da Ana e ela ergue a sobrancelha para mim, dividindo a
atenção entre as rosas e eu.
— O que é isso?
— Não sei — falo seco. — Tem um cartão.
Ela ainda me olha confusa e pega o cartão, bufando ao ler.
— De quem é?
— Por que quer saber? — Seus lábios se abrem em um sorriso
divertido.
— Ana… — Não estou vendo graça nenhuma, mas ela segue
rindo.
— Leopoldo — provoca, balançando o cartão.
— Deixa eu ver o que está escrito. — Estendo a mão e ela
nega, sorrindo ainda mais.
— É meu.
— Não me estressa — resmungo, tentando pegar o maldito
cartão de novo.
— Te estressar? Achei que fosse impossível — provoca sem
esconder o quanto está se divertindo às minhas custas.
— Impossível não, só difícil. Você consegue com uma proeza
admirável.
Inclino meu corpo para tomar o papel e ela foge mais uma vez.
Seus olhos vão para a janela me lembrando que estamos sendo
vistos, mas só me importo o suficiente para fechar as cortinas e
bloquear os olhares bisbilhoteiros.
— Seja boazinha, vai. — Dou a volta, sentando em cima das
suas pernas na cadeira para que não consiga sair. — Me dá isso
aqui.
Ela se inclina ainda mais para trás, agora gargalhando.
— Por que quer ler? O presente foi para mim.
Continuamos nessa guerra por alguns minutos até que ela não
consegue mais fugir de mim porque não para de rir e eu pego o
maldito papel.
“Uma rosa para uma rosa. Aceita jantar comigo?
Se sim, te espero no Terraço Itália sexta às 20h.
Com carinho,
Mariano.”
Breguice da porra.
— Esse cara não se toca? — resmungo.
— Aparentemente não.
— É um babaca que nem flertar direito sabe — ela concorda
ainda sorrindo. — Você. Não. Está. Disponível. — Rosno
pausadamente. — Qual a dificuldade de entender?
— Ele não sabe disso — brinca.
Porque você não quer.
— Já te vi rejeitando as iniciativas dele. Não é não. — Ela
assente de novo. — Posso jogar isso fora?
— Se assumir que estava se mordendo de ciúmes, pode.
— Estava mesmo. Algum problema com isso?
— Pelo contrário, foi uma delícia te ver irritado assim. Acho que
vou tentar mais vezes. — Roça as unhas nas minhas costas e me
deixa automaticamente com tesão. — Só de pensar em como deve
ser foder você irritado assim. Hummm.
— Depois sou eu que não presto. — Já não estou mais com
tanta raiva. Incrível, não é?
— Acho que nós dois estamos no mesmo patamar.
Empurro o buquê ridículo da mesa e levanto, colocando-a
sentada nela. Abro suas pernas para me encaixar no meio delas e
beijo sua testa com carinho, surpreendendo a nós dois.
— Está gostando mais do que o comum do perigo hoje —
brinca, ignorando o gesto.
— Só estou com mais vontade do que o normal de te beijar.
— Está esperando o que para fazer isso então? — Agarra
minha bunda descaradamente, me fazendo sorrir.
— Linda.
Beijo um sorriso muito perfeito e sinto aos poucos o ciúme se
dissipar, tudo se resumir a ela, como aconteceu desde o primeiro dia
que minha boca tomou a sua para si.
Mariano e suas rosas caras que se fodam.
Ana Brandão se rende ao meu beijo.
Suas unhas rasgam o meu corpo.
Seu corpo carrega as marcas dos meus beijos.
Ela é minha.
Pelo menos agora.
Não é só sexo mais.
Para ser completamente sincera, não tenho certeza se um dia
foi.
O que sei é que se estou indo para um piquenique com os filhos
dele em um domingo à tarde. Definitivamente não é só sexo mais,
mas também não sei o que é.
Leopoldo é um pai responsável demais para levar os gêmeos
para sair com um simples sexo casual.
Somos amigos com benefícios? É uma boa explicação. Ainda
assim, me deixa enervantemente incomodada.
O que estou pensando? Que vamos assumir um namoro e sair
por aí de mãos dadas?
Ele é dez anos mais novo!
É meu assistente, não só trabalha na BT, como trabalha direto
comigo!
E mesmo quando for promovido a programador, ainda vai ser
meu funcionário. Não quero boatos de que foi promovido
simplesmente porque fez o teste do sofá. Minha carreira já está
estável o suficiente para não se abalar tanto com um boato desse,
que geralmente afeta muito mais a mulher, mas a dele ainda não.
— Tem certeza que quer ir? — Leopoldo chama minha atenção,
falando baixinho para que os meninos não escutem no banco
detrás.
— Tenho — confirmo. — Vai ser divertido.
Adoro os meninos também. O pai deles então…
Sua mão direita está na minha coxa desde que pegou o carro
para dirigir. Fui buscá-los e como não sou boba nem nada, pedi para
ele dirigir no meu lugar. Leopoldo tem cara daquelas caras que
dirigem com uma mão só, sabe? E tenho um puta tesão nisso.
Graças a Deus eu estava certa e ele realmente dirige assim.
Pena que dei um tiro no pé, porque agora estou com a calcinha
molhada e uma vontade insana de pular no colo dele.
O carinho despretensioso na minha coxa definitivamente não
está ajudando. A camisa apertada mostrando cada músculo gostoso
do corpo dele menos ainda.
Por que tão gostoso?
— Tia Ana? — Átila me chama e sinto minhas bochechas
esquentarem por ser pega babando no papai deles. Leopoldo me dá
um sorrisinho arrogante, sabendo exatamente onde estava minha
atenção.
— Oi, amor? — Viro para trás do jeito que o cinto permite.
— Eu tô muito feliz que vai com a gente. — O sorriso fofo me
desmonta.
Leopoldo aperta minha coxa e sorri abobado também.
— Eu também estou. — Sorrio.
— Vamos brincar de pega-pega — Rayka informa também
empolgada no banco.
— Vou pegar primeiro! — Leopoldo se intromete sorrindo.
— Não pode roubar dessa vez, pai — O pequeno fala todo
sério, ajeitando os óculos.
— Roubar? — Dramatiza. — Sou um poço de honestidade.
— Não é não — os gêmeos falam ao mesmo tempo e dou
risada.
— Vão se unir os três contra mim agora?
— Não é uma ideia ruim. — Pisco para os meninos e volto a
sentar direito quando fico tonta. — Vamos começar assim que
montarmos o piquenique. Pode ser?
— Pode, tia Ana.
Não demoramos a chegar no parque e ajudo Leopoldo a descer
os meninos que estão muito enérgicos, e a cesta que dona
Madalena preparou para nós. Organizamos tudo com os gêmeos
atrapalhando enquanto correm a nossa volta, provocando o pai que
ameaça pegá-los de minuto em minuto, os assustando e fazendo
dar aquelas gargalhadas gostosas que só crianças têm.
A tarde mal começou e já está perfeita.
— Agora a gente vai brincar, né? — Rayka pergunta ofegante
quando terminamos de arrumar tudo.
— Vamos — É Leopoldo quem responde. — Acho melhor correr,
senhorita Brandão. — Sorri como um predador rondando a presa e
dá um passo ameaçador para frente.
— CORRE, TIA ANA. — Rayka se desespera rindo tanto que
fica mais lenta, mas agarra minha mão me puxando para o lado do
seu irmão, que segura o outro lado. — ELE ESTÁ VINDO! CORRE!
Corremos de mãos dadas, atraindo atenção das outras pessoas
ali. Escuto os passos do Leopoldo atrás de nós e os gêmeos
também porque correm mais, tropeçando na grama às vezes.
— EU VOU PEGAR VOCÊS! — O grito reverbera mostrando
que ele está bem perto.
Olho para trás, com o coração pulando feito louco. Ele está
sorrindo, as covinhas rasgando as bochechas. Sorrio de volta, doida
de vontade de beijar as covinhas.
— Vamos, tia Ana. Para de ficar sorrindo para o papai agora.
Ele é o inimigo! — Rayka esbraveja, me puxando e gargalho junto
com Leopoldo.
Voltamos a correr e Leopoldo apressa o passo, nos alcançando
e pega cada um dos filhos com um braço.
— Peguei vocês! — Ele gira com os dois que riem tanto, que
estão com a respiração ofegante.
— SOCORRO, TIA ANA. — Rayka grita. — Salva a gente.
Leopoldo sorri em desafio e retribuo. Ando devagar até ele que
nem se move, pois não me considera uma oponente à altura.
Erro dele.
Bom para mim.
Rayka e Átila observam esperançosos e decidem me ajudar,
tentando fazer cócegas no pai. Não conseguem, mas o distraem o
suficiente para que eu pule nas suas costas e dê um mata-leão.
Ele gargalha.
— SOLTA MEUS PARCEIROS. — Berro, apertando seu
pescoço.
— Essa é sua melhor ideia, chaveirinho?
O corpo dele inteiro treme com a gargalhada. Ele ajeita os
meninos e volta a girar conosco pendurados no seu corpo.
— Me ajudem! Vamos desestabilizá-lo. — Mando e os meninos
voltam com as tentativas de cócegas.
Continuo com o mata-leão, minhas pernas agarradas na sua
cintura. Ele ri tanto que finalmente fica fraco e cai no chão. Tomando
cuidado de girar os meninos para ficarem atrás de mim e cair de
barriga para não nos machucar.
— Conseguimos, tia Ana! — Os gêmeos comemoram, saindo de
cima do pai e pulando sem parar. — Vencemos o papai!
Levanto também e comemoro com eles. Leopoldo nos observa
sorrindo.
— Três contra um não vale também.
— Claro que vale — nós três respondemos quase em coral. Ele
gargalha de novo.
— Vem, vamos comer antes de brincar mais.
Átila agarra minha mão direita e Leopoldo a esquerda,
segurando Rayka com a outra. Quem nos olha agora, com certeza
vê uma família feliz.
Sabe o que me preocupa? A ideia não me parece nada ruim.
Muito pelo contrário.
Sentamos em círculo na tradicional toalha xadrez e começamos
a comer. Rayka domina a conversa, contando tudo sobre a escola e
a nova rotina desde que o pai começou a trabalhar mais. Átila e
Leopoldo às vezes dão um pitaco aqui e outro ali, mas na maior
parte do tempo, é a pequena quem domina tudo enquanto os dois a
olham encantados.
Depois que lanchamos e quando eles se cansam de conversar,
voltamos a brincar, de pique-esconde dessa vez. Fico responsável
por contar na primeira rodada e os três se escondem.
Sorrio, encostada em uma árvore com os olhos fechados e
começo a contar até 100. Quando chego no número 85, um grito de
dor faz meu coração parar. Tem inúmeras crianças aqui, mas eu sei
que é uma das minhas antes mesmo de sair correndo procurando-
as.
Leopoldo está com a filha no colo a alguns metros de mim.
Rayka está soluçando enquanto o pai faz carinho no seu cabelo e
murmura alguma coisa que não consigo entender.
De onde estou, não consigo ver direito o que aconteceu, mas
Rayka está segurando o braço que parece estar arranhado e
começando a inchar.
Dou mais um passo para frente, para entender direito o que
houve, mas meus olhos encontram com os de Leopoldo e ele nega,
apontando com a cabeça para um canto um pouco mais distante
deles, onde Átila está agachado perto de uma árvore.
Me aproximo devagar e sento na sua frente. Ele está com o
rosto escondido nos braços apoiados em cima dos joelhos.
— Ei. — Passo a mão no seu cabelo, mas ele não me olha.
Continuo fazendo carinho até que se sinta confortável em
levantar a cabeça e mostrar os olhinhos marejados para mim. Meu
coração fica apertado.
— Foi minha culpa. Eu falei pra gente se esconder em cima da
árvore — conta choroso.
— Não foi sua culpa, meu amor. Essas coisas acontecem. —
Ele nega. — Sua irmã vai ficar bem — garanto e ele chora mais.
— Não vai, tia.
— Por quê?
— Porque minha mamãe não ficou. A minha madrinha prometeu
que ela ia ficar bem também e ela não ficou. Minha irmã também vai
virar estrelinha. — Ele chora de soluçar agora e o pego no colo,
sentando encostada na árvore.
O que aconteceu com a mãe deles? Imaginei que não fosse
presente, mas nunca perguntei para o Leopoldo onde ela está. Não
me achei no direito de fazer esse tipo de pergunta.
— Tá vendo essa cicatriz aqui? — Mostro meu cotovelo e ele
observa atento. — Eu caí de uma árvore também, acredita?
— Mesmo?
— Mesmo. E estou bem, não estou? — ele concorda,
segurando com força na minha blusa. — A Rayka vai ficar bem
também. Mas agora nós temos que ser fortes por ela e ir até o papai
ver o que eles precisam, pode ser?
— Pode — diz com firmeza, levantando-se de imediato.
Sua mão se agarra à minha e andamos apressados até o
Leopoldo, que ainda está com a filha no colo. Procuro qualquer sinal
de ferimentos mais graves e fico aliviada quando noto que o mais
grave é o braço. Pela carinha da Rayka, talvez possa ter quebrado.
— Tá doendo, papai. Tá doendo muito.
Tadinha.
— Eu sei, meu amor. Eu sei que tá. — Ele parece estar com
mais dor do que ela. — Nós vamos para o hospital para o médico
ver o que precisa fazer para sarar, tá bom?
Ela concorda, escondendo o rosto no peito dele com o choro
angustiado.
Arrumo as coisas na cesta com a ajuda do pequeno que não
solta minha mão, e corremos para o carro. Leopoldo entra no banco
detrás com os filhos e continua acalmando a filha com palavras
carinhosas. Átila se junta aos dois, mas fica calado.
Dirijo o mais rápido que consigo, xingando cada motorista
barbeiro de São Paulo. O que custa dirigir direito, cacete?
Em um dos milhares de sinais vermelhos, mando uma
mensagem para minha irmã tentar agilizar o atendimento, e quase
30 minutos depois estamos estacionando no pronto-socorro do
LeBlanc.
— Vai, já chego com ele — falo para Leopoldo e seus olhos me
agradecem.
Ele corre com a filha para dentro. Pego Átila que gruda na
minha cintura e tranco o carro, entrando atrás dos dois. Minha irmã
está olhando o braço da Rayka enquanto eles estão na cadeira para
esperar o atendimento e quando me vê, anda até mim.
— O doutor Marcelo vai puxar o nome deles assim que o
paciente que está na sala dele sair.
— Obrigada, maninha.
— Vou buscar algo para vocês beberem.
Agradeço e ela sai. O médico chama o nome da Rayka antes
que ela volte e mais uma vez, tranquilizo Leopoldo avisando que
vou ficar com o Átila.
— A tia Ágata é médica, né? — pergunta baixinho e confirmo.
— Ela vai saber falar se a maninha vai ficar bem, certo? — concordo
de novo.
Ágata volta com duas garrafas de água e olha o pequeno
agarrado em mim. Ele a chama baixinho e sussurra no seu ouvido.
Consegue falar baixo o suficiente para eu não escutar direito, mas
minha irmã escuta atentamente, sussurrando de volta para ele, que
respira, parecendo mais aliviado.
— Ela disse que ela vai ficar bem, tia Ana. Só vai precisar de
uns dias pra ficar boa de novo. — Ele sorri.
— Viu? Foi só um susto.
Sento na cadeira com ele no meu colo e atendo uma ligação da
Madalena no celular que o Leopoldo esqueceu na cadeira.
Tranquilizo-a, falando que eles já estão sendo atendidos e que não
é nada grave. Depois de me fazer prometer pedir para ele a ligar
assim que sair do consultório, ela desliga.
— Quer assistir alguma coisa no meu celular? — pergunto e ele
pondera.
— Mas e se eu dormir e não ver quando minha irmã voltar?
— Eu te acordo.
— Promete?
— Prometo.
Ele assente e pega meu celular, colocando Toy Story. Não
demora muito para que seus olhos fiquem pesados e ele apague no
meu colo. O ajeito melhor, encostando sua cabeça no meu peito e
ele agarra minha blusa, ressoando. Tão lindo. A cara do pai.
— Cadê minha neta? — Quase infarto com o susto e me volto
confusa para a dona da voz grosseira.
É uma senhora muito elegante, mas com cara de quem chupou
limão e não gostou.
— Quem? — pergunto, educada.
Ela me olha impaciente.
— Minha neta. A Rayka, cadê?
— Sua neta?
— Você tem algum problema de entendimento?
É o que? Quem essa velha acha que é? Desde quando eles têm
avós além dos pais do Leopoldo? Respiro fundo, não é como se eu
soubesse muita coisa sobre a mão dele, certo?
— Não, não tenho. Rayka está com o pai dela no consultório,
eles já estão lá há um tempo, devem estar voltando.
— Quem é você? — O asco na sua voz me deixa com raiva.
Respira, Ana. Você está com uma criança no colo. — Anda, me dá
ele — ordena.
ELA ORDENA.
Como é que fica calma assim?
— Não.
— Ele é meu neto! — Brada, tentando arrancar Átila das minhas
mãos.
— Ficou louca, porra? — Chuto suas canelas e ela me olha
assustada e irada. Foda-se. Velha doida. — Até o PAI deles mandar
eu o entregar para alguém, ele fica exatamente onde está.
— Escuta aqui, você sabe quem eu…
— Escuta você. — Interrompo. — Não sei quem você é e estou
pouco me lixando mesmo se for a primeira dama do país. O Átila vai
ficar exatamente onde ele está e ai de você se tentar tomá-lo a força
de novo.
— Está me ameaçando?
— Estou avisando — corrijo.
— QUEM VOCÊ ACHA QUE É?
O grito acorda o menino nos meus braços, e se eu estava puta
antes, agora estou possessa.
Respira, Ana.
Não vai matar ninguém na frente dele.
Não vai.
— Tia Ana? — Chama esfregando os olhinhos. Fito a velha
nojenta, desafiando-a a falar um A para ver o que faço com a cara
dela. Felizmente, ela fica calada. — A Ray já voltou?
— Ainda não, amor. Pode dormir mais um pouco, prometo que
te acordo quando ela chegar.
Ele fecha os olhos e se aninha no meu peito de novo, voltando a
ressoar minutos depois. A velha abre a boca para voltar a falar
merda, mas é interrompida.
— O que está fazendo aqui, Eugênia? — Nunca o vi tão frio.
Sabia que essa velha não é coisa boa.
— Vim ver minha neta, é claro — retruca. — Cadê ela?
— Não é da sua conta. Como ficou sabendo que estávamos
aqui?
Ele não negou que ela é avó dos meninos. Porra.
— Eu sabia que você não seria um bom pai. Sabia que eles
viriam parar no hospital em algum momento. Por isso paguei uma
enfermeira em cada pronto-socorro infantil para me avisar quando
isso acontecesse. Não imaginei que fosse no LeBlanc, é claro. —
Como é que é? Ela está acusando Leopoldo de não ser um bom pai
mesmo ou eu estou delirando? — Agora me responde, cadê minha
neta? A perdeu?
Que mulher escrota! Puta que pariu! Que vontade de matar.
Respira, Ana.
— Não que seja da sua conta. — Repete. — Mas ela está
tomando remédio para dor com uma médica amiga da família.
Estaria comigo se não tivesse sido informado que uma senhora está
exigindo ver minha filha, alegando ser a avó e ter direitos.
— Eu tenho direitos!
— Não, enquanto se comportar assim, não tem. Eu sou o pai
deles, Eugênia. — Ele olha se o filho permanece dormindo. Graças
a Deus, permanece. — Eles vão ficar comigo, e se ousar se
aproximar sem minha autorização de novo, vou te denunciar.
Suborno é crime. Quer mesmo ir parar na cadeia?
Sabe o que a velha nojenta faz? Ela ri. Ela dá uma risada
sarcástica daquelas bem de bruxas.
— Acha mesmo que consegue me colocar na cadeia, Leopoldo?
Olha quem eu sou. Dinheiro e poder compram qualquer um neste
país — fala mais baixo. — Te avisei uma vez porque sou uma boa
pessoa, você não quis ouvir. Então agora não só vou tomá-los,
como proibirei qualquer chance que tenha de visitá-los. Aproveite os
dias que ainda tem.
É isso.
Não consigo mais ficar quieta.
Levanto e entrego o Átila para o pai tão rápido que ele mal tem
tempo de processar.
— Escuta aqui, senhora Eugênia. — Encaro-a com todo o ódio
que estou sentindo. — Isso que você acabou de fazer se classifica
como ameaça, e caso não saiba, acabou de fazer isso na frente de
uma testemunha.
— Não tenho medo de nenhum de vocês. — Debocha.
Abro um sorriso bem filho da puta.
— A senhora se acha porque tem um bom nome e dinheiro, não
é? Adivinha só, eu também tenho. Já ouviu falar na Brandão
Technology? Ou no sobrenome Brandão? — Seus olhos
arregalados me respondem. É claro que já ouviu, lutei pra caramba
para fazer meu nome e minha serem empresa conhecidos. — É um
desprazer conhecê-la. Sou Ana Brandão. Você tem influência? Eu
também tenho. Dinheiro? Não é problema. E não me importo de
gastar cada centavo dele para proteger essa família. — Aponto para
eles. — Então, pense muito bem antes de tomar qualquer atitude
que possa prejudicá-los. Sabe uma coisa que eu tenho e você não?
Tempo. Posso passar anos em uma briga judicial se necessário,
você pode? — Ela engole em seco. Ótimo. — Foi o que imaginei.
Sugiro que vá para casa agora e pense cuidadosamente nos seus
próximos passos. Se quer mesmo o bem dos seus netos, vai
obedecer a qualquer que seja a regra que Leopoldo estabelecer
para conviver com eles.
— Quem é você? — Ainda tenta manter a pose.
— Não acabei de me apresentar? — Paciência, Ana.
— Ela é uma amiga da família — Leopoldo responde, ficando do
meu lado.
— Tenha uma boa tarde, Eugênia. — A mando embora de novo
não tão sutilmente e ela bufa, mas agarra a bolsa e sai toda
pomposa.
Velha enfadonha.
— Pode pegar ele de novo para eu ir conferir a Rayka? — Pede
sem me olhar direito.
O que fiz de errado?
— Posso, claro. — Pego o Átila e o aninho de novo nos meus
braços, decidindo descobrir o que o incomodou mais tarde. Não é
uma boa hora. — O que ela tem? Já sabem?
— Ela quebrou o braço direito.
— Tadinha.
— Vão engessar agora, quero estar lá.
Meneio a cabeça em um aceno afirmativo e ele sai pisando
forte, sumindo pelos corredores.
Quase 20 minutos depois, eles voltam acompanhados da minha
irmã. Rayka está sonolenta no colo do pai, provavelmente por causa
dos remédios. O braço está engessado, pendurado por uma tala no
pescoço.
Minha irmã repassa as orientações que o pediatra de plantão
passou e se despede de nós com abraços e beijos no rosto.
Leopoldo está calado. Mesmo quando Rayka é vencida pelo sono e
ambos estão dormindo, ele não fala nada. Quando o colocamos no
carro também não, nem quando entra no banco do motorista.
Já estou ficando agoniada com o silêncio, mas também não
encontro uma forma de quebrarmos ele. A viagem de volta até a
casa dele é desconfortável e longa. Quando descemos os meninos
e os colocamos na cama, ele continua em silêncio. Ou melhor,
continua em silêncio comigo. Porque cumprimenta e explica para os
pais o que aconteceu com a filha, omitindo a aparição da velha no
hospital.
Madalena e Jorge tentam puxar conversa comigo, mas ainda
estou inquieta demais com o gelo do filho deles para fazer qualquer
coisa além de dar respostas automáticas. Eles parecem perceber
que tem algo errado, mas não falam nada também.
— Vou te levar na porta. — Leopoldo volta do quarto dos
meninos e fala para mim. Ele está me expulsando?
— Está expulsando a menina? — Sua mãe percebe o mesmo
que eu e fica séria. — Não foi essa educação que te dei, Leopoldo.
Mil desculpas, Ana. Ele deve estar com a cabeça enfiada em um
lugar que não pega sol por causa da preocupação com a Rayka.
Sorrio sem graça.
— Ela está cansada, mãe. É só isso. Não está, Ana?
É, ele não me quer aqui. O motivo eu não faço ideia.
— Claro. — Engasgo. — Estou cansada. A viagem para casa
vai ser longa — tento brincar para amenizar o clima com Madalena,
mas ela ainda nos encara com desconfiança.
— Tem certeza? Você pode ficar para jantar com a gente.
— Não precisa. — Que climão. — Estou mesmo cansada. Vou
jantar em casa.
— Tudo bem então. Nos avisa quando chegar, tudo bem? Boa
viagem, querida.
— Aviso sim. — Sorrio e ela beija meu rosto.
Leopoldo abre a porta e passo por ela, me sentindo mal. O que
deu nele?
— Quer me falar o que você tem? — pergunto encostando no
carro.
— Não. — É seco.
— Mas vai, porque eu mereço saber. — Me irrito.
— Merece por quê? Por que tem influência e dinheiro? —
Desdenha me olhando.
— Esse é o problema? — indago incrédula. É sério? — O meu
nome e dinheiro?
— Não. O problema é como usou isso para conseguir o que
quer.
— O que eu quero? — Esbravejo. — Usei para defender a sua
família!
— Não precisamos do seu dinheiro ou sua influência. — Cospe,
os olhos faiscando. Com certeza não estão nem perto da raiva que
os meus devem estar transmitindo. Babaca! — Nos viramos muito
bem sem ele, não é agora que vamos precisar.
— Mas você é um imbecil mesmo! E um ingrato do caralho! —
Rosno, sentindo meu coração na boca. — Só usei meu nome e
dinheiro porque essa é a língua que pessoas da laia da Eugênia
entendem.
— Quis dizer a sua laia, né?
Filho da puta ingrato!
— Vai se foder, Leopoldo.
Empurro o peito dele com força e saio, dando a volta no carro e
batendo a porta atrás de mim. Ele não responde, só fica me olhando
ir embora.
Não faz nem mesmo um movimento para tentar me impedir, só
fica lá, plantado, me assistindo ir embora. Olho pelo retrovisor antes
de virar na esquina e ele ainda está no mesmo lugar.
Por que nem tentou me impedir, bobo da corte?
— AAAH! — Esmurro o volante com raiva.
Minha visão embaça e tenho que parar o carro para tentar me
acalmar. Passo a mão pelas minhas bochechas, sentindo meu rosto
molhado.
Estou mesmo chorando por causa desse idiota? Parece que
sim.
Eu sabia.
Sabia que ia dar merda me envolver com ele e mesmo assim
enfiei minha razão no cu e segui.
Bem feito, Ana. Tomou no cu.
O que queria me envolvendo com um funcionário? Se tivesse
mantido estritamente a sexo, até poderia ter dado certo, mas não,
tinha que me envolver.
Tinha que ir na porcaria de um piquenique com os filhos dele.
Tinha que me deixar levar, baixar minha guarda para ele.
Espanco o volante de novo, ignorando a pontada no meu
punho. Não acredito que estou chorando por causa desse babaca.
Que raiva!
Eu só queria ajudar.
Leopoldo é um pai foda, muito foda. Nenhum dos três merece
se separar por causa de uma velha que não sabe seu lugar.
Pena que aparentemente, a única coisa que é ele bom, é em
ser pai, porque o resto…
Só tentei ajudar e ele fez o quê? Foi um babaca.

Ana foi embora sem nem olhar para trás e não fiz nada além de
ficar olhando até seu carro sumir da minha visão.
Ela não deveria ter se metido ou usado seu dinheiro e influência
para nos defender. Não interessa se sua intenção foi boa ou não.
Nem eu, nem os gêmeos precisamos do dinheiro ou de pessoas
como a Eugênia nas nossas vidas.
— O que aconteceu entre vocês? — minha mãe pergunta no
segundo que entro em casa.
— Ela se intrometeu onde não devia.
Ela me encara insatisfeita com minha resposta e respiro fundo,
contanto tudo que aconteceu, incluindo as ameaças da Eugênia
dessa vez. Meu pai chega no meio da conversa e senta ao lado da
minha mãe, ouvindo também.
— Eu não criei um babaca. — Dona Madalena esbraveja e me
dá um tapa forte no ombro. — Não mesmo! Vai pedir desculpa para
aquela menina agora, Leopoldo.
— Não criou mesmo — me defendo. — Não sou babaca, só
deixei claro que não precisamos que ela esfregue seu dinheiro na
nossa cara.
— E quando ela fez isso, filho? — meu pai pergunta
pacientemente.
— Acabei de contar para vocês, ora!
Minha mãe me dá outro tapa e reclamo dessa vez.
— Não criei filho burro também!
— Seu filho sou eu, sabia? Vai ficar me batendo por causa dos
outros? — reclamo.
— Estou te batendo porque está precisando, Leopoldo! Onde já
se viu? Pobre menina. Estava tão murchinha.
Não ligo. Acho que não, pelo menos.
— Filho, do nosso ponto de vista, a única coisa que Ana fez foi
tentar te ajudar — meu pai fala com tranquilidade. — Ela mostrou
para a Eugênia que você não está sozinho ou desamparado. Se
colocou ao seu lado...
— Não preciso do dinheiro dela para isso. — Interrompo.
— Meu Deus. Criei uma mula, Jorge? Criei mesmo? — mamãe
lamenta. — ELA NÃO ESTAVA MOSTRANDO QUE TEM
DINHEIRO, LEOPOLDO. — Perde a paciência que já não tem. —
Você que foi uma mula orgulhosa. A menina só colocou as
ferramentas que tem à sua disposição caso precise e mostrou para
a Eugênia que está ao seu lado.
Não respondo. Não quero tomar outro tapa. Ela respira fundo,
massageando a testa e meu pai faz carinho nas suas costas. Os
dois me olham como se soubesse de algo que eu não sei, antes do
meu pai apoiar a mão no meu ombro e falar:
— Tem certeza que está bravo com a Ana, filho? Não acha que
pode ser porque ela conseguiu amedrontar Eugênia com o
sobrenome dela e você não? Nós entenderíamos se estivesse se
sentindo insuficiente depois de hoje, mas a Ana não tem culpa, ela
só tentou ajudar.
Não sei o que responder ou pensar sobre o que disseram, então
não faço nada. Só beijo o rosto deles.
— Vou tomar um banho. Hoje foi um longo dia. — E amanhã
preciso enfrentar a onça em miniatura que provoquei hoje.
O que será que ela vai jogar em mim dessa vez?
Quão estranho sou por estar ansioso por isso mesmo estando
puto com ela?

Nada.
Ana não jogou nada.
Nem mesmo me xingou.
Ela está me tratando com uma cordialidade que está me
deixando louco.
Ela me colocou de volta no meu lugar como nada mais que um
funcionário sem dizer uma palavra sobre isso.
Eu deveria estar feliz, não é? Fui eu que disse que não preciso
dela.
Deveria.
Mas não estou.
Estou puto.
Só não sei se com ela ou comigo. A conversa com meus pais
está martelando na minha cabeça desde ontem. Será que distorci as
coisas? Estou vendo através das lentes de um orgulho idiota? Já
repassei a cena do hospital na minha cabeça inúmeras vezes e
quanto mais penso, mais vejo que fui um completo idiota e que ela
só estava tentando ajudar.
Meu pai tem razão. Eu me senti insuficiente para defender meus
próprios filhos, fiquei revoltado com o sistema, com o quanto o
dinheiro tem peso em outros seres humanos, não com a Ana em si.
Só descontei nela. A usei como bode expiatório quando tudo que ela
fez foi ajudar, proteger a mim e aos meninos.
Será que ela entenderia se eu tentasse explicar? Será que me
perdoaria por ter agido como um babaca?
Ana não é o tipo de mulher que aceita ser maltratada, muito
menos perdoa atitudes como a que tive ontem.
Será que a perdi por ser um idiota?
A menção de tê-la perdido faz o ar ficar rarefeito.
Por favor, que ela pelo menos me ouça.
Por favor, que me desculpe.
O que vou fazer se não me entender?
— Leopoldo? — Chama educada. — Pode trazer os
documentos do Caio para mim, por favor? — Seus olhos não saem
do computador.
— Claro. Um minuto.
Grita comigo, Ana.
Me manda ir a merda.
Enfia o sapato na minha cara.
— Precisa de alguma coisa? — pergunta quando não me movo.
Preciso.
Está vendo esse porta-caneta ao seu lado? Joga ele em mim,
por favor, linda?
Me dá alguma esperança, chaveirinho.
— Não.
Grita comigo, nervosinha.
Pego a pasta que ela precisa e a entrego, esperando alguns
segundos por alguma reação. Qualquer coisa que não seja essa
frieza serve.
— Posso ajudar, Leopoldo? — Suspira, finalmente me olhando.
— Podemos conversar?
— É sobre o trabalho? — pergunta indiferente.
— Não.
— Seus pais ou os meninos estão precisando de alguma coisa?
— Também não, eles estão bem. É sobre nós dois.
— Então não, não podemos. — Vira de volta para a tela, me
ignorando completamente.
Fico desesperado. Ela não vai me ouvir mesmo?
— Ana, por favor. — Estou implorando? Estou, mas nem me
importo com isso.
— Não existe nós dois, você deixou isso cristalino ontem. —
Volta a me olhar, mas não muda em nada sua expressão, quase
como se estivesse entediada com a conversa. — Não quer ter nada
a ver com meu nome ou meu dinheiro, certo? Infelizmente para
você, os dois vêm no pacote junto com os orgasmos gostosos.
— Orgasmos gostosos? — Rio incrédulo. — Está falando sério?
Você sabe que somos muito mais que isso.
— Éramos — frisa o tempo verbal, meu sangue esfria. — Ontem
você me provou que não mais.
— Ana, seja razoável. Sei que exagerei ontem. Quero
conversar, por favor.
— Razoável? — É sarcástica. Por algum motivo, fico alegre. Já
é alguma reação, certo? — Estou sendo profissional, Leopoldo. E
você está me atrapalhando a trabalhar. Pode se retirar e fechar a
porta quando sair, por favor.
Profissional.
Nossa. Doeu.
A mínima alegria de antes desapareceu.
Ana volta a olhar para o computador e ignorar minha existência.
Porra.
Fico feito estátua um bom tempo antes de desistir e fazer o que
me pediu. Não consigo trabalhar o restante do dia, agoniado com a
possibilidade de não conseguir convencê-la a me ouvir.
E se ela nunca mais me der uma oportunidade? E se nunca
mais puder ouvir sua risada? E se ela não gozar mais na minha
boca? E se nunca mais vê-la brincar com meus filhos? Dar as mãos
para eles e correrem de mim rindo tanto que quase caem um monte
de vezes?
E se nunca mais escutá-la gemer ao beber aquele vinho
horroroso? E se nunca mais puder zoar ela pelo seu desenho
favorito ou as putarias que lê? E se ela nunca mais jogar nada na
minha cara? Ou dar uma de chaveirinho de capeta e pinscher
raivoso?
E se ela nunca mais quiser ser minha?
Caralho, só de pensar dói.
Meu corpo inteiro gela.
Minha.
Quero tanto que ela seja minha.
Puta que pariu.
Puta merda.
Porra.
Estou fodido.
Mais fodido do que antes.
Não é um ótimo momento para perceber que estou
completamente apaixonado pela minha chefe?
— Por que não posso ligar para ela? O senhor disse que posso
usar o telefone em momentos muito importantes! — Rayka briga,
apoiando as mãozinhas na cintura e me encarando zangada. —
Agora é um momento muito importante!
— Importante como ir para o hospital, meu amor. Não convidar
alguém para seu aniversário.
— Mas eu tenho que ligar! O senhor não chamou ela quando foi
trabalhar. É tudo sua culpa. Então tem que me dar o celular pra eu
consertar. — Estende a mão feito gente grande, me deixando
orgulhoso demais da sua determinação. — A tia Ana vai achar que
esquecemos dela e vai ficar triste, papai.
Sua tia Ana não quer ver seu papai agora, amor.
— Ela está certa, papai. — Átila ajuda, todo sério. — Nós dois
queremos a tia Ana no nosso aniversário amanhã. Se não podemos
ligar, liga o senhor.
Ela vai desligar na minha cara, certeza. Isso se atender. Ela tem
ignorado todas as chamadas nos últimos dias. A única que atendeu
foi no dia que levei Rayka para tirar o gesso, e só porque queria
saber se tudo ocorreu bem.
O lado bom de ser ignorado? Consegui colocar minha cabeça
em ordem e ter clareza dos meus sentimentos.
O lado ruim? Ela não me dá nenhuma oportunidade para me
desculpar e isso faz com que fiquemos cada dia mais distantes.
O pior de tudo? Me apaixonei pela mulher que faz o inferno
parecer gelado e meu sentimento só cresce a cada minuto.
Sortudo eu, não?
— Vou ligar. — Prometo. — Sua madrinha deve tê-la chamado
também, ok? Fiquem despreocupados. Sua tia Ana vai vir.
Ambos sorriem, parecendo ter ganhado uma caixa gigante de
chocolates. Já os alegrei, agora só preciso descobrir como trazê-la
aqui em casa amanhã. Ou melhor, descobrir como fazê-la atender
minhas chamadas. Tenho certeza que não vai ignorar um convite
dos meninos. Ela os adora tanto quanto eles a adoram.
Ana e meus filhos se adoram.
Eu a adoro.
Ela pode estar puta agora, mas também gosta bastante de mim.
Nós brincamos de pega-pega.
Átila, Rayka e eu a queremos nas nossas vidas e o que fiz?
Estraguei tudo.
— Anda, papai! Tá esperando o que para ligar? — Rayka
indaga, fazendo o biquinho fofo de quando está se irritando de novo.
— Sabe o que é, meu amor? — Ela me olha confusa. — Acho
que tem um problema com o telefone da sua tia. Ela não está
atendendo. O que acha de irmos na casa dela e fazer o convite
pessoalmente?
Os olhos dos dois brilham.
— De verdade? — minha advogada mirim pergunta.
— De verdade.
— Vamos logo! Assim eu posso contar que é tudo culpa sua que
ela ainda não saiba da nossa festa e ela não vai ficar brava com a
gente.
— Você tem que se trocar primeiro, Ray. Vocês, na verdade.
Não podem ir de pijama.
— Mas o meu pijama é o do Banguela! Ela não vai ficar
chateada se me ver com o pijama do banguela — Átila argumenta,
me fazendo rir.
Sento na minha cama e puxo os dois para o meio das minhas
pernas, fazendo carinho nos fios da mesma cor que os meus.
— Ela não está chateada com vocês, meninos. — Só comigo.
— Tenho certeza que Ana vai entender que fui eu que esqueci e
vocês não tiveram nada a ver com isso.
— Tem mesmo?
— Tenho. Agora vão se trocar pra gente ir.
Eles saem correndo, gritando animados e minha mãe entra no
quarto dando risada dos netos. Ela me olha com aquele ar de mãe
que sabe de tudo e senta na cama ao meu lado.
— Vai usar os meninos para fazê-la te ouvir? — pergunta séria.
— Vou, e nem adianta tentar me convencer do contrário. Sei
que é errado, mas é a única forma de ter certeza que não vai me
colocar na rua. Ela é apaixonada demais nos gêmeos para isso.
Minha mãe abre um sorriso do tamanho do mundo, batendo a
mão na minha coxa.
— Não vou tentar te dissuadir, pelo contrário, acho uma ideia de
gênio. — A olho abismado. — O que? — Se faz de inocente. —
Temos que usar as armas que temos. Eu te ensinei isso.
— Ensinou. Contanto que não machuque ninguém.
— Isso mesmo. — Sorri. — Quer me falar por que é tão
importante conseguir o perdão dela? — Abro a boca para falar que
fui um idiota, mas ela continua falando. — Sim, você foi um idiota e
tem que se desculpar, mas ter uma atitude ruim com sua chefe não
te deixaria tão agoniado assim.
— Posso precisar muito desse emprego — brinco.
— Não tente me fazer de boba, Leopoldo. Quando você foi
buscar o fubá, eu já estava com o bolo pronto e frio. Se ela fosse te
despedir por isso, já teria feito. — Faz carinho no meu ombro e
respiro fundo. — Se não quiser me contar, tudo bem. Mas você não
levaria sua patroa em um piquenique com os meninos, levaria?
— Não levaria ninguém que não fosse importante para sair com
eles, mamãe — assumo, sentindo meu peito doer.
Lembro das risadas deles correndo de mim, dos nossos dedos
entrelaçados, do quanto Átila confia nela e dele aninhado no seu
colo sem nem mesmo pedir por mim.
Que saudade.
Por que não respirei antes de tratá-la daquele jeito? Por que
não pensei mais? Ou dormi e falei com ela no outro dia?
— Eu sei, meu amor.
— Acho que estou apaixonado por ela — falo em voz alta pela
primeira vez e, obviamente, minha mãe não fica surpresa.
— Acha? — Mais um dos seus sorrisos de sabe tudo.
— Tenho certeza, dona Madalena. — Reviro os olhos e seu
sorriso fica maior.
— Eu sabia. — Comemora. — Tá vendo como tem que ouvir
mais a mamãe? Te falei que sabia que ela seria minha nora no
primeiro segundo que coloquei meus olhos nela. Meu coração
escolheu o dela como nora. Eu sabia.
— Não acha que é o meu coração que deveria escolher,
mamãe? — pergunto rindo da sua empolgação.
— E ele escolheu, ora essa. Ninguém conhece melhor seu
coração do que eu, meu filho. Ele foi formado dentro de mim.
Tenho a melhor mãe do mundo, é fácil ser um bom pai com
esse exemplo.
Deito no seu colo, como meus filhos fazem comigo e ela faz
carinho no meu cabelo.
— Você pode estar certa, mamãe, mas de que adianta isso se já
estraguei tudo?
Ela ri.
— É exatamente por isso que vai levar os meninos com você,
eles vão amolecê-la o suficiente para te ouvir, ou pelo menos aceitar
o convite do aniversário, o que já é uma chance para conversarem.
Você só não pode estragar tudo de novo quando ela decidir te ouvir.
— E se eu estragar?
— Vou te bater.
— MAMÃE!
— O que? Já falei que não criei uma mula. Não se atreva a me
envergonhar, Leopoldo Marinho.
Gargalho. Ela é completamente maluca, mas é a melhor mãe do
mundo, com certeza.
— PAPAAAAAAI! ESTAMOS PRONTOS! — Rayka grita para o
quarteirão inteiro ouvir e nós dois gargalhamos.
— Seu pequeno ciclone está te esperando — brinca, dando um
tapinha na minha testa para levantar. — Boa sorte, filho.
Definitivamente vou precisar.

Fingir que não me importo com o Leopoldo tem sido uma das
coisas mais difíceis que já tive que fazer.
Estou com saudade das nossas conversas, das nossas risadas,
de tomar vinho com os pés no colo dele, dos nossos beijos. Como
estou com saudade dos nossos beijos. Saudade de acordar toda
marcada da sua boca e das suas mãos.
Saudade dos seus gemidos no pé do meu ouvido, dos elogios
sussurrados, das apalpadas na minha bunda no escritório quando
ninguém está vendo. Saudade de apalpar aquela bunda gostosa.
Saudade de ficar na ponta dos pés e fazê-lo se abaixar para me
alcançar, das suas mãos me agarrando e me pegando no colo
quando sua coluna doía de ficar todo torto.
Estou com saudade de cada momento nosso.
Muita saudade.
Mas saudade passa.
E essa também vai, em algum momento.
Babaquice não.
Babaca uma vez, babaca sempre.
A atitude dele me machucou e isso fez soar todos os alertas
dentro de mim. Leopoldo estava entrando demais, passando dos
limites, chegando em um lugar perigoso. Então é hora de afastá-lo.
Só não pensei que fosse ser tão doloroso.
A campainha toca, me tirando dos meus devaneios. Mel corre
para a porta e pula empolgada, balançando o rabo e girando no
lugar, latindo para que eu abra logo.
Será que Ágata esqueceu a chave? Mas ela disse que só
voltava amanhã. Abro a porta, já revirando os olhos. Certeza que
esqueceu alguma coisa importante, só não esquece a cabeça
porque está pregada no pes…
— Leopoldo?
Tum.
Tum.
Tum.
Fica quieto aí, coração.
— TIA ANA! — Sobressalto com o grito, como não vi os dois
pequenos agarrados nas suas mãos? Porque estava ocupada
demais olhando para o pai deles. — Eu já tô boa, olha!! — Rayka
balança o braço animada, me arrancando um sorriso.
Ignoro Leopoldo e me abaixo na altura deles. Mel me atropela e
se joga nos dois, quase os derrubando no chão e enchendo eles de
lambidas.
— A gente também sentiu saudade, Melzinha — Rayka fala por
ela e pelo irmão. Os dois sorrindo e brincando com ela que não para
quieta.
— Fico muito feliz que já tirou o gesso. Está doendo? — Chamo
atenção da loirinha e ela me olha sem parar de fazer carinho na Mel.
— Não. O doutor disse que já tô pronta para outra.
— Não está não — Leopoldo e eu falamos juntos.
Nossa que voz gostosa, sabe? Tinha que ser tão boa de ouvir
assim?
— É só um modo de falar, tia Ana — Átila explica com um
sorrisinho idêntico ao do pai. — Ai, Mel! — reclama em meio a uma
risada gostosa quando ela pula em cima dele de novo.
— Podemos entrar? — Leopoldo pergunta. Não olho para ele.
— Queremos te fazer um convite e os meninos podem matar um
pouco da saudade da Mel enquanto isso.
Golpe baixo, Leopoldo Marinho.
Golpe muito baixo.
Suspiro e me levanto olhando para o sorriso vitorioso na sua
boca, ele sabe que ganhou. Dou espaço para que entrem e fecho a
porta, parando para respirar alguns segundos. Posso conversar com
ele por alguns minutos sem acabar com minha boca na sua, não
posso?
Os gêmeos sentam no tapete para brincar com a Mel e o pai
deles se acomoda no meu sofá. No mesmo que demos uns bons
amassos. Amassos que não estou sentindo falta de jeito nenhum.
— Também senti sua falta, filhote do capeta. — Mel se arrasta
pela perna dele como se fosse um gato pedindo carinho.
Traidorazinha.
Vou te deixar sem petisco.
Aproveito sua distração com minha cachorra para babar um
pouquinho sem ser pega. Não tenho me permitido olhar muito na
empresa, porque todas as vezes em que tentei, seus olhos já
estavam em mim.
Está lindo e gostoso como sempre. Um pouco de olheiras, mas
não é algo tão incomum desde que aceitou os trabalhos como DJ. Vi
algumas delas enquanto estudávamos opções de apartamento para
ele e os meninos.
Será que ele já escolheu algum? Ele não me contou e eu não
perguntei, mesmo estando morrendo de vontade de saber.
Eu não iria ceder. Não ganhei nem mesmo um pedido de
desculpas. Tudo bem que não facilitei, mas ele poderia ter se
esforçado mais também, não é?
— Já terminou de me secar? — provoca, fixando seus olhos nos
meus. O sorrisinho safado mexendo comigo de uma forma que não
deveria mexer.
— Não estava te secando. Tem uma mancha na sua camiseta.
— Minto na maior cara de pau e ele percebe, porque o sorriso
aumenta.
— Tem, é?
— Tem.
— Vou no espelho dar uma olhada, não vi nada quando saí de
casa. — Ameaça se levantar, mas me sento ao seu lado e para
impedir, apoio minha mão na sua coxa no automático.
— Não precisa. Não é nada muito visível. — Nossa que
saudade de morder essas coxas firmes.
— Se você está dizendo, nervosinha. — Outro sorriso vitorioso.
Idiota.
— Você disse que tinham um convite. O que é? — Mudo de
assunto, tirando minha mão da sua coxa quando sua atenção se
volta para ela.
— Querem falar, meninos?
Ambos assentem e correm para meu colo, me derrubando
deitada no sofá, rindo. Senti saudade deles também.
— Amanhã é nosso aniversário de oito anos — Rayka fala e
mostra o número oito com os dedos. — O papai esqueceu de te
convidar. — Esqueceu mesmo ou ficou com medo de eu dizer não?
Talvez só não me quisesse lá também. — Então a gente veio aqui
hoje para pedir para ir.
— Queremos muito que vá, tia Ana — Átila concorda. — Não vai
ser tão legal sem a senhora lá.
Sorrio, sentindo meu coração aquecido. Porém antes de aceitar,
preciso ter certeza que o Leopoldo está bem com isso. Nós
sabemos bem o que deu quando me aproximei um pouquinho mais
dos gêmeos. Não quero terminar a noite chorando no meu carro de
novo por ter passado de limites que nem sabia que existiam.
— Vocês podem me fazer um favor? — Peço sorrindo e ambos
concordam. — Podem pegar a coleira da Mel para darmos um
passeio?
Explico onde é e espero eles saírem correndo para me virar
para o Leopoldo.
— Quero falar com você antes de dar uma resposta para eles.
Não sei o porquê não me convidou antes, e como a última vez que
estivemos os quatro juntos, não terminou muito bem, preciso ter
certeza. Você quer que eu vá ou só está aqui porque eles não
pararam de insistir?
Seus olhos ficam tristes e ele se aproxima mais de mim,
encostando seu joelho no meu e pegando nas minhas mãos.
Demoro longos segundos para reagir, perdida no seu toque, mas
quando me dou conta, saio dele e me afasto. Ele faz menção de
tentar se aproximar de novo, mas desiste com um suspiro.
— Eu quero que vá. Só não te convidei antes porque você não
está exatamente me dando espaço para falar sobre qualquer outra
coisa que não envolva a empresa.
Não é mentira, mas quem quer dá um jeito.
— Poderia ter me mandado um e-mail — rebato.
— E você poderia ter me escutado por um minuto, mas não
escutou, escutou? — Ele está irritado? É sério isso?
— Pra quê, Leopoldo? Para falar que sou da laia daquela
mulher de novo? Não, obrigada.
Ele parece ter levado um murro no saco, e bem que poderia ser,
mas estou civilizada agora. Tem crianças aqui.
— Escuta, Ana. — Pede calmo, sem sorrir. Cadê o sorriso dele?
— Não vim aqui para brigar, e para ser sincero, até queria
conversar, mas acho que não é um bom momento com os meninos
aqui. — Olha para minha cozinha, conferindo se eles não estão
voltando. — Viemos te convidar para o aniversário. Vai ser uma
festa simples, só para a família. Lá em casa mesmo às 19 horas.
Você pode ir direto do serviço. Sua irmã e Marina vão fazer isso.
Analiso seu rosto entristecido, os ombros nada altivos como
sempre são. Os lábios comprimidos, sem nenhum sorriso. Nada do
Leopoldo que estou acostumada. Respiro fundo.
— Ok. Eu vou na festa.
Um meio sorriso se desenha no seu rosto e é o suficiente para
fazer meus batimentos acelerarem. Coração idiota. Leopoldo me
olha como se quisesse transmitir tudo que não pode me falar, mas
estou fechada demais para tentar entender agora e mesmo se
quisesse, não tenho tempo porque logo os meninos voltam com a
coleira colocada toda errada na Mel.
Gargalho e Leopoldo se junta a mim. Por um segundo, parece
que voltamos no tempo e me dá uma vontade louca de beijar a boca
dele. O segundo passa e eu pego minha cachorra, consertando a
coleira e pegando a guia.
— Vamos dar um passeio?
Átila agarra minha mão, Rayka a do pai e saímos os quatro do
apartamento.
Eu poderia ter inventado uma desculpa qualquer para passear
com a Mel sozinha, e no estado atual de bom moço do Leopoldo,
tenho certeza que ele teria me ajudado a despistar os meninos, mas
não consegui. A empolgação dos gêmeos em passear com ela e
brincar no parquinho de novo me impediu. Como poderia falar não
para duas carinhas fofas como aquelas? Sem chance.
Diferente do que pensei, foi natural, como se nós dois nunca
tivéssemos nos afastado ou brigado. Os gêmeos, como sempre,
dominaram toda a nossa atenção. Rayka tomou a guia da coleira de
mim assim que chegamos no térreo e ela e o irmão andaram mais a
nossa frente, brincando com a Mel.
Depois que se cansaram de andar, viemos para o parquinho e
soltei a guia para os três brincarem. Nós concordamos com um
olhar em observá-los em um silêncio confortável. Não preciso olhar
para o lado para saber que Leopoldo está com um sorriso bobo, ele
sempre tem um desses quando está olhando os filhos. Também não
preciso de um espelho para saber que tenho um igual.
Apesar de estar realmente confortável com o silêncio, também
estou com saudade das nossas conversas. Estou me coçando para
perguntar se já escolheu entre os dois apartamentos que olhamos,
se já deu a entrada, se está de mudança marcada. Estou doida para
perguntar como foi a recuperação da Rayka de verdade e não só os
relatórios médicos que minha irmã conseguiu para mim; quero saber
como estão os pais dele e como lidaram com a ideia dos netos e o
filho não morarem mais com eles. Quero saber se a velha nojenta
voltou a incomodá-lo, mesmo que tenha medo de desencadear
outra reação igual à que nos afastou.
Quero tanto simplesmente conversar com ele.
— Comprei o apartamento. — Prendo um sorriso ao ouvir sua
voz. Ou ele lê pensamentos ou estava com tanta saudade quanto
eu. — Aquele mais perto da BT. Apesar de ser menor, acredito que
vai ser mais fácil morar mais perto da empresa e também tem uma
ótima escola entre o prédio e a BT. Fica mais fácil caso eu precise
pegar os meninos mais cedo ou resolver alguma coisa.
Ele continua olhando para os gêmeos, os ombros tensos como
se estivesse esperando que eu reagisse mal ou o ignorasse como
tenho feito com suas tentativas de conversar sobre qualquer coisa
que não seja relacionado ao trabalho.
— É uma ótima escolha — comento e ele vira o rosto para mim
sorrindo. — A mesma que eu faria.
— Mandei pintar o quarto dos gêmeos. Dividi entre as cores
favoritas deles, finalizaram ontem. Vamos esperar alguns dias para
sair o cheiro de tinta e devemos mudar no final de semana que vem.
— Eles não quiserem quartos separados?
Ele nega e sorrio. Apesar do Leopoldo ter falado que iria
oferecer essa opção, nós já imaginávamos que fossem recusar. Eles
são muito unidos.
— Os dois detestaram a ideia. A Rayka fez um bico maior que
você quando mencionei e o Átila franziu a testa daquele jeito dele e
argumentou sobre todas as vantagens de eles permanecerem
dormindo no mesmo quarto — conta sorrindo. — Você tinha que ter
visto. Foi uma graça. — Queria ter visto, mas você é um idiota. —
Mas foi bom, vou fazer do terceiro quarto um escritório para mim.
Sorrio mais e ele continua me falando como foi contar para
todos sobre o apartamento. Fico tão envolvida que quase esqueço o
motivo pelo qual ficamos tanto tempo sem nos falar.
Quase.

20 de abril.
O dia do aniversário de oito anos dos donos da minha vida. O
tempo voa e eles cada vez dependem menos de mim e eu dependo
mais deles. A cada nova coisa que aprendem sozinhos, fico todo
orgulhoso, mas também um pouquinho desesperado para quando
chegar o dia que não vão me procurar para mais nada. Como é que
pais de adultos sobrevivem? Não quero descobrir tão cedo.
— PAAAAAAAAAAAAAAAAAAAI! ME AJUDA — O grito da
Rayka traz um sorriso para meu rosto. Por enquanto estamos bem.
— Não consigo abotoar minha calça. — Esbraveja, olhando com
raiva para o botão. Não consigo não sorrir. — PAI! — reclama,
cruzando os bracinhos.
— Desculpa. — Ergo os braços em rendição e ela me olha
desconfiada, mas aceita e aponta de novo para o botão que não
consegue abotoar.
A ajudo a terminar de se vestir e faço as duas tranças que ela
escolheu para hoje. Átila aparece já pronto e de mãos dadas com
meu pai segundos depois. Os dois estão com roupas combinando,
uma fofura. Rayka pega a mão do irmão e para na frente do
espelho, admirando o conjunto azul que escolheram.
— Estamos lindos, não é, pai? — Me dá um sorriso banguela. O
mais fofo do mundo. A presa da parte de baixo caiu ontem enquanto
ela comia um pedaço de pão. Rimos muito com o dentinho pregado
na massa.
Pego o celular os dois fazem pose para a foto.
— Estão perfeitos, amor. — Beijo a testa dos dois.
— Prontos? — minha mãe pergunta, encostando no batente ao
lado do marido.
— Prontos — respondem juntos.
— Então vamos que já tem convidados esperando por vocês.
Eles saem empolgados de mãos dadas e passam correndo na
frente dos meus pais.
— O tempo está passando tão rápido — minha mãe lamenta
encostada no peito do meu pai.
— Está — concordo ao me enfiar no meio dos dois e ganho
carinho.
— Menino abusado. — Papai finge reclamar, mas me abraça
mais apertado.
Beijo o rosto deles e saio para o quintal também. Dona
Madalena não mentiu quando disse que já tinha gente esperando.
Quase todos os nossos convidados já chegaram, menos a que mais
quero que chegue.
Passo bons minutos cumprimentando todos e chamando os
gêmeos para fazer o mesmo quando consigo. Nós passamos quase
um ano organizando essa festa para sair do jeitinho que os dois
queriam. Por um tempo, achei que não conseguiria, mas graças a
Deus, deu tudo certo.
A decoração é uma mistura engraçada entre Os Incríveis, Como
Treinar o Seu Dragão, Toy Story e os filmes da Barbie. Alugamos
um pula-pula, carrinho de pipoca, algodão-doce e sorvete. Minha
mãe preparou algumas entradas e está terminando o jantar. Um
picadinho de carne de dar água na boca de qualquer um. Um que a
chaveirinho do capeta comeria com gosto.
Olho para o portão no exato segundo em que ela para nele,
como se algo dentro de mim soubesse quando ela está por perto.
Ela está com duas sacolas grandes — quase do seu tamanho —
nas mãos e olha para os lados parecendo perdida, mas por fim me
encontra e fixa seus olhos nos meus. Meu estômago esfria e me dá
aquela sensação de mil borboletas voando dentro dele.
Ana está linda.
Está com uma calça jeans justa, acho que nunca a vi de jeans.
Confesso que estou curioso para ver como sua bunda está nela.
Aposto que está uma delícia. A blusa é da minha cor favorita, de
manga longa larga e está enfiada no cós da calça de um jeito bem
estiloso. O tênis é vermelho também, o cabelo está preso em um
rabo alto e usa os mil acessórios que adora.
Tenho certeza que estou babando. Ana Brandão tão simples e
na minha cor favorita, é algo de outro mundo.
Sabe o que eu queria? Ir até ela, fechar minha mão na sua nuca
e trazer sua boca para minha.
O que eu faço? Ando até ela, apoio minha mão na sua cintura,
sorrindo quando ela estremece e beijo seu rosto. SEU ROSTO.
Queria a boca, mas tenho que pedir perdão primeiro, não é? E
torcer para ela aceitar.
— Oi. — Ainda não a soltei.
— Oi. — Ela também não se afastou. Isso significa que há
esperança, certo?
— Estou feliz que veio. — Acaricio sua cintura por cima da
blusa.
— Também estou. — Sorri de lado e meu coração dispara.
— A gente pode conversar? — Dou um passo para frente sem
tirar meus olhos dos seus. — Por favor.
Ela respira fundo.
— Tudo bem.
Meu sorriso não tem nem tamanho agora.
— TIA ANAAA! — Somos interrompidos por duas crianças muito
felizes com a presença da baixinha.
Rayka e Átila se agarram nas pernas dela com tanta rapidez
que a desequilibram. Firmo sua cintura e seguro os dois furacões,
impedindo o tombo. Ela agradece e se agacha, abraçando-os e
mostrando o conteúdo das sacolas com a maior paciência e carinho
do mundo.
Espio e sorrio ao ver que ela acertou em cheio nos presentes.
Uma casa da Barbie acompanhada da boneca e uma coleção de Os
Incríveis. Eles sorriem de orelha a orelha, o que a faz sorrir também.
Eu me derreto todo.
É cedo para falar que não me importo de viver essa cena pelo
resto da minha vida?
— Vem brincar com a gente. — Rayka agarra a mão dela
quando se levanta.
— Temos que colocar os presentes na mesa primeiro, Ray —
Átila lembra.
— O papai coloca — rebate e se vira para mim com os olhos
mais pidões do mundo. — Você guarda pra gente, papai? Por favor.
— Guardo, amor.
Ela me manda um beijo e pego no ar, a fazendo dar uma
risadinha antes de sair arrastando Ana para longe de mim. Fui
roubado pela minha própria filha. Espero Átila ir junto, mas ele fica.
— Não vai com elas?
— Vou te ajudar primeiro, papai.
Concordo para não o decepcionar, mas já pensando em uma
forma de fazê-lo pensar que está me ajudando sem ajudar de
verdade. Com certeza as sacolas estão pesadas para ele e se
arrastá-las no chão, pode estragar.
— Pode ir na frente e ajeitar um espaço na mesa para elas? —
Peço e ele concorda, já correndo.
Pego os presentes e ando atrás dele com um sorriso que não
quer sumir de jeito nenhum.
— Pronto. Agora pode ir brincar, filho. É sua festa, tem que se
divertir.
Bagunço seu cabelo de brincadeira e ele me olha com cara feia,
ajeitando os fios e o óculos, e em seguida vai até o pula-pula atrás
da Ray. Observo de longe Ana ajudá-lo a tirar o tênis e entrar no
brinquedo. Ela fica olhando os dois por todo o tempo que pulam e
depois os ajudam a descer e calçar os sapatos de novo, dando as
mãos e seguindo para o próximo lugar que querem ir.
Rayka e Átila não desgrudam dela, que os leva em todos os
brinquedos com um sorriso enorme no rosto. Eles se empanturram
de doce a noite inteira e fico de longe observando feito bobo, com
um sorriso maior que o dela. Se fosse de açúcar, já tinha virado
melado a essa altura. Estou rendido nos três juntos, totalmente
rendido.
Minha mãe anuncia o jantar e Ana me ajuda a colocar os dois
sentados à mesa. Antes que eu possa entrar na fila para servir o
jantar para eles, minha mãe chega equilibrando três pratos.
— Filho, pode ir na cozinha com a Ana pegar mais pratos? Acho
que os que trouxe não vão ser o suficiente. — Olho para o montante
na mesa ao lado das panelas. Duvido muito que falte pratos com
aquela quantidade ali. — Anda logo, Leopoldo. Os convidados vão
comer na mão? — Finge estar irritada, mas nem disfarça o sorriso
de quem está aprontando. — Você pode ajudá-lo, né, querida? —
Pede com doçura para Ana. A fingida até pisca os cílios.
Prendo a risada e olho para Ana que também está se
segurando para não rir. Minha mãe não engana ninguém, nem se
tentar. Porém, dessa vez, vou me lembrar de agradecê-la depois.
Quero um tempo sozinho com a escaladora de meio-fio.
— Posso sim, Madalena.
— Obrigada, meu amor. — Sorri. — Agora, quem está com
fome? — Se vira para os netos e nos dispensa com a mão.
Apoio minha mão nas costas da morena e andamos para dentro
da casa que está convenientemente vazia. Como já imaginava, não
tem prato na cozinha ou nos armários, minha mãe levou todos para
fora. Ana dá risada quando percebe o mesmo que eu.
— Ela nem tenta disfarçar — comento rindo também.
— Pelo menos sei de quem puxou sua cara de pau.
— Minha cara de pau? — Coloco a mão no peito fingindo estar
ofendido.
— Uhum. — Seus olhos estão brilhando em diversão. — Está
no sangue não ter vergonha na cara.
— Não é falta de vergonha na cara, é determinação. Nós
sabemos o que queremos e vamos atrás. — Ela balança a cabeça
ainda sorrindo. — Podemos conversar agora? Se quiser jantar, vou
entender, mas pensei em aproveitar que te deram uma folga para te
roubar um pouquinho.
— Podemos.
— Vem comigo. — Agarro sua mão. — Aqui alguém pode nos
interromper para pegar alguma coisa que minha mãe realmente
tenha esquecido.
Penso em levá-la para meu quarto para termos mais
privacidade, mas não tenho certeza de como ela se sentiria com
isso e não quero arriscar, então vou para a sala.
Estou ansioso demais para sentar, mas aponto para o sofá caso
ela queira. Ela nega e cruza os braços, me olha e espera eu falar.
— Perdão. Fui um babaca com você. — Ana ergue a
sobrancelha, não falar nada. Passo a mão pelo cabelo, todo
nervoso. — Sei que não tem justificativa, fui um idiota e pronto, mas
posso explicar o que me fez agir daquele jeito?
— Explica.
Não descruza os braços e também não dá nenhum sinal de que
vai aceitar minhas desculpas. Só fica quieta esperando.
Custava ter pelo menos uma reação? Mesmo que fosse mínima.
— Não te contei muito sobre a mãe dos meninos, então vou
começar daí. Quer sentar? É uma longa história. — Ela nega e
respiro fundo tentando acalmar um pouco as batidas
descompassadas do meu coração. — Não fiz parte dos primeiros
cinco anos da vida deles. — Nunca vou superar isso. Seu rosto se
contorce em espanto. — Já deve ter feito as contas e descoberto
que fui pai na adolescência — brinco para amenizar o clima pesado,
ou pelo menos tentar. — No ensino médio, estudei em um colégio
particular com 100% de bolsa, fiquei com várias garotas e uma
delas foi a Alice. Para ser sincero, depois que transamos, nunca
mais falei com ela. Ela saiu do colégio pouco tempo depois e mal
notei. Sempre usei camisinha, então nunca me preocupei. Se
tivesse me aproximado mais ou sei lá, dado um pouco mais de
atenção, talvez a história fosse diferente, mas não foi. Entramos na
margem de erro e Alice engravidou, ela tinha tanto medo da mãe
tomar os bebês dela, que acabou fugindo. Não me contou que
estava grávida, não pediu minha ajuda, só fugiu para Santa
Catarina. — Respiro fundo, meu peito comprimido com a vontade de
chorar ou construir uma máquina do tempo para mudar isso e ser
presente com meus filhos desde o segundo do seu nascimento. Ela
espera pacientemente até que eu volte a contar. — Lá, ela
conheceu a Mari e a família dela, eles a adotaram para a família,
bem como os bebês na barriga dela. Alice se estabilizou com a
ajuda da família da Mari e viveu cinco anos bem, até que
desenvolveu câncer de mama. Ela tinha uma rotina muito corrida
entre trabalhar e cuidar dos meninos, então ignorou todos os
sintomas, e quando finalmente foi ao médico, não tinha muita coisa
que eles pudessem fazer. Não demorou muito para que ela
falecesse depois disso. Porém, nos últimos dias de vida, ela contou
à Marina quem era o pai dos gêmeos e onde me encontrar. Pediu
para ela me procurar e me dar uma chance de conviver com os
gêmeos, mas que se visse que eu não os merecia, só pedisse
minha ajuda para adotá-los. Mari veio me procurar pouco tempo
depois que ela morreu. Foi um susto gigante e não acreditei no
início. — Ela revira os olhos com um sorriso de canto. — Antes que
me julgue, lembra que sempre usei camisinha. Quem é que espera
estar na margem de erro? Ninguém.
“Ela nem me ofereceu a opção de ficar com eles de início, só
me contou o que aconteceu com a Alice e falou que precisava que
eu fizesse o teste de paternidade para dar a guarda para ela e para
não correr o risco da Eugênia descobrir sobre eles e tentar tomá-los.
Ela e meus filhos desapareceriam assim que tudo fosse resolvido.
Eu não queria ser pai, estava com 21 anos, querendo viver como
DJ, sem vontade nenhuma de estudar e ainda dependia totalmente
dos meus pais. Mas quando vi aqueles rostinhos, me apaixonei.
Rayka se colocou na frente do irmão para protegê-lo quando foquei
minha atenção neles, e bem ali eu soube que não os deixaria ir
embora.”
Sorrio com a lembrança e ela também. Então continuo a contar
como meus pequenos entraram na minha vida.
— Marina decidiu se mudar para São Paulo para ficar perto dos
meninos e me ajudar com tudo. Depois que ela me testou de todas
as formas possíveis, eles vieram morar comigo, foi complicado nos
primeiros meses. Ambos sentiam muita falta da mãe, eu era um
completo estranho, Rayka não se abria de jeito nenhum… Mas com
paciência, carinho e muito amor, fomos nos tornando uma família. E
a doida da madrinha deles, que me odiava no começo, se tornou
minha melhor amiga.
— A história de vocês é linda. — Sorri abertamente e concordo.
— Como a Eugênia entrou nessa história?
— Segundo ela, quando a Alice fugiu, ela achou que era uma
mera birra e não se preocupou, mas conforme os anos foram
passando e as desculpas que dava aos amigos e à diretoria da
empresa foram ficando escassas, ela decidiu encontrar a filha e
quando soube a respeito dos netos, decidiu que eles teriam uma
vida melhor com ela. Ela apareceu aqui em casa há alguns meses,
falou que eu não era o suficiente para meus filhos. Tentou me
comprar para deixá-los morar com ela e ameaçou usar dinheiro e
influência para tomá-los de mim quando não aceitei. — Sinto a raiva
fervendo meu sangue de novo. — Depois sumiu, mas o medo ficou.
Marina e eu estamos estudando cada possibilidade que ela tem de
conseguir cumprir a ameaça. Sabemos que nesse país o dinheiro
manda muito. — Ela assente. — Quando você nos defendeu no
hospital, Eugênia se sentiu ameaçada. Recuou para você, enquanto
de mim ela só zombava. Eu me senti impotente, um nada, senti que
não era o suficiente para proteger meus filhos dela. E sei que não
tem nada a ver com isso, mas acabei descontando os meus
sentimentos em você. Joguei em cima de você porque não estava
sabendo lidar com eles, entende? Sinto muito mesmo. Você não
merecia a forma como te tratei.
— Entendo. Entendo de verdade. Sim, não justifica, mas
consigo entender melhor o porquê virou um babaca de uma hora
para outra. — Seu tom é tranquilo, porém não me tranquiliza. Estou
esperando o “mas.” — Mas de certa forma, me abriu os olhos. —
Não falei? Merda. — Nós falamos que seria só sexo até enjoarmos
um do outro, mas obviamente algo deu errado. Porque não só não
enjoamos, como fomos para um piquenique em família e entrei em
uma briga que não devia, para proteger vocês. No fundo, eu já sabia
que não era só sexo, não tinha como ser, não com todas as nossas
conversas, nossas risadas. Se fosse só sexo, por que ficaríamos na
cama por horas só curtindo a companhia um do outro depois de
gozar? Mas não tinha me dado conta do quão envolvida estava até
você me machucar. — Ela sorri, mas não é de verdade, assim como
o sorriso que tento esboçar. Ela está terminando comigo? E esse
aperto estranho no peito? — Eu te desculpo, Leopoldo. E quero
pedir desculpa também por não te dar espaço para se explicar
antes. Só estava magoada e achei mais fácil te cortar do que dar
uma chance. Foi imaturo da minha parte.
— Está desculpada. — Interrompo, esperando que deixe o
porém que ainda tem para trás. Não funciona.
— Agora que resolvemos essa parte, quero oficialmente
encerrar nosso relacionamento sexual. Não acho que seja bom
continuar porque já…
— Como é? — Interrompo de novo, dessa vez, sentindo a
irritação se infiltrar em cada poro da minha pele. — Oficialmente
encerrar? É sério? Não sou a porra de um contrato, Ana. — A
aflição me consome e dou um passo para mais perto dela. Ela não
se move, só ergue ainda mais a cabeça para não perder o contato
direto com meus olhos e me encara se estressando. Ela fala merda
e ainda tem a audácia de ficar estressada?
— Não sou vaca para falar comigo nesse tom. — Esbraveja.
— Não está parecendo muito diferente de uma agora. — Seus
olhos faíscam.
Foda-se se acho uma graça seu bico irritado.
Ela. Está. Me. Tratando. Como. A. Porra. De. Um. Contrato.
Caralho.

Babaca.
Babaca.
Babaca.
Está sendo um babaca de novo e não tem dois minutos que se
desculpou.
Um babaca burro ainda por cima. Não o tratei como contrato, só
estava usando minha educação, coisa que aparentemente ele não
conhece.
Ele me chamou de vaca.
VACA.
Respira, Ana.
Réu primário.
Maturidade
Respira.
— Não estou te tratando como um contrato, Leopoldo. Só estou
tentando falar que é melhor pararmos por aqui para não piorar as
coisas. — E eu não me apegar mais e tomar no cu quando enjoar
de mim.
— Não? — Ri sarcástico. Será que a Rayka ficaria muito triste
se eu enfiasse a casa da Barbie na bunda do pai dela? Acho que
sim, infelizmente. — Oficialmente encerrado é o que, Ana Brandão?
Hum?
— EDUCAÇÃO! — Berro, perdendo a paciência. Fico na ponta
dos pés e enfio o dedo no seu peito, ele segura meu punho, me
deixando mais puta ainda. — É um termo desconhecido para você,
porque enfiou a sua no cu!
— Educação seu rabo, mentirosa. Você me tratou como
contrato porque não é mulher o suficiente para assumir que está
com medo de se envolver. — Que vontade de arrancar esse sorriso
arrogante no tapa.
Convencido do caralho.
— Babaca arrogante!
Enfio o outro dedo no seu peito, olhando para cima, possessa
de raiva e ele me encara do mesmo jeito, os olhos cintilando. Ele
bufa e o ar quente me atinge.
Quando foi que ficamos tão perto?
— Uhum. — Zomba, ainda segurando meu pulso e agarra meu
queixo, levantando minha cabeça ainda mais para cima. Acho que
rosnei, mas nós dois ignoramos. — Sou um babaca arrogante, mas
estou mentindo, Ana? — Que vontade de falar que está. —
Responde, vaquinha — provoca com o sorriso de quem está puto. O
Átila é mais compreensivo, tenho certeza que vai me emprestar seu
Senhor Incrível se eu pedir… — Estou mentindo?
— Vaquinha é seu…
Não consigo terminar, porque Leopoldo me agarra. Ele pega
minha nuca e bate sua boca na minha com brutalidade.
Porra, que pegada gostosa.
Não dava para ser ruim não? Puta que pariu, viu.
Sua língua não pede permissão, ela invade minha boca e a
domina. Assim como seu corpo rende o meu.
No fundo da minha mente, tem uma vozinha quase inaudível me
lembrando do motivo pelo qual não deveríamos estar nos beijando
agora, mas quem liga? É bom demais para parar.
Liberto meu punho do seu agarre e me penduro nele, enlaçando
seu pescoço e ficando ainda mais na ponta do tênis. Nos beijamos
com raiva, gana e saudade. Tanta saudade. Leopoldo aperta minha
bunda com força, com certeza deixando seus dedos gravados na
minha pele e arfo na sua boca.
Puxo seu corpo mais para mim com necessidade e me irrito
quando não consigo me pressionar o suficiente. Ele ri na minha
boca e me ajuda a escalá-lo até minhas pernas estarem ao redor do
seu quadril e minha boceta pressionando seu pau.
Nossa que tesão.
— Escaladorazinha. — Implica sem deixar de me beijar e é a
minha vez de rir na sua boca. — Faz isso de novo. — Grunhe,
apertando minha bunda.
— Isso o que? — Abro os olhos e ele também.
— Sorrir assim. — Meu sorriso é automático, o dele também. —
Caralho que saudade que eu estava dessa boca atrevida. — Me
morde até sentirmos gosto de sangue. Também senti falta disso. Da
dor misturada ao prazer. Ele desce os beijos e mordidas para meu
pescoço e jogo a cabeça para trás, totalmente entregue. — Que
saudade de ver sua pele vermelha assim. — Morde meu colo e me
esfrego nele.
Continuo me esfregando e ele me ajuda rebolando, mas não é o
suficiente para nenhum de nós dois. Tem muito tecido entre nós.
Fico irritada de novo.
— Bico mais lindo. — Morde minha boca. — Toda vez que ele
aparece quero morder.
— Sério? — Fico curiosa. Ele concorda. — Mesmo quando quer
me matar? — brinco.
— Mais ainda quando quero te matar.
Sorrio e puxo sua boca para minha de novo. Nem de longe tive
o suficiente dele.
— Quero você dentro de mim. — Ele geme. Fico com mais
tesão ainda. — Agora, Leopoldo.
— Chaveirinho do capeta mandona. — Mordisca meu lábio e
me segura com mais firmeza, andando para algum lugar que não
consigo ver porque estou muito ocupada beijando o pescoço dele e
enfiando minhas mãos por dentro da sua camiseta.
Ele abre e fecha uma porta e me encosta em algo duro. Fico
curiosa e olho ao nosso redor, dando risada ao ver que estamos na
despensa e estou encostada em uma espécie de prateleira.
— Sério?
— Foi o primeiro lugar que consegui pensar. — Dá de ombros.
— Quer ir para o quarto? É o cômodo mais longe daqui.
Nego.
— Aqui está ótimo.
Ele me dá mais um dos seus sorrisos arrogantes antes de voltar
a me beijar com voracidade. Arranco sua camisa e ele faz o mesmo
com a minha, sem parar de me devorar. Tiro meu sutiã e sua
atenção se volta toda para as minhas duas azeitonas, chupando-as
com vontade.
— Gostosa. — Finco minhas unhas nas suas costas e ele
estremece. — Caralho, Ana.
Desabotoo minha calça e me contorço no seu colo, tentando me
livrar dela. Por que decidi vir com algo tão apertado logo hoje?
— Não vai conseguir tirar sem descer, nervosinha — fala dando
risada do meu contorcionismo. Mordo seu ombro, ele grunhe. —
Isso era para ser um castigo? Porque só me deixou com mais tesão.
— Safado.
— Você gosta.
— Gosto.
Ele me desce e se ajoelha na minha frente, arrastando a calça
pelas minhas pernas e apalpando cada pedaço de pele no
processo. Leopoldo olha com fome para minha boceta ainda coberta
pela calcinha preta e lambe os lábios. Esfrego as coxas, sentindo-a
pulsar e ficar ainda mais encharcada.
Enfia dois dedos dentro da minha calcinha e acaricia minha
boceta, me fazendo estremecer.
— Está pingando, linda. — Brinca com minha entrada, minhas
pernas perdem um pouco as forças e ele usa a outra mão para me
apoiar. Tira os dedos de dentro de mim e coloca-os na boca,
sugando e lambendo com vontade. Caralho. — Deliciosa. — Beija
meu ventre e continua beijando e subindo até alcançar a parte de
baixo do meu peito onde fica mais um tempo, me fazendo arfar alto.
— Para de enrolar, Leopoldo. — Esbravejo segurando seu
cabelo e forço sua cabeça para trás para me olhar, perco o rumo por
um momento.
Leopoldo Marinho de joelhos com os olhos nublados de tesão é
uma visão do caralho.
— O que você quer? — Desce a mão para o meio das minhas
pernas e passa os dedos para cima e para baixo por cima do tecido.
— Você sabe o que eu quero — retruco, encostando na
estante.
— Sei, mas quero te ouvir pedir — responde presunçoso.
— Arrogante.
— O que você quer, linda?
— Quero você dentro de mim me fodendo com força. — Ele
aperta minha boceta, fechando os olhos e gemo alto.
— Shhh! Vou te foder do jeito que quer, mas tem que ficar
caladinha, amor.
Amor.
Prendo a respiração.
Ignoro as borboletas no estômago, ele deve ter falado no calor
do momento. Às vezes saem coisas sem querer quando estamos
com tesão. Às vezes sentimos coisas que não são verdades
também. É só isso.
Leopoldo pega minha calcinha com os dentes e a tira com a
ajuda de uma das mãos enquanto a outra estimula meu clitóris. Nem
lembro mais o porquê fiquei tensa.
— Humm! — Fecho as pálpebras quando enfia um dedo dentro
de mim.
— Abre os olhos. — Manda, metendo outro dedo e me
masturbando devagar, mas sem parar de pressionar o polegar no
meu clitóris.
Passa a língua pela minha virilha, me enlouquecendo e sorri
antes de parar tudo e se levantar. Não contenho o xingamento,
arrancando uma risada gostosa dele.
— Quero que essa boceta esmague meu pau quando você
gozar, linda.
Ele levanta sem tirar os olhos de mim e tira a calça e a cueca,
expondo o pau grosso e gostoso. Mordo a boca, salivando de
vontade de colocá-lo na boca.
— Depois — fala, entendendo meu olhar.
Concordo e pulo no seu colo, ele ri e agarra minha bunda. Seu
pau se encaixa certinho na minha entrada e nós dois gememos.
Chupo seu pescoço, arrastando minhas unhas devagar pela sua
nuca, adorando quando seu corpo estremece. Rebolo ajudando seu
pau a entrar e arfo quando ele me penetra devagar.
Tortura do cacete.
— Porra. — Quase chora e sai de dentro de mim de uma vez.
— O que foi?
— Não tenho camisinha aqui. — Juro que parece que ele vai
chorar e não julgo porque também estou quase. — Só no quarto.
Evito perguntar o porquê tem camisinha no quarto. É uma
péssima hora para ser ciumenta.
— Qual a chance de irmos até lá sem ninguém nos ver? — Ele
enfia a cabeça no meio dos meus peitos e choraminga.
— Mínima.
Respiro fundo, tendo uma ideia bem sem noção, mas já fizemos
uma vez, o que custa duas?
— Você ficou com alguém depois que brigamos?
— Não.
Meu ciúme agradece. Prendo um sorriso e ele revira os olhos.
— Eu também não. Fiz exame esse mês e está tudo certo com
o DIU.
Os olhos dele brilham.
— Vamos fazer isso de novo?
— Você quer?
— Estou louco para sentir essa boceta apertada.
— Então mete logo, pivete. — Rebolo de novo tentando fazê-lo
entrar em mim.
— Tem certeza?
— Leopoldo! — Rosno.
Ele gargalha e me beija, penetrando de uma vez.
Leopoldo se divide entre me foder com força e dar estocadas
lentas e profundas sem nunca parar de me beijar.
— Nossa, que saudade! — Suspira na minha boca. — Quero
meter nessa boceta pra sempre, Ana. Nada nunca vai ter tão... —
Sai e entra devagar, olhando seu pau sumir dentro de mim
centímetro por centímetro. — Perfeito. — Geme. — Nada nunca vai
ser tão bom, linda.
— Não, nada vai ser — concordo, fincando minhas unhas nos
seus ombros quando ele rebola e atinge um ponto dentro de mim
que me faz ver estrelas. — Porra, Leopoldo.
Ele sai e entra de novo e de novo, voltando a estocar com força
e me fazendo gritar.
— Não grita, linda. — Beija minha boca, roubando meu gemido.
Quanto mais perto chegamos do orgasmo, mais bruto ele mete,
me enlouquecendo. Rasgo suas costas, ele me prensa entre ele e a
estante e fecha a mão no meu pescoço, devorando minha boca e
usando a outra mão para me empurrar contra ele, aumentando o
atrito delicioso entre nossos corpos.
— Não para. — Choramingo, tão perto de gozar.
— Gostosa. — Rosna na minha boca, fodendo com força,
também perto de chegar lá.
— PAPAAAAAAI!
O grito da Rayka quase me mata de susto e no desespero de
descer do colo do Leopoldo, esbarro em uma das estantes com
força o suficiente para derrubar algo lá de cima. É um fodido papai-
noel que para terminar de foder comigo, começa a cantar.
Puta merda.
Puta merda.
“Jingle bell, jingle bell, jingle bell rock
Jingle bells swing and jingle bells ring
Snowing and blowing up bushels of fun
Now the jingle hop has begun”

O maldito do papai-noel gigante não cala a boca, me deixando a


cada segundo mais desesperada. Rayka continua gritando pelo pai.
E se ela entrar aqui? Puta que pariu.
— Como desliga essa porra? — pergunto para Leopoldo, que
parece atordoado. — Leopoldo! Reage! — Esbravejo estalando os
dedos na sua frente.
— Tem um botão na bunda dele.
— Na bunda dele? — Peço confirmação, me segurando para
não rir. — Quem coloca um botão na bunda do papai-noel?
— Sei lá, Ana. O fabricante. — Prende a risada também. — Isso
que dá agir que nem adolescente com tesão — brinca.
— Idiota. Me ajuda a pegar ele.
Ele pega o brinquedo e vira a bunda dele para mim, encontro o
botão na nádega direita e consigo desligar. Quando ele finalmente
para de cantar, não consigo conter a gargalhada, precisando colocar
a mão na boca para não fazer barulho. Leopoldo até tenta se
controlar, mas explode em uma risada alta junto comigo e esconde o
rosto no meu ombro para abafar o barulho também.
— PAPAAAI!
— Veste roupa antes que ela resolva entrar aqui. — Mando,
entregando sua calça e cueca e procurando minha calcinha. —
Onde enfiou minha calcinha?
Ele olha para todos os lados e coça a cabeça, terminando de se
vestir.
— Não sei. — Encolhe os ombros.
Vou matar esse pivete. Como é que vou sair daqui sem
calcinha?
— TIA ANAAA.
Ai, caralho!
Visto a calça sem calcinha mesmo, ignorando o incômodo por
estar de jeans e coloco o restante da roupa, tentando mais uma vez
encontrar a peça fujona, mas sem sucesso.
Rayka abre a porta no exato segundo em que termino de
arrumar meu cabelo e inclina a cabeça para o lado, curiosa.
— Vocês sumiram — reclama ao entrar na despensa. — O que
estão fazendo aqui dentro?
— Não encontramos os pratos que a vovó queria na cozinha e
viemos procurar aqui. — Leopoldo pensa mais rápido do que eu,
graças a Deus.
— Todo mundo já jantou — conta dando de ombros. — Por que
o papai-noel tá no chão? Escutei ele cantando.
— Eu tropecei e ele caiu, acredita? — fala e ela assente com
uma carinha desconfiada. — Nós dois vamos jantar também agora
para brincar um pouco com vocês.
— Tá bom, mas não demora de novo.
Ambos concordamos e Leopoldo pega o papai-noel para
guardá-lo no lugar, mas antes que consiga, Átila chega junto com os
avós e param do lado da Rayka. Madalena ergue a sobrancelha nos
analisando e sorri de lado, igualzinho ao filho dela.
Isso é tudo culpa dela.
— Ouvimos o papai-noel cantar. Está tudo bem? — Jorge
pergunta, segurando o riso.
Está claro o que estávamos fazendo aqui para os dois adultos.
Por Deus.
Que vergonha.
Quero me enfiar em um buraco e continuar cavando até o
Japão.
— Está sim, pai. Acabei de explicar para Ray que tropecei e ele
acabou caindo — Leopoldo, que desconhece o significado da
palavra vergonha, explica na maior cara de pau.
— Tropeçou… tá certo — Madalena fala e sua atenção se fixa
em um ponto da estante ao meu lado. Sigo seu olhar e minhas
bochechas queimam. Como essa calcinha foi parar ali? — Vamos
deixar vocês terminarem de… guardar o papai-noel. — Engasga
com uma risada e pisca para mim antes de sair arrastando o marido
e os netos com ela.
Eles fecham a porta e pego minha calcinha, escorregando até
sentar no chão. Escondo o rosto entre as mãos, sentindo meu corpo
queimar com o constrangimento.
— Ei. — Ouço Leopoldo se agachar na minha frente. — Olha
pra mim, chaveirinho. — Levanta meu rosto com cuidado. — Você
está uma graça vermelha desse jeito.
— Não tem graça, Leopoldo. Imagina o que seus pais devem
estar pensando agora!
— Provavelmente que o plano deles deu certo — responde e rio
baixinho, batendo nele com a mão que seguro a calcinha. Ele me dá
um sorriso safado e toma a calcinha de mim. — Como é que ela foi
parar lá? Não sabia que calcinhas podiam voar, mas se bem que é a
sua, né, ela pode qualquer coisa.
Olho para ele tentando fingir que estou irritada, mas não
consigo e nós dois irrompemos em uma gargalhada alta.
Gargalhamos com vontade até a barriga doer e os olhos
lacrimejarem.
— Meu Deus. Você é muito idiota — digo quando consigo me
controlar.
— Sou divertido.
— Se você acha. — Implico e ele me pega pela nuca.
— Você acabou de rir até literalmente chorar — fala sério. —
Assume que me acha divertido.
— Eu posso rir assim vendo um vídeo na internet. — Seus olhos
se estreitam e ele me puxa para mais perto.
— Mentirosa. — Prendo um sorriso com os dentes e seus olhos
se focam na minha boca. — Assume, Ana.
— Não — sussurro.
— Anda.
— Não.
— Larga mão de ser teimosa, chaveirinho do capeta.
— Você não iria gostar tanto de mim se eu não fosse — brinco.
Ele não sorri.
— Não, não iria — concorda, me olhando tão intensamente que
fico fraca. — Eu entendo ter medo de se envolver. — Começa,
fazendo meu coração galopar feito doido. — Eu também tenho, mas
o medo se torna nada quando estou perto de você, Ana. A única
coisa que importa é você, sua risada, suas patadas, suas loucuras,
até mesmo sua agressividade. — Pega meu rosto com ambas as
mãos e encosta a testa na minha. O panapaná[4] na minha barriga
enlouquece. — O que é medo perto do seu beijo? O que é medo
perto da conexão que temos? O que é medo perto da forma como
meus filhos te adoram e o modo como se importa e cuida deles?
Porra, eu fico rendido toda vez que vejo vocês três juntos. Ninguém
nunca me fez tão feliz quanto você. Ninguém nunca foi ou vai ser
como você, Ana Brandão. Talvez também tenha algo a ver com
ninguém nunca ter enfiado um salto nas minhas bolas, ou você ser
raivosa igualzinho a um pinscher. Vai saber. — Gargalho e ele sorri
abobado. Tem como diminuir a velocidade aí, coração? Vai matar
nós dois. — Você me arruinou para qualquer outra pessoa. Eu estou
irremediavelmente apaixonado por você, nervosinha.
Ele não espera minha resposta, só me beija, demonstrando tudo
que acabou de me falar e me deixando atordoada.
É claro que também estou perdidamente apaixonada. Como não
estaria? Estou apaixonada pelos três. Não tenho dúvida nenhuma
disso.
Mas estar apaixonado é o suficiente? E se ele se arrepender?
Leopoldo é muito novo, não viveu nada ainda. E tem duas crianças
inocentes no meio disso, se algo der errado, não seremos os únicos
a se machucarem.
Ele percebe que não estou retribuindo o beijo antes mesmo que
eu me dê conta, então se afasta e me pergunta com o olhar o que
tem de errado.
— Eu também estou perdidamente apaixonada por você,
Leopoldo Marinho. — Sorrio com um fundo de tristeza e ele acaricia
meu rosto. — Como não me apaixonaria? Você é incrível. É um
ótimo pai, me trata feito rainha, me faz sorrir, me tira da minha zona
de conforto. E a nossa conexão? Nunca tive isso com ninguém. Me
irrita demais? Irrita, mas que graça teria se eu não quisesse te matar
às vezes? — Ele sorri. — É gostoso...
— Fodo como ninguém. — Me interrompe e reviro os olhos.
— Mas o meu medo não é só por mim. Você é tão novo,
Leopoldo. Tem uma vida inteira para construir. E se o que você está
sentindo for só fogo de palha? E se envolvermos duas crianças
inocentes em uma coisa que pode machucar todo mundo? Eu não
me perdoaria, não nos perdoaria se machucássemos os dois por
egoísmo.
— O que eu estou sentindo? Como tem tanta certeza que seu
sentimento é diferente do meu? — Ele não muda o tom, mas sei que
ficou magoado pela forma que me olha. — Eu sou sim nove anos
mais novo que você, mas não sou um moleque. Não brincaria com
os sentimentos de ninguém, menos ainda envolveria meus filhos
nisso se não tivesse certeza do que estou sentindo. Acabou de falar
que me acha um ótimo pai. Um ótimo pai não faria tudo para
proteger os filhos? Já fui um moleque irresponsável, mas a
paternidade me mudou. Quando Rayka e Átila apareceram na
minha vida, tudo mudou. Eu amadureci por eles, porque tinha que
ser um bom exemplo, dar um bom futuro para eles. Absolutamente
tudo por eles. — Respira fundo sem tirar a atenção de mim. — Se
você não se preocupasse com eles exatamente como mostrou
agora, se não se importasse, poderíamos ter a melhor conexão do
mundo, eu poderia estar completamente apaixonado por você, ainda
assim, nada me faria ficar com você, porque meus filhos são e
sempre vão ser a minha prioridade. — Não tem incerteza no seu
tom de voz. Ele não hesita em nenhum momento e fico orgulhosa
pra cacete. — Se quiser escolher seu medo em vez de dar uma
chance para nós, tudo bem, mas não joga a responsabilidade em
cima de mim como se eu fosse uma criança que não sabe o que
está fazendo.
Um soco teria doído menos.
Bem menos.
— Leopoldo, eu… — Paro, sem saber o que falar.
Nos encaramos em silêncio por um bom tempo até ele suspirar
e me dar um selinho demorado.
— Tira um tempo para pensar no que quer — fala com uma
tranquilidade que me dá inveja, meu corpo inteiro está entrando em
colapso. — Enquanto não tem certeza, acho melhor evitar os
meninos. Vou falar que teve um imprevisto do trabalho e precisou ir
embora, tá bom? — concordo ainda meio perdida. — Quando tiver
a resposta, me fala. Estarei esperando
Beija minha testa e sai, me deixando sozinha com o papai-noel.
Doeu dar as costas.
Doeu pedi-la para ir embora.
Preferia mil vezes que enfiasse aquele salto no meu saco de
novo.
Fiz exatamente o que disse que faria e falei para todo mundo
que ela teve um imprevisto do trabalho e precisou ir embora. Minha
mãe não comprou a história e teve certeza que tinha algo errado
quando fui distrair os meninos e saiu atrás dela. Não a vi indo
embora, mas sei que foi minha mãe quem a levou na porta.
Ágata não pôde vir por causa de uma prova na faculdade, então
Ana está indo embora literalmente sozinha e não está bem, é por
isso e só por isso, que envio uma mensagem pedindo para me
avisar quando chegar. Vou ficar preocupado se não tiver certeza que
chegou em casa sã e salva.
Dona Madalena percebe que não estou mais em clima de festa
e com o jogo de cintura que só ela tem, consegue fazer todos irem
embora poucos minutos depois. Beijo seu rosto em agradecimento e
pego meus pequenos um em cada braço, brincando de aviãozinho
com eles até chegar no banheiro.
— Hora de tomar banho para dormir, ciclonezinhos.
— Mas eu quero brincar mais, papai. — Rayka emburra.
— O pula-pula vai ficar até amanhã na parte da tarde, amor. Se
estiver tudo bem para seus avós, vocês podem faltar à aula e
passar a manhã aqui para aproveitarem mais — prometo. — Mas
tenho que conferir com eles, ok?
— Obrigado, pai. — Átila agradece e me dá um abraço. — Quer
tomar banho primeiro, Ray?
— Quero.
Ele deixa a irmã passar na frente e fico sentado no chão do lado
de fora, encosto a porta, deixando uma brecha para caso ela precise
de ajuda e meu filho senta ao meu lado, arrumando os óculos com a
ponta do indicador. Escutamos o barulho do chuveiro sendo ligado e
ele respira fundo, se virando de frente para mim.
— O que aconteceu de verdade com a tia Ana, papai? —
pergunta baixinho.
— Ela teve um imprevisto no trabalho, filho. Ficou muito
chateada de ir embora, mas precisou ir.
Gosto de mentir para eles? Não, mas não posso falar que ela
não sabe se quer ou não ficar com a gente.
— Ela prometeu que ia ficar até o final. — Sua voz embarga e
me sinto culpado. Poderia tê-la deixado ficar mais um pouco por
eles.
— E ela queria muito, meu amor. — Eu que não deixei porque
precisei proteger nossos corações.
Ele não fala mais nada até Rayka sair do banheiro, dando lugar
para ele.
— Precisa de ajuda para se vestir, Ray?
— Não, obrigada.
Beijo sua testa e ela corre para o quarto. Espero o Átila sair do
banheiro e ofereço ajuda para ele, que também nega. Aproveito que
estão se vestindo para tomar meu próprio banho e tentar deixar a
água lavar a tristeza que estou sentindo.
Me enrolo na toalha e saio do boxe quando meu celular vibra na
pia. É uma mensagem dela.

Cheguei bem. Pode ficar tranquilo.


Fico feliz :)
Leopoldo, vim pensando no carro e com a
mudança para o seu apartamento, decidi te dar
folga até a segunda após sua mudança para
conseguir se organizar direito.
É sério isso? Vai mesmo me usar como desculpa para fugir de
novo?
Tem certeza?
Tenho.
Tudo bem então. Boa semana, Ana.
Boa semana, Leopoldo.
Ana também está apaixonada por mim, mas não confia o
suficiente nos nossos sentimentos para superar o medo, então está
fugindo igual uma criança assustada.
Que raiva!
Fui do céu ao inferno em uma velocidade que me deixou zonzo,
mas também o que estava esperando ao me apaixonar pelo
chaveirinho do capeta?
Era para meu peito estar doendo desse jeito?
Não lembro de me sentir assim desde meu ensino médio, mas
ainda assim, não acho que foi tão doloroso, e olha que adolescentes
podem ser dramáticos quando se trata de paixonites.
Será que os meninos ficaram muito tristes quando Leopoldo
falou que precisei ir embora? Por um momento, pensei em discutir
com ele para manter minha promessa de ficar até o final, mas ele só
estava protegendo os filhos e está mais do que certo em fazê-lo.
Não posso mesmo continuar convivendo tão de perto se não
pretendo fazer parte da vida deles. O ponto é, eu pretendo?
Se fosse tão simples como meramente querer, teria me
agarrado no pescoço dele e continuado me declarando a noite
inteira. Mas não é. E se der errado?
A porta de casa abre, tirando-me dos meus devaneios e minha
irmã entra com um sorriso gigante que morre no segundo em que
me vê encolhida no nosso sofá.
— O que aconteceu? — Joga a bolsa no chão e corre para
perto de mim. — Você está chorando? — Ela senta ao meu lado e
me puxa para seu colo. Vou de bom grado e deito minha cabeça na
almofada que colocou nas pernas.
— Leopoldo se declarou. — Começo depois de um longo tempo
em silêncio recebendo carinho. — Disse que está completamente
apaixonado por mim e quer investir na gente. — Olho para cima e
não me surpreendo ao ver seu sorriso, sorrio também com a
lembrança dele segurando meu rosto com devoção.
— Você não falou que também está? — pergunta quando meu
sorriso morre.
— Como você sabe… — Ela me olha com as sobrancelhas
arqueadas e suspiro. — Falei. — Continuo. — Falei que estou
perdidamente apaixonada por ele e pelos meninos. Estou tão
fascinada por eles.
— Então por que está aqui chorando e não fodendo em todas
as posições possíveis?
Reviro os olhos e ela balança os ombros.
— Porque falei também que tenho medo por nós dois e pelos
meninos. Ele é novo, maninha. E se for fogo de palha? Não duvido
que ele ache que está apaixonado, mas e se for só uma daquelas
coisas que você quer porque não tem, e quando consegue perde a
graça?
— É sério isso? Desde quando a idade influencia em saber
tomar decisões ou não? Vou ser uma médica ruim porque decidi
desde nova o que queria ser?
— Claro que não — rebato e ela arqueia as sobrancelhas para
mim de novo. — É diferente, Ágata.
— É mesmo. Autossabotagem o nome da diferença. — Me olha
com seriedade e respira fundo antes de continuar. — Vai mesmo se
sabotar por medo? Eu vi vocês dois, Ana. Você estava tão leve. Vi
você quando estava com ele, seus olhos estavam com um brilho tão
diferente, tão feliz. O que custa tentar?
— Meu coração — sussurro. — O que vai ser do meu coração
se ele se cansar de mim no segundo em que me tiver? — Minha
alma dói só com a possibilidade.
— O que vai ser do seu coração se não der uma chance para
ele ser feliz?
— Não sei. As duas possibilidades doem — sussurro cheia de
medo.
— Ter medo é completamente normal. É algo novo, é um risco e
pode sim dar muito errado. Mas também pode dar muito certo. Você
é a pessoa mais corajosa que já conheci, Ana. Sempre enfrentou
tudo de frente, correu atrás do que quis. Construiu essa vida para a
gente só com sua coragem e esforço. Não vai ser agora que vai
deixar o medo te impedir de ter o que quer, vai?
— Ele me pediu para tirar um tempo para pensar e decidir o que
quero. Pediu também para eu me manter longe dos meninos
enquanto isso para eles não se apegarem ainda mais e sofrerem
depois.
Ela dá um peteleco na minha testa.
— Esse te parece o tipo de cara que tomaria uma decisão por
um impulso? Leopoldo é um pai foda, Ana. Se ele não estivesse
mesmo apaixonado, você não teria passado nem perto dos
meninos. Cansei de ouvir da Marina sobre a revolta da dona
Madalena por não conhecer nenhuma das mulheres com quem ele
saía. Ele nunca deixou nenhuma delas perto dos filhos ou da família
dele. Você estava no aniversário deles mais cedo. Mas eu não
preciso te falar isso, porque você já sabe. Só está se escondendo
atrás da idade dele porque está com medo. — Não respondo, não
tenho o que falar. — Nunca te vi como uma pessoa que fugia dos
seus monstros, maninha. Quem está parecendo quase dez anos
mais nova aqui é você. Toda indecisa e medrosa — brinca, mas a
verdade por trás me acerta em cheio.
— Vou piorar sua opinião se contar que dei a semana de folga
para ele?
Ela gargalha e me dá outro peteleco.
— É sério?
— Sim. Eles se mudam para o apartamento no fim da semana
que vem. Achei que seria bom ter a semana para se organizarem
melhor.
— E ficar sem vê-lo também.
— Isso.
— Acha que vai simplesmente desapaixonar se não o ver por
dez dias? — Zomba, voltando a fazer carinho no meu cabelo.
— Não mesmo. — Suspiro. — Mas vai que ele sim, não é?
Resolveria nosso problema.
— Meu Deus! Tem certeza que o Leopoldo é o mais novo de
vocês?
Agarro uma almofada e escondo meu rosto nela, gritando
frustrada e fazendo-a rir mais.
— Você não precisa de tempo nenhum para deliberar nada. Se
deixar a teimosia de lado um segundo, vai ver que já tomou sua
decisão antes mesmo de se declarar para ele. — Tira a almofada de
mim, parando de rir. — Só está dificultando as coisas para vocês
dois e perdendo tempo.
— Não sou teimosa. — Ela revira os olhos.
— Aposto que seu namorado discorda dessa afirmação.
Prendo um sorriso, com certeza ele discordaria e provavelmente
zombaria sobre eu ser iludida.
— Ele não é meu namorado. — Infelizmente.
— Porque você é teimosa. — Pisca para mim e se levanta,
deixando minha cabeça cair no sofá. — Vou tomar um banho
enquanto você finge decidir o que quer. Espero que quando eu
voltar, seja para ouvir a respeito dos seus planos de se declarar
para meu cunhado.
Beija minha testa e se enfia no próprio quarto. Pego meu celular
e fico admirando uma das fotos que tiramos no piquenique,
pensando em tudo que conversei com minha irmã.
Nós pedimos a uma moça que estava no parque para tirar uma
foto e ela teve a maravilhosa ideia de começar a tirar quando ainda
estávamos nos ajeitando, o que resultou na imagem incrível que
estou encarando agora.
Estou deitada na toalha de piquenique, com um sorriso tão
grande que emoldura todo o meu rosto, Rayka e Átila estão deitados
em cima de mim gargalhando, e Leopoldo nos olha como se o
mundo inteiro dele se resumisse a nós três. É uma foto bonita,
estamos parecendo uma família feliz. Tão feliz. Não quero perder
isso porque estou com medo de me arriscar.
Sorrio, sentindo meu coração disparar com a decisão que tomou
por nós dois muito antes de eu ser capaz de reconhecer.
Eu os quero pra mim.
— Tem certeza que ele não desconfiou de nada? — pergunto
pela centésima vez nos últimos dez minutos e minha irmã me olha
como se quisesse me matar.
— Me recuso a responder isso de novo. — Cruza os braços. —
A dona Madalena já está chegando com os gêmeos.
— Marina consegue manter ele distraído, não é? Tem certeza?
— ANA BRANDÃO. — Ralha irritada e dou de ombros. Ela
respira fundo se acalmando e assente. — Sim, ela consegue. Eles
estão em um jogo do Corinthians, Leopoldo não vai voltar para casa
tão cedo.
Aquiesço, tentando não andar ansiosamente pelo apartamento.
Não falo com meu cabeludo desde o aniversário dos meninos.
Apesar de eu não ter precisado de duas horas para tomar a decisão
que me pediu, a semana que o dei de folga, independente do
motivo, realmente seria útil para ele se organizar melhor, então
mantive tudo como estava e aproveitei o tempo para planejar uma
surpresa para ele com a ajuda das pessoas mais importantes das
nossas vidas, mas para tudo dar certo, preciso conversar com dois
humaninhos primeiro e saber a opinião que eles têm sobre eu me
tornar namorada do papai deles.
Foi aí que Marina e dona Madalena entraram em cena: Marina
está ocupada o distraindo depois de me entregar a chave do
apartamento dele que roubou mais cedo para que eu possa
organizar a surpresa, e dona Madalena está trazendo os netos da
sua casa de volta para o apê para eu conversar com eles.
Se a conversa ocorrer bem, Leopoldo vai me encontrar o
esperando no seu apartamento quando voltar pra casa. Se não…
Bom, ele provavelmente vai ficar sabendo do que planejei, mas já
estarei no meu apê quando chegar.
Paro de andar quando ouço a porta abrindo e me viro para
Madalena e os gêmeos entrando.
— Tia Ana! — Os dois correm na minha direção e me agacho
bem a tempo de receber os melhores abraços.
— Estava com muita saudade de vocês dois — falo ao beijá-los.
— Nós também — Átila afirma ainda grudado no meu pescoço.
— Ficamos tristes quando teve que ir embora no nosso aniversário.
— Ficamos mesmo, mas o papai explicou que foi culpa do seu
trabalho chato — Rayka conta.
— Rayka! — Átila repreende. — Não pode falar que o trabalho
dela é chato.
— Posso sim, ele fez ela ir embora do nosso aniversário —
rebate emburrada.
— É verdade, o trabalho foi muito chato naquele dia —
concordo antes que continuem brigando. — Mas vou fazer de tudo
para não acontecer de novo, tudo bem?
— Tudo bem — falam juntos e me fazem sorrir.
— O que está fazendo aqui em casa? Achei que o papai
estivesse no jogo do Corinthians — Átila pergunta curioso.
— Ele está. Vim aqui porque quero conversar um pouquinho
com vocês, pode ser?
— Pode, vovó? — Átila pergunta, se soltando do meu pescoço e
olhando para a avó.
— Pode, meu amor. Trouxe vocês aqui por isso — dona
Madalena concorda, sorrindo para nós três. — Vou deixar vocês
conversarem. O que acha de tomarmos um suco, Ágata? — chama
minha irmã, que dá os braços como resposta e as duas saem
cochichando entre risadinhas empolgadas.
— Elas não sabem que quem cochicha o rabo espicha? —
Rayka indaga, me fazendo gargalhar.
— Acho que vamos descobrir quando elas voltarem — brinco.
— Elas vão ter rabos quando voltarem? — Fica abismada e
encantada ao mesmo tempo.
— Claro que não, Ray. A tia Ana só está brincando. Seres
humanos não têm rabo — explica todo fofo.
Posso morder a bochecha deles?
— Você não sabe — retruca e faz bico.
Ele obviamente tem uma resposta para dar, mas resolve ficar
quieto e se vira de volta para mim.
— O que quer conversar, tia Ana?
— Vem cá. Vamos sentar aqui no sofá um pouquinho.
Eles obedecem e sentam lado a lado de frente para mim. Treinei
muito com minha irmã para essa conversa, mas agora parece que
esqueci como falar. Abro a boca, ainda tentando formular, mas sou
interrompida por uma Rayka impaciente.
— A senhora quer namorar com o meu papai, não é?
Engasgo com a saliva e começo a tossir sem parar, tentando
respirar de novo.
— Rayka! — Escuto Átila repreender a irmã com amor. — Você
quase mata a tia Ana. Tem que esperar ela falar primeiro. E se ela
não quiser mais namorar o papai agora? — Ele parece
genuinamente preocupado, mas estou ocupada demais tentando
recuperar o ar e não rir ao mesmo tempo, para conseguir
tranquilizá-lo.
— Eu só perguntei — se defende.
As mãozinhas dos dois começam a dar tapinhas nas minhas
costas tentando me ajudar e depois de algumas tentativas,
finalmente consigo parar de tossir e respirar normalmente.
— Está tudo bem, meninos — garanto sorrindo para eles. — Só
me assustei. Não estava esperando que vocês já soubessem sobre
o que quero falar.
— A gente escutou a vovó conversando com o vovô — confessa
Átila.
— E o que acham? Gostam da ideia de eu ser a namorada do
papai de vocês?
Átila sorri de orelha a orelha, mostrando as covinhas idênticas
ao do pai e assente.
— Gosto. Gosto muito, tia Ana.
Sorrio.
Olho para sua outra metade, que me encara desconfiada, como
se tentasse ler meu cérebro. Espero pacientemente até que
exponha o que a está incomodando.
— Depende. — Começa. — A senhora não vai se tornar igual a
madrasta da Cinderela, né?
Prendo o sorriso com sua preocupação e ela continua me
olhando atenta, esperando sua resposta.
— Não, meu amor. Vou continuar amando vocês do mesmo jeito
que agora.
— Promete de dedinho? — Estende o dedo para mim.
— Prometo de dedinho. — Entrelaço o meu no dela e ganho um
sorrisão de volta.
Eles se jogam em cima de mim e me deixo cair no sofá,
enchendo os dois de beijos e me deliciando com as gargalhadas
gostosas.
— VOCÊ VAI SER A MELHOR NAMORADA DO MUNDO PARA
O PAPAI! — Rayka grita empolgada no exato minuto em que a porta
é aberta e a pessoa que só deveria chegar daqui duas horas passa
por ela.
Nossa, ele está lindo.
Camiseta de time, bermuda jeans e um tênis. O cabelo loiro
preso em um coque baixo despojado e as mãos enfiadas nos bolsos
da bermuda. Nada demais e ainda assim, mais gostoso do que tudo.
Me perco babando em cada centímetro dele e quando volto
para seu rosto, o sorriso arrogante de quem me pegou no flagra
está lá, me deixando molhada no mesmo segundo.
Que saudade!
— O que foi que você disse, Ray? — pergunta para a filha, se
fingindo de sonso, mas o sorrisinho de canto entrega que ouviu tudo
e estragou todo o meu planejamento.
Me divirto mesmo irritada, não seria meu futuro namorado se
não estragasse.
Estou completamente fascinado.
Chegar em casa e ver Rayka e Átila montados no colo da Ana,
gargalhando tanto que estão até ofegantes é tudo que preciso pelo
resto da minha vida.
Ana está me encarando com o bico de irritação que adoro
morder já se formando em seus lábios e as dobrinhas já
estabelecidas no nariz pequeno. Ela estreita os olhos na minha
direção e tem dificuldade em esconder o divertimento em seus
olhos, mesmo que aparentemente eu tenha interrompido uma
surpresa que estava planejando.
Eu ouvi certo, não é?
Ela estava conversando com meus filhos sobre como eles se
sentiam em tê-la como minha namorada. Ela ter se preocupado em
saber a opinião deles antes mesmo de falar comigo, é um dos
milhares motivos que me faz estar de quatro por ela.
Me faz até esquecer que passei os últimos dez dias torturado
sem saber o que ela estava pensando e mais ansioso do que posso
falar para nosso encontro amanhã.
Os passos apressados da minha melhor amiga finalmente me
alcançam e me distraem dos três e dou risada ao ver a promessa de
morte iminente em seus olhos.
— Não acredito que fugiu de mim, Leopoldo! — Esbraveja ao
me empurrar. O que há com as mulheres na minha vida? — Você
estragou tudo. Por que fugiu?
— Porque sabia que tinha alguma coisa errada. Você se
ofereceu por livre e espontânea vontade para ir ao jogo do
Corinthians, Mari. Por acaso esqueceu que preferia estar morta e
enterrada a pisar na torcida do seu rival? — brinco e ela suspira.
— Enterrada é exagero. Só não faria por qualquer coisa. Gastei
uma pequena fortuna naqueles ingressos, idiota. — Quase chora e
passos meus braços pelo seu pescoço, bagunçando o cabelo dela.
— Exatamente. Então tinha que estar planejando algo e sou
curioso demais para esperar o jogo acabar.
— Sinto muito, Ana. Juro que tentei segurar esse bobão lá, mas
quando vi, ele já tinha entrado em um Uber, sumido na minha frente
e me deixado sozinha no Morumbi — conta olhando para a morena
mais gostosa do planeta.
Ana dá risada e fico encarando abobado seu sorriso. O melhor
som do mundo, sem sombra de dúvidas, logo atrás da risada dos
meus filhos, que acham o máximo estarem em cima dela enquanto
sua barriga pula com a gargalhada.
— Está tudo bem, Mari. Seu melhor amigo é bom em estragar
meus planos, fui boba de achar que seria diferente com esse. —
Finge estar irritada, mas o bico sumiu e deu lugar a um sorrisinho de
canto.
— Falando em planos… O que é que você estava dizendo,
Ray? — lembro minha filha e ela se empolga de novo, pula do colo
da Ana, já correndo para a porta.
Átila vem tropeçando logo atrás, meio desesperado para calar a
irmã. Ele tampa a boca dela e a puxa para trás, tentando falar
baixinho:
— Shhhh! A tia Ana que tem que falar, Ray. Vai estragar a
surpresa assim.
Prendo um sorriso, intercalando meu olhar entre os dois e Ana
se levantando e caminhando até nós. Ray retruca alguma coisa
ininteligível por causa da mão do irmão na sua boca e seus olhinhos
ficam cheios de água. Estou prestes a me meter entre os dois,
quando Ana se agacha na altura deles com um sorriso paciente e
coloca a mão em cima da do meu filho com cuidado.
— Pode soltar sua irmã, Átila. Não tem problema ela falar.
— Tem certeza, tia? — pergunta todo sério.
— Sim, amor. Obrigada.
Amor.
Ana chamando meu filho de amor é…
Indescritível.
— Vou deixar vocês quatro — Marina fala, lembrando-me que
ainda está aqui. — Se quiserem que eu os leve para passear daqui
a pouco, é só me ligar — concordo e ela me dá um empurrão para
entrar de vez e fecha a porta ao sair.
Me aproximo mais dos três e me sento no chão, puxando uma
Rayka tristonha para o meu colo. Ana sorri pra mim e faz o mesmo
com Átila.
— O que foi, filha? — pergunto, mesmo sabendo a resposta. É
bom para ela se expressar.
— Eu só estava feliz e queria falar, papai. Não queria estragar a
surpresa da tia Ana. — Seus lábios tremem e ela esconde o rosto
no meu peito.
Olho para Ana que está acariciando as costas do meu filho
enquanto ele encara a irmã com culpa e agonia. Faço carinho na
minha filha com uma mão e com a outra, passo os dedos pelos fios
de cabelo do Átila.
— Está tudo bem — murmuro para tranquilizar os dois.
Deixo Rayka chorar até se acalmar, sem deixar de fazer carinho
em nenhum dos dois.
— Você não estragou nada, meu amor — falo quando seus
ombros param de tremer.
— Você não pode opinar, é meu papai — retruca ainda
escondida no meu peito, arrancando uma risada baixa de mim e da
mulher sentada à minha frente. — O Átila disse que eu ia estragar!
— Choraminga e é a gota d’água para meu filho, que sai do colo da
tia e engatinha até o meu, se aninhando com a irmã.
Ana também se aproxima de nós e volta a passar a mão nas
costas dele, incluindo Rayka no carinho agora.
— Desculpa, Ray. Você não ia estragar nada, eu que fui um
bobão — murmura, se enfiando entre o rostinho dela e meu peito
para conseguir olhá-la direito.
— Não estragou e nem vai estragar nada, pequena — Ana fala.
— Na verdade, vou adorar que me ajude a contar para o seu papai
o que estávamos conversando. O que acha?
Ela se anima, se virando para a morena com um sorriso gigante.
Meu coração volta a ficar feliz com esse sorriso. Ver meus filhos
tristes, seja pelo que for, é angustiante demais.
As mãos de Ana caem nas minhas pernas quando Átila se vira
também. Ela parece não perceber, já eu, sinto um arrepio gostoso
por todo o corpo.
— De verdade, tia Ana? —Rayka pergunta desconfiada.
— De verdade. Quero a ajuda dos dois. Você topa também,
Átila?
Ele confere a irmã mais uma vez e concorda sorrindo também
quando vê que o único resquício de tristeza em Rayka são as
bochechas manchadas pelas lágrimas de antes.
— Então a gente tem que sentar no sofá também! Porque o
papai sempre senta a gente no sofá quando a conversa é séria e a
senhora também fez isso! — Pula do meu colo, agarrando minha
mão e a do irmão, nos puxando. Átila agarra a Ana e caminhamos
os quatro de volta para o sofá. Rayka senta no meio de nós dois e
Átila ao meu lado. — Papai, a tia Ana quer ser sua namorada e
queria saber o que a gente acha disso — fala toda séria.
Meu coração dispara enlouquecidamente e olho para a
nervosinha mais linda do mundo. Ela está com um rabo de cavalo
todo bagunçado por causa da farra que estava fazendo com meus
filhos, um conjunto de blusa e short vermelho e nadinha de
maquiagem. Aposto que tem um kit inteiro na bolsa que pretendia
usar para se arrumar antes que eu voltasse do jogo que abandonei.
Meu olhar pergunta aos seus olhos de mel se é verdade, se Ray
entendeu certo, e seu sorriso preso pelos dentes brancos me
responde que sim.
— E o que vocês responderam para ela? — Volto a olhar para
os dois, ansioso.
— Que ela vai ser a melhor namorada do mundo inteirinho —
Rayka conta e Átila balança a cabeça várias vezes concordando.
— Ah, é? Acham mesmo isso? — Finjo estar sério e tomo um
tapa na coxa da minha futura namorada. — Ela gosta de brigar com
o papai, como pode ser a melhor namorada? — Dramatizo.
— Ah, papai! Você precisa levar uma bronca de vez em quando.
Não faz mal — Rayka fala e gargalho alto.
— São broncas de amor — Átila argumenta todo centrado.
É a vez da minha baixinha rir.
— Com certeza. São cheias de amor — Ana se diverte me
olhando, mas só consigo me concentrar no cheias de amor.
— O que você acha, papai? — Rayka pergunta, trazendo toda
atenção para mim.
— Acho que preciso pensar. — Implico e tomo outro tapa.
— POR QUÊ? — Minha filha se indigna. — Somos um ... dois ...
três contra um. — Conta e me olha. — Vencemos. Então o senhor
tem que namorar a tia Ana.
— Ele não tem, Ray. Só se quiser. — Ana se intromete. — Se
ele não quiser, está tudo bem. Tem muitos caras legais querendo
namorar sua tia.
Eu sei que ela está me provocando. Não preciso olhar para
saber que está segurando uma risada, mas ainda assim me deixa
puto. Caras legais meu cacete.
— Tem? — minha filha traidora e curiosa pergunta. — Pode me
mostrar quais, tia? Assim a gente pode analisar a melhor opção.
— Não vão analisar nada, Rayka. — Corto, agarrando as
pernas gostosas do chaveirinho do capeta e puxando-a para mais
perto de mim, isso faz com que Rayka se encaixe no meio das suas
pernas e as duas gargalhem ao serem arrastadas. — Tia Ana é
minha namorada e só minha.
— Mas o senhor acabou de falar que precisa pensar — Átila
aponta confuso.
— Só estava brincando com vocês. — Pego ele e enfio no meio
do nosso abraço desalinhado. — Sou completamente apaixonado
pela sua tia Ana — falo, fixando meus olhos nos dela.
— O que é apaixonado? — Rayka investiga, erguendo a cabeça
para me olhar.
— É quando você gosta muito de alguém — Átila responde.
— Tipo amor?
— É... tipo amor — concordo sem desviar minha atenção da
Ana, sentindo meu coração querer sair pela boca e ao mesmo
tempo se aquietar como se finalmente tivesse encontrado um lar.
— Verdade? — Rayka se vira para ela, tirando sua atenção de
mim.
— Antigamente, só a minha palavra bastava — resmungo, mas
sorrio quando Ana me fita pelo canto do olho.
Amo que Rayka confie nela a esse ponto.
— É tipo amor o que a senhora sente pelo meu papai?
Se você não parar de tentar sair pela boca, não vamos
sobreviver, coração.
— É... tipo amor. — Rouba as minhas palavras da mesma forma
que fez comigo inteiro.
— Então agora a senhora é parte da nossa família também, não
é? — Átila pergunta. — Igual a Fúria da Luz, o Banguela e os
filhinhos deles?
— Só se vocês quiserem.
— A gente quer — nós três respondemos juntos e me sinto a
pessoa mais sortuda do mundo inteiro quando ela sorri.
— O que acha de tomarem um sorvete com a madrinha eu e
minha namorada conversamos?
Rayka cruza os braços automaticamente emburrada e Átila
ajeita os óculos, tristonho. Ana abraça os dois que se aninham no
seu colo e os três me olham igualzinho ao gato do Shrek.
— Mas a gente quer ficar aqui com vocês.
Tento me manter firme e ligar para minha melhor amiga vir
buscá-los, juro que tento. Preciso falar que fracasso?
— Podemos ver um filme juntos. O que vocês acham, meninos?
— Ana sugere.
— EBA! — Rayka pula animada e Átila sorri.
— Ótimo, mas antes vão brincar um pouquinho no quarto,
porque preciso conversar com sua tia, tá bom? Depois vamos todos
tomar um banho e assistir ao filme que quiserem.
Eles concordam com minha barganha e correm empolgados
para o quarto. Espero alguns minutos para ter certeza de que estão
realmente distraídos e agarro as mãos da Ana, trazendo-a para
perto o suficiente de mim para repousar nossos braços no meu colo.
— Como foi que parou aqui? — brinco. Ela sorri. — Decidiu
hoje?
— Não. Na verdade, não demorei nem duas horas para decidir
que queria vocês para mim — confessa.
— Como é? E me torturou esse tempo todo? — reclamo,
imitando o bico que ela e Rayka fazem o tempo inteiro.
— Não combina com você. — Dá risada e desfaz o beicinho
com o polegar. Mordo a pontinha só para vê-la arfar. Que saudade
de fazê-la arfar de outro jeito também. — Desculpa ter demorado
para contar, mas nós tínhamos coisas para resolver essa semana.
Quis conversar com minha irmã, seus pais, Marina e principalmente
os gêmeos para saber como se sentiam a respeito de nós dois e
você estava concentrado na mudança.
— Hummm. Só estava querendo fugir da bagunça da mudança,
né, safada? — brinco, tomando mais um tapa na coxa. — Sou
masoquista, certeza. Sou louco de amores por uma pinscher bem
agressiva.
— Louco, é? — Fica tão boba que até esquece de falar que
pinscher é meu cu.
Amo essa versão apaixonada dela também.
— Totalmente — concordo sorrindo e beijo o sorriso dela.
— Nada de beijos ainda. — Se afasta, o bico fofo voltando. —
Estou irritada por ter estragado minha surpresa.
— E quando é que você não está irritada, nervosinha? — Puxo-
a para meu colo e mordo sua boca até transformar o bico em um
sorriso.
— Quando não estou perto de você, sou calminha, calminha. —
Enlaça meu pescoço.
— Não duvido e foi exatamente por isso que veio aqui me pedir
para ser seu namorado. Eu trago graça para sua vida.
— Não te pedi nada. — Discorda e ergo a sobrancelha
apontando para o quarto onde os meninos estão. Ela revira os
olhos. — Você não deixou — reclama ao arrastar as unhas pela
minha nuca, arrepiando todos os pelos do meu corpo. — Eu tinha
todo um discurso, sabia? — Involuntariamente me esfrego nela,
sentindo o calor no meio das suas pernas direto no meu pau. —
Você não presta, Leopoldo. Não vamos fazer nada, os meninos
estão bem ali — murmura em meio a um suspiro quando me esfrego
mais um pouquinho.
— Não vamos mesmo. Só não consigo controlar, tem uma
mulher gostosa sentada em cima de mim.
Ela fecha a cara e tenta tirar as unhas do meu pescoço, as
mantenho lá tentando não rir.
— Uma mulher gostosa? Ficaria assim por qualquer uma,
então?
— Claro. Sou homem, né? — provoco e ela vira o Tasmânia no
meu colo tentando se soltar.
— Vai se foder. — Rosna baixo para os meninos não escutarem
e prendo uma risada. — Me solta, Leopoldo. Vai procurar uma
mulher gostosa para foder — ordena e me olha como se fosse me
esquartejar se eu sequer considerar a ideia.
Bobinha.
Acabei de falar que sou louco por ela.
— Estou brincando, ciumenta — falo sem conseguir segurar a
risada.
— Seu cu. — Continua tentando se soltar e continuo não
deixando. — Me solta, cacete.
— Não solto, filhote da Tasmânia. Cadê meu discurso?
Ela dá uma risada de bruxa e finca as unhas com força no meu
pescoço. Meu pau pulsa de desejo.
Eu falo que sou masoquista.
— Enfiei no cu de uma das vagabundas que te deixaria com
tesão.
Beijo seu rosto, ficando longe da boca por enquanto porque não
quero ganhar uma mordida e ficar ainda mais excitado, não com
meus filhos a poucos metros de distância.
— Gente, como pode ter a boca mais suja que esgoto? —
Implico mais. — Calma, amor. — Ela se assusta com o amor e fica
quieta por tempo o suficiente para que eu roube um selinho rápido.
— Estava só te pirraçando. Amo te ver com ciúmes. Não existe
ninguém além de você, amor.
— Você é um idiota — murmura sorrindo.
— Posso até ser, mas sou seu amor. Quero ouvir meu discurso.
— Não vai ser dessa vez. Eu esqueci — confessa enfiando os
dedos no meu cabelo. — Ia reler antes de você voltar.
— Não lembra de nada?
— Só da última frase — conta tristinha.
— Recita pra mim? — peço sem tirar meus olhos dos seus.
— Entre vinhos, dragões, sapatos, nossas crianças e
programações, encontrei você.
Gargalho e uno nossos lábios em um selinho forte e demorado
dessa vez.
— É uma boa frase e define a gente da melhor maneira
possível.
— É, não é? — comenta toda boba, me fazendo sorrir feliz pra
caralho. — Passei um bom tempo pensando nela.
— Desculpa estragar sua surpresa.
Ela sorri.
— Não estragou nada. Não teria sido tão perfeito sem eles. —
Olha para o quarto e é minha vez de sorrir.
— Não, não teria.
Meu sorriso encontra o dela em um beijo cheio de saudade,
tesão, conexão e o mais importante de tudo, amor.
27 de julho de 2023 às 21:43

— Quem foi que me deixou organizar uma festa de formatura


para minha irmã ao mesmo tempo em que estou expandindo a BT
para o RJ? — Ana lamenta ao se jogar em cima de mim na cama.
Abraço sua cintura e ela esconde o rosto no meu pescoço,
suspirando alto.
— Ninguém, na verdade. Luna e eu tentamos te fazer mudar de
ideia algumas vezes — lembro e ela me olha irritada. — Não
custava nada adiar um dos dois. Provavelmente o lançamento da
filial, já que a formatura da sua irmã é mais importante. — Dou de
ombros e ela coloca o indicador na minha boca me silenciando.
— Não te perguntei. — Faz bico e quero sorrir, abro a boca para
responder, mas ela une o polegar ao indicador e a fecha, me
deixando com um bico de pato. — Shhhh! Estava falando sozinha,
não era para você responder.
Sua atenção se volta para o bico que me fez fazer e ela
gargalha, me contagiando.
— Eu deveria ter tirado uma foto. Ficou uma graça. — Zomba.
— Aposto que a equipe de programadores iria emoldurar e colocar
bem na entrada do departamento de vocês.
Agarro sua cintura e nos giro rapidamente, ficando por cima
dela. Prendo suas mãos acima da sua cabeça e a olho como se
fosse uma presa que estou prestes a pegar. Ana me fita com os
olhos brilhando cheios de euforia e um esboço de sorriso. A safada
nem tenta se soltar, só fica esperando.
— Você aposta, é? — desafio, roçando minha boca na sua
Ela raspa os dentes nos meus lábios e me olha com desafio.
— Aposto — responde desaforada e tenho que morder a minha
bochecha para não sorrir. — Aposto que eles iam adorar.
Abusada.
— Sabe o que eles iriam adorar também? — pergunto e ela
nega. Prendo seus punhos com uma mão só e desço a outra
devagar pelo seu rosto, pescoço e colo até encontrar seu seio
direito e brincar com o mamilo durinho. Ela arfa embaixo de mim e
não consigo impedir o sorriso dessa vez. — Saber o quanto a chefe
deles é gostosa quando não está sendo uma megera mal-
humorada. Pena que eles não vão saber nunca, porque só eu posso
te…
— Só quando não estou mal-humorada? — retruca me
interrompendo. — Se me lembro bem, já te peguei duro mais vezes
do que nós dois podemos contar nas reuniões em que acabei com a
raça de vocês. — Empenha-se em soltar as mãos, provavelmente
para me atentar como o capeta que é, mas seguro-as mais firme.
— Já chegamos à conclusão que eu sou desequilibrado, amor.
— Ela sorri, como em todas as vezes em que a chamei assim nos
últimos meses. — Sou masoquista, lembra? Quanto mais
estressada você fica, mais apaixonado eu fico.
— Não posso discordar que tem um parafuso a menos. Quem é
tão feliz o tempo todo? — Implica e levanta a cabeça, me
surrupiando um selinho.
— Quem tem uma pinscher agressiva exclusivamente para si.
— Pinscher seu cu — retruca mais por hábito do que qualquer
outra coisa.
— Correndo o risco de soar extremamente brega. — Começo,
sentindo meu coração disparar daquele jeito que só ela consegue
provocar. Encosto minha testa na dela e nós dois respiramos fundo.
— Como é que eu poderia não ser feliz o tempo todo tendo vocês?
A Rayka, o Átila e você são tudo que preciso, Ana. Vocês são
tudo… — Paro, mas sem desviar os olhos dos dela. As pupilas
dilatadas brincando com o castanho mel, que tanto amo. Sorrio tão
forte que sei que minhas covinhas estão furando minhas bochechas
agora do jeito que Ana adora. Eu a amo. — Vocês são tudo que eu
amo, Ana Brandão. Como eu não seria feliz o tempo todo?
Meu corpo inteiro está repleto de adrenalina. Uma parte de mim
está com medo que ela se assuste e saia correndo como fez
quando me declarei a primeira vez; a outra parte está repleta de
ansiedade pela sua resposta, mesmo que eu saiba que tudo o que
vivemos não foi foda só para mim, e que todas as atitudes dela
demonstram que o sentimento é recíproco.
Ela mais uma vez tenta se soltar e dessa vez permito, ainda
com o medo corroendo um pedacinho de mim. Suas mãos vão de
encontro ao meu rosto e acariciam cada parte dele com um sorriso
que me desmonta inteiro.
— Vocês também são tudo que eu amo, bobo da corte. — Me
dá um selinho. — Tudo que eu quero. — Outro selinho. — E claro,
tem a Ágata e a Mel, não podemos esquecer.
Dou risada.
— Não esquecemos. Amamos elas, Marina e meus pais
também.
— Marina e seus pais também — concorda, ainda sorrindo. —
Caramba, para quem não tinha ninguém além da minha irmã.
Encontrei uma família bem grande para mim, hein? — brinca e é
minha vez de tomar um selinho.
Sou apaixonado nessa dinâmica de beijos e sorrisos enquanto
conversamos. Sou apaixonado até mesmo pelas implicâncias e
tapas totalmente gratuitos que ela me dá.
— E cheia de amor. — Acrescento e ela concorda.
Uno seus punhos de novo, levantando-os acima da sua cabeça,
e todo o ambiente ao nosso redor muda com um simples olhar.
Levanto, usando a diferença maravilhosa das nossas alturas para
me aproveitar de cada pedacinho dela, beijando, mordendo,
sugando e tocando ainda por cima do pijama do seu desenho
favorito.
Ana se contorce e chama pelo meu nome, cheia de suspiros e
gemidos baixinhos. Amo quando ela grita, mas amo também que
consiga gemer baixo o suficiente para não acordar os gêmeos no
quarto do outro lado do corredor.
Solto suas mãos e me livro da minha bermuda e cueca na
velocidade da luz. Ela solta uma risadinha com minha pressa e
coloca a mão na barra do próprio short, corro e dou um tapinha
fraco para que tire.
— Larga de ser intrometida. — Finjo estar bravo. — Quem tira
suas roupas sou eu, nervosinha.
— Sabe que as roupas são minhas, o corpo é meu e você não
manda em mim, não é? — Implica, me fazendo rir. Se ela ficasse
quieta, aí sim estaria preocupado.
— As roupas são suas — concordo, enfiando os dedos dentro
do short e brincando com seu ventre. — Mas o corpo é nosso, linda.
— É meu.
— Nosso. — Arrasto a peça larguinha pelas suas pernas, até
jogá-la em algum lugar do quarto. Amo que ela não usa calcinha
quando está de pijama. — E sobre mandar em você… — Beijo o
peito do seu pé e ela se contorce com cócegas. — Fora daqui, sou
seu para o que quiser, amor. Você manda em tudo. — Trilho os
beijos pela parte interna da sua perna até virilha, salivando ao sentir
seu cheiro. O cheiro da minha mulher. Mordo sua pele e sugo até
ficar vermelha. Ela geme e seu corpo inteiro estremece. — Mas
aqui, enquanto estou te fodendo ou fazendo amor com você, quem
dá as ordens sou eu.
— Uhum, continua iludi… — Passo a língua por toda a sua
boceta, fazendo-a soltar um gemido alto.
— Quietinha. — Mando, brincando com sua boceta. — Não
podemos fazer barulho.
Ela parece pronta a retrucar como sempre, mas se perde nas
próprias palavras quando devoro sua boceta como se fosse minha
comida favorita. Aliás, como se fosse não, ela é a minha comida
favorita. Me delicio em cada parte da minha boceta, me lambuzando
inteiro até senti-la gozar gostoso na minha boca clamando meu
nome.
— Minha vez — fala quando se recupera do orgasmo.
Ela desce da cama e a contorna até estar de frente para mim.
Com a maior cara de safada e um sorriso que deveria ser proibido,
se ajoelha na minha frente sem deixar de me olhar e envolve meu
pau com uma mão enquanto provoca minhas bolas com a outra. Ela
sobe e desce a mão por toda a minha extensão até me fazer morder
a boca com força para não gemer alto e só aí começa a me lamber
como se fosse seu picolé favorito, sem deixar de chupar também
cada uma das minhas bolas, gemendo gostoso.
— Torturadora do caralho — reclamo e sua risada vibra contra
as minhas bolas, me fazendo ficar fraco.
— Quem é que manda agora, amor? — provoca ao lamber o
pré-gozo na minha glande. — Hum? — Aumenta a velocidade da
punheta, intercalando com as lambidas torturantes.
— Eu.
— Tem certeza? — Sorri, abusada como sempre.
— Tenho, Ana. Enfia essa porra na boca logo. — Esfrego meu
pau na sua cara e ela gargalha o suficiente para se perder na
velocidade torturante que estava me masturbando. — Eu te amo,
iludida. — Enlaço meus dedos nos seus fios pretos, olhando cada
traço seu. — Te amo pra caralho. — Grunho quando ela enfia meu
cacete lentamente na boca com um sorriso atrevido.
Ana me chupa com vontade e os olhos enevoados com o tesão
me deixam cada vez mais perto de gozar. Aproveito minha mão no
seu cabelo e meto mais forte, atento a cada reação sua para não a
machucar, mas ela não muda. Só continua me olhando cheia de
desejo. Aposto que se enfiar meus dedos na sua boceta agora, vão
ficar completamente melados.
— Gostosa. — Estoco com brutalidade. — Amo essa boca
atrevida me engolindo, linda. — Entro e saio da sua boca, gemendo
e rosnando seu nome, escutando seus suspiros excitados. — Mas
quero gozar dentro da minha boceta. — Leva muito do meu controle
sair da sua boca, mais ainda quando ela passa a língua por toda a
minha extensão uma última vez.
— A boceta está no meu corpo. — Se coloca de pé e abre as
pernas na minha frente, passando a mão pela sua entrada,
provando seu ponto. — Portanto, ela é minha.
Levanto também, agarro sua bunda a encaixo em mim, voltando
para a cama, cobrindo seu corpo com o meu. Fecho uma mão na
sua nuca e pego a camisinha na gaveta da cabeceira.
— Rasga. — Mando ao colocar a embalagem na sua boca. Ela
obedece e prende os dentes enquanto puxo para o lado. — Linda.
— Mandão.
— Você gosta — Ana aquiesce, me observando encapar meu
pau.
— Amo.
Ama.
Sou o cara mais sortudo do mundo.
— Faz amor comigo, linda? — pergunto, encostando minha
testa na sua.
— O resto das nossas vidas — responde toda boba.
— Nah. Quero foder também — brinco e ela rasga minhas
costas com brutalidade.
— Idiota.
Prendemos a respiração quando a preencho de uma vez.
Tão bom.
Tão perfeito.
Tão minha.
— Se eu como, a boceta é minha — declaro, me sentindo um
homem das cavernas possessivo.
— O pau é meu também — concorda em meio a um suspiro.
— Nunca neguei, linda.
Ela sorri e capturo o sorriso com minha boca. Beijo a dona do
melhor beijo que já provei e da única mulher que já amei e vou amar
pelo resto dos meus dias.
— Eu te amo, ladrão de Uber — sussurra na minha boca.
— Eu te amo, assassina de bolas.
Ela gargalha e geme junto comigo quando meto fundo. Entro e
saio lentamente, a possuindo ainda mais a cada estocada.
Nós fazemos amor sem parar de nos beijar, nos devorar, nos
tomar, nos marcar.
Nossos gemidos se espalham pelo quarto quando alcançamos o
clímax juntos, criando sua própria sinfonia.
A nossa sinfonia.
25 de setembro de 2023 às 06:58
Minha irmã vai embora.
Meu pequeno furacão, a dona de boa parte dos meus dias e
minha melhor amiga, vai para o outro lado do mundo.
Normalmente não seria uma notícia que gostaria de receber no
meu aniversário, mas ao mesmo tempo, não estou cabendo dentro
de mim de tanto orgulho.
Ágata conseguiu uma oportunidade incrível na Alemanha e vai
fazer sua residência por lá. Minha caçulinha está criando asas e
saindo do ninho.
É brega falar isso? É, mas é a verdade.
Eu realmente não poderia estar mais orgulhosa, mas meu peito
também está ficando apertado com a saudade. Isso porque faltam
30 dias para sua mudança. A carta convite chegou hoje, junto com o
prazo para estar dentro da universidade. Um prazo curto demais
para dois corações que nunca estiveram longes um do outro.
— Eu vou sentir sua falta — murmura deitada no meu colo com
nossa vira-lata caramelo esparramada na sua barriga, enquanto
faço carinho nas duas. — Desculpa te contar isso bem no seu
aniversário.
— Você me contou que vai realizar um dos seus sonhos no meu
aniversário. Eu não poderia estar mais feliz — corrijo. — Também
vou sentir sua falta, maninha. Mas vamos nos visitar o tempo inteiro,
você vai ver. — A tranquilizo, mesmo estando com medo também.
Porque essa é minha função como irmã mais velha, ser a rocha em
que ela pode se apoiar para voar. — Quem sabe não abro uma filial
da BT na Alemanha — brinco, apesar de realmente ter isso como
plano.
Quero a BT se tornando uma multinacional. A Alemanha é só
um dos países em que quero entrar.
— Acho uma ótima ideia.
— Também acho. — Sorrimos uma para a outra. Pego a taça na
mesa de centro e bebo um longo gole. — Já falei o quanto estou
orgulhosa?
— Só um milhão de vezes.
— É porque estou muito orgulhosa mesmo. Você é corajosa,
Ágata. É determinada, sabe o que quer e luta por isso. Tenho tanto
orgulho da mulher que se tornou e tenho certeza que nossos pais e
avó também têm.
Os olhos dela lacrimejam e os meus também.
— Só sou essa mulher porque tive um ótimo exemplo. — Sorrio.
— Cresci te vendo lutar com unhas e dentes para nos sustentar,
para nos dar uma vida melhor. Sou quem sou hoje porque você me
ensinou a ser, Ana.
— Te amo, pequeno furacão.
— Te amo, estressada.
Ficamos em um silêncio confortável um bom tempo antes de ela
se sentar de uma vez, quase matando eu e a Mel do coração. Minha
cachorra corre para assumir o lugar da Ágata e se aninha no meu
colo, enquanto minha irmã se ajeita, ficando de frente para mim.
— Tive a melhor das ideias — conta empolgada.
— Tenho medo das suas ideias.
— Dessa você vai gostar. — Garante e mando que continue. —
Por que não vai morar com o Leopoldo e os gêmeos?
Quase engasgo com o vinho.
— Falei que tenho medo das suas ideias? De onde tirou isso?
— Para de agir como se fosse algo absurdo, Ana. — Revira os
olhos. — Você basicamente já mora lá. — Eu não basicamente
moro lá, só passo bastante tempo. É mais fácil do que ele vir para
cá e bagunçar a rotina dos gêmeos. — Você e o Leopoldo não
conseguem ficar mais do que 24 horas longe um do outro.
— Que exagero! Claro que conseguimos.
— Quando foi a última vez que ficaram mais do que isso
separados?
— Foi… — Busco na minha mente, mas não encontro nenhum
dia depois do pedido de namoro. — Foi naquele… — Exceto
quando tive que ir para o Rio para resolver questões da filial, mas
ainda assim ele deu um jeito de me encontrar lá e levamos os
gêmeos depois para ficar conosco.
Minha irmã sorri quando não encontro resposta.
— Você passa mais tempo no apartamento deles do que aqui
em casa e se pudesse apostar, falaria que ainda não se mudou para
lá definitivamente por causa de mim. Sei que nunca me deixaria
sozinha.
— Não deixaria mesmo.
— Estou indo para outro país, não sou mais um empecilho.
— Você não é um empecilho — retruco indignada.
— Não no sentido ruim, maninha. Só estou falando para ir viver
seu sonho também, estarei vivendo o meu.
A ideia de morar com eles não me parece nada ruim, pelo
contrário. Amo nossa rotina. Amo acordar e trocar beijos no nosso
banho matinal antes de nos dividirmos para arrumar os meninos
para a escola.
Amo chegar de mãos dadas na empresa e almoçar juntos
trancados na minha sala. No começo, fiquei insegura, primeiro
porque nunca me envolvi com ninguém com quem trabalhei e
segundo porque fiquei com medo de como tratariam o Leopoldo
depois que nos assumíssemos.
Meu namorado me acalmou e me lembrou que não devemos
satisfação para ninguém e o mais importante, só contratei pessoas
fodas para trabalhar comigo. Prova disso é que fomos muito bem
recebidos e alguns até se arriscaram a falar que já imaginavam que
isso ia acontecer só pelos olhares que trocávamos. Aparentemente
todo mundo imaginava, só nós dois que não.
Não imaginei que pudesse ser tão feliz com coisas tão simples
como sair mais cedo para buscar os gêmeos, mas sou. Quase
sempre levo o resto do trabalho para casa, ou melhor, para o
apartamento deles, porque não quero perder o tempo que tenho
com eles. Amo dormir tão entrelaçada ao meu bobo da corte que é
difícil saber onde eu termino e ele começa.
— Não posso simplesmente invadir o apartamento deles ou me
convidar para morar lá, Ágata. — Suspiro.
— Não vai invadir nada. Você tem uma parte do guarda-roupa
dele só pra você! Só vão oficializar as coisas com uma conversa.
— E se ele não quiser ou achar cedo demais? Não tem nem um
ano que nos conhecemos.
— Nunca foi sobre tempo, sempre foi sobre amor e conexão,
Ana. Duvido muito que ele não queira, Leopoldo te idolatra.
— Ele não me idolatra. — Reviro os olhos com o exagero.
— Claro que não, só falta babar toda vez que te olha e deixa
qualquer outra pessoa presente constrangida com o jeito como
orbita ao seu redor. — Debocha, pegando minhas mãos. — Vocês já
são uma família, Ana. Conversa com ele.
— Ok. Você venceu. — Cedo, sorrindo com a possibilidade, mas
também com um pouco de medo de só eu me animar com ela.
— Além disso, vou ficar bem mais tranquila sabendo que vai ter
alguém cuidando de você.
— Cuidando de mim? Sei me cuidar muito bem sozinha.
— Claro... A pessoa esquece que precisa comer para
sobreviver, mas com certeza sabe.
— Não acontece com tanta frequência assim.
— Vou sair para conversar com a Mari e a Carina sobre a
mudança. Aproveita e chama ele aqui pra conversarem também.
— Tá bom.
— Só não esquece que volto até umas 15h para me arrumar
para o seu aniversário. Não quero te pegar em uma cena
constrangedora. — Faz cara de nojo e dou risada.
— Não tem nada constrangedor em demonstrar amor —
provoco.
— Leopoldo entrou mesmo no seu sistema. Essa piada sem
graça é a cara dele.
Sim, ele entrou.
Ela sai e mando uma mensagem para meu namorado, pedindo
para passar aqui em casa antes de ir para a empresa. Ele avisa que
está deixando os gêmeos na escola e vem. Vou tomar um banho e
me arrumar para trabalhar quando terminarmos de conversar.
No segundo em que termino de passar o batom vermelho que
ele adora, ouço a chave girando na tranca. Sim, ele tem a chave
daqui, assim como tenho a chave do apê deles.
— Tô no quarto — aviso e não demora muito para ele entrar. —
Bom dia, amor. — Cumprimento e ele agarra minha bunda me
puxando para seu colo.
— Bom dia, linda. — Me beija com saudade. Ainda bem que o
batom é matte. — Está tudo bem? — pergunta quando percebe
meus olhos ainda um pouco inchados de chorar com minha irmã.
— Está. — O tranquilizo enquanto ele senta na cama sem me
tirar do seu colo. Meu lugar favorito no mundo inteiro. — Ágata
recebeu uma proposta para terminar os estudos e fazer residência
na Alemanha — conto sorrindo, toda orgulhosa de novo. — Ela vai
embora em 30 dias.
— Estamos felizes por ela, certo? — concordo. — Mas você vai
sentir saudade. — Assinto de novo. Ele faz carinho nas minhas
costas por baixo da blusa. — Entendo, não sei se vou saber lidar
quando os meninos saírem da nossa casa.
Nossa casa.
— Falta muito tempo ainda. Pode deixar para se desesperar
mais pra frente — falo rindo do quanto parece atordoado com a
ideia. Pai coruja é pouco para Leopoldo Marinho.
— O tempo voa.
— Voa mesmo.
Beijo seu rosto inteiro até conseguir um sorriso e ele me aperta
mais contra ele.
— Senti sua falta na nossa cama hoje — reclama feito menino.
Nossa cama.
— Sentiu?
— Muito.
— Também senti.
— Vai dormir com a gente hoje, certo? — Nego e ele fica triste,
mas compreende. — Quer ficar com sua irmã. Entendo. Vamos ficar
30 dias inteiros sem você em casa? — Nego de novo e ele me olha
confuso.
— Estava conversando com a Ágata hoje e pensando. —
Começo, arrastando as unhas pelos seus braços musculosos. — E
ela me lembrou que não saio da sua casa, tenho uma parte no seu
guarda-roupa, no seu banheiro, nossas escovas de dente estão
juntas na sua pia… — Ele sorri, entendendo aonde quero chegar,
mas não faz nada para me ajudar a continuar. Idiota. — A única
razão pela qual sempre volto para aqui era Ágata e ela vai embora.
Então, estávamos pensando em como você se sentiria se eu me
mudasse para morar com vocês.
— Como eu me sentiria? — pergunta sério e concordo ansiosa.
— Me sinto meio enganado e bravo agora.
— O que? Por quê? Estou invadindo seu espaço, não é? — Me
desespero. — Está tudo bem se não quiser, vou entender
completamente. Foi uma ideia idiota e… — Ele me cala com um
beijo.
Um beijo gostoso demais e que me deixa mole.
— Calma, chaveirinho do capeta, me deixa terminar. — Dá
risada, se afastando da minha boca. — Me sinto enganado e bravo
porque para mim, você já está morando com a gente há muito
tempo.
— Idiota! — Pego o travesseiro e aperto na cara dele, com ele
gargalhando. — Você me assustou.
— Só porque você não me deixou falar, matraquinha. — Aperto
o travesseiro fingindo sufocá-lo de novo e ele fica rindo. — Tô
fodido. — Choraminga. — Me apaixonei por uma doida que quer me
matar, ama jogar coisas e ainda por cima lê pornô de fada o tempo
inteiro.
É minha vez de rir e ele aproveita para jogar o travesseiro longe.
— Não leio pornô de fada, são livros de fantasia.
— Em que o cara mete gostoso na protagonista. — Zomba, me
olhando com divertimento.
— Verdade. Mete bem gostoso. Sempre sonho em como seria
ser fodida assim — provoco e seus olhos estreitam.
— Como seria, Ana Brandão? — pergunta indignado. Prendo a
risada. — Como seria?
— Claro.
— Vou precisar te deixar esfolada para assumir que fodo bem,
amor? Porque não tenho problema nenhum se precisar. Vou adorar
te ver com dificuldade de se sentar na frente dos nossos clientes. —
Hummm. Ficar esfolada de ser fodida por Leopoldo Marinho…
— Será que você consegue? Duvido.
— Abusada do caralho — resmunga e dá um tapa na minha
bunda. — Vem. — Levanta comigo no colo e anda até a porta de
entrada. — Vamos para nossa casa para eu te fazer pagar a língua
de novo.
— Ágata demora a voltar, não precisamos sair e temos que
trabalhar — lembro, rindo da sua cara emburrada.
— Não vou arriscar sua irmã nos interromper e o trabalho que
se foda.
— Leopoldo! — Esbravejo ainda rindo.
— O que? Preciso de tempo para te deixar esfolada e fazer com
que se arrependa de imaginar como seria ser fodida por esses
bundões literários.
— Está com ciúmes dos livros?
— Não. — Mente na cara dura.
— Meu coração é grande para todos vocês, amor. — Implico.
— Ana Brandão. — Chama meu nome em um tom de aviso que
me deixa toda molhada.
— Hum? — Banco a sonsa.
Ganho outro tapa na bunda e ele fecha a mão na minha nuca,
me encostando na porta e devorando minha boca com voracidade.
— A roupa que quer usar no restaurante hoje está aqui ou lá em
casa?
— Em casa. — Testo, arrancando um sorriso de nós dois.
— Vamos pra casa então. Amanhã buscamos o resto das suas
coisas e a Mel com as dela também, chaveirinho do capeta.
Abre e tranca a porta sem nem me descer. Ignoramos os
olhares enviesados no elevador, presos na nossa própria bolha de
felicidade. Ele só me solta para me colocar no banco do passageiro
e passar o cinto em mim, mas ainda assim, no segundo em que
entra no lugar do motorista, sua mão encontra minha coxa.
Fazemos todo o caminho com minhas gargalhadas do seu bico
indignado com meus personagens, até ele ceder e me dar um dos
seus sorrisinhos também.
Ele me pega no colo de novo e recebemos mais olhares até
chegarmos na nossa casa. No nosso apartamento. Reparando
agora, cada cantinho desse lugar tem um pouco de nós quatro.
Desde os brinquedos espalhados pela casa, até minhas canecas de
café. Desde meu vinho favorito, até a bandeira do Corinthians no
balcão da cozinha.
O apartamento é feito de uma mistura bagunçada e bonita de
nós quatro.
31 de dezembro de 2023 às 22:05

Dizem que seu primeiro beijo do ano é com quem vai ficar o ano
inteiro.
Não acreditava nisso até conhecer a Ana. Até o nosso beijo.
Há um ano, estava beijando o amor da minha vida e apesar de
fingir que não, lá no fundo eu sabia que aquele beijo ia mudar tudo.
Não tinha como não mudar. Não tinha como não me apaixonar pela
minha chefe rabugenta. Não tinha como Ana Brandão não ser o
amor da minha vida.
— PAPAAAAI! — Rayka grita do meu quarto e corro para lá com
meu filho atrás de mim. — Não tô conseguindo fechar o zíper da tia
Ana — conta frustrada. — Precisamos da sua ajuda.
Nós nos dividimos em dois quartos para nos arrumar para a
festa deste ano. Meninas em um quarto, meninos em outro. Átila e
eu ficamos prontos há mais de 40 minutos, e as moças continuaram
trancadas aqui.
— Deixa eu ver o que aconteceu — peço e ela se afasta, me
dando espaço.
Olho para minha mulher no espelho e encontro seu sorriso. Ana
é toda sorrisos agora.
Sorrisos que se tornaram meu lar.
Não que o capeta escondido no seu corpo tenha sumido, ela
continua arremessando tudo que pode na minha direção, mas seus
sorrisos são mais frequentes agora, mais ainda quando estamos
com a nossa família.
Desemperro o zíper e fecho com cuidado para não machucar.
Só eu posso marcar sua pele.
Ela está linda.
Deslumbrante.
O cabelo preto está solto, batendo abaixo da cintura, os olhos
mel destacados por uma maquiagem leve e a boca que amo beijar
pintada da minha cor favorita, que também é mesma cor do vestido
modelando seu corpo. Ana usa muito mais vermelho agora também.
Seja para me enlouquecer ou para me deixar feliz…
— Está linda, amor.
— Você também está um arraso.
— E eu? — Rayka chama nossa atenção.
Ela pega minha pequena no colo e senta na cama, chamando
Átila para sentar também.
— Vocês dois são as pessoas mais lindas que já vi — fala toda
apaixonada e me deixa ainda mais rendido. — Já falei que amo
vocês hoje?
— Dez vezes — Átila conta sorrindo. — Mas não me importo se
quiser falar de novo. — Balança os ombrinhos.
— Eu também não.
— Eu amo vocês. — Beija o rosto deles.
— A gente também te ama — respondem juntos.
Um latido atrai nossos olhares para a porta e todos damos
risada ao ver a Mel toda pomposa para o Ano-Novo também. Ana e
os meninos escolheram uma saia rodada brilhosa e transparente
para ela e um lacinho na mesma cor.
Ela se enrosca nos meus pés e pula, arranhando minha perna,
pedindo colo. Ana sorri para nós dois. Mel e eu nos tornamos os
melhores amigos que poderíamos ser. Tenho certeza que minha
baixinha às vezes fica até enciumada com nosso relacionamento.
Ela gostava de ser o centro do universo da vira-lata. Bom, azar o
dela, agora ela tem que dividi-la comigo também.
— Eu poderia ficar aqui o resto da noite — falo.
— Sei que sim e eu também, mas temos pessoas importantes
esperando por nós.
Sim, nós temos e é por isso que agarro as mãos das pessoas
mais importantes da minha vida e seguimos para a garagem. Depois
de conferirmos se os meninos estão seguros, dou partida para a
casa dos meus pais.
Para ser sincero, estou um pouco nervoso e Ana percebe isso,
colocando a mão atrás do meu banco e arrastando as unhas com
carinho pela minha nuca.
— Vai dar tudo certo — garante.
— Vai sim.
— A gente vai conhecer a vovó nova hoje? — Rayka pergunta
curiosa.
Olho para os dois pelo retrovisor e apesar de Átila não falar
nada, seus olhos também estão brilhando com a curiosidade.
— Vão sim, amor — Ana responde sem parar de fazer carinho
em mim. — Ainda querem conhecê-la?
— Sim — respondem e respiro fundo.
Espero que realmente dê tudo certo.
Depois de muita conversa e consideração, Ana me convenceu a
ligar para Eugênia e tentar conversar mais uma vez, mas como
pessoas civilizadas dessa vez. Ela foi uma bruxa, mas no fundo,
acho que tudo que queria era ter contato com os netos. Foram
longos meses de negociação em que não só deixei, como pedi para
Ana participar de tudo e usar toda a influência que pudesse para
proteger nossa família.
Foi complicado, intenso e difícil, mas no final, conseguimos
chegar a um acordo e assinamos um contrato para isso. Não confio
completamente na Eugênia, ainda temos um longo caminho pela
frente. Então um contrato legal foi a melhor forma de deixar que ela
pudesse fazer parte da vida deles e garantir a segurança da minha
família.
Eles não lembram muito da mãe, mas o que lembram é o
suficiente para fazê-los sentir saudade de ter uma parte dela nas
suas vidas, é aí que Eugênia entra.
Quando chegamos, vejo o carro da Eugênia já estacionado.
Respiro fundo mais uma vez e descemos os meninos, entrelaçando
nossas mãos de novo. Nós quatro sempre estamos de mãos dadas.
Entramos e encontramos meus pais conversando com Eugênia
enquanto Marina está em um canto com Ágata, olhando
desconfiada para a velha. Não julgo.
— Boa noite! — Cumprimento, chamando a atenção de todos.
Eugênia nos olha e parece um pouco menos bruxa hoje. Seus
olhos descem para as pernas da Ana que escondem meus filhos.
Sorrio com a lembrança de vê-los exatamente assim com Marina
quando me conheceram.
Mel está na frente dos três, olhando desconfiada para a nova
pessoa no nosso meio, e sei que qualquer movimento mais brusco
na direção deles, ela vai atacar Eugênia, então me agacho na altura
deles, pego a cadela no colo e mostro a avó para os gêmeos,
deixando que se sintam confortável e deixem sua zona de
segurança no tempo deles.
Demora quase 15 minutos para saírem das pernas da minha
namorada. Ignoro a estranheza que a palavra namorada me causa,
parece tão errado chamar Ana só disso. Ela é muito mais.
Átila segura na mão dela e a leva junto com ele para perto da
Eugênia e Rayka observa, ainda ressabiada, mas ficando
estrategicamente na frente do irmão, como sempre.
— Você é a Eugênia? — Átila pergunta e a velha assente com
os olhos cheios de lágrimas.
— É a mãe da minha mãe? — Rayka questiona também.
— Sou — ela fala com a voz embargada. — Mas podem me
chamar de vovó se quiser. — Eles não respondem. — Trouxe
presentes. — Pega uma sacola, atraindo o olhar da minha filha. —
Fiquei sabendo pelo seu pai que vocês dois amam assistir filmes e
sentem muita falta da mãe de vocês. Então trouxe algumas
filmagens que tenho de quando ela era pequena. Vocês gostariam
de assistir depois quando chegarem em casa?
Os olhos dos meus filhos brilham mais do que as estrelas estão
cintilando no céu hoje. Eles concordam com sorrisos enormes e
pegam a sacola da mão dela, agradecendo e correndo para mim.
Eles estão felizes. Sorrio, muito feliz também.
— Você escutou, papai? Vamos ver a mamãe quando era do
nosso tamanho! — Átila se empolga.
— Escutei sim, amor. Muito legal, não é?
— Muito mesmo! — Ray concorda. — Tia Ana, você vai assistir
com a gente?
— Cada minuto, meu amor. Aposto que sua mãe era linda igual
vocês dois.
— Também acho. — Minha filha se gaba.
— Vocês cumprimentaram seus outros avós, a madrinha e a tia
Ana? — pergunto e eles negam, surpresos por terem esquecido. —
Então vão lá.
Rayka e Átila saem de mãos dadas tagarelando com todo
mundo na sala e deixando nós três para trás.
— Viu? Falei que ia ficar tudo bem. — Ana encosta o queixo no
meu peito quando enlaço sua cintura. — Acho que já pode soltar a
Mel, ela parece estar mais tranquila também.
Olho para nossa cachorra e realmente está menos desconfiada,
beijo sua cabeça e a desço com cuidado. Ela corre para cheirar
cada um, demorando mais tempo em Eugênia, mas não faz nada
além de latir e em seguida se junta aos meninos, os seguindo aonde
vão.
— Eu te amo. — Encosto nossas testas Ana e agradeço em
silêncio por ser tão foda. — Obrigada por ter tentado me matar com
aquele salto — brinco, fazendo carinho na sua nuca.
— Obrigada por ter roubado meu Uber.
— Não roubei nada, era compartilhado — rebato sorrindo.
— Eu te amo, Leopoldo Marinho.

Dez…
A contagem regressiva para um novo ano começa e nós
contamos em gritos animados.
Nove….
Sorrio para nossa pequena grande família
Oito…
Rayka e Átila correm com Mel logo atrás e cochicham com a
avó Madalena.
Sete…
Minha irmã me olha com um sorriso gigante.
Seis…
Marina pisca para mim. Leopoldo passa as mãos pelo cabelo
comprido.
Cinco…
Começo a ficar ansiosa. O que eles sabem que eu não?
Quatro…
Leopoldo ajeita a roupa pela milionésima vez. Rayka, Átila e Mel
correm e se entrelaçam nas nossas pernas.
Três…
Me agacho na altura deles para abraçá-los no segundo em que
o novo ano começar.
Dois…
Leopoldo se agacha ao nosso lado e coloca nós quatro dentro
dos seus braços
Um…
Leopoldo se ajoelha e coloca os filhos sentados na perna
dobrada e Mel senta no meio das pernas dele. Os três se viram para
me olhar com sorrisos idênticos e covinhas rasgando suas
bochechas.
Ele vai…?
— TIA ANA, VOCÊ QUER CASAR COM NOSSO PAPAI? —
Gritam no mesmo segundo que os foguetes estouram no céu. Mel
late junto com eles, mas em seguida se esconde dos foguetes nas
pernas do Leopoldo.
Casar.
Porra.
Leopoldo está me pedindo em casamento.
Tum.
Tum.
Tum.
Tum.
Já falei que vai nos matar se continuar acelerado desse jeito,
coração.
— Quer ser minha esposa, nervosinha? — Leopoldo pergunta
com aquele sorriso que me derrete, abrindo uma caixinha vermelha
com duas alianças douradas dentro dela. O formato delas me
chama atenção e examino, gargalhando ao ver que são o Banguela
e a Fúria da Luz. — Átila me ajudou a escolher — conta. — Rayka
também, mas ela queria algo bem brilhante como os solitários nos
filmes.
— Claro que ela queria — brinco.
— Não me respondeu, amor — me lembra. — Quer casar
comigo e jogar coisas na minha cara pelo resto das nossas vidas?
Gargalho, me sentindo a mulher mais feliz do mundo.
— Claro que quero, bobo da corte. Acha mesmo que vou perder
a oportunidade de jogar um salto nesse rostinho lindo?
— É um sim, tia Ana? — Átila pergunta.
— É sim, meu amor. Quero mais do que tudo casar com o papai
de vocês e continuar com a nossa família.
Eles gritam empolgados e me abraçam antes de sair para
comemorar com o resto da família que também está gritando, Mel
vai atrás deles, mas nem me importo em tentar olhar para eles.
Estou presa nos olhos castanhos mais lindos do mundo inteiro.
Leopoldo aproveita a distração dos meninos e me arrasta para a
dispensa do papai Noel.
— Se ele cair na minha cabeça de novo, juro que vou jogar ele
no primeiro lixo que eu ver — ameaço e nós dois gargalhamos.
— Me dá essa mão pequenininha aqui.
Obedeço e ele coloca a aliança, beijando cada um dos meus
dedos. Pego sua mão e coloco a dele também, sorrindo abobada.
Estou noiva!
Sorrimos um para o outro e fico na ponta dos pés para beijá-lo,
me irritando quando não o alcanço do jeito que quero. Como
sempre, ele dá risada da minha irritação antes de morder meu bico
e me pegar no colo. Enfio minhas unhas na sua nuca e ele aperta
minha bunda com força, provavelmente deixando a marca dos seus
dedos ali.
— Já te falei que amo quando usa vestido? Fica tão fácil me
enfiar aqui. — Geme, enfiando os dedos na minha calcinha já
encharcada.
— Safado — acuso rindo.
— Só com você, amor.
— Acho bom mesmo se quiser continuar com seu pau.
— Ciumenta. — Chupa meu pescoço e mete dois dedos em
mim de uma vez.
Mordo a boca com força para não gemer alto e ele continua me
fodendo com os dedos, me enlouquecendo e roubando cada gemido
meu com um selinho.
— Eu te amo — me declaro enquanto gozo nos dedos do amor
da minha vida.
— Eu te amo também. — Tira os dedos de dentro de mim e
chupa com vontade.
Leopoldo me encosta em uma estante — que não é a do papai-
noel — e toma minha boca para ele de novo, me rendendo ao seu
beijo, dominando minha língua e me dando mais um beijo da minha
nova coleção.
Os melhores beijos da minha vida.
O meu era uma vez.
O meu início feliz.
— ISSO É TUDO CULPA SUA! — Berra o amor da minha vida,
enquanto finca as unhas com toda a força que tem no meu braço,
me arrancando um gemido de dor. Nem eu sei de onde tira tanta
força sendo pequena desse jeito. — TEM UMA MELANCIA
TENTANDO PASSAR PELA MINHA BOCETA, LEOPOLDO! UMA
MELANCIA QUE VOCÊ COLOCOU AQUI DENTRO. — Os médicos
e enfermeiras na sala riem baixinho, mas eu como tenho medo de
morrer, tento me controlar, mordendo as bochechas. — Como uma
melancia vai passar por um buraco tão pequeno, amor? — Chora,
um pouco mais calma quando a contração passa.
— Do mesmo jeito que entrou — brinco, beijando seus lábios e
ela morde minha boca quando a próxima contração vem com força.
Péssima hora para brincadeira? Péssima, mas quem sabe
assim ela se distrai um pouco…
— SEU PAU É UM PALITO DE DENTE PERTO DISSO AQUI —
Rosna me fitando com olhos assassinos. — EU VOU MATAR VOCÊ
ASSIM QUE CONSEGUIR SAIR DAQUI, SEU OVO MOLE DO
CARALHO. MELHOR, VOU ENFIAR UMA MELANCIA NO SEU CU
E VER SE GOSTA!
Dessa vez não consigo me conter e rio junto com a equipe
médica.
— Tudo bem, amor. Prometo que pode fazer o que quiser assim
que colocar nossa filha no mundo. — Beijo sua testa e faço carinho
no seu rosto. Ela respira fundo, com os olhos marejados.
— Estou colocando nossa filha no mundo — murmura
emocionada.
Ana estava grávida no Ano-Novo e nós dois não sabíamos. Foi
uma surpresa quando ela começou a vomitar e ficar ainda mais
irritadiça trinta dias depois que a pedi em casamento.
Estávamos confiando no DIU, o que foi burrice, já que os
gêmeos vieram mesmo com a camisinha. Não deveríamos ter nos
surpreendido tanto assim quando o teste deu positivo, não é? Mas
nos surpreendemos e minha escaladora de meio-fio passou longos
dias digerindo a informação. Não queríamos mais filhos, Rayka e
Átila eram o suficiente para nós dois, ou pelo menos era o que
pensávamos até escutarmos as batidas do coração da nossa
miniatura da Tasmânia pela primeira vez.
— Só mais um pouco de força, Ana. — Incentiva o médico.
Ela obedece, me ameaçando de morte mais algumas vezes e
rasgando cada pedaço da minha pele que encontra com suas
unhas, mas cada segundo vale a pena quando um choro forte
preenche a sala.
— Vai ver se está tudo bem com ela. — Me empurra e obedeço
sem pestanejar.
Ando com pressa até o médico e sorrio ao ver a outra dona do
meu coração. Ana e eu decidimos por um parto mais humanizado,
então não cortamos o cordão umbilical quando a levo para a mãe
pela primeira vez.
— Ela é perfeita — sussurra encantada, as lágrimas de
felicidade escorrendo pelo seu rosto.
Não preciso me olhar no espelho para saber que estou
chorando também.
— Exatamente igual a você — concordo.
Alice Marinho Brandão não parece nenhum pouco com um
joelho. Pelo contrário, é a cópia da mãe, com os cabelos cheios
pretos e os olhos amarelados.
Ela abre um sorriso banguela para mim, fazendo meu mundo
inteiro girar.
— Ela sorriu pra mim — conto embasbacado.
— Ela sabe que o pai dela é o bobo da corte — brinca sem tirar
os olhos do fruto do nosso amor.
Beijo a testa da minha mulher e coloco o dedo na mãozinha da
minha filha, sentindo que estou com metade do meu mundo aqui
dentro desse abraço.

Dois anos depois


— BATATA! — Alice grita, me olhando irritada com o mesmo
bico que a mãe e a irmã mais velha fazem quando querem me
matar ou jogar coisas em mim.
— Não é batata, é pão, meu amor — explico pela milionésima
vez para minha caçula, mostrando o pão francês para ela.
Ela aceita? Claro que não, é filha do capeta, esqueceu? Minha
filha me olha com todo deboche do mundo e repete:
— Ba-ta-ta. — Quase esfrega o pão na minha cara e nossa
cachorra late, atestando sua opinião.
Mel é a maior defensora que Alice poderia encontrar. Quando
Ana engravidou, ela não a largava sozinha por nada, se achou dona
da barriga que protegia minha filha e rosnava para qualquer um fora
da nossa família, que tentasse chegar perto delas. Depois que Alice
nasceu, Mel arrastou a própria cama para debaixo do berço e tomou
posse. Mesmo velhinha, ela defende nossa caçula com unhas e
dentes, e ai de quem ousar discordar. É pedir para ficar surdo com
esses latidos inconvenientes e esse olhar petulante.
Rayka e Átila caem na gargalhada e me junto a eles. Minha
primogênita está com o celular que ganhou da avó Eugênia,
gravando minha humilhação enquanto tento fazer Alice entender
que pão é pão e batata é batata. Uma tentativa inútil, se me permite
dizer. Se Alice enfiar na cabeça que o céu é vermelho, não tem
quem consiga provar que é azul.
Como pode ser tão parecida com a mãe?
— Alice continua te derrotando? — Ana se junta a nós na mesa,
sentando no meu colo com um sorriso divertido.
— Quase esfregou o pão na cara do papai gritando que é batata
— Átila conta ajeitando os óculos e sorrindo de lado.
Ana gargalha e chama a atenção da sua miniatura que ergue os
bracinhos.
— Mamãe? — Chama com as mãozinhas, toda meiga, nem
parece que estava tentando amassar um pão na minha cara
agorinha.
Ana sai do meu colo e pega nossa pequena, que enfia as mãos
no cabelo dela automaticamente. Alice é fissurada no cabelo da
mãe desde o dia que nasceu.
— Quero tirar uma foto para mandar para a vovó e o vovô. —
Ray pede, nos chamando para o sofá. — Eles disseram que estão
morrendo de saudades da gente.
— É mentira, Ray. Estão aproveitando o cruzeiro e nem
lembram da gente — provoco e ela revira os olhos, me puxando.
Meus pais decidiram fazer um cruzeiro depois que contrataram o
Felipe para cuidar da lanchonete. Eles confiam o suficiente nele
para deixa-lo por conta e também para contratar alguém que o ajude
no tempo que estarão fora.
O cruzeiro é quase como um mochilão e eles vão ficar por mais
de seis meses longe de nós. O que é um tempão, já que passam
pelo menos um dia inteiro por semana aqui em casa babando nos
netos.
Rayka nos organiza do jeito que quer no sofá, deixando o
espaço para ela e sai para ajustar o temporizador do telefone.
— DEZ SEGUNDOS! FIQUEM QUIETOS — reclama quando
Átila e Alice começam a brincar.
Ana está sentada no meu colo e traz nossa caçula para o dela.
Mel está no colo do meu filho, pomposa como sempre e agarro os
ombros dele, bagunçando seu cabelo e o mandando ficar quieto
antes que Rayka nos mate. Ela corre na nossa direção se jogando
do lado do irmão e sorrindo para o celular.
Alice decide que é um ótimo momento para puxar meu cabelo e
Ray briga com ela, sendo repreendida por Átila e os latidos da Mel.
Ana e eu gargalhamos da bagunça que os quatro se tornam e é
nesse exato segundo que ouvimos a câmera disparar.
Sempre vou começar agradecendo a Deus, porque sem Ele,
nem aqui eu estaria. Então, obrigada, Deus, por sempre estar aqui
comigo e ser minha âncora em meio ao caos. Obrigada por todo
cuidado, paciência, correções e amor.
Elizeu, meu músico barulhento, obrigada por tudo, por toda
paciência, por brigar comigo para dormir, por trazer comida para
mim quando eu esquecia de comer. Obrigada por ser você, obrigada
por sempre apoiar minhas loucuras. Te amooo!
Vó, obrigada por ter cuidado de mim e me dado meu primeiro
livro, meu primeiro caderno e ter sido a primeira a me incentivar.
Obrigada por ser uma mulher tão incrível. Tenho orgulho de ser sua
neta. Eu te amo!
Minha família e amigos, obrigada por todo apoio. Esse livro
exigiu muito de mim, fiquei meses sem dar atenção para vocês,
quem me viu nesse período é quem veio aqui em casa e ainda
assim, eu só ficava no computador o tempo inteiro kkkk. Então,
muito obrigada pela paciência.
Marcielle, minha marida, sequer tenho palavras para expressar
o quanto sou grata por ter você na minha vida. Obrigada por tudo!
Esse livro literalmente não teria saído sem você. Obrigada pelas
ligações diárias e todas as brigas kkkk obrigada por ter me “forçado”
a começar eles e por todas as vezes que me cobrou. Enfim, se eu
for agradecer por tudo minunciosamente, vou escrever outro livro,
então só obrigada por ser você! Amo você.
Pâmela, neném da minha vida, obrigada por ter estado comigo
em cada passo da história deles. Obrigada pelos surtos, pelas
broncas, por ter se apaixonado por eles até mesmo antes do que
eu. Só nós sabemos quantos áudios eu te mandei achando que não
conseguiria e quantos incentivos mesclados com broncas você me
deu de volta kkkk. Obrigada por todo o apoio e compreensão que
sempre tem comigo. Eu te amo!
Emilly, minha pitica, você sabe o quanto é importante para mim
e como estar com você, mesmo que virtualmente, me faz bem.
Obrigada por ter me mostrado que minha escrita não estava uma
bosta e era só eu implicando comigo, como sempre. Obrigada por
me incentivar sempre e ser um porto seguro para mim. Amo você!
Débora, cabrita kkkk, você pegou na minha mão e falou “Bora,
bora, bora”. Eu não estaria aqui sem seu apoio também, sem você
me mandar escrever, sem seus conselhos, sem você ter
transformado meu prólogo em sinopse kkkk. Sou muito, muito grata
a Deus por ter você na minha vida e espero que nossa amizade só
se fortaleça com o tempo. Obrigada por tudo! Você arrasa em tudo!
Perfeitaaaa! Amo você!
Nay, obrigada por sempre me ouvir, me dar broncas e pelos
áudios de cinco minutos ameaçando me matar. Obrigada por me
ajudar a não surtar e a leitura crítica para me mostrar o que estava
errado e me ajudar a consertar também. Obrigada por sempre me
apoiar e ajudar em cada mísera coisinha que eu precise. Você é
foda! Amo você!
Poly, princesa que Sublime Recomeço me trouxe. Obrigada por
ser tão incrível! Você é um presente de Deus na minha vida!
Obrigada por todo o apoio que me dá! Saiba que vou estar sempre
aqui. Amo você demaaais!
Lari, obrigada por todo o apoio, por me mandar dormir, comer e
lembrar que também sou um ser humano, não só uma autora.
Obrigada por comemorar cada mínima conquista comigo e me
lembrar o porquê ainda vale a pena continuar. Amo você!
Melissa, obrigada por ter criado o grupo para me tirar da
ressaca e do bloqueio criativo, obrigada por não sossegar enquanto
eu não voltasse a escrever e por acreditar no potencial desse livro
mesmo antes de ter lido. Você é incrível!
Amanda, meu achadinho que roubei da Pâmela, obrigada por
ter aceitado entrar na loucura que foi betar eles, obrigada por cada
áudio, figurinha, surtos e críticas. Você não tem ideia do quanto foi
importante ter te encontrado nesse processo! Obrigada!
Nathalia, obrigada pelos surtos, por me ouvir, pelas conversas
no grupo, pelas risadas e por todo o apoio. Só desejo o melhor para
você sempre e bora conquistar o mundo!
Ruth, minha psicóloga, não teria livro sem você. Eu não
publicaria sem terapia, sem todas as nossas sessões, sem os
choros. Obrigada por ser a melhor psicóloga do mundo e ser tão
incrível comigo.
Obrigada a todos que me acompanharam até aqui, se não citei
seu nome, não fica chateada comigo, sabem que sou esquecida e
estou meio lelé das ideias esses dias. Apenas, obrigada!
E por último, obrigada a você, leitor, por ter dado uma
oportunidade para os meus bebês. Espero que tenha se apaixonado
por eles assim como me apaixonei. Se quiser surtar comigo, adoro
surtos, só me chamar no direct que a gente conversa.
Um beijo!
Luana Siqueira
Não se esqueça de avaliar!
Sua avaliação é muito importante para mim e para os leitores
que ainda estão pensando se vou ler ou não!
Muito obrigada!
Quer entrar em contato comigo?
É só me chamar no instagram @autoraluanasiqueira, vou amar
falar com você!
[1]
É uma expressão popular ligada à suposta capacidade atribuída a esse povo de
arquitetar um suplício cruel refinado por uma prolongada duração.
[2]
Briefing é um documento que servirá como um guia para a execução de um projeto.
Ele contém uma série de informações como: dados sobre a empresa, o mercado em que
ela atua, o público-alvo ao qual ela se direciona e os seus objetivos como o projeto.
[3]
Sexo a três.
[4]
Bando de borboletas.

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